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Copyright© 2022 JUSSARA MANOEL

EROS – CLUBE DOS CRETINOS – LIVRO 2


Revisão: Sophia Castro
Capa: Sil Zafia
Diagramação: Sil Zafia
____
 
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor
(Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor,
qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.
SUMÁRIO
Sinopse
Aviso
Playlist
Prólogo
FASE UM
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
FASE DOIS
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
FASE TRÊS
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Agradecimento
Uma espiada em: Dimitri – Livro 3
Rede Sociais
Eros Giordano é o herdeiro Milionário do império construído pela
sua família. Ele é um dos membros do Clube dos Cretinos o mais sério, frio
e autoritário.
Todos esses adjetivos escondem o quanto ele é mulherengo,
conquistador e MUITO GOSTOSO. 
Raquel Mendes é uma estudante de Moda, dedicada, sonhadora e
que não tem medo de falar o que pensa, principalmente para Eros. Quando
seus caminhos se cruzam, em uma festa na sede do Clube, se tornam logo
inimigos declarados.
Ele é turrão e fechado, ela tagarela e extravagante. As farpas entre
eles são inevitáveis.
Duas personalidades fortes, que não dão o braço a torcer.
Mas o que fazer quando o ódio e as brigas escondem uma ardente e
incontrolável paixão?
Um momento de fraqueza pode mudar tudo, mas seriam eles
capazes de deixarem o orgulho de lado e se entregarem ao desejo?
Um Enemies To Lovers de tirar o fôlego.
Eros é o segundo livro da série de livros independentes: Clube dos
Cretinos.
A UFBG, universidade onde o livro se passa, é fictícia.
O livro contém gatilhos como: violência, violência doméstica,
consumo de álcool e drogas.
 
Clica aqui para ouvir a Playlist do livro.
 
Eros
São Paulo – Capital
Vê-la de novo, depois de quase dez anos, faz meu interior ficar
agitado. Nunca imaginei que pudesse passar um filme na minha cabeça com
todos os momentos que vivemos até tudo escapar por entre os meus dedos
de forma tão rápida.
Ela está ainda mais bonita que da última vez que a vi pessoalmente
naquela fatídica noite, a cartada final para as nossas vidas.
Seus cabelos loiros escuros estão mais curtos e ela já não usa o
mesmo batom vermelho, o tom vinho de agora a deixa com a expressão
mais dura.
Ela olha para mim de queixo erguido e postura reta.
Vejo outra mulher, completamente diferente da que conheci um dia.
Essa é capaz de me fazer gelar pela forma que me olha sem demonstrar
nenhuma emoção.
Desço meus olhos para suas mãos, procurando algum indicativo de
que está afetada com o nosso reencontro, mas não vejo nada, ela exala um
controle absurdo.
Mas não é isso que faz uma pressão acertar minha cabeça e me
deixar zonzo, é a aliança em seu anelar da mão direita, de brilho tão forte
que poderia me cegar.
Tudo isso me lembra de anos atrás, um pesadelo que me esforço
para esquecer a existência.
Atrás dela, um homem se aproxima sorrindo enquanto mantém os
olhos nela. Ao se virar para ele, ela abre o mesmo sorriso que costumava
aparecer somente para mim. Essa cena faz a raiva crescer em minhas veias.
Eu não me identifico com você, não
Porque eu nunca me trataria tão mal
(Happier Than Ever - Billie Eilish)
Raquel
Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul
Sábado, 5 de agosto de 2017
Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de entrar na casa dos
bad boys mais cobiçados de Bento Gonçalves, mas posso dizer que é
sempre emocionante ser convidada. Ainda mais por serem conhecidos
como o clube dos cretinos. 
Todas as mulheres da universidade sabem o quanto eles podem ser
perigosamente gostosos e, ao mesmo tempo, serem os responsáveis por
corações quebrados. 
Como todo cretino, eles não se apegam, pegam sem pensar no que
poderão causar depois. Já vi o quanto eles podem deixar uma confusão por
onde passam, ou melhor dizendo, em quem pegam. 
Há alguns meses, minha melhor amiga começou a se enrolar com
um deles e, a partir daí, passei a frequentar a casa.
Talvez Artho seja o exemplo de que todo cretino um dia se aposenta
e se prende a uma só mulher.  Hoje, inclusive, é aniversário dele e a casa,
como todo dia de festa, está cheia.
De mãos dadas com minha amiga, dou passos largos em direção à
sala.
Meu sorriso se alarga quando percebo que estou chamando atenção
de alguns caras. Essa é a intenção, não foi à toa que coloquei minha saia
preta de pregas, meia calça e botas da mesma cor e, como destaque, minha
blusa cropped branca de mangas longas.
Sempre gostei de me sobressair, e estando na festa dos cretinos, não
seria diferente. 
A música alta e com ritmo dançante faz algumas pessoas criarem
uma própria pista de dança, onde conseguem beber e balançar o corpo. 
Artho fez jus ao título, a festa está mesmo um arraso, e tenho certeza
de que todos os presentes se sentem honrados por terem sido convidados.
Claro que sempre vai ter um ou outro de penetra, mas eles não se importam
nem um pouco.
Vamos abrindo espaço para passarmos entre as pessoas e logo
estamos entrando na sala.
Mesmo já tendo visto toda a mobília da casa quando estive aqui
algumas vezes, não consigo deixar de continuar admirando, é tudo tão
rústico, mas com toques bem aplicados de modernidade.
Ouvi falar que a maior parte da decoração foi planejada pela mãe do
dono da casa quando se mudaram para cá, já que a casa é herança. O meu
bom gosto para o design me deixa extasiada com cada escolha dela.
Assim que passamos pelo hall da sala, meus olhos encontram os seis
caras donos do título clube dos cretinos, sentados à vontade, rindo e
bebendo. Eles me lembram aquelas pessoas que não têm nada com o que se
preocuparem, como boletos a serem pagos, diferente de mim.
Sorrio, apertando a mão de Charlotte, do curso de Direito, minha
melhor amiga desde que começou a dividir o quarto comigo no Edifício
Universitário. 
Ela chama atenção deles quando paramos a alguns passos dos
rapazes. Charlotte os cumprimenta, e Artho, que até então estava sentado,
levanta e a puxa para mais perto dele para beijá-la de uma forma quente e
possessiva, deixando as bochechas da minha amiga rosadas de vergonha. 
Continuo passando meus olhos pelos outros cinco membros,
tentando controlar minha ansiedade.
Eu já os conheço de outras festas e da universidade, mas ter a
atenção deles em mim é excitante.
Temos os gêmeos Natan e Gabriel Valentini, que estão sempre
aprontando alguma coisa, eles usam as aparências idênticas para enganar
muitas mulheres, e não duvido que os dois já até trocaram de parceiras ou
ficaram com uma ao mesmo tempo, muitos murmurinhos correm pelos
corredores da UFBG.
Os dois tem o que eu chamo de charme: pele morena, cabelos pretos
e curtos, estatura alta e forte, e aquele olhar travesso. Para quem observar
bem os dois, vai ser fácil diferenciá-los, Gabriel é o que tem menos
tatuagens e o que mais dialoga, está sempre rindo e fazendo comentários
engraçados, por sua vez, Natan é o mais quieto, observador e o mais
tatuado. 
Vamos para o próximo. Lion Bianco tem cabelos castanhos e olhos
verdes, de um metro e oitenta. É descontraído e divertido, mas não dá para
se enganar com a carinha bonita.
Dimitri Romano, esse é uma incógnita, ele consegue ser um cretino
lindo de morrer, com seu corpo todo tatuado com o mesmo tamanho de
Lion, cabelos escuros, raspados dos lados, bem reservado e silencioso. 
Artho Becker com seu ar de metido, é tatuado, alto com cabelos
castanhos de seu estilo dark. Posso dizer que, dos seis, ele é o mais
descontraído e piadista.
E por último, Eros Giordano, conhecido entre os seis por ser o mais
rico, sério e frio. Acho que eu nunca o vi sorrindo antes, assim como
Dimitri. Tenho uma leve impressão de que Eros seja do signo de
capricórnio, não que eu entenda muito de astrologia. Isso não quer dizer que
ele não seja atraente. Esse é só um detalhe a mais para chamar atenção para
ele. 
Cabelos loiros e bem cortados, seus olhos são de um castanho claro
e acho que ele tem um metro e noventa de altura. De todas as fofocas que
rolam pelas mulheres que já conseguiram ficar com Eros, dizem que ele
também é bem dotado e um deus na cama, é de se esperar, só de olhar para
ele…
Enquanto o encaro, uma morena se senta em seu colo com os braços
em volta do pescoço dele. Ela exibe um sorriso malicioso ao falar coisas no
seu ouvido, mas não é nela que Eros presta atenção. Seu olhar intenso está
em mim, sua expressão se torna séria e fria à medida que retribuo o olhar,
mas meu eu apenas sorrio largo.
Sua reação impassível a mim não me causa timidez, ao contrário,
me deixa mais curiosa e determinada a encará-lo. É ele que corta nosso
contato visual, revirando os olhos, antes de voltar a atenção ao que a
morena fala e passar a mão pela coxa exposta dela na saia jeans. Acho que
assim como eu, ela não liga muito para o frio no Rio Grande do Sul hoje.
Eros já me chamou atenção um dia, até ser um escroto na vez em
que fomos apresentados pelo Artho. Nunca tive oportunidade de conversar
com ele e entender por que ele tem ranço de mim.
— Feliz aniversário, Becker — digo a Artho, que sorri, ainda
abraçado a Charlotte.
— Obrigada, Oiapoque.
Reviro os olhos, descontente com o apelido ridículo que ganhei logo
que entrei na Universidade. Talvez teria sido outro pior se eu não morasse
em Chuí antes de vir pra Bento Gonçalves, por isso o apelido.
“Do Oiapoque ao Chuí”.
— Odeio você! — reclamo e Charlotte dá uma risadinha.
Artho ri e olha para seus amigos.
— Vocês já conhecem a Raquel, amiga de Charlotte.
— Olá — falo animada, o que faz minha voz sair um pouco alta. E
isso porque eu nem comecei a beber ainda.
Lion faz um gesto com a mão para rir discretamente da minha forma
muito exagerada.  
Gabriel e Natan sorriem para mim, e um deles me oferece a bebida
de seu copo, a cerveja gelada enchendo a minha boca quando dou um gole.
Natan me convida para sentar em um sofá ao lado, que me dá uma
perfeita visão de onde Eros está, praticamente na minha frente.
Tento ignorar a lembrança do desconforto que ele me causou no
primeiro momento que falei com ele. Charlotte ficou em choque e imagino
que até mesmo Artho, que é amigo dele há anos, ficou envergonhado com a
situação.
Ele foi um idiota e odeio lembrar disso, estava tão empolgada em
conhecê-lo, e o momento foi como um balde de água fria, esse é um dos
motivos da raiva que sinto por ele.
O outro motivo é o fato de ele achar que, só porque é super rico,
pode tratar todos do jeito que quiser.
  Mesmo tentando ignorá-lo, olho para ele discretamente, enquanto
ele tenta demonstrar que minha presença não tem importância.
— Charlotte disse que você está cursando Moda — Gabriel
comenta, bem interessado em puxar assunto comigo, acho que é mais para
me incluir no grupo, e não vejo problema nisso. 
Passo a mão nos cabelos, jogando-os para o lado e sorrio,
assentindo.
— Sim, estou no segundo semestre. — Bebo o restante da cerveja.
— Eu pego algumas encomendas de roupas para fazer também, Charlotte
que me indicou.
— Raquel é bem requisitada.
Sorrio para minha amiga, que está sentada no colo do Artho, e nem
preciso comentar como a atenção dele é toda para ela.
A conversa vai rendendo e vou descobrindo um pouco mais de cada
um.
Logo, os gêmeos saem da sala acompanhados de duas mulheres, que
dão risinhos contentes por terem conseguido a atenção deles. 
Dou risada quando Lion começa a me contar episódios engraçados
que aconteceram em algumas festas que eles fizeram. E percebo que Eros
parece incomodado com algo… comigo, talvez? Pode ser que meu jeito
extravagante e chamativo seja diferente do que ele está acostumado. 
Já havia sentido em outras vezes que vim na casa deles, que, de
alguma forma, eu pareço incomodá-lo, mas nunca descobri o motivo, nem
mesmo Charlotte, que já percebeu a mesma coisa.
Em determinado momento, Eros bufa alto, e toda atenção da nossa
roda vai para ele.
Artho, com a testa franzida, abre um sorrisinho de lado para o amigo
e logo vemos Eros levantar delicadamente a mulher de seu colo e se erguer
também. 
— Vem, não consigo ficar aqui. 
Franzo a testa com seu comentário e o vejo sumir escadas acima. Os
garotos devem ter percebido o quanto pareço incomodada com a grosseria
dele. 
— Não ligue, ele é sempre assim — Natan tenta amenizar o clima.
— Como Artho costuma dizer, Eros é chato por natureza.
— Mas infelizmente hoje ele está pior, não é nada com você —
Artho declara e sorrio, aquiescendo. 
— Percebi isso — meu tom soa sarcástico. — Ele não é nada
discreto.
Dou de ombros quando Charlotte tenta esconder o riso, mas Lion, ao
meu lado, gargalha.
Fico pensando no que pode ter causado tal reação nele… Nem
sequer me dirigi a ele alguma vez, e Eros também não me deu brecha para
isso. Parece que o problema sou eu.
Depois do episódio desconfortante, não deixo que isso me afete. A
pessoa que perde toda diversão é ele, não eu. Vim aqui justamente para me
divertir e aproveitar as bebidas grátis e as companhias. 
— Você quer dançar? — pergunto a Lion, que sorri de lado, e
aquiesce se levantando do sofá. 
— Por que não?
Dou um gritinho animado e aceito sua mão quando a estende para
mim.
Deixamos Charlotte e Artho no sofá, Dimitri logo sai da sala
silencioso, quase despercebido.
Seguimos para o outro lado da casa, onde fica o salão usado como
pista de dança.
Lion consegue ser bem divertido, fazendo passos no ritmo da
música, me acompanhando com alguns movimentos, e dou risada quando
esbarramos um no outro. 
Ele grita próximo ao meu ouvido, me informando que vai buscar
alguma coisa para bebermos. Já havíamos dançado algumas músicas, e a
sede é algo presente. Continuo balançando meu corpo e me viro em direção
à escada no exato momento que Eros está descendo. 
Com a rapidez que ele passa pelas pessoas, parece até que deseja
fugir de todos.
Ele não está mais acompanhado da mulher que vi mais cedo, o que
me faz pensar que eles já devem ter transado e, como sempre, como
acontece com todo cretino, ele a dispensou.
Eros vira a cabeça para onde está a pista de dança e me encontra
com seu olhar enigmático, me encara por alguns segundos, antes de descer
de vez as escadas e sumir no meio das pessoas em direção aos fundos da
casa. 
Não gosto do que vou fazer agora, porque geralmente tento fugir de
tudo que me indica perigo, mas não tenho culpa se tenho um ímã para isso.
Logo eu, Raquel Mendes, jovem, com meus dezenove anos. Tenho
tendência a atrair o perigo. 
 Sigo Eros para fora, passando pelas mesmas pessoas e parando logo
que eu chego no fundo da casa. Passo os olhos em todas as direções,
procurando por ele. Tem bastante gente do lado de fora, bebendo, rindo, se
beijando. Desço a escadinha que dá para a grama bem cortada e passo por
um cantinho escuro onde tem um casal na maior pegação e dou uma
risadinha. 
Dou alguns passos mais para o fundo da casa e quando penso em
desistir de procurá-lo, vejo uma figura sentada em um banco mais à frente,
embaixo de uma árvore. O local é escuro e é preciso estreitar os olhos para
poder enxergar alguma coisa. Ando mais um pouco para o ver melhor e
alguns galhos baixos tapam quase toda a visão da pessoa, mas sei que é ele. 
Não consigo descrever o que sinto quando me aproximo mais. Ele
está com os cotovelos apoiados nos joelhos, fixando seus olhos em mim tão
intensamente.
Com um palito de dente no lábio, Eros me traz exatamente o aviso
que preciso para correr dali e manter a distância.
Mas me conhecendo bem, não vai ser isso que me assustará, não é
hora de me sentir temerosa com a maneira que ele me olha. Paro na frente
dele, um espaço um pouco maior e o encaro de volta.
— O que você está fazendo aqui? — ele pergunta, sua voz rouca. 
Eros mexe no palito entre seus dentes, pressionando o maxilar, me
mostrando a imagem de como não sou bem-vinda, mas não deixa de ser
sexy.
No escuro, com o olhar forte que está me lançando agora, suas mãos
se entrelaçam e ele faz um movimento com os ombros para ficar ereto, o
que me chama atenção para sua correntinha escorregando para fora de sua
gola, e isso me faz olhar para seu peitoral, escondido na blusa branca, que
marca cada músculo seu.
A verdade é que não sei o motivo de ter vindo atrás dele, talvez por
curiosidade ou... não sei, a única coisa que sei é que vim e torço para não
me arrepender disso. Só quero entender o porquê de ele me odiar tanto ao
ponto de se incomodar com a minha presença.
— O quê? Me seguiu até aqui e não vai me dizer o motivo? 
Me pergunto se ele mantém essa frieza o tempo todo ou em algum
momento ele a deixa de lado.
— Só vim saber se está bem. 
Eros solta uma risada forçada. Se levanta com uma calma incomum,
tirando o palito dos lábios. Ele se aproxima de mim, só parando quando está
com seu corpo a poucos centímetros do meu. 
Consigo sentir seu cheiro, seu perfume, misturado com um aroma
mentolado. Ele abre um sorriso de escárnio. 
— Ou você veio até aqui porque quer saber como é ficar com outro
membro do clube dos cretinos? 
Ofego com a sua declaração, e ele nem me dá tempo para uma
resposta a altura da sua. 
— Você já ficou com Artho, agora quer experimentar como é ficar
comigo? O cara frio, misterioso, rico. É a mesma conversa de todas vocês. 
Me irrito com a sua acusação, mesmo tentando ser legal. Deveria ter
esperado isso dele somente pelas coisas que ouvi falar a seu respeito, afinal,
não o conheço. E pela forma que ele agiu desde que nos conhecemos, era de
se esperar que fosse idiota.
— Você é um escroto de merda, não precisa me tratar assim só para
subir seu ego ridículo. Eu nem deveria ter vindo aqui, só estava sendo
legal. 
— Eu não preciso que seja legal, esse seu jeito não me engana. Na
verdade, não preciso que seja nada. 
— Percebi agora que tudo o que dizem sobre você é verdade, é um
riquinho de merda, frio, que age como se tivesse um pau enfiado no seu
rabo — grito.
Escuto uma tosse misturada com uma risada estrangulada atrás de
mim. Quando me viro, vejo Lion parado logo atrás da gente. Sua expressão
é divertida e tem a mão tapando a boca para esconder o sorriso.
Neste momento, me toco da última parte que acabei de falar, e que
Lion ouviu tudo. Tento parecer envergonhada, mas não consigo, isso não é
muito do meu feitio. 
Olho de volta para Eros e percebo que seus olhos não deixaram meu
rosto nem mesmo quando seu amigo chegou. 
— Acho que já falamos tudo o que tínhamos para falar um ao outro
— empino meu queixo para ele, demonstrando que não estou nem um
pouco afetada com a sua acusação, mas ele está muito irritado pelo que eu
disse, só pela forma que ele aperta seu maxilar. 
Eros não é de todo imbatível. 
— Se me dão licença. 
Me viro, o deixando e sorrio para Lion de forma amigável quando o
passo por ele. 
— Que mulher irritante — escuto ele murmurar e duvido que seja
para o seu amigo. 
Mas consigo escutar a risada de Lion, à medida que ando. Me sinto
vitoriosa em saber que saí por cima. 
— Pau enfiado no rabo, é? Artho vai amar saber disso. 
— Cala a boca. 
Deixo de escutá-los quando estou bem distante, já entrando na casa,
logo consigo ver Charlotte, que vem ao meu encontro. 
— Onde estava? Te procurei para dizer que vou ficar e dormir com
Artho. 
Dou um sorriso travesso a ela, que entende e seu rosto fica rosado.
Minha amiga nunca mudaria. 
— Você quer ficar também? Pode ficar em um dos quartos dos
meninos — pergunta, ignorando minha reação ao que ela acabou de falar.
— Ou podemos voltar juntas se não se sentir à vontade.
Artho aparece, abraçando-a por trás. Quando penso em negar, para
não incomodá-los, vejo Eros entrando na casa, com Lion logo atrás
sorrindo, quando ele me vê, seu sorriso parece crescer ainda mais.
— Aceito, sim. 
— Você pode ficar no quarto do Eros, é o mais arrumado e limpo de
todos — Artho sugere e é nesse momento que Eros para de andar ao ouvir o
que o amigo acaba de dizer. — E tenho certeza de que ele não vai se
importar. 
Eros resmunga alguma coisa, e pela forma que reage, ele não gostou
nada da novidade, mas não vai perder seu tempo retrucando o convite do
amigo.
— Por mim, tudo bem. 
Murmurando mais alguma coisa, eu vejo Eros voltando a andar,
sumindo no outro cômodo e Lion e Artho rindo, Charlotte e eu sorrimos
sem entender nada, mas algo me diz que tudo isso é provocação de amigos.
— O que aconteceu? Ele parece estar pior que da última vez que o
vi — Artho pergunta, estreitando os olhos para o amigo, que solta uma
gargalhada alta. 
— Nem queira saber — Lion responde, olhando para mim. 
Dou de ombros, ignorando os olhares dos três em mim, mostrando
que é mais interessante arrumar meu cabelo, que, por causa do vento, está
com os fios fora do lugar, do que explicar que tive uma discussão bem boba
e inocente com Eros Giordano no lado de fora da casa.
 
 
Raquel
Antes de eu sair do banheiro, enrolo a toalha pelo meu corpo e me
olho no espelho, meu cabelo está preso em um coque frouxo, algumas
mechas do loiro escuro caem pelo meu rosto.
Quem iria imaginar que eu acabaria a noite no quarto do Eros
Giordano, ou melhor, tomando banho em seu banheiro. 
Aproveito a oportunidade para olhar tudo, porque sim, sou bem
curiosa.
Começo abrindo a primeira gaveta de três do armário debaixo da pia
de mármore preto. 
Enfileirado, vejo algumas loções pós barba e ao lado uma bolsinha
preta sem logo nenhum que mostre do que se trata. A pego e encontro seu
kit de barbear, tudo bem arrumadinho, preso no seu devido lugar. 
Dou risada, não acreditando que até nisso ele é metodicamente
organizado. 
Coloco de volta, fechando a gaveta e abrindo a segunda que tem
alguns sabonetes, pasta de dente e outros objetos. 
E na terceira vejo algumas toalhinhas de rosto enroladas e bem
colocadas. 
Nem preciso abrir as duas portas ao lado das gavetas, pois eu sei que
tem mais toalhas, só que dessa vez maiores. Foi nela que encontrei uma
para me secar. 
No cantinho da pia tem um porta escovas contendo somente uma
preta. Ao lado vejo seu perfume Paco Rabanne 1 Million. Não encontro
outros ao redor, e imagino que esse seja o único que ele usa. 
Borrifo um pouco no ar para sentir o cheiro da fragrância. O aroma
amadeirado com um toque de menta e âmbar me envolvem. O perfume
combina com o que Eros é, personalidade forte e moderna. 
Quando vou colocar de volta, quase o deixo cair por escutar batidas
na porta do banheiro. Meu coração acelera ao segurar o vidro forte em
minhas mãos. O que eu faria se deixasse ele cair? Nem sei quanto custa, e
tenho certeza de que na minha conta bancária não terá um terço para pagá-
lo. 
— Quem é? — minha voz fraqueja.
Se Eros me pegar espionando suas coisas, tenho certeza de que
reagiria pior do que foi comigo mais cedo. 
— Sou eu — Charlotte responde e respiro aliviada. 
Abro a porta com um sorriso amarelo. Ela estreita os olhos para
mim quando passo pela porta do banheiro e a fecho. 
— O que você estava aprontando? 
Continuo sorrindo, dando de ombros. 
— Nada. Só tomei banho. 
— Você está com aquela expressão de quando é pega fazendo algo
errado.
— Não estava fazendo nada demais, apenas olhando as coisas que
Eros tem no banheiro.
— Tipo o perfume dele?
Sorrio.
Caminho para a cama enorme de Eros, onde estão algumas peças de
roupa que Charlotte me emprestou, ela não teve problema, já que passa
muito tempo com Artho por aqui.
  A casa está silenciosa, todo mundo já foi embora, são quase três
horas da manhã. Os garotos sabem dar uma boa festa. Não vi Eros depois
que Artho informou a ele que eu dormiria no seu quarto, suponho que ele
deva ter encontrado outra mulher e saído com ela para curtir uma after. 
— O que foi aquilo que Lion deu a entender lá embaixo mais cedo?
Não me viro para ela quando tiro a toalha para me vestir. Mordo o
lábio, pensando em como minha amiga vai reagir ao saber o que eu disse a
Eros. 
— Posso ter encontrado Eros lá fora e quando fui tentar ser legal,
ele foi um escroto e eu o chamei de riquinho de merda e que ele agia como
se tivesse um pau enfiado no rabo.
— O quê? — ela pergunta engasgando e logo começa a rir. — Você
é louca. 
— Não nego, mas ele foi ridículo e mereceu. 
Abaixo a blusinha de pijama e me viro para ela. 
— Por esse motivo ele estava todo irritado? 
— Pode ter sido.
A sensação de ter afetado ele de alguma forma é extremamente
gratificante. 
Nos encaramos por alguns segundos em silêncio e logo damos
risada. 
— Vim verificar se está tudo bem você dormir no quarto de Eros ou
se precisava pedir para Artho dormir aqui e você e eu dormimos no quarto
dele, mas vejo que você está bem acomodada — debocha brincando. 
Faço um gesto com a mão de que está tudo bem. 
— Não precisa, pode ir ficar com o seu namorado que não é
namorado, vou ficar bem.
— Tem certeza? 
Aquiesço e ela vem até mim, beijando meu rosto e saindo do
quarto. 
— Charlotte — a chamo. — Você sabe onde ele está? 
Ela nega, me lançando um sorriso de lado. 
— Nem se preocupe, pelo que conheço do Eros, ele não vai aparecer
na sua frente tão cedo pela sua audácia e a do Artho. 
Dou risada e assinto. 
Assim que ela sai do quarto e fecha a porta, sento na cama e
aproveito para olhar o cômodo que não tive a chance ainda.
O quarto dele é grande, assim como deve ser dos outros. As paredes
em um tom escuro, quase preto. Cortinas finas em frente a porta de vidro
que dão acesso para a varanda, são da cor creme que vão do teto ao chão,
estão fechadas, deixando o quarto mais escuro.
Ao lado da porta do banheiro, tem um guarda-roupa, onde é seu
closet, o que me surpreende é que ele é todo de vidro, até mesmo as portas.
Minha mão coça para poder mexer nele.
De onde estou sentada, consigo ver tudo bem dobrado e organizado,
blazer e camisas sociais penduradas em cabides, todas as roupas, tanto as
dobradas como as nos cabides são separadas por cores, até mesmo seus
sapatos e isso me faz sorrir. 
O painel de trás da sua cama não é de cor escura como imaginei que
seria pelos tons do quarto. É um estofado claro da cor creme das cortinas.
Ao lado da cama tem duas mesinhas de cabeceira, em cada uma delas tem
abajures e somente uma tem um relógio de mesa digital. 
Eros tem uma estante de nicho marrom do outro lado do quarto, e
este toma a parede toda. Por curiosidade, me levanto e vou até ela, passando
o dedo pelos títulos de livros que meu um e sessenta e cinco de altura
permite. Alguns eu reconheço sendo suspense, terror, clássicos e também
livros acadêmicos, seguindo o ramo do curso que Eros está cursando. 
Está no quarto de alguém, diz muito sobre a pessoa, e nada aqui
dentro diz o contrário do que ouvi do Eros e vi dele. 
Eros Giordano, herdeiro de uma rede de filiais pelo Brasil, deixadas
para ele por seus pais, que morreram cedo em um acidente de avião, todo
mundo da cidade conhece o sobrenome Giordano não só pela família bem
sucedida, mas também por causa do acidente que matou os pais de Eros há
alguns anos.
Sei que as únicas pessoas que Eros tem são seus amigos e um
advogado que ajudou ele depois da morte dos pais.
Já ouvi tanta coisa dele pela universidade, mas como saber se tudo é
verdade ou invenção do povo? 
Ele sempre foi misterioso, calado demais, reservado. Sendo aberto
somente com seus amigos. Claro que sua ação me faz ter interesse em saber
se ele foi sempre assim e só intensificou com os acontecimentos na vida
dele.
Talvez a perda das únicas pessoas da família que mais amava tenha
relação com isso. 
Continuo a inspeção pelo quarto, vendo uma pequena mesa na cor
creme com uma cadeira preta. Seu notebook e cadernos e livros que
imagino ser os que ele usa na universidade estão em cima. Tudo acomodado
de forma reta e centralizada. 
Sigo para sua cama, e tiro a quantidade de almofadas e travesseiros,
colocando todas empilhadas em uma poltrona que tem ao lado da janela.
Afasto a colcha preta e o cobre leito branco, me deito, ficando somente com
dois travesseiros, um para deitar e outro para dormir abraçada. 
No momento em que encosto minha cabeça no seu travesseiro, e me
embrulho com sua colcha, sinto o cheiro do seu perfume e loção pós barba e
me pego imaginando se esse é o lado que ele dorme. 
Envolta do tecido macio e aconchegante que é sua colcha, meus
olhos pesam e antes que eu adormeça, penso em Eros e seus olhos
castanhos claros e onde ele estaria neste momento. 

Desperto do sono, e por um momento estranho o lugar. Olho para o


relógio digital da mesinha e vejo que adormeci por uma hora apenas.
Através das cortinas, consigo ver que ainda está escuro. 
Escuto passos pelo quarto e meu coração acelera. Fico quieta, não
mexendo nenhum músculo. Meus olhos focam no chão, a claridade do
banheiro me indica que a luz está acesa e uma figura alta se move por ela. 
Logo o perfume chega até mim e relaxo quando me dou conta de
que é Eros, mas logo fico tensa novamente. Se é Eros que está no quarto, o
que ele está fazendo?
Ele deve estar me odiando ainda mais por estar no seu quarto e sei
que sou indesejada em qualquer lugar que ele esteja. 
Ele entra em meu campo de visão, e fecho os olhos para que não
saiba que me encontro acordada. Depois de um tempo, abro meus olhos
devagar e encontro ele de costas para mim, secando os cabelos loiros
molhados. 
Eros está sem camisa, apenas com uma calça de moletom, consigo
ver mesmo com a pouca claridade da luz do banheiro os músculos das
costas. Bem formados e desenhados. Seus ombros largos e musculosos.
Eros é o tipo de cara que se cuida, tem uma academia na garagem de casa,
onde treina com os outros membros do clube, acorda cedo para correr pelo
quarteirão e tem uma alimentação saudável. 
Tento focar em desvendar a tatuagem que ele tem abaixo da nuca
entre as escápulas. Uma tatuagem de tamanho médio, e da distância só
consigo ver pontos. Nada além disso.
Essa é a única tatuagem que eu consigo ver que ele tem nas costas. 
Ele para de secar os cabelos e se vira, de frente para mim,
justamente na direção em que estou dormindo, eu fecho os olhos de repente.
E tento continuar com a minha respiração leve e serena, nada que ameace a
minha farsa. 
Sinto seus olhos em mim por vários minutos antes de escutar seus
passos se aproximando da cama. Eu consigo sentir ele parado, seus olhos
fixos em mim e preciso de um controle sobrenatural para não abrir os olhos
e encará-lo de volta. 
Logo percebo ele se afastando, escutando o farfalhar de alguns
tecidos, a luz do banheiro sendo apagada e a porta do quarto sendo aberta e
depois fechada de forma silenciosa. 
Quando tenho certeza de que Eros não está mais no quarto, eu abro
os olhos e solto a respiração de forma profunda. 
Me viro de barriga para cima e me pergunto por que ele se demorou
tanto me olhando. 

Quando me levanto, encontro um travesseiro e lençol dobrado por


cima da pilha de almofadas que havia colocado ali antes de deitar.
 Supus que ele entrou no quarto na madrugada para tomar um banho
e buscar lençóis para dormir, e antes que eu acordasse, ele voltou para
deixá-los no quarto novamente. Ele deve ter dormido no sofá, como Artho
disse que faria. 
Foi preciso um tempinho para arrumar sua cama, colocar tudo do
jeitinho que encontrei, esticando bem o lençol de elástico, colocando por
cima o cobre leito e em seguida a colcha. Arrumei os travesseiros e depois
as almofadas, deixando tudo impecável. 
Lavei meu rosto e precisei usar um pouco da sua pasta de dente, já
que não havia trazido a minha. Olhei em volta, procurando algo fora do
lugar, deixando somente o lençol que ele usou para dormir dobrado na
cadeira. 
— Bom dia — eu cumprimento todos, sorrindo quando entro na
cozinha. 
Todos me cumprimentam de volta, e passo os olhos por cada rosto e
o único que não encontro é do Eros. Sento ao lado de Charlotte, que sorri
para mim. 
Me sirvo de café e pão e queijo, enquanto Charlotte, Artho e Dimitri
tomam chimarrão. A mesa está farta com queijos, presuntos, pães, cucas e
salames.
Olho para cima, pegando os olhares dos gêmeos, Lion e Dimitri em
mim, nem preciso olhar para o lado para encontrar Artho na ponta da mesa,
fazendo a mesma coisa.
— O quê? — pergunto para ninguém em especial. 
— Qual é a sensação de ter colocado Eros para dormir no sofá? —
Gabriel pergunta, com um sorriso grande e divertido na boca.
— Eu não fiz isso. 
— Basicamente fez quando aceitou dormir aqui — Lion fala e
escuto a risadinha discreta de Natan e um som que parece mais um rosnado
de Dimitri, olho para ele surpresa e viro o rosto de volta para frente quando
ele me pega encarando-o.
Ele consegue ser assustador só de olhar.
— Não acredito que perdi esse momento — Natan resmunga com a
boca cheia. 
Dou de ombros. Pelo jeito isso é épico para eles, mas faz sentido,
uma garota que ele nem conhece, dormindo em sua cama. O que é estranho
é Eros não ter rebatido a decisão. Provavelmente quando ele entrar no
quarto novamente, irá trocar todos os lençóis de cama e fronhas e colocar
fogo em tudo.
— Perceberam que ele sumiu? — Artho pergunta com um tom leve
de divertimento, ele nem parece preocupado. 
Seus amigos assentem, trocando um olhar repleto de significado por
trás, e fico curiosa para saber o motivo. 
Vejo Gabriel levantar da mesa para ir em direção à pia, ele está
usando uma regata branca, ela me dá uma visão do início de pontos pretos
sobressaindo na nuca, eu foco precisamente nas linhas pretas que formam
uma tatuagem, que parece ser igual a de Eros.
Franzo a testa e olho para Lion ao meu lado e inclino meu corpo
para trás, tentando ver se ele tem uma tatuagem parecida também, já que é o
mais próximo de mim, mesmo vestindo uma camisa, consigo ver levemente
os mesmos traços da tatuagem nele também.
Faz sentido todos terem a mesma tatuagem, eles mesmos deram
nome ao grupo deles e, pelo que Charlotte me disse uma vez, eles são
amigos desde a infância. 
Mesmo curiosa em saber o que é, termino meu café e logo depois eu
estou me despedindo dos garotos junto com Charlotte para irmos embora, já
que Artho nos levará.
Não passou despercebido os comentários engraçados que Gabriel,
Lion soltaram para mim, fazendo questão de me convidar para voltar mais
vezes. 
Já na porta da casa para sair, vejo Darth Vader aparecer, o cachorro
de Artho e companheiro dos meninos, um rottweiler assustador que me faz
arrepiar pela forma que me olha. Ele vira a cabeça para mim, enquanto
estou encarando-o, e Charlotte se aproxima dele para se despedir.
Fico sempre em choque com a coragem que ela tem de ter contato
com Darth Vader.
Quando já estávamos dentro do carro e saindo da garagem da casa,
vi Eros chegando. Ele estava vestindo calça de moletom e regata branca,
deixando os músculos dos seus braços à mostra. O tecido da camiseta gruda
no seu peito por causa do suor, marcando gomos do seu abdômen. Com
headphone preso nos ouvidos, com passos rápidos em direção à entrada da
casa. 
Ele havia saído para correr. 
Se ele me viu encarando-o enquanto o carro ia saindo, fez questão
de ignorar e não olhou nenhuma vez na minha direção. 
Ele deve estar se sentindo aliviado por não ter minha presença por
perto, bom, isso até eu aparecer junto com Charlotte de novo, nós duas
desde que nos conhecemos nos tornamos inseparáveis e agora ela está
enrolada com Artho, significa que estarei sempre presente. 
Poderia sugerir a Eros para se acostumar, mas aí eu estaria sendo
legal, e depois do que ele disse, prefiro deixar que ele lide com sua irritação
sozinho.
Raquel
Terça-feira, 14 de novembro de 2017
Quando saio da minha última aula do dia, encontro Charlotte parada
em frente à minha porta, me esperando para almoçarmos no RU. Não
acontece com muita frequência, pois nossas aulas nem sempre têm os
mesmos horários. 
Passo o braço pelo dela, enquanto vamos andando para fora.
— Acho que hoje estou apenas existindo — comento, querendo
somente minha cama neste momento.
— Se anima, amanhã é feriado. — Me cutuca.
— Sim, mas passarei o dia fazendo trabalho, preciso costurar um
vestido que desenhei na aula hoje. — Suspiro.
— Não sei por que está preocupada, você é boa nisso, costura todas
as suas roupas e ainda faz roupas para outras meninas.
Dou de ombros.
— É diferente quando preciso mostrar para uma sala cheia de gente
metida e esnobe, que gostam de criticar e ver defeito em tudo.
Lembro que assim que comecei o primeiro período de Moda, fui
com a expectativa de que seria amiga de todo mundo da minha sala, claro
que me dou bem com todos, mas são pessoas com almas hipócritas,
ninguém escapou do meu julgamento interno para ser meu amigo ou amiga.
— Vou precisar aguentar minha chefe hoje pelas próximas seis
horas.
Ela ri.
— Para você vai ser de boa, vai estudar e buscar a irmãzinha do
Artho na creche e ficar com aquela fofura de criança.
Tenho vontade de apertar Ayla toda vez que a vejo.
— Sim, ela é uma fofa. Tenho sorte de não ter uma chefe como a
sua — ela provoca.
— Mas tem um “chefe” ... — Faço aspas com os dedos antes de
continuar. — Gostoso e tatuado que é só seu.
Suas bochechas ficam vermelhas e dou risada. Artho não foi bem
chefe da Charlotte, eles tinham ou têm um acordo entre eles, que levou à
outra coisa logo depois.
Saímos do departamento, pegando o caminho que dá para o
restaurante universitário, seguindo o fluxo de pessoas que estão se dirigindo
para o mesmo lugar.
Tenho cerca de quase duas horas hoje para almoçar, ir me arrumar
no Edifício e seguir para o estágio.
Estudo na parte da manhã, faço estágio em uma loja no shopping a
algumas quadras do Edifício Universitário, e não preciso caminhar tanto até
lá. No que resta das horas, estudo também, é claro, sempre que tenho
oportunidade, vou a alguma festinha, o que rola toda semana e os fins de
semana também.
A caminhada leva poucos minutos.
Logo na entrada, na parte lateral do RU, Charlotte e eu entregamos,
cada uma, o tíquete para poder seguir para a área dos carros térmicos, onde
funciona o self-service com cardápio variado.
É preciso seguir a fila, neste horário o restaurante fica muito cheio e,
assim como eu, as pessoas trabalham na parte da tarde, o que faz tudo ser
uma loucura aqui dentro.
Com a bandeja azul em minhas mãos, com o prato em cima, junto
com os talheres, acabo colocando pouca coisa e mais salada.
Nós duas andamos pelo local à procura de uma mesa. Escutamos um
assovio e nos viramos para trás, vendo os seis caras sentados em uma das
mesas mais de fundo. Artho acena para a gente e sorri para minha amiga,
fazendo um gesto para sentarmos com eles.
— Você quer se sentar com eles? — me pergunta. — Não me
importo de nos sentarmos em outro lugar.
Olho para a ponta da mesa em que Eros está sentado. Não vou
deixar que a presença dele estrague a diversão.
— Claro.
Acompanho ela até a mesa e vejo Dimitri desocupar o assento ao
lado de Artho para que Charlotte se sente. Dimitri escolhe não sentar
justamente ao lado de Eros, deixando o lugar para mim.
Dimitri levanta uma sobrancelha em forma de deboche para mim,
como se soubesse que odiei a sua escolha, e não escondo isso, porque
realmente odiei. Sentar logo ao lado do idiota prepotente.
— Olá, garotos — cumprimento todos, sendo ignorada apenas por
Eros, que não me responde, reviro os olhos, pois já esperava por isso,
recebendo de Dimitri e Natan um aceno de cabeça.
Dou a volta para chegar até a cadeira, ignorando o perfume de Eros
que me dá as boas vindas quando passo atrás dele.
Coloco minha bandeja na mesa antes de me sentar e logo olho em
volta, pego as pessoas encarando a nossa mesa e começo a me sentir
privilegiada. Estou sentada, almoçando com os membros do clube, isso traz
muita atenção para mim.
Prendo minha bolsa no encosto da cadeira, junto com meu casaco,
levanto minhas mãos para prender meus cabelos em um coque frouxo para
que não me atrapalhem a comer. Eros bufa quando me sento ao seu lado.
— Algum problema, Eros? Algo está te incomodando? — pergunto
sarcástica.
As pessoas à mesa ficam em silêncio quando escutam eu me dirigir
a Eros. Nem assim ele vira a cabeça para mim, Eros cutuca Dimitri que está
ao seu lado, como se a atenção do seu amigo já não estivesse nele. 
— Você está escutando isso? Esse barulho de zumbido?
Fico indignada com sua audácia. Ele faz um gesto com a mão
espantando o mosquito que não existe.
Olho para Dimitri, que está com um sorriso de lado. Tento não focar
em como é estranho o fato de ele estar sorrindo. 
— É sério isso? Que infantil — declaro irritada. 
Pior coisa é ser ignorada, minha raiva por ele ser um idiota está
aumentando.
— Vocês não estão escutando? Que barulho chato. — Ele olha para
seus amigos e Charlotte na mesa, me deixando de fora. 
Olho para minha amiga, que está com a testa franzida, uma
expressão de desagrado no rosto. Volto a encarar Eros enfurecida. 
— Você tem o quê? Cinco anos? — Reviro os olhos e sorrio
vitoriosa por dentro quando tenho a atenção dele voltada totalmente a mim
— Não sabe agir como o adulto que é, Eros querido? Ou somente como um
idiota infantil?
Abro um sorriso de escárnio.
Escuto algumas tosses e engasgos, porém não viro meu rosto para
verificar, é como se desviar os olhos de Eros agora fosse um jogo perdido.
Fixo meus olhos bem nos seus, pronta para ganhar a batalha. 
— Já que sou um idiota infantil, por que está tão incomodada? 
Ele sorri de lado, aprofundando sua covinha do lado direito,
marcando seu rosto de queixo bem contornado com a barba de um loiro
escuro e bem desenhada. É uma reação simples e rápida, porque logo seu
sorriso some. 
Como pode um demônio ter covinha?
— Talvez porque seu ego esteja tão cheio, que está respingando em
mim, e preciso te mostrar o que é humildade. 
Parece que o RU todo está concentrado em silêncio nas próximas
ações de Eros e eu, mas não, é só a intensidade e adrenalina me fazendo
perder o foco do restante do ambiente. 
— Você é muito irritante. — Ele revira os olhos.
— E você é insuportável.
Ele quebra o contato de olhares entre a gente, porque sabe que eu
não faria isso, então sorrio vitoriosa. 
— O que foi tudo isso? — Gabriel pergunta, divertido.
— Nada — Eros e eu respondemos ao mesmo tempo. 
Olho para ele de rabo de olho, que se mexe na cadeira inquieto. E
observo que ele não está almoçando, me fazendo lembrar do meu almoço
ainda parado na bandeja à minha frente.
Toda essa agitação fez com que meu apetite fosse embora, mas me
esforço para comer, porque não sei quando será minha próxima refeição
pelas seguintes horas do meu dia. 
Dou um leve pulinho no meu assento quando escuto a cadeira de
Eros ao meu lado ser arrastada no chão e ele levantar sem se despedir de
ninguém, sumindo logo depois pelas portas do restaurante. 
Volto minha atenção para a comida, fingindo que não me importo. 
Olho para Charlotte, que está me encarando, e a vejo fazer um gesto
perguntando o que tinha acontecido. Dou de ombros, também sem entender
nada. 
— Acho que Raquel é a única mulher que já vi bater de frente com
Eros — Lion comenta, enquanto come. 
Pelo jeito, todo mundo na mesa parou de comer para observar a
minha interação harmoniosa com Eros Giordano. 
— E ainda sair por cima — Artho concorda. 
— Não me culpem, ele que começou.
— Sabemos que ele consegue ser rabugento às vezes — Gabriel
declara. — Mas você também não deixa escapar uma farpa.
— Desde a festa de Artho, ele anda muito chato — escuto Natan
comentar como se fosse um fato normal.
— Acho que sabemos o motivo disso. — Lion me encara e eu
semicerro os olhos para ele, vendo todo mundo focar a atenção em mim. 
— Não sei por que parecem surpresos, o amigo de vocês sempre age
como... — corto a fala quando Charlotte olha para mim, balançando a
cabeça, segurando o riso.
— Como um riquinho de merda, com um pau enfiado no rabo? —
Lion declara.
— O quê? — Natan pergunta, engasgando enquanto ri, e os outros
na mesa não estão diferentes.
— Palavras de Raquel na festa do Artho, dirigidas exclusivamente a
Eros.
Dou de ombros, não me importando com o que eles vão pensar de
mim. É a mais pura verdade, só falei o que penso.
— Já escutamos coisas piores faladas dele, quero dizer, isso é um
elogio se formos comparar. — Gabriel dá risada.
Para ser sincera, não sei qual é a dele, não me recordo de ter feito
algo a ele, o único contato que tive com Eros desde que entrei na UFBG foi
na festa de aniversário de Artho, além do dia desastroso em que Artho
tentou nos apresentar.
E observo que todos não parecem se importar com o que eu disse
aos amigos dele, diferente de Dimitri, que não esboça nenhuma reação.
— Raquel, você podia ir com a gente ao Bar Culture amanhã —
Lion convida. — É feriado.
Sorrio para ele.
— No bar com os CDC? Isso sim é um sonho, ser convidada para
sair com vocês.
Ele ri.
— Você faz parecer que somos deuses pela maneira que fala, e que
escolhemos quem está com a gente a dedo.
— É basicamente isso. Vocês não têm noção de que qualquer mulher
neste campus faria de tudo para ser convidada por um de vocês.
Olho ao redor, e Lion, Natan, Gabriel e até mesmo Dimitri olham
em volta para as mesas próximas. Algumas meninas os encaram, mandando
até tchauzinho com a mão, de forma que pareçam charmosas.
Dou risada, assim como Charlotte, que percebe os detalhes como eu.
— Estão vendo?
Eu teria que olhar minhas economias e ver se seria possível
acompanhar os meninos amanhã, não posso me dar o luxo de gastar o que
tenho como prioridade para comida.
Mas quem convida, paga, não é?
Não disse sim e nem não. Pensaria sobre isso mais tarde com
Charlotte, que tenho certeza de que vai, por ser “namorada” do Artho.
A conversa retorna à mesa, como estava antes de Charlotte e eu
chegarmos, e mesmo participando ativamente da conversa, meus olhos vão
ora ou outra para a entrada, me perguntando o porquê de eu me importar
tanto assim com Eros. 
Passado pouco mais de meia hora depois que Eros se retirou da
mesa, me levanto, pegando minha bolsa e minha bandeja. 
— Preciso ir agora, não estou muito a fim de chegar atrasada de
novo e acabar escutando a mal amada da minha chefe reclamar. Nos vemos
mais tarde? 
— Sim, talvez eu chegue um pouco depois de você — diz Charlotte.
— Tudo bem. Tchau meninos.
Com passos rápidos, deixo minha bandeja na área lateral, antes da
saída. Sigo direto para a loja onde faço estágio, não seria possível passar no
Edifício antes para trocar de roupa.
Nos quase trinta minutos que passo andando até lá, vou repassando
em minha cabeça os meus próximos passos. Preciso passar no armarinho
para comprar o tecido com que farei o meu vestido para a disciplina de
Pesquisa e Criação.
Tento organizar tudo em minha mente para que dê tempo de fazer
tudo que preciso no dia.
Entro no shopping, pegando o elevador para o quinto andar, onde
funciona a loja de roupas e calçados do estágio. A loja é grande, com dois
andares para todos os estilos de roupa e tamanhos.
Ao entrar, vejo que, pelo horário, ela está com poucos clientes, mas
sei que isso é por pouco tempo. Passo em frente ao caixa para me dirigir
logo em seguida à área onde são colocados os pertences dos funcionários.
Sorrio quando vejo Lilian, uma das funcionárias, que retribui, mas
pela sua expressão tensa, nossa gerente já deve ter pegado no pé dela hoje,
pois sei o quanto ela consegue ser insuportável.
Praticamente corro para o quartinho onde posso me trocar e vestir
meu uniforme. Aqui eu não tenho exatamente uma função, faço de tudo. De
certa forma os estagiários sofrem um pouco.
Desde arrumar as roupas nas prateleiras, montar os looks e trocar o
manequim, cuidar do estoque e limpar tudo. A loja, por ser grande, não tem
uma quantidade boa de funcionários, o que pesa um pouco o trabalho para
todos que fazem o serviço.
Logo que saio do quartinho, dou de cara com a minha gerente.
Emília Costa, gosta de se sentir a dona de tudo, mas fica com o rabo entre
as pernas quando os verdadeiros donos estão presentes, o que é raro.
— Ah, você já chegou!
Ela olha a hora no seu Smartwatch, levantando uma das
sobrancelhas de henna. Dou um sorriso forçado quando ela levanta o rosto
para mim novamente.
— Na hora certa dessa vez. Preciso que monte e troque os
manequins e me auxilie nas postagens dele nas redes sociais, mas antes
disso, chegou à reposição de alguns estoques e peças novas, preciso que
separe por tamanho, cores, e modelo para facilitar na hora de guardar no
almoxarifado e na exposição das peças.
Assinto, anotando tudo no meu bloco mental.
— Bora! Nada de moleza para você hoje, já que amanhã você não
trabalha.
Graças a Deus!
Consigo lidar com Emília, a única coisa que preciso fazer é colocar
um sorriso forçado no rosto e fazer meu trabalho. E é assim durante cada
uma das seis horas trabalhadas de segunda a sexta.
Preciso deste estágio para poder comprar meus materiais e tirar um
pouco o peso dos meus pais terem sempre que mandar dinheiro para mim.
Quero muito poder não depender deles, ser independente e dar orgulho para
eles, assim como sempre me deram.
Não faz muito tempo que estou trabalhando nesta loja, mas a
oportunidade foi boa para me desapertar em algumas contas, isso é até eu
conseguir algo melhor e que pague bem.

Emília me atrasa um pouco para ir embora e isso me faz quase


perder o ônibus, eu preciso correr para a parada.
Na volta, prefiro pegar um para chegar mais rápido em casa, porém
por ser hora de pico, está cheio, e preciso me apertar um pouco entre as
pessoas.
Faltando alguns pontos antes de minha parada, consigo um lugar
para sentar, e sou presenteada com uma bolsada na cara que quase me faz
ver estrelas.
Bufo, indignada com a falta de educação da pessoa por nem sequer
me pedir desculpas.
Desço do ônibus, me sentindo esgotada, mas sabendo que depois de
tomar um banho e comer um miojo, precisarei estudar e montar o meu
projeto de criação.
Mais alguns passos e avisto o prédio onde moro, que é em um
edifício universitário, dividindo o quarto com Charlotte no segundo piso.
Não é uma maravilha ter que dividir uma cozinha e eletrodomésticos
básicos como todo mundo do mesmo andar, o que pode ocasionar muita
confusão quando menos se espera.
O edifício tem doze andares e funciona da seguinte forma: as
pessoas sabem da condição financeira que têm, baseadas no andar que cada
um mora, por causa dos valores do aluguel. Do primeiro ao sexto piso são
apenas quartos com duas camas de solteiro, além de armários, escrivaninhas
e um banheiro em cada quarto.
Do sétimo ao nono piso são pequenos apartamentos com quarto,
banheiro e cozinha para cada dois estudantes e, do décimo ao décimo
primeiro piso, os apartamentos são bem maiores com direito a dois quartos,
um banheiro, sala, cozinha e o mais importante, lavanderia própria.
As pessoas dos andares inferiores precisam compartilhar uma única
lavanderia, que é outra causa de confusão.
E tem o décimo segundo, o último piso, onde moram apenas as
pessoas com condição melhor, é nele que moram as garotas mais populares.
Subo as escadas que dão para a entrada do prédio e entro no saguão,
vendo alguns estudantes e moradores sentados em sofás no canto direito,
rindo e fazendo barulho.
Sigo direto para o elevador, que, por sorte está aberto, porque seria
uma morte subir as escadas da forma que estou cansada.
Assim que abro a porta do quarto e acendo a luz, faço uma careta
para a bagunça de Charlotte que está do lado dela do quarto. Minha amiga
consegue ser desorganizada e relaxada com as coisas dela, o que é o meu
oposto.
Tiro a bolsa das costas e coloco no gancho, onde costumamos
colocar as bolsas e casacos. Pego uma blusa do chão, no meio do caminho
até o banheiro e coloco em cima da sua cama.
Dobro minhas roupas sujas para colocá-las no cesto depois que
tomo banho, escolhendo vestir uma roupa quente pelo frio que está fazendo
hoje, mesmo com o aquecedor do quarto ligado.
No momento que estou penteando meus cabelos molhados, escuto o
barulho de carro parando pelo lado de fora do prédio.
Por morar no segundo andar, os sons do lado de fora ficam mais
audíveis, me aproximo da janela, vendo uma Mercedes da cor preta parada.
A porta do lado de trás do passageiro abre, e vejo Charlotte descendo, ela se
inclina para dentro para beijar o rostinho gorducho de Ayla.
Minha visão muda para o banco da frente quando o vidro abaixa e
vejo Eros com sua expressão inabalável de sempre e, ao seu lado, no
assento do passageiro, está Gabriel. Presumo que Charlotte, Ayla e Artho
estão no banco de trás.
Eros, parecendo sentir que estou encarando-o, mesmo com a pouca
distância, vira a cabeça em direção à janela.
Não tenho para onde fugir, Eros me encara, tenho a leve sensação de
que vejo um sorriso mínimo aparecer em seus lábios, mas, por causa da
longitude, não consigo ter certeza. Isso me faz lembrar da cena do
restaurante e o quanto ele foi um idiota.
Tenho vontade de arremessar algo pesado e grande para acertar seu
carro, que grita dinheiro, mas a única coisa que tenho é minha máquina de
costura e isso seria um prejuízo para a minha bebê, então, pela vida de
quebra galhos que minha máquina me dá, decido que Eros não merece nem
isso.
Seu carro passa uma visão de riqueza, poder e elegância, assim
como o dono. O arrogante do Eros fecha novamente a janela do carro dele,
e Artho, que estava do lado de fora do carro com Charlotte, deixa um beijo
nela e entra no carro novamente.
O carro sai e a mãozinha de Ayla pela janela dando tchau para
minha amiga. A irmãzinha de Artho consegue ser a coisa mais fofa do
mundo. Fico pensando se consegue derreter o turrão que Eros é o tempo
todo.
Ainda estou na janela, terminando de pentear os cabelos quando a
porta se abre e Charlotte entra.
— Já chegou? — pergunta, jogando sua mochila no chão, junto com
seu casaco, franzo a testa, provocando uma careta logo em seguida.
Charlotte vendo isso, se abaixa, pegando a bolsa, pendura ela e o
casaco no gancho, me olhando com um gesto de: “Está satisfeita?”
— Sim — respondo para as duas perguntas.
— Como foi hoje?
— Do mesmo jeito como sempre, acho que Emília me odeia —
resmungo.
— Você e todas as meninas que trabalham lá.
Dou risada. Isso com certeza é verdade.
— Você vai amanhã com a gente ao Bar, né? Não quero ir sem sua
companhia.
Sento na cadeira da minha mesinha de estudo, e giro para poder
olhar para ela.
— Amiga, você tem o Artho, que vai ficar o tempo todo ao seu lado.
Ela cora, e sei o quanto minha amiga tem sentimentos por ele e vice-
versa, porém ainda não entendi por que os dois não têm nada sério ainda.
— Não é a mesma coisa.
— O Eros vai? — pergunto, e ela assente. — Claro que vai, eles
sempre estão reunidos.
— Ainda não entendo toda a implicância entre vocês dois.
— Você sabe que sempre senti que ele nunca foi com a minha cara e
agora que estou mais presente, ele demonstra que não sou bem-vinda.
Ela senta na cama para tirar a bota coturno tratorada e eu sorrio
orgulhosa. Desde que entrei na vida de Charlotte, ela tem se vestido muito
melhor, sem aquelas roupas folgadas, camisetas de super-heróis e sem
estilo.
— Artho falou para não ligar para ele, Eros é daquele jeito o tempo
todo.
— Porém fica pior quando estou por perto, e tenho certeza de que
com você ele não é totalmente fechado.
Ela dá de ombros. Todos do clube já gostam muito dela.
Charlotte, sabendo que vou implicar se deixar a bota jogada como
costuma fazer, revira os olhos para mim e deixa a bota em um cantinho do
quarto.
— Conversamos mais sobre os planos depois? Preciso de um banho
agora, e depois arrumo alguma coisa para comermos, antes de irmos para a
aula de pole dance.
Aquiesço.
É até engraçado ver que Charlotte não perde mais nenhuma aula
durante esses três meses. No primeiro dia ela queria desistir, foi tão
dolorido que até eu pensei na mesma coisa.
As marcas roxas na pele decorrentes das aulas, as dores nos
músculos, as quedas, foi tudo um processo doloroso, mas conseguimos
lidar.
Quem diria que eu iria conseguir convencer Charlotte Castro, a
pessoa mais tímida que eu conheci em toda minha vida, a fazer aula de pole
dance comigo? Com apenas dez dias convivendo juntas?
Isso é sim um milagre que eu consigo fazer.
Raquel
Quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Estico o meu braço com o desenho do vestido em minhas mãos para
inspecionar a minha obra e fico orgulhosa. O vestido será da cor preta, feito
com seda com a saia rodada em cima da coxa, alça fina e por cima o tule,
costurado em camadas.
Começo todo o trabalho de tirar as medidas e fazer o corte no tecido
para poder costurar os pedaços que formam a parte de cima.
Foi preciso usar Charlotte em alguns momentos como minha
modelo, enquanto ia ajustando os detalhes. O trabalho ainda nem estava
finalizado e só parei porque minha amiga me obrigou a comer.
Me estico na cadeira, meus músculos doendo por ter passado horas
sentada, levantando poucas vezes.
Vou para a cozinha, onde Charlotte está terminando de colocar o
almoço que fez nos pratos. O macarrão espaguete com molho ralo e com
poucas salsichas cortadas em rodelas está com a cara boa e cheiro também,
nem espero muito tempo para comer. Tinha dias que éramos privilegiadas
em comermos isso e não somente miojo, e isso quando não tinha o caso de
ter que dividirmos.
Fico na cozinha para lavar as louças que sujamos. A regra do nosso
andar é clara, quem suja, lava. Assim não causa muito problemas entre os
estudantes.
Passo o resto da tarde tentando adiantar ao máximo o trabalho antes
de começar a me arrumar para ir ao Bar com Charlotte e o clube. Nós duas
decidimos que encontraríamos eles lá.
Charlotte e eu andamos as duas quadras até o Bar Culture com os
braços entrelaçados, a noite está bem fria, o que me impediu de vir de saia e
meia calça, escolhendo calça jeans, blusa de manga longa branca e casaco
xadrez e bota com saltinho cano médio.
Antes de entrarmos, pagamos a nossa entrada e pegamos a pulseira,
que esperei Charlotte colocar em mim e eu nela para entrarmos em seguida.
Hoje o tema da festa é Rock Nacional, que curto muito por sinal, e
por ser feriado, o bar está cheio como imaginei, mas isso não impede de
localizarmos a mesa em que Artho, Dimitri e Natan estão sentados.
— Vou pegar um chope para a gente — digo a Charlotte, próximo
ao seu rosto, por conta do som alto da banda ao vivo que está tocando.
Ela anui, indo em direção à mesa em que os meninos estão,
enquanto sigo para o outro lado para comprar as fichas.
Acaba sendo bem rápido e preciso dar a volta para ir até o balcão do
bar com as fichas em mãos para pegar nossas bebidas.
Enquanto espero o barman atender alguns clientes que já
aguardavam antes de mim, dou uma olhada em volta, balançando o corpo
na batida da música.
Passando os olhares superficialmente pelo local, encontro Eros na
ponta do balcão do bar, conversando com uma mulher que está de costas
para mim. Ela passa a mão pelos músculos do peito dele, coberto apenas
com uma regata branca, que contrasta com a jaqueta de couro preta, estilo
cretino atraente.
Seu cabelo loiro está bem penteado e a barba bem feita, tomando
seu maxilar bem desenhado. Sua expressão relaxada, enquanto bebe a
cerveja do seu copo, denota que ele está com os planos de ficar com ela.
— Ele é muito gostoso, não é?
Olho para a pessoa ao meu lado que fez o comentário e confirmo
que está falando comigo. A ruiva aponta com a cabeça em direção a Eros,
ela deve ter me pegado encarando-o tempo demais.
— Daria tudo para ter uma noite com ele.
Bufo.
— Não entendo o que vocês veem nele. — Olho para Eros
novamente. — Ele não é nem tudo isso que vocês dizem, como se fosse um
deus.
Ter o nome de um deus não o torna um. Eros, deus do amor, é o
oposto de Eros cretino e destruidor de corações.
Ela me olha como se eu fosse louca pelo comentário que acabei de
fazer, mas ignoro, entregando as fichas para o barman. Pego as bebidas e
antes de sair me viro para a ruiva novamente.
— Tenho certeza de que se você chegar nele com esse sorriso
meloso e esse olhar de encantamento, mexer um pouco os cabelos desse
mesmo jeitinho que fez enquanto o encarava, ele vai te dar a chance de
passar a tão sonhada noite que você quer com ele.
Sigo para a mesa, colocando o copo com chope em frente a
Charlotte, antes de me sentar e beber um longo gole.
Cumprimento os meninos com um aceno rápido, e parece que para
Artho não é o suficiente.
— Oiapoque. — Reviro os olhos, ele sabe o quanto esse apelido me
irrita.
— Becker, algum dia vai deixar de ser chato?
— Jamais.
Escuto sua risada sendo acompanhado pela de Natan.
— Não é justo somente eu ter esse apelido horrível — resmungo.
— Mas eu também tenho, Raquel — Charlotte declara, dando de
ombros.
— O seu não conta, amiga. “Mulher Maravilha”, Artho pensou
nesse com carinho.
Observo suas bochechas rosadas mesmo com o ambiente não tão
claro do bar. Artho esboça um sorriso presunçoso e beija a bochecha dela.
Bebo mais do chope e olho para frente, procurando Eros, que está
no mesmo lugar, porém agora sentado no banco com a mulher entre suas
coxas.
— O que foi? — escuto Charlotte sussurrar no meu ouvido,
aproveitando que os três estão engatados em uma conversa deles.
Charlotte, percebendo para quem estou olhando, solta uma risadinha
ao meu lado.
— Não entendo o que elas veem nele — resmungo. — Ele é tão...
Eros.
— Mas amiga, você já viu algo nele também na época que ficou
interessada.
Desvio o meu olhar de Eros para encarar Charlotte.
— Isso é passado, aquela era outra Raquel, essa sabe o quanto ele
consegue ser insuportável e idiota.
— Uhum.
— Não acredita em mim?
— Não disse nada, mas a forma que está se importando com esse
fato, me mostra o contrário dessa “nova Raquel”. — Ela faz aspas com a
mão.
— Você está andando muito com o Artho.
— O que tem eu? — Artho pergunta quando escuta eu dizer seu
nome.
— O senso de humor da Charlotte melhorou depois que conheceu
você.
Ele ri, passando o braço pelos ombros dela.
— Sou uma perfeita companhia, Raquel, já deveria saber disso.
— Você não cansa de ser convencido?
Dou risada.
É instantâneo como meu olhar está sempre procurando Eros. O vejo
caminhando em direção a saída do bar com a sua acompanhante, que está
grudada nele desde quando cheguei.
Ela deve estar se sentindo como um pinto no lixo por ter sido a
escolhida da noite por Eros.
Depois da sua saída, tento focar na conversa da mesa, meus olhos
indo em direção à porta algumas vezes. Em determinado momento, Natan
sai para comprar bebida para a gente e minhas economias agradecem.
A banda começa a tocar a música Cedo ou Tarde do Nx Zero e eu
surto por ser uma das minhas preferidas, em seguida, Na Sua Estante de
Pitty é tocada e Charlotte me acompanha na cantoria.
É nessa vibe que passamos a próxima hora.
Foi em uma dessas olhadas para a entrada da porta do bar, que vi
Eros entrando, sozinho. E quando penso que ele vai vir direto para a nossa
mesa, ele muda de direção, indo se sentar em um dos banquinhos do balcão.
— Vai lá falar com ele — Charlotte diz para mim.
Pelo jeito, ando passando tempo demais encarando Eros para ela já
ter percebido pela segunda vez.
— Claro que não, por que eu faria isso?
Charlotte está me provocando, retribuindo exatamente a mesma
coisa que fiz com ela quando conheceu Artho.
Vejo uma mulher parar ao seu lado, e reconheço a ruiva que falou
comigo mais cedo. Pelo jeito não era só eu monitorando Eros.
— Vai lá, tenho certeza de que Eros vai deixar a sem graça da ruiva
de lado para te dar atenção. — Charlotte ri, continuando a provocação.
— Só se for para matarmos um ao outro. Você mesma já viu como é
quando estamos próximos.
A música Do seu Lado de Jota Quest começa a ser cantada pela
banda e encaro Eros novamente, neste momento o pego me olhando
também, a intensidade que eu sinto, mesmo com a distância, me faz
arrepiar, mas logo o isso é cortado quando um cara para ao meu lado.
— Oi, Raquel — reconheço ele como amigo de uma das meninas do
meu curso.
— Oi...
— Caio. — Ele sorri, dizendo seu nome.
— Isso. Caio. — Sorrio de volta.
— Vim perguntar se não quer beber algo comigo.
Ele olha para minhas companhias à mesa. Caio parece ficar
desconfortável com o olhar de Dimitri, eu o entendo bem.
— Podemos deixar esse convite para outro momento? — pergunto.
— Hoje eu só quero curtir com a minha amiga.
— Claro — ele responde, sorrindo. — Deixamos para uma próxima.
Assinto e ele parece praticamente correr da minha mesa, e tenho
uma leve impressão que é por causa de Dimitri e o quanto ele parece
assustador.
— Por que recusou?
— Por que eu não recusaria? A noite é nossa hoje, já faz um tempo
que não temos saído juntas por conta das nossas aulas, do estágio.
Charlotte sorri, passando o braço pelo meu.
— Que assim seja!
Brindamos nosso chope, dando risada. Eros chama minha atenção
novamente e ele desvia o olhar de mim quando percebe que o peguei me
olhando.
Tento focar na conversa com o grupo e não na mão de Eros apoiada
agora entre o fim das costas e início da bunda da ruiva. É claro que ela tem
chances de ficar com ele, é estudante de Medicina e bem popular no curso.
Viro o rosto para Dimitri, que não esboça reação com a conversa
que está tendo, observa tudo calado, volta e meia fazendo um comentário.
Natan, por outro lado, mesmo mais quieto que o irmão, se inclui o tempo
todo na conversa.
Estranho o fato de eles preferirem estar sentados com a gente do que
à caça, como seus amigos. Pensando nisso, percebo que não vi Gabriel e
nem Lion por aqui.
O engraçado é que cada membro do clube tem uma personalidade
diferente, me instigam curiosidade em saber mais sobre eles, acho que não
só em mim, mas todas as mulheres que conhecem os cretinos.
Dimitri me pega olhando para ele, e me arrepio pela forma intensa
que franze o cenho, travando o maxilar, com uma expressão quase
assassina.
Foco meu olhar em outro ponto para fugir do dele, e para o meu azar
meus olhos caem justamente em Eros novamente, que agora está saindo
com a ruiva ao seu lado. Não consigo entender por que isso me incomoda,
Eros está agindo como o cretino que ele é, nada mais que isso, faz parte da
natureza dele.
Deveria estar feliz pelo fato de eu não precisar suportar a presença
dele.
— Ainda por cima é todo fácil, pega qualquer uma.
— Disse alguma coisa? — Me assusto quando escuto a voz rouca de
Dimitri.
Balanço a cabeça freneticamente e dou um sorriso forçado.
Uso esse instante para pedir à Charlotte para me acompanhar até o
banheiro, pois os quase três copos de chopes, me deixaram apertada.
— Você percebeu o quanto Dimitri é assustador? — comento com
Charlotte quando estou lavando a mão, depois de sair da cabine do
banheiro.
— Meu Deus! Eu jurava que era só eu que achava isso. Ele me
assusta às vezes, mesmo só com aquele olhar.
— Ele me assusta sempre.
Damos risada.
— Ele tem aquela expressão assassina, juntando com as tatuagens,
então...
— Uma vez, perguntei a Artho sobre Dimitri, mas ele não quis me
contar — Charlotte comenta, arrumando o cabelo em frente ao espelho.
— Eles são bem fiéis uns aos outros.
— Não é à toa, se conhecem desde crianças. Eu sei que os meninos
eram muito apegados aos pais do Eros e, quando eles morreram, ficaram
bem abalados.
— Foi um choque para todo mundo na época — digo.
Lembro que saiu no jornal e tudo, foi um assunto bastante falado em
Chuí.
Aproveito para retocar o batom que saiu enquanto eu bebia, antes de
sairmos.
— Percebi que você está bem inquieta — ela fala, me olhando
através do reflexo do espelho.
— Impressão sua — contesto.
— Te conheço tão bem, Raquel, esses quase quatro meses de
convivência me mostraram como reage quando está triste, feliz, inquieta,
chateada.
— Mas estou bem — afirmo.
Eu também sei ler Charlotte, quando algo está incomodando-a. Nos
aproximamos tanto e duvido que se eu não tivesse forçado a conversar com
Charlotte no primeiro dia, ela tímida como é, não teria feito.
Ela ri, e sei que não a convenci.
Saímos do banheiro, o som abafado da música voltando ao normal.
Nos sentamos para curtir mais um pouco, pois logo mais teríamos que ir
embora por causa das aulas no dia seguinte.
A hora que se seguiu, não vi mais Eros. Talvez ele tenha resolvido
finalizar a noite com a ruiva, pois não vi a cara dela também.
Artho decidiu levar Charlotte e eu até o Edifício, pois já estava bem
tarde para voltarmos sozinha, e duvidava que ele, sendo praticamente
namorado dela, deixaria isso acontecer.
Mesmo saindo de dentro do bar, me recusei a procurar Eros pelo
lado de fora, e foi exatamente o que eu fiz, mesmo no caminho todo até o
Edifício, a imagem dele e olhar intenso que me deu, vindo o tempo todo na
minha mente.
Eros
Sábado, 25 de novembro de 2017
— Você tem previsão de quando vai vir para São Paulo?
Continuo a rodar a caneta entre os meus dedos depois da pergunta
do meu advogado e nego com a cabeça. Acabamos de encerrar uma reunião
que tivemos com alguns sócios por vídeo-chamada, onde discutimos os
relatórios da quinzena do mês de novembro.
— Sem previsão até o momento, Miguel. Acabei de entrar nas
revisões finais das matérias antes das provas e não vejo como poderei estar
viajando.
Ele suspira e assente, mas sabe que não é somente esse o problema.
Miguel Santos é um senhor de mais de cinquenta anos que foi
melhor amigo dos meus pais, além de advogado da Editora, esteve com os
Giordano a anos e, mais uma vez, ele continua.
— Eu confio em você estando aí e cuidando dos negócios para mim.
— Eu sei, mas seria bom ter você aqui às vezes, monitorando de
perto como a Editora está seguindo, ir pegando o jeito até você vir de vez
ano que vem.
— Não é fácil dirigir por mais de quatorze horas de carro e ficar
somente um fim de semana.
Vejo pela tela seu cenho se franzindo, o pesar das minhas palavras o
afetando.
— Como estão indo as consultas?
Desvio o olhar dele, me sentindo mal por ter vontade de mentir para
uma das únicas pessoas importantes para mim.
— Não estou indo, não estava vendo resultado nenhum e desisti —
escolho a verdade, e travo o maxilar quando vejo sua expressão de
desgosto.
— Eros, você sabe que não é assim que funciona...  — começa a
protestar, porém ele para, sabendo o quanto sou cabeça dura e teimoso para
aceitar.
— Quero que respeite a minha decisão, Miguel.
Ele anui, depois de soltar um longo suspiro.
— Tudo bem. Temos mais alguma pauta para ser trabalhada?
— Não, por enquanto é somente isso.
— Ok, finalizamos por aqui, mas tarde te ligo. Se cuida, Eros.
— O senhor também.
Nos despedimos e abaixo a tampa do notebook. Relaxo melhor na
cadeira, olhando em volta do meu escritório, que fica no último andar da
Editora.
As fotos dos meus pais em cima da mesa me chamam atenção.
Deixo a caneta ao lado para pegar o porta-retratos. Gustavo e Elena
Giordano e, ao lado deles, eu.
A foto foi tirada um mês antes da morte deles na minha formatura
do Ensino Médio. É horrível pensar que eles se foram cedo e só eu fiquei. A
dor que carrego até hoje, mesmo tendo passado três anos e meio. A vida foi
tão injusta comigo.
Fecho os olhos tentando lembrar o último momento em que vi o
rosto da minha mãe, o sorriso dela ou meu pai com o seu jeito brincalhão
que encantou meus amigos logo que se conheceram.
E pensar que eles foram naquela maldita viagem chateados
comigo...
Levanto da cadeira, indo para uma das janelas de vidro que vai do
chão ao teto, sentindo minha respiração acelerar, tomado pelo remorso.
Odeio sentir o que essas lembranças me causam.
Se eu pudesse voltar atrás, teria feito tudo diferente, mesmo se
soubesse que os perderia.
Visto minha jaqueta, e guardo o relatório e meu notebook na bolsa
para ir embora. É sábado à tarde, o que significa que a Editora está fechada
e silenciosa, tendo somente os seguranças.
Pego o elevador direto para o subsolo, onde fica a garagem.
Meu Porsche destrava quando aperto o controle para entrar. Ao sair
do prédio, ativo os sons de notificação do meu celular e ligo a internet, para
logo ele começar a apitar.
Deve se tratar de várias mensagens com convites para festa, como
sempre, porém a festa hoje vai ser em casa, e modéstia à parte, são as
melhores, tirando as brigas que um de nós sempre arrumamos.
Logo saio do centro da cidade, pegando a estrada que dá para casa.
A subida é rápida e longa e em menos de cinco minutos estou
avistando a casa com muros altos feito de pedras com trepadeiras tomando
toda a parte.
Aperto o controle do portão para ser aberto, e antes mesmo de estar
na frente do portão de ferro. Entro passando pelos cem metros até a
garagem, que são rodeados pelo jardim bem cuidado.
Estaciono meu carro em frente à minha Mercedes, ao lado da moto
de Artho. Caminhando para a entrada da casa, olho para cima, observando a
placa escrita com letras garrafais “Clube dos Cretinos”.
A ideia de criar o clube foi de Lion, assim que fui traído. A nossa
promessa era nunca se apaixonar por ninguém, isso vem dando certo para
nós, quero dizer, quase todos, já que Artho está bem laçado.
Hoje eu vejo a ideia do clube como algo engraçado, mas na época
que descobri as traições da minha ex-namorada, estava possesso de raiva e
me achando um trouxa por ter caído na lábia dela.
Havia entregado meu coração a uma mulher que o arruinou.
Quando entro em casa e tiro minha jaqueta, colocando no gancho de
entrada, percebo que algum dos caras deixou jogado um casaco no chão.
Reviro os olhos.
Darth Vader aparece, abanando o rabo quando me vê, e eu me
ajoelho, esperando o rottweiler da cor preta e com cara de ameaçador
chegar perto para conversar com ele.
— E aí, garotão, se comportou bem? — acaricio ele, passando a
mão pelas suas costas e pescoço, enquanto ele pula em cima de mim. —
Acho que sou o único bem recepcionado quando chego.
Ele solta um gemido baixo de contentamento.
— Que traíra! Ele não faz nem questão de olhar para mim quando
chego — Gabriel aparece, reclamando da atitude de Darth.
Dou risada.
— Talvez porque você seja chato e goste de irritá-lo.
— Até parece, o chato aqui é você e todo mundo sabe disso, até
mesmo a amiga da Charlotte deixou explícito no almoço esses dias.
Bufo ao ouvir a menção a Raquel. Não acredito que fiquei o
semestre passado a observando no Restaurante Universitário, vendo-a
desfilar suas curvas em botas de salto e minissaias provocantes.
Um semestre inteiro pensando na forma de chegar na garota que
fazia meu coração acelerar, depois de eu ter pensado que ele estava
congelado e nunca mais poderia bater por alguém.
Até perguntei o nome dela a um colega do meu curso. Já o tinha
visto andar com a turma dela algumas vezes. Ele me disse que ela se
chamava Raquel Mendes e que me conseguiria o telefone dela.
Em vez de me passar o número, vi o filho da puta ficando com ela
na mesma semana, em uma boate do centro.
Eles continuaram saindo pelo resto do semestre.
Quando ela voltou das férias do meio do ano, foi Artho que não
perdeu tempo e a pegou com a maior facilidade. Agora, a garota que
despertava meu interesse, só me causa desprezo.
Aquela mulher enxerida e insuportável. Não posso crer que os dois
ficaram, não posso aceitar que um dia já tive algum interesse nela.
— Raquel é irritante, não entendo por que está sempre junto com a
gente agora — resmungo. Só o fato de pronunciar seu nome já me deixa de
mau humor.
Levanto do chão, chamando Darth para me seguir até a cozinha,
cumprimentando Marcela, nossa colaboradora, responsável pela limpeza da
casa, que está passando pela cozinha indo em direção à área de serviço.
— Talvez por que ela seja amiga da Charlotte, que é namorada do
Artho, né, gênio? — ele ironiza.
Sorrio de costas para ele. Abro o armário para pegar um pacote de
salgadinho.
— Isso não dá o direito de ela se meter onde não é chamada.
— Está dizendo isso por causa da conversa que tivemos na noite do
aniversário do Artho?
Viro para ele, semicerrando os olhos.
— Lion me contou tudo, até a parte do pau...
— Cala a boca. — Jogo o saco de salgadinho em cima dele, que o
pega, abrindo enquanto gargalha.
— Lion disse que foi uma conversa calorosa, que achou até que
rolaria uns tapas da parte dela, que estava bem furiosa com você.
— Aquele fofoqueiro do caralho.
— Por que você causa essa reação nas mulheres? — pergunta,
apoiado na ilha. — Você está sempre deixando elas furiosas com você.
— Talvez seja o fato de elas quererem algo que não posso dar? —
afirmo ao mesmo tempo que pergunto como se fosse óbvio.
— Mas eu também não prometo nada a elas, e não sou tratado desse
jeito.
Vou em direção à saída da cozinha, cansado dessa conversa
desnecessária.
— Eros — ele me chama e paro ainda de costas para ele, me
arrependendo de ter feito isso quando escuto suas palavras. — Acha que eu
teria chances com a Raquel?
Me viro, estreitando os olhos para ele, sentindo o sangue em minhas
veias esquentar com a sensação de que corre mais rápido.
— Porra nenhuma que você vai — rosno. — Ela não, Gabriel. Fica
longe dela.
Gabriel para de mastigar, surpreso com a minha reação.
— Mesmo se ela quiser? Tirando Natan, nunca tivemos problema
em pegar mulheres que o outro já pegou — brinca, mas volta atrás quando
não reajo bem com o seu comentário e volto a me aproximar dele, que
levanta as mãos em rendição.
— Ei, relaxa, cara. Só foi uma pergunta — ele se defende.
— E estou respondendo — digo. — Raquel está fora do seu alcance.
Espero que eu esteja sendo claro com ele.
— E por quê?
Volto a virar as costas para sair do cômodo, me dando conta de que
se eu ficar, terei que explicar a Gabriel a minha reação, e não estou a fim, já
basta Artho no meu pé.
— Não enche, Bibi — provoco, o chamando pelo apelido que uma
de suas ficantes deu a ele, e que sei como ele odeia, isso bem antes de surgir
o Clube e a promessa.
Subo correndo as escadas de dois em dois degraus, quando ele
ameaça vir atrás de mim e escuto ele no andar de baixo me xingando.
Viro para o corredor, onde fica meu quarto, e dou de cara com
Dimitri fechando a porta.
Paro a dois metros dele e o olho, desconfiado, percebendo que ele
está mais arrumado que o de costume.
— O que vai fazer essa noite? — me pergunta, dando ainda mais
brecha para minha curiosidade.
— Nada — respondo. — E você? Esbarrou no vidro de perfume e
ele quebrou em cima de você ou o quê?
Dimitri empina o queixo, mas acaba rindo. O conheço há mais de
duas décadas e meia, e só o vi se importar com a aparência assim uma vez.
E eu sei que deu terrivelmente errado.
— Ótimo, preciso de você — Dimitri diz, passando por mim e
batendo no meu ombro levemente.
Dou meia volta e o sigo, enquanto tento lembrar o nome da única
garota com quem ele se envolveu na vida, antes daquele mês fatídico em
que tudo deu errado.
Foi há muito tempo, ainda estávamos no colégio.
— Ela voltou à cidade? — o questiono, quando chegamos ao
patamar da escada.
Dimitri para e me olha com frieza. Não esperava que eu fosse
recordar aquilo.
— Como sabe? — me pergunta. Mesmo o conhecendo tão bem,
ainda sou pego de surpresa quando ele me lança um olhar tão congelante.
Faz parecer que há um abismo entre nós, que foi construído nos
meses em que ele ficou no reformatório.
Ele sempre foi o mais sério e intimidador dos seis, mas não com os
amigos. Ele olhava com frieza para as pessoas de fora, mas depois que ele
foi solto, alguma coisa mudou dentro dele.
— Desconfiei. — Dou de ombros. — Tem certeza de que é uma boa
ideia rever a sobrinha do delegado?
— Você só faz as coisas que considera boas ideias? — pergunta e
começa a descer os degraus.
Eu me recusaria a ir se fosse Lion ou um dos gêmeos,
principalmente Gabriel, ainda mais com a mente cansada da reunião. Mas
não consigo negar nada a Dimitri ou Artho, por isso o sigo para fora da
casa.
— Qual é a minha função? — O vento frio toca meu rosto. O céu
está limpo e eu localizo com facilidade minha constelação.
— Seu carro é muito mais silencioso que o meu. Você vai me levar
até a fazenda, vai parar alguns metros antes da entrada, deixar o carro
ligado e com os faróis apagados. Se alguma coisa der errado, eu corro para
o carro e você acelera — Dimitri explica com praticidade.
— Tem certeza de que uma boceta vale o risco? — cometo o erro de
perguntar.
Ele dá um passo na minha direção e vejo seu punho fechado.
Endireito a postura e ergo a cabeça para mostrar que não tenho medo dele,
mesmo assim, me desculpo.
— Foi mal, eu não sabia que ela ainda era tão importante para você
— murmuro, ainda sem recordar o nome da garota.
— Lívia foi só uma boceta pra você? — Dimitri insulta, ao dar a
volta no Mercedes e abrir a porta do carona. — E quanto a Raquel, ela é só
uma boceta?
É a vez das minhas mãos se fecharem em punho. Sinto um tremor
tomar conta dos meus membros e a raiva fazer o sangue nas minhas veias
arderem.  Afundo a mão na maçaneta para abrir o lado do motorista e sento
no banco.
— Que porra aconteceu com vocês hoje para tocar no nome daquela
insuportável?
— Lívia ou Raquel? — Dimitri pergunta com frieza, como se me
torturar não lhe causasse nenhuma empatia.
— Lívia é uma traidora do caralho — respondo com o coração
batendo forte. — Raquel é tão insignificante que nem vale a pena discutir.
— Ela é tão insignificante que você passa o almoço inteiro olhando
na direção dela, mas é tão orgulhoso que vai deixar um pequeno detalhe
arruinar tudo — Dimitri me julga, enquanto dou partida.
— Como é mesmo o nome da sobrinha do delegado? — pergunto,
dirigindo pela estradinha de pedra até o portão.
— Giulia, por quê?
— Você ainda estaria indo encontrá-la desse jeito se soubesse que
Artho, Lion, ou até um dos gêmeos a agarrou primeiro? Sem contar seu
colega de turma.
Olho por um instante na direção de Dimitri, mas é o suficiente para
ver que ele entendeu.
— Se você tivesse chegado nela antes — ele começa —, ou tivesse
deixado claro que estava a fim dela, tenho certeza de que Artho não teria...
— Entenda — digo com o tom de voz sério, enquanto dirijo até um
drive thru para comprar um lanche. — Não fui e não sou a fim daquela
garota metida.
É uma grande mentira, mas eu não admitiria.
— Sei — Dimitri murmura, pegando o celular do bolso e tirando o
foco de mim.
Quando recebo meu pedido, enfio uma porção de batata frita na
boca e dirijo até a fazenda dos pais de Giulia.
Tenho uma memória excelente, e consigo me lembrar com clareza a
primeira vez em que estivemos aqui.
— Ela não era da nossa turma — digo, enquanto Dimitri se ajeita no
banco —, mas fomos convidados para o aniversário de quinze anos dela.
Foi de última hora, não é?
— Sim, eu fui convocado de última hora e não viria sem vocês —
ele responde, enquanto manda mensagem no celular.
— Me lembro. Éramos os garotos mais velhos, todo mundo nos
respeitava — comento, sentindo a nostalgia tomar conta de mim.
— Nos respeitam muito mais agora.
— Sim, mas naquele tempo não éramos fodidos da cabeça como
agora — acrescento.
— Fale por você, Eros, porque eu sempre fui — Dimitri diz e desce
do carro. — Não esqueça, mantenha as luzes apagadas e o motor ligado.
— Do que adianta, se dá para sentir a porra do seu perfume do outro
lado da propriedade? — brinco, mas ele não liga.
O vejo desaparecer na estrada escura para encontrar uma garota que
ele não poderia sequer olhar na direção. É arriscar muito por alguém que
provavelmente vai decepcioná-lo até o próximo semestre.
O barulho dos grilos e das rãs é minha única companhia na próxima
hora, e meu celular pesa no bolso da calça. Desbloqueio a tela e tento não
entrar no Instagram, mas o ícone do aplicativo parece gritar meu nome.
Odeio clicar no botão de buscar e ver que o perfil dela aparece sem
que eu precise digitar uma única letra, odeio que seu maldito nome seja tão
frequentemente pesquisado que já fique salvo ali.
— Vamos lá, Raquel Mendes — sussurro. — Vou te dar o gostinho
de olhar suas fotos só mais essa vez, e juro que vou esquecer a droga do seu
perfil.
Passo a próxima hora olhando as fotos e vídeos que já vi tantas
vezes, tomando todo cuidado para não esbarrar no botão do like.
É uma merda que eu não possa clicar nos seus stories. Não lhe daria
esse gostinho de saber que visualizei.
Quando avisto a silhueta de Dimitri vindo em direção ao carro, enfio
o celular no bolso, como se tivesse sido pego fazendo uma coisa errada,
quando, na verdade, quem está cometendo erros aqui é ele.
— Valeu a pena? — pergunto quando Dimitri afunda no bando do
passageiro.
— Muito — ele diz e passa a mão no cabelo. — Agora acelera,
vamos dar o fora daqui.
Eros
Sábado, 2 de dezembro de 2017
Saio do quarto com a intenção de ir até a cozinha, pegar algo para
comer e relaxar um pouco, estava há horas organizando um cronograma
para ser passado para o diretor da Editora na segunda-feira.
No corredor, vou em direção às escadas, mas um ponto rosa me
chama atenção. Minha cabeça vira para essa direção, encontrando um
toquinho de gente se erguendo nos pezinhos gorduchos dentro de um par de
tênis branco e de moletom rosa, tentando alcançar a maçaneta da porta do
quarto para abri-la. Seu cabelo castanho claro, presos em um rabo de
cavalo, balançam com o movimento e tenho vontade de rir.
Ela continua a persistir, para entrar no quarto, não um quarto
qualquer, mas os dos meus pais quando ainda estavam vivos. Não lembro a
última vez que entrei nele e não faço ideia de como as coisas estão lá
dentro.
— O que você está fazendo aí, Batatinha?
Ayla grita quando é pega no flagra e dou risada, quando ela coloca
as mãozinhas gorduchas no rosto, tentando se esconder.
Vou a passos rápidos até ela, a pegando no colo e jogando para cima
para escutar sua risada.
—  Tio Elo! — Ayla chama meu nome, com sua língua enrolada, sua
vozinha alegre, e beijo seu rosto quando a tenho presa em meus braços.
— O que estava aprontando?
Ela sorri, com o dedinho entre os dentes, apontando o dedo com a
outra mão em direção à porta.
— Entlá.
— Ah, você quer entrar? — pergunto, cutucando sua barriguinha de
forma leve, escutando sua risada gostosa mais uma vez.
Ela assente e eu olho para a porta, com uns dois passos, consigo
alcançá-la e abri-la, e ser recebido por lembranças que me causam saudades
e dor.
— Seu irmão disse a você para não vir para esse lado — tento
lembrá-la.
Peguei Artho explicando a ela que não podia entrar neste quarto, e
sei que ele fez isso por mim, mas Ayla é uma criança, não entende ainda a
dor emocional das pessoas.
— Abe, tio Elo. Nenê que entlá — continua apontando para a porta,
tentando descer do meu colo para continuar insistindo em abrir a porta
sozinha. — Quelo entlá, tio Elo.
Fico tentado a fazer cócegas nela, para mudar sua atenção do
pedido. Porém Ayla, sendo tão teimosa como Artho, não desiste.
— Ok, apressadinha.
Estendo a mão, e a porta abre em um clique silencioso e coloco Ayla
no chão para que ela possa correr para dentro.
Sou tomado por uma enxurrada de emoções, enquanto Ayla corre
pelo quarto, direto para a mesinha de um dos lados da cama com as mãos
estendidas para o porta joias.
Tento manter meus olhos fixos nela, mas a lembrança dos meus pais
parece vívida demais aqui dentro. É como se eu pudesse sentir os cheiros,
ouvir suas vozes, como se eles não tivessem partido de forma tão dolorosa.
Franzo o cenho e procuro respirar fundo para aguentar. Já se
passaram anos, mas a culpa por aquele dia ainda me persegue.
Ayla grita ao pegar o porta joias de vidro, balançando-o. Obrigo
meus pés a correrem até ela para alcançar o objeto antes que ela o deixe cair
no chão e se machuque.
— Isso não, Batatinha. — Faço um esforço enorme para soar gentil
com ela, mas minha voz sai mais rouca que o normal.
Solto um pigarro e ela grita, indo para o outro lado do quarto.
Coloco o porta joias no lugar, observando o lugar onde minha mãe dormia.
Me permito sentar na cama, para onde eu costumava correr quando eu era
criancinha e tinha um pesadelo.
A cama ainda está arrumada do jeito dela. Peço para Erika trocar os
lençóis toda semana, como se eles ainda estivessem aqui.
Seguro um dos travesseiros e vejo Ayla se movimentar pelo quarto,
como eu fazia quando era pequeno. Quase posso ouvir a voz da minha mãe
dizendo para eu não correr por aí.
— Deixe o menino brincar — meu pai sempre dizia, quando ela
tentava me refrear.
Eles foram os melhores pais do mundo, mas não foi isso que os fiz
pensar na última vez em que nos falamos.
Me pergunto se eles pensaram em mim no último momento. Esse
questionamento me atormenta todas as noites. Será que estavam chateados
ou me perdoaram pelas coisas que eu disse?
Sinto um caroço na garganta e respiro mais fundo, a fim de controlar
as lágrimas que se formam no meu rosto.
Nos primeiros meses, eu fantasiava que, a qualquer hora, eles
fossem entrar pela porta e minha mãe estaria com seus braços estendidos,
pronta para me abraçar e me encher de beijos como sempre fazia,
independente da minha idade. Mas já faz tempo que deixei de sonhar com
isso.
A realidade é que jamais vou poder vê-los de novo, nunca poderei
me desculpar. Só ficaram as lembranças.
Olho para a sacada e recordo quando meu pai e eu ficávamos vendo
as estrelas pelo telescópio até tarde, enquanto ele me mostrava as
constelações e contava as histórias de quando era mais novo.
Esfrego a mão no rosto e vejo que a atenção de Ayla muda para a
porta do closet. Dou uma risada esquisita ao ver como ela corre de um jeito
atrapalhado, quase tropeçando nos próprios pés.
Me levanto e vou até ela, com medo de que ela se machuque.
O closet está do mesmo jeito que me lembro da última vez que
estive aqui. Nada foi mexido, nem mesmo tirado do lugar, não tive coragem
sequer de doar pertences deles, como roupas, calçados. Nada.
O aroma do perfume de cerejeira que minha mãe amava está no ar.
Sinto ele quando adentro o closet para acompanhar Ayla. O que eu não
daria para sentir esse cheiro ao abraçá-la mais uma vez...
Ayla me distrai dos pensamentos, quando vai em direção a uma das
gavetas para abri-la. Ela apoia as mãozinhas na gaveta para conseguir
levantar os pés e descobrir o que tem lá dentro.
A gaveta pertencia ao meu pai, onde contém diversas gravatas de
cores e estampas diferentes. Ayla consegue puxar uma e, quando percebe
que não é do seu interesse, deixa no chão, seguindo para outra.
Eu brigaria com qualquer outra pessoa que tocasse assim nas coisas
do meu pai, mas dou risada, em vez de ficar bravo.
A pobre gaveta que tem sua atenção agora, é um pouco mais baixa
que a outra. Assim que ela consegue abrir, vejo que se trata das joias da
minha mãe, e isso parece interessar Ayla, que puxa de dentro uma das
caixas pequenas de veludo na cor vermelha com um fecho em ouro.
Ela senta no chão e me sento à sua frente para ajudar a abrir,
aliviado pelos sons da sua risadinha afastarem a dor que estava sentindo
minutos antes.
— Blincos, tio Elo — aponta, pegando alguns anéis e tentando
colocar na sua orelha pequena.
Dou risada.
— Não, Batatinha, isso são anéis — pego sua mãozinha, enfiando
alguns deles em seus dedos, que ficam folgados pelo tamanho grande. —
Viu?
— Anéis? — pergunta com sua voz embolada, e de testa franzida,
me olhando com o rosto sério.
Meu peito dolorido se aquece. Apesar de ela ter sido fruto de uma
terrível irresponsabilidade de Artho, é muito bom tê-la em casa.
— Isso mesmo — confirmo.
Olho em volta, vendo o tanto que o quarto é grande, maior que os
outros da casa. O closet é largo com as duas partes cheias de prateleiras,
gavetas e cabideiros, lotados de roupas e sapatos e muitas joias da minha
mãe, como também relógio caros do meu pai.
— Aí está você — escuto Artho aparecer com uma expressão
agitada, provavelmente estava atrás da pequena espoleta.
Ele se aproxima, trocando um olhar surpreso comigo, por me pegar
aqui dentro, verifica se estou bem e assinto para garantir.
Quando Ayla tem ele na sua visão, ela sorri, amolecendo meu
amigo.
— Tutú — grita, feliz.
— Eu achei que você estava dormindo quando fui conferir, como
conseguiu ser tão silenciosa, minha princesinha?
Ayla dá risada, como se entendesse cada palavra e estende os braços
para ele, que se inclina para pegá-la, deixando beijos na sua bochecha.
Olhando para meu amigo com sua filha nos braços, eu sei o quanto
ele a ama e faz tudo por ela, para que esteja bem o tempo todo, mas isso não
apaga o fato de que Artho foi descuidado o suficiente. Ayla nasceu de uma
irresponsabilidade.
— Encontrei ela tentando entrar no quarto — digo, juntando os
anéis para guardar de volta. Quando me levanto, com tudo organizado no
lugar, vejo que ficou um dos anéis com Ayla, que estende-o para mim e o
pego, enfiando no seu dedinho de novo.
— Não devia ter deixado ela entrar — me repreende e reviro os
olhos. — Eu sei o quanto faz mal entrar aqui por causa da saudade, das
lembranças.
— Artho, está tudo bem. Eu realmente precisava fazer isso e Ayla
foi um meio especial para eu conseguir.
Ela dá risada quando enfio o anel de novo em seu dedinho, vendo-a
tirar mais uma vez para me ver repetir o processo. É tão lindo ver a
inocência de uma criança e como pequenas coisas, mínimas possíveis, as
fazem felizes.
Continuo brincando com Ayla, e agradeço por ela ser uma distração
para não precisar encarar Artho. Ele sorri para ela e beija seu rosto.
— Preciso dar o mamá dela e tentar entretê-la para voltar a estudar e
mais tarde levá-la para a casa do meu padrasto.
— Deixa eu ficar com ela, estava pensando em sair para comer algo
e ela pode ir comigo, de lá eu deixo Ayla com o seu padrasto.
Ele estreita os olhos.
— O quê? Ayla é a melhor companhia que se pode ter.
Meu amigo dá risada, saindo do closet para parar no meio do quarto.
— Disso eu tenho certeza — pergunta ao me olhar. — Mas Raquel
pode ser uma boa companhia também se você deixasse de ser tão ranzinza.
Escutar esse comentário me faz lembrar da época que ele ficou com
ela, e isso não deixa meu humor legal.
— Você está a fim dela há meses, e ainda não entendo por que não
chegou na garota.
— Isso não interessa, Raquel não faz meu tipo. Ela é tão intrometida
e chata, gosta de estar na razão e odeio isso.
— Raquel é igualzinha a você, Eros, só você não percebeu isso
ainda.
Nego com a cabeça. Quando penso em xingá-lo, olho para Ayla, que
tem os olhos vidrados em mim, e sei o quanto essa garotinha é esperta e
está na fase de aprender todas as palavras que escuta.
— Acho bom mesmo — Artho parece ler minha mente quando diz e
abro um sorriso. — Vai mesmo sair com ela? Não quero te atrapalhar, posso
deixar para estudar amanhã, já que hoje tem festa aqui.
— Não é incômodo, Artho. Vai logo arrumar ela e as coisas que
devo levar para a casa de Celso, vou deixá-la na casa dele na volta.
Assente, dando tapinhas nas minhas costas, saindo logo em seguida
do quarto, me deixando sozinho com as lembranças.
Dou mais uma volta no quarto, tocando com os dedos as mobílias. A
cama centralizada no meio tem uma colcha creme, um quadro dos meus
pais pendurado em cima da cabeceira da cama. É uma foto dos dois em uma
viagem de aniversário de casamento.
O sorriso do meu pai ao olhar para minha mãe, tão apaixonado e
feliz, enquanto ela olhava para frente, esperando o fotógrafo bater a foto.
A saudade ainda dói, e é preciso sair do quarto deles para não me
emocionar olhando cada detalhe do cômodo que fez parte da vivência dos
dois.
Caminho para fora do quarto e demoro um pouco para fechar a
porta, que faz o mesmo clique de quando foi aberta antes.
— Está tudo bem? — escuto a voz de Dimitri atrás de mim e me
viro para encontrar meu amigo com o cenho franzido.
Aquiesço, mas não pareço ter convencido. Talvez pelo fato de já ter
se passado um tempo desde que entrei no quarto dos meus pais, por não
conseguir lidar com todas as lembranças.
E ele me pegar saindo de dentro dele, é algo para se questionar
mesmo.
— A Batatinha queria entrar e acabei... — Eu faço um gesto para a
porta fechada e é a vez de Dimitri assentir. — Vou sair para comer algo com
ela, está a fim de me acompanhar?
— Não vai dar, tenho que comprar as bebidas — ele diz, e deixo
uma batida nas suas costas antes de começar a descer as escadas.
— Deixa para a próxima, então.
No andar de baixo, encontro Artho com Ayla vestida com um casaco
da mesma cor que o moletom que estava vestida antes.
— Vamos, Batatinha?
Visto o casaco e estendo os braços para ela, que pula para o meu
colo.
— Não vai passar uma lista para o Eros? — Dimitri pergunta, ao
aparecer logo depois.
— Eu sei cuidar dela.
— Claro que sabe, da outra vez deu um pote de Nutella para ela
comer — Dimitri comenta, rindo, e Artho parece estar a ponto de desistir da
ideia de me deixar sair com ela.
— Dimi, você também foi cúmplice, que eu lembro — jogo a culpa
para ele também, que bufa, sorrindo. — Ayla, dá tchau para seu irmão e o
Dimitri.
Ela faz o que peço, mandando beijinhos também, sem fazer ideia de
que Artho é seu pai.
Aproveito para já ir saindo com ela, e Artho vem logo atrás com
Dimitri no encalço. Artho pega a cadeirinha dela que está ao lado da porta
de saída, com sua bolsa com pertences para deixar na casa do Celso.
— Nada de doces demais, Eros, e muito menos coisa gelada.
— Eu sei! — respondo irônico.
Artho prende a cadeirinha dela e a pega no colo para ele mesmo
colocá-la sentada para passar o cinto de segurança depois. Ele deixa um
beijo na sua bochecha e, em seguida, na sua testa, antes de fechar a porta do
carro ao lado de Ayla.
Dimitri acena pelo vidro para Ayla, que faz o mesmo, toda
empolgada.
— Cuida bem da minha filha, Eros — ele diz baixo, para que Ayla
não o ouça chamar de filha.
Reviro os olhos, ignorando seu comentário. Sempre cuido bem dela.
Aceno, mandando um beijo para Artho e Dimitri, antes de ligar o
carro e sair da garagem.
— Pronta para o passeio, Batatinha?
— Sim! — responde, animada e saio pelo portão sorrindo.
O monitor no encosto do banco de passageiro passa vídeos de
música que agradam Ayla. A viagem de casa até o shopping da cidade é
rápida e logo estou estacionando em uma vaga do lado de fora do prédio.
Nem preciso olhar através da janela do meu Porsche para ver que estou
chamando atenção pelo carro.
— Chegamos.
Saio do carro, indo para o outro lado para pegar Ayla, junto com sua
bolsa. Ao travar as portas e começar a andar pela calçada em direção a
entrada do shopping, consigo escutar os suspiros quando passo ao lado de
algumas mulheres.
Sorrio de lado, e falo com a Ayla.
— Precisamos sair mais vezes juntos, Batatinha, você está fazendo o
titio Eros fazer sucesso.
Ela dá risada, olhando tudo em volta com aquele olhar curioso de
criança pronta para explorar tudo. Vamos direto para o andar da praça de
alimentação. Fico na dúvida do que comprar para Ayla comer, nada parece
saudável para ela.
— É sua filha? Parece com você.
Tenho vontade de rir com a forçação da atendente em puxar assunto.
Ela é uma morena alta, com os cabelos presos em um coque por causa da
touca do trabalho.
— Oi, bebê — a atendente, que tem no crachá o nome de Luísa,
tenta pegar a mãozinha de Ayla, que desvia, deitando a cabeça no meu
ombro.
Ayla não dá muita atenção para a atendente, percebendo isso, a
mulher parece ficar sem graça, mas não deixa de tentar conversar comigo.
— Vai querer mais alguma coisa? — a atendente tem um sorriso
grande no rosto quando me pergunta, depois que eu fiz o meu pedido.
— Não, obrigado.
Faço meus pedidos e depois de pronto, tento fazer malabarismo até
a mesa com a bandeja e Ayla nos braços, recusando a ajuda de Luísa.
A única opção que sobrou de lanche para Ayla, foi o McLanche
Feliz e, de brinde, um brinquedo da princesinha do jogo do Mario Bross,
que Ayla amou.
A voz de Artho veio na minha cabeça quando decidi comprar um
pequeno potinho de sorvete para Ayla.
“O que os olhos não veem, o coração não sente” não é esse o
ditado?
Coloco ela sentada em uma cadeira para a idade dela e sento ao seu
lado. Ela come um pouco das batatinhas e aproveito para comer o meu
lanche, sabendo que sou atração para as mesas ao lado da nossa.
Vejo só depois que levanto o copo da bandeja com a minha bebida
que tem um guardanapo com um número de telefone nele, suponho ser da
atendente Luísa. 
— Gostou, pequena? — pergunto a ela, que tem a mão cheia de
batatinha, tentando enfiar na boca.
Ela balança a cabeça freneticamente.
Foi preciso me distrair um momento com o meu celular, que
começou a tocar no bolso para perder a travessura de Ayla, que conseguiu
alcançar o potinho de sorvete e lambuzar suas mãos e boca.
E só percebo isso quando escuto a voz de Raquel em frente à nossa
mesa, olhando abismada em direção a Ayla.
— Ai, meu Deus! Quem foi o sem noção que deixou ela aos seus
cuidados?
Ah não!
Meu dia estava bom demais para ser verdade.
Aquela coisinha irritante e enxerida, vestida com uma calça jeans
justa, que deixa sua bunda redonda e empinada, com uma blusa branca
decotada, um pouco escondida pelo casaco xadrez.
Subo os olhos para aqueles lábios carnudos e beijáveis em tom de
vermelho, franzidos de desgosto e aquele olhar intenso... aquele maldito
olhar que parece incendiar quando está em mim, e me deixa furioso de
desejo.
Raquel
— Você! — escuto Eros exclamar e bufar.
— E quem mais seria? — Eu volto a olhar para Ayla, que tem a
atenção no sorvete e na mão lambuzada. — Ainda estou me perguntando
onde Artho estava com a cabeça quando deixou você sair com ela.
Deixo minhas sacolas em cima da mesa e vou em direção a Ayla,
que logo me vê, levantando as mãozinhas meladas para mim. Tiro primeiro
o potinho do seu alcance.
— Oi, tia Laquel.
— Oi, meu amor. — Pego guardanapos, tentando limpá-la. Eros já
está do outro lado de Ayla, fazendo o mesmo.
— Não preciso da sua ajuda — Eros declara, ignorando meu olhar
irônico para ele.
Como sempre, ele está todo orgulhoso.
— Estou vendo mesmo isso — respondo, sarcástica. — Não sabe
cuidar de uma criança — acuso.
— E por acaso você sabe? — Ele estala a língua nervosinho.
Fixo meus olhos nele, que me olha também, e percebo agora mais
de perto, o quanto ele fica lindo de jaqueta de couro. Seus cabelos loiros
como sempre, bem penteados, aquela maldita barba bem feita… Sinto
arrepios só de imaginar passando pela pele do meu pescoço, antes de subir
para minha boca.
Balanço a cabeça para fugir dos pensamentos pervertidos com ele.
Tenho que lembrar constantemente que Eros Giordano é uma atração
passada.
— Com certeza melhor que você — respondo com os dentes
cerrados.
— Vocês dois tão bligando? — paramos de nos encarar quando
escutamos a voz da Ayla.
— Não, pequena — nego, sorrindo.
— Tão bligando, xim. E não pode — ela começa a balançar a
cabeça de um lado para o outro.
— Nada de brigas, Batatinha — a voz de Eros fica mais aveludada e
calma ao ser dirigida para Ayla, e isso de certa forma quebra um pouco a
irritação que estou sentindo por ele.
Pego Ayla no colo quando vejo que o sorvete seco nas suas
bochechas não vai ser limpo, e Eros começa a protestar quando falo:
— Vou levar ela no banheiro para tirar melhor o sorvete.
— Vou junto.
— Claro que vai — respondo o óbvio.
Penso em pegar minhas coisas em cima da mesa, mas ele já fez isso.
Eros me olha com uma expressão nem um pouco amigável ao me seguir, e
faço questão de ir na frente dele, conversando com Ayla.
— Tia Laquel, sabia que o Tutú compô um ulsão bem gandão pa
mim?
— Sério? E de que cor ele é?
— Losa — ela fala toda animada e sorrio. — E o tio Elo me deu um
calo losa.
— Carro?
Ela assente e me viro para trás, pegando Eros olhando para minha
bunda. Ele vira o rosto rápido, mas sabe que foi pego no flagra.
— É um carro de criança — ele responde como se não fosse nada
demais uma criança de dois anos e meio ganhar um carro.
Continuo andando, ciente agora que Eros estava olhando para minha
bunda, não sou tão invisível assim para ele, pelo jeito.
Mordo o lábio, querendo olhar mais uma vez para trás e ter certeza
de que não imaginei coisas.
A porta do banheiro familiar está bem à nossa frente, e quando
entro, Eros vem atrás, decidindo só me observar, enquanto sento Ayla no
balcão, pego a bolsa dela, que está com Eros, e procuro o lencinho
umedecido para passar no seu rostinho.
A todo o momento, Ayla conversa comigo, me contando sobre a
creche onde estuda, os amiguinhos que ela tem, até mesmo sobre como o
Darth Vader é fofinho.
— Sabia que ele é meu amiguinho?
— Que legal — declaro. — Aquele cachorro é assustador —
sussurro para mim mesmo, mas pelo som que Eros faz atrás de mim, que
não consigo identificar se é uma tosse ou um pigarro, sei que ele escutou.
Depois que Ayla está limpa, com as mãozinhas lavadas e secas.
Encho ela de beijinhos, cheirando seu pescocinho, a fazendo rir.
— Cócegas, titia.
— Agora sim, está limpa.
Eros se aproxima, passando minhas sacolas para mim, indo pegar
Ayla no colo. Ele me olha quando a tem nos braços, e espero um
agradecimento da parte dele, mas como eu já imaginava, não acontece.
Bufo.
— Mal educado — digo, indignada.
— Eu não pedi sua ajuda.
— O mínimo que deveria fazer é agradecer, mesmo sem pedido.
Duvido que conseguiria resolver tudo do jeito que é.
— De que jeito? — estreita os olhos para mim.
Por poucos segundos, imaginei ter visto um certo interesse na sua
pergunta, como se ele se importasse com o que eu acho dele, mas isso não
passa de ilusão.
Eros Giordano não se importa com a opinião de ninguém, além dos
seus amigos.
— Deixa, não importa o que você pensa.
— Biga de novo? Nenê não gosta.
Eros sorri para Ayla e fico surpresa, pois é a primeira vez que
presencio esse momento, e é épico.
— Não, Batatinha.
Eros sai do banheiro, não se importando comigo ficando para trás.
Respiro fundo, odiando o fato de Eros Giordano me afetar de alguma
forma, mesmo que seja o odiando.
— Tia Laqueeel — escuto Ayla me chamando do lado de fora, e saio
também, encontrando-a, olhando em direção ao banheiro com a testa
franzida.
Por incrível que pareça, Eros resolveu me esperar. Minhas sacolas
estão pesadas por causa dos tecidos novos que precisei comprar para
terminar as encomendas de roupas que preciso entregar ainda hoje.
Vou em direção à saída, andando ao lado de Eros. Ele apenas me
ignora, mas parece se divertir com os comentários que Ayla faz, fazendo
questão de me incluir.
Observo Ayla nos braços dele e como ele parece ficar ainda mais
atraente. E, pelo jeito, não sou a única a prestar atenção nisso, as mulheres
que passam ao lado dele estão quase babando.
Filho da mãe gostoso, isso tenho que confessar.
Passamos em frente a uma loja de jogos e entretenimento. Do lado
de fora tem alguns bichinhos eletrônicos com rodinhas que as crianças
sentam em cima e ele anda. Eles também chamam atenção de Ayla, que
começa apontar para eles, querendo andar.
— Tio Elo, cavalinho — continua tentando chamar atenção dele —
Nenê andá no cavalinho.
Dou risada quando Eros começa a se desesperar. Imagino esse
homem desse tamanho sentado em um bichinho só para acompanhar uma
criança.
— Não acredito que vai ignorar o pedido de uma criança, Eros.
Tadinha! — provoco e ele me olha irritado.
— Ela não pode subir em um desses sozinha.
— Claro que não, e é por isso que você precisa acompanhá-la.
Reviro os olhos.
Seguro o riso quando ele nega com a cabeça, encarando Ayla, que
continua a pedir para andar em um. É até cômico ver a expressão de
desespero no rosto dele, sendo o reservado e insensível que é.
Começo a rir de seu desespero.
— Deixa que eu vou com ela.
Me aproximo para pegá-la do colo dele e Eros fixa seus olhos nos
meus, o movimento que faço com os braços para trazer Ayla para mim me
faz me aproximar dele e sentir seu perfume.
Seus lábios grossos têm a minha atenção e o desejo de poder sentir
como é ser beijada por eles me deixa afetada. Minhas mãos soam, e eu dou
uma leve fraquejada ao pegar Ayla nos braços, me afastando dele para
evitar essas sensações.
Vou até a atendente, deixando Ayla escolher o cavalinho que tanto
deseja. Sinto o olhar do Eros em mim, mesmo depois, quando ele paga pelo
brinquedo e eu me sento com Ayla no assento.
— Eba! — ela grita quando o brinquedo começa a andar, e dou
risada.
Antes de me afastar com Ayla no brinquedo, viro minha cabeça para
Eros.
— Tira foto de nós duas e me envia depois.
Ele revira os olhos, mas pega o celular no bolso da calça, tentando
tirar as fotos ao mesmo tempo que segura as minhas sacolas pesadas em
uma mão e a bolsa da Ayla em outra.
Ficamos vários minutos andando pelos corredores do shopping,
Ayla o tempo todo rindo e gritando divertida.
No momento que acabou, ela fez um muxoxo fofo com sua
boquinha, mas sem fazer birra quando descemos do brinquedo.
— Como foi? — Eros pergunta para Ayla, que começa a gesticular
com as mãos.
— Foi legal, tio Elo. Vai com a titia Laquel agola — dou risada e
vejo diversão passar pelo rosto dele.
Reparo em como ele consegue ser outra pessoa ao lado dessa
criança fofa, o que não entendo é por que ele decidiu se fechar tão
completamente para o mundo, ser reservado e ranzinza quando pode
escolher ser o oposto, tenho certeza de que ele saberia lidar com os
problemas dele de uma forma melhor.
Mas não entendo como é perder os pais ainda novos. Será esse o
único motivo? 
— Numa próxima vez. Precisamos ir agora, preciso te deixar na
casa do seu papai Celso.
— Eba — Ayla levanta os braços, batendo palmas.
Continuamos caminhando para o lado de fora, seguindo Eros
enquanto escuto Ayla começar a cantar uma música da galinha pintadinha.
Estava tão atenta a ela, que só percebo que paramos, quando Eros
abre a porta do Porsche preto, colocando minhas sacolas e a bolsa de Ayla
no banco de trás.
— Ah, eu acho que você não percebeu que acabou colocando sem
querer minhas coisas no seu carro.
Ele pega Ayla dos meus braços, a prendendo na cadeirinha com toda
a calma, ignorando meu comentário.
— Eros — o chamo, me irritando a sua pirraça.
Depois de verificar se Ayla está bem confortável, ele volta a ficar
em pé ao meu lado, e sua cara cínica, zero demonstração de abalo, me dá
uma grande vontade de socá-lo.
— Entra no carro, vou te deixar no Edifício.
— O quê? — pergunto, mesmo tendo escutado bem, porém sem crer
que ele está falando sério. — Eros Giordano fazendo caridade?
Ele bufa, e o repuxar que ele faz com a boca, me diz que ele está
sem paciência.
— Deseja ir a pé então? Com suas sacolas pesadas? Não vou me
opor a isso — responde, duro.
Me dou conta de que ele está certo, seria uma caminhada longa se
eu não conseguisse pegar um ônibus, e ter a oportunidade de andar nesse
carro vai ser um sonho realizado.
Ainda com meu orgulho em pé e nariz empinado, entro no carro,
sentindo a maciez e conforto assim que me sento. Tudo grita dinheiro,
couro e poder. Eu gosto disso.
O design e acabamento. Até mesmo o brasão do Porsche, gravado
nos apoiadores de cabeça nos bancos dianteiros, é chiques.
Eros bate a porta do carro e dá a volta para entrar no lado do
motorista. Ele não fala nada no momento que entra e muito menos durante
os minutos do shopping até o Edifício. Seu jeito me mostra o quanto não me
suporta.
Mas tento aproveitar a viagem, sentindo o poder que é estar dentro
de um carro potente e caro desse. Quando é que terei a mesma oportunidade
de novo?
Eros para na frente do prédio, e sendo sábado, sempre tem
estudantes do lado de fora, e hoje não seria diferente, todos olham curiosos
quando me veem saindo do carro de Eros.
Eros abre a porta para poder pegar minhas coisas e espio no banco
de trás para encontrar Ayla dormindo. Me inclino, deixando um beijo na sua
bochecha gordinha e quando me endireito e fecho a porta, Eros já está
esperando para me entregar as sacolas.
— Obrigada — digo.
Mesmo não o aturando, sei ser educada, o contrário dele, que
simplesmente só acena com a cabeça, me encarando, e depois disso só se
vira e volta para dentro do carro.
— Riquinho mal educado — resmungo.
Raquel
Fecho a porta, me encostando nela. Estou tão feliz e animada! Mais
uma entrega de encomenda feita, nem acredito que nos últimos meses isso
vem crescendo tanto.
— Sua última encomenda do dia? — Charlotte pergunta ao se virar
na cadeira que está sentada, em frente à sua mesa de estudos.
— Sim. — Sorrio ao ir em direção à mesa de costura, para organizar
meu material e guardá-lo.
— Percebeu que os pedidos vêm crescendo? — ela pergunta e eu
assinto. — Seu trabalho é lindo, tem mesmo que ser mostrado ao mundo.
— Obrigada, Charlotte.
Sou grata pela amizade dela. Charlotte é uma das pessoas que vêm
me apoiando muito, além dos meus pais, mesmo eles não entendendo por
que escolhi Moda para cursar, enfatizando que é um tiro no escuro, que eu
receberia melhor se focasse em cursar algo que me dê mais segurança
financeiramente.
Ninguém da minha família entende, mas diferente dos meus pais,
meus outros familiares criticam por pura maldade.
Sempre escolhi não me importar com a opinião deles, é o meu
futuro, minha vida e estou conquistando isso aos poucos. Minha
independência e conhecimento.
— Vai à festa dos meninos hoje? — ela me pergunta.
— Com certeza. — Dou risada, pegando da cama as roupas que fiz
para ela e para mim. — Vou com o Gael, ele me convidou para irmos
juntos.
— Gael de Luca? O que está no sétimo período de Administração e
vem te chamando para sair há um tempo?
— O próprio.
Prendo meus cabelos em um coque, depois de alinhar minhas roupas
em cima da minha cama para ver se está faltando algum detalhe.
— Ele estuda com Eros — Charlotte comenta.
— Sei disso também. — Dou de ombros.
— Eu sei que os meninos têm uma história desagradável com ele.
— Que história? — Me viro para ela, louca para saber da fofoca,
ainda mais envolvendo os cretinos.
— Não sei, Artho nunca me contou do que se trata. Só foi algo que
eu ouvi enquanto eles conversavam, mas não prestei atenção direito.
Faço um muxoxo com a boca, voltando para o que eu estava
fazendo antes.
— Falando em Eros, ainda não sei como Artho deixou Ayla sair
com ele.
Minha amiga dá risada.
— Artho confia a vida dele nos meninos, e sabe que Eros cuidaria
bem de Ayla, do contrário não deixaria a irmã com ele.
Assinto. Eu vi a maneira que Eros agiu com a Ayla hoje, e sei o
quanto ele ama aquela garotinha, a forma que reage quando está do lado
dela é o oposto do que ele é com outras pessoas não próximas a ele.
— Mesmo Eros dando besteiras para ela comer — Charlotte
completa, sorrindo, e dou risada.
Entro no banheiro para tomar banho, depois de ter maquiado
Charlotte e contemplado minha obra prima. No momento em que estou
vestida e me maquiando em frente ao espelho, as batidas na porta chamam a
minha atenção.
Charlotte abre a porta e Artho entra.
Escuto ele assobiar em contentamento quando encontra minha
amiga toda arrumada. O silêncio de início e depois o barulho de beijos me
indica que estão se pegando na entrada do quarto.
Pigarreio para indicar que ainda permaneço no quarto, como uma
boa alma inocente que não deseja presenciar nada.
— Oiapoque.
— Becker. — Me viro para cumprimentá-lo, ignorando o fato de ele
ter me chamado pelo apelido. Não vou me estressar com isso agora.
— Já podemos ir. — Charlotte pega sua bolsa depois de vestir o
casaco.
Artho franze a testa para ela e depois olha para mim.
— Você não vai com a gente? Podemos te esperar, de qualquer
forma eu sempre espero mesmo.
Sorrio e nego com a cabeça.
— Raquel vai depois — Charlotte responde por mim e isso deixa a
confusão no rosto de Artho ainda mais evidente. — Ela vai com o Gael para
a festa hoje.
— O Gael de Luca que faz Administração com Eros? — sua
expressão de confuso passa para desagrado.
— Ele mesmo. Por que todo mundo faz essa pergunta? — brinco.
Ele dá de ombros, entortando os lábios em desgosto. Como se
imaginasse a merda que isso daria.
— Isso é ruim? Eu sei que você e os meninos têm algum problema
com ele — declaro e olho para Charlotte, que também parece interessada
em saber do que se trata.
— Esse problema não envolve bem todos nós.
A forma que ele dá a entender com essa frase e depois como se
referiu a Eros antes, me dá indicação que é Eros e Gael que têm o mal-
entendido.
Quando penso em perguntar o que é, vejo pelo seu rosto que ele não
contaria, por ser algo do seu amigo e não dele para contar.
Ele segura a mão de Charlotte para saírem.
— Te vemos na festa, Oiapoque. E vá preparada para tudo —
brinca, e pela forma que ele fala, eu sei que não é uma simples brincadeira.
Charlotte cutuca ele.
Ela sorri se despedindo e eu fico para trás com um sentimento de
incômodo, imaginando várias coisas que podem ter acontecido entre Eros e
Gael para terem a tensão que senti em Artho só em ele comentar.
Termino de me arrumar, o tempo todo passando pela minha cabeça
as palavras de Artho. A saia de prega rodada em xadrez nas cores marrom,
branco e preto combinam muito com a blusa preta de manga e gola alta,
com minha meia calça 7/8 e bota de salto cano alto.
Meu cabelo loiro escuro está com os cachos abertos, feitos pela
chapinha. Estou usando maquiagem forte para marcar meus olhos azuis e o
batom vermelho.
Meu celular vibra em cima da minha cama e vejo ser uma
mensagem de Gael informando que já está lá embaixo me esperando. Com
minha pequena bolsa e casaco marrom em mãos, saio do quarto, o
trancando em seguida.
Desço pelas escadas mesmo, porque a espera pelo elevador será algo
demorado.
Por algum motivo, me vejo nervosa quando passo pelo saguão em
direção à saída, mas assim que vejo Gael parado ao lado do seu carro Range
Rover vermelho, percebo que o nervosismo não é por causa dele.
E sim, por causa de um certo rabugento Giordano.
— Oi, gata. Você está linda — ele me elogia.
Sorrio para Gael quando paro na sua frente, e ele se inclina para
beijar meu rosto, pegando no canto da minha boca.
— Eu sei — digo e ele ri, abrindo a porta do carro para eu entrar.
Já a algumas quadras depois do Edifício, sinto a mão de Gael na
minha coxa, no limite da minha saia, que subiu um pouco por causa do
movimento de sentar.
Olho para ele, que sorri ao perceber que não me oponho.
Ele me dá um leve aperto. Sei das intenções dele, mas agora não sei
se me sinto confortável indo para a festa na casa do Eros, ele sendo o
anfitrião.
Estou começando a me arrepender, quando lembro de como ele foi
um escroto comigo a todo o momento desde que nos conhecemos e decido
não ligar para o que Giordano achará quando me vir acompanhada de Gael.
São problemas deles, não meus.
Porém, quando o carro é estacionado do lado de fora da casa, atrás
de uma fileira enorme de carros, indicando que a casa está cheia, aquele
nervosismo volta ao meu corpo, e parece piorar quando Gael, passa o braço
pela minha cintura para entrarmos juntos.
Artho
Olho para a porta pela milésima vez essa noite, enquanto bebo da
minha cerveja, e Artho parece ser o único que percebe isso. Pegando todos
os meus indicativos de ansiedade.
Ele está do lado de Charlotte, que tem uma conversa animada com
Lion. Ainda não entendi o motivo de Raquel não ter vindo com os dois,
deixando para aparecer só depois, como Artho me disse, mesmo eu não
tendo perguntado nada a ele.
Estou em um canto da casa, em pé, bebendo afastado o suficiente
para não ter a atenção das meninas para mim. Daqui eu tenho a visão
perfeita de quem entra e a casa parece encher a cada minuto que passa.
Me recuso a aceitar que isso tudo é porque estou esperando Raquel
aparecer.
Olhando para a entrada da porta da sala mais uma vez, eu localizo
Raquel entrando e… porra, essa mulher foi mandada pelo próprio demônio
para fazer da minha vida um inferno.
Ela está absurdamente gostosa com aquela saia de pregas na altura
da coxa, meia calça escondendo a pele clara de suas pernas esguias e a
porra daquela bota, consigo até imaginar elas enroladas na minha cintura,
enquanto afundo duro nela.
Ela joga o cabelo para o lado, que cai em ondas.
Raquel cumprimenta algum conhecido sorrindo, e isso me chama
atenção para o seu batom vermelho, que hoje parece estar bem mais
vibrante, não posso deixar também de ter a imagem da boca com esse
batom no meu pau, subindo e descendo.
Caralho!
Ela olha em volta da sala, parando seus olhos delineados em mim,
no canto da sala, a observando. Não desvio o olhar, e Raquel também não.
Assim como eu fiz, eu vejo seus olhos descerem pelo meu corpo, mas não
demonstro nada visivelmente, somente eu sentindo por dentro o que ela está
fazendo comigo ao aparecer gostosa assim essa noite.
Mas estou contente por ver que não sou o único que tem uma
atração aqui.
Tudo muda quando eu percebo que um braço passa pela sua cintura,
e travo meu olhar em Gael de Luca, filho da puta, merdinha. Percebo agora
que Raquel veio com ele. Seus olhos desviam de mim para Gael quando o
idiota sussurra algo em seu ouvido.
Meu sangue ferve ao ver a cena, chego a amassar o copo de plástico
que está em minhas mãos.
Com todos os idiotas para vir à minha casa, ela aparece justamente
com o caralho do Gael de Luca, o infeliz com quem minha ex-namorada
resolveu me chifrar.
Artho, do outro lado, parece ter a intenção de vir até mim, mas
balanço a cabeça, não quero cena e muito menos estragar a noite dele com
sua garota.
Ainda está cedo demais para rolar um briga nesta festa.
— Quem convidou esse idiota? — Lion aparece ao meu lado, me
perguntando.
— Não sei, mas pode ter certeza de que não estou feliz — rosno,
com a minha visão ainda nos dois.
De Luca faz questão de deixar suas mãos o tempo todo nela, e tenho
vontade de quebrá-las para não tocar nem mesmo em um fio de cabelo de
Raquel.
Gael me avista, e abre um sorriso de escárnio quando me pega
encarando-o. Se ele soubesse o desejo que tenho de afundar seu sorriso
nojento na sua cara, ele com certeza iria embora.
— Deu para perceber, você acabou com o copo — Lion brinca, e
desço minha cabeça para olhar o que sobrou do copo. — Das outras vezes
que De Luca estava por perto, nunca o vi reagir como agora.
Mesmo possesso de ódio, não descontaria no meu amigo, mesmo ele
merecendo.
— Mas eu tenho uma leve impressão de que eu sei o motivo.
Uma leve dorzinha surge no meu maxilar já tenso pela pressão
dobrada que estou colocando. Fico calado, observando Raquel, que mesmo
incluída na conversa do grupinho do idiota, ainda me lança um olhar que
me parece ser desconfortável.
Ela sabe então que Gael e eu não nos damos bem e mesmo assim
veio com ele para a minha festa.
— Mas que porra esse idiota está fazendo aqui? — Dimitri aparece
do meu outro lado, seu olhar assassino dirigido a Gael. — Vou lá tirar ele
daqui.
— Não precisa. — Seguro seu braço para impedir que avance. —
Vamos deixar ele por mais um tempo.
Gael ir embora significa que Raquel irá também, e não gosto da
ideia de eles dois juntos em outro lugar.
Ele franze a testa, mas assente. Artho, do outro lado, está infeliz
com o que está acontecendo. Tento relaxar, é assim que eu sou, não
demonstro o quanto as coisas me afetam.
Dimitri me oferece seu copo de bebida e eu aceito, virando tudo na
minha boca. Uísque misturado com energético, parece me deixar ainda mais
quente e agitado por dentro.
Raquel se inclina para Gael, diz alguma coisa e ele assente antes de
ela se afastar deles, indo em direção à cozinha. Tenho certeza que para
pegar algo para beber. Entrego o copo vazio a Dimitri e me afasto deles
para segui-la, escutando eles dizerem alguma coisa que não consigo
entender por causa do volume alto da música.
Passo pelas pessoas, esbarrando em algumas, me desvencilhando de
mulheres que tentam me segurar para conversar.
Por algum milagre, a cozinha se encontra vazia, e uso esse momento
para chegar em Raquel, que está de costas para mim, e puxá-la pela mão em
direção à área de serviço a alguns passos da cozinha.
— Ei — ela exclama assustada com o toque repentino, e quando me
vê, tenta se soltar. — Eros, enlouqueceu? Me solta.
Ao contrário do que ela pede, continuamos andando, até eu entrar no
quartinho e fechar a porta, a trancando. Acendo a luz e vejo sua expressão
em choque e ao mesmo tempo enfurecida.
— O que foi agora?
— Por que trouxe aquele idiota com você? — pergunto ao me
inclinar mais para frente, a prendendo entre mim e o armário branco, que
vai do chão ao teto preso na parede. — Ele não foi convidado.
Estou inclinado, meu rosto a centímetros do seu, minha respiração
acelerada, e ela consegue perceber o quanto estou com raiva.
— Que merda é essa? — ela tenta se afastar de mim. — Me solta,
Eros, ou eu vou gritar.
— Ninguém vai conseguir te ouvir.
— Foi o Gael que me convidou para vir com ele, não que eu tenha
que te dar alguma satisfação.
— Tem, sim, quando isso significa que está na minha casa — rujo,
nossos olhos fixos um no outro o tempo todo.
— Se você está tão incomodado assim, posso voltar para a sala e
pedir para o Gael ir embora comigo.
Ela tenta se afastar novamente, mas não deixo, grudando ainda mais
nossos corpos. Suas palavras têm o efeito de me deixar ainda mais furioso.
— Porra nenhuma que vou deixar você sair daqui com ele.
— Você não manda em mim, Giordano.
Seu peito, assim como o meu, sobe e desce com a respiração
ofegante. Eu olho para sua boca vermelha e carnuda, entreaberta pelas
emoções exaltadas que estamos tendo. Ela quando vê que meus olhos
desceram para sua boca, faz o mesmo, olhando para a minha a pouca
distância.
Intercalo meus olhos entre os seus e sua boca chamativa, gritando
para eu largar tudo e beijá-los, deixar rolar e lidar com as consequências
depois.
— O que você quer, Eros? — pede, com a voz menos alterada,
relaxando, levantando mais a cabeça para termos nossos narizes se tocando.
Estou quase perdendo completamente o juízo.
— Você não vai querer saber.
— Quero sim — exige ao mesmo tempo que sua voz vacila.
Ela está tão afetada quanto eu.
— Quero prender você neste armário, enquanto tenho suas pernas
em volta de mim — sussurro, seus olhos vidrados em mim enquanto
intercalo meu olhar entre sua boca e seus olhos azuis. — E subir minhas
mãos pelas suas coxas, descendo as meias para sentir sua pele macia. Mas
não pararia aí, eu subiria mais um pouco...
A sinto mexer os quadris, desejosa e excitada.
— Enfiaria meu dedo dentro da sua calcinha para sentir o quanto
está molhada, lambuzando todo o meu dedo, enquanto deslizo ele pela sua
entrada, pressionando seu clitóris, e assim eu enfiaria um dedo em você,
entrando lentamente, sentindo sua boceta apertada e quente, isso tudo
olhando para você e a vendo gemer, me pedindo por mais.
Meu pau reage quando escuto seu gemido manhoso e respiro fundo
para me controlar, imaginando toda a cena.
Ela ofega, apertando as coxas uma na outra. E dou um sorriso de
lado.
— E por que não faz isso? — pergunta, sua voz rouca pelo desejo,
sua boca raspando na minha em provocação.
Tudo dentro de mim grita desejo por essa mulher, a reação do meu
corpo por ela é inevitável, e agora que tenho ela ao meu alcance, como
imaginei várias vezes, estou a ponto de perder o controle.
Não a respondo. Raquel está sendo a minha perdição, minha loucura
diária. Toda vez que a vejo, sei que quando ficarmos uma vez, vou precisar
de muito autocontrole para não deixar acontecer uma segunda vez.
Porque eu sei que tê-la uma vez só não será o suficiente.
— Então me larga e deixa eu voltar — exige, sua voz irada
voltando, ela está indignada por eu não ter respondido.
Inclino minha cabeça para cheirar a pele do seu pescoço, seu
perfume delicado de flores.
— Não — digo ao me afastar e olhar para seu rosto vulnerável pelo
meu contato.
E é quando ela olha para minha boca novamente, passando a língua
pelo seu lábio inferior, que jogo tudo pelos ares e prendo minha boca na
sua, perdendo o meu controle.
Bruto e forte.
Ela geme quando seguro seus cabelos para controlar o beijo. Puxo
seu corpo ainda mais para o meu, e logo Raquel está com as pernas
enroladas na minha cintura, sua saia enrolada na base de suas coxas, assim
como imaginei.
Ela morde meu lábio inferior, antes de prender nossas bocas
novamente, segurando minha cabeça, seus dedos passando pelos meus fios
curtos de forma ágil e desesperada, em busca de mais contato.
Nosso beijo é forte e duro, sem chance de nos afastar. É a minha vez
de suspirar ao subir minhas mãos pelas suas coxas, sentindo sua pele macia
ao abaixar sua meia calça, subindo as mãos para pousá-las na base da sua
bunda.
Aperto cada lado da sua bunda durinha, sentindo-a mexer seu
quadril, causando uma fricção gostosa entre o tecido fino da sua calcinha e
o jeans da minha calça, meu pau endurecendo, louco só de imaginar
ultrapassarmos as coisas aqui dentro.
— Eros — Raquel sussurra meu nome, seu tom de voz sedento e
cheio de prazer. — Eu quero...
Estou quase ultrapassando a sanidade e rasgando sua calcinha fora
com um só puxão, quando escuto tentarem abrir a porta, que está trancada,
com um baque. Paramos o beijo, olhando em direção à porta.
Raquel puxa meu rosto para voltarmos a beijar, porém as batidas na
porta começam.
— Caralho! Quem está aí dentro?
Reviro os olhos por Dimitri ter acabado de estragar o momento.
Raquel desenrola as pernas do meu quadril, e quase mando Dimitri ir se
foder, quero continuar aqui preso com ela, mas ele começa a esmurrar a
porta.
— Porra!
Ela se desespera ao tentar colocar as meias no lugar, e abaixar a saia.
E mesmo antes de fazer isso, consigo ver sua minúscula calcinha vermelha,
da mesma cor do seu batom agora borrado.
Espero vê-la recomposta para poder abrir a porta e dou de cara com
Dimitri furioso e com o taco nas mãos, observando meu estado, ele olha
para trás de mim, vendo Raquel desconcertada, que passa por nós dois indo
em direção ao banheiro.
Quero impedi-la, mas percebo que é melhor assim.
— Dá para entender o porquê do seu ódio por Gael essa noite — ele
sorri.
— Você é um estraga prazeres, porra — acuso, irritado.
— Como eu ia saber que você estava quase comendo a gostosinha aí
dentro? Só vim guardar meu taco.
Fico irado com a palavra que ele usa para chamar Raquel, e
percebendo, ele levanta os braços como forma de dizer que está apenas
brincando.
— Fica longe dela você também — dou um aviso, me afastando
dele.
— Eros — ele me chama, sorrindo. — De nada, por ter expulsado o
idiota do De Luca.
Sorrio quando entendo o que ele quer dizer, e subo para o andar de
cima, me recusando a olhar na direção que Raquel foi e ir atrás dela dentro
do banheiro e terminar o que começamos, mas antes disso, garantindo que
não fôssemos mais atrapalhados.
Preciso manter distância dessa mulher.
Raquel
  — O que eu fui fazer me enfiando dentro daquele quartinho com
Eros? — resmungo para mim mesma, me olhando no espelho do banheiro,
tentando tirar o batom vermelho borrado da boca.
Como se eu tivesse tido escolha, fui arrastada por ele e isso me
deixa enraivecida. Olho para a minha imagem refletida, meus cabelos
desgrenhados, as marcas do rosto rosadas pela pegação quente que tivemos,
e o sorriso enorme nos lábios, que não quer sumir.
Quando é que imaginaria ficar com Eros Giordano? Nunca!
Me sinto realizada, mas ao mesmo tempo puta com ele e não
consigo entender essa mistura de sentimentos.
Se eu soubesse que para causar alguma reação em Eros precisaria
apenas estar com o Gael, teria feito isso antes. O que não entra na minha
cabeça é a forma que ele reagiu.
Me lembro de que já deve ter passado muito tempo que estou
sumida, e retoco o batom para voltar à sala. Só não sei como agir
lembrando que Eros e eu nos pegamos, principalmente com ele no mesmo
cômodo que eu.
Saio de dentro do banheiro, preparada para ser questionada por Gael
pela demora e tento preparar uma resposta, uma boa que não faça ele
perceber que não estou com bebida nenhuma, como havia dito que buscaria
para mim.
Entro na sala o procurando, nem sinal dele em lugar nenhum.
Enrugo a testa e vou até Charlotte e Artho sentados no sofá, Artho com uma
expressão relaxada e descontraída.
— Vocês viram o Gael?
— Ele foi embora, acho que cansou da festa — Artho diz, sorrindo,
e Charlotte bufa.
— E nem me disse nada — fico indignada que ele tenha me
convidado para vir com ele e agora foi embora sem dizer nada.
Volto à cozinha para pegar algo bem forte para beber, querendo
descontar totalmente na bebida e tentar me divertir um pouco e em nenhum
momento encontro Eros.
Ele sumiu como mágica.
Bebo um copo de Gin em menos de um minuto, e já estou com o
copo cheio de novo.
Idiota me beijou e agora sumiu, me deixando aqui como se não
tivesse valido de nada. Claro que não valeu, ele é um cretino.
Me recuso a passar a festa toda sentada, essa não seria eu. Com um
copo cheio vou para a sala de festa, onde está a pista de dança, a música
alta, me obrigando a esquecer o Gael de Luca e minha escolha estúpida de
ter aceitado sair com ele, e Eros Giordano, seu beijo malditamente gostoso
e seu humor do inferno.

— Você está bem? —Ouço Charlotte perguntar, estamos no nosso


quarto, já deve ser mais de quatro horas da manhã.
Estou deitada, quase pegando no sono, não tive nem dignidade para
tirar minhas roupas e tomar um banho antes de deitar.
— Uhum. — Fecho os olhos, imaginando a ressaca que estarei
amanhã. — Estou muito brava com Eros, ele que me beijou e sumiu.
— Espera! O Eros te beijou? — Charlotte exclama, se sentando na
minha cama e eu nem consigo abrir os olhos direito para responder ela.
— Sim, e foi tão bom — sinto minha voz sumindo ao falar.
Não consigo entender o que ela está dizendo, minha cabeça está
pesada, os olhos também e devo ter pegado no sono, pois quando acordo, o
quarto está escuro e silencioso.
Ao lado da cama, na mesinha, meu celular vibra e percebo que foi
esse barulho que me despertou. Penso em ignorar e ver do que se trata
somente quando eu acordar de verdade.
Mas ele toca de novo e preciso pegá-lo para desligá-lo. E é quase
fazendo isso que vejo na tela que um número desconhecido me mandou
mensagem no WhatsApp. E quando abro a mensagem, tem algumas
imagens que carregam e logo vejo que são fotos minhas e de Ayla no
shopping, em cima do bichinho eletrônico.
Abro a foto de perfil só para ter certeza de que é a pessoa que estou
imaginando.
Eros está de costas na foto, sem camisa e consigo ver melhor sua
tatuagem de constelação abaixo da sua nuca. A foto é em preto e branco,
mas acentua muito seus músculos largos e fortes.
Me questiono com quem ele pode ter pegado meu número e o que
deu nele de me mandar mensagem depois de ter sumido da festa. O ícone
me mostra que ele está on-line.
Estaria me esperando responder, já que visualizei sua mensagem?
Não farei isso, ele que aceite ser ignorado.
Desligo o celular, e me viro para o lado para tentar pegar no sono,
mas não consigo, porque só sei lembrar do beijo que tivemos e suas
palavras quentes, me dizendo o que faria comigo presa naquele quartinho, e
em como eu estava ao ponto de transar com ele.
Esse beijo me atormentará por um bom tempo.
Raquel
Terça-feira, 5 de dezembro de 2017
Saio praticamente correndo da sala para conseguir chegar a tempo
no trabalho. As provas do fim do semestre começaram e isso está me
enlouquecendo e dando motivos para a gerente do meu trabalho começar a
pegar no meu pé mais que o normal.
Deixaria para comer algo no meu intervalo no trabalho, ou se com
sorte eu tivesse alguns minutos antes do meu horário de entrada.
Saio da Universidade, descendo as escadas correndo e estou pronta
para atravessar a rua quando um Range Rover vermelho para na minha
frente. O vidro da janela é abaixado e vejo Gael lá dentro sorrindo para
mim.
— Entra, preciso conversar com você — pede.
— Por que eu deveria? Me deixou na festa e foi embora — acuso,
sem paciência para conversar com ele e muito atrasada.
Começo a dar a volta no carro, logo ele sai e segura meu braço antes
de eu atravessar a rua.
— Raquel, espera, eu posso explicar — diz, e eu olho em direção ao
meu braço, dando indicativo para ele me soltar, o que ele faz de bom grado.
Não havia dado permissão para que me tocasse.
— Não fui embora porque eu quis, eu juro.
Semicerro os olhos para ele, tentando descobrir se ele está
mentindo.
— Eu te deixo no seu trabalho, assim podemos ir conversando.
Faço a conta mentalmente de quanto tempo eu gastaria indo a pé,
aceitando seu pedido eu estaria unindo o útil ao agradável.
— Tudo bem!
Ele sorri presunçoso por ter conseguido me convencer. Dou a volta
novamente para entrar no banco do passageiro.
— Vai ficar onde? — pergunta, manobrando o carro para voltar a
dirigir.
— No shopping — digo e ele assente. — Pode começar.
Para início, nem deveria ter aceitado ir à festa dos meninos com
Gael, ainda mais se eu soubesse que ele tem problemas com o Eros.
— Me expulsaram da casa.
— O quê?
— Enquanto você ia para a cozinha, Dimitri e Artho me expulsaram
da festa, não me deixaram nem falar com você antes, porque aquele idiota
tinha um taco.
Ele só pode estar se referindo a Dimitri, lembro do momento em que
ele atrapalhou a minha pegação com Eros no quartinho de serviço.
— Quando eu voltei para a sala, me disseram somente que tinha ido
embora.
Os meninos não teriam agido dessa maneira se não tivessem um
motivo e sei que o único que poderia me contar alguma coisa é o próprio
Gael.
— Eles tiveram motivos para isso? — pergunto e ele me olha, dando
uma risada ao olhar para a frente de novo.
— Peguei a namorada do Eros na época do colegial, e ele não
aceitou muito bem. Não tive culpa, ela que deu em cima de mim — ele fala
com uma tranquilidade, sem um sentimento de arrependimento.
— Nossa, Gael. Como pôde? — Mas percebendo que pelo pouco
que o conheço, ele seria capaz mesmo de fazer isso.
— Não era eu que estava namorando, era ela. E eu não fui o único,
ela ficou com o colégio todo praticamente, só Eros que não via isso.
Ele diz contando vantagem, se sentindo orgulhoso. Como posso ter
me interessado por um escroto desse?
— Quem é ela? — minha curiosidade em saber se a conheço ou se
simplesmente vou ter que criar um rosto desconhecido na minha mente para
odiar.
Não entendo como ela pôde ter feito isso com Eros, mesmo ele
sendo um idiota, pessoa nenhuma merece isso.
— É uma das garotas da cobertura do Edifício que você mora, nem
lembro o nome dela. — O que mostra que foi insignificante para Gael.
Gael para em frente ao Shopping e desliga o carro. Me viro para ele,
e pela expressão que ele apresenta, está achando que estamos numa boa
agora que ele se explicou.
— Então, gata, não foi minha culpa. — Ele levanta a mão para tocar
meu rosto e se inclinar para me beijar.
Me desvio dele, abrindo a porta do carro para sair, ele me olha sem
entender, evidenciando o questionamento no rosto.
— Os cretinos estavam certos em te expulsarem da casa deles, e um
idiota como você não merece meu tempo. — Assopro um beijo para ele. —
Tchau, gato, até nunca mais.
Bato a porta do carro dele, com muita raiva, não só por mim, mas
pelo que ele fez com Eros.
Minha conversa com Gael me fez perder o apetite, então vou de
elevador diretamente para o andar em que trabalho. E fico feliz quando
chego quinze minutos antes do meu horário.
Eros
Segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
A noite está estrelada quando me sento do lado de fora da sacada
com o telescópio para poder observar as estrelas. Passo a manta pelos meus
ombros, o vento da noite castiga qualquer pele desprotegida.
Abaixo a cabeça para colocar um dos olhos no observador, fechando
o outro. Começo a procurar a constelação que é o motivo de eu tê-la tatuada
nas costas. A encontro rapidamente, os pontos brilhantes das estrelas que
formam o Taurus, já estou tão acostumado a observá-la.
E logo ao lado encontro a de Órion, depois de Plêiades. Passo vários
minutos olhando para elas. Esse momento sempre me faz lembrar do meu
pai, e a paixão que peguei dele em ficar sentado em noites como essa e
olhar para as estrelas.
Desde pequeno, quando meus amigos estudavam comigo e vinham
para minha casa nos fins de semana, passávamos a parte da noite com meu
pai no quintal quando ele não estava viajando, escutando ele contar as
histórias de cada constelação.
Gosto de relembrar esses momentos, mesmo quando bate a saudade,
porque são nelas que vejo quanto os anos passaram, e Artho, Gabriel,
Natan, Lion e Dimitri continuamos amigos.
Uma amizade que começou eu chamando-os para acamparmos no
quintal da minha casa, e como isso virou algo nosso. Não vou dizer que
nunca nos desentendemos, nunca rolou socos ou um tempo sem falar um
com outro na medida que fomos crescendo, mas isso nos aproximou mais.
Vi cada um lutar contra os seus fantasmas, seus passados, realizar
coisas, assim como eles me viram também, e estiveram comigo quando
perdi meus pais. E um mês depois eu estava chamando todos para morarem
comigo, concretizando nosso Clube dos Cretinos.
Pego meu celular, abrindo o WhatsApp, ignorando todas as
mensagens não lidas, algumas de mulheres, outras de colegas de curso. E
vou direto nela.
Raquel nunca me respondeu depois que mandei as fotos dela com a
Ayla. E isso faz dias. Penso em mandar boa noite, até digito, mas apago,
desistindo, quase jogando o celular de lado, se não fosse uma foto nova dela
de perfil que me fez parar para admirá-la.
É uma foto tirada em frente ao espelho e tenho certeza de que é da
noite da festa. Sei disso pela forma que seu cabelo está jogado para o lado,
com as camadas dos cachos abertos e o caralho do batom vermelho que
sempre me faz imaginar sua boca no meu pau, me chupando, com sua
expressão de rogada e manhosa, a mesma expressão que ela fez antes de eu
beijá-la.
Caralho, e que beijo...
Bloqueio a tela do celular para não cair em tentação e mandar
mensagem para ela. Penso que fiz o certo aquela noite em sumir para o meu
quarto.
Não consigo esquecer que quase transamos e a sensação de ter tido
ela em meus braços, ter sentido o quanto ela me desejava me enlouquece. 
Venho percebendo o quanto Raquel tem mexido comigo e isso não é
recente.
Me senti atraído por ela desde que a vi pela primeira vez na
universidade e depois nas festas, enquanto eu a observava sem ninguém
perceber e fiquei muito puto quando Artho ficou com ela. Tive vontade de
socá-lo. E foi assim que meu amigo descobriu meu interesse por Raquel.
Raquel Mendes me irrita, seu temperamento, personalidade, não
consigo passar um segundo no mesmo ambiente que ela sem querer brigar
com ela, ao mesmo tempo que tenho desejo de fazê-la calar a boca a
beijando.
— Aquela mulher linda, chata, irritante e gostosa — resmungo.
Raquel é a única mulher que foi capaz de me tirar do sério, nem
mesmo descobrir a traição de Lívia e o interesse dela por eu ser rico foi
capaz de me tirar a dignidade.
— Falando sozinho? — Artho aparece na varanda.
Meu amigo se senta ao meu lado, se inclinando para o telescópio,
admirando as estrelas. Artho abre um sorriso, que fica por um bom tempo
enquanto continua a observar o céu.
— Vai ficar por aqui nas férias? Ou está pensando em ir para São
Paulo? — Artho pergunta, se afastando do telescópio.
Bufo.
— Essa é a vontade de Miguel, mas ainda não decidi.
Ele dá risada.
— Conversa com ele, diz que decidiu ir só na metade do ano que
vem, depois de se formar. Ele vai entender, Eros — suspiro, olhando para o
céu. — Você e sua teimosia de não dar o braço a torcer.
— Como está sua mãe? — mudo de assunto, e ele bufa, sendo ele a
fugir do assunto.
— Vou visitá-la na próxima semana. Será a primeira vez que vou
vê-la, desde a fuga.
— Não vai acontecer de novo, relaxa.
Sei o quanto ele se preocupa com sua mãe e ama, mesmo ela sendo
errada e ter sido uma das causadoras pela infância perturbada de Artho. Seu
corpo tatuado esconde as marcas de uma infância infernal que viveu com
seus pais.
E depois veio a mãe viciada, ele tendo que lidar com a gravidez da
sua namorada, ser um bom pai para Ayla depois da perda da mãe da criança.
— Ainda está de pé a nossa viagem para Jurerê Internacional, agora
que você tem a Charlotte? — pergunto interessado.
— O que a Charlotte tem a ver? — Estreita os olhos para mim e
reviro os olhos com Artho se fazendo de sonso.
— Onde ela vai passar as férias?
— E eu vou saber. — Ele dá de ombros.
— É porque eu pensei que você iria querer passar o Natal e a virada
do ano com ela — continuo.
— A gente não é um casal para passar esses feriados juntos.
Gargalho.
— Quando você vai contar para ela que Ayla é sua filha? —
questiono. — Quase deixei escapar algumas vezes.
Ele suspira.
— Não sei, Eros.
Ele apoia os cotovelos no joelho, e vira a cabeça em minha direção,
já percebendo a mudança de assunto.
— E a Raquel? — Artho pergunta.
Reviro os olhos com a menção ao nome dela.
— O que tem ela?
Faz uns dias que não consigo vê-la direito, e me convenço que estou
bem com isso. Está corrido por conta das provas finais, a Editora
demandando atenção no fim do ano pela quantidade de produção de
conteúdo dos setores, das impressões.
— Não se esbarraram de novo? — ele insiste e eu nego. — Caralho,
Eros, você nunca foi tão lento assim, não entendi ainda por que não ficou
com a garota. Está na cara que os dois estão a fim um do outro pelas
alfinetadas que se dão.
— Artho...
— Nem me mande calar a boca. — Se levanta, dando risada, antes
de sair do meu quarto.
Estou bem com a vida de cretino que levo, e se eu permitir que as
coisas com Raquel atravessem o outro lado, terei que lidar mais do que
apenas sexo. E essas férias sem vê-la vão ser boas para controlar essa
tensão sexual e voltar ao normal no próximo semestre.
Raquel
Sábado, 23 de dezembro de 2017
São seiscentos e trinta quilômetros de Bento Goncalves a Chuí, e
quando desço do ônibus com meus músculos doloridos por ter passado
horas sentada, encontro meu pai, o homem de quarenta e cinco anos, me
esperando na plataforma.
Sorrio, correndo para abraçá-lo. Nunca passei tanto tempo longe da
minha família, e a saudade dos meus pais foi um ponto forte sobre estar na
Serra Gaúcha.
— Que saudades, querida. — Ele me abraça apertado, beijando meu
rosto algumas vezes, solto risada quando sua barba por fazer pinica e faz
cócegas no meu rosto.
— Eu também, pai. — Me afasto dele, quando ele beija minha testa.
— Minha mãe não veio?
Ele nega com a cabeça, enquanto sobe o apoio da minha mala de
rodinhas para puxá-la.
— Ficou para fazer a janta para te recepcionar. — Sorrio, morrendo
de saudades do seu tempero.
Viver somente de miojos, comida da RU e lanches não é a mesma
coisa que a comida da minha mãe. Seu Davi Mendes coloca minha mala no
porta-malas da sua Saveiro e abre a porta para eu entrar no carro.
— Como anda a oficina? — pergunto quando já estamos saindo da
rodoviária.
— Graças a Deus, está indo bem. A clientela tem aumentado, tenho
feito um trabalho bom. — Ele me olha orgulhoso e eu sorrio feliz por ele e
sua paixão pelos carros. — Está precisando de mais dinheiro?
— Não pai, está tudo bem. Estou me virando bem em Bento
Gonçalves — garanto a ele. — Falei para o senhor e a mamãe que venho
pegando encomendas para fazer roupas de algumas garotas da universidade.
— Sim. Você, desde pequena, sempre mostrou interesse para essas
coisas de costura. — Ele ri. — Mesmo achando que deveria estar cursando
Medicina.
Acho que o sonho de todos os pais na mesma classe social que a
gente é verem seus filhos formados em uma profissão que dê uma garantia
de vida melhor, diferente da deles, que sofreram com a condição difícil na
vida.
— Eu sei, pai, e sei também que mesmo que eu não esteja cursando
o sonho de vocês, me apoiam por estar realizando o meu. — Sinto aperto na
minha garganta ao dizer as palavras.
— Sempre, querida — sua voz rouca me mostra que ele está
emocionado, e levanto minha mão para apertar a sua no volante.
Minha mãe já está na porta de casa quando meu pai estaciona o
carro na frente. Só me dá tempo de descer e sentir seus braços em volta dos
meus ombros. Dona Marta Mendes chora, e eu sorrio com o coração
apertado de saudade.
— Oi, mãe — retribuo o abraço, beijando seu rosto.
— Você está tão linda, mas parece que não tem se alimentado direito
— constata ao se afastar e olhar para meu corpo.
Nisso ela tem razão, mas não preciso preocupá-los com isso. Sei que
seriam capazes de perder o sono por causa disso.
— É só impressão sua, mãe.
Aceno a mão para alguns vizinhos curiosos que estão do lado de
fora para saber o que está acontecendo e ter o que fofocar. Minha
vizinhança consegue ser bem fofoqueira.
Meu pai pega minha mala, a levando para dentro de casa, e eu e
minha mãe vamos atrás, de braços dados, logo depois de fechar o
portãozinho de grade, enquanto ela pergunta sobre minha vida em Bento
Gonçalves.
A casa está do mesmo jeitinho que lembro. Do lado de fora, a tinta
verde desgastada, mas bem arrumada, com o jardim de rosa que minha mãe
cultiva e a graminha bem aparada.
Nossa casa é pequena, com sala, cozinha, três quartos e dois
banheiros, um deles no quarto dos meus pais, que fica no segundo andar.
Sou igual à minha mãe na questão de organização, então quando
entro na sala, e vejo tudo bem arrumado, não me surpreendo. Como tive
saudade do sentimento de lar que tenho aqui.
Gosto de morar com Charlotte no Edifício, mas não é a mesma
coisa.
Minha mãe me leva diretamente para a cozinha, e vejo a mesa com
as comidas quentinhas em travessas, só me esperando chegar.
Lavo minhas mãos antes de me sentar à mesa com eles, minha mãe
faz questão de fazer meu prato, colocando bastante coisa.
O cheirinho do feijão preto, arroz soltinhos, camarão e salada.
Minha barriga chega a roncar quando ela coloca o prato na minha
frente, e é quando eu levo o garfo à boca, que suspiro mastigando a comida,
saboreando novamente o tempero da minha mãe, a elogiando, que meus
pais começam a comer, satisfeitos.
Eles estão do mesmo jeitinho de quando me mudei, somente com
fios brancos a mais nos cabelos. Sou a cópia da minha mãe, com seus
cabelos loiro escuro, olhos azuis e o sorriso largo e com o temperamento do
meu pai, desbocada, incapaz de levar desaforo para casa, com pavio bem
curto.
Peguei um pouco do DNA dos dois.
Meus pais e eu acabamos indo dormir tarde por causa da longa
conversa que tivemos durante o jantar, que levou a um chá e biscoitos. Eu
contei sobre a Charlotte, mesmo eles sabendo tudo sobre ela, que ela era
minha única amiga na universidade.
Deixei de fora o clube de cretinos e principalmente Eros quando
meu pai perguntou sobre garotos na universidade. Claro que ele quer saber,
mesmo sabendo que, na minha idade, eu vou estar saindo para festas.
Entrar no meu quarto me traz nostalgia. As paredes lilás, uma
cômoda na parede oposta da cama box de casal, que está no lugar da de
solteiro na época que me mudei.
Minhas paredes repletas de quadros com fotos de roupas, desenhos
que fiz na época que fui descobrindo o amor pela moda. Meu sonho sempre
foi ser estilista de moda.
— Seu pai achou melhor comprar uma cama de casal para você —
minha mãe fala da porta do meu quarto, enquanto me observa colocar a
mala no canto do quarto.
Dou risada.
— E onde está a de solteiro?
— No quarto de hóspede, já que lá não tinha nada.
Assinto.
Ela se aproxima, beijando meu rosto.
— É bom te ter novamente em casa, meu amor.
— Estou feliz por estar aqui — retribuo o beijo dela.
E assim ela sai do quarto, fechando a porta. Antes de me deitar, tiro
minhas roupas da mala, guardando tudo na cômoda, junto com as poucas
que ficaram. Depois de tudo organizado e no seu lugar, tomo um banho no
banheiro do corredor e me deito.
Ainda não tinha pegado o celular desde que cheguei, então respondi
algumas mensagens e, antes de bloquear a tela, vou até o contato do Eros, e
abro sua foto para poder olhá-la mais uma vez. Perdi as contas de quantas
vezes fiz isso depois da noite do beijo.
E não me iludi achando que ele me procuraria depois, porque Eros
não é assim. Não faço o tipo das populares que ele fica.
Durante esses dias que não nos vimos, pensei muito no nosso beijo e
constatei que não seria ruim se repetíssemos. 
Mas pensei também no que descobri através de Gael sobre a traição
da garota que namorava com Eros e em como isso me incomodou por
alguns dias. Doida para descobrir quem era sua namorada antes e tirar
minha conclusão sobre ela.
Porém, todas as garotas na cobertura são o mesmo tipo de Eros.
Posso até mesmo ter falado com ela, mas nunca saberei.
Quando saio da foto de perfil de Eros, vejo que ele está on-line e até
penso em mandar uma mensagem para ele, mas por qual motivo faria isso,
além de procurar chifre em cabeça de cavalo?
Prefiro deixá-lo quieto e fazer a mesma coisa que Giordano faz de
melhor, ignorar a existência dele.
Raquel
Segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
Como todo almoço de Natal acontece na casa do irmão do meu pai,
esse ano não seria diferente.
A família estará toda reunida, primos chatos que gostam de estar
com a razão, tias enxeridas querendo saber de tudo da vida dos outros e tios
interessados em jogos, política, aquele tipo de pessoas que discutem por
qualquer coisa, isso inclui meu pai também.
Desço do carro com meus pais e seguro a travessa de um doce que
minha mãe fez para trazer. O portão da casa do meu tio está aberto e, pelo
lado de fora, escuto toda a algazarra das vozes altas e gritaria.
Um sempre quer falar mais alto que o outro, e infelizmente puxei
isso da família, e isso mais uma vez me faz lembrar de Eros e como ele já
demonstrou odiar isso.
Problema dele!
Entramos na casa, e a família toda vêm cumprimentar a gente,
desejando feliz natal.
— Olha quem resolveu aparecer. — Escuto a voz do meu primo que
só porque está estudando Medicina, se sente superior ao resto.
— Olha que infelicidade te ver. — Abro um sorriso forçado.
E eu prometi à minha mãe que tentaria me comportar, mas fica
impossível com a família que eu tenho.
— Como está o curso de Moda? Ainda dá tempo de mudar de ideia.
— Para ficar esnobe como você? Não obrigada — nego, saindo de
perto dele para cumprimentar as outras pessoas que faltam e deixar a
travessa na mesa de comida.
Ele solta uma gargalhada, nem um pouco afetado.
Minha mãe me olha pedindo para cooperar, mas vejo um sorriso de
diversão pela minha resposta ao Eduardo.
Nos sentamos à mesa depois de um tempo. E pelo azar que tenho,
Eduardo senta à minha direita, e Vitória, irmã dele, à minha esquerda. E foi
de morrer ter que escutar cada comentário deles, me segurava em cada
revirada de olhos.
— Raquel, não nos contou como é morar em Bento Gonçalves —
minha tia Laura comenta, curiosa para adquirir toda informação para
fofocar por trás depois.
— É legal, tia. Acho que não tenho muito o que contar. — Dou de
ombro ao falar, focando mais na minha comida.
— Algum namorado? — volta a insistir nas perguntas.
Minha sorte é que a metade da mesa está mais interessada em outro
assunto do que sobre mim e minha vida longe de Chuí.
— Não. — Solto uma risada forçada. — Estou focando na faculdade
no primeiro momento, quem sabe depois?
— Verdade. Talvez apareça com um namorado no próximo ano.
Ignoro seu comentário, e quando posso seguir almoçando em paz,
Vitoria pergunta:.
— Que estilo de roupa vai desenhar? Não aquelas roupas estranhas
de desfiles que ninguém usa, né? São horríveis!
Me viro para ela, com a frase perfeita na ponta da língua para deferir
a ela, mas minha mãe, do outro lado da mesa, cutuca meu pé, balançando a
cabeça em negativa.
— Não sei, tenho muito tempo ainda para decidir, Vitoria —
respondo, com a voz mais calma que existe no meu interior. — E esses
estilos de roupa horrível que está se referindo, é Moda Conceitual, usada
pelos estilistas para expressar ideias, ser criativo, para pensar e refletir.
— Não deixam de ser horríveis.
Escuto risadinhas na mesa de quem escutou o comentário de Vitoria
e respiro fundo, sem paciência.
— Quando eu era mais nova, não precisava de faculdade para
aprender a costurar — outra tia comenta com implicância. — E nessa área
quase não existe emprego.
A mesa toda fica em silêncio depois do último comentário. Eu sei
que minha família ama criticar, mas eles pegam pesado quando é em
relação a mim. Talvez por ser a única a querer coisas grandes, a sonhar alto.
— Isso não interessa a você, Lurdes. É a escolha da Raquel se
formar no que ela quiser. — É a voz da minha mãe que escuto me
defendendo.
— Ela é nova, pode se formar em quantos cursos quiser — meu pai
completa a fala da minha mãe, indignado.
— Eu sei, só quero dizer que para ter uma vida financeira boa,
precisa ser um mercado que tenha uma demanda de profissão grande —
minha tia Lurdes se defende.
— E mesmo assim não é você que decide — meu pai retruca sua
irmã.
Fico emocionada ao ver meus pais me protegendo e defendendo
com garras. Não queria estragar um momento em família, mas neste caso é
impossível escutar tudo calada.
— Do que adianta se formar em algo somente por dinheiro e depois
reclamar da vida tediosa que tem? Quero que entenda que a vida é minha e
eu escolho o que eu quiser, e as únicas pessoas que têm o direito de falar
alguma coisa são meus pais.
A mesa fica silenciosa. Minha tia me olha furiosa, e eu sorrio para
ela, louca para ela continuar a falar mais alguma coisa, para que eu possa
retrucar.
Meu celular resolve tocar neste momento no meu bolso, e quando o
pego, lendo o nome da Charlotte na tela, fico aliviada por ser ela a me livrar
do ninho de cobras que é a minha família.
— Com licença — peço, me retirando da mesa para atender a
ligação.
Deslizo o dedo na tela para atender minha amiga quando estou bem
longe de todo mundo discutindo por minha causa.
— Charlotte — atendo. — Estou tão feliz por estar me ligando, me
tirou de uma situação extremamente chata.
— Aconteceu alguma coisa? — ela pergunta, preocupada.
— Sim, situação chata com meus parentes, mas não é de
importância — declaro.
— Tem certeza? — insiste.
— Absoluta. Agora me diga, está tudo bem? 
— Sim, liguei para te contar sobre uma coisa.
E assim ela joga a bomba, que me faz gritar eufórica. Enfim, Artho
Becker a pediu em namoro e está na casa dela agora, viajou até lá para ficar
com ela. Eu sabia que Artho daria o braço a torcer em algum momento.
— Até que enfim, achei que esse pedido nunca viria.
Estava na cara o quanto eles estavam apaixonados um pelo outro.
Charlotte solta uma risada, e tenho certeza de que, tímida como é, deve
estar com vergonha.
— Mas não liguei somente por isso — anuncia. — Os meninos vão
viajar na sexta à noite para Florianópolis, querem passar o ano novo em
Jurerê Internacional na casa do Eros, eu disse que só iria se você também
fosse.
Dou risada pela sua ousadia, e fico feliz por ela sempre me incluir
nos planos, está sempre pensando em mim. Não poderia ter escolhido
amizade melhor. 
— E irritar Eros Giordano? Claro que aceito — respondo, rindo,
escutando sua diversão do outro lado da linha.
— Nos vemos em breve, então.
Nos despedimos, e tenho certeza de que meu sorriso está largo com
esse convite, irei passar o ano novo na praia, na região chique e cheia de
luxo.
Mas neste momento preciso voltar para a mesa, me sentar e tentar
engolir toda a falsidade dirigida a mim.
Um dia vou me tornar uma estilista famosa, com nome e tudo e
mostrar para minha família que não acreditou que eu conseguiria, que foi
graças aos comentários ridículos deles, que me deram ainda mais gás para
lutar pelo que desejo.

Estou na rodoviária novamente, quase entrando no ônibus para


voltar para Bento Gonçalves. Pelo fato de não ter conseguido negociar com
Emília uns dias a mais para ficar com meus pais, preciso voltar na noite de
Natal mesmo, para estar lá amanhã trabalhando.
— Queria que pudesse ficar mais — minha mãe choraminga, me
abraçando mais uma vez.
— Eu também, mãe. Mas prometo que no próximo feriado
prolongado que tiver, estarei aqui com vocês.
Beijo seu rosto e vou em direção ao meu pai para abraçá-lo.
— Amo vocês — declaro, me segurando para não chorar na frente
deles.
Meu pai abraça minha mãe para consolá-la, que chora. Seco seu
rosto e me afasto.
— Também te amamos, querida — meu pai responde.
Sorrio, entrando no ônibus e me sentando na numeração da poltrona.
E tenho a visão deles ainda do lado de fora, esperando o ônibus partir para
acenar em despedida.
Raquel
Sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Desço pelo elevador com duas malas cheias de roupa para passar os
dias em Jurerê. Tenho dificuldade de sair pelo fato de elas estarem bem
pesadas.
Deixo uma no saguão com a intenção de voltar para buscá-la quando
deixar a outra no carro. Eros quando me vê me aproximando, tendo
dificuldade em puxar a mala, revira os olhos, já com o porta-malas aberto.
Já imagino o quanto esses dias juntos serão divertidos para
infernizar Eros.
Ele fica sem paciência quando me vê tentando pegar a mala para
colocar no carro, e se aproxima, descendo o apoio da mala e pegando ele
mesmo para enfiar no carro.
— O que você está levando aqui dentro? Seu guarda roupa todo? —
pergunta sarcástico.
— Óbvio que não. É só o básico.
— Consigo perceber — Eros ironiza, fechando o porta-malas.
Começo a abrir a boca para avisar que tem mais uma mala para ser
colocada dentro, quando o escuto xingar, olhando para trás de mim.
— Traíra, filho da puta.
Assustada, viro a cabeça para entender que ele está se referindo a
Artho, que vem andando com Charlotte de mãos dadas, rindo de alguma
coisa.
— A gente não é um casal para passar esses feriados juntos — ele
diz baixinho, mas escuto, com uma voz irritante de quando se está imitando
alguém, e me toco que é Artho o felizardo. — E de azar ainda leva a amiga
dela.
— Ei, do jeito que Artho é orgulhoso, se te ouvir falando assim, vai
desistir dessa viagem — comento, indicando que escutei tudo o que ele
resmungou.
— Raquel, vai cuidar da sua vida — ruge entredentes.
— O que foi? Está nervosinho hoje? — provoco.
Bufa, me ignorando, como sempre faz.
— Podemos ir? — Artho pergunta, quando para à nossa frente,
entregando a mala de Charlotte para Eros colocar no carro.
Ele lança um olhar assassino para o amigo. Aproveito a troca de
amores entre eles para voltar ao saguão do prédio e buscar a outra mala.
— Aonde você está indo? — Charlotte pergunta, franzindo a testa.
— Buscar a outra mala.
— O quê? Outra mala? — Eros questiona, quase soltando fogo, de
tão nervoso. — Não vai caber outra mala no carro.
Olho para a Mercedes dele, que já está com o porta-malas cheio.
— O problema é seu, que comprou um carro com pouco espaço —
resmungo. — Onde vou levar a outra? Na sua cabeça?
— Você não vai precisar levar nada se ficar, não sei nem por que
você está indo.
— Porque eu fui convidada — respondo orgulhosa.
— Não por mim — declara, frio.
— Biga não, tio Elo. Nenê fica tisti — a voz da pequena Ayla é
escutada pela gente, quando sua cabecinha aparece na janela do carro.
Eros relaxa, estreitando os olhos para mim.
— Tudo bem, Batatinha — responde ela, ainda me olhando.
— Escutem a voz da razão — Artho se intromete e Eros fica tenso
de novo.
— Não se meta, Artho — Eros resmunga para o amigo, que leva
tudo na brincadeira.
Me viro para voltar ao prédio e pegar a outra mala e escuto Eros
vindo atrás de mim.
— Porra de mulher exigente — escuto ele dizer, resmungando.
— Não preciso da sua ajuda.
— Não te perguntei nada — diz, ao subir as escadas atrás de mim,
pegando o apoio da mala e descendo com ela.
Artho e Charlotte observam tudo, minha amiga em silêncio e Becker
sorrindo de toda a situação, com Ayla no colo.
Neste momento, um Toyota para atrás da Mercedes de Eros,
buzinando.
— Já era para estarmos na estrada — Lion comenta ao descer do
carro. — O que rolou? — pergunta para ninguém em especial, encarando
Eros que bufa o tempo todo, parecendo um búfalo.
— Tem vaga no seu porta-malas ainda?
— Sim — Lion pega a mala pelo apoio, para poder puxar até a parte
de trás do seu carro. — De quem é?
— De quem mais seria? — pergunta, como se fosse óbvio, olhando
para mim.
Lion dá risada, e se vira sorrindo para mim.
— E aí, Raquel? — Lion me cumprimenta, apoiando os cotovelos
no apoio da mala, sua atenção completamente em mim. — Tem vaga para
você também no meu carro.
— Porra, Lion. Não fode, já era para termos saído — Eros explode e
procuro por Ayla, que por sorte já está dentro do carro novamente e não
escuta as palavras bonitas que seu tio profere.
Lion gargalha e pisca para mim antes de voltar para o seu carro.
— Preciso que você vá na frente, Raquel, Ayla tem enjoos em
viagens de carro e quero estar atrás, no caso de ela precisar.
— O quê? Desde quando ela tem isso? — Eros, fuzila o amigo.
Com tantas oscilações de estresse e humor que Eros teve entre esses
vários minutos, não sei como ele ainda está de pé.
— Não faz muito tempo — Artho responde, esperando Charlotte
entrar. Minha amiga me dirige um sorriso de consolação antes e Artho entra
logo depois, me deixando com Eros do lado de fora.
Fixo meus olhos nele, que me ignora para entrar ao lado do
motorista.
Durante essa viagem, consigo lidar com Eros, torço para não
precisarmos ficar no mesmo ambiente o tempo todo.
A questão aqui é: Eros Giordano consegue lidar comigo?
Eros
Nossa viagem tinha tudo para dar certo...
Olho para o lado enquanto dirijo, vendo Raquel ligar o som,
procurando uma música para preencher o ambiente.
...Mas prevejo que vai ser um inferno.
— Não mexa no meu som — desligo, escutando-a fazendo barulho
com a boca, para novamente ligar de novo o som.
— Vocês pretendem passar as próximas horas brigando desse jeito?
— Artho pergunta, e olho pelo retrovisor, louco para chutá-lo.
Mentiroso desgraçado.
Ayla não tem enjoo nenhum, e ele inventou isso para poder deixar
Raquel ao meu lado a viagem toda. Enquanto ele aproveita para ficar com a
Batatinha e a namorada no banco de trás.
Ele sorri para mim quando me pega olhando para ele.
No painel me mostra que são apenas vinte e uma horas e meia, e
ainda temos cinco horas e meia de estrada, isso sem as paradas para
abastecer os carros, comer alguma coisa e ir ao banheiro.
Devemos chegar em Jurerê por volta de quatro e meia da
madrugada, isso se não acontecer nenhum imprevisto. Olho de rabo de olho
para Raquel, que tem sua cabeça virada para o lado de fora.
Meus olhos descem para seu corpo, suas pernas e coxas desnudas
porque ela veste um short jeans e uma camiseta de manga. Seu cabelo preso
em um rabo de cavalo, alto, com alguns fios de cabelo caindo pelo seu rosto
e pescoço. Sua pele macia e exposta.
— Atenção na estrada, Eros — pisco focando na frente quando
escuto Artho comentar. Aperto o volante quando sinto Raquel me olhando
sem entender sobre a frase de Artho.
Não levei nem cinco segundos observando Raquel, mas pelo jeito,
Artho me observou bem mais que isso.
A BR, mesmo com bastante iluminação, me deixa atento a estrada.
Já passou mais de uma hora, e recebi uma mensagem de Dimitri
informando para pararmos no próximo posto.
O carro está silencioso, na rádio com volume baixo está tocando, Do
seu lado de Jota Quest, e batuco os dedos no volante, prestando atenção
pela primeira vez na letra da música.
Volta e meia, olho para Raquel, que está dormindo, com a cabeça
virada para o meu lado. A claridade das luzes dos postes passando pelo seu
rosto e é em uma dessas vezes que quando a olho, a vejo me encarando,
sem esboçar nenhum movimento que me indicasse que havia acordado.
— Você não está cansado? — ela sussurra, como se para não
acordar os três no banco de trás.
Penso em ignorá-la por todo estresse que me fez passar desde que
cheguei para buscar Charlotte e ela, mas não vale a pena.
— Um pouco, mas já estou acostumado a dirigir por longas horas —
digo, olhando rapidamente para ela, que se ajeita melhor no banco, ficando
de lado para me olhar.
— Pode parar no próximo ponto, se esticar um pouco — sugere.
Aquiesço.
Não entendo como estamos conversando agora sem gritar ou
provocar um ao outro.
— Por que vocês não escolheram vir de jatinho? Seria mais rápido
— ela pergunta.
Meu corpo fica tenso. Apenas a ideia de entrar em uma aeronave
outra vez me causa uma dor no estômago, fazendo minha mão suar.
Não consigo nem me aproximar de um avião, desde que meus pais
morreram.
— Eros? — ela me chama quando não respondo, e isso deve ter
levado um bom tempo.
— Não gosto de viajar de avião, Raquel — falo, tentando não ser
grosseiro com ela.
— Ah! — ela faz um som de que entendeu e fica em silêncio.
Penso que devo ter afugentado ela, mas não é o caso de Raquel, que
continua me olhando, e fico satisfeito quando vejo um posto mais à frente e
dou a seta para entrar. Verificando se Lion está fazendo a mesma coisa no
carro de trás.
Quando estaciono e logo em seguida Lion faz o mesmo, escuto
portas sendo abertas e fechadas e faço o mesmo, evitando olhar para
Raquel, ainda sinto seu olhar em mim.
Do lado de fora, recebendo o ar gelado da noite, estico minhas
costas. Dimitri foi comprar energético para a gente, e ainda temos longas
horas para dirigir.
A porta do meu carro abre e vejo Raquel descer. Se esticando
também, do lugar onde estou, vejo que o movimento que ela fez de erguer
seus braços para cima, mostra um pouco sua barriga ereta.
— Eros? — sinto Lion cutucar meu ombro. — O que tanto você está
olhando interessado.
Pergunta, e quando vai olhar para a direção em que Raquel está,
entro na sua frente. Eu ainda não esqueci o jeito que agiu com ela mais
cedo, todo atirado e convencido.
Ele estreita os olhos para mim e o movimento de trás do carro nos
chama atenção. Raquel aparece e sorri para Lion.
— Preciso ir ao banheiro. Acho que fica naquela direção, né? —
aponta para o lado oposto da entrada na loja de conveniência.
— Sim, preciso ir também. Te acompanho até lá — Lion sugere e
ela sorri agradecida, seguindo em frente.
Seguro o braço de Lion, impedindo-o de dar alguns passos.
— Você fica! — digo.
— Qual é, cara? Preciso ir ao banheiro, e aproveitar para
acompanhar Raquel.
— Não precisa, eu mesmo acompanho e você vai depois que eu
voltar — Lion estreita os olhos para mim depois de escutar o que eu falei,
mas ignoro ele, andando com passos largos para alcançar Raquel.
Raquel
Sábado, 30 de dezembro de 2017
Não esperava amar tanto Jurerê Internacional como estou amando.
O bairro é lindo, as casas, o clima, até mesmo as pessoas.
Havíamos chegado na casa de Eros por volta das quatro e meia da
madrugada. Todos foram para seus quartos, cansados e com sono.
Às dez, estava todo mundo de pé, aproveitando a piscina enorme
que tem nos fundos da casa, com uma vista de morrer.
Aproveitei para tirar várias fotos e postar nas minhas redes sociais.
Nem consigo contar a quantidade de cômodos que a casa tem, ainda
só tinha visto a sala de visita e a cozinha no andar de baixo. No andar de
cima, estava hospedada no quarto lindo com as cores claras, varanda e vista
para o mar.
Até mesmo o banheiro é de um nível superior a qualquer um que eu
tenha visto. A casa de Eros aqui é bem moderna, comparada à casa que ele
tem em Bento Gonçalves, por ser mais antiga, passada de gerações.
Estou na sala de TV com Ayla sentada ao meu lado, assistindo um
desenho da sua escolha e comendo pipoca. A casa está silenciosa. Todos
saíram, incluindo Charlotte e Artho, que foram jantar fora e tirar um tempo
para os dois.
Um vale night de casal.
Eu garanti que cuidaria bem de Ayla para que pudessem ir.
Ainda estou em choque por saber que Artho é o pai biológico de
Ayla, mesmo ela sendo muito parecida com ele, a história de irmãos foi
algo que acreditei desde o princípio.
Os outros cinco decidiram ir a uma balada no centro de Jurerê e eu
fiquei de babá.
O filme está quase acabando quando percebo que Ayla está
cochilando, com sua cabecinha deitada na minha coxa, enquanto faço
cafuné em seus cabelos. A pego no colo, cheirando seu pescocinho,
escutando sua risada rouca de sono.
Ajudo ela a escovar os dentinhos e trocar de roupa para se deitar.
Espero ela pegar no sono para poder sair, e observo os detalhes do quarto.
Eros pensou em tudo para agradar a sobrinha. 
Desde as cores vibrantes até os móveis, foi tudo planejado para ela.
Verifico se ela está bem embrulhada, assim que a vejo dormindo. Garanto
em deixar a luz do abajur acesa e a porta encostada, para o caso de ela
acordar e precisar de mim.
Passo pela cozinha, antes de seguir novamente para a sala de TV. Na
geladeira, pego uma garrafa de vinho com uma taça, voltando para sala
novamente e escolhendo um filme.
Com as luzes apagadas, o ambiente sendo iluminado apenas com a
luz da TV, me sento enchendo a taça e relaxando.
Passadas já meia hora de filme, me inclino para pegar a taça de
vinho da mesinha à minha frente, quando algo no canto da sala me chama
atenção. Dou um pulo de susto junto com grito, derramando o vinho na
minha blusinha do pijama. 
— Merda! Por que não avisou que estava aí? — falo irritada com
Eros, que só me encara, de um jeito estranho. — Parecendo uma estátua
ambulante.
Minha blusa está com uma mancha enorme, justamente em cima dos
meus seios. 
— Gosto de observar você. 
Olho para ele chocada com sua confissão. Com certeza, ele está
zoando com a minha cara. 
Dou risada.
— Tenho certeza de que essa é a última coisa que gosta de fazer
quando é relacionado a mim. — Reviro os olhos ao responder. 
Seu comentário me afeta, sinto um frio na barriga, esquentando meu
corpo ao passo que a sensação sobe. 
Tento abanar a blusinha para que de algum jeito a seque. Vejo pela
visão periférica quando ele se afasta da parede para se aproximar. Me
levanto do sofá, sentindo como se eu fosse uma presa pela maneira que
Eros me olha, como um predador calculista e decidido.
Meus batimentos estão acelerados quando ele para à minha frente e
desce seus olhos para minha blusinha, a mancha grande de vinho, marcando
o bico dos meus seios. 
Ele levanta a mão, passando o dedo indicador pela borda do tecido e
subindo aos poucos. Não consigo respirar normalmente, enquanto observo
todo o caminho que ele faz, uma espera dolorosa pelos próximos
movimentos.
Ele para a milímetros de encostar o dedo em meu seio, Eros percebe
quando os bicos endurecem, vendo o que causou em mim. Seus intensos
olhos fixos nos meus, como se conseguisse sentir cada célula do meu corpo
afetado por um simples toque. 
— Por que acha que estou brincando, Raquel? 
Eros sobe o dedo entre os meus seios, subindo pelo meu pescoço.
Eu sinto minha pele se arrepiar no processo, e ele para com seu polegar em
meus lábios. 
— Porque nos odiamos, Eros, é tão claro como água — digo,
ofegante, buscando algum controle.
Ele nega.
— Eu não odeio você, Raquel. — Ele acaricia meu rosto, enquanto
olha para minha boca. — Eu desejo você, são coisas totalmente diferentes. 
Fico sem reação com suas palavras, minhas mãos soam, e não sei o
que responder depois dessa confissão.
— Por que você mexe tanto comigo? — ele sussurra e duvido que
essa pergunta tenha sido feita para mim. 
Pelo seu hálito, Eros parece ter bebido, mas não o suficiente para
ficar bêbado. Ele só parece mais… quente e sombrio de uma forma sensual
pelo modo que as palavras saem da sua boca carnuda.
— Você é a porra da mulher que tem o poder de me deixar louco, e
ao mesmo tempo, tenho vontade de beijar essa sua boca atrevida enquanto
te fodo, forte e gostoso.
Suas palavras me afetam tanto, que chego a cambalear para trás,
mas sou segurada por ele, que gruda nossos corpos.
— E o que te impede? — eu consigo dizer com a voz rouca,
abalada. Levanto meu queixo para provocá-lo, ofegante com a nossa
aproximação.
Ele foca seus olhos em mim e eu vejo os instantes em que ele liga o
foda-se e me beija. Suspiro em seus lábios, surpresa no primeiro segundo, e
levanto minha mão para prendê-la em seus cabelos, me dando mais impulso
para beijá-lo e sentir sua língua entrando na minha boca em busca da
minha. 
Eros faz o mesmo, envolve sua mão na minha nuca, subindo a outra
pela minha coxa, apertando a pele exposta pelo shortinho.
— Não consigo mais resistir a você — sussurra, morde minha boca
e desce alguns centímetros para morder meu queixo. — Deita.
Ele manda, sua voz ficando mais grave. Um arrepio toma todo meu
corpo, me sinto pulsar só de imaginar o que ele fará. Olhando para ele, me
sento no sofá, e me deito, esfregando minhas coxas uma na outra, ao passar
a língua nos lábios.
Eros observa tudo e tira a camisa, a soltando para cair no chão.
— Antes de continuarmos, quero deixar claro que isso só vai
acontecer uma vez — declara, apoiando os braços de cada lado da minha
cabeça para tocar meus lábios, dolorosamente provocante. — Não quero
você no meu pé depois disso.
Sorrio, olhando nos olhos dele, sentindo uma convicção surgir
dentro de mim.
— Nunca fui de me apegar a homem nenhum depois de uma foda, e
dessa vez não será diferente. Quem me garante que não vai ser você a ficar
no meu pé? — pergunto, levantando uma das pernas para mexer o meu
quadril no dele e provocá-lo.
— Eu garanto — diz bruto, e me beija, calando qualquer palavra
que fosse sair da minha boca.
Eros desce mais seu quadril, fazendo um movimento gostoso com
ele, causando uma fricção insuportável. O movimento que ele faz com sua
língua me dá uma boa certeza de que ele é maravilhoso fazendo outras
coisas.
Ele desce os beijos para o meu pescoço, com um autocontrole que
me causa ansiedade, louca para ele ir mais rápido com as coisas, ao mesmo
tempo que quero que dure e ele faça comigo tudo que planeja.
Eros para com a boca sobre o tecido molhado de vinho, acima do
bico do meu peito, sua respiração quente me excitando mais, eu gemo
quando ele desce a língua para tocá-lo por cima da blusa, lambendo antes
de morder e chupar em seguida.
Me mexo sob ele, querendo mais, exigindo mais ao segurar seus
cabelos firmemente. Eros faz a mesma coisa com o outro seio, subindo a
blusa para ter acesso total a eles, me ajudando a tirá-la.
— Amo como eles cabem tão perfeitamente em minhas mãos —
Eros murmura e olha para mim, abaixo a cabeça para morder um deles, me
olhando profundamente, me causando todo tipo de formigamento pelo meu
corpo.
— Preciso de mais — digo, o desejo por ele vindo com força maior,
e eu nunca havia me sentido assim antes.
Ele desce os lábios deixando uma trilha de beijos quentes pela
minha barriga, parando por cima do meu umbigo, para lambê-lo, e enfiar a
língua dentro, dando toda atenção a ele, até que estou gemendo,
desesperada.
Eros ri, adorando ver o quanto estou sedenta, de guarda baixa,
querendo que ele me coma de um jeito delicioso. Ele puxa meu short para
baixo, junto com a calcinha.
Neste momento não ligo se alguém vai aparecer, e nos pegar
transando na sala de TV, só quero que Eros me faça gozar. Ele rosna quando
abaixa a cabeça para inalar o meu cheiro, passando a língua desde a minha
entrada, parando no meu clitóris.
Gemo, meu peito descendo e subindo, passando os dedos por entre
seus cabelos.
— Você tem um gosto delicioso, me acostumaria com ele facilmente
— declara, sorrindo, passando a língua pelos lábios.
— Então me faça gozar — peço, remexendo em seu dedo, tocando
meu clitóris.
— Você não precisa pedir, Raquel, quero que goze primeiro na
minha boca para que possa passar a noite toda com o seu gosto, e depois no
meu pau enquanto eu me afundo nessa sua boceta molhada.
Suspiro com suas palavras e gemo alto e incontrolável quando ele
primeiro chupa, para depois usar sua língua em um vai e vem, e intensifica
a pressão no meu ponto mais sensível. Quero fechar as pernas quando ele
acelera os movimentos, apertando a boca na minha entrada para me chupar
e sugar logo depois, e Eros impede, segurando as minhas coxas para me
deixar bem aberta para ele.
Começo a tremer, mexendo o quadril, sentindo o orgasmo chegando,
varrendo toda a minha força, me fazendo gritar enquanto gozo na boca de
Eros, ao mesmo tempo que ele aumenta a pressão no meu clitóris para
intensificar meu clímax.
Durante os segundos que tento me recuperar, meu peito subindo e
descendo rápido, percebo ele tirando a calça, e o volume da cueca grande
mostra que Eros é bem dotado.
Eros tira a cueca, seu pênis pula para fora, ereto, grande, as veias
profundas à mostra, e nada me prepara para o piercing que eu vejo na
cabeça do seu pau, apontando em minha direção. Minha boca saliva,
quando ele aperta sua base, sua mão subindo e descendo, parando na ponta,
para passar o dedo pelo seu pré-gozo e lambuzá-lo.
Mordo o lábio, subindo os olhos para o rosto de Eros, que me olha
orgulhoso, seu ego saindo pelos seus poros por ter me pressionado. Minha
boceta pulsa, imaginando seu caralho dentro de mim, seu piercing batendo
no meu ponto sensível.
— Te impressionei? — pergunta, ao segurar minha mandíbula com
força. — Quer sentir como é ter meu pau na sua boca?
Eu olho para seu pau, desejando tê-lo na minha boca, minha língua
passa pelos meus lábios, quase posso sentir o metal frio nela, misturado
com o gosto de Eros, ele socando fundo na minha garganta.
— Abre a boca, Raquel, quero foder essa sua boca atrevida, para
você lembrar do meu pau toda vez que pensar em ser malcriada comigo —
Eros diz, e eu obedeço, choramingando com a expectativa de tê-lo na minha
boca.
Coloco minha língua para fora, e Eros bate a cabeça do seu pau nela,
sinto seu gosto e depois o metal frio do piercing, me deixando quente.
Minha mão substitui a sua, e eu aperto seu membro, quando minha língua
úmida dança na cabeça, antes de eu lamber.
Ele rosna e faz um rabo de cavalo com os meus cabelos, para poder
ter controle aos meus movimentos, quando o enfio na boca, gemendo com a
textura dele, seu piercing passando pelo céu da minha boca, até bater no
fundo, onde ele mete com força, me impedindo de puxar o ar pela pressão
que ele faz.
Olho para ele, que morde o lábio, sua expressão de luxúria
estampada em todo o seu rosto, enquanto mete com vontade na minha boca.
Escuto seus grunhidos quando o tiro da boca para lambê-lo, sua glande
roçando em meus dentes antes da minha língua tocá-la.
— Porra, Raquel — ele murmura meu nome, sem controle nenhum
na voz. — Você é tão boa me chupando.
Sem ter como responder, demonstro que gostei do seu elogio o
enfiando na minha boca de novo, apertando seu pau na base e seus
testículos. Vejo Eros jogar sua cabeça para trás, gemendo.
— Preciso que pare, quero estar dentro de você agora, sentir sua
boceta me apertando — ele declara, e gemo quando ele sai da minha boca e
me puxa para me beijar, apertando meus seios.
Eros morde meu lábio, antes de enfiar sua língua na minha boca, a
chupando.
— Quero te comer de quatro, ter a visão do meu pau entrando em
você — dita o seu desejo, olhando nos meus olhos e me vira de costas para
ele, me ajudando a abaixar no sofá, empinando a bunda. — Você não tem
noção da visão que tenho agora.
— Então não perca tempo, me fode logo — suplico, minha voz
abafada pelo contato do meu rosto pressionado ao estofado do sofá.
Sinto minha pele arder ao receber um tapa leve em um lado da
minha bunda, e grito, me remexendo, me sentindo molhada. Olho para Eros
que coloca a camisinha, com os olhos em meu rosto.
Eros passa o polegar pela minha entrada, e sobe um pouco mais,
parando na minha outra entrada, que pulsa, antes de ele baixa e lamber,
solto sons irreconhecíveis, ele aperta os dois lados da minha bunda, e se
posiciona, me penetrando com calma, me preenchendo, até eu o sentir no
fundo dentro de mim.
O ritmo começa a acelerar e sinto sua mão descer e subir pelas
minhas costas, enquanto a outra mão aperta minha cintura, me auxiliando
com o movimento de encontro a ele. As estocadas ganham mais força, e não
consigo ser silenciosa, e tampo a minha boca para evitar gritar.
Eros para o movimento, ainda dentro de mim, ele se inclina,
retirando minha mão da boca, a puxando para trás junto com a outra,
prendendo as duas na base das minhas costas.
— Quero te ouvir, Raquel, e foda-se se vão te escutar, quero você
gritando para mim, enquanto te fodo gostoso — declara. — Está me
escutando?
Assinto, freneticamente, rebolando em seu pau, para que continue e
escuto sua risada rouca. Ele recomeça os movimentos e logo estou gemendo
de novo.
— Caralho, como estou adorando essa visão — exclama. —, de
como sua boceta fica linda com meu pau. Consegue sentir, Raquel?
Consegue sentir como é delicioso?
— Eros... — choramingo, e ele aumenta a velocidade.
Sinto seu piercing batendo fundo, no meu ponto sensível, me
puxando para perto, e tudo impulsiona ainda mais quando ele desce a mão
que estava na minha cintura para apertar o bico delicado do meu peito.
Grito seu nome, a pressão aumentando e começo a tremer quando
gozo, apertando seu pau, começo a desfalecer no sofá, mas Eros segura
minha cintura para me manter no lugar enquanto ainda estoca em mim, sem
perder o ritmo.
Eros ruge, e quando começa a gozar, ele desce sua boca até meu
ombro e me morde, e sinto todo o seu prazer vir com tudo e gemo junto
com ele. Ele solta minhas mãos, beija o local que mordeu e se levanta,
nossos corpos suados, roçando um no outro.
Fecho os olhos, o sono chegando, mas o consciente me lembrando
que preciso levantar, me vestir e ir para o quarto, antes que alguém chegue,
mas não tenho forças para isso, o cansaço está cada vez mais pesado.
Sinto os braços de Eros pelo meu corpo, me levantando com toda a
facilidade, e abro os olhos para o ver, a pouca claridade da sala, me mostra
ele relaxado, como eu nunca vi antes.
Passo os braços pelo seu pescoço, enquanto ele nos tira da sala,
subindo as escadas logo em seguida. Ele entra no meu quarto, sem
pestanejar, e fecha a porta com o pé, me levando direto para o banheiro.
Meus pés tocam o chão frio do azulejo, ainda sem desviar o olhar
dele, que liga o chuveiro, esperando a água esquentar, me colocando
debaixo dela, para depois pegar o sabonete e passar pelo meu corpo.
Ajudo ele, molhando meus cabelos, e pegando o shampoo para levá-
los. Fazemos tudo em silêncio, e quando saímos do chuveiro, é ele que pega
a toalha para mim, secando meu corpo e depois enrolando ela em mim, a
prendendo em seguida, acima do meu peito.
Eros pega uma toalha para ele, o secando também, e consigo ver seu
pau, semi ereto antes da toalha ser enrolada em sua cintura. Nunca iria
cogitar que Eros tem um piercing no pau, não é a cara dele.
Escuto o som que ele faz e subo meus olhos para o seu rosto, Eros
está sorrindo de lado ao me pagar o secando. Agora que nada me impede de
olhá-lo, consigo observar melhor seu corpo, seu abdômen bem definido,
seus gominhos, os músculos dos seus braços. Tenho vontade de subir minha
língua por todo ele.
O movimento que ele faz para secar seus cabelos me deixa ver a
tatuagem que tem na costela. São traços de uma frase, com uma letra
cursiva e bem desenhada, do espelho consigo ver mais ou menos a tatuagem
da sua nuca, é uma constelação.
Eros, quando termina de se secar, segura minha mão e me puxa para
fora do banheiro, indo diretamente para cama, preparando logo em seguida
a colcha para me deitar e, quando faço isso, tirando a toalha do corpo, eu o
vejo me olhar, e sorrio discretamente, me demorando de propósito para
deitar na cama.
Não entendo o que ele ainda está fazendo aqui, agindo como se
fôssemos continuar com isso, quando ele deixou bem claro que seria
somente uma vez. Mas não é isso que Eros faz, ele deita ao meu lado depois
de ficar nu novamente.
Me viro de costas para ele, e sinto a pele do seu corpo tocar a minha,
antes de sentir seu braço pela minha cintura, juntando nossos corpos.
Poderia me desvencilhar dele, e questionar o porquê de ele ainda estar aqui,
mas não quero, está tão gostoso desse jeito, que deixo para lidar com isso
depois.
Eros
Raquel dorme ao meu lado e tiro minhas mãos do seu corpo, me
odiando por ter perdido o controle com ela. Era para ser somente uma
transa, e nada de tomarmos banho juntos, muito menos cuidar dela depois.
Mas é tudo tão automático com Raquel, não é preciso esforçar em
nada.
E porra, foi tão bom, não consegui resistir a ela, não quando a vi,
tomando o caralho do vinho, molhando sua boca gostosa, incapaz de saber
que estava ali, parado a observando por vários minutos, e foi impossível
resistir a ela quando vi o vinho molhou seus peitos, eles reagindo e ficando
eretos, minha boca salivando para os ter na boca.
E tudo foi por água abaixo quando ela me provocou.
Na boate com os meninos, não conseguia deixar de pensar nela, na
casa, sozinha com Ayla, imaginando seu conjuntinho de pijama que eu a vi
vestida antes de sair da casa com os meninos.
Caralho, como tirar Raquel da minha cabeça, quando só a quero
odiar, mantê-la distante, e agora depois de transarmos, tudo parece mais
difícil.
Cheiro seus cabelos, antes de me levantar da cama, me distanciando
do calor do seu corpo, e enrolo a toalha em mim novamente.
Meu desejo é ficar aqui, dormir com ela abraçadinho, e depois
acordá-la com minha língua.
Demoro a sair do quarto, mas quando o faço, me dou conta de que
os meninos poderiam chegar a qualquer momento, e não queria que me
pegassem assim. As nossas roupas ficaram no andar de baixo, e desço para
pegar tudo e não deixar nenhuma pista do que aconteceu entre nós dois.
Passo no seu quarto de novo para deixar seu pijama, dobrado em
cima da cama, mas não deixo sua calcinha, a levando comigo para o quarto,
tendo a certeza de que terei uma noite perturbada e sem sono com a
companhia da sua peça minúscula para me consolar que não vai acontecer
mais nada entre nós dois.
Raquel
Sábado, 31 de dezembro de 2017
Acordo, a claridade que passa pelas cortinas da janela me fazendo
fechar os olhos por alguns segundos.
O quarto está vazio, sem sinal de Eros, e entendo que isso era de se
esperar. Ele é um cretino, está acostumado a transar e ir embora, mas por
um momento ontem, depois que ele cuidou de mim, achei que ele ficaria e
que eu acordaria e o encontraria aqui.
Me sento na cama e vejo o pijama que estava vestida ontem à noite
dobrado na cama, Eros deve ter descido para buscá-lo. Não vejo sinal da
calcinha, e me desespero com medo de que alguém possa encontrá-la
jogada no chão.
Não saberiam que eu era a dona, saberiam? Precisava passar na sala
de TV para tentar encontrá-la antes de ir tomar café da manhã.
Hoje é véspera de Ano Novo e não imaginei que passaria o dia com
as imagens quentes de Eros na minha cabeça, seu pau e aquele maldito
piercing que fez loucuras comigo na noite passada.
— Raquel? Está vermelha! Está tudo bem? — Charlotte pergunta
sentada à minha frente na mesa, enquanto tomamos café da manhã. 
— Não é nada, amiga, estou bem.
Ela parece não acreditar, e me olha por mais alguns segundos antes
de Ayla chamar atenção dela. Só consigo me preocupar com a bendita
calcinha que não encontrei na sala de TV.
— Bom dia — Eros cumprimenta todo mundo quando senta na
mesa, para meu azar ou sorte, do meu lado. 
— Está de bom humor — Artho provoca, recebendo um olhar
semicerrado do amigo. 
— Se divertiu muito ontem, Eros? — Gabriel pergunta, com cara de
sono.
Pelo jeito os quatro chegaram tarde da boate que foram. 
— A gente nem viu a hora que saiu da balada, imaginamos que foi
embora acompanhando — É Lion que comenta dessa vez, me deixando
curiosa.
Eros teria estado com alguém antes de vir para casa?
— Pela expressão do safado ele saiu bem acompanhado — Dimitri
fala, enquanto come, mas seus olhos pousam em mim, e fujo deles, focando
no pedaço de bolo que tem em meu prato.
Ele sabe de alguma coisa? Seria possível, não vi a hora que Eros
saiu do meu quarto. 
— E você, Raquel? Como foi sua noite? — Lion pergunta, me
assustando e acabo engasgando, precisando beber um pouco de suco para
recuperar o fôlego.
— Muito prazerosa — digo, me dando conta do que falei só depois
que vejo o sorriso malicioso de Lion para mim.
— Prazerosa, é? — Lion pergunta e olho para Eros rapidamente
pelo canto de olho, o vendo apertar o copo em suas mãos, olhando para
Lion.
Todo mundo parece achar graça
— Não nesse sentido, espertalhão — brinco. — Ayla e eu assistimos
um filme e logo fomos dormir. 
— Filme da Moana — Ayla concorda comigo, o que me faz
perceber que ela anda bem atenta a nossa conversa. 
Sinto uma mão quente tocar minha coxa, e dou um pulo, escutando
Eros ao meu lado fazer um tipo de grunhido silencioso. Relaxo, quando ela
desce e sobe e eu lembro do seu toque ontem à noite, das palavras que me
disse enquanto entrava dentro de mim.
— Raquel, você realmente não parece estar bem — Charlotte
comenta mais uma vez. 
Novamente, toda a atenção está voltada para mim.
— Estou, sim, é só que está quente. 
Ela estreita os olhos, seguro um suspiro ao sentir a mão de Eros
apertar minha coxa. O desejo por ele voltando com força, como se agora
que experimentamos e sabemos como é o nosso sexo, meu corpo peça pelo
seu novamente. 
Vejo Dimitri e Artho com os olhos em Eros, que ignora os dois, com
a maior cara de paisagem. 
Todo mundo parece me esquecer, durante o tempo que eles engatam
em outro assunto, mas meu corpo está o tempo todo ciente de Eros ao meu
lado, sua mão em minha pele, que arde. 
Meu interior grita para ter Eros novamente entre minhas coxas, me
dando prazer enquanto eu gemo seu nome.
Me afasto da mesa, pedindo licença para poder subir até meu quarto
e tentar me refrescar tomando um banho de água fria. Com uma força fora
do normal para não parecer desesperada, subo as escadas serena.
Preciso de distância de Eros.
Fecho a porta do meu quarto e corro para o banheiro, ligando a
torneira para passar a água fria na minha nuca, para aliviar o pouco do calor
que estou sentindo.
Um movimento atrás de mim me faz levantar a cabeça e olhar pelo
reflexo do espelho. Eros está bem ali, parado, me observando, e nem espera
que eu diga algo para avançar em mim.
Eros segura meu pescoço, juntando nossas bocas com brusquidão e
subo minhas mãos para seu ombro e cabelos, apertando-os, ansiando por
mais, não tenho forças para afastá-lo.
— Eros — sussurro seu nome quando ele se afasta para puxar meu
short e me ajudar a tirar a blusa.
— Precisa ser silenciosa se não quiser que todos lá embaixo saibam
que estou fodendo você.
Gemo com suas palavras.
— Você disse que seria somente uma vez — o lembro, quando ele
me segura pela cintura, e rolo minhas pernas em seu corpo depois de o ver
colocar a camisinha.
— Só precisamos de mais uma vez, e não vamos mais repetir — diz,
e ele se encaixa na minha entrada. — E esquecer que existiu.
— Não vai ser um problema esquecer que isso aconteceu, Eros,
você praticamente não existe para mim — declaro, as palavras fracas saindo
dos meus lábios, não acredito nelas.
Preciso morder o lábio quando ele enfia dentro de mim com força,
causando uma dor misturada com o prazer com a sua dureza. Ele me abre
mais, segurando minhas coxas para ter mais acesso e poder ir mais rápido
com suas estocadas.
Jogo minha cabeça para trás, mas os sons que faço são audíveis o
suficiente para que eu precise me abraçar a Eros e morder seu ombro,
segurando sua camisa como apoio por causa das suas investidas bruscas em
mim.
Eros segura meu pescoço para me puxar e beijar seus lábios, que
doem com a força que colocamos. É tão gostoso, excitante e eu quero mais,
percebo que estou me viciando em como parecemos bons juntos.
Mas isso é só dessa vez, depois disso vamos seguir do mesmo jeito
que estávamos antes.
Eros
Observo Raquel na proa do Iate, calada, olhando para o mar, como
se estivesse com os pensamentos longe. Não consegui deixar meus olhos
longe dela essa noite, desde que entramos no barco.
Ela estaria se sentindo enjoada com o balançar do barco?
Se eu soubesse, não teria alugado o Iate para passarmos a virada do
ano, teria mudado os planos, e tenho certeza de que meus amigos não
teriam se importado.
Charlote se aproxima dela, entregando a ela uma taça de
champanhe, Raquel sorri para a amiga, e parece ter voltado ao seu estado
normal.
— Algo anda te chamando atenção? — Dimitri pergunta, ao parar
ao meu lado, olhando em direção às meninas.
— Não sei do que está falando — finjo ao falar, me virando de
costas para a direção que Raquel está, e olho para a cidade que se encontra
longe. As luzes acesas, as pessoas preparadas para curtir o ano novo em
breve.
— Eros, você não precisa mentir para mim, percebi que está rolando
algo entre vocês dois — ele volta a falar.
 Tenho certeza de que Dimitri entende meu silêncio, assim como eu
entendo o seu. Nós dois temos personalidades parecidas, e muitas vezes o
silêncio é a melhor opção para não deixarmos que saibam o quanto somos
perturbados.
Não quero ter que lidar com perdas novamente, com a droga do
amor e muito menos com as pessoas entrando na minha vida para brincar
comigo.
— Falta um minuto — Lion grita, chamando a atenção de todos.
Olho para trás, vendo os meninos perto da mesa de comida
preparada por um bufê, prontos para pegarem os fogos de artifícios,
incluindo Dimitri. Artho está com Ayla no colo, que tem uma taça infantil
toda personalizada com o nome dela.
Sorrio, quando me olha, balançando a taça em minha direção.
— Tim tim, tio Elo — dou risada, não sabendo lidar com a sua
fofura e inteligência, como ela pode estar crescendo tão rápido?
Raquel e Charlotte se aproximam de Artho e, neste momento, os
meninos soltam os fogos, olho para o relógio no meu pulso, vendo que já é
meia-noite.
Ano Novo e meu aniversário.
Mais um ano sem meus pais.
Sorrio quando os meninos olham para mim, me empurrando para o
meio do deque do barco, fazendo a roda em volta de mim para pularem e
gritarem feliz aniversário, como todo maldito ano.
Logo vem os abraços deles, as batidas nas minhas costas e palavras
curtas e rápidas, sem muita melação entre a gente.
Esses caras são as melhores pessoas que poderiam estar na minha
vida. Minha família.
Ayla, que está agora no colo de Charlotte, Artho entregou ela para
comemorar meu aniversário junto com os meninos, ela estende os bracinhos
para mim, e beija meu rosto, quase derrubando sua taça de suco.
— Palabéns, tio Elo — ela declara, toda animada.
— Obrigado, Batatinha. — Beijo seu rosto de volta.
Procuro Raquel com o olhar, que está um pouco mais distante,
olhando minha interação com Ayla. Charlotte se aproxima sem jeito, me
desejando os parabéns, e eu assinto em agradecimento.
Vejo quando Artho se aproxima da namorada, a beijando, e
automaticamente olho para Raquel, desejando estar fazendo o mesmo com
ela.
Ela está tão linda, vestindo um vestido sem alça, branco na altura
dos joelhos, deixando suas pernas lindas de fora, isso me faz lembrar delas
enroladas em mim mais cedo, quando estava fodendo-a na parede do seu
banheiro.
— Vamos de brinde — Lion me desperta ao falar.
Todo mundo se junta, fazendo uma rodinha para o brinde, com as
taças em mãos.
— Um brinde ao destino e o que ele nos reserva — Lion grita.
— Ao destino — repetimos, batendo nossas taças e quando vou
beber do champanhe, mais uma vez olho para ela, que não esconde que
também estava me encarando.

Fico para trás do pessoal, com a intenção de ser o último a descer do


Iate, para ter a chance de ficar ao lado de Raquel, e me sinto um idiota por
isso.
Artho e Charlotte vão voltar para casa, por causa da Ayla e os
meninos e eu decidimos ir para a praia e aproveitar um pouco mais a
madrugada. Penso em convidar Raquel para ir comigo em algum lugar que
seja somente nós dois.
Mas lembro das palavras que eu disse para ela mais cedo, insistindo
em repeti-las para mim mesmo toda vez que a pego olhando.
Não posso permitir que Raquel se aproxime mais do que já fez.
Transamos? Ok, e foi gostoso. Agora é vida que segue, nada de
repetir, não tem por que tentar manter um contato, é isso que sempre faço
com casos rápidos e desejo continuar.
Quando a vejo olhar para mim e abrir a boca para dizer alguma
coisa, escolho esse momento para apressar os passos, e ficar longe dela.
— Idiota — escuto ela falar, mas estou longe para voltar atrás e
desistir do plano de me afastar.
Eros
Domingo, 1 de janeiro de 2018
Abro a porta para encontrar Miguel e sua esposa Luísa me olhando
com um sorriso enorme. É claro que eles não deixariam de passar o meu
aniversário comigo.
— Feliz aniversário, querido. — Luísa me abraça, beijando meu
rosto e eu suspiro, me batendo uma saudade da minha mãe.
— Parabéns, garoto — Miguel diz, me abraçando também.
— Obrigado. — Sorrio sem graça, recebendo o presente deles.
Meus amigos se aproximam para cumprimentar os dois, e vejo a
troca de abraços. Artho apresenta Charlotte como sua namorada, e como
sempre a vejo ficar sem graça com toda atenção. Procuro Raquel e ela
aparece na cozinha, com Ayla no colo.
Luísa pega Ayla no colo.
— Como você cresceu, meu anjinho. — Ela beija o rosto da
Batatinha, que sorri curiosa, provavelmente não lembra deles.
Raquel como sempre espalhafatosa, se cansa de esperar que alguém
os apresente e faz por si mesma.
— Prazer, sou a Raquel. — Estende a mão para o casal, que a
cumprimentam simpáticos.
— Prazer, somos Miguel e Luísa Santos, fomos amigos dos pais de
Eros e somos padrinhos dele.
Raquel me olha de lado, provavelmente se perguntando como esse
casal agradável, me atura
Luísa olha de Raquel para mim e me preparo para sua pergunta.
— Ela é sua namorada, Eros? — pergunta, interessada, e percebo
um brilho no olhar dela.
— Deus me livre — Raquel declara antes mesmo que eu possa
negar. — Ser namorada desse rabugento.
Os caras dão risada, mas ignoro o comentário dela.
Miguel e Luísa parecem ter gostado de Raquel, que engatam em
uma conversa que tento entender, mas desisto.
Em determinado momento Miguel dá batidinhas nas minhas costas e
sei que esse gesto significa que vamos conversar em particular, antes de
almoçarmos todos juntos.
Ele fez questão de contratar um bufê para preparar um almoço
especial para a gente. A cozinha, por sinal, está em movimentação.
Do lado de fora, enquanto ele observa a estrutura da casa, o jardim e
a paisagem que dá para a praia, ele comenta:
— A casa ficou linda.
— Sim. Poderiam ficar hoje e viajar somente amanhã, queria que
comemorassem comigo e meus amigos no P12 hoje.
Somente Artho e Charlotte que não iriam, por causa da Ayla, pensei
em cancelar tudo, mas meu amigo não deixou.
E tinha a Raquel. Eu teria que me controlar com ela hoje à noite, e
fazer de tudo para ficar longe dela.
Reservei camarote para a comemoração do meu aniversário em um
espaço moderno e espaçoso à beira-mar, com piscina e cabanas e palcos
para shows e DJs.
Escuto Miguel dar risada.
— Você sabe que Luísa e eu não fazemos o tipo que fica em lugares
assim — comenta, se sentando em uma das espreguiçadeiras perto da
piscina e eu sento ao lado dele.
— Eu sei.
Os dois são um casal de mais de cinquenta anos, são pais de duas
meninas, quase da mesma idade que eu. Eles não conseguem acompanhar a
vida agitada delas.
— Garota legal essa Raquel — comenta.
Miguel até que estava demorando fazer algum comentário. Eu
percebi o quanto ele observava Raquel e eu.
— Não convivo muito com ela. Raquel é uma insuportável —
retruco.
— Todos para você são insuportáveis — ele dá risada ao dizer. — E
não foi isso que vi nos olhares que deu a ela enquanto achou que ninguém
estava olhando.
Bufo.
— Um dia você vai encontrar alguém que te fará perceber que ter
alguém para amar e ser feliz é melhor que se sentir solitário.
— Você e suas frases profundas.
Sorrio, agradecido por ele ser o mais próximo de um pai para mim.
— O plano ainda é você ir para São Paulo assim que se formar? —
Assinto. — Que bom, quero te acompanhar na empresa por um tempo antes
de me aposentar.
Não sei o que seria de mim e das empresas se eu não tivesse Miguel
para ajudar em tudo, e entender que eu precisava viver o luto antes de tentar
viver a minha vida.
— Artho vai ficar com o cargo de advogado?
— Sim. Ele vai se mudar para São Paulo depois da sua formatura,
no final do ano, e vai assumir o cargo.
É uma promessa que fizemos juntos há um tempo e vamos cumprir.
— Ainda não voltou para a terapia? — Nego, fugindo do olhar dele.
— Não vou voltar a repetir o que é melhor para você, garoto, mas tenho
certeza de que lidaria melhor com seus traumas se tivesse ajuda.
Não respondo.
E não sei se daria certo. Conversar com alguém desconhecido onde
preciso me abrir e remexer em toda a cicatriz, é fato que não estou pronta
ainda.
Raquel
Terça-feira, 6 de fevereiro de 2018
O terceiro semestre mal começou e as matérias parecem ter
duplicado. Eu apresso os passos pelos corredores da UFBG, seguindo para
o bloco onde acontecerá minha próxima aula, torcendo para que o professor
ainda não tenha chegado. 
Tenho sorte quando vou chegando próximo na sala, e o professor
está virando três corredores à frente, despreocupadamente parando para
conversar com um aluno. 
É com minha atenção nele, que não percebo o acidente que vai
acontecer. Sinto o impacto e já estou no chão, com meus pertences
espalhados.
Consigo me levantar, passando as mãos pela minha saia e meia calça
para limpar e me viro para ver o garoto levantando eufórico, e apressado.
— Você não olha para onde anda? — pergunto com raiva. 
Com sorte não virei o meu pé com a queda com meu coturno de
salto. 
Pego meu celular no chão, e olho para a tela, que está trincada bem
no centro.
— Olha o que você fez — exclamo para ele. 
Como vou comprar outro agora?
— Desculpa — ele pede com a mãos levantadas, dando passos para
trás ainda virado de costas, nem me dando tempo de falar sobre o conserto
do dano que causou no meu celular, e quando ele se vira para correr pelo
corredor novamente, o vejo ser puxado por trás pelo colarinho do moletom. 
O cara vira com uma expressão assustada no rosto e observo o dono
da mão grande, com o aperto forte que me mostra suas veias expostas na
pele.
Fico surpresa quando vejo Eros com uma expressão séria com
direito a maxilar trincado e as sobrancelhas franzidas. 
— Onde pensa que vai? — pergunta, sua voz rouca causando um
arrepio em mim. 
— Indo... indo para minha sala — o cara gagueja para falar. 
— Resposta errada, idiota. Você vai abaixar e pegar todo o material,
entregar nas mãos dela, e pedir desculpas de uma forma mais educada. —
Seu tom ameaçador me causa arrepios, mas não de uma forma ruim.
Isso me lembra a forma bruta que ele me fodeu na parede do
banheiro em Jurerê. Aperto minhas pernas e mordo o lábio para tentar
prestar atenção no garoto assustado. 
Mesmo com a pele branca do cara, ela consegue demonstrar a
palidez no rosto dele, me indicando que ele está assustado.
— O quê? Você quer que eu te mostre como deve fazer? 
Ele aperta o colarinho do garoto que nega com a cabeça, se soltando
do aperto de Eros para agachar no chão e começar a pegar minhas coisas.
Meus olhos continuam em Eros, que me ignora olhando o serviço que está
sendo feito. 
O cara se levanta, com os olhos baixos para não me encarar, e me
entrega minhas coisas.
— Desculpa — sua voz sai sussurrada.
— Não ouvi, está com problema na voz? — Eros rosna as palavras,
levantando a mão para dar batidinhas nas costas do cara.
— Me desculpa por ter derrubado você e quebrado seu celular. 
— Celular que não terei outro por bastante tempo — rebato,
resmungando. 
Mesmo assim, assisto recebendo suas desculpas e vejo quando ele
olha para Eros.
— O que está fazendo aqui ainda? Some!
O cara volta a correr pelo corredor e me viro para falar com Eros,
mas ele parece querer ficar longe de mim o quanto antes.
Eros tem atenção voltada para mim e estende a mão para pegar meu
celular e vendo o estrago que ficou na tela. 
— Não é nada, consigo mandar arrumar e não sair tão caro como
comprar outro — digo, pegando o celular de volta. — O que você está
fazendo neste bloco? Que eu saiba, o bloco de Administração fica do outro
lado. 
Ele abre um sorriso de lado, mostrando sua covinha. Em vez de me
responder, ele segura minha mão e entramos na sala. Só percebo que somos
centro de atenção, quando levanto os olhos das nossas mãos entrelaçadas
para olhar para onde estamos andando.
Começo a escutar cochichos sussurrados, e fica pior quando
paramos na terceira fileira, e Eros faz um gesto para me sentar e logo em
seguida se senta ao meu lado. Fico tão em choque com esse gesto dele, que
não consigo questioná-lo por alguns segundos.
Olho em volta, as cabeças viradas para a nossa direção,
principalmente se questionando o porquê de Eros Giordano, o cretino mais
cobiçado do Campus e rico, cursando o último semestre de Administração,
está entrando de mãos dadas comigo, uma simples estudante de Moda.
O mais estranho é que esse não é o curso dele.
— Qual é o jogo dessa vez, Eros? — pergunto, abaixando o tom de
voz para falar com ele.
Me inclino em sua direção para fixar meus olhos nele quando Eros
se vira para mim. 
— Não tem jogo nenhum, Raquel. — Nossa troca de olhar é tão
intensa e sincera.
— Você está me deixando confusa, o que está fazendo nesta sala,
sentado comigo? — pergunto.
Durante essas últimas semanas, nem nos vimos direito e agora ele
está aqui, sentando ao meu lado, agindo como o oposto do Eros que
conheço.
Quando penso que ele vai me ignorar como sempre faz, eu o vejo
abrir um sorriso discreto pela segunda vez em menos de cinco minutos.
— Vamos fazer essa matéria juntos neste semestre, acho que você
vai precisar me aturar — ele brinca.
O professor entra na sala e começa sua apresentação, assim como a
matéria que ele estará nos dando esse semestre, mas meus olhos ainda
continuam em Eros.
Ele inclina mais para perto, consigo sentir sua respiração no meu
rosto. Ele desvia sua cabeça para perto da minha orelha, e me arrepio
quando sua voz grossa chega em mim.
— Sugiro você prestar atenção na aula e depois podemos conversar
sobre o que quiser, se isso significa que no final você vai estar cavalgando
em mim.
Porra!
Ele volta a se endireitar na cadeira e prestar atenção no professor,
como se até segundos atrás não tivesse falado sobre transarmos.
Tento focar no professor, mas é impossível com Eros ao meu lado,
tocando sua perna na minha, me lembrando o tempo todo da sua presença.  
Meu celular com a tela trincada pela queda acende em cima da mesa
e o desespero me pega. Pelo jeito terei que procurar algum trabalho
temporário nos fins de semana para conseguir comprar um celular que seja
com um preço razoável para meu bolso. Como se eu tivesse tempo
suficiente. 
Tento clicar na tela do celular para tentar ler a mensagem que
acabou de chegar, mas sou incapaz. Talvez se eu mandar arrumar somente a
tela, ainda dê para usar ele por um tempo, até poder comprar um novo. 
Percebo que Eros está olhando para o movimento que faço com o
celular e bufa quando percebe que ele não está funcionando direito. E neste
momento a aula acaba, guardo minhas coisas e me levanto. 
Eros já está de pé, me esperando. Eu franzo a testa, indignada. Mas
que merda ele está fazendo?
Disse que não rolaria mais nada entre a gente e agora está aqui,
agindo como se tivéssemos alguma coisa e isso está me iludindo. 
— Não sei o que você está planejando e nem quero descobrir, não
estou a fim de fazer parte seja lá o que for.
Esbarro nele para sair da sala, e nem olho para trás para saber se ele
está me seguindo ou se toda a sala escutou o que eu disse a ele.
Ando a passos rápidos em direção a biblioteca da universidade, que
fica em outro bloco, distante do bloco onde faço minhas aulas. Entro na
biblioteca, subindo direto para o segundo andar, onde sei que ficam os
livros que preciso para estudar a matéria.
Sigo pelo corredor com várias estantes altas com nichos, e paro em
frente a uma mesa no canto para colocar minhas coisas. Vou para a estante
mais no fundo, onde não tem ninguém, na verdade na parte que estou não se
encontra nenhum estudante.
Olho para as lombadas dos calhamaços, procurando o tema que
estou precisando, tirando do um que chamou minha atenção. Quando me
viro para seguir mais adiante, trombo em alguém, nem fico surpresa quando
vejo Eros, parado, nem um pouco afetado com o esbarrão.
— Dá para você parar com isso? — pergunto. — E o que você está
fazendo aqui? Deu para me seguir?
Bufo, irritada com ele.
Eros não diz nada, tira o livro da minha mão, colocando-o no
mesmo lugar que estava anteriormente. Grudando nossos corpos para
realizar tal ato. Suspiro quando nossas bocas quase se encostam.
— Você se tornou meu vício, Raquel, não consigo ficar longe de
você — Eros diz, com aquele jeito intenso dele, com seus olhos fixos nos
meus.
— Do que você está falando? — pergunto, baixinho.
É impossível desviar os olhos dele, Eros é um ímã que me puxa toda
vez que estamos próximos.
— Que não quero ficar longe de você, sua maldita feiticeira.
— Não foi você que me disse que entre a gente nada mais se
repetiria? — Tento me afastar dele, fraca e frágil, mas ele me impede.
— Eu menti — diz convicto e me beija.
Encosto na estante atrás de mim, incapaz de me manter em pé. Eros
sobe as mãos pelo meu rosto, roubando tudo de mim, até mesmo o ar, me
deixando ofegante.
— Tentei ficar longe, mas é difícil quando você me provoca, e age
como a porra da mulher sexy que é.
Ele morde minha boca, antes de se ajoelhar, descendo as mãos pelo
meu corpo e subindo pelas minhas coxas, por dentro do tecido da saia.
Prendo a respiração quando entendo o que ele vai fazer e me desespero,
mesmo excitada com a possibilidade de sermos pegos com Eros com a
cabeça entre as minhas pernas, me chupando.
— Eros, podem nos pegar aqui — sussurro, trêmula, sentindo
quando ele puxa minha calcinha para ser retirada.
— Não se você for uma boa garota e fizer silêncio — ele responde,
no mesmo tom de voz, e sorri para mim, quebrando nosso olhar para se
enfiar por debaixo da minha saia.
Eros separa minhas pernas, colocando uma delas em seu ombro e é
preciso tapar a boca quando sinto sua respiração quente na minha entrada,
provocando uma sensação de pulsar em expectativa.
Sinto sua língua quente me lamber, em seguida Eros chupa meu
clitóris, causando uma pressão forte, que foi capaz de tirar de mim um
gemido alto, abafado pela minha mão.
Fecho os olhos, tentando segurar a estante com a outra mão para me
manter em pé.
Eros me chupa como se eu fosse seu último doce. Balanço meu
quadril, incapaz de ficar parada, querendo mais, exigindo alívio. Ele é
delicado com sua língua ao mesmo tempo que exerce força com sua boca.
Quase desfaleço quando gozo, na sua boca e quando abro os olhos,
vejo Eros me olhando com seu ar convencido de que fez um bom trabalho,
antes de passar a língua pelos lábios, saboreando meu gosto.
Estou perdida.
Se antes eu não conseguia me livrar de Eros Giordano, agora eu sei
que será impossível, e tenho medo do que venho sentindo por ele.
Raquel
Quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
— Você perdeu a aula de pole dance hoje — Charlotte fala assim
que entro no nosso quarto.
— Merda! Eu esqueci completamente. — Bato com minha mão na
testa. — Desculpa, amiga.
Caminho até sua cama para me sentar ao seu lado, ela não parece
chateada, mas me olha curiosa, tentando descobrir algo.
— Entendo. Eros deve ter te deixado bem ocupada.
Estreito os olhos para ela, que dá risada.
— Sim. Quando saí do shopping, ele estava do lado de fora me
esperando — digo.
Não sei o que senti em relação a isso, ando confusa com o que
venho sentindo por ele e talvez seja arriscado demais não me preocupar
com isso.
— Eros foi até lá para me entregar isso — tiro da bolsa uma caixa
contendo um celular dentro e, pela marca, um dos mais caros.
— Ele te comprou um celular novo? — pergunta, impressionada.
— Isso mesmo. Ele viu que eu estava com o celular quebrado por
causa do acidente com o cara no corredor da universidade.
Eu havia contado isso para Charlotte e também como Eros reagiu, e
que sentou ao meu lado na aula e que me seguiu até a biblioteca e me
chupou enquanto eu segurava para não gemer alto, presa a uma estante.
Contei a Charlotte o que rolou entre mim e Eros assim que voltamos
de Jurerê Internacional, e como ela ficou em choque, me pedindo os
detalhes do que rolou para enfim chegarmos a transar.
— Eu até pensei em não aceitar, mas aí lembrei que ele gasta
dinheiro com um monte de mulheres, está na hora de gastar com quem
realmente vale a pena. — Dou de ombros.
Charlotte cai na cama de tanto rir e faço o mesmo.
Eros tem me feito sentir tanta coisa desde que nos conhecemos, e ele
tem se mostrado tão diferente comigo, claro que rolam algumas alfinetadas,
mas percebi que somos bons juntos.
Eu nunca estiva pronta, então eu vejo você ir
Às vezes você simplesmente não sabe a resposta
Até que alguém fique de joelhos e te pergunte.
(Champagne Problems - Taylor Swift)
Eros
Sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Verifico as horas mais uma vez no relógio de pulso e bufo, por ter se
passado somente um minuto desde que olhei da última vez. Olho em volta,
e nada de Raquel chegar, ela está atrasada, já deveria ter chegado ao edifício
há muito tempo.
Estou indignado com ela por não ter me contado que hoje é seu
aniversário e eu precisar ficar sabendo por Charlotte, e nem foi diretamente,
escutei uma conversa dela com o Artho enquanto eu descia as escadas.
Raquel e eu nos vimos ontem à noite e hoje pela manhã na aula, e
mesmo assim não me contou.
Decido que vou até o trabalho dela para encontrá-la, e quando dou a
volta no carro para entrar, a vejo andando com passos arrastados e uma
expressão cansada no rosto.
Assim que Raquel me vê, vejo um sorriso se abrir em seu rosto, e eu
imediatamente sinto meu estômago esquentar.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta, com sua testa
franzida, me observando de cima a baixo.
Seu cabelo preso em um rabo de cavalo, vestindo uma blusa azul
com a logo da loja onde ela faz estágio e calça jeans, ela consegue ficar
ainda mais linda, mesmo com sua carinha de cansada.
— Você não me contou que hoje é seu aniversário — digo, e cruzo
os braços, aguardando a sua resposta.
Ela semicerra os olhos.
— Não achei que você fosse se importar, é só o meu aniversário,
Eros — responde simplesmente, dando de ombros.
Por que eu não me importaria?
— Data que eu queria comemorar com você, Raquel — eu respondo
no mesmo tom do dela. — Só fiquei sabendo porque escutei uma conversa
da Charlotte com Artho.
— Anda escutando conversa alheia às escondidas? — ela pergunta,
rindo e eu bufo, não dando o braço a torcer.
— Não escutei conversa de ninguém — retruco. — Por que estamos
tendo essa conversa desnecessária? Suba, se arrume, que vamos sair —
informo a ela.
— Oi? Sair? Com você? — levanta a sobrancelha com sua audácia.
— Desculpa, mas tenho compromisso com a Charlotte — comenta,
fingindo que suas unhas pintadas em vermelho são mais interessantes do
que ver o quanto estou indignado por ser contrariado.
— Mudança de planos, Charlotte me cedeu o lugar dela hoje, depois
de Artho ter conseguido persuadi-la. — Quero dar risada com sua cara, mas
preciso continuar imbatível.
— Que safada. — Escuto ela resmungar. — Trocou nossa noite por
um p... — Ela corta a fala ao me ver encará-la de olhos semicerrados. —
Par de olhos castanhos claros?
Confesso que não foi fácil convencer Charlotte, ela é bem fiel à
amiga, mas no final entendeu e só aceitou quando exigiu saber do lugar que
eu levaria Raquel.
— Dá para você subir e se arrumar?
— Não, primeiro que você nem fez convite nenhum e está sendo
muito chato com esse jeito mandão.
Suspiro, olhando para o céu sem paciência, até quando tento fazer
algo legal para Raquel, ela não colabora, sempre implicando com alguma
coisa.
Me aproximo dela e sorrio, antes de me abaixar, segurar sua cintura
colocando-a no meu ombro, escutando seu grito de susto.
— Eros, me coloca no chão — pede, e ignoro seu pedido.
Caminho para a entrada do edifício, subindo as escadas, percebendo
que não vamos conseguir passar despercebidos. Escuto os cochichos assim
que passo pelo saguão direto para o elevador, que por sorte, está aberto.
Aperto o botão número dois com Raquel se mexendo para descer.
Bato na sua bunda, para que ela se aquiete, ouvindo seu engasgo de
surpresa.
— Eros, não acredito que fez isso — ela ruge, e bato na sua bunda
mais uma vez só para escutar ela me xingando em seguida.
— Acredita agora? — Sorrio, escutando o quanto ela está irritada.
— Foi você que não colaborou comigo, poderia ter vindo andando.
— Filho da puta.
Mudo meu semblante relaxado, quando as portas do elevador se
abrem, e percebo várias cabeças no corredor olhando para nossa direção.
Como notícias correm por aqui.
Saio do elevador, passando direto para uma das portas no fim do
corredor, desprezando os comentários que escuto. Imagino que estejam
surpresas por me verem aqui, ainda acompanhado por Raquel.
A porta do quarto dela tem um enfeite bordado com as iniciais de R
e C, e tenho vontade de revirar os olhos por serem tão óbvias.
— Chave — peço, estendendo a mão para trás, para Raquel me
entregar.
Consigo abrir a porta com uma mão, já que a outra está ocupada
segurando Raquel pelas pernas. A porta fecha com um baque, antes de eu
colocar ela no chão e beijar sua boca, a escutando suspirar.
É possível sentir falta de alguém em menos de vinte e quatro horas?
Nos vimos na aula mais cedo e parece que foi há dias.
Grudo nossas testas, me obrigando a me controlar com ela.
Necessito ser firme para manter os planos que fiz para essa noite.
— Preciso que você entre no banheiro, tome um banho e se arrume,
não quero que a gente perca as reservas — peço.
— Reservas? — seu tom curioso, é engraçado.
— Não vou dizer mais nada.
Ela se afasta, sorrindo, puxando a blusa para cima, a tirando, me
mostrando seu sutiã preto, pequeno, seus seios querendo pular de dentro
dele. Meu pau reage e sinto quando ele começa a apertar a calça jeans.
— Posso pelo menos deixar a porta do banheiro aberta? — ela
pergunta e eu rosno, me forçando a dar alguns passos para trás.
Minhas mãos coçando para tirar aquele sutiã e ligar o foda-se
enquanto chupo seus peitos durinhos.
— Sugiro que feche bem a porta, se não quiser que nossa noite seja
estragada por minha falta de controle e o desejo de foder você contra a
parede do banheiro.
Raquel dá risada, fazendo o que peço, mas antes, ela leva sua mão
para trás, abrindo o fecho do sutiã, descendo as alças vagarosamente, e
quando ele por fim se solta do seu corpo, ela esconde seus seios com as
mãos, me dando aquele sorriso diabólico.
Ela se vira de costas para mim, e retira as mãos, me proibindo de vê-
la, me lançando um sorriso malicioso antes de entrar no banheiro e deixar a
porta entreaberta.
Raquel ama me provocar, e sabe que neste jogo eu sou o mestre.
Ando em volta do quarto, olhando para os dois lados, a parte da
Raquel e da Charlotte, visivelmente muito diferente. O lado do quarto de
Raquel tem tudo no lugar e bem organizado, até mesmo a sua mesa de
estudos. Os poucos livros que ela tem, estão bem arrumados. Ao lado tem
uma mesa menor, onde fica sua máquina de costura. Me aproximo para
passar a mão nela. Em pensar que é daqui que ela cria todas as suas ideias e
roupas.
Isso me orgulha nela. Raquel é determinada, decidida e com
presença, eu imagino que seja tudo isso que me chamou atenção nela. 
Em cima da sua mesinha ao lado da cama, tem um porta-retratos
dela com seus pais, sei disso pelas semelhanças.
Eu venho conhecendo Raquel nos dias que se passam. Ela ama falar,
e sempre a escuto, percebi que é uma das coisas que gosto quando estou
com ela.
Sei que é filha única, e seus pais moram em Chuí, e entendo o ódio
do apelido que ganhou assim que entrou na universidade, e Artho ama
implicar com Raquel por isso.
Me sento na cama para esperá-la e tenho sorte quando ela não
demora muito no banheiro, saindo com uma pequena toalha enrolada no
corpo, me mostrando suas pernas, coxas, sua bunda sendo escondida de
mim pelo tecido felpudo.
Ela faz de propósito quando me olha de lado, com seu sorriso
travesso, voltando para o banheiro rebolando, levando junto sua maquiagem
e a roupa que escolheu para vestir.
Quase meia hora depois ela sai de dentro do banheiro arrumada,
vestida com um vestido na altura da sua cintura. Ele é delicado na cor preta,
acinturado, com botões que fecham na parte da frente, com um corte
quadrado na parte de cima do decote. Tenho certeza de que esse vestido ela
fez também.
Ela calça os saltos, inconsciente de que a admiro, como um idiota
apaixonado, que parece babar.
— Estou pronta — diz, por fim, sorrindo ao vir até mim, quando
fico de pé.
Não falo nada, tiro algumas mechas onduladas, do seu rosto, para
encarar seus intensos olhos azuis, e tiro do bolso com a outra mão uma
caixinha quadrada de veludo preto, para entregar a ela.
Raquel olha para a caixinha, seus olhos brilhando de expectativas
quando a retira da minha mão, a abrindo. Sua boca faz um bico de surpresa,
antes de abrir um sorriso.
Ela tira de dentro um colar em ouro, com pingente de máquina de
costura, com pequenas pedrinhas de diamante na parte inferior.
— Para mim? — pergunta, mordendo os lábios ao olhar em meus
olhos.
Assinto, tirando o colar da sua mão para eu colocar em seu pescoço.
Ela coloca seus cabelos de lado ao se virar para mim. Vejo quando ela se
arrepia ao sentir o toque dos meus dedos em sua pele quente e cheirosa.
Ela vai até o espelho para apreciar a peça, que combina com seu
vestido.
— Eu amei — Raquel declara e caminha de volta para mim
novamente, passando os braços pelo meu pescoço. — Obrigado, Eros.
E junta nossos lábios, num beijo singelo de início, e sinto como esse
parece diferente de todos que já trocamos.
Ela veste seu casaco e pega sua bolsa para depois me deixar
entrelaçar minha mão na sua para sairmos do quarto. Usamos a escada
dessa vez para descer.
Alguns caras estão olhando para ela. Eu sinto uma possessividade
me tomar quando solto sua mão para passar o braço pelas pela sua cintura, a
trazendo mais para perto de mim. Raquel me olha sem entender, e quando
percebe que estou olhando para a direção onde tem alguns caras a olhando,
ela solta uma risadinha debochada. 
— Não precisa disso tudo, Eros — ela brinca, quando descemos as
escadas do edifício.
— Precisa sim, não gosto quando olham com desejo para minha
garota.
Percebo que falei demais quando ela me questiona com seu olhar
hipnotizante, eu costumo fugir dele. A ignoro, abrindo a porta do carro para
Raquel entrar, ainda me encarando. 
Ela fica bem sentada no banco do  meu Porsche, ao meu lado,
transmitindo sensualidade e confiança. Ela encosta no banco, sentindo a
maciez, enquanto eu dirijo pelas ruas, ouvindo a letra da música que
combina com o que eu sinto ao estar perto dela. 
Nós queimamos como fogo e eletricidade, sinto faíscas quando
estamos perto. Raquel me leva para perto do infinito, a desejar sentir tudo
isso e coisas novas com ela. 
Quando estaciono o carro próximo ao restaurante mais caro e chique
que encontrei à altura da Raquel. Quero que a noite dela seja especial e que
ela tenha o que merece. 
Eu consegui reserva para nós dois de última hora, depois de
persuadir o dono. Teria planejado algo melhor se eu tivesse tido mais
tempo, mas saber do aniversário de Raquel tarde, não facilitou. 
Fico bravo com ela por isso, mas o sentimento some quando tiro o
cinto e olho para ela, que está sorrindo para mim, admirada.
Valeu a pena ter transferido um valor considerável para o dono do
lugar só para ver esse sorriso. 
— Não acredito que vamos jantar aqui — Raquel diz, dando
pulinhos no banco. 
Para mim, não era nada demais, estou acostumado com dinheiro
desde pequeno, mas sei como esse gesto faz diferença para Raquel. 
— Eu teria planejado algo melhor se tivesse me contado sobre o seu
aniversário — replico, e dou risada quando ela revira os olhos.
— Eros, drama não combina com você — ela declara e se aproxima
para juntar nossas bocas. — Não esperava por isso e é melhor do que
poderia imaginar.
Raquel me beija mais uma vez, e se vira para abrir a porta do carro e
sair, mas a impeço. Dou a volta depois que saio dele, e abro a porta para ela,
que segura minha mão, não escondendo o êxtase que está sentindo.
Com nossa mão entrelaçada, caminhamos para a entrada no
restaurante, onde somos bem recepcionados e guiados para a nossa mesa.
Raquel olha tudo em volta com ar de admiração e surpresa. Ajudo ela a tirar
o casaco antes de puxar a cadeira para ela se sentar à mesa.
Meus olhos o tempo todo nela, enquanto Raquel olha ao redor,
observando os detalhes do restaurante.
— Não acredito que vamos jantar aqui — comenta, depois que o
garçom nos serve do vinho que escolhi.
A forma como ela se porta, consigo ver o quanto ela está amando.
Raquel é tão expressiva em certos pontos, que consigo saber o que ela está
pensando. E sei que neste exato instante, deve estar calculando na cabeça o
quanto devo estar gastando só por estar aqui.
Nosso pedido de pratos foi por minha conta, Raquel confiou a mim
a tarefa, e não foi difícil, escolhi tudo com base do que conheço e já vi.
Foi tudo tão agradável, percebo que fazia tempo que não me divertia
com alguém, além dos meus amigos, e estou me apegando tanto a Raquel,
que é impossível querê-la longe de mim.
Pago a conta, e nem olho para o recibo quando passo o meu cartão.
Ajudo Raquel vestir o casaco de volta e seguimos para a saída do
restaurante, minha mão na sua coluna, estou tentando não ser possessivo
quando passamos pelas mesas para sair e vejo ela recebendo olhares.
Preciso marcar minha presença de forma discreta.
Estou quase passando o braço pela sua cintura quando saímos,
envolvido completamente na conversa com Raquel, que não percebo as
pessoas que estão na entrada. 
Não percebo ela.
— Eros. — Ouço uma voz me chamar, a dona dela é a pessoa que
apaguei da minha vida faz tempo.  
Lívia, minha ex-namorada está parada a poucos metros, seus olhos
fixos em mim.
Raquel para quando a escuta me chamar, e se vira para encarar Lívia
com curiosidade, ela deve ter percebido alguma coisa, pois cola ainda mais
em mim quando entrelaça as nossas mãos, esse movimento chama atenção
de Lívia, que olha de mim para Raquel. 
Teve um momento, depois de eu ter descoberto a traição de Lívia,
que achei que nunca mais seria capaz de me curar e olhar para ela sem me
sentir um completo idiota.
Estava tão apaixonado por ela, cego pelos sentimentos que ela me
fez sentir, mas incapaz de ver o que todos viam ela fazer pelas minhas
costas. Até mesmo meus amigos me aconselhavam, e eu nunca acreditei, foi
preciso eu pegar Lívia me traindo, ver com meus próprios olhos que ela não
me amava e só estava comigo pelo dinheiro.
Seguro firme a mão de Raquel e continuo andando, com a minha
garota ao meu lado. Excluindo a presença de Lívia, deixando a loira para
trás como fiz há anos com meu passado.
Entramos em silêncio no carro, e sabia que isso não duraria muito
certo, Raquel não é o tipo de mulher que guarda o que pensa, isso chegou a
me incomodar por um tempo, mas só porque eu queria odiar tudo que me
atraía nela.
É quando saio do estacionamento, que escuto sua voz.
— Quem é ela? — pergunta, curiosa.
— Ninguém que mereça nosso tempo — resmungo.
—  Lívia é a sua ex-namorada, não é? — insiste, e não estou
surpreso, Raquel é boa em tirar tudo de mim.
— Como sabe disso? — questiono sem olhar para ela.
Não é um assunto que eu queria falar com ela, pensar em expor
minhas mágoas para Raquel me deixa vulnerável, mas vejo o quanto
preciso disso.
— Gael me contou — ela diz e rosno com a menção ao nome do
infeliz que ela foi junto para a festa na minha casa, só de pensar que eles
podem ter ficado depois, me deixa tremendo. — Ele me procurou no dia
seguinte à festa que vocês deram, me contou que foi expulso por Artho e
Dimitri com um taco de beisebol.
Ela dá risada.
Esses são meus amigos, não mudaria nada neles, nos completamos
na base da loucura, dos traumas e passados, estamos juntos até o fim.
— Ele me disse que ficou com a sua namorada na época do colegial.
Gael não disse o nome, só disse que ela morava na cobertura do edifício, e
eu conheci Lívia em uma festa que elas deram na cobertura e Charlotte me
convidou para ir, só liguei os pontos.
Claro que ligou. Raquel é inteligente, pega as coisas no ar.
Ela fica em silêncio, me esperando dizer alguma coisa. Antes de
pensar em algo a ela, aperto minhas mãos no volante, tentando amenizar os
tremores.
— Conheci Lívia na época que eu estava no ensino médio, me
encantei por ela, eu via nela uma garota inteligente e engraçada — falo e
escuto Raquel bufar, incomodada e tenho vontade de dar risada.
Eu olho para Raquel, ela revira os olhos, mas está atenta ao que
estou falando.
— Não passou muito tempo e estávamos namorando, os meninos já
a conheciam, então só a apresentei aos meus pais, conheci os pais dela um
tempo depois, não lembro quando começou, mas surgiu um boato de que eu
estava sendo traído, porém como um completo idiota apaixonado, não
acreditei em nada. As piadinhas dirigidas a mim aumentaram, meus amigos
já estavam no meu pé, me alertando, e mesmo assim eu não queria
acreditar. Peguei Lívia e Gael juntos um dia, e foi assim que a ficha caiu,
ela confessou que estava comigo somente por interesse.
— Que vaca — escuto Raquel rugir, indignada. — Eu não consigo
entender como as pessoas conseguem ter um caráter tão horrível.
O gosto amargo na minha boca me faz lembrar do porquê odeio
recordar isso. Fiquei tão mal, e mais uma vez eu tive meus amigos.
— É por isso que não deixa as pessoas se aproximarem de você? Por
elas serem tão interesseiras? — pergunta. — Você é rico, claro que as
pessoas irão se aproximar de você pelo dinheiro.
— Por parte sim, e outra é que não sei lidar com elas — digo,
percebendo o quanto me abrir com Raquel não é difícil.
Tudo com ela parece ser tão fácil e estou me acostumando com isso.
O mais difícil para mim não é deixar as pessoas entrarem, mas sim
quando elas vão embora.
— Você ainda sente algo por ela? — Raquel pergunta, há
desconforto em sua expressão.
— Não, Raquel. Lívia é passado, e nada mais que isso e, como eu
disse antes, não merece nosso tempo.
Minha resposta parece satisfazê-la, se ela soubesse que a única
mulher por quem sinto algo é ela, algo que toma meu corpo e minha mente,
me deixando incapaz de pensar com coerência quando está por perto, é
muito maior do que já senti por outra.
— Para onde estamos indo? Achei que iríamos depois para sua casa,
não está tendo festa lá hoje? — Raquel pergunta ao perceber que o caminho
que tomei é oposto à minha casa, e sim fora da cidade.
— Quero que conheça um lugar — digo. — Essa noite você é só
minha, Raquel.
Raquel
Eros não diz mais nada, minha curiosidade só aumenta quando nos
distanciamos ainda mais da cidade.
— O que você está planejando? — questiono.
Achei que o clima que ficou antes teria acabado com tudo o que
Eros planejou, quando me contou sobre sua ex-namorada e o quanto ela foi
uma vaca egoísta e idiota, agora eu tenho um rosto para odiar.
Eu percebi pela forma que Lívia olhou para Eros, que parecia
arrependida, e seu olhar de desagrado para mim, felizmente para mim, Eros
agora está comigo, é isso o que eu penso.
— Você vai descobrir — responde e me olha, descendo os olhos
para minhas coxas à mostra, porque o vestido subiu um pouco pelo
movimento no assento.
Desço minhas mãos por elas, subindo, porém por dentro do vestido.
O tecido acompanha, e paro meus dedos em cada lado da minha calcinha,
para em seguida descê-la pelas minhas pernas e jogá-la no banco de trás.
Faço tudo isso olhando para Eros, enquanto ele tenta manter sua atenção em
mim e na estrada ao mesmo tempo.
Vejo quando ele passa a língua pelos seus lábios carnudos e
vermelhos. Estendo a mão para o sistema de som do carro e aumento o
volume em uma música com batidas em ritmo envolvente e sensual.
Mexo meu quadril no assento, minha mão fazendo o caminho para
minha boceta. Estou molhada e pulsando de desejo por Eros, seu olhar é
capaz de me fazer derreter e perder qualquer raciocínio que eu seja capaz de
ter.
Suspiro quando pressiono meu Clitóris, meu olhar desce do rosto de
Eros, para suas mãos grandes apertando o volante. A velocidade do carro
parece ter aumentado mais, assim como o toque, a pressão que faço, me faz
suspirar e choramingar. Eros se remexe no banco, afetado com o meu
showzinho, intercalando seus olhares nos movimentos de meus dedos e na
estrada escura.
— Eros — sussurro seu nome, quando enfio o dedo dentro de mim,
controlando o movimento que faço no ritmo da música.
Ele grunhe.
Só percebo que paramos quando ele abre a porta do carro, parado
em frente a uma entrada, impedida apenas por uma corrente pesada e
grossa. Eros a tira do apoio, que também é de ferro e volta para dentro do
carro às pressas, não parando para fechar a entrada.
Ele guia o carro por uma estradinha de cascalho, rodeada por
árvores, parando depois de alguns minutos em frente a uma casa de dois
andares, que é feita toda de pedra. Nem consigo observá-la direito, Eros já
está abrindo a porta do carro ao meu lado.
— Desce do carro, Raquel — exige, e me demoro olhando para seu
rosto, marcado por uma expressão ansiosa e rude. — Saia da porra do carro.
Sorrio.
Passo uma perna de cada vez para fora do carro, o provocando com
a minha demora, fazendo questão de deixar à mostra minha boceta
molhada, o que o faz rosnar, terminando de me puxar para ele.
— Você é a porra de uma mulher provocadora que ama jogar
comigo — ruge as palavras na minha boca.
— E eu sei que você ama isso.
Ele prende nossas bocas com força, me causando uma dorzinha
gostosa ao morder meu lábio inferior, antes de me pegar no colo. Eros não
anda muito, ele só faz o caminho até a frente do seu Porsche, me colocando
sentada no capô e enrolando meu vestido na cintura para ter acesso à minha
vagina. Eu sinto o frio da noite me tocar e isso não me afeta em nada,
comparado ao calor que estou sentindo por Eros.
Ele desce seus dedos pelo ponto rígido, querendo atenção, mas seus
planos sãos outros, ele me penetra, dobrando seus dois dedos dentro de
mim, me fazendo gemer.
Não consigo focar em ajudar ele tirar sua calça, Eros faz isso com
maestria, até mesmo quando abre a camisinha com uma só mão para
desenrolar no seu pau totalmente ereto, me dando a visão do seu piercing
brilhando na luz da noite.
Eu passo os braços pelos seus ombros quando ele troca seus dedos
pelo seu pênis, afundando em mim, duro e rápido, me causando um grito de
surpresa. Mordo seu queixo, e depois sua boca, o beijando, suas estocadas
se intensificando.
— Como é bom estar dentro de você — murmura.
Minhas pernas estão presas na sua cintura, um dos saltos perdidos
no chão pela nossa agitação. Eros bate no meu ponto sensível, e eu o aperto
quando sinto a pressão crescer.
Não consigo avisar a ele que estou perto de gozar, o orgasmo só
vem, e sinto quando ele vem algumas estocadas depois de mim, seu grunhir
rouco e gostoso.
Ele me beija, agora calmo, nossas respirações controladas. Eros
desce sua boca pelo meu queixo, fazendo uma trilha de beijos até minha
orelha, sussurrando deliciosamente quente.
— Feliz aniversário, Raquel.
Eros abre a porta de casa para mim e acende a luz, antes de segurar
a minha mão e me puxar para segui-lo até as escadas que dão para o andar
de cima, só tenho tempo de olhar o sofá grande de veludo, a lareira e em
cima um quadro grande, que não consigo identificar direito pela pressa de
Eros.
Subimos as escadas, e fico impressionada que a casa é literalmente
toda feita de pedra.
— Essa casa é sua? — pergunto, quando entramos no corredor.
— Sim.
É linda, cada detalhe me encanta, penso no trabalho que deve ter
dado para construir a casa e manter. Paramos em frente a uma porta no
corredor. Ao entrar, me deparo com o quarto de casal bem rústico.
Cômodas de madeira marrom com gavetas e puxadores em formato
de concha na cor preta. A cama de casal também é feita de madeira, a
cabeceira trabalhada com uma peça mais grossa. Em cima tem um quadro
preso, com o mesmo comprimento da cama, com uma paisagem de uma
floresta na época de outono.
O quarto está quente, e vejo que a lareira já está acesa há um tempo,
ao que me diz que alguém já deve ter cuidado disso antes de chegarmos.
Eros se agacha para colocar mais lenha, e depois de mexer os tocos de
árvores bem cortados para o fogo pegar mais rápido, ele se levanta e vem
até mim.
Quando para à minha frente, ele tira sua jaqueta de couro, em
seguida sua camisa preta, me dando a visão dos seus músculos bem
trabalhados. Ele se ajoelha na minha frente, segurando minha perna para me
ajudar a tirar o salto, meu pé sentindo o tapete felpudo em seguida.
Eu apoio a mão em seu ombro para não cair. Eros faz a mesma coisa
com a outra perna e sobe as mãos pelas minhas pernas, subindo o vestido e
só parando na minha cintura, deixando um beijo molhado perto da minha
virilha.
Aperto minhas coxas uma na outra, quando sinto minha entrada
pulsar, quente e sem a calcinha, que ficou perdida no carro de Eros, ele sorri
ao perceber que está me afetando, levantando para abrir os botões do meu
vestido.
A peça cai no chão, assim como sua calça jeans sai do seu corpo em
seguida, ele me pega no colo e me beija. Eros me acomoda na minha
entrada, me penetrando, e eu aperto sua nuca, seus ombros, minhas unhas
fazendo marcas em sua pele quando ele mexe seu quadril, em um vai e vem
lento.
Eros me prende na parede, tendo ainda mais apoio nas suas
estocadas. Ele segura meu rosto, nos encarando, nossas respirações
elevadas, o som dos nossos corpos pelo quarto. Fecho os olhos quando ele
entra mais fundo dessa vez, e ele morde meu queixo.
— Quero que fique com os olhos abertos, eu quero ver tudo o que
você sente — exige e abro os olhos quando ele aperta o bico do seu seio,
me fazendo arfar, apertando minha boceta em volta do seu pau.
— Eros — choramingo, me derretendo nele toda.
— Namora comigo? — ele faz o pedido, olhando em meus olhos,
enquanto estoca dentro de mim, me pegando totalmente de surpresa. —
Seja minha namorada, e me permita adorar você?
Quero fechar os olhos por não conseguir conter as emoções e o
orgasmo que está chegando, mas estou hipnotizada por seus olhos intensos,
ansiando pela minha resposta.
— Namora comigo? — Eros faz novamente o pedido, grudando
nossas bocas, para soltá-la em seguida, passando a língua pelos meus
lábios. — Me deixa beijar você do jeito que amo, não sou incapaz de me
afastar de você, Raquel, de tudo isso que estamos sentindo nos últimos
meses.
Assinto.
— Você é o único homem capaz de me fazer sentir tudo isso, Eros
— ele grunhe com minhas palavras, redenção tomando nós dois.
Estou apaixonada por ele e agora é tarde para voltar atrás.
— Eu aceito ser sua namorada — respondo, e sua covinha aparece
na bochecha quando ele sorri, antes de perder toda a calma e acelerar
metidas dentro de mim, enquanto engole no nosso beijo todos os sons que
saem da minha boca.
Então é esse o sentimento de estar apaixonada por alguém ao ponto
de sentir que, se tudo acabar um dia, uma parte do coração também se vai.
Raquel
Acordo, e não vejo Eros ao meu lado. O quarto está silencioso, além
do crepitar da lareira. Me sento na cama, meu corpo exausto pedindo para
que eu volte a deitar.
Não sei em que momento Eros e eu dormimos ou que horas eram.
Me levanto para poder tomar um banho e ir atrás de Eros pela casa. Dentro
do banheiro, em cima da pia, tem uma escova nova na embalagem.
Encontro um roupão felpudo, dobrado na parte de baixo do armário,
depois que saio do banho, eu o visto. Prendo meus cabelos no alto da
cabeça e encaro as marcas rosas feitas por Eros no meu pescoço.
Sorrio ao lembrar que ele me pediu em namoro. Estou realmente
namorando Eros Giordano, um dos cretinos mais cobiçados do campus de
Bento Gonçalves.
Saio do banheiro em busca do meu celular dentro da bolsa, que está
em cima de uma poltrona, ao lado da janela. Olho para o lado de fora,
vendo a neblina tomar as árvores.
Essa casa é linda e traz paz.
Pego meu celular dentro da bolsa para mandar mensagem para
Charlotte, louca para contar a novidade.
Encontro algumas mensagens suas enviadas ontem à noite, pedindo
desculpas por ter sido Eros a sair comigo e não ela, como combinado.
“Te perdoo só porque a noite rendeu em um pedido de namoro”
Envio a mensagem, e tenho sua resposta segundos depois.
“Não acredito! Eros te pediu em namoro? Conta tudo como foi”
“Sim, conto tudo quando eu chegar em casa”
Charlotte não parece aceitar bem minha resposta, porque meu
celular continua vibrando, mas o deixo de lado, para ir atrás de Eros. Fico
tentado em arrumar a cama em que dormimos, mas neste momento não
estou me importando.
Pego uma pantufa ao lado da porta, meus pés se encaixam bem
nelas, Eros parece ter pensado em tudo. O chão está bastante frio para eu
sair andando pela casa, e a opção seria o salto alto que usei ontem, mas não
combinaria nada.
Desço as escadas, e no final dela o vejo, de costas para mim,
vestindo somente uma calça de moletom, sem camisa. De costas para mim,
tenho a visão melhor da sua tatuagem abaixo da nuca, dos músculos se
contraindo conforme mexe na panela e pragueja quando queima a mão.
— Precisa de ajuda? — pergunto, quando volto a andar, anunciando
minha chegada.
Eros me olha, e o que encontro em seu rosto faz meu coração
acelerar, de alguma forma, eu sinto que depois de ontem, as coisas entre nós
avançaram mais uns passos.
Eros nega com a cabeça, respondendo a minha pergunta e se inclina
para me beijar.
— Já terminei aqui. Pode se sentar — diz, e faço o que ele sugere.
A mesa já está posta, com opções variadas, e eu me pego pensando
se foi tudo feito por Eros, e forma que ele trabalha em colocar tudo do jeito
dele na mesa, me servindo, a resposta é sim.
Eros se senta na cadeira à minha frente depois de me servir. A forma
que Eros cuida de mim e me trata é diferente do Eros que achei que era
assim que nos conhecemos. 
— Dormiu bem? — pergunta, quando ele me pega o encarando.
— Você quer dizer depois que me deixou dormir, né? — pergunto, e
dou risada em seguida.
— Você não reclamou — declara, dando de ombros, com seu ego
grande.
Bebo um pouco do suco e olho em volta de toda a casa, amo como
as decorações de casas mais antigas me impressionam.
— Não sabia que você tinha mais casas na região — comento.
— Não são muitas, na verdade, essa eu quase não visito, quem gosta
de vir para cá é Artho, ele já trouxe Charlotte aqui várias vezes — diz, esse
detalhe eu já sabia.
— Passou muito tempo da sua infância aqui?
— Poucos fins de semana, meus pais passavam muito mais tempo
viajando, e quando estávamos de férias ou recesso, escolhíamos viajar para
outros estados ou países — Eros responde.
Eros ainda não se abriu para falar sobre seus pais comigo, e respeito
isso, por tudo o que ele já me mostrou ser, a dor da morte dos pais tão
precoce foi algo que mexeu muito com ele.
— Podemos vir mais vezes quando você quiser — Eros sugere. —
Passar o fim de semana aqui.
Eros encosta na cadeira depois de terminar seu café da manhã, me
levanto para ir em sua direção. Ele se acomoda melhor e me recebe bem
quando me sento em seu colo, passando as pernas de cada lado.
— Já quer ir embora? — pergunto a ele, que nega com a cabeça.
— Por mim, ficaria aqui com você pelo resto do dia.
— Podemos fazer isso? — questiono, ele assente e aperta minha
bunda.
Passo as mãos pela pele do seu peito, enquanto o beijo, e desço os
dedos, começando a desenhar a tatuagem que ele tem na costela.
— Me conta a história das suas tatuagens? — peço. — Já percebi
que você e os meninos têm a mesma tatuagem.
Diferente dos seus amigos, Eros tem uma quantidade mínima de
duas tatuagens apenas, mas duvido que qualquer um deles tenha um
piercing no pau. Quem diria que Eros Giordano, todo careta, teria um
piercing?
Ele levanta o braço para mexer nos meus cabelos, e o solta, as
mechas caindo em ondas pelos meus ombros.
— O que você quer saber? — pergunta, sua atenção no meu cabelo,
mexendo nas mechas.
Eros esconde seu rosto no meu pescoço, cheirando, me fazendo
arrepiar.
— Você tem um motivo por trás das duas tatuagens? Pensa em fazer
mais?
Eros passa o braço por debaixo da minha bunda e a mão ele apoia
minhas costas, para se levantar da cadeira. Ele vai em direção ao sofá da
sala, e me deita, antes de fazer o mesmo, para que o possa apoiar minha
cabeça em seu peito, ele abre uma coberta que está dobrada no braço do
sofá para nos embrulhar.
A lareira está acesa, e todo o ambiente está quente e confortável,
assim como estou, por estar com a metade do corpo sobre Eros.
— Já pensei em fazer mais tatuagens, mas ainda não chegou aquele
desejo de um dia qualquer ir até um estúdio e marcar meu corpo. Ao
contrário dos meninos, por trás de cada uma tem que ter um significado —
Eros responde minha pergunta.
— E qual é a dessas?
— A constelação de Taurus é em homenagem ao meu pai, meus
amigos sempre gostaram do meu pai. A forma que ele tratava nós todos por
igual, mesmo eles não sendo seus filhos. Eu via o amor que Gustavo tinha
por eles e era recíproco — Eros pausa.
Ele deve sentir tanta falta deles, mas, de certa forma, me conforta
saber que ele tem os meninos como família.
— Costumávamos acampar no quintal de casa, uma coisa só de
homens — Eros dá risada ao dizer —, e sempre estávamos olhando as
estrelas pelo telescópio, meu pai contava muitas histórias de cada
constelação e virou uma coisa nossa. A tatuagem foi uma forma de
homenagearmos ele.
— E essa frase que tem na costela? É em homenagem à sua mãe? —
eu pergunto, e ele assente.
— Essa frase é a declaração que ela fazia para mim toda vez que eu
dizia que a amava, independente de qualquer coisa, até mesmo quando
estava brava comigo. — Sinto seu corpo tencionar depois de dizer as
palavras.
Eu te amo daqui à lua e de volta.
Essa é a frase que ele tem tatuada na sua pele, e entendo que ele quis
usar essa forma para eternizar o amor de mãe e filho.
— Você nem parece ter sido uma criança arteira — brinco, para tirar
a tensão dele. — Sobre as homenagens, são lindas, tenho certeza de que
eles teriam amado.
Levanto minha cabeça de seu peito, onde as batidas de seu coração
estão aceleradas, e deposito um beijo na sua mandíbula. Deve ser difícil se
abrir para mim.
— Obrigada por ter dividido uma parte que é só sua comigo, Eros, é
muito importante para mim — sou sincera ao dizer.
Percebo em seu olhar intenso, mesmo que ele não use as palavras
para se expressar, que ele também sente a mesma coisa.
Raquel
Sábado, 21 de abril de 2018
A janela do meu lado está aberta, e meus cabelos voam quando
inclino um pouco para sentir o vento, enquanto a Mercedes de Eros corre
pela estrada, ao som da música, Do Seu Lado, do Jota Quest.
Eros canta baixinho, batucando os dedos no volante, quando ele
percebe que estou o encarando, franze a testa.
— O que foi? — pergunta, é bom vê-lo descontraído.
— Acho que essa música virou nossa música. Já prestou atenção na
letra? — questiono, e ele sorri, assentindo.
Eros aumenta mais o volume, e dou risada quando ele começa a
cantar mais alto e o acompanho. A música parece ter sido feita para nós
dois.
Viro a cabeça para a janela novamente, e fecho os olhos, sorrindo
com a sensação feliz que tenho sentido desde que Eros e eu começamos a
ficar.
Vales de vinhedos passam pela gente enquanto seguimos para um
vinhedo em específico que Eros está me levando.
O começo de tarde está em clima bom, e ele me convidou para
passearmos em um vinhedo de um conhecido dele para fazermos um
piquenique.
Depois de alguns quilômetros, chegamos. Na entrada tem uma placa
gigante de madeira com o nome do lugar: “Vinhedo Bianco”. Franzo a testa
com a sensação de já ter escutado esse sobrenome em algum lugar.
Mais alguns metros, Eros para o carro na área de estacionamento,
onde tem vários outros. Ele me disse que é bem visitado, e por ser feriado,
deve estar cheio de turistas passeando.
Os vales de vinhedo da Serra Gaúcha são lindos e bem procurados
para visitar, degustar os vários tipos de vinhos e aproveitar a paisagem que
tem.
Eros entrelaça a minha mão e com a outra ele segura a cesta com a
comida do nosso piquenique. A nossa caminhada nos leva para as vinícolas
com diversos tipos de uvas para a produção de vinhos.
Andamos por entre os pés de uvas, de vez em quando pegando uma
para experimentar. Eros parece conhecer tão bem o lugar, que não hesita em
nenhum momento para levar para cada lugar.
— Não acredito que moro aqui há um ano e nunca cogitei visitar os
vinhedos — comento quando paramos em um lugar mais perto, com gramas
bem cortadas, perfeito lugar para fazer várias coisas de lazer.
Já havíamos degustado alguns vinhos, Eros até mesmo comprou
algumas garrafas. Eu forro a manta para sentarmos, e olharmos o pôr-do-
sol, que está começando a aparecer.
Tiro alguns potes como frutas, frios, bolos. Eros abre uma das
garrafas de vinho, que ele comprou e enche duas taças que trouxemos. Ele
senta atrás de mim, e me apoio em seu peito, para saborear a bebida, a
paisagem e a companhia do meu namorado.
— E pensar que Lion pode ser dono disso tudo, mas sendo rebelde
como é... — Eros comenta, e deixa a frase no ar.
Franzo a testa, e começo a montar as peças. O sobrenome Bianco na
placa de entrada, a logo nas garrafas de vinho.
Me sento para olhar Eros, que atiçou a minha curiosidade.
— Lion é dono disso tudo? — pergunto abismada.
— Na verdade, o pai dele é, mas será tudo dele um dia, apesar de ele
não querer.
Conhecendo Eros como conheço, assim como todos os outros, ele
não vai comentar sobre a vida do amigo, é a vida de cada um, e eles
respeitam isso. Isso me faz lembrar de Dimitri, e a confusão que gerou na
sexta-feira passada no aniversário dele na sede do clube. Policiais chegaram
e os meninos foram para a delegacia.
Lembro que os meninos ficaram furiosos, principalmente o Eros, o
motivo disso tudo ao que eu entendi, é que Dimitri estava com uma garota e
o pai dela o odeia, por alguma coisa no passado.
Resumindo, a festa foi estragada, e no final, quando todos voltaram
para casa, o clima estava parecendo um enterro.
Eu já estava tendo uma amizade com todos eles, e o fato do que
aconteceu ter deixado Dimitri ainda mais fechado e com um humor horrível
que superou até mesmo o do Eros, me deixou preocupada.
— Você está bem pensativa — Eros murmura, deixando beijos no
meu pescoço.
Nego com a cabeça.
— Estou só aproveitando a vista.
Faz dois meses que estamos namorando, e eu ainda não contei aos
meus pais. Eros ainda não perguntou o motivo, sei que ele está respeitando,
mas consigo sentir a curiosidade em sua voz toda vez que pergunta algo
sobre eles.
O motivo de eu não ter contado ainda?
Medo talvez do que será de nós dois quando ele se formar. Mesmo
com o nosso namoro indo tão bem, está tão precoce ainda e não me sinto
preparada.
Assistimos o pôr-do-sol até a noite ficar escura, precisamos juntar
tudo e ir embora.
Eros
Raquel me observa enquanto eu dirijo de volta pela estrada escura,
sendo iluminada pelos postes. Essa é outro momento em que amo quando
estou dirigindo com ela no carro.
— Eu tenho uma pergunta — ela diz, eu sorrio, e faço um gesto com
a cabeça para que ela a faça. — Por que você me odiou tanto assim que nos
conhecemos?
O tom intrigado em sua voz é o oposto do que sinto agora, porque
isso me faz lembrar os motivos.
— Na primeira oportunidade que tivemos de conversarmos quando
Artho nos apresentou naquela festa, você me ignorou e sumiu, me deixando
furiosa com o papel de trouxa que eu fiz — Raquel comenta para reforçar
sua pergunta, porém sinto a mágoa escondida na sua voz.
— E por que isso importa agora? — pergunto, não querendo tocar
no assunto.
— Porque naquela época, antes de você reagir daquele jeito, eu
estava a fim de você — confessa.
— Isso antes ou depois de ficar com Artho? — mordo o lábio depois
que a pergunta sai, e me arrependo, não é assim que quero que nossa noite
acabe.
Dou graças a Deus pela claridade da estrada não focar no meu rosto
e isso facilita as coisas, mas sei que ela está com a testa franzida.
Não suportava lembrar que Artho ficou com a garota que eu mais
desejava e que começava a me fazer sentir coisas inexplicáveis.
— Então é esse o motivo de toda sua raiva por mim? Agiu como
mimado porque fiquei com seu amigo? — ela pergunta, indignada.
Escolho não responder a sua pergunta. Naquela época estava com
tanta raiva da Raquel, que a desprezei, meu interesse por ela sumindo. E
quando ela foi apresentada para mim, por Artho, fiquei ainda mais furioso
com ele.
— Eu também me interessei por você — eu confesso. — No seu
primeiro semestre, cheguei até a perguntar o seu nome para um colega do
meu curso que andava com a sua turma na época, ele prometeu que
conseguiria seu número para mim e, ao invés disso, vi o desgraçado ficando
com você em uma boate e, depois disso, vocês ainda ficaram por um tempo.
Tive vontade de socar a cara do filho da puta para deixá-lo sem
alguns dentes, precisei diversas vezes me controlar quando o via nas aulas.
Ele se gabando por estar ficando com a caloura gostosa do curso de Moda.
Eu tentei odiar Raquel depois disso, mas sua presença constante não
facilitou em nada.
— Você está me dizendo que esperou o Marcos passar o meu
número de telefone para você e em vez disso ele ficou comigo naquela
boate? 
Bufo. 
Odeio lembrar daquela cena, isso me causa uma raiva extrema.
Lembro do quanto estava ansioso para vê-la naquela noite, me convencendo
de que até o final da noite, a teria.
— Eros, eu não sabia de nada, ele não me falou — Raquel diz, e
parece chocada, ao mesmo tempo que a vejo se sentir mal por saber disso.
— Por que você mesmo não foi falar comigo? 
Ela está brava ao fazer a pergunta que me fiz várias vezes e tive a
mesma resposta. 
Suspiro antes de ser sincero com ela.
— Porque uma coisa é eu chegar na garota que eu quero ficar por
diversão, outra totalmente diferente, é chegar na garota que eu passei o
semestre todo desejando. 
Escuto ela respirar fundo, em choque pelas minhas palavras, ela não
esperava que eu fosse tão sincero. Pelo canto de olho não consigo nem ver o
que ela está pensando.
— Vi você pela primeira vez no restaurante universitário, passava
perto da mesa que estava sentada, mas nunca tive sua atenção, só depois
que ficou com Artho.
Me pegava ansiosa para ver Raquel todos os dias, observar cada
detalhe seu quando não tinha ninguém me olhando, isso tudo antes do filho
da puta do Marcos e Artho em seguida.
— Para o carro — ela exige, e eu a olho sem entender, mesmo não
focando direito em seu rosto por causa das sombras escuras da estrada. —
Eros, para o carro. 
Fico preocupado com ela, temeroso que esteja chateada ao ponto de
não querer estar comigo.
— Eros — pede novamente, desesperada dessa vez. 
Indignado e começando a ficar puto por ter dado corda ao assunto,
travo minha mandíbula e desacelero o carro para parar no acostamento,
pronto para lidar com o que Raquel decidir.
Não tenho tempo de raciocinar o que Raquel está fazendo, só vejo
seu movimento de tirar o cinto de segurança, logo ela está em cima de mim,
me beijando com fúria e desejo.  
A acomodo melhor no meu colo, suas pernas de cada lado do meu
corpo, aperto sua coxa e bunda, subindo o tecido do seu vestido, enquanto
ela mexe seu quadril por cima da minha calça. 
— Você é um idiota — ela declara quando se afasta para segurar
meu rosto com suas mãos quentes e delicadas. — Escolheu passar esse
tempo todo me odiando, enquanto poderíamos ter curtido e não ter causado
todas essas brigas entre a gente.  
Solto uma risada, nervoso, pois ela tem razão. 
Às vezes odeio ser tão reservado, turrão e muitas vezes mimado, ao
ponto de não ceder e ser menos orgulhoso. 
Raquel desce seus dedos pelo meu peito, roçando suas unhas por
cima da minha camisa, me causando arrepios quando ela se inclina para
perto da minha orelha, sua língua molhada lambendo minha pele e
mordendo em seguida, tirando de mim um suspiro excitado. 
Meu pau duro na calça começa a se tornar um incômodo e quero
mais do que a fricção que nossos tecidos estão causando.
— Esse tempo todo poderíamos ter fodido de um jeito bom e
selvagem, daquele mesmo jeito que fizemos na primeira vez — diz,
descendo a língua para o meu pescoço. — Você, bruto e duro, me fazendo
gozar no seu pau, enquanto seu piercing fazia maravilhas dentro de mim,
batendo fundo naquele ponto que só você sabe fazer do jeito que eu gosto.
— Porra, Raquel — xingo e a puxo pela nuca, juntando nossas
bocas. 
Suas mãos estão no botão da minha calça, ela abre e desce o zíper e
eu preciso levantar um pouco para ajudar a descer o jeans. Em alguns
segundos meu pau está livre de qualquer peça de roupa. 
Raquel brinca comigo, apertando meu pau, fazendo o movimento de
subir e descer, esfregando a cabeça e piercing com o seu polegar, levando o
dedo com o meu pré-gozo até a língua, olhando para mim enquanto chupa o
dedo, me fazendo perder o controle, puxando seu quadril para perto do meu,
louco para estar dentro dela. 
Raquel sorri, diabólica e me encara como uma deusa, ela se
acomoda melhor, puxando sua calcinha de lado para encaixar minha glande
na sua entrada molhada e quente. 
Gemo, me sentindo na borda do prazer por essa mulher. Ela se
remexe, esfregando a porra do meu pau na sua entrada, a fricção do meu
piercing no seu clitóris a fazendo choramingar. Aperto sua bunda e a
empurro para baixo quando ela me conduz para sua entrada. 
Ela abre a boca em um grito mudo, e morde o lábio, nossos olhos
fixos um no outro enquanto ela desce em mim, rebolando, me apertando na
sua boceta quente e apertada, gemendo quando me sente todo dentro dela.
— Você é um idiota — sussurra, brava, descontando sua raiva em
cada descida que ela faz no meu pau, e nas mordidas que ela me dá nas
peles expostas, arranhando a minha nuca ao exigir mais força no nosso
beijo.
Eu sei que sou um idiota, mas essa foda no carro, batizando esse
momento como sendo só nosso, valeu a pena.
Raquel cochila no assento ao meu lado, e decido que não vou levá-la
para o edifício, e sim para minha casa, onde eu posso dormir com ela na
minha cama, sem tirar minhas mãos dela uma única vez.
Raquel
Quarta-feira, 23 de maio de 2018
— Você está me desconcentrando — Eros declara ao perceber que
estou o encarando. Ele se vira na sua cadeira para me olhar. — Eu sabia que
seria uma má ideia estudarmos juntos no meu quarto.
— Você sabia? — pergunto ao me deitar na sua cama, meus livros já
esquecidos ao lado. — Eu tinha certeza, como das outras vezes que não
deram certo.
Ele dá risada e levanta da cadeira onde está sentado à mesa de
estudos. Eros fecha seu Macbook e alguns livros e vem até mim, se
deitando com a cabeça na minha barriga para que eu possa fazer cafuné
nele.
Eros suspira, e eu me arrepio com o contato dos seus dedos na pele
da minha barriga. Olho em volta para o seu quarto, tenho passado muito
tempo aqui nos últimos meses, durmo algumas noites aqui, quando meus
fins de semana não são aqui, estamos na casa do sítio.
Eros tem sido incrível em todos os aspectos, me surpreendo em
como posso ser capaz de me apaixonar ainda mais por ele. Estamos tão
envolvidos, que sempre temo que esse amor possa me machucar.
Olho para ele, que está de olhos fechados e a respiração começando
a suavizar, Eros está quase dormindo, quando o barulho da minha barriga,
indicando fome o faz abrir os olhos, sorrindo.
Eros deixa um beijo na pele da minha barriga quando o tecido da
blusa sobe. Suspiro com seu toque de carinho.
— Vem, vou alimentar minha garota — ele diz, se levantando, e
estende a mão para mim, me ajudando a levantar. — Quer assistir um filme
quando voltarmos?
Assinto.
— Não sei se consigo estudar mais nada hoje.
Com minha mão entrelaçada na dele, saímos do quarto e descemos
as escadas. Na sala de jantar, encontramos todos reunidos, jantando. Ayla
grita quando vê o tio chegando.
— Tio Elo — bate palminhas, eufórica.
— Oi, Batatinha — ele se inclina, beijando seu rostinho gorducho.
Eros senta ao lado de Ayla e eu ao seu lado direito. Pego um prato
para me servir, o cheiro da comida de Erica faz os sons na minha barriga
aumentarem.
Ando me alimentando bem agora que frequento mais a casa dos
meninos.
— Ayla quer te contar o que aconteceu na aula hoje — Artho
comenta, sorrindo para a filha.
É engraçado como todos eles se derretem ao lado dela, e Charlotte
pensa a mesma coisa, pois me olha sorrindo e depois para Eros, que parece
um babão. Todos prestam atenção na conversa da pequena, e observo Eros
interagindo com ela.
Faz alguns meses que estamos namorando, e ainda não conversamos
sobre como será depois que ele se formar e se mudar para São Paulo, como
o combinado que fez com seus amigos. Por esse motivo, sigo ainda sem
falar com meus pais sobre Eros, temendo o que pode acontecer.
O tempo todo quando essa questão aparece na minha mente, eu a
empurro para um canto, ignorando o fato de que temos essa questão para
resolver, focando em aproveitar o que temos agora, deixando para lidar com
isso quando chegar a hora.
Darth Vader para ao meu lado, me encarando, e quase surto de susto,
eu ainda sinto medo de interagir com ele.
Natan, que está mais perto, dá risada, e eu estreito os olhos para ele.
— Ele gosta de você — Natan comenta e nego com a cabeça. —
Precisa deixar o medo de lado.
— Como se isso fosse fácil, ele me olha como se quisesse me atacar
— declaro, olhando para seus dentes afiados quando ele abre a boca para
bocejar.
Lion, que está prestando atenção na conversa trocada entre Natan e
eu, sorri. Dimitri e Gabriel estão do outro lado da mesa, mas olhando para o
primeiro, percebo que está distraindo, parecendo não prestar atenção em
nada.
— Ele só ataca pessoas desconhecidas, você já é de casa,
praticamente mora aqui — Lion zomba, dando risada, chamando atenção de
Eros.
— E ele julga também — Eros comenta sobre Vader, e sorri de lado,
sua covinha aparecendo para mim, enquanto ele segura minha mão por
debaixo da mesa, meu coração acelerando.
— Já perceberam que Eros anda um pouco mais suportável desde
que começou a namorar Raquel? — Gabriel pergunta a todos. — Seja lá o
que estiver fazendo, continue — ele aponta para mim e dou risada.
— Vai se foder, Bibi — Eros rosna para o amigo, mas vejo diversão
em seu rosto ao implicar com ele, que fecha a cara do outro lado da mesa.
— Você é um... — Gabriel começa a falar, mas Artho o corta.
— Opa! — Artho grita, indicando Ayla à mesa. — Vocês dois,
parem de xingar ou vou fazer vocês engolirem cada palavra com um soco.
A pequena está olhando para Eros com uma expressão curiosa e já
me preparo para a pergunta que virá dela.
— Tio Elo, o que é... — Eros está ficando pálido, pedindo socorro
com o olhar para o amigo, que está o fuzilando com o olhar. — Bibi?
Todos à mesa começam a rir, Eros aliviado, solta uma risada
nervosa, por ter escapado de ter que explicar a Ayla outro tipo de palavra.
— É o apelido do Tio Gabriel, pode chamar ele assim agora — Eros
responde, se inclinando para beijar sua cabecinha.
— Tio Bibi? — ela pergunta, olhando para Gabriel do outro lado da
mesa, e o mesmo querendo matar o amigo.
Todos na mesa não conseguem parar de rir da carranca que Gabriel
tem agora na cara. Ayla se referindo a ele o tempo todo pelo apelido.
— Você me paga, Eros — Gabriel resmunga para ele.
— Em dinheiro ou cartão? — Eros pergunta sarcástico, bebendo um
pouco de seu vinho. — Isso para mim não é problema.
Eu amo esses momentos com eles, me faz sentir em casa, com uma
sensação quentinha no coração, e mais uma vez eu temo o que pode
acontecer no futuro.

Desperto do meu sono, e passo as mãos pelo lado da cama onde


deveria estar o Eros, e não o encontro. Abro os olhos e me viro para a
mesinha ao lado da cama para olhar o relógio digital e vejo que são quase
quatro horas da manhã e sem sinal dele no quarto.
As luzes apagadas, somente a porta do quarto está entreaberta.
Espero mais uns dez minutos, o aguardando voltar, pois ele deve ter ido até
a cozinha, mas nada de Eros aparecer.
Me levanto para ir atrás dele, passando uma manta pelos meus
ombros, está friozinho, mesmo com o aquecedor em casa e a lareira acesa.
No corredor, antes de ir em direção às escadas, vejo a porta do quarto dos
pais de Eros aberta e me assusto, nunca tive a oportunidade de entrar nele, e
desconfio que ele esteja lá dentro, fico preocupada, ele sempre evitar entrar
lá.
Me aproximo da porta, olho para dentro, não encontrando nenhum
sinal dele, e decido entrar. A Luz do corredor, que imagino que leve ao
closet, está ligada, e caminho com passos lentos até lá, o que encontro, faz
meu coração acelerar.
Eros está sentado no chão, apoiado no estofado que fica no meio do
closet, olhando para nada em específico, com os olhos vermelhos e a
expressão no rosto destruída.
Fico receosa de estar invadindo sua privacidade, mas me aproximo
dele, incapaz de deixá-lo sozinho e lidar com seu passado. Eros percebe
minha presença, mas não me olha.
— Tem uma coisa que eu não te contei — Eros diz, seu tom de voz
grave faz meu estômago apertar, temendo o que seja.
Eros
A presença de Raquel me acalma, ao mesmo tempo que me
desespera, pois ela está presenciando uma parte minha que não deixo
ninguém ver. Estendo a mão para ela, para que ela possa se sentar à minha
frente.
Raquel abre a manta, que está segurando, e passa pelos meus
ombros, embrulhando nós dois. Ela deve ter percebido que estou tremendo,
mas isso não é pelo frio, é pelo que as lembranças me causam, reviver o
meu pesadelo, o meu medo, trauma.
Eu encaro seus olhos aflitos, e beijo seus lábios, suavemente, um
toque apenas para sentir que ela está aqui comigo, e quero mantê-la sempre
assim. Raquel espera o tempo todo que eu comece, sem me pressionar,
fazendo carícias em meu braço, subindo e descendo.
Ora ou outra vejo ela olhar para cada detalhe do closet dos meus
pais, eu vendo a admiração em seus olhos.
Já faz um tempo que eu não tenho esse tipo de pesadelo, onde eu
acordo suando e tremendo com a imagem de um avião caindo, onde estou
dentro, pedindo socorro. Só que dessa vez Raquel estava comigo no
pesadelo, chorando desesperada, eu vendo nos seus olhos o fim.
Fecho os olhos, querendo sumir com a lembrança. Isso tudo é
porque está chegando a minha formatura, e não consigo pensar no que fazer
com o nosso relacionamento.
Sinto seus lábios quentes tocando meu queixo, aliviando a tensão
que estou sentindo.
— Estou aqui — as palavras de Raquel me lembram, não como uma
presença constante, mas indicando que está ao meu lado para o que eu
precisar, e isso me faz amá-la ainda mais.
— Eu ainda consigo lembrar como se fosse hoje a última imagem
que vi dos meus pais antes de eles morrerem, e isso me corrói por dentro, de
uma maneira que me tira o fôlego. Se eu soubesse que aquele seria o último
momento com eles, eu teria feito diferente — declaro, as palavras saem
amargas da minha boca, me machucando.
— Não tinha como você saber, Eros — Raquel diz, ainda com suas
carícias em mim.
— Não tinha, mas queria ter agido diferente, porque me dói saber
que eles foram àquela viagem decepcionados comigo — confesso, me
arrependendo da forma que agi, me sentindo culpado.
O choro vem, e fica instalado na minha garganta, ardendo, ansiando
para ser liberto.
— Meus pais estavam bravos comigo e com os meninos por termos
dado uma festa, os vizinhos ligaram para a polícia. Quando eu percebi as
viaturas entrando na residência já era tarde, fomos todos parar na delegacia.
Artho estava com cocaína nos bolsos da calça e não conseguiu se livrar a
tempo.
Eu lembro como foi uma confusão aquela noite, todos desesperados
com a chegada da polícia, eles revistando todos, e encontrando a droga com
Artho. No final, estávamos os seis na delegacia, aguardando meus pais
chegarem com o advogado.
Cada um sendo interrogado pelo delegado.
— Passamos a noite na delegacia, meus pais e Miguel, o advogado
da família que você conheceu no meu aniversário — digo, Raquel faz um
gesto de que lembra. — Eles ficaram furiosos com o que aconteceu e
quando ficaram sabendo sobre a droga, eu vi como meu pai ficou
decepcionado com a gente, principalmente comigo, ao ponto de nos colocar
sentados enfileirados na sala de casa quando chegamos e nos dar sermão, eu
nunca o tinha visto tão nervoso como naquele dia.
Eu sorrio quando lembro do seu rosto vermelho e alterado, minha
mãe tentando acalmá-lo, mas nem ela estava conseguindo.
Raquel me escuta atenta, nem ela percebeu que parece estar colada
em mim agora, o vinco na testa aprofundando sua atenção em mim.
Levanto minha mão, massageando o local, tirando um sorriso dela.
— Eu fiquei bravo porque eles não queriam nos ouvir, nos deixar
explicar o que aconteceu, nos chamando de irresponsáveis, e como fizemos
eles viajarem às pressas para Bento Gonçalves para resolver o problema.
Aquilo me deixou bravo, porque eles estavam sempre viajando, e eu não
estava tendo tempo com eles direito.
— Foi Miguel que conseguiu a liberação de vocês? — Raquel
pergunta e aquiesço.
— Sim, depois de horas, logo depois ele voltou para São Paulo.
Nessa época, Dimitri estava ficando na minha casa por uns tempos, ele se
sentiu culpado por estar causando problema aos meus pais.
— Vocês eram jovens, é claro que queriam ter toda a diversão —
Raquel nos defende, e tenho vontade de morder o bico que ela faz sem
perceber.
— Depois que meus amigos foram embora, meus pais e eu
acabamos discutindo, estávamos todos alterados pelas emoções, eu falei
palavras que machucaram os dois.
Suspiro, me odiando por isso.
— Eu lembro deles me falando que conversaríamos melhor depois
que eles voltassem de São Paulo, pois estariam pegando um avião de volta
para finalizar os assuntos pendentes que deixaram para trás por terem que
vir nos ajudar na delegacia.
“Eu fiquei com tanta raiva, que lembro de ter pedido para eles não
voltarem, porque mais uma vez estavam me deixando para fazer aquela
maldita viagem a trabalho. Meu pai me chamou de egoísta o que causou
uma discursão mais calorosa entre nós dois, ao ponto da minha mãe chorar
nervosa.”
Só de lembrar daquela cena, meus olhos ardem pelo choro contido, e
não aguento segurar mais, as lágrimas descem, e Raquel as enxuga.
— A última coisa que eu ouvi sair da boca da minha mãe, foi ela me
dizendo o quanto me amava, a mesma declaração, exatamente as mesmas
palavras que tenho tatuadas na minha pele. Eu nem olhei para trás enquanto
subia as escadas e me enfiava no meu quarto — engasgo ao contar tudo,
sentindo os tremores no meu corpo, e soluço.
— Eros — Raquel sussurra meu nome, e nego com a cabeça, eu
preciso terminar de falar.
— Quando veio a notícia de que o jatinho em que estavam caiu,
meu mundo desabou, Raquel, eu vi tudo o que eu tinha, tudo, ir embora
com eles, uma parte de mim morreu junto, até mesmo a esperança de viver
o amor que eles tiveram. Não consegui lidar com a perda deles, e não sei se
serei capaz. Vivo até hoje com a dor.
Minha garota chora, e me abraça, quando desaba ainda mais no meu
peito, e ficamos nós dois consolando um ao outro. Raquel tem sido a pessoa
que tem me trazido de volta, até mesmo o amor que eu achei que nunca
viveria um dia, mesmo que eu ainda tivesse fé dentro de mim, o resto havia
morrido.
— Depois da morte deles, nunca mais entrei em um avião, tentei
fazer terapia, mas não estava fazendo efeito nenhum e eu parei — digo, e
Raquel se afasta do meu peito para poder me olhar.
— É por isso que você não entra em avião — afirma.
Só de pensar em entrar em um, me causa falta de ar, meu coração
acelera, me fazendo suar e tremer. E a imagem de Raquel em meu pesadelo
piora tudo, me sinto sufocado.
— Você precisa retornar às consultas, mesmo que você nunca entre
em um avião um dia, precisa cuidar do que tem aqui dentro — ela diz,
movendo sua mão, colocando em cima do meu coração, que bate acelerado.
— Precisa tratar seus traumas, seus medos, culpas, não precisa lidar com
isso tudo sozinho.
Ela junta nossas testas, acariciando os dois lados do meu rosto, me
permitindo desabar e me abrir na sua frente. Mulher nenhuma foi capaz de
me fazer sentir o que sinto por ela.
— Eu sei que sente remorso por eles terem ido viajar chateados com
você, mas esse sentimento não precisa existir, eu tenho certeza de que eles
te amavam tanto, e entendiam você, sabiam também do seu amor por eles.
Ela está certa, não precisa existir essa culpa. A forma que Raquel
fala me faz ver o quanto necessito voltar para as consultas e cuidar da
explosão de sentimentos que sinto.
Raquel beija meus lábios e sussurra palavras de consolo para mim,
me sinto aliviado em ter contado tudo para ela, me aberto com ela como
nunca fiz com ninguém antes, despindo para ela o Eros frágil, vulnerável e
humano.
Ficamos mais vários minutos sentados no chão, em silêncio,
abraçados um ao outro. Me toco que é o momento de levantarmos e irmos
para cama quando sinto Raquel começar a tremer de frio, nem mesmo a
manta estava nos aquecendo como deveria, o frio castigando.
Ela segura a minha mão, quando apago a luz e fecho a porta do
quarto, me esperando deitar primeiro na cama para apagar a luz do meu
quarto e se deitar, me abraçando tão fortemente, que sou capaz de me
entregar por inteiro a ela, se eu já não tivesse feito isso.
Raquel
Sábado, 30 de junho de 2018
Eros está lindo vestindo um Black Tie, um conjunto completo de
smoking. Ele coloca a mão no bolso da calça e se posiciona para tirar as
fotos dos formandos na entrada, espero pacientemente terminar para
entrarmos no salão.
Me sentindo orgulhosa por ele estar finalizando essa nova fase na
vida dele. Ele não sorri em nenhum momento para a foto, como esperado.
Eros me olha e faz um gesto com a mão.
— Raquel — ele me chama, me aproximo estranhando o seu pedido
para que eu tire as fotos com ele.
— Tem certeza? É o seu momento — sussurro para que somente ele
possa ouvir.
Tem uma pequena fila de alunos esperando chegar a vez para tirar as
fotos.
— Por que eu não teria? Você é minha namorada, quero ter essa
lembrança com você ao meu lado — ele declara, com o mesmo tom de voz
que usei.
Ele não percebe o que suas palavras fazem comigo. Meu coração
acelera e minhas mãos suam, ao passo que ele pousa sua mão na minha
cintura, juntando mais nossos corpos.
Eros se inclina e sussurra no meu ouvido, antes de se endireitar para
tirarmos as fotos.
— Você está linda, desculpa não ter dito antes, estava com minha
boca ocupada.
Sua fala me faz automaticamente lembrar da sua boca me chupando
no banco de trás do carro no nosso caminho até aqui. Dou uma risada, e
olho para o fotógrafo, as palavras de Eros me causando quentura por todo o
corpo.
É um momento especial para ele, por isso escolhi fazer um vestido
longo da cor vinho. Ele tem uma abertura lateral, que sobe até a coxa, e por
cima um tule da mesma cor. A parte superior tem um decote em V, com
finas alças. Esse vestido deu um pouco mais de trabalho, porque eu queria
que fosse perfeito.
Lembrar da expressão no rosto de Eros quando me viu vestida com
ele, toda arrumada, fez valer a pena cada furada de dedo com as agulhas.
Depois das fotos, Eros me guia para entrarmos de vez. O salão está
cheio, os jogos de luzes e a música alta dando um toque a mais na
decoração. Do outro lado, vejo as mesas postas, cada mesa com o nome do
formando, daqui consigo ver os amigos de Eros e Charlotte.
— Te vejo daqui a pouco? — pergunto, parando à sua frente para
arrumar sua gravata azul, que está torta.
— Esse é o plano — declara, e me beija.
Me afasto, para deixar que ele tenha sua entrada junto com os outros
alunos formados. E sigo até a mesa em que está todo mundo, cumprimento
todos antes de me sentar.
— Você está linda — Charlotte me elogia quando beijo seu rosto.
— Você também, depois me passa o numero da sua estilista — digo,
e ela dá risada. Desenhei e fiz o vestido dela também.
— Mulheres — escuto Dimitri comentar, me fazendo revirar os
olhos. 
Todos os meninos, com exceção de Artho, acabaram de se formar
também, sendo assim todos iriam ter suas festas, em datas distintas, então
daria para todos estarem presentes para prestigiar o amigo da vez.
É dado o anúncio da entrada dos formandos e nos levantamos. Não
sendo diferente, quando a música de entrada começa a tocar, o primeiro que
eu vejo é Eros sendo seguido pelos outros.
Artho e Lion começam a assoviar, enquanto os outros gritam
palavras de apoio, eu só sei sorrir e bater palmas. Somos os únicos de todas
as mesas fazendo algazarra. Quando tudo termina, Eros se aproxima da
gente e é abraçado e parabenizado por todos, até mesmo minha amiga.
Eros para à minha frente, segurando minha mão para me puxar até o
centro do salão, onde vai acontecer a valsa. Eu estendo as mãos, colocando
em seus ombros, e ele coloca a deles na minha cintura.
— Eles estariam orgulhosos de você — comento, e levanto meu
rosto para encarar o seu.
Ele assente, eu sei que é nesses momentos em que ele sente mais
falta deles, eu pude perceber quanto mais chegava perto da sua formatura.
Miguel e Luísa vieram para sua colação de grau e estiveram presentes em
todo o momento, tirando várias fotos quando Eros subiu para fazer o
discurso por toda a sua classe, sendo parabenizado por ser laureado,
recebendo um prêmio por isso.
Meu coração acelera só em pensar que sua mudança para São Paulo
está perto, e que a gente ainda não conversou sobre isso. Com a cabeça
deitada no ombro de Eros, consigo sentir o quanto ele parece inquieto hoje.
— Obrigado por estar aqui — Eros sussurra no meu ouvido.
Levanto a cabeça e o beijo, minha língua encontrando a sua, suspiro
saindo de meus lábios.
Ficamos por mais algumas horas e saímos depois do jantar.
Enquanto todos decidiam ir para uma boate no centro da cidade, Eros e eu
seguimos para sua casa.
Eu preciso preparar a conversa que quero ter com ele sobre sua
mudança, mas tenho tanto medo do fim dela.
Eros nem espera entrarmos direito na casa, quando ele me agarra e
me beija, sendo um sacrifício subir as escadas sem tropeçarmos nos
degraus. Ele me ajuda a tirar o vestido, eu as peças que complementam seu
smoking.
E nos amamos do jeito incrível como sempre é. As palavras presas
em minha garganta para declarar o meu amor para ele. Com nossas
respirações regulares, levanto do seu peito, deixando um beijo na sua pele
antes de me levantar para ir em busca da minha bolsa que deve estar jogada
em algum lugar no chão.
— Tenho algo para você — digo, antes que Eros pergunte para onde
estou indo.
Me embrulho com o lençol, para tapar minha nudez para me
levantar da cama. Encontro minha bolsa e volto para a cama, me sentando
em frente a Eros, que se sentou também, apoiando as costas na cabeceira,
me olhando curioso.
— Eu fiz para você, eu sei que você tem dinheiro para comprar algo
melhor — eu murmuro, e tiro de dentro da bolsa uma pulseira de Macramê
que fiz para ele. — Mas eu queria te presentear com alguma coisa por ser
um dia especial para você.
Eu levanto a cabeça para olhar seu rosto, Eros me olha, surpreso,
porque não esperava algo assim, vejo uma certa emoção em seus olhos.
— Não é nada demais. — Dou de ombros ao dizer.
— É, sim — me responde e estende o braço para que eu possa
colocar nele.
Sorrio, e a passo pelo seu pulso, para poder amarrá-la em seguida. O
tamanho ficou certinho, fiquei com medo de ter errado os cálculos. Ela é
toda marrom, no meio dela tem uma pedra amazonita azul escuro, me
lembra a representação da cor da sua profissão.
—  Ela é linda, obrigado — pronuncia, verificando como ela fica no
seu braço.
Eros me olha, segurando meu rosto antes de me beijar. Ele levanta
da cama para poder acender a lareira, me deixando com sua visão de costas
para mim, onde eu vejo as marcas vermelhas, resultado do nosso sexo.
Ele fica um bom tempo agachado, e quando volta para se juntar a
mim, Eros para em frente à mesinha ao lado da cama, mexendo em algo
dentro da gaveta e se acomoda ao meu lado novamente.
Pela forma que ele me olha, percebo que algo não parece certo, ele
está nervoso, inquieto, ao mesmo tempo que vejo determinação no seu
olhar.
— Eu sei que não faz muito tempo que não estamos juntos, porém
faz um tempo considerável o meu sentimento por você — ele declara, e
pausa para segurar minha mão. — Nunca imaginei que pudesse sentir algo
tão forte por uma mulher um dia. Você com seu jeito nada discreto,
decidida, irritante, se enfiou dentro de mim e bagunçou toda a minha vida.
Solto uma risada.
— Isso é bom ou ruim? — pergunto, e sua covinha aparece quando
sorri. — Eu sei que sua vida estava entediada demais, e você precisava de
mim para agitá-la.
— Vai rir se eu disser que você foi a melhor coisa que me aconteceu
em anos? — suas palavras me pegam de jeito, que me faz arfar. — Porque é
a verdade, Raquel. Não consigo viver sem você, acordar e não pensar em
você, dormir sem te ter ao meu lado, com a certeza que no dia seguinte você
vai estar acordando com seu humor horrível.
Sorrio, não sabendo como lidar com sua declaração, só sabendo
sentir. Meu coração acelerado, enquanto meu estômago parece estar
revirando, as borboletas batendo suas asas, me causando um nervosismo
inexplicável.
— É a mesma coisa que eu sinto, Eros, ainda não consigo explicar
como duas pessoas tão diferentes, como nós dois, entraram no caminho um
do outro.
Ele sorri, e faz um movimento que me chama atenção para sua mão,
onde contém uma caixinha de veludo, quando ele abre a tampa, engasgo.
Uma aliança de ouro com duas pedras de diamante em cada lado e no
centro uma maior e chamativa. O anel não é nada delicado e imagino a
fortuna que deve ter sido.
— Eu te amo, Raquel, e quero passar cada dia da minha vida ao seu
lado — declara, e sinto como se meu coração fosse sair pela boca.
Coloco a mão na minha boca, em choque, emocionada com suas
palavras. Eros se aproxima mais de mim e junta nossas testas, estamos os
dois ofegantes, afetados com tudo que estamos sentindo neste instante. Eu
me encontro anestesiada.
— Casa comigo? — ele fez o pedido, e é neste momento que sinto
meu chão começar a desabar. — Você se muda comigo para São Paulo,
começaremos nossa vida juntos lá, você pode transferir seu curso e estagiar
na empresa e assim ficaremos juntos.
Ele me beija, e eu não sei como retribuir. Engulo o choro que está se
formando, e olho em seus olhos, me preparando para dizer as palavras que
sei que irão machucá-lo.
— Você aceita se casar comigo? — faz a pergunta mais uma vez,
dessa vez com ainda mais firmeza na voz, decidido.
Vejo uma explosão de sentimentos através de seus olhos, enquanto
ele aguarda pela minha resposta.
— Eu também te amo, Eros, tanto que não sei como descrever —
ele sorri com a minha declaração, a bendita covinha em sua bochecha me
lembrando de que agora pode ser o nosso fim. — Mas eu não posso me
casar com você.
E depois que solto as palavras, eu vejo exatamente algo se partir
dentro de Eros.
— Eu não posso me casar com você agora, Eros, não assim.
Ele parece em choque, enquanto me encara. Vou vendo como a
expressão do seu rosto muda, o vendo se fechar dentro de si. Seus olhos
castanhos claros mudando para algo tão intenso. E me quebra quando ele se
afasta de mim, como se eu o machucasse, fechando a tampa da caixinha em
um som seco.
— Eros, tenta entender, não posso largar minha vida agora e me
mudar com você, eu tenho planos, uma vida aqui, onde consegui minha
independência porque lutei por ela. Eu teria que largar tudo para te seguir e
não é o que eu quero.
Ele levanta da cama, e o vejo ir até o guarda-roupas, pegando uma
calça jeans para vestir, não dizendo uma palavra.
— Eros, podemos fazer dar certo, não preciso me mudar para São
Paulo com você — continuo dizendo, o desespero me tomando.
Levanto da cama, me tapando com o lençol para ir até ele.
— Eros, por favor — nem sei o que estou pedindo para ele, mas só
quero que ele me escute e entenda que as coisas não podem ser do seu jeito.
Ele não me olha, tirando uma camisa preta para vestir, pegando um
tênis para calçar.
— Eros — suplico que ele me olhe, que fale comigo e não me mate
com esse maldito silencio.
Mas ele não reage.
— Eros — sussurro, querendo tocá-lo, mas ele se afasta do meu
toque. — Não faz assim, não estrague o que temos.
Eu o vejo pegar a chaves e carteira e sair do quarto e vou atrás dele,
o chamando.
— Vamos conversar, não me deixa aqui — digo, sentindo as
lágrimas descendo pelo meu rosto.
Desço as escadas, tropeçando nas pontas soltas que arrastam no
chão, e quando, por fim, consigo descer, Eros já saiu pela porta, mas eu
corro até ela.
— Eros — grito quando saio, o vento frio castigando minha pele,
mas não me importo.
O barulho do motor da Mercedes se faz presente, e antes que eu
possa descer os degraus da entrada, eu o vejo saindo com o carro, nem ao
menos me dando a chance de falar com ele.
— Eros! — grito mais uma vez antes de ver seu carro sair pelo
portão eletrônico, sumindo na noite escura.
Volto correndo para dentro da casa, com a esperança de que ele vai
voltar. Encontro Darth Vader me olhando com uma carinha triste, e ele me
segue escada acima, me observando pegar qualquer roupa minha no guarda-
roupa de Eros e me vestir.
Pego uma sandália, calçando de qualquer jeito, e corro para descer
as escadas, ao mesmo tempo que tento ligar para Eros, com Vader me
seguindo.
A primeira vez, escuto chamar até cair na caixa postal, nas seguintes
nem toca mais. E é com essa realidade que paro no último degrau da
escada, olhando para a porta, que se abre e vejo Charlotte e Artho entrando
por ela.
E vendo minha situação, o sorriso no rosto de Charlotte some e ela
corre para mim, perguntando o que aconteceu. Artho se aproxima, com a
testa franzida, querendo respostas também.
No momento que sinto os braços de Charlotte em mim, desabo de
vez, tendo a certeza de que tudo acabou.
Eros não vai voltar e é o nosso fim.
Eros
Parece que meu peito queima, dói e sangra, não consigo respirar.
Estou tremendo de ódio, de raiva, amaldiçoando o dia que conheci
Raquel, o dia que eu permiti que ela entrasse na minha vida. As lágrimas
me cegam, me impedindo de dirigir, mas continuo em frente.
Quero gritar em plenos pulmões, socar alguma coisa, xingar, tudo
que possa aliviar a dor que estou sentindo agora. Que me rasga e me
destrói. Tudo em mim está sendo dilacerado e cortado por causa dela e do
maldito amor, o sentimento que enfraquece.
— Por que, porra? Por que você fez isso comigo? — grito, e soco o
volante com toda a minha força, sentindo a dor física, querendo que ela
alivie a minha dor na alma.
A estrada escura e a noite fria são minha única companhia, e só
dirijo para longe dela e dessa maldita cidade e tudo que me faz lembrá-la.
Só quero esquecer ela e seu amor estúpido, seu sorriso alegre, seus beijos,
seu toque, seu cheiro, tudo.
Eu fixo meu olhar na pulseira que ela me deu e, com a outra mão a
puxo com força o suficiente para cortar minha pele, até mesmo perder um
pouco do controle do carro na estrada, mas consigo arrancá-la e jogá-la para
longe, caindo em algum lugar dentro do carro.
Como dói amá-la e não a ter ao meu lado, mas dói mais ainda a
perda.
Desejo nunca mais ver Raquel e assim poder enterrar tudo o que
vivemos e deixar tudo para trás como estou fazendo agora.
Agora estou perdido na distância
Você está me olhando como uma estranha
Porque, pra mim, agora é
Como se você estivesse com medo do perigo
(Show Me Love ‘America’ - The Wanted)
Raquel
Nove anos e oito meses depois
Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2028
Quando saio pelas portas de desembarque do aeroporto de
Guarulhos, sinto o clima úmido com os poucos raios solares tocar minha
pele, diferente do clima frio de Paris nesta época do ano.
Puxo minha mala grande, com certa dificuldade, escolhi a maior que
eu tinha no meu armário e coloquei todas as roupas que precisaria usar
nessas quase duas semanas que ficarei no Brasil. 
Procuro por entre vários carros de táxis parados por um disponível,
encontro um motorista parado próximo ao seu carro e sorrio ao me
aproximar dele, que é todo simpático ao me atender.
Vejo o motorista pegar minha mala para colocar no porta-malas e
me seguro para não rir da força que ele coloca para levantá-la. 
— Veio passar as férias em São Paulo?  — o motorista pergunta
para puxar assunto, já que a nossa viagem vai ser longa até o endereço que
entreguei a ele. 
— Ah não, na verdade, estou no Brasil para um batizado —
respondo simpática, e olho para o fluxo de carros do lado de fora da janela.
Charlotte me convidou para ser madrinha de batismo de Nicolas
com seus dois meses e meio de nascido, e eu nunca negaria, fiquei toda
emocionada. Foi um choque quando ela me contou que encontrou Artho
depois de anos e em menos de um mês, já estavam noivos, logo depois ela
estava grávida. 
 Depois que me mudei para a França no início de 2020 para a minha
pós-graduação da bolsa que consegui, a gente ainda conseguiu se ver
algumas vezes, Charlotte viajou para Paris em algumas ocasiões, eu voltei
para o Brasil para passar alguns dias com ela e meus pais, mas sempre
estávamos em contato, foi com a minha mudança de país que tive certeza de
que nossa amizade é para a vida toda. 
Consegui um estágio logo depois de alguns meses como assistente
de moda, foi uma oportunidade de ouro, já que entrei para trabalhar em uma
das lojas de grife de Paris, meu sonho se tornando realidade.
Durante esses anos, aprendi tanta coisa, aperfeiçoei minhas técnicas
e tive várias chances de aprender com pessoas renomadas. Cresci tanto que
hoje estou perto de ganhar uma promoção que vai mudar muita coisa na
minha vida.
Tenho uma conta exclusiva no Instagram como influencer, onde
mostro meus trabalhos, minha rotina, toda a minha vida em Paris, e tenho
bombado nela, ganhei vários seguidores, e faço publicidade para várias
marcas importantes.
Quanto mais nos aproximamos do endereço onde Artho e Charlotte
moram com Ayla e Nicolas, meu coração acelera de ansiedade. Como será
ver todo mundo depois de como tudo terminou entre mim e Eros?
O encontraria também, eu sei disso. O problema é que o veria
depois de tudo, e não sei como será estar com ele no mesmo ambiente. A
única coisa que eu tive dele durante esses anos, foram notícias e mais
fofocas de como o herdeiro do Grupo Editorial Giordano continua o mesmo
cretino de antes, até pior.
Mas nunca deixei que isso me abalasse, no começo foi difícil viver
com o que ele fez e a forma egoísta que ele tratou tudo, mas segui em
frente. Entendi que era uma escolha minha o quanto eu ia chorar e sofrer.
O amor que eu sinto por mim era bem maior do que qualquer coisa e
eu precisava me priorizar, levei um tempo para perceber isso, mas depois
me senti bem melhor.
Esses anos trataram o que deveriam tratar em mim, deixei a ferida se
curar da maneira certa, sem pressa.
O carro para na entrada do condomínio e é preciso de liberação para
entrarmos, e foi algo rápido, logo estávamos entrando na terceira rua que
leva até a casa da minha amiga.
O veículo para, e vejo o quanto a casa deles é grande e família,
consigo imaginar os quatro sorrindo, tirando foto na frente da casa por se
parecer tanto com eles. Minha amiga merece, enfim a felicidade dela
chegou completa.
A casa é igual às demais, não é murada com portão, são todas
abertas e me mostram a segurança que o condomínio deve ter. Eu desço do
carro, o motorista já está no porta-malas tirando minha mala.
Depois de pagá-lo, agradeço pela viagem, sua simpatia é tanta, que
ele me ajuda a levar a bagagem até a entrada. Depois de me despedir, me
viro para a porta e aperto a campainha, batucando o apoio da mala.
A porta abre e levanto a cabeça sorrindo para encontrar minha
amiga e louca para pegar Nicolas no colo, mas não são eles que encontro.
Por segundos perco o ar, e seguro firmemente o apoio da minha
mala, enquanto encaro ele, parado na porta, parecendo surpreso por me ver.
Eros Giordano não mudou muita coisa, esses anos só melhoraram
sua aparência com agora seus trinta e poucos anos.
Ver Eros depois de anos, me causa um baque grande, eu sabia que
precisaríamos nos encontrar e achei que estava preparada para isso, mas não
estou. Minhas pernas enfraquecem por um momento e eu preciso criar
forças para me manter de pé. 
 Tudo que tentei esquecer, a dor que me causou ao me deixar depois
de ter desistido de tudo e ido embora, o quanto sofri por amá-lo, vem com
tudo na minha mente, e preciso respirar fundo para acalmar o pulsar
descontrolado do meu coração e a dor na barriga.
Olho para ele séria, empino o queixo, e me recuso desviar o olhar.
Aqui, na minha frente, parado, me olhando com a mesma
intensidade que eu me lembro que ele sempre dirigia a mim, está o causador
da maior dor que senti.
Eros
Vê-la de novo, depois de quase dez anos, faz meu interior ficar
agitado. Nunca imaginei que pudesse passar um filme na minha cabeça com
todos os momentos que vivemos até tudo escapar por entre os meus dedos
de forma tão rápida.
Ela está ainda mais bonita que da última vez que a vi pessoalmente
naquela fatídica noite, a cartada final para as nossas vidas.
Seus cabelos loiros escuros estão mais curtos e ela já não usa o
mesmo batom vermelho, o tom vinho de agora a deixa com a expressão
mais dura.
Ela olha para mim de queixo erguido e postura reta.
Vejo outra mulher, completamente diferente da que conheci um dia.
Essa é capaz de me fazer gelar pela forma que me olha sem demonstrar
nenhuma emoção.
Desço meus olhos para suas mãos, procurando algum indicativo de
que está afetada com o nosso reencontro, mas não vejo nada, ela exala um
controle absurdo.
Mas não é isso que faz uma pressão acertar minha cabeça e me
deixar zonzo, é a aliança em seu anelar da mão direita, de brilho tão forte
que poderia me cegar.
Tudo isso me lembra de anos atrás, um pesadelo que me esforço
para esquecer a existência.
Atrás dela, um homem se aproxima sorrindo enquanto mantém os
olhos nela. Ao se virar para ele, ela abre o mesmo sorriso que costumava
aparecer somente para mim. Essa cena faz a raiva crescer em minhas veias,
e me pego ficando bravo comigo mesmo por isso me afetar.
— Aqui está meu telefone, se por acaso precisar que eu a leve para
algum lugar.
— Obrigada — agradece e vejo o idiota voltar para o carro, que só
agora percebi se tratar de um táxi.
Procuro por mais alguém que esteja a acompanhando, mas não vejo
mais ninguém e desço os olhos para seu dedo anelar, me causando um
desconforto horrível.
Subo meus olhos para seu rosto, seu olhar em mim novamente, o
vinco na sua testa se formando, e ficamos assim por um bom tempo.
— Você vai ficar aí parado até quando? — pergunta, sem paciência,
e bufo. 
O que foi, idiota? Achou que ela te receberia de braços abertos
depois de ter ido embora e a deixado sozinha naquela noite?
Viro de costas para ela, andando de volta para a sala, com a intenção
de pegar minhas chaves e ir embora. Charlotte está no mesmo lugar que a vi
antes de me levantar do sofá e ir abrir a porta para ela, com Nicolas deitado
no seu colo.
— Quem era? — ela pergunta ao me ver entrar, e franze a testa ao
perceber minha expressão séria.
— O demônio em pessoa — respondo, pegando minhas chaves na
mesinha de canto.
Artho, que está entrando com Ayla na sala, me olha confuso com o
que eu acabei de dizer, e por me ver pronto para ir embora. Mas ele entende
assim que olha para a entrada da sala e vê Raquel chegar, puxando o
monstro da sua mala enorme.
Meu amigo me olha, enquanto Ayla corre para abraçar Raquel. Em
nenhum momento ele disse que ela viria, nem me deu tempo de me preparar
para vê-la.
Vejo Ayla sorrindo para Raquel, depois de abraçá-la. Charlotte, logo
em seguida, um pouco atrapalhada por estar com Nicolas no colo.
— Trouxe meus presentes, tia Raquel? — Ayla pergunta, e vem a
imagem de quando a Batatinha era pequena e as duas brincavam na minha
casa em Bento Gonçalves.
— Claro, está tudo aqui — Raquel responde, dando batidinhas na
sua mala.
— Oiapoque — Artho se aproxima, beijando seu rosto, antes de
abraçá-la também.
— Becker — ela sorri, feliz ao vê-lo, sendo bem receptiva com ele.
É com a visão dela sorrindo que me viro para ir embora, tendo em
mente que não vou me despedir de ninguém, só preciso estar longe daqui o
mais rápido possível.
Quando dou alguns passos para sair do cômodo, a fala que Raquel
solta me faz frear os passos, e franzo a testa:
— Cadê o afilhado mais lindo da tia? — pergunta.
Eu me viro de volta, vendo seus braços esticados para pegar Nicolas
do colo de Charlotte, que sorri toda babona para seu bebê, porém ninguém
percebeu ainda que estou parado vendo toda a cena e me fazendo a pergunta
várias vezes na minha cabeça.
Como assim afilhado?
Semicerro os olhos para Artho, que me olha, percebendo que acabo
de descobrir que ele deixou um detalhe passar ao esconder de mim que
Raquel vai ser madrinha de batismo de Nicolas.
Em nenhum momento me disseram que Raquel viria, e muito menos
que seria ela a madrinha de Nicolas. 
— Ela que vai ser a madrinha? — pergunto, indignado, trincando a
mandíbula com a notícia desagradável. 
—  E qual o problema com isso? — Raquel questiona ao se virar
para mim com Nicolas no colo. 
Tento não memorizar como é ela segurando um bebê. Porém meus
olhos sempre voltam para a aliança em seu dedo, me deixando ainda mais
irritado. 
Raquel está noiva! O idiota viria também ao batizado? 
— Espera! Você é o padrinho? — fala, mais como afirmação do que
pergunta e olha para Charlotte que está ao seu lado. — Você esqueceu de
contar esse detalhe quando aceitei?
— Charlotte queria você como madrinha e eu o Eros como
padrinho, se tivéssemos contado, vocês já teriam produzido uma terceira
guerra mundial — Artho debocha, segurando os dedinhos do filho, e
sorrindo para ele.
— Não acredito que vão confiar o Nicolas à pessoa que ama fugir
das responsabilidades — ela solta, com amargura.
Estreito os olhos para ela, furioso. Raquel está mesmo insinuando
alguma coisa? Claro que está, ela é enxerida e irritante e pelo jeito só piorou
morando em Paris.
— Não sou eu que fujo das coisas aqui — falo entredentes. —
Ainda dá tempo de desistir, ninguém se importa mesmo. 
— Pai, os dois eram assim quando eu era bebê? — Ayla cochicha a
pergunta para Artho, mas todos nós escutamos, e vejo meu amigo dar
risada. 
— Eles eram piores que isso, pequena — diz, beijando a cabeça da
filha. 
Filho da puta, estou com muita raiva dele agora, mas com ele
resolvo depois. 
— Quem está incomodado aqui é você — Raquel aponta para mim. 
E o traírazinha do Nicolas parece concordar, porque sai alguns
barulhinhos da sua boca e ele mal a conhece. 
Decido fazer o que faço de melhor, viro as costas para ir embora.
Reencontrar Raquel acabou com o meu humor e o meu dia. 

Caralho, como ela está linda!


E está noiva. 
Enfim ela decidiu aceitar o pedido de casamento de alguém, e não o
meu. Eu não era a pessoa certa, e Raquel só quis ficar comigo pela minha
fama de cretino e rico. 
Porra de mulher que não deixa minha mente, estava indo tudo bem
com ela longe do Brasil, vivendo a vida dela, e não infernizando a minha. 
Aperto o copo de uísque entre os dedos, focando na cor âmbar da
bebida. 
Escolhi vir direto para o Clube dos Cretinos, boate que Natan e
Gabriel são donos e colocaram o nome em nossa homenagem. O lugar é
bem grande e está entre as boates mais procuradas de São Paulo, não é à toa
que os negócios deles estão se expandindo.
Sinto primeiro uma mão bater nas minhas costas, antes da pessoa se
sentar ao meu lado.
— Você fez de propósito — digo, virando o resto da bebida na
minha boca.
Nem preciso virar o rosto para me certificar que é o Artho ao meu
lado. Olho em volta, querendo tudo, menos encarar ele neste momento.
A música alta da boate não me incomoda tanto como costuma ser,
me sinto anestesiado pelo dia de hoje, nada me afeta. Peço para o barman
encher meu copo de novo. 
Sentadas em uma mesa ao lado, vejo duas mulheres encarando nossa
direção, Artho já não faz parte do clube dos solteiros mesmo, seria bom sair
daqui essa noite acompanhado das duas. 
As encaro, vendo as duas abrirem sorrisos mal intencionados e
maliciosos. 
—  Isso realmente importa? Raquel já está aqui, Eros, está na hora
de você lidar com o passado — diz e eu estalo a língua em desgosto,
voltando a atenção para Artho.
—  Não quero lidar com a mulher que destruiu meu coração.
Em um dos momentos de recaída, procurei Raquel no Instagram e
descobri que ela havia se mudado para Paris, estava cursando sua pós-
graduação, um lado meu ficou indignado com ela, pois me fez lembrar de
quando ela negou meu pedido.
Meu outro lado sentiu orgulho por ela ter ido tão longe, alcançando
os sonhos que sempre desejou. 
Anos depois, em um momento de conversa com Artho depois de ele
ter reencontrado a Charlotte, entendi a escolha que a Raquel fez, mas não
mudava nada. 
—  E vai lidar quando? — pergunta. 
Artho já está passando dos limites, e ele pouco se importa com isso.
—  Pela cara já deve ter encontrado a Raquel — Gabriel comenta ao
se aproximar, se sentando do outro lado de Artho. 
—  Todos sabiam que ela viria, menos eu? — bufo. 
—  Meu amigo, estava claro que Raquel ia aparecer, ela é melhor
amiga da Charlotte, não deixaria de vir ao batizado —  Gabriel retruca,
como se fosse óbvio para todos, menos para mim. 
Lion aparece e se senta ao meu lado. 
 — Já estou sabendo da novidade — diz, pedindo uma bebida para
ele. — Ela continua ainda mais linda?
Encontro seu sorrisinho, estou pronta para arrancá-lo dele quando
levanta as mãos em rendição.
— Brincadeira, cara, você sabe que não estou mais nessa — solta,
pegando um petisco no pratinho colocado à sua frente, junto com sua
bebida. 
— Ela está noiva — solto, ao acabar com a bebida do meu copo
novamente.
— Noiva? Como assim? — Artho pergunta, parecendo confuso, mas
não dá para acreditar depois do que ele aprontou.
— Eu que te pergunto, já deve estar sabendo e não quis me contar,
como fez em não me contar sobre ela ser a madrinha de batizado do
Nicolas.
— Raquel que vai ser a madrinha? — Gabriel pergunta, batendo a
mão no balcão, enquanto dá risada.
— Quer compartilhar a piada? — retruco, o fuzilando com o olhar.
— Não sei por que está chateado, você não me contou sobre a
conversa que teve com a Charlotte quando ela decidiu terminar comigo.
Bufo.
— Entendi, então isso é vingança? — pergunto, e inclino a cabeça
de lado para olhar para ele.
Artho revira os olhos. 
— Chega vocês dois — Lion pede. — Eros, como sabe que Raquel
está noiva? 
— A aliança que eu vi no dedo dela diz tudo.
— Você a inspecionou toda? — Gabriel me zoa.
— Vai se foder. Vocês falam demais.
— Você que fala de menos — Artho retruca, rindo com os meninos.
Levanto do banco, me dando conta que será mais desgastante lidar
com meus amigos essa noite.
Dou tapinhas no ombro de Gabriel.
— Vou deixar as bebidas por sua conta, já que é dono do lugar.
— Filho da puta mão de vaca — ele me xinga.
Sorrio de lado, sumindo no meio das pessoas, desistindo da ideia de
levar alguém comigo hoje.
Raquel
Sábado, 12 de fevereiro de 2028
— Primeiramente que a casa de Deus não é lugar para brigas, vocês
estão aqui para celebrar e prometer guiar essa criança nos caminhos certos,
mas não estão dando bom exemplo — o Padre fala, olhando para mim e
Eros, nos dando sermão por ter acabado de presenciar uma cena de farpas
entre nós dois.  — Papais, ainda dá tempo de trocar de padrinhos. 
Abro a boca com a audácia do padre e fuzilo Eros com o olhar, é
tudo culpa dele. Artho tenta segurar o riso, mas os demais presentes na
celebração não disfarçam muito. Charlotte olha para o padre com um
sorriso amarelo, pedindo desculpas pela situação. 
— Serão eles mesmo? — o padre pergunta, para ter certeza, com um
olhar de repressão para Eros e eu.
— Sim — escuto Artho concordar, e minha amiga assente com a
cabeça.
— Então vamos continuar — o padre declara, se posicionando para
começar a celebração.
Eu estendo a mão para Charlotte me passar o Nicolas, e me
aproximo do padre com ele no colo. Ele dorme sereno, sem saber que esse é
um dia especial para todos. Me esforço muito para tirar os olhos de seu
rostinho e focar no padre.
Sinto Eros parar ao meu lado, a poucos centímetros de mim. Sua
presença tão perto me causa uma quentura, me fazendo suar. Tento focar no
que o padre está dizendo, mas fica impossível quando seu braço roça no
meu.
Me aproximo da pia batismal assim que o padre faz uma cruz na
testa de Nicolas, e pega a jarra de ouro para molhar a cabecinha dele com a
água consagrada.
— Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.
Escuto as palmas, e antes de entregar Nicolas para Charlotte, eu o
beijo na testa, desejando em oração todas as bênçãos na vida dele, porque
eu sabia que ele cresceria numa família cheia de amor. Ao dar um passo
para entregar ele aos seus pais, Eros me para, segurando meu braço, e
congelo e faz um gesto que não esperava dele.
Eros inclina, deixando um beijo na testa de Nicolas, no mesmo lugar
que beijei antes, e quando se endireita, seus olhos focam em mim e preciso
desviar os meus dele, fugindo de tudo o que está causando em mim.
É Artho que o pega do meu colo, para tirarmos algumas fotos. Os
meninos se juntam, Nicolas passando de colo em colo, os homens
desajeitados, até mesmo Eros quando o pegou, parecia sem jeito, já fazia
muito tempo desde que Ayla era pequena e eles cuidavam dela.
Foi preciso eu ficar do lado de Eros para podermos tirar fotos, só
nós dois e Nicolas, e enquanto pousávamos, eu pude sentir os olhares de
todos os nossos amigos em nós, consegui ler cada expressão em cada um, e
isso me incomodou, porque era como se eu sentisse a expectativa de todos
em Eros e eu, e não é mais assim.
Depois de toda a celebração, fotos e abraços, fomos para a casa de
Artho e Charlotte, com as famílias dos dois reunidas, para um almoço de
comemoração.
Eu consegui fugir, com Nicolas no colo, dormindo, poucas horas
depois. Meu refúgio foi me enfiar no quarto dele, e sentar na poltrona
reclinável que tem ao lado da sua cama. Seu ronronar é fofo quando ele se
mexe nos meus braços.
— Você é a coisa mais fofa da tia — sussurro, passando meu
polegar por sua testa, bochecha, narizinho, encantada por ele.
— Estou com medo de você sequestrar meu filho — levanto a
cabeça quando escuto a voz de Charlotte, entrando no quarto e sorrindo
para mim, seus olhos brilhando quando olha para o filho.
Eu me levanto para entregar Nicolas para ela, sei que está na hora de
ele mamar. Charlotte se senta na poltrona quando me levanto e fico próxima
vendo Nicolas sugar o bico do peito da mãe com determinação.
— Como foi ver o Eros depois de todos esses anos? — Charlotte,
pergunta, e suspiro, me virando de costas para ela, mexendo nas coisinhas
de Nicolas em uma mesinha próxima.
— Foi difícil — declaro. — Porque me veio à mente sobre nós dois
e como acabou no final.
Charlotte me convidou para ficar hospedada na casa deles, não quis
aceitar que eu me acomodasse em um hotel por vários dias e aceitei, mas
não esperava dar de cara justamente com Eros. 
— O término de vocês foi difícil, e só eu sei como ficou durante
aquele período. — Assinto ao escutar ela dizer, ainda de costas para ela,
sentindo minha pulsação acelerada.
— Eros é passado e tanta coisa mudou, uma hora eu teria que
enfrentá-lo, e sabia que talvez as lembranças viriam e eu teria que ser forte
para não deixar elas me afetarem, mesmo eu achando que estava imune.
Assente.
— Você vai contar a Eros o que aconteceu quando ele foi embora?
— Charlotte pergunta, e sinto minha boca secar, minhas mãos suarem
trêmulas.
Me viro para olhar para minha amiga e nego com a cabeça, o pavor
tomando todo meu corpo.
— Não, isso também faz parte do passado, tudo o que envolve ele,
Charlotte — digo decidida. — Ele não precisa saber.
— Você não acha que, por exatamente envolver ele, Eros merecia
saber? — questiona.
— Não sei, você contaria para Artho? — pergunto, e vejo dúvidas
em seus olhos, e ela dá de ombros, sem saber a resposta.
Eu mudo de assunto, pois eu sei que por ela, continuaríamos na
mesma tecla, e tudo me chatearia.
— Vou amanhã à noite para Chuí, estou com as passagens
compradas para Porto Alegre, e de lá irei de ônibus — comento, me
aproximando dela, para poder tocar nos cabelinhos de Nicolas.
— Vai passar seu aniversário com seus pais?
— Sim, devo voltar a São Paulo uns três dias antes de ir embora
para a França — respondo sua pergunta.
— Não pensa em voltar para o Brasil? — Charlotte questiona,
colocando Nicolas de bruços, para dar batidinhas nas suas costas de leve
para que ele possa arrotar.
— Não sei, já faz um tempo que não penso nisso, tenho minha vida
toda em Paris, estou prestes a ganhar minha tão esperada promoção e logo
estarei desenhando minha coleção de roupas para desfiles.
Charlotte sorri, eu percebo o quanto ela me apoia e fica orgulhosa
por cada passo que eu consegui até agora.
— Você tem conquistado tanta coisa, merece sua promoção e ser
bem mais reconhecida — declara. — Vai aceitar a proposta de reunião
daquela marca famosa brasileira?
Faz algumas horas que recebi uma ligação surpreendente de uma
marca famosa aqui no Brasil, que também é bem vista no exterior, querendo
uma reunião comigo depois de terem visto que estou no país.
— Ainda não cogitei aceitar, preciso dá uma resposta para eles
quando eu voltar de Chuí — ela aquiesce quando eu digo.
Fiquei curiosa, mesmo ainda não sabendo do que eles querem tratar
comigo. É um assunto que estou pensando com calma, e acho que eu não
estaria perdendo nada aceitando encontrar com eles.
Ela me olha, abrindo um sorriso de repente, e olhando para Nicolas,
tentando segurar a risada.
— O que foi? — questiono, semicerrando os olhos.
— Está todo mundo achando que está noiva, só porque apareceu
com aquela aliança, Artho me perguntou sobre isso.
Dou uma risada baixa, para não acordar Nicolas. No começo só fiz
para evitar cantadas ridículas no aeroporto ou da pessoa que se sentaria ao
meu lado no avião e acabei esquecendo de tirá-la, mas depois que eu vi
como Eros me olhou, e pareceu focar muito no meu dedo, me senti bem por,
de alguma forma, afetá-lo.
— Eros pareceu não gostar muito — ela comenta e dou de ombros.
Ele que se lascasse, o que eu faço da minha vida não é da conta dele
há muito tempo.
Escutamos batidas na porta, e a cabeça de Ayla aparece no quarto.
Ela sorri para mim e Charlotte, que faz um gesto com a cabeça para que ela
entre. Fico impressionada com como ela cresceu e se tornou uma garota
inteligente e linda, com seus doze anos.
Ayla dá um beijo no rosto de Charlotte e olha para mim.
— Tia Raquel, queria que visse alguns desenhos que eu fiz inspirada
naquela coleção que me mostrou — diz, seus olhos brilhando. Consigo me
ver nela quando era pequena, o desejo e curiosidade pela moda.
— Claro, posso vê-las agora? — pergunto e ela assente com a
cabeça freneticamente.
Olho para a Charlotte, que demonstra o quanto está empolgada com
os desejos da filha. Sim, sua filha, eu vejo o amor que minha amiga tem por
ela, e como recebeu ela de braços abertos, não se importando de Ayla ser
filha somente de Artho.
Depois que ela garante que posso ir com Ayla, saio do quarto,
segurando a mão dela para seguir até o seu. Sua mesa de estudos está cheia
de desenhos bem feitos, com traços delicados, e fico impressionada.
— Ayla, você fez tudo isso? — pergunto, e ela anui, com seus olhos
em mim, insegura. — São lindos, você tem muito jeito.
— Você tem me inspirado muito, tia Raquel. — Me emociono com
suas palavras, a abraçando, me sentindo honrada por escutá-la.
— Senta aqui que vou te ensinar mais algumas coisas que aprendi
assim que cheguei em Paris — peço ao me sentar na cama e dar batidinhas
ao meu lado para ela fazer o mesmo.
Do pouco que eu venho conhecendo Ayla nos últimos meses, eu sei
que ela vai ser capaz de muita coisa, principalmente enlouquecer o pai e os
tios com seu temperamento decidido e teimoso.
Eros
Domingo, 13 de fevereiro de 2028
Maldito Natan, filho da puta, que decidiu convidar Raquel para
conhecer a boate deles. Agora estou aqui, sentado, vendo Raquel subir as
escadas para encontrar com a gente, vestindo um vestido prateado, de
manga comprida. O decote na parte de cima é aberto, e consigo ver seus
seios quase pulando para fora do tecido, enquanto o vestido vai até a
metade das suas coxas, grudando na sua pele macia.
Porra.
— Tem certeza de que foi uma boa ideia você ter vindo? — Dimitri
sussurra para mim, sentado ao meu lado. — Está parecendo que vai
explodir a qualquer momento, com uma expressão predadora.
Rosno para ele calar a boca, ele dá risada, e vejo Raquel chegar mais
perto de onde estamos. É claro que eu não ficaria em paz, em casa
imaginando Raquel na boate, bebendo, com vários caras dando em cima
dela, mesmo ela estando noiva.
É por isso que eu não deveria mesmo estar aqui. Raquel está noiva,
não teria que ser eu a me preocupar com isso.
Gabriel se levanta do sofá, abraçando Raquel, em seguida Natan, e
tenho vontade de socar sua cara por ter sido ele o motivo dela está aqui,
vestindo esse maldito vestido que está me enlouquecendo.
Até mesmo Dimitri a cumprimenta com um beijo no rosto, e eu? O
que resta para mim é simplesmente seu desprezo.
Bufo.
Artho e Charlotte não puderam vir por conta do Nicolas e Lion...
Bom, Lion eu não sabia onde tinha se metido dessa vez.
— Quer alguma coisa para beber? — Gabriel pergunta, levantando a
mão para o garçom, que está passando, fazendo um pedido de bebida para
Raquel, que sorri agradecida.
— Uau, a boate de vocês dois ficou perfeita e amei o nome que
colocaram nela — Raquel elogia. — Me dá uma nostalgia sobre os velhos
tempos — seus olhos passam por mim rapidamente.
— Fica à vontade para beber o que quiser, é por conta da casa —
Natan oferece. — Seu noivo não vai se importar, não é? Não quero
problema com ele por isso.
— Noivo? — ela pergunta, franzindo a testa.
Olho para a mão direita de Raquel, e não vejo nada de aliança nela,
e percebo pelo olhar que Natan me lança superficialmente, que ele jogou
um verde para Raquel, à espera da resposta que eu preciso.
— Sim, ficamos sabendo que está noiva — Gabriel completa,
relaxado no sofá.
A bebida de Raquel chega, e ela bebe quase a metade, soltando uma
risada antes de me olhar brevemente. Se sentando melhor no sofá, para
cruzar as pernas, me deixando com a visão da sua coxa, o vestido subindo
um pouco.
— Não estou noiva, na verdade, estou bem solteira — responde,
bebendo mais da bebida da sua taça.
Mas que diabos ela fazia com aquela aliança em seu dedo?
Foda-se, não quero saber. Mas só de saber que ela não tem ninguém,
me deixa aliviado, e é uma reação automática, eu não quero sentir nada por
ela. Raquel foi a porra da mulher que me rasgou por dentro, me fez sentir a
mesma dor de quando perdi meus pais, uma dor crucial que me faz perder o
ar, não se comparando nem mesmo com a desilusão que tive quando
descobri a traição de Lívia.
Não quero sentir nada por ela, além de ódio e raiva.
— Agora que sabe a verdade, não seria um bom momento para levá-
la àquele quarto? — Dimitri sussurra para mim, e travo com a ideia de levar
Raquel para o quarto que tem o pole dance.
Isso me faz lembrar de quando fiquei sabendo que ela, junto com
Charlotte, fazia aulas de pole dance, e eu precisei mandar fazer um quarto
exclusivo para ela na casa do sítio.
Me recordo o quanto fiquei louco de tesão por ela, rebolando sua
bunda empinada para mim, passando suas pernas pela barra para ter apoio
enquanto subia por ela, inclinando seu tronco para baixo, ficando de cabeça
para baixo, a barra rodando, seus peitos apontados e duros pela excitação,
ela vestindo apenas uma calcinha minúscula vermelha.
Suas pernas se abrindo no ar, segurando uma delas apenas,
escorregando pela barra, me mostrar sua calcinha pressionada na sua boceta
molhada.
Foi um fetiche realizado que eu nem sabia que tinha, comer Raquel
contra a barra, com posições diferentes que eu nem sabia que ela fazia.
Ela ainda dança? Faz as mesmas coisas que fazia comigo com outro
homem? Só de imaginar, tenho vontade de esmurrar alguém.
Estou de pau duro, imaginando Raquel fazendo as mesmas coisas
que fazia comigo, um show exclusivo para mim, matando a saudade
naquele quarto, com as luzes vermelhas e uma música sensual.
Raquel levanta do sofá, bebendo o resto da bebida, e se dirigindo
para o andar debaixo, me endireito no assento, meu corpo em alerta,
apertando o copo em minhas mãos.
— Relaxa, cara, ela só quer dançar — escuto Gabriel comentar, e
sinto que isso não vai ser boa coisa.
A vejo descer um pouco o vestido com as mãos, que de costas o
tecido não tampa muita coisa, e consigo ver o início da polpa da sua bunda
durinha. Eu acompanho Raquel o tempo todo com o olhar, a vendo parar no
meio da pista de dança e balançar o corpo, chamando atenção dos caras ao
seu redor.
— Sabe o que percebi agora? — não dou muita atenção à pergunta
de Dimitri. — Que o brilho dos olhos de Eros voltou depois de ter visto
Raquel, após esses quase dez anos.
Bufo e escuto as risadas dos gêmeos, zombando de mim, e bebo o
resto da minha bebida. Tento manter minha sanidade sob controle até ver
um idiota para por trás de Raquel sussurrar algo no ouvido dela.
— É sério isso, porra? — exclamo, fechando minhas mãos em
punho.
— Prevejo um desastre — ouço Natan murmurar, e não consigo
ficar sentado quando vejo o cara se inclinar para beijar a Raquel.
— Eros, o que vai fazer? — escuto Dimitri questionar, quando
entrego meu copo vazio para ele, indo em direção às escadas. — Eros, não
faz besteira.
Sinto todos atrás de mim, e não consigo ver mais nada quando
procuro Raquel com os olhos, e vejo o cara com suas mãos nojentas em
cima da minha mulher.
Minha reação é empurrar ele para longe dela, e sinto minha mão em
choque contra seu rosto, escutando o grito de Raquel logo em seguida.
Seguro o pulso da Raquel, a puxando para fora da boate, deixando meus
amigos para trás, lidando com o idiota nervosinho.
— Eros, me solta — grita, tentando se soltar de mim. — Que porra
acha que está fazendo?
Não paro para responder, ainda a segurando, a puxando para fora,
empurrando qualquer pessoa que esteja na minha frente e que não me dão
espaço para passar.
— Você não tem esse direito. Está me escutando? — grita,
sacudindo sua mão para puxar da minha.
Do lado de fora, chamamos atenção de todos que estão na fila
esperando para entrar. E não paro de andar, ela continua me gritando
comigo, usando agora sua outra mão para se soltar de mim.
— Vai se foder e me deixa em paz — Raquel exclama, sua voz
agitada, no exato momento que chegamos ao meu carro.
A empurro contra minha Mercedes, prendendo seu corpo no meu e
rosno com o rosto perto do seu.
— Não, porra. Não vou te deixar em paz, está entendendo? Não
quero ver outro homem tocando em você — grito também, nossas
respirações alteradas.
— Você não tem esse direito — ela retruca, socando meu peito, me
empurrando para longe dela. — Perdeu ele há muito tempo, Eros.
Não me afasto dela, mesmo ela colocando toda a força para que eu
possa me afastar dela, eu não faço, não consigo a deixar ir, e isso me mata
por dentro, porque é a razão contra a emoção.
Raquel está certa, eu perdi o direito de me meter na vida dela há
muito tempo, porém não estou nem aí.
Olho para os seus lábios, inspirando a sua respiração. Louco para
poder beijá-la pelo menos mais uma vez. Seu gosto ainda continua o mesmo
depois de anos? Consigo até mesmo o sentir na minha língua.
Com Raquel parada na minha frente, nossos corpos grudados,
exalando raiva e desejo, posso imaginar sugando sua língua, ao mesmo
tempo que mordo sua pele, engolindo seu gemido, enquanto desço meus
dedos para subir por dentro do seu vestido e entrar na sua calcinha para
sentir sua boceta molhada e sensível.
Estou perto de beijar sua boca e poder matar a saudade que tenho de
sentir ela toda de novo, quanto mais uma vez Raquel me empurra, sua
expressão desesperada, com olhos arregalados de choque, não era isso que
estava esperando dela.
— Minha bolsa — sua voz sai estrangulada, e ela consegue se
afastar de mim, para ir em direção à boate.
— Do que você está falando?
— Minha bolsa caiu na boate quando você me puxou como um
homem das cavernas — responde brava, e eu a sigo, desnorteado e furioso
que o momento foi cortado por causa da bolsa dela.
— O que tem de tão importante dentro dela? — reviro os olhos para
a pergunta, sua bolsa era mais importante do que deixar rolar o que estava
prestes a acontecer entre nós.
E vendo seu olhar aflito para mim quando olha para atrás, ainda
caminhando para a entrada do Clube dos Cretinos, me mostrando que a
pergunta que fiz a ela foi idiota.
Só entendo depois que voltarmos a procurar a bolsa dela e não
encontramos, que o que tinha dentro dela era bem importante para explicar
todo o seu chilique.
Raquel
Segunda-feira, 14 de fevereiro de 2028
Eu quero matar Eros!
— Como vou viajar para Chuí sem meus documentos? Ou pior,
como vou voltar para Paris sem meu passaporte? — pergunto para ninguém
em especial, possessa de raiva. — Isso é tudo culpa sua — aponto para
Eros.
Como eu quero estrangular aquele pescoço, preso naquela cabeça,
dona daquele rosto do demônio de tão lindo.
Não entendo como pude ser tão burra e ter deixado Eros me afetar
na noite passada, ao ponto de eu quase beijar ele e ter esquecido
completamente da minha bolsa, da minha raiva por ele, a mágoa voltou com
força total.
— Quem em sã consciência leva todos os documentos para uma
boate? A culpa é sua — Eros retruca, jogando a responsabilidade de ter
perdido a minha bolsa para cima de mim.
— Se você não tivesse me puxado para fora, a fazendo escorregar da
minha mão, nada disso estaria acontecendo.
Artho, Charlotte e Lion, presentes na sala, olham de um lado para o
outro, vendo Eros e eu discutirmos. Estamos em plena segunda-feira, são
nove horas da manhã e eu não consigo raciocinar nada de como vou
resolver essa minha urgência.
— A única coisa que você pode fazer agora, é um boletim de
ocorrência — Lion sugere, tentando acalmar os ânimos.
Os gêmeos tinham procurado pelas câmeras da boate, mas nada
conseguiram, só dá para ver minha bolsa caindo da minha mão, e uma
pessoa que não dá para identificar direito, pegando minha bolsa do chão no
momento da confusão e sumindo com ela.
A minha sorte, se é que tem alguma, é que meu celular estava
comigo, na minha outra mão.
— E pedir com urgência novos documentos e o passaporte —
Charlotte completa, me dando um sorriso acolhedor.
Me sinto mal por estar sendo uma preocupação para ela neste
momento.
A minha outra preocupação é em como eu irei viajar para a casa dos
meus pais sem documento nenhum, isso será impossível. Olho para Eros
novamente, meu sangue esquentando, e minha raiva por ele aumentando de
novo, a única coisa capaz que ele faz, é me olhar com uma expressão de
paisagem, mas isso não me engana, consigo ver um ar de culpa em seus
olhos.
Me levanto do sofá, me sentindo exausta psicologicamente. Lion
que está sentado na ponta do sofá, me olha com pena e lança um sorriso
simpático.
— Se quiser, posso ir com você para resolver tudo — sugere, e eu
assinto, agradecida, iria mesmo precisar de uma ajuda.
— Eu aceito, primeiro, eu preciso ligar para os meus pais e informar
a mudança de planos, explicar que talvez eu não vá conseguir vê-los a
tempo de antes voltar para Paris — comento, me sentindo cansada só de
imaginar ter que falar com meus pais.
Me retiro da sala de visita, passando na cozinha para pegar um café
quente e ir para o lado de fora da casa, parando no fundo, passando pelo
caminho de pedras, para me sentar em um sofá na área de lazer, perto da
piscina.
Faço a ligação por vídeo chamada, e logo vejo o rosto da minha mãe
aparecer, com seu sorriso animado, ela nem imagina que não estarei
embarcando hoje à noite, conforme o combinado.
— Estamos ansiosos para a sua chegada. Sua mala já está pronta? —
ela pergunta, e vejo o rosto do meu pai aparecer na tela, ele manda um beijo
para mim.
— É por isso que liguei para vocês, acho que não vou conseguir ir
— digo, e explico para eles, não totalmente a verdade, mas a parte que perdi
meus documentos e que agora precisarei solicitar uma segunda via.
Vejo como eles ficam decepcionados com a notícia, os planos que
fizeram para o meu aniversário, tudo seria deixado de lado, e fico mal por
isso.
— Talvez consiga que tudo esteja pronto antes da minha data de
volta para a França, e eu possa ir a Chuí passar pelo menos dois dias com
vocês — tento amenizar a notícia ruim.
— Tomara, querida, queríamos muito que viesse. — Escuto meu pai
dizer, e meu coração aperta. — Estaremos torcendo para que dê tudo certo.
Conversamos por mais alguns minutos, até eu me despedir deles
para me arrumar e ir com Lion fazer os procedimentos da solicitação da
segunda via dos meus documentos.
Fico um tempo em silêncio, olhando para nada especificamente, e
quando me levanto, me virando para entrar na casa de novo, dou de cara
com Eros, parado a poucos metros de mim, me olhando.
— O que foi agora? Deu para ficar ouvindo conversa dos outros? —
pergunto, ainda brava com ele, e não consigo não descontar nele.
Ele bufa e se aproxima alguns passos.
— Eram seus pais? — ele faz uma pergunta óbvia, pois sabe a
resposta, e eu não respondo, dando a volta por ele, indo em direção à
entrada.
Ele me para, segurando meu braço, me impedindo de continuar
andando, o lugar que ele segura começa a formigar e Eros logo me solta,
me tirando a oportunidade de sentir mais do seu toque.
— Quero me desculpar. — Levanto o rosto para olhar Eros,
impressionada que ele esteja passando por cima do seu orgulho para falar
comigo. — Mas não me arrependo do que fiz.
Solto uma risada forçada e estalo a língua no céu da boca.
— Se não se arrepende, por que está se desculpando? — questiono
entredentes.
— Eu quis dizer que não me arrependo de ter impedido que aquele
maldito te beijasse — explica e se vira melhor para ficar de frente para
mim, seus olhos intensos o tempo todo. — Já que sou eu o causador de tudo
isso, vou te levar para Chuí, não quero que mude seus planos por minha
causa.
— O quê? — pergunto, não devo ter entendido direito, minha mente
deve estar me pregando peças.
— Vou te levar de carro até a casa dos seus pais — diz,
simplesmente, como se Chuí ficasse em uma cidade próxima daqui.
— Você enlouqueceu, né? São quase vinte horas de viagem de carro,
e eu não vou com você a lugar algum, a última coisa que eu quero é passar
mais tempo ao seu lado — aponto, meu corpo todo em choque pela sua
sugestão.
Passar horas dentro do carro com Eros não vai ser uma boa ideia, e
eu não quero ter que está revivendo tudo o que já vivemos um dia.
— Eu não estou fazendo um convite, Raquel, estou apenas te
comunicando. Ou você quer que eu te jogue nas minhas costas e coloque
dentro do carro? — diz, sério, sem nenhum tom de brincadeira na sua voz,
Eros não é mesmo disso.
Isso me faz recordar de todas as vezes que eu ia contra alguma coisa
que ele diz quando estávamos namorando, e ele sempre me pegava no colo
ou me jogava em seus ombros, esse era seu jeito de me fazer ser menos
teimosa.
— Você não teria essa coragem, e além do mais, não somos mais
crianças, Eros, já passamos dessa idade faz tempo, precisa aceitar o meu
não.
Ele revira os olhos, e bufa, trincando sua mandíbula.
— Você tem uma oportunidade de passar o seu aniversário com seus
pais, e prefere ser teimosa ao ponto de não aceitar que eu te leve até lá —
rebate, e sou eu que reviro os olhos.
Eros não entende que não é somente isso, é o fato de eu ter que estar
perto dele, quando foi ele que foi embora e me deixou para trás para cuidar
da ferida que me deixou. Foi fácil para Eros ser frio e egoísta, e agora ele
quer agir como se nada tivesse acontecido.
— Eros... — começo a falar, já derrotada em ter que argumentar
com ele, e Eros sabe que vai me ganhar pelo cansaço.
— Está tudo decidido, resolvemos as pendências dos documentos
hoje, e amanhã partimos para Rio Grande do Sul — declara, e se vira para
me deixar sozinha. — Estou te esperando no carro.
— Espera aí, para quê?
— Sou eu que te acompanharei, já que sou o causador de tudo —
escuto sua voz rouca, ainda se afastando de mim.
— Cadê o Lion? — questiono, confusa, e ele se vira para mim
novamente.
Ele dá de ombros, não respondendo minha pergunta.
— Se eu tiver sorte, bem longe daqui — escuto ele sussurrar,
quando volta a andar em direção a entrada da casa.
Raquel
Terça-feira, 15 de fevereiro de 2028
É muito estranho estar dentro do carro com Eros Giordano, depois
de anos. O desconforto é palpável entre nós dois, a única coisa que dizemos
um ao outro em quatro horas de viagem são sons de resmungos, e olhos
atravessados.
Nem vou comentar como foi uma surpresa para todos ao saber que
eu tinha aceitado viajar com Eros para Chuí, como se ele tivesse me dado
muita escolha. Depois parei para pensar em como eu estava fazendo a coisa
certa, foi culpa dele e sua crise de ciúmes — não vejo outro nome para a
forma que ele reagiu — e toda a viagem seria custo dele.
Eros para em um posto para abastecer o carro, antes de descer do
carro, olha para mim, só percebo pela minha visão periférica.
— Vou à conveniência, precisa de alguma coisa? — pergunta, e
nego com a cabeça, ainda sem olhar para ele.
Ele murmura alguma coisa e sai, batendo a porta do carro. Vejo ele
se afastar para entrar na loja e fico olhando como sua bunda fica bem dentro
da calça jeans que escolheu, assim como seus músculos dos braços e os
ombros dentro da camisa de manga longa.
Eros nem demora mais que dez minutos, e quando volta para dentro
do carro depois de ter pagado o abastecimento, ele me entrega uma sacola
cheia de salgadinhos e algumas latinhas de refrigerante.
— Você não comeu nada desde que saímos — responde meu olhar
interrogatório, enquanto passa o cinto de segurança.
— Como ainda lembra que esse é meu salgadinho favorito? —
pergunto, levantando o pacotinho laranja.
Eros dá de ombros, fugindo do meu olhar para ligar o carro e voltar
a dirigir, algo que ele sempre está acostumado a fazer, e vejo que não
mudou em nada.
— Não lembro, esse é o sabor favorito de todo mundo — resmunga.
— Não o seu — respondo, Eros me olha vagamente, antes de prestar
atenção na estrada.
O carro fica em silêncio novamente, e ao contrário do que eu sempre
fazia quando namorávamos, eu não fico observando ele dirigir, como amava
fazer antes, prefiro ficar com atenção totalmente voltada para a janela.
Eros liga o som do carro, assim como eu, ele percebe o clima
desconfortável. Mas nada me prepara para a música que começa a tocar, é a
mesma que sempre tocava quando estávamos no seu carro, indo a algum
lugar.
Jota Quest com sua música Do seu lado, acabou virando nossa trilha
sonora. Eros não troca a música como achei que faria, ele deixa tocando e
isso me causa um certo nervosismo, porque a letra parece tanto com a gente
e isso me causa lembranças que quero apagar da minha mente.
A música termina e a próxima a tocar é uma dos The
Neighbourhood, e até sei que a próxima que vai tocar é uma do Imagine
Dragons, em seguida uma do Catfish and the Bottlemen e assim eu sabia de
todas as seguintes.
Por que eu sei disso? Porque essa é a nossa playlist, a criamos com
nossas músicas preferidas assim que começamos a namorar, e eu não
consigo acreditar que Eros ainda a escuta.
Relaxo um pouco no assento, sentindo todos os tipos de sentimento
em relação a Eros, e me odeio por isso. 
Meu celular vibra nas minhas mãos e vejo uma mensagem de
Charlotte.
“Me diga que ainda estão vivos”
Dou risada e isso chama a atenção de Eros para mim, mas ignoro.
“Sim, mas acho que neste momento, estamos loucos para ficar longe
um do outro”
“Me admira Eros ser o dono dessa ideia maluca de te levar até Chuí”
“A mim também” respondo.
Guardo o celular novamente, sentindo o tempo todo os olhos de
Eros em mim, mas finjo que ele não é importante. Passamos mais algumas
horas em silêncio, já escureceu, e eu me sinto cansada das horas sentadas,
sem uma posição confortável para ficar.
— Vamos precisar parar para dormir em algum hotel — escuto sua
voz rouca, me dizendo e viro minha cabeça para ele.
— Por quê? — questiono.
— Se você não percebeu ainda, estamos a horas na estrada, não
consigo dirigir mais, Raquel — ele fala com tom irônico, como se fosse o
óbvio, e é, mas a única coisa que pensei foi no fato de ter que ficar ainda
mais tempo com ele, sem a possibilidade de me livrar dele tão cedo.
Assinto, e volto para a posição que estava antes.
— Vamos parar no próximo hotel que aparecer — me informa, Eros
bufa, com a minha falta de resposta.
Depois de mais alguns quilômetros, uma placa de um hotel aparece
para a gente. E semicerro os olhos para poder ler melhor a placa, que logo
fica visível pelo letreiro chamativo em luzes led.
— Eros? — leio em voz alta, e tenho vontade de rir pela ironia do
destino.
— O quê? — Eros pergunta, e percebo que ele ainda não viu o nome
do lugar que vamos parar em alguns minutos.
— Não você, o nome do lugar se chama Hotel Eros — explico para
ele ao me virar, ele então vê o nome assim que paramos e ouço uma risada
curta.
— Acho que esse é meu sinal — diz, entrando no estacionamento.
— O que quer dizer com isso? — pergunto e franzo a testa com o
fato de que ele não responde minha pergunta, e sua covinha aparece na sua
bochecha quando um sorriso mínimo aparece.
Descemos para verificar se tinha vaga para nós dois, e é preciso
vestir meu casaco por causa do frio. A atendente é simpática e prestativa
quando nos informa que tem apenas um quarto de casal sobrando.
— Não vou ficar no mesmo quarto que você — digo a Eros, quando
ele informa à atendente que vamos ficar com ele.
Eros grunhe, se vira para mim.
— Você não tem opção, e não vou dirigir mais alguns quilômetros
atrás de um hotel com dois quartos, só porque você não quer dividir um
comigo, correndo o risco de nem encontrarmos vaga — Eros é decidido.
— Moça, tem certeza de que não tem unzinho sobrando? Pode até
mesmo ser um quarto de empregados, não me importo — pergunto.
Ela me olha como se eu fosse louca por negar dividir o quarto com o
homem gostoso ao meu lado. Esse é um dos problemas, como resistir a ele
quando quase nos beijamos, isso menos de quarenta e oito horas assim que
cheguei no Brasil.
Não posso cair na tentação.
— Infelizmente, não — responde, declarando minha derrota.
— Vamos ficar com ele mesmo — Eros confirma para a mulher, que
até o momento, ainda me olhava.
Ela pede o nome dele para o cadastro no sistema e fazer o check-in.
Quando Eros diz seu nome, vejo ela olhar para ele, com um sorriso de lado,
todo sugestivo e bufo.
— O mesmo nome do hotel — ela fala e eu perco a paciência com
sua conversinha mole, e volto para o carro para buscar a minha mala, dessa
vez escolhi uma pequena de Charlotte, já que Eros se negou a trazer a
minha.
Abro o porta-malas, a tirando de dentro, e logo sinto a mão de Eros
no apoio dela, tirando ela da minha mão, para ele mesmo a levar, assim
como sua mala ainda menor que a minha. Até nisso ele quer ser todo
controlador.
O sigo, fechando a cara para a atendente, que está sorrindo para
Eros quando passamos pela recepção. Ela é muito atirada e nem um pouco
simpática, como achei anteriormente.
Subimos pelo elevador, e quando chegamos ao quarto dois mil e
dezessete, ele coloca sua mala no chão para poder abrir a porta. O quarto é
lindo, em tons claros, de um jeito que traz conforto para o hóspede.
Me enfio dentro do banheiro com a minha mala, e quando procuro
algo para vestir, me arrependo de ter trazido pijamas rendados,
transparentes e curtos demais.
Mas ligo o foda-se. Tomo meu banho, tentando relaxar com a água
quente a tensão que estou sentindo. Penteio meus cabelos, passo o
hidratante pelo meu corpo com toda a calma do mundo, e sei que estou
fazendo isso, porque estou enrolando.
Quando saio do banheiro, arrastando a minha mala, vestindo um
conjunto de baby doll azul marinho, realçando as minhas curvas, não ignoro
a expressão no rosto de Eros ao me ver.
— Pedi nosso jantar — aponta para um canto no quarto, mas não
presto atenção, meus olhos estão nele e a forma que ele me faz sentir.
Meu corpo esquenta pelo modo intenso que me olha, parando por
vários segundos em cada parte do meu corpo
— Porra. — Escuto ele murmurar, suas mãos fechadas em forma de
punho, sua respiração alterada.
Fiz um bom trabalho. Eu até tento não chamar atenção, mas sou de
Aquário, é a minha melhor qualidade.
Eros passa por mim feito um foguete, se enfiando dentro do
banheiro, e dou uma risadinha vitoriosa, enquanto abro a cúpula da bandeja
para ver o que Eros pediu para nós dois.
Com as variadas opções, eu escolho comer apenas algumas
batatinhas fritas e uma taça de vinho, ainda de pé ao lado da mesa com o
nosso jantar, ignorando Eros quando ele sai do banheiro depois do que
foram quase meia hora. Ele para ao meu lado, para se servir de uma taça de
vinho e sou capaz de sentir o seu perfume, o mesmo de quando éramos
jovens.
Ele faz questão de roçar a sua pele na minha, me causando arrepios
e antes que eu possa ceder e me esfregar nele, me afasto para ir até o
banheiro para tentar diminuir o calor que estou sentindo e me preparar para
dormir.
Eros está de costas para mim quando retorno para o quarto, sem
camisa, com sua pele nua à mostra, usando apenas uma cueca boxer, que
gruda na sua bunda.
Tenho impressão de que os anos só fizeram bem a Eros. impressão
não, tenho certeza. Ele parece bem mais musculoso do que me lembro e
isso me faz lembrar do seu piercing.
Merda, isso é golpe baixo.
Passo diretamente para o lado da cama que irei dormir, ficando de
costas para Eros, quando apago a luz do abajur e me cubro, tentando
acalmar os meus batimentos.
Não demora muito quando sinto o outro lado da cama afundar e
Eros se arrumar nela, apagando a luz do seu abajur.
Eros tira toda a minha sanidade quando me dou conta que ele está
próximo a mim, e que posso sentir sua respiração quente batendo na minha
nuca.
Como poderei dormir desse jeito?
Depois de vários segundos, eu sinto os seus dedos subindo pela pele
do meu braço, ele desce e sobe, e me arrepio toda, sentindo o pulsar da
expectativa dos seus próximos movimentos, minha respiração está
claramente audível, e Eros sabendo disso, enfia a mão para dentro da
blusinha, tocando minha barriga, fazendo a mesma coisa que fez com meu
braço.
Não sou capaz de afastá-lo, e não quero, meu corpo anseia por ele.
Eros me faz virar, e eu fico sob ele, sendo incapaz de ver alguma
coisa em seus olhos, pela pouca luz do quarto, sendo iluminado apenas
pelas luzes de fora do prédio, que passa através da janela, as cortinas um
pouco abertas.
Eu dou permissão a Eros, porque eu sei que é isso que ele precisa
para continuar, ele nunca avançaria se soubesse que não quero. Estamos
prestes a nos queimar no fogo do desejo.
Eros sobe a mão, tocando meu peito, eu suspiro com o contato da
sua mão gelada com a minha pele quente. Ele está nervoso, é por isso que
subo as mãos para tocar seu rosto, a dirigindo para o cabelo cortado, mais
curtos do que costumava usar.
Ele me faz querer suplicar para ter sua boca na minha de novo, a
ansiedade de saber como vai ser depois de anos. Mas Eros não espera mais,
ele junta nossos lábios, sua língua em contato com a minha me faz querer
para o tempo.
Eros puxa minha blusa para cima, e sinto o ar gelado tocar minha
pele quando não estou com o tecido no meu corpo. Ele puxa meu short para
baixo, junto com a minha calcinha, tudo isso ainda me beijando, até que não
sinto mais o tecido da sua cueca no seu corpo.
Estamos pele com pele, e a sensação de sentir isso de novo me deixa
vulnerável, querendo muito mais. Sinto o piercing frio na minha coxa, Eros
avança mais com o nosso beijo, seu corpo entre as minhas pernas, se
esfregando em mim, eu estou molhada, sendo capaz de sentir o quanto
quando o pau de Eros desliza pelos lábios da minha boceta, batendo com
seu piercing bem no meu clitóris e eu gemo.
— Quero ter a visão de você cavalgando em mim — sussurra, sua
voz rouca, cheia de tesão, e ele me beija por mais alguns segundos antes de
se deitar de costas na cama, abrindo a embalagem da camisinha e me
entregando para que eu mesma possa colocar.
Nem me preocupo em perguntar onde achou a camisinha, me
ajoelho entre as suas pernas, e antes que eu possa colocar o preservativo,
seguro seu pau e me inclino para chupá-lo, sentindo o seu gosto na minha
boca.
Eros rosna, pego de surpresa, e tenho a visão dele se contorcendo na
cama, quando lambo e chupo a cabeça do seu pau, o enfiando todo dentro
da minha boca, de uma forma que eu não engasgue. Faço isso umas três
vezes antes de me afastar e deslizar a camisinha pelo seu pênis molhado
pela minha saliva.
Subo pelo seu corpo, beijando seu abdômen, parando em cima do
seu peito, lambendo cada um, antes de morder a ponta. Eros geme,
segurando firme cada lado da minha bunda, me conduzindo a descer pelo
seu pau, e faço isso enquanto o beijo, gemendo na sua boca, me lembrando
do quanto era gostoso ter ele dentro de mim.
Quando Eros está totalmente dentro de mim, me arrumo melhor,
para ficar sentada, e começo a subir e descer, aumentando o ritmo,
escutando os sons de nossas peles batendo uma na outra.
Ele segura um lado da minha cintura para me auxiliar, sua outra mão
subindo para apertar meu peito, beliscando o bico do meu seio, ajudando na
pressão que se forma no meu baixo ventre.
Seus olhos em mim tem o poder de me sentir adorada, uma deusa
capaz de o fazer sentir tudo. Me inclino para o beijar, mordendo seu lábio,
quando começo a rebolar no seu pau, o movimento do meu quadril fazendo
ele entrar e sair de um jeito muito gostoso, o fazendo pressionar ainda mais
o meu ponto.
E gemo alto quando eu gozo, o meu orgasmo puxando o seu quando
o aperto.
Ele aperta minha cintura com força, e logo penso que amanhã o
local estará com a marca de seus dedos nela.
Eros tira o pau da minha boceta quando me deita na cama para tirar
a camisinha, mas ele não fica longe por muito tempo. Seu corpo quente está
em cima de mim novamente, e estamos nos beijando, todo esse desejo e
fogo nos levando a outro sexo quente novamente.
Eros
Quarta-feira, 16 de fevereiro de 2028
Deixo Raquel na cama ainda dormindo quando me levanto, para
tomar um banho. Seu cheiro impregnado na minha pele, seu sabor na minha
boca, não consegui manter minhas mãos longe dela ontem à noite, e não me
arrependo.
Porém, precisamos continuar a viagem e eu não sei como vai ser
possível, estar perto dela, agora que a tive de novo, me lembrando de como
éramos perfeitos juntos.
Hoje é seu aniversário, a mesma data que a pedi em namoro, essa
data sempre me faz recordar de como naquela época eu estava feliz com
Raquel ao meu lado.
Saio do banheiro, arrumado, minha mala pronta. Batem na porta
para deixar o nosso café da manhã. Eu a abro, empurrando o carrinho com a
nossa janta de ontem que ficou intocada, para que possam levar.
Arrumo a mesa com o café da manhã para Raquel, deixando uma
rosa vermelha ao lado do seu prato. Decido não estar presente quando ela
acordar, pegando minha mala e descendo para a recepção, depois de tomar
um café puro e forte.
Meu celular, que quase não tive tempo de mexer ontem, tem várias
notificações de ligações perdidas e mensagens não lidas. Aproveito o tempo
que passo sentado no sofá da recepção para responder todas elas, e atender
as ligações do trabalho.
Quase uma hora e meia depois, vejo Raquel chegando no saguão,
me levanto quando ela me vê, puxando sua mala de rodinhas. Pela
expressão do seu rosto, não consigo identificar o que está sentindo ou
passando pela sua cabeça.
Ela teria se arrependido da nossa noite?
Como já havia deixado tudo pago e feito o check-out, fomos para o
carro, onde eu guardo nossas malas para sairmos do estacionamento logo
em seguida.
Pigarreio quando já estamos há vários minutos na estrada.
— Feliz aniversário — digo.
Vejo ela me olhar surpresa com o fato de eu saber que dia é hoje,
como eu poderia esquecer alguma coisa relacionado a essa mulher?
— Obrigada — agradece, e junta seus cabelos no alto da cabeça, me
dando a visão do seu pescoço, onde, por poucos segundos consigo ver uma
marca vermelha, que fiz nela ontem à noite, enquanto transávamos.
— Precisamos ficar neste clima estranho? — questiono. —
Transamos e somos adultos, capazes de lidar com isso.
— Não precisamos — responde, decidida. — Mas não vai mais
acontecer.
Tenho vontade de rir, porque me lembra das palavras que eu disse a
ela na nossa primeira vez juntos e na segunda, até eu me tocar que não
adiantaria eu tentar ficar longe dela, Raquel sempre será o meu vício,
independente do que houve entre a gente.
— Como desejar — digo.
Temos mais nove horas pela frente, e pelas minhas contas
estaríamos chegando no finalzinho da tarde na casa dos pais de Raquel. O
nosso combinado é que depois que eu deixá-la, os pais dela me hospedarão
em um hotel na cidade e ficarei por lá até o dia que precisarmos voltar.
Depois de muito a gente brigar, ela aceitou o meu acordo, eu
também não ficaria à toa, trabalharia normalmente e também sairia para
conhecer um pouco da cidade.
Raquel parece inquieta, e é ela que liga o som do carro dessa vez
que toca a playlist que fizemos. Nunca consegui me desapegar dela, do
mesmo jeito que não consegui jogar fora a pulseira que ela me deu na noite
em que fui embora.
Tenho vontade de saber como está sua vida em Paris, suas
conquistas, seu crescimento e reconhecimento, saber pela sua boca, não
pelo que suas redes sociais me mostram, mas eu tenho medo. Medo de que
saber de tudo me mostre o que eu perdi por ter ido embora.
Raquel conquistou muita coisa, se tornou uma das maiores
influencers, divulgando as maiores marcas de moda, foi muitas vezes
assunto em várias publicações na minha editora. Raquel realmente fez seu
nome, como sempre disse que faria, mostrou a muitas pessoas que não
acreditaram nela.
Passamos as horas seguintes em silêncio, falando somente o básico,
parando para comer alguma coisa ou abastecer, e isso me deixou mal-
humorado. Quando entramos na cidade, enfim em Chuí, me senti nervoso,
porque seria a primeira vez que encontraria os pais de alguma garota que eu
gostasse.
Com Raquel é diferente, eu fui apaixonado por ela, era com ela que
eu queria passar o resto da minha vida junto. Eu sei que enquanto
namorávamos, ela nunca contou aos seus pais sobre mim, e hoje entendo o
motivo por trás, nossos futuros sempre foram incertos aos seus olhos,
enquanto pelos meus, eu tive tudo planejado.
Raquel vai me informando onde devo entrar e seguir, e faço
conforme o que vai me passando, o nervosismo tomando meu corpo,
enquanto meu estômago revira, acabo suando.
Como será a recepção deles quando me virem?
Quando paramos na frente da sua casa, solto um suspiro profundo, e
ela logo desce do carro e faço o mesmo, percebendo que estamos chamando
atenção da vizinhança dela.
A casa pequena e bem arrumada, pintada com a cor verde vibrante,
diferente de uma foto antiga que Raquel me mostrou na época que
namorávamos, a grama bem aparada e um jardim de rosas.
Abro o porta-malas para tirar sua mala, odiando o fato de que agora
vamos nos separar e só nos veremos daqui a quatro dias, que é quando
voltamos.
Raquel para à minha frente, segurando sua mala pelo apoio e sua
pequena bolsa de mão, e olha para mim.
— Te vejo em breve — digo, pronto para me afastar dela e voltar
para o carro, para seguir de volta ao centro da cidade à procura do Hotel
que eu vi logo que entramos na cidade.
— Espera, você não quer entrar um pouco? — pergunta. —
Descansar um pouco antes de ir?
Abro a minha boca para negar, não quero ter que estar perto dela
sabendo que não posso me apegar de novo, agora mais que nunca as coisas
entre a gente não dariam certo, estamos com vidas formadas, mas o
portãozinho de grade abre, e vejo um senhor sair da casa acompanhado por
uma mulher também da sua idade.
Davi e Marta Mendes.
Lembro deles também pelas fotos que Raquel me mostrou, hoje em
dia eles envelheceram um pouco mais por conta dos anos, mas consigo ver
os traços do rosto deles no de Raquel.
Eles a abraça, sua mãe chorando, desejando feliz aniversário para
Raquel e seu pai logo fazendo a mesma coisa. Penso em aproveitar a deixa
e ir embora, mas não seria bem visto por ele, principalmente por serem pais
da Raquel, não quero causar uma má impressão, então espero.
— Então esse é o nosso herói? — Davi pergunta, se aproximando de
mim, fico confuso com a sua pergunta, mesmo assim aceito sua mão em
cumprimento. — Sou o Davi, pai dessa mulher linda.
— Eros — cumprimento de volta, minha mão suando, e devo estar
com uma expressão assustadora no rosto, pois Davi solta uma risada, dando
tapas nas minhas costas.
— Relaxa, Eros — pede, e vejo Raquel e sua mãe sorrindo. — Essa
é minha esposa, Marta.
Aperto sua mão quando ela a estende para mim.
— Um prazer conhecer a senhora.
Seus pais se mostram bem simpáticos. Eles me agradecem por ter
trazido Raquel, e entendo depois disso o porquê Davi me chamou de herói,
Raquel deve ter deixado de fora a parte que foi culpa minha ela ter perdido
os documentos, e nem imaginam também que de herói eu não tenho nada, e
que estou mais para o vilão.
— Preciso ir, te busco no sábado — digo a Raquel, pronto para ir
embora. 
— Você vai para onde? Achei que ficaria com a gente, é tudo o que
podemos fazer depois de trazido a nossa filha — Davi declara e olho para
Raquel, pedindo socorro.
— Sei que a nossa casa é simples, mas você é bem-vindo a ficar
com a gente — Marta completa a fala do marido.
Raquel dá de ombros, abraçada à mãe, e pela expressão de
determinação no rosto do seu pai, a mesma que vejo no rosto dela, me diz
que ele é teimoso e não vai aceitar que eu vá embora.
— Não quero incomodar — falo, e Marta passa o braço pelo meu,
me puxando para dentro da casa, não me dando tempo de pegar a minha
mala.
— Não é incômodo algum, já até arrumamos o quarto de hóspedes
para você, quando ficamos sabendo que viria junto com a Raquel.
Fico com vergonha por ser tratado tão bem, quando sou o causador
de ter deixado Raquel magoada anos atrás. Sou bem recebido pelos dois e
fico até sem jeito. Marta me mostra a casa, o quarto que vou ficar, me
convidando para sentar e comer alguma coisa na cozinha toda animada.
Não vi mais Raquel desde que me sentei na cozinha para conversar
com sua mãe e seu pai que apareceu logo em seguida, querendo saber mais
sobre mim.
Me senti em um interrogatório com Davi, como se ele estivesse
verificando o terreno, pegando informações, buscando alguma coisa.
— Você não é mesmo namorado da Raquel? — a mãe dela pergunta,
e nego com a cabeça, desejando que Raquel apareça e me tire da situação
embaraçosa que ela me enfiou.
— Somos amigos — minto, não querendo explicar o que somos
hoje em dia. — Nos conhecemos na universidade em Bento Gonçalves.
— Raquel falou de você para a gente — Davi fala, e sinto meu
corpo entrar em alerta. — De todos os amigos dela na verdade na época que
estudava, mas falava mais de você em especial.
— Mãe — Raquel aparece na cozinha, chamando atenção da sua
mãe, e justamente na hora que fiquei interessado em saber mais sobre o que
Marta dizia, Raquel estragou tudo aparecendo. — Precisei estar em uma
reunião do meu trabalho por vídeo chamada
Ela justifica, olhando para mim, como se soubesse que estava me
questionando sobre.
— Eros, hoje vamos jantar em um restaurante, em comemoração ao
meu aniversário e você está convidado — Raquel faz o convite, e pela
primeira vez desde que conheço ela, a vejo sem jeito.
— Você ainda não tinha o convidado? — seu pai pergunta intrigado.
— Ele não é seu amigo?
Olho para Raquel, esperando sua resposta elaborada do porquê de eu
ainda não ter sido convidado.
— Eu havia esquecido, minha preocupação com meus documentos,
minha volta para Paris me tirou o foco do jantar de comemoração — ela me
olha depois de se explicar para seu pai. — Mas não precisa ir se não quiser,
vai ter alguns parentes chatos também.
— Raquel — sua mãe a repreende, e sorrio com o jeito da Raquel
falar, ela nunca vai mudar.
— Eu vou, se não for problema para você.
Ela me encara, e sei o quanto ela está pensando em várias coisas
neste momento, assim como eu, que quero estar perto dela neste dia. Seus
pais não entendem a nossa troca de olhares, e pelo jeito que sorriem, acham
que isso significa outra coisa, e não o desconforto que é estarmos juntos em
um mesmo ambiente.
Raquel
No tempo que andamos até a mesa reservada para minha família no
restaurante, eu sinto a presença de Eros atrás de mim, acaba que se tornou
habitual os arrepios que sinto por isso.
Ao nos aproximar da mesa, vejo meu tio, sua esposa e a
insuportável da Vitoria, melhor que ter que lidar com o irmão dela junto.
Ainda não entendo por que meus pais fizeram questão de que estivessem
presentes.
Meus tios me abraçam, me desejando parabéns, assim como meus
primos, apresento Eros para eles, que o reconhecem pelo nome forte como
dono do Grupo Editorial Giordano.
Nos sentamos à mesa, e eu percebo que o tempo todo Vitoria tem
seus olhos em Eros, que a ignora, conversando com meus pais e tios, é até
engraçado vê-lo tão relaxado na presença dos meus pais, e como se deram
tão bem.
— Vocês se conhecem há muito tempo? — Vitoria pergunta a Eros,
apontando para nós.
Eu bebo um pouco do meu vinho, esperando a resposta de Eros.
— Sim, nos conhecemos desde a época da universidade — Eros
responde, calmamente, querendo fugir do interrogatório de Vitoria.
— Vocês já tiveram alguma coisa? — ela volta a perguntar, e me
olha com seu jeito ridículo de sempre querer estar acima de mim em tudo.
Eu espero Eros dar a resposta a Vitoria, ao ponto de ela virar sua
cara esnobe para o outro lado e calar a boca, mas a resposta que ele dá a ela,
eu não estava preparada:
— Sim, ao ponto de eu pedi-la em casamento e ela dizer não —
declara, e eu começo a tossir, e tapo minha boca, a crise de tosse não passa
e olho para Eros, que me olha preocupado.
Na mesa, todos estão em silêncio, olhando de mim para Eros, até
meus primos estão em choque.
— Ai, Eros, como você é engraçado — digo, ao me recuperar da
crise. — Ele ama fazer piadas, pessoal.
Enfio minha mão por debaixo da mesa e aperto a coxa de Eros, que
se mexe na cadeira, pelo beliscão.
— Sim, uma piada — Eros diz, seu tom sério, e bebe um pouco do
seu vinho.
Aos poucos todo mundo começa a relaxar e dar risadas. Afasto a
minha mão da coxa de Eros, mas ele impede, a colocando no mesmo lugar
que estava antes.
O assunto virou para os negócios, e Eros se sentiu mais à vontade,
até mesmo citando algumas coisas que ele aprendeu com os anos
administrando o Grupo, o tempo todo ele segurando minha mão na sua
coxa.
— A gente quase não se fala, prima, como vai Paris? Tem feito
muita coleção para desfiles? — Vitoria aproveita que estão todos prestando
atenção em outra conversa para ouvir a gente.
— Por que você se interessa tanto? Sua vida é tão tediosa que você
cuida da vida dos outros para ter o que fazer? — pergunto, e ela revira os
olhos.
— Juro que achei que você não iria conseguir nada nessa sua vida
de moda. Sabemos o quanto é uma profissão incerta, e você teve sorte, foi
seu namoradinho que conseguiu tudo isso para você? — fala, sugerindo que
Eros me ajudou com tudo o que tenho hoje, e não pelo meu esforço e
dedicação.
Quando abro a boca para lhe dar uma resposta à altura, sinto Eros
apertar a minha mão, e falar em voz alta com a Vitória.
— Chega! — todos ficam em silêncio com o tom de voz de Eros. —
Se for para ficar jogando esse tipo de comentário venenoso para Raquel,
sugiro que vá embora, é o dia dela e a única coisa que está fazendo aqui é
deixá-la desconfortável.
Vitoria arfa, chocada com a reação de Eros, e empina o nariz de
patricinha, como se Eros tivesse medo disso.
— A única coisa que fez desde que chegou, foi tentar colocar
Raquel para baixo, não vou aceitar isso.
Eros chama atenção até mesmo das pessoas nas mesas próximas.
Vejo Vitoria levantar da mesa, jogando seu guardanapo nela e saindo do
restaurante. Eros ignora os olhares que recebe, voltando a apreciar seu
vinho, como se nada tivesse acontecido.
Vejo meus tios se levantarem das cadeiras, pedindo licença, e saírem
rapidamente do restaurante. A única coisa que consigo fazer é olhar para
Eros, me sentindo feliz por ele ter me defendido, eu nem imaginava que ele
tinha percebido que desde que chegamos, Vitoria foi uma escrota.
— A noite está cheia de emoções — meu pai comenta, dando uma
risada sem graça.
Sorrio, nem um pouco abalada pelo que acabou de acontecer, ela
mereceu.
— Peço desculpas por ter estragado o jantar — Eros diz, limpando a
boca, e se preparando para levantar da cadeira, mas o impeço ao segurar a
mão que está segurando a minha por debaixo da mesa.
— Esse jantar já estava fadado ao desastre de qualquer forma, se
você não tivesse falado nada, seria eu, e como sempre, nós duas estaríamos
batendo boca até agora — tento amenizar o clima.
Eros não consegue nem olhar para os meus pais, meu pai e minha
mãe percebendo isso, começam a tirar o foco do que aconteceu.
É olhando para Eros que vem aquele mesmo sentimento de quando
transamos no hotel. O incômodo tomando meu corpo, minha mente, me
lembrando do segredo que tenho guardado dele, tendo somente Charlotte
como minha confidente.
Sorrio o tempo todo, recebendo carinho dos meus pais, rindo, e
sendo alvo de histórias vergonhosas contadas para Eros, que se diverte,
mesmo não sendo tão aberto nas suas expressões, mas só de ver seus olhos
brilhando de diversão, a forma como sua covinha aparece vez ou outra, me
dá a certeza.
No final, foi bem mais legal do que eu poderia imaginar.
Comemorar meus trinta anos com meus pais, e mesmo sem imaginar, com
Eros junto. Cantamos parabéns quando um bolo pequeno é colocado na
nossa mesa.
E quando meus pais me fazem soprar as velas, desejo que, a partir
deste momento, tudo na minha vida aconteça da forma que o destino quer.
Raquel
Sexta-feira, 18 de fevereiro de 2028
Me viro na cama, de um lado para outro, não conseguindo dormir.
Saber que Eros está no quarto ao lado, poucos passos nos separam, me
deixa perturbada, porque a única coisa que eu sei fazer é lembrar do nosso
sexo no hotel.
Olhando para a porta, vejo quando ela é aberta vagarosamente, e
mesmo com a pouca luz do quarto, consigo identificar Eros, entrando
sorrateiramente, trancando a porta e vindo para minha cama.
Como Eros consegue ser cara de pau ao ponto de vir até meu quarto,
podendo ser pego por uns dos meus pais? 
Ele ainda não percebeu que estou acordada, então quando ele deita
ao meu lado, e passa o braço pela minha cintura, me puxando para perto
dele, e congela quando eu retribuo o gesto, ao me aconchegar nele e
levantar meu rosto para encarar seu rosto, mesmo com a escuridão do
quarto.
— O que você está fazendo aqui? — questiono, intrigada.
Meu corpo todo esquentando com a possibilidade de ele ter vindo
para o meu quarto, porque não consegue esquecer o que aconteceu entre a
gente.
— Eu precisava te dar seu presente de aniversário — sussurra,
descendo sua mão pela minha lateral, para subir minha camisola
transparente.
— Eros — murmuro quando vejo ele se abaixar para descer minha
calcinha.
— Lembra de quando fodíamos em lugares inapropriados, e você
precisava ser silenciosa para não sermos pegos? — assinto, quando ele me
pergunta. — Você vai precisar fazer silêncio dessa vez também se não
quiser acordar seus pais.
Eros se enfia entre as minhas pernas, levantando uma de cada vez,
para se encaixar no meio delas. Já me sinto molhada só de criar a
expectativa, de sentir a respiração quente de Eros na minha boceta, sua
demora é tortuosa, mas vale a pena quando sinto sua língua.
É quando estamos suados, e satisfeitos, os dois caídos na cama,
tentando normalizar a respiração, o sono já batendo, que Eros se inclina até
meu ouvido e sussurra, daquele jeito rouco e gostoso, que sempre fazia
quando estávamos na cama.
— Feliz aniversário, Raquel.
E eu durmo, com a lembrança de tudo de bom que vivemos e sonho
com outra realidade, onde Eros e eu nunca nos separamos, e que nada havia
abalado o nosso relacionamento.

A angústia misturada com a culpa que sinto toda vez que olho Eros
vem me apavorando por estar escondendo um assunto importante para ele.
Mesmo depois de anos, o sentimento de perda e incapacidade me assombra,
me causando pânico às vezes.
Penso se será melhor ele saber, já faz tanto tempo, e não fará
diferença de qualquer forma. Contar a Eros que não foi só ele que me
destruiu naquela época que ele foi embora, ao ponto de eu sofrer e ir mal
em tudo ao meu redor pelo impacto que causou na minha vida.
Estou inquieta, porque eu sei que a qualquer momento ele vai entrar
pela minha porta, e me beijar, atrás de prazer.
Como posso estar me sujeitando a isso sabendo que depois de tudo
que eu sofri, eu ainda amo ele, e vou embora, e vai ficar para trás o que
estamos vivendo agora?
Eros tem se dado tão bem com meus pais, se abriu de uma maneira
com eles, que achei ser impossível. Nestes dois dias que se passaram, tive a
sensação de que nada tinha mudado, em momento algum ele foi embora da
minha vida, não houve distância, anos, nada que fizesse diferença.
A porta se abre, e levanto minha cabeça para olhar Eros entrando,
ele sempre espera meus pais irem dormir para se arrastar até meu quarto.
Quando Eros se vira para mim depois de ter trancado a porta, ele sabe que
aconteceu alguma coisa pela minha cara.
— Você está bem? — questiona, vindo sentar ao meu lado.
Diferente das outras noites, a luz do meu quarto está acesa, e Eros
consegue ver cada detalhe das paredes de uma sonhadora de moda, que
largou tudo para viver o desejo dela de se tornar uma estilista de sucesso e
orgulhar os pais que sempre apoiaram.
Meu corpo começa a tremer, e não consigo segurar o choro, ainda
mais pela forma que Eros me olha, seus olhos aflitos e preocupados.
Quando ele percebe que estou chorando, vulnerável, ele se aproxima de
mim e me puxa para os seus braços.
Enfiada no meio das suas pernas, abraço sua cintura, escondendo
meu rosto em seu peito, deixando o choro vir com tudo. Eros acaricia meu
braço, minhas costas, me consolando, e seu carinho me quebra ainda mais
quando ele deixa beijos nos meus cabelos, sussurrando palavras de que tudo
ficaria bem.
E eu já não tenho mais tanta certeza, mais uma vez estou expondo
meu coração a ele, ao homem que eu jurei odiar pelo resto da minha vida.
Me acalmo um pouco depois de alguns segundos, e não tenho
coragem de me afastar de Eros para contar tudo a ele, olhando no fundo dos
seus olhos.
— Tem uma coisa que você precisa saber — sussurro, sentindo seu
corpo tencionar, mas agradeço quando ele não me afasta. — Aconteceu
depois que você foi embora. Para ser sincera, eu não pretendia contar isso a
você nunca, não depois desses dias.
Eros fica em silêncio, mas não deixa de me acariciar, de mostrar que
está ali, e isso me deixa fraca, querendo fugir dele para bem longe.
— Umas semanas depois que você se foi, eu fiquei muito mal, em
um nível que eu não conseguia sair do quarto, a não ser para trabalhar, já
que estávamos de férias.
Eros nada diz, mas não precisa, eu consigo sentir tudo pelas reações
do seu corpo.
— Charlotte estava sempre cuidando de mim, a única que sabia o
quanto eu estava sofrendo com o nosso término. Enfim, você não precisa
saber dessa parte, é passado. 
— Mas eu quero, se quiser me contar — escuto sua voz rouca no
meu ouvido.
Nego com a cabeça, Eros não merece saber como eu fiquei por
causa dele, me machuca reviver tudo, uma lembrança da minha vida que
achei que estava curada.
— Eu pedi demissão do meu estágio, e decide que o melhor seria
ficar com meus pais nas férias, talvez outros ares me ajudassem, mas tudo
pareceu ficar pior, porque o tempo todo ficam me perguntando se algo tinha
acontecido, eu não estava sendo a filha que eles conheciam, e jogaram a
culpa no cansaço da universidade, mas nem imaginavam que o problema
era outra coisa.
— Você não contou a eles? — pergunta, em um murmúrio quase
inaudível.
— Não, e foi melhor assim — digo sincera, aprovo minha escolha
de não ter contado aos meus pais sobre Eros, nem mesmo na época que
namorávamos. — Lembro que foi quando estava voltando para Bento
Gonçalves, que comecei a sentir dores fortes na região do abdômen, de
início, achei que pudesse ser pelo fato de que não estava me alimentando
direito.
Escuto sua respiração pesada, mas não chega perto do que estou
sentindo ao ter que lembrar do terror que vivi.
— Cheguei no edifício passando muito mal, sentindo calafrios no
corpo. E a única coisa que eu queria era ficar deitada, desejando que a dor
que eu estava sentindo, passasse logo. Charlotte quando chegou no nosso
quarto e me viu daquele jeito, ficou muito preocupada e achou melhor que
fosse para o hospital — digo, e meu corpo treme pelas próximas palavras
que preciso dizer a ele.
Eros nos embrulha com a coberta, ainda sendo possível, ela me
abraça ainda mais forte, e vejo isso com um ato de que ele quisesse tirar a
dor que estou sentindo agora.
— Concordei em ir ao hospital, ela me ajudou a entrar no banheiro
para tomar banho, e foi debaixo do chuveiro, com a água escorrendo pelo
meu corpo, que eu vi que estava sangrando — falo, e mordo o lábio, para
segurar o choro. — Fiquei tão desesperada na hora, assustada, e tendo
certeza naquele momento que estava tendo um aborto, eu estava perdendo
algo que eu nem sabia que tinha.
Eu volto a chorar, abraçando Eros, com ele me consolando, seus
músculos tensos, seu peito pesado, tentando respirar.
— Tive a confirmação no hospital. Charlotte foi a única que soube
que eu estava grávida e perdi o bebê. Aquilo me machucou tanto, mais do
que já estava por sua causa, me desestabilizou durante todo aquele semestre
— soluço ao contar, me sentindo devastada.
Eros nos deita na cama, ficando atrás de mim, me abraçando de
conchinha.
— Precisei fazer terapia para me ajudar a passar pelo processo mais
difícil de toda a minha vida, porque eu sentia o quanto fui incapaz de
segurar aquele bebê, quase entrando em depressão — declaro.
Foi o período mais sofrido da minha vida, e não sei como consegui
juntar as minhas forças e lutar para seguir em frente.
— Você não tinha como saber, não foi sua culpa — Eros diz, e sinto
mais uma vez ele deixando um beijo na minha cabeça.
Tantas vezes me peguei pensando em como seria se eu tivesse
conseguido segurar a gravidez, Eros teria voltado? Teríamos ficado juntos?
Ou ele seria egoísta ao ponto de não olhar para trás e seguir com a sua vida?
Essa última pergunta não faz o tipo dele, porque eu vi e sei como ele é com
seus sobrinhos, o amor que vi ele depositar em Ayla quando criança.
É uma resposta que eu nunca vou saber, e não faz mais sentido, tudo
já passou. Eu me acalmo, o choro cessando, e quando percebo, estou
pegando no sono, com Eros ainda ao meu lado, me abraçando como nunca.
Raquel
Sábado, 19 de fevereiro de 2028
Acordo sem a presença de Eros ao meu lado, e sinto uma sensação
de desespero me atingir, como todas as vezes depois do nosso término, que
eu não conseguia mais dormir sem ele, e na maioria das noites quando eu
acordava sem ter Eros ao meu lado, eu chorava, até que eu voltava a dormir.
Depois de me arrumar, e passar no banheiro, saio do meu quarto a
procura dele, e não o encontro no seu quarto, ou na sala, e muito menos na
cozinha. Meu coração se acelera, o medo e o mesmo sentimento de ser
deixada me atingindo com força, fazendo um bolo juntar na minha
garganta, me sufocando.
— Raquel? Está tudo bem? — escuto a voz da minha mãe ao meu
lado, e me viro, percebendo que estou parada no meio da sala, olhando para
a porta de saída.
— Estou, mãe. Cadê o Eros? Ele foi embora? — pergunto, tentando
encaixar na minha mente as falas, lembrando que minha mãe não sabe do
meu drama com Eros.
— Embora? Não, querida, ele está na oficina com seu pai, achei que
iriam embora juntos — o alívio toma meu corpo, depois de ouvir as
palavras dela. — Tem certeza de que está tudo bem?
Aquiesço.
— Vem tomar café comigo, e aproveita e me fala o que vocês dois
têm afinal, porque eu vi mais cedo ele saindo do seu quarto. — Dou risada
quando escuto minha mãe, lembrando de como ela é esperta e pega tudo no
ar.
Me sento com ela à mesa, e sou breve ao contar que Eros e eu
tivemos um momento na época da universidade, mas que não deu certo
porque ele foi embora para São Paulo depois que se formou, deixando de
fora o quão envolvidos estávamos, a parte do pedido de casamento e o
quanto ele me magoou.
— E não tem chance de voltar a acontecer? — pergunta, seu queixo
apoiado na mão, me observando a comer, enquanto conto a história mais
curta possível.
— Não, mãe, eu moro em outro país, temos vidas diferentes agora,
não daria certo e Eros não lida muito bem com a distância — digo, me
fazendo lembrar do seu trauma.
— Eu percebi que ele gostava de você quando te defendeu da
Vitoria, somando com o fato de que ele viajou horas só para te trazer aqui e
comemorar seu aniversário com a gente, ele tem um coração muito bom —
minha mãe elogia Eros, e vejo que ele está dentro do conceito dela.
— Sim, no fundo, aquele turrão tem um coração bom, uma maneira
de amar as pessoas ao redor dele com tanta fidelidade, as pessoas têm sorte
de ter Eros na vida delas — digo, evitando olhar em seus olhos, sentindo a
emoção me pegar de jeito de novo.
— Assim como as pessoas têm sorte de ter você na vida delas,
querida. Se for para ser, vai ser — ele diz, entendendo que eu tenho
sentimentos pelo Eros, o homem que me machucou tanto no passado, e ela
nem imagina isso.

Me aproximo da oficina que fica a três quarteirões da minha casa, e


logo vejo Eros, relaxado, rindo de algum comentário que meu pai fez, suas
mãos sujas de graxas, assim como sua calça, os cabelos bagunçados, é
muito bom ver esse Eros, nada da defensiva que ele vive.
Ao me ver chegando, seu rosto fica sério, e percebo que ele observa
para ter um indício de que estou bem.
— Oi — digo, e vejo meu pai se aproximando, beijando meu rosto.
— Estamos dando um check-up no carro de Eros antes de vocês
irem embora — meu pai explica o motivo de estarem na oficina.
Aquiesço, mostrando que entendi.
— Posso roubar Eros um pouco? Queria mostrar a Barra do Chuí
antes de ir embora — pergunto ao meu pai, e olho para Eros, que ainda me
encara, à procura de alguma coisa.
— Claro, leve ele para conhecer outros pontos turísticos que ele
ainda não viu — meu pai diz, e dá batidinhas nas costas de Eros, depois de
beijar meu rosto mais uma vez.
Eros não parece se importar com suas calças sujas de graxas e muito
menos os cabelos bagunçados, ele passou a mão neles quando foi ao
banheiro lavar as mãos. Como seu carro já estava na oficina, não
precisamos voltar para a casa dos meus pais.
Eros dirigiu por vários minutos, enquanto eu dizia as informações
para ele, em nenhum momento ele falou sobre minha confissão de ontem, o
clima continua estranho, eu sentindo que o tempo todo estamos pisando em
ovos.
Quando chegamos na Praia da Barra do Chuí, o vento estava bem
forte e Eros precisou vestir um casaco para amenizar. Saímos do carro, e eu
vejo a vista que é a minha cidade, ela faz a divisa entre o Brasil e o
Uruguai.
Andamos pelo caminho estreito que nos leva até a praia e os molhes
na foz, que faz a separação do pequeno curso de água que separa as
fronteiras. Com as mãos nos bolsos do casaco, eu olho para o fluxo da água,
me lembrando do quanto costumava vir aqui depois do término com Eros,
quando vim para Chuí.
— Está melhor hoje? — escuto Eros perguntar e olho de lado para
ele e assinto, de certa forma me sentindo mais leve depois de conversar com
ele na noite passada. — Não consegui dormir à noite pensando no que me
contou.
— Eros, não te contei o que aconteceu para você se sentir mal, eu
fiz isso por nós dois, contei por envolver você — explico a ele, e paro
quando ele faz o mesmo.
— Eu sei, mas eu não consegui parar de pensar no que seria da
gente se você não tivesse tido o aborto — Eros fala, olhando além de mim
para qualquer lugar, não nos meus olhos.
— Provavelmente você teria ficado em São Paulo e eu em Bento
Gonçalves, não consigo ver nada de diferente entre o nosso futuro — digo,
minha voz alertando a ele minha mágoa, ele franze a testa.
— Eu não teria feito isso, Raquel, não teria abandonado você ou o
bebê — grunhe, ofensivo.
— Ah, não? Me diz, o que seria diferente? Porque foi exatamente o
que você fez comigo, depois de eu ter negado o seu pedido de casamento.
Ele bufa, e passa as mãos nos cabelos.
— Você não tem como ter certeza, porque você foi egoísta e
mimado quando largou tudo e foi embora — jogo as palavras para ele, e
não me arrependo.
Essa conversa estava por um fio de vir à tona, só demorou mais do
que o esperado.
— Egoísta e mimado? — questiona, soltando uma risada amarga. —
Você não fazia ideia do que eu estava sentindo naquele momento.
— Exatamente, eu não sabia, você preferiu como todas as vezes,
guardar o que sentia e lidar com a melhor forma que beneficiava você, indo
embora, e foda-se eu, me deixou lá, gritando seu nome, implorando para
que me deixasse explicar a minha decisão, pedindo para que você
entendesse e nem isso você foi capaz, Eros — grito, explodindo tudo o que
eu queria falar com ele.
Consigo sentir meu sangue correndo mais rápido pelas minhas
veias, meu coração acelerado, e toda minha raiva saindo pelos meus poros.
Tudo culpa do homem que eu amava e achei que passaria a minha vida com
ele.
— Sabe o que mais me machucou? Foi você ter ido embora e não
ter me dado a porra da chance de me explicar. Foi você que estragou tudo.
Teríamos feito funcionar — declaro, sentindo as lágrimas se formando em
meus olhos, a ponto de extravasar, preciso engolir o bolo que se forma na
minha garganta, tentando manter minha compostura.
— Você não entende — Eros grita, angustiado, passando as mãos
pelo rosto, tão vulnerável como eu.
Ele chega mais perto de mim, segurando meu rosto, quando sou eu
tentando me afastar, não quero seu toque, ele me machuca neste momento
de fraqueza.
— Pensar em ir embora e deixar você me matava por dentro, pois eu
estaria correndo o risco de ter você se deslocando toda vez de Bento
Gonçalves para ir para São Paulo, pegando um avião, correndo o risco de
sofrer o mesmo acidente que meus pais. Eu não suportaria te perder, Raquel
— Eros expõe seu medo, e fico congelada com sua confissão, era esse Eros
que eu queria que ele tivesse sido naquela época, o que confessava tudo, e
me deixava entendê-lo.
— Você deveria ter me contado seu medo, suas inseguranças, e não
ter fugido de tudo, me perdeu do mesmo jeito quando foi embora, e decidiu
não lutar pela gente, teríamos feito dar certo, seu idiota — repito a última
frase, pois eu sei que teríamos feita dar certo, eu teria feito de tudo para
manter nosso namoro.
A dor da ferida aberta que é relembrar de tudo, me faz ofegar,
desistindo de segurar o choro. Eros reage negando com a cabeça, não
suportando ouvir minhas palavras, ele me solta, dando um passo para trás.
— Você me machucou ao ponto de eu não conseguir me envolver
com ninguém por medo de acontecer a mesma coisa, de sair quebrada e
machucada, mesmo eu sabendo que não seria capaz de sentir por nenhum
homem o que senti por você — pauso, a raiva borbulhando por dentro. —
Para você foi mais fácil, seguiu sua vida de cretino e rico de merda.
— Segui? Eu tentei seguir, fiquei com todas as mulheres que fui
capaz para tirar você da minha mente, caralho — rosna, voltando a se
aproximar de novo. — E mesmo assim, sequer um dia eu fui bom o
suficiente para te apagar da minha mente e quando eu conseguia, sempre
acontecia alguma coisa para me lembrar de você. Eu continuei te amando a
cada dia que passou e nunca te esqueci.
Ele volta a se afastar, e eu fico em choque com as suas palavras, a
declaração dele dizendo que ainda me ama, depois de todos esses anos. Me
viro para frente, observando a paisagem na minha frente, suas palavras
jogadas na minha mente enquanto eu tento raciocinar.
Eu seco meu rosto, o vento forte, tocando minha pele, mas nem ele é
capaz de amenizar o calor que estou sentindo agora.
— Agora tudo já passou, temos vidas diferentes, moramos em
países diferentes, e nada do passado vai voltar atrás, é assim que tinha que
ser, Eros — sussurro, e viro o meu rosto para ele, que me encara.
A expressão do seu rosto voltando a ficar dura novamente, o homem
sério e turrão dando as caras, levantando um muro ao seu redor de novo.
— Você está certa, é assim que tem que ser.
Ele se afasta, voltando para o carro, e eu me permito ficar um pouco
mais, em companhia das minhas lágrimas e a dor causada pelo homem que
amo acesa e me queimando por dentro.
Raquel
Paris
Domingo, 19 de março de 2028
Faz mais de um mês desde que Eros me deixou na porta da casa da
Charlotte sem ao menos se despedir, me deixando lá para lidar com todas as
nossas confissões e sentimentos.
Me recordo que nossa viagem de volta foi tensa, agíamos como
completos estranhos, não conversamos mais sobre nada que nos envolvesse.
A despedida dos meus pais foi algo difícil, que eu sempre sofria ao fazer.
Os dois convidaram Eros para voltar mais vezes, dizendo o quanto
ele era bem vindo, e no fundo eu senti o quanto minha mãe torcia por algo
que não existia entre mim e Eros.
Nossa história acabou há muito tempo, não tem mais volta.
Minha volta para São Paulo me permitiu que eu ficasse por apenas
mais dois dias, já que logo meus documentos e passaporte estavam prontos.
Antes de voltar para Paris, fui a uma reunião da marca que entrou
em contato comigo assim que soube que estava no país. A proposta que me
fizeram foi algo que eu teria esperado a vida toda se eu já não estivesse na
França, lutando pela minha promoção, construindo meu nome aqui.
Tive que pesar na balança o que valia mais a pena: minha tão
esperada promoção que lutei por anos, sendo capaz de produzir meus
desfiles, com minhas próprias roupas, sendo ainda mais conhecida
internacionalmente ou criar minha linha de roupa, com meu próprio nome,
sendo lançada por essa marca grande e famosa, mas tendo em mente que
poderia não dar certo.
Trocar o certo pelo duvidoso.
Fiz a minha escolha em não aceitar a proposta deles, porém, mesmo
assim, eles me deram um tempo para decidir e procurá-los se eu mudasse de
ideia, coisa que eu não estava disposta a fazer.
— E aí? Não passaram os cinco minutos ainda? — escuto a voz de
Charlotte me despertar.
Estou em vídeo chamada com ela, sentada dentro do banheiro,
enquanto espero o resultado do teste de gravidez que está em cima da
bancada da pia.
— Não estou preparada para olhar — sussurro, meu coração na
boca, quase pulando para fora.
Estou nervosa, com medo do que o resultado vai fazer com a minha
vida, e brava, muito brava comigo mesma por ter cedido aos encantos de
Eros. Meu rosto está inchado de tanto chorar, nem Charlotte me reconheceu
quando atendeu à ligação.
Ela é a única pessoa que pensei em ligar para dividir o meu medo, e
como uma boa amiga que é, me acalmou e está esperando o resultado
comigo, como se estivesse aqui, do meu lado segurando a minha mão.
— Qual a probabilidade de isso estar acontecendo pela segunda vez
com o mesmo cara? — questiono indignada, jogando a pergunta para o
universo.
Escuto a risada de Charlotte, ao mesmo tempo que batidas na porta
do meu apartamento chamam minha atenção. As batidas ficam ainda mais
altas, e eu preciso levantar para ir até a porta e gritar com a pessoa que está
atrapalhando meu domingo desesperador.
— Tem alguém batendo na porta, preciso atender antes que ela
derrube a porta — digo, e Charlotte faz uma expressão engraçada, olhando
para algo que chama sua atenção à sua frente. — Você consegue ficar do
lado do celular quando eu te ligar de novo para vermos o resultado?
— Claro, estarei te esperando — diz, e sorrio agradecendo. — E
Raquel, eu sei que tudo ficará bem.
Sorrio para ela, sentindo meus hormônios sensíveis ultimamente.
Aquiesço, e desligo a chamada. A pessoa do outro lado está me irritando
com sua persistência.
Abro a porta, preparando meu francês misturado com alguns
xingamentos em português para a pessoa do outro lado da porta, mas fico
estática, nada me preparando para ver Eros com a mão em punho, levantada
para esmurrar a porta de novo.
Eros
Entrar em um avião depois da morte dos meus pais foi mais que um
desafio para mim, foi enfim lidar com a minha culpa, e saber entender que
as coisas acontecem como devem, e que independente de como foi minha
última vez com meus pais, eu os amava e sabia que eles também.
Isso tudo, com a ajuda da terapia, me fez entender os propósitos da
vida.
Não foi fácil me sentar em uma das poltronas, com a sensação que
eu morreria toda vez que o avião balançava, me causando pânico,
preocupando o passageiro ao meu lado, minhas mãos suando, meu coração
acelerado ao ponto de quase sair pela boca.
Mas eu sei que seria capaz de fazer tudo isso para ir atrás da Raquel,
e poder ver seu rosto em choque, como neste momento em que me olha,
tendo certeza de que ela é o amor da minha vida.
— Eros, o que está fazendo aqui? — pergunta, ainda sem acreditar.
— Você pegou um avião para vir até aqui?
— De que mais eu viria? — questiono, sorrindo, focando em seus
olhos inchados e vermelhos, me dando indício de que estava chorando. —
Posso entrar?
Assente, desnorteada, me dando espaço, demorando para fechar a
porta logo depois. Ela se vira para mim, sua imagem me mostrando o
quanto ela parece frágil e me preocupo com isso.
Seguro o desejo que tenho de a puxar para mim, beijar sua boca e
fazer amor com ela, e nunca mais a soltar. Mas aguardo, esse ainda não é o
momento, sei que vai valer a pena a espera, se ela me aceitar de volta.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta de novo, e nem sei
como explicar para ela que vim porque eu a quero na minha vida, o lugar
que é dela e de onde eu nunca deveria tê-la deixado sair.
Há alguns dias Artho me confidenciou algo que Charlotte comentou
com ele. Raquel havia recebido uma proposta importante para a sua
carreira, isso implicaria em ela se mudar para São Paulo se aceitasse, e me
dei conta de como tudo estava cooperando para que Raquel e eu ficássemos
juntos.
Desde que eu a deixei na porta da casa do Artho, sem conseguir me
despedir dela, eu não tive mais paz, tendo que lidar com todo sentimento
que sinto por ela, e o amor que nunca se perdeu, só aumentou com o passar
do tempo.
Não posso perder Raquel de novo, não quero viver minha vida sem
ela ao meu lado, porque seria um martírio.
— Peguei um avião para vir até aqui para dizer o quanto eu te amo e
implorar para você me aceitar na sua vida, Raquel — digo, olhando nos
seus olhos, me aproximando. — Porque eu não sei mais viver a minha sem
você ao meu lado.
Vejo a emoção tomar o seu rosto, seus olhos se enchendo de
lágrimas, e toco seu rosto com meus dedos, acariciando sua pele.
— Eu estou aqui para te provar que te amo, e pedir perdão por ter
causado tanto sofrimento a você quando fui embora, me arrependo muito
pela decisão que tomei, você é a única pessoa capaz de me fazer passar por
cima do meu orgulho, só para fazer suas vontades.
— Você veio mesmo até aqui para me pedir uma chance? Correndo
o risco de escutar um não? — ela pergunta, sua voz saindo embargada pela
emoção.
— Sim, você é a única capaz de fazer isso comigo, por que outra
razão eu estaria aqui? — questiono. — Você é a mulher da minha vida,
Raquel, existe outro motivo?
Eu torço muito para que ela me perdoe, deixe tudo que passou para
trás e me aceite de novo. Passo os dedos pelos seus lábios, louco para poder
a beijar, e quando me inclino para fazer, ela me empurra, correndo em
direção ao corredor com a mão na boca.
Vou atrás dela, preocupado e confuso, escutando logo em seguida a
pancada da porta batendo na parede. Quando chego ao banheiro, Raquel
está ajoelhada no chão do banheiro, em frente ao vaso, e sua cabeça lá
dentro, enquanto vomita.
Seguro seus cabelos, passando a mão pelas suas costas, tentando
aliviar um pouco e começo a ficar aflito quando ela demora a se recompor.
A coloco sentada na tampa do vaso depois que dou descarga, e pego a
toalha para molhar a ponta e passar pela sua boca.
Raquel se levanta para escovar os dentes, e eu fico o tempo todo ao
seu lado para apoio. Algo ao lado da bancada da pia me chama atenção.
Pego o bastão de teste de gravidez que está virado para baixo, e vejo
a palavra positivo escrito no lugar que dá o resultado.
Neste momento Raquel já está do meu lado, mordendo os lábios,
inquieta, olhando para mim, os olhos arregalados. Agora entendo seus olhos
inchados de tanto chorar e seu enjoo.
Raquel está grávida, se realmente esse teste estiver certo.
— Qual é o resultado? — pergunta, nervosa, gaguejando.
— Você ainda não sabe? — questiono, ela nega com a cabeça.
— Eu não tive coragem de olhar, estava em ligação com Charlotte
quando você bateu na porta — explica, e eu consigo ver o medo nos olhos
dela também.
Sorrio, entregando o bastão para ela, e a puxando para os meus
braços, sentindo seu corpo tremer ao começar a chorar ao ver o resultado.
— Eu estou aqui com você, meu amor, não vou a lugar nenhum
nunca mais — sussurro, beijando seus cabelos, subindo e descendo minha
mão em suas costas.
Eu a pego no colo, Raquel tem a facilidade de passar as pernas pela
minha cintura, e eu sigo para me sentar no sofá da sala.
Um misto de sensação tomou conta de mim.
Vou ser pai e nem sei como reagir a isso e Raquel vai ser mãe, ela é
a única mulher com quem pensei ter uma família um dia.
— Preciso fazer um exame para confirmar — ela diz, chorosa e
dando risada ao mesmo tempo. — Estou com tanto medo, Eros, mas ao
mesmo tempo me sinto pronta para isso.
A afasto de mim, para beijar sua boca, ficando por longos segundos,
tendo a certeza de que tudo é real.
— Eu também me sinto pronta para isso — murmuro.
— Eu nunca iria esperar que você fosse aparecer na minha porta
depois de tudo, ser capaz de enfrentar seus traumas para vir atrás de mim.
— Eu seco as lágrimas de Raquel depois que ela fala. — Que você, assim
como eu, nunca conseguiu esquecer o que sentíamos.
— Jamais, eu continuo te amando do mesmo jeito, desde a primeira
vez que te vi, nunca seria capaz de superar o que tivemos — declaro. — Eu
sei que o que eu fiz não foi o certo, mas eu te entendi depois, a sua escolha
naquele momento, eu só não estava preparado.
— Você me mostrou a maior prova de amor ao aparecer aqui, e eu
seria uma idiota se eu não desse uma chance a nós dois — ela fala. — Eu te
amo, Eros.
Ela me beija, desço a mão para a sua barriga, a acariciando com o
polegar, entendendo que mesmo que tenha sido uma gravidez inesperada,
eu já amo o bebê que está se formando, e assim como os meus pais fizeram,
darei todo o meu amor ao bebê e à mãe dele também.
Eros
São Paulo
 
Dezembro de 2029
Quando a Angel nasceu, me senti o homem mais poderoso do
mundo, me sentindo capaz de tudo pela minha filha, enfrentaria tudo pelo
serzinho que mudou a minha vida.
Não achei que a chegada de Angel pudesse mudar tanto a minha
vida, e sim, ela fez tudo isso e muito mais.
Assim que Raquel e eu descobrimos sua gravidez, fizemos tudo com
calma. Nas primeiras semanas curtimos Paris juntos, como casal
apaixonado que somos. Levei ela para jantar, tiramos foto e andamos de
barco pelo Rio Sena, vendo o pôr-do-sol.
O desligamento dela do seu trabalho foi bem tranquilo, mas eu senti
o quanto Raquel havia ficado emocionada, ela trabalhou durante anos na
mesma empresa, fez amizades, cresceu muito como pessoa e
profissionalmente.
Raquel aceitou a proposta da marca brasileira que queria fechar um
trabalho bem bacana com ela e no final deu tudo certo, porque a linha de
roupas que Raquel criou com o seu nome, fez muito sucesso.
A mudança para a minha casa foi algo bem tranquilo, meus amigos
ficaram felizes pelo fato de termos voltado, a notícia da gravidez gerou
muitas piadinhas para cima de mim, inclusive de Artho.
Os pais de Raquel vieram visitar a gente, Davi e eu tivemos uma
longa conversa entre genro e sogro depois disso.
— Papa — Angel bate sua mãozinha de forma delicada no meu
rosto, chamando minha atenção, minha menininha com seu um ano de
idade.
Seguro sua mãozinha direita, e vejo sua marca de nascença, em
forma bem engraçada que parece uma bananinha pequena. Fui até um
estúdio meses depois e tatuei exatamente a mesma marca no mesmo lugar
que Angel tem a dela na mão direita também para ter algo dela comigo.
Não é à toa que meus amigos deram o apelido a ela de Bananinha,
de início fiquei bem bravo, mas levei numa boa depois de um tempo,
tínhamos feito a mesma coisa com Ayla quando pequena.
Pego Angel no colo, a levantando, enquanto faço cócegas em sua
barriguinha, escutando sua risada contagiante e fofa. Me sento no tapete de
brinquedos, a colocando sentada na minha frente para brincar com ela.
Seus cabelos loiros escuros, o mesmo tom de cor da sua mãe, estão
presos com presilhinhas pequenas cor de rosa, mas algumas mechas caem
na sua bochecha, bem no lugar onde se forma a covinha que herdou de mim
quando sorri.
Eu a vesti com um vestidinho de mulher maravilha depois do seu
banho, e coloquei a fantasia de Superman, totalmente fora da época de
Halloween, mas estava pouco me importando.
Devo ter pegado no sono com Angel no tapete, deitada em cima de
mim, pois acordo com beijos sendo deixados na minha boca, e abro os
olhos vendo a segunda mulher mais linda da minha vida.
— Oi — ela sussurra e se deita ao meu lado, depois de deixar uns
beijinhos no rosto de Angel, a olhando com olhos brilhantes e amáveis,
amor que só a mãe é capaz de sentir pelo filho.
Beijo sua boca e ela encosta sua cabeça junto da minha.
— Por que estão vestidos com essas roupas? — seu tom de voz é
divertido, enquanto ela passa a mão pelo meu peito.
— Por diversão, não encontrei uma roupa para Angel, e peguei esse
vestido.
Ela levanta a cabeça para me olhar, estreitando os olhos.
— O que mais tem no guarda-roupas da Angel é roupa, Eros,
como... — eu a corto, beijando sua boca para ela calar a boca.
— Eu sei. — Dou de ombros.
— Ela se comportou?
— Como um anjinho que é, nossa filha nunca dá trabalho, meu
amor — murmuro, me ajeitando melhor para colocar Angel no
colchãozinho que tem na sala para o caso de ela pegar no sono.
Raquel está observando todo o cuidado que eu tenho com nossa
filha, seu sorriso lindo no rosto, vestida como uma mulher de negócios.
— Eu amo ver a forma que cuida dela — declara.
— E eu amo que ela é nossa menininha. — Beijo sua boca ao me
inclinar para ficar por cima dela. — Sabe que dia é hoje?
— Sexta-feira? — pergunta, brincando.
— Sim, espertinha, mas isso me lembra que tenho o show exclusivo
hoje na nossa sala secreta — digo, e ela passa os braços pelo meu pescoço,
para me puxar para ela.
Separei um cômodo especial só para nós dois, onde tem uma barra
de pole dance para Raquel dançar para mim, o que geralmente acontecia nas
sextas-feiras, por ser o dia mais tranquilo que tínhamos no trabalho.
— Estou ansiosa por isso — declara, me beijando.
Escutamos um choramingo baixinho ao nosso lado, e olhamos para
ver Angel de olhos abertos, olhando para a mamãe, seu sorriso de poucos
dentinhos aparece, Raquel se derrete toda quando se arrasta para pegar
nossa filha no colo.
Fazendo aquela vozinha de criança, dando vários beijinhos no rosto
de Angel.
Relaxo, sentado, encostado no sofá como apoio, passando o dedo
pela pulseira de Macramê que Raquel fez e deu para mim na noite da minha
festa de formatura, desde que voltamos, estou sempre usando ela, orgulhoso
do que nos tornamos.
Me dou conta de que sou o homem mais feliz do mundo por ter as
duas na minha vida, não me arrependo de nada do que fiz, se esse fosse
sempre o meu final.
As luzes estão apagadas, o ambiente sendo iluminado apenas pelas
velas que formam um caminho até nosso quarto exclusivo. Estou em pé no
final do caminho, esperando Raquel aparecer, pedi que ela só descesse
depois do meu aviso.
Não consegui planejar um pedido de casamento romântico e
original, não levo muito jeito para a coisa. Enchi toda a sala com balões em
forma de coração, pétalas de rosas estão espalhadas pelo chão.
Raquel aparece na entrada do quarto, vestindo um vestido, o mesmo
vestido preto que ela usava quando a levei para jantar em seu aniversário,
na noite em que a pedi em namoro pela primeira vez, e de saltos altos da
mesma cor.
Ela me olha sem entender, e o foco muda para o caminho de velas
que leva até mim, o chão coberto de pétalas, a música de fundo Still Falling
For You de Ellie Goulding toca, e vejo a emoção nos seus olhos, quando ela
tem uns dois passos ainda longe de mim, me ajoelho à sua frente, abrindo a
caixinha com a aliança dentro, a mesma caixa que abri para ela anos atrás,
com a mesma aliança, mas com a certeza de que agora ela dirá sim para
mim.
— Casa comigo? — peço, usando a mesma frase que perguntei a ela
na primeira vez. — Você sabe o quanto eu te amo, e sei que também me
ama, temos uma filha incrível juntos, uma vida ainda mais perfeita do que
sempre imaginei e sinto que só falta esse passo nas nossas vidas.
— Eros — sussurra meu nome, vejo as lágrimas descendo pelo seu
rosto, sua mão na boca em forma de choque. — É claro que eu aceito!
Eu enfio a aliança em seu dedo, e me levanto, para juntar nossas
bocas, Raquel me fazendo muito feliz neste momento.
Me sentindo completo como nunca antes.
Eros
Um ano depois
 
O desfile de moda no São Paulo Fashion Week, com a coleção de
roupas feita por Raquel foi um sucesso, e foi aplaudida quando entrou na
passarela para agradecer a todos.
Eu estava lá, sentado com nossa bebê, a homenageando, com todos
os nossos amigos ao lado.
No evento de comemoração após o desfile, do outro lado, vejo
minha mulher dando algumas entrevistas para alguns jornalistas. Seu
sorriso radiante me mostra o quanto está feliz e realizada, esse sempre foi o
seu sonho.
Ela veste um vestido preto até o joelho, de manga longa, com um
decote em V, acinturado, cheio de lantejoulas em um lado da parte de cima
do vestido.
Raquel olha para mim enquanto fala na entrevista, e sorri, me
mandando um beijo. Sou completamente apaixonado por ela.
Vejo Gabriel se aproximando, com uma taça de champanhe,
sorrindo para Angel que está no meu colo, precisei pegar ela, pois não
aguentava correr atrás dela por todo lado.
— Oi, Bananinha do tio. — Bufo ao ouvir ele chamá-la pelo
apelido. — Nem começa com esse discurso ridículo sobre o apelido dela.
Gabriel me entrega a taça e pega minha filha no colo, ela deixa um
beijinho no rosto dele, em seguida puxando seu nariz.
Obrigada, querida. Penso, ao sorrir de lado discretamente.
No canto ao lado do lugar das entrevistas, está Charlotte
acompanhada de Giulia, que está grávida, enquanto olham para Raquel,
prestigiando o momento da amiga.
Passo os olhos pelo salão enorme, e vejo Dimitri levantar da mesa
reservada para a gente, deixando Diana sozinha com Ayla. As duas garotas
aproveitam para fofocar assim que o adulto sai de perto.
Dimitri se aproxima de mim e Gabriel, que faz brincadeiras com
minha filha. Artho aparece, segurando a mão de Nicolas, que tenta soltar a
mão do pai para correr por entre as pessoas. Lion vem logo atrás, com seu
bebê dormindo em seu colo, ao seu lado Natan, conversando com ele. 
Pego Nicolas no colo, tentando dar um descanso para Artho.
— Sabe o que eu percebi? Todos, menos os gêmeos, foram abatidos.
A promessa que fizemos está indo ladeira abaixo — digo.
— Quem disse? Natan e eu seremos os únicos a honrar a promessa
que fizemos — Gabriel diz, passando o braço pelos ombros de Natan,
Angel no seu colo, implicando com Nicolas que está no meu.
Os dois não se dão muito bem quando estão juntos.
— Não dá para levar vocês a sério, no meu casamento, nem
imaginávamos que Lion estava com um bebê no forno e Dimitri prestes a
providenciar o seu, tudo por debaixo dos panos — Artho brinca, tirando
uma risada de todos nós.
— Sem contar Diana — faço questão de mencionar a primogênita.
— Lembra como você achava Ayla uma adolescente difícil? Agora
você vai saber exatamente como é ter uma filha nessa fase — Artho faz
questão de jogar na cara dele.
Dimitri revira os olhos, mas acaba sorrindo.
— Somos uns cretinos de merda — Lion diz.
— A pergunta agora é, quem de vocês será o próximo? —
questiono, olhando de Natan para Gabriel. — Se quatro de nós caíram,
vocês não vão escapar.
 
Fim.
 
 
Quero agradecer primeiramente a Deus e minha família por todo
apoio.
A Sil Zafia pelo convite em fazer parte desse projeto incrível, por
lido e sido sincera com a minhas inseguranças, além de ter me entendido
em todos os momentos, e estado comigo até mesmo nos meus surtos,
encontrando sempre um jeito para resolver as coisas. Você é incrível.
A Sophia, por ter sido calma e me salvado no último momento com
a revisão, eu sempre digo o quanto é maravilhosa, e é verdade. Obrigada,
obrigada!
As parceiras por terem apoiado esse projeto, e compreendido
quando surtei, chorei pelas coisas terem fugido do controle, as palavras de
cada uma me incentivaram a continuar, e principalmente por recebido cada
personagem de braços abertos.
A todos os meus amigos.
E a vocês leitores por ter chegado até aqui.
 
Uma espiada no próximo lançamento da série
CLUBE DOS CRETINOS – 13/06/22
SIL ZAFIA
PRÓLOGO
Dimitri
São Paulo, Capital
Sexta, 22 de novembro de 2029
— Que porra é essa? — pergunto a Ana, assim que encaro sua mesa
pela manhã, antes de entrar no meu escritório.
Minha assistente dá um sobressalto na cadeira ao ouvir minha voz.
— Bom dia, Daniel — ela me cumprimenta, me chamando pelo
pseudônimo que adotei desde que saí de Bento Gonçalves, onze anos atrás.
— Uma garota espalhafatosa me abordou na calçada, quando cheguei mais
cedo, e me entregou este manuscrito.
— Nós só analisamos originais enviados por agentes, além do mais,
quem ainda envia manuscrito impre... — Não concluo a pergunta, porque
minha voz fica presa na garganta ao ver o nome na primeira folha.
— Eu já ia jogar fora — Ana diz, pegando o manuscrito da mesa.
— Não! — digo tão alto que ela estremece e solta a pilha de papéis,
assustada.
Sinto meu estômago revirar e um frio mortal tomar conta do meu
coração ao encarar as letras garrafais da autora do manuscrito.
GIULIA RICCI
Não pode ser ela, a voz da razão grita. Deve ter milhares de outras
Giulias Ricci no mundo. Isso é só uma maldita coincidência.
Mas ela queria ser escritora, a voz esganiçada na minha mente
rebate.
Sinto minhas mãos tremerem e as fecho com força até controlá-las,
só então alcanço o manuscrito sobre a mesa. Quando o ergo, tenho a
impressão de sentir o cheiro dela vindo das páginas, dominando meus
sentidos. O título do livro parece gritar na minha cara que não há
coincidência nenhuma aqui.
COMO CONSQUISTAR UM CRETINO
Engulo o nó que preenche minha garganta, a deixando seca, dou as
costas para Ana e me tranco na minha sala.
Tiro o terno e o jogo sobre a plaquinha onde está escrito, EDITOR
CHEFE, logo abaixo do meu pseudônimo, DANIEL RUSCHEL.
Me sento na cadeira de couro e levo o manuscrito até o nariz. Não
sinto mais o cheiro dela. Foi apenas minha mente entorpecida pelo choque
me pregando uma peça.
Tudo em mim revira quando abro a primeira página, sabendo que eu
fui a inspiração para autora deste original, alguém que parti o coração há
tantos anos, o passado do qual eu me escondo desde que deixei Bento
Gonçalves.
 
Capítulo 1
Giulia
Quinta, 24 de novembro de 2011
Sabia quem encontraria lá fora antes mesmo de correr até o portão.
Estava na garagem ampla do meu pai, enquanto meus amigos
atacavam as caixas de pizza que uma funcionária da fazenda havia deixado
ali há poucos minutos, quando ouvi o som agudo da buzina.
Passei pela porta aberta, arrumando os cachos atrás das orelhas e
contornei a casa, expirando e inspirando o ar pela boca, com o coração
batendo forte no peito.
Quando cheguei até o gramado da frente, não me decepcionei.
Ícaro, meu melhor amigo desde que eu tinha me mudado para Bento
Gonçalves, estava descendo da garupa da moto do seu irmão.
Eu não conseguia entender por que Dimitri chamava tanto minha
atenção, não tínhamos nada em comum, mas vê-lo ali fez meu coração se
agitar ainda mais. Dos dois irmãos Romano, Ícaro era sem dúvidas o
melhor, aquele com quem todo mundo pensava que eu iria namorar um dia.
Dimitri estava parado com os braços cruzados e o mesmo olhar
enigmático de sempre. A moto abaixo dele rugia. Artho Becker havia
encostado a sua moto ao lado da dele, e me olhava com um sorriso de canto,
com as duas mãos no guidom, enquanto Ícaro vindo até mim para um
abraço caloroso.
— Vocês não querem entrar? Tem pizza lá dentro. Podem ficar para
o ensaio se quiserem — perguntei com a cabeça erguida, sem demonstrar
que a presença dos rapazes me intimidava.
Ícaro era da minha idade, estávamos concluindo o oitavo ano do
ensino fundamental, mas os outros dois já estavam terminando o primeiro
colegial. Eu sabia que eles não tinham mais que dezessete anos, e usavam
habilitações falsas, mas perto de Ícaro, pareciam muito mais velhos.
— Pizza? Vamos ficar. Posso até ser o par de alguém nesse ensaio.
— Foi Artho que tomou a decisão de aceitar meu convite e descer da moto.
Se Dimitri queria vir, de livre e espontânea vontade, acho que nunca
saberei, mas ele fez como Artho e desligou o motor. Quando ele se
aproximou e me lançou aquele olhar, pensei que não ia aguentar. Meu
coração já acelerado, bateu ainda mais forte.
Odiava e amava aquele mistério na mesma intensidade. Ele
raramente falava, principalmente quando estava na presença de mais
alguém que não fossem seus melhores amigos, nem mesmo Ícaro parecia
ter intimidade com o irmão.
— Tenho certeza de que algumas das minhas amigas vão adorar
dançar com você — comentei, encostando o cotovelo na lateral do corpo de
Artho. — Você também quer dançar, Dimitri?
Me arrependi de dirigir a palavra a ele assim que o fiz. Desejava sua
atenção, mas não com uma pergunta idiota. E quando ele me lançou um
olhar ainda mais indecifrável, tive medo do que ele poderia estar pensando
a meu respeito.
Com o braço de Ícaro em volta dos meus ombros, caminhando entre
eles, eu quase derreti quando vi o canto do lábio dele se mover em um meio
sorriso. No rosto de qualquer outro garoto, aquela era uma simples
expressão, mas não em Dimitri. Ele não era do tipo que sorria facilmente.
Chegamos à garagem e eu os acompanhei até a mesa onde estavam
as pizzas. Os servi refrigerante em copos de vidro, enquanto eles pegavam
as fatias com as mãos.
Os olhos das minhas colegas estavam nos rapazes mais velhos e elas
cochichavam. Eles eram altos e tinha corpos atléticos, do tipo que chamava
a atenção de garotas da nossa idade.
Encontrei o olhar de mamãe, ao lado da caixa de som, quando ela
pigarreou para ter minha atenção.
— Podemos começar? — ela perguntou com o tom de voz sério.
Fiz que sim com a cabeça e dei a mão a Ícaro para ensaiarmos a
valsa que dançaríamos no meu aniversário de quinzes anos, dali a duas
semanas.
Os outros casais de adolescentes assumiram seus lugares, enquanto
minha mãe coordenava os passos.
Ícaro me contava os detalhes de uma série de zumbis, ao dançarmos,
e eu fazia comentários monossilábicos, para que ele não percebesse que
minha atenção estava voltada ao seu irmão mais velho. Não sei como ele
reagiria se soubesse do meu interesse por Dimitri.
O observei comer a fatia da pizza em poucas mordidas, depois
sentar-se na beirada de uma mesa vazia e cruzar os braços fortes diante do
peito. Ele olhava os casais dançando como se fôssemos um bando de
adolescentes tediosos.
Artho terminou de devorar o segundo pedaço e puxou uma garota da
minha turma. Ela ficou lisonjeada pela atenção do rapaz mais velho, e abriu
um sorriso de orelha a orelha ao acompanhá-lo para dançar.
Dimitri ficou observando os dois, sem muito interesse e, quando
Artho conduziu a menina para dançarem atrás de onde Ícaro e eu
estávamos, o olhar de Dimitri encontrou o meu.
Precisei engolir em seco e lutei contra a vontade de desviar. O
encarei de volta e fiquei fascinada por perceber o tédio dando lugar ao
interesse em seu semblante. Depois de alguns segundos, olhei para seus
lábios cheios, antes de voltar a encará-lo, foi quando ele esboçou um sorriso
para mim.
Sorri de volta, mas a empolgação foi destruída pela chegada
repentina do meu pai, um fazendeiro sério e rabugento, de cinquenta e dois
anos, que achava que podia mandar em todos a sua volta.
O vi observar meu grupo de amigos, como se os inspecionasse, até
que a presença dos garotos mais velhos chamou sua atenção. Ele lançou um
olhar a minha mãe, frio o suficiente para que ela fizesse a música parar.
— Giulia — ele pronunciou meu nome com autoridade e meus
ombros se encolheram.
Soltei Ícaro e segui meu pai para fora da garagem passando pelo
corredor que dava acesso a cozinha, onde ele alcançou a cuia de chimarrão
sobre a mesa e encostou a bomba entre os lábios secos.
— O que o filho de Alice Becker está fazendo aqui? — Sua voz
soou imponente, e eu só não me encolhi porque já estava acostumada.
— Ele veio com Dimitri trazer Ícaro para o ensaio — expliquei. —
Os convidei para comer pizza. Algum problema?
Meu pai bebeu do seu chimarrão, me fazendo esperar.
— Não gosto deles aqui. Tolero Ícaro, mas não vou tolerar mais um
garoto Romano. Você sabe o tipo de pai que eles têm. E quanto ao outro, a
mãe dele é uma puta, viciada e ladra — meu pai contou, e dessa vez não
resisti em me encolher com suas palavras duras. — Ela trabalhou algumas
semanas aqui, como faxineira, mas a pegamos roubando. É isso que ela faz,
rouba para comprar drogas. O filho deve estar indo no mesmo caminho. Se
encontrar algum dos dois na minha fazenda outra vez, não vou ser educado.
Pensei em dizer que nem Dimitri nem Artho tinham culpa dos seus
pais, mas não adiantava, meu pai não era aberto a debates.
Me senti culpada por ser tão fascinada por Dimitri, como se eu
estivesse traindo minha família, que tinha uma reputação impecável.
— Pode ir — ele disse, seco, como se falasse com um capataz.
Voltei para a garagem com o coração pesado, sabia que os rapazes
precisavam ir embora, antes que meu pai resolvesse expulsá-los
pessoalmente, mas não estava certa de como os pediria isso.
A música ainda estava pausada, e os meus colegas conversavam
com minha mãe, mas não vi sinal dos rapazes mais velhos.
Sai para fora e dei a volta na casa. Vi suas motos ainda paradas e
continuei procurando. Os encontrei ao lado do poço artesiano que abastecia
a sede da fazenda.
O cabelo castanho de Artho estava caído sobre a testa, enquanto ele
enrolava uma erva em um papel de seda. Dimitri brincava com um isqueiro
de plástico entre os dedos.
Senti a ansiedade me correr ao me aproximar. Mesmo que eu não
fosse baixinha, eles eram muito maiores que eu. Nunca tinha conversado
com nenhum dos dois sem Ícaro por perto. O que eu ia dizer, que meu pai
não os queria nas nossas terras porque um era filho de um bêbado e, o
outro, de uma drogada?
Deveria ter dado meia volta e deixado meu pai resolver aquilo,
deveria esquecer o quão misterioso Dimitri era e o quanto ele me atraia. Era
a coisa mais prudente a se fazer e, talvez, eu tivesse mesmo feito, corrido
para bem longe, se eu soubesse de todas as coisas que sei hoje. Mas,
naquela época, eu era só uma adolescente ingênua, prestes a me apaixonar
pela pessoa que iria foder com toda a minha vida.
— O que estão fazendo? — perguntei, sentindo o coração martelar
nos meus ouvidos quando parei ao lado deles.
Os olhos azuis de Dimitri me encararam e eu odiei não conseguir
decifrar o que ele pensava de mim.
— Já fumou? — Artho perguntou, enrolando uma das extremidades,
antes de levar o cigarro à boca.
— Não — respondi e olhei para Dimitri outra vez. Ele parecia estar
entediado outra vez e eu só desejava que ele esboçasse uma reação melhor à
minha presença.
— Quer experimentar? — Artho quis saber, enquanto pegava o
isqueiro das mãos do amigo e acendia o cigarro.
O observei tragar e senti o cheiro forte quando ele soprou a fumaça,
que veio de encontro ao meu rosto.
— Ela não quer — ouvi a voz de Dimitri de perto pela primeira vez
e estremeci com o tom grave e aveludado, sentindo a adrenalina tomar
conta do meu corpo por ter conseguido fazê-lo reagir, de alguma forma.
— Deixa ela resolver — Artho retrucou. — Quer que eu sopre a
fumaça na sua boca?
Meu coração bateu violentamente, eu tinha vindo pedir para os dois
irem embora, antes que meu pai os expulsasse, e agora ia participar
daquilo?
Era só uma das imprudências que eu cometeria dali em diante, mas
eu adorei a forma como os olhos azuis de Dimitri fuzilaram o amigo por
causa da pergunta. Me fez pensar que ele também sentia algum tipo de
atração por mim.
— Sim, eu quero — respondi a Artho, mas foi para Dimitri que
olhei, me divertindo com seus olhos se enfurecendo e o seu maxilar ficando
tão tenso que poderia quebrar os dentes.
— Afaste os lábios — Artho pediu. Ele tragou mais uma vez,
enquanto a brisa daquele fim de tarde soprava contra meu cabelo, e se
aproximou a poucos centímetros de encostar a boca na minha.
Eu nunca tinha beijado ninguém, mas sabia que aquilo não tinha
outro significado para mim além de provocar Dimitri.
Os lábios de Artho tocaram os meus e eu senti a fumaça entrando,
indo em direção a minha garganta, a fazendo arder. Não durou mais que um
instante, porque Dimitri arrancou o amigo de cima de mim, empurrando seu
peito até Artho tomar uma distância segura.
Tossi e dei risada ao mesmo tempo por ter conseguido irritar Dimitri
Romano.
— Se fizer isso outra vez — ouvi ele ameaçar Artho —, eu vou
arrebentar sua cara.
O cigarro pendeu da boca de Artho e caiu no chão. Ele esticou as
palmas das mãos em sinal de trégua, mas não parecia abalado.
— Pensei que ainda estivesse para nascer a garota que ia fazer você
reagir desse jeito — ele brincou.
— É melhor vocês irem embora — respondi, mais corajosa e
relaxada. — Se meu pai os pegar fumando aqui, vai me deixar de castigo
até a faculdade. Não terei minha festa de quinze anos.
— Não vamos causar problemas — Dimitri respondeu, enquanto
seu amigo se agachava para pegar o cigarro caído. — Estamos indo.
— Vocês vêm para o meu aniversário? — me atrevi a perguntar,
indo contra a razão.
Meu pai tinha deixado claro que não os queria aqui.
— Talvez — foi tudo que Dimitri disse, antes do seu lábio se curvar
em um sorriso, e ele sair arrastando Artho consigo.
 
 
 
 
INSTAGRAM: @autorajussaramanoel
FACEBOOK: Autora Jussara Manoel
 
 
 
Table of Contents
Sinopse
Aviso
Playlist
Prólogo
FASE UM
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
FASE DOIS
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
FASE TRÊS
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Agradecimento
Uma espiada em: Dimitri – Livro 3
Rede Sociais

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