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Seguir meu coração e fazer uma bagunça...
Sim. Certo.
Enfim, por mais que haja dor, também há a Morte. Ele é a complicação,
mas é uma complicação linda à qual não consigo resistir quando realmente
deveria. Ele consome todos os meus momentos de vigília, me submerge em
um forte desejo do qual nunca quero me libertar.
Droga.
1A roda de Catarina é um tipo de fogos de artifício, constituído de um tubo em espiral carregado de pólvora,
ou um foguete montado em ângulo com um pino através do seu centro. Quando acionado, ele gira livremente,
produzindo faíscas e chamas coloridas em espiral.
— Ele está no Santuário — acrescentou Morte.
Ah, que bom. Uma surpresa agradável e inexplicável para eles. Nós,
necromantes, deveríamos fazer isso, não ele.
— E o corpo? — Sussurrei.
— Foi-se.
Um fantasma aparecendo misteriosamente no Santuário sem corpo. E eu
teria que agir tão chocado quanto todo mundo.
Ótimo.
Em todos os nossos anos juntos, eu nunca o vi usar sua foice ou mover um
fantasma – quando ele costumava dar aos mortos a vida após a morte.
Mesmo quando ele estava comigo, ele estava em todos os outros lugares. Do
outro lado do mundo, fazendo seu trabalho, me beijando ao mesmo tempo.
Eu realmente nunca entendi isso, e acho que não deveria fazer nada além
de aceitar a presença global de seu poder.
O rebelde preso nos anéis teria ouvido o tiro, o chamado de seu irmão –
seja ele um irmão de verdade ou um amigo. Estar amarrado não abafou sua
audição.
— Tudo vai ficar bem. — disse Morte, sua respiração flutuando em meus
lábios, seu perfume de sândalo despertando cada terminação nervosa.
Me beija…
Sacudi meu tesão crescente, empurrando tudo para baixo o mais fundo
possível. Eu era um necromante profissional com um fantasma rebelde preso
e precisando ser enviado. Não havia espaço para mais nada agora.
Um carro rugiu nas proximidades. Momentos depois, ele subiu pela
estrada de mão única que saía do estacionamento do meu prédio. O carro
parou, Peter e Trish saltaram.
Os Necromantes tinham que trabalhar em pares durante o serviço, regra
a ser obedecida em todos os momentos.
Trish veio se juntar a mim, Morte recuando para observar à distância.
— Tudo bem? — ela perguntou, me oferecendo um sorriso amigável.
Quando conheci meus companheiros de equipe, eles nunca me ofereceram
nada além de uma atitude negativa. Mas os tempos mudaram e agora a pele
marrom clara de Trish brilhava com um calor que eu precisava ver.
Balancei a cabeça. — Estou bem.
— Esses rebeldes são uma dor de cabeça — ela reclamou. — Preparado?
Juntos, dissemos as palavras para enviar o fantasma.
— Este espírito que mantemos deve ser liberado — cantamos juntos. —
Mande-o para o Santuário Oakthorne.
O fantasma rebelde desapareceu.
— Tudo certo? — Peter perguntou, dando-me tapinhas nas costas.
— Estou bem — respondi. — Obrigado.
Seu belo rosto ficou vermelho de raiva.
— Está ficando perigoso com esses rebeldes arrogantes. O que diabos há
de errado com esta cidade?
— É uma loucura — respondi, minha boca virando uma lixa.
— Quer que levemos você a algum lugar? — perguntou Peter.
— Vou ficar bem lá dentro — respondi. — Eu deveria ir para a cama,
realmente. Apenas sai para tomar um pouco de ar fresco.
— É até perigoso fazer isso hoje em dia — disse Trish.
— Eu que o diga — Peter concordou.
— Tem certeza de que está bem? — Trish verificou com uma expressão de
preocupação em sua voz.
Balancei a cabeça e sorri. — Tudo certo.
— Nós te acompanharemos até lá dentro, companheiro — disse Peter.
Companheiro? Nós passamos dele me desprezando para companheiro?
Depois que Charlotte e Mario foram mortos por Nick, pensei que o ódio por
mim iria se intensificar. Eu estava errado. Esses dois agora estavam me
protegendo.
Eu me senti tão mal por Charlotte e Mario, pegos em um terrível fogo
cruzado. Eles ainda patrulhavam, apesar de não terem poder necromante
agora, os únicos fantasmas permitidos nas ruas à noite sob o toque de
recolher. Pelo menos por enquanto.
Eu os levei para o meu prédio.
Ainda devia tricotar para eles como planejei fazer para conquistá-los?
Talvez não houvesse sentido agora.
Peter me deu um tapinha nas costas novamente do lado de fora da minha
porta. — Verificando se você está bem mais uma vez.
— Estou bem. De verdade.
— Se acontecer mais alguma coisa, ligue-nos imediatamente.
— Eu vou. Obrigado.
Eles saíram e meus ombros caíram de alívio quando fechei a porta.
Deus, eu estava cansado, mas faltava horas para dormir.
Uma batida soou na minha porta. Girei, pressionando meu olho no olho
mágico.
— Oh. — Abri a porta para a Morte, embora ele realmente não precisasse
que eu fizesse isso. Tão educado.
— Você se esqueceu de mim, Marcel?
— Desculpe por isso.
— Não é um problema. — Ele passou por mim, me dando outra dose de
seu perfume incrível.
Fechei a porta, apoiando minha testa nela por um segundo. — Droga.
— Você quer chá? — ele perguntou.
Afastei-me da porta, virando-me para encará-lo.— Chá não vai resolver.
Vamos beber vinho.
Seu sorriso sempre derretia meu coração. — Estou feliz que você disse isso
primeiro.
— Eu só preciso... — Meu corpo ainda estava coberto pelos traços dele do
nosso tempo sexy antes do rubi cair.
Brilhava contra seu peito, o vermelho aninhado contra sua pele bronzeada
naquele V aberto de sua camisa, pendurado em uma corrente de ouro.
— O que você precisa? — ele perguntou, dando às suas palavras
conotações perversas sem nem mesmo tentar.
Esfreguei minha garganta, o calor percorrendo todos os cantos do meu
corpo. — Preciso de um banho.
Um com frio Ártico…
— Vou esperar.
Venha comigo… — Tudo bem. Não vou demorar.
Mantivemos um olhar um pouco longo demais, meus pés se contorcendo
para me lançar nos braços dele.
Fui ao banheiro sozinho.
Não querendo congelar minhas bolas, limpei a noite com um jato quente.
Vagando novamente pelas memórias de minhas vidas passadas, a terrível
destruição, a angústia e o desgosto.
Mais uma vez, desabei, minhas lágrimas se juntando à água quente
escorrendo pelo meu rosto.
Depois de chorar no chuveiro, corri para o meu quarto e vesti uma calça
de moletom cinza e um suéter azul bebê tricotado por mim. Me encarei no
espelho, penteando para trás meu cabelo prateado e úmido.
Pronto. Modo confortável ativado.
Eu me sentia tudo menos confortável.
Respirando fundo, juntei-me à Morte na minha pequena cozinha.
— Sedento? — ele perguntou.
— Absolutamente. — Por que parecia tão rouco?
Ele sorriu, o saca-rolhas pronto.
Graças a Deus pelo vinho tinto.
A Morte abriu a rolha de uma garrafa de merlot e começou a servir,
observando-me com seus magníficos olhos dourados derretidos. Eles
estavam queimando, desarmando armas contra a minha razão. Um olhar era
suficiente para me deixar nu.
— Essa é uma de suas criações? — ele perguntou. — O suéter, quero dizer.
Puxei suavemente. — Sim. Você gostou?
— Você é um tricoteiro talentoso, Marcel.
— Obrigado.
— Você está bem?
Não. — Estou bem.
— Você está tremendo.
Eu estava tremendo. Ainda. Revelações de amor condenado faziam isso.
Todas aquelas vidas passadas que vivi, encontrando a Morte em cada uma
delas com um final terrível, elas picavam como um escorpião com um sério
problema de raiva. Nosso amor era proibido e eu nunca soube o porquê. Mas
eu sabia que desta vez teríamos que quebrar o ciclo, parar antes de
destruirmos a cidade de Oakthorne por causa dos nossos corações.
Deus, eu o amava tanto. Mais do que George, meu ex-noivo que me trocou
por outro cara. Ele empalideceu em comparação com a Morte. Grande
momento.
Todo mundo empalideceu.
Suspirei, passando a mão pelo cabelo, observando o rico líquido cor de
vinho encher as taças de vinho.
— Mesmo isso está errado — eu disse.
— O vinho? — Ele cheirou o topo da garrafa. — Este é um bom merlot. Eu
comprei ele.
Não pude deixar de rir dele. — Você é um idiota2.
Ele me ofereceu uma taça. — Se você diz, Marcel. — Sua voz profunda
gotejava sexo banhado em mel. — Eu me considero mais uma cereja.
— Cereja?
— Eu as prefiro as ameixas.
Balancei a cabeça, pegando a taça. — Obrigado.
Compartilhávamos o amor pelo vinho tinto – uma novidade neste ciclo,
junto com minha predileção pelo tricô.
Ciclo! Pelo amor de Deus! Minha vida não era um ciclo, uma coisa trivial.
Eu estava cheio de coisas que me tornaram Marcel, como minha família em
Londres, minhas ambições, tudo. Mas agora parecia tão confuso.
2 A frase em inglês é “You’re a plum”, que traduzindo literalmente significa você é uma ameixa, mas é uma
gíria para alguém tolo ou idiota.
— Sei o que você quis dizer — disse Morte. — Sobre ser um erro. Até eu
estar aqui na sua cozinha é perigoso. Mas o rubi torna tudo diferente desta
vez. De verdade.
— Como? De onde pegou isso? — Olhei para a pedra vermelha com
cautela.
— Meu contato. Uma maga.
— Aquela que você mencionou antes? Aquela que nos ajudou com o
Resplendor da Morte?
— Sim.
Dentro de um sistema de cavernas nos arredores da cidade, a mais
profunda conhecida como Cravo-amarelo, havia um lago coberto de
Resplendor da Morte – uma substância mortal feita pelo lich para proteger seu
filactério. Uma gota da substância cozinharia qualquer pessoa viva, não
havia antídoto para impedir isso. Estávamos todos tentando drená-lo sem
muito progresso.
Destrua o filactério, destrua o lich.
— Ela me fez o rubi com base no que eu queria — continuou a Morte. —
Para mantê-lo seguro. Ela levou seis meses para fazer, muitas rosas
consumidas.
— Rosas?
— De todas as cores.
A magia dos magos usava herbologia e poder extraído do que os magos
chamavam de esfera, que estava conectada à terra. Muitas poções e coisas
feitas de flores, ervas e plantas, terra, pétalas e esse tipo de coisa. Nada que
eu realmente entendesse completamente por que não era um mago. Apenas
os magos tinham informações completas sobre como sua magia funcionava.
O mesmo que nós, necromantes, na verdade, embora compartilhássemos
uma conexão frouxa com os magos nos cogumelos líquidos – uma energia
ligada à terra.
— Você confia nela? — Respondi.
— Sim.
— Isso é bom. — Bebi meu vinho. — Posso perguntar uma coisa que
sempre pergunto?
— Pergunte-me o que quiser.
— Por que isso acontece?
— Amor proibido — ele respondeu, batendo o dedo na haste da taça de
vinho. Um de seus anéis de ouro tocou no vidro como um sino.
— Sempre a mesma resposta. — Eu balancei minha cabeça. — Mas por
quê? Por que é proibido?
— Porque não devo amar um mortal.
Deus, isso me irritou. — E você aceita isso?
— Parece que eu aceito?
Certo. Ele estar fora do trabalho me deu essa resposta. — É tão injusto. E
há mais nisso.
Ele não disse nada.
— Você está escondendo algo de mim? — Eu me perguntei.
Ele balançou a cabeça e sorriu. — Pelo menos não fisicamente.
Isso me irritou, uma faísca para minha raiva. — Não faça isso. Não brinque
comigo. Não dessa vez.
— Adoro brincar com você — ele ronronou.
Seu tom sedutor não conseguiu me arrastar sob seu feitiço. — Pelo amor
de Deus! Pare! Simplesmente pare! — Minha voz ecoou pela cozinha, mais
alta do que nunca. — Não posso… Droga. Eu preciso de respostas. Preciso
entender isso.
Respirações profundas. Acalme-se…
A Morte deu um passo à frente enquanto eu realizava meus exercícios
respiratórios – uma ferramenta valiosa em minha vida complicada.
— Sinto muito, Marcel — disse ele. — Desculpe.
Acalme-se, acalme-se… — Por que não pode me responder? — Minha voz
voltou ao nível normal.
— Essa é a única resposta que posso lhe dar.
— Amor proibido?
— Sim.
Bebi mais vinho, limpando a boca com as costas da mão. — Você está
escondendo algo de mim.
— Sim. Eu estou.
Minha testa se enrugou, meu peito se apertou de surpresa. — Você está
admitindo isso?
— Pequenos detalhes sobre os quais não posso falar livremente.
— Diga-me — pressionei.
— Não posso falar sobre isso. Literalmente.
— Você jurou segredo por algum tipo de magia?
Ele assentiu, meu amor atemporal e de pele bronzeada olhando para mim.
Minha atenção se voltou para seu cabelo escuro adornado com luzes
acobreadas, a barba por fazer em seu queixo esculpido, a perfeição de seu
corpo musculoso.
— Mas é um amor proibido.
Maldita seja. Maldita seja toda essa cautela e choramingos. Eu queria tirar
nossas roupas, ficar nu com ele novamente. Ele poderia me levar aqui na
cozinha ou em qualquer cômodo que quisesse. Contanto que ele estivesse
me beijando, fazendo meu corpo cantar com seu toque.
Até o rubi se soltar…
Meus olhos ficaram quentes novamente. Bebi mais vinho, forçando minha
tristeza a diminuir.
— Vamos... Não vamos fazer isso — eu disse. — Desculpe, eu gritei. Eu
não quero discutir.
— Fico feliz em ouvir isso. Sinto muito por irritar você.
Você deveria ir.
Você deveria ficar.
Fique para sempre.
— Precisamos conversar sobre Leon West — eu disse, direcionando a
conversa para outro assunto.
— Ok. Devemos ir para algum lugar mais confortável?
— Boa ideia. — Fui para o meu quarto pegar um tricô. Deus, eu precisava
colocar agulha na lã.
— Muito confortável. — A Morte estava na porta, girando suavemente o
vinho em sua taça.
Revirei os olhos.
— Não vamos conversar aqui. Eu só estava pegando isso. — Levantei meu
cobertor incompleto de azul pastel e rosa.
— Sala de estar? — ele sugeriu.
— Absolutamente.
Ele foi embora.
Estufando minhas bochechas, eu o segui. Ele já estava sentado no sofá
azul, bebendo seu vinho.
Sentei-me ao lado dele, imediatamente começando a trabalhar no meu
cobertor.
— Leon me fez uma visita antes de você chegar aqui e a merda do rebelde
começar — eu disse.
— Foi quem eu vi? — ele respondeu.
— Sim. Era como se ele estivesse aqui, mas não realmente. Você sabe, o
mesmo da vez em que ele apareceu antes?
A Morte assentiu.
— Em dois lugares ao mesmo tempo.
Ele conjurou um telefone na mão com sua habilidade e começou a digitar.
— O que está fazendo? — Perguntei.
— Enviando mensagens para meu contato. Vendo se ela pode ajudar. Tem
que estar relacionado magicamente. Agora sabemos que Leon é um mago.
— Oh. Qual é o nome dela?
— Tudo a seu tempo, Marcel.
— Essa é a sua resposta?
— Por enquanto, é. — Ele colocou a mão na minha coxa. — Sei que você
acha que estou sendo difícil, mas não estou.
— Certo.
— Não fique bravo comigo.
— Não estou. — Quase enfiei a agulha de tricô na minha mão.
Seu telefone desapareceu. — Tenho um acordo com ela, Marcel. Isso é
tudo. Talvez você possa conhecê-la um dia. Talvez não. Não importa.
Apenas saiba que ela está do nosso lado.
A culpa de ter uma atitude arrogante me atormentava. — Desculpe. Estou
um pouco sensível.
Sua mão permaneceu na minha coxa, tão quente, tão perto de... — Você
deve estar depois de tudo que passou.
Era um lugar estranho para se estar. Quer dizer, eu era Marcel August,
mas também esse homem cuja alma continuava renascendo para uma nova
década, uma nova era. Cometendo o mesmo erro, amar demais esse imortal.
Nunca pode ser demais…
Talvez agora fosse a hora de acabar com isso, quebrar essa maldição
estúpida contra nós. Cumprindo um destino de nos encontrarmos repetidas
vezes, causando desastres terríveis e muitas mortes. Por quê? O que isso
significava? Esse não poderia ser o nosso destino: amar e destruir ao mesmo
tempo.
Ia dizer isso a ele, mas me contive. Qual era o objetivo? Qual era o sentido
de tudo isso?
Sim, desta vez o rubi tornava as coisas diferentes, mas o perigo
permaneceu o mesmo. Uma merda e tantos pagos com sangue.
Destinado a sempre fazer o mundo sofrer. Isso tinha que parar.
Eu não posso fazer isso de novo…
— De qualquer forma, voltando ao Leon — eu disse, minha voz
embargada. — Ele disse algo sobre uma chave ônix. Você sabe o que isso
significa?
A mandíbula de Morte ficou tensa, seus olhos se estreitaram.
— Você sabe o que isso significa? — Pressionei.
Nenhuma resposta.
— Morte?
Ele abriu a boca para falar, sua garganta balançando. Um som sufocado se
seguiu.
Agarrei seu bíceps. — O que está errado?
— Eu... eu não posso dizer isso.
— Dizer o quê? Isso é sobre a chave?
— Sim. — Sua voz estava tão rouca. — Eu... — Ele prendeu a respiração,
sua pele ficando vermelha.
— Morte? O que está errado?
Ele se engasgou, apertando o peito. — Desculpe... sinto muito.
— Você fisicamente não pode falar sobre isso — entendi. Mais ou menos.
— A mesma coisa de sigilo?
Ele assentiu.
— Tenho que encontrar Leon — eu disse.
— Sim — ele respondeu.
— Mais fácil falar do que fazer.
Leon e Nick estavam desaparecidos, provavelmente envoltos em magia.
Não havia nenhuma trilha para seguirmos para nenhum deles, o que seria
de esperar de um lich. Eles se alimentavam de fantasmas, deixando para trás
corpos sem fantasmas. Mas Nick provavelmente tomou mais precauções
agora que o segredo foi revelado.
Droga.
E o idiota estava procurando por algo enterrado fundo e longe.
O que diabos isso significava? Jon, o poltergeist, disse isso à Morte, sem
oferecer mais detalhes.
Peguei meu telefone civil, abri meu aplicativo de música e toquei o álbum
No More Shall We Part de Nick Cave and the Bad Seeds. Junto com o tricô e
meus exercícios respiratórios, a música de Nick Cave me ajudava a superar,
bem, a vida em geral.
Enquanto tocava a introdução da primeira faixa, 'As I Sat Sadly by Her
Side', a Morte se levantou e me ofereceu sua mão.
— O quê? — Questionei.
— Venha aqui.
— Para quê?
— Dance comigo.
Bufei, minhas bochechas ficando coradas. — Merda. Desculpe.
Seus lábios se curvaram em um sorriso sexy. — Seu bufo é fofo.
Contra o meu melhor julgamento, larguei meu tricô e peguei sua mão. —
Uma dança.
— Ok.
Suas mãos se moveram para meus quadris enquanto eu cruzava meus
braços em volta de seu pescoço, nossos rostos tão próximos. Balançávamos
num círculo lento, sem dizer nada enquanto a música nos envolvia em sua
beleza sombria.
Eu o puxei para mais perto em um abraço, ainda me movendo ao som da
música, nossos corpos pressionados um contra o outro. Ele era tão quente,
tão incrível, tão seguro. Ele sempre era isso.
— Você é minha casa — eu disse, meu rosto enterrado na curva de seu
pescoço.
Ele acariciou minhas costas, me cheirando profundamente. — Eu te amo,
Marcel.
— Eu também te amo. Mas…
Ele soltou um suspiro trêmulo. Eu entendi isso como expectativa.
Soltei um dos meus, invocando minha coragem, meu coração doendo.
Isso não é justo…
Nem a morte em massa…
— Precisamos acabar com isso de uma vez por todas — eu disse, minha
voz cheia de vidro. — Odeio dizer isso, mas temos que fazer a coisa certa
desta vez.
A morte me segurou, sem dizer nada.
— Volte ao seu trabalho — continuei — deixe os fantasmas seguirem em
frente. E eu vou…
— Você vai o quê, Marcel? — ele perguntou suavemente.
— Eu vou... vou seguir em frente também. — Deus, queimou minha
garganta dizer isso.
— Para outro amor.
— Eu... — Como eu respondia a isso? — Não sei. Eu realmente não estou
pensando sobre isso.
Ele se afastou, com um sorriso triste no rosto. — Não voltarei a trabalhar
até que as coisas mudem. — Ele passou a ponta do polegar pela minha
bochecha. — Essa é a minha regra. Se não pudermos ficar juntos sem toda
essa dor, não cumprirei minhas obrigações.
E meu poder continuará a crescer até eu explodir... eu não disse isso.
— Como isso muda? — Perguntei.
— Não sei se algum dia isso mudará. Mas devo tomar uma posição.
Deus, a tristeza naqueles lindos olhos dourados partiu meu coração. Ele
estava lutando por nós, por um possível futuro fora deste ciclo.
— Nunca vou voltar — acrescentou.
Mas você precisa... Por que eu não pude dizer isso a ele? Acho que teria que
mostrar isso a ele, encerrando isso, sendo o catalisador da mudança.
Outro amor? Agora que me lembrei do nosso passado, ele era meu único.
Como poderia outro homem se comparar a um imortal como ele? Como
alguém poderia me tocar da mesma forma, me incomodar da mesma forma,
me fazer sentir tão seguro quanto ele?
Ninguém.
Nunca.
Mas eu teria que me contentar com o segundo melhor.
— O que quer que você escolha, Marcel — ele sussurrou — respeitarei.
O rubi manteve-nos escondidos e impediu os danos. Não foi o suficiente
para acabar com a culpa, para acalmar meu medo.
— É muito perigoso — sussurrei de volta. — Somos muito perigosos.
Ele interrompeu nossa dança, segurando minha nuca com sua mão
quente. Seus olhos perfuraram os meus, a tristeza quebrando meu coração
novamente.
Assuma o risco…
— Sinto muito — eu disse. — É aqui que terminamos.
Ele inclinou a cabeça para o lado, seu sorriso tão cheio de dor. — Então,
que seja. — Ele não baixou a mão, não fez nenhum movimento para nos
separar.
Uma guerra se alastrou dentro de mim. A morte se esforçou tanto para
tornar as coisas diferentes, e eu queria jogar isso fora? As coisas poderiam
ser diferentes. Não éramos idiotas. Poderíamos conseguir ser cuidadosos,
estar seguros. Só que, quando se tratava de sexo, perdíamos o controle. Um
movimento em falso, novamente, e as coisas poderiam virar uma merda
muito rapidamente.
Eu o puxei para mim. — Eu te amo muito.
— Eu também te amo.
— Mas este é o fim.
Ele me segurou com mais força. — Eu entendo.
As lágrimas brotaram novamente, salpicando seu ombro. — Sinto muito.
Não posso mais fazer isso.
— Eu sei — ele me confortou. — Eu sei.
Eu já sabia que meu coração e minha alma poderiam doer tanto? — Nós
ficaremos bem. Vamos ficar.
Ele não respondeu.
— Porque temos que ficar. E temos que ser fortes.
Ele beijou minha bochecha, uma marca suave formigando ali quando ele
afastou os lábios.
— Morte…
— Marcel…
— Eu…
— Você não precisa dizer mais nada. — Ele recuou, quebrando o contato.
— Este é o fim.
Por mais forte e poderoso que fosse, sua aura irradiando piedade, naquele
momento ele parecia tão perdido, tão derrotado. Ele me deu seu sorriso
encantador, suas covinhas adoráveis, mas elas eram um véu roído pela traça.
Eu o devastei, junto comigo mesmo.
— Morte… — Dei um passo à frente. — Eu…
Ele colocou dois dedos nos lábios e me mandou um beijo. — Adeus,
Marcel.
Espere…
Ele passou por mim, direto para a porta.
Espere…
Uma pausa na porta, olhando para mim.
Espere…
Por favor…
Eu o deixei ir, não corri atrás dele quando a porta se fechou.
Corri para minha varanda, esperando.
É assim que tem que ser…
Ele saiu do prédio, seguindo pela estrada de mão única, sem se virar para
olhar para trás.
Agarrei a balaustrada de metal com tanta força que pensei que minhas
mãos iriam quebrar. Rios quentes queimaram meu rosto. Eu não conseguia
respirar, me mover ou fazer qualquer coisa além de vê-lo sair da minha vida.
— Preciso de você... — sussurrei no ar frio do final de setembro.
Amanhã seria outubro. Um novo mês para uma nova vida.
Um novo começo.
O mundo realmente não precisava de um amor proibido para estragar
tudo.
Eu o perdi novamente.
Embora ele ainda estivesse vivo, eu o perdi novamente.
Meu amor.
Meu Marcel.
O que eu deveria fazer agora? Voltar para a vida que vivi antes e cada vez
que ele desapareceu? Vagando pelo mundo, bebendo demais, deixando os
anos passarem. Mesmo nesse tempo, com a minha recusa em trabalhar e o
rubi em jogo, ainda consegui perdê-lo.
Não me virei para olhar para ele, embora o sentisse ali na varanda. Eu não
consegui fazer isso, embora fosse necessário em algum momento, porque
ainda queria ajudá-lo com o lich. Eu não iria embora e o deixaria lidar com
essas coisas, não quando eu pudesse ser útil.
Uma discussão para mais tarde. Ele provavelmente gostaria de se
comunicar por meio de mensagens de texto e e-mails.
Meu coração doeu, minha mente girando através de séculos de memórias,
repetindo cada momento em que o perdi, a força destrutiva do nosso amor.
Não era isso que os mortais chamam de ser chutado quando caído?
Antes disso, chorei por ele e continuei com meus deveres, ceifando almas,
transportando os mortos adiante. Em todos os lugares ao mesmo tempo,
uma presença reconfortante para cada fantasma em cada canto deste mundo.
Eu sempre estive presente para fazer a transição deles para o plano espiritual
para enfrentar suas novas vidas. Minha casa, o reino do meu palácio e trono.
A última vez que perdi Marcel foi na década de 1980, num hotel em
Londres. Estávamos escondidos, trancados em um quarto fazendo amor e
torcendo para que as coisas fossem diferentes. Nenhum evento cataclísmico
ocorreu desde que nos encontramos, um ano antes. Estávamos bem, até
mesmo esperançosos, embora soubéssemos que a maldição contra nós
funcionava de maneira diferente a cada vez. Às vezes, reagia rapidamente.
Na maioria das ocasiões, demorava até liberar sua fúria. A julgar pela queda
do rubi e pela reação instantânea a nós em meu quarto na mansão,
estávamos enfrentando uma fase de resposta rápida.
Nossa complacência nos alcançou naquele hotel em Londres. O prédio foi
totalmente queimado, matando Marcel e trinta outros convidados no
processo. Eu saí num sábado de manhã para comprar uma revista e um
jornal em uma loja da esquina.
Demorou dez minutos para o hotel pegar fogo.
Tentei chegar até ele, mas a fumaça e o fogo eram muito rápidos, com
intenção de morte. Quando eu o encontrei...
Queimado.
Estragado pelo toque do fogo.
Morto novamente.
Não demorou muito depois disso, mais ou menos uma década, exausto e
quebrado demais para aguentar mais, que me afastei. Deixei meu palácio no
reino espiritual, levando meu cavalo, Pegasus, minha motocicleta, Pegasus
II, e minha amiga nascida no espelho, Winnie, comigo.
Os espectros do conselho vieram atrás de mim, era claro. Exigiram que eu
voltasse em nome dos conselheiros, tentaram me fazer ver o raciocínio deles.
Eles eram os meus donos e da Vida, nossos gestores sem poder para me
forçar a recuar. Observadores. Escondidos.
Recusei suas exigências repetidas vezes, mesmo quando eles me disseram
que não podiam evitar mudar o que estava gravado na pedra. Porque Marcel
e eu fomos feitos para amar, não para sofrer. Eu tinha que acreditar nisso,
mesmo diante do desespero. E assim, me instalei em uma casa nos arredores
de Londres, tão em ruínas e abandonada quanto a mansão Oakthorne.
Esperei que sua alma se mostrasse, observando o caos dos mortos não
seguindo em frente. Por um momento, para eles, o tormento de serem pegos
na teia da vida quando mortos. Mas se eu não pudesse ter o que queria, então
as coisas seriam assim.
Marcel sempre se revelou para mim aos dezenove anos, lembrando-se de
mim aos vinte e um e expondo-se ao conselho e à maldição. Tendo adquirido
o rubi antes de seu vigésimo primeiro aniversário, usá-lo garantiu que ele
não se lembrasse de mim, escondendo nós dois no processo. A menos que
caísse do meu pescoço ou fosse quebrado.
Eu realmente acreditava que desta vez as coisas seriam melhores, que
teríamos a chance de ficar juntos sem morte ou dor. Pelo menos até chegar à
velhice.
Eu odiava pensar nesse cenário.
Talvez este fosse o curso de ação correto a ser tomado. Afastar-se de tanta
tristeza, quebrar o ciclo. O rubi caindo do meu pescoço esta noite mostrou
que a desgraça sempre seria nossa sombra miserável. E quanto a ele
envelhecer? O que aconteceria quando ele chegasse aos últimos anos e eu
permanecesse o mesmo? Que novo sofrimento isso traria?
— Isso está certo — eu disse à noite. — Marcel tomou a decisão certa.
Enquanto caminhava para casa, escondido da vista da cidade, contive as
lágrimas, determinado a não chorar. Chorei muitas delas ao longo do tempo,
esse mesmo desgosto me cumprimentando como um velho amigo
distorcido.
Eu poderia enfrentá-lo novamente, mesmo que isso o ajudasse a derrubar
Nick?
Eu não tinha escolha.
Volte para o palácio…
— Não — eu disse ao meu cérebro.
Isso não mudava as coisas. Eu não tinha certeza de como as coisas
poderiam ser mudadas, mas tinha algo a dizer. A teimosia era uma coisa
poderosa e frustrante.
O mesmo acontecendo com a negação do amor verdadeiro.
Uma pena preta pousou diante de mim no meio da calçada ao lado do
cemitério – onde Marcel foi morto a tiros, revivido e revelado ao seu novo
poder.
Cresceu poder por sua causa...
Você pode estar machucando-o...
— Maravilhoso. — Parei, cruzando os braços, os olhos na pena.
A pena se esticou, crescendo em tamanho para se tornar o espectro
encapuzado envolto em pesadas vestes negras. Olhos amarelos se
manifestaram, ardendo na escuridão do seu capuz.
— Morte — o espectro disse com uma voz gelada e sussurrante.
Estremeci com o som. — Não acabamos de conversar um tempo atrás?
Ele não respondeu.
Os espectros eram mensageiros do conselho, figuras aterrorizantes
construídas para assustar a mim e à Vida se saíssemos da linha.
Eles me assustavam tanto quanto mascar chiclete.
— Não vou passar por isso com você de novo — eu disse. — Então, por
favor, me deixe em paz.
— Não vamos parar até que você retorne ao seu assento no poder —
finalmente ele respondeu. — Por enquanto, devemos discutir a chave ônix.
— Você ouviu falar sobre isso?
— Sim. Precisamos de sua ajuda para recuperá-la.
— Mas ninguém sabe onde está, nem mesmo o conselho. Essa é a questão.
— Doeu minha língua dizer tanto sobre isso.
Os olhos amarelos do espectro brilharam. — O lich procura por isso.
— Ele sabe onde está?
— Você sabe que nenhuma alma sabe.
— Então é seguro, não é?
— Ele procura métodos para encontrá-la. Métodos mágicos com os quais
tememos que ele possa ter sucesso.
Isso não seria bom. — Sabe onde ele está?
— Não. O lich é astuto.
— De fato.
— Você deve detê-lo, Morte.
Se ao menos meu poder sensorial funcionasse em Nick. Mas foi um
presente destinado exclusivamente a Marcel. Um bônus de amante.
— Achei que você me queria de volta ao palácio — respondi. — Esse não
é meu único dever?
Uma pausa, o deslocamento do corpo ligeiramente para a esquerda. —
Isso é diferente.
— É mesmo?
— Ajudar-nos ajuda você. Então você deve retornar ao seu dever.
Se alguém já encontrou essa chave...
— Vou te ajudar — eu disse. — Mas não vou voltar ao trabalho. Não até...
— Ele rejeitou você — ele disse, curvado. — Nós sentimos isso. Sentimos
a fratura nessa tolice. Acabou. Ele entende as consequências. Ele não é um
mortal egoísta.
Eles sentiram isso? Então o poder do rubi enfraqueceu. Ser capaz de me
encontrar aqui na rua enquanto eu o usava esclareceu isso ainda mais.
Não. Ele era a perfeição, um homem melhor do que eu jamais poderia ser.
— Encontre uma solução mágica — disse o espectro.
— O lich provavelmente está camuflado.
— Então desvende isso.
Por que você não faz isso? — Preciso destruir o filactério.
— Então destrua.
Abstive-me de demonstrar minha irritação.
— A Vida está ajudando?
— A Vida está ocupada com seu dever.
Claro, ela estava.
Um fantasma correu em pânico pelas grades do cemitério, parando na
estrada para olhar para trás.
Um rebelde pulou a grade com um sorriso demoníaco no rosto. — Eu
adoro a perseguição, fantasma!
— Me deixe em paz! — o fantasma masculino gritou.
— O que você está fazendo depois do toque de recolher? — Resmunguei
para mim mesmo. — Com licença, espectro.
— Você é um servo! — o rebelde declarou — Você vai...
A raiva aumentou para colidir com minhas frustrações, conjurei minha
foice e a joguei no ar. Ela girou no ar, cortando o rebelde ao meio, removendo
seu corpo em um clarão de luz verde e branca, enviando seu fantasma para
o Santuário.
Outro fantasma rebelde e sem corpo aparecendo no Santuário em uma
noite. Eu precisava controlar esse absurdo antes de fazer uma farra.
— Malditos rebeldes — eu disse.
Por sua causa…
Os olhos do fantasma caçado estavam arregalados, examinando os
arredores. — O que aconteceu?
Ele não podia me ver ou ouvir.
— Tem alguém aí?
O vento sussurrou nos carvalhos em resposta.
— Dane-se! — Ele fugiu, esperançosamente para sua casa ou Santuário.
O espectro observou tudo imóvel como uma rocha. — Você está sofrendo,
Morte.
— Obrigado por apontar o óbvio.
— Você não deveria se machucar. Você deveria ser como a Vida. Morte é
morte, Vida é vida. Não há espaço para mais nada. Volte, esqueça esses
sentimentos com os quais você não deveria se preocupar.
— Achei que você queria que eu encontrasse a chave ônix?
— Sim — respondeu o bastardo assustador.
— Minha prioridade deveria ser matar o lich primeiro.
— Você pode?
— Assim que o Resplendor da Morte for eliminado, sim.
— Então faça as duas coisas, se necessário.
Já terminamos aqui?
— A chave ônix deve ser movida antes de qualquer matança —
acrescentou a criatura. — Não sabemos quem mais pode procurá-la ou saber
de tal conhecimento proibido.
Como Nick sabia alguma coisa sobre isso?
— O lich é poderoso — disse o espectro. — Ele tem a ajuda da magia de
mago.
— Sim, ele tem.
— Ache a chave. Faça o que é pedido e depois volte ao seu dever.
Com isso, o espectro voltou a ser uma pena preta, voou para cima e
desapareceu.
— Tchau — murmurei, continuando minha caminhada para casa.
O Lich. A chave ônix. O conselho com medo.
Pelo menos eu teria uma distração para me ajudar nesse desgosto.
Marcel…
Sua pele morena clara, aqueles olhos azuis radiantes. Meu amor sempre
foi lindo, desde a Roma Antiga até agora. A mesma alma com muitas faces
cantando ao meu coração.
Chegando ao terreno da mansão nas colinas arborizadas no norte da
cidade, Pegasus veio me cumprimentar. Acariciei sua cabeça branca e
luminescente, passando para seus flancos.
— Olá. — Descansei o lado do meu rosto contra seu corpo quente. — Você
gostaria de algumas maçãs?
Ele fez um zurro gentil.
— Venha comigo — eu disse a ele.
Eu o levei para o lado oeste da mansão e seus estábulos. De um galpão
anexo ao estábulo de madeira, colhi três grandes maçãs vermelhas,
brilhando como rubis.
Rubi…
Pegasus pegou cada maçã da minha mão, mastigando alegremente.
Como vou deixar você ir, Marcel?
Passei a maior parte da noite chorando, incapaz de fazer qualquer outra
coisa. Usei uma caixa inteira de lenços de papel, deitado no sofá com o
coração partido.
Acordando de cerca de três horas de sono, pisquei para a luz do sol que
entrava pelas portas da minha varanda.
— Merda! — Eu sibilei, sentando-me. Minha cabeça latejava, meu corpo
desgastado, mas não me deixando voltar a dormir.
Caramba.
Não ajudou em nada o fato de eu ter deixado as portas da varanda abertas
durante a noite, e o ar frio transformou meu apartamento em um freezer.
Caramba multiplicada por infinito!
Corri para fechar as portas e liguei o termostato, esfregando os braços.
— E o prêmio de idiota do ano vai para...
Meu e-scroll vibrou no meu bolso.
Era Emma Lackey. Exatamente o que eu precisava.
— Bom dia, senhora — respondi.
— Bom dia, Marcel — ela respondeu alegremente. — Como você está hoje?
— Estou bem, obrigado — menti, mantendo minha vida pessoal fora do
trabalho.
— Excelente. — Ela sempre parecia tão insincera. — Quero que você venha
me ver na sede.
— Sim, senhora.
— Esteja aqui ao meio-dia. Não se atrase.
— Sim, senhora.
Ela desligou.
Rude…
Embolsando meu e-scroll, comecei a fazer café – puro, sem açúcar – e
procurar por comida. O que eu realmente desejava eram alguns dos
croissants recém-feitos da minha mãe, cobertos com manteiga e geleia. Hum.
Sem seus deliciosos doces e possuindo minhas próprias habilidades
culinárias, coloquei um pouco de pão na grelha e vasculhei minha geladeira.
Queijo? Ovos? Eu poderia cuidar dos ovos. Feijão cozido?
Morte…
Onde ele estava? Ainda na decadente Mansão Oakthorne ou em outro
lugar? Ele tinha saído da cidade agora que terminamos?
Eu queria vomitar.
Duas separações em menos de um ano. E o prêmio por...
Eu rapidamente fechei a besteira interior enquanto meu pão queimava.
— Droga! — Eu gritei, jogando a bagunça carbonizada no lixo.
Na segunda rodada, fiz ovos mexidos com queijo, torradas douradas e
uma boa porção de feijão cozido. A combinação de comida e café me deu a
energia que precisava para enfrentar o dia e meu encontro com Emma.
Só não tinha forças para enfrentar o resto da minha vida.
Deus! Tão dramático!
Cansado de ficar preso dentro de casa, com três horas para matar, fui para
o ginásio necromante para queimar algumas das minhas emoções. Nós,
necromantes, tínhamos que nos manter em boa forma física e também
mentalmente saudáveis. Fiz alguns pesos, corri em uma esteira ao som da
música de Janet Jackson, suando bastante.
Isso não impediu meu coração de doer.
Depois de tomar banho novamente, voltei para casa ouvindo Nick Cave,
aproveitando o dia frio, mas ensolarado. Passei por pessoas cuidando de
seus negócios, fantasmas vivendo suas vidas falsas, presos aqui sem ter para
onde ir. Capaz de interagir com objetos e conversar e até cozinhar, mas não
tocar nos vivos. Uma regra cruel, uma crueldade causada pela Morte.
Ele voltaria ao trabalho agora? Eu mantive meus dedos cruzados.
— Marcel! — uma voz familiar gritou.
Louise Bell, minha amiga fantasma, veio correndo pela praça em forma de
estrela onde ficava meu prédio. Apropriadamente chamada de Praça Leste,
estando no lado leste da Praça Central em forma de estrela, ela e três outras
orbitavam. Desliguei Nick Cave e tirei meus fones de ouvido, acenando para
ela. Ela estava hospedada no Santuário de Oakthorne – alojamento para
fantasmas que perderam suas casas, completo com celas inferiores para
fantasmas travessos – por algum tempo. Ela não havia perdido sua casa,
morando com sua mãe ainda viva perto do lago Oakthorne. Mas depois de
ser sequestrada e quase comida por Nick, ela queria um pouco de descanso.
Eu não a culpei nem um pouco.
Eu me impedi de abrir os braços. Sem abraços para essa amiga.
— É bom ver você, Louise.
Ela parou, ajustando seu gorro azul com um gatinho rosa na frente. —
Bom ver você também! — Ela era pálida, com cabelos loiros sempre
aparecendo por baixo do gorro. Caminhando pelo sol, sempre tão feliz em
me ver. — Como você tem estado? Sinto sua falta.
— Tudo certo. Lidando com as coisas, sabe?
Ela piscou, aproximando-se. — O que está errado?
— Desculpe?
— Algo aconteceu.
— Estou bem.
Ela cruzou os braços. — Você não está. Fale comigo.
— Eu... eu realmente não posso falar agora. Tenho que me preparar para
uma reunião.
— Depois então. Podemos dar um passeio ou o que você quiser. Se você
quiser conversar, é porque falar ajuda, mas você tem que estar pronto para
falar quando estiver pronto porquê…
E ela continuou assim por um bom minuto. Louise: a Rainha dos
Tagarelas.
— Louise?
Ela parou. — Sim?
— Vá para a minha casa às três. Vamos conversar então.
O fantasma assentiu com entusiasmo.
— Brilhante. Vejo você lá então. — Sua testa se enrugou. — Eu não fiz isso!
— Não fez o quê?
Ela limpou a garganta. — Bonjour, Marcel. Cava3?
Eu ri. Ela adorava que eu falasse francês, tendo uma mãe francesa que
insistia que eu e meu irmão aprendêssemos a língua.
— Ca va bien, merci. Et toi4?
3 Como está?
4 Estou bem, obrigado. E você?
Ela bateu palmas. — Très bien, merci5. — A alegria em seu rosto era um
bálsamo agradável contra toda aquela porcaria podre.
— Você tem praticado — eu disse.
— Aprendi no Santuário. Decidi cumprir minha ambição de falar outro
idioma. Deveria ter feito isso quando eu estava viva, mas não importa.
Tenho a chance agora, certo?
— Certo. — Foi um golpe forte para mim a compreensão de que, se a
Morte voltasse a ser Morte, Louise teria ido embora. Ela sairia da minha vida.
Claro, eu ficaria feliz por ela, mas também sentiria muita falta de suas
divagações, da gentileza que ela me mostrou quando cheguei aqui.
Devo contar a ela sobre a Morte e eu? A história toda?
— Tudo bem — eu disse, precisando de mais café. — É melhor eu ir. Vejo
você às três?
— Oui! — ela gritou, assustando um fantasma que passava.
Eu ri de novo. — Muito bom. Adeus por agora.
— Au revoir6!
Voltei para o meu apartamento. Sentei-me no sofá, tomei um gole de café,
tricotei mais um pouco e depois me vesti para a reunião. Todo de preto,
como os necromantes costumavam se vestir quando trabalhavam, mesmo
que eu não estivesse de plantão. Apropriado para o meu estado atual – a cor
do luto.
— Droga — eu disse ao meu reflexo.
7Anna Wintour é a atual editora-chefe da edição norte-americana da revista Vogue, a mais conceituada e
importante publicação de moda do mundo e um dos seus maiores ícones.
— Parece que tudo o que falo hoje em dia é sobre você.
De alguma forma, ela fez parecer que era culpa minha. — Desculpe,
senhora.
Ela não fez nada para mudar minha maneira de pensar. — Reunião após
reunião, dia e noite, especulações intermináveis sobre o que você está se
tornando, se outros necromantes receberão as mesmas atualizações.
Por que não me apunhala com o abridor de cartas e acaba logo com isso?
Fiquei de boca fechada.
— Mas chegamos à conclusão de que você deve ser incluído nas
discussões.
Graças a Deus por isso!
— Como eu disse a você antes, Marcel, temos um lich à solta e um
problema rebelde. Portanto, Oakthorne precisa de toda a ajuda possível.
— Obrigado, senhora.
Ela ignorou minha gratidão. — O que Nicholas West está fazendo?
Uma pergunta eterna.
Liches eram humanos transformados em criaturas mortas-vivas.
Totalmente auto infligido usando uma mistura de cogumelos Chapéu-da-
morte, terra de sepultura e pó de osso de um necromante. A mistura mortal
os matava, mas os trazia de volta à vida momentos depois. Algum sacrifício
perturbador, presenteando os idiotas com vida eterna e acesso ao poder
necromante.
— Oh, mer... Deus — eu disse.
— O que foi, Marcel?
— Se eu tiver esses novos poderes, um lich pode acessá-los? Quero dizer,
Nick pode evoluir? Esse é o termo certo?
— Acredite em mim, já abordamos esse assunto muitas vezes — disse ela.
— O mesmo se aplica aos rebeldes.
Que pensamento doentio.
Eu balancei a cabeça. — Você encontrou alguma coisa sobre Leon West,
senhora?
— O marido está desaparecido — respondeu ela, batendo as unhas
vermelhas nas teclas do laptop. — Escute, chega dessa especulação. Vamos
nos concentrar em aprender mais sobre você, certo? Por enquanto, queremos
que você guarde isso para si. Os fantasmas de Charlotte e Mario foram
testemunhas de seus poderes, mas são leais e guardarão isso para si.
Eu balancei a cabeça, como um bom pequeno necromante. Eu estava
muito feliz por voltar ao trabalho.
— Continue tomando suas doses diárias da Fórmula de Assistência
Neurológica Necromante — acrescentou ela. — Tome mais, se necessário.
Quero que você mantenha um diário a partir de hoje e me envie por e-mail
suas anotações em latim reverso no final de cada dia.
Que chatice.
O Latim Reverso foi especialmente desenvolvido para que os necromantes
conhecessem fluentemente, uma linguagem usada para criptografar
mensagens entre nós.
— Se você revelar seus poderes por acidente — disse ela — eu cuidarei
disso. Mas você deve entrar em contato comigo no primeiro momento
conveniente. Está claro?
— Muito claro, senhora.
— O toque de recolher fantasma que Nicholas implementou ainda está em
vigor, como você sabe. Qualquer fantasma que o quebre deve ser enviado
para o Santuário imediatamente, sem exceções. Além de Charlotte e Mario,
estou pensando em revogar essa isenção.
Balancei a cabeça.
Seu e-scroll zumbiu. Ela atendeu e desligou. — O que mais está aqui? Oh.
Claro. Sua rotina é o turno da meia-noite ao meio-dia. Estou pensando em
mudar os turnos a cada semana ou duas semanas, para que todos trabalhem
nos dois padrões.
Mais acenos do necromante obediente conhecido como eu. Com ela aqui
na cidade, as coisas não seriam as mesmas que eram sob Nick. Antes de ele
se mostrar o lich assassino, seus métodos eram mais calorosos. Tínhamos
que seguir suas regras, sim, mas nada parecia micro gerenciado ou, bem,
assustador. Eu estava acostumado com Emma, já que ela era minha chefe em
Londres. Mas parecia estranho tê-la aqui nesta pequena cidade.
Eu acho que ela não se aposentaria de seu papel tão cedo como ela queria.
Um papel que eu estava trabalhando para conseguir antes de minha vida
desmoronar.
Eu me mexi no meu lugar, pensando na Morte. O que ela diria ou faria
comigo se descobrisse sobre nós?
— Nossos novos companheiros de equipe estão chegando hoje — disse
ela. — Temos um necromante muito capaz chegando de Londres em... — ela
checou o relógio, — … ele deve estar aqui nos próximos vinte minutos. Ele
se mudará para o seu prédio com seu parceiro, Robert Jones. Ele é do bairro
de Southwark. Você o conhece?
— Não posso dizer que sim, senhora. — Conheci alguns necromantes de
fora de Westminster. Necromantes da academia, mas esse cara não me
lembrava nada.
— Acredito que o apartamento dele ficará no mesmo andar que o seu —
acrescentou ela, verificando a tela do laptop. — Sim. Duas portas abaixo.
— O que aconteceu com o Sr. Pickle? — Perguntei.
— Ele morreu, decidiu que não queria ficar com a propriedade. Então,
autorizei a compra de uma moradia para necromantes. Agora é nosso.
— Como eu não percebi que ele morreu?
— Você tinha muita coisa acontecendo, Marcel. Não se preocupe.
Você não sabe nem metade… Pobre Sr. Pickle. Ele era um homem tão legal.
Idoso que ia todos os dias à agência de notícias da Praça Leste, sem deixar
de pegar seu jornal.
Seu e-scroll exibiu uma mensagem desta vez. Ela leu, com a testa franzida.
— Está tudo bem, senhora?
Seus olhos se voltaram para mim. — Parece que Robert Jones está
atrasado. Problemas com os rebeldes com os quais ele tem que lidar. Você
não irá conhecê-lo ainda, então. — Ela olhou para seu laptop. — Espero que
ele esteja aqui antes do seu turno, visto que eu coloquei você com ele. De
qualquer forma, cruzaremos essa situação quando chegarmos a esse ponto.
Estou lhe enviando a nova escala de trabalho agora. — Toque, toque, toque.
Enquanto ela apertava essas teclas, invoquei um pouco de coragem
interior. — Senhora? Você teve notícias de Jenn?
Ela parou, me encarando com um olhar intimidador.
Engoli. — Senhora?
— Por que você está se preocupando com Jenn?
Porque ela é minha melhor amiga! — Eu... sinto muito. Só pensei em
perguntar.
Ela pegou uma caneta prateada ornamentada. — Como eu disse antes, ela
está levando seu tempo para se curar com seu novo namorado e seu pai. Ela
quer ficar sozinha e quero que você respeite esse desejo. Fui clara?
Minha melhor amiga. Minha tudo ou nada. Eu deveria deixá-la ir embora?
Para não a ter mais na minha vida?
— Marcel?
— Senhora?
— Fui clara?
— Sim, senhora. Sinto muito por tocar no assunto.
Ela apertou uma tecla, meu e-scroll fez um som.
— Escala — ela disse friamente. — Leia isso. Te vejo de volta aqui à meia-
noite.
— Sim, senhora.
— Mas antes de você ir, devo dizer que dois fantasmas rebeldes
apareceram no Santuário durante a noite. Não temos certeza de como ou por
que, então mantenha os ouvidos atentos. — Ela revirou os olhos.
Dois fantasmas? A Morte matou outro rebelde?
Emma voltou a digitar, terminando comigo.
Despedi-me, levantei-me e saí, correndo para casa o mais rápido que
pude.
— Mon Papillon — minha mãe me cumprimentou na tela do meu laptop,
mandando-me beijos da mesa da cozinha. — Como vai você?
— Estou bem, Maman. E você? Oi, pai.
— Olá, filho — respondeu ele, empurrando os óculos no nariz. — Nós dois
estamos bem.
Mamãe assentiu, bebendo uma xícara de chá. — Fizemos uma caminhada
adorável esta manhã. Tomei café da manhã, aproveitei o sol. Como é que
está o tempo aí?
Deus, eu sentia muita falta da minha família. — Ensolarado também.
Acabei de ter uma reunião com Emma. De volta ao trabalho à meia-noite.
O sorriso de mamãe não conseguiu disfarçar sua angústia. Ela odiava meu
trabalho, impotente para fazer qualquer coisa a respeito. Eu mesmo estava
impotente. Os necromantes nasciam, não eram feitos. Nossos destinos foram
traçados para nós imediatamente, especialmente hoje em dia.
— Fico feliz em ouvir isso, Mon Papillon — disse ela, com a voz estridente.
— Merci, Maman.
— Como você se sente com isso? — Papai perguntou.
— Me tira de casa — eu disse. — Estou cansado de ficar preso dentro de
casa.
Preso dentro de casa sem a Morte, ansiando por ele. Eu realmente tinha
que me libertar disso, para me concentrar em outras coisas.
Como teria sido a vida da Morte sem mim todas as vezes? O que ele teria
feito consigo mesmo? Perguntas que eu deveria ter feito a ele.
Pegue ele de volta…
— Porra! — Eu gritei.
— Marcel! — Mamãe gritou. — Linguagem!
— Desculpe, Maman.
Ela balançou a cabeça. — Terrível.
Mudei rapidamente de assunto. — Como está Henri? — Meu irmão mais
novo me mandou uma mensagem mais cedo reclamando de seu trabalho na
universidade – ele estava estudando para ser médico.
— Depois que sua mãe o encheu de croissants esta manhã, ele ficou bem.
— disse papai. — Ele descerá em um segundo.
Mamãe riu. — Ele comeu sete, Mon Papillon.
— Tenho certeza de que ele tinha espaço para mais. Esse menino tem um
estômago sem fundo.
— Isso ele tem. — Ela tomou mais um gole de chá. — Mas você está bem?
— Oui, Maman. Estou ansioso para receber seu pacote amanhã.
Eu não conseguia acreditar que não fazia nem vinte e quatro horas desde
que me lembrei de minhas vidas passadas, desde que terminei com a Morte.
Já parecia uma maldita vida.
— Ligue-me assim que chegar — disse ela.
— Eu vou.
Conversamos um pouco mais sobre o tempo, as palavras cruzadas do
papai no jornal de domingo, os planos de mamãe para um jantar épico de
assado mais tarde.
— Eu gostaria de estar aí — eu disse, sem querer parecer tão triste.
Mamãe se inclinou para frente, tocando na tela. — Sinto tanto a sua falta,
Mon Papillon. — Seus olhos brilharam.
Papai acariciou suas costas.
— Não é justo — ela continuou. — Emma não deveria ter mandado você
embora daquele jeito. Quem ela pensa que é?
— A Diretora Superior de Westminster — respondi. — Tenho que fazer o
que ela diz.
Mamãe rosnou, recuando. — Ela é uma vadia. — Ela pegou um
guardanapo e enxugou a boca. Um discurso retórico estava se formando.
— Estou aqui! — Henri declarou intrometido, sentando-se na cadeira ao
lado de papai. — Fresco como uma margarida. — Ele acenou para mim e
depois olhou para mamãe. — Maman? O que está errado?
— Emma — papai respondeu.
Meu irmão assentiu, passando a mão pelos cachos pretos e úmidos. —
Merda.
— Henri! — Mamãe explodiu.
Ele estremeceu. — Desculpe.
Eu sorri para ele.
— Você está um pouco menos estressado? — Perguntei.
— Um pouco. Boa comida e um banho quente sempre ajudam. — Ele
estendeu a mão e deu um tapinha na mão de mamãe.
Ela gostou disso, ficando de pé e beijando o topo de sua cabeça. — Você
usou meu shampoo?
A cor desapareceu de seu rosto. — Eu, hum, acho que sim.
— Você acha?
— Eu... eu usei. Realmente usei.
— Eu vejo. — Ela bateu na cabeça dele com um dedo.
— Desculpe, Maman! — ele gritou de repente, jogando-se à mercê da
Corte Mãe. — É muito melhor do que minha merda de coco.
Mamãe era preciosa com seu xampu. Mas para ser justo, era uma coisa
incrível.
— Também é caro — ela rebateu. — E a linguagem!
A última parte me fez pular.
— Se você quiser usar essa marca, terá que comprá-la você mesmo — disse
ela.
— Sim, Maman.
Henri o usaria novamente em alguns dias. Ele não podia evitar.
Mamãe cheirou seu cabelo. — Mas você tem um cheiro delicioso. — Ela o
beijou dez vezes na cabeça e acariciou a lateral de seu rosto. Ela então foi
fazer mais chá.
Ela estava chateada. Na verdade, não com Henri, já que a Controvérsia do
Shampoo era um vaivém permanente entre eles. Sua frustração veio de me
querer em casa, de não ser capaz de dizer a Emma o que pensava. Mas
pessoas poderosas como minha chefe não eram para ser fodidas, nem
mesmo por mamães ursas furiosas. Mamãe ficaria muito pior se se
enfurecesse com a Diretora Superior.
— E o Natal? — perguntou mamãe, sentando-se com um chá fresco.
— Terei que agir com cuidado quando chegar a hora — respondi. —
Amolecer ela.
Deus, que impossibilidade.
— Ela não pode negar a você um dia de Natal com sua família.
Papai e Henri concordaram com a cabeça.
O Natal era a última coisa em que eu queria pensar. — Deixe-me passar o
próximo mês ou mais, provar meu valor para ela um pouco mais. É isso que
ela quer. É a isso que ela responde. Então poderemos ver para onde iremos
a partir daí.
— Você não tem nada a provar para ela — disse mamãe.
— Maman…
— Marcel pode lidar com isso — papai interrompeu.
— Obrigado, pai.
— Marcel é demais — acrescentou Henri.
— Eu sou?
— Sim, você é demais. Por que você não seria isso quando você é meu
parente? — Ele piscou.
— Espere? É o seu ego?
Ele olhou furioso para mim. — Estou deduzindo pontos disso.
— Isso é real?
— Claro que é.
— No mundo de Henri. Entendi.
Ele riu. — Parece um reality show de TV.
— Você vai comer testículos de rinoceronte?
— Marcel! — Mamãe repreendeu.
— Desculpe!
— Nojento — disse papai.
— Acontece — respondi com um encolher de ombros.
Papai gemeu. — Não torna isso certo ou entretenimento.
— O lixo de uma pessoa é as bolas de rinoceronte de outra.
— Mon Papillon!
Henri bufou.
— Isso é culpa sua — eu disse ao meu irmão, as risadas aumentando.
Oh, não.
Seu rosto ficou com um tom de beterraba, uma risada silenciosa tomando
conta dele. Eu o segui, preso no mesmo ciclo de risadas. Tentando me livrar
disso, incapaz de olhar meu irmão nos olhos. Cada vez que eu fazia isso,
riamos histericamente.
Papai riu.
Mamãe não viu o que era tão engraçado.
Levamos dez minutos para nos superarmos.
Mamãe revirou os olhos e sorriu. — Meus meninos são tão bobos quanto
uns aos outros — disse ela em francês. — Fico feliz em ver. Eu gostaria de
poder abraçar vocês dois assim. — Ela agarrou Henri em um abraço de urso
por trás. Papai se juntou a ela, esmagando meu irmãozinho com amor.
Eu ri, doía, tive vontade de pular no carro e acelerar todo o caminho de
volta para Londres. Para o inferno com Emma, com a necromancia. Arranjar
um novo emprego, deixar toda essa merda para trás.
Neste caso, os sonhos não se realizaram.
Depois que Henri se libertou, conversamos um pouco mais,
eventualmente encerrando nossa videochamada.
— Conte-nos como foi seu primeiro turno quando terminar — disse papai.
— Eu vou.
— E me ligue quando receber seu pacote — acrescentou mamãe.
— Claro, Maman.
— Amo você — Henri contribuiu.
— Amo você mais.
— Sinto mais sua falta.
Fiz um sinal de coração com as mãos.
Ele fez de volta.
Levamos mais cinco minutos para finalmente admitir a derrota e
continuar com nossas tardes.
Por mais que eu concordasse que me manter aqui em Oakthorne era muito
cruel e totalmente desnecessário, eu tinha assimilado esse pedaço da
sociedade agora. E eu cumpriria minhas obrigações, com o objetivo de
impedir Nicholas West de ser meu foco principal.
E a Morte?
Ligando algum reality show de merda e pegando meu tricô, decidi que
teria algum tempo para relaxar. Quando Louise chegasse, eu relaxaria com
ela e depois relaxaria um pouco mais até meia-noite. Talvez até tentaria tirar
uma soneca.
Ha!
Depois de uma hora de início de um programa sobre uma família famosa
que morava em Los Angeles, com muito drama manipulado em que eu
estava me metendo, um estrondo veio do lado de fora da minha porta.
Levantei-me de um salto, imediatamente peguei minha arma e corri até o
olho mágico para ver um necromante curvado sobre uma caixa.
— Maldita caixa! — ele gritou, chutando.
Abri a porta para o homem de pele dourada e cabelo prateado penteado.
Os olhos verdes imediatamente encontraram os meus.
— Oh. Tudo bem, mano? — Ele se endireitou, me oferecendo uma mão.
— Sou Robert Jones. — Ele bateu no cabelo. — Companheiro necromante.
Apertei a mão dele. — Marcel August.
— Pensei que fosse. — Ele me olhou de cima a baixo. — Prazer em
conhecê-lo, parceiro.
Ele era cheio de músculos. Não muito grande, mas impressionante ao
mesmo tempo. Esses braços! Uau!
— Você quer uma ajuda? — Perguntei.
Ele se abaixou para pegar a caixa. — Não. Estou bem, mano. A outra
metade está bem atrás de mim. — Ele olhou por cima do ombro. — Pelo
menos ele deveria estar.
— Está tudo bem em Londres? — Perguntei. — Emma disse que havia um
problema com rebeldes.
— Tudo bem, mano. Tudo certo.
— Legal. Se precisar de ajuda, me avise.
— Obrigado pela oferta. Que tal nos encontrarmos mais tarde, antes de
irmos para as ruas?
— Claro. Lá pelas oito? Isso me daria a chance de tentar tirar uma soneca.
— É bom para mim. Melhor seguir em frente. Prazer em conhecê-lo.
— Você também.
As portas do elevador se abriram e um homem carregando uma caixa saiu.
— Já era hora! — Robert gritou.
Eu mal o ouvi, agarrando o batente da porta para não escorregar para o
chão. O choque me atingiu como uma escavadeira.
— Não... — suspirei.
George ficou ali, olhando para mim com seu lindo sorriso naqueles lábios
com os quais eu sempre sonhei.
— Marcel — disse ele. — É bom te ver.
Abri a mensagem de texto no meu telefone.
Venha para o mercado.
Enviei a Yvonne, minha amiga maga, uma resposta dizendo que chegaria
em breve.
— Winnie?
O peixinho dourado iridescente apareceu no vidro do espelho dourado
acima da lareira. Minha familiar, minha conselheira e minha querida amiga.
Ela nadou para frente e para trás, uma criatura do plano espiritual. Os
nascidos no espelho eram raros, raramente aparecendo no vidro. Tive sorte
de tê-la. Eles eram criaturas preciosas, leais e sem julgamentos. Eles
ofereciam conselhos e companheirismo, expressavam preocupação quando
necessário, e este peixe nascida no espelho permaneceu ao meu lado em
todas as coisas. Mesmo aqui neste reino mortal, afastada de tudo o que ela
conheceu, sua lealdade nunca vacilou.
Dois séculos de amizade. Faltam mais dois, sua vida dura quatrocentos
anos.
Eu temia o dia em que ela desapareceria.
— Você está bem? — ela perguntou.
— Estou bem.
— Sei que você não está bem, querido.
— Correto, mas tenho um trabalho a fazer.
— Trabalho?
— Estou indo para Londres. Você gostaria de vir junto?
— Londres? — ela respondeu, nadando para mais perto da borda do
vidro.
— Para me encontrar com Yvonne.
Winnie piscou seus olhos esmeralda para mim. — Eu entendo. Sim, irei
com você.
Conjurei seu espelho de bolso dourado na palma da minha mão. Abri para
ela.
— Obrigado — eu disse. — Eu gostaria que você ouvisse de agora em
diante, já que as coisas estão tomando rumos interessantes. Faça notas, como
dizem os mortais.
— Fico feliz em ajudar.
Suas escamas brilharam e então ela desapareceu do vidro. Momentos
depois, ela reapareceu no espelho menor.
Coloquei-a na cama, deixando o estojo compacto em forma de concha
aberto. Bebi o resto do meu vinho e vesti uma camisa.
— Quando partimos? — ela perguntou.
— Assim que eu abotoar esta camisa e alimentar Pegasus.
— Uma cor adorável.
— Obrigado. — Uma cor bordô hoje. — Ok, aveia para o cavalo, e então
vamos. — Fechei o espelho de bolso e coloquei-a no bolso. Ela deslizou
facilmente no couro apertado, confortável como um... Qual era a expressão?
Confortável como um inseto em um tapete?
Eu odiaria ter insetos em meus tapetes.
Com uma rápida olhada ao redor do quarto, o espaço ainda cheirando ao
aroma de caramelo de Marcel, fechei a porta e alimentei meu cavalo.
— Estaremos de volta em breve — eu disse a ele enquanto ele comia sua
aveia favorita. — Então vou levar você para um passeio.
Contente. Um cavalo muito feliz.
— Bom garoto. — Dei um tapinha em seus flancos.
Deixando-o com sua comida, fui para a garagem da mansão. Cliquei na
lâmpada solitária pendurada no centro do teto. A luz anêmica revelou pisos,
paredes e tetos rachados. Teias de aranha espalhadas pelos cantos, poeira se
acumulando, o espaço precisando de amor e pintura, mas ainda servindo de
armazenamento para minha moto, Pegasus II – uma Harley Davidson preta
e dourada.
A moto sempre pareceu forte entre minhas coxas. Uma fera das estradas
com uma aura de velocidade e liberdade que eu adorava. De volta ao plano
espiritual, eu a levaria para muitos passeios nas regiões selvagens do reino,
abrindo todo o seu poder por trechos intermináveis. O vento em meus
cabelos, soprando em minhas tristezas, tirando-me da minha dor, mesmo
que apenas por momentos fugazes.
Marcel…
Acelerei, pronto para Londres.
Eu posso consertar as coisas, Marcel…
Exatamente uma hora depois, Yvonne voltou para a tenda. Ela colocou
três poções roxas sobre a mesa.
— Feito — ela disse.
— Muito obrigado. — Peguei as poções para usar na mansão.
Não fazia sentido Winnie estar aqui. Eu estava paranoico, um tolo como
sempre.
— De nada — ela respondeu, apalpando a lateral do bule. — Ainda
bebível. — A maga serviu mais chá.
— De qualquer forma, aproveite o resto do seu dia — eu disse, indo
embora.
— Posso te ajudar com Marcel, mas isso vai te custar.
Meu traseiro voltou para a almofada.
Ela sorriu, apoiando as mãos na mesa.
— Há uma poção que muitos magos não conhecem e, se conhecessem, não
a preparariam. Mas eu sim. — Ela piscou um olho âmbar para mim. — E
posso fazer isso acontecer.
— Vou precisar de algum contexto — eu disse.
Yvonne baixou a voz, acenando para que eu me aproximasse. — Bolsão de
Margarida8.
— Mais uma vez, eu realmente preciso que você forneça contexto.
— Provavelmente a poção mais complexa do mundo, ela cria bolsões
especiais que existem além das regras do tempo e do espaço. Mundos
pequenos e alternativos, se você quiser.
Olhei para ela por longos momentos. — Está falando sério?
— Por que eu não estaria?
— Parece ridículo.
— Diz o ser imortal que faz os fantasmas ficarem presos.
— Touché.
Yvonne tomou um gole lento de chá antes de falar novamente. — As
regras desses bolsões são projetadas por você, totalmente criadas de acordo
com suas especificações.
— Isso parece bom demais para ser verdade.
— Mas é verdade de qualquer maneira.
As coisas realmente tomaram um rumo interessante.
— A poção é extremamente difícil de fazer — continuou ela — exigindo
alguns ingredientes caros e extremo cuidado para não perturbar a esfera.
A magia de Leon havia perturbado a esfera dos magos recentemente –
algo que os magos se esforçavam para não fazer.
Agora eu estava feliz por Winnie estar no meu bolso. — Suponho que uma
margarida é um desses ingredientes? — Eu disse.
— Sim. A coisa mais fácil de colher. Estou em falta de um ingrediente
chave.
Um lugar projetado de acordo com minhas próprias regras. — Um lugar
para nós.
8 Bolsão é algo que, por circunstâncias diversas, se encontra isolado da realidade a que pertence.
— Sim.
— Por que não disse nada antes?
— Porque você tinha o rubi. Por causa das questões éticas que envolvem
o ingrediente principal. Por causa dos riscos para mim mesma ao preparar a
poção. Um movimento em falso na preparação e estou morta.
Claro. — Você gosta de me preparar para as coisas, não é?
Ela riu. — Uma qualidade cativante, diriam alguns.
Frustrante era mais parecido. — Qual é esse ingrediente chave?
— Um poltergeist.
Uma língua gelada lambeu minha espinha de cima a baixo. — Desculpe?
— A energia de um poltergeist permite cortar o bolsão. Chutando a porta,
se quiser. O poltergeist é sugado para algum tipo de recipiente, geralmente
uma gema mágica especial, e então transferido para a poção. Assim que o
poltergeist for absorvido com sucesso pela mistura, isso estará pronto.
Preparada de forma errada, essa energia explode e destrói qualquer coisa
num raio de oito quilômetros.
— E o que acontece com o poltergeist?
— É esquecido. Eliminado da existência com uma poção bem-sucedida ou
com uma preparação errada.
— Sem vida após a morte?
— Exato.
— Isso é cruel — eu disse.
— Terrivelmente cruel, mas também misericordioso.
— Você está destruindo completamente a essência de alguém.
— Mais uma vez, isso não é uma misericórdia para um poltergeist? — ela
sugeriu.
Depois que um fantasma se tornava um poltergeist, ele se perdia na raiva,
era perigoso e precisava ser trancado em uma instalação. Antes de eu mudar
as regras de morte, os poltergeists existiam. Eles tentavam escapar de mim,
mas eu sempre os encontrava e os enviava para serem absorvidos pelo plano
espiritual. Não havia como voltar a qualquer existência estável para eles, a
raiva consumia demais. Então, eles se tornaram os ventos e as chuvas do
reino espiritual, ainda parte da existência de uma nova maneira.
Mas Jon, um poltergeist nas partes mais profundas de Cravo-amarelo,
conseguiu conter sua raiva. Ele existia sozinho, em completa solidão, nunca
saindo da escuridão das cavernas, nunca permitindo que as lutas brilhantes
do mundo além o contagiassem.
Ele superou sua terrível raiva. Outros poderiam fazer o mesmo.
— O tormento de um poltergeist acabaria trazendo felicidade para você e
Marcel — acrescentou Yvonne. — Pense sobre isso.
Uma escolha egoísta e que eu desejava fazer.
— Posso fazer um Bolsão de Margarida para você — disse ela. — Mas vou
precisar da sua ajuda.
— Para pegar um poltergeist.
Ela sorriu. — Sim. E quem melhor do que você para me dar um? Você nem
vai precisar de uma joia. Essa sua foice será suficiente para prendê-lo.
Seria, mas balancei a cabeça. — Não.
— Bem desse jeito?
— Não posso destruir um poltergeist para minhas próprias necessidades
egoístas.
— Mesmo assim você usa esse rubi — ela rebateu. — Isso é tudo o que
existe entre o amor e a destruição.
— Isso é diferente.
— É mesmo? Ainda é egoísta, mesmo que os ingredientes não apresentem
os mesmos problemas morais. Você ainda estaria disposto a seguir um limite
perigoso.
Suspirei, relembrando o momento em que ele caiu do meu pescoço, as
rachaduras se formando no meu quarto na mansão, o tormento no rosto de
Marcel.
— Você removeu as memórias dele — continuou Yvonne. — Você contou
uma mentira para ele. Ele ficou com raiva quando descobriu?
Meus olhos se estreitaram em um olhar furioso. — Você está tentando me
incitar a alguma coisa?
— Não. Estou fazendo você ver a razão — ela respondeu. — Se você está
tendo uma crise de moralidade, não deveria. Um poltergeist é...
— Existem poltergeists adormecidos — eu a interrompi.
— Raridades.
— Mas uma realidade.
— E os canalhas?
— Desculpe?
— Você sabe, aqueles que cometeram atrocidades terríveis na vida, agora
estão mortos e perdidos de raiva porque não podem sair por aí matando ou
estuprando ou o que quer que tenham feito.
Uma virada sombria.
— E eles? — ela pressionou.
Eu li nas entrelinhas. — O que você não está me contando?
Outro longo gole de chá. — Vou chegar ao acordo.
— Acordo?
— Você me ajuda e eu te ajudo...
— Estou ouvindo.
Seu comportamento escureceu. — Tenho uma lista de poltergeists nas
instalações de North Somerset — disse ela — completa com seus crimes.
Tenho uma cópia aqui. — Ela puxou um arquivo de papel debaixo da mesa
e me ofereceu.
Não peguei. — Yvonne, não vamos fazer isso.
— Você mataria um bandido sem questionar, mas o poltergeist de um
serial killer é onde você traça o limite?
— Isso é diferente. O fantasma rebelde tem a chance de mudar.
— Não quero ouvir isso! — ela retrucou. — Sua porra de bússola moral
está quebrada. Estou falando dos verdadeiros alimentadores do fundo do
poço, daqueles que são irremediáveis. E sei que você sabe a quem estou me
referindo.
Eu sabia. Eu realmente sabia.
— Porra... — falei.
— Estou lhe dando a chance de estar com o homem que você ama sem
interferência.
— Por que você está tão brava?
Sua mandíbula estalou, sua cabeça balançando para frente e para trás em
rápida sucessão. Ela bebeu mais chá, fechando os olhos por meio minuto.
— Yvonne?
Um suspiro pesado e rouco. — Um dos poltergeists da lista assassinou
minha irmã gêmea há trinta anos.
Eu estava lá para levá-la adiante. — Qual era o nome dela?
— Linda Barker.
Voltei minha mente para meu índice de almas. Elas estavam todas em um
sistema de arquivo especial criado para minha mente, memórias dos mortos
para eu examinar quando precisasse.
Linda Barker. Treze anos de idade. O mesmo cabelo ruivo e pele pálida de
Yvonne. Aqueles mesmos olhos âmbar. Sequestrada e assassinada por um
homem terrível que ela chamava de Jeff.
A pequena Linda estava tão chateada, tão preocupada com a irmã gêmea,
com os pais. Como muitos fantasmas cujas vidas terminaram em
circunstâncias tão sombrias e traumáticas, ela estava com medo, não estava
pronta para seguir em frente. Não quando tanta vida deveria estar diante
dela. Eu peguei a mão dela e a guiei para o outro lado. A acalmei, diminui a
dor.
— O que aconteceu com o assassino dela? — Perguntei.
Ela fungou, demorando um momento para responder. — A polícia só
conseguiu encontrar a escória há dez anos. Ele foi pego em Portishead
tentando levar outra garota... a primeira desde minha irmã. Ele fugiu da
polícia, caiu e bateu a cabeça no lugar errado na calçada. O concreto o matou.
— Outra fungada. — Sua raiva o distorceu depois disso. Seis necromantes o
enviaram para as instalações de North Somerset, dois deles gravemente
feridos no processo.
Poltergeists eram espíritos verdadeiramente mortais.
— Quero que ele acabe — continuou Yvonne. — Jeff Hunt. Não quero que
ele siga em frente, que tenha outra coisa senão o completo esquecimento.
Você faz isso acontecer e eu te farei feliz. Nenhuma outra cobrança além
dessa.
Tanta coisa para processar. — Por quanto tempo você iria só pensar nisso?
Ela encolheu os ombros. — Não sei. Até que uma oportunidade como essa
surgisse, suponho.
Um monstro como Jeff Hunt merecia ser removido da existência, assim
como os outros da lista dela, eu tinha certeza.
Eu peguei o arquivo.
Um sorriso fraco se espalhou por seus lábios, envolto em tristeza. —
Obrigada.
— Vou levar isso comigo para ler.
Eu deveria me tornar uma espécie de vigilante? Um novo tipo de morte?
Era uma lata de minhocas que segurei pela abertura. Ou eu estava
simplesmente dando a ela um pouco de paz de espírito em troca de estar
com meu amor?
— Aqui. — Ela colocou um rubi novo em uma corrente de ouro sobre a
mesa.
— O que é isso?
— Um substituto. Sem custo.
— Não posso aceitar.
— Apenas pegue.
Eu aceitei, sem precisar de muito convencimento, substituindo
imediatamente o meu defeituoso. — Obrigado.
— De nada.
— Sinto muito, Yvonne — eu disse. — Sobre sua irmã.
Seus olhos brilharam de tristeza.
— Como ela estava no final?
— Em paz.
— Ela… — Ela balançou a cabeça. — Não. A paz é suficiente. — Uma
fungada profunda. — Vou precisar de uísque no meu chá. De qualquer
forma, você vai pensar e ler. Tenho um trabalho que realmente preciso
resolver. Me mande mensagem mais tarde.
— Você está...
— Por favor, saia.
Fiz o que ela pediu, saindo para o mercado mais uma vez.
Louise sentou-se comigo, ouvindo-me contar a ela sobre George. Deixei
de lado as coisas sobre a Morte. Eu não tinha energia mental para explicar
isso para ela ainda.
— Isso é terrível! — ela chorou.
Se eu não estivesse trabalhando até mais tarde, estaria bebendo todo o
meu peso em Merlot.
— Mas não há nada que eu possa fazer sobre isso — eu disse. — Só tenho
que seguir em frente.
Ela balançou a cabeça fantasmagórica.
— Que estranha coincidência.
— Algum ser divino me odeia.
— Não seja bobo.
— Eles devem odiar. — Pulei do sofá. — Ok, já chega de choramingar.
— Você pode choramingar comigo. Não que você esteja choramingando
porque pode sentir o que vivencia. Você sabe, sentimentos válidos, vivenciar
o momento e...
— Passei tanto tempo chorando por causa daquele idiota — eu disse. —
Correção: perdi muito tempo com ele. — Soltei um longo suspiro. — Por que
ele tem que estar aqui? Já era ruim o suficiente compartilhar uma cidade
grande com ele, mas eu poderia evitá-lo lá. Agora tenho que ver o rosto dele,
ouvir a voz dele, saber que ele está transando com aquele homem a duas
portas de mim.
Por que você se importa? Ele não é a Morte…
Só que ele ainda fazia parte da minha vida. Eu ainda o amava e fui
magoado por ele.
— Idiota! — Rebati, andando de um lado para o outro.
— Você precisa de algo? — Louise perguntou.
— Uma bazuca e um álibi?
Uma mão translúcida foi até sua boca.
— Estou brincando.
— Oh. Obrigado, Senhor.
— De qualquer forma, as bazucas fazem muito barulho. — Fui até a
cozinha e me servi de meia taça de vinho tinto. Uma não faria mal.
Louise me seguiu. — Sinto muito que esteja sofrendo.
Isso teria sido um momento incrível de abraço.
— Não é o que você esperava quando veio me visitar, certo?
— Certamente não. — Ela olhou para a parede. — Eu gostaria de passar
por lá agora e dizer a ele o que penso.
— Eu gostaria de ver isso. — Fantasmas podiam atravessar paredes ou
apoiar-se nelas, dependendo do motivo.
— Farei isso agora — disse ela.
— Eu estava brincando.
— Você estava?
Bebi o vinho. — Sim. Mas obrigado pelo apoio.
— Para que são os amigos?
— Quer assistir a um filme?
Seu sorriso radiante deu ao sol forte alguma competição. — Eu adoraria
muito isso.
— Legal. — Eu precisava me distrair de tantas coisas, principalmente do
vinho tentador.
9Riverdance é um espetáculo de sapateado irlandês, reconhecido pelo rápido movimento de pernas dos
dançarinos e aparente imobilidade da cintura para cima.
Mandei uma mensagem para ele no meu e-scroll: Você consegue entender
isso?
Ele puxou seu e-scroll, diminuindo o brilho. Ele olhou para mim e me
enviou uma mensagem dizendo que não conseguia.
Eu: E agora?
Ele: Vamos dar a volta.
Eu: Vamos sair daqui.
Não importava quem teve a iniciativa, eu poderia garantir que Emma me
culparia. Chame isso de intuição necromante ou experiência com minha
chefe e seus modos obscuros.
Ele: Sem chance.
Eu: Isso é imprudente.
Ele: Este é o nosso trabalho.
Robert guardou seu aparelho no bolso e correu pela lateral da casa,
mantendo-se abaixado. Um alto portão de madeira bloqueava sua rota. Ele
tentou a maçaneta. Trancado. Olhando para frente e para trás, ele se
endireitou em toda a sua altura, agarrou o topo do portão e subiu.
Droga!
Não querendo que ele enfrentasse problemas sozinho, eu o segui,
pousando em um beco lateral. Duas latas de lixo estavam ao lado de uma
porta escura. Robert ficou ouvindo. Ele balançou a cabeça para mim,
passando pela porta e entrando por um pequeno portão que levava a um
jardim nos fundos.
Mais uma vez, eu o segui.
O jardim era meio pavimentado, meio verde, com mesa e cadeiras, um
lago e dois pinheiros na extremidade. Cercas altas o circundavam,
pendurando banheiras para pássaros em cada painel. Dois galpões foram
construídos na estrutura da casa, além de uma grande janela nos fundos e
uma porta à minha direita, dividida por duas grandes chaminés de jardim.
Meu couro cabeludo arrepiou, cada músculo do meu corpo ficou tenso pra
caralho.
Robert acenou pedindo minha atenção, abaixando-se sob a janela escura
dos fundos. Ele apontou para o lado direito. Uma janela no porão embaixo
da grande. Uma luz fraca tremeluzia dentro do vidro sujo. Vozes
novamente, embora ainda não claras.
Meu parceiro necromante disparou uma mensagem.
Ele: Vou entrar pela porta.
Oh, de jeito nenhum.
Eu: Nem verificamos se existem câmeras.
Ele: Eu verifiquei.
Isso me tornava a metade pior do time, então.
Eu: Por favor. Vamos sair daqui.
Ele balançou sua cabeça.
A luz inundou a janela. Nos pressionamos com mais força contra a parede
abaixo dela, ouvindo vozes mais altas. Meu coração virou uma britadeira,
meus músculos mais tensos do que nunca.
Merda. Merda. Merda. Multiplique isso por um milhão.
A maçaneta da porta tilintou.
Oh, Deus. Aí vinha a luta.
Peguei minha arma.
Robert me agarrou pelo pulso, balançando a cabeça na direção das
chaminés. Ele me arrastou, nós dois nos escondendo atrás das grossas
estruturas de concreto cinza assim que a porta se abriu.
Eu não conseguia respirar, meu coração tentava sair do peito.
— Noite fria — disse uma voz masculina.
O clique do que parecia ser um isqueiro.
— Qual é o plano? — outro homem perguntou.
— Nós esperamos.
— Odeio esperar.
— Quem é que gosta?
Ombro a ombro, as chaminés mal nos cobriam. Um movimento em falso
e seríamos localizados. Verifiquei as posições de nossas sombras.
Felizmente, estávamos bem. Fora de vista por enquanto.
Uma fungada de um rebelde.
— Mal posso esperar para cortá-los. Brincar com eles. — Risos se
seguiram.
— Será uma bagunça.
Mais risos.
— Sangue, sangue por toda parte e muito para beber.
— Intestinos para pular corda.
— Bruto! Amo isso.
As risadas enviaram um arrepio pela minha espinha.
— Não, não, não — disse um dos homens. — Temos que estar bem aqui.
Segurem-se.
Um som de batida. — Cérebros estúpidos.
Rebeldes. Dois deles. Às vezes, um rebelde poderia ter uma conversa
perfeitamente normal sobre como a noite estava fria ou até mesmo sobre seu
livro favorito. Porém, isso nunca durava, sempre caindo em anseios
violentos ou longas divagações, basicamente caindo no caos.
Muitas vezes pensei que era muito triste, todos os necromantes
pendurados no vazio em que haviam caído.
— Posso ficar com um desses? — um dos homens perguntou.
As risadas pararam.
— Claro.
Clique. Uma inalação. Expiração.
Eles ficaram ali fumando em silêncio, o cheiro do tabaco vindo em nossa
direção. Nem eu nem Robert tentamos dar uma olhada. Pelo menos, eu
esperava que Robert não tentasse dar uma olhada. Podia haver apenas dois
aqui, mas eu ouvi mais de duas vozes abafadas na janela do poço do porão.
A porta se fechou, a luz se apagou, mergulhando-nos de volta na noite.
Soltei um suspiro de alívio, virando-me para espiar por cima das
chaminés. Nenhum rebelde à vista.
— Podemos sair daqui agora? — Sussurrei.
— Depois de ouvir sobre eles brincando com o interior de alguém? — ele
respondeu. — Acho que não.
Meu e-scroll zumbiu com uma ligação de Emma.
— Não atenda — disse Robert.
— Ela vai enlouquecer.
— Nós damos conta.
Qual era exatamente o meu problema aqui? Por que eu estava permitindo
que esse homem me desencaminhasse quando meu objetivo era provar meu
valor para Emma? Isso não serviria à minha causa.
— Não — respondi. — Você não está me arrastando para isso. Vou voltar.
— Então vá.
— Você não pode estar falando sério. — Não deveríamos estar
conversando, por mais baixas que fossem nossas vozes.
— Estou falando sério — ele respondeu. — Estou entrando.
— Por favor…
Mas ele saiu correndo do nosso esconderijo, indo em direção à porta.
Se ao menos meu poder de vinculação funcionasse em outros necromantes
– especialmente aqueles como esse idiota.
Não querendo abandoná-lo, eu o segui. Imagine se eu o deixasse sozinho?
Meu Deus! Emma me penduraria para secar, outra marca contra mim. Eu
seria aquele necromante que feriu ou matou seus parceiros.
Não era uma reputação que eu queria.
Pelo que parece, esses rebeldes desejavam alguma violência séria. Mas
quem eram aqueles que eles queriam machucar? Havia alguma pessoa viva
lá dentro? Necromantes? Sangue para seu ritual de sangue? Não. Emma teria
dito se alguém estivesse desaparecido.
Robert experimentou a maçaneta da porta. Não estava trancada.
Pressionando totalmente para baixo, a porta se abriu suavemente, um calor
espesso saindo.
Tentei novamente com Robert. Minha última tentativa de raciocinar.
Ele balançou a cabeça e se levantou, abrindo lentamente a porta
totalmente com a bota. Sacou a arma, pronto para a ação.
Ele deu um passo para dentro.
Eu saquei minha arma.
Robert continuou andando entrando no calor escuro. Eu o segui até uma
grande cozinha com mesa de jantar e cadeiras. Um radiador atrás da mesa
emitia um calor incrível, e o aquecimento central estava no máximo.
O medo deslizou pelos meus sentidos, viscoso e frio, plantando imagens
de lesmas em meu cérebro.
Eu queria sair daqui. Isso estava errado, muito errado. No entanto, não
tive outra escolha senão seguir Robert até aquele poço de inferno com
aquecimento central.
Droga.
Droga.
Droga.
Concentrei-me, os ouvidos atentos ao que me rodeava, os olhos
examinando as sombras em busca da menor perturbação.
Robert dobrou uma esquina no final da cozinha, entrando em um corredor
escuro iluminado pelo brilho de um aquário com uma porta à sua esquerda,
uma escada diretamente atrás dele. Ele se virou para apontar a arma para o
alto da escada, examinando a escuridão. Fiquei na porta da cozinha. A porta
da frente da casa ficava bem em frente a mim, com uma grossa cortina preta
puxada sobre ela.
Entrei lentamente no corredor, realizando minhas próprias verificações.
Ninguém esperava naquelas escadas ou na sala escura com uma lâmpada
suave piscando no canto. Mais cortinas pretas bloqueavam a luz da rua.
E a cozinha? Não havia cortinas lá. Ela não contava?
Robert apontou para as escadas, juntando-se a mim no corredor.
Onde diabos ficava a entrada do porão? Não havia sinal de porta em lugar
nenhum.
Murmurei isso para ele.
Ele encolheu os ombros e apontou para cima novamente.
Balancei minha cabeça. Tínhamos que sair daqui. Já tínhamos cruzado um
limite.
Meu e-scroll zumbiu.
Emma novamente.
Robert rosnou enquanto eu segurava o dispositivo, colocando um pé no
último degrau.
— Olá de novo.
Virei-me para encarar o dono da voz, a arma apontada para a forma
fantasmagórica de Phil Collins parado na porta da frente.
— O que você está fazendo aqui? — Sibilei.
Ele não parecia tão assustado agora.
O fantasma sorriu para nós. — Bem-vindos, idiotas.
Ele estendeu as mãos, uma explosão de energia cinética atingindo-me.
Voei para trás, colidindo com Robert. Ele caiu de cara na escada com um
forte estrondo, chutando as pernas. Acertou-me na lateral da cabeça, me
fazendo girar contra a parede.
Deixei cair minha arma, o cérebro batendo no meu crânio.
Robert gritou alguma coisa, seguido por um lampejo de magia
necromante verde.
A energia cinética acabou com isso.
Vozes lá de cima, passos pesados.
Levei outro golpe na cabeça, desmaiando momentos depois.
Maldita seja minha vida.
Capítulo 12
10 De nada.
— Amo os franceses. — Seu joelho bateu no meu.
— Merci.
— Tenho que conversar sobre negócios por um momento.
O encanto do momento desapareceu. — Ok.
— Acontece que Leon está usando a projeção astral para visitar você. Uma
coisa complicada de se fazer, aparentemente.
Lambi meus lábios. — Pelo menos isso responde tudo.
— E Nick está atrás da chave ônix.
O que ele não poderia explicar melhor.
Que diabos era essa maldita chave?
— Além disso, matei outro rebelde — disse ele. — Logo depois de nós...
nos afastarmos um do outro.
Minha garganta apertou. — E isso responde... isso... — O feitiço do
momento se esvaiu, a realidade se infiltrando. — Não sei o que fazer. —
Droga. Meus olhos estavam quentes novamente. Meses e meses mantendo
as lágrimas sob controle, sem querer entregá-las a George ou algo assim.
Agora o selo foi quebrado.
A Morte se virou para mim. — É por isso que eu realmente preciso falar
com você.
Eu mal o ouvi, caindo em uma confusão muito parecida com Louise. —
Pensei que tinha tudo planejado. Tomei minha decisão por nós, para
proteger Oakthorne e a nós mesmos. Eu sabia que iria doer, mas não assim.
Não sei como devo seguir em frente sem você. Eu simplesmente não tenho
forças.
— Marcel…
— Mas eu tenho que encontrar isso em algum lugar. Não posso vir
correndo aqui toda vez que sentir sua falta ou eu... Merda. — O sistema
hidráulico entrou em ação novamente. — Desculpe.
Ele deslizou um braço em volta de mim. — Espere um momento. Estou
aqui.
— Tenho que aprender a não ter você aqui.
— Nunca consegui isso.
Funguei, encarando-o. — Perdão?
— Estar sem você todas as vezes era quase impossível.
Oh, Deus. A angústia nessas feições esculpidas. Estendi a mão, colocando
a mão em sua bochecha mal barbeada.
— Desculpe.
Ele fechou os olhos. — Cada vez eu esperei por você, vagando, fazendo
meu trabalho. Machucando. Céus, a dor torce meu interior.
— E eu nos joguei fora — eu disse.
— Desculpe?
— Você esperou por mim, saiu do trabalho, encontrou um rubi especial
para nós e o que eu fiz?
— Você colocou esta cidade em primeiro lugar — ele respondeu. — Você
coloca os outros antes de você mesmo. Eu não.
— Porque você me ama.
— Sim. E você fez o que fez porque me ama.
— Eu te amo tanto, tanto. — Eu me sentia tão fraco, mais lágrimas
escorrendo pelo meu rosto. — Só não quero machucar ninguém.
— Claro.
— Esse rubi não é suficiente — eu disse. — Desculpe. Pareço tão ingrato.
— Você não é. — Ele esfregou meus ombros.
— Odeio a ideia de você ficar sozinho todas as vezes.
Ele apenas me esfregou um pouco mais.
— Porra... — falei. — Eu realmente não sei o que fazer.
— Você pode ficar sentado aqui e não saber pelo tempo que quiser.
Encostei-me nele, descansando minha cabeça em seu ombro. — Você é tão
doce.
— Eu sei.
Eu ri, cutucando-o na coxa. — E tão modesto.
— Você revirou os olhos com esse comentário?
Eu ri de novo. — Idiota.
— Fofinho.
— Isso não é justo. Agora estou mal.
— Foi você quem me chamou de idiota.
— Tudo bem — bufei. — Você é um docinho.
— Legal. Eu acho. Não tenho certeza de como me sinto em relação a um
docinho. Talvez eu asse um.
— Nojento.
— Eu vejo. Então agora sou nojento.
Sentei-me, batendo-lhe suavemente no ombro. — Pare de colocar
armadilhas.
— Não sou eu que aterrisso na estranheza.
Bufei. — Estranheza!
Ele riu, apertando meu nariz.
— Necromante fofinho me faz querer... — Ele fez uma pausa, procurando
pela próxima parte de sua estranha mudança para um rap ruim. — Desculpe,
esse é o meu limite.
— Cinco palavras é o seu limite?
Ele ergueu as mãos. — Não estou destinado à cena hip-hop, suponho.
— Você acertou.
A Morte me mostrou seus dentes brilhantes e perolados em um amplo
sorriso. Suas covinhas derreteram minha razão. Agarrei seu rosto, dando um
beijo naqueles lábios carnudos.
Merda.
Eu me afastei. — Desculpe.
— Se desculpando por me beijar?
— Sim.
— Por quê? Gosto disso. Você tem gosto de cupcake.
— Mas você não gosta de cupcakes.
Ele piscou. — Você é um híbrido de elite de cupcake e fofo.
Minhas bochechas coraram. Balancei minha cabeça. — Pare…
— Não consigo evitar.
Adorei essa falta de seriedade, me odiei por apagar isso no meu próximo
comentário.
— Sobre o que você queria falar comigo? — Perguntei.
Sua expressão mudou para algo mais sombrio, seus olhos perdendo um
pouco do brilho. — Uma solução possível. Uma melhoria em relação ao rubi.
Oh, meu Deus. — O quê?
Ele me contou sobre sua amiga Yvonne, seu contato mágico e a incrível
bomba de Bolsão de Margarida.
Fiquei ali sentado, estupefato, lutando para calcular.
— Realmente? — foi tudo que consegui para começar.
— Realmente. Fora do tempo e do espaço, nos escondendo de certas...
condições.
— Nosso amor proibido.
— Exatamente.
Sentei-me para a frente, respirando fundo várias vezes. — Você realmente
acha que isso é possível?
— Yvonne não mentiria para mim.
— Tem certeza?
— Tenho muita certeza.
— Merda.
— Sei que é muito para absorver.
Sentei-me novamente. — Pegar um poltergeist? Destruí-lo.
— Jeff Hunt — ele disse o nome do bandido.
O primeiro sinal de luz do dia brilhou no horizonte além da janela saliente
fraturada.
— Seus crimes são imperdoáveis — acrescentou.
Meu peito doeu. — Mas podemos decidir seu destino?
Ele pegou minhas mãos nas dele.
— Ainda não tomei nenhuma decisão. Estou bem aqui com você. — Ele
beijou meus dedos.
Eu queria chorar de novo.
— Podemos conversar, você pode levar todo o tempo que precisar para
pensar sobre isso.
Cheguei mais perto, pressionando minha testa na dele. — Por que você é
tão adorável?
— Eu poderia perguntar o mesmo de você.
Eu o beijei novamente. — Posso dormir aqui esta noite? — Recuei,
atordoado com minhas próprias palavras. — Quero dizer… Que sugestão
terrível.
— Eu não acho.
— Certo. Você tem razão. Eu...
— Não, quero dizer, não acho que seja uma sugestão terrível — ele
esclareceu.
— Oh. Certo.
— Você dormir aqui nunca seria uma coisa ruim, Marcel. — Ele passou a
ponta do polegar pelos nós dos meus dedos.
— Obrigado. Mas não podemos fazer sexo. Apenas dormir.
Ele assentiu, uma mecha de cabelo caindo em seu rosto. Estendi a mão e
enrolei-a atrás da orelha dele.
— Apenas dormir — acrescentei. — E nem é mais noite.
— Não é.
Nós nos olhamos, nossos lábios se curvando em sorrisos. Uma energia
linda e calma girou ao nosso redor. Segurança. Calma.
Casa.
— Você é minha casa — eu disse em voz alta, com a intenção de mantê-lo
dentro de casa.
Ele beijou minha mão novamente. — Fico feliz em saber que concordamos.
— O quê?
— Você também é minha casa.
Eu o beijei e o puxei para um abraço. — Não sei para onde vamos a partir
daqui, mas digamos apenas que não vou embora novamente.
— Gosto disso.
— Eu também.
É perigoso…
— Mas acho que precisamos nos limpar um pouco — eu disse. — Você
tem alguma peça sobressalente?
— Tenho. Incluindo água quente e uma abundância de produtos de
higiene.
— Legal.
— De que outra forma você acha que pareço tão bem?
Rolei meus olhos com força.
11 Olá
— Ele está bem?
— Ele está, Mon Papillon. Ele está pegando um creme para hemorroidas.
Não a pressionei mais sobre esse assunto. — E Henri? Ele me mandou uma
mensagem esta manhã sobre o trabalho na universidade que lhe deu rugas.
Ela bufou. — Ele é um garoto tão bobo.
Meu irmão às vezes era um pouco dramático.
Mamãe me mandou alguns de seus doces caseiros, um pão, queijo brie,
alguns panos de prato, dois livros sobre culinária francesa e algumas
garrafas de vinho tinto.
Incrível.
— Merci beaucoup, Maman.
— De nada.
Louise saiu meia hora depois e, em pouco tempo, depois de comer muitos
croissants de mamãe, já estava quase na hora do meu turno.
Que delícias rebeldes me aguardavam esta noite?
Um turno muito mais silencioso nas últimas horas, muitas patrulhas nas
ruas ao redor do Lago Oakthorne.
— Isso é chato — reclamou Robert.
— Prefiro isso ao drama rebelde a qualquer momento — respondi.
Meu parceiro mexeu com o universo reclamando. Momentos depois, isso
nos deu drama.
Merda.
Louise veio correndo no meio de uma estrada perto de sua casa, sem dar
sinais de diminuir a velocidade.
— O que você está fazendo aqui depois do toque de recolher? — Perguntei
para ela.
Ela avançou direto para mim, com os dentes à mostra.
Invoquei minha magia de vinculação, mas Robert conseguiu primeiro.
Três anéis verdes a prenderam no lugar. Ela gritou, sua mandíbula
estalando.
Robert ordenou que ela ficasse quieta.
Apertei meu peito, atordoado ao vê-la daquele jeito. E isso só significava
uma coisa: um rebelde tinha o controle sobre ela.
— Você está bem? — Perguntei ao meu parceiro.
— Sim. O domínio do rebelde é fraco.
Saquei minha arma, olhando para a esquerda e para a direita em cada
sombra. Eu liberei meu poder de escanear, procurando por perigo.
Havia uma rebelde escondida atrás de um carro à frente, com um corpo
reanimado.
— Peguei você. À direita — eu disse a Robert. — Agachada atrás...
O barulho de um carro ao longe.
Olhei para a minha direita para ver faróis se aproximando.
— Surpresa, filhos da puta! — gritou a mulher rebelde ao saltar de seu
esconderijo, com seu companheiro morto juntando-se a ela.
Eu atirei, acertando-a no ombro. Ela caiu com um grito e caiu na
gargalhada. O zumbi caiu inutilmente no chão, seu controle claramente
muito fraco. Seu foco estava em controlar Louise.
Um zumbi inútil era uma misericórdia. Zumbis podem ser problemas
reais – basta perguntar a Jenn.
Ignorei a memória da rua Baker quando o carro chegou, freando
bruscamente. Virei-me para cumprimentá-lo, a arma apontada para os
vidros escuros. Ofegante, uma onda de pânico aumentando. Esperando para
ver seu rosto.
Tinha que ser ele no banco do motorista. Todos os meus instintos me
disseram que este seria o momento em que ele mostraria sua cara, agiria a
qualquer momento.
A porta do motorista se abriu. Uma balaclava cobria o rosto da figura. Seu
rosto. Era um homem.
— Pare, Marcel! — Nick gritou.
Sim, eu estava esperando por ele. Não, isso não me impediu de me
atrapalhar com a arma ao ouvir a voz dele.
O choque pode realmente atrapalhar um cara.
Nick jogou uma poção e o frasco caiu aos meus pés. Ele lançou uma
nuvem de flores azuis geladas em meu rosto. Meus músculos ficaram tensos
imediatamente enquanto eu tentava atirar nele, me mover.
— Porra! — Robert gritou.
Louise gritou quando meu parceiro abandonou parte de seu vínculo. Ela
rapidamente calou a boca enquanto ele a restaurava.
Continuei tentando me mover.
Nick gargalhou, entrando no carro. Acelerou o motor.
Maldita magia de mago!
O carro deu ré terrivelmente rápido antes de rugir para frente.
— Não! — Robert gritou, quebrando o vínculo novamente.
Louise gritou. Ouvi sua energia cinética colidir com Robert quando o carro
bateu em mim, me fazendo girar no ar como uma boneca de pano. Eu soube
imediatamente que quase todos os ossos do meu corpo estavam quebrados
pelo impacto.
Caí no asfalto, meu crânio se abriu e o sangue se acumulou sob minha
cabeça.
Oh. Merda.
O carro acelerou e veio em minha direção, as rodas me esmagando. Nick
deu ré, arruinando mais parte do meu corpo, e avançou novamente para
arrancar minha cabeça. Estourou como uma uva, tudo ficou escuro...
… por menos de dez segundos.
Meu fio de renascimento recusou-se a deixar meu corpo morrer, para que
meu fantasma se libertasse de minha existência mortal. Isso me consertou,
reformou minha cabeça e meus ossos, restaurou minha visão, cada
centímetro de mim.
Consertado, pulei de pé. Mas Nick havia desaparecido, o grito de uma
freada brusca em algum lugar distante.
— Puta merda — engasguei-me, recuperando o fôlego.
— O que… que… porra…
Robert estava à minha esquerda, com um lado do rosto arranhado. A seus
pés, Louise estava sentada de joelhos, chorando, livre de qualquer controle
necromante.
— Lou...
— Pare aí — Robert avisou, apontando sua arma para mim.
Ergui minhas mãos. — Calma.
— O que diabos aconteceu?
— O Lich...
— Que porra aconteceu? — ele gritou. — Com você. E não me venha com
nenhuma porcaria.
Droga. — Você está ferido. Vamos levar você...
— Sem porcaria, Marcel. Comece a falar.
Uma explosão controlou as coisas. Fogo e fumaça surgiram no ar perto do
lago. Os alarmes dos carros soaram, acionados pelo estrondo.
Louise gritou. — Não! Mãe!
Aquela era a casa de sua mãe?
Louise deu um pulo e começou a correr. Robert foi impedi-la, mas eu o
impedi.
Ele apontou a arma para mim novamente. — Qual é a porra do seu
problema?
— Ela não é mais um perigo. Vamos atrás dela.
— Não se mova. Não se mova, porra.
Não tínhamos tempo para isso. — Vamos...
— Como você está vivo?
— Posso explicar. Mas vamos...
— Explique agora.
Se ele não tivesse aquela arma, eu estaria chutando a bunda dele. — Louise
precisa de nós.
— Fale. Agora.
— Robert…
As veias de seu pescoço pulsavam. — Eu disse para começar a falar, porra.
Merda. — Meus poderes cresceram.
— O quê?
— Tenho dois novos fios. Renascimento. Convocação. No momento, sou
um pouco invencível.
— Um pouco? Um pouco, porra? Eu assisti o lich atropelar você
repetidamente. Ele transformou sua cabeça em mingau e agora... — Ele me
olhou de cima a baixo. — E agora você está bem. Você foi recomposto...
Porra! — Ele estremeceu, os dedos alcançando o arranhão realmente
desagradável em seu rosto.
Peguei meu e-scroll.
— O que você está fazendo? — Ele demandou.
— Ligando para Emma. Preciso fazer isso
— O quê?
— A regra dela. Se alguém descobrir sobre mim, tenho que contar a ela
imediatamente.
— Você está compartilhando segredos com ela agora, hein? — ele disse
com um grunhido.
— Sim? — Emma respondeu.
Expliquei.
— Mate a rebelde, mande-a para o Santuário. Investigue a explosão, mas
mantenha distância — disse ela. — Estou indo encontrá-lo agora com reforços.
— Sim, senhora.
Ela desligou.
— O que ela disse? — Robert perguntou.
— Ir até lá, e não fazer nada estúpido — parafraseei.
Ele fungou, baixando finalmente a arma. — Porra, mano. Que porra é
essa?
Entendia a reação dele. — Não era assim que eu queria que você
descobrisse.
Lidamos com a rebelde, Robert plantando uma bala em seu cérebro, nós
dois mandando-a para o Santuário. O zumbi permaneceu morto.
— Vamos — ele disse. Ele começou a correr. Eu o segui.
— Que bom que você está vivo — acrescentou.
— Obrigado.
Chegamos ao Lago Oakthorne, um enorme corpo de água cercado por um
caminho. O fogo ardia atrás de uma fileira de carvalhos, separando a água
de quatro casas e de uma igreja no lado leste.
Aquela igreja queimou, alguns dos carvalhos em chamas, ainda fortes.
Uma série de escombros em chamas cobriu a área, e o fogo se espalhou
rapidamente.
Corremos em volta das árvores, de olho em qualquer rebelde, em Nick.
Será que eles estavam trabalhando juntos, ele e aquela rebelde morta?
A igreja foi a fonte da explosão, destruindo todas as casas, exceto uma,
agora em chamas. Mais destruição cobria o chão, fantasmas gritavam com a
destruição, chorando com seus corações mortos enquanto observavam suas
casas e corpos queimarem.
— Ah, não... — sussurrei.
Onde estava Louise?
Havia outros fantasmas também. Rindo, apontando para a igreja e
uivando de alegria como valentões cruéis no pátio de uma escola. Fantasmas
rebeldes. Rebeldes fizeram isso sob o possível comando de Nick.
Onde diabos estava Louise?
Eu a vi passar pela parede da última cabana de pé.
— Mãe! — ela chorou. — Mãe!
A mãe dela estava lá dentro.
Fantasmas renegados zombavam dela, choramingando "Mãe!" e rindo e
dançando ao redor dos cadáveres, correndo através das chamas que não os
machucariam.
Cerrei os punhos com tanta força que os nós dos dedos estalaram.
— O que nós fazemos? — Robert perguntou.
Esperamos por Emma…
Um fantasma rebelde nos avistou e veio saltitando. — Bem, bem, bem!
Dois necr...
Bati meu poder de vinculação nele.
Outros notaram.
— Ei! Deixe-o em paz! — um deles gritou.
— Nós vamos te foder! — outro acrescentou.
— Marcel! — Louise gritou. — Minha mãe!
Na hora certa, Emma e a cavalaria chegaram. Quando ela saiu da multidão
de carros e vans com necromantes a reboque, os bombeiros e os serviços de
ambulância pararam.
Corri para a cabana que não pegava fogo para ajudar a mãe de Louise.
Emma provavelmente me daria uma bronca, talvez descontando mais do
meu salário. Mas dane-se.
Eu congelei no meio do caminho para o prédio.
A Morte saiu da cabana carregando uma mulher viva envolta em um
roupão branco, soluçando.
— Que porra é essa? — Robert disse. — Ela está... Ela está flutuando?
Flutuando? Huh? Oh. A Morte estava se escondendo.
Droga. Isso não era bom. Agora a mãe de Louise seria o assunto da cidade
com suas habilidades “flutuantes”. O que ela diria? Ela podia ver a Morte?
Louise cometeria um deslize e revelaria o segredo do meu amante?
A Morte carregou a mãe de Louise em direção aos paramédicos que
corriam na direção deles. Ele a abaixou no chão, deixando-os assumir o
controle. Recuei para deixá-los fazer suas coisas. Eles não pareciam reagir à
flutuação, apenas preocupados com a paciente.
Louise caiu de joelhos ao lado da mãe, soluçando.
— Vai ficar tudo bem. — disse ela. — Tudo vai dar certo.
Necromantes começaram a trabalhar nos rebeldes, acalmando as vítimas
aterrorizadas. A brigada de incêndio combateu os incêndios, tudo
barulhento e caótico ao meu redor. Entrei em ação, enviando rebeldes para
o Santuário com Robert.
A morte não estava em lugar nenhum.
Capítulo 18
Um movimento tolo.
A pobre mulher seria bombardeada com perguntas sobre como ela flutuou
para fora de sua casa. Mas ela não seria capaz de responder com nada
substancial. Eu tinha me escondido dela e de Louise. Pelo que se sabia, um
milagre a tirou da cabana.
Apenas Marcel viu a verdade.
Após a explosão, desci para investigar. Encontrei um massacre, vidas
inocentes perdidas enquanto dormiam em suas camas – vítimas do caos
rebelde. Mas não a mãe de Louise. Ela ficou ferida e sua casa foi danificada
pela explosão. Seus enfeites e janelas estavam quebrados, e parte do teto caiu
e esmagou seu pé esquerdo. Mas ela estava bem. Assustada e coberta de
poeira, mas bem.
Eu tive que salvá-la. Eu não conseguia suportar seus gemidos, seu medo
terrível. Deixá-la para ser encontrada era a antítese da minha natureza. Eu
gostava de ajudar e me importava profundamente com as almas vivas e
também com as mortas.
A angústia dos recém-mortos me chamava, suplicando sussurros que me
procuravam por ajuda. Para poupá-los deste reino mortal, deixá-los ter paz
longe deste limbo.
Não. Não até que as coisas mudem.
O Bolsão de Margarida pode instigar tal mudança.
Deixei Marcel começar a trabalhar depois de entregar a pobre mulher,
mantendo-me nas sombras. Assistindo. Pronto para intervir, se necessário.
Eu não era necessário. Todos eram capazes, desde os necromantes até o
pessoal de emergência. Treinado com perfeição, altruísta e incrível. O
orgulho pelo meu amante cresceu em meu coração enquanto eu o observava
em ação.
— Meu necromante especial — eu disse.
Ele sempre foi especial em tudo o que fez em suas vidas. Durante a
primeira era elisabetana, ele estrelou Henrique V, de Shakespeare, como o
duque de Clarence. Ele conhecia o bardo12 pessoalmente, e Marcel, ou
William, como era chamado na época, se apresentou para Sua Majestade a
Rainha Elizabeth I. Encontrou-se com ela depois, onde ela lhe agradeceu por
uma apresentação tão maravilhosa.
Essa foi a noite em que nos reunimos novamente durante aquele período.
Uma noite de vinho e sexo nas ruas sujas de Londres.
Um ano depois, depois de tantas apresentações, depois de tanto amor, ele
morreu, novamente, afogado no Tâmisa depois que o barco em que ambos
navegávamos afundou. Outros vinte morreram com ele.
Ele queria tentar viajar de barco.
— Sem morte desta vez, Marcel — eu disse. — Não vou perdê-lo de novo.
12Nas culturas celtas, um bardo é um contador de histórias profissional, criador de versos, compositor de
música, historiador oral e genealogista, empregado por um patrono (como um monarca ou chefe) para
comemorar um ou mais ancestrais do patrono e elogiar as próprias atividades do mesmo.
Capítulo 19
No final do nosso turno, Robert e eu fomos para casa separados. Ele queria
um pouco de espaço de mim até o período de quinta-feira nas ruas.
Não poderia dizer que o culpava.
Ele ainda queria que eu me encontrasse com George antes disso.
A chuva havia diminuído, uma manhã ensolarada passava, embora as
ruas estivessem vazias das habituais multidões matinais. Após o incidente
da noite passada, muitas lojas foram fechadas e as duas escolas da cidade
foram fechadas durante o dia.
— Mas você está bem? — Papai perguntou ao telefone.
— Completamente. Estou quase chegando em casa agora.
— Bom. Sua mãe está se acalmando um pouco.
Ela estava em completo estado quando viu a explosão da igreja no
noticiário. Eu tinha esquecido de ligar para minha família para avisar que eu
estava bem.
— Por favor, diga a ela que a amo — eu disse.
— Farei isso, filho.
— E Henri.
— Ele quer falar com você — respondeu papai.
— Ele não está na universidade?
Um farfalhar e meu irmão atendeu o telefone. — Seu idiota.
— Sinto muito.
— Você deveria sentir mesmo. — Um suspiro pesado. — Eu não falei sério.
Entendo que você está ocupado e teria resolvido isso. — Uma pausa. — Isso nos
assustou muito. Nós nos preocupamos com você a cada segundo do dia.
— Henri…
Sua voz falhou. — Sinto muito sua falta.
— Sinto sua falta também.
— Eu te amo.
— Amo você mais.
Uma fungada. — Idiota. Fazendo-me chorar.
— Você é um idiota por não estar na universidade.
— Isso foi o que papai disse.
— Papai te chamou de idiota?
— Basicamente, sim. Onde você está agora?
— Quase em casa.
— Legal. Quer voltar para o papai?
— Ok.
— Fale logo.
— Vá para a universidade.
— Sim, senhor — ele respondeu sarcasticamente.
Papai voltou à linha. — Vou deixar você ir, filho.
A Morte estava esperando do lado de fora do meu prédio.
— O-ok, pai. — Limpei a garganta. — Amo você.
— Também te amo. Ligue para sua mãe mais tarde.
— Vou ligar.
Deixei que ele desligasse primeiro, meus olhos voltados para a Morte
encostado na parede, as pernas cruzadas, os braços cruzados com uma
expressão séria no rosto.
— O que está fazendo aqui? — Perguntei.
— Checando. — Ele se afastou da parede.
Parei de andar, procurando ouvidos curiosos.
— Obrigado por ajudar a mãe de Louise. — Ela estava abalada, mas bem.
Eu iria ao hospital mais tarde para ver Louise.
— Você deu uma dor de cabeça à minha chefe — acrescentei.
— Maravilhoso. — Ele não sorriu nem pareceu animado com isso. —
Podemos subir?
— Claro. Você está bem?
— Vamos entrar.
— Você está me preocupando.
— Não precisa se preocupar. — Ele gesticulou para a porta de entrada.
— Ok. Vamos.
A Morte andava pela minha sala, segurando uma taça de vinho tinto.
— Eu deveria estar lá — disse ele. — Antes da explosão.
Ele descobriu a notícia da minha segunda “morte”.
— O lich está de volta, e eu deveria saber que ele estava...
Eu pulei e agarrei-o pelos bíceps. — Pare com isso.
Ele balançou sua cabeça. — Não posso evitar. E se você não tivesse esse
poder? E se...
Eu o beijei para calá-lo, depois descansei minha testa na dele. — Não pense
assim.
A Morte segurou meu rosto em suas mãos, seus dedos e palmas tão
quentes, tão reconfortantes.
— Eu me preocupo com você todos os dias.
Arame farpado envolveu meu coração.
— Me desculpe por não estar lá — ele sussurrou contra meus lábios.
— Não se desculpe. — Minhas pernas estavam lutando com a gravidade,
seu toque e sua proximidade eram esmagadores. — Eu preciso me sentar.
Ele me guiou até o sofá.
Ele esfregou minhas costas.
— Posso pegar alguma coisa para você?
Um banho frio? — Eu acho… — Devo dizer isso? — Eu acho…
Merda.
— Você acha o quê? — ele perguntou.
— Acho que deveríamos prosseguir com o Bolsão de Margarida.
— Tem certeza?
— Você não? Não é só sobre mim.
— Eu só quero você.
Baixei a cabeça timidamente. — De verdade. O que você quer? Além de
mim?
— Quero você, então quero fazer isso.
Eu ri. — Você parece tão dramático.
— Eu sempre sou quando se trata de você. — Ele se inclinou e beijou
minha bochecha.
Toquei o lugar onde seus lábios pousaram.
— Belo chupão, a propósito — disse ele.
— Sua culpa.
— Você quer que eu faça no outro lado para equilibrar isso? — Ele franziu
as sobrancelhas.
— Que tal não?
Ele fez beicinho. — Estraga prazeres.
— É bom ver você sorrir.
— Você sempre me faz sorrir.
— Sua coisa extravagante. — Eu o beijei na bochecha. — Quer sair esta
tarde?
— Marcel, não sairei do seu lado nas próximas horas.
13 Ale é um tipo de cerveja produzida a partir de cevada maltada usando uma levedura que trabalha melhor
em temperaturas mais elevadas. Tal levedura, conhecida como levedura de alta fermentação, fermenta a
cerveja rapidamente, proporcionando um sabor frutado devido a maior produção de ésteres.
14 Stout é uma cerveja escura feita usando malte torrado ou cevada torrada, lúpulo, água e fermento.
— Sim. Eu merecia não ser traído.
— Você merecia.
— Por que, George? O que fiz errado?
Ele se inclinou para frente, olhando para sua cerveja. — Nada. Não de
propósito. Eu só… eu só…
— O quê? — Bebi um pouco de vinho para acalmar meu tremor.
Tive vontade de jogar a bebida na cara dele, quebrar a taça na cabeça dele.
— O quê? — Empurrei novamente quando ele não respondeu.
Ele olhou para cima. — Como está?
— Como está o quê?
— O vinho. Sei o quanto você ama um tinto.
— Por que você se importa?
— Estou apenas dizendo.
— Eu gostaria que você dissesse o que fez você foder outro homem. — Eu
disse a última parte muito alto, algumas cabeças se virando em nossa
direção.
— Pressão — ele respondeu.
— Repita?
— Pressão, Marcel. Você colocou muita pressão sobre mim.
Eu estava realmente ouvindo isso? — Como? Nunca te impedi de fazer as
coisas que você queria. Não estávamos unidos pelo quadril vinte e quatro
horas por dia, sete dias por semana. Este não sou eu. Não era a gente.
— Você estava tão apaixonado por mim.
Uma ponta de dor floresceu em meu peito. — E você não estava?
— Não. Claro que eu estava.
Eu dei a ele meu melhor olhar confuso enquanto bebia meu vinho.
Ainda não é tarde para quebrar isso na cabeça dele…
— Mas você me amou demais — ele continuou. — Você me via como uma
espécie de príncipe encantado e eu não conseguia corresponder a isso. Fiquei
com muito medo.
Meus dedos se contraíram no vidro. — Com medo?
— Sim. Com muito medo de decepcionar você, fazer algo errado. Então
apertei o botão de autossabotagem e...
— Pare. Simplesmente pare.
— Marcel…
— Você realmente vai sentar aí e falar merda para mim?
— É a verdade. — Ele ergueu as mãos. — Estraguei tudo. Destruí nosso
relacionamento porque sou um idiota.
Eu queria dar um soco nele com tanta força. Ele ficou com medo? Eu o
amava demais? Minha vida foi destruída porque ele não passa de um
covarde?
— Se serve de consolo — disse ele — Craig me traiu. Robert me ajudou a
juntar os pedaços. Ser melhor.
Eu tinha que sair daqui.
— Marcel?
Minhas costas permaneceram coladas à minha cadeira. — O quê?
— Desculpe.
Levantei-me. — Eu não ligo. Eu não quero ouvir isso. Ficou com medo? O
que você quer para isso? Uma medalha?
— Não seja infantil.
— Não me diga o que fazer. — Mais uma vez chamei muita atenção para
esta mesa.
— Por favor... — George disse.
— Não. Terminamos com isso.
— Mas...
— Quer saber? Por mais que você tenha me machucado, estou feliz que
terminamos. Acho que fomos uma péssima combinação. Você ficou com
medo. Eu estava muito inseguro sobre tudo. Nunca acreditei que fosse bom
o suficiente para você.
Além disso, bem, meu coração na verdade pertence a um ser imortal…
— Mar...
Ele não conseguiu falar agora. — Talvez devêssemos ter conversado mais,
não sei. O que sei é que acabou. Eu consegui algum tipo de encerramento,
suponho. — Assustado minha bunda! — Mas por que aqui? Por que você
teve que voltar para minha vida com outro cara novo? — Para minha
surpresa, sentei-me novamente.
— Segui meu parceiro até aqui — respondeu ele. — Quando descobri que
você se mudou para cá, falei com Emma sobre isso. Isso provavelmente foi
errado.
Provavelmente não sobre isso. — E quanto ao seu trabalho como grande
banqueiro? — Bebi mais vinho, pensando em pegar outra taça.
Respirações profundas, não goles.
— Fui transferido para nosso escritório em Bristol — disse ele. — Começo
amanhã.
Suspirei, balançando a cabeça. — Eu te amei tanto.
— Eu te amei, Marcel. Eu ainda amo.
— Nem tente isso.
— Não é assim. Sei que essa opção está fora de cogitação.
— Com certeza, está.
— Mas podemos, não sei, nos curar agora?
Punho no rosto. Joelhos nas bolas. Com qual começo? — Você ama Robert?
— Amo. Ele me ajudou muito.
Até você ficar com medo e foder outra pessoa novamente. — Ok.
— Obrigado por se sentar novamente — disse ele.
A atenção sobre nós parecia estar desaparecendo.
— Você quer outra bebida? — ele perguntou.
— Por favor — respondi rápido demais.
Ele se levantou para pegar um pouco. Fiquei parado, com raiva, mas ainda
não pronto para ir embora.
— Odeio que esteja morando aqui — eu disse enquanto ele se sentava. —
Mas eu vou lidar com isso. Serei civilizado, direi bom dia ou algo assim. Não
espere muito mais do que isso. Não haverá mais conversas em pubs e coisas
assim. Acabou. Estamos no passado.
— O que você quiser. — Ele bebeu um pouco de cerveja. — Estou grato
por este bate-papo.
Olhei para ele, realmente olhei para esse homem que eu amara. Ainda
havia vestígios dele dentro de mim, ainda machucado, até sofrendo um
pouco. Sombras do passado morrendo a cada dia. Eu não poderia perdoá-lo,
certamente não por muito tempo. E eu não estava feliz em ter ele aqui ou sua
outra metade sendo meu parceiro necromante. Mas depois de tudo, depois
de minhas muitas vidas de tristeza e destruição, ele não era nada comparado.
O que ele era comparado a séculos de mortes horríveis?
Morte…
E George realmente não poderia competir com ele.
— Acho que é preciso coragem para sentar aqui e me encarar — eu disse.
— Embora eu não ache que você jamais teria me abordado em Londres. —
Dei de ombros. — Mas é isso que é.
— Só posso lamentar — ele respondeu.
— Obrigado por dizer isso.
Ele assentiu. — Claro.
— Você vive sua vida. Viverei a minha.
Sentei-me mais ereto. Para o inferno com o drama, especialmente este
drama. Agora, mais do que nunca, eu queria provar meu valor e voltar para
Londres. Ser um necromante tão incrível que eu conseguiria uma nova casa
em Londres ou algo assim por ser incrível.
Talvez muito longe…
Não importava eu trabalhar com Robert. Vida profissional e pessoal eram
entidades separadas. Pelo menos nesta situação.
Mordi meu lábio inferior, uma pulsação nervosa em minhas entranhas.
As coisas nunca são tão simples…
— Então, Oakthorne — disse ele.
— Oakthorne — repeti. — Isso não é redução demais para você?
Ele riu. — E você, garoto da cidade.
Por mais que eu não gostasse desse homem, sua voz mantinha o poder
doce e sedutor que me seduziu do lado de fora da minha loja de linhas
favorita no leste de Londres.
— Não tive escolha — eu disse.
— O que aconteceu?
— Emma não te contou?
— Não. Vi notícias sobre a rua Baker, mas não todos os detalhes. E você
não precisa me dizer nada.
Tomei um gole de vinho. — Estou preso aqui.
— Você realmente não precisa me dizer...
— Um pária, um fodido. Quase matei Jenn porque... não estou falando
sobre isso.
— Então não fale. — Um sorriso suave. — Contanto que você esteja bem.
Balancei a cabeça, apertando minha taça contra o peito. — Estou bem. Eu
realmente sinto falta da minha família. E de Jenn.
— É compreensível. Isso é uma grande mudança.
— Uma que você pode lidar? — Perguntei.
— Por Robert? Sim.
Você teria se mudado por mim?
Nem pense nisso!
— Isso é legal — eu disse.
Eu deveria estar mais chateado, não deveria?
Não. Ele não é a Morte…
— E você? — ele perguntou. — Está vendo alguém?
Isso foi uma pitada de ciúme que vi aparecendo em seus olhos?
Bom!
— Na verdade não — menti.
— Oh. — Ele bebeu metade do litro de uma só vez.
Certa vez, flertei com a ideia maluca de me vingar pegando três ou quatro
caras em uma boate. Iríamos para um hotel e faríamos uma orgia. Filmaria e
enviaria para George para mostrar que poderíamos todos brincar.
Eu decidi contra isso no final. Provavelmente foi o melhor.
— Um dia — acrescentou ele — algum cara vai fazer você muito feliz.
— Talvez. — Olhei para a esquerda na direção dos banheiros e fiquei de
pé.
Minha cadeira caiu no chão.
— Mas que porra? — Gritei.
Leon West estava entre as duas portas, indo para o banheiro masculino.
— Marcel? — disse George.
Que diabos?
— Marcel? O que está errado?
— Eu... eu realmente preciso fazer xixi. — Corri pelo pub, irrompendo
pela porta e encontrando o mago parado perto das três pias. Mais uma vez,
ele parecia barro cozido demais, a pele pálida rachada, o cabelo ruivo com
aspecto empoeirado.
— O que está fazendo aqui? — Exigi.
— Vim avisá-lo sobre Nick — disse ele. — Ele está de volta à cidade.
O gelo inundou minhas veias. — Sei que ele está.
— Você o viu?
— Sim. Onde ele está?
— Não sei. Ele me disse que iria machucar você e então saiu furioso.
— Saiu de onde?
— Não sei.
— Você não sabe onde está? — Eu perguntei.
— Estou tentando descobrir. — Ele soltou um suspiro instável. — Mas
estamos no meio do nada, em alguma casa em ruínas. A projeção astral é
difícil, não me dá muito tempo. Tenho tentado ajudar, mas...
Ele desabou em uma pilha de folhas secas, que se dissipou em segundos.
— Leon?
— Marcel?
Virei-me para encarar George.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Não sei.
— Você precisa ir embora?
Balancei a cabeça. — Acho que sim.
— Deixe-me levá-lo de volta.
— Vou ficar bem. — Passei por ele, correndo pelo pub, tentando descobrir
meus próximos passos.
Nick estava do lado de fora da entrada do pub com uma arma apontada
para meu rosto.
Ele puxou o gatilho.
Com os reflexos em dia, saí do caminho bem a tempo, o estalo da arma
agredindo meus tímpanos.
Nick uivou de tanto rir. — Surpresa, Marcel!
Caí no chão, rolei, saquei minha arma e disparei. Foi longe, mas o segundo
também.
Gritos. Comoção no bar, por parte de alguns moradores atravessando a
Praça Leste.
— Marcel! — George gritou da porta.
— Pra dentro! — Eu gritei.
Os olhos de Nick encontraram meu ex. — George? Aquele que te fodeu?
— A risada do lich tornou-se estridente desde o nosso último encontro. —
Isso é bom demais.
— Vá se foder! — Meu próximo tiro estourou seu joelho.
Ele caiu, gritando.
Pulei de pé, abrindo um buraco em seu peito quando um véu frio e
carmesim caiu sobre mim.
— Você fodeu tudo ao voltar aqui — eu disse, acertando outra bala em sua
coxa esquerda. Ele não morreria, mas também não ficaria livre.
— Não! — ele gritou.
Era minha vez de rir da criatura patética sangrando no concreto. O véu
frio me envolveu em seu abraço escuro, fazendo minha bota pousar em sua
mão. Esmagando dedos, quebrando ossos. O lich tão vulnerável, tão fraco.
Inclinei minha cabeça para o lado. Eu estava farto de pessoas mexendo
comigo, pensando que poderiam entrar na minha vida e estragarem tudo.
Sirenes. O grito de Robert. Eu o vi correndo pela praça.
— Eu deveria explodir sua cabeça — eu disse. — Mas quero que você fale.
Deus, ele era realmente estúpido o suficiente para acabar assim?
Um braço em volta do meu peito, uma lâmina na minha garganta.
— Sou uma infinidade de ameaças, Marcel — uma voz sussurrou em meu
ouvido.
A voz de Nick.
Joguei minha cabeça para trás antes que ele abrisse minha garganta. Seu
aperto afrouxou. Eu dei um chute amplo, jogando-o de costas, e disparei três
tiros em seu estômago antes que o cartucho ficasse vazio.
Robert chegou, arma apontada para o outro Nick com as mãos esmagadas.
— Que porra está acontecendo? — Exigi.
O lich que acabei de derrubar riu de mim, cuspindo sangue como resposta.
A polícia chegou, junto com três novos necromantes e Emma. Armas em
punho.
Uma infinidade de ameaças. Ele claramente fez algo para se dividir em
vários pedaços. Com a ajuda de Leon?
— Quantos de vocês tem por aí? — Eu perguntei para os dois Nicks.
As duas partes do lich riram ao mesmo tempo.
Estremeci com o som.
— Está com medo, Marcel? — O lich com balas nas entranhas sorriu para
mim com os dentes manchados de sangue. — Você deveria estar. Você está
marcado. — Ele cuspiu mais sangue. — Você e seu amante interferiram
demais.
— Cale a boca.
— Achei que você queria me ouvir falar?
Emma chegou ao meu lado. — Nicholas.
— Emma! Que bom ver você de novo. Como minha antiga casa está
tratando você? — Ela agora ocupava a antiga residência de Nick em Maple
Lane, literalmente na estrada que dava para Praça Leste.
— É bom ver você no chão — ela respondeu.
— Senhora? — Eu disse. — Permissão para falar.
— Sim.
Eu contei a ela sobre a infinidade de comentários e ameaças.
— Você se importa em explicar? — ela perguntou ao lich.
— Não na verdade.
— Quantos de você existem?
Nenhuma resposta.
— Seu marido mago ajudou você?
Rindo, como se tivesse vencido.
A polícia chegou para ajudar.
— Leve-o — Emma ordenou, olhando para a direita. — Leve os dois.
A Instalação North Somerset, não muito longe da vila de Wraxall. Uma
caixa preta, sem janelas, no fundo de uma bacia. Rodeado por altas paredes
de vidro infundidas com magia necromante, uma sombra monolítica
coroando uma prisão enterrada para poltergeists.
O vento assobiava ao redor do prédio, nas colinas altas. Agora que o sol
se pôs, a única luz vinha dos postes ao longo da estrada que levava até lá e
dos poucos postes que rodeavam o edifício. Apenas tão brilhantes quanto
precisavam ser, como se fossem propositalmente fracos para criar uma
atmosfera assustadora.
As instalações estavam em constante bloqueio, fortemente protegidas,
camada após camada de segurança e engenharia robusta para manter os
espíritos mortais afastados da sociedade. Mas eu tinha um cartão-chave,
fornecido por Yvonne, que funcionava como uma chave mestra para esse
ramo específico.
Da minha posição fora do perímetro, a terrível energia deste lugar vibrava
nas minhas bordas. Tanta dor, tanta raiva que eu poderia liberar daqui.
Enviar. Deixar a vida acabar com isso.
— Um disco quebrado — murmurei para mim mesmo.
Escondido da vista, caminhei pelas cinco cabines de segurança ocupadas
por guardas necromantes, contornando as câmeras, passando
cuidadosamente pelos lasers verdes cruzados no chão.
Movendo-me rapidamente, usei o cartão-chave em uma pequena porta,
uma enorme grade rolante adequada para receber veículos ao lado dela.
Entrei, um elevador vazio à direita, uma passarela de concreto à minha
frente. A sala cavernosa era desprovida de decoração, concreto puro, energia
necromante escondida dentro dela. Algo poderoso, uma criação fascinante.
Subi um lance de escadas até um mezanino.
Ainda assim, a raiva dos presos me agarrou, cutucou minha culpa. Eu fiz
isso acontecer, criei esta situação por causa de...
E novamente aquele disco quebrado.
Reforçando minhas defesas, examinei o próximo painel de cartão-chave,
parando no corredor frio e de concreto além. A raiva e a tristeza coletivas me
atingiram como um vento tóxico, forçando-me a colocar mais defesas sobre
mim mesmo.
Deixe isso de lado…
Continuei abrindo caminho porta após porta, corredor após corredor,
descendo várias escadas, contornando tantas verificações de segurança até
chegar a uma enorme caverna cúbica de passarelas de concreto e janelas
pretas.
As celas. Tantas celas.
Fiquei no topo, recuperando o fôlego depois que outra onda de tristeza
poltergeist me atingiu. Os gritos abafados eram ensurdecedores, tão ferozes
quanto aquela energia. À beira de me oprimir.
Seja forte…
A caverna zumbia com a força dos poltergeists lutando contra suas
prisões, a estrutura poderosa o suficiente para mantê-los presos. Mas e se
um dia não fosse mais? As coisas falham, acidentes acontecem. Se essa
quantidade de energia fosse liberada para o mundo, então...
Pare de pensar nisso.
Jeff Hunt residia no andar 70, cela 14. O andar superior era o 300, os
números contados regressivamente na descida. E assim, desci, passando por
necromantes em patrulha, um invasor silencioso.
No 81º andar, parei do lado de fora de uma cela, a dor dentro de mim
prendendo minha atenção.
Uma criança. Uma menina de nove anos. Um fim trágico, uma vida
interrompida. Presa aqui em sua raiva, para sempre nesta escuridão.
Sozinha. Sempre sozinha. Mesmo sendo tão jovem, tudo o que ela queria era
destruir, derrubar este lugar, espalhar o seu sofrimento para o resto do
mundo.
Veja o que você fez…
Veja o que você se tornou...
Recuei, continuando com minha missão. Isso era sobre Marcel, nada mais.
Sua própria necessidade queima os mortos.
Andar 70. Cela 14. Lá estava ele, Jeff Hunt. Uma coisa cruel, sua energia
distorcida e cheia de ódio, gotejando um mal vil. Nenhum remorso, apenas
sede de cometer mais crimes. Ele não era o único. Passei por muitos deles e
outros esperavam nos andares abaixo. Almas sem capacidade de alcançar a
redenção, nem mesmo de mergulhar os pés em águas melhores.
Isso tornava tudo mais fácil.
A próxima etapa exigia que eu fosse mais rápido do que nunca. Olhei em
ambas as direções da passarela, os guardas patrulhando próximos, mas de
costas viradas.
Entre e pegue-o...
Contei até cinco, sacando minha foice, a lâmina curva brilhando
avidamente.
Dois…
Um…
Bati o cartão-chave no painel e a porta se abriu com um clique. A caverna
imediatamente se encheu de alarmes e luzes vermelhas. Os guardas
entraram em ação tão rapidamente quanto eu entrei.
Com a foice erguida, puxei Jeff para minha lâmina, sua forma translúcida,
mais do que um fantasma normal, mal registrou o que estava acontecendo.
Ele não fez nenhum som quando minha arma o absorveu.
Os guardas entraram na cela.
— Onde diabos ele está? — um homem gritou.
Minha foice vibrou, o poltergeist respondendo com raiva à sua nova
prisão.
Você nunca será livre...
Passei pelos guardas e voltei para fora sem suar a camisa. No entanto, a
meio caminho da minha moto que me esperava, caí de lado, sentindo dores
agudas por toda parte.
A menina, a energia daquele lugar, me corroeu, me virou do avesso.
Levei dez minutos para me levantar e subir no Pegasus II.
A garota…
Aquela pobre menininha...
Mas foi feito. Eu tinha o ingrediente para fazer o Bolsão de Margarida.
Aumentei a velocidade do Pegasus II ao máximo, consumindo as estradas
até Londres.
Os dois Nicks se separaram, desmoronando em pétalas cinzentas e
empoeiradas, sua risada zombeteira ecoando pela praça.
Merda.
Os policiais que iam algemá-lo pularam para trás. As pétalas explodiram
em chamas.
— Para trás! — Emma ordenou.
O fogo morreu, as pétalas desapareceram.
Magia de mago.
Qual diabos era o jogo de Leon nisso? Ele queria me ajudar,
aparentemente. Eu confiava nele tanto quanto confiava em George vindo até
mim de joelhos novamente.
— Querido — disse Robert, correndo para seu noivo. Eles se abraçaram,
se beijaram e eu fiz questão de desviar o olhar.
Em vez disso, chamei a atenção de Emma. Ela não estava nem um pouco
feliz. E percebi que não tinha permissão para me virar e voltar para casa para
tricotar e beber vinho.
Sim. Eu tinha razão.
Robert e eu nos sentamos novamente à mesa de Emma, aguardando
ordens enquanto outra tempestade de merda assolava a mídia local da
cidade, espalhando-se rapidamente pela imprensa nacional. Nick foi a
estrela do show. De novo. E ele parecia estar despertando seriamente
interesse rebelde agora.
Isso não era bom.
Emma gritou ordens em seu e-scroll, insistindo em uma resposta de sem
comentários. Como se isso fosse suficiente para conter a onda de manchetes
gritantes, de pânico. Liches eram mortais, Nick era mortal, e só Deus sabia o
que se escondia na próxima ação. O pânico público era inevitável.
Descobrimos, através de um mago que trabalhava com a polícia, que Nick
havia sido dividido em partes diferentes por uma poção chamada Fatiador.
Uma poção poderosa feita de um certo tipo de tulipa. O último caso de seu
uso ocorreu há cerca de cinquenta anos, deixando um mago fatiado igual
pão depois de dar errado. Era suficiente dizer que o material estava na lista
de banidos.
— Com licença — disse a Diretora Superior, saindo da sala.
Lembrei-me de respirar depois que ela bateu à porta. — Não era assim que
eu queria que minha noite fosse.
Silêncio do meu parceiro.
— Como está George? — Tentei.
— Bem. Abalado.
— Aposto que sim.
Ele cutucou as unhas. — Tudo bem entre vocês dois?
— Eu acho que sim.
— Você acha que sim?
— O tempo cura — eu disse, odiando esse ditado em particular.
— Hmmm…
— O que está errado?
Ele parou de cutucar, olhando para a janela. — Nada...
— Me diga.
Uma rápida olhada em minha direção e então ele voltou a cutucar as
unhas. — Você me confunde.
— Eu te confundo?
— Sim, mano. Grande momento. — Ele limpou a garganta. — Quando
Nick mencionou seu amante, a quem ele se referia?
— Eu... — Merda. Merda. Merda. Eu tinha esquecido disso.
— Ele quis dizer George? — ele pressionou.
Dê-me algum maldito crédito. — Claro que não.
— Vocês não estão recomeçando de novo? Eu não empurrei vocês dois de
volta?
— Por favor, nem pense isso. Estamos mais do que acabados.
Ele suspirou. — Então quem?
— Eu…
Emma reapareceu. — Um Nick de muitas partes. — Ela olhou entre nós.
— O que é? Vocês dois parecem estranhos.
— Nada, senhora — Robert respondeu rapidamente. — Apenas
absorvendo tudo isso.
Ela assentiu. — Esta cidade faz Londres parecer tranquila.
Robert olhou para mim. Ótimo. Agora ele pensava que eu era um
necromante evasivo.
— Esses ataques à cidade vão causar o caos, é claro — disse Emma,
sentando-se. — Mas também vão ser direcionados a machucar você, Marcel,
e as pessoas em sua vida.
Meu estômago revisou. Minha família. Ele realmente iria para minha
família? — Oh, Deus…
— A segurança foi fornecida para sua família, com a consideração de
transferi-los para uma casa segura dentro de algumas horas. O que sua mãe
protesta veementemente. Mas com o lich tendo um mago à sua disposição,
é possível que ele encontre sua família independentemente de sua
localização.
Quase vomitei em cima da mesa. — Tenho que falar com minha família.
— Claro.
— Tenho que ir e ficar com eles. Eles precisam de mim.
— Não, preciso de você aqui. Eles serão atendidos. Aqui podemos manter
Nick confinado em seu parquinho. Pelo menos até certo ponto. Quem sabe
onde estão suas outras partes.
Então eu era uma isca?
— Ele continuará vindo atrás de você — acrescentou ela. — Isso nós
sabemos.
Isso seria um sim, então.
Ela sorriu para mim, e foi um ancinho enferrujado arrastado pela minha
alma. — Sei que você está preocupado, Marcel. Todos nós estamos. A partir
de agora, você receberá uma equipe de segurança 24 horas por dia, sete dias
por semana. Dois policiais e dois necromantes observarão cada movimento
seu.
Ela fez isso parecer ameaçador, e meio que era. Como eu poderia ver a
Morte ou fazer qualquer coisa em particular agora?
Droga!
Minhas mãos estavam úmidas e o suor se acumulava na base da minha
coluna. O medo era uma toxina, um veneno debilitante do tipo mais
desagradável.
As paredes do seu escritório eram muito próximas e a temperatura
sufocante. Eu precisava sair, entrar no meu carro e correr para Londres. Eu
protegeria minha família, não ela. Ninguém mais. Como ela ousa me manter
longe deles? Como ela ousa brincar com minha vida e emoções assim? Ela
queria que eu fosse um rebelde?
— É inútil você estar aqui — disse Emma. — Considere-se em espera por
enquanto. Vocês dois podem ir para casa. Tentem relaxar.
Relaxar? Ela estava louca?
Realizei meus exercícios respiratórios da melhor maneira que pude,
lutando para manter uma atitude calma. Ela não me veria desmoronar.
— Entrarei em contato — disse ela.
Robert e eu saímos juntos, Peter e Trish nos levando silenciosamente de
volta ao nosso prédio, seguidos por um carro da polícia que transportava
dois policiais.
Assim que paramos em frente ao meu prédio, Robert saltou do carro e
correu para dentro sem dizer mais nada. Ele não confiava em mim, não me
ofereceu nenhuma palavra de conforto. Tanto faz. Eu não tinha espaço na
minha cabeça para mais bagunça agora.
Peter e Trish me acompanharam até a porta da frente.
— Você está bem? — perguntou Peter.
— Eu preciso de uma bebida.
— Eu não te culpo, cara.
— Nós estaremos lá fora — acrescentou Trish. — Com aqueles policiais.
— Obrigado — eu disse.
— Tome cuidado, companheiro — respondeu Peter.
— Você também.
Capítulo 24
Abaixei-me para ver a margarida mais de perto. Parecia tão frágil, como
sempre pareciam as margaridas. Mas não eram flores realmente robustas?
Eu não estava a par de assuntos florais, mas elas sempre me pareceram
enganosamente resistentes.
Eu me endireitei, virando-me para encarar a Morte. — Quando devemos
arrancar?
Ele sorriu. — Troque duas letras por uma diferente e essa frase soará
muito melhor. — Uma voz carregada de profundidade sexy para deixar
minha virilha quente.
— Realmente? Ainda nem fizemos a passagem. O que realmente não
parece sexy.
— Estou pronto quando você estiver.
— Vá em frente, Sr. Arrancador.
— Mais uma vez, troque algumas letras.
— Basta arrancar.
Rindo, ele removeu a primeira pétala. Ele pegou minha mão, entrelaçando
seus dedos com os meus.
Está acontecendo. Está acontecendo.
Atravessamos o portal para um novo mundo.
O ar ameno e um céu noturno cheio de estrelas e margaridas flutuantes
chamaram minha atenção primeiro. As flores flutuavam pelo céu como
nuvens, não atrapalhando a visão da luz das estrelas, mas melhorando-a.
Estranho e completamente incrível ao mesmo tempo. A lua cheia brilhava
como uma enorme joia contra a extensão escura, banhando o bolsão costeiro
com uma incrível luz lunar.
Estávamos no deque de uma casa de praia, a única construção numa praia
de areia branca e pura. As ondas do oceano lambiam suavemente a costa,
refletindo a lua, as estrelas e as margaridas, rolando como luz líquida.
Estendia-se por uma distância que não existia, muito parecida com a praia.
Não havia nada além do que podíamos ver neste pequeno e estranho reino,
e eu adorei isso.
— Vamos explorar a casa? — a Morte perguntou, sua mão ainda na minha.
— Absolutamente.
Ele criou uma casa de praia branca com muitas janelas/portas
panorâmicas para nos imergir nos arredores. Deque de madeira enrolado em
toda a casa, passadiços para os vários pontos de interesse. Neste lado sul da
construção, de frente para o oceano, havia uma enorme piscina externa,
completa com um bar abastecido e bancos de bar. Velas pequenas em
castiçais de cristal brilhavam, alinhadas ao redor da borda da piscina.
— Gosto da maneira como você pensa — eu disse, olhando algumas
garrafas de vinho.
O portal ondulante também estava aqui, sem margaridas deste lado. Sair
não exigia arrancar uma pétala, apenas entrar.
A leste havia outro deque com cadeiras confortáveis e uma mesa com
guarda-chuva. Velas queimadas em potes de geleia reaproveitados,
contribuindo para o ambiente romântico deste lugar especial.
— Bonito.
O deque norte tinha mais móveis, mais velas e dava para ver margaridas
caindo. Elas caíam em cascata como uma cascata floral lenta, marcando a
borda norte do nosso pequeno mundo. As margaridas no céu eram o rio que
alimentava essas cachoeiras, o que me fez pensar que elas estavam em algum
tipo de laço permanente.
Finalmente, chegamos ao deque oeste, que parecia igual aos outros, com
velas e cadeiras.
— Agora, para a casa — disse Morte.
Uma casa muito moderna com linhas limpas, muito dourado e branco com
piso de ardósia cinza. Plano aberto com uma cozinha a leste, uma área de
estar espalhada pelos lados norte e oeste com um sofá de canto que parecia
maior do que todo o espaço do meu apartamento. O lado sul abrigava o
quarto, uma cama que acomodava umas vinte pessoas, completa com lençóis
de seda dourada. Havia também um banheiro com banheira dourada, pia,
chuveiro e vaso sanitário. Todas as torneiras e canos da casa de praia eram
de ouro.
— Senhor Dourado — eu disse, apertando sua mão.
— Claro. — Ele ergueu nossas mãos unidas, dando um beijo nas minhas.
— Você fez bem — eu disse. — Muito bem. Este lugar é enorme.
— Acho que eu gostaria de morar aqui.
— Eu também. E está tão quente.
— Muito quente?
— Não. O bom tipo de calor.
Seu sorriso não desapareceu durante todo o tempo que estivemos aqui.
Adorei ver isso, embora não tenha conseguido desfazer a tensão podre
dentro de mim.
— Vamos começar os testes? — Sugeri.
— Vamos fazer isso.
Testamos o telefone e o e-scroll neste lado primeiro. Eles funcionaram
muito bem, embora o sinal em ambos fosse uma merda, para ser honesto.
Quando dentro do bolsão, os aparelhos tocando do outro lado, o som
reverberou pelo céu como um aviso. Assim como a campainha do interfone
e qualquer batida na minha porta. Bom. Precisávamos estar sempre atentos
e alertas, prontos para entrar em ação através do portal.
Parado junto à piscina, Morte desfez a corrente de ouro, colocando
cuidadosamente o rubi no chão. Ele então me pegou em seus braços e me
beijou, instantaneamente me prendendo em luxúria.
Nós nos beijamos com paixão frenética, nossos lábios colidindo com mais
força do que nunca. Nossas mãos tateando roupas, arranhando rostos, um
ato de grande desespero.
A Morte se separou, pondo fim a isso.
— O que... — engasguei-me. — O que está errado?
Ele me lambeu os lábios, sorrindo.
— O quê? — Eu disse.
— O mundo não está se desintegrando.
Olhei em volta, nada mudou. Sem rachaduras, sem tremores como em seu
quarto.
— Funciona — sussurrei.
Ele colocou o rubi de volta. — Ainda não estou me arriscando.
— De acordo. Agora podemos voltar a nos beijar?
Ele sorriu, invocando um cinto em sua mão – couro preto, uma fivela
dourada brilhante.
— Você vai me bater? — Perguntei, meus dedos desenhando círculos na
minha barriga.
— Você quer que eu bata em você?
— Isso depende de quão travesso você acha que fui. — Eu me encolhi. —
Deus. Desculpe. Isso foi uma merda.
— O quê? — Ele deslizou o couro pela palma da mão fechada, lambendo
aqueles lábios incrivelmente sensuais.
Ele poderia espancar o que quisesse.
— Eu falando assim — respondi.
— Gosto disso. Mas eu não estava pensando em bater em você. Pelo menos
agora não.
— Oh? Então o quê?
— Deixe-me te mostrar.
Com passos lentos e deliberadamente sedutores, ele se aproximou de
mim.
Lambi meus lábios, cada centímetro do meu corpo formigando.
— Tire suas roupas. Devagar. Quero aproveitar.
Embora eu tenha corado um pouco, dei a ele um show. Ele gostava de um
show. Lembrei-me de muitas vezes quando ele me pediu para tirar a roupa
para ele. Às vezes ao som de música, às vezes ao som das ondas e de uma
brisa deliciosamente quente como este lugar.
Ele amarrou o cinto em volta dos meus pulsos, apertando a fivela o
máximo que conseguia, prendendo meus pulsos no lugar. Estremeci de
prazer, borboletas ativas na barriga, minha pele uma paisagem de sensações
incríveis. Cada respiração de seus lábios até minha pele desencadeou uma
reação em cadeia de desejo em minhas terminações nervosas. Enviou
eletricidade para minhas bolas, calor tremulando dentro do meu pau duro
como pedra.
Deus. Ele era pura magia, puro sexo e maravilha.
Ele segurou meus braços acima da minha cabeça com uma mão,
banqueteando-se em meu pescoço. Lambendo a pele, mordiscando-a
enquanto a outra mão explorava meu peito. Provocou meus mamilos, os
dedos lentamente descendo até meus pelos pubianos. Enrolando-se dentro
do macio tufo prateado. Olhei para baixo e o vi brincar com o cabelo,
ofegando quando os nós dos dedos roçaram meu eixo.
— Porra... — gemi.
Ele soltou um gemido contra mim, chupando molhado, beijando,
lambendo, mordendo com mais força.
— Oh, meu Deus... — ofeguei. — Oh, meu Deus.
A Morte tocou minha dureza, envolvendo seus dedos em volta do meu
eixo. Me segurou em um bolsão quente. Sem acariciar, apenas segurando.
Empurrei meus quadris, precisando sentir a fricção, algo mais do que sua
provocação.
Ele beijou meu pescoço um pouco mais, mantendo a mão imóvel enquanto
eu bombeava.
— Não goze ainda — ele ronronou em minha pele.
Meus joelhos dobraram. Ele me pegou, liberando meu pau para me
segurar contra ele, minhas mãos amarradas acima da minha cabeça.
— Merda... — falei. — Desculpe.
— Você está bem?
— Você literalmente fez meus joelhos fraquejarem.
— Mmmm. Gosto disso.
Eu queria perguntar a ele o que ele tinha reservado para mim. Mas deixei
que assumisse a liderança, o mistério era mais sexy que o conhecimento.
Ele me pegou nos braços tão rapidamente que eu guinchei como um rato.
Ele riu e me beijou, me levando para a cama, me deitando suavemente.
Eu ri, meus pulsos ainda amarrados na cama, apoiados na minha barriga.
— Fique de quatro — ele ordenou.
Obedeci, arrastando os pés na enorme cama, apresentando-lhe meu
traseiro nu.
— Abra mais essas pernas — disse ele.
Eu me mexi, com a bunda para cima, lentamente abrindo mais minhas
pernas para que ele tivesse uma visão realmente explícita.
Ele gemeu de prazer e depois desabotoou a camisa. Eu o observei por cima
do ombro, apoiado nos cotovelos e joelhos. Sua vez de me dar um show,
demorando para revelar hectares de carne bronzeada, os dois piercings de
argola de ouro em seu mamilo esquerdo, um em seu direito. Aqueles
abdominais lindos, os cachos de pelos escuros em seu peito tonificado.
Esse pau incrível.
— Você é todo meu, necromante. — Ele piscou e me mandou um beijo.
— Você sabe disso, Morte. — Ronronei seu nome da maneira mais sexy
que pude.
Ele gostou, subindo na cama.
Estremeci, pronto para ser levado.
Ele segurou minhas nádegas, dando-lhes um aperto apreciativo. Uma
pequena palmada.
— Bom — disse ele. — Tão bom.
Ele se posicionou de frente para minha bunda, beijou minhas nádegas,
passando a língua lentamente pela pele, ao redor da minha fenda. Mais
provocações, mais me deixando louco, então me esforcei um pouco contra o
cinto, embora não quisesse realmente ser livre. Eu gostava de estar à sua
mercê, me contorcendo sob a sensação do meu pau vazando pré-sêmen
sobre os lençóis de seda dourada.
Sua língua se moveu das nádegas até a fenda, uma surpresa molhada entre
elas.
— Oh, Deus — exclamei suavemente.
Uma música surgiu na minha cabeça, uma que Jenn e eu adorávamos
dançar em casas noturnas – muitas danças provocativas e rebolados
movidos a álcool.
A música em questão, 'Kisses Down Low' de Kelly Rowland, nunca me
rendeu um homem. Mas certamente chamou a atenção para Jenn em
algumas noites. Ela rebolava muito melhor do que eu.
Cantarolei alguns compassos enquanto a Morte me trabalhava com sua
língua.
Ele fez uma pausa, tirando seu beijo especial. — O que é que foi isso?
— Nada.
Meu amante voltou ao seu trabalho, me separando para um mergulho
mais profundo, gemendo em meu buraco. Eu me contorci com as vibrações,
com o latejar em meu pau. Ele gemeu mais forte, enterrando seu rosto em
mim. Devorando-me ao ponto do clímax. Eu não conseguia me tocar, mas
isso não importava. Eu estava pulando em direção à borda.
— Estou gozando...
Ele parou imediatamente.
— O que… porra! — A onda sexy recuou, deixando-me dolorido e
frustrado. Caí de cara no colchão, grunhindo. — Você não pode...
— Não posso o quê? — ele questionou.
Reunindo forças de algum lugar do meu corpo enfraquecido, virei-me
para encará-lo.
— Ainda não — disse ele. — Deixe-me levar as coisas mais longe.
Eu gemi. — Por favor.
Ele agarrou meus quadris e me colocou de joelhos. Passou um dedo pela
minha fenda, empurrando um dedo para dentro. Só a ponta.
— Foda-me — implorei.
— Com prazer. — Ele não se moveu para agir, no entanto.
— Você sempre gosta de provocar.
Ele me deu um tapa.
— Por favor, me foda — implorei. — Por favor. Não aguento... não
aguento mais. — Meu corpo estava cheio de necessidade, tão excitado que
doía.
— Tudo no seu tempo — respondeu ele.
— Agora. Foda-me agora mesmo.
— Acho que você está fazendo muitas exigências. — Uma venda apareceu
em sua mão.
— O que…
Ele se espalhou pelas minhas costas, seus lábios de repente roçando meu
rosto. — Shhhh… — A venda de seda cobriu meus olhos, mergulhando-me
em uma escuridão deliciosa.
Oh, Deus…
… sim.
Ele beijou minha bochecha, seu corpo deixando o meu. Dedos em meus
ombros, massageando, descendo. Trabalhando através dos meus nós,
derretendo a tensão em poças de prazer.
Quando ele voltou para minha bunda, a frieza me surpreendeu. — O que
é isso?
— Lubrificante.
— Sim…
Outra provocação com os dedos me fez forçar mais contra o cinto, meu
pau se perguntando quando teríamos alguma decolagem.
A Morte ergueu meus quadris novamente, me espalhando como fez antes.
Sim…
Desta vez não foi um dedo no meu buraco, mas sim o pau dele. Meus
dedos dos pés se curvaram enquanto ele passava a cabeça de seu pênis para
cima e para baixo na fenda escorregadia.
Foda-me!
A cabeça começou a parar…
Aqui vamos nós…
Ele empurrou seu pau para dentro de mim, seus dedos cavando em minha
carne. Gemi quando rompeu a barreira inicial da dor, deslizando mais
fundo, cumprimentando meu ponto G em um solavanco amigável.
Meu pau e minhas bolas latejavam juntos em uma sinergia feliz.
— Assim? — Morte perguntou.
— Muito. — Eu mexi meu traseiro em apreciação, impressionado com sua
circunferência me esticando. — Você sempre se encaixa tão bem.
Ele deu um tapa em cada nádega. — O ajuste perfeito.
E então ele se moveu, balançando os quadris lentamente, deslizando para
dentro e para fora. Colisão amigável após colisão amigável do ponto G,
gemidos bastante altos saindo da minha garganta. Lento e profundo, lento e
profundo.
— Bem aí — falei. — Bem desse jeito.
— Você é tão bom — ele respondeu. — Tão bom pra caralho.
Ele passou as mãos para cima e para baixo nas minhas costas, a venda
ainda escondendo seu rosto de mim. Empurrando com mais força,
aumentando sua foda.
— Sim, sim, sim…
Com as mãos em meus ombros, ele empurrou em mim, carne batendo em
carne. Um frenesi dentro de mim quando aqueles solavancos amigáveis se
transformaram em colisões. Grunhindo, suando, ofegando – ele e eu –, o
quarto se encheu de tantos sons doces além do oceano e da brisa. Esta noite
era nossa união em paixão sem consequências, sem qualquer risco de o
mundo se abrir ou o oceano se levantar para me matar.
Sexo sem tristeza.
Foi tão bom.
— Sim! — Gritei, me deixando perder em um abandono selvagem.
Empurre. Empurre. Empurre.
Mais perto. Mais perto. Mais perto.
Minhas bolas apertaram, minha pele acendeu com um calor delicioso.
— Oh, sim…
Gozei sem masturbar, com tanta força que pensei que meu pau iria
implodir. Gritando seu nome sem parar, o cinto esticou a ponto de quebrar.
Meu corpo era um canal para uma euforia sem fim.
A Morte não parou, fodendo cada gota de mim, suas mãos voltando para
meus quadris, empurrando até o clímax. Um rugido explodiu dele quando
o calor disparou em mim em rajadas incríveis, cada bomba liberando grande
parte de seu esperma em mim.
Ele caiu sobre mim, me agarrando pelos cabelos e virando minha cabeça
para ter acesso aos meus lábios. Devorou minha boca avidamente, ainda
dentro de mim, o esperma ainda escorrendo de seu pau.
— Você foi incrível — ele sussurrou.
— Você que foi — rebati. — Uau.
A Morte removeu a venda e desafivelou o cinto.
— Liberdade — brinquei.
— Por agora.
— Promessas, promessas.
— Absolutamente.
Outro beijo. Gostei do peso dele sobre mim, mantendo-me preso à seda.
— Todo o seu esperma pode ter me engravidado — eu disse — com ou
sem útero.
Ele riu, me beijando novamente. — Seu traseiro gostoso sabe como tirar o
sêmen do meu corpo. — Ele rolou de cima de mim.
Rolei em cima dele, espalhando minha nudez pegajosa sobre ele.
— Sêmen não é uma palavra sexy. — Bati o nariz dele no meu.
— Seu sêmen é sexy — ele respondeu.
— Obrigado. O seu também.
Aninhei meu rosto na curva de seu pescoço. Ele se envolveu em mim.
— Conseguimos — murmurei. — Fizemos sexo sem toda a besteira.
— Nós fizemos.
— Obrigado. Eu realmente precisava ser fodido daquele jeito.
Ele beijou meu pescoço. — Fico feliz por ter ajudado.
Respirei fundo, flutuando feliz por esse contentamento temporário.
— Eu te amo, Marcel.
Outra camada de felicidade se espalhou sobre mim. — Eu também te amo.
Acariciei os finos pelos escuros de seu peito, deitado de lado com a cabeça
em seu ombro. Ele olhou para o teto, seu cabelo caindo maravilhosamente
embaixo dele, no travesseiro.
— O que você está pensando? — Perguntei suavemente.
— A chave ônix.
Sentei-me, apoiado no cotovelo. — Merda. Estávamos muito ocupados
transando para realizar o maior teste de todos.
Ele inclinou a cabeça para me encarar. — Você parece incrivelmente
dramático.
— Tenho meus momentos.
Ele tocou meu rosto com as costas da mão e depois sentou-se, ajustando
os travesseiros para apoiar as costas. Segui o exemplo, pronto para a
verdade.
— Posso falar sobre isso aqui — disse ele, esticando a boca. — Qualquer
coisa relacionada à chave e ao conselho está bloqueada aos seus ouvidos, à
minha boca. Pelo menos no seu mundo.
As regras foram alteradas aqui. E o que diabos era o conselho?
Cale a boca e escute!
— Tenho um palácio no plano espiritual — continuou ele. — É minha
residência oficial e a fonte do meu poder. Quando eu envolvo o trono dentro
dele, sou a verdadeira Morte com todas as minhas habilidades em mãos. —
Uma breve pausa. — Meu poder também é vigiado, governado até certo
ponto por um conselho. Eles observam o equilíbrio entre a vida e a morte,
certificam-se de que fazemos o nosso trabalho, que cada vida e morte são
responsáveis por mim e pela Vida.
— Existe uma Vida?
— Sim. Ela é meu oposto, seu palácio escondido em seus céus.
Meu queixo ficou aberto por alguns segundos.
— Quer que eu pare? — ele perguntou.
— Não. Ignore meu choque.
— Diga-me se precisa de um momento para processar as coisas.
— Estou bem — eu disse, com um aperto na garganta. — Continue.
Quero dizer, realmente fazia sentido ter um oposto da Morte – porque a
vida era isso. Mas… uau. Como ela parecia? Ela era parecida com ele?
A Morte continuou. — O conselho está escondido e protegido em um
reino muito além daqui e do plano espiritual. Um que vi brevemente no
início da criação, nunca tive permissão para retornar porque o meu negócio
e o da Vida não está lá, mas aqui. O conselho não tem influência direta sobre
nada, observadores mais ou menos passivos. Todo o resto, as alegrias e os
horrores do seu mundo, são deixados ao tempo e à natureza. E antes que
pergunte, não existe uma personificação viva desses dois elementos.
Eu realmente precisava de um pouco de água. — Por que não?
— Essa é uma pergunta para o criador, suponho.
— O criador?
— A energia divina que fez o universo.
— Você não sabe quem ou o que é essa energia?
Ele balançou sua cabeça. — Não. Fui criado com a Vida, meu propósito foi
informado pelo conselho e lá fomos nós para executar nossos deveres.
Aparentemente, existem outras realidades com regras diferentes, mas não
tenho certeza até que ponto isso é verdade.
— Uau — sussurrei.
— Eu sei. Precisa de uma pausa?
Engoli. — Continue.
— O conselho não me controla, por mais que gostariam disso. Eles enviam
seus espectros para me ameaçar, para tentar me convencer a voltar ao meu
trabalho. Mas eles simplesmente não têm o poder de me forçar.
— Espectros? — Questionei.
— Criaturas do reino do conselho. Mensageiros, servos, bastante
assustadores.
— Oh.
— Você está bem?
Balancei a cabeça, mantendo meus lábios selados.
— Não tenho certeza se o conselho pode realmente ajudar com a nossa
maldição, já que eles são tão passivos — disse ele, enviando fortes pontadas
de dor no meu peito. — Mas quero que eles encontrem uma maneira. Dizem
que amar você é um desequilíbrio porque não fui feito para o amor, apenas
para o meu propósito. Portanto, a natureza proibida disso cria tal reação.
— Isso é uma besteira — respondi. — E é realmente cruel.
— Eu sei.
— Não há mais nada além disso?
— Até onde eu sei, não.
Então estamos realmente condenados? Guardei isso para mim, sentindo a
angústia no peito. Uma bola de ferro crescendo e crescendo, para nunca ser
libertada até me matar.
Droga. Tinha que haver mais. Tinha que haver.
Condenado…
Para sempre condenado…
— No início da minha época, disseram-me que havia duas chaves – uma
de ônix e uma de cobre. A chave de ônix desfaz a criação, enquanto a chave
de cobre a mantém.
Meu estômago revirou. — Ok. Isso é… uau.
— Eu sei.
— Desfazer é uma palavra assustadora. Merda.
Ele assentiu. — A chave de cobre está no reino do conselho, na fechadura
da existência. Eles observam isso. Eles não tocam nisso. Não cabe a eles fazer
nada porque a criação está concluída. A outra fechadura está vazia e deve
continuar assim.
Isso estava fazendo minha cabeça doer seriamente, mas não interrompi.
— A chave ônix, sendo tão perigosa, está escondida em um local
desconhecido — disse a Morte, inclinando-se um pouco para frente. —
Sempre movida, sempre encarregada dos vivos de a esconderem.
— Os vivos?
— Eles levam para algum lugar, escondem, esquecem e depois seguem
com suas vidas.
— Eles usam pessoas assim? — Eu disse, irritado com a ideia disso.
— É a ação mais segura — respondeu a Morte. — Isso mantém a chave em
segredo.
— Por que existe uma chave como essa? Parece um gol contra.
Ele ergueu a sobrancelha. — Uma referência de futebol?
— Er, eu acho.
— Você gosta de futebol... ou futebol americano, como você diria.
Sentei-me mais ereto, cruzando as pernas debaixo de mim. — Não vamos
divergir para o esporte.
— Há uma chave para o equilíbrio — disse ele. — O conceito é o direito
de desfazer, de mudar as coisas.
— Mudar? Isso não destruiria o mundo?
— Sim.
— Merda…
— Vinho?
— Não. Obrigado. — Massageei minhas têmporas. — Então é isso que
Nick quer. De alguma forma, ele descobriu a chave e quer desfazer o mundo.
Mas como ele pode saber disso? E como ele pode usá-la se o reino do
conselho estiver protegido?
A Morte balançou a cabeça. — Não sei como Nick sabe, mas a chave lhe
dará acesso ao reino do conselho.
— Como? E por que não faz isso com as pessoas que o escondem?
— Porque eles são, na falta de um termo melhor, manipulados para
esconder isso. Nick procura isso ativamente. Essa é a diferença. Então, o
conselho quer que eu procure a chave ônix e leve para eles. Não sabemos
quantas outras pessoas compartilham o conhecimento de Nick. Ele não seria
capaz de contar esses detalhes a Leon, mas isso não significa que não existam
outros como Nick por aí.
— Droga.
Ele tocou minhas costas.
— Isso parece tão estúpido — acrescentei. — Por que tem essa falha no
design?
— Se a existência precisar ser mudada, então ela pode ser... essa é a linha
que teci na minha criação.
— E a chave de cobre daria a Nick o poder de criar depois de desfazer as
coisas, se ele quisesse?
— Não existe outro verdadeiro mestre da existência além do criador —
respondeu ele.
Minha testa enrugou. — Isso soa como uma desculpa para mim.
— Talvez seja. Mas a mudança é o ponto... o direito de mudar ou
desencadear um final. As coisas evoluem, a natureza muda, a chave ônix não
passa disso.
— Ainda parece um gol contra. E então o que acontece com você e a Vida?
— Enquanto houver vida e morte, estaremos sempre por perto.
Mudar. As coisas já estavam mudando, como meus poderes. Por causa da
morte.
Disse isso para ele, acrescentando: — Isso é definitivamente só porque
você não está ativo em seu trabalho?
— Sim.
— Não há mais nada nisso?
— Disso, tenho cem por cento de certeza.
A tensão se espalhou pelo meu crânio. — E nós? Por que sempre nos
encontramos?
— O amor tentando encontrar um caminho? — ele sugeriu.
— Mas não realmente vencendo.
Ele colocou o braço em volta de mim. — Devíamos fazer uma pausa.
Descansei minha cabeça em seu ombro novamente.
— Como eu sempre renasço? Se eu morro, por que não fico no plano
espiritual?
Ele demorou séculos para responder. — Assuntos inacabados às vezes
trazem uma alma de volta. Nem sempre, mas no seu caso, acontece.
— Reencarnação?
— Você poderia chamar assim.
— Então o amor está tentando encontrar um caminho. Deveríamos estar
juntos, mas tudo dá errado.
— Ou você é um teste para mim, um teste que tenho que suportar até
aceitar meu lugar.
Foi como levar uma lança no estômago. — Eu... — eu não conseguia falar.
Ele me via como um teste? Se ele foi realmente honesto, era assim que ele
realmente olhava para mim?
Deus. Isso era péssimo. Era tudo uma merda. Mas será que estávamos
destinados a ser algo diferente de condenados? Onde estava a verdade além
das malditas árvores?
Destinados a sempre se encontrarem, um negócio inacabado. Então, por
que a dor?
— Realmente preciso de um pouco de água. — Tirei as pernas da cama e
corri nu para a cozinha.
— Marcel — a Morte me chamou.
— Um segundo.
Mas ele me seguiu mesmo assim, passando os braços em volta de mim por
trás.
Recostei-me nele enquanto bebia o alívio líquido e frio.
— Não vejo você como um teste — disse ele. — Eu te amo
independentemente de qualquer coisa. Acredito que fomos feitos para ficar
juntos. Realmente acredito.
Respirei fundo depois de beber. — Também te amo.
— Mas sua mente está brincando com você.
— Não me lembro de você me mudando cada vez que morri — eu disse.
— Ou alguma vez estando no plano espiritual.
— Porque você nunca se foi de verdade — ele respondeu.
— Mas por que não consigo me lembrar de você me levando em frente?
— Porque você nunca se foi de verdade, Marcel. Torna-se um borrão, uma
lacuna em sua alma.
— Deus, minha cabeça — reclamei.
— Desculpe.
— Está tão cheia... — Eu estava cansado de falar, de ser uma esponja para
novas informações. O desejo tomou conta de mim mais uma vez. — Cheia
como você me enche. — Virei-me em seus braços, tomando seu rosto em
minhas mãos. — Foda-me de novo.
O processamento desses detalhes poderia ocorrer mais tarde. Por
enquanto, eu só queria gozar.
Ele esmagou seus lábios nos meus e então pegou minha mão. — Que tal
uma surra na piscina?
— Parece bom e molhado.
Depois de ficar curvado na beira da piscina, gritando porque eu podia
muito bem, tirei um tempo para aproveitar a piscina. Observei-o nadar,
agitando as mãos na água morna, fazendo ondas suaves. Mantive a conversa
sobre a chave ônix trancada.
Nós realmente tínhamos que pegar a chave ou matar Nick.
Deus, que saga.
Admirei o oceano e o céu, aquelas margaridas estranhas, a paz que este
lugar oferecia, um ouvido em constante alerta.
A Morte terminou de nadar, ressurgindo, empurrando o cabelo molhado
para trás e enxugando aqueles lindos olhos.
— Gostou disso? — Perguntei.
— Imensamente. — Ele me circulou, balançando para cima e para baixo.
— O que está fazendo? — Perguntei com uma risadinha.
— Apenas admirando uma obra-prima.
Deixei um gemido sair com sua cafonice. — Não acho isso.
— Você é para mim. Sempre foi.
— Tenho certeza de que já fui mais bonito.
Ele agarrou minha nuca. — Nunca diga isso.
— Eu...
Um dedo molhado em meus lábios. — Pare com isso, ou eu vou bater em
você. — Ele agarrou minha nádega direita, me puxando para mais perto.
— De novo? — Falei, tão pronto para isso.
— Sempre.
Dane-se. Quando teríamos outra chance em uma noite tão tranquila?
Fodemos na espreguiçadeira ao lado da piscina, eu de quatro novamente.
Ele era totalmente a favor de me ter nesta posição esta noite, e eu
alegremente atendi aos seus desejos.
Eu adorava um pouco o estilo cachorrinho.
O sol nasceu em um clarão rosa, afugentando a lua e as estrelas, o bolsão
se transformando. As margaridas acima brilhavam mais à medida que o sol
dourado assumia o controle, a areia branca revelando sua verdadeira beleza
e o oceano acenando com uma maravilha azul-turquesa.
Desci correndo a pequena escada que levava à praia, grãos quentes e
macios beijando meus pés com o impacto. Eu girei, a Morte bem atrás de
mim. Ele me pegou pela cintura, me girando, me levantando no ar.
Deus, minhas risadas eram incríveis.
— Corra até a água — eu disse.
— Ok. — A luz do sol intensificou o bronze de sua pele, elevou sua beleza
a novos patamares.
— Depois do três…
Fui direto.
— Trapaceiro!
Eu o levei até a água morna. Ele me segurou, me levando para baixo das
ondas. Nós emergimos, rindo, nos beijando. Seguiu-se uma luta pela água.
Lutamos, nos beijamos, passamos uma manhã nos divertindo muito. A
maior diversão que já tive com o amor de minhas muitas vidas.
Em breve, essa bolha estourará enquanto eu tiver que lidar com meu
trabalho, com as informações que ele havia revelado. Pelo menos agora eu
tinha uma imagem mais clara. Mas e a Morte agora? Com esta solução Bolsão
de Margarida, ele voltaria ao trabalho?
Eu queria perguntar a ele, quase perguntei, mas fechei o zíper sobre meus
lábios por enquanto.
Depois de brincar no mar, fiz café e ele fez ovos mexidos incríveis com
torradas. Sentamo-nos no deque oeste, desfrutando de um adorável café da
manhã e da vista, vestindo apenas roupas íntimas. A temperatura subiu com
o passar do dia, mas não a níveis prejudiciais de calor. Mais como um calor
requintado, sem risco de queimadura solar.
Oba!
— Que tal uma caminhada na praia? — ele perguntou.
— Devo voltar logo.
De qualquer maneira, fui dar um passeio na praia, de mãos dadas com a
Morte para digerir os ovos.
O toque avassalador do meu e-scroll me fez correr de volta para o portal,
apenas para atender a ligação de Emma – eu tinha deixado a maldita coisa
na minha cama no apartamento.
E assim terminaram as delícias do Bolsão de Margarida.
Droga.
Emma me disse que minha família estava fora do país e que a localização
era secreta. Doeu tanto quanto me deu algum alívio. E a notícia me ajudou a
tirar uma soneca nos braços da Morte por algumas horas, lá no apartamento.
Chegando no final da tarde, bastante descansado, finalmente cumpri meu
dever de amigo e visitei Louise no hospital com minha segurança.
A Morte voltou à mansão para continuar sua busca pela chave. Decidimos
nos unir novamente depois do meu turno desta noite, voltar ao nosso bolsão
para amar mais livremente.
— Você se importa de esperar lá embaixo? — perguntei a Peter.
Estávamos no segundo andar, com elevadores e acesso por escadas, portas
duplas que davam para as enfermarias – eu, Peter, Trish e duas policiais.
Todos armados até os dentes e prontos para alguma ação séria.
— Estamos esperando aqui mesmo — Trish interveio. — Mesmo isso é
fazer concessões demais.
Não tentei discutir porque Trish adorava me dar sermões sobre minha
segurança e meus ouvidos não aguentavam mais.
Certo.
Empurrei as portas duplas para um longo corredor que se estendia para a
esquerda e para a direita. À minha esquerda, vi Louise parada do lado de
fora da Ala 25, no meio do corredor, seu gorro como um farol acelerando
meu passo. Ela sorriu quando me viu, dando alguns passos à frente para me
cumprimentar.
Deus, se eu pudesse abraçá-la.
— Como vai? — Perguntei. — Como está sua mãe? — Ofereci a ela o
grande buquê de flores que comprei. Ela o aceitou com gratidão.
— São lindas — disse ela. — Obrigada. Mamãe está dormindo agora.
Estou... não sei como estou.
Ela parecia muito mais translúcida que o normal e seus olhos estavam
vermelhos de tanto chorar.
— Entendi.
Ela me encarou por alguns segundos, o lábio inferior tremendo. Eu
realmente queria abraçá-la. Deus, as estúpidas regras fantasmagóricas eram
tão injustas.
— Por que nós? — ela disse. — O que fizemos para merecer isso? — Ela
fungou. — Você poderia dizer isso sobre qualquer pessoa, sobre todos nesta
cidade e sobre os fantasmas que o lich comeu. Mas ainda assim... O que eu e
mamãe fizemos?
— O fato de sermos amigos provavelmente tem algo a ver com isso — eu
disse.
Ela balançou a cabeça. — Por favor, não diga que não podemos mais ser
amigos.
— Eu não iria querer isso — respondi rapidamente. — Mas Nick fará de
tudo para mexer comigo e com as pessoas de quem gosto.
Queria contar a ela sobre a chave, que a Morte e eu agora tínhamos um
lugar especial. Mas este não era o momento para isso, e só de pensar em
discutir a chave ônix neste reino me deu uma dor de mandíbula.
E quanto a Emma?
Às vezes eu realmente queria um mata-moscas para esmagar
pensamentos rebeldes.
— Nós duas ficaremos no Santuário por um tempo — disse Louise. —
Mamãe não está muito feliz em viver com um monte de fantasmas, mas não
sobrou nenhuma cabana para onde voltar. Mas ela vai ficar bem.
A derrota total em seu tom doeu. Não era justo, nada disso.
— E você? — Perguntei.
— Vou ficar bem. — Não havia convicção em sua voz. — O santuário é
bom o suficiente.
— Mas não é casa.
Não estou ajudando.
Seus olhos tristes me fixaram num olhar desconfortável por meio minuto.
— Não, não é. A casa está contaminada, toda esta cidade foi estragada pelo
lich. Nenhum lugar é realmente seguro, mas Oakthorne sempre pareceu um
lugar seguro. Não é uma cidade grande como Londres ou Bristol, afastada
dos grandes dramas. Agora é o epicentro. — Ela começou a chorar. — Sinto
muito, Marcel. Eu realmente aprecio você ter vindo aqui, mas preciso que
você vá. Não para fora da minha vida, apenas por enquanto. Há muita coisa
na minha cabeça e preciso de algum tempo para pensar.
Odiei isso. — Entendo completamente.
— Ainda somos amigos. Ainda faremos coisas juntos. Apenas me dê uma
semana.
Eu me senti responsável por sua dor, quando a culpa caiu firmemente
sobre Nick. Ainda assim, não pude deixar de pensar que a arrastei para essa
confusão por ser seu amigo. Ao mesmo tempo, eu não queria ir embora.
— Vou vê-la em uma semana — eu disse.
— Isso seria ótimo — ela respondeu. — Desculpe por tudo isso.
— De jeito nenhum. Tirar um tempo nunca é uma coisa ruim.
— Obrigada pela compreensão.
— Se cuide. Dê à sua mãe os meus melhores votos.
Com isso, deixei-a sozinha. Eu queria ajudar, estar ao lado dela, e dar
espaço a ela ajudaria. Quando ela precisasse conversar, eu estaria por perto.
Se ela quisesse falar sobre outra coisa, eu estaria presente. Poderíamos não
ser amigos há muito tempo, mas eu sabia que Louise era uma pessoa
especial.
— Feito? — Peter perguntou no meu retorno aos elevadores.
Meu e-scroll tocou antes que eu pudesse responder, assim como o dele.
— Ei, Robert — eu disse.
— Eu estou do lado de fora.
— O que...
— Houve um assassinato. E o fantasma está desaparecido.
Oh, não. Oh, inferno, não.
O fantasma não estava desaparecido. Foi comida de lich.
Capítulo 30
Parecia uma cena de filme, tão chocante que você fica desesperado para
que o controle remoto o faça parar, apenas para que o controle remoto se
perca no encosto do sofá.
Isso não está acontecendo…
Nick jogou o rubi no chão, pisando nele repetidamente até que ele
quebrou, sua vermelhidão se transformando em vidro transparente.
Morto.
Quebrado.
A Morte e eu fomos expostos, ali mesmo, para que as consequências
viessem e nos pegassem.
Tudo ficou mais lento, minha mão ainda nas costas da Morte, tantas vozes,
tanta confusão. Meus olhos pousaram em Emma, meu irmão, meus pais,
depois para o homem parado na escada, contido por um rebelde.
Robert. Olhos arregalados, narinas dilatadas. — Que porra é essa, mano?
O chão tremeu violentamente, me jogando para o lado. Perdi o equilíbrio,
caindo de joelhos. A plataforma balançou e a madeira se partiu. Agarrei meu
irmão quando ele caiu para trás, puxando-o para mim.
— Estou com você — eu disse.
Eu tinha que tirar minha família daqui.
Uma rachadura abriu-se na praça, e rebeldes saltaram para fora do
caminho. Atingiu os edifícios do lado norte, abrindo-os como se um cutelo
invisível tivesse sido balançado do subsolo para cima. As janelas
explodiram. O telhado de uma padaria desabou, levando consigo o resto do
prédio em uma explosão de tijolos vermelhos e vidro.
Explosivos! Oh, Deus! Eles seriam detonados por esta reação.
A plataforma desabou. Segurei Henri, rolando com ele, suportando o peso
de cairmos no chão molhado de concreto.
Merda!
O chão tremeu com mais força, outro prédio caindo. Caos. Exatamente o
que o lich queria. Como ele sabia sobre o rubi? Quero dizer, ele sabia sobre
a Morte e eu de alguma forma, já que ele disse algo sobre nos ver antes deste
ciclo, então por que ele não deveria saber essa pequena informação?
Alguém no Mercado Oculto? Yvonne?
Oh, Deus.
Uma debandada rugiu muito perto de nós, corpos caindo sobre a
plataforma quebrada, saltando, caindo, rolando. A qualquer momento
seríamos pisoteados até a morte.
Mas um pedaço da plataforma ainda estava de pé, um possível abrigo.
Com um braço em volta de Henri, eu o arrastei para mais perto, com o
plano de levar meus pais em seguida. Antes que eu pudesse colocá-lo ali, o
chão se abriu abaixo de mim. Meu irmão gritou por trás da mordaça quando
eu o empurrei para fora do caminho bem a tempo.
Em vez disso, o chão me levou.
Amor proibido em ação. A cidade pagando o preço enquanto eu estava
deitado nas ruínas da plataforma de madeira, fantasmas me cercando, me
arranhando, minha visão repleta deles.
O trovão explodiu, relâmpagos arranhando o céu escuro. Se eu não agisse
agora, Oakthorne estaria perdida para sempre.
Eu não poderia permitir que isso acontecesse.
Forçando-me a ficar de pé, invoquei toda a minha força, todo o meu poder
mortal para resistir ao ataque dos fantasmas. Empurrei-os para trás, afastei-
os, não importando o quanto a dor deles fosse minha.
Funcionou, removendo-me da vista e da presença novamente. Quebrando
seus corações, acendendo sua dor. Chorei por eles, lágrimas quentes e
agonizantes escorrendo pelo meu rosto. Mas eu não recuaria, permitiria que
esta maldição vencesse. E os mortos não conseguiriam o que queriam até que
eu conseguisse.
Veja o que você está fazendo com eles.
Por causa do egoísmo.
Porque você ama quando não deveria.
Saí da praça, ziguezagueando pelo pandemônio, em direção ao prédio de
Marcel. A risada de Nick permeou minha mente, em algum lugar lá atrás. O
riso da vitória.
Eu vou matar você…
A praça de Marcel foi fortemente danificada, tremendo, a água da
enchente invadindo a biblioteca por meio de canos estourando nas
rachaduras no solo. Mas seu prédio ainda estava de pé por enquanto.
Abri a porta de entrada, subindo correndo a escada até o andar dele. Abri
a porta com um chute, correndo para o quarto. Arranquei uma pétala de
margarida, a porta ondulando como uma pedra jogada em uma piscina.
Irrompendo, os sons do reino atrás de mim trovejaram no céu salpicado
de margaridas, apenas para parar segundos depois. O bolsão me ofereceu
ondas de calma e o reino mortal respirou fundo.
Caí na fenda estreita do meu lado, felizmente preso ao alcance, o rosto
pressionado contra a rocha. Ela arranhou meu rosto e minhas mãos,
perfurando minhas roupas enquanto a gravidade e o chão trêmulo tentavam
me libertar.
Deus. Até onde ia essa fenda?
E então parou. Só assim, o tremor e a tempestade crescente acabaram.
O que aconteceu? Onde estava a Morte?
Uma hora depois, fui resgatado da fenda, puxado para o ar fresco e sob
uma forte chuva por alguns bombeiros incríveis.
— Mon Papillon! — Mamãe chorou enquanto os paramédicos
trabalhavam em mim.
— Parece que nada está quebrado — um paramédico me disse.
Eles me deitaram em uma maca e colocaram uma máscara de oxigênio em
meu rosto, me levando até uma ambulância que estava à espera.
Minha família estava segura. Ferida, traumatizada, mas viva e sendo
cuidada pela equipe médica. Olhei para cima e vi mamãe se aproximando
de mim, com angústia estampada em seu rosto moreno, sendo direcionada
com papai e Henri para mais duas ambulâncias.
Minhas forças se esgotaram, seus soluços trazendo os meus à vida.
Lágrimas escorreram dos meus olhos, uma enxurrada de agulhas espetando
meu peito. Queria pular daquela maca, correr até eles, segurá-los por horas,
nunca mais soltá-los.
Mas fui colocado no veículo, as portas pesadas se fecharam, e depois fui
levado para o hospital.
Antes que eu percebesse, eu estava em uma cama perto da janela, em uma
enfermaria totalmente ocupada para oito pessoas, observando a água da
chuva escorrer pelo vidro. Nenhum telefone à mão e nenhum e-scroll.
Nenhuma informação porque a equipe do hospital estava muito apressada
para falar, o hospital estava além de sua capacidade após o desastre.
Causado por você.
Por volta das quinze para a meia-noite, Emma chegou à minha enfermaria,
com pontos na testa e o cabelo prateado completamente desgrenhado.
Sentei-me. — Senhora?
Ela ficou ao pé da minha cama, sua aura ártica. — Nicholas West veio até
mim há três dias para me informar sobre os explosivos que ele colocou pela
cidade. — Direto ao assunto, não há tempo para formalidades idiotas. — Isso
acabou sendo um blefe, além daquele do ginásio – que estava vazio na época.
— Ela cruzou os braços. — Fiz o meu melhor para proteger esta cidade. Que
escolha eu tinha senão agradar o lich? Destruição em massa? Tive que trazer
sua família até ele, para chamar meus necromantes pela segurança de
Oakthorne.
O choque manteve minha boca fechada.
Ela balançou a cabeça, seus olhos duros nunca deixando os meus. — Ele
revelou detalhes sobre você e a Morte. Não acreditei nele, não no começo.
Até que comecei a juntar as peças. — Ela agarrou as barras na parte inferior
da cama, inclinando-se para frente. — Ele deu a você o Acelerador Tipo B,
não foi? Foi ele quem matou aqueles rebeldes e os enviou para o Santuário.
E ele é seu... ele é seu amante. Não só isso, mas... — Emma parou,
empurrando-se para trás. — Não acredito que estou perguntando isso.
Fiquei ali deitado, minha língua inútil, olhos e ouvidos de meus colegas
pacientes da enfermaria sintonizados em sua voz.
Emma não pareceu se importar.
— Vocês se encontram de novo e de novo — ela continuou. — E então
segue-se a devastação. Mas desta vez você tentou lutar contra isso, para se
esconder do seu destino reciclado. — Um suspiro pesado. — Você brincou
com fogo e agora Oakthorne sofre. — Ela veio para o lado da minha cama.
— Nunca fiquei tão decepcionada em minha vida, Marcel. Não posso
acreditar nos segredos que você guardou.
— Eu...
— Não se atreva a falar! — ela retrucou. — Não quero ouvir sua voz.
Ah, então não há chance de explicar meu lado da história. Que choque.
— Por seu engano, você será transferido para uma área segura até que eu
e meus colegas Diretores Superiores decidamos o próximo curso de ação.
Minha bochecha corou com o calor irritado, meu estômago se revirou de
surpresa. — O que...
— O lich continua foragido. Há revoltas rebeldes se espalhando por vilas
e cidades, todas em seu nome. Oakthorne está gravemente danificada, há
muitas vítimas e muitos estão pedindo sua cabeça. — Ela me olhou de cima
a baixo como se eu fosse uma merda em seus saltos altos. — Vídeos do seu
poder de renascimento e do cemitério que você convocou à vida estão online.
A notícia está se espalhando sobre você e a Morte. Parabéns, você é famoso.
Então agora eu tenho que proteger você quando tudo que quero fazer é
quebrar seu crânio.
Respirei fundo para responder, mas ela gritou: — Agora você pode entrar.
Uma figura atravessou a enfermaria, um fantasma com a cabeça baixa.
Cabeça.
A cabeça do…
— Oh, não — engasguei-me, sentando-me direito, puxando meu tubo
intravenoso. — George.
Ele ficou ao pé da minha cama com ela, tremendo de tristeza, com as mãos
entrelaçadas diante do corpo.
— Oi — ele disse suavemente.
A dor latejava na minha cabeça e no peito, um gorgolejar nas minhas
entranhas. — G-George?
Ele fechou os olhos, balançando a cabeça.
— Ele foi morto voltando de Bristol para a cidade — Emma falou por ele.
— Inocentemente, voltando do trabalho para casa, apenas para seu carro cair
em uma estrada em ruínas, um cano subterrâneo quebrado espetando sua
cabeça.
— Por favor, não — George rebateu, sem abrir os olhos.
Lutei para respirar, para fazer qualquer coisa além de olhar para meu ex.
— Robert está inconsolável — acrescentou Emma. — Ele está detido na ala
psiquiátrica, fortemente sedado. Graças a você, podemos perder um bom
Diretor para ser um rebelde se não pudermos ajudá-lo.
— Você alguma vez cala a boca? — George entrou em cena, com os olhos
firmemente abertos agora, as mãos fechadas em punhos. — Quão insensível
você precisa ser?
— Estou transmitindo os fatos ao membro da minha equipe que carrega a
culpa por sua morte, Sr. Barrons. Se você se opuser, então por favor...
— Eu me oponho, porra! — ele gritou. — Isso não é culpa de Marcel. Ele
nunca iria querer fazer nada para machucar alguém.
— Mesmo assim, ele fez isso — respondeu Emma.
— O lich fez isso. Ele...
Emma o acertou com força, os três anéis verdes o calaram.
— Não preciso que me repreendam, senhor Barrons.
— Eu... — Eu não consegui dizer mais palavras.
— Você será transferido dentro de uma hora — disse Emma, olhando para
mim.
— Minha família...
— Permanecerá sob meus cuidados.
Isso foi o suficiente para me irritar. — Seu cuidado? Seu maldito cuidado?
Você não dá a mínima para eles. Você os trouxe para o lich. Eles poderiam
ter sido mortos. — Respirações engatadas, fúria aquecida se espalhando pela
minha pele. — Como pôde fazer isso?
Ela permaneceu fria, indícios de sua própria raiva brilhando em suas
pupilas. — Não, Marcel. Como você pôde fazer isso e ainda tentar bancar a
vítima?
— Não sou uma vítima. Sei que estraguei tudo, mas...
— Mas nada. Você é um perigo, um risco que não podemos permitir andar
livremente sabendo que ele pode causar tanto sofrimento novamente.
Oh, meu Deus. Esta maldita Diretora Superior era a pior pessoa de todas.
— E ainda assim você entregou a cidade para Nick.
— Para seu próprio bem.
— Você...
— Chega, Marcel.
— Não! Nunca será suficiente. Você é cruel e fez merda tanto quanto eu.
Você precisa ser trancada também!
— Silêncio!
— Vá se foder! Vá se foder! Vá se foder! Vá se foder! — Meu ódio explodiu
dentro de mim, vulcânico e aterrorizante, meus gritos queimando minha
garganta. — VÁ SE FODER!
As enfermeiras correram para a enfermaria, tentando me acalmar
enquanto eu tirava as pernas da cama.
— VÁ SE FODER!
Elas lutaram comigo, me aplicaram um sedativo e me prenderam na cama.
Entrei em uma falsa serenidade, tentando lutar pelo controle. Em deixar
minha chefe ficar com tudo, gritando até derrubar o prédio.
Mas eles me levaram pelos corredores do hospital, me colocaram na
traseira de uma van sem dizer uma palavra.
Capítulo 40