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Seguir meu coração e fazer uma bagunça...

Isso era o mínimo.

Minha vida realmente deu uma guinada complicada aqui em Oakthorne.


Continuo esperando que alguma fada madrinha apareça e me ofereça uma
boa reversão temporal. Não muito, apenas o suficiente para aliviar essa dor.

Sim. Certo.

Enfim, por mais que haja dor, também há a Morte. Ele é a complicação,
mas é uma complicação linda à qual não consigo resistir quando realmente
deveria. Ele consome todos os meus momentos de vigília, me submerge em
um forte desejo do qual nunca quero me libertar.

Droga.

Além dessa bagunça, há um mistério para resolver, um bandido para


derrotar e outros novos desenvolvimentos dentro de mim para lidar.

Tanta coisa para fazer. Tanto perigo para enfrentar.

Onde diabos está aquela fada madrinha?


Death Enraptured é o segundo livro de uma série de romance M/M
Paranormal de Fantasia Urbana repleta de mistério, perigo, um necromante
tricoteiro, um ser imortal delicioso, muita excitação e cogumelos líquidos
bastante nojentos.

Este livro não é independente.


Um necromante rebelde acabou com meu tempo de beijo.
Idiota.
Afastei-me da Morte, as lágrimas ainda escorrendo pelo meu rosto
enquanto o homem veio correndo em nossa direção.
A morte emitiu um grunhido ao meu lado.
Apontei minha arma para a cabeça do rebelde. — Pare!
O homem parou, apontando uma arma de volta para mim. — Ah, isso não
é divertido. Vamos redefinir, virar e refazer. Ver quem pega quem primeiro.
— Ele riu loucamente, balançando a arma.
Tendo licença para matar rebeldes e em um tiro certeiro coloquei uma bala
entre seus olhos. Seu corpo caiu no chão com um baque nauseante, seu
fantasma saindo do cadáver.
O homem translúcido olhou para seu eu morto, sem nenhum indício de
risada agora. — Isso não é justo.
Rebeldes eram necromantes quebrados. Como a Morte não cumpriu suas
funções nos últimos vinte anos, a magia necromante continuou mudando,
aumentando em poder. As mentes e os corpos de um necromante não foram
feitos para isso, então tínhamos que tomar a Fórmula de Assistência
Neurológica Necromante, comumente conhecida como Suco Necro, uma
mistura de cogumelos Chaga liquidificados e Hematita em pó. Uma
substância a ser injetada diretamente em uma veia a cada setenta e duas
horas, às vezes com mais frequência, para manter um necromante agradável
e estável. Mas para alguns, o Suco Necro não era suficiente. A magia
necromante era demais. Quando os desagradáveis cogumelos líquidos não
conseguiam proteger um necromante, isso resultava em um colapso mental
completo, com consequências muitas vezes violentas e difíceis.
— Não é justo, porra! — o fantasma rebelde gritou.
A energia verde iluminou meus dedos. Eu o agarrei com o fio do meu
poder. Três anéis verdes pulsavam para cima e para baixo em seu corpo
fantasmagórico, a cabeça inclinada para trás, ordenada a manter a boca
fechada.
— Preciso de um segundo necromante para liberá-lo — eu disse para a
Morte, minhas mãos tremendo um pouco.
— Ligue para alguém — disse ele.
Ele poderia facilmente enviar o fantasma para o Santuário, mas isso só
resultaria em perguntas e mentiras, eu contando mais besteiras para meus
companheiros de equipe. Eu já estava mantendo a Morte em segredo de
todos.
Peguei meu e-scroll eletrônico oval, ainda tremendo.
Tanta coisa para lidar – toda a revelação da Morte e de mim, e o
aparecimento de meus dois novos fios de poder, elevando minhas cinco
habilidades para sete. O poder de convocar um cemitério e o poder de
renascer. Esses dois fios estavam dentro de mim como estranhos alienígenas
fazendo minha cabeça girar. Eu tinha que tomar meu Suco Necro uma vez
por dia, por ordem da minha chefe Emma. A Diretora Superior Necromante
de Westminster estava agora preenchendo o papel vazio aqui em Oakthorne,
visto que Nicholas West era um lich e completo pedaço de merda.
— Está tudo bem — a Morte sussurrou para mim, sua voz era um bálsamo
calmante que não alcançou minha alma.
Liguei para um necromante de plantão.
Peter atendeu no segundo toque. — Está tudo bem?
— Preciso de ajuda com um envio. — Expliquei os detalhes.
— Puta merda. Estamos indo agora. Vejo você em breve.
— Obrigado.
— Tudo certo? — a Morte perguntou quando eu desliguei.
Guardei meu e-scroll. — Sim. Eu… o que fará agora? — Meu coração doeu
só de olhar para ele.
As lágrimas queriam se libertar novamente.
— Vou esperar aqui — respondeu ele.
— O quê? Por quê?
— Porque ainda não terminamos.
— Mas…
— Mas o quê?
— E se alguém te ver?
Ele ergueu uma sobrancelha. — Eles não podem, lembra?
Ele poderia fazer isso, manter-se escondido. Esse rebelde não sabia que ele
estava aqui, o que também significava que parecia que eu estava falando
sozinho.
Ótimo.
A Morte sorriu, estendendo a mão para mim, depois puxou a mão de
volta.
Seu toque…
Como quero seu toque a cada segundo do dia…
Soltei um suspiro poderoso, fechando os olhos contra o vento forte da
noite. À deriva em memórias de cidades em chamas, eu morrendo repetidas
vezes, o resto do mundo pagando o preço do nosso amor.
Droga. Maldição. O que eu deveria fazer com isso?
Morte…
Eu…
Amor…
Um amor através dos tempos…
— Não! — um homem gritou. — Não meu irmão!
Meus olhos se abriram, minha arma pronta para ação ao som.
Outro rebelde avançou das sombras, brandindo uma arma. Ele disparou
a arma várias vezes para o ar e depois apontou para mim. Caí no chão, as
balas atingindo o concreto a centímetros da minha cabeça.
Merda!
Pus-me de pé.
— Você levou um tiro? — meu amante perguntou.
— Não. Eu…
A Morte puxou sua foice do nada, a lâmina curva branca com um toque
de verde, seu cabo feito do que parecia ser couro de tecido branco. Seus olhos
eram fogos gêmeos dourados enquanto ele avançava, balançando a foice
com uma graça seriamente sexy.
— … certo — murmurei.
A foice arrancou a cabeça do rebelde, seu corpo engolfado por um inferno
de magia verde e branca. Faíscas como uma dúzia de Roda de Catarina1
explodindo ao mesmo tempo foram cuspidas no ar, então o corpo
desapareceu, nenhum fantasma foi deixado para trás.
Meu coração pulou na minha boca. — O que...
A morte correu até mim tão rápido que mal tive tempo de piscar ou
respirar. Um dedo pressionou meus lábios, seu rosto se aproximando do
meu.
— Não diga uma palavra, Marcel. Nosso amigo fantasma ali não viu nem
ouviu nada.
Olhei para o rebelde preso nos anéis verdes, meu poder ainda se
mantendo apesar do drama.

1A roda de Catarina é um tipo de fogos de artifício, constituído de um tubo em espiral carregado de pólvora,
ou um foguete montado em ângulo com um pino através do seu centro. Quando acionado, ele gira livremente,
produzindo faíscas e chamas coloridas em espiral.
— Ele está no Santuário — acrescentou Morte.
Ah, que bom. Uma surpresa agradável e inexplicável para eles. Nós,
necromantes, deveríamos fazer isso, não ele.
— E o corpo? — Sussurrei.
— Foi-se.
Um fantasma aparecendo misteriosamente no Santuário sem corpo. E eu
teria que agir tão chocado quanto todo mundo.
Ótimo.
Em todos os nossos anos juntos, eu nunca o vi usar sua foice ou mover um
fantasma – quando ele costumava dar aos mortos a vida após a morte.
Mesmo quando ele estava comigo, ele estava em todos os outros lugares. Do
outro lado do mundo, fazendo seu trabalho, me beijando ao mesmo tempo.
Eu realmente nunca entendi isso, e acho que não deveria fazer nada além
de aceitar a presença global de seu poder.
O rebelde preso nos anéis teria ouvido o tiro, o chamado de seu irmão –
seja ele um irmão de verdade ou um amigo. Estar amarrado não abafou sua
audição.
— Tudo vai ficar bem. — disse Morte, sua respiração flutuando em meus
lábios, seu perfume de sândalo despertando cada terminação nervosa.
Me beija…
Sacudi meu tesão crescente, empurrando tudo para baixo o mais fundo
possível. Eu era um necromante profissional com um fantasma rebelde preso
e precisando ser enviado. Não havia espaço para mais nada agora.
Um carro rugiu nas proximidades. Momentos depois, ele subiu pela
estrada de mão única que saía do estacionamento do meu prédio. O carro
parou, Peter e Trish saltaram.
Os Necromantes tinham que trabalhar em pares durante o serviço, regra
a ser obedecida em todos os momentos.
Trish veio se juntar a mim, Morte recuando para observar à distância.
— Tudo bem? — ela perguntou, me oferecendo um sorriso amigável.
Quando conheci meus companheiros de equipe, eles nunca me ofereceram
nada além de uma atitude negativa. Mas os tempos mudaram e agora a pele
marrom clara de Trish brilhava com um calor que eu precisava ver.
Balancei a cabeça. — Estou bem.
— Esses rebeldes são uma dor de cabeça — ela reclamou. — Preparado?
Juntos, dissemos as palavras para enviar o fantasma.
— Este espírito que mantemos deve ser liberado — cantamos juntos. —
Mande-o para o Santuário Oakthorne.
O fantasma rebelde desapareceu.
— Tudo certo? — Peter perguntou, dando-me tapinhas nas costas.
— Estou bem — respondi. — Obrigado.
Seu belo rosto ficou vermelho de raiva.
— Está ficando perigoso com esses rebeldes arrogantes. O que diabos há
de errado com esta cidade?
— É uma loucura — respondi, minha boca virando uma lixa.
— Quer que levemos você a algum lugar? — perguntou Peter.
— Vou ficar bem lá dentro — respondi. — Eu deveria ir para a cama,
realmente. Apenas sai para tomar um pouco de ar fresco.
— É até perigoso fazer isso hoje em dia — disse Trish.
— Eu que o diga — Peter concordou.
— Tem certeza de que está bem? — Trish verificou com uma expressão de
preocupação em sua voz.
Balancei a cabeça e sorri. — Tudo certo.
— Nós te acompanharemos até lá dentro, companheiro — disse Peter.
Companheiro? Nós passamos dele me desprezando para companheiro?
Depois que Charlotte e Mario foram mortos por Nick, pensei que o ódio por
mim iria se intensificar. Eu estava errado. Esses dois agora estavam me
protegendo.
Eu me senti tão mal por Charlotte e Mario, pegos em um terrível fogo
cruzado. Eles ainda patrulhavam, apesar de não terem poder necromante
agora, os únicos fantasmas permitidos nas ruas à noite sob o toque de
recolher. Pelo menos por enquanto.
Eu os levei para o meu prédio.
Ainda devia tricotar para eles como planejei fazer para conquistá-los?
Talvez não houvesse sentido agora.
Peter me deu um tapinha nas costas novamente do lado de fora da minha
porta. — Verificando se você está bem mais uma vez.
— Estou bem. De verdade.
— Se acontecer mais alguma coisa, ligue-nos imediatamente.
— Eu vou. Obrigado.
Eles saíram e meus ombros caíram de alívio quando fechei a porta.
Deus, eu estava cansado, mas faltava horas para dormir.
Uma batida soou na minha porta. Girei, pressionando meu olho no olho
mágico.
— Oh. — Abri a porta para a Morte, embora ele realmente não precisasse
que eu fizesse isso. Tão educado.
— Você se esqueceu de mim, Marcel?
— Desculpe por isso.
— Não é um problema. — Ele passou por mim, me dando outra dose de
seu perfume incrível.
Fechei a porta, apoiando minha testa nela por um segundo. — Droga.
— Você quer chá? — ele perguntou.
Afastei-me da porta, virando-me para encará-lo.— Chá não vai resolver.
Vamos beber vinho.
Seu sorriso sempre derretia meu coração. — Estou feliz que você disse isso
primeiro.
— Eu só preciso... — Meu corpo ainda estava coberto pelos traços dele do
nosso tempo sexy antes do rubi cair.
Brilhava contra seu peito, o vermelho aninhado contra sua pele bronzeada
naquele V aberto de sua camisa, pendurado em uma corrente de ouro.
— O que você precisa? — ele perguntou, dando às suas palavras
conotações perversas sem nem mesmo tentar.
Esfreguei minha garganta, o calor percorrendo todos os cantos do meu
corpo. — Preciso de um banho.
Um com frio Ártico…
— Vou esperar.
Venha comigo… — Tudo bem. Não vou demorar.
Mantivemos um olhar um pouco longo demais, meus pés se contorcendo
para me lançar nos braços dele.
Fui ao banheiro sozinho.
Não querendo congelar minhas bolas, limpei a noite com um jato quente.
Vagando novamente pelas memórias de minhas vidas passadas, a terrível
destruição, a angústia e o desgosto.
Mais uma vez, desabei, minhas lágrimas se juntando à água quente
escorrendo pelo meu rosto.
Depois de chorar no chuveiro, corri para o meu quarto e vesti uma calça
de moletom cinza e um suéter azul bebê tricotado por mim. Me encarei no
espelho, penteando para trás meu cabelo prateado e úmido.
Pronto. Modo confortável ativado.
Eu me sentia tudo menos confortável.
Respirando fundo, juntei-me à Morte na minha pequena cozinha.
— Sedento? — ele perguntou.
— Absolutamente. — Por que parecia tão rouco?
Ele sorriu, o saca-rolhas pronto.
Graças a Deus pelo vinho tinto.
A Morte abriu a rolha de uma garrafa de merlot e começou a servir,
observando-me com seus magníficos olhos dourados derretidos. Eles
estavam queimando, desarmando armas contra a minha razão. Um olhar era
suficiente para me deixar nu.
— Essa é uma de suas criações? — ele perguntou. — O suéter, quero dizer.
Puxei suavemente. — Sim. Você gostou?
— Você é um tricoteiro talentoso, Marcel.
— Obrigado.
— Você está bem?
Não. — Estou bem.
— Você está tremendo.
Eu estava tremendo. Ainda. Revelações de amor condenado faziam isso.
Todas aquelas vidas passadas que vivi, encontrando a Morte em cada uma
delas com um final terrível, elas picavam como um escorpião com um sério
problema de raiva. Nosso amor era proibido e eu nunca soube o porquê. Mas
eu sabia que desta vez teríamos que quebrar o ciclo, parar antes de
destruirmos a cidade de Oakthorne por causa dos nossos corações.
Deus, eu o amava tanto. Mais do que George, meu ex-noivo que me trocou
por outro cara. Ele empalideceu em comparação com a Morte. Grande
momento.
Todo mundo empalideceu.
Suspirei, passando a mão pelo cabelo, observando o rico líquido cor de
vinho encher as taças de vinho.
— Mesmo isso está errado — eu disse.
— O vinho? — Ele cheirou o topo da garrafa. — Este é um bom merlot. Eu
comprei ele.
Não pude deixar de rir dele. — Você é um idiota2.
Ele me ofereceu uma taça. — Se você diz, Marcel. — Sua voz profunda
gotejava sexo banhado em mel. — Eu me considero mais uma cereja.
— Cereja?
— Eu as prefiro as ameixas.
Balancei a cabeça, pegando a taça. — Obrigado.
Compartilhávamos o amor pelo vinho tinto – uma novidade neste ciclo,
junto com minha predileção pelo tricô.
Ciclo! Pelo amor de Deus! Minha vida não era um ciclo, uma coisa trivial.
Eu estava cheio de coisas que me tornaram Marcel, como minha família em
Londres, minhas ambições, tudo. Mas agora parecia tão confuso.

2 A frase em inglês é “You’re a plum”, que traduzindo literalmente significa você é uma ameixa, mas é uma
gíria para alguém tolo ou idiota.
— Sei o que você quis dizer — disse Morte. — Sobre ser um erro. Até eu
estar aqui na sua cozinha é perigoso. Mas o rubi torna tudo diferente desta
vez. De verdade.
— Como? De onde pegou isso? — Olhei para a pedra vermelha com
cautela.
— Meu contato. Uma maga.
— Aquela que você mencionou antes? Aquela que nos ajudou com o
Resplendor da Morte?
— Sim.
Dentro de um sistema de cavernas nos arredores da cidade, a mais
profunda conhecida como Cravo-amarelo, havia um lago coberto de
Resplendor da Morte – uma substância mortal feita pelo lich para proteger seu
filactério. Uma gota da substância cozinharia qualquer pessoa viva, não
havia antídoto para impedir isso. Estávamos todos tentando drená-lo sem
muito progresso.
Destrua o filactério, destrua o lich.
— Ela me fez o rubi com base no que eu queria — continuou a Morte. —
Para mantê-lo seguro. Ela levou seis meses para fazer, muitas rosas
consumidas.
— Rosas?
— De todas as cores.
A magia dos magos usava herbologia e poder extraído do que os magos
chamavam de esfera, que estava conectada à terra. Muitas poções e coisas
feitas de flores, ervas e plantas, terra, pétalas e esse tipo de coisa. Nada que
eu realmente entendesse completamente por que não era um mago. Apenas
os magos tinham informações completas sobre como sua magia funcionava.
O mesmo que nós, necromantes, na verdade, embora compartilhássemos
uma conexão frouxa com os magos nos cogumelos líquidos – uma energia
ligada à terra.
— Você confia nela? — Respondi.
— Sim.
— Isso é bom. — Bebi meu vinho. — Posso perguntar uma coisa que
sempre pergunto?
— Pergunte-me o que quiser.
— Por que isso acontece?
— Amor proibido — ele respondeu, batendo o dedo na haste da taça de
vinho. Um de seus anéis de ouro tocou no vidro como um sino.
— Sempre a mesma resposta. — Eu balancei minha cabeça. — Mas por
quê? Por que é proibido?
— Porque não devo amar um mortal.
Deus, isso me irritou. — E você aceita isso?
— Parece que eu aceito?
Certo. Ele estar fora do trabalho me deu essa resposta. — É tão injusto. E
há mais nisso.
Ele não disse nada.
— Você está escondendo algo de mim? — Eu me perguntei.
Ele balançou a cabeça e sorriu. — Pelo menos não fisicamente.
Isso me irritou, uma faísca para minha raiva. — Não faça isso. Não brinque
comigo. Não dessa vez.
— Adoro brincar com você — ele ronronou.
Seu tom sedutor não conseguiu me arrastar sob seu feitiço. — Pelo amor
de Deus! Pare! Simplesmente pare! — Minha voz ecoou pela cozinha, mais
alta do que nunca. — Não posso… Droga. Eu preciso de respostas. Preciso
entender isso.
Respirações profundas. Acalme-se…
A Morte deu um passo à frente enquanto eu realizava meus exercícios
respiratórios – uma ferramenta valiosa em minha vida complicada.
— Sinto muito, Marcel — disse ele. — Desculpe.
Acalme-se, acalme-se… — Por que não pode me responder? — Minha voz
voltou ao nível normal.
— Essa é a única resposta que posso lhe dar.
— Amor proibido?
— Sim.
Bebi mais vinho, limpando a boca com as costas da mão. — Você está
escondendo algo de mim.
— Sim. Eu estou.
Minha testa se enrugou, meu peito se apertou de surpresa. — Você está
admitindo isso?
— Pequenos detalhes sobre os quais não posso falar livremente.
— Diga-me — pressionei.
— Não posso falar sobre isso. Literalmente.
— Você jurou segredo por algum tipo de magia?
Ele assentiu, meu amor atemporal e de pele bronzeada olhando para mim.
Minha atenção se voltou para seu cabelo escuro adornado com luzes
acobreadas, a barba por fazer em seu queixo esculpido, a perfeição de seu
corpo musculoso.
— Mas é um amor proibido.
Maldita seja. Maldita seja toda essa cautela e choramingos. Eu queria tirar
nossas roupas, ficar nu com ele novamente. Ele poderia me levar aqui na
cozinha ou em qualquer cômodo que quisesse. Contanto que ele estivesse
me beijando, fazendo meu corpo cantar com seu toque.
Até o rubi se soltar…
Meus olhos ficaram quentes novamente. Bebi mais vinho, forçando minha
tristeza a diminuir.
— Vamos... Não vamos fazer isso — eu disse. — Desculpe, eu gritei. Eu
não quero discutir.
— Fico feliz em ouvir isso. Sinto muito por irritar você.
Você deveria ir.
Você deveria ficar.
Fique para sempre.
— Precisamos conversar sobre Leon West — eu disse, direcionando a
conversa para outro assunto.
— Ok. Devemos ir para algum lugar mais confortável?
— Boa ideia. — Fui para o meu quarto pegar um tricô. Deus, eu precisava
colocar agulha na lã.
— Muito confortável. — A Morte estava na porta, girando suavemente o
vinho em sua taça.
Revirei os olhos.
— Não vamos conversar aqui. Eu só estava pegando isso. — Levantei meu
cobertor incompleto de azul pastel e rosa.
— Sala de estar? — ele sugeriu.
— Absolutamente.
Ele foi embora.
Estufando minhas bochechas, eu o segui. Ele já estava sentado no sofá
azul, bebendo seu vinho.
Sentei-me ao lado dele, imediatamente começando a trabalhar no meu
cobertor.
— Leon me fez uma visita antes de você chegar aqui e a merda do rebelde
começar — eu disse.
— Foi quem eu vi? — ele respondeu.
— Sim. Era como se ele estivesse aqui, mas não realmente. Você sabe, o
mesmo da vez em que ele apareceu antes?
A Morte assentiu.
— Em dois lugares ao mesmo tempo.
Ele conjurou um telefone na mão com sua habilidade e começou a digitar.
— O que está fazendo? — Perguntei.
— Enviando mensagens para meu contato. Vendo se ela pode ajudar. Tem
que estar relacionado magicamente. Agora sabemos que Leon é um mago.
— Oh. Qual é o nome dela?
— Tudo a seu tempo, Marcel.
— Essa é a sua resposta?
— Por enquanto, é. — Ele colocou a mão na minha coxa. — Sei que você
acha que estou sendo difícil, mas não estou.
— Certo.
— Não fique bravo comigo.
— Não estou. — Quase enfiei a agulha de tricô na minha mão.
Seu telefone desapareceu. — Tenho um acordo com ela, Marcel. Isso é
tudo. Talvez você possa conhecê-la um dia. Talvez não. Não importa.
Apenas saiba que ela está do nosso lado.
A culpa de ter uma atitude arrogante me atormentava. — Desculpe. Estou
um pouco sensível.
Sua mão permaneceu na minha coxa, tão quente, tão perto de... — Você
deve estar depois de tudo que passou.
Era um lugar estranho para se estar. Quer dizer, eu era Marcel August,
mas também esse homem cuja alma continuava renascendo para uma nova
década, uma nova era. Cometendo o mesmo erro, amar demais esse imortal.
Nunca pode ser demais…
Talvez agora fosse a hora de acabar com isso, quebrar essa maldição
estúpida contra nós. Cumprindo um destino de nos encontrarmos repetidas
vezes, causando desastres terríveis e muitas mortes. Por quê? O que isso
significava? Esse não poderia ser o nosso destino: amar e destruir ao mesmo
tempo.
Ia dizer isso a ele, mas me contive. Qual era o objetivo? Qual era o sentido
de tudo isso?
Sim, desta vez o rubi tornava as coisas diferentes, mas o perigo
permaneceu o mesmo. Uma merda e tantos pagos com sangue.
Destinado a sempre fazer o mundo sofrer. Isso tinha que parar.
Eu não posso fazer isso de novo…
— De qualquer forma, voltando ao Leon — eu disse, minha voz
embargada. — Ele disse algo sobre uma chave ônix. Você sabe o que isso
significa?
A mandíbula de Morte ficou tensa, seus olhos se estreitaram.
— Você sabe o que isso significa? — Pressionei.
Nenhuma resposta.
— Morte?
Ele abriu a boca para falar, sua garganta balançando. Um som sufocado se
seguiu.
Agarrei seu bíceps. — O que está errado?
— Eu... eu não posso dizer isso.
— Dizer o quê? Isso é sobre a chave?
— Sim. — Sua voz estava tão rouca. — Eu... — Ele prendeu a respiração,
sua pele ficando vermelha.
— Morte? O que está errado?
Ele se engasgou, apertando o peito. — Desculpe... sinto muito.
— Você fisicamente não pode falar sobre isso — entendi. Mais ou menos.
— A mesma coisa de sigilo?
Ele assentiu.
— Tenho que encontrar Leon — eu disse.
— Sim — ele respondeu.
— Mais fácil falar do que fazer.
Leon e Nick estavam desaparecidos, provavelmente envoltos em magia.
Não havia nenhuma trilha para seguirmos para nenhum deles, o que seria
de esperar de um lich. Eles se alimentavam de fantasmas, deixando para trás
corpos sem fantasmas. Mas Nick provavelmente tomou mais precauções
agora que o segredo foi revelado.
Droga.
E o idiota estava procurando por algo enterrado fundo e longe.
O que diabos isso significava? Jon, o poltergeist, disse isso à Morte, sem
oferecer mais detalhes.
Peguei meu telefone civil, abri meu aplicativo de música e toquei o álbum
No More Shall We Part de Nick Cave and the Bad Seeds. Junto com o tricô e
meus exercícios respiratórios, a música de Nick Cave me ajudava a superar,
bem, a vida em geral.
Enquanto tocava a introdução da primeira faixa, 'As I Sat Sadly by Her
Side', a Morte se levantou e me ofereceu sua mão.
— O quê? — Questionei.
— Venha aqui.
— Para quê?
— Dance comigo.
Bufei, minhas bochechas ficando coradas. — Merda. Desculpe.
Seus lábios se curvaram em um sorriso sexy. — Seu bufo é fofo.
Contra o meu melhor julgamento, larguei meu tricô e peguei sua mão. —
Uma dança.
— Ok.
Suas mãos se moveram para meus quadris enquanto eu cruzava meus
braços em volta de seu pescoço, nossos rostos tão próximos. Balançávamos
num círculo lento, sem dizer nada enquanto a música nos envolvia em sua
beleza sombria.
Eu o puxei para mais perto em um abraço, ainda me movendo ao som da
música, nossos corpos pressionados um contra o outro. Ele era tão quente,
tão incrível, tão seguro. Ele sempre era isso.
— Você é minha casa — eu disse, meu rosto enterrado na curva de seu
pescoço.
Ele acariciou minhas costas, me cheirando profundamente. — Eu te amo,
Marcel.
— Eu também te amo. Mas…
Ele soltou um suspiro trêmulo. Eu entendi isso como expectativa.
Soltei um dos meus, invocando minha coragem, meu coração doendo.
Isso não é justo…
Nem a morte em massa…
— Precisamos acabar com isso de uma vez por todas — eu disse, minha
voz cheia de vidro. — Odeio dizer isso, mas temos que fazer a coisa certa
desta vez.
A morte me segurou, sem dizer nada.
— Volte ao seu trabalho — continuei — deixe os fantasmas seguirem em
frente. E eu vou…
— Você vai o quê, Marcel? — ele perguntou suavemente.
— Eu vou... vou seguir em frente também. — Deus, queimou minha
garganta dizer isso.
— Para outro amor.
— Eu... — Como eu respondia a isso? — Não sei. Eu realmente não estou
pensando sobre isso.
Ele se afastou, com um sorriso triste no rosto. — Não voltarei a trabalhar
até que as coisas mudem. — Ele passou a ponta do polegar pela minha
bochecha. — Essa é a minha regra. Se não pudermos ficar juntos sem toda
essa dor, não cumprirei minhas obrigações.
E meu poder continuará a crescer até eu explodir... eu não disse isso.
— Como isso muda? — Perguntei.
— Não sei se algum dia isso mudará. Mas devo tomar uma posição.
Deus, a tristeza naqueles lindos olhos dourados partiu meu coração. Ele
estava lutando por nós, por um possível futuro fora deste ciclo.
— Nunca vou voltar — acrescentou.
Mas você precisa... Por que eu não pude dizer isso a ele? Acho que teria que
mostrar isso a ele, encerrando isso, sendo o catalisador da mudança.
Outro amor? Agora que me lembrei do nosso passado, ele era meu único.
Como poderia outro homem se comparar a um imortal como ele? Como
alguém poderia me tocar da mesma forma, me incomodar da mesma forma,
me fazer sentir tão seguro quanto ele?
Ninguém.
Nunca.
Mas eu teria que me contentar com o segundo melhor.
— O que quer que você escolha, Marcel — ele sussurrou — respeitarei.
O rubi manteve-nos escondidos e impediu os danos. Não foi o suficiente
para acabar com a culpa, para acalmar meu medo.
— É muito perigoso — sussurrei de volta. — Somos muito perigosos.
Ele interrompeu nossa dança, segurando minha nuca com sua mão
quente. Seus olhos perfuraram os meus, a tristeza quebrando meu coração
novamente.
Assuma o risco…
— Sinto muito — eu disse. — É aqui que terminamos.
Ele inclinou a cabeça para o lado, seu sorriso tão cheio de dor. — Então,
que seja. — Ele não baixou a mão, não fez nenhum movimento para nos
separar.
Uma guerra se alastrou dentro de mim. A morte se esforçou tanto para
tornar as coisas diferentes, e eu queria jogar isso fora? As coisas poderiam
ser diferentes. Não éramos idiotas. Poderíamos conseguir ser cuidadosos,
estar seguros. Só que, quando se tratava de sexo, perdíamos o controle. Um
movimento em falso, novamente, e as coisas poderiam virar uma merda
muito rapidamente.
Eu o puxei para mim. — Eu te amo muito.
— Eu também te amo.
— Mas este é o fim.
Ele me segurou com mais força. — Eu entendo.
As lágrimas brotaram novamente, salpicando seu ombro. — Sinto muito.
Não posso mais fazer isso.
— Eu sei — ele me confortou. — Eu sei.
Eu já sabia que meu coração e minha alma poderiam doer tanto? — Nós
ficaremos bem. Vamos ficar.
Ele não respondeu.
— Porque temos que ficar. E temos que ser fortes.
Ele beijou minha bochecha, uma marca suave formigando ali quando ele
afastou os lábios.
— Morte…
— Marcel…
— Eu…
— Você não precisa dizer mais nada. — Ele recuou, quebrando o contato.
— Este é o fim.
Por mais forte e poderoso que fosse, sua aura irradiando piedade, naquele
momento ele parecia tão perdido, tão derrotado. Ele me deu seu sorriso
encantador, suas covinhas adoráveis, mas elas eram um véu roído pela traça.
Eu o devastei, junto comigo mesmo.
— Morte… — Dei um passo à frente. — Eu…
Ele colocou dois dedos nos lábios e me mandou um beijo. — Adeus,
Marcel.
Espere…
Ele passou por mim, direto para a porta.
Espere…
Uma pausa na porta, olhando para mim.
Espere…
Por favor…
Eu o deixei ir, não corri atrás dele quando a porta se fechou.
Corri para minha varanda, esperando.
É assim que tem que ser…
Ele saiu do prédio, seguindo pela estrada de mão única, sem se virar para
olhar para trás.
Agarrei a balaustrada de metal com tanta força que pensei que minhas
mãos iriam quebrar. Rios quentes queimaram meu rosto. Eu não conseguia
respirar, me mover ou fazer qualquer coisa além de vê-lo sair da minha vida.
— Preciso de você... — sussurrei no ar frio do final de setembro.
Amanhã seria outubro. Um novo mês para uma nova vida.
Um novo começo.
O mundo realmente não precisava de um amor proibido para estragar
tudo.
Eu o perdi novamente.
Embora ele ainda estivesse vivo, eu o perdi novamente.
Meu amor.
Meu Marcel.
O que eu deveria fazer agora? Voltar para a vida que vivi antes e cada vez
que ele desapareceu? Vagando pelo mundo, bebendo demais, deixando os
anos passarem. Mesmo nesse tempo, com a minha recusa em trabalhar e o
rubi em jogo, ainda consegui perdê-lo.
Não me virei para olhar para ele, embora o sentisse ali na varanda. Eu não
consegui fazer isso, embora fosse necessário em algum momento, porque
ainda queria ajudá-lo com o lich. Eu não iria embora e o deixaria lidar com
essas coisas, não quando eu pudesse ser útil.
Uma discussão para mais tarde. Ele provavelmente gostaria de se
comunicar por meio de mensagens de texto e e-mails.
Meu coração doeu, minha mente girando através de séculos de memórias,
repetindo cada momento em que o perdi, a força destrutiva do nosso amor.
Não era isso que os mortais chamam de ser chutado quando caído?
Antes disso, chorei por ele e continuei com meus deveres, ceifando almas,
transportando os mortos adiante. Em todos os lugares ao mesmo tempo,
uma presença reconfortante para cada fantasma em cada canto deste mundo.
Eu sempre estive presente para fazer a transição deles para o plano espiritual
para enfrentar suas novas vidas. Minha casa, o reino do meu palácio e trono.
A última vez que perdi Marcel foi na década de 1980, num hotel em
Londres. Estávamos escondidos, trancados em um quarto fazendo amor e
torcendo para que as coisas fossem diferentes. Nenhum evento cataclísmico
ocorreu desde que nos encontramos, um ano antes. Estávamos bem, até
mesmo esperançosos, embora soubéssemos que a maldição contra nós
funcionava de maneira diferente a cada vez. Às vezes, reagia rapidamente.
Na maioria das ocasiões, demorava até liberar sua fúria. A julgar pela queda
do rubi e pela reação instantânea a nós em meu quarto na mansão,
estávamos enfrentando uma fase de resposta rápida.
Nossa complacência nos alcançou naquele hotel em Londres. O prédio foi
totalmente queimado, matando Marcel e trinta outros convidados no
processo. Eu saí num sábado de manhã para comprar uma revista e um
jornal em uma loja da esquina.
Demorou dez minutos para o hotel pegar fogo.
Tentei chegar até ele, mas a fumaça e o fogo eram muito rápidos, com
intenção de morte. Quando eu o encontrei...
Queimado.
Estragado pelo toque do fogo.
Morto novamente.
Não demorou muito depois disso, mais ou menos uma década, exausto e
quebrado demais para aguentar mais, que me afastei. Deixei meu palácio no
reino espiritual, levando meu cavalo, Pegasus, minha motocicleta, Pegasus
II, e minha amiga nascida no espelho, Winnie, comigo.
Os espectros do conselho vieram atrás de mim, era claro. Exigiram que eu
voltasse em nome dos conselheiros, tentaram me fazer ver o raciocínio deles.
Eles eram os meus donos e da Vida, nossos gestores sem poder para me
forçar a recuar. Observadores. Escondidos.
Recusei suas exigências repetidas vezes, mesmo quando eles me disseram
que não podiam evitar mudar o que estava gravado na pedra. Porque Marcel
e eu fomos feitos para amar, não para sofrer. Eu tinha que acreditar nisso,
mesmo diante do desespero. E assim, me instalei em uma casa nos arredores
de Londres, tão em ruínas e abandonada quanto a mansão Oakthorne.
Esperei que sua alma se mostrasse, observando o caos dos mortos não
seguindo em frente. Por um momento, para eles, o tormento de serem pegos
na teia da vida quando mortos. Mas se eu não pudesse ter o que queria, então
as coisas seriam assim.
Marcel sempre se revelou para mim aos dezenove anos, lembrando-se de
mim aos vinte e um e expondo-se ao conselho e à maldição. Tendo adquirido
o rubi antes de seu vigésimo primeiro aniversário, usá-lo garantiu que ele
não se lembrasse de mim, escondendo nós dois no processo. A menos que
caísse do meu pescoço ou fosse quebrado.
Eu realmente acreditava que desta vez as coisas seriam melhores, que
teríamos a chance de ficar juntos sem morte ou dor. Pelo menos até chegar à
velhice.
Eu odiava pensar nesse cenário.
Talvez este fosse o curso de ação correto a ser tomado. Afastar-se de tanta
tristeza, quebrar o ciclo. O rubi caindo do meu pescoço esta noite mostrou
que a desgraça sempre seria nossa sombra miserável. E quanto a ele
envelhecer? O que aconteceria quando ele chegasse aos últimos anos e eu
permanecesse o mesmo? Que novo sofrimento isso traria?
— Isso está certo — eu disse à noite. — Marcel tomou a decisão certa.
Enquanto caminhava para casa, escondido da vista da cidade, contive as
lágrimas, determinado a não chorar. Chorei muitas delas ao longo do tempo,
esse mesmo desgosto me cumprimentando como um velho amigo
distorcido.
Eu poderia enfrentá-lo novamente, mesmo que isso o ajudasse a derrubar
Nick?
Eu não tinha escolha.
Volte para o palácio…
— Não — eu disse ao meu cérebro.
Isso não mudava as coisas. Eu não tinha certeza de como as coisas
poderiam ser mudadas, mas tinha algo a dizer. A teimosia era uma coisa
poderosa e frustrante.
O mesmo acontecendo com a negação do amor verdadeiro.
Uma pena preta pousou diante de mim no meio da calçada ao lado do
cemitério – onde Marcel foi morto a tiros, revivido e revelado ao seu novo
poder.
Cresceu poder por sua causa...
Você pode estar machucando-o...
— Maravilhoso. — Parei, cruzando os braços, os olhos na pena.
A pena se esticou, crescendo em tamanho para se tornar o espectro
encapuzado envolto em pesadas vestes negras. Olhos amarelos se
manifestaram, ardendo na escuridão do seu capuz.
— Morte — o espectro disse com uma voz gelada e sussurrante.
Estremeci com o som. — Não acabamos de conversar um tempo atrás?
Ele não respondeu.
Os espectros eram mensageiros do conselho, figuras aterrorizantes
construídas para assustar a mim e à Vida se saíssemos da linha.
Eles me assustavam tanto quanto mascar chiclete.
— Não vou passar por isso com você de novo — eu disse. — Então, por
favor, me deixe em paz.
— Não vamos parar até que você retorne ao seu assento no poder —
finalmente ele respondeu. — Por enquanto, devemos discutir a chave ônix.
— Você ouviu falar sobre isso?
— Sim. Precisamos de sua ajuda para recuperá-la.
— Mas ninguém sabe onde está, nem mesmo o conselho. Essa é a questão.
— Doeu minha língua dizer tanto sobre isso.
Os olhos amarelos do espectro brilharam. — O lich procura por isso.
— Ele sabe onde está?
— Você sabe que nenhuma alma sabe.
— Então é seguro, não é?
— Ele procura métodos para encontrá-la. Métodos mágicos com os quais
tememos que ele possa ter sucesso.
Isso não seria bom. — Sabe onde ele está?
— Não. O lich é astuto.
— De fato.
— Você deve detê-lo, Morte.
Se ao menos meu poder sensorial funcionasse em Nick. Mas foi um
presente destinado exclusivamente a Marcel. Um bônus de amante.
— Achei que você me queria de volta ao palácio — respondi. — Esse não
é meu único dever?
Uma pausa, o deslocamento do corpo ligeiramente para a esquerda. —
Isso é diferente.
— É mesmo?
— Ajudar-nos ajuda você. Então você deve retornar ao seu dever.
Se alguém já encontrou essa chave...
— Vou te ajudar — eu disse. — Mas não vou voltar ao trabalho. Não até...
— Ele rejeitou você — ele disse, curvado. — Nós sentimos isso. Sentimos
a fratura nessa tolice. Acabou. Ele entende as consequências. Ele não é um
mortal egoísta.
Eles sentiram isso? Então o poder do rubi enfraqueceu. Ser capaz de me
encontrar aqui na rua enquanto eu o usava esclareceu isso ainda mais.
Não. Ele era a perfeição, um homem melhor do que eu jamais poderia ser.
— Encontre uma solução mágica — disse o espectro.
— O lich provavelmente está camuflado.
— Então desvende isso.
Por que você não faz isso? — Preciso destruir o filactério.
— Então destrua.
Abstive-me de demonstrar minha irritação.
— A Vida está ajudando?
— A Vida está ocupada com seu dever.
Claro, ela estava.
Um fantasma correu em pânico pelas grades do cemitério, parando na
estrada para olhar para trás.
Um rebelde pulou a grade com um sorriso demoníaco no rosto. — Eu
adoro a perseguição, fantasma!
— Me deixe em paz! — o fantasma masculino gritou.
— O que você está fazendo depois do toque de recolher? — Resmunguei
para mim mesmo. — Com licença, espectro.
— Você é um servo! — o rebelde declarou — Você vai...
A raiva aumentou para colidir com minhas frustrações, conjurei minha
foice e a joguei no ar. Ela girou no ar, cortando o rebelde ao meio, removendo
seu corpo em um clarão de luz verde e branca, enviando seu fantasma para
o Santuário.
Outro fantasma rebelde e sem corpo aparecendo no Santuário em uma
noite. Eu precisava controlar esse absurdo antes de fazer uma farra.
— Malditos rebeldes — eu disse.
Por sua causa…
Os olhos do fantasma caçado estavam arregalados, examinando os
arredores. — O que aconteceu?
Ele não podia me ver ou ouvir.
— Tem alguém aí?
O vento sussurrou nos carvalhos em resposta.
— Dane-se! — Ele fugiu, esperançosamente para sua casa ou Santuário.
O espectro observou tudo imóvel como uma rocha. — Você está sofrendo,
Morte.
— Obrigado por apontar o óbvio.
— Você não deveria se machucar. Você deveria ser como a Vida. Morte é
morte, Vida é vida. Não há espaço para mais nada. Volte, esqueça esses
sentimentos com os quais você não deveria se preocupar.
— Achei que você queria que eu encontrasse a chave ônix?
— Sim — respondeu o bastardo assustador.
— Minha prioridade deveria ser matar o lich primeiro.
— Você pode?
— Assim que o Resplendor da Morte for eliminado, sim.
— Então faça as duas coisas, se necessário.
Já terminamos aqui?
— A chave ônix deve ser movida antes de qualquer matança —
acrescentou a criatura. — Não sabemos quem mais pode procurá-la ou saber
de tal conhecimento proibido.
Como Nick sabia alguma coisa sobre isso?
— O lich é poderoso — disse o espectro. — Ele tem a ajuda da magia de
mago.
— Sim, ele tem.
— Ache a chave. Faça o que é pedido e depois volte ao seu dever.
Com isso, o espectro voltou a ser uma pena preta, voou para cima e
desapareceu.
— Tchau — murmurei, continuando minha caminhada para casa.
O Lich. A chave ônix. O conselho com medo.
Pelo menos eu teria uma distração para me ajudar nesse desgosto.
Marcel…
Sua pele morena clara, aqueles olhos azuis radiantes. Meu amor sempre
foi lindo, desde a Roma Antiga até agora. A mesma alma com muitas faces
cantando ao meu coração.
Chegando ao terreno da mansão nas colinas arborizadas no norte da
cidade, Pegasus veio me cumprimentar. Acariciei sua cabeça branca e
luminescente, passando para seus flancos.
— Olá. — Descansei o lado do meu rosto contra seu corpo quente. — Você
gostaria de algumas maçãs?
Ele fez um zurro gentil.
— Venha comigo — eu disse a ele.
Eu o levei para o lado oeste da mansão e seus estábulos. De um galpão
anexo ao estábulo de madeira, colhi três grandes maçãs vermelhas,
brilhando como rubis.
Rubi…
Pegasus pegou cada maçã da minha mão, mastigando alegremente.
Como vou deixar você ir, Marcel?
Passei a maior parte da noite chorando, incapaz de fazer qualquer outra
coisa. Usei uma caixa inteira de lenços de papel, deitado no sofá com o
coração partido.
Acordando de cerca de três horas de sono, pisquei para a luz do sol que
entrava pelas portas da minha varanda.
— Merda! — Eu sibilei, sentando-me. Minha cabeça latejava, meu corpo
desgastado, mas não me deixando voltar a dormir.
Caramba.
Não ajudou em nada o fato de eu ter deixado as portas da varanda abertas
durante a noite, e o ar frio transformou meu apartamento em um freezer.
Caramba multiplicada por infinito!
Corri para fechar as portas e liguei o termostato, esfregando os braços.
— E o prêmio de idiota do ano vai para...
Meu e-scroll vibrou no meu bolso.
Era Emma Lackey. Exatamente o que eu precisava.
— Bom dia, senhora — respondi.
— Bom dia, Marcel — ela respondeu alegremente. — Como você está hoje?
— Estou bem, obrigado — menti, mantendo minha vida pessoal fora do
trabalho.
— Excelente. — Ela sempre parecia tão insincera. — Quero que você venha
me ver na sede.
— Sim, senhora.
— Esteja aqui ao meio-dia. Não se atrase.
— Sim, senhora.
Ela desligou.
Rude…
Embolsando meu e-scroll, comecei a fazer café – puro, sem açúcar – e
procurar por comida. O que eu realmente desejava eram alguns dos
croissants recém-feitos da minha mãe, cobertos com manteiga e geleia. Hum.
Sem seus deliciosos doces e possuindo minhas próprias habilidades
culinárias, coloquei um pouco de pão na grelha e vasculhei minha geladeira.
Queijo? Ovos? Eu poderia cuidar dos ovos. Feijão cozido?
Morte…
Onde ele estava? Ainda na decadente Mansão Oakthorne ou em outro
lugar? Ele tinha saído da cidade agora que terminamos?
Eu queria vomitar.
Duas separações em menos de um ano. E o prêmio por...
Eu rapidamente fechei a besteira interior enquanto meu pão queimava.
— Droga! — Eu gritei, jogando a bagunça carbonizada no lixo.
Na segunda rodada, fiz ovos mexidos com queijo, torradas douradas e
uma boa porção de feijão cozido. A combinação de comida e café me deu a
energia que precisava para enfrentar o dia e meu encontro com Emma.
Só não tinha forças para enfrentar o resto da minha vida.
Deus! Tão dramático!
Cansado de ficar preso dentro de casa, com três horas para matar, fui para
o ginásio necromante para queimar algumas das minhas emoções. Nós,
necromantes, tínhamos que nos manter em boa forma física e também
mentalmente saudáveis. Fiz alguns pesos, corri em uma esteira ao som da
música de Janet Jackson, suando bastante.
Isso não impediu meu coração de doer.
Depois de tomar banho novamente, voltei para casa ouvindo Nick Cave,
aproveitando o dia frio, mas ensolarado. Passei por pessoas cuidando de
seus negócios, fantasmas vivendo suas vidas falsas, presos aqui sem ter para
onde ir. Capaz de interagir com objetos e conversar e até cozinhar, mas não
tocar nos vivos. Uma regra cruel, uma crueldade causada pela Morte.
Ele voltaria ao trabalho agora? Eu mantive meus dedos cruzados.
— Marcel! — uma voz familiar gritou.
Louise Bell, minha amiga fantasma, veio correndo pela praça em forma de
estrela onde ficava meu prédio. Apropriadamente chamada de Praça Leste,
estando no lado leste da Praça Central em forma de estrela, ela e três outras
orbitavam. Desliguei Nick Cave e tirei meus fones de ouvido, acenando para
ela. Ela estava hospedada no Santuário de Oakthorne – alojamento para
fantasmas que perderam suas casas, completo com celas inferiores para
fantasmas travessos – por algum tempo. Ela não havia perdido sua casa,
morando com sua mãe ainda viva perto do lago Oakthorne. Mas depois de
ser sequestrada e quase comida por Nick, ela queria um pouco de descanso.
Eu não a culpei nem um pouco.
Eu me impedi de abrir os braços. Sem abraços para essa amiga.
— É bom ver você, Louise.
Ela parou, ajustando seu gorro azul com um gatinho rosa na frente. —
Bom ver você também! — Ela era pálida, com cabelos loiros sempre
aparecendo por baixo do gorro. Caminhando pelo sol, sempre tão feliz em
me ver. — Como você tem estado? Sinto sua falta.
— Tudo certo. Lidando com as coisas, sabe?
Ela piscou, aproximando-se. — O que está errado?
— Desculpe?
— Algo aconteceu.
— Estou bem.
Ela cruzou os braços. — Você não está. Fale comigo.
— Eu... eu realmente não posso falar agora. Tenho que me preparar para
uma reunião.
— Depois então. Podemos dar um passeio ou o que você quiser. Se você
quiser conversar, é porque falar ajuda, mas você tem que estar pronto para
falar quando estiver pronto porquê…
E ela continuou assim por um bom minuto. Louise: a Rainha dos
Tagarelas.
— Louise?
Ela parou. — Sim?
— Vá para a minha casa às três. Vamos conversar então.
O fantasma assentiu com entusiasmo.
— Brilhante. Vejo você lá então. — Sua testa se enrugou. — Eu não fiz isso!
— Não fez o quê?
Ela limpou a garganta. — Bonjour, Marcel. Cava3?
Eu ri. Ela adorava que eu falasse francês, tendo uma mãe francesa que
insistia que eu e meu irmão aprendêssemos a língua.
— Ca va bien, merci. Et toi4?

3 Como está?
4 Estou bem, obrigado. E você?
Ela bateu palmas. — Très bien, merci5. — A alegria em seu rosto era um
bálsamo agradável contra toda aquela porcaria podre.
— Você tem praticado — eu disse.
— Aprendi no Santuário. Decidi cumprir minha ambição de falar outro
idioma. Deveria ter feito isso quando eu estava viva, mas não importa.
Tenho a chance agora, certo?
— Certo. — Foi um golpe forte para mim a compreensão de que, se a
Morte voltasse a ser Morte, Louise teria ido embora. Ela sairia da minha vida.
Claro, eu ficaria feliz por ela, mas também sentiria muita falta de suas
divagações, da gentileza que ela me mostrou quando cheguei aqui.
Devo contar a ela sobre a Morte e eu? A história toda?
— Tudo bem — eu disse, precisando de mais café. — É melhor eu ir. Vejo
você às três?
— Oui! — ela gritou, assustando um fantasma que passava.
Eu ri de novo. — Muito bom. Adeus por agora.
— Au revoir6!
Voltei para o meu apartamento. Sentei-me no sofá, tomei um gole de café,
tricotei mais um pouco e depois me vesti para a reunião. Todo de preto,
como os necromantes costumavam se vestir quando trabalhavam, mesmo
que eu não estivesse de plantão. Apropriado para o meu estado atual – a cor
do luto.
— Droga — eu disse ao meu reflexo.

5 Muito bem, obrigado


6 Adeus
Sentei-me no escritório de Emma, no quartel-general necromante – que já
foi o escritório bege de Nick, mas com mais plantas e uma pintura
emoldurada de um pôr do sol costeiro.
— Agora, vamos direto ao assunto? — ela disse.
A tez clara e sardenta de Emma sempre parecia saudável e bem hidratada.
Seu estilo de cabelo curto bob prateado era tão elegante e perfeito que
poderia rivalizar com o corte de cabelo icônico de Anna Wintour7. Ela tinha
o tipo de olhar agourento e de olhos castanhos que fazia até as
personalidades mais resistentes se contorcerem.
Sempre odiei me encontrar com ela.
— Sim, senhora.
Ela abriu o laptop e começou a digitar enquanto falava. — Você usou seus
novos fios de poder desde a última vez?
Considerando que fui “morto” por Nick da última vez, não. Meu
renascimento me trouxe de volta, então convoquei um cemitério por meio
minuto antes que a magia quebrasse. Não era o melhor dos tempos e não era
um cenário que eu queira repetir.
— Não, senhora — eu disse.
— Houve alguma mudança notável?
— Não.
— Nenhuma sensação anormal?
— Nada até agora, senhora.
— Se sentindo mal?
Só por me afastar do amor da minha vida... — Não.
— Bom. — Ela parou de digitar, juntando os dedos. — Tenho discutido
você com colegas e os próximos passos que devemos tomar.
Ela e outros Diretores Superiores não sabiam o que fazer comigo,
forçando-me a este período sabático, com medo dos meus novos poderes.

7Anna Wintour é a atual editora-chefe da edição norte-americana da revista Vogue, a mais conceituada e
importante publicação de moda do mundo e um dos seus maiores ícones.
— Parece que tudo o que falo hoje em dia é sobre você.
De alguma forma, ela fez parecer que era culpa minha. — Desculpe,
senhora.
Ela não fez nada para mudar minha maneira de pensar. — Reunião após
reunião, dia e noite, especulações intermináveis sobre o que você está se
tornando, se outros necromantes receberão as mesmas atualizações.
Por que não me apunhala com o abridor de cartas e acaba logo com isso?
Fiquei de boca fechada.
— Mas chegamos à conclusão de que você deve ser incluído nas
discussões.
Graças a Deus por isso!
— Como eu disse a você antes, Marcel, temos um lich à solta e um
problema rebelde. Portanto, Oakthorne precisa de toda a ajuda possível.
— Obrigado, senhora.
Ela ignorou minha gratidão. — O que Nicholas West está fazendo?
Uma pergunta eterna.
Liches eram humanos transformados em criaturas mortas-vivas.
Totalmente auto infligido usando uma mistura de cogumelos Chapéu-da-
morte, terra de sepultura e pó de osso de um necromante. A mistura mortal
os matava, mas os trazia de volta à vida momentos depois. Algum sacrifício
perturbador, presenteando os idiotas com vida eterna e acesso ao poder
necromante.
— Oh, mer... Deus — eu disse.
— O que foi, Marcel?
— Se eu tiver esses novos poderes, um lich pode acessá-los? Quero dizer,
Nick pode evoluir? Esse é o termo certo?
— Acredite em mim, já abordamos esse assunto muitas vezes — disse ela.
— O mesmo se aplica aos rebeldes.
Que pensamento doentio.
Eu balancei a cabeça. — Você encontrou alguma coisa sobre Leon West,
senhora?
— O marido está desaparecido — respondeu ela, batendo as unhas
vermelhas nas teclas do laptop. — Escute, chega dessa especulação. Vamos
nos concentrar em aprender mais sobre você, certo? Por enquanto, queremos
que você guarde isso para si. Os fantasmas de Charlotte e Mario foram
testemunhas de seus poderes, mas são leais e guardarão isso para si.
Eu balancei a cabeça, como um bom pequeno necromante. Eu estava
muito feliz por voltar ao trabalho.
— Continue tomando suas doses diárias da Fórmula de Assistência
Neurológica Necromante — acrescentou ela. — Tome mais, se necessário.
Quero que você mantenha um diário a partir de hoje e me envie por e-mail
suas anotações em latim reverso no final de cada dia.
Que chatice.
O Latim Reverso foi especialmente desenvolvido para que os necromantes
conhecessem fluentemente, uma linguagem usada para criptografar
mensagens entre nós.
— Se você revelar seus poderes por acidente — disse ela — eu cuidarei
disso. Mas você deve entrar em contato comigo no primeiro momento
conveniente. Está claro?
— Muito claro, senhora.
— O toque de recolher fantasma que Nicholas implementou ainda está em
vigor, como você sabe. Qualquer fantasma que o quebre deve ser enviado
para o Santuário imediatamente, sem exceções. Além de Charlotte e Mario,
estou pensando em revogar essa isenção.
Balancei a cabeça.
Seu e-scroll zumbiu. Ela atendeu e desligou. — O que mais está aqui? Oh.
Claro. Sua rotina é o turno da meia-noite ao meio-dia. Estou pensando em
mudar os turnos a cada semana ou duas semanas, para que todos trabalhem
nos dois padrões.
Mais acenos do necromante obediente conhecido como eu. Com ela aqui
na cidade, as coisas não seriam as mesmas que eram sob Nick. Antes de ele
se mostrar o lich assassino, seus métodos eram mais calorosos. Tínhamos
que seguir suas regras, sim, mas nada parecia micro gerenciado ou, bem,
assustador. Eu estava acostumado com Emma, já que ela era minha chefe em
Londres. Mas parecia estranho tê-la aqui nesta pequena cidade.
Eu acho que ela não se aposentaria de seu papel tão cedo como ela queria.
Um papel que eu estava trabalhando para conseguir antes de minha vida
desmoronar.
Eu me mexi no meu lugar, pensando na Morte. O que ela diria ou faria
comigo se descobrisse sobre nós?
— Nossos novos companheiros de equipe estão chegando hoje — disse
ela. — Temos um necromante muito capaz chegando de Londres em... — ela
checou o relógio, — … ele deve estar aqui nos próximos vinte minutos. Ele
se mudará para o seu prédio com seu parceiro, Robert Jones. Ele é do bairro
de Southwark. Você o conhece?
— Não posso dizer que sim, senhora. — Conheci alguns necromantes de
fora de Westminster. Necromantes da academia, mas esse cara não me
lembrava nada.
— Acredito que o apartamento dele ficará no mesmo andar que o seu —
acrescentou ela, verificando a tela do laptop. — Sim. Duas portas abaixo.
— O que aconteceu com o Sr. Pickle? — Perguntei.
— Ele morreu, decidiu que não queria ficar com a propriedade. Então,
autorizei a compra de uma moradia para necromantes. Agora é nosso.
— Como eu não percebi que ele morreu?
— Você tinha muita coisa acontecendo, Marcel. Não se preocupe.
Você não sabe nem metade… Pobre Sr. Pickle. Ele era um homem tão legal.
Idoso que ia todos os dias à agência de notícias da Praça Leste, sem deixar
de pegar seu jornal.
Seu e-scroll exibiu uma mensagem desta vez. Ela leu, com a testa franzida.
— Está tudo bem, senhora?
Seus olhos se voltaram para mim. — Parece que Robert Jones está
atrasado. Problemas com os rebeldes com os quais ele tem que lidar. Você
não irá conhecê-lo ainda, então. — Ela olhou para seu laptop. — Espero que
ele esteja aqui antes do seu turno, visto que eu coloquei você com ele. De
qualquer forma, cruzaremos essa situação quando chegarmos a esse ponto.
Estou lhe enviando a nova escala de trabalho agora. — Toque, toque, toque.
Enquanto ela apertava essas teclas, invoquei um pouco de coragem
interior. — Senhora? Você teve notícias de Jenn?
Ela parou, me encarando com um olhar intimidador.
Engoli. — Senhora?
— Por que você está se preocupando com Jenn?
Porque ela é minha melhor amiga! — Eu... sinto muito. Só pensei em
perguntar.
Ela pegou uma caneta prateada ornamentada. — Como eu disse antes, ela
está levando seu tempo para se curar com seu novo namorado e seu pai. Ela
quer ficar sozinha e quero que você respeite esse desejo. Fui clara?
Minha melhor amiga. Minha tudo ou nada. Eu deveria deixá-la ir embora?
Para não a ter mais na minha vida?
— Marcel?
— Senhora?
— Fui clara?
— Sim, senhora. Sinto muito por tocar no assunto.
Ela apertou uma tecla, meu e-scroll fez um som.
— Escala — ela disse friamente. — Leia isso. Te vejo de volta aqui à meia-
noite.
— Sim, senhora.
— Mas antes de você ir, devo dizer que dois fantasmas rebeldes
apareceram no Santuário durante a noite. Não temos certeza de como ou por
que, então mantenha os ouvidos atentos. — Ela revirou os olhos.
Dois fantasmas? A Morte matou outro rebelde?
Emma voltou a digitar, terminando comigo.
Despedi-me, levantei-me e saí, correndo para casa o mais rápido que
pude.
— Mon Papillon — minha mãe me cumprimentou na tela do meu laptop,
mandando-me beijos da mesa da cozinha. — Como vai você?
— Estou bem, Maman. E você? Oi, pai.
— Olá, filho — respondeu ele, empurrando os óculos no nariz. — Nós dois
estamos bem.
Mamãe assentiu, bebendo uma xícara de chá. — Fizemos uma caminhada
adorável esta manhã. Tomei café da manhã, aproveitei o sol. Como é que
está o tempo aí?
Deus, eu sentia muita falta da minha família. — Ensolarado também.
Acabei de ter uma reunião com Emma. De volta ao trabalho à meia-noite.
O sorriso de mamãe não conseguiu disfarçar sua angústia. Ela odiava meu
trabalho, impotente para fazer qualquer coisa a respeito. Eu mesmo estava
impotente. Os necromantes nasciam, não eram feitos. Nossos destinos foram
traçados para nós imediatamente, especialmente hoje em dia.
— Fico feliz em ouvir isso, Mon Papillon — disse ela, com a voz estridente.
— Merci, Maman.
— Como você se sente com isso? — Papai perguntou.
— Me tira de casa — eu disse. — Estou cansado de ficar preso dentro de
casa.
Preso dentro de casa sem a Morte, ansiando por ele. Eu realmente tinha
que me libertar disso, para me concentrar em outras coisas.
Como teria sido a vida da Morte sem mim todas as vezes? O que ele teria
feito consigo mesmo? Perguntas que eu deveria ter feito a ele.
Pegue ele de volta…
— Porra! — Eu gritei.
— Marcel! — Mamãe gritou. — Linguagem!
— Desculpe, Maman.
Ela balançou a cabeça. — Terrível.
Mudei rapidamente de assunto. — Como está Henri? — Meu irmão mais
novo me mandou uma mensagem mais cedo reclamando de seu trabalho na
universidade – ele estava estudando para ser médico.
— Depois que sua mãe o encheu de croissants esta manhã, ele ficou bem.
— disse papai. — Ele descerá em um segundo.
Mamãe riu. — Ele comeu sete, Mon Papillon.
— Tenho certeza de que ele tinha espaço para mais. Esse menino tem um
estômago sem fundo.
— Isso ele tem. — Ela tomou mais um gole de chá. — Mas você está bem?
— Oui, Maman. Estou ansioso para receber seu pacote amanhã.
Eu não conseguia acreditar que não fazia nem vinte e quatro horas desde
que me lembrei de minhas vidas passadas, desde que terminei com a Morte.
Já parecia uma maldita vida.
— Ligue-me assim que chegar — disse ela.
— Eu vou.
Conversamos um pouco mais sobre o tempo, as palavras cruzadas do
papai no jornal de domingo, os planos de mamãe para um jantar épico de
assado mais tarde.
— Eu gostaria de estar aí — eu disse, sem querer parecer tão triste.
Mamãe se inclinou para frente, tocando na tela. — Sinto tanto a sua falta,
Mon Papillon. — Seus olhos brilharam.
Papai acariciou suas costas.
— Não é justo — ela continuou. — Emma não deveria ter mandado você
embora daquele jeito. Quem ela pensa que é?
— A Diretora Superior de Westminster — respondi. — Tenho que fazer o
que ela diz.
Mamãe rosnou, recuando. — Ela é uma vadia. — Ela pegou um
guardanapo e enxugou a boca. Um discurso retórico estava se formando.
— Estou aqui! — Henri declarou intrometido, sentando-se na cadeira ao
lado de papai. — Fresco como uma margarida. — Ele acenou para mim e
depois olhou para mamãe. — Maman? O que está errado?
— Emma — papai respondeu.
Meu irmão assentiu, passando a mão pelos cachos pretos e úmidos. —
Merda.
— Henri! — Mamãe explodiu.
Ele estremeceu. — Desculpe.
Eu sorri para ele.
— Você está um pouco menos estressado? — Perguntei.
— Um pouco. Boa comida e um banho quente sempre ajudam. — Ele
estendeu a mão e deu um tapinha na mão de mamãe.
Ela gostou disso, ficando de pé e beijando o topo de sua cabeça. — Você
usou meu shampoo?
A cor desapareceu de seu rosto. — Eu, hum, acho que sim.
— Você acha?
— Eu... eu usei. Realmente usei.
— Eu vejo. — Ela bateu na cabeça dele com um dedo.
— Desculpe, Maman! — ele gritou de repente, jogando-se à mercê da
Corte Mãe. — É muito melhor do que minha merda de coco.
Mamãe era preciosa com seu xampu. Mas para ser justo, era uma coisa
incrível.
— Também é caro — ela rebateu. — E a linguagem!
A última parte me fez pular.
— Se você quiser usar essa marca, terá que comprá-la você mesmo — disse
ela.
— Sim, Maman.
Henri o usaria novamente em alguns dias. Ele não podia evitar.
Mamãe cheirou seu cabelo. — Mas você tem um cheiro delicioso. — Ela o
beijou dez vezes na cabeça e acariciou a lateral de seu rosto. Ela então foi
fazer mais chá.
Ela estava chateada. Na verdade, não com Henri, já que a Controvérsia do
Shampoo era um vaivém permanente entre eles. Sua frustração veio de me
querer em casa, de não ser capaz de dizer a Emma o que pensava. Mas
pessoas poderosas como minha chefe não eram para ser fodidas, nem
mesmo por mamães ursas furiosas. Mamãe ficaria muito pior se se
enfurecesse com a Diretora Superior.
— E o Natal? — perguntou mamãe, sentando-se com um chá fresco.
— Terei que agir com cuidado quando chegar a hora — respondi. —
Amolecer ela.
Deus, que impossibilidade.
— Ela não pode negar a você um dia de Natal com sua família.
Papai e Henri concordaram com a cabeça.
O Natal era a última coisa em que eu queria pensar. — Deixe-me passar o
próximo mês ou mais, provar meu valor para ela um pouco mais. É isso que
ela quer. É a isso que ela responde. Então poderemos ver para onde iremos
a partir daí.
— Você não tem nada a provar para ela — disse mamãe.
— Maman…
— Marcel pode lidar com isso — papai interrompeu.
— Obrigado, pai.
— Marcel é demais — acrescentou Henri.
— Eu sou?
— Sim, você é demais. Por que você não seria isso quando você é meu
parente? — Ele piscou.
— Espere? É o seu ego?
Ele olhou furioso para mim. — Estou deduzindo pontos disso.
— Isso é real?
— Claro que é.
— No mundo de Henri. Entendi.
Ele riu. — Parece um reality show de TV.
— Você vai comer testículos de rinoceronte?
— Marcel! — Mamãe repreendeu.
— Desculpe!
— Nojento — disse papai.
— Acontece — respondi com um encolher de ombros.
Papai gemeu. — Não torna isso certo ou entretenimento.
— O lixo de uma pessoa é as bolas de rinoceronte de outra.
— Mon Papillon!
Henri bufou.
— Isso é culpa sua — eu disse ao meu irmão, as risadas aumentando.
Oh, não.
Seu rosto ficou com um tom de beterraba, uma risada silenciosa tomando
conta dele. Eu o segui, preso no mesmo ciclo de risadas. Tentando me livrar
disso, incapaz de olhar meu irmão nos olhos. Cada vez que eu fazia isso,
riamos histericamente.
Papai riu.
Mamãe não viu o que era tão engraçado.
Levamos dez minutos para nos superarmos.
Mamãe revirou os olhos e sorriu. — Meus meninos são tão bobos quanto
uns aos outros — disse ela em francês. — Fico feliz em ver. Eu gostaria de
poder abraçar vocês dois assim. — Ela agarrou Henri em um abraço de urso
por trás. Papai se juntou a ela, esmagando meu irmãozinho com amor.
Eu ri, doía, tive vontade de pular no carro e acelerar todo o caminho de
volta para Londres. Para o inferno com Emma, com a necromancia. Arranjar
um novo emprego, deixar toda essa merda para trás.
Neste caso, os sonhos não se realizaram.
Depois que Henri se libertou, conversamos um pouco mais,
eventualmente encerrando nossa videochamada.
— Conte-nos como foi seu primeiro turno quando terminar — disse papai.
— Eu vou.
— E me ligue quando receber seu pacote — acrescentou mamãe.
— Claro, Maman.
— Amo você — Henri contribuiu.
— Amo você mais.
— Sinto mais sua falta.
Fiz um sinal de coração com as mãos.
Ele fez de volta.
Levamos mais cinco minutos para finalmente admitir a derrota e
continuar com nossas tardes.
Por mais que eu concordasse que me manter aqui em Oakthorne era muito
cruel e totalmente desnecessário, eu tinha assimilado esse pedaço da
sociedade agora. E eu cumpriria minhas obrigações, com o objetivo de
impedir Nicholas West de ser meu foco principal.
E a Morte?
Ligando algum reality show de merda e pegando meu tricô, decidi que
teria algum tempo para relaxar. Quando Louise chegasse, eu relaxaria com
ela e depois relaxaria um pouco mais até meia-noite. Talvez até tentaria tirar
uma soneca.
Ha!
Depois de uma hora de início de um programa sobre uma família famosa
que morava em Los Angeles, com muito drama manipulado em que eu
estava me metendo, um estrondo veio do lado de fora da minha porta.
Levantei-me de um salto, imediatamente peguei minha arma e corri até o
olho mágico para ver um necromante curvado sobre uma caixa.
— Maldita caixa! — ele gritou, chutando.
Abri a porta para o homem de pele dourada e cabelo prateado penteado.
Os olhos verdes imediatamente encontraram os meus.
— Oh. Tudo bem, mano? — Ele se endireitou, me oferecendo uma mão.
— Sou Robert Jones. — Ele bateu no cabelo. — Companheiro necromante.
Apertei a mão dele. — Marcel August.
— Pensei que fosse. — Ele me olhou de cima a baixo. — Prazer em
conhecê-lo, parceiro.
Ele era cheio de músculos. Não muito grande, mas impressionante ao
mesmo tempo. Esses braços! Uau!
— Você quer uma ajuda? — Perguntei.
Ele se abaixou para pegar a caixa. — Não. Estou bem, mano. A outra
metade está bem atrás de mim. — Ele olhou por cima do ombro. — Pelo
menos ele deveria estar.
— Está tudo bem em Londres? — Perguntei. — Emma disse que havia um
problema com rebeldes.
— Tudo bem, mano. Tudo certo.
— Legal. Se precisar de ajuda, me avise.
— Obrigado pela oferta. Que tal nos encontrarmos mais tarde, antes de
irmos para as ruas?
— Claro. Lá pelas oito? Isso me daria a chance de tentar tirar uma soneca.
— É bom para mim. Melhor seguir em frente. Prazer em conhecê-lo.
— Você também.
As portas do elevador se abriram e um homem carregando uma caixa saiu.
— Já era hora! — Robert gritou.
Eu mal o ouvi, agarrando o batente da porta para não escorregar para o
chão. O choque me atingiu como uma escavadeira.
— Não... — suspirei.
George ficou ali, olhando para mim com seu lindo sorriso naqueles lábios
com os quais eu sempre sonhei.
— Marcel — disse ele. — É bom te ver.
Abri a mensagem de texto no meu telefone.
Venha para o mercado.
Enviei a Yvonne, minha amiga maga, uma resposta dizendo que chegaria
em breve.
— Winnie?
O peixinho dourado iridescente apareceu no vidro do espelho dourado
acima da lareira. Minha familiar, minha conselheira e minha querida amiga.
Ela nadou para frente e para trás, uma criatura do plano espiritual. Os
nascidos no espelho eram raros, raramente aparecendo no vidro. Tive sorte
de tê-la. Eles eram criaturas preciosas, leais e sem julgamentos. Eles
ofereciam conselhos e companheirismo, expressavam preocupação quando
necessário, e este peixe nascida no espelho permaneceu ao meu lado em
todas as coisas. Mesmo aqui neste reino mortal, afastada de tudo o que ela
conheceu, sua lealdade nunca vacilou.
Dois séculos de amizade. Faltam mais dois, sua vida dura quatrocentos
anos.
Eu temia o dia em que ela desapareceria.
— Você está bem? — ela perguntou.
— Estou bem.
— Sei que você não está bem, querido.
— Correto, mas tenho um trabalho a fazer.
— Trabalho?
— Estou indo para Londres. Você gostaria de vir junto?
— Londres? — ela respondeu, nadando para mais perto da borda do
vidro.
— Para me encontrar com Yvonne.
Winnie piscou seus olhos esmeralda para mim. — Eu entendo. Sim, irei
com você.
Conjurei seu espelho de bolso dourado na palma da minha mão. Abri para
ela.
— Obrigado — eu disse. — Eu gostaria que você ouvisse de agora em
diante, já que as coisas estão tomando rumos interessantes. Faça notas, como
dizem os mortais.
— Fico feliz em ajudar.
Suas escamas brilharam e então ela desapareceu do vidro. Momentos
depois, ela reapareceu no espelho menor.
Coloquei-a na cama, deixando o estojo compacto em forma de concha
aberto. Bebi o resto do meu vinho e vesti uma camisa.
— Quando partimos? — ela perguntou.
— Assim que eu abotoar esta camisa e alimentar Pegasus.
— Uma cor adorável.
— Obrigado. — Uma cor bordô hoje. — Ok, aveia para o cavalo, e então
vamos. — Fechei o espelho de bolso e coloquei-a no bolso. Ela deslizou
facilmente no couro apertado, confortável como um... Qual era a expressão?
Confortável como um inseto em um tapete?
Eu odiaria ter insetos em meus tapetes.
Com uma rápida olhada ao redor do quarto, o espaço ainda cheirando ao
aroma de caramelo de Marcel, fechei a porta e alimentei meu cavalo.
— Estaremos de volta em breve — eu disse a ele enquanto ele comia sua
aveia favorita. — Então vou levar você para um passeio.
Contente. Um cavalo muito feliz.
— Bom garoto. — Dei um tapinha em seus flancos.
Deixando-o com sua comida, fui para a garagem da mansão. Cliquei na
lâmpada solitária pendurada no centro do teto. A luz anêmica revelou pisos,
paredes e tetos rachados. Teias de aranha espalhadas pelos cantos, poeira se
acumulando, o espaço precisando de amor e pintura, mas ainda servindo de
armazenamento para minha moto, Pegasus II – uma Harley Davidson preta
e dourada.
A moto sempre pareceu forte entre minhas coxas. Uma fera das estradas
com uma aura de velocidade e liberdade que eu adorava. De volta ao plano
espiritual, eu a levaria para muitos passeios nas regiões selvagens do reino,
abrindo todo o seu poder por trechos intermináveis. O vento em meus
cabelos, soprando em minhas tristezas, tirando-me da minha dor, mesmo
que apenas por momentos fugazes.
Marcel…
Acelerei, pronto para Londres.
Eu posso consertar as coisas, Marcel…

O Mercado Oculto. Um lugar de negociações mágicas obscuras e


personagens nefastos. Um lugar para encontrar o Acelerador Tipo B (uma
substância curativa proibida) e outras poções colocadas na lista proibida do
governo e da Ordem dos Magos.
Para acessar o mercado era preciso saber como chegar lá. Sem sinais, sem
mapas, sem detalhes, a menos que você fosse um visitante de confiança. Isso
exigia muitos obstáculos e muito checagem por parte dos responsáveis.
Felizmente para mim, eu estava na lista dos bons.
Estacionei o Pegasus II em um estacionamento caro no Parque Victoria e
depois fui até uma casa na estrada Roman. O número oito, com a porta
vermelha e os cestos de flores pendurados.
Toquei a campainha.
Barbara, sem sobrenome, atendeu. Uma mulher alta, com pele marrom
escura e cachos castanhos brilhantes, sorriu calorosamente para mim.
— Olá, bastardo sexy — ela me cumprimentou.
Suas unhas compridas estavam de um rosa vibrante hoje.
— Saudações, linda — respondi.
Ela me olhou de cima a baixo, lambendo os lábios carnudos. — Mmmm.
Tão bem como sempre.
— Igualmente.
— Dê-me um giro.
Obedeci.
— Essa bunda, no entanto. — Ela soltou um beijo de chefe. — Se ao menos,
se ao menos.
Flerte inofensivo. Uma troca boba, principalmente do lado dela. Isso
surgiu de um respeito e carinho mútuos. Ela era a guardiã do Mercado
Oculto, recebendo todos os tipos de pessoas em sua porta, deixando-os
cruzar a soleira de seu refúgio.
Escondidas sob o cardigã até os joelhos estavam duas armas e uma adaga.
E ela sabia como usá-las.
Eu não invejei o papel dela.
— Como vai você? — Perguntei, abrindo meus braços.
Nós nos abraçamos.
— Estou bem, querido — ela respondeu, dando-me um tapinha nas costas.
— E você?
Barbara não sabia minha verdadeira identidade, apenas que eu era amigo
de Yvonne. — Nada mal, obrigado.
O abraço acabou.
— Bom saber — disse ela. — Vai ver Yvonne hoje?
— Vou.
— Entre. — Ela deu um passo para o lado, permitindo-me acesso ao
corredor com paredes de pinho.
O aroma de ambientador floral encheu minhas narinas.
Ela fechou a porta. — Quer uma xícara de chá antes de partir?
— Eu realmente não posso perder tempo hoje. Desculpe.
— Não se preocupe, querido. Não estou muito chateada. — Ela deu um
tapinha no meu bíceps esquerdo. — Tem certeza de que está bem? Você
parece um pouco abalado.
— Estou bem — respondi, odiando a traição do meu rosto.
Ela não parecia convencida. — Falar ajuda.
Receio que não com você... Se ela soubesse que eu era a Morte, ela me
bombardearia com opiniões e perguntas que eu não desejava ouvir.
— Honestamente, só preciso chegar até Yvonne. Mas passarei por aqui em
breve para tomar um chá e comer aquele seu maravilhoso biscoito
amanteigado.
Ela fazia seu próprio biscoito amanteigado. Era nada menos que glorioso.
Mas ter que se sentar na cozinha dela hoje, como já fiz muitas vezes, testaria
minha paciência. E isso não seria justo com ela ou sua hospitalidade.
— É melhor você passar mesmo — ela respondeu. — Tenho tantas fofocas
para contar.
— Oh? — Geralmente sobre suas muitas conquistas.
Ela balançou um dedo. — Você não vai ganhar nada agora.
— Justo.
No meio do corredor havia duas portas. A da direita dava para a sala de
estar, a da esquerda para o porão. Ela abriu essa última, gesticulando para
que eu entrasse.
— Obrigado. — Dei-lhe outro abraço.
— Você é sempre bem-vindo, bastardo sexy.
Entrei na passagem estreita, o teto baixo o suficiente para me forçar a me
agachar. Barbara fechou a porta atrás de mim, mergulhando-me na
escuridão. Um emaranhado de luzes piscantes ganhou vida segundos
depois, descendo uma escada torta.
Segui o caminho habitual, a temperatura esfriando à medida que eu
avançava. Depois de cinco minutos, cheguei a uma porta de madeira
fechada. Sempre destravadas, as dobradiças guinchavam como meia dúzia
de leitões assustados.
Ao passar, cheguei a um piso de pedras circulares pretas e brancas. Um
certo padrão tinha que ser seguido para chegar à porta fechada do outro
lado. Um erro e a magia desse caminho para o mercado rejeitaria você.
Mandaria você para um túnel no bairro Hackney Wick. Mesmo eu tendo que
enfrentar esse teste, nenhum atalho foi oferecido a nenhum ser. Era uma
ferramenta contra espiões e possíveis ataques.
Com o padrão memorizado, tomei o caminho até a porta, depois subi um
lance de escadas até um túnel, depois desci outro lance até chegar a um
portão de metal com os sons do mercado ecoando na escuridão além.
Digitei uma senha no minúsculo teclado fixado nas barras e o portão se
abriu. Uma curta caminhada pela escuridão me levou ao país das maravilhas
subterrâneo.
Fortemente envolto em magia, trepadeiras amarelas e brilhantes
formando uma concha emaranhada ao redor de tudo, o mercado fervilhava
de atividade.
Fantasmas foram impedidos de entrar no mercado, a magia era densa e
impenetrável. Muitos magos contribuíram para a proteção deste lugar.
Vagueei no meio da multidão, passando por muitas barracas de mercado
com telhados e laterais de lona, concentrando-me no canto esquerdo do
mercado. Poções, ingredientes, todas as coisas mágicas eram negociadas.
Muito dinheiro era trocado aqui diariamente.
Bati no espelho compacto. — Certifique-se de ouvir cada detalhe.
Não se tratava de confiança, mas sim de ter um par de ouvidos reserva,
caso eu perdesse alguma nuance ou detalhe crucial.
Meu cérebro não estava exatamente cheio de alta percepção agora.
O som fraco da voz de Winnie me disse que ela estava pronta para isso.
Bati os nós dos dedos na porta roxa da tenda, no canto esquerdo do
mercado.
— Entre — chamou Yvonne.
Empurrando a aba para trás, entrei e caí de joelhos na acolhedora
almofada laranja.
— Olá — disse Yvonne.
Uma mulher de pele clara, com um emaranhado bagunçado de cabelos
ruivos grisalhos e um gosto por usar ponchos, Yvonne estava sentada de
pernas cruzadas do outro lado de uma mesa baixa entre nós. Um bule
expelia vapor no ar, duas xícaras prontas para serem enchidas.
— Chá?
— Não, obrigado — eu disse.
Ela se serviu de um pouco em uma xícara de chá branca e simples.
— Por que aqui? — Perguntei a ela. Geralmente nos encontrávamos no
apartamento dela em Canning Town.
— Tenho negócios aqui — ela respondeu, sem dar mais detalhes. Acordos
de confidencialidade Mago-cliente aplicados.
— Como está funcionando o rubi? — ela perguntou, adicionando leite ao
chá.
— Houve um problema — eu disse, mudando para combinar com sua
estatura de pernas cruzadas.
— O que aconteceu?
Eu disse a ela.
Ela suspirou. — Sinto muito.
Yvonne sabia que Marcel e eu estávamos amaldiçoados, tendo detalhes
suficientes para que ela pudesse ajudar.
Eu a conheci em um pequeno bar do Soho uma noite, e nas noites
seguintes. Nossas conversas eram profundas, sobre magia e filosofia, sobre
arte e todo tipo de coisa. Depois de cinco meses de conversa, ela finalmente
admitiu que sabia quem eu era e que eu parecia terrivelmente triste.
Mais seis meses depois, contei a ela sobre Marcel.
Ela me ofereceu o rubi ao custo de um milhão de libras em barras de ouro.
Eu as roubei de um banco. Entrei lá uma noite, abri um cofre e peguei o
saque.
Qualquer coisa por Marcel.
— Ele pode mudar de ideia — disse Yvonne.
— Se é isso que ele quer, então... — Não terminei.
— Compreensível. Então o que posso fazer por você? Isso é sobre o
Resplendor da Morte? Como eu disse, ainda estou trabalhando em algo que
pode ajudar nisso.
— Não, é outra coisa — eu disse.
— Leon West?
— Ele também.
— Também?
— Você sabe como ele está aparecendo daquele jeito?
Ela assentiu. — Projeção astral. No entanto, é uma magia difícil de
sustentar.
— Acho que ele está tentando ajudar.
Ela assentiu novamente, sem dizer nada.
Outra parte do mistério para resolver.
Voltei-me para a minha razão de estar aqui. — Você pode procurar
objetos? — Perguntei.
Ela acrescentou cubos de açúcar ao chá. — Procurar algo? Sim. Posso. As
poções funcionam da mesma forma que a vidência para os seres vivos. Mas
elas são caras e quebram com muito mais facilidade. Quaisquer resultados
que elas revelam duram segundos, então piscar não é uma opção.
— Pensei isso — eu disse.
— Fácil de fazer, no entanto. Quantas você quer?
— Talvez três por enquanto?
— Sem problemas.
— Quanto?
— Quinhentos cada — disse ela. — Importa-se de me dizer o que você está
procurando?
Meus dentes doíam mesmo com a simples sugestão de discutir a chave
ônix diante de Yvonne.
— Eu... — Dor aguda nas gengivas.
— Um assunto delicado? — ela imaginou.
Esfreguei minha mandíbula latejante. — Muito.
A chave ônix seria detectável? O espectro, em nome do conselho, parecia
ter a impressão de que uma solução mágica iria revelar isso.
— Considere isso feito — disse Yvonne, que não gostava de insistir no
assunto.
Debaixo da mesa, ela tirou um leitor de cartões. Eu conjurei um cartão de
crédito e o toquei, pagando a ela £ 1.500.
— Em quanto tempo ficará pronta? — Perguntei.
— Dentro de uma hora. Fique à vontade para esperar aqui ou passear pelo
mercado. — Ela engoliu o chá e depois se mexeu para trás. — Vejo você em
breve. — Ela se virou e caminhou agachada até o fundo da tenda,
desaparecendo através de outro painel.
Normalmente, eu ficaria feliz em dar uma olhada. Hoje, neste momento,
queria ficar quieto, não ter que pensar em mais nada além da passagem do
tempo.
Até que o sorriso de Marcel brilhou nos meus olhos.
Eu não posso deixar você ir...
Capítulo 7

— Você... você... — tentei, prestes a quebrar minhas entranhas.


George não poderia estar aqui. Ele simplesmente não poderia estar.
— Porque... — Deus, eu ia desmaiar.
— Posso explicar — disse ele.
Eu já tinha ouvido isso antes, quando ele pisou em meu coração e me disse
que minha vida havia acabado. Confessou ser um traidor de merda.
— O que está acontecendo? — Robert perguntou.
Robert. Robert não era o homem por quem George me deixou. Esse era
Craig, o instrutor de fitness. Não um necromante.
Eu não entendia.
George se aproximou. — Posso explicar — ele repetiu.
— Por que ele parece que vai desmaiar? — Robert exigiu.
— Podemos conversar? — George perguntou, embora eu não tivesse
certeza para quem ele disse isso.
— Eu... — Merda. Merda. Merda. — Tenho que ir. — Voltei para o meu
apartamento.
— Marcel, por favor...
Bati a porta, tentando respirar.
George Barrons estava aqui em Oakthorne? Como? Por quê? Que porra
era essa? E se mudando para o meu prédio com outro homem novo?
Cerrei os punhos, afastando-me da porta.
— Seu idiota... — sussurrei. — Seu idiota absoluto.
Isso não estava acontecendo. George não estava lá fora. Ouvi a voz dele,
ouvi a de Robert. Mas esse não era meu ex. Sem chance. Devo estar
alucinando, confuso com o drama do fim de semana.
Mas eu sabia melhor do que isso.
O que eu faria? Para quem ligaria? Eu desmoronaria ao telefone com
minha família e Jenn não estava mais por perto. Louise não conseguia
atender o telefone – por algum motivo, fantasmas e telefones não se
misturavam.
Tremendo, tirei meu e-scroll do bolso e liguei para minha chefe.
— Marcel?
— Ele está aqui — eu disse. — George está aqui.
— Eu sei. Acabei de receber a notícia de que eles chegaram.
— Você... Você sabia sobre George e Robert? — Perguntei, cada gole
doloroso.
Minha testa pingava suor, como se alguma criaturinha dentro de mim
tivesse ligado o aquecimento.
— Como isso é da sua conta?
Seriamente? — Eu...
— Sim, eu sabia. Claro que eu sabia. Tenho a documentação apropriada para todos
os meus funcionários. Documentação confidencial, devo acrescentar. Com quem
Robert está se relacionando não é da sua conta.
— Você poderia ter me contado! — Gritei, saindo da linha.
— Com licença?
— Desculpe, senhora. Eu acabei de...
— Você o quê?
— Eu…
— Vamos, Marcel. Fale. Desperdice meu tempo o quanto quiser.
Cruel. Traiçoeira. Indiferente. Qual era o sentido de me enviar aqui sob o
pretexto de cura, apenas para ela jogar essa dificuldade em mim? Isso era
algum tipo de teste?
— Não entendo — eu disse.
— O que é que você não entende?
— Porque você não poderia ter me contado. — Isso era demais para entrar
em águas perigosas com ela.
— Eu trabalho para você, Marcel?
— Não.
— Eu tenho que responder a você?
— Não, senhora.
— Exatamente. Escute, eu não te contei por que não é da minha conta. E não é da
sua conta. Você não está mais com George e ele está livre para amar quem quiser.
Ele morar na mesma cidade, e muito menos no mesmo prédio, não significa nada. É
apenas uma questão de Robert estar aqui para nos ajudar.
Ela estava realmente tomando alguma coisa?
— Pode parecer cruel, mas pense nisso como um teste — acrescentou ela. —
Mostre-me que você é capaz de superar essas coisas, que está dentro dos padrões.
Afinal, foi você quem me disse que não estava exausto, que não estava deixando sua
vida pessoal atrapalhar seu desempenho.
Como se ela realmente me ouvisse!
— Não é mesmo, Marcel?
Sem palavras. Tão sem palavras. Pelo menos todas as quais eu queria jogar
na cara dela.
— Certo, senhora — concordei com relutância.
— Meus necromantes não permitem que trivialidades prejudiquem seu trabalho.
Você pode ter se machucado, Marcel, mas esqueça. Robert é um homem excelente
para se fazer parceria, e é isso.
Ela desligou.
Segurei o e-scroll na frente do meu rosto, olhando para a tela.
Era um teste. Não foi o suficiente para ela arruinar minha vida, mas ela
teve que acumular mais besteiras. Eu realmente era seu coelhinho de
laboratório, um necromante com novos poderes para monitorar.
Ela era tão má assim?
Corri para o banheiro, caindo no vaso sanitário e vomitando meu café da
manhã.
George.
George estava de volta.
Capítulo 8

Exatamente uma hora depois, Yvonne voltou para a tenda. Ela colocou
três poções roxas sobre a mesa.
— Feito — ela disse.
— Muito obrigado. — Peguei as poções para usar na mansão.
Não fazia sentido Winnie estar aqui. Eu estava paranoico, um tolo como
sempre.
— De nada — ela respondeu, apalpando a lateral do bule. — Ainda
bebível. — A maga serviu mais chá.
— De qualquer forma, aproveite o resto do seu dia — eu disse, indo
embora.
— Posso te ajudar com Marcel, mas isso vai te custar.
Meu traseiro voltou para a almofada.
Ela sorriu, apoiando as mãos na mesa.
— Há uma poção que muitos magos não conhecem e, se conhecessem, não
a preparariam. Mas eu sim. — Ela piscou um olho âmbar para mim. — E
posso fazer isso acontecer.
— Vou precisar de algum contexto — eu disse.
Yvonne baixou a voz, acenando para que eu me aproximasse. — Bolsão de
Margarida8.
— Mais uma vez, eu realmente preciso que você forneça contexto.
— Provavelmente a poção mais complexa do mundo, ela cria bolsões
especiais que existem além das regras do tempo e do espaço. Mundos
pequenos e alternativos, se você quiser.
Olhei para ela por longos momentos. — Está falando sério?
— Por que eu não estaria?
— Parece ridículo.
— Diz o ser imortal que faz os fantasmas ficarem presos.
— Touché.
Yvonne tomou um gole lento de chá antes de falar novamente. — As
regras desses bolsões são projetadas por você, totalmente criadas de acordo
com suas especificações.
— Isso parece bom demais para ser verdade.
— Mas é verdade de qualquer maneira.
As coisas realmente tomaram um rumo interessante.
— A poção é extremamente difícil de fazer — continuou ela — exigindo
alguns ingredientes caros e extremo cuidado para não perturbar a esfera.
A magia de Leon havia perturbado a esfera dos magos recentemente –
algo que os magos se esforçavam para não fazer.
Agora eu estava feliz por Winnie estar no meu bolso. — Suponho que uma
margarida é um desses ingredientes? — Eu disse.
— Sim. A coisa mais fácil de colher. Estou em falta de um ingrediente
chave.
Um lugar projetado de acordo com minhas próprias regras. — Um lugar
para nós.

8 Bolsão é algo que, por circunstâncias diversas, se encontra isolado da realidade a que pertence.
— Sim.
— Por que não disse nada antes?
— Porque você tinha o rubi. Por causa das questões éticas que envolvem
o ingrediente principal. Por causa dos riscos para mim mesma ao preparar a
poção. Um movimento em falso na preparação e estou morta.
Claro. — Você gosta de me preparar para as coisas, não é?
Ela riu. — Uma qualidade cativante, diriam alguns.
Frustrante era mais parecido. — Qual é esse ingrediente chave?
— Um poltergeist.
Uma língua gelada lambeu minha espinha de cima a baixo. — Desculpe?
— A energia de um poltergeist permite cortar o bolsão. Chutando a porta,
se quiser. O poltergeist é sugado para algum tipo de recipiente, geralmente
uma gema mágica especial, e então transferido para a poção. Assim que o
poltergeist for absorvido com sucesso pela mistura, isso estará pronto.
Preparada de forma errada, essa energia explode e destrói qualquer coisa
num raio de oito quilômetros.
— E o que acontece com o poltergeist?
— É esquecido. Eliminado da existência com uma poção bem-sucedida ou
com uma preparação errada.
— Sem vida após a morte?
— Exato.
— Isso é cruel — eu disse.
— Terrivelmente cruel, mas também misericordioso.
— Você está destruindo completamente a essência de alguém.
— Mais uma vez, isso não é uma misericórdia para um poltergeist? — ela
sugeriu.
Depois que um fantasma se tornava um poltergeist, ele se perdia na raiva,
era perigoso e precisava ser trancado em uma instalação. Antes de eu mudar
as regras de morte, os poltergeists existiam. Eles tentavam escapar de mim,
mas eu sempre os encontrava e os enviava para serem absorvidos pelo plano
espiritual. Não havia como voltar a qualquer existência estável para eles, a
raiva consumia demais. Então, eles se tornaram os ventos e as chuvas do
reino espiritual, ainda parte da existência de uma nova maneira.
Mas Jon, um poltergeist nas partes mais profundas de Cravo-amarelo,
conseguiu conter sua raiva. Ele existia sozinho, em completa solidão, nunca
saindo da escuridão das cavernas, nunca permitindo que as lutas brilhantes
do mundo além o contagiassem.
Ele superou sua terrível raiva. Outros poderiam fazer o mesmo.
— O tormento de um poltergeist acabaria trazendo felicidade para você e
Marcel — acrescentou Yvonne. — Pense sobre isso.
Uma escolha egoísta e que eu desejava fazer.
— Posso fazer um Bolsão de Margarida para você — disse ela. — Mas vou
precisar da sua ajuda.
— Para pegar um poltergeist.
Ela sorriu. — Sim. E quem melhor do que você para me dar um? Você nem
vai precisar de uma joia. Essa sua foice será suficiente para prendê-lo.
Seria, mas balancei a cabeça. — Não.
— Bem desse jeito?
— Não posso destruir um poltergeist para minhas próprias necessidades
egoístas.
— Mesmo assim você usa esse rubi — ela rebateu. — Isso é tudo o que
existe entre o amor e a destruição.
— Isso é diferente.
— É mesmo? Ainda é egoísta, mesmo que os ingredientes não apresentem
os mesmos problemas morais. Você ainda estaria disposto a seguir um limite
perigoso.
Suspirei, relembrando o momento em que ele caiu do meu pescoço, as
rachaduras se formando no meu quarto na mansão, o tormento no rosto de
Marcel.
— Você removeu as memórias dele — continuou Yvonne. — Você contou
uma mentira para ele. Ele ficou com raiva quando descobriu?
Meus olhos se estreitaram em um olhar furioso. — Você está tentando me
incitar a alguma coisa?
— Não. Estou fazendo você ver a razão — ela respondeu. — Se você está
tendo uma crise de moralidade, não deveria. Um poltergeist é...
— Existem poltergeists adormecidos — eu a interrompi.
— Raridades.
— Mas uma realidade.
— E os canalhas?
— Desculpe?
— Você sabe, aqueles que cometeram atrocidades terríveis na vida, agora
estão mortos e perdidos de raiva porque não podem sair por aí matando ou
estuprando ou o que quer que tenham feito.
Uma virada sombria.
— E eles? — ela pressionou.
Eu li nas entrelinhas. — O que você não está me contando?
Outro longo gole de chá. — Vou chegar ao acordo.
— Acordo?
— Você me ajuda e eu te ajudo...
— Estou ouvindo.
Seu comportamento escureceu. — Tenho uma lista de poltergeists nas
instalações de North Somerset — disse ela — completa com seus crimes.
Tenho uma cópia aqui. — Ela puxou um arquivo de papel debaixo da mesa
e me ofereceu.
Não peguei. — Yvonne, não vamos fazer isso.
— Você mataria um bandido sem questionar, mas o poltergeist de um
serial killer é onde você traça o limite?
— Isso é diferente. O fantasma rebelde tem a chance de mudar.
— Não quero ouvir isso! — ela retrucou. — Sua porra de bússola moral
está quebrada. Estou falando dos verdadeiros alimentadores do fundo do
poço, daqueles que são irremediáveis. E sei que você sabe a quem estou me
referindo.
Eu sabia. Eu realmente sabia.
— Porra... — falei.
— Estou lhe dando a chance de estar com o homem que você ama sem
interferência.
— Por que você está tão brava?
Sua mandíbula estalou, sua cabeça balançando para frente e para trás em
rápida sucessão. Ela bebeu mais chá, fechando os olhos por meio minuto.
— Yvonne?
Um suspiro pesado e rouco. — Um dos poltergeists da lista assassinou
minha irmã gêmea há trinta anos.
Eu estava lá para levá-la adiante. — Qual era o nome dela?
— Linda Barker.
Voltei minha mente para meu índice de almas. Elas estavam todas em um
sistema de arquivo especial criado para minha mente, memórias dos mortos
para eu examinar quando precisasse.
Linda Barker. Treze anos de idade. O mesmo cabelo ruivo e pele pálida de
Yvonne. Aqueles mesmos olhos âmbar. Sequestrada e assassinada por um
homem terrível que ela chamava de Jeff.
A pequena Linda estava tão chateada, tão preocupada com a irmã gêmea,
com os pais. Como muitos fantasmas cujas vidas terminaram em
circunstâncias tão sombrias e traumáticas, ela estava com medo, não estava
pronta para seguir em frente. Não quando tanta vida deveria estar diante
dela. Eu peguei a mão dela e a guiei para o outro lado. A acalmei, diminui a
dor.
— O que aconteceu com o assassino dela? — Perguntei.
Ela fungou, demorando um momento para responder. — A polícia só
conseguiu encontrar a escória há dez anos. Ele foi pego em Portishead
tentando levar outra garota... a primeira desde minha irmã. Ele fugiu da
polícia, caiu e bateu a cabeça no lugar errado na calçada. O concreto o matou.
— Outra fungada. — Sua raiva o distorceu depois disso. Seis necromantes o
enviaram para as instalações de North Somerset, dois deles gravemente
feridos no processo.
Poltergeists eram espíritos verdadeiramente mortais.
— Quero que ele acabe — continuou Yvonne. — Jeff Hunt. Não quero que
ele siga em frente, que tenha outra coisa senão o completo esquecimento.
Você faz isso acontecer e eu te farei feliz. Nenhuma outra cobrança além
dessa.
Tanta coisa para processar. — Por quanto tempo você iria só pensar nisso?
Ela encolheu os ombros. — Não sei. Até que uma oportunidade como essa
surgisse, suponho.
Um monstro como Jeff Hunt merecia ser removido da existência, assim
como os outros da lista dela, eu tinha certeza.
Eu peguei o arquivo.
Um sorriso fraco se espalhou por seus lábios, envolto em tristeza. —
Obrigada.
— Vou levar isso comigo para ler.
Eu deveria me tornar uma espécie de vigilante? Um novo tipo de morte?
Era uma lata de minhocas que segurei pela abertura. Ou eu estava
simplesmente dando a ela um pouco de paz de espírito em troca de estar
com meu amor?
— Aqui. — Ela colocou um rubi novo em uma corrente de ouro sobre a
mesa.
— O que é isso?
— Um substituto. Sem custo.
— Não posso aceitar.
— Apenas pegue.
Eu aceitei, sem precisar de muito convencimento, substituindo
imediatamente o meu defeituoso. — Obrigado.
— De nada.
— Sinto muito, Yvonne — eu disse. — Sobre sua irmã.
Seus olhos brilharam de tristeza.
— Como ela estava no final?
— Em paz.
— Ela… — Ela balançou a cabeça. — Não. A paz é suficiente. — Uma
fungada profunda. — Vou precisar de uísque no meu chá. De qualquer
forma, você vai pensar e ler. Tenho um trabalho que realmente preciso
resolver. Me mande mensagem mais tarde.
— Você está...
— Por favor, saia.
Fiz o que ela pediu, saindo para o mercado mais uma vez.
Louise sentou-se comigo, ouvindo-me contar a ela sobre George. Deixei
de lado as coisas sobre a Morte. Eu não tinha energia mental para explicar
isso para ela ainda.
— Isso é terrível! — ela chorou.
Se eu não estivesse trabalhando até mais tarde, estaria bebendo todo o
meu peso em Merlot.
— Mas não há nada que eu possa fazer sobre isso — eu disse. — Só tenho
que seguir em frente.
Ela balançou a cabeça fantasmagórica.
— Que estranha coincidência.
— Algum ser divino me odeia.
— Não seja bobo.
— Eles devem odiar. — Pulei do sofá. — Ok, já chega de choramingar.
— Você pode choramingar comigo. Não que você esteja choramingando
porque pode sentir o que vivencia. Você sabe, sentimentos válidos, vivenciar
o momento e...
— Passei tanto tempo chorando por causa daquele idiota — eu disse. —
Correção: perdi muito tempo com ele. — Soltei um longo suspiro. — Por que
ele tem que estar aqui? Já era ruim o suficiente compartilhar uma cidade
grande com ele, mas eu poderia evitá-lo lá. Agora tenho que ver o rosto dele,
ouvir a voz dele, saber que ele está transando com aquele homem a duas
portas de mim.
Por que você se importa? Ele não é a Morte…
Só que ele ainda fazia parte da minha vida. Eu ainda o amava e fui
magoado por ele.
— Idiota! — Rebati, andando de um lado para o outro.
— Você precisa de algo? — Louise perguntou.
— Uma bazuca e um álibi?
Uma mão translúcida foi até sua boca.
— Estou brincando.
— Oh. Obrigado, Senhor.
— De qualquer forma, as bazucas fazem muito barulho. — Fui até a
cozinha e me servi de meia taça de vinho tinto. Uma não faria mal.
Louise me seguiu. — Sinto muito que esteja sofrendo.
Isso teria sido um momento incrível de abraço.
— Não é o que você esperava quando veio me visitar, certo?
— Certamente não. — Ela olhou para a parede. — Eu gostaria de passar
por lá agora e dizer a ele o que penso.
— Eu gostaria de ver isso. — Fantasmas podiam atravessar paredes ou
apoiar-se nelas, dependendo do motivo.
— Farei isso agora — disse ela.
— Eu estava brincando.
— Você estava?
Bebi o vinho. — Sim. Mas obrigado pelo apoio.
— Para que são os amigos?
— Quer assistir a um filme?
Seu sorriso radiante deu ao sol forte alguma competição. — Eu adoraria
muito isso.
— Legal. — Eu precisava me distrair de tantas coisas, principalmente do
vinho tentador.

Depois de assistir dois filmes da Disney consecutivos – Louise adorava


especialmente os filmes de animação da Disney –, ela me deixou tirar uma
soneca.
Consegui duas horas antes que meu cérebro começasse a zumbir
novamente.
Tanto faz. Eu estava acostumado a funcionar dormindo pouco. Eu me
acostumei com isso desde o rompimento, meu corpo se adaptando à falta
disso.
Fiz uma torrada, coloquei um pouco da geleia de morango de Louise e me
acomodei para assistir ao filme de terror japonês Ring (Ringu). Tudo isso da
Disney exigia algum contrapeso.
Ah, a história assustadora de uma fita de vídeo e uma garota em um poço
apagou os brilhos e as músicas dos filmes anteriores.
— Muito melhor — eu disse, comendo uma quarta fatia de torrada.
George.
Morte.
A maldita Emma, a cruel Diretora Superior. Queria me testar, não era?
Pensou que ela poderia tocar a trombeta e todos nós dançaríamos ao som
dela?
Bem, sim. Foi exatamente isso que ela fez. Ela queria o melhor, um exército
de máquinas sem sentimento, cheias de foco.
Por que a garota assustadora da tela não podia fazer uma visita a Emma?
— Vou te dar cinquenta libras — eu disse ao filme.
Eu ri de mim mesmo, pegando meu tricô.
Para minha surpresa, Robert bateu na minha porta às oito.
Hesitantemente, eu abri. — Oi.
— Tudo bem? — Ele não estava tão impassível quanto eu esperava.
— Bem. Você?
— Em choque.
— O mesmo.
Ele cruzou os grandes braços sobre o peito grande. — Você é o ex antes do
ex.
— Sou?
— É estranho pra caralho.
— Quer entrar?
— Sim.
Afastei-me, deixando-o entrar.
Robert suspirou, os olhos examinando minha casa. — Ele é um idiota
completo por manter isso escondido.
Isso é ser gentil. — Emma sabia.
— Sei que ela sabia — ele respondeu. — Ele ligou para ela quando eu disse
seu nome antes de sairmos de Londres, aparentemente. Ele pediu a ela para
manter as coisas em segredo para que ele tivesse a chance de conversar com
nós dois sobre isso, porque eu não sabia que você já esteve noivo dele. Ele
nunca me disse seu nome. Porra. — Ele se sentou no braço do meu sofá.
— Ele não disse?
— Não. Apenas disse que estava com alguém que ele machucou.
Mais do que machucou. — Certo.
— Emma está louca? Ela não deveria colocar os melhores interesses de
seus necromantes em primeiro lugar?
Dei de ombros. — Você pensaria que sim, especialmente depois das
críticas que tive de suportar.
Ele assentiu, olhando para minha varanda. — Foda-se isso.
— Você não precisa se preocupar — eu disse.
Ele me encarou novamente. — Bom. E não estou preocupado.
— Já terminamos.
— Ele me disse que traiu você. Um novo detalhe que soube hoje.
— Ele admitiu?
— Sim. Disse que se arrepende.
Realmente? Ele poderia ter me deixado saber. — O que aconteceu com…
— hesitei. Ele sabia sobre Craig?
Robert levantou-se. — O outro ex? Ele quer falar com você sobre isso, e
decidi que isso é legal. No momento, o idiota está na casinha do cachorro,
mas quando tiver uma oportunidade, sente-se e converse com ele. Ele quer...
— Ele fez uma pausa, balançando a cabeça. — Ele quer consertar as coisas.
Elas nunca poderiam ser consertadas.
— Deixe-me apenas dizer isso — acrescentou ele — eu e ele ficamos juntos
depois que ele deixou o outro. Isso é tudo que estou dizendo. Ele pode
limpar sua própria alma. Ok, acho que devemos deixar isso por aqui. Vejo
você no nosso turno hoje à noite.
— Sim — foi tudo que consegui dizer.
Eu me vi estrelando alguma peça surreal da minha vida.
George estava aqui, morando a duas portas de distância com seu novo
namorado. Muito obrigado ao dramaturgo do céu por tornar tudo isso
possível.
Idiota.
Sentei-me à mesa empoeirada da antiga sala de jantar. As cortinas
prateadas estendidas sobre a janela estavam desgastadas, uma espessa
camada de sujeira cobrindo quase cada centímetro do espaço. No canto
esquerdo, um pedaço de mofo subia pela parede como um exército de
sombras.
Raramente usei os outros quartos da mansão. Mas às vezes eu não queria
fazer bagunça no meu quarto. Apesar das novas e agourentas rachaduras,
eu gostava de mantê-lo arrumado.
Coloquei a primeira poção roxa em uma tigela limpa, pedindo
mentalmente para procurar a chave ônix. O líquido girou. Debrucei-me
sobre a tigela, esperando pela visão, por um sinal.
Um lampejo, a imagem de uma figura. Mais rápido que um piscar de
olhos. Nada mais.
Tentei a segunda poção. Desta vez, ela me mostrou a chave ônix – um
instrumento de corte irregular –, mas nada mais.
A terceira tentativa me mostrou a figura novamente, curvada. Nada mais,
nenhuma dica adicional.
Eu precisaria de mais poção. Muito mais que três frascos.
Voltando ao meu quarto, com a frustração revirando meu interior, abri
uma garrafa de Châteauneuf-du-Pape, enchendo uma taça até a borda.
Sentei-me na minha cama enquanto Winnie se manifestava no espelho.
— Oi — eu disse, tomando um grande gole do líquido vermelho.
Ela começou com: — Você já tomou uma decisão?
— Ainda é um não.
— Foi bem o que pensei.
Tínhamos tido a mesma conversa desde que saímos do mercado.
Analisando os prós e os contras, repassando os mesmos detalhes repetidas
vezes.
Não cabia a mim livrar o mundo dos mortais malignos, apenas mover suas
almas. Sim, intervi com Marcel, matando rebeldes para protegê-lo. E eu
estava caçando Nick e a chave ônix, embora ele não fosse mortal, então isso
tornava as coisas diferentes.
Que direito eu tinha de dar vingança a Yvonne?
Nenhum.
— O que devo fazer? — Perguntei a ela. De novo.
Winnie nadou em círculos. — Acho que deveria fazer o que achar melhor,
querido.
— Isso não é uma resposta.
— Não posso tomar a decisão por você, mas permita-me colocar desta
forma.
Servi mais vinho. — Estou ouvindo.
— E se esta for a mudança que você precisa? — ela disse. — Pegue essa
alma irredimível, faça o bolsão e consiga o que deseja. Talvez então você
consiga equilibrar seu propósito com seu amor.
Propósito, não trabalho.
— Tenho certeza de que o conselho adoraria isso — retruquei.
— Talvez isso os force, force uma mudança.
— E se eles não puderem?
— Então você diz a eles que é assim que as coisas serão. Você fica com
Marcel. Os mortos podem seguir em frente.
Era realmente tão simples? E se a mesma regra do amor proibido fosse
aplicada no bolsão?
— Ainda é um risco que Marcel não correrá — eu disse.
— Então você tem que falar com ele.
Eu queria fazer mais do que falar. — E passarmos pela mesma dor de
novo?
— Não acredito que vocês estejam destinados a ficarem juntos no
sofrimento. Esse é um destino muito cruel.
— O destino de um ser imortal que resiste à sua natureza — eu disse. —
Talvez seja hora de encarar os fatos.
Minha declaração já começou a desmoronar.
Eu nunca vou desistir do nosso amor...
— E eu não vejo a Vida ansiando por um mortal — acrescentei.
Os olhos esmeralda de Winnie brilharam. — Porque ela é tão excitante
quanto alface murcha.
— Mas a vida é a personificação da, bem, vida. — Isso soou estranho na
minha língua.
— Ela é um pé no saco.
Eu sorri. Winnie não estava errada nisso. — Mas você entende o que quero
dizer?
— Entendo. Você me entende, querido?
Terminei o vinho e me espalhei na cama, cruzando as mãos atrás da
cabeça. — Preciso pensar.
— Você precisa se comunicar com Marcel.
Inclinei minha cabeça para encará-la. — Você está mais agressiva do que
o normal.
— Desculpe.
— Nunca se desculpe pela agressividade.
— Odeio ver você tão magoado, querido.
Voltei meu olhar para as rachaduras no teto, minhas memórias eram um
turbilhão, pedaços aleatórios de tempo explodindo em primeiro plano, me
levando por caminhos que tentei bloquear.
A primeira vez que nossos corações se encontraram, sua primeira morte
em Pompéia. O amor e a dor sem fim, o caos, os tempos que passamos
vagando, tão perdidos sem ele enquanto ainda sou a Morte. Tentando
encontrar uma solução, desesperado por seu beijo a cada passo meu.
Falhando em todos os ciclos, nunca conseguindo mudar nada.
Amor e desgraça.
Desgraça e amor.
Mas as coisas eram diferentes desta vez. Muito diferentes. Um rubi, uma
poção especial. Ferramentas que nunca tínhamos tido antes.
Eu realmente precisava falar com ele, mas a ideia de sua rejeição manteve
minha coluna presa ao colchão.
O primeiro turno desde que a merda atingiu o ventilador, patrulhando as
ruas de Oakthorne com o novo namorado do meu ex.
Robert e eu estávamos trabalhando esta noite, terça, quinta e sábado, junto
com outros quatro necromantes que chegaram à cidade vindos de Bristol e
Manchester. Nós os conhecemos brevemente antes de sermos enviados para
patrulhar.
Uma noite tranquila e fria nos enfrentava, com um pouco de vento cruel
tocando nossos rostos.
— Gostaria de ter trazido meu cachecol — eu disse.
Robert grunhiu, balançando a cabeça, sem olhar para mim.
Então agora as coisas seriam estranhas? Excelente. Outro necromante de
Oakthorne que não queria ficar perto de mim.
Maldito George. Ele estragou tudo.
— Do que você gosta? — Tentei enquanto trabalhávamos em uma série de
ruas residenciais na parte sudoeste da cidade.
— De? — ele respondeu rispidamente.
— Seus hobbies.
Ele parou, olhando para uma casa. — Consegue ver aquele fantasma lá em
cima?
Segui seu olhar. Com certeza, um fantasma estava na janela de uma casa
de tijolos vermelhos de dois andares, nos observando.
— Sim, e daí? — Perguntei-me.
Preparei-me para ele apresentar algum ponto profundo.
— Apenas dizendo. — Ele continuou andando.
Corri atrás dele, mantendo o ritmo novamente. — O que está errado?
Ele me lançou uma testa enrugada e olhos malvados. — Você está me
fazendo essa pergunta?
— George.
— É bom ver que você está acompanhando, mano.
Foi minha vez de parar. — Não faça isso.
Ele fez uma pausa, me encarando. — Não fazer o quê?
— Eu estou tentando...
— Disfarçar a merda?
— Fazer as coisas funcionarem — retruquei. — Achei que estávamos bem.
Ele bufou. — Fazer as coisas funcionarem enquanto há um problema
enorme na sala? Que agradável. — Dois polegares para cima.
Não. Ele não ia fugir disso. — Quer jogar o jogo temperamental, estou tão
cansado? Vou ganhar. George me ferrou, não você. Ele me traiu, me deixou
e, de repente, ele está de volta na minha vida. Não com o homem por quem
ele me deixou, mas com você. Meu novo parceiro de trabalho. — Deus, a
raiva borbulhava como sopa deixada no fogão por muito tempo. — Como
você acha que isso me faz sentir? Cheio de arco-íris e com energia nos meus
passos?
Ele abriu e fechou a boca. — Eu...
— É uma sensação muito, muito ruim. Odeio isso. Eu odeio que ele esteja
aqui. Odeio ter que trabalhar com você. Odeio Emma por não ter me contado
e odeio George por partir meu coração. Sei que ele é seu noivo, mas você
abriu essa lata de minhocas.
Respirações profundas. Inspire e expire, inspire e expire.
— Eu... — Ele estufou as bochechas e soltou um suspiro. — Eu sou um
idiota. Desculpe.
Eu estava tremendo. — Não quero brigar com você. Não te conheço. Mas
não estou errado aqui.
— Sei que você não está.
— E você sabe o que mais? — Deveríamos continuar com nosso trabalho,
mas que se dane isso por um momento. — Não quero odiá-lo. Estou cansado
disso. Isso me deixa triste. — Balancei a cabeça, com a mente cheia da Morte.
George não é nada comparado a você...
— Mas eu preciso de respostas. Preciso deixar isso para trás — eu disse.
— O que não preciso é que você brigue comigo. Sei que você está tão
chateado quanto eu. Sei que deve ser muito chato descobrir isso. Mas não
estou contra você ou o que quer que esteja passando pela sua cabeça.
— Tipo começar com meu homem de novo? — ele respondeu.
Meu estômago embrulhou. — Deus, não consigo pensar em nada pior.
— Oh?
— Sem ofensa, mas queime-me uma vez assim e pronto. Estou fora.
Ele assentiu. — Eu também. Eu cozinharia o saco dele em gordura de pato
se ele me traísse.
Engoli uma risada. — Espero que ele não faça isso.
— Eu também.
— Você confia nele?
— Vamos continuar, mano — disse ele.
Caminhamos e conversamos.
— Confio nele — ele respondeu à minha pergunta. — Ele sabe que fez algo
errado. Acho que ele nunca tentaria voltar para você.
— Ele teria mais sorte se casando com uma pedra.
Robert riu. — Esquisito.
— É a verdade.
— Eu realmente sou um idiota.
Sim. — Eu entendo.
— Talvez a confiança seja mais tênue do que eu pensava.
Viramos uma esquina para outra rua, tudo silencioso, exceto por um carro
passando por nós e estacionando a poucos metros de distância.
— Silencioso — disse Robert.
— É mesmo.
Um silêncio caiu entre nós, terminando na rua seguinte.
— Tive um momento de insegurança — ele quebrou o silêncio. — Mas eu
realmente acho que você deveria se encontrar com ele. Resolver isso. Escutar
ele. Agora que acalmei um pouco.
— Não tenho certeza disso.
— Achei que você queria respostas?
— Eu quero. Mas…
— Mas o quê?
— Estou com medo de falar com ele. Estou com muita raiva.
Ele suspirou. — Entendo. Eu realmente entendo. Mas George é um bom
homem.
— Ele é. — Pelo menos, em um ponto, ele era. — Eu só... eu não sei.
— Pense sobre isso. Sem pressão.
Conversar sobre as coisas seria muito bom. Eu sabia disso. Até que passar
muito tempo na presença de George mudou isso. O fato de eu cometer um
assassinato poderia ser uma consequência que Robert não apreciaria, e eu
não sobreviveria à prisão.
— Vou pensar sobre isso — eu disse.
— Bom.
— Então, estamos bem? — Tentei.
Ele parou. — Temos que ser bons e profissionais. Você sabe, maduros
sobre essas coisas.
— Concordo.
Ele gemeu. — Já odeio esta cidade.
— Não é tão ruim quando você se acostuma.
Começamos a caminhar novamente.
— Você está acostumado com isso agora, então? — ele perguntou.
— Não na verdade.
Ele assentiu. — Aproveitando ao máximo uma situação, não é?
— Sim.
— Vamos tomar um chocolate quente? Por minha conta.
— Hum, claro. Obrigado.
— Vamos para a cafeteria 24 horas na Rua Albion. Está no caminho.
— Há uma cafeteria 24 horas? — Questionei.
— Sim, mano. Você está nesta cidade há mais tempo que eu e não sabia?
— Eu não sabia. Não trabalho nessa área.
— Bem, estou congelando. Quanto mais cedo chegarmos lá, melhor.
— Então é um plano — eu disse.
As coisas levariam algum tempo para se acalmarem entre mim e Robert.
Quer dizer, eu não sabia se ele realmente falou sério. Ele parecia genuíno,
mas Nick também.
As coisas estavam mudando o tempo todo, então talvez ele e George
estivessem de volta a Londres antes que eu percebesse. Fora da minha vida,
planejando o casamento deles.
Maldito George! Mesmo agora, com conhecimento do meu passado
dramático, ele ainda conseguia se contorcer através de mim como um verme.
Seguimos em frente, serpenteando pelas ruas, sem encontrar nada além
do silêncio e da sensação de desconforto que sufocava a cidade ultimamente.
Por fim, chegamos à cafeteria em questão, a única loja aberta em uma
pequena fileira de seis.
— Nunca pensei que uma cidade como esta tivesse uma cafeteria aberta
dia e noite — eu disse, seguindo Robert até a porta.
— Graças a Deus que existe.
Entramos no pequeno lugar com seis mesas apertadas juntas, dois homens
comendo e lendo jornais enquanto uma TV transmitia notícias 24 horas por
dia. Outro homem estava atrás do balcão.
— Boa noite, senhores — ele nos cumprimentou. — O que posso trazer
para vocês?
Robert pediu dois chocolates quentes, dois pastéis da Cornualha e dois
biscoitos duplos de chocolate para fins energéticos extras.
Eu não reclamei.
Embalando nossos chocolates quentes, um saco plástico com nossas outras
guloseimas balançando no braço de Robert, voltamos às ruas.
— Ah! Felicidade — declarou Robert após seu primeiro gole.
Era um bom chocolate quente.
Comemos e bebemos nossos suprimentos e, ao virarmos a esquina, nos
deparamos com um fantasma em completo estado de pânico.
— Oh! Obrigado, Senhor! — ele gritou.
Quase deixei cair minha bebida.
— O que você está fazendo aqui fora? — Robert gritou. — Há toque de
recolher.
O homem bateu os braços, pulando de um pé para o outro. — Tenho
procurado por todo lado um necromante.
— O que está errado? — Perguntei, meu tom muito mais suave que o do
meu parceiro.
— Rebeldes — ele ofegou, parando de bater os braços.
— Onde?
— Em uma casa a algumas ruas daqui. Tendo uma reunião... Amarrando
fantasmas em coisas.
— Coisas? — Eu disse.
— Um ritual. Eles têm alguns fantasmas necromantes.
— Eles o quê? — Robert perguntou.
— Charlotte e Mario — respondi.
— Oh. Eles. Porra.
— Você escapou? — Perguntei ao fantasma. — É por isso que está aqui?
Ele acenou com a cabeça. — Escapei pelos fundos. Se eles perceberem que
estou desaparecido... — Ele recuou. — Por que eles continuam nos levando?
Eu estava indo para casa para o toque de recolher. Ainda moro na casa que
comprei quando era vivo. Sempre obedeci ao toque de recolher, mantive a
cabeça baixa, nunca fiz nada a ninguém. — Seu lábio inferior tremeu. — O
câncer me pegou aos trinta e dois anos, mas eu simplesmente aceitei minha
morte e esperei para seguir em frente. Mas você não precisa saber disso.
— Lamento que isso tenha acontecido com você — respondi.
Histórias de fantasmas eram difíceis de ouvir na maior parte do tempo.
Um destino injusto, o tempo foi encurtado.
Muitas vidas perdidas por causa do seu amor condenado…
— Um rebelde me capturou na minha porta — acrescentou o fantasma. —
Moro do outro lado da cidade. São... são... não sei quantos são. Muitos. E não
sei o que querem conosco.
Querem construir um exército.
— Você pode nos dizer o endereço da casa? — Robert perguntou ao
fantasma, sua voz mais suave.
Foi bom ouvi-lo na mesma página. Eu gostava de abordar as coisas com
calma primeiro, e depois com punho de ferro. Fantasmas eram propensos a
muita raiva, e muita raiva os fazia entrar em espiral no território poltergeist.
— Eu... eu... eu... — respondeu o homem. — Só sei o nome da rua. Estrada
Trent. Não sei o número.
— Ok. Então você pode nos mostrar, por favor? — Robert perguntou.
— S-Sim.
— Obrigado.
— Qual o seu nome? — Perguntei.
— Phil Collins.
Contive-me em contar uma piada sobre o nome que ele compartilhava
com o famoso músico. Chateado comigo mesmo pelo pensamento
inapropriado.
— Prazer em conhecê-lo, Phil — disse Robert. — Você não precisa chegar
perto da casa. Você pode ir para sua casa.
— Posso ficar com vocês um pouco?
— Pode. Mas você não vai chegar perto da casa.
— Nunca mais — respondeu Phil.
Charlotte e Mario foram pegos? Deus, o pobre casal deixou de ter o poder
de ajudar e passou a ser vítima de uma insanidade rebelde.
Os rebeldes queriam se rebelar contra os necromantes e nos viam como
inimigos. Alguns até acreditavam que o sangue de um necromante curaria
suas mentes quebradas através de algum tipo de ritual de sangue. Não era
verdade, mas tente dizer isso a um rebelde com a ridícula disseminação de
desinformação poluindo suas mentes quebradas.
Robert estalou os nós dos dedos. — Você está pronto para isso?
— Estou pronto. — Enviei uma mensagem em meu e-scroll para Emma
para mantê-la informada.
Ela ligou de volta.
— Olá, senhora — eu disse.
— O fantasma ainda está com você? — Sem tempo para sutilezas.
— Sim, senhora. Ele se sente seguro conosco.
— Mande-o para o Santuário assim que puder.
— Vamos mandar.
— Endereço?
— Estrada Trent. Ainda não temos o número da casa. — Eu já tinha
contado isso a ela.
— O fantasma não vai dizer?
— Ele só sabe o nome da rua.
— Charlotte e Mario estão lá?
— Presumo que sim.
— Terei reforços de prontidão. Seja discreto. Avalie a situação. Escaneie a casa.
Não entre a menos que eu dê a ordem.
— Sim, senhora.
— Dê o e-scroll para Robert.
Eu fiz o que ela pediu. Ele ofereceu a ela uma série de 'Sim, senhora' e
então me entregou o dispositivo.
— Não corra riscos — exigiu minha chefe.
— Entendido, senhora.
— Me mande uma mensagem com o número da casa assim que chegar.
— Sim, senh...
Ela desligou.
Guardei o e-scroll.
— Você está bem com isso? — Robert perguntou.
— As ordens dela?
— Sim.
— Claro.
Ele assentiu. — Mas se precisarmos agir, você agirá. Certo?
Atravessamos uma pequena rua composta por cinco casas de tijolos
vermelhos e um prédio de apartamentos de dois andares. Havia um
carvalho no meio da pequena rotatória que realmente não servia para nada.
Oakthorne era famosa por suas casas de tijolos vermelhos e carvalhos.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei, as folhas das árvores
farfalhando com o vento forte.
— Fazer as coisas às vezes significa quebrar as regras — disse ele.
— Ou ir contra as ordens de uma Diretora Superior.
— Isso também.
Certo. Porque ser repreendido por Emma sempre foi muito divertido,
certo? Mas acho que ele tinha razão. Se a situação exigia ação, então tinha
que haver ação.
Esse raciocínio não impediu as cambalhotas no meu estômago.
Finalmente paramos no topo da Estrada Trent. Daqui, a rua inclinada
parecia a curva de uma banana particularmente arqueada, ladeada por uma
série de casas geminadas.
— Elegante — Robert murmurou.
— Você vê aquela casa com o pinheiro? — Phil perguntou.
O único jardim da frente que tinha um – uma casa no meio da fileira da
esquerda.
— É essa? — Perguntei-me.
— S-Sim. — Eu o observei esfregar o bíceps, dando um passo para trás. —
Por favor, não me faça voltar para lá.
— Nós não faríamos isso — eu disse. — Vamos mandar você para o
Santuário.
— Eu estou assustado.
— Está tudo bem.
Phil balançou a cabeça, recuando um pouco mais.
— Eu não posso ir até lá. Não posso…
— Calma — tentei. — Respire fundo. — Uma sugestão estranha para um
fantasma, mas às vezes funcionava.
— Vamos, mano — Robert se juntou. — Não vamos...
Mas o fantasma se virou e correu.
— Merda.
— Deixe-o ir — disse Robert, com a mão no meu ombro.
Dei um passo para o lado, sua mão deslizando da minha jaqueta.
— E se ele for pego por mais rebeldes?
— Não se preocupe com isso.
— Mas estou preocupado.
— Foco, Marcel. A vida às vezes é fodida assim.
Conte-me sobre isso.
— Preparado? — ele perguntou.
Depois que eu te der um tapa na boca, claro. — Estou pronto.
Vestir preto nos ajudou a esgueirar pelas sombras entre as luzes da rua,
aproximando-nos cada vez mais da casa. Atrás de um carro, marquei dois
números prateados na porta verde – 44.
Enviei os detalhes para Emma.
A casa estava escura, nenhum sinal de luz em nenhuma das janelas ou
porta. O jardim da frente ficava atrás de um muro de tijolos, ligeiramente
elevado em relação à rua. O pinheiro balançou ao vento, mas nada mais
aconteceu.
Um caso de muito silêncio.
Corríamos o risco de alertar os rebeldes se usássemos nosso poder de
escanear, visto que eles eram necromantes e sensíveis à nossa magia.
Emma mandou mensagem novamente, ordenando que voltássemos para
o topo da estrada. Ela não gostou da situação.
Robert tinha outros planos, indo em direção ao portão da frente.
Agarrei seu antebraço esquerdo. — O que você está fazendo?
— Não posso me agachar aqui e ponderar.
— Devemos voltar por lá! — Sibilei, projetando meu polegar na estrada.
Ele me soltou. — Nunca cheguei a lugar nenhum enrolando.
— Não estamos. Emma disse...
— Foda-se Emma. Foda-se toda essa merda.
Ótimo. Exatamente com o que eu queria lidar. — Olha, eu também estou
aborrecido com ela. Mas...
— Apenas aborrecido?
— Mais que isso. Mas sério. Não vamos ser estúpidos sobre isso.
Ele se aproximou do portão.
Merda. Merda. Merda. — Robert, por favor.
Ele olhou para mim. — É uma pena que você não trabalhe para o Diretor
Superior de Southwark. Ele é muito mais liberal do que aquele cubo de gelo
bem enrolado. Deixe-me cuidar das coisas.
Irresponsável. — Mas...
— Estou entrando.
Ele agarrou o topo do muro do jardim logo antes do portão. — Venha se
quiser. — Ele se ergueu e se levantou.
Merda!
Olhei para trás, para a estrada, encostado na parede, meus nervos
performando Riverdance9. Por que eu tinha que fazer par com o aspirante a
herói? Por que não poderia ser apenas uma simples primeira noite de volta
ao trabalho?
Com um gemido, pulei o muro, agachando-me ao lado do grande
pinheiro. Robert estava escondido sob as janelas da frente, ouvindo. Ele
gesticulou para que eu me aproximasse. Vendo que já havia pulado o muro,
corri pela grama para me juntar a ele.
— O que está fazendo? — Sussurrei.
Ele colocou um dedo nos lábios, apontando para a janela e depois para a
orelha esquerda.
Escutei, ouvindo vozes abafadas, sem identificar nenhuma palavra.

9Riverdance é um espetáculo de sapateado irlandês, reconhecido pelo rápido movimento de pernas dos
dançarinos e aparente imobilidade da cintura para cima.
Mandei uma mensagem para ele no meu e-scroll: Você consegue entender
isso?
Ele puxou seu e-scroll, diminuindo o brilho. Ele olhou para mim e me
enviou uma mensagem dizendo que não conseguia.
Eu: E agora?
Ele: Vamos dar a volta.
Eu: Vamos sair daqui.
Não importava quem teve a iniciativa, eu poderia garantir que Emma me
culparia. Chame isso de intuição necromante ou experiência com minha
chefe e seus modos obscuros.
Ele: Sem chance.
Eu: Isso é imprudente.
Ele: Este é o nosso trabalho.
Robert guardou seu aparelho no bolso e correu pela lateral da casa,
mantendo-se abaixado. Um alto portão de madeira bloqueava sua rota. Ele
tentou a maçaneta. Trancado. Olhando para frente e para trás, ele se
endireitou em toda a sua altura, agarrou o topo do portão e subiu.
Droga!
Não querendo que ele enfrentasse problemas sozinho, eu o segui,
pousando em um beco lateral. Duas latas de lixo estavam ao lado de uma
porta escura. Robert ficou ouvindo. Ele balançou a cabeça para mim,
passando pela porta e entrando por um pequeno portão que levava a um
jardim nos fundos.
Mais uma vez, eu o segui.
O jardim era meio pavimentado, meio verde, com mesa e cadeiras, um
lago e dois pinheiros na extremidade. Cercas altas o circundavam,
pendurando banheiras para pássaros em cada painel. Dois galpões foram
construídos na estrutura da casa, além de uma grande janela nos fundos e
uma porta à minha direita, dividida por duas grandes chaminés de jardim.
Meu couro cabeludo arrepiou, cada músculo do meu corpo ficou tenso pra
caralho.
Robert acenou pedindo minha atenção, abaixando-se sob a janela escura
dos fundos. Ele apontou para o lado direito. Uma janela no porão embaixo
da grande. Uma luz fraca tremeluzia dentro do vidro sujo. Vozes
novamente, embora ainda não claras.
Meu parceiro necromante disparou uma mensagem.
Ele: Vou entrar pela porta.
Oh, de jeito nenhum.
Eu: Nem verificamos se existem câmeras.
Ele: Eu verifiquei.
Isso me tornava a metade pior do time, então.
Eu: Por favor. Vamos sair daqui.
Ele balançou sua cabeça.
A luz inundou a janela. Nos pressionamos com mais força contra a parede
abaixo dela, ouvindo vozes mais altas. Meu coração virou uma britadeira,
meus músculos mais tensos do que nunca.
Merda. Merda. Merda. Multiplique isso por um milhão.
A maçaneta da porta tilintou.
Oh, Deus. Aí vinha a luta.
Peguei minha arma.
Robert me agarrou pelo pulso, balançando a cabeça na direção das
chaminés. Ele me arrastou, nós dois nos escondendo atrás das grossas
estruturas de concreto cinza assim que a porta se abriu.
Eu não conseguia respirar, meu coração tentava sair do peito.
— Noite fria — disse uma voz masculina.
O clique do que parecia ser um isqueiro.
— Qual é o plano? — outro homem perguntou.
— Nós esperamos.
— Odeio esperar.
— Quem é que gosta?
Ombro a ombro, as chaminés mal nos cobriam. Um movimento em falso
e seríamos localizados. Verifiquei as posições de nossas sombras.
Felizmente, estávamos bem. Fora de vista por enquanto.
Uma fungada de um rebelde.
— Mal posso esperar para cortá-los. Brincar com eles. — Risos se
seguiram.
— Será uma bagunça.
Mais risos.
— Sangue, sangue por toda parte e muito para beber.
— Intestinos para pular corda.
— Bruto! Amo isso.
As risadas enviaram um arrepio pela minha espinha.
— Não, não, não — disse um dos homens. — Temos que estar bem aqui.
Segurem-se.
Um som de batida. — Cérebros estúpidos.
Rebeldes. Dois deles. Às vezes, um rebelde poderia ter uma conversa
perfeitamente normal sobre como a noite estava fria ou até mesmo sobre seu
livro favorito. Porém, isso nunca durava, sempre caindo em anseios
violentos ou longas divagações, basicamente caindo no caos.
Muitas vezes pensei que era muito triste, todos os necromantes
pendurados no vazio em que haviam caído.
— Posso ficar com um desses? — um dos homens perguntou.
As risadas pararam.
— Claro.
Clique. Uma inalação. Expiração.
Eles ficaram ali fumando em silêncio, o cheiro do tabaco vindo em nossa
direção. Nem eu nem Robert tentamos dar uma olhada. Pelo menos, eu
esperava que Robert não tentasse dar uma olhada. Podia haver apenas dois
aqui, mas eu ouvi mais de duas vozes abafadas na janela do poço do porão.
A porta se fechou, a luz se apagou, mergulhando-nos de volta na noite.
Soltei um suspiro de alívio, virando-me para espiar por cima das
chaminés. Nenhum rebelde à vista.
— Podemos sair daqui agora? — Sussurrei.
— Depois de ouvir sobre eles brincando com o interior de alguém? — ele
respondeu. — Acho que não.
Meu e-scroll zumbiu com uma ligação de Emma.
— Não atenda — disse Robert.
— Ela vai enlouquecer.
— Nós damos conta.
Qual era exatamente o meu problema aqui? Por que eu estava permitindo
que esse homem me desencaminhasse quando meu objetivo era provar meu
valor para Emma? Isso não serviria à minha causa.
— Não — respondi. — Você não está me arrastando para isso. Vou voltar.
— Então vá.
— Você não pode estar falando sério. — Não deveríamos estar
conversando, por mais baixas que fossem nossas vozes.
— Estou falando sério — ele respondeu. — Estou entrando.
— Por favor…
Mas ele saiu correndo do nosso esconderijo, indo em direção à porta.
Se ao menos meu poder de vinculação funcionasse em outros necromantes
– especialmente aqueles como esse idiota.
Não querendo abandoná-lo, eu o segui. Imagine se eu o deixasse sozinho?
Meu Deus! Emma me penduraria para secar, outra marca contra mim. Eu
seria aquele necromante que feriu ou matou seus parceiros.
Não era uma reputação que eu queria.
Pelo que parece, esses rebeldes desejavam alguma violência séria. Mas
quem eram aqueles que eles queriam machucar? Havia alguma pessoa viva
lá dentro? Necromantes? Sangue para seu ritual de sangue? Não. Emma teria
dito se alguém estivesse desaparecido.
Robert experimentou a maçaneta da porta. Não estava trancada.
Pressionando totalmente para baixo, a porta se abriu suavemente, um calor
espesso saindo.
Tentei novamente com Robert. Minha última tentativa de raciocinar.
Ele balançou a cabeça e se levantou, abrindo lentamente a porta
totalmente com a bota. Sacou a arma, pronto para a ação.
Ele deu um passo para dentro.
Eu saquei minha arma.
Robert continuou andando entrando no calor escuro. Eu o segui até uma
grande cozinha com mesa de jantar e cadeiras. Um radiador atrás da mesa
emitia um calor incrível, e o aquecimento central estava no máximo.
O medo deslizou pelos meus sentidos, viscoso e frio, plantando imagens
de lesmas em meu cérebro.
Eu queria sair daqui. Isso estava errado, muito errado. No entanto, não
tive outra escolha senão seguir Robert até aquele poço de inferno com
aquecimento central.
Droga.
Droga.
Droga.
Concentrei-me, os ouvidos atentos ao que me rodeava, os olhos
examinando as sombras em busca da menor perturbação.
Robert dobrou uma esquina no final da cozinha, entrando em um corredor
escuro iluminado pelo brilho de um aquário com uma porta à sua esquerda,
uma escada diretamente atrás dele. Ele se virou para apontar a arma para o
alto da escada, examinando a escuridão. Fiquei na porta da cozinha. A porta
da frente da casa ficava bem em frente a mim, com uma grossa cortina preta
puxada sobre ela.
Entrei lentamente no corredor, realizando minhas próprias verificações.
Ninguém esperava naquelas escadas ou na sala escura com uma lâmpada
suave piscando no canto. Mais cortinas pretas bloqueavam a luz da rua.
E a cozinha? Não havia cortinas lá. Ela não contava?
Robert apontou para as escadas, juntando-se a mim no corredor.
Onde diabos ficava a entrada do porão? Não havia sinal de porta em lugar
nenhum.
Murmurei isso para ele.
Ele encolheu os ombros e apontou para cima novamente.
Balancei minha cabeça. Tínhamos que sair daqui. Já tínhamos cruzado um
limite.
Meu e-scroll zumbiu.
Emma novamente.
Robert rosnou enquanto eu segurava o dispositivo, colocando um pé no
último degrau.
— Olá de novo.
Virei-me para encarar o dono da voz, a arma apontada para a forma
fantasmagórica de Phil Collins parado na porta da frente.
— O que você está fazendo aqui? — Sibilei.
Ele não parecia tão assustado agora.
O fantasma sorriu para nós. — Bem-vindos, idiotas.
Ele estendeu as mãos, uma explosão de energia cinética atingindo-me.
Voei para trás, colidindo com Robert. Ele caiu de cara na escada com um
forte estrondo, chutando as pernas. Acertou-me na lateral da cabeça, me
fazendo girar contra a parede.
Deixei cair minha arma, o cérebro batendo no meu crânio.
Robert gritou alguma coisa, seguido por um lampejo de magia
necromante verde.
A energia cinética acabou com isso.
Vozes lá de cima, passos pesados.
Levei outro golpe na cabeça, desmaiando momentos depois.
Maldita seja minha vida.
Capítulo 12

Acordei de costas, os olhos pesados de neblina. Pisquei para acordá-los,


meu entorno lentamente entrando em foco.
Erguendo a cabeça grogue, vi duas luminárias altas em cantos opostos do
quarto escuro. Depois moldei os rostos dos homens e das mulheres, dos
vivos e dos mortos. Os fantasmas soluçavam ou pareciam angustiados, os
rebeldes que os seguravam sombriamente felizes em nos ver.
Merda.
Dores agudas percorreram meu crânio enquanto meu cérebro se
recuperava. Lutei contra amarras apertadas em minhas mãos, pernas e no
peito.
— Robert? — Tentei.
Nenhuma resposta.
— Não se preocupe com ele — disse uma mulher, colocando as costas da
mão na minha testa.
Eu me debati contra seu toque. Ela recuou.
Um homem me deu um tapa no rosto, uma nova dor gritando para se
juntar ao latejar na minha cabeça.
— O que... o que são... — Pisquei, lutando.
Foi então que notei Charlotte e Mario entre os mortos.
— Seu sangue nos ajudará enquanto ascendermos — disse a mulher que
me tocou.
Eu me preparei para liberar minha magia.
Quantos rebeldes estavam aqui no que eu presumi ser o porão? Dez? Eram
muitos para enfrentar. Vendo que eu não estava saindo dessas amarras,
tinha que tentar a sorte quebrando as amarras dos mortos e usando um
fantasma para me libertar.
— Irmãos e irmãs — a mulher falou. — Aqui estão eles, conosco, um
presente do universo. Sacrifícios para ajudar nossa causa.
Ela colocou uma faca na minha bochecha esquerda e me cortou.
Suguei o ar entre os dentes cerrados.
— O primeiro sangue é coletado — ela continuou, colocando um dedo no
meu ferimento.
Primeiro? Robert era o próximo? Ele estava vivo?
Convoquei minha magia, a luz verde não era algo que eu pudesse
esconder.
Um homem bateu com o punho na minha mão direita três vezes.
— Vá se foder! — Rugi.
— Nós vamos ascender — a mulher prosseguiu.
Meus dedos estavam quebrados? Não. Eu só estava sofrendo como um
louco.
Você tem que ser mais rápido…
— Vamos ascender e derrotar o inimigo. Por muito tempo fomos
rejeitados, chamados de quebrados. Rebeldes. Isso é culpa nossa?
Um coletivo — Não! — em resposta.
— Somos uma raça diferente, uma nova raça nascida do poder da
necromancia. A evolução dando seus primeiros passos. Melhores do que
eles, prontos para ocupar o nosso lugar no topo da pilha.
Deuses, isso era uma loucura. Os rebeldes realmente estavam evoluindo,
mas sem nenhum benefício para o mundo ou para eles próprios. Mesmo
amarrado a esta cama, sentia pena deles.
Minhas simpatias não atrapalharam minha luta.
Era isso, fazer um movimento para assumir o controle de um fantasma.
Mas qual deles? Meus olhos examinaram os mortos, tentando fixar uma
decisão. Não Charlotte ou Mario. Não o homem ali ou aquelas duas
mulheres ali.
Phil. Sim. Ele era o único fantasma sorrindo, irradiando arrogância. Ele
não precisava ser controlado, estava trabalhando com esses bandidos de boa
vontade. Eu descobriria a conexão mais tarde. Por enquanto, ele era a falha
nesta operação, uma abertura pronta para, hum, sondagem.
A mulher começou a falar em latim reverso, assim como a rebelde que me
arrastou até Cravo-amarelo. Falaram as palavras do feitiço de sangue
completamente inútil.
— Sangue do inimigo, me dê a bênção. Dê-me o poder de curar minha
mente ferida.
Minha magia ganhou vida novamente, o fio de controle atingindo Phil
com força. Imediatamente, ordenei que ele liberasse o máximo de energia
cinética que pudesse reunir.
Depois de um grito, uma força poderosa atravessou a sala, fazendo os
rebeldes voarem. Um caiu em cima de mim, inclinando a cama.
— De novo! — Gritei.
Uma segunda onda fez a cama cair no chão, meu corpo inteiro
chacoalhando com o impacto. O rebelde se afastou de mim, batendo a cabeça
no chão de concreto.
Minhas amarras ficaram tensas enquanto eu ficava pendurado de lado,
preso na cama, meu peso trabalhando contra mim.
Droga, essa posição doía.
— Mais uma vez! — Gritei.
A terceira explosão não veio, mas a amarração em meu pulso esquerdo
quebrou.
— Phil? — a mulher líder falou, tossindo depois.
Libertei meu pulso direito, abrindo uma amarra apertada. Em seguida,
meu ligamento intermediário, apoiando-me com a mão esquerda no chão. O
sangue escorreu pelos meus lábios, minha cabeça protestando, minha mão
direita doendo muito. Mas a adrenalina era uma coisa poderosa. Antes que
alguém pudesse me impedir, libertei meus tornozelos e peguei uma faca
caída, agachando-me atrás da cama.
Procurei pelos fantasmas, a magia dos rebeldes perturbada. Muitos deles
estavam gemendo, perguntando por seus amigos.
— Reagrupar — ordenou a chefe, seguida por um ataque de tosse.
Charlotte e Mario apareceram, agachados um de cada lado de mim.
— A saída está limpa? — Perguntei.
— Nós vamos deixar — disse Charlotte.
— Robert?
— Achamos que ele está lá em cima — respondeu Mario. — A saída é à
esquerda desta posição. Não sei onde estão suas armas.
A faca teria que servir.
Os dois fantasmas pularam. Eu os tranquei sob meu controle para dar-lhes
proteção extra. Onda após onda de energia cinética percorreu a sala, seguida
por um coro de gritos e grunhidos satisfatórios.
Saí em direção à porta. Os outros fantasmas, livres do domínio
necromante, correram comigo, passando por mim e pela porta fechada.
Agarrei a maçaneta e a abri, encontrando uma escada em espiral que subia.
Com pressa nas botas, pulei dois degraus de cada vez, superando a dor e
a náusea crescente. Abri outra porta para chegar ao andar de cima da casa –
perto das escadas que Robert tentou subir.
Hora de encontrar meu parceiro.
Mario apareceu atrás de mim. — Irei por aqui. — Ele apontou para a
esquerda, passando por duas portas no final do corredor.
Havia três portas nesta extremidade. A primeira dava para um banheiro,
a segunda para um quarto, a terceira para outro quarto com Robert
amarrado e amordaçado em uma cama de dossel.
— Merda! — Sibilei e comecei a trabalhar para libertá-lo. Desamarrei as
amarras e retirei a mordaça presa a uma tira de couro.
Ele limpou a garganta, esticando a boca enquanto se levantava. Havia um
corte na testa, vazando sangue pelas sobrancelhas.
— Você está bem? — Perguntei.
— Sim. — Ele olhou para minha faca. — Você tem outra dessas?
— Não.
— Certo. — Ele pegou uma luminária da penteadeira e desconectou-a da
parede. — Isso servirá.
Gostei da maneira dele de pensar. Pelo menos quando se tratava de armas
improvisadas.
Reunidos, voltamos para as escadas, Mario de repente pulando no ponto.
Ele verificou se a barra estava limpa e assentiu.
Passei correndo por ele, Robert logo atrás. A porta da frente estava
trancada, a chave ainda na fechadura. Movendo-me rapidamente, abri-a,
correndo para fora no momento em que uma arma disparou, uma bala
ricocheteando no chão a centímetros dos meus pés.
— Merda! — Pulei para o lado, Robert rolando na direção oposta.
— Vou te matar! — a voz aguda da chefe saiu correndo da casa.
Ela disparou o resto de seus tiros, as balas atingindo a árvore enquanto
permanecíamos em nossos respectivos lados da porta.
A rebelde correu para fora, seguida por outros cinco. Entrei em ação,
acertando um soco em seu peito, cravando minha faca em seu coração.
Não tive escolha.
Puxando minha arma, com sangue jorrando em meu rosto, pulei nas
costas de um homem que segurava um facão. Joguei-o no chão antes que ele
pudesse partir minha cabeça ao meio. Dei um soco na boca dele e enfiei
minha faca na lateral do pescoço dele.
Deixando-o sangrar, peguei seu facão.
Uma mulher me deu um chute na lateral.
Merda.
Consegui segurar o facão, a adrenalina ainda percorrendo-me. Enfiei-o em
sua canela e, em seguida, desferi um chute amplo para mandá-la de bunda
para o chão. Rolei em direção a ela, puxando o facão. Golpei-o no pescoço,
arrancando-lhe a cabeça.
Robert derrubou os outros. Nos entreolhamos, cobertos de sangue,
ofegantes.
Ainda havia mais cinco naquela casa.
— Não! — o fantasma da chefe gritou.
Eu a segurei, mas um de seus companheiros me atingiu com força cinética.
Voando de volta no ar, amaldiçoei esta noite novamente, assim como Robert
e os rebeldes e tudo sobre esta maldita cidade.
Umas férias em algum lugar quente me fariam bem agora.
E eu nunca mais voltaria.
Caí no capô de um carro estacionado, batendo as costas no metal. Rugi de
dor, rolando e pousando entre ele e a traseira de outro veículo parado.
Minha coluna realmente não gostou disso.
Tentei me levantar, o golpe me deixou sem fôlego.
Por favor, não deixe nada ser quebrado.
Tudo começou a girar.
Olá, tontura…
Tentei me levantar novamente. Não. Eu precisava de mais alguns
minutos.
Veículos se aproximando, gritos de freios. A cavalaria? Mais rebeldes?
Tiroteio. Lampejos de verde.
A voz de Emma.
Graças a Deus por isso.
Ela me encontrou entre os carros.
— Marcel! Você está bem?
— Machucado. — Consegui me sentar.
Ela disparou um tiro, o estalo da bala fez meus ouvidos zumbirem.
A Diretora Superior me ofereceu a mão. Eu peguei e ela me colocou de pé.
Estremeci de dor, mas nada parecia estar quebrado. Minha coluna
sobreviveu mais um dia. Ela me ajudando poderia ter piorado as coisas para
mim se eu tivesse sofrido ferimentos lá atrás, mas não adiantava me
preocupar com merdas que não aconteceram.
Respirei ar frio, encostado em um carro. Os hematomas seriam
desagradáveis e muito abundantes mais tarde. Mas pelo menos eu não tinha
desmaiado.
Charlotte correu até Emma.
— Tudo certo, senhora. — Ela acenou para mim e correu de volta para
casa.
Os vizinhos apareceram nas janelas, nas portas da frente, todos vestindo
roupões e roupas de dormir, tentando saber o que estava acontecendo na
rua. Momentos depois, a segunda onda de cavalaria chegou, com sirenes
tocando.
— Vamos fazer um exame em você — disse Emma. — E então
conversaremos.
Tenho certeza que sim. — Robert está bem?
— Parece estar.
Duas ambulâncias entraram na estrada, luzes azuis piscando.
— Vamos — ela disse. — Se incline em mim.
Duas horas depois, curados e cheios de analgésicos, Robert e eu nos
sentamos em frente a Emma no escritório da sede dela. Esperando que ela
parasse de digitar em seu notebook e realmente olhasse para nós.
Nada de discutir a violência na casa, a morte que infligimos àqueles
rebeldes. Eu ainda estava tremendo, me recuperando de ter tirado aquelas
vidas de forma tão brutal. Mas por que Emma se importaria com isso?
Tínhamos que ignorar isso, ser fortes, passar pela vida como suas máquinas
necromantes.
Depois de dez minutos ouvindo o barulho das teclas, ela parou e fechou o
laptop.
— Bem, não é uma noite interessante? — ela disse, apoiando os cotovelos
na mesa e juntando os dedos. — E não respondam porque ainda não
terminei. — Uma pausa dramática antes de continuar. — Dei a vocês ordens
claras e diretas. E vocês foram contra elas. Vocês acham que sabem mais?
Vocês são Diretores Superiores?
Nenhum de nós respondeu.
— Então?
— Não, senhora — falamos ao mesmo tempo.
— Não, vocês não são. — Seus olhos malvados me capturaram primeiro.
— Estou profundamente decepcionada com você, Marcel. Você, de todos os
Diretores, deveria saber melhor, especialmente considerando sua história
recente.
Na verdade, eu odiava essa mulher. Ela ainda não tinha tomado nossas
declarações, já distribuindo suas porcarias de sempre. Acho que eu não era
tão especial, apesar da minha atualização de poder.
Olhos para Robert agora. — Você o seguiu até a loucura?
— Não, senhora. Ele me seguiu.
Ela levantou a sobrancelha esquerda. — Desculpe?
— Ele me seguiu — disse Robert. — Marcel queria obedecer às suas
ordens. Eu não. Peço desculpas.
Um olhar para mim, seu foco voltando rapidamente para o novato na
cidade. — Você liderou esse esforço?
— Sim, senhora. Eu odeio esperar. Estou acostumado a uma maneira
diferente de trabalhar. Mais uma vez, peço desculpas pelo meu
comportamento.
Oh, céus.
— Você vem para esta cidade e acha que pode me desobedecer? — Emma
ferveu. — Você faria isso com o seu Diretor Superior?
— Não. Apenas...
Ela bateu as mãos na mesa, ficando de pé. — Uma maneira diferente de
fazer as coisas? Como o quê?
Ele tentou explicar, mas parecia muito arrogante.
— Patético — ela o interrompeu. — É realmente assim que Clive
administra as coisas?
— Temos uma boa reputação para...
— Não fale! — ela rugiu. — Achei que você fosse um dos melhores.
— Eu sou — ele respondeu. — Daí meu histórico decente.
— Não me importo com o seu histórico.
— Você se importou o suficiente para me arrastar para esta cidade.
Uau. Ele tinha mais coragem do que eu.
Emma olhou para ele por longos momentos dolorosos. — Seu poder subiu
à sua cabeça. Você sabe o quão perigoso isso é? Você quer quebrar sua mente
e se tornar um rebelde?
Deus, ela era tão condescendente, mas também fez uma boa observação.
Invadir aquela casa foi uma coisa estúpida de se fazer.
— Isso não é culpa de Marcel — respondeu Robert. — Ele foi atrás de mim
porque não queria me deixar para trás.
Ela não olhou para mim. — Estou muito decepcionada e é apenas o seu
primeiro turno aqui.
— Sinto muito. — Ele não parecia sentir.
— Você deveria sentir.
— Mas você também deveria — acrescentou.
Oh. Deus.
— O que? — ela questionou.
— Você deveria ter sido mais transparente sobre George e toda a situação.
— Entendo. É disso que se trata? Uma rebelião?
— Honestamente? Em parte. Principalmente porque odeio ficar sentado
sem fazer nada.
— Então você admite abertamente que representa um risco para minha
equipe?
Ele não respondeu.
— Por causa da mesquinhez em relação à sua vida pessoal? — ela
adicionou.
Mais uma vez, ele ficou quieto.
— Tal desrespeito.
— Exatamente — ele rebateu. — Tal desrespeito pelos sentimentos dos
outros. Você não acha que Marcel já passou por bastante? Onde estava a
cortesia para ele, para mim? E onde estão os cuidados posteriores?
— Cuidados posteriores?
— Passamos por uma experiência assustadora.
Silêncio dela.
— Não importa qual seja o nosso trabalho — continuou ele. — Ainda
temos emoções para controlar. Que tal mantê-las saudáveis para evitar o
surgimento de problemas nocivos? Já pensou nisso?
Eu tive que falar para apoiá-lo.
— Concordo, senhora — eu disse. — É preciso haver uma atitude mais
atenciosa.
Ela olhou entre nós, seus olhos cheios de fúria, suas bochechas ficando
vermelhas de raiva.
Nós esperamos.
— Comportamento terrível — ela finalmente disse.
Cinco minutos depois, ela nos trancou nas celas no subsolo do prédio.
Empoeirado e frio, fora de uso há anos até agora. Luzes brilhantes
derramavam uma luz dolorosamente brilhante em todos os cantos.
Sentei-me atrás das grades, num banco de metal, tremendo, com Robert
ao lado.
— Sinto muito por tudo isso, mano — Robert disse. — Eu não pude evitar.
Ela me irritou.
— Tudo bem.
— Eu me sinto melhor por ter dito isso, no entanto.
— Não se preocupe.
— Como você está?
— Preciso dormir — respondi. — E você?
— O mesmo, mano. Matar ou ser morto é uma merda.
— Isso é. — Olhei para minhas mãos, o poder que elas e meu corpo
continham. Forte o suficiente para abater, para me manter vivo.
Deus, eu realmente queria vinho e dormir.
— Me desculpe por ter feito besteira — ele disse calmamente. — Poderia
ter matado você.
— Mas você não matou. Está tudo bem. Vou ficar bem. Tenho que ficar.
— Obrigado por me apoiar antes.
Caí para a frente, com os cotovelos apoiados nas coxas. — Sem problemas.
— Você realmente não precisava.
— Somos parceiros, certo?
— Coloquei você nessa bagunça. Te devo uma. Grande momento.
Eu sorri. — Compre-me uma comida chinesa repugnantemente grande e
ficaremos empatados.
Ele riu. — Combinado, mano.
— Obrigado.
— Quanto tempo você acha que ela vai nos manter aqui? — ele disse.
O aquecimento foi ligado, ganhando vida.
Isso me disse que ficaríamos aqui mais um pouco.
— Quer jogar um jogo? — ele perguntou.
— Como o quê?
— Não sei. Que tal cantar uma música?
— Que música?
Ele cantou a primeira frase de 'Return to Sender' de Elvis Presley. Para
minha surpresa, juntei-me a ele.
No primeiro refrão, a Morte apareceu fora da minha cela.
Eu me engasguei, engasgando-se com o ar.
— Marcel? — Robert disse. — Qual é o problema, mano?
Eu estava muito ocupado balbuciando para responder.
Meu coração pulou várias batidas enquanto Marcel corria silenciosamente
para as grades. Seus dedos delgados enrolaram-se no metal. Havia pontos
em sua bochecha. Ele havia sido cortado e havia hematomas na mão direita.
Alguém machucou meu lindo Marcel. Se eu encontrasse esse alguém, ele
estaria cumprindo o objetivo da minha foice.
Ele não falou e eu permaneci escondido da vista.
— Continue sem falar — eu disse, me aproximando.
Estenda a mão, acaricie esses dedos. Beije aquela pele morena, diga a ele que existe
uma maneira melhor de ficarmos juntos…
— Eu ouvi sobre o que aconteceu — eu disse em vez disso.
Ele permaneceu imóvel, sem reagir.
— Bata na barra uma vez se estiver bem — acrescentei.
Ele bateu uma vez.
— Bom.
— Você está bem aí, mano?
A garganta de Marcel balançou enquanto ele engolia, seus olhos como
luzes de safira roubando meu fôlego.
— Estou bem — ele respondeu ao outro necromante. — Minha boca está
um pouco seca.
— Ok.
A cantoria em que eu entrei havia acabado.
— Sabe quando pode sair? — Perguntei. — Bata uma vez para sim, duas
vezes para não.
Ele bateu duas vezes.
— Tenho que falar com você.
Ele piscou.
— Sei que deveríamos ficar longe um do outro, mas ainda quero ajudar
você com o caso Nick. Você prefere que nos comuniquemos por telefone ou
e-mail?
Um toque duplo para não.
Não pude reprimir meu sorriso. — Podemos manter isso estritamente
comercial. Ainda não encontrei Nick ou uma solução para o Resplendor da
Morte. Mas há outra coisa que não é estritamente comercial.
Ele piscou.
— Posso te ver amanhã? — Perguntei. — Você está de folga então?
Ele bateu uma vez para sim.
— Nove da noite soa bem? — Perguntei.
Ele gostou desse horário.
— Seu apartamento. Te vejo lá então.
Desviei meu olhar dele, correndo para fora do prédio em direção ao ar
frio. Estar em sua presença me trouxe muita alegria, mas também muita dor.
Eu não tinha ideia de como deveria me sentar e conversar com ele amanhã
sem beijá-lo, sem implorar para que ele experimentasse este Bolsão de
Margarida quando jogasse a dita bomba em sua linda cabeça.
Capítulo 14

Robert tentou falar mais um pouco, mas eu me sentei com os ombros


caídos no banco frio, sem fôlego depois da visita da Morte.
Ele tinha o poder de fazer isso, me derrubar, me fazer girar. Deus, o tempo
todo que ele ficou lá, eu só queria que ele invadisse minha cela e me
abraçasse. Me abraçasse contra essa maldita correnteza.
Robert desistiu eventualmente, recebendo respostas curtas de mim, minha
energia completamente esvaziada.
Passos.
Emma apareceu. — Acabou o tempo.
O que isso significava?
— É hora de vocês irem para casa e fazerem melhor — acrescentou ela. —
Seu turno acabou e vocês só receberão pelas horas trabalhadas.
Oh. Isso era o que significava.
— Se quiser falar sobre os acontecimentos desta noite, sinta-se à vontade
para vir ao meu escritório. — Ha! Isso não poderia soar mais insincero.
Prefiro beber repolho líquido a ficar sentado com ela. Eu estava bem,
tremendo muito menos. Construído com material resistente. Seus serviços
não seriam necessários.
Emma abriu nossas celas e depois foi embora. Levei um momento para
reunir forças para me levantar.
Robert estava na porta da minha cela, com os braços cruzados. — Você
está bem, mano?
Espreguicei-me, girando o pescoço e os ombros. — Sim. Você?
— Estarei quando chegarmos em casa. Banho. TV. Vodca.
— Parece bom. — Levantei-me e passei por ele.
— O que aconteceu? — ele perguntou, me seguindo escada acima.
— O que quer dizer?
— Você ficou quieto de repente.
— Oh. Nada. Só queria sair daqui. É um lugar deprimente.
Ele não disse nada no caminho para casa. Poderíamos ter chamado um
táxi, mas nosso prédio não era tão longe, e foi bom estar livre de volta depois
de uma temporada nas celas.
Robert quebrou o silêncio entre nós quando minha chave deslizou na
fechadura da porta da frente.
— Escute — disse ele. — Deixe-me marcar uma reunião entre você e
George para esta semana. Para vocês conversarem sobre as coisas.
Isso fez minhas têmporas doerem, a dor entorpecida em minha mão e
bochecha querendo voltar para a incomodar.
— Tudo bem — respondi fracamente.
— Ótimo.
Sentar-se com George pra conversar? Pensar nisso fez minha pele arrepiar.
Mas talvez fosse algo que eu tivesse que fazer. Vestir minha calça de menino
grande e enfrentar a situação.
Será que outra pessoa não poderia enfrentar isso?
— Estamos bem. — disse ele. — Certo?
Balancei a cabeça.
— Realmente sinto muito por esta noite, mano.
A porta de seu apartamento se abriu, George correndo pelo corredor
vestindo calça de moletom cinza e colete branco. Incrivelmente bonito, sua
pele era de um cobre macio, o medo estampado em seu rosto.
— Oh, meu Deus! — ele chorou.
Ele colidiu com Robert, os dois homens se abraçando com intenso alívio.
George beijou seu pescoço, abraçou-o como costumava me abraçar.
— Eu estava tão preocupado — ele falou, então me encarou.
Há um tempo, eu era Robert, que recebia o carinho e a preocupação de
George. Uma parte desagradável do passado doeu de ciúme enquanto eu
observava os dedos de Robert se enrolarem no cabelo loiro e curto de
George. Mas o resto de mim só queria entrar e lavar a noite da minha pele
sob um banho quente.
— Boa noite — eu disse, correndo para dentro.
— Marcel...
Mas fechei a porta contra suas vozes.
Meu coração batia forte no peito, minha cabeça latejava. Tirei minhas
roupas, deixando um rastro de tecido atrás de mim enquanto me dirigia ao
banheiro.
Morte.
Morte.
Morte.
Apesar de tudo o que aconteceu esta noite, de todas as coisas com George,
meu amante imortal deixou tudo de lado para ficar na frente. Brilhando
como um diamante, sua magnificência era a única coisa que importava.
Calor interno rastejante sob o jato de água, um milhão de lembranças de
seu toque. Meu pau endureceu, meu corpo cantando de desejo por ele. Só
havia ele. Nada além dele.
Eu me toquei, perdido nele, chegando ao clímax por ele.
Eu te amo muito…
Desligando a água, meu corpo se moveu por vontade própria enquanto
minha mente continuava a definhar na Morte. Eu me sequei e tomei mais
analgésicos, injetei Suco Necro em minhas veias. Um líquido viscoso e cinza
inundou minhas veias, seu fedor desagradável de batata podre invadiu
minhas narinas.
Que nojo.
Doseado, me vesti e me olhei no espelho. Calça jeans, suéter de tricô roxo,
jaqueta de couro preta, cabelo prateado penteado para trás. Apesar dos
pontos e do cansaço em todo o meu rosto, eu parecia bastante decente.
Quatro da manhã. O sol logo estaria no horizonte. Na verdade, eu deveria
me esconder debaixo das cobertas, dormir um pouco, não pegar as chaves
do carro e sair.
Quando o amor foi razoável?

Cheguei aos portões da Mansão Oakthorne, desligando o motor. Respirei


fundo algumas vezes, pensando em voltar. Em vez disso, saí do carro e me
aproximei dos portões altos, examinando a cerca que mantinha os intrusos
fora do terreno. Meu coração disparou novamente, mas desta vez com uma
doce expectativa.
Dentro daquele prédio em ruínas estava o amor da minha vida. O que ele
estava fazendo? Pensando em mim? Bebendo um pouco de vinho? Tocando
a si mesmo?
O calor percorreu para minha virilha.
Vá para casa.
É perigoso demais.
O vento frio soprava entre as árvores e a grama do terreno. Um arrepio
passou por mim, minhas mãos se curvaram em torno das barras frias dos
portões.
Ele estava mesmo lá dentro?
Puxei, empurrei, mas os portões não se moveram.
Soltando o metal, dei um passo para trás. O que eu estava fazendo aqui?
Mas não voltei para o carro. Graças ao milagre dos analgésicos,
complementado por um impulso do Suco Necro, consegui escalar os portões,
agachando-me do outro lado.
Meus músculos me disseram que eu pagaria por isso mais tarde.
Eu tinha que vê-lo. Nove horas de amanhã estava muito longe, as horas
eram muito longas e já rastejantes.
Limpando as palmas das mãos na calça jeans, subi a estrada danificada,
começando a correr até chegar ao pátio oval com a possível fonte da deusa
grega, sem água jorrando da jarra em suas mãos.
Um belo edifício gótico com uma história sombria de assassinato e traição
pairava sobre mim, esquecido nesta encosta. Para mim, não era uma ruína
assustadora, mas um lugar de lembranças calorosas.
Um movimento à minha esquerda, então a forma brilhante de Pegasus
apareceu no jardim oeste. Ele olhou para mim, balançando sua juba
enluarada antes de começar a pastar.
Nossa viagem a Bristol, quando o rubi bloqueou minhas memórias, não
foi a primeira vez que a Morte me levou em um passeio romântico de
carruagem puxada por Pegasus no céu. Houve muitos deles, e até passeios
nas costas de Pegasus através de muitos, muitos céus.
Um dos meus favoritos foi no Ártico, contemplando uma vista única da
aurora boreal. Deus, que visão foi aquela.
Tínhamos feito e visto tanta coisa ao longo dos séculos. Antes dos finais
terríveis, sempre houve felicidade, dias e noites incríveis de ver o mundo, de
sexo e amor.
Eu queria mais.
Eu o queria.
A culpa cravou suas garras em mim, arrancando pedaços da minha alma.
A ferroada tentou me fazer voltar de novo e de novo. Eu deveria ouvir,
correr antes de ver seu rosto. Mas então eu só o veria amanhã, esse calor
interior aumentando mais uma vez, fazendo minha razão despencar.
Isso é loucura…
A porta da frente estava destrancada. Lentamente, empurrei-a e deslizei
para dentro, fechando-a silenciosamente atrás de mim.
Parecia estranho caminhar furtivamente pela casa escura e empoeirada.
Por que não o alertar da minha presença? Fiquei surpreso por ainda não ter
chamado sua atenção.
Mas eu gostei disso, dessa espreitadela. Os passos cuidadosos no escuro,
meus olhos apenas um pouco ajustados para registrar as tábuas do piso, as
paredes. Uma missão secreta, com algo profundamente erótico.
Cheguei ao corredor onde ficava seu quarto no final. A luz brilhou nas
bordas do batente de uma porta. Ele estava lá, ouvindo música. Fui em
direção à porta rapidamente, diminuindo a velocidade na aproximação. O
suor escorria pela minha testa, minha boca seca, mãos abrindo e fechando.
Com medo, animado, desejando aquele rosto, meu pau duro como pedra
dentro do jeans.
Parando do lado de fora do quarto dele, ouvi a música. A voz de Patti
Smith veio em minha direção. Eu não sabia que ele era fã. Legal. A música
dela era incrível, seu álbum Trampin' era um dos meus favoritos em seu
catálogo. A Morte estava ouvindo Horses – icônico e também incrível.
Devo bater? Abrir a porta e gritar 'surpresa!'? Virar-me e tomar um banho
frio e depois tricotar e beber por meus sentimentos?
Bati.
— O que é que foi isso? — uma voz feminina disse.
Quem era essa?
Passos. A porta se abrindo, a luz me cercando. Seu rosto zangado, pronto
para atacar um intruso. Suavizou-se, seus olhos dourados brilhando,
chamando meu coração.
Oh, Deus. Oh, Deus. Oh, Deus.
Lágrimas brotaram em meus olhos, minha luxúria ficou em segundo
plano.
— Marcel? — ele disse, sua voz profundamente rica, sexy e comovente.
Ele usava uma camisa branca aberta, couro preto e aquele rubi. Tão
delicioso como sempre, o cabelo caindo no rosto.
Ele puxou os fios para trás com a mão esquerda.
— Sua porta da frente estava destrancada — eu disse, minha voz rouca e
seca.
Aquelas lágrimas se libertaram, um soluço borbulhando na minha
garganta.
Não…
Não…
Não…
Mas o soluço explodiu da minha boca. Tentei protegê-lo com a mão, mas
não consegui. Incapaz de conter algo, as lágrimas agora eram cascatas
gêmeas caindo em cachoeira pelo meu rosto.
A Morte me tomou em seus braços, me segurando perto. Passei meus
braços em volta de suas costas, descansando minha bochecha em seu ombro.
Sua energia me envolveu em conforto, em segurança.
Nunca quis me livrar dele.
— Está tudo bem — ele acalmou, seu cabelo roçando minha nuca. — Tudo
bem.
Só que não estava tudo bem. Nem um pouco.
Terminei o abraço, fungando. — Deus. Estou uma bagunça.
Ele conjurou um pacote de lenços de papel para mim. — Aqui.
Peguei, virando as costas para ele enquanto assoava o nariz, limpando o
maldito ranho e as lágrimas.
Pronto para ser visto novamente, eu o encarei. — Desculpe por isso.
— Você nunca precisa se desculpar. — Maldito seja seu sorriso de derreter
a razão. Ele foi abaixar o volume da música, o vinil girando no canto do
quarto rachado.
Rachaduras por nossa causa…
Segurei-me no batente da porta para me apoiar. — Eu não deveria invadir
sua casa assim.
Ele voltou, a luz da lâmpada pendurada no centro do teto iluminando seu
peito exposto. — Está tudo bem. Qual é o problema? — Ele foi me tocar,
puxando a mão antes de fazer contato.
— Eu… eu realmente não sei.
— Entendo.
— Depois que você apareceu nas celas, eu só... eu só precisava ver você de
novo. Antes de amanhã. Eu... eu deveria ir.
— Você acabou de chegar.
Um suspiro poderoso deixou meu corpo. — Isso não pode acontecer.
Amanhã nem deveria acontecer. Deus… — Esfreguei minha nuca. — Você
parece tão bem.
Uma resposta latente, sua língua passando pelo lábio inferior.
— Eu deveria ir…
— Você não precisa — ele respondeu, dando um passo à frente. — Fique
um pouco.
— Eu… eu não posso.
— Você veio até aqui.
— Por engano — eu disse. — Não estou pensando em... ser egoísta... —
Ele roubou minha capacidade de falar, prendendo-me em seu olhar dourado
derretido. — Eu tenho que…
Ele avançou, tomando meu rosto entre as mãos. Faíscas ondularam pela
minha pele, viajando por todos os cantos.
— Morte…
Tão perto. Seus lábios bem ali, sua respiração em meus lábios, seu calor
corporal tão convidativo, proporcionando mais daquela segurança.
Minhas mãos deslizaram para sua cintura enquanto eu esmagava meus
lábios nos dele. Mais faíscas, mais calor, tão úmido e incrível. Língua
encontrando língua, um suspiro passando da minha boca para a dele. Seus
dedos em meu cabelo, sua virilha esmagando a minha. Libertei-me para
respirar, sugando o quanto precisava, retornando à colisão quente de nossos
lábios.
Sem nos separar, ele nos moveu, me jogando contra a parede. Um piscar
de luz vermelha contra seu peito, o rubi foi ativado. Por um momento, isso
chamou minha atenção, um aviso e um protetor entre nós.
Pare…
Pare…
Pare…
Mas os lábios da Morte deixaram os meus, encontrando meu pescoço. Ele
lambeu a carne, sugando até eu sentir uma dor intensa. Segurei seus
músculos ondulantes das costas através do material macio de sua camisa,
cada centímetro de mim cheio de desejo.
— Caramba… — sussurrei.
Ele gemeu contra meu pescoço, a vibração quase me fazendo gozar.
— Morte… oh, porra… Sim…
Uma mão na minha virilha, esfregando minha dureza através do meu
jeans. Ele gemeu novamente, mexendo no botão superior e depois no zíper.
Oh, Deus. O que estávamos fazendo? Se aquele rubi escorregasse de
novo...
Estendi a mão para sua virilha, tocando aquele pau generoso ali através
do couro, com fome de que ele estivesse dentro de mim, qualquer que fosse
o buraco em que ele quisesse deslizar.
A mão no meu jeans, me apalpando. Pré-sêmen vazou para o tecido da
minha cueca, a boxer irritante bloqueando seus dedos da minha carne
pulsante.
A Morte corrigiu o problema. Ainda chupando meu pescoço, ele puxou
meu jeans e cueca para baixo com uma mão. Meu pau saltou livre, seus
dedos enrolando em volta do meu eixo.
Ele trouxe seus lábios de volta aos meus.
Gemi para ele, tentando fazer o mesmo com sua calça de couro.
— Espere... — eu disse, pausando o beijo. — Isso é tão apertado.
Ele riu contra mim.
— Ela é sempre tão apertada? — Perguntei.
— Você sabe que ela é. — Ele passou os dedos pelo meu cabelo.
— Este é um trabalho que envolve as duas mãos.
Abaixei-me um pouco, segurando sua calça. Ele mexeu um pouco para
ajudar, e ela deslizou para baixo, junto com a boxer de seda preta, revelando
seu incrível pau duro como pedra.
Ele segurou meu queixo, me devolvendo ao seu nível – nós dois tínhamos
cerca de um metro e noventa de altura, e me beijou novamente, envolvendo
seus dedos em volta do meu pau. Isso me fez suspirar.
Ele riu levemente enquanto eu pegava sua dureza em minha mão e me
empurrava de volta contra a parede.
Merda.
Merda.
Merda.
Eu o acariciei, formando um bolsão para ele como ele fez para mim.
Ele segurou minhas bolas enquanto me beijava com mais intensidade, sua
língua lutando com a minha novamente. Gentilmente me puxou, seus dedos
como ferramentas especializadas incendiaram minha pele com uma
sensação incrível.
Percebi que tinha parado de trabalhar nele, os dedos ainda travados em
torno de sua dureza.
— Desculpe — eu disse entre beijos. Seu toque era muito perturbador.
Ele respondeu aumentando sua intensidade. Tentei igualá-lo, mas ele
levou meu pau para o céu, brincando com minhas bolas, os lábios no meu
pescoço, seu ritmo voltado para o prazer máximo.
Minha mão deslizou de seu eixo quando me aproximei do ponto sem
retorno. Ele chupou meu pescoço com mais força. Meus dedos dos pés se
curvaram, minha respiração engatou, agarrando sua camisa.
— Porra! — Gemi, meu orgasmo foi uma explosão.
Lutei para continuar de pé, ofegante quando ele me soltou. Pressionei
minhas costas contra a parede, tão instável. Me sentindo tão bem.
A Morte deu um passo para trás, olhando para si mesmo. Seu abdômen e
sua mão estavam cobertos por mim. Ele sorriu, lambendo seus dedos,
tirando o resto de mim dele.
— Você tem um gosto tão bom — ele ronronou.
Encontrando forças para me afastar da parede, avancei e o beijei. Ele me
firmou, com as mãos em meus quadris nus. Provei-me dele, uma nova onda
de excitação percorrendo meu corpo.
Mas eu não estava aqui por minha causa.
Eu estava aqui por ele.
Envolvendo minha mão em torno de seu eixo, continuei de onde parei.
Acariciando furiosamente, era minha vez de brincar com suas bolas. Sua
respiração trêmula se derramava em mim, me deixando selvagem, dando ao
meu pulso e ao seu pau o treino mais frenético de todos os tempos.
— Marcel… eu vou…
Caí de joelhos, levando-o em minha boca enquanto ele jorrava. Um líquido
quente escorreu pela minha garganta, salgado com um toque de doçura.
— Marcel… — ele falou, uma mão descansando suavemente na minha
cabeça.
Chupei até a última gota dele, massageando suavemente suas bolas até
que ele estivesse exausto.
Ele cambaleou para trás, o pau saindo da minha boca. Fiquei de pé, o
corpo envolvido em euforia.
Nossos olhos se encontraram e o rubi piscou. Ignorei, querendo mais
daqueles olhos, daquele sorriso, de tudo nele.
Mas aquele maldito vermelho continuou piscando, me arrastando de volta
à nossa realidade fodida. Não deveríamos estar suados e satisfeitos, pelo
menos não juntos.
Levantei minha calça jeans e cueca, ainda sem fôlego.
— Você está bem? — ele perguntou. — Posso pegar alguma coisa para
você?
Ainda sem fôlego e sem fugir.
— Um copo de água. Por favor.
— Vinho?
— Água.
Ele sorriu. — Apenas certificando-me.
Ele saiu do quarto, desaparecendo no corredor escuro além da porta
aberta. Meus olhos pousaram novamente nas rachaduras, no indício de
destruição que nossa paixão trouxe. E isso foi devido a uma queda do rubi.
Imagine o que aconteceria se ele não existisse, aquelas rachaduras livres para
se espalharem pela cidade.
Não valia a pena pensar nisso.
Mesmo assim, meu corpo permaneceu no quarto coberto de papel de
parede verde descascado. Eu não ia a lugar nenhum. Ainda não. Não
quando eu ainda podia saboreá-lo. Não quando meu pescoço latejava com
sua mordida de amor.
Merda.
Fui me inspecionar no grande espelho dourado acima da lareira. Sim. Ele
me classificou como bom e adequado. Toquei a marca vermelha, sorrindo,
decidindo definitivamente usar blusas de gola alta pelo resto da semana. Eu
gostei, no entanto. Sua marca. Isso me tornava ainda mais dele.
— Eu deveria ir para casa — disse ao meu reflexo.
Bem assim, joguei as regras de separação pela janela. Mexi com ele,
comigo mesmo, com todo o sistema que eu coloquei em prática. O que
aconteceu com ser altruísta e seguir em frente?
Dói demais…
Tivemos sorte. O rubi permaneceu na corrente de ouro em seu pescoço. E
se realmente tivéssemos nos perdido e...
— Chega — eu disse ao espelho. — Apenas pare.
Queria um momento para respirar, pensar um pouco mais, me recuperar.
Recaídas aconteciam o tempo todo. Era parte da vida, mesmo para caras
como nós, que deveriam saber mais.
— Não posso fazer isso…
Por que continuei falando em voz alta?
Independentemente disso, era verdade. Talvez George, que mora duas
portas abaixo, tenha me trazido até aqui, meu estado emocional não era
muito saudável. Sim, terminei com meu amor eterno, apenas para ver um
ex-amor surgir como um palhaço no Halloween. Não era bom para o coração
ou para a mente.
Aquele primeiro turno de merda também não ajudou.
— Você só precisa dormir — eu disse ao meu reflexo.
Um peixe se materializou no vidro, iridescente com incríveis olhos verdes.
— Lindo… — Espere um segundo…
Eu gritei, pulando para trás.
— É seguro estar aqui, não é? — a criatura perguntou. — Você está
vestido, afinal. Oh. Pensei... Ah, querido.
— Que diabos? — Esfreguei os olhos. — Você está… você está realmente
aí?
— Eu estou de fato. Peço desculpas. Pensei que você fosse a Morte ali
parada. Sinto muito.
Pisquei, esfregando os olhos novamente. — Um peixe falante?
— Um peixe nascido no espelho, mas sim. Meu nome é Winnie.
— O que... O que é um... — Talvez eu devesse ter pedido vinho.
Fui me sentar na única cadeira do quarto, dourada com estofamento
vermelho, e me deixei cair nela.
— Uau — eu disse.
— O que está errado? — perguntou o peixe.
— Nada — respondi. — Só preciso de um momento.
— Leve o tempo que precisar.
A Morte voltou naquele momento, trazendo uma bandeja com dois copos,
uma jarra de água e alguns cupcakes.
— Winnie? — ele disse. — O que está fazendo?
— Cometi um erro de julgamento, querido. Achei que você estava
esperando para falar comigo. Eu deveria ter verificado antes de me
manifestar.
Morte olhou entre nós, levando a bandeja para a cama. Ele pegou um copo
e encheu com água, trazendo para mim.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Isso é um peixe falante — sussurrei, pegando o copo dele.
Ele alisou meu cabelo para trás. — Beba devagar. Tem certeza de que não
quer vinho?
— Eu... — Eu não conseguia tirar os olhos da criatura no espelho. — O que
é ela?
A Morte se endireitou, fechando os botões da camisa.
— Eu realmente não consigo me desculpar o suficiente — disse o peixe. —
Irei embora.
— Não! — Deixei escapar. — Não. Você não precisa ir.
Meus olhos encontraram os da Morte. — Ela pode ficar? Quero saber mais.
Ele levou um momento para responder, hesitação em seu lindo olhar.
— Marcel, esta é Winnie — disse ele. — Winnie, este é Marcel.
— É uma pena não poder apertar sua mão com minhas nadadeiras —
respondeu Winnie.
Eu ri. Ela riu. Isso me tirou do choque.
A Morte cruzou os braços.
— Prazer em conhecê-la — eu disse, me levantando. — Desculpe por ser
tão estranho.
Winnie era um peixe muito bonito.
— Não pense nisso — ela respondeu. — Tenho certeza de que não é todo
dia que você encontra um peixe no espelho.
Eu ri de novo. — Não, realmente não.
A Morte estava sorrindo. — Nunca pensei que vocês dois se conheceriam.
— Poderíamos não ter feito isso se não fosse pela minha gafe — disse
Winnie. — Posso explicar o que sou?
— Vá em frente — respondeu a Morte.
— Nós, nascidos no espelho, não nascemos com frequência no vidro —
disse ela. — Não mais do que cinco a cada quatrocentos anos – nossa
expectativa de vida é a mesma. Movemo-nos através dos espelhos,
companheiros no plano espiritual para aqueles que precisam de nós.
— E isso é tudo que você pode dizer — A Morte interrompeu.
Ele não gostava de nenhuma discussão sobre a vida após a morte com os
vivos. Até eu.
Engoli um pouco de água. — Considere-me surpreendido. Espere... —
Meu estômago embrulhou. — Você não viu… Você não nos observou…
— Nunca, Marcel. Ofereço total privacidade em todos os momentos.
Graças a Deus por isso. — Certo.
— Não sou uma voyeur. E não entendo a luxúria e o amor. Não é da minha
conta saber.
— Oh. Ok.
Ela nadou para frente e para trás.
— Vou deixá-lo em paz. Mais uma vez perdão.
— Tchau — eu disse.
— Adeus. Foi um prazer conhecer você.
— Igualmente.
Ela desapareceu no vidro.
Bebi o resto da minha água. — Uau.
— Essa é a Winnie.
— Ela parece ser uma boa amiga para se ter.
— Ela é.
— Obrigado pela bebida.
— De nada — disse a Morte, sua postura tensa se afrouxando. — Você
gostaria de um cupcake?
Seria rude dizer não às delícias com cobertura dourada.
A Morte amava o ouro.
Sentamos juntos na cama. Ele me entregou alguns lenços umedecidos para
me limpar um pouco, então peguei um cupcake da bandeja,
desembrulhando lentamente o papel dourado.
— Você assou isso? — Perguntei.
Ele assentiu. — Sim. Não sei por quê.
— Você não sabe?
Ele encolheu os ombros. — Não sou fã de cupcakes. Eu só queria ver se
conseguiria fazer.
Uma parte do fascínio da Morte por tudo. Ele adorava aprender, adorava
examinar a estrutura da existência. O mundo mortal o fascinava.
Lambi a cobertura. — Oh, uau… — Perfeição.
— Você gostou?
Dei uma mordida, conseguindo um bom equilíbrio de pão de ló e glacê na
boca. Mastiguei a felicidade açucarada, balançando a cabeça com
entusiasmo.
— Adorei — eu disse.
Ele sorriu. — E na minha primeira tentativa.
Fiz uma pausa na minha próxima mordida. — Sua primeira tentativa?
— Sim.
— Mas o pão de ló é tão leve.
— Mesmo? — Ele pegou um, inspecionando-o. — Eu queria seguir uma
receita simples: cobertura de baunilha, mas de cor dourada. Um pão de ló
simples. Estou feliz que tenha saído leve. — Ele deu uma mordida,
mastigando com uma sobrancelha levantada. — Nada mal. Os cupcakes
parecem trazer muita alegria aos mortais... pelo menos àqueles que os
apreciam.
— Já tomamos chá da tarde antes — respondi. — Você gostou… espere.
Eram esses cupcakes?
Ele sorriu para mim. — Eu prefiro os sanduíches de pepino.
Que nojo. Pepinos eram nojentos.
Terminei o doce, surpreso com o quão perfeito estava.
— Dez de dez — eu disse, tirando as migalhas do meu colo.
— Obrigado, Marcel.
— De rien10.

10 De nada.
— Amo os franceses. — Seu joelho bateu no meu.
— Merci.
— Tenho que conversar sobre negócios por um momento.
O encanto do momento desapareceu. — Ok.
— Acontece que Leon está usando a projeção astral para visitar você. Uma
coisa complicada de se fazer, aparentemente.
Lambi meus lábios. — Pelo menos isso responde tudo.
— E Nick está atrás da chave ônix.
O que ele não poderia explicar melhor.
Que diabos era essa maldita chave?
— Além disso, matei outro rebelde — disse ele. — Logo depois de nós...
nos afastarmos um do outro.
Minha garganta apertou. — E isso responde... isso... — O feitiço do
momento se esvaiu, a realidade se infiltrando. — Não sei o que fazer. —
Droga. Meus olhos estavam quentes novamente. Meses e meses mantendo
as lágrimas sob controle, sem querer entregá-las a George ou algo assim.
Agora o selo foi quebrado.
A Morte se virou para mim. — É por isso que eu realmente preciso falar
com você.
Eu mal o ouvi, caindo em uma confusão muito parecida com Louise. —
Pensei que tinha tudo planejado. Tomei minha decisão por nós, para
proteger Oakthorne e a nós mesmos. Eu sabia que iria doer, mas não assim.
Não sei como devo seguir em frente sem você. Eu simplesmente não tenho
forças.
— Marcel…
— Mas eu tenho que encontrar isso em algum lugar. Não posso vir
correndo aqui toda vez que sentir sua falta ou eu... Merda. — O sistema
hidráulico entrou em ação novamente. — Desculpe.
Ele deslizou um braço em volta de mim. — Espere um momento. Estou
aqui.
— Tenho que aprender a não ter você aqui.
— Nunca consegui isso.
Funguei, encarando-o. — Perdão?
— Estar sem você todas as vezes era quase impossível.
Oh, Deus. A angústia nessas feições esculpidas. Estendi a mão, colocando
a mão em sua bochecha mal barbeada.
— Desculpe.
Ele fechou os olhos. — Cada vez eu esperei por você, vagando, fazendo
meu trabalho. Machucando. Céus, a dor torce meu interior.
— E eu nos joguei fora — eu disse.
— Desculpe?
— Você esperou por mim, saiu do trabalho, encontrou um rubi especial
para nós e o que eu fiz?
— Você colocou esta cidade em primeiro lugar — ele respondeu. — Você
coloca os outros antes de você mesmo. Eu não.
— Porque você me ama.
— Sim. E você fez o que fez porque me ama.
— Eu te amo tanto, tanto. — Eu me sentia tão fraco, mais lágrimas
escorrendo pelo meu rosto. — Só não quero machucar ninguém.
— Claro.
— Esse rubi não é suficiente — eu disse. — Desculpe. Pareço tão ingrato.
— Você não é. — Ele esfregou meus ombros.
— Odeio a ideia de você ficar sozinho todas as vezes.
Ele apenas me esfregou um pouco mais.
— Porra... — falei. — Eu realmente não sei o que fazer.
— Você pode ficar sentado aqui e não saber pelo tempo que quiser.
Encostei-me nele, descansando minha cabeça em seu ombro. — Você é tão
doce.
— Eu sei.
Eu ri, cutucando-o na coxa. — E tão modesto.
— Você revirou os olhos com esse comentário?
Eu ri de novo. — Idiota.
— Fofinho.
— Isso não é justo. Agora estou mal.
— Foi você quem me chamou de idiota.
— Tudo bem — bufei. — Você é um docinho.
— Legal. Eu acho. Não tenho certeza de como me sinto em relação a um
docinho. Talvez eu asse um.
— Nojento.
— Eu vejo. Então agora sou nojento.
Sentei-me, batendo-lhe suavemente no ombro. — Pare de colocar
armadilhas.
— Não sou eu que aterrisso na estranheza.
Bufei. — Estranheza!
Ele riu, apertando meu nariz.
— Necromante fofinho me faz querer... — Ele fez uma pausa, procurando
pela próxima parte de sua estranha mudança para um rap ruim. — Desculpe,
esse é o meu limite.
— Cinco palavras é o seu limite?
Ele ergueu as mãos. — Não estou destinado à cena hip-hop, suponho.
— Você acertou.
A Morte me mostrou seus dentes brilhantes e perolados em um amplo
sorriso. Suas covinhas derreteram minha razão. Agarrei seu rosto, dando um
beijo naqueles lábios carnudos.
Merda.
Eu me afastei. — Desculpe.
— Se desculpando por me beijar?
— Sim.
— Por quê? Gosto disso. Você tem gosto de cupcake.
— Mas você não gosta de cupcakes.
Ele piscou. — Você é um híbrido de elite de cupcake e fofo.
Minhas bochechas coraram. Balancei minha cabeça. — Pare…
— Não consigo evitar.
Adorei essa falta de seriedade, me odiei por apagar isso no meu próximo
comentário.
— Sobre o que você queria falar comigo? — Perguntei.
Sua expressão mudou para algo mais sombrio, seus olhos perdendo um
pouco do brilho. — Uma solução possível. Uma melhoria em relação ao rubi.
Oh, meu Deus. — O quê?
Ele me contou sobre sua amiga Yvonne, seu contato mágico e a incrível
bomba de Bolsão de Margarida.
Fiquei ali sentado, estupefato, lutando para calcular.
— Realmente? — foi tudo que consegui para começar.
— Realmente. Fora do tempo e do espaço, nos escondendo de certas...
condições.
— Nosso amor proibido.
— Exatamente.
Sentei-me para a frente, respirando fundo várias vezes. — Você realmente
acha que isso é possível?
— Yvonne não mentiria para mim.
— Tem certeza?
— Tenho muita certeza.
— Merda.
— Sei que é muito para absorver.
Sentei-me novamente. — Pegar um poltergeist? Destruí-lo.
— Jeff Hunt — ele disse o nome do bandido.
O primeiro sinal de luz do dia brilhou no horizonte além da janela saliente
fraturada.
— Seus crimes são imperdoáveis — acrescentou.
Meu peito doeu. — Mas podemos decidir seu destino?
Ele pegou minhas mãos nas dele.
— Ainda não tomei nenhuma decisão. Estou bem aqui com você. — Ele
beijou meus dedos.
Eu queria chorar de novo.
— Podemos conversar, você pode levar todo o tempo que precisar para
pensar sobre isso.
Cheguei mais perto, pressionando minha testa na dele. — Por que você é
tão adorável?
— Eu poderia perguntar o mesmo de você.
Eu o beijei novamente. — Posso dormir aqui esta noite? — Recuei,
atordoado com minhas próprias palavras. — Quero dizer… Que sugestão
terrível.
— Eu não acho.
— Certo. Você tem razão. Eu...
— Não, quero dizer, não acho que seja uma sugestão terrível — ele
esclareceu.
— Oh. Certo.
— Você dormir aqui nunca seria uma coisa ruim, Marcel. — Ele passou a
ponta do polegar pelos nós dos meus dedos.
— Obrigado. Mas não podemos fazer sexo. Apenas dormir.
Ele assentiu, uma mecha de cabelo caindo em seu rosto. Estendi a mão e
enrolei-a atrás da orelha dele.
— Apenas dormir — acrescentei. — E nem é mais noite.
— Não é.
Nós nos olhamos, nossos lábios se curvando em sorrisos. Uma energia
linda e calma girou ao nosso redor. Segurança. Calma.
Casa.
— Você é minha casa — eu disse em voz alta, com a intenção de mantê-lo
dentro de casa.
Ele beijou minha mão novamente. — Fico feliz em saber que concordamos.
— O quê?
— Você também é minha casa.
Eu o beijei e o puxei para um abraço. — Não sei para onde vamos a partir
daqui, mas digamos apenas que não vou embora novamente.
— Gosto disso.
— Eu também.
É perigoso…
— Mas acho que precisamos nos limpar um pouco — eu disse. — Você
tem alguma peça sobressalente?
— Tenho. Incluindo água quente e uma abundância de produtos de
higiene.
— Legal.
— De que outra forma você acha que pareço tão bem?
Rolei meus olhos com força.

Acontece que a Morte tinha todos os tipos de produtos de higiene pessoal


guardados, junto com uma quantidade ridícula de papel higiênico em um
armário no andar térreo que ele não precisava usar.
— Existe um apocalipse zumbi iminente que eu não conheço? —
Perguntei.
— Você nunca sabe quando precisa de papel higiênico, Marcel.
Encerrei a conversa rapidamente, tomando um banho e escovando os
dentes. Ele também tinha analgésicos, então tomei alguns deles.
Depois de limpo e sentindo-me revigorado, as primeiras horas do dia
bateram na janela. Coloquei uma cueca boxer preta de seda sobressalente da
Morte e uma camiseta branca. Enquanto o material fino acariciava minhas
nádegas e meu pau, uma onda de tesão passou por mim. Havia algo
incrivelmente sexy em usar a roupa íntima do seu amante.
Ele franziu as sobrancelhas ao entrar no quarto, recém-saído do banho,
com uma toalha enrolada na cintura e o cabelo úmido. Aumentou seus níveis
de atração de escaldante para algo além de vulcânico. O corte em V abaixo
de seu abdômen chamou muito minha atenção, aguçando meu apetite.
Largue a toalha…
Sem sexo.
Sem sexo.
Sem sexo.
Ele largou a toalha e conjurou uma calça de pijama dourada do guarda-
roupa. Deslizou-a, selando seu maravilhoso traseiro e pau atrás de uma
camada de seda.
Deus, ele não estava tornando isso fácil.
Deslizei para baixo do edredom dourado, deslizando para o lado da
parede da cama, escondendo minha ereção.
— Normalmente durmo nu — disse ele, vestindo um colete cinza pela
cabeça.
— Eu... eu lembro.
Estava muito quente debaixo do edredom.
— Mas não hoje.
— Bom.
Tire esse edredom de cima de mim e destrua essas roupas, em seguida, minha
bunda.
Aham. — Não te contei a verdadeira história — eu disse, com a voz um
pouco estridente.
— Do quê? — ele perguntou, caminhando em direção à cama.
Foda-se por ser tão bom e foda-me!
Ele não poderia ter usado outra coisa? Essa calça de seda não deixava nada
para a imaginação.
Hum.
Rolei para o meu lado. — George está aqui.
— George? Seu ex?
— Sim. — Eu o informei.
— Seu novo parceiro é o noivo dele?
— Uma merda, certo?
— Sinto muito.
— É o que é.
Ele puxou a lateral do edredom e entrou, mantendo uma distância segura
entre nós enquanto se virava para mim.
— Estou feliz que você não tenha se machucado depois daquele incidente
de rebeldes — disse ele.
Bocejei, o cansaço finalmente me alcançando.
— Sinto muito por ter escondido tudo de você — acrescentou. — O rubi,
escondendo suas memórias. A última coisa que eu queria era enganar você.
Eu nunca...
— Por favor. Pare. — Nenhuma rispidez no meu tom, apenas suavidade.
— Entendo por que você fez o que fez por nós. E te amo muito por isso. Eu
realmente amo. — Bocejei novamente.
— Você deveria dormir.
— Eu deveria. Não se culpe mais. Ok?
— Ok. — Ele apertou meu nariz.
Eu ri, torcendo o nariz em resposta.
— Durma bem — ele sussurrou.
— Durma bem.
— Não acredito que não ouvi você chegar lá fora — disse ele.
— O quê? — Minhas pálpebras estavam pesadas.
— Você é excelente em se aproximar furtivamente de um homem.
— Sou incrível.
— Agora quem é o modesto? — ele respondeu com uma risada, o som tão
suave e reconfortante.
Momentos depois, adormeci.
Capítulo 15

Não precisando dormir, deitei-me ao seu lado enquanto o dia avançava.


Observando-o em outro lugar, perdido em sonhos. Ele parecia tão tranquilo,
tão lindo, um príncipe de cabelos cinza de um conto de fadas na minha cama.
Que surpresa maravilhosa o ter aqui comigo. Mas eu não podia me
permitir ficar contente, pelo menos não com qualquer felicidade futura. Pois
quem sabe que torção da faca esperava para matar a nossa alegria.
Pelo menos ele agora sabia sobre o Bolsão de Margarida. A semente
plantada.
O que quer que ele quisesse seria definitivo. Eu me importava mais com a
felicidade dele do que com a minha.
Eu só podia esperar que sua palavra final me desse confirmação para nos
fazer um lugar especial e amar livremente.
Por favor, diga sim…
Capítulo 16

Acordei com o som da chuva.


Piscando o sono de meus olhos, estiquei os braços acima da cabeça
enquanto me sentava, percebendo que estava sozinho. Nenhuma Morte
ocupando o lado direito da cama.
— Olá? — Chamei, bocejando. — Morte? Você está aí?
Winnie apareceu no espelho.
— Oh. Oi.
— Olá de novo. Se ele não estivesse de volta antes de você acordar, a Morte
queria que eu lhe informasse sobre o paradeiro dele.
Sua cauda era como uma série de fitas atrás dela.
— Ele foi atrás do café da manhã — disse ela.
— Achei que ele tivesse um forno — respondi.
— Um forno, mas não coisas para o café da manhã.
— Certo.
— Adeus. — Ela desapareceu.
— Espere. Você pode ficar se você...
Mas ela se foi.
Verifiquei meu e-scroll e meu telefone civil. Eram cinco da tarde. Que
diabos? Apenas me chame de Bela Adormecida.
Duas mensagens de Henri no meu telefone civil, uma da minha mãe e uma
de uma empresa de correio me dizendo que eu tinha perdido a entrega de
um pacote, mas estava com meu vizinho.
Qual deles?
No meu e-scroll havia um e-mail, em latim reverso, sobre o fantasma Phil.
Ele era o marido da rebelde que me cortou. Ele morreu em um acidente de
carro que ela causou, não de câncer. Durante sua recuperação, sua mente se
desfez da dor e ela entrou em uma espiral, tornando-se uma rebelde.
Horrível.
Também recebi duas chamadas perdidas e uma mensagem de Robert.
Merda. Eu tinha esquecido toda aquela coisa do encontro com George. Ele
queria tentar às sete esta noite.
Mandei uma mensagem para ele dizendo que ligaria de volta mais tarde.
A Morte entrou no quarto vestindo a mais linda camisa azul-petróleo e
sua calça de couro, sua marca registrada. Ele parecia particularmente
radiante, com o cabelo tão brilhante e “arrumado” que poderia aparecer em
um anúncio de xampu, e todo mundo exigiria dez frascos do produto.
— Olá, você — disse ele, balançando uma sacola no braço esquerdo. — Eu
precisava de algumas provisões.
— Posso ver isso.
— Winnie te contou?
— Sim.
Ele se virou para sair novamente. — O que acha de ovos mexidos e salmão
defumado com torradas?
— Como o céu.
Ele me jogou covinhas e uma piscadela. — Café e suco de laranja?
— Sim, por favor.
— Bom. O café da manhã às cinco da tarde não é maravilhoso?
— Se seus cupcakes servirem de referência, então sim.
— Eu voltarei. — Ele saiu do quarto.
Fui até a janela, observando a chuva, a vista deslumbrante de Oakthorne
além daquelas colinas, o lago não muito longe. Legal. Espreguicei-me um
pouco mais e depois fui para o banheiro para me refrescar e tomar mais
analgésicos. Eu estava com um pouco de dor.
O banheiro era um quarto grande com banheira independente, box com
chuveiro, azulejos verdes nas paredes e no chão, alguns deles rachados.
Estava limpo, meio cansativo e bem quente. O chuveiro e a banheira foram
adicionados pela Morte, o resto era remanescente do passado.
Escovei os dentes, lavei o rosto e coloquei jeans e suéter novamente. Mexi
no meu cabelo, que decidiu que queria fazer uma impressão de arbusto
morto no alto verão. Abrindo o armário ao lado da pia, encontrei um pouco
de gel de cabelo e apliquei em meus cabelos prateados. Não era um ótimo
resultado, mas melhor do que uma bagunça selvagem.
Satisfeito, voltei para o quarto e folheei a coleção de livros da Morte,
encontrando um romance de fantasia urbana de Laurell K. Hamilton entre
livros mais antigos. Sorri enquanto meu dedo traçava a lombada enrugada.
Adorava algumas leituras de fantasia urbana, embora já tenha passado um
tempo desde a última vez que relaxei e li uma. Minha mente não conseguia
se concentrar totalmente nas palavras, especialmente desde George.
Me encontrar com ele? Hmmm. Então não tenho certeza sobre isso.
A Morte voltou com a comida.
Mais uma vez, sua culinária me surpreendeu.
Dei um tapinha na minha barriga, confortável na cama, com as costas
encostadas na parede.
— Morte, você me dá tanta vida.
— Isso é uma piada?
— Uma bem merda. — Revirei os olhos para mim mesmo. — O que quero
dizer é que você faz um café da manhã incrível.
— Fico feliz em ouvir isso. — Ele sentou-se comigo, tomando um café
cremoso. — Como estão as coisas com seus novos poderes?
Tracei a borda da minha caneca, olhando para a escuridão do meu café
preto. — Não há nada a dizer agora. Eu os sinto, mas eles não estão
realmente fazendo nada. Os outros cinco eu sempre posso ligar facilmente,
como pegar uma caneta. Mas esses dois novatos flutuam. Dormente. Você
entende?
— Suponho que ganhará controle sobre eles em algum momento.
— Espero que sim — eu disse. — Eu nem saberia por onde começar a
treinar com eles. Bem, para invocar um cemitério, eu poderia ficar em um
cemitério e tentar acordar os mortos. Mas eu realmente não quero fazer isso.
E certamente não quero testar o renascimento novamente.
A Morte assentiu.
— Estou com você nessa.
— Onde você guarda sua coleção de discos? — Perguntei, mudando de
assunto.
Ele deslizou para fora da cama, ajoelhando-se no chão para puxar uma
caixa debaixo da cama. — Aqui? — Ele removeu a tampa.
— Posso dar uma olhada neles?
— Claro.
Juntei-me a ele no chão, examinando sua coleção. Uma verdadeira mistura
eclética de coisas, que adorei. Posso ser obcecado por Nick Cave, mas
adorava uma grande variedade de gêneros musicais.
— Patti Smith é minha favorita — disse ele.
— Ela é demais.
— Quer ouvir um pouco?
— Por favor. — Escolhi o álbum Wave. — Nunca ouvi esse.
Ele pegou e colocou no toca-discos, colocando cuidadosamente a agulha
no vinil.
Quando a primeira faixa tocou, a Morte estalou os dedos.
— Conheço essa — eu disse, me levantando. — 'Frederick'.
— Isso mesmo. — Ele balançava de um lado para o outro, cantando junto.
Bati o pé, gostando de vê-lo se mover. Ele mexeu os quadris, girou pelo
quarto, cantando. Bati palmas no ritmo, extasiado com seus movimentos
líquidos, como seu corpo acompanhava a música. Como ele sabia cada
palavra, até acertando em cheio com seu tom de mel.
Ele se virou para mim, pegou minhas mãos e me fez dançar pelo quarto.
Eu ri, tropeçando um pouco. Ele me firmou, uma mão na minha cintura,
nossos dedos entrelaçados. Olhos presos em um olhar de fogo crescente.
Quando a música desapareceu, ele me puxou para um beijo.
A próxima música começou, nossos lábios ainda unidos, seus braços em
volta de mim.
Você nunca deixa de me tirar o fôlego...
Tornei-me ar, flutuando com as nuvens, longe do sofrimento, da merda
da nossa situação. Nada além de seu abraço. Sem ameaças, sem drama,
apenas nós dentro desta bolha sonhadora.
Mas não era real. Obviamente, eu sabia disso. No entanto, dentro daquele
cinza comovente havia esperança. A possibilidade de uma chance de
felicidade, graças à magia dos magos.
Bolsão de Margarida. Poderíamos realmente fazer isso?
Continuei beijando-o, segurando-o até meu e-scroll vibrar.
Droga!
Abri os olhos, retirando meu beijo dele. — Desculpe.
— Tudo bem.
Corri para a cama, pegando o maldito dispositivo.
Robert.
— Oi — eu disse.
— Estou muito confuso, mano — ele respondeu.
Início estranho. — Sobre o quê?
— Bem, fui dar uma volta para explorar a cidade. Estou na Mansão Oakthorne.
Queria ver o quão assustador era para mim. E estou aqui olhando para o seu carro.
Oh. Meu. Deus.
— Eu... — eu não conseguia falar.
— Marcel? — Robert disse.
— Marcel? — A Morte ecoou.
— Mano?
Afastei o dispositivo do ouvido, apertando o botão de encerrar chamada.
— Marcel? — As mãos da Morte estavam em meus ombros. — O que está
errado?
— Ele… ele está lá fora. — Oh, Deus. Oh, Deus. Oh, Deus.
— Quem é?
— Robert…
— Seu parceiro?
— Ele está lá fora.
A Morte correu até a janela para verificar.
— Há um carro azul lá — disse ele.
— Esse é o carro dele.
Meu e-scroll zumbiu novamente.
Merda. — O que eu faço? — O pânico se instalou. O pânico nunca era bom.
As mãos da Morte estavam em meus ombros novamente. — Diga a ele
que veio aqui para pensar. Para se afastar das coisas. Não precisa ser mais
complicado do que isso.
— Posso… posso dizer isso?
— Claro que pode.
— Eu... — Uma camada de aço tomou conta de mim, retificando meu
pânico. — Você tem razão. Eu posso. E eu vou.
Eu respondi meu e-scroll. — Ei. Estou saindo.
— Você está dentro da mansão?
— Estou. Dê-me alguns minutos.
— Mas...
— Espere aí.
Eu desliguei.
— Você pode lidar com isso — disse a Morte.
— Tenho mantido você em segredo, então definitivamente posso. — Isso
saiu um pouco sombrio demais. — Desculpe.
Ele deu um passo para trás, as mãos caindo de mim. — Entendo. Eu peço
muito de você.
— Eu não queria começar algo.
— Você não fez isso, Marcel.
Então por que ele parecia tão magoado?
A verdade pode doer às vezes...
Não me ressentia em manter seu segredo, no entanto. Pelo menos, eu
achava que não me ressentia.
Seus poderes aumentam porque ele não consegue fazer seu trabalho...
Eu ignorei minhas vozes interiores. — Tenho que ir. Acho que eu deveria
ir para casa, realmente.
— Eu também acho. — Seu tom continha sugestões de tristeza.
— Te vejo mais tarde?
— Vou passar por lá às nove.
— Ótimo. Podemos conversar mais então.
Ele deu um passo à frente e me beijou levemente nos lábios. — Até então.
— Sim... — falei, querendo mais. Em vez disso, me virei e peguei minha
jaqueta, correndo pela mansão e descendo até os portões da frente sob uma
chuva torrencial.
Lá se foi meu penteado.
O que diabos Robert estava fazendo aqui, afinal?
Meu parceiro necromante saiu do carro quando me aproximei dos
portões, olhando para mim de braços cruzados.
Os portões trancados não abriram. Eu entendi a dica e passei por cima
deles, vendendo mais dessa mentira.
Aterrissei do outro lado.
— Mano? — ele disse.
— Relaxe, estou bem.
— Não perguntei se você estava, mas ótimo. O que está fazendo aqui?
— Pensando — respondi. — Venho aqui para fazer uma pausa quando as
coisas ficam muito barulhentas na minha cabeça.
Nenhuma resposta.
— Ninguém nunca vem aqui, ou assim fui levado a acreditar — eu disse.
Ainda nada, suas mãos desaparecendo nos bolsos.
— Você já teve um lugar tranquilo onde gosta de ir? — Tentei.
Ele olhou para trás, franzindo a testa.
— Talvez no topo de uma colina ou algo assim. Nunca uma casa
assustadora.
— Não é tão ruim. Pelo menos é tranquilo.
— E cheio de ratos.
— Na verdade não.
Olhos voltados para mim. — Onde esteve?
— Aqui.
— O dia todo?
— Sim. Adormeci por acidente.
Seu rosto enrugou-se de desgosto. — Lá?
— Existem camas.
— Isso é nojento, mano. Você provavelmente está cheio de percevejos.
Dei de ombros. — Estou bem. De qualquer forma, eu realmente deveria
voltar para casa agora.
— Sim. — Seu exame permaneceu na casa. — Você realmente gosta de
pensar aqui?
— Gosto. — Fui em direção ao meu carro, balançando as chaves.
Ele se virou para mim. — Esquisito. Mas você que sabe, mano.
— Desculpe, não posso me encontrar com George esta noite. — Essa frase
queimou minha língua.
— Sem problemas. Que tal quarta-feira? Às sete?
Prefiro beber mijo de burro. — Ok. Isso pode ser bom.
— Vamos sair daqui — disse ele.
— Espere. Por que está aqui? — Perguntei.
— Explorando, como eu disse. Não se preocupe. Este lugar não é minha
vibe. Você pode ficar com ele.
Graças a Deus por isso.

O resto da segunda-feira passou comigo dormindo mais, acordando nas


primeiras horas da manhã de terça-feira com uma forte dor de cabeça.
A Morte apareceu e me encontrou roncando loucamente. Suas palavras,
escritas em letras elegantes no papel que ele prendeu na porta do meu
quarto, me disseram isso. Ele também disse que viria me ver depois do meu
turno.
Mas a linha final da nota realmente fez meu coração palpitar.
Com todo o meu amor,
M xxx
Droga.
Maldição.
Terça-feira chegou. Cochilei, me livrei da dor de cabeça, tricotei, pensei na
Morte. Sobre as possibilidades, o passado, meu amor por ele. Tomei Suco
Necro e analgésicos, mas me sentia melhor. Descansado e um tanto contente.
Emma me lembrou que meu turno estava chegando, com metade do
salário, um e-mail frio afirmando seu poder sobre mim. Eu respondi
obedientemente, educadamente.
Ugh.
Louise passou por aqui. Ensinei-lhe um pouco de francês, ela admirou o
progresso do meu cobertor e jogamos Scrabble, vendo como ela conseguia
mover aquelas letras.
— Pontuação de palavras triplas! — ela declarou, derrubando uma peça.
Inclinei a cabeça, lendo a palavra longa. — Realmente?
— Você nunca ouviu falar dessa palavra antes?
— Não.
— Cacorrafiofobia é o medo do fracasso ou da derrota — disse ela.
— Entendo. Falando nisso, acho que você ganhou.
Ela bateu no gorro. — Eu também acho.
Eu ri enquanto ela contava sua pontuação. Papai era incrível no Scrabble,
sempre conseguindo nos dar uma surra quando jogávamos em família.
Henri sempre ficava em segundo lugar, com mamãe e eu ficando atrás.
Estávamos mais interessados no vinho e nos petiscos, para ser sincero.
Com Louise triunfante, fomos até o correio perto do meu prédio para
pegar meu pacote de mamãe. No caminho, ela me disse que estava morando
com a mãe desde ontem à noite. Ela sentia muita falta dela.
Tão doce.
De volta ao meu apartamento, liguei para minha mãe por vídeo para um
unboxing ao vivo.
— Boa tarde, Mon Papillon. — Ela mandou beijos.
— Salut11, Maman. Esta é a minha amiga. Louise.
O fantasma acenou para minha mãe.
— Olá, Louise.
— Oi. É um prazer conhecer você. Nossa, você tem os olhos dela, Marcel.
Que lindos olhos você tem, Sra. August. Oh, não! Pareço o lobo mau! O que
há de errado comigo? Estou apenas nervosa…
Eu a deixei divagar até que ela fez uma pausa.
— Você está bem — eu disse a ela, indo dar um tapinha nas costas dela
sem pensar.
Minha mão passou por ela.
Ela olhou para si mesma e depois para mim.
— Desculpe — eu disse.
— Está tudo bem — ela respondeu fracamente.
— Prazer em conhecê-la também — disse mamãe.
Passado aquele leve constrangimento, mamãe se acomodou para me ver
cortar a caixa de papelão.
— Onde está o papai? — Perguntei.
Droga. Quanta fita ela usou?
— Ele está na farmácia?

11 Olá
— Ele está bem?
— Ele está, Mon Papillon. Ele está pegando um creme para hemorroidas.
Não a pressionei mais sobre esse assunto. — E Henri? Ele me mandou uma
mensagem esta manhã sobre o trabalho na universidade que lhe deu rugas.
Ela bufou. — Ele é um garoto tão bobo.
Meu irmão às vezes era um pouco dramático.
Mamãe me mandou alguns de seus doces caseiros, um pão, queijo brie,
alguns panos de prato, dois livros sobre culinária francesa e algumas
garrafas de vinho tinto.
Incrível.
— Merci beaucoup, Maman.
— De nada.
Louise saiu meia hora depois e, em pouco tempo, depois de comer muitos
croissants de mamãe, já estava quase na hora do meu turno.
Que delícias rebeldes me aguardavam esta noite?

Um turno muito mais silencioso nas últimas horas, muitas patrulhas nas
ruas ao redor do Lago Oakthorne.
— Isso é chato — reclamou Robert.
— Prefiro isso ao drama rebelde a qualquer momento — respondi.
Meu parceiro mexeu com o universo reclamando. Momentos depois, isso
nos deu drama.
Merda.
Louise veio correndo no meio de uma estrada perto de sua casa, sem dar
sinais de diminuir a velocidade.
— O que você está fazendo aqui depois do toque de recolher? — Perguntei
para ela.
Ela avançou direto para mim, com os dentes à mostra.
Invoquei minha magia de vinculação, mas Robert conseguiu primeiro.
Três anéis verdes a prenderam no lugar. Ela gritou, sua mandíbula
estalando.
Robert ordenou que ela ficasse quieta.
Apertei meu peito, atordoado ao vê-la daquele jeito. E isso só significava
uma coisa: um rebelde tinha o controle sobre ela.
— Você está bem? — Perguntei ao meu parceiro.
— Sim. O domínio do rebelde é fraco.
Saquei minha arma, olhando para a esquerda e para a direita em cada
sombra. Eu liberei meu poder de escanear, procurando por perigo.
Havia uma rebelde escondida atrás de um carro à frente, com um corpo
reanimado.
— Peguei você. À direita — eu disse a Robert. — Agachada atrás...
O barulho de um carro ao longe.
Olhei para a minha direita para ver faróis se aproximando.
— Surpresa, filhos da puta! — gritou a mulher rebelde ao saltar de seu
esconderijo, com seu companheiro morto juntando-se a ela.
Eu atirei, acertando-a no ombro. Ela caiu com um grito e caiu na
gargalhada. O zumbi caiu inutilmente no chão, seu controle claramente
muito fraco. Seu foco estava em controlar Louise.
Um zumbi inútil era uma misericórdia. Zumbis podem ser problemas
reais – basta perguntar a Jenn.
Ignorei a memória da rua Baker quando o carro chegou, freando
bruscamente. Virei-me para cumprimentá-lo, a arma apontada para os
vidros escuros. Ofegante, uma onda de pânico aumentando. Esperando para
ver seu rosto.
Tinha que ser ele no banco do motorista. Todos os meus instintos me
disseram que este seria o momento em que ele mostraria sua cara, agiria a
qualquer momento.
A porta do motorista se abriu. Uma balaclava cobria o rosto da figura. Seu
rosto. Era um homem.
— Pare, Marcel! — Nick gritou.
Sim, eu estava esperando por ele. Não, isso não me impediu de me
atrapalhar com a arma ao ouvir a voz dele.
O choque pode realmente atrapalhar um cara.
Nick jogou uma poção e o frasco caiu aos meus pés. Ele lançou uma
nuvem de flores azuis geladas em meu rosto. Meus músculos ficaram tensos
imediatamente enquanto eu tentava atirar nele, me mover.
— Porra! — Robert gritou.
Louise gritou quando meu parceiro abandonou parte de seu vínculo. Ela
rapidamente calou a boca enquanto ele a restaurava.
Continuei tentando me mover.
Nick gargalhou, entrando no carro. Acelerou o motor.
Maldita magia de mago!
O carro deu ré terrivelmente rápido antes de rugir para frente.
— Não! — Robert gritou, quebrando o vínculo novamente.
Louise gritou. Ouvi sua energia cinética colidir com Robert quando o carro
bateu em mim, me fazendo girar no ar como uma boneca de pano. Eu soube
imediatamente que quase todos os ossos do meu corpo estavam quebrados
pelo impacto.
Caí no asfalto, meu crânio se abriu e o sangue se acumulou sob minha
cabeça.
Oh. Merda.
O carro acelerou e veio em minha direção, as rodas me esmagando. Nick
deu ré, arruinando mais parte do meu corpo, e avançou novamente para
arrancar minha cabeça. Estourou como uma uva, tudo ficou escuro...
… por menos de dez segundos.
Meu fio de renascimento recusou-se a deixar meu corpo morrer, para que
meu fantasma se libertasse de minha existência mortal. Isso me consertou,
reformou minha cabeça e meus ossos, restaurou minha visão, cada
centímetro de mim.
Consertado, pulei de pé. Mas Nick havia desaparecido, o grito de uma
freada brusca em algum lugar distante.
— Puta merda — engasguei-me, recuperando o fôlego.
— O que… que… porra…
Robert estava à minha esquerda, com um lado do rosto arranhado. A seus
pés, Louise estava sentada de joelhos, chorando, livre de qualquer controle
necromante.
— Lou...
— Pare aí — Robert avisou, apontando sua arma para mim.
Ergui minhas mãos. — Calma.
— O que diabos aconteceu?
— O Lich...
— Que porra aconteceu? — ele gritou. — Com você. E não me venha com
nenhuma porcaria.
Droga. — Você está ferido. Vamos levar você...
— Sem porcaria, Marcel. Comece a falar.
Uma explosão controlou as coisas. Fogo e fumaça surgiram no ar perto do
lago. Os alarmes dos carros soaram, acionados pelo estrondo.
Louise gritou. — Não! Mãe!
Aquela era a casa de sua mãe?
Louise deu um pulo e começou a correr. Robert foi impedi-la, mas eu o
impedi.
Ele apontou a arma para mim novamente. — Qual é a porra do seu
problema?
— Ela não é mais um perigo. Vamos atrás dela.
— Não se mova. Não se mova, porra.
Não tínhamos tempo para isso. — Vamos...
— Como você está vivo?
— Posso explicar. Mas vamos...
— Explique agora.
Se ele não tivesse aquela arma, eu estaria chutando a bunda dele. — Louise
precisa de nós.
— Fale. Agora.
— Robert…
As veias de seu pescoço pulsavam. — Eu disse para começar a falar, porra.
Merda. — Meus poderes cresceram.
— O quê?
— Tenho dois novos fios. Renascimento. Convocação. No momento, sou
um pouco invencível.
— Um pouco? Um pouco, porra? Eu assisti o lich atropelar você
repetidamente. Ele transformou sua cabeça em mingau e agora... — Ele me
olhou de cima a baixo. — E agora você está bem. Você foi recomposto...
Porra! — Ele estremeceu, os dedos alcançando o arranhão realmente
desagradável em seu rosto.
Peguei meu e-scroll.
— O que você está fazendo? — Ele demandou.
— Ligando para Emma. Preciso fazer isso
— O quê?
— A regra dela. Se alguém descobrir sobre mim, tenho que contar a ela
imediatamente.
— Você está compartilhando segredos com ela agora, hein? — ele disse
com um grunhido.
— Sim? — Emma respondeu.
Expliquei.
— Mate a rebelde, mande-a para o Santuário. Investigue a explosão, mas
mantenha distância — disse ela. — Estou indo encontrá-lo agora com reforços.
— Sim, senhora.
Ela desligou.
— O que ela disse? — Robert perguntou.
— Ir até lá, e não fazer nada estúpido — parafraseei.
Ele fungou, baixando finalmente a arma. — Porra, mano. Que porra é
essa?
Entendia a reação dele. — Não era assim que eu queria que você
descobrisse.
Lidamos com a rebelde, Robert plantando uma bala em seu cérebro, nós
dois mandando-a para o Santuário. O zumbi permaneceu morto.
— Vamos — ele disse. Ele começou a correr. Eu o segui.
— Que bom que você está vivo — acrescentou.
— Obrigado.
Chegamos ao Lago Oakthorne, um enorme corpo de água cercado por um
caminho. O fogo ardia atrás de uma fileira de carvalhos, separando a água
de quatro casas e de uma igreja no lado leste.
Aquela igreja queimou, alguns dos carvalhos em chamas, ainda fortes.
Uma série de escombros em chamas cobriu a área, e o fogo se espalhou
rapidamente.
Corremos em volta das árvores, de olho em qualquer rebelde, em Nick.
Será que eles estavam trabalhando juntos, ele e aquela rebelde morta?
A igreja foi a fonte da explosão, destruindo todas as casas, exceto uma,
agora em chamas. Mais destruição cobria o chão, fantasmas gritavam com a
destruição, chorando com seus corações mortos enquanto observavam suas
casas e corpos queimarem.
— Ah, não... — sussurrei.
Onde estava Louise?
Havia outros fantasmas também. Rindo, apontando para a igreja e
uivando de alegria como valentões cruéis no pátio de uma escola. Fantasmas
rebeldes. Rebeldes fizeram isso sob o possível comando de Nick.
Onde diabos estava Louise?
Eu a vi passar pela parede da última cabana de pé.
— Mãe! — ela chorou. — Mãe!
A mãe dela estava lá dentro.
Fantasmas renegados zombavam dela, choramingando "Mãe!" e rindo e
dançando ao redor dos cadáveres, correndo através das chamas que não os
machucariam.
Cerrei os punhos com tanta força que os nós dos dedos estalaram.
— O que nós fazemos? — Robert perguntou.
Esperamos por Emma…
Um fantasma rebelde nos avistou e veio saltitando. — Bem, bem, bem!
Dois necr...
Bati meu poder de vinculação nele.
Outros notaram.
— Ei! Deixe-o em paz! — um deles gritou.
— Nós vamos te foder! — outro acrescentou.
— Marcel! — Louise gritou. — Minha mãe!
Na hora certa, Emma e a cavalaria chegaram. Quando ela saiu da multidão
de carros e vans com necromantes a reboque, os bombeiros e os serviços de
ambulância pararam.
Corri para a cabana que não pegava fogo para ajudar a mãe de Louise.
Emma provavelmente me daria uma bronca, talvez descontando mais do
meu salário. Mas dane-se.
Eu congelei no meio do caminho para o prédio.
A Morte saiu da cabana carregando uma mulher viva envolta em um
roupão branco, soluçando.
— Que porra é essa? — Robert disse. — Ela está... Ela está flutuando?
Flutuando? Huh? Oh. A Morte estava se escondendo.
Droga. Isso não era bom. Agora a mãe de Louise seria o assunto da cidade
com suas habilidades “flutuantes”. O que ela diria? Ela podia ver a Morte?
Louise cometeria um deslize e revelaria o segredo do meu amante?
A Morte carregou a mãe de Louise em direção aos paramédicos que
corriam na direção deles. Ele a abaixou no chão, deixando-os assumir o
controle. Recuei para deixá-los fazer suas coisas. Eles não pareciam reagir à
flutuação, apenas preocupados com a paciente.
Louise caiu de joelhos ao lado da mãe, soluçando.
— Vai ficar tudo bem. — disse ela. — Tudo vai dar certo.
Necromantes começaram a trabalhar nos rebeldes, acalmando as vítimas
aterrorizadas. A brigada de incêndio combateu os incêndios, tudo
barulhento e caótico ao meu redor. Entrei em ação, enviando rebeldes para
o Santuário com Robert.
A morte não estava em lugar nenhum.
Capítulo 18

Um movimento tolo.
A pobre mulher seria bombardeada com perguntas sobre como ela flutuou
para fora de sua casa. Mas ela não seria capaz de responder com nada
substancial. Eu tinha me escondido dela e de Louise. Pelo que se sabia, um
milagre a tirou da cabana.
Apenas Marcel viu a verdade.
Após a explosão, desci para investigar. Encontrei um massacre, vidas
inocentes perdidas enquanto dormiam em suas camas – vítimas do caos
rebelde. Mas não a mãe de Louise. Ela ficou ferida e sua casa foi danificada
pela explosão. Seus enfeites e janelas estavam quebrados, e parte do teto caiu
e esmagou seu pé esquerdo. Mas ela estava bem. Assustada e coberta de
poeira, mas bem.
Eu tive que salvá-la. Eu não conseguia suportar seus gemidos, seu medo
terrível. Deixá-la para ser encontrada era a antítese da minha natureza. Eu
gostava de ajudar e me importava profundamente com as almas vivas e
também com as mortas.
A angústia dos recém-mortos me chamava, suplicando sussurros que me
procuravam por ajuda. Para poupá-los deste reino mortal, deixá-los ter paz
longe deste limbo.
Não. Não até que as coisas mudem.
O Bolsão de Margarida pode instigar tal mudança.
Deixei Marcel começar a trabalhar depois de entregar a pobre mulher,
mantendo-me nas sombras. Assistindo. Pronto para intervir, se necessário.
Eu não era necessário. Todos eram capazes, desde os necromantes até o
pessoal de emergência. Treinado com perfeição, altruísta e incrível. O
orgulho pelo meu amante cresceu em meu coração enquanto eu o observava
em ação.
— Meu necromante especial — eu disse.
Ele sempre foi especial em tudo o que fez em suas vidas. Durante a
primeira era elisabetana, ele estrelou Henrique V, de Shakespeare, como o
duque de Clarence. Ele conhecia o bardo12 pessoalmente, e Marcel, ou
William, como era chamado na época, se apresentou para Sua Majestade a
Rainha Elizabeth I. Encontrou-se com ela depois, onde ela lhe agradeceu por
uma apresentação tão maravilhosa.
Essa foi a noite em que nos reunimos novamente durante aquele período.
Uma noite de vinho e sexo nas ruas sujas de Londres.
Um ano depois, depois de tantas apresentações, depois de tanto amor, ele
morreu, novamente, afogado no Tâmisa depois que o barco em que ambos
navegávamos afundou. Outros vinte morreram com ele.
Ele queria tentar viajar de barco.
— Sem morte desta vez, Marcel — eu disse. — Não vou perdê-lo de novo.

12Nas culturas celtas, um bardo é um contador de histórias profissional, criador de versos, compositor de
música, historiador oral e genealogista, empregado por um patrono (como um monarca ou chefe) para
comemorar um ou mais ancestrais do patrono e elogiar as próprias atividades do mesmo.
Capítulo 19

— Pegue sua cabeça e enfie na sua bunda! — o homem rebelde sibilou


para mim, preso em anéis verdes de luz dentro de uma cela do Santuário.
— Não é realmente o meu gosto, obrigado — respondi.
Ele zombou. — Deixe-me ir.
— Sem chance, receio eu. Mas talvez você possa nos ajudar.
Robert e eu ficamos juntos na cela, o arranhão do meu parceiro curado,
por ordem de Emma enquanto ela cuidava dos outros novos prisioneiros.
Não tive ferimentos. Sem hematomas ou dores, todo o meu corpo curado
pelo renascimento.
Essa questão pairava pesadamente entre mim e Robert, aguardando uma
discussão mais aprofundada.
— Conte-nos sobre o lich — disse Robert.
Os lábios ligeiramente translúcidos do rebelde se espalharam em um
sorriso ameaçador. A luz verde manchou sua boca, aumentando a maldade
de seu rosto.
— Então? — Pressionei. — O que tem a dizer?
— Gosto dele. Ele é divertido.
— Você está trabalhando para ele?
— Não na verdade.
— Então o quê?
Seus olhos piscaram entre mim e Robert. — Ele veio até nós e sugeriu que
acabássemos com tudo. Nós gostamos de acabar com tudo, especialmente se
isso te machuca muito. — Ele acenou para mim, depois para Robert – a única
parte de seu corpo que recebeu movimento dos necromantes do Santuário
que o prendiam do lado de fora da cela.
— É isso? — Robert perguntou. — Ele não pediu para você se juntar a ele?
— Gostaria que ele tivesse.
— E ele não pediu a mais ninguém? — Eu disse.
— Não que eu saiba. Ficarei com ciúmes se isso acontecer. Adoraria que
ele fosse meu chefe. Bem, até que você estragou minhas chances.
Portanto, estes rebeldes mortos podem ter sido peões num esquema
maior. Uma distração enquanto Nick construía um exército rebelde para
caçar essa chave ônix.
Esse era o jogo dele?
— Você é Marcel? — o rebelde me perguntou.
— Por quê?
Aquele sorriso horrível novamente. — Ele nos contou sobre você, como
você se diverte matando rebeldes. Essa é a sua torção, certo? — Ele gemeu
sexualmente, lambendo os lábios. — Você gosta de fatiar e triturar, do
sangue no rosto. Deixa você duro, não é? Você vai para casa e se masturba
ou fode com algum corpo sem nome? — Ele resmungou. — Indecente,
indecente, indecente, indecente… — Seus olhos se arregalaram. —
Indecente. — Ele começou a chorar. — Necromante indecente… eu
gostaria… eu gostaria… eu gostaria de ter seu sangue para impedir isso.
Parar. Quero parar. Quero... — Ele desabou, rastejando em sua tristeza e
loucura.
— Sinto muito — murmurei, embora ele tivesse sido parte de um
massacre.
Nós o deixamos sozinho para chorar. Seu futuro estava fora de nossas
mãos agora.
— Construindo um exército — disse Robert enquanto subíamos as
profundezas do prédio. — Você acha que é isso que está acontecendo?
— Eu meio que acho. — E ele está procurando uma chave especial da qual não
tenho ideia.
Passamos nossos passes no elevador, subindo de volta ao último andar,
encontrando Emma em uma sala com uma escrivaninha e muita decoração
bege.
A janela dava para os encantadores jardins do Santuário Oakthorne,
atualmente sofrendo com a forte chuva.
— Sentem-se — Emma nos ordenou.
Sentamo-nos em nossos bancos, de frente para ela. Ela não tinha o
notebook desta vez.
— Outra mudança interessante para vocês dois — disse ela.
Nós dois assentimos.
— Estou começando a achar que tenho alguns ímãs de problemas em
minha equipe. — Ela acenou com a mão desdenhosa. — Desculpe minha
bobagem. Então, vamos direto ao assunto. Robert?
— Sim, senhora?
— Os poderes de Marcel cresceram. Quero que eles sejam mantidos em
segredo por enquanto. Não sabemos se acontecerá o mesmo com você ou
outros necromantes, mas por enquanto, por favor, não diga nada. — Ela
enfiou a mão embaixo da mesa e entregou-lhe um formulário e uma caneta.
— Assine esta renúncia.
Robert examinou o documento. — Perco tudo se eu disser alguma coisa?
— Correto. Não podemos permitir que você comprometa nossa operação.
Ele pegou a caneta. — E se isso acontecer com um rebelde?
— Então vamos lidar com isso. Assine o formulário.
Ele poderia ter seus problemas com Emma – nós dois tínhamos –, mas ele
também era leal. Um necromante por completo.
Robert assinou.
Emma devolveu o documento ao local onde o havia pescado debaixo da
mesa. — Agora, quero atualizá-los sobre a situação.
As vítimas fantasmas estavam sendo tratadas com cuidado aqui no
Santuário. O mesmo aconteceu com os rebeldes, embora de forma diferente.
— O consenso das entrevistas com os rebeldes aponta para Nick
instigando essa violência — disse Emma. — E este é apenas o começo, temo.
Nick quer vingança, provavelmente até mais do que isso. — Ela suspirou. —
Gostaria que soubéssemos mais e gostaria que pudéssemos esclarecer aquele
Resplendor da Morte. E nem me fale sobre a mulher flutuante. — Um gemido
desta vez. — Dois fantasmas enviados misteriosamente para o Santuário, e
agora as pessoas estão flutuando para fora de casas quase em chamas? Eu
realmente odeio esta cidade.
Eu tinha algumas respostas para ela, trancadas em uma caixinha
traiçoeira.
Ela olhou de volta para a janela. — Eu também odeio a chuva. Vocês
podem ir agora. Terminem o resto do turno de vocês.
— Sim, senhora — respondemos ao mesmo tempo.
Ela não disse mais nada para nós quando saímos.

No final do nosso turno, Robert e eu fomos para casa separados. Ele queria
um pouco de espaço de mim até o período de quinta-feira nas ruas.
Não poderia dizer que o culpava.
Ele ainda queria que eu me encontrasse com George antes disso.
A chuva havia diminuído, uma manhã ensolarada passava, embora as
ruas estivessem vazias das habituais multidões matinais. Após o incidente
da noite passada, muitas lojas foram fechadas e as duas escolas da cidade
foram fechadas durante o dia.
— Mas você está bem? — Papai perguntou ao telefone.
— Completamente. Estou quase chegando em casa agora.
— Bom. Sua mãe está se acalmando um pouco.
Ela estava em completo estado quando viu a explosão da igreja no
noticiário. Eu tinha esquecido de ligar para minha família para avisar que eu
estava bem.
— Por favor, diga a ela que a amo — eu disse.
— Farei isso, filho.
— E Henri.
— Ele quer falar com você — respondeu papai.
— Ele não está na universidade?
Um farfalhar e meu irmão atendeu o telefone. — Seu idiota.
— Sinto muito.
— Você deveria sentir mesmo. — Um suspiro pesado. — Eu não falei sério.
Entendo que você está ocupado e teria resolvido isso. — Uma pausa. — Isso nos
assustou muito. Nós nos preocupamos com você a cada segundo do dia.
— Henri…
Sua voz falhou. — Sinto muito sua falta.
— Sinto sua falta também.
— Eu te amo.
— Amo você mais.
Uma fungada. — Idiota. Fazendo-me chorar.
— Você é um idiota por não estar na universidade.
— Isso foi o que papai disse.
— Papai te chamou de idiota?
— Basicamente, sim. Onde você está agora?
— Quase em casa.
— Legal. Quer voltar para o papai?
— Ok.
— Fale logo.
— Vá para a universidade.
— Sim, senhor — ele respondeu sarcasticamente.
Papai voltou à linha. — Vou deixar você ir, filho.
A Morte estava esperando do lado de fora do meu prédio.
— O-ok, pai. — Limpei a garganta. — Amo você.
— Também te amo. Ligue para sua mãe mais tarde.
— Vou ligar.
Deixei que ele desligasse primeiro, meus olhos voltados para a Morte
encostado na parede, as pernas cruzadas, os braços cruzados com uma
expressão séria no rosto.
— O que está fazendo aqui? — Perguntei.
— Checando. — Ele se afastou da parede.
Parei de andar, procurando ouvidos curiosos.
— Obrigado por ajudar a mãe de Louise. — Ela estava abalada, mas bem.
Eu iria ao hospital mais tarde para ver Louise.
— Você deu uma dor de cabeça à minha chefe — acrescentei.
— Maravilhoso. — Ele não sorriu nem pareceu animado com isso. —
Podemos subir?
— Claro. Você está bem?
— Vamos entrar.
— Você está me preocupando.
— Não precisa se preocupar. — Ele gesticulou para a porta de entrada.
— Ok. Vamos.

A Morte andava pela minha sala, segurando uma taça de vinho tinto.
— Eu deveria estar lá — disse ele. — Antes da explosão.
Ele descobriu a notícia da minha segunda “morte”.
— O lich está de volta, e eu deveria saber que ele estava...
Eu pulei e agarrei-o pelos bíceps. — Pare com isso.
Ele balançou sua cabeça. — Não posso evitar. E se você não tivesse esse
poder? E se...
Eu o beijei para calá-lo, depois descansei minha testa na dele. — Não pense
assim.
A Morte segurou meu rosto em suas mãos, seus dedos e palmas tão
quentes, tão reconfortantes.
— Eu me preocupo com você todos os dias.
Arame farpado envolveu meu coração.
— Me desculpe por não estar lá — ele sussurrou contra meus lábios.
— Não se desculpe. — Minhas pernas estavam lutando com a gravidade,
seu toque e sua proximidade eram esmagadores. — Eu preciso me sentar.
Ele me guiou até o sofá.
Ele esfregou minhas costas.
— Posso pegar alguma coisa para você?
Um banho frio? — Eu acho… — Devo dizer isso? — Eu acho…
Merda.
— Você acha o quê? — ele perguntou.
— Acho que deveríamos prosseguir com o Bolsão de Margarida.
— Tem certeza?
— Você não? Não é só sobre mim.
— Eu só quero você.
Baixei a cabeça timidamente. — De verdade. O que você quer? Além de
mim?
— Quero você, então quero fazer isso.
Eu ri. — Você parece tão dramático.
— Eu sempre sou quando se trata de você. — Ele se inclinou e beijou
minha bochecha.
Toquei o lugar onde seus lábios pousaram.
— Belo chupão, a propósito — disse ele.
— Sua culpa.
— Você quer que eu faça no outro lado para equilibrar isso? — Ele franziu
as sobrancelhas.
— Que tal não?
Ele fez beicinho. — Estraga prazeres.
— É bom ver você sorrir.
— Você sempre me faz sorrir.
— Sua coisa extravagante. — Eu o beijei na bochecha. — Quer sair esta
tarde?
— Marcel, não sairei do seu lado nas próximas horas.

Felicidade. Felicidade absoluta.


Sentamo-nos juntos, assistindo a alguns filmes de Star Wars porque a
Morte os amava. Tricotei mais do meu cobertor, gostando do entusiasmo
dele, de como nossas mãos continuavam se chocando toda vez que
pegávamos a pipoca.
À medida que os créditos rolavam em O Império Contra-ataca, a Morte se
virou para mim, seus olhos imediatamente me prendendo em uma
armadilha sedutora.
Larguei meu tricô, não havia necessidade de palavras. Ele me beijou.
Forte. Suas mãos tateando, puxando meu suéter.
— Tire isso — exigi, levantando os braços acima da cabeça.
Que especialista, tirando-o do meu corpo com um movimento perfeito.
Nossos lábios colidiram novamente antes que ele descesse pelo meu peito,
mudando para uma posição horizontal com sua força incrível.
Eu ri.
Ele beijou meu peito, desenhando círculos com a língua, beijando trilhas
entrecruzadas em minha pele. Arrepios estouraram, meus mamilos tão
duros quanto meu pau. Ele beijou meus nódulos intumescidos, mas prestou
mais atenção à minha barriga, ao meu jeans.
— Oh, merda... — Engasguei enquanto ele mexia no botão superior.
— Quero prová-lo de novo.
Ele abriu o botão.
— Prove-me... — Acariciei a lateral de seu rosto. — Por favor.
Ele baixou meu jeans e boxer até os tornozelos com a mesma facilidade
com que removeu meu suéter. Ele avaliou meu pau, passando um dedo
provocador para cima e para baixo no eixo, dando um puxão em minhas
bolas.
Deus. Adorei a perspectiva, minha dureza descansando em seu rosto. Que
imagem perfeita.
Ele beijou a ponta do meu pau primeiro, passando a língua pela fenda.
— Sim…
— Absolutamente — ele ronronou.
A Morte me devorou, passando de um boquete suave a um boquete
completo. Trabalhando-me com o bolso quente e delicioso de sua boca.
Enterrei meus dedos em seu cabelo, levantando meus quadris, me
contorcendo sob a sensação.
— Isso é tão bom…
Ele gemeu, as vibrações de seu barítono me empurrando para mais perto
do clímax.
Isso era mais seguro do que foder, ele fazendo isso comigo. Isso
minimizava o risco de meus dedos ficarem presos na corrente novamente.
Mas não era suficiente. O Bolsão de Margarida permitiria muito mais.
Acabar com uma alma má pela criação de algo incrível.
Nós podemos fazer isso…
A Morte me levou às alturas do prazer mais uma vez. Gozei em sua
garganta, sussurrando seu nome. Ele me trabalhou mais, me ordenhando até
eu não aguentar mais.
— Oh, meu Deus... — ofeguei. — Porra... eu... eu... esqueci de visitar
Louise e sua mãe. — De repente, eram seis horas.
Ele libertou meu pau, sentando-se. — Essas são suas primeiras palavras?
— Ele deu um tapinha na minha coxa, lambendo traços meus de seus lábios.
— Quando termina o horário de visita?
— Não é isso. Eu deveria encontrar George às sete.
Ugh. Confie nele para arruinar minha euforia.
— Você vai encontrar George esta noite?
Arrastei meu jeans e cueca de volta. — Eu disse que sim.
Merda. Meu plano era colocar o pau da Morte na minha boca para
retribuir o favor, mas acho que isso está em segundo plano agora.
— Você está bem com isso? — ele perguntou.
— Não. Mas acho que deveria fazer isso.
— Qualquer coisa para fazer com que você cure essas feridas.
Sorri para ele enquanto ele se levantava, uma criatura sexy e iminente que
eu queria colocar em cima de mim. — Você é incrível.
Ele encolheu os ombros. — Eu sei.
Bufei. — Aqui vamos nós.
Ele me pegou em sua armadilha de olhar sedutor novamente. — Suponho
que a reciprocidade esteja fora de questão neste momento. — Ele tirou seu
pau.
Eu respondi com a boca, agarrando suas nádegas empinadas. Ele me
encheu bem, batendo no fundo da minha boca. Comecei devagar, me
ajustando ao seu tamanho. Amordaçado um pouco no início, mas
rapidamente superei isso.
— Você está bem aí embaixo? — ele perguntou, brincando com meu
cabelo.
Melhorei meu jogo.
— Suponho que você esteja — ele ronronou, empurrando levemente em
mim. — Eu realmente quero foder você.
Respondi com algo sem sentido.
— Desculpe, Marcel? Sua boca está cheia.
Eu o tirei de mim. — Então me foda. — Pausa dramática. — Na boca.
Seu sorriso malicioso enviou faíscas às minhas bolas. — Tem certeza?
Tirei meu pau da calça jeans. — Me dê isto.
E ele deu. Bolas batendo no meu queixo, as mãos na minha cabeça como
um aperto. Tive que parar algumas vezes para respirar, para não engasgar.
Ele pode estar me fodendo com total abandono, mas isso não significa que
ele não tratou minha boca com cuidado.
Ele sempre foi um amante atencioso e incrível.
Trabalhei meu eixo enquanto ele empurrava para dentro de mim, tão
excitado. Eu gozei primeiro, jatos bagunçados em todo meu jeans.
— Sim — ele gemeu. — Porra, sim. Ah, Marcel. Oh, sim.
Ele atirou seu esperma em mim, o pau latejando contra minha língua,
batendo cada gota em mim. Olhei para cima, encontrando seu olhar ardente,
seus lábios entreabertos enquanto ele ofegava de prazer.
Eu o soltei, limpando a boca com as costas da mão. — Assim?
Ele segurou meu queixo. — Terceira rodada?
— Eu realmente tenho que me preparar para sair agora.
Ele me puxou para um abraço. — Ok, Marcel.
Nós nos abraçamos por uns bons dez minutos, aproveitando nada mais
do que o abraço.
Quando o relógio bateu seis e meia, eu o conduzi para fora da porta.
— Vou entrar em contato com Yvonne — disse ele, apoiando-se no batente
da porta, sua camisa verde-garrafa exibindo bastante de sua pele bronzeada,
como sempre.
Volte aqui e me pegue na mesa de centro. — Ok.
— Estamos realmente fazendo isso?
— S-Sim.
— Entrarei em contato. O que me lembra. — Ele invocou um cartão de
visita dourado com números brancos em relevo. Eu adorava suas
habilidades de conjuração, feliz por elas ainda estarem ativas após seu
rebaixamento de poder – uma consequência de estar fora do trabalho.
— O que é isso? — Perguntei, pegando.
— Meu número de telefone. Nunca trocamos números, o que parece
bastante estranho.
— O que há com o cartão? Por que não simplesmente colocá-lo no meu
telefone?
— Marcel, às vezes um pouco de luxo eleva o mundano.
Levantei uma sobrancelha para ele. — Você chama isso de luxo?
— Esse é um cartão caro, para que você saiba.
Eu sorri. — Você distribui isso com frequência?
— Apenas para necromantes extremamente adoráveis?
— Ah. Que doce.
— Você está zombando de mim, Marcel August?
— Você decide.
O sorriso dele. Meu Deus…
— Adeus por enquanto — disse ele.
Toque-me. — Te vejo em breve.
Nós nos beijamos e ele foi embora. Eu o observei partir, as dores da
saudade mais fortes do que nunca.
Eu nunca poderei deixar você ir...
Capítulo 20

Depois de inserir o número da Morte no meu telefone, o cartão


desapareceu. Feito.
Está bem, então.
Tirei a roupa e fui para o chuveiro, ficando duro novamente. Desejando
que a Morte se manifestasse sob a água quente comigo. Deixando-o me
ensaboar, me prender na parede e enfiar aquele pau delicioso dentro de
mim.
Girei o dial para frio.
Vestido e pronto para sair, li uma mensagem de Robert me desejando boa
sorte com seu noivo. Enviei um agradecimento, sem saber mais o que dizer.
Então liguei para o hospital para passar uma mensagem para Louise,
avisando que a visitaria amanhã. Uma enfermeira muito simpática disse que
iria passar essa mensagem adiante.
Droga, que amigo horrível. Eu a compensaria.
Saí do meu apartamento, atravessando a Praça Leste, a caminho da
reunião de todas as reuniões, a poucos passos de minha casa. Confronto no
pub The Old Mill. Realmente não tinha o toque de um faroeste épico, mas se
George quisesse sacar pistolas, eu ficaria feliz em brincar, certificando-me de
atirar primeiro.
Ok, isso é demais. Posso estar armado, mas isso era para os rebeldes, não
para meu ex.
Tem certeza sobre isso?
Vê-lo se levantar para me cumprimentar quando entrei no pub revirou
meu estômago. Meus pés pediram para me tirar dali.
Não. Eu poderia fazer isso.
Apertei sua mão, mantendo a calma.
— Gostaria de uma bebida? — ele perguntou.
— Vinho tinto, por favor — respondi. — Obrigado.
Ele nos trouxe bebidas e nos sentamos em um canto do pub, perto de uma
janela.
Passei o dedo pela borda da taça enquanto ele bebia um litro de cerveja.
Ele adorava cerveja, principalmente aquelas com sabores inusitados. Um de
seus pubs favoritos em Londres só servia cerveja ale13 de verdade, cerveja,
stouts14, qualquer cerveja de grande marca e um palavrão. Na verdade, eles
até tinham uma caixa de palavrões para tais palavras serem ditas em voz
alta.
Fantasmas e vivos sentavam-se juntos ou conversavam no bar, os
humanos bebiam ou comiam lanches. Silencioso, clientes se afastando esta
noite, mas vozes suficientes para que um delicado manto de ruído flutuasse
acima desse silêncio constrangedor.
Eventualmente, quebrei o silêncio. — Não entendo você.
Ele olhou para mim com aqueles olhos castanhos arregalados e
comoventes de cachorrinho. Suave, fofo, o cara dos sonhos até que ele deu
um soco no seu coração.
— Marcel, sinto muito por tudo — respondeu ele, recostando-se na
cadeira. — Você merecia muito mais.

13 Ale é um tipo de cerveja produzida a partir de cevada maltada usando uma levedura que trabalha melhor

em temperaturas mais elevadas. Tal levedura, conhecida como levedura de alta fermentação, fermenta a
cerveja rapidamente, proporcionando um sabor frutado devido a maior produção de ésteres.
14 Stout é uma cerveja escura feita usando malte torrado ou cevada torrada, lúpulo, água e fermento.
— Sim. Eu merecia não ser traído.
— Você merecia.
— Por que, George? O que fiz errado?
Ele se inclinou para frente, olhando para sua cerveja. — Nada. Não de
propósito. Eu só… eu só…
— O quê? — Bebi um pouco de vinho para acalmar meu tremor.
Tive vontade de jogar a bebida na cara dele, quebrar a taça na cabeça dele.
— O quê? — Empurrei novamente quando ele não respondeu.
Ele olhou para cima. — Como está?
— Como está o quê?
— O vinho. Sei o quanto você ama um tinto.
— Por que você se importa?
— Estou apenas dizendo.
— Eu gostaria que você dissesse o que fez você foder outro homem. — Eu
disse a última parte muito alto, algumas cabeças se virando em nossa
direção.
— Pressão — ele respondeu.
— Repita?
— Pressão, Marcel. Você colocou muita pressão sobre mim.
Eu estava realmente ouvindo isso? — Como? Nunca te impedi de fazer as
coisas que você queria. Não estávamos unidos pelo quadril vinte e quatro
horas por dia, sete dias por semana. Este não sou eu. Não era a gente.
— Você estava tão apaixonado por mim.
Uma ponta de dor floresceu em meu peito. — E você não estava?
— Não. Claro que eu estava.
Eu dei a ele meu melhor olhar confuso enquanto bebia meu vinho.
Ainda não é tarde para quebrar isso na cabeça dele…
— Mas você me amou demais — ele continuou. — Você me via como uma
espécie de príncipe encantado e eu não conseguia corresponder a isso. Fiquei
com muito medo.
Meus dedos se contraíram no vidro. — Com medo?
— Sim. Com muito medo de decepcionar você, fazer algo errado. Então
apertei o botão de autossabotagem e...
— Pare. Simplesmente pare.
— Marcel…
— Você realmente vai sentar aí e falar merda para mim?
— É a verdade. — Ele ergueu as mãos. — Estraguei tudo. Destruí nosso
relacionamento porque sou um idiota.
Eu queria dar um soco nele com tanta força. Ele ficou com medo? Eu o
amava demais? Minha vida foi destruída porque ele não passa de um
covarde?
— Se serve de consolo — disse ele — Craig me traiu. Robert me ajudou a
juntar os pedaços. Ser melhor.
Eu tinha que sair daqui.
— Marcel?
Minhas costas permaneceram coladas à minha cadeira. — O quê?
— Desculpe.
Levantei-me. — Eu não ligo. Eu não quero ouvir isso. Ficou com medo? O
que você quer para isso? Uma medalha?
— Não seja infantil.
— Não me diga o que fazer. — Mais uma vez chamei muita atenção para
esta mesa.
— Por favor... — George disse.
— Não. Terminamos com isso.
— Mas...
— Quer saber? Por mais que você tenha me machucado, estou feliz que
terminamos. Acho que fomos uma péssima combinação. Você ficou com
medo. Eu estava muito inseguro sobre tudo. Nunca acreditei que fosse bom
o suficiente para você.
Além disso, bem, meu coração na verdade pertence a um ser imortal…
— Mar...
Ele não conseguiu falar agora. — Talvez devêssemos ter conversado mais,
não sei. O que sei é que acabou. Eu consegui algum tipo de encerramento,
suponho. — Assustado minha bunda! — Mas por que aqui? Por que você
teve que voltar para minha vida com outro cara novo? — Para minha
surpresa, sentei-me novamente.
— Segui meu parceiro até aqui — respondeu ele. — Quando descobri que
você se mudou para cá, falei com Emma sobre isso. Isso provavelmente foi
errado.
Provavelmente não sobre isso. — E quanto ao seu trabalho como grande
banqueiro? — Bebi mais vinho, pensando em pegar outra taça.
Respirações profundas, não goles.
— Fui transferido para nosso escritório em Bristol — disse ele. — Começo
amanhã.
Suspirei, balançando a cabeça. — Eu te amei tanto.
— Eu te amei, Marcel. Eu ainda amo.
— Nem tente isso.
— Não é assim. Sei que essa opção está fora de cogitação.
— Com certeza, está.
— Mas podemos, não sei, nos curar agora?
Punho no rosto. Joelhos nas bolas. Com qual começo? — Você ama Robert?
— Amo. Ele me ajudou muito.
Até você ficar com medo e foder outra pessoa novamente. — Ok.
— Obrigado por se sentar novamente — disse ele.
A atenção sobre nós parecia estar desaparecendo.
— Você quer outra bebida? — ele perguntou.
— Por favor — respondi rápido demais.
Ele se levantou para pegar um pouco. Fiquei parado, com raiva, mas ainda
não pronto para ir embora.
— Odeio que esteja morando aqui — eu disse enquanto ele se sentava. —
Mas eu vou lidar com isso. Serei civilizado, direi bom dia ou algo assim. Não
espere muito mais do que isso. Não haverá mais conversas em pubs e coisas
assim. Acabou. Estamos no passado.
— O que você quiser. — Ele bebeu um pouco de cerveja. — Estou grato
por este bate-papo.
Olhei para ele, realmente olhei para esse homem que eu amara. Ainda
havia vestígios dele dentro de mim, ainda machucado, até sofrendo um
pouco. Sombras do passado morrendo a cada dia. Eu não poderia perdoá-lo,
certamente não por muito tempo. E eu não estava feliz em ter ele aqui ou sua
outra metade sendo meu parceiro necromante. Mas depois de tudo, depois
de minhas muitas vidas de tristeza e destruição, ele não era nada comparado.
O que ele era comparado a séculos de mortes horríveis?
Morte…
E George realmente não poderia competir com ele.
— Acho que é preciso coragem para sentar aqui e me encarar — eu disse.
— Embora eu não ache que você jamais teria me abordado em Londres. —
Dei de ombros. — Mas é isso que é.
— Só posso lamentar — ele respondeu.
— Obrigado por dizer isso.
Ele assentiu. — Claro.
— Você vive sua vida. Viverei a minha.
Sentei-me mais ereto. Para o inferno com o drama, especialmente este
drama. Agora, mais do que nunca, eu queria provar meu valor e voltar para
Londres. Ser um necromante tão incrível que eu conseguiria uma nova casa
em Londres ou algo assim por ser incrível.
Talvez muito longe…
Não importava eu trabalhar com Robert. Vida profissional e pessoal eram
entidades separadas. Pelo menos nesta situação.
Mordi meu lábio inferior, uma pulsação nervosa em minhas entranhas.
As coisas nunca são tão simples…
— Então, Oakthorne — disse ele.
— Oakthorne — repeti. — Isso não é redução demais para você?
Ele riu. — E você, garoto da cidade.
Por mais que eu não gostasse desse homem, sua voz mantinha o poder
doce e sedutor que me seduziu do lado de fora da minha loja de linhas
favorita no leste de Londres.
— Não tive escolha — eu disse.
— O que aconteceu?
— Emma não te contou?
— Não. Vi notícias sobre a rua Baker, mas não todos os detalhes. E você
não precisa me dizer nada.
Tomei um gole de vinho. — Estou preso aqui.
— Você realmente não precisa me dizer...
— Um pária, um fodido. Quase matei Jenn porque... não estou falando
sobre isso.
— Então não fale. — Um sorriso suave. — Contanto que você esteja bem.
Balancei a cabeça, apertando minha taça contra o peito. — Estou bem. Eu
realmente sinto falta da minha família. E de Jenn.
— É compreensível. Isso é uma grande mudança.
— Uma que você pode lidar? — Perguntei.
— Por Robert? Sim.
Você teria se mudado por mim?
Nem pense nisso!
— Isso é legal — eu disse.
Eu deveria estar mais chateado, não deveria?
Não. Ele não é a Morte…
— E você? — ele perguntou. — Está vendo alguém?
Isso foi uma pitada de ciúme que vi aparecendo em seus olhos?
Bom!
— Na verdade não — menti.
— Oh. — Ele bebeu metade do litro de uma só vez.
Certa vez, flertei com a ideia maluca de me vingar pegando três ou quatro
caras em uma boate. Iríamos para um hotel e faríamos uma orgia. Filmaria e
enviaria para George para mostrar que poderíamos todos brincar.
Eu decidi contra isso no final. Provavelmente foi o melhor.
— Um dia — acrescentou ele — algum cara vai fazer você muito feliz.
— Talvez. — Olhei para a esquerda na direção dos banheiros e fiquei de
pé.
Minha cadeira caiu no chão.
— Mas que porra? — Gritei.
Leon West estava entre as duas portas, indo para o banheiro masculino.
— Marcel? — disse George.
Que diabos?
— Marcel? O que está errado?
— Eu... eu realmente preciso fazer xixi. — Corri pelo pub, irrompendo
pela porta e encontrando o mago parado perto das três pias. Mais uma vez,
ele parecia barro cozido demais, a pele pálida rachada, o cabelo ruivo com
aspecto empoeirado.
— O que está fazendo aqui? — Exigi.
— Vim avisá-lo sobre Nick — disse ele. — Ele está de volta à cidade.
O gelo inundou minhas veias. — Sei que ele está.
— Você o viu?
— Sim. Onde ele está?
— Não sei. Ele me disse que iria machucar você e então saiu furioso.
— Saiu de onde?
— Não sei.
— Você não sabe onde está? — Eu perguntei.
— Estou tentando descobrir. — Ele soltou um suspiro instável. — Mas
estamos no meio do nada, em alguma casa em ruínas. A projeção astral é
difícil, não me dá muito tempo. Tenho tentado ajudar, mas...
Ele desabou em uma pilha de folhas secas, que se dissipou em segundos.
— Leon?
— Marcel?
Virei-me para encarar George.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Não sei.
— Você precisa ir embora?
Balancei a cabeça. — Acho que sim.
— Deixe-me levá-lo de volta.
— Vou ficar bem. — Passei por ele, correndo pelo pub, tentando descobrir
meus próximos passos.
Nick estava do lado de fora da entrada do pub com uma arma apontada
para meu rosto.
Ele puxou o gatilho.
Com os reflexos em dia, saí do caminho bem a tempo, o estalo da arma
agredindo meus tímpanos.
Nick uivou de tanto rir. — Surpresa, Marcel!
Caí no chão, rolei, saquei minha arma e disparei. Foi longe, mas o segundo
também.
Gritos. Comoção no bar, por parte de alguns moradores atravessando a
Praça Leste.
— Marcel! — George gritou da porta.
— Pra dentro! — Eu gritei.
Os olhos de Nick encontraram meu ex. — George? Aquele que te fodeu?
— A risada do lich tornou-se estridente desde o nosso último encontro. —
Isso é bom demais.
— Vá se foder! — Meu próximo tiro estourou seu joelho.
Ele caiu, gritando.
Pulei de pé, abrindo um buraco em seu peito quando um véu frio e
carmesim caiu sobre mim.
— Você fodeu tudo ao voltar aqui — eu disse, acertando outra bala em sua
coxa esquerda. Ele não morreria, mas também não ficaria livre.
— Não! — ele gritou.
Era minha vez de rir da criatura patética sangrando no concreto. O véu
frio me envolveu em seu abraço escuro, fazendo minha bota pousar em sua
mão. Esmagando dedos, quebrando ossos. O lich tão vulnerável, tão fraco.
Inclinei minha cabeça para o lado. Eu estava farto de pessoas mexendo
comigo, pensando que poderiam entrar na minha vida e estragarem tudo.
Sirenes. O grito de Robert. Eu o vi correndo pela praça.
— Eu deveria explodir sua cabeça — eu disse. — Mas quero que você fale.
Deus, ele era realmente estúpido o suficiente para acabar assim?
Um braço em volta do meu peito, uma lâmina na minha garganta.
— Sou uma infinidade de ameaças, Marcel — uma voz sussurrou em meu
ouvido.
A voz de Nick.
Joguei minha cabeça para trás antes que ele abrisse minha garganta. Seu
aperto afrouxou. Eu dei um chute amplo, jogando-o de costas, e disparei três
tiros em seu estômago antes que o cartucho ficasse vazio.
Robert chegou, arma apontada para o outro Nick com as mãos esmagadas.
— Que porra está acontecendo? — Exigi.
O lich que acabei de derrubar riu de mim, cuspindo sangue como resposta.
A polícia chegou, junto com três novos necromantes e Emma. Armas em
punho.
Uma infinidade de ameaças. Ele claramente fez algo para se dividir em
vários pedaços. Com a ajuda de Leon?
— Quantos de vocês tem por aí? — Eu perguntei para os dois Nicks.
As duas partes do lich riram ao mesmo tempo.
Estremeci com o som.
— Está com medo, Marcel? — O lich com balas nas entranhas sorriu para
mim com os dentes manchados de sangue. — Você deveria estar. Você está
marcado. — Ele cuspiu mais sangue. — Você e seu amante interferiram
demais.
— Cale a boca.
— Achei que você queria me ouvir falar?
Emma chegou ao meu lado. — Nicholas.
— Emma! Que bom ver você de novo. Como minha antiga casa está
tratando você? — Ela agora ocupava a antiga residência de Nick em Maple
Lane, literalmente na estrada que dava para Praça Leste.
— É bom ver você no chão — ela respondeu.
— Senhora? — Eu disse. — Permissão para falar.
— Sim.
Eu contei a ela sobre a infinidade de comentários e ameaças.
— Você se importa em explicar? — ela perguntou ao lich.
— Não na verdade.
— Quantos de você existem?
Nenhuma resposta.
— Seu marido mago ajudou você?
Rindo, como se tivesse vencido.
A polícia chegou para ajudar.
— Leve-o — Emma ordenou, olhando para a direita. — Leve os dois.
A Instalação North Somerset, não muito longe da vila de Wraxall. Uma
caixa preta, sem janelas, no fundo de uma bacia. Rodeado por altas paredes
de vidro infundidas com magia necromante, uma sombra monolítica
coroando uma prisão enterrada para poltergeists.
O vento assobiava ao redor do prédio, nas colinas altas. Agora que o sol
se pôs, a única luz vinha dos postes ao longo da estrada que levava até lá e
dos poucos postes que rodeavam o edifício. Apenas tão brilhantes quanto
precisavam ser, como se fossem propositalmente fracos para criar uma
atmosfera assustadora.
As instalações estavam em constante bloqueio, fortemente protegidas,
camada após camada de segurança e engenharia robusta para manter os
espíritos mortais afastados da sociedade. Mas eu tinha um cartão-chave,
fornecido por Yvonne, que funcionava como uma chave mestra para esse
ramo específico.
Da minha posição fora do perímetro, a terrível energia deste lugar vibrava
nas minhas bordas. Tanta dor, tanta raiva que eu poderia liberar daqui.
Enviar. Deixar a vida acabar com isso.
— Um disco quebrado — murmurei para mim mesmo.
Escondido da vista, caminhei pelas cinco cabines de segurança ocupadas
por guardas necromantes, contornando as câmeras, passando
cuidadosamente pelos lasers verdes cruzados no chão.
Movendo-me rapidamente, usei o cartão-chave em uma pequena porta,
uma enorme grade rolante adequada para receber veículos ao lado dela.
Entrei, um elevador vazio à direita, uma passarela de concreto à minha
frente. A sala cavernosa era desprovida de decoração, concreto puro, energia
necromante escondida dentro dela. Algo poderoso, uma criação fascinante.
Subi um lance de escadas até um mezanino.
Ainda assim, a raiva dos presos me agarrou, cutucou minha culpa. Eu fiz
isso acontecer, criei esta situação por causa de...
E novamente aquele disco quebrado.
Reforçando minhas defesas, examinei o próximo painel de cartão-chave,
parando no corredor frio e de concreto além. A raiva e a tristeza coletivas me
atingiram como um vento tóxico, forçando-me a colocar mais defesas sobre
mim mesmo.
Deixe isso de lado…
Continuei abrindo caminho porta após porta, corredor após corredor,
descendo várias escadas, contornando tantas verificações de segurança até
chegar a uma enorme caverna cúbica de passarelas de concreto e janelas
pretas.
As celas. Tantas celas.
Fiquei no topo, recuperando o fôlego depois que outra onda de tristeza
poltergeist me atingiu. Os gritos abafados eram ensurdecedores, tão ferozes
quanto aquela energia. À beira de me oprimir.
Seja forte…
A caverna zumbia com a força dos poltergeists lutando contra suas
prisões, a estrutura poderosa o suficiente para mantê-los presos. Mas e se
um dia não fosse mais? As coisas falham, acidentes acontecem. Se essa
quantidade de energia fosse liberada para o mundo, então...
Pare de pensar nisso.
Jeff Hunt residia no andar 70, cela 14. O andar superior era o 300, os
números contados regressivamente na descida. E assim, desci, passando por
necromantes em patrulha, um invasor silencioso.
No 81º andar, parei do lado de fora de uma cela, a dor dentro de mim
prendendo minha atenção.
Uma criança. Uma menina de nove anos. Um fim trágico, uma vida
interrompida. Presa aqui em sua raiva, para sempre nesta escuridão.
Sozinha. Sempre sozinha. Mesmo sendo tão jovem, tudo o que ela queria era
destruir, derrubar este lugar, espalhar o seu sofrimento para o resto do
mundo.
Veja o que você fez…
Veja o que você se tornou...
Recuei, continuando com minha missão. Isso era sobre Marcel, nada mais.
Sua própria necessidade queima os mortos.
Andar 70. Cela 14. Lá estava ele, Jeff Hunt. Uma coisa cruel, sua energia
distorcida e cheia de ódio, gotejando um mal vil. Nenhum remorso, apenas
sede de cometer mais crimes. Ele não era o único. Passei por muitos deles e
outros esperavam nos andares abaixo. Almas sem capacidade de alcançar a
redenção, nem mesmo de mergulhar os pés em águas melhores.
Isso tornava tudo mais fácil.
A próxima etapa exigia que eu fosse mais rápido do que nunca. Olhei em
ambas as direções da passarela, os guardas patrulhando próximos, mas de
costas viradas.
Entre e pegue-o...
Contei até cinco, sacando minha foice, a lâmina curva brilhando
avidamente.
Dois…
Um…
Bati o cartão-chave no painel e a porta se abriu com um clique. A caverna
imediatamente se encheu de alarmes e luzes vermelhas. Os guardas
entraram em ação tão rapidamente quanto eu entrei.
Com a foice erguida, puxei Jeff para minha lâmina, sua forma translúcida,
mais do que um fantasma normal, mal registrou o que estava acontecendo.
Ele não fez nenhum som quando minha arma o absorveu.
Os guardas entraram na cela.
— Onde diabos ele está? — um homem gritou.
Minha foice vibrou, o poltergeist respondendo com raiva à sua nova
prisão.
Você nunca será livre...
Passei pelos guardas e voltei para fora sem suar a camisa. No entanto, a
meio caminho da minha moto que me esperava, caí de lado, sentindo dores
agudas por toda parte.
A menina, a energia daquele lugar, me corroeu, me virou do avesso.
Levei dez minutos para me levantar e subir no Pegasus II.
A garota…
Aquela pobre menininha...
Mas foi feito. Eu tinha o ingrediente para fazer o Bolsão de Margarida.
Aumentei a velocidade do Pegasus II ao máximo, consumindo as estradas
até Londres.
Os dois Nicks se separaram, desmoronando em pétalas cinzentas e
empoeiradas, sua risada zombeteira ecoando pela praça.
Merda.
Os policiais que iam algemá-lo pularam para trás. As pétalas explodiram
em chamas.
— Para trás! — Emma ordenou.
O fogo morreu, as pétalas desapareceram.
Magia de mago.
Qual diabos era o jogo de Leon nisso? Ele queria me ajudar,
aparentemente. Eu confiava nele tanto quanto confiava em George vindo até
mim de joelhos novamente.
— Querido — disse Robert, correndo para seu noivo. Eles se abraçaram,
se beijaram e eu fiz questão de desviar o olhar.
Em vez disso, chamei a atenção de Emma. Ela não estava nem um pouco
feliz. E percebi que não tinha permissão para me virar e voltar para casa para
tricotar e beber vinho.
Sim. Eu tinha razão.
Robert e eu nos sentamos novamente à mesa de Emma, aguardando
ordens enquanto outra tempestade de merda assolava a mídia local da
cidade, espalhando-se rapidamente pela imprensa nacional. Nick foi a
estrela do show. De novo. E ele parecia estar despertando seriamente
interesse rebelde agora.
Isso não era bom.
Emma gritou ordens em seu e-scroll, insistindo em uma resposta de sem
comentários. Como se isso fosse suficiente para conter a onda de manchetes
gritantes, de pânico. Liches eram mortais, Nick era mortal, e só Deus sabia o
que se escondia na próxima ação. O pânico público era inevitável.
Descobrimos, através de um mago que trabalhava com a polícia, que Nick
havia sido dividido em partes diferentes por uma poção chamada Fatiador.
Uma poção poderosa feita de um certo tipo de tulipa. O último caso de seu
uso ocorreu há cerca de cinquenta anos, deixando um mago fatiado igual
pão depois de dar errado. Era suficiente dizer que o material estava na lista
de banidos.
— Com licença — disse a Diretora Superior, saindo da sala.
Lembrei-me de respirar depois que ela bateu à porta. — Não era assim que
eu queria que minha noite fosse.
Silêncio do meu parceiro.
— Como está George? — Tentei.
— Bem. Abalado.
— Aposto que sim.
Ele cutucou as unhas. — Tudo bem entre vocês dois?
— Eu acho que sim.
— Você acha que sim?
— O tempo cura — eu disse, odiando esse ditado em particular.
— Hmmm…
— O que está errado?
Ele parou de cutucar, olhando para a janela. — Nada...
— Me diga.
Uma rápida olhada em minha direção e então ele voltou a cutucar as
unhas. — Você me confunde.
— Eu te confundo?
— Sim, mano. Grande momento. — Ele limpou a garganta. — Quando
Nick mencionou seu amante, a quem ele se referia?
— Eu... — Merda. Merda. Merda. Eu tinha esquecido disso.
— Ele quis dizer George? — ele pressionou.
Dê-me algum maldito crédito. — Claro que não.
— Vocês não estão recomeçando de novo? Eu não empurrei vocês dois de
volta?
— Por favor, nem pense isso. Estamos mais do que acabados.
Ele suspirou. — Então quem?
— Eu…
Emma reapareceu. — Um Nick de muitas partes. — Ela olhou entre nós.
— O que é? Vocês dois parecem estranhos.
— Nada, senhora — Robert respondeu rapidamente. — Apenas
absorvendo tudo isso.
Ela assentiu. — Esta cidade faz Londres parecer tranquila.
Robert olhou para mim. Ótimo. Agora ele pensava que eu era um
necromante evasivo.
— Esses ataques à cidade vão causar o caos, é claro — disse Emma,
sentando-se. — Mas também vão ser direcionados a machucar você, Marcel,
e as pessoas em sua vida.
Meu estômago revisou. Minha família. Ele realmente iria para minha
família? — Oh, Deus…
— A segurança foi fornecida para sua família, com a consideração de
transferi-los para uma casa segura dentro de algumas horas. O que sua mãe
protesta veementemente. Mas com o lich tendo um mago à sua disposição,
é possível que ele encontre sua família independentemente de sua
localização.
Quase vomitei em cima da mesa. — Tenho que falar com minha família.
— Claro.
— Tenho que ir e ficar com eles. Eles precisam de mim.
— Não, preciso de você aqui. Eles serão atendidos. Aqui podemos manter
Nick confinado em seu parquinho. Pelo menos até certo ponto. Quem sabe
onde estão suas outras partes.
Então eu era uma isca?
— Ele continuará vindo atrás de você — acrescentou ela. — Isso nós
sabemos.
Isso seria um sim, então.
Ela sorriu para mim, e foi um ancinho enferrujado arrastado pela minha
alma. — Sei que você está preocupado, Marcel. Todos nós estamos. A partir
de agora, você receberá uma equipe de segurança 24 horas por dia, sete dias
por semana. Dois policiais e dois necromantes observarão cada movimento
seu.
Ela fez isso parecer ameaçador, e meio que era. Como eu poderia ver a
Morte ou fazer qualquer coisa em particular agora?
Droga!
Minhas mãos estavam úmidas e o suor se acumulava na base da minha
coluna. O medo era uma toxina, um veneno debilitante do tipo mais
desagradável.
As paredes do seu escritório eram muito próximas e a temperatura
sufocante. Eu precisava sair, entrar no meu carro e correr para Londres. Eu
protegeria minha família, não ela. Ninguém mais. Como ela ousa me manter
longe deles? Como ela ousa brincar com minha vida e emoções assim? Ela
queria que eu fosse um rebelde?
— É inútil você estar aqui — disse Emma. — Considere-se em espera por
enquanto. Vocês dois podem ir para casa. Tentem relaxar.
Relaxar? Ela estava louca?
Realizei meus exercícios respiratórios da melhor maneira que pude,
lutando para manter uma atitude calma. Ela não me veria desmoronar.
— Entrarei em contato — disse ela.
Robert e eu saímos juntos, Peter e Trish nos levando silenciosamente de
volta ao nosso prédio, seguidos por um carro da polícia que transportava
dois policiais.
Assim que paramos em frente ao meu prédio, Robert saltou do carro e
correu para dentro sem dizer mais nada. Ele não confiava em mim, não me
ofereceu nenhuma palavra de conforto. Tanto faz. Eu não tinha espaço na
minha cabeça para mais bagunça agora.
Peter e Trish me acompanharam até a porta da frente.
— Você está bem? — perguntou Peter.
— Eu preciso de uma bebida.
— Eu não te culpo, cara.
— Nós estaremos lá fora — acrescentou Trish. — Com aqueles policiais.
— Obrigado — eu disse.
— Tome cuidado, companheiro — respondeu Peter.
— Você também.
Capítulo 24

Em vez de desmaiar, como eu realmente queria, imediatamente peguei


meu tablet e fiz uma videochamada com minha família.
Henri atendeu primeiro e sentou-se à mesa da cozinha. — Marcel…
— É ele? — Papai chamou.
Passos apressados, então ele apareceu na tela. — Você está ferido, filho?
— Não. Vocês estão?
Henri e papai responderam “não” ao mesmo tempo.
Mamãe entrou na tela, seu rosto parecia um trovão. — Mon Papillon. Eles
estão nos dizendo que talvez tenhamos que nos mudar.
— Sinto muito — eu disse, com os olhos imediatamente marejados. —
Sinto pra caralho.
— Linguagem… — ela respondeu suavemente, tocando a tela.
— Não é culpa sua — papai ofereceu. — Esse lich bastardo não é culpa
sua.
Toquei na tela, com os dedos nos da minha mãe. — Eu não aguento mais
isso. Quero voltar para casa.
— Ela não vai permitir isso — mamãe respondeu em francês.
Eu balancei a cabeça. — Eu deveria apenas fugir.
— Você não iria muito longe — respondeu papai. — Não seja bobo agora.
Limpei as lágrimas com a manga do meu suéter, meu peito cheio de nós.
— Eu sei. Estou apenas dizendo.
Papai sentou-se, tirando os óculos para esfregar a ponta do nariz.
— Pelo menos eles estão nos oferecendo proteção. E você?
— Tenho proteção e estou à espera.
— Ela está fazendo você trabalhar depois disso? — Mamãe questionou
com pura indignação.
— Sim. E estou feliz. Quero ajudar a lutar contra Nick.
— O que ele quer? — Henri perguntou.
Hora de mentir. — Não sei. Algum tipo de jogo de poder, eu acho. Para
machucar o mundo.
Mas não era uma grande mentira. Além da chave ônix, eu ainda não tinha
ideia de quais eram seus objetivos além de minha cabeça em uma vara.
— Eu o odeio — disse meu irmão. — O odeio pra caralho.
Mamãe não o repreendeu por sua linguagem imprópria. Seus olhos
estavam em mim, abrindo caminho até minha alma.
— O que foi, Mon Papillon? Há algo que não está nos contando.
Gelo passou por mim. — Maman… eu…
— Aqui não — disse ela. — Aqui não.
A intuição de sua mãe entrou em ação. Meu rosto era um livro aberto para
ela, incapaz de esconder qualquer segredo de seus olhos que tudo viam.
— Nós ficaremos bem — papai interrompeu. — Eles nos manterão
seguros.
Contei a eles sobre manter Oakthorne como parquinho de Nick.
Mamãe parecia prestes a explodir, mas engoliu a raiva.
Henri falou. — Estou tão preocupado com você.
Não se preocupe, irmãozinho. No momento, não posso ser morto.
— Idem — eu disse em vez disso. — Mas não podemos deixar esse lich
levar a melhor sobre nós. — Sentei-me mais ereto, seus rostos me dando
força, derramando a luta incandescente de volta em mim. — Nossa família
não será destruída por aquele idiota.
Surpreendentemente, mamãe riu, sem refutar o palavrão. — Muito bem,
Mon Papillon.
— Dedos cruzados para encontrar essa coisa — acrescentou Henri.
— Filactério — disse papai.
Henri assentiu. — Isso aí.
Decidimos jogar um jogo de charadas para distrair as coisas.
Não parecia o mesmo evento alegre de sempre.
Maldito lich!

Um tanto tranquilo depois de passar um tempo com minha família, sentei-


me com meu tricô, bebendo vinho tinto, ansioso pelo retorno da Morte,
minha arma bem ao meu lado.
A TV exibia algum drama, o volume baixo, o clique das minhas agulhas
mais alto.
Nick. Nick. Nick. Ele tinha que ser parado.
— Marcel?
Peguei minha arma e fiquei de pé, girando para cumprimentar Leon que
estava na minha porta.
— Desculpe por invadir sua privacidade — disse ele. — Eu não tenho
muito tempo. É difícil manter uma conexão.
Mantive minha arma apontada para ele. — O que você sabe sobre a chave
ônix?
— Só que é importante — ele respondeu, seus olhos âmbar piscando
rapidamente por dez segundos. — Nick não pode falar muito sobre isso. Na
verdade, ele realmente luta como se houvesse algum tipo de bloqueio.
Assim como a Morte. — Então você não sabe nada sobre isso?
— Como eu disse... — Ele respirou fundo entre os dentes cerrados. —
Merda.
— Você está bem?
— Machuca. De qualquer forma, tudo que sei sobre a chave é que Nick
não deveria tê-la. Ele está usando a poção Buscador para procurá-la, mas
continuo diluindo-as.
— Você está trabalhando contra ele. Por quê?
Ele estreitou os olhos. — Eu o odeio. Não quero que ele encontre a chave.
Seja o que for, não pode ser nada de bom nas mãos dele.
— Você odeia seu marido?
Ele mordeu o lábio inferior, olhando para trás. — Vou tentar contar a
história completa um dia. Mas, por favor, saiba que estou do seu lado tanto
quanto posso. Eu gostaria de ter diluído a poção Fatiador, mas não posso
diluir tudo. Desculpe. Eu não poderia recusar.
— Quantos Nicks existem? — Perguntei, abaixando minha arma.
— Pelo menos oito.
— Oito!
— Desculpe. Eu tenho que obedecê-lo. Sou egoísta. Eu... estou tentando
descobrir o Resplendor da Morte. — Ele suspirou. — Tenho que ir.
— Mas...
— Você tem que encontrar a chave ônix logo porque meu marido é um
idiota determinado.
— A Morte está tentando com o Buscador.
— Diga a ele para não desistir.
— Você ainda não pode me dizer onde você está? — Tentei.
— Realmente preciso ir. Tchau. — Ele se transformou em folhas mortas.
— Leon? — Eu disse inutilmente. — Merda.
Nos ajudando? Realmente? Quero dizer, ele ajudou. Mas ele também já
havia aprisionado a Morte em Cravo-amarelo antes e eu não estava disposto
a confiar no marido do nosso inimigo número um.
Droga. Isso fez minha cabeça doer.
Que tipo de controle Nick tinha sobre ele? E onde diabos estava seu corpo
real?
Eu tinha que falar com a Morte.
Agora.
Saí do Mercado Oculto pela única saída – um buraco na parede que levava
de volta à Estrada Roman – com seis novas poções de Buscador e a poção que
mais importava.
Para nós… eu disse ao Marcel na minha cabeça.
Parei na rua, escondido de todos os olhares, dando outra olhada no
líquido branco que brilhava no frasco, repassando as instruções de Yvonne
– ela fez a poção em menos de uma hora.
Para usar o Bolsão de Margarida, primeiro eu tinha que encontrar um local
seguro para manter a porta aberta. A margarida que eu veria tornando isso
possível poderia ser destruída, junto com o reino, mas não facilmente. Em
seguida, fui solicitado a pensar nos detalhes desejados deste bolsão especial.
Uma vez feito isso, quebre a poção e a criação se revelará.
— Há trinta pétalas para arrancar, cada uma passando para dentro do
bolsão — dissera Yvonne. — Trinta chances de entrar.
Uma limitação para a nossa felicidade, então.
— Outro pode receber o controle de arrancar as pétalas, junto com você
mesmo — ela acrescentou. — E se você se der bem com seu bolsão, venha
me ver novamente para discutir a possibilidade de fazer um novo.
Acabar com outro poltergeist? Eu não tinha certeza de como Marcel
reagiria a isso, e voltar para uma instalação não me agradava.
Um homem saiu do túnel, correndo para oeste, sem perceber minha
presença.
Nick West.
O lich estava aqui na cidade.
O lich que tentou matar Marcel. De novo.
Guardando as poções em uma bolsa amarrada ao meu peito, eu o segui.
Seu andar era desajeitado, ligeiramente irregular. A qualquer momento, se
ele não conseguisse desacelerar, cairia de cara no chão.
O lich dobrou a esquina, passando por baixo de uma ponte ferroviária.
Um carro estava parado no espaço escuro, a fumaça do escapamento
cortando o brilho vermelho das luzes de freio.
Um trem passou por cima, chacoalhando ruidosamente, assustando dois
pombos no escuro.
Nick abriu a porta do carro, colocando um frasco de poção vermelha no
banco do passageiro.
Corri mais perto para dar uma olhada no motorista. Uma mulher de
cabelos prateados. Necromante ou rebelde? Nick fechou a porta, não
entrando, observando o carro ir embora.
Eu seguia o veículo ou o lich? Enfrentá-lo aqui embaixo da ponte? Quebrar
seus ossos, cortar sua cabeça, fazer de sua vida sem fim nada além de tortura
eterna?
Ele ficou sob a ponte por mais alguns segundos, outro trem passando
acima. Ele enfiou as mãos nos bolsos e saiu furtivamente, voltando por onde
veio, passando pelo buraco de saída do Mercado Oculto.
Depois de alguns passos em perseguição, hesitei. Quando segui seu
marido até Cravo-amarelo, acabei preso em um emaranhado de trepadeiras
rosadas por causa dos meus problemas, chegando até Marcel tarde demais
na primeira vez que ele “morreu”.
Eu não cairia nessa de novo.
No momento perfeito, Marcel ligou para meu telefone.
— Você está bem? — Respondi.
— Meu Deus. A merda realmente aconteceu aqui.
Ele me contou tudo.
— Um Nick de muitas partes? E Leon ainda não sabe onde está?
— É tão irritante. — Um suspiro pesado na linha. — Onde você está?
— Ainda em Londres — eu disse. — Estou com isso.
Segundos de silêncio. — Você está?
— Eu estou.
— Está realmente na sua mão?
— Bem, por minha conta.
Ele riu e imediatamente mudou para sério novamente. — Quando você
volta pra casa?
— Nick está aqui — eu disse. — Pelo menos um deles. Estou vendo ele ir
embora agora mesmo.
— Não chegue perto dele! — ele gritou em meu ouvido.
— Não vou. — Expliquei a poção vermelha e a necromante ou motorista
rebelde.
— Prometa-me que não vai.
— Prometo, Marcel. Mas estou voltando ao mercado para falar com
Yvonne. Ela pode saber alguma coisa.
— Por favor, seja cuidadoso.
— Vou ser.
— Volte logo assim que terminar.
Terminamos a ligação quando Nick desapareceu na esquina. Eu o deixei
ir embora.
Incapaz de voltar ao Mercado Oculto pelo buraco na parede, voltei para a
casa de Bárbara.
— De volta — disse ela. — Sorte minha.
— Olá.
— Está tudo bem?
— Esqueci de perguntar algo a Yvonne. — Bati no meu crânio. — Às vezes,
tenho uma memória terrível.
— Acontece com os melhores de nós. — Ela me deixou voltar ao mercado.
Cheguei lá o mais rápido que pude.
Ela estava sozinha, mexendo uma colher em uma xícara de chá fresco. —
Qual é o problema?
— Tenho que te perguntar uma coisa.
— Você não podia me ligar? — ela disse.
— Desculpe?
— Você não precisava voltar aqui.
— Prefiro conversar pessoalmente.
Ela pegou sua xícara de chá. — Então fale.
— Você já trabalhou com Nicholas West?
Ela olhou carrancuda para mim. — Não seja tão estúpido.
— Eu o vi saindo do mercado.
Yvonne pousou a xícara com muita força, derramando o chá na mesa.
— Ele esteve aqui?
— Sim. Ele saiu logo depois de mim. — Expliquei o que vi, sobre as muitas
partes dele e a poção vermelha. — Alguma ideia do que ele possa ter pego?
Sua pele empalideceu. — Vou investigar isso. E não posso acreditar que
você pensaria que eu trabalharia com ele. — Ela balançou a cabeça. — Só de
pensar em um lich me dá arrepios.
— Desculpe.
— Achei que você confiasse em mim.
Magoei os sentimentos dela. — Eu confio. Peço desculpas.
Ela suspirou. — Mas sei que você tem que fazer essas perguntas.
— Realmente tenho.
A maga enxugou o líquido derramado com um pano de prato que pegou
debaixo da mesa. — Pergunto-me como ele entrou aqui. Todo o mercado
está em alerta para ele, e ele não teria passado por Barbara, muito menos
pela magia de proteção.
— Então você tem um traidor aqui no mercado — eu disse.
— Parece que sim. — Ela agarrou o pano de prato.
— Há alguém no topo da pilha de desconfiança?
— Ainda não. Deixe isso comigo. Vou erradicar esse filho da puta.
— Não quero colocar nada em você.
Ela acenou com a mão desdenhosa para mim. — Contanto que eu consiga
dar um soco, estou bem.
Eu não pude evitar meu sorriso de resposta. — Só não os quebre
imediatamente.
Yvonne piscou seus olhos âmbar para mim, sua expressão era uma
combinação de vazio e sombras. — Preciso de um tempo sozinha.
— Claro.
Por mais tentador que fosse questionar os homens e mulheres deste lugar,
contive-me. Despertar suspeitas, espantar qualquer pista sobre o lich não
funcionaria.
Voltei para Pegasus II.
Eu tinha um amante para quem voltar.
Praticamente arranquei a porta da frente das dobradiças, arrastando a
Morte para dentro. Abracei-o completamente. Abraços de urso não tinham
nada a ver com meu abraço esmagador.
— Oh, Deus. Graças a Deus você está aqui.
Ele estava completamente seco, nenhum indício de chuva torrencial sobre
ele. Ter a capacidade de ajustar um pequeno círculo do ambiente ao seu
redor faria isso.
— Estou aqui, Marcel. — Ele acariciou minha espinha, meu porto em uma
tempestade.
Minhas comportas se abriram novamente. Chorei contra ele. — E se ele
machucar minha família? E se ele destruir esta cidade por minha causa?
— Marcel…
— Não aguento. Não aguento. Não aguento. — Ok, eu estava quase
histérico. Desacelerei, encerrando o abraço. — Desculpe. Sinto muito.
Ele me invocou alguns lenços de papel.
Eu ri, pegando um da caixa dourada. — Obrigado.
— Sempre feliz em ajudar. — Ele me bateu no torso. — Vamos sentar-nos?
Fazer uma pausa?
— Quero estar lá fora procurando por ele.
— Eu sei.
Meu e-scroll zumbiu. Uma mensagem de Emma.
— O que é? — A Morte perguntou.
Limpei meus olhos e nariz. — Minha família. Eles estão se mudando. Ela
não pode me dizer onde, mas eles estão seguros.
Eu desmoronei novamente.
Ele me segurou até que eu parei.
— Deus, estou uma bagunça — eu disse, limpando meu rosto choroso e
ranhoso com mais lenços de papel.
— Nunca, Marcel.
— Você é muito gentil.
Seus olhos se moveram para a garrafa de vinho na mesinha de centro.
— Você se importa se eu me servir uma taça?
— Vá em frente.
Ele pegou uma taça na cozinha, enchendo-a até a metade. Ele girou o
líquido, cheirando-o profundamente antes do primeiro gole. — Divino.
— Como você está se segurando depois da Instalação?
Ele encheu minha taça novamente.
— Foi uma experiência sombria. — Ele me entregou meu vinho.
— Gostaria de falar sobre isso?
— Não agora.
Então me dei conta. Havíamos eliminado um homem morto. Por mais
malvado que Jeff Hunt fosse, a culpa ainda esmagava minha consciência.
Ainda estávamos brincando de Deus.
Tomei um gole de vinho. — Droga.
— O que está errado?
— Pensando em um assassino.
— Eu também.
— Nós cruzamos um limite? — Eu disse.
— Talvez. Quantos limites você acha que ele cruzou?
— Muitos. E agora? Abrimos o bolsão aqui? — Olhei em volta do meu
apartamento muito azul. — Suponho que teremos que fazer isso agora que
estou preso. Não posso mais fugir para sua mansão.
— Não é minha mansão.
— Não seja jocoso.
Ele ergueu as mãos em defesa. — Eu? Nunca. — Ele me ofereceu o mais
atrevido dos sorrisos. — E você esquece quem sou, Marcel.
— Oh. Nunca me esqueço disso.
Ele achou isso engraçado. — Posso esconder você dos olhares indiscretos
de seus guardas.
Ele podia ser visto quando quisesse. Como um cara gostoso dançando
comigo em uma boate em Bristol – ah, lembranças – ou ele poderia mostrar
seu verdadeiro eu aos mortos, como fez com Louise antes. Na maioria das
vezes, ele se escondia e conseguia me esconder com sua estranha magia,
além das regras deste reino. Suas vantagens mortais, como ele as chamava.
Embora ele tivesse perdido algumas delas.
— Fique comigo, Marcel. Sempre estarei com você. — Seus olhos
dourados percorreram meu corpo.
Foda-me aqui mesmo!
Eu afastei meu tesão. — Talvez devêssemos montar o bolsão aqui. Não
posso arriscar ir embora. Estou à espera para o futuro próximo.
— Ninguém vai ver — reiterou.
— Não é isso. E se Robert bater na minha porta? Eu tenho que estar aqui.
Tenho que estar alerta e pronto. — Meu suspiro saiu tão pesado que um
chocalho saiu da minha garganta.
A Morte deu um passo à frente. — Podemos fazer isso quando você quiser.
Não precisa ser esta noite. — Ele tomou um gole de vinho.
Era tão frustrante. Estávamos tão perto de ter um lugar para nós, longe
dos perigos do nosso amor.
— Espere — eu disse. — Por que não testamos? Ver se eu consigo ouvir a
porta batendo ou algo assim.
— Yvonne me disse para moldar o reino com meus desejos.
A excitação percorreu-me. — Então poderíamos fazer disso parte. Eu sei
que deveria estar fora deste reino, mas talvez isso possa ser uma condição.
— Nossas regras a serem feitas — respondeu a Morte. — Você quer
experimentar aqui?
— Eu quero. Contanto que você queira.
— Desesperadamente.
A maneira como ele disse essa palavra acelerou meu pulso.
A Morte revelou a poção branca.
— É um frasco tão pequeno — eu disse.
— Eu sei. Onde devemos fazer isso?
— No quarto.
Ele não se conteve, mexendo as sobrancelhas. — Meu lugar favorito.
— Apenas entre lá.
— Ah. Sim, Papai.
Bufei de tanto rir. — Você é um pau no cu.
— Você quer meu pau?
— Você é um pau no cu — eu disse lentamente.
— Tudo o que ouço é pau.
— Você é obcecado por pau.
Olhos na minha virilha. — Só por um.
Sinta-se à vontade para ficar de joelhos…
Eu o levei para o quarto, virando-me para encará-lo enquanto ele se
escondia na porta.
— Você acha que vai fazer barulho?
— Não tenho certeza.
— Merda. Talvez devêssemos esperar até chegarmos à mansão.
— Se você preferir.
— O que você acha? — Perguntei.
— Eu irei te seguir.
— Nunca faça isso.
— Eu sempre seguirei você. — Deus, essa voz.
Eu não aguentava esperar. Com tudo acontecendo, com a cabeça cheia de
angústia e medo, eu precisava que ele me acalmasse. Eu precisava senti-lo
plenamente, amá-lo com segurança, escapar do tormento desta situação.
Malditos sejam meus olhos vazando. Lá foram eles novamente.
Funguei, apertando as mãos como se estivesse expulsando um demônio
da dor. — Desculpe.
Ele se aproximou e me abraçou, beijando-me na testa. — Não se desculpe.
— Eu simplesmente não suporto tudo isso com minha família.
Isso continuava me atacando, o medo por suas vidas. Eles deveriam estar
sempre seguros, nunca envolvidos em minha vida perigosa.
— Deixe esses idiotas virem atrás de mim o quanto quiserem — eu disse.
— Vou repelir. Mas minha família? Não. Apenas não.
— Eles estarão seguros.
Soltei um suspiro longo e trêmulo. — Nunca posso me permitir relaxar e
acreditar nisso. O momento que tenho certeza, é o momento em que as coisas
vão para o inferno.
— Marcel…
— Talvez não devêssemos fazer isso. É uma loucura pensar em sexo,
diversão e todas essas coisas agora.
— Você não tem nada pelo que se sentir culpado.
— Ah, há bastante.
Ele segurou meu rosto com uma mão. — Você é um homem incrível,
Marcel. Você é corajoso, você é resiliente, você é lindo. — Sua voz chegou
até mim como um vento suave e quente. Seus olhos brilhavam com a luz
dourada das estrelas. — E você não precisa fazer nada que não queira. Nós
podemos esperar. Nós podemos conversar. Podemos sentar e assistir algum
lixo na TV. Podemos deitar-nos nesta cama e eu segurarei você durante sua
dor. Eu sempre vou te abraçar. Estarei sempre aqui para ajudá-lo, não
importa o que aconteça.
A Morte me despedaçou novamente.
— Merda — minha voz saiu aguda, de volta em seus braços. — Sou o rei
do sistema hidráulico agora.
— Pelo menos você é o rei de alguma coisa.
Eu ri, a sensação de alívio contra o ataque de soluços. — Vamos fazer isso.
— Só se você tiver certeza.
Eu tinha muita certeza. Eu realmente precisava de um bálsamo contra o
caos.
— De qualquer forma — eu disse — nós realmente precisamos conversar
sobre a chave ônix no bolsão.
Ele passou a língua pelos dentes superiores. — Se eu puder.
— Dedos cruzados. — Apontei para o canto oposto à janela e tirei a mesa
de cabeceira do caminho.
Fechei as persianas.
— Agora, o que queremos para o bolsão?
— Luz do sol e oceano — disse ele. — Uma casa costeira com piscina com
vista para a praia. — Seus dedos bateram suavemente no vidro.
— Parece bom.
— Sem chuva. Sem tempestades. Nenhum dano solar. Mas um lugar com
luar e estrelas. Onde os dias e as noites passam de acordo com este reino.
Onde nunca faz frio.
— Parece muito bom. — O tempo instável faria minha cabeça doer.
— Um lugar onde podemos ouvir a batida da porta, o zumbido do
interfone, nossos aparelhos tocando. Queremos que esses dispositivos
também se conectem desse lado, um lugar de conforto e vigilância, um lugar
para contar segredos que não posso revelar aqui.
Balancei a cabeça junto com suas palavras.
— Isso parece bom? — ele perguntou.
— Sim.
— E uma cama gigantesca... — Ele desfiou diversas descrições de móveis,
de como deveria ser a casa de praia. Às vezes ele ficava em silêncio, juntando
as coisas em sua mente.
— Um bolsão para amar com segurança, sem consequências — disse ele,
e a expectativa estremeceu em todos os cantos do meu ser.
Depois de cerca de quinze minutos, ele disse: — Acho que já contei o
suficiente.
— Ok. Quando você estiver pronto — sussurrei, com as mãos fechadas em
punhos nervosos.
Por favor, não exploda…
Capítulo 27

Senti minha criação dentro do frasco de vidro. O calor beijou minha


palma, pulsando e pronto para ser liberado. Uma sensação estranha passou
por mim, dizendo que eu era um mestre, um criador de um novo lugar de
paz e beleza. Um lugar para levar meu amor, para ficar livre de regras e
sofrimentos terríveis, e escondido dos olhos do conselho.
Eu sabia no fundo do meu coração que isso era verdade.
Sem mais pensamentos a considerar, joguei o frasco no canto, o vidro
quebrando no carpete macio porque estava pronto. Pétalas brancas se
ergueram neste quarto que cheiravam tão ricamente ao aroma de caramelo
de Marcel.
Meu pau se agitou com a expectativa de desfrutar de sua pele, de tomá-lo
sem medo, passando tanto tempo em seu corpo quanto eu quisesse. Para
beijar sua dor, para afastá-lo de seus medos e da escuridão da nossa
realidade.
Se ao menos pudéssemos ficar juntos no meu palácio. A cada ciclo, eu
queria levá-lo até lá. Era um lugar magnífico, meu verdadeiro lar. Eu sentia
muita falta dele.
Não…
Não houve nenhum estrondo pesado, nenhum som além das pétalas
sopradas. Elas pousaram em uma linha perfeita entre a cama e a parede,
afundando no tapete azul. Um caule verde cresceu do chão, um disco
amarelo ganhando vida, pétalas brancas brotando dele.
Momentos depois, o ar mudou, uma porta retangular erguendo-se como
uma camada de água no ar. A margarida estava no lado esquerdo da porta,
com pétalas brancas bem abertas e prontas para serem colhidas.
Marcel se aproximou de mim, nossos braços pressionados juntos. — Uau.
— Eu sei. — Deslizei um braço em volta de sua cintura. — Conseguimos,
Marcel.
— Você fez isso.
— Por nós.
Ele plantou um beijo suave em meus lábios. Eu me fundi com ele por um
momento fugaz, exultante só por tê-lo perto. Quando ele se afastou, seus
olhos azuis brilharam como safiras refletidas pela luz do sol.
Tive certeza então de que destruir Jeff Hunt tinha sido a escolha certa.
Isso estava realmente acontecendo.
Meu sorriso esticou meus lábios em sua capacidade máxima de sorriso.
Capítulo 28

Abaixei-me para ver a margarida mais de perto. Parecia tão frágil, como
sempre pareciam as margaridas. Mas não eram flores realmente robustas?
Eu não estava a par de assuntos florais, mas elas sempre me pareceram
enganosamente resistentes.
Eu me endireitei, virando-me para encarar a Morte. — Quando devemos
arrancar?
Ele sorriu. — Troque duas letras por uma diferente e essa frase soará
muito melhor. — Uma voz carregada de profundidade sexy para deixar
minha virilha quente.
— Realmente? Ainda nem fizemos a passagem. O que realmente não
parece sexy.
— Estou pronto quando você estiver.
— Vá em frente, Sr. Arrancador.
— Mais uma vez, troque algumas letras.
— Basta arrancar.
Rindo, ele removeu a primeira pétala. Ele pegou minha mão, entrelaçando
seus dedos com os meus.
Está acontecendo. Está acontecendo.
Atravessamos o portal para um novo mundo.
O ar ameno e um céu noturno cheio de estrelas e margaridas flutuantes
chamaram minha atenção primeiro. As flores flutuavam pelo céu como
nuvens, não atrapalhando a visão da luz das estrelas, mas melhorando-a.
Estranho e completamente incrível ao mesmo tempo. A lua cheia brilhava
como uma enorme joia contra a extensão escura, banhando o bolsão costeiro
com uma incrível luz lunar.
Estávamos no deque de uma casa de praia, a única construção numa praia
de areia branca e pura. As ondas do oceano lambiam suavemente a costa,
refletindo a lua, as estrelas e as margaridas, rolando como luz líquida.
Estendia-se por uma distância que não existia, muito parecida com a praia.
Não havia nada além do que podíamos ver neste pequeno e estranho reino,
e eu adorei isso.
— Vamos explorar a casa? — a Morte perguntou, sua mão ainda na minha.
— Absolutamente.
Ele criou uma casa de praia branca com muitas janelas/portas
panorâmicas para nos imergir nos arredores. Deque de madeira enrolado em
toda a casa, passadiços para os vários pontos de interesse. Neste lado sul da
construção, de frente para o oceano, havia uma enorme piscina externa,
completa com um bar abastecido e bancos de bar. Velas pequenas em
castiçais de cristal brilhavam, alinhadas ao redor da borda da piscina.
— Gosto da maneira como você pensa — eu disse, olhando algumas
garrafas de vinho.
O portal ondulante também estava aqui, sem margaridas deste lado. Sair
não exigia arrancar uma pétala, apenas entrar.
A leste havia outro deque com cadeiras confortáveis e uma mesa com
guarda-chuva. Velas queimadas em potes de geleia reaproveitados,
contribuindo para o ambiente romântico deste lugar especial.
— Bonito.
O deque norte tinha mais móveis, mais velas e dava para ver margaridas
caindo. Elas caíam em cascata como uma cascata floral lenta, marcando a
borda norte do nosso pequeno mundo. As margaridas no céu eram o rio que
alimentava essas cachoeiras, o que me fez pensar que elas estavam em algum
tipo de laço permanente.
Finalmente, chegamos ao deque oeste, que parecia igual aos outros, com
velas e cadeiras.
— Agora, para a casa — disse Morte.
Uma casa muito moderna com linhas limpas, muito dourado e branco com
piso de ardósia cinza. Plano aberto com uma cozinha a leste, uma área de
estar espalhada pelos lados norte e oeste com um sofá de canto que parecia
maior do que todo o espaço do meu apartamento. O lado sul abrigava o
quarto, uma cama que acomodava umas vinte pessoas, completa com lençóis
de seda dourada. Havia também um banheiro com banheira dourada, pia,
chuveiro e vaso sanitário. Todas as torneiras e canos da casa de praia eram
de ouro.
— Senhor Dourado — eu disse, apertando sua mão.
— Claro. — Ele ergueu nossas mãos unidas, dando um beijo nas minhas.
— Você fez bem — eu disse. — Muito bem. Este lugar é enorme.
— Acho que eu gostaria de morar aqui.
— Eu também. E está tão quente.
— Muito quente?
— Não. O bom tipo de calor.
Seu sorriso não desapareceu durante todo o tempo que estivemos aqui.
Adorei ver isso, embora não tenha conseguido desfazer a tensão podre
dentro de mim.
— Vamos começar os testes? — Sugeri.
— Vamos fazer isso.
Testamos o telefone e o e-scroll neste lado primeiro. Eles funcionaram
muito bem, embora o sinal em ambos fosse uma merda, para ser honesto.
Quando dentro do bolsão, os aparelhos tocando do outro lado, o som
reverberou pelo céu como um aviso. Assim como a campainha do interfone
e qualquer batida na minha porta. Bom. Precisávamos estar sempre atentos
e alertas, prontos para entrar em ação através do portal.
Parado junto à piscina, Morte desfez a corrente de ouro, colocando
cuidadosamente o rubi no chão. Ele então me pegou em seus braços e me
beijou, instantaneamente me prendendo em luxúria.
Nós nos beijamos com paixão frenética, nossos lábios colidindo com mais
força do que nunca. Nossas mãos tateando roupas, arranhando rostos, um
ato de grande desespero.
A Morte se separou, pondo fim a isso.
— O que... — engasguei-me. — O que está errado?
Ele me lambeu os lábios, sorrindo.
— O quê? — Eu disse.
— O mundo não está se desintegrando.
Olhei em volta, nada mudou. Sem rachaduras, sem tremores como em seu
quarto.
— Funciona — sussurrei.
Ele colocou o rubi de volta. — Ainda não estou me arriscando.
— De acordo. Agora podemos voltar a nos beijar?
Ele sorriu, invocando um cinto em sua mão – couro preto, uma fivela
dourada brilhante.
— Você vai me bater? — Perguntei, meus dedos desenhando círculos na
minha barriga.
— Você quer que eu bata em você?
— Isso depende de quão travesso você acha que fui. — Eu me encolhi. —
Deus. Desculpe. Isso foi uma merda.
— O quê? — Ele deslizou o couro pela palma da mão fechada, lambendo
aqueles lábios incrivelmente sensuais.
Ele poderia espancar o que quisesse.
— Eu falando assim — respondi.
— Gosto disso. Mas eu não estava pensando em bater em você. Pelo menos
agora não.
— Oh? Então o quê?
— Deixe-me te mostrar.
Com passos lentos e deliberadamente sedutores, ele se aproximou de
mim.
Lambi meus lábios, cada centímetro do meu corpo formigando.
— Tire suas roupas. Devagar. Quero aproveitar.
Embora eu tenha corado um pouco, dei a ele um show. Ele gostava de um
show. Lembrei-me de muitas vezes quando ele me pediu para tirar a roupa
para ele. Às vezes ao som de música, às vezes ao som das ondas e de uma
brisa deliciosamente quente como este lugar.
Ele amarrou o cinto em volta dos meus pulsos, apertando a fivela o
máximo que conseguia, prendendo meus pulsos no lugar. Estremeci de
prazer, borboletas ativas na barriga, minha pele uma paisagem de sensações
incríveis. Cada respiração de seus lábios até minha pele desencadeou uma
reação em cadeia de desejo em minhas terminações nervosas. Enviou
eletricidade para minhas bolas, calor tremulando dentro do meu pau duro
como pedra.
Deus. Ele era pura magia, puro sexo e maravilha.
Ele segurou meus braços acima da minha cabeça com uma mão,
banqueteando-se em meu pescoço. Lambendo a pele, mordiscando-a
enquanto a outra mão explorava meu peito. Provocou meus mamilos, os
dedos lentamente descendo até meus pelos pubianos. Enrolando-se dentro
do macio tufo prateado. Olhei para baixo e o vi brincar com o cabelo,
ofegando quando os nós dos dedos roçaram meu eixo.
— Porra... — gemi.
Ele soltou um gemido contra mim, chupando molhado, beijando,
lambendo, mordendo com mais força.
— Oh, meu Deus... — ofeguei. — Oh, meu Deus.
A Morte tocou minha dureza, envolvendo seus dedos em volta do meu
eixo. Me segurou em um bolsão quente. Sem acariciar, apenas segurando.
Empurrei meus quadris, precisando sentir a fricção, algo mais do que sua
provocação.
Ele beijou meu pescoço um pouco mais, mantendo a mão imóvel enquanto
eu bombeava.
— Não goze ainda — ele ronronou em minha pele.
Meus joelhos dobraram. Ele me pegou, liberando meu pau para me
segurar contra ele, minhas mãos amarradas acima da minha cabeça.
— Merda... — falei. — Desculpe.
— Você está bem?
— Você literalmente fez meus joelhos fraquejarem.
— Mmmm. Gosto disso.
Eu queria perguntar a ele o que ele tinha reservado para mim. Mas deixei
que assumisse a liderança, o mistério era mais sexy que o conhecimento.
Ele me pegou nos braços tão rapidamente que eu guinchei como um rato.
Ele riu e me beijou, me levando para a cama, me deitando suavemente.
Eu ri, meus pulsos ainda amarrados na cama, apoiados na minha barriga.
— Fique de quatro — ele ordenou.
Obedeci, arrastando os pés na enorme cama, apresentando-lhe meu
traseiro nu.
— Abra mais essas pernas — disse ele.
Eu me mexi, com a bunda para cima, lentamente abrindo mais minhas
pernas para que ele tivesse uma visão realmente explícita.
Ele gemeu de prazer e depois desabotoou a camisa. Eu o observei por cima
do ombro, apoiado nos cotovelos e joelhos. Sua vez de me dar um show,
demorando para revelar hectares de carne bronzeada, os dois piercings de
argola de ouro em seu mamilo esquerdo, um em seu direito. Aqueles
abdominais lindos, os cachos de pelos escuros em seu peito tonificado.
Esse pau incrível.
— Você é todo meu, necromante. — Ele piscou e me mandou um beijo.
— Você sabe disso, Morte. — Ronronei seu nome da maneira mais sexy
que pude.
Ele gostou, subindo na cama.
Estremeci, pronto para ser levado.
Ele segurou minhas nádegas, dando-lhes um aperto apreciativo. Uma
pequena palmada.
— Bom — disse ele. — Tão bom.
Ele se posicionou de frente para minha bunda, beijou minhas nádegas,
passando a língua lentamente pela pele, ao redor da minha fenda. Mais
provocações, mais me deixando louco, então me esforcei um pouco contra o
cinto, embora não quisesse realmente ser livre. Eu gostava de estar à sua
mercê, me contorcendo sob a sensação do meu pau vazando pré-sêmen
sobre os lençóis de seda dourada.
Sua língua se moveu das nádegas até a fenda, uma surpresa molhada entre
elas.
— Oh, Deus — exclamei suavemente.
Uma música surgiu na minha cabeça, uma que Jenn e eu adorávamos
dançar em casas noturnas – muitas danças provocativas e rebolados
movidos a álcool.
A música em questão, 'Kisses Down Low' de Kelly Rowland, nunca me
rendeu um homem. Mas certamente chamou a atenção para Jenn em
algumas noites. Ela rebolava muito melhor do que eu.
Cantarolei alguns compassos enquanto a Morte me trabalhava com sua
língua.
Ele fez uma pausa, tirando seu beijo especial. — O que é que foi isso?
— Nada.
Meu amante voltou ao seu trabalho, me separando para um mergulho
mais profundo, gemendo em meu buraco. Eu me contorci com as vibrações,
com o latejar em meu pau. Ele gemeu mais forte, enterrando seu rosto em
mim. Devorando-me ao ponto do clímax. Eu não conseguia me tocar, mas
isso não importava. Eu estava pulando em direção à borda.
— Estou gozando...
Ele parou imediatamente.
— O que… porra! — A onda sexy recuou, deixando-me dolorido e
frustrado. Caí de cara no colchão, grunhindo. — Você não pode...
— Não posso o quê? — ele questionou.
Reunindo forças de algum lugar do meu corpo enfraquecido, virei-me
para encará-lo.
— Ainda não — disse ele. — Deixe-me levar as coisas mais longe.
Eu gemi. — Por favor.
Ele agarrou meus quadris e me colocou de joelhos. Passou um dedo pela
minha fenda, empurrando um dedo para dentro. Só a ponta.
— Foda-me — implorei.
— Com prazer. — Ele não se moveu para agir, no entanto.
— Você sempre gosta de provocar.
Ele me deu um tapa.
— Por favor, me foda — implorei. — Por favor. Não aguento... não
aguento mais. — Meu corpo estava cheio de necessidade, tão excitado que
doía.
— Tudo no seu tempo — respondeu ele.
— Agora. Foda-me agora mesmo.
— Acho que você está fazendo muitas exigências. — Uma venda apareceu
em sua mão.
— O que…
Ele se espalhou pelas minhas costas, seus lábios de repente roçando meu
rosto. — Shhhh… — A venda de seda cobriu meus olhos, mergulhando-me
em uma escuridão deliciosa.
Oh, Deus…
… sim.
Ele beijou minha bochecha, seu corpo deixando o meu. Dedos em meus
ombros, massageando, descendo. Trabalhando através dos meus nós,
derretendo a tensão em poças de prazer.
Quando ele voltou para minha bunda, a frieza me surpreendeu. — O que
é isso?
— Lubrificante.
— Sim…
Outra provocação com os dedos me fez forçar mais contra o cinto, meu
pau se perguntando quando teríamos alguma decolagem.
A Morte ergueu meus quadris novamente, me espalhando como fez antes.
Sim…
Desta vez não foi um dedo no meu buraco, mas sim o pau dele. Meus
dedos dos pés se curvaram enquanto ele passava a cabeça de seu pênis para
cima e para baixo na fenda escorregadia.
Foda-me!
A cabeça começou a parar…
Aqui vamos nós…
Ele empurrou seu pau para dentro de mim, seus dedos cavando em minha
carne. Gemi quando rompeu a barreira inicial da dor, deslizando mais
fundo, cumprimentando meu ponto G em um solavanco amigável.
Meu pau e minhas bolas latejavam juntos em uma sinergia feliz.
— Assim? — Morte perguntou.
— Muito. — Eu mexi meu traseiro em apreciação, impressionado com sua
circunferência me esticando. — Você sempre se encaixa tão bem.
Ele deu um tapa em cada nádega. — O ajuste perfeito.
E então ele se moveu, balançando os quadris lentamente, deslizando para
dentro e para fora. Colisão amigável após colisão amigável do ponto G,
gemidos bastante altos saindo da minha garganta. Lento e profundo, lento e
profundo.
— Bem aí — falei. — Bem desse jeito.
— Você é tão bom — ele respondeu. — Tão bom pra caralho.
Ele passou as mãos para cima e para baixo nas minhas costas, a venda
ainda escondendo seu rosto de mim. Empurrando com mais força,
aumentando sua foda.
— Sim, sim, sim…
Com as mãos em meus ombros, ele empurrou em mim, carne batendo em
carne. Um frenesi dentro de mim quando aqueles solavancos amigáveis se
transformaram em colisões. Grunhindo, suando, ofegando – ele e eu –, o
quarto se encheu de tantos sons doces além do oceano e da brisa. Esta noite
era nossa união em paixão sem consequências, sem qualquer risco de o
mundo se abrir ou o oceano se levantar para me matar.
Sexo sem tristeza.
Foi tão bom.
— Sim! — Gritei, me deixando perder em um abandono selvagem.
Empurre. Empurre. Empurre.
Mais perto. Mais perto. Mais perto.
Minhas bolas apertaram, minha pele acendeu com um calor delicioso.
— Oh, sim…
Gozei sem masturbar, com tanta força que pensei que meu pau iria
implodir. Gritando seu nome sem parar, o cinto esticou a ponto de quebrar.
Meu corpo era um canal para uma euforia sem fim.
A Morte não parou, fodendo cada gota de mim, suas mãos voltando para
meus quadris, empurrando até o clímax. Um rugido explodiu dele quando
o calor disparou em mim em rajadas incríveis, cada bomba liberando grande
parte de seu esperma em mim.
Ele caiu sobre mim, me agarrando pelos cabelos e virando minha cabeça
para ter acesso aos meus lábios. Devorou minha boca avidamente, ainda
dentro de mim, o esperma ainda escorrendo de seu pau.
— Você foi incrível — ele sussurrou.
— Você que foi — rebati. — Uau.
A Morte removeu a venda e desafivelou o cinto.
— Liberdade — brinquei.
— Por agora.
— Promessas, promessas.
— Absolutamente.
Outro beijo. Gostei do peso dele sobre mim, mantendo-me preso à seda.
— Todo o seu esperma pode ter me engravidado — eu disse — com ou
sem útero.
Ele riu, me beijando novamente. — Seu traseiro gostoso sabe como tirar o
sêmen do meu corpo. — Ele rolou de cima de mim.
Rolei em cima dele, espalhando minha nudez pegajosa sobre ele.
— Sêmen não é uma palavra sexy. — Bati o nariz dele no meu.
— Seu sêmen é sexy — ele respondeu.
— Obrigado. O seu também.
Aninhei meu rosto na curva de seu pescoço. Ele se envolveu em mim.
— Conseguimos — murmurei. — Fizemos sexo sem toda a besteira.
— Nós fizemos.
— Obrigado. Eu realmente precisava ser fodido daquele jeito.
Ele beijou meu pescoço. — Fico feliz por ter ajudado.
Respirei fundo, flutuando feliz por esse contentamento temporário.
— Eu te amo, Marcel.
Outra camada de felicidade se espalhou sobre mim. — Eu também te amo.
Acariciei os finos pelos escuros de seu peito, deitado de lado com a cabeça
em seu ombro. Ele olhou para o teto, seu cabelo caindo maravilhosamente
embaixo dele, no travesseiro.
— O que você está pensando? — Perguntei suavemente.
— A chave ônix.
Sentei-me, apoiado no cotovelo. — Merda. Estávamos muito ocupados
transando para realizar o maior teste de todos.
Ele inclinou a cabeça para me encarar. — Você parece incrivelmente
dramático.
— Tenho meus momentos.
Ele tocou meu rosto com as costas da mão e depois sentou-se, ajustando
os travesseiros para apoiar as costas. Segui o exemplo, pronto para a
verdade.
— Posso falar sobre isso aqui — disse ele, esticando a boca. — Qualquer
coisa relacionada à chave e ao conselho está bloqueada aos seus ouvidos, à
minha boca. Pelo menos no seu mundo.
As regras foram alteradas aqui. E o que diabos era o conselho?
Cale a boca e escute!
— Tenho um palácio no plano espiritual — continuou ele. — É minha
residência oficial e a fonte do meu poder. Quando eu envolvo o trono dentro
dele, sou a verdadeira Morte com todas as minhas habilidades em mãos. —
Uma breve pausa. — Meu poder também é vigiado, governado até certo
ponto por um conselho. Eles observam o equilíbrio entre a vida e a morte,
certificam-se de que fazemos o nosso trabalho, que cada vida e morte são
responsáveis por mim e pela Vida.
— Existe uma Vida?
— Sim. Ela é meu oposto, seu palácio escondido em seus céus.
Meu queixo ficou aberto por alguns segundos.
— Quer que eu pare? — ele perguntou.
— Não. Ignore meu choque.
— Diga-me se precisa de um momento para processar as coisas.
— Estou bem — eu disse, com um aperto na garganta. — Continue.
Quero dizer, realmente fazia sentido ter um oposto da Morte – porque a
vida era isso. Mas… uau. Como ela parecia? Ela era parecida com ele?
A Morte continuou. — O conselho está escondido e protegido em um
reino muito além daqui e do plano espiritual. Um que vi brevemente no
início da criação, nunca tive permissão para retornar porque o meu negócio
e o da Vida não está lá, mas aqui. O conselho não tem influência direta sobre
nada, observadores mais ou menos passivos. Todo o resto, as alegrias e os
horrores do seu mundo, são deixados ao tempo e à natureza. E antes que
pergunte, não existe uma personificação viva desses dois elementos.
Eu realmente precisava de um pouco de água. — Por que não?
— Essa é uma pergunta para o criador, suponho.
— O criador?
— A energia divina que fez o universo.
— Você não sabe quem ou o que é essa energia?
Ele balançou sua cabeça. — Não. Fui criado com a Vida, meu propósito foi
informado pelo conselho e lá fomos nós para executar nossos deveres.
Aparentemente, existem outras realidades com regras diferentes, mas não
tenho certeza até que ponto isso é verdade.
— Uau — sussurrei.
— Eu sei. Precisa de uma pausa?
Engoli. — Continue.
— O conselho não me controla, por mais que gostariam disso. Eles enviam
seus espectros para me ameaçar, para tentar me convencer a voltar ao meu
trabalho. Mas eles simplesmente não têm o poder de me forçar.
— Espectros? — Questionei.
— Criaturas do reino do conselho. Mensageiros, servos, bastante
assustadores.
— Oh.
— Você está bem?
Balancei a cabeça, mantendo meus lábios selados.
— Não tenho certeza se o conselho pode realmente ajudar com a nossa
maldição, já que eles são tão passivos — disse ele, enviando fortes pontadas
de dor no meu peito. — Mas quero que eles encontrem uma maneira. Dizem
que amar você é um desequilíbrio porque não fui feito para o amor, apenas
para o meu propósito. Portanto, a natureza proibida disso cria tal reação.
— Isso é uma besteira — respondi. — E é realmente cruel.
— Eu sei.
— Não há mais nada além disso?
— Até onde eu sei, não.
Então estamos realmente condenados? Guardei isso para mim, sentindo a
angústia no peito. Uma bola de ferro crescendo e crescendo, para nunca ser
libertada até me matar.
Droga. Tinha que haver mais. Tinha que haver.
Condenado…
Para sempre condenado…
— No início da minha época, disseram-me que havia duas chaves – uma
de ônix e uma de cobre. A chave de ônix desfaz a criação, enquanto a chave
de cobre a mantém.
Meu estômago revirou. — Ok. Isso é… uau.
— Eu sei.
— Desfazer é uma palavra assustadora. Merda.
Ele assentiu. — A chave de cobre está no reino do conselho, na fechadura
da existência. Eles observam isso. Eles não tocam nisso. Não cabe a eles fazer
nada porque a criação está concluída. A outra fechadura está vazia e deve
continuar assim.
Isso estava fazendo minha cabeça doer seriamente, mas não interrompi.
— A chave ônix, sendo tão perigosa, está escondida em um local
desconhecido — disse a Morte, inclinando-se um pouco para frente. —
Sempre movida, sempre encarregada dos vivos de a esconderem.
— Os vivos?
— Eles levam para algum lugar, escondem, esquecem e depois seguem
com suas vidas.
— Eles usam pessoas assim? — Eu disse, irritado com a ideia disso.
— É a ação mais segura — respondeu a Morte. — Isso mantém a chave em
segredo.
— Por que existe uma chave como essa? Parece um gol contra.
Ele ergueu a sobrancelha. — Uma referência de futebol?
— Er, eu acho.
— Você gosta de futebol... ou futebol americano, como você diria.
Sentei-me mais ereto, cruzando as pernas debaixo de mim. — Não vamos
divergir para o esporte.
— Há uma chave para o equilíbrio — disse ele. — O conceito é o direito
de desfazer, de mudar as coisas.
— Mudar? Isso não destruiria o mundo?
— Sim.
— Merda…
— Vinho?
— Não. Obrigado. — Massageei minhas têmporas. — Então é isso que
Nick quer. De alguma forma, ele descobriu a chave e quer desfazer o mundo.
Mas como ele pode saber disso? E como ele pode usá-la se o reino do
conselho estiver protegido?
A Morte balançou a cabeça. — Não sei como Nick sabe, mas a chave lhe
dará acesso ao reino do conselho.
— Como? E por que não faz isso com as pessoas que o escondem?
— Porque eles são, na falta de um termo melhor, manipulados para
esconder isso. Nick procura isso ativamente. Essa é a diferença. Então, o
conselho quer que eu procure a chave ônix e leve para eles. Não sabemos
quantas outras pessoas compartilham o conhecimento de Nick. Ele não seria
capaz de contar esses detalhes a Leon, mas isso não significa que não existam
outros como Nick por aí.
— Droga.
Ele tocou minhas costas.
— Isso parece tão estúpido — acrescentei. — Por que tem essa falha no
design?
— Se a existência precisar ser mudada, então ela pode ser... essa é a linha
que teci na minha criação.
— E a chave de cobre daria a Nick o poder de criar depois de desfazer as
coisas, se ele quisesse?
— Não existe outro verdadeiro mestre da existência além do criador —
respondeu ele.
Minha testa enrugou. — Isso soa como uma desculpa para mim.
— Talvez seja. Mas a mudança é o ponto... o direito de mudar ou
desencadear um final. As coisas evoluem, a natureza muda, a chave ônix não
passa disso.
— Ainda parece um gol contra. E então o que acontece com você e a Vida?
— Enquanto houver vida e morte, estaremos sempre por perto.
Mudar. As coisas já estavam mudando, como meus poderes. Por causa da
morte.
Disse isso para ele, acrescentando: — Isso é definitivamente só porque
você não está ativo em seu trabalho?
— Sim.
— Não há mais nada nisso?
— Disso, tenho cem por cento de certeza.
A tensão se espalhou pelo meu crânio. — E nós? Por que sempre nos
encontramos?
— O amor tentando encontrar um caminho? — ele sugeriu.
— Mas não realmente vencendo.
Ele colocou o braço em volta de mim. — Devíamos fazer uma pausa.
Descansei minha cabeça em seu ombro novamente.
— Como eu sempre renasço? Se eu morro, por que não fico no plano
espiritual?
Ele demorou séculos para responder. — Assuntos inacabados às vezes
trazem uma alma de volta. Nem sempre, mas no seu caso, acontece.
— Reencarnação?
— Você poderia chamar assim.
— Então o amor está tentando encontrar um caminho. Deveríamos estar
juntos, mas tudo dá errado.
— Ou você é um teste para mim, um teste que tenho que suportar até
aceitar meu lugar.
Foi como levar uma lança no estômago. — Eu... — eu não conseguia falar.
Ele me via como um teste? Se ele foi realmente honesto, era assim que ele
realmente olhava para mim?
Deus. Isso era péssimo. Era tudo uma merda. Mas será que estávamos
destinados a ser algo diferente de condenados? Onde estava a verdade além
das malditas árvores?
Destinados a sempre se encontrarem, um negócio inacabado. Então, por
que a dor?
— Realmente preciso de um pouco de água. — Tirei as pernas da cama e
corri nu para a cozinha.
— Marcel — a Morte me chamou.
— Um segundo.
Mas ele me seguiu mesmo assim, passando os braços em volta de mim por
trás.
Recostei-me nele enquanto bebia o alívio líquido e frio.
— Não vejo você como um teste — disse ele. — Eu te amo
independentemente de qualquer coisa. Acredito que fomos feitos para ficar
juntos. Realmente acredito.
Respirei fundo depois de beber. — Também te amo.
— Mas sua mente está brincando com você.
— Não me lembro de você me mudando cada vez que morri — eu disse.
— Ou alguma vez estando no plano espiritual.
— Porque você nunca se foi de verdade — ele respondeu.
— Mas por que não consigo me lembrar de você me levando em frente?
— Porque você nunca se foi de verdade, Marcel. Torna-se um borrão, uma
lacuna em sua alma.
— Deus, minha cabeça — reclamei.
— Desculpe.
— Está tão cheia... — Eu estava cansado de falar, de ser uma esponja para
novas informações. O desejo tomou conta de mim mais uma vez. — Cheia
como você me enche. — Virei-me em seus braços, tomando seu rosto em
minhas mãos. — Foda-me de novo.
O processamento desses detalhes poderia ocorrer mais tarde. Por
enquanto, eu só queria gozar.
Ele esmagou seus lábios nos meus e então pegou minha mão. — Que tal
uma surra na piscina?
— Parece bom e molhado.
Depois de ficar curvado na beira da piscina, gritando porque eu podia
muito bem, tirei um tempo para aproveitar a piscina. Observei-o nadar,
agitando as mãos na água morna, fazendo ondas suaves. Mantive a conversa
sobre a chave ônix trancada.
Nós realmente tínhamos que pegar a chave ou matar Nick.
Deus, que saga.
Admirei o oceano e o céu, aquelas margaridas estranhas, a paz que este
lugar oferecia, um ouvido em constante alerta.
A Morte terminou de nadar, ressurgindo, empurrando o cabelo molhado
para trás e enxugando aqueles lindos olhos.
— Gostou disso? — Perguntei.
— Imensamente. — Ele me circulou, balançando para cima e para baixo.
— O que está fazendo? — Perguntei com uma risadinha.
— Apenas admirando uma obra-prima.
Deixei um gemido sair com sua cafonice. — Não acho isso.
— Você é para mim. Sempre foi.
— Tenho certeza de que já fui mais bonito.
Ele agarrou minha nuca. — Nunca diga isso.
— Eu...
Um dedo molhado em meus lábios. — Pare com isso, ou eu vou bater em
você. — Ele agarrou minha nádega direita, me puxando para mais perto.
— De novo? — Falei, tão pronto para isso.
— Sempre.
Dane-se. Quando teríamos outra chance em uma noite tão tranquila?
Fodemos na espreguiçadeira ao lado da piscina, eu de quatro novamente.
Ele era totalmente a favor de me ter nesta posição esta noite, e eu
alegremente atendi aos seus desejos.
Eu adorava um pouco o estilo cachorrinho.
O sol nasceu em um clarão rosa, afugentando a lua e as estrelas, o bolsão
se transformando. As margaridas acima brilhavam mais à medida que o sol
dourado assumia o controle, a areia branca revelando sua verdadeira beleza
e o oceano acenando com uma maravilha azul-turquesa.
Desci correndo a pequena escada que levava à praia, grãos quentes e
macios beijando meus pés com o impacto. Eu girei, a Morte bem atrás de
mim. Ele me pegou pela cintura, me girando, me levantando no ar.
Deus, minhas risadas eram incríveis.
— Corra até a água — eu disse.
— Ok. — A luz do sol intensificou o bronze de sua pele, elevou sua beleza
a novos patamares.
— Depois do três…
Fui direto.
— Trapaceiro!
Eu o levei até a água morna. Ele me segurou, me levando para baixo das
ondas. Nós emergimos, rindo, nos beijando. Seguiu-se uma luta pela água.
Lutamos, nos beijamos, passamos uma manhã nos divertindo muito. A
maior diversão que já tive com o amor de minhas muitas vidas.
Em breve, essa bolha estourará enquanto eu tiver que lidar com meu
trabalho, com as informações que ele havia revelado. Pelo menos agora eu
tinha uma imagem mais clara. Mas e a Morte agora? Com esta solução Bolsão
de Margarida, ele voltaria ao trabalho?
Eu queria perguntar a ele, quase perguntei, mas fechei o zíper sobre meus
lábios por enquanto.
Depois de brincar no mar, fiz café e ele fez ovos mexidos incríveis com
torradas. Sentamo-nos no deque oeste, desfrutando de um adorável café da
manhã e da vista, vestindo apenas roupas íntimas. A temperatura subiu com
o passar do dia, mas não a níveis prejudiciais de calor. Mais como um calor
requintado, sem risco de queimadura solar.
Oba!
— Que tal uma caminhada na praia? — ele perguntou.
— Devo voltar logo.
De qualquer maneira, fui dar um passeio na praia, de mãos dadas com a
Morte para digerir os ovos.
O toque avassalador do meu e-scroll me fez correr de volta para o portal,
apenas para atender a ligação de Emma – eu tinha deixado a maldita coisa
na minha cama no apartamento.
E assim terminaram as delícias do Bolsão de Margarida.
Droga.
Emma me disse que minha família estava fora do país e que a localização
era secreta. Doeu tanto quanto me deu algum alívio. E a notícia me ajudou a
tirar uma soneca nos braços da Morte por algumas horas, lá no apartamento.
Chegando no final da tarde, bastante descansado, finalmente cumpri meu
dever de amigo e visitei Louise no hospital com minha segurança.
A Morte voltou à mansão para continuar sua busca pela chave. Decidimos
nos unir novamente depois do meu turno desta noite, voltar ao nosso bolsão
para amar mais livremente.
— Você se importa de esperar lá embaixo? — perguntei a Peter.
Estávamos no segundo andar, com elevadores e acesso por escadas, portas
duplas que davam para as enfermarias – eu, Peter, Trish e duas policiais.
Todos armados até os dentes e prontos para alguma ação séria.
— Estamos esperando aqui mesmo — Trish interveio. — Mesmo isso é
fazer concessões demais.
Não tentei discutir porque Trish adorava me dar sermões sobre minha
segurança e meus ouvidos não aguentavam mais.
Certo.
Empurrei as portas duplas para um longo corredor que se estendia para a
esquerda e para a direita. À minha esquerda, vi Louise parada do lado de
fora da Ala 25, no meio do corredor, seu gorro como um farol acelerando
meu passo. Ela sorriu quando me viu, dando alguns passos à frente para me
cumprimentar.
Deus, se eu pudesse abraçá-la.
— Como vai? — Perguntei. — Como está sua mãe? — Ofereci a ela o
grande buquê de flores que comprei. Ela o aceitou com gratidão.
— São lindas — disse ela. — Obrigada. Mamãe está dormindo agora.
Estou... não sei como estou.
Ela parecia muito mais translúcida que o normal e seus olhos estavam
vermelhos de tanto chorar.
— Entendi.
Ela me encarou por alguns segundos, o lábio inferior tremendo. Eu
realmente queria abraçá-la. Deus, as estúpidas regras fantasmagóricas eram
tão injustas.
— Por que nós? — ela disse. — O que fizemos para merecer isso? — Ela
fungou. — Você poderia dizer isso sobre qualquer pessoa, sobre todos nesta
cidade e sobre os fantasmas que o lich comeu. Mas ainda assim... O que eu e
mamãe fizemos?
— O fato de sermos amigos provavelmente tem algo a ver com isso — eu
disse.
Ela balançou a cabeça. — Por favor, não diga que não podemos mais ser
amigos.
— Eu não iria querer isso — respondi rapidamente. — Mas Nick fará de
tudo para mexer comigo e com as pessoas de quem gosto.
Queria contar a ela sobre a chave, que a Morte e eu agora tínhamos um
lugar especial. Mas este não era o momento para isso, e só de pensar em
discutir a chave ônix neste reino me deu uma dor de mandíbula.
E quanto a Emma?
Às vezes eu realmente queria um mata-moscas para esmagar
pensamentos rebeldes.
— Nós duas ficaremos no Santuário por um tempo — disse Louise. —
Mamãe não está muito feliz em viver com um monte de fantasmas, mas não
sobrou nenhuma cabana para onde voltar. Mas ela vai ficar bem.
A derrota total em seu tom doeu. Não era justo, nada disso.
— E você? — Perguntei.
— Vou ficar bem. — Não havia convicção em sua voz. — O santuário é
bom o suficiente.
— Mas não é casa.
Não estou ajudando.
Seus olhos tristes me fixaram num olhar desconfortável por meio minuto.
— Não, não é. A casa está contaminada, toda esta cidade foi estragada pelo
lich. Nenhum lugar é realmente seguro, mas Oakthorne sempre pareceu um
lugar seguro. Não é uma cidade grande como Londres ou Bristol, afastada
dos grandes dramas. Agora é o epicentro. — Ela começou a chorar. — Sinto
muito, Marcel. Eu realmente aprecio você ter vindo aqui, mas preciso que
você vá. Não para fora da minha vida, apenas por enquanto. Há muita coisa
na minha cabeça e preciso de algum tempo para pensar.
Odiei isso. — Entendo completamente.
— Ainda somos amigos. Ainda faremos coisas juntos. Apenas me dê uma
semana.
Eu me senti responsável por sua dor, quando a culpa caiu firmemente
sobre Nick. Ainda assim, não pude deixar de pensar que a arrastei para essa
confusão por ser seu amigo. Ao mesmo tempo, eu não queria ir embora.
— Vou vê-la em uma semana — eu disse.
— Isso seria ótimo — ela respondeu. — Desculpe por tudo isso.
— De jeito nenhum. Tirar um tempo nunca é uma coisa ruim.
— Obrigada pela compreensão.
— Se cuide. Dê à sua mãe os meus melhores votos.
Com isso, deixei-a sozinha. Eu queria ajudar, estar ao lado dela, e dar
espaço a ela ajudaria. Quando ela precisasse conversar, eu estaria por perto.
Se ela quisesse falar sobre outra coisa, eu estaria presente. Poderíamos não
ser amigos há muito tempo, mas eu sabia que Louise era uma pessoa
especial.
— Feito? — Peter perguntou no meu retorno aos elevadores.
Meu e-scroll tocou antes que eu pudesse responder, assim como o dele.
— Ei, Robert — eu disse.
— Eu estou do lado de fora.
— O que...
— Houve um assassinato. E o fantasma está desaparecido.
Oh, não. Oh, inferno, não.
O fantasma não estava desaparecido. Foi comida de lich.
Capítulo 30

Outra poção Buscador, outro fracasso.


Minha euforia contrabalançou minha frustração. Nada poderia impedir
minha felicidade.
Marcel e eu éramos livres para amar, para fazer amor, para aproveitar
nosso tempo juntos agora. Nada mais importava. Bem, isso importava. Nick
importava. A segurança da chave ônix também. No entanto, eles
diminuíram um pouco só de pensar no toque de Marcel.
Tentei a poção novamente, despejando o líquido roxo na tigela.
Nada.
Um pequeno espelho em um suporte juntou-se a mim na mesa de jantar,
Winnie nadando no vidro.
— A euforia combina com o seu rosto — disse ela.
— Obrigado.
— Sua felicidade me faz feliz.
— Obrigado novamente.
— Só me preocupo. — Sua forma de peixe brilhava no espelho.
— Sei que se preocupa.
— Mas gosto do seu bolsão — acrescentou ela. — Um pequeno pedaço do
paraíso.
Assim como meu palácio e os terrenos ao redor, eu sabia que ela sentia
muita falta. Tantos espelhos ali, muito mais liberdade.
— Vou tentar mostrar a você — eu disse.
— Obrigada pela gentileza, mas guarde-o para você e seu amor.
— Bem, se você mudar...
— Parece que temos uma visita. — Ela balançou a cauda enquanto o ar
quente lambia minha nuca.
— Quantas dessas poções você já passou? — a voz aérea de uma mulher
chegou aos meus tímpanos.
Maravilhoso. — Olá, Vida. — Eu me levantei, virando-me para
cumprimentá-la.
Pele de um marrom escuro radiante, cabelos claros como a neve, olhos
prateados que rivalizavam com o meu dourado. A Vida sempre usava
vestidos brancos esvoaçantes, sempre flutuando em alguma brisa
ascendente pessoal que parecia segui-la. Uma presença calma e etérea,
presente em todas as vidas, espalhada por este mundo mortal como eu
deveria estar.
Apertamos as mãos, sua pele e ossos leves como penas.
— Uma linda menina nasceu de pais que há tanto tempo tentam ter um
filho — disse ela, mostrando-me seus dentes perolados. — Tão bonito.
De fato. E senti que as mortes aconteciam a cada segundo, outro fantasma
se juntando à massa de outros presos com os vivos. Mortes violentas, mortes
pacíficas, uma infinidade de tragédias e um alívio bem-vindo ao sofrimento.
Mas isso não mudava nada. O Bolsão de Margarida também não mudava
nada, pelo menos por enquanto. Tinha que haver uma solução melhor, e se
a Vida estava aqui para falar em nome do conselho, ela estava apenas
perdendo tempo.
— Ah, e aí vêm alguns trigêmeos — acrescentou ela.
A aura da vida era muito onírica para mim. Eu a achava um pouco
enervante, para ser sincero.
— Por melhor que seja ver você — comecei — só pode haver uma razão
para você estar aqui. E eu não quero ouvir isso.
Ela inclinou a cabeça para o lado, colocando a mão sobre o coração. —
Você sente seu dever como eu. Você entende isso, é atraído por isso e sofre
por sua negação. Você está enfraquecido. Você concede poder a necromantes
que não deveriam atingir tal força.
— Por favor, pare — interrompi. — Eu sei de tudo isso.
— Não, Morte. Você pode parar, por favor?
— O conselho está desesperado o suficiente para enviar você para fazer o
trabalho de um espectro?
Ela inclinou a cabeça para o lado oposto. — Venho por vontade própria
tentar acabar com esse absurdo.
Voltei ao meu trabalho. — Tenho uma chave para encontrar, um lich para
parar.
— Negócio terrível — ela falou atrás de mim. — Assim como sua
insistência em ser humano.
Fiquei tenso. — Isso não é verdade. Eu apenas insisto em amar um.
— E mata muitos outros por seu egoísmo.
— Sugiro que vá embora — interrompeu Winnie. — Com todo respeito.
A risada da Vida saiu estridente. — Peixinho bobo. Leal a um imortal
quebrado. Ele está apenas arrastando você para profundezas lamentáveis
que você não precisa explorar.
— Mais uma vez, por favor, saia — disse Winnie.
Meu oposto deu a volta na mesa, me encarando mais uma vez. — Morte.
Olhei para cima. — Não tenho nada a dizer.
— Você é sempre o centro das atenções. Os mortais sabem de você e
querem você de volta. Eles nem sequer pensam em mim. Eles me consideram
garantida.
Por que ela não estava indo embora? — Eles consideram muitas coisas
garantidas.
— Assim como você.
— Por favor...
— Fomos feitos para servir a um propósito, não para meditar e lamentar
e amar e chorar e todas essas coisas que os mortais desfrutam e sofrem. Você
é um recipiente para o fim da vida mortal, nada mais. Você tem que parar.
Você tem que dar um passo para trás e entender, entender verdadeiramente
o que você está fazendo. Não pode haver nada além do que está escrito para
nós. Por que não consegue entender isso?
Cheguei ao fim da minha paciência. — Não consigo entender por que
Marcel e eu somos tão ruins um para o outro quando ele continua
renascendo para me encontrar. Por que sinto essas coisas e tenho capacidade
para amar.
— Porque você foi projetado para ser compassivo.
— Isto não é suficiente.
— Ser a Morte sempre deveria ser suficiente. — Sua brisa pessoal
diminuiu, o tecido de seu vestido pendia de maneira normal. — Sei que você
deve estar machucado mais do que posso compreender, mas os mortos
também estão. Dê-lhes o reino espiritual. Dê-lhes uma vida após a morte.
Você não tem o direito de negar a ordem das coisas.
Bati os punhos na mesa, sacudindo a tigela e o espelho. — E você não tem
o direito de dizer nada para mim. Saia daqui. — Fiquei eriçado de raiva, os
dedos coçando para enrolar o cabo da minha foice. Eu nunca iria machucá-
la, mas ela alimentou minha fúria com sua intromissão.
Seus olhos prateados se estreitaram e ela deu um passo à frente,
pressionando o corpo contra a mesa. — Até onde você caiu para ter a audácia
de levantar sua voz para mim?
Segurei seu olhar. — Vá embora.
— Posso sentir o cheiro da sua miséria.
Sua brisa voltou e ela desapareceu com seu teletransporte.
Sentia falta do meu.
Finalmente, a tensão em meu corpo diminuiu. Ela estava certa em me
criticar por levantar minha voz para ela. Odiei ter me tornado isso, ter caído
tão longe. Negar aos mortos sua legítima vida após a morte doeu, mas era a
única coisa que eu tinha para deixar claro.
Um ponto que ninguém está entendendo…
— Você está bem? — Winnie perguntou.
Suspirei. — Eu deveria voltar ao trabalho.
— Você...
Eu cortei a esperança em seu tom. — Este trabalho, quero dizer. — Bati na
borda da tigela.
— Muito bem, querido.
Sua sugestão de decepção doeu.
Usei a próxima poção, observando o líquido de perto.
Um sopro de pétalas, uma visão de escuridão e rocha, de um homem
seminu em uma caverna, sentado ali de jeans, escondido do mundo. Um
poltergeist.
— Jon — eu disse enquanto a visão na tigela se despedaçava.
Teria Jon sido o último mortal a esconder a chave?
Minha cadeira caiu no chão quando eu pulei. Liguei para Marcel, mas ele
não atendeu. Senti a presença dele lá na cidade. Ele estava em patrulha,
então, em vez disso, mandei uma mensagem para ele, informando para onde
eu estava indo.
E então eu estava novamente no Pegasus II, correndo para Cravo-amarelo.
Capítulo 31

Esquivei-me dos tijolos jogados pelo rebelde, um perigo muito próximo


da minha cabeça. Em outra vida, ele poderia ter sido um jogador de críquete
famoso.
Robert o matou com uma bala no crânio e vinculou seu fantasma
imediatamente.
— Você está bem? — ele verificou.
— Sim. Você?
— Sim.
Tirando o cabelo encharcado de chuva da minha testa, comecei a entoar
as palavras do nosso fio de magia com ele.
O fantasma rebelde seguiu seu caminho para o Santuário em uma
explosão de luz verde.
— Puta que pariu — reclamou Robert.
Não apenas estávamos lidando com um assassinato e um fantasma
claramente comido por Nick, mas a atividade rebelde parecia estar
aumentando na última meia hora ou mais. Ataques aleatórios aos fantasmas
e aos vivos, relatos de rebeldes saudando o nome do lich chegando a cada
hora. A popularidade de Nick estava se espalhando rapidamente.
Oakthorne estava agora em confinamento para os vivos e os mortos, todos
os necromantes da cidade em patrulha e prontos para matar, com mais apoio
no caminho de outras vilas e cidades. E meus seguranças foram removidos
por Emma, todos focados agora em manter a cidade segura.
Minhas mãos nunca estiveram tão suadas.
Robert e eu estávamos em uma rua residencial perto da Praça Central,
atendendo a uma ligação de um ataque rebelde a uma casa. Infelizmente,
não chegamos ao local a tempo, um pai de três filhos agora morto em seu
jardim, sua esposa e filhos chorando lá dentro.
— Irei até eles — disse Robert, apontando para a casa.
O que deixava o novo fantasma para mim.
O cara careca e de pele clara estava sentado ao lado de seu corpo
encharcado, a chuva se intensificando de garoa para encharcamento há cerca
de uma hora.
Ele teve a garganta cortada, a arma do crime caída na grama molhada a
centímetros de seu cadáver.
— Olá — eu disse.
Ele soluçou em suas mãos translúcidas, vestido com um roupão azul com
'Melhor Pai de Todos!' impresso em letras brancas no verso.
Deus, isso era horrível.
— Oi — tentei novamente. — Sinto muito pelo que aconteceu com você,
mas preciso que você olhe para mim.
Ele olhou, envolto em devastação. — Ele me matou.
— Sinto muito.
— Onde… Onde você estava? Minha esposa ligou... — Seus olhos se
voltaram para a casa. Ele ficou de pé. — Minha esposa. Meus filhos. Ah,
merda. O que eles vão fazer? O que eles vão fazer?
O homem agora estava próximo do limite da raiva, o que era
compreensível. No entanto, eu não poderia permitir que ele disparasse com
sua energia cinética ou entrasse em território poltergeist. Dadas as
circunstâncias da sua morte, a ameaça poltergeist era elevada.
Preparei minha magia de vinculação. — Por favor, senhor. Podemos
conversar por um momento?
Olhos voltados para mim. — Minha família…
— Meu parceiro está conversando com eles agora. E preciso que você fale
comigo. Qual o seu nome?
— Quero estar com eles. — Ele deu um passo em direção à casa.
Mantenha a calma. — Entendo completamente. Você pode estar com eles
assim que conversarmos.
Felizmente, ele concentrou sua atenção em mim.
Não querendo rodeios, comecei com: — Tenho que levar você ao
Santuário. Sua família pode se juntar a você. Não é seguro para você ou eles
estarem aqui.
— Eu... — Outro olhar para a casa, depois de volta para mim. — Eu…
estou realmente morto?
— Você está. Sinto muito.
— Eu estou morto. — Seus ombros caíram. — Tenho apenas trinta e três.
— Sinto muito.
— Estou morto.
— Você cooperará conosco? — Perguntei. — Vai nos deixar ajudá-lo?
— Você falhou em me ajudar a não morrer — ele murmurou.
— Eu sei. Mas podemos ajudar agora. Podemos mantê-lo seguro.
Tirei meu e-scroll do bolso para ligar para Robert lá dentro e fazer as coisas
andarem.
— O Santuário estará seguro? — ele questionou.
— Sim. Muito seguro.
Meu telefone civil tocou no meu bolso.
— Meu nome é Dennis — disse o fantasma.
— Meu nome é Marcel — respondi, o zumbido em meu bolso parando.
Dennis olhou para seu corpo. — Nem me lembro de ter sentido isso. Num
minuto eu estava lá fora, tentando impedir aquele rebelde de entrar. — Ele
puxou o roupão. — Por que nós, Marcel? O que nossa família fez?
A pergunta de um milhão de libras, eu tinha certeza, seria feita repetidas
vezes nas próximas horas.
Verifiquei meu telefone civil rapidamente. Uma chamada perdida e uma
mensagem da Morte. Oh, meu Deus! Jon, o poltergeist e a chave ônix?
Respondi uma mensagem dizendo-lhe para ter cuidado. Droga. Se ao menos
eu pudesse me juntar a ele. Mas eu estava muito ocupado aqui.
— Minha família — Dennis sussurrou. — Minha família precisa de mim.
— Eu...
— Boo! — Nick apareceu de trás do muro do jardim do vizinho, com uma
arma em punho. Ele atirou em meu ombro, me jogando de costas. Minha
cabeça e coluna colidiram com o chão, a dor me fazendo ver estrelas.
— Porra! — Eu rugi.
Gritos terríveis rasgaram meu crânio, tão horripilantes, do tipo que fez
meu coração disparar de uma maneira ruim.
Com a cabeça girando, sentei-me e fiquei de joelhos.
— Não! — Gritei, procurando minha arma apesar da agonia em meu
ombro. — Deixe-o em paz!
Com as mãos apoiadas no muro do jardim, Nick se inclinou para frente
com a boca aberta demais para qualquer ser humano normal. Sua mandíbula
se deslocou como a de uma cobra, o interior de sua boca se esticou a ponto
de rasgar suas bochechas beijadas pelo sol. Seus olhos verdes estavam
arregalados, seus dedos arranhando a parede.
Ele estava se alimentando.
Dennis uivou de dor, sua forma se desfazendo. Linhas de fratura se
espalharam por seu corpo, incapaz de se mover.
Disparei em Nick, errando.
Droga.
Tentei minha magia de controle, a energia verde ricocheteando em Dennis
inutilmente.
— Não! — Chorei. — Você não pode tê-lo!
— Marcel! — Robert gritou, atirando nas entranhas de Nick.
O lich não reagiu.
Robert disparou novamente, mas Dennis só quebrou ainda mais, Nick
intocável naquele momento.
Comoção. Vozes.
— Para o lich! — uma mulher chorou.
— Proteja-se! — Robert rugiu.
Virei-me e vi duas mulheres, rebeldes, correndo para casa com
espingardas. Ambas dispararam as armas ao mesmo tempo.
Oh. Merda.
Correndo sob um coquetel de adrenalina e terror, consegui rolar até a
parte do muro do jardim que dava para a rua. As armas dispararam,
abafando momentaneamente os gritos de Dennis. As balas atingiram as
janelas, quebrando o vidro.
Não. Não a família.
Mais dois tiros na parede, pedaços de tijolo cuspindo no alto.
Felizmente, Robert também se escondeu nesta parede a tempo.
— Saiam, saiam, pequenos necromantes! Ou vamos explodir suas cabeças.
— Gargalhando. — Na verdade, faremos isso de qualquer maneira.
O primeiro pedaço de Dennis se soltou e caiu na boca larga do lich.
Os rebeldes atiraram na parede novamente, espalhando mais tijolos.
Merda! Tentei atirar, apontando minha arma por cima do muro e disparando
três balas.
Um grito.
— Liz! — uma das mulheres gritou.
Robert olhou para mim e ficou de pé, atirando. Eu o espelhei,
estremecendo de agonia, esvaziando meu cartucho nos rebeldes.
Juntos, fizemos uma bagunça sangrenta na rua.
Prendemos um fantasma em um beco sem saída.
Os gritos de Dennis me fizeram voltar para ele, meus dedos buscando um
novo cartucho. Mas hesitei, congelado pelo horror de um fantasma
semiformado, pedaços voando dele rapidamente, desaparecendo nas
mandíbulas famintas de Nick.
Em segundos, tudo acabou, cada pedaço de Dennis foi repentinamente
arrancado do jardim e jogado na barriga do idiota. A boca de Nick se fechou,
voltando instantaneamente ao normal.
Ele deu um tapinha no estômago sangrando, sem se incomodar com o
ferimento. — Delicioso. — Ele sugou o ar entre os dentes ensanguentados.
Carreguei meu cartucho ao mesmo tempo que Robert.
— Vá para a Praça Central — disse Nick antes de tossir sangue.
— Vá se foder. — Robert estourou na cara dele.
O lich explodiu em uma explosão de folhas empoeiradas.
Outra cópia de Nicholas.
Robert me examinou.
— Estou bem — eu disse.
— Você está com um ferimento de bala no ombro, mano — ele protestou.
A esposa de Dennis apareceu na porta. Pobre Dennis. Sua pobre família.
Essa foi a primeira vez que vi Nick se alimentar e rezei para que fosse a
última. A dor que Dennis deve ter sentido e todos aqueles fantasmas que o
lich comeu durante sabe-se lá quantos anos para se sustentar agitaram
minhas entranhas.
— Volte para dentro! — Gritei.
A mulher fechou a porta.
Rostos de crianças apareceram na janela quebrada, e a esposa de Dennis
os arrastou. Eles estavam seguros e vivos. Nenhum deles foi morto por
aqueles rebeldes. Pelo menos essa era uma vitória por enquanto.
— O quê? — Robert respondeu em seu e-scroll vibrando. — Você está
brincando. — Ele olhou para mim com a testa franzida.
Eu esperei.
— Porra! — ele gritou e encerrou a ligação.
— O que está errado? — Perguntei.
— Temos que ir para a Praça Central agora. — Ele me lançou um olhar
que não gostei.
— O que está acontecendo? — Agarrei seu bíceps esquerdo.
Ele mordeu o lábio e depois se libertou do meu aperto. — Ele está com sua
família.
Jon estava sentado em seu lugar habitual, em uma rocha em uma caverna
nas profundezas da escuridão de Cravo-amarelo – o poltergeist mais
relaxado do mundo.
Ele olhou para cima enquanto eu o deixava me ver e sentir. Um homem
pálido e barbudo, vestindo jeans desleixados e nada mais, seu cabelo preto
cortado raspado. Ele era um fugitivo, responsável por destruir uma fazenda
perto de Bath com sua raiva, mas depois conseguiu moderar sua fúria e se
esconder aqui.
— Oi — ele disse sem nenhum sentimento em seu tom.
Ele foi assassinado durante uma viagem turística em Londres por nada
mais que cinco libras.
Uma tragédia podre.
— Olá, Jon. Estou aqui para falar com você sobre uma coisa.
— Sobre o quê?
E aqui começa. — Não quero que você fique chateado comigo, mas é sobre
a chave ônix.
Sua cabeça girou, seu rosto se contorcendo em um rosnado desagradável.
— Cuidado com a porra da sua boca!
— A chave...
— Profundo e longe! — ele gritou, energia cinética saindo de sua boca
como ondas de choque visíveis. A caverna tremeu, pequenos pedaços de
rocha caíram no chão.
— Por favor, Jon. Não quero aborrecer você.
Seu balanço tornou-se mais violento. — Nenhuma chave. Nenhuma
chave. Nenhuma chave. Não é nenhuma chave. Não é nenhuma chave. Não
para mim. Não para mim.
O mesmo embargo que me afetava claramente funcionou através dele,
mesmo na morte.
— Você não pode me dizer — respondi suavemente, sem fazer
movimentos bruscos. — Entendi isso. Mas preciso da sua ajuda.
— Chave, não a chave, não a chave, não a chave — ele divagou.
— Você viria comigo? — Perguntei.
Isso puxou o gatilho de sua raiva. Jon gritou, jogando a cabeça para trás.
A energia cinética explodiu dele, atingindo-me como uma pedra voadora.
Voei para trás, batendo na parede da caverna.
— Não! — Jon chorou. — Sem a porra de chave!
Esta parte profunda de Cravo-amarelo explodiu, rachando contra sua
raiva mortal.
— Jon!
Mas a caverna desabou em volta da minha cabeça, enterrando-me em
rocha e poeira.
É maravilhoso ver a tarefa ocorrer tão bem.
Capítulo 33

A Praça Central poderia muito bem estar a um milhão de quilômetros de


distância, apesar de estar a cinco minutos.
Senti como se estivesse rastejando para chegar lá.
Naquele momento, esqueci Dennis e sua família, consumido pela minha.
Minha família. Como diabos Nick conseguiu minha família? Isso não era
real. Simplesmente não podia ser.
Recebi minha resposta quando nos deparamos com dois homens rebeldes
que bloqueavam o final de uma das cinco galerias comerciais cobertas que
davam acesso à praça principal ao ar livre. Armas na nossa cara, grandes
sorrisos na deles.
— Bem, olá — disse o cara da esquerda. — Bem-vindos.
Atrás dele, a praça estava repleta de rebeldes e fantasmas mantidos contra
a vontade, até mesmo alguns mortos reanimados. No centro, perto da fonte,
pensei ter visto minha mãe em uma espécie de plataforma elevada com um
dossel branco sujo protegendo-a da chuva.
Tentei passar pelos rebeldes, pressionando duas armas contra meu crânio.
— Tente de novo — disse o cara da direita — e pintarei essas vitrines com
seu cérebro.
Não antes de eu arrancar seu queixo. — Saia do meu caminho! — Fervi,
pronto para matar cada rebelde aqui.
Não poderia ser a mamãe ali. Tinha que ser um truque, outro jogo do lich.
— Calma — disse Robert, me segurando pelo ombro.
— Mantenha seu garoto sob controle — exigiu o cara da esquerda. — Não
estamos aqui para brincar. — Ele riu junto com o cara da direita.
Seus olhos estavam arregalados e as pupilas dilatadas. Cheios de loucura,
perigosamente perto do limite.
— Você está trabalhando para o lich? — Robert perguntou.
Tirei a mão dele do meu ombro. — Claro que eles estão, porra.
O cara da esquerda sorriu. — Nick é um bom homem. Quer nos dar um
futuro. Diz que não precisamos mudar só porque a sociedade assim o diz.
Será que eu poderia pular sobre esses idiotas e chegar à plataforma?
Talvez não com o mar de rebeldes entre mim e isso.
Essa não é a mamãe...
Onde diabos estavam Emma e os outros necromantes?
— Sim — o cara da esquerda entrou na conversa — ele diz que a magia do
sangue é uma conspiração feita por covardes corruptos e mentirosos. — Ele
rosnou para mim. — Como vocês. Tentando nos tornar os vilões quando são
vocês. Vocês estão sempre nos matando e pensando que são deuses.
— Diz que somos os necromantes mais verdadeiros — disse o cara da
direita. — Porque abraçamos a natureza do nosso poder ao não injetarmos
essa merda de cogumelo em nossos sistemas.
Isso não fazia sentido, mas então por que faria? Tudo o que Nick precisava
fazer era inventar algumas mentiras e depois alimentá-las em mentes
extremamente vulneráveis. Fácil. E ele conseguiu fazer isso bem debaixo de
nossos narizes.
Estávamos na merda, toda a nossa operação foi inútil contra o lich.
— Ele tem planos para você — disse o cara da direita, olhando para meu
ombro ferido. — Dói, não é?
— Suponho que você não queira me dizer quais são esses planos?
Tudo o que Nick estava fazendo era causar o caos enquanto procurava a
chave. E eu sabia quais eram seus planos para mim: morte, morte e mais
morte.
O cara da esquerda cutucou o cara da direita nas costelas com o cotovelo.
— Não vou te contar nada. — Ele começou a rir, rapidamente voltando à fila.
O cara da direita inspirou profundamente.
— Esperando a palavra.
Aquela era mesmo mamãe ali na plataforma?
— Assumo daqui.
Por um momento, esperei ver Nick enquanto girava ao som de uma voz.
Só que não era a voz dele. Não era nem a voz de um homem.
— Emma?
A Diretora Superior parecia mortalmente séria. — Acho que precisamos
ter uma discussão séria.
Por que os rebeldes não estavam reagindo a ela? E por que ela estava
sozinha?
— Senhora? — Robert falou por nós dois.
Ela ergueu a mão para silenciá-lo e depois sacou a arma. Apontou para
mim.
— Largue sua arma.
— Senhora, eu...
— Largue sua arma imediatamente. Vocês dois.
— Vá se foder, vadia — Robert retrucou.
— Se você quiser ver seu noivo novamente, sugiro que obedeça meu
comando.
Emma não estava do lado de Nick. Ela tinha um plano. Eu simplesmente
sabia disso.
Deus, por favor, não deixe que ela seja uma traidora...
Robert largou a arma primeiro, parecendo estar na minha sintonia. Eu
rapidamente o segui.
— Movam-se — Emma ordenou.
— Muito bem! — um dos rebeldes gritou.
Muito bem? O que isso significa? Ela estava aliada a eles?
— Vocês têm dificuldade de ouvir? Virem-se e se movam — ela nos
ordenou novamente. — E não tentem nada. Nem todo mundo consegue se
recuperar de balas na cabeça como o nosso Marcel aqui.
— O que está acontecendo? — Perguntei.
— Movam-se.
Os rebeldes se separaram para mim e Emma, mas bloquearam Robert.
— Acho que não — disse um deles. — Você é nosso prisioneiro.
— Adorei — declarou o outro.
— Não seja louco agora — alertou o primeiro.
Tarde demais para isso. — Continue andando — disse Emma, logo atrás de
mim. — E mantenha suas mãos onde eu possa vê-las.
O mar de rebeldes e fantasmas estava silencioso, abrindo caminho para
nós enquanto íamos em direção à plataforma perto da fonte – uma tigela de
mármore com uma torre de relógio saindo dela. A plataforma recém-
construída me lembrou a forca medieval.
— Não! — Gritei quando o horror ficou claro.
Minha família estava naquela plataforma, de joelhos, com os pulsos
amarrados, as bocas amordaçadas, os rostos cobertos de cortes e hematomas.
— Marcel. — Nick estava lá com eles, vestido com um terno azul-marinho
bem ajustado.
Avancei, apenas para ser interrompido por uma rebelde.
— Afaste-se — Emma a avisou. — Ele está comigo.
— Mas é claro — a mulher respondeu com um grunhido.
Havia degraus que levavam à plataforma. Emma pressionou a arma nas
minhas costas, forçando-me a subir.
Ela tem um plano. Ela tem um plano. Ela tem um plano.
Comecei a chorar, alcançando meu pai. Ele era o mais próximo. O vidro
dos seus óculos quebrou. A moldura torceu.
— Pai… mãe… Henri…
Lágrimas escorriam pelo rosto de mamãe. Ela murmurou “Mon Papillon”
por trás do pano sujo em sua linda boca.
— Um reencontro feliz — disse Nick.
Minha cabeça virou para ele, meu peito roncou de fúria. — O que está
fazendo?
— Eu? — Ele cutucou o próprio peito com o dedo indicador. — Eu? O que
eu estou fazendo? Acho que essa é uma pergunta para você responder
depois de todos os segredos e mentiras.
Emma passou por mim, seus saltos altos batendo nas ripas de madeira.
Ela se juntou a Nick, com a arma ainda apontada para mim.
— Vai ficar tudo bem — eu disse à minha família. — Tudo ficará bem.
— Será mesmo? — Nick perguntou. — Parece que tudo está bem? Parece
que você está no controle? — Ele passou o braço pela praça. — O poder não
está em suas mãos. — Ele estalou os dedos e um rebelde subiu as escadas
para se juntar a nós, enrolando tela de galinheiro em meu pescoço.
— Como você gosta disso? — o homem sussurrou, um nada não tão doce.
O fio atingiu minha pele e garganta, a um puxão de cortar meu
suprimento de ar e possivelmente minha cabeça.
Merda. Merda. Merda.
Olhei para Emma, esperando que ela fizesse algo além de apontar a arma
para mim.
— Confesse a sua Diretora Superior — Nick entoou alegremente. —
Divulgue seus segredos mortais.
O riso percorreu a praça.
— Eu... — Droga.
Emma me observou em silêncio.
— Nada? — Nick disse. — O gato comeu sua língua? Ou o rebelde deixou
seu pescoço tenso?
Mais risadas.
Nick alisou as lapelas do paletó. — Então permita-me revelar tudo. Oh,
espere. Eu já fiz. — Ele fez uma pausa para causar efeito.
Não dei nenhuma reação a ele, as lágrimas eram pela minha família, por
mais ninguém.
— Ela sabe que você está namorando a Morte, que você está escondendo
coisas dela. E sei que o seu é um amor proibido. — Ele piscou para mim. —
Mas vamos manter isso para nós mesmos por enquanto.
Emma não se moveu, nem sequer se mexeu.
— E você, Diretora Superior? — Nick disse. — Há algo que você gostaria
de dizer ao seu necromante?
Ela baixou a arma. — Sua traição me machuca. — Ela falou com tanta
frieza que eu tinha certeza de que a chuva implacável iria congelar.
Nick assentiu com simpatia distorcida, jogando o braço em volta de
Emma.
Ela recuou ligeiramente.
— Você está trabalhando com ele? — Perguntei, lutando para perguntar
isso.
— Estou protegendo a cidade — ela respondeu.
Nick a soltou e bateu palmas. — Sua chefe está certa no que diz. Embora
eu ainda me considere seu superior, Marcel. — Ele piscou novamente. —
Gosto da sensação. De qualquer forma, estes são tempos perigosos para esta
cidade de merda. Emma aqui é esperta em manter seus cães afastados.
Emma olhou para mim como se quisesse me pendurar de cabeça para
baixo e me esfolar lentamente.
— Você provavelmente está se perguntando onde está a cavalaria, certo?
— Nick perguntou.
Não lhe dei a satisfação de responder, conspirando para salvar minha
família.
— Tenho todos vocês pelas bolas figurativas. — Nick se aproximou,
ficando bem na minha cara. — Eu venci, Marcel. — O pedaço de merda
lambeu minha bochecha. Recuei, rosnando para ele, indo para o ataque.
A tela de arame me parou.
— Vocês realmente não têm ideia de como estão derrotados — disse Nick
com uma risada ecoada pela multidão. — Eu não posso ser parado. Estou
aqui para mudar as coisas, para liderar a revolta.
Uma mentira. Ele queria mudança, claro, mas nenhum interesse na causa
rebelde. Eles eram apenas um meio para o seu fim.
— E aqui começa — Nick continuou, dirigindo-se à sua congregação. — A
cerimônia de abertura das Olimpíadas da Revolta. Quando finalmente
mostraremos a esses valentões onde reside o verdadeiro poder.
Isso lhe rendeu alguns aplausos e uma enorme salva de palmas.
Eu queria vomitar e depois chutá-lo nas bolas.
Nick começou a andar de um lado para o outro na plataforma. — Marcel
aqui tem sido uma pedra no meu sapato como ninguém. Tenho trabalhado
muito por todos vocês, tentando descobrir o melhor curso de ação para
ajudar sua causa. Se não fosse por ele — ele apontou o polegar para mim —
eu estaria pronto para atacar mais cedo. Mas ele se intrometeu, me
machucou e machucou vocês.
A multidão fervia de raiva e rapidamente entrou em frenesi. Bastou um
pouco de besteira e muita vulnerabilidade mental dos rebeldes para que o
lich criasse um discurso tão confuso.
Caos para se esconder dentro. Um caos que se espalharia como um
incêndio.
— Sua morte marca a mudança — continuou o lich. — O fim e o começo.
E vou entregá-lo para vocês destruírem, junto com sua família nojenta. —
Ele zombou, cuspindo na cara do meu irmão.
Henri choramingou. Fui me mover novamente, o rebelde puxando a tela
de arame.
Minha raiva borbulhava em uma panela deixada no fogo mais alto.
Crescendo rapidamente, pronto para jorrar e ferver.
Espere.
Espere.
Espere.
Convocação…
— No entanto, nosso necromante aqui parece ser resistente à morte.
Algum poder especial que o mantém vivo.
Esse era o segredo fora do saco.
— Então vocês terão que tentar e tentar novamente. — Ele riu. Eles riram.
— Permita-me demonstrar.
A tela de galinheiro se soltou. Nick investiu contra mim, o brilho do aço
brilhando. Aconteceu tão rápido que a lâmina cravou em meu pescoço com
velocidade e força terríveis. Engasguei-me de surpresa, minha família
uivando por trás de suas mordaças.
Minha jugular. Ele me atacou na jugular.
Nick puxou a lâmina. Cambaleei para frente, agarrando o fluxo de sangue
que jorrava do meu ferimento. Com dor, mas à deriva, desaparecendo
rapidamente enquanto eu sangrava.
Desabei, o mundo girando, tudo ficando preto.
Morto por meros segundos.
Eu me recuperei, ficando de joelhos, o ferimento de bala no meu ombro
cicatrizando junto com o do meu pescoço.
Vivo. De novo.
A surpresa coletiva da multidão foi como um vento forte atacando a
plataforma, um coro de exclamações e gritos.
Nick me agarrou pelos cabelos e inclinou minha cabeça para trás,
sacudindo meu pescoço.
— Veem isso? Curado. Esta é uma oportunidade para realmente fazê-lo
sofrer, para ver se ele tem mais vidas que um gato.
Os soluços da minha família partiram meu coração repetidamente, em um
ciclo interminável e desagradável.
Convocação…
Fechei os olhos, jogando a única outra defesa que tinha, chamando o fio
da convocação. Eu realmente deveria ter testado, pegado o jeito em vez de
ter medo disso.
Não está ajudando!
Mas o fio respondeu, tomando conta do meu corpo. Fiquei de pé,
derrubando Nick para trás. A energia verde irrompeu das pontas dos meus
dedos, do resto do meu corpo. Explodiu dos meus olhos, da minha boca.
Mesmo sem espelho, eu sabia que havia acendido como fogos de artifício,
uma figura de luz verde brilhante.
— Que porra é essa? — Nick gritou.
A magia necromante escorreu pelo chão, avançando em direção ao
cemitério, chegando a cada sepultura, acordando os mortos. Os mortos há
muito tempo, os mortos recentemente, alguns deles esqueletos, alguns deles
parcialmente podres ou os cadáveres frescos de fantasmas que ainda vivem
na cidade, vazia agora, sob meu comando. Eu os vi, uma visão do cemitério
passando pela minha mente, senti-os reverberar em meus ossos.
Venham até mim.
Ossos, carne e mortos.
Venham até mim.
Venham.
Nick tentou me tocar. Minha magia pulsou, resistindo ao seu toque. Ele
recuou com um grito em algum lugar fora da minha luz.
Os mortos forçaram a subida e saída de seus túmulos, marchando pelo
cemitério assim que foram libertados.
Venham até mim…
Esse fio de poder era simplesmente incrível, inebriante e demais. Ele
empurrou o Suco Necro em meu sistema, querendo me quebrar, transformar
minha mente em mingau, um poder que não foi projetado para meu corpo.
Que pena, eu disse. Você é meu.
Nick tentou me tocar novamente, recebendo outra resistência por seus
esforços patéticos. Ouvi telefones gritando e comoção da multidão.
— Senhor! — um homem gritou de algum lugar.
— O que é? — Nick gritou, pânico em sua voz.
Minha família. E se ele os machucasse para me impedir? Devo encerrar
isso antes dele?
— Os mortos estão marchando!
— Do que está falando? — Nick retrucou.
— Há um vídeo! — uma mulher chorou. — Mostre-lhe o vídeo!
— O cemitério está desperto!
Capítulo 34

Agredido e devastado pela dor, rastejei para fora dos escombros,


respirando pequenos suspiros de ar sufocado pela poeira.
Jon se foi. Talvez mais fundo em Cravo-amarelo, o caminho para lá
bloqueado sob as pedras. Pelo menos a rota para sair daqui não estava.
Fiquei sentado por alguns momentos, me recompondo. A dor
desapareceu rapidamente. Nenhum dano causado. Mesmo sendo diluída, a
Morte era vulnerável a ser ferida, eu ainda não poderia morrer sob
desmoronamentos ou qualquer outro meio.
Isso não diminuiu o estresse de ser enterrado vivo.
Jon reapareceu, passando pela rocha caída, a cabeça baixa, o peito subindo
e descendo.
— Eu não queria fazer isso. Desculpe.
Levantei-me. — Não se preocupe, Jon.
Ele manteve a cabeça baixa.
— Vou fazer algo agora e quero que você saiba que é para o melhor
interesse do mundo.
Ele olhou para cima, oferecendo-me o menor dos acenos sem perguntas.
Suponho que ele me devia uma.
Jon nem sequer vacilou quando eu puxei minha foice, simplesmente ficou
ali sem emoção, sem nenhum som enquanto eu o puxava para minha lâmina.
— Te vejo livre quando terminar — sussurrei.
Eu tinha um plano. Visto que uma discussão sobre a chave ônix não seria
possível, eu veria o que a presença dele faria para afetar a poção do Buscador,
se é que afetaria. Valia a tentativa. Caso contrário, eu teria que levá-lo para
o Bolsão de Margarida como último recurso.
Mas primeiro procurei Marcel, sentindo-o correndo em direção à praça
principal da cidade. Em pânico. Sobre o quê?
Era hora de pausar temporariamente esta missão.
Meu amor precisava de mim.
Estes não eram mortos que se arrastavam. Cada um deles marchava como
guerreiros, movidos pelo meu poder. Não demorou muito para chegarem e
quanto mais tempo passavam fora de seus túmulos, mais fortes se tornavam,
absorvendo minha vontade.
O primeiro esqueleto atacou um rebelde, seguido pelos outros, atacando
a multidão. Sorri diante do drama, da inundação da praça pelo meu exército.
Todos nós podemos jogar esses jogos, pensei para Nick, que gritava alguma
coisa que não entendi direito.
Os mortos atacaram, soldados brutais contra os vivos. Seus socos e chutes
foram cruéis, mas qualquer retaliação não seria sentida. Se levassem um tiro,
fossem jogados no chão ou levassem um chute no rosto, eles se levantavam.
Seus cadáveres eram alimentados por essa magia intensa.
Um estrondo alto me desequilibrou, minha magia vacilou. Tremores nas
solas dos meus pés, a plataforma balançando. Nick rindo, pessoas gritando.
Alarmes de carro soando, uma estranha mudança na vantagem – também
conhecido como eu perdendo o controle.
Merda! Tentei me recuperar, mas meu aperto estava afrouxando, minha
concentração atraída pelas nuvens de fumaça ao longe.
Fogo? Explosão?
— Afaste-se, Marcel — Nick falou atrás de mim.
— O que...
— Há explosivos espalhados por toda a cidade — disse ele. — O ginásio
necromante foi a primeira vítima. O que acontecerá a seguir depende de
você.
Merda. Merda. Merda.
— Tenho pessoas trancadas na escola primária... crianças, adultos, um
monte de vítimas esperando para virar fumaça.
O brilho da minha luz diminuiu. — Você não pode...
— Ganhar? Já fiz isso, Marcel. Você estará ocupado demais para se
preocupar com a chave ônix. — Ele manteve a voz baixa. — Se você não
parar agora, vou sangrar sua família até secar. Eles não vão se levantar como
seu necromante especial.
— Vou matar você.
Ele riu no meu ouvido, seu rosto quase tocando a magia que desaparecia.
— Boa sorte com isso.
— Eu vou. Vou limpar o Resplendor da Morte e...
— Pare agora mesmo, ou começarei com seu lindo irmãozinho.
A ameaça foi potente o suficiente para acabar com minha magia. Ela
desabou, me forçando a cambalear de volta para perto do lich. Ele me pegou
pelos bíceps, seu aperto era de ferro.
— Bom rapaz.
A luta cessou e o exército de mortos recuou. Ou tentou.
— Elimine-os! — Nick gritou, machucando meus tímpanos.
A multidão de rebeldes se lançou sobre os cadáveres ambulantes. Sem
minha magia para galvanizá-los, eles aceitaram os ataques sem reação.
Esmurrados e dilacerados, ossos e carne rasgados e jogados em algum
massacre completamente fodido que trouxe bile para o fundo da minha
garganta.
Falhei com meus guerreiros antes mesmo de nosso relacionamento
melhorar.
— Tenho meu próprio exército — Nick sussurrou, seus lábios
nauseantemente perto do meu ouvido.
Ele passou a lâmina pela minha garganta, cortando profundamente, e me
jogou no chão.
— Destrua-os! — ele comandou seus rebeldes novamente. — Acabem com
esta perversão.
Perversão? Realmente? Vindo de um lich? Que monte de merda
fumegante.
— Marcel!
A Morte saltou para a plataforma, agachando-se. Minha garganta já estava
curada. Minha vida restaurada. Eu só precisava de um momento para me
recompor, para não desmoronar com os uivos abafados da minha mãe.
— Estou aqui — disse ele, acariciando minha bochecha esquerda com as
costas da mão.
— É tão bom ver seu rosto.
Foi um erro falar, Nick se virando para mim com um sorriso malicioso.
— Então ele chegou. — Ele puxou um frasco de poção cheio de líquido
vermelho, jogando-o em mim.
Ele quebrou nas costas da Morte, correntes de trepadeiras vermelhas
passaram por ele com uma velocidade louca, banhando brevemente seu
corpo em luz vermelha antes de desaparecer.
— Oh, meu Deus! — alguém gritou. — É ele! É a morte.
— Surpresa — disse Nick.
A magia do mago tirou minha camuflagem, expondo diretamente a mim
e minha essência aos fantasmas na multidão. A magia do rubi manteve-se
firme, mas não foi suficiente para me esconder daqueles que mais
precisavam de mim.
Eu os senti me sentir, reagir à minha presença. Eles se aproximaram da
plataforma, estendendo a mão para mim.
— É ele — disse uma mulher.
— Por favor, liberte-nos — implorou um homem. — Tenho que seguir em
frente. Não aguento mais.
Suas vozes me queimaram por dentro, gritando na minha cabeça, nos
meus ouvidos. A energia implorante me engolfou, um desespero terrível
inundou minha determinação. Sempre consegui mantê-la sob controle, mas
não agora, não com esta surpresa.
Marcel se levantou enquanto eu me curvava, com a mão sobre o coração.
A dor deles se manifestou fisicamente, rasgando meu peito.
A mão do meu amante pousou nas minhas costas.
— O que está acontecendo? — ele perguntou, o medo em sua voz doentio.
E eu não poderia recorrer a ele, sair desta posição.
— A verdade — Nick falou. — A revelação de um covarde e suas
prioridades tolas. Ou seja, Marcel. — Murmúrios dos fantasmas, mais
súplicas. — A Morte e o necromante são amantes.
Rugi com o súbito influxo de tristeza dos mortos.
— Vocês me ouviram! — Nick gritou. — A Morte prefere foder esse mortal
a cuidar de vocês!
— Cale a boca! — Marcel gritou em resposta.
— Mas ainda não terminamos. Há mais uma reviravolta nesta história
sórdida.
— Fique longe dele! — Marcel novamente.
— O amor deles é condenado — acrescentou o lich e arrancou o rubi do
meu pescoço.
Capítulo 37

Parecia uma cena de filme, tão chocante que você fica desesperado para
que o controle remoto o faça parar, apenas para que o controle remoto se
perca no encosto do sofá.
Isso não está acontecendo…
Nick jogou o rubi no chão, pisando nele repetidamente até que ele
quebrou, sua vermelhidão se transformando em vidro transparente.
Morto.
Quebrado.
A Morte e eu fomos expostos, ali mesmo, para que as consequências
viessem e nos pegassem.
Tudo ficou mais lento, minha mão ainda nas costas da Morte, tantas vozes,
tanta confusão. Meus olhos pousaram em Emma, meu irmão, meus pais,
depois para o homem parado na escada, contido por um rebelde.
Robert. Olhos arregalados, narinas dilatadas. — Que porra é essa, mano?
O chão tremeu violentamente, me jogando para o lado. Perdi o equilíbrio,
caindo de joelhos. A plataforma balançou e a madeira se partiu. Agarrei meu
irmão quando ele caiu para trás, puxando-o para mim.
— Estou com você — eu disse.
Eu tinha que tirar minha família daqui.
Uma rachadura abriu-se na praça, e rebeldes saltaram para fora do
caminho. Atingiu os edifícios do lado norte, abrindo-os como se um cutelo
invisível tivesse sido balançado do subsolo para cima. As janelas
explodiram. O telhado de uma padaria desabou, levando consigo o resto do
prédio em uma explosão de tijolos vermelhos e vidro.
Explosivos! Oh, Deus! Eles seriam detonados por esta reação.
A plataforma desabou. Segurei Henri, rolando com ele, suportando o peso
de cairmos no chão molhado de concreto.
Merda!
O chão tremeu com mais força, outro prédio caindo. Caos. Exatamente o
que o lich queria. Como ele sabia sobre o rubi? Quero dizer, ele sabia sobre
a Morte e eu de alguma forma, já que ele disse algo sobre nos ver antes deste
ciclo, então por que ele não deveria saber essa pequena informação?
Alguém no Mercado Oculto? Yvonne?
Oh, Deus.
Uma debandada rugiu muito perto de nós, corpos caindo sobre a
plataforma quebrada, saltando, caindo, rolando. A qualquer momento
seríamos pisoteados até a morte.
Mas um pedaço da plataforma ainda estava de pé, um possível abrigo.
Com um braço em volta de Henri, eu o arrastei para mais perto, com o
plano de levar meus pais em seguida. Antes que eu pudesse colocá-lo ali, o
chão se abriu abaixo de mim. Meu irmão gritou por trás da mordaça quando
eu o empurrei para fora do caminho bem a tempo.
Em vez disso, o chão me levou.
Amor proibido em ação. A cidade pagando o preço enquanto eu estava
deitado nas ruínas da plataforma de madeira, fantasmas me cercando, me
arranhando, minha visão repleta deles.
O trovão explodiu, relâmpagos arranhando o céu escuro. Se eu não agisse
agora, Oakthorne estaria perdida para sempre.
Eu não poderia permitir que isso acontecesse.
Forçando-me a ficar de pé, invoquei toda a minha força, todo o meu poder
mortal para resistir ao ataque dos fantasmas. Empurrei-os para trás, afastei-
os, não importando o quanto a dor deles fosse minha.
Funcionou, removendo-me da vista e da presença novamente. Quebrando
seus corações, acendendo sua dor. Chorei por eles, lágrimas quentes e
agonizantes escorrendo pelo meu rosto. Mas eu não recuaria, permitiria que
esta maldição vencesse. E os mortos não conseguiriam o que queriam até que
eu conseguisse.
Veja o que você está fazendo com eles.
Por causa do egoísmo.
Porque você ama quando não deveria.
Saí da praça, ziguezagueando pelo pandemônio, em direção ao prédio de
Marcel. A risada de Nick permeou minha mente, em algum lugar lá atrás. O
riso da vitória.
Eu vou matar você…
A praça de Marcel foi fortemente danificada, tremendo, a água da
enchente invadindo a biblioteca por meio de canos estourando nas
rachaduras no solo. Mas seu prédio ainda estava de pé por enquanto.
Abri a porta de entrada, subindo correndo a escada até o andar dele. Abri
a porta com um chute, correndo para o quarto. Arranquei uma pétala de
margarida, a porta ondulando como uma pedra jogada em uma piscina.
Irrompendo, os sons do reino atrás de mim trovejaram no céu salpicado
de margaridas, apenas para parar segundos depois. O bolsão me ofereceu
ondas de calma e o reino mortal respirou fundo.
Caí na fenda estreita do meu lado, felizmente preso ao alcance, o rosto
pressionado contra a rocha. Ela arranhou meu rosto e minhas mãos,
perfurando minhas roupas enquanto a gravidade e o chão trêmulo tentavam
me libertar.
Deus. Até onde ia essa fenda?
E então parou. Só assim, o tremor e a tempestade crescente acabaram.
O que aconteceu? Onde estava a Morte?
Uma hora depois, fui resgatado da fenda, puxado para o ar fresco e sob
uma forte chuva por alguns bombeiros incríveis.
— Mon Papillon! — Mamãe chorou enquanto os paramédicos
trabalhavam em mim.
— Parece que nada está quebrado — um paramédico me disse.
Eles me deitaram em uma maca e colocaram uma máscara de oxigênio em
meu rosto, me levando até uma ambulância que estava à espera.
Minha família estava segura. Ferida, traumatizada, mas viva e sendo
cuidada pela equipe médica. Olhei para cima e vi mamãe se aproximando
de mim, com angústia estampada em seu rosto moreno, sendo direcionada
com papai e Henri para mais duas ambulâncias.
Minhas forças se esgotaram, seus soluços trazendo os meus à vida.
Lágrimas escorreram dos meus olhos, uma enxurrada de agulhas espetando
meu peito. Queria pular daquela maca, correr até eles, segurá-los por horas,
nunca mais soltá-los.
Mas fui colocado no veículo, as portas pesadas se fecharam, e depois fui
levado para o hospital.
Antes que eu percebesse, eu estava em uma cama perto da janela, em uma
enfermaria totalmente ocupada para oito pessoas, observando a água da
chuva escorrer pelo vidro. Nenhum telefone à mão e nenhum e-scroll.
Nenhuma informação porque a equipe do hospital estava muito apressada
para falar, o hospital estava além de sua capacidade após o desastre.
Causado por você.
Por volta das quinze para a meia-noite, Emma chegou à minha enfermaria,
com pontos na testa e o cabelo prateado completamente desgrenhado.
Sentei-me. — Senhora?
Ela ficou ao pé da minha cama, sua aura ártica. — Nicholas West veio até
mim há três dias para me informar sobre os explosivos que ele colocou pela
cidade. — Direto ao assunto, não há tempo para formalidades idiotas. — Isso
acabou sendo um blefe, além daquele do ginásio – que estava vazio na época.
— Ela cruzou os braços. — Fiz o meu melhor para proteger esta cidade. Que
escolha eu tinha senão agradar o lich? Destruição em massa? Tive que trazer
sua família até ele, para chamar meus necromantes pela segurança de
Oakthorne.
O choque manteve minha boca fechada.
Ela balançou a cabeça, seus olhos duros nunca deixando os meus. — Ele
revelou detalhes sobre você e a Morte. Não acreditei nele, não no começo.
Até que comecei a juntar as peças. — Ela agarrou as barras na parte inferior
da cama, inclinando-se para frente. — Ele deu a você o Acelerador Tipo B,
não foi? Foi ele quem matou aqueles rebeldes e os enviou para o Santuário.
E ele é seu... ele é seu amante. Não só isso, mas... — Emma parou,
empurrando-se para trás. — Não acredito que estou perguntando isso.
Fiquei ali deitado, minha língua inútil, olhos e ouvidos de meus colegas
pacientes da enfermaria sintonizados em sua voz.
Emma não pareceu se importar.
— Vocês se encontram de novo e de novo — ela continuou. — E então
segue-se a devastação. Mas desta vez você tentou lutar contra isso, para se
esconder do seu destino reciclado. — Um suspiro pesado. — Você brincou
com fogo e agora Oakthorne sofre. — Ela veio para o lado da minha cama.
— Nunca fiquei tão decepcionada em minha vida, Marcel. Não posso
acreditar nos segredos que você guardou.
— Eu...
— Não se atreva a falar! — ela retrucou. — Não quero ouvir sua voz.
Ah, então não há chance de explicar meu lado da história. Que choque.
— Por seu engano, você será transferido para uma área segura até que eu
e meus colegas Diretores Superiores decidamos o próximo curso de ação.
Minha bochecha corou com o calor irritado, meu estômago se revirou de
surpresa. — O que...
— O lich continua foragido. Há revoltas rebeldes se espalhando por vilas
e cidades, todas em seu nome. Oakthorne está gravemente danificada, há
muitas vítimas e muitos estão pedindo sua cabeça. — Ela me olhou de cima
a baixo como se eu fosse uma merda em seus saltos altos. — Vídeos do seu
poder de renascimento e do cemitério que você convocou à vida estão online.
A notícia está se espalhando sobre você e a Morte. Parabéns, você é famoso.
Então agora eu tenho que proteger você quando tudo que quero fazer é
quebrar seu crânio.
Respirei fundo para responder, mas ela gritou: — Agora você pode entrar.
Uma figura atravessou a enfermaria, um fantasma com a cabeça baixa.
Cabeça.
A cabeça do…
— Oh, não — engasguei-me, sentando-me direito, puxando meu tubo
intravenoso. — George.
Ele ficou ao pé da minha cama com ela, tremendo de tristeza, com as mãos
entrelaçadas diante do corpo.
— Oi — ele disse suavemente.
A dor latejava na minha cabeça e no peito, um gorgolejar nas minhas
entranhas. — G-George?
Ele fechou os olhos, balançando a cabeça.
— Ele foi morto voltando de Bristol para a cidade — Emma falou por ele.
— Inocentemente, voltando do trabalho para casa, apenas para seu carro cair
em uma estrada em ruínas, um cano subterrâneo quebrado espetando sua
cabeça.
— Por favor, não — George rebateu, sem abrir os olhos.
Lutei para respirar, para fazer qualquer coisa além de olhar para meu ex.
— Robert está inconsolável — acrescentou Emma. — Ele está detido na ala
psiquiátrica, fortemente sedado. Graças a você, podemos perder um bom
Diretor para ser um rebelde se não pudermos ajudá-lo.
— Você alguma vez cala a boca? — George entrou em cena, com os olhos
firmemente abertos agora, as mãos fechadas em punhos. — Quão insensível
você precisa ser?
— Estou transmitindo os fatos ao membro da minha equipe que carrega a
culpa por sua morte, Sr. Barrons. Se você se opuser, então por favor...
— Eu me oponho, porra! — ele gritou. — Isso não é culpa de Marcel. Ele
nunca iria querer fazer nada para machucar alguém.
— Mesmo assim, ele fez isso — respondeu Emma.
— O lich fez isso. Ele...
Emma o acertou com força, os três anéis verdes o calaram.
— Não preciso que me repreendam, senhor Barrons.
— Eu... — Eu não consegui dizer mais palavras.
— Você será transferido dentro de uma hora — disse Emma, olhando para
mim.
— Minha família...
— Permanecerá sob meus cuidados.
Isso foi o suficiente para me irritar. — Seu cuidado? Seu maldito cuidado?
Você não dá a mínima para eles. Você os trouxe para o lich. Eles poderiam
ter sido mortos. — Respirações engatadas, fúria aquecida se espalhando pela
minha pele. — Como pôde fazer isso?
Ela permaneceu fria, indícios de sua própria raiva brilhando em suas
pupilas. — Não, Marcel. Como você pôde fazer isso e ainda tentar bancar a
vítima?
— Não sou uma vítima. Sei que estraguei tudo, mas...
— Mas nada. Você é um perigo, um risco que não podemos permitir andar
livremente sabendo que ele pode causar tanto sofrimento novamente.
Oh, meu Deus. Esta maldita Diretora Superior era a pior pessoa de todas.
— E ainda assim você entregou a cidade para Nick.
— Para seu próprio bem.
— Você...
— Chega, Marcel.
— Não! Nunca será suficiente. Você é cruel e fez merda tanto quanto eu.
Você precisa ser trancada também!
— Silêncio!
— Vá se foder! Vá se foder! Vá se foder! Vá se foder! — Meu ódio explodiu
dentro de mim, vulcânico e aterrorizante, meus gritos queimando minha
garganta. — VÁ SE FODER!
As enfermeiras correram para a enfermaria, tentando me acalmar
enquanto eu tirava as pernas da cama.
— VÁ SE FODER!
Elas lutaram comigo, me aplicaram um sedativo e me prenderam na cama.
Entrei em uma falsa serenidade, tentando lutar pelo controle. Em deixar
minha chefe ficar com tudo, gritando até derrubar o prédio.
Mas eles me levaram pelos corredores do hospital, me colocaram na
traseira de uma van sem dizer uma palavra.
Capítulo 40

Saí timidamente do bolsão. Nenhuma reação. Lentamente, mudei-me para


o quarto de Marcel, o cheiro permanente de caramelo inebriante.
De quanta distância precisávamos para a maldição não reagir?
Quilômetros? Metros? Certamente não um reino inteiro, a julgar pela falta
de atividade.
Olhei para a janela, a água da chuva escorrendo pelo vidro, borrando o
caos e as luzes da Praça Leste além.
Veja o que você fez novamente.
Veja a bagunça.
Veja a morte.
Sempre dor.
Nunca esperança.
Recusei-me a sucumbir às minhas vozes interiores, não importa quanta
verdade elas falassem. Colocando uma mordaça nelas, procurei por Marcel,
meus sentidos o caçando por toda a cidade.
Ele não estava aqui na cidade.
Estendendo-os, espalhando-se além do perímetro de Oakthorne em todas
as direções, encontrei-o indo para o leste. Em um veículo, sem se mover.
Sedado?
Estou chegando…
Corri até a porta da frente e parei, com a mão na maçaneta. Hesitando.
Sem rubi, não havia proteção. Até eu estar fora do bolsão colocava todo
mundo em risco.
Afastei-me da porta, pegando meu telefone. Tentei ligar para Yvonne.
Nada.
Enviei-lhe uma mensagem, todos os músculos tensos, o mostrador do meu
medo no máximo.
O que eu faço? O que eu faço?
A única coisa que eu queria era ir atrás do meu amor. Mas essa opção
estava fora de questão.
Tentei Yvonne novamente.
Nada.
Não querendo perder mais tempo, abri a porta apenas para encontrar
Leon West. A versão de projeção astral dele, semelhante a argila, pelo menos.
— Marcel? — ele disse, não me vendo.
Eu me revelei. — Entre.
— Oh.
— Entre. Agora.
Ele obedeceu.
— Onde... — Ele limpou a garganta. — Onde está Marcel?
— Ele precisa da minha ajuda. Imagino que você saiba o que aconteceu
com a cidade?
— Foi você? — ele perguntou.
— Nós, seu marido. — Dei-lhe uma explicação rápida.
— Ah, não... — ele sussurrou, horrorizado. — Aquelas pobres pessoas…
Poupe sua preocupação. — Eu tenho que pegar outro rubi. Você sabe como
fazer um rapidamente? — Yvonne estava claramente se arrastando, ou ela
me traiu ao dar a Nick a poção vermelha do Mercado Oculto para me revelar
aos mortos.
Ele fechou os olhos. — Besteira.
— O quê?
— Posso fazer um para você, mas não tenho os ingredientes aqui. Você
teria que ir ao Mercado Oculto para buscá-los e então teria que encontrar
meu verdadeiro eu. — Ele abriu os olhos novamente, revelando tristeza
naquelas profundezas âmbar.
— Estou tentando entrar em contato com alguém lá. — Claramente, eu
teria que pegar Pegasus e voar até Londres e invadir sua tenda.
— Eu teria cuidado com os magos de lá — disse ele.
— Eles são tão enganadores quanto você? — Respondi.
— Perdão por tudo.
— Não quero ouvir isso, Leon.
— Se eu soubesse onde Nick está me mantendo, eu te contaria. Eu
realmente quero ajudar, mas é tão difícil. — Ele coçou a lateral da cabeça,
aquela tristeza contorcendo suas feições. — Se ao menos minha mãe
estivesse viva.
— Sua mãe?
— Ela foi uma das melhores magas que já existiram. Eu odiava que ela
tivesse que trabalhar no Mercado Oculto para colocar comida na nossa mesa.
Essa porcaria estava abaixo dela.
— Eu...
— Yvonne Barker. Cara, sinto tanta falta dela. Ela era tão forte, mesmo
depois de perder a irmã gêmea quando era criança.
O que ele acabou de dizer? — Yvonne Barker?
Irmã gêmea. Uma irmã assassinada.
Leon assentiu lentamente, sua forma começando a quebrar. — Barker é o
sobrenome da minha família. Aceitei West de volta quando estava realmente
apaixonado por meu marido. Antes de ele me controlar e matar minha mãe.
— Yvonne Barker. — Isso não poderia ser.
— Sim. Minha mãe. Ele a matou para me controlar. Ameaça-me todos os
dias, diz-me que me fará sofrer durante um ano se eu o trair. Ele pode fazer
isso. Mas ele também está cego pelo seu amor por mim. Na verdade, ele
acredita que ajudar Marcel a escapar de nossa casa em Maple Lane foi um
acidente.
Yvonne? A mesma Yvonne?
Eles compartilham os mesmos olhos âmbar…
— Sou um covarde por cumprir suas ordens — acrescentou. — Mas
também tenho que trabalhar por dentro. Explorar o amor dele, sabe? — Um
suspiro pesado. — Sinto-me tão envergonhado.
— Yvonne Barker — eu disse em voz alta novamente, seguindo com uma
descrição dela.
Ele parecia tão intrigado comigo. — Sim. Essa é minha mãe. Morreu há
cinco anos. Você a conheceu?
E aí estava. — Sua mãe não está morta. Sua mãe me fez o rubi. Estou
sempre em contato com ela.
O mago empalideceu, o choque o atingiu com tanta força que pensei que
sua projeção iria falhar.
Ele aguentou. — Você não pode... Não. Ela está morta. Ele me mostrou o
corpo dela. Tantas fotos, um vídeo, é... é a última coisa que vejo toda vez que
fecho os olhos à noite.
— Ele mentiu para você. Sua mãe está viva e eu preciso dela agora.
— Mas… não… Ele não… eu sou…
— Seu marido é mau.
— Como eu poderia… — Ele agarrou o peito. — Como pude ser tão
estúpido? Como eu poderia ter acreditado nele?
Pobre homem. Que reviravolta devastadora nos acontecimentos.
— Vou vomitar — disse ele, e se despedaçou numa pilha de folhas mortas.
Leon West era filho de Yvonne, e Nick estava mexendo nas cordas da dor
de Leon para mantê-lo na linha. Ou assim ele pensou.
Eu não esperava isso. E o que Yvonne sabia? Qual era a parte dela nisso?
Será que ela ouviu a mesma história? Nick e Leon West não eram exatamente
figuras privadas, especialmente porque ambos eram procurados pelas
autoridades. Então, o que ela sabia? Qual era a história dela?
Corri de volta para a mansão, ignorando a destruição causada na cidade
com culpa no coração, concentrando toda a minha atenção nas duas tarefas
que tinha em mãos.
Tarefa número um…
Coloquei a poção Buscador na tigela e mergulhei a ponta da foice no
líquido roxo. Fumaça, cachos de névoa subiam, liberando minúsculas
pétalas no ar. Uma reação diferente a isso.
A visão atingiu, uma explosão de imagens. Jon em um avião. Jon tirando
férias bastante aventureiras no que parecia ser o Himalaia.
— Conte-me mais — eu disse.
As imagens falharam. Tentei novamente, vendo as mesmas coisas, nada
de novo.
— Vamos.
Na minha terceira tentativa, as imagens percorreram os picos, indo e
voltando, girando, tornando-se nada além de um borrão até pousarem no
Monte Everest.
A chave estava em algum lugar na montanha mais alta do mundo? Onde?
Em que ponto?
Usei a última das minhas seis poções, não encontrando nada de novo nas
visões.
— Ainda preciso de você — sussurrei para minha lâmina.
O poltergeist permaneceu quieto, calmo.
— Você estará de volta em Cravo-amarelo em breve. Obrigado por isso.
Tarefa número dois…
Adquirir um novo rubi, comprar mais poção Buscador e reunir-me com
meu Marcel. E interrogar Yvonne.
Corri para o meu cavalo. Pegasus entendeu que voaríamos para Londres
esta noite. Depois de um breve golpe em seus flancos, subi em suas costas e
ele subiu ao céu, com os cascos galopando no ar.
Marcel…
Eu precisava dele comigo, para poder segurá-lo novamente.
A angústia dos fantasmas agitou-se dentro de mim, uma nova mancha de
vergonha sobre mim.
Toda aquela dor.
Todo aquele sofrimento.
Bati as portas contra eles, resistindo à atração de ser a morte deles.
Fui feito apenas para Marcel.
Minha convicção interior não parecia tão firme.
Outra cama de hospital em um quarto sem janelas, com paredes azul-bebê
e chão cinza feio. Sem TV, sem livros, apenas pouca iluminação, sentei-me
sozinho na cama, em um silêncio assustador.
Eu não tinha ideia de onde estava e ninguém veio me ver desde a minha
chegada.
— Tem alguém aí? — Tentei pela enésima vez, esperando o silêncio
novamente.
Um alto-falante estalou em resposta. — Tente relaxar, Marcel. Você está aqui
a longo prazo.
A voz de Emma me deu um choque, o sedativo ainda em meu corpo me
impedindo de ficar furioso.
Emma.
Nick.
Minha família.
Meus poderes.
Oakthorne.
Morte.
Cada elemento me esmagou sob um peso de titânio. Demais para lidar,
uma teia que eu não conseguia desembaraçar.
— Onde estou?
— Em boas mãos — ela respondeu.
Não vi nenhum alto-falante, nenhum sinal de nada nas linhas nítidas desta
sala.
— Minha família? — Eu disse.
— O mundo exterior não é mais da sua conta.
— Você não pode me manter trancado — retruquei.
— Prove o contrário — ela respondeu.
— Você não pode — eu disse pateticamente.
Nenhuma resposta, apenas o silêncio mais uma vez.
— Emma?
Silêncio.
Isso não estava acontecendo.
— Emma!
Não.
— Emma! Por favor!
Oh, Deus.
Isso realmente estava acontecendo.
A magia necromante chegou aos meus dedos em um enxame de brilhos
verdes.
— Que diabos?
O alto-falante estalou. — Marcel?
Os brilhos se espalharam pelo meu corpo em um ritmo alarmante. Mais
brilhante, mais brilhante, crepitante, mudando meu corpo de sólido para
leve, me levantando da cama.
Huh? Como poderia...
O oitavo fio de poder.
Teletransporte.
Através de uma explosão de luz verde ofuscante, deixei o calor da cama
para ser depositado na noite fria. Caí de costas, tonto como o inferno, com o
estômago embrulhado.
Respirações profundas. Calma.
Pisquei contra a escuridão, os olhos tentando acompanhar a mudança
repentina ao meu redor.
Fora, num campo, o chão estava molhado, mas não chovia. Parecia que
havia árvores à minha esquerda, um prédio alto à minha direita – muitas
luzes piscando nas janelas.
Uma sirene soou, comoção vindo do prédio. A que distância eu estava?
Possivelmente a menos de oitocentos metros, e claramente era onde eu
estava sendo mantido.
Teletransporte? Sério? Meu coração batia forte no peito, terror nos joelhos
junto com aquele maldito sedativo.
Os holofotes ganharam vida no telhado do prédio.
Merda. Não havia tempo para descobrir o novo poder. Eu tinha que sair
daqui.
Descalço e congelando em uma fina camisola de hospital, corri para a
floresta tão rápido quanto minhas pernas quase gelatinosas conseguiam.
Rezando aos céus para que eu não fosse pego.
Maldita seja minha vida.
Richard Amos é um autor inglês que está constantemente perdido nos
mundos sobre os quais escreve e naqueles que ainda não foram escritos. Ele
também tem mais livros em casa do que qualquer outra coisa e nunca fica
sem um livro (e chocolate) nas mãos quando não está escrevendo. Ele é um
nerd orgulhoso que adora dançar. Fortemente.
Em uma vida anterior, ele foi definitivamente um tritão.
Richard escreve Fantasia e Fantasia Urbana MM incríveis, todos com boas
doses de ação, aventura e romance.

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