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Sumário

Sinopse
Capitulo 1
Capitulo 2
Capitulo 3
Capitulo 4
Capitulo 5
Capitulo 6
Capitulo 7
Capitulo 8
Capitulo 9
Capitulo 10
Capitulo 11
Capitulo 12
Capitulo 13
Capitulo 14
Capitulo 15
Capitulo 16
Capitulo 17
Capitulo 18
Capitulo 19
Capitulo 20
Capitulo 21
Capitulo 22
Capitulo 23
Capitulo 24
Capitulo 25
Capitulo 26
Capitulo 27
Capitulo 28
Capitulo 29
Capitulo 30
Capitulo 31
Capitulo 32
Capitulo 33
Capitulo 34
Capitulo 35
Capitulo 36
Capitulo 37
Capitulo 38
Capitulo 39
Capitulo 40
Capitulo 41
Capitulo 42
Capitulo 43
Sinopse
A meio-anjo Trinity e seu Protetor gárgula, Zayne, têm trabalhado com
demônios para parar o apocalipse, evitando se apaixonar. O Precursor está
chegando... mas quem ou o que é? Toda a humanidade pode cair se Trinity e
Zayne não conseguirem vencer a corrida contra o tempo enquanto as forças
das trevas se reúnem.

À medida que as tensões aumentam, eles devem ficar juntos e patrulhar


as ruas de DC à noite, procurando sinais do Precursor, uma entidade que está
matando Guardiões e demônios sem rima ou razão aparente. Proibidos de
estar um com o outro, Zayne e Trinity lutam contra seus sentimentos e
recorrem a fontes incomuns para obter ajuda - o demônio Roth e seus colegas.
Mas à medida que as mortes se acumulam e eles descobrem uma trama sinistra
envolvendo a escola secundária local e colocando em perigo alguém querido
de Zayne, Trin percebe que está sendo levada... conduzida... jogada para algum
fim desconhecido. À medida que a raiva se constrói e os sentimentos saem do
controle, fica claro que a raiva pode ser a ruína de todos eles.
Capitulo 1
Eu pisquei doloridamente, olhos inchados e olhei diretamente para o
rosto pálido e translúcido de um fantasma.
Ofegante, me endireitei. Fios de cabelo escuro caíram em meu rosto. —
Peanut! — Pressionei a palma contra meu peito, onde meu pobre coração batia
como um tambor de aço. — O que diabos, cara?
O fantasma, que tinha sido uma espécie de colega de quarto na última
década, sorriu para mim de onde ele flutuava no ar, vários centímetros acima
da cama. Ele estava deitado de lado, a bochecha apoiada na palma da mão. —
Apenas me certificando de que você ainda está viva.
— Oh, meu Deus. — Exalando com dificuldade, abaixei minha mão para
o macio edredom cinza. — Eu já disse um milhão de vezes para parar de fazer
isso.
— Estou meio surpreso que você ainda ache que eu ouço você na metade
do tempo.
Peanut tinha razão.
Ele tinha aversão a seguir minhas regras, que eram apenas, tipo, duas
regras.
Bata antes de entrar no quarto.
Não me olhe enquanto durmo.
Achei que eram regras bastante razoáveis.
Peanut parecia como na noite em que morreu, nos anos 80. Sua camiseta
do show do Whitesnake era legítima, assim como seu jeans escuro e Chuck
Taylors vermelho. Em seu décimo sétimo aniversário, por alguma razão idiota,
ele escalou uma daquelas enormes torres de alto-falantes e subsequentemente
caiu para a morte, provando que a seleção natural era uma coisa.
Peanut não havia passado para aquela luz branca e brilhante e, alguns
anos atrás, parei de tentar convencê-lo quando ele me disse, muito claramente,
não era sua hora. Já havia passado da sua hora, mas tanto faz. Eu gostava de
tê-lo por perto... exceto quando ele fazia coisas assustadoras como essa.
Tirando o cabelo do rosto, olhei ao redor do meu quarto - não, não meu
quarto. Esta nem era minha cama. Tudo isso pertencia a Zayne. Meu olhar
passou das pesadas cortinas para a porta do quarto - a porta do quarto fechada
que eu deixei destrancada na noite anterior, apenas no caso...
Eu balancei minha cabeça.
— Que horas são? — Eu me inclinei contra a cabeceira da cama,
mantendo o cobertor perto do meu queixo. Já que as temperaturas corporais
dos Guardiões eram mais altas do que as dos humanos e era julho, então
provavelmente estava quente e pegajoso como um círculo do Inferno lá fora, o
apartamento de Zayne era como uma geladeira.
— São quase três da tarde — respondeu Peanut. — E é por isso que
pensei que você estava morta.
Droga, pensei, esfregando a mão no rosto. — Voltamos bem tarde na
noite passada.
— Eu sei. Eu estive aqui. Você não me viu, mas eu vi você. Vocês dois. Eu
estava olhando.
Eu fiz uma careta. Isso não soou nem um pouco assustador.
— Você parecia ter passado por um túnel de vento. — O olhar de Peanut
cintilou sobre minha cabeça. — Você ainda parece.
Eu me sentia como se estivesse em um túnel de vento. Um túnel de vento
mental, emocional e físico. Ontem à noite, depois que tive um colapso total e
absoluto na velha casa da árvore no composto de Guardões, Zayne me levou
para voar.
Foi mágico, lá em cima com o vento frio da noite, onde as estrelas que
sempre pareceram tão fracas para mim tornaram-se brilhantes. Eu não queria
que acabasse, mesmo quando meu rosto ficou dormente e meus pulmões
começaram a se esforçar para respirar. Eu queria ficar lá em cima, porque nada
poderia me tocar no vento e no céu noturno, mas Zayne me trouxe de volta à
Terra e à realidade.
Isso foi apenas algumas horas atrás, mas parecia uma vida inteira. Eu mal
me lembrava de voltar ao apartamento de Zayne. Não tínhamos conversado
sobre o que aconteceu com... Misha, ou sobre o que aconteceu com Zayne. Não
tínhamos conversado nada, na verdade, a não ser Zayne perguntando se eu
precisava de alguma coisa e eu resmungando não. Eu tirei a roupa e subi na
cama, e Zayne ficou na sala, dormindo no sofá.
— Sabe — disse Peanut, tirando-me dos meus pensamentos, — posso
estar morto e tudo, mas você parece muito pior do que eu.
— Eu pareço? — Murmurei, embora não tenha ficado surpresa em ouvir
isso. Com base na sensação do meu rosto, provavelmente parecia que tinha
plantado uma parede de tijolos de cara.
Ele assentiu. — Você tem chorado.
Eu tenho.
— Muito — acrescentou.
Isso era verdade.
— E quando você não voltou ontem, fiquei preocupado. — Peanut
flutuou ereto e sentou-se na beira da cama. Suas pernas e quadris
desapareceram alguns centímetros no colchão. — Eu pensei que algo tivesse
acontecido com você. Eu estava em pânico. Não consegui nem terminar de
assistir Stranger Things de tão preocupado. Quem vai cuidar de mim se você
morrer?
— Você está morto, Peanut. Ninguém precisa cuidar de você.
— Eu ainda preciso ser amado, querido e considerado. Eu sou como o
Papai Noel. Se ninguém vivo está aqui para querer e acreditar em mim, então
eu deixarei de existir.
Fantasmas e espíritos não funcionavam assim. Absolutamente. Mas ele
era tão maravilhosamente dramático. Um sorriso puxou os cantos dos meus
lábios até que me lembrei que não era a única que podia ver Peanut. Uma
garota que morava neste complexo de apartamentos também podia vê-lo. Ela
deve ter o sangue angelical diluído pulsando em suas veias, como todos os
humanos que eram capazes de ver fantasmas ou exibir outras habilidades
psíquicas. O suficiente para torná-la... diferente de todos os outros. Não
existiam muitos humanos com traços de sangue angelical, então foi um choque
saber que havia uma tão perto de onde eu estava.
— Pensei que tinha feito uma nova amiga? — Eu o lembrei.
— Gena? Ela é legal, mas não seria a mesma coisa se você acabasse morta
como uma porta, e os pais dela não são uma escolha, sabe? — Antes que eu
pudesse confirmar que a escolha era boa no falar dos anos 80, ele perguntou: —
Onde você estava ontem à noite?
Meu olhar mudou para aquela porta fechada e destrancada. — Eu estava
no complexo com Zayne.
Peanut se aproximou e ergueu a mão delgada. Ele deu um tapinha no
meu joelho, mas não senti nada através do cobertor, nem mesmo o ar frio que
geralmente acompanhava o toque de Peanut. — O que aconteceu, Trinnie?
Trinnie.
Apenas Peanut me chamava assim, enquanto todos os outros me
chamavam de Trin ou Trinity.
Fechei meus olhos doloridos quando a compreensão afundou. Peanut
não sabia, e eu não sabia como dizer a ele quando as feridas deixadas pelas
ações de Misha ainda não haviam cicatrizado. Em todo caso, eu apenas
coloquei uma bandagem fraca como o inferno sobre elas.
Eu estava me segurando. Por muito pouco. Então, a última coisa que eu
queria fazer era conversar sobre isso com alguém, mas Peanut merecia
saber. Ele conhecia Misha. Ele gostava dele, embora Misha nunca pudesse ver
ou se comunicar com Peanut, e ele veio para DC comigo para encontrar Misha,
em vez de ficar para trás na Comunidade dos Guardiões em Terra Altas de
Potomac.
Certo, eu era a única que podia ver e me comunicar com Peanut, mas ele
se sentia confortável na Comunidade. Era muito importante para ele viajar
comigo.
Mantendo meus olhos fechados, respirei profundamente,
estremecendo. — Então, sim, nós... encontramos Misha, e não foi... não foi bom,
Peanut. Ele se foi.
— Não — ele sussurrou. E então mais alto, ele repetiu, — Não.
Eu concordei.
— Deus. Sinto muito, Trinnie. Eu sinto muito mesmo.
Engolindo o nó duro na minha garganta, encontrei seu olhar.
— Os demônios...
— Não foram os demônios — eu interrompi. — Quero dizer, eles não o
mataram. Eles não o queriam morto. Ele estava realmente trabalhando com
eles.
— O que? — O choque em sua voz, a maneira como a única palavra
chegou perto de níveis de vidro quebrando, teria sido engraçado em qualquer
outra situação. — Ele era o seu Protetor.
— Ele armou - seu sequestro e tudo. — Eu puxei meus joelhos para baixo
do cobertor, pressionando-os contra meu peito. — Até fez com que Ryker me
visse naquele dia usando minha Graça.
— Mas Ryker matou...
Minha mãe. Fechei os olhos novamente e os senti queimar, como se
pudesse haver mais lágrimas dentro de mim. — Eu não sei o que havia de
errado com Misha. Se ele sempre... me odiou, ou se foi o vínculo do
Protetor. Eu descobri que ele nunca deveria estar ligado a mim. Sempre
deveria ser Zayne, mas houve um erro.
Um erro que meu pai sabia, e não só não tinha feito nada para consertar,
como também não parecia se importar com ele. Quando perguntei por que ele
não tinha feito nada, ele disse que queria ver o que aconteceria.
Quão terrivelmente confuso era isso?
— O vínculo poderia tê-lo distorcido. Fez ele virar... ruim, — eu
continuei, a voz grossa. — Não sei. Eu nunca vou saber, mas o por que não
muda o fato de que ele estava trabalhando com Bael e este outro demônio. Ele
até disse que o Precursor o havia escolhido. — Eu vacilei quando o rosto de
Misha se formou em meus pensamentos. — Que o Precursor disse que ele era
especial também.
— Não é isso que está matando Guardiões e demônios?
— Sim. — Abri os olhos quando tive certeza de que não choraria. — Eu
precisei...
— Ah não. — Peanut parecia saber sem eu mesmo dizer.
Mas eu tinha que dizer, porque era a realidade. Era a verdade com a qual
eu viveria o resto de meus dias.
— Eu tive que matá-lo. — Cada palavra parecia um chute no
peito. Continuava vendo Misha. Não o Misha na clareira fora da casa do
senador, mas aquele que esperava por mim enquanto eu falava com
fantasmas. Que cochilava em sua forma de Guardião enquanto eu me sentava
seu lado. O Misha que tinha sido meu melhor amigo. — Eu fiz isso. Eu o matei.
Peanut balançou a cabeça, seu cabelo castanho escuro aparecendo e
desaparecendo enquanto ele ficava mais corpóreo por um momento e então
perdia o controle. — Eu não sei o que dizer. Eu realmente não sei.
— Não há nada a ser dito. É o que é. — Exalando, estiquei minhas
pernas. — Zayne agora é meu Protetor, e eu vou ficar aqui. Precisamos
encontrar o Precursor.
— Bem, essa parte é boa, certo? — Peanut se levantou da cama, ainda
sentado. — Zayne sendo seu Protetor?
Era.
E não era.
Tornar-se meu Protetor salvou a vida de Zayne, então isso era uma coisa
boa - uma coisa ótima. Zayne não hesitou em aceitar o vínculo, e isso foi antes
de descobrir que sempre deveria ter sido ele. Mas também significava que
Zayne e eu... Bem, nunca poderíamos ser mais do que éramos agora, e não
importava o quanto eu queria ser mais ou o quanto eu gostava dele. Não
importava que ele fosse o primeiro cara com quem eu curtia seriamente.
Eu inclinei minha cabeça para trás em vez de me sufocar com o
travesseiro. Peanut se tornou um borrão quando ele se aproximou da cortina,
embora isso não tivesse nada a ver com sua forma fantasmagórica. — Zayne
está acordado?
— Ele está, mas não está aqui. Ele deixou um bilhete para você na
cozinha. Eu li enquanto ele escrevia. — Peanut parecia bastante orgulhoso. —
Diz que ele foi ver alguém chamado Nic. Acho que foi um dos caras que veio
com ele para a Comunidade? De qualquer forma, ele saiu há cerca de meia
hora.
Nic era a abreviação de Nicolai, o líder do clã de Washington, DC. Zayne
provavelmente tinha negócios pendentes com ele desde que ele saiu de
qualquer reunião que eles tiveram na noite passada para vir me encontrar.
Zayne sentiu minhas emoções através do vínculo. Essa estranha nova
conexão o levou direto para a casa da árvore. Eu não tinha certeza se estava
surpresa com isso, irritada ou realmente estranha. Provavelmente uma mistura
dos três.
— Me pergunto por que ele não me acordou. — Empurrando a colcha de
lado, eu deslizei para a beira da cama.
— Ele realmente veio aqui e verificou você.
Eu congelei, rezando para não estar babando em mim mesma ou fazendo
nada estranho. — Ele fez?
— Sim. Achei que ele fosse te acordar. Parecia que ele estava debatendo,
mas tudo o que fez foi puxar o cobertor sobre seus ombros. Eu pensei que era
totalmente audacioso da parte dele.
Eu não tinha certeza do que significava audacioso, mas pensei que era...
Deus, foi gentil da parte dele.
Era tão parecido com Zayne.
Eu posso tê-lo conhecido por apenas algumas semanas, mas eu sabia o
suficiente para ser capaz de imaginá-lo puxando cuidadosamente o edredom
sobre mim, e fazendo isso tão suavemente que ele não me acordou.
Meu peito apertou como se meu coração tivesse caído em um moedor de
carne. — Eu preciso tomar banho. — Fiquei de pé sobre as pernas que esperava
estarem trêmulas, mas que estavam surpreendentemente fortes e estáveis.
— Sim, você precisa.
Ignorando o comentário, verifiquei meu telefone. Eu perdi uma ligação
de Jada. Meu estômago embrulhou. Coloquei o telefone na mesa e caminhei
descalça até o banheiro, acendi a luz e estremeci com o brilho repentino. Meus
olhos não ligavam para luz brilhante de qualquer tipo. Ou áreas escuras ou
sombreadas. Na verdade, meus olhos praticamente sugavam 95,7% do tempo.
— Trinnie?
Com os dedos demorando no interruptor da luz, olhei por cima do
ombro para Peanut, que se aproximou do banheiro. — Sim?
Ele inclinou a cabeça e, quando olhou para mim, me senti despida. — Eu
sei o quanto Misha significava para você. Eu sei que deve doer muito.
Acabar com a vida de Misha não me machucou. É bem possível que
tenha matado uma parte de mim, substituindo-a por um poço aparentemente
sem fundo de amargura e raiva crua.
Mas Peanut não precisava saber disso. Ninguém precisava.
— Obrigada — eu sussurrei, me virando e fechando a porta quando a
queimação atingiu o fundo da minha garganta.
Eu não vou chorar. Eu não vou chorar.
No chuveiro, com seus múltiplos jatos e box grande o suficiente para
caber dois Guardiões adultos, usei os minutos sob o jato quente e pungente
para endireitar minha cabeça.
Ou, em outras palavras, compartimentalizar.
Eu tive o meu tão necessário colapso ontem à noite. Eu tinha me dado
tempo para chorar tudo, e agora era a hora de deixar isso de lado, porque eu
tinha um trabalho a fazer. Depois de anos de espera, finalmente aconteceu.
Meu pai me chamou para cumprir meu dever.
Encontre o Precursor e pare-o.
Então, havia muito o que vasculhar e arquivar em meu gabinete mental
para que eu pudesse fazer o que nasci para fazer. Comecei com o mais
crítico. Misha. Empurrei o que ele fez e o que eu tive que fazer até o fundo do
armário, escondido sob a morte da minha mãe e meu fracasso em impedir
isso. Essa gaveta tinha o rótulo FALHAS ÉPICAS. A próxima gaveta foi para
onde enviei a causa dos hematomas azul-escuros cobrindo meu quadril
esquerdo e o comprimento da minha coxa. Outro hematoma coloria o lado
direito das minhas costelas, onde Misha deu um chute feio. Ele chutou minha
bunda e mais um pouco, mas eu ainda tinha batido nele.
O sentimento usual de presunção ou orgulho por ter superado alguém
que era bem treinado não surgiu através de mim.
Não havia nada de bom para sentir sobre nada disso.
Os hematomas, as dores e toda a dor foram para a gaveta que chamava
de BALDE CHEIO DE PESADELOS, porque a razão de Misha ter conseguido
acertar tantos golpes brutais foi porque ele sabia que eu tinha visão periférica
limitada. Ele usou isso contra mim. Essa era minha única fraqueza na luta, algo
que eu precisava melhorar, tipo, para ontem, porque se esse Precursor
descobrisse o quão ruim era minha visão, ele iria explorá-la.
Assim como eu faria se os sapatos estivessem em outros pés.
E sim, isso seria um pesadelo, porque não só eu morreria, mas Zayne
também. Um tremor percorreu meu corpo enquanto me virava lentamente sob
o jato de água. Eu não conseguia ceder a esse medo - não conseguia pensar
nisso por um segundo. O medo te faz fazer coisas imprudentes e estúpidas, e
eu já fiz o suficiente sem nenhum motivo.
A gaveta de cima estava vazia e sem rótulo até agora, mas eu sabia o que
estava arquivando lá. Era onde eu estava colocando tudo o que havia
acontecido com Zayne. O beijo que eu roubei quando estávamos de volta às
Terras Altas de Potomac, a atração crescente e todo o desejo, e naquela noite,
antes de nos unirmos, quando Zayne me beijou e tinha sido tudo o que eu tinha
lido nos romances que minha mãe amava. Quando Zayne me beijou, quando
fomos o mais longe que pudemos sem ir até o fim, o mundo realmente deixou
de existir fora de nós.
Peguei tudo isso, junto com a necessidade crua de seu toque, sua atenção
e seu coração - que provavelmente ainda pertencia a outra pessoa - e fechei o
arquivo.
Relacionamentos entre Protetores e Verdadeiros Nascidos eram
estritamente proibidos. Por quê? Eu não tinha ideia, e imaginei que o motivo
da explicação ser desconhecida era que eu era a única Verdadeira Nascida que
restava.
Fechei aquela gaveta, que simplesmente rotulei de ZAYNE, e saí do
chuveiro para o banheiro cheio de vapor. Depois de enrolar uma toalha em
volta de mim, inclinei-me para frente e limpei a palma da mão sobre o espelho
coberto de névoa.
Meu reflexo apareceu. Por mais perto que eu estivesse, minhas feições
estavam apenas um pouco confusas. Minha pele normalmente morena,
cortesia das raízes sicilianas de minha mãe, estava mais pálida do que o
normal, o que fazia meus olhos castanhos parecerem mais escuros e maiores. A
pele ao redor deles estava inchada e sombreada. Meu nariz ainda estava
inclinado para o lado e minha boca ainda parecia quase grande demais para o
meu rosto.
Eu estava exatamente como na noite em que Zayne e eu deixamos este
apartamento para ir à casa do senador Fisher na esperança de encontrar Misha
ou evidências de onde ele estava detido.
Eu não sentia o mesmo.
Como não poderia haver uma manifestação física mais perceptível de
tudo o que mudou?
Meu reflexo não tinha uma resposta, mas quando me afastei, disse a
única coisa que importava.
— Eu cuido disso — sussurrei, e então repeti mais alto: — Eu cuido disso.
Capitulo 2
Com o ar úmido e provavelmente parecendo uma bagunça completa,
sentei-me na ilha da cozinha, batendo os pés descalços, olhando para as
paredes nuas enquanto bebia um copo de suco de laranja.
O apartamento de Zayne estava incrivelmente vazio, me lembrando de
uma casa encenada.
Além das minhas botas pretas de estilo de combate, que estavam perto
da porta do elevador, não havia pertences pessoais espalhados. A menos que
eu contasse o saco de pancadas pendurado no canto e os tapetes azuis enfiados
contra a parede como pertences pessoais. Eu não contava.
Um cobertor macio cor creme estava dobrado cuidadosamente, envolto
sobre o sofá cinza, como uma imagem pronta. Nem mesmo um copo perdido
havia sido deixado no balcão da cozinha, ou um prato na pia. O único cômodo
que remotamente parecia como se alguém morasse aqui era o quarto, e isso
porque minhas malas tinham jogado minhas roupas por todo o lugar.
Talvez tenha sido o design industrial que contribuiu para a frieza. O piso
de cimento e grandes ventiladores de metal que giravam silenciosamente das
vigas de metal expostas não adicionavam nenhum calor ao espaço aberto e
arejado. Nem as janelas do chão ao teto, que tinham que ser escurecidas,
porque a luz do sol que entrava por elas não me fazia querer arrancar meus
olhos.
Eu ficaria louca se fosse a única pessoa que morasse aqui.
Era nisso que eu estava pensando - coisas realmente importantes -
quando senti a repentina explosão de calor em meu peito.
— O que no mundo? — Sussurrei para o espaço vazio. O calor aumentou.
Eu estava tendo um ataque cardíaco? Ok. Isso foi estúpido por uma
infinidade de razões. Eu esfreguei meu peito. Talvez tenha sido indigestão ou
o início de uma úlcera...
Espere.
Baixei o copo. O que senti foi um eco do meu próprio coração e de
repente sabia o que era. Santa Barra de granola, era o vínculo - era Zayne, e ele
estava perto.
Eu agora tinha o radar Zayne, e isso era um pouco - ou muito - super
esquisito.
Comecei a morder minha unha do polegar, mas em vez disso peguei meu
suco de laranja, terminando com dois goles altos e desagradáveis. Minha
frequência cardíaca disparou com o barulho do elevador chegando, e meu
olhar se voltou para as portas de aço do elevador enquanto eu me enchia de
energia nervosa. Eu coloquei o copo na mesa antes de deixá-lo cair. Cada vez
que eu via Zayne, era como vê-lo pela primeira vez de novo, mas não era só
isso.
Eu tinha chorado por todo o Zayne ontem à noite – tipo, em cima dele.
O calor subiu pela minha nuca. Eu não era uma chorona e, até a noite
anterior, comecei a acreditar que tinha dutos lacrimais
defeituosos. Infelizmente, esses canais lacrimais estavam funcionando
perfeitamente. Houve muitos soluços feios e arrogantes.
A porta se abriu e a energia ansiosa explodiu em meu estômago quando
Zayne entrou.
Droga.
Ele fazia parecer que a camiseta branca lisa e jeans escuro eram feitos sob
medida para ele e somente para ele. O material se estendia por seus ombros
largos e peito, mas era ajustada à sua cintura estreita e afilada. Todos os
Guardiões eram grandes em sua forma humana, mas Zayne era um dos
maiores que eu já tinha visto, chegando em torno de dois metros e meio.
Zayne tinha um lindo cabelo loiro espesso com o tipo de onda natural
que eu não poderia recriar com horas de sobra, um tutorial do YouTube e uma
dúzia de ferros de ondulação. Hoje ele estava preso com um nó na nuca, e eu
esperava, por Deus, que ele nunca cortasse o cabelo.
Ele me viu imediatamente e, embora eu não pudesse ver seus olhos de
onde estava sentada, pude sentir seu olhar em mim. Foi de alguma forma
pesado e suave, e enviou um leve arrepio de consciência dançante em meus
braços, me fazendo grata por não estar mais segurando o copo.
— Ei, dorminhoca — disse ele quando a porta do elevador se fechou atrás
dele. — Fico feliz em ver você de pé e se movendo.
— Desculpe ter dormido tão tarde. — Eu levantei minhas mãos e as
coloquei de volta no meu colo, sem saber o que fazer com elas. Ele estava
carregando algum tipo de papel enrolado e enfiado debaixo de um braço e um
saco de papel marrom na outra mão. — Você precisa de ajuda com alguma
dessas coisas? — Eu perguntei, embora fosse uma pergunta idiota,
considerando que Zayne poderia levantar um Ford Explorer com uma mão.
— Nah. E não se desculpe. Você precisava descansar. — Suas feições
estavam embaçadas para mim, mesmo com meus óculos, mas se tornavam
mais claras e nítidas a cada passo que ele dava em minha direção.
Meu olhar deslizou para longe, mas isso não me impediu de saber como
ele era.
O que era absolutamente, de tirar o fôlego, brutalmente lindo. Eu poderia
inventar mais adjetivos para descrevê-lo, mas com toda a honestidade,
nenhum faria justiça a ele.
Sua pele era de um tom dourado que não tinha nada a ver com estar ao
sol. Maçãs do rosto altas e largas que combinavam com a boca larga e
expressiva que terminava com uma mandíbula que poderia ter sido esculpida
em granito.
Eu gostaria que ele fosse menos atraente - ou que eu fosse menos
superficial - mas mesmo se ambos fossem o caso, faria pouca diferença no final
do dia. Zayne não era apenas um pacote bonito que escondia um interior feio
ou uma personalidade insípida. Ele era incrivelmente inteligente, com uma
inteligência aguçada que era tão afiada quanto sua sagacidade. Eu o achava
engraçado e divertido, mesmo quando ele estava me dando nos nervos e sendo
superprotetor. Mais importante, porém, Zayne era genuinamente gentil, e
Deus, a gentileza era tão subestimada pela maioria.
Ele tinha um bom coração, um grande e gracioso, embora lhe faltasse
uma parte de sua alma.
Havia um ditado que dizia que os olhos eram a janela da alma, e era
verdade. Pelo menos para os Guardiões era e, por causa do que aconteceu com
ele, seus olhos eram de um tom de azul pálido e gelado.
Ele estava namorando Layla, a metade demônio, metade Guardiã, com
quem ele havia crescido, que por acaso também era filha de Lilith. Ela e Zayne
se beijaram e, por causa da forma como as habilidades de Lilith se
manifestaram em Layla, ela tomou uma parte de sua alma.
Minhas mãos se fecharam em punhos. A coisa toda de sugar almas tinha
sido acidental, e Zayne sabia dos riscos envolvidos, mas isso não impediu o
lampejo de raiva e algo muito mais azedo que passou por mim. Zayne a queria
o suficiente - a amava o suficiente - para correr esse risco. Para colocar a si
mesmo e sua vida além desta em perigo apenas para beijá-la.
Isso foi duro, porque eu duvidava que uma alma menos do que inteira
fosse vista com bons olhos quando alguém chegasse aos Portões Perolados,
não importa o quão bom fosse o coração de alguém.
Esse tipo de amor não poderia simplesmente morrer, não em sete meses,
e algo que eu não queria reconhecer - algo que havia guardado naquele
armário - murchava um pouco no meu peito.
— Você está bem? — Zayne perguntou enquanto colocava o saco e o
papel enrolado na ilha. O cheiro vindo do saco marrom me lembrou de carne
grelhada.
Imaginando se ele estava pegando alguma coisa por meio do vínculo,
mantive meus olhos treinados no saco de papel enquanto assentia. —
Sim. Então, hum, sobre a noite passada.
— O que tem?
— Sinto muito por, você sabe, choramingar em cima de você. — O calor
varreu minhas bochechas.
— Você não precisa se desculpar, Trin. Você já passou por muita coisa...
— Você também. — Eu encarei meus dedos e minhas unhas lascadas e
sem cortes.
— Você precisava de mim e eu precisava estar lá. — Zayne fez parecer
tão simples, como se sempre tivesse sido assim.
— Você disse isso ontem à noite.
— Ainda é verdade hoje.
Pressionando meus lábios, eu balancei a cabeça novamente enquanto
respirava fundo e, em seguida, soltei o ar lentamente. Senti o calor de sua mão
antes de seus dedos pressionarem meu queixo. No momento em que sua pele
tocou a minha, um choque estranho de eletricidade, de consciência, passou por
mim, e eu não tinha ideia se isso era devido ao vínculo ou se era apenas
ele. Esse cheiro único dele, que me lembrava de hortelã do inverno, provocou
meus sentidos. Ele inclinou minha cabeça para cima, levantando meu olhar
para ele.
Zayne estava inclinado sobre a ilha, seu braço esticado sobre o papel
enrolado. Seu olhar pálido cintilou sobre meu rosto, e um lado de seus lábios
se curvou. — Você está usando seus óculos.
— Eu estou.
Esse meio sorriso cresceu. — Você não os usa com frequência.
Não usava, e não por algum motivo idiota de vaidade. Além de ler ou
estar no laptop, eles não ajudavam muito além de tornar algumas coisas um
pouco menos borradas.
— Eu gosto deles. Eu gosto deles em você.
Meus óculos eram apenas aros pretos quadrados, sem cor ou padrão
legal, mas de repente eu senti que deveria usá-los com mais frequência.
E então eu não estava pensando em meus óculos, porque os dedos em
meu queixo se moveram e eu senti seu polegar deslizar ao longo da pele logo
abaixo do meu lábio. Um leve arrepio dançou sobre minha pele, seguido por
um tipo totalmente diferente de rubor, um que era inebriante e estimulante.
Você quer me beijar de novo, não é?
Eu podia ouvi-lo falar essas palavras como se as tivesse dito em voz alta,
como fez depois que ajudei a remover a garra de um Imp de seu peito. Eu disse
sim então, sem hesitação, embora não tivesse sido exatamente uma ideia sábia.
Ideias imprudentes sempre foram divertidas - muito divertidas.
Seu olhar baixou, os cílios protegendo seus olhos, e eu pensei que ele
poderia estar olhando para minha boca, e que... eu queria muito isso.
Eu me afastei, apenas fora de seu alcance.
Zayne baixou a mão, limpando a garganta. — Como você dormiu?
— Bem. — Eu encontrei minha voz enquanto o calor diminuía e minha
pulsação diminuía. — Você?
O olhar que ele me enviou enquanto se endireitava dizia que ele não
tinha certeza se acreditava em mim ou não. — Só dormi porque estava exausto,
mas poderia ter sido melhor.
— O sofá pode não ser tão confortável.
Seu olhar encontrou o meu novamente e minha respiração ficou
presa. Eu sabia que não devia lhe oferecer a cama, mas era grande o suficiente
para dividir e nós dois éramos adultos maduros. Mais ou menos. Tínhamos
compartilhado antes sem travessuras acontecendo, mas travessuras do tipo
divertido e proibido definitivamente tinham acontecido da última vez que
compartilhamos aquela cama.
Zayne encolheu os ombros. — Você recebeu meu recado?
Aliviada com a mudança de assunto, eu balancei minha cabeça. —
Peanut viu você escrevendo e me contou tudo. Disse que você foi ver Nicolai.
Ele congelou, os dedos abrindo o saco. Eu pressionei meus lábios para
impedir meu sorriso quando ele olhou para trás. — Ele está aqui agora?
Eu olhei ao redor do apartamento vazio. — Não que eu saiba. Por
quê? Você está assustado porque ele estava com você e você não tinha ideia?
— Eu provoquei. — Com medo do pequeno e velho Peanut?
— Estou confiante o suficiente na minha maldade para reconhecer
plenamente que ter um fantasma por perto me dá calafrios.
— Com medo? — Eu ri. — O que você tem? Doze?
Ele bufou enquanto desenrolava o saco e o cheiro de carne grelhada
aumentava. — Cuidado, ou eu comerei este hambúrguer que comprei para
você bem na sua frente e desfrutarei.
Meu estômago roncou quando ele puxou uma caixa branca. — Eu te
jogaria na parede se você fizesse isso.
Zayne riu enquanto colocava a caixa na minha frente e puxava outra. —
Quer beber alguma coisa? — Ele se virou para a geladeira. — Acho que pode
ter uma Coca aqui, já que você se recusa a beber água.
— Água é para pessoas preocupadas com sua saúde, e eu não sou para
esse tipo de vida.
Balançando a cabeça novamente, ele puxou uma lata de guloseima e uma
garrafa de água. Ele deslizou a primeira sobre a ilha em minha direção.
— Você sabia que beber oito copos de água por dia é tão útil quanto “uma
maçã por dia mantém o médico longe” para a maioria das pessoas saudáveis?
— Eu perguntei. —Você realmente só precisa beber água quando está com
sede, porque duh, é por isso que você sente sede, especialmente porque você
obtém água de outras bebidas, como meu lindo refrigerante com muitas
calorias, e de alimentos? Que os estudos que surgiram com todo o material de
240ml também afirmaram que você pode obter a maior parte da água nos
alimentos que ingere, mas quando os relatórios foram publicados, eles
convenientemente deixaram isso de fora?
Zayne arqueou uma sobrancelha enquanto fechava a tampa da água.
— Me verifique os fatos. Não há nenhuma evidência científica que apoie
toda a regra de oito por oito, e eu não sou alguém que precisa se afogar na
água. — Eu abri meu refrigerante. — Então, deixe-me viver minha vida.
Ele bebeu metade da garrafa em um gole impressionante. — Obrigado
pela lição de saúde.
— De nada. — Eu sorri para ele quando abri a lata. Meu estômago deu
uma dança feliz quando eu obtive um vislumbre do hambúrguer grelhado
entre um pão de gergelim torrado e uma porção de batatas fritas. — E obrigada
pela comida. Você é um Guardião.
— Bom. Eu quero ser mantido.
Meu olhar voou para ele. Ele não estava olhando para mim enquanto se
ocupava abrindo sua comida, o que era uma coisa boa, porque minha
imaginação pegou aquelas cinco palavras e foi para a cidade com elas.
A sensação explodiu no centro do meu peito e me lembrou
estranhamente de como a pimenta cheirava. Parecia frustração e pensei que
poderia ser de Zayne.
Aquilo foi estranho.
— Mas você realmente não pode se livrar de mim neste momento, não é?
— Ele olhou para cima através dos cílios grossos. — Você está presa a mim.
— Sim. — Pisquei e terminei de desembrulhar meu hambúrguer. Eu não
pensava dessa forma, no entanto. Ele era meu Protetor vinculado. Eu era a
Verdadeira Nascida que ele protegia. Juntos, éramos uma força a ser
reconhecida porque fomos feitos um para o outro, e a única coisa que poderia
nos separar era a morte.
No fundo, ele olhava para nós como se estivéssemos presos um ao outro,
embora não tenha hesitado quando lhe foi oferecido o vínculo? Não foi isso
que aconteceu com Misha? Além do fato de que nunca deveríamos ter sido
ligados, eu senti uma crescente inquietação nele, mas eu estava tão envolvida
em mim mesma que não prestei atenção.
Não até que fosse tarde demais.
Zayne soube que minha mãe deveria ter me trazido para seu pai, e
porque ela não tinha feito isso, seu pai pensou que Zayne deveria acolher
Layla, de alguma forma me trocando, uma Verdadeira Nascida que tinha
muito sangue angelical, para uma meio demônio, meio Guardiã.
O que foi uma espécie de grande oops.
Eu não tinha ideia de como Zayne se sentia sobre isso. Ou se importava
para ele que deveria ter sido comigo que ele deveria crescer.
Peguei o pão e removi a fatia grossa de tomate enquanto abria minha
boca para falar. Mas cometi o erro de realmente olhar para sua caixa de
comida. Ele comprou um sanduíche de frango grelhado. Meu lábio se curvou,
porque parecia tão apetitoso quanto um peito de frango sem tempero poderia
parecer. Enquanto eu colocava meu pãozinho de volta no hambúrguer, Zayne
tirou seu pãozinho de cima.
— Você é um monstro — eu sussurrei.
Zayne deu uma risadinha. — Você vai comer isso? — Ele apontou para
o tomate do qual eu havia me livrado. Eu balancei minha cabeça. — Claro que
não. Você não gosta de vegetais ou água.
— Não é verdade. Eu gosto de cebolas e picles.
— Só se eles estiverem nos hambúrgueres. — Ele carregou sua caixa de
comida ao redor da ilha e se jogou no banquinho ao meu lado, pegou o tomate
e o jogou em seu pobre sanduíche de frango grelhado. — Coma, e então eu vou
te mostrar o que eu ganhei quando me encontrei com Nic.
Comemos lado a lado, trocando guardanapos, e não havia vontade de
preencher o silêncio com palavras vãs. Havia uma intimidade nisso que era
bastante surpreendente. Quando terminamos, me ofereci para a limpeza, já
que ele havia pegado a comida e eu não tinha feito nada além de dormir. Assim
que terminei de limpar a ilha, voltei para o banquinho ao lado de Zayne.
— Antes de olharmos para o que você tem, tenho um favor a pedir. —
Eu respirei superficialmente.
— Feito — respondeu ele.
Minhas sobrancelhas levantaram. — Eu não disse a você qual é o favor.
Ele levantou um grande ombro em um encolher de ombros. — Seja o que
for, você conseguiu.
Eu o encarei. — E se eu estivesse pedindo para você trocar seu Impala
vintage por uma minivan dos anos 80?
Zayne olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. — Isso seria um
pedido muito estranho.
— Exatamente, e você acabou de concordar com isso!
Sua cabeça se inclinou. — Você é estranha, Trin, mas não acho que você
seja tão estranha.
— Eu sinto que deveria estar ofendida com essa declaração.
Zayne sorriu. — Qual é o seu favor?
— Eu preciso de ajuda... com o treinamento. — Eu endireitei meus
ombros. — Misha e eu treinamos todos os dias. Eu não preciso disso, mas
preciso praticar em uma determinada área.
Isso atraiu toda a sua atenção. — Qual área?
— Você sabe que não tenho muita visão periférica. — Mudei meus pés
do chão para a barra no banquinho. — É literalmente um ponto cego para mim,
então quando eu luto, tento manter distância suficiente entre mim e meu
oponente para que eles fiquem na minha visão central.
Ele assentiu. — Faz sentido.
— Bem, Misha conhecia minha fraqueza e a explorou, e é por isso que ele
conseguiu tantos golpes. Eu faria a mesma coisa em uma luta. Tudo vale.
— O mesmo — ele murmurou.
— E eu duvido que Misha tenha guardado isso para si mesmo. Ele
poderia ter contado a Bael. Talvez até este Precursor — expliquei. — Eu preciso
melhorar. Não sei como, mas preciso...
— Para aprender a não confiar na sua visão? — ele sugeriu.
Exalando, eu balancei a cabeça. — Sim.
Os lábios de Zayne franziram. — Trabalhar nisso é uma ótima ideia e o
treinamento é sempre inteligente. Eu não pensei nisso.
— Bem, toda a coisa de vínculo simplesmente aconteceu, então...
Ele me lançou um breve sorriso. — Deixe-me pensar em algumas
maneiras de trabalhar no que você está pedindo.
Aliviada, sorri. — Eu vou fazer o mesmo. Então, o que você queria me
mostrar?
Ele desenrolou o papel, espalhando-o pela ilha. — Eu pedi a Gideon para
imprimir as plantas da casa do senador Fisher que Layla tirou fotos. Achei que
você gostaria de vê-los.
Eu não tinha sido capaz de vê-los naquela noite, então isso foi
incrivelmente... atencioso da parte dele. Inclinando-me sobre o documento que
acabou ficando com a metade do tamanho da ilha, examinei os desenhos
enquanto Zayne se levantava do banco do bar. Eu não tinha experiência em
examinar planos de construção, mas dentro de alguns momentos, eu sabia que
suas suposições estavam corretas. — Esses são mesmo planos para uma escola,
não são? Essas caixas são salas de aula. Isto é uma cafetaria e aqueles são
dormitórios.
— Sim. — Zayne voltou para a ilha com um laptop. — Gideon fez uma
busca rápida nos registros e não conseguiu encontrar nenhuma licença
vinculada ao senador e a uma escola, mas quero ver se consigo encontrar algo
online que faça referência a isso enquanto ele ainda procura em diferentes
bancos de dados.
— Parece bom — eu murmurei, olhando para os planos.
— Olha isso — Zayne disse depois de alguns minutos. — Sabemos que
Fisher é o líder da maioria e que ele é conhecido por ser um homem saudável
e amante de Deus, tudo sobre os valores da família da década de 1950.
— Que irônico — eu murmurei.
— Eu não posso nem dizer quantos sites estão surgindo, dedicados a ele
por pessoas religiosas. Mesmo os dos Filhos de Deus.
Eu revirei meus olhos. — Bem, isso aí deve te dizer algo.
Ele deu uma risadinha. — De acordo com o site deles, eles acreditam que
ele é algum tipo de profeta ou salvador que está destinado a salvar a
América. Do quê, não tenho ideia. — Com os dedos movendo-se sobre o
touchpad, ele balançou a cabeça. — Felizmente, essas pessoas parecem ser uma
minoria muito, muito pequena.
Graças a Deus. Havia uma ironia distorcida na situação com o senador. O
homem definitivamente não era um fã de Deus, considerando que ele estava
saindo com um antigo demônio de Nível Superior e indo às bruxas para obter
encantamentos que transformavam humanos em bucha de canhão ambulante
- o mesmo clã que nos traiu contando ao demônio Aym, que estava super
morto. Felizmente.
Cara, eu gostaria de poder lançar feitiços, porque amaldiçoaria o clã com
uma varíola e mais um pouco. — Duvido que o que ele está planejando seja
algo bom.
— Concordo. — Os dedos de Zayne batiam no teclado. — Parece que o
incêndio virou notícia. — Ele inclinou o laptop para que eu pudesse ver a foto
de uma casa destruída e carbonizada com o título “Incêndio Noturno Destrói
a Casa do Líder da Maioria do Senador Fisher”. — Não diz muito além de
culpar a fiação defeituosa.
Eu bufei. — Posso não ser uma especialista em incêndio criminoso, mas
duvido seriamente que qualquer coisa sobre aquele incêndio faria alguém
pensar que foi devido a uma falha elétrica...— Parei quando vi as chamas
vermelhas profanas em minha mente, vi Zayne, que em sua forma de Guardião
era quase indestrutível, queimada e perto da morte...
— Fisher provavelmente tem pessoas trabalhando com ele no corpo de
bombeiros — Zayne explicou, me tirando dos meus pensamentos. — Quando
os demônios se infiltram nos círculos humanos, torna-se uma epidemia, como
uma doença. O primeiro humano que eles corrompem se torna o portador e
traz outros para ele. Como um vírus que se espalha de contato em contato, e
quanto mais longe a fonte fica do portador, mais os humanos não percebem
para que ou para quem estão realmente trabalhando.
— Mas o senador sabe que está trabalhando com um demônio. Ele foi ao
clã e conseguiu aquele encantamento. — Eu franzi a testa. — E ele também
prometeu partes de um Verdadeiro Nascido - de mim - em troca. Cretino.
Um som de rosnado baixo levantou os pelos do meu corpo, e eu olhei ao
redor da cozinha para ver de onde o som estava vindo. Eu nunca tinha visto
um cão infernal, e imaginei que fosse o tipo de barulho que eles faziam, mas
aquele som vinha de Zayne.
Meus olhos se arregalaram.
— Isso não vai acontecer. — Seus olhos brilharam de um azul pálido
intenso. — Nunca. Eu posso te prometer isso.
Eu me encontrei balançando a cabeça lentamente. — Não vai.
Ele segurou meu olhar e voltou para sua pesquisa na Internet. Os
músculos enrijeceram quando uma explosão de medo me atingiu no peito,
seguida pela repentina clareza de que Zayne... ele morreria por mim. Ele já
quase o tinha feito, e isso foi antes de nos unirmos. Ele me empurrou para fora
do caminho quando Aym tentou me atacar e quase pagou por isso com a
vida. Aym era terrivelmente talentoso com Fogo do Inferno, que poderia
queimar qualquer coisa em seu caminho, incluindo um Guardião.
Como meu Protetor, dar a vida pela minha estava na descrição do
trabalho de Zayne. Se eu morresse, Zayne também morreria, e se ele morresse
me protegendo, eu continuaria vivendo, e imaginei que outro iria substituí-lo
- outro como Misha, que nunca deveria ter sido ligado a mim.
— Você não precisa ter medo — disse ele, olhando para a tela do laptop.
Meu olhar disparou para ele. O brilho da tela iluminou seu perfil. — O
que?
— Eu posso sentir. — Ele colocou a palma da mão esquerda contra o peito
e meus ombros ficaram tensos. — É como um pingente de gelo no meu peito. E
eu sei que você não tem medo de mim ou de si mesma. Você é muito
durona. Você tem medo por mim e não precisa ter. Você sabe porquê?
— Por que? — Eu sussurrei.
Zayne olhou para mim então, seu olhar firme. — Você é forte, e você é
uma guerreira muito boa. Posso ser seu Protetor em alguns casos, mas quando
lutamos, sou seu parceiro. Eu sei que você não vai colocar minha bunda na
tipoia porque você não está segurando a sua. Não há como eu cair com você
ao meu lado, e ninguém vai ser melhor do que você comigo ao seu lado. Então,
tire esses medos da sua cabeça.
O ar se alojou na minha garganta. Essa foi provavelmente a coisa mais
legal que alguém já disse sobre mim. Eu meio que queria abraçá-lo. Eu não fiz,
porém, conseguindo manter minhas mãos e braços para mim. — Eu gosto
quando você diz que sou fodona.
Isso me rendeu um sorriso. — Não estou nem remotamente surpreso em
ouvir isso.
— Isso significa que você finalmente vai admitir que ganhei de você e
ganhei naquele dia na sala de treinamento na Comunidade? — Eu perguntei.
— Agora vamos lá. Não vou mentir para fazer você se sentir melhor
consigo mesma.
Eu ri enquanto recolhia meu cabelo, torcendo o comprimento grosso. —
Vamos patrulhar esta noite?
Patrulhar era o que os Guardiões faziam para manter a população de
demônios sob controle, mas não era desse tipo que eu estava
falando. Estávamos procurando por um certo demônio e uma criatura que não
tínhamos ideia do que chamar além de Precursor.
Ele fez uma pausa. — Eu estava pensando que poderíamos apenas
relaxar durante a noite. Pegar leve.
Pega leve com Zayne? Uma grande parte de mim pulou com isso, mas o
fato de que eu queria tanto fazer isso era uma indicação clara de que deveria
ser a última coisa que eu deveria fazer.
— Acho que devemos procurar o Precursor — eu disse. — Precisamos
encontrá-lo.
— Sim, mas uma noite vai fazer a diferença?
— Conhecendo nossa sorte? Sim.
Um sorriso rápido apareceu e depois desapareceu. — Tem certeza que
está pronta para isso? Ontem...
Eu fiquei tensa. — Ontem foi ontem. Estou pronta para isso. Você está?
— Sempre — ele murmurou. Então, mais alto, ele disse: — Vamos
patrulhar esta noite.
— Bom.
Ele se concentrou na tela. — Encontrei algo. É um artigo datado de
janeiro no Washington Post, onde Fisher fala sobre a aquisição de fundos para
uma escola para crianças com doenças crônicas. Cito: “Esta escola se tornará
um lugar de alegria e aprendizado, onde a doença não define o indivíduo e a
doença não determina o futuro.” E então ele fala sobre como haverá uma
equipe médica no local, juntamente com conselheiros e uma instalação de
reabilitação de última geração.
— Não pode ser real, certo? Que ele está construindo uma escola para
crianças doentes? Como um demoníaco St. Jude's? — Enojada, tudo o que eu
podia fazer era olhar para as palavras que não podia ver claramente o
suficiente para ler. — Usando crianças doentes como disfarce? Cara, isso é
como um novo nível de maldade.
— Bem, espere até ouvir isso. — Zayne recostou-se, cruzando os
braços. — Ele diz que toda a proposta e plano são em homenagem a sua esposa,
que faleceu após uma longa batalha contra o câncer.
— Deus. Não tenho certeza de qual parte disso é pior.
— Eles são igualmente terríveis. — Ele olhou para mim. — Diz que ele já
adquiriu o terreno para esta escola, então é interessante que Gideon ainda não
tenha encontrado um registro dele. Faz você se perguntar por que não é fácil
encontrar informações públicas.
Tomei um gole da minha Coca. — Eu não posso acreditar que isso é
real. Que ele realmente está construindo uma escola. Tipo, porque, pois, eu
sinceramente duvido que seja para o bem de qualquer pessoa.
— Concordo. A parte mais confusa? As pessoas poderiam usar uma
escola como esta, e não faltarão pessoas dispostas a se envolver. — Essa é uma
verdade terrível. — Minha imaginação pode vir com um milhão de motivos
terríveis diferentes por trás disso, especialmente porque ele está ligado a Bael
e ao Precursor.
E todos eles - Bael, Aym, o Precursor - levavam de volta a Misha.
Razão pela qual eu precisava sair e encontrar Bael e este Precursor. Isso
era imperativo. Não apenas porque o Precursor estava caçando Guardiões e
demônios, ou porque meu pai nos avisou que o Precursor era um sinal do fim
dos tempos, mas também porque era pessoal.
Misha disse que o Precursor o escolheu, e eu precisava saber por que...
por que ele foi escolhido, por que ele concordou com tudo. Eu precisava saber
por que ele fez o que fez.
Eu precisava entender.
Olhando para baixo, percebi que estava cerrando os punhos com tanta
força que minhas unhas curtas se cravaram nas palmas das mãos.
Esta noite não poderia vir rápido o suficiente.
Capitulo 3
— Fique aqui, Trin. Eu volto já.
— O que... — Virei-me para onde Zayne estava, mas era tarde demais.
Zayne já tinha desaparecido na multidão de pessoas curtindo a noite
amena em Washington, DC, movendo-se mais rápido do que minha visão
podia rastrear.
Meu queixo caiu enquanto eu olhava para o borrão de rostos
desconhecidos. Zayne tinha me deixado na calçada enquanto ele saía atrás do
demônio de Nível Superior que eu tinha sentido, como se eu fosse terceira
corda ou algo assim?
Atordoada, pisquei estupidamente, como se Zayne fosse de alguma
forma reaparecer na minha frente.
Sim.
Ele tinha feito exatamente isso.
— Você só pode estar brincando comigo! — Exclamei. Um homem no
celular franziu a testa na minha direção. O que quer que ele tenha visto em
meu rosto o fez, não só se afastar de mim, como também atravessar a rua.
Provavelmente uma coisa boa, porque eu estava armada e irritada o
suficiente para lançar uma adaga de ferro em alguma pessoa qualquer.
Eu não podia acreditar que Zayne tinha acabado de me deixar,
especialmente quando ver um demônio de Nível Superior era meio
importante. Eles eram os demônios mais perigosos para andar nesta Terra,
camuflando-se parecendo humanos para que pudessem se mover em círculos
que continham algumas das pessoas mais poderosas e influentes do
mundo. Com sua habilidade de manipular as pessoas, eles usavam o livre
arbítrio dado por Deus contra eles. Demônios de Nível Superior eram os
adversários mais formidáveis na batalha interminável para manter o equilíbrio
entre o bem e o mal no mundo, mas eles eram escassos desde que a criatura
conhecida como o Precursor apareceu em cena, meses antes de eu chegar na
cidade.
Ver ou sentir um demônio de Nível Superior era enorme, mas era ainda
mais importante que o normal por causa de onde o tínhamos visto. Zayne e eu
estávamos patrulhando a área da cidade onde o demônio Bael tinha sido visto
com o senador Fisher.
Havia uma chance de que esse demônio pudesse nos levar a Bael, ou que
pudéssemos usá-lo para descobrir o que diabos o senador realmente planejava
fazer com a escola. E se esse demônio não tivesse nada a ver com o Precursor,
eu ainda seria capaz de trabalhar um pouco da minha agressão. Mas em vez
de me juntar a Zayne na caçada, eu estava parada aqui como um pensamento
remanescente, e isso não era legal.
Zayne obviamente não compreendeu que ser meu Protetor vinculado
não era um código para me deixar - sua Verdadeira Nascida - para trás
enquanto ele saía para rastrear demônios. Certo, nosso vínculo era novo, então
eu dar ao Zayne um cartão de saída da prisão, mas mesmo assim.
Eu não era uma campista feliz.
Uma buzina soou na rua e alguém gritou. Eu me sentei em um banco,
deixando escapar um suspiro agravado enquanto olhava ao redor. Como
minha visão era tão embaçada, era difícil para mim dizer se as pessoas que
passavam por mim eram humanas comuns ou as mortas.
Fantasmas e espíritos - e havia um mundo de diferença entre os dois -
muitas vezes não só me sentiam, mas sabiam que eu podia ver e me comunicar
com eles antes mesmo de perceber que estavam ali. Já que ninguém estava me
incomodando, eu estava supondo que aqueles ao meu redor pertenciam ao
Time Vivo e Respirando.
Chutei uma perna sobre a outra, coloquei um cotovelo no joelho e enfiei
o queixo na palma da mão. Acima do cheiro de escapamento, senti o cheiro de
carne cozinhando, me deixando com fome, embora Zayne e eu tivéssemos
comido apenas uma hora atrás. O formigamento quente sempre presente na
nuca me disse que havia demônios por perto, provavelmente os de baixo nível,
então eu não faria nada em relação a eles, contanto que eles não estivessem
prejudicando ativamente os humanos.
Eu não estava familiarizada com a cidade, e com minha visão deficiente,
vagar por aí não seria a mais brilhante das ideias, mas ficar sentada aqui como
um cachorro recebendo uma ordem levou minha irritação ao limite.
A chance de eu socar a garganta de Zayne quando ele reaparecesse estava
atualmente entre 60 e 70 por cento. Embora provavelmente tenha sido muito
mais inteligente do que o que eu normalmente queria fazer quando via Zayne.
Concentrei-me na pequena bola de calor pulsante no centro do meu
peito. Eu nunca senti isso com Misha, mas como não havia nenhum outro
Verdadeiro Nascido para eu comparar minhas notas, a falta de sensação não
tinha sido uma bandeira vermelha.
Mas não era como se os outros não tivessem começado a adivinhar que
algo não estava certo entre Misha e eu. Thierry, o Duque que supervisionava
os Guardiões na região das Terras Altas de Potomac, e seu marido, Matthew,
começaram a suspeitar que houve um erro quando Zayne chegou. Para ser
honesta comigo mesma, sabia que algo estava acontecendo. Desde o momento
em que vi Zayne, havia algo lá. Agora, eu podia sentir aquela bolinha de calor,
mas não podia sentir a emoção através dela como senti ontem, quando senti
sua frustração como se fosse minha. Talvez a distância tenha algo a ver com
isso.
Precisávamos explorar tudo isso.
Meu olhar cintilou sobre a multidão para o restaurante em frente a
mim. Não consegui ver o nome do lugar, mas era definitivamente uma
lanchonete. Se eu tivesse que esperar aqui, poderia muito bem me deliciar com
um pouco de sabor frito. Um resmungo do meu estômago me disse que estava
de acordo com essa ideia.
Eu não tinha ideia de pôr que estava sempre com fome. Talvez tenha sido
toda a caminhada. Estava queimando um monte de calorias e...
Meu telefone vibrou no bolso e eu o pesquei. A pressão apertou meu
peito quando vi o rosto bonito da minha melhor amiga olhando para mim. Jada
estava ligando mais uma vez.
Meu dedo pairava sobre o botão de resposta. Eu precisava responder,
porque sabia que ela provavelmente tinha mais perguntas sobre o que tinha
acontecido com Misha, mas eu não estava...
O calor explodiu ao longo da minha nuca, empurrando minha cabeça
para cima. A pressão quente e formigante era um sistema de alerta codificado
em meu DNA.
Havia um demônio muito próximo.
Deixando a chamada de Jada ir para a caixa postal, deslizei meu telefone
de volta para o meu bolso enquanto examinava a calçada
movimentada. Demônios que pareciam humanos facilmente se misturavam
com a população. A única coisa que se destacava eram os seus olhos, que
refletiam a luz como os de um gato. Escolher um demônio no meio de uma
multidão de humanos não era fácil para alguém com dois globos oculares
funcionando normalmente e, para mim, era um exercício de frustração. Eu
apertei os olhos e desejei que minha visão ficasse um pouco mais clara.
Isso não ajudou.
Não vi ninguém que obviamente não fosse humano e saudando Lúcifer,
mas a pressão ainda estava lá, instalando-se entre minhas omoplatas. O
demônio tinha que estar...
Ali.
Meu olhar parou em um homem louro vestido com um terno escuro
andando pela calçada, as mãos nos bolsos da calça. Tudo nele parecia normal,
e ele não estava perto o suficiente para eu ver seus olhos, mas algum senso
inerente me disse que ele era o demônio.
E não só isso, um demônio de Nível Superior.
A certeza me preencheu quando coloquei os pés no chão. Antes de vir
para DC para encontrar Misha, eu tinha visto apenas um punhado de
demônios, e nunca em uma situação como essa, mas sabia que estava certa.
E se ele era o segundo demônio de Nível Superior avistado na mesma
área onde Bael estava, isso tinha que significar alguma coisa.
Eu estava de pé antes de perceber que estava de pé. Logo ele estaria no
cruzamento e eu não seria capaz de segui-lo. Se esperasse Zayne voltar, eu o
perderia.
Zayne me disse para ficar aqui, mas eu estava pensando que era mais
uma sugestão do que uma ordem.
Com a decisão tomada, corri em torno de um grupo de pessoas que
estavam esperando para atravessar a rua e me afastei do Demônio de
Terno. Fiquei perto dos edifícios para não topar com ninguém, esperando que
Demônio de Terno ficasse sob o brilho dos postes de luz.
Quando o semáforo de pedestres ficou verde, ele atravessou para o
próximo quarteirão. Um demônio não transgressor. Que inesperado.
Eu não tinha nenhum plano enquanto o seguia, passando por um banco
e vários escritórios administrativos fechados, mas isso não me impediu.
O Demônio de Terno virou uma curva acentuada para a direita,
desaparecendo da minha vista. Xingando, aumentei o ritmo e percebi que ele
havia entrado em um beco estreito e mal iluminado entre dois edifícios que
tinham dezenas de andares de altura. Hesitei na boca, examinando a passagem
relativamente limpa. Estava vazio...
Meu olhar se ergueu. — Puta merda.
Tive um vislumbre de uma forma embaçada puxando um Homem-
Aranha, correndo pela lateral do prédio. Olhei por cima do ombro, mas
ninguém estava apontando com a boca aberta.
Isso era uma coisa boa. Embora o público em geral estivesse ciente dos
Guardiões, a grande maioria não tinha ideia de que os demônios eram
reais. Devido a um conjunto de regras celestiais sobre livre arbítrio e fé cega,
os humanos não deveriam saber que havia definitivamente consequências na
vida após a morte para atos cometidos em vida.
As pessoas pensavam que os Guardiões eram algum tipo de cruzamento
genético entre humanos e sabe-se lá o quê. Eu não tinha ideia de como eles se
convenceram de que isso era mesmo remotamente possível, mas a natureza
humana exigia respostas lógicas, mesmo que a resposta fosse, de fato, ilógica.
Para os humanos, os Guardiões eram como lendas e pedras ganham vida,
super-heróis que frequentemente ajudavam na aplicação da lei. Mas os
Guardiões não estavam lá fora caçando criminosos.
Entrei no beco, tropeçando em pavimentos irregulares que eu não
conseguia ver. No meio do caminho, avistei uma escada de incêndio a vários
metros do chão.
— Ugh — eu murmurei, olhando para trás na entrada do beco e então
para a saída de incêndio, julgando a distância entre o chão e o patamar inferior.
A Trinity Inteligente exigiu que eu voltasse para onde Zayne me disse
para esperar. Eu não tinha um plano, e se alguém visse o que eu estava
pensando em fazer, seria difícil de explicar.
A impaciente Trinity gritou FAÇA-O como um grito de guerra.
— Duplamente ugh — eu rosnei quando o último ganhou.
Corri pelo beco e me lancei no ar com uma prece para que eu não batesse
no prédio da frente, porque isso certamente doeria.
Minhas palmas bateram no degrau de metal. Eu balancei para frente, os
músculos dos meus braços se esticando. Plantei meus pés na lateral do prédio
e empurrei com força. Balançando para trás, girei enquanto me soltava,
saltando sobre o corrimão.
Estremeci com o som de metal chocalhando quando pousei na base da
escada de incêndio. Fiquei imóvel por um momento, esperando para ver se
alguém começou a gritar, e quando não havia nada além de silêncio, fiquei
meio decepcionada por ninguém ter testemunhado minha façanha ginástica de
grandiosidade.
História da minha vida.
Rapidamente escalei a escada de incêndio, que tinha cerca de uma
centena de violações de código diferentes. Com apenas o luar para me guiar, o
instinto assumiu, e não me permiti pensar em como eu realmente não
conseguia ver para onde minhas mãos ou pés estavam indo. Se eu deixasse a
dúvida surgir, poderia cair, e estava alto o suficiente para acabar com alguns
ossos quebrados.
Um vento quente e pegajoso pegou os fios soltos de cabelo que
escaparam do meu coque quando cheguei ao telhado. Colocando as duas mãos
na borda de cimento, examinei a área. Felizmente, projetores brilhantes
brilhavam em três galpões de manutenção diferentes, cada um completo com
sua própria antena enorme. Eu não vi o Demônio de Terno, mas sabia que ele
tinha que estar aqui. Eu podia senti-lo.
Eu me puxei para cima da borda. A brisa era mais forte aqui, o que eu
acolhi enquanto ele rolava sobre minha pele molhada de suor. Adagas presas
em meus quadris, meus dedos se contraíram com o desejo de desembainhá-las
enquanto eu caminhava pelo telhado.
Perto do segundo galpão, avistei o Demônio de Terno. Ele estava na
saliência oposta à área que eu havia escalado, agachado de uma maneira que
era tão parecida com Guardião que eu fiz uma careta. Ele se livrou do paletó
em algum momento, e sua camisa branca balançava com o vento. O demônio
parecia estar observando o mundo lá embaixo. Ele estava esperando por
alguém? Talvez ele estivesse aqui esperando pelo demônio que Zayne o havia
seguido.
Talvez até Bael.
Um plano formou-se rapidamente, graças a Deus. Pegue o demônio
desprevenido, ganhe vantagem e faça-o falar.
Soou legítimo e bem pensado.
Saí de trás do galpão, mantendo as mãos abertas ao lado do corpo. — Oi!
O Demônio de Terno se virou, erguendo-se com uma fluidez
sobrenatural. Ele estava na saliência estreita e um segundo depois, ele estava a
poucos metros de mim.
Uma pessoa racional teria experimentado algum nível de medo naquele
ponto, mas não era isso que eu estava sentindo.
Ele estava perto o suficiente para que eu pudesse dizer que ele era bonito,
o que não era surpreendente. Demônios raramente apareciam como algo
diferente de alguém que seria considerado universalmente atraente. O que
esconde o mal puro e não adulterado melhor do que um rosto bonito?
Inclinando a cabeça, o demônio franziu a testa. Ele olhou para mim como
se tivesse pedido um filé marinado macio, mas em vez disso tivesse acabado
com um hambúrguer barato. Fiquei meio ofendida.
Eu era 100% bife Angus orgânico, muito obrigada.
Mas o demônio não percebeu isso porque para ele, eu parecia como
qualquer humano comum que tolamente tropeçou em seu caminho... em um
telhado.
A carranca suavizou e, embora eu não pudesse ver seus olhos, pude
sentir seu olhar vagar sobre mim, como se ele estivesse me avaliando. Senti o
momento exato em que ele me dispensou.
Um grande erro.
O Demônio de Terno sorriu. — O que você está fazendo aqui em cima,
menina?
Surpresa por ele não ter falado pequena na frente de menina, dei de
ombros. — Estava prestes a lhe fazer a mesma pergunta.
— Você estava? — Ele riu, e o som irritou meus nervos. Foi
paternalista. — Você parece um pouco jovem para pertencer à polícia oficial
do telhado.
— E você parece velho o suficiente para não dizer palavras como polícia
oficial do telhado.
O humor desapareceu quando uma rajada de ar quente atingiu o
telhado. — Bem, obviamente você não é inteligente o suficiente para sentir
quando deve tomar cuidado com a boca.
— Engraçado você insultar minha inteligência quando não tinha ideia de
que eu estava te seguindo.
Seu lábio superior se puxou para trás em um rosnado que teria
impressionado um puma. — Me seguindo? Se isso for verdade, então você
cometeu o erro mais estúpido da sua vida.
— Bem. — Eu puxei a palavra, dando um pequeno passo para trás. Tive
o cuidado de manter distância entre nós para que ele não saísse da minha visão
central. — Eu não acho que isso faria os dez erros mais estúpidos que já cometi.
Ele sibilou, e sim, ele não parecia mais um puma, mas sim um leão muito
irritado. — Você vai implorar pelo meu perdão. — Ele se agachou, as mãos se
agarrando. — E orar por sua morte.
Fiquei tensa, mas plantei um sorriso no meu rosto. — Tão não-
original. Estou sofrendo constrangimento em seu nome. Por que não ser um
pouco mais criativo?
O Demônio de Terno olhou para mim.
— Como “você vai me implorar para parar de mastigar suas entranhas”
e “rezar para que eu jogue você do telhado”? Agora isso pinta um quadro não
tão bonito, você não acha?
O Demônio do Terno piscou.
— Por que você não tenta isso? — Eu sugeri prestativamente. — E vamos
ver se eu coloco este encontro entre os vinte primeiros da minha lista de
idiotas?
O demônio soltou um rosnado afiado, um cruzamento entre um bebê
chorão e uma hiena raivosa. Pelos por todo o meu corpo se arrepiaram com o
que deve ser um dos sons mais detestável de todos os tempos. — Eu vou
arrancar sua língua — ele prometeu. — E, em seguida, enfiá-la de volta através
de sua garganta.
— Ai está! — Eu bati palmas com entusiasmo. — Isso é muito melhor...
O Demônio de Terno se lançou no ar, como eu esperava, e aposto que ele
pensou que parecia assustador o suficiente para eu me molhar. Gostaria de
poder ver sua expressão quando corri para o ataque, mas, infelizmente, eu só
teria que fingir que ele tinha um olhar oh, snap em seu rosto.
Mergulhando, eu deslizei sob ele enquanto estendia a mão e agarrava
suas pernas. O ímpeto e a força do demônio trabalharam a meu favor enquanto
eu puxava suas pernas para baixo. Forte. Mais difícil do que eu
imaginava. Soltando-me, levantei quando ele bateu de barriga no telhado a
vários metros de distância, o impacto sacudindo a porta do galpão próximo e
fazendo as luzes piscarem. Líquido com tinta espirrou pelo telhado - de seu
rosto.
Droga.
Eu não sabia que era tão forte.
Desembainhando as adagas, eu espreitei em direção ao demônio. Eu
tinha uma arma diferente – uma muito melhor. Minha Graça. Mas era muito
arriscado sair chicotear aqui, no coração da cidade, mesmo que estivesse
queimando meu estômago como ácido, exigindo que eu a soltasse.
Que eu a usasse.
O demônio virou-se de costas, deixando a fachada de sua forma humana
para trás. O cabelo loiro desapareceu quando sua pele mudou para um laranja
queimado marmorizado com espirais pretos. Ele ergueu a mão e a substância
escura em sua pele fluiu para a palma da mão, formando uma bola sombria.
Oh, inferno para o não.
Eu caí para frente, batendo meu joelho em sua barriga enquanto nivelava
a ponta de uma das adagas em sua garganta e a outra acima de seu
coração. Quaisquer áreas seriam fatais.
— Estas são adagas de ferro — eu o avisei. — O que quer que você esteja
prestes a fazer com a bolinha de pesadelos, pense duas vezes. Você não será
tão rápido quanto eu.
Seus olhos negros sem pupilas se arregalaram, e imaginei que ele estava
chocado com minha força e grandiosidade geral. Ele não tinha ideia do que eu
era, mas se soubesse, ele estaria tentando me devorar do jeito que eu felizmente
devoraria um hambúrguer. Consumir minha Graça não só daria ao demônio
poder e força incalculáveis, seria o mais perto que ele chegaria do Paraíso.
Eu sou uma Verdadeira Nascida, e na hierarquia gigante das coisas, esse
demônio de Nível Superior era um gato sem garras comparado a mim.
A bola de sombra pulsou e então desabou em uma poeira fina de poder
não gasto. — O que você é? — ele engasgou.
— A polícia oficial do telhado — retruquei. — E você e eu vamos ter uma
conversinha.
Capitulo 4
— Sua tola, humana idiota — o demônio zombou. — Eu sou...
— Não muito observadora e pouco criativa? Já estabelecemos isso e é
hora de seguir em frente. — Pressionei a adaga contra a pele dele, e acho que
o demônio parou de respirar. — Responda minhas perguntas, e talvez eu não
te empale no telhado através de sua garganta.
O demônio olhou para mim, em silêncio.
Eu sorri de volta para ele. — Você está trabalhando com Bael?
Houve uma leve dilatação das narinas do demônio, mas ele permaneceu
quieto.
— Você vai querer brincar e fazer isso rapidamente, porque tenho a
paciência de uma criança faminta e um sério problema de impulsividade. Não
penso antes de agir. Você está trabalhando com Bael?
Seus lábios se abriram em um rosnado, revelando dentes irregulares de
tubarão, e eu me perguntei se ele tinha um pouco de Noturno nele. — Bael não
está na superfície.
— Touro. Cocô. Sim, ele está. Eu o vi com meus próprios olhos, e ele foi
localizado nesta mesma área da cidade. Tente novamente.
Ele rosnou.
Eu revirei meus olhos. — Você sabe que, a menos que tenha informações
úteis, você estará morto antes de encontrar uma bala de hortelã. — Eu
pausei. — E você precisa de uma. Porque sua respiração está matando.
— Você não é uma coisinha fofa — Ele retrucou. — Bem, não tanto. Acho
que sua bunda está esmagando meu diafragma.
— Esse é o meu joelho, seu idiota, e isso não vai ser a única coisa que vai
ser esmagada. — Para esclarecer, deslizei meu joelho por seu estômago,
parando logo abaixo da cintura. — Diga-me onde Bael está.
O demônio olhou para mim por um momento e então ele riu -
gargalhadas profundas que me sacudiram. — Sua vaca estúpida...
Eu joguei a adaga em sua garganta para que ficasse abaixada e golpeei
com meu punho na lateral de sua cabeça, cortando suas palavras. O calor
úmido espalhou-se pela minha palma. — Sua demônio-mãe não te ensinou que
se você não tem nada de bom para dizer, cale a boca?
Ele praguejou enquanto eu pressionava a outra adaga com mais força em
seu peito, rasgando o tecido fino de sua camisa. — Você está... obviamente
maluca se pensa... que vou dizer uma merda sobre Bael. Não tenho medo da
morte.
— Mas você tem medo de Bael?
— Se você sabe alguma coisa sobre Bael, então sabe que foram cerca de
sete níveis diferentes de uma pergunta estúpida.
— Você acha que ele pode fazer pior com você do que eu? — A raiva
explodiu, e a necessidade de dominar levou a melhor de mim enquanto me
inclinava para que estivéssemos no mesmo nível dos olhos. Eu sabia que não
deveria fazer isso. Era errado por centenas de razões diferentes, mas deixei a
menor parte da minha Graça brilhar. Os cantos da minha visão, que geralmente
eram sombreados e escuros, ficaram brancos brilhantes. — Porque estou aqui
para dizer que ele não pode.
Seus olhos se arregalaram e, quando ele falou, havia uma mistura de
horror e admiração em sua voz. — Você é ele. Você é a Nefilim.
Eu reinei a Graça de volta, e a luz branca desapareceu. — Em primeiro
lugar, o termo Nefilim é tão desatualizado e, em segundo lugar, você tem falado
com Bael porquê...
— Se fosse do conhecimento geral que um de sua espécie estava na
cidade, você já estaria morta. — Seus olhos ficaram meio fechados, e um sorriso
preguiçoso cruzou seu rosto laranja e preto rodopiante. — Ou pior. Certo? É
verdade? O que eles dizem sobre a sua espécie e a minha?
Meu lábio enrolou enquanto eu olhava para ele. Ele parecia perto do
orgasmo, e isso era mais do que um pouco perturbador. — O que é verdade?
— Que se um demônio comer você...
Eu me movi, cavando meu joelho em sua virilha. Ele gritou de dor,
murchando sob mim. — Sim, eu só vou parar você aí mesmo. Diga-me onde...
— Não foi o Bael que... — Ele respirou fundo, ofegando de dor. — Não
foi Bael quem me contou sobre você, sua estúpida fo...
Socando-o novamente, desta vez na mandíbula, me certifiquei de que o
cabo da adaga entraria em ação. — É melhor que tenha sido a palavra fofa que
estava prestes a sair da sua boca.
Depois de cuspir sangue e possivelmente um dente, o demônio
endireitou a cabeça. — Foi ele.
A frieza se infiltrou em mim mesmo quando me dei conta do aumento
do calor pulsante em meu peito. — Quem?
— Aquele que te entregou. Qual era o nome dele? — O demônio riu,
cuspiu e sangue vazou dos cantos de sua boca enquanto seus braços caíam ao
lado do corpo. — Ah sim. Misha. O engraçado é que não o vejo há alguns
dias. Quer saber o que está acontecendo com ele? Além de estar morto.
— Você falou com Misha? — Um tremor percorreu meu corpo. — O que
ele disse para você? O que você fez?
— Você o matou. Certo? Enviou sua alma para o inferno. É onde ele está
agora, porque ele era tão mal quanto eu.
Um estremecimento me percorreu. — Você está mentindo.
— Porque eu mentiria?
— Posso pensar em uma série de razões — eu fervi, mas mesmo
enquanto dizia as palavras, elas soavam falsas. — Diga-me o que ele disse ou...
— Ou o quê? Você vai me matar? Você é a Nefilim. Eu já estou morto —
ele disse, e eu não tinha ideia do que isso significava. O demônio ergueu a
cabeça do telhado, tendões grossos saindo de seu pescoço. — Você o matou, e
já é tarde demais. Você não tem ideia de que tipo de tempestade está vindo em
seu caminho.
Bati a cabeça dele de volta. — Diga-me o que você fez com ele!
— Ele foi escolhido. — Ele riu, me deixando gelada. — O Precursor está
finalmente aqui, e não há como parar o que está por vir. Os rios ficarão
vermelhos. Fim dos tempos, baby, e não há como você parar o Precursor. Você
vai ser parte de tudo isso.
Abri minha boca, mas o demônio se moveu de repente. Não para me
rolar ou para atacar. Ele agarrou o pulso da minha mão que segurava a adaga
em seu coração, e então ele empurrou enquanto me puxava para baixo.
Empalando a si mesmo.
— O que... — eu gritei, pulando e tropeçando para trás enquanto as
chamas se derramavam do buraco em seu peito e lambiam seu corpo.
Em segundos, ele não era nada mais do que uma marca de queimadura
no telhado.
Olhei para minha adaga, depois para o local e depois de volta para minha
adaga. — O que no amor...
A bola quente em meu peito ao lado do meu coração pulsava, e um
momento depois, uma coisa gigantesca caiu do céu e pousou agilmente na
borda como um míssil em busca da Trinity.
Oh, merda.
O Guardião se ergueu em toda a sua altura. As asas se espalharam tão
largas quanto o corpo era alto e mais um pouco. Sob o luar prateado, cabelos
dourados se agitavam entre dois orgulhosos e grossos chifres.
Zayne era uma visão assustadora quando ele pisou no telhado e veio em
minha direção, o queixo abaixado. Algumas pessoas podem pensar que os
Guardiões em sua verdadeira forma eram grotescos, mas eu não. Pensava que
ele era lindo de uma maneira crua e primitiva, como uma cobra se enrolando
momentos antes de atacar.
Na forma de Guardião, a pele de Zayne era cinza ardósia, e os dois chifres
podiam perfurar aço e pedra, assim como aquelas garras perversamente
afiadas, e eu pensei, provavelmente pela centésima vez, que era uma coisa boa
que os Guardiões estivessem no Time Bom.
Quando ele se aproximou, percebi que suas presas estavam para
fora. Essas coisas eram enormes e eu o conhecia bem o suficiente para saber
que significavam que ele estava muito, muito zangado. Mas mesmo se eu não
tivesse visto suas presas, eu saberia. Eu podia sentir sua raiva bem ao lado do
meu coração. Parecia o cheiro de remédio para resfriado, e era mais uma
confirmação de que esse vínculo era uma via de mão dupla, alimentando
sentimentos um para o outro.
Lentamente, eu embainhei minhas adagas e então juntei minhas
mãos. Alguns segundos se passaram e então deixei escapar a primeira coisa
que me veio à mente. — Você sabe que eu amo fogos de artifício?
Uau. Isso foi aleatório, até para mim.
— Este seria um lugar incrível para vê-los — acrescentei. — Queria saber
sobre este prédio antes do 4 de julho.
Zayne ignorou isso. — Você não está onde eu te deixei.
Eu olhei ao redor do telhado vazio. — Eu não estou.
— Que parte de “fique onde está” não estava clara?
— A parte em que você pensou que eu realmente iria te ouvir? — Eu
sugeri.
Zayne parou a alguns metros de mim. — Trin...
— Não. — Eu o cortei com um aceno de minha mão. — Você me deixou.
— Eu te deixei por alguns minutos para que eu pudesse ver quem era
esse demônio antes de envolver você. Esse é o meu trabalho...
— Seu trabalho não é me deixar na calçada como um cachorro que não
pode entrar em um restaurante.
— O que? — O vento pegou seu cabelo dourado na altura dos ombros,
jogando várias mechas sobre seus chifres. — Um cachorro...
— Você me deixou para trás, e eu entendo que toda essa coisa de Protetor
é nova para você, mas me deixando para trás...
— Aparentemente não é a coisa mais inteligente a se fazer, porque
quando eu viro as costas para você por cinco minutos, você acaba em um
telhado a vários quarteirões de onde eu te deixei — ele interrompeu. — Como
você chegou aqui? Melhor ainda, por que você está aqui?
Eu cruzei meus braços sobre meu peito. — Eu corri e pulei.
— Mesmo? — ele respondeu secamente, colocando suas asas para trás.
— Em uma escada de incêndio, — acrescentei. — Ninguém me viu e eu
estou aqui...
— O que diabos? — Zayne estava de repente ao meu lado, olhando para
o pedaço de cimento queimado. Muito lentamente, ele ergueu a cabeça. — Por
favor, me diga que você não seguiu um demônio até aqui.
— Eu odeio que você tenha perguntado tão gentilmente quando terei que
dizer o que você não quer ouvir.
— Trinity. — Ele inclinou seu corpo em minha direção. — Você se
envolveu com um demônio?
— Sim, assim como você correu para fazer — apontei. — Eu o vi
enquanto esperava por você, e como pensei que provavelmente era um grande
problema que dois demônios de Nível Superior estivessem na mesma área em
que Bael esteve, decidi que seria inteligente da minha parte ver o que estava
acontecendo.
Ele abriu a boca.
— Você sabe muito bem que eu posso cuidar de mim mesma. Você
mesmo disse. Ou era mentira? — Eu o cortei antes que ele pudesse dizer algo
que me lembrasse que eu planejava dar um soco na garganta dele. — Eu sou
uma lutadora. Fui treinada para isso e você sabe que posso me defender, com
ou sem você. Assim como eu sei que você pode se defender sem mim. Você
não me coloca de lado, porque não só isso não é legal, como é uma perda de
tempo. Eu não vou ficar lá.
O queixo de Zayne se ergueu e um longo e curto momento se passou. —
Você tem razão.
A surpresa passou por mim. — Sei que eu tenho.
— Mas você também está errada.
Eu pisquei. — Desculpe?
— O que eu disse antes permanece. Não duvido de sua capacidade de se
defender. Eu vi você em ação. Pedir para você ficar para trás enquanto eu
checava o demônio não era sobre eu colocá-la em um intervalo porque pensei
que você não conseguiria se controlar.
— Então do que se tratava?
— Foi sobre o que aconteceu com Misha — ele disse, e eu recuei, dando
um passo para trás quando meus braços caíram para o meu lado. — Isso
— disse Zayne. — Isso aí. Sua reação. Você acabou de passar por algo horrível,
Trin, e...
— Estou bem.
— Besteira — ele retrucou, e eu engoli a vontade irracional de rir que
sempre o acompanhava xingando. — Você e eu sabemos que isso não é
verdade, e tudo bem. Ninguém em sã consciência esperaria que você ficasse
bem.
Mas eu tinha que ficar bem.
Ele não entendia isso? O que tinha acontecido com Misha chupou o
traseiro do burro, mas tudo o que eu sentia em torno disso estava arquivado e
guardado, e ficaria assim para sempre e um dia. Tinha que ser assim. Eu tinha
um trabalho a fazer, um dever a cumprir.
Zayne suspirou. — Eu acho que era bastante óbvio que eu não queria
patrulhar esta noite. Que eu pensei que deveríamos ficar em casa. — Ele fez
uma pausa. — Mas também entendo por que você quer estar aqui, fazendo
algo, então cedi.
A irritação aumentou. — Como meu Protetor, você não pode ceder ou
não quando se trata de...
— Como seu amigo, eu com certeza posso intervir quando acho que algo
é uma má ideia. — A mandíbula de Zayne endureceu. — Isso é o que os amigos
fazem, Trin. Eles não apenas deixam você fazer o que diabos você quer, e se
eles deixam, então eles não são seus amigos.
Pensei em Jada. Eu sabia que ela teria sugerido a mesma coisa. Tire
algum tempo. Lide com o que aconteceu e processe-o da melhor maneira
possível.
Mas realmente não havia processamento de nada disso.
As asas de Zayne se contraíram, mas permaneceram fechadas. — Eu
queria que você ficasse de fora, porque achei uma boa ideia você pegar leve,
porque você teve que acabar com a vida de alguém com quem você se
preocupava profundamente.
Eu respirei fundo, uma respiração escaldante.
— E se você acha que isso está errado, que seja. Lamento se fiz você
pensar que duvido de você, mas não lamento estar pensando no que você
passou.
Eu engoli em seco, querendo atirar de volta nele, mas... o que ele estava
dizendo fazia sentido. Desviando o olhar, balancei um pouco a cabeça. —
Estou pronta para estar aqui.
Zayne não disse nada.
— Estou bem. Eu não estava distraída ou em perigo. Obviamente. —
Virei-me e prontamente tropecei em algo, porque, é claro, Deus me odiava. Me
pegando, eu levantei meu olhar para Zayne.
Ele ergueu os braços em frustração. — Sério?
Eu olhei para baixo e vi o que era um cabo. — Eu não vi isso. O que quer
que seja. — Era hora de mudar de assunto. — Você encontrou o demônio?
Ele murmurou o que soou como uma maldição sob sua respiração. — Eu
o rastreei, mas ele dobrou a esquina na First Street e desapareceu.
First Street não significava nada para mim.
Zayne deve ter percebido isso, porque explicou: — A First Street pode
levar você a vários edifícios do Senado. Não significa que é para onde o
demônio estava indo. O que aconteceu aqui?
Virei a cintura e olhei para o remendo carbonizado. — Bem, o demônio
meio que decidiu acabar com as coisas sozinho.
— Novamente? — Sua cabeça virou em minha direção, lábios em tons
cinzentos pressionados em uma linha fina.
— Ele se empalou na minha adaga. — Dei de ombros. — Ele era toda
boca esperta e ameaças até que eu o peguei nas costas. Queria fazê-lo falar,
sabe? Ver se ele sabia alguma coisa sobre Bael ou o Precursor.
— Fazê-lo falar?
Eu balancei a cabeça, decidindo que era uma boa ideia manter para mim
mesma o fato de que mostrei ao demônio o que eu era. — Aprendi que posso
ser muito convincente.
Zayne abriu a boca.
Eu me apressei. — De qualquer forma, ele não me disse nada sobre Bael,
mas ele o conhecia... e Misha.
Ele se aproximou enquanto eu voltava a olhar para o local. — Como você
pode ter certeza?
Um nó se formou em meu estômago. — Ele mencionou Misha e deve ter
descoberto quem eu era com base nas perguntas que estava fazendo. — Isso
não era exatamente uma mentira. — Ele sabia que eu o tinha matado.
— Trin. — Zayne se aproximou de mim e senti o toque de seus dedos
quentes em meu braço.
Uma onda imediata de emoção crua e pulsante passou por mim e saí de
seu alcance. — Ele também sabia sobre o Precursor. Disse mais ou menos a
mesma coisa que meu pai. Os rios ficarão vermelhos e era o fim dos tempos.
— Eu deixei de fora a parte sobre a alma de Misha, e eu ser parte de tudo isso,
porque eu não conseguia acreditar na primeira parte e a última não fazia
sentido. — Realmente não disse nada útil antes de literalmente se empalar na
minha adaga. Foi bizarro, mas acho...
— Acha o quê?
— Não sei. Ele disse que já estava morto porque eu era a Nefilim. — Eu
cruzei meus braços. — Como se matar fosse a única opção.
Zayne parecia refletir sobre isso. — Como se ele temesse que Bael ou o
Precursor soubessem que ele tinha entrado em contato com você, e isso era
tudo para ele?
Eu balancei a cabeça lentamente. — Realmente não faz sentido.
— Mas sim, se o demônio estava com tanto medo do que o Precursor
faria se acreditasse que ele tinha falado. — Suas asas se abriram, criando sua
própria rajada de vento. — Ou o demônio entendeu, uma vez que descobriu o
que você era, que não havia como escapar. Você o mataria, de qualquer
maneira.
Verdade.
Eu o teria matado só porque ele fez ameaças realmente idiotas, mas não
pensei que fosse isso. O demônio tinha mais medo do Precursor do que de
mim, e isso não era um bom presságio.
De modo algum.
Capitulo 5
O resto da noite foi bem monótono. Sem mais demônios, apenas
violência humana. Terminou com um tiroteio em um clube que passamos,
aparentemente por causa de uma bebida derramada na namorada de alguém.
Uma coisa era certa, os humanos não precisavam de demônios para
induzi-los a fazer coisas terríveis.
Pensei nisso depois que voltamos para o apartamento de Zayne e nos
separamos, ele para a sala de estar, eu para o quarto. Às vezes me perguntava
por que Deus se esforçava tanto para salvar os humanos e suas almas, quando
os humanos eram tão rápidos em jogar tudo fora.
Tinha que haver um equilíbrio entre o bem e o mal. É por isso que alguns
demônios, eram permitidos no topo. Eles eram um teste, trabalhando até o
último nervo dos humanos, destruindo coisas aleatórias ao redor deles para
ver se eles iriam quebrar. Uma explosão de raiva não era uma passagem para
o Inferno, mas tudo o que um humano fazia ou pensava era computado, e
desde a invenção da mídia social, eu só podia imaginar o que essas contas
estavam se tornando. Até mesmo alguns demônios de Nível Superior tinham
um propósito, interagindo com os humanos para tentá-los a usar o livre
arbítrio para o pecado e comportamento depravado. Tornava-se um problema
apenas quando os demônios cruzavam a linha, manipulando ativamente os
humanos ou prejudicando-os. Claro, demônios que não pareciam humanos - e
havia muitos deles - não eram permitidos perto de humanos, e era quando os
Guardiões entravam em ação.
Então, novamente, a maioria dos Guardiões matava todos os demônios
à vista, até mesmo os que eram autorizados a estar aqui, e o fizeram desde,
bem, o começo.
Mas Deus criou Guardiões para cuidar das pessoas, para arriscar suas
vidas para ajudar a empilhar as probabilidades em favor da glória eterna em
vez da condenação eterna, e as pessoas apenas... Elas ainda tentavam destruir
umas as outras e a si próprias, como se fosse inato. Alguns diriam que decorreu
da natureza autodestrutiva de Adão e Eva e da maçã, que a batalha se estendeu
por dias e dias, em cada pessoa, e essa foi a maior realização da serpente - ou
maldição - mas no final das contas, os humanos escolheram seus próprios
caminhos.
Havia muita perda acontecendo hoje em dia. Assassinatos e agressões,
roubos e ganância, racismo e fanatismo, ódio e intolerância - tudo isso
aumentando em vez de melhorar, como se um ponto de ebulição estivesse
chegando. Essas coisas eram sintomas de demônios fazendo um trabalho
muito bom, ou os humanos estavam ligados e determinados a fazer o trabalho
dos demônios por eles?
Meio que fez você se perguntar qual era o ponto em alguns dias.
— Deus — eu murmurei enquanto mexia meus braços. — Isso é sombrio.
Irritada com meus pensamentos, rolei para o lado e fechei os
olhos. Sentia falta daquelas estrelas bregas que adornavam o teto do meu
quarto. Elas brilhavam com um branco luminoso suave no escuro e me faziam
sentir... confortada. Eu sabia que isso soava estranho.
Eu era estranha.
Eu não tinha ideia de quando meu cérebro desligou e adormeci, mas
pareceu apenas alguns minutos antes de abrir os olhos e ver que a escuridão
havia sumido do quarto.
Sentindo que não tinha dormido nada, arrastei-me para fora da cama e
fui para a rotina matinal. Deixando meu cabelo secar, me vesti com a mesma
velocidade com que havia tomado banho e estava pronta para sair do quarto,
os óculos empoleirados no rosto, quinze minutos depois de acordar.
Hesitei antes de abrir a porta do quarto, preparando-me para ver um
Zayne sonolento e desgrenhado. Eu tinha deixado a porta destrancada de
novo, e me recusei a pensar no porquê. Levou um momento para meus olhos
se adaptarem à sala iluminada. Zayne não estava na ilha, então isso
significava...
Meu olhar se voltou para o treinador, e sim, lá estava ele, sentado e...
Músculos flexionados sob a pele dourada e ondulando sobre os ombros
nus enquanto ele erguia os braços sobre a cabeça, alongando-se. Suas costas se
curvaram, e eu não sabia se deveria ficar grata ou desapontada porque o sofá
bloqueava a maior parte da minha visão.
— Não consigo desviar o olhar, mesmo que eu precise — disse Peanut, e
pulei cerca de trinta centímetros do chão quando ele apareceu do nada ao meu
lado. — Ele me faz sentir como se eu precisasse passar mais tempo na
academia.
Minhas sobrancelhas se ergueram.
Zayne se virou para onde eu estava. — Ei — disse ele, a voz áspera com
o sono enquanto ele enfiava uma mão pelo cabelo bagunçado.
— Bom dia — eu murmurei, grata quando Peanut piscou e deixou de
existir. Eu levantei minha mão e mordi uma unha.
— Dormiu bem? — ele perguntou, e eu balancei a cabeça, mesmo que
fosse uma mentira.
Quando Zayne se levantou, desviei o olhar e corri em direção à cozinha,
o tempo todo esperando que meu rosto não estivesse tão vermelho quanto
parecia. Eu não precisava olhar para a glória do peito de Zayne. — Quer
alguma coisa para beber?
— Estou bem, mas obrigado — respondeu ele. — Volto em alguns
minutos.
Zayne não falava muito quando acordava, algo que eu estava
aprendendo. Depois de pegar um copo de suco de laranja, tomei um gole e
coloquei na ilha ao lado da planta da escola. O papel ainda estava desenrolado.
Eu ouvi o chuveiro ligar e esperava que Peanut não estivesse no banheiro
sendo sinistro. Fui até o sofá e liguei a TV, estabelecendo uma estação de
notícias, e então dobrei a colcha cinza macia e coloquei sobre o encosto do sofá
antes de voltar para a ilha. Terminei meu suco de laranja e passei para uma lata
de refrigerante quando Zayne finalmente saiu do quarto. A energia nervosa
me fez mastigar minha unha do polegar novamente enquanto me perguntava
por que ele levou o dobro do tempo que levei para tomar banho. Seu cabelo
estava molhado e penteado para trás e ele estava, felizmente, completamente
vestido com uma calça de náilon azul marinho e outra camisa branca lisa. Seus
pés estavam descalços.
Ele tinha pés bonitos.
— Refrigerante no café da manhã? — ele comentou enquanto passava
por mim, pegando minha mão e puxando-a suavemente para longe da minha
boca.
Suspirei. — Isso é sobremesa.
— Legal. — Ele foi até a geladeira. O perfume de inverno que sempre se
agarrava a Zayne permanecia. Era algum tipo de lavagem de banho? Eu acho
que não, porque eu já tinha examinado os frascos no chuveiro.
Eu girei ao redor. — Eu preciso lembrá-lo de nossa conversa sobre a água
ontem?
— Por favor, Deus, não. — Ele abriu a geladeira. — Quer alguns ovos?
— Claro. Posso ajudar?
Ele olhou para cima enquanto colocava uma caixa de ovos e um pote de
manteiga na ilha. — Você não é a pessoa que quase incendiou a casa de Thierry
tentando fazer frango frito?
Eu bufei. — Você não é a pessoa que disse que me ensinaria a fazer queijo
grelhado?
— Sabe, você está certa. — Ele pegou um ovo e apontou para mim. —
Mas eu preciso me alimentar primeiro.
— Prioridades.
— E eu realmente não quero que você faça os ovos. Mesmo que eles sejam
difíceis de estragar e tenho uma suspeita de que você pode fazer exatamente
isso, e então ficarei envergonhado por você.
— Sério? — Eu murmurei secamente.
Ele sorriu, e eu tive a certeza de que ficou na cara que parecia boba
enquanto o observava — Mexidos, tudo bem?
— Claro, Chef Zayne.
Isso me fez rir baixinho. — Sabe, você pode sentar no sofá. Tem que ser
mais confortável do que o banquinho.
— Eu sei. — E provavelmente era, mas Zayne dormia lá, e por algum
motivo, eu sentia que aquele era o seu espaço.
Quanto tempo podemos continuar com isso? Zayne dormindo no sofá,
nós dois compartilhando um banheiro? Mas para onde iríamos? Tínhamos que
ficar na cidade. Havia o complexo do Clã dele, que tinha espaço para nós, mas
além de Nicolai e Dez, seu Clã não sabia o que eu era, e tinha que permanecer
assim. Além disso, tive a sensação de que Zayne não aceitaria essa ideia.
— Pensei que depois do café da manhã poderíamos fazer algum
treinamento — disse Zayne, chamando minha atenção de volta para ele. —
Não encontrei nada em particular para ajudar com a coisa da visão, mas se
você e Misha treinavam diariamente, deveríamos estar fazendo isso.
Olhei para mim mesma de relance. Minhas leggings e camisa larga eram
perfeitas para treinar.
— A menos que você tenha alguma coisa melhor planejada?
O prendi com um olhar seco. — Sim, eu fiz planos com aquele demônio
que se empalou na minha adaga. Ele está voltando à vida e nós vamos sair
juntos.
Zayne sorriu. — Então que tal você desenrolar as esteiras, — Uma
pausa. — Se você conseguir lidar com isso?
— Eu posso lidar com isso — eu imitei, saltando do banquinho — se você
puder lidar com o pontapé épico que vai receber.
Ele riu disso, tão alto que me virei para olhar para ele.
— Você vai se arrepender tanto dessa risada — murmurei, e caminhei
para o tatame.
Quando Zayne começou a se mexer, eu levantei as esteiras
surpreendentemente pesadas e as deixei cair no chão com um baque
estridente. Depois de desenrolá-las e empurrar as duas grandes seções juntas,
limpei o suor da testa e me juntei a Zayne de volta à ilha. Uma vez que
terminamos os ovos amanteigados, me senti muito mais energizada, como se
eu tivesse realmente descansado de verdade ontem à noite.
Limpamos, e então segui Zayne até as esteiras, esticando meus braços.
— Normalmente, eu faria alguns aquecimentos primeiro. — Quando ele
pisou no tapete, Zayne puxou um elástico de cabelo do pulso, enrolou seu
cabelo e prendeu em um rabo de cavalo semiacabado que parecia mil vezes
melhor nele do que quando eu tentava fazer. — Definitivamente, pelo menos
corra um pouco.
Franzi o cenho quando agarrei meu cotovelo dobrado e o puxei sobre
meu peito até que senti o estiramento em meu ombro. — Eu não gosto de
correr.
Zayne me encarou. — Isso é um choque.
— Ha. Ha.
— Pensei que deveríamos começar com técnicas de bloqueio e quedas.
— De pé ali, braços cruzados e pés plantados com os quadris alinhados com os
ombros, ele me lembrou tanto de Misha que eu tive que desviar o olhar. —
Então passe para a defensiva...
— Então, o básico? — Imitando Zayne, cruzei meus braços. — O que
aprendi quando comecei a treinar pela primeira vez?
Ele assentiu. — Coisas que sempre podem ser melhoradas, não importa
quanto treinamento você tenha.
— Huh. E você continua a praticar técnicas básicas de bloqueio? — Eu
levantei minhas sobrancelhas.
Zayne não disse nada.
— Vou tomar isso como um não. O que te faz pensar que eu preciso? —
Perguntei.
Ele inclinou a cabeça. — Porque tenho muito mais experiência em campo
do que você.
— Isso é verdade. — Descruzei meus braços.
Zayne endireitou sua cabeça, com os traços marcados com confusão,
como se esperasse mais uma discussão.
Eu sorri.
E então fiz minha jogada. Atirando para frente, deslizei como se estivesse
voltando para a base, plantando minhas palmas das mãos no tapete enquanto
torcia e chutava uma perna. Varri suas pernas por baixo dele, e ele caiu como
uma árvore, pousando de lado com um grunhido e depois rolando de
costas. Empurrando para cima, eu girei e deixei cair os joelhos em ambos os
lados de seus quadris quando ele começou a se sentar. Empurrei minhas mãos
sobre os ombros dele, montando em seu estômago enquanto o segurava para
baixo, batendo com minha força – e a força emprestada por ele. Eu podia sentir
a tensão em meus músculos, mas ele não estava se movendo.
Levei um segundo para absorver seu olhar de surpresa e minha sensação
de puro e inalterado prazer em tê-lo vencido. — Acho que não sou eu quem
precisa praticar técnicas defensivas.
Os olhos de Zayne ficaram meio fechados. — Touché.
— É só isso que você tem a dizer? — Perguntei, sentindo seu peito subir.
Um lado de seus lábios se curvou. — O que você e Misha faziam durante
o treinamento?
— Lutávamos.
As sobrancelhas dele se levantaram. — Foi só isso?
Eu acenei com a cabeça. — Nós lutávamos e não nos contivemos.
— Coloquei minhas mãos em seu peito, ignorando o calor que sentia debaixo
da camisa fina. — Bem, talvez Misha tenha se segurado um pouco, mas
lutávamos um com o outro e depois eu praticava com adagas.
— A coisa da adaga vai ser difícil de praticar aqui — ele comentou, e eu
acenei com a cabeça. — Mas acho que poderíamos fazer isso no complexo. Há
muita terra e muitas árvores para apunhalar.
— Não tenho certeza se gosto de apunhalar árvores, mas isso vai
funcionar.
— E seus olhos? A luz do sol não será um problema?
Dei de ombros. — A luz do sol pode ser um problema. Um dia muito
nublado também poderia, mas não é como se eu sempre tivesse a iluminação
ambiente perfeita ao lutar, então provavelmente é mais inteligente fazê-lo em
circunstâncias desconfortáveis.
— Bom ponto. — Zayne parecia bastante confortável debaixo de mim,
como se estivesse fazendo uma pausa.
— Você vai ser capaz de realmente lutar comigo? Não vai com calma? —
Eu perguntei. — Porque eu não preciso de você para dar socos ou chutes.
— Por que você acha que eu não posso fazer isso?
— Bem, talvez porque você quisesse começar com o básico? E você é um
cara legal. A última vez que lutamos, você realmente não veio para cima de
mim. Não tão forte quanto você poderia ter feito.
— É por isso que você conseguiu tirar o melhor de mim?
Meus lábios se estreitaram. — Tanto faz. Preciso saber se você pode fazer
isso em vez de ficar deitado, como está fazendo agora, porque como eu disse,
você é um cara legal.
Esse meio sorriso cresceu. — Talvez eu esteja apenas deitado aqui porque
estou me divertindo.
Eu pisquei. — O que...
As mãos de Zayne pousaram em meus quadris e uma explosão de
choque me deixou desequilibrada. Um batimento cardíaco depois, eu estava
de costas e Zayne estava sobre mim, seus joelhos cavando nas esteiras de
ambos os lados do meu quadril. Comecei a me sentar, mas ele segurou meus
pulsos e os prendeu no tapete.
Meu coração pulou e minha pulsação subiu enquanto ele se inclinava e
depois parou quando sua boca estava a poucos centímetros da minha. O peso
de suas mãos sobre meus pulsos e o calor de seu corpo fez minha imaginação
saltar alegremente para a sarjeta.
— Não gosto da ideia de lhe causar dor, e isso vai acontecer quando
treinarmos. É inevitável. — Uma mecha de cabelo soltou-se de seu rabo de
cavalo e caiu sobre sua bochecha. Meus dedos coçaram para colocá-la de
volta. Felizmente, não conseguia mover minhas mãos. — Mas eu também sei
que me afastar não vai te ajudar. Não vai me ajudar. Eu sei o que preciso fazer
como seu Protetor.
Como seu Protetor.
Por alguma razão, essas palavras foram repetidas várias vezes até que
ele disse: — E eu estava dizendo a verdade. Eu estava deitado ali porque estava
me divertindo, não porque sou um cara legal.
Meus lábios se separaram quando uma explosão inebriante de alegria
passou por mim, batendo naquela gaveta do armário de arquivos rotulada
ZAYNE. Eu não sabia como responder, ou mesmo se deveria, porque
provavelmente era melhor não o fazer.
Zayne soltou meus pulsos e ficou de pé novamente. Ele estendeu sua
mão na minha direção. — Pronta?
Bem, então...
Exalando uma respiração irregular, sentei-me e coloquei minha mão
contra a palma dele. A mão dele enrolou-se ao redor da minha, o aperto era
quente e firme enquanto ele me colocava de pé com o mínimo de esforço de
minha parte.
— Pronta. — Me dei um bom tapa mental na cara.
Nós nos posicionamos no centro das esteiras, e pensei que teria que
começar, mas estava errada. Zayne veio primeiro. Superei o choque inicial e
corri para baixo de seu braço. Fui rápida e leve, mas Zayne também foi. Voltei
para ele, mas ele fintou em uma direção apenas para girar, chutando a
perna. Bloqueei o chute, e naquele momento eu sabia que Zayne não estava se
segurando porque o golpe ecoou pelo meu braço, me forçando a dar um passo
para trás.
E isso me trouxe um sorriso no rosto.
Meio distorcido, mas tanto faz.
Girei para evitar um golpe forte que certamente teria doído e desferi um
pontapé lateral bastante brutal em suas costas.
Zayne grunhiu, mas ficou na ponta dos pés enquanto me encarava. —
Ai!
— Desculpe. Não sinto muito. — Eu atirei em direção a ele, perdendo a
distância que o mantinha na minha visão central, e Zayne deve ter percebido
isso porque ele disparou para a direita. Minha respiração parou e explodiu no
meu peito. Eu não consegui me mover rápido o suficiente. Seu punho agarrou
meu ombro, me girando. Eu tropecei para trás, presa entre a irritação e o
respeito. Ele fez o que precisava fazer. Encontrou minha fraqueza e foi em
frente.
Continuamos nisso, golpe após golpe. A maioria eu desviei. Alguns eu
perdi porque estávamos lutando muito perto e ele era rápido demais para eu
ganhasse alguma distância. O suor umedeceu minha testa e meu coração batia
forte com o esforço.
— Eu o derrubei cinco vezes — disse a ele, arrastando meu braço sobre
minha testa enquanto nos separamos.
— E eu coloquei você nesses tatames seis vezes — ele respondeu. — Não
que eu esteja contando.
— Uh-huh. — Eu o ataquei, mergulhando baixo e indo para suas pernas,
algo que eu estava aprendendo era sua fraqueza.
Zayne viu que estava chegando e balançou o punho novamente, mas
desta vez eu fui rápida o suficiente, indo para o lado para que eu pudesse ver
o soco. Peguei seu punho e torci.
Zayne patinou e quebrou o punho com muita facilidade, mas eu estava
preparada. Girei nos calcanhares, movendo-me atrás dele. Plantando meu
peso em um pé, balancei meus braços em um arco baixo para ganhar impulso
enquanto pulava do pé esquerdo e girava no ar com a perna direita mais baixa
do que de costume, desferindo um chute de borboleta nas rótulas de Zayne.
Ele caiu de costas enquanto eu aterrissava e me levantava para ficar sobre
ele.
— Estamos empatados agora. — Eu sorri apesar da dor em meus
antebraços e pernas.
Zayne se levantou. — Você está gostando disso — disse ele, tirando a
mecha de cabelo do rosto.
— Eu estou — eu cantarolei.
— Um pouco demais.
Rindo, eu comecei a me aproximar dele, mas parei quando vi que ele
tinha baixado as mãos e estava me encarando com um olhar bastante estranho
em seu rosto. — O que?
Ele puxou o lábio inferior entre os dentes. — Sua risada.
— O que tem?
Um sorriso se formou e então desapareceu quando ele balançou a
cabeça. — Não é nada.
— Não. É alguma coisa. Foi estranho? Eu gargalhei? Peanut diz que eu
gargalho. Como uma bruxa.
— Não. — Metade daquele sorriso voltou. — Não foi uma
gargalhada. Foi legal. Na verdade, foi uma ótima risada. Você só... eu não te
ouvi rir muito assim.
Eu mudei de um pé para o outro. — Não?
— Não. — Ele afastou o cabelo do rosto novamente. — Acho que a última
vez que a ouvi rir assim foi quando você pulou aqueles telhados e quase me
deu um ataque cardíaco.
Sorri. Eu o tinha assustado, e ele veio até mim, com raiva e... Bem, raiva
não foi a única coisa que ele sentiu naquela noite. Meu sorriso
desvaneceu. Essa tinha sido a noite em que os Imps atacaram e eu tinha tirado
a garra do peito dele e...
Eu desviei o olhar, deixando escapar um suspiro e pisando fundo
naquela linha de pensamento. — Talvez eu salte novamente de alguns
telhados para que você possa ouvir o riso.
— Por mais que eu adore o som, isso seria totalmente desnecessário.
— Eu não acho. — Fui até onde havia deixado minha Coca e tomei um
gole, desejando que ela estivesse mais fresca. — Acho que vou precisar de
outro banho.
— Idem. — Zayne saiu dos tapetes.
Minha pele corou ao pensar no fato de que havia apenas um chuveiro,
estávamos ambos suados e conservar água era bom para o meio ambiente.
Ele parou no sofá e apoiou o quadril contra as costas. — Você sabe o que
eu penso?
Espero que o que eu estava pensando. Ou talvez não, esperançosamente.
— Você não se dá crédito suficiente.
Eu abri minha boca.
— Sim, sei que isso é chocante de se ouvir, já que você se dá todo tipo de
crédito. — Ele sorriu quando eu fechei minha boca. — Mas eu estava entrando
de propósito em seus pontos cegos, e você estava lidando bem com isso.
Tentando não ficar muito satisfeita, coloquei meus óculos e sentei-me em
um dos bancos. O rosto de Zayne ficou um pouco mais claro. — Mas não
perfeita, e eu preciso ser perfeita.
— Ninguém pode ser perfeito — ele corrigiu. — Mas você poderia
melhorar e eu acho... — Zayne seguiu em frente enquanto seu telefone
tocava. Ele o pegou, e então suas sobrancelhas baixaram e sua mandíbula ficou
tão dura que pensei que ele havia quebrado um molar. — Droga.
Eu enrijeci. — O que?
— É Roth — ele cuspiu. — Ele está aqui e trouxe amigos.
Capitulo 6
Roth.
Também conhecido como Astaroth, que acabou de ser o verdadeiro
Príncipe Herdeiro do Inferno.
— Ele sabe onde você mora? — Eu perguntei.
— Aparentemente — Zayne resmungou. — Lá se vai a vizinhança.
Segurei minha risada enquanto Zayne andava e colocava o celular na
ilha. Eu não estava tão preocupada que Roth soubesse onde Zayne morava ou
que ele estivesse aqui. Sim, Roth era um demônio - um demônio muito
poderoso de Nível Superior - mas ele não era o inimigo.
Pelo menos, não nosso.
Zayne e Roth tinham uma relação estranha.
Muito disso tinha a ver com o fato de que Guardiões e demônios serem
remotamente amigáveis uns com os outros era algo inédito, porque, bem,
dã. Um representava o céu. O outro representava o Inferno. Os Guardiões
caçavam demônios. Os demônios caçavam Guardiões. Esse era o círculo da
vida ali mesmo, e era perfeitamente compreensível que eles fossem inimigos
natos.
Só que não era.
Zayne foi o primeiro Guardião que conheci que não via todos os
demônios como se fossem a encarnação do mal. Como todos os Guardiões, fui
criada para acreditar que não havia dúvida quando se tratava de sua maldade,
mas por causa de Zayne, eu estava aprendendo que os demônios eram...
complexos, e alguns pareciam ser capazes de exercer o livre arbítrio, assim
como humanos e os Guardiões.
Nem todos os demônios eram irracionalmente malignos. Embora eu não
tivesse certeza se racionalmente o mal era melhor, mas eu estava aprendendo
que o bem e o mal não eram cortados e secos. Que ninguém, nem mesmo
Guardiões ou demônios, nasciam de uma maneira e permaneciam estagnados
em suas escolhas e atos. Os demônios eram capazes de grande bondade, e os
Guardiões podiam realizar grande mal.
Vejam... vejam Misha. Embora os Guardiões tivessem nascido com almas
puras - e se houvesse uma lista de tudo o que era bom e sagrado no mundo,
eles estariam muito perto do topo - Misha tinha feito coisas horríveis. Ele tinha
sido mal. Não havia como negar isso.
Mas não era só o que Zayne e Roth eram, cada um, que tornava estranho
que eles fossem meio amigáveis um com o outro. Era o que eles tinham em
comum.
Layla.
De qualquer forma, eu imaginava que Zayne e Roth eram uma espécie
de amigos.
Roth tinha ajudado Zayne e eu a nos encontrarmos com o clã das bruxas
que tinham sido responsáveis por colocar um feitiço de encantamento em
humanos, e isso era algo que ele não precisava fazer. Outra coisa
estranhamente pouco demoníaca que ele havia feito foi, quando fomos
emboscados por demônios de Nível Superior e quase morremos na casa do
Senador Fisher, Roth havia voltado para ajudar Zayne depois que ele tinha
levado Layla para um lugar seguro. Talvez ele o tivesse feito por causa da
história complicada de Layla com Zayne, mas ele tinha voltado e isso
significava algo.
— Espere — eu disse. — Você disse que ele está trazendo amigos?
Ele assentiu. — Sim.
Todos os músculos do meu corpo ficaram tensos quando Zayne foi até o
console ao lado da porta e apertou um botão, assim que um som de zumbido
veio do intercomunicador.
— Suba — disse ele no alto-falante, sua voz cheia de exasperação.
Quando Roth disse amigos, ele quis dizer Layla? Será que ele realmente a
traria aqui, sabendo tudo o que havia acontecido entre ela e Zayne? Foi o
demônio que me contou sobre a história complicada de Zayne e Layla. Eu não
fazia ideia, até Roth ter dado a notícia.
Embora se ele a tivesse trazido, eu não teria nenhum problema com a
presença dela aqui. Layla não tinha sido nada além de legal comigo - bem, ela
não tinha exatamente estendido o tapete de boas-vindas quando eu a
conheci. Eu ainda achava que havia uma boa chance de ela querer me comer,
mas ela parecia estar bem e obviamente estava profundamente apaixonada por
Roth.
Talvez Roth estivesse trazendo Cayman, um corretor demoníaco que
trocava almas e outras bens valiosos por toda uma série de coisas das quais os
humanos estavam dispostos a desistir. Ele até fez acordos com outros
demônios, então ele era um jogador de oportunidades iguais. Eu esperava que
fosse Cayman, porque eu sabia que estava uma desordem quente e suada, e
meu cabelo estava bagunçado...
Senti a súbita pressão quente ao longo da nuca e, um batimento cardíaco
depois, a porta se abriu. A primeira pessoa que vi foi o Príncipe Demônio.
Roth era a morte e o pecado envolto em um pacote realmente
lindo. Cabelos escuros e espetados. Maçãs do rosto altas e angulares. Boca
exuberante. Só seu rosto poderia lançar mil capas de revistas e provavelmente
iniciar algumas guerras.
— Você parece tão emocionado por me ver — Roth disse, seu tom leve e
os lábios curvados em um meio sorriso enquanto olhava para Zayne. O
demônio era um pouco mais alto que o Guardião, mas não tão largo.
— Estou explodindo de entusiasmo. Mal consigo me conter. — Zayne
permaneceu junto à porta, seu tom seco como um pedaço de torrada
queimada. — Não sabia que você sabia onde eu morava.
— Eu sempre soube — o demônio respondeu.
— Bem, isso é... ótimo.
— Eu não sabia. — Uma voz familiar falou atrás de Roth. — Ele nunca
me disse que sabia onde você morava.
Meu olhar se fixou na baía do elevador. Roth não estava sozinho e
definitivamente não tinha trazido Cayman.
Quem falou foi ela. Layla. E Deus, vendo-a, foi fácil entender por que
Zayne havia se apaixonado tanto por ela. Por que até mesmo um demônio
como Roth se apaixonaria. Ela era um paradoxo. Com cabelos brancos, olhos
grandes e uma boca em forma de arco, ela tinha uma mistura surpreendente
de inocência de boneca e sedução crua gravada em todas as características. Ela
era a personificação do bem e do mal, filha de um Guardião e uma dos
demônios mais poderosos do mundo, que felizmente estava enjaulada no
Inferno.
Eu sabia que havia mais nela do que o fato de ser interessante de se
ver. Tinha que haver para Zayne tê-la amado. Ele era mensuravelmente menos
superficial do que eu.
— Meio surpreso que ele manteve esse segredo — Zayne disse,
claramente divertido e talvez até um pouco feliz. — Vejo alguém junto com
vocês.
— Não consegui convencê-la. — Roth virou-se para mim assim que outra
pessoa se atreveu a sair do elevador e praticamente se lançou contra Zayne.
Ele pegou facilmente a garota alta e magra de jeans escuros e um top
azul-violeta. Os braços dela circularam pelos ombros dele, e os dele
contornaram a cintura estreita dela.
Quem na água benta era aquela?
Minhas entranhas pareciam estranhas, geladas até os ossos, enquanto eu
observava Zayne abaixar a cabeça e dizer algo para a garota que ganhou uma
risada abafada dela. O que ele tinha dito? Melhor ainda, por que ele ainda a
segurava como se fossem melhores amigos há muito perdidos, que não se
importavam que um deles estivesse super suado?
— Olá.
Demorei um segundo para perceber que Roth estava falando comigo. Eu
olhei para o demônio e depois voltei a olhar para Zayne e a garota. — Oi.
Roth se esgueirou até onde eu estava sentada. — Layla estava
preocupada com Zayne e queria...
— ... ver por mim mesma que ele estava realmente bem — Layla
interrompeu. — Roth me dizia que Zayne estava bem, mesmo que não
estivesse, apenas para que eu não ficar chateada.
— Verdade — concordou Roth, e não havia um pingo de vergonha nisso.
— O que é uma das razões de estarmos aqui — terminou Layla. Sua voz
estava baixa e cheia de tanto alívio que tive que desviar o olhar de Zayne e da
garota, que ainda estavam brincando de polvo. Layla estava olhando para
mim, seus olhos azuis quase da mesma tonalidade que os de Zayne, o que era
estranho. — Ele está realmente bem, certo? Ele parece estar bem.
Piscando como se estivesse saindo de um transe, eu acenei. — Ele está...
ele está perfeito.
A cabeça de Layla inclinou-se ligeiramente quando um conjunto de
sobrancelhas castanho-claro se juntou.
Percebi o que eu havia dito. — Quero dizer, ele está totalmente
bem. Com saúde perfeita e tudo mais. Simplesmente perfeito.
Roth riu enquanto Layla assentia lentamente.
Finalmente, depois de cerca de vinte anos, o feliz reencontro junto à porta
se desfez. Eu sabia que Zayne estava sorrindo, embora não pudesse ver seu
rosto com clareza.
Eu sabia disso porque podia sentir o sorriso através do calor em meu
peito. Felicidade. Parecia como se estivesse tomando sol, e eu certamente não
estava sentindo isso no momento.
Zayne estava genuinamente feliz em ver essa garota, mais ainda do que
em ver Layla.
— Essa é Stacey. — Layla me contou. — Ela é uma amiga nossa e conhece
Zayne por... Deus, há anos.
Stacey.
Eu conhecia esse nome.
Esta era Stacey - a garota que Roth me contou sobre a mesma noite em
que jogou a bomba de Layla. Eu não sabia tudo sobre ela, mas sabia o suficiente
para saber que ela esteve lá para Zayne depois que ele tinha perdido seu pai e
Layla, e ele esteve lá para ela depois que ela também sofreu uma perda.
Eles tinham sido amigos... porém mais. Essa foi a impressão que tive de
Roth, e até Zayne. Com base nessa saudação, eles ainda poderiam ser mais.
Uma sensação desconfortável passou por mim, e eu tentei
desesperadamente fazer com que isso desaparecesse enquanto plantava um
sorriso no meu rosto que esperava não parecer tão bizarro quanto parecia. Meu
estômago estava revirando. Talvez os ovos estivessem estragados, porque
pensei que poderia vomitar.
A cabeça de Zayne girou em minha direção e eu enrijeci, percebendo que
ele estava captando minhas emoções através do vínculo.
Droga.
Comecei a pensar em... lhamas e alpacas, como elas eram tão parecidas,
como um cruzamento entre ovelhas fofas e pôneis. As alpacas eram como gatos
e as lhamas eram como cães, ou seja...
— Quando soube que você estava ferido, tive que vir vê-lo. — Stacey deu
um passo para trás, mas depois o socou no braço com o punho mais fraco que
eu já tinha visto. Parei de pensar em lhamas e alpacas. — Especialmente desde
que não tenho notícias de você há muito tempo. Como desde sempre.
— Desculpe por isso. — Ele se voltou para ela. — As coisas têm andando
loucamente ocupadas ultimamente.
Stacey inclinou a cabeça. — Ninguém neste mundo está tão ocupado que
não tenha cinco segundos para enviar uma mensagem que diz “oi, ainda estou
vivo.”
Ela podia ter um soco fraco, mas também tinha um ponto, e isso me fez
pensar em Jada. Que desculpa eu ia dar a ela por não retornar suas ligações?
— Você tem razão. — Zayne levou Stacey até o resto de nós. — Essa é
uma desculpa esfarrapada. Não farei de novo.
— É melhor não. — Stacey chegou ao fim da ilha, e agora estava perto o
suficiente para que eu pudesse ver suas feições. O cabelo castanho na altura do
queixo emoldurava um rosto bonito, e então ela estava me encarando da
maneira que eu imaginava estar encarando-a. Não com hostilidade direta, mas
definitivamente com uma quantidade saudável de suspeita. — Então, esta é
ela.
Eu estremeci e minha língua saiu do céu da boca. — Depende de quem
você pensa que ela é.
— Sim, esta é a Trinity. — Layla interveio. — Ela é a garota de quem
falamos. Ela vivia em uma das maiores Comunidades de Guardiões na
Virgínia Ocidental e veio aqui para encontrar um amigo dela.
Meu olhar desviou-se para Roth enquanto me perguntava o que mais eles
teriam dito a Stacey. Como o que eu era. Nesse caso, estaríamos prestes a ter
um grande problema. Talvez eu tivesse que silenciar Stacey. Comecei a sorrir.
Roth piscou um olho âmbar para mim.
Meu sorriso se transformou em uma franzido. Eu olhei de volta para
Stacey. — Sim, sou eu.
— Lamento saber do seu amigo — disse Stacey após alguns segundos, e
havia genuinidade em seu tom. — Isso é realmente uma merda.
Desconfortável porque eu estava apenas planejando sua morte e sorrindo
sobre isso, eu murmurei: — Obrigada.
— Eles me disseram que você é treinada para lutar como esse
grandalhão. — Ela levantou o cotovelo para Zayne. — Isso é muito legal. Eu
não sabia que Guardiões treinavam humanos.
— Ou os criado — acrescentou Roth. — Como animais de estimação.
Meu olhar estreito pousou no demônio. — Eu não fui criada como um
animal de estimação, seu idiota.
Ele sorriu.
— E os Guardiões normalmente não treinam humanos. — Meu olhar foi
para o de Zayne. O queixo dele abaixou, e parecia que ele também estava
lutando contra o riso. Além do fato de Roth ter me comparado a um animal de
estimação, essa era uma boa notícia. Roth e Layla não haviam compartilhado
tudo. Eu respirei fundo. — Eu sou um... acaso.
— Acaso feliz — Roth repetiu baixinho enquanto olhava para mim. — É
o que você é.
Eu estava provavelmente a quinze segundos de mostrar a ele exatamente
o que tinha sido treinada para fazer. — Muita casualidade nestes dias.
O sorriso de Roth aumentou um pouco.
— Então, quando você vai voltar para casa? — Stacey perguntou.
O que ela perguntou não foi tanto uma pergunta, mas uma
rejeição. Tipo, prazer em conhecê-la, mas é hora de você ir embora.
Rude.
— Ela não vai — Zayne respondeu, encostando-se na ilha. — Ela vai ficar
comigo por um futuro próximo.
A sala ficou tão silenciosa que você poderia ter ouvido um espirro de
grilo. Se os grilos realmente espirravam. Eu não tinha ideia se eles tinham
sinusite ou problemas sinusais.
— Oh — respondeu Stacey. Seu rosto não caiu de desilusão ou corou de
raiva. Ela não demonstrou nenhuma emoção, e normalmente eu era boa em ler
as pessoas.
Comecei a desviar o olhar dela, mas algo estranho chamou minha
atenção. Havia uma... sombra atrás de Stacey, na forma de uma... pessoa? A
mesma altura que ela, talvez um pouco mais alta e um pouco mais larga. Meus
olhos semicerraram enquanto eu me concentrava nela e não via... nada. Sem
sombra alguma.
Stacey estava começando a franzir a testa...
... porque eu estava olhando para ela.
O calor invadiu minhas bochechas enquanto me ocupava checando
minha lata de refrigerante vazia, descartando a sombra estranha. Às vezes,
meus olhos faziam isso - me faziam pensar que via coisas quando não havia
nada ali.
— Bem, já que isso está fora do caminho, vocês realmente vieram aqui
apenas para se certificar de que estou vivo? — Zayne quebrou o silêncio
constrangedor. — Não que eu não esteja feliz em ver todos vocês...
— Você deveria estar entusiasmado em nos ver — Roth interrompeu.
— Sabemos que você não está entusiasmado em vê-lo. — Os lábios de
Stacey se curvaram em um sorriso.
— Mas é bom que você fique muito feliz em me ver — disse Roth.
— Claro que estou feliz em vê-lo — ele disse, e isso foi com um sorriso. —
Mas como vocês podem ver, estou bem. Vocês não precisavam se preocupar.
— Eu só precisava vê-lo. Nós precisávamos vê-lo. — Layla estava ao lado
de Roth, um braço enrolado ao redor dele enquanto ela se inclinava para
ele. Roth se vestia totalmente de preto e Layla com aquele cabelo loiro-branco
e um vestido maxi rosa-claro e azul fofo - eles eram um contraste tão grande
de claro e escuro. — Espero que você não esteja bravo por termos vindo.
Esperei com a respiração suspensa pela resposta de Zayne, porque,
honestamente, não estava captando muito com o vínculo, exceto por aquele
lampejo momentâneo de felicidade quando ele abraçou Stacey. Eu não sabia se
isso significava que ele não estava sentindo nada forte o suficiente para eu
sentir, ou se ele era melhor do que eu para controlar suas
emoções. Provavelmente o último, mas eu sabia que quando Zayne e Layla
conversaram enquanto Roth e eu encontrávamos com as bruxas, ele não
parecia tão aliviado com a conversa. Na verdade, ele tinha ficado taciturno
e... confuso naquela noite.
Zayne olhou para Layla, e eu pensei que poderia ser a primeira vez que
ele realmente olhou diretamente para ela desde que eles tinham chegado. —
Não, não estou bravo — disse ele, e eu acreditei nele. — Apenas surpreso. Isso
é tudo.
Layla não conseguia esconder sua surpresa, e eu me perguntava se ela
esperava que Zayne dissesse o contrário. Uma pequena e decente parte de mim
realmente se sentia mal por ela quando um pequeno e hesitante sorriso
começou a aparecer. — Bom — ela sussurrou, piscando rapidamente.
Roth abaixou a cabeça, pressionando os lábios em sua têmpora, e meu
olhar disparou para Zayne. Não houve reação. Nenhuma explosão de ciúme
ou inveja através do vínculo ou em seu rosto.
Zayne apenas sorriu levemente e perguntou: — Como você está se
sentindo?
— Bem. — Ela limpou a garganta enquanto acariciava seu estômago. —
Só um pouco dolorida. Acho que aquele maldito Noturno estava tentando me
estripar.
O rosnado baixo que veio de Roth era assustadoramente semelhante ao
som que Zayne tinha feito.
— Acho que estou feliz por nunca ter visto um Noturno — Stacey
meditou, lábios franzidos. — Só esse nome não traz sensações calorosas.
— Havia uma horda inteira deles incubando nos antigos vestiários da
escola. — Layla falava como se não fosse nada demais. — Foi há um tempo
atrás, e Roth e eu matamos todos eles, mas cara, essas coisas são más.
Eu tinha tantas perguntas sobre por que uma horda de Noturnos
incubadores estava nos vestiários de uma escola humana.
— Eu realmente não precisava saber disso. — Stacey estremeceu. — De
jeito nenhum.
— Ei, você tem apenas algumas semanas de escola de verão e, então
receberá seu diploma. — Layla sorriu para sua amiga. — Então você não terá
que se preocupar com nossa pequena versão de Buffy Hellgate.
— Acho que temos mais atividade demoníaca naquela escola do
que Buffy em todas as temporadas — comentou Stacey.
Eu tinha que me perguntar quantos demônios além de Roth e talvez
Cayman ela tinha visto. Só os humanos que foram acidentalmente induzidos
ao mundo das coisas que se chocaram na noite e de alguma forma
sobreviveram e aqueles que foram encarregados de manter a verdade a salvo
sabiam.
Stacey provavelmente pensou que eu era uma dessas exceções.
— Escola de Verão? — Eu não tinha ideia se isso era normal no mundo
humano, e também não tinha tanta certeza de saber o que significava.
— Acabei perdendo muitas aulas no início do ano. — Stacey colocou uma
mecha curta de cabelo atrás da orelha e cruzou o outro braço sobre o
estômago. — É muito para eu compensar, então vou ficar presa na escola pelas
próximas semanas.
— Mas eles a deixaram acompanhar a turma durante a formatura —
Layla me disse. — Essas aulas são mais como um detalhe técnico.
— Um detalhe técnico? — Stacey riu suavemente. — Quem me
dera. Parece uma espécie de punição cósmica. Você sabe como cheira aquela
escola durante o verão?
— Eu que não sei — Roth respondeu. — Mas estou morrendo de vontade
de ouvir.
Stacey o olhou fixamente. — Cheira a desesperança, injustiça e um par
de tênis velhos e molhados que foram usados em todos os becos da cidade sem
meias.
Eca.
— Sabe, eu costumava pensar que estava perdendo toda essa coisa de
escola pública, mas estava errado. — Zayne fechou os olhos brevemente. —
Tão errado.
— Eu meio que sinto falta desse cheiro — Layla murmurou, e todos lhe
lançaram um olhar duvidoso. Ela encolheu os ombros.
— Bem, ninguém mais vai conhecer esse cheiro e amá-lo como você. —
Stacey sorriu.
— Oh, certo. A escola está sendo reformada ou algo assim no outono. Já
não era sem tempo. Tenho certeza que tanto os armários quanto o sistema de
ar-condicionado são vintage.
— Assim como a comida — Roth entrou na conversa.
A confusão passou por mim. — Como você sabe como era a comida?
O sorriso de Roth era como fumaça. — Recebi educação pública por um
período muito curto de tempo.
Quase ri do absurdo do Príncipe Herdeiro do Inferno frequentar uma
escola pública.
— De qualquer forma... — Layla me encarou. — Você salvou minha pele
algumas noites atrás. Duas vezes.
Eu enrijeci. — Na verdade. Quer dizer, eu estava apenas fazendo o que
eu... precisava fazer.
Seu olhar pálido segurou o meu. — Você sabe que não foi nada. Era uma
grande coisa, e as coisas poderiam ter corrido pior do que já correram.
Isso era verdade. Eu tinha me cortado de propósito para atrair os
demônios que tinham cercado Roth e Layla. No momento em que cheiraram
meu sangue, toda a massa deles me atacou como se eu fosse um bufê de
demônios, permitindo que Roth tirasse Layla de lá.
— Você tem meus agradecimentos — ela terminou.
Comecei a discutir, mas percebi que não valia a pena, então apenas acenei
com a cabeça.
— Essas são as plantas de construção que encontramos na casa do
senador? — Layla mudou de assunto, escapulindo de Roth e indo para a ilha
para olhar o papel.
— Sim — Zayne respondeu.
Enquanto ele os informava sobre o que sabíamos, o que não era muito,
recostei-me e escutei. Bem, eu fingi escutar enquanto olhava furtivamente para
Zayne... e Stacey.
Eles acabaram lado a lado enquanto Zayne começava a mostrar a todos
os artigos que encontrara sobre o Senador Fisher. Ela fez muitas perguntas,
como se a discussão sobre senadores poderosos que estavam envolvidos com
demônios fosse uma conversa que ela tinha uma vez por semana. E não era só
isso que ela fazia.
Stacey era sensível.
Muito sensível.
Parecia brincalhona. Um soco provocador ou um tapa no braço, como se
fosse algo que ela fazia com frequência. Uma batida no quadril interrompia os
socos de vez em quando, e Zayne respondia com um sorriso rápido ou um
aceno de cabeça. Mesmo que eu não soubesse que eles tinham sido íntimos
antes, e mesmo com a minha experiência de relacionamento sendo
praticamente limitada às arquibancadas, eu ainda teria percebido. Havia um
conforto entre eles, uma facilidade que dizia que se conheciam muito bem.
A queimação amarga na minha garganta tinha um sabor muito parecido
com de inveja, então abri a gaveta ZAYNE e empurrei aquele sentimento para
dentro, em seguida, fechei a gaveta com força.
Ele permaneceu aberto, apenas uma lasca.
Descansando meu cotovelo na ilha e meu queixo na mão, observei os
quatro se amontoarem em torno dos planos de construção. Agora eu sabia
como Peanut se sentia em uma sala cheia de pessoas sem ninguém prestando
a menor atenção nele. Será que ele se fez uma festa de piedade como eu?
Provavelmente.
Arrastei meu olhar para longe do grupo e olhei fixamente para o chão de
cimento cinza. Zayne estava contando a eles sobre os demônios da noite
passada, mas deixando detalhes de fora, talvez para que Stacey não tivesse
perguntas.
Meus óculos escorregaram pelo nariz e eu apertei os olhos. Havia uma
pequena rachadura no cimento e me perguntei se tinha sido feita de
propósito. Perfeição demais era considerado algo ruim hoje em dia, uma falha
em si. Quão irônico era isso?
Por que diabos eu estava pensando em rachaduras no chão? Minha
mente normalmente era um pensamento contínuo e sem sentido, mas isso era
ridículo. Ainda assim, era melhor do que...
— Ei. — A voz de Zayne foi seguida pelo peso de sua mão em meu
ombro.
Levantei a cabeça tão rápido que meus óculos começaram a voar. Os
reflexos de Zayne estavam no ponto. Ele os pegou antes que saíssem do meu
rosto, endireitando-os.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz baixa.
— Sim. Totalmente. — Eu sorri quando percebi que tínhamos uma
audiência. — Apenas zoneada. Perdi alguma coisa?
Seu olhar procurou o meu quando um leve franzido apareceu entre sua
sobrancelha. — Eles estão se preparando para sair.
Há quanto tempo eu estava olhando para a fenda? Meu Deus.
— Mas primeiro, você vai me levar para um tour pela sua casa — disse
Layla.
Zayne deu de ombros. — Bem, não há muito mais do que o que você está
vendo agora.
Layla voltou-se para as portas fechadas. — Tem que haver mais. — Ela
começou a caminhar em direção a eles. — Mostre-me.
Zayne não teve muita escolha. Ele alcançou Layla assim que ela abriu a
porta do armário de linho. Roth estava apenas alguns passos atrás deles, e isso
significava...
Olhei para a minha direita e encontrei Stacey sorrindo fortemente para
mim. — Oi — eu disse, porque não tinha ideia do que mais dizer. — Você não
vai se juntar a eles no tour?
Ela balançou a cabeça. — Não. Eu já estive aqui antes.
Manter meu rosto em branco foi um esforço digno de um Oscar. — E
você não contou a Layla?
— Não. Zayne não queria que ela soubesse, e sim, eu achei isso ridículo,
mas aprendi há muito tempo a não ficar entre eles e sua disfunção funcional.
— Inclinando seu corpo em minha direção, ela apoiou o quadril contra a
ilha. — Você sabe que eu sei.
— Você sabe o que? — Eu olhei de relance para ver Zayne e a equipe
desaparecendo no quarto.
— Que há apenas um quarto.
Eu me virei para ela. — Você está certa.
Seus olhos castanhos olharam nos meus. — Zayne é uma ótima pessoa.
Um calor espinhoso invadiu minha pele. — Ele é um cara incrível.
— E eu não sei o que realmente está acontecendo aqui, mas tenho a
sensação de que Layla e Roth não estão sendo completamente honestos sobre
você.
— O que quer que esteja acontecendo aqui não é da sua conta — eu disse
a ela, em voz baixa.
— Teremos que discordar sobre isso, porque Zayne é meu amigo e eu me
importo muito com ele, então é da minha conta.
— Você está certa. Teremos que discordar sobre isso.
Ela ergueu uma sobrancelha. — Apenas saiba, se você o machucar de
alguma forma, terá que lidar comigo.
Eu teria rido na cara dela, mas na verdade eu respeitava essa ameaça. Eu
realmente respeitava. Fiquei feliz por Zayne ter uma amiga assim. Um pouco
irritada também, mas principalmente feliz.
Então, eu disse: — Você não tem nada com que se preocupar,
Stacey. Sério.
— Veremos. — Seu olhar passou por mim enquanto ela se afastava da
ilha. — Como foi o tour?
— Curto — disse Roth. — Realmente curto.
— Sim. — Layla parecia um pouco preocupada. — É um lugar
agradável. O banheiro é incrível.
Eu me perguntei se ela estava pensando a mesma coisa que a Stacey sobre
o quarto. Nenhuma dos duas precisava perder tempo com a ideia de que algo
de interesse acontecesse naquela cama.
Infelizmente.
Houve uma rápida sucessão de despedidas e eu saltei do banco, meu
pobre traseiro se sentindo dormente.
Zayne seguiu as meninas até as portas do elevador, mas Roth ficou para
trás. Eu não percebi que ele estava tão perto de mim até que ele entrou na
minha visão central. Aqueles olhos fulvos misteriosos encontraram os meus, e
quando ele falou, suas palavras foram feitas somente para os meus ouvidos. —
Vejo-a novamente, muito em breve.
Capitulo 7
— Você tentou comer o cachorrinho!
Meu grito foi abafado por buzinas estridentes de uma rua congestionada
próxima enquanto eu corria por uma viela estreita e fedorenta.
Não que isso fosse adiantar, mas tentei não respirar muito fundo. O
cheiro rançoso vinha muito provavelmente de latas de lixo transbordantes, e o
fedor estava se infiltrando em minhas roupas e encharcando minha pele.
Às vezes eu pensava que toda a cidade de Washington, DC, cheirava
assim - como humanidade esquecida e desespero misturado com exaustão e
tons tênues de decadência e podridão. Eu quase não conseguia me lembrar do
ar puro da montanha das Terras Altas de Potomac neste momento, e parte de
mim se perguntava se alguma vez eu iria sentir o cheiro novamente.
Uma parte maior de mim se perguntava se eu queria mesmo, porque a
Comunidade não se pareceria mais como minha casa sem...
Sem Misha.
Meu coração se apertava como se alguém tivesse enfiado a mão lá dentro
e o agarrado em um punho. Eu não conseguia me permitir pensar sobre
isso. Eu não pensaria. Tudo com Misha foi arquivado em FALHA ÉPICA, e
aquela gaveta era agradável e segura.
Em vez disso, enquanto corria pelo beco mais fedorento de todo o país,
eu me concentrava em como minha noite havia passado de chata
para isto. Depois da mensagem enigmática de despedida de Roth, Zayne e eu
tínhamos vagado pelo apartamento a tarde toda e depois saímos para procurar
o Precursor.
Tínhamos passado a noite patrulhando a área onde avistamos os dois
demônios, sem sorte. As ruas estavam mortas, com exceção de alguns
demônios que mexiam nos semáforos, o que, por alguma razão, me deu
vontade de rir. Além de causar uma pequena dobra no para-choque que
impedia o tráfego, era bastante inofensivo.
Certo, se eu fosse um dos dois motoristas ou aqueles presos atrás dos
dois homens gritando que ambos os semáforos estavam verdes,
provavelmente não teria achado isso tão engraçado.
Enquanto os demônios estavam testando os nervos dos humanos, Zayne
testava os meus perguntando se eu estava bem cerca de quinhentos milhões de
vezes. Como se eu estivesse a segundos de estilhaçar como uma frágil flor de
vidro, e eu detestava me sentir assim, porque eu estava bem. Totalmente bem
com tudo. Eu não o estava importunando com perguntas sobre Stacey e seu
status anterior de mais que amiga. Mesmo que ele tivesse percebido algo
através do vínculo enquanto Stacey estava em sua casa, tinha sido um lapso
momentâneo de controle. Eu estava agindo normalmente, então não tinha
certeza por que ele estava tão preocupado.
Quando avistamos os Demônios do Delírio, eu já estava feliz pela
distração. Até sentir o cheiro deste beco.
Soltando uma série de palavrões, concentrei-me na tarefa em mãos. Com
minha visão estreita e desfocada e o brilho fraco e bruxuleante da luz do beco
solitário, eu não podia me dar ao luxo de nenhuma distração quando se tratava
do idiota comedor de cachorrinhos que parecia um rato.
Se os ratos tivessem dois metros de altura, andassem sobre duas pernas
e tivessem a boca cheia de dentes afiados como navalhas.
O bastardo de cauda longa e sua matilha de demônios feios de baixo
nível tinham acabado de tentar agarrar um cachorro que me lembrava o
alienígena azul de Lilo & Stitch.
Que tipo de cachorro era esse? Um buldogue francês? Talvez? Eu não
tinha ideia, mas o Delírio tinha tentado agarrar o cachorrinho tão-feio-que-era-
fofo e seu dono que usava um chapéu de feltro, que tinha vagueado muito
perto do beco que a horda de Delírios estava se escondendo.
Felizmente, o Cara de Feltro não tinha visto os Delírios. Eu nem sequer
saberia como explicar o que era para um humano. Um rato de esgoto
mutante? Não é provável.
O demônio tinha assustado o pobre cachorrinho, fazendo-o gritar e
tombar de lado com as perninhas rígidas. E isso me levou diretamente ao modo
Vadia Tem Que Morrer.
Tentar comer humanos já era ruim o suficiente, mesmo que fosse o
resultado de um carma cósmico para o humano que usava feltro na umidade
de julho, mas tentar morder filhotes franceses fofos?
Completamente inaceitável.
Eu tinha acertado o otário com uma adaga, assustando-o e espalhando o
pacote, e agora ele estava ocupando duas patas traseiras musculosas enquanto
Zayne ia atrás dos outros. Ele parou e se agachou. Antes que ele pudesse pular,
lancei-me do cimento e fui para o ar.
Por cerca de dois segundos.
Aterrissei nas costas sem pelos do Delírio, meus braços rodeando seu
pescoço grosso enquanto ele soltava um guincho que soava muito como o
brinquedo de mastigar de um cachorro.
O demônio se lançou para frente e atingiu o beco com força, o impacto
me abalando até os ossos. Ele recuou, mas eu segurei enquanto ele tentava me
empurrar.
— Aquele cachorrinho não fez nada com você! — Eu gritei enquanto
balançava para trás, plantando meus joelhos no chão - o chão suspeitosamente
úmido. Eu não ia pensar muito nisso. Apertei meu braço ao redor de seu
pescoço. — Um cachorrinho! Como ousa!
A coisa tagarelou e estalou sua mandíbula quando ele quebrou no ar.
Eu puxei a adaga que se projetava ao seu lado. — Você vai se
arrepender...
O Delírio plantou no beco e ficou mole. Não preparada para a tática, virei
a cabeça, pousando de costas no que seria melhor uma poça causada pela
tempestade do final da tarde.
— Eca. — Espalhada, senti o cheiro do que definitivamente não era
chuva.
Eu ia passar dez horas no chuveiro depois disto.
Um hálito quente e fétido atingiu meu rosto, fazendo-me engasgar
enquanto o Delírio tropeçava em seus pés e pairava sobre mim. Meu estômago
embrulhou. Eu não deveria ter comido aqueles dois cachorros-quentes ou
aquelas batatas fritas... ou metade daquele falafel. Pela primeira vez, fiquei
grata por minha visão deficiente. Na penumbra do beco, os detalhes mais sutis
das feições do Delírio eram nada mais do que um borrão de dentes e pelos.
Eu me inclinei e agarrei o Delírio pelos ombros antes que ele pudesse me
acertar com seus dentes ou garras. Seu pelo era irregular e áspero, sua pele
escorregadia e repulsiva. Eu o puxei para trás, batendo com minha força
Verdadeira Nascida enquanto sentia a pequena bola de calor e luz em meu
peito queimar mais forte enquanto Zayne se aproximava.
O Delírio bateu no chão, com os braços e as pernas se debatendo. Eu caí
para frente, montando o demônio enquanto plantava a mão em seu peito e o
segurava no chão.
Algo estalou em minha cabeça. Ou talvez ele se tenha ligado. Não sabia
e não estava ligando. Eu estava apenas atuando. Meu punho bateu na
mandíbula do demônio. Um dente tilintou no chão do beco enquanto a dor
crescia ao longo de meus dedos. Dei o próximo golpe, e outro dente saiu
voando, ricocheteando no meu peito e...
Meu arquivo mental perfeitamente selado se abriu, os arquivos
explodindo em todas as direções. A raiva primitiva derramou em mim,
iluminando cada célula e fibra do meu ser, muito parecido em como
a Graça fazia quando usava-a. A fúria rugiu através de mim como um tornado
enquanto agarrava o demônio pela garganta e o levantava do chão, e então
encaixei meu punho com seu rosto mais uma vez.
A raiva não era a única coisa correndo em minhas veias, fazendo meu
sangue parecer contaminado com ácido de bateria. O luto cru estava lá,
rasgando a fúria. Uma tristeza indefesa que eu não tinha certeza se diminuiria.
O beco, os sons de carros e pessoas, o cheiro miserável, o mundo inteiro
se contraiu, até que era só eu, esse demônio comedor de cachorrinhos e essa...
essa raiva e um fluxo contínuo de imagens piscando através da minha mente.
Minha mãe, morrendo na beira de uma estrada suja, morta por
Ryker. Aym de duas cabeças, zombando de mim. Eu, cega e estupidamente
correndo para fora da casa do Senador, exatamente como Aym sabia que eu
faria - exatamente como Misha sabia que eu faria. Zayne, queimado e
moribundo, ainda tentando lutar. Meu pai, chegando, sem remorso pelo erro
cometido.
As imagens rodopiavam juntas, cada uma poderosa e consumidora, mas
a que mais se destacava, a que eu não podia deixar de ver, era o olhar no rosto
de Misha. A cintilação de surpresa naqueles lindos olhos azuis, como se, por
um segundo, ele não pudesse acreditar que eu faria o que precisava fazer.
O que eu tinha que fazer.
Como Misha poderia ter feito isso? A mim? A si mesmo? A nós?
Meu punho acertou o focinho do Delírio enquanto a tristeza e a raiva
deram lugar à culpa e cravava suas garras nojentas e amargas em minha
própria alma. Não conseguia tirá-la de dentro de mim. Como eu não tinha
visto Misha pelo o que ele realmente era? Como pude estar tão envolta em
minhas próprias aflições que não tinha visto esse mal apodrecer nele, não tinha
percebido...
— Trin.
Ouvi a voz familiar, mas não parei. Eu não conseguia. Meu punho bateu
no focinho do Delírio de novo e de novo. Algo quente e fedorento borrifou meu
peito.
— Você precisa parar.
— Ele tentou comer um cachorrinho. — Minha voz tremia em uma
respiração instável e frágil. — Um cachorrinho fofo.
— Mas não comeu.
— Só porque nós o paramos. — Eu bati no demônio novamente. — Isso
não faz com que esteja tudo bem.
— Não disse que estava. — A voz estava mais próxima, e o calor no meu
peito estava estendendo-se, batendo de volta nos sentimentos sombrios e
oleosos que haviam se espalhado como uma erva daninha nociva. — Mas está
hora de acabar com isso.
Eu sabia disso.
Meu punho bateu na mandíbula do Delírio mais uma vez, e mais alguns
dentes atingiram o chão.
— Trinity.
Levantei meu punho novamente, vagamente ciente de que o formato da
cabeça do Delírio parecia errado na escuridão do beco, como se metade de seu
crânio pudesse estar recuado. O demônio não estava lutando de volta. Seus
braços estavam inertes ao lado, sua boca pendurada...
O cheiro de hortelã do inverno ofuscou o fedor do beco um momento
antes de um braço quente e forte circundar minha cintura. Zayne me puxou
para longe do demônio caído. Pela quantidade de calor que ele estava
liberando, eu sabia que ele ainda estava na forma de Guardião.
Minhas mãos se desenrolaram por reflexo quando me abaixei, apertando
seu braço. Pretendia forçá-lo a me soltar, mas o contato pele com pele foi
chocante, como uma carga estática passando entre nós, causando um curto-
circuito em meus sentidos. A sensação de familiaridade, de muitas peças em
movimento, finalmente encaixando no lugar enquanto o calor em meu peito
batia em conjunto com meu coração, assumindo o controle. Meu aperto em seu
braço afrouxou e meus dedos pareciam ter mente própria. Eles seguiram sua
pele de granito até as pontas de suas garras.
Eu me concentrei nelas, na sensação dele, enquanto respirava
superficialmente. Eu precisava me controlar. Tinha que reunir esses arquivos
e empurrá-los para longe. E fiz exatamente isso, imaginando-me correndo pelo
beco, pegando os arquivos de memórias e emoções. Juntei-os ao meu peito e,
em seguida, forcei-os de volta para aquele armário nos recessos da minha alma.
— Trin? — A preocupação estava rouca em sua voz.
— Estou bem. — Eu me esforcei para recuperar o fôlego. — Estou
bem. Estou bem.
— Você tem certeza disso?
— Sim. — Eu acenei a cabeça para dar ênfase extra.
— Se eu te colocar no chão, você vai me fazer uma promessa? — Zayne
nos afastou do Delírio, suas grandes asas agitando o ar ao nosso redor. — Você
não vai correr de volta e começar a bater no demônio como se fosse seu próprio
saco de pancadas pessoal?
— Eu prometo. — Me contorci contra seu aperto e imediatamente senti
uma queimadura que atingiu meu peito, bem ao lado do meu coração. Essa
queimadura caiu mais abaixo... e ferveu abaixo do meu umbigo. Me acalmei
enquanto meus sentidos tentavam entender o que eu estava sentindo. Era
como uma frustração afiada com gosto de chocolate preto. Uma mistura de
desespero e indulgência.
Desejo.
Desejo proibido, para ser exata.
E eu tinha certeza que essas sensações potentes não vinham somente de
mim.
Surpresa percorreu meu corpo enquanto eu prendia a respiração
inebriante. Não tinha percebido isso por meio do vínculo antes. Meus dedos
pressionaram a pele dura de Zayne enquanto meus olhos se fechavam. Embora
estivéssemos fingindo que a noite em que nos beijamos nunca havia
acontecido, a memória consumiu meus pensamentos em tempo recorde.
A gaveta ZAYNE chacoalhou insistentemente, quebrando a lasca que eu
deixei antes em uma pequena fissura, e meu coração acelerou com isso.
Não havia como pará-lo.
Eu me permiti sentir.
Capitulo 8
O tumultuoso trovão de emoções fez meu coração disparar e meus
pensamentos se dispersarem. A antecipação e o anseio criaram raízes,
espalhando-se através de mim como uma flor em busca de sol, e a sensação de
que isso é o certo derrotou as pequenas explosões de medo.
O que Zayne faria se eu me virasse em seu abraço, me esticasse e
colocasse meus braços em volta de seu pescoço? Ele resistiria a mim? Ou ele
me encontraria no meio do caminho? Abaixaria sua boca para a minha e me
beijaria, não importando que fosse proibido? Bem aqui, agora, com um Delírio
moribundo a poucos metros de nós, enquanto estávamos em um beco
fedorento cercado por pilhas de lixo.
Super romântico.
Mas um tremor ainda percorreu minha espinha, causando um engate na
minha respiração. Eu estava quente. Tão incrivelmente quente, e de repente o
mundo ao nosso redor não importava. Nada importava além do calor e das
batidas do meu coração.
O braço de Zayne apertou minha cintura, puxando-me impossivelmente
para perto, até que não houvesse espaço entre nós. Eu o senti se mover atrás
de mim, as pontas suaves de seu cabelo fazendo cócegas na lateral do meu
pescoço, e então o impossível roçar leve de seus lábios logo abaixo da minha
orelha. Cada músculo do meu corpo se contraiu quase dolorosamente de
desejo.
Foi o toque de despertar de que eu precisava por uma infinidade de
razões. Se esse desejo consumido e não gasto realmente vinha dele, era apenas
um subproduto da atração mútua. Obviamente, isso existia entre nós, mas não
era - não podia - ser nada mais do que superficial.
Levou mais de um momento para acalmar aquele meu órgão idiota, para
pisar nos freios desse trem destroçado de desejos... mas eu o fiz.
Eu o fiz.
Abri meus olhos e toquei em seu braço. — Você vai me colocar no chão
ou planeja me carregar pelo resto da noite como uma bolsa de mão cheia?
— Você promete não começar a bater no Delírio novamente? — Ele
limpou a garganta e, quando falou novamente, a espessura estava ausente. —
Porque você não concordou.
Eu revirei meus olhos. — Só para ter certeza de que estamos na mesma
página - você está dizendo que não deveria estar perseguindo demônios
comedores de cachorrinhos?
— Você pode persegui-los, desde que prometa matá-los no momento em
que os pegar.
— Sinceramente, não sei qual é o problema.
— Sério? — Ele abaixou a cabeça novamente, e desta vez, aqueles fios
macios de cabelo deslizaram sobre minha bochecha. — O que você estava
fazendo era um pouco agressivo.
— Caçar demônios requer agressão.
— Não dessa maneira. Não esse tipo de violência.
Zayne estava sendo lógico e isso era irritante. — Ponha-me no chão.
Seu suspiro passou através de mim mais uma vez. — Fique parada.
Minha cabeça girou em sua direção enquanto minhas sobrancelhas
levantavam, mas antes que eu pudesse me dirigir a toda essa coisa de ficar
parada, ele me depositou muito suavemente em meus pés.
Zayne deslizou o braço para longe da minha cintura, deixando uma série
de arrepios em seu rastro. Eu me sacudi quando senti o toque leve de sua
palma ao longo do meu quadril.
Ele ergueu a mão, revelando que havia agarrado uma das minhas
adagas.
Guardião sorrateiro.
Dobrando suas asas, ele caminhou até o Delírio. Surpreendentemente, a
coisa ainda estava viva - gemendo, mas respirando.
Não por muito tempo.
Uma punhalada rápida para baixo depois, e o demônio não era nada
além de uma pilha de cinzas carmesim brilhantes que se desvaneceram
rapidamente.
Quando Zayne se levantou, ele estava de frente para mim e eu pude ver
o brilho de seus olhos azuis claros. — Isso é o que você deveria ter feito no
momento em que encurralou e derrubou o Delírio.
Achei que não seria a meu favor mencionar que pulei nas costas do
Delírio como um gato raivoso. — Obrigada pela lição de luta que eu não
precisava.
— Aparentemente, você precisa.
Estendi minha mão e mexi meus dedos. Alguns segundos se passaram e
eu exalei pesadamente. — Adaga.
Ele se aproximou de mim lentamente, mudando para sua forma humana
enquanto o fazia. A camisa preta que ele usava tinha rasgos pelas costas e
ombros quando ele mudou e agora parecia que já tinha visto dias melhores.
Os Guardiões com certeza passavam por muitas camisas.
Suas asas dobraram na parte de trás de seus ombros, dobrando em
fendas finas que não seriam visíveis aos olhos humanos, enquanto seus chifres
se retraíam tão rápido que era como se eles nunca tivessem separado seu cabelo
loiro na altura dos ombros.
Deus, ele era lindo.
E isso me irritou - ele e seus... lindos cabelos e olhos... e boca e tudo o
mais.
Ugh.
Eu mexi meus dedos novamente.
Ele parou na minha frente, ainda segurando a minha adaga. — Eu sei que
você não está acostumada a patrulhar, Trin, então não vou ficar aqui e lhe dar
um sermão.
— Você não vai? — Eu perguntei. — Parece que você está se preparando
para uma palestra.
Zayne aparentemente tinha uma audição seletiva. — Uma das razões
pelas quais despachamos demônios rapidamente é para que eles não sejam
vistos pelos humanos.
Olhei em volta, não vendo nada além das formas escuras de latas de lixo
e as sombras protuberantes de sacos de lixo. — Ninguém viu.
— Alguém poderia ter visto, Trin. Estamos perto da rua. Qualquer um
poderia ter voltado aqui.
— Isso realmente soa como uma palestra — eu apontei, engolindo um
gemido.
— Você precisa ser cuidadosa. — Ele colocou o cabo da adaga na minha
palma. — Precisamos ter cuidado.
— Sim, eu sei. — Eu embainhei a adaga, certificando-me de que estava
escondida mais uma vez sob a bainha da minha camisa. — Eu estava sendo
super cuidadosa.
— Você estava sendo super cuidadosa enquanto esmurrava o Delírio até
o esquecimento?
Eu balancei a cabeça e meu telefone vibrou contra minha coxa. Quando
o tirei do bolso da calça jeans, o rosto de Jada sorriu da tela. Meu estômago
revirou quando rapidamente coloquei o telefone de volta no bolso. Pela
primeira vez, eu realmente tinha um motivo para não responder, porque
duvidava seriamente que Zayne apreciaria se eu atendesse uma ligação no
meio de sua palestra de não-palestra.
A cabeça de Zayne estava inclinada quando olhei para ele novamente. —
Sem querer apontar o óbvio...
— Mas você vai.
— Não há como no Inferno Sagrado você ter visto um humano caminhar
por este beco. Acho que você não teria ouvido o Godzilla descendo a viela.
Meus lábios se contraíram de aborrecimento, em parte porque a primeira
coisa que ele disse era verdade, enquanto a segunda parte era ridícula, mas
principalmente porque isso era seriamente uma palestra.
— Além do risco de exposição, também matamos rapidamente porque é
a coisa mais humana a se fazer — continuou ele. — É a coisa decente, Trin.
Um músculo ficou tenso ao longo da minha mandíbula quando desviei
o olhar. Ele estava certo. Matar rapidamente era decente e
humano. Considerando todo o sangue de anjo correndo em minhas veias, ser
decente e humana deveria ser uma segunda natureza para mim. Inferno, a
primeira natureza para mim.
Aparentemente, o meu lado humano violento e destrutivo estava no
controle.
— Você não pode ser apanhada no porquê da caça. Mesmo que o demônio
quisesse lanchar um cachorrinho — ele disse, e meu olhar voou de volta para
o dele. — Fazer isso a deixa distraída e vulnerável, mais propensa a erros e
aberta a ataques. E se não fosse eu quem aparecesse atrás de você? E se fosse
um demônio de Nível Superior?
— Eu o teria percebido e o socado também — retruquei. — E então você
estaria me puxando para fora disso.
Ele deu um passo à frente. — Você pode ser tão durona quanto eles, mas
se um demônio de Nível Superior aparecer por trás de você e você estiver
despreparada, você terá um mundo de dor.
O aborrecimento deu lugar à raiva enquanto eu olhava para ele. — Você
é meu Protetor, Zayne, mas você soa como se fosse meu guardião. Você não é
meu pai.
— Graças a Deus por isso — ele respondeu, soando perturbado.
O calor invadiu minhas bochechas e eu fechei minha boca.
— Eu sei que você não teve nenhum treinamento oficial, não como eu e
outros Guardiões, mas eu sei que você entende o básico do que fazer quando
você se depara com demônios. Você já provou isso.
— Thierry e Matthew me ensinaram o básico. — Assim como Misha, mas
nenhum deles havia me preparado para patrulhar, porque ninguém pensou
que eu acabaria fazendo isso. Mas eu conhecia as regras. Principalmente
porque as regras eram meio senso comum. — Eles conversaram sobre... coisas.
— Você as ouviu?
— Claro — eu disse, ofendida.
Uma risada profunda e rouca irradiou dele. — Sim, não quero soar como
um detector de mentiras, mas vou ter que dizer que isso é falso.
— Ok. Tive um pouco de dificuldade em prestar atenção, porque me
distraio facilmente e sofro de tédio crônico. Como agora mesmo. Estou
entediada. Com essa conversa — eu continuei. — Então, estou sofrendo.
— Não tanto quanto estou sofrendo neste momento.
Minha carranca cresceu até que eu senti que meu rosto ia ficar preso
assim. — Será que eu quero saber o que isso significa?
— Provavelmente não. — Ele estava mais perto agora, não mais do que
um pé de distância. — Eu entendi.
— Entendeu o que?
O olhar pálido de Zayne pegou o meu. — Entendo por que leva horas
para você adormecer.
Eu não tinha certeza se queria saber como ele estava ciente disso.
— E eu entendo porque você está tão zangada.
Respirando fundo, dei um passo para trás de Zayne, como se pudesse
colocar uma distância física entre o que ele estava dizendo e eu. — Eu não
estou... — Eu balancei minha cabeça, não querendo entrar nessa conversa com
ele. — Eu não estou brava. Estou realmente com fome.
— Mesmo? — ele respondeu secamente.
Eu arqueei uma sobrancelha. — Por que você soa como se não acreditasse
em mim?
— Talvez porque você comeu dois cachorros-quentes de um vendedor
de rua há menos de uma hora.
— Cachorro-quente não enche muito. Todo mundo sabe disso.
— Você também comeu batatas fritas e metade do meu falafel.
— Eu não comi metade! Eu comi, tipo, uma mordida — argumentei,
embora eu tivesse dado duas... ou três mordidas. — Eu nunca tinha comido
um falafel antes e estava curiosa. Não é como se você pudesse encontrá-los nas
colinas da Virgínia Ocidental.
— Trin.
— E bater no Delírio de uma maneira desumana e indecente queima
muitas calorias. Tudo o que comi foi usado e agora estou com uma deficiência
calórica. Estou faminta.
Ele cruzou os braços. — Eu não acho que é assim que as calorias
funcionam.
Eu ignorei isso. — Podemos voltar para aquele lugar e pegar outro falafel
para você — eu disse, passando por ele. — Eu posso conseguir um para
mim. Então podemos falafelar juntos.
Zayne segurou meu braço, me parando. O calor de sua mão e o choque
do contato eram enervantes. — Você sabe que pode falar comigo, certo? Sobre
qualquer coisa, a qualquer hora. Estou aqui por você. Sempre.
Um nó se formou na minha garganta, e não ousei olhar para ele quando
senti as gavetas começarem a chacoalhar novamente.
Falar com ele?
Sobre qualquer coisa?
Tipo, como se eu não tivesse realmente conhecido Misha? Não sabia que
um homem que eu amava como irmão não só tinha me odiado até as minhas
entranhas, mas também orquestrado o assassinato da minha mãe? Dizer-lhe
como odiava Misha por tudo o que ele tinha feito, mas de alguma forma ainda
sentia falta dele? Como queria desesperadamente acreditar que o vínculo tinha
sido responsável, ou que tinha sido o demônio Aym ou essa criatura, o
Precursor, que tinha causado Misha a fazer coisas tão horríveis? Zayne pensou
que eu poderia dizer a ele que o que eu mais temia era que talvez a escuridão
em Misha sempre tivesse existido e eu nunca a tivesse visto, porque eu sempre,
sempre estive tão envolvida em mim mesma?
Ou eu poderia dizer a ele o quão eternamente grata eu era que o vínculo
salvou sua vida, mas que eu odiava o que isso significava para nós - que não
poderia haver nós - e como eu me sentia culpada por poder ser egoísta o
suficiente para desejar que ele não fosse meu Protetor. Dizer-lhe o quanto eu
sentia falta de Jada e de seu namorado, Ty, mas que estava evitando suas
ligações porque não queria falar sobre Misha. Ou como eu não tinha ideia do
que se esperava de mim. Como eu deveria encontrar e lutar contra uma
criatura quando não sabia como ela era ou quais eram seus motivos, em uma
cidade que me era completamente desconhecida. Confiava nele que temia que
minha visão deficiente continuasse a piorar a ponto de poder perder minha
capacidade de lutar, de sobreviver e de ser... de ser independente.
Deveria eu compartilhar com ele que estava com medo de que ele
morresse por minha causa, como quase aconteceu naquela noite na casa do
Senador?
Com o pulso acelerado como se eu tivesse corrido um quilômetro,
balancei a cabeça. — Não há nada a dizer.
— Há muito a dizer — ele rebateu. — Tenho lhe dado espaço. Você
precisava disso, mas tem que falar sobre isso. Confie em mim, Trin. Eu perdi
pessoas. Algumas para a morte. Algumas para a vida. Eu sei o que acontece
quando você não consegue tirar a dor e a raiva.
— Não há nada para falar — repeti, minha voz quase um sussurro. Eu
me virei para ele então, meu estômago embrulhando. — Estou bem. Você está
bem. Poderíamos estar muito mais perto de comer um falafel, e você está
atrasando o banquete frito.
Algo feroz brilhou naqueles olhos pálidos de lobo, tornando-os
momentaneamente luminosos, mas então ele soltou meu braço e o que quer
que fosse... se foi.
Um batimento cardíaco passou e então ele disse: — Vamos precisar
passar na minha casa primeiro.
Um suspiro de alívio saiu de mim. O armário na minha cabeça parou de
tremer. — Por que? Para conseguir outra camisa para você? — Comecei a
andar em direção à rua. — Devemos começar a embalar extras.
— Eu preciso de uma camisa nova, mas precisamos voltar porque você
fede e precisa de um banho.
— Uau. — Olhei para ele enquanto caminhava ao meu lado. Eu pude ver
um meio sorriso em seu rosto. — Maneira de me fazer sentir constrangida.
Quando chegamos à calçada, olhei para os dois lados antes de sair, para
não ser atropelada por alguém com pressa. Pisquei rapidamente, tentando
fazer com que meus olhos se ajustassem aos postes mais brilhantes, faróis e
vitrines iluminadas.
Não ajudou muito.
— Cheirar você está me deixando muito constrangido.
— Jesus — eu murmurei.
— O que Ele tem a ver com o seu fedor? — ele brincou.
— Você não parecia ter problemas com o meu cheiro no beco — eu
apontei. — Sabe, quando você me pegou e me segurou como se eu estivesse
em uma daquelas coisas que as pessoas usam para carregar bebês.
— O cheiro turvou meu julgamento.
Uma risada explodiu de mim, e sob as luzes mais brilhantes da rua, eu
agora podia ver que definitivamente havia um sorriso em seu rosto. — Se é
isso que você precisa dizer a si mesmo.
— E é.
Pressionei meus lábios, decidindo que era melhor ignorar isso
completamente. Zayne ficou perto de mim enquanto caminhávamos em
direção ao seu apartamento, ele do lado mais próximo da estrada e eu ao
alcance do braço dos edifícios. Caminhando assim, era mais fácil para eu
manter o controle das pessoas para que não esbarrasse nelas. Eu nunca havia
dito isso a Zayne, mas ele pareceu perceber muito rapidamente a minha
preferência.
— A propósito, no que você rolou lá atrás? — ele perguntou.
— Uma poça de escolhas ruins na vida.
— Huh. Sempre me perguntei como cheirava isso.
— Agora você sabe.
Apesar do fato de eu sentir o cheiro horrível, outra risada fez cócegas no
fundo da minha garganta quando olhei para ele novamente. A camisa preta
que ele vestia estava uma bagunça, mas suas calças de couro resistiam sob a
constante mudança de humano para Guardião e vice-versa, e deve ser por isso
que ele as usava quando patrulhava.
E eu não estava reclamando delas. De jeito nenhum.
Imaginei que, entre o meu cheiro e sua aparência sem camisa, estávamos
chamando bastante a atenção. Então, novamente, eu tinha certeza que as
pessoas tinham visto coisas estranhas nesta cidade e definitivamente
cheiravam pior. Eu me perguntei se alguém percebeu o que ele era.
— As pessoas reconhecem o que você é? — Eu perguntei, mantendo
minha voz baixa.
— Não tenho certeza, mas ninguém jamais me viu em minha forma
humana e perguntou se eu era um Guardião — ele respondeu. — Por que?
— Porque você não se parece com outros humanos. — Eu sabia que os
Guardiões raramente mudavam em público. Era pela privacidade e segurança,
já que havia pessoas por aí, como aqueles fanáticos dos Filhos de Deus, que
acreditavam que Guardiões, ironicamente, eram demônios e deveriam ser
massacrados.
Ele afastou uma mecha de cabelo do rosto. — Não tenho certeza se isso é
um elogio.
— Não é um insulto. — Eu pensei ter visto um sorriso antes que ele se
virasse para examinar a rua.
— Como eu não me pareço com outros humanos? — ele perguntou. —
Acho que me misturo.
Eu bufei. Como um leitão.
— Você não conseguiria se misturar se cobrisse o corpo com um saco de
papel — eu disse.
— Bem, eu definitivamente não me misturaria então — ele respondeu, e
eu ouvi o sorriso em seu tom. — Andar por aí em um saco de papel seria um
pouco perceptível.
A imagem de Zayne em nada além de um saco de papel imediatamente
se formou em meus pensamentos, e eu senti minhas bochechas corarem. Eu me
odiava por até mesmo colocar isso no universo.
— Você também não se mistura — ele disse, e meu queixo se ergueu em
sua direção.
— Porque eu fedo como imagino que cheire uma bunda mofada?
Zayne riu, um som profundo que criou pequenas palpitações
interessantes na boca do meu estômago. — Não — disse ele, parando em um
cruzamento movimentado. — Porque você é linda, Trin. Você tem essa coisa. É
essa faísca de dentro. Uma luz. Não há uma única pessoa aqui que não possa
ver isso.
Capitulo 9
Eu estava esperando por Zayne no centro das esteiras, sentada de pernas
cruzadas, e, em vez de me alongar, eu estava sonhando com uma vida
diferente, onde estava tudo bem para Zayne me dizer que eu era linda. Certo,
essa faísca ou luz que ele afirmava que todos e sua mãe podiam ver
provavelmente era minha Graça e não meus impressionantes atributos físicos.
— Eu tenho uma ideia — Zayne anunciou enquanto caminhava para fora
do quarto.
Meu olhar caiu para a mão de Zayne. Ele segurava uma tira de tecido
preto. Eu levantei minhas sobrancelhas. — Eu deveria estar preocupada?
— Só um pouco. — Ele sorriu, levantando o material.
Quando percebi que ele estava segurando uma gravata, comecei a pedir
mais detalhes, mas a campainha do interfone tocou. — Esperando alguém?
— Não. — Zayne correu para as portas. — Olá?
— Sou eu, seu novo melhor amigo para sempre. — A voz familiar demais
flutuou pelo alto-falante.
— O que diabos? — Zayne murmurou.
— É quem eu acho que é? — Me ajoelhei.
— Se você está pensando que é Roth — ele respondeu com um suspiro
— então você está correta.
— Você está me ignorando? — A voz de Roth veio pelo alto-falante mais
uma vez. — Se for assim, ficarei triste.
Meus lábios se contraíram com isso. Imaginei que as palavras de Roth no
dia anterior exemplificavam o talento demoníaco de fazer uma declaração
normal soar como algo que um assassino em série proferia.
Um momento depois, senti o aviso da chegada de Roth e, em seguida, as
portas do elevador se abriram.
— Ei — ouvi Roth dizer, mas de onde eu estava sentada, não pude ver
muito dele.
— Dois dias seguidos? — Zayne disse. — A que devemos a honra?
Roth deu uma risadinha. — Estou entediado. Essa é a honra.
— E você decidiu vir aqui?
— Eu estava na vizinhança, então, sim. — O Príncipe Herdeiro caminhou
pela sala de estar de Zayne como se fosse uma ocorrência comum e
cotidiana. Quando ele se aproximou, vi que estava sorvendo algo de um copo
de espuma branca. Havia letras vermelhas na bebida, mas não consegui
decifrá-las. Roth me viu e sorriu. — Ei, cara de anjo, parece que você está
rezando. Espero estar interrompendo.
Cara de anjo? — Desculpe desapontar, mas não.
— Estávamos prestes a fazer algum treinamento. — Zayne seguiu o
demônio, sua expressão era uma mistura de exasperação e diversão
relutante. — Estamos meio ocupados.
— Não me deixe impedi-los. — Roth piscou para mim enquanto erguia
a mão livre e a girava. Ao lado do sofá, a cadeira enorme que eu nunca tinha
visto Zayne usar deslizou para que ficasse de frente para os tapetes.
Bem, essa não era uma habilidade legal da qual eu estava apenas com um
pouco de ciúme.
Roth se deixou cair na cadeira e prendeu uma perna vestida de jeans
sobre a outra. Ele tomou outro gole.
Zayne o encarou como se ele não soubesse bem o que dizer. Imagino que
eu estava com a mesma expressão no rosto.
— Onde está Layla? — Zayne finalmente perguntou.
— O dia das garotas com Stacey, já que é sábado — ele respondeu, e
Inferno, eu não tinha ideia que era fim de semana. — Elas vão almoçar e depois
vão a algumas lojas. Ou algo assim. O que quer que as garotas façam.
Uma pequena bola de ciúme se formou no centro do meu peito. O que
quer que as garotas façam. Nós saímos. Nós compartilhamos sobremesas e
aperitivos. Conversamos sobre coisas estúpidas e compartilhamos nossos
momentos mais profundos e sombrios. Lembramos uma a outra que nunca
estivemos realmente sozinhas. Isso é o que as meninas fazem.
Eu sentia falta de Jada.
— Você sabe, Layla e Stacey adorariam que você se juntasse a elas —
Roth continuou, quase como se estivesse lendo minha mente. — Contanto que
Stony a deixasse fora de sua vista por algumas horas.
Sim, bem, eu não tinha certeza de que sair com uma, mas duas garotas
com quem Zayne tinha mexido era minha ideia de momentos divertidos.
— Trinity pode ir e vir quando quiser — Zayne respondeu secamente. —
Acho que Cayman também não está por perto?
— Não. Ele está trabalhando. Você sabe, trocando pedaços de almas
humanas por coisas frívolas. — Roth balançou as sobrancelhas para mim. —
Isso ofende seus sentidos angelicais?
Eu levantei um ombro. — Não é como se ele estivesse persuadindo
humanos a fazer isso. Eles estão fazendo sua própria cama, então eles podem
rolar nela.
Roth inclinou sua bebida para mim. — Não é uma coisa muito angelical
para dizer. Você deveria se importar. Você deveria estar ofendida.
— Estou ofendido — Zayne murmurou. — Por esta visita inesperada.
— As mentiras que contamos a nós mesmos. — Roth olhou entre nós. —
Sorte minha. Eu posso ver uma Verdadeira Nascida e um Guardião lutando -
bem, brincar de lutar, se vocês dois realmente vão fazer qualquer coisa além
de olhar para mim como se tivessem sido abençoados pela minha aparência.
Mordi meu lábio para parar de rir, porque tive a sensação de que isso só
iria antagonizar o demônio e irritar Zayne.
Para ser honesta, fiquei feliz em ver Roth. Zayne e Roth podem estar
presos em uma rivalidade estranha e ter diferenças fundamentais, mas eles
ainda eram amigos, e desde que eu estava aqui, exceto ontem, ninguém tinha
vindo ver Zayne. Nem mesmo membros de seu próprio clã. Todos precisavam
de um amigo, mesmo que esse amigo fosse o Príncipe Herdeiro do Inferno.
Ficando de pé, me virei para Zayne. — Não tenho nenhum problema
com ele nos observando treinar.
Zayne parecia querer dizer que sim, mas ele simplesmente balançou a
cabeça e pisou no tapete.
— Então, o que há com a gravata? — Eu perguntei, e Zayne olhou para
baixo como se tivesse esquecido que a estava segurando.
— Essa é uma pergunta que eu estava morrendo de vontade de fazer —
comentou Roth. — BDSM, Stony? Estou abalado.
Minhas bochechas coraram quando Zayne atirou em Roth um olhar
fulminante antes de voltar a se concentrar em mim. — Lembra quando você
queria aprender a não confiar em sua visão durante uma luta?
— Por que você gostaria de fazer isso? — Roth perguntou.
— A visão de Verdadeiros Nascidos não é como a de um Guardião ou de
um demônio à noite — Zayne explicou. — Como a maior parte do nosso
patrulhamento é feito à noite, você pode preencher os espaços em branco.
Não tinha ideia se Roth acreditava nele, mas entendi o que Zayne estava
dizendo sem revelar muito. Eu concordei.
— Achei que a melhor maneira de praticar é forçar você a não usar sua
visão, e é por isso que estou com a gravata. — Zayne balançou o material. —
Desculpe desapontar, Roth.
— Treinamento de olhos vendados. Não tão sexy quanto eu estava
pensando, mas ainda assim muito divertido — veio o comentário de Peanut.
— Isso é uma boa ideia. — A expectativa rodou em meu peito. — Vamos.
— Isso deve ser divertido de assistir — declarou Roth.
— Você não pode falar? — Zayne retrucou enquanto caminhava para
onde eu estava.
— Eu não acho que seja uma promessa que eu possa fazer.
Pressionei meus lábios enquanto estendia a mão para a gravata, mas
Zayne deu um passo atrás de mim.
— Ok — disse ele. — Avise-me quando estiver pronta.
Em outras palavras, avisá-lo quando eu estivesse preparada para ficar
completamente cega. Me perguntei se ele se lembrava de como surtei na noite
em que a Comunidade foi atacada e ele dobrou suas asas ao meu redor,
bloqueando todas as fontes de luz.
Eu esperava não surtar daquele jeito de novo, especialmente
considerando que tínhamos uma audiência.
Respirando fundo, eu balancei meus braços. — Preparada.
Um batimento cardíaco depois, senti o calor de Zayne nas minhas
costas. Fiquei imóvel quando a gravata apareceu na minha visão. Quando ele
se aproximou do meu rosto, já bloqueando a maior parte da luz, meu coração
começou a bater forte.
Eu não gostei disso.
Eu não gostei nada disso.
O que tornou difícil não parar tudo isso quando a gravata tocou meu
rosto e a escuridão caiu sobre meus olhos. Por algum tipo de super força de
vontade, permiti que Zayne segurasse a gravata.
O material era surpreendentemente macio e não completamente
opaco. Eu podia ver formas vagas na minha frente, e quanto mais eu olhava,
mais claramente podia ver um minúsculo ponto de luz.
Era assim que seria depois que a doença cobrasse seu preço? Nada além
de formas e um pontinho de luz?
O pânico explodiu em minhas entranhas e eu peguei a gravata, querendo
arrancá-la do meu rosto e queimar o tecido.
Isso é o que você queria.
Dizer a mim mesma que era a única coisa que me impedia de arrancá-
la. Eu poderia lidar com isso. Tinha que fazê-lo. Só precisava que meu coração
parasse de bater como se fosse se atirar para fora do meu peito, e que a sensação
de asfixia na minha garganta diminuísse.
As mãos de Zayne pousaram em meus ombros, fazendo-me
estremecer. — Você está bem? — Sua voz era suave, e eu não tinha ideia se
Roth podia ouvi-lo. — Podemos tentar outro dia.
Outro dia como nunca mais parecia uma ideia maravilhosa, mas outro dia
significava que eu estava um dia mais perto de fazer tudo de novo. Eu iria
acabar ficando sem dias.
Respirei novamente e me foquei, inspirando e expirando...
Oh, meu Deus.
De repente, percebi por que Zayne queria colocar à venda. Ele tinha feito
dois buracos minúsculos na gravata e, de alguma forma, ele os tinha alinhado
perfeitamente com minhas pupilas, e eu tinha entrado em pânico demais para
perceber. Eu não podia ver muito com uma visão tão restrita, mas se eu me
concentrasse, ainda haveria uma pequena quantidade de luz, como se
houvesse, muito provavelmente, quando a retinite pigmentosa seguisse seu
curso. Zayne deve ter feito alguma pesquisa em seu laptop, e isso significava
muito para mim.
A emoção obstruiu minha garganta, mas aqueles buracos quase
insignificantes me ajudaram a respirar mais facilmente. — Estou bem.
Zayne apertou meus ombros. — Avise-me se isso mudar.
Concordei.
— Eu estou corrigindo — disse Roth do lado de fora. — Isso é sexy.
Zayne suspirou atrás de mim. — Eu me pergunto o que Layla pensaria
sobre isso.
Roth bufou. — Ela provavelmente gostaria de experimentar.
— Obrigada por compartilhar — eu murmurei.
— De nada — respondeu Roth. — Cara de Anjo é muito mais educada
do que você, Stony.
— Me chame de Cara de Anjo mais uma vez, e eu te mostrarei quão
educada sou — avisei quando senti Zayne se mover atrás de mim.
— Isso seria mais assustador se você não estivesse aí com os olhos
vendados.
Zayne deu uma risadinha. — Estou na sua frente.
Antes que eu pudesse dizer a ele que eu podia ver isso vagamente, Roth
falou. Novamente. — Não dizer a ela onde você está anula o propósito disso?
— Cale a boca — Zayne e eu dissemos em uníssono.
Uma risada veio da direção geral de onde Roth estava sentado. — Vocês
dois estão na mesma página.
Provando exatamente isso, nós dois o ignoramos e começamos a
trabalhar. — Sem sua visão, você tem que confiar em seus outros sentidos. Eles
são igualmente importantes no combate corpo a corpo.
Eu não tinha tanta certeza de que isso era verdade, mas concordei mesmo
assim.
— Audição. Olfato. Toque — Zayne continuou. — Todas essas coisas
revelarão o próximo movimento do seu oponente.
— Especialmente se eles cheiram mal — acrescentou Roth. — Ou eles são
barulhentos e desajeitados.
Sorri para isso.
— Você vai precisar se concentrar muito para fazer isso — Zayne
continuou. — E eu quis dizer que é muito difícil.
Os cantos dos meus lábios começaram a virar para baixo. — Ok.
— Você não pode se permitir ficar distraída. Tudo nesta sala,
especialmente a terceira roda não convidada, precisa desaparecer.
— Ei, — Roth arrastou. — Isso é ofensivo.
— Esta é a minha cara de “não me importo” — Zayne respondeu.
Eu plantei minhas mãos em meus quadris. — Acho que sei como me
concentrar, Zayne.
— E eu acho que já estive perto de você o suficiente para saber que você
tem o nível de concentração de um cachorro em seu primeiro passeio de carro.
Roth riu.
Eu abri minha boca e depois fechei. Não poderia contestar essa
observação. — Sinto-me pessoalmente atacada por essa declaração.
Havia um baixo ruído de uma risada de Zayne. — Uma vez concentrada,
você notará coisas que não tinha antes. Está bem? Avise-me quando você
estiver lá.
Eu fiquei lá por alguns segundos. — Pronta.
— Tem certeza? — Zayne soou duvidoso.
— Sim. — Eu mudei para minha posição, me preparando enquanto
esperava por...
A mão de Zayne atingiu meu antebraço, me assustando. Eu estendi a
mão e acabei escovando minha mão em seu peito, o que significava que ele fez
seu movimento. Nós tentamos novamente, nos separando, e então ele estava
em mim mais uma vez. Ele se mexeu de novo e de novo, e eu... Eu apenas fiquei
lá, perdendo cada movimento dele e praticamente bloqueando o ar. A parte
pior era que ele estava controlando seus socos e chutes.
— Não consigo vê-lo — eu disse, soltando os braços. — De jeito nenhum.
— Esse é o ponto — ele me lembrou.
— Bem, sim, mas... — Eu me afastei, balançando minha cabeça enquanto
abria e fechava minhas mãos.
— Você não pode ficar frustrada já. — Zayne ficou por perto desta vez,
sem recuar.
— Eu não estou.
— Parece que sim —Roth entrou na conversa.
— Não estou. — Empurrei minha cabeça em sua direção.
Dedos enrolaram em volta do meu queixo, guiando minha cabeça de
volta para Zayne. — Sim, você está.
Eu queria discutir, mas era inútil, porque sabia que ele estava
percebendo. — Eu só... acho que não consigo fazer isso.
— Você consegue — ele disse, e eu pensei que ele tinha recuado. — E
você vai.
Estendi a mão, minhas mãos sentindo o ar vazio. Eu estava certa.
— Você sabia que ele não estava lá — disse Roth. — Certo?
Fechando minha mão em torno de nada, eu balancei a cabeça.
— Como? — o demônio persistiu.
— Eu... eu não conseguia sentir o calor dele — eu admiti, puxando minha
mão para trás e esperando que não soasse tão estranha quanto pensei.
— Os demônios são da mesma forma — disse Roth. — Nós emitimos
muito calor. Se você pode sentir isso, então você sabe que um está perto o
suficiente para tocar. Muito perto. Que tal...
O calor dançou ao longo da minha pele. Eu levantei minha mão antes
que Roth pudesse terminar. Meus dedos roçaram em algo duro e quente. O
peito de Zayne. — Eu o senti se aproximar.
— Bom. — Desta vez foi Zayne quem falou, e eu pude sentir o estrondo
de suas palavras na palma da minha mão.
Sem aviso, Zayne agarrou meu braço e me girou. — Volte para a sua
posição.
Eu fiz exatamente isso, espalhando minhas pernas e enraizando meus
pés nas esteiras enquanto levantava minhas mãos.
— Ele está perto de você? — Roth perguntou.
Eu medi a temperatura do ar ao meu redor. — Não.
— Correto — Zayne confirmou. — Concentrada.
Inalei profundamente e exalei lentamente, focando no espaço ao meu
redor. Não apenas pela temperatura, mas por qualquer movimento. Não havia
nada - e então eu senti uma ligeira mudança no movimento ao meu redor. Um
sopro de ar quente, e desta vez eu não apenas fiquei ali parada.
Eu ataquei, não acertando nada. — Droga!
— Quase me pegou — disse Zayne, e minha orelha esquerda
formigou. Eu girei, chutando, mas de repente ele estava nas minhas costas, sua
respiração ao longo da minha nuca. — Quase.
Girando, eu dei um soco com o cotovelo, mas com uma lufada de ar, eu
o senti se mover para - à minha direita. Girei, encontrando o espaço vazio mais
uma vez. Deus, isso estava me deixando um pouco enjoada. Empurrei minha
mão, e minha palma desviou dele.
— Há! — Eu gritei, tendo feito contato - contato fraco, mas contato.
— Quase — Zayne repetiu.
Seguindo o som de sua voz, dei um passo à frente e não encontrei
nada. Frustrada, pulei quando senti a agitação do ar e caí desequilibrada na
ponta dos pés.
— Legal — murmurou Roth. — Isso teria sido um chute nas pernas.
Eu sorri.
— Não fique convencido — Zayne avisou.
O segundo seguinte provou exatamente por que eu não deveria, porque
perdi Zayne por uma milha na próxima tacada. O próximo soco que dei foi
apenas mais um golpe de raspão, como foi o que aconteceu depois e depois
disso.
— Quase. — Zayne dançou ao meu redor, e joguei o maldito punho
contra o Guardião.
Um jogo do qual sou péssima.
E eu estava realmente começando a odiar a palavra quase.
— Você está perdendo a concentração — ele me disse. — Respire e se
concentre novamente, Trin.
— Estou me concentrando. — Chutei uma perna e desta vez não cheguei
perto dele. A raiva transformou meu sangue em ácido enquanto me movia,
procurando Zayne através dos buracos dos alfinetes.
— Trin. — A voz de Zayne era um aviso baixo, e eu sabia o que ele estava
dizendo.
O ar se agitou ao meu redor novamente e eu ataquei com meu
braço. Fiquei um pouco selvagem com o soco, mas era tarde demais para
recuar. Indo longe demais, perdi o equilíbrio. Zayne deve ter visto isso, porque
senti suas mãos em meus ombros. Nenhum de nós conseguiu recuperar o
equilíbrio, então, quando eu caí, ele caiu comigo. Caí de costas com um
grunhido, Zayne em cima de mim.
Bati nele novamente, já que sabia exatamente onde ele estava agora, mas
Zayne segurou meus pulsos e os prendeu acima da minha cabeça antes que eu
pudesse fazer contato.
— Você perdeu seu foco — disse Zayne.
A fúria rugiu através de mim enquanto levantava meus quadris,
conseguindo soltar uma perna. — Não, eu não perdi!
— Sim — ele disse suavemente. Ele pressionou para baixo e, quando
inalou, seu peito pressionou contra o meu. Na escuridão da venda, tudo que
eu podia sentir era ele e seu hálito quente contra meus lábios. Parei de lutar e
não ousei me mover. Nem uma fração de centímetro. — Você perdeu o foco.
Minhas mãos abriram e fecharam inutilmente contra o tapete. — Como
você sabe?
— Porque você ficou frustrada. — Sua voz era baixa, ainda incrivelmente
suave e gentil, considerando que ele estava me prendendo. — E isso levou o
melhor sobre você.
Pressionei meus lábios para impedir a negação.
O aperto de Zayne em meus pulsos diminuiu. Sua mão deslizou pelo
comprimento do meu braço, por cima do meu ombro. Ele segurou minha
bochecha. — Você estava indo muito bem.
— Não, eu não estava. — O suor umedeceu minha testa. — Eu mal
consegui chegar perto de você.
— Mas você chegou perto de mim. — Ele se mexeu um pouco e seu
polegar roçou meu lábio inferior. — Esta é a primeira vez que você tenta
isso. Você não vai ser perfeita logo de cara. — Seu peito subiu contra o meu
novamente, enviando uma pontada de calor pela minha espinha. — Você tem
que dar tempo a si mesma.
— Não sei se consigo fazer isso — admiti em um sussurro.
— Eu sei que você pode — ele insistiu, e minha próxima respiração saiu
instável. — Não tenho nenhuma dúvida em minha mente.
Gostaria de poder vê-lo. Os olhos dele. O rosto dele. Ver como ele estava
olhando para mim, porque se eu pudesse ver a fé que ele tinha em mim, então
talvez eu pudesse sentir.
O polegar de Zayne se moveu novamente, desta vez passando pelo meu
lábio inferior. Minha respiração engatou quando uma onda doce de
antecipação indesejada surgiu. — Ok?
Eu não tinha ideia do que ele estava perguntando, mas eu balancei a
cabeça, e então nenhum de nós se moveu além de nossos peitos que subiam e
desciam. Meus braços ainda estavam esticados acima da minha cabeça. Eu
poderia movê-los, mas não o fiz, e sabia que sua boca ainda estava perto da
minha porque sua respiração provocava meus lábios. Eu teria dado qualquer
coisa para saber o que ele estava pensando naquele momento. Se ele sentia essa
antecipação, se ele estava transbordando de desejo pelo que não poderia ser.
Talvez houvesse algo para os outros sentidos aumentando quando você
não podia ver, porque eu jurei havia uma tensão no ar que não tinha estado lá
antes. Eu podia senti-la.
— Pergunta? — A voz de Roth quebrou o silêncio, e puta merda, eu tinha
esquecido que ele estava lá. Zayne também, com base na forma como seus
músculos ficaram tensos contra mim. Quando Roth falou novamente, diversão
praticamente pingou de cada palavra. — E estou perguntando como um
amigo. Exatamente que tipo de treinamento vocês estão fazendo agora?
Capitulo 10
O treinamento de olhos vendados não poderia ter terminado mais
rapidamente. Zayne saiu de cima de mim e me ajudou a levantar. A gravata
tinha saído em seguida, e eu meio que desejei que não tivesse, porque preferia
não ter visto o rosto estranhamente presunçoso e sorridente de Roth.
Não tínhamos parado de treinar, no entanto. Tínhamos mudado para a
luta sem a venda e, do que eu imaginava ser tédio, Roth tinha entrado na
ação. O demônio foi realmente útil, na maior parte. Então Layla ligou e ele saiu
do apartamento.
Apenas piscou e saiu da existência.
Mais uma habilidade que eu gostaria de ter.
O patrulhamento naquela noite não tinha revelado nada remotamente
excitante, e eu estava me perguntando por quanto tempo andaríamos sem
rumo antes de encontrarmos algo - qualquer coisa - que nos levasse ao
Precursor.
Na manhã seguinte, eu tinha acabado de puxar meu cabelo para cima em
um rabo de cavalo e estava prestes a me juntar a Zayne para mais treinamento
com os olhos vendados quando meu telefone tocou na mesa de cabeceira. No
momento em que vi o nome de Thierry, quase o deixei ir para o correio de
voz. Mas não podia ignorar sua ligação.
Torcendo o estômago, respondi com uma saudação que soou como se
tivesse levado um soco no estômago no exato momento em que disse olá.
— Trinity? — A voz profunda de Thierry puxou meu coração com
força. — Você está bem?
— Sim. Totalmente. — Eu limpei minha garganta. — E aí?
— E aí? — ele repetiu as palavras lentamente. — Eu acho que muitas
coisas estão acontecendo agora.
Fechando meus olhos, eu sentei na cama, sabendo o que ele quis
dizer. Misha. Chamadas perdidas de Jada. Meu bem-estar mental e emocional
geral. — Sim, muita coisa está acontecendo agora.
Seu suspiro foi pesado e tão familiar que causou uma dor no meu
peito. Eu sentia falta dele. Sentia falta de Matthew, Jada e Ty e... cortei esse
pensamento enquanto Thierry falava. — Eu sei que você está ocupada, mas eu
preciso falar com você. Houve um desenvolvimento em relação ao seu futuro.
Eu abri meus olhos. — Estou meio com medo de perguntar o que é isso.
— É uma coisa boa.
— Sério?
— Sério — ele confirmou com uma risada suave. — Como você sabe,
servir como um Guardião é financeiramente lucrativo para aqueles que
ascendem treinando e empenham suas vidas na luta contra aqueles que
buscam prejudicar — disse Thierry, e eu sabia disso. Pagava muito, muito
bem. Onde os Guardiões conseguiam o dinheiro, eu não tinha ideia, mas
gostava de imaginar os Alfas fazendo sobrevoos, deixando um monte de
dinheiro aleatoriamente. — Até você ser convocada por seu pai, nós cuidamos
de você e de sua mãe, proporcionando-lhe qualquer estabilidade financeira de
que você precisava.
Eu estava começando a sentir que estava sendo cortada, mas ele disse
que eram boas notícias, então eu mantive minha boca fechada.
— Isso não é mais necessário — ele continuou. — Enviarei a você uma
captura de tela da conta bancária que foi aberta em seu nome, que terá todas
as informações necessárias para você acessar a conta em alguns dias, assim que
a transferência for concluída...
— Espere. O que?
— Você está sendo paga pelos serviços que está prestando — explicou
ele, e a maneira como disse isso me fez sentir que precisava de um banho. — E
acho que você ficará satisfeita com o que verá.
— Não entendo. Nunca tive dinheiro. Ou mesmo uma conta bancária. É
um choque saber até como usar um cartão de crédito — respondi. — Como
faço para ter dinheiro agora?
— Seu pai quer ter certeza de que você é sustentada e que seu foco não
será distraído por - como ele disse isso – “conceitos humanos frívolos, como
dinheiro”.
Ok. Isso soou como algo que meu pai diria. — Você o viu?
— Infelizmente.
Uma risadinha inadequada cresceu na minha garganta. — Quando? Não
o vejo desde...
— Eu sei. — Todo o humor havia desaparecido de seu tom. — Ele esteve
aqui esta manhã, em toda a sua glória. Ele queria ter certeza de que os fundos
foram criados e que, enquanto isso, você estava coberta. Ele disse para lhe dizer
para verificar o que você mais ama, e sim, ele foi tão vago quanto
angelicamente possível.
Verificar o que mais amo? Imediatamente, meu olhar se voltou para a
velha brochura de Johanna Lindsey, que tinha sido o livro favorito de
mamãe. Parecia... mais grosso do que o normal?
— Você ainda está aí? — A voz de Thierry chamou minha atenção.
— Sim. Sim. — Eu limpei minha garganta. — Desculpe. Isso me pegou
desprevenida.
— Assim como Matthew e eu. Não esperávamos que seu pai
considerasse coisas como você precisar de dinheiro para comprar comida. —
Quase consegui imaginá-lo beliscando a testa. — Na verdade, estávamos
planejando enviar a você algum dinheiro nós mesmos, mas isso não será
necessário.
— Obrigada — eu murmurei, sem saber como responder. Na
Comunidade, dinheiro não era algo com que eu tivesse que me preocupar.
Tinha sido privilegiada de várias maneiras, e perceber isso agora, enquanto
olhava para o livro, me deixou um pouco desconfortável em minha própria
pele.
— Trinity — Thierry começou, e eu fiquei tensa, reconhecendo aquele
tom. — Não vou perguntar como você está. Eu já sei, mas... desculpe. Eu
deveria saber que Misha não era seu...
— Tudo bem. — Eu engoli em seco. — Todos vocês fizeram o que
pensaram que deveriam fazer, e eu... fiz o que tinha que fazer. Tudo vai ficar
bem.
Thierry ficou em silêncio. Muito silencioso.
Esfreguei meus dedos sobre minha têmpora. — Como... como está Jada?
— Chateada. Confusa. — Uma pausa. — Ela sente sua falta.
— Eu sinto falta dela — eu sussurrei. — Eu sinto falta de todos vocês.
— Nós sabemos. Ela sabe — ele respondeu. — E ela sabe que você precisa
de tempo para processar tudo. Só não se esqueça de que ela está aqui. Que
estamos todos aqui e sentimos sua falta.
— Eu sei.
Thierry não me manteve no telefone por muito mais tempo. Desliguei,
sentindo-me um pouco triste e um pouco feliz por ter ouvido sua voz.
Lentamente, percebendo que não estava sozinha, coloquei meu telefone
de lado e olhei para cima.
Zayne estava na porta. — Tudo certo?
Eu balancei a cabeça, sorrindo um pouco. — Foi Thierry. Ele estava
ligando para dizer que meu... que meu pai tinha vindo para se certificar de que
eu estava financeiramente bem.
— Isso é uma boa notícia, então.
Em outras palavras, ele provavelmente estava se perguntando por que
estava pegando tristeza por meio do vínculo, mas eu não estava com vontade
de oferecer essa informação quando me inclinei e peguei o livro. Parecia
diferente e, quando o virei, vi que havia lacunas entre várias das páginas.
— Eu acho... meu pai esteve aqui — eu disse, olhando para ele.
— Sério? — Zayne se encostou no batente da porta. — Quando?
— Talvez ontem à noite? — Eu não tinha prestado atenção ao livro
então. Sacudindo-o um pouco, não fiquei tão surpresa quando vi o papel verde
esvoaçar para o edredom em um fluxo interminável de dinheiro.
Zayne fez um som sufocado. — Santo...
— Notas de cem dólares — eu disse, os olhos arregalados enquanto
olhava para dezenas e dezenas delas. Havia uma chance de que tivessem sido
colocados entre cada página. Eu olhei para cima com um sorriso. — Acho que
vou pagar o jantar esta noite.
Eu comprei o jantar, mas isso acabou sendo um pouco embaraçoso,
porque ele tinha escolhido Subway e eu tive que dividir a nota de cem dólares
em dois sanduíches.
Pouco depois de desligar o telefone com Thierry, a captura de tela que
ele havia prometido veio como uma mensagem de texto com todas as
informações necessárias. Eu nunca tinha visto tantos zeros depois de um
número antes, e não tinha ideia de quanto meu pai pensava que comida e
abrigo custavam, mas ele poderia ter exagerado em algumas centenas de
milhares ou mais.
— Eu. Estou. Tão. Entediada — choraminguei, horas a fio pelas ruas.
— A maioria consideraria isso uma coisa boa — respondeu Zayne.
Olhei para ele, capaz de ver apenas o suficiente de seu perfil na luz fraca
enquanto ele olhava para o parque da cidade. Seu cabelo estava para trás
naquele rabo de cavalo dobrado. Ele estava em sua forma humana, e eu
imaginei que aqueles que nos viam pensavam que éramos um jovem casal ou
amigos curtindo a noite.
Eu duvidava que o fato de nós dois estarmos vestidos de preto da cabeça
aos pés como ladrões de gatos da velha guarda fosse algo digno de nota.
Porém, Zayne em calças de couro preto era muito notável para mim.
Durante a última hora, mais ou menos, estivemos examinando a área
onde avistamos os demônios do Nível Superior na outra noite. Mas além de
um punhado de Diabretes, não tínhamos encontrado nenhum.
— Se estivéssemos aqui fora mantendo as ruas livres de demônios e os
humanos em segurança, então acho que estar entediado seria uma coisa boa —
eu meditei. — Mas estamos procurando pelo Precursor, então uma noite
monótona parece algo ruim. Não estamos mais perto de encontrá-lo do que
estávamos ontem.
Zayne parou sob um poste do lado de fora da entrada do parque. — Você
sabe o que eu penso?
— Não, mas aposto que você vai me contar. — Fui pular no muro de
contenção de calcário de 60 a 90 centímetros de altura que flanqueava a
entrada, mas assim que meu pé com a bota atingiu a saliência, percebi que
calculei mal a altura. Comecei a cair...
Zayne me pegou pelos quadris, me firmando até que meus pés
estivessem plantados na borda. — Não tenho ideia de como você pode pular
de um telhado para outro e escalar uma escada de incêndio, mas quase
quebrou seu crânio em um muro de contenção de um metro.
— Habilidades — murmurei, virando-me para ficar de frente para
ele. Pela primeira vez, era eu quem olhava para ele. — Obrigada.
— Sem problemas. Te peguei. — Suas mãos permaneceram em meus
quadris, seu aperto leve logo acima das adagas de ferro que eu usava
escondidas sob minha camisa. — Você está bem?
Eu concordei. — Acho que sim.
— Eu quero que você tenha certeza. — Seu tom era leve, até mesmo
provocador, enquanto ele olhava para mim. — Eu não seria um Protetor muito
bom se você acabasse quebrando um braço nas minhas primeiras semanas no
trabalho.
Meus lábios se contraíram. — Sim, isso significaria que você é uma
merda, mas acho que você está se esquecendo de um fato importante.
— E o que seria? — O peso de suas mãos em meus quadris mudou, de
alguma forma se tornando... mais pesado.
— Vai ser preciso mais do que uma queda de um metro para abrir meu
crânio.
— Não sei — respondeu ele, enquanto um grupo de adolescentes
atravessava a rua, afastando-se de nós enquanto gritavam um com o outro. —
Aconteceram coisas mais estranhas.
— Não tão estranhas assim.
Sua cabeça se inclinou. — Quando eu era mais jovem e estava
aprendendo a voar, calculei mal uma aterrissagem e caí. Quebrou meu
braço. Eram apenas alguns metros.
Era raro para os Guardiões sofrerem ossos quebrados por algo que até
um humano provavelmente sobreviveria. — Quantos anos você tinha?
— Seis.
Eu ri. — Sim, bem, eu não tenho seis. Estou bastante confiante de que não
vou quebrar nada se cair.
— Então, você tem certeza de que, se eu soltar, você não vai cair? — ele
perguntou, e eu percebi que seus polegares se moviam. Eles estavam
lentamente deslizando para cima e para baixo, apenas dentro de cada osso do
quadril, e eu nem tinha certeza se ele estava ciente disso.
Mas eu estava.
Totalmente absorta, na verdade, e minha pulsação disparou. Um rubor
inebriante passou por mim e me senti um pouco instável. Não tinha nada a ver
com meu equilíbrio e tudo a ver com a maneira como ele estava me tocando.
— Que tal eu fazer um acordo com você?
— Depende do acordo. — Eu não estava ciente do que estava fazendo até
que o fiz. Minhas mãos pousaram sobre as dele. Não para afastá-las, mas para
mantê-las lá.
Zayne se aproximou, o mais perto que pôde, estando eu em cima de um
muro. Nossos corpos não estavam se tocando, mas toda a frente do meu corpo
se aqueceu como se estivéssemos. — Se você conseguir manter os pés no chão
- os dois pés — acrescentou ele — vou abastecer a geladeira com o máximo de
refrigerante que você puder beber.
— Mesmo?
— Sério — ele repetiu, sua voz mais profunda, mais grossa.
— Incluindo Coca?
— Vou até colocar algumas caixas de cerveja de raiz.
— Mmm. Cerveja de raiz. Pessoas que não gostam de cerveja sem álcool
são monstros. Isso é um ótimo negócio. — Abaixei minha cabeça, parando a
alguns centímetros da dele. No brilho suave e amanteigado da lâmpada, vi
seus olhos ficarem meio mastros, e o olhar que ele me lançou, mesmo que não
percebesse, mesmo que não significasse nada, me derreteu. — Mas eu posso
fazer isso tudo sozinha e ainda manter os dois pés fora do chão e mais um
pouco. Eu recuso o seu negócio.
Zayne deu uma risadinha. — Então, terei que pensar em um acordo
melhor.
— Sim, você terá.
Seu lábio inferior deslizou entre os dentes enquanto seu aperto em meus
quadris aumentava, ambas as ações provocando uma sensação profunda de
aperto dentro de mim. Eu senti a tensão nos tendões de suas mãos, o poder em
seus braços e a flexão de seus músculos em seus antebraços e bíceps. Ele ia me
levantar. Talvez me deixar em pé. Ou talvez me puxar contra ele.
Eu sabia que não deveria permitir, porque aquela gaveta ZAYNE ainda
estava aberta, mas não recuei e coloquei distância entre nós. Aqueles pálidos
olhos de lobo encontraram os meus, e nossos olhares se conectaram. Nós
nos conectamos. Ele não se mexeu. Nem eu. Nada foi falado entre nós.
A buzina de um carro soou. Zayne baixou as mãos como se as palmas
estivessem queimadas. Eu congelei, presa entre amaldiçoar a buzina do carro
para o Inferno e ser grata pela interrupção. Então eu virei de lado e respirei
fundo para sentir o escapamento e o cheiro doce de limão de uma magnólia
próxima. Controlei meus hormônios e me agarrei desesperadamente ao meu
bom senso.
Zayne caminhava alguns metros à frente, os punhos cerrados ao lado do
corpo. Ele ficou perto da parede, ao alcance, provavelmente no caso de eu
decidir me jogar para fora, o que parecia ótimo no momento. Porém, eu estava
certa antes. Uma queda dessa altura prejudicaria apenas meu ego.
O silêncio passou e tentei sentir através da conexão o que ele estava
sentindo, mas eu não conseguia superar o que estava acontecendo comigo.
Olhando para o céu escuro, exalei longa e lentamente. É hora de voltar
ao caminho certo e seguir em frente. Seguir em frente era algo em que eu
poderia fingir ser boa. — Então... você estava prestes a me dizer o que pensava?
Ele olhou por cima do ombro, me observando colocar lentamente um pé
na frente do outro como se eu estivesse em um feixe de equilíbrio. — Eu estava
pensando há quanto tempo o Precursor está aqui, nessas ruas, caçando
Guardiões e demônios, e nenhum de nós teve um vislumbre disso, pelo que
sabemos. Me faz pensar que poderíamos passar todas as noites aqui,
procurando, e não encontrar.
Eu parei, um pé no ar. — Por que você acha que não vamos encontrar?
— Porque não acho que encontraremos o Precursor até que ele queira ser
encontrado.
Pouco antes da meia-noite, um formigamento quente irrompeu entre
minhas omoplatas.
Tínhamos saído do parque para vagar por uma área do Capitólio que
Zayne chamava de Mercado Oriental, que era uma meca de restaurantes
cheirosos que fazia meu estômago roncar. Fiz uma nota mental para começar
nossa próxima patrulha aqui para que eu pudesse provar algo de cada lugar.
Parei de andar e olhei para trás. — Eu sinto um demônio.
Zayne parou, a cabeça inclinada para o lado e o queixo para
cima. Virando-me para a rua larga, coloquei minhas mãos nos quadris. Ainda
havia pessoas fora e um barulho de sirenes sempre presente vindo de todas as
direções diferentes, mas não estava nem perto de tão ocupado quanto no início
da noite.
— Estou com inveja da rapidez com que você pode senti-los — comentou
Zayne enquanto caminhava em direção ao meio-fio.
— Sim, bem, você pode voar, então... — o segui, semicerrando os olhos,
mas não vendo nada além dos postes de luz. — Vê alguma coisa?
Ele balançou sua cabeça. — Está perto. Provavelmente um Diabrete, mas
vamos dar uma olhada.
Deixando os olhos incríveis de Zayne guiarem o caminho, o segui pela
rua. Eu não tinha ideia de para onde estávamos indo e não conseguia ler as
placas das ruas, mas quanto mais andávamos, mais escuras as calçadas
ficavam. Esperando que estivessem em boas condições, fiquei perto dele
enquanto minha visão de túnel piorava a cada passo.
— Onde estamos? — Sussurrei enquanto cruzávamos para outra rua
arborizada. Estava assustadoramente quieto.
— Estamos na Ninth Street — respondeu ele. — Sudeste. Não estamos
muito longe do estaleiro naval. Normalmente não vemos muita atividade
demoníaca aqui.
Achei que os demônios não gostavam de marinheiros.
Havia muitos edifícios escuros e janelas iluminadas ao nosso
redor. Pareciam prédios de apartamentos ou condomínios.
— A propósito, terei que adiar o treinamento de amanhã para o final da
tarde — disse Zayne. — A menos que você queira acordar cedo.
— Sim, vou passar. — As folhas se agitaram acima de nós enquanto o
que eu esperava ser um pássaro levantava voo. — O que você está fazendo?
— Tenho algumas coisas - espere. — Zayne ergueu um braço e eu me
lancei contra ele. Abaixando o braço, Zayne seguiu em frente descendo a rua,
passando por um beco estreito e então parou. Ele se ajoelhou. — Olhe para
isso.
Minhas botas esmagaram o cascalho quando me juntei a ele, ajoelhando-
me. Os dedos de Zayne estavam em uma parte de uma cerca de arame
quebrada. — Eu vejo... nada além de seus dedos.
Zayne praguejou baixinho. — Desculpe. Não pensei...
— Tudo bem. — Eu acenei para ele. — O que é?
— Sangue. Fresco. Bem, mais ou menos.
Eu me levantei, olhando ao redor. — O que isso significa?
— Está molhado, mas muito espesso. Estranho. — Ele inclinou a cabeça
para cima, olhando para as árvores do outro lado da cerca, e então se
levantou. Voltando para a calçada, ele olhou para a rua e depois voltou. —
Acho que sei o que está além desta cerca.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — Uma grande fatia de
pizza? Esperançosamente?
Ele riu enquanto avançava. — Não exatamente. É um antigo prédio de
manufatura que deveria ser convertido em apartamentos, mas o financiamento
caiu há vários anos.
— Um prédio abandonado?
— Se você não considera ocupantes demoníacos sangrentos, então sim.
— Ajoelhando-se novamente, ele agarrou a seção quebrada da cerca e a puxou
de volta. — Vamos dar uma olhada.
— Certo. Por que não? — Mergulhei pela abertura e esperei sabiamente
por Zayne se juntar a mim, já que eu realmente não conseguia ver nada devido
aos galhos das árvores bloqueando toda e qualquer luz.
Meus passos diminuíram e então pararam. A ausência de luz era
desorientadora, fazendo meu coração começar a pular. Isso era tão ruim
quanto a venda. Talvez pior. Meu estômago gelou enquanto eu olhava para os
diferentes tons de nada.
— Cuidado — Zayne avisou, seguindo em frente. — Os galhos são muito
baixos aqui. Eu preciso tirá-los do caminho.
— Obrigada. Eu... — Respirando fundo, disse a mim mesma para
superar isso e apenas pedir o que eu precisava. — Posso colocar minha mão
nas suas costas? Isso é...
Antes que eu pudesse terminar, a mão de Zayne envolveu a minha e um
segundo depois minha palma estava plana contra suas costas. Com uma
exalação irregular, enrolei meus dedos em torno de sua camisa e sussurrei: —
Obrigada.
— Sem problemas. — Houve uma pausa. — Pronta?
— Pronta.
Meu guia Gárgula, ainda em treinamento, me conduziu ao redor de
árvores e galhos baixos que certamente teriam me derrubado. Contei meus
passos e notei quando Zayne diminuiu a velocidade para anunciar uma grande
pedra ou galho de árvore caído. Demorou cinquenta e dois passos antes que a
espessura da escuridão mudasse e formas começassem a se moldar ao luar
prateado.
Nós pisamos em um gramado que não era cuidado há anos, a grama
atingindo meus joelhos. Arbustos e ervas daninhas obstruíam uma entrada de
automóveis que foi cortada pela cerca de arame. Dei um passo e percebi que
arbustos autocolantes tinham se agarrado às minhas leggings.
Eca.
Soltando a camisa de Zayne, me abaixei e afastei os pequenos insetos e
então me endireitei, dando minha primeira olhada no prédio.
Era... Hum, poderia ter sido adorável em seu auge.
Agora, o edifício monstruoso parecia algo saído de um filme de
terror. Com vários andares de altura, tinha duas asas e muitas janelas fechadas
com tábuas. Eu não conseguia nem dizer que cor deveria
ser. Cinza? Bege? Empoeirado?
— Bem... — eu puxei a palavra. — Isso definitivamente parece
assombrado.
— Então você virá a calhar, não é?
Olhei para ele pelas costas enquanto ele caminhava pela selva de um
quintal até a lateral do prédio. Parando em uma porta fechada com tábuas e
acorrentada, ele olhou para mim. — Você ainda sente o demônio, certo?
— Pimentas Yeppers.
— Pimentas Yeppers — ele repetiu, balançando a cabeça enquanto se
movia para a janela mais próxima. Ele agarrou uma das tábuas e a puxou. A
madeira rachou e cedeu. Ele apoiou a placa contra a lateral do prédio.
Eu entrei e agarrei a próxima tábua e então puxei. A madeira velha se
soltou e comecei a jogá-la.
Zayne me parou. — As tábuas ainda têm pregos. Se voltarmos por onde
viemos, não quero que você pise em um.
— Oh. — Envergonhada, coloquei suavemente a tábua contra a
parede. — Bom ponto.
— Eu sou útil assim.— Zayne puxou a última tábua e ela se juntou a suas
amigas contra a parede. Esticando-se, ele se inclinou pela janela. — Tudo
limpo.
Fiquei feliz em ouvi-lo falar, porque não parava de imaginar algo saído
de um filme de terror dos anos 80. O tipo que Peanut adorava assistir, que
envolvia muitas decapitações bizarras.
Zayne se levantou e desapareceu pela janela. Um nanossegundo depois,
sua mão disparou. Ele mexeu os dedos. — Vamos.
Eu revirei meus olhos. — Cópia de segurança.
Houve um suspiro e então sua mão desapareceu. Plantei as palmas das
mãos na vidraça empoeirada, pulei pela janela e caí agilmente nas tábuas do
assoalho que rangiam sob meu peso. Eu me endireitei, encontrando Zayne
parado alguns metros na minha frente.
— Exibida — ele murmurou.
Eu sorri enquanto olhava ao redor. Uma boa parte do teto estava
faltando, como aparentemente era o teto ou uma parede interna, porque uma
quantidade decente de luz do luar era filtrada. Havia um labirinto de cadeiras
quebradas e tombadas, e pichações marcavam as paredes.
Saímos do cômodo em silêncio, entrando em um corredor onde menos
luz da lua poderia penetrar. — Droga, — Zayne murmurou. — Parece que
muito deste chão está podre.
Sem perguntar desta vez, agarrei as costas de sua camisa. — Mostre o
caminho, onde quer que isso vá.
Passamos por vários cômodos com portas quebradas nas dobradiças,
mas não encontramos nenhum sinal do demônio, exceto pelo sangue que
Zayne podia ver.
Entramos em outro corredor mais amplo com janelas, o que permitia a
entrada de mais luz. Eu soltei sua camisa e olhei ao redor para ter uma melhor
compreensão do que estava ao meu redor. Havia várias outros cômodos
abertos, e o cheiro de mofo começava...
Uma visão em branco explodiu de uma parede - bem, na verdade não
erea uma visão. Era uma pessoa com um... uniforme branco. Calça branca. Top
branco. Até mesmo um chapéu branco estranho. Uma enfermeira. Era uma
enfermeira.
Que atravessou outra parede sem olhar em nossa direção, como se
estivesse com pressa.
Eu parei de andar. — Uh, você não viu isso?
Zayne olhou por cima do ombro para mim. — Não.
— Oh. — Eu encarei o corredor vazio. — O que você disse que esse lugar
costumava ser?
— Um antigo prédio industrial — respondeu ele. — Por que? Espere. Eu
ainda quero saber?
Eu balancei minha cabeça lentamente. — Provavelmente não, mas acho
que devemos ir nessa direção — disse eu, apontando para a esquerda.
Fizemos nosso caminho até onde eu tinha visto a enfermeira fantasma
desaparecer e chegamos a um conjunto de portas duplas amarelas
enferrujadas. Zayne abriu as portas com cuidado o mais silenciosamente
possível. Cada músculo do meu corpo ficou tenso enquanto eu me preparava
para ver o demônio.
Mas não foi isso que encontramos.
Era uma saliência, com cerca de 3,6 x 3,5 metros. Apenas uma grade nos
separava do vazio amplo e aberto lá embaixo.
— Estou tão confusa — eu disse, olhando para trás e depois para cima,
apenas para confirmar que ainda estávamos no primeiro andar. — Nós não
subimos nenhuma escada, certo?
— Não. — Zayne manteve a voz baixa enquanto se arrastava até a grade
e olhava para baixo. — É uma piscina velha. Esvaziada, mas deve ter sido no
porão ou em um nível mais baixo do que onde entramos. Provavelmente usada
para reabilitação.
Eu me juntei a ele, colocando minhas mãos na barra de metal, surpresa
ao descobrir que era resistente. Este definitivamente não era um porão normal,
porque toda a parede oeste estava cheia de janelas intactas, permitindo que a
luz se espalhasse pela piscina de cimento alvejado.
Era de onde a enfermeira fantasma tinha vindo? Não havia nenhum
quarto entre onde eu a tinha visto e aqui, mas isso não significava muito. Ela
poderia ter vindo de qualquer lugar, mas...
Passos ecoaram pelo espaço aberto. Zayne de repente agarrou minha
mão e me colocou de joelhos. Minha cabeça girou em sua direção, mas ele
colocou um dedo sobre os lábios e apontou com o queixo em direção à piscina.
Eu segui seu olhar, não vendo muito a princípio, e então alguém se
arrastou em direção aos degraus que levavam à parte rasa da piscina. Deve ser
o demônio, mas...
Algo parecia errado com a maneira como se arrastava, dando alguns
passos e depois se contorcendo incontrolavelmente, a cabeça girando para a
esquerda uma vez e depois duas.
Puxando minha mão da de Zayne, agarrei as barras do corrimão e me
inclinei para frente o máximo que pude. Meus olhos estavam ruins, mas eu
ainda podia ver o suficiente para saber que algo parecia muito, muito estranho
sobre esse demônio.
Em seguida, ele entrou em um raio de luar e, embora suas características
não fossem nada além de um borrão difuso, eu poderia dizer que lhe faltava
um nariz.
E quando sacudiu a cabeça novamente, algo saiu voando de sua
bochecha. Pele flácida, percebi. Pele solta, parcialmente desprendida. O que
estávamos olhando definitivamente não era um Diabrete ou um demônio de
Nível Superior. Era algo...
Algo que costumava ser humano.
Capitulo 11
Minhas palmas das mãos suaram enquanto eu observava a criatura parar
no centro da piscina. — É isso... é isso que eu acho que é?
Zayne se inclinou, seu braço pressionando contra o meu, e quando ele
falou, sua voz era quase um sussurro. — Se você acha que é isso que acontece
quando um Poser morde um humano, você está correta.
— Jesus. — Meu aperto aumentou. Agora eu sabia por que aquela pobre
enfermeira fantasma estava puxando o traseiro. Aquela coisa lá embaixo
assustava até fantasmas.
Os Posers eram demônios que pareciam e agiam como humanos com
exceção de seu apetite insaciável, força louca e hábito desagradável de morder
pessoas. A saliva infecciosa deles era transferida através de um beliscão de
dentes e, três dias depois, o pobre coitado que foi apanhado se transforma um
potencial extra para The Walking Dead, com tendência a comer de tudo,
inclusive outras pessoas, e com uma dose saudável de fúria raivosa. Nós os
chamávamos de zumbis. Não muito criativo, mas a palavra zumbi e seu
significado já existiam muito antes que a cultura pop se apoderar dela.
— Nunca tinha visto um antes, não é? — ele perguntou.
Eu balancei minha cabeça. — Eu nem vi um Poser. Pelo menos, acho que
não.
— Eles são raros. — A respiração de Zayne agitou os fios de cabelo em
volta da minha orelha. — E como você pode ver, a mordida deles é uma má
notícia, mas eles não mordem os humanos com frequência.
Meu olhar cintilou em seu rosto. — Porque eles só podem morder sete
vezes antes de morrer?
Ele acenou com a cabeça enquanto se voltava para a piscina abaixo. — O
que esse zumbi está fazendo aqui, em um prédio abandonado?
— Turismo urbano? — Sugeri.
Sua risada foi baixa. — Quando um humano é mordido pela primeira
vez, eles vão para lugares familiares. Casa. Locais de trabalho. Mas o cara lá
embaixo já passou da data de validade de ser uma mordida nova. Nesse ponto,
ele deveria estar perseguindo qualquer coisa que esteja viva.
Razão pela qual era importante abater os Posers quando eles fossem
encontrados. Tudo o que eles tinham que fazer para causar o caos era morder
um humano. Assim como nos filmes, o humano infectado espalha o vírus
demoníaco para outro humano por meio de uma mordida, saliva... qualquer
fluido corporal. Já havia acontecido no passado, provavelmente com mais
frequência do que eu imaginava. Com a disseminação da infecção demoníaca,
os zumbis perdiam sua capacidade de função cognitiva além de andar e comer.
— Estou supondo que o plano do jogo é retirá-lo.
— Sim, mas eu quero ver o que está acontecendo. Deve haver uma razão
para estar aqui, quando...
Uma porta do outro lado da sala se abriu e o som de pés se arrastando
sobre os ladrilhos aumentou até que se tornou um zumbido alto. Minha boca
abriu.
Zayne enrijeceu. — Santo...
—... apocalipse zumbi — eu terminei por ele, olhando para a bagunça
coxeando, tremendo. Eles não estavam gemendo, era mais como latidos
ásperos, rosnados cortados entre ranger dos dentes. — Deve haver uma dúzia
lá embaixo.
— E mais um pouco.
Respirei fundo e imediatamente me arrependi. O fedor era insuportável,
uma mistura de enxofre e carne podre deixada ao sol, e isso disparou meu
reflexo de vômito.
— Lembre-me de nunca mais dizer que estou entediada.
— Oh, acredite em mim, eu nunca vou permitir que você diga isso de
novo. — Ele inclinou seu corpo em minha direção. — Algo está
acontecendo. Eles não se aglomeram assim, especialmente onde não há serviço
de alimentação.
Isso foi algo que a cultura pop errou sobre os zumbis. Eles não viajavam
em grupos. A razão podia ser vista aqui, pois eles se partiam e rosnavam um
para o outro abaixo enquanto tropeçavam para frente e para dentro da piscina
vazia.
— É como se estivessem esperando por algo — continuou Zayne. — Mas
isso não faz sentido.
Muito pouco disso fazia sentido. Como, por acaso, sentimos um demônio
e acabamos aqui, onde uma assembleia de mortos estava esperando e o
demônio que sentimos estava desaparecido? A inquietação se
agitou. Poderíamos ter sido conduzidos até aqui? — Zayne...
O ar frio atingiu minha nuca. Minha cabeça girou. A temperatura gélida
me lembrou de quando eu acidentalmente caminhei através de um fantasma,
mas esta não foi uma explosão de corpo inteiro. Essa sensação de frio instalou-
se no mesmo local que ardia quando sentia um demônio, ao longo da parte
inferior do meu pescoço e entre minhas omoplatas.
— O que? — Zayne tocou meu braço.
Esfreguei minha nuca. A pele parecia normal, mas o frio ainda estava lá,
formigando. — Você sente algo estranho?
— Não. Você sente?
Meu olhar encontrou o dele enquanto eu deixava cair minha mão. — É
esquisito. Como um frio...
Um uivo gutural chicoteou nossas cabeças em direção à piscina. Um dos
zumbis deu um passo à frente, a cabeça jogada para trás enquanto gritava. Eu
tinha uma suspeita de que tínhamos sido vistos.
— Hum, eu acho que eles querem dizer oi — murmurei.
— Droga — ele rosnou. — Bem, chega de esperar para ver o que eles
estão fazendo aqui. Não podemos deixá-los partir.
— Sabe, estou começando a achar que eles não planejam ir embora — eu
disse, nem mesmo me preocupando em manter minha voz baixa enquanto
outro gritava. — Acho que somos a razão de eles estarem aqui, mas como eles
não têm a capacidade de planejar, estou pensando que aquele demônio nos
trouxe até aqui.
— Eu acho que você está no caminho certo. — Zayne se levantou. —
Mas por que seria a pergunta.
— Eu não sei. Talvez eles pensem que não podemos levá-los. — Eu olhei
por cima da grade. — Quão alto você acha que estamos?
— Cerca de sete metros daqui até o deck da piscina. Por que?
— Perfeito. — Enviei a ele um sorriso. — Vejo você lá em baixo.
Zayne girou em minha direção, meu nome um grito de seus lábios, mas
eu fui rápida. Saltei sobre a grade e caí no nada. O ar mofado parecia me puxar
para baixo. A queda demorou segundos, mas caí de pé. O impacto foi
chocante, disparando uma explosão surda de dor ao longo dos meus
tornozelos e dos joelhos até os quadris, mas desapareceu rápido o
suficiente. Eu me levantei, desembainhando minhas adagas.
— Hora do jantar — eu chamei.
Vários zumbis se viraram para mim, e os mais revigorados correram para
a parede da piscina, escalando suas laterais lisas. Vislumbrei pele esfolada e
feridas abertas na garganta. Um veio pela lateral para o deck e bloqueou a
maior parte do luar.
Provavelmente deveria ter previsto isso, mas tudo bem. Eu tinha visto o
suficiente para saber onde mirar. O zumbi avançou com uma velocidade
surpreendente e ataquei ainda mais rápido, enfiando a adaga no centro da
bolha em forma de cabeça. Um líquido pegajoso e fedorento atingiu o ar
enquanto eu puxava a adaga de volta. O zumbi se dobrou como um saco de
papel, mas foi rapidamente substituído por outro.
Pulei para frente quando Zayne pousou no fundo da piscina, as asas
abertas. Ele mudou, o que era bom, porque eu não acho que dentes de zumbi
poderiam quebrar sua pele de Guardião.
Eu, por outro lado? Não tinha ideia do que aconteceria se fosse
mordida. Também não queria descobrir. Enfiei a adaga, debaixo da garganta
dessa vez, porque esse zumbi era super alto.
— Eu juro por Deus, Trinity — Zayne rosnou enquanto pegava um
zumbi pela cabeça. Houve um som molhado, rasgando, e tudo o que eu podia
ver era um corpo caindo, sem uma parte importante. Zayne jogou a cabeça, e
ela se espatifou na lateral da piscina.
Essa era uma maneira de destruir o cérebro.
— Você não deveria jurar por Deus. —`Pulei na parte rasa da piscina,
imaginando que Zayne estava preocupado que eu fosse começar a esmurrar
zumbis como eu tinha feito com o Delírio. — O menino Jesus não aprovaria.
Zayne praguejou enquanto jogava outro zumbi sem cabeça para o
lado. — Eu acho que você tem um desejo de morte.
— Nah. Eu só queria bater você. — Agarrei o cabelo de um zumbi
cambaleando em direção ao fundo do poço e o puxei para trás, mas não
funcionou muito bem. Houve uma sensação estranha de rasgar e o zumbi
continuou sem seu cabelo e a maior parte do couro cabeludo. — Ai credo!
Eu soltei o cabelo, engasgando. — Eu nunca vou esquecer como me
senti. Nunca. Nunca.
— Você pulou aqui, então pare de ser uma covarde.
Apertando minha mão, estremeci e engoli o gosto de bile. — Eu estava
com o couro cabeludo na mão, Zayne. É couro cabeludo.
Ele se ergueu no ar, pegando o zumbi sem escamas. — Atrás de você! —
ele gritou.
Girei enquanto pulava para trás. Meu pé escorregou na gosma e minha
perna saiu debaixo de mim. Tentei me segurar, mas estava perto demais da
queda inclinada na parte mais profunda. Quando meu pé desceu, não havia
nada ali. Eu bati no cimento com um alto oomph e rolei como um tronco pela
piscina. Quando parei, estava deitada de costas, com os braços e as pernas
estendidas.
Um corpo caiu sobre mim e, com base no medo que eu estava inalando
pelas narinas, sabia que era o zumbi. Um segundo depois, os dentes partiram
a um centímetro do meu rosto. Por mais perto que a criatura estivesse, tive
uma boa visão de uma mandíbula exposta e um olho pendurado, preso por um
fio de tecido semelhante a uma gelatina rosada.
— Oh Deus — gemi, pegando-o pela garganta. Eu me encolhi quando
meus dedos afundaram nos tecidos e músculos. Balançando meu outro braço
ao redor, golpeei a adaga na lateral de sua cabeça. O líquido borrifou meu rosto
e peito enquanto a dor reanimada na minha bunda caía.
— Eu odeio zumbis — eu murmurei, empurrando o cadáver de cima de
mim.
— Você está bem? — Zayne gritou.
— Sim. — Sentei-me, apertando os olhos enquanto me virava em direção
à parte rasa. Eu vi Zayne, mas havia quatro zumbis ainda de pé entre nós. Três
deles estavam vindo direto para mim.
Gemendo, levantei-me e comecei a trabalhar. Os zumbis não eram
difíceis de derrubar. Eles não eram lutadores natos, e coordenação
definitivamente não era algo que reanimava junto com eles, mas com certeza
eles eram confusos. Quando terminei, estava em meio a um monte de gosma e
coisas podres.
— Você terminou aí? — Eu gritei, os olhos procurando os feixes de luz
da lua.
Zayne apareceu onde a piscina começava a mergulhar. — Você está bem?
— ele repetiu.
Presumi que isso significava que não havia mais zumbis. — Estou
bem. Nem um arranhão ou uma mordida.
Ele se virou de lado. — Devia haver pelo menos duas dúzias.
— Isso é bizarro, não é? Não há como muitos zumbis simplesmente
passarem por aqui. As pessoas ficariam tão assustadas, que as ouviríamos
daqui.
— Sim — Zayne concordou, as asas levantando e depois abaixando. —
Eu tenho doze. Quantos você conseguiu?
Fiz uma careta. — Eu não estava contando.
Ele zombou. — Amadora.
Eu mostrei o dedo do meio para ele.
— Não há necessidade de ser odiosa. — O humor havia desaparecido de
sua voz quando ele falou novamente. — Eu preciso ligar por isso.
Isso fazia sentido. Esses tantos zumbis reunidos em algum prédio
abandonado aleatório eram altamente anormais e criavam um monte de
perguntas que precisavam de respostas.
Fiquei olhando para o que restava dos zumbis e, provavelmente pela
primeira vez em toda a minha vida, não estava com fome. Levantando meu
olhar enquanto Zayne tirava o celular do bolso, pensei em algo. — O que eu
digo quando o resto do clã chegar aqui? Eles vão ter perguntas. Inferno, eles
provavelmente já têm perguntas.
— Estou ligando para Dez — respondeu ele, referindo-se ao único outro
Guardião além de Nicolai que sabia o que eu era. Ele acompanhou Zayne e o
líder do clã para a Comunidade. — Farei com que ele te leve de volta para a
minha casa antes que o resto chegue aqui.
— E se mais zumbis aparecerem enquanto você espera os outros
chegarem? — Eu perguntei.
— Eu posso lidar com eles. — Ele colocou o telefone no ouvido. — E os
outros estarão aqui rápido.
Eu balancei a cabeça, embora eu odiasse ter que cortar e
correr. Embainhando minhas adagas enquanto ele falava com Dez, olhei ao
redor da piscina. Parecia um açougue.
— Dez está a caminho — disse Zayne, deslizando o telefone em seu
bolso. — Algo está acontecendo, no entanto.
— O que você quer dizer?
— Ele parecia desligado. — Zayne olhou para baixo. — Deixe-me tirar
você daqui.
— Eu posso me...
— Há corpos e sangue coagulado cobrindo cada centímetro quadrado da
piscina. Você vai andar nele e escorregar. — As asas de Zayne se espalharam e
ele se ergueu no ar. — E eu duvido que Dez ficaria feliz com você espalhando
cérebro por todo o assento do carro.
Eu fiz uma careta. — Os cérebros já estão em mim.
— Ainda mais razão para não chegar mais em você. — Ele pairou acima
de mim, estendendo os braços. — Deixe-me tirar você da piscina.
Zayne tinha razão, mas hesitei, sentindo que precisava provar que
poderia fazer isso sem ajuda. Eu já precisava de sua ajuda uma vez esta
noite. A frustração queimou quando dei um passo e senti algo pegajoso sob
minha bota.
— O que é isso? — As asas de Zayne se moveram
silenciosamente. Quando eu não respondi, ele mudou-se para o meu outro
lado. — Fale comigo, Trin.
— É só que... eu já tinha que contar com você esta noite quando não podia
ver, e posso sair daqui. Pode ser uma bagunça, mas eu só... — Minhas mãos
abriram e fecharam, e pensei em como eu tinha me saído mal enquanto
treinava com os olhos vendados. — Eu preciso ser independente.
— O que? — A confusão encheu sua voz.
Olhando para o que pensei que fossem costelas expostas, me esforcei
para encontrar as palavras para explicar. — Não quero que você nem ninguém
pense que não posso ser... independente ou que preciso confiar nos outros o
tempo todo.
— Eu não acho, nem por um segundo, que você aceitar ajuda quando
precisa dela significa que não é independente.
— Sim, bem, outras pessoas não concordarão com você.
Zayne pousou ao meu lado, provavelmente no único local livre. Ele
enfiou as asas para trás. — Quem são essas pessoas?
Eu tossi uma risada seca. — Todas? Você viu como as pessoas falam de
outros que têm... — Engoli em seco. — Quem tem deficiência?
Deus, dizer isso foi mais difícil do que eu percebi. Deficiência. Que
palavra carregada, uma que eu não tinha certeza de ter falado em voz alta
antes. Talvez nunca tenha dito isso por causa do que significava, que havia
algo diferente em mim, algo que precisava ser acomodado.
Mas deficiência não era um palavrão e não queria dizer isso. Significava
apenas o que significava. Eu era uma Verdadeira Nascida. E uma lutadora de
primeira. Mas ainda estava incapacitada no final da noite. E sabia que isso não
me definia. Não era a soma de quem eu era. Era apenas uma parte de mim.
Ainda assim, foi uma palavra difícil de dizer.
E me senti mal por sentir que era uma palavra difícil de dizer. Como se
eu estivesse traindo outras pessoas com deficiência por achar difícil admitir
que também tenho uma deficiência.
Não mudou que senti que tinha que provar a mim mesma.
— Trin? — A voz de Zayne era suave.
Eu balancei minha cabeça. — As pessoas esperam que você seja
autossuficiente e forte o tempo todo. Como se você fosse um exemplo brilhante
de se elevar acima do que lhe foi dado, ou se você estivesse lá para servir a
algum propósito esquisito de provar como alguém pode superar as
probabilidades se elas forem positivas o suficiente. Mesmo as pessoas que têm
os mesmos problemas às vezes pensam assim.
— Thierry ou Matthew disseram algo assim para você? — ele perguntou
de uma forma que me deixou preocupada com eles.
— Não, na verdade. Quero dizer, eles me ensinaram a não deixar isso me
prendesse. Minha mãe também, mas... — Comecei a esfregar minhas mãos no
rosto, então percebi que elas estavam endurecidas com sangue de zumbi. —
Eu pertencia a este grupo de apoio à visão alguns anos atrás. Era uma coisa
online, e eu queria saber o que as outras pessoas pensavam, você sabe, que
estavam lidando com algo semelhante. A maioria era ótima, mas havia alguns
que estavam tão empenhados em garantir que todos ouvissem suas opiniões e
como lidavam com as coisas, que nunca deram ouvidos a ninguém. Eles
estavam tão ocupados dizendo a todos no grupo como devemos nos adaptar
ou nos sentirmos, ou mesmo como devemos falar sobre como estamos nos
sentindo, ou os desafios e... — Ergui minhas mãos. — Nem sei por que estou
falando sobre isso agora. Estamos cercados por zumbis fedorentos mortos.
— Não há momento mais perfeito do que agora — disse ele.
— Oh, posso pensar em muitos outros momentos perfeitos que não
envolvam a massa cerebral. — Plantei minhas mãos em meus quadris. — Olha,
eu só não quero ser...
Um fardo. Uma vítima. Um desafio. Alguém para ter pena, mimar e se
preocupar. Alguém tratado com menos, mesmo com as melhores intenções.
Respirei fundo. — Eu não sei o que dizer. Está tarde. Estou cansada e
tenho cérebro.
— Tudo bem. Eu sei exatamente o que dizer.
— Ótimo — eu murmurei.
— Em primeiro lugar, não estou nem aí para o que pensa uma pessoa
qualquer na internet que se autodenomina porta-voz de tudo. Você provou
centenas de vezes que é independente e forte. Você simplesmente saltou
disso... — ele gesticulou para a grade — e não pensou duas vezes sobre
isso. Ainda queria que você não tivesse feito isso, mas tanto faz. Você precisar
da minha ajuda uma, duas ou cinco vezes em uma noite não é uma indicação
de perder sua independência.
— Então, o que é?
Seu peito subia e descia. — Você está fazendo o melhor que pode, Trinity.
Eu respirei fundo. Essas foram as palavras que eu disse a ele quando
contei sobre minha condição ocular. Estou fazendo o melhor que posso. Eu disse
isso.
— Você é tão incrível, e você nem sabe disso.
Meus olhos arregalados encontraram os dele.
— E você também é terrivelmente frustrante — acrescentou. Os cantos
dos meus lábios se curvaram para baixo. — Sabe, muitas vezes esqueci que
você não pode ver bem e, quando me lembro, fico meio chocado por não
precisar de mais ajuda, e você não tem ideia de como... como eu estou admirado
com você, que você faz o que faz nessas circunstâncias. Que está cumprindo
seu dever e não está se contendo nem permitindo que sua visão a limite. Então,
caramba, Trinity, não deixe que o que os outros pensem ou digam, ou mesmo
o que você teme, atrapalhem quando precisar de ajuda. Não perca um segundo
se preocupando com isso. Deixe-me ajudá-la - deixe qualquer um ajudá-la
quando você precisar, e isso a tornará ainda mais forte.
— Você... você está admirado comigo? — Eu perguntei, minha voz
soando muito baixa.
— Essa é a única parte do que acabei de dizer que você ouviu?
— Bem não. — Eu balancei para trás em meus calcanhares. — Ouvi tudo.
Zayne se inclinou para frente, suas asas se espalhando para equilibrá-lo,
e mesmo que eu não pudesse ver seus olhos, senti a intensidade de seu
olhar. — Você nunca deixa de me surpreender, Trinity. Acho que nunca haverá
um momento em que você faça isso. Então, sim, estou admirado com você.
Eu abri minha boca e fechei. Em meu peito, senti uma onda de emoção
tão poderosa que pensei que poderia me levar até o teto.
— Mas ainda acho que você deveria beber mais água.
Uma risada trêmula me deixou. — Isso é tudo... muito bom. Não a parte
da água, mas o que você disse. Obrigada. — Minhas bochechas coraram
quando estendi minhas mãos. — Ok. Você pode me tirar daqui.
Zayne olhou para mim, seu rosto meio escondido nas sombras. — Você
me deixa louco.
— Desculpe?
— Não, você não. — Zayne suspirou.
Ele não pegou minhas mãos. Em vez disso, ele cruzou um braço em volta
da minha cintura e me puxou contra ele enquanto se erguia no ar, muito
parecido como a noite em que voamos o mais alto que podíamos. Por instinto,
minhas mãos pousaram em seus ombros. O contato de corpo inteiro foi tão
chocante quanto a aterrissagem que eu fiz antes, porque ele estava muito
quente e se sentia muito bem.
A viagem para o deck da piscina foi rápida e quando ele pousou, tirei
minhas mãos de seus ombros. Ele não soltou, pelo menos não
imediatamente. Ele me segurou contra ele, e eu não ousei levantar minha
cabeça para ver se ele estava olhando para mim. Também não me concentrei
no vínculo para ver se conseguia captar o que ele estava sentindo além do meu
próprio coração repentinamente palpitando.
Seu peito subiu contra o meu e seu queixo roçou o topo da minha
cabeça. — Faça-me uma promessa.
— Qualquer coisa — respondi, repetindo sem querer o que ele disse
quando pedi um favor.
O braço de Zayne se apertou. — Prometa-me que sempre que precisar de
ajuda, não importa o que aconteça, você vai pedir.
Fechei os olhos, abalada, e as palavras me deixaram sem muito
esforço. — Eu prometo.
— Bom — ele respondeu, e então eu senti seus lábios contra minha testa.
Um beijo tão casto, tão doce que não deveria ter me destruído, mas
aconteceu. O beijo me sacudiu profundamente, assim como suas palavras
fizeram. Eu quase queria que ele retomasse o que tinha dito, e o beijo também,
porque era mais fácil dessa maneira. Muito mais fácil. Mas eu apreciei tudo,
provavelmente demais.
Ele se virou de repente, e então seu aperto em volta da minha cintura
afrouxou e eu deslizei sobre meus pés. O atrito foi uma explosão para os meus
sentidos, e dei um passo para trás.
— Desculpe — disse ele, a voz rouca. — Havia... coisas no deck.
— Tudo bem. — Olhei em volta, evitando contato visual. Soltando um
longo suspiro, eu limpei minhas mãos na parte externa das minhas coxas. É
hora de voltar ao que era importante. — Tenho um mau pressentimento sobre
tudo isso.
— Eu também. Um demônio nos trouxe direto a este lugar onde uma
horda de zumbis estava convenientemente esperando.
Eu cruzei meus braços, olhando para Zayne. Ele ainda estava em sua
forma de Guardião. — Existem demônios por aí que podem controlar zumbis?
— Não que eu saiba, mas tudo que você precisa é ter um Poser mordendo
um humano e, em seguida, trazer mais para ser infectado.
— Alguns deles pareciam estar a um segundo de serem nada além de um
esqueleto.
— Eles se decompõem rápido. Os de aparência rude podem ter ficado
aqui apenas alguns dias — explicou Zayne.
Isso soava horrível. As pessoas eram arrancadas das ruas para serem
transformadas em mortas-vivas, deixadas aqui onde não havia nem mesmo
algo para comer. Bem, a menos que houvesse algum sem-teto aqui, procurando
abrigo do calor e das tempestades.
E isso soou pior.
— Dez está aqui — Zayne anunciou.
Virei assim que uma parte da parede se abriu, uma porta oculta rangendo
em suas dobradiças enferrujadas.
O Guardião de cabelos escuros estava em sua forma humana, e eu pude
perceber o momento em que ele viu a bagunça na piscina e no deck, porque ele
parou repentinamente. — Você não estava exagerando.
— Infelizmente não. — Zayne se moveu para ficar ao meu lado.
— Oi. — Acenei com a mão ensanguentada para Dez. — Já viu algo
assim? — Fiz um gesto para trás... e ao meu redor.
— Eu só vi cinco zumbis na minha vida, e cada avistamento teve anos de
diferença. — Ele ergueu a mão e a enfiou nos cabelos escuros. — Você disse
que sentiu um demônio e isso os trouxe até aqui, onde esses pobres filhos da
puta estavam esperando?
— Sim — Zayne respondeu. — Estamos pensando nisso...
— Foi uma armação? — Dez interrompeu, e o desconforto ressurgiu com
uma vingança. — Vocês não viram o demônio?
— Nós não o vimos. — Eu dei um passo à frente. — Por que você acha
que foi uma armação? Porque estávamos começando a pensar a mesma coisa.
Quando Dez falou, sua voz estava tão cansada quanto qualquer soldado
cansado da batalha. — Porque cerca de dez minutos atrás, Greene foi
encontrado morto. Eviscerado e pendurado dentro do maldito Mercado
Oriental.
— Onde? — Zayne perguntou quando meu estômago caiu.
— Plataforma do Metrô do Mercado Oriental — Dez confirmou. —
Apenas alguns quarteirões daqui.

Com base no modo como Dez estava me olhando enquanto eu subia no


banco do passageiro do SUV, imaginei que ele queria abrir um hidrante e
empurrar-me para baixo, mas estava resistindo.
Enquanto Dez corria pela frente do veículo, olhei pela janela. Tudo o que
vi foram as formas vagas de árvores, mas eu sabia que Zayne ainda estava no
prédio e dentro de minutos, outros Guardiões estariam chegando para ajudar
a limpar a bagunça e vasculhar o resto do prédio para ter certeza de que não
havia zumbis sobrando.
Odiei deixar Zayne lá sozinho depois de saber que um de seu clã foi
assassinado, e bem onde estávamos.
O demônio nos conduzindo a este prédio abandonado não pode ter sido
uma coincidência. O Precursor estava lá fora, perseguindo Greene, e nós não
tínhamos ideia? Ou Greene estivera em outra área da cidade e foi levado para
lá como uma mensagem distorcida para que soubéssemos que havíamos sido
vistos?
Que nós tínhamos sido enganados.
O SUV balançou enquanto Dez dobrava seu longo corpo no banco do
motorista. Eu olhei para ele, capaz de ver seu perfil no poste. Dez era jovem,
apenas um punhado de anos mais velho que Zayne, e ele já estava acasalado,
com dois gêmeos adoráveis que estavam apenas aprendendo a mudar.
Muitos Guardiões cresceram sem pais, tendo perdido sua mãe durante o
parto ou devido a invasões de demônios e seu pai para a guerra sem fim. As
estatísticas não estavam a favor dos gêmeos, mas eu esperava que Izzy e Drake
não tivessem o mesmo destino de tantos outros.
— Sinto muito pelo que aconteceu com o Guardião — eu disse quando
Dez apertou o botão de ignição.
Ele olhou para mim, a expressão escondida no interior sombrio enquanto
se afastava do meio-fio. — Obrigado.
Eu queria perguntar se Zayne o conhecia bem, mas parecia insensível. —
Ele estava com o clã há muito tempo?
— Sim, ele está aqui há vários anos — ele respondeu, e meu coração
apertou. — Ele não estava acasalado, e eu acho que isso é uma bênção.
Quão triste isso tinha que ser acrescentado, como se o lembrete de que
poderia ter sido pior precisasse ser falado. — Mas ele ainda fará falta.
— Claro. Ele era um lutador muito bom e um amigo ainda
melhor. Greene não merecia morrer dessa maneira. — Ele suspirou. —
Nenhum dos que foram mortos antes de você chegar aqui o fez.
Um nó se formou na minha garganta quando me virei para a janela, sem
saber o que eu poderia dizer ou se algo além de sinto muito poderia ser dito. Fui
morder minha unha, mas parei quando me lembrei que minhas mãos estavam
cobertas de sangue de zumbi. — Nós estávamos bem ali, não mais do que trinta
minutos atrás. Essa parte da cidade estava praticamente vazia, e não sentimos
nada além do demônio. Se tivéssemos, ou tivéssemos conhecimento do que
estávamos procurando...
— Mas vocês não sabiam — Dez finalizou. — Vocês estavam no escuro
tanto quanto nós, e não quero dizer isso como uma crítica. Seja o que for, é
inteligente. Esperou até que você e Zayne seguissem em frente.
Balancei a cabeça enquanto a inquietação se desenrolava na boca do meu
estômago, espalhando-se como uma erva daninha venenosa. O Precursor não
era apenas inteligente. Eu tinha uma suspeita de que, embora não tivéssemos
ideia de quem ou o que era, ele sabia exatamente quem e o que Zayne e eu
éramos.

Meu corpo inteiro ficou ereto enquanto engolia o ar, o sangue batendo
tão rápido que eu podia ouvir o barulho em meus ouvidos quando a
desorientação passou por mim. Levei um momento para perceber que
adormeci após o banho.
Droga, eu não queria desmaiar. Eu queria estar acordada quando Zayne
voltasse. Eu não tinha ideia de quanto tempo eu estava dormindo ou se
Zayne...
— Trinity! — O rosto fantasmagórico de Peanut estava de repente a
poucos centímetros do meu, iluminado pelo brilho da lâmpada de cabeceira
que eu deixei acesa.
— Jesus, — eu gaguejei, pressionando minha mão contra meu peito. —
Por que você faria isso?
— Trin...
— Às vezes acho que você está tentando me causar um ataque cardíaco.
— Eu me afastei de Peanut, irritação zumbindo em minhas veias como um
ninho de vespas enquanto meus olhos se ajustavam. Percebi que a porta do
quarto que eu deixei aberta para que eu pudesse ouvir Zayne voltar estava
fechada, o que significa que Zayne provavelmente voltou e fechou, porque eu
duvidava seriamente que Peanut tivesse feito isso. — Peanut, estou falando
sério. Da próxima vez que você fizer isso...
— Ouça-me, Trin, há...
— Eu vou exorcizar sua bunda direto para a vida após a morte — eu
rebati. — Não está tudo bem, Peanut. De jeito nenhum.
— Eu não estava vendo você dormir ou tentando assustar você! — O
Peanut cintilou.
— Tanto faz — eu murmurei e peguei meu telefone para verificar a hora.
— Escute-me! — Peanut gritou tão alto que se pudesse ser ouvido por
outras pessoas, ele teria acordado metade do prédio.
Eu nunca o tinha ouvido gritar antes. Nunca. Me concentrei nele,
realmente olhei para ele, e para um fantasma, ele parecia assustado. — O que?
Peanut recuou trinta centímetros. — Há algo aqui - algo no apartamento.
Capitulo 12
Eu pulei da cama como se um foguete estivesse preso na minha
bunda. — O que?
Peanut acenou com a cabeça. — Há algo aqui.
— Você precisa me dar mais detalhes. — Peguei uma adaga da mesa de
cabeceira. — Estatueta.
— Eu vi na outra sala, perto da ilha da cozinha — disse ele. — Não
pertence aqui.
Oh meu Deus, Zayne estava lá fora.
E se o Precursor tivesse nos seguido? Era possível, especialmente se
soubesse que estávamos no Mercado Oriental. Nós não tínhamos percebido
isso, então poderia estar aqui sem ser detectado. Correndo para frente, abri a
porta e entrei na sala comum, que era iluminada pelo luar e o brilho suave da
iluminação embaixo do armário da cozinha. Meu olhar disparou sobre a ilha
da cozinha para o sofá - espere. Algo estava atrás da ilha. Estava bloqueando
uma seção da luz.
Eu dei um passo à frente, minha mão segurando a adaga enquanto eu
apertava os olhos. A forma era de uma... pessoa, mas não era sólida. A cada
dois segundos, eu via as luzes do gabinete piscando, como se a forma estivesse
piscando...
— Você o vê? — Peanut questionou atrás de mim. — Ele não deveria
estar aqui.
Eu o vi.
Lentamente, abaixei minha adaga.
— Ele estava olhando ao redor e outras coisas, verificando Zayne —
continuou Peanut, ficando atrás de mim como se eu fosse seu escudo
pessoal. Avancei em direção ao sofá. — Eu perguntei o que ele estava fazendo,
mas ele não respondeu. Ele me ignorou como se ele não pudesse me ver, mas
esse não é o caso.
Eu lancei um olhar para baixo quando cheguei ao sofá, e o alívio me
atingiu no centro do peito. Zayne estava lá, dormindo. Um braço foi colocado
atrás de sua cabeça, o outro descansando sobre seu estômago. Seu rosto estava
voltado para mim, e uma lasca de luar beijava sua bochecha.
Empurrei meu olhar de volta para a cozinha, a pressão arterial
baixando. Zayne estava bem, mas a forma sombria ainda estava na cozinha, e
não era o Precursor ou um demônio que de alguma forma conseguiu passar
pelo meu sistema de radar interno.
Era um fantasma... ou um espírito.
O que teria sido bom para Peanut ter mencionado quando ele me
acordou, em vez de me causar um pequeno ataque cardíaco.
Fantasmas e espíritos, em sua maioria, eram benevolentes, mesmo
aqueles que podiam interagir com o ambiente, como Peanut. Havia alguns que
ficaram presos e sem vontade de reconhecer que estavam mortos, e sua raiva
ardia, apodrecendo suas almas. Eles se tornavam espectros. Você tinha que
tomar cuidado com eles, pois podiam ser perigosos e violentos.
Imaginei que esse fantasma tivesse me visto em algum lugar e me
seguido até aqui. Não seria a primeira vez que um fantasma me sentiu e me
encontrou mais tarde.
— Faça-o sair — sussurrou Peanut.
Lancei a ele um olhar e então me concentrei no visitante
inesperado. Posso estar aqui para encontrar o Precursor, mas ajudar fantasmas
e espíritos era importante para mim. Para muitos deles, eu era a única chance
de transmitir uma mensagem ou obter ajuda para fazer a travessia.
De tudo o que eu era capaz, ajudar o falecido a seguir em frente ou
comunicar a mensagem de um espírito era o dom mais incrível que tinha em
meu arsenal. Pelo menos, eu pensava assim.
Conforme me aproximava da ilha, a forma mudou sem aviso
prévio. Roupas apareceram. Uma camisa de flanela preta e branca jogada
sobre uma camiseta com palavras foi subitamente preenchida por um peito e
braços. Características formadas. Um rosto redondo, quase infantil. Cabelo
castanho bagunçado que parecia adormecido. Óculos empoleirados em um
nariz reto. Ele tinha mais ou menos a minha idade, mais ou menos um ou dois
anos.
E ele era um espírito.
Soube disso imediatamente, porque sua pele carregava um brilho etéreo
que me dizia que ele tinha visto a luz e entrado nela. Mas eu nunca tinha visto
um espírito fazer o que acabou de fazer - mudar de uma forma negra e sombria
para uma aparição de corpo inteiro.
— Eu não gosto dele — Peanut sussurrou. — Não o quero aqui.
O espírito concentrou-se no Peanut. — Você não é muito amigável para
um Gasparzinho.
Peanut engasgou. — Eu não sou Gasparzinho, seu tolo insolente.
— Engraçado você mencionar Gasparzinho — o espírito respondeu,
cabeça inclinada. — Você sabia que quando Gasparzinho foi criado, ele era o
fantasma de um garotinho que morreu, mas os criadores se preocuparam que
uma criança morta fosse muito sombria, então o mudaram para ele sempre ser
um fantasma e deram-lhe pais fantasma, porque em suas mentes, fantasmas
tendo bebês fantasmas era menos difícil de explicar?
Eu pisquei.
— O que? — Peanut vocalizou minha confusão.
— Exatamente. — O espírito acenou com a cabeça. — Quer dizer, se você
me perguntar, a ideia de que fantasmas nascem e são capazes de procriar é
muito mais perturbadora, mas o que eu sei?
Está bem.
Não tinha ideia de que horas eram, mas poderia dizer com segurança que
era muito tarde ou muito cedo para esse absurdo. Segurando minha mão, eu
acenei a adaga. — Oi. Como posso ajudá-lo?
Os olhos do espírito se arregalaram por trás dos óculos. — Você pode me
ver?
— Pergunta idiota — murmurou Peanut. — Porquê duh.
Se eu pudesse bater no Peanut, eu o teria feito. — Uh. Sim. Posso ver e
ouvir você. Não é por isso que você está aqui?
— Puta merda — o espírito sussurrou, e então tremulou.
Minhas sobrancelhas levantaram enquanto eu abaixava minha adaga. O
espírito não piscou de volta à existência.
Peanut flutuou até onde o espírito estivera. Pairando alguns metros
acima do solo, ele olhou para baixo. — Ele não está se escondendo aqui.
— Você deve estar brincando comigo, — eu murmurei.
— Trin? — A voz rouca de sono de Zayne gritou, e eu me virei. Ele estava
sentado e olhando por cima do encosto do sofá. — Está tudo bem?
Duas escolhas me foram apresentadas. Dizer a Zayne que havia um
espírito em seu apartamento, mas não poder dizer quem era o espírito ou por
que ele esteve aqui. Ou não dizer nada a ele, porque já ter um fantasma em sua
casa era uma pessoa morta demais.
— Eu estava esperando por você, mas devo ter adormecido — deixei
escapar, minha boca decidindo por mim enquanto eu habilmente escondia a
adaga atrás da minha coxa. — Vim ver se você estava acordado e, quando vi
que não estava, peguei algo para beber.
— Mentirosa — Peanut respondeu. — Mentirosa, mentirosa, calças em
chamas.
— Desculpe acordá-lo — acrescentei, dando um passo para o lado.
— Tudo bem. — Ele passou a mão pelo cabelo. No momento em que ele
abaixou o braço, aqueles fios grossos voltaram ao lugar. — Você conseguiu
algo para beber?
— Uh-huh. — Eu também balancei a cabeça, e quando Peanut não fez
nenhum comentário, olhei para trás para ver se ele havia sumido.
— Você estava esperando por mim? — ele perguntou, apoiando o braço
nas costas do sofá.
— Sim. Eu queria ver como você estava. — Aproximei-me, mantendo
minhas mãos atrás das costas. — Se você estava bem.
— Sempre.
— Sempre? — Eu repeti. — Dez me disse que Greene esteve com o clã
por vários anos. Você o conheceu, e ele...
— Ele está morto. — Ele afastou o cabelo do rosto novamente. — Não há
mais nada a dizer.
— Há muito mais a dizer. — Eu senti uma pontada de tristeza pelo
vínculo. — Você sabia...
— Não há realmente, Trin. — Ele passou a mão pelo rosto. — É o que é.
Ele não estava sendo indiferente ou sem coração. Ele estava evitando a
perda e a dor que se seguiu. Eu poderia entender isso. — Sinto muito,
Zayne. Eu realmente sinto. — Engoli o nó na minha garganta. — Eu gostaria
de poder fazer algo.
Não consegui ver seu rosto com clareza, mas pensei ter visto um breve
sorriso. — Você vai voltar para a cama?
— Eu acho que sim.
— Mesmo? Você parece bem acordada — ele disse, e cara, isso não era
verdade. — Você vai realmente voltar a dormir ou vai ficar deitada aí, olhando
para o teto?
— Você é vidente? — Eu brinquei. Mais ou menos.
Zayne riu enquanto se virava. — Eu estou acordado agora. Poderíamos
fazer companhia um ao outro. Você sabe? Até que um ou ambos desmaiem.
A oferta roubou meu fôlego, e quão ruim era isso? Eu deveria bocejar alto
e detestavelmente, mas ele acabou de perder alguém e eu faria qualquer coisa
para tornar isso melhor para ele.
— Certo. — A adaga quase queimou minha palma. — Uh, eu já volto.
Sem esperar por uma resposta, corri para o quarto, meus pés descalços
deslizando sobre o piso frio de cimento. Coloquei a adaga na mesa de cabeceira
e corri de volta para a sala. Eu derrapei até parar quando não vi Zayne no
sofá. Olhando para a cozinha, eu não o vi lá também. Ou Peanut. Ou um
espírito aleatório.
Eu estava mesmo acordada ou era algum tipo de sonho bizarro?
— Zayne?
— Estou aqui — foi a resposta imediata.
Virei-me para o sofá com a testa franzida e avancei para o lado, e ele
estava lá, deitado de lado com a bochecha apoiada na curva de seu
braço. Havia um travesseiro vazio ao lado de seu cotovelo.
Ele deu um tapinha no espaço ao lado dele.
Eu olhei dele para o espaço e depois de volta para ele novamente, minha
garganta de repente me fazendo desejar ter bebido algo. Minha pele estava
pesada e eu realmente precisava me recompor. Ele estava me convidando para
deitar com ele e não para dormir com ele.
— Há espaço suficiente — disse ele. — Eu prometo.
Havia espaço suficiente no sofá para caber um T. Rex, mas eu ainda
estava lá, abrindo e fechando as mãos ao lado do corpo. Não sabia por que
estava sendo tão estranha. Esta não seria a primeira vez que ficaríamos
deitados lado a lado sem conseguir dormir. Foi um hábito breve até... até a
noite em que fizemos mais do que conversar e dormir.
— Trin? — Zayne começou a se levantar. — Você está bem?
— Sim, eu estou bem. — Sentei no sofá ao lado dele, caindo de costas
com a graciosidade de uma vaca caindo.
— Uau — ele murmurou.
— O que? — Juntei minhas mãos, sobre meu estômago. Havia alguns
centímetros entre nós, mas eu ainda podia sentir o calor de seu corpo.
— Só estou surpreso que você não quebrou as costas com aquele
movimento.
— Cale a boca — eu murmurei.
Zayne deu uma risadinha.
Eu mexi meus dedos dos pés e depois minha bunda, afundando alguns
centímetros na almofada. — Sabe... este sofá é mais confortável do que eu
pensava.
— Não é ruim.
Mas ainda não tão confortável quanto sua cama. — Eu me sinto péssima
por assumir o controle do seu apartamento - seu banheiro. — Pausei. — Sua
cozinha. Sua cama.
— Não se preocupe com isso.
Minhas sobrancelhas franziram quando virei minha cabeça em direção a
ele. Eu não poderia dizer se seus olhos estavam abertos ou não. — É um pouco
difícil não se preocupar. Eu podia dormir aqui e...
— Isso iria contra todos os códigos que eu tenho. Não vai acontecer —
respondeu ele. — O que a despertou?
O espírito que vi se formou em meus pensamentos. Tremendo, eu me
perguntei se ou quando ele voltaria e o que queria. Às vezes, eles nunca
voltavam.
— Frio? — Zayne se abaixou e agarrou o cobertor enrolado em sua
cintura. Com um movimento de sua mão, o material macio flutuou para o lado
e caiu sobre minhas pernas.
— Obrigada — murmurei. — Eu acabei de acordar. Não sei por
quê. Realmente sinto muito por acordar você.
— Tudo bem. — Ele fez uma pausa. — Pensei ter ouvido você falando
com alguém quando acordei.
— Você deve ter ouvido coisas.
— Uh-huh.
Meus lábios se contraíram. — Era Peanut. — Isso não era exatamente
uma mentira.
Zayne se mexeu ao meu lado. — Ele ainda está aqui?
Quando abri os olhos, pude ver o suficiente para saber que ele estava
olhando ao redor. Meu sorriso cresceu. — Ele não está aqui agora.
— Huh. — Sua cabeça se inclinou em direção à minha. Quando ele falou,
senti sua respiração na minha testa. — Para onde ele vai... quando não está
aqui?
— Esta é uma boa pergunta. Espero que ele não esteja incomodando
aquela garota que mora em algum lugar deste prédio. O que me lembra, eu
realmente preciso verificar isso. — Suspirei, readmitindo mentalmente isso à
minha lista de coisas que precisava fazer para ontem. — Toda vez que
pergunto aonde ele vai, ele me dá uma resposta ridícula. Como uma vez, ele
disse que foi para a lua.
— Talvez ele tenha. Talvez os fantasmas possam viajar para a lua.
Eu ri enquanto mudava meu olhar de volta para o teto. — Sim, eu não
sei sobre isso.
— Seria legal, no entanto.
— Sim, seria. — Meus olhos se fecharam. — Eu realmente tentei esperar
por você, por causa de... de Greene, e também porque queria saber se você
encontrou mais zumbis.
Zayne ficou quieto por um momento. — Eu verifiquei você quando
voltei. Você estava desmaiada. Nem me ouviu tomar banho — disse ele. —
Não encontramos mais zumbis. Após a limpeza, fui para a plataforma do
Mercado Oriental. Greene já havia sido derrubado. Um policial o
encontrou. Ele ainda estava lá.
— Você falou com ele.
— Sim, mas ele não viu nada. — Zayne dobrou os joelhos
ligeiramente. — Não havia sinais de luta ou vestígios de sangue, e o policial
estava na área o tempo todo. Ele teria ouvido uma luta. Greene foi morto em
outro lugar e levado para lá por um motivo.
Eu processei isso. — Tenho pensado nisso. Greene foi... exibido como os
outros Guardiões e demônios foram - deixados para serem encontrados. Não
acho que seja necessário um salto de lógica dizer que o Precursor está por trás
de tudo isso.
— Concordo.
— Os corpos dos outros Guardiões alguma vez foram encontrados onde
outros estiveram minutos antes, mas não viram nada?
Zayne ficou quieto por um momento. — Não que eu saiba. A maioria
deles foi encontrada em locais públicos extremamente movimentados. Essa
plataforma está deserta àquela hora da noite.
— Então, esta foi uma mensagem. — Eu pausei. — Para nós. O Precursor
matou Greene e o levou para um lugar que acabamos de visitar, e o demônio
deve estar trabalhando com isso.
— Eu sei aonde você quer chegar com esse pensamento. Que é possível
que o demônio ou o Precursor saibam quem somos - saiba o que você é.
Rolei para o lado, de frente para ele. Cabelo caiu em meu rosto, mas eu o
deixei ali, mantendo meus braços cruzados entre nós. — Você acha isso?
— Eu acho que é possível.
— Isso significa que o Precursor tem a vantagem — eu sussurrei. — Uma
grande vantagem.
— É uma vantagem, mas isso significa apenas que precisamos estar mais
conscientes — disse ele, e eu o senti se mover. — Fique quieta. Minha mão vai
chegar perto do seu rosto.
Um batimento cardíaco depois, senti as pontas de seus dedos roçarem
minha bochecha. O toque não me assustou. Ele pegou as mechas de cabelo e as
puxou para trás, colocando-as atrás da minha orelha. Seus dedos demoraram,
seu polegar roçando a linha da minha bochecha. Depois de um segundo, ele
largou a mão.
— Obrigada — eu murmurei.
— Sem problemas.
— Estou apenas com um pouco de inveja da visão de Guardião —
acrescentei. — Então, novamente, se eu tivesse olhos totalmente funcionais,
ainda estaria com inveja.
— Sim, ser capaz de ver no escuro tem seus benefícios — disse ele.
O silêncio caiu entre nós enquanto estávamos lá, cara a cara. Não sei por
que meu próximo pensamento veio à mente, mas veio, e por alguma razão,
perguntar coisas no meio da noite não era tão difícil. — Eu tenho uma pergunta
aleatória.
— Você? Nunca...
Eu sorri. — Com que frequência você faz a coisa do sono profundo? Você
sabe, a coisa do sono de pedra. Misha costumava... — Meu peito se apertou
enquanto eu inalava profundamente. — Ele costumava cochilar muito dessa
forma, mas ainda não vi você fazer isso.
— Eu faço isso quando preciso — respondeu ele. — Costumava pegar
algumas horas aqui e ali. Cochilando como... sim, como ele, se eu estivesse me
sentindo exausto ou machucado, mas desde a coisa toda da ligação, eu não tive
que fazer isso.
— Oh. Isso é interessante.
— É muito interessante, e eu gostaria de saber o porquê, mas a menos
que seu pai vá reaparecer com um manual de Protetor, acho que não saberei.
— Sim, eu não seguraria sua respiração por isso.
— Será que alguma vez... — Ele exalou. — O jeito que é com seu pai - isso
te incomoda?
— Ninguém nunca me perguntou isso — eu disse quando percebi. —
Uau. Eu nem sei como responder a isso.
— Tente — ele disse suavemente.
— Eu... eu não sei. Nem mesmo penso nele como meu pai. Thierry e
Matthew ajudaram a me criar. Eles são meus pais. Mas me irrita que ele não
esteja por perto? Sim. E me irrita que ele soubesse que Misha era a escolha
errada e não fez nada. Não parecia nem mesmo se importar. Como se ele não
tivesse emoções ou... — Me cortei quando a raiva veio à tona. — Não importa.
Zayne bateu no meu braço. — Eu acho que importa.
— Não, não importa. De qualquer forma, provavelmente é uma coisa boa
você não ter precisado dormir profundamente. Tenho um desejo irresistível de
irritar até a morte qualquer Guardião quando eles estão nessa forma.
— É bom saber, mas seu pai...
— Eu realmente não quero falar sobre ele. Além disso, tenho outra
pergunta.
— Eu gostaria que você pudesse ver meu rosto surpreso.
Eu sorri para isso. — Por que parece que ninguém mora no seu
apartamento?
— O que? — Ele riu.
— Você sabe o que eu quero dizer. — Soltando minhas mãos, levantei
uma. — Não há nada aqui. Sem fotos ou qualquer coisa pessoal. Sem
desordem...
— Como não ter desordem é algo ruim?
— Não é, mas é como...
— É como o quê? — Zayne se mexeu novamente e eu senti seus dedos
roçarem meu braço nu.
Foi difícil ignorar o choque de consciência que seguiu seu toque. — É
como se você realmente não vivesse aqui. Mais como se você... ficasse aqui.
Zayne não respondeu. Não por muito tempo. Eu pensei que talvez ele
tivesse adormecido, mas então ele disse: — É apenas um lugar para descansar
minha cabeça, Trin.
Eu pensei sobre isso. — Isso é... meio triste.
— Por que?
Balancei meus ombros. — Não sei. Você deve pensar nisso como uma
casa.
— Você sente falta da sua casa? — ele perguntou.
Meus lábios franziram. Sim. Não? Ambos. E ainda nenhum dos dois? —
Alguns dias — eu disse, estabelecendo-me no meio.
— Resposta estranha.
Era, mas... — Sinto falta das minhas estrelas — disse eu. — Mas não
estamos falando de mim. Estamos falando de você.
Houve uma risada silenciosa. — Então me faça uma pergunta diferente.
Pisquei para isso. — Tuuudo bem. — Puxei a palavra enquanto outra
pergunta que eu não deveria fazer encheu meus pensamentos.
— Você quer fazer outra pergunta.
Minha cabeça foi em direção à dele. — Como você sabe disso?
— O vínculo.
— O que? — Comecei a me sentar.
— Estou brincando. — Ele riu, pegando meu braço e me parando. —
Posso ver no seu rosto.
— Meu rosto? — Eu me acomodei.
— Você torce o nariz sempre que está pensando em algo que deseja dizer
e tenta não dizer.
— Mesmo? — Eu não tinha ideia se isso era verdade. A parte do nariz,
quero dizer. Todo o resto era, como diria Peanut, totalmente verdade.
— Mesmo. Eu sou observador assim. — A mão de Zayne deslizou para
o espaço entre nós. Suas juntas descansaram contra meu braço. — O que você
quer perguntar? Tenho a sensação de que esta vai ser uma boa.
Arqueei uma sobrancelha. Então disse a mim mesma para não
perguntar. Meu cérebro não ouviu. — Você parecia muito feliz em ver Stacey.
No momento em que saiu da minha boca, me perguntei o quão rápido
eu poderia rolar para fora do sofá e bater de cabeça em uma parede
próxima. Havia tantas coisas mais importantes sobre as quais poderíamos
conversar, além de seu apartamento nada aconchegante e amigos com
benefícios.
— Você tem certeza que era uma pergunta? — ele perguntou. — Porque
soou como uma declaração, mas sim, eu estava feliz. Eu não a via há algum
tempo.
Pressionei meus lábios, pensando em seu aviso. — Ela parecia feliz em
ver você.
— Acho que sim. — Zayne puxou a mão para trás enquanto se
acomodava na almofada. — Stacey e eu somos apenas amigos.
A bufada que me deixou soou vagamente como um javali fugindo de
caçadores. — Sim, não acho que você pode dizer que são apenas amigos. Não
que eu me importe nem nada. Ou que seja da minha conta.
— Ok.Você tem razão. Éramos mais do que amigos — respondeu ele. —
Não que você já não saiba disso. Ou se importe.
Virando-me de costas, cruzei os braços. — Eu totalmente não me
importo.
— Então por que você trouxe isso à tona?
— Porque sou intrometida — admiti. Então me forcei a dizer: — Ela
parece muito legal.
— Ela é. Espero que você a conheça. Acho que você gostaria dela.
Eu não tinha tanta certeza disso. — Eu não sabia que ela tinha estado
aqui.
Zayne ficou quieto por um momento. — Há muita coisa que você não
sabe, Trin.
— O que isso deveria significar?
— Exatamente o que parece.
Eu enrijeci. Seu tom não era frio nem nada, mas havia algo estranho
nisso, e ele estava totalmente fechando a porta para aquela conversa. O que
estava certo, mas me fez sentir como se... como se tivesse cruzado a linha, e
talvez tenha cruzado.
E cara, isso não trouxe uma grande luz brilhante sobre a estranheza do
nosso relacionamento? Havia quase um aspecto profissional para nós, com
todo o vínculo Protetor e Verdadeira Nascida. Éramos amigos, mas tínhamos
sido brevemente mais, e uma parte de mim sentia que ainda estávamos na
ponta dos pés em torno dessa linha, apesar do fato de que a linha era na
verdade uma parede. E embora eu tivesse arquivado o que sentia por Zayne,
ainda era um monstrinho ciumento quando se tratava de Layla e Stacey. Eu
não tinha direito a esses sentimentos, e Zayne era... bem, ele era Zayne, e eu
não tinha ideia de como ele se sentia sobre tudo isso.
— Como você se sente, sabendo que era para ser eu quem o Abade criou?
— Soltei. — Que se minha mãe tivesse feito o que deveria fazer, você nunca
teria conhecido Layla?
— Isso é... — Zayne se mexeu como se estivesse tentando ficar
confortável. — Essa é uma pergunta difícil de responder. Não sei o que pensar
ou se pensar sobre isso sequer importa, porque não foi isso o que aconteceu. O
passado é passado, e o que deveria ter sido não muda isso, mas se você está
perguntando se eu me arrependo dessa série de erros que levaram a este
momento?
Minha respiração engatou. — Eu não estou perguntando isso. Claro que
você não se arrepende. Eu não...
— Eu não — ele interrompeu. — E sim.
Eu me inclinei.
— Se o que deveria ter acontecido tivesse acontecido, nós teríamos tido
anos de treinamento e preparação juntos. Não estaríamos tentando recuperar
o atraso e talvez eu não... — ele parou e respirou fundo. — Estaríamos mais
prontos do que estamos agora, e tudo o que aconteceu com Misha não teria
acontecido.
Eu vacilei, o coração partindo um pouco.
— Mas não posso lamentar que meu pai tenha acolhido Layla — ele
continuou. — Mesmo com a forma como tudo isso acabou, eu não posso me
arrepender. Eu não me arrependo.
Eu deixei que isso afundasse. — Eu entendo. — E entendia. Entendi e
fiquei feliz que ele não parecia estar pensando nisso.
Zayne não respondeu, e decidi que tinha feito perguntas aleatórias o
suficiente pelo menos nas horas seguintes.
Eu provavelmente deveria me levantar, mas estava confortável e eu... eu
sentia falta disso.
Sentia falta de ter alguém com quem conversar.
Pensei nas ligações de Jada. Eu realmente precisava ligar para ela.
— Você sente falta de suas estrelas. — Zayne falou na escuridão. —
Aquelas que estão em casa, no teto. Demorei um pouco para perceber do que
você estava falando, mas me lembro.
— Sim — eu sussurrei. — Essas estrelas.
— Tenho uma pergunta para você. Uma rápida.
Virei minha cabeça em direção a ele. — O que?
— Se você estava vindo aqui para ver se eu ainda estava acordado, por
que estava com sua adaga?
Droga.
— Você sabe... — eu comecei.
— Não, eu não sei.
Eu revirei meus olhos. — Sabe, não sei por que peguei. Hábito, eu acho.
— Hábito estranho.
— Sim, eu acho que sim.
— Depois de uma noite como esta, agarrar uma adaga não foi uma má
ideia — ele acrescentou, e eu não estava totalmente convencida de que isso
significava que ele acreditava em mim. Ele riu baixinho.
— O que? — Perguntei.
— Não é nada. Eu estava pensando em... estava pensando em Greene. —
Ele pigarreou. — Ele não dormia bem, acordava de manhã e acordava à tarde,
o que pode ser normal para os humanos, mas não para nós. Eu o via muito
desde que mantive o mesmo horário por causa de Layla e seu horário
escolar. De qualquer forma, nós dois tínhamos problemas para dormir, então
acabávamos assistindo novelas.
— Sério? — Eu voltei para o meu lado.
— Sim. Days of Our Lives.
— Você está brincando.
— Não. — Ele riu. — Investimos bastante no drama de Deveraux e
Brady.
— Uau. — Eu ri, mas foi pesado. — Realmente sinto muito pelo que
aconteceu com ele.
— Eu também sinto. — Ele exalou pesadamente. — Greene era quieto e,
com exceção de Days of Our Lives, ele era reservado, mas era alguém com quem
qualquer um de nós podia contar. Ele até foi contra meu pai sobre tudo o que
aconteceu com Layla. O que aconteceu com ele é triste. É errado. Sua vida não
deveria ter terminado assim. A pior parte é que seu nome agora é outro nesta
lista que só continua crescendo. Greene vai ficar em nosso luto. Sentiremos a
falta dele. E então seu nome se tornará a próxima pessoa que
perdemos. Depois o terceiro e o quarto, e teremos que parar de lamentar por
ele para dar lugar a outra pessoa, porque depois de um tempo, você não tem
espaço suficiente. Você simplesmente não pode.
Zayne passou a mão pelo rosto. — Eu sei que isso soa insensível. Talvez
eu nem me importe, mas... você se acostuma com a morte. Muito acostumado
a isso. Não há necessidade de sete estágios. Você vai direto do choque à
aceitação.
A tristeza me encheu enquanto estava ali deitada. Eu sabia em primeira
mão como era a sensação de perda, mas também estava muito distante das
perdas quase semanais que alguns clãs experimentavam. A tristeza que senti
em meu peito não vinha apenas de mim. Também fluía dele, uma dor tingida
de raiva e aceitação, e eu queria confortá-lo. Eu queria aliviar o que ele estava
sentindo e não sabia como fazer isso.
Então, eu fiz a única coisa que pude pensar.
Movendo-me em direção a ele, descruzei meus braços e joguei um sobre
seu ombro. Ele se acalmou, mas continuei me contorcendo, abrindo caminho
contra seu peito. Uma vez lá, eu apertei.
Zayne não se moveu.
— Estou te abraçando — eu disse a ele, a voz abafada contra seu peito. —
Apenas no caso de você não ter ideia do que estou fazendo.
— Achei que fosse isso. — Sua voz soou como quando ele acordou. —
Ou você estava fingindo ser uma foca.
Soltei uma risada curta, mas Zayne permaneceu tão rígido quanto uma
parede. Percebendo que meu abraço estranho foi um pouco fracassado,
comecei a me afastar.
Zayne se moveu então, cruzando um braço sobre minha cintura. Seus
dedos se enrolaram nas costas da minha camisa enquanto ele me segurava
lá. Então, depois de alguns segundos, senti seu corpo relaxar contra o meu,
mas o aperto em minha camisa ainda estava lá.
Seu peito subiu contra o meu. — Obrigado.
Capitulo 13
Enquanto eu flutuava ao acordar, tudo cheirava a neve fresca e
inverno. No entanto, eu estava quentinha, quase quente demais. Isso me
lembrou de uma vez que eu cochilei no telhado ao lado de Misha enquanto ele
dormia em sua forma de Guardião. Foi no início do verão, então o sol não
estava muito forte e o calor foi surpreendentemente relaxante.
Mas acabei com uma terrível queimadura de sol.
Tinha certeza de que não tinha adormecido em um telhado. Comecei a
me mover, mas só consegui me mexer cerca de um centímetro. Eu estava
envolta em um casulo de cobertor? Já fiz isso antes, me mexendo e virando até
que os cobertores acabaram me envolvendo como celofane.
Esticando minhas pernas, congelei quando senti outro conjunto de
pernas contra as minhas.
Noite passada.
Adormeci no sofá com Zayne. Eu não pretendia fazer isso. Ele tinha
adormecido antes de mim? Ou desmaiei colada contra ele como estava neste
momento? O abracei e ele me agradeceu e então... Nenhum de nós disse nada
depois disso.
Deus, eu esperava não ter desmaiado e prendido ele contra o encosto do
sofá como um...
O braço em volta de mim apertou e Zayne fez um som estrondoso
profundo que eu senti até a ponta dos meus pés.
Meus olhos se abriram e me vi olhando para um peito coberto por uma
camisa branca. Foi quando percebi que minha bochecha não estava em um
travesseiro, mas sim em um bíceps bastante firme.
Oh meu Deus.
Poucas coisas eram mais estranhas na vida do que acordar
inesperadamente nos braços de alguém. Ou mais maravilhoso do que quando
estava nos braços de alguém como Za...
Pare.
Cortando esses pensamentos, concentrei-me no que fazer a partir deste
ponto. Lentamente, inclinei minha cabeça para trás e levantei meu olhar.
Zayne ainda estava dormindo.
Cílios grossos abanavam suas bochechas e seus lábios estavam
ligeiramente entreabertos. Ele parecia tão... relaxado. Vulnerável, até. Meu
olhar percorreu seu rosto. Eu provavelmente deveria parar de olhar para ele
enquanto ele dormia, porque isso era mais do que apenas notavelmente
assustador, mas era tão raro eu estar tão perto dele e ter uma visão tão
desobstruída.
Ele tinha uma sarda. Três delas, na verdade, sob seu olho direito. Elas
estavam fracas, mas eu podia... podia vê-las, e elas formavam um pequeno
triângulo. Ele tinha outras? Examinei seu rosto. Eu não vi mais, mas havia uma
sombra tênue ao longo de sua mandíbula e queixo. Eu nunca o tinha visto com
pelos faciais e me perguntei como ele ficaria se os deixasse crescer.
Provavelmente mais gostoso. Parecia impossível, considerando que ele
era bonito o suficiente para beirar o obsceno.
Por um momento, fiz algo tão estúpido e me permiti... sonhar.
Fechei os olhos, imaginando como seria se acordasse em seus braços e ele
fosse meu e eu dele. Eu o beijaria e, em seguida, me aconchegaria mais perto,
e se isso não o acordasse, faria algo irritante para fazê-lo acordar. Minha
imaginação preencheu com o que viria a seguir. Zayne, por ser quem ele era,
não ficaria chateado por eu ter roubado minutos ou mesmo horas de seu
sono. Ele riria e então me daria aquele sorriso sonolento e sexy. Então me
rolaria sob si e me beijaria. E, claro, em minha fantasia perfeita, não haveria
respiração matinal. Então aquele beijo seria profundo e longo, uma carícia
lânguida que levaria a mais beijos. Pressionei meus lábios, me contorcendo
enquanto minha pele esquentava. A camisa de Zayne sairia, assim como a
minha e então não haveria...
O braço ao meu redor se enrolou novamente e de repente estávamos
peito com peito, quadril com quadril. Meus olhos se abriram e eu olhei para
Zayne. Ele ainda estava dormindo, mas seu corpo - bem, uma certa parte dele
estava definitivamente acordada.
Oh, meu Deus.
Ele poderia captar o que eu estava sentindo, embora estivesse
dormindo? Se sim, isso seria realmente, apenas completamente, irritante.
Era hora de eu me levantar. Definitivamente já tinha passado da hora,
porque se não fizesse isso, as coisas ficariam estranhas e já estava no auge do
estranho, então eu precisava evitar isso. Levantei meu olhar, respirando fundo.
Olhos azuis pálidos encontraram os meus.
Tarde demais.
— Bom dia — eu murmurei.
Esses cílios baixaram e depois voltaram a subir. — Bom dia.
Meu pulso estava acelerado. Seu braço ainda estava em volta de mim,
mais relaxado, mas ali. — Eu não queria dormir aqui.
— Eu não me importei. — Aqueles olhos estavam entreabertos agora, e
os dedos ao longo das minhas costas se moviam para cima e para baixo em
movimentos curtos e lentos.
— Mesmo?
— De jeito nenhum. Foi agradável.
Meu coração agora estava batendo forte como um pequeno tolo feliz. —
Eu também gostei. Acho que dormi melhor do que nos últimos dias.
— O mesmo. — Ele virou a cabeça, bocejando como um leão. — É bom
ter uma amiga dorminhoca.
Amiga dorminhoca? Como um bicho de pelúcia?
Isso tropeçou no tamborilar. Meu coração caiu em sua cara estúpida, e
uma parte de mim estava feliz. Porque deveria saber bem.
Por que eu estava pensando em meu coração como algo fora de mim
sobre o qual não tinha controle?
Eu precisava de ajuda.
Também precisava me levantar. — Estou com sede — anunciei, por que
não?
Afastando-me, rolei para o lado no momento em que Zayne levantou o
braço e começou a se sentar. Ele se mexeu, e a mudança repentina de peso na
almofada me fez cair sobre ele. Zayne congelou enquanto nossos corpos se
alinhavam em todas as partes muito interessantes que enfatizavam a vasta
diferença entre as áreas moles e duras.
Meu rosto inteiro corou enquanto eu tentava rolar para longe dele. Meu
quadril roçou uma área muito sensível. — Eu vou apenas... — Empurrei e, de
alguma forma, isso só fez piorar, porque Zayne gemeu — levantar e...
— Você pode simplesmente parar de se mover por um segundo? — A
mão de Zayne pousou no meu quadril, sua voz rouca. — Apenas fique
quieta. Ok?
Fechei os olhos com força, xingando baixinho, e fiz o que ele
sugeriu. Respirei fundo e me levantei rapidamente, sem me esfregar nele como
um gato de rua em êxtase. Com o rosto em chamas, me afastei do sofá.
— Desculpe por isso — Zayne murmurou. — Especialmente se isso te
deixou desconfortável.
— Não, está tudo bem. — Desconfortável não era uma palavra que eu
usaria. Pelo menos não da maneira que ele estava insinuando. Olhei por cima
do ombro para ele. Ele estava sentado e eu mantive meu olhar ao norte de seus
ombros. — Quero dizer, não é nada demais. Eu sei como os homens ficam de
manhã.
Zayne olhou para mim, as sobrancelhas levantadas enquanto seus lábios
se contraíam. — Você sabe?
— Claro. — Forcei uma risada. — Você não precisa fazer parte da brigada
de pau para saber disso.
— Brigada de pau? — Ele mordeu o lábio inferior. — Tudo bem então.
Sentindo que poderia ter mantido isso para mim, sorri com força e cruzei
os braços. — Vou me trocar e podemos começar a treinar. — Eu estava
orgulhosa de como minha voz soava firme e sem ser afetada. — A menos que
você queira comer algo primeiro?
Zayne pegou o telefone, xingando baixinho. — Eu tenho que entrar no
chuveiro e sair daqui em tipo, trinta minutos ou vou me atrasar.
— Atrasar...? — Eu parei.
— Eu disse ontem que tenho algumas coisas para cuidar hoje. — Ele se
levantou e deu a volta no sofá, seus movimentos um tanto rígidos. — Lembra-
se?
Agora que ele mencionou, eu me lembrei. — Esqueci. O que você tem
que fazer?
— Só algumas coisas. — Ele se dirigiu para o quarto, de costas para
mim. — Provavelmente vai demorar algumas horas, mas devo voltar a tempo
de trabalharmos em algum treinamento.
Meus braços se desdobraram lentamente. Por que ele estava sendo tão
vago? Eu dei um passo à frente quando abri minha boca, mas a fechei quando
me lembrei do que Zayne tinha dito na noite passada.
Há muita coisa que você não sabe.
Se Zayne quisesse que eu soubesse, ele me diria, e se não quisesse, então
precisava me ocupar um pouco de sua própria vida
Eu odiava cuidar da minha própria vida.
— Mas o que você... — Eu ouvi a porta do banheiro se fechar. — Tudo
bem. Vou apenas esperar aqui enquanto você toma seu banho de dez anos de
duração e depois vou esperar aqui a tarde toda até que você termine de fazer
o que quer que esteja fazendo.
Não houve resposta.
Obviamente.
Eu deixei minha cabeça cair para trás e gemi — Ugh.
— Sim.
Guichando, eu me virei e vi Peanut perto da ilha da cozinha. Ele assentiu.
— Vocês são tão estranhos quanto ser pegos cutucando o nariz. Vocês
deveriam trabalhar nisso.
Suspirei. — Obrigada pelo conselho que não pedi.
— De nada. — Ele me deu um sinal de positivo com metade do braço
transparente. — E por falar nisso - um cara no chuveiro por tanto tempo,
depois de acordar de manhã? O que você acha que ele está fazendo? Lavar o
cabelo duas vezes e condicionar profundamente com Herbal Essences? Oh
não.
— Eu... — Meus olhos se arregalaram. — Oh. Oh.
— Deixe-o viver sua melhor vida. — Peanut desapareceu.
Meu olhar voou para o quarto e minha imaginação disparou por cerca de
10,3 segundos. Então, porque não havia mais nada a fazer, fui até o sofá e o
plantei de frente.

— Quando você era jovem, nunca precisou de ninguém — cantou Peanut em


algum lugar do apartamento.
Eu precisava lavar roupa. Achei que poderia fazer isso esta tarde, já que
estava...
— Tudo sozinho. — Peanut atravessou a parede do quarto e continuou
cantando sobre mim - ou alguém - estar sozinho e inseguro e incapaz de ver o
amor.
Eu pisquei lentamente. — Você é um idiota.
— Mas você está sozinho! — Ele cantou de volta para mim, desaparecendo
através da parede.
Eu estava sozinha desde que Zayne saiu, cerca de trinta minutos atrás,
para fazer algumas coisas, e não tinha ideia do que fazer com a minha tarde. Foi
o primeiro tempo livre que tive desde que vim pra cá.
Torcendo meu cabelo em um coque, me virei em direção à porta aberta
do quarto. — Ei, Peanut, você ainda está aqui?
— Sim — ele gritou de volta. — E aí, docinho?
— Aquele espírito ontem à noite - ele disse alguma coisa para você?
— Além de se referir a mim como Gaspar? — Peanut piscou na porta. —
Não. Ele estava apenas bisbilhotando o apartamento como se pertencesse aqui.
— Isso é estranho. — Eu olhei para a cama bagunçada, franzindo a
testa. — Acho que ele me viu lá fora e me seguiu até aqui.
— Então por que ele pirou quando percebeu que você podia vê-lo?
Essa era uma boa pergunta, mas mesmo que os fantasmas e espíritos
pudessem sentir que eu podia me comunicar com eles, muitas vezes ficavam
surpresos quando eu confirmava isso. Quando fantasmas e espíritos
experimentam emoções agudas, tendem a perder a conexão com a consciência
que lhes permite tomar forma e serem vistos.
Bem, não havia nada que eu pudesse fazer agora sobre a estranha visita
de ontem à noite. Em vez disso, verifiquei a lavadora, que estava empilhada
acima da secadora em um dos armários de linho. Depois de colocar minhas
roupas para secar, olhei ao redor da sala, meu olhar pousou nas janelas escuras.
Eu queria sair. Vaguear. Explorar. Estar lá fora com as pessoas. Para
assistir e ver, antes...
Antes que eu não pudesse mais ver.
Eu cruzei meus braços enquanto a indecisão me enchia. Já estive lá tantas
vezes com Zayne que estava bastante confiante de que poderia encontrar o
caminho sem me perder seriamente, mas, considerando meus olhos, perder-
me era uma coisa assustadora para se pensar. Eu teria que contar com
estranhos para me ajudar a ler as placas das ruas ou meu telefone, se usasse
um desses aplicativos de mapas, e as pessoas, bem, nem sempre ajudavam os
necessitados.
Mas poderia andar pelo menos alguns quarteirões, senão um pouco
mais. Eu poderia fazer isto.
Meu estômago caiu precariamente no momento em que esse pensamento
terminou. Comecei a mordiscar minha unha do polegar. Na noite passada eu
disse a Zayne que queria ser independente, precisava ser, e ainda assim aqui
estava eu, com medo de sair sozinha.
Talvez eu devesse verificar aquela garota que Peanut estava
visitando. Parecia uma coisa mais importante e mais fácil de fazer. Mas
precisava me preparar primeiro. Virando-me, fui ao banheiro e tomei um
banho de dez anos. Enquanto envolvia uma toalha em volta de mim, um alerta
de mensagem de texto tocou do meu telefone. Arrastei-me de volta para o
quarto, onde estava carregando na mesa de cabeceira, e o peguei. Não
reconhecendo o número, abri a mensagem.
Sou eu, seu amigo Príncipe Demônio da vizinhança. Estou prestes a ligar para
você.
Meus lábios se separaram de surpresa. Roth, o verdadeiro Príncipe
Herdeiro do Inferno, havia me enviado uma mensagem.
Havia algum tipo de lista telefônica universal do Inferno e do
Céu? Porque eu duvidava que Zayne tivesse dado meu número a ele.
Obviamente, não tive problemas com Roth, mas pequenos nós encheram
meu estômago de incerteza enquanto eu olhava para o telefone.
De repente, tocou na minha mão, assustando-me. Eu respondi com um
cauteloso — Alô?
— Zayne não está aí, certo? — foi a saudação de Roth.
Minhas sobrancelhas franziram quando voltei para o banheiro. — Não,
ele não está aqui. Você está tentando falar com ele?
— Não.
Então por que ele perguntou sobre Zayne?
— Você está ocupada? — ele perguntou.
— Uh... — Eu olhei em volta como se fosse encontrar minha resposta lá
enquanto eu agarrava as duas metades da toalha juntas. Stacey e Layla
estavam saindo novamente, e Roth estava mais uma vez entediado e
precisando de companhia? — Não particularmente. Você?
Houve uma risada profunda e rouca. — Prestes a ser. Você também está.
— Eu estou?
— Sim. Estou indo buscá-la. Agora temos planos.
— Nós temos? — Pisquei uma e duas vezes para o meu reflexo difuso no
espelho do banheiro. — Eu acabei de sair do chuveiro.
— Bem, você vai precisar colocar algumas roupas, porque duvido que
Layla ficará feliz se eu te pegar e você estiver nua como no dia em que nasceu
de um pequeno ovo Verdadeira Nascida.
Eu não nasci de um ovo, e ele sabia disso.
— Será que...? — Eu parei, de repente incapaz de dizer o nome dela
enquanto olhava para o espelho. Fechei meus olhos com força.
Layla.
Layla.
Layla.
Um lampejo de inveja misturado com raiva em meu peito, e odiei me
sentir assim. Que eu estava sendo tão idiota sobre o passado dela com Zayne.
Quando reabri meus olhos, ela não apareceu como uma versão nova,
atualizada e totalmente personalizada de Bloody Mary.
Enruguei o nariz para meu reflexo. Havia algo muito errado comigo. Eu
sabia o que era. O monstro de olhos verdes. Ciúmes. E por que o ciúme era um
monstro de olhos verdes? Por que as pessoas dizem “verde de inveja”? O que
havia de errado com a cor verde? Era porque dinheiro era verde? Eu realmente
precisava pesquisar isso no Google, como...
— Você ainda está aí? — A voz de Roth me tirou dos meus pensamentos,
graças a Deus. — Ou você desligou na minha cara? Isso não seria legal. Meus
sentimentos seriam feridos.
— Ainda estou aqui. Layla está com você? — Perguntei.
— Não — ele respondeu. — Ela não pode fazer parte disso.
Virei-me do espelho, apertei a mão ao redor do telefone. Peanut
reapareceu de repente através da parede, girando como uma bailarina pelo
quarto e pela cama.
— O que te faz pensar que eu quero fazer parte do que quer que seja isso?
— Eu exigi.
— Porque você me deve um favor e é hora de eu cobrar.

Quando pensei em explorar a cidade, não era isso que eu tinha em mente.
Mas aqui estava eu.
Encostada em uma parede, semicerrei os olhos por trás dos meus óculos
escuros. Enquanto esperava por Roth, um fluxo constante de pessoas passava
por mim, cada uma parecendo com pressa para chegar aonde estava indo. Já
que eu não tinha ideia do que Roth estava fazendo, decidi que a espera na
calçada era a melhor.
Uma grande parte de mim estava se arrependendo, porque eu estive fora
por apenas alguns minutos e sentia como se estivesse derretendo.
O suor pontilhava minha testa enquanto eu estava na sombra do prédio
de Zayne. Mesmo que minha blusa e jeans fossem finos e meu cabelo pesado e
ainda molhado estivesse preso em um nó, estava a cerca de um minuto de tirar
todas as minhas roupas.
Ficava quente nas Terras Altas de Potomac, mas com o ar da montanha
e os campos abertos, sempre havia uma brisa fresca. Aqui havia apenas
correntes de ar úmidas, quentes e fedorentas passando entre os prédios altos.
A energia nervosa zumbia em minhas veias enquanto eu mudava meu
olhar das calçadas para a rua congestionada cheia de táxis amarelos e carros
pretos. O formigamento quente na parte de trás do meu pescoço me alertou da
presença de demônios, mas nenhum parecia perto.
Mas eu estava prestes a me encontrar pessoal com um.
Por um favor.
Um favor que devo ao Príncipe Herdeiro do Inferno.
Porcaria.
Eu não tinha exatamente esquecido que Roth disse que ajudaria Zayne e
eu encontrar Misha porque ele queria que uma Verdadeira Nascida lhe devesse
um favor, mas isso não estava em meus pensamentos.
Eu não tinha ideia do que poderia fazer por Roth que o Príncipe demônio
não pudesse fazer por si mesmo. Ele tinha todos os tipos de habilidades
interessantes das quais eu tinha inveja, e fosse o que fosse, duvidava que Zayne
ficaria feliz em ouvir sobre isso. Eu deveria mandar uma mensagem para ele,
caso ele voltasse antes de mim e me encontrasse desaparecida, mas se fizesse,
então Zayne teria perguntas. Perguntas que obviamente não poderia
responder. Não só isso, ele provavelmente interviria e impediria qualquer
favor que Roth precisasse de mim, e admito, eu estava mais do que apenas um
pouco curiosa.
Distração e evitação eram os dois melhores mecanismos de
enfrentamento que existiam. Eu não me importava com o que os terapeutas do
mundo inteiro afirmavam.
Além disso, Zayne estava ocupado fazendo coisas secretas, então, tanto
faz.
Eu só esperava que tudo o que Roth queria não envolvesse nada muito...
mal.
Mudando meu peso de um pé para o outro, cruzei os braços quando um
turbilhão de vento quente pegou a bainha da minha camisa longa, brincando
com as bordas. As finas e leves adagas de ferro atualmente presas aos meus
quadris permaneceram escondidas. Roth pode ser um demônio legal 99% do
tempo, mas eu não era estúpida. Não que precisasse das adagas quando tivesse
minha Graça, mas não iria simplesmente usar minha Graça à toa e começar uma
festa com ela.
Eu terminaria uma festa com ela.
O borrão de veículos diminuiu quando um carro elegante e sofisticado
parou no meio-fio e o calor ao longo do meu pescoço e ombros
aumentaram. Uma janela escura abriu e ouvi: — Ei, Cara de Anjo, quer uma
carona?
Meus olhos rolaram. Eu me afastei da lateral do prédio e avancei, com
cuidado para não ser esmagada pelos humanos com pressa. Comecei a me
curvar para espiar pela janela, mas a porta do carro se abriu sem que nenhum
de nós a tocasse.
Novamente. Habilidades bacanas.
— Entre. — A voz de Roth flutuou do interior sombrio.
Hesitei. — Que tal “por favor”?
Uma risada sombria foi minha resposta. — Essa palavra não está no meu
vocabulário.
Gemendo, entrei e recebi um sopro de ar frio. Roth estava atrás do
volante, vestido todo de preto e parecendo muito com qualquer um que
imaginaria que um Príncipe Demônio seria.
Um dedo adornado com um anel batia no volante. Seus anéis eram
lascados e tinham algum tipo de marcação, mas não consegui decifrá-los.
Meu olhar vagou pelo interior do carro. Mesmo com as janelas escuras,
eu precisava dos meus óculos de sol, mas o brilho não era tão ruim como de
costume. Eu podia ver um emblema dourado no volante.
Isso era um... Porsche? Meu Deus, por que havia tantos botões em
um carro? — Ser um demônio deve pagar bem.
— Ser o Príncipe Herdeiro sim. — Roth sorriu para mim enquanto se
afastava do meio-fio.
— Então, o que Layla está fazendo?
— Atualmente maratonando Doctor Who com Cayman — respondeu
ele. — E eu não quero fazer parte dessa vida.
Uma pequena bola de melancolia se formou em meu peito. Filmes e
séries. Eu costumava fazer isso com amigos.
Eu sentia falta de Jada.
— Parece um bom momento. Qual é o seu favor?
— Não gosta de conversa fiada, não é? — O Porsche parou no sinal. —
Você disse a Zayne que estava saindo comigo?
— Não. — Eu ri. — Duvido que ele ficaria bem com o que quer que seja.
— Por que? Você acha que ele não confia em mim?
Cruzei os braços e não disse nada.
Roth deu uma risadinha. — Ele sabe que sou uma má influência.
— Então, seu favor é algo que vai cair sobre você sendo uma má
influência?
— Oh, definitivamente. — O carro começou a se mover novamente. Do
lado de fora das janelas, os prédios eram borrões bege. — Eu preciso de sua
ajuda.
— Eu imaginei isso. — Olhei para ele.
Um leve sorriso reapareceu. — Lembra do Bambi?
Imediatamente, pensei na cobra do tamanho de um Hummer que agia
como um cachorrinho abandonado precisando de carinho quando viu
Roth. Familiares muitas vezes residiam como tatuagens no corpo do demônio
que os controlava, mas Bambi estava agora com aquele maldito clã de bruxas
que eu esperava que logo se encontrasse inesperadamente no meio de uma
fogueira. Concordei. — A cobra gigante que está com Faye, a bruxa.
Ele inclinou a cabeça. — Bambi está comigo há muito tempo. Não que eu
tenha favoritos, mas ela é... especial para mim. — O olhar de Roth estava fixo
na estrada. — Quando Layla foi ferida por seu clã, eu não pude consertá-la. Ela
estava tão mal e estava... — Sua mandíbula cerrou. — Ela estava morrendo, e
isso significava que eu faria qualquer coisa para salvá-la.
Fiquei em silêncio, deixando-o falar, embora Zayne já tivesse me contado
a maior parte disso.
— Existem bruxas boas e existem bruxas más. O clã de Faye adora a mãe
de Layla, Lilith, então tenho certeza de que você pode descobrir de que lado
elas pararam.
O lado que não tinha problemas em vender encantamentos para usar em
humanos que acabaram sendo massacrados. A raiva fervilhava, formigando
minha pele.
— Achamos que eles estariam dispostos a ajudar a salvar Layla para
marcar pontos de brownie com Lilith — explicou ele. — Cayman foi vê-los e
voltou com uma cura. Eu não sabia até mais tarde que eles haviam exigido
Bambi em troca.
— Saber disso mudaria alguma coisa?
— Não — ele respondeu sem hesitação. — Eles poderiam ter pedido
minha vida e eu teria entregado para salvá-la.
Eu já tinha adivinhado isso, mas ainda estava surpresa. Suas ações eram
tão... parecidas com não-demoníacas.
— Eu poderia ter recusado — acrescentou.
— Por que você não fez isso?
— Se eu tivesse, Cayman teria morrido. Ele é um corretor de demônios,
Cara de Anjo. Sua vida está ligada à sua palavra.
Eu encarei seu perfil. Novamente, muito parecido com um não-demônio.
— De qualquer forma, quero Bambi de volta e você vai me ajudar a pegá-
lo. — Ele parou em uma vaga de estacionamento.
Eu pisquei. — Como devo ajudar?
Roth sorriu para mim e um arrepio percorreu meu pescoço. — Você vai
usar a sua fúria de Verdadeira Nascida especial e acabar com aquele clã.
Capitulo 14
Minha Graça ganhou vida como uma faísca dando lugar à chama.
Isso era definitivamente uma coisa muito demoníaca de se pedir, mas
mesmo assim, fiquei chocada. Fiquei olhando fixamente para Roth, estupefata
e certa de tê-lo ouvido mal.
Ele realmente acabou de me pedir para matar não apenas uma, mas um
clã inteiro de pessoas? Pessoas más. Pessoas más que nos traíram, mas vamos
lá. Ele não podia estar falando sério.
Ele soltou uma risada que teria sido encantadora se não tivesse vindo
atrás dele exigindo que eu matasse um clã inteiro de bruxas. — Você tinha que
ver sua cara.
— Não preciso ver para saber que tem mas que porra escrito por toda parte
— disse a ele.
Roth se inclinou para mim. Fiquei tensa e pensei que ele notou, baseado
na forma como seu sorriso cresceu. — É quase como se você tivesse esquecido
quem eu sou.
— Eu não me esqueci. — Os músculos das minhas costas ficaram rígidos.
— Você tem certeza disso? — Uma sobrancelha escura se ergueu. —
Muitas pessoas esquecem o que eu sou - quem eu sou, no âmago do meu ser.
— É mesmo? — Murmurei.
Ele assentiu. — Eles confundem meu amor por Layla com um grão de
bondade que criará raízes dentro de mim como uma semente, eventualmente
desabrochando em uma flor de pureza e luz.
— Não pensei isso por um segundo.
— Mas muitos pensam, provavelmente até Stony — Roth respondeu. —
Assim como muitos outros demônios. Faye e seu clã pensam assim. Você sabe
como eu sei disso?
— Uma habilidade demoníaca supersecreta e ultra especial?
Ele riu e os pelos dos meus braços se eriçaram, porque o som caiu sobre
mim como fumaça e cinzas. — Porque eles tiveram que acreditar que eu sou
um demônio transformado em algo suave e bom para, mesmo brevemente,
considerar me trair como eles fizeram.
— Oh — eu murmurei. Sua... pele estava ficando mais fina?
— Mas vou lhe contar um segredinho, minha amiga meio anjo, porque
você também não entende realmente quem eu sou. — Seu dedo pousou na
ponta do meu nariz. Vacilei, sem tê-lo visto mexer a mão. — Cada célula e
molécula de quem eu sou deseja, precisa e cobiça Layla. Os humanos chamam
isso de amor. Eu chamo isso de obsessão. Mesma coisa, suponho, mas sou um
demônio, Trinity. Sou brutalmente egoísta e há muitas poucas coisas com que
realmente me preocupo. Embora possa cometer atos de bondade percebida
aleatoriamente, os faço apenas para que Layla seja feliz. Porque quando ela não
está feliz, me dá vontade de fazer coisas muito, muito ruins para o que quer que
seja ou para quem quer que a tenha chateado.
Tudo isso foi meio romântico. Também foi super perturbador.
Eu me afastei de sua mão. — Ok. Obrigada pelo compartilhamento,
mas...
— Mas, no final do dia, sou o Príncipe Herdeiro do Inferno. Você não
quer mexer comigo.
Minha mandíbula travou quando senti a Graça queimar dentro de
mim. — E no final do dia, ainda sou uma Verdadeira Nascida que pode reduzi-
lo a uma pilha de cinzas, então você não quer mexer comigo.
— Verdade, mas algo a mais que eu sei? — Ele se inclinou para trás e
colocou um braço sobre o volante. — Você pode ter muito sangue angelical
circulando em você, mas você está longe de ser sagrada como eu.
— O que isso significa? — Exigi, ignorando a centelha de poder no fundo
do meu estômago.
Ele olhou para mim. — Os anjos foram proibidos de fazer coisas
desagradáveis com os humanos há muito, muito tempo, por você sabe quem.
— Ele apontou para o teto de seu carro, referindo-se a Deus. — Você pode ter
sido criada para ajudar a lutar contra algum grande mal que decidiu brincar
com a Terra, mas apenas no caso de você começar a seguir o caminho que todos
os Guardiões têm e pensar que está de alguma forma acima de um demônio,
não se esqueça de onde você veio. Você foi criada a partir de um ato de puro
pecado.
— Sem ofensa, mas os Guardiões estão meio acima dos demônios em toda
a escala do bem contra o mal
Roth inclinou a cabeça enquanto seu olhar cintilava sobre meu
rosto. Então ele riu, uma risada profunda enquanto balançava a cabeça. —
Você também, hein?
— Eu também, o quê? — O aborrecimento aumentou.
— Você não tem ideia de como os Guardiões surgiram, não é? Você acha
que Deus os criou para lutar contra a praga demoníaca na Terra?
— Bem, sim.
— Bem, não — ele respondeu, passando a mão pelo cabelo preto
bagunçado. Ele deu uma risadinha. — Até Layla não fazia a menor ideia.
— Nenhuma ideia sobre o quê? — Segurei meus joelhos, além do ponto
de impaciência. — Quer saber, não importa. O tempo e a história são ótimos e
tudo mais, e estou cem por cento convencida de que você é o demônio mais
maligno que já andou nesta Terra e todos deveriam tremer e gritar quando o
virem, mas nada disso tem nada a ver com me pedir para matar um bando de
bruxas. Acho que devo um favor a você, mas não achei que isso significasse...
— Não saber qual foi o favor não importa. Você ainda fez o acordo, Cara
de Anjo.
— Eu nem sei por que você precisa da minha ajuda com isso.
— Normalmente eu não o faria, mas o acordo para Bambi foi negociado
por meio de Cayman. Se eu voltar atrás no negócio, Cayman morre. Gosto de
Cayman, mas Layla gosta mesmo dele. Se ele morrer, ela vai chorar. Já
estabelecemos o que acontece quando Layla está chateada. Felizmente, o clã
ainda não deixou a cidade, mas dizem que o farão em breve. Nós precisamos
agir agora.
— Você espera que eu acabe com todo mundo enquanto você joga Candy
Crush no seu telefone?
— Não é Candy Crush. Eu provavelmente estaria jogando Wordsy.
— Wordsy?
— Eu gosto de juntar palavras, mas sim. Isso é o que eu espero.
— Eu não mato pessoas, Roth.
— Eu não pensei que você matasse. Pensei que você matava demônios
que a atacam e seres que desejam que você e os outros sejam prejudicados. Às
vezes, isso inclui humanos. Às vezes inclui Guardiões e... ex-melhores amigos.
Meu corpo inteiro recuou. — Sabe, eu estava começando a gostar de
você, mas você é um idiota.
Ele ergueu um ombro. — E às vezes você vai matar bruxas que te
traíram. Ou você esqueceu que Faye disse a Aym que havíamos ido vê-la,
dando início a uma série de eventos que quase mataram o Guardião que você
ama?
Eu fiquei boquiaberta com ele. — Eu não amo Zayne.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Foi mal.
— Eu não amo — repeti, o coração disparado por algum motivo. — Eu
me importo com ele. Isso é tudo.
Roth encolheu os ombros. — Ainda assim. A questão permanece. Você
esqueceu o que este clã fez?
O fôlego que tomei não deu em nada enquanto fechei minhas mãos em
punhos. — Não, eu não esqueci.
— Então tenho certeza de que você também não esqueceu que por causa
disso, Layla foi ferida, e Zayne, o Guardião por quem você não está
apaixonada, mas por quem se preocupa, quase morreu.
— Claro que não. — Minha frequência cardíaca disparou quando a
imagem de um Zayne ferido se formou em minha mente. Nunca esqueceria o
cheiro de sua carne carbonizada.
— E como Zayne não morreu? — ele perguntou.
— Ele não te contou? — Eu não sabia o quanto Roth e Layla sabiam sobre
o novo super status de Zayne.
— Foi o seu pai, não foi?
Eu não respondi.
Uma batida de silêncio passou enquanto Roth olhava para fora do para-
brisa. — Zayne é seu Protetor agora, não é? Ligado e verdadeiro.
Eu não tinha ideia se isso era apenas um bom palpite ou um palpite
óbvio, ou se Roth sabia de algo que eu não sabia, mas minhas mãos ficaram
suadas contra meus joelhos. — Ele é — eu disse. — Estava... destinado a ser.
— Estava?
Soltei meus joelhos. Não queria contar a ele o que meu pai havia dito e o
que Matthew havia confirmado sobre Layla e eu.
— Estava — eu repeti.
O olhar de Roth se voltou para o meu. — Se seu pai não tivesse decidido
ligar Zayne a você, ele estaria morto agora. Layla ficaria arrasada e tenho
certeza de que você se sentiria dilacerada ou até pior. — Uma pausa. — Mesmo
que você só se preocupe com ele.
Ignorei isso, porque estava perdida no momento de imaginar perder
tanto Zayne quanto Misha. Eu não tinha certeza de que poderia ter me
recuperado.
— Eles nos traíram, Trinity, e nos traíram sabendo quais seriam as
consequências. Sim, quero meu familiar de volta, mas também quero que eles
paguem — continuou ele. — E sei que você também. Eu posso sentir o cheiro
da raiva em você. Isso me faz lembrar a pimenta-de-caiena. Você quer fazê-los
pagarem também, e, Cara de Anjo, às vezes olho por olho é a coisa certa a fazer.
Arrastando meu olhar do dele, olhei pela janela. Não via nada além de
um borrão cinza do outro lado da rua, mas mesmo que minha visão fosse
cristalina, duvidava que teria visto qualquer coisa naquele momento. Tentei
reprimir a raiva que o demônio podia sentir, mas não adiantou. A raiva
emaranhada com minha Graça, me queimando de dentro para fora, exigindo
ser usada... ou alimentada.
Queria sair, essa raiva. Não havia terminado com a queda de Misha.
Tinha começado ali.
Roth estava correto. Eu queria vingança, porque Faye e quem mais
participou mereciam morrer.
Layla havia se machucado.
Zayne quase morreu. Eu não tinha ideia se, se eles não tivessem nos
vendidos, aquela noite teria sido diferente, mas eles tinham desempenhado um
papel importante no que aconteceu e eles mereciam sofrer as consequências
duradouras daquela noite.
Faye merecia o que quer que viesse a ela, mas... buscar vingança não
estava certo.
Aprendi isso quando tinha seis anos e empurrei um menino no parque
que me derrubou para chegar ao balanço. Mamãe me ensinou isso. Ela havia
me sentado e explicado que dois erros nunca faziam nada certo. Thierry havia
reforçado isso inúmeras vezes quando Misha e eu éramos mais jovens e eu
retaliava sempre que ele me derrotava no treinamento, escondendo seus
sapatos ou pegando suas batatas fritas ou biscoitos favoritos e comendo ou
jogando fora.
Cara, eu tinha sido um pouco aterrorizante.
Mas de qualquer maneira, matar Faye e seu clã não era a mesma coisa
que esconder os sapatos de Misha ou jogar fora suas batatas fritas favoritas. Era
mais parecido com o que eu tinha feito a Ryker depois que ele assassinou
minha mãe.
Eu o matei.
Imediatamente e sem arrependimento.
Ninguém me puniu por isso. Nunca pensei duas vezes sobre o fato de tê-
lo matado. O que eu tinha feito não parecia importar em comparação com o
que ele tinha feito.
Mas não era a mesma coisa.
Ou será que era?
Matar Ryker foi um ato de retribuição imediata. Os crimes foram
diferentes. Assim como matar... matar Misha. Era a mesma coisa. Eu tive que
fazer isso.
No fundo do meu estômago, minha Graça queimava e pulsava. Era a
minha fonte de força e poder. Uma arma soldada do próprio fogo do Céu corria
em minhas veias e queria ser usada. Para o que Roth estava solicitando. A
confusão se agitava. Não deveria estar me esquivando de tal pedido? Ou eu
estava errada? Talvez eu devesse fazer isso, não porque devia um favor a Roth,
mas porque o clã estava indiretamente ligado a este Precursor. Quando eles
ajudaram o senador Fisher a obter o encantamento para os humanos que
atacaram a Comunidade em que cresci, eles ajudaram Misha e Bael, que eram
ambos conectados ao Precursor.
Pensei no Guardião que morreu ontem à noite. E pensei em todos aqueles
humanos inocentes que foram infectados e deixados para apodrecer no prédio
abandonado. As bruxas não tinham feito nada disso diretamente, mas ainda
eram parte disso.
Respirei fundo. Não deu em nada.
— E se eu recusar? — Perguntei enquanto olhava pela janela, sem ver
nada.
Roth não respondeu imediatamente. Uma eternidade parecia se estender
entre nós. — Eu não acho que você vai, então por que fazer a pergunta?
Eu estava errada sobre a respiração que tomei. Ela foi para algum
lugar. O ar inchou em meu peito. A pressão diminuiu enquanto
minha Graça pulsava como uma onda de calor. Meus pensamentos correram
enquanto eu tentava chegar a um acordo com o fato cristalino de que... Eu
queria acabar com o clã.
Queria fazê-los pagarem.
Eu nem estava tão furiosa com Roth por fazer o pedido. Claro, estava
chateada. O bastardo estava usando minha necessidade de vingança para fazer
seu trabalho sujo, mas também entendia seu desejo mortal e essa compreensão
amenizava minha indignação.
Comecei a pegar meu telefone, enfiado no bolso do meu jeans, então
parei, me perguntando para quem iria ligar. Zayne? Sim. Era quem eu estava
procurando, e não era bizarro? Tinha que ser o vínculo, porque raramente
pensei em pedir conselho a alguém. Meio que fiz tudo sem falar com
ninguém. Jada não. Nem mesmo Misha antes... bem, antes de tudo dar errado
com ele. O que Zayne diria? Eu duvidava que ele concordasse com isso.
Conhecendo-o, ele teria uma alternativa menos mortal.
Abri meus olhos e olhei para Roth. Ele estava me olhando de uma forma
curiosa, como se estivesse esperando para ver o que diria, embora ele já tivesse
afirmado que eu não recusaria. — E se eu puder fazer Faye libertar Bambi sem
matá-la?
Um lado de seus lábios se curvou em um meio sorriso secreto. — Bem,
por que não vemos como você pode fazer isso?

— Como vão as coisas entre você e Stony?


Eu dei um olhar penetrante a Roth enquanto andávamos pelo corredor
bastante comum do décimo terceiro andar do hotel onde o clã de Faye
costumava se reunir. — Eu não estou falando sobre Zayne.
— Por que não?
Endireitando os óculos escuros na minha cabeça, eu disse: — A lista dos
motivos seria mais longa do que o tempo que levaríamos para percorrer todo
este corredor.
— Dê-me a versão resumida.
— A razão número um é que não estou falando sobre Zayne com você —
eu disse.
— Porque eu sou o Príncipe Herdeiro do Inferno? — Ele me lançou um
olhar de conhecimento.
— Não. — Parei. — Porque você é o namorado da garota que ele ama, e
falar sobre qualquer coisa pessoal que diga respeito a ele parece errado.
— Hmm. — Roth parou. — Ama? Ou é amada?
Eu encontrei seu olhar âmbar. — Você não é aquele que não há muito
tempo me disse que ele ainda estava apaixonado por ela? Que ele passaria por
cima de mim para salvá-la?
— Mas ele não fez isso, não é?
Minha cabeça estremeceu. — O que?
— A noite na casa do senador. Quando Layla foi ferida, ele não saltou
sobre você para chegar até ela — ele apontou. — Ele permaneceu na batalha,
lutando ao seu lado - e isso foi antes de se unir a você. — Ele fez uma pausa. —
Pelo menos no sentido metafísico.
Abri minha boca para dizer que ele não sabia do que estava falando, mas
ele estava certo. Zayne não tinha saído do meu lado por Layla. O que isso
significava?
Nada.
— Você estava errado? — Eu o desafiei. — É isso que você está dizendo?
Roth encolheu os ombros. — Seria a primeira vez.
Eu bufei. — Mesmo?
Ele sorriu.
— Olha, não significa isso — eu disse a ele. — E mesmo que o fizesse, e
isso é um se tão grande como todo o continente da América do Norte, não
podemos estar juntos. É proibido entre Verdadeiros Nascidos e seus
Protetores.
— Que graça tem se não for proibido? — Enfiando as mãos nos bolsos,
ele se virou e começou a andar. — Você vem?
Fazendo uma careta em suas costas, corri para alcançá-lo. Ele estava
cantarolando uma música vagamente familiar que me deixaria louca até que
eu descobrisse qual era.
— Você tem um plano? — Roth perguntou.
Quase ri. — Claro que tenho.
Isso era principalmente uma mentira. Eu não tinha nenhum plano
diferente de assustar o Jesus em Faye.
Espere. Será que as bruxas acreditavam em Jesus? Eu não tinha ideia.
— Isso deve ser interessante de assistir — comentou. — Quase tão
interessante quanto assistir você e Zayne treinarem.
Dei a ele um olhar sombrio enquanto seguíamos o corredor em uma
curva. O restaurante apareceu. Tudo o que eu podia ver acima das janelas de
vidro fumê e das paredes do restaurante no final do corredor eram luzes fracas
de teto.
Quantas pessoas estavam lá dentro? Eram todas bruxas?
Roth parou, levantando a mão direita. Ele estalou os dedos e ouvi um
estalo agudo. O cheiro de plástico frito encheu o corredor. — Câmera — disse
ele, apontando com o queixo para o canto do corredor. — Quero ter certeza de
que não há evidências, só por precaução.
Só para o caso de...
Estremeci.
— Apenas lembre-se, você não pode matá-la enquanto Bambi está nela -
isso vai matar Bambi também. Não faça isso. — Roth estendeu a mão para a
porta.
— Espere — chamei, e ele olhou para mim. — Isso era algo que apenas
Faye teria decidido fazer...
— A menos que eles tenham agido pelas costas da Matriarca, o clã é uma
democracia. Nenhuma decisão é tomada sem o apoio total de todo o clã —
respondeu ele. — Eles não são apenas cúmplices.
Droga.
Eu não sabia muito sobre clãs, mas sabia o quão poderosa uma Matriarca,
a líder do clã, era, e como seria insano ir pelas costas dela.
Tirar uma bruxa seria mais fácil de lidar do que um clã inteiro, se fosse
necessário. Pensando bem... — Quantas bruxas estão neste clã?
— Eu realmente não sei. — Ele se afastou de mim. — Um pouco mais de
cinquenta, talvez.
Um pouco mais de cinquenta?
Cinquenta?
Doce Jesus e bebês lhamas por toda parte. Talvez todos eles não
estivessem aqui. Duvidava que Roth esperasse que eu caçasse cada um. Isso
consumiria muito tempo, e não havia como fazer isso antes que Zayne voltasse.
Meio horrorizada comigo mesma, balancei minha cabeça. Aqui estava
eu, pensando em como seria demorado matar cinquenta ou mais bruxas.
Que más escolhas de vida eu tinha feito que me levaram a este momento
em minha vida?
Meus olhos se estreitaram nas costas da camisa preta de Roth. Ah, é
verdade. Aí. Aí mesmo. Concordando em dever um favor a um maldito
Príncipe demônio. Isso era culpa de Zayne. Parecia certo. Quero dizer, ele me
apresentou a Roth. Eu ia dar um soco na garganta de Zayne quando o visse.
Pensando bem, como Roth sabia que Zayne não estava em casa? Foi um
palpite de sorte e foi sobre isso que aconteceu ontem? Roth não estava
entediado, mas esperava encontrar Zayne ausente? Antes que eu pudesse
perguntar, Roth abriu a porta e o som da música jazz saiu, junto com o
zumbido da conversa. A mesma mulher de cabelos escuros que estava lá da
última vez que viemos estava atrás da mesa da recepcionista.
Ela abriu a boca quando a porta se fechou atrás de mim. Eu ouvi o clique
da fechadura e soube que tinha sido obra de Roth.
— Não somos esperados, Rowena. Eu sei. — Roth a parou com a mão
levantada antes que ela pudesse falar. — E não nos importamos.
A bruxa fechou a boca, e algo profano brilhou em seus olhos. Um brilho
que não era inteiramente humano. Mais ou menos como eu. Seu olhar mudou
para mim e depois para longe, como se eu não fosse uma preocupação. — Vou
deixar Faye saber que vocês estão aqui.
— Que tal você apenas ficar aí e fazer o que quer que você faça. Nós
conhecemos nosso caminho.
Nós conhecemos. Rowena não parecia feliz com isso, nem parecia
ouvir. Enquanto passávamos por ela, ela estava pegando o que imaginei ser
um telefone, seus movimentos rápidos e espasmódicos, como se sua
demonstração de irritação fria fosse uma fachada rachada.
Atravessando um labirinto de cabines e mesas, notei que havia pelo
menos vinte bruxas aqui. Elas não tinham empregos?
Como da última vez, a conversa parou quando passamos por suas
mesas. Garfos pararam a meio caminho de suas bocas. As colheres bateram nas
tigelas. Canudos de plástico balançaram na frente dos lábios.
Bem, este era um lugar que não era ambientalmente consciente. Eu
adicionei isso à minha lista de razões para não me sentir mal se tivesse que
matá-los.
Enquanto seguia Roth, uma parte de mim reconheceu que não estava
com medo do que poderia acontecer. Tudo que eu podia sentir era raiva - raiva
sobre o que o clã havia participado, o que Misha havia feito e o que isso
significava para Zayne e eu, e raiva de Roth por esta maldita situação.
E minha Graça.
Ela zumbia em minhas veias, fazendo meus dedos e lábios
formigarem. O que era estranho, porque nenhuma vez, enquanto lutava com
os zumbis, a senti lutando para sair, para ser usada. Era porque eu não estava
em perigo na época, mas de alguma forma senti que estava agora?
Eu não fazia ideia.
Adiante, vi a forma de uma mulher se levantando de uma mesa e,
embora suas feições estivessem borradas, eu sabia que era Faye.
— Sente-se — Roth ordenou. — Precisamos ter outra conversinha.
O cabelo escuro e cortado de Faye balançou em torno de seu queixo
enquanto sua cabeça chicoteava do demônio para mim. Sua mão voou para o
braço, os dedos se enrolando com força em torno de uma sombra escura.
Os lábios de Roth se curvaram em um rosnado, e eu percebi que de
alguma forma a bruxa tinha impedido Bambi de sair de sua pele como o
familiar tinha feito da última vez que estivemos aqui.
E isso fez com que um Príncipe demoníaco ficasse muito infeliz. Os olhos
de Roth brilharam em um vermelho brilhante e intenso antes de amadurecer
para um âmbar frio.
A expressão de Faye se nivelou enquanto lentamente se sentava de
volta. — A que devo a honra desta visita inesperada?
— Honra? — A risada de Roth foi como seda envolta na escuridão
quando ele se sentou em frente a ela e se afastou para abrir espaço para mim. —
Você parece surpresa em nos ver.
Sentei-me, mantendo as mãos no colo enquanto olhava para Faye,
realmente olhava para ela, de uma forma que não fiz da última vez.
Ela era jovem, talvez na casa dos vinte anos, e parecia uma mulher
normal que se podia passar qualquer dia na rua. Ela era principalmente
humana, com exceção do sangue demoníaco, cortesia de alguém de sua família
que se juntou a um demônio nas gerações anteriores. Isso foi o que deu às
bruxas suas habilidades e permitiu que ela tivesse Bambi como um
familiar. Essas bruxas não se pareciam em nada com os humanos que se
chamavam Wiccanos. Não que houvesse algo de errado com os Wiccanos. Eles
simplesmente não tinham o mesmo tipo de poder que as bruxas natas tinham.
— É claro que estou surpresa — disse Faye. — Não é como se eu soubesse
que vocês dois estavam vindo, e estamos muito ocupados agora. Como eu
disse antes, partiremos muito em breve. Todo o clã.
— Você não parece ocupada — apontei enquanto Roth estendia um braço
sobre a parte de trás da cabine, agindo como se estivesse se preparando para
um cochilo à tarde.
— As aparências enganam — disse ela, mal me olhando. O que era
engraçado, considerando que ela concordou em ajudar o Senador com o
encantamento em troca de partes de uma Verdadeira Nascida
- minhas partes. Só por isso eu deveria matá-la.
— As aparências podem enganar — eu concordei, sentindo a raiva na
minha pele como mil vespas chateadas.
Faye sorriu com força enquanto fechava um pequeno diário preto à sua
frente. — Como posso ajudá-lo? — Isso foi perguntado a Roth. Não eu, porque
obviamente não era vista como remotamente importante. — A última vez que
você esteve aqui, eu disse a você tudo o que sabíamos.
— É mesmo? — Roth murmurou.
A bruxa assentiu enquanto se encostava à cabine e colocava as mãos no
colo.
— Vamos pular as besteiras — eu disse, não querendo jogar o jogo da
brincadeira. — Sabemos que você disse a Aym ou possivelmente a Bael que
fomos ver você. Ou talvez você tenha contado ao Senador Fisher. Quem sabe
para quem você contou, mas nós sabemos que você disse.
Seus olhos se arregalaram ligeiramente. — Eu não...
— Não faça toda a coisa inocente. — A voz de Roth era enganosamente
suave. — Aym traiu você, assim como você nos traiu. Você deve escolher
pessoas melhores para se associar.
Mesmo com pouca luz e com meus olhos, pude ver Faye pálida, e senti
um prazer perverso nisso.
— E posso presumir com segurança que você percebeu, no momento em
que nos viu, que as coisas não acabaram bem para Aym — acrescentei. — Ele
está super morto agora.
Ela não disse nada, e isso me irritou ainda mais.
— Posso não saber muito sobre bruxos, mas tive a impressão de que
vocês não deveriam ser bons ou maus em equipe — eu disse. — Mas, mulher,
você se uniu à Equipe Morta, Burra e Malvada.
— E em que time você está? — Seus olhos escuros se voltaram para
mim. — Enquanto você se senta ao lado do Príncipe Herdeiro do Inferno?
— Mmm. — Roth zumbiu baixo em sua garganta, como um grande gato
ronronando. — Eu amo a maneira que você diz Príncipe Herdeiro.
Eu encontrei o olhar de Faye. — Como você disse. As aparências
enganam.
Sua garganta engoliu em seco. Ela abriu a boca, fechou e tentou
novamente. — Não tínhamos escolha.
— Sempre há uma escolha — disse Roth. — Sempre.
— Você não entende. Nós não fomos até eles. Eles nos procuraram logo
depois que você chegou. Na mesma noite...
— Eu não me importo — eu disse, não reconhecendo minha própria voz
ou o que estava invadindo meu sistema. Era como se uma personalidade
totalmente nova fosse desbloqueada e assumisse o controle. — Você não tinha
que dizer a eles, mas você fez. Por causa disso, caímos em uma
armadilha. Uma armadilha que você ajudou a montar. Pessoas ficaram feridas,
Faye.
Seus lábios se estreitaram quando ela lançou um olhar nervoso para
Roth.
— Layla — ele sussurrou. — Ela estava ferida.
Agora Faye parecia que estava prestes a engasgar. — Nós nunca faríamos
nada que pudesse colocar a filha de Lilith em perigo. Nunca. Essa não era
nossa intenção.
— As intenções não significam nada no final do dia. Quer dizer, você
pode colocar fogo em um arbusto e nunca ter a intenção de que ele se espalhe
para o complexo de apartamentos ao lado, mas quando isso acontecer, ainda é
sua culpa. — Eu abri minhas mãos no meu colo. — Quais eram suas
intenções? O que eles ofereceram a você por esta informação?
Ela balançou a cabeça rapidamente e olhou ao redor da área de jantar e
depois de volta para nós. — Se não tivéssemos contado a eles, eles teriam
massacrado todos aqui.
— O que a fez pensar que não faríamos isso quando descobríssemos? —
Roth perguntou.
Os lábios de Faye se separaram.
— Eu estou pensando que ela não acreditou que nós sobreviveríamos —
eu disse a ele, balançando a cabeça quando ela apertou os lábios. Pensei sobre
o que Roth tinha me dito no carro, sobre o quanto ele era um demônio grande
e mau. Algo me ocorreu. — Eles arriscaram a irritar você em vez de Aym e o
senador Fisher, e... — Me virei para Faye — não há nenhuma maneira no
Inferno de você não pensar por um segundo que se Roth estivesse envolvido,
Layla não estaria. Portanto, você não só estava fazendo suas apostas do outro
lado, como parece ter se preocupado com o fato de Layla ser filha de Lilith.
— Isso é verdade — Roth concordou. — E isso não me deixa feliz.
— Agora, Aym era realmente irritante e falador, mas não era tão
assustador assim. — A última parte não era exatamente verdade. Aym não era
um demônio de Baixo Nível. Ele quase matou Zayne.
Seguindo aonde eu queria chegar com isso, Roth entrou na conversa. —
E embora a presença de Bael possa impressionar o... impressionável... — ele
disse, e duas manchas rosa apareceram no centro das bochechas de Faye — ele
não sou eu.
— Com quem você estava realmente trabalhando? — Eu perguntei,
percebendo o silêncio que nos cercava. — Quem poderia tornar você e seu clã
estúpidos o suficiente para nos contrariar?
— Nós só falamos com o Senador, como eu disse...
— E você disse que não sabia por que ele queria o encantamento que
transformava humanos inocentes em bucha de canhão, — eu interrompi, o
coração batendo forte. — Mas eu não acredito em você. Você conheceu Misha?
Seu lábio superior se curvou. — Eu não tenho ideia de quem seja, e você
pode querer pensar antes de falar assim comigo de novo, humana. Eu poderia
amaldiçoar toda a sua linhagem com poucas palavras.
Quase ri. Quase. — Misha era um Guardião que trabalhava com Aym e
Bael.
— Está bem?! E daí? — Ela ergueu um ombro e se concentrou em Roth. —
Nós não lidamos com Guardiões. Nunca.
Eu não tinha certeza se acreditava nela, mas Roth inclinou a cabeça e
disse: — Bruxos não confiam nos Guardiões. A coisa toda de matar qualquer
coisa indiscriminadamente com sangue demoníaco. Mas, devo dizer, vou ficar
super ofendido se você realmente achar que é melhor arriscar me irritar por
causa de Aym ou Bael.
Faye inalou e vários segundos se passaram. — A princípio conversamos
apenas com o Senador. Isso não é mentira.
— Mas...? — Roth instigou.
Seus ombros ficaram tensos. — Mas não foi o Senador que veio depois
que todos vocês chegaram. Foi Bael. E você está certo. Não correríamos o risco
de ofendê-lo por ele.
— Mas...? — Roth disse mais uma vez.
Ela pegou um copo d’água, mas parou e colocou sua mão sobre a mesa
— Eu lhe disse que o clã está saindo desta cidade – Diabos, estamos saindo de
toda a Costa. Durante os últimos meses, nossa Matriarca sentiu que algo
estava crescendo. Algo em que não queremos participar. Eu já lhe disse isso. —
Ela brincava com a borda de um guardanapo. — Achamos que tínhamos
tempo. Estávamos errados, no entanto. Já está aqui. O Precursor.
Capitulo 15
O Precursor.
Faye havia confirmado o que eu suspeitava. O clã sabia sobre o Precursor
e possivelmente tinha ajudado conscientemente a criatura, direta ou
indiretamente.
— Você já o conheceu? Já o viu? — Perguntei, porque se ela pudesse me
dar qualquer descrição, ajudaria.
Faye balançou a cabeça. — Não. Nem sabemos o que é, mas quando Bael
chegou depois que você saiu, eu sabia que alguém estava nos observando. Eles
sabiam que vocês tinham estado aqui.
Roth encolheu os ombros. — Mas eles não sabiam o que você nos
disse. Você disse a eles e poderia ter mentido. Isso está começando a me
entediar, Faye.
— Bael sabia que estávamos planejando partir. Ele... sabia que tínhamos
percebido isso – essa grande inquietação. Um desequilíbrio que nenhum de nós
viu antes. — Ela baixou o olhar enquanto seus dedos pararam no
guardanapo. — Quando Bael veio, ele nos disse que não tínhamos feito um
acordo apenas com o Senador, mas com isso, essa coisa que ele chamou de o
Precursor. Não sabíamos até então que o Precursor era o que estávamos
sentindo.
— Você nos traiu porque ele disse o nome de algo que você não sabia
nada sobre? — Roth tossiu uma risada seca. — Má escolha aí, bruxa.
— Nós sabíamos o suficiente. — Inclinando-se para frente, ela manteve a
voz baixa. — Ele nos mostrou do que o Precursor é capaz. Um dos membros
do nosso clã que estava em casa foi morto. Bael tinha fotos. — Sua pele enrugou
em torno dos lábios, empalidecendo. — Paul. Paul foi assassinado.
Eu não tinha ideia de quem era Paul.
Aparentemente, Roth sabia e não se importou. — E daí?
Faye recuou, nivelando os ombros. Ela demorou um pouco para falar. —
Eu nunca... Eu nunca tinha visto nada assim. Seus olhos estavam abertos na
foto, queimados. Soquetes vazios. Ele não tinha língua e suas orelhas... Parecia
que alguém havia enfiado picadores de gelo nele, mas ele estava... ele
estava sorrindo. A expressão em seu rosto era pacífica, como se ele
estivesse feliz. Como isso é possível? Sua morte foi brutal. Como ele poderia
estar sorrindo?
Bem, isso parecia horrível, com certeza.
— Por que você acha que isso não é algo de que Bael é capaz? Eu imagino
que queimar os olhos não é exatamente difícil, e nem seria convencer alguém
de que todo o processo foi bom enquanto estava sendo feito. — Roth tirou o
braço do encosto do sofá. — Os demônios podem não ser capazes de persuadir
grandes grupos de humanos a fazer ou sentir coisas, mas um? Fácil.
— Estamos protegidos contra a persuasão demoníaca — ela insistiu. —
Nenhum demônio pode quebrar esse feitiço.
Roth parecia querer tentar, mas o método da morte não nos dizia nada
sobre o Precursor.
A bruxa se concentrou em Roth mais uma vez. — Lamento que Layla
tenha sido colocada em perigo. Eu lamento, mas fizemos um acordo com o
Senador, e todos vocês... entraram neste acordo e...
— Ah sim. Toda a coisa do Verdadeiro Nascido — Roth a
interrompeu. — Foi prometido a você um Verdadeiro Nascido em troca da
ajuda do seu clã.
— Partes — eu o lembrei. — Partes de um Verdadeiro Nascido.
— Sim. Isso é o que nos foi prometido. Ainda estão prometidos —
acrescentou ela.
Minhas sobrancelhas levantaram enquanto a raiva fervia quase ao ponto
de ebulição. — Você ainda acha que eles vão entregar?
— Por que não? — Ela pegou o copo. — Cumprimos nossa parte do trato
e não ouvi nenhum de vocês dizer que matou outra pessoa além de Aym.
Eu podia sentir Roth começar a se mover, mas fui mais rápida ao inclinar-
me em direção à bruxa. — Posso garantir cem por cento a você que eles não
serão capazes de cumprir sua parte no trato.
Seu olhar desdenhoso, quase desagradável, cintilou sobre mim, e eu
percebi que, embora ela fosse principalmente humana, ela não gostava de
humanos. Ela não se considerava um deles.
Considerando que eu continuava me referindo aos humanos como eles,
talvez também não gostasse.
— E como você saberia disso? — ela perguntou, a voz sarcástica.
Estava errado. Era totalmente perigoso e provavelmente mais do que um
pouco estúpido, mas o fato de ela estar tão totalmente inconsciente de quão
perto estava de ser chutada para sua próxima vida levou o melhor sobre mim.
E eu sabia que o que faria a seguir significaria.
Posso não ter vindo aqui querendo matar uma bruxa, mas ia fazer
isso. No momento em que mostrasse a ela o que eu era, ela se tornaria uma
desvantagem - irritante. Ela nos traiu antes, e uma vez que soubesse o que eu
era, ela definitivamente usaria essa informação a seu favor.
Talvez me sinta mal com isso mais tarde. Talvez a culpa ardesse e
apodrecesse dentro de mim, porque certamente poderia haver uma maneira
não violenta de lidar com isso.
Mas no momento... eu não me importei.
Deixei minha Graça fluir para a superfície da minha pele. Os cantos da
minha visão ficaram brancos como ouro. — Porque eu sou a Verdadeira
Nascida que foi prometida a você.
Faye engasgou com a água, os olhos arregalados enquanto se encostava
na cabine. O copo escorregou de seus dedos e quebrou na mesa e, eu adivinhei
que com a ajuda de Roth, caiu em direção à bruxa. Água espirrou e derramou
em seu colo, mas ela não pareceu notar enquanto olhava para mim.
— Sim. — Deixei minha admissão afundar antes de puxar a Graça
de volta. Colocá-la fora foi mais difícil do que deveria ser. — Isso nunca vai
acontecer.
— Oh meu Deus — ela sussurrou.
— Bastante. — Descansei meus cotovelos na mesa e coloquei o queixo
em minhas mãos. — Você não apenas traiu Roth, o Príncipe Herdeiro do
Inferno. Você também me traiu e, por causa disso, alguém muito importante
para mim ficou gravemente ferido. Por causa disso, eu tive que... — Me cortei,
sabendo que o que aconteceu com Misha teria acontecido com ou sem a
interferência do clã. — Você estragou tudo. Em grande estilo.
— Você tem medo dela. — A voz de Roth era suave.
— Aterrorizada — a bruxa admitiu.
Provavelmente me tornava uma Verdadeira Nascida ruim, mas os cantos
dos meus lábios se curvaram.
O olhar de Faye disparou para o lado, e então seus lábios se separaram
como se ela fosse falar.
— Nem pense nisso — Roth avisou.
Eu olhei para ele, as sobrancelhas levantadas.
— Ela estava prestes a lançar um feitiço — Roth respondeu. — Não
estava? Provavelmente algo coxo que ela acha que vai nos paralisar ou nos fará
grasnar como galinhas. O que ela está esquecendo é que seus feitiços não vão
funcionar em mim, e eles com certeza não vão funcionar em um ser de sangue
de anjo.
Seus lábios se estreitaram enquanto seu peito subia e descia. Um longo
momento se passou. — Há mais de vinte bruxos aqui, cada um deles poderoso
por seus próprios méritos. Feitiços não são nossas únicas armas.
— Isso é uma ameaça? — Roth perguntou.
— Se for, você está maluca — eu disse. — Talvez seja. Então, aqui está o
que vai acontecer. Você vai liberar Bambi e Roth do acordo que ele fez com
você.
— O que? — Faye engasgou, seus olhos arregalados olhando para ele. —
Fizemos um acordo para salvar a vida de Layla. Se você voltar atrás no
negócio, seu demônio de troca pagará o preço.
— Ele não está pedindo para ser liberado do negócio — eu disse, e não
tive que olhar para Roth para saber que ele estava sorrindo. — Eu estou
dizendo a você. Você vai oferecer Bambi de volta para ele. A escolha será sua,
portanto, obrigada por isso. O acordo será nulo.
— Esses são aspectos técnicos — ela gaguejou, a cor inundando suas
bochechas mais uma vez. — Ele pediu que você fizesse isso.
— Mas não sou eu que estou pedindo a você que seja liberado do acordo.
— A presunção gotejava da voz de Roth. — E você sabe que é a única coisa que
importa.
Faye começou a tremer de raiva ou medo, ou possivelmente ambos. — E
se eu recusar? Você vai me matar? Vai matar todos aqui? Porque é isso que vai
acontecer. Se você me atacar, eles vão me defender. — Ela baixou o queixo e
uma rajada de ar quente virou um guardanapo e mexeu com os fios de cabelo
em volta do meu rosto. — Eu vou me defender.
— Você acabou de fazer isso? Fez uma brisa rolar sobre a mesa? — Eu
arregalei meus olhos. — Apavorante. Isso foi tão assustador, estou realmente
tremendo aqui.
Roth bufou.
— E quando eu disse que permitiria que você vivesse depois que
desistisse de Bambi? — Eu continuei, meu queixo ainda apoiado em minhas
mãos. — Isso é muito presunçoso da sua parte.
Faye respirou fundo.
— Afinal, você me quer morta. Você realmente precisa de mim morta
para fazer uso de todas as minhas partes gloriosas, que eu duvido que serão
usadas para a melhoria de qualquer pessoa, exceto você ou seu clã, — eu disse
a ela. — Como no mundo você poderia pensar que sairia disso viva?
— Essa é uma pergunta muito boa — disse Roth. — E você deve ouvi-la
e tornar isso mais fácil. Solte Bambi e anule o acordo. Você sabe o que
dizer. “Eu encerro este negócio barganhado pelo demônio Cayman e libero
este familiar”. Isso é tudo. Diga.
— Eu... — Faye balançou a cabeça e estremeceu. Sua mão flutuou para o
braço, onde Bambi descansava. Ela iria liberar o familiar, embora fosse muito...
Ela ergueu as mãos.
A mesa entre nós bateu em Roth e eu, prendendo-nos na cabine. A dor
atingiu meu estômago enquanto Roth xingava.
Tudo bem. Isso definitivamente não foi uma brisa.
Trabalhei meus dedos entre a mesa e meu estômago enquanto Faye se
levantava da cabine, seu cabelo preto levantando de seu rosto enquanto seus
dedos se espalhavam. Sua pele corou e seus olhos escuros brilharam em um
marrom canela. Meu olhar caiu. Sim. Seus sensíveis saltos pretos estavam a
vários centímetros do chão.
Ela estava levitando.
Eu desejava poder levitar.
— Isso é o melhor que você tem? — Roth riu, e eu realmente queria que
ele calasse a boca, porque a mesa estava cavando em minhas mãos e estava
começando a doer. — Você precisa fazer melhor.
— Eu nem comecei a mostrar o que posso fazer. — A voz de Faye estava
grossa como lama.
— E você também não viu do que sou capaz. — Roth colocou as palmas
das mãos sobre a mesa.
O cheiro de enxofre atingiu o ar e a mesa se espatifou em pó em um
nanossegundo. Tudo o que estava sobre a mesa - o copo, a vela do chá, os
guardanapos - havia sumido. Até o diário que Faye tinha.
Certo. Isso foi muito legal.
Quando fiquei de pé, a raiva da bruxa pulsou como uma onda de choque,
ondulando pelo restaurante, e minha Graça respondeu, faiscando em minha
pele.
— Lide com ela. — Roth girou em direção à área de jantar. — Eu vou
lidar com eles.
Eles eram as outras vinte e tantos bruxos que também estavam levitando.
Faye ergueu a mão e o ar pareceu vibrar acima de sua palma. Seus lábios
se moviam em um canto baixo e rápido que eu não conseguia entender. Uma
bola de fogo apareceu.
Me lancei para o lado enquanto a bola de fogo do tamanho de uma bola
de softball atingiu a cabine na qual eu estava sentada. A madeira pegou fogo,
engolindo toda a cabine muito rápido, lembrando-me do fogo que o demônio
Aym empunhou.
— Isso não foi nada legal! — Eu me virei de volta para a bruxa.
O instinto deu um pontapé, e pude sentir minha Graça pressionando pelo
meu braço, exigindo ser usada. Eu não conseguia. Ainda não. Não com Bambi
ainda na bruxa. Se a matasse, isso mataria o familiar.
Outra bola de chamas se formou acima de sua mão quando um grito de
dor e uma explosão de calor veio da direção de Roth. O olhar de Faye disparou
para a nossa direita.
Eu a ataquei, pegando-a no estômago com meu ombro. Ela gritou
quando a trouxe para o chão. A bola de chamas cintilou quando seu corpo
ricocheteou na madeira. Desci com ela, cavando meu joelho em seu
estômago. Ela grunhiu enquanto balançava a mão em minha direção.
— Oh infernos não. — Peguei seu braço pelo pulso e depois o outro. —
Sem mais truques de fogo. Solte Bambi.
Faye tentou me dar um chute, mas ela não foi treinada para lutar, pelo
menos não fisicamente. Eu facilmente a contive, prendendo seus braços em sua
cabeça. — Me solta! — ela gritou.
— Não vai acontecer. — Outra explosão de ar quente estourou, de Faye
desta vez, e o ar ao redor dela começou a se distorcer. Sua pele esquentou sob
minhas mãos, e puta merda, ela estava prestes a se iluminar como a Tocha
Humana.
Oh, inferno para o não.
Eu a agarrei pela garganta, cortando seu ar antes mesmo que ela
percebesse que tinha dado seu último suspiro. — Nem pense nisso.
Com sua concentração quebrada, o calor evaporou de seu corpo. Seus
lábios puxaram para trás, mas nenhum ar estava entrando ou saindo. Não com
meus dedos cavando em sua traqueia. Eu precisava desistir, ou ela ia asfixiar,
mas minha mão ficou lá. A raiva me consumiu, fazendo com que os pelo do
meu corpo se arrepiassem. Foi como a noite com os Delírios. A necessidade de
dividir a pele e o tecido foi substituída pelo desejo de esmagar os ossos frágeis
de sua garganta. Eu poderia fazer isto. Facilmente.
Os olhos de Faye se arregalaram, sua pele ficando em um tom violento
de vermelho quando ela abriu a boca, engolindo em seco para o ar que não
vinha.
Pare, eu disse a mim mesma. Você precisa parar ou Bambi morrerá.
Forcei meus dedos a afrouxar e a observei respirar fundo. Um tremor
percorreu meu corpo. Amaldiçoando baixinho, olhei para Roth e o vi
segurando um homem a vários metros do chão. Não havia mais
ninguém. Nada além de pilhas de cinzas e pilhas de...
Caramba!
Com o estômago revirando, eu rapidamente olhei de volta para
Faye. Meu olhar encontrou o dela e, por mais perto que estivéssemos, vi o
pânico por trás do enxofre. Isso fez com que seus olhos parecessem orbes de
vidro frágil.
Meus dedos se contraíram, afrouxando ainda mais. Faye nos traiu - me
traiu. Ela precisava de mim morta para ser capaz de usar partes de mim para
feitiços ou o que quer que fosse. Ela tinha acabado de tentar me transformar
em uma grande bola de fogo. Sabia que ela tinha que morrer no momento em
que mostrei o que eu era. Talvez soubesse disso quando Roth veio cobrar seu
favor. Inferno, eu já poderia saber disso no fundo quando percebemos que ela
nos traiu.
Mas ela estava com medo.
Eu podia ver em seus olhos. Medo e pânico. Os olhos de Ryker eram
assim? Tudo tinha acontecido tão rápido então, mas mesmo que eu tivesse
visto medo em seus olhos, isso não teria me impedido. Não depois que ele
matou minha mãe.
O choque que vi nos olhos de Misha também não me impediu.
Isso não me deteria agora.
Faye se ergueu, quebrando meu aperto. Ela se virou para mim, seu
punho me acertando na mandíbula. Foi um soco fraco, mas chamou minha
atenção.
Pegando seus braços agitados com uma mão, eu a peguei de volta onde
a tinha tido antes, com os braços presos e a mão em volta da garganta.
— Solte Bambi agora — eu ordenei, cavando meus dedos em sua
garganta, colocando a quantidade certa de pressão em sua traqueia. — Diga as
palavras. Faça-o.
Faye engasgou quando seus olhos se arregalaram. — Se eu fizer, você vai
me matar. Você não vai ficar com ela em cima de mim.
Aparecendo ao meu lado, Roth ajoelhou-se. — Só para você saber? Se
Bambi morrer por causa de suas ações, vou prolongar sua morte até que você
me implore para acabar com ela. E enquanto você implora? Vou caçar todos os
seus parentes vivos e eles pagarão por suas transgressões. Então, e só então,
depois de ver todos que você conhece e ama morrer por sua causa, vou acabar
com a sua vida.
— Sério? — Eu disse para ele.
Ele não respondeu a mim, ainda focado em Faye. — Você me entende?
A bruxa gritou quando eu aliviei sua garganta. — Eu estarei morta, então
por que eu me importaria?
— Sério? — Repeti, olhando para ela.
Faye respirou fundo e então parou de se esforçar contra mim. Seu corpo
ficou mole contra o chão. — Faça. Me mate. Mas eu nunca vou liberar o
familiar.
— Por que? — Eu exigi.
— Se eu não posso tê-la, ninguém vai.
— Você está falando sério? — Furiosa, bati com meus dedos em seu lado,
quebrando pelo menos duas costelas. Ela gritou. — Desculpe. Meus dedos
escorregaram.
— Mas eles escorregaram? — Uma voz desconhecida exigiu.
Olhando para cima, quase engasguei com minha própria
respiração. Uma velhinha estava parada entre duas mesas quebradas, a apenas
trinta centímetros de nós. E ela não era apenas velha. Ela parecia ter bem mais
de cem anos e mais alguns. Tufos de cabelo branco como a neve emolduravam
um rosto de pele escura. Ela estava perto o suficiente para eu ver como suas
bochechas e testa estavam dobradas e enrugadas. Sua camisa rosa claro dizia
A MELHOR AVÓ DO MUNDO e combinava com uma calça de linho rosa
cortada que envolvia seu corpo frágil. Os tênis brancos de sola grossa
completaram o look e, em seguida, alguns pacotes. Ela estava flanqueada por
um homem e uma mulher que reconheci como Rowena, a anfitriã. Eu não tinha
ideia de como ela estava de pé sozinha e não descansando dois metros e meio
abaixo, mas aqueles olhos eram afiados como uma lâmina e sua voz tão forte
quanto qualquer uma das nossas.
— A Matriarca — Roth explicou em um murmúrio, seu corpo inteiro
ficou tenso ao lado do meu. — Isso ou vai muito mal ou um pouco menos mal.
Excelente.
Isso soava ótimo.
— Veja o que eles fizeram! — Faye gritou, lutando contra meu aperto,
mas eu não a soltei. — Veja o que eles fizeram com o clã.
— O que eles fizeram? — a Matriarca respondeu, e sobrancelhas brancas
como as de uma lagarta se ergueram. — Não foi você quem os trouxe
aqui? Não foi você quem negociou um acordo com um demônio em primeiro
lugar?
— O-O quê? — Faye gaguejou, confusão passando por seu rosto, e eu
bem ali com ela.
A Matriarca deu um passo à frente com pernas finas. — Quando você
ofereceu o elixir em troca da vida da filha de Lilith, você o fez fora dos limites
deste clã. Eu avisei então que cada ato, cada palavra destinada a beneficiar
alguém volta três vezes mais.
Eu espiei Roth. Ele estava observando a Matriarca com olhos cor de
âmbar. Estava ficando mais claro a cada segundo que Faye e alguns membros
do clã haviam agido pelas costas da Matriarca.
— Mas era a filha de Lilith e...
— E você queria um familiar, um poderoso para o qual você não
trabalhou nem ganhou por seu próprio mérito. — A Matriarca a
interrompeu. — Nós não interferimos com a natureza, e se a natureza exigia a
vida da filha de Lilith, que assim seja.
Roth sabiamente e um pouco surpreendentemente manteve a boca
fechada.
— Mas você era gananciosa, e essa ganância levou a outro acordo com
outro demônio, e agora você trouxe algo muito pior para a porta do nosso clã.
Embaixo de mim, Faye parou de lutar novamente.
— Você acha que eu não sabia sobre o encantamento humano? A
barganha que você fez? — A gargalhada da Matriarca eriçou os pelos do meu
corpo. — Parece que você conseguiu o que queria, mas não da maneira que
esperava.
Ela sabia.
A Matriarca sabia o que eu era.
— E parece que aqueles que a seguiram também receberam sua bênção
tripla. — A Matriarca virou a cabeça apenas um pouco. — Eu sabia que o veria
de novo, jovem Príncipe.
Roth baixou a cabeça. — Honrado mais uma vez.
Ela riu como se estivesse se divertindo. — Você sempre traz consigo
tais... criações interessantes. Nunca pensei ver um Príncipe Herdeiro ou a filha
de Lilith, mas vi por sua causa e agora a filha de um Anjo está diante de mim.
— Ela sorriu, revelando dentes opacos e amarelados. — Que companhia
estranha você mantém.
— Isso torna a vida interessante — ele respondeu, erguendo o queixo e
se levantando lentamente.
Eu fiquei onde estava.
— Tenho certeza que sim. — O olhar de aço da Matriarca encontrou o
meu, e o silêncio se estendeu. Um arrepio dançou ao longo da minha pele. Ela
me olhou como se pudesse ver dentro de mim. — Você não é como eles. Você
não vê em preto e branco. Você vê cinza e tudo o que existe no meio, e eu não
sei se isso é uma força ou uma fraqueza.
Não tendo ideia de como responder a nada disso, decidi ficar quieta.
— Libere o familiar, Faye. — A voz da Matriarca endureceu como aço. —
Agora.
Faye fechou os olhos, a luta acabou. Não havia pedidos. Não houve
troca. — Eu encerro este acordo negociado pelo demônio Cayman e libero este
familiar.
O ar se distorceu atrás da cabeça de Faye e, por um momento, pensei que
fosse minha visão horrível, mas Cayman estava ali parado.
Seu longo cabelo escuro estava puxado para trás de seu rosto bonito. Sem
brincadeira hoje. Em vez disso, ele estava usando um macacão de veludo roxo
que parecia vintage. Em sua mão direita ele segurava o que parecia ser um...
contrato.
Cayman sorriu para a bruxa. — O acordo negociado foi anulado. — As
chamas lamberam a espessa folha de papel, deixando nada além de cinzas. —
Bendita seja, vadia.
O corretor demoníaco deu a Roth e eu dois polegares para cima e depois
desapareceu em uma onda de ar.
E então aconteceu.
Uma sombra se desprendeu do braço de Faye, expandindo-se
rapidamente e engrossando até que pude ver milhares de pequenas
contas. Elas giraram como um minitornado e caíram no chão, tomando forma
e formato. Bambi apareceu como uma cobra do tamanho do monstro do Lago
Ness - um monstro bebê do Lago Ness.
O familiar disparou em direção a Roth, seu traseiro balançando como a
cauda de um filhote de cachorro quando cumprimentou seu dono após uma
longa ausência.
— Minha menina. — Tudo no rosto do Príncipe demônio suavizou
quando ele colocou a mão em sua cabeça oval. A língua bifurcada de Bambi
tremulou em resposta. — Layla vai ficar muito feliz em ver você.
Bambi se mexeu alegremente.
Os dois eram estranhamente adoráveis...
Mãos bateram em meus quadris, me jogando para trás. Eu caí de Faye
enquanto ela se levantava, respirando rápido. Seus olhos estavam selvagens
enquanto ela se dirigia para a Matriarca. As duas bruxas silenciosas moveram-
se para bloquear Faye. Ela deu um passo para trás quando me levantei. Ela
girou novamente, segurando algo em sua mão.
Minha adaga - ela furtou uma das minhas adagas. Eu me preparei para
o ataque dela, mas ela não veio atrás de mim, e no segundo que percebi o que
ela estava prestes a fazer, a fúria explodiu dentro de mim.
Faye se jogou em Bambi, com o braço arqueado alto, a adaga pronta para
afundar nas costas grossas do familiar. Era ferro, mortal para os demônios, e
não parei para pensar.
Permitindo que a Graça finalmente viesse à tona, dei boas-vindas à
explosão de força quando me lancei para frente e agarrei um punhado do
cabelo de Faye. Eu a afastei de Bambi e Roth, jogando-a no chão enquanto
chamas branco-douradas explodiam ao longo do meu braço direito. Minha
mão se enrolou em torno da alça aquecida se formando contra minha palma. O
peso da espada foi acolhedor quando o fogo cuspiu e sibilou das pontas afiadas
da espada.
— Você sabe o que precisa fazer, Verdadeira Nascida. — A Matriarca
falou, sua voz alta. — É para isso que você nasceu.
As palavras caíram como um soco. Para o que nasci. Uma arma desde o
nascimento. Eu não era filha de meu pai. Eu era a Espada de Michael.
Eu levantei a espada e girei para baixo, pegando Faye pelo ombro. Era
como uma lâmina cortando o ar. A espada não encontrou resistência,
queimando osso e sangue antes mesmo de se espalhar para o ar. Demorou
alguns segundos.
E Faye não existia mais.
A Graça recuou, fluindo de volta para mim quando as chamas ao redor
da espada tremeluziram e então se extinguiram. Filetes de fumaça e poeira
dourada e brilhante dançaram no ar enquanto a luz se infiltrava de volta em
minha pele.
Tropecei para trás, respirando pesadamente enquanto olhava para
minha adaga, caída a centímetros de uma pilha de cinzas marrom-
avermelhadas. Houve silêncio. Nada fora ou dentro da minha cabeça. Apenas
um vasto vazio neste momento de silêncio, e tudo que eu senti foi...
Raiva.
A raiva ainda estava lá, abafada e um pouco mais vazia, mas presente.
— Obrigado — Roth falou, quebrando o silêncio. Lentamente, olhei para
ele. — Obrigado.
— Tinha... tinha que ser feito — eu disse, minha voz soando fraca.
Olhos âmbar encontraram os meus. — Sim.
— Era inevitável — afirmou a Matriarca. — Não escolhemos lados, e as
repetidas ações de Faye podem ser percebidas como tal. Embora a ajuda dela
tenha favorecido você no passado, ações egoístas disfarçadas como presentes
sempre mudam. Sempre há um preço a ser pago — disse ela à Roth. Então,
para mim, ela disse: — Você sabe o que ela poderia ter feito com apenas um
quarto de sangue de um Verdadeiro Nascido?
Eu balancei minha cabeça.
— Ela teria sido capaz de me derrubar e adquirir outro item procurado
sem ganhá-lo. A ganância de poder é uma das coisas mais perigosas, tão volátil
quanto a perda de fé. — A Matriarca ergueu o queixo pontudo. — Você não
tem nada a temer do clã. Sua identidade está segura.
Eu balancei a cabeça em agradecimento enquanto meu olhar voltava para
os restos mortais de Faye. Abaixei-me, peguei minha adaga e a embainhei
enquanto me levantava, pensando nas palavras da Matriarca sobre o que Faye
havia levado ao seu clã. Algo pior do que demônios.
— Posso lhe fazer uma pergunta? — Eu perguntei.
Os olhos da Matriarca eram astutos. — Você pode fazer uma pergunta.
Será que ela quis dizer isso literalmente? Eu não queria perguntar, caso
ela o fizesse. — Você sabe quem ou o que é o Precursor?
Aqueles olhos antigos se fixaram em mim e depois mudaram para
Roth. — O que eu disse a você da última vez que você esteve aqui,
Príncipe? Que o que você procura está bem na frente de seus próprios olhos.
Roth enrijeceu, mas não respondeu, e eu não tinha ideia do que isso
poderia significar, já que o Precursor não estava bem na nossa frente. Eu não
tive a chance de questioná-la mais.
— Vocês dois precisam sair. — Ela se mexeu, mas parou. Ela olhou por
cima do ombro, seu olhar encontrando o meu. — Tenho a sensação de que
voltarei a vê-la, mas não com o Príncipe. Você vai me trazer algo que eu não vi
antes. Um verdadeiro prêmio.
Uh.
Eu não tinha palavras. Absolutamente nenhuma enquanto observava
uma das bruxas conduzi-la para fora do restaurante. Restou apenas Rowena, e
ela estava olhando para a bagunça de um jeito que me disse que ela tinha
acabado de descobrir que teria que limpar isso. Meu olhar encontrou o
caminho de volta para as cinzas.
— Um verdadeiro prêmio? — Disse Roth. — Estou meio insultado por
ela não me considerar um verdadeiro prêmio.
— Bem, ela também não me considerava um, e eu sou parte anjo, então...
— Eu realmente precisava parar de olhar para as cinzas de Faye. — O que a
Matriarca quis dizer quando respondeu à minha pergunta?
Roth não respondeu imediatamente. — Não tenho certeza. A última vez
que ela disse isso, pensei que ela estava falando sobre Layla, mas então ela
estaria errada.
— A Matriarca nunca está errada — Rowena estalou, e quando eu olhei
para cima, ela estava carregando um aspirador.
Ela iria aspirar o que restava de seu clã.
Isso era...
Eu não tinha palavras.
— Não sei o que ela quis dizer — acrescentou Roth. — Mas tenho certeza
de que um dia, quando for tarde demais, será óbvio.
Um toque no meu ombro atraiu minha atenção. Eu me virei e engoli um
grito de surpresa.
A cabeça em forma de diamante de Bambi estava a poucos centímetros
da minha. Sua língua bifurcada vermelho-rubi sacudiu quando ela abriu a
boca.
E sorriu para mim.
Capitulo 16
Eu perdi meus malditos óculos de sol - e eles eram meu par favorito - em
algum lugar entre ter uma mesa deslizando para cima de mim e matar uma
bruxa. Felizmente, o sol estava atrás de nuvens espessas e, com base na cor do
céu, parecia que continuaria assim. Meus olhos ainda doíam, mas não seria tão
ruim.
Droga.
— Eu não quero ir para casa - quero dizer, de volta para a casa de Zayne
— anunciei, e essa foi a primeira coisa que qualquer um de nós disse desde que
saímos do restaurante, Rowena murmurando baixinho enquanto começava a
aspirar o que restou de seu clã.
Quando ele não respondeu, olhei para ele. Os dedos de Roth batiam no
volante enquanto ele navegava pelas ruas congestionadas da capital com mais
paciência do que eu imaginava que a maioria dos humanos tinham. Bambi
estava muito menor agora, acomodada em seu braço, com metade de seu corpo
escondido por sua camisa. A cabeça dela estava enfiada logo abaixo do
colarinho, mas a cada dois minutos eu tinha a estranha sensação de que algo
estava olhando para mim, e quando eu olhava para Roth, a cabeça de Bambi
ficava visível em seu pescoço.
— Ela gosta de você.
— O que?
— Bambi — ele explicou. — Ela está tentando ficar de olho em você
enquanto está descansando.
Mais uma vez, me perguntei se Roth poderia ler pensamentos. Ele alegou
que não podia. — Fico feliz em ouvir isso.
— Você deveria estar. Normalmente ela gosta de comer gente.
Minhas sobrancelhas levantaram. — Você ouviu o que eu disse?
— Você não quer ir para casa. Onde você quer ir?
Eu não fazia ideia. — Surpreenda-me.
— Você acha que isso é sábio?
Eu fiz uma careta. — O que isso deveria significar?
— Você está na cidade sem Zayne. — Em um semáforo, ele inclinou a
cabeça para trás contra o assento. — Ele acha que você está de volta à casa dele,
esperando sua chegada.
— Não preciso da permissão dele para ir a lugar nenhum, nem preciso
que ninguém cuide de mim. — Não conseguia acreditar que estava dizendo
isso. — Eu posso cuidar de mim mesma. Estou confiante de que você já sabe
disso.
— Eu sei. — Ele ergueu a cabeça do assento e o carro acelerou quando
ele passou pelo cruzamento. — Sou bastante observador. Você sabia disso? Eu
noto coisas.
— Isso é o que observador significa. — Senti minha testa enrugar. —
Espero que você esteja observando minha expressão agora.
Ele riu disso. — Você não vê muito bem, não é?
Meus lábios se separaram em uma inspiração aguda.
Roth lançou um breve olhar de conhecimento em minha direção. — É por
isso que você estava fazendo o treinamento com os olhos vendados. É por isso
que você estremece ou recua quando algo fica muito perto de seu rosto. — Uma
pausa significativa. — Por que você não viu a bruxa ir atrás de suas adagas.
Tudo que eu pude fazer foi olhar para ele enquanto me perguntava por
que, se ele percebeu isso, ele não interveio.
— Você também usava óculos outro dia e tenho a sensação de que é algo
mais do que apenas uma visão ruim. E também há o fato de que sei muito bem
que a visão de um Verdadeiro Nascido seria melhor do que a de um humano
normal. Seria melhor do que um Guardião ou um demônio.
Eu desviei meu olhar. Cristo, era tão óbvio? Eu balancei minha cabeça
novamente, irritada e envergonhada, embora meu lado racional soubesse que
eu não tinha razão para estar também, mas Roth estava perguntando se seria
sensato se eu fosse lá sozinha.
Meus medos anteriores ressurgiram. Havia um mundo grande e ruim lá
fora que eu não conseguia ver.
— Não vejo bem — murmurei. — Na verdade, não vejo muito bem.
Roth ficou quieto pelo que pareceu uma eternidade. — Deus é irônico,
não é?
Eu enrolei meu lábio. — Por que você assume que Deus é um ele?
Ele riu. — Na verdade, Deus é um ser além do sexo biológico, mas
chamar Deus de “coisa” parece ofensivo.
— E por que você se preocuparia em ofender a Deus?
— Só porque não respondo a Deus, não significa que não O respeito.
Roth era um demônio tão estranho.
Um sorriso apareceu. — O Chefe odeia o fato de que Deus está além de
toda a coisa do sexo biológico, e é por isso que o Chefe sempre muda de
aparência. Não é como os humanos que se identificam com um gênero
diferente. O Chefe faz isso para ser mais semelhante a Deus.
— Quando você fala sobre o Chefe, você está falando sobre... Satanás? —
Eu perguntei, tremendo quando disse o nome em voz alta. Ninguém que
soubesse, sem dúvida, que Satanás era real, falava o nome.
Seus lábios se curvaram. — O primeiro e único, mas se Lúcifer alguma
vez ouvisse você usar o nome que lhe foi dado após ter sido expulso do Céu,
ele teria colocado suas entranhas para fora.
— Mas... ele é um anjo. — A confusão me inundou. — Ou era. Tanto
faz. Como ele pode mudar sua aparência?
— O maldito Lúcifer no Céu é o que o fortalece no Inferno — ele
respondeu. — Orgulho.
— Orgulho?
— Sim. Ele é basicamente A Pequena Máquina Que Poderia
Agora, a imagem que essa declaração proporcionou foi algo que eu
nunca poderia desconsiderar.
— O Chefe opera puramente com o mantra de “se eu acho que posso, eu
vou.” — Seus lábios franziram. — Ele é como o primeiro palestrante
motivacional, se você realmente pensar sobre isso. Bem, o primeiro golpe, mas
não são todos?
— Uh...
— De qualquer forma, estou divagando. Os textos erraram algumas
coisas. Para começar, Lúcifer ainda é um anjo, o que leva a outra coisa que
geralmente está incorreta. Linhas do tempo questionáveis. Ele foi o primeiro a
ser expulso do Céu, e como Deus não tinha experiência quando se tratava de
expulsar anjos de suas nuvens elevadas de justiça própria, ele não arrancou as
asas de Lúcifer. Ele ainda tem sua Graça, e é tão sombria e distorcida quanto
você pode imaginar.
Eu realmente não queria.
— Claro, Deus aprendeu depois disso. Os demais que caíram perderam
suas asas e sua Graça.
Aqueles anjos caídos podem ter perdido sua Graça, mas com base no que
eu aprendi sobre eles, eles fazem alguns demônios, mesmo aqueles como Roth,
parecerem cachorrinhos fofinhos.
Ele me lançou um olhar divertido. — Ainda bem que os Guardiões
acabaram com os Caídos íons atrás, hein?
— Sim. — Eu não tinha ideia de como chegamos nesse assunto. Algo
sobre Deus ser irônico?
Roth riu como se soubesse de algo que eu não sabia. — Você me faria um
favor, Cara de Anjo?
— Isso envolve quebrar seu nariz quando você me chama assim? —
Perguntei docemente.
— Não. Melhor ainda.
— Considerando o que acabei de fazer, não tenho certeza se quero fazer
mais favores a você.
— Isso não é nada disso. Eu quero que você pergunte a Zayne o que
aconteceu com os Caídos. — Roth ergueu um ombro. — Ou pergunte a um dos
Guardiões que te criou. Mal posso esperar para ouvir o que eles dizem.
Eu sabia o que havia acontecido com os anjos que haviam caído. Os
Guardiões os mataram. Inferno, foi por isso que os Guardiões foram criados
em primeiro lugar, porque nenhum mortal poderia lutar contra um
Caído. Duh.
— De qualquer forma, você vai acabar com uma visão de merda que soa
como algum tipo de coisa confusa com a qual Lúcifer e Deus concordaram.
Pisquei com a rápida mudança de volta ao tópico. — Eles... eles ainda,
hum, conversam?
— Você não tem ideia.
Minha boca se abriu. Em seguida, fechou. Meu cérebro estava
começando a doer.
— Por que você simplesmente não usa sua Graça? Quer você veja bem ou
não, qualquer coisa que chegue perto de você não sobreviverá a isso. — Eu
estava me divertindo muito depois desta conversa. — Por que se estressar ou
se colocar em perigo tentando compensar seus olhos de uma maneira
diferente?
Essa era uma boa pergunta, mas respondê-la pode revelar demais. Roth
era o maldito Príncipe Herdeiro do Inferno, mas eu...
Deus.
Na verdade, eu confiava nele, o que provavelmente significava que havia
algo drasticamente errado com minhas habilidades de fazer escolhas razoáveis
na vida.
Mas Zayne confiava nele também.
Bem, isso poderia mudar se Zayne descobrisse sobre o dia de hoje. O que
nunca, jamais, iria acontecer.
— Usar minha Graça pode me cansar. — Então me dei conta de que não
estava cansada. Toquei meu nariz, encontrando-o seco. Não havia sangrado. O
choque passou por mim. Foi porque eu usei a Graça apenas brevemente? Ou
porque eu estava ligada àquele a quem deveria estar ligada?
Esse foi um desenvolvimento possivelmente interessante - incrível, se
fosse o caso.
— Mas você ainda pode usá-la quando necessário, quando seus olhos
estão falhando, sem que nenhum dano real aconteça. Certo? — ele
perguntou. — Não é como se você desmaiasse no meio de uma batalha.
— Isso me torna fraca, mas posso superar isso se necessário. — Mas agora
eu não tinha certeza se era esse o caso, já que não senti os efeitos de usá-la
antes.
— Então, talvez haja um motivo diferente para você não a usar.
Meu olhar se fixou nele. — O que você quer dizer?
— Você foi criada por Guardiões?
— E minha mãe — eu disse. — Antes de morrer.
— Mas você foi criada com suas crenças e opiniões, seus pensamentos e
convicções — explicou ele. — Se eu aprendi alguma coisa com Layla, é que os
Guardiões são fortes defensores de orientar aqueles que não são como eles a
lutar contra seus instintos naturais. Eles são bons em convencer os outros de
que não usar suas habilidades naturais é o melhor para eles.
Eu não tinha ideia do que dizer sobre isso porque Thierry, Matthew e até
minha mãe me aconselharam a invocar a Graça somente quando tudo o mais
falhasse, tanto que resistir ao seu chamado se tornou inerente. Mas eles tinham
um bom motivo. Além de me deixar fraca, revelou o que eu era. Usar
minha Graça sempre foi um risco, mas...
— Aqui estamos — anunciou Roth.
Assustada, tirei meu olhar dele e olhei pela janela. Eu vi uma placa
marrom que eu não conseguia ler e muitas árvores cercando um caminho
largo.
— Onde estamos?
— Rock Creek Park. É meio que conectado ao zoológico. Muitas trilhas. É
para onde eu vou quando... preciso de um lugar para ir.
Tive dificuldade em imaginar Roth passeando por um parque, mas era a
escolha perfeita. As árvores forneciam sombra e, embora houvesse pessoas
correndo e passeando com os cães, não era nem de perto tão opressor quanto
as calçadas e as ruas.
Eu me perguntei se Roth o havia escolhido por esse motivo. — Obrigada
— eu disse, alcançando a porta do carro. — Acho que nós nos veremos por aí.
— Você irá.
Assentindo, abri a porta e saí para o ar pegajoso.
— Cara de Anjo?
Suspirando, me virei e me abaixei para poder ver dentro do carro. — O
quê, Semente de Demônio do Inferno?
Seus lábios se curvaram em um sorriso. — Só para você saber, o que eu
sentia por Layla e o que ela sentia por mim, era proibido. Isso não nos impediu.
A faísca indesejada em meu peito parecia muito com esperança. Essa
explosão de desejo foi ofuscada pelo aborrecimento, porque agora estávamos
de volta ao tópico de Zayne. — Bom saber. Feliz por vocês dois, mas nada disso
está acontecendo entre Zayne e eu.
— Quase acredito nisso — respondeu ele. — Ambas as partes da sua
declaração.
Eu levantei minhas mãos. — Por que vocês estão todos em cima da
minha inexistente vida amorosa, Roth?
— Porque eu vi o jeito que ele olha para você, e sei como ele costumava
olhar para Layla. Era diferente.
Minhas sobrancelhas se juntaram. — Bem, não tenho certeza de como
isso é uma coisa boa.
— Diferente não é ruim, Trinity. Diferente pode ser bom.
— Ou pode não significar nada, como neste caso. — Comecei a me
levantar.
— Ei — ele gritou novamente.
— O que? — Eu me virei.
O Príncipe demônio sorriu para mim, parecendo imperturbável com a
minha irritação. — O que você fez hoje precisava ser feito. Não desperdice ar
com a culpa. Não teria sido desperdiçado com você.
A porta deslizou do meu alcance, fechando no meu rosto antes que eu
pudesse responder. Me endireitei e recuei enquanto Roth se afastava do meio-
fio.
As palavras de Roth giravam continuamente enquanto eu ficava ao longo
do acostamento da estrada movimentada por vários minutos. Ele estava certo
sobre a última parte. Faye não teria passado um segundo se sentindo culpada
se eu tivesse sido entregue a ela em pedaços.
Lentamente, me virei e entrei no parque. Estava mais fresco aqui sob a
copa espessa das árvores. Ainda úmido e molhado, mas suportável enquanto
eu seguia o caminho sem pensar. Depois de todas as caminhadas que fiz à noite
para patrulhar o Precursor, usar os músculos das pernas não estava
exatamente na minha lista de tarefas, mas isso era...
Era agradável e calmante.
Acompanhada pelo zumbido distante de conversas e o trinado das
cigarras, mergulhei em meus pensamentos. Não sobre Zayne. Eu não tinha
capacidade cerebral para lidar com qualquer coisa que Roth acabara de
compartilhar sobre ele. Não quando eu simplesmente matei alguém.
Alguém que era principalmente humano e que queria - na verdade,
precisava - de mim morta. Quem não teria ficado de luto por mim. Quem teria
usado minha morte para fins nefastos.
Ainda assim... alguém que eu matei.
Eu não queria voltar para o apartamento. Eu não queria ficar... presa ali
com esses pensamentos. Precisava arquivá-los antes de enfrentar Zayne.
Caminhei e andei, passando por cursos d'água deslumbrantes, rochas
antigas e até mesmo uma cabana de madeira rústica que parecia estar a uma
tempestade de vento de desmoronar. Cruzei uma ponte de pedra, pasma pelo
fato de que a coisa ainda estava de pé, e enquanto caminhava, repassei o que
tinha feito.
Parte de mim não conseguia acreditar que não havia encontrado uma
maneira diferente. Outra parte de mim sabia que deveria ter mantido a calma
e não cedido à raiva que me levou a mostrar à bruxa o que eu era. No momento
em que fiz isso, não havia como voltar atrás. E reconheci que não foi a primeira
vez que matei algo além de um demônio.
Houve Ryker, então Clay.
E havia Misha.
Todos eles foram atos de autodefesa, mas embora Faye tivesse me
atacado, eu fui capaz de contê-la. Ela não foi uma ameaça real à minha
segurança. Além disso, eu a incitei e um pouco, e... se eu estava sendo honesta
comigo mesma, servir a retribuição tinha me sentido bem.
Chegando a um banco, me sentei pesadamente e levantei meu olhar para
as árvores. Este lugar me lembrava da Comunidade, onde eu cresci. O ar
cheirava mais fresco aqui. Sentei-me, percebendo que não sentia nenhum
demônio por perto.
Acho que eles não gostavam de parques.
Fiquei olhando para uma placa à minha frente, sem ter ideia de qual
marco anunciava, e tudo que conseguia pensar era que, quando Faye gritou,
eu não vacilei, e quando acabei com sua vida, não senti qualquer coisa
diferente de retribuição justa.
Era por isso que eu precisava andar. Esses eram os sentimentos que
precisava resolver. As palavras de despedida de Roth foram poderosas, mas
inúteis, porque eu não sentia um pingo de culpa. Não tinha certeza se devia ou
não, e se estava, não sabia o que isso dizia sobre mim.
Ou o que eu era capaz de fazer.
Capitulo 17
Eu não tinha ideia de quanto tempo havia se passado quando meu
telefone começou a tocar. Mas eu tinha uma suspeita de quem era quando
peguei meu telefone.
Zayne.
Eu realmente deveria ter encontrado o caminho de volta para o
apartamento antes que ele voltasse, mas teria que chamar um táxi ou descobrir
como usar o aplicativo Uber, que eu mal conseguiria ver. Duas coisas que eu
nunca fiz antes.
Provavelmente deveria ter pensado nisso antes de permitir Roth me
deixar.
Respondi, estremecendo quando guinchava um — Olá?
— Onde você está? — Zayne perguntou, preocupação tão aparente que
eu pude imaginá-lo andando de um lado para o outro. — Você está bem?
— Estou bem. — Eu me senti mal por deixá-lo preocupado. —
Completamente bem. Estou no Rock Creek Park.
— Você está onde? — A surpresa inundou sua voz.
— É um parque perto do zoológico...
— Eu sei onde é. Como você chegou aí?
— Oh, eu meio que caminhei... e acabei aqui.
— Essa é uma distância infernal para caminhar, Trin.
Assistindo um casal correndo em spandex combinando, me perguntei o
quão longe eu estava de seu apartamento. — Sim, eu sei. É por isso que estou
apenas sentada aqui em um banco. — Cruzei meus tornozelos. — Então, você
cuidou de tudo que precisava?
— Sim. — Zayne ficou em silêncio e, por um segundo, pensei que a
ligação havia sido desconectada. — Você quer que eu vá buscá-la?
Uma pequena parte de mim estava prestes a dizer não, mas eu teria que
lidar com as perguntas de Zayne cara a cara mais cedo ou mais tarde. — Você
pode? Porque isso seria ótimo.
— Estarei aí em cerca de trinta minutos.
— Perfeito — eu disse com tanta alegria, que a única palavra poderia ter
se transformado em ânimo. — Você quer que eu encontre você na entrada?
— Eu vou te encontrar no parque. — Houve uma pausa de silêncio. —
Trin, eu...
Uma criança passou cambaleando por mim, perseguindo a coleira de um
cachorro três vezes maior. — Sim?
Ele não respondeu imediatamente. — Nada. Estarei aí em trinta.
Zayne desligou e eu fiquei olhando para o meu telefone, me perguntando
o que ele queria dizer. Não havia como ele saber o que fiz hoje. A distância
definitivamente parecia silenciar o vínculo, então mesmo que ele sentisse
minha raiva, não poderia ter sido o suficiente para preocupá-lo, porque ele não
tinha me verificado.
Abri minhas chamadas perdidas. Todas eram de Jada, exceto uma de
Matthew. Ele ligou esta manhã, antes de eu acordar no sofá com Zayne...
Vi a maneira como ele olhou para você ontem.
— Pare com isso — sussurrei. Meu polegar pairou sobre o nome de
Jada. Eu sentia a falta dela. Precisava falar com ela. Eu devia a ela uma ligação
de retorno e mais um pouco. Comecei a tocar em seu nome, mas meu estômago
caiu tanto que pensei que ia vomitar. Estava sendo ridícula. Eu precisava falar
com ela, mas não estava pronta.
Tocando no aplicativo de texto, digitei uma mensagem rápida e apertei
enviar antes que pudesse vacilar. Eu nem tinha certeza do que tinha dito, a não
ser que lamentava não ter conseguido entrar em contato e que ia ligar para ela
em breve. Coloquei o telefone no silêncio como a covarde que era antes de
colocá-lo de volta no bolso.
Eu olhei para cima e notei um casal de idosos caminhando lentamente,
apoiando-se um no outro. O sol havia aparecido por entre as nuvens e raios de
luz brilhantes filtrados pelos galhos das árvores, parecendo seguir o casal. Eles
caminharam até um banco em frente ao meu, seus cabelos grisalhos quase
brancos à luz do sol. O velho sentou-se primeiro, a mão ainda segurando uma
bengala enquanto olhava para a esquerda enquanto a mulher permanecia de
pé. Achei que ela poderia estar falando com ele, mas ele ainda estava olhando
para longe. Talvez ele estivesse com problemas de audição? Ou talvez...
A forma da mulher tremulou e então se estabilizou. Eu semicerrei os
olhos, percebendo que o brilho ao redor dela não era devido à luz do sol.
Ela era um espírito.
Possivelmente a esposa falecida do homem, e ela estava bem ao lado dele
- ela o ajudou a sentar-se - e ele não tinha ideia de que ela estava lá. Uma
umidade suspeita se formou em meus olhos. Nunca tinha visto nada tão triste
e tão bonito. Comecei a me levantar assim que o espírito se voltou para
mim. Embora eu não pudesse ver seu rosto, eu sabia que ela estava ciente de
mim. Os espíritos sempre estavam. Eu poderia ajudá-la - ajudar os dois - se
isso fosse o que ela queria. Ela deve ter uma mensa...
Um arrepio passou pela minha nuca, na ponta dos pés e se estabeleceu
entre meus ombros. Torcendo, eu examinei a área atrás de mim, mas não havia
nada além de grama e árvores. Ninguém ficou ali como um rastejador, mas a
sensação permaneceu e me lembrou do que eu senti no edifício zumbi.
Olhei de volta para o casal. O espírito se foi e o velho ainda estava
olhando para longe, parecendo alheio a quase tudo. Eu me mexi no banco,
incapaz de me livrar da estranha sensação de arrepio. Os músculos ao longo
da minha coluna enrijeceram.
Não me sentia apenas vigiada. Eu me sentia observada como um rato do
campo sendo observado por um falcão. Tornando-me hiper consciente,
aproximei uma das mãos de uma das minhas adagas. Algo estava perto de
mim.
Meus dedos deslizaram sobre a alça... e então o gelo desapareceu e a
sensação de estar sendo observada com ele.
O que diabos?
Eu olhei em volta novamente. Nada mudou. Na minha frente, o velho se
levantou e começou a arrastar os pés pelo caminho, contando com sua bengala
em vez de sua esposa.
No momento em que senti a bola quente em meu peito pulsar
intensamente, eu não tinha explicação para o que havia sentido. Zayne deve
ter dirigido como um morcego para fora do Inferno, porque eu não acho que
trinta minutos se passaram. Sentei-me mais reta, olhando para a ponte. Apertei
os olhos, mas as coisas eram apenas um borrão confuso. Zayne tinha que estar
perto. Eu podia sentir sua presença...
Minha cabeça virou para o outro lado, e sob um dos raios de luz
deslumbrantes, Zayne avançava, seu cabelo dourado adquirindo um efeito de
halo à luz do sol.
Em forma humana, ele parecia mais um anjo do que eu. Quase uma cópia
em carbono dos anjos da batalha nas pinturas no teto do Grande Salão na
Comunidade. Já fazia muito tempo que eu não conseguia vê-los em detalhes,
mas minhas memórias eram claras. Mamãe e eu costumávamos sentar
embaixo deles, e ela inventava histórias bobas, dando-lhes nomes como Steve
e Bill.
Embora eu não pudesse ver seus olhos, já que eles estavam protegidos
por óculos de sol prateados, eu podia sentir seu olhar em mim.
Eu sei a maneira como ele olhava para Layla.
Um tipo muito diferente de calafrio percorreu minha espinha. Pare com
isso. Minha frequência cardíaca disparou enquanto seus passos
diminuíam. Duas mulheres que passavam correndo quase tropeçaram nos
próprios pés quando viram Zayne. Um sorriso apareceu em meus lábios. Eu
não poderia culpá-las por isso.
— Ei. — Zayne falou primeiro, parando na minha frente. Respirei fundo,
sentindo seu cheiro de hortelã de inverno.
Eu acenei para ele. — Oi.
Seus lábios se contraíram. — Você deve estar exausta.
Levei um momento para perceber o que ele quis dizer. — Eu não estou
tão cansada. Foi uma boa caminhada.
— Aposto que você queimou muitas calorias. — Suas mãos foram
enfiadas nos bolsos da calça jeans. — Com toda aquela caminhada.
— Estou faminta. — Essa foi a primeira verdade que eu disse. — E tenho
certeza de que é uma surpresa.
Ele deu uma risadinha. — Nem um pouco - espere. — Sua cabeça
inclinada. — Onde estão seus óculos de sol? O sol deve estar matando seus
olhos.
Oh, cara, ele notou. Metade de mim estava quente e confusa por ele ter
notado e estava preocupado. A outra parte desejou que ele não tivesse, porque
como eu explicaria isso? — Eu, hum, eles caíram quando eu estava
atravessando uma rua. Eu tive que correr, e eles escorregaram... — Isso soou
meio crível. — No momento em que percebi que eles haviam caído, eles
estavam esmagados e mortos.
— Droga. Você tem outro par em casa?
Eu concordei.
— Gostaria que você tivesse dito algo. Eu os teria pegado. — Ele
estendeu a mão e tirou seus próprios óculos de sol. — Aqui. Pegue estes.
A surpresa passou por mim. — Obrigada, mas e você?
— Meus olhos vão ficar bem. Os seus não ficarão. — Ele os estendeu. —
Pegue os óculos de sol. Por favor.
Sentindo-me uma idiota, coloquei-os. Pisquei, imediatamente vendo e
sentindo a diferença, embora eles não estivessem nem perto de serem tão
escuros quanto os meus. — Obrigada.
— Posso me sentar?
Eu balancei a cabeça, me perguntando por que ele sentiu a necessidade
de perguntar.
Tirando as mãos dos bolsos, ele se sentou ao meu lado, perto o suficiente
para que sua coxa tocasse a minha.
Era diferente.
Eu me odiava e odiava Roth por colocar esses pensamentos na minha
cabeça. — Obrigada por vir me buscar.
— Sem problemas. — Ele se mexeu, esticando as pernas enquanto
inclinava o queixo para trás. O sol parecia acariciar amorosamente seu rosto. —
Fiquei surpreso em saber que você fez todo o caminho até aqui. Já faz uma
eternidade desde que estive neste parque ou no zoológico.
— O zoológico. — Eu bati meus pés. — Eu gosto de animais. Pensei em
encontrar a entrada, mas não tinha ideia se custava dinheiro ou algo assim. Eu
provavelmente poderia ter pesquisado isso, mas... — Dei de ombros. — Eu
gosto deste lugar também. Você sabe o que é estranho? — Divaguei.
— O que? — Abaixando o queixo, ele olhou para mim.
Ter toda a atenção dele me fez sentir culpada, tonta e esperançosa... e
amarga. Eu lancei meu olhar para o chão. — Não sinto um demônio desde que
cheguei aqui.
— É por causa do zoológico.
— O que? — Minha atenção voltou para ele. Eu não esperava uma
resposta real.
— Os animais podem senti-los, especialmente os grandes felinos. Eles
enlouquecem quando os demônios se aproximam deles — respondeu ele. — É
raro você encontrar um demônio por aqui.
— Huh. — Então, o que eu senti definitivamente pode não ter sido um
demônio. Então, novamente, Roth afirmou gostar do parque. — Acho que o
zoológico é um lugar seguro.
— Mais seguro do que a maioria, pelo menos, até mesmo uma igreja.
O que era tudo meio confuso, já que muitos demônios podiam cruzar
terreno sagrado. — Então, eu... senti algo enquanto estava aqui — disse,
decidindo que se eu não iria contar a ele sobre Faye, deveria contar a ele sobre
isso. — Algo estranho. Como uma frieza onde normalmente sentiria a presença
de um demônio. Assim mesmo, na verdade, mas frio em vez de quente. Já senti
isso antes.
Seu olhar procurou meu rosto. — Quando estávamos no prédio
abandonado? Você me perguntou se eu senti algo quando estávamos lá.
— Sim, foi quando eu senti isso antes. Ambas as vezes, nada parecia estar
lá. Eu não sei o que é. — Levantei meus ombros. — É como quando,
acidentalmente, ando através de um fantasma ou espírito, exceto que está
localizado em uma área.
As sobrancelhas de Zayne se ergueram. — Você quer dizer... um ponto
frio? Essas coisas são reais?
Eu ri suavemente. — Elas são.
Ele desviou o olhar com uma rápida mudança de cabeça.
— Você agora está preocupado por ter andado através de
fantasmas? Talvez até mesmo Peanut. — Eu bati meu ombro no dele. — Não
se preocupe. As pessoas passam por fantasmas, tipo, o tempo todo. É tão
estranho para o fantasma quanto para você.
— Não tenho certeza de saber isso me faz sentir melhor.
Eu sorri. — De qualquer forma, não sei se é apenas um novo sentimento
fantasmagórico ou outra coisa.
— Você acha que é algo ruim?
O fato de que ele estava me respeitando me fez gostar dele ainda mais, e
eu não precisava gostar dele mais do que já gostava. — Nada de ruim
aconteceu quando eu senti isso - bem, senti isso antes de toda essa horda de
zumbis, mas não sei se os dois estão relacionados ou não. Nada aconteceu
agora, exceto eu estar um pouco assustada.
— Poderia estar relacionado, no entanto. Definitivamente, algo para ficar
de olho. — Ele olhou para mim. — Então...
Eu esperei. — E aí?
— Você está realmente bem?
Qualquer relaxamento que eu estivesse sentindo caiu pela janela. — Sim
claro. Por que eu não estaria?
— Bem... — Ele se sentou para frente, deixando cair as mãos entrelaçadas
entre os joelhos, e eu fiquei tensa a ponto de pensar que meus ossos fossem
quebrar. — Você está aqui, sozinha, sentada em um parque.
— Há algo de errado com isso? — Eu cruzei uma perna sobre a outra
enquanto me inclinava para trás.
— Não. Mas eu sei que você... Muita coisa aconteceu, e você não tinha
feito isso antes.
— E você não me deixou sozinha no meio do dia por um longo período
de tempo antes — apontei. — Você tinha coisas para fazer e eu tinha lavanderia
combinada com um Peanut cantor e dançante.
Ele tossiu uma risada seca. — Isso realmente soa como algo para ver.
— Não é. Confie em mim — eu assegurei a ele. — Muita coisa aconteceu,
mas estou bem. — Essa era a verdade. Em geral. — E foi você quem perdeu
alguém na noite passada. Eu não.
— Só porque perdi alguém não zera o que você passou, Trin. — Sua voz
estava baixa, muito baixa.
O tempo todo que fiquei preocupada com o que diria a Zayne para
esconder o que eu tinha feito, não pensei que ele pensaria que minha
caminhada no parque tinha algo a ver com... Misha e tudo. — Eu só queria sair.
Sabe? Queria ver a cidade durante o dia — menti. Bem, era uma mentira
parcial. Eu queria ver a cidade durante o dia. — E pensei que hoje era um bom
dia, já que você estava ocupado.
— Inferno. — Zayne passou a mão pelo cabelo. — Eu nem pensei nisso.
— Pensar em quê?
— Que você gostaria de fazer isso. — Ele olhou por cima do ombro para
mim. — Fazer algo normal durante o dia em vez de apenas comer e treinar.
— Ei, esses são dois dos meus passatempos favoritos — brinquei. — E o
treinamento é importante. Mais do que ver a cidade.
Zayne não sorriu enquanto se recostava, virando-se na minha direção. —
Não há nada mais importante do que ver a cidade.
Inclinei minha cabeça enquanto levantei minhas sobrancelhas acima dos
óculos de sol. — A cidade sempre vai estar aqui, Zayne. Não é tão importante.
Seu olhar encontrou o meu. — Mas sua visão não vai ser.
A próxima respiração que tomei travou.
— Eu sei que você não vai perder a visão amanhã e talvez nem mesmo
no ano que vem, mas por que esperar e arriscar?
Fiquei em silêncio.
Ele olhou para o céu. — Já que ficaremos sem luz em algumas horas,
vamos pegar algo para comer e fazer uma patrulha mais cedo, para não
voltarmos tarde demais. Amanhã vou mostrar tudo o que conheço. Fazer um
dia inteiro disso.
Uma confusão selvagem de emoções me atingiu de todos os lados. —
Mas... mas nós precisamos estar lá o maior tempo que pudermos esta noite. O
Precursor...
— Não é tão importante quanto você.
Eu fiquei boquiaberta com ele. — É extremamente mais importante do
que eu, e você, e meus olhos e tudo mais. Está matando Guardiões e
demônios. Precisamos encontrá-lo e detê-lo antes que passe a matar humanos.
— Eu mantive minha voz baixa. — Essa é a única coisa importante.
— Nah. — Ele balançou sua cabeça. — Não é. Você, e você poder ver a
cidade, é muito mais importante.
Meu coração gaguejou enquanto a confusão de emoções girava ainda
mais. Eu o encarei, percebendo que ninguém nunca me colocou antes do meu
dever. Sim, minha vida foi valorizada e constantemente colocada acima dos
outros, mas ninguém nunca me colocou antes do que fui projetada para fazer,
e isso sempre me fez sentir como se eu não fosse uma pessoa, mas uma
coisa. Uma arma. Eu sabia que ninguém tinha a intenção de fazer isso,
especialmente Thierry, Matthew ou minha mãe, mas o treinamento sempre
vinha em primeiro lugar. Saber que um dia seria chamada por meu pai sempre
foi o futuro - o único futuro. Mas não para Zayne.
Era tão estranho ouvir um Guardião dizer o que estava
dizendo. Guardiões nasceram para lutar contra o mal e se acasalar para que
pudessem procriar. Claro, eles tinham mais vida do que eu, mas também eram
estritamente vinculados ao dever.
Eu queria abraçá-lo. Queria beijá-lo. Também queria dar um soco nele,
porque ele não estava sendo remotamente útil em manter a porta do arquivo
ZAYNE fechada. Era quase como se ele estivesse puxando! E ele sabia melhor
do que fazer isso.
— Você torna isso tão difícil — eu murmurei.
— Torna o que, tão difícil?
Irritada e encantada, e aborrecida porque estava encantada, olhei para
ele. — Não gostar de você — eu admiti.
Os lábios de Zayne se curvaram e um sorriso largo e lindo apareceu,
roubando minha respiração novamente.
Meus olhos se estreitaram quando cruzei os braços. — Não sei por que
você está sorrindo.
— Talvez porque... — Ele se levantou, estendendo a mão em minha
direção. — Talvez porque eu não estou tentando facilitar, Trin.
Capitulo 18
Pegar algo para comer se transformou em um jantar legítimo em uma
churrascaria que tínhamos passado muitas vezes em patrulha, para minha
surpresa.
Com base na quantidade de homens de ternos escuros e mulheres de
saias e calças que estavam apreciando seus jantares, era o tipo de lugar que
tinha um código de vestimenta tão fino quanto cortes de bifes. O que Zayne
em seus jeans e eu em minha camiseta folgada estávamos totalmente violando-
os, mas isso foi esquecido no momento em que a anfitriã pôs os olhos em
Zayne. Eu nem mesmo achei que a jovem sabia que eu estava lá.
Também não achei que a garçonete, que tinha idade para ser minha mãe,
percebeu que Zayne não estava jantando sozinho.
Mas quem se importava? Não eu, com a barriga cheia de carne vermelha
suculenta, aspargos grelhados e batatas fritas com trufas. Não quando os
segundos se transformaram em minutos que se transformaram em horas
enquanto conversávamos sobre coisas humanas. Sem o Precursor. Sem
demônios. Sem obrigações. Tudo isso desapareceu para o segundo plano.
Aprendi que tínhamos os mesmos gostos musicais. Ele era um fã dos
antigos, como eu, e concordamos que metade do que tocava no rádio agora não
era nem de perto tão bom quanto a música que havia sido lançada entre os
anos 80 e o início dos anos 2000.
Enquanto eu comia o olho de costela mais grosso que já tinha visto e
Zayne tinha meticulosamente comido um filé, descobri que ele nunca assistiu
a um único episódio de Game of Thrones, algo que estava determinada a retificar
o mais rápido possível. Expliquei como recentemente me tornei obcecada por
comédias mais antigas dos anos 90, como Todo Mundo Odeia o Chris e Passo a
Passo. Seu filme favorito acabou sendo Jurassic Park, ao acaso. Admiti que não
tinha um filme favorito e não conseguia entender como alguém poderia
escolher apenas um, o que gerou uma discussão acalorada.
Não tínhamos os mesmos gostos no cinema ou na TV.
— Aposto que você poderia citar todos os quinhentos filmes Velozes e
Furiosos — eu disse, brincando com a bainha da minha camisa. — De coração.
Zayne riu enquanto a chama da vela votiva dançava. — “Olha, eu sou
um daqueles garotos que aprecia um corpo bonito, independente da marca.”
Eu pisquei. — Repete novamente?
Ele sorriu ao se inclinar para frente, apoiando os antebraços na mesa. —
É uma citação de Velozes e Furiosos. O primeiro, e só para você saber, parei
no Furiosos 7.
— Há sete deles?
Seus olhos se arregalaram. — São mais de sete, sua mocinha carente.
Eu bufei enquanto me inclinei para trás. — Filmes de ação não são minha
praia.
— O que é?
Eu não tive que pensar sobre isso. — Eu adoro filmes de terror
engraçados.
— Filmes de terror engraçados? Parece um oxímoro.
— Na verdade. Existem muitos deles que são assustadores e nojentos e,
na verdade, muito hilários. Como os velhos filmes do Pânico - eles eram
inteligentes e engraçados. O mesmo aconteceu com O Segredo da Cabana.
Zayne revirou os olhos. — Inteligente e horror também soa como um
oxímoro.
Meu queixo caiu. — Acho que não podemos mais ser amigos.
Ele riu enquanto pegava seu copo d'água e bebia. — Apenas dizendo.
— E você acha que os filmes de ação são inteligentes? — Eu o desafiei.
— Não. A maioria é bastante entorpecente. — Ele pousou o copo. — Ao
contrário de você, reconheço as falhas inerentes às coisas que gosto.
Agora eu estava revirando meus olhos. — E ao contrário de você, eu
tenho bom gosto.
Zayne sorriu para mim, e minha respiração estúpida parou quando seu
olhar prendeu o meu. Meu peito parecia tão cheio quanto meu estômago
enquanto olhávamos um para o outro por cima da vela bruxuleante. Ele
mordeu o lábio inferior, arrastando os dentes sobre a carne, e meus dedos do
pé enrolaram dentro das minhas botas.
Não estou tentando facilitar.
Essas foram suas palavras - palavras que não poderiam significar o que
eu pensei que significassem - mas quanto mais ele segurava meu olhar, mais
incerta eu ficava. O ar estava frio aqui, mas minha pele estava quente
demais. Meu pulso estava acelerado e, embora uma pequena parte de mim
parecesse boba, como se estivéssemos fingindo que somos normais por
algumas horas, eu estava tendo a melhor noite de que me lembrava em muito
tempo - e ainda tínhamos o amanhã. Um dia de visita turística e apenas... sair
para passear. Eu estava tão entusiasmada por isso que queria acelerar o tempo
e também pressionar pause para saborear a antecipação. Mais ou menos como
eu sempre gostava da véspera de Natal durante o Natal. Era o acúmulo, a
empolgação e a maravilha do que estava por vir.
Uma garganta feminina limpou e eu desviei meu olhar de Zayne para a
fonte. Era a garçonete. Qual era o nome dela? Daisy? Dolly? Seu cabelo loiro
solto parecia super brilhante e saltitante - e bem diferente do rabo de cavalo
que ela estava usando quando entramos.
Zayne ergueu os olhos com um sorriso. — Já esgotamos nossas boas-
vindas?
A resposta normal deveria ser sim. Estávamos aqui há muito tempo e não
tínhamos pedido sobremesa. Nem tínhamos olhado para o cardápio de
sobremesas.
Obviamente, essa não era a resposta.
— Claro que não, querido. — A mulher juntou as mãos, criando uma
exibição bastante profunda de decote impressionante. — Você é mais que bem-
vindo para ficar o tempo que quiser. Eu só queria ter certeza de que não havia
mais nada de que você precisasse.
— Estou bem. — Zayne olhou para mim. — Trin?
Eu olhei para minha Coca pela metade e balancei minha cabeça.
— Nós estamos bem. — Zayne olhou para onde seu telefone estava na
mesa. Estava acendendo de vez em quando, e eu me perguntei quem estava
mandando mensagem para ele. Ele respondeu uma vez. — Na verdade,
devemos pedir a conta. — Seu olhar encontrou o caminho de volta para
mim. — A menos que você queira sobremesa?
— Deus. — Eu ri. — Se eu fizesse isso, a próxima parada seria Nap Town,
me povoar.
Ele me deu um sorriso torto. — Só a conta, por favor.
Quando a garçonete saiu apressada, levantei uma sobrancelha e Zayne
me encarou como se não tivesse ideia de por que eu estava olhando para
ele. Ele poderia ser tão alheio? — Que horas são?
— Quase nove — ele respondeu.
— O que? — Eu exclamei. Não tínhamos vindo direto do
parque; tínhamos voltado para o apartamento, porque Zayne precisou correr
até o gerente do escritório ou algo assim, mas já estávamos ali havia quase três
horas.
Zayne se recostou, erguendo o ombro. — O tempo não existe quando
você está se divertindo.
Isso era verdade.
Ele balançou a cabeça bruscamente. — Sabe, eu menti para você.
Minhas sobrancelhas levantaram. — Sobre o que?
— Lembra quando você me perguntou se eu alguma vez quis ser outra
coisa que não um Guardião? — ele perguntou, e eu assenti. — Não sei por que
comecei a pensar nisso, mas não te disse a verdade. Acho que menti porque fui
pego de surpresa pela pergunta.
Lembrei-me de que ele disse que ninguém havia perguntado isso antes,
e eu acho que isso significava até Layla. — O que era?
Zayne acenou com a cabeça. — Quando eu era criança, eu... queria ser
médico. — Ele virou a cabeça, e eu teria jurado pela minha vida que suas
bochechas estavam rosadas. — Um médico de trauma.
— Um médico de trauma? Uau. — Eu não pude evitar. — Essa é uma
ótima profissão para personalidades egoístas.
Ele riu aquela risada dele, me fazendo sorrir como uma idiota. — Você
está me chamando de egoísta?
— Nunca — eu provoquei. — O que fez você querer ser médico?
— Não sei. Na verdade, eu queria. — Ele passou a mão pelo cabelo. —
Todo sábado de manhã meu pai costumava me levar a uma sorveteria da
cidade. É um daqueles salões de estilo antigo que parece algo saído de uma
época diferente, e foi uma tradição que acabei continuando com Layla.
Esperando sentir uma onda familiar de ciúme, fiquei surpresa quando
tudo o que senti foi uma pontada de tristeza. Não por causa de Layla. Não
porque poderia ter - deveria - ser eu, mas porque Misha e eu tínhamos nossos
pequenos rituais também.
— De qualquer forma, uma vez, quando eu estava lá com meu pai, uma
mulher entrou correndo carregando um menino que havia sido atropelado por
um carro. O sangue estava por toda parte e ninguém se moveu enquanto a mãe
da criança gritava por socorro. Até papai congelou. Você consegue imaginar
isso? Um Guardião como ele, incapacitado por um acidente humano
inesperado?
— Não — sussurrei, embora também não pudesse imaginar o que teria
feito.
— E então essa mulher saiu de algum lugar da sala e simplesmente
assumiu o controle. Sem medo do sangue ou de que ela faria algo errado. Ela
sabia como manter a cabeça e o pescoço do garoto imóveis e era capaz de
manter o coração do garoto batendo até que os paramédicos aparecessem. Eu
tinha cerca de seis ou talvez sete anos e estava fascinado. Eu a ouvi dizer aos
paramédicos que ela era uma médica antes de começar a falar em um jargão
médico que soava como um idioma diferente.
Ele se inclinou em minha direção, olhos claros intensos. — Eu não tenho
ideia se aquele garoto sobreviveu, mas tudo que eu conseguia pensar era o
quão incrível a mulher era. Eu queria ser aquela pessoa aleatória na multidão
que poderia levantar e salvar uma vida. Então, eu queria ser médico.
— Você já disse isso ao seu pai?
— Não. — Ele riu baixinho ao pegar o copo, mas não o levou à boca. —
Não faria sentido. Você sabe disso. Fui criado e preparado para tomar... Sim,
bem, você conhece essa história. Não é como se ele tivesse rido ou ficado
bravo. Conhecendo-o, ele teria pego livros de medicina para eu ler. Mas eu
sabia que não era por isso que estava aqui.
Balancei a cabeça lentamente, entendendo que o que ele quis dizer
com aqui não era tanto um lugar, mas um propósito. — Sabe, você pode não
ter se tornado um médico, mas você é essa pessoa.
Suas sobrancelhas franziram em confusão.
— Aquela pessoa aleatória na multidão que pode levantar e salvar a vida
de alguém — expliquei, me descobrindo inclinada em sua direção. — Você já
fez isso antes. Provavelmente mais vezes do que você pode contar. Você não é
médico, mas é essa pessoa.
Zayne ficou me olhando por tanto tempo que comecei a me preocupar
por ter dito a coisa errada.
— Você está bem? — Eu perguntei.
— Sempre — ele murmurou, e então pegou aquele lábio inferior
novamente. — Eu simplesmente nunca pensei nisso.
— Olhe para mim. — Eu sorri. — Sendo tudo útil e tal, mostrando a você
uma maneira totalmente nova de pensar.
— Você é sempre útil. — Cílios grossos levantaram, e eu me senti
perfurada até o centro por seu olhar. — E você já está me mostrando uma nova
maneira de pensar.
Abri minha boca, para dizer o quê, eu não tinha ideia, mas Zayne mudou
de assunto. — Estive pensando em como viveríamos nos próximos dias —
disse ele. — Não podemos ficar lá, pelo menos não naquele
apartamento. Precisamos de algo com dois quartos, dois banheiros. Essa é uma
das coisas que eu estava cuidando hoje. Encontrei-me com o gerente da
propriedade para ver se eles tinham algo em aberto.
Procurar um lugar maior fazia sentido. Zayne não conseguia continuar
dormindo no sofá e, embora o horário da manhã estivesse funcionando, ainda
era um pouco chato. Mas fui estranhamente pega de surpresa, porque ele não
havia tocado na ideia comigo.
Ele correu um dedo ao longo da base da vela. — Os contratos de aluguel
do prédio são mensais, então, se mudarmos, não ficaremos presos.
Eu estava balançando a cabeça, porque isso também fazia sentido. Ele e
eu, enquanto eu vivesse e ele também, seríamos uma coisa permanente. Uma
coisa para sempre. E era inteligente e mais seguro para nós morarmos
juntos. Era por isso que Misha e eu morávamos na mesma casa na
Comunidade.
Eu não tinha ideia de pôr que estava agindo como se ele estivesse falando
uma língua que eu não entendia.
Dando uma boa sacudida em minha cabeça, fiquei aliviada ao descobrir
que o bom senso havia voltado para mim. — Existe um lugar aberto?
— São dois, mas um precisa de uma remodelação profunda, o que me
preocupa, considerando que o edifício é novo. Quem sabe o que o inquilino
anterior fez no local.
Imediatamente minha mente foi para uma cena de crime que exigia
limpeza de risco biológico... o que era uma indicação certa de que havia algo
errado comigo. — E o outro lugar?
— Está atualmente sob contingência, mas as pessoas não assinaram o
contrato ainda, então talvez eles desistam. Se o fizerem, é nosso.
— Nosso? — Soltei uma risada nervosa. — Então isso significa que eu
quero ajudar com o aluguel. Eu tenho dinheiro agora. — Fiz uma pausa, ainda
vendo os zeros e não acreditando muito. — Eu preciso pagar minha renda.
— Se é isso que você quer, é o que faremos.
Eu sorri e balancei a cabeça novamente, não me sentindo mais como uma
aproveitadora total. Mas então outra coisa me ocorreu e meu sorriso
sumiu. Pensei no que ele disse na noite anterior, sobre como seu apartamento
era apenas um lugar para descansar a cabeça. — Você realmente não está
planejando voltar para o seu clã, nunca?
Zayne balançou a cabeça. — Não.
— É por causa de mim e do vínculo?
— No momento em que me mudei, soube que não voltaria. Quem eu era
quando morava lá, dentro daquelas paredes, sob aquele teto e com meu clã? —
ele disse. — Eu não sou mais ele, e isso não tem nada a ver com ser seu Protetor.
Eu refleti sobre isso. — Por causa de seu pai e... e o que aconteceu com
Layla?
— Sim, por causa disso, mas também há muitas coisas com as quais eu
não concordo para fazer parte deles como era antes. E eles sabem disso. Muitos
deles não confiam mais em mim e, obviamente, também não confio muito
neles. A minha saída foi a melhor resposta.
Ele estava falando sobre sua postura em relação aos demônios. Eu pude
ver como isso iria abrir uma grande cisão entre ele e os outros Guardiões,
embora Nicolai parecesse mais aberto.
Bem, Nicolai não cuspiu e fez o sinal da Santa Cruz quando o nome de
Roth foi mencionado. Não tenho certeza se isso significava que ele tinha uma
postura diferente sobre os demônios.
Eu também sabia, sem dúvida, que mesmo que Zayne tivesse
basicamente se ostracizado do clã e o tivesse feito no momento em que estava
com Roth e Layla, ele ainda teria qualquer um desses Guardiões nas costas.
Dolly/Daisy, a garçonete, voltou com a conta. Seu corpo se inclinou em
direção a Zayne, de costas para mim enquanto ela apoiava o quadril contra a
mesa.
Fiz uma careta para Zayne que ele não viu ou ignorou.
— Leve o tempo que quiser. — Ela colocou a pasta de contas na mesa,
que Zayne agarrou imediatamente, abrindo-a. — E se você precisar de alguma
coisa, é só me avisar. Ficarei feliz em ajudá-lo.
Zayne viu no momento em que o vi. Nem mesmo eu não poderia errar o
que estava na conta. Um cartão com um número escrito em uma caligrafia
grande e borbulhante, ao lado de um nome que eu não consegui ler. A única
coisa que faltava era a marca de seus lábios vermelhos brilhantes que nunca
desbotavam.
Santa Gárgulas voadoras em todos os lugares, eu não podia acreditar no
que tinha testemunhado.
A garçonete acabou de lhe dar o número dela na minha frente! Por um
momento fiquei simplesmente atordoada, e quis rir, exceto que estava – bem,
estava ofendida. É verdade que esta mulher pode ter idade suficiente para me
ter legalmente, mas ela parecia muito boa para sua idade, e pelo que pude
perceber de sua maquiagem, foi em cheio. A mulher era uma maravilha, mas
mesmo que ela pensasse que eu era o lixo de ontem, isso foi uma jogada
ousada.
Reagi sem pensar - sem esperar para ver qual seria a resposta de
Zayne. A impulsividade, como de costume, levava o melhor de mim.
— Oi — eu disse em voz alta. — Daisy? Dolly?
A mulher se virou para mim, a sobrancelha levantada com
curiosidade. — Meu nome é Debbie, querida. Você precisa de alguma coisa?
— Bem, meu nome não é querida. — Eu sorri pra ela. — Você acabou de
dar a ele o seu número de telefone?
Sua boca se abriu.
— Comigo sentada bem aqui, em um encontro com ele? — Eu
continuei. As bochechas bronzeadas da mulher se aprofundaram em uma cor
rosada enquanto Zayne emanava um estranho som de asfixia. Ela abriu a
boca. — Eu adoro o empoderamento das mulheres ra-ra, abraçando nossas
necessidades sexuais e todas essas coisas boas, mas tente respeitar suas irmãs
primeiro e isso não foi nada respeitoso.
Debbie ficou ali, os braços abaixados para seus lados. Eu olhei para
Zayne. Uma mão estava curvada sobre sua boca enquanto ele olhava para a
mesa.
— Você quer acrescentar algo à conversa? — Fiz uma pausa, estreitando
os olhos. — Querido?
— Ah não. Acho que você acabou de cobrir isso. — Ele abaixou a mão e
olhou para cima, os olhos dançando. — Você pode ficar com o número. Eu não
vou precisar disso.
Debbie não pegou seu cartão. Ela murmurou, — Com licença — baixinho
e saiu correndo tão rápido quanto seus saltos a levaram.
— Bem, — Zayne disse, chamando minha atenção. — Duvido que ela
faça isso de novo.
— Provavelmente não. — Alcançando o outro lado da mesa, peguei o
cartão. — Você quer isso?
— Não. — Ele riu baixinho.
— Você tem certeza? — Joguei o cartão para o lado dele da mesa. — Não
posso acreditar que ela fez isso. Ela não sabia quem eu era. Se eu era sua
namorada ou não.
— Talvez ela tenha pensado que você era minha amiga — disse ele, me
lançando um longo olhar de soslaio. — Ou talvez minha irmã?
Eu o olhei de lado. — Sério?
Ele riu. — Estou brincando.
Meus olhos se estreitaram mais uma vez. — Ha. Ha.
— Sério, foi rude, e eu estava prestes a apontar isso antes que você o
fizesse de uma maneira tão atrevida. — Zayne se inclinou e puxou uma carteira
fina.
— Eu tenho dinheiro. — Peguei o maço de dinheiro que peguei antes de
sairmos do apartamento. — Eu posso pagar...
— Eu pago esse. — Ele deixou cair várias notas, uma delas bastante
grande.
— Eu já estou morando na sua casa, comendo sua comida e eu roubei
sua...
— Entendi, Trin. — Ele fechou a pasta de contas. — Isso é o que eu faço
em um encontro.
Quase engasguei com minha própria saliva. Graças a Deus eu não tinha
bebido. — Um encontro?
Zayne acenou com a cabeça, empurrando a pasta para o final da mesa
com um dedo longo. — Não é isso que estamos fazendo?
Oh meu Deus.
Meu rosto ardeu mais luminoso do que mil sóis. — Olha, eu não disse
isso para Dolly...
— Debbie — ele corrigiu.
—Porque pensei que estávamos em um encontro. Eu estava apenas
provando um ponto.
— Eu sei.
— E não é como se eu achasse que se tratava disso. — Eu ia morrer. Bem
aqui. Murcha de vergonha. — Não disse isso para fazer você pagar.
— Eu sei — ele repetiu, se levantando. — Mas se ele anda como um pato
e grasna como um pato, deve ser um pato.
— O que? — Eu me levantei com dificuldade.
— Isso parece um encontro e se parece com um. — Ele esperou que eu
desse a volta na mesa. — Então, talvez seja um encontro.
— Não é um encontro — eu assobiei. Meu olhar saltou dele para os
espaços estreitos e complicados mal iluminados entre as mesas.
— Por que não? — Ele caminhou um pouco na minha frente.
— Porque não podemos namorar — eu disse a ele, meu quadril batendo
na beirada da mesa. Com as bochechas em chamas ainda mais, rapidamente
me desculpei com as pessoas cuja mesa eu tinha empurrado. — Eu sinto muito.
Zayne se virou e avaliou rapidamente a situação. Sem dizer uma palavra,
ele colocou as mãos nos meus ombros, me guiando para que eu ficasse na
frente dele. Demos alguns passos antes de ele falar novamente. — Você sabe
que estou brincando com você, certo?
Eu abri minha boca e depois fechei. Claro que ele estava brincando. E é
claro que fui uma idiota. — Eu te odeio.
Rindo, ele apertou meus ombros. — Como desejar.
Ele não tinha ideia de como isso era verdade.
Mantive minha boca fechada enquanto ele me conduzia para fora do
restaurante lotado e para o ar ameno da noite. Levei um segundo para
examinar nossos arredores. Havia uma velha igreja do outro lado da rua e
vários outros restaurantes e lojas.
Ficando perto dos edifícios enquanto caminhávamos, olhei para
Zayne. Esse sorriso estúpido e sexy estava estampado em seu rosto. A energia
nervosa zumbiu por mim. — Não posso acreditar que estivemos lá por tanto
tempo. Já deveríamos ter estado aqui fora.
— Possivelmente, mas nos é permitido ter vidas — ele respondeu, mas
meu pai provavelmente discordaria disso. — Falando em ter uma vida, quais
são alguns lugares que você gostaria de ver amanhã?
— Hum... eu não sei. — Contornei um cara em seu telefone e percebi que
não tinha checado o meu desde que mandei uma mensagem de texto para
Jada. — Eu gostaria de ver os dinossauros.
— Isso está no museu de história natural. Tem um monte de coisas legais
nele. Muitos fósseis e artefatos. Até tem um pavilhão de borboletas.
Isso soava bonito. — E eu gostaria de dar uma olhada no museu do
Holocausto. É perto do outro?
— Sim, cerca de quinze minutos a pé. Qualquer outro lugar?
Eu concordei. — O museu afro-americano - ah, e aquele com os foguetes
e outras coisas.
— O Museu do Ar e do Espaço.
— Sim, isso. E eu gostaria de ver alguns dos memoriais, — eu
continuei. — Provavelmente o Monumento a Washington também.
— Parece que vamos ganhar um dia no National Mall, então.
— Tudo bem? — Eu olhei para ele. — Quero dizer, você provavelmente
já viu essas coisas um milhão de vezes.
— É perfeito e, na verdade, só estive em alguns deles algumas vezes e já
faz um tempo — ele explicou enquanto examinava as ruas. — É estranho
quando você mora aqui a vida toda. Você quer verificar as coisas, mas como
você pode ir a qualquer hora, você adia.
Achei que isso fazia sentido. — Como está a, hum, iluminação nos
museus?
— Alguns deles são muito brilhantes, então podem ser um pouco duros
para os seus olhos, e outros são escuros. Se você tiver qualquer problema em
algum deles, me avise.
Aliviada, eu balancei a cabeça. Odiava usar óculos escuros dentro de
espaços assim, porque me preocupava, estupidamente, com o que as outras
pessoas pensavam quando me viam. Como se eu fosse muito legal ou algo
assim. E embora soubesse que não deveria me importar com o que estranhos
aleatórios pensassem, ainda me deixava desconfortável. Também me
preocupei se conseguiria ver algumas das peças expostas se não pudesse
chegar perto, mas esperava que pudesse. Mesmo se pudesse ver apenas
metade delas, ainda seria incrível e...
Zayne praguejou. Esse foi o único aviso. Em um segundo eu estava
andando e no seguinte estava fora de mim.
Capitulo 19
A rua se tornou um borrão enquanto Zayne se movia assustadoramente
rápido. Ouvi um grito quando ele se virou e nos afastou de uma erupção de
vozes raivosas, onde o som de metal estridente foi seguido pelo estalo de carne
em algo sólido. As luzes da rua diminuíram quando ele entrou em um beco, e
então minhas costas foram pressionadas contra a parede enquanto Zayne me
prendia, bloqueando meu corpo com o dele. Gritos de risada e o som metálico
das rodas no cimento afogaram o caos do meu coração batendo forte.
— O quê no Universo? — Levantei minha cabeça e vi o contorno do perfil
de Zayne atrás de seu cabelo. Eu senti o zumbido baixo de um demônio
próximo, mas isso era normal para DC.
— Crianças em skates e patins saindo deste beco como idiotas com um
desejo de morte. Um deles bateu em um cara que estava saindo de um táxi.
Bem, isso explicava a gritaria contínua.
O tom de Zayne era duro. — Eles vão se machucar ou realmente
machucar outra pessoa, espero que seja o primeiro. Idiotas.
— Eu nem sequer... — Meu olhar caiu de seu perfil para onde minhas
mãos descansavam em seu peito. — Eu não os vi.
— Eu sei. Eles estavam vindo de um lado, rápido demais para você ver.
— Ele olhou para mim. — Era como uma gangue de skatistas.
— Apavorante.
Seu rosto estava sombreado, mas eu vi um sorriso fraco aparecer. — Eles
provavelmente vão causar mais dores de cabeça e danos do que uma horda de
Diabretes.
— Provavelmente. — Meu coração tinha desacelerado, mas ainda estava
batendo forte, e isso não tinha nada a ver com a gangue do skate. Havia apenas
um centímetro ou mais nos separando. Respirei fundo. — Então, novamente,
os humanos provavelmente causam mais danos do que a maioria dos
Diabretes.
— Verdade. — Seu queixo baixou.
Tomei outro fôlego, um maior, e meu peito roçou o dele. Um calafrio
provocativo dançou sobre minha pele. Será que ele se
aproximou? Provavelmente era hora de colocar alguma distância entre nós. Eu
não disse isso, no entanto. Também não me afastei. Minhas mãos
permaneceram onde haviam pousado e eu podia sentir cada respiração que ele
dava, longa e lenta, e não tão estável.
— Obrigada. — Minha voz soou estranha aos meus próprios
ouvidos. Mais espessa. Mais rica.
— Pelo o que?
Deixei minha cabeça cair contra a parede enquanto eu procurava sua
expressão nas sombras. — Pelo jantar. Eu não te agradeci. Então, obrigada.
— Você se divertir foi um agradecimento suficiente.
Meu coração deu um pequeno salto feliz. — Você sempre diz as coisas
certas.
— Eu digo o que estou pensando. Não sei se está certo ou errado. —
Zayne se aproximou enquanto falava. Suas coxas tocaram as minhas. Seus
quadris encontraram meu estômago, e eu sabia que ele estava captando o que
eu estava sentindo. O calor atingiu minhas bochechas, mas um tipo diferente
de calor infundiu minha pele enquanto um estrondo baixo irradiava do fundo
do peito de Zayne. Não havia nem um centímetro entre nossos corpos, e eu
senti aquele som em cada parte do meu ser. Meus dedos cravaram em sua
camisa enquanto todo o ar que consegui colocar em meus pulmões lentamente
vazou.
— Trin — ele disse, meu nome um rosnado rouco e baixo de advertência.
De desejo.
Deslizei meus dedos pelo seu peito, parando em seu estômago
esticado. Por que não? Essa foi a pergunta que passou por meus
pensamentos. Por que eu não podia me esticar e pegar o que queria, o que eu
suspeitava que ele queria também? Em um sentido físico, sabia que sim. Não
havia como negar que nos sentíamos atraídos um pelo outro. Isso não
significava que Roth estava certo. Que ele me olhava de forma diferente ou
que... que eu o amava. Significava apenas que eu o queria.
Ninguém explicou por que um relacionamento era proibido entre um
Verdadeiro Nascido e seu Protetor. Talvez a regra fizesse sentido quando
havia mais Verdadeiros Nascidos, mas agora era só eu, e eu não conseguia
entender por que isso seria um grande problema.
Finalmente encontrei alguém de quem gostava - muito - alguém em
quem estava interessada além de toda a atração física, e eu não poderia tê-lo.
A vida era injusta e o coração cruel, não era?
A respiração de Zayne dançava ao longo da minha bochecha, e tudo que
eu precisava fazer era virar minha cabeça um pouco para a esquerda e nossas
bocas estariam alinhadas. Ele não estava me deixando ir ou colocando
distância entre nós, e ele conhecia as regras. Talvez ele estivesse pensando a
mesma coisa que eu?
Que mal um beijo pode trazer?
Apenas um?
Eu virei minha cabeça. Os lábios de Zayne roçaram a linha da minha
bochecha, chegando a um centímetro do canto da minha boca. Cada nervo do
meu corpo parecia disparar ao mesmo tempo, e algo mais pesado, mais
picante, invadiu meus sentidos, escorregando daquela bola quente de luz em
meu peito.
Zayne.
Ele era o peso espesso no meu peito, próximo ao meu coração, e estava
se misturando com a mesma sensação que se instalou no meu estômago.
Deus, realmente estava vindo dele. Ele estava sentindo o que eu estava
sentindo. Havia algo entre nós, mais do que apenas um vínculo entre Protetor
e Verdadeira Nascida, e o que quer que fosse, me fez sentir quente e tonta,
como se eu tivesse ficado sentada ao sol o dia todo.
Não o vi se mover, mas não vacilei quando seus dedos roçaram minha
bochecha, seu polegar no meu queixo. Ele inclinou minha cabeça ainda mais
para trás. A antecipação dançou ao longo da minha pele. Naquele momento,
eu queria um beijo tanto quanto precisava do ar que eu respirava. Cada parte
de mim estava de acordo. Eu queria sentir seus lábios contra os meus mais uma
vez. Queria sentir seu hálito na ponta da minha língua. Eu queria muito.
Havia uma vozinha perversa na parte de trás da minha cabeça que me
desafiou a provocar a frustração e a necessidade que eu sentia girando dentro
dele, de empurrar a linha entre nós o mais longe que pudesse.
— O que quer que você esteja pensando, pare. — A voz de Zayne parecia
cheia de cascalho.
— Afaste-se, então.
Ele não recuou.
E não parei de pensar em como beijá-lo parecia um raio ou como era estar
em seu abraço, pele contra pele. Meus músculos ficaram líquidos de uma
forma tão agradável quanto dolorosa.
A testa de Zayne caiu para a minha e senti seu peito expandir com sua
próxima respiração irregular. — Comporte-se.
Os cantos dos meus lábios puxaram para cima. — Eu estou tentando.
— Você não está se esforçando o suficiente.
Meus olhos se fecharam enquanto meus quadris arqueavam contra a
parede e então minha respiração engatou quando sua outra mão se curvou em
torno de um quadril. — Você também não está tentando.
— Você está certa — disse ele. — Não estou tentando, e
deveria. Devemos ser mais espertos do que isso.
— Ser inteligente é superestimado — murmurei.
Ele deu uma risadinha. — Nós deveríamos estar patrulhando. Caçando
o Precursor. Não isto.
Isto.
O que quer que tenha sido.
— Concordo — eu admiti. — Mas você começou isso. Eu não.
— Eu não sei sobre isso.
— Você não pode colocar isso em mim — argumentei. — Não quando é
você quem está me segurando. Isto é culpa sua.
— Eu posso sentir você. — Sua voz era apenas um sussurro, mas deixou
meus nervos à flor da pele. — O calor. O querer. Eu posso sentir você. Acho
difícil resistir.
Minha boca secou. — E eu posso sentir você. Você pensou sobre
isso? Porque eu acho difícil de resistir.
— Está bem. — Seu hálito quente fez outra passagem sobre meus
lábios. — Que tal sermos mutuamente culpados.
— Mais como sessenta por cento sua culpa e quarenta por cento minha,
mas tanto faz.
Sua risada foi um som áspero e sedutor. — Precisamos colocar nossas
cabeças no jogo.
Nós precisávamos.
E o que Zayne disse alguns segundos atrás estava certo. Não a coisa de
culpa mútua, mas sobre não sermos inteligentes. Não tínhamos ideia de quais
seriam as consequências se estivéssemos juntos, mas eu sabia que não poderia
ser nada caloroso e confuso. A regra foi criada pelos Arcanjos, a ordem mais
elevada e mais poderosa de todos os seres angélicos. Eles até supervisionavam
os Alfas, que eram responsáveis por se comunicar com os Guardiões.
Os Arcanjos não eram apenas notoriamente rígidos e da velha guarda,
mas frequentemente eram da variedade do Antigo Testamento, o que significa
que operavam olho por olho, literalmente. Só Deus sabia que tipo de
penalidade eles infligiriam, tendo íons de experiência atrás deles quando se
tratava de distribuir punições como se fossem doces e toda noite fosse
Halloween.
O medo aumentou, deixando minha pele gelada, e não era para o meu
próprio bem-estar. Considerando como os Arcanjos costumam exagerar
quando se trata de punição adequada ao crime, eles poderiam machucar
Zayne.
Eles poderiam até matá-lo.
Enquanto o medo transformava meu sangue em lama, pensei em meu
pai, em como ele não tinha sido afetado pela forma como Misha tinha se
tornado e pelo seu falecimento. Meu coração disparou. Eu duvidava que ele
interferisse se a punição fosse imposta, mesmo com Zayne destinado a ser meu
Protetor.
Eu provavelmente estava exagerando sobre toda a parte de matar
Zayne. Eles precisavam de mim para encontrar o Precursor, e precisavam de
mim no auge do desempenho para fazer isso, e isso significava que eles
precisavam de Zayne vivo e inteiro, então talvez isso significasse que tínhamos
a vantagem. Talvez...
Um grito perfurou o zumbido distante de carros e pessoas. Nós nos
separamos e eu cambaleei para longe da parede, virando-me em direção à
entrada do beco. Outro grito rasgou o ar, seguido por mais gritos.
— Que diabos? — Zayne agarrou minha mão. — Vamos.
Zayne decolou, e com ele guiando o caminho, fui capaz de acompanhar
facilmente enquanto caminhávamos para a calçada e evitávamos grupos de
pessoas.
Outro grito aumentou minha adrenalina. À frente, uma pequena
multidão de pessoas nas calçadas se espalhou para a rua e bloqueou o
tráfego. Os passos de Zayne diminuíram enquanto eu lutava para ver o que
estava acontecendo. O zumbido na nuca me disse que havia demônios por
perto, mas não perto. Então... violência humana contra humana?
Um lampejo de luz chamou minha atenção, seguido por outro. Levei um
segundo para perceber que as pessoas estavam... Elas estavam com seus
telefones e estavam tirando fotos de algo...
— Bom Deus. — A mão de Zayne apertou e então soltou a minha.
— O que...? — Eu segui seu olhar para o prédio em que todos estavam
parados enquanto o zumbido distante das sirenes se aproximava.
O prédio era uma igreja, uma das antigas de pedra, a mesma que eu vira
quando saímos do restaurante. Algo estava pendurado em uma das torres -
algo grande com asas, mas espere... não pendurado. Mais como fixado.
A inquietação formou uma bola de chumbo no meu estômago. Dei um
passo inquieto para frente e apertei os olhos. — O que é?
Zayne rosnou baixo em sua garganta, fazendo com que os pelos ao longo
da minha nuca se arrepiassem. — É um Guardião.
Capitulo 20
Zayne mudou tão rápido que duvidei que alguém perto de nós
percebesse que o enorme Guardião alado tinha aparecido como humano um
segundo antes.
— Fique aqui — ele ordenou, e pela primeira vez, eu não me irritei com
a demanda. Não quando havia um Guardião morto amarrado em uma igreja.
Não quando deveríamos estar patrulhando em vez de jantar em um bom
restaurante e fazer o que quer que estivéssemos fazendo naquele beco. Não foi
preciso nenhum salto de lógica para concluir que, se estivéssemos fazendo o
que deveríamos fazer, poderíamos ter visto quem fez isso. Poderíamos ter
pego o Precursor ou quem quer que fosse o responsável.
Esta foi a segunda vez que um Guardião apareceu morto onde nós
estávamos.
Com uma rajada de vento, as asas poderosas de Zayne o ergueram no
ar. Suspiros seguiram quando aqueles à nossa frente giraram e esticaram o
pescoço para ver Zayne voar em direção à igreja. Mais luzes explodiram de
telefones enquanto ele se tornava nada mais do que uma forma alada borrada
para mim.
Eu sabia que, no tempo que levaria para descobrir como soletrar falafel,
as fotos do Guardião morto estariam coladas em todas as redes sociais. O que
eles chamam? Pornografia de tragédia.
As pessoas estavam doentes.
— Cristo, ele é enorme — exclamou um homem próximo, com admiração
em sua voz. — Cara, eu não sabia que eles eram tão grandes.
— Você nunca viu um? — Outro cara perguntou, e me virei e vi dois
homens de meia-idade, ambos vestidos com calças escuras e camisas
brancas. Ambos tinham bolsas de couro tipo mensageiro penduradas nos
ombros e algum tipo de distintivo pendurado no pescoço. Pessoal do
escritório. Talvez eles trabalhassem no Capitol.
O cara com cabelo mais claro balançou a cabeça. — Não tão perto assim.
— Eles são todos grandes — o outro cara respondeu, mexendo no
telefone que segurava. — Como lutadores com esteroides.
— Sim, e alguém pregou aquele grande filho da puta lá em cima como se
não fosse nada. Crucificaram a porra da coisa. — O homem de cabelos escuros
balançou a cabeça. — Deixe aquele afundar.
— Não quero mesmo, cara.
Olhei para onde Zayne estava removendo o Guardião da igreja e depois
de volta para os homens. — Desculpe? — Eu disse, e ambos me encararam. —
Vocês viram o que aconteceu com aquele Guardião?
— Aquele pendurado lá? — o cara loiro perguntou enquanto luzes azuis
e vermelhas piscando enchiam as calçadas. A polícia estava aqui. —
Não. Estávamos a caminho do metrô e alguém gritou. As pessoas estavam
apontando para a igreja.
O outro homem balançou a cabeça. — Sim, foi
estranho. Simplesmente aconteceu. A coisa apareceu em um piscar de
olhos. Não vi nada - Puta merda, tem outro. Veja!
Meu olhar seguiu para onde ele apontou. Contra o céu noturno nublado,
a forma mais escura de outro Guardião se dirigiu para Zayne e a igreja. O alívio
diminuiu um pouco a tensão nos músculos do meu pescoço. Eu não tinha ideia
de quem era o falecido Guardião, mas tinha que ser alguém que Zayne
conhecia e possivelmente com quem cresceu ou passou anos, como
Greene. Fiquei grata por ele ter reforços, porque não fui de muita ajuda
estando sem asas e em pé na calçada.
— Droga — o homem loiro disse novamente. — Não consigo entender
como essas coisas são grandes.
— Eles não são coisas — respondi, ganhando olhares duvidosos dos dois
homens. — Eles são Guardiões.
— Tanto faz — um deles murmurou, e os dois se afastaram de mim e
levantaram seus telefones para tirar uma foto.
Foi preciso muita contenção, não sabia que tinha que resistir ao impulso
de tirar os telefones de suas mãos e pisá-los. Achei que tinha feito escolhas
ruins na vida o suficiente hoje para durar pelo menos a próxima
semana. Respirando fundo, examinei a multidão. Alguém deve ter visto como
aquele Guardião subiu lá. A menos que quem fez isso pudesse se mover tão
rápido que o olho humano não pudesse rastreá-los. Muitos poucos demônios
de Nível Superior eram tão poderosos. Roth era, mas ele era tão rápido? Capaz
de crucificar um Guardião para uma igreja em uma rua movimentada sem ser
visto de forma alguma?
Mais uma vez, o que quer que tenha feito isso esteve aqui enquanto
estávamos patrulhando - bem, onde deveríamos estar patrulhando. Poderia
estar aqui agora, e não tínhamos ideia.
— Droga — eu murmurei, a frustração aumentando. Onde estava isso...
O toque de dedos gelados na minha nuca enviou um arrepio pela minha
espinha. Pelos por todo o meu corpo se Era enquanto minha respiração
engatava no fundo do meu peito. Foi aquela sensação de novo. Eu girei,
examinando as pessoas que estavam perto de mim, todas elas olhando para a
igreja. Todas elas pareciam humanas para mim. Ninguém a quem se
desconfiar.
Ao voltar, esfreguei meus dedos ao longo da base do meu pescoço. A
pele estava quente, mas aquela sensação de frio ainda estava lá.
Espere.
Um deles não parecia nem um pouco normal.
Perto de um caminhão de entrega branco estacionado, o corpo de uma
mulher estava piscando dentro e fora como má recepção em uma velha
televisão. Ela estava vestindo um uniforme de serviço azul escuro e, embora
eu não pudesse ver nenhum ferimento visível, seu rosto exibia a magreza
pálida da morte. Ela era um fantasma... e ela estava olhando para algo ou
alguém.
O fantasma desapareceu e então reapareceu na calçada, seu corpo
inclinado para longe de mim. A surpresa percorreu meu corpo. O fantasma
não sabia que eu estava ali, o que era estranho.
Enquanto eu a observava passar por entre os espectadores como se ela
tivesse um alvo, algo me ocorreu. Eu não tinha certeza se a velhinha no parque
tinha me visto antes. Ela olhou na minha direção, mas então eu senti aquela
frieza.
Eu contornei as pessoas até chegar ao limite dos curiosos. O fantasma
estava apenas alguns metros à minha frente quando sua forma começou a
piscar rapidamente. Eu abri minha boca, totalmente preparada para parecer
que estava falando sozinha.
A mulher fantasma estremeceu, seus braços finos se agitando, curvando-
se para trás como se um cordão invisível preso à sua cintura tivesse sido
puxado com força. Um segundo depois, ela piscou e deixou de existir.
Fiz um breve esforço. Fantasmas e espíritos tinham o hábito irritante de
desaparecer aleatoriamente. Isso não era novidade, mas a maneira como seu
corpo se sacudiu, como se ela tivesse sido pega...
Algo escuro e grande se moveu ao longo dos cantos da minha visão,
prendendo minha atenção. Me virei, mas não vi nada além de uma parede de
tijolos. Encarei, segundos se passando sem que nada acontecesse.
Eu não tinha ideia se tinha visto algo. Pode ter sido uma pessoa, ou um
truque estranho de luz de um carro que passava, ou o resultado da minha
mente tentando compensar as lacunas na minha visão lateral. Pode até ser um
fantasma ou um espírito. Talvez aquele cara que me seguiu até o apartamento
de Zayne. Ou absolutamente nada. Com meus olhos, quem sabe?
Mas a consciência gelada que pressionava minha nuca tinha
desaparecido, o que era uma coincidência muito estranha.
— Trin.
Eu me virei. Zayne mudou de volta para a forma humana, o que eu sabia
que ele tinha feito além dos olhos curiosos dos humanos. Meu olhar cintilou
sobre ele. Havia manchas escuras espalhadas ao longo dos restos esfarrapados
de sua camisa.
Sangue. Sangue de Guardião.
— Quem era? — Perguntei, empurrando o que acabado de acontecer de
lado.
Sua mandíbula estava dura quando ele disse: — Morgan. Ele foi
transferido para o nosso clã há um ano. — Sua mão apertou algo que estava
segurando enquanto ele soltava um rugido baixo de um rosnado que eu
realmente esperava que ninguém ao nosso redor ouvisse. — Novo na área, mas
bem treinado e mais do que capaz de se cuidar. Dez o está levando de volta ao
complexo.
Uma parte enorme e terrível de mim ficou aliviada ao saber que não tinha
sido Dez lá em cima, mas o alívio durou pouco. Eu não sabia nada sobre
Morgan. Ele poderia ter uma família - uma outra pessoa significativa e
filhos. Mesmo se ele não tivesse, eu sabia que havia outros que sentiriam sua
falta, ficariam de luto por ele.
— Eu sinto muito. — Eu engoli em seco enquanto levantava meu olhar
para Zayne. — Eu sinto muito.
Ele acenou com a cabeça e se aproximou, levantando a mão. — Isso foi o
que foi usado para empalá-lo na igreja.
Zayne abriu a mão. Descansando contra a palma de sua mão estavam
dois espigões longos e estreitos, definitivamente não da variedade normal de
jardim. Estes brilhavam em um ouro luminoso fraco. Eu não tinha
conhecimento de nenhum tipo de metal ou pedra que brilhassem assim.
— O que eles são? — Comecei a alcançá-los, mas Zayne fechou a mão em
torno deles.
— Eu não tenho ideia — ele respondeu, o peito subindo com uma
respiração profunda. — Nunca vi nada parecido antes em minha vida.

Eu estava em um canto do escritório de Nicolai, tentando ficar fora do


caminho dos Guardiões que entravam e saíam. Vários olharam curiosos ou
desconfiados em minha direção assim que perceberam que eu estava ali,
escondida como alguém que não pertencia. Ver um estranho praticamente no
coração do complexo de DC enquanto eles lidavam com a perda de outro
Guardião devia ser desconcertante.
Eu soube por Jasmine, esposa de Dez, que o Guardião Morgan tinha sido
acasalado, mas perdeu sua esposa no parto, pouco antes de sua transferência
para o complexo de DC.
Meu olhar foi para os espigões, descansando no centro da mesa de
Nicolai, brilhando suavemente. Isso não era algo que se via todos os dias.
— Seja lá o que for esse metal, ele foi capaz de matar Morgan com um
furo na nuca — Zayne estava dizendo. — Quando o retiramos, pudemos
perceber que cortou o tronco cerebral internamente.
Eu me encolhi. Isso deve ter sido... complicado, e foi definitivamente
chocante. Além das garras e dentes de demônios e do Fogo do Inferno, eu não
estava ciente de nenhuma arma que pudesse perfurar facilmente o crânio de
um Guardião.
— Tem algum tipo de escrita nele. Não tenho ideia de que idioma é —
disse Gideon ao ajoelhar-se ao nível dos olhos com a mesa.
Eu tinha visto Gideon brevemente na noite em que retornamos da casa
do Senador, mas nunca fomos oficialmente apresentados. Eu sabia que ele era
o especialista em segurança e tecnologia residente dos
Guardiões. Aparentemente, ele também era uma espécie de estudioso, porque
Zayne e Nicolai estavam olhando para Gideon como se ele tivesse admitido
colecionar bonecos de porcelana assustadores.
— O que? — Gideon exigiu, levantando a extremidade mais grossa da
ponta com um conjunto de pinças de cozinha. — Não conheço todas as línguas
do mundo.
— Isso é um choque — Zayne respondeu secamente. — Achei que você
soubesse de tudo.
— Bem, este será um para o livro dos recordes. — Gideon balançou a
cabeça enquanto olhava para a estaca. — Parece semelhante ao antigo
aramaico, mas não é o mesmo.
Minhas sobrancelhas levantaram. Aramaico antigo? Isso era de um dos
primeiros períodos conhecidos da linguagem escrita e não era algo que se
ouvia falar com frequência.
Nicolai, que era o líder de clã mais jovem de quem eu já tinha ouvido
falar, passou o polegar sobre o aparecimento de pelo ruivo em seu queixo. Pela
primeira vez desde que aparecemos, ele olhou para mim. Ao contrário dos
outros Guardiões, não havia suspeita em seu olhar, mas havia uma cautela.
— Presumo que você não tenha visto uma arma como essa? — Nicolai
perguntou.
Eu balancei minha cabeça. — Nunca.
Ele voltou a se concentrar em Gideon, o dedo ainda em seu queixo. —
Você acha que pode descobrir o que diz e de onde possivelmente veio?
Gideon acenou com a cabeça escura enquanto colocava a ponta de volta
no pano branco. — Pode levar alguns dias, mas devo ser capaz.
— Bom. — Nicolai baixou a mão e cruzou os braços. — Porque eu
gostaria de saber que tipo de metal brilha.
— O mesmo — Zayne murmurou. Ele pigarreou. — Estou pensando que
Morgan foi morto em outro lugar e depois transportado para a igreja para ser
exibido. Assim como Greene.
— Nenhuma das pessoas nas ruas viu o que aconteceu. — Eu entrei com
informações úteis em vez de ser tão útil quanto uma planta de casa. — Eu
perguntei a alguns que estavam por perto, e eles disseram que ele apareceu na
igreja em um piscar de olhos.
Gideon estava me olhando com curiosidade, provavelmente se
perguntando por que eu estava lá fora nas ruas ao lado de Zayne. Como ele
não tinha ideia do que eu era, não fiquei surpresa com seu interesse.
— Nenhum demônio é tão rápido — disse Nicolai. — Nem mesmo os
demônios de Nível Superior mais poderosos. Nem mesmo Roth.
À menção do Príncipe Herdeiro do Inferno, enrijeci. Deus, pela última
hora ou assim, eu realmente tinha esquecido o que Roth e eu tínhamos
feito. Cara, isso agora parecia uma semana atrás, mas o quão terrível isso me
tornava? O peso se acomodou em meus ombros.
— Quase chegamos à conclusão de que, seja lá o que for esse Precursor,
não é um demônio. — Zayne olhou para mim. — Não temos ideia do que pode
estar por trás disso.
— O que significa que não temos ideia do que estamos procurando —
acrescentei, avançando para fora do meu canto. — Greene foi... deixado em
uma área onde estávamos, e o mesmo esta noite. Acho que os locais foram
escolhidos de propósito.
— O que você acha? — Nicolai perguntou a Zayne enquanto Gideon
franzia a testa.
— Eu penso o mesmo que Trinity. — Zayne cruzou os braços. — É como
se estivesse nos provocando.
— E nenhum de vocês viu nada? — Nicolai perguntou.
— Estávamos jantando no restaurante em frente à igreja e depois
estávamos patrulhando. Tínhamos percorrido um quarteirão quando ouvimos
os gritos.
Nicolai franziu a testa. — Jantar?
— Foi o que eu disse — respondeu Zayne.
A mandíbula de Nicolai se contraiu. — Houve algo que algum de vocês
notou que era anormal?
Zayne balançou a cabeça, mas pensei sobre a sensação que senti e o
fantasma que vi. Eu não tinha ideia se era relacionado ao Precursor, mas era
alguma coisa.
Olhei para Gideon, sem saber o que poderia dizer na frente dele, e decidi
ir com o mínimo de informação possível. — Bem, eu vi um fantasma.
A cabeça de Gideon girou em minha direção. — Um fantasma?
Assentindo, me vi olhando para Zayne. — Provavelmente não tem nada
a ver com o Precursor, mas o fantasma estava se comportando de maneira
estranha.
— Você vê fantasmas? — Gideon perguntou, falando devagar.
— E espíritos — Zayne respondeu, seus braços se desdobrando enquanto
ele angulava seu corpo em minha direção. — Você não disse nada sobre isso
antes.
O tom de sua voz picou minha pele. — Bem, estávamos meio ocupados
voltando para o complexo porque havia um Guardião morto para lidar.
— Espere aí. — Gideon olhou para mim. — Você pode ver fantasmas e
espíritos?
— Sim, não é grande coisa...
— Não é grande coisa? — Gideon soltou uma risada seca. — Você sabe
que isso significa que tem um anjo empoleirado em um galho de sua árvore
genealógica em algum lugar.
Sim, havia um empoleirado bem no topo da minha árvore
genealógica. Ele era um arcanjo, e seu nome era Michael, como o Michael.
De alguma forma, consegui manter meu rosto em branco. Foi um esforço
impressionante, porque geralmente meu rosto não sabia como não mostrar o
que eu estava pensando. — Foi o que ouvi.
— Uau. — Gideon olhou para Nicolai, que parecia estar sorrindo... ou
fazendo careta. — Eu nunca conheci alguém que pudesse ver os mortos. Cara,
você teria sido útil alguns meses atrás, quando tínhamos um fantasma
correndo por aqui. Teria salvado todos nós de um mundo de problemas e... —
Ele parou com um pequeno aceno de cabeça. — Definitivamente teria sido útil.
— Como o fantasma estava agindo? — Zayne interrompeu antes que eu
pudesse questionar qualquer coisa.
— Ele não sabia que eu estava lá, o que é estranho. Estava focado em
algo, mas antes que eu pudesse descobrir o quê, o fantasma se sacudiu e então
desapareceu.
— Talvez este fantasma pudesse sentir o Precursor — Nicolai supôs
enquanto se encostava na lateral de sua mesa.
— É possível — eu disse, principalmente porque tudo era possível neste
momento. — Fantasmas e espíritos têm o hábito de desaparecer
aleatoriamente, então pode não ser nada, mas... — Mas eu não tinha certeza se
poderia dizer o que também senti sem ter que explicar para Gideon.
Felizmente, Gideon estava seguindo em frente. — A propósito, ainda não
encontrei nada sobre onde está localizada esta escola que o senador planeja
construir, e eu investiguei profundamente - profundamente em nível
estadual. Ainda estou penteando, mas me pergunto se o terreno foi comprado
com um nome ou empresa diferente.
— E o senador não esteve na cidade desde antes do incêndio, quando foi
localizado com Bael — lembrou Nicolai. — Seus assessores têm lidado com
tudo enquanto ele está lidando com uma emergência familiar inesperada em
seu estado natal.
Eu bufei. — Mais como uma emergência demoníaca inesperada.
Nicolai sorriu. — Alguns de nós estão se perguntando se o senador ainda
está vivo.
— Com base na experiência anterior com demônios como Bael, se o
senador não for mais útil, então você pode apostar que ouviremos sobre um
acidente prematuro que resultou em morte — comentou Zayne.
— Espero que não. — Os três olharam para mim. — Bem, ele seria um
beco sem saída então. Literalmente.
— Bom ponto. — Gideon embrulhou cuidadosamente os espigões. —
Vou ligar as câmeras da rua e das lojas próximas para ver se eles pegaram
alguma coisa esta noite. Espero que elas nos mostrem algo. O que pode não ser
visível ao olho humano pode ter sido capturado em filme.
— Como com fantasmas? — Eu sugeri.
Gideon acenou com a cabeça.
Sorri, pensando em quantas vezes as pessoas rejeitaram as imagens
fantasmagóricas no filme como sendo um truque estranho da câmera. Eu
estava disposta a apostar em uma caixa de cerveja que as pessoas pegavam
evidências de fantasmas com mais frequência do que gostariam de saber.
— Deixe-me saber o que você encontrar — disse Zayne. — Mesmo que
não seja nada.
Olhando para o pacote que ele segurava, Gideon acenou com a cabeça. —
A única coisa que posso dizer é que isso não foi criado por humanos e não são
algo que eu já vi um demônio usar. — Ele olhou para cima. — Faz você se
perguntar de onde eles vieram, não é mesmo?
Capitulo 21
No momento em que a porta se fechou atrás de Gideon, encarei Nicolai
e Zayne. — Se os humanos não criaram esses espigões e nem os demônios, isso
não deixa muitas opções.
— Exatamente — Zayne concordou, me observando.
Sentindo o peito estranhamente apertado, cruzei os braços. Havia uma
fonte em potencial que eu podia pensar - uma que não fazia sentido. — Eu
nunca vi armas angelicais antes.
— Eu vi. Nós dois vimos — respondeu Zayne, olhando para Nicolai. —
Os Alfas carregam espadas. Não é como a sua. A sua é especial.
A minha era super especial.
— As espadas dos Alfas parecem ser uma estranha mistura de ferro e
ouro — explicou Nicolai. — Pelo menos, pelo que pudemos ver. Nenhum de
nós realmente segurou uma.
— Você sabe o que está errado? — Mudei meu peso de um pé para o
outro. — Eu sou parte anjo, e o único anjo que já vi é meu pai, mas vocês veem
os Alfas o tempo todo.
— Sim, bem, nenhum de nós viu um arcanjo — Nicolai respondeu.
— Exceto eu — Zayne o lembrou.
— E isso não faz de você um ser único. — Nicolai afastou uma mecha de
cabelo castanho na altura dos ombros do rosto enquanto Zayne sorria. — Eu
nunca vi um anjo carregar algo assim e, além disso, por que esse Precursor teria
algo que foi forjado no céu?
Essa era uma boa pergunta. — Talvez tenha sido roubado de um anjo —
ofereci com um encolher de ombros. — Quero dizer, se não é uma criação
humana ou demoníaca, então o que resta? Alienígenas?
As sobrancelhas de Zayne se ergueram. — Os extraterrestres são a
próxima conclusão razoável.
— Você conhece uma raça ou espécie que eu não conheço, mas todo
mundo conhece? — Eu perguntei.
— Sim, todo mundo sabe que há uma outra espécie por aí e só você não
sabe. — Diversão gotejou através do vínculo, me irritando. O sorriso de Zayne
aumentou um pouco. — É mais provável que seja uma arma angelical que
nunca vimos antes. E sim, sempre tenho valor a agregar.
Ugh.
O que ele disse era mais provável.
Mas...
Meu estômago caiu um pouco. — Mas isso significaria que este Precursor
o tomou, e isso significaria...
— Alienígenas? — Zayne perguntou.
— Eu vou dar um soco em você. Com força — eu disse. — Como eu
estava dizendo, isso significaria que ele seria capaz de matar um anjo. E o que
pode fazer isso?
— Bem, o familiar de Roth comeu um Alfa uma vez, então matar anjos
não é algo inédito — Zayne meditou. — E sim, testemunhar isso foi tão
perturbador quanto você pode pensar.
A imagem da cobra que fazia as sucuris parecerem covardes se formou
em meus pensamentos. Bambi era assustadora, mas me lembrei de como ela
ficou feliz em ver Roth. Como um cachorrinho muito ansioso, e ela... sorriu
para mim.
Por matar Faye.
— E queimou o outro Alfa até a morte — Zayne continuou. — Thumper
transformou aquele anjo em nada além de cinzas em, tipo, um nanossegundo.
Eu encarei Zayne. — Você não está falando sobre Bambi, certo?
O fantasma de um sorriso apareceu. — Roth tem vários familiares. Um
deles é um dragão — ele explicou, e me lembrei de ver a vibrante tatuagem
azul e dourada em Roth. — Longa história, mas sim, Thumper teve uma boa
refeição naquele dia.
— Uau — eu sussurrei, me perguntando como Roth ainda estava vivo
depois disso. — E você não parece preocupado com o fato de que o familiar de
Roth matou dois anjos?
Olhando para cima, Zayne encontrou meu olhar. — Os Alfas estavam lá
para matar Layla.
— Oh. — Eu desviei meu olhar. Sua falta de preocupação fazia sentido,
porque essa provavelmente seria a única circunstância em que Zayne não se
importaria se anjos fossem mortos.
— Vejo aonde você quer chegar com isso — disse Nicolai. — Mas não
conhecemos todos os fatos ainda para começar a entrar em pânico e operar com
a ideia de que este Precursor pode derrotar os anjos.
— Não estou entrando em pânico. Estou apenas apontando a
possibilidade de estarmos enfrentando algo que nunca vimos antes. Não é um
alienígena. — Eu lancei um olhar para Zayne. — Mas definitivamente algo que
pode derrubar os seres mais poderosos já criados.
— Ela tem razão. — Zayne pegou um pequeno objeto circular da mesa
de Nicolai. — Mas também não sabemos ainda. Esses espigões podem ser algo
antigo que nunca vimos antes. E mesmo que o Precursor conseguisse pegar
uma arma de origem angelical, isso não significa que o anjo foi
derrotado. Esses espigões podem ter sido encontrados. Precisamos de uma
pista.
— Talvez você encontre uma na próxima vez que for jantar — Nicolai
sugeriu.
Eu pisquei.
— O que isso quer dizer, Nic? — Zayne perguntou. — Porque é melhor
não significar o que eu penso que significa. Precisamos comer. Isso é o que
estávamos fazendo. E podemos comer onde e quando quisermos.
Nicolai olhou para Zayne por um longo momento e então se afastou da
mesa. — Temos outra questão urgente que precisamos discutir. Alguns dos
outros começaram a fazer perguntas sobre Trinity.
A tensão irradiava de Zayne para mim através do vínculo, e eu a senti
vibrar sobre minha pele. — E você disse a eles que não é da conta deles —
afirmou Zayne, o aviso em seu tom fazendo cada palavra soar como um soco
verbal. — Certo?
Virei-me lentamente para Zayne, erguendo as sobrancelhas. A posição
de líder do clã por si só exigia respeito, mesmo se o líder real não o tivesse
merecido. Zayne sabia disso, e não porque todos os Guardiões sabiam disso,
mas porque seu pai tinha sido o líder, e porque Zayne deveria ser o líder do
clã agora. O título era passado para um herdeiro masculino maior de idade, e
Zayne era maior de idade.
Ele simplesmente recusou.
A mandíbula de Nicolai endureceu mais uma vez, e eu esperava que ele
lembrasse Zayne com quem estava falando, mas sua expressão suavizou
depois de vários batimentos cardíacos tensos. — Eu posso dizer a eles tudo o
que quero, mas isso não muda o fato de que eles têm dúvidas. — Ele se sentou
atrás da mesa e desviou seu olhar para mim. — Manter o que você é em
segredo não é fácil. Você ficar com Zayne e patrulhar com ele. Ambas as coisas
chamam a atenção.
— Eu sei. — Descansei minhas mãos nas costas da cadeira. — Mas
precisamos manter isso em segredo.
— Algum de vocês pensou sobre o fato de que, em algum momento, um
dos outros Guardiões vai ver você em ação? — Nicolai questionou. — No
momento em que virem você lutar, eles vão saber que você não é humana. E
se eles virem você usar sua Graça...
— Você realmente acha que isso não me ocorreu? — Zayne atirou de
volta, colocando o objeto circular de volta na mesa. Percebi que era um peso
de papel preto brilhante. — Você sabe muito bem que os Guardiões não
patrulham em grupos ou na mesma área a menos que algo esteja
acontecendo. Se formos cuidadosos, não vamos nos cruzar com outro
Guardião.
— Você só pode ser cuidadoso por um certo tempo. Eu sei que você usou
Dez para tirá-la daquele armazém antes que os outros chegassem. Nem sempre
será tão simples.
— Pode ficar complicado, mas é o que é — disse Zayne. — Eu não me
importo se é fácil ou não. Você é o líder do clã. Certifique-se de que eles não
descubram por tanto tempo quanto possível. Esse conhecimento é muito
arriscado.
Achei que não era uma boa hora para lembrar Zayne que havia
atualmente dois demônios e um meio demônio que sabiam exatamente o que
eu era.
E isso não dizia tudo?
Zayne confiava naqueles demônios ao invés de seu próprio clã. Com
certeza, ele não sabia que Roth seria capaz de descobrir o que eu era, mas ele
não reagiu dessa forma quando Roth descobriu e expôs o que eu era para Layla
e Cayman. Se Nicolai descobrisse isso, eu não poderia nem começar a imaginar
o que ele faria - o que todo o clã pensaria.
Também seria um momento muito ruim para dizer a eles que a
Matriarca, Rowena e outra bruxa aleatória sabiam o que eu era.
— Estou surpreso que você se lembrou que sou o líder deste clã. — A voz
de Nicolai era suave. — Eu estava começando a achar que você tinha
esquecido.
— Eu não me esqueci. — Zayne encontrou o olhar de Nicolai. — Nem
por um segundo.
Os lábios de Nicolai se curvaram em uma zombaria assustadora de um
sorriso semelhante ao que eu tinha visto em Thierry mais vezes do que me
importava em lembrar. Era um sinal de que ele estava perto de se tornar
nuclear. — Existe um motivo para se preocupar que algum dos membros do
nosso clã coloque Trinity em perigo?
Eu levantei minha mão. — Quero deixar claro que, se estiver em perigo,
posso cuidar de mim mesma.
Ambos me ignoraram, já que estava se tornando o tema da minha vida
quando as pessoas falavam de mim como se eu não estivesse na sala.
— Você não quer que eu responda a essa pergunta — Zayne retrucou.
— Eu sei que você tem seus problemas com o clã, Zayne, e eu entendo
isso. Eu entendo. — Nicolai se recostou. — Mas você realmente acha que eu
permitiria que qualquer pessoa do meu clã usasse o que Trinity é, contra ela?
— Ninguém pensou que meu pai permitiria que seu clã fizesse o que
fizeram com Layla. — Zayne plantou as mãos na mesa. — Eles fizeram?
Eu respirei fundo. Oh, cara, eles estavam prestes a viajar por uma estrada
dolorosa, que levava de volta a Layla. É hora de intervir.
— Houve um Guardião em casa que descobriu o que eu era. — Meu
estômago azedou, porque esta era uma de minhas próprias estradas
dolorosas. — Ninguém sabia que Ryker acreditava que uma Verdadeira
Nascida faria mal a um Guardião. Parece loucura, certo? Até minha mãe, que
ele acabou matando quando foi atrás de mim, nunca suspeitou. Misha pode ter
orquestrado tudo, mas Ryker tinha essas crenças muito antes de Misha ser
capaz de explorá-las.
Zayne silenciosamente se aproximou de mim enquanto eu falava, e eu
não queria pensar sobre o que ele estava sentindo através do vínculo. Era um
saco confuso de dor e culpa, tristeza e fúria. Seu olhar azul pálido estava fixo
em mim enquanto falava com Nicolai. — Eu adoraria acreditar que cada
membro do clã aqui é são e lógico e nem por um segundo acreditaria que
Trinity seria uma ameaça para eles, mas simplesmente não sabemos disso. A
última coisa que qualquer um de nós precisa é olhar por cima dos ombros para
os Guardiões enquanto tentamos encontrar o Precursor.
O silêncio se estendeu. O relógio do escritório bateu como uma bomba. O
olhar azul brilhante do líder derivou para o meu. — Foi por isso que você foi
atacada na Comunidade Potomac quando estávamos lá?
Ele estava falando sobre Clay. Eu balancei minha cabeça. — Não. Ele só...
— Ciente de que Zayne estava me observando, me lembrei do que Misha me
disse. — Isso não tinha nada a ver com o que eu era. Mas Ryker não era o único
que acreditava que era perigosa. Houve outros que sentiram que eu precisava
ser sacrificada. Eles foram... tratados. — Corri meus dedos nas costas da
cadeira. — Honestamente não sei por que algum Guardião se sentiria assim,
mas alguns sim. Pode haver mais.
— Você não sabe por quê? — Descrença genuína preencheu o tom de
Nicolai.
Pega de surpresa, fiz uma careta. — É, não. Eu não sei.
O foco de Zayne voltou ao líder de seu clã. — Por que algum Guardião
temeria um Verdadeiro Nascido?
— Um Verdadeiro Nascido extrai força de um Guardião...
— Isso vale para os dois lados — Zayne interrompeu. — O Protetor
ganha força com o Verdadeiro Nascido. Não é como se ela fosse um parasita.
Um parasita.
Uau.
Nunca olhei para as coisas dessa forma, mas agora isso estava preso na
minha cabeça para ficar obcecada mais tarde.
— Eu não estava sugerindo isso. — Os dedos de Nicolai bateram no braço
de sua cadeira, uma batida lenta e constante. — Não é totalmente
surpreendente que alguns se preocupem com o que ela é.
— Surpreendente ou não, é imperativo que mantenhamos o que ela é em
segredo. — Zayne nos trouxe de volta aos trilhos. — Eu preciso que você
concorde com isso, Nic.
— Farei o que puder, mas vocês dois precisam se preparar para quando
o clã descobrir a verdade.
— Eu nunca disse que não estava preparado. Eu estou. — Zayne se
moveu para que seu corpo bloqueasse o meu. Ele enfrentou o líder de seu clã,
o homem sentado na posição que deveria ser de Zayne. — Eu era um
Guardião, mas agora sou um Protetor. Seu Protetor. Se algum deles fizer uma
pergunta sobre Trinity de uma forma que me preocupe, será a última coisa que
farão.
Capitulo 22
— Você acha que foi necessário? — Perguntei no momento em que
saímos do escritório de Nicolai para o corredor vazio.
— O que? — Zayne desceu o corredor estreito fortemente iluminado por
arandelas. Já era tarde e o grande complexo estava silencioso de uma forma
que me lembrou da casa em que cresci.
Ignorei uma picada em meu peito enquanto corria para acompanhar seu
ritmo de pernas longas. — O que você disse a Nicolai aí. Você sabe, para o líder
do seu clã.
— Eu sei quem é Nicolai, Trin. Como eu disse a ele, não esqueci por um
segundo com quem estava falando.
— Claro que não me pareceu.
Um grande ombro se ergueu em um encolher de ombros quando
entramos em uma cozinha silenciosa e espaçosa, mas de alguma forma ainda
aconchegante, que conseguia ter uma mesa que podia acomodar um time de
futebol inteiro. — Ele precisava saber que eu não pensarei duas vezes antes de
eliminar as ameaças a você, não importa de quem elas venham.
Zayne empurrou portas duplas brancas de vaivém que levavam a uma
cozinha menor que tinha eletrodomésticos de aço inoxidável de parede a
parede. Achei que a comida era preparada aqui. Normalmente eu me
perguntaria por que alguém precisava de duas cozinhas, mas havia muitos
Guardiões no complexo.
— Embora eu aprecie isso, você não pode ir atrás de alguém só porque
eles fazem perguntas sobre o que ou quem eu sou... — Engoli um grito
enquanto Zayne se virava para me encarar. — Oi?
Zayne abaixou o queixo e uma cortina de cabelo loiro deslizou para
frente, roçando sua mandíbula. — Eu sou seu Protetor. Ninguém, demônio,
Guardião ou humano, vai colocá-la em uma posição de perigo.
Eu encontrei seu olhar. — Você é meu Protetor, não meu cão de guarda
raivoso que morde quem chega perto.
— Oh, eu farei muito mais do que morder — ele respondeu, e eu rolei
meus olhos. — Meu trabalho é mantê-la segura e não pretendo ficar esperando
que as perguntas se tornem problemas.
— Mas eles já estão perguntando — apontei. — E Nicolai está
certo. Eventualmente, eles vão descobrir. Talvez... talvez estejamos
errados? Talvez precisemos contar ao clã. Correr esse risco.
— Esse não é o risco que devemos correr agora. Como eu disse a Nic, não
precisamos ficar olhando por cima dos ombros. Meu clã não vai descobrir. Não
se eu tiver algo a ver com isso.
Plantei minhas mãos em meus quadris. — E o que você vai fazer, Zayne?
— O que eu tiver que fazer. Não vou permitir que você seja prejudicada.
— Ele tirou o punho do peito e segurou-o ali, acima do coração. — Esse é o
voto que fiz.
Duas metades de mim foram para a guerra total. Parte de mim
transbordou de aborrecimento. Não apenas porque seu aviso era desnecessário
e poderia prejudicar ainda mais seu relacionamento com seu clã, mas também
porque eu poderia muito bem cuidar de mim mesma, muito obrigada. Eu não
precisava que ele ficasse todo He-Man nos outros Guardiões sem justa causa.
A metade mais estúpida de mim estava toda esvoaçante em minhas
partes femininas, porque ele estava disposto a se colocar entre mim e uma bala,
por assim dizer, até mesmo ir contra seu clã para fazer isso.
Essa parte era idiota como o Inferno, por causa da razão por trás de seu
voto. O vínculo o fazia sentir-se assim – disposto a entrar na frente de um trem
em alta velocidade por mim – quando chegasse até ele e seu clã. Não era a
mesma coisa sabendo do perigo, ou que lhe permitia ficar de pé e ver familiares
comerem Alfas porque eles a ameaçaram, ou perseguir um relacionamento
com o meio demônio, mesmo quando ele sabia que seu clã nunca o apoiaria.
Ele precisava me proteger. Ele queria proteger Layla. E havia um mundo
de diferença entre necessidade e desejo. Meu peito torceu, embora eu não
estivesse me comparando a Layla por ciúme ou amargura. Não havia
competição entre nós. Era apenas a... a simples diferença de que, mesmo que
Zayne e eu compartilhássemos jantares incríveis, e ele dissesse coisas gentis e
doces para mim, havia uma diferença entre precisar fazer algo e querer fazer.
A cabeça de Zayne se inclinou. — O que? — Seu olhar cintilou sobre meu
rosto. — O que há de errado?
Olhei para a porta com painéis de aço em que paramos. — Nada está
errado.
— Você parece sempre esquecer que posso sentir o que você está
sentindo.
— Confie em mim, não me esqueci disso. — Era hora de mudar de
assunto. — Como vamos voltar para a sua casa? — Pegamos uma carona para
o complexo com outro Guardião que apareceu logo depois que Dez saiu com
o corpo de Morgan. — Vamos voar de novo?
Zayne não respondeu por um longo momento. O silêncio deixou meus
nervos à flor da pele, me forçando a olhar para ele novamente. No momento
em que nossos olhos se conectaram, eu não conseguia desviar. Não conseguia
colocar ar suficiente em meus pulmões com a respiração superficial que
tomei. — Você está triste — disse ele, em voz baixa. — Parece... um peso no
meu peito. Eu posso sentir isso, Trin.
Fechei os olhos, pensando que realmente precisava ter um melhor
controle das minhas emoções.
— Fale comigo — ele sussurrou no silêncio.
— Eu estava... estava pensando em Misha. — Isso era uma mentira, mais
uma que disse hoje, e também não é algo sobre o que eu queria falar. Mas era
melhor do que a verdade. — Foi apenas uma memória aleatória. Não é
importante.
Sua mão tocou meu ombro, me surpreendendo. O peso era leve, mas eu
podia sentir o calor de sua mão através do material da minha camisa,
marcando minha pele. — Mas é importante.
Exalando com força, não disse nada.
— Eu sei que você sente falta dele. — Seus dedos se curvaram em volta
do meu ombro. — Mesmo com tudo que ele fez, você ainda sente falta dele. Eu
entendo.
Ele realmente entendia? As coisas podiam estar tensas entre ele e seu pai
antes de sua morte, mas não era como se seu pai o quisesse morto ou tentasse
traí-lo. Ou orquestrado a morte de sua mãe. Então, novamente, seu
pai tinha ido atrás de Layla.
— Eu sei que nunca vou substituí-lo. Nunca serei o que ele foi para você.
Meus olhos se abriram quando minhas mãos se fecharam em punhos. —
É uma coisa boa. Eu não gostaria que você fosse nada parecido com ele. Tudo
nele era mentira, Zayne. Eu realmente não o conhecia.
Seus cílios baixaram, protegendo aqueles olhos extraordinários. — Mas
há boas lembranças, Trin. O que ele se tornou não muda isso, e elas não vão
embora por causa do que ele acabou fazendo.
— Mas elas foram. — Eu me afastei de seu toque. Eu precisava de espaço
antes de tudo a ver com Misha se abrir. — Porque e se ele sempre tivesse sido
assim e tudo fosse falso?
— Você não sabe disso.
— Isso não importa. Ele manchou essas memórias, Zayne. Ele não as fez
reais.
Sua mão caiu para o lado. — Elas são reais, desde que pertençam a você.
Respirei fundo, suas palavras me atingindo com força no peito. Quando
olhei para ele novamente, o encontrei me observando, sua expressão severa.
Ele deu um passo em minha direção, os braços subindo como se estivesse
prestes a me puxar para seu abraço, mas ele parou antes de fazer isso. Alívio e
decepção me inundaram. Sua postura endureceu e então ele se virou para a
porta de aço. — Vamos. Vamos para casa.
Casa.
Suspirando, esperei até que ele abrisse a porta. O leve cheiro de
escapamento flutuou na cozinha quando Zayne acendeu uma luz, revelando
uma grande baía abrigando vários veículos. Ele apertou um botão na parede e
a porta da garagem se abriu. Uma brisa quente e pegajosa soprou no espaço.
Fechei a porta atrás de mim e ouvi o clique automático da fechadura no
lugar.
Zayne arrancou um molho de chaves da parede e contornou as grades
de dois SUVs enquanto caminhava em direção a algo coberto com uma lona. —
Você não tem medo de motocicletas, tem?
— Uh. Nunca estive em uma, mas acho que não? Quer dizer, eu não
deveria ter —, raciocinei enquanto o observava pegar um punhado do pano
bege e puxá-lo para o lado, revelando uma motocicleta preta que parecia que
ia rápido - muito rápido. — Isso é seu?
Zayne acenou com a cabeça enquanto alcançava o guidão. — Sim, não a
retiro há um tempo.
Eu estava tentando entender o fato de que Zayne tinha uma motocicleta
e que eu achava isso tão... excitante. Era apenas um meio de transporte, não é
grande coisa, mas estava me sentindo um pouco ruborizada.
— Continuo querendo andar de volta sempre que estou aqui — ele disse,
girando algo na parte central da moto enquanto levantava um pé e a colocava
em um dos trocadores.
Empurrando o suporte para cima, ele endireitou a barra. O farol de
segurança se acendeu, iluminando Zayne e a moto quando ele a empurrou
para a entrada. — Você pode pegar dois capacetes? Eles estão na prateleira à
sua direita. Desculpe. Nenhum rosa.
— Eu estava realmente esperando por um capacete rosa com orelhas de
gatinho. — Fiz o que ele disse, pegando dois capacetes pretos inteiros. Eles
eram mais pesados do que eu esperava, mas achei que era uma coisa boa
quando você queria algo entre o pavimento e o crânio ao andar a cem
quilômetros por hora ou mais rápido.
A porta da garagem se fechou atrás de mim quando me juntei a Zayne
na garagem. Parando, olhei de volta para todas as janelas escuras. A maioria
dos Guardiões estaria nas ruas agora, mas eles voltariam para casa em
breve. — Você não sente falta de estar aqui?
Zayne balançou a cabeça enquanto passava uma coxa pesada sobre a
moto e sentava de uma forma que dizia que ele tinha feito isso centenas de
vezes. Segurando em uma das alças, ele estabilizou a motocicleta enquanto se
esticava e pegava um dos capacetes de mim. — Estes têm microfones neles,
então se você precisar falar comigo, eu posso ouvi-la.
— Legal. — Encarei o capacete que segurava e então olhei para Zayne,
pensando naqueles Guardiões patrulhando - em Morgan e Greene e todos os
outros que eu não conhecia. — Eu realmente sinto muito sobre Morgan. Não
me lembro se já disse isso, mas, caso não tenha dito, sinto muito.
— Obrigado. — Ele olhou de volta para a mansão. — O que eu disse antes
não mudou. Outro nome da lista para sofrer. Só não estava pensando que
outro substituiria o último tão rapidamente.
— Eu também — Admiti, revirando o estômago enquanto meus
pensamentos mudavam para o parque e o jantar e nós naquele beco enquanto...
— Eu acho que sei o que você está pensando — ele voltou seu olhar para
o céu, expondo sua garganta. Estava nublado, então não pude ver nenhuma
estrela. — Se você está, é o que eu estou pensando.
Meu aperto no capacete aumentou. Eu não queria dizer o que estava
pensando.
Com a cabeça ainda jogada para trás, ele fechou os olhos enquanto
espalmava o capacete entre suas mãos grandes, e pensei que ele não queria dar
vida a essas palavras também. Ele abriu os olhos. — Coloque o capacete e suba,
para que possamos sair daqui.
Coloquei o capacete e, depois de alguns segundos tentando descobrir
como subir na traseira da moto sem parecer uma idiota, subi no assento atrás
de Zayne. Quando olhei para cima, Zayne estava com o capacete.
Ele bateu em algo na lateral de seu capacete, esperou alguns segundos e
então estendeu a mão para o meu capacete e pressionou algo na lateral. Sua
voz estava de repente dentro do capacete. — Você vai precisar se segurar em
mim.
Mordendo meu lábio, coloquei minhas mãos em seus lados e tentei
ignorar o quão dura era aquela área. Eu não tinha ideia de pôr que tinha sido
tão fácil me agarrar a ele como um polvo sexy no beco antes, mas agora parecia
tão estranho quanto tentar navegar em um labirinto no escuro.
Houve uma pausa. — Você vai ter que se segurar com mais força do que
isso. — A diversão mudou seu tom, e eu rolei meus olhos. — E suba, ou no
momento em que a Ducati se mover, você vai voar bem atrás dela.
— Parece que se isso acontecer, a culpa é sua — respondi, mas apliquei
minhas mãos contra seus lados. — E se eu chegar mais perto, estarei montando
em suas costas como uma mochila.
— Essa é uma frase que eu nunca pensei que ouviria. — Sua voz estalou
através do microfone.
— De nada.
Sua risada veio pelo alto-falante, e a próxima coisa que eu sabia, suas
mãos estavam nas minhas. Ele puxou até que minhas coxas estivessem
confortáveis contra seus quadris e meus braços circundassem sua cintura. —
Você quer ir rápido? — ele perguntou, e pensei que sua voz soou mais
profunda, mais áspera. O calor no centro do meu peito estava queimando mais
forte.
Olhei ao redor da garagem, incapaz de ver muito através do escudo facial
colorido. — Claro.
— Bom. — Sua mão deslizou sobre a minha, onde elas estavam unidas
em seu abdômen. — Segure-se.
O motor roncou embaixo de nós, um ronronar que subiu pelas minhas
pernas. Comecei a recuar, e então a moto estava ligando, derrubando o
caminho de acesso. Engoli um grito de surpresa.
O batimento cardíaco disparou, agarrei-me a Zayne como se minha vida
dependesse disso. Eu meio que pensei que sim enquanto o vento soprava ao
nosso redor, todo o som abafado pelo rugido do motor. Eu esperava que Zayne
pudesse ver para onde ele estava indo, porque tudo o que via era um borrão
de escuridão e velocidade.
O medo passou por mim, aumentou quando ele atingiu uma curva na
estrada, e eu jurei que nos inclinávamos para o lado enquanto ele acelerava,
mas quando a moto se endireitou e meu coração abrandou, me lembrou
daquela noite em que Zayne me ajudou a voar.
Isto era muito parecido com isso.
O vento forte. A sensação de leveza. O vazio que a velocidade e a
escuridão traziam com eles. Estar na garupa de sua motocicleta era libertador,
e eu queria aproveitá-lo sem o ardor da culpa. Culpa que eu não tinha sentido
por Faye, mas agora estava ameaçando me engolir. Embora eu não tivesse dito
isso em voz alta e Zayne também não, o que não tinha sido dito entre nós não
desaparecia. Não importava o quanto o vento me puxasse, isso não mudava a
verdade.
Tínhamos perdido de vista nosso propósito esta noite. Demoramos
muito naquele restaurante e ainda mais naquele beco. O Precursor sabia disso,
e Morgan era uma mensagem de que ele sabia o que nem Zayne nem eu
queríamos reconhecer.
Nós erramos... e alguém morreu.
Capitulo 23
Depois de puxar um longo top tank que dobrou como uma camisa de
dormir porque era demasiado grande para usar normalmente, eu saí do
banheiro e entrei debaixo das cobertas. Sabia que não iria adormecer, embora
fosse tarde e estivesse exausta mental e fisicamente. Eu estava muito
impaciente, minha mente ocupada com uma centena de coisas diferentes.
Hoje tinha sido às vezes maravilhoso e depois terrível, e eu experimentei
de tudo, desde apatia até o horror. Embora isso fosse muito para lidar - o que
eu fiz com Faye, como me senti no jantar com Zayne e a dor e a culpa em torno
da morte de Morgan - sabia que Zayne estava sentindo muitas dessas coisas,
também.
Eu queria ir até ele, mas não tinha certeza se isso era inteligente. Minha
cabeça pendeu para o lado e me vi olhando para o antigo romance de minha
mãe. Ainda não conseguia acreditar que meu pai esteve aqui sem eu
saber. Comecei a mordiscar minha unha do polegar. Não que eu não
apreciasse o dinheiro, mas teria... teria sido bom tê-lo visto. Tive
dúvidas. Muitas delas. Precisávamos saber mais sobre o Precursor e por que
ele falou sobre isso como se fosse causar a destruição humana em um nível
apocalíptico. Pelo que sabíamos, não havia atacado humanos. Queria que ele
confirmasse o que eu suspeitava sobre os espigões - que eles eram de origem
angelical.
Desliguei a luminária de cabeceira e me abaixei, puxando as cobertas
para baixo do queixo. Quando fechei os olhos, o primeiro pensamento que me
passou pela cabeça foi: e se Zayne e eu não tivéssemos ido jantar? E se não
tivéssemos nos distraído um com o outro naquele beco?
Morgan ainda estaria vivo? Ou ele teria sido morto e exibido em outro
lugar? Não havia uma única parte de mim que duvidava que ele tinha sido
crucificado como uma mensagem para nós.
Eu estou bem debaixo de seus narizes.
Foi o que ele disse.
O que eu não entendi foi, por que o Precursor não se revelava? O que ele
estava tentando realizar? Era como se estivesse esperando, mas para quê, eu
não tinha ideia.
Uma batida suave me tirou dos meus pensamentos. Minha respiração
ficou presa quando me apoiei no cotovelo.
A porta se abriu e uma fina faixa de luz apareceu. — Você está acordada?
— Zayne perguntou.
— Sim — eu respondi. — Você?
No momento em que a palavra você saiu da minha boca, me perguntei se
havia períodos de tempo em que meu cérebro simplesmente não funcionava
corretamente.
Zayne não apontou o ridículo da minha pergunta. A porta se abriu e vi o
contorno de seu corpo. Um arrepio de consciência passou por mim. — Quer
companhia?
Todo o bom senso estagnou ali mesmo, no escuro. — Sim — eu sussurrei.
Zayne entrou, fechando a porta parcialmente. Meu coração estava
martelando quando ele cruzou o quarto escuro. Ele hesitou ao lado da cama e
então se acomodou ao meu lado. Respirei fundo e senti o gosto do inverno na
ponta da língua.
Nenhum de nós falou por muito tempo.
Zayne quebrou o silêncio. — Nós fizemos besteira hoje à noite.
Fechei meus olhos. Eu não deveria ter ficado surpresa que Zayne teve a
coragem de dar voz a essas palavras primeiro. — Eu sei.
— Mas eu não me arrependo. O jantar — acrescentou. — Qualquer coisa
do que veio depois, no beco.
Minha cabeça virou em sua direção e meus olhos se abriram. — Nada
aconteceu no beco.
— Mas ia acontecer.
Não consegui colocar ar suficiente em meus pulmões enquanto olhava
para seu perfil sombrio.
— Se não tivéssemos ouvido o grito, algo teria acontecido. Mesmo depois
de eu dizer que não deveríamos fazer nada além de procurar o Precursor, isso
iria acontecer — ele continuou. — Você sabe disso. Eu sei disso.
Com a garganta seca, me afastei. Uma grande parte de mim não
conseguia acreditar que ele estava falando tão abertamente. Eu não sabia se
deveria estar emocionada por ele estar reconhecendo isso ou preocupada por
causa de onde isso poderia levar.
Mágoa.
Porque mesmo que suas palavras levassem a algum
lugar, não poderíamos ir a lugar nenhum, e mesmo com minha falta de
experiência, sabia que estar fisicamente atraída por alguém não significava
tudo ou realmente nada.
Mas eu devia honestidade a ele. Devia isso a mim mesma e, no escuro,
era mais fácil ir até lá. — Eu sei.
Então ouvi a próxima respiração de Zayne. Estava pesada e cheia. —
Você está sob minha pele e em meu sangue. Não consigo tirar você de lá.
Cada músculo do meu corpo ficou tenso. Eu não disse uma palavra. Não
podia.
— Talvez não fosse assim se não tivéssemos começado naquela noite - se
eu não tivesse te beijado. Ou talvez tivesse chegado a este ponto. — Sua voz
estava mais profunda, áspera, como quando estávamos na motocicleta. —
Porque não é apenas o seu gosto que me faz girar em círculos. É você. Toda
você. Não apenas a memória de como sua boca se movia contra a minha, ou
como foi abraçá-la como eu fiz. É a maneira como você fala e ri, quando você
realmente ri. É a maneira como você luta e como você não desiste. — Ele soltou
uma risada baixa. — Mesmo quando você briga comigo. Quando tenho certeza
de que você está discutindo comigo só por discutir. É tudo você.
A última parte não foi totalmente uma surpresa. Muitas vezes eu
discordava dele apenas para ser antagônica e, secretamente, acreditava que ele
gostava disso. Mas o resto do que ele disse? Minha pele estava dormente e
ainda assim hipersensível.
— Então, sim — disse ele. — Estou em um constante estado de distração,
e nós estragamos tudo esta noite. Não é sua culpa. Não estou dizendo
isso. Eu deveria saber melhor. Eu deveria ser capaz de fazer isso...
profissionalmente.
Encontrei minha voz. — Não é só sua culpa, Zayne. Eu... eu me sinto da
mesma maneira. Simplesmente não posso dizer isso tão eloquentemente
quanto você. — Dei uma pequena sacudida de cabeça. — Também estou
distraída e sei qual é o meu dever. Eu sei o que deveria estar
fazendo. Nós fizemos besteira. Você não. Nós.
— Então o que vamos fazer?
— Talvez se não estivéssemos resistindo tanto, não seria uma distração
— eu disse, bufando.
— Eu estava realmente pensando nisso.
— O que? — Minha cabeça girou em sua direção. — Eu estava brincando.
— Eu não estava.
Na escuridão, eu podia sentir seu olhar em mim. — Você... você está
falando sério?
— Eu estou — ele respondeu, e aquelas duas pequenas palavras me
surpreenderam. — Sei que não devemos, mas isso não muda nada.
Oh Deus, isso não aconteceu. Não importa o que eu disse a mim mesma
repetidas vezes, não mudou. — Você acha... o quê? Se pararmos de lutar contra
nossa atração, as coisas serão mais fáceis?
Ele se mexeu para me encarar. — Parece loucura, não é? Mas fingir que
isso não é entre nós não está funcionando. Esta noite é uma prova disso.
Eu pensava que a cessão tornaria tudo muito pior, mas meu corpo e meu
coração já estavam bem a bordo com sua linha de pensamento. A dormência
havia desaparecido da minha pele, que agora formigava, e meus membros
pareciam mais pesados.
— Não podemos ficar juntos — eu sussurrei. — Existem regras.
— Nós nem sabemos por que elas existem.
— Mas elas existem.
— Algumas regras existem apenas para controlar alguém — ele disse,
sua voz tão baixa quanto a minha. — Eu, mais do que ninguém, sei disso.
Imaginei que ele estava pensando sobre a regra que o teria impedido de
perseguir Layla antes que Roth entrasse em cena. A regra que o impediria de
se estabelecer com qualquer outra pessoa que não seja outro Guardião.
— Algumas regras precisam ser quebradas.
— Não essas regras — eu disse a ele, mesmo enquanto rolava para o meu
lado, deixando nada além de alguns centímetros entre nós.
— As regras são quebradas todos os dias. — Suas pontas dos dedos
roçaram minha bochecha, e quando me mexi, não teve nada a ver com não o
ver se mover e tudo a ver com ele me tocando. — Já quebrei mais regras do
que posso contar. Esta certamente não pode ser menos favorável do que
trabalhar com demônios.
— Você pode ter um ponto aí. — Meus sentidos se concentraram em seus
dedos traçando a linha do meu queixo. A lógica ainda estava lutando para
chegar à superfície. — Mas se não podemos arriscar que seu clã descubra sobre
mim, então como podemos arriscar qualquer consequência que possa vir
disso?
— Você está considerando isso?
Mordi de volta um suspiro quando seu dedo passou sobre meu lábio
inferior. — Eu não disse isso.
— O que você está dizendo então?
— Eu estou dizendo... — Eu perdi o controle do meu pensamento quando
seus dedos deslizaram pelo meu queixo, sobre minha garganta e meu
ombro. Uma sequência de calafrios seguiu seu toque.
— Você estava dizendo? — Sua voz se misturou com diversão e algo mais
grosso, mais rico.
— Eu estava dizendo que tenho um problema de impulsividade e pulo
nas coisas sem pensar muito sobre elas.
— Nunca.
Meus lábios se contraíram. — E passo a outra metade do tempo
pensando demais em tudo.
— Nunca teria imaginado isso também.
— Você tem que ser o mais razoável nisso.
— Eu não posso fazer isso, Trin. — Ele brincou com a alça frouxamente
solta do meu top. — Estou tão cansado de ser razoável, lógico e especialmente
responsável.
Me movi em seu toque sem querer, levantando meu ombro enquanto seu
dedo deslizava sob a alça. — Você não ajuda em nada.
— Não, e eu não vou.
Eu desejava que ele fizesse algo. Qualquer coisa. Ou para continuar me
tocando ou para recuar. Quando sua mão parou, mas não se afastou, me
aproximei, parando apenas quando senti sua respiração estável contra meus
lábios.
Seus dedos se tornaram sua palma e seu aperto aumentou. — Eu quero
você, Trinity.
Um movimento rápido e errático invadiu meu peito, e tudo que pude
dizer foi o nome dele, e era tanto uma oração como uma maldição.
Zayne me rolou de costas enquanto se movia sobre mim, a maior parte
de seu peso em seu braço enquanto sua mão deslizava do meu braço para
segurar meu rosto. Me movi com ele, chutando as cobertas e estendendo a mão
para ele. Minha mão agarrou seu cabelo enquanto eu tocava seu rosto com a
outra, amando a sensação da barba por fazer ao longo de sua mandíbula.
Sua testa caiu para a minha, e a respiração que tomamos foi
compartilhada. — Aconteça o que acontecer, valerá a pena — disse ele, e
parecia uma promessa. — Isso é certo, não importa o que aconteça.
Hesitei, os dedos em suas bochechas enquanto tentava procurar seu rosto
na escuridão. Se fizéssemos isso, poderíamos voltar? Seria pior? Ou seria
melhor depois de saciarmos essa necessidade? Seria uma coisa única ou todas
as noites seriam como esta noite? Meus dedos do pé enrolaram com o
pensamento, e a pulsação de dentro, a resposta puramente física, era quase
dolorosa.
Limites. Regras. Fronteiras. Se mantivéssemos isso físico, não estaríamos
realmente juntos. Semântica, sussurrou a voz surpreendentemente sã. Mas será
que era mesmo? As pessoas faziam isso o tempo todo, sem deixar os
sentimentos crescerem. Eu poderia fazer isso. Nós poderíamos fazer isso.
E eu queria isso. Eu estava pronta. Pronta para mais do que apenas beijar
e tocar. Eu estava pronta para Zayne, para tudo dele e tudo o que isso
implicava. Meu coração disparou com o pensamento disso. Estar pronta era
uma decisão enorme, monumental. Precisávamos de coisas, como
preservativos. Talvez não no plural. Provavelmente apenas um, mas
precisávamos disso, porque eu não tinha ideia se fazer bebês era possível entre
nós. Mas eu estava pronta, e isso não era a coisa mais estranha, para ter tanta
certeza de repente? Ter acordado hoje sem nem mesmo pensar em perder
minha virgindade e ainda ter tanta certeza que queria gritar isso?
— Você quer isso? — Ele perguntou.
Deus, será que eu queria isto – desejava isto – ele. Tanto que era um
pouco embaraçoso. — Sim.
Um tremor balançou seu corpo e sua cabeça se inclinou. Seu hálito
quente tocou meus lábios...
— Sem beijos. — Minha mão puxou seu cabelo quando ele parou em
cima de mim. — Beijar... beijar torna isso ainda mais. — Minha lógica tinha
tantos buracos, mas fazia sentido para mim. E não apenas porque eu tinha
visto uma Linda Mulher, mas porque beijar era... era lindo quando era certo, e
seria lindo demais com ele. — Sem beijos.
O peito de Zayne se ergueu contra o meu e então ele se virou para o lado.
Apertando meus lábios para parar a súbita vontade de chorar, olhei para
ele. Eu queria retirar essas palavras, mas não consegui. Tinha que ser assim...
Ele se acomodou ao meu lado e seus dedos se curvaram em volta do meu
queixo. Por um momento de parar o coração, pensei que ele iria ignorar minha
regra recém-estabelecida.
— Podemos trabalhar nisso — disse ele.
Eu relaxei e fiquei tensa quando seu polegar arrastou sobre meu lábio
inferior.
— Eu sou... ganancioso o suficiente para qualquer coisa. — Seu polegar
se moveu ao longo do meu queixo e, em seguida, a linha da minha
mandíbula. — Ou talvez seja porque estou desesperado por qualquer coisa que
você permitir.
Uma parte terrível e insidiosa de mim irrompeu a superfície, forçando-
me a dizer palavras que eu não tinha pensando em ousar falar. — Poderia ser
mais fácil.
— O que poderia ser? — Seus dedos voltaram para o meu queixo.
— Isso — eu disse, exalando asperamente. — Você poderia fazer isso
literalmente com qualquer outra pessoa, e seria mais fácil.
Os dedos de Zayne pararam. — Você tem razão. Poderia ser. Sem
regras. Sem complicações. — Ele começou a se mover novamente, traçando a
linha da minha garganta. — Seria muito mais fácil.
Pensei na garçonete. — Não que haja falta de participantes dispostos.
— Não há.
Meus olhos se abriram. — Então por que eu?
— Boa pergunta.
Eu não tinha certeza se gostava dessa resposta, mas seus dedos
alcançaram a gola da minha blusa. Meus lábios se separaram enquanto as
pontas desciam pelo meu pescoço e abaixo, entre meus seios, e então ainda
mais abaixo, abaixo e sobre a inclinação do meu estômago. Seus dedos
deslizaram de volta para cima e sobre a parte inferior da minha caixa
torácica. Aquela voz terrível e insidiosa escapuliu de qualquer buraco de onde
havia saído, graças a Deus.
Ele achatou a mão e seu polegar puxou minha camisa enquanto ele
seguia o inchaço do meu corpo até que minhas costas arquearam e um gemido
ofegante me deixou. Seu cabelo macio roçou meu queixo enquanto seus lábios
seguiram o caminho que seus dedos haviam feito.
— Espero que isso não conte como beijo — ele sussurrou contra o tecido
fino da minha camisa.
Será? — Eu... eu acho que não.
— Aliviado em ouvir isso. — Ele estava em movimento novamente, sua
boca patinando acima da minha camisa para onde seu polegar estava se
movendo em círculos lentos e preguiçosos.
Minha mão agarrou as costas de sua camisa. Eu não tinha ideia de
quando o agarrei novamente, mas obviamente tinha. Minhas pernas se
moviam inquietas, apertando-se enquanto o fino material da minha camisa
ficava úmido sob sua boca.
A mão de Zayne se moveu para onde a bainha da minha blusa havia
subido até a metade do meu estômago, expondo um monte de pele para a visão
noturna perfeita de um Guardião. Os calos em sua palma criaram uma fricção
única enquanto ele puxava minha camisa para cima. — Sim? Não?
— Sim — eu murmurei.
O ar frio me tocou assim que ele tirou meu top, e não sei bem que tipo de
magia me passou pela cabeça e me deixou, mas com sua respiração contra
minha pele, eu não me importava.
— E isto? — ele perguntou. — Isso é considerado beijar? Eu sinto que
pode ser.
— Não — eu disse, sentindo as linhas borrarem, mas não conseguia me
importar.
— Hmm.
Seus lábios pressionaram contra minha pele, e pensei que certamente
essa era a tortura mais requintada em todo o mundo. Eu perdi a noção do
tempo, e sua camisa pode ter começado a rasgar sob minhas mãos.
Lentamente, percebi sua mão abrindo e fechando ao longo da minha
cintura, meu quadril e, em seguida, a pele nua da minha coxa. Um de seus
dedos deslizou sob a faixa de algodão estreito ao longo do meu quadril e seu
polegar se moveu ao longo do elástico, mergulhando baixo o suficiente para
fazer com que minha cabeça recuasse para trás.
A cabeça de Zayne se ergueu. — Eu quero... eu quero tocar você. Você
quer isso?
— Sim. — Não houve nem meio segundo de hesitação.
E também não houve nenhuma em sua extremidade. Eu podia ver
apenas o contorno de Zayne, mas sabia que ele estava se observando. Eu podia
sentir a intensidade de seu olhar enquanto ele deslizava a mão por baixo da
calcinha que agora me lembrava que tinha tubarões minúsculos por toda
parte. Na parte distante do meu cérebro ainda funcionando, me perguntei se
ele poderia vê-los.
Então ele obliterou aquela pequena parte funcional do meu cérebro com
o primeiro toque leve. Meu corpo inteiro empinou enquanto eu
engasgava. Tínhamos feito muito na noite dos Imps. Eu estava completamente
despida e nós dois tínhamos encontrado liberação, mas não tínhamos feito
isso. Ele não tinha feito isso. Ninguém além de mim tinha ido lá, e não parecia
nada como agora. Cada passagem tornou-se mais ousada e mais curta até...
Cada respiração me deixou. Cada pensamento se dispersou enquanto
Zayne fazia um som que só aumentava a sensação de plenitude. Eu havia me
enganado antes, porque perdi a sensação de tudo. Meus quadris se moviam
com sua mão, e uma pressa enlouquecedora e tortuosa passou por mim. Eu
estava falando. Pensei que estava dizendo seu nome quando puxei uma das
minhas pernas para cima.
— Zayne, eu... — Tensão enrolou-se impossivelmente mais apertada
quando meus olhos se arregalaram.
Ele fez aquele som novamente, um gemido gutural. — Eu posso ver
você. Cada respiração que você dá. A maneira como seus lábios estão
separados. Como seus olhos estão arregalados e como sua pele está
corada. Essa luz dentro de você. A faísca. Eu posso ver e é lindo. Você é linda.
Talvez fossem suas palavras ou o que ele estava fazendo, ou talvez fosse
apenas porque era ele e nós, mas o que quer que fosse, eu tombei em uma
borda e caí em ondas pulsantes que pareciam vir de todos os lugares.
Em algum momento, percebi que a testa de Zayne repousava contra a
minha e que sua mão estava agora no meu quadril, seu aperto forte, mas não
dolorido.
Meus olhos se abriram e, novamente, desejei poder vê-lo. Finalmente
soltei minha pobre camisa e toquei sua bochecha. Sua cabeça se ergueu por
poucos centímetros. Tudo nele parecia incrivelmente rígido, e então sua cabeça
se inclinou de uma forma que eu sabia o que estava por vir.
— Sem beijos — o lembrei. — Beijar faz com que isso signifique mais do
que significa.
Zayne ergueu a cabeça e eu o alcancei, meus dedos roçando a faixa em
sua calça. Ele pegou meu pulso.
Eu parei, levantando meu olhar e desejando poder ver seu rosto. — Eu
quero...
— Eu sei. Eu quero que você faça o que quiser comigo, mas não.
— Não? — Eu repeti estupidamente. Meus sentidos estavam muito
confusos para sequer começar a decifrar o que estava acontecendo ou passando
pelo vínculo.
— Não — disse ele. — Porque isso faria com que isso significasse mais
do que pode para mim.
Ouvir minhas próprias palavras vindo dele foi chocante. O que ele estava
dizendo não parecia justo. Ele podia fazer isso comigo, mas eu não podia dar
a ele o mesmo? E ainda havia mais. Eu estava pronta, mesmo depois de tudo
que acabara de experimentar. Sabia que havia mais e queria que ele sentisse o
que eu sentia.
— Zayne — eu comecei, mas ele mudou de posição. Um momento se
passou e então ele se levantou da cama. Eu sentei. — Onde você está indo?
— Lugar algum. — Ele se afastou da cama e parou. — Boa noite, Trinity.
Minha boca abriu em confusão quando ele saiu do quarto. Com o breve
lampejo de luz da sala de estar, ele se foi, fechando a porta atrás de si, e eu
fiquei sentada lá, me perguntando o que diabos tinha acontecido.
Fiz algo errado? Devo ter feito isso, considerando que ele passou da
aceleração total para não apenas pisar no freio, mas também sair do carro e ir
embora. Mas eu não tinha feito nada de errado.
Eu nem mesmo tinha iniciado isso.
Puxando minhas pernas de onde estavam emaranhadas no cobertor,
pulei para fora da cama. Eu comecei a ir em direção à porta, percebi que estava
sem camisa e então voltei para a mesa de cabeceira e bati até encontrar o
interruptor. A luz dourada inundou o quarto. Eu encontrei minha blusa no
final da cama, puxei-a e então corri para a porta e a abri. Zayne estava parado
na ilha, bebendo uma garrafa de água como se estivesse morrendo de sede.
— O que há de errado? — Eu exigi.
Zayne olhou para mim enquanto abaixava a garrafa. — Você esqueceu
suas calças.
— Quase esqueci minha camisa — respondi. — Que você tirou. O que
acabou de acontecer ali? Tudo estava bem. Ótimo, na verdade. Perfeito, e então
você simplesmente saiu...
— Achei que é o que você preferiria.
— O que? — Eu o encarei. — Porque você pensaria isso? Não faz sentido.
— Não faz sentido? — Zayne riu, mas parecia errado. Ele tomou outro
gole. — Você conseguiu o que precisava, certo? Não sei do que você está
reclamando.
Agora meu queixo estava no chão. — Desculpe?
— Você tem razão. Foi ótimo e perfeito. Então não foi. — Ele foi em
direção ao sofá. — E se você não se importa, eu gostaria de dormir um pouco.
— Oh, diabos, não. Eu nem sei por que você diria algo assim. Consegui
o que eu precisava? Amigo, não fui eu que comecei isso. Foi você. — Meu
coração bateu forte quando algo escuro e oleoso vazou pelo meu peito. — Não
entendo. Foi você quem quis me tirar de seu sistema!
Zayne bufou, balançando a cabeça. — Eu não disse isso.
— E eu não disse...
Peanut apareceu de repente, saindo da parede interna. Ele deu uma
olhada para mim, parada lá em meu top e calcinha, e então para Zayne
carrancudo.
— Não. — O fantasma girou e desapareceu de volta na parede.
Zayne seguiu meu olhar para a parede. — Aquele fantasma está aqui?
— Esse fantasma tem um nome — eu rebati. — E não. Não mais. —
Cruzando meus braços, encontrei seu olhar e tentei controlar minha raiva. —
Isso soa como uma espécie de falha de comunicação terrível. Não sei por que
você teve a impressão de que...
— Que isso significa mais para mim do que apenas gozar? — Ele saltou
e meus olhos se arregalaram. — Sim, estou vendo que isso não passou pela sua
cabeça.
— Não tenho ideia de onde isso está vindo! — Gritei e estremeci,
esperando que seus vizinhos não pudessem me ouvir. Eu forcei minha voz a
abaixar. — Eu disse que queria você. Eu te mostrei e...
— E não foi uma falha de comunicação. — Ele se virou em minha direção,
olhos claros brilhando. — Quando você disse não beijar, eu não estava
entendendo o que você quis dizer com mais. Se eu soubesse, nada disso teria
acontecido.
Eu inclinei para frente, a sensação oleosa se espalhando. — Tudo isso
porque eu não deixaria você me beijar? Você está brincando comigo?
Sua cabeça inclinada para o lado, as sobrancelhas levantadas. — Uau,
Trinity. Sua memória seletiva não é uma de suas características cativantes.
— Memória seletiva? Eu disse para você não beijar porquê...
— Isso faria com que significasse mais do que significa. Suas
palavras. Não minhas.
Respirei fundo. Oh meu Deus, eu disse isso. Desdobrei meus braços, o
coração agora trovejando. — Eu não quis dizer...
— Olha, eu já fui o passatempo de alguém quando elas estavam
entediadas ou queriam atenção. Já estive lá, fiz isso e deveria ter tido o maldito
bom senso de não ter isso novamente.
Meu corpo inteiro estremeceu. Não apenas por causa de suas palavras,
eu percebi que a gosma espessa deslizando em minhas veias estava vindo
dele. Raiva. Desapontamento. Pior de tudo, vergonha. Senti sua vergonha
quando ele deu mais um passo em minha direção.
— Talvez o que estávamos fazendo lá não signifique nada para a maioria
das pessoas, mas significa para mim. Significa muito para mim, então não vou
seguir por esse caminho de novo — disse ele, seu olhar varrendo sobre mim. —
Não importa o quão tentadora essa estrada seja.
Piscando de volta a umidade repentina, levantei minhas mãos quando o
horror me rasgava. Deus, não admira que ele estivesse se sentindo do jeito que
estava. Ele se abriu para mim, falando honestamente e me dizendo que eu
estava sob sua pele e em seu sangue, e eu... Eu não disse a ele por que disse
não beijar. Não tinha contado a ele meus medos sobre os Alfas e o que eles
fariam. Não tinha contado a ele...
Não disse a ele a verdade. Que mesmo sabendo que não deveria e
fazendo tudo ao meu alcance para não permitir, eu estava me apaixonando por
ele. Que poderia até já estar. Eu não disse nada além de que o queria. Até disse
a mim mesma que, se mantivéssemos tudo puramente físico, estaria tudo bem,
mas eu tinha que traçar esses limites. Só não disse a ele por quê.
Respirei trêmula, precisando explicar mesmo que não pudesse consertar
isso. — Eu não queria fazer você se sentir assim. Não estava pensando em
você...
— Claro que você não estava. — Ele desviou o olhar enquanto a garrafa
de água se encolhia sob suas garras. — Isso é coisa sua, certo? Sempre
pensando em você.
O gelo encharcou minha pele. Eu disse isso a ele na casa da árvore, depois
que tudo aconteceu com Misha. Eu disse a ele que era egoísta e Misha estava
certo. Zayne me disse que não era verdade.
Dando um passo para trás, tentei respirar através do que jorrava de mim,
mas estava profundamente enraizado e oprimia o que eu sentia dele.
— Droga — ele rosnou, jogando a garrafa de água no sofá. Ela
ricocheteou na almofada e caiu no chão. Ele passou a mão pelo cabelo,
afastando-o do rosto. — Precisamos encerrar essa conversa.
Eu fiquei lá, os braços ao lado do corpo.
— Não sei o que estava pensando esta noite. Por que eu disse qualquer
uma dessas coisas para você — ele disse, parecendo muito cansado. — Esta
noite foi um erro e precisamos esquecer tudo isso.
— Sim — me ouvi sussurrar.
Seu olhar disparou para o meu e sua mandíbula endureceu. Ele sorriu,
mas não era nada parecido com os sorrisos que eu conhecia. — A boa notícia é
que não precisamos mais nos preocupar em ficar distraídos, porque isso... isso
não vai acontecer de novo.
Capitulo 24
Os próximos dias foram horríveis por uma infinidade de razões.
Obviamente, toda a excursão pelo museu foi cancelada, não apenas por
causa do que aconteceu entre Zayne e eu, mas porque não havia sentido logo
após a última morte do Guardião. Ainda assim, isso não impediu a onda de
decepção sempre que pensava sobre esses planos.
Caçar o Precursor todas as noites tinha sido uma farsa - uma farsa
estranha e tensa. Não encontramos nada todas as noites, nem mesmo um
Delírio. Achei que não eram exatamente más notícias, já que nenhum Guardião
havia sido morto, mas significava que não estávamos mais perto de encontrar
o Precursor.
Também significava que haveria muito tempo de inatividade sem
provocações entre Zayne e eu, sem brigas divertidas ou longas conversas sobre
seu clã ou se eu sentia falta da Comunidade. Zayne não foi rude comigo; ele
estava remoto e totalmente inacessível enquanto treinávamos e procurávamos
pelo Precursor. Tudo foi apenas... profissional entre nós, e enquanto isso
ajudava durante o treinamento com a venda, me deixava muito, muito
triste. Com o coração partido, realmente.
Não peguei nada dele por meio do vínculo. E havia uma
pequena parte egoísta de mim que estava grata, porque eu queria esquecer
aquele sentimento viscoso de vergonha que era resultado de minhas próprias
ações, intencionalmente ou não.
Zayne estava lá todos os dias, mas ele não estava e eu me perguntava se
seria assim que ia ser a partir de agora. Estávamos ligados até a morte, que,
felizmente, demoraria muito.
Também era um longo tempo para perder a facilidade entre nós, a
camaradagem e a diversão que tínhamos apenas estando na companhia um do
outro. Era muito tempo para lamentar a perda de tudo o que tinha feito Zayne
se tornar o que ele significava para mim, que era mais do que meu Protetor,
mais do que apenas meu amigo.
Parecia um pouco tarde demais para perceber que fingir não impediu
que meus sentimentos por ele crescessem. Nem meu estúpido arquivo mental
defeituoso. Tudo o que consegui fazer foi camuflar minhas emoções. Aquela
gaveta chamada ZAYNE foi aberta e tudo o que eu sentia por ele foi despejado,
espalhado por cima de mim. Era uma bagunça que vasculhava todas as noites
depois de voltar para o apartamento.
Nunca expliquei para Zayne o que eu quis dizer sobre toda a regra de
não beijar e porque procurei estabelecer isso. Nunca disse a ele que ele estava
longe de ser um passatempo. Que ele e eu não éramos ele e Layla. Que o que
eu sentia por ele não tinha nada a ver com tédio ou busca de uma liberação
física e tinha tudo a ver com querer muito do que não poderíamos ter.
Zayne não tocou no assunto. Tornou-se algo que não reconhecíamos,
mas que permaneceu como uma parede erguida entre nós. Na semana
seguinte, depois do que agora me referia como noite de Trin é uma idiota - TÉUI,
para abreviar - acordei ainda dolorida, mas resignada. Talvez fosse o
melhor. Não poderíamos ficar juntos.
E não ficaríamos.
Torci meu cabelo úmido e coloquei uma presilha, peguei meu telefone e
coloquei meus óculos. Quando entrei descalça na sala de estar, Zayne estava
no sofá. Ele não olhou para cima enquanto eu caminhava para a cozinha.
— Bom dia — murmurei enquanto abria a geladeira e pegava um
refrigerante.
Zayne murmurou mais ou menos o mesmo enquanto eu me sentava na
ilha, imaginando que ele iria anunciar quando ele queria começar o
treinamento.
— Gideon está vindo — disse Zayne após um longo momento de
silêncio. — Diz que tem uma atualização para nós.
Olhei por cima do ombro para a parte de trás de sua cabeça. — Ele
descobriu o que são os espigões?
— Não sei. Acho que descobriremos em alguns minutos. — Zayne se
levantou e desapareceu no quarto sem dizer mais nada.
Meu peito apertou. Era assim que todas as manhãs eram agora. Virando-
me, comecei a morder minha unha enquanto olhava para o meu telefone. Jada
não me mandou uma mensagem de volta depois de eu ter feito contato com
ela no parque. Não tinha certeza do que pensar sobre isso. Eu me sentia
culpada, como uma péssima amiga, porque era uma péssima amiga. Eu fui
egoísta, assim como Misha me acusou de ser, assim como Zayne me lembrou
que eu era.
Empurrando meus óculos no topo da minha cabeça, desbloqueei meu
telefone e digitei uma mensagem rápida que dizia “Sinto muito não ter estado
por perto. Eu sinto sua falta.”
Apertei Enviar e não esperava uma resposta rápida, então quando vi a
pequena bolha aparecer e desaparecer antes de reaparecer, meu estômago
embrulhou. Em alguns segundos, a resposta de Jada veio.
Eu também sinto muito.
Meu peito ficou vazio. A bolha voltou. Ela ainda estava digitando.
Eu sei que tem sido muito para você lidar. Estou tentando ser compreensiva, mas
também tem sido muito por todos nós. Eu precisava falar com você. Não apenas sobre
Misha. Precisava ter certeza de que você estava bem. É isso que amigos fazem. Você
não me deixou estar lá para você. Estou tentando não deixar isso me afetar, mas afetou.
Fechei meus olhos e apertei meus lábios. Uma queimadura subiu pela
minha garganta. Cara, eu estraguei tudo. Estava pensando apenas no que não
queria fazer e não no que Jada poderia precisar, tanto como alguém que cresceu
com Misha quanto como alguém que era minha amiga.
Abrindo meus olhos, engoli esse nó enquanto dizia a mim mesma que
precisava dizer isso a ela. Eu não poderia simplesmente sentar aqui e pensar
nisso. Eu não era telepata e ela não era psíquica. Com as mãos tremendo,
comecei a digitar.
Você tem razão. Eu te cortei quando não deveria e estava apenas pensando em
mim mesma. Eu sinto muito. Não sei o que dizer, exceto que sinto muito e sei que isso
não desfaz que tenho sido uma amiga de merda. Mas eu sinto muito.
Vários minutos que pareceram uma vida inteira se passaram antes que
Jada respondesse.
Eu sei. Ligue-me quando estiver pronta e eu sei que você não está pronta porque
você mandou uma mensagem em vez de ligar. Conversaremos então.
O fato de Jada me conhecer bem o suficiente para me alertar naquela
última mensagem me deu vontade de chorar. Não porque feriu meus
sentimentos, mas porque era uma evidência de quão bem ela me conhecia. Ela
sabia que, embora tivesse me dado conta de quão péssima amiga tinha sido,
eu ainda não estava pronta para cruzar aquela ponte.
Desliguei o telefone e descansei meu rosto nas mãos. O que havia de
errado comigo? Não era como se eu fosse incapaz de falar o que penso a cada
cinco segundos, então por que não poderia fazer isso quando era mais
importante? Por que eu estava tomando a saída de covarde? Porque era isso
que eu estava fazendo. Era tão oposto de tudo sobre mim. Eu poderia
perseguir demônios de Nível Superior e pular de prédios e discutir sobre tudo,
desde o consumo de água até qual era o melhor filme da Marvel, mas ficava
em silêncio quando era a hora de enfrentar questões pessoais reais.
Quando eu precisava me confrontar.
Esfreguei meus dedos no rosto como se friccionando minhas bochechas
e olhos fosse de alguma forma trazer algum tipo de clareza para a situação.
Não trouxe.
Lentamente, percebi que não estava mais sozinha. Levantei minha
cabeça, deixando cair minhas mãos no granito frio enquanto olhava para onde
Zayne estava parado dentro da sala de estar.
Ele parecia que estava prestes a dizer algo, mas então ele simplesmente
passou por mim e pegou uma água na geladeira. Um silêncio constrangedor
se seguiu. Felizmente, foi de curta duração, já que o zumbido da chegada de
Gideon veio logo depois.
Gideon não chegou de mãos vazias ou sozinho. Surpreendentemente, a
irmã mais nova de Jasmine estava com ele. O cabelo preto brilhante de Danika
estava solto em torno de seus ombros. Ver uma Guardiã fora de uma
Comunidade ou de um complexo era algo inédito.
— Espero que você não se importe que eu tenha vindo junto — disse
Danika enquanto passava por Zayne, dando um soco de leve no ombro
dele. Ele sorriu para ela e eu senti uma pontada no peito, por ter perdido aquele
sorriso. — Estava entediada e os gêmeos estão passando por terríveis dois
anos, então eu precisava sair imediatamente.
— Os gêmeos não são mais velhos do que isso? — Zayne perguntou.
— Os terríveis dois não começam e terminam em um ano, estou
aprendendo. — Ela olhou para mim. — Você deveria ver a expressão em seu
rosto agora.
Pisquei e deslizei meus óculos para baixo. Seu rosto entrou em mais
detalhes. — Eu sinto muito. Eu simplesmente não estou...
— ... acostumada a ver uma mulher em potencial no mundo grande e
ruim? — Ela sorriu quando deu a volta no outro lado da ilha. — Eu
sei. Guardiões em todo o mundo estão rolando em seus túmulos. Eu não me
importo, e Nicolai sabe que não deve tentar me deter.
Eu realmente queria confirmar se ela e Nicolai estavam juntos, mas não
era da minha conta.
— Lugar legal — comentou Gideon, juntando-se a nós. Ele carregava um
laptop, que colocou na ilha enquanto olhava ao redor. — Muito... industrial.
Escondi meu sorriso por trás dos dedos.
Ele olhou através do espaço aberto, os olhos azuis vibrantes não
perdendo nada. — Um quarto?
— Prestes a ter dois quartos por andar — Zayne respondeu, e minha mão
escorregou para longe da minha boca. — Você ficará feliz em saber que é tão
industrial quanto este.
— O apartamento está disponível? — Perguntei.
Zayne olhou para mim. — Sim. Ouvi do gerente ontem à noite. Devemos
poder nos mudar até o final da próxima semana.
— Oh. — Mudei meu olhar para o laptop de Gideon, tentando não me
machucar por ele não ter mencionado isso para mim. Não é como se ele não
tivesse tido tempo enquanto nos sentávamos em silêncio antes de Gideon e
Danika aparecerem. — Isso é uma boa notícia.
— Você teve que dividir o banheiro com esse cara? — Danika empurrou
o queixo em direção a Zayne. — Oh meu Deus, isso é injusto.
Dei um sorriso para ela, gostando da garota. — Está tudo bem. Até agora.
— Eu acho que você está sendo gentil. — Seus olhos azul-celeste estavam
dançando. — Esses caras derramam pior do que nós.
Uma gargalhada surpresa separou meus lábios. — Sabe, eu percebi
isso. Tantos cabelos loiros por toda parte.
— Sim, você acha isso porque não viu todo aquele cabelo castanho escuro
que está literalmente em tudo — comentou Zayne, e antes que eu pudesse
descobrir se ele estava brincando ou sendo um idiota, ele se virou para
Gideon. — O que você tem para mim?
— Para nós — eu murmurei baixinho.
O sorriso de Danika aumentou um pouco.
— Duas coisas — disse ele, sentando-se no banquinho. — Os espigões
ainda estão brilhando, caso vocês todos quisessem saber.
— Eu os vi. — Danika subiu na ilha e girou no meio do caminho, então
ela estava de frente para nós. — Os espigões brilhantes são assustadores.
— Eles são — concordei.
— Não encontrei nada que me diga que tipo de linguagem está escrito
neles — continuou Gideon. — Me leva a acreditar que seja anterior a qualquer
registro conhecido de linguagem ou seja uma linguagem que nunca vimos
antes.
— Ou não é linguagem de forma alguma — sugeriu Danika, e quando
olhamos para ela, ela encolheu os ombros. — Pareciam apenas arranhões e
círculos para mim. Pode ser apenas algum tipo de desenho.
— Você tem um ponto. — Zayne se encostou na ilha. — Pode ser o que
Gideon sugere, ou algum tipo de desenho.
— Ou pode ser de origem angelical. — Eu ainda acreditava que essa era
a resposta. Danika olhou para mim com expressão pensativa. — Quero dizer,
alguém já viu uma escrita angelical?
— A escrita angelical existe? — Zayne perguntou.
— Eu não a vi. — Gideon abriu o laptop.
Arqueei uma sobrancelha, pensando que o mesmo poderia ser dito sobre
mim. — Só porque não vimos algo, não significa que não exista.
— Esse também é um bom ponto. — Danika inclinou a cabeça enquanto
olhava para mim. Achei ter percebido um indício de especulação.
Olhei para a tela que Gideon estava puxando para cima, percebendo que
deveria ficar quieta neste momento. O fato de eu estar aqui enquanto eles
discutiam isso era suspeito.
— Pude acessar as câmeras de segurança ao redor da catedral e, embora
não tenha conseguido ter um único vislumbre dessa coisa, encontrei algo
interessante.
A decepção veio à tona quando Zayne deu a volta para ficar do outro
lado de Gideon. Capturar o Precursor na câmera, mesmo que fosse apenas um
vislumbre, teria sido algo.
— Está vendo isto? — Gideon apontou para a tela. Era um filme em preto
e branco surpreendentemente claro da rua e da igreja. Metade de sua torre era
visível. — Olhe aqui em cima, à direita.
Eu encarei, incapaz de ver o que ele estava apontando.
— 21:10 — Zayne murmurou. — Veja.
Gideon apertou o Play. — Esta câmera está fora do Morton’s. Fique de
olho quando clicar para 21:11.
Mordendo a unha do meu dedo indicador, me contorci quando a
explosão de culpa passou por mim. Esse era o restaurante em que estávamos.
De repente, a transmissão do vídeo emitiu um brilho branco intenso,
como se uma bomba tivesse explodido e continuasse explodindo.
— Espere aí. — Zayne inclinou-se para frente na cintura. — O que é isso?
— Não sei. Dura cerca de trinta segundos e então... — A transmissão de
vídeo voltou ao normal. — E depois há... sim, há Morgan.
Respirei fundo, capaz de distinguir apenas o suficiente do grande corpo,
os braços estendidos, para saber o que estava vendo.
— Mostre a eles os outros — Danika pediu.
— Recebi transmissões do Distrito, do Chase Bank e de uma loja de
varejo. — Clicando em seu computador, ele abriu outra transmissão, esta uma
vista lateral da igreja. — Acontece o mesmo.
E assim foi.
Em cada transmissão de vídeo, aconteceu a mesma coisa. A tela ficava
branca por trinta segundos e, quando o visual voltava, o Guardião estava
colocado na igreja.
— É algum tipo de interferência. — Gideon se recostou. — Atingiu todas
as câmeras que tinham a igreja à vista. Nenhuma das câmeras voltadas para as
outras direções são afetadas. Eu verifiquei todas elas.
Zayne soltou um suspiro baixo, endireitando-se. — Não sei o que pensar.
— Nem eu, então fiquei curioso. — Gideon olhou para Zayne. —
Verifiquei as imagens das câmeras do Mercado Oriental, que ficam de frente
para a plataforma onde Greene foi encontrado. Duas câmeras tinham a
plataforma em vista, e a mesma coisa. Luz intensa que piscou toda a tela por
cerca de quinze segundos.
— É possível que alguém tenha feito isso com a transmissão? — Zayne
perguntou. — Sabotou?
— Possível na transmissão do Mercado Oriental, mas essas transmissões
da Igreja não são monitoradas, e você sabe que, como se tratava de um
Guardião, a polícia não teria puxado a transmissão.
Zayne acenou com a cabeça. — A polícia não se envolveria a menos que
fossemos até eles.
— Exatamente — respondeu ele. — E eu verifiquei a manipulação de
vídeo ou corte do filme. Não vejo evidência disso. A interferência veio de fora
da transmissão.
— O que poderia fazer isso? — Eu perguntei.
— Um alienígena? — Danika ofereceu.
Um sorriso lento apareceu em meus lábios enquanto eu olhava para
ela. — Eu gosto do jeito que você pensa.
O tom de Zayne era brando quando disse: — Não vamos começar a
conversa com os alienígenas de novo. Por favor.
Os olhos de Danika se estreitaram.
— Olha, eu sou um crente. Nem por um segundo eu acho que Deus criou
a Terra e a humanidade e encerrou o dia — disse Gideon. — Então, não estou
dizendo que é impossível, mas vasculhei todos os livros de demonologia,
incluindo a Chave Menor, e não encontrei um único demônio que pudesse fazer
isso para filmar sem destruí-lo.
Como Roth havia feito. Ele não causou uma perturbação no hotel. Ele
destruiu completamente a câmera. Isso era diferente.
Então percebi o que ele disse. — A Chave Menor? Como A Chave
Menor? A verdadeira?
Gideon me olhou com interesse aberto. — Se você está pensando
na Chave Menor de Salomão, então sim.
— Santo Deus — eu murmurei. A Chave Menor era uma espécie de Bíblia
Demoníaca, contendo um monte de encantamentos que poderiam convocar
qualquer demônio lá fora. Graças a Deus estava nas mãos dos Guardiões.
— Seja o que for, tem armas que nunca vimos antes e habilidades que
nem conseguimos compreender. — Gideon fechou o laptop. — E isso não
ajuda muito, mas todos nós estamos em alerta máximo. Ainda mais agora.
A conversa mudou para outro assunto de Guardiões, e então eles se
prepararam para sair, indo a alguma loja para comprar uma nova TV para
Jasmine. Algo sobre um dos gêmeos ter derrubado a dela. Eu ainda estava
surpresa que Danika estivesse fora como ela estava. Era perigoso para ela, e eu
a admirava até o inferno por não ficar em sua gaiola dourada.
Gideon acenou para Zayne se mover para o lado, e eles se afastaram. Os
observei, me perguntando o que ele estava dizendo a Zayne.
— Ei — Danika sussurrou, e eu olhei para ela. Ela deslizou para fora da
ilha, pousando agilmente em seus sapatos. Ela se abaixou para ficar perto de
mim. — Eu tenho que te perguntar uma coisa.
Imaginando que seria sobre Zayne e eu dividindo um apartamento de
um quarto, me preparei. — E aí?
Seu olhar passou de mim para trás e então ela disse em voz baixa: — O
que é você?
Ok. Eu não esperava isso.
— Eu sei que você não pode ser apenas uma garota que cresceu com os
Guardiões — ela continuou. — Ninguém no clã acredita nisso.
Os músculos enrijeceram quando encontrei seu olhar. Isso não era um
bom sinal, mas também não era inesperado. Eu não sabia como Zayne
esperava impedir que seu clã descobrisse.
Não senti nada além da curiosidade dela, mas isso não significava que
era tempo carinho e compartilhamento. — Eu sou apenas uma garota que
cresceu com os Guardiões.
— Mesmo? — Sua voz caiu enquanto ela dizia a palavra.
— Fui treinada para lutar — falei. — Essa é a única coisa sobre mim.
— Interessante. — Ela torceu o nariz. — Nunca ouvi falar de humanos
sendo treinados para lutar, porque você poderia ser uma assassina treinada,
mas ainda seria um rato do campo em comparação com um demônio de Nível
Inferior. Você não é uma rata doecampo.
— Danika? — Zayne chamou. — Sobre o que você está sussurrando?
Ela se endireitou, erguendo as sobrancelhas. — Sobre o que vocês dois
estavam cochichando?
— Nada. — Gideon colocou o laptop debaixo do braço.
— Oh. — Ela piscou para mim. — Estávamos falando sobre menstruação,
cólicas e sangramento...
— Tudo bem. — Zayne ergueu as mãos enquanto eu engasgava com uma
risada. — Desculpe ter perguntado.
Ela se afastou da ilha. — Espero poder vê-la novamente em breve. Peça
a Zayne que a leve. Ou deixe-o aqui. Isso seria ainda melhor.
— Obrigado — Zayne murmurou.
Danika o ignorou. — Tenho certeza de que Izzy mal pode esperar para
voar até você novamente.
Eu sorri com isso, desejando poder visitá-la. De alguma forma, eu não vi
isso acontecendo tão cedo. Acenei um adeus quando eles entraram no
elevador.
— Esperem — Zayne gritou para eles enquanto pegava as chaves do
balcão perto do fogão. — Eu os acompanho até a saída.
Gideon pegou a porta do elevador. — Claro que sim.
Foi então que percebi que Zayne não estava vestido para treinar como
eu. Ele estava vestindo jeans e uma camisa azul clara que era quase do mesmo
tom de seus olhos.
Eu girei no banquinho, abaixando um pé no chão. — Você vai sair?
Zayne acenou com a cabeça enquanto ia para o sofá e pegava seu
celular. — Tenho coisas para fazer. Não voltarei por um tempo.
Perguntas se formaram na ponta da minha língua. Eu queria saber que
coisas, e queria saber por que ele não tinha me contado sobre o apartamento
antes de mais ninguém. Queria falar sobre o que Gideon havia descoberto. Eu
queria conversar, para que nós - então eu - pudéssemos sentir que éramos uma
equipe e não o que quer que éramos agora.
Exceto quando abri minha boca, ele já estava entrando no elevador e as
portas estavam se fechando atrás dele e dos outros Guardiões.
Meus lábios se afastaram enquanto a raiva incandescente inundou meu
sistema. Peguei meu telefone, meio tentada a jogá-lo na parede, mas consegui
resistir.
Passei os próximos minutos andando ao redor do sofá e, em seguida,
desistindo e procurando algo para comer. Tudo o que tínhamos eram ovos,
abacate e maionese.
— Deus — gemi, batendo a porta da geladeira. Se Zayne estivesse
comendo qualquer coisa que não fosse anunciada em uma dieta baixa em
carboidratos, eu iria machucá-lo seriamente.
Saindo da cozinha, decidi que era hora de encontrar um desses serviços
de entrega de mercearia local. Eu ia pedir todos os alimentos gordurosos e
ricos em carboidratos, literalmente sem nenhum valor nutricional, e estocar
toda a cozinha com essa porcaria. Seus armários estariam transbordando de
batatas fritas e folhados de queijo, pizzas congeladas e sacos de batatas fritas
enfileirariam seu freezer, todo tipo de refrigerante estocaria sua geladeira e eu
iria substituir todo o seu óleo de coco pela boa e velha banha. Sorrindo para
mim mesma, abri meu laptop e fiz exatamente isso, e quando as sacolas e mais
sacolas de pura junk-food chegaram duas horas depois, alegremente fiz o que
planejei.
Eu mal podia esperar para ver o rosto de Zayne.
Depois de colocar o saco de pão branco no balcão perto do fogão, fui para
o sofá, pegando outra fatia salgada de batata frita...
Parei quando um familiar formigamento de consciência disparou pela
minha espinha. Eu me virei para a área da cozinha, pensando que era Peanut.
O que eu vi não foi meu colega de quarto fantasma, que estava
desaparecido desde a noite passada. Baixei as batatas fritas, o saco enrugando
em minhas mãos.
Era o espírito da noite em que Greene foi morto, parado no mesmo lugar
que eu o tinha visto pela última vez, atrás da ilha e em frente ao fogão.
O espírito estava de volta.
Capitulo 25
— Você — eu disse, a curiosidade substituindo a cautela ao ver o espírito
novamente no lugar de Zayne.
— Você pode me ver — respondeu o espírito. — Eu tenho tantas
perguntas sobre como você pode me ver.
A maioria o tem, então isso não foi surpreendente. — Eu posso ver
pessoas mortas. Isso é tudo que você precisa saber.
O espírito inclinou a cabeça. — Como a criança no Sexto Sentido?
Fazia séculos desde que Jada me fez assistir ao filme porque ela achava
que seria engraçado. — Sim, assim como ele. Então, qual é o seu nome?
— Qual é o seu? — Ele perguntou.
Arqueei uma sobrancelha enquanto jogava outro pedaço em minha
boca. — Você me seguiu até aqui e não pegou meu nome?
— Eu não estava te seguindo — ele respondeu. E antes que eu pudesse
questionar isso, ele continuou: — Eu nem queria vir aqui no início, mas depois
voltei... — Suas palavras se desvaneceram enquanto ele desaparecia e voltava.
— ... e vi aquele fantasma realmente rude. Eu preciso de sua ajuda.
Eles sempre precisavam de ajuda.
Ele desapareceu novamente, desaparecendo completamente. Eu abri
minha boca, mas engasguei quando ele apareceu diretamente na minha frente.
— Deus. — Tropecei para trás contra o sofá enquanto estendia meu
braço. A embalagem escorregou dos meus dedos, e pequenos pedaços de céu
salgado se derramaram pelo chão. — Minhas batatas fritas!
— Desculpe! — Ele estendeu a mão para agarrar meu braço. Isso não
ajudou em nada, porque sua mão atravessou-o, deixando para trás um rastro
de ar frio.
Me segurei antes de bater com o rosto no chão.
— Oh, caramba! Sinto muito. Sério. — Ele puxou a mão para trás e olhou
para ela com o cenho franzido. — Eu não queria te assustar.
— Você não devia simplesmente entrar e sair desse jeito. — Ajoelhei-me
e peguei o que provavelmente também seria o meu jantar. Regra dos cinco
segundos. — É esquisito.
— Por que? Você sabe que estou morto. Não deveria assustar você.
— Você não me assusta, mas isso também não significa que a coisa do
desaparecer e aparecer não seja surpreendente. — Com todas as batatas salvas e
de volta na embalagem, enrolei a parte de cima para baixo e coloquei no
balcão. — De qualquer forma, suponho que você tenha uma mensagem com a
qual precisa da minha ajuda, desde que você fez a passagem.
— Como você pode... — Ele desapareceu sem aviso, e eu me encontrei
olhando para o espaço vazio novamente.
Alguns segundos depois, ele começou a tomar forma, seu cabelo
castanho bagunçado aparecendo primeiro e seu rosto de menino em
seguida. Seus ombros magros apareceram, assim como sua cintura, mas além
disso? Eu podia ver a ilha da cozinha onde suas pernas deveriam estar.
— Cara, eu odeio quando isso acontece. — Ele estremeceu. — Me faz
sentir que sou feito de vento.
— Eu posso imaginar — murmurei, tentando não olhar para sua metade
inferior perdida. Eu sabia que os espíritos podiam ser... sensíveis a esse tipo de
coisa. — Olha, eu posso te ajudar, mas você precisa me dizer o que você precisa
antes...
— Antes de eu desaparecer de novo? Eu sei. É por isso que saltei
antes. Quanto mais tempo fico aqui, mais difícil é para mim ficar. Não consigo
realmente controlá-lo.
Concordei. — É porque você não deveria estar aqui, pelo menos não por
longos períodos de tempo.
— Eu sei. Isso é o que eles me dizem sempre que me pegam
saindo. “Você seguiu em frente”, eles dizem. E não há problema em verificar
as pessoas de quem gosto, mas não muito, porque posso ficar... preso.
Tive a sensação de que eles eram os que monitoravam as idas e vindas
das almas. Provavelmente um anjo da Segunda Esfera. Eles eram como os
Recursos Humanos do Céu. — O que você quer dizer com que pode ficar
preso?
— Eu posso não ter permissão para voltar ou algo assim. Eles não eram
muito específicos — ele explicou, e eu não achei nada surpreendente.
— Está bem. Então vamos colocar esse espetáculo na estrada — eu
disse. — Diga-me seu nome e o que você precisa de mim, e talvez eu possa
ajudar.
— Não pode haver nenhum talvez... — Ele olhou para si mesmo e
sorriu. — Ei, minhas pernas estão de volta. Impressionante. A propósito, você
sabia que águas-vivas mortas ainda podem picar você se você pisar nelas?
Eu estava seriamente começando a pensar que, quando as pessoas
morriam, desenvolviam um caso louco de loucura. Eu saberia, já que havia
uma boa chance de que eu mesma tivesse.
— Não, eu não sabia disso.
— Desculpe. — Ele ergueu os ombros. — Falar fatos aleatórios é um
hábito nervoso meu.
— Sim, isso foi bem aleatório.
— De qualquer forma, preciso de sua ajuda — ele repetiu. — Por favor,
não diga não. Você é minha única esperança.
Eu inclinei minha cabeça. — Eu não sou seu Obi-Wan.
Um sorriso bobo apareceu em seu rosto. — Você acabou de soltar
uma referência a Star Wars? Gosto de você. Olha, estou tentando passar a
mensagem há semanas, mas ela, bem, tem sido difícil alcançá-la. — Havia um
carinho em seu tom que era adorável. — Eu a amo de todo o coração, mas cara,
ela não é a pessoa mais observadora do mundo.
Coloquei dois e dois juntos. — É para uma namorada que você precisa
mandar uma mensagem?
Seu sorriso sumiu enquanto seu olhar ficava distante. — Namorada? Ela
era quase... ela era quase isso.
A aspereza em seu tom puxou meu coração. Poderia ter sido apenas um
punhado de palavras, mas elas estavam cheias de potencial não alcançado e
desgosto que fez a parte de trás dos meus olhos arder.
Cara, eu poderia me relacionar com isso.
Ele desviou o olhar. — Eu preciso que você mande uma mensagem para
ela. Isso é tudo.
Eu olhei para a porta. — Eu quero te ajudar, realmente quero, e não estou
dizendo que não vou, mas você tem que perceber uma coisa. Se eu contar a ela
o que você quiser, ela provavelmente não vai acreditar em mim. Com base na
experiência anterior, ela vai pensar que há algo errado comigo.
— Não, ela não vai. Ela... Bem, ela passou por algumas coisas estranhas
em sua vida. Talvez não seja um nível estranho de ver pessoas mortas, mas
definitivamente alguma estranheza extrema. — Ele se aproximou, piscando
novamente. — Por favor. É importante. Sei que é pedir muito, mas não posso...
— Me deixar em paz até que eu seja uma médium para você ou encontre
a real paz até que isso seja feito? — Mordiscando minha unha do polegar, olhei
para a porta novamente. — Onde ela está? E como vou encontrá-la? Não estou
familiarizada com esta cidade.
— Eu posso te mostrar. Não é longe daqui.
Hesitei, porque isso não era como Roth me deixando em um parque. E se
o espírito fosse sugado de volta para o Céu, e eu estivesse lá fora, incapaz de
ver muito? Uma vibração de energia nervosa encheu meu peito.
Em que estava pensando? Eu poderia fazer isso. Era independente e, se
esse espírito desaparecesse diante mim, eu daria um jeito. Assim como fiz
quando Zayne me deixou na calçada e eu segui o demônio de Nível
Superior. Não hesitei então. Eu não hesitaria agora.
Eu era uma Verdadeira Nascida e uma fodona, e esse espírito precisava
da minha ajuda.
— Ok — eu disse, levantando meu queixo. — Vamos fazer isso.
O alívio derramou em suas feições e ele disparou em minha direção, os
braços abertos como se estivesse prestes a me abraçar, mas parou e deixou seus
braços caírem para os lados. — Obrigado. Você não tem ideia do que isso
significa para mim.
Eu tinha uma ideia de como isso era importante, por isso estava
ajudando. — Meu nome é Trinity, por falar nisso. Você vai me dizer o seu?
Ele parecia que estava prestes a me cumprimentar com a mão, mas
lembrou que não ia funcionar. — Eu sou Sam - Sam Wickers. É um prazer
conhecê-la, Trinity.
Andar pela rua ao lado de um espírito era muito estranho, mas não foi a
primeira vez que conversei com um em público. De volta à Comunidade, eu
geralmente tinha Misha ou Jada comigo, então não parecia que eu estava
falando sozinha.
Não tive esse luxo hoje, mas tive criatividade.
Sam me olhou estranhamente enquanto eu colocava meus óculos escuros
enormes. Estava nublado e parecia que ia começar a chover em algum
momento hoje.
Ele finalmente falou quando tirei um par de fones de ouvido do bolso da
frente da minha bolsa, que peguei no quarto antes de sairmos. Os conectei no
meu telefone e coloquei nos meus ouvidos.
— O que há com os fones de ouvido? — Ele perguntou enquanto
caminhávamos pela calçada lotada em direção à Rua Quatorze. Bem, eu
caminhava. Ele deslizava alguns centímetros acima da calçada manchada. —
Você vai me ignorar e ouvir música? Espero que não, porque sou
tagarela. Irritantemente assim.
Mantive meu olhar focado em ter certeza de não bater em ninguém. Falar
também me impedia de enlouquecer com a possibilidade de me perder. —
Ouvir música seria meio rude.
— Sim, seria.
— Os fones de ouvido dão a impressão de que estou falando ao telefone.
— Eu levantei a corda, balançando o bocal. — Posso falar com você sem que as
pessoas pensem que estou falando comigo mesma.
— Oh. Droga. Isso é inteligente. — Ele manteve o ritmo ao meu lado. —
Você deve ter muita experiência com esse tipo de coisa.
— Algumas. — Uma brisa pegajosa soprou pela calçada, jogando meu
cabelo no rosto e trazendo consigo o cheiro forte de escapamento.
— Que tipo de experiência?
Olhei em sua direção, ouvindo o interesse genuíno em seu tom. As
palavras borbulharam na ponta da minha língua, mas esse cara - esse pobre
cara morto - não me conhecia. Provavelmente não tinha ideia de que havia
vagado no apartamento de um Guardião. Então, como eu poderia explicar
como foi quando fiz coisas assim antes?
— Tenho uma pergunta para você — eu disse em vez disso.
— Eu terei uma resposta.
Tirei o cabelo do rosto. — Você... faleceu, não foi? Viu a luz e passou por
ela?
Essa pergunta me rendeu alguns olhares estranhos das pessoas que
passavam, mas tudo bem.
— Isso mesmo! Você disse isso antes e eu queria perguntar, mas
desisti. Como você sabe? — ele perguntou. — Que vi a luz e fui até ela?
— Há uma diferença entre fantasmas e espíritos, — expliquei, mantendo
minha voz baixa. — Fantasmas estão presos. Eles não sabem que estão mortos
ou se recusam a aceitar isso, e geralmente têm a mesma aparência de quando
morreram. Você não parece ou age assim, além de ter um... brilho sobre
você. Uma luz celestial, eu acho.
— Eu tenho? — Ele olhou para o braço. — Não consigo ver.
— Você tem. — Pensei em como Sam parecia diferente no início. —
Quando os espíritos morrem e voltam para verificar seus entes queridos ou
fazer o que quer que os espíritos façam com seu tempo, eles parecem normais,
exceto pelo brilho. Eles podem parecer mais jovens do que eram quando
morreram ou da idade em que morreram. Mas quando te vi pela primeira vez,
você parecia... como se não tivesse feições.
— Talvez eu tenha aparecido diferente porque... quando morri, não
passei imediatamente. Eu não pude.
Chegamos a um cruzamento repleto de pessoas esperando para
atravessar. — Em linha reta ou virar?
— Direto. São apenas mais dois quarteirões.
Eu balancei a cabeça e comecei a mordiscar meu polegar novamente. —
Por que você não pôde fazer a passagem imediatamente? Você não queria, ou...
Sam ficou quieto enquanto atravessávamos a rua. Olhei para baixo, mas
não consegui ver o meio-fio entre as pernas das pessoas. Achei que tinha...
Os dedos do meu pé direito bateram no meio-fio, enviando uma dor
aguda em meu pé. Eu tropecei, me segurando. — Porcaria.
— Você está bem? — Alguém que não era Sam perguntou.
— Sim. — Olhei para a minha direita e vi um homem mais velho de terno
falando comigo.
— Você deveria prestar atenção para onde está indo e não com quem está
falando ao telefone — ele aconselhou e continuou a andar, balançando a
cabeça.
— Obrigado, idiota, pelo conselho não solicitado! — Sam gritou sem
sucesso. — Talvez eu devesse ir empurrá-lo para aquele vendedor de cachorro-
quente.
— Você pode fazer isso?
— Infelizmente não. — Ele suspirou tristemente. — Não descobri como
me tornar um poltergeist e mover coisas.
Não há muitos espíritos ou fantasmas que possam interagir com o
ambiente, mas guardei isso para mim enquanto respirava através da dor
horrível e desagradável de um dedo do pé machucado. — Acho que acabei de
matar meu pé.
Sam se aproximou de mim, tentando evitar passar por uma senhora mais
velha com um sobretudo. — Você sabe por que os dedos dos pés machucados
são tão dolorosos? É porque eles têm todo um feixe de terminações nervosas
que fornecem retorno sensorial ao seu sistema nervoso central. Então, quando
você dá uma topada no dedo do pé, a dor é enviada ao cérebro mais
rápido. Além disso, há pouco tecido para amortecer o golpe.
— Eu não posso acreditar que você sabe disso.
— Como eu disse, sei um monte de coisas. Não tenho certeza de como
isso é útil agora, — ele disse, enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans. —
Estar morto e tudo.
— Eu tenho um conhecimento aleatório para você.
— Me dê um bom.
Um sorriso puxou meus lábios. — Não acho que poltergeists sejam
fantasmas ou espíritos. Há algumas evidências que apontam para a atividade
do poltergeist como um acúmulo de energia de uma pessoa viva.
— Sério?
Eu concordei. — Eles estão manipulando as coisas ao seu redor sem
saber. Normalmente é alguém passando por algo muito intenso.
— Uau. Eu não sabia disso. — Sam ficou quieto por um momento. — Na
verdade, fui primeiro à luz, mas fiquei... preso e fui para outro lugar.
— Outro lugar?
Sam não respondeu.
Eu olhei para ele e a inquietação floresceu. — Espere um segundo.
Ele franziu a testa. — O que?
Parei ao lado de um pub, mantendo minhas costas perto da parede de
tijolos.
Sam parou também, sua expressão marcada pela confusão. — O que você
está fazendo?
— Olha, eu quero ter certeza de que qualquer mensagem que você queira
dar a essa garota não seja algo maldoso ou assustador. Se você quiser mexer
com ela, não vou fazer isso.
— Por que você pensaria... — Seus olhos se arregalaram quando um
homem correndo cortou seu corpo. Ele desapareceu como nuvens de fumaça
antes de voltarem juntos. — Deixe-me tentar novamente. Por que você
pensaria que eu procuraria alguém para dizer algo horrível?
— Porque as pessoas são idiotas, e algumas delas ainda mais quando
estão mortas — eu disse a ele. — Alguns fantasmas, mesmo espíritos, estão
apenas entediados e gostam de assustar as pessoas ou bagunçar suas cabeças.
— De verdade? — A surpresa em seu tom era genuína, ou pelo menos
pensei que era.
— E você disse que foi para outro lugar primeiro — acrescentei. — Só
consigo pensar em um outro lugar, e você não vai lá acidentalmente.
— Você está falando sobre o Inferno? Eu não fui lá acidentalmente. Eu
estava preso lá, e não foi minha culpa. Obviamente, eu não teria um brilho
celestial se eu deveria estar lá, — ele argumentou. Ele tinha razão, mas eu
estava começando a ter sérias dúvidas sobre isso. — É uma longa história, mas
eu não era esse tipo de pessoa quando estava vivo e não sou agora. Não estou
aqui para machucar ninguém, especialmente ela. Estou tentando salvar a vida
dela e a vida de outras pessoas.
Capitulo 26
Arrepios varreram minha pele. Eu não esperava que ele dissesse algo tão
malditamente intenso. — O que isso significa?
— Isso significa que preciso enviar uma mensagem a eles antes que seja
tarde demais.
— Tarde demais para quê?
— Vamos — disse ele em vez de responder, sua mandíbula cerrada com
impaciência. — Estamos quase lá.
Inalando o cheiro gorduroso de comida frita próxima, me afastei da
parede e segui Sam. Percebi que ele disse eles em vez dela, mas ele estava
deslizando rapidamente, e foi uma luta acompanhá-lo com todas as pessoas
aglomerando-se na calçada.
Outro quarteirão, e então Sam parou do lado de fora de uma sorveteria,
uma super fofa, pelo que pude perceber ao espiar pela janela grande. Pisos
xadrez preto e branco. Bancadas e bancos vermelhos e uma fila que quase
chegava à porta.
Eu não era muito fã de sorvete, mas quando a porta se abriu e senti o
cheiro de calda quente e saborosos cones de waffle, de repente estava com
vontade de comer uma tigela grande e velha de chocolate afogada em calda.
— Ela está aqui. — Sam atravessou a parede, deixando-me do lado de
fora.
Tentando afastar a sensação de desconforto, eu usei a porta como uma
pessoa viva normal e entrei na loja, rodeada pelo cheiro de chocolate quente e
baunilha. Empurrei meus óculos de sol e olhei em volta. Havia cabines nas
paredes e fotos emolduradas penduradas em todos os lugares. Não consegui
distinguir os detalhes, mas pareciam versões pop art de alguns dos
monumentos da cidade.
Fiquei perto da porta, já que o lugar estava muito cheio. Meu coração
começou a bater forte. Havia tantas pessoas, algumas esperando na fila, outras
rondando as cabines, cavando seus sorvetes, e enquanto eu examinava os
rostos, havia alguns que não tinha certeza se estavam vivos. As luzes da loja
dificultavam o foco por qualquer período de tempo.
Por alguns segundos, perdi o rastro de Sam enquanto brincava com o fio
conectado aos meus fones de ouvido, mas então ele reapareceu ao meu lado,
parado na frente da porta.
— Ela está aqui? — Eu perguntei.
— Ela está bem aí. — Sam apontou para a área à esquerda da barra de
sorvete. — Naquela cabine.
Seguindo para onde ele apontou, eu vi uma... garota com cabelos
castanhos na altura do queixo sentada de frente para a entrada. Algo sobre ela
era familiar. Aproximei-me mais, piscando rapidamente como se de alguma
forma suavizasse o brilho das luzes fluorescentes brilhantes. Dei mais um
passo e suas feições desfocadas adquiriram certo nível de clareza. Eu reconheci
seu rosto bonito e sua franja pesada.
— Puta merda, — sussurrei. — Essa é Stacey. Eu a conheço - bem, a
conheci. — A compreensão me inundou. — Isso é o que você quis dizer quando
disse que não me seguiu. Você a estava seguindo.
Sam era o que eu tinha visto quando Stacey entrou no apartamento com
Roth e Layla. Ele era aquela sombra estranha que eu tinha visto atrás dela, e
isso significava...
— Você conhece Zayne? — Eu perguntei.
— Sim, mas isso não importa. Você precisa falar com ela.
— Não importa? É totalmente importante. — Um pai e sua filha passaram
por nós, entrando na fila enquanto eu continuava a fingir que estava no
telefone. — Por que você não me disse isso?
— Porque eu não sabia quem você era. — Ele ainda estava olhando para
Stacey. — Ou por que você estava no apartamento dele. Quando percebi que
você podia me ver, não sabia se podia confiar em você - não até saber que você
me ajudaria.
Eu o encarei, pasma. Seu aparecimento repentino não foi
coincidência. Ele conhecia Zayne e era amigo de Stacey. Ele era...
De repente, me lembrei do que Zayne havia dito sobre Stacey. Que ela
havia perdido alguém, assim como ele. Eles se uniram por causa disso, e agora
eu sabia, sem dúvida, que esse espírito - Sam - era quem ela havia perdido. Eu
não tinha ideia do que tinha acontecido com ele, mas com base nas informações
mínimas que ele compartilhou, tive a sensação de que não era uma morte
natural.
Oh, cara, tudo isso tinha uma má escolha de vida escrita em toda parte. Se
ele tivesse me contado quem ele era - quem ele era para Stacey e que ele
conhecia Zayne, eu teria exigido saber exatamente qual era a mensagem antes
de concordar em ajudar. Teria certeza já que o Inferno contatou Zayne
primeiro, não apenas para dizer a ele que o espírito de Sam estava por perto,
mas também para descobrir o que havia acontecido com Sam.
Pensando bem, por que Sam não perguntou por que eu estava morando
com Zayne? Ele não fez uma única pergunta sobre quem eu era ou como estava
envolvida.
— Cara... — eu disse.
— Tudo bem. — O olhar de Sam voltou para o meu. — Mesmo. Vamos
até ela.
— Você precisa me dizer o que está acontecendo.
Sam se virou para mim. — Isso não pode esperar. Você não entende. Eu
estou correndo contra o tempo.
O encarei. — Você não está nem um pouco curioso sobre quem eu sou?
— Eu sussurrei. — O que eu sou?
— Achei que já que você está com Zayne, você é gente boa. — Seu olhar
saltou para onde Stacey estava sentada. — Eu sei o que ele é.
— Mas você disse que não me contou quem ela era porque não me
conhecia. Você não confiava em mim...
— Eu menti. Está bem? — Ele ergueu os braços, um deles atravessando
o peito de um homem que passou por nós. O homem parou, franziu a testa e
saiu, balançando a cabeça. — Eu sei o que você é. No momento em que percebi
que você podia me ver, sabia o que você era, e sabia que se você estivesse com
Zayne, isso deveria significar algo, mas não sabia se você era... se você era um
dos bons.
— O que? — fiquei boquiaberta com ele. — Certo. Você precisa me contar
tudo e arranjar tempo...
— Trinity?
Minha cabeça se ergueu ao som da voz de Stacey. Ela estava olhando na
minha direção, começando a se levantar. Porcaria.
— Veja. — Sam agarrou meu braço, mas sua mão passou por ele. — Ela
viu você.
Cada instinto estava me dizendo que isso ia acabar mal, mas era tarde
demais para me abaixar e correr. Amaldiçoando-me mentalmente e a Sam para
cima e para baixo na rua, me arrastei até a mesa. Quando me aproximei, vi os
dedos de Stacey voando sobre a tela de seu telefone. Eu respirei fundo
enquanto olhava para a mesa...
Aquilo era um... maço de Twizzlers ao lado do sorvete na frente de
Stacey?
Era.
Oh meu Deus, quem comia Twizzlers com sorvete? Essa era a coisa mais
nojenta de todos os tempos.
— Eu não esperava ver você aqui. — Uma franja grossa caiu sobre sua
testa quando ela colocou o telefone para baixo e olhou ao redor da sorveteria.
— O mesmo — murmurei, e as sobrancelhas de Stacey desapareceram
sob sua franja.
Exalando alto, olhei para Sam, que estava sentado ao lado de Stacey. —
Isso vai soar muito aleatório, mas...
— Estou acostumada ao aleatório. Você está... você está bem? Você
parece um pouco pálida... — ela parou, franzindo a testa enquanto olhava para
onde Sam estava sentado.
Seus rostos estavam a centímetros de distância, sua coxa pressionando
contra a dela, mas ela não podia vê-lo e isso... isso matou Sam. Por mais irritada
que eu estivesse com o espírito, podia ver a dor crua enquanto ele olhava para
ela.
— Ela me sentiu, não sentiu? — O aperto diminuiu nas feições de Sam. —
Uau. Ela me sentiu.
Eu não pude responder a ele. — Você está bem?
— Sim. — A carranca de Stacey suavizou enquanto ela esfregava as mãos
nos braços. — Só... eu não sei. Desculpe-me? Você estava dizendo algo sobre
isso ser aleatório?
— Tudo bem. — Forcei um sorriso fácil que esperava não soar tão
estranho quanto parecia. Comecei a falar... e senti uma onda de calor em meu
peito.
Zayne.
Ele estava por perto. Droga. Se eu o sentia, então ele estava me sentindo
e provavelmente se perguntando o que diabos eu estava fazendo na
cidade. Apesar da forma como as coisas estavam entre nós agora, eu planejava
contar a ele sobre esse desenvolvimento. Eu só esperava que ele não se
assustasse.
— Trinity? — As sobrancelhas de Stacey levantaram quando me
concentrei nela.
Respirei fundo. — Eu tenho algo para te dizer. Vai soar muito estranho,
e você provavelmente não vai acreditar em mim.
Um meio sorriso apareceu. — Está bem.
— Eu... — Essa sempre foi a parte mais estranha. — Eu vejo... espíritos.
A boca de Stacey se abriu, mas ela não disse nada, o que fez Sam sorrir. —
Essa é a cara dela-não-sabe-como-responder. Eu conheço esse rosto muito bem.
— Sim, eu percebi isso — murmurei, e o nariz de Stacey enrugou. — Sei
que isso parece completamente bizarro, mas há alguém aqui que quer falar
com você. Ele aparentemente tem andado por aí, tentando chamar sua atenção.
Ela olhou para mim e depois ao redor como se estivesse esperando
alguém intervir, o que era uma reação comum e também significava que era
hora de morder a bala.
— É ... é Sam — eu disse a ela. — E ele quer falar com você.
O sangue drenou tão rapidamente de seu rosto que tive medo que ela
desmaiasse. Tudo o que ela fez foi olhar para mim.
— Você... você conhece um Sam, certo? — Eu perguntei, assustada
quando senti o pulso em meu peito se intensificar.
— Sim. Eu conhecia um Sam. Zayne te contou sobre ele?
— Não, ele não fez isso. — Eu olhei para o espírito. — Na verdade, ele
está sentado ao seu lado.
Sua cabeça girou para a esquerda tão rapidamente que me perguntei se
ela contraiu um músculo.
— Estou bem aqui — disse Sam, e eu repeti o que ele disse.
Stacey não respondeu. Ela olhou para onde Sam estava sentado por tanto
tempo que comecei a realmente me preocupar que ela desmaiasse sentada com
os olhos abertos.
Isso era mesmo possível?
Adicionando à minha lista de coisas para o Google mais tarde.
As bochechas de Stacey coraram de um vermelho manchado e meu
estômago afundou. Seu olhar se ergueu para mim. — Isso é algum tipo de
brincadeira?
— Diga a ela que não é uma piada — Sam disse desnecessariamente.
— Não é uma piada. Eu sei que pode parecer assim, mas
Sam está aqui. Ele já está por aqui há um tempo — eu repeti. — E ele quer que
eu te diga algo. Parece ser muito importante...
— Bom Deus. — Sua mandíbula inferior se moveu enquanto ela se
inclinava contra a mesa, na minha direção. — O que há de errado com você
que faria algo assim? É por causa de Zayne?
— O que? — Eu estremeci. — Isso não tem nada a ver com ele...
— Porque nós tivemos um caso? E você está brava com isso?
— Oh meu Deus, não. Sério. Não há nada de errado comigo. Juro. Você
pode perguntar a Zayne. Ou mesmo Layla. Eles sabem que posso fazer isso. Eu
não estou inventando isso. — Sentindo o calor em meu rosto aumentar, me
virei para Sam. — Acho que é hora de você me dizer sua mensagem.
— Eu sei que há um monte de coisas estranhas lá fora no mundo que eu
não sei muito sobre, mas não sou estúpida. Você precisa sair agora, — Stacey
disse, sua voz baixa. — Como agora mesmo.
Sam praguejou. — Diga a ela que ela não pode voltar para aquela escola.
A confusão trovejou através de mim. — Que tipo de mensagem é essa?
— Você está fingindo falar com ele? — Sua voz aumentou quando ela
colocou as mãos sobre a mesa. Não precisei olhar em volta para saber que as
pessoas provavelmente estavam começando a me encarar. — Você está
falando sério neste momento?
— Sim. — Minha atenção se voltou para ela. — Sam está aqui, e não tenho
ideia por que ele diz que você não pode voltar para a escola, mas é o que ele
está dizendo.
Stacey riu, fez soar grosseiro e distorcido. — Você realmente acha que
vou acreditar em você? Se fosse, por que ninguém mencionou seu pequeno
talento?
— Porque realmente não é da sua conta — retruquei.
— Desculpe? — Seus olhos se arregalaram.
— Olha, eu não estou inventando isso. Ele... — Respirei fundo enquanto
o calor em meu peito queimava intensamente.
Ah não.
Oh, não, não.
Sem chance.
— Zayne! — Stacey gritou, pondo-se de pé. — Você precisa vir buscar
sua garota.
Meu estômago caiu aos meus pés. Tomei fôlego, mas ficou preso na
crescente descrença e confusão.
Sam estava dizendo algo, mas eu não conseguia ouvi-lo por causa das
batidas do meu coração. Stacey estava olhando para trás de mim, seus olhos
castanhos arregalados, e ela estava dizendo algo também, mas nenhuma de
suas palavras fazia sentido.
Meu olhar mudou para a mesa - a mesa que não era destinada a apenas
uma pessoa - e pensei sobre o que Sam tinha dito, referindo-me a eles
em vez dela. Minha respiração ficou estranha no meu peito quando as coisas
começaram a se encaixar. Zayne não me disse o que estava fazendo hoje. Só
que ele tinha coisas para fazer.
Assim como ele tinha coisas para fazer da última vez que fez planos e,
além de se encontrar com o gerente do apartamento, ele não tinha me contado
o que eram.
Lentamente, me virei.
Na confusão de rostos e corpos borrados, eu o vi com a camisa azul clara
com que ele havia deixado o apartamento, separando a multidão como uma
espécie de Moisés gostoso.
Dei um passo para trás, olhando ao redor desta pequena sorveteria fofa,
e percebi que conhecia esse lugar. Esta era a sorveteria à qual seu pai
costumava levá-lo, uma tradição que Zayne manteve com Layla quando ficou
mais velho. Este lugar era importante para Zayne.
E ele nunca me trouxe aqui.
Este lugar era importante para ele, mas ele nunca o compartilhou
comigo. Mas ele ficou bravo porque eu disse que um beijo significava
mais? Um beijo pode ser qualquer coisa ou nada, mas compartilhar um pedaço
do seu passado com alguém significava muito.
Mesmo que uma parte racional da minha mente reconhecesse que ele não
precisava me levar a lugar nenhum nem me mandar agachar, a dor cortante
em meu peito parecia muito real. Eu me senti... traída. Uma queimadura se
formou na parte de trás da minha garganta e subiu, fazendo meus olhos
arderem.
O desejo de cortar e correr me atingiu com força e meus músculos ficaram
tensos para fazer exatamente isso. Eu queria espaço - precisava de distância
para ter controle do que estava sentindo enquanto observava os passos de
Zayne devagar. O olhar de surpresa foi difícil de perder, e foi como se ele
tivesse me sentido e não pudesse acreditar que eu estava aqui.
Eu estava me intrometendo.
O calor varreu minhas bochechas enquanto meu estômago revirava. Oh,
cara, no que exatamente estava me intrometendo? Zayne alegou que ele e
Stacey eram apenas amigos, e amigos se encontravam para tomar sorvete o
tempo todo, mas amigos não escondiam isso.
Minha cabeça estava em curto-circuito como se houvesse um fio solto em
algum lugar entre minhas sinapses. Sob uma camada grosseira de
constrangimento estava... decepção.
Não ciúme.
Não inveja.
Desapontamento.
Zayne inalou e algo cintilou em seu rosto. — O que você está fazendo
aqui?
Minhas emoções estavam muito confusas para pegar qualquer coisa do
vínculo, mas a maneira como ele falou as palavras me disse tudo que eu
precisava saber. Ele não ficou feliz em me ver aqui.
— Ela simplesmente apareceu e eu pensei que ela estava com você, mas
ela disse... — Sua voz, grossa e áspera, atraiu meu olhar. — Ela disse
que Sam está aqui.
Suas palavras me tiraram da espiral de emoção.
— Sam? — Zayne mudou para ficar na minha linha de visão. — O que
está acontecendo, Trinity?
— Estou aqui — o espírito em questão falou de onde ainda estava
sentado ao lado de Stacey. — Diga a eles que estou aqui.
Meu coração estava batendo forte e meus músculos ainda estavam tensos
para funcionar, mas me segurei. Eu não fiz nada de errado. Bem,
provavelmente deveria ter exigido mais respostas de Sam antes de concordar
em ajudar, mas eu estava apenas fazendo o que deveria fazer. Não foi minha
culpa que isso me levou ao pequeno encontro de Zayne.
— Trinity — Sam implorou, e eu olhei para ele. O brilho dourado ao
redor dele estava desaparecendo. — Não tenho muito mais tempo. Eu posso
sentir isso. Estou sendo puxado de volta.
Prepare-se.
Este é o seu dever.
Empurrei tudo que estava sentindo para o lado. Meu rosto ainda estava
queimando, assim como minha garganta e olhos, mas ignorei tudo isso. Eu
tinha um trabalho. Tinha um dever. Me recompus.
— Sam está aqui. — Odiei o quão rouca minha voz soou. — Eu o vi no
apartamento uma vez antes, — continuei, sem olhar para Zayne ou Stacey. —
Mas ele desapareceu antes que pudesse me dizer quem ele era. Ele seguiu
Stacey quando ela apareceu com Roth e Layla, mas eu não percebi que ele
estava com ela então.
— Eu estava. — Sam acenou com a cabeça.
— Ele acabou de confirmar isso — eu disse.
Stacey parecia que estava perto de desmaiar ou ter um colapso completo
enquanto olhava para nós. — Zayne...?
— É verdade? — Zayne perguntou, tocando meu braço. — Sam está
realmente aqui?
Atordoada por ele me questionar, empurrei meu braço para longe
quando uma nova onda de dor pulsou por mim. — Por que eu mentiria sobre
isso, Zayne?
Ele piscou. — Você não faria isso.
— Não brinca — eu cuspi, dor dando lugar à raiva. Queria pegar o
sorvete de Stacey e jogar na cara dele. Em vez disso, gesticulei para a cabine. —
Sente-se.
Zayne hesitou como se ele não fosse ouvir, e eu me virei para ele,
arregalando os olhos. Seus lábios se estreitaram, mas ele caiu no assento e
deslizou pela cabine, deixando espaço aberto. Sentar ao lado dele era a última
coisa que eu queria, mas já estávamos chamando atenção o suficiente para
durar uma vida inteira e Sam estava ficando sem tempo.
Puxando os fones de ouvido, coloquei-os no bolso e me sentei com as
costas rígidas. — Eu não tinha ideia, até chegarmos aqui, que Sam estava me
trazendo para Stacey. Ele convenientemente deixou isso de fora.
Sam teve a decência de parecer envergonhado.
— E como Zayne pode confirmar — eu disse a Stacey, — eu não sabia
quem era Sam. Ninguém me falou sobre ele. Se alguém o tivesse feito, eu
poderia ter percebido imediatamente quem ele era.
Ela me encarou. — Isso é real? — Seus olhos arregalados dispararam
para Zayne. — Ela pode vê-lo?
— Ela pode ver fantasmas e espíritos. — Zayne deixou cair o braço sobre
a mesa, ao lado do maço de Twizzlers. — Se ela diz que Sam está aqui, ele está
aqui.
— Eu não posso... — Ela olhou para onde Sam estava sentado,
balançando a cabeça. — Diga-me como ele é.
Eu fiz exatamente isso, e Stacey pressionou a palma da mão na boca. —
Mas você poderia ter visto uma foto dele online — ela raciocinou. — Isso não
significa nada.
— Ela está falando a verdade — Zayne insistiu baixinho, me salvando de
ter que perguntar por que diabos eu estaria procurando uma foto de Sam.
Stacey disse algo, mas foi abafado demais para eu entender. Ela abaixou
a mão, os dedos se enrolando em uma bola apertada sobre o coração. — Sam?
— Estou aqui — disse o espírito, estendendo a mão para ela, mas parando
de repente. — Eu estive aqui. Sempre.
Repeti o que ele disse e o rosto de Stacey se contraiu. — Eu sinto
muito. Eu não sei o que há de errado comigo. Eu só - sinto muito. Diga a ele
que estou...
— Ele pode ouvir você — eu disse.
— Ele pode me ouvir? Está bem. Acho que faz sentido. — Lágrimas
correram pelo seu rosto enquanto ela olhava para mim e depois para Sam. —
Sinto sua falta — ela sussurrou, levantando a mão do peito para o queixo.
— Eu também sinto sua falta — disse Sam, e eu repeti.
— Oh Deus. — Seus ombros magros tremeram. — Eu só sinto
muito. Eu...
Zayne fez um som de angustia, alcançando o outro lado da mesa. Ele
colocou sua mão muito maior sobre a dela. — Está tudo bem — ele disse a
ela. — Tudo bem.
Mas realmente não estava.
Normalmente, eu teria mais consideração pelas emoções que esse tipo de
situação causava, mas não tinha nada para dar no momento e não tínhamos
muito tempo.
— Ele tem algo que precisa dizer a você...
— Diga a eles — Sam corrigiu, e meus olhos se estreitaram no espírito. —
Eu sabia que eles iam se encontrar hoje.
Um espírito sabia e eu não.
— Eles costumavam vir aqui uma vez por semana depois... bem, depois
de tudo — acrescentou.
Que bom.
Isso era simplesmente fantástico.
Abrindo e fechando as mãos, mantive meus olhos em Sam. — Ele tem
uma mensagem para vocês dois. Algo a ver com uma escola?
Sam acenou com a cabeça e então se virou para Stacey. — Ela não pode
voltar para aquela escola. Algo está acontecendo lá. Não é seguro.
— Você vai precisar me dar mais detalhes, Sam. Preciso saber por que
não é seguro.
— Ele está dizendo que a escola não é segura? — Zayne questionou.
— Há muitas... almas lá. Muitas. É como se elas estivessem se reunindo
para algo — Sam explicou, sua forma piscando mais rapidamente agora. — Eu
a tenho verificado desde... bem, desde que pude, e nem sempre foi assim.
— O que você quer dizer com as almas estão se reunindo lá? — Eu
perguntei, e Zayne se moveu para frente.
— Almas. Pessoas mortas que não cruzaram...
— Fantasmas? — Eu sugeri, e quando ele acenou com a cabeça, olhei para
Stacey, que estava olhando para Sam, mas não o vendo. — Há muitos
fantasmas lá? Quantos?
Os olhos de Stacey se arregalaram ainda mais. — Na escola?
O espírito acenou com a cabeça. — Mais de cem. Tentei contar um dia,
mas eles desaparecem e ficam confusos. Meio que correndo de um jeito
agitado. É como se eles estivessem presos.
— Os fantasmas estão presos na escola — repeti. — Mais de cem.
— Como isso pode acontecer? — Zayne perguntou.
— Espíritos e fantasmas podem ser convocados para um lugar —
expliquei.
— Como através de um tabuleiro Ouija? — Stacey soltou uma risada
nervosa e molhada.
— Sim, na verdade essas coisas podem funcionar nas circunstâncias
certas — eu disse. — Mas você quase nunca entende com quem pensa que está
se comunicando. Não, a menos que você saiba como... canalizar um certo
espírito, e mesmo eu não posso fazer isso.
Stacey olhou para mim. — Eles os vendem em lojas de brinquedos.
Ao lado dela, Sam riu. — Deus, eu perdi aquele olhar no rosto dela. —
Um sorriso apareceu. — Você sabia que o comerciante de tabuleiros Ouija caiu
para a morte enquanto supervisionava a construção de uma fábrica de
tabuleiros Ouija?
Eu fiz uma careta para ele.
Ele encolheu os ombros. — Meio estranho se você pensar sobre isso.
— Como podem os fantasmas ficar presos? — Zayne perguntou.
— Não sei. Tenho certeza de que existem feitiços que podem fazer isso,
mas não sei por que você gostaria. Um fantasma preso ou mesmo um espírito
pode se tornar um fantasma. Pode levar meses ou anos, mas ficar preso iria
corrompê-los — eu disse, horrorizada com a possibilidade de algo assim
acontecer. — Como isso pôde acontecer em uma escola?
— É uma Boca do Inferno — murmurou Stacey. — Layla e eu não
estávamos brincando quando dissemos isso.
Eu a ignorei. — Os fantasmas estão colocando as pessoas em perigo?
— Alguém caiu escada abaixo há uma semana. Foi empurrado por um
dos fantasmas — disse Sam.
Quando eu repeti isso, Stacey se recostou na mesa. — Um cara caiu da
escada. Terça-feira passada. Não sei os detalhes, mas ouvi dizer que aconteceu.
— Eu ouvi sussurros — Sam continuou, e então ele piscou e voltou em
uma forma mais transparente. — E sim, estou sendo literal. Eu ouço sussurros
quando estou aqui - sobre não demorar muito e que algo está vindo. Tentei
encontrar a fonte, mas quando os vi, sabia que não poderia chegar mais
perto. Não posso continuar voltando para lá. Eu quero, eu quero mantê-la
segura, mas eu... Eu tenho medo se continuar voltando, eles me verão e vão
saber que eu não sou como os outros.
Um arrepio percorreu minha espinha.
— O que ele está dizendo? — Zayne perguntou, puxando sua mão da de
Stacey. — Trin?
— Quem são eles? — Engoli. — Você sabe quem está sussurrando?
A forma nebulosa de Sam girou em minha direção. — Pessoas das
Sombras.
Capitulo 27
Pessoas das Sombras.
Duas palavras que eu nunca esperei ouvir, faladas em voz alta. Arrepios
se espalharam pelos meus braços.
— Oh, cara — eu sussurrei.
— O que? — Zayne tocou meu braço e desta vez eu não me afastei. — O
que está acontecendo?
Com o pulso acelerado, balancei a cabeça brevemente e foquei em
Sam. Eu precisava obter o máximo de informações possível dele antes que ele
caísse no esquecimento. — Você os ouviu dizer o que está por vir?
— Não.
Mesmo que ele não pudesse confirmar, eu tinha a sensação de que
sabia. E havia outra coisa que precisava saber. Me inclinei para frente. — Como
você sabia o que eu era?
— Porque há alguém lá, na escola, que pode fazer o que você pode —
Sam disse, e outro calafrio desceu pela minha espinha. — Eu o vi falando com
- Oh, cara. Está acontecendo.
Pisquei, sabendo o que ele quis dizer. Ele estava sendo puxado de
volta. — Você pode me dizer como ele é, Sam? Eu preciso de...
— Vou tentar voltar assim que puder. — Ele se virou para Stacey e, pelo
que pude ver em seu rosto, meu coração quebrou um pouco. — Eu gostaria de
ter tido a coragem de dizer o que eu sinto por você. Eu gostaria... gostaria que
tivéssemos mais tempo. Diga isso a ela. Por favor? Diga a ela que eu a amo. —
Ele ergueu um braço que era mais transparente do que sólido e tocou sua
bochecha. Stacey respirou fundo. — Ela sentiu isso. Diga a ela que fui eu. E
diga a ela que quero que ela seja feliz. Que ela precisa ser feliz.
Sem aviso, o espaço ao lado de Stacey estava vazio. Ele se foi e eu tive a
sensação de que ele não voltaria logo.
— Droga — murmurei.
— O que? — Stacey colocou os dedos sobre o ponto em sua bochecha. —
O que acabou de acontecer?
— Você o sentiu quando ele tocou sua bochecha — eu disse, e então
contei a ela o que ele disse sem olhar para ela enquanto falava. Eu não queria
ver as emoções que seu rosto iria expor. — Ele se foi agora, mas disse que
tentará voltar. Ele não sabe quando.
Ou se ele poderia novamente.
Eu deixei essa parte não dita, porque a mensagem que ele transmitiu
parecia que ele não tinha certeza. Ele estava voltando muito.
— Desculpe. — Zayne bateu no meu braço. — Você pode me deixar sair?
Deslizei para fora da cabine e me afastei enquanto Zayne se movia para
onde Sam estava sentado. Ele cruzou o braço em volta dos ombros de Stacey,
puxando-a contra ele enquanto falava com ela.
Lancei meu olhar para o pacote de Twizzlers, pressionando meus lábios
juntos. Eu era uma terceira via em um momento dolorosamente íntimo de dois.
— Quando? — Sua voz soou áspera quando ela falou novamente. —
Quando ele pode voltar?
— Não sei. Tenho a sensação de que ele vai tentar, mas... — Olhei para o
doce que na verdade nunca tinha experimentado antes, porque sempre me
pareceu nojento. — Mas os espíritos não devem visitar os vivos repetidamente.
— Por que não? — ela exigiu.
— Porque seguir em frente não é apenas o processo de travessia. É uma
jornada contínua para o, hum, o falecido, e se as visitas forem contínuas, é
difícil para aqueles que ficaram para trás seguir em frente, — eu expliquei,
deixando cair minhas mãos no meu colo. — É difícil para aqueles que
morreram encontrar paz quando ainda estão envolvidos na vida dos vivos. Os
espíritos podem ir e vir quando quiserem, mas existem regras. Suas viagens
são monitoradas. Com base no que ele disse, ele já vem muito aqui. Ele está
tentando chamar sua atenção há um tempo.
— Oh Deus. — Sua voz falhou. — Se eu soubesse, teria falado com
ele. Teria feito algo. Qualquer coisa. Eu simplesmente não sabia.
— Não havia como você saber. Está tudo bem, — Zayne assegurou a
ela. — Sam tinha que saber disso. Não é como se ele te culpasse.
Algumas pessoas eram muito mais perceptivas a coisas como espíritos e
fantasmas, mas Zayne estava certo, Stacey não saberia que Sam estava lá.
— Deus. Eu só - eu não esperava isso hoje. Era para ser um sorvete e
talvez uma boa caminhada. Sabe? Como costumávamos fazer. — O sorvete na
frente de Stacey parecia mais uma sopa quando ela pegou os Twizzlers. — Eu
até peguei isso para você. Lembro-me de como você gosta de colocá-los no seu
sorvete.
Meu lábio se curvou.
Zayne comia Twizzlers com seu sorvete? Levantei meu olhar. Ele ainda
estava com o braço em volta de Stacey, mas seus olhos estavam em mim, o tom
pálido de azul tudo menos frio. Desviei meu olhar para os discos de vinil
brilhantes emoldurados na parede.
— Tudo bem. — Essas eram duas das palavras favoritas de Zayne. —
Tentaremos novamente, o mais rápido possível.
Eu pensei e não senti nada em resposta a isso.
— Sim — disse Stacey, arrastando a palma da mão sob os olhos. —
Promete?
— Prometo.
— Bom. Porque vou precisar de um pouco de comida reconfortante não
derretida depois disso. — Ela pigarreou. — Então, o que está acontecendo na
escola local mal-assombrada e amaldiçoada do Inferno?
— Tem certeza que quer falar sobre isso? — Eu perguntei. — Depois de
tudo com Sam?
— Ela tem certeza, — Zayne respondeu, e eu mordi minha unha do
polegar. — Stacey pode lidar com isso.
Stacey riu de novo, o som mais forte quando ela pegou a água e tomou
um gole. — Se você soubesse das coisas que vi e experimentei, não me
perguntaria se tenho certeza. Lidarei com... com Sam mais tarde,
provavelmente quando eu estiver sozinha e tiver um saco de Skittles para
consumir. Obviamente, o que Sam estava tentando me dizer é
importante. Precisamos lidar com isso.
A surpresa passou por mim, rapidamente seguida pelo respeito por sua
capacidade de deixar de lado uma profusão de emoções e priorizar. Deus,
Zayne estava certo. Stacey e eu provavelmente nos daríamos bem... se não
fosse por ele.
— Ele disse algo que a tinha assustado. — Zayne se mexeu, afastando o
braço de Stacey. — O que ele te falou?
— Além de mais de cem fantasmas presos-assustadores? — Eu disse.
— Mais de uma centena? — Stacey soltou um suspiro baixo. — Sim, além
desse fato assustador.
— Ele disse que há Pessoas das Sombras lá — eu disse a eles, mantendo
minha voz baixa.
— Pessoas das Sombras? — ela repetiu. — Será que quero mesmo saber
o que é isso?
— Provavelmente não. — Olhei para Zayne. Um músculo estava
pulsando ao longo de sua mandíbula. — Você sabe o que eles são?
— Estou presumindo que seja algum tipo de fantasma ou algo assim? —
ele disse.
Eu tossi uma risada seca. — Não exatamente. Eu nunca vi um. Tudo que
sei é o que minha mãe me contou sobre eles. Eles são como espectros, mas
nunca foram humanos em primeiro lugar. Eles são como as almas de demônios
falecidos.
— Oh, cara — Stacey sussurrou.
— Não entendo. Almas de demônios? — Zayne apoiou os antebraços na
mesa. — Como isso é possível? Eles não têm alma.
— Achamos que não — corrigi, pensando em Roth. — Mas eu disse que
eles são como almas. Mais como a essência deles. — Com base na maneira como
Zayne estava olhando para mim, eu poderia dizer que isso era algo que nunca
havia passado por sua mente. — O que você acha que acontece quando os
demônios morrem? Que eles simplesmente deixam de existir?
— Achei que eles voltavam para o Inferno.
— Sim, mas estão mortos e, a menos que alguém com muito poder os
devolva à forma corpórea, eles não deixam de existir sem serem destruídos, e
só consigo pensar em algumas pessoas que têm essa capacidade.
— Sombrio? — ele sugeriu.
Concordei. — Se você quer dizer o anjo Azreal? Sim, ele seria capaz de
fazer isso.
— Espere. O que? — Stacey olhou para trás e para frente entre nós. —
Você quer dizer o Ceifador? O cara que Layla conheceu?
Minhas sobrancelhas levantaram. Layla conheceu o Ceifador. Como isso
aconteceu?
Zayne acenou com a cabeça.
— Ele não é o único que pode destruir o Povo das Sombras — eu disse,
pegando o olhar de Zayne, e vi o momento em que ele percebeu o que eu não
poderia dizer. Com a Espada de Michael, eu poderia destruir as Pessoas das
Sombras assim como um anjo poderia. — Mas essas coisas são inerentemente
más. Tipo, pior do que quando eles estavam vivos, demônios respirando
inclinados para a destruição. Por exemplo, se você ver uma Pessoa das
Sombras, você vira e corre na outra direção. Eles são poderosos e vingativos,
maliciosos e mortais.
Zayne pegou os Twizzlers e tirou um pedaço pegajoso de doce. — Acho
que eles se parecem sombras?
Eu inclinei minha cabeça. — Sim. Eles parecem contornos de sombras de
pessoas. Mais ou menos no nome.
Ele mordeu a corda de cereja e açúcar e olhou para mim.
— E eles estão na minha escola? — Stacey disse.
— Isso é o que Sam diz, e não é tudo.
— Não é? Fantasmas presos e Pessoas das Sombras não são suficientes
para ficar entre mim e meu diploma? Tem de haver mais?
Meus lábios se contraíram. — Ele diz que há alguém lá que é capaz de se
comunicar com os fantasmas e o Povo das Sombras. — Eu olhei para Zayne
novamente. — Alguém como eu.
— E o que você é exatamente? — Ela olhou para mim e então mudou seu
olhar para Zayne. Seus olhos inchados meio que arruinaram o olhar duro que
ela estava tentando entregar. — Alguém se importa em me informar? Porque
ela não é apenas uma garota que cresceu com os Guardiões.
Eu fiz uma careta. — Eu sou a garota que cresceu com os Guardiões.
— Quem também pode se comunicar com os mortos? — ela desafiou. —
Como outros humanos normais?
— Eu nunca disse que era uma humana normal. — Eu sorri. — Gosto de
você.
Agora seus olhos se estreitaram.
— Ele foi capaz de dizer como essa pessoa era? — Zayne mudou de
assunto. — Alguma informação sobre quem é?
— Tudo o que ele me disse foi que era um cara antes de ficar sem tempo
— respondi.
— Então, não sabemos se é um aluno ou um professor ou apenas alguma
pessoa aleatória vagando pela escola. — Zayne terminou o doce com um
último movimento frustrado de sua mandíbula. — Tudo o que sabemos é que
alguém está reunindo fantasmas e prendendo-os na escola, e as Pessoas das
Sombras estão envolvidas.
Sem saber o quanto Stacey estava ciente, escolhi minhas próximas
palavras com cuidado. — Isso não é tudo que sabemos. Tenho certeza de que
está relacionado ao que todos procuram.
A mão de Zayne parou a meio caminho da bolsa. — Você acha que sim?
Concordei.
Ele praguejou baixinho enquanto pegava outra tira de doce. — Não sei
se isso é uma boa ou uma má notícia neste momento.
— Bom, — eu decidi. — É uma pista.
— Não tenho ideia do que vocês dois estão falando. — Stacey deu um
gole. — Não gosto de ficar de fora.
Zayne deu um breve sorriso para ela. — Eu vou te informar mais tarde.
Ele faria isso? Quando seu olhar mudou para mim, eu levantei uma
sobrancelha. — Precisamos ir para aquela escola.
— Concordo.
— Bem, você vai ter problemas para fazer isso durante o dia, porque
sempre há pessoas lá, e agora elas estão fazendo reformas à noite e durante a
noite. — Stacey colocou seu copo vazio na mesa. — Exceto nos fins de semana.
O que era hoje? Segunda-feira. Então, não era uma espera muito longa,
mas eu queria ir agora, ver se estava certa - que isso estava conectado ao
Precursor.
Será que Sam nos deu nossa primeira pista real? Droga, era quase
conveniente demais, tanto que também era perturbador pensar que, se Sam
não tivesse seguido Stacey quando ela veio para a casa de Zayne, não
saberíamos o que estava acontecendo na escola.
Fazia-nos pensar sobre a interferência cósmica.
Olhando para o outro lado da mesa, vi que Zayne havia acabado com o
segundo Twizzler. Eu não podia acreditar que ele realmente os comia com
sorvete. O mesmo cara que tirava pãezinhos de sanduíches de frango grelhado.
Havia algo errado com ele.
E havia algo de errado comigo porque não saber que Zayne comia
sorvete com Twizzlers fazia meu peito doer.
Quão estúpido era isso?
Meu olhar passou rapidamente por Stacey e Zayne, olhando-os sentados
lado a lado, ele muito maior e mais amplo do que seu corpo minúsculo. Eles
ficavam bem juntos, mesmo que fossem apenas amigos que haviam sido mais
em algum momento, e as coisas seriam mais fáceis para eles se quisessem ser
mais novamente. Sim, os Guardiões não deveriam namorar humanos, mas
Zayne fez um monte de coisas que os Guardiões não deveriam fazer. Não era
a mesma coisa conosco.
Era hora de eu pegar a estrada.
— Espero que... ajude saber que Sam obviamente se preocupa com você
e quer ter certeza de que você está segura, — anunciei sem jeito enquanto me
concentrava em Stacey. — Eu sei que provavelmente é bom e horrível ao
mesmo tempo, sabendo que ele está por perto, mas quando você tiver tempo
para pensar nisso, eu acho - ou pelo menos espero - é uma coisa boa. Ele quer
que você seja feliz e, se puder fazer isso, estará fazendo a melhor coisa por você
e por ele.
— Você... — Stacey baixou o olhar enquanto brincava com a colher que
saía de sua sopa de sorvete. — Você realmente acha que ele vai voltar?
— Acho. — Eu não tinha certeza se isso seria uma coisa boa a longo
prazo. Segurei um suspiro. — De qualquer forma, desculpe por ter estragado
o seu sorvete social. Honestamente, não foi minha intenção. — Eu olhei para
Zayne enquanto deslizava para fora da cabine. — Vejo você mais tarde.
A mandíbula de Zayne estava fazendo hora extra enquanto eu lhes dava
um aceno rápido. Por um breve momento, senti o que estava vindo através do
vínculo, e isso me fez recuar e virar o mais rápido que pude. Logo eu saí para
o ar quente e comecei a andar, os cheiros de chocolate derretido e baunilha me
seguindo.
Raiva.
Raiva fervente foi o que eu senti, e isso deixou um gosto apimentado na
minha garganta.
Zayne estava com raiva, mas com o quê? Seu sorvete social
arruinado? De eu aparecer? A aparição inesperada de Sam e como isso afetou
Stacey? Fantasmas e Pessoas das Sombras na escola? Toda a situação,
incluindo o que aconteceu entre nós? As opções eram ilimitadas.
Tanto faz. No final do dia, pelo menos tínhamos uma pista.
Eu não sabia para onde estava indo. De volta ao apartamento, imaginei,
mas não tinha ideia se conseguiria voltar lá. Realmente não me importei
naquele momento. Simplesmente continuaria andando e andando; tentando
colocar tanto espaço entre mim e aquela maldita bolinha de calor no meu
peito. Meu caminho estava felizmente claro quando cheguei ao
cruzamento. Eu nunca estive...
Uma buzina soou, o som ensurdecedor enquanto minha cabeça virou
para a esquerda. O carro estava bem ali, no meu ponto cego. Os pneus
guincharam enquanto os freios bombeavam. Era tarde demais. O carro não
seria capaz de parar a tempo.
Alguém gritou, mas não fui eu, porque eu era incapaz de fazer
barulho. Naqueles segundos que se estenderam pela eternidade, sabia que este
carro iria bater em mim. Não me mataria, mas definitivamente doeria. Ossos
podem até estar quebrados, e Deus, ficar em um corpo engessado não estava
no topo hoje...
Uma faixa de aço circulou minha cintura e me puxou de volta. Bati em
uma superfície dura e quente que cheirava a inverno. Meus pés deixaram o
chão quando fui virada. Em um piscar de olhos eu estava olhando para...
Encarando a camisa azul-claro de Zayne, enquanto o homem no carro
gritava e então se afastava, deitado em sua buzina. Levantei meu olhar e olhos
pálidos e furiosos encontraram os meus.
— Você está louca?
Senti as palavras ressoarem para fora dele, porque ele me tinha
praticamente colada em seu peito. Tentei levantar minhas mãos para me
afastar, mas meus braços estavam presos ao meu lado. Eu estava grudada nele,
e seu corpo estava liberando calor como uma fornalha.
Porcaria.
— Trin....
— Me deixe ir. — Eu sabia que devíamos estar ganhando público,
considerando que estávamos no meio de uma calçada.
Ele olhou para mim. — O que você estava fazendo?
— Eu disse para me deixar ir. — A próxima respiração que tomei foi
como engolir fogo. — Agora.
Zayne respirou fundo, mas me soltou, deslizando o braço para longe de
mim em um arrastão lento que me enfureceu e me frustrou por meia dúzia de
razões diferentes.
Eu me afastei.
Mas não fui muito longe.
Sua mão disparou e envolveu meu pulso, seu aperto firme, mas longe de
ser doloroso. — Onde você pensa que está indo?
— Qualquer lugar, menos onde estou agora.
A risada de Zayne foi dura. — Oh, acho que não.
Sem outra palavra, Zayne me levou de volta para a sorveteria quando
um casal mais velho usando jaquetas combinando nos olhava. Suas cabeças
estavam inclinadas juntas enquanto eles lançavam olhares nervosos em nossa
direção. Eles não intervieram. Ninguém o fez. Achei que era porque era hora
do rush na capital do país e as pessoas só queriam chegar em casa antes de
escurecer.
Cidadãos realmente preocupados e prestativos bem ali.
Puxei minha mão. — Zayne...
— Ainda não — ele disse, entrelaçando seus dedos nos meus. — Aqui
não.
A mão em volta da minha era firme, e seu passo largo era irritante de
acompanhar. Eu o espiei. — Não entendo por que você é o único com essa
atitude agora.
— Você não entende? — Ele exigiu. — Você sabe que não deve atravessar
uma rua sem verificar. Você poderia ter sido ferida, Trin. E depois o quê?
Tentei soltar minha mão novamente. Não tive essa sorte. — Mas não me
machuquei, e olha, eu entrei no seu encontro de sorvete. Eu não...
— Ainda não — ele cortou.
Eu comecei a franzir a testa. — Mas eu...
— Trinity, estou falando sério. Não quero ouvir uma única palavra sua
agora. — Ele cortou na minha frente, quase me fazendo tropeçar. Eu não o fiz,
porque ele me corrigiu antes que pudesse tombar.
— Mas você me fez uma pergunta! — Apontei. — Você não queria que
eu respondesse?
— Nem por isso.
Agora eu estava realmente carrancuda quando ele me puxou para um
beco que passei no caminho para a sorveteria. Zayne parou perto de uma
escada de incêndio, longe da calçada lotada, e me encarou. A luz acima de nós
tremeluziu, lançando sombras estranhas em seu rosto.
— Você vai me deixar ir agora? — Eu exigi.
— Não sei. Você vai brincar no trânsito de novo?
— Oh, sim. É um passatempo favorito meu, portanto, sem promessas.
O olhar que ele me deu me disse que não estava impressionado. Respirei
fundo para começar a tentar contar a ele o que aconteceu, mas ele abriu a boca
e me adiantou.
— Você tem muito o que explicar. — Ele olhou para mim.
Essa foi a coisa errada a dizer. — Eu tenho que me explicar? Eu?
— Você não é a pessoa que apareceu aqui ao acaso e depois fugiu
correndo para a rua?
— Você faz parecer que fiz tudo isso de propósito, o que não fiz, e
também não fugi. — Mesmo que eu quisesse. — Eu fui embora.
— Como se isso fizesse diferença. — Seus olhos se arregalaram quando
ele baixou a cabeça. — Você ficou aqui sabe-se lá quanto tempo, desprotegida
e sozinha.
— Oh, como se você se importasse — soltei. Era uma coisa tão típica de
se dizer, mas tanto faz.
— Mesmo? Você acha isso?
— Com base na maneira como você tem agido nos últimos dias? Sim.
— Deus, eu não deveria nem me surpreender que você pense assim.
Eu fiquei boquiaberta com ele. — Você precisa se acalmar com a atitude.
— Eu preciso me acalmar?
— Obviamente. Foi o que eu disse. — Puxei minha mão
novamente. Acabei com a besteira de segurar a mão. Eu rompi só para lembra-
lo exatamente quem tinha a força aqui. — No caso de você estar confuso, não
tenho que dizer nada sobre o que estou fazendo, então você precisa verificar a
si mesmo com todo o discurso de “você não sabe onde eu estava”. Não é assim
que funciona. Nunca. Em segundo lugar, eu posso proteger a mim mesma...
— Exceto quando você está atravessando ruas, aparentemente — ele
disparou de volta.
— Sabe de uma coisa, você pode ir... — me interrompi, dando um passo
para trás.
Seus lábios se torceram em um sorriso malicioso. — Termine essa frase
se isso te fizer sentir melhor.
Em vez de fazer apenas isso, levantei minha mão e mostrei o dedo do
meio para ele.
Uma sobrancelha se ergueu. — Será que isso faz você se sentir melhor?
— Sim.
Afinando os lábios, ele desviou o olhar e respirou fundo. — Você não me
disse a verdade na noite em que estava na cozinha.
Meus ouvidos devem ter me enganado, ou o Senhor estava me
testando. Ou ambos. — Repita novamente?
— Foi por isso que você estava com sua adaga. — Ele me encarou
novamente. — Você não estava pegando algo para beber. Sam estava lá e você
não me disse...
— Você não me disse que estava se encontrando com Stacey! — Gritei
alto o suficiente para que as pessoas na rua pudessem que me ouvir. — Você
não mencionou isso quando falou sobre as “coisas” que precisava fazer, então
não fique aí parado me dando um sermão. E também não é a primeira vez,
certo? É onde você estava no dia em que me encontrou no parque. Na noite em
que... — Eu me cortei. — Na noite em que Morgan foi morto.
Seu olhar voou para o meu. — Eu almocei com ela naquele dia. Não te
disse...
— Não quero saber. — E essa era a verdade honesta de Deus naquele
momento confuso. — Eu não me importo por que você não o fez.
Zayne deu um passo em minha direção. — Tem certeza disso, Trinity?
Eu fiquei tensa. — Tenho certeza. Só estou apontando a hipocrisia.
— Então, se for esse o caso, mal posso esperar para ver seu rosto no
momento em que a hipocrisia se voltar contra você.
— Oh, você se acha esperto. — Comecei a me virar, mas parei. — Eu não
te contei sobre Sam porque não tinha ideia de quem ele era naquela noite. Ele
desapareceu antes que eu conseguisse um nome, e pensei que era apenas um
espírito aleatório que me viu e seguiu de volta. Já aconteceu antes, e eu não
toquei no assunto porque imaginei que ouvir que havia outra pessoa morta em
seu apartamento iria assustá-lo.
Zayne olhou para a rua, os braços cruzados sobre o peito.
— Eu não sabia que ele estava me levando para Stacey até que a vi. Se eu
soubesse quem ele era, teria entrado em contato com você. Não sou idiota.
Sua cabeça voltou para a minha. — Eu não disse que você era.
— Acho que interpretei mal o comentário “brincar na rua”, então. — Eu
segurei minha raiva como se fosse um cobertor favorito. — E por que você está
aqui agora?
— O que isto quer dizer?
— Sério? — Meu tom era tão seco, que um deserto pareceria um destino
úmido em comparação. — Você tem coisas a fazer, e toda essa coisa do Sam
pareceu atingir Stacey com muita força. Então, você deveria estar lá, onde você
é necessário. Não aqui fora, me irritando.
As narinas de Zayne dilataram e suas pupilas mudaram, esticando-se. —
Você tem razão. Eu tinha coisas para fazer hoje, e isso, lá atrás? — Ele apontou
o dedo para a rua. — Atingiu Stacey com força, porque quando Sam morreu,
ela nem sabia. Nenhum de nós sabia, porque uma maldita Lilin assumiu sua
forma e fingiu ser ele de todas as maneiras possíveis.
Meus olhos se arregalaram. Uma Lilin era filha de Lilith, mas nada como
Layla. Uma Lilin era uma criatura demoníaca proibida de estar na superfície,
porque elas podiam despir as almas simplesmente roçando em um humano,
criando espectros como um mogwai que se alimenta depois da meia-noite. E
agora eu entendi o que Sam quis dizer ao dizer que não fez a passagem assim
que morreu. Sua alma teria sido despida e ele teria sido...
Oh Deus.
— Eu não sabia — sussurrei. — Eu não sei nada sobre essas pessoas...
— Essas pessoas são meus amigos — disse ele, e eu respirei fundo. — E
por que alguém iria te contar? Você não perguntou quem Stacey perdeu,
embora eu tenha mencionado isso.
Me afastei. — Não achei que você gostaria que eu perguntasse.
— Sim, e eu me pergunto por que você pensou isso.
Meu queixo caiu. — Isso é besteira. Tentei perguntar a você na noite em
que conversamos no sofá, e você me disse que havia muitas coisas que eu não
sabia.
— Você estava perguntando sobre Stacey estar na minha casa antes. Você
não estava perguntando sobre ela. Você estava perguntando sobre nós. Grande
diferença aí.
Uma sensação espinhosa varreu minha pele enquanto suas pupilas
voltavam ao tamanho normal. Eu não sabia como responder a isso. Senti como
se tivesse caído de barriga em cima de uma linha.
— Não contei sobre o encontro com ela porque não pensei que seria algo
que você gostaria de ouvir. Talvez eu estivesse errado. Não.
Eu estava errado. Deveria ter dito que a encontraria entre as outras coisas que
precisava fazer hoje. A percepção é vinte e vinte. — Ele olhou para mim. —
Stacey é minha amiga e não tenho sido um bom amigo para ela
ultimamente. Isso era o que deveria ser hoje. Era disso que se tratava o outro
dia. Mais nada. Absolutamente nada. Não importa o que ela e eu
costumávamos fazer ou não fazer.
Meu rosto começou a arder. — Você não me deve uma explicação...
— Aparentemente sim. Então, aqui está o que você precisa saber. Stacey
pensou que ela estava dizendo ao rapaz que ela conhecia há anos que o amava,
mas ela não estava. Ela nunca teve que contar a Sam, — ele disse, me fazendo
estremecer. — E aquele garoto estava no Inferno até que Layla o
libertou. Stacey sabia disso, uma vez que percebemos que não estávamos
lidando com Sam. Não havia nada que ela pudesse fazer, então, sim, ouvir que
ele estava lá a atingiu com força.
— E depois do que aconteceu entre nós, não posso acreditar que você
está me questionando, — ele continuou. — Você não quer nada sério entre nós,
então não deveria importar o que diabos eu estava fazendo com ela ou com
qualquer pessoa. Você fez sua escolha.
— Escolha? — Soltei uma risada áspera. — Você não tem ideia, então, por
favor, continue parado aí, me fazendo sentir mal quando foi você que optou
por não me contar sobre Stacey. E que audácia de sua parte? — Eu dei um
passo em direção a ele. Raiva e frustração eram uma tempestade tumultuada
em mim e as emoções levaram o melhor de mim. — Eu não tive escolha. Tive
que traçar uma linha, porque se o que quer que estivesse acontecendo entre
nós se tornasse mais do que algo físico, não tenho ideia do que aconteceria com
você. É proibido, por isso tracei uma linha ao beijar, porque isso faz com que
as coisas signifiquem mais para mim. Você me dilacerou por isso, me fazendo
sentir como se estivesse usando você como Layla fez. Você
projetou sua bagagem em cima de mim, mas levou Stacey para aquela
sorveteria. Eu sei que lugar é esse. É para onde seu pai o trazia. É importante
para você, e nenhuma vez você sequer pensou em me levar lá.
— É uma maldita sorveteria, Trinity.
— Oh, não ouse tentar fingir que aquele lugar não significa nada para
você. Se fosse outra pessoa? Certo. Eu sei bem. Você começa a pensar que sou
terrível por excluí-lo de algo que você considera importante, mas você pode
fazer isso comigo?
Um músculo pulsou em sua mandíbula quando ele desviou o olhar.
— Acho que você está resistindo em dizer que não é a mesma coisa?
— Assim como você não me contar sobre Sam não é a mesma coisa? —
ele atirou de volta. — Ou quando você se recusa a me dizer a verdade quando
eu sei que você não está bem? Ou quando eu sei que você não está me contando
toda a história sobre as coisas?
— Oh meu Deus. — Balancei minha cabeça e não sei por que admiti o
que fiz em seguida. Era como se a situação estivesse saindo de controle e eu a
segui imediatamente. — Quer saber, eu menti. Naquele dia no parque? Eu não
estava perambulando por aí. Eu fui ver o clã de bruxas com Roth.
Seu olhar se fixou em mim.
— Ele queria que eu ajudasse a trazer Bambi de volta, e achei que seria
uma boa chance de tentar obter mais informações deles — continuei, com os
punhos cerrados. — Eu matei aquela bruxa, Faye. Então, sim, nós dois somos
ótimos em mentir sobre coisas importantes, certo? Ambos somos
hipócritas. Isso te faz sentir melhor, sabendo disso? Deveria. Agora que você
sabe do que sou capaz, deve estar emocionado por eu ter traçado essa linha.
Ele olhou para mim. — Você está errada. Sou melhor em manter as coisas
em segredo do que você.
— É mesmo? — O desafiei.
— Eu sabia sobre Roth e o clã — ele disse, efetivamente explodindo
minha mente e a presunção para fora de mim. — Sabia que ele pediu sua
ajuda. E eu sei que você não queria matá-la ou a qualquer um deles. Também
sei que você não matou aquela bruxa até que ela foi atrás de Bambi e a
Matriarca lhe disse para fazê-lo.
— Bom — eu disse, e isso foi tudo que pude dizer.
— Roth me ligou depois que ele deixou você.
Meu queixo estava no chão. Aquele filho da puta demoníaco me disse
para não contar a Zayne!
— Ele não achou sábio você ficar lá sozinha — ele continuou, e eu quase
caí de costas. — Eu estava apenas esperando que você me contasse, e acho que
você o fez.
Eu não tinha nada a dizer.
— Aí está. A expressão em seu rosto que eu esperava quando a hipocrisia
se voltasse contra você. Que pena que não é tão agradável quanto pensei que
seria — disse ele. — E sabe de uma coisa? Eu deveria estar lá com Stacey,
porque é isso que um amigo faz. Em vez disso, estou aqui com você.
O formigamento voltou, misturando-se com a ardência. — Eu não disse
para você vir aqui.
Zayne balançou a cabeça enquanto arrastava o lábio inferior entre os
dentes. — Você sabe o caminho de volta para o apartamento?
— Eu posso imaginar...
— Você sabe ou não sabe como voltar para o apartamento, Trinity? Você
tem algum aplicativo baixado no seu telefone para ajudá-la? Você pode ver
aquelas placas de rua? Você prestou atenção quando Sam te trouxe aqui? —
Quando eu não respondi - quando não pude responder - ele disse: — Não é
como se eu pudesse apenas deixar você vagar por aí, então, quer você me
queira ou não aqui ou eu queira estar aqui, é aqui que estou.
A ardência e o formigamento se tornaram um nó que mal pude
engolir. Toda a minha raiva pulsou, se dissipou, voltou como algo
inteiramente novo. Meu peito doía, mas minha pele queimava de vergonha e
meus ombros caíram sob o peso repentino enquanto eu olhava para o chão de
seixos do beco.
Fardo.
Era esse o peso. Um fardo de dever e um fardo de ter que ser
ajudada. Zayne estava certo. Eu nem tinha o Google Maps no meu
telefone. Inferno, não seria capaz de ler as estúpidas instruções se o tivesse. Ele
sabia disso e estava aqui por causa disso e porque era meu Protetor vinculado.
Não porque eu fosse uma amiga necessitada.
Não porque este era o lugar onde ele queria ou precisava estar.
E isso era um mundo de diferença. Mesmo se as coisas não tivessem
ficado tão complicadas entre nós, esta situação aqui provavelmente ainda teria
acontecido.
— Eu quero voltar para o apartamento, — eu disse, me sentindo muito
pesada. — Gostaria disso.
— Claro. — Sua voz era monótona. — É o seu mundo, Trinity.
É o seu mundo.
Misha não disse algo semelhante? Virei em direção à rua, semicerrando
os olhos por trás dos meus óculos de sol. — Eu posso chamar um Uber se você
- hum, se você me ajudar a ver o aplicativo e... — Calor fluiu por minhas
bochechas. — E me ajudar com o carro quando chegar aqui. Não consigo ver
as placas e algumas marcas...
— Entendi — ele cortou, e quando olhei por cima do ombro, ele já estava
com o telefone na mão. Não mais do que alguns segundos depois, ele
anunciou: — O carro estará aqui em menos de dez minutos.
E isso foi tudo o que ele disse.
Capitulo 28
Há cerca de dois anos, Misha e eu nos envolvemos em uma briga
enorme. Jada e Ty e vários outros Guardiões estavam deixando a Comunidade
para passar um dia em uma das cidades próximas e batatas fritas com queijo
do Outback estavam envolvidas, então é claro, eu queria ir com eles. Thierry
recusou meu pedido por alguma razão fútil e, sabendo da minha inclinação
por não ouvir suas ordens, ele foi tão longe como colocar Guardiões
sobressalentes em todas as saídas possíveis da casa. Misha me disse que não
iria e que estaria trabalhando em algo com Thierry. Ele mentiu e foi com o
grupo, e embora descobrisse que mentir não era seu maior crime, o mundo
estava acabando para mim naquela época. Sabia que minha raiva e minha
chateação tinham tudo a ver com o fato de me sentir excluída e como a vida
geralmente era injusta, mas Misha ainda mentiu em vez de apenas confessar o
fato de que ele queria ir com todo mundo. Eu ainda estaria com ciúmes, mas
não teria dito nada além de se divirta. Nós dois éramos culpados, embora eu
assumisse a maior parte da culpa; gritamos e gritamos um com o outro antes
de nos retirarmos para nossos respectivos quartos, batendo as portas com
força. Na manhã seguinte, tivemos que treinar e eu queria me desculpar, mas
ainda estava muito zangada e magoada para atravessar aquela ponte, então a
sessão inteira foi incrivelmente incômoda e as conversas se estenderam pelo
resto do dia.
Isso foi muito parecido com o que estava acontecendo esta noite com
Zayne.
Ele só tinha voltado ao apartamento quando estava quase na hora de sair,
e tudo o que disse quando passou por mim na sala de estar foi que achou que
seria uma boa ideia verificar a área que circundava o colégio.
Provavelmente tínhamos trocado três frases completas desde então, o
que não foi exatamente diferente nos últimos dias.
Portanto, tempos divertidos.
Enquanto andávamos pelas calçadas encharcadas pela chuva em direção
a Alturas na Colina, que era como a escola era chamada, me sentia muito como
se tivesse Misha após nossa discussão, mas ao contrário de antes, quando eu
não conseguia entender por que estava sendo tão covarde, pensei que poderia
ter descoberto agora. E eu queria me desculpar. Era tagarela e conflituosa em
um dia bom e não desistia de uma briga, mas detestava entrar em conflito com
alguém de quem gostava. O problema era que, como com Misha naquele dia,
eu ainda estava furiosa e magoada e a cerca de um milhão de quilômetros de
estar pronta para me desculpar.
Mas eu não era completamente culpada.
Eu podia entender, agora que tive tempo para pensar obsessivamente no
que tinha acontecido, por que ele não me disse que ia se encontrar com
Stacey. Ele sentiu minhas emoções quando Stacey apareceu e viu através das
minhas perguntas sobre ela. Provavelmente queria evitar ferir os sentimentos
que sentia em mim ou evitá-los em geral. Mas isso não significa que ele não
deveria ter sido honesto, como no caso de Misha. A honestidade teria sugado
o momento, mas teria sido muito mais fácil de lidar do que descobrir uma
mentira destinada a encobrir uma dor. Ao contrário do que Zayne acreditava,
sua mentira não era nada como não contar a ele sobre o que parecia ser um
espírito aleatório em seu apartamento.
Ninguém poderia me convencer do contrário.
E o fato de que ele sabia sobre o que tinha acontecido com o clã esse
tempo todo? Não poderia ficar brava com ele por não ter dito nada, porque eu
tinha escondido isso dele, mas não entendi por que ele não me confrontou. Ele
realmente estava apenas esperando que eu lhe dissesse?
Duvidava que ele estivesse feliz agora que eu o tinha feito.
Um raio cruzou o céu noturno, um arco irregular de luz que iluminou o
perfil estoico de Zayne. Seu cabelo estava puxado para trás, exceto os fios mais
curtos. Eles estavam enfiados atrás das orelhas.
A única vez que eu teria apreciado que ele fosse desonesto teria sido
quando ele me disse que preferia estar com um amigo do que lidar comigo.
Do que me ajudar.
Isso, ele poderia ter mantido para si mesmo.
— Você quer dizer algo. — Zayne quebrou o silêncio. — Basta dizer.
Eu tirei meu olhar dele, corando por ser pega olhando. — Não tenho
nada a dizer.
— Você tem certeza disso, Trin?
Trin.
Pelo menos estávamos de volta aos apelidos e não aos nomes formais. —
Sim.
Ele não respondeu.
— Você tem algo que gostaria de dizer, Zayne? — Eu nem tentei manter a
malicia fora do meu tom.
— Não.
O trovão estalou como a explosão de um canhão apontado para os
céus. A chuva forte havia parado há cerca de uma hora, mas outra tempestade
estava chegando. Ficar encharcada e possivelmente eletrocutada seria uma
ótima maneira de terminar hoje.
Definitivamente não haveria nenhuma estrela esta noite.
— Me pergunto o que acontece quando os Guardiões são atingidos por
um raio? — Eu andei na frente de Zayne até um cruzamento.
— Provavelmente a mesma coisa que acontece com um Verdadeiro
Nascido.
Revirei os olhos, certificando-me de que não havia carros vindo antes de
cruzar. Não que eu fosse repetir antes. Comecei a avançar, meus passos
desajeitados quando cheguei ao meio-fio antes de pensar que faria. Eu
realmente esperava que Zayne não tivesse visto isso, porque Deus sabe, eu não
iria querer que ele...
— Trin?
— O que? — Eu me surpreendi.
— Você vai para o colégio comigo ou para outro lugar? — ele perguntou,
diversão escorrendo de seu tom como mel espesso. — Estou apenas curioso, já
que você parece ter outros planos em mente.
Parando no meio da rua, respirei fundo e fiz tudo ao meu alcance para
não gritar. Girei e descobri que Zayne tinha virado à esquerda no
cruzamento. Seguindo meu caminho de volta para a calçada, eu praticamente
passei por ele, percebendo que a calçada não estava mais seguindo um curso
plano, mas uma inclinação bastante íngreme. Uma risada profunda e
estrondosa veio atrás de mim.
— Que bom que você achou isso engraçado — respondi, semicerrando
os olhos quando os contornos das árvores deram lugar ao gramado aberto. —
Porque você vai achar muito engraçado quando eu quebrar sua cara.
— Você é incrivelmente agressiva.
À frente, vi um prédio de dois andares com o andar principal
iluminado. — E você é incrivelmente irritante.
— E você ainda está indo para o lado errado — disse ele.
Parei.
Deus tinha que estar me testando.
Girando, vi que Zayne estava cruzando o gramado. Fiz uma careta,
olhando na direção em que eu estava indo. Não consegui perceber muito sobre
o grande edifício à minha frente, mas parecia uma escola para mim. — Não é
a escola ali mesmo?
— É. — Ele continuou andando. — Mas não acho que você quer ir direto
para a porta da frente, quer? Estamos aqui para explorar o local, não anunciar
nossa chegada para quem está trabalhando agora.
Meu Deus, eu iria atacá-lo e jogá-lo no chão, e não da maneira divertida.
— Passou por sua mente talvez dizer algo? — Reclamei, começando a
correr para acompanhar seus passos assustadoramente longos. Uma bandeira
chicoteou seu mastro, fazendo barulho de estalo.
— Sim. — Ele diminuiu a velocidade. — Por cerca de um segundo.
— Idiota — eu murmurei, permanecendo alguns metros atrás dele e ao
lado. O solo era mole e macio em certas áreas, como se tivesse sido plantado
recentemente.
— O que foi isso? — Zayne olhou por cima do ombro, o rosto escondido
na escuridão. — Eu não ouvi bem você.
Sim, ele tinha; ele só queria que eu me repetisse. Não vai acontecer. —
Onde estamos indo?
— Checar este lado do terreno. Há um pequeno bairro logo atrás da
escola, e quero ver se pegamos alguma coisa.
Tudo o que eu senti foi o constante baixo zumbido de atividade
demoníaca próxima. — A única coisa que estou captando é sua atitude
agressiva.
Zayne riu - ele riu alto o suficiente para que eu me perguntasse se
seríamos ouvidos.
— Isso não era para ser engraçado.
— Com certeza me fez rir, no entanto. — Zayne parou de repente,
estendendo o braço e quase me amarrando na roupa.
— Jesus — engasguei, tropeçando um passo para trás.
— Cuidado — ele aconselhou. — É difícil ver, mas o gramado termina
aqui e há seis degraus estreitos para baixo.
Sim, eu definitivamente não teria notado isso. É claro, tropeçar e cair por
esses degraus teria ferido apenas meu orgulho. As palavras de
agradecimento queimaram minha língua, mas eu não as disse enquanto tentava
descer os degraus.
— Não sei se consigo sentir uma Pessoa das Sombras — eu disse
enquanto um relâmpago cortava o céu novamente. — Já que eles não são
demônios vivos, não sei como isso funciona.
— Com a nossa sorte, provavelmente não. — Ele examinou o que percebi
ser um estacionamento pequeno e estreito que provavelmente era para
professores.
Além de uma cerca improvisada temporária, várias vans e caminhões de
cores mais claras estavam estacionados na parte de trás do prédio, bloqueando
qualquer entrada que houvesse. As palavras Construção Rhinge and
Sons estavam rabiscadas em grandes letras vermelhas nas vans, iluminadas
pelas luzes da entrada lateral. À medida que nos aproximávamos, eu podia
ouvir o barulho constante de martelos e...
— A propósito, eu falei com Roth esta tarde — Zayne anunciou quando
começamos a atravessar o estacionamento. — Ele quer dar uma olhada na
escola conosco no sábado.
— Legal — murmurei. — Ele é o oposto de um amuleto de boa sorte,
então por que não?
Um estrondo de trovão silenciou o trinado das cigarras e meus passos
diminuíram, então pararam. Olhei para trás. O vento continuou a bater na
bandeira e nos galhos das árvores que pontilhavam o gramado. Pequenos
solavancos subiram em meus braços enquanto me esforçava para ouvir... o
que, eu não tinha ideia. Era um murmúrio baixo. Talvez até o vento?
— Trin? — A voz de Zayne estava perto. — Você sente algo?
— Não. Na verdade, não. — Voltei para a escola e levantei meu olhar
para as janelas escuras. Os arrepios se espalharam quando um leve arrepio os
perseguiu ao longo da minha pele. — É apenas uma sensação estranha.
— Como o quê?
Levantei um ombro. Eu não tinha certeza se era alguma coisa, mas havia
a sensação de centenas de olhos invisíveis sobre nós. Poderiam ser os
fantasmas que Sam disse que estavam presos. Eles podiam estar naquelas
janelas, e eu simplesmente não conseguia vê-los. — Não sei. Apenas uma
vibração estranha. Talvez esta escola seja uma Boca do Inferno.
Zayne ficou em silêncio.
Eu olhei para ele. — Isso era para ser engraçado.
— Era?
— O quão bravo você vai ficar se eu apenas jogar você em um daqueles
caminhões?
— Muito bravo, para ser honesto.
— Está bem. — Concordei. — Só vou pesar minhas chances aqui para ver
se vale a pena deixá-lo mais bravo do que já está.
— Eu não estou bravo.
— Oh, sério? — eu ri. — Eu o vi feliz. Isso não é felicidade.
— Também não disse que estava feliz — ele respondeu. Joguei meus
braços em frustração. — Há portas aqui atrás, ao longo da lateral, se bem me
lembro. Vou ver se está acessível ou se alguma janela está fechada com
tábuas. Mapear a área para sábado à noite.
— Divirta-se.
Zayne me encarou. — Você não vem?
— Não. Provavelmente há destroços e lixo por toda parte, — eu
apontei. — Vou tropeçar e cambalear em tudo.
— Então o que você vai fazer? — Ele deu um passo em minha direção.
— Brincar no trânsito.
Ele fez um barulho que soou como um cruzamento entre uma risada e
um xingamento. — Parece um bom divertimento. Apenas tente não ser
atingida e morta. Mais ou menos como sobreviver à noite.
— Ser atropelada por um carro não me mataria. — Joguei as palavras de
volta para ele.
Zayne levantou a mão, e pensei que talvez ele me desse um polegar para
cima antes de dar a volta na cerca.
— Idiota — murmurei, voltando meu olhar para as janelas escuras.
É claro que eu não iria brincar no trânsito. Enquanto Zayne estava
procurando uma boa entrada para sábado, eu queria descobrir o que estava
sentindo e possivelmente ouvindo. Além disso, provavelmente quebraria uma
perna e alertaria a todos sobre nossa presença tentando navegar em um local
de trabalho ativo no escuro.
Levantei meu olhar para as fileiras organizadas do segundo
andar. Podiam ser apenas insetos, mas a vibração... sim, a vibração estava
muito diferente, e não acho que tenha algo a ver com o fato de que eu sabia o
que poderia estar lá dentro.
O ar aqui era mais espesso, como sopa. O constante tilintar dos martelos
me fez pensar se os trabalhadores haviam notado alguma coisa. Ferramentas
em falta. Vozes desencarnadas. As pessoas vendo algo nos cantos dos olhos,
mas se indo quando se concentravam na área. Essas coisas seriam
experimentadas se houvesse apenas um fantasma em um lugar, mas mais de
cem? Deus.
Por que alguém iria prendê-los aqui? E se isso estava relacionado ao
Precursor, o que poderia querer com fantasmas? E as Pessoas das Sombras? A
trama estava se complicando, mas o problema era que eu não tinha ideia de
qual era a maldita história.
Outro clarão de luz atravessou o céu, iluminando as janelas por um
segundo. Qualquer outra pessoa provavelmente seria capaz de ver se havia
alguma coisa nessas janelas, mas elas eram borrões para mim. O trovão se
seguiu imediatamente, e então uma grande e gorda gota de chuva atingiu meu
nariz. Esse foi o único aviso antes que o céu se abrisse e a chuva viesse de cima.
Encharcada até os ossos em segundos, suspirei pesadamente. A chuva
estava meio quente, então pelo menos havia isso.
Eu estava debatendo os méritos de me arrastar sob uma das vans quando
senti dedos frios e gelados deslizarem sobre minha nuca. Virei minha cabeça,
esperando ver alguém com as mãos congelando e absolutamente nenhum
conceito de comportamento social, um fantasma ou um Abominável Homem
das Neves.
Ninguém estava atrás de mim. Lutei para ver através do véu de chuva,
examinando o gramado. Era impossível alguém ter me tocado e desaparecido
tão rapidamente. A sensação de frio ainda estava lá, estabelecendo-se entre
meus ombros, formando uma pressão. Foi a mesma sensação de frio brutal que
senti naquela noite em que encontramos os zumbis.
Me virei e voltei para os degraus. Em vez de escalá-los, pulei e caí na
grama espessa. A sensação de frio ainda estava lá, e a sensação de estar sendo
observada se intensificou.
Alguém estava aqui fora.
Eu sabia disso em meus ossos e meu sangue. Minha Graça faiscou dentro
de mim quando dei um passo à frente. Ali. Por uma das árvores.
Fora da chuva e da escuridão, uma forma mais espessa se destacou da
base da árvore. Era uma pessoa? Um fantasma? Uma Pessoa das
Sombras? Não sabia dizer. Não com a distância e a chuva.
Apertando os olhos, pude vê-lo a cerca de um metro e meio da árvore.
Caminhei para frente, e então o instinto tomou conta. Meu ritmo aumentou até
que eu estava acelerando e depois correndo quando alcancei uma de minhas
adagas, só para o caso de...
O solo macio e pastoso afundou sob meus pés, e por um segundo de
parar o coração, congelei. Tão estúpida, tão incrivelmente estúpida, porque foi
um segundo muito longo. O chão cedeu sob mim, me sugando antes que eu
tivesse a chance de gritar.
Pedaços de terra e grama caíram comigo enquanto eu despencava no
nada. O pânico aumentou, mas o sufoquei quando cruzei meus braços e
coloquei minhas pernas, me preparando o melhor que eu...
- esparramada no solo duro, o ar saindo dos meus pulmões quando uma
onda de dor atingiu minha pélvis e desceu pela minha perna esquerda. Minha
cabeça estalou em algo, e as explosões de estrelas me cegaram quando outro
pico de dor irrompeu na parte de trás do meu crânio e desceu pela minha
espinha. O impacto repentino me atordoou até a imobilidade. Fiquei deitada
de lado, as pernas ainda dobradas enquanto respirava pela minha mandíbula
cerrada, os olhos bem fechados.
Puta merda.
Devo ter caído três metros ou mais. A distância explicava a pulsação
profunda e constante na minha perna e na minha cabeça. Esse tipo de queda
teria causado sérios danos a um humano. Abrindo minha boca, respirei fundo
e quase engasguei com o cheiro opressor de solo rico e úmido. A pressão gélida
ainda estava entre meus ombros, e o que quer que eu tenha caído estava
incrivelmente frio, pelo menos uns vinte graus mais frio.
Abrindo meus olhos, vi... nada. Nada além de escuridão total e absoluta.
Uma semente de pânico se enraizou quando me endireitei e corri para
trás até bater em algo duro e sólido. A náusea passou por mim enquanto uma
onda de dor atingia minhas têmporas.
Está bem. Talvez eu tenha causado algum dano a mim mesma.
— Merda — gemi, levando a mão à têmpora, percebendo que estava
contra a parede. Eu torci na cintura, estremecendo quando estendi a mão,
colocando-a contra a superfície úmida e pegajosa. Uma parede de pedra - uma
parede de pedra mofada e viscosa.
Em que diabos eu havia caído?
Eu me esforçava para ver qualquer coisa, mas havia apenas escuridão. O
lugar era desprovido de toda a luz? Ou eram meus olhos? Eles aproveitaram
este momento para desistir de mim? A muda de pânico se
desenrolou. Não. Não. Não era assim que funcionava, e meu crânio era espesso
o suficiente para proteger todas as células cerebrais e nervos importantes
responsáveis pela visão. Eu sabia disso, então só precisava acalmar meu
coração... e minha respiração, porque hiperventilar não estava me fazendo
bem. Precisava procurar uma saída - meu telefone. Eu poderia usar a luz do
meu telefone para ver, e Zayne deve ter sentido meu pânico. Pela primeira vez,
estava grata pelo vínculo que podia sentir em meu peito. Ele iria procurar por
mim.
Espero que não em uma rua próxima.
Comecei a pegar meu telefone enquanto rezava para que ele não tivesse
sido danificado no tombo, porque isso seria uma merda. Eu precisava de
luz. Precisava ser capaz de ver...
Uma batida suave ecoou não muito longe de mim. Eu me acalmei,
tentando não respirar muito forte ou muito profundamente enquanto olhava
para o nada. O que foi isso...
Outro som quase inaudível chamou minha atenção. Um baque mais
suave e depois mais um, um som que me fez lembrar...
A compreensão estalou e meu estômago caiu enquanto
minha Graça ardia em meu núcleo.
Eu não estava sozinha.
Capitulo 29
O som de passos cessou enquanto eu me mantinha completamente
imóvel. Sabia, sem sombra de dúvida, que havia alguém comigo.
O que esse alguém era, eu não tinha ideia.
Porque não era Zayne, e nenhum humano poderia ter dado aquele salto
tão silenciosamente ou com segurança, mas também não senti um
demônio. Poderia ser outro Guardião? Se for esse o caso, por que não dizer
algo?
Examinei a escuridão, ouvindo apenas o barulho constante de chuva e o
estrondo de um trovão. Não houve outro ruído, nem mesmo o som da
respiração, mas eu podia sentir isso. Cada sensação que eu tinha era hiper
consciente da presença.
Eu precisava ver.
Calafrios percorreram meus braços enquanto lenta e cuidadosamente
alcançava meu bolso de trás. Meus dedos escorregaram pelo telefone. Com o
coração batendo forte como a chuva, prendi a respiração enquanto o puxava
para fora. Se o telefone ainda funcionasse, no momento em que eu apertasse o
botão, ele acenderia, alertando o que quer que estivesse aqui comigo. Era o
risco que eu tinha que correr.
No escuro, encontrei o botão do meu telefone. O pequeno clarão de luz
quando minha tela inicial entrou em foco trouxe alívio e preocupação, junto
com uma explosão de dor em meus olhos com o brilho repentino. Não houve
nenhum movimento quando arrastei meu polegar ao longo da parte inferior
da tela. Dando uma breve olhada no meu telefone, apertei os olhos até que o
pequeno ícone de lanterna entrou em foco. Apertei o botão e exalei
bruscamente.
Uma luz branca intensa fluía do telefone. Segui o funil de luz para... outra
parede brilhante que estava a cerca de um metro e meio de mim. Algo foi
esculpido na pedra. Não consegui descobrir o que era, mas percebi que estava
em um túnel.
Mudei o telefone para a esquerda enquanto pegava uma adaga com a
outra mão. Meus dedos se enrolaram em torno do cabo enquanto eu seguia a
luz, vendo pedras verde-acinzentadas, tufos de grama e terra...
O peso desceu em meu braço, tão rápido que perdi o controle do meu
telefone e gritei. Ele caiu no chão e antes que eu pudesse me sentir
envergonhada pelo pequeno grito, o túnel foi mais uma vez jogado na
escuridão total.
O instinto rugiu à superfície enquanto minha Graça clamava dentro de
mim. Me lancei para frente, desembainhando a adaga e balançando para fora,
cortando nada além do ar. Me afastei, ofegante enquanto pressionava contra a
parede. Fiquei tensa, me preparando para um golpe que eu não podia ver para
desviar. Empurrei a adaga novamente enquanto ia para minha outra lâmina,
batendo em nada.
— Onde você está? — Gritei. — Onde diabos você está?
O silêncio me cumprimentou.
O pânico se espalhou, invadindo minha consciência como um veneno
nocivo enquanto eu tentava me lembrar do meu treinamento com os olhos
vendados com Zayne. Espere pela mudança no ar - a temperatura, a mudança
que ocorreria ao meu redor. Haveria um aviso de que algo estava perto. Meu
olhar disparava descontroladamente de um lado para o outro. Tudo ao meu
redor estava frio e o ar muito denso, muito estagnado. Não senti nada além do
suor pontilhando minha pele úmida. Uma parte distante do meu cérebro sabia
que eu estava cedendo à histeria, mas não conseguia controlar o pânico. O
completo e absoluto vazio de luz atingiu uma corda aterrorizante em mim,
abrindo uma caixa de Pandora de medo e desamparo. Empurrei a adaga,
causando nada além de um sussurro de ar.
Um suave tilintar, um som tsk tsk respondeu, rastejando sobre minha
pele.
Cada parte do meu ser se concentrava na direção do ruído de
desaprovação. Tinha vindo... diretamente na minha frente. Do meu ângulo no
chão, estava em extrema desvantagem. Me levantei, colocando peso na minha
perna esquerda...
Meu tornozelo direito foi agarrado por alguém e puxado e levantado. Eu
caí com força nas costas, o impacto tirando o ar dos meus pulmões. Chutei com
minha outra perna, mas o aperto forte puxou, me arrastando mais para dentro
do túnel, longe do som da chuva.
Sentei-me, balançando as duas adagas. O aperto no meu tornozelo foi
liberado de repente, e uma risada muito masculina, muito baixa, ecoou ao meu
redor. Meu corpo entrou em ação. Me levantei, ignorando a explosão surda de
dor. Ofegante, agarrei as adagas...
Um toque frio e úmido pressionou contra meu rosto, o contato com um
deslizamento sólido em minha bochecha. Carne. O toque era
de carne. Ofegante, balancei para o lado enquanto levava meu joelho direito
para cima, chutando. O grunhido me disse que meu pé tinha atingido quem
quer que estivesse aqui. Comecei a avançar, seguindo o som, quando algo duro
e afiado - um cotovelo - me acertou sob o queixo, jogando minha cabeça para
trás. A dor me desequilibrou. Uma mão agarrou meu pulso, torcendo
bruscamente. Meus dedos se abriram por reflexo e a adaga caiu enquanto eu
girava a outra. O mesmo aconteceu. Outra mão agarrou meu outro pulso. A
adaga caiu e retiniu no chão de pedra.
Recuando, movi-me para usar a contenção contra o atacante. Peso bateu
em mim antes que eu pudesse levantar minhas pernas. O peso era um corpo -
um peito e um torso duros e incrivelmente frios - pressionando-me contra a
parede. O contato de corpo inteiro foi um choque para o sistema. Tentei
empurrar, mas o peso me manteve no lugar enquanto as mãos em meus pulsos
puxavam meus braços para cima, prendendo-os acima da minha cabeça.
O terror explodiu em meu estômago quando meus braços foram
esticados, fazendo com que minhas costas se curvassem. O sangue em minhas
veias se transformou em lama enquanto o hálito gelado se movia contra minha
bochecha, seguido pela sensação de lábios mais secos e macios.
Minhas lutas pararam. Milhares de cenas horríveis diferentes foram
reproduzidas rapidamente, cada uma mais perturbadora do que a anterior,
sendo forçada a uma posição indefesa onde eu não poderia lutar, não poderia
fazer nada para impedir o que quer que estivesse por vir...
Não.
Eu não estava indefesa. Não fui capturada. Não estava sem uma arma -
uma arma eu já deveria ter usado. Uma arma que havia sido treinada
repetidamente para usar como último recurso. A clareza me atingiu com a
força de uma bala no cérebro.
Aqueles anos de treinamento foram errados.
E ouvi-los tinha sido maior fraqueza. Não a minha visão. Não meus
sentimentos ou meu medo. Eu não deveria jamais permitir que as coisas
chegassem ao último recurso. Nunca deveria estar em uma posição como esta
quando eu poderia ter evitado isso.
O terror deu lugar à raiva, transformando aquela lama em minhas veias
em fogo. Minha Graça rugiu para a vida, e aproveitei isso. Os cantos dos meus
olhos brilharam com uma luz branco-dourada.
Quem quer que fosse esse bastardo, ele estava prestes a ter a surpresa de
sua vida.
O aperto em meus pulsos mudou até que uma mão penetrou meu osso. A
outra me agarrou pelo pescoço, me puxando para frente enquanto me segurava
para trás. Músculos esticados a ponto de rasgar.
— É um pouco tarde para usar sua Graça. — A voz era distintamente
sulista, um sotaque profundo que teria sido encantador em qualquer outra
situação. Não estava totalmente perdido para mim que ele sabia o que eu
era. — Essa deveria ter sido a primeira coisa que você deveria ter usado,
querida.
— Você realmente acabou de me chamar de querida? — Rosnei, sentindo
o calor intenso subir pelo meu braço.
— Como eu deveria te chamar? Verdadeira Nascida?
— Que tal seu pior pesadelo?
— E que tal não? Porque isso seria uma mentira, querida. Na verdade, eu
sou seu pior pesadelo.
Fui liberada de repente e cambaleei para frente antes de me
segurar. Minha Graça brilhou na palma da minha mão, o cabo se formando
enquanto meus dedos se enrolavam em torno do peso. As chamas lamberam o
comprimento da lâmina, derramando um brilho dourado no túnel.
Eu o vi o suficiente.
De pé em frente a mim, todo vestido de preto, cabelo tão loiro que parecia
branco e a pele de um tom de alabastro que era quase translúcido. Tive apenas
um vislumbre de seu rosto, mas vi que seus traços eram todos ângulos
perfeitos, embora a torção sardônica de seus lábios transformasse a beleza
assimétrica em algo muito cruel e frio, como um jovem esculpido em gelo e
neve.
A Espada de Michael cuspiu fogo quando a ergui alto, mais do que
preparada para acabar com sua vida sem hesitação.
— Brinquedo legal — ele gracejou, estendendo o braço direito. — Eu
mesmo tenho um.
O choque do que vi me fez perder o controle de minha Graça. Pulsou
intensamente e depois explodiu em cinzas faiscantes.
— Impossível — sussurrei.
Uma luz dourada tingida de azul havia descido por seu braço, tomando
a forma de uma longa e estreita lança de fogo.
Graça. Ele tinha uma Graça.
— Isso parece impossível para você? — ele perguntou, seu tom quase
provocador. — Você pensou que era a única, não é? Seu choque é quase
palpável. — Ele fez aquele som de tsk novamente, e então sua Graça se retraiu,
jogando o túnel na escuridão mais uma vez. — Querida, há muita coisa que
você não sabe.
A rajada de ar foi o único aviso antes de suas mãos baterem em cada lado
da minha cabeça. — Mas você descobrirá em breve.
Não houve tempo para conter ou me preparar. Uma dor chocante
explodiu ao longo da parte de trás do meu crânio quando minha cabeça bateu
na parede, e então não havia nada.
Nada mesmo.
Um toque suave e quente na minha bochecha me tirou da
escuridão. Acordei, ofegante em um quarto bem iluminado que machucou
meus olhos. Comecei a me sentar, piscando para afastar a queimadura dos
olhos até que as paredes amarelo-manteiga com molduras escuras surgissem.
— Trin. — Zayne estava de repente lá, colocando uma mão gentil no meu
ombro. — Você precisa ficar quieta. Jasmine estará de volta em breve.
Fui falar, mas minha língua parecia pesada e lanosa enquanto ele me
colocava de volta em uma almofada ou travesseiro grosso.
— Por favor, fique quieta — disse ele.
As feições de Zayne estavam um pouco embaçadas enquanto meus olhos
trabalhavam para se ajustar ao brilho. Fios úmidos de cabelo agarrados às
bochechas pálidas, e a camisa que ele usava estava rasgada e pendurada em
seus ombros. Ele mudou em algum ponto em sua verdadeira forma e suas
pupilas ainda estavam esticadas verticalmente.
— Onde...? — A parte de trás da minha cabeça latejava, fazendo-me
respirar fundo. — Onde estou?
Os olhos claros de Zayne piscaram no meu rosto. — Você está no
complexo. — Ele se sentou ao meu lado na cama. — Quando eu te encontrei,
você não... você não acordava, e você estava sangrando na cabeça. Muito. —
Um músculo ficou tenso ao longo de sua mandíbula. — Como você está se
sentindo?
— Bem. — Comecei a alcançar a dita cabeça, mas Zayne foi rápido,
capturando minha mão suavemente. — Eu acho.
— Você acha? — Ele balançou levemente a cabeça e acrescentou
baixinho: — Seus pulsos.
Meu olhar seguiu o seu para as marcas profundas de violeta-azuladas ao
longo dos meus pulsos internos. Tudo o que aconteceu começou a se
encaixar. Várias emoções dispararam - medo e raiva misturados, rapidamente
seguidos pela descrença.
O olhar de Zayne voou para o meu. — Parecem marcas de dedos.
Porque elas eram. Os encarei, os pensamentos ainda confusos. — Eu caí
do chão em uma espécie de túnel.
— Eu senti você - através do vínculo. — Ele colocou minha mão no meu
colo, seus dedos demorando-se nos meus por alguns segundos. — Pânico e
raiva. Saí da escola o mais rápido que pude, mas não vi você. O vínculo, — ele
disse, colocando a mão no peito. — Isso me levou até você, mas demorei muito
para encontrá-la.
— Eu caí em uma espécie de túnel, — eu disse a ele. — Eu estava sozinha
quando você me encontrou?
— Você estava quando eu te alcancei. — Ele se levantou, a voz
endurecendo. — O que aconteceu, Trin? O ferimento na cabeça pode ter
acontecido na queda, mas não nos outros hematomas.
Eu olhei para mim mesma. Puta merda. Havia manchas de sangue seco
em meus braços e peito. Minha camisa estava escura e parecia úmida em
algumas áreas, por causa da chuva ou de mais sangue. Quão seriamente minha
cabeça estava machucada?
Isso não importava no momento.
Desviei meu olhar para cima, seguindo Zayne enquanto ele passava ao
lado da cama. À medida que a confusão se desprendia da minha cabeça e do
meu corpo, eu podia sentir sua raiva através do vínculo, e era tão quente
quanto o sol. — Há outro Verdadeiro Nascido.
Zayne parou e lentamente me encarou. — O que?
— Era isso o que estava no túnel comigo. Ele é um Verdadeiro Nascido,
como eu, e acho que ele tem sido o que eu tenho sentido. Aquela estranha frieza
e sensação de estar sendo observada? Acho que é ele. — Meu foco mudou para
meus pulsos. — Um Verdadeiro Nascido é o Precursor.
O choque espirrou em seu rosto e através do vínculo. — Você é a única.
Eu ri e estremeci, pois isso fez minha cabeça doer. — Sim, aparentemente
não sou.
Zayne estava imediatamente ao meu lado, a preocupação beliscando
suas feições. Era estranho vê-lo tão preocupado depois de dias distante ou
irritado comigo.
— Faz sentido — eu disse uma vez que minha cabeça parou de parecer
um ovo quebrado. — Isso explica porque o Precursor não foi detectado pelos
Guardiões, e um Verdadeiro Nascido pode matar um Guardião ou um
demônio de Nível Superior. Não explica a interferência da transmissão de
vídeo, mas vi sua Graça. Ele tem uma lança como a minha espada e era rápido.
— Eu pausei. — E parecia que ele era do sul.
— Ele disse alguma coisa?
— Nada de valor real. — Fechei meus olhos. — Você não o viu?
— Eu não ouvi ou vi ninguém além de você. — Um momento depois,
senti seus dedos roçarem minha bochecha. Ele pegou uma mecha do meu
cabelo, afastando-a do meu rosto. — E você se foi por talvez vinte minutos.
— Eu acho que ele... eu não sei. Ele poderia ter me matado depois de me
nocautear, mas não o fez. Se você não o expulsou, então...
— Então esta foi uma mensagem. Ele estava finalmente se mostrando.
Abri meus olhos e vi que a expressão de Zayne era completamente
assassina. O que eu estava prestes a dizer não ia ajudar. — Ele estava na escola,
nos observando. Eu o vi no gramado. Não sabia o que ele era quando comecei
a ir em sua direção, e então o chão simplesmente cedeu.
— Tenho certeza de que não foi uma coincidência. — O olhar de Zayne
encontrou o meu. — Ele queria você lá embaixo, sozinha.
Isso não poderia ser discutido. — Precisamos voltar lá. Tipo,
agora. Havia coisas escritas naquelas paredes, e ele ainda pode estar lá...
— Não vamos a lugar nenhum agora.
— Estou bem. Veja. — Eu levantei meus braços. — Estou bem.
— Trin, você está inconsciente por quase uma hora...
Meus olhos se arregalaram. Isso pareceu muito tempo. — Mas estou
acordada e perfeitamente funcional.
Ele me encarou como se eu estivesse tentando andar com uma perna
quebrada. — Acho que você não percebe como está gravemente ferida.
— Acho que posso dizer se estou ferida ou não.
Seus olhos brilharam em um azul pálido intenso quando ele se inclinou
sobre mim, plantando as mãos em cada lado dos meus ombros. — Eu acho que
você, de todas as pessoas, não pode dizer isso. Você ficou inconsciente. Está
cheia de hematomas, e sei que há, porque eu estava aqui quando Jasmine a
examinou. Você sangrou o suficiente para encharcar o que sobrou da minha
camisa.
Quando ele disse isso, percebi que havia manchas enferrujadas por todo
o peito, aparecendo por entre as roupas rasgadas.
— Você também sangrou no travesseiro e nas toalhas que colocamos sob
sua cabeça. — Ele ficou perto, me prendendo como se planejasse me manter na
cama. — Jasmine acha que a parte de trás de sua cabeça está aberta, e ela está
juntando coisas agora para trabalhar em você, então não, não estamos correndo
para verificar um túnel maldito ou mesmo um filme. Você vai ficar bem aqui.
— Mas e se eu quiser ver um filme? — rebati, mesmo que meu estômago
despencasse. Minha cabeça pode estar aberta? Eles teriam que raspar meu
cabelo?
Ok, isso era, tipo, a última coisa com a qual eu precisava me preocupar.
Seus lábios se contraíram e um pouco do calor saiu de seus olhos. — Bem,
você está sem sorte. Mesmo se eu te deixasse sair desta cama, todos os cinemas
estão fechados. São quase duas.
Cruzei meus braços, sabendo que minha expressão era tão sombria
quanto poderia ser. Só porque um golpe me nocauteou, não significa que eu
estava tão ferida. — Temos que voltar lá.
— Nós vamos. Agora não. — Vários momentos de silêncio se
passaram. — Eu estava assustado.
Meu olhar disparou para o dele, e eu estava presa, incapaz de desviar o
olhar.
— Quando vi você assim, sangrando por todo o lugar, e não consegui
acordá-la, fiquei com medo, Trin.
Meu coração disparou. — Porque você pensou que poderia morrer?
— Você sabe muito bem que esse não é o motivo. — Sua voz era baixa.
Uma centena de coisas diferentes que eu precisava dizer surgiram na
ponta da minha língua. Não sabia por onde começar, mas não importava. A
porta se abriu e, quando Zayne se recostou, vi Jasmine entrar correndo no
quarto carregando uma bandeja com ataduras, toalhas, tigelas e objetos de
prata brilhantes. Seu longo cabelo escuro estava puxado para cima e para fora
de seu rosto e ela estava usando algum tipo de manto doméstico. Ela parou
abruptamente. — Você está acordada.
— Eu estou. — Eu esperava ver Danika seguir sua irmã, mas ela não o
fez.
— Ela acordou há cerca de dez minutos — acrescentou Zayne. — E já
pensa que pode sair da cama.
— Tenho certeza de que você a avisou que essa não era uma ideia sábia.
— Jasmine colocou a bandeja na mesa perto da cama.
— Mais como exigido — murmurei.
Zayne me lançou um olhar sombrio.
— Lamento que tenha demorado tanto para reunir tudo do centro
médico. Teria sido mais rápido tratá-la lá. — Jasmine correu ao redor da cama.
— Ninguém mais precisa vê-la agora. Só você — Zayne respondeu.
Jasmine não respondeu enquanto se sentava ao meu lado, do outro
lado. — Eu quero dar uma olhada na parte de trás de sua cabeça, pois essa é a
preocupação mais urgente. Não pude ver bem quando ele trouxe você.
— Está bem. — Eu estava me perguntando o que ela pensava que faria
com essas ferramentas. — Você precisa que eu me sente?
— Que tal você virar a cabeça em direção a Zayne. Isso deve funcionar.
Fiz o que ela mandou.
— Ok, vou precisar que você role para o lado. Você pode fazer isso?
— Sim...
Zayne interceptou quando comecei a rolar, curvando a mão sobre meu
ombro e quadril, virando-me de lado como se eu fosse um tronco. Ele me
segurou lá. Fiz uma careta, pensando que ele estava sendo um pouco
dramático.
— Zayne, você pode me passar aquela caneta de luz? — Braços se
moveram sobre minha cabeça enquanto eu olhava para o que percebi ser o
umbigo exposto de Zayne.
— Como está o sangramento? — Zayne perguntou.
— Deixe-me ver... — Jasmine empurrou meu cabelo para o lado. Sua
inspiração suave me preocupou.
— O que? — Meu olhar encontrou o de Zayne. — Meu cérebro está
visível ou algo assim?
— Muito pelo contrário. — Jasmine parecia muito perturbada para que
isso fosse algo bom. — Sua pele está...
— O que? — Perguntei, começando a girar em direção a ela, mas Zayne
me parou. — Está faltando minha pele?
Zayne franziu a testa enquanto seu olhar se movia além de mim. — O
que é, Jasmine?
— Isso dói? — ela perguntou em vez disso, e então eu senti seus dedos
logo abaixo do topo da minha cabeça, sondando suavemente.
Eu estremeci com a explosão de dor. — Não parece exatamente bom, mas
é administrável.
— Isso é bom — ela murmurou. Ela cutucou e cutucou um pouco mais e
então se recostou, deixando meu cabelo cair no lugar. — Há apenas um corte
fino. Acho que nem precisa de pontos. As feridas na cabeça sangram muito,
mas eu esperava mais danos.
Isso provavelmente explicava toda a bandeja de instrumentos médicos
assustadores e também era a prova de que Zayne estava exagerando. Era
preciso mais do que uma pancada na cabeça para justificar tudo isso, mesmo
que um Verdadeiro Nascido tivesse dado o golpe.
Jasmine pediu um dos panos esterilizados e, assim que lhe foi entregue,
limpou a área. Fiquei olhando para o umbigo de Zayne, achando que era meio
fofo.
— Notável, — ela murmurou. — Você ficou inconsciente por um tempo,
então temi que o inchaço fosse possível e pudesse ser uma indicação de
problemas graves, mas o sangramento parou e o inchaço é mínimo.
Eu esperava que Zayne pudesse ver meu rosto agora.
— Ainda há uma chance de que haja mais danos além do que posso ver
— ela continuou esfregando minha cabeça um pouco mais. — Uma tomografia
computadorizada e ressonância magnética precisariam ser feitas para
descartar qualquer coisa mais séria do que uma concussão.
Abri minha boca.
— Mas tenho a sensação de que você vai recusar isso — acrescentou
ela. — Você pode deixá-la deitar agora.
Zayne o fez, graças a Deus, e fiz uma careta para ele. Ele me ignorou. —
Você tem certeza de que ela não precisa de pontos?
— Você está tentando me infligir dor? — Olhei para ele. — Você se
lembra da última vez que eu tive que levar pontos...
— Eu não esqueci — ele respondeu friamente.
— Não há necessidade de pontos. Deveria haver, mas não há. — Jasmine
jogou panos ensanguentados em uma lata de lixo.
— O que você recomenda? — A mão de Zayne ainda estava no meu
quadril, e eu não tinha ideia se ele estava ciente disso ou não.
— Podemos ser honestos um com o outro por um momento? Somos
apenas três, e se você quiser um conselho médico sólido e bem informado,
precisa ser aberto sobre alguma coisa.
Mudei meu olhar estreito para Zayne e disse: — O que você quer saber?
— Você é humana? — ela perguntou.
— Bem, essa é uma pergunta meio ofensiva. — Sentei-me e quando
Zayne se moveu para me impedir, o olhar que dei a ele deveria ter queimado
suas retinas. Senti dor quando me endireitei, mas nada sério. — Não vou
desmaiar se não me sentar.
— Uma parte de mim deseja que você faça, porque então você pelo
menos...
— Se você disser para ficar quieta, vou mostrar exatamente como estou
bem — avisei.
O canto de seus lábios se curvou de uma forma que me lembrou de
quando ele estava se divertindo, mas eu tinha que estar lendo errado. — Eu ia
dizer, então pelo menos você ficaria quieta.
— Oh. — Bem, então. — Muito bem. — Olhei para Jasmine, e seus lábios
estavam pressionados juntos como se ela estivesse lutando contra um sorriso
ou uma careta. — Para responder à sua pergunta, eu sou humana.
Ela se inclinou em minha direção. — Nenhum humano sangra como se
estivesse a segundos de uma hemorragia cerebral massiva e é capaz de se
sentar e discutir como você uma hora ou mais depois. Agora o que eu acho é
que você tem uma pele incrivelmente dura e um crânio grosso...
— Bem... — Zayne prolongou a palavra.
— A outra opção é que você ficou gravemente ferida, mas você tem
algum nível de cura acelerada que permite que você se cure em uma hora —
ela continuou, e eu honestamente não sabia. Anteriormente, sempre que estava
ferida, a ajuda médica era sempre prestada imediatamente. — O que eu sei é
que qualquer uma dessas coisas significaria que você não é humana, e não é
como se Zayne exagerasse ao trazer você aqui. Ele não faz isso.
— Eu imploro para discordar no último ponto. — Suspirei. — Mas sou
humana. Parcialmente
— Você não é parte demônio — ela disse.
— Ela não é — Zayne confirmou. — Dez sabe. Nicolai também, mas eu
não posso...
— Eu sou uma maldita Verdadeira Nascida — eu disse, tão cansada de
mentir, e qual era o sentido? Seu marido sabia, e havia outro Verdadeiro
Nascido lá fora. Inferno, poderia haver uma liga deles, pelo que eu sabia, com
seus próprios times de softball.
Zayne me lançou um longo olhar. — Sério, Trinity?
Encolhi os ombros e fiz uma careta, o que fez Zayne parecer que estava
a segundos de me forçar a deitar.
— Você é... você é meio anjo? — Jasmine sussurrou, colocando a mão
contra o peito. — E isso... — Seus olhos dispararam para Zayne. — Você é o
Protetor dela?
— Sim. Estamos ligados para todo o sempre — murmurei.
— Meu Deus, eu nunca pensei... quer dizer, pensei que não houvesse
mais Verdadeiros Nascidos.
— Sim, nós também — Zayne murmurou. A confusão marcou as feições
de Jasmine, mas Zayne continuou: — Isso é algo que estávamos tentando
manter em segredo.
Encontrei o olhar que ele me enviou com as sobrancelhas levantadas.
— Eu não direi nada. Quer dizer, vou totalmente falar com Dez, porque
você disse que ele sabe, mas, do contrário, não vou. — Ela soltou uma
risadinha. — Tenho muitas perguntas.
— Tenho certeza que sim, mas agora que você sabe o que ela é, pode nos
dizer o que acha que devemos fazer a partir daqui? — Zayne disse, nos
colocando de volta no caminho, como sempre.
— Bem, não tenho certeza se ela tem sangue angelical, mas não acho que
você precisa se preocupar com ela explodindo um vaso sanguíneo em seu
cérebro, — ela disse, e eu enruguei meu nariz. — Mas com ela estando
inconsciente, aquele lado humano provavelmente teve uma concussão
desagradável. Ela provavelmente deve pegar leve por alguns dias.
Alguns dias?
Eu não sabia como Zayne tirou Jasmine do quarto ou quanto tempo
levou, porque gastei o tempo me preparando para a grande batalha que sabia
que estava por vir.
Assim que ficamos sozinhos e ele se virou para mim, eu disse: — Não
vou pegar leve por alguns dias. Finalmente descobrimos o que é o Precursor, e
esses túneis têm que ser importantes. De jeito nenhum vou passar dias na cama
quando estarei bem em algumas horas.
— Você não tem ideia se ficará bem em algumas horas. — Ele se sentou
na cama. — Você já ficou desmaiada por uma hora?
— Bem, não, mas eu sei que não preciso ficar de cama.
— Que tal quarenta e oito horas...
— Doze.
— Vinte e quatro.
— Não — argumentei.
Zayne parecia querer me estrangular, mas estava resistindo. Graças a
Deus, porque isso provavelmente resultaria em mais agilidade. —
Amanhã. Você pega leve dia e noite. É isso. E você poderia usar o tempo,
porque tem que arrumar suas roupas, que estão espalhadas por todo o
quarto. Vamos nos mudar para o novo apartamento na quinta-feira.
Uau. Eu não estava acompanhando o tempo. — Que tal irmos aos túneis
amanhã, durante o dia, para olhar ao redor, e se nos depararmos com qualquer
situação potencialmente perigosa, vou ficar de fora ou correr o mais rápido que
puder em outra direção.
Ele exalou ruidosamente pelo nariz.
— E vou ficar em casa durante a noite, arrumando minhas roupas,
que não estão jogadas por todo o quarto.
— Isso é uma mentira. — Ele passou a mão pelo cabelo. — Não posso
acreditar que você disse isso com uma cara séria, mas tudo bem. Esse é o
acordo, mas vou ligar para Roth. Quero reforços caso o Precursor apareça
novamente.
Balancei a cabeça, pensando que se o Precursor aparecesse, não
precisaríamos de reforços. Precisávamos de mim e da minha Graça. — Sabe, o
que aconteceu hoje foi uma bênção.
— Não tenho ideia de como você pode dizer isso.
— Porque esse tempo todo pensei que minha visão era minha
fraqueza. Que seria o que me levaria para a contagem. E sim, eu não gosto de
pensar em meus olhos como uma fraqueza e odeio como me sinto como se não
pudesse nem pensar neles como tal, mas eu estava errada. Não é nisso que
deveria estar focada.
A cabeça de Zayne se inclinou para o lado. — O que você está dizendo?
— Meu treinamento. Minha convicção de que não devo usar
minha Graça até que seja necessário. Essa é minha fraqueza. Todo esse
treinamento é difícil de ser quebrado. Quando caí naquele túnel, deveria ter
usado minha Graça imediatamente, mas não o fiz, e ele levou a melhor. Não só
isso, ele me alertou sobre não usar minha Graça. — Encarei minhas mãos. —
Nunca mais deixarei que isso aconteça novamente.
Capitulo 30
Como havia uma pequena chance de eu ter uma pequena concussão,
Zayne insistiu em me tratar como se eu fosse uma humana que estava em seu
leito de morte.
Ao chegar ao apartamento, tomei banho enquanto Zayne esperava do
lado de fora do com a porta entreaberta. Eu não sabia se ele esperava que eu
desmaiasse e abrisse minha cabeça novamente na cabine, mas a cada minuto
que passava, me sentia mais forte e o latejar na parte de trás da minha cabeça
diminuía. Lavar o sangue do meu cabelo, no entanto, não foi uma experiência
agradável, pois fez o corte arder como se uma vespa estivesse tentando
acasalar com a minha cabeça.
Depois disso, Zayne me persuadiu a entrar na sala de estar e me forçou
beber uma garrafa de água. Ele não queria me deixar sozinha no quarto, pelo
menos não nas próximas horas, e eu estava secretamente feliz por ter sua
companhia e o brilho suave e bruxuleante da televisão. Depois da escuridão
completa do túnel, não pensei que seria capaz de relaxar por um momento
naquele quarto sem todas as luzes acesas.
As coisas não eram tão cáusticas entre nós como antes de eu cair em um
túnel, mas não era tola o suficiente para pensar que isso significava que as
coisas estavam bem entre nós. Mas eu ainda gostava de poder sentar ao lado
dele e não querer arrancar sua cabeça como um louva-a-deus fêmea.
Em algum momento, adormeci e Zayne não intercedeu. Acordei horas
depois com a luz do sol entrando pelas janelas e a colcha macia dobrada em
volta dos meus ombros. O gesto foi doce e fez meu coração doer mais do que
minha cabeça.
Mas acordei sozinha e não como da última vez que dormi neste sofá, toda
confortável e quentinha, aninhada contra Zayne. Engolindo um suspiro,
sentei-me, segurando a colcha em volta de mim como uma capa. Descobri que
Zayne não tinha ido muito longe. Ele estava na frente da geladeira, uma mão
na porta, a outra no quadril enquanto balançava a cabeça.
Eu havia esquecido totalmente o que havia feito no dia anterior.
— Uh... — Murmurei, levantando-me lentamente do sofá.
A cabeça de Zayne sacudiu por cima do ombro. Eu estava muito longe
dele para ver sua expressão quando ele disse: — Como você está se sentindo?
— Bem. Quase perfeita.
Houve uma pausa. — Será que quero mesmo saber porque parece que o
corredor de uma loja de conveniência vomitou dentro da geladeira e de cada
armário?
Torcendo os lábios, lutei para manter meu rosto em branco. — Eu... fiquei
com fome ontem e pedi mantimentos por meio de um desses serviços de
entrega.
Fechando a porta da geladeira, ele colocou uma caixa de ovos na ilha, ao
lado do que parecia ser seu pote de óleo de coco. — E com sede?
Levantei um ombro.
— Porque eu nem sabia que existiam tantas versões da Coca-Cola —
disse ele.
— Existem muitos tipos diferentes — concordei. —
Lima. Cereja. Baunilha. Regular. Sem açúcar. Cana de açúcar...
Ele colocou uma frigideira no fogão. — Levei cerca de dez minutos para
encontrar o óleo de coco.
— Mesmo? — Arregalei meus olhos, dando a ele meu melhor rosto
chocado.
— Sim, por algum motivo, estava escondido atrás de tigelas e um pote
de banha — disse ele, quebrando um ovo perfeitamente sobre a frigideira. —
Banha de porco de verdade.
— Que estranho.
— De fato. — Outro ovo foi quebrado. — Estou fazendo o café da
manhã. Torrada e ovos. — Outra pausa. — A menos que você queira terminar
aquele saco de batatas fritas ou o pacote de biscoitos de chocolate.
Incapaz de esconder meu sorriso por mais tempo, abaixei meu queixo. —
Ovos e torradas serão perfeitos.
— Uh-huh — ele respondeu, e segurei as pontas do cobertor sobre minha
boca, sufocando minha risada. Ele ergueu os olhos e, embora eu não pudesse
ver, senti como sua expressão era divertida. — Eu conversei com Roth. Ele vai
nos encontrar em cerca de duas horas.
— Excelente.
O café da manhã estava quase normal. O silêncio entre nós enquanto
comíamos ovos e torradas – não comi a torrada, porque como se diabos eu
estivesse comprando trigo integral - estava muito menos tenso do que nos
últimos dias. Quando terminei, lavei meu prato e pedi licença.
Precisava fazer um telefonema.
Fechando a porta do quarto atrás de mim, peguei meu telefone e liguei
para Thierry. Ele atendeu no segundo toque.
— Trinity — disse ele, sua voz profunda um bálsamo para minha alma,
o que tornou o que eu precisava perguntar e dizer ainda mais difícil.
Eu não iria dar voltas. — Há outro Verdadeiro Nascido.
— O que? — ele engasgou, e a menos que Thierry fosse um ator
habilidoso, seu choque foi real.
Eu sentei na cama. — Sim. O conheci ontem.
— Conte-me o que aconteceu — disse ele, e ouvi uma porta se fechando.
Rapidamente, contei por que estávamos na escola e o confronto no
túnel. Não poupei ter sido ferida. — Não tenho ideia do nome dele ou de quem
é parente, mas ele me conhecia. Ele tem que ser o Precursor. — Respirei
superficialmente. — Você sabia que isso poderia ser possível? Que havia
outro?
— Absolutamente não. — Ele foi rápido em responder. — Seu pai sempre
falava como se você fosse a única, e não houve razão para duvidarmos disso.
— Duvido que ele não soubesse. Por que ele não teria nos contado - me
contado?
— Eu gostaria de saber, porque não vejo como esconder essa informação
de você ou de qualquer um de nós faria qualquer bem. Não saber a tornou
vulnerável.
Também poderia ter me matado.
— Ele aparentava ter quantos anos? — Perguntou Thierry.
— Aproximadamente a minha idade, talvez mais velho. Não tenho
certeza. O que não entendo é por que ele existe. Fui criada por meu pai para
ser usada como a arma final em uma batalha - esta batalha. Como poderia
haver outro, e como ele poderia ser... mau? Porque ele definitivamente não era
amigável.
Thierry ficou quieto por tanto tempo, a inquietação formou uma bola
pesada no meu estômago.
— O que? — Agarrei meu telefone.
Seu suspiro pesado veio através do telefone. — Há muita coisa que nunca
contamos a você, porque Matthew, eu e sua mãe não achamos que fosse
relevante.
— O que você quer dizer com muito e o que isso tem a ver com o que está
acontecendo?
— Não é que soubéssemos de outro Verdadeiro Nascido, mas sabíamos
por que os Verdadeiros Nascidos eram uma coisa do passado — explicou
ele. — É por isso que alguns Guardiões que conhecem a história seriam
cautelosos com qualquer Verdadeiro Nascido. E porque Ryker foi tão
facilmente convencido a se voltar contra um.
Meu estômago embrulhou. Não esperava que seu nome aparecesse. —
Você vai precisar me explicar isso, porque Verdadeiros Nascidos e Guardiões
são como melhores amigos para sempre. Guardiões são os Protetores de
Verdadeiros Nascidos, e Ryker estava com medo do que eu poderia fazer...
— Ele tinha medo do que você poderia se tornar — corrigiu Thierry.
— O que?
— Eu gostaria que seu pai tivesse explicado isso para você. Deve vir dele.
— Sim, bem, como você sabe, meu pai é tão útil quanto você quando se
trata de informação — eu retruquei, a paciência se esgotando. — Não
mantemos contato e jantamos aos domingos. Posso contar em alguns dedos as
vezes que o vi pessoalmente.
— Eu sei. É só... — Houve um intervalo silencioso. — Eu queria que você
estivesse aqui para que pudéssemos conversar cara a cara. Então você
entenderia por que nunca acreditamos que isso pudesse ser um problema para
você. Porque você é boa, até a sua essência.
O desconforto se intensificou quando suas últimas palavras se
estabeleceram em mim.
— Verdadeiros Nascidos são apenas meio-anjo. Sua outra metade é
humana e, por causa disso, você tem livre arbítrio. A escolha de fazer grandes
coisas com suas habilidades ou causar danos incríveis com elas — disse ele.
— Eu não sou o Homem-Aranha — murmurei.
— Não, mas você é mais poderosa do que qualquer Guardião ou
demônio. Por causa do lado humano de um Verdadeiro Nascido e da natureza
de sua criação, eles são mais propensos a serem... corrompidos, mais
propensos a ceder ao fascínio do poder.
Imediatamente, pensei no que Roth havia dito sobre como nasci de um
grande pecado. — Porque os anjos não devem bater botas com os humanos?
— Essa é uma maneira de colocar as coisas. “Os pecados do pai são
visitados ao filho.”
— Isso é arcaico, e como sabemos que é realmente verdade?
— Porque, como acontece com a corrupção da humanidade pelos atos
originados no Éden, a alma de um Verdadeiro Nascido é mais escura do que a
de um humano e não tão pura quanto a de um Guardião.
Lembrei-me do que Layla disse quando viu minha aura - minha alma. Ela
a descreveu como escura e clara, e eu não prestei muita atenção.
— Há um equilíbrio em um Verdadeioo Nascida assim como há um
equilíbrio no mundo, mas essas escalas podem ser inclinadas.
Fiquei chocada. — Então, você está basicamente dizendo que eu poderia
me tornar má?
— De jeito nenhum, Trinity. Nem mesmo remotamente. Você é boa. Você
sempre foi boa, e tomamos medidas para evitar que você fosse atraída por suas
habilidades.
Mas isso era verdade?
Eu era egoísta e propensa a atos de mesquinhez e violência mal
contida. Não era uma grande amiga, e a lista de minhas falhas de caráter tinha
quase um quilômetro de comprimento. Veja o que eu fiz com Faye. Não senti
remorso.
— Houve uma revolta de Verdadeiros Nascidos contra os Guardiões —
Thierry estava explicando, tirando-me dos meus pensamentos. — Isso
aconteceu há séculos, e muito da história se perdeu no tempo. Tudo o que sei
é que tinha a ver com uma ligação e, como resultado, muitos Guardiões
morreram. Os laços entre Guardiões e Verdadeiros Nascidos foram rompidos
e, depois disso, os Verdadeiros Nascidos morreram.
— Eu... eu não sei nem o que dizer. — O choque tinha dispersado meus
pensamentos. — Exceto que todos vocês deveriam ter me dito isso. Alguém
deveria ter me contado isso.
— Você está certa — disse ele, a voz pesada. — Deveríamos ter, mas
nunca pensamos que seria um problema...
— Porque sou o paradigma de um ser humano decente?
— Porque você é boa, e também nos certificamos de que você não
confiasse em sua Graça e a usasse muito.
Eu respirei fundo.
— A Graça é uma coisa linda. É a sua ancestralidade angelical
brilhando. Mas também é a arma mais mortal conhecida na Terra, no Céu e no
Inferno, e esse tipo de poder é perigoso — ele continuou. — Pode ser
sedutor. Não queríamos que você se acostumasse com isso.
O quarto parecia inclinar-se, embora eu ainda estivesse sentada. — Mas
vocês todos estavam errados. Eu entendo o que você estava tentando evitar,
mas você estava errado.
— Trinity...
— Ensinar-me a usá-la apenas como último recurso acabou comigo sendo
nocauteada por mais de uma hora na noite passada. Eu deveria ter usado
imediatamente, e isso acabou sendo uma grande fraqueza que este outro
Verdadeiro Nascido percebeu imediatamente, — eu disse a ele. — Agora tenho
que desfazer anos aprendendo a fazer tudo o mais antes de usar
minha Graça. Você estava errado.
Thierry não respondeu por um longo momento e, quando o fez, o
remorso em sua voz era tão espesso quanto a frustração que eu sentia. — Você
está certa e eu sinto muito. Não deveríamos ter forçado você a ir contra sua
natureza, mesmo que essa natureza pudesse mudar.

Encostada em uma parede de concreto, ajustei meu novo par de óculos


de sol. Os braços estavam frouxos, então eles continuavam escorregando pelo
meu nariz.
— Eu sinto que estamos vadiando — disse eu. Estávamos esperando
Roth, e imaginei que Layla se juntasse a nós, perto da esquina da rua que
levava à escola.
— Provavelmente porque tecnicamente estamos fazendo exatamente
isso — respondeu Zayne.
Olhei para ele enquanto brincava com a ponta da trança grossa que
consegui tecer antes de sair do apartamento. Ele estava parado a um ou dois
metros da parede, vestido como se fosse patrulhar, assim como eu, embora não
devesse estar envolvida em nada. Felizmente, Zayne teve o bom senso de
encontrar minhas lâminas e trazê-las de volta. Elas estavam presas em meus
quadris, mas se fosse difícil, eu não iria usá-las.
Não mais.
Suspirei, mudando meu peso de um pé para o outro. Contei a Zayne
sobre minha ligação no caminho até aqui. Ele tinha ficado tão pasmo quanto
eu.
Eu poderia me tornar má?
Essa pergunta continuou surgindo em minha mente. Cada vez que isso
acontecia, eu pensava no outro Verdadeiro Nascido e no que tinha feito.
O que eu sabia que era capaz de fazer.
A energia nervosa zumbia em minhas veias enquanto eu tentava afastar
esses pensamentos.
Zayne olhou para mim, suas feições se confundiam com um raio de
sol. — Em que você está pensando?
O vínculo entre nós era tão conveniente quanto desagradável. — Estava
tentando não pensar no que Thierry me disse.
Ele me encarou. — Você não é má, Trin. Você nunca vai ser má.
Apreciei sua fé em mim, especialmente depois de tudo que havia
acontecido entre nós. — Não sei se deveria ficar preocupada por você saber
exatamente o que eu estava pensando.
— Você não deve se preocupar se vai acabar como o outro Verdadeiro
Nascidao
Um caminhão de correio passou roncando por nós. — A questão é que
não sabemos nada sobre este Verdadeiro Nascido e por que ele está fazendo o
que está fazendo, mas eu... eu matei aquela bruxa.
— A bruxa que nos traiu e foi responsável pela morte de incontáveis
humanos. — Ele se aproximou.
— Eu sei, mas ela...
— O que? — ele persistiu suavemente.
Fechei meus olhos com força atrás dos óculos de sol. — Ela estava
assustada. Ela não queria morrer, mesmo depois de saber que isso aconteceria
quando a Matriarca chegasse, e eu... Não sei se me importava ou não. Quer
dizer, reconheci que ela estava com medo, mas houve um momento, antes de
ela soltar Bambi, que eu queria matá-la. — Sentindo-me como se tivesse me
banhado em sujeira, abri os olhos. — Eu estava com a mão em seu pescoço e
queria matá-la.
— Eu queria matá-la.
Minha cabeça girou em sua direção.
— Você está realmente tão chocada? Ela entregou feitiços que não apenas
matavam humanos, mas também colocavam os Guardiões em perigo. Ela fez
isso para usar partes de você, — ele me lembrou. — Não estou perdendo o
sono sobre como isso acabou para ela. A única coisa que desejo é que você não
se incomode com isso.
— Sim, — sussurrei. — Eu também.
Zayne ergueu a mão lentamente, estendendo a mão e guiando meus
óculos de sol de volta para a ponta do meu nariz. — O fato de você estar se
questionando e suas reações é prova de que você não é má.
— Você acha?
— Eu sei.
Sorri com isso, cuidadosamente inclinando minha cabeça contra a
parede. Suas palavras me fizeram sentir um pouco melhor. Só esperava poder
agarrá-las. Que eu pudesse acreditar nelas.
— Você está ficando cansada ou algo assim? — ele perguntou depois de
alguns minutos.
— De qualquer coisa além do tédio? Não.
— Apenas me diga se você se cansar de qualquer coisa que não seja o
tédio — disse ele e acrescentou, — ou de mim.
Meus lábios se curvaram. — Não tenho certeza se posso fazer essa
promessa sobre a última parte.
— Tente resistir.
Me afastei da parede, sentindo que deveria dizer algo. Para ser
honesta. — Eu não acho que poderia ficar entediada com você.
A surpresa percorreu o vínculo como uma lufada de ar frio. — Irritada,
uma história diferente — emendei.
— Bem, eu sei bem do que esperar por isso.
Aproximei-me dele. — Você... você fica entediado por estar preso a mim?
Sua cabeça se inclinou enquanto o calor infundia minhas bochechas. —
Eu não sei como você pode pensar que um momento com você pode ser
chata. Você encheu minha cozinha inteira com junk food e escondeu meu óleo
de coco.
— Acusações injustas, — eu disse e então ri um pouco. — Está bem. Eu
escondi seu óleo.
Sua risada aqueceu meu rosto ainda mais. — Não vejo que estamos
presos juntos, Trin, — ele disse, e o ar se alojou em meu peito. — As coisas têm
sido...
Senti o alerta quente e trêmulo de um demônio próximo, efetivamente
parando o que quer que Zayne fosse dizer. Engoli um suspiro de decepção e
me afastei. Segundos depois, Roth e Layla dobraram a outra esquina,
caminhando em nossa direção como a personificação da luz e da
escuridão. Eles atravessaram a rua, de mãos dadas, e senti uma pequena
explosão de inveja no meu peito quando o casal feliz se juntou a nós.
Eu queria isso.
Olhei para Zayne. Queria isso com ele.
— Ei, desculpe o atraso — disse Layla, um sorriso aparecendo quando
eles se aproximaram. O vento quente levantou fios claros de seu rabo de
cavalo, jogando-os em seu rosto.
— Eu não sinto — respondeu Roth.
Revirei os olhos enquanto Zayne bufava.
Layla ignorou esse comentário enquanto olhava para mim. — Zayne nos
contou tudo. O Precursor é outro Verdadeiro Nascido?
— Sim. — Concordei.
— Justo quando você pensa que é única e especial. — Roth sorriu. —
Você descobre que é apenas mais uma da mesma coisa.
Arqueei uma sobrancelha para ele. — Pelo menos agora sabemos com o
que estamos lidando.
— Mas ainda há muitas perguntas sem resposta.
Como as pontas brilhantes e marcas estranhas, a interferência de vídeo
ou o que estava fazendo com as almas presas.
— Você acha que vamos encontrar algo neste túnel? — Layla perguntou.
— Havia algo escrito nas paredes. Não consegui decifrar, mas os túneis
têm que ser importantes, certo? — Olhei entre eles. — Quero dizer, quantas
cidades têm túneis subterrâneos?
— Muitas, na verdade — Roth respondeu, seu cabelo escuro uma
bagunça espetada. — Mas em DC, metade dos túneis foram criados por
administrações governamentais para levar pessoas importantes para dentro e
para fora da cidade sem serem detectadas. A outra metade, bem,
provavelmente tem origens mais demoníacas.
— Huh. — Descobrindo algo novo todos os dias.
— Já estivemos em alguns deles. — Layla olhou para Roth. — Não há um
tempo, mas eles são super assustadores. O fato de estar disposta a verificá-los
novamente é uma prova de minha dedicação à raça humana.
— Ou que você está propensa a fazer escolhas ruins na vida — comentou
Roth.
— Isso também — Layla suspirou.
Completamente relacionado a isso, eu sorri. — Você sabia sobre os
túneis?
Zayne acenou com a cabeça. — Eu sei que eles estão lá. Todos os
Guardiões sabem, mas não sei muitos dos pontos de entrada ou saída ou a que
eles se conectam, e não sabia que havia um perto da escola.
— Não acho que alguém tenha um mapa — disse Roth. — E eu imagino
que um monte de tolos azarados entrara neles para nunca mais serem vistos.
— Onde você caiu? — Layla olhou para a colina que levava à escola.
— Posso te mostrar. — Comecei em direção à calçada. — Não será muito
difícil encontrar um buraco do tamanho da Trinity no chão.
Começamos a subir a colina, Zayne à nossa frente e Roth seguindo logo
atrás. Layla caminhando ao meu lado. — Stacey me contou, — ela disse
quando a olhei. — Que você viu... você viu Sam.
— Eu vi. — Não tinha certeza do que dizer. — Sinto muito pelo que
aconteceu com ele. Não sei tudo, mas sei o suficiente para dizer que sinto
muito.
Layla desviou o olhar, os lábios tremendo antes de pressioná-los. Ela não
falou até que começamos a atravessar o gramado. — Ele parecia... bem?
Parei, tocando seu braço. Ela me encarou, tristeza gravada em suas
feições. — Ele cruzou para a luz, e isso significa que ele está em um lugar bom,
com pessoas que conhece e ama. Ele está mais do que bem.
— Mas ele está de volta...
— Os espíritos podem voltar. Eles não deveriam fazer muito isso, mas
ele está preocupado com Stacey. Acho que quando tudo estiver resolvido com
a escola, ele vai ficar mais em paz e não vai voltar tanto — expliquei. — Mas
ele sempre estará aqui com vocês. Por mais clichê que pareça, eu sei que é
verdade. Ele está mais do que bem.
Quando ela fechou os olhos, os lábios de Layla se moveram sem palavras
e então ela saltou para frente, dando-me um abraço que me deixou ali parada
com os braços desajeitados ao lado do corpo. — Obrigada, — ela sussurrou. —
Obrigada por me dizer isso.
Meus dedos se mexeram. — É apenas a verdade.
Ela me apertou. — E isso significa tudo.
Quando ela deu um passo para trás, ela sorriu para mim e depois se
virou. — O que? — ela gritou.
Segui seu olhar para encontrar Zayne e Roth parados a vários metros de
distância, nos observando.
— Nada. — Roth estava com as mãos nos bolsos. — Só o fato de vocês
duas terem ficado de mãos dadas era meio excitante.
Zayne sacudiu a cabeça em direção a Roth.
O príncipe demônio encolheu os ombros. — Olha, eu só estou sendo
honesto. Sou um demônio. Não sei por que algum de vocês esperaria menos
de mim.
— Ainda bem que eu o amo — Layla murmurou enquanto caminhava
para frente, e eu comecei a me mover. — E o amo com todas as partes do meu
ser e um pouco mais, mas ele... ele simplesmente não faz bem às pessoas.
Ri disso, olhando para Zayne, que estava nos observando com uma
expressão quase perplexa no rosto. Sem ter ideia do que se tratava, fui em
direção ao bosque de árvores, passos mais lentos.
— Foi em algum lugar aqui. — Examinei o chão, não querendo
mergulhar por um buraco novamente. — Aconteceu muito rápido, mas...
Roth estava à minha direita. — Eu não vejo nada.
— Nem eu. — Zayne se moveu mais longe, a cabeça baixa. — E você está
certa, o buraco estava bem aqui.
— Que diabos? — Murmurei, franzindo a testa.
— Ei, — Layla gritou. — É possível que o buraco... tenha se recuperado?
Me virei. Ela estava alguns metros atrás de mim, a centímetros de onde
eu acabara de pisar. — Isso seria estranho, mas tudo é possível neste momento.
Ela estava olhando para baixo enquanto lentamente levantava um pé e
depois o outro.
— Você encontrou algo? — Roth estava voltando para nós.
— Não sei. O chão parece estranho aqui.
— Como se fosse mole? — Quando ela assentiu, levantei minhas
mãos. — Você provavelmente deveria se mover. Foi assim que senti o chão
onde caí.
Layla se ajoelhou e colocou as mãos no gramado. Sem qualquer esforço,
ela levantou pedaços de grama. — Sim, acho que o buraco se fechou
totalmente.
— Então você definitivamente deveria se mover — Zayne aconselhou,
vindo ficar ao meu lado.
— Precisamos descer lá, certo? — Ela ergueu o queixo. — A menos que
algum de vocês conheça uma entrada próxima aos túneis.
Olhamos para Roth.
— Não conheço nenhuma entrada por perto.
— Então temos que descer por aqui. — Layla se levantou.
— O que você vai fazer? — Zayne perguntou. — Pular no chão?
— Parece um plano para mim.
— Pequena — Roth começou. — Eu não acho que seria sábio.
— Quão longe você acha que foi a queda? — Layla perguntou, e eu disse
a ela. — Isso não é ruim. Quer dizer, vou saber que está chegando, então posso
me preparar.
— Você realmente vai pular para cima e para baixo? — Zayne olhou para
Roth como se esperasse que o demônio interviesse.
Layla fez exatamente isso. Ela deu um pulo. — Sim.
— Uh... — Me perguntei como nós quatro devíamos parecer para os
transeuntes enquanto Layla pulava novamente.
— Oh. Espere. O chão está ficando mais mole. — Ela olhou para Roth e
saltou novamente. — Acho que... — Ela desapareceu antes que Roth pudesse
intervir, sugada para dentro da Terra.
— Bem — eu disse. — Não é como se alguém não tivesse dito que era
uma má ideia.
Roth caiu de joelhos perto do buraco. — Layla? Você está bem?
Silêncio e então veio sua resposta abafada. — Funcionou completamente!
— Uma pausa. — E isso foi talvez uns metros a mais do que você estimou,
Trinity.
Eu levantei minhas mãos.
— Está frio aqui e muito escuro —, disse ela. — Eu mal consigo ver nada,
mas é definitivamente um túnel.
— Afaste-se — Roth gritou. — Estou descendo.
Zayne e eu o vimos escorregar para o buraco e quando ouvimos o
estrondo de sua aterrissagem, olhamos um para o outro.
— Eles são seus amigos — eu disse a ele.
Ele riu enquanto caminhava para frente e parava no buraco, estendendo
a mão. — Deixe-me levá-la até lá.
Olhei para ele. — Posso dar o salto agora que estou preparada para isso.
— Eu sei que você normalmente pode — disse ele. — Mas você prometeu
pegar leve, e pegar leve não é pular três metros.
Eu abri minha boca.
— E você estava mancando.
— Não estava!
— Você estava, — ele argumentou. — Um pouco. Eu vi você.
— Você estava mancando totalmente — gritou Layla do buraco.
— Ninguém perguntou a você — gritei de volta.
— Trin, — Zayne quase rosnou. — Deixe-me ajudá-la.
Parte de mim queria recusar, embora eu soubesse que estava sendo
ridícula. Mas tomei o caminho até ele, o que não passou despercebido, porque
Zayne sorriu de uma forma irritante quando peguei sua mão. Puxando-me
para seu peito, e tentei não pensar em quão quente, maravilhoso e certo era
estar tão perto dele. Tentei não sentir nada quando ele me levantou cerca de
trinta centímetros e cruzou o outro braço em volta de mim. Tentei não inalar o
perfume de hortelã do inverno dele, e eu realmente, realmente tentei não pensar
em como ele se sentira da última vez que estivemos tão perto.
— Espere — disse ele, a voz mais áspera do que antes, e antes que eu
pudesse atribuir isso ao que ele poderia estar sentindo, Zayne pulou.
O cheiro de mofo parecia nos alcançar e nos agarrar. Sua aterrissagem foi
difícil, mas não chocante, e enquanto ele se endireitava, percebi que o túnel não
estava escuro desta vez. Havia um leve brilho alaranjado.
Zayne me colocou de pé, suas mãos deslizando sobre minhas costas
enquanto ele me soltava. Tremendo, me virei em direção à fonte de luz.
— Tochas. — Roth segurava exatamente isso, uma vara grossa com cerca
da metade do comprimento de um taco de beisebol. — Elas estão espaçadas a
cada poucos metros de distância.
— Eu não as vi da última vez — admiti.
Layla agarrou uma e a inclinou em direção à de Roth. O topo faiscou e as
chamas cresceram. Ela entregou a Zayne. — É aqui que você desceu?
— Eu acho que sim. — Me virei, espiando as paredes de pedra cinza-
esverdeada. — Mas acabei me movendo um pouco, não tenho certeza em que
direção.
Zayne levou a tocha em direção à parede. — Não vejo nada escrito.
— Talvez esta não seja a seção.
— Há um monte de terra aqui embaixo, — Roth chamou vários metros à
nossa direita. — Isso poderia ter sido onde ela pousou, mas não há nada escrito
por aqui também.
Os cantos dos meus lábios se curvaram enquanto eu ia de uma parede
para a outra. Não havia nada. — Não entendo.
— Vamos continuar caminhando. Há uma chance de você ter acabado
mais longe do que você pensa — Zayne sugeriu, mantendo a tocha perto para
que eu pudesse ver.
Caminhamos, passando por alguns corredores que se ramificavam em
outros túneis. — Eu realmente espero que não haja LUDs aqui — disse Layla.
— LUDs? — Eu perguntei.
Roth suspirou. — Você nunca viu The Princess Bride? Pequenos
demônios feitos? Como roedores de tamanho incomum?
Olhei para Zayne e ele apenas balançou a cabeça. — Nunca ouvi falar de
LUDs.
— Eles se parecem com Delírios bebês — Layla explicou, parando. — Tão
feios e de alguma forma mais assustadores quando são menores. Eles vivem
em túneis.
— Oh, ótimo — murmurei.
— Há uma porta aqui — disse ela. — Está selada de alguma forma.
Ela estava certa. Não havia maçaneta ou fechadura, e quando a
empurrou, não se mexeu.
— Há outra aqui. — Roth inclinou a tocha para a direita. — Veremos
muitas portas e provavelmente é melhor deixá-las fechadas.
— Deve estar cinquenta graus mais frio aqui. — Zayne olhou para o teto
quando passamos por outra abertura em um corredor escuro. — Você sente
alguma coisa?
— Não. Eu não sinto nada.
— Isso não significa que não encontraremos nada — ele raciocinou.
— Eu não entendo, no entanto. — Passamos por mais portas de pedra e
fáceis de perder. — Sei que vi algo escrito naquelas paredes.
— Poderia ter sido sujeira? — Roth perguntou.
— Acho que não, mas diabos, eu não sei. Realmente pensei que isso nos
levaria a alguma coisa.
Zayne tocou meu braço. — Sim. Você descobriu quem é o Precursor.
— Sim, mas... — Era difícil explicar a decepção que eu estava sentindo.
Não sabia o que esperava encontrar, mas um labirinto interminável de túneis,
não era isso.
— Um desses túneis, aposto, leva diretamente para a escola. — Roth
parou e recuou enquanto olhava para o leste e para o oeste. — Provavelmente
abre no antigo ginásio inferior e na área dos vestiários.
— Onde os Rastreadores Noturnos estavam? — Zayne perguntou, e eu
estremeci.
— Isso explicaria muitas coisas, como aquele zumbi que entrou na sala
da caldeira aquela vez — disse Roth. — Nunca descobrimos como entrou na
escola sem ser vist.
— Deus, não me lembre, — Layla gemeu. — Ainda não estou superando
emocionalmente ou mentalmente isso e os olhos arregalados.
Meu lábio se curvou. — Deve haver uma centena de portas e túneis
diferentes se ramificando aqui. Como no mundo encontramos aquele que está
conectado à escola?
— Não precisamos. — Zayne ergueu sua tocha em direção ao teto. —
Pelo menos não agora. Não precisamos desses túneis para entrar na
escola. Quando os trabalhadores não estiverem aqui no sábado, podemos
passar direto pelas portas da frente. Ou uma das portas. Janelas. Tanto faz.
— Ah, sim. Bom ponto. Duh, — eu disse.
Zayne sorriu para mim e voltou a vasculhar o teto em busca das malditas
marcas.
— Descobrir qual desses conecta e destruí-lo seria benéfico. Pode não
impedir que espíritos ou fantasmas entrem ou saiam, — Roth meditou. — Mas
vai parar os demônios e o Precursor. Vou mandar alguns do meu pessoal
verificar, encontrar a entrada e explodi-la.
— Você tem um pessoal? — Minhas sobrancelhas levantaram. — Chique.
— Eu sou o Príncipe Herdeiro — respondeu ele. — Tenho legiões de
demônios que me servem.
— Oh, — eu murmurei. — Super chique, então.
Continuamos em mais vários comprimentos de campo de futebol de
túnel sinuoso e tortuoso antes de eu parar, exasperada, com frio e começando
a me sentir um pouco claustrofóbica. — Não vamos encontrar nada — eu disse,
e eles pararam, virando-se para mim. — Não entendo porque não há
escrita. Não sei se meus olhos estavam me pregando uma peça ou o quê, mas
está claro que poderíamos caminhar para sempre e morrer aqui antes de
encontrarmos o Precursor.
À frente, Roth olhou para Layla. — Eu odeio dizer isso, mas você
provavelmente está certa
— Mas podemos continuar — insistiu Layla. — Quem sabe o que vamos
encontrar aqui.
— Provavelmente um grupo de morcegos gigantes que vivem em
cavernas, — eu disse, colocando minha mão contra a parede. — E...
Algo aconteceu.
Um zumbido vibrante irradiou sob minha palma. Minha cabeça virou em
direção à parede. Um brilho dourado fraco cintilou e então rolou pelas paredes
e teto em um lampejo rápido antes de desaparecer. As marcas agora estavam
lá, mas se eu tivesse piscado, teria perdido a rápida luz dourada. — O que é...
o quê?
— Uau. — Zayne entrou com sua tocha. — Isso aconteceu da última vez?
— Não. Quer dizer, não que eu tenha percebido, mas estava
completamente escuro quando toquei a parede e eu estava... — Olhei para
Zayne. — Eu estava em pânico.
— Compreensível, — ele murmurou, aproximando-se da parede. —
Vocês estão vendo isso?
— Sim — respondeu Layla. — Parece... uma linguagem muito antiga ou
algo assim. Foi isso que você viu?
— Exatamente.
— Todos nós tocamos essas paredes, certo? — Layla estava cara a cara. —
E não fez isso?
Todo mundo havia tocado nelas, exceto eu, o que suscitou a questão de
por que ela respondeu a mim. Lentamente, retirei minha mão enquanto Roth
caminhava em nossa direção. As marcas não desapareceram, pelo menos não
ainda.
— É a mesma que as marcas naqueles espigões — disse Zayne,
levantando a tocha.
Eu teria que acreditar em sua palavra. Encarei as marcas de rabisco
gravadas na pedra. Pareciam palavras espaçadas em sentenças.
Roth ficou muito quieto atrás de nós. — Vocês têm espigões com essas
palavras?
Olhei pra ele. O brilho da tocha que Layla segurava lançava uma luz
bruxuleante em seu rosto. — Você conhece essa língua? Que essas gravuras
são, na verdade, palavras?
— Sim, e vou perguntar de novo - vocês têm espigões com palavras como
estas escritas neles?
— Não sei se são exatamente as mesmas palavras, já que não podemos
ler — respondi. — Mas nós os encontramos empalando um Guardião em uma
igreja. Eles também brilham.
— Bem, é claro que brilham. — Roth praguejou e fiquei tensa. — Eu sei
o que é isso e sei por que seus espigões brilham.
— O que? — Eu perguntei.
— Isso é escrita angelical — Roth respondeu, olhando para mim. — E
isso significa que você tem lâminas de anjo em sua posse.
Capitulo 31
Escrita angelical.
Eu a tinha chamado assim!
Minha presunção de estar certa durou pouco quando percebi que a
confirmação também significava que o Precursor estava de posse de armas
angelicais.
— Espere um segundo. — Layla cruzou os braços. — O Precursor acabou
de deixar esses espigões para trás?
— Parece que sim — Zayne respondeu enquanto examinava a escrita na
parede.
— Isso não faz sentido. — Roth se virou para nós. — Lâminas de anjo não
são deixadas apenas espalhadas por aí. Esses idiotas podem matar quase
tudo. Na verdade, não apenas isso. Totalmente pode matar qualquer coisa,
incluindo outro anjo. Se este Verdadeiro Nascido deixou aquelas lâminas para
trás, ele é extremamente descuidado ou teve um motivo.
— Ele não parece o tipo descuidado — murmurei, olhando para as
marcas fracas.
— Se essas lâminas não foram encontradas, como diabos um Verdadeiro
Nascido as tirou de um anjo? — Layla perguntou. — Eu sei que um Verdadeiro
Nascido é durão e os anjos não são exatamente invencíveis, mas possivelmente
desarmar ou até matar um anjo?
— Não qualquer anjo, Pequena. — Roth inclinou a cabeça. — Apenas
arcanjos carregam lâminas de anjo e duvido que alguém as entregaria para
seus descendentes meio-angelicais.
— Ninguém sabe realmente o que os Verdadeiros Nascidos são ou não
são capazes de fazer — disse Zayne. — Já se passaram muitos anos desde que
eles eram algo mais do que um mito.
— Nem sei se eu compartilho as mesmas habilidades com este, além de
ser capaz de ver espíritos e fantasmas. Isso é coisa de anjo, mas não é algo que
possamos pesquisar no Google ou ler em um livro. — Pensei no que Thierry
havia compartilhado comigo esta manhã. — Acho que nossa história foi
esquecida propositalmente. Apagada.
— Não seria a primeira vez. — Roth olhou para Zayne.
Ele encontrou o olhar de Roth, a expressão dura. Não tinha ideia do que
se tratava, nem era importante no momento. — Você pode ler isto? — Eu
perguntei.
— Não sou exatamente um especialista em linguagem angelical. Alguém
poderia pensar que você estaria mais apta nessa área. É semelhante ao
aramaico.
Pelo menos Gideon estava no caminho certo.
— Eu reconheço algumas palavras. — Caminhando alguns metros para
baixo, Roth parou. — Eu acho que isso é algum tipo de feitiço. Não o tipo de
bruxa - mais como uma proteção angelical.
— Que tipo de proteção? — Zayne segurou a tocha perto da parede.
— Uma armadilha — disse ele, recuando. — Acho que é uma barreira
para prender as almas, impedindo-as de entrar nesses túneis. Agora estou me
perguntando se uma proteção semelhante está escrita dentro da escola.
Pequenos pelos se arrepiaram por todo o meu corpo. — Se for assim, isso
impediria as almas de deixar a escola.
— Deus, — Layla murmurou. — Nada de bom pode sair disso.
— De jeito nenhum — Roth concordou.
Layla desdobrou os braços. — Stacey ainda tem duas semanas ou mais
de escola de verão.
— Ela voltou? — Perguntei, surpresa.
— Ela precisa, ou não receberá o diploma — explicou Layla. — E eu disse
a ela que ela poderia simplesmente conseguir seu GED, mas ela não queria
fazer isso. Ela está na aula agora. Sam disse que Stacey estava em perigo,
certo? Que os fantasmas a estavam atacando ou algo assim?
Eu balancei minha cabeça. — Não. Só que eles empurraram uma criança
escada abaixo e eles estão ficando mais bravos. Quanto mais tempo ficarem
presos, piores se tornarão.
— Existem feitiços que podem tirá-los da escola. — Layla olhou para
Zayne. — Já fizemos isso antes com fantasmas. Basicamente, um exorcismo.
Ele assentiu. — Existem. Quando formos para a escola no sábado à noite,
podemos forçá-los a sair.
Eu levantei a mão. — Tenho um pequeno problema com isso. Você sabe
o que acontece quando você exorciza um espírito? Você não apenas os força a
sair de uma residência ou prédio. Você os manda para o esquecimento. Eles
não conseguem seguir em frente. Com um fantasma, isso é compreensível. Eles
são uma causa perdida. Mas pode haver espíritos e fantasmas lá que são bons,
e eles não merecem isso.
— Nós corremos esse risco? Não há também Pessoas das Sombras lá? —
Layla argumentou.
— Sim, e o exorcismo os mandaria de volta para o Inferno, mas você não
pode simplesmente escolher quem será exorcizado. Ele pegará todos os
espíritos ou fantasmas lá dentro. — Me virei na direção de Zayne. — Não
podemos simplesmente fazer um exorcismo. Temos que bolar um plano
diferente.
Zayne ficou quieto por um momento. — Vocês duas estão certas. Não
seria justo com os presos, mas também é um risco.
Olhei para ele. — Essa afirmação não ajudou.
— Eu não pensei que fosse, mas não tenho certeza do que você quer que
eu diga. Podemos não ter escolha.
Raiva passou por mim quando eu desviei o olhar de Zayne. Recusei-me
a acreditar que essa era nossa única escolha. Estava errado.
— Embora eu adorasse ficar aqui e ouvir todos vocês discutindo, acho
que vocês três estão esquecendo uma peça muito importante — disse Roth. —
Esses túneis são protegidos, e aposto que a escola inteira também está
protegida. O exorcismo não funcionará.
Ele estava certo.
Layla praguejou baixinho, se virando. — Então o que vamos
fazer? Porque estou supondo que isso também significa que Trinity não pode
ir lá e levá-los adiante.
— Isso nos deixa com apenas uma opção — disse Zayne. — Temos que
derrubar as proteções.
Nesse ponto, decidimos coletivamente que tínhamos visto o
suficiente. Peguei uma carona com Zayne para sair, dando boas-vindas ao ar
livre, mesmo que cheirasse levemente a escapamento.
Caminhando pelo gramado em direção à calçada, fiquei grata por estar
sob o sol forte e quente. Minha pele e meus ossos estavam gelados como se eu
tivesse passado horas em um frigorífico.
Derrubar as proteções angelicais parecia um grande plano, mas nenhum
de nós sabia como realizá-lo. Nem mesmo Roth, que alguém pensaria que
sabia algo sobre contornar proteções de anjo. A única pessoa em quem
consegui pensar foi em meu pai.
Recuperar essa informação dele era tão provável quanto eu renunciar a
alimentos fritos e refrigerantes.
— Vou checar com Gideon — Zayne estava dizendo quando chegamos
às árvores que ladeavam a calçada. — Ver se ele está ciente de uma maneira.
— Vou perguntar por aí também. — Roth colocou o braço sobre os
ombros de Layla. — Com cuidado e silenciosamente. — Ele olhou para a
rua. — E apenas para sua informação, tenho pessoas de olho em Bael. Ainda
não foi localizado.
— Nem o senador Fisher — respondeu Zayne.
Um caminhão branco passou, indo em direção à escola. Era como um dos
caminhões que eu tinha visto estacionado do lado de fora na noite anterior. —
Ei. — Eu me virei na direção de Zayne. — Aquele caminhão. Qual é o nome
dele?
Zayne olhou com a cabeça inclinada. — Diz “Construção de Bar Rhinge
and Sons”. É o nome da construtora que trabalha na escola. Não peguei isso
ontem à noite.
— Eu vi e esqueci, — eu disse. — Precisamos ver se podemos encontrar
algo sobre eles.
Zayne já estava com o celular, ligando para Gideon. O Guardião
respondeu rapidamente, e enquanto Zayne lhe contava sobre o túnel, a escola
e a construtora, pisei na calçada e olhei em direção à escola.
— Uma Boca do Inferno, — eu disse. — Não é assim que você e Stacey
chamam?
— Sim — disse Layla. — E nós estávamos apenas meio que brincando.
Mesmo enquanto minha pele estava derretendo sob o sol quente, um
arrepio desceu pela minha espinha. — Talvez vocês estejam no caminho
certo. Não a variedade de Bocas do Inferno de Buffy, mas algo assim.
— Gideon está cuidando disso agora. Ele está maravilhado com toda essa
coisa de linguagem angelical. Acho que ficou louco no momento em que
percebeu que tinha armas de anjo de verdade em sua posse. — Zayne sorriu. —
Ele quer que a gente vá ao complexo para conversar com ele sobre os planos
que encontramos na casa do senador. Ele acha que pode estar no caminho
certo.
— Isso é uma boa notícia — eu disse. Nós realmente precisávamos de
boas notícias.
— Mantenha-nos atualizados — disse Roth quando começamos a
caminhar de volta para o cruzamento. — Especialmente se essas malditas
lâminas desaparecerem. Assim que os outros perceberem o que eles têm em
sua posse, quero saber se há um Guardião que decida que pode usá-las.
Zayne acenou com a cabeça.
— Você pode me fazer um favor? — Layla perguntou a Zayne quando
chegamos a uma esquina.
— Claro — ele respondeu.
Não pude deixar de notar o quão longe os dois haviam ido desde a
primeira vez que os vi juntos. Isso era bom, pensei, sorrindo.
— Quando você vir Stacey mais tarde, você pode tentar convencê-la a
ficar fora da escola? — ela perguntou, e o sorriso congelou no meu rosto. —
Talvez ela ouça você.
Zayne olhou para mim antes de responder. — Sim, vou falar com ela.
Desejei que Zayne tivesse dirigido sua motocicleta, porque pelo menos
assim eu poderia fingir que não podia ouvi-lo. Infelizmente, estávamos em seu
Impala e tinha problemas de visão, não de audição.
— Eu ia te contar sobre Stacey — ele disse, na metade do caminho para
o complexo.
Olhando pela janela, mordisquei minha unha do polegar. — Você não
tem que me contar.
— Eu sei que não — ele respondeu, e fiz uma careta para a janela, sem
saber por que ele achava que confirmar isso ajudava. — Ia te contar porque
queria.
— Oh, — eu murmurei, focando nos edifícios borrados e nas pessoas. —
Legal.
Ele obviamente não acreditou que eu achasse isso legal. — Ela e eu
realmente não conversamos ontem.
— Compreensível. — Fiquei meio surpresa que o sorvete social foi
ontem. Parecia uma semana atrás. — Meio que estraguei tudo isso.
— Não é isso que estou dizendo — corrigiu. — É só com tudo o que
aconteceu com Sam e...
— Você não precisa se explicar. Tenho certeza de que isso já foi
estabelecido, — eu disse com o polegar. — Seja como for, de qualquer forma,
porque preciso fazer as malas.
— Não estou tentando me explicar. Simplesmente esqueci tudo o que
aconteceu desde então e Layla trouxe o assunto à tona. — Ele fez uma pausa e
então senti seus dedos em meu pulso, enviando um choque de consciência
através de mim. Ele puxou minha mão da minha boca. — Eu não estava
tentando esconder de você.
Olhei para baixo quando ele baixou minha mão para minha perna. Seus
dedos permaneceram logo abaixo das contusões que já estavam
desaparecendo.
— Prometo a você, — ele acrescentou. — Eu não estava tentando
esconder.
Meu olhar foi até ele. Ele estava focado na estrada e eu não sabia se
acreditava nele ou não. Tudo o que pensava e sentia por Zayne distorcia meus
instintos quando se tratava dele. Eu queria acreditar nele, mas saber que ele a
estava vendo novamente também fez meu peito parecer vazio e meu estômago
pesado.
O ciúme era uma droga.
— Eu acredito em você. — Mudei minha mão quando voltei a olhar pela
janela. Os prédios deram lugar a árvores e eu sabia que não estávamos longe
do complexo. — Espero que Gideon tenha encontrado algo.
— Sim, — ele respondeu depois de alguns segundos. — O mesmo.
Não falamos depois disso e chegamos ao complexo cerca de dez minutos
depois. Gideon nos encontrou na porta e nos conduziu ao escritório de Nicolai.
O líder do clã não estava lá, mas Danika estava de pé atrás da mesa, as
palmas das mãos apoiadas na madeira brilhante cor de cereja. Diante dela
havia duas folhas grandes de papel quase transparentes e, apoiadas ao longo
da mesa, mais dois papéis enrolados.
Danika sorriu para nós e eu retribuí o gesto com um aceno.
Porque eu era uma idiota.
— Gente, eu tenho algo interessante para vocês. — Gideon cruzou o
escritório enquanto Zayne fechava a porta atrás de nós. — Algo que gostaria
que tivéssemos sabido antes. Aquela escola que Layla frequentou? Alturas na
Colina? É a peça que faltava.
— O que você encontrou? — Zayne perguntou quando chegamos à
mesa. Olhei para baixo, incapaz de ver o que estava olhando.
— O que nosso senador tem feito. — Gideon se inclinou sobre a mesa. —
Mas primeiro, estou procurando maneiras de quebrar uma barreira angelical.
— Ele tossiu uma risada. — Isso vai levar algum tempo e não tenho certeza se
é possível. — O olhar de Gideon encontrou o meu e então ele olhou para
Danika. — Nunca vi uma escrita angelical antes, então isso é legal. O que não
é legal é este Precursor ter possuído lâminas de anjo e ser capaz de lançar uma
proteção angelical. Os únicos seres que eu, naturalmente, suporia que
poderiam fazer isso são um anjo ou alguém com muito sangue de anjo.
Mantendo minha expressão em branco, olhei para os papéis. Não tinha
ideia de como ler a escrita angelical, mas este outro Verdadeiro Nascido - o
Precursor - podia, e eu só podia supor que isso significava que seu pai angelical
tinha sido muito mais prático do que o meu.
— O que é tudo isso? — Zayne apontou para os papéis, mudando o
assunto suavemente.
— A camada superior são os planos de construção de Fisher, que você
encontrou, e abaixo deles está a escola, que é o layout antigo que encontrei em
registros públicos. Como você pode ver, seus planos se encaixam na pegada da
escola.
— Eu vejo isso. — Zayne moveu o dedo sobre os contornos. — Mesmas
linhas.
— Mas isso não é tudo. — Danika pegou o papel enrolado mais próximo
dela. — Gideon conseguiu os planos de reforma da escola.
— Era o nome da construtora — explicou ele, levantando a folha superior
e puxando a inferior. — Consegui invadir seus servidores em cerca de dez
segundos, e foi isso que descobri. — Ele sorriu para Danika. — Quer fazer as
honras?
Ela desenrolou o papel, espalhando-o sobre os planos do senador para a
misteriosa escola. Vi o nome da empresa rabiscado na parte superior. — Diga-
me a primeira coisa que você notar.
Apertei os olhos, tentando me concentrar nos quadrados e linhas
borradas.
— São os mesmos malditos planos, — disse Zayne. — Olhe aqui, Trin. —
Ele desenhou o dedo ao longo de uma forma retangular. — Esse é o refeitório
e estas são as salas de aula. — Ele continuou a apontar as áreas. — É a velha
escola de Layla.
— Isso não é tudo — disse Danika, erguendo as sobrancelhas para
Gideon.
— Então, quando procurei pela primeira vez a empresa Bar Rhinge and
Sons, não consegui encontrar muito dela, exceto um site barato com um
portfólio e informações de contato bastante questionáveis. Nada online sobre
os proprietários, mas fiz algumas pesquisas rápidas e descobri o nome sob o
qual a empresa está registrada.
— Natashya Fisher. — Danika se afastou da mesa. — Como a falecida
esposa do senador Fisher.
— Obviamente, descobrir que esses planos de reforma correspondem aos
do senador nos diz que o senador está ligado à escola, mas isso é mais uma
confirmação.
Olhei para o nome da empresa, e não sei por que ele se destacou, em
seguida, ou o que me fez vê-lo, mas era como se as palavras embaralhadas na
minha frente e eu o vi. — Puta merda. O nome da empresa. Bar Rhinge. Talvez
eu esteja vendo coisas, mas essas letras também não significam Harbinger1? —
— O que? — Danika olhou para baixo e então ela estremeceu. —
Inferno... — Agarrando um pedaço de papel e lápis da mesa, ela escreveu o
nome da empresa e, em seguida, Harbinger embaixo dele. Ela rapidamente
conectou as letras. — Você tem razão.
— É um anagrama. — Zayne soltou uma risada. — Boa pegada, Trin.
Com as bochechas corando, dei de ombros. — Quer dizer, nós já sabemos
que eles estão todos conectados, então não é grande coisa.
— É um grande negócio. É mais uma prova de que estamos no caminho
certo — disse ele.
— Ele está certo — concordou Gideon. — Eu deveria ter visto isso. É
meio óbvio depois que você o faz.
— Nem sempre se pode ser o mais nerd da sala — comentou Danika.
— Discordo. — Gideon pegou o outro rolo de papel e o desenrolou em
cima das plantas. — Essa coisa toda me fez pensar - o que diabos está
acontecendo com aquela escola? Antes disso, tínhamos muita atividade
demoníaca lá. É o mesmo lugar onde o Lilin foi criado. Agora o senador vai
“reformá-la”, e está cheio de fantasmas e espíritos aprisionados, além de túneis
próximos ou embaixo dele com proteções angelicais. Não há como tudo isso
ser uma coincidência.
— Tem que ser a Boca do Inferno — murmurei, olhando para o papel que
ele largou. Tudo o que vi foram centenas de linhas, algumas mais ousadas do
que as outras.

1 Precursor
— Não é uma Boca do Inferno, mas é definitivamente algo. — Gideon
deu a volta para ficar ao lado de Danika. — O que você está vendo é um mapa
de linhas Ley - linhas intangíveis de energia. Elas estão alinhadas em todo o
mundo com marcos significativos ou locais religiosos. Os humanos pensam
que é uma pseudociência, mas é real. Essas linhas são pontos de navegação
retas que conectam áreas em todo o mundo.
— Já ouvi falar delas. — As sobrancelhas de Zayne franziram. — Em um
programa onde as pessoas investigam assombrações falsas.
— Ei. — Olhei para ele. — Como você sabe que elas são falsas?
Zayne sorriu.
— Muitas coisas estranhas ocorrem ao longo das linhas Ley. Grandes
eventos históricos no mundo humano, lugares onde as pessoas afirmam
experimentar mais atividade espiritual, — Danika entrou na conversa. —
Áreas onde os Guardiões frequentemente encontravam populações de
demônios maiores do que o normal.
— Frequentemente, encantamentos ou feitiços são mais poderosos e,
portanto, bem-sucedidos ao longo das linhas Ley. Elas indicam áreas
poderosas e carregadas — continuou Gideon. — E esta aqui? — Ele passou o
dedo sobre uma linha vermelha mais grossa e parou sobre um ponto
vermelho. — Esta é a mesma linha Ley que se conecta de Stonehenge até a Ilha
de Páscoa... e este ponto? — Ele bateu com o dedo. — Este é um centro e não
fica apenas em torno de Washington, DC, mas quase no topo da área onde fica
Alturas na Colina.
Puta merda.
— Pode ser por isso que o Precursor está interessado nesta escola — disse
Zayne, olhando para mim. — Não é um local aleatório.
— Faria sentido se tudo o que ele está planejando exigir uma grande
variedade de energia espiritual e celestial. Esse tipo de poder, exercido por
alguém que sabe como controlá-lo, pode transformar um pedaço de papel
amassado em uma bomba atômica, e isso torna quase tudo possível.
Capitulo 32
— Você realmente é péssima em dobrar roupas — Peanut apontou de
onde estava flutuando perto do teto.
— Obrigada, — murmurei, me perguntando como eu colocaria todas
essas roupas na bagagem em primeiro lugar. Olhei para cima, para Peanut. —
O que você está fazendo aí?
— Mediando.
— Parece legítimo. — Dobrei uma regata enquanto minha mente
lentamente, mas certamente circulava de volta para o que eu estava tentando
não pensar desde que Zayne tinha deixado o apartamento.
O que ele estava fazendo com Stacey? Eles estavam tendo outro sorvete
social? Assistindo a um filme ou indo àquela churrascaria que ele me levou?
Balancei minha cabeça enquanto enfiava o top na bagagem. Não
importava, e isso era o melhor. Ele merecia ter algum tipo de vida além de ser
meu Protetor, com quem ele escolhesse. Eventualmente, a dor em meu peito
iria desaparecer, e eu passaria a olhar para Zayne como nada mais do que meu
Protetor ou meu amigo. Talvez, então, até encontraria alguém com quem...
passar o meu tempo.
Se vivêssemos o suficiente.
O que tínhamos descoberto hoje era grande coisa, mas também tinha
criado mais perguntas do que respostas e eu não conseguia afastar a sensação
de que algo estava faltando.
Algo enorme.
Ainda não sabíamos o que o Precursor planejava fazer na escola, como o
plano envolvia os espíritos aprisionados e por que ele não apenas tinha lâminas
de anjo, mas também foi capaz de usar uma proteção angelical para prendê-
los. Algo não fazia sentido, porque mesmo se seu pai angelical fosse o pai do
ano, por que um arcanjo ensinaria a proteção de anjos a um Verdadeiro
Nascido? Eu não tinha uma resposta para isso.
Enquanto isso, Zayne provavelmente estava comendo sorvete e
Twizzlers.
Peguei um par de jeans, o material estremecendo quando o dobrei.
— O que esses jeans fizeram com você? — Peanut desceu ao meu lado.
— Eles existem.
— Alguém está de mau humor.
Levantei um ombro.
— Onde está Zayne?
— Fora.
— Por que você não está com ele?
— Porque eu preciso fazer as malas — disse a ele, não querendo entrar
na coisa toda.
— Ele provavelmente vai levar dez minutos para fazer as malas — disse
ele, olhando para o armário. — Ele é tão organizado.
Eu não disse nada.
— E você é a coisa mais desorganizada que já testemunhei.
Dei a ele um olhar que prometia morte certa. Provavelmente teria
funcionado se já não estivesse morto.
Ele sorriu para mim, e com sua cabeça mais transparente do que sólida,
parecia uma abóbora assustadora.
Eu sentia falta do Halloween.
— Sabe, segui Zayne para o novo apartamento ontem. Ele parou lá antes
de subir aqui.
Eu não sabia disso, mas isso explicava onde ele tinha estado depois que
eu tinha subido até o apartamento. — Como é o lugar?
— Legal. Dois quartos. Dois banheiros. A cozinha e a área de estar são
iguais. — Ele cruzou as pernas enquanto descia para o chão. — Na verdade, é
o apartamento mais ou menos abaixo deste.
— Legal. — Eu estava apenas meio com enciumada por Peanut ter visto
o novo lugar e eu não. — Acho que os carregadores vão aparecer amanhã para
pegar o sofá e outras coisas. Eles vão ficar com a cama por último.
— Sério? — ele puxou a palavra. — Então, onde Zayne vai dormir?
Boa pergunta. Meu estômago embrulhou, embora eu soubesse que não
seria comigo. — Não sei. Talvez ele fique no novo lugar.
— Isso seria solitário.
Dei de ombros.
— O novo lugar é parecido com o de Gena, mas ela tem três quartos e
um escritório — disse ele. — Mas eu não acho que ninguém vá para a cova.
Gena.
Droga, tinha me esquecido daquela garota de novo. — Fale-me sobre ela
— disse enquanto dobrava outra camisa.
— Não há nada a dizer.
Eu olhei para ele. — Você poderia me dizer como a conheceu.
— Bem, eu estava entrando e saindo de apartamentos, verificando as
pessoas, vendo como os legais vivem.
Meu nariz enrugou.
— E eu estava na cozinha dela, olhando para os ímãs que eles têm na
geladeira - e por falar nisso, vocês todos podem usar alguns ímãs - e ela me viu
e disse oi.
— Não te assustou que ela pudesse te ver?
— Me assustou quando eu soube que você podia me ver.
Abaixei a camisa que peguei. — Uh, sim. Você gritou como uma banshee.
— Oh. Sim. — Peanut deu uma risadinha. — Eu fiz.
Balançando a cabeça, enrolei a camisa e joguei na bagagem. — Então, em
qual apartamento ela está?
— Por que você quer saber isso?
— Porque eu gostaria de conhecê-la.
— Não quero que você a conheça.
— O que? — Fiquei meio ofendida.
— Porque você provavelmente a assustaria, e ela tem o suficiente para
lidar.
Encostei-me ao pé da cama. — O que ela tem que lidar? Lição de casa e
pais?
— Você não tem ideia.
Meu olhar se fixou nele. — Então me diga.
— As coisas estão... complicadas com ela e sua família. — Ele caiu de
costas e afundou no meio do chão. — E isso é tudo que posso dizer.
Fiz uma careta para ele. — Por que você não pode dizer mais?
— Porque prometi a pequenina que não falaria com ninguém sobre essas
coisas — disse ele. — E eu mantenho minhas promessas.
— Mas eu não sou qualquer uma — raciocinei. — Eu sou... Droga!
Peanut havia afundado completamente no chão, e eu sabia que ele não
voltaria por um tempo.
O fato de ele não me contar nada sobre a garota ou sua família era
preocupante. Acrescentei descobrir mais sobre ela à lista pela terceira vez,
preocupada que algo de ruim estava acontecendo com ela, ou ela estava
fazendo algo que não deveria.

No momento em que ouvi a porta da frente abrir, pulei da cama. Era


tarde. Como se a noite tivesse caído um pouco tarde. Não esperava que Zayne
demorasse tanto.
Movendo a mala que finalmente consegui arrumar, com exceção das
roupas para os próximos dias, eu disse a mim mesma para não sair por aí,
porque pareceria que estava esperando por ele. O que eu tinha estado.
Enrolei meus dedos em torno da maçaneta da porta fria.
Mas eu tinha perguntas.
Tipo, o que eles fizeram? Eles compartilharam um jantar romântico à luz
de velas entre amigos? Eles assistiram a um filme depois ou foram dar um
passeio? Ou de volta para a casa de Stacey? Porque eram quase onze horas,
então de jeito nenhum eles simplesmente jantaram. Eles passaram horas
conversando ou beijando? Eu não havia sentido nada... estranho através do
vínculo, mas isso não significava nada, já que a distância o enfraquecia. E
mesmo que Zayne insistisse que eles eram apenas amigos, Stacey era muito
bonita, e eles tinham ficado no passado. Havia algum nível de atração ali, física
e emocional, e Zayne não...
Ele não poderia estar comigo.
Provavelmente nem queria estar comigo agora.
Meu estômago deu um nó. Eu precisava jogar com calma. Disse a mim
mesma quando abri a porta do quarto com tanta força que quase a arranquei
das dobradiças.
Lá se foi jogar com calma.
Minha visão estreita varreu a sala de estar, parando na forma borrada de
Zayne. Ele estava parado atrás do sofá como se tivesse parado abruptamente.
Ele olhou para mim.
Encarei de volta, e o silêncio se estendeu entre nós até que eu não
aguentei mais. — Oi.
Zayne estava longe demais para eu saber se ele sorriu, mas parecia que
havia um quando falou. — Ei.
Resistindo ao impulso de acenar para ele como uma idiota, juntei minhas
mãos. — Você voltou.
— Voltei. — Ele deu um passo à frente e depois outro. — Eu não tinha
certeza se você ainda estaria acordada.
E esperando por ele? Me encolhi. Era tão óbvio? — Estava me
preparando para dormir e estava com sede.
Isso era uma mentira total, mas pelo menos eu estava de pijama.
Saí do quarto, dizendo a mim mesma para apenas caminhar até a
geladeira, pegar uma garrafa de água e depois voltar.
Não foi isso que eu fiz.
— Você se divertiu?
— Sim — disse ele, e então houve uma pausa. — Eu acho.
— Você acha?— Cruzei meus braços. — Você chegou bem tarde, então eu
acho que você se divertiu.
Ele inclinou a cabeça. — Não é tão tarde.
— Então... — Mudei meu peso de um pé para o outro. — O que vocês
fizeram?
Zayne se encostou no sofá, segurando as costas dele com as mãos. —
Fomos jantar e depois descemos ao shopping. Nós apenas passeamos e
conversamos.
A irritação se tornou viva, e eu tentei selá-la, mas eu queria andar no
shopping com Zayne e não fazer nada, mas falar e rir como pessoas normais,
como planejamos antes de tudo ter ido para o inferno.
Precisava pegar uma bebida e ir para a cama. Isso é o que realmente
precisava fazer.
Então, em vez de fazer isso e manter minha boca fechada, eu disse: —
Parece um encontro adorável.
As costas de Zayne se endireitaram. — Encontro?
Levantei meus ombros em um encolher. — Quer dizer, não tenho
participado de muitos. — Nem de nenhum, mas tanto faz. — Mas é isso que
parece para mim.
— Não foi um encontro, Trin. Eu te falei isso. Não é assim entre Stacey e
eu, não mais.
— Não é? — A irritação estava dando lugar à raiva - e ciúme. E, oh Deus,
eu precisava ter controle, porque não era assim entre nós também. — Não é
nada demais. Eu não me importo, de qualquer maneira.
— Parece que você se importa muito.
— Você está errado.
— Sim, eu acho que não. Você está com ciúmes.
Abri minha boca enquanto o calor inundava minhas bochechas. Eu não
podia acreditar que ele tinha falado assim. — Eu não estou...
— Nem diga que não está. Eu posso senti-lo. — Ele balançou a cabeça
enquanto se levantava do sofá. — Sabe, não acredito que você realmente pensa
que esta noite foi algo como um encontro.
Minhas costas se endireitaram. — Por que eu não pensaria isso? Você
está solteiro. Ela também. Vocês dois têm uma história. Não entendo por que
você acha que é uma conclusão tão maluca de se chegar.
— Você não acha? — Ele deu mais um passo em minha direção, e suas
feições se tornaram menos desfocadas. Ele estava definitivamente
carrancudo. — Você realmente acha que, depois de tudo o que aconteceu entre
você e eu, eu sairia em um encontro com outra pessoa?
Lentamente, desdobrei meus braços. — O que aconteceu entre nós não
importa.
Suas sobrancelhas se ergueram. — Não importa?
Eu balancei minha cabeça, mesmo que fosse mais uma mentira, porque
o que aconteceu entre nós importava.
Sempre importaria.
— Não pode — eu disse, finalmente falando a verdade.
Com os lábios curvados em um careta que parecia como um sorriso cruel,
ele balançou a cabeça enquanto olhava para longe. — Eu não sei quem você
pensa quem sou, e diabos se quero saber, mas deixe-me dizer uma coisa, Trin.
— Seu olhar voltou para o meu. — Não há nenhuma maneira no Inferno de eu
estar lá trepando só porque não posso ter a pessoa que quero.
Minha respiração ficou presa.
Zayne estava agora a apenas um metro de mim. — Talvez algumas
pessoas funcionem assim, mas eu não. Você deveria saber disso.
Deveria.
Parte de mim sabia, no fundo - a parte lógica de mim que raramente
escutava. A mesma parte de mim que aparentemente me deixou presa no
momento.
— E se você acha que sou capaz de fazer qualquer coisa com alguém,
então obviamente não tem prestado atenção.
Engolindo em seco, dei um passo para trás e depois outro.
— Você me deixa louco — disse ele, estreitando os olhos. — Olhando
para você agora, posso dizer que ainda há uma parte de você que não tem ideia.
— Eu...
Isso é tudo que eu consegui dizer. Zayne se moveu tão rápido que não
pude nem o rastrear, provavelmente não seria capaz mesmo se tivesse bons
olhos. Ele estava lá e, de repente, suas mãos estavam na minha cintura. Ele me
levantou e, em um segundo, minhas costas foram pressionadas contra a parede
fria de cimento.
Então sua boca colidiu com a minha e não havia nada lento ou hesitante
nesse beijo - sobre a forma como seus lábios se moveram contra os meus - e
meus lábios se separaram para ele. O som que ele fez aqueceu minha pele, e eu
apenas reagi da maneira que estava querendo, precisando. O beijei de volta. E
o beijo era... oh Deus, era tudo, porque eu não queria suave ou
questionador. Queria isso. Duro. Rápido. Cru. Ele me beijou como se estivesse
se afogando e eu fosse o ar, e eu não tinha certeza se já tinha sido beijada
assim. Nem mesmo por ele. Nem sabia que poderia ser beijada assim.
— Desculpe — disse ele. — Eu esqueci que beijar era proibido.
Eu não tinha palavras.
— Só porque não devo querer você, não significa que parei de desejá-la
— disse ele. — Só porque o que eu sinto por você fisicamente não deveria
significar algo mais, não significa que parei de querer você. Isso não mudou.
Suas palavras foram uma mistura surpreendente de calor e frieza quando
sua boca encontrou a minha novamente. Eu queria ouvi-lo dizer
isso. Precisava, porque era bom, gostoso e certo. Mas suas palavras também
trouxeram um choque de realidade fria com elas.
Ele não deveria estar fazendo isso.
Nem eu.
Tudo isso parecia mais.
— Você quer isso? — ele disse, a voz grossa. — Isso não mudou?
— Não — admiti. — Nunca.
Sua boca estava na minha novamente, seus beijos como longos goles de
água, e eu queria mais. Queria muito. Quebrando o beijo, inclinei minha
cabeça para trás contra a parede enquanto meu coração batia forte. — As
regras...
Zayne seguiu, recuperando a escassa distância. Seus lábios roçaram os
meus, enviando um arrepio pela minha espinha. — Foda-se as regras.
Meus olhos se arregalaram quando o fundo da minha garganta fez
cócegas com uma risada. — Zayne.
— O que? — Sua testa tocou a minha enquanto suas mãos apertavam
meus quadris. — Seguir as regras nunca me beneficiou no passado. Tudo o que
fiz foi seguir as regras.
Sua pele aqueceu sob minhas mãos enquanto eu olhava para ele. —
Tenho certeza de que trabalhar com demônios é o oposto de seguir as regras.
— Exatamente. Quando eu finalmente quebrei essas regras, na maior
parte, só coisas boas vieram disso. — Me perguntei o que ele quis dizer com
a maior parte. — Havia outras regras que eu gostaria de nunca ter
seguido. Regras que não serviam a nenhum propósito além de me controlar.
— Mas meu pai...
— Eu não me importo, — ele disse. — Nada aconteceu da última vez que
nos beijamos, ou quando fizemos mais. Nada aconteceu antes do vínculo e
nada aconteceu depois. Nós dois ainda estamos aqui.
— Nós estamos, mas isso não significa nada.
— Quantas regras existem que não fazem absolutamente nenhum
sentido? — Zayne raciocinou e eu não pude responder, porque havia muitas
regras que eram uma piada. Ele riu, e o som retumbou por mim. — Eu não
posso acreditar que você está argumentando para seguir as
regras. Normalmente é o contrário.
Meus lábios se contraíram. — Talvez seja dia do oposto?
— Talvez... — Suas mãos flexionaram em meus quadris, e então ele me
moveu mais para cima. O instinto me levou a agarrar seus ombros e enrolar
minhas pernas em volta de sua cintura. Nossos corpos estavam alinhados da
maneira mais interessante... e então ele pressionou contra mim, fazendo minha
respiração prender. — E talvez às vezes seguir as regras não seja a coisa certa a
fazer.
— Talvez — repeti, minha pele zumbindo com o contato enquanto levava
a mão ao lado de seu pescoço, até sua mandíbula. Uma mecha de cabelo roçou
minha palma enquanto meus olhos procuravam seu rosto. Tão perto, todos os
detalhes de suas feições eram surpreendentemente claros. — Talvez você esteja
certo.
Um lado de seus lábios se ergueu. — Eu estou sempre certo. Você ainda
não percebeu isso?
Um sorriso puxou minha boca e depois desapareceu quando meu
coração trovejou no meu peito com um desejo que me fez sentir como se minha
pele fosse se abrir completamente com ele. Zayne estava bem aqui, onde eu o
queria, onde passei incontáveis momentos desejando que estivesse. Agora que
ele estava aqui, parecia impossível, mas de alguma forma inevitável.
Sua mão deslizou pelo meu lado, parando logo abaixo do meu seio. Cada
célula do meu corpo parecia entrar em curto como se eu fosse um fio elétrico.
Eu queria Zayne.
Era uma coisa física, sim. Meu corpo queimava por ele - por seu toque,
por sua mera presença. A cada dia que estávamos perto um do outro, ficava
cada vez mais difícil ignorar a necessidade quase irresistível, mas era mais do
que um desejo físico. Era ele, tudo sobre Zayne. Seu humor e inteligência. Sua
necessidade de proteger aqueles que outros não consideravam dignos de
proteção. A maneira como ele, às vezes, me olhava como se fosse o ser mais
importante já criado. Foi até mesmo da maneira que eu sabia que ele amava
Layla, ficara magoado com sua perda, mas ainda queria que ela fosse feliz com
Roth. Eram os momentos. Quando um riso se transformava em uma verdadeira
risada. Quando ele se deixou ir, escapuliu do papel de Guardião e Protetor
para ser apenas Zayne. Era aquele jantar e as noites em que ele estava lá para
afastar os pesadelos. Foram os momentos em que ele me ajudou a esquecer
Misha.
E tudo isso... me apavorou, porque eu estava... estava me apaixonando
por ele, e isso era proibido. Mesmo se não fosse, era arriscado, porque ele tinha
amado Layla tão completamente, e eu não sabia se isso significava que ele tinha
a capacidade de sentir esse tipo de amor novamente.
Mas Zayne me queria.
Eu podia sentir o quanto ele me queria, através do vínculo e na forma
como seu corpo tremia contra o meu, e percebi que ele não estava mais lutando
contra isso.
E eu... parei de lutar.
Parei de pensar e me preocupar.
Nossos lábios se encontraram, e o beijo foi forte e profundo, e quando a
ponta da minha língua tocou a dele, fiquei perdida no som baixo que retumbou
do fundo de sua garganta.
Zayne me pressionou contra a parede, sua mão embalando meu rosto
enquanto me beijava, balançando seus quadris contra os meus. Presa como eu
estava entre ele e a parede, não havia como escapar da onda de sensações que
cada movimento de seus quadris provocava. Gemi em sua boca, e qualquer
controle que Zayne pudesse ter foi quebrado.
Com uma onda poderosa, ele me puxou para longe da parede e se virou,
sua boca nunca deixando a minha enquanto ele caminhava para trás. De
alguma forma, chegamos ao quarto. Ele me deitou de costas e só então sua boca
deixou a minha. Seus lábios traçaram um caminho pelo meu pescoço enquanto
suas mãos deslizavam sob a minha camisa. Seus dedos se curvaram ao redor
do material enquanto ele erguia a cabeça. Uma pergunta encheu seus olhos
luminosos, a necessidade absoluta derramando de cada centímetro de seu
rosto.
— Sim — eu disse a ele.
Suas pupilas se contraíram e depois se estreitaram em fendas verticais. —
Graças a Deus.
Eu teria rido, mas não havia ar suficiente em meus pulmões. Levantei
meus braços e ombros, e ele tirou minha camisa e a jogou de lado. Ele recuou,
olhando para mim enquanto seu peito subia e descia tão fortemente que
esticava o tecido de sua camisa.
Zayne colocou a palma da mão na minha barriga, logo acima do meu
umbigo. — Eu já disse isso antes, mas sinto a necessidade de dizer isso de novo
e de novo. Você é linda, Trinity.
Eu me sentia linda quando ele me olhava assim, quando dizia meu nome
desse jeito, mas então sua mão se moveu, e tudo que pude pensar foi em seu
toque. Sua palma passou por cima das minhas costelas e depois subiu. Meus
dedos se enrolaram no cobertor grosso enquanto seu polegar deslizava em
círculos enlouquecedores em torno de uma área mais sensível.
Então sua boca seguiu sua mão, e eu arqueei contra ele, ofegando
enquanto enrolava minhas pernas em torno de seus quadris, movendo-me
inquieta contra ele.
Zayne tomou seu tempo, me deixando sem fôlego quando ele finalmente
abriu um caminho com seus lábios e língua no centro do meu estômago,
demorando em volta do meu umbigo e então indo mais para baixo. Ele
facilmente quebrou o aperto de minhas pernas, se afastando enquanto puxava
meu short.
Levantei meus quadris e com um movimento rápido, fui despojada de
todas as roupas. Tudo. Um rubor inebriante varreu meu corpo, e ele o seguiu
com o olhar.
— Deus, Trin. — Sua voz era gutural, quase irreconhecível.
Com as mãos tremendo, levantei-me sobre os cotovelos. — Isso não é
justo.
— Não é? — Ele ainda olhava fixamente para mim.
— Você ainda está com todas as suas roupas.
— Eu estou. — Seus cílios levantaram. — Quer fazer algo a respeito
disso?
— Sim. Sim. — Eu balancei a cabeça apenas no caso de não ter sido
verbalmente clara.
Zayne esperou.
Sentando, agarrei sua camisa e puxei. O material esticou e rasgou,
cedendo antes que eu percebesse o que tinha feito.
— Oh. Merda. — O soltei. O material arruinado se abriu, revelando uma
pele dourada esticada. — Desculpe?
— Não se desculpe. — Ele deu uma risadinha. — Isso foi muito excitante.
Eu sorri.
Zayne jogou a camisa no chão. Peguei sua calça, conseguindo liberar o
botão e o zíper antes que ele pegasse meus pulsos. — Ainda não.
— Por que não?
— Porque há algo em que tenho pensado sem parar e estou morrendo de
vontade de fazer — disse ele, segurando meus pulsos. Ele desceu e prendeu
minhas mãos na cama. Sua boca cobriu a minha e então ele começou tudo de
novo. Beijando-me sem fôlego, sem sentido, até que, quando ele soltou minhas
mãos, eu não pude nem me mover, mas então ele estava seguindo aquele
caminho novamente, parando nos meus seios e depois no meu umbigo antes
de descer mais e mais.
Meus olhos se abriram quando senti seus lábios contra a parte interna da
minha coxa. A visão dele lá quase me levou ao limite, e a sensação de sua
língua contra a minha pele, chegando cada vez mais perto, me roubou a
capacidade de falar.
Eu nunca tinha feito isso.
Obviamente.
Mil pensamentos entraram em minha cabeça, ameaçando quebrar o
calor, mas quando ele parou, me perfurando com aqueles olhos quando ele
olhou para mim, eu estava...
Fui encontrada.
— Eu posso? — ele perguntou.
O calor me queimava por dentro. Tudo que pude fazer foi acenar com a
cabeça, e então ele disse algo que parecia uma oração.
O primeiro toque de sua boca transformou meus músculos em fogo
líquido.
Um som veio de mim que certamente me envergonharia mais tarde, mas
naquele momento, não me importei. Tudo o que havia neste mundo era ele e
o que estava fazendo. Eu nem sabia o que estava fazendo até agarrar seu ombro
com uma das mãos e ter um punhado de cabelo na outra. Eu estava me
movendo contra ele, tanto quanto podia com sua mão espalmada na minha
barriga, me segurando no lugar enquanto ele... enquanto ele festejava.
Perdi todo o senso de mim mesma, de controle, e foi glorioso. Sem
preocupações. Sem vergonha. Sem medo. Apenas tudo o que ele tirava de
dentro de mim a cada varredura e imersão e...
De repente, era demais - o aperto, a espiral dentro de mim. O fluxo
líquido de sensações cruas derramando e batendo através de mim. Meus dedos
cravaram em seu ombro enquanto empurrava minha cabeça para trás,
ofegando por ar enquanto minha liberação me chicoteava. Eu estava tremendo
e sacudindo quando ele se afastou de mim, levantando a cabeça. Ele plantou a
mão ao lado do meu quadril e levou um momento para meus olhos se
concentrarem nele.
— Zayne — engasguei, tentando recuperar o fôlego.
Um sorriso lento apareceu em seus lábios. — Acho que você gostou
disso. — Ele abaixou a cabeça, beijando minha barriga. — Sei que eu gostei.
— Eu gostei. — Engoli, meu coração batendo forte. Aliviei meu aperto. —
Mas isso não é tudo.
— Não. — Aqueles lábios roçaram uma onda enquanto seu cabelo fazia
cócegas ao lado de minhas costelas. — Não é, mas pode ser.
Arrastei minhas mãos por seus braços, a ansiedade nervosa substituindo
a languidez saciada. — E se... e se eu quisesse tudo?
Zayne ergueu a cabeça, suas feições quase nítidas. Ele não falou.
— Você quer isso? — Sussurrei.
— Deus. Sim. — Sua voz era áspera. — Eu quero.
Meu coração deu um salto quando respirei fundo. — Estou pronta.
— Eu também — disse ele, e eu sabia o que isso significava para ele. Sabia
o que isso significava para mim. Senti tudo quando ele me beijou
novamente. — Um segundo.
Não sabia muito bem o que fazer comigo quando ele rolou e se levantou,
seu jeans pendurado indecentemente baixo quando ele foi para uma
cômoda. Eu meio que apenas fiquei lá, enrolando minhas pernas enquanto ele
abria uma gaveta.
— Um preservativo? — Corei. O que foi estúpido. Se eu não pudesse
dizer camisinha, então provavelmente não deveria estar fazendo o que se
precisava de um preservativo.
— Sim. — Ele se virou, segurando um pequeno papel alumínio entre os
dedos. — Eu sei que nenhum de nós pode transmitir doenças, mesmo se
estivéssemos com alguém, mas...
— Gravidez — sussurrei, arqueando uma sobrancelha. Que eu não
tivesse pensado nisso era alarmante, principalmente porque não tinha certeza
de que isso poderia acontecer. — Isso é possível?
— Não sei. Você não é completamente humana, — ele disse, voltando
para a cama. Ele o jogou no edredom e, por algum motivo, tive vontade de
rir. — Então, provavelmente é aconselhável estar seguro.
— Sim. — Balancei a cabeça, porque, olá, não apenas um bebê seria uma
péssima ideia no momento, mas havia uma boa chance de eu ser a pior mãe
conhecida na história do mundo.
Até eu poderia reconhecer isso.
Zayne sorriu e pegou suas calças. Achei que talvez devesse desviar o
olhar, mas não consegui. Nem mesmo se um chupa-cabra dançasse pelo
quarto.
Quando a calça dele atingiu o chão, tive a sensação de que também teria
caído no chão se estivesse de pé. A primeira vez que nos beijamos - que
tínhamos feito qualquer coisa - o quarto estava escuro e nenhum de nós estava
de pé. Eu não o tinha visto.
O vi agora, e minha boca estava meio seca. Me senti um pouco tonta e
com calor - muito calor.
— Se você continuar me olhando assim, — ele disse, pressionando um
joelho na cama e, em seguida, uma mão no meu ombro. — Então, isso vai ser
muito decepcionante para você.
— Não vejo como. — Arrastei meu olhar para seu rosto. — De jeito
nenhum.
Ele riu enquanto se acomodava ao meu lado, colocando a mão na minha
barriga. — Porque terminaria bem rápido.
— Tenha fé — provoquei. — Você consegue.
E ele conseguiu.
Começando de novo como se fosse a primeira vez que me tocava, ele se
familiarizou novamente com todas as depressões e inchaços do meu corpo com
as mãos e os lábios. Não foi até que minhas respirações fossem curtas e rasas
quando ele alcançou aquele florete e então, depois de um momento, se
deslocou para cima de mim, seu peso apoiado em um braço enquanto sua parte
inferior do corpo se alinhava com a minha.
Eu sabia que era isso. Não havia mais como pisar no freio ou se afastar,
embora soubesse que se o fizesse, ele iria parar. Mas não era isso que eu queria.
Zayne olhou para mim, olhos tão pálidos e ainda tão brilhantes. Seus
lábios se separaram, e eu pensei... Eu pensei que ele poderia dizer algo, mas
então ele me beijou ao chegar entre nós.
Houve um aperto, uma sensação de pressão e plenitude. A sensação
roubou minha respiração e a de Zayne. Ele parou em cima de mim, os braços
e o corpo tremendo.
Esperando.
Esperando até que eu dissesse a ele que estava tudo bem, e quando o fiz,
ele se moveu novamente e, em um piscar de olhos, não havia espaço entre
nossos corpos. Houve uma mordida aguda e ardente que deixou meus olhos
arregalados.
— Sinto muito — ele sussurrou, beijando minha bochecha esquerda,
depois a direita. Outro pingou na ponta do meu nariz e depois em minha testa
úmida. — Eu sinto muito.
Com as mãos trêmulas, alisei suas costas, sentindo seus músculos
enrijecerem e ficarem tensos. — Tudo bem. Isso... isso acontece.
— Gostaria que não. — Ele pressionou sua testa contra a minha. — Eu
não quero que você sinta dor.
A dor fazia parte da vida. Às vezes, deixava cicatrizes, físicas e
mentais. Às vezes levava a algo pior, e às vezes, assim, eu pensava que poderia
ser um passo necessário para algo surpreendente.
— Não é ruim — eu disse a ele, e realmente não era. Era apenas
desconfortável enquanto seu coração batia forte contra o meu.
E, lentamente, ficou melhor. Por alguns minutos, achei que não seria
possível, mas foi, e quando me mexi hesitantemente, a respiração aguda que o
deixou soou como um tipo diferente de dor.
— Trinity — ele engasgou quando, inclinei meus quadris para cima mais
uma vez, e entre o som do meu nome e o atrito interessante, estava se tornando
mais do que apenas melhor. — Estou tentando dar-lhe tempo.
— Já tive tempo suficiente.
— Está bem. — Seus olhos se abriram. — Estou tentando me dar tempo
para que isso não acabe antes mesmo de começar.
Um sorriso puxou meus lábios e, em seguida, uma risada selvagem
borbulhou de mim. Me movi, levantando meus braços e envolvendo-os em
torno de seus ombros. Beijei sua bochecha.
— Eu já disse que você me deixa louco? — ele perguntou.
— Talvez. — Então, porque havia uma estranha vertigem em mim,
belisquei o lóbulo de sua orelha.
A restrição de Zayne estourou, e acho que ele tinha se dado tempo
suficiente. Ele estava se movendo. Eu estava me
movendo. Mãos. Braços. Bocas. Quadris. Pernas. Envoltos juntos, parecia não
haver fim ou começo, e tudo girava em torno da maneira como estávamos
unidos e aquela sensação inexplicável de enrolamento profundo.
Quando ele perdeu todo o senso de ritmo, curvando as costas,
aconteceu. Aquele momento. A onda de puro prazer rugindo através do
vínculo, vindo dele, vindo de mim, inundando-nos em ondas e ondas
infinitas. Não éramos dois. Nós éramos um.
Como se sempre estivesse destinado a ser.
Capitulo 33
O sexo mudou nada e tudo.
Não foi como se de repente eu estivesse diferente, apesar de sentir que
tinha mudado. Que uma parte pequena e oculta que era só para mim, nunca
mais seria a mesma. Era uma sensação boa. Também era uma sensação
estranha e eu não sabia o que fazer com isso.
Foi ainda mais estranho, pensei, enquanto estava deitada na cama e
Zayne foi para a cozinha, que quando me levantei esta manhã, não tinha ideia
de que isso iria acontecer.
Parte de mim ainda não conseguia acreditar que tinha acontecido. Que
tínhamos feito isso, e nenhum de nós foi ferido ou incendiado. Meu pai não
tinha chegado - graças a Deus - enquanto Zayne e eu deitamos juntos depois,
braços e pernas entrelaçados, explorando um ao outro de uma maneira
diferente, menos apressada, mas ainda mais intensa.
O sorriso no meu rosto cresceu enquanto me aninhava sob o
edredom. Havia um peso delicioso em meus membros e, no momento em que
fechei os olhos, senti-o, como se ainda estivesse comigo. Com as bochechas
queimando, rolei e plantei meu rosto no travesseiro e fiquei assim, minha
risada sufocada.
Depois de alguns minutos, ouvi Zayne perguntar: — O que você está
fazendo?
— Meditando — eu disse, repetindo o que Peanut havia afirmado antes.
Ele riu. — Técnica interessante.
Levantando minha cabeça, rolei para o meu lado. Zayne vestiu uma calça
de moletom e foi isso, então tudo que consegui no início foi uma visão cheia
do peito.
E isso era bom.
Mais do que bom.
Então vi o que ele segurava em suas mãos.
Sentei tão rápido que quase me machuquei. — Você tem biscoitos — eu
disse. — Biscoitos e refrigerantes.
— Sim. Eu estava com fome. Achei que você também estaria.
— Estou sempre com fome. — Levantei a mão, mexendo meus dedos. —
Mas você está comendo biscoitos e bebendo refrigerante?
— Achei que esta noite fosse a noite perfeita para a gula. — Seus olhos
tinham uma qualidade velada enquanto ele olhava para mim. — Me desculpe,
do que estamos falando? Estou distraído agora.
Olhando para baixo, percebi que o edredom se acumulou em volta da
minha cintura. — Oh. — Eu cruzei meu braço sobre meu peito. — Desculpe.
— Mexi meus dedos novamente. — Biscoito?
— Eu não tenho. — Em vez de entregar um daqueles incríveis biscoitos
de chocolate duplo que pedi, ele os colocou na mesa de cabeceira ao lado das
duas latas de refrigerante. — Levante-se.
Fazendo o que ele pediu, puxei o cobertor enquanto me movia para
frente. A cama afundou atrás de mim quando Zayne se acomodou, encostado
na cabeceira da cama. Comecei a me virar, mas ele prendeu um braço em volta
da minha cintura e me puxou de volta entre suas pernas. Minhas costas nuas
pressionadas em seu peito, e quando ele pegou os biscoitos, fiquei
impressionada com o quão infinitamente mais íntimo isso era do que qualquer
outra coisa que tínhamos compartilhado.
— Aqui. — Ele ofereceu o biscoito. — Avise-me quando quiser sua
bebida e eu pego para você.
— Obrigada — sussurrei, dando uma mordida e depois outra. Eu ouvi o
saco enrugar quando Zayne pescou um biscoito para si mesmo. Depois de
alguns minutos, relaxei nele.
— Algo em que pensei quando estava pegando essas coisas — disse
Zayne, e gostei de estar tão perto quando ele falava. Eu podia sentir suas
palavras. — Espero em Deus que Peanut não tenha ficado por aqui.
Eu ri, quase engasgando com meu biscoito. — Se ele estava, eu não sabia.
— Essa não é a confirmação que eu estava procurando.
Sorrindo ao sentir seus lábios sobre o meu ombro, eu disse: — Não acho
que ele estava. Não consigo imaginá-lo sem dizer nada agora.
— Com sede? — Quando balancei a cabeça, ele pegou o refrigerante,
abriu e ofereceu para mim. Outro biscoito acabou na minha outra mão. Ele se
mexeu atrás de mim, recostando-se na cabeceira da cama. — Eu poderia
dormir assim.
— Mesmo? — Eu alternava entre meu biscoito e minha Coca.
— Sim. — Seu braço apertou minha cintura.
Sorri. — Acho que eu também poderia.
— Sem o biscoito e a Coca.
— Eu os abraçaria.
Ele riu, e isso foi ainda melhor, mas então ele baixou a cabeça no meu
pescoço, se aninhando lá, enviando um pequeno arrepio perverso pela minha
espinha. Sem regras, Zayne era fofinho, sensível e doce. Parte de mim não ficou
surpresa ao descobrir isso. Afinal, era Zayne, mas eu ainda estava um pouco
surpresa - agradavelmente surpresa. Nunca pensei que seria do tipo que
gostava de toques ou beijos causais, da maneira como ele me segurava tão
perto, mas eu gostava. E não apenas gostei, eu am...
Uma fatia fria e afiada passou pelo meu estômago enquanto eu engolia o
último pedaço de chocolate. Eu simplesmente não gosto de nada disso. Havia
uma emoção muito mais forte que parecia ainda mais perigosa de reconhecer
agora.
Nada havia acontecido ainda, mas isso não significava que não houvesse
uma consequência esperando pacientemente por nós na próxima esquina. Não
importa o quão certo ou bonito o que acabamos de compartilhar parecesse, era
proibido, e por mais que esperasse que Zayne estivesse certo, que essa regra
fosse apenas um método de controle, eu temia que ele pudesse estar errado.
Além disso, nossas vidas eram... Bem, qualquer um de nós poderia
morder a bala amanhã. Este Verdadeiro Nascido - o Precursor - era
mortal. Zayne poderia morrer, e eu...
— Ei — ele disse suavemente, esfregando meu braço com a mão.
Fechei os olhos, tentando impedir o bombardeio de medos, mas era como
uma comporta sendo violada.
A Coca saiu da minha mão, indo parar na mesa de cabeceira. Dedos frios
e úmidos enrolaram em volta do meu queixo, virando minha cabeça em
direção a ele. — O que é?
— Nada. — Sorri, não querendo estragar isso.
Seu olhar cintilou sobre meu rosto. — Fale comigo, Trin.
Fale comigo.
Quantas vezes ele disse isso para mim? Quantas vezes eu tinha ignorado,
porque falar significava dar fôlego e vida aos medos? Sempre foi mais fácil
manter tudo isso bem escondido, mas o mais fácil nem sempre era melhor.
Nem sempre foi a coisa certa a fazer.
— Eu só... estou com medo de que algo aconteça — admiti. — Que haverá
uma consequência para isso.
— Pode haver, Trin.
Eu respirei fundo. — Você deveria dizer algo que me tranquilize. Não
que me assuste mais.
— O que devo dizer é a verdade. — Ele passou o polegar pelo meu lábio
inferior. — Olhe para mim.
Abrindo meus olhos, fui imediatamente presa em seu olhar pálido. —
Estou olhando.
— Não importa o que aconteça, vamos enfrentá-lo juntos. Não te beijei
sem considerar que poderia haver um risco. Não compartilhei com você o que
acabamos de compartilhar, acreditando que nada poderia vir disso. — Seus
olhos procuraram os meus. — Eu sabia que havia um risco para nós, e não é um
de nós. Também sei que você vale o risco. Que nós valemos o risco...
Uma onda de prazer dançou em volta do meu coração. — Você sempre
diz a coisa certa.
Zayne sorriu para mim. — Você sabe que isso não é verdade.
— Você diz a coisa certa em noventa e cinco por cento das vezes. —
Estendi a mão e toquei sua mandíbula. — Juntos, — sussurrei. — Eu gosto
disso. Muito.
Sua mão deslizou para segurar minha bochecha. — Feliz de ouvir isso. Se
não o fizesse, as coisas ficariam muito mais estranhas e irritantes para você.
— Como assim?
— Porque eu não tenho planos de deixar você ir tão cedo — ele disse,
movendo-se perversamente rápido. Antes que eu percebesse, estava de costas
e ele acima de mim, seus lábios roçando os meus enquanto dizia: — Então,
estou feliz em saber que estamos na mesma página.
Então ele me beijou e sim, estávamos definitivamente na mesma página.

Zayne estava empoleirado no parapeito de um dos hotéis não muito


longe do Triângulo Federal. Em sua forma de Guardião, asas dobradas para
trás, ele era uma visão assustadora.
Durante todo o dia, fiquei esperando que as coisas ficassem estranhas
entre nós ou que um Alfa aparecesse aleatoriamente e me punisse.
Nada aconteceu.
Bem, as coisas estavam um pouco... patetas quando acordei esta manhã,
toda emaranhada com ele, e de um lado para o outro durante todo o dia. Eu
não sabia o que deveria fazer. Despertá-lo ou, de alguma forma, tentar sair da
cama sem acordá-lo? De repente, fiquei extremamente preocupada com o
hálito matinal. Zayne acordou antes que eu pudesse me decidir, beijando
minha bochecha antes de se levantar. Ele me venceu até no chuveiro. Mais
tarde, quando ele passou por mim, deixou seus lábios caírem ao lado do meu
pescoço ao invés de puxar gentilmente meu cabelo ou mexer nos meus óculos
foi uma agradável mudança de comportamento, mas ele me deixou corando e
gaguejando. O treinamento tinha começado normal, mas no momento em que
um de nós colocou o outro no tatame, acabamos ficando lá, nos beijando, nos
tocando, até que Peanut entrou na sala e saiu, gritando algo sobre seus olhos.
Quando começamos a patrulhar, me perguntei se seria estranho segurar
sua mão enquanto caminhávamos. Eu não tinha criado coragem para fazer
isso.
Mas não tínhamos passado o dia inteiro treinando ou dando uns
amassos. Tínhamos planejado para o Precursor. Eu tinha aceitado que Zayne
estava certo dias atrás, quando disse que não encontraríamos o Precursor até
que ele quisesse ser encontrado. Assim que ele voltasse, precisávamos fazê-lo
falar, porque se o matássemos, não saberíamos o que estava acontecendo com
Bael e o senador e aqueles espíritos presos na escola. E se o Precursor tivesse
sido o único a definir essas proteções, ele poderia ser o único capaz de quebrá-
las. Então, precisávamos nos colocar à disposição.
Precisávamos estar alertas.
E precisávamos ser pacientes.
Este último não fazia parte do meu conjunto de habilidades.
Sob os olhos atentos de Zayne, eu estava tratando a saliência estreita do
prédio como se fosse uma trave de equilíbrio. Pensei que talvez ele tivesse
cerca de quatro ataques cardíacos separados cada vez que eu cometia um erro.
— Você realmente precisa fazer isso? — ele perguntou.
— Sim.
— A resposta correta seria não.
Sorrindo, girei como uma bailarina, arrancando uma maldição dura de
Zayne. — É prática. É isso que estou fazendo.
— Praticar para quê? Ganhando um novo recorde mundial de quantas
vezes você pode fazer meu coração parar?
— Além disso, me ajuda a equilibrar quando não consigo ver.
— E isso não pode ser feito quando você não está a várias centenas de
metros no ar?
— Não. Porque eu não posso fazer besteira quando estou aqui. Lá
embaixo, nada de ruim aconteceria se eu caísse.
— Esse seria o ponto — ele respondeu secamente.
— Não seja tão preocupado. Eu sei exatamente o quão amplo isso
é. Nove centímetros. — Cuidadosamente fiz meu caminho de volta para ele e
parei a alguns metros de distância. Eu olhei para baixo, incapaz de ver a
largura da saliência ou o formato de minhas botas. — A saliência é como meu
campo de visão. Bem, exceto que as bordas aqui são retas e não como um
círculo instável onde as coisas às vezes são claras e às vezes embaçadas. Todo
o resto é... — Levantei meus braços. — Sombras. É estranho, porque às vezes
nem é preto. Parece cinza. Não sei. Isso pode ser a catarata.
— Você acha que é possível removê-las?
— Meus olhos?
— As cataratas. — Ele suspirou.
Sorri novamente. — O último médico que consultei disse que elas
estavam de certa forma protegendo minhas retinas e, até que causassem um
problema real, eles queriam adiar a conversa sobre cirurgia. Há muito mais
riscos envolvidos em operar pessoas que têm essa doença e mais efeitos
colaterais possíveis.
— Odeio pensar no que pode ser classificado como um problema real.
Bufei, pensando que embora eu tivesse me adaptado o melhor que pude
para a visão restrita, a catarata frequentemente me irritava profundamente. —
Se elas causarem muita dor ou obstruírem totalmente minha visão central, eu
acho.
— Mas você disse que seus olhos doíam antes.
— Sim, mas é administrável. É mais uma sensação de dor e
provavelmente não tem nada a ver com a catarata. Quer dizer, não
diretamente. Acho meus olhos precisam ser examinados. — Inclinando minha
cabeça para trás, olhei para o céu. Levei um momento para ver o brilho distante
e fraco de uma estrela e depois de outra. — Eu já tive edemas antes. Eles
poderiam voltar.
— Edemas maculares? O inchaço atrás das retinas? — ele perguntou, me
surpreendendo mais uma vez com sua própria pesquisa independente. — Isso
pode ser o que está causando dor nos olhos. Precisamos marcar uma
consulta. Ligue para Thierry e veja se o médico que eles a levaram pode colocá-
la em contato com alguém mais próximo, como o Wilmer Eye Institute em
Baltimore. Eles fazem parte da Johns Hopkins.
Ele realmente tinha feito sua pesquisa.
— Nós apenas teremos que ser cuidadosos — ele continuou. — Contanto
que não haja nenhum teste genético...
— Eles não terão ideia que eu não sou completamente humana. —
Abaixei meus braços, avançando mais perto de Zayne. — Porém, você pode
imaginar se eles fizessem o teste? A expressão nos rostos dos geneticistas
quando obtiveram uma visão completa do meu DNA?
Ele riu. — Eles provavelmente pensariam que você é uma alienígena.
— Achei que você não acreditasse em alienígenas.
— Eu nunca disse isso. Apenas disse que não era provável que esses picos
pertençam a alienígenas.
— E eu disse que aqueles espigões podem pertencer a anjos, —
apontei. — Só para lembrar você, eu estava certa.
Ele bufou. — Tenho pensado nos espigões. Eles seriam mortais contra
qualquer ser com sangue de anjo. Com sua Graça e eles, estaríamos melhor
preparados.
— Boa ideia.
— Claro que foi uma boa ideia. É minha, — ele respondeu, e eu rolei
meus olhos quando uma brisa quente enrolou em volta da minha nuca nua. —
A propósito, esqueci de dizer que não tive nem remotamente sucesso em
convencer Stacey a não voltar para a escola.
Esperei por uma onda de ciúme, mas mal houve um vestígio da emoção
feia. Já que isso foi uma grande melhoria, decidi não ler para mim mesma o ato
do motim. — Ela pode estar segura. Sam não fez parecer que ela estava em
perigo imediato.
— Sim.
Saltando da borda, quase rindo da onda de alívio que veio através do
vínculo, caminhei para o outro lado de Zayne.
Quase perdi um olho quase caindo em sua asa.
Felizmente, ele sentiu o quão perto eu estava e as ergueu antes de fazer
contato. — Você está preocupado com ela.
— Eu estou, — ele admitiu, e tão perto quanto eu estava agora, podia ver
seu perfil ao luar. — Ela já passou por muito.
— Ela já passou, — eu concordei. — Com sorte, quando entrarmos na
escola, seremos capazes de avaliar a situação. Deve haver uma maneira de tirar
os espíritos e fantasmas de lá.
Zayne olhou para a rua abaixo e pensei que se alguém pudesse vê-lo,
pensaria que uma gárgula de pedra havia sido instalada. — Eu sei que você
quer ajudá-los.
Enrijeci. — Eu o farei.
— Mas você não pode ajudá-los a cruzar com essas proteções no lugar,
Trin.
A raiva foi tiquetaqueada pelo meu humor agradável. — Bem, você
também não pode exorcizá-los com as proteções lá, então podemos nos
comprometer. Baixe as proteções e eu poderei mover os fantasmas que
precisam ir e os espíritos que estão presos. Posso cuidar do Povo das Sombras
no sábado à noite, e aposto que, assim que me livrar deles, os fantasmas e
espíritos podem se acalmar.
Ele assentiu. — Estava pensando em alguns dos livros que meu pai
costumava manter na biblioteca. Há um grande livro antigo sobre
anjos. Provavelmente seria bom ir até lá esta noite e pegá-lo. Gideon pode já
ter verificado, mas...
— Mas não faria mal — concordei.
— Certo. E também acho que há outro caminho que podemos seguir.
— Tipo... — Estremeci quando um arrepio gelado deslizou pela minha
nuca e se estabeleceu entre minhas omoplatas como se uma mão estivesse
pressionada em minha pele. — Ele está aqui.
Zayne desceu da saliência em um movimento fluido. — Onde?
— Próximo. Precisamos tirá-lo de lá. — Mantive minha voz baixa quando
me virei para Zayne. Nas sombras, sua pele cinza se misturou, mas seu olhar
pálido se destacou em um alívio total. Um plano formou-se rapidamente. —
Precisamos nos separar.
— Sim, já não gosto dessa ideia — Zayne rosnou.
— Nem eu. — Coloquei a mão em seu peito. O calor de sua pele estava
quente contra minha palma. — Mas ele não apareceu da última vez até que nos
separamos, e precisamos fazê-lo falar. Vou para o próximo telhado. Você vai
para outro lugar, esconda-se até que ele apareça.
— Trin...
— Eu posso cuidar de mim mesma, e desta vez não vou deixá-lo levar a
melhor — prometi. — Você sabe que eu tenho isso.
Suas asas tremeram de irritação, mas ele disse: — Eu sei.
Encontrei seu olhar e me estiquei, colocando minha outra mão na
superfície dura de sua mandíbula. Três palavras simples rolaram para a minha
língua, mas não consegui me soltar. Fiz o que sabia que podia. Guiando sua
cabeça em direção à minha, eu o beijei suavemente, rapidamente, e então me
sentei novamente. Dei um passo e me virei.
Zayne pegou meu braço, me puxando de volta para seu peito. Um
suspiro de surpresa me deixou, rapidamente engolido pela pressão de sua boca
na minha. O toque de sua língua e a sensação quase proibida das pontas de
suas presas contra meus lábios quase transformaram meus músculos em
líquido. Fui levantada até que apenas as pontas das minhas botas tocassem o
telhado enquanto ele me beijava como um homem saindo de um sono
profundo, e não havia uma parte de mim que não o sentisse.
Esse tipo de beijo era definitivamente mais.
Quando ele tirou sua boca da minha, tive que lembrar que havia coisas
para fazer. Coisas importantes. — O fato de que você pode me beijar quando
eu tenho este aspecto? — A voz dele era como uma lixa. — Isso... isso me
desfaz, Trin. Realmente me desfaz.
Meu coração inchou e depois apertou, dividido entre a beleza discreta de
suas palavras e a descrença. — Posso te beijar assim porque você é lindo assim.
Um tremor o balançou quando ele pressionou sua testa na minha, me
segurando forte por outro breve segundo, e então ele me colocou de pé,
soltando-me com um deslizamento lento de sua mão. — Estarei observando.
Dando um passo para trás, alisei minhas mãos pelos meus lados. —
Assustador.
— Tenha cuidado — ele rosnou, ignorando meu comentário.
— Sempre. — Girando, decolei o mais rápido que pude, admitindo que,
se não fosse, com o dever predestinado ou não, faria algo incrivelmente
irresponsável e totalmente impulsivo. Eu ficaria e encontraria uma maneira de
provar que ele era tão bonito para mim em sua verdadeira forma quanto era
em sua pele humana.
Sabendo exatamente onde a saliência estava e a distância entre os
prédios, pulei no momento em que meu pé tocou a mureta. Segundos breves e
sem peso foram tão impressionantes quanto o beijo de Zayne. Pousei
agachada, examinando o telhado iluminado. Entre os postes e a lua cheia, eu
tinha uma vista decente.
Levantei-me e caminhei em direção à saliência que dava para a rua
abaixo, ainda sentindo a pressão fria na minha nuca. Saltando no parapeito,
ajoelhei-me e esperei enquanto os carros viajavam pela rua estreita e as risadas
e gritos das pessoas abaixo desapareciam no fundo.
— Onde você está? — Falei com a noite, sabendo no fundo que ele viria.
Não esperei muito.
Poucos minutos depois, senti a intensidade do frio
aumentar. Minha Graça fervilhou e então acendeu. Eu me mantive imóvel,
prendendo a respiração até ouvir a batida dele caindo no telhado.
Ele falou primeiro. — A última vez que te vi, você estava inconsciente.
— Caso você não perceba isso — disse eu, olhando para a frente — é
impróprio nocautear uma garota e ir embora sem dizer adeus.
— Eu poderia ter matado você, querida, mas você me deixou curioso.
Minha mandíbula doeu com o carinho. — Poderia ter feito. Deveria ter
feito. — Me levantei então, girando em meus calcanhares, e caí no telhado. Ele
estava de pé no centro, seu cabelo quase da cor do luar. Vestido todo de preto
como ele estava da última vez, ele parecia de outro mundo. — Por que você
está curioso?
— Por que eu não estaria? — ele perguntou. — Você é como eu.
— Não sou nada como você. Eu não imito o Abominável Homem das
Neves.
— Não, você é como um vulcão, sempre a segundos de entrar em
erupção.
— Obrigada — respondi. — Por que você joga fora tanta frieza?
— Porque minha alma está fria.
— Bem, isso foi um clichê decepcionante. — Parando, me preparei para
o caso de ele me atacar. — Você não é apenas rude, mas também não é
realmente criativo.
— Eu sou muitas coisas. — Sua cabeça se inclinou. — Nenhuma das
quais você sabe.
— Você ficaria surpreso com o que eu sei.
— Duvidoso. — Ele deu uma risadinha. — Porque se você soubesse, não
estaria aí, me encantando com conversa fiada.
— Eu estaria matando você? — Eu sugeri. — Porque estou mais do que
feliz em fazer isso, se você quiser?
— Não. Você estaria correndo. — Ele deu um passo medido à frente,
então parou, virando a cabeça para a esquerda. — Eu estava me perguntando
quando você iria aparecer.
Os graciosos arcos de asas apareceram do outro lado dele quando Zayne
se levantou, caindo do nada. — Eu não perderia essa festa por nada.
Houve uma sugestão de sorriso quando ele falou. — Protetores. Os leais
cães de caça dos Verdadeiros Nascidos.
Eu zombei. — Ele não é um cachorro.
— Eles não são leais — ele acrescentou como se eu não tivesse falado. —
Eu tive um Protetor uma vez. Ele tinha a minha idade e fomos criados
juntos. Ele era meu melhor amigo. Um irmão.
— Eu realmente não me importo — eu disse. — Apenas sendo honesta.
Ele virou a cabeça para mim enquanto Zayne mantinha distância entre
eles. — Eu o matei. Puxei seu coração direto do peito. Eu não queria. Eu
precisei.
— História legal cara. — As asas de Zayne baixaram. — Desculpe se
pareço repetitivo, mas também não me importo.
— Mas você não quer me conhecer? Saber como é possível que haja outro
Verdadeiro Nascido? O meu nome? Ou há quanto tempo estou
observando? Esperando? — Ele fez uma pausa. — Vocês dois têm sido muito
malcriados.
— Eu não tenho certeza de qual parte de eu não me importo é confusa para
você, mas deixe-me repetir. Não me importa qual é o seu nome ou quem é seu
pai. — Senti a Graça rugir por mim. — Tudo que eu quero saber é como
quebrar as barreiras que prendem os espíritos naquela escola...
— Você não quer saber sobre Misha? — ele interrompeu.
Meu coração vacilou.
— O que ele me disse sobre você - eu não faria isso se fosse você — disse
ele, percebendo o avanço silencioso de Zayne por trás. — Estou com um humor
caridoso, Protetor. Não teste.
— Estou com um humor assassino — Zayne rosnou. — Por favor, teste-
o.
— Se você me forçar a matá-lo, tenho a sensação de que tudo irá para o
sul rapidamente.
— O fato de você pensar que pode me matar só prova o quão longe as
coisas já foram para o sul, — Zayne atirou de volta. — Você pode ser um
Verdadeiro Nascido, mas tocou em Trinity, e só isso me dá força mais do que
suficiente para quebrar todos os ossos patéticos de seu corpo, um por um. Eu
não vou te matar, no entanto.
— Não. Você não vai.
— Vou apenas forçá-lo sobre suas rótulas quebradas, para que ela possa
desferir o golpe mortal.
Deus.
Eu queria beijar Zayne, aqui e agora.
— Falando em desferir golpes mortais, — ele rebateu, focando em
mim. — Interessante, você e eu podemos riscar a morte de nossos Protetores em
nossa lista de experiências compartilhadas.
— Não me importo com o que você tem a dizer sobre Misha — eu disse,
e quase acreditei em mim mesma. — Quero saber como quebrar as proteções.
— A inveja é uma coisa terrível — disse ele. — Esse foi o pecado de
Misha. Inveja. Foi-lhe dito que ele era especial, e ele estava morrendo de
vontade de acreditar nisso. Literalmente.
Eu enrijeci.
— É uma emoção tão humana. — Ele encolheu os ombros. — Eu quero
que você saiba meu nome.
— Eu quero que você apenas responda à minha maldita pergunta —
rebati.
— Meu nome é Sulien...
— Sério? — Zayne rachou. — Sullen? Esse é o seu nome?
Ele suspirou. — Não do jeito que você está pensando que se escreve.
— É um nome adequado — eu disse. — Você parece o tipo de cara que
dedilha o violão, mas só conhece alguns acordes e se torna poético sobre a
garota que você amava, mas que não sabia que você existia. Sombrio, mal-
humorado e frio. A verdadeira vida de festa. É por isso que você quer trazer o
fim dos tempos? Porque você está preso com o nome Sulien?
— Na verdade, eu nunca amei ninguém. Nem mesmo meu Protetor, —
Sulien respondeu. — E eu não estou trazendo o fim dos tempos. Estou aqui
apenas para passear.
— Uh-huh, — Zayne murmurou. — Então, Sulien, onde Bael está se
escondendo?
— Em algum lugar seguro.
— Seguro de quê? — ele perguntou.
— Aqueles que desejam lhe fazer mal. Gosto de você.
Eu levantei uma sobrancelha. — Você está protegendo um demônio?
Sulien deu uma risadinha. — Engraçado você perguntar isso, mas estou
protegendo o plano.
— Qual plano? — Eu exigi.
— Aquele pelo qual Misha morreu.
Meu peito apertou.
— Falando em Misha, ele era exatamente como você me descreveu, mas
você nunca viu esse lado dele. Isso significaria que você realmente pensou nele
em vez de você mesma.
Essa farpa foi um golpe direto.
— Tenho a sensação de que você nem o conhecia — continuou Sulien. —
Que ele realmente te amou em algum momento.
— Você precisa calar a boca — Zayne avisou.
— Mas então tudo se transformou em ódio — ele continuou. — É por isso
que você foi capaz de matá-lo. Não vou ser tão fácil, porque não te odeio,
Trinity. Não sinto nada em relação a você, mas você me odeia.
Os cantos da minha visão ficaram brancos quando a luz dourada desceu
pelo meu braço, a espada tomando forma rapidamente. Zangada, faíscas
sibilantes morderam o ar. — Você tem razão. Eu te odeio.
— Toda essa fúria... — Sulien suspirou como se isso lhe desse prazer. —
Será sua ruína.
Zayne se lançou em direção a ele, mas Sulien se abaixou e girou para
longe. Eu avancei, mas ele era rápido, movendo-se como um raio. Um
momento ele estava entre Zayne e eu, e então ele estava na borda.
— Eu não posso quebrar as proteções — ele disse. — Porque eu não as
coloquei lá.
— Besteira. — Segui em frente, segurando a espada de lado enquanto
Zayne se erguia, as asas se estendendo. — Eu sei o que você é. Você é o
Precursor.
Sulien riu, o som parecia gelo caindo. — Eu sou a ferramenta de
retribuição e você a arma de destruição. Esses são os nossos rótulos e os papéis
que devemos desempenhar.
— Você sempre fala como se tivesse perdido o contato com a realidade?
— Zayne perguntou. — Jesus. E eu pensei que os demônios gostavam de se
ouvir falar.
Ele bufou. — Eu estava me sentindo caridoso. Você deveria ter
perguntado por que coletei todas aquelas almas. Deveria ter perguntado por
que eu não matei você. Deveria ter perguntado qual é o papel final
que você desempenha. Mas sei que vou te ver de novo, Trinity, e quando eu
fizer isso, seria sábio para você vir sozinha.
Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa - falar, ir atrás dele ou respirar
novamente - ele tombou, caindo do parapeito para a noite.
Capitulo 34
Eu gritei enquanto Zayne voava para frente e pousava na saliência com
as asas erguidas. Corri para a borda enquanto minha Graça se retraía.
Uma risada surgiu da escuridão abaixo quando pulei ao lado de
Zayne. Incapaz de ver Sulien, fui capaz de descobrir que ele pousou em uma
varanda cerca de três metros abaixo. Ele saltou de novo, pulando de sacada em
sacada até chegar ao chão. Meu olhar varreu a escuridão, manchando as luzes
nas varandas. Eu me preparei para pular.
O braço de Zayne me agarrou pela cintura. — Não faça isso.
— Mas...
— Não podemos persegui-lo — argumentou Zayne. — Não agora. É isso
que ele quer, e não estamos dando a ele o que ele quer.
— Persegui-lo é o que eu quero — raciocinei, agarrando seu braço.
Zayne me virou da borda e depois me soltou. Girei em direção a ele, o
instinto exigindo que eu o empurrasse de lado e fosse embora. Ele deve ter
percebido isso, porque suas asas se abriram, um obstáculo eficaz. — Persegui-
lo é o que você fez antes — disse ele. — E ele levou você para aquele
túnel. Nós não deixaremos que ele nos levar a qualquer lugar novamente.
Frustrada porque ele estava certo e porque saber disso não abafava o
instinto de perseguir, enrolei minhas mãos e engoli um grito. — Ele está
brincando com a gente.
— Você está certa — ele rosnou. — E é por isso que nós não
brincamos. Não é assim que vamos vencê-lo.
— E como vamos vencê-lo, Onisciente? Não sabemos onde ele está
hospedado ou não temos como rastreá-lo se não pudermos persegui-lo. — Eu
me virei e atravessei o telhado. — Esse tempo todo estávamos apenas
esperando por ele...
— Esse foi o plano com o qual concordamos.
— Mas não estamos atrás do volante aqui. — Parei, respirando fundo o
ar quente da noite. A presença do outro Verdadeiro Nascido havia sumido
completamente. — Se isso é uma história, não estamos conduzindo a trama,
amigo.
— Isso não é uma história e, mesmo que fosse, às vezes forçar as coisas a
acontecerem não é apenas irreal, mas incrivelmente estúpido. Então, quer
saber, vamos reescrever a história.
Huh.
Me virei, vendo que ele me seguiu. — Estou completamente perdida
nesta conversa.
Suas asas se voltaram para trás. — Lembra quando eu disse que tinha
uma ideia? Antes de Sulien, o Idiota, aparecer?
Meus lábios se contraíram. — Você disse idiota. Peanut ficaria muito
orgulhoso.
— Fico feliz em saber — respondeu ele. — Há outra maneira, se não
pudermos derrubar essas proteções. Algo que definitivamente irá libertar
aqueles presos lá e se livrar das proteções.
— O que? Feitiços de anjo perdidos?
— Não sabia que tal coisa existia. Será que podemos encomendá-lo na
Amazon?
— Ha. Ha. Essa foi a minha risada entusiasmada e inteligente, caso você
não saiba.
A expressão de Zayne era indecifrável, mas senti sua rica diversão. —
Podemos encontrar uma maneira de derrubar essas proteções e, em seguida,
encontrar uma maneira de eliminar os túneis e aquela escola, se necessário.
Pisquei uma vez e depois duas. — Você, um Guardião, está sugerindo
que explodamos os túneis e a escola?
— Isso é exatamente o que estou sugerindo.

Explodir as coisas era provavelmente - ok, definitivamente - um crime,


então deveria ser o último recurso, mas era uma ideia muito boa. Uma que
agora parecia incrivelmente óbvia.
Passei o resto da noite discutindo a logística de fazê-la, que foi uma
conversa que fiquei feliz por não estarmos tendo por telefone - eu tinha certeza
de que resultaria na Segurança Interna e no FBI aparecendo na porta.
Não vimos Sulien de novo, nem nenhum demônio, e quando voltamos
para o apartamento sem sofá, decidimos que provavelmente teríamos que
envolver Roth. O fogo infernal não derrubaria as proteções dos anjos, então
teríamos que seguir o bom e velho método humano de destruição em massa.
Materiais explosivos.
Surpreendentemente, os Guardiões não tinham nenhum escondido,
então imaginamos que Roth seria nossa melhor aposta fora do mercado.
Quer dizer, ficaria desapontada se ele não tivesse acesso a nenhum.
Aquela noite não foi como a noite anterior, mas também não foi como
qualquer outra noite. Zayne e eu, bem, estávamos juntos. Éramos uma coisa e,
embora parecesse que nos conhecíamos há anos, em vez de meses, tudo ainda
estava fresco. Eu não queria assumir que ele dormiria comigo, tanto no sentido
literal quanto figurativo.
Então, enquanto escovava os dentes e me preparava para dormir,
repassei todas as maneiras não complicadas de abordar o assunto. Acabei me
dando mal quando Zayne fez o mesmo.
Tudo por nada.
Porque quando ele saiu do banheiro, a calça do pijama pendurada em
seus quadris magros e o cabelo úmido em volta do rosto, ele perguntou: —
Você me quer com você?
Ao cair na cama, eu balancei a cabeça enquanto me movia. Ele deslizou
para a cama com muito mais graça, deixando a lâmpada de cabeceira acesa.
Deitei, sem saber o que fazer. Devo iniciar momentos divertidos? Era
esperado que eu começasse? Ele esperava? Eu não acho que estar juntos
significa fazer sexo toda vez que você termina na cama com seu
companheiro. Não que eu não quisesse, mas estava, bem, estava um pouco
dolorida. Como uma ferida não digna de se encolher, mas... diferente.
Gostaria de poder ligar para Jada e perguntar.
— Se importa se eu apagar a luz? — Zayne perguntou.
— Não — eu disse, esperando que não soasse tanto como um guincho
quanto aos meus próprios ouvidos.
A cama se moveu e a luz desligou. Então houve uma mudança
novamente quando Zayne rolou em minha direção. Como tinha feito no
telhado, ele me agarrou pela cintura, o braço sob minhas costas e me colocou
contra seu peito quente.
— Você está confortável assim? — foi sua próxima pergunta.
— Sim. — Ele era quente e cheirava a hortelã fresca, e gostei de como
uma de suas mãos encontrou a minha no escuro. Nossos dedos
entrelaçados. — Você está indo dormir?
— Eventualmente. — Houve uma pausa. — Não dormimos muito na
noite passada.
Na escuridão, eu corei. — Não é minha culpa.
— Eu diria que nenhum de nós foi culpado. Ou ambos foram.
— Mas você trouxe os biscoitos e isso me deu energia.
Ele riu e, alguns segundos depois, senti sua boca contra minha têmpora,
pressionando um beijo rápido ali. Ele começou a me contar sobre a primeira
vez que conheceu Roth, e como ele lutou para manter sua forma humana em
público. Escutei, rindo de quão óbvio Roth tinha sido sobre incitá-lo a
mudar. Ele me contou como Nicolai e Dez relutantemente passaram a gostar
do Príncipe Demônio, se não confiar completamente nele, e sobre sua própria
história com Danika. Como seu pai queria que ele e Danika acasalassem, mas
ele sempre a viu mais como uma irmã.
Finalmente, ele confirmou que Danika e Nicolai estavam, de fato,
fazendo a coisa do casal. Nós dois concluímos que Nicolai provavelmente
estava tendo mais dificuldade em lidar com ela do que comandar o clã, porque
ela era diferente de qualquer outra Guardiã que eu conhecia. Ele me contou
sobre a primeira esposa de Nicolai, que morreu durante o parto, e Zayne
admitiu que depois de ficar no quarto com os gêmeos de Jasmine por uma
hora, ele não tinha certeza se algum dia iria querer filhos. Ele faria uma exceção
ao adotar assim que eles tivessem idade suficiente para mudar, e eu ri,
pensando em como, uma vez, Matthew disse que adotaria se a criança
fosse domesticada. Quase morri, porque sim, o treinamento do penico tinha que
ser um dos círculos do Inferno.
Conversamos até nossos olhos ficarem pesados e os intervalos entre as
respostas ficarem mais longos. Nem uma única vez o assunto do Precursor
apareceu, ou qualquer coisa relacionada ao nosso dever, e enquanto estávamos
deitados juntos no escuro, não havia amanhã com que nos preocuparmos, sem
pressões ou medos.
E isso era melhor do que qualquer coisa que eu poderia
esperar. Qualquer coisa que pudesse querer ou precisar. Apenas nós, palavras
e nossos dedos, entrelaçados.
Aqueles minutos que se prolongaram foram simplesmente... mais.

A atualização que estávamos esperando veio inesperadamente, logo


antes de deixarmos o apartamento para patrulhar - o apartamento
assustadoramente vazio. Os encarregados tinham chegado naquela manhã,
um pequeno exército que rapidamente arrumou a cozinha, os tapetes e o saco
de pancadas, e tudo no quarto. Estávamos planejando passar pelo novo lugar
antes de sairmos à noite, mas isso não aconteceria agora. A primeira vez que o
veria seria esta noite e, felizmente, Peanut já sabia onde nos encontrar. Eu o
lembrei esta manhã, e ele respondeu que as paredes não significavam nada
para ele e ele era um fantasma - ao ar livre.
Suspiro.
O telefone de Zayne tocou enquanto eu estava onde o sofá costumava
ficar; torcendo três mechas do meu cabelo na trança de aparência mais fraca de
todos os tempos.
— O que foi, Dez? — ele respondeu enquanto passava por mim,
inclinando-se para dar um beijo rápido na minha testa. — O que? Sério?
Zayne enrijeceu e toda a minha atenção se concentrou nele quando ele se
voltou para mim. — Está bem. Obrigado. — Uma pausa. — Sim, vou manter
vocês atualizados. Obrigado novamente.
— O que? — Perguntei no momento em que ele desligou a chamada.
Zayne sorriu. — O senador Fisher está de volta à cidade.
— Mesmo? — Não era isso que eu esperava. — Eu estava realmente
começando a acreditar que o cara estava morto.
— Bem, ele está vivo e se hospedou no Condor, em uma das suítes
federais. — Zayne me disse o andar e o número do quarto. — Dez disse que
tem segurança com ele, provavelmente estacionado fora da suíte, no corredor
privado e dentro com ele.
— Então, podemos cuidar deles — eu disse. — Estamos indo agora.
— Sim, mas se eles são apenas funcionários do governo fazendo seu
trabalho, não queremos causar... muito dano a eles. Precisamos de reforços. —
Zayne folheou os contatos em seu telefone. — Uma vez que definitivamente
haverá humanos lá.
— Roth? — Eu sabia que Roth poderia mexer com mentes humanas,
apagando memórias de curto prazo ou substituindo-as por algo diferente.
Zayne acenou com a cabeça enquanto levava o telefone ao
ouvido. Enquanto falava com Roth, eu rapidamente terminei a trança que
estava tentando domar meu cabelo. Era irregular como o inferno, mas
manteria meu cabelo longe do rosto. Tentei não ficar muito animada com a
notícia, porque quem sabia o que encontraríamos quando chegássemos lá, mas
o senador poderia nos dizer onde estava o Precursor. Ele poderia nos dizer o
que diabos o Precursor estava planejando e poderia me dizer o que Misha
havia dito...
Não.
Não importava o que Misha tinha dito, ou por que ele fez o que fez. Eu
tinha que deixar isso passar, porque descobrir não era a prioridade aqui.
Exalei asperamente, deixando cair minhas mãos quando Zayne
desligou. — Roth não está disponível, mas ele está enviando Cayman. Ele vai
nos encontrar lá.
— Impressionante. — Me perguntei o que Cayman estaria vestindo
hoje. — O plano?
Zayne foi para a ilha, onde uma pequena bolsa de chaves residia. —
Entramos e o fazemos falar, de uma forma ou de outra. Descobrir onde o
Precursor está hospedado e o que está acontecendo com a escola.
— E se ele não falar?
Zayne jogou fora as chaves enquanto olhava por entre os cílios. — Os
humanos são... frágeis, Trin, e pelo que descobri, os humanos que conspiram
para fazer o mal são sempre os mais fracos, porque é a fraqueza inerente que
os levou a fazer o mal. Encontre a fraqueza e explore-a. Eles vão derramar o
chá mais rápido do que uma conta anônima no Twitter.
Inclinei minha cabeça. — Você tem experiência, não é? Fazer os humanos
falarem?
— Eu tenho. Não gostei, mas fiz e farei de novo sem hesitar.
A surpresa passou por mim enquanto tentava imaginar Zayne
ameaçando um humano com violência e talvez até mesmo cumprindo a
ameaça. Eu não conseguia ver isso.
— Eu posso dizer que você está surpresa. — Um sorriso irônico
apareceu. — Há muita coisa que você não sabe, Trin. Já te disse isso antes.
Ele tinha. — Não achei que você quisesse dizer que era secretamente um
mestre interrogador.
— Todos nós somos treinados para obter as informações necessárias —
explicou, e eu sabia disso, mas aquele era Zayne. — Por que você acha que eu
não seria?
— Eu sei que você está treinado, mas estou surpresa que você... que você
faria, porque você é... eu não sei. Você é inerentemente bom.
O olhar pálido de Zayne era penetrante. — Ninguém é inerentemente
bom, especialmente os Guardiões.
Meu estômago embrulhou. — Thierry basicamente disse que eu era, e foi
por isso que ele acreditava que não iria virar como... como Sulien.
— Não sabemos o suficiente sobre Sulien para saber por que ele é do jeito
que é, e embora eu concorde que você não tem nada com que se preocupar,
nem você nem eu somos inerentemente bons.
— Você está certo — eu disse depois de um momento.
Ele me estudou. — Te incomoda saber disso sobre mim?
Incomodava? Não. Essa era a verdade, fosse certa ou errada. Balancei
minha cabeça. — Apenas surpresa.
Aquele meio sorriso estranho apareceu. — É algo que tem que ser feito,
mas é sempre bom aprender os motivos pelos quais um ser humano foi levado
para onde está. Saber pode não mudar o resultado, mas a empatia tornará mais
fácil.
Pensei em Faye e nos membros do clã. Eles fizeram o que fizeram por
ganância. — Foi por isso que você não se importou que eu tivesse matado
Faye?
— Eu não iria tão longe a ponto de dizer que não me importava, mas
tinha que ser feito — respondeu ele. — E teria acontecido eventualmente, mas
pelo menos desta forma, mais danos foram evitados.
Balancei a cabeça lentamente. — Matar é... eu não sei. É...
— Nunca é fácil — respondeu ele. — Não foi feito para ser fácil,
independentemente das circunstâncias.
— Sim. — Caminhei até onde ele estava perto da ilha. — E o
senador? Depois que ele falar, o que vamos fazer?
Zayne não respondeu imediatamente. — Nós decidiremos quando
cruzarmos aquela ponte.
Tive a sensação de que sabia o que estaria do outro lado da ponte.
Inalei, em seguida, soltei o ar lentamente. Isso era parte de quem eu
era. Sempre seria. Eu sabia. — Acho que é bom que eu me sinta estranha sobre
esse aspecto de quem somos.
Zayne tocou minha bochecha, atraindo meu olhar. Ele não disse uma
palavra enquanto abaixava a cabeça, parando a poucos centímetros da minha
boca por um momento indelével. Então me beijou, uma pressão suave e
prolongada de seus lábios contra os meus. — Eu ficaria preocupado se não
sentisse.
Sorri enquanto ele se endireitava. — Pronto?
— Andar? Impala? Motocicleta? — ele perguntou, as mãos pairando
sobre as chaves.
— Você já deve saber que sempre vou escolher a opção que não envolve
caminhar — eu disse, amarrando um laço de cabelo na ponta da trança
grossa. Ele sorriu para mim e senti uma contorção feliz no estômago, o que
pareceu estranho depois da nossa conversa. — Motocicleta.
Seu sorriso se espalhou enquanto ele enrolava os dedos em torno da
chave solitária. — Eu sabia que havia uma razão para gostar de você.
Capitulo 35
Viajar de motocicleta era menos difícil do que de carro, embora um
pouco assustador com Zayne cortando por dentro e fora do tráfego como se
estivesse em uma corrida para bater o seu próprio recorde pessoal para
quantas vezes um carro poderia tocar sua buzina.
Eu adorei - o ar na minha pele e o vento que puxava minha trança, como
minhas coxas se encaixavam nas dele e a sensação de segurá-lo com tanta força
- mas, o mais importante, adorei como, sempre que parávamos, ele abaixava-
se e esfregava meu joelho ou apertava-o.
Além disso, o fato de que não estarmos caminhando.
Eu realmente amava isso também.
Zayne conseguiu arrumar um lugar na estrada do enorme hotel, que
ocupava quase um quarteirão inteiro e parecia ter sido transportado da França.
— O hotel é lindo — eu disse enquanto caminhávamos pela calçada.
— E é velho. Acho que foi originalmente construído em 1800. — Ele
manteve a mão nas minhas costas enquanto me guiava em torno de um grupo
de turistas tirando fotos das minúsculas gárgulas e bicas de água que foram
esculpidas sob muitas das janelas.
Suspirei. — Este lugar vai ser tão assombrado.
Ele deu uma risadinha. — Apenas os ignore até terminarmos.
— Fácil para você dizer — murmurei.
— Ele está aqui — Zayne disse quando nos aproximamos da entrada.
Sob um toldo azul estava Cayman, e eu não o teria reconhecido se não
fosse por Zayne. Ele estava vestido com um terno preto - um terno preto de
aparência cara - e mocassins. Sapato de couro de verdade. Seu cabelo escuro
estava puxado para trás em um rabo de cavalo bem cuidado, e quando ele nos
viu, ele ergueu as sobrancelhas pretas.
— Você está bonito — eu disse a ele.
— Pensei em vestir o papel. — Ele olhou para nós. — Obviamente vocês
dois não.
Olhei para minha legging preta e camiseta cinza. Zayne usava roupas de
couro, e imaginei que provavelmente deveríamos ter pensado em como nos
encaixaríamos. Ou não.
— Não estamos aqui para andar em uma pista de desfile — comentou
Zayne.
— Mas se o fizesse, eu pagaria as passagens da primeira fila — Cayman
brincou, e eu sorri. — Vocês dois estão prontos?
Quando Zayne acenou com a cabeça, Cayman deu um passo para o lado
e abriu uma das portas pesadas. O ar frio saiu, vencendo o calor. Por dentro,
soube imediatamente que precisaria manter meus óculos de sol. Fiquei
impressionada com as luzes brilhantes dos lustres de cristal e a grandeza do
saguão palaciano. Tinha visto algumas obras de arte e designs caros antes - só
Deus sabia quanto custou o Salão Principal da Comunidade - mas isso era uma
loucura. Tudo parecia ser feito de mármore ou ouro, e eu tive o desejo
repentino de correr de volta para fora e limpar meus pés.
— Esperem aqui — disse Cayman. — Eu preciso conseguir uma chave
para o andar.
Cayman caminhou até o balcão de registro e se inclinou, chamando a
atenção de um jovem. Eu não tinha ideia do que ele disse, mas dentro de um
minuto, ele voltou para nós com um cartão-chave do hotel saindo entre dois
dedos.
— Isso foi rápido — comentei.
— Eu tenho a voz mágica. — Ele piscou para mim. — Me sigam.
Passamos por um lago de carpas e por um grande número de colunas
ladeadas por numerosos vasos de palmeiras. Entre algumas das folhas verdes
da flora, notei uma mulher andando de um lado para o outro, com as mãos
agarradas a volumosas saias violeta, que certamente era um fantasma.
Chegamos a um conjunto de elevadores. Cayman nos conduziu até o
último, passou o cartão e entrou.
— Vamos, crianças — ele gritou. — Não há tempo a perder.
Levantei uma sobrancelha enquanto olhava para Zayne, mas ele apenas
balançou a cabeça quando entramos no elevador surpreendentemente
apertado. Um leve jazz flutuava de alto-falantes ocultos.
Cayman apertou o botão do trigésimo andar. — Espero que, assim que
estas portas se abrirem, sejamos saudados de uma maneira não tão divertida.
Eu posso cuidar deles...
— Em outras palavras, matá-los? — Me intrometo.
Ele olhou para mim. — Uh. Sim.
— Que tal Zayne e eu nocauteá-los ou incapacitá-los, e você faz algo com
suas memórias — sugeri. — É disso que precisamos.
O corretor demoníaco fez beicinho. — Isso não é tão divertido.
— Você não está aqui para se divertir — Zayne apontou.
— Quem disse?
— Deus — Zayne suspirou, esticando o pescoço de um lado para o outro.
— Bem, Deus não é meu chefe. — Cayman revirou os olhos dourados. —
Mas de qualquer forma. Vou fazer o que vocês pedem, mas não faço promessas
sobre as memórias que vou deixar para trás. Acho que vou dar a eles uma nova
obsessão com por BTS, que oficialmente substituiu 1D na minha lista de
melhores coisas de todos os tempos.
Abri minha boca, mas o elevador parou suavemente. Zayne parou na
minha frente quando as portas se abriram. — Três à direita, dois à
esquerda. Quarto 3010. Vou pela direita.
— Com licença — uma voz masculina profunda gritou assim que Zayne
entrou no corredor. — Eu preciso ver alguns... — Suas palavras terminaram
em um baque quando Zayne o empurrou com força contra a parede.
Corri para fora, meu olhar estreito focalizando a esquerda enquanto um
homem vestido em um terno preto se afastava da parede, alcançando sua
cintura.
— Não. — O peguei pelo ombro e o girei, então agarrei sua nuca. Levei
sua testa a parede e deixei seu corpo cair enquanto eu disparava para
frente. Ouvi outro corpo cair atrás de mim, rapidamente seguido por um grito
do que presumi ser Zayne alcançando seu terceiro homem.
O cara a minha frente pegou sua arma, mas fui mais rápida. Girando,
chutei e o peguei ao longo da parte interna carnuda do cotovelo. A arma voou
para o alto enquanto o homem grunhia. Zayne pegou a arma enquanto eu
agarrava o homem pelo ombro e usei seu peso contra ele para jogá-lo no
chão. O estalo de sua nuca me disse que ele teria uma dor de cabeça infernal
quando acordasse.
— Legal — disse Zayne, jogando a arma para Cayman, que estava
ajoelhado ao lado do segundo homem.
— Você não estava muito mal...
Outro homem saiu, a boca aberta como se tivesse se preparado para
gritar um aviso. Pulei e apertei meu cotovelo sob seu queixo, fechando sua
mandíbula e sua cabeça para trás. Zayne o segurou quando ele caiu, colocando
a mão sobre a boca do homem enquanto apontava seu queixo para a minha
direita.
Olhei para cima, descobrindo que estávamos do lado de fora da porta
3010. Virei, acenando com a mão para Cayman.
O demônio se apressou, substituindo a mão de Zayne pela sua enquanto
olhava nos olhos arregalados do homem. — Oi. Você encontrou Jesus, nosso
Senhor e Salvador e irmão psicodélico completo?
Lentamente, olhei para o demônio. Ele sorriu amplamente, e eu levantei
meu olhar, murmurando, que diabos? Zayne apenas levantou uma sobrancelha
e gesticulou para que eu ficasse quieta enquanto ele pegava um dos homens
inconscientes, levantando-o por cima do ombro.
Droga.
Zayne era forte.
As feições do homem no chão haviam ficado relaxadas, como se ele
estivesse em algum tipo de viagem. Ele não fez nenhum som quando Cayman
o arrastou para fora da vista da porta, para o que parecia ser uma lavanderia
ou depósito. Em alguns instantes, o corredor estava limpo e Zayne voltou a
ficar do lado da porta que se abriu enquanto Cayman se demorava. O olhar de
Zayne encontrou o meu e eu assenti.
Ele bateu na porta e, um segundo depois, abriu uma fresta. — Wilson?
— uma voz masculina perguntou.
Zayne abriu a porta com o ombro, jogando o homem para trás. — O
senador está no sofá — disse ele, passando o braço em volta do pescoço do
homem e exercendo a pressão certa para fazê-lo se despedir com sono.
Entrei na sala, observando tudo enquanto Cayman entrava atrás de mim
e fechava a porta silenciosamente. A sala era grande, quase do tamanho do
apartamento inteiro de Zayne, e havia muito azul e dourado nas paredes e no
carpete, fazendo-me piscar. Meu olhar varreu as fotos emolduradas e passou
por uma porta, sobre uma mesa de jantar e para um sofá azul royal e o homem
mais velho que estava se levantando dele.
O senador Fisher parecia o clichê de um velho congressista comum que
estava muito além da data de validade para ser útil às pessoas que
representava. Cabelo branco como a neve e aparado, pele pálida enrugada nos
cantos da boca e dos olhos e sulcada ao longo da testa. Suas roupas exibiam as
cores da América, o terno azul marinho, a gravata vermelha brilhante e a
camisa social branca. Ele era um anúncio ambulante de patriotismo e
privilégio, enrolado em uma bolinha desarrumada de maldade bem escondida.
— Qual o significado disso? — Ele exigiu, alcançando seu bolso e
puxando um telefone. — Eu não sei quem vocês são, mas vocês estão fazendo
um terrível...
— Erro? Não tão grande quanto o que você fez. — Peguei o telefone da
mão dele. — Sente-se.
Seus olhos azuis remelentos se estreitaram sobre mim antes que seu olhar
saltasse nervosamente para onde Cayman estava sussurrando para o homem
que Zayne havia derrubado. — Agora, me escute, mocinha. Não sei o que
todos vocês pensam que estão fazendo, mas sou um senador dos Estados
Unidos e...
— E eu sou Frosty, o Boneco de Neve. Sente-se. Para baixo.
O senador olhou para mim, suas bochechas manchadas e depois
empalidecendo enquanto eu sentia Zayne se aproximando.
— Verifique a cobertura — disse Zayne a Cayman. O demônio se curvou
e quase saiu correndo.
Impaciente, bati com as mãos nos ombros do senador e o forcei no sofá. A
surpresa que alargou seus olhos me deu uma medida de satisfação. —
Obrigada por se sentar. — Eu sorri brilhantemente. — Temos perguntas e você
tem respostas importantes. Então, vamos ter um pequeno bate-papo e, se você
for inteligente, não vai dificultar as coisas para nós. Vê o grandão loiro atrás de
mim?
Os lábios do senador Fisher se estreitaram quando ele acenou com a
cabeça.
— Ele é tão forte quanto gostoso, e sua gostosura é extraordinária. —
Sentei-me na beira da mesa de centro diretamente na frente do senador. — E
acabei de descobrir hoje que ele é extremamente habilidoso quando se trata de
quebrar ossos.
— Nível de especialista — Zayne murmurou.
— Mas não queremos chegar a esse ponto. Lembre-se de que não querer
que isso aconteça não significa que não chegará a esse ponto. Entende?
Ele olhou entre nós. — Vocês não vão se safar disso.
— Famosas últimas palavras. — Cayman voltou para a sala e se jogou na
poltrona ao lado do sofá. — A cobertura é tediosamente limpa. Chega de
equipes de segurança ou prostitutas, vivas ou mortas.
Fiz uma careta para ele.
Cayman encolheu os ombros. — Você deveria ver as coisas que encontrei
nos quartos de hotéis de alguns políticos. Poderia escrever um livro de
memórias best-seller.
Tudo bem, então.
— Quem são vocês? — Fisher exigiu, endireitando as lapelas de sua
jaqueta.
— Apenas seu amigável vizinho Guardião — Zayne respondeu. — Oh, e
demônio e Verdadeira Nascida.
A rapidez com que o sangue do rosto do homem foi drenado era prova
suficiente de que sabia exatamente quem estava enfrentando. Seu olhar se
concentrou em mim.
Sorri de novo, levantando meus óculos de sol para que estivessem
empoleirados na minha cabeça enquanto eu tocava em minha Graça, apenas
um pouco, deixando-a brilhar. Fisher respirou fundo enquanto seu peito subia
e descia rapidamente.
Da poltrona, Cayman disse: — A coisa toda de brilhar é super
assustadora.
Somente um demônio pensaria que era assustador.
Eu controlei minha Graça de volta.
— Você sabe quem nós somos? — Zayne perguntou. — Agora?
— Eu não sou realmente Frosty, o Boneco de Neve — sugeri.
Fisher parecia prestes a estourar uma artéria. — Eu sei. — Ele engoliu em
seco e pigarreou. — Então vocês também sabem quem conheço.
— Se você acha que temos mesmo remotamente medo do Precursor, você
está muito equivocado — aconselhei, recostando-me. — Você vai nos ajudar.
— Eu não posso — disse ele, pousando as mãos sobre os joelhos. — Vocês
podem muito bem ir em frente e me matar, porque eu não posso ajudá-los.
Suspirei, levantando-me da mesa de centro. — Acho que vai ser da
maneira mais difícil.
Zayne não tomou meu lugar. Em vez disso, ele agarrou uma cadeira da
mesa de jantar posta e, em seguida, chutou a mesa de centro para trás, as
pernas grossas arranhando sulcos profundos no piso de madeira.
— Aquilo foi excitante — disse Cayman.
Realmente foi.
Zayne colocou a cadeira na frente do senador e se sentou. — Onde está o
Precursor?
Fisher balançou a cabeça enquanto eu me movia para ficar onde Zayne
estava.
— Onde está o Precursor? — Zayne se inclinou para frente, o olhar no
nível do senador.
Silêncio.
Zayne pegou a mão do senador. O homem tentou lutar com ele, mas era
como um coelho lutando contra um lobo. — Você sabe quantos ossos tem na
sua mão? Vinte e sete. Em seu pulso? Oito. Três em cada um de seus
dedos. Dois no seu polegar. Cada mão tem três nervos e, como tenho certeza
de que você sabe, a mão de um humano é incrivelmente sensível. Agora, eu
posso quebrar cada um desses ossos individualmente, — ele continuou, a voz
suave enquanto virava a mão do homem. — Ou posso fazer tudo de uma
vez. Acho que sei o que precisa ser feito e sinto muito que você não pareça
saber nada.
Houve uma rachadura que me fez estremecer por dentro quando o
senador gritou, seu corpo se curvando para dentro.
— Gostaria de ter pipoca — comentou Cayman.
Zayne inclinou a cabeça. — Isso foi apenas um dedo. Três ossos. Muito
mais para partir. Onde está o Precursor?
Querido Deus, Zayne era como o Chuck Norris dos Guardiões.
Com o peito arfando, Fisher gemeu ao apertar os olhos. — Jesus.
— Realmente acho que ele não vai ser de nenhuma ajuda — eu disse
secamente.
Outra rachadura fez minha cabeça virar para Zayne. — Era o seu polegar
— disse ele. — Então foram mais dois.
— Eu não sei onde o Precursor está hospedado. Deus, — ele engasgou. —
Você realmente acha que ele me contaria? Ele? Ele não é idiota.
— Então como você entra em contato com ele? — Perguntei.
— Eu não faço. — O homem tremeu, balançando ligeiramente enquanto
Zayne lenta e metodicamente virava sua mão. Ele pegou o dedo médio. —
Juro. Eu não faço. Ele veio a mim apenas uma vez antes.
— Mesmo? Você viu o Precursor apenas uma vez? — Zayne balançou a
cabeça. — Acho que não tenho falado sério o suficiente...
— É Bael — gemeu Fisher. — Geralmente é Bael com quem falo.
— Hmm... — Cruzei meus braços. — Você estava certo antes.
— Eu te disse — Zayne murmurou, sorrindo quase amigavelmente para
o senador.
— O que o bom e velho Bael tem feito? — Cayman se mexeu, deixando
cair as pernas sobre o braço de uma das poltronas. — Não vejo aquele canalha
há séculos. Ele está balançando sua capa de invisibilidade ao estilo de Harry
Potter? Espalhando sua teia de mentiras? Imagino que sim, considerando que
ele é o Rei do Engano. Você trabalha para um dos demônios mais antigos
conhecidos nesta Terra, nascido das profundezas do Inferno. Você mantém
uma companhia interessante. Alguém poderia pensar que isso faria você parar
e se perguntar se está do lado certo em tudo o que eles estão planejando.
— Você é um demônio — ofegou o senador. — Você vai pregar para mim
sobre estar do lado certo?
Cayman deu-lhe um meio sorriso. — Às vezes, o lado certo da história é
formado por aqueles que você menos espera.
— Onde está Bael? — Eu perguntei.
— Em nenhum lugar perto daqui — respondeu o senador. — Ele está
longe, escondido. Posso te dar um número para o qual liguei no passado, mas
isso não vai adiantar nada. Não agora.
Exatamente como Sulien havia dito. Frustrada, dei um passo à frente. —
Por que ele está ficando longe?
— Não sei.
— Fisher — Zayne suspirou. — Você parece saber muito pouco. Isso é
decepcionante.
— Espere... — Um grito interrompeu suas palavras quando Zayne
quebrou outro dedo.
E então o senador Josh Fisher desmoronou.
Apenas oito ossos. Pequenos. Dolorosos, mas minúsculos em
comparação com os maiores igualmente quebráveis.
— Eu amo minha esposa — ele gemeu, o rosto se contorcendo e o corpo
se curvando para o lado, esticado o máximo que podia com Zayne ainda
segurando sua mão. — Amo minha esposa. Isso é tudo. Eu amo-a. Não posso
fazer isso sem ela. Ela é tudo que eu sempre quis. — Soluços angustiantes
irromperam do homem. — A amo desde o dia em que ela entrou na minha
aula de economia em Knoxville. Ela é tudo para mim e eu faria qualquer coisa
para vê-la novamente. Segurá-la. Ter ela de volta. Isso é tudo que eu sempre
quis.
Desdobrei meus braços, trocando um olhar com Zayne. Ele largou a mão
e tudo o que o senador fez foi se enrolar ainda mais dentro de si. Me mexi,
desconfortável com a dor visível e crua. Este homem conspirou com um
demônio e bruxas, matando humanos inocentes e Guardiões. Ele estava
conectado ao Precursor, que queria trazer o fim dos tempos, então ele era
péssimo - grande momento - mas, a menos que fosse um ator talentoso, estava
desmaiando sob um tipo de dor muito maior do que dedos quebrados.
— O que ela tem a ver com Bael, Josh? — Zayne perguntou, usando seu
primeiro nome e em uma voz tão gentil que era fácil esquecer que ele acabara
de quebrar os dedos do homem.
Fisher não respondeu por vários minutos, apenas soluçou, até que,
finalmente, ele murmurou: — O Precursor ouviu minhas orações e veio até
mim.
Eu me mexi enquanto Cayman movia as pernas para fora da poltrona e
inclinava para frente.
— Ele parecia um anjo. — Os olhos do homem se abriram então, largos e
cegos. — Ele soou como um anjo.
Entendi totalmente como ele poderia confundir Sulien com um anjo, mas
pensar que ele e seu sotaque soavam como um? Então, novamente, Fisher era
do Tennessee. Talvez ele achasse que todo o Céu parecia Matthew
McConaughey em um comercial de carro.
— O que ele disse? — A voz de Zayne era tão suave.
O homem estremeceu. — Que ele... Que eu podia ganhar a única coisa
que mais queria. Natashya.
Oh Deus.
Eu tinha uma suspeita de para onde isso estava indo.
— Ele me disse que um homem viria até mim e eu deveria ajudá-lo com
o que ele precisava, e este homem era uma ovelha em pele de lobo, — ele
sussurrou agora. — Achei que fosse um sonho, mas então aquele homem
apareceu. A ovelha em pele de lobo.
Ele quis dizer um demônio fingindo ser mau?
— Bael? — Zayne cutucou. — Um homem que não era um homem? —
Quando Fisher assentiu, Zayne cruzou as mãos sob o queixo. — Você sabia o
que ele é?
— Não no início, mas eventualmente... sim.
Eu queria perguntar se ele pensava que era, não sei, uma maldita
bandeira vermelha brilhante, mas permaneci em silêncio.
— O que ele queria de você? — Zayne perguntou.
— Acesso à escola. Não sei por quê. Ele nunca me disse e eu não
perguntei. Eu... eu não queria saber. — O homem ainda tremia. — Eu só queria
minha Natashya.
A raiva apagou qualquer simpatia que eu sentia. — E não ocorreu a você
que poderia ser ruim que um demônio quisesse acesso a uma escola?
Zayne me lançou um olhar de advertência antes de se concentrar
novamente no senador, que não respondeu, apenas chorou mais. — Você já foi
para a escola?
— Não. Nunca. Acabei de abrir a empresa, fiz algumas ligações e
consegui adquiri-la. Uma nova escola já estava sendo construída para
substituí-la. Isso é tudo.
Planos para uma escola voltada para crianças com deficiência, eu queria gritar,
mas mantive minha boca fechada.
— E quando ele me disse que precisava me encontrar com elas - as bruxas
- ele me disse o que dizer, e eu... eu fiz isso.
Tive que tapar a boca com a mão para não falar.
— Bael me prometeu que traria Natashya de volta. Que assim que eles
tivessem o que queriam, eu a teria, — ele divagou, o corpo arfando. — E fiz
isso. Fui contra tudo em que acreditava e fiz isso. Sabia que era errado, que o
encantamento mataria, mas vocês têm que entender - ela é tudo para mim.
— Espere — Cayman falou. — Bael disse que poderia trazer sua esposa
de volta à vida?
— O Precursor e Bael me prometeram.
— Ninguém tem esse poder — eu disse, balançando minha cabeça. O
olhar selvagem do senador se voltou para mim. Ele parou de tremer. — Sua
esposa está morta. Ela provavelmente atravessou. Não pode ser trazida de
volta.
— Isso não é verdade. — Os lábios de Fisher puxaram para trás,
mostrando os dentes. — Não é verdade.
— Bael não pode lhe conceder esse favor. Não me importa quem é o
Precursor, mas ele também não — disse Cayman, levantando-se. — Além
daquele que está no comando lá em cima, há apenas um outro ser neste mundo
que pode fazer uma coisa dessas e ele só fez isso uma vez. Acabou mal, então
duvido que ele vá fazer de novo. Especialmente para um humano. Sem ofensa.
A compreensão entrou em jogo. — Você está falando sobre o
Ceifador? Mas ele não pode trazer alguém de volta dos mortos, especialmente
não... — Eu olhei para o senador. — Quando sua esposa morreu?
O olhar do homem mudou para seus dedos inchados. — Três anos, dez
meses e dezenove dias atrás.
Isso foi... exato.
— Ela está super morta — apontei. — Tipo super decadente e morta.
— Isso não importa — Cayman respondeu, me deixando atordoada. E,
aparentemente, até Zayne, porque ele se voltou para o demônio. — O Ceifador
pode fazer qualquer coisa com uma alma e isso é tudo que você precisa para
reanimar um corpo.
Meus olhos se arregalaram. — Você tem... o corpo dela?
O senador não respondeu e meu estômago embrulhou. Eu não tinha
certeza se queria saber onde seu corpo não tão fresco estava sendo mantido, se
não estivesse em seu túmulo.
— Você não precisa do corpo — explicou Cayman. — Você só precisa da
alma.
Fiquei boquiaberta com ele. — Isso... isso não é possível. — Eu não pude
acreditar. Depois de todas as pessoas mortas que eu tinha visto, simplesmente
não era possível.
Cayman sorriu. — Tudo é possível, especialmente quando você é Azreal,
o Anjo da Morte.
— Mas, como eu disse, ele só fez isso uma vez antes, e se você perguntar
a ele se pode ser feito, ele vai mentir no início, mas pode liberar uma alma,
pode destruí-la e... — Ele fez uma pausa para dramas puros. — Ele pode trazer
os mortos de volta.
Eu não sabia o que dizer.
Cayman deu um passo em direção ao sofá e se ajoelhou para que o
senador ficasse no mesmo nível dos olhos dele. — Também posso dizer que
Azreal nunca faria tal acordo. Não há literalmente nada que alguém possa
oferecer a ele. Mentiram para você.
O homem não se mexeu.
Zayne baixou as mãos. — Ela era sua fraqueza. Eles descobriram — disse
ele, repetindo o que havia me dito antes. — Eles a exploraram.
Meu olhar cintilou sobre o homem. — O triste é que você a teria visto de
novo. Se ela fosse boa e você fosse bom, você a teria visto quando morreu. Teria
se juntado a ela, ficado com ela por toda a eternidade. Mas agora? — Balancei
minha cabeça. — Você não vai.
Seus olhos se fecharam com força. — Eles me prometeram, —
sussurrou. — Eles me prometeram.
Suspirei, com o peito pesado, dividida entre odiar esse cara e sentir pena
dele. Como eu poderia sentir os dois? Ele não era uma boa pessoa. Talvez em
algum momento tenha sido, mas ele fechou os olhos para tudo de errado para
conseguir o que queria, e eu...
Um frio preencheu a boca do meu estômago enquanto eu olhava para
Zayne, pensando que nunca queria saber como seria chegar ao ponto que o
senador havia chegado, onde eu faria qualquer coisa para trazer de volta o
amor da minha vida.
Eu, que raramente rezava, rezava então para nunca saber qual era a
sensação.
Nunca.
Capitulo 36
Deixamos o senador como um homem alquebrado, com mais feridas
mentais e emocionais do que físicas. Não havia nada mais para persuadir dele
além de um coração partido.
Não foi uma perda de tempo, apesar do que Cayman disse, porque agora
sabíamos como um homem como o senador Fisher tinha se envolvido
nisso. Mas saber disso me deixou com o coração pesado e pensamentos
distraídos enquanto patrulhávamos, na esperança de atrair o Precursor para
fora de qualquer buraco escondido no qual havia voltado.
Era trágico, o que o amor poderia levar uma pessoa a fazer.
Zayne encerrou a noite mais cedo do que de costume e, pela primeira
vez, não reclamei ou me senti culpada por não vasculhar todos os cantos da
cidade. Encontrar o Precursor era fundamental, mas suspeitei que no momento
em que entrássemos na escola no sábado - em dois dias - Sulien apareceria. E
uma vez que entrássemos naquela escola, saberíamos exatamente com o que
estávamos lidando.
Tive a sensação de que estaríamos explodindo algumas coisas logo
depois.
Enquanto caminhávamos para onde a motocicleta estava estacionada, eu
disse: — Algo em que estive pensando. Por que você acha que Bael está sendo
escondido? Ele está sendo protegido. Não é estranho?
— Se fossem demônios protegendo-o? Não. Mas o Precursor, que é um
Verdadeiro Nascido? Sim. — Quando chegamos à sua motocicleta, ele deslizou
a mão na parte inferior das minhas costas e sentir o peso disso foi ainda melhor
do que segurar as mãos. — Tenho tentado criar cenários diferentes, mas tudo
o que sabemos é que Bael é necessário vivo para qualquer que seja esse plano.
Suspirei, olhando para o céu. Com todas as luzes dos prédios próximos,
não consegui ver se havia estrelas. — Me pergunto o que fez Sulien ficar
assim. Não sabemos o que ele está planejando, a não ser ajudar a trazer o fim
do mundo, mas obviamente é algo insanamente maligno. Ele disse que nunca
amou ninguém, então sabemos que não é como com o senador.
Zayne jogou uma perna por cima da moto, sentando-se. — Estamos
trabalhando com demônios, — ele disse, olhando para mim. O brilho de um
poste próximo iluminou seu rosto, criando sombras sob suas bochechas. —
Não apenas porque vemos um lado diferente de alguns demônios, mas
também porque pensamos que o que estamos fazendo é para um bem maior.
Segui para onde ele estava indo com isso. — E você acha que ele está
trabalhando com demônios porque pensa que tudo o que está planejando é
para um bem maior?
— É possível. Ao longo da história, as pessoas fizeram coisas confusas
porque acreditaram em algo - porque acreditaram que estavam certas. Os
Guardiões não são diferentes. Não acho que haja alguém que não tenha feito
coisas ruins acreditando que foi pelo motivo certo.
Balancei a cabeça, pensando que sempre que alguém acreditava que o
que estava fazendo era certo, era quase impossível convencê-lo do contrário.
Subi na moto e passei meus braços em volta de sua cintura. Ele se
abaixou, apertando meu joelho em resposta, e partimos.
A viagem de volta para o apartamento foi rápida, mas usei o tempo para
meio que... me distanciar do que aconteceu com o senador e de tudo a ver com
o Precursor. Achei que talvez Zayne estivesse fazendo o mesmo. Precisávamos
disso, para tirar um pouquinho do tempo que pertenceria a nós, às nossas
vidas, e quando Zayne parou na garagem, ao lado de seu Impala, eu estava
pronta para ser... normal. Por um tempinho.
— Pronta para conferir o novo lugar? — ele perguntou enquanto
caminhávamos para as portas do elevador.
— Eu realmente esqueci disso — admiti, rindo enquanto entrávamos.
— Uau!
— Eu sei.
Ele sorriu quando o elevador subiu. — É muito parecido com o outro
lugar. Mesmo layout e tudo. Apenas dois quartos.
Me inclinei contra a parede oposta enquanto inclinava minha cabeça para
trás. — Dois quartos são realmente necessários agora? — Eu provoquei.
— Espero que não. — Ele caminhou em minha direção, colocando as
mãos em cada lado da minha cabeça. — Mas dois banheiros serão incríveis.
— Verdade.
— Porque estou cansado de você usar meu sabonete líquido.
— É acidental.
— Uh-huh. — Ele abaixou a cabeça. — Acho que você só gosta de cheirar
como eu.
Continuei sorrindo. — O segundo quarto é provavelmente uma boa
ideia, porque tenho certeza que vou ficar irritada e te chutar para fora da cama
em algum momento.
— Mais cedo ou mais tarde, — ele concordou. — Só não me chute
completamente.
— Você não precisa se preocupar com isso. — O elevador parou e eu me
estiquei para beijá-lo. Então mergulhei sob seu braço e entrei em nosso novo
apartamento. — Você vai se juntar a mim?
Quando Zayne empurrou a parede e me seguia, eu virei. O apartamento
era praticamente o mesmo, exceto que estava virado. A cozinha ficava à
esquerda e a sala à direita. As janelas davam para uma rua diferente, mas o
sofá e os móveis estavam arrumados como antes. Exceto... quando estreitei
meus olhos, percebi que havia um pequeno corredor onde ficava a porta do
quarto no outro apartamento.
Zayne caminhou para frente, virando-se de modo que ele estava
andando para trás. — Posso te fazer um tour?
— Claro.
Ele sorriu, pegando minha mão. — Acho que você pode descobrir a
cozinha e a sala de estar.
— Sim, já tratei disso.
Rindo enquanto ele se virava, ele me puxou para o corredor. — As partes
interessantes estão aqui. À direita está um lavabo, e as portas duplas ao lado
dele está a lavanderia.
— Coisas realmente emocionantes — provoquei.
— Apenas espere. — Ele me levou mais para baixo, abrindo a porta à
esquerda. Alcançando, ele acendeu a luz. — Este é o quarto número dois. Por
ali há um banheiro.
Eu olhei em volta. — O quarto está... completamente vazio.
— Observadora.
Olhei para ele.
— Eu só tenho uma cama, — ele explicou. — Tive que pedir outra, além
de móveis.
— Espere. — Puxei sua mão. — Eu deveria estar encomendando a
mobília - pagando por ela.
— Este não é o seu quarto, no entanto. É meu, para quando você estiver
chateada comigo.
— Mas...
— Esse é o seu quarto — disse ele, abrindo a outra porta.
Zayne não acendeu as luzes, mas havia um brilho branco suave vindo de
alguma coisa. Não o banheiro, que presumi estar em algum lugar nas sombras,
ou uma lâmpada de cabeceira. Estava muito fraco para isso. Confusa, eu olhei
para cima...
— Oh meu Deus — eu sussurrei, não acreditando no que estava vendo.
Soltando minha mão, entrei no quarto, minha cabeça jogada para trás o
máximo que podia enquanto olhava para o teto.
O teto que brilhava com um branco suave das estrelas que brilhavam no
escuro espalhadas por todo o lado.
Havia estrelas no teto.
Estrelas.
— Como? — Sussurrei, levantando minhas mãos e então as enrolando
contra meu peito. — Quando você fez isso, Zayne? — Eu não conseguia
descobrir quando ele teria tempo.
— O dia em que você contou a Stacey sobre Sam — ele respondeu. — Eu
voltei aqui e coloquei isso. Tentei colocá-las em uma constelação, mas foi mais
difícil do que o previsto. Decidi inventar uma sozinha. Então, é a Constelação
Zayne.
Minha boca se abriu e não consegui encontrar palavras enquanto as
olhava. Elas começaram a embaçar, e percebi que era porque meus olhos
estavam úmidos. — Você fez isso quando estava com raiva de mim? Antes de
nós... antes de nos reconciliarmos?
— Sim. Eu acho que sim. — Ele parecia confuso. — Isso é ruim
Lentamente, me virei para ele. Eu podia ver seu contorno na porta. Meu
coração batia forte e minhas mãos tremiam. — Você fez isso quando não
estávamos conversando? Quando eu pensei que você poderia me odiar?
— Eu nunca odiei você, Trin. Furioso? Claro. Mas nunca...
Correndo a toda velocidade, me lancei contra ele. Ele me pegou com um
grunhido que se transformou em uma risada quando joguei meus braços ao
redor de seu pescoço e minhas pernas em volta de sua cintura. O apertei tão
forte quanto meu peito estava apertando e plantei meu rosto contra seu
pescoço.
— Eu acho que você gostou. — Seus braços me envolveram.
— Gostei? — Minha voz estava abafada contra seu pescoço. — Gostei? É
perfeito e incrível. É lindo. Eu amei isso. É mais.
Zayne respondeu, mas não sei o que ele disse, porque algo
aconteceu. Algo se quebrou dentro de mim, se estilhaçou e uma onda de
emoção fluiu tão rápida e inesperadamente que não pude evitar que tudo
inchasse dentro de mim.
Ele se soltou em um soluço que era em parte uma risada. Não havia
paredes. Nada de armários estúpidos. Nada entre mim e tudo que eu
sentia. Nada entre mim e tudo o que Zayne era.
O que era mais.
Muito mais.
— Ei. Ei. Trin. — Sua mão se curvou em volta da minha nuca, enredando-
se na trança solta. — Está tudo bem.
Estava.
Não estava.
Zayne me levou para a cama e se sentou comigo em seu colo, ainda
agarrada a ele como um macaco-aranha enlouquecido. Meus dedos enrolaram
ao longo das pontas de seu cabelo, esmagando os fios macios em minhas mãos.
— Droga, Trin, eu não queria fazer você chorar, — ele murmurou contra
o lado da minha cabeça. — Você acabou de dizer que sentiu falta das estrelas
do seu quarto em casa, e eu queria... Queria dar a você estrelas que você
pudesse ver todas as noites.
Oh Deus. Oh Deus.
Isso me fez chorar mais, tanto que Zayne começou a nos balançar
enquanto esfregava a mão para cima e para baixo nas minhas costas,
murmurando palavras sem sentido até que me recompus, mudando para que
minha testa descansasse em seu ombro.
— Eu sei. Eu sei que você não queria me fazer chorar. Isso não é culpa
sua. Eu amo as estrelas, amo que você fez isso. É só... — Acontece que o que
ele fez foi gentil, doce, atencioso, bonito e tão significativo quanto ele.
E era só que eu sabia que ele se importava comigo - que ele gostava de
mim como mais do que apenas uma amiga - e sabia que ele tinha começado a
sentir tudo isso antes do vínculo. E sabia que me importava com ele, e que já
estava apaixonada por ele muito antes da noite anterior..., mas isso era
muito mais.
— Trin? — Ele guiou minha cabeça para trás, deslizando o polegar ao
longo do meu lábio inferior. — O que está acontecendo nessa sua cabeça?
— Estou... estou com medo — admiti em um sussurro.
Seus olhos azuis claros se aguçaram. — Com medo de quê? De mim?
— Não. Nunca. — Eu puxei uma respiração superficial. — Estou com
medo de... Estou com medo de nós. Estou com medo do que isso
significa. Estou com medo de que não devêssemos ser isso. Estou com medo de
perder você. Estou com medo do quanto eu... do quanto eu sinto por você. Eu
estou assustada.
O peito de Zayne subiu com uma respiração profunda contra o meu e
então aqueles cílios grossos baixaram, protegendo seus olhos. Seus dedos
espalharam contra minha bochecha. — Eu também estou.
Meu corpo estremeceu. — Você está?
Sua mão enrolou na parte de trás da minha cabeça, os dedos
emaranhados no meu cabelo. — Você quer saber a verdade?
Sim? Não?
Ele interpretou meu silêncio como um sim. — Isso me apavora. Cada
aspecto disso, Trin. Sentindo o que sinto por você, querendo o que quero de
você? — Sua voz era profunda e áspera, e isso me fez estremecer. — Houve
momentos em que desejei me sentir assim por qualquer pessoa que não fosse
você.
Espere.
O que?
Eu pisquei. — Certo. Eu não esperava por isso.
— Me ouça. — Seus dedos apertaram minha trança. — O que sinto me
apavora, porque não devo me sentir assim e Deus sabe que já percorri esse
caminho. Não estava exatamente tentando repetir a história.
Mantive minha boca fechada.
— Mas é mais do que isso, Trin. Vai muito além do meu passado, — ele
continuou, seu olhar segurando o meu. — É por causa de quem você é. Você
vai lá todas as noites e coloca sua vida em risco. Você está caçando o tipo de
demônio que os Guardiões habilidosos temem. Está procurando por algo que
pode matar demônios e Guardiões em segundos. Estou com medo de que algo
aconteça com você, e isso não tem nada a ver com o que isso significa para
mim.
Está bem. Eu entendia isso totalmente. — Você está fazendo a mesma
coisa, Zayne. Não consigo nem pensar se algo acontecer... — Me cortei, não
querendo seguir por esse caminho. — Eu gostaria que você fosse um humano
que foi para a faculdade e estava estudando para ser veterinário.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Ok, talvez eu não queira que você seja um humano. Humanos são
muito fáceis de matar, mas você entendeu.
Uma onda lenta apareceu em seus lábios. — Eu entendi. — Sua cabeça se
inclinou para o lado. — Então, estou com medo, mas o que eu sinto - o que
quero ainda está lá. Está sempre lá, e quando não estou com você, tudo que
quero fazer é voltar para você. A princípio pensei que fosse o vínculo, mas não
é. É algo totalmente diferente. — Sua boca roçou minha bochecha,
aproximando-se dos meus lábios. — E sabendo disso - sabendo que você se
sente... se sente bem - serei condenado se eu me afastar disso, mesmo que isso
me apavore.
— Eu preciso que você entenda uma coisa. — Seu olhar pegou o meu,
segurou-o. — Sei que o que sinto por você não é nada como o que eu sentia por
Layla. Nada. E percebi algo na noite em que Stacey e eu conversamos.
Essa foi a noite em que ele e eu passamos para o próximo nível. Fazia
apenas, o que, dois dias atrás, mas parecia semanas. — O que? — Sussurrei.
— Eu... não sei se alguma vez estive apaixonado por ela — disse ele. —
Eu a amei. Sei disso, mas acho que estava apaixonado pela ideia dela e de
nós. E acho... não, eu sei que a parte mais difícil, com a qual tenho lidado desde
então, é perceber que nunca teria funcionado entre nós e como eu não
conseguia ver isso. — A mão em volta da minha trança deslizou para a parte
inferior das minhas costas. — Eu sempre amarei aquela garota. Não haverá um
momento que não a ame, mas eu não estou apaixonado por ela.
Meu coração batia forte e, quando respirei, parecia que não ia a lugar
nenhum. — E Stacey ajudou você a perceber tudo isso?
Aquele meio sorriso louco e fofo apareceu. — Sim, ela meio que me
questionou sobre isso. Disse algumas coisas que precisava ouvir - coisas que já
estava pensando.
Tudo bem.
Houve um movimento de inchaço no meu peito, que ameaçou me
levantar direto para o teto estrelado.
Talvez eu não devesse estar tão brava por ele ficar até tarde com ela.
Mas...
Sempre havia um mas.
Respirei fundo novamente. Precisava dizer isso. Eu precisava colocar
isso para fora, porque podia sentir isso crescendo entre nós. As regras não nos
impediriam. Os perigos que cada um de nós enfrentou não seriam um
obstáculo. — Estou com medo de ter meu coração partido.
Seus olhos encontraram os meus mais uma vez. — Eu também estou.
Respirei fundo. — Eu não poderia... Se algo acontecesse com você,
porque estamos juntos, eu...
A mão em minha mandíbula manteve meu olhar grudado no dele. — Eu
sei que minha vida está ligada à sua, que se algo acontecer com você, acontece
comigo, mas isso não me impede de ter medo de perder você de alguma
forma. Farei qualquer coisa para chegar até você se algo acontecer. Não há
nada que me impeça — admitiu. — Uma parte de mim entende por que o
senador fez o que fez. Inferno, não uma parte de mim. Tudo em mim entende,
e o conhecimento do que faria se te perdesse? Sim, isso também me assusta.
Um tremor desceu pela minha espinha.
— Se minha vida não estivesse ligada à sua e algo acontecesse com
você? Se fosse tirada de mim, não haveria nada que me impediria de ter você
de volta. Eu iria até os confins da Terra. Trocaria com tudo o que tenho — disse
ele. — Sei que isso é errado. Sei o quão ruim isso poderia ser, mas eu faria
isso. E não é por causa do fato de que, se você morresse, eu também morreria.
Na morte, nada me afastaria de você. Isso eu juro.
Estava errado. O mais provável é que corresse mal, mas sussurrei: — Eu
faria o mesmo. — E essa era a verdade. — Se você fosse morto? — Até pensar,
doía. — Faria qualquer coisa para trazê-lo de volta.
— Então, sabendo disso? Tenho certeza que não vou deixar nenhuma
regra nos separar. Nem o medo de ver você se machucar, e definitivamente
não o medo de me machucar. Sou muitas coisas, Trin, mas covarde não é uma
delas. — Seus olhos procuraram os meus. — E você também não é covarde.
— Não — sussurrei. — Não, eu não sou.
Esse meio sorriso cresceu em um sorriso completo, o tipo que quebrava
e consertava meu coração em questão de batidas. Era o tipo de sorriso cheio de
promessas e possibilidades, e malditamente certo, eu não era uma
covarde. Meus dedos emaranharam em seu cabelo enquanto eu exalava.
— Por que isso está acontecendo agora e não há duas noites? — ele
perguntou.
Porque ainda havia paredes. Eu não tinha percebido até agora, não até
que aquelas paredes tivessem desaparecido. — Porque você me deu estrelas, e
isso significa que isso é... isso é mais.
Seu polegar percorreu minha bochecha. — Eu não sei o que mais significa
para você, mas significa que eu te amo, Trinity Lynn. Que estou apaixonado
por você.
Eu não sabia quem se moveu primeiro, quem beijou quem. Estávamos
separados e depois não estávamos. Foi gentil e suave, como se pudesse ter sido
nosso primeiro beijo, e havia algo mais poderoso sobre esse beijo, e talvez este
fosse o nosso primeiro beijo de verdade. Deslizei minhas mãos em suas
bochechas e abri minha boca na dele.
E então se tornou infinitamente mais.
Era amor o que eu sentia por ele, amor que me dava tantos nós
minúsculos e retorcidos. Era o amor que corria por mim, mesmo que as
palavras nunca tenham saído dos meus lábios.
Era o amor que alimentou a necessidade de dar a ele algo tão bonito
quanto as estrelas que ele me deu, e eu só sabia de uma coisa, algo que Jada me
contara uma vez.
Deslizando para fora de seu colo, agarrei sua camisa e puxei. Ele precisou
de pouca instrução, levantando os braços e me deixando tirar a camisa, e
quando alcancei sua calça, ele se levantou, tirando as botas. Ele se despiu. O
ajudei. Mais ou menos. O distraí principalmente durante o processo, fazendo
com que suas pernas fortes tremessem. Na verdade, me distraí, descobrindo e
explorando enquanto caminhava, pressionando beijos contra seu quadril.
Então, só quando ele me puxou para cima, eu deslizei para fora e chutei
para o lado quando encontrei seu olhar. — Eu te quero.
— Isso é óbvio. — Seus olhos brilharam quando ele se aproximou de
mim.
— Eu quero que você seja quem você realmente é — acrescentei,
segurando a bainha da minha camisa. Zayne abriu a boca, fechou-a. Não era
exatamente a resposta que eu estava procurando. — Você é meu Protetor. Você
é um Guardião. Eu quero você.
Ele se sentou pesadamente na beira da cama. — Você sabe o que isso
significa?
Eu sabia o que isso significava.
Era o que os Guardiões faziam quando acasalavam, de acordo com Jada,
e era quase como os humanos, mas era apenas compartilhado com seus
companheiros. Para um Guardião, era uma verdadeira expressão de amor, e
embora eu não pudesse fazê-lo, sabia o que significava se nós o fizéssemos.
Então me ocorreu que talvez isso estivesse tornando as coisas um pouco
sérias demais. Ele me amava. Eu podia olhar para o teto todos os dias e ver seu
amor, mas isso poderua ser muito, muito cedo. O constrangimento tomou
conta da minha pele.
— Você não precisa — eu disse com pressa. — Foi só - deixa pra lá. É
estúpido e muito cedo. Podemos esquecer?
— Não. — Suas pupilas esticaram verticalmente. — Não é estúpido ou
muito cedo. É só... — Um olhar maravilhoso preencheu suas feições enquanto
ele balançava a cabeça. — Você me impressiona.
Um tipo diferente de rubor passou por mim, mas então Zayne se
levantou e me mostrou quem ele realmente era.
Eu devo ter parado de respirar quando ele estendeu a mão. — Para
sempre.
— Para sempre. — Coloquei os meus nos dele e quando seus dedos se
enroscaram nos meus, ele voltou para a cama, sentando-se. Senti como se não
estivesse recebendo ar em meus pulmões quando coloquei um joelho de cada
lado de suas pernas.
Seus olhos estavam arregalados, pálidos e luminosos enquanto ele
olhava para mim. Suas unhas afiadas agarraram o material da minha camisa
enquanto ele a levantava e tirava. Estendi a mão, os dedos tateando os
pequenos ganchos do meu sutiã. Com cuidado, ele abaixou a cabeça, seus
dedos perseguindo as alças enquanto elas deslizavam pelos meus braços, pelos
meus pulsos, para cair no chão. Toquei suas bochechas, minhas palmas
achatando enquanto guiava seu olhar de volta para o meu. Inclinando minha
cabeça, abaixei minha boca e o beijei. O gosto dele marcou minha pele, a
sensação dele quando deslizei a mão por seu peito, sobre os músculos tensos
de seu estômago e ainda mais abaixo, tatuou-se em mim, e o som de seu
gemido ecoou como uma prece.
Houve uma pausa para pegar a proteção, e então levantei levemente
apenas para facilitar, minha respiração se misturando com a dele. Zayne não
me apressou nem moveu um músculo. Sabia que ele não iria até que eu fizesse
isso, sempre paciente enquanto eu me ajustava, e quando me movia, era como
nada que tivesse sentido antes.
— Trin — ele gemeu, suas mãos em meus quadris, suas unhas gentis
contra minha pele. Seu braço rodeou minha cintura, tomando cuidado com sua
força enquanto me puxava para seu peito. — Para sempre — ele repetiu.
Sussurrei a palavra de volta contra seus lábios. Não era uma palavra
simples, mas uma promessa. Um tipo diferente de vínculo. Sempre pareceu
um longo tempo, especialmente em nossas idades, e para os seres humanos
que pode até parecer tolice, mas nossos “para sempre” não estavam
garantidos, e o que era, era o que sentíamos um pelo outro. Isso não significava
que as coisas seriam fáceis. Nem mesmo significava que amanhã não iríamos
incomodar muito um ao outro. O que significava é que não importa o que
acontecesse, éramos para sempre.
Suas asas varreram ao nosso redor, formando um casulo que bloqueou
toda a luz. O medo da escuridão repentina não estava em lugar nenhum. Não
quando as correntes que o seguravam pareciam ter rompido e seu corpo se
chocou contra o meu. Não quando havia toda essa tensão em mim,
nele. Agarrei seus ombros, meus dedos cavando em sua pele dura. Éramos
como fios esticados, puxados até onde podíamos ir, e depois soltos em uma
bela pressa, batendo através de nós dois.
Era como esperar que uma tempestade passasse. Sua testa descansou
contra a minha, sua respiração tão curta e rápida. Uma eternidade pareceu
passar antes que eu sentisse a agitação do ar enquanto suas asas se erguiam e
sua pele contra a minha suavizava.
— Isso foi... eu não estava esperando isso. Eu... — ele respirou fundo
novamente, parecendo sem palavras. — Não acho que você sabe o que... isso
significou para mim. Eu sempre... Deus, eu costumava me preocupar com a
minha aparência real. Acho que uma parte de mim ainda se preocupa.
— Você não tem nenhuma razão. — Me inclinei para trás para poder ver
seu rosto. Suas bochechas estavam coradas com um tom mais profundo. —
Como eu disse antes, você é lindo em ambas as formas. E só para soar mais
extravagante para você, é por causa do que está aqui. — Pressionei a mão em
seu peito. — Você diz que tenho uma luz sobre mim, mas você é minha luz.
Zayne recuperou o espaço entre nós, me beijando. — Você nunca vai se
livrar de mim agora.
— Eu não gostaria.
— Vou lembrá-la de que você disse isso. — Seu sorriso tinha uma
qualidade sonolenta. — Sabe, você é perfeita para mim.
Uma tontura passou por mim enquanto eu balançava para frente,
colocando minhas mãos em seus ombros e...
Eu parei. Havia algo estranho em seus ombros. Três sulcos curtos em sua
pele. Pequenos riscos vermelhos brilhantes e escorrendo. Sangue.
A confusão substituiu o calor borbulhante. — Eu acho... acho que
arranhei você.
— Huh. — Ele olhou para baixo, seguindo meu olhar. — Você o fez.
Eles eram arranhões - arranhões que eu causei. Eu puxei minhas mãos de
volta para o meu peito. — Oh meu Deus.
— Tudo bem. — Ele sorriu. — Mais do que bem.
O ar frio derramou em meu peito enquanto eu olhava para sua pele - pele
que arranhei com minhas unhas, o que não fazia sentido. Em absoluto. Meu
olhar largo saltou para seu rosto.
O sorriso sumiu de seu rosto. — Trin, está tudo bem...
— Não, não está. — Me afastei dele, levantando e recuando até que bati
na cômoda. — Eu não deveria ter sido capaz de fazer isso. As unhas não
podem perfurar sua pele, nem mesmo em sua forma humana, mas você não
foi... Isso não deveria ter acontecido.
— É... — A compreensão surgiu em seu rosto. Seu olhar disparou para o
meu. — Oh inferno.
Capitulo 37
A pele de Zayne não era mais dura para um Guardião, mesmo depois
que ele voltou à forma de Guardião e depois novamente a forma humana. Sua
pele era praticamente humana.
O que significa que ele era suscetível a
armas. Espadas. Adagas. Balas. Garras. Dentes. Sabíamos disso porque ele
agarrou uma das minhas adagas e abriu a palma da mão antes que eu pudesse
detê-lo.
Ele ainda era um Guardião, com a força e o poder de um Guardião, mas
fora isso ele era basicamente humano. Isso era o quão importante era sua pele
de pedra. Protegia muitas coisas importantes, como cada veia e órgão de seus
corpos.
Sabia por que isso tinha acontecido. No fundo, Zayne também. Essa era
a consequência que eu temia.
— Por que isso aconteceria agora e não antes? — Zayne perguntou,
sentando no sofá. Tínhamos nos mudado para a sala de estar algum tempo
depois que ele cortou a palma da mão. Não tinha sarado, mas o sangramento
tinha diminuído o suficiente para que ele pudesse remover o pano com o qual
amarrou a palma. O corte era fino e com gotas de sangue. Assim como os
vergões em seu ombro ainda nu - vergões deixados por minhas unhas
claramente humanas.
Tirando meu olhar das feridas, voltei a traçar um caminho no chão. Eu
estava andando de um lado para o outro na frente dele, vestindo sua camisa,
que quase dobrou como um vestido em mim. — Eu acho... sei por quê. Sou eu.
— Trin... — Ele ergueu sua cabeça, fechando sua mão. — Isso não é
apenas sua culpa.
— Não estou dizendo que seja. — Mastiguei minha unha do polegar. —
O que quero dizer é, eu acho - não, eu sei que estava me segurando
antes. Mesmo sabendo que estava... me apaixonando por você. Que eu já
estava, mas não estava me permitindo realmente sentir ou reconhecer isso.
— E você o fez hoje à noite?
Andando, balancei a cabeça.
— Não sabemos se é por isso.
Parei e olhei para ele. — Eu acho que é bastante seguro assumir que é
exatamente por isso. Talvez estivéssemos certos no começo. Ou eu estava. Esse
sexo ou algo físico não era o que era proibido. Era a emoção.
— Amor — ele sugeriu no lugar da palavra emoção. — É amor, Trin
Meus pés começaram a se mover novamente. — Isso — eu sussurrei.
Ele ficou em silêncio e disse: — Não é grande coisa.
— O que? — Eu quase gritei, meu ritmo acelerando. — É grande coisa,
Zayne. Você pode ser morto...
— Eu sempre pude ser morto. Isso não é novidade.
— Você pode morrer muito mais facilmente agora — eu apontei. — Não
jogue isso como se não fosse nada. É enorme, Zayne. É por isso que deveríamos
ter lutado contra isso. É por isso que, só porque algo parece certo...
Zayne me pegou pela cintura quando passei por ele, me puxando para
seu colo. — Não — disse ele. — Isso não significa isso, Trin. Isso significa
apenas que é o que é, e temos que lidar com isso. Isso é tudo.
Meu olhar caiu para onde sua mão ilesa circulou meu pulso. Sua pele
parecia a mesma, impossivelmente quente. — Como você pode fazer parecer
que não é nada?
— Porque não muda nada. — Ele pressionou sua testa contra a minha. —
Isso não diminui o que eu sinto por você, e sei muito bem, depois do que você
acabou de me dar, não diminui o que você sente por mim.
Ele estava certo e eu me odiava um pouco por isso.
— Isso pode ser temporário — ele continuou. — Não sabemos nada além
do fato de que teremos que nos adaptar a isso. Juntos. É tudo o que podemos
fazer.
Eu balancei minha cabeça contra a dele. — Não entendo como você
consegue ficar tão calmo.
— Não é como se eu não estivesse preocupado. Estou, mas eu lhe
disse. Eu conhecia os riscos envolvidos nisso.
Nós sabíamos dos riscos, mas não quais eram e havia uma grande
diferença. Afastei minha cabeça, pensando em tudo o que tínhamos que fazer
- que tínhamos planejado fazer. — Eu não quero que você vá para aquela escola
comigo.
— Trin...
— Não até que eu saiba o que está lá. Você disse que precisamos nos
adaptar, e é assim que nos adaptamos. Você dá um passo para trás.
— Isso não foi o que eu quis dizer.
— Eu não me importo! — Me virei em seus braços, meu coração batendo
forte enquanto agarrava suas bochechas. — Não me importo com o que você
acha que pode fazer, mas se esta é nossa... nossa punição, então é assim que
nos adaptamos. Temos que ser ainda mais cuidadosos, e ser cuidadoso
significa dar um passo para trás até que saibamos o que estamos enfrentando.
— Você acha que vou ficar sentado aqui, lendo um livro, enquanto você
está lutando contra o Precursor?
— Começar um hábito de leitura não é algo ruim. Você poderia começar
um clube do livro.
— Trin. — Seus olhos claros brilharam. — Eu sou um guerreiro
treinado. Sei como evitar ser arranhado, mordido ou esfaqueado. Eu não sou
fraco.
— Você é a pessoa mais forte que conheço, mas não é invencível.
— Eu nunca fui. E nem você. Quando descobri sobre a sua visão, você
acha que não me assustou quase até a morte, imaginando todas as maneiras
que poderia afetar você?
Fiquei em silêncio.
— Aconteceu. Ainda continua. Você é meio humana, Trin. Sua pele é
vulnerável a todos os tipos de lesões, mas lembro a mim mesmo que você é
treinada. Você tem sua Graça. Você sabe como lutar e sair de uma situação se
ela ficar feia. Tenho que me lembrar disso todos os dias. Estou lá para protegê-
la, mas não estou lá para impedi-la. Você vai tentar me impedir?
Alisei meus dedos sobre suas bochechas e exalei asperamente. — Não
espero que você se sente aqui e não faça nada. Eu só espero que você... faça
escolhas inteligentes. Como eu faço.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Como eu tento fazer. Você vai para a escola comigo, mas fica fora dela
até que saibamos o que está acontecendo, — me comprometi. — E você está
certo. Eu provavelmente ainda poderia me machucar mais rápido do que você,
mesmo agora, mas tive minha vida inteira para aceitar minhas limitações. Você
não teve nem um minuto lutando com a sua.
Ele se inclinou, fechando a distância entre nós e me beijando
suavemente. — Vamos descobrir isso, com limitações e tudo.
— Promete? — Sussurrei, precisando da confirmação, precisando saber
que isso não era o começo de algo terrível.
— Prometo. — Ele me abraçou. — Lembre-se, Trin. Para sempre.
— Eu lembro. — E me lembraria. Nunca esqueceria.

Mais tarde, uma vez que Zayne me persuadiu a voltar para a cama e ele
adormecera, fiz algo que podia contar com uma mão o número de vezes que
tinha feito antes. Fechando meus olhos, limpei minha mente de qualquer coisa,
exceto meu pai. Eu o chamei. O convoquei. Orei para ele, esperando que ele
aparecesse e desfizesse o que tínhamos feito. Implorei para que devolvesse
Zayne ao seu estado anterior. Eu até ofereci algo que quebraria meu coração
em pequenos pedaços irregulares que nunca poderiam ser consertados.
Vou desistir dele, implorei silenciosamente. Eu vou fazê-lo desistir de
mim. Vou desfazer o para sempre. Qualquer coisa. Eu farei qualquer coisa.
Mas, como todas as vezes anteriores, não houve resposta.
Capitulo 38
Eu estava andando no expresso nervoso e bagunçado quando Zayne e eu
nos encontramos com Roth e a equipe no sábado à noite. Minha Graça estava
no gatilho. Se alguém ao menos olhasse para Zayne da maneira errada, eu
estava preparada para causar danos físicos completos.
Humano e não humano.
Exceto para os animais. É melhor que Zayne consiga correr rápido se um
cachorro tentar mordê-lo ou algo assim.
Sua pele não tinha voltado à sua qualidade de pedra, e tive que lutar
contra tudo em mim para não o trancar no armário ou algo assim. Ele estava
se comportando como se esse novo estado de coisas não mudasse totalmente
sua vida. Parecia bastante afetado por isso, e eu não conseguia entender.
Imaginei que a primeira vez que ele fosse agarrado por um demônio,
mudaria isso muito rapidamente.
Pensar nisso me apavorou, porque dependendo de onde ele fosse
arranhado, poderia ser sério ou até fa...
— Trin. — Zayne empurrou a parede de concreto. Estávamos esperando
no mesmo lugar da última vez, na esquina da rua que dava para a escola. —
Você está ficando nervosa.
Fiz uma careta em sua direção geral, já que ele era um borrão na ausência
de luzes. — Não, eu não estou.
— Eu posso sentir isso. — Ele suspirou. — Por que isso parece algo que
você esquece repetidamente?
— Talvez porque estou tentando esquecer.
Ele riu, aproximando-se. Senti o cheiro de hortelã do inverno e, em
seguida, sua mão estava na parte inferior das minhas costas. — Não se
preocupe. Eu vou ficar bem.
Sim, ele ficaria bem em pé aqui, a uma distância segura e inteligente.
— Lá vêm eles — anunciou ele. — Roth, Layla e... Cayman.
— Eu não sabia que ele estava vindo.
— Acho que ele sentiu nossa falta.
Abri um sorriso quando vi as formas vagas de três pessoas vindo em
nossa direção. Eles estavam vestidos como ladrões, mas à medida que se
aproximavam, o cabelo de Layla se destacou como uma fatia do luar até que
pisaram sob o poste.
— Acho que vocês ainda não ouviram. — Roth foi o primeiro a falar.
— Ouvimos o quê? — Zayne manteve a mão na parte inferior das minhas
costas enquanto nos guiava para longe da parede para a calçada.
— Cerca de trinta minutos atrás, o senador Josh Fisher foi encontrado na
calçada em frente ao Condor — disse Cayman. — E ele não apenas se
deitou. Ele caiu cerca de trinta andares.
Meus olhos se arregalaram. — Puta merda.
— Sim. A rua inteira está bloqueada agora — disse Layla. — Equipes de
notícias e carros de polícia a cada vinte metros.
— Você acha que ele se matou? — Eu perguntei. — Ou...
— ... o Precursor fez uma visita a ele? — Zayne terminou. — Qualquer
um é possível.
— Especialmente considerando que ele era um homem muito quebrado
— disse Cayman, e tive que concordar.
Era possível que o senador tivesse aceitado que o Precursor e Bael
mentiram para ele e que nunca mais veria sua esposa. Considerando o que ele
participou, era realmente possível que ele tivesse acabado com sua própria
vida, mas... — O Precursor poderia ter descoberto que estivemos lá. O tirou de
lá.
— Possível — disse Zayne.
— Bem, quero dizer, quem se importa, afinal? — Cayman perguntou, e
olhei para onde ele estava atrás de Roth. — Ele era um cara mal e as coisas
nunca iriam acabar bem para ele.
— Tato — explicou Roth, — não é algo que Cayman jamais tenha
aprendido.
— Principalmente porque tato muitas vezes finge que você se importa
quando não se importa — respondeu ele. — Olha, tudo que estou dizendo é
que eu não jogaria um colete salva-vidas para aquele cara se nosso barco
estivesse afundando.
Zayne esfregou a testa enquanto balançava a cabeça.
— Bem — eu disse. — Você é um demônio, então...
— Eu também mataria o bebê Hitler— anunciou Cayman. — Facilmente.
— Jesus — Zayne murmurou baixinho.
— Eu mataria o bebê Precursor também — acrescentou Cayman.
— Mesmo? — Layla franziu os lábios. — Um bebê? Mas e se houvesse
uma chance de você mudá-lo?
Exalando pesadamente, Zayne largou a mão, mas ainda parecia que
estava prestes a ter um aneurisma.
— Algumas pessoas não podem mudar, — Roth interrompeu. — O mal
é o destino deles.
— Mas um bebê? — Layla estremeceu. — Isso seria difícil.
— Na verdade, não — disse Cayman, encolhendo os ombros quando
seus olhos se arregalaram.
— Esta é uma conversa necessária para ter agora? — Zayne perguntou.
— Não, eu concordo — respondi, e Zayne suspirou mais uma vez. —
Sabendo o que o Precursor tem feito, eu voltaria no tempo e acabaria com ele.
Layla ficou quieta e então assentiu. — Sim, eu mataria o bebê Precursor.
Roth cruzou os braços. — Você sabe que eu faria isso.
— Agora, isso é um choque — murmurou Zayne.
— Eu faria isso, mas, novamente, não tenho nenhum problema em matar
alguns bebês, porque sou um demônio. — Cayman fez uma pausa quando
todos nós nos viramos para ele novamente. — Oh, isso foi um exagero?
Eu levantei meu indicador e polegar. — Só um pouco.
— E você, Zayne? — Roth perguntou. — Você mataria o bebê Precursor?
— Sim — ele disse, e imaginei que uma veia estava começando a latejar
em sua têmpora. — Eu faria. Agora que todos concordamos que mataríamos o
bebê Precursor, podemos seguir em frente?
— Certo. — Cayman sorriu. — Não sei quanto a vocês, mas este
momento de compartilhar e cuidar me faz sentir que somos uma equipe de
verdade que pode fazer as coisas. Como os Vingadores, mas mais malvados.
— Então, muito parecido com Tony Stark? — Layla disse.
— Tony Stark não é mau! — Cayman gritou, fazendo-me pular. — Por
que você fica dizendo isso? Ele é o único que já tentou estabelecer limites. Ele
só tem áreas morais cinzentas, muito obrigado.
— Você sabe que ele não é real? — Perguntei. — Certo?
Cayman girou em cima de mim. — Como você ousa?
— Certo. Realmente. — Zayne fez um gesto para a calçada. — Sério.
O plano era entrar pela lateral do prédio, onde os caminhões de trabalho
estavam estacionados.
— Acho que deveríamos verificar a área dos armários do porão, já que
temos certeza de que é para onde os túneis levam — sugeriu Roth. — É onde
Lilin e Rastreadores Noturnos estiveram da última vez. Podemos acessá-lo
através do ginásio.
— Parece um plano — Zayne disse e começou a caminhar pela calçada.
— O que? — Eu peguei seu braço, parando-o. — O que você quer dizer
com parece um plano?
Seu rosto estava sombreado pelo brilho do poste. — É exatamente o que
parece.
— Zayne, nós conversamos sobre isso — eu disse, mantendo minha voz
baixa.
— Sim, nós fizemos. Vou ter cuidado e...
— Não foi isso que combinamos!
— Sobre o que concordamos exatamente? — Ele puxou o braço livre.
— Nós concordamos que você ficaria do lado de fora até sabermos o que
estávamos enfrentando.
— Não foi com isso que concordei.
— Você só pode estar brincando. — Recuei, as mãos abrindo e fechando
ao lado do corpo. — Achei que tivéssemos concordado...
— Nós concordamos em resolver isso juntos. Isso não significa que
concordei em ficar aqui.
— Então, você vai entrar lá, onde pode haver demônios e fantasmas
irritados e Pessoas das Sombras, que são muito mais perigosos do que a
maioria dos fantasmas? — Eu estava ciente de que estávamos ganhando uma
audiência de três pessoas. — E se o Precursor estiver lá?
— Você o sente?
— Não, mas isso não significa que ele não está lá ou não vai aparecer...
— Enquanto eu estiver aqui fora?
— Ou ele poderia estar naquela escola e eu simplesmente não o sinto
ainda. Nenhum de nós pode dizer se há mais demônios por perto, porque, olá,
há vários deles bem aqui conosco, escutando nossa conversa!
— Eu sou apenas parte demônio — Layla murmurou. — Por que vocês
estão discutindo sobre isso? Estou confusa.
— Estou encantado — rebateu Cayman.
Afastei-me de Zayne, não querendo dizer o que estava acontecendo, mas
eles precisavam saber. — A pele dele não é mais como a de um Guardião. É
como a de um humano.
— Como a sua — Zayne respondeu atrás de mim.
Ignorei isso. — E ele não teve tempo de descobrir o que isso significa e
como trabalhar com isso.
Layla deu um passo em nossa direção. — Como isso é possível?
— É uma longa história — eu disse, não querendo realmente entrar em
nossos negócios super pessoais. — Mas quero que ele fique para trás até que
saibamos o que há dentro.
— Eu ainda posso lutar — Zayne disse.
— Sim, você pode. Já discutimos isso, mas no momento em que eles
perceberem que sua pele é tão macia quanto a bunda de um bebê, eles vão
explorar isso — raciocinei.
— Ela tem razão, cara. — O olhar de Roth mudou para Zayne.
— Você poderia se sentar aqui enquanto Layla entra lá? — Zayne exigiu.
— Bem, minha pele nunca seria tão macia quanto a bunda de um bebê,
então não.
Eu levantei minhas mãos, exasperada, enquanto olhava para Zayne. —
Você não pode entrar ali.
— Espere aí. — Layla saltou, voltando-se para Roth. — Se algo
acontecesse que o deixasse mais vulnerável, você realmente se colocaria em
perigo por causa da necessidade de algum homem das cavernas retrógrado
para me proteger? Mesmo quando eu claramente não preciso de você para me
proteger?
Roth abriu a boca.
— Pense muito sobre como você responde a essa pergunta — ela avisou,
levantando a mão. — Porque você e eu vamos ter uma noite muito
desconfortável se você disser que sim.
Roth fechou a boca.
— Entendo totalmente por que você não o quer lá — Layla disse para
mim. — Eu não gostaria que Roth estivesse lá, também, se algo o tivesse
deixado mais vulnerável. Você não está errada aqui, mas você? — Ela apontou
para Zayne. — Você está errado.
— Desculpe? — Zayne respondeu enquanto eu sorria.
— Você ficaria bem se Trinity entrasse lá se o sapato estivesse no outro
pé?
— Na verdade, o sapato...
— Não é a mesma coisa — interrompi, prendendo-o com um olhar
feroz. — Eu sei quais são as minhas limitações. Sei como contorná-las. Você
ainda não conhece suas limitações.
Um músculo pulsou ao longo de sua mandíbula.
— Você não faria isso, Zayne. Você não ficaria bem com ela fazendo
isso. Não apenas isso, você estaria tão distraído com a preocupação com ela
que também ficaria vulnerável, — Layla continuou. — É isso que você quer
que ela seja? Distraída enquanto lida com o Povo das Sombras e quem sabe o
que mais?
Seus lábios se estreitaram enquanto ele balançava a cabeça, seu olhar
estreito me encontrando. — Não. Eu não a quero distraída.
— Então você não pode entrar ali — ela disse, sua voz suavizando. — Eu
sei que vai te matar ficar aqui, mas isso é melhor do que se machucar ou ser a
razão pela qual ela se machucou.
— Tudo bem — ele respondeu, soando nem remotamente bem.
O alívio passou por mim com tanta força que quase comecei a chorar, e
ele deve ter sentido isso através do vínculo, porque seus olhos se arregalaram
ligeiramente. Aproximei-me dele, cruzando meus braços em volta de sua
cintura enquanto olhava para ele. — Obrigada.
Um suspiro estremeceu através dele quando ele levou as mãos ao meu
rosto. — Eu odeio isso — disse ele, em voz baixa. — Eu odeio a ideia de não
estar ali com você. Sou seu Protetor. Isso parece... errado.
— Eu sei. — Meu olhar procurou o dele na escuridão. — Mas vou ficar
bem. E você vai ficar bem. Só precisamos de tempo para nos adaptar a
isso. Patrulhar. Caçar. Não tivemos esse tempo ainda.
— Não seja lógica — disse ele, abaixando a cabeça. — Esse não é o seu
trabalho. É meu.
Antes que eu pudesse apontar que tinha o direito de ser lógica de vez em
quando, Zayne me beijou, e não foi um beijo rápido e casto. Ele persuadiu
meus lábios a abrirem com os dele, e no momento em que o beijo se
aprofundou, o mundo ao nosso redor desapareceu. Inclinei-me mais para ele,
e quando o som que ele fez retumbou por mim, meus dedos do pé se
enrolaram.
— Bem, agora sabemos por que Zayne de repente ficou todo macio e
praticamente inútil — Cayman comentou secamente. — Olhe para o casal feliz.
— Eu ainda posso te matar. — Os lábios de Zayne roçaram os meus mais
uma vez antes que ele erguesse a cabeça, prendendo o corretor demoníaco com
um olhar sombrio. — Facilmente.
Cayman engasgou-se. — Estou afrontado.
Espiei por cima do ombro, meu olhar encontrando Layla. Não sabia o
que esperava ver quando olhei para ela, mas o que vi foi felicidade. O tipo triste
que reconheci e que tinha sentido, muito tempo atrás, quando percebi que
Misha estava interessado em alguém. Não era que eu o quisesse, ou que não o
quisesse com outra pessoa, mas ele tinha sido meu de certa forma, e então não
era mais. Imaginei que fosse o mesmo para Layla.
As emoções eram estranhas.
— Essa foi a consequência? — Roth perguntou, amaldiçoando em voz
baixa. — Você se apaixona e isso o enfraquece?
— Aparentemente. — As mãos de Zayne repousaram em meus
ombros. — Confuso, certo?
— Mais do que confuso — Roth respondeu. — Isso é francamente...
— Inteligente? — Cayman disse, e eu estava começando a me perguntar
se ele tinha um desejo de morte hoje. — O que? Faz sentido. O amor pode ser
uma fraqueza ou pode ser uma força, mas não importa o que aconteça, o amor
é sempre a prioridade. Vocês dois se colocariam em primeiro lugar, antes de
seu dever, e os responsáveis veriam isso como uma fraqueza. Algo que eles
gostariam de evitar.
— Bem, obrigado por sua contribuição — Zayne disse, suspirando. —
Isso faz com que nós dois nos sintamos melhor sobre tudo.
De alguma forma, e eu não consegui entender, Roth decidiu que Layla
deveria ficar do lado de fora também, o que fez Zayne anunciar que não
precisava de uma babá. Então Layla e Roth começaram a discutir, mas no final,
ela concordou em esperar com Zayne até que nós três - Roth, Cayman e eu -
soubéssemos com o que estávamos lidando.
Finalmente, fomos para a escola e, quando nos aproximamos, pude ver
que algumas janelas estavam iluminadas por dentro. Quando viramos um
lado, indo para onde os caminhões estavam estacionados da última vez, meu
olhar se desviou para o segundo nível. A vibração ainda estava lá, como se
centenas de olhos invisíveis estivessem rastreando nossos movimentos.
Contornando a cerca temporária, nos aproximamos da porta e me virei
para Zayne, admitindo para mim mesma que parecia errado deixá-lo aqui.
Às vezes, o que parece errado está certo. Isso é o que eu disse a mim mesma
quando de repente queria retirar o que disse. Ele estava mais seguro aqui. Isso
era inteligente e lógico.
Zayne pegou minha mão enquanto Cayman mexia no cadeado,
quebrando-o. — Tome cuidado.
— Eu terei. — Apertei sua mão em retorno, aquelas três palavras que eu
não tinha dito ainda dançando na ponta da minha língua, mas sentindo que
era muito perigoso para falar. O que era idiota, já que o estrago já estava
feito. Falá-las em voz alta não lhes dava mais poder do que a emoção que já
tinha ligado a elas.
— Tenha cuidado também — eu disse em vez disso.
— Sempre — respondeu ele.
Capitulo 39
O amplo corredor do primeiro andar estava surpreendentemente
iluminado com uma luminosidade terrivelmente brilhante, algo que não
tínhamos sido capazes de ver de fora desde que a maioria das portas das salas
de aula estavam fechadas. A luz fez muito pouco para afastar as sombras que
prendiam-se aos armários e às portas fechadas. Eu deixei Cayman e Roth
liderarem o caminho, já que esta foi a primeira vez que estive em uma escola
pública.
Tinha um cheiro estranho, como mofo e sobras de colônia e perfume,
junto com o leve cheiro de serragem e construção.
Um lampejo de movimento chamou minha atenção. Uma forma cinza
disparou para uma das salas de aula fechadas.
— Você acha que o que está acontecendo com Zayne é permanente? —
Roth perguntou em voz baixa.
— Não sei — admiti. Uma sombra apareceu no final da fileira de
armários e rapidamente se infiltrou em seus arredores. — Espero que seja
temporário, mas...
— Mas você teria que parar de amá-lo — ele concluiu. — Ou ele teria que
parar de amar você.
— Sim — sussurrei, olhando ao redor. A cada par de metros, havia um
vislumbre de algo que não parecia certo, mas desaparecia antes que eu pudesse
me concentrar e decifrar o que estava vendo. No entanto, eu podia senti-
los. Havia tantos fantasmas neste edifício que era quase sufocante.
— Você acha que isso é possível?
Pensei em como orei ao meu pai, desesperada, prometendo fazer
exatamente isso. — Eu... eu não sei como você se apaixona, então eu não sei
como cair fora disso.
— Você não quer — ele disse. — Pelo menos, você não pode se livrar do
amor.
— Parece que você já tentou.
— Eu tentei.
— Você poderia conseguir um feitiço. Existem alguns por aí, mas tenho
certeza que eles vêm com efeitos colaterais desagradáveis, — Cayman
respondeu, olhando por cima do ombro para mim. — Ou você poderia
negociar, se soubesse onde encontrar um demônio com um certo conjunto de
habilidades...
Levantei minhas sobrancelhas. — Você está se oferecendo para a troca?
— Eu sou um homem de negócios para o coração, pequena Verdadeira
Nascida. Bem, um demônio dos negócios, mas tanto faz. — Ele olhou para
frente. — Você sabe onde me encontrar se for o caso.
Roth franziu a testa para as costas de Cayman. Trocar minha alma? Ou
partes dela? Isso não era algo que eu havia considerado.
— Você já viu algum fantasma? — Roth perguntou quando passamos por
uma caixa de vidro vazia.
— Estou captando muitos vislumbres rápidos de movimento. Pode não
ser nada ou podem ser fantasmas tímidos.
— Ou Pessoas das Sombras?
Concordei.
Cayman parou e percebi que estávamos na entrada do ginásio. As portas
estavam abertas e um vazio de escuridão esperava por nós.
Oh céus.
Eu não conseguia ver literalmente nada. Nem mesmo Cayman quando
ele entrou e foi engolido pelo nada. Pelos se eriçaram por todo o meu corpo. A
vibração que eu tinha sentido anteriormente aumentou enquanto olhava para
a escuridão.
Meus pés estavam enraizados onde eu estava. Eu, que não tinha medo
de fantasmas, estava um pouco assustada com a perspectiva de entrar naquele
ginásio.
— O que é? — Roth perguntou.
— Fantasmas. Há muitos fantasmas lá. Eu posso senti-los, — disse,
olhando para ele. — Não posso vê-los, no entanto. Não posso...
Roth entendeu, balançando a cabeça. — Me dê sua mão. Eu vou te levar
aonde precisamos ir.
Encarei sua mão. — Você disse a Zayne o que eu fiz com Faye depois que
você me disse para não dizer nada.
— Eu estava me perguntando quando você tocaria nisso — respondeu
ele. — Mudei de ideia depois que te deixei. Foi mal.
Eu fiz uma careta para ele.
— Vocês vêm? — Cayman gritou. — Porque é meio estranho aqui. Tipo,
eu não acho que estou sozinho.
— Talvez falar sobre isso mais tarde? — Roth sugeriu.
— Definitivamente mais tarde. — Coloquei minha mão na dele. Houve
uma estranha explosão de energia de onde sua pele fez contato com a minha,
mas eu realmente não conseguia me concentrar nisso.
Roth me conduziu para o vazio e foi como caminhar em meio a uma
sopa. O ar estava denso e se movia, como se estivesse se enrolando ao nosso
redor. As pernas da minha calça puxaram como se pequenas mãos as
estivessem agarrando. Continuei andando. Mais alguns passos, e eu os senti,
pressionando, nos aglomerando. O que parecia uma mão raspou em meu
quadril e depois em meu traseiro.
Eu estava começando a ter um mau pressentimento sobre o tipo de
fantasmas que estavam aqui.
— Você realmente pode ver? — Eu perguntei, nervosa.
— O suficiente.
— Isso é reconfortante... — Um dedo deslizou pela minha bochecha.
— Não — eu bati na escuridão à minha direita. — Toque-me.
— Eu não toquei — Roth respondeu.
— Não foi você.
— Oh. — Seu aperto aumentou em minha mão. — Você pensaria menos
de mim se eu admitisse que estou meio assustado?
— Sim.
— Uau.
— Estou brincando. — A ponta da minha trança levantou. Eu a peguei
com a outra mão. — Se mais algum de vocês, fantasmas pervertidos, colocarem
a mão em mim, acabarei com sua existência.
— Eu quero saber o que está acontecendo? — A voz de Cayman veio de
algum lugar.
Uma risadinha estridente que não soou nem masculina nem feminina
respondeu, e então o ar ao redor de Roth e eu, mudou novamente, como se
estivesse se separando enquanto cruzávamos o ginásio.
— Nenhum deles está se aproximando de mim para pedir ajuda — eu
disse depois de um momento. — O que eu acho que eles fariam se quisessem
sair daqui.
— Seria de se pensar. — Roth murmurou, parando. — Cayman?
— Trabalhando na porta agora. Está selada... — O metal se fundiu e então
cedeu. — Aqui vamos nós.
Uma luz fraca entrou, graças a bebês lhamas em todos os lugares - oh,
não. Não havia nada escrito sobre isso.
Uma saliência estreita e um conjunto de degraus estavam à nossa frente,
mas não estavam desocupados.
Pessoas mortas.
Havia pessoas mortas alinhadas nos degraus, pressionadas contra a
parede. Dezenas delas. Eu nunca tinha visto nada parecido. Elas olharam para
nós quando entramos, seus rostos todos errados. Alguns mostravam o que
quer que os tenha matado. Ferimentos de bala. Bochechas
faltando. Crânios. Hematomas e inchaço. Deformidades. Outros não
mostravam nenhum sinal visível de ferimento, mas sorriram para nós,
cheirando a pura maldade. Olhei para cima e meu coração quase parou.
Eles enxameavam o teto como baratas, clamando e rastejando umas
sobre as outras. Não havia um espaço vazio.
— Você pode ver? — Roth perguntou.
— Infelizmente. — Eu puxei minha mão livre. — Você não quer saber.
— Eu quero. — Cayman passou por um fantasma que não tinha muito
sobrando de sua cabeça. Ele girou, sibilando para ele antes de subir ao teto,
rastejando sobre os outros aglomerados ali.
— Não. Você não quer. — Eu contornei um que soprou um beijo em
minha direção. — Nós deveríamos nos apressar.
E foi isso que fizemos.
Descendo os degraus, tentei não olhar para eles, mas alguns saíram,
sussurrando baixo e rápido demais para que eu entendesse o que
diziam. Outros procuraram por mim.
No meio do caminho, reconheci um dos fantasmas. Era a mulher com
uniforme de serviço escuro, mas ela parecia... diferente. A cor havia sumido de
sua pele, as sombras em seu rosto fazendo seus olhos parecerem órbitas pretas
vazias. Sua mandíbula se estendeu, abrindo-se em algo desumano e retorcido.
Ela uivou.
Roth se virou. — Que diabos?
— Você ouviu isso? — Eu contornei a mulher, cujo rosto estava esticado
além da possibilidade humana.
— Tenho certeza de que todos em um raio de um quilômetro ouviram
isso — comentou Cayman. — E devo dizer que estou sentindo algumas
vibrações terríveis.
— Não entendo. Eles são todos... eu não sei. Eles são todos ruins. — Meu
coração bateu forte. — Sam disse que eles estavam presos, mas...
— Pessoas das Sombras. — Roth puxou a mão em torno do rosto como
se tivesse entrado em uma teia de aranha. Não tinha. Era o cabelo de uma
jovem pendurado de cabeça para baixo no teto. — Poderia ter atingido eles. Os
corrompeu.
Isso... Deus, isso era terrível, e devíamos ter entrado aqui antes, corrido
o risco, porque essas pessoas...
Chegamos ao fim da escada e o cheiro de ferrugem e podridão aumentou
quando entramos em uma sala. A luz fluorescente bruxuleante lançava
sombras ao longo de fileiras de grandes armários. Portas foram arrancadas,
bancos tombados. Olhei em volta, percebendo que devíamos estar nos velhos
vestiários, onde os Rastreadores Noturnos estiveram... incubando.
Não havia fantasmas aqui.
Cayman passou por uma arcada em outra abertura enquanto Roth estava
perto de mim.
Algo me ocorreu. Estendi a mão e pressionei a mão contra a parede de
tijolos nua.
A parede vibrou sob minha palma, e um batimento cardíaco depois, um
brilho dourado lavou as paredes e o teto e então desapareceu, revelando o que
Roth suspeitava que encontraríamos naquele dia no túnel.
A escola inteira estava cheia de proteções angelicais. — Isso os prendeu
aqui. — Eu puxei minha mão. As proteções permaneceram. — Essas pessoas
poderiam ter sido boas. Só precisava de ajuda para atravessar. Elas poderiam
até mesmo ser espíritos, porque alguns deles não estavam em seu estado de
morte, mas todos pareciam errados.
Eu não tinha ideia se o Povo das Sombras poderia fazer isso, mas quando
olhei de volta para a escada, aceitei o que sabia no momento em que vi os
fantasmas e espíritos. — Eles estão prestes a se tornar fantasmas, e...
— É tarde demais. — Roth disse o que eu não queria. — Fantasmas e
espíritos são a alma exposta. É mais vulnerável na morte, quando as decisões
e ações se tornam permanentes. É como se todos estivessem infectados e é
incurável.
Peso se estabeleceu em meu coração enquanto desviei meu olhar da
escada. Não havia mais ninguém aqui para salvar.
— Gente? — A voz de Cayman soou do outro lado da parede. — Vocês
vão querer ver isso.
Roth e eu trocamos olhares antes de caminhar em direção à abertura. —
Foi aqui que o Lilin nasceu, uma espécie de ninho. São os chuveiros antigos.
Entramos em uma sala vazia e pude ver Cayman ajoelhado. — E aí? —
Roth perguntou.
— Encontrei algo. Um buraco. Tem luz lá embaixo. — Ele balançou para
trás. — Nenhuma maneira de descer a não ser pular, mas parece ter cerca de
três metros. Isso estava aqui antes?
— Não. — Roth contornou a abertura de oito por oito. — Isso é novo.
— Devemos dar uma olhada?
Levei um momento para perceber que Cayman estava falando
comigo. Concordei. — Acho que temos que fazer.
— Tudo bem. — Cayman se levantou. — Te encontro lá embaixo. — Ele
saltou e, após um momento, sinalizou que estava tudo bem.
Eu fui a seguir. Minha aterrissagem lançou um monte de sujeira e poeira
no ar. Tossindo, me afastei para que Roth não pousasse em mim quando veio
pelo buraco alguns segundos depois. Conforme a nuvem de poeira baixou,
minha visão se ajustou ao ambiente.
Estava mais claro aqui embaixo, iluminado por várias lâmpadas
halógenas espaçadas em tripés elevados e tochas que se projetavam das
paredes de terra.
Isso era um risco de incêndio, se eu já tivesse visto um.
O lugar era uma espécie de caverna feita pelo homem, abrindo-se para
um espaço maior onde o teto era muito mais alto do que o buraco por onde
havíamos pulado. Pilhas de pedras e montes de terra foram empilhados e
pressionados contra as paredes. Vários túneis se ramificavam, e suspeitei que
pelo menos um deveria levar aos túneis em que tínhamos estado fora da
escola. Mas minha atenção foi atraída pelo que estava situado na parte de trás
da caverna.
Pedras brancas pálidas estavam empilhadas umas sobre as outras,
formando um arco de quase dois metros de altura. A abertura não estava
vazia. No início, parecia um espaço em branco, mas enquanto eu olhava,
percebi que a área não estava estagnada. Ela se movia em um movimento lento
e agitado, e a cada poucos segundos, uma lasca de branco chicoteava como luz.
— É isso que eu acho que é? — Cayman aproximou-se do arco
toscamente construído.
Roth desceu pelo centro da caverna. — Se você está pensando que é um
portal, então você está correto.
Minha respiração ficou presa quando meu olhar saltou dele para a
arcada. — Isso é um portal?
— Sim — ele respondeu.
Eu tinha ouvido falar deles, mas nunca tinha visto um antes. Não
imaginava que muitos tivessem.
— É calcário. — Cayman contornou, aproximando-se de um dos
túneis. — E vocês descobriram que existem linhas Ley por aqui?
Percebendo que Zayne deve tê-lo informado, balancei a cabeça. — Há
um verdadeiro centro nesta área ou ao redor dela, onde várias delas se
conectam.
— Droga, — Roth murmurou. — Com o calcário e a linha ley, isso torna
este um excelente condutor de energia.
— O calcário é como uma esponja, absorvendo toda a energia ao seu
redor, tanto artificial quanto eletromagnética, até mesmo energia cinética e
térmica. Tudo o que aconteceu nesta escola? O Lilin que está nascendo? Toda
a angústia adolescente? Esses fantasmas lá fora? Tudo está alimentando essa
coisa. — Cayman aproximou-se do lado. — E emparelhar isso com a linha de
energia em que está assentado? Este portal pode ser algo que nunca vimos
antes.
— Como... como um portal para outra dimensão?
Roth sorriu para mim. — Possível. Os portais que usamos não se
parecem em nada com isso.
— É isso que eles estão escondendo aqui. — Cayman inclinou a cabeça.
— Então precisamos destruí-lo — eu disse. — Certo? Porque o que quer
que esteja levando é provavelmente algo que termina na Terra.
— Você não pode simplesmente destruir um portal — explicou Cayman,
e pensei nos planos de Zayne. — Pelo menos, não por meios
convencionais. Bater em algo assim com explosivos pode fazê-lo explodir
como uma bomba nuclear.
— Jesus — sussurrei. Lá se foi explodir a escola.
Cayman estendeu a mão como se fosse tocá-lo, e eu não tinha certeza se
era uma boa ideia. Meu olhar mudou para o túnel diretamente atrás dele. As
sombras pareciam diferentes lá, mais espessas.
Elas se moveram.
Droga!
— Cayman! — Eu gritei. — Atrás...
Muito tarde.
Uma sombra se separou do túnel, movendo-se rapidamente. Cayman
girou, mas já estava sobre ele.
Uma Pessoa das Sombras.
Sem aviso, Cayman voou no ar, todo o caminho até o teto da caverna,
que era muito mais alto no meio. Pelo menos vinte ou trinta metros. Ele foi
virado como uma pizza, os pés presos pela sombra.
— Uau. — A cabeça de Roth tombou para trás.
— Você pode ver isso? — Eu perguntei. — O que está segurando-o - bem,
balançando-o?
— Sim.
Huh. Os demônios podiam ver as Pessoas das Sombras. Me fez pensar se
os Guardiões também poderiam.
— Que diabos? — Cayman gritou enquanto a Pessoa das Sombras o
balançava para frente e para trás. — Cara, eu vou vomitar. Vou vomitar aquele
marsala.
Roth riu.
— Não é engraçado! — ele gritou enquanto balançava como um pêndulo.
Balançando a cabeça, dei um passo à frente. — Largue-o agora!
A sombra apenas o balançou com mais força.
— Não pense que esse comando autoritário funcionou — comentou
Roth.
— Não. — Suspirei. — Solte-o! Agora mesmo.
Cayman ergueu as mãos. — Espere...
A Pessoa das Sombras o soltou e Cayman despencou no chão como uma
rocha.
Opa.
O demônio se retorceu no último segundo e caiu de pé com uma
maldição. — Isso foi rude.
A sombra desceu como uma bola, desenrolando-se em toda a sua altura
na frente do arco. A coisa parecia uma combinação de fumaça preta e sombra,
com exceção dos olhos. Eles eram vermelho-sangue, como brasas acesas.
Aproveitei minha Graça e a deixei sair. Os cantos da minha visão ficaram
brancos quando o fogo-ouro esbranquiçado rodou pelo meu braço, fluindo
para a minha mão. Contra minha palma, o cabo que se formou foi um conforto
familiar. A lâmina irrompeu de faíscas e chamas.
A sombra correu para mim. Dei um passo à frente, cortando a seção
intermediária da essência demoníaca. A sombra dobrou-se sobre si mesma,
desmoronando em nada além de fios de fumaça, obliterados por toda a
eternidade.
Um ruído de arranhar e correr, como minúsculas garras correndo sobre
a pedra, atraiu meu olhar de volta para o túnel. As sombras lá dentro pulsaram
e mudaram...
Minúsculas criaturas parecidas com ratos se espalharam. Dezenas delas,
correndo em nossa direção nas patas traseiras, seus focinhos farejando o ar.
— LUDs! — Roth exclamou. — Estes são LUDs.
Eu poderia ter passado minha vida inteira sem nunca os ver. Eles
realmente pareciam Delírios em miniatura.
Então a escuridão do túnel mudou mais uma vez. Gavinhas grossas de
tinta lamberam as paredes de terra e se espalharam pelo chão sujo como
óleo. A massa se afastou e então explodiu em uma horda de Pessoas das
Sombras entrando na caverna.
— Meu Deus. — Levantei a espada. — Vocês cuidem dos LUDs e eu vou
pegar essas coisas assustadoras.
— Combinado. — Roth chutou um dos LUDs, enviando-o para a parede
oposta.
Peguei a primeira sombra pelos ombros, girei e golpeei a espada no meio
de uma segunda antes mesmo que a primeira tivesse evaporado. Eu me
endireitei, balançando a espada nos ombros de outra. O suor umedeceu minha
testa em segundos. Era como jogar Whac-a-Mole. Outra substituiu a cortada.
— Droga, — Roth rosnou enquanto jogava um LUD morto de lado. —
Rastreadores Noturnos.
Dei uma olhada rápida no túnel de onde as sombras vieram. Havia
muitos, todos eles uma massa monstruosa e volumosa de pele em redemoinho
da cor de pedra da lua, chifres e dentes e garras que carregavam um veneno
tóxico que poderia paralisar um elefante.
Uma sombra agarrou meu braço esquerdo, seu toque
queimando. Engolindo um grito, pulei para trás e trouxe a espada para
baixo. Cercada, só podia esperar que Roth e Cayman pudessem lidar com os
Rastreadores Noturnos até que eu os alcançasse.
Me separei das sombras, sabendo que quanto mais cedo eu terminasse
com a existência delas, melhor. O círculo diminuiu pela metade, e além delas
eu vi Roth e Cayman, agora em suas formas demoníacas, suas peles como ônix
polido e asas tão largas quanto altas. Por um momento, fui pega pela
impressionante semelhança na aparência entre Guardiões e demônios de Nível
Superior - ambos pareciam como se pudessem ser descendentes de anjos.
Girando, derrubei outra sombra com um corte rápido no momento em
que um dos Rastreadores Noturnos saiu, quase acertando Cayman nas costas
enquanto enfrentava outro.
Xinguei enquanto corria para frente, saltando sobre um daqueles
malditos LUDs. Minha abordagem não foi furtiva. O demônio girou em minha
direção e arranhou minha cabeça. Eu mergulhei e saltei atrás do Rastreador
Noturno, puxando a espada comigo. O fogo cortou osso e tecido como se fosse
papel. O demônio explodiu em chamas, deixando para trás nada além de
cinzas.
— Obrigado — Cayman engasgou, quebrando o pescoço de outro
Rastreador Noturno.
Balancei a cabeça enquanto corria em direção a uma Pessoa das Sombras
rastejando atrás de Roth. Quando ergui minha espada, senti o frio dançar ao
longo do meu pescoço e se estabelecer entre meus ombros.
— Ele está aqui! — Gritei, derrubando a sombra.
E então lá estava ele, caminhando para fora do túnel como se estivesse
dando um passeio no parque, seu cabelo loiro-branco contrastando com a
escuridão.
— Bambi! — Roth gritou, chamando seu familiar. — Fora!
Nada aconteceu.
Sulien riu enquanto avançava. — Você descobrirá que as proteções
impedirão que seus familiares apareçam.
Inferno.
Isso era um imprevisto, mas não tinha tempo para me deter nesse
desenvolvimento. Abaixei minha espada, ficando com meus pés na largura dos
ombros. — Legal da sua parte se juntar a nós.
— Eu gosto de fazer uma entrada. — Sua Graça rugiu para a vida quando
Cayman avançou em sua direção, a lança mortal faiscando fogo-branco tingido
de azul. Ele apontou para o peito de Cayman. — Eu não daria mais um passo.
— Afaste-se, Cayman. — Comecei a avançar. — Eu cuido disso.
Por um momento, não achei que Cayman fosse ouvir, mas ele se ergueu
do chão, agarrando um LUD e jogando-o como um saquinho de feijão em um
Rastreador Noturno próximo.
— Tem certeza que cuida, querida? — Sulien perguntou.
— O que disse a você sobre me chamar assim? E sim, — eu disse,
recuando e cortando a Pessoa das Sombras que apareceu na minha visão
central. — Eu cuido disso.
— Você está exatamente onde eu queria, no entanto — disse Sulien. —
Você pensou sobre isso?
A última Pessoa das Sombras subiu em uma onda de fumaça. — Você só
vai ficar parado aí? — Eu exigi de Sulien. — Com medo de lutar?
— Não. — Ele abaixou o queixo enquanto cruzava o peito com a lança. —
Estou à espera.
Respirando fundo, dei uma olhada rápida na caverna. Não vi mais
Pessoas das Sombras ou Rastreadores Noturnos. Ainda havia alguns LUDs
correndo e tagarelando. — Esperando por...
Uma corneta soou, o som tão ensurdecedor e sobrenatural que eu sabia
que poderia ser o sinal de apenas uma coisa.
— Roth! Cayman! — Gritei. — Saiam daqui. Agora!
Os dois demônios congelaram quando os LUDs restantes se espalharam
em direção aos túneis. Pontinhos de luz apareceram, como estrelas saindo para
a noite. Eles cresceram e se espalharam rapidamente, conectando-se. Uma luz
branca dourada brilhou no teto, carregando o ar com poder e
momentaneamente me cegando. Tropecei para trás enquanto ele pulsava e se
afastava do teto. Uma luz iridescente gotejava e faiscava, formando um funil
de brilho deslumbrante. Minha Graça palpitou em resposta ao brilho celestial.
Puta merda.
Um anjo estava chegando, e não importaria se Roth e Cayman estivessem
no Time Parar o Fim do Mundo.
— Tarde demais. — Sulien riu, sua lança se transformando em cinzas. —
A menos que eles queiram reencenar o que acontece quando os insetos voam
em direção aos caçadores de insetos.
Concentrando-me novamente em Sulien, levantei a espada. — Você está
com tantos problemas agora.
— Você acha? — ele perguntou, e ergueu uma sobrancelha.
Meu passo vacilou enquanto me preparava para atacá-lo. Suas ações não
faziam sentido. Ele refreou sua Graça, e por que faria isso quando um anjo
estava chegando? Os anjos podiam ser idiotas, mas eles eram bons, e Sulien era
obviamente...
O chão estremeceu e as paredes tremeram. O mundo inteiro parecia
tremer. Rochas empilhadas tombaram e atingiram a terra compactada. Roth se
levantou, suas asas girando-o para fora do caminho. Ele desceu alguns metros
atrás de mim enquanto Cayman permanecia agachado, os olhos âmbar
brilhando como carvão.
A trombeta soou mais uma vez, fazendo meu cérebro parecer que estava
pulando no meu crânio. Eu perdi meu controle sobre minha Graça e minha
espada desabou.
No centro da luz, a silhueta de um homem tomou forma. Ele era alto,
quase dois metros e meio, e quando saiu da coluna, vi que ele usava calças
brancas esvoaçantes, o peito nu e a pele tão luminosa e sempre mutável, ele
não era nem branco nem marrom e, ainda assim, de alguma forma, tinha todas
as tonalidades existentes. Assim como meu pai.
Mas este não era meu pai.
Isso eu sabia.
Ele avançou, de costas para o arco de pedra e o centro cheio de estática
agitada. Pela quantidade de poder que ele estava jogando, ele era
definitivamente um Arcanjo.
Sulien não se encolheu nem correu. Ele permaneceu onde estava.
Esperando.
— Que entrada — Roth murmurou. — Gostaria de saber o que ele está
compensando.
O Arcanjo ergueu a mão e torceu o pulso, e então Roth e Cayman ficaram
ambos suspensos como se uma mão invisível os tivesse agarrado. Eles voaram
pelo ar e se chocaram contra as rochas e pedregulhos. Ambos caíram, entrando
e saindo de suas formas, aterrissando na confusão de pedras, braços e pernas
espalhados em ângulos estranhos.
Oh Deus, eles não se moveram.
Minha cabeça girou em direção ao Arcanjo quando ele veio ficar atrás de
Sulien, colocando a mão no ombro do Verdadeira Nascida.
— Meu filho, — ele falou, sua voz suave e quente, como se estivesse cheia
de luz do sol. — O que você me trouxe?
— O sangue de Michael. — Sulien sorriu. — E dois demônios. Eles foram
inesperados.
Uma sensação crescente de horror despertou dentro de mim quando o
arcanjo virou a cabeça em minha direção, olhos puros de esferas brancas. Ele
contornou o Verdadeiro Nascido - ao redor de seu filho - seus lábios se
curvando de um lado enquanto ele me olhava de cima a baixo.
— A filha de Michael — ele falou. — Eu esperava alguém mais...
impressionante.
Pisquei.
— Mas, novamente, Michael não teve nenhum interesse real em você,
não é, criança? — Ele continuou. — Eu não deveria estar surpreso.
Está bem.
Isso foi indelicado.
— Quem diabos é você? — Exigi.
— Eu sou o Evangelho e a Verdade. Apareci a Daniel para explicar suas
visões, e fiquei ao lado de seu pai e defendi o povo contra os Caídos e outras
nações. Eu sou o Santo que apareceu diante de Zacarias e Maria, prevendo os
nascimentos de João Batista e Jesus. Sou o Arcanjo que entregou a Verdade e o
Conhecimento a Muhammad. — Suas asas se ergueram e se espalharam atrás
dele, e ali... havia algo errado com elas. Veias como tinta corriam pelo branco,
vazando o que parecia ser alcatrão. — Eu sou Gabriel, o Precursor.
Capitulo 40
Um choque atravessou-me, sentindo como se tivesse sido empurrada
inesperadamente para dentro de água gelada enquanto olhava fixamente para
o Arcanjo Gabriel.
— Você parece surpresa. — Seus lábios se curvaram em um sorriso.
O instinto exigiu que eu desse um passo para trás, mas me segurei no
lugar. — Não entendo. Você é Gabriel.
— Tenho certeza de que ele está ciente de quem ele é, querida. — Sulien
olhou para onde Roth e Cayman estavam.
Eu mal ouvi o Verdadeiro Nascido. — Como poderia ser você?
— Como poderia ser eu matando Guardiões? Demônios? — Uma
sobrancelha loira esbranquiçada se ergueu. — Porque era eu. Meu filho ficava
de olho nas coisas - de olho em você - mas era eu.
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Não tinha nada a ver
com estar errada sobre Sulien e tudo a ver com o fato de o Precursor ser Gabriel,
um dos anjos mais poderosos - um dos primeiros a serem criados. Mas de
repente fez muito sentido. As proteções e armas angelicais. As transmissões de
vídeo arruinadas. Parecia tão óbvio, era quase doloroso, mas mesmo eu não
conseguia entender como um Arcanjo podia trabalhar com bruxas e demônios
e matar não apenas Guardiões, mas humanos inocentes.
— Pergunte-me — ele persuadiu. — Pergunte-me por que.
— Por que?
Seu sorriso cresceu. — Eu vou mudar o mundo. É disso que se trata. O
que tudo isso significa. — Ele gesticulou em direção ao arco. — As almas dos
falecidos. Este portal. — Ele fez uma pausa. — Misha. Você. Vou mudar o
mundo para melhor.
Tudo o que pude fazer foi olhar.
Suas asas baixaram, suas pontas quase tocando o solo. — O homem
nunca deveria ter recebido o presente que Deus lhe concedeu. Eles nunca
mereceram uma bênção como a eternidade. Isso é o que uma alma concede a
um ser humano - uma eternidade de paz ou terror, a escolha deles, mas
eternidade mesmo assim. Mas uma alma... faz muito mais. É assim que se
ama. É assim que se odeia. É a essência da humanidade, e o homem nunca
mereceu conhecer tamanha glória.
— Como... Quem pode dizer que o homem nunca poderia ser
merecedor?
— Como poderia o homem ser merecedor da capacidade de amar, odiar
e sentir quando Suas primeiras criações - nós, Seus sempre fiéis e mais
merecedores, aqueles que defendem Sua glória e espalham Sua palavra - nunca
foram?
— Porque... vocês são anjos? E você não é humano? — Eu estava tão
confusa. Tão confusa.
— Nós temos auras. Temos uma essência pura. — Ele olhou para mim,
aqueles olhos totalmente brancos além de assustadores. — Mas nós não temos
almas.
Ele se virou ligeiramente, olhando para onde Sulien estava olhando os
demônios, e depois para o teto. — Deus fez de tudo para proteger o
homem. Deu-lhes vida, alegria e amor. Objetivo. A capacidade de
criar. Ressuscitou os Caídos para vigiá-los e deu-lhes almas como
recompensa. Tem feito de tudo para garantir que, ao deixarem este invólucro
mortal, encontrem paz. Mesmo aqueles que pecam podem encontrar perdão, e
apenas o mais mal e o mais imperdoável enfrentam o julgamento. Isso vai
mudar. A humanidade como a conhecemos está no seu fim. Muitos de nós
avisamos a Deus que esse dia chegaria. Não havia como parar isso.
— Eu não entendo aonde você quer chegar. — Tentei ficar de olho em
Sulien enquanto ele cutucava Cayman com a bota. — Deus...
— Deus acreditou no homem e o homem traiu a Deus. O que eles fizeram
desde a criação? O que eles fizeram com o dom da vida e da eternidade? Eles
fizeram guerra e criaram fome e doenças. Eles trouxeram a morte para suas
próprias portas, acolhendo-a. Eles julgam como se fossem dignos de fazê-
lo. Eles adoram falsos ídolos que pregam o que querem ouvir e não o
evangelho. Eles usam o nome de Deus e do Filho como justificativa para seu
ódio e medo. — Gabriel inclinou a cabeça, sua voz macia e suave. — Não houve
um minuto no curso da história humana sem que a humanidade fizesse guerra
contra si mesma. Nem uma hora sem tirar outra vida. Nem um dia que eles
não magoem uns aos outros com palavras ou atos. Nem uma semana sem que
tirem desta terra tudo o que Deus lhe deu para oferecer. Nem um mês em que
as armas criadas para destruir a vida não passem de mão em mão, deixando
nada além de sangue e desespero para trás.
O sorriso de Gabriel desapareceu. — Este mundo que antes era um
presente, tornou-se uma maldição revoltante em que as pessoas são julgadas
por sua pele ou por quem amam e não por seus atos. Aqueles que são mais
vulneráveis e necessitados são os mais ignorados ou difamados. Se o Filho
estivesse vivo hoje, seria desprezado e temido, e é isso que a humanidade tem
feito. Crianças matam crianças. Mães e pais assassinam seus filhos. Estranhos
matam estranhos às dezenas e - o pior pecado de todos - geralmente é feito em
nome de quem é Santo. Isso é o que o homem fez desde a criação.
Certo. Ele meio que tinha razão nisso. A humanidade pode ser muito
terrível. — Mas nem todo mundo é assim.
— Faz diferença quando leva apenas uma pequena parte da
decomposição para apodrecer e destruir toda a fundação?
— Sim. Importa. Porque embora existam pessoas terríveis lá fora,
existem muitas outras que são boas...
— Mas elas são? Verdadeiramente? Ninguém pode lançar uma pedra e,
no entanto, isso é tudo que o homem faz.
— Não. — Balancei minha cabeça. — Você está errado.
— Você diz que, com sua limitada experiência, quando eu tenho milhares
de anos de observação, o homem não aspira a nada? Observar o homem tornar-
se tão obcecado pelo material e pela falácia do poder que ele venderá seus
próprios filhos e trairá seus próprios países para ter lucro? Vezes sem conta,
tenho visto nações inteiras caírem e as que nascem das cinzas seguirem o
mesmo caminho que as anteriores. Você acha que sabe mais?
— Eu sei o suficiente para saber que você está fazendo generalizações
amplas - tipo, enormes.
— Diga-me, o que apodrece nessa sua alma humana? A necessidade de
tornar o mundo melhor? O desejo de proteger? Ou é consumido por
necessidades carnais? É cheio de raiva por sua traição... a de Misha?
Respirei fundo.
— Fui eu que fui até ele. Eu que fui capaz de convencê-lo e com quem ele
descobriu a verdade. Ele sabia o que precisava ser feito para corrigir isso e,
embora você pudesse ter acabado com a vida dele, você causou mais danos a
si mesma do que jamais poderia ter feito a ele. Sua dor no coração. Sua
fúria. Foi sua ruína. Sua alma humana está corrompida.
As mesmas palavras que Sulien havia falado tinham um peso diferente
agora. Havia um peso de verdade, mas era mais do que isso. — Humanos são
complicados. Sou complicada, capaz de cuidar e querer múltiplas coisas
conflitantes. Essas coisas não corrompem necessariamente.
— Você matou sem culpa.
Ele me pegou de surpresa.
— Você quebrou as regras. — Ele deu um passo em direção. — Você,
como seu lado humano, é capaz apenas de destruição. O homem trata a vida
como se ela não significasse nada além de carne e osso. Portanto, isso não
significará mais nada.
Meu estômago embrulhou. — Então, Deus quer isso? Quer o fim do
mundo?
Gabriel sorriu. — Deus não quer mais nada.
— Afinal, o que isso quer dizer?
— Significa que o infalível falhou e não posso mais ficar parado e não
fazer nada. Não vou ficar parado. Haverá um novo Deus quando esta Terra for
purificada e apenas os verdadeiros justos permanecerão até que também
deixem de existir e nenhum será deixado quando tudo estiver dito e feito. Esta
bela Terra voltará a ser como deveria ser.
Exalei aproximadamente. — E esse Deus é você?
— Não soe tão desdenhosa, criança. Se aprendi alguma coisa cuidando
dos humanos — disse ele, zombando da palavra — é que eles seguirão e
acreditarão em quase tudo, desde que seja fácil.
Bem, mais uma vez, ele tinha razão. — Não acho que acabar com o
mundo seja fácil.
— É quando você não sabe o que está acontecendo até que seja tarde
demais.
Eu me calei.
Gabriel riu e o som era lindo, como ondas ondulantes. — Vou desfazer o
Céu e a Terra, e ninguém saberá até que seja tarde demais, até que nada possa
ser feito. Então Deus saberá que as palavras do mensageiro eram verdadeiras.
Ele soava... louco.
Tipo, se ele fosse uma pessoa qualquer na rua, alguém iria chamar a
polícia. Mas já que ele era um Arcanjo, também parecia totalmente assustador.
— Com este portal, abrirei uma fenda entre a Terra e o Céu, e um ser
nascido do verdadeiro mal e as almas que pertencem ao Inferno entrarão no
Céu — disse ele, com um olhar sonhador em suas feições. — O mal se
espalhará como um câncer, infectando todos os reinos. Deus e as esferas de
todas as classes serão forçados a fechar permanentemente os portões para
proteger as almas ali. O céu cairá durante a Transfiguração.
Ai meu Deus.
— Então, todo ser humano que morre não será mais capaz de entrar no
Céu. — Seu sorriso voltou, uma coisa de pura alegria. — A vida na Terra se
tornará inútil quando essas almas presas se tornarem espectros ou forem
atraídas para o Inferno para serem torturadas e alimentadas. Não haverá mais
necessidade de os demônios permanecerem ocultos, pois os anjos e Deus não
podem mais interferir. Com apenas Guardiões e humanos restantes, o Inferno
colherá esta Terra.
O horror me inundou. — Por que? Por que você gostaria de fazer
isso? Para bilhões de pessoas. Para o Céu?
— Por quê? — ele gritou, fazendo com que um raio de medo perfurasse
meu peito. Sulien se virou. — Por quê? Você não está ouvindo? A humanidade
não merece o que lhe foi dado, o que lhe foi prometido! Deus falhou ao se
recusar a ouvir a verdade! Fui evitado porque ousei falar! Porque me atrevi
a questionar. Não fui mais enviado para espalhar o evangelho ou liderar. Fui
relegado às esferas mais baixas. Eu! A voz de Deus! Seu sempre mais fiel!
— Você quer acabar com a Terra e o Céu porque foi despedido por ser a
máquina de propaganda de Deus? — Eu fiquei pasma.
— Você não sabe nada sobre lealdade. — Seu peito subia e descia com
respirações profundas e pesadas.
Pensei em Thierry, Matthew e Jada. Pensei em Nicolai e Danika, e em
todos os Guardiões em DC. Pensei em Roth, o Príncipe Herdeiro do Inferno,
em Layla e em Cayman. Pensei em Zayne e balancei a cabeça. — Eu sei o que
é lealdade. É você quem não tem ideia.
— E será você quem me ajudará a completar meu plano. Como você se
sente?
— Como você acha que vou ajudá-lo?
— Durante a Transfiguração, esta área será carregada com poder - o tipo
que pode criar essa fenda. Com meu sangue e o sangue de Michael, o portal
para o céu se abrirá — explicou ele. — Já que Michael sabe que não deve correr
o risco de ser pego na Terra, seu sangue vai ficar bem.
Convocando minha Graça, deixei-a dominar e, quando a Espada de
Michael se formou, ele sorriu. — Eu sou parcial para o meu sangue, então não,
obrigada.
O arcanjo baixou o queixo. — Garota tola. Não foi um pedido.
Capitulo 41
Gabriel veio até mim, estendendo-se como uma luz dourada cegante,
fluindo por ela. Uma espada com uma lâmina semicircular se formou.
Era muito, muito maior do que a minha.
Não havia um momento para pensar no fato de que eu estava prestes a
lutar contra um Arcanjo. Tudo o que eu podia fazer era lutar, e esperar que
Roth e Cayman ficassem no chão.
Bloqueei seu golpe, sacudida pelo impacto e despreparada para sua
força. O único golpe quase me derrubou. Balancei minha espada em direção ao
seu peito. Ele bloqueou com um golpe, forçando-me um passo para trás. Eu
ataquei, varrendo suas pernas, mas ele antecipou o movimento. Girei, mas ele
foi mais rápido. Nossas espadas se conectaram, cuspindo faíscas e
assobiando. Empurrei e então tropecei para frente quando o Arcanjo
desapareceu e reapareceu alguns metros na minha frente.
— Isso não é justo — eu disse.
— A vida nunca é.
Eu o ataquei, e ele encontrou meu ataque, me jogando para trás como se
não fosse nada mais do que um saco de papel. Continuamos avançando,
circulando e atacando. Ele enfrentava cada golpe com sua própria força
destruidora e se movia mais rápido do que eu. Cada vez que o bloqueava,
sentia o golpe em cada átomo do meu corpo.
Mesmo com o vínculo, a exaustão estava começando a me bicar, fazendo
meus braços parecerem mais pesados e meus balanços mais lentos. As faíscas
de nossos golpes de conexão cuspiam no ar enquanto o impacto repetido
abalava meus ossos. O suor escorria pelas minhas têmporas enquanto eu fazia
uma finta para a direita, arqueando minha espada. Gabriel bateu a dele, me
jogando para trás.
— Pare — ele pediu, não sem fôlego. Nem mesmo remotamente
cansado. — Você nunca treinou para isso. Seu pai falhou com você.
Ele estava certo, e a verdade enviou raiva batendo através de mim. Eu
treinei com adagas e em combate corpo a corpo. Mas quando se tratava de luta
com espadas, tudo que eu tinha era instinto.
— Não é o suficiente — disse ele, e meu olhar assustado fixou-se no
dele. — Você é inteligente o suficiente para chegar a essa conclusão. —
Bloqueei seu próximo golpe brutal, mas quase fez minha espada desabar. —
Você foi treinada para negar sua natureza. Eu treinei meu filho para abraçar a
dele.
— Parece que funcionou bem. — Cerrei os dentes enquanto corria para a
esquerda e chutei, pegando Gabriel na perna. Foi tão útil quanto chutar uma
parede, com base na maneira como ele arqueou a sobrancelha.
— Considerando que você está a poucos minutos de perder o controle de
sua Graça enquanto ele está lá verificando seu livro de imagens, eu diria que
funcionou muito bem para ele.
Eu vacilei. — Livro de imagens?
— Instagram, — Sulien corrigiu. — É o Instagram, pai.
Eu pisquei.
— Tanto faz — Gabriel murmurou, seu pé descalço batendo na minha
barriga, tirando o ar dos meus pulmões.
— Você... você nem sabe o que é Instagram? — Eu engasguei com a
dor. — E você acha que vai acabar com o mundo?
Seus lábios se separaram em um sorriso de escárnio.
Meus braços tremeram enquanto eu nivelava a espada na minha frente,
tentando manter distância entre nós. — Aposto que você acha que o Snapchat
se chama Imagem Falante.
Sulien bufou. — Na verdade, ele pensava que Snapchat significava
estalar seus dedos quando você falava.
— Mesmo? — Eu lancei um breve olhar para o Verdadeiro Nascido.
— Sim. — Sulien colocou o telefone no bolso. — Mas você ainda está
tendo seu traseiro chutado.
— Pelo menos eu não chamo o Instagram de Livro de Imagens —
retruquei.
Os olhos totalmente brancos de Gabriel pulsaram. — Estou entediado
com isso. Você não pode vencer. Você nunca vai vencer. Submeta-se.
— Oh, bem, quando você pede isso com jeitinho, é uma droga ter que
dizer não.
— Que assim seja.
Bloqueei seu impulso, mas ele se moveu para o meu lado antes que eu
pudesse rastrear o que estava fazendo. Seu cotovelo pegou meu queixo,
jogando minha cabeça para trás. Eu tropecei, recuperei o equilíbrio e golpeei
com minha espada, os braços tremendo quando sua lâmina acertou a
minha. Ele girou em minha visão periférica mais uma vez, mas desta vez eu
estava esperando seu ataque. Saltando para trás, me virei...
Seu punho bateu na minha bochecha e a dor explodiu ao longo das
minhas costelas quando ele deu outro golpe. Minhas pernas se dobraram antes
que eu pudesse detê-las. Meu controle sobre minha Graça foi perdido quando
me segurei antes que minha cabeça batesse no chão. O pânico se desenrolou na
boca do meu estômago enquanto eu lutava para me sentar. Empurrei para
baixo, sabendo que não poderia ceder a isso.
— Você não passa de um ser humano egoísta e sem valor no momento
em que perde o controle de sua Graça. — Gabriel estava acima de mim. — É
fraca. Corrupta. Corrompida. Você não é nada.
A pequena bola de calor dentro de mim pulsou, e eu xinguei
silenciosamente, sabendo que Zayne devia ter sentido uma explosão de
pânico. Ele não poderia descer aqui. Ele não podia. Eu precisava obter o
controle da situação.
Eu tinha que fazê-lo.
— Você não é digna do que Deus lhe deu. Assim como o resto dos
humanos, — Gabriel continuou enquanto eu deslizava minha mão para meu
quadril, meus dedos desenganchando a adaga embainhada ali. — Você pegou
a pureza de uma alma e a honra do livre arbítrio e as jogou fora.
Fiquei de joelhos, levantando minha cabeça enquanto sentia o sangue
escorrer do canto da minha boca. — Eu não joguei nada fora.
— Você está errada. Nenhuma alma humana, nem mesmo a de meu
filho, está limpa ou digna de ser salva.
— Uau. — Meus dedos se apertaram no cabo da adaga. — Pai do ano
bem aqui.
— Pelo menos estarei lá quando ele morrer — disse ele. — Michael será
capaz de dizer o mesmo?
— Provavelmente não, — admiti. — Mas eu não me importo.
A surpresa tomou conta do rosto de Gabriel e vi minha janela de
oportunidade. Minha chance de ganhar a vantagem e dar o fora daqui, com
Roth e Cayman, de alguma forma.
Ficando de pé, golpeei a adaga profundamente no peito de Gabriel. Eu
sabia que não iria matá-lo, mas tinha que doer. Tinha que...
O Arcanjo olhou para seu peito. — Isso doeu.
Eu puxei a adaga, os olhos se arregalando em descrença quando não vi
sangue...
Eu não vi o golpe vindo.
Gabriel me bateu com as costas da mão, me mandando para o
chão. Estrelas brilharam em minha visão. Meus ouvidos zumbiram. Ele
agarrou meu pulso, arrancando a adaga da minha mão.
— Isso foi constrangedor — disse ele, jogando-o no chão. — Você não é
nada além de um desperdício de Graça imperfeita, Trinity. Desista. Posso
tornar as próximas semanas pacíficas para você, ou posso torná-las um
pesadelo constante quando acordado. A escolha é sua.
Quando ele soltou minha mão, caí para trás. Meu olhar ficou em branco
por um momento.
Levante-se.
— No final, você não é nada além de carne e osso — disse ele. —
Morrendo desde o dia em que você nasceu.
Levante-se.
— É tudo bastante revoltante, como a raça humana ajuda em sua própria
decadência.
Levante-se.
— Sua raiva. Seu egoísmo. Suas emoções humanas básicas. Tudo isso
corrompe o que nunca deveria ter sido dado aos humanos.
O vínculo em meu peito queimou, e eu sabia que Zayne estava
chegando. Ele estava perto. Muito perto.
Levante-se.
Levante-se antes que ele chegue aqui.
— Você tem razão. Eu sou carne. Estou com defeito. Sou egoísta, mas
também sou Graça. — Cuspi um bocado de sangue e, com a raiva e a ruína, me
levantei. — Eu tenho fogo celestial em meu sangue. Eu tenho
uma alma humana, e isso é algo que você nunca terá.
O arcanjo recuou.
— É isso, não é? É por isso que você odeia Deus. É por isso que você quer
destruir tudo. Não é para torná-lo melhor. Não é para acabar com o
sofrimento, seu lunático. Tudo isso porque você não tem alma. — Eu ri,
cambaleando para trás, invocando minha Graça. Ela estalou e então chegou, o
cabo quase pesado demais para eu segurar. — Você é um clichê ambulante e
ousa insultar as aspirações dos humanos?
— Você não sabe nada. — Ele caminhou para frente, e vi Roth se sentar
em sua forma humana. Sulien empurrou a parede.
— Você se esqueceu de adicionar “Jon Snow” no final dessa declaração.
Ele parou, a cabeça inclinada. — O que?
Eu balancei, mirando na maior parte dele. Minha Graça poderia e iria
matá-lo. Eu acabaria com isso, porque era meu dever.
Gabriel agarrou meu braço direito logo acima do meu cotovelo e
torceu. O estalo foi tão repentino, tão chocante, que houve um breve segundo
em que não senti nada. E então gritei. O choque incandescente de dor fritou
meus sentidos. Eu perdi minha Graça. A espada desabou sobre si mesma
enquanto eu tentava respirar em meio à dor.
Seu pé acertou minha canela, quebrando o osso ali, e eu não conseguia
nem gritar quando bati no chão com um joelho, não conseguia nem respirar
em torno do fogo que parecia envolver toda a minha perna. Ele me agarrou
pela nuca e me levantou. Agarrei seu braço com minha mão boa e chutei
quando vi Sulien agarrar Roth.
Aconteceu em questão de batimentos cardíacos. Segundos. Segundos
brutais e intermináveis quando percebi que não poderia derrotar um
Arcanjo. Esta nunca foi uma batalha que eu poderia vencer, e na parte distante
da minha mente que funcionava acima da dor, eu me perguntei se meu pai
sabia disso e me mandou para o massacre.
Roth morreria.
Cayman também.
Eu seria levada, e o mundo como o conhecíamos acabaria, e talvez meu
pai e Deus não se importassem com o que aconteceria. Suas tentativas de salvar
a humanidade seriam estúpidas se eles pensassem que eu poderia fazer isso, e
talvez... talvez Deus tivesse lavado Suas mãos proverbiais de toda a bagunça.
Se não, como eles pensaram que eu poderia derrotar um Arcanjo?
Gabriel me jogou no chão com a força de uma queda de um prédio.
Ossos quebrados em todos os lugares.
Pernas.
Braços.
Costelas.
Vi algo branco projetando-se da minha perna enquanto minha visão
piscava dentro e fora. A dor veio em um lampejo de luz brilhante. Mil nervos
tentaram disparar ao mesmo tempo, tentando enviar comunicações do meu
cérebro para os meus braços e pernas, para a minha pélvis, costelas e coluna
vertebral. Meu corpo estremeceu quando algo se soltou por dentro. Eu não
conseguia mover minhas pernas. O terror que se espalhou por mim encheu
minhas veias com lama gelada. Lutei para colocar ar em meus pulmões, mas
eles pareciam errados, como se não pudessem inflar.
— Eu preciso de você viva, pelo menos por um pouco mais de tempo —
ele disse.
Claro que não sentia que precisava disso. — É porque você me acha...
cativante e adorável? — Eu murmurei palavras que pareciam estranhas, como
se metade das letras não pudessem ser pronunciadas.
Gabriel se ajoelhou ao meu lado, seu rosto cruelmente lindo borrando
dentro e fora. — É mais como se precisasse do seu sangue quente quando
fluir. Eu disse que poderia tornar isso fácil e pacífico. Eu teria deixado você ter
o desejo do seu coração. Você teria gostado do tempo que lhe restava, mas
escolheu este destino. Sofrer. Tão estupidamente humana.
O sangue jorrou da minha boca enquanto tossia e minha respiração
ofegava. — Você fala muito.
— Eu era a voz de Deus. — A mão de Gabriel dobrou-se sobre minha
garganta. O ar foi cortado imediatamente. Ele me levantou, meus pés
balançando vários metros acima do solo e meu corpo solto como uma pilha de
trapos. — O mensageiro de Sua Fé e Glória, mas agora sou o Precursor e darei
início a uma nova era. A retribuição será dor com o poder purificador do
sangue, e à medida que o Céu se desintegra em si mesmo, aqueles que
permanecerem terão um novo Deus.
— Ela está certa. Você fala demais.
Gabriel se voltou para a fonte da voz. Consegui virar minha cabeça
apenas meio centímetro, se tanto, mas o suficiente para que eu pudesse ver
Roth.
— E sabe de uma coisa? — Roth disse, sem Sulien. Seu braço pendurado
estranhamente, mas ele estava de pé. — Você parece muito com alguém que
conheço. Isso soa familiar? “Subirei ao céu, exaltarei meu trono acima das
estrelas de Deus; Também me assentarei no monte da congregação, aos lados
do norte; Eu subirei acima das alturas das nuvens; Eu serei como o Altíssimo”.
— Não me compare a ele — Gabriel rosnou.
— Não pensei nisso — Roth respondeu. — Seria um insulto ao Iluminado.
Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. Gabriel soltou um rugido
que abalou o mundo ao estender o braço. Algo deve ter deixado sua mão,
porque ouvi Roth grunhir e cair no chão, rindo - ele estava rindo. O sorriso de
desprezo de Gabriel se desvaneceu.
— Idiota — engasgou Roth. — Idiota egoísta. Espero que seja fácil para
você saber que estava certo.
— Você estará aqui para a morte de seu filho.
Meu suspiro ao som da voz de Zayne foi engolido pelo grito de Gabriel
quando ele se virou novamente.
Zayne estava atrás de Gabriel, seu braço ao redor do pescoço de Sulien
enquanto o Verdadeiro Nascido lutava, sua Graça brilhando em seu braço
direito, formando uma lança que poderia matar Zayne mesmo se ele não
estivesse enfraquecido. Um tipo diferente de medo tomou conta de mim.
Mas Zayne foi rápido, tão incrivelmente rápido quando agarrou a lateral
da cabeça do Verdadeiro Nascido e a torceu.
Gabriel gritou, sua raiva trovejando através da caverna como um
terremoto quando Zayne largou o Verdadeiro Nascido e então disparou para
frente, batendo no Arcanjo, quebrando o aperto de Gabriel em minha
garganta. Comecei a cair, mas Zayne me segurou. A explosão de dor de seu
abraço ameaçou me arrastar para baixo, e devo ter desmaiado, porque a
próxima coisa que eu sabia era que estava deitada de costas e Zayne estava
subindo na minha frente, suas asas estendidas de cada lado dele.
E eu o vi.
Numerosos cortes e ranhuras marcavam suas costas, e suas asas não
pareciam certas. Uma estava pendurada em um ângulo estranho e, abaixo da
asa esquerda, havia um corte profundo, expondo osso e tecido. Essa ferida foi...
Ai, meu Deus.
Como isso aconteceu com ele? Como ele foi ferido? Ele acabou de
chegar. Ele apenas...
Convocando tudo que eu tinha deixado em mim, consegui virar para o
lado. Sentei-me, mas a dor gritou por meu corpo. Minha bochecha bateu no
chão. Consegui erguer meu queixo, procurando Roth. Ele tinha que tirar Zayne
daqui. Tinha que afastá-lo de Gabriel. Gritei pelo Príncipe demônio, mas
apenas um grasnido saiu. Algo estava errado com minha garganta.
— Você não vai viver para se arrepender disso — Gabriel avisou.
— Eu vou rasgar você membro por membro, — Zayne rosnou. — E então
vou queimar seu corpo ao lado do dele.
— Eu estava esperando por este momento. — O tom de Gabriel era
presunçoso - presunçoso demais. Os avisos dispararam. — Eu sabia que você
viria.
Houve um som ofegante e Zayne deu um passo para trás, suas asas
subindo e descendo. Roth gritou.
— Você agora sabe por que Verdadeiros Nascidos e seus protetores são
proibidos de ficarem juntos? — A voz de Gabriel era um sussurro levado pelo
vento que começou a aumentar dentro da câmara. — O amor turva o
julgamento. É uma fraqueza que pode ser explorada.
Tentei ver o que estava acontecendo, mas não conseguia mais levantar a
cabeça.
— Amargura e ódio irão apodrecer e crescer dentro dela, assim como
aconteceu com Sulien e com aqueles que vieram antes dela. Ela terá o prazer
de derramar seu próprio sangue contra um Deus que poderia ser tão cruel. —
A voz de Gabriel estava em toda parte, dentro e fora, vibrando em minhas
costelas quebradas. — Você pegou meu filho, mas me deu uma filha em troca.
Houve uma ondulação de luz dourada aquecida e, em seguida, silêncio.
— Zayne — Roth gritou. — Meu homem...
Eu vi as pernas de Zayne se dobrarem. Ele caiu de joelhos, de costas para
mim. Tentei dizer o nome dele. Sua mão moveu-se para a frente, para o
peito. Ele grunhiu quando seu corpo estremeceu.
Uma adaga caiu no chão.
Minha adaga.
Então ele também caiu.
Zayne pousou ao meu lado, de costas e com a asa quebrada. Por que ele
cairia assim? Eu não entendia o que estava acontecendo, por que Roth de
repente estava lá ao lado de Zayne. O demônio estava gritando por alguém -
por Cayman e depois por Layla, tentando segurar Zayne, mas Zayne
empurrou Roth e rolou de lado, me encarando.
Eu vi seu peito - vi a ferida em seu coração e o sangue que jorrava a cada
batimento cardíaco.
— Não — sussurrei, um grande horror afundando suas garras em
mim. — Zayn ...
— Está tudo bem — ele disse, e sangue vazou do canto da boca.
Tentei levantar o braço e tudo que consegui foi uma contração que me
fez sentir como se tivesse sido atropelada por um caminhão de lixo. O pânico
cresceu como um ciclone enquanto eu tentava alcançá-lo novamente. De
repente, Roth estava atrás de mim. Ele me pegou e me deitou, então eu estava
bem ao lado de Zayne. — Você não pode. Não. Por favor, Deus, não. Zayne, por
favor...
Roth pegou minha mão com cuidado, colocando-a na bochecha de
Zayne. O movimento doeu, mas não me importei. Sua pele de granito era
muito fria. Não estava certo de jeito nenhum. Meus dedos se moveram,
tentando esfregar o calor de volta em sua pele. Aqueles olhos pálidos de lobo
estavam abertos, mas eles... Não havia luz neles. Seu peito não estava se
movendo. Estava quieto. Ele estava quieto. Eu não entendia, não
queria. Esfreguei sua pele, continuei esfregando sua pele, mesmo que parasse
de parecer real.
— Trinity — Roth começou, a voz toda errada. Ele balançou para trás, as
mãos caindo sobre os joelhos, e então ele desviou o olhar, levantando-se. Ele
cambaleou um passo, erguendo as mãos para o cabelo enquanto se curvava. —
Ele...
— Não. Não. — Eu procurei o rosto de Zayne. — Zayne?
A única resposta foi o vínculo torto dentro de mim, como se fosse uma
corda esticada demais. Ele se soltou quando um lamento agudo rasgou o ar,
rasgado de minha própria alma. Eu não sentia mais o vínculo.
E então não sentia mais nada.
Capitulo 42
O inferno não estava apenas sendo preso em um corpo quebrado. O
inferno estava sendo incapaz de escapar da dor profunda da alma enquanto
estava preso. Achei que tivesse experimentado a pior perda possível com
minha mãe e depois com Misha, mas estava errada. Não que suas perdas
fossem menos devastadoras. Isso era... diferente e era demais.
Isso era como o purgatório.
Ao longo de várias horas que se transformaram em vários dias, aprendi
que poderia curar qualquer ferimento, desde que não fosse fatal. Ossos
quebrados se juntaram novamente e estalaram nas juntas das quais foram
arrancados. Carne rasgada costurada sem a ajuda de agulha e linha, algo que
eu não sabia que era possível e, aparentemente, nem Matthew, que costurou
muitas das minhas feridas no passado. Agora entendia por que Jasmine tinha
ficado tão surpresa com o ferimento na cabeça que recebi naquela noite no
túnel. As veias cortadas e os nervos se reconectaram, trazendo a sensação de
volta a lugares que há muito estavam dormentes.
O processo foi doloroso.
Saindo da consciência apenas quando era demais e precisava escapar dos
alfinetes e agulhas queimando ao longo de meus membros conforme o fluxo
de sangue voltava, fiquei acordada durante a maior parte da cura. Eu estava
acordada quando Layla se sentou ao meu lado com lágrimas escorrendo de
seus olhos e me disse que Zayne havia partido.
Uma parte de mim já sabia disso, e ela não precisava entrar em
detalhes. Muito tempo já havia passado. Quando os Guardiões morrem, seus
corpos passam pelo mesmo processo que um corpo humano, exceto que
acontece muito mais rápido. Em um dia, restariam apenas ossos, e já se
passaram muitos dias. Zayne se foi. Sua risada e o sorriso que nunca deixaram
de fazer meu estômago e coração fazerem coisas estranhas e maravilhosas. Seu
senso de humor irônico e sua bondade que o diferenciavam de todos que eu
conhecia. Sua inteligência e lealdade sem fim. Sua proteção feroz que tinha
sido aparente antes de nos unirmos, algo que me irritava tanto quanto me
fortalecia. Seu corpo, ossos e lindo rosto... Tudo isso se foi antes mesmo de eu
recobrar a consciência.
Eu gritei.
Gritei quando olhei ao redor do quarto e não vi seu espírito ou fantasma,
preso no lugar horrível de estar ao mesmo tempo aliviada e devastada.
Gritei até minha voz falhar e minha garganta pegar fogo. Gritei até não
conseguir mais emitir nenhum som. Eu gritei até que pensei no senador e
finalmente entendi o quão profundo é um corte que esse tipo de dor pode
fazer. Como isso poderia levar uma pessoa a fazer qualquer coisa,
absolutamente qualquer coisa, para trazer seu ente querido de volta.
Gritei, percebendo que minha decisão de o segurar, de mantê-lo do lado
de fora, poderia ter levado à sua morte tanto quanto me apaixonar por ele,
talvez até mais. Que parecia errado, e eu deveria saber, não deveria ter tentado
me convencer de que o que era certo pode parecer errado. Eu nunca saberia se
o resultado teria sido diferente se ele tivesse ido conosco, ou se isso teria
resultado em uma morte anterior.
Gritei até que se tornou muito forte, até que houve uma picada aguda ao
longo do meu braço e então não houve nada além de escuridão até que acordei
novamente, apenas para perceber que o purgatório estava sendo aprisionado
pela dor, tristeza e raiva.
Gabriel estava certo sobre uma coisa. Eu estava amarga e vingativa. Eu
queria retribuição contra o Arcanjo e até mesmo Deus por criar uma regra que
enfraqueceu Zayne, mas eu queria Zayne de volta mais, e tinha que haver uma
maneira. Não podia ser isso. Recusava-me a aceitar. Não podia. Não quando
pensei em como ele disse que iria até os confins da Terra para me encontrar se
eu fosse levada. Como ele jurou que não iria parar por nada para me trazer de
volta, mesmo das garras da morte.
A dor de meus ossos e pele reparando-se tornou-se um
combustível. Trazer Zayne de volta era tudo em que eu conseguia pensar. Não
falei com Roth ou Layla quando eles me examinaram, não depois que me
disseram que Zayne tinha ido embora. Nem falei com Peanut quando ele
entrou e saiu do quarto como um fantasma.
Eu planejei.
Eu planejei, enquanto o dia se transformava em noite mais uma vez e as
estrelas que Zayne havia pensativamente colado no teto começaram a brilhar
suavemente. Constelação Zayne. Meu coração se partiu novamente. As
lágrimas rolaram, mas não caíram. Eu não achei que fosse possível chorar
mais. O poço estava vazio. Assim como meu peito, onde o vínculo residia uma
vez, mas estava lentamente se enchendo de uma tempestade de emoções. Um
pouco quente. Um pouco gelado. Sabia, enquanto olhava para aquelas estrelas,
que não era mais a mesma. A luta me quebrou. A dor tinha me mudado. A
morte de Zayne me remodelou.
E meus planos deram vida a mim. Eu só precisava do meu corpo para
embarcar.
Um leve empurrão no meu braço atraiu meu olhar. Fui saudada com um
piscar de uma língua rosa.
Eu não tinha ideia de pôr que Bambi estava na cama comigo, esticado e
pressionado contra o meu lado como um cachorro, mas quando acordei mais
cedo e a encontrei lá, eu não tinha surtado.
Respirando fundo, levantei meus dedos da mão esquerda. Eles estavam
rígidos e doloridos. Tentei mover meu braço. Uma onda de dor dançou em
meu ombro, mas não era nada como antes. Dobrei meu braço no cotovelo,
estremecendo quando a junta recém-curada se fundiu e coloquei minha mão
na cabeça em forma de diamante de Bambi. Sua língua me deu outro aceno e
sua boca se abriu, como se ela estivesse sorrindo enquanto colocava a cabeça
na minha barriga.
Suas escamas eram lisas, mas ásperas nas bordas. Eu as localizei
preguiçosamente, e Bambi parecia adorar a atenção. Sempre que meus dedos
paravam, ela batia na minha mão.
Depois de um tempo, consegui mover minha perna, dobrando a direita
e depois a esquerda.
Algum tempo depois, a porta se abriu e Layla colocou a cabeça para
dentro. — Você está acordada.
— Eu... — Estremecendo, limpei minha garganta. Minha voz ainda
estava rouca. — Eu estou.
— Quer companhia?
Não particularmente, mas precisávamos conversar. Havia Gabriel e seus
planos malucos de merda com os quais alguém tinha que lidar. E então havia
meus planos. — Onde está... Roth?
— Ele está aqui. Deixe-me ir buscá-lo e algo para você beber. — Ela saiu
e voltou alguns minutos depois com um copo grande e o Príncipe demônio a
reboque.
Quando ele se aproximou, achei que ele parecia diferente, como se
tivesse envelhecido uma década. Eram seus olhos. Um cansaço que não existia
antes. Peanut seguiu, demorando-se ao pé da cama enquanto olhava para a
cobra.
— Não estou chegando mais perto — disse ele.
Bambi inclinou a cabeça em direção a ele, balançando a língua em sua
direção. Ela podia vê-lo. Interessante.
Layla se sentou ao meu lado. — Isto é refrigerante de gengibre. Achei que
seria bom para o seu estômago.
— Obrigada. — Levantei minha cabeça e comecei a me sentar, mas Layla
segurou o copo na minha boca, evitando muitos movimentos. Eu bebi com
avidez, embora isso queimasse minha garganta.
— Vejo que alguém tem lhe feito companhia. — Roth se encostou na
parede, os tornozelos cruzados.
— Sim, ela tem. — Deixei minha cabeça cair para trás contra o
travesseiro. — Cayman está... bem?
— Ele está bem — ele respondeu.
— Bom. — Limpei minha garganta. — Precisamos... falar sobre Gabriel.
— Não precisamos fazer isso. — Layla colocou o copo na mesa de
cabeceira, ao lado do livro de minha mãe. — Não agora.
— Nós temos, — eu disse. Bambi cutucou minha mão e voltei a acariciar
sua cabeça. — Aconteceu alguma coisa?
Layla balançou a cabeça enquanto começava a torcer os fios claros de seu
cabelo.
— Eu estive... patrulhando. — Roth disse a última palavra como se fosse
uma língua estrangeira. — Com tudo o que aconteceu, eu...
Ele não terminou, mas pensei que sabia o que ele estava prestes a
dizer. Que ele precisava fazer algo.
— Gabriel não foi localizado. Nenhum Guardião foi morto, — Layla
continuou, olhando para Roth. — Conseguimos fechar a escola.
— Como?
— Voltei na noite seguinte, comecei um pequeno incêndio que pode ter
causado danos intensos às salas de aula. — Roth sorriu.
Ideia inteligente, já que todos aqueles fantasmas eram malignos em seu
âmago. Nenhum humano deve pisar naquela escola. — E quanto a Stacey e seu
diploma?
— Eles estão terminando o resto das aulas de verão em outra escola. —
Layla olhou para Bambi, que parecia ronronar. Como um gato. — Ela queria
estar aqui, mas ela está...
Layla não precisava terminar. Eu já sabia. Stacey estava sofrendo. Isso eu
poderia entender.
— Acho que derrotei a maioria do Povo das Sombras. — Eu cheguei ao
ponto dessa conversa enquanto observava Peanut olhar a cobra. — Os
fantasmas ainda estão lá, e eu acho que Gabriel trará mais Pessoas das
Sombras. Eu não sei por que, mas Gabriel precisa de mim viva. Pelo menos até
a Transfiguração.
— Temos um pouco menos de um mês antes da Transfiguração — disse
Roth, cruzando os braços sobre o peito. — Algumas semanas até encontrarmos
uma maneira de parar Gabriel ou o começo do fim começar.
Fechei meus olhos. — Eu não posso... pará-lo.
— Trinnie — disse Peanut. — Não diga isso. Você pode.
— Eu não posso. — Eu respondi sem que Layla e Roth percebessem. —
Ele é um Arcanjo. Você viu do que ele é capaz. Mesmo com os espigões de anjo,
teríamos que chegar perto dele. Eu teria que me aproximar dele. Ele é
impossível de vencer. — Abrindo meus olhos, olhei para as estrelas. Era difícil
admitir isso, sabendo que eu não era mais o topo da cadeia alimentar, mas era
a verdade. — Pelo menos, sozinha eu não posso. Não estou mais ligada, e
duvido que meu pai vá me ligar a outro Guardião. É muito arriscado se Gabriel
o sentir e decidir usar seu sangue em vez do meu. Não sou fraca, mas não sou
tão forte quanto era quando estava unida. Mesmo assim, não poderia vencer
um Arcanjo sozinha.
— Então, precisamos encontrar uma maneira de enfraquecê-lo ou
prendê-lo — Layla sugeriu. — Tem que haver alguma coisa.
— Existe — disse Roth. — Eu sei de uma coisa que pode derrubar um
Arcanjo.
Meu olhar mudou para ele. — O que é? Outro Arcanjo? Obviamente,
nenhum deles quer se envolver. Meu pai nem... — pressionei meus lábios,
estremecendo enquanto meu queixo doía. — Eles não estão interferindo.
Depende de mim.
— Não estou falando sobre nenhum desses bastardos hipócritas e
seriamente inúteis que criaram seu próprio pequeno terrorista local. — Seus
olhos âmbar brilharam. — Estou falando sobre aquele ser que adoraria nada
mais do que derrubar um de seus irmãos.
Layla se torceu na cintura, a compreensão aparecendo em seu rosto
pálido. — Você não pode estar pensando o que estou pensando que você está
pensando.
— Não estou apenas pensando nisso — disse ele. — Estou planejando,
baixinha.
— Lúcifer — eu sussurrei. — Você está falando sobre Lúcifer.
— Santo Deus — sussurrou Peanut.
O sorriso de Roth era de pura violência. — Não estou falando apenas de
Lúcifer. Estou falando em libertá-lo. Tudo o que temos que fazer é convencê-
lo, e não acho que será difícil.
— Mas ele não pode andar na Terra em sua verdadeira forma — Layla
raciocinou enquanto eu relaxava contra o travesseiro. — Se ele o fizer, isso
força o Apocalipse bíblico a entrar em ação. Deus nunca permitiria.
— Me chame de louco, mas eu duvido que Deus esteja bem com Gabriel
tentando dar uma DST ao Céu, — Roth argumentou. — Se o céu fecha seus
portões, nenhuma alma pode entrar. Aqueles que morrerem ficarão presos na
Terra. Eles se transformarão em espectro ou, pior ainda, serão arrastados para
o Inferno e corrompidos. Além disso, não haveria sentido em nada. A vida
essencialmente cessaria com a morte. E a morte vai acontecer em um ritmo que
nunca vimos antes, porque com os anjos trancados, não há nada que impeça os
demônios, exceto Guardiões. A Terra se tornaria o Inferno.
Gabriel havia dito isso.
— Mas por que Lúcifer iria querer parar com isso? — Layla exigiu. —
Parece um ótimo momento para ele.
— Porque não é ideia dele — disse Roth. — Se Gabriel e Bael tiverem
sucesso? Seu ego vai levar um golpe, não tenho certeza se ele vai sobreviver. Só
há espaço para um Inferno e um governante do Inferno. Sua sala do trono está
repleta de cabeças de demônios que pensaram que poderiam assumir o
controle.
Era perturbador que eu meio que queria ver sua sala do trono?
Provavelmente.
— Então, estamos presos entre um possível Armagedom e outro possível
Armagedom? — Layla recostou-se.
— Bastante. — Ele assentiu. — Ou podemos sentar e esperar até que a
Terra vá para o Inferno...
— Ou nós trazemos o Inferno para a Terra, — ela finalizou. — Você acha
que pode convencê-lo?
— Bastante confiante. — Ele esfregou os dedos sob o queixo. — Só
preciso falar com ele e espero que esteja de bom humor.
Layla riu, mas era aquele tipo de risada que soava um pouco
enlouquecida.
— Faça isso — eu disse, endireitando a coluna, embora causasse uma dor
imensa. Bambi levantou a cabeça, me olhando como se ela não achasse que
sentar fosse uma ideia sábia. — Fale com Lúcifer. Convença-o. Mas há outra
coisa que eu quero.
— Qualquer coisa — Roth jurou, e eu duvidava que fosse algo que ele
fazia muito. Perfeito.
— Eu quero Zayne — eu disse.
— Trinity — Layla sussurrou. — Ele...
— Eu sei onde ele está. Sei que ele se foi. Eu o quero de volta. — Meu
coração começou a bater forte, a voz de Zayne tão dolorosamente real em meus
pensamentos que eu prendi uma respiração afiada e frágil. Não haveria nada que
me impediria. — Eu o trarei de volta.
Roth veio para a cama e se sentou. Seu familiar balançou do outro lado
de mim. — Trinity, se eu pudesse fazer isso, eu faria. Faria isso por vocês
dois. Juro, mas não posso. Ninguém...
— Não é verdade. — Encontrei seu olhar âmbar. — O Ceifador pode. E
antes que eu faça alguma coisa pelo meu pai ou pela raça humana, quero
Zayne. Eu o quero de volta, vivo, e não me importa o quão egoísta isso me
torne, mas ele merece estar aqui, comigo. — Minha voz falhou e Roth baixou o
olhar. — Eu mereço isso, e o maldito Ceifador vai devolvê-lo para mim. Diga-
me onde encontrá-lo ou como encontrá-lo.
Layla fechou os olhos por um longo momento e perguntou: — Você o vê
desde que acordou?
— Não.
— Isso significa que ele atravessou? — ela perguntou.
— Pode significar isso — respondi. — Mas Zayne disse que nem mesmo
a morte o pararia. Ele não teria feito a passagem.
Você sabe que isso nem sempre é verdade, sussurrou uma voz estúpida da
razão.
Pessoas morriam inesperadamente o tempo todo - pessoas que ainda
tinham planos e entes queridos. Enquanto estavam vivas, as pessoas
acreditavam plenamente que voltariam se pudessem, mas na maioria das
vezes as pessoas mudavam ao entrar na luz. Seus desejos e necessidades
permaneciam, mas elas cruzavam para o grande além, e tudo o que isso os
remodelava.
Mas Zayne não tinha voltado, mesmo como um espírito, e eu acreditava
totalmente que se ele tivesse feito a transição, ele voltaria, mesmo que fosse
para ter certeza de que eu estava bem.
— Mas e se ele tiver cruzado — disse Layla calmamente. — E se ele
encontrou paz? Felicidade?
Meu olhar se fixou nela enquanto meu peito ficava vazio.
— E se ele estiver realmente bem? E ele está esperando por você quando
chegar a sua hora. — Lágrimas encheram seus olhos. — Está tudo bem tirá-lo
disso?
Não.
Sim.
Um nó se alojou no fundo da minha garganta. E se ele estivesse
em... Não. Eu não poderia me permitir pensar isso. O queria muito de volta. Eu
não poderia fazer isso sem ele. Simplesmente não conseguia.
— Ele gostaria de voltar para mim — eu disse. — Não acho que ele tenha
feito a transição. — O nó se expandiu, empurrando palavras dolorosas. — Eu
nunca pude dizer a ele que o amo. Deveria ter dito isso a ele, mas não disse e
suas últimas palavras para mim foram que estava tudo bem... — Minha voz
falhou enquanto eu fechava minha boca. Demorou vários segundos antes que
pudesse falar novamente. — Eu o trarei de volta.
— Trin — Peanut sussurrou, e olhei para ele. — Pense no que você está
dizendo. Sobre o que você está planejando fazer.
— Eu pensei sobre isso — eu disse a ele e então olhei para Roth. — É tudo
o que tenho pensado. Eu sei o que isso significa.
Não seria fácil.
Seria quase impossível, e eu não tinha ideia se Zayne voltaria para mim
como um Guardião ou como meu Protetor, mas essa seria uma ponte que
cruzaríamos juntos.
Porque eu teria sucesso. Gabriel estava errado. A raiva e a ruína não me
corromperam. Elas me deram força. Eu faria qualquer coisa, desistiria de
qualquer coisa, para que o retorno de Zayne acontecesse. Qualquer
coisa. Porque tínhamos prometido um ao outro para sempre, e teríamos isso, de
uma forma ou de outra.
Lentamente, Roth ergueu seu olhar para o meu e então, depois de uma
eternidade, ele acenou com a cabeça. — Eu vou te dizer como encontrá-lo.
E ele disse.
Capitulo 43
Era um dia surpreendentemente frio para julho enquanto caminhava
pelo desgastado caminho de terra do Rock Creek Park, nuvens espessas
protegendo o brilho do sol da noite. Os óculos de sol ainda estavam
empoleirados no meu nariz, mas eu não precisaria deles por muito mais tempo.
A noite estava prestes a cair.
Dois dias se passaram desde que acordei, e cada passo que dava ainda
era doloroso e rígido, mas o fato de que era capaz de andar depois de ter quase
todos os ossos do meu corpo quebrados apenas alguns dias atrás, era nada
menos que um milagre.
Assim como o fato de que fui capaz de escapar de Layla e Roth, que
pareciam ter se mudado para o apartamento, e o fluxo interminável de
Guardiões. Eles tinham sido atualizados por Roth ou Layla, e sempre que
algum deles estava lá, a escuridão era tão pesada e sufocante como um cobertor
áspero.
Todo mundo ainda estava em choque. Todo mundo ainda estava de luto
pela perda de... Zayne. E acho que todos eles estavam preocupados que
Gabriel pudesse me agarrar. Enquanto eu estava me recuperando, seria tão
fácil quanto ele entrar no apartamento e me pegar.
Mas mesmo se eu estivesse totalmente curada, não seria muito mais
difícil.
Engolindo um suspiro, me arrastei enquanto as pessoas passavam
correndo, seus tênis levantando nuvens de sujeira. A única razão pela qual fui
capaz de escapar foi porque Roth e Layla tinham saído para falar com Lúcifer,
deixando Cayman encarregado de me vigiar.
Em cinco minutos, o demônio aparentemente desmaiou no sofá, mas
enquanto eu escapava, me perguntei se ele estava realmente dormindo ou se
estava me dando uma chance de escapar.
Eu precisava sair do apartamento, longe do cheiro de hortelã do inverno
que pairava no banheiro e das fronhas que me recusei a trocar. Eu precisava
ver as estrelas verdadeiras, e não as do meu teto - as que pertenciam a
Zayne. Precisava de ar fresco e precisava colocar meus músculos e ossos
doloridos em ordem, porque mais cedo ou mais tarde, Gabriel viria atrás de
mim, e eu planejava lutar com ou sem a ajuda de Arcanjo malvado, muito
assustador e muito poderoso.
Então, vesti minhas calças de garota crescida, pedi um Uber e quase
entrei no carro errado, mas consegui chegar ao parque sozinha. Eu fiz isso, e
Deus, pareceu um grande passo.
Continuei andando e cheguei ao banco onde Zayne e eu tínhamos nos
sentado no dia em que fui ao clã com Roth. Com o peito pesado e doendo, fiz
meu caminho até ele e me sentei, estremecendo quando meu cóccix protestou
contra a ação. Por alguma razão, o otário doía mais do que qualquer outra
coisa.
As pessoas que passavam olharam preocupadas em minha direção, uma
vez que tirei meus óculos de sol e os prendi na frente da minha camisa. Eu
sabia que parecia ter sobrevivido a um acidente de carro ou a uma partida
mortal com um gorila. Por muito pouco. Os ossos tinham se fundido
novamente. Músculos dilacerados haviam se costurado e a pele rasgada havia
sarado, mas eu estava coberta de azul-arroxeado e alguns hematomas
vermelhos que demoraram a desaparecer. A mão de Gabriel deixou marcas em
meu pescoço. Minha bochecha esquerda estava inchada e descolorida. Ambos
os olhos estavam inchados com manchas azul-esverdeadas escuras sob eles, e
eles estavam injetados.
Achei que o motorista do Uber iria me levar ao hospital ou à polícia
depois de dar uma boa olhada em mim.
As sombras cresceram ao meu redor e as luzes do parque se acenderam
enquanto a noite lentamente avançava. Cada vez menos pessoas passavam por
mim, até que não havia mais ninguém, e então - só então - olhei para o céu
noturno.
Não havia estrelas.
Eu não sabia se o céu estava vazio porque ainda estava nublado, ou se
qualquer dano que Gabriel tinha feito ao meu corpo de alguma forma acelerou
o colapso dos meus olhos. Conhecendo minha sorte, provavelmente foi o
último.
Fechando os olhos, pensei em algo que evitei nos últimos dois dias, algo
que Layla havia dito. Zayne ainda não tinha vindo para mim como um
fantasma ou um espírito, e eu não sabia se isso significava que ele havia
cruzado e estava se ajustando ao... bem, ao paraíso, e ele estava fazendo o que
Layla havia dito - esperando para mim quando chegasse a minha hora.
Roth me disse o que eu precisava fazer para invocar o Anjo da Morte, já
que não poderia ir para o Inferno ou para o Céu para falar com ele. Teria que
pegar a Chave Menor, que estava atualmente no complexo dos Guardiões. Eu
duvidava que eles simplesmente me entregassem isso, então provavelmente
precisava de mais um dia antes de estar pronta para forçar Nicolai a fazer algo
que ele provavelmente não gostaria de fazer. Eu convocaria o Ceifador e traria
Zayne de volta, mas...
Lágrimas escorreram de meus olhos, molhando minhas
bochechas. Como eu ainda podia chorar estava além de mim. Pensei que o
poço estava seco, mas estava errada. As lágrimas caíram, mesmo quando
fechei os olhos. Chorar era uma fraqueza que eu não podia pagar agora,
especialmente porque sentia que estava perto de cair de um fio de navalha.
Mas e se Zayne realmente estivesse em paz? E se estivesse seguro e
feliz? E se tivesse a eternidade que tanto merecia? Como eu poderia... Como eu
poderia tirar isso dele? Mesmo se Gabriel tivesse sucesso em trazer o
apocalipse, Zayne estaria seguro. Os portões do Paraíso se fechariam e talvez
não se desintegrasse como Gabriel alegou. Eu não conseguia imaginar Deus
permitindo que todas aquelas almas e os anjos morressem. Deus
teria que intervir antes disso, e embora nunca o visse novamente, Zayne estaria
seguro.
Eu poderia ser tão egoísta, para trazê-lo de volta a isso? Para um lugar
onde ele poderia morrer mais uma vez lutando contra Gabriel, para proteger
um mundo que nunca saberia tudo o que sacrificou por isso? E se não
conseguíssemos parar Gabriel, não haveria eternidade, paz ou
paraíso. Estaríamos presos no plano humano, onde nos transformaríamos em
fantasmas ou seríamos arrastados para o Inferno.
Abrindo meus olhos, arrastei minhas mãos sob minhas bochechas e olhei
para o céu. Dois dias atrás, teria dito sim, eu era tão egoísta. Uma semana atrás,
teria dito a mesma coisa... mas agora?
Eu amava Zayne com cada fibra do meu ser, com cada respiração que
dava e com cada batida do meu coração. Não sabia se poderia fazer isso com
ele.
E eu não sabia como poderia fazer nada disso sem ele.
Olhei para o céu noturno, desejando algum sinal, algo que me dissesse o
que fazer, o que era certo...
Uma pontada de luz apareceu e eu pisquei, pensando que meus olhos
estavam brincando comigo. Mas o brilho permaneceu, ficando mais brilhante
e mais intenso enquanto corria pelo céu. Torcendo a cintura, ignorei a dor
enquanto observava o raio de luz branca desaparecer além das árvores, mais
longe do que meus olhos podiam rastrear.
Aquilo era... uma estrela cadente?
Com o coração batendo forte, me virei. Tinha acabado de ver uma estrela
cadente real? Uma risada rouca arranhou minha garganta. Era esse o sinal que
eu estava pedindo?
Se sim, o que diabos isso significa?
Poderia interpretar isso como um sim, eu deveria convocar o Ceifador e
possivelmente arrancar Zayne da paz e da felicidade. Ou poderia significar
que Zayne estava bem, como ele me disse, e que ele estava cuidando de
mim. Ou poderia significar absolutamente nada. Balancei minha cabeça. Não,
tinha que significar algo. Respirei fundo... e todos os músculos do meu corpo
ficaram tensos.
Eu senti o cheiro... senti o cheiro de neve e inverno, fresco e mentolado.
Senti o cheiro de hortelã de inverno.
Minha pulsação disparou quando me abaixei, agarrando a borda do
banco. Minha cabeça virou na direção de onde Zayne tinha vindo da última
vez que estive aqui, mas o caminho estava vazio, pelo que eu podia ver.
Eu estava sentindo um cheiro de desejo?
Afrouxando meu aperto no banco, comecei a me levantar, quando
senti. Um calor estranho e trêmulo que dançou ao longo da minha nuca e entre
meus ombros. Uma brisa passou por trás de mim, levantando mechas do meu
cabelo, e fui cercada por hortelã do inverno.
O calor se espalhou do meu pescoço pelas minhas costas, e senti que não
estava mais sozinha. Alguém ou algo estava aqui, e eu sabia...Sabia que o
paraíso cheirava como você mais desejava.
Meus lábios se separaram enquanto eu lentamente me levantei, ossos e
músculos protestando, e me virei, fechando meus olhos porque estava com
muito medo de olhar, para descobrir que nada além de escuridão existia lá, e
talvez, apenas talvez, estivesse perdendo um pouco da minha
mente. Tremendo, abri meus olhos e não conseguia respirar, não conseguia
falar ou pensar além do que via.
Zayne.
Era ele, seu cabelo loiro solto e caindo sobre as bochechas e escovando os
ombros largos e nus. Foram seus lábios carnudos que eu beijei e amei, e seu
peito largo que subia e descia rapidamente... mas aqueles não eram seus olhos
que olhavam para mim.
Esses olhos eram de um tom de azul tão vibrante e tão claro que faziam
os olhos de um Guardião parecerem pálidos e sem vida em comparação. Eles
eram da cor do céu ao crepúsculo.
E não era a pele dele.
Onde sua pele parecia ter sido beijada pelo sol, agora carregava um leve
brilho dourado luminoso. Não como um espírito, porque ele era sangue e osso,
mas ele estava... ele estava brilhando, e meu coração estava batendo rápido.
— Trin, — ele disse, e os tremores se transformaram em tremores de
corpo inteiro ao som de sua voz - sua voz. Era ele, a maneira como ele disse
meu nome, era ele, e estava vivo e respirando e eu não me importava como. Eu
não me importei por quê. Ele estava vivo, e...
Os ombros de Zayne se moveram, endireitando-se, e algo branco e
dourado varreu o ar e se espalhou em cada lado dele, com quase três metros
de largura.
Meu queixo caiu.
Asas.
Eram asas.
Não asas de Guardião.
Mesmo com meus olhos, eu poderia dizer que elas eram emplumadas. Elas
eram brancas e grossas com listras de ouro atadas por toda parte, e aqueles
veios de ouro brilhavam com o fogo celestial, com Graça.
Elas eram asas angelicais.
Zayne era um anjo.

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