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Layla Shaw tentava juntar os pedaços da sua vida destruída, não é uma
tarefa fácil para uma garota de dezessete anos de idade, que tem a certeza de que
as coisas não podem piorar. O seu melhor amigo, o incrivelmente belo, Zayne, está
para sempre fora dos seus limites por causa dos misteriosos poderes do seu beijo
que rouba almas. O clã dos Guardiões, que sempre a protegeu, de repente está
ocultando perigosos segredos. E, ela só consegue pensar em Roth, o príncipe
demônio perversamente sexy, que a entende de uma forma que mais ninguém
consegue.
Mas, às vezes, atingir o fundo é apenas o começo. Porque, de repente, os
poderes de Layla começam a evoluir, e oferecem-lhe um sabor tentador do que
sempre foi proibido. Então, quando menos se espera, Roth retorna, trazendo a
notícia que poderia mudar o seu mundo para sempre. Ela finalmente está
conseguindo o que sempre quis, mas com o inferno literalmente se soltando e o
número de mortos aumentando, o preço a pagar pode ser maior do que Layla está
disposta a pagar...
Dez segundos depois que a Sra. Cleo chegou à aula de biologia, ligou o
projetor e apagou as luzes, Bambi decidiu que já não estava confortável na minha
cintura.
Deslizando ao longo do meu estômago, a tatuagem muito ativa de serpente
demoníaca não era fã de ficar parada por muito tempo, especialmente durante uma
aula chata sobre a cadeia alimentar. Eu fiquei rígida, resistindo à vontade de rir
como uma hiena quando ela cruzou os meus seios e apoiou a cabeça em forma de
diamante sobre o meu ombro. Cinco segundos passaram quando Stacey me olhou
com as sobrancelhas levantadas, forcei um sorriso tenso, sabendo que Bambi
ainda não terminara. Não, a sua língua saiu fazendo cócegas no lado do meu
pescoço. Levantei a mão sobre a minha boca, ocultando uma risada enquanto me
retorcia na cadeira.
— Andou tomando drogas? — Stacey perguntou em voz baixa enquanto
tirava a franja dos seus olhos pretos. — Ou será que o meu peito esquerdo está
dizendo olá para o mundo? Porque como a minha melhor amiga está obrigada a
dizer-me se isso acontecer.
Mesmo sabendo que o peito dela estava dentro da camisa, ou pelo menos
eu esperava isso, uma vez que o seu suéter com decote tinha um v muito decotado,
o meu olhar aprofundou-se enquanto baixava a minha mão. — Seu peito está bem,
estou só... Ansiosa.
Ela enrugou o nariz antes de virar a sua atenção para frente da classe.
Tomando uma respiração profunda, rezei para que Bambi permanecesse onde
estava o resto da aula. Com ela sobre a minha pele, era como ter uma caixa de pó
de mico aberta sobre mim. Contrações a cada cinco minutos não ajudava a minha
popularidade ou à falta dela. Felizmente, com o clima frio e o dia de Ação de Graças
se aproximando rapidamente, eu poderia sair com o pescoço coberto e mangas
compridas que escondiam Bambi.
Bem, desde que ela não começasse a rastejar para cima, para o rosto. Algo
que ela gostava de fazer quando Zayne estava perto. Ele era um Guardião
absolutamente magnífico – um membro da raça de criaturas que poderiam ser
vistos como seres humanos, mas cuja verdadeira forma era o que os humanos
chamam de gárgulas. Os Guardiões são responsáveis por proteger a humanidade,
caçando o que saía no meio da noite... E durante o dia. Eu cresci com Zayne e
tinha um fraquinho por ele há anos.
Bambi se mexeu, a sua cauda causando cócegas ao lado do meu estômago.
Não tinha ideia de como Roth havia tratado Bambi quando ela rastejava por
ele.
Minha respiração ficou presa quando uma dor intensa e implacável atingiu
o meu peito. Sem pensar, peguei o anel com a pedra quebrada – aquele que
contivera o sangue da minha mãe, Lilith – e coloquei-o no pescoço. Sentir o metal
frio entre os meus dedos era relaxante, não pela ligação que este anel tinha com a
minha família porque eu realmente não tinha um relacionamento com minha mãe,
mas porque, além de Bambi, era a minha última e única ligação a Astaroth, o
príncipe herdeiro do inferno, que fizera a coisa menos demoníaca.
Perdi-me no momento em que te encontrei.
Roth se sacrificou, sendo ele quem segurava Paimon, o maldito culpado de
querer libertar uma raça especialmente odiosa dos demônios, em uma armadilha
demoníaca que o mantém cativo no inferno. Zayne estivera encarregado de evitar
que Paimon escapasse do inferno, mas Roth... Tomou o lugar de Zayne.
E, agora, ele estava nos abismos de fogo.
Inclinei-me para frente e apoiei os cotovelos na mesa fria, completamente
inconsciente do que a senhora Cleo dizia. Lágrimas queimaram a minha garganta
ao ver a cadeira vazia à minha frente, a qual pertencia a Roth. Fechei os olhos.
Duas semanas. Trezentas e trinta e seis horas, mais ou menos, se
passaram desde aquela noite no velho ginásio, e nem um segundo se tornou mais
fácil. Magoava-me como se tivesse acontecido há uma hora, e não estava certa se
daqui a um mês ou um ano seria diferente.
Uma das partes mais difíceis eram as mentiras. Stacey e Sam tinham
centenas de perguntas quando Roth não retornara depois da noite que localizamos
a Chave Inferior de Salomão (o antigo livro que tinha as respostas para tudo o que
você precisava saber de minha mãe) e que foi capturado por Abbot (o líder dos
Guardiões em Washington que me adotou quando era criança). Eventualmente,
eles pararam com as perguntas, mas ainda havia outro segredo que eu estava
ocultando deles, os meus dois melhores amigos.
Apesar da nossa amizade, nenhum deles sabia o que eu era – metade
Guardião, metade demônio. E nenhum deles sabia que Roth não estivera ausente
por ter pegado mononucleose ou que foi transferido para outra escola. Mas, às
vezes, era mais fácil pensar dessa forma – dizer a mim mesma que ele estava
sozinho em outra escola e não onde realmente estava.
O ardor se deslocou no meu peito, semelhante ao calor ardente que estava
sempre presente em minhas veias, a necessidade de tomar uma alma, a maldição
deixada por minha mãe não diminuiu nem um pouco nas duas últimas semanas.
Aliás, esta necessidade havia aumentado, a capacidade de tomar a alma de
qualquer criatura que tivesse uma alma era a razão pela qual nunca me aproximei
de um cara antes.
Não até Roth chegar.
Como era um demônio, o problema irritante das almas era um ponto
discutível, uma vez que ele não tinha uma. E, ao contrário de quase todos os
guardiões, incluindo Zayne e o Abbot, Roth não se importava que eu fosse uma
mestiça. Ele... Ele me aceitou como eu era.
Passando as palmas das minhas mãos sobre os olhos, mordi o interior da
bochecha. Quando eles encontraram e consertaram o meu colar – aquele que Petr,
um Guardião que acabou por ser o meu meio irmão quebrou ao me atacar – no
apartamento do Roth, eu fiquei com a esperança de que Roth não estivesse no
inferno depois de tudo, que ele, de alguma maneira, havia fugido. Mas, cada dia
que passava, a esperança desaparecia cada vez mais.
Acreditava mais do que qualquer coisa neste mundo que se Roth pudesse
voltar para mim já o teria feito, e isso significava...
Quando o meu peito se apertou dolorosamente, eu abri os olhos e soltei
lentamente a respiração que estive segurando, a sala estava um pouco turva
através da névoa das lágrimas não derramadas, pisquei algumas vezes enquanto
me deixava afundar na cadeira, e o que passava no projetor não fazia sentido para
mim. Algo a ver com o círculo da vida? Não, isso era o Rei Leão. Ia bombar nesta
matéria. Constatando que deveria, pelo menos, tentar anotar algo, eu peguei minha
caneta e...
Na frente da classe, as pernas de metal de uma cadeira arranharam o solo,
fazendo um barulho muito forte, um garoto saltou de sua cadeira, como se alguém
tivesse colocado fogo na sua bunda. Um leve brilho amarelo o envolveu – sua aura.
Eu era a única que conseguia vê-la, mas murmurei algumas palavras de forma
errática, piscando. Ver a aura das pessoas – um reflexo de suas almas – não era
novidade para mim. Elas eram de todo o tipo de cores, algumas vezes uma mistura
de mais de duas cores, mas nunca vi uma brilhar assim. Dei uma olhada ao redor
da sala e a mistura de auras brilhava fracamente.
Que demônios?
A mão da Senhora Cleo congelou em cima do projetor e ela fez uma
carranca. — Dean McDaniel, o que está...
Dean virou sobre os seus calcanhares, encarando os dois caras sentados
atrás ele, eles estavam inclinados em seus lugares, com os braços cruzados, e os
lábios curvados em sorrisos idênticos, a boca de Dean estava pressionada em uma
linha fina e seu rosto estava vermelho. A minha boca se abriu quando ele plantou
uma mão na mesa de cor branca e bateu o punho contra a mandíbula do rapaz
atrás ele, o som ecoou na sala, seguido por vários suspiros de surpresa.
Santa Barra de Granola!1
Sentei-me com as costas retas quando Stacey deu uma palmada com suas
mãos sobre a mesa. — Bolas de merda para o jantar de domingo2, — sussurrou
boquiaberta enquanto o cara em quem Dean havia batido escorregou à sua
esquerda e caiu no chão como um saco de batatas.
***
Stacey colocou o seu longo cabelo preto atrás dos ouvidos, não tocara na
fatia de pizza em seu prato ou na lata de refrigerante, eu também não. Ela estava,
provavelmente, pensando na mesma frase que eu. O diretor Blunt e o Conselho
estudantil, que nunca realmente prestaram atenção aos alunos, deu a opção a
todos os alunos da turma de irem para casa.
Eu não tinha quem me levasse embora. Morris, o motorista do clã,
responsável pela manutenção e um homem incrível, ainda estava na lista dos
proibidos para viajarem comigo, desde a última vez que nós estivemos juntos em
um carro e um taxista possuído tentara brincar com os nossos veículos. E eu não
queria acordar Zayne ou Nicolai, a maior parte dos guardiões dormia
profundamente durante o dia, enterrados nas suas cascas duras. E Stacey não
queria ficar em casa com o seu irmão mais novo. Então, aqui estávamos nós em
uma cafeteria.
Mas nenhuma de nós tinha apetite.
— Estou oficialmente traumatizada — disse ela, tomando uma respiração
profunda. — É sério.
— Não é como se o cara estivesse morto — Sam respondeu com a boca cheia
de pizza, os óculos deslizando pelo nariz, o cabelo castanho caindo para frente. Sua
alma, uma mistura de amarelo e azul, piscava como a de todos nesta manhã, como
se brincasse de esconde e esconde comigo. — Ouvi dizer que reanimou na
ambulância.
— Isso não muda o fato de que vimos alguém ser atingido no rosto com
tanta força que morreu na nossa frente — insistiu. — Não vê a gravidade disto?
Sam engoliu o pedaço de pizza. — Como sabemos que ele estava realmente
morto? O fato de que um aspirante a oficial de polícia diz que alguém não está
respirando, não significa que isso é verdade. — Olhou para o meu prato... — Vai
comer isso?
Balancei a cabeça para ele, meio espantada. — É todo seu. — Um segundo
depois, arrebatou a pizza com pequenos cubos de calabresa do meu prato. Seus
olhos piscaram para mim. — Você está bem? — Perguntei.
Ele assentiu enquanto mastigava. — Sinto muito. Eu sei que não parece
muito amigável.
— Você acha? — Stacey murmurou secamente.
Uma dor maçante explodiu atrás dos meus olhos quando me estiquei em
busca do meu refrigerante. Eu precisava de cafeína. Também precisava descobrir
o que diabos estava acontecendo com as auras de todos, provocando essa oscilação
excessiva. O sombreamento das cores ao redor de um ser humano revelava que
tipo de alma tinha: branca para uma alma totalmente pura, bege era a mais comum
e geralmente indica uma boa alma, e as cores escuras é um estado questionável da
alma. E, se um ser humano não tinha esse halo revelador, isso significava que era
da equipe que não tem alma.
Ou seja, que era um demônio.
Eu não estava marcando auras – outra habilidade bacana que ganhei
graças a minha herança mista. Se eu tocava em um demônio era o equivalente a
colocar um sinal neon no corpo, tornando mais fácil para os guardiões os
encontrarem.
Bem, não funcionou nos demônios de Nível Superior. Não muito.
Não parei por causa do que aconteceu com Paimon, mas porque me
proibiram de marcar as almas. Abbot me perdoou e permitiu que vivesse depois da
noite no ginásio, mas parecia ruim marcar aleatoriamente demônios,
especialmente agora que eu sabia que muitos deles poderiam ser inofensivos.
Quando eu marcava almas, fazia para achar os Posers, uma vez que eles eram
perigosos e tinham o hábito de morder as pessoas, e deixava os Fiends sozinhos.
E a verdade, a mudança em minha rotina de marcação, foi graças a Roth.
— É que aqueles dois provavelmente incomodaram o Dean. — Sam
continuou comendo a pizza em um nanossegundo. — As pessoas explodem.
— As pessoas geralmente não têm punhos que poderiam ser considerados
armas letais — respondeu Stacey.
Meu celular tocou, chamando a minha atenção. Inclinei-me para pegá-lo da
minha bolsa. Os cantos dos meus lábios se levantaram ao ver que era Zayne,
apesar da dor em meus olhos aumentar constantemente.
***
***
4 Jambu (Acmella oleracea) é uma erva típica da região norte do Brasil, mais precisamente
no Pará, sendo originária da América do Sul. É comum também em Madagáscar e todo o
sudoeste asiático, em particular nas ilhas Mascarenhas. Também é conhecida como agrião-do-
Pará. As folhas e inflorescência são empregadas na medicina caseira na região norte do país, para
tratamento de males da boca e garganta, além de tuberculose e litíase pulmonar. As folhas e flores
quando mastigadas dão uma sensação de formigamento nos lábios e na língua devido sua ação
anestésica local, sendo por isso usada para dor-de-dente como anestésico e como estimulante do
apetite.
— Vou fazer isso rápido. — Ela prometeu. — Literalmente, levará apenas
alguns segundos.
Fechei os olhos, respirando várias vezes profundamente. — Ok. Posso fazer
isso. Pode fazê-lo.
— Você pode. — A face de Zayne escorregou em um lado da minha cabeça.
— Você é forte, Layla. Você pode fazer isso.
Quase acreditei nele.
Quando a agulha perfurou minha pele, minhas costas endireitaram-se.
Fogo emergiu do pequeno buraco que havia criado, prendendo o meu corpo como
se eu fosse jogada nas chamas.
— Está bem. — Zayne sussurrou, envolvendo os dedos em meus cabelos.
— Acabará antes... — ele esmagou o meu rosto no seu peito, silenciando o grito
que saiu da minha garganta.
— Desculpe — sussurrou Danika, suas mãos tremendo ligeiramente, — Eu
gostaria de ter algo mais forte para te dar, mas Jasmine perceberia se algo estivesse
faltando.
Ardor subiu pelo meu braço e tentei me afastar, mas Zayne me imobilizou,
mantendo meu ferido braço direito imóvel. Um fluxo vertiginoso de maldições
deixou minha língua e Zayne riu entre os dentes com a voz rouca.
— Não fazia ideia de que tinha esse tipo de boca — ele disse.
— Não me importo. Eu quero que termine. Agora. — Tentei afastar-me, mas
ele apertou suas garras. — Pare. Por favor.
— Não podemos parar, baby. Acabará logo. Já está quase metade tratado.
— O corpo de Zayne ficou tenso e Bambi começou a deslizar no meu quadril. A
última coisa que precisávamos era que ela saísse e comesse Danika. Mas a cobra
permaneceu quieta. Talvez Zayne tivesse razão e ela teve dor de estômago. — E
então, você estará perfeita — acrescentou.
— Não sou perfeita. — Meu corpo todo vibrava como uma gigante ferida
vermelha. Deus, eu era um bebê chorão. Sem qualquer tolerância à dor. Em
seguida, no entanto, minha pele era remendada novamente com um mínimo de
dormência. — Chei... Cheiro como um demônio.
— Você não cheira como um demônio. — Pareceu-me que prendeu a
respiração enquanto eu gritava contra o peito dele novamente. — Cheira como
frésia5.
— Cheiro de frésia? Eu – eu cheiro a sangue e demônios — sussurrei com
a voz rouca, apertando a mão dele até que senti os ossos enquanto ela dava outro
ponto. — Sinto muito. — Suspirei.
— Está bem. — Zayne ajeitou-se para ficar mais perto de mim, encostando
seu corpo contra o meu. — Você não cheira a sangue.
Reclamei enquanto Dinka puxava o fio. — Você é um péssimo mentiroso.
— Acabei. — Ela disse, soltando um suspiro. — Sinto muito.
— Est... Tudo bem. — Pressionei meu rosto contra o peito de Zayne,
inalando sua essência de inverno mentolado. Meus dedos queimavam por me
segurar à sua mão e camisa. — Obri… Obrigada.
Ela soltou uma respiração profunda enquanto fechava a ferida. — Você deve
descansar durante alguns minutos, deixe que seu corpo acalme, e poderia ser uma
boa ideia dar-lhe um sono profundo esta noite, só para que você se sinta melhor
mais rapidamente pela perda de sangue.
Um sono profundo significava dormir em forma normal, pois assim poderia
descansar a nível celular, mas nunca dormi assim antes. Mesmo que eu tivesse me
transformado hoje caso Bambi não tivesse aparecido. Não me transformei desde
aquela noite no ginásio, e não acreditava ser capaz de dormir assim.
Não sei quanto tempo passou com Danika sentada na beira da cama. Zayne
passou suavemente a mão nas minhas costas até os tremores cederem
eventualmente, e o conteúdo do meu estômago ficou um pouco estressado. Ele
soltou a perna da minha.
— Você está bem? — Zayne perguntou. Quando assenti com a cabeça, ele
retirou-se um pouco, passando suavemente uma mão no meu rosto molhado. —
Gostaria de experimentar se sentar?
6 Ocre não é dourado nem amarelo, é ocre. É uma cor, variação do marrom.
— Um demônio tentando mentir para nós? — Dez zombou, enquanto uma
brisa fria arrepiava meu cabelo. — Que surpresa.
Perversidade, do tipo que derrubaria toda a cidade, acendeu-se nos olhos
do Roth. Abriu a boca, mas deu um passo a frente. — Como isso é possível? Você
– sabemos que não é.
Roth continuou com o olhar fixo em Zayne. — É.
— Como você sabe? — Eu exigi.
Um Guardião bufou e murmurou: — Não posso esperar para ouvir esta
história.
Seus lábios estavam curvados em um lado. — Como todos vocês devem
saber, se leram o manual de quando a merda atinge o ventilador, existem quatro
correntes que seguram Lilith no Inferno.
Assenti. Eu sabia que Lilith, minha mãe distante, estava acorrentada no
inferno, mas não vejo como isso tinha algo a ver com isto.
— Duas quebraram quando Paimon tentou realizar o ritual, deixando
apenas duas correntes intactas — continuou. — Uma terceira...
— Espera. — Abbott levantou a mão. — Como exatamente quebrou duas
das correntes? Paimon foi preso, e a inocência de Layla – a chave para o ritual –
permanece. Portanto, isso não pode ser verdade.
Oh meu Deus...
Mais uma vez, toda a questão da inocência. Engoli um gemido quando
fechei a minha mão ao redor do colar. O ritual para fazer surgir um Lilin implicava
que várias coisas precisavam acontecer. O sangue de Lilith deveria ser derramado,
aquele que estava dentro do anel que eu ainda carregava ao redor do pescoço. Meu
sangue precisava ser extraído, e isso também aconteceu, mas as duas últimas
coisas eram as mais importantes.
Eu teria que ter tomado uma alma e teria que perder a minha inocência,
como no sentido bíblico. Só Zayne e Roth sabiam que eu havia tomado uma alma,
e Abbot nunca poderia saber disso, ou me mataria. A outra parte? Ainda era
virgem, então eu não podia...
— Paimon completara as partes relativas ao sangue — Roth disse, seguindo
a direção dos meus pensamentos. Não olhei enquanto falava, mas havia uma borda
afiada em suas palavras. Formaram-se nós no estômago. — Ela foi cortada. Vi isso.
Como no mundo ele havia visto a pequena picada durante a luta estava
além mim. — Sim. Paimon extraiu o meu sangue e o derramou, mas... — aquela
noite voltou para mim de repente. Após Roth e Paimon serem presos e enviados
para os abismos de fogo, o solo onde eles estiveram foi queimado e apareceu um
buraco no chão, exatamente onde eu estive amarrada.
Abbot franziu as sobrancelhas. Abriu a boca e depois se virou, dando-me
um olhar penetrante. Encolhi-me com o seu ar de acusação. Sabia sobre Petr? Que
tomara a alma do Guardião em defesa própria? Já podia sentir a corda rodeando
meu pescoço. Zayne se aproximou mais de mim, e o ar me escapou dos pulmões.
— Sua inocência — disse Abbot, a voz enganosamente calma, baixa. —
Afirmou que ainda era inocente, Layla.
Afirmei? — Não menti para você.
— Como as correntes se quebraram então? — Ele exigiu.
— Agora acredita em nós — disse Cayman, sacudindo a cabeça. — Com que
velocidade duvida de Layla.
Apesar de essa observação parecer precisa, ignorei o administrador infernal
enquanto o meu olhar passava entre os demônios e os Guardiões. Nicolai desviou
o olhar quando meus olhos encontraram os dele. Dez e Maddox me olharam com
um olhar de quem começa a compreender. Nem podia olhar para Zayne para ver
se ele também tirava conclusões precipitadas.
A única coisa boa que vi neste momento era que ninguém achava que havia
tomado uma alma. Em vez disso, eles acreditavam que abaixei a minha calcinha.
Apertei os lábios. Hesitei entre negar o que eles estavam pensando, revelar o que
havia feito, ou calar a boca.
Zayne deixou escapar um suspiro profundo. — Layla nos disse que ela é...
Bem, vocês sabem o que ela disse. Não temos qualquer razão para duvidar dela,
mas temos todas as razões para não confiar neles.
O alívio que senti desapareceu quando Roth arqueou uma sobrancelha. —
Tendo em conta que salvei você da armadilha e tomei o seu lugar, eu gostaria de
pensar que você teria um pouco mais de fé em mim.
Fechei os olhos. Esta conversa estava prestes a desandar rapidamente e
ficar feia.
— E te agradeço por isso — Zayne disse em um tom afiado. — Mas isso não
muda quem você é ou o fato de que Layla ainda é...
O calor inundou minhas bochechas. — Ok. Parem. Todos vocês. Essa fofoca
sobre minha virgindade não é algo com o que queira prosseguir.
— Somos dois então — murmurou Dez.
— Mas eu ainda tinha um hímen da última vez que verifiquei, e isso significa
que sou virgem. — Minhas mãos formaram punhos ineficazes enquanto as
sobrancelhas de Roth subiam na testa. — Então, podemos não falar mais disto?
— Então, se o que diz é verdade, o demônio está mentindo — Abbot cuspiu.
— O demônio? — Bufou Roth. — É sua Alteza para você.
— Ok — Cayman deslizou para frente, levantando a mão em sinal de
rendição fingida enquanto o guardião mostrava os dentes em aviso. — Ninguém
está mentindo – não o nosso príncipe ou a nossa pequena, bonita e virginal Layla.
Olhei feio para ele.
Ele sorriu. — Como sempre, o texto em que o ritual foi escrito não entra em
detalhes explicando como ou o que é necessário para que Layla perca a sua
inocência.
— Gostaria que este assunto acabasse — murmurei, esfregando a minha
testa. Estava começando a ter uma dor de cabeça. — Não é como se você pudesse
perder a sua inocência ou acidentalmente trocá-la de lugar e esquecer.
Abbot estreitou os olhos.
— Bom ponto. — Cayman colocou as mãos nos bolsos da calça jeans
enquanto balançava nas solas de suas botas, e pelo brilho em sua expressão, tive
a horrível sensação que havia me encurralado em um canto. — A perda da
inocência se refere ao pecado carnal e não que tenha de fazer o ato para
experimentar o prazer do pecado. Certo?
O sangue foi drenado do meu rosto enquanto a minha boca se abria. Ah, eu
experimentara prazer com Roth. Esse sangue voltou rapidamente para o meu rosto
quando as horas antes de seguirmos até à Chave inferior veio em meus
pensamentos. Roth e eu... não fizemos isso, mas fizemos outras coisas. Bom, ele
fizera coisas com a mão que eu só tinha – oh Deus, eu realmente precisava parar
de pensar nisso agora.
Os cílios incrivelmente longos de Roth se fecharam quando o que Cayman
disse mergulhou nas mentes e na imaginação de todos os presentes. Um por um,
olharam para mim... Como se tivesse assassinado um berçário, e então me
banhado alegremente no sangue dos bebês.
— O quê? — Disse, mudando meu peso de um pé para o outro. Olhei para
Zayne. Um músculo palpitava em seu maxilar.
Cayman inclinou seu queixo. — Em outras palavras, tudo o que ela
precisava fazer era ter um orgasmo.
— Oh, meu Deus — gemi, colocando as mãos no rosto ardente. Eu preferiria
estar de volta no beco, pronto para ser cortada e picada pelo Guardião, do que aqui.
— E o mais provável é que não seja ela a responsável por isso — adicionou
Cayman. — Além disso, esta é a única explicação.
Alguém me mate agora.
Zayne amaldiçoou em voz baixa e ouvi a palavra puta sussurrada por
alguém nas galerias, atrás de mim, mas não podia ter a certeza porque ninguém
reagiu com o murmúrio baixo. Não havia necessidade de ser um gênio para alguém
descobrir que havia experimentado o pecado do prazer. Não era como se tivesse
muitas opções, considerando tudo a respeito de ficar muito perto de qualquer
pessoa com uma alma.
— Bem... — Roth alongou a palavra. — Isso é desconfortável.
Lentamente, baixei as minhas mãos. — Você acha?
Não me olhou. — Então, agora que temos tudo sob controle...
— Mas e quanto a tomar uma alma? — Nicolai exigiu.
O cabelo ficou em pé na minha nuca. A mudança de tema devia ter me dado
o desejo de dançar, mas demônios, ficou apenas pior.
Roth deu de ombros. — A Chave Inferior é um texto antigo, lembra? Isso
significa que não é o mais fácil de interpretar do mundo. Claramente, todos
entendem algo errado ao lê-lo, apesar da minha inteligência superior. Você tem a
Chave Inferior. Veja se pode descobrir isso.
Os Guardiões aparentemente acreditaram nisso, no momento, mas Abbot
atirou-me um olhar que disse que falaríamos mais tarde, e não era uma conversa
que ansiaria muito.
— Mas voltando ao assunto em questão – três correntes foram quebradas,
o que significa que há um Lilin.
Isso outra vez. — Espere — disse, respirando profundamente. — Não sabia
que se as correntes se partissem, um Lilin era criado. — Preocupação revolveu meu
interior quando olhei em direção a Abbot, Zayne e então para Roth. — Ninguém...
Ninguém me disse isso. Apenas disseram que caso o Lilin nascesse, o mundo
estaria muito ocupado juntando seus pedados para se preocupar com Lilith.
— Não era preciso te dizer — Abbott disse com uma voz entrecortada.
Uma emoção quente e feia substituiu a minha ansiedade quando me virei
para o homem que uma vez foi considerado o mais parecido com um pai que
conheci. Estava tão cansada das mentiras – sobre o fato de que Lilith era a minha
mãe, que Elijah, um Guardião que agiu como se detestasse a minha simples
presença era, na verdade, o meu pai. Abbot escondeu tudo isso de mim. — Sério?
Considerando quem ela é para mim, como não era necessário?
— Bom ponto — reconheceu Roth.
— Você também não me disse — disse acentuadamente. Seus lábios
formavam uma linha dura, e olhei intensamente para que me encarasse, para
explicar porque havia mantido o importante detalhe para ele. Quando não o fez, a
apreensão estabeleceu-se profundamente dentro de mim. — E se a quarta corrente
for quebrada, Lilith será liberada?
O terceiro demônio, que estivera em silêncio até este ponto, abanou a
cabeça. — Lilith não será libertada. O Chefe a tem fechada agora, e estou bastante
certo que o inferno congelaria antes que ela escapasse — riu de si mesmo, e levantei
uma sobrancelha.
Os ombros de Abbott subiram. — Embora Lilith ainda esteja no cativeiro,
se houver um Lilin, temos um grande problema em nossas mãos.
— Neste momento, deve só haver um, porque se houvesse mais, todos
saberiam. Teria uma superpopulação de espectros. Mas mesmo um Lilin pode
converter esta cidade em seu pátio de jogos pessoais para absorver as almas —
disse Roth. — Eles podem levar uma alma com o simples toque de sua mão, ou
pode brincar com as pessoas – apagando quem eles são lentamente, mudando
completamente seu código moral interno. O Lilin pode converter um Guardião caso
coloque as mãos em um.
Oh, isso seria ruim. Muito ruim.
— E eles são os únicos que podem controlar os espectros — disse Cayman.
— Se tomar uma alma completamente, a coisa vingativa criada responderá
apenas ao Lilin. É como... Duplamente ferrado.
Espectros era no que se tornava toda criatura que uma vez teve uma alma
e depois a perdeu. Eles não iam para o inferno. Tornavam-se rapidamente
perigosos e eram poderosos, capazes de interagir com os humanos em um nível
não tão amigável. Às vezes, os alvos eram as pessoas que conheceram quando
estavam vivos. Outras vezes não discriminavam, iam atrás de qualquer um que
atravessasse o caminho deles.
— Sabe, com as regras e tudo, os Alfas – seus grandes caras maus no céu
grande e mau – não ficarão felizes. — Roth cruzou os braços em seu peito. — Então
preciso encontrar o Lilin até os Alfas decidirem que devem interferir. Do contrário,
tudo estará em risco, incluindo os Guardiões.
Alfas eram aqueles que estavam no comando. Anjos. Minha bunda meio
demoníaca obviamente nunca viu um. — Por que os Guardiões estariam em risco?
— Perguntei; confusa.
Foi Cayman que respondeu: — Os Alfas não são grandes fãs dos Guardiões,
apesar de os terem criado. Certo, intrépido líder? — Quando Abbott não respondeu,
o administrador infernal sorriu. — Os Alfas verão a existência de um Lilin como
um sinal da incapacidade dos Guardiões de lidar com as coisas, tornando-os
inúteis. Os torturando como castigo, juntamente com o resto de nós.
Oh meu Deus, os Alfas eram duros.
— Então, nós temos que trabalhar juntos — disse Roth.
Maddox riu de maneira desagradável. — Trabalhar com demônios. Estão
usando crack?
— Como disse anteriormente, o Chefe desaprova o uso de drogas enquanto
trabalhamos — a expressão de Roth ficou inexpressiva. — E todos têm que superar
sua intolerância. Estão em uma cidade que tem mais de meio milhão de pessoas,
e isso sem contar com os subúrbios. O tipo de dano que até mesmo um Lilin pode
causar é astronômico.
— Então, voltamos onde estávamos há dois meses? — Disse Zayne. —
Exceto que em vez de um demônio apaixonado, temos um Lilin – um Lilin que pode
querer tirar a alma de um ser humano.
— Espera. — Maddox finalmente se virou, afastando os olhos dos demônios.
— Se o ritual teve sucesso em renascer um Lilin, então não seria Layla, na verdade,
a mãe? O demônio nasceu do sangue dela.
— Ei — engoli o sabor repentino de sangue. — Não estou me referindo ao
Lilin como meu filho. Então nenhum de vocês tente colocar isso em mim.
— O Lilin nasceu do sangue de Lilith, também, então... — Roth suspirou,
sacudindo a cabeça. — Não importa, você repele o divino.
Maddox rosnou. — Desculpa?
Ele ignorou o Guardião.
— Só o que você necessita saber é que precisa conter – um Lilin ou algo
semelhante — murmurou Abbott mais para si mesmo e fiz uma carranca. Que
demônios significa isso? Ele balançou a cabeça. — Devemos encontrar e parar este
Lilin.
— Temos certeza que Lilith não pode ser liberada? — Perguntei; ainda
insegura de como me sentia com minha mãe presa ao inferno.
— O Chefe não a deixará passar — Roth observou Abbott, sorrindo
firmemente.
A tensão era palpável entre eles, e o instinto me dizia que era mais profundo
do que o fato de serem inimigos. — A coisa é, não sabemos muito do Lilin.
Senti-me como se precisasse sentar. — Não sabe?
— Não, mas pode haver informações na Chave Inferior, mas... — Roth
inclinou a cabeça em direção a Abbot. —... Você tem a Chave Inferior.
— E estará segura com a gente. — Ele respondeu.
— Segurança é subjetiva — murmurou Roth.
— Já sabíamos que a Chave Inferior falava sobre o Lilin — Nicolai disse.
— Você se importa de compartilhar? — Sorriu Roth. — Porque compartilhar
é divertido.
Abbot mudou seu peso. — Não há nada de novo. Apenas vagas referências
ao tempo em que dominaram a terra. Nada que já não saibamos. Isto é sério —
Abbot disse depois de alguns momentos. — Sério o suficiente para que nós não
dificultemos a sua pesquisa sobre o assunto.
O que significava que os Guardiões não irão atrás de Roth e sua equipe, o
que era ótimo. Maddox e os outros Guardiões ficaram perturbados com isso, mas
Abbott os silenciou com um gesto da mão.
— Como o líder do clã de Washington, esta é minha decisão — disse ele,
jogando um olhar feroz para todos. — A possibilidade de que exista um Lilin na
superfície não é algo que possamos permitir. — Ele virou aquele olhar mortal para
os demônios. — Mas se começar a sequer suspeitar que seja algum tipo de truque,
eu caçarei pessoalmente cada um de vocês.
Roth deu de ombros. — Tudo o que precisamos é que todos fiquem alertas
enquanto estiver em sua... Caça.
— Não acredito em forjar um acordo com demônios — disse Maddox, dando
vários passos para trás.
Nem eu podia acreditar, mas um Lilin era um assunto importante.
— É como é — disse Abbott, puxando uma respiração profunda e forte. —
Vamos permanecer alertas para qualquer relatório suspeito. Nossos contatos
dentro dos departamentos de polícia e hospitais devem ser úteis neste caso.
Cayman assentiu com a cabeça em concordância, e o fato de que todos
estavam tendo uma conversa bastante civilizada era monumental. — Também
vamos manter nossos ouvidos no chão. É mais provável que um Lilin saia em busca
de outros demônios. Vocês sabem, para se relacionar e fazer amigos. Com sorte,
haverá um em quem confie.
— Bom — disse Abbott. — Mas, agora, fora da minha propriedade.
Uma nuvem difusa de ar insuflado saiu dos meus lábios quando meu
estômago se apertou. Ele não poderia ir ainda. De maneira nenhuma. Dei um passo
à frente, ignorando os olhos penetrantes dos Guardiões. Não me importava.
Poderiam se agarrar nos seus ideais fanáticos e colocá-los em...
— Nós vamos, mas... — Roth finalmente se virou para mim. Nossos olhos
colidiram, e foi como um golpe no peito. — Nós precisamos conversar.
Quase me jogo em cima de Roth nesse momento e o abraço, mas um
rosnado baixo retumbou atrás de mim. No início, pensei que fosse a resposta de
Abbot, mas quando me dei conta de que vinha de Zayne, não pude me mover.
Roth inclinou a cabeça para o lado, olhando para mim com um sorriso
petulante nos lábios. — Você está... Realmente rosnando para mim, Stony7?
— Estou a ponto de fazer bem mais que rosnar.
Ele riu entredentes. — Que mal-agradecido.
Virei-me para Zayne e meu coração pulou para a garganta, parando tudo o
que ia dizer. Ele olhava para Roth de uma forma que não entendi, não depois de
tudo que Roth fizera por ele, como se... Balancei a cabeça.
— Ok! — Interrompeu Abbot, deixando-me surpresa. — Deixe que
conversem.
Espera. O que? Ele estava de acordo com o que Roth falara? A calma de
Abbot me perturbava. Meu coração deu outro pulo.
Zayne abriu a boca e logo a fechou. Nossos olhares se encontraram por um
momento e ele assentiu com rispidez, resignado. — Vou esperar por você.
***
Minha cabeça doía como se tivesse passado a noite toda a batendo contra
a parede, o que teria sido mais divertido e frutífero que olhar para o teto, lembrando
tudo o que Roth e eu compartilhamos. Havia buscado um defeito fatal em nossa
relação e isso foi tão produtivo quanto fazer buracos em uma bandeja e tentar
colocar água nela.
Roth era um demônio.
Um demônio macho.
Um demônio macho que gostava de cobiçar coisas bonitas.
E eu era tão inexperiente quanto uma freira, então é claro, dei muito valor
ao que ele disse, na maneira em que olhou para mim, a cada toque e beijo. Pensei
que tudo isso significava algo, e a dor foi forte, como sentir uvas amargas no fundo
da minha boca. Curiosamente, tanto quanto meus olhos e garganta ardiam, e por
todas as lágrimas que se acumularam em meus olhos, essas lágrimas não caíram.
Eu queria que caíssem. Sentia que talvez isso pudesse arrumar a realidade.
Quando chegou o momento de me levantar e ir para a aula, enrolei-me
embaixo do meu pesado e quente edredom. Esperei que viesse alguém e dissesse
para eu sair da cama, mas tudo que ouvi foram as pisadas de Nicolai perto da hora
em que ele me levava à escola. Não abriu a porta para me verificar. Depois de
alguns segundos, ouvi seus passos se afastarem pelo final do corredor.
Fechei os olhos, sem estar certa se eu deveria estar grata por não ser
importante para ninguém, ou se deveria ficar triste por isso. Antes de Roth... Antes
que o clã soubesse dele e de nossa relação, Abbot ou outra pessoa sempre estava
por aqui, tirando-me da cama, ou ao menos se assegurando de que Freddy Krueger
não havia me raptado. E agora? Nada. Mais do que nunca, era uma convidada
permanente em sua casa, uma que durava mais tempo do que era bem-vinda.
Enquanto estava adormecida, meu cérebro vagou em todas as direções. Um
velho plano ressurgiu, um que já não pensava havia muito tempo. Meus olhos
sonolentos desviaram para minha mesa. O copo de suco vazio em cima da pilha de
inscrições da faculdade. Esses papeis quase foram esquecidos e provavelmente era
muito tarde para considerar seriamente me inscrever para o outono seguinte, mas
talvez fosse isso o que faria.
Que vão todos a merda – Lilin, Roth e todos os Guardiões. Podia ir para
uma faculdade bem longe daqui e fingir ser... Fingir ser quem? Alguém normal?
Podia fazer isso. Já fazia isso há muitos anos. Misturar-me entre os humanos e
fazer disso uma lembrança distante. Era uma decisão egoísta, mas não me
importava. Queria ser egoísta e não queria mais estar aqui, nesse corpo ou metida
nesses problemas.
A única coisa boa era que não o veria na escola. Não havia razão alguma
para que Roth regressasse ali.
Em algum momento, voltei a dormir, acordando quando senti a cama
afundar com o inesperado e repentino peso, e senti as cobertas se mexerem.
Desorientada, pisquei para abrir os olhos. Com o coração golpeando meu peito,
olhei por cima de meu ombro.
Dois olhos azuis claro encontraram os meus.
Zayne olhou para mim, momentaneamente oculta por uma mecha de
cabelos loiros. Prendi a respiração enquanto me acomodava ao lado dele, e Z puxou
os cobertores até a cintura. Meu olhar abaixou. Ele usava uma camiseta cinza de
algodão que se esticou em seus ombros quando ele se estendeu sob a coberta para
me encontrar. Com um braço em volta da minha cintura, me apertou contra seu
peito. Cada músculo do meu corpo ficou tenso enquanto ele se acomodava atrás
de mim, enrolando seu corpo ao meu redor com uma facilidade natural que
despertou os meus sentidos. Não havia praticamente nada entre nós, exceto nossas
roupas de dormir, o que não era um escudo para o calor que ele irradiava.
E esse calor... Oh. Infiltrou-se em meus músculos, afrouxando os nós e
todos aqueles pontos doloridos. Em segundos, a rigidez fluiu de minha coluna e
meu rosto voltou ao travesseiro. A cama se transformou em uma nuvem e senti
como se estivesse em um desses comerciais bregas de colchões que Sam e Stacy
sempre tiravam sarro, mas Zayne tinha o poder de transformar um colchão comum
em algo incrível. Fechei meus olhos e deixei meu corpo afundar. Nos momentos
que se seguiram, não pensei em nada, e isso era maravilhoso.
Ele tirou a mão da minha cintura por tempo suficiente para remover os fios
do meu cabelo do rosto e então eu senti sua respiração quente contra minha nuca.
Uma série de tremores dançou por toda minha pele. Um tipo diferente de tensão se
formou na parte inferior do meu estômago enquanto me concentrava em respirar
normalmente, e não como se tivesse tentando subir e descer as escadas.
Havia passado muito, muito tempo desde a última vez que Zayne fez isto –
subir na minha cama para descansar e dormir profundamente. Não desde que
éramos muito jovens, quando compartilhar a cama era inofensivo e inocente, e
ninguém teria ideia errada. Choque passou por mim. Especialmente depois da
noite passada, eu não esperava isso dele. Senti que estive perto de render-me as
necessidades. A verdade é que estava em constante perigo quando ele estava perto
de mim. A qualquer momento poderia me virar e nossas bocas estariam a
centímetros. E seria tão fácil levar sua alma.
— Como está seu braço? — Perguntou
Quando ele falou, sua voz ecoou por mim. Esclareci a garganta e, em
seguida, me contive ao notar o quanto abrasiva soava. — Estou bem.
— Nós devemos olhá-lo mais tarde. — Moveu seu braço e sua mão terminou
sobre minha barriga, logo abaixo do meu umbigo. Assustei-me, mas ele não tirou
ou moveu sua mão.
— Então não foi por esse motivo que não foi à escola?
Engoli um suspiro e abri os olhos. Na mesa de luz, as luzes verdes néon
mostravam que eram 09:01 da manhã. Deveria ir para aula de bio neste momento.
— Não.
— Quer falar sobre isso?
Falar sobre Roth estando deitada na cama com Zayne era a coisa que menos
queria fazer. — Não.
O silêncio caiu entre nós, seu peito subia e descia contra as minhas costas
em um ritmo constante e profundo. Por mais relaxada que eu estivesse, meu corpo
estava hiperconsciente do dele, de cada respiração que tomava e cada pequeno
espasmo muscular. No silêncio, um pensamento horrível passou por mim cabeça.
Ele havia deitado assim com Danika? Não tinha o direito de sentir o ciúme que
invadia meu corpo, mas estava lá e era errado, porque eles poderiam compartilhar
mais do que eu nunca poderia compartilhar com ele.
— Desculpa — ele disse, falando tão lentamente que no início não estava
certa de que ele havia falado.
Fechei os olhos. — Por quê?
Houve outra longa pausa de silêncio e depois disse: — Sei que você está
sofrendo e quero matar o filho da puta por isso.
Meu coração bateu com força. Não havia como esconder nada dele. Zayne
me conhecia melhor do que eu gostaria de admitir. Não sabia o que dizer. Queria
estrangular Roth e chutá-lo na virilha, mas tinha uma suspeita de que Zayne
realmente queria agir de acordo com seus desejos, e como era uma menina, iria
chorar caso Zayne conseguisse matá-lo.
— Ele é um demônio — disse Zayne. — Não importa que tenha momentos
em que faz atos de grande compaixão, porque abaixo disto, é o que é.
Mordi meu lábio. — Mas isso é o que eu sou.
— Não. — Zayne levantou ligeiramente, fazendo sua mão deslizar do meu
estômago até minha cintura. — Você não é apenas um demônio, Layla. Também, é
um Guardião. Não é como se não pudesse ser os dois ao mesmo tempo e...
— E? — Virei de costas e me apoiei em meus cotovelos. Sua mão escorregou
para meu ventre, seus longos dedos atingiam o cós do meu short de dormir. Nossos
olhares se encontram. — E o quê?
Não respondeu imediatamente. Em vez disso, seu olhar desviou para meu
rosto e, em seguida, para baixo, mais abaixo que o decote da minha blusa. O
cobertor havia escorregado abaixo do meu peito. Ele engoliu em seco enquanto
virava para se deitar de lado e sua voz estava mais grave do que o habitual quando
falou: — E por que você não pode ter o melhor dos dois mundos? Sabe, com as
melhores qualidades?
— As melhores qualidades de ambos? — Murmurei. — Está dizendo que
existem boas qualidades nos demônios?
— Em você. — As covinhas em suas bochechas coraram, piscou algumas
vezes, mas o vermelho desvaneceu-se lentamente. — Você é parte demônio. Como
eu disse naquela noite na sorveteria, nós não deveríamos ter feito você odiar essa
parte de você.
Lembro que ele disse isso. Essas palavras se perderam com os outros
acontecimentos naquela noite – Paimon e a armadilha de demônios – mas me
lembrava.
— Cada parte de você é boa – inclusive o lado demônio. — Ele parou. — Eu
vi você naquela noite.
Deitada, tomei uma respiração profunda. — O que você quer dizer?
Ele se inclinou sobre mim, e vários fios de cabelo deslizaram sobre suas
bochechas. — Não é como nós quando você muda, mas tão pouco parece com um
demônio. Você é uma mistura de ambos.
— Então pareço uma aberração?
— Não. — Sua mão se moveu e seus dedos apertaram minha cintura. —
Sua pele era negra e cinza, como mármore salpicado. Era lindo. O melhor de
ambos.
Um calor agradável deslizou pelas minhas bochechas e lutei para não
afastar os olhos da intensidade dos olhos dele. — Você vem dizendo muito isso
ultimamente.
— O que?
— Que sou bonita.
Seus lábios se levantaram nos cantos em um sorrisinho. — Eu tenho dito.
— Precisa que revisem sua cabeça?
Ele revirou os olhos. — De qualquer forma... — seu polegar se movia em
círculos lentos e despreocupados acima da parte inferior do meu estômago. Parecia
estar inconsciente disso, mas então riu suavemente. — Não faço a mínima ideia do
que falávamos.
Sorri. — Nós falávamos sobre o quão incrível eu sou.
— Soa muito bem. — Ele virou para se reclinar, e agora parecia estar mais
perto do que antes. A parte superior de suas pernas estavam pressionadas contra
a parte lateral da minha coxa. E seu polegar ainda traçava círculos invisíveis abaixo
do meu umbigo, criando um ligeiro calor que era familiar.
— Eu estava pensando — disse, finalmente olhando para ele. Seus olhos
estavam fechados, e naquele momento, ele parecia muito mais jovem do que vinte
e um anos.
Houve um momento de silêncio. — Sobre o quê?
— Preencher aqueles formulários para a Universidade e ver se posso entrar
no final das admissões.
Abriu um olho e seu polegar acalmou. Passaram vários segundos. — Isso é
por causa dele?
Abri boca.
— Você sabe que eu sempre a apoiei sobre ir para a faculdade. — Agora
ambos os olhos estavam abertos. — Acho que seria ótimo para você, mas não tome
uma decisão tão grande como essa com base no que está sentindo agora.
Queria negar a presunção de que meu interesse repentino na Universidade
tivesse algo a ver com Roth, mas seria uma mentira dolorosa. Quem eu enganava?
Não era como se não tivesse considerado seriamente em ir para a Universidade
antes, mas agora a ideia dava voltas na minha cabeça, por todas as razões erradas.
Agora Zayne está me olhando fixamente, com aqueles olhos tão claros como
o meio-dia durante o verão. O desconforto me deixou ansiosa. — Você... — ele
respirou fundo, e prendi a respiração — Você o ama, Layla?
Oh, Deus. Meus olhos se arregalaram e eu podia sentir que o calor em
minhas bochechas aumentou. A pergunta me chutou completamente fora do
planeta.
Ele desvia o olhar e balança a cabeça. — Merda, Layla-bug.
— Não! — Deixei escapar, e quando sua cabeça voltou para mim, meu
coração saltou para garganta. — Não sei como me sinto. — Me apressei, sendo
completamente honesta. — Não sei, Zayne. Eu me preocupo muito com ele e… —
doía o repentino nó na minha garganta. — Eu não sei.
E eu realmente não sabia.
O amor é uma criatura estranha que você acredita que conhece e entende,
apenas para descobrir posteriormente que era somente uma amostra do
sentimento real. E havia tantos tipos diferentes de amor – isso eu sabia – o que não
sabia era onde encaixar Roth em tudo isso.
Zayne manteve meu olhar um pouco mais antes de assentir. — Ok. Eu
entendo. — Sua mão deixou meu estômago, e antes que pudesse sentir a pontada
de decepção, ela encontrou minha mão e entrelaçou seus dedos com os meus. —
Sério, eu entendo.
Ele apertou minha mão e retornei o gesto obedientemente, mas não estava
segura de como ele poderia entender isso quando eu não entendia.
***
Um minuto depois:
Seu armário sente falta de você, talvez esteja doente com herpes?
Um segundo depois.
Ele perguntou onde você estava. Eu disse que você se uniu a uma seita.
Eu ri. Ele não.
Finalmente, a última mensagem dizia para ligar para ela caso não estivesse
morta.
— Que diabo? — Joguei o celular na cama, com a boca aberta.
Raiva surgiu em mim como uma porta sendo aberta por um chute e dei as
boas-vindas, porque era muito melhor que a maldita dor, confusão e... Esse
sentimento de perda.
Roth voltou à escola? Isso... Isso era inaceitável. Ele não tinha nenhuma
razão para estar lá. Absolutamente nenhuma, apesar do fato de passar facilmente
por um rapaz de dezoito anos. Não é como se a escola realmente o interessasse, ou
como se pudesse caçar um Lilin lá.
E se não estava lá pelos Lilin? Ele não perguntou por Eva?
No momento em que essa pergunta entrou em meus pensamentos, uma
maldição me escapou, e virei para sair do quarto. Não tinha ideia de para onde ia,
mas precisava ir a algum lugar. Talvez bater em alguma coisa.
Bater em algo soava bem.
Porque o fato dele estar lá era cruel.
Cheguei ao piso inferior, passando a biblioteca, e teria prosseguido até Deus
sabe onde em meu pijama de lua quando ouvi o nome dele.
Meus pezinhos pararam e virei, curvando a cabeça para a porta meio aberta.
— E quanto a Roth? — Isso era Dez.
— Não é necessário dizer que não podemos confiar completamente nele —
respondeu Abbot, e praticamente podia ver na minha cabeça, sentado atrás de sua
mesa, enrolando um cigarro entre os dedos. — Temos de manter um olho nele.
— De acordo — respondeu Nicolai.
Houve uma pausa, e então Abbot disse: — Também precisamos vigiar Layla.
Fechei minha boca de uma vez enquanto minhas mãos fecharam em
punhos. Vigiar-me?
A voz dele diminuiu o volume e em seguida voltou ao normal. — Você sabe
com o que poderia estar lutando. Todos vocês. Temos que ter cuidado, porque se
for o que eu suspeito, nós temos que...
Vento gelado voou pelo corredor, mexendo meu cabelo molhado e enviando-
o sobre o meu rosto. Engoli um pouco surpresa, e virei para uma explosão ecoando
pelo recinto. A explosão ecoou como um trovão, sacudindo as imagens de anjos.
Bem na minha frente, as longas janelas no átrio racharam no meio. Dei um
passo atrás enquanto o vidro se fragmentava e depois explodia.
Gritando, virei e cobri minha cabeça antes de ser bombardeada com vidro.
Pequenos fragmentos ricochetearam inofensivamente em mim, ressoando no chão
como sinos de vento.
— Merda — sussurrei, saltando quando a porta da biblioteca bateu contra
a parede e Guardiões inundaram o Hall.
Abbot foi o primeiro a sair. — Que merda aconteceu aqui?
— Não sei. — Me endireitei e virei. Três grandes painéis das janelas foram
quebrados. — Uau.
— Você está bem? — Perguntou Dez, vindo para o meu lado. Não muito
perto, mas o suficiente para que pudesse ver que suas pupilas dilataram.
Olhei para baixo. Com os pés descalços, caminhar seria complicado. O vidro
cobria o chão, piscando como pequenos diamantes na luz do Hall. — Sim. Nem
mesmo um arranhão.
Nicolai e Geoff se aproximaram da janela arrebentada. Por ser nosso
residente especialista em segurança, Geoff parecia perturbado enquanto se
inclinava para fora da janela e com razão. — Estas janelas são de vidro reforçado.
Tomara que tenha sido uma pedra que as quebrou e nada ou ninguém esteja lá em
baixo. Nenhum dos detectores de movimento soou, ou um dos encantos.
— Ou aqui dentro. — Nicolai girou a redor, com o cenho franzido. — Não há
nenhum tijolo ou algo assim.
Abbot virou para mim, a tensa linha se formou em sua mandíbula me
dizendo que não estava feliz. Meu olhar caiu para suas mãos. Uma segurava um
pequeno frasco de líquido branco leitoso. — O que aconteceu aqui, Layla? —
Perguntou antes que pudesse questionar o que ele segurava.
— Não sei. Eu estava andando pelo corredor, e as janelas... Simplesmente
quebraram e então explodiram. — Balancei a cabeça e pedaços de vidro caíram do
meu cabelo, tilintando no piso de madeira. Fantástico. Levaria uma eternidade
para tirar todos os vidros. Cuidadosamente, dei um passo para o lado.
Abbott arqueou uma sobrancelha. — Então, você não fez nada?
Minha cabeça se ergueu rápido. — Claro que não! Eu não fiz nada.
— E como as janelas foram quebradas se não há nada aqui que pode ter
feito isso?
Esqueci o vidro e olhei para Abbot. Ar frio correu através das janelas, mas
não foi a causa do repentino calafrio que correu pela minha coluna. — Não sei, mas
estou dizendo a verdade. Eu não fiz nada.
Geoff nos encarou, cruzando os braços. A covinha no queixo havia
praticamente desaparecido. — Layla, não há nada aqui que pudesse quebrar as
janelas.
— No entanto, eu não fiz isso. — Meus olhos correram a toda velocidade
entre os homens. Nenhum deles, nem mesmo Dez ou Nicolai, tinham expressões
que diziam que acreditavam em mim. — Por que eu quebraria as janelas?
Abbott levantou o queixo. — Por que você estava no corredor?
— Não sei — irritação picou minha pele. — Talvez estivesse caminhando
para a cozinha ou para a sala de estar. Ou um dos muitos quartos aqui?
Seus olhos estreitaram. — Não use esse tom comigo, Layla.
— Não estou usando nenhum tom! — Minha voz elevou um grau. — Está
me culpando por algo que não fiz!
— As janelas não quebraram sozinhas — o nuance em seus olhos
queimaram em um azul brilhante. — Se foi um acidente, eu prefiro que me diga a
verdade. Chega de mentiras.
— Chega de mentiras? Isso é muito bom vindo de você. — Respondi. As
palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse impedi-las, e bem, era como
ter um pé na cova. — Especialmente quando você dizia para ficarem de olho em
mim.
Seu peito subiu em uma respiração profunda quando ele deu um passo à
frente, vindo em direção a mim. — Então você estava aqui espionando quando
janelas foram quebradas?
— Não! — Não realmente. Pelo menos, não era isso que originalmente eu
estava fazendo aqui, mas esse não era o ponto. — Só estava passando e ouvi meu
nome. A porta estava entreaberta. Não é como se vocês tentassem ser silenciosos
sobre o assunto.
Dez deu um passo em nossa direção. — Layla…
Levantando a mão, Abbot silenciou o Guardião mais jovem. — O que você
ouviu?
Cruzei os braços em silêncio. Teimosia inesperada me encheu. Não disse
nada, ainda que só tenha ouvido uma parte.
Ele abaixou a cabeça e o ato parecia simbolizar que não tinha medo de mim,
e por qualquer razão isso me aliviou. Quando ele falou, sua voz era baixa e
assustadoramente calma. — O que ouviu, Layla?
Reunindo coragem, mantive a boca fechada e me obriguei a encontrar seu
olhar. — Por quê? O que você acha que eu ouvi?
Suas narinas abriram com uma forte exalação. — Garota, você cresceu
como um dos meus. Vai me responder com respeito e vai responder minha
pergunta.
Um arrepio de medo passou pelos meus músculos. Havia uma grande parte
de mim que queria dizer que não ouvira muito, que queria fazê-lo feliz, porque ele
era a coisa mais próxima que tinha de um pai. Sua aprovação era algo que buscava
constantemente, mas isto – isto não era justo e eu não seria uma escrava dele.
Ou de qualquer pessoa.
Tensão encheu o Hall e o resto dos Guardiões se mexeu
desconfortavelmente. — Apenas fale. — Nicolai disse suavemente.
Determinação cresceu como aço em torno de minha coluna enquanto eu
continuava segurando o olhar de Abbot.
— O que está acontecendo? — Zayne desceu as escadas, em grupo de três.
Gotas de água de seu cabelo molhado pingavam em sua camisa preta que colava
em seu corpo. Recém-saído do chuveiro, sua essência de menta enchia o ar. Seu
olhar apontou em nossa direção e se mudou para a janela. Suas sobrancelhas
levantaram. — Pai?
Abbot segurou meu olhar por mais um momento e depois se endireitou,
voltando-se para seu filho. — As janelas explodiram magicamente, segundo Layla.
— Não fui eu — disse, resistindo ao impulso de pisotear os meus pés e
acabar com vidro em meus pés. — A janelas explodiram. Não sei como aconteceu,
mas não fui eu.
— Se ela diz que não fez, então não fez. — Era tão simples com Zayne. Ele
acreditava no que eu dizia, e pelo amor de todas as coisas sagradas do mundo, ele
era meu herói naquele momento. Seus olhos foram para o chão. — Jesus, tenha
cuidado. Você não está calçada.
Comecei a sorrir ou me jogar na direção dele, mas Abbot se moveu.
Caminhando para o nosso lado. — Vá para o seu quarto, Layla. — O som de vidro
sob suas botas. Quando não me mexi, parou e seu olhar furioso perfurou
diretamente através de mim. — Agora.
— Eu não fiz nada! — Exclamei. — Por que tenho que ir...?
— Agora! — Ele gritou, e pulei novamente.
Zayne agarrou meu braço, impedindo-me de pisar no vidro. Lançando um
olhar para o seu pai.
Abbot voltou-se para os Guardiões. Começaram a ir em direção a ele, mas
os parou. — Só Geoff. O resto de vocês podem se retirar.
Geoff trocou olhares com os outros, mas seguiu Abbot para biblioteca. A
porta fechou com uma pancada atrás deles, e meu sensor de decepção foi ativado.
Olhei para Nicolai e para Dez. — Não fui eu — disse mais uma vez.
Os dois compartilharam um olhar, o mal-estar dentro de mim se espalhou
como fogo quando Nicolai deixou o átrio.
Dez suspirou. — Vou encontrar Morris para pedir ajuda com este desastre.
E as janelas. — Então se foi também, me deixando sozinha com Zayne.
— Ele está de mau humor — disse Zayne suavemente, enquanto me ajudava
a andar no caminho da destruição. — Está assim desde que Ro.... Os demônios
apareceram na noite passada.
Talvez fosse por isso que ele agia como se tivesse sentado em um prego, mas
era mais do que isso. Na parte inferior da escada, argumentei: — Estava na
biblioteca com os outros Guardiões. O ouvi dizer alguma coisa.
Zayne olhava para o chão. — Você tem certeza que não se cortou com todo
esse vidro?
— Não. Presta atenção — disse, puxando a manga da camisa dele. Ele olhou
para mim, com as sobrancelhas levantadas. — Ele estava dizendo aos outros
Guardiões para me manter sob vigilância.
— Ok. — Ele disse lentamente.
— Ok? Olá. Ele disse para me vigiarem.
Zayne pegou minha mão, me levando pelas escadas. — Com... Bem, você
sabe quem voltou, com certeza ele vai querer te manter em segurança.
Isso nem sequer passou pela minha cabeça. — Não foi assim, Zayne. Ele
disse algo mais, mas era muito baixo para que eu pudesse ouvir. E então ele falava
sobre ser o que ele suspeitava.
— O que?
— Não sei — frustrada, liberei minha mão. — Não pude ouvir tudo, e em
seguida, as estúpidas janelas explodiram. — Olhei para baixo das escadas. O vidro
brilhava como chuva no piso. — De verdade, eu não fiz isso.
— Eu acredito em você.
Meus olhos encontraram os dele. — Eu não confio no seu pai.
— Layla — suspirou, dando um passo atrás. — Existem problemas óbvios
entre vocês dois, e entendo completamente. Ele escondeu muitas coisas de você.
— Não brinca — murmurei.
Ele trocou seu peso. — Mas se está pedindo aos caras para vigiarem você,
é porque está preocupado com você.
— E porque ele não confia em mim.
— Isso também. — Ele admitiu. — Ei, você precisa entender isso. Você...
— Eu menti. Eu sei. Mas ele disse mais mentiras.
Zayne olhou para mim como se estivesse prestes a explicar como dois erros
não fazem um acerto, mas então suspirou novamente. — Vamos. Peguei um pouco
de frango frito para o jantar. Está frio, como você gosta.
— Eu deveria ir para meu quarto — disse mal-humorada.
Ele revirou os olhos e tentou me agarrar. Pulei para trás, e ele sorriu
maliciosamente. — Ande ou eu te carrego.
— Nossa, você está ficando mandão com a idade.
Zayne piscou um olho. — Você ainda não viu nada. Dou-lhe dois segundos.
— Dois segundos? O que aconteceu com o normal... Ei! — Gritei quando ele
tentou me agarrar novamente. — Está bem. Eu vou andar.
Seu sorriso se alargou. — Eu sabia que você veria meu ponto.
Mostrei a língua e ele riu, mas o segui pelo corredor até o quarto dele. Meu
estômago resmungou com o pensamento de frango frito frio, mas minha mente
ainda estava no hall, e por alguma razão, no frasco de substância branca leitosa.
Eu queria saber o que era.
***
Coloquei o celular na mesa perto do meu prato, não esperando por uma
resposta rápida. Zayne deveria estar dormindo agora. Alguns dias ele não estava,
mas quem saberia?
— Você acredita que ele virá? — Perguntou Sam, brincando com seu garfo.
Encolhi os ombros. — Provavelmente não.
— Bem, se ele vier, não poderá pedir uma entrevista para ele. — Stacey fez
sinal com sua garrafa de água. — Nem agir como um fanático. Isso o espantará e
ele nunca mais virá se encontrar com a gente.
Sam riu entre dentes. — Não agirei como um fanático.
Era incerto. Nas duas vezes que Sam estivera perto de Zayne no passado,
ele o olhou boquiaberto, em aberta surpresa. Não podia culpá-lo. Os Guardiões não
se misturam muito com os humanos. A maioria nem sequer sabia que algumas das
pessoas normais que viam nas ruas, lojas ou restaurantes eram Guardiões.
Stacey sorriu. — Alguma ideia de onde...
— Eu estou? — A chegada da profunda voz fez meu coração pular e meu
estômago afundar ao mesmo tempo. — Estou justamente aqui.
De nenhuma maneira – de jeito nenhum, Roth estava em nossa mesa. Uma
horrível sensação de déjà vu bateu em minha cabeça. Era como a primeira vez que
Roth apareceu na minha vida, não podia acreditar que teve a audácia de nos
procurar no almoço. E aqui estávamos novamente.
Meu sorriso sumiu enquanto ele se sentava ao meu lado sem um convite ou
uma resposta. Em vez de ter uma bandeja plástica laranja em suas mãos, ele
carregava um saco do McDonalds. Os cantos da boca se curvaram enquanto ele
pegava um pequeno saco branco. — Batatas?
Tomei um suspiro profundo. — Não.
— Eu vou querer uma. — Sam esticou a mão em cima da mesa e pegou
duas das oferecidas batatas. — Estou feliz que esteja de volta. Mono9 é uma droga.
Eu tive quando... Aw! — Seus olhos se ampliaram enquanto olhava para Stancey.
Ela lhe deu um olhar penetrante.
Não aborrecido pelo intercâmbio, Roth colocou o saco de batatas entre nós,
perto de meu celular, e então pegou um hambúrguer com queijo. — Sim, Mono é
um Inferno. Como estar acorrentado a uma cama.
Eu quase engasguei.
Meu celular vibrou e a resposta de Zayne apareceu na tela. Antes que eu
pudesse pegá-lo, Roth o fez com seus dedos ágeis. Eu te buscarei e iremos para
lá. Ele levantou uma sobrancelha. — Juntos?
***
A volta para casa foi silenciosa, e enquanto Zayne foi informar ao seu pai
da briga com os caras da Igreja dos filhos de Deus, fui para o meu quarto. Deveria
estar presente enquanto ele contava para Abbott, mas depois de ontem à noite,
duvidava que estar na mesma sala que ele ajudaria meu humor atual.
Eu estava impaciente na minha própria pele. Bambi se manteve movendo
ao redor, tentando ficar confortável. Eu gostaria que ela simplesmente fosse relaxar
na casa de bonecas, mas ela não iria a lugar nenhum.
Puxando meu cabelo em um nó bagunçado, caminhei ao longo do meu
quarto. Sempre que fechava meus olhos, eu via o homem no chão sujo do
estacionamento e ouvia suas palavras. Eles sabiam – a Igreja sabia do Lilin. Estava
mais à frente de mim. Foi o mesmo com Roth. Como eles sabiam dos demônios em
geral?
Esfreguei minhas mãos ao passar na frente da minha cama novamente.
Ainda não podia acreditar que eu havia batido no rosto do cara com uma Bíblia.
Isso foi terrível. Talvez não completamente fora do lugar, mas minha mão teria sido
uma escolha melhor. Por outro lado, se ao menos eu tivesse permanecido calma,
talvez ninguém tivesse morrido. Isso estava em minhas mãos, e nem sequer sabia
por que eu fiz isso. Sim, eu estava com o rosto cheio de ódio, mas normalmente eu
não era agressiva.
E nem lambia normalmente os dedos das pessoas.
Era algo que Roth faria – que fez comigo anteriormente. Quando havia
sugado as migalhas de um biscoito de açúcar.
Roth.
Uma sensação distorcida encheu o meu peito.
Ugh.
Gemendo, parei e sentei na ponta da cama, de costas para a porta. Esqueci
todo o lamber do dedo de Zayne à luz de ver alguém morrer. Era melhor assim.
Deixei-me cair de costas, olhando para o teto. Às vezes parecia que algum tipo de
entidade desconhecida tivesse invadido meu corpo. Esfreguei as mãos no rosto,
sentindo como se precisasse de uma limpeza do corpo.
Uma batida na porta do meu quarto me obrigou a levantar. Dando a volta,
eu limpei a garganta. — Sim?
Quando a porta se abriu e Danika apareceu, minhas sobrancelhas
levantaram. Ela mudou seu peso... — Queria checar... — pausando, olhou sobre
seu ombro. —... O seu braço?
Maldição. Esqueci-me disso também. — Agora nem mesmo dói.
— Era isso que eu queria ouvir — vacilou enquanto mordia o lábio. —
Posso? — Fez um gesto para a cama.
Ok. Isso foi estranho, mas tive muito de estranho na minha vida
recentemente, estava interessada em saber onde aquilo daria. Cruzei as pernas. —
Claro.
Seu sorriso era hesitante quando fechou a porta e atravessou o quarto, se
sentando ao meu lado. Para alguém tão alto quanto ela, poderia pensar que seria
menos graciosa. Não. A garota andava sobre a água, e a água provavelmente
gostava. — Se importa se eu der uma olhada no seu braço?
— Não. — Estendi a mão e tirei a blusa. Embaixo eu usava uma camiseta
sem mangas, que lhe dava um acesso perfeito. O corte no meu braço não era nada
mais do que uma marca cor de rosa. A pele estava enrugada, e isso provavelmente
nunca mudaria, mas era melhor que morrer. — Os pontos caíram esta manhã.
— Parece perfeito — levantou o olhar enquanto afastava um fio de cabelo
escuro. Um momento passou enquanto eu esperava que se levantasse, mas
permaneceu. — Soube o que aconteceu com os membros da Igreja.
Afastei o olhar, me perguntando se Zayne havia dito ao pai dele que eu de
alguma forma instigara a violência. — Sim.
— Abbot está preocupado — disse ela suavemente. — Não entende como
eles sabiam, que esse... O que Roth era ou sobre o Lilin. — Houve uma pausa
quando colocou uma perna incrivelmente longa sobre a outra. — Isso não é um
problema que ele realmente quer se preocupar neste momento. Mas suponho que
quando chove, chove a jarros, né?
Mais como quando chovia acontecia um furacão poderoso. — Sim.
Danika brincou com uma pulseira de prata em torno de seu pulso. — Não
sei se você ouviu ou não, mas nós não vamos voltar para Nova York. Não com o
problema do Lilin. Abbot quer toda a mão de obra que puder ter.
Uhuu. Mal conseguia conter a minha excitação.
— E com Thomas ainda desaparecido, Dez e os caras estão bastante
confiantes de que algo aconteceu com ele.
Coloquei-me rígida, distraidamente esfregando o local no meu peito onde
descansava a cabeça de Bambi.
Seus olhos se arregalaram. — Prometi a você e a Zayne que não diria nada
e não farei — insistiu ela, seus olhos tão azuis e brilhantes como os de Zayne. —
Ninguém sequer pensa que você ou... Como se chama?
— Bambi — disse. — Não dei esse nome a ela, certamente.
Franziu a testa. — Ninguém pensa que você ou Bambi tem algo a ver com
isso.
— É bom saber disso — Meu olhar se fixou na porta fechada. Isto era
realmente... Desconfortável. Estava meio tentada a ir procurar Jasmine e deixar
que sua filha mordesse o meu dedo do pé. — Zayne ainda está com Abbot?
— Sim. Todos os homens se juntaram na sala. Ninguém realmente sabe
como lidar com as pessoas da Igreja sem piorar mais, mas... Não acredito que isso
seja o que mais preocupa Zayne.
— Não? — Perguntei
Ela sacudiu a cabeça quando olhei para ela. — Ele não está muito feliz por...
Roth estar na sua escola. Nem Abbott.
— Obviamente — suspirei, descruzando as pernas. Meus pés nem sequer
tocaram o chão. Eu era um troll sentada ao lado dela. — É um demônio, então é
claro que está com raiva.
— Duvido que essa seja a única razão pela qual Zayne não está feliz com
Roth na escola com você.
Franzi a testa. — Que outras razões poderiam haver?
***
Desde o momento em que Roth entrou atrás no Impala, eu sabia que essa
pequena viagem improvisada acabaria mal. Embora eles dois pudessem estar de
acordo que todos precisávamos trabalhar juntos, ninguém ia facilitar as coisas.
Não era como se eu esperasse que unissem as mãos e cantassem
Kumbaya11 juntos.
Já estava estranho entre Zayne e eu. Adicionar Roth na mistura somente
tornava umas dez vezes mais doloroso. Se Zayne pensava que eu o ignorara no
sábado, não havia dúvida que eu o ignorei no domingo. Nem sequer sabia como
olhar para ele sem cada centímetro quadrado do meu corpo se ruborizar.
— Precisamos percorrer outras três quadras aproximadamente. Ele mora
em uma dessas casas antigas de pedra calcária vermelha — disse Roth, com um
braço apoiado na parte de trás de cada um dos nossos lugares. — Mas isso se
pudesse, não sei, conduzir a uma velocidade que não nos leve o resto do ano para
chegar lá.
— Cale a boca — respondeu Zayne.
— Só estou dizendo — continuou. — Tenho certeza de que o rapaz que Dean
fez mingau no chão pode andar mais rápido do que estamos indo.
— Cale a boca — eu disse.
Peguei seu olhar com os olhos entrecerrados no retrovisor e sorri
largamente. Ele recostou-se no banco, um pouco petulante para assumir suas
11 Kum yah ba ( "Vem por aqui") é uma canção espiritual registrada pela primeira vez na década
de 1920. Tornou-se uma música de fogueira padrão em acampamentos de exploradores e de verão,
desfrutando de maior popularidade durante o avivamento popular das décadas de 1950 e 1960. A
música era originalmente um simples apelo a Deus para vir e ajudar aqueles que precisavam.
feições. Roth permaneceu em silêncio o resto da viagem. Zayne encontrou a casa
de calcário vermelho e fomos capazes de nos espremer em uma vaga de
estacionamento a algumas portas de distância da casa.
Folhas marrons e douradas se balançavam suavemente no vento à medida
que caminhávamos pela calçada. Os degraus que conduziam à escada da entrada
estavam corroídos e rachados, bem como a fachada de pedra calcária da casa.
Zayne rodeou Roth e agarrou o batente de ferro, ignorando o olhar
contrariado que o príncipe enviou em sua direção.
— Já basta. — Murmurei para Roth quando a porta se abriu.
Apareceu uma mulher idosa. Seu grosso cabelo vermelho estava prezo, mas
vários cachos mais curtos se levantaram na parte de cima de sua cabeça. Seus
olhos castanhos e seus lábios pálidos estavam marcados por linhas finas. Parecia
cansada, cansada mesmo, e quando seu olhar se moveu de Zayne para Roth e
voltou outra vez, ela passou a mão sobre seu casaco cinza de ponto trançado.
— Eu posso... Posso ajudá-los? — Perguntou, finalmente fixando seus olhos
cansados em mim.
— Sim. Nós somos... Eh, amigos de Dean e queríamos ver se nós podíamos
falar com ele por alguns momentos — falei.
Ela cruzou as mãos nas pontas do suéter, o puxando perto de seu corpo. —
Dean não é capaz de ver ninguém neste momento. Sinto muito, mas terão que
voltar quando ele não esteja sendo punido pela vida.
— Olhe, isso é um problema para nós — disse Roth suavemente enquanto
afastava gradualmente Zayne do caminho. No momento em que a Senhora
McDaniel olhou nos olhos de Roth, as linhas tensas do seu rosto relaxaram.
Quando ele voltou a falar, a voz dele era tão suave como calda de chocolate. —
Temos que falar com o Dean. Agora.
Zayne ficou tenso enquanto olhava para Roth, mas não disse nada, porque
a menos que planejássemos entrar a força na casa, precisávamos de um pouco de
persuasão demoníaca.
E funcionou.
Concordando lentamente com a cabeça, ela deu um passo para o lado e
quando falou, sua voz era suave, pausada. — Ele está lá em cima. O segundo
quarto à esquerda. Vocês querem algo para beber? Cookies?
Roth abriu a boca, mas dei um passo à frente. — Não. Isso não será
necessário.
O rosto dele escureceu.
A Senhora McDaniel concordou novamente e se virou, indo à deriva por
uma porta, cantarolando Paradise City em voz baixa.
Meu estômago caiu em algum lugar perto dos meus joelhos diante da
música familiar. Não ouvi Roth a cantarolando desde que voltara, e por um tempo,
a única coisa que pude fazer foi encará-lo.
— Eu realmente queria um cookie — murmurou Roth, subindo as escadas
de dois em dois.
Zayne revirou os olhos. — Que pena.
Ignorando-os, segui os rapazes pelas escadas. A sala era apertada e pouco
iluminada. Um velho desbotado papel amarelo sobre a pintura branca. Quando nos
aproximávamos da segunda porta do lado esquerdo, um sentimento de inquietação
percorreu minha espinha e uma pressão estranha cercou meu pescoço, me
sufocando. Havia uma sensação de peso no ar, como um cobertor de lã em um dia
de verão de calor escaldante. Olhei para Zayne e vi pelos seus ombros tensos que
ele também sentia isso.
A sensação era de maldade, pura maldade. Não havia outra maneira de
descrever isso.
Quando Roth abriu a porta sem sequer se preocupar em bater, o sentimento
aumentou. A parte Guardião em mim coçava para escapar desse mau cheiro ou
eliminá-lo, mas a parte demônio? Tinha curiosidade.
Ambos os caras pararam na minha frente, bloqueando minha visão do
quarto. Precisei olhar ao redor de Zayne para conseguir ver algo. O quarto era uma
contradição gigante. Metade dele estava limpo. Livros empilhados ordenadamente,
papéis escondidos em pastas que pareciam que alguém tivesse enlouquecido com
um rotulador. Uma pequena banqueta foi colocada na frente de um telescópio
apontando para a janela. O outro lado do quarto parecia como se um furacão
tivesse invadido. Roupas espalhadas no chão. Caixas de comida chinesa pela
metade, jogadas aleatoriamente em uma cadeira. Uma pilha de garrafas Mountain
Dew quase alcançava a extremidade da cama.
E na cama estava Dean McDaniel.
Ele estava deitado de costas, vestindo apenas meias e boxers azuis. Fones
cobriam suas orelhas e os pés se moviam em um ritmo que eu não podia ouvir.
Dean estava consciente da nossa presença. Seu olhar de piscadas pesadas
deslizou para nós e depois voltou para o teto, ignorando completamente a nossa
presença. Segui seu olhar e fiquei ofegante.
Havia. Puta merda, desenhos em marcador – círculos com estrelas
atravessando-os. Linhas se unindo para criar formas que eu vi na Chave Inferior
de Salomão.
Roth olhou para o teto por um momento e foi para a cama. Ele puxou os
fones da cabeça de Dean. — Nos ignorar é rude.
O garoto na cama – o garoto que sempre foi calmo e mantinha a porta aberta
para outros estudantes, sorriu enquanto cruzava os braços atrás da cabeça. —
Parece que eu me importo?
— Parece que não arrancarei sua cabeça dos ombros? — Respondeu Roth.
— Whoa. — Eu disse, atirando um olhar para ele. — Isso não ajuda.
Dean olhou para mim e se sentou. Ele levou a mão entre as pernas e fez
algo que fez minhas orelhas queimarem. — Você é mais do que bem-vinda para
ficar aqui, amor. Esses dois idiotas podem pegar a estrada, no entanto.
Minha boca se abriu. — Ok. Comece arrancando a cabeça dele.
Roth sorriu.
— Nunca nos conhecemos antes. — Zayne deu um passo em direção à ponta
da cama, aparentemente tentando ser a voz da razão. — Meu nome é...
— Eu sei o que você é. — Dean caiu para trás. — Magnam de cælo, et tu
super despectus12.
— E agora fala latim? — Isto não iria a lugar nenhum. — O que falou?
Roth sorriu entre os dentes. — Algo que não deixará Stony feliz.
— E sei por que estão aqui. Vocês não vão saber nada de mim. Então, já
sabem onde está a porta. — Ele olhou para mim. — Mas como disse, você...
— Termine a frase e mancará para o resto da sua vida — avisei, e Zayne
sorriu. Enquanto olhava para Dean, tentei ver o garoto tranquilo da sala, mas ele
***
13 Coven, Coventículo ou Conciliábulo é o nome dado a um grupo de bruxos(as), que se unem num
laço mágico, físico e emocional, sob o objetivo de louvar a Deusa e o Deus, tendo em comum
um juramento de fidelidade à Arte e ao grupo.
— Sim, e sei o que estão pensando – sobre ir até eles. Eu não aconselho
isso. Eles o receberiam bem. — Assentiu com a cabeça em direção a Roth. — Mas
você? Você é parte Guardião. Posso sentir isso. Eles te esfolariam viva.
Comecei a dizer que também era filha de Lilith, então deveriam me amar
completamente e me abraçar, mas Roth me lançou um olhar de aviso. — Como
podemos encontrar este coven?
Ele inspirou profundamente. — Eles têm um clube perto do Cinema Row.
Vocês saberão qual pelo símbolo. — Gerald sinalizou para marca que a manga
agora ocultava. — Com quem vocês necessitam falar, a velha bruxa deles, estará
lá durante a próxima lua cheia. E nem sequer pensem em levar um Guardião com
vocês. Com ela será ruim o suficiente.
Os lábios de Roth se curvaram em um delicioso sorriso enquanto ele virava
seus olhos dourados dançando para mim. — Isso é perfeito.
Geeenial.
— Mas voltando para as essas coisas nos armários? — Todo sério
novamente, Roth encarou Gerald com um olhar duro. — São Nocturnos em
transformação, e detesto pensar em quantos deles poderiam estar desenvolvidos.
Meu estômago caiu quando o terror o atingiu. Os Nocturnos, como os
Hellion e os demônios Rack, eram criaturas demoníacas que se criavam no Inferno
e eram proibidos na superfície. Além do fato óbvio de que não pareciam nem
remotamente humanos, eles eram extremamente perigosos. Como os Hellion, eram
fortes e ferozes, mas ainda pior era o veneno que carregavam na saliva, o que
poderia paralisar suas vítimas.
Assim, eles poderiam se alimentar delas enquanto ainda estavam vivas. É
o que eles faziam lá em baixo, torturar suas presas por uma eternidade no Inferno.
E eles não eram mordedores como os demônios Poser. Eles tinham essa
coisa incrível de cuspir projétil, como aqueles pequenos dinossauros assustadores
nos filmes Jurassic Park. Se a saliva deles alcançar a sua pele, as coisas ficariam
rapidamente ruins.
Gerald olhou por cima do ombro. — Não sabia disso. Nenhum de nós sabia
o que eram essas coisas.
— Obviamente — murmurou Roth. — Precisamos isolar esta área e...
Um forte estrondo nos assustou. Virando ao redor, eu prendi a respiração
enquanto procurava a fonte do ruído. O som fazia eco, o que tornava difícil
determinar de onde vinha.
— Alguma outra pessoa poderia estar aqui embaixo? — Perguntei, já
temendo a resposta.
— Não. — Gerald passou a palma da mão pelo rosto. — Ninguém vem aqui.
Fiz isso por acidente quando descobri isso.
Roth franziu a testa ao ouvir o som de metal rangendo, um rangido de
dobradiças antigas. Um arrepio me percorreu. Houve um momento de silêncio e
então o som de constantes passos pesados.
— Você tem um poder super especial de bruxo que devemos levar em conta?
— Perguntou Roth.
Gerald negou com a cabeça. — Sou bom somente com encantos e feitiços –
como as coisas de amor e riqueza.
Feitiços de amor? Isso incentivou o meu interesse por alguma estranha
razão, mas agora realmente não era o momento de investigar isso mais a fundo.
Esses passos se aproximavam, localizando-se na outra fila de armários, e o queixo
de Roth caiu. — Então, é melhor que tire seu traseiro daqui.
Dei um passo atrás, evitando a baba do chão. Seus olhos brilharam de uma
intensa cor âmbar quando se encontraram com os meus. — E você também precisa
ir.
— Não — eu disse respirando fundo. — Sou treinada, você – Uau.
A coisa virou o fim dos armários e estava completamente nu. Não é como se
isso fosse o mais perturbador da criatura.
Tinha a forma de um homem, com mais de dois metros de altura estando
de pé. Seus músculos ondulavam debaixo de uma brilhante cor de pele pedra de
lua. Dois chifres grossos sobressaíam do topo de sua cabeça, curvando-se para
dentro. As pontas eram afiadas, e não tinha nenhuma dúvida de que se a cabeça
do Nocturno atingisse alguém, não acabaria bem. As pupilas como de um felino
estavam injetadas na íris cor sangue. E ele sorria, mostrando dois dentes afiados.
Roth foi tão extremamente rápido.
Baixando, de repente tirou dois longos e finos instrumentos da lateral de
suas botas. Espadas de ferro. Eu não tinha ideia. Uau. O fato de carregar algo tão
mortal para sua própria espécie... De certa forma era realmente fantástico.
Ele se lançou contra o Nocturno, empurrando as espadas na direção dele.
Nocturno rugiu, batendo em Roth de lado. Ele bateu em um armário com um
grunhido. O metal cedeu, e ele deixou as espadas caírem. Uma caiu na baba, e a
outra deslizou pelo chão.
— Benditos sejam — murmurou Gerald, dando passos para trás.
Empurrando o medo amargo, o qual era inútil, me joguei no chão,
levantando uma espada de um golpe. Roth havia embrulhado um pano preto sobre
a alça, mas ainda podia sentir o calor do ferro enquanto eu me levantava.
Roth gritou comigo, e a adrenalina colocou meus sentidos a todo vapor
quando o Nocturno se virou para mim. Inclinou a cabeça para um lado, farejando
o ar através do nariz em forma de touro, como se não pudesse entender o que eu
era.
Investindo sobre o Nocturno, eu parei no ar quando ele simplesmente
desapareceu e reapareceu em seguida atrás de mim. Virei. Dois furos no seu
musculoso estômago pingavam uma substância branca.
Girei para o Nocturno, e ele sumiu, reaparecendo a poucos passos à
esquerda. Agachando-me como Zayne me ensinara, fui pelas pernas da criatura,
recordando apenas que a coisa era real e estava legitimamente nua.
Eca.
Antes que meu chute pudesse se conectar, o Nocturno se inclinou para um
lado, abrindo a boca. Cambaleei para a direita quando um jato de líquido branco
saiu de sua boca. Momentaneamente distraída por isso, não me movi rápido o
suficiente quando ele balançou uma mão pesada com garras. Pulei para trás, mas
suas garras arranharam a frente da minha camisa, me rasgando. O ar saiu dos
meus pulmões quando meus olhos encontraram com os da coisa. Houve uma
rápida sensação de queimadura, e então o Nocturno cambaleou para o lado.
Ele girou para Roth. Se movendo assustadoramente rápido, ele pegou a
outra espada que Roth agora tinha em sua mão e a partiu em dois.
— Merda — murmurou Roth.
Então ele tinha a mão ao redor da garganta de Roth, o levantando do chão.
Seu corpo vibrava à medida que inclinava a cabeça para trás, expondo algumas
presas letais, preparando outro jato venenoso. Segurando os pulsos gordos, Roth
puxou as pernas para cima e usou o peito de Nocturno como trampolim. A ação
soltou o agarre da criatura, e Roth caiu no chão, se levantando novamente.
Corri ao redor do banco podre, batendo no aturdido Nocturno nas costas,
com o tipo de chute que Zayne teria ficado orgulhoso. Levantei novamente minha
mão que segurava a espada, preparada para enviar o idiota de volta para o inferno
com uma facada diretamente no coração.
O Nocturno de repente desapareceu, e caí no chão, me segurando no último
momento, antes de colocar meu rosto em um monte de porcaria. Reaparecendo em
cima de mim, me agarrou pelo pescoço e me elevou do chão.
Bambi se moveu pelo meu estômago quando a dor explodiu por minha
espinha pelo implacável agarre, mas movi a perna para trás, conectando meu pé
onde contava. Uivando, o Nocturno me soltou e se inclinou, se curvando.
Caí em pé e girei, vendo Roth vindo atrás dele. Sem perder um momento de
vantagem, bati a espada de ferro no peito dele, saltando para trás rapidamente.
Nevoeiro branco derramou da ferida, borbulhando no ar. O uivo do Nocturno
terminou abruptamente quando ele irrompeu em chamas. Em questão de
segundos, não havia mais do que um pedaço de chão chamuscado.
Respirando pesadamente, dei um cambaleante passo para trás, abaixando
a espada. Meus olhos se encontraram com os olhos de Roth. Parecia perturbado
enquanto me olhava fixamente. — O que? — Bufei.
Ele negou com a cabeça lentamente. — Esqueci que você é capaz de lutar.
E esqueci quão incrivelmente sexy você é.
Meus olhos se encontraram com os dele por um momento e então lancei
um olhar em direção aos armários, então para onde Gerald estava grudado contra
uma parede. Um olhar de horror e desprezo preenchia a expressão dele. — Você
disse que quase todos estes armários estão cheios dessas coisas?
Gerald assentiu.
Com meu estômago em colapso, limpei a fina camada de suor do meu rosto.
— Isso é um problema.
— Eu poderia esvaziar todos — Roth sugeriu.
— O que acontece se há mais a ponto de acordar? De maneira nenhuma
você poderia enfrentar mais de uma dessas coisas ao mesmo tempo.
Ele franziu o cenho.
Suspirei. — Não seja idiota. Não tem nada a ver com suas habilidades. Nós
quase não pudemos lidar com um deles juntos. — Meus olhos rapidamente
passaram para Gerald. Um pouco de cor retornava ao rosto dele. — Desculpe, mas
temos que envolver os Guardiões nisso. Não contarei sobre você, mas vou garantir
que você fique escondido enquanto eles estejam aqui.
Gerald assentiu novamente.
Roth deslizou a espada agora quebrada em sua bota, e então caminhou
cuidadosamente pelo ambiente. Sem dizer uma palavra estendeu a mão, e lhe dei
a outra espada.
— Por que têm tantos aqui embaixo? Tem a ver com o Lilin, verdade?
— Tem que ser. — Um olhar preocupado apertou suas feições. — A menos
que o casulo, na verdade, não seja de um Lilin.
Uma dor maçante começou em minhas têmporas enquanto olhava para ele.
— Pensei que você estava certo de que era um lilin.
— Estava, mas... — ele olhou para os armários por um momento e depois
franziu a testa, virando para mim novamente, carranca enrugada enquanto se
inclinava. Muito perto.
Dei um passo atrás, deixando um espaço entre nós.
Roth continuou, baixando seus cílios por um momento. Quando ele olhou
para cima novamente, seus olhos brilhavam como cristal. — Você está ferida?
— Não. Sim. — Olhei para mim, vendo os rasgos em meu grosso suéter de
lã. No entanto, não meu estômago doía. — Não tenho certeza.
Sua atenção intensa ficou mais forte. — Pequena...
Estendendo a mão em minha direção, dei um passo atrás. — Estou bem.
Você se lembra? Acabei de matar um Nocturno.
Eu sentia que ele deveria estar mais focado nisso. Sentia-me meio como um
ninja.
— Você precisa me deixar checar você. — Ele ficou todo preocupado
novamente, desta vez se aproximando para envolver seus dedos ao redor da ponta
do meu suéter. O tecido foi esticado, revelando os três rasgos irregulares.
Ele soltou uma maldição áspera. — Ele te arranhou?
— Ei! — Bati em suas mãos, mas não mais de um segundo depois, ele
revelou a camiseta sem mangas de cor esbranquiçada que estava sob o suéter.
Estava salpicado de vermelho logo acima do meu umbigo.
— Layla — sussurrou, passando por aquele pedaço de tecido.
— Pare! — Soltei. — Tive o suficiente de você, Gropery McGropers! Estou
bem. Meu estômago nem mesmo dói. É só um arranhão.
Gerald ainda estava preso na parede.
A mandíbula de Roth ficou tensa enquanto me fulminava com o olhar. —
Você precisa parar de agir como uma tola. Um Nocturno…
— Nada do veneno me atingiu.
— Mas ele te arranhou. — Ele falou como se eu fosse uma menina de cinco
anos que não entendia a lógica. — Preciso te levar para minha casa, onde posso...
Meu riso odiosamente áspero o interrompeu. — Estou chocada! Acha
mesmo que eu cairia nisso?
— Layla…
— Cala a boca, Roth. Sério. — O rodeei feita uma fúria e fui para as escadas,
parando o tempo suficiente para enfrentar um olhar petrificado de Gerald. — Vou
trazer os Guardiões aqui embaixo o mais rápido possível.
Engolindo fortemente, ele respirou duramente. — Vou me assegurar de que
mais ninguém venha aqui.
Rezando para que eu pudesse acordar todos os Guardiões e que eles
pudessem chegar aqui logo, sem causar um grande rebuliço, subi as escadas
correndo. Quando finalmente cheguei ao último degrau, minha pele estava úmida
e pegajosa, e eu estava sem fôlego. Deveria ser a adrenalina da luta. Não poderia
ser pela minha barriga, já que sequer sentia dor.
Abri as portas e atravessei o fedorento, úmido e escuro ginásio, quando
Bambi começou a se deslizar pela minha perna.
— Layla! Pare agora!
A autoridade em sua voz, a audácia de me dar uma ordem me fez virar, mas
quando parei... O lugar continuou girando, um caleidoscópio de cinzas e negros.
— Isso não certo.
— O que? — O rosto de Roth ficou embaçado.
As bordas da minha visão escureceram. — Oh merda.
Eu estava vagamente ciente de Roth saindo disparado em minha direção
quando minhas pernas simplesmente pararam de funcionar. Elas se dobraram
debaixo de mim e então não havia nada.
Quando abri os olhos, eu estava olhando para o perfil rígido de Roth, e ele
estava concentrado à frente, com as mãos e os nós dos dedos brancos sobre o
volante. Encolhi-me no assento da parte da frente do seu Porsche.
Puxei uma respiração. Meus pensamentos estavam borrados. — O que...?
Ele olhou para mim, e algo parecido com preocupação irradiava de seus
olhos dourados. — Já estamos quase chegando, pequena.
— Como...? — Engoli a saliva, mas minha garganta parecia seca. Eu me
lembrei do que aconteceu, mas não sabia como terminei no carro dele. — Como...
Você me tirou da escola?
Um lado de seus lábios se curvou conforme voltava sua atenção para a
estrada. — Tenho habilidades.
Havia uma boa chance de que a escola ia telefonar para casa, desde que eu
estava perdendo as aulas da tarde, e meu coração batia lentamente. Ainda mais
para onde ele poderia estar me levando. Tentei firmar meu corpo, mas tudo o que
consegui foi voltar a ficar enrolada como uma bola.
— Você precisa me levar de volta para a escola. — Fiquei sem fôlego. — Não
posso ir ao seu apartamento.
— Não seja ilógica. — Roth respondeu uniformemente. — As garras de um
Nocturno são contagiosas e não podem ser tratadas no meio do corredor, certo? Já
é ruim o suficiente ter que dirigir. É muito arriscado voar durante o dia.
— Posso chamar Zayne. — Raciocinei, fechando os olhos enquanto meus
músculos do estômago se apertavam.
Ele não respondeu, e gemi. — Acho que vou vomitar.
Em vez de Roth me dizer para não fazer em seu pequeno e bonito Porsche,
eu ouvi os barulhos do motor e senti o impulso para frente do carro.
— Estamos quase lá. — Ele disse; sua voz firme.
Eu não queria ir ao apartamento dele, mas além de pular do carro, não
estava em condições de suportar uma briga.
As coisas ficaram embaçadas por um tempo. Concentrando-me em não
vomitar, mantive os olhos fechados. Senti o carro frear e registrei a mudança de
luz atrás de minhas pálpebras fechadas. Realmente não segui todo o processo de
Roth me levando para seu prédio, o que era uma coisa boa, porque estava segura
de que me carregava.
— Isso é familiar — anunciou uma voz suave enquanto uma porta se
fechava atrás de nós e o leve cheiro de maçãs veio ao meu nariz.
— Cala a boca, Cayman.
Uma risada profunda me irritou e tentei não pensar sobre a primeira vez
em que estive aqui, mais ou menos na mesma posição. — Veja, estou apenas
apontando que isso está se tornando um comportamento habitual, e nós
deveríamos...
O estrondo da porta me sacudiu e cortou qualquer coisa que Cayman dizia.
Um segundo depois, eu estava deitada na cama – na cama de Roth. Abri meus
olhos e imediatamente desejei não ter aberto.
Ao ver as familiares paredes brancas com DVDs e livros alinhados que
estiveram lá antes... O piano no canto... Até mesmo as pinturas macabras que
beiravam o inquietante. Foi um soco no peito e não ajudou com a sensibilidade do
meu estômago. Meus pés estavam pendurados uma polegada do chão, e pensei nos
gatinhos vampiros que eram tatuagens e animais de estimação. Eu me perguntei
se eles estavam ali agora, escondidos debaixo da cama, prontos para afundar seus
dentinhos na pele exposta.
Eu não podia ficar aqui.
Quando Roth recuou, comecei a me sentar. Ele me deu um olhar de aviso.
— Fica quieta. Quanto mais você se mover, mais a infecção vai se espalhar e esta
não será uma solução fácil.
Meu peito se levantou e caiu pesadamente enquanto o observava ir até a
geladeira preta em sua pequena cozinha. Abrindo a porta, ele retirou uma garrafa
de água que estava sem o rótulo. Eu olhava receosamente para ele enquanto se
aproximava da cama.
— É água benta. — Ele sacudiu a garrafa levemente. — O equivalente
demoníaco do peróxido.
— Normalmente, você mantém água benta em sua geladeira?
Ele parou na minha frente. — Nunca se sabe quando precisará dela.
Não podia prever as situações em que um demônio poderia precisar de água
benta. — Suponho que devo beber?
Seu rosto se contraiu com desgosto. — Você é parte demônio, Layla. Beba
isso e vai cuspir vômito como uma garota possuída. Isso é normalmente usado
contra demônios, pode curar um ferimento feito por outro demônio, dependendo
da ferida e todas essas coisas boas.
— Então, o que devo fazer com isso?
Um sorrisinho apareceu. — Tire a camisa.
Olhei para ele.
Levantou as sobrancelhas. — Falo sério. Preciso colocar isso... — ele
sacudiu novamente o frasco, —... Nos arranhões.
Levei um segundo para responder. — Não vou tirar minha camisa.
— Sim, você vai.
Eu me apoiei nos cotovelos e encarei seu olhar determinado. — Você está
drogado se acha que eu vou tirar uma única peça de roupa.
— Como eu te disse antes, o crack é do caralho. — Ele sorriu enquanto eu
olhava para ele. — Sua camisa tem que ser tirada, pequena. A razão pela qual seu
estômago não dói é porque você tem um pouco de veneno no sangue que está
empapando seu suéter. Esta deixando a pele dormente, e ter veneno sobre você
realmente não será propício para a cura. Toda a roupa de cima tem que sair.
Olhei para baixo. Com a cor escura da minha camisa era impossível ver se
havia sangue de demônio ali.
Roth se aproximou e agachou ao lado da cama. — Não precisa ficar tímida.
— Não é isso — sussurrei, me forçando em uma posição ereta. O quarto
rodou levemente e fechei os olhos.
— Não que eu não a vi antes.
— Oh, meu Deus — gemi. — Esse não é o ponto.
Roth suspirou. — Olha, estamos perdendo nosso tempo. Você vai adoecer e
esta água benta não funcionará. É tão simples assim, então pare de ser uma
criança e tire a blusa.
Abrindo meus olhos levemente, lutei com meu pulso acelerado. Vi no seu
olhar firme o que ia acontecer. Se eu não tirasse a blusa, ele a tiraria, e isso seria
pior. Eu poderia fazer isso. Ele não sentia nada por mim. Bom. Eu não sentia nada
por ele agora. Ótimo. Eu era uma adulta.
Murmurei uma maldição em voz baixa voz e me encolhi, removendo
cuidadosamente as magas da camisa e a camiseta de alças em um único puxão.
Irritada, eu joguei a camisa no chão e dei uma olhada em minha barriga.
Realmente não parece assim tão... Ruim.
As garras apenas me arranharam, mas as três marcas eram pequenas
linhas de um escuro e furioso vermelho, as quais foram ramificando dos cortes
como veias.
Depois de alguns segundos tensos, percebi que Roth não se moveu. Onde
demônios foi parar toda aquela merda de o tempo é essencial? Levantei meus olhos
e vi que realmente não havia se movido absolutamente.
Ainda agachado ao lado da cama, a garrafa de água benta pendurada em
seus dedos longos. Ele me olhava com a mesma intensidade que o fez no vestiário,
mas havia um calor atrás de seus olhos dourados, e seu olhar estava fixo no meu
peito. Pelo menos Bambi não estava usando meu peito como travesseiro desta vez.
Sua cabeça em forma de diamante descansava agora contra a parte inferior do meu
estômago.
Enquanto ele seguia olhando, o calor se instalou na parte inferior da minha
barriga, especialmente quando sua língua saiu e deslizou sobre seu lábio superior.
A luz se refletiu no seu piercing e senti minha pele corar. Eu não gostava do que
começava a acontecer com o meu corpo. E eu não
gostava que ele estivesse me olhando, o que ele sentiu ter sido permitido
nesse momento.
E garanto que também não gosto da falta de ar invadindo meu peito.
— Pare de olhar para mim — ordenei.
Surpreendeu-me ao arrastar seu olhar para cima, o poder concentrado
atrás de suas íris abrasando minha pele enquanto se levantava. Passou um
momento e então falou. — Deite-se.
Queria resistir ao seu tom firme, mas quanto mais rápido acabasse com
isso, melhor. Deitando, fiquei olhando para o teto enquanto o sentia se aproximar.
Roth pairou sobre mim e apertei minhas mãos no cobertor macio para me
manter quieta. — Isso pode doer um pouco.
Apertei os dentes. — Não pode ser pior do que ser costurada, certo?
Seu olhar se desviou para o meu e sussurrou: — Certo.
Contendo a respiração, me preparei para qualquer dor de destruir as células
do cérebro que estava prestes a começar enquanto ele abria a garrafa e a entornou
na minha barriga. A primeira gota espirrou na minha pele e o líquido derramou,
cobrindo as marcas de garras e escorrendo pela minha barriga, derramando na
cama debaixo de mim.
Bambi se afastou; sua cabeça desaparecendo sob a cintura da calça jeans,
evitando o fluxo constante de água benta. Minha pele queimava ao contato, ficando
um rosa avermelhado, e mordi meu lábio. Não foi tão mau como os pontos que
levei, mas não era exatamente agradável também.
— Sinto muito — murmurou, inclinando a garrafa novamente. O fez com
cuidado, evitando o contato direto. Imaginei que a reação dele, desde que ele era
de sangue puro, seria pior que a minha.
Os cortes derramavam espuma branca enquanto a picada trouxe lágrimas
aos meus olhos. Finalmente, a água acabou, e Roth recuou. — Não se mexa por
um tempo.
Inspirando e expirando lentamente, fiquei onde estava até Roth retornar
com uma toalha. Abaixou em silêncio enquanto limpava o líquido em excesso ao
longo dos lados do meu estômago. Foi então que percebi que a ponta dos dedos
dele estava cor-de-rosa escuro.
Limpei a garganta. — Você queimou os dedos.
Ele encolheu os ombros. — Acontece. — Não tocou as marcas de garras,
mas enquanto se afastava, a sua mão livre traçou ao longo da cicatriz
desaparecendo no meu braço, aquela deixada pelo Guardião. — Não se mexa.
Não precisei esperar muito tempo. Roth retornou ao meu lado com um
cobertor preto. Igual ao que havia enrolado ao redor de mim na noite do ataque de
Petr, era feito de algum tipo de material grosso, luxuoso. Ele o colocou no meu
peito, deixando minha barriga nua, e se retirou em seguida.
— Você terá que permanecer imóvel até que pare de borbulhar. — Ele
sentou no banco ao lado do piano e abaixou a cabeça. Mechas de cabelo escuro
caíram para frente, protegendo seu rosto. Ele não disse mais nada.
Puxei uma forte respiração. Um silencioso e tranquilo Roth era um
preocupante Roth, porque era uma raridade, e não sabia o que fazer quando ele
ficava assim. Uma parte de mim queria saber sobre sua mudança de humor e
queria perguntar, mas não queria parecer como se estivesse interessada.
Porque eu estava.
E de certa maneira queria me estapear por isso.
Por mais louco que fosse, enquanto esperava que a água benta fizesse seu
efeito, devo ter dormido, porque quando abri os olhos novamente, as marcas de
garras já não borbulhavam. Não sentia náuseas ou tonturas, apenas uma ligeira
dor ao redor das garras.
E Roth estava sentado na cama, ao meu lado.
Bem, quando virei a cabeça para o calor do seu corpo, ele estava
descansando na cama ao meu lado.
Apoiando o seu peso em um braço, a cabeça descansava em sua mão. Um
estranho sorriso marcava seu rosto assustadoramente lindo, um contraste com a
expressão tranquila que levava antes. Seus lábios se separaram um pouco. — Você
ainda sussurra em seu sono.
Franzi o cenho.
— Você faz estes pequenos sons, às vezes. Como um gatinho. É lindo.
— O que você está fazendo? — Calor inundou minhas bochechas quando
me sentei rapidamente. Esquecendo o cobertor, que escorregou para minha
cintura.
Seu olhar o seguiu, e ele sorriu quando puxei o cobertor para cima. —
Estava vendo você dormir.
— Arrepiante. — Eu disse, segurando o cobertor no meu queixo.
Ele encolheu os ombros. — Como se sente?
— Bem. — De algum lugar profundo dentro de mim, me forcei a dizer: —
Obrigada.
— Vou adicionar isso à sua ficha.
Franzi o cenho.
Girando elegantemente, ele se levantou e se espreguiçou. — Acordou bem
na hora. Você não quer que Stony venha aqui e te encontre toda satisfeita e feliz
na minha cama.
— O que?
— Stony. Ele está a caminho. — Ele cruzou de braços, olhando para mim.
— Para te buscar.
Pisquei uma vez e duas vezes enquanto pequenos nós se formavam no meu
estômago.
— Usei o seu telefone — explicou. — Estava no bolso da frente. Você estava
inconsciente quando o peguei. Bem, você fez aquele gemido, o que me fez pensar
que você gostou quando meus dedos...
— Você pegou o celular do meu bolso e ligou para Zayne? — Disparei para
ficar em pé. — Você está doido?
— A última vez que comprovei, eu não estava. Você deve ficar feliz em saber
que Stony atendeu no primeiro toque. — Seus lábios franziram quando uma
expressão pensativa cruzou seu rosto. — Mas não ficou exatamente feliz ao ouvir
a minha voz. Ou que você estava comigo. Ou que dormia na minha cama. Ou que
foi ferida. Ou que...
— Entendo o ponto! — Gritei, segurando o cobertor no meu peito. — Por
que você ligou para ele?
Ele inclinou a cabeça para um lado e o olhar de inocência em seu rosto me
fez querer cuspir fogo como um dragão da morte. — De que outra forma você
acredita que vai chegar em casa?
— Oh, eu não sei Roth, talvez um maldito táxi? — Meu coração batia
fortemente no meu peito. Oh Deus, Zayne ia enlouquecer. Ele ia enlouquecer tão
epicamente que quebraria a barreira do som. — O que você estava pensando?
— Estava pensando que nós precisamos deixar os Guardiões saber sobre
os Nocturnos na escola. — Ele respondeu razoavelmente. Eu queria bater nele. —
Porque isso foi ideia sua e você estava certa. Não posso cuidar de todos sozinho.
Meus dedos se cravaram no cobertor. Eu não acreditava no que ele estava
dizendo. A verdadeira razão por trás de chamar a Zayne não era para alertá-lo das
criaturas na escola. Como se Roth se importasse com isso. Ele o fez para irritar
Zayne.
A pequena curva de seus lábios o delatou.
— Aposto que você está tão orgulhoso de você, certo?
Ele olhou para mim e revirou os olhos. — Não é como se Stony fosse correr
e contar ao papai que você está comigo.
Essa parte não importava. Não que Abbot fosse compreensivo comigo
estando no apartamento de Roth, mas eu estava mais preocupada com o que isso
faria com Zayne.
De alguma forma, eu resisti à tentação de dar uma de macaco psicótico com
ele. — Preciso da minha blusa. Onde está?
— No lixo.
Fechei os olhos e contei até dez. — Preciso vestir uma camisa. — Comecei
a andar em direção ao armário dele, mas ele apareceu na minha frente, bloqueando
o meu caminho. — Saia.
O sorriso dele aumentou. — Sinto muito. Estou sem roupas de meninas
neste momento.
— Preciso de uma camisa — insisti. — Não seja idiota, Roth.
Pensando por um momento, uma centelha iluminou seus olhos e as
campainhas de alerta dispararam. Com um sorriso manhoso, ele se inclinou e
retirou a camisa de manga comprida que estava usando.
Meus olhos se arregalaram.
Wow.
Eu... Eu esqueci como Roth era sem camisa.
Ok... Talvez não tivesse esquecido tudo, mas minha memória não lhe fazia
justiça. De modo algum. Roth era toda massa muscular magra. Do peito até essas
linhas em cada lado dos quadris, ele era forte e puro músculo.
O Dragão tatuado estava no mesmo lugar, amontoado na lateral do seu
abdômen, com a cauda desaparecendo sob a calça jeans. Minha pergunta sobre a
presença dos gatinhos foi respondida. Um estava sob seu peito direito, parecendo
mais como um tigre agachado e o outro parecia estar amontoado no seu lado.
— Onde está o terceiro gato? — Perguntei antes que pudesse me parar.
Seus cílios grossos baixaram. — Preciso tirar as minhas calças para lhe
mostrar.
Fechei os olhos.
Houve uma risada profunda. — O relógio não para. E, mais importante
ainda, quanto mais tempo ficar parada aí em apenas seu sutiã, mais me sinto
tentado a ser um garoto muito, muito mau.
Meus olhos se arregalaram. Seu olhar prendeu o meu, e dei um passo atrás
pela intensidade do seu olhar. Não havia nenhuma dúvida em minha mente que
ele dizia a verdade. Pode ser que não quisesse ficar comigo, mas ele me desejava.
— Me dá a camisa — disse com os dentes apertados.
Ele a lançou, mas estava um pouco lenta para pegá-la, o material cheirava
a ele, como algo selvagem e pecador, e acertou meu peito, caindo no chão. — É
melhor que se apresse. Ele estará aqui a qualquer momento.
— Você é uma dor na bunda — eu disse, pegando a camisa.
Ele riu entre dentes. — E tenho um bom traseiro, me disseram.
Não fiz caso disso à medida que eu virava, dando as costas enquanto soltava
o cobertor. Talvez fosse minha imaginação, mas minhas costas queimaram sob seu
olhar intenso. — Por que ele tem que vir aqui, para um prédio cheio de demônios?
Não é perigoso?
— Ele vai estacionar na rua e entrar pelo telhado — respondeu Roth, sua
voz de repente tensa. — Não se preocupe. Stony está completamente a salvo.
Deslizando a camisa de Roth, imediatamente fui engolida pelo tamanho e o
cheiro dele. Eu me virei para ele, me sentindo corada. Nem sabia o que dizer
quando me sentei na ponta da cama. Não havia nenhuma maneira que pudesse
sequer me preparar para a chegada de Zayne.
Não que eu tivesse que esperar por muito tempo.
Não demorou mais que um minuto para que o forte golpe no telhado fizesse
tremer os retorcidos quadros pendurados nas paredes de Roth. Estava de pé
quando Roth se virou para a porta estreita que conduzia ao telhado. Sem
cerimônia, ele a abriu e Zayne entrou no loft.
Seu cabelo louro estava uma bagunça ondulada, e estava todo de preto –
camiseta preta e calça tática preta. Era como se tivesse se vestido para ir à caça.
O olhar de Zayne me encontrou pela primeira vez, e ele não afastou o olhar
por um longo tempo. Os olhos dele eram incríveis azuis cobaltos, e suas pupilas
alongadas verticalmente, sua mandíbula firmemente fechada. Não necessitava ler
a sua mente para saber o que ele pensava sobre me ver no apartamento de Roth
sem camisa, ao lado da cama dele e vestindo a camisa dele.
Comecei a explicar por que, apesar de parecer desnecessário, mas antes
que eu pudesse dizer uma palavra, Roth falou.
Seu sorriso era amplo, mas não atingiu os seus olhos. — Ei, irmão...
Um músculo se apertou ao longo da mandíbula de Zayne e logo se virou
sobre Roth, inclinou o braço para trás e lhe deu um soco na cara.
Roth cambaleou para trás e a transformação teve lugar. A pele se escureceu
para um suave e polido cor de ônix e asas brotaram de suas costas, abrindo três
metros e arqueando alto no ar. Os arcos estavam decorados com chifres afiados e
mortais, mas ao contrário dos Guardiões, seu crânio estava exposto.
Seus lábios se abriram, revelando as presas. — Faça novamente.
Zayne não mudara, mas parecia prestes a dar um soco no rosto de Roth
novamente. Não que eu duvidasse da capacidade de Zayne de se defender, mas
Roth era um demônio de nível superior, um príncipe herdeiro, e, mais importante
ainda, lutar por isso era estúpido.
Coloquei-me entre eles, olhando para os olhos azuis furiosos de Zayne. —
Pare.
— Não a escute — em sua forma verdadeira, a voz de Roth era gutural e
forte. — Você sabe que não quer parar, Stony.
Disparei um olhar de morte. — Já basta, Roth!
Seus olhos, ainda dourados, se fixaram em mim. Passou um momento tenso
enquanto suas mãos com garras abriam e fechavam, e sinceramente pensei que ia
me pegar e me tirar do caminho. Quando deu um passo a frente, meu ritmo
cardíaco diminuiu. — Stony começou.
— Wow. — Virei para Zayne, que examinava Roth. Coloquei as mãos no
peito dele e o calor do seu corpo queimou através da camisa. — Você precisa se
acalmar.
— Você deixou que ela saísse ferida — rosnou ele.
Roth rosnou, abaixando o queixo, como se preparando para atacar. — Eu
cuidei dela.
— Como se isso melhorasse?
Empurrei Zayne para trás. — Ele não me deixou fazer nada. Fui lá
livremente e ele disse para eu sair, mas fiquei. Você me treinou, Zayne. Eu estava
mais do que preparada para a luta – e matei o Nocturno. — Algo que todos parecem
esquecer. — Você não pode culpá-lo porque eu fui ferida – apenas ferida. Como
pode ver, estou bem.
O olhar de Zayne finalmente caiu sobre mim. Suas narinas se abriram
quando ele respirou fundo. Houve outro momento tenso de silêncio e então apertou
a mandíbula em um assentimento brusco.
Observando-o por um segundo mais para ter certeza de que não mudaria
de opinião, eu abaixei minhas mãos e encarei Roth. Ao ver que ele voltara a sua
forma humana, eu relaxei um pouco.
— Agora que isso está resolvido, Abbott e o clã foram à escola?
— Eles estão lá, mas não estão dispostos a fazer nada até que as aulas
acabem. — O tom de Zayne era cortante. — Estamos nos encarregando disso. Não
precisa se preocupar.
Roth bufou. — Não é como se eu estivesse preocupado.
Um flash de raiva passou pelo rosto de Zayne, e eu soube que quanto mais
tempo estes dois permanecessem no mesmo ambiente, maior era a probabilidade
de que a segunda rodada de luta de caras estourasse.
— Nós deveríamos ir — disse em voz baixa.
Zayne assentiu. — Eu não poderia estar mais de acordo.
Virei para dizer algo a Roth – algo como obrigada, porque havia me ajudado,
mas os dedos de Zayne se enroscaram inesperadamente com os meus. O olhar
assassino de Roth caiu em nossas mãos unidas. Sua boca ficou tensa e suas feições
pareceram duras – mais pele e osso do que qualquer outra coisa – e então uma
cortina se fechou rapidamente, fechando qualquer pensamento ou sentimento.
— A propósito, Zayne... — a frieza na voz de Roth provocou um arrepio em
minhas costas. — Essa foi a única vez que encostou a mão em mim para depois
partir sem mais nem menos.
***
***
***
14 Ele faz uma brincadeirinha com a palavra Cool, que no inglês significa Frio, Fresco, mas também
pode ser traduzido para Legal.
Pressionei-me contra o colchão como se ele pudesse me absorver. — Zayne,
não deveria estar tão...
— Está bem. — Ele continuou se aproximando, aproximando, sem medo
algum e completamente louco. — Você se preocupa demais.
— Você está louco. — Virei à cabeça, mas ele colocou dois dedos no meu
queixo e guiou minha cabeça para frente. Meus olhos se arregalaram. — Total e
completamente louco.
— Não. Eu simplesmente confio em você. Ele encostou a testa na minha, e
cada músculo do meu corpo ficou tenso. — Vê? Você não está comendo a minha
alma, não é?
Mantive minha boca firmemente fechada. A ligeira queimação estava na
minha garganta e eu não confiava em mim para falar.
Ele balançou a cabeça e seu nariz tocou o meu, uma experiência totalmente
nova com Zayne. Meu coração disparou, batendo tão rápido que tropeçava nele
mesmo. Um suspiro saiu dele e sobre mim. Meus olhos se fecharam quando seus
dedos se arrastaram pela minha bochecha e depois para baixo, onde meu pulso
batia rapidamente. Se ele abaixasse um pouco o seu corpo, estaríamos
pressionados em todos os sentidos, o que fez meus dedos se curvarem, e meus
joelhos enfraquecerem, e tinha a sensação de que rapidamente descobriria se ele
usava algo por baixo do lençol.
Oh Deus, esse não era o pensamento mais adequado para ter neste
momento.
Pensei ouvi-lo sussurrar meu nome, e então senti o simples toque de seus
lábios, tão suave e rápido como o bater de asas, nos meus.
O choque percorreu-me, roubando meu fôlego. Meus olhos se arregalaram
e Zayne levantou a cabeça. Havia um sorrisinho satisfeito em seus lábios e os
meus... Oh, os meus estavam formigando e zumbindo pelo breve contato.
— Hmm. — Ele murmurou, colocando a língua para fora e alisando o vinco
em seu lábio superior. — Ainda estou aqui. Com a alma intacta. Vai saber.
Eu estava absolutamente atordoada, além da capacidade de falar. Não foi
realmente um beijo. Meus lábios estavam hermeticamente fechados, então nem
poderia sequer dizer que foi um beijinho, mas Zayne... Ele se atreveu a colocar seus
lábios contra os meus. Ele se arriscou – ele se arriscou a perder a sua alma por um
breve roçar de lábios.
Zayne se estirou para cima, beijou minha testa e rolou para o lado. — Na
verdade, eu tenho que ir, e preciso me trocar. Ele puxou as pernas para fora do
lençol e se levantou.
Ele estava totalmente nu.
Totalmente e completamente nu, e eu encarava seu traseiro, seu belo, firme
e... — Oh meu Deus!
Olhando por cima do ombro, ele levantou uma sobrancelha enquanto seu
sorriso malicioso ficava travesso. — O quê?
— O quê? — Olhei boquiaberta para ele, mas depois o meu olhar caiu e meu
rosto queimava como o primeiro círculo do inferno. — Oh meu Deus — eu disse
novamente, saindo da cama pelo outro lado. Uma risada abriu caminho pela minha
garganta e saiu de repente. — Você está completamente nu.
— Sério? — Sua resposta foi seca enquanto recolhia o lençol. Ele virou
ligeiramente, e oh meu Deus! Virei-me com os olhos arregalados.
Santas gárgulas bebê, ele estava...
— Está tudo bem aí?
— Sim — resmunguei, sentindo-me perturbada por uma razão
completamente diferente. Virei-me lentamente.
Ele riu, passando o lençol em volta da cintura, cobrindo seus... Suas partes
íntimas.
— Eu terei que soltar isto novamente para me trocar. — Seus olhos
dançavam maliciosamente. Não estou dizendo que você precisa sair, mas...
— Vou sair. — Corri ao redor da cama, meu cabelo se arrastando atrás de
mim. Enquanto passava, ele estendeu a mão, dando um tapinha na minha bunda.
Eu pulei, lançando um olhar para ele. — Você é tão malvado.
— Terrível. — Ele sorriu, dando um passo para trás, com uma mão sobre o
nó do lençol. — Nos vemos em um minuto.
Fiz algum som afirmativo e depois voei para o corredor. Meu corpo inteiro
estava em chamas enquanto apertava a mão contra meus lábios, os quais ainda
formigavam, e a imagem da bunda de Zayne impressa na retina dos meus olhos.
Ele tinha um maravilhoso traseiro.
E pelo que vi, ele não tinha carência em nenhum outro departamento.
Soltei uma risadinha enquanto me virava em direção à escada, quase
caminhando diretamente para Maddox. Parei no degrau mais alto. — Sinto muito
— murmurei.
Sua expressão era intensa, não muito confiante, mas concordou. Quando
se afastou para me deixar passar, a onda de irritação cravou seu caminho nas
minhas costas. Será que mataria ele dizer algo? O Guardião nunca falou comigo.
Nem uma única vez.
Respirando fundo, eu mudei meu pé para descer e uma explosão de ar frio
veio do corredor atrás de mim, agitando meu fino cabelo em volta do meu rosto.
Olhei para minha esquerda e tudo o que vi foi o rosto branco de Maddox em
choque, em seguida, caiu de cabeça para baixo nas escadas íngremes.
Gritando, desci as escadas, fazendo uma careta quando ele bateu no chão
de madeira lá em baixo, sua cabeça batendo no chão. Cheguei ao lado dele
enquanto pés corriam pela casa.
Ele estava em um ângulo não natural, um braço torcido atrás dele e uma
perna dobrada no joelho. Abaixei-me. — Maddox?
Ele não respondeu.
Segundos depois, eu ainda não tinha ideia do que havia acontecido.
Dez foi o primeiro a chegar até nós. Ele colocou a mão no meu ombro e
gentilmente me moveu para o lado enquanto se ajoelhava. — Maddox? — Ele
chamou o pálido e imóvel Guardião. Quando não houve resposta, ele colocou a mão
no peito de Maddox. — Cristo.
Envolvi minhas mãos em volta do meu peito. Sabia que Maddox precisava
estar vivo. A queda não mataria um Guardião, mas em forma humana, eram
suscetíveis a lesões, inclusive de forma grave.
— Como isso aconteceu? — Dez olhou por cima do ombro para mim.
Balancei a cabeça. — Não sei. Ele estava subindo as escadas e, então
apenas caiu...
Zayne desceu as escadas, vestido apenas com um par de calças soltas. —
Que diabos aconteceu?
— Ele caiu — expliquei sem convicção.
— Jasmine! — Dez gritou quando se levantava.
Em segundos, Jasmine chegou, arregalando os olhos. Ela virou, entregando
Drake a Danika. — Mantenha Izzy e Drake fora daqui — disse ela, virando-se para
Maddox.
Danika balançou a cabeça, olhando para onde Zayne e eu estávamos. Ela
virou rapidamente, levando Drake para onde vieram. A porta se fechou suavemente.
Enquanto Jasmine se ajoelhava em frente à Maddox e colocava os seus
dedos finos no pescoço dele, o resto da equipe chegou. Assim que eles escutaram
que Maddox havia caído para trás ao subir as escadas, Abbot se virou para mim.
Encolhendo os ombros, eu percebi que estava muito perto de ser crucificada.
— Ele simplesmente caiu para trás? — Abbot perguntou; descrença em sua
voz enquanto caminhava ao redor das pernas soltas de Maddox. — Você espera
que qualquer um de nós acredite nisso?
Pelo menos, foi direto ao ponto dessa vez. — Sim! Ele apenas caiu. Não sei
se desequilibrou ou... Espere, houve uma rajada de vento frio antes que ele caísse.
— E agora que disse em voz alta, eu sabia que não era a primeira vez. — Foi o
mesmo com janelas. Houve uma lufada de...
— Vento? — Abbot terminou, com dúvida em sua voz. — Será que o ar bateu
com força suficiente para abrir as janelas ou jogar um Guardião de cento e trinta
quilos pelas escadas? O que só poderia acontecer se tivéssemos que usar o ar
condicionado nesta época do ano, o que não fazemos.
— Ok. Eu sei que soa ridículo, mas não estou mentindo.
Zayne se moveu para o meu lado. — Ela não tem nenhum motivo para
mentir, pai. Se ela diz que ele caiu, ele caiu.
— Ela tem todas as razões para mentir — cuspiu o pai dele. — Uma vez já
foi suficiente, mas isto? — Ele gesticulou em direção a Maddox. — Um dos nossos
– um convidado do nosso clã foi machucado – e outro está desaparecido.
Fiquei tensa para o que ele queria dizer, embora ele tivesse um ponto muito
bom com o último. Zayne deu um passo à frente, me bloqueando. — O que você
está dizendo?
— Rapazes — chamou Jasmine. — Preciso mover Maddox para ver melhor
as suas feridas. Parece que ele está apenas inconsciente. Talvez um braço quebrado
ou um crânio rachado, que vai se curar. Mas preciso de ajuda para movê-lo.
Zayne e Abbot, que estavam atualmente em uma batalha épica de olhares,
não pareceram tê-la escutado.
Dez assentiu enquanto se movia para ficar diante dos pés de Maddox. —
Nicolai? Você poderia pegar os braços dele?
Enquanto Nicolai cumpria o pedido, Abbot tinha seus olhos fixos no seu
filho. — Não há como eu ou você acreditarmos que ele perdeu o equilíbrio e caiu.
Os Guardiões eram geralmente um pouco mais graciosos do que isso, mas
não havia outra explicação... A parte do vento era estranha.
— Está sugerindo que Layla o empurrou? — Desafiou Zayne enquanto os
músculos de suas costas se esticavam. — Porque isso é estúpido.
Abbot se aproximou de Zayne, ficando frente a frente, e meu coração
afundou. — Tome cuidado ao falar, rapaz. Sou seu pai.
Eu tinha o louco desejo de rir enquanto imaginava o capacete de Darth
Vader caindo na cabeça de Abbot. Felizmente, eu não ri, porque isso não ajudaria
a melhorar as coisas.
Geoff se aproximou. — Posso sugerir algo? — Quando Abbot assentiu, ele
continuou. — Tudo o que aconteceu foi gravado em vídeo. O mesmo com as janelas.
Meu olhar chegou a ele com rapidez. Por que não pensei nisso? — Então,
vocês viram o vídeo e mostrou o que?
— As janelas estalando, aparentemente sozinhas — respondeu Geoff.
Zayne ergueu o queixo. — Vamos ver os vídeos então.
Eu não tinha certeza de que iria ajudar muito, uma vez que Geoff já havia
visto o vídeo e eu não fazendo nada, mas fomos para o centro de comando. Perto
da sala de treinamento era sempre vários graus mais frios do que em qualquer
outro lugar, mas hoje parecia ter a mesma temperatura que os andares superiores
quando nós caminhamos pelo estreito e mal iluminado corredor.
Fiquei perto de Zayne, sabendo que era melhor do que falar sobre qualquer
coisa agora. Abbot irradiava raiva em ondas, obstruindo o corredor. Mesmo Bambi,
que estivera relativamente sedentária, subia sem cessar, deslizando em meu
estômago.
A tensão deixou Zayne quando ele se aproximou de mim. Ele não falou
quando entramos na sala de Geoff.
O centro de comando era uma sala circular que foi rapidamente preenchida
quando entramos. Os monitores estavam alinhados no meio da parede enquanto
outras seções estavam cobertas com cartazes antigos de bandas, variando de Bon
Jovi, Pink Floyd e AC/DC a Aerosmith. Alguns pareciam autênticos, com suas
bordas levantadas para cima.
Era estranho – um pequeno vislumbre da personalidade de Geoff misturado
com um nível assustador de segurança nível CIA. Geoff foi direto para um dos
computadores e seus dedos dançaram sobre o teclado. A tela foi focada no corredor
e ficou lá, ele começou a retroceder rapidamente e parou apenas quando fiquei à
vista... Com meus dedos tocando meus lábios.
Legal.
Exalando suavemente, eu olhei para Zayne e ele olhou para mim. Um lado
de seus lábios estava curvado com um lampejo de reconhecimento enchendo seus
olhos. Eu suspirei.
Virei-me para a direita quando Maddox apareceu na tela. Não havia
nenhum volume, mas pude vê-lo se afastando do meu caminho. As câmeras não
mentiam, e não houve erro no olhar de desconfiança que lançou em minha direção.
A sala ficou em silêncio quando o monitor revelou exatamente o que eu
havia dito. Do ponto de vista da câmera, ficou claro o momento em que senti o
sopro do vento. Meu cabelo, que parecia branco na tela, parecia ter passado em
frente a um ventilador. A câmera pegou quando ele arregalou os olhos ofegando e
se desestabilizou um segundo antes de cair. O que não percebi quando aconteceu,
foi que quando caiu, ele não ricocheteou pelas escadas. Ele caiu de costas no ar,
não acertando nada até que chegou ao chão.
Como se tivesse se jogado para trás.
Ou fosse atingido por uma grande força.
— Eu não o toquei, como vocês podem ver — eu disse, levantando o olhar
para onde Abbot estava com Geoff. — Não fiz nada.
Um músculo se moveu em sua mandíbula enquanto observava Geoff parar
a gravação.
— Não há como negar isso. — Zayne cruzou os braços sobre seu amplo peito.
— Ela não mentiu.
— Mas ela estava olhando para ele — respondeu Abbot, voltando-se para
nós.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — A não ser que eu tenha desenvolvido
poderes extra-legais sem perceber, olhar para ele não poderia jogá-lo escada abaixo.
Seu olhar se voltou para mim e a pressão formou redemoinhos em meu
peito. A maneira como ele olhou para mim, como se eu fosse um lobo entre as
pobres e pequenas ovelhas que ele tinha a responsabilidade de proteger, me atingiu
profundamente. Não havia como esconder sua aberta desconfiança, e eu não
conseguia entender de onde vinha. Sim, eu havia mentido para ele, mas ele também
mentiu sobre coisas maiores e mais importantes – como quem era meu pai e minha
mãe, para começar.
Nem sempre foi assim. Odiava a ardência das lágrimas que se acumulava
na minha garganta. Era fraqueza chorar, mas doía reconhecer que Abbot não
olhava mais para mim como parte de sua família. Isso estava muito claro agora.
Zayne falara, mas eu não estava prestando atenção. O que quer que tenha
dito provavelmente em minha defesa, ele irritara seu pai.
— Nós não sabemos do que ela é realmente capaz. Duvido que ela mesma
saiba. — Ele respondeu.
A raiva era como um golpe de aço nas costas de Zayne. — O que quer dizer
com você não sabe? Eu sei do que ela é e não é capaz. Como pode ser diferente com
você?
A maneira sincera e firme que ele me defendeu, apesar do óbvio
descontentamento que foi imposto entre seu pai e ele, me fez sentir como se uma
mão fosse colocada em meu peito e fechada sobre o meu coração.
Abbot amaldiçoou em voz baixa, e quando falou, era como se eu não
estivesse no ambiente, ou ele não se importava que eu estivesse. — Você precisa
olhar para além dos seus sentimentos filho. Ela não é mais a criança assustada
que eu trouxe para casa. Quanto mais cedo você entender isso, melhor.
Tomei uma profunda respiração enquanto a queimação se movia em meus
olhos. Exceto que esta era um tipo diferente de queimação, provocada por um fluxo
de emoções enlouquecidas. Minha pele se encolheu, fazendo Bambi se contorcer
em minhas costas, e a necessidade de me alimentar alcançou minha garganta.
Geoff apertou os lábios e olhou para o outro lado enquanto Zayne encarava
seu pai, sua boca ligeiramente aberta, como se não pudesse acreditar no que seu
pai acabara de dizer.
Humilhação se mesclou com a dor profunda da minha alma. Respirei
profundamente e não confiei em mim mesma para falar. Precisei tomar outra
respiração. — Então eu sou o que?
Abbot olhou para mim, mas não respondeu.
Minha voz vacilou quando falei novamente. — Por que ainda me deixa ficar
aqui?
Houve um momento de silêncio, e então Abbot olhou para outro lugar. Um
suspiro pesado o sacudiu. — Realmente, não sei.
Estremeci enquanto Zayne avançava em direção a seu pai, seus olhos
brilhando um cobalto não natural. — Como você pode dizer isso?
Incapaz de ficar parada lá e fazer algo que poderia me arrepender, como
romper em lágrimas ou chutar Abbot no estômago, eu me virei e saí do centro de
comando. Minhas mãos formigando enquanto as dobrava em punhos. Eu respirava
muito rápido – duas respirações, expirando, inspirando. Quando Abbot começou a
desgostar tanto de mim? Uma luz se acendeu enquanto eu atravessava a sala de
treinamento, fazendo-me parar de repente. Ele desconfiou de mim por um tempo,
mas sua desconfiança se pronunciou mais desde o momento em que Roth retornou
e lançou a notícia de que Lilin havia renascido.
***
— Layla.
Agarrando a porta do armário, eu engoli um gemido ao ouvir o som da voz
de Roth. Embora não tivesse reconhecido sua presença, ele se inclinou contra o
armário ao lado do meu. Eu não estava de bom humor para lidar com isso hoje. —
O quê?
— Você parece uma merda.
Enfiei meus livros dentro da mochila. — Obrigada.
— Você também parecia prestes a cair no sono em biologia.
— Como isso é diferente de qualquer outra pessoa na sala de aula?
Ele riu sobriamente. — Bom ponto. — Ele se deteve quando um aluno do
primeiro ano se aproximou do seu armário, que era o mesmo em que Roth
descansava suas costas. O aluno parou e Roth levantou uma sobrancelha. Ele
virou nos calcanhares e saiu correndo. Roth sorriu, inclinando o queixo em minha
direção. — Você não conseguiu dormir à noite passada?
Depois de tudo o que aconteceu ontem, o sono não veio facilmente. Balancei
a cabeça enquanto pegava meus livros do período da tarde.
— Stony te manteve acordada até tarde, sussurrando pensamentos puros e
inocentes em sua orelha?
Revirei os olhos para o escárnio em sua voz. — Uh. Não.
Ele escorregou, alinhando seu corpo com o meu. — Te manteve acordada
sussurrando todas as coisas más que queria fazer com você?
Respirando profundamente, eu finalmente me virei para ele. O cabelo de
Roth estava uma confusão de fios negros e a camisa cinza que usava se estreitava
contra seu peito liso. A calça jeans estava pendurada abaixo de seus quadris, com
rasgos nos joelhos. Era a imagem pura de preguiçosa arrogância.
— Vou assumir que ele não fez isso também. Ele é muito bom para fazer
esse tipo de coisas sujas. — Ele colocou um dedo no queixo, pensativo, e percebi
que sua unha estava pintada de preto. — Ele provavelmente se aconchegou com
você.
Zayne havia se aconchegado comigo antes de Maddox cair da escada, mas
também não foi muito claro a respeito. — O que está acontecendo com você para
querer saber o que há entre Zayne e eu? Não é assunto seu.
Seu ombro se levantou. — Apenas curioso. — Quando não respondi, ele
suspirou. — Então, o que há com você hoje? É por causa do que aconteceu com o
nosso amigável bruxo? Ou é algo mais?
Eu me encolhi um pouco com a atitude dele, cansada. — Isso, e ontem à
noite... — eu estava realmente pensando em confiar em Roth? Nossa bandeira
branca da amizade estava nesse ponto?
— Na noite passada, o quê?
Suspirando, passei uma mão pelo meu cabelo. A necessidade de dar voz ao
que me incomodava era muito forte. Não era como se eu pudesse falar com Stacey
sobre estas coisas, e não queria envolver Zayne mais do que ele já estava com o
simples ato de me defender.
— Abbot pensa que eu sou o mal encarnado.
Suas sobrancelhas se levantaram para o alto da testa, desaparecendo sob
seu cabelo. — O quê?
— A versão resumida? Aconteceram coisas estranhas na casa. As janelas
explodiram e um dos Guardiões caiu da escada. — Joguei meu cabelo para trás,
cansada. — Somando o fato de Tomas – a quem Bambi comeu – que continua
desaparecido, Abbot acredita que estou por trás de tudo isso.
Roth fez uma careta. — E por que ele acha que você tem algo a ver com isso?
Esperei até que um pequeno grupo de pessoas passasse para o refeitório
antes de continuar. — Porque eu estava presente quando as janelas explodiram e
quando Maddox caiu da escada. Não sei como Tomas me encontrou.
— Você fez essas coisas? — Ele perguntou.
— O quê? — Levantei minhas mãos. — Não, eu não fiz nada. Eles têm uma
gravação. — Um pouco paranoica, eu fiz uma careta. — Por que você está
perguntado isso?
— Por que não perguntar para ter certeza? Você disse que não fez. Há
evidências de que você não fez, então por que ele acha que ainda está por trás de
tudo?
E aqui vinha a parte que me manteve virando na cama à noite toda. — Abbot
pensa que eles não sabem do que sou capaz. Que eu tenho super poderes e fiz tudo
apenas com o pensamento, eu acho.
— Isso seria uma grande habilidade – uma habilidade muito demoníaca.
Uma de nível mais alta, para ser exato — disse ele, sorrindo.
Uma habilidade de Nível Superior… Oh meu Deus, é o que Zayne e Danika
disseram sobre mim, mas com toda a loucura, eu havia esquecido.
— Hey. — A voz de Roth se suavizou. — Layla, eu não falava sério.
Olhei para cima, encontrando os olhos dele, e vi a verdade em seus olhos.
Meu coração disparou. Ele... Ele estava mentindo agora. Eu sentia nos meus ossos.
As palavras saíram num sussurro. — Abbot pensa que eu sou do mal.
Roth se afastou e se endireitou. Quanto mais calado ele ficava, maior era os
nós de inquietação crescendo no meu estômago, se transformando em bolas de aço.
— Venha comigo.
Pisquei. — O quê?
— Venha comigo — disse novamente.
Isso não era algo que eu esperasse que ele falasse. — Vou almoçar.
— Ou você pode almoçar comigo.
Balancei a cabeça. — Isso não é uma boa ideia.
— Porque não? — O sorriso diabólico estava de volta, dando-lhe um encanto
de menino. — Stony não aprovaria?
Uh, isso é um eufemismo.
— Ou está preocupada de que Abbot não gostaria? — Ele abaixou a cabeça
para a minha e sua respiração dançou nos meus lábios. — Ele acha que você é do
mal? Foda-se. Seja má.
— Não sei se ser má ajudará com alguma coisa.
— Ajudará. Confie em mim. — Inclinando-se, ele deslizou a alça da minha
mochila no meu ombro e a jogou no armário. — Venha e seja má comigo.
Recuando, eu balancei a cabeça. — Isso não vai acontecer.
— Não estou sugerindo que venha e faça sexo comigo, Layla. — Como corei
até a raiz dos cabelos, ele apertou os lábios. — Na verdade, isso não é uma má
ideia, mas não é o que estou dizendo.
Lancei um olhar cético em sua direção.
Roth curvou as mãos sobre os meus braços. — Prometo trazê-la de volta
antes que Stony venha buscá-la. Usarei minha incrível habilidade e ninguém será
mais prudente do que eu. Palavra de escoteiro.
— Você nunca foi um escoteiro.
Seus lábios se curvaram para cima. — Ah, bom ponto, mas vamos lá. Que
mal fará? Nós somos amigos, certo? Duas ervilhas demoníacas em um saco
demoníaco.
A necessidade de rir era poderosa, mas resisti, porque isso apenas
incentivaria o idiota.
— Olhe, há algo que eu quero mostrar para você. — Quando levantei uma
sobrancelha, Roth pontuou. — Não minhas pequenas partes masculinas, pequena
pervertida.
— Suas pequenas partes masculinas? — Uma risada me escapou. — Isso é
tão bizarro.
— Mas você estava pensando nas minhas pequenas partes masculinas.
Dois pontos de calor surgiram em minhas bochechas. Agora eu estava. —
Não, não estava.
Ele sorriu. — A propósito, minhas pequenas partes masculinas não são
pequenas. Só para esclarecer...
— Oh meu Deus…
— Vamos lá. Há um lugar que eu acho que você precisa ver e vai ajudá-la a
colocar tudo em perspectiva. Você verá que te levar para o mal não é absolutamente
mal nenhum. — Vamos, pequena — ele me provocou; seus olhos cintilando como
duas peças de topázio. — Venha comigo.
Escapar soava bem. E havia uma boa dose de curiosidade sobre o que ele
queria me mostrar que podia mudar a minha perspectiva, mas deixar a escola com
ele era estúpido, podendo se tornar algo feio, e Zayne ficaria... Bem, ele não ficaria
feliz.
Mas Roth era como um diabinho no meu ombro, pedindo para que me
comportasse mal e aproveitasse cada maldito segundo disso. Só que ele não era
um diabinho. Era o Príncipe Herdeiro do Inferno.
O senso comum parecia ter deslizado pela janela e caído no chão, porque
me encontrei balançando a cabeça e dizendo: — Ok.
Olhei para o monstro de metal que estava diante de mim e lentamente forcei
meu olhar para onde Roth estava parado. Essa coisa de ser má já estava sendo
uma má ideia.
— Desde quando você começou a andar de moto?
— Esta não é apenas qualquer moto, pequena. Esta é uma Hayabusa, um
dos foguetes mais rápidos da estrada. Estendeu-me um capacete. — Coloque.
Olhei para a moto prata e vermelha. Mal havia espaço para duas pessoas
na coisa.
— Não é ruim. — A alça se ajustou ao capacete enquanto ele apertava para
mim, impaciente. — Precisamos sair antes que o segurança decida acordar de sua
soneca e nos pegar, me obrigando a fazer mais coisas demoníacas desagradáveis.
Fizemos uma parada na secretaria da escola, não sabia o que ele fez para
garantir que ninguém entrasse. Suspirando, eu estudei a moto.
Não era difícil imaginar Roth montado na máquina. Sem camisa.
Porque o meu cérebro sempre levava tudo nessa direção? Culpo os genes da
minha querida mãe.
— Em que está pensando? — Roth perguntou; um grande interesse
cruzando seu rosto.
— Nada. — Peguei o capacete das mãos dele. Levei alguns segundos para
colocá-lo corretamente, e quando terminei de enganchar a correia, Roth já havia
colocado um preto e montava na moto.
Engoli em seco quando percebi quão perto estaríamos naquela coisa, com
um nível de proximidade de um só corpo em vez de dois. Isso era tão inapropriado.
Zayne e eu não estávamos juntos, juntos, mas as minhas coisas encontrariam parte
das coisas de Roth.
— FML15 — murmurei.
Roth virou a cabeça e levantou a viseira do seu capacete. — O quê?
Droga, ele tinha uma super audição ou algo assim. Fiz um gesto para ele
esquecer conforme me aproximava da moto. Sabendo que eu me arrependeria disso,
era como se eu fosse comer um bolo inteiro de uma única vez, eu passei minha
perna sobre o assento e me acomodei. Quase imediatamente, eu deslizei para frente,
fazendo minhas coxas grudarem nos quadris dele.
Oh, isso não era bom.
Roth chutou o pedal e imediatamente o rugido fez meus olhos se
arregalarem. Timidamente, eu coloquei minhas mãos ao lado dele. Ele olhou por
cima do ombro para mim. Eu não podia ver o rosto dele, mas balançou a cabeça
antes de se virar para frente. Então, ele se inclinou, agarrando meus braços e me
puxando para frente.
Em um nano segundo, meus seios estavam esmagados contra as costas
dele. Antes que eu pudesse colocar um espaço necessário entre nós, ele enganchou
minhas mãos contra seu estômago, colocando a mão em meus pulsos. Senti sua
risada e depois ele acelerou.
Era como se o idiota soubesse que eu me afastaria e tivesse me impedido
totalmente.
Meu coração subiu até minha garganta enquanto ele corria para o tráfego,
passando zunindo entre os automóveis, eu sentia como se eles estivessem
completamente imóveis comparados a quão rápidos nos íamos.
Roth bloqueava a maior parte do vento enquanto contornava um táxi, os
açoites do vento chicoteavam meus cabelos soltos que saíam debaixo do meu
17 Consiste na sequência de Ás, Rei, Dama, Valete e Dez do mesmo naipe. É uma mão imbatível.
As mãos do homem tremiam enquanto traçava suas cartas. — Um
Straight18 — disse com voz rouca. Ele caiu contra a sua cadeira, seu rosto pálido.
— Eles estão jogando por gatinhos? — Perguntei, pensando em um episódio
de Buffy que vi pelo computador em uma noite de insônia.
Roth parecia confuso. — O quê?
Balancei a cabeça. — Não importa. Por que eles estão jogando?
— Não sei se quero saber. — Roth afastou-me das mesas de pôquer.
— Menina bonita, você quer dançar comigo?
Minha cabeça levantou. Uma das dançarinas na gaiola se estirava para mim
através das barras. Quando não pôde me alcançar, ficou de pé, fechou os olhos e
jogou a cabeça para trás. Seus longos cabelos castanhos caíam pelas costas
enquanto ela balançava seus quadris ao som da música. — Venha. Se solte. Viva
um pouco. Você vai amar a liberdade. A forma como a música incendeia seu sangue.
Você adorará o ardor. Todos nós adoramos.
— Harpia — murmurou Roth.
Seus olhos se arregalaram enquanto ela se abaixava, passando as mãos na
frente do seu corpo parcialmente vestido. Ela sorriu para Roth. — Mei Domina19.
A língua que ela falou parecia velha. — O que ela disse?
Ele sorriu. — Não dance com nenhuma das garotas daqui.
— Não estava planejando — respondi baixinho. — Você não respondeu
minha pergunta.
— Não estava planejando — ele falou, me levando para o bar, à mão nas
minhas costas uma presença constante no mundo louco em que eu havia entrado.
— O que acontece se eu dançar com uma delas? — Perguntei após alguns
segundos.
Ele se inclinou, sussurrando em meu ouvido: — Você nunca mais pararia,
pequena. Você é apenas metade demônio, então é suscetível a alguns dos encantos
dos demônios. Algumas dessas meninas lá em cima são seres humanos. Elas
dançaram. Veja onde estão agora.
Estremeci. Por suas palavras ou sua respiração, eu não tinha certeza. —
Isso não me parece justo.
24 Bluebelle é a companheira de Flower. Ela é uma fofoca e foi vista apenas no Bambi original.
25 Flower é um gambá.
Eu sabia que havia uma razão pela qual eu deveria, mas balancei a cabeça,
e então encontrei a minha voz e uma boa dose de audácia. — Não.
— Então você não se importará se eu tirar isso? — Roth passou os dedos
pelos cordões do capuz do meu suéter. — Está cheirando a Sucky e Icky.
Antes mesmo que eu negasse, ele abriu o zíper. Prendi a respiração quando
seus dedos roçaram contra mim. Um formigamento afiado passou por mim,
limpando o nevoeiro do meu cérebro por um momento ou dois. Então ele deslizou
o ofensivo material pelos meus ombros, deixando-o cair no chão.
— Linda... Qual o nome disso? — Ele murmurou; seus olhos claramente
não em meu rosto.
— Eh... Regata. — Respirei profundamente, mas não conseguia ar suficiente
nos meus pulmões. — Roth?
Seu olhar subiu. — Layla?
Comecei a falar, mas algo suave e peludo roçou meu pé, chamando minha
atenção. Um pequeno gatinho branco olhou para mim com seus lindos olhos azuis.
Abaixei-me, tentando alcançar a bolinha de pelo; querendo abraçar, apertar e
adorá-lo, mas depois me lembrei.
Franzindo o cenho para o diabinho, eu afastei meus dedos de seu alcance.
— Não. Eu me lembro de você. Gatinho mau.
O cabelo ao longo das costas do gatinho se levantou, vaiou antes de virar e
voltar correndo para debaixo da cama.
— Vejo que você aprendeu com seus erros do passado, mas acho que você
incomodou o Nitro.
— Estes gatinhos têm raiva. — Eu me levantei e logo ofeguei quando uma
onda de vertigem me atacou.
Roth colocou a mão no meu braço e havia uma preocupação muda em seu
rosto. —- Você está bem?
— Sim... estou bem. Isto acontece depois... — minha voz sumiu enquanto o
gatinho branco e preto colocava a cabeça para fora da cama e olhava para mim
com as orelhas achatadas.
— Depois de se alimentar?
Alimentar. Foi isso que eu fiz? Assim como o resto dos demônios no
estranho lugar nas entranhas deste edifício? Eu estava fazendo a minha parte na
cadeia alimentar demoníaca? Estremeci.
— Você não tomou a alma dela, pequena.
Levantei minha cabeça. Eu não fiz. — Ela estava bem, certo?
— Sim.
— E se ela estava lá, isso significa que ela era ruim, certo?
Sua respiração quente dançou na minha bochecha. — Sim.
Isso significa que ela estava bem? Eu não tinha certeza. — Não quero pensar
nisso.
— Você não precisa pensar. Por que não se senta?
Porque não parecia haver muito mais do que eu poderia fazer, voltei para a
extremidade da cama e me sentei entre os grandes travesseiros. A essência dele
estava em todo lugar, e quando fechei os olhos inalando profundamente, lembrei-
me de ter estado aqui antes, nesta cama... Nos braços dele.
Um rubor quente viajou sobre minha pele e meus olhos se fecharam.
Quando os reabri, vi Roth caminhando até a cama com uma longa bandeja nas
mãos. Vários pratos estavam cobertos com tampas de prata.
Sentei-me reta, confusa. — Adormeci? — Senti como se apenas alguns
segundos haviam se passado.
Ele riu quando se sentou, colocando a bandeja entre nós. Havia dois copos
altos cheios de gelo, perto de duas latas de refrigerante. Era como um serviço de
quarto proporcionado por um cara quente e seminu. — Não. Você estava sentada
aqui cantando.
— Estava?
— Sim. Paradise City. — Ele sorriu; dando-me um olhar através de seus
cílios grossos. — Acho que você está me contagiando.
Por alguma razão, isso não caiu muito bem, mas depois, ele começou a
revelar as bandejas e eu caí – eu caí de amores por aquela gloriosa comida
maravilhosa na minha frente. Um buffet de carne, gordura e sal.
Com Roth e eu comendo, a comida se foi em nanossegundos. Enquanto ele
recolhia os pratos e os levava para a área da cozinha, me recostei de costas e bati
no meu estômago. — Minha barriga está feliz.
— Aposto que está. — Houve um som de água corrente e depois parou. Não
demorou nem um segundo antes que ele estivesse sentado ao meu lado. Colocando
uma mão em meu ombro, ele se inclinou para mim. — Como se sente?
Meus lábios se separaram em um sorriso largo. — Bem. Ótima. Feliz. Talvez
um pouco cansada, mas sinto que...
— Entendo o ponto — ele disse, rindo. Sua cabeça se inclinou para a direita
enquanto a intensidade de seu olhar parecia poder ver através de mim. Um olhar
tenso tomou conta do seu rosto quando ele cuidadosamente afastava os fios do
meu cabelo dos meus ombros e espalhava sobre o travesseiro... — Queria você se
sentisse desta maneira depois, mas você não vai.
Meu coração afundou quando ele baixou o olhar. — Você vai se odiar depois
disto, embora não tenha ferido aquela mulher. Para ela, será como ter uma ressaca
após uma noite de festa. E ela não sentirá falta dessa pequena parte de sua alma
que você tomou. Não que sentisse falta de alguma parte de sua alma que deu de
bom grado para cada pecado abominável que cometeu — ele suspirou em voz alta,
como se houvesse um peso invisível em seus ombros. Ele bateu os cílios. — Eu não
queria fazer você fazer isso quando te trouxe aqui. Sucky e Inky deveriam ter ficado
longe de você. Eu deveria ter me assegurado disso.
Ele balançou a cabeça ligeiramente. — Eu queria apenas que você visse
como os outros vivem. Não aqueles dois bastardos. Eles são más companhias, e...
Não são nada como nós. Queria que você visse isso. Assim, você poderia ver o que
está dentro de você... — ele bateu no meu estômago com o dedo. — Não é ruim,
não importa o que um idiota líder de um clã te diz ou te faça sentir.
— O mesmo para você.
Ele arqueou a sobrancelha. — O que significa isso?
Levantei meu braço, dando batidas em seu peito com o dedo. — Você não é
tão ruim quanto gosta de pensar. Você é capaz de atos de grande bondade.
Ele bufou. — Você está chapada.
— Não estou. — Toquei novamente nele. — Você tem feito coisas que os
seres humanos com as almas não fariam, você...
Sua mão segurou meu pulso e a tirou de seu peito. — Tudo o que faço é por
uma razão puramente egoísta. Confie em mim.
Eu não acreditava. Eu queria afastar meu braço, mas de alguma forma,
tudo o que consegui fazer foi trazê-lo para mais perto. Músculo flexionava em seu
braço enquanto ele pairava sobre mim, apoiando seu peso. O calor de seu corpo
infiltrou-se novamente no meu. Bambi ficou agitada. Eu realmente gosto dessa
cobra, eu percebi. Ela deslizou sobre a minha pele, fazendo cócegas quando sua
cabeça atingiu meu ombro, aparentemente compelida pela proximidade de Roth.
Um fantasma de um sorriso cruzou seus lábios enquanto ele observava Bambi, e
eu me perguntei se ele sentia saudades.
Nossos olhos se encontraram e esse sentimento de antes voltou, deslizando
pelas minhas veias. As palavras pularam de mim. — Beije-me.
As manchas âmbares de seus olhos escureceram. Seu rosto tenso, quase
como se estivesse com dor, e não sabia por que esse pedido o incomodava. — Layla...
Puxei meu braço e ele se aproximou ainda mais. Quando falei, os nossos
lábios estavam a centímetros de distância. — Beije-me.
Seus cílios piscaram, protegendo seus olhos. — Você não sabe o que está
pedindo.
— Sim, eu sei.
Ele balançou a cabeça enquanto eu soltava a minha mão. — Não, não sabe.
Você está realmente…
Empurrei Roth e ele caiu fortemente de costas sobre a cama. Poderia ter
sido o fato de ser pego de surpresa, mas, de qualquer maneira, eu assumi a
liderança. Joguei minha perna sobre o seu quadril e me sentei, pressionando as
palmas das minhas mãos em seus ombros.
Seus olhos se arregalaram em choque quando me movi, colocando meu peso
em meus braços. Meu cabelo deslizou sobre meus ombros, criando uma cortina
loira esbranquiçada. Sentada sobre ele, sentindo-o debaixo de mim, entre minhas
pernas, eu me senti como uma deusa subindo no trono da sexualidade. Quase ri
com esse pensamento, mas percebi que arruinaria a minha sensualidade.
— Deus. — Ele jogou a cabeça para trás, gemendo enquanto colocava as
mãos em meus quadris. — Realmente, eu realmente gosto assim.
— Então, qual é o problema? — Perguntei, balançando-me para trás,
arrastando a ponta dos meus dedos em seu estômago plano.
Seus dedos se enterraram em meus quadris e olhou para mim através das
pálpebras pesadas. — Não consigo pensar em um agora.
— Bom. — Comecei a abaixar a cabeça, olhando para seus lábios
entreabertos.
Ele me pegou pelos pulsos novamente, levantando os braços e me parando.
— Isso... Isso não vai acontecer, baby.
Confusa, eu tentei me aproximar mais, mas ele me parou. Um pouco da
agradável neblina desapareceu enquanto meu coração tropeçava. — Você... Você
não me deseja?
Roth se moveu tão rápido que não tive um segundo para pensar no que ele
estava fazendo. Eu estava de costas com os braços esticados sobre a minha cabeça.
— Não te desejo? — Ele disse, pressionando-se contra mim. Cada parte dos nossos
corpos se tocou, roubando minha respiração. — Acho que você sabe a resposta
para isso.
Oh, eu acho que sabia.
Consegui libertar uma das minhas pernas de baixo das dele, e enganchei
minha perna em torno da parte inferior da perna dele. Seus quadris afundaram e
meu corpo formigava, como se pequenas faíscas dançassem na minha pele. Ele
gemeu novamente.
— Eu te desejo tanto que é como uma fome que me rói infinitamente. Ela
nunca vai embora. — Ele enterrou a cabeça no espaço entre meu pescoço e o ombro,
inalando profundamente. — Você não tem nenhuma maldita ideia.
— Então, faça algo sobre isso — sussurrei.
Roth levantou a cabeça e seus olhos se estreitaram. — Layla... — a maneira
como ele disse meu nome era uma bênção. — Por favor...
Meus dedos se curvaram indevidamente enquanto me esticava para ele,
finalmente alcançando-o com meus lábios. Nossas bocas estavam quase se tocando,
mas Roth estremeceu e seu aperto em torno de meus pulsos apertou ainda mais.
E então ele estava sobre mim.
Era como se as correntes que o prendessem tivessem se quebrado. Roth me
beijou, e não havia nada suave ou doce na forma como sua boca trabalhava na
minha. Ele segurou meus pulsos com uma mão e a outra mão deslizou no meu
braço, escorregando para a minha cintura, sob a barra da minha regata. Sua mão
deixou um rastro de fogo enquanto a movia em cima da pele nua do meu estômago
e depois subia. Arqueei-me diante do seu toque, e me perdi naquele beijo, perdida
no sabor e na sensação que era tão familiar que doía.
Então o beijo se aprofundou, e o sabor dele me marcou de dentro para fora.
Seu coração batia contra o meu. Nossos corpos se encaixavam e se moviam,
fazendo com que cada célula dentro de mim queimasse por mais, exigindo, e Roth
dava. Seus quadris se mexiam de maneira que me deixava ofegante entre os beijos
intensos e devastadores. Minhas pernas se enroscaram ao redor dele.
— Isso é tão bom — ele murmurou contra a minha boca. Um som profundo
retumbou dele quando me beijou novamente. — Muito bom para ser verdade.
Realmente não entendi o que ele quis dizer, mas queria tocá-lo, passar meus
dedos sobre os músculos de suas costas, deslizá-los por baixo de seus jeans
frouxos. Senti como se fosse sair da minha pele, como se já tivesse feito antes...
Aquela noite com ele, mais foi há muito tempo, mas isto era agora e seu corpo se
movia como pecado.
Sem aviso, ele me deixou, e a cama tremeu quando ele caiu de costas. Por
um momento, eu estava atordoada demais para me mover, muito presa nas
sensações correndo através da minha pele.
Ofegante, eu comecei a me sentar para segui-lo. — Roth...
— Não — ele disse, levantando a mão tremendo. — Deus, eu não posso
acreditar que estou dizendo isso, mas não se aproxime de mim. Não se mova.
De repente, ele tirou as pernas da cama e se levantou. Lentamente me
levantei sobre meus cotovelos e olhei furtivamente ele caminhar ao redor da cama.
Roth enterrou as mãos no cabelo e amaldiçoou em voz baixa. Como um
animal enjaulado ele olhou para mim. Seus olhos ardiam com um fogo interior.
Segui seu olhar. Minha regata estava enrolada para cima, mostrando meu
sutiã. Antes que eu pudesse fazer algo para remediar esta situação, ele se virou e
foi para o banheiro. A porta bateu, ecoando através do loft.
Respirando profundamente, eu caí para trás e fechei os olhos com força. O
que aconteceu? Senti como se estivéssemos na mesma página, que queríamos a
mesma coisa, ou não?
Corri minhas mãos sobre o meu rosto e puxei minha blusa para baixo.
Alguns minutos se passaram, talvez mais, enquanto eu ordenava ao meu corpo que
se acalmasse e ao meu coração que desacelerasse. Roth ainda não voltara do
banheiro, e meu rosto queimou em um tom profano de vermelho enquanto me
perguntava o que ele poderia estar fazendo lá.
A droga estava desaparecendo rapidamente do meu sistema e toda a lógica
e o bom senso que varri como um mosquito irritante lutava exaustivamente,
rastejando sobre mim. Essa vozinha na parte superior da cabeça aumentava de
volume, cheia de justa humilhação, e ameaçando me dar um tapa na cara, mas
então, os três gatinhos demônios do inferno correram para os pés da cama.
Rondando e se aproximando, suas garras enterrando-se nas cobertas, me olhavam
como se eu fosse uma bonita, mas estúpida borboleta presa em uma teia de aranha.
Congelei enquanto eles andavam para o meu lado, então franzi a testa ao
ver como eles se acomodavam como bolinhas que ronronavam tão forte que faziam
com que a cama vibrasse.
Um pouco atordoada, observei-os enquanto essa pequena voz aumentava
novamente, me dizendo para levantar e sair deste maldito lugar antes que fosse
muito tarde. Mas o zumbido dos gatinhos teve um efeito entorpecente, e antes que
percebesse à distância entre agora e depois eu adormeci.
Acordei com o brilho suave de velas, uma forte dor de cabeça e um pouco
confusa com o meu entorno. Levou um momento para perceber onde estava e o
que aconteceu no estranho ambiente abaixo dos apartamentos do Palisades.
Levantando-me, de repente, senti meu coração acelerar. Havia um gosto
estranho na parte de trás da minha boca. Levantando as cobertas, eu fiquei aliviada
ao descobrir que não estava nua. Lembrei-me de vir aqui com Roth, conversando
com Cayman e os demônios gêmeos do mal, então a...
Oh, Deus.
Lembrei-me de provar a alma da mulher, aquela que me lembrava de um
cupcake.
Curiosamente, a náusea por tomar uma alma era mínima. Apenas uma
ligeira dor de estômago, mas isso era verdadeiramente insignificante em
comparação a todo o resto.
Saí da cama, meus olhos disparando para todos os lugares. Na borda da
cama, o gatinho branco estava deitado de lado. Quando me viu, vaiou. O gatinho
preto e branco estava sentado no piano. Ficou de pé preguiçosamente e pisou nas
teclas. Cada nota que as patas golpeavam era discordante. Pela extremidade dos
meus olhos, uma sombra se precipitou diante da parede de vidro, bloqueando
momentaneamente a lua e as luzes dos edifícios circundantes. Eu me virei; meu
coração na garganta.
Não havia nada lá.
Meu olhar caiu na porta do banheiro. Ela estava aberta e foi fechada
quando... Oh merda em um biscoito, Roth. Eu me joguei contra ele. Bem,
tecnicamente, ele foi derrubado e montado. Eu o beijei e ele devolveu o beijo antes
de parar o que eu provavelmente teria continuado.
Coloquei uma mão em minha têmpora, fazendo uma careta. Nesse momento,
eu não sabia o que era pior: atacar sexualmente Roth, ele ter se escondido no
banheiro ou que eu tivesse provado uma alma.
Percorri o loft novamente, mas não vi Roth. Meus passos eram pesados,
minhas pernas desconexas. Encontrei meus sapatos e o suéter com capuz ao lado
da minha mochila, os três artigos colocados em uma cadeira junto à porta. Sequer
me lembrava de ter trazido minha mochila comigo. Peguei meu celular, tocando a
tela. Havia chamadas perdidas – duas de Stacey e mais do que eu poderia contar
de Zayne, e meu coração afundou. Então vi a hora.
3:15 da manhã.
— Oh, merda — gritei, assustando o gatinho no piano. O rangido das teclas
correspondeu ao ritmo do meu pulso. — Oh, merda, merda, merda.
Procurei minha carteira, encontrando-a esmagada entre dois cadernos.
Precisaria conseguir um táxi. Enquanto deslizava o telefone em minha mochila,
pensei nas chamadas perdidas de Zayne. Ele deveria ter entrado em pânico e teve
de ter pensado... Nem sequer podia me permitir terminar esse pensamento. Minha
mão tremia enquanto a envolvia ao redor da alça da mochila. Eu precisava ligar
para ele, mas não conseguia me concentrar em outra coisa senão colocar um pé
diante do outro.
Onde estava Roth?
Isso não importa. Ele me trouxe aqui e ele... Ele me deixou dormir por horas.
Um lampejo de raiva me atravessou, mas como poderia culpá-lo por essa bagunça?
Eu deveria ter escutado os meus instintos, mas fui com ele. Então dancei com
Sucky e Inky e, apesar de terem feito alguma coisa para mim, fui eu quem provou
a alma da mulher. Era como se Roth tivesse aberto a porta quando me pediu para
ser má com ele, e saltei bem no meio disso.
Eu mesma me meti nesta confusão.
Caminhar para a porta e abri-la me tomou uma grande quantidade de
energia. Do lado de fora do apartamento, os dois cães do inferno estavam sentados
como sentinelas. Suas orelhas se levantaram, mas não se voltaram para mim.
Enquanto passava junto deles, estavam calmos, os músculos de suas costas
inchando em montículos irregulares. Prendi a respiração, rezando para que não
me comessem, até que alcancei o final do corredor e abri a porta.
Meio correndo, meio deslizando degraus abaixo, continuei até ouvir gritos
agudos. Parando do lado de fora da porta que conduzia ao vestíbulo, congelei.
Gargalhadas ecoavam na escada, como gritos e gemidos.
O que...?
Recuando, eu me virei e vigiei a saída da garagem. Qualquer lugar era
melhor do que entrar no vestíbulo ou retornar ao bar, voltando para a loucura sem
Roth. Ou ele estava no vestíbulo, desfrutando da festa?
Abri a porta, correndo pela garagem escura e saindo às ruas. Meu suéter
fino não era proteção contra o ar frio. Abracei a mim mesma com a minha mochila
enquanto corria pelas ruas cobertas de neblina. De repente, pensei em Jack, o
Extirpador. Ele sempre não atacava suas vítimas nas noites de névoa, em Londres?
Não que eu não pudesse eliminar um assassino em série, mas mesmo assim, o
pensamento me assustava.
Apressei-me, os olhos procurando algum táxi nas ruas nubladas. Deus, eu
estava em um grande problema. Provara uma alma. Minhas vísceras estavam
retorcidas pela culpa e vergonha, e disse a mim mesma que parasse de pensar
nisso, porque não havia nada que pudesse fazer agora.
Mas minha pele se arrepiou a medida que continuava pela rua silenciosa.
Se respirasse muito forte, inalasse muito profundamente, ainda podia saborear a
essência dela – friamente congelada. Mordi meu lábio até que o sangue substituiu
a doçura açucarada. A dor fez pouco para parar a memória rondando, o prazer que
a alma trouxera.
O que eu fiz?
A abstinência não parecia ter me atingido ainda e merecia os suores,
calafrios e a fome que não podia ser aliviada. Eu merecia isso e muito mais.
Todos os edifícios ladeando as ruas estavam tranquilos e sombreados até
eu cruzar uma rua e perceber que uma das sombras se afastara do resto.
A sombra cruzou a calçada ao meu lado, mais espessa e maior do que a
minha própria sombra clara. O cheiro de enxofre substituiu o cheiro de mofo do rio
nas proximidades.
Eu parei.
A sombra parou.
Gelo encharcou minhas veias quando o aroma de ovos podres aumentou
até que meus olhos ardessem.
Ao meu lado, a sombra ficou alta e magra, tomando a forma de uma figura
sem rosto, feita de fumaça escura. A sombra levantou os braços para o alto e se
inclinou para um lado, levantando uma perna. A densa névoa se retirou, como se
não quisesse tocar a abominação. Lentamente, a sombra girou como a primeira
bailarina na caixa de joias que eu nunca usei.
Merda.
Era uma sombra – um espírito demoníaco. Do tipo que poderia possuir
humanos fracos e causar uma série de problemas.
Uma risada fria pareceu sair da sombra da calçada e dos edifícios de uma
só vez. Rodeou-me, levantando o pelo de todo meu corpo. Dei um passo atrás.
A sombra parou, abaixando a perna no chão. Colocou os braços fumegantes
em que assumi fossem seus quadris e fez uma dancinha feliz. Então se inclinou,
estendendo uma mão transparente para mim. Dedos frágeis se mexiam em um
convite para dançar.
Mais sombras vieram se unir à dança bizarra. Girando e mergulhando ao
meu redor, quebrando grossas nuvens do nevoeiro. Elas seguiam em uma
velocidade vertiginosa, acenando para que eu me juntasse ao corpo a corpo. Fez-
me lembrar dos gêmeos e dos momentos em que apanhei a visão dos rostos
descarnados no clube.
Não tenho tempo para isso.
— Vá embora — insisti. — Não quero nada do que você está oferecendo.
Elas pararam; as cabeças nebulosas inclinadas para um lado, exceto a
sombra original. Esta se tornou mais espessa e mais forte enquanto os segundos
se passavam, solidificando o corpo. Manchas cinzentas começaram a cair do céu,
aterrissando em minhas mãos e em meu cabelo, com cheiro de carne queimada e
do mal.
— Mas nós temos tempo para você — disse a sombra com uma voz rouca.
— Sabemos o que você quer.
Cada instinto em mim gritou para que ficasse longe dessas coisas, mas me
segurei. — Sabem?
A sombra assentiu e fumaça flutuava no ar.
— Procura por Lilin, mas não está procurando no lugar certo.
— Puxa, obrigada pelo esclarecimento.
A sombra começou a rir e o som sacudiu as janelas do edifício atrás de nós.
— Está procurando muito longe. Você precisa olhar mais perto. Mais perto — disse
ele. — A verdade é muito mais estranha do que suas fantasias mais loucas.
Contra minha vontade, inclinei-me, atraída pela voz rouca.
A face nebulosa tomou forma diante de mim, dois olhos vermelhos ardentes.
Um rosto cheio de coisas redondas e retorcido apareceu. Vermes.
Gritando, eu me afastei e então saí correndo, os meus pés batendo ao longo
da calçada. As sombras começaram a perseguição, correndo ao meu lado, rindo
enquanto eu tentava desesperadamente colocar alguma distância entre nós. Eu
podia ver as pessoas na rua, moradores de rua que provavelmente viram quase
tudo, tentando desaparecer junto às paredes e edifícios, tentando se tornarem tão
pequenos e invisíveis quanto possível.
A sombra com a cara de vermes recuou, circulando no céu acima de mim.
Ar se precipitou sobre mim quando outra disparou para frente. No centro de uma
cara de fumaça, os traços se fundiram juntos, como se o rosto fosse feito de cera
de vela. Elas continuaram mudando, cada uma revelando-se mais inquietante que
a anterior, até que estivesse quase sólido e olhasse para mim com a minha própria
face.
Eu tropecei até parar.
Meus próprios olhos redondos olharam para mim, mas eles eram diferentes.
O cinza estava dividido pela metade, como os olhos de um gato – como meus olhos
ficaram quando eu mudei. Meu rosto sussurrou para mim, revelando uma boca
sem dentes, somente vermes – mais vermes.
Horrorizada, não conseguia afastar o olhar.
Os vermes se mexeram, batendo na calçada com pequenos barulhos de
tapas. A sombra falou com o meu rosto. — Com o tempo você verá, você é como
nós, e todos seremos livres.
A sombra com o meu rosto flutuou e me afastei disso. Virando, eu corri o
mais rápido que pude.
As ruas estavam vazias. Comecei a cruzar a rua, me atrevendo a olhar para
trás.
Reduzi a velocidade, virando. O suor escorria, queimando no ar úmido e frio,
e meu estômago se retorceu. Não havia sombras dançantes. Olhei para minhas
mãos. Estavam cobertas de cinzas.
Apressadamente eu limpei no meu jeans enquanto levantava os olhos.
A sombra mostrou o meu rosto.
Meu rosto.
Pressão se fechou sobre meu peito enquanto respirava profundamente e
fazia gestos para um táxi branco se aproximando.
Abri a porta traseira, olhando para as ruas de relance enquanto deslizava
para o banco.
— Para onde? — Perguntou o taxista.
Olhei para cima, pegando o reflexo dele no espelho. O sono repuxou seus
olhos e colocou várias rugas profundas em sua pele. — Dunmore Lane.
Ele balançou a cabeça, voltando para a estrada. — Isso é uma viagem e
tanto a partir daqui. Você parece um pouco jovem para está...
Um Guardião caiu do céu, aterrissando na frente do táxi.
— Oh, não — sussurrei.
O impacto sacudiu o táxi e acrescentou outro buraco na rua. Suas asas
estavam espalhadas, cobrindo vários metros de cada lado. O peito largo, da cor do
granito, era liso. Eu nem sequer tive que olhar para o seu rosto para saber quem
era.
Zayne.
— Jesus! — O motorista engasgou, apertando a mão contra o peito. Os seres
humanos estavam bem conscientes dos Guardiões, mas eu duvido seriamente que
qualquer um deles esperasse ver um caindo do céu no meio da noite. — De onde
ele veio?
Zayne colocou uma garra no capô do táxi, levantando o veículo sobre duas
rodas. O motorista pegou o volante enquanto se empurrava contra a parte de trás
do assento diante de mim.
— Saia do carro agora — Zayne ordenou, colocando lentamente o táxi de
volta no chão enquanto seu olhar penetrante pousava em mim.
O motorista virou em seu assento. — Ele está falando com você?
Eu assenti.
— Então, saia — disse ele, apontando para a porta. — Não quero qualquer
problema com eles. Ele quer que você saia do táxi, você sai do táxi.
Fiz uma careta, querendo salientar que eu poderia ser uma moça inocente
que precisava de ajuda, mas não era o caso, e não queria arrastar alguém que era
inocente para o meio disto.
Abrindo a porta, saí. No momento em que fechei a porta, o táxi se foi,
queimando borracha enquanto voava pela avenida.
— Você esteve com ele.
Meu coração bateu forte enquanto forçava meus olhos a encontrarem os
dele. Em sua forma verdadeira, Zayne era uma massa intimidante de granito.
— Você cheira a ele, por isso nem sequer tente mentir.
— Eu não faria isso. Juro. — Engoli o caroço na minha garganta. — Zayne...
— Passei a tarde e a noite toda procurando por você — disse, dando um
passo para frente. Sua cabeça estava baixa. — Passei na casa dele. Eu não podia
entrar, mas ele me encontrou no telhado. Ele disse que você não estava lá.
Ele disse o que? Deve ter sido quando eu estava dormindo, mas por que
Roth mentiu? Provavelmente porque eu havia me alimentado com uma alma e não
sabia se ainda estava voando como uma pipa.
— Ele mentiu, obviamente — Zayne rosnou. — Não posso dizer que estou
surpreso com isso, mas e você? — A raiva parecia escoar dele enquanto dava um
passo atrás. Seus ombros caíram, respirando profundamente. — Você passou a
noite com ele.
A declaração, nem tanto uma pergunta, me quebrou. — Não – não! Não foi
assim. Não fui com ele por causa de algo assim.
Ele virou a cabeça e a luz da lâmpada se refletiu nos chifres luminosos e
pretos. O fato de ainda estar em sua forma de gárgula, diante de mim, era
testemunho do quanto ele estava chateado. Costumava haver um tempo que ele
escondia a sua verdadeira forma, de mim.
— Fui almoçar com ele. Isso é tudo! Eu sei que não parece assim, mas é por
isso que saí da escola com ele. — Minha mochila caiu no chão. — Eu estava
chateada hoje com o que aconteceu ontem à noite com Abbot e precisava ficar
sozinha... Eu precisava me afastar.
Sua cabeça se virou para mim. — Fugindo com ele?
— Eu não quis que parecesse isso. — Apertei os olhos, sabendo que o que
estava a ponto de admitir seria muito pior do que qualquer coisa que Zayne tivesse
pensando. — Nós fomos a um lugar e havia essa mulher lá e eu...
— Você o quê?
Abri os olhos e vi novamente o que a sombra me mostrara – meu rosto. —
Havia essa mulher e eu... Eu me alimentei dela.
Zayne olhou para mim com os olhos arregalados. — Não.
A palavra soou torturada, e maldição, isso me feriu profundamente. — Não
era minha intenção e sei que isso não é desculpa. — Não importa que Sucky e Inky
tivessem tido algo a ver com isso. Culpá-los era inútil. — Eu não a matei. Ela estava
bem, mas fiz e consegui ficar...
— Chapada?
Minhas bochechas queimavam de humilhação. — Sim.
— Deixe-me ver se entendi. Você foi porque estava chateada com o que
aconteceu ontem à noite com Maddox, que, aliás, está acordado e confirmou que
você não o empurrou. — Antes que eu pudesse dizer que a confirmação
provavelmente fez pouco para mudar o que seu pai pensava de mim, — ele
continuou. — Então você fugiu hoje com um demônio para fazer exatamente o que
meu pai te acusava de fazer? — Ele começou a andar na minha frente, agitado. —
Inferno, como isso faz sentido.
Corri minhas mãos pelo cabelo. — Não faz, e sei que estraguei tudo...
— Isso é porque você estava com ele.
Balancei a cabeça, sabendo que ele sequer ouviu o pior ainda e eu precisava
dizer a ele. — Não é porque eu estava com ele. Ele não me forçou a fazer nada.
Zayne abriu a boca, e então, dor cruzou seu rosto. Deu um passo atrás e
sua pele se iluminou até que estivesse diante de mim em sua forma humana.
Vestindo apenas calças de couro, ele parecia menos intimidador.
Mas a expressão do seu rosto, aqueles penetrantes olhos azuis acertaram
meu peito. Ele passou a mão no cabelo, arrumando-o e, em seguida, abaixou a
mão. — O que... O que você fez?
— Eu... Eu beijei Roth — disse, me forçando a não afastar o olhar e
enfrentar o que eu havia feito. — Estava uma pouco desorientada e...
— Basicamente é como ficar bêbada e depois ficar com alguém? — Ele riu,
mas não havia humor. — Essa é sua explicação?
— Não, não é, mas eu não teria feito se não estivesse fora de controle. —
Uma vozinha dentro de mim discordou, mas calei essa cadela bem rápido. — Foi
um erro — sussurrei. — Sinto muito. Eu sei que não muda nada ou melhora, mas
eu sinto muito.
Ele deu um pequeno sacudir de cabeça. — Nem sei o que dizer, Layla. Eu
te conheço. — Ele agarrou meus ombros enquanto abaixava a cabeça. — Eu te
conheço, mas às vezes, é uma completa estranha para mim. Você faz coisas que
irão prejudicá-la e nem sequer sabe o motivo.
— Eu só... — apertei meus olhos. Eu só o quê? Sabia por que fazia as coisas
que fazia às vezes? A resposta parecia simples demais. Estava em minha natureza.
Isso não era uma desculpa. Não me alimentar não estava em minha natureza. Mas
nada disso importava neste momento, porque quando abri os olhos, vi somente a
dor de Zayne. — Sinto muito.
Suas mãos deslizaram pelos meus braços e caíram quando ele se endireitou.
— Quando eu disse que deveríamos dar a isso – isso entre nós – uma chance, eu
não pensei que isto aconteceria.
Minhas entranhas se retorceram em nós ainda mais intrincados e dolorosos.
Isso era tudo. Fosse o que fosse que havia entre nós acabou antes mesmo de
começar. Talvez fosse melhor. A relação seria impossível e abriria uma brecha entre
ele e seu pai. Mesmo dizendo isso para mim, as lágrimas deslizaram, queimando
atrás dos meus olhos.
— Não há nenhuma chance agora, há? — Perguntei com minha voz
embargada.
Ele não respondeu por um longo momento. — Realmente não sei.
Meu queixo caiu quando tomei uma respiração irregular. Era melhor do que
eu esperava, mas não fez nada para aliviar a culpa rastejando na minha pele.
Após alguns segundos, ele disse: — Eu te cobri.
Ergui a cabeça, e quando vi que ele dizia a verdade, eu queria arrancar
minha língua da minha boca. — Como?
— De alguma forma, eu sabia que você estava... Bem — disse ele, passando
a palma da mão sobre sua mandíbula. — Não parei de procurar por você, passei
horas, mas não foi difícil te dar cobertura.
Senti-me com sessenta centímetros de altura.
— Nessa tarde, recebemos a notícia enquanto estava fora fazendo... Fazendo
alguma coisa. — Dean McDaniel morreu.
Minha mão voou para minha boca e todo o resto foi esquecido. — Oh, meu
Deus.
— Você sabe o que isso significa.
Além do fato de que uma vida muito jovem foi levada? Abaixei a mão. —
Isso significa que ele se tornou um fantasma.
As más notícias viajam rapidamente.
Quando a escola começou na manhã seguinte, parecia que todos já tinham
ouvido falar da morte de Dean. Ele não era popular, e a maioria das pessoas só
tomara consciência dele depois da briga em bio, mas havia uma sombra sobre os
corredores lotados. Ninguém sorria ou ria. O reboliço de emoção com o feriado de
Ação de Graças se aproximando estava silencioso. A morte de Dean afetou a todos
nós. Talvez servisse como um lembrete doloroso de que mesmo os jovens poderiam
morrer a qualquer momento.
— Alguém disse que foi um ataque cardíaco — Stacey disse enquanto nos
dirigíamos para a sala de aula. — Mas, o que faz um rapaz de dezessete anos ter
um ataque cardíaco?
Balancei a cabeça. Foi o melhor que eu poderia expressar dado o que
aconteceu na noite passada e nesta manhã. Curiosamente, os efeitos ocorridos
após a alimentação, quando um viciado fica muito animado, ainda não me
atingiram.
Eu sabia pelo que Zayne me disse esta manhã que a morte de Dean foi por
causas naturais, mas estava longe de ser normal.
Dean estava morto, mas certamente não estava em paz.
Aquela nuvem de maldade, a manta grossa e quase sufocante
transbordando sob a superfície e que senti na casa do Dean, estava presente na
escola hoje. Era como uma sombra escondida em cada esquina, um perseguidor
invisível esperando para atacar.
— Talvez fosse droga — disse uma menina do nosso lado, que por mais que
tentasse não consegui lembrar o nome dela. — Ele pode ter tido uma overdose e
estão dizendo que foi um ataque cardíaco.
A especulação continuou até que a campainha tocou, sinalizando o início
da aula. Fiquei tensa quando Roth passou tranquilamente no último segundo. Com
cabelos encaracolados molhados por uma chuva recente, parecia tão cansado
quanto eu me sentia. Cantarolando baixinho, ele sentou na nossa frente e olhou
para mim por cima do ombro. Havia uma fartura de mistério em seu olhar
interrogativo, o qual ignorei quando o Sr. Tucker – que eu achava que substituiria
permanentemente a Sra. Cleo – se moveu para ficar na frente da classe com as
mãos cruzadas para frente.
Meus olhos encontraram os de Roth por um momento e então me concentrei
no Sr. Tucker. Eu estava muito cansada para ter vergonha do que havia feito ontem,
mas não sabia o que dizer a Roth. Pedir desculpas por abusar sexualmente dele?
Parecia divertido. Eu podia sentir seu olhar vagar sobre mim por alguns instantes
antes de virar para frente.
— E vocês dois, o que está acontecendo? — Stacey perguntou em voz baixa,
mas eu sabia que Roth poderia ouvir perfeitamente.
— Nada — respondi.
Roth se recostou na cadeira, deixando seus braços pendurados para os
lados.
— Eu digo, como uma melhor amiga, que é mentira. — Ela bateu com a
perna contra a minha. — Ontem você desapareceu novamente. Estava com ele,
certo?
A mentira subiu na ponta da minha língua, mas estava tão incrivelmente
cansada de mentir. Não respondi; o que era resposta suficiente. A cadeira de Roth
ficou sobre as pernas traseiras, num equilíbrio precário de uma maneira que só ele
poderia manipular sem que caísse como um idiota.
Stacey prendeu a respiração. — E Zayne?
Meu coração apertou como se alguém o tivesse metido em um liquidificador.
Boa pergunta. Ontem eu cometi um erro e machuquei Zayne mais do que
provavelmente me dei conta. Quando me trouxe à escola esta manhã, ele não falou
comigo. Nem eu falei, porque, neste ponto, as palavras eram baratas e inúteis,
cheias de promessas e expectativas vazias.
Os cotovelos de Roth descansavam em nossa mesa, e Bambi se agitou
inquieta em meu estômago. Ela desapareceu logo que cheguei em casa ontem à
noite, muito provavelmente para se alimentar. Quando acordei, com apenas meia
hora para me arrumar para a escola, ela estava enrolada em minha casa de
bonecas.
Sr. Tucker limpou a garganta. — Eu sei que hoje nós recebemos uma notícia
muito trágica de um de seus colegas de classe.
Meu olhar se desviou para os meninos que se sentavam atrás de Dean.
Lenny ainda não havia retornado para a escola, mas Keith estava lá. Pela maneira
que ele estava largado na cadeira, com as pernas esticadas na frente, eu percebi
que não estava muito triste com a notícia.
— Fui informado de que existem conselheiros aqui na escola para quem
quiser falar com eles — continuou o Sr. Tucker, movendo os slides com as mãos,
fazendo a classe ficar agitada.
O próximo fôlego que tomei ficou preso na garganta quando o sentimento
dos corredores se infiltrou na sala de aula, uma escura e grossa nuvem passando
sobre o sol. Não consegui deixar de tremer.
E deixei a caneta cair em meu caderno enquanto dava uma olhada ao redor
da classe. Tudo parecia normal, mas algo estava fora do lugar.
Roth inclinou a cabeça para um lado, e eu sabia que ele também sentia isso.
— Não há nada para se envergonhar, se sentirem que precisam falar com
alguém — continuou o Sr. Tucker. — Ninguém vai censurá-los. A morte é uma
coisa difícil de lidar, não importa quantos anos você tenha.
As luzes sobre o senhor Tucker piscaram e passou despercebido por todos,
exceto para Roth e eu. Ele abaixou a cadeira para as quatro pernas. A luz sobre o
professor substituto deixou de piscar, mas a que estava em frente a ela começou a
piscar – e uma vez que essa parou, outra começou, cortando um caminho no meio
do corredor, até que a luz do teto acima da mesa em que Keith se sentava piscou
violentamente.
Keith olhou para ela com uma careta.
— Então, pergunte a qualquer um dos seus professores e agende uma
consulta com um conselheiro... — o Sr. Tucker parou e seu olhar se moveu para
as luzes. Ele parou de mexer os slides nas mãos.
Houve um momento de silêncio e cada músculo do meu corpo ficou tenso
quando uma brisa fria tomou conta da minha pele. Eu endureci com a sensação
familiar. Algo estava prestes a acontecer. Eu sabia, conhecia o sentimento. O frio
até os ossos que se filtrou em meu ser era o mesmo que sentira pouco antes das
janelas estalarem e Maddox cair pelas escadas.
Comecei a me levantar e Stacey agarrou meu braço.
A luz sobre Keith explodiu de repente, em uma chuva de faíscas e vidro. A
sala ficou cheia de gritos e o som de pernas de cadeiras batendo no chão enquanto
as pessoas ficavam em estado de choque.
— Aqui vamos nós — murmurou Roth, agora sentado reto.
O senhor Tucker deixou os slides caírem e se precipitou para frente. —
Afastem-se todos. Tem vidros no chão...
Keith tropeçou com a cadeira vazia a seu lado, sacudindo a cabeça.
Pequenos pedaços de vidro caíram de seus cabelos. Virei-me para rodear Stacey
enquanto Roth ficava de pé quando uma mancha escura veio do canto da sala, se
movendo muito rápido para que qualquer olho humano não conseguisse seguir.
Arrepios surgiram em minha pele.
Um espectro – havia um espectro na sala – e estava disposta a apostar um
ano de fornecimento de biscoitos de açúcar que se tratava de Dean.
A forma escura, não mais de três metros de altura, saiu em disparada para
as pernas de Keith, derrubando-o na cadeira. Provavelmente para todos na sala
era como se ele tivesse perdido o equilíbrio, mas eu sabia.
Keith caiu fortemente no chão, deixando escapar um grunhido. Suas pernas
chutaram a cadeira e a sombra ficou turva, se movendo novamente. A cadeira voou
para cima e para trás, batendo no rosto Keith.
— Merda! — Disse o Sr. Tucker, e Deus, em qualquer outro momento eu
teria rido, mas não era divertido.
A sombra deslizou para o canto da sala de aula, parando perto da porta
enquanto o Sr. Tucker se inclinava, ajudando um Keith ensanguentado e trêmulo.
Stacey virou para mim com o rosto pálido e olhos arregalados. — Começo a
pensar que é hora de transferir de escola.
— Isso pode ser uma boa ideia — disse Roth, se movendo em direção ao
corredor central.
Localizei a sombra enquanto ela se lançava em direção à porta. Ela caiu,
tornando-se uma poça de lama antes de passar debaixo da porta. O Guardião em
mim exigiu que eu saísse em perseguição.
— O que você está fazendo? — Stacey tentou me pegar, mas eu já estava
muito longe.
— Já volto — eu disse sobre meu ombro.
O senhor Tucker e a metade da classe estavam muito envolvidos no
atendimento a Keith, que divagava incoerentemente, para prestar atenção ao que
eu fazia.
Saí porta afora e virei para a direita, vendo o espectro imediatamente. Ele
deslizava pelo corredor, sendo nada mais do que uma horripilante nuvem de névoa.
Aproveitando a energia que não sabia que tinha, empurrei o chão e comecei a correr.
O espectro parou por um segundo e depois uma risada ecoou pelo corredor
um segundo antes das portas dos armários serem abertas ao mesmo tempo. Como
se houvesse soltado uma mola invisível, livros e jaquetas saíram voando dos
armários, seguidos por cadernos e papéis soltos.
Gritei quando um livro particularmente grande de história bateu contra
minha coxa, e depois me empurrou, perdendo o espectro de vista na tempestade
de livros.
Fora à confusão do redemoinho de livros da escola, meus olhos se
arregalaram quando canetas e lápis se transformaram em mini-instrumentos de
destruição. Saíram disparados pelo ar, batendo na parede com um baque.
As nuvens de livros e canetas bateram em meus braços. Derrubei alguns
para lutar contra outros.
De repente, Roth estava ali, atirando um livro ao chão antes que batesse na
minha cabeça. — Perseguir um espectro provavelmente não é a ideia mais
inteligente.
— Então, o que você sugere que façamos? — Abaixei-me antes que uma
grande maleta de maquiagem me acertasse. — Deixá-lo machucar mais alguém?
Roth abriu a boca para responder, mas o caos parou. Livros e papéis
ficaram suspensos no ar antes de caírem no chão.
O corredor parecia um brechó de vendas no retorno das aulas que foi
terrivelmente mal.
O pessoal veio pelo corredor, olhando o desastre antes de voltar o olhar para
onde Roth e eu estávamos. Olhares de descrença cruzaram seus rostos, seguido
rapidamente por suspeita.
— Merda — murmurei.
***
Olhei para o pedaço de papel amarelo na mão em frente à escola. Meu rosto
estava congelado em uma carranca.
Uma das portas se abriu atrás de mim, mas não precisava olhar para saber
quem era. O aroma doce o delatou. — Você também foi suspensa? — Ele perguntou.
Suspirando, dobrei o papel e coloquei no bolso do meu jeans enquanto Roth
se aproximava de mim. — Sim, a política de tolerância zero...
Roth riu, enfiando as mãos nos bolsos. — Pelo menos, são apenas alguns
dias. As férias de Ação de Graças é na próxima semana. Não estaremos mais
suspensos depois disso.
O diretor e o pessoal administrativo deram uma olhada no corredor e
culparam Roth e eu pelo desastre, dizendo que era uma brincadeira antes do
feriado ou alguma merda assim. O que poderíamos ter dito em nossa defesa? Que
foi obra de um espectro?
Sim, isso teria funcionado sem problemas.
— Você estará em apuros? — Ele perguntou quando não respondi.
Olhei para a luz do sol brilhante, tremendo. — Provavelmente.
— Isso não é bom. — Ele inclinou seu corpo em direção a mim, bloqueando
parte do forte vento ao redor do pavilhão.
Balancei a cabeça lentamente e voltei minha atenção para a rua.
— Quanta dificuldade você conseguiu pela noite passada?
Desci as mangas do meu casaco sobre meus dedos e apertei o material
escolar em minhas mãos. — Zayne me cobriu. Os outros não sabiam que eu não
estava em casa.
— Então, isso é bom.
Virando-me para ele, eu levantei minhas sobrancelhas. Ele olhou para
frente com os lábios franzidos. — Você disse à Zayne que eu não estava com você...
— Você sabe por que fiz isso.
— Ele não acreditou em você.
Ele ergueu o queixo. — Isso importa?
— Você me deixou dormir até às três horas da manhã — eu disse em voz
baixa. — Se Zayne não tivesse me coberto...
— Mas ele fez. — Seu olhar se voltou para mim. — Eu não queria te acordar.
— Porque estava com medo de que eu fosse me jogar em cima de você de
novo? — A pergunta saiu antes que eu pudesse parar.
Roth inclinou a cabeça para o lado. — Mais como eu estava com medo que
você não faria, e esse é o problema. — Ele deu um passo e se virou para mim. —
Eu deixei você sozinha, porque se você acordasse e me pedisse para beijá-la eu não
seria capaz de parar uma segunda vez.
Suas palavras tiveram um efeito contraditório sobre mim. Uma onda de
calor derretido correu pelas minhas veias, fazendo pequenas espirais apertarem
meu estômago, mas isso era errado por uma infinidade de razões.
— Você não precisa se preocupar com uma segunda vez — disse. — Eu
estava chapada.
Um lado de sua boca se levantou e ele riu baixinho. — Você é uma péssima
mentirosa.
— Não estou mentindo.
Roth voltou a subir um degrau, me cercando. Ele abaixou a cabeça para
que sua boca quase roçasse a minha, e quando ele falou, eu me recusei a dar um
passo atrás. — Eu sei por que você diz isso. Até mesmo entendo, Layla. Eu entendo.
Eu te feri e mereço todas e cada uma de suas mentiras.
Fiquei ali enquanto seu hálito quente dançava em meus lábios.
— Mas há tanta coisa que você não conhece ou não entende — disse,
inclinando a cabeça para que suas palavras roçassem o lóbulo de minha orelha,
enviando calafrios pelo meu pescoço. — Portanto, não reivindique saber o que eu
realmente quero ou o que eu faria para proteger isso.
Roth girou nos calcanhares enquanto eu piscava estupidamente. Ele desceu
as escadas largas de dois em dois degraus. Eu apertei a mão contra meu pescoço
enquanto o observava se afastar. Tinha tanta coisa que eu não sabia?
Quando se tratava de Roth, eu começava a acreditar que era verdade.
***
26 Clover é o nome dado pela produção de Cloverfield ao monstro gigante fictício que aparece no
filme de 2008. Ele nunca é chamado pelo nome; o nome "Cloverfield" é dado pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos ao arquivo que fala dos incidentes mostrados no filme.
Eu afundei um pouco na cadeira. Enquanto Abbot falava dos planos para
avaliar os danos na escola esta noite, eu repeti o que aconteceu na sala de aula.
Keith poderia ter sido gravemente ferido, e se o espectro não fosse tirado de lá, todo
mundo estava em perigo. O calafrio que tomou conta da minha pele me fez apertar
mais em meu suéter – o calafrio.
O ar frio que senti antes do espectro atacar me parecia familiar. Como eu
podia ter esquecido isso? Inclinei-me na cadeira. — Espere um segundo. Antes de
o espectro atacar na classe, eu senti uma rajada de ar frio. A mesma que senti
antes das janelas explodirem e Maddox cair da escada.
Os dedos de Abbot pararam ao lado de sua testa quando ele olhou para
mim. — Você está dizendo que há um espectro na nossa casa?
Parecia loucura, mas não era impossível. As salas de proteção contra
atividade demoníaca dentro da casa eram praticamente nulas devido a mim. E os
espectros não eram tecnicamente demônios, de qualquer maneira.
— Por que haveria um fantasma aqui? — Perguntou Abbot, abaixando a
mão para o topo da mesa enquanto me estudava. — Normalmente, eles são atraídos
para lugares que conheciam quando estavam vivos.
Dez se levantou de onde estava sentado em uma das cadeiras de couro de
tamanho grande. Um olhar contemplativo atravessou seu rosto. Ele não falou e eu
não sabia o que ele estava pensando, ou se estava na mesma linha em que minha
mente seguiu.
Um espectro é criado quando uma alma era retirada de um ser humano.
Apenas certos demônios podiam fazer isso, Lilith, um Lilin... E eu. Os Guardiões
também tinham almas, almas puras. E eu havia tomado a alma de Petr na noite
em que ele me atacou. Foi autodefesa, porque certamente ele teria me matado caso
eu não tivesse feito, mas o ato de tomar uma alma, independentemente da causa,
era estritamente proibido.
E algo horrível aconteceu. Ele não morrera como um humano teria quando
o último fio de alma era roubado. Tornou-se algo diabólico, mais assustador do que
um demônio de nível mais alto. Mas, então, Roth havia matado o que quer que
fosse que ele se tornara.
Petr ainda poderia estar aqui, mas como um espectro?
Meu estômago se retorceu em nós enquanto abaixava o olhar. — Tem razão.
— As palavras eram como ácido na minha língua. — Não há nenhuma razão para
que haja um espectro aqui.
Quando olhei para cima, percebi que Zayne estava ereto, e ele sabia o que
realmente aconteceu naquela noite. Eu não admiti, mas ele sempre via através das
minhas mentiras.
— Como você se livrará do espectro que feriu Keith? — Perguntei, esperando
voltar a atenção dele para o problema na escola.
Abbot segurou o meu olhar, sua expressão fechada. — Com um bom
exorcismo à maneira antiga.
O tempo passou sem complicações. Provavelmente, porque eu não havia
deixado a casa, Abbot não me puniu, o que me surpreendeu. Embora fosse óbvio
que eu não causara o desastre que me levou a uma suspensão, eu realmente
acreditava que ele encontraria uma maneira de me culpar.
Eu sabia pela minha única conversa com Nicolai que um exorcismo foi feito
na escola na sexta-feira, após as aulas terminarem, e que o fantasma formalmente
conhecido como Dean já não era um problema. Fiquei aliviada que o espírito
malicioso foi removido e não houve necessidade de chamar os caçadores de
fantasmas, mas não muda o fato de que Dean morrera sem alma e, portanto, estava
no Inferno.
Dean não merecera isso e não era justo. Havia algumas mortes suspeitas
que provavelmente viriam a se tornarem fantasmas. Ou já poderiam ser e apenas
não descobrimos ainda. Os guardiões estavam investigando as mortes suspeitas,
mas era impossível para eles encontrar todas. Nós operávamos no escuro, à espera
de um desastre.
Pelo menos, quando podia ir à escola, eu sentia como se pudesse fazer algo,
caso alguma coisa acontecesse, mas ficar parada aqui fazia com que me sentisse
completamente inútil.
Era isso. Eu estava presa.
O único ponto brilhante no tempo livre eram as ligações e mensagens
trocadas com Stacey e Sam. Eles acreditavam que eu me juntaria a eles para
assistir um filme com Zayne, mas isso não ia acontecer. Eu realmente não vi Zayne.
Não o culpo por me evitar. Quando pensava dele, uma dor aguda se acendia no
meu peito. Não me arrependo de dizer a verdade, mas lidar com as consequências
não era fácil.
O jantar já foi servido e muitos dos guardiões estariam se preparando para
a noite. Antes de colocar minha cabeça na cozinha para ver que alimento eu poderia
comer, andei até onde meu celular descansava ao pé da cama.
Em algum tipo de nível subconsciente estranho e irritante, alcancei meu
telefone. Parando no meio do caminho, joguei meu braço para trás. — Merda.
Havia uma bomba do tempo me esperando no celular.
Uma mensagem de texto de Roth de dois dias atrás. Uma mensagem de
texto que não queria e não poderia responder.
A mensagem era inocente. Um simples AINDA ESTÁ ABORRECIDA? Mas
era a primeira vez que ele escreveu para mim desde que voltou de sua pequena
viagem ao inferno, e por alguma porra de razão, a mensagem fez meu estômago
virar uma ginasta toda vez que pensava nisso. Na minha cabeça, a mensagem
simbolizava uma clara linha desenhada, e responder séria como cruzá-la.
Roth estava no corredor na última vez que o vi.
Eu não sabia nada no que se referia a ele. Não sabia o que ele fazia ou o
que tentava realizar com o que me falou. Tudo o que sabia era que sua rejeição
completa do que nós compartilhamos ainda era como uma infecção nas camadas
do meu coração. Era um fato – uma realidade. Eu não deixaria acontecer
novamente.
E então havia Zayne.
Dando um suspiro fraco, eu me forcei a sair da cama. Enquanto deixava o
quarto, puxei meu cabelo em um rabo de cavalo, o que coincidia com a minha
tentativa de me vestir desleixada. Meus suéteres eram quase dois tamanhos
maiores que o meu e minha camisa de manga longa era provavelmente dois
tamanhos menores.
Bem atraente.
Desviei-me da sala de jantar grande o suficiente para acomodar um time de
futebol inteiro. Vozes profundas vinham da sala, suavizada pela suave risada de
Jasmine e Danika. Fiquei por um segundo junto à porta fechada, deixando que o
ridículo desejo de ser parte deles me tomasse por um segundo.
Ridículo.
Balancei a cabeça e me arrastei para a cozinha. Não para o local onde
Jasmine alimentava seus bebês, mas gosto de considerá-la o lugar onde a mágica
comida é preparada. As portas se fecharam suavemente atrás de mim. A equipe da
casa não pareceu surpresa ao me ver vagando pelo grande espaço da cozinha
industrial.
Morris se virou, sorrindo quando me viu. Esticando-se, pegou um prato
coberto e colocou-o na ilha. Então, ele deu um tapinha no lugar vazio em frente ao
prato.
Eu sorri enquanto me sentava no banco. — Obrigada. Você não precisava
fazer o prato para mim.
Ele deu de ombros quando me entregou garfo e faca, em seguida removeu
a tampa do prato com um movimento que todos os garçons do mundo invejariam.
Carne assada e batatas. Isso me fez salivar.
Eu mergulhei na comida, mastigando ao som de água corrente e tilintar de
pratos. De alguma forma, ao longo do mês passado, isso começou a ser um som
reconfortante. Nenhuma pessoa da equipe de Morris realmente prestava atenção
em mim, mas eu estava bem com isso.
Eu era um pouco parecida com eles. Fantasmas na casa. Nada realmente
para se apegar.
Deus. Minha mente estava em algum lugar entre o vaso sanitário e deitada
de bruços em uma poça de lama.
Pegando meu prato, andei para onde os pratos sujos eram empilhados.
Como sempre, eu tentei lavar, mas um dos funcionários pegou o prato com uma
impressionante rapidez.
— Sabe, eu posso limpar a minha própria sujeira — apontei.
A mulher não disse nada enquanto colocava o prato com o resto dos pratos
sujos. Fazendo uma careta, eu revirei os olhos e um baixo formigamento desceu
pela minha espinha quando meus olhos se encontraram com aqueles olhos azuis.
Zayne estava dentro da cozinha, a sua expressão protegida enquanto seu
olhar passava pelo meu rosto, minhas mãos segurando a faca. Ele levantou uma
sobrancelha. — Eu deveria estar preocupado?
Eu estava um pouco surpresa de vê-lo aqui.
Morris apareceu, pegando a faca da minha mão. Arregalei meus olhos
enquanto ele me dava um não tão discreto empurrão na direção de Zayne, eu
tropecei como uma idiota. — Eu estava... Uh, comendo.
— Percebi. — Seu olhar caiu novamente, e desta vez eu sabia que não estava
segurando uma arma. Ele olhava para a ampla faixa de pele que minha curta
camisa mostrava. Calor fluiu pelo meu rosto e depois se transformou em um líquido
agradável que seguia muito, muito mais lento. Quando seus cílios finalmente
subiram, eu sabia que parecia um tomate. — Vou para a sala de treino. Quer me
acompanhar?
Antes que eu pudesse responder, Morris me deu outro forte impulso bem
colocado na direção de Zayne. Dei-lhe um olhar fulminante por cima do meu ombro.
— Deus.
Ele piscou.
Quando me virei para Zayne, vi seus lábios fazerem uma careta enquanto
tentava não sorrir. Um bom sinal ou não. — Com certeza.
Zayne balançou a cabeça e o segui pela porta estreita, ao lado da enorme
geladeira. Era uma entrada ao piso inferior que raramente usei.
— Dormi muito hoje — Zayne disse, fechando a porta. — E não fiz nenhum
exercício antes do jantar.
— Você... Você teve uma noite movimentada? — Eu estava atrás dele,
arrastando os pés no corredor fracamente iluminado, mas ele parou para me
esperar, até que eu estivesse caminhando ao lado dele. — Caçando?
— Encontramos um enclave de Terriers perto de Rock Creek Park e lidamos
com ele grande parte da noite.
— Terriers? — Quando ele assentiu com a cabeça, tudo o que eu podia fazer
era balançar a cabeça com espanto. Terriers eram criaturas que eram um
cruzamento entre uma avestruz e uma ave de rapina. Outra classe de formosuras
demoníacas. — Isso é bastante anormal, certo?
Zayne diminuiu o passo ao chegar à porta da frente da sala de treinamento.
— A última vez que nós vimos um foi justamente antes de Dez trazer Jasmine aqui
pela primeira vez.
— Isso foi há anos. — Entrei pela sala enquanto ele segurava a porta aberta.
— Sim — disse ele, passando por mim e atravessando os tapetes azuis,
dirigindo-se ao equipamento que estava no banco. Pegou uma tira de pano branca
e começou a enrolar nos dedos. — A coisa é, muitos desses demônios não são
permitidos aqui em cima e como nós não os vemos frequentemente, achamos que
eles não estão por aqui. Mas eles estão. E conseguem os melhores esconderijos.
Penso no clube sob Palisades e todos os demônios que não deveriam
supostamente andar entre os seres humanos.
— Quer participar? — Ele ofereceu conforme terminava de enrolar as pontas
dos dedos.
— Não. Comi muito. Apenas observarei. — Puxei a barra da minha camisa
e ela subiu novamente, revelando metade do meu estômago. Provavelmente, eu
deveria ter verificado a minha escolha de guarda-roupa. Depois do jantar, fiquei
com um pouco de barriga.
Zayne passou caminhando, ele colocou as duas mãos sobre o saco de boxe.
— Eu realmente queria que você reconsiderasse quanto a comer com todos.
— Eu realmente queria que você parasse de falar nisso.
Ele olhou por cima do ombro para mim, com as sobrancelhas levantadas.
— Não há necessidade de sentir que não pertence a esse lugar. Você pertence. E
sua falta é sentida na mesa.
Eu ri disso. — Por quem?
— Por mim.
Meus lábios se separaram e realmente não tinha resposta para isso. Ele
virou para o saco de pancadas. Ficou em posição e levantou os braços. — Como
você tem passado o seu tempo livre? — Ele perguntou, lançando um soco que
levantou o saco em vários metros.
— Morrendo de tédio.
Com expressão concentrada, ele bateu com o outro braço. — E ainda tem o
resto da semana.
— Sim, obrigada por me lembrar. — Sentei no tapete e cruzei as pernas.
Um ligeiro sorriso apareceu enquanto ele se movia ao redor do saco,
selecionando diferentes lados com diferentes técnicas de mão. O suor salpicou sua
testa encharcando o cabelo loiro até sua têmpora. — Tivemos notícias de um
contato de um dos hospitais – o mesmo que Dean foi levado. Eles tiveram outro
morto, que chegou duas noites atrás – uma jovem que não tinha problemas de
saúde anteriormente, morreu de um ataque cardíaco fulminante. O coração,
basicamente, quase voou para fora, assim como o do Dean.
Estremeci.
— O noivo estará fora da cidade antes de ir ao funeral amanhã, na
Pensilvânia, então vou verificar a casa dela — ele continuou. — É a única maneira
de ver se ela estava infectada, sabe? Se ela for um fantasma agora, sua casa seria
o local mais provável de onde estaria.
Os Guardiões estiveram fazendo muito isso ultimamente – investigando o
recém-falecido. — Posso ir?
Ele fez uma pausa, limpando a parte de trás de seu antebraço enquanto me
observava. Um segundo se passou. — Você está começando a soar como Danika.
Ela está exigindo participar das buscas.
— Por que ela não estaria? A garota é treinada. Ela é uma guardiã completa.
Ela pode lutar.
— Você sabe a resposta para isso.
Fiz uma careta. Parecia estranho defender Danika quando passei tanto
tempo odiando-a. — Talvez ela não queira ser apenas uma máquina de fazer bebês.
Ele balançou a cabeça e se virou para o saco, voltando ao trabalho. Só ele
poderia lutar contra o inferno e não ficar sem fôlego. Eu estaria ofegante, deitada
no chão em uma poça de suor neste ponto.
— Então, posso ir? Perguntei novamente. — Não foram atribuídos nada
para eu fazer, de forma que eu me sentiria... Bem, fazendo algo útil.
Zayne deu alguns socos e virou o saco. À frente de sua camisa cinza estava
molhada de suor. — Acho que não seria um problema. Com certeza.
Um grande sorriso apareceu em meu rosto. — Obrigada. Eu realmente
quero fazer algo que não...
Parei quando ele se abaixou, puxou a camisa sobre a cabeça e a jogou no
chão.
Santa gostosura...
Agora, isso estava indo muito mal.
Meus olhos passaram sobre seu peito e estômago definidos como uma
daquelas pessoas famintas olhando para um buffet onde você pode comer de tudo.
Aquelas gotas de suor escorregando para baixo, revelando fendas em cada lado de
seus quadris. Zayne realmente não tinha um pacote de seis abdominais. Era mais
como um pacote de oito.
— O que você estava dizendo?
Cada abdominal estava firmemente marcado. Como se alguém tivesse
esculpido em seu estômago. — Huh?
Dois dedos foram repentinamente pressionados debaixo do meu queixo,
forçando o meu olhar para o rosto dele. Os cantos dos seus lábios se curvaram
para cima enquanto eu ficava vermelha. — Você falava sobre ir comigo a casa da
cidade?
— Oh, sim. Isso. — Coisas importantes que não envolviam tocar seu
estômago ou coisas assim. — Será muito produtivo.
Zayne riu quando afastou sua mão e voltou para o saco. A forma como seus
músculos trabalhavam ao longo das costas e estômago enquanto dava soco após
soco era verdadeiramente fascinante.
Eu tinha certeza de que se me sentasse aqui por um longo tempo para
assisti-lo, eu me tornaria uma poça de baba no tatame, mas não me levantei. Isto
era melhor do que olhar garotos sexys nos posts do Tumblr.
Quando ele terminou, pegou uma nova toalha. Eu estava mais ou menos
ainda sentada sobre o tapete com a minha língua de fora. Ele abaixou a toalha. —
Então, sobre o cinema de amanhã...
Era como se tivessem jogado um balde de água gelada no meu rosto.
Realidade é foda. Eu levantei, mantendo meus olhos em seus tênis. — Sim,
sobre isso. — Exalei lentamente, massageando o nó na garganta. — Acho que vou
enviar uma mensagem de texto para dizer a Stacey que o filme não é para nós –
quero dizer, para mim. Não há realmente nenhuma razão para ir, e provavelmente
é melhor assim, porque é como se fosse o primeiro encontro de Sam e Stacey e tudo
isso.
Comecei a passar ao lado do Zayne, mas ele me alcançou com seu braço,
passando o braço em volta da minha cintura. Enquanto me segurava, a carne nua
de seu braço roçou o meu estômago e eu congelei com a intrusão repentina de
emoção. Era uma bola emaranhada, e eu não era suficientemente boa decifrando
coisas.
— Uau — disse ele. Virando-me, de forma que eu estivesse bem na frente
dele. Ele abaixou o braço. — Você não quer ir?
— Bem, eu achei... Eu imaginei que depois de quinta-feira à noite você não
quisesse ir — tropecei em minhas palavras como se tivesse aprendido a falar ontem.
— E entendo completamente e...
— Alguma vez eu te disse que havia mudado de ideia sobre o dia de amanhã?
— Ele perguntou, franzindo a testa.
— Não, mas…
— Mas eu nunca disse isso, e pelo que eu sabia, ainda íamos — ele passou
a toalha por cima do ombro, olhando para mim. — Você não mudou de ideia. Então,
vamos.
Eu fiquei boquiaberta olhando para ele, me perguntando se havia olhado
para seus abdominais com tanta força que me nocauteara. — Mas por quê?
— Por quê? — Ele repetiu suavemente
— Sim, eu... Eu estraguei tudo. E muito. — Parecia desnecessário explicar
isto. — Por que você quer ir ao cinema comigo? Stacey e Sam vão pensar que
significa algo.
Sua mão se apressou em pegar o meu pulso, me impedindo de brincar com
a barra da minha blusa. — Você acha que o fato de irmos juntos significa algo?
Minha língua parecia amarrada.
Ele abaixou a cabeça, seu olhar fixo procurando o meu. — Você quer que
signifique alguma coisa?
— Sim — sussurrei, e havia muita verdade nessa palavra.
Sua mão deslizou na minha manga, curvando-se em torno de meu cotovelo.
— Então, vamos ao cinema amanhã.
Parecia tão simples, mas realmente não entendo por que ele ainda me
queria. Um sorrisinho atravessou o rosto de Zayne, como se parecesse saber o que
eu pensava e as palavras que saíram da minha boca. — Eu não mereço você.
— Veja, é aí onde você está errada. — Ele estendeu a outra mão e colocou
uma clara mecha fugitiva atrás da minha orelha. — É aí onde você sempre esteve
errada. Você merece tudo.
***
***
***
Abbot esperava por nós quando voltamos para o complexo.
No momento em que nossos pés tocaram o chão dentro da sala, ele estava
diante de nós, tão alto e formidável como um leão preste a atacar uma gazela. Ele
me deu um olhar, não se incomodou em perguntar se havia tomado sol
recentemente ou se estava bem, e em seguida, virou-se para seu filho.
— Precisamos conversar — disse ele, sua mandíbula apertada. — Em
particular.
Zayne olhou para mim e encolheu os ombros, pensando que ele queria falar
sobre a confusão no cinema. Dando um pequeno sinal de despedida eu saí, ele e
Abbot se dirigiram para as escadas. Apenas uma pequena parte de mim estava
desapontada por Abbot não perguntar sobre mim. Percebi que estava me
acostumando com a maneira como ele agia agora.
Uma vez dentro do meu quarto, rapidamente troquei a roupa emprestada
pelo meu próprio pijama. Era início da noite, mas estava cansada. Depois de
recolher meu cabelo ainda molhado em um coque, fui para debaixo das cobertas e
olhei para o meu telefone, me perguntando se eu deveria alertar Roth que Stacey e
Sam agora sabiam sua verdadeira identidade.
Meus dedos pairavam sobre a tela. Eu precisava dizer. Era justo e também
era a única razão pela qual eu entraria em contato com ele. Minha mensagem foi
curta e direta ao ponto.
STACEY E SAM SABEM O QUE SOMOS.
Talvez um minuto tenha se passado e logo sua resposta apareceu.
EXPLIQUE.
IGREJA DOS FILHOS DE DEUS. ÁGUA BENTA. EU. NÃO É UMA BOA
COMBINAÇÃO. TUDO ESTÁ BEM.
Desta vez sua resposta foi imediata. VOCÊ ESTÁ BEM?
Balancei a cabeça e então percebi, como uma idiota, que ele não podia me
ver.
SIM. Fiz uma pausa e depois escrevi, BAMBI TAMBÉM ESTÁ.
Minutos se passaram depois da minha última mensagem e percebi que Roth
não responderia mais. Se ele estava com raiva porque eu expus a situação, eu não
sabia, mas eu tinha a sensação de que, provavelmente, não se importava. Apenas
quando me virei para colocar o celular na mesa de cabeceira, ele respondeu.
PROVAVELMENTE NÃO DEVERIA TER IDO AO CINEMA COM STONY, NÉ?
Olhei para a mensagem, meio irritada e meio divertida de que de alguma
forma isso era apenas uma vingança de Roth. Como se estar com Stony – Zayne –
fizesse alguma diferença. Não respondi por que imaginei que a conversa ficaria
difícil a partir neste ponto.
Meu telefone tocou novamente, mas desta vez era Zayne.
QUER COMPANHIA?
Eu ri com o fato de que estávamos na mesma casa e ele me enviava uma
mensagem de texto.
CLARO
INDO
Olhando para a porta, vi ela se abrir não mais de um segundo depois. Lutei
contra um sorriso. — Você estava esperando no corredor?
— Talvez. — Zayne se trocou, ele usava um moletom preto e uma camisa
branca. Sentou na cama ao meu lado. — Mais tranquila?
— Sim, apenas cansada...
Ele se estendeu ao meu lado, descansando sua bochecha em seu cotovelo.
— Foi um Inferno de dia.
— O que Abbot tinha a dizer sobre isso?
Uma nuvem passou sobre sua face. — Não muito.
Imediatamente, soube que havia mais. Levantei-me sobre meu cotovelo. —
O que não está me dizendo?
— Nada. — Zayne riu, mas algo nisso foi tenso. — Relaxe, Layla-bug. O dia
de hoje foi suficientemente louco sem acrescentar mais merda nisso.
— Mas...
— Tudo está bem. Acalme-se. Tenho o resto da noite livre e quero passá-la
com você. Salvar o resto do nosso encontro — disse, brincando com a borda da
minha manga. — Tudo bem?
Protestos foram se formando na ponta da minha língua, mas ele tinha razão.
Tínhamos problemas suficientes para durar o resto da semana, o que me lembrou
do dia de amanhã. — Ainda vamos revistar a casa amanhã à noite?
— Sim.
Fiquei em minhas costas, observando-o. Cílios grossos protegiam seus
olhos enquanto ele passava o dedo ao longo da veia do meu pulso. Não senti
nenhuma emoção triste da parte dele; mais uma vez, meus próprios sentimentos
se mesclavam.
No silêncio que caiu entre nós, minha mente vagou para o que o homem me
mostrou no cinema. — Posso te fazer uma pergunta e você será honesto?
Ele arqueou uma sobrancelha. — Posso tentar ser honesto.
Ignorei isso. — Você acha que o que fiz a essa senhora é diferente do que
Lilin está fazendo?
Seus cílios se levantaram e seus olhos eram de um impressionante azul
cobalto. — É completamente diferente, Layla. Você era apenas uma menina que
não tinha ideia do que fazia. Lilin faz isso de propósito.
— Verdade, mas... — abaixei a voz para um sussurro. — Mas me aproveitei
de uma mulher na quinta-feira passada. Sim, foi uma circunstância estranha, mas
fiz isso.
— Nem sequer sabemos se o que aquele bastardo disse era verdade — ele
argumentou. — O fato de dizer que era a mesma senhora não significa que
realmente fosse ela. E mesmo que fosse, não há nenhuma prova de que a vida dela
foi afetada dessa maneira. Não há nenhuma razão para acreditar.
— Você realmente acha isso? — Eu gostaria de compartilhar a certeza dele.
— Sim. — Ele fez uma pausa. — Falando de quinta-feira, que tipo de
circunstância estranha nós estamos falando aqui?
Eu me concentrei no teto. Eu não poderia dizer sem revelar o que aconteceu
em Palisades e havia feito uma promessa.
Zayne suspirou. — Pensei que não manteríamos mais segredos.
— Eu sei. Mas se eu disser isso, você deve dizer ao seu pai e... Bem, o que
aconteceria seria minha culpa. O sangue estaria em minhas mãos.
— Você acha que eu conto tudo para ele?
A irritação em sua voz me chamou a atenção. — Não, mas eu acho que há
algumas coisas que você talvez queira dizer, e não vou colocá-lo nessa posição.
Ele rolou de costas, o músculo em sua mandíbula saltou. Seus dedos
permaneceram em torno de meu pulso, no entanto. Alguns minutos se passaram.
— Eu sei o que está acontecendo na sua cabeça. Você está se comparando com
Lilin.
Eu fazia isso, mas era mais do que isso.
— Você não é como ela. — Ele virou a cabeça para mim, encontrando meus
olhos. — Nem uma única parte de você.
Nossa, seria bom beber o Kool-Aid27 de Zayne, mas quando fechava os olhos,
tudo o que via era o rosto de Vanessa Owens se alternando para o de Dean. E se...?
Eu não poderia sequer deixar terminar esse pensamento, deixar que a ideia se
enraizasse e ganhasse terreno.
Ele estirou o braço, me chamando. — Mais perto?
Mordi o lábio e depois me movi para mais perto, apoiando minha cabeça em
seu peito. Seu coração pulsava em um ritmo constante sob minha bochecha. Seu
braço rodeou minha cintura, me segurando ao lado dele.
Tantos pensamentos estavam em minha cabeça, e me agarrei a um deles –
uma teoria que precisava estudar. — Lembra quando falamos sobre os espectros
com Abbot? — Quando ele assentiu com a cabeça, eu respirei fundo. — Não estava
brincando quando disse que a sensação que senti na escola era igual a que senti
aqui antes das janelas explodirem e Maddox cair. E eu... — Deus, isto era difícil.
— À noite com o Petr, eu tive...
— Você precisou se defender — ele me cortou suavemente, sua mão
apertando a minha cintura. — Eu sei o que você fez, Layla. Você não precisa me
dizer.
Fechei os olhos. — Ele poderia estar aqui, sabe? Poderia ser um fantasma.
Um momento se passou. — Pensei nisso, mas com uma casa cheia de
Guardiões, você pode pensar que já o teríamos capturado.
Isso pode ser verdade, mas as coisas mais loucas têm acontecido. —
Lamento que o dia hoje tenha sido arruinado — eu disse, decidindo que realmente
não queria pensar sobre Petr enquanto estivesse aqui com Zayne.
— Não é culpa sua, não se desculpe.
***
Era um pouco depois das seis da manhã quando a maioria dormia que senti
minha cama se afundando sob um peso repentino. Pisquei estupidamente e sorri
um pouco quando os cobertores se agitaram e um braço serpenteou ao redor da
minha cintura.
Seu calor estava pressionado contra minhas costas. Todas as manhãs,
desde a semana passada, era assim que Zayne me despertava quando voltava da
caçada. Os últimos dias... Bem, foram como saídos dos sonhos. Passamos muito
tempo junto, seja trancado no meu quarto ou no dele, ou passando alguns
momentos na casa de Stacey, com ela e Sam. A ação de graças veio e se foi. No
sábado, fomos tomar o café da manhã como estamos habituados a fazer, mas desta
vez foi diferente. Houve beijos. Houve um monte de beijos. Tanto assim que meus
lábios ficaram inchados durante uma boa parte do dia.
A minha parte preferida era a manhã, no entanto. Ele sempre era extra
delicado e era um inferno de uma maneira de acordar. Eu sabia que, eventualmente,
ele teria que parar. Alguém poderia apanhá-lo entrando e saindo do meu quarto, e
seu pai ficaria louco. E havia razões ainda maiores. A realidade não existia desde
a minha suspensão. Não houve problemas com Lilin, nada, exceto algumas
inofensivas mensagens de Roth aqui e ali, e quando eu estava com Zayne era fácil
acreditar que não era responsável pela infecção.
Zayne acariciou meu pescoço e depois riu quando me contorci quando ele
pegou um ponto sensível. — Bom dia — disse ele, beijando o espaço debaixo de
minha orelha antes de levantar a cabeça.
— Bom dia. — Rolei nas minhas costas, e de alguma forma, direto para os
braços dele. — Você voltou cedo.
— Sim. — Ele puxou o cobertor até que estivesse na minha cintura, quando
viu a cabeça de Bambi aparecendo debaixo do decote da minha camiseta. — Esteve
muito calmo essa noite.
Sua cabeça pendeu e seus lábios roçaram os meus em um tentador toque
suave. Levantei minha mão, colocando-a contra seu peito. A fina camisa que ele
usava era um obstáculo que me incomodou, mas seu coração batia contra a palma
da minha mão.
O beijo se aprofundou quando ele se aproximou. Colocou uma de suas
pernas entre as minhas e terminou com o seu peso em cima de mim, fazendo coisas
maravilhosamente perversas para o meu interior. Sua mão correu pelo meu
estômago e passou sob a bainha. Quando ele tocou minha pele nua, eu peguei a
intensidade do que ele estava sentindo. Necessidade. Desejo. Algo muito mais forte
o dirigia. Minhas costas se arquearam por suas carícias e meus dedos dos pés se
curvaram.
Depois do que pareceu uma eternidade, mas não o suficiente, ele se afastou
com um suspiro de pesar. Respirávamos com dificuldade. Nossos peitos se
levantaram um contra o outro. Uma de suas mãos ainda estava sob minha camisa,
me tocando. Tremores corriam por mim.
Ele encostou a testa na minha e as pontas do seu cabelo fizeram cócegas
em meu rosto. — Eu vou me atrasar para a escola se eu continuar com isso.
Essa não seria a única coisa que poderia acontecer se ele continuasse
movendo seu polegar para frente e para trás, ou se continuasse me beijando. Não
fomos além disto, nem mesmo ficamos nus ainda. Eu poderia dizer pela forma
como seu corpo tremia, que ele queria ir mais longe. Eu tinha certeza de que eu
queria também, mas esse passo era tão assustador como emocionante. Tudo isso
era algo que eu realmente nunca pensei que seria possível com Zayne.
Mas a escola também significava voltar para a realidade e isso era um
gigante assassino de estado de ânimo amoroso. Voltar a estar perto de seres
humanos que não fossem Stacey e Sam. Voltar para enfrentar a possibilidade de
que eu poderia ser a causa da infecção. Porque mesmo que pudesse beijar Zayne
sem sugar sua alma como um pirulito, isso não quer dizer que eu não era
responsável.
Ele sentiu o momento em que me afastei e franziu a testa. — Aonde você
vai?
— A nenhum lugar. — Forcei um sorriso. Não falei com Zayne sobre os
meus medos desde aquela noite, porque sabia que ele acreditava firmemente que
eu era inocente e eu... Eu queria que continuasse assim. Com ele, eu não me sinto
como uma bomba-relógio preste a explodir. Eu me sentia normal. — Talvez eu
possa saltar essa parte?
— Hmm... — ele roçou os lábios na ponta do meu nariz. — Embora eu goste
do som disso, sua pequena bunda bonita precisa ir à aula.
Fiz beicinho.
Ele riu suavemente e seu sorriso desapareceu. A seriedade deslizou em seus
olhos verdes azulados. — Você sabe que não está infectando ninguém, Layla-bug.
Não há problema em voltar para a escola. No fundo, você sabe.
— Eu sei.
Zayne me beijou novamente, e por um tempo, eu me perdi em seus lábios,
em seu inebriante aroma e sabor. E por um momento, fiquei em nosso mundo,
embora parecesse ser um pouco de fantasia.
***
Stacey e Sam esperavam por mim no meu armário. Ela saltou para frente e
me deu um abraço, me soltando antes que eu pudesse afastá-la e me ver como um
inseto estranho.
— Bem-vinda de volta — disse Sam. Ele ainda estava sem óculos. — Aposto
que você sentiu saudades da escola.
— Senti um pouco. — Abri a porta do meu armário e tirei meus textos de
bio. Isso era verdade. A escola era como um santuário... Quando não havia zumbis,
vampiros e fantasmas que se arrastavam para fora do nada.
Minha escola se tornava a Boca do Inferno.
Eu ri.
Stacey levantou uma sobrancelha. — O quê?
— Nada. Eu estava pensando em Buffy, a Caça Vampiros. — Era um alívio
ser honesta com eles agora. Fechando a porta do armário, fui em direção deles. —
Eu estava pensando que a nossa escola é algo como a Boca do Inferno de Buffy.
Ela sorriu. — Eu sou totalmente a Cordelia. E você é a Buffy.
Eu ri e começamos a caminhar pelo corredor. Sam segurava a mão de
Stacey e isso me deixava muito contente.
— Não sou a Buffy. Sou mais como a Willow. Sam, você é totalmente Xander.
— Você quer dizer que eu sou mais como Angel — ele disse, e eu esperava
algum fato estranho a respeito de Buffy, a Caça Vampiros, mas nenhum veio.
— A propósito — Stacey disse, inclinando-se para mim e baixando a voz. —
Suponho que você disse a Roth que sabemos dele... Não é, a verdade.
Meu estômago deu uma cambalhota. Eles não se viram desde que ele foi
suspenso. — Sim, ele sabe, mas não fez um grande negócio disso. Vou ao banheiro,
rapidinho.
Stacey parou. — Também tenho que ir. — Ela deu um beijo rápido na
bochecha de Sam. — Nos vemos mais tarde?
Ele balançou a cabeça enquanto se afastava, em seguida, virou-se,
passando a mão pelo seu cabelo bagunçado. Eu o observei por alguns momentos e
depois balancei a cabeça. — Você realmente precisa ir ao banheiro?
— Não. — Ela riu. — Eu só queria um momento a sós com você para
perguntar se você teve relações sexuais com Zayne.
Calor encheu meu rosto. — O quê? Não. E você e Sam?
Seu sorriso se espalhou e meus olhos se arregalaram enquanto abria a
porta, sendo recebida com o cheiro de desinfetante e um leve cheiro de cigarros. —
Oh, meu Deus, realmente teve relações sexuais com... — minha voz sumiu e depois
parou completamente dentro do banheiro.
Stacey esbarrou em mim por trás e parou.
Em uma das pias, Eva estava debruçada, com as mãos pressionadas contra
o rosto, cobrindo os olhos. Seus ombros magros tremiam. Na pia e no chão estavam
pequenas bolas de papel marrom. Um telefone celular estava na borda, em cima
da pia.
Ela estava chorando – não, realmente soluçando.
— Isso é estranho — Stacey murmurou, quando a porta se fechou atrás
dela.
Sim, isso era. Eva era ruim, e se eu não a conhecesse melhor, eu a teria
classificado como um demônio do inferno, mas não era. Era apenas uma típica
garota mediana que provavelmente não teve amor suficiente em casa ou o que seja,
mas o código das meninas disparou.
Suspirando, eu dei um passo à frente, fazendo uma careta enquanto tentava
encontrar algo para dizer. — Uh, Eva, você está bem?
Seus ombros se enrijeceram e ela abaixou as mãos. Wow. Eva não chorava
de forma bonita, que por algum motivo horrível, me fez sentir melhor sobre mim
mesma. Em seu reflexo no espelho suas bochechas estavam manchadas e seu rosto
estava inchado e vermelho.
Então, ela franziu o rosto. Isso fez com que lágrimas escorressem pelo seu
rosto. — Não. Não estou bem. Eu nunca estarei bem.
O olhar no rosto de Stacey se perguntava se Eva estava sendo um pouco
melodramática, mas o mal-estar floresceu na boca do meu estômago.
Eva se virou para nós com as mãos formando bolas contra as bochechas
rosadas. — Ele está morto. Gareth está morto.
Gareth teve uma overdose em algum momento durante a noite. Seus pais
encontraram o corpo dele na garagem naquela manhã, quando seu pai foi trabalhar.
Houve um boato de que ele havia inalado álcool.
Uma forte tristeza agarrou-se à escola. A morte de Dean foi ruim o suficiente,
então teve a do Gerald, mas Gareth era popular. Todos o conheciam e, embora seu
declínio constante nas drogas tivesse confundido muita gente, ainda era o cara que
metade das meninas queria ter e metade dos caras queria ser.
Professores conversaram sobre isso em cada classe, citando-o como um
trágico acidente e dando uma palestra depois da escola sobre drogas e seus perigos,
mas eu sabia melhor.
Stacey e Sam também.
Roth também.
Não que as drogas não fossem um grande problema, mas isto ia além do
vício e da estupidez que fazíamos. Gareth foi infectado. Sua vida e sua alma foram
roubadas dele. Não só haveria outro espírito, mas Gareth passaria a eternidade no
Inferno.
Isso me matava, e provou que havia um Lilin em algum lugar.
Roth me alcançou enquanto me dirigia para o almoço. Estar a sós com ele
deixava meus nervos retorcidos em nós inúteis. Eu sabia que tinha tudo a ver
comigo e Zayne... E tudo a ver com Roth.
— Não senti um espectro ainda — ele disse, com as mãos nos bolsos de sua
calça jeans rasgadas. — E você?
Balancei a cabeça enquanto Bambi começava a subir entre os meus seios.
Emiti a ela uma severa advertência de não aparecer no meu rosto. Sempre que
Roth estava perto, ela gostava de ser vista. Algo como um daqueles cães irritantes
de latido agudo que precisam de atenção.
— Acho que é apenas uma questão de tempo antes que ele apareça. Ainda
estamos dentro para ver o clã neste fim de semana? — Perguntei. Quando ele
assentiu, inclinei-me contra a parede. O corredor estava quase vazio. Quando olhei,
encontrei-o me observando atentamente, mudei meu peso para a outra perna. —
Existe alguma coisa que podemos fazer sobre suas almas? Alguma maneira que
possamos libertá-las?
Roth se virou, inclinando o corpo de lado. Ele negou com a cabeça. — Não,
a menos que deseje chegar a um acordo com o Chefe, e isso não é algo que eu
sugeriria.
Abri a boca para protestar, mas ele colocou um dedo nos meus lábios,
silenciando-me. Energia fluiu entre nós e me afastei.
Um lado de seus lábios se levantou. — Eu queria poder ajudá-los, querida,
mas uma vez que as almas estão lá embaixo, é um aborrecimento tirá-las de lá. E
não falo de uma inconveniência. O Chefe gosta de olho por olho. Se pedir uma alma,
o Chefe pedirá outra em troca. Você não quer fazer tal oferta, carregar esse tipo de
peso.
Ele tinha um ponto, mas eu já tinha uma carga decente sobre meus ombros.
— Você não retornou nenhum das minhas mensagens ou ligações — ele
disse depois de alguns momentos, inclinando seu quadril contra a parede ao meu
lado. Seu queixo inclinado para baixo e seus cílios escuros protegendo seus olhos.
— Eu estava preocupado.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — Você estava?
— Sim. — Os cantos de sua boca caíram. — Por que você está surpresa?
Dei de ombros. Eu me perguntei algumas vezes durante nossa suspensão e
durante as férias, mas não encontrei uma resposta. Eu teria me sentido mal se
tivesse ligado, e não porque estar com Zayne significasse que não podia falar com
outros meninos. Era só que Roth não era outro tipo – era uma grande quantidade
de algo mais.
— Você está com Zayne, certo? — Ele disse; como se estivesse lendo minha
mente.
Eu estava? Nós não nos chamamos de namorado ou namorada, mas nos
tratávamos como se fôssemos. — Eu realmente não quero falar sobre isso com você.
Seus lábios se franziram. — Me diga que ao menos foram cuidadosos.
Meus olhos se arregalaram. — Ok. Isso soa como uma conversa está usando
um preservativo.
— Não foi isso que eu quis dizer e você sabe — disse ele.
Nossos olhos se encontraram e finalmente sabia o que ele queria dizer. —
Eu fui. — O que era uma mentira.
Ele inclinou a cabeça contra a parede e respirou fundo. Observei-o por um
momento. Seus braços estavam cruzados frouxamente sobre o peito. Tudo nele
parecia tenso. Eu sequer falara da mulher dos Palisades.
— Com fome? — Ele perguntou, com voz apagada. — Nós provavelmente
deveríamos ir antes que Stacey e Sam comecem a fazer bebês na mesa de jantar.
— Encontramos outro espectro. — Eu disse suavemente.
Seus olhos se abriram com surpresa. — O quê?
— Na semana passada. Zayne e eu fizemos um exorcismo — Expliquei
calmamente.
Ele se endireitou agora. — Por que você não me contou?
— Era a mulher do clube em Palisades, Roth. — Meu estômago doeu
enquanto seus olhos se acendiam. — A mulher de quem eu me alimentei.
Ele abriu a boca e passou a mão pelo cabelo escuro. Linhas tensas se
formaram ao redor de seus lábios. — Tem certeza?
— Sim, tenho certeza que era ela. Esfreguei minhas mãos sobre o meu rosto.
— Ela ficou bem, certo?
Ele balançou a cabeça. — Estava. Eu juro, Layla. Ela estava bem.
— Mas como ela acabou morrendo? Supostamente, foi um ataque cardíaco,
mas não tinha nenhum problema de saúde. Eu sei que isso não significa que é
impossível, mas qual a probabilidade disso? E se foi eu? E se a infectei? E se eu
estiver infectando essas pessoas?
— Whoa, de onde saiu isto? — Roth invadiu meu espaço pessoal. — Isso é
algo novo?
Neguei com a cabeça. — Não. Estive me perguntando sobre isso durante
um tempo e Zayne acha que não sou eu, mas não encontramos nenhuma evidência
de um Lilin, nada concreto, e todos os que foram infectados estiveram perto de
mim.
— Mas como? Você esteve vagando por aí beijando as pessoas? Porque se
for assim, estou muito chateado por não ter sido incluído nisso.
Atirei um olhar para ele. Não é como se não o tivesse beijado recentemente.
— Uh, não, eu não tenho feito isso e não sei como. Essa é a única parte que não
consigo entender. — Olhei para ele e coloquei tudo nesse olhar, porque eu confiava
nele para não esconder. Ele não fizera anteriormente com as coisas desagradáveis
que eu não queria escutar. — Você acha que sou eu?
Ele olhou para mim um momento, sem se mover. Eu não tinha certeza de
que ele ainda respirava. Então, ele se inclinou, colocando as mãos sobre meus
ombros. Seu aperto não era forte, mas havia tanto no contato. Era uma pressão
reconfortante e fechei os olhos.
— Pare — ele sussurrou contra meu cabelo. — De fazer perguntas que são
inúteis.
Roth não disse nada mais enquanto se afastava; os braços caindo para os
lados, e qualquer consolo que ele demonstrara se transformou em apreensão. Seu
silêncio era inquietante. Ele não respondeu à minha pergunta.
***
28 O termo "Suzy Homemaker" tornou-se parte da cultura americana, usada como referência
irônica a qualquer mulher com hábitos ligados a atividades domésticas estereotipadas
tradicionalmente feitas pelas mulheres.
29 O termo se originou no teatro, onde os assentos mais baratos estavam no andar de baixo e onde as pessoas
compravam amendoim porque eram o lanche mais barato. Se eles desaprovassem o desempenho, eles iriam
atirar os amendoins.
— Que fofo. — Roth se afastou do carro, seu tom leve, mas sua expressão
era cortante. — Não se preocupe, Stony. Ela está em boas mãos. Acho que você
sabe o quanto ela é boa e capaz, certo?
Zayne se virou; raiva piscando em suas feições. — Sim, vá se ferrar.
Ele sorriu. — Bem, sobre isso...
— Nem sequer termine a frase — falei, fechando a porta. Seus olhos se
encontraram com os meus sobre o teto do Impala. — Falo sério.
Roth arqueou uma sobrancelha e moveu os dedos para Zayne. Dando a
volta, fui em direção à calçada. Ele estava ao meu lado em um instante.
***
****
Quando abri os olhos de novo, fiquei surpresa ao descobrir que ainda estava
viva. Ou talvez não estivesse. Estava cercada pela escuridão. Foi-se minha visão?
Mas quando meus outros sentidos foram ativados, minha visão se ajustou para as
sombras.
A primeira coisa que vi foram barras.
Barras.
Dei uma respiração instável conforme a minha frequência cardíaca
aumentava. Meu estômago se apertou quando minha boca seca tentou respirar
profundamente. O cheiro de mofo era pesado no ar, assim como o cheiro acre de
vômito. Sob meu corpo estava um pedaço frio de placa dura.
Eu sabia onde estava.
No porão do complexo, eu estava em uma das jaulas utilizadas para
apanhar demônios. Eu nem sabia se já havia sido usada antes. Os demônios, na
verdade, nunca se aproximavam muito do local para terminarem aqui, mas as
barras eram impossíveis de quebrar. Não que eu poderia tentar. Eu não podia me
mover. A sanguinária seguia maltratando meu sistema.
Um espasmo doloroso e tenso atravessou meus músculos, me fazendo
conter a respiração. Ofeguei enquanto jazia ali. Havia um som de gotejamento
constante de algum lugar atrás de mim. O som que me fez saber que eu não estava
em algum tipo de buraco negro.
Enquanto eu olhava para a escuridão, via o rosto pálido de Zayne, os olhos
dilatados e ouvia a dura acusação de Abbot. Eu realmente vi o movimento do peito
de Zayne antes de sair do quarto? Ele estaria bem? O fatídico beijo e suas sequelas
se reproduziam várias vezes na minha cabeça. Eu não entendia. Nós nos beijamos
– muito – antes e ele ficara bem. O que mudou?
Não havia respostas na escuridão ao meu redor, e meu coração doía. Toda
vez que eu pensava no nome dele, uma feia ferida entreabria-se e supurava. Se eu
o tivesse ferido, se tivesse mudado quem ele era, eu nunca me perdoaria. E
nenhuma quantidade de punição, nada que Abbot ou os outros Guardiões
planejassem, seria verdadeiramente apropriado.
O mal estar por me alimentar de Zayne se aquietou. Quando isso passou
por meu sistema, deixando para trás os arrepios, fechei fortemente os olhos e me
neguei a ver a parte dele que roubei.
Ele estaria bem?
Eu não entendia por que a alma me enojou agora quando não fizera antes.
Havia muitas perguntas, e novamente, nenhuma resposta.
Depois de um tempo, as dores nas minhas bochechas e nos meus quadris
se tornaram um pulsar constante. A sanguinária me impedia de mudar e também
afetava o ciclo de cura natural do meu corpo. À parte de atrás de minha garganta
ardia. Água. Eu me tornei obcecada por ela, obcecada sobre como eu me sentiria
com ela deslizando pela minha garganta.
Finalmente, eu poderia falar acima de um sussurro e gritei. E não parei de
gritar até que minha voz cedeu.
Ninguém veio.
Mais tempo se passou. Horas. Dias, provavelmente? Com o tempo pude
mover os pés e depois os braços. Eu quase podia me sentar sem bater nas barras
da jaula.
E continuava sem ninguém vir.
Ouvi o barulho de minúsculos chiados, justamente com o toque de garras
afiadas contra o cimento, que se uniram ao som de água gotejando. Ratos. Eles se
aproximavam com seus olhos brilhando no escuro. Eu me enrolei no fundo da jaula,
me pressionando contra mim mesma.
Eles se esqueceram de mim ou me deixaram aqui para morrer de sede e
fome? Meus olhos ardiam. Não queria morrer na jaula. Não queria morrer,
absolutamente. Não era o demônio em mim temendo isso. Era eu. Eu queria viver.
Passaram-se mais tempo e eu não podia sentir os dedos dos meus pés.
Estava tão gelado aqui e os ratos se aproximavam, farejando ao redor das barras,
procurando uma maneira de entrar.
Perdi a noção do tempo quando uma pequena luz apareceu em algum lugar
além da jaula, fazendo os ratos correr para as sombras espessas cobrindo as
paredes escorregadias. Com meus músculos contraídos e fracos, eu me forcei a me
virar.
Mais luz inundou a sala, cegando meus olhos muito sensíveis. O som de
passos fortes se aproximando da jaula e, finalmente, a luz apareceu. Eu podia ver.
O Guardião na minha frente era jovem, apenas um ou dois anos mais velho
do que eu, era obviamente um dos novos recrutas diretamente da casa onde os
Guardiões emparelhados viviam com seus filhos. Mas não foi isso que atraiu minha
atenção. Nem mesmo o vidro opaco na mão, que estava provavelmente cheio de
água altamente desejada.
Foi o que vi antes que pudesse distinguir os traços do Guardião.
Vi o brilho translúcido de pérola em torno dele – sua alma.
— Eu vejo sua alma — sussurrei fracamente.
Essas palavras foram perdidas pelo Guardião enquanto ele se ajoelhava na
frente da jaula. Olhei por cima do ombro e vi a aura de outro Guardião. Quando
ela desapareceu, eu reconheci Maddox. — Tem certeza que está tudo bem em abrir
a jaula? — Perguntou o Guardião mais jovem.
Maddox parou ao lado de uma jaula vazia, cruzando os braços. — Tudo bem.
Ela não fará nada.
Meu olhar se mudou para o novo Guardião. Um olhar de dúvida cruzou
seus traços quando ele alcançou o bloqueio, que era desnecessário. Eu mal
conseguia manter minha cabeça erguida.
— Ela deveria estar com essa aparência? — Ele perguntou.
Eu parecia tão ruim? Mas então, meu olhar caiu sobre meu braço. Com a
luz, era a primeira vez que eu podia me ver. Através da camisa rasgada, minha pele
estava manchada – de cinza, negro e rosa. Meus olhos se arregalaram. Que porra
é isso?
Tentei falar, mas as palavras apenas arranharam minha garganta seca.
— Ela é uma mutação do demônio – parte demônio e parte Guardião —
Maddox disse quando se aproximou, ajoelhando-se ao lado do outro guarda. — A
sanguinária está evitando que mude plenamente em qualquer uma das duas
formas. Dê a água para ela, Donn.
A porta da jaula se abriu e Donn estendeu a mão para dentro. Esforcei-me
para alcançar o copo, a sede era uma grande motivadora. O copo se sacudiu
quando levei aos meus lábios e bebi com avidez. No momento em que o líquido se
espalhou pela minha garganta, joguei-me para trás, deixando cair o copo. A água
se esparramou pela jaula, se infiltrando em partes da calça jeans e depois na minha
pele.
Maddox suspirou. — A bebida não é venenosa. Apenas sanguinária
misturada com água. Não podemos deixar que mude.
Minha cabeça balançou em incredulidade. — Por – por quê?
— Precisamos te mover daqui para o armazém — explicou Maddox, e meu
coração bateu fracamente em meu peito. Eu sabia para que esses armazéns eram
utilizados. — E queremos a menor perturbação possível.
Eu queria salientar que não atacaria, a menos que não me dessem escolha,
mas o lugar começou a rodar novamente. Antes de desmaiar, eu me forcei a
pronunciar seu nome. — Za – Zayne?
O rosto de Maddox estava turvo quando ele balançou a cabeça, e meu
coração se partiu novamente. Desta vez, eu dei boas-vindas ao nada.
***
Não tinha ideia de quanto tempo fiquei desmaiada desta vez, mas quando
voltei a mim, já não estava no mesmo local. O pequeno alívio que senti foi sufocado
quando me lembrei do que Maddox disse e me dei conta de onde estava.
Era um dos lugares na cidade onde os Guardiões traziam os demônios para
interrogatório. Medo percorreu minha pele, tomando posse do meu corpo. Oh, isso
era ruim...
Parte de mim não estava surpresa de que houvessem me trazido para este
armazém. Eles não querem lidar com o seu trabalho sujo... Nas suas próprias
instalações. Por que iriam querer tal lembrete?
Havia uma corrente em volta do meu pescoço e conectada aos meus pulsos
atrás das costas. Não era qualquer corrente – era de ferro. Nenhum demônio, nem
sequer um de Nível Superior, escaparia destas correntes.
Eu estava deitada de lado. O lugar estava vazio, exceto por uma alta mesa
dobrável. Da minha posição, eu não poderia dizer se havia alguém lá. Sabendo o
que acontecia neste lugar, meu estômago se afundou diante da perspectiva de
todos os instrumentos horríveis de tortura que poderia haver aqui.
Meus pensamentos eram desconexos e não sabia se era devido à
sanguinária, a falta de comida ou as lesões que eu poderia dizer que ainda não
começaram a cicatrizar. Cada respiração que dava doía, e quando minha cabeça
começou a limpar um pouco, lembrei-me da forma que Maddox sacudiu a cabeça
quando perguntei por Zayne. Meu maior medo tomou conta de mim, ameaçando
me dominar. Um soluço trabalhou seu caminho para sair.
— Está acordada.
Forcei minha cabeça para trás e vi botas e pernas vestidas de couro. E
depois havia as mãos sobre os meus ombros, para ficar apoiada contra a parede.
Minha cabeça estava confusa, como se todos os pensamentos estivessem
cobertos de lã, e minha língua estava pesada quando tentava falar. — O que...
Zayne...?
O Guardião caminhou, entrando em minha linha de visão. Depois que o
brilho perolado desapareceu, vi que era Maddox. Não vi nenhum outro Guardião.
Ele se aproximou da mesa. — Vou fazer um acordo com você, Layla. Uma resposta
por uma resposta.
Descansei minha cabeça contra a parede. A posição era desconfortável, com
os braços presos da forma como estavam, mas era a menor das minhas dores.
Ele pegou algo da mesa e uma luz se refletiu, de forma que causou náuseas
que se arrastaram pela minha garganta. Quando ele se virou para mim, segurando
um punhal, vi ferro em suas mãos.
Oh merda.
— Diga-me onde está Tomas, Layla.
Essa era a pergunta? De todas as perguntas, tinha que ser essa? O suor
respingou minha testa. Se respondesse à pergunta honestamente, então me
implicaria e não precisava disso justo agora, mas precisava saber sobre Zayne.
Maddox se ajoelhou entre minhas pernas, que estavam enroladas de uma
maneira estranha. — Diga-me o que aconteceu com ele e eu falarei sobre Zayne.
Isso era loucura e só serviria para piorar minha situação, mas não havia
outra opção. — Tomas... Não está aqui.
Sua mandíbula se apertou. — Está morto?
Engoli em seco, meus olhos fechados em concentração. — Na noite… que
vocês vieram… ele me encurralou em um… beco. Tentei dizer a ele… eu não era
uma ameaça, mas ele não quis… ouvir.
— O que aconteceu? — Sua voz era dura.
Meu peito subia em uma respiração irregular. — Ele me esfaqueou... E
Bambi – a tatuagem – o atacou.
Ele respirou fundo. — O familiar não está em você agora?
— Não. — Meus olhos se arregalaram. — Bambi o comeu... Ela estava me
protegendo.
— Ela o comeu? — O desgosto em sua voz era como a água enlameada na
minha pele. — Então, ele morreu?
Sentindo-me um pouco mais estável, assenti. — E... Sobre Zayne?
Maddox não respondeu por um longo momento, e abaixei meu queixo. Ele
encontrou meu olhar. — Você nunca o verá novamente.
Meu mundo se fez pedaços. Arrastei uma respiração, mas não foi para lugar
nenhum. — Não.
Ele não disse nada enquanto se levantava com o som da abertura da porta.
Novas lágrimas encheram meus olhos e caíram. Nunca mais vê-lo novamente só
podia significar uma coisa. Eu não tomei apenas uma parte da alma de Zayne.
Eu o matei.
A dor que me atravessou era maior do que qualquer coisa que já senti.
— Layla.
Ao som da voz do Abbot, eu queria me enrolar em mim mesma. — Eu…
sinto. Nunca quis que isto… acontecesse com ele.
Houve um silêncio e senti que ele se aproximou. Através da névoa de
lágrimas percebi que não estava sozinho. Quase todo clã estava com ele. Minha
visão estava instável novamente, mas parecia que Nicolai olhava para mim com
horror, pálido e agitado.
— Abbot — Nicolai disse, balançando a cabeça enquanto se afastava. — Isso
é muito errado.
Ele olhou por cima do ombro enquanto Maddox se movia para o meu outro
lado. — Você sabe que deve ser feito. Que nossa suspeita é verdade. Não há Lilin.
Apenas Layla.
Eu não disse nada, porque era verdade. Não havia nenhum Lilin. Apenas
eu. Como? Eu não tinha certeza, mas todas as evidências apontavam para mim.
Até mesmo Roth sabia. O único que não sabia era Zayne, e olhe para onde isso o
levou. Meu corpo tremia quando outro soluço me escapou. Eu precisava me
controlar.
— Nós deveríamos ter intervindo antes que atacasse meu filho — Abbot
continuou, virando-se para mim. — É um milagre que ele continue vivo.
Eu parei de respirar.
— Não temos nenhuma evidência concreta — argumentou Nicolai enquanto
Donn franzia o cenho. — Só suspeita. Ela é…
— Ela não é uma criança — disse Donn, seus olhos azuis brilhando.
Não me importo com nada disso. Se Zayne estava vivo, por que estavam
aqui? — Ele está… bem?
Abbot se virou para mim. Com os cabelos soltos em volta do rosto, ele
parecia tanto com Zayne que doeu vê-lo. — Meu filho vive.
— E... co ... Como ele está?
Compaixão atravessou o rosto de Nicolai enquanto se movia para frente. —
É ele mesmo. E está...
— Chega — gritou Abbot.
Meu coração batia com força no meu peito. Zayne estava realmente bem?
Eu queria vê-lo, vê-lo por mim mesma. — Posso... Posso ir para casa?
Uma emoção brilhou nos olhos de Abbot e ele afastou o olhar, balançando
a cabeça ligeiramente. — Isso não pode continuar. Por minha causa, muitas coisas
aconteceram. Muitas vidas estão agora em minhas mãos e algumas me escaparam.
— Abbot, eu devo protestar contra isso — alegou Nicolai, e essas palavras
estimularam uma discussão que eu sequer acompanhava.
Zayne estava vivo e parecia bem. Isso era tudo o que importava. Tudo seria
resolvido agora. Ele estava vivo e...
Dor explodiu no meu estômago, uma dor profunda e dilaceradora que se
levantou, capturando meu fôlego e fazendo com que meu corpo ficasse rígido. Eu
não entendia o que havia acontecido ou por que Nicolai e Dez estavam gritando.
Ou mesmo, porque Abbot parecia horrorizado enquanto me observava.
— Pronto — Maddox disse, e puxou o braço de volta. Meu corpo se movia
com ele, de uma maneira que não era normal. — Está feito e terminado. Tudo.
Um fogo se arrastava pelo meu corpo enquanto olhava para baixo. Por que
eu tinha óleo na minha barriga? Não, não era óleo. Era sangue. Muito sangue.
Enquanto Maddox se afastava, a ponta de sua adaga estava coberta de sangue.
Merda.
O bastardo havia me esfaqueado!
Tentei jogar meus braços para frente para cobrir a ferida, esquecendo que
eles estavam acorrentados. Isto era pior do que ruim. Era uma adaga de ferro,
mortal para demônios. Embora fosse apenas uma parte demônio, isso não era...
Abri minha boca e tudo o que pude saborear foi sangue. — Por quê? — A
pergunta saiu sem querer, e nem sequer estava certa do porque perguntei. Eu sabia
a resposta. Maddox só fez o que deveria fazer – o que Roth também foi condenado
a fazer: parar o que estava tomando as almas de pessoas inocentes, garantindo que
Alfas não intervissem. Mas a questão veio novamente. — Por quê?
Em seguida, o caos reinou.
A janela foi quebrada e ali estava Roth, de pé dentro do local, os raios de
prata da lua em suas costas formando uma aura própria. Ele soltou um uivo de
raiva.
E depois outro.
A parede do armazém tremeu e uma segunda janela voou. Pedaços de vidro
se estilhaçaram em todas as direções. Então, Roth não estava sozinho. Cayman
aterrissou agachado, parecendo surpreendentemente humano, exceto seus olhos.
Brilhavam como joias de topázio e as pupilas estavam estiradas verticalmente.
E Dez ficou ao lado de Cayman. O que ele fazia com eles?
Os Guardiões mudaram imediatamente, despojando-se de suas fachadas
humanas enquanto suas asas se desdobravam e a pele adquiria um tom de granito
escuro.
Abbot rosnou ao se virar para Dez. — O que você fez?
— Eu não podia deixar isso acontecer — disse, se transformando. Os chifres
salientes saindo de seus cachos castanhos. — Isto está errado.
Maddox mostrou a faca. — Tarde demais.
Olhei para baixo, onde o calor úmido se espalhava rapidamente. Ah, Inferno,
isso era tão, tão merda.
— Eu matarei todos vocês e vou gostar. — Uma rajada de ar quente
disparou de Roth e soprou pelo armazém, prendendo Abbot contra a parede.
Vários Guardiões se moveram para proteger o líder do clã. Usando a
distração, convoquei cada grama de energia que tinha em mim e obriguei os
músculos das minhas pernas a trabalharem. Empurrei meus pés.
Donn me agarrou, mas afundei sob seu braço, ignorando a dor que
atravessava meu estômago e se afundava em minhas têmporas. Inspirando
profundamente, a qual doeu, preparei-me para o que provavelmente se revelaria
um tapa na bunda de proporções épicas, mas tudo parecia congelado. Até mesmo
Abbot parecia enraizado no local onde estava.
Roth estava em sua verdadeira forma agora, com as pernas abertas e
ombros erguidos. Havia me esquecido de como ele luzia quando mudava. Feroz.
Aterrador como o inferno. Sua pele era brilhante como a obsidiana e suas asas
eram mais longas do que as de qualquer Guardião, formando um gracioso arco no
ar. A cabeça lisa foi empurrada para trás, dedos alongados em garras.
Mais uma vez fiquei impressionada com as semelhanças entre demônios e
Guardiões. A única diferença era a cor e a falta de chifres na cabeça de um demônio.
Roth sorriu de uma maneira que nunca o vi sorrir. Malícia e cólera saíam
dele em ondas. Um anjo vingador veio à minha mente, um que estava preparado
para dar chutes em bundas importantes.
Ele deu um passo à frente, os olhos de cor laranja começando a brilhar. —
Preparem-se, estou a ponto de fazer chover um pouco de enxofre e fogo em suas
bundas.
E ele fez.
Um aroma de enxofre tomou conta do armazém, e bolas de luz laranja
rodeavam as mãos de Roth, as quais dispararam e acertaram o Guardião mais
próximo. O Guardião ficou em chamas, gritando enquanto tentava apagar o fogo.
Em poucos segundos o fogo o envolveu. Ele cambaleou para trás contra as paredes
do armazém. O fogo se propagou.
Cayman interceptou dois Guardiões enquanto Roth disparava mais fogo,
batendo com o punho diretamente no peito de outro Guardião, puxando para fora
o que parecia muito com um coração. Encolhendo-me, vi que atirava o órgão e
girava para o seguinte, capturando o Guardião com um golpe brutal na garganta.
Roth era um cara forte, um cara durão... Tipo assustador.
Um vento forte se ergueu, espalhando as chamas enquanto um forte
rangido sacudia o armazém. Do teto ecoou um som horroroso e tudo tremeu, em
seguida, caiu como se alguém tivesse aberto uma lata de sardinhas. Montes de
rocha carbonizada chamuscaram dois Guardiões, tirando-os do jogo.
Bom Deus, isso tudo era Roth?
Roth cortava um caminho claro em direção a mim. Tentando isso, ele não
viu o Guardião vindo por trás dele. Atirei-me para frente, tremendo. — Roth!
Ele se virou conforme Donn se virava para mim. Estirou seu braço, me
agarrando pelo pescoço antes de me lançar a vários metros. Caí no chão com um
grunhido e levantei a cabeça. O fogo subia pelas paredes a centímetros do meu
rosto. Eu me afastei, me empurrando contra o chão com os pés descalços.
De repente, mãos me agarraram pelos ombros, me levantando. — Te peguei
— disse Dez. Quando me virei, vi Donn deitado de barriga para baixo. Dez quebrou
as correntes, liberando o colar em volta do meu pescoço e pulsos.
Um Guardião deixou escapar um grito estridente enquanto eu encontrava
com o olhar de Dez. — Obr... Obrigada.
Ele balançou a cabeça. — Você não pode ir para o complexo. Entende?
Pensei que era bastante óbvio. — E... Você estará em tantos problemas.
Jasmine e os gêmeos...
— Não se preocupe conosco. — Os olhos de Dez se estreitaram e se lançou
ao ar, aterrissando junto a Nicolai. Juntos derrotaram os outros Guardiões.
Roth vinha direto para mim, mas havia um Guardião entre nós.
Abbot se deixou cair de joelhos, e Roth se elevou, suas asas abertas. Não
sei o que causou, o que me empurrou, mas uma última gota de energia explodiu
em mim.
Pulei na frente de Abbot, me interpondo entre ele e Roth. Com o peito
agitado e o rosto coberto de cinza, levantei uma mão trêmula. — Não.
Roth aterrissou não mais do que alguns centímetros na minha frente, a
ponta afiada de sua asa me evitando por pouco.
O ar se agitou atrás de mim. Abbot estava se levantando, sua expressão
refletindo a mesma de Roth. Meus olhos se encontraram com os dele por um
instante, e até mesmo cercado por calor e fogo, minhas vísceras esfriaram. Sabia
por que intervi, muito provavelmente salvando a vida de Abbot. Em sua fúria, Roth
o teria matado, mas Abbot me criou e isso… isso significava algo para mim.
Ainda que isso não significasse nada para Abbot.
Ignorando a dor em meu peito, cambaleei, dando um passo para trás,
colidindo com Roth, seu braço rodeou minha cintura, me estabilizando.
— Você foi tocado pela mão de Deus — cuspiu Roth para Abbot enquanto
seu braço se apertava ao meu redor. — Não voltará a acontecer.
Os poderosos músculos de suas pernas nos empurraram para o ar. Voamos
muito alto, tão alto que quando meu olhar caiu, eu não via nada do armazém, com
exceção de faíscas e chamas.
As coisas realmente pararam de importar para mim uma vez que estávamos
no ar, deixando o armazém para trás. Eu estava acendendo e apagando como uma
lâmpada com mau contato.
Roth pousou em algum lugar em um telhado, rapidamente seguido por
Cayman.
— Não podemos ir para Palisades — disse o regente infernal. Sobre seus
ombros, a cidade piscava como um milhão de estrelas. — Obviamente, eles sabem
onde você mora.
— Sim, eu terei que concordar com isso. — Os olhos âmbar ficaram presos
nos meus por uma eternidade. — Preciso que você espere aqui por mim. Ok,
pequena? Vou dar um jeito em você.
— Vejo... Almas de novo — eu anunciei, porque por alguma razão parecia
importante assinalar isso.
O sorriso de Roth era fraco e completamente errado. — Vê? É bom ouvir
isso, baby. Muito bom. Vamos te deixar confortável em um momento. Só espere.
Estava vagamente consciente do vento chicoteando em cima de mim
novamente. Desta vez, não senti como se tivessem passado segundos para chegar
aonde íamos. Foi uma eternidade e, então, dois anos depois aterrissamos e logo
estávamos dentro de uma casa quente. Eu queria perguntar onde estávamos, mas
minha língua estava frouxa.
O coração de Roth estava batendo ao cruzar uma sala mal iluminada e me
deitou em uma cama que cheirava a lilases. Assim que se endireitou, uma sombra
saiu de seu braço e para a cama, pontos se juntando.
Bambi deslizou sobre a cama até alcançar meu quadril. Levantou sua
cabeça, descansando-a em minha coxa. Um pouco de ternura empurrou meu
coração quando sua língua bifurcada saiu, sua forma de dizer olá.
— Abra os olhos, Layla.
Pensei que estivessem abertos. Pisquei para abri-los.
— Como se sente? — Roth perguntou, passando a mão sobre a minha testa
úmida.
Fiz um balanço sobre como me sentia. — Não estou… muito ferida.
Seu rosto se apertou como se tivesse sido atingido. — Isso é bom. —
Afastando-se, olhou por cima do ombro. — Cayman?
O outro demônio deu um passo adiante, colocando meus braços para os
lados. O humor que usualmente dançava em seus olhos estava ausente. —
Sanguinária — disse ele, correndo o dedo sobre as minhas mãos. Ainda está no
corpo dela e é a razão pela qual está presa. Não será capaz de fazer qualquer
mudança até que esteja completamente fora.
Como ele sabia?
Cayman deve ter lido a pergunta nos meus olhos. — Estive ao redor disto
por um longo tempo, doçura, e simplesmente já vi de tudo.
Eu teria que aceitar sua palavra sobre isso.
Os dedos de Roth deslizaram sobre meu rosto. — Essas são marcas de
garras. Cayman, são marcas de garras.
— Eu sei, amigo, mas não é a coisa mais importante agora. — Ele levantou
a barra da minha camiseta. Isso... Isso é mais problemático.
Roth assobiou. — Ferro.
— Sim — ele pressionou com suas mãos e apenas senti.
Respirei superficialmente. — Eu... Eu acho que estou morrendo.
— Não. — Roth disse ferozmente, como se suas palavras pudessem impedir
o inevitável. — Você não está morrendo.
— Ela está em mal estado — disse Cayman. — A sanguinária está no
organismo dela há muito tempo.
Colocando a mão ao redor da minha, Roth se arrastou para perto de mim.
Enquanto falava com Cayman, não afastou seu olhar do meu, e isso era bom,
porque de alguma forma me ancorava. — Não fui capaz de entrar em contato com
ela por três dias. Pensei que estivesse me evitando novamente. — Ele olhou
melancolicamente. — Mandei mensagens, liguei, mas...
Eu queria dizer a ele que não havia como ele ter ficado sabendo, mas foi
Cayman quem disse essas palavras enquanto retirava as mãos dele. — Isto não é
bom.
— Não, merda — soltou Roth. — Eu sei disso, mas precisamos corrigir isso.
Ele balançou a cabeça. — Não se pode curar, Príncipe. Você entende o que
isso significa? Esta ferida é profunda. Ela pode ser apenas parte demônio, mas o
ferro está fazendo a sua coisa, e se fosse humana, ela estaria...
— Não diga isso — ele rosnou; seus olhos dourados voltando a brilhar. —
Deve haver alguma coisa.
Cayman se levantou, retirando-se para as sombras como se estivesse nos
dando espaço... Dando privacidade a Roth. Abri a boca, mas sangue jorrou dela.
Roth limpou rapidamente, e segurou meu rosto com cuidado.
— Eu não deixarei isso acontecer. Tem que haver... — seus olhos brilharam
intensamente e olhou por cima do ombro. — E se ela se alimentar? Isso poderia
ajudar?
— Não sei — a voz do Cayman nos alcançou. — Não pode fazer mal.
— Encontre-me alguém. Qualquer um. — Ele ordenou. — Eu não me
importo, apenas faça, agora.
— Não — gritei. Recorrendo a toda minha energia, eu forcei meus lábios a
se abrirem. — Já fiz bastante dano. ... Eu não vou me alimentar. Não importa... O
quê.
Frustração retorceu o rosto de Roth. — Você precisa. Você fará. Não me
importa o quanto se oponha. Eu não deixarei você morrer.
Parecia estranho brigar muito por isso, considerando que ele estava no topo
da lista para se livrar de mim e provar que sou a causa por trás do desastre, mas
agora não era o momento de decifrá-lo. Meu peito se levantou bruscamente. — Não
me faça isto. Por favor. Por favor... Não me faça fazer isso. Por favor.
Ele balançou a cabeça. — Layla...
— Não... me faça fazer isso.
Seu rosto se contorceu, afilando seu rosto, e percebi que estava preste a
mudar. Ele se inclinou, pressionando a testa contra a minha enquanto segurava
as minhas duas mãos. — Não me faça sentar aqui e assistir você morrer. Você não
pode fazer isso comigo.
A dor subiu na minha garganta, e apesar de suas palavras me balançarem
não havia nada que eu pudesse fazer. Eu não sabia como havia tomado as outras
almas, mas não quis deliberadamente ferir ninguém.
— Quer morrer? — Ele perguntou suavemente. — É isso que você quer?
— Não. Eu não quero, mas posso amaldiçoar outra... pessoa e enviá-la para
o inferno... Para que eu possa viver.
Um estremecimento passou por Roth e sua respiração ficou entrecortada.
— Oh, Layla — disse tristemente. — Não posso deixar que isto aconteça. Pode me
odiar quando tudo estiver dito e feito, mas você estará viva.
Meu coração deu um pulo e comecei a protestar, mas Cayman falou. —
Espera. Pode haver algo mais.
Roth se esticou, olhando sobre seu ombro. — Detalhes. Diga rápido.
— E as bruxas? — Disse ele, aproximando-se da cama. — Aquelas que
trabalharam com Lilith. Talvez elas estejam inclinadas a fazer algo para salvar a
filha dela.
Os olhos do Roth se ampliaram. — Você acha que elas têm alguma coisa
para isso?
— Quem sabe do que são capazes esses fenômenos, mas vale a pena tentar.
— Vá — disse com voz rouca. — Dê a elas o que quiserem se puderem ajudá-
la. Qualquer coisa.
Cayman hesitou por um momento. — Qualquer coisa?
— Vá
E Cayman saiu. Puff. Ele não estava mais aqui. Roth se virou para mim. —
Se isso não funcionar, eu trarei alguém aqui para você se alimentar.
Comecei a protestar, mas meus olhos encontraram os dele, e eu sabia que
era inútil. Roth também sabia. Se a coisa com as bruxas falhasse, não havia tempo
para fazer mais nada.
O queixo de Roth se inclinou e soltou uma respiração enquanto levava
minhas mãos até seus lábios, pressionando um beijo em cada dedo. — Suas mãos
estão muito frias.
Pisquei lentamente. Havia muitas coisas que eu queria perguntar, mas cada
vez que respirava era necessária uma grande quantidade de energia.
— Como isso começou? — Ele perguntou, erguendo o olhar torturado até o
meu.
— Zayne... Zayne me beijou — sussurrei, e vi seus olhos dilatarem-se... –
Nós já havíamos beijado antes, e nada aconteceu depois, mas...
Sua boca se abriu. — Então, por que esse idiota beijou você, você foi
acusada de atacá-lo?
Fechei os olhos, me concentrando em minhas palavras. — É mais... Do que
isso, mas Zayne... Está bem. Agora.
— Para ser honesto, eu não dou a mínima para ele agora.
Eu teria rido se pudesse.
— Abra os olhos, Layla.
Demorei muito tempo fazendo isso. — Estou cansada.
Ele respirava com dificuldade. — Eu sei, querida, mas você precisa manter
os olhos abertos.
— Oh... Ok.
Um sorrisinho apareceu, mais como uma careta do que qualquer coisa. Ele
colocou minhas mãos em seu no colo, apertando com força. — Você disse que o
beijou antes e nada aconteceu? — Quando balancei a cabeça, ele amaldiçoou
suavemente. — Eu deveria ter desconfiado.
Na verdade, eu não estava seguindo ele com essa parte.
— Bambi. — Compreensão atravessou seu rosto quando ele olhou para onde
a cobra estava curvada ao lado do meu quadril. — Eu sabia que ela se uniu a você
como um familiar. Eu quis isso para que ela pudesse protegê-la, se necessário, mas
não sabia que ela faria a esse tipo de nível. Mas faz sentido agora. Você pode ver
almas novamente, certo?
— Sim.
— É por causa dela. Não está em você agora, mas quando está unida a você,
ela muda suas habilidades, afetando-as. Os familiares fazem isso, e imaginei que
o fizessem mais por meios demônios. Pensei que ela somente te deixaria mais forte.
Não sabia que afetaria sua habilidade de controlar quando toma uma alma.
Fechei meus olhos enquanto isso se afundava em mim. Então não foram
meus sentimentos por Zayne que preveniram que eu tomasse sua alma como um
tipo de escudo de amor cósmico. Foi Bambi – um demônio familiar. A decepção se
tornou um forte nó no estômago, mas, pelo menos, agora sabia por que foi possível
beijá-lo. E explicava porque minhas habilidades abrandaram. Pelo menos, a
maioria delas. Talvez os poderes de Bambi também distorcessem os meus poderes,
permitindo que eu tomasse as almas de Dean e Gareth. Fazia sentido,
especialmente porque não passei mal após me alimentar da mulher no clube, mas
me senti mal após me alimentar de Zayne. A única diferença era quando Bambi
estava em mim e quando não estava. E isso aconteceu com Maddox e as janelas –
pode ter sido Bambi afetando meus poderes novamente. Ou poderia ter sido o que
Abbot temia, meus poderes foram simplesmente mudando, de qualquer maneira.
E isso significaria que não havia nenhum fantasma no recinto, e acho que eram
boas notícias.
Se fosse esse o caso então, se Bambi nunca tivesse se unido a mim, nada
disto teria acontecido. Poderia ser pior, eu acho. Bambi salvara minha vida naquela
noite com Tomas. O que não entendia era porque Roth quis que Bambi se unisse
a mim.
— Não teria te obrigado a ficar com ela se eu soubesse — disse lentamente.
— Eu nunca teria permitido você sair do elevador caso soubesse que Bambi te
afetava.
Surpresa, eu olhei para ele. A honestidade que via em seus olhos e que não
estava lá antes.
— Droga — disse ele calmamente. — Fiz uma completa bagunça disso.
Cayman apareceu de repente, e Roth olhou para ele intensamente. — Por
favor, me diga que você tem alguma coisa.
— Eu tenho. — Ele se aproximou da cama, e em suas mãos estava uma
garrafinha. — Não há garantias, mas isto foi o melhor que puderam me dar e nem
queira saber o que tive que prometer para conseguir isso.
— Não me importa o que prometeu — colocando minhas mãos gentilmente
sobre a cama, Roth ficou de pé, pegando o frasco de Cayman.
— Oh, provavelmente se importará mais tarde. Mas isso é algo para discutir
quando a água estiver debaixo da ponte, certo?
Ansiedade se formou em meu ventre, mas Roth já havia destampado o
frasco. — O que é isto? — Ele perguntou.
— Algum tipo de mistura que irá reverter os efeitos da sanguinária e deverá,
tecnicamente, empurrar o corpo dela para a cura natural a todo vapor. — Ele fez
uma pausa. — Elas disseram que ela dormiria e para não ter medo caso desmaiasse.
Roth assentiu, sentando-se ao meu lado novamente. Se isto fosse algum
tipo de truque do clã, realmente não importava. Estava me cansando cada vez mais,
e rapidamente. Senti uma punhalada de terror frio porque sabia que estava
realmente morrendo. E realmente não queria morrer. Deixei Roth levantar-me o
suficiente para deslizar o conteúdo do frasco na minha garganta.
Engasguei. A coisa tinha gosto de algo queimado além da morte, Roth o
manteve em meus lábios, deslizando o polegar para cima e para baixo da minha
garganta, forçando-me a engolir tudo. — Sinto muito. Eu sei que tem gosto ruim,
mas está quase no fim.
Quando terminou, ele colocou minha cabeça no travesseiro.
— Se isso não funcionar, eu me livrarei de todo o coven. — Um músculo se
contraiu na mandíbula de Roth. — Espero que elas estejam cientes disso.
— Acho que estão. — Cayman se retirou mais uma vez enquanto Roth
retornava sua atenção para mim. — Vou a… uh, sair por um momento.
Roth não percebeu. Ao contrário, ele escorregou e se sentou ao meu lado.
Minhas pernas pareciam chumbo que se fundiram em meus ossos. Minha cabeça
virou um pouco e meu olhar encontrou Roth. Eu podia ver que ele pensava o
mesmo que eu.
Talvez Cayman e o coven de bruxas tenham trazido a mistura tarde demais.
— Quero apenas te abraçar agora — sua voz estava áspera. — Isso é tudo
que eu quero.
Meu peito se apertou. Se isso fosse tudo para mim, era o que eu queria
também. Não queria ir sozinha. Era mais do que isso, mas mal podia processar o
que significava. Meus lábios formaram as palavras ok, mas tomava muita energia
falar.
Ele me abraçou, e seu corpo estava agradavelmente quente. Após alguns
momentos, eu não conseguia manter meus olhos abertos. O medo diminuiu um
pouco, deixando uma onda de paz sobre mim. Se isso era morrer, não era tão ruim.
Na verdade, era como adormecer.
Os braços do Roth se esticaram a meu redor enquanto enrolava seu corpo
ao redor do meu, colocando minhas pernas entre as suas e minha cabeça debaixo
do seu queixo. Respirei fundo. Respirei mais uma vez e deslizei para a escuridão.
— Layla?
Eu queria responder, mas estava além das respostas. O vazio me chamou,
e eu não estava me recusando a ir.
— Pode me ouvir? Quero que você saiba uma coisa. — Disse ele, com a voz
rouca e grossa, parecendo muito longe, mas cheia de urgência. — Eu te amo, Layla.
Está me ouvindo? Eu te amei desde o primeiro momento em que ouvi a sua voz e
ainda amo. Não importa o que aconteça. Eu te amo.
Sair do vazio foi um processo de proporções épicas. Os dedos das minhas
mãos se retorceram ao meu lado. Os dedos dos meus pés se curvaram. O doce
aroma de algo picante e selvagem flutuava ao meu redor. No momento em que meu
cérebro começou a se agitar, eu abri meus olhos, não ficaria surpresa se tivesse
levado horas.
Pisquei e me vi olhando para um peito largo. Um peito nu. Um peito nu e
masculino. Meus pensamentos eram difusos a respeito de tudo, mas tive uma
lembrança geral de tudo o que aconteceu. Eu morri? Porque esta não era realmente
uma vida ruim após a morte. Mas não, a dor profunda e constante no meu corpo
me disse que eu estava muito viva.
Minhas mãos estavam enfiadas contra um duro estômago, descansando
perto da cabeça de um dragão verde reduzido a perfeição.
Roth.
Um de seus braços estava caído sobre meus quadris e o outro se encontrava
sob meus ombros. Sua mão se enterrava profundamente na desordem do meu
cabelo. Seu peito subia e descia constantemente. Eu podia sentir Bambi do meu
outro lado, estiquei-me. Que estranho... sanduíche para fazer parte.
Não importa o que aconteça. Eu te amo.
Um caloroso formigamento percorreu minhas bochechas e caía em cascata
pelo meu pescoço. Deveria ter sido minha imaginação me lançando essas palavras.
Demônios não amam assim. Nem sequer aqueles como Roth, que poderiam
conseguir algumas pequenas coisas más. Mas lembrei-me do som de seu desespero.
Ergui a cabeça um pouco. Grossos cílios escuros se espalhavam em suas
bochechas. Seus lábios estavam entreabertos. Durante o sono, parecia jovem, e a
vulnerabilidade em seus traços nunca foi vista quando acordado.
Ele parecia um anjo.
Não sabia quanto tempo fiquei ali o encarando, mas provavelmente foi
tempo suficiente para declará-lo como um espécime raro. No entanto, o tempo era
útil. Eu estava viva e além da dor em meu corpo, tinha a sensação de que me
encontrava bem. A sanguinária estava fora do meu corpo; a ferida do meu estômago
estava se curando. Estaria me levantando e dando voltas em pouco tempo.
Mas tudo mudou.
Tanto é assim que realmente não podia sequer captar quão diferente seria
minha vida a partir deste momento. Não havia como eu poder voltar para casa. Não
queria; não depois do que Abbot fez comigo, a jaula, o armazém central. De maneira
nenhuma. E se Nicolai e Dez não tivessem intervindo, eu teria morrido... E isso era
o que Abbot queria. Tal como o meu pai verdadeiro, ele também me queria morta.
Sim, isso doeu e a picada permaneceu. Mas não podia pensar nisso.
Recusei-me a me preocupar com Elijah ou Abbot.
Escola? Isso seria impossível. Com ou sem Bambi, era muito arriscado. Não
podia correr o risco de infectar mais alguém, especialmente quando ainda não
tinha nem ideia do que estava fazendo. Não sabia o que ia fazer, mas sabia que não
podia ficar aqui. Os Guardiões estariam atrás de mim. Então seria o inferno uma
vez que fosse divulgado que eu estava por trás de tudo. E a probabilidade de voltar
a ver Zayne novamente parecia escassa, e isso me deixou em pedaços, como se
tivessem me apunhalado novamente. Mal conseguia me lembrar de um tempo sem
ele, e agora teria de enfrentar andarei durante muito tempo nesta terra sem vê-lo
novamente, e isso... Mataria-me, especialmente sabendo o que fiz com ele. Tudo o
que podia esperar era uma verdadeira confirmação de que ele estava bem. Tudo na
minha vida mudou, mas de alguma forma, iria sobreviver. Teria que sobreviver.
Os cílios de Roth vibraram e depois se espalharam, revelando círculos
dourados que brilhavam com alívio. Ele abriu a boca e depois lambeu os lábios,
mas não disse nada. Olhamos um para o outro, e naquele momento e naquela
cama, entrelaçados em um abraço apertado, aquilo era apenas nós e nada mais.
Em seguida, ele levantou a mão do meu quadril, colocando a ponta de seus
dedos contra a minha bochecha. — As marcas de garras se curaram — disse ele.
— Há apenas tênues linhas rosadas. Quem te arranhou?
De forma alguma eu ia dizer.
Em silêncio, ele arrastou a ponta de seus dedos até meu pescoço, me
fazendo tremer. — A corrente deixou uma marca.
— Sim — eu sussurrei.
Suas narinas se alargaram. — Eu matarei todos eles.
Acreditava que queria dizer isso. Levantando meu braço, eu segurei seu
pulso. — Eu não acho que isto seja... Necessário.
— Eles fizeram isso a você. — Ele curvou o lábio. — Eu acho que é
absolutamente necessário.
Abaixando minha mão, eu balancei a cabeça e comecei a dizer que eu estava
bem, mas, na verdade, estava muito longe disso. Sim, eu estava viva e respirando,
mas estar bem não se encontrava em meu dicionário.
— O frasco que o coven... Deu para nós? Será que ouvi Cayman
corretamente? — Perguntei, ao invés disso. — É algo que devemos a eles agora?
Uma sobrancelha escura se levantou enquanto ele movia o dedo para a
curva da minha clavícula. — Não há uma só grama do meu ser que quer falar dessa
merda agora.
Um riso surpreso me escapou. Parecia seco e rouco. — Tudo bem.
— Cuidarei disso mais tarde.
Então olhou para mim novamente, da mesma forma quando abriu seus
olhos. Descobri que minha respiração parara e os músculos inferiores do meu
estômago se apertaram. Minha reação foi confusa e inclusive me assustou, porque
ele tinha esse olhar antes e depois que ressurgi.
Mas ele foi o primeiro a desviar o olhar. — Quer tentar se levantar?
Limpei a garganta. — Sim. Eu poderia... Poderia tomar banho.
Isso precisava acontecer. Minhas roupas estavam sujas e pregadas em mim.
Só Deus sabia a última vez que havia tomado banho. Roth me ajudou a sentar e
depois afugentou Bambi. Ela se arrastou para a cabeceira da cama e olhou para
nós. Assim que coloquei minhas pernas na beira da cama, Roth congelou.
Ele estava com as mãos nos meus braços, e depois, de repente, estava de
joelhos diante de mim. A preocupação disparou. — Roth...
— Estou bem. — Ele fechou os olhos enquanto deslizava as mãos nas
minhas. — Sinceramente, não sabia se o que as bruxas nos deram funcionaria.
Pensei que quando você fechou seus olhos... — ele limpou a garganta. — Não sabia
se alguma vez iria abri-los novamente.
Um nó se formou em minha garganta e tudo que eu podia fazer era apertar
as mãos dele.
Ele balançou a cabeça. — Tudo o que eu conseguia pensar era em todas as
mentiras que eu disse e você iria morrer sem saber a verdade.
Pensei nas palavras que imaginei e meu coração vacilou. Abri minha boca,
mas ele se inclinou. Deixou minhas mãos de lado e fez algo que nunca esperei.
Roth colocou a cabeça no meu colo, da mesma forma que Bambi fez
anteriormente, e deixou escapar um suspiro cansado.
Minhas mãos congelaram sobre a cabeça dele. Lágrimas rolaram dos meus
olhos e eu não sabia o motivo. Olhei para onde uma faixa de luz do dia entrava sob
as cortinas, lançando um halo sobre as costas de Roth.
— Quando retornei à superfície e fui ao complexo para falar com os
Guardiões, Abbot me encontrou primeiro, antes de você aparecer.
Isto não era nada novo, mas senti que havia mais.
— Abbot me avisou, antes mesmo que eu abrisse a boca e pudesse falar por
que estávamos lá — disse ele, sua voz baixa e plana. — Não pela propriedade dele,
mas por você. E sabe, entendi isso. Eu poderia entender por que ele não me queria
por perto. Afinal, eu sou o príncipe herdeiro do inferno, não é o tipo de cara bem
visto nos lares. Particularmente, na casa de um Guardião.
Enquanto ele falava, eu abaixei minhas mãos sobre a cabeça dele e corri os
dedos pelos seus cabelos. Uma profunda emoção se agitou no centro do meu peito,
apertando minha garganta.
Roth se voltou para a carícia como um gato, procurando por mais carícias.
— Mas era mais que isso. Abbot sabia o que ocorria com você, ou o que poderia
acontecer após o ritual de Paimon. Pensou que minha influência ajudaria ao longo
desse processo, que tiraria o lado demônio de você. E acredito que... Acredito que
ele sabia que eu nunca seria capaz de fazer o que me mandaram fazer. Ele não
queria você comigo – ele não nos queria juntos.
Intrinsecamente, sabia que juntos não significava estar no mesmo recinto –
e sim mais profundo e íntimo. Meus dedos se detiveram. — O que... O que você fez?
Outro suspiro surgiu dele. — Ele me disse que nem sequer pensasse em
continuar algo com você, no começo eu ri e disse a ele que não ia acontecer. Desde
o momento que saí do abismo, eu estava vindo por você, e não porque me
ordenassem – não por causa do que você pensaria. As ameaças de Abbot não
significavam nada, mas...
Meu peito subia e descia bruscamente.
— Mas ele sabia... Ele sabia como conseguir que eu ficasse longe. — A raiva
agora afiada em seu tom. — Ele não me ameaçou. Ele ameaçou você.
— Oh, meu Deus... — parei minhas mãos, pressionando meus lábios.
Obviamente, eu sabia que Abbot não era agora muito um amigo, mas antes?
— Ele disse... Que te levaria para longe de mim. — Com o som da minha
forte inalação, ele amaldiçoou suavemente. — Ele falava sério, Layla. E não estava
disposto a arriscar. Aquelas coisas que eu disse naquela noite... Eu não queria
dizê-las.
Olhei para sua cabeça baixa, minha boca se movendo atrás das minhas
mãos, mas nenhum som saía. Havia tantas coisas que Roth me disse desde o
retorno – declarações vagas que não faziam sentido, até agora.
Ele levantou a cabeça e olhou para mim. — E estou certo como o Inferno
que não te usei para aliviar meu aborrecimento, Layla. Tampouco quero te afastar,
mas não podia ser a razão para que a machucassem. Não seria.
— Oh, Roth... — sussurrei. Isso... Eu não esperava que este fosse o motivo
pelo qual Roth havia sofrido uma mudança de cento e oitenta graus quando se
tratava do que sentia por mim.
— Eu queria estar com você, mas...
Ele tentou me proteger. Um buraco se abriu em meu peito, tão chocante
quanto a ferida que já se curava no meu estômago.
— Sinto muito. Tudo foi em vão no final, mas não posso desfazer. — Ele
inclinou a cabeça para um lado enquanto me olhava. — Eu sei que isto não altera
a dor que fiz você passar. Apenas queria que você soubesse a verdade e que eu...
Fiquei tensa, esperando que ele terminasse o que estava dizendo e me
perguntando se aquelas palavras seriam as que eu pensei ter ouvido antes de
dormir, mas ele não terminou de falar. Ele olhou para mim como se esperasse
nunca me ver novamente.
E então me ocorreu algo e eu precisava perguntar. — Estava... Zayne estava
lá quando Abbot te disse essas coisas?
Seus olhos âmbar formaram redemoinhos em uma dúzia de vertiginosos
tons dourados. — Isso importa?
— Sim — sussurrei. Totalmente me importava se Zayne sabia por que Roth
se afastou de mim, se sabia a verdade e não me disse nada.
Ele não respondeu por um longo momento e uma pontada de apreensão foi
se formando na base da minha espinha. — Nada muda, Layla. Não realmente,
porque não importa, ele... Ele teria feito o mesmo se estivesse na minha posição.
— Uma quantidade invejosa de respeito encheu seu olhar. — Eu sei disso.
Tudo estava girando na minha cabeça. Permaneci ali por alguns minutos,
absolutamente pasma. Meu cérebro estava frito. Completamente.
Roth sorriu um pouco ao se levantar, agarrando meus braços. — Vem.
Vamos te dar um banho.
Encontrava-me oficialmente em piloto automático enquanto me levantava.
Meu primeiro passo foi um fracasso. Minhas pernas tremiam, como um potro
recém-nascido.
— Te peguei — disse Roth, me sustentando. — Sempre.
Sempre. A palavra ricocheteou dentro de mim como uma bola de ping-pong.
Após Roth me guiar para o banheiro, ele foi procurar algumas roupas. Era um
banheiro bem agradável – grande, com uma banheira e chuveiro separado. Eu me
olhei no espelho. Meus olhos estavam muito grandes no meu rosto pálido. As garras
de Zayne deixaram tênues arranhões rosados. Uma contusão avermelhada estava
ao redor da minha garganta. Tirei minhas roupas e olhei pela primeira vez para o
ferimento.
Estremeci.
O pedaço de pele acima do meu umbigo se curando estava rosado e
enrugado. Se fosse humana, eu teria sangrado antes que Nicolai e Dez tivessem
intervindo. Com minhas mãos tremendo, eu tirei toda a minha roupa suja, e abri
o chuveiro. Fiquei sob a água até que minhas pernas começassem a tremer, o que
foi em apenas alguns poucos minutos.
Toda a sujeira, suor, sangue e coisas que não queria nem mesmo pensar
foram lavados. Com as pernas trêmulas, eu me enrolei em uma toalha e tentei
enxugar a maior parte do meu cabelo úmido, me dei por vencida depois de alguns
segundos.
Houve uma batida na porta. — Você está decente?
— Sim.
Roth entrou com um pequeno embrulho nas mãos. — Um par das minhas
calças de moletom e uma camisa térmica.
— Obrigada.
Ele olhou para mim e seu olhar demorou, até que minhas orelhas se
ruborizassem. Passando uma mão por seu desordenado cabelo, deu meia volta e
retornou ao dormitório. — Vou esperar aqui. Deixe-me saber quando estiver pronta.
Expirando lentamente, coloquei minhas roupas e imediatamente o perfume
dele me envolveu. Roth voltou, me ajudando a caminhar até a cama. Eu estava tão
cansada que quando minha cabeça bateu no travesseiro, eu sabia que por algum
tempo não me moveria novamente.
Roth sentou ao meu lado e puxou um telefone. — Vou pedir comida. Você
precisa comer.
Eu não estava com fome, mas a oferta era boa. Olhei em volta do quarto
espaçoso. Ele foi elegantemente decorado. — De quem é esta casa?
Ele levantou a vista de qualquer mensagem que escrevia no telefone. —
Sabe, eu não sei quem originalmente era o dono, mas é propriedade de um demônio
atualmente. Às vezes eu venho aqui quando quero fugir da cidade. O mesmo
acontece com Cayman.
Uma grande parte de mim não queria saber o que aconteceu aos seus
proprietários originais. — Onde estamos?
Enfiando o telefone no bolso, ele passou a mão sobre o peito nu. — Estamos
perto do rio – não perto do complexo. Do outro lado, em Maryland. Aqui estamos
seguros. Nenhum Guardião nos encontrará.
Pensamentos feios e angustiantes deslizaram em minha cabeça e os afastei.
— Onde está Bambi?
— Atualmente ela está ao redor da minha perna. Achei que você poderia
precisar de espaço.
— Oh. — Eu brincava com a borda do cobertor. Quando levantei o olhar,
ele me observava de novo. Prendi a respiração.
Roth se apoiou em minhas pernas. — A comida logo estará aqui. Por que
não descansa um pouco. Vou acordá-la quando chegar.
Eu estava exausta, mas o sono seria ilusório. — Não consigo.
Ele ficou em silêncio por alguns minutos. — No que está pensando?
— Muitas coisas — admiti, olhando para o teto. — Não serei capaz de
permanecer aqui...
— Você pode ficar aqui o tempo que quiser.
Meus lábios puxaram um sorrisinho. — Obrigada, mas você sabe... Sei que
não posso. Tenho que ir. Não sei para onde, mas preciso ir para algum lugar...
Onde não esteja perto das pessoas ou dos Guardiões. Pelo menos até eu descobrir
como estou infectando pessoas.
— Você me diz quando e para onde você quer ir, e nós iremos.
Meu olhar se voltou para ele. — Você não pode ir comigo.
Roth fez uma careta. — E porque não?
— Ordenaram que você me matasse. Se você for comigo, então não seria
como colocar um alvo nas suas costas?
Ele arqueou uma sobrancelha. — Pareço alguém que se importa? Além
disso, eu tenho certeza de que já desobedeci às ordens diretas do Chefe. E de
maneira nenhuma eu deixarei você fugir sozinha. Claro que não. Você precisa de
alguém com você. Precisa de ajuda.
— Roth...
— Olha, você não está fazendo nada disso por si mesma. A bagunça em que
você se encontra é parcialmente culpa minha. Não contei a você sobre um monte
de merda. — Sua mandíbula se levantou. — E sei que as coisas estão... Fodidas
com a gente. Eu sei disso. Ainda que você me diga que prefere foder a perna de um
Noturno a me perdoar, eu estarei lá com você.
Levantei-me em meus cotovelos. — Você está indo contra o Inferno – contra
o seu chefe?
Ele sorriu quando deu de ombros. — Sim.
— Por que correr esse risco?
Seus olhos encontraram os meus. — Você sabe a razão. No fundo, você sabe.
Levou mais um dia e meio para que meu corpo voltasse à normalidade.
Durante esse tempo, Roth tornou-se algo como um amigo. Assim como Cayman.
Os dois me mantiveram entretida enquanto era forçada a ficar na cama.
Acabei assistindo todos os filmes de Will Ferrell que havia.
Nós três conversamos sobre os planos e sobre para onde irmos a partir
daqui. Pelo que pudemos deduzir, eu precisava ter estado várias vezes ao redor dos
afetados, já que, obviamente, não beijei nenhum deles... Isso fazia sentido com
aqueles que já sabíamos que foram afetados – Dean e Gareth – mas não quando se
tratava da moça do Palisades e aqueles que estavam sem nome e sem rosto para
nós. Muitos não faziam sentido, mas a quem poderíamos perguntar?
Era bom – um alívio – ter algum tipo de plano, embora não fosse o mais
detalhado ou pensado, mas nos momentos de calma, quando Roth saía ou Cayman
desmaiava no sofá, não podia deixar de pensar em tudo o que perdi.
E perdi muito.
Embora os Guardiões tivessem se voltado contra mim, no fim, eles
permaneciam sendo meu clã e a coisa mais próxima que eu tinha de uma família.
Perdi Zayne, mas se fosse honesta comigo mesma, sabia que isso acontecera muito
antes do fatídico beijo. Na verdade, isso aconteceu quando deixei um
relacionamento entre nós começar, porque eu devia saber como acabaria. Com
Zayne ferido. E agora, a nossa amizade e o que tivemos entre nós se foram, e ele
devia me desprezar porque eu me alimentara dele. Ele deve sentir repulsa, porque
havia confiado em mim e eu traí essa confiança a um nível que ultrapassava beijar
outro rapaz.
Quase o matei.
A dor de perdê-lo não diminuiu, e duvidava que alguma vez diminuísse. Era
como perder um membro.
E meus amigos? Sam? Stacey? Eles estavam fora do meu alcance, também,
e nem sequer sabia se eles também foram infectados e simplesmente não
mostraram os sintomas ainda. Não saber doía. Deus, tanta coisa estava errada.
Nestes momentos de escuridão, como agora, eu queria me enrolar em uma
bola e quase me tornar algo totalmente inútil. Eu tinha dezessete anos e minha
vida, de certa forma, estava praticamente terminada. Talvez tivesse uma nova vida
esperando por mim, mas era uma que eu nunca, nunca planejei.
Roth entrou na sala, carregando uma tigela de folhados de queijo. Ele caiu
no sofá ao meu lado, dei uma longa olhada para ele, e então ele colocou um pouco
dessa deliciosa coisa na boca. Só ele conseguia comer algo tão sujo e ainda
conseguir ficar sexy fazendo isso.
Maldito demônio.
As coisas... As coisas estavam tensas entre nós. Muito foi dito e muito ainda
era tácito. De uma forma ou de outra, tudo foi colocado às claras para mim, e eu
não estava convencida de que aquelas dolorosamente belas palavras que ele disse
foram produto da minha imaginação. Eu não sabia o que fazer com aquelas
palavras, se devia confiar nelas ou até mesmo permitir um lugar no meu coração.
Por causa do meu coração e da minha cabeça tudo estava tão ruim agora.
— O que foi agora? — Ele perguntou, colocando a mão no recipiente e
retirando um pedaço bem grande de folhado.
Dei de ombros e olhei para onde Cayman estava assistindo TV. Estava
passando Elf.
Roth me ofereceu um pouco dessa coisa. Peguei, colocando-os em minha
boca. Migalhas caíram em meu colo. Suspirei. Ele não disse nada e eu sabia que
estava esperando.
Passei meus braços em torno das minhas pernas e descansei meu queixo
nos joelhos. — Eu quero ver Stacey.
Seus lábios se franziram. — Não acredito que seja uma boa ideia.
— Eu preciso vê-la, e Sam. Quero ter certeza de que não os infectei —
expliquei. Cayman estava agora surpreendentemente prestando atenção. — Agora
que eu posso ver auras novamente, eu serei capaz de saber.
— Falando em ver auras — começou Roth, — Eu quero que volte a ficar com
Bambi. Ela talvez faça com que suas habilidades mudem, mas te deixará mais forte.
Eu queria tê-la de volta também, e talvez fizesse, mas não até descobrirmos
se era ela que estava fazendo com que a minha capacidade de inalar almas
diminuísse. — Farei isso eventualmente, mas acho que ser capaz de ver almas
agora é importante.
— Isso é. — Disse Cayman, se esticando como um gato. — Mas ver sua
amiga é estúpido. Os Guardiões – seu clã – esperam isso.
Sustentei minha ideia. — Pode ser, mas preciso ver, pelo menos, Stacey.
Ela é minha melhor amiga. Preciso saber se a prejudiquei de algum jeito. Eu... Não
posso ficar sem saber.
Cayman revirou os olhos. — Às vezes, me pergunto se você não é parte
humana.
— Cale-se. — Roth disse, esfregando uma mão sobre sua mandíbula. —
Ok... Eu entendo. Vamos fazer isso, mas devemos ser rápidos e precisamos ter
cuidado. E então, teremos que descobrir para onde ir.
Aliviada, eu relaxo minhas pernas. Gostaria de ver Zayne também, mas isso
não era possível. Isso nunca mais seria possível.
Diante de nós, Cayman suspirou. — Falando de lugares para ir. Ouvi dizer
que o Havaí é muito legal. Não sei vocês, mas me viriam bem umas férias na praia.
***
Nós fomos à casa de Stacey no dia seguinte, uma sexta-feira. Com sua mãe
longe de casa e seu irmão mais novo na creche, lá pelas cinco horas da tarde fomos
capazes de esgueirar-nos para a casa dela e esperar ela chegar.
E por esgueirar-se, eu quis dizer que peguei a chave extra que Stacey
sempre deixava sob a enorme palmeira do vaso de barro no quintal de trás e abri
a porta para entrarmos.
Inalei o leve cheiro de maçãs e abóbora, o cheiro gravado na minha memória.
A mãe de Stacey tinha uma coisa por desodorizador de ambiente e a casa sempre
estava com cheiro de uma tarde quente de outono.
Roth se arrastou atrás de mim e senti que olhava para minha bunda. As
roupas que ele e Cayman arrumaram para mim não eram coisas que normalmente
eu usava. Vestidos, jeans apertados, daqueles que eu tinha que me deitar para
fechar, calças de couro, e um monte de blusas como uma segunda pele.
Hoje eu estou vestindo um par de jeans branco e um suéter preto que me
fizeram sentir como se estivesse a segundos de me despir e encontrar uma barra
de pole dance mais próxima.
Olhei por cima do ombro, e Roth levantou uma sobrancelha enquanto um
lado da sua boca deslizava para cima. — Você pode andar na minha frente?
Ele riu profundamente. — Não nesta vida.
Lançando um olhar rápido, eu corri para a sala de estar. Stacey chegaria a
qualquer momento e com um pouco de sorte, Sam estaria com ela. Tanto Roth
quanto eu imaginamos que seria mais seguro não dizer a ela que viríamos, e
rodeamos o bairro dela uma meia dúzia de vezes antes de estacionar três quadras
mais abaixo. Roth sentiu que seu Porsche chamava muita atenção, por isso havia
pedido o carro de Cayman emprestado.
Que era um Mustang vintage. Sim, realmente discreto.
Sentei-me na beira do sofá, segurando minhas mãos.
Roth estava perto da lareira de pedra a gás. — Quer ser travessa e fazer
neste sofá?
Minha boca se abriu.
— Ou podemos fazer nos balcões da cozinha. — Ele piscou. — É claro que
nos quartos poderíamos não apenas se tornar impertinente, mas também muito
sujo.
Calor coloriu para minhas bochechas e ele riu. — Você deveria ver a
expressão do seu rosto.
— Você é um pervertido — eu disse, lutando contra um sorriso.
Roth deu de ombros. — De todas as formas que alguém poderia me chamar,
essa dificilmente é a pior.
— E provavelmente a mais verdadeira — murmurei.
Ele riu novamente.
Da frente da casa, ouvi a porta sendo aberta e cambaleei para os meus pés.
Comecei a avançar, mas Roth me segurou. Foi para a entrada da sala antes que eu
desse mais um passo.
Stacey gritou no corredor. — Mas que diab...? Merda, Roth você me
assustou!
— Desculpe — ele falou suavemente.
— Onde você esteve? Onde está Layla? Como você fez...? — A voz dela foi
desaparecendo quando ela chegou à entrada.
Sorri quando a vi, as pernas enfraquecendo de repente. Foi um alívio... Um
doce e bonito alívio. Sua aura estava lá, como sempre foi – um tom suave de verde.
Não era uma alma pura, absolutamente, mas estava bem. Eu não entendia como,
porque estive em contato constante com ela, mas era normal e era tudo que
importava.
Sua mochila caiu no chão quando ela me viu. — Oh, meu Deus, Layla, onde
você esteve? Estive tão preocupada! — Ela correu, mas levantei a mão, mantendo-
a longe. Ela parou de repente. — O quê?
— Não fique muito perto. Eu sou... Bem, eu não sei se é seguro para você.
Ela franziu o cenho enquanto observava Roth e depois a mim. — Por que
não é seguro estar perto de você? E onde diabos você esteve? Todo mundo está
preocupado. Sam acha que você foi sequestrada por essas pessoas da Igreja e
Zayne esteve...
— O que tem ele? — Roth interrompeu, aproximando-se de Stacey. Sua voz
tinha um tom cansado. Tensão pingava dele.
Os olhos de Stacey se arregalaram quando ela recuou. Ela engoliu em seco.
— Ele veio aqui mais do que algumas vezes, perguntando se eu ouvi alguma coisa
sobre Layla. Isso é tudo.
Meu coração batia contra minhas costelas como um animal selvagem
tentando escapar de uma gaiola. — Como... Ele parecia bem?
Ela parecia ainda mais confusa com a pergunta. — Ele parecia normal.
Apenas realmente preocupado e chateado. Como eu. — Seus olhos foram para Roth.
— O que está acontecendo, pessoal?
— Quando foi a última vez que Zayne veio aqui? — O fato de Roth não se
referir a ele como Stony mostrou o desespero da situação.
— Ele veio ontem, por volta desse horário. Ele tem passado todos os dias
desde...
Roth praguejou enquanto virava para mim. — Eu disse que isso era uma
má ideia. Temos que ir embora.
— Espere! — Stacey gritou, entrando na frente dele. — Ninguém vai embora
até que me digam o que está acontecendo!
— Temos tempo — eu disse a Roth. — Ninguém quebrou as portas ainda.
— Sim, agora. — Ele olhou para mim, os ombros rígidos. — Eu sei que você
não quer pensar nisso, e embora eu não ache que ele seja capaz de feri-la
intencionalmente, eu não posso dizer o mesmo dos outros que o seguirão. Eles
provavelmente o têm seguido cada vez que vem aqui.
— Eu sei disso, Roth. Não sou estúpida. Sei que temos que sair logo, mas
Stacey merece saber o que está acontecendo.
— Malditamente certo — disse ela, levantando a voz. — Príncipe Herdeiro
ou não, você poderia se sentar e calar a boca?
As sobrancelhas de Roth subiram para a testa e depois ele riu. — É uma
coisa boa que eu goste de você.
— Todos gostam de mim — respondeu ela. Em seguida, respirou
profundamente e olhou para mim. — O que aconteceu?
— Você pode querer se sentar para ouvir isso — sugeri.
Por um momento, parecia que ela queria discutir, mas finalmente sentou-
se. Dei um rápido resumo do que aconteceu, sem dar muitos detalhes sobre as
partes da jaula ou da tortura. Isso não era algo que eu queria reviver. No momento
em que terminei, ela estava pálida e agitada.
— Deus, Layla, eu... Não sei o que dizer. Eu quero te dar um abraço, mas
você ficará louca se eu me aproximar, não é?
Mordi o lábio. — Não sei exatamente como estou infectando pessoas, mas...
Tem que ser eu.
As lágrimas enchiam seus olhos escuros. — Não. Eu me recuso a acreditar
nisso. Não está em você, mesmo você não sabendo como isso está acontecendo.
Eu sorri; realmente ansiosa para abraçá-la. — Obrigada, mas...
Ela balançou a cabeça. — Não faz sentido. Por que não me infectei? Ou Sam?
Você está perto de nós mais do que ninguém.
— Não sabemos — disse Roth. — Mas isso é algo que vamos tentar descobrir.
Ela passou o dorso das mãos por baixo dos olhos, fungou e depois deixou
cair às mãos no colo. — O que vão fazer? Vocês não podem simplesmente ir embora
assim.
Meu estômago doeu. — Eu tenho que ir, Stacey. Pelo menos até sabermos
como estou fazendo isso.
— E a escola? Você não vai se formar. O ensino médio, Layla.
— Acho que ela sabe disso — Roth respondeu secamente. — Mas obrigado
por apontar isso.
Sua boca tremeu. — Sinto muito, mas isso é apenas uma grande coisa. O
que você fará com sua vida? Como você vai...?
— Ela ficará bem — Roth disse com firmeza.
Suspirei. — Ainda não sei. Talvez eu possa conseguir meu exame pré-
universitário e ter aulas da faculdade on-line até resolver isso.
Stacey se levantou de sua cadeira, balançando a cabeça. — Isso não está
certo.
Não, não estava.
Ela começou a andar. — Deve haver algo que possamos fazer. Isto não pode
ser a sua única...
Roth endureceu, como se concreto tivesse sido derramado por sua espinha.
Ele xingou enquanto se virava para mim. Eu já estava de pé, porque só uma coisa
poderia provocar tal reação.
— O que foi? — Stacey perguntou, olhando ao redor.
— Há um Guardião próximo – bem perto — respondeu Roth.
Minhas mãos se fecharam enquanto a estática dançava sobre minha pele.
— A que horas você disse que Zayne geralmente chega?
— A essa altura, talvez um pouco mais tarde. — Seus olhos se abriram. —
Ele nunca a machucaria, Layla.
— Eu sei — eu disse, esperando que estivesse certa. Não tinha nem ideia
de como Zayne me veria agora, apos feri-lo.
— Um Guardião saberá que estamos aqui. Será capaz de nos sentir. — Roth
se virou; seus traços afiando-se. — Isto será...
A porta se abriu de repente e Stacey gritou. Vinha da parte de trás da casa,
a mesma pela qual entramos e trancamos, como se tivéssemos sido rastreados até
a porta. Mas sabia que Zayne era ridiculamente perito quando se tratava de forçar
fechaduras. E sabia que era ele. O tênue aroma de inverno e hortelã brincava com
meus sentidos.
Roth estava de repente na minha frente, mas o rodeei. Eu não iria me
acovardar e me esconder. Justamente enquanto meu coração saltava em minha
garganta, uma sombra caiu sobre a entrada da sala de estar e logo Zayne estava
ali.
Eu tinha a sensação de que se uma centena de pessoas estivesse na sala,
eu ainda o teria encontrado imediatamente. Seu olhar fixo no meu, e a primeira
coisa que notei foi sua aura. Ainda era branca e formosa, mas havia se apagado
um pouco, como uma lâmpada prestes a derreter. E ele parecia terrível.
Manchas escuras se arrastavam sob seus olhos como uma fraca mancha
de tinta. Barba de três dias cobria suas bochechas geralmente suaves e havia
tensão em sua mandíbula. Eu fiz isto a ele quando tomei uma parte de sua alma?
Zayne tropeçou enquanto dava um passo para mim, e era como se não eu
pudesse me afastar. — Layla — disse; a única palavra soando quebrada. Era como
um arco se quebrando. Um pouco da tensão em seu corpo foi filtrada. Seus ombros
caíram.
— Você foi seguido? — Roth perguntou.
Tudo que ele fez foi olhar para mim com o rosto pálido e seu peito subindo
em respirações profundas.
Um rosnado baixo emanou de Roth. — Você foi seguido?
Stacey deu um passo saudável para trás. — Sinto que preciso ficar fora do
caminho.
Zayne negou com a cabeça. — Não.
Sua resposta não fez nada para aliviar Roth. — Como você pode ter certeza?
— Eles não têm nenhuma razão para me seguir — ele disse e depois piscou.
— Deus, Layla, eu... Eu sinto muito.
Desconcertada, coloquei minha mão sobre meu peito. — Porque se desculpa?
Eu te machuquei...
— Eu sei o que eles fizeram com você. — Finalmente, ele olhou para Roth.
— O que quer que você fez, a ajudou, obrigado. Nunca poderei te pagar por isso.
Nunca.
Whoa.
Até mesmo Roth parecia um pouco fora do seu jogo com isso. Não houve
resposta inteligente-idiota. Tudo que ele fez foi acenar, e o olhar de Zayne se voltou
para o meu. Ele balançou a cabeça, e meu peito se apertou.
Uma batida na porta levantou os cabelos do meu pescoço.
— Isso não seria um Guardião, certo? — Stacey perguntou. — Duvido que
batessem, certo?
Zayne não tirou seus brilhantes olhos verdes azulados de mim. — Não
bateriam, mas estou dizendo a você, eu não fui seguido. Eles pensam... Eles acham
que ela está morta.
Os lábios de Roth se curvaram, expondo as presas. Ele caminhou na direção
de Zayne, e eu sabia que mesmo que ele estivesse ciente de que Zayne não foi
responsável por coisa alguma, queria derramar sangue por isso – sangue de
qualquer Guardião.
Avançando, eu segurei o braço dele. — Não. Você sabe que isso não é culpa
dele. Não lute com ele. Por favor.
Ele olhou para Zayne e se inclinou, para que quando falasse, seu fôlego
dançasse ao longo de minha têmpora. — Só porque você pediu isso. Só por isso.
Zayne fechou os olhos. A batida veio novamente.
— Uh, vou atender isso — disse Stacey, e logo murmurou, estranho.
Roth se liberou. — Vou com você. — Ao passar por Zayne, deu-lhe um olhar
de advertência. — Não me faça lamentar o fato de que eu deixarei você continuar
respirando.
Um músculo saltou em sua mandíbula, mas Zayne manteve os lábios
selados. Uma vez que Roth e Stacey iam para o corredor, dei uma respiração que
não precisava.
— Eu... Não sei o que dizer — sussurrei, dobrando os braços em volta da
minha cintura. — Mas sinto muito por ferir você. Não quis fazer isso. Eu sei que
mesmo parecendo que você esteja bem, o que fiz foi tão...
— Pare — disse Zayne, e sua voz se quebrou. — Pare de se desculpar, Layla.
Nada disso foi culpa sua. Você não entende. Aconteceram tantas coisas. — Ele
parou, dando um passo a frente. — Não me importa o que você fez ou o que
aconteceu, mas não é você. Não pode ser.
— Zayne — sussurrei, supliquei na verdade.
— Há um espectro na casa — ele continuou, e pisquei, sem saber se ouvi
bem. — Era o Petr. Geoff o apanhou em uma câmera não muito tempo depois do
que... Deus, o que meu clã – seu clã – fez a você... — ele engoliu grossa saliva e
jurava que seus olhos estavam brumosos. — Eles pensam que você está morta.
Nicolai não sabia se Roth conseguiria te salvar a tempo, mas eu sabia que não
estava morta. Eu saberia aqui. — Ele bateu a mão contra o peito. — Eu saberia se
uma parte do meu coração tivesse partido.
Respirei fundo enquanto as vozes no corredor se aproximavam, e então
Stacey e Roth retornaram. Atrás deles estava um alto e magro Sam, e o ar deixou
os meus pulmões como se alguém tivesse chutado o meu peito.
Meus joelhos tremeram enquanto dava um passo para trás e meu cérebro
não queria processar o que via, mas não havia como negar. Em meu peito, meu
coração se quebrou, completamente aberto.
As sobrancelhas de Zayne se arquearam enquanto se focava em mim. —
Layla?
A sala girou um pouco. Estava vagamente consciente de como Roth se
movia, inclinando seu corpo contra o meu, mas até a última gota do meu ser estava
focada em Sam.
Ele estava na porta e inclinou a cabeça para um lado, sua expressão vaga
e um pouco curiosa. Tudo nele parecia normal. Normal para os padrões do novo
Sam – o cabelo artisticamente desarrumado, roupas elegantes, e a confiança
brilhante que usava como um par de jeans de grife muito caro. Sam havia mudado.
Mas não era normal, absolutamente.
Seu sorriso se espalhou, fazendo seus olhos brilharem. — Layla? Você está
bem?
O tom de sua voz era como ter as unhas de alguém rastejando através da
minha pele. Respirei fundo e, de repente – oh meu Deus – de repente entendi. Tudo
fez sentido de uma maneira repugnante. Não pude ver até agora.
— Eu sei — sussurrei, horrorizada.
Confusão marcou as feições de Stacey enquanto ela cruzava os braços. —
Sabe o quê?
— Ah. — Sam murmurou baixinho. — A luz se acendeu. Já era tempo,
porque eu estava seriamente começando a duvidar da sua inteligência, irmã.
Gelo estalou na sala enquanto a compreensão alcançava Roth, que rosnou
baixo em sua garganta.
O olhar de Sam se desviou para onde Roth estava, mas parecia totalmente
não afetado pela violência rodando o Príncipe Herdeiro. Mas fiquei espantada, e se
pensei que meu mundo havia se partido antes, eu estava errada. Ele se partiu em
pedaços agora.
Não havia aura em torno dele. Nada. Tal como acontece com Roth, e todos
os demônios, era apenas um vasto espaço vazio. Mas em Roth era esperado. Não
em Sam.
Sam não tinha alma.
Oh, mas era mais do que isso. Um ser humano simplesmente não perdia
sua alma. Ou tinham uma ou não tinham, e se não tivessem, estavam mortos –
eram espectros. Só algo desumano poderia oscilar o resplendor sem alma. Ou algo
totalmente possuído.
Zayne disse que era um fantasma no complexo. Petr que estava fazendo
essas coisas. Não eu. E as palavras da velha bruxa ressurgiram. Nós entendemos
o que ela disse completamente errado. O que procurávamos estava bem na nossa
frente esse tempo todo, e era alguém que sempre esteve ao meu redor, que tinha
contato com as mesmas pessoas que eu. Eu até mesmo pensei nisso quando
descobri que a moça no Palisades estava morta – a única outra opção era que Lilin
estivesse me seguindo por aí, mas descartei essa ideia, pensando imediatamente o
pior de mim.
O Ritual de Paimon funcionara naquela noite, que agora parecia ter
acontecido um longo tempo atrás. Nunca foi minha virgindade a chave para o feitiço.
Cayman estava enganado quando disse que deveria ser um pecado carnal. Meu
sangue foi derramado naquela noite, havia queimado até o chão, e havia um casulo
no porão da escola, que era uma parte do ritual – meu sangue precisava ser
derramado.
Bambi afetara minha capacidade, mas apenas para melhor, eu percebi. Ela
não era a causadora de eu estar sugando almas pelo simples fato de estar com
outras pessoas. Ela me ajudou, porque todas as coisas terríveis não fui eu, mas
não senti nenhum alívio.
— Todos, incluindo o seu clã e os amores da sua vida, pensaram que era
você. — Sam começou a rir, e essa risada soava como a dele. Era a dele, mas o que
estava atrás de sua pele não era o menino que eu conhecia. — Até você pensou que
fosse você mesma. E isso é um pouco triste, na verdade. Leva a baixa autoestima
a um nível totalmente novo.
— Sam — Stacey engasgou, pressionando a mão contra o peito. O sangue
drenado do seu rosto. — Do que você está falando?
Suas pupilas dilataram sua íris, tornando seus olhos fragmentos de
obsidiana. Seus traços permaneceram o mesmo. Não. Sam não perdera sua alma.
Ele não estava possuído. Era pior do que isso, porque o que estava em pé na nossa
frente já não era Sam. Já não era por algum tempo agora.
Sam era o Lilin.
FIM!