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Tradução e Revisão

Cada toque tem seu preço.

Layla Shaw tentava juntar os pedaços da sua vida destruída, não é uma
tarefa fácil para uma garota de dezessete anos de idade, que tem a certeza de que
as coisas não podem piorar. O seu melhor amigo, o incrivelmente belo, Zayne, está
para sempre fora dos seus limites por causa dos misteriosos poderes do seu beijo
que rouba almas. O clã dos Guardiões, que sempre a protegeu, de repente está
ocultando perigosos segredos. E, ela só consegue pensar em Roth, o príncipe
demônio perversamente sexy, que a entende de uma forma que mais ninguém
consegue.
Mas, às vezes, atingir o fundo é apenas o começo. Porque, de repente, os
poderes de Layla começam a evoluir, e oferecem-lhe um sabor tentador do que
sempre foi proibido. Então, quando menos se espera, Roth retorna, trazendo a
notícia que poderia mudar o seu mundo para sempre. Ela finalmente está
conseguindo o que sempre quis, mas com o inferno literalmente se soltando e o
número de mortos aumentando, o preço a pagar pode ser maior do que Layla está
disposta a pagar...
Dez segundos depois que a Sra. Cleo chegou à aula de biologia, ligou o
projetor e apagou as luzes, Bambi decidiu que já não estava confortável na minha
cintura.
Deslizando ao longo do meu estômago, a tatuagem muito ativa de serpente
demoníaca não era fã de ficar parada por muito tempo, especialmente durante uma
aula chata sobre a cadeia alimentar. Eu fiquei rígida, resistindo à vontade de rir
como uma hiena quando ela cruzou os meus seios e apoiou a cabeça em forma de
diamante sobre o meu ombro. Cinco segundos passaram quando Stacey me olhou
com as sobrancelhas levantadas, forcei um sorriso tenso, sabendo que Bambi
ainda não terminara. Não, a sua língua saiu fazendo cócegas no lado do meu
pescoço. Levantei a mão sobre a minha boca, ocultando uma risada enquanto me
retorcia na cadeira.
— Andou tomando drogas? — Stacey perguntou em voz baixa enquanto
tirava a franja dos seus olhos pretos. — Ou será que o meu peito esquerdo está
dizendo olá para o mundo? Porque como a minha melhor amiga está obrigada a
dizer-me se isso acontecer.
Mesmo sabendo que o peito dela estava dentro da camisa, ou pelo menos
eu esperava isso, uma vez que o seu suéter com decote tinha um v muito decotado,
o meu olhar aprofundou-se enquanto baixava a minha mão. — Seu peito está bem,
estou só... Ansiosa.
Ela enrugou o nariz antes de virar a sua atenção para frente da classe.
Tomando uma respiração profunda, rezei para que Bambi permanecesse onde
estava o resto da aula. Com ela sobre a minha pele, era como ter uma caixa de pó
de mico aberta sobre mim. Contrações a cada cinco minutos não ajudava a minha
popularidade ou à falta dela. Felizmente, com o clima frio e o dia de Ação de Graças
se aproximando rapidamente, eu poderia sair com o pescoço coberto e mangas
compridas que escondiam Bambi.
Bem, desde que ela não começasse a rastejar para cima, para o rosto. Algo
que ela gostava de fazer quando Zayne estava perto. Ele era um Guardião
absolutamente magnífico – um membro da raça de criaturas que poderiam ser
vistos como seres humanos, mas cuja verdadeira forma era o que os humanos
chamam de gárgulas. Os Guardiões são responsáveis por proteger a humanidade,
caçando o que saía no meio da noite... E durante o dia. Eu cresci com Zayne e
tinha um fraquinho por ele há anos.
Bambi se mexeu, a sua cauda causando cócegas ao lado do meu estômago.
Não tinha ideia de como Roth havia tratado Bambi quando ela rastejava por
ele.
Minha respiração ficou presa quando uma dor intensa e implacável atingiu
o meu peito. Sem pensar, peguei o anel com a pedra quebrada – aquele que
contivera o sangue da minha mãe, Lilith – e coloquei-o no pescoço. Sentir o metal
frio entre os meus dedos era relaxante, não pela ligação que este anel tinha com a
minha família porque eu realmente não tinha um relacionamento com minha mãe,
mas porque, além de Bambi, era a minha última e única ligação a Astaroth, o
príncipe herdeiro do inferno, que fizera a coisa menos demoníaca.
Perdi-me no momento em que te encontrei.
Roth se sacrificou, sendo ele quem segurava Paimon, o maldito culpado de
querer libertar uma raça especialmente odiosa dos demônios, em uma armadilha
demoníaca que o mantém cativo no inferno. Zayne estivera encarregado de evitar
que Paimon escapasse do inferno, mas Roth... Tomou o lugar de Zayne.
E, agora, ele estava nos abismos de fogo.
Inclinei-me para frente e apoiei os cotovelos na mesa fria, completamente
inconsciente do que a senhora Cleo dizia. Lágrimas queimaram a minha garganta
ao ver a cadeira vazia à minha frente, a qual pertencia a Roth. Fechei os olhos.
Duas semanas. Trezentas e trinta e seis horas, mais ou menos, se
passaram desde aquela noite no velho ginásio, e nem um segundo se tornou mais
fácil. Magoava-me como se tivesse acontecido há uma hora, e não estava certa se
daqui a um mês ou um ano seria diferente.
Uma das partes mais difíceis eram as mentiras. Stacey e Sam tinham
centenas de perguntas quando Roth não retornara depois da noite que localizamos
a Chave Inferior de Salomão (o antigo livro que tinha as respostas para tudo o que
você precisava saber de minha mãe) e que foi capturado por Abbot (o líder dos
Guardiões em Washington que me adotou quando era criança). Eventualmente,
eles pararam com as perguntas, mas ainda havia outro segredo que eu estava
ocultando deles, os meus dois melhores amigos.
Apesar da nossa amizade, nenhum deles sabia o que eu era – metade
Guardião, metade demônio. E nenhum deles sabia que Roth não estivera ausente
por ter pegado mononucleose ou que foi transferido para outra escola. Mas, às
vezes, era mais fácil pensar dessa forma – dizer a mim mesma que ele estava
sozinho em outra escola e não onde realmente estava.
O ardor se deslocou no meu peito, semelhante ao calor ardente que estava
sempre presente em minhas veias, a necessidade de tomar uma alma, a maldição
deixada por minha mãe não diminuiu nem um pouco nas duas últimas semanas.
Aliás, esta necessidade havia aumentado, a capacidade de tomar a alma de
qualquer criatura que tivesse uma alma era a razão pela qual nunca me aproximei
de um cara antes.
Não até Roth chegar.
Como era um demônio, o problema irritante das almas era um ponto
discutível, uma vez que ele não tinha uma. E, ao contrário de quase todos os
guardiões, incluindo Zayne e o Abbot, Roth não se importava que eu fosse uma
mestiça. Ele... Ele me aceitou como eu era.
Passando as palmas das minhas mãos sobre os olhos, mordi o interior da
bochecha. Quando eles encontraram e consertaram o meu colar – aquele que Petr,
um Guardião que acabou por ser o meu meio irmão quebrou ao me atacar – no
apartamento do Roth, eu fiquei com a esperança de que Roth não estivesse no
inferno depois de tudo, que ele, de alguma maneira, havia fugido. Mas, cada dia
que passava, a esperança desaparecia cada vez mais.
Acreditava mais do que qualquer coisa neste mundo que se Roth pudesse
voltar para mim já o teria feito, e isso significava...
Quando o meu peito se apertou dolorosamente, eu abri os olhos e soltei
lentamente a respiração que estive segurando, a sala estava um pouco turva
através da névoa das lágrimas não derramadas, pisquei algumas vezes enquanto
me deixava afundar na cadeira, e o que passava no projetor não fazia sentido para
mim. Algo a ver com o círculo da vida? Não, isso era o Rei Leão. Ia bombar nesta
matéria. Constatando que deveria, pelo menos, tentar anotar algo, eu peguei minha
caneta e...
Na frente da classe, as pernas de metal de uma cadeira arranharam o solo,
fazendo um barulho muito forte, um garoto saltou de sua cadeira, como se alguém
tivesse colocado fogo na sua bunda. Um leve brilho amarelo o envolveu – sua aura.
Eu era a única que conseguia vê-la, mas murmurei algumas palavras de forma
errática, piscando. Ver a aura das pessoas – um reflexo de suas almas – não era
novidade para mim. Elas eram de todo o tipo de cores, algumas vezes uma mistura
de mais de duas cores, mas nunca vi uma brilhar assim. Dei uma olhada ao redor
da sala e a mistura de auras brilhava fracamente.
Que demônios?
A mão da Senhora Cleo congelou em cima do projetor e ela fez uma
carranca. — Dean McDaniel, o que está...
Dean virou sobre os seus calcanhares, encarando os dois caras sentados
atrás ele, eles estavam inclinados em seus lugares, com os braços cruzados, e os
lábios curvados em sorrisos idênticos, a boca de Dean estava pressionada em uma
linha fina e seu rosto estava vermelho. A minha boca se abriu quando ele plantou
uma mão na mesa de cor branca e bateu o punho contra a mandíbula do rapaz
atrás ele, o som ecoou na sala, seguido por vários suspiros de surpresa.
Santa Barra de Granola!1
Sentei-me com as costas retas quando Stacey deu uma palmada com suas
mãos sobre a mesa. — Bolas de merda para o jantar de domingo2, — sussurrou
boquiaberta enquanto o cara em quem Dean havia batido escorregou à sua
esquerda e caiu no chão como um saco de batatas.

1 Uma pessoa que está louca de várias maneiras.


2 Um xingamento
Eu não conhecia muito bem o Dean. Caramba, eu não estava certa de ter
falado com ele mais do que algumas palavras durante os quatro anos de escola,
mas ele era tranquilo, alto e magro, muito semelhante ao Sam.
Não era o tipo de cara que você acredita que está pronto para bater em outro
cara – muito maior do que ele – na semana seguinte.
— Dean — gritou a Senhora Cleo, o amplo peito subindo enquanto deslizava
pela parede e acendia as luzes. — Está...?
O outro tipo levantou como uma seta, com as mãos em punhos apertados
ao lado do corpo. — O que há com você? — Rodeou a mesa, encolheu os ombros,
tirando seu moletom. — Gostaria de um pouco disto?
As coisas ficaram sérias quando as roupas começaram a sair.
Dean riu enquanto se dirigia para o meio da sala, cadeiras foram arrastadas
enquanto os alunos saíam do caminho deles. — Oh, estou prestes a ficar com um
pouco disso!
— Luta de meninos! — Exclamou Stacey, mexendo na sua bolsa e pegando
o telefone celular, vários dos outros alunos faziam a mesma coisa. — Preciso gravar
isto.
— Rapazes! Parem agora. — A senhora Cleo bateu a mão contra a parede,
tocando diretamente no intercomunicador que ligava a sala ao escritório principal,
um apito soou e ela virou rapidamente na direção dele. — Preciso de um segurança
na sala dois-zero-quatro imediatamente!
Dean se atirou contra o seu adversário, mandando-o ao chão, braços
voando enquanto eles giravam e abriam as pernas na mesa ao lado. Estávamos
seguros no fundo da classe, mas Stacey e eu paramos. Um arrepio percorreu minha
pele conforme Bambi se deslocava sem aviso, passando a cauda em meu estômago.
Stacey ficou nas pontas das botas, aparentemente procurando um ângulo
melhor para o seu celular. — Isto é...
— Estranho? — Sugeri, sentindo um tremor quando o cara tomou um bom
golpe e bateu na parte de trás da cabeça do Dean.
Ela arqueou a sobrancelha. — Ia dizer impressionante.
— Mas eles... — pulei quando a porta da sala se abriu e bateu na parede.
Seguranças cercaram a classe, indo diretamente para a luta, um tipo
corpulento agarrou Dean, arrastando-o para longe do outro aluno, enquanto a
senhora Cleo zumbia ao redor da sala como um beija-flor nervoso, apertando seu
brega colar de contas com ambas as mãos.
Um segurança de meia-idade se ajoelhou ao lado do corpo do menino em
quem Dean batera, só então percebi que o rapaz não se moveu uma única vez desde
que tocou o solo. Um arrepio de preocupação, que não tinha nada a ver com a
maneira como Bambi estava em movimento novamente, formou-se na minha
barriga, enquanto o guarda estava encostado no cara, colocando a cabeça no peito
dele.
O guarda se ergueu, alcançando o microfone no ombro dele, seu rosto
estava branco como o papel do meu caderno. — Preciso de um paramédico
imediatamente, tenho um adolescente do sexo masculino com cerca de dezessete
ou dezoito anos de idade, hematomas visíveis ao longo do crânio, não está
respirando.
— Oh meu Deus, — sussurrei, pressionando o braço de Stacey.
Um silêncio caiu sobre a sala, sufocando a conversa animada da Senhora
Cleo que estava perto de sua mesa. Stacey continha a respiração enquanto baixava
o celular.
O silêncio que se seguiu a este chamado urgente foi quebrado quando Dean
jogou a cabeça para trás e riu, enquanto o outro segurança o arrastava da sala.

***

Stacey colocou o seu longo cabelo preto atrás dos ouvidos, não tocara na
fatia de pizza em seu prato ou na lata de refrigerante, eu também não. Ela estava,
provavelmente, pensando na mesma frase que eu. O diretor Blunt e o Conselho
estudantil, que nunca realmente prestaram atenção aos alunos, deu a opção a
todos os alunos da turma de irem para casa.
Eu não tinha quem me levasse embora. Morris, o motorista do clã,
responsável pela manutenção e um homem incrível, ainda estava na lista dos
proibidos para viajarem comigo, desde a última vez que nós estivemos juntos em
um carro e um taxista possuído tentara brincar com os nossos veículos. E eu não
queria acordar Zayne ou Nicolai, a maior parte dos guardiões dormia
profundamente durante o dia, enterrados nas suas cascas duras. E Stacey não
queria ficar em casa com o seu irmão mais novo. Então, aqui estávamos nós em
uma cafeteria.
Mas nenhuma de nós tinha apetite.
— Estou oficialmente traumatizada — disse ela, tomando uma respiração
profunda. — É sério.
— Não é como se o cara estivesse morto — Sam respondeu com a boca cheia
de pizza, os óculos deslizando pelo nariz, o cabelo castanho caindo para frente. Sua
alma, uma mistura de amarelo e azul, piscava como a de todos nesta manhã, como
se brincasse de esconde e esconde comigo. — Ouvi dizer que reanimou na
ambulância.
— Isso não muda o fato de que vimos alguém ser atingido no rosto com
tanta força que morreu na nossa frente — insistiu. — Não vê a gravidade disto?
Sam engoliu o pedaço de pizza. — Como sabemos que ele estava realmente
morto? O fato de que um aspirante a oficial de polícia diz que alguém não está
respirando, não significa que isso é verdade. — Olhou para o meu prato... — Vai
comer isso?
Balancei a cabeça para ele, meio espantada. — É todo seu. — Um segundo
depois, arrebatou a pizza com pequenos cubos de calabresa do meu prato. Seus
olhos piscaram para mim. — Você está bem? — Perguntei.
Ele assentiu enquanto mastigava. — Sinto muito. Eu sei que não parece
muito amigável.
— Você acha? — Stacey murmurou secamente.
Uma dor maçante explodiu atrás dos meus olhos quando me estiquei em
busca do meu refrigerante. Eu precisava de cafeína. Também precisava descobrir
o que diabos estava acontecendo com as auras de todos, provocando essa oscilação
excessiva. O sombreamento das cores ao redor de um ser humano revelava que
tipo de alma tinha: branca para uma alma totalmente pura, bege era a mais comum
e geralmente indica uma boa alma, e as cores escuras é um estado questionável da
alma. E, se um ser humano não tinha esse halo revelador, isso significava que era
da equipe que não tem alma.
Ou seja, que era um demônio.
Eu não estava marcando auras – outra habilidade bacana que ganhei
graças a minha herança mista. Se eu tocava em um demônio era o equivalente a
colocar um sinal neon no corpo, tornando mais fácil para os guardiões os
encontrarem.
Bem, não funcionou nos demônios de Nível Superior. Não muito.
Não parei por causa do que aconteceu com Paimon, mas porque me
proibiram de marcar as almas. Abbot me perdoou e permitiu que vivesse depois da
noite no ginásio, mas parecia ruim marcar aleatoriamente demônios,
especialmente agora que eu sabia que muitos deles poderiam ser inofensivos.
Quando eu marcava almas, fazia para achar os Posers, uma vez que eles eram
perigosos e tinham o hábito de morder as pessoas, e deixava os Fiends sozinhos.
E a verdade, a mudança em minha rotina de marcação, foi graças a Roth.
— É que aqueles dois provavelmente incomodaram o Dean. — Sam
continuou comendo a pizza em um nanossegundo. — As pessoas explodem.
— As pessoas geralmente não têm punhos que poderiam ser considerados
armas letais — respondeu Stacey.
Meu celular tocou, chamando a minha atenção. Inclinei-me para pegá-lo da
minha bolsa. Os cantos dos meus lábios se levantaram ao ver que era Zayne,
apesar da dor em meus olhos aumentar constantemente.

NICK PEGARÁ VOCÊ NA ESCOLA, VEMO-NOS NA SALA DE TREINOS


QUANDO CHEGAR.

Ah, o treinamento. Meu estômago deu uma reviravolta de diversão, uma


reação conhecida quando se trata de treinamento com Zayne. Porque, em algum
momento durante o ataque e técnicas evasivas, ele ficava suado e inevitavelmente,
tirava a camisa. E, bem, enquanto a perda de Roth me machuca muito, ver Zayne
sem camisa era algo que se queria ver.
E Zayne... Ele sempre significou o mundo e algo mais para mim. O que não
mudou. Nunca mudaria. A primeira vez que fui levada para o clã, estive
aterrorizada e rapidamente me escondi em um armário. Foi Zayne quem me
persuadiu, segurando em suas mãos um ursinho feio que eu apelidei de Sr. Snotty.
Eu me agarrei a ele desde então. Bem, até que Roth chegou. Zayne era meu único
aliado – a única pessoa que sabia o que eu era... E Deus, estivera lá como minha
fortaleza nas últimas semanas.
— Então... — Sam deixou cair as palavras enquanto eu mandava uma
mensagem para Zayne e guardava o celular na bolsa. — Sabiam que quando as
cobras nascem com duas cabeças elas lutam entre si pelos alimentos?
— O quê? — Perguntou Stacey, com sulcos na testa, como duas pequenas
linhas de raiva.
Ele assentiu com a cabeça, sorrindo um pouco. — Sim. Algo como uma
luta até a morte... Com ela mesma.
Por alguma razão, a minha rigidez sumiu um pouco quando Stacey afogou
uma risada e disse: — Sua capacidade de conhecimento inútil nunca deixa de me
surpreender.
— Isso é porque você me ama.
Stacey piscou e um calor cobriu as bochechas dela. Olhou-me como se, de
alguma forma, eu devesse ajudá-la com o seu amor platônico recentemente
descoberto por Sam. Eu era a última pessoa da face da terra para ajudar no que
diz respeito ao sexo oposto.
Só beijei um rapaz em toda minha vida.
E ele era um demônio.
Então...
Ela começou a rir em voz alta ao pegar o seu refrigerante. — Como queira.
Eu sou legal demais para o amor.
— Na realidade... — Sam parecia que ia explicar algum tipo de fato aleatório
sobre o amor e as temperaturas quando a dor na minha cabeça explodiu.
Puxando um grande fôlego, eu levei as mãos aos meus olhos e apertei contra
a sensação pungente de vermelho vivo. Foi rápido e feroz, mas acabou assim como
começou.
— Layla? Você está bem? — Perguntou o Sam.
Assenti lentamente, tirando a mão e abrindo meus olhos. Sam olhou para
mim, mas...
Ele curvou a cabeça para um lado. — Está um pouco pálida.
Uma tontura me invadiu enquanto eu continuava encarando-o. — Você...
— Eu? Huh? — Franzindo o cenho ele olhou para Stacey rapidamente. —
Eu o quê?
Não havia nada rodeando Sam – nem uma única cor turquesa ou um
amarelo claro. Meu coração hesitou quando me virei para Stacey. Sim, o verde de
sua aura também havia desaparecido. Isso significava que nem Sam nem Stacey
tinham – não, tinham almas. Eu sabia que tinham.
— Layla? — Disse Stacey suavemente, tocando meu braço.
Virei-me, olhando a cafeteria. Todos pareciam normais, exceto que não
tinham nenhuma auréola em volta de nenhum deles, não havia uma tonalidade
suave de cor. Minha pulsação subiu e senti o suor molhar o meu rosto. O que
estava acontecendo?
Procurei por Eva Haster, cuja aura era muito familiar, e a vi sentada a
algumas mesas de distância, rodeada de pessoas que Stacey gentilmente apelidava
de rebanho de cães. Ao seu lado estava Gareth, seu namorado intermitente. Ele
estava inclinado, com os braços cruzados sobre a mesa, olhar perdido no nada,
seus olhos estavam vermelhos e vítreos. Ele gostava de festas, mas não me
lembrava de um dia que havia visto ele drogado na escola. Não havia nada ao redor
dele.
Movi-me, de novo, meu olhar em direção a Eva, normalmente tinha um halo
de cor púrpura em torno do marrom, o que significa que havia caído no estado de
alma deplorável faz bastante tempo. A necessidade de provar a alma dela sempre
foi grande.
Mas o espaço ao redor dela também estava vazio.
— Oh, meu Deus! — Sussurrei.
A mão de Stacey ficou tensa no meu braço. — O que está acontecendo?
Meus olhos viraram para ela. Ainda sem aura. E, então, Sam. Nada. Eu não
podia ver uma única alma.
O resto da tarde passou como um sonho. Eu odiava pensar que Stacey e
Sam estavam acostumados ao meu humor aleatório e aos meus desaparecimentos,
mas era assim. Não me perguntaram sobre o meu comportamento estranho.
Quando vi Nicolai me esperando na frente da escola, eu sabia que as minhas
habilidades super especiais de detectar demônios foram para o diabo. Todos os
guardiões tinham a alma pura, um brilho bonito e branco que sabia que tinha um
sabor como o céu. Até mesmo Petr era uma alma pura, apesar do fato de ser o pior
tipo de homem e ter tentado me matar.
Mas Nicolai, um Guardião que conhecia tão bem como Zayne, não tinha
hoje o seu brilho habitual. Entrei no Escalade com olhos arregalados enquanto ele
fechava a porta.
Dirigiu-me um olhar rápido. Nicolai sorria com muito pouca frequência
desde que perdeu sua esposa e seu único filho no parto. Eu costumava receber
sorrisos mais do que o resto, mas já não mais, desde o dia em que o clã me pegara
com Roth.
— Está bem? — Perguntou; seus olhos eram iguais de Zayne. Todos os
guardiões tinham os olhos de um azul brilhante como o céu no verão antes de uma
tempestade. Os meus eram cinza mais claro, como se a cor tivesse escorrido, o
resultado de sangue demoníaco em mim.
Quando não fiz nada além de olhar para ele como uma idiota, uma ligeira
preocupação apareceu no rosto sensual. — Layla?
Pisquei os olhos como para retornar de um transe e olhei para as pessoas
que enchiam a calçada. O céu estava nublado por causa da chuva recente e nuvens
pareciam carregadas com mais água, mas não havia nenhum vestígio de outra
alma. Balancei a cabeça. — Estou bem.
Não voltou a falar durante a longa jornada no carro até ao complexo do
outro lado da ponte. O trânsito sempre foi um incômodo. Quando ia com Morris –
ele não falava – nunca falava, mas eu fingiria ter uma conversa com ele. Com
Nicolai, sentia-me muito desconfortável. Eu me perguntei se ele ainda sentia que
eu traí o clã quando ajudei Roth a encontrar a Chave Inferior de Salomão, se alguma
vez sorriria para mim novamente.
Era como se tivesse levado trinta minutos e dez anos para fazer o Escalade
parar na frente do complexo. Como sempre, peguei minha mochila e abri a porta.
Fiz isso tantas vezes que não olhei onde pisei. Eu sabia que a calçada que levava
para a varanda estaria lá.
Exceto que quando saltei, meus pés apertados em botas encontraram
apenas ar. Perdi o equilíbrio e estiquei as mãos para frente enquanto caía. Minha
mochila caiu para um lado enquanto eu caía com as palmas das mãos para frente.
Bambi moveu-se sem aviso prévio e enrolou-se em torno de minha cintura, como
se procurasse uma maneira de não terminar esmagada se eu caísse.
Uma grande ajuda.
Parei antes de beijar o chão e escorreguei na pedra lisa e quebrada. A pele
das minhas mãos se rasgou, acompanhada de pequenos flashes de dor.
Nicolai saiu do Escalade e estava ao meu lado em tempo recorde, xingando
em voz alta. — Está bem, pequena?
— Ai — disse, balançando-me nos joelhos enquanto levantava as minhas
mãos agredidas. Além de sentir-me como uma gazela de três pernas, estava bem.
Com as bochechas vermelhas, eu mordi meu lábio para evitar que um fluxo de
maldições escapasse. — Estou bem.
— Tem certeza? — Ele pôs uma mão em volta da parte superior do meu
braço, me ajudando a levantar. Bambi mudou de posição no momento em que me
tocou, e a senti rastejando até à parte de trás do meu pescoço, atingindo o meu
maxilar. Nicolai também viu e tirou a mão rapidamente. Limpou a garganta
enquanto olhava em meus olhos... — As palmas das mãos estão feridas.
— Elas vão sarar. — E vai se curar em questão de horas. Com um pouco de
sorte. Bambi escorregava para um lugar menos visível nessa altura. Nenhum dos
Guardiões gostava de vê-la, por muitas razões... — O que aconteceu com o meio-
fio?
— Não faço ideia. — Nicolai desfez a careta enquanto assistia ao cinza de
pedra em ruínas. — Deve ser por toda a chuva que houve.
— Estranho — murmurei, vendo que minha mochila acabara em uma poça.
Suspirei e a tirei de lá.
Nicolai me seguiu. — Tem certeza de que não está ferida? Poderia pedir para
que Jasmine desse uma olhada em suas mãos.
Não tinha ideia de por que Jasmine, um membro do clã dos Guardiões de
Nova York, ainda estava aqui. Não é que tivesse algum problema com isso. De
Danika, sua irmã mais jovem, a bela gárgula de sangue puro, que queria fazer
bebês com Zayne, era outra história. Mas, de qualquer forma, até mesmo levando
em conta tudo o que Roth e eu compartilhamos, não tinha lugar para ficar com
ciúmes.
Mas a sensação amarga estava lá sempre que eu via a beleza de cabelo
escuro. Padrões duplos, mas tudo bem.
— É sério. Estou bem — disse enquanto esperava que Geoff, escondido em
alguma parte do complexo, abrisse a porta. — Apenas, obviamente, não sou muito
ágil.
Nicolai não respondeu e – graças ao menino Jesus e os ternos anjos – a
porta da frente foi aberta. Com cuidado de não pisar em um buraco inesperado no
chão, deixei a minha mochila ao lado da porta e fui rapidamente em direção ao
meu quarto.
Boas notícias. Não caí na escada e Bambi decidiu sair da minha frente e
agora estava novamente enrolada no meu tronco.
O tráfego e meu encontro improvisado com o chão fizeram com que chegasse
tarde para encontrar-me com Zayne; mas, enquanto eu tirava as botas com os pés,
não estava segura se estaria concentrada para treinar com ele, considerando que,
de repente, parecia me faltar um pedaço.
Por que não podia ver as almas? E o que significava isso?
Precisava dizer a alguém – eu diria para Zayne, mas não para o pai dele. Eu
não confiava muito em Abbot. Não, desde que descobri que ele sabia o tempo todo
quem eram minha mãe e meu pai. E tinha certeza que ele também não confiava
100% em mim.
Peguei algumas blusas e uma camisa do meu armário e as joguei na cama.
Andando em meu quarto só com meias, eu desabotoei a minha calça jeans e tirei
a minha blusa. Estática eletrificou o meu cabelo, fazendo com que mechas delgadas
ficassem pairando ao redor da minha cabeça. Zayne saberia o que fazer. Desde
Roth...
A porta do meu quarto se abriu de um golpe e Zayne entrou. — Nicolai
disse... Jesus Cristo.
Fiquei congelada ao lado da cama e meus olhos cresceram do tamanho de
naves espaciais. Maldição. Minha blusa ainda estava enrolada em torno de um
braço, mas só usava meu sutiã – meu sutiã preto – e jeans que estavam
desabotoados. Não sabia por que a cor do meu sutiã marcou uma diferença, mas
fiquei parada lá, abrindo e fechando a boca.
Zayne parou e, como com Nicolai, não vi qualquer brilho branco ao seu
redor. Mas neste momento eu estava mais preocupada com o que Zayne via: a mim,
com meu sutiã na frente dele – meu sutiã preto.
Seus lindos olhos azuis estavam muito abertos, as pupilas ligeiramente
verticais. Seu cabelo loiro ondulado, o qual foi cortado recentemente, ainda era
suficientemente longo para enquadrar suas largas maçãs do rosto. Seus lábios
grossos estavam separados.
Durante dez anos eu cresci com Zayne ao meu lado. Ele era quatro anos
mais velho que eu, então eu o idolatrei como qualquer irmã mais nova faria, mas
nada do que senti por Zayne, pelo menos, não nos últimos anos, era fraterno. O
desejava desde que tive idade suficiente para apreciar o abdômen marcado em um
homem.
Mas Zayne sempre foi, e sempre estará, fora dos limites para mim.
Ele era um Guardião puro sangue, e embora eu não pudesse ver a sua alma
agora, sabia que tinha uma e era pura. E ainda que não tivesse tido problemas em
ficar perto de mim nestes anos, uma relação com alguém com alma seria muito
perigosa, considerando que eu os imaginaria como um doce maravilhoso com gosto
de alma.
E seu pai esperava que ele fosse parceiro de Danika.
Maldição.
Mas, naquele momento, seu potencial futuro de fazer bebês com Danika
parecia ter sido retirado deste quarto. Zayne me olhava como se nunca tivesse me
visto, e realmente e honestamente não conseguia pensar em um momento em que
eu estive perante ele com biquíni, muito menos com um sutiã. Tentei não pensar
em minha calcinha de bolinhas vermelhas que apareciam do meu jeans.
E então percebi o que ele via.
Um rubor correu pelo meu rosto e segui o seu olhar pelo meu pescoço e
mais abaixo. Podia sentir o rabo de Bambi, movendo-o ao longo da minha coluna
vertebral. Estava enrolada na minha cintura, com seu longo pescoço esticado entre
os meus seios. Sua cabeça repousava no topo do meu peito direito como se fosse
seu travesseiro, logo abaixo do meu colar pendurado.
O olhar de Zayne seguiu o comprimento da tatuagem, e encolhi-me
enquanto meu rubor se aprofundava. O que deveria estar pensando ao ver Bambi
tão descaradamente exposta, um forte lembrete de quão diferente era dele? Eu não
sabia.
Ele deu um passo à frente e parou de novo; seu olhar viajou com suficiente
intensidade que o senti como uma carícia física. Algo mudou em mim, e a vergonha
foi dissolvida em um calor intoxicante. Um peso instalou-se em meu peito e os
músculos na parte inferior do meu estômago se contraíram.
Eu sabia que precisava colocar uma blusa, ou pelo menos tentar me cobrir,
mas havia algo na maneira que ele me observava que me manteve imóvel e... Eu
queria que me visse.
Que visse que já não era a criancinha escondida no armário.
— Deus — disse ele, finalmente falando com uma voz baixa e profunda que
ressoou. — Você é linda, Layla. Um presente para os olhos.
Meu coração deu um salto mortal, mas meus ouvidos não estavam
funcionando corretamente, porque eu sabia que não era isso o que eu acabara de
ouvir. No passado, ele me disse que eu era bonita, mas nunca linda – nunca um
presente. Não com o meu cabelo tão claro que poderia ser considerado branco, ou
o fato de que parecia uma boneca estranha, com olhos e boca muitos grandes para
meu rosto. Quer dizer, não era horrível, nem nada, mas não era Danika. Ela era
todo cabelo preto lustroso e pernas compridas e ágeis. Ela era impressionante.
Eu acabei de cair de um carro há poucos minutos e poderia passar
seriamente por uma albina sem problemas.
— O quê? — Sussurrei, cruzando meus braços – blusa e tudo – na minha
barriga.
Ele balançou a cabeça enquanto andava – não, cercava – cada passada
cheia de propósito e com uma graça inerente que poderia fazer inveja a uma
dançarina. — Você é linda — disse, com os olhos de um azul de tonalidade
brilhante e luminoso. — Acho que nunca te disse isso.
— Não me disse, mas ainda não sei...
— Não diga que não é. — Seu olhar abaixou, uma vez mais, para onde estava
apoiada a cabeça de Bambi, e o ar saiu entre meus lábios curvados. Pela primeira
vez, o familiar demoníaco não moveu. — Porque você é, Layla. Você é linda.
Um obrigada formou-se na ponta da minha língua, porque pensei que era
o que eu deveria dizer, mas as palavras morreram quando ele levantou a mão. A
alça do meu sutiã havia escorregado no meu braço, e ele colocou dois dedos debaixo
dela. A pele dele tocou a minha e um arrepio sutil percorreu pelo meu corpo.
Uma estranha onda de possessividade me golpeou. Uma necessidade tão
profunda e tão forte de reclamá-lo, que fez meus joelhos enfraquecerem e a
respiração ficar presa na garganta. Enquanto ele escorregava a alça para cima, pelo
meu braço, seus dedos tocaram minha pele, e o desejo estava tão enraizado que eu
sabia que era meu, mas algo nisso era desconhecido. Uma fome que sentia, mas...
Seu olhar se encontrou com o meu e suas pupilas estavam agora
completamente verticais. Minha boca secou, e por um segundo selvagem eu pensei
que ele poderia me beijar. Cada músculo do meu corpo tenso, fazendo a cauda da
Bambi mover-se rapidamente na minha espinha. Milhares de fantasias, e tinha
muitas dessas quando se tratava de Zayne, não poderia ter me preparado para este
momento. Zayne... Significava muito para mim e antes de Roth...
Roth.
O ar ficou preso na minha garganta só de pensar no demônio de olhos
dourados. A imagem dele formou-se facilmente em minha mente – o cabelo escuro
como a pedra obsidiana, maçãs do rosto elevadas e angulares, lábios curvos em
um sorriso cúmplice que me enfurecia e excitava.
Como poderia estar parada aqui com Zayne, querendo que ele me beijasse
– porque queria isso sim – quando acabara de perder Roth?
Mas, na verdade, nunca tive Roth, e beijar Zayne era impossível.
Com o que parecia ser um grande esforço, ele virou o olhar e olhou por cima
do ombro. Caro Senhor Deus, a porta estava aberta. Qualquer um poderia ter
passado por ali e me visto ali parada. Em meu sutiã – meu sutiã preto.
O calor inundou meu rosto, de novo, dei um passo atrás e rapidamente
arrastei o meu suéter sobre minha cabeça. Virei-me e coloquei as mãos em meu
cabelo cheio de estática para alisá-lo. Meu rosto parecia ter tomado sol durante
uma tempestade solar e eu não tinha nem ideia do que dizer, ao mesmo tempo em
que abotoava as calças com os dedos tremendo.
Zayne tornou a limpar a garganta, mas quando falou; a voz dele era ainda
mais profunda e mais áspera do que o normal. — Acho que provavelmente deveria
ter batido à porta, hein?
Contando até dez, virei-me e forcei um casual encolhimento de ombros. Ele
me olhava como se não tivesse posto um suéter. — Faço isso o tempo todo, eu entro
sem bater.
— Sim, mas... — suas sobrancelhas subiram enquanto esfregava a mão pelo
seu maxilar. — Então me desculpe por isso e por... hmm, por te olhar fixamente.
Agora eu senti como se tivesse pressionado o meu rosto contra o sol.
Quando me sentei na borda da cama, eu mordi o lábio. — Tudo bem. É só um
sutiã, certo? Não é grande coisa.
Ele sentou ao meu lado e virou a cabeça na minha direção. Cílios grossos
dourados rodeavam os seus olhos. — Sim, não é grande coisa. — Ele fez uma
pausa, e então eu senti o seu olhar em mim. — Vim aqui porque Nicolai disse que
você caiu lá fora.
Oh, Deus. Esqueci minha queda humilhante.
— Você está bem?
Levantei as mãos. As palmas estavam riscadas e rosa. — Sim. Estou bem.
Mas a calçada não. Você tem ideia do que aconteceu?
— Não. — Ele esticou-se, segurando a minha mão direita. Suavemente,
passou o polegar na marca... — Não estava assim esta manhã quando cheguei em
casa depois da caçada. — Seus cílios semicerraram-se. — Você chamou Jasmine
para ver suas mãos?
Era tão agradável que ele segurasse a minha mão, eu a tirei com um
suspiro. Jasmime tinha um talento natural em trabalhar com ervas de cura e tudo
mais. — Estou bem. Sabe que essas marcas terão desaparecido amanhã.
Olhou-me por um segundo e então se deitou na minha cama, apoiado em
um cotovelo. — É por isso que vim aqui. Pensei que estava mais ferida do que dizia
e por isso não foi até à sala de treinamento.
Virei-me para ele, observando como esticou o outro braço e agarrou o Sr.
brat. Deixou-o cair entre nós, sentando-o e sorri.
— Nicolai também disse que estava agindo de forma estranha no carro —
adicionou depois de um momento.
Guardiões eram iguais às fofoqueiras velhas na sua sessão de bingo
semanal, mas tinham motivos para suspeitar de mim. Coloquei o cabelo atrás das
orelhas. — Aconteceu uma coisa hoje.
A mão grande ainda estava no ursinho e seus olhos encontraram os meus.
— O quê?
Empurrando para o lado toda a situação do sutiã e de estar meio nua para
me aborrecer com isso mais tarde, aproximei-me mais dele e baixei a voz, ciente da
porta ainda aberta. — Não sei como ou por que aconteceu, mas na classe de
biologia, minha visão começou a turvar-se um pouco.
As suas sobrancelhas elevaram-se. — Detalhes.
— São as almas. Na aula de biologia, me dei conta que as auras pareciam...
Piscar, depois no almoço, elas desapareceram completamente.
— Completamente?
Assenti.
Zayne sentou-se em um movimento fluido. — Não vê nenhuma alma?
— Não — sussurrei.
— Nem mesmo a minha?
— Não consigo ver nenhuma alma. — Meu pulso ficou acelerado quando
assimilei isto. — De ninguém. É como com os demônios. Nada ao redor.
Ele enrolou a perna enquanto se inclinava para mim com uma voz baixa.
— E isso simplesmente aconteceu. Elas estavam piscando e depois mais nada?
Assenti com a cabeça outra vez enquanto o meu estômago dava
cambalhotas. — No almoço, tive uma dor realmente forte atrás dos olhos e os
fechei. Quando voltei a abri-los, sumiram todas as auras. Simples assim.
— E nada mais aconteceu? — Quando assenti, ele esfregou um ponto acima
de seu coração. — Não entrou em contato com... Com algum demônio?
— Não — disse rapidamente. — Eu te diria isso logo.
Um olhar tenso cruzou seu rosto por um momento e houve um movimento
tortuoso em meu peito. Era lógico ele não esperar que eu lhe contasse
imediatamente. Menti sobre Roth por dois meses.
— Não tem razão para acreditar que eu te contaria isso de imediato e eu...
Eu menti para você anteriormente. — Engoli forte quando ele olhou para o outro
lado. Um músculo vibrando ao longo de sua mandíbula... — E lamento isso, mas
pensei...
— Pensou que estava fazendo o que era certo ao não nos contar isso e
procurar a Chave Inferior — disse em voz baixa, sem dizer o nome dele. — E eu
entendo. Estou tentando não ficar ressentido por isso.
Levantei as minhas pernas, apertando-as contra meu peito. — Eu sei.
Ele olhou em minha direção com a expressão mais suave depois de alguns
momentos. — Ok. Então não aconteceu mais nada? Certo. — Ele soltou um suspiro
profundo enquanto eu negava com a cabeça. — Não sei. Realmente não há ninguém
para perguntar. Não há nenhum outro...
— Demônio?
— Sim, isso. Não há nenhum outro demônio perto que possa fazer o que
você faz, o que nos deixa muito pouco com o qual possamos trabalhar.
Minha mãe podia ver as almas, ou pelo menos foi o que Roth disse. No
entanto, não podia perguntar-lhe nada, porque atualmente estava acorrentada no
Inferno.
— Talvez isto seja apenas temporário — disse, esticando a mão, e mexendo
num fio tão claro de cabelo loiro que praticamente era branco como o meu rosto.
— Então não vamos estressar até que tenhamos certeza. Ok?
Encontrei-me assentindo, mas já começava a enlouquecer. — Não poderei
marcar.
Zayne inclinou a cabeça para um lado. — Na verdade, não tem feito
marcação recentemente, então isso é a última coisa com a qual deve se preocupar,
Layla-bug.
— Não vai dizer para Abbott, não é?
— Não, se não quer fazê-lo. — Fez uma pausa... — Mas porque não quer
que ele saiba disto?
Dei de ombros, não querendo falar sobre o pai dele. Zayne amava e confiava
nele.
Zayne observou-me por alguns instantes e então se aproximou de mim.
Oferecendo a mão, ele sorriu para mim. — Gostaria de pular o treinamento?
Era importante treinar. Evitava que recebesse uma surra quando
tropeçasse em demônios, mas assenti com a cabeça. Peguei a mão dele e deixei-me
cair ao seu lado. Ficamos lá por alguns momentos, eu de lado e Zayne deitado
sobre as costas.
Ele apertou a minha mão, cuidadosamente para não apertar a pele rasgada.
— Como andam esses desejos?
Suspirei. — O mesmo.
Houve uma pausa. — Você anda comendo normalmente?
Com as sobrancelhas franzidas, inclinei a cabeça para vê-lo. — Por que
pergunta isso?
Ele não respondeu imediatamente. — Você emagreceu, Layla.
Dei de ombros. — Provavelmente isso é uma coisa boa.
— Você não precisa perder peso. — Um sorrisinho apareceu em seus lábios,
mas falhou em seus olhos. — Eu sei que estas duas últimas semanas foram difíceis
para você.
Pressão se fechou sobre o meu peito e uma bola de emoção se formou em
minha garganta. Nas últimas duas semanas, houve segundos de luz e calor, mas
infinitas horas de escuridão e perda. Nunca antes havia perdido alguém que fosse
próximo a mim. Não sabia como lamentar sua perda ou seguir em frente.
Surpreendentemente, Roth era como ver uma porta para uma vida que você não
ousou sonhar e esta bateu na sua cara, bruscamente.
O que estava acontecendo com ele agora? Ele estava sendo torturado? De
alguma forma, ele estava certo? Pensei nessas perguntas tantas vezes que elas
eram um eco na minha mente.
— Eu sei que você está preocupada com ele — disse Zayne, entrelaçando os
seus dedos com os meus... — Mas não se esqueça de mim. Estou aqui para você.
Sempre estarei.
Minha respiração ficou presa em um soluço.
Ele baixou a cabeça e, depois de um segundo, seus lábios tocaram minha
bochecha. Zayne, que sabia o que eu poderia fazer para alguém com uma alma,
atrevia-se a se aproximar tanto de mim. — Ok?
— Ok — disse em voz baixa, fechando os olhos contra o toque familiar. —
Não esquecerei.
No almoço no dia seguinte ainda não via qualquer alma, mas uma ideia me
ocorreu enquanto fingia prestar atenção na aula de inglês, quando o professor dava
uma conferência sobre as consequências do amor imprudente em Romeu e Julieta.
Não via um demônio em dias e talvez algo estivesse diferente neles também.
Fazia sentido. Algo assim. Se os seres humanos, de repente, não tinham alma,
talvez houvesse também alguma diferença nos demônios, que não tinham almas,
para começar.
Enquanto Stacey arrumava os brócolis do almoço em um rosto sorridente e
demente, enviei uma mensagem rápida para Nicolai a fim de informá-lo para me
pegar em Dupont Circle. Ele veria isso quando acordasse, e como ele não estava
ciente do que estava acontecendo comigo, não pareceria estranho para ele. Zayne
seria uma história diferente, mas eu explicaria quando chegasse em casa.
— Não houve emoção na classe de bio hoje? — Perguntou Sam, espetando
o brócolis com seu garfo de plástico.
Stacey sacudiu a cabeça. — Não, mas a senhora Cleo não estava lá.
— A pobre mulher, provavelmente, teve um derrame cerebral. — Empurrei
os meus vegetais ao redor da carne misteriosa. — Tivemos um substituto hoje –
um Sr. Tucker.
Ela sorriu para mim. — E era sexy e jovem.
— Sério? — Perguntou o Sam. Antes que pudesse responder, inclinou-se
sobre a mesa, alisando o polegar por cima da bochecha dela.
Stacey ficou imóvel.
Eu fiquei congelada.
Sam sorriu quando voltou a tocar com o dedo ao longo da bochecha dela.
— Consegui. — Inclinou-se para trás.
— Conseguiu? — Stacey murmurou.
Comecei a sorrir.
— Um cílio — explicou, com o olhar sobre ela. — Sabe que os cílios servem
para manter a poeira fora de seus olhos?
— Uhuh. — Stacey assentiu com a cabeça.
Ele riu entre os dentes. — Não, você não sabia.
— Sim — ela sussurrou.
Chamando a atenção de Sam, eu ri. Amei Sam finalmente começar a
mostrar alguma confiança acerca dela. Era óbvio que gostava dela durante os
últimos dois anos.
O que me deu outra ideia. Pondo de lado as retorcidas habilidades
demoníacas, seria bom sair e fazer alguma coisa... Normal. — O que vocês farão
nesse fim de semana?
Stacey piscou, afastando a grossa franja da testa. — Preciso cuidar do meu
irmãozinho no sábado e domingo. Por quê?
— Pensei que nós poderíamos ver um filme ou algo assim.
— Estou livre a maior parte do feriado de ação de Graças. — Ela olhou para
Sam, um sorriso tímido surpreendentemente. — E você?
Sam brincou com a tampa de sua água. — Sempre estou livre. — Seus olhos
escuros se fixaram em mim. — Por que não convida Roth?
Meu coração se apertou e minha boca ficou aberta, mas não havia palavras.
Bem, esta proposta de diversão que eu dera, deu-me um tapa no rosto.
Ele lançou um olhar para Stacey. — Hum, eu acho que disse algo errado.
Vocês não estavam saindo? Achei que ele ia para uma nova escola ou algo assim.
Deus, como gostaria de ser isso. — Não falo com ele... Por um tempo.
Sam encolheu os ombros. — Ah. Desculpa. — Fixou seu olhar no prato
vazio.
Stacey rapidamente levou a conversa para os planos de filme e quando
fomos para a próxima aula, inclinou-se no armário ao lado do meu, a simpatia
beliscando seus lábios. — Sam realmente não é bom em habilidades sociais, sabe?
Soltei um bufo enquanto pegava meu livro de história. — Parece que está
melhorando.
— Com passos de bebê. — Riu, mas se desvaneceu rapidamente. — Eu
estava esperando você me dizer o que aconteceu, mas esperei o máximo que pude.
A propósito, o que aconteceu com você e Roth? Você estava muito animada.
Supunha-se que você passaria a noite com ele, nos deixou e...
— Realmente não quero falar sobre isso — disse, fechando a porta do
armário. Ao nosso redor, os alunos se amontoavam. Foi estranho vê-los sem suas
almas trêmulas. Alisei as minhas mãos por minhas meias pretas. — Não quero ser
indiferente, é que...
— É difícil? Muito cedo? Eu entendo. — Ela curvou a cabeça para um lado
e respirou fundo. — Então Sam...?
Estando agora em uma terra mais segura, sorri... — Sim?
— Ok. — Inclinou-se para mim. Uma onda de esperança me atingiu, vindo
do nada. Foi tão forte que dei um passo atrás. A antecipação desapareceu quando
os olhos escuros de Stacey se acenderam. — Bem... Sou eu ou o Sam estava
tentando flertar comigo?
Abanei a cabeça, dissipando o sentimento estranho. — Suponho que sim.
— Pareceu-me bem a ideia do filme. — Ela começou a andar ao meu lado.
— Estou orgulhosa de você por isso.
— Não sei por que não o convida para sair. — Reduzi a velocidade, quando
cheguei ao Hall da história. — Nunca teve um problema em fazer isso antes.
— Eu sei. — Ela jogou a cabeça de volta e franziu o cenho. — Mas é
diferente. Ele é Sam. Está interessado em coisas como computadores, livros e coisa
nerd.
Eu ri. Sam era muito nerd – um nerd bonitinho. — E você?
Ela suspirou e então sorriu largamente. — Estou interessada nele.
— Então, isso é tudo que importa, certo?
— Acho que sim. — Dando uma olhada em si mesma, puxou para baixo o
topo da camisa de cor vermelha, que estava sob seu casaco longo, expondo os seus
seios. — E na classe de arte, ele descobrirá que está interessado nos seios. Deseje-
me sorte.
— Boa sorte. — Olhei seu decote... — Não que precise.
Ela piscou um olho para mim. — Eu sei.
Quando Stacey se afastou, voltei para o que estava fazendo, fui para a aula
e parei. Minhas sobrancelhas subiram na minha testa. Junto à porta dos
banheiros, um menino e uma menina estavam enrolados um no outro. Não poderia
dizer quem era ou onde começava um e acabava o outro. Eles estavam
pressionados contra a parede. A garota tinha um pé torcido em torno da cintura
do rapaz e os quadris estavam... Uau!
Acho que estavam perto de fazer um bebê.
Eles estariam em muitos problemas. As demonstrações de afeto em público
estavam completamente fora de limites. Até mesmo dar as mãos levava a que o
pessoal te lançasse um olhar reprovador.
Mas... Mas o treinador Dinkerton, querido líder da nossa equipe de futebol
sem vitórias, passou ao lado deles. Não fez nada. Mesmo quando o casal entrou no
banheiro das meninas.
O que diabos estava acontecendo?

***

Depois da escola, afundei-me um pouco mais o meu pescoço na minha


blusa fina enquanto caminhava ao longo das calçadas superlotadas perto de
Dupont Circle. Uma jaqueta teria sido uma boa ideia. Saia jeans e leggings, na
verdade, não bloquearam o vento frio e úmido, mas não havia planejado sair.
À minha volta, pessoas serpenteavam para frente e para trás. Nenhum deles
tinha almas visíveis. A experiência de duas horas do meu improvisado plano e o
declarei um grande fracasso. Pensei ter visto alguns Fiends perto de um poste de
telefone – Fiends gostavam de mexer com as coisas; eletrônica, canteiros, fogo –
mas era difícil dizer com certeza. Eles não causaram nenhum problema ativo e não
havia nada os separando do meio da multidão. Poderiam ter sido apenas aqueles
seres humanos que esperavam para atravessar a rua.
A noite já rastejava para a cidade, fazendo com que as luzes da rua
acendessem, projetando sombras hostis através da mistura de novos e antigos
edifícios que se alinhavam nas ruas.
Apertando minha mochila contra o meu quadril, corri em direção ao parque,
mantendo-me perto das vitrines. Eu odiava admitir, mas a paranoia era um amigo
caminhando ao meu lado. Antes, sempre poderia confiar em minha capacidade de
ver as almas para identificar os demônios e nunca aperfeiçoei o instinto natural
que outros Vigilantes tinham de cheirá-los. De vez em quando um calafrio estranho
dançava pela nuca do pescoço, mas não sei se isso significava a presença de um
demônio ou não. Era o tipo de sentimento que você tem quando é observado. Mas
não sei se isso significava a presença de um demônio ou não. Era o tipo de
sentimento que você tem quando é observado.
Tudo o que eu passei poderia ter sido um potencial Poser ou um de Nível
Superior, pelo que eu sabia. Talvez simplesmente não consiga sentir demônios
como os outros guardas. Deus, eu estava em sérios problemas se fosse esse o caso.
Precisava descobrir se isso era um problema, imediatamente, mas onde eu posso
encontrar um grupo de demônios que esperançosamente não tentaria me matar?
Tropecei quando outra ideia vencedora me ocorreu.
O edifício de Roth ao longo de Palisades. O lugar estava prestes a estourar
com tantos demônios, mas eu poderia voltar lá? Poderia lidar com todas as emoções
de estar tão perto de onde ele viveu? Eu não tinha certeza, mas gostaria de tentar.
Talvez amanhã, depois escola, poderia trazer Zayne comigo. Não se emocionaria,
mas o faria... Por mim.
Ou talvez amanhã eu acorde vendo almas novamente.
Deus, quantas vezes queria ser normal para os padrões dos Guardiões? E
agora que estava mais perto disso, eu mesma estava me dando uma úlcera, e...
A forma apareceu do nada, nada mais que uma sombra espessa que
serpenteava do beco, movendo-se rápido demais para mim, até mesmo para
conseguir gritar. Um segundo estava andando pela rua e no outro, fui arrastada
para um lado em um beco escuro e estreito. Uma bomba de agressão explodiu
dentro de mim, e então desapareceu em um terror feroz e gélido quando o forte
aperto me soltou. Voei vários metros para trás. Minha mochila bateu em um
contêiner de lixo enquanto eu batia minhas costas no chão frio.
Atordoada, olhei para cima através de uma camada de cabelo loiro claro e
vi dois olhos azuis vibrantes com pupilas verticais, olhando para mim fixamente.
— Demônio, — disse entre dentes, levantando uma faca serrilhada em uma
mão. — Prepare-se para voltar para o Inferno.
Santa mãe de Deus.
Por um momento, não pude me mover. Era um Guardião em forma humana
– apenas como humano – um que eu não nunca vi. Sabia onde ele planejava colocar
a faca. Com uma facada era como os Guardiões enviavam os demônios de volta
para o Inferno.
Cortar as cabeças dos demônios também funcionava.
A hora do medo paralisante deu lugar ao instinto. Todas as horas de
formação evasiva foram ativadas. Levantei, ignorando a dor no traseiro. A cruel
lâmina afiada foi arqueada no ar quando me lancei para o lado.
— Espere! — Eu disse, saltando para trás quando ele se virou para mim. —
Não sou um demônio.
O Guardião zombou. Ele parecia jovem e seu rosto era desconhecido para
mim, o que significava que ele não fazia parte do clã de D.C. — Você acha que eu
sou estúpido? Cheira mal como os de sua classe.
Fedia? Resisti ao impulso de me cheirar, caminhei lentamente ao redor do
contêiner verde, na esperança de ser capaz de dialogar com ele. — Eu sou parte
demônio. Meu nome é Layla Shaw. Moro com...
Ele saltou para frente, e me virei. A faca atravessou a camiseta e cortou a
pele do meu braço. Eu gritei quando uma dor ardente entrou em erupção ao longo
de minhas terminações nervosas.
Aconteceu tão rápido que não havia como pará-lo.
O impulso inerente de mudança me agarrou e minha pele ficou tensa
quando Bambi se soltou do seu lugar na minha pele. Espalhou-se pelo ar, uma
massa de pontinhos pretos que ficou entre o guardião e eu.
Déjà Vu me golpeou no rosto.
Esses pontos caíram no chão do beco e se uniram, formando uma massa
grossa que se levantou no ar, tomando a forma de uma cobra.
Nunca vi Bambi tão grande.
Mais alta que eu e mais larga que o Guardião, Bambi sibilou como uma
máquina de vapor quando se afastou, preparando-se para o ataque.
O Guardião xingou enquanto dava um passo o lado, ficando de cócoras. Seu
corpo começou a mudar, rasgando a camisa que cobria o seu peito largo. — Parte
demônio? Tem um familiar.
— Sim, mas não é o que você pensa. — O sangue escorria pelo meu braço
enquanto caminhava na direção de Bambi. O meu coração bateu fortemente
quando ela abriu a boca, revelando as presas do tamanho das minhas mãos. Dei
uma olhada para a entrada do beco. Em qualquer momento, alguém poderia voltar
aqui, e enquanto o Guardião não seria muito difícil de explicar, a cobra do tamanho
de um Humvee3, era outra história. — Por favor. Deixe-me explicar. Não sou uma
pessoa má.
— É não é a primeira vez que um demônio diz isso — o Guardião cercou
Bambi enquanto a sua pele escurecida para um fundo cinza.
Bambi atacou, e o Guardião evitou por pouco um tiro certeiro. — Bambi!
Não! — Ordenei.
A cobra se afastou novamente, seu corpo poderoso enroscando-se e ficando
tenso. — Você não come o Guardião! — Eu disse, respirando pesadamente através
da dor... — Precisamos de...
O Guardião foi lançado para frente e derrapou debaixo de Bambi quando
ela o atingiu. Ele emergiu, metade em sua forma humana e metade gárgula. Vi a
faca balançando no ar. Levantei-me do chão, tropeçando em direção a ele. Meti-me

3 Veículo militar, que parece um jipe.


debaixo do seu braço quando balançou a faca para baixo. Virei-o, plantei meu pé
nas costas. O Guardião caiu sobre um joelho.
— Por favor, pare. — Ainda tentei pôr um fim a este desastre completo. —
Estamos na mesma...
O Guardião virou e foi na minha direção.
Não conseguiu.
A cobra se atirou em direção a ele, como uma bala, indo diretamente para
a cabeça. — Bambi!
Tarde demais.
Como uma covarde, fechei os olhos antes do primeiro grito afiado. Meu
estômago ficou agitado quando uma sucessão de barulho de trituração preencheu
o beco. Eu me virei, frente à entrada do beco. As pessoas passavam em ambas as
direções, sem ter ideia do que acontecia aqui.
Houve um forte som de engolir e há uma boa probabilidade que eu fosse
vomitar. Olhando para baixo, embrulhei a minha mão em volta do meu braço
esquerdo e fiz uma careta quando a dor me atravessou. Minha blusa era escura,
mascarando o sangue, mas ele pingava na minha mão. Mordendo o lábio, fechei os
olhos quando uma onda de vertigem se apoderou de mim.
Por Deus! Eu tinha azar quando se tratava de becos.
Bambi deu um pequeno empurrão em meu quadril com o nariz. Respirando
profundamente, encarei-a. Sua língua vermelha bifurcada serpenteava no ar e me
deu um toque novamente. Meu olhar foi para as sombras do beco. Além dos ratos,
éramos as duas únicas coisas aqui.
— Oh, meu Deus — suspirei, acariciando a cabeça de Bambi
desajeitadamente. — De verdade, acabou de comer um Guardião.
E minha vida, realmente, tornou-se muito mais complicada.

***

Consegui encontrar um lenço de seda no fundo da minha bolsa. Usei-o para


limpar o sangue da minha mão, então fiz uma bola e continuei segurando-o, a fim
de limpar os bancos de couro de Nicolai, caso o sangue não parasse.
Não disse nada para ele, porque o que poderia dizer? Um Guardião tentou
me matar. Ele me fez sangrar. Ah, e a propósito, Bambi comeu o Guardião no
jantar. Sim, isso acabaria como uma tonelada de tijolos amarrados com dinamite.
Então, me concentrei em não desmaiar desde o momento em que Nicolai
apareceu. Assim que chegasse a casa, encontraria Zayne e... Deus sabe o que
depois disso iria acontecer.
Precisava de um PRTAG – Programa de Relocação de Testemunhas de
Assassinatos de Guardiões.
Aperto a mandíbula para evitar gemer quando passamos por um buraco,
eu sinto que estava um pouco alucinada quando chegamos ao complexo. O corte
não poderia ser tão profundo. Pelo menos, esperava que não fosse, mas sentia todo
o meu braço esquerdo como um pedaço frio de carne.
Entrei correndo para parar no saguão. O som de vozes masculinas,
aparentemente, vinha de todos os cantos da casa. Olhei para a sala de estar,
desorientada.
Jasmine estava lá, com os braços em volta de um macho alto com cabelos
castanhos ondulados. Ele segurava a sua filha, Izzy. Uma menina de dois anos que
estava em sua humana, mas dois chifres de cor escura dividiam os seus cachos
vermelhos e as suas asas apareciam pela parte traseira da sua camisola cor-de-
rosa. Drake, o irmão gêmeo de Izzy, escalava as pernas do macho, rosnando sempre
que saltava.
Dez estava de volta.
O que significava que Jasmine e Danika iriam para casa em breve, uma vez
que os membros de seu clã voltaram e não era necessário que elas permanecessem
aqui por razões de segurança. Hurra.
Uma expressão estranha contraiu os seus traços bonitos enquanto o seu
olhar percorria o seu ambiente. Quando os olhos dele me encontraram, seus
ombros relaxaram um pouco, mas permaneceu a estranha tensão na cara dele.
— Layla — disse ele, sorrindo enquanto dava Izzy a Jasmine e se inclinava
para pegar Drake, segurando-o perto de seu peito grande. — É bom revê-la.
Pisquei os olhos lentamente, deixando a minha mochila ao lado da pequena
mesa no lobby. Ainda segurando o lenço, forcei um sorriso. — Ei. Como... Como
está?
— Bem. Você parece...
Vozes se aproximaram e a porta da biblioteca de Abbot se abriu. Como se
estivesse no meio de um nevoeiro, eu me virei. Outro Guardião desconhecido saiu,
parando abruptamente quando me viu. Como aquele que estava no beco e como
Dez, era jovem. Provavelmente em torno de 20 anos.
— O que....? — Ele disse, esticando a mão por trás dele.
Oh, pelo amor de Deus, se você tirar uma faca, eu vou desistir da vida em
geral.
— Maddox. — Dez deu um passo em frente, agarrando Drake quando a
criança agarrou um punhado de cabelo com seus dedos gordos... — Esta é Layla.
Havia uma forte camada de advertência na voz de Dez, o que fez Maddox se
endireitar, como se um pesado aço fosse jogado em sua coluna. Ele assentiu com
a cabeça, com um modo quase malcriado, e então deu um passo se afastando, me
evitando, qualquer um pensaria que você carrega uma doença do tipo mortal.
— Viu Thomas? — Perguntou Maddox, assistindo-me com o canto de seus
olhos. — Ele foi para a cidade. Ele voltou?
— Não — disse Dez, levantando Drake. Atrás dele, Jasmine fez uma
carranca quando me olhou. Estava segura que seus sentidos de há um pássaro
ferido por aí estavam disparando. Era uma curandeira muito boa. Algo do qual eu
precisava desesperadamente, mas precisava sair daqui. — Tenho certeza de que
retornará logo — terminou.
Com uma sensação de cansaço e tristeza, eu tive uma real ideia de quem
era Thomas... Ou costumava ser. Ah, Deus. Comecei a arrastar os pés em direção
às escadas, mas o profundo e rouco riso de Zayne chamou minha atenção.
Estava na biblioteca com Geoff, nosso residente gárgula apaixonado por
tecnologia e gadgets, e seu pai. Alguns dos nossos outros membros do clã estavam
lá. Abbot sentava-se atrás da mesa, rolando um cigarro entre os dedos. Sem o
acender. Nunca fumava, pareceu-me que ele gostava de manipulá-los.
Zayne estava de costas para a porta, ao lado de uma Guardiã bonita de
cabelo escuro – o tipo de beleza que me fazia sentir comum em um dia bom. Danika
estava inclinada para ele e sorria enquanto um dos membros do clã contava uma
história.
Não sabia que tipo de história. Nunca fui incluída nessas histórias. E as
poucas vezes em que estive na biblioteca do Abbot recentemente foi quando me
deram um sermão de uma coisa ou outra.
Meus pés pareciam estranhos enquanto estava no corredor. — Zayne? —
Minha voz também parecia estranha. O lenço de mão parecia molhado.
Virando-se, o sorriso no rosto de Zayne congelou. — Layla?
Eu sabia que provavelmente parecia como se a morte tivesse me mastigado
e cuspido. Nervosamente, dei uma olhada para Danika, sem atrever-me a olhar
para Abbot. — Po... Posso falar com você um instante? A sós.
— Sim. Espere um segundo — se virou novamente para Danika e então
para seu pai, que provavelmente estava dando aquele olhar para ele. O olhar que
dizia que você não vai ousar sair de perto de Danika, a mãe dos seus filhos. — Volto
logo.
Ela assentiu com a cabeça, mordiscando o lábio. — Tudo bem. Como está?
A pergunta foi dirigida a mim, e acho que disse algo afirmativo. Passei
mancando por onde o menino novo e Dez estavam parados com Jasmine, sem
esperar por Zayne. Se não me sentasse, eu iria cair.
Com minha mão boa, eu apertei o corrimão quando comecei a subir as
escadas. Zayne estava bem ao meu lado, com a cabeça inclinada quando falou. —
Você está bem?
— Uh... — mais alguns passos. Mais alguns passos. — Na verdade, não.
Se aproximando de mim, conteve a respiração. — Sinto cheiro de sangue.
Você está sangrando.
— Algo desse estilo — gemi. Quando começou a se virar, sem dúvida para
soar o alarme, eu disse: — Não diga nada ainda. Por favor.
— Mas...
— Por favor.
Zayne amaldiçoou entre os dentes, mas continuou subindo as escadas. —
Quão mal está?
— Eh...
Contornamos o segundo patamar, e uma vez que estávamos fora de vista,
Zayne abaixou-se e me pegou em seus braços. Em qualquer outro momento, teria
um acesso de raiva, mas com todo o assunto de estou sangrando e com dor calei-
me.
— Preciso de um pouco de detalhes — disse, dirigindo-se diretamente para
o quarto dele – não o meu – o dele. Eu estava um pouco distraída por isso enquanto
me ajeitava contra o peito e abria a porta... — Fale comigo, Layla. Estou começando
a enlouquecer.
Quando fechou a porta com a ponta do pé, forcei a minha língua a
trabalhar. — Acho que poderia ter sido esfaqueada.
— Você acha? — Gritou.
Estremeci. — Ok. Eu fui.
— Jesus. — Sentei-me na borda da cama dele. Sobre os ombros, as
prateleiras de parede a parede transbordavam de livros. — Onde? Onde foi? — Mas
ele já procurava com os olhos e as mãos. Quando atingiu a parte superior do meu
braço, eu gritei... — Merda. — Ele virou a mão e os dedos estavam manchados de
vermelho. — Por que não disse para Nicolai?
— Não é tão ruim, certo? — Olhei para baixo, mas o material preto escondia
os danos.
Zayne pegou o cachecol embebido e o deixou cair no chão de madeira. —
Não sei. Preciso tirar a blusa.
Levantei as sobrancelhas antes disso.
Ele disparou um olhar sem graça para mim enquanto afastava seu cabelo
com o antebraço. — E você tem que me dizer como isto aconteceu.
— Foi perto de Dupont Circle e – realmente tem que tirar a minha blusa?
— Perguntei quando alcançou à bainha da minha blusa.
Zayne olhou para cima, seus olhos azuis brilhantes com determinação e
seu tom de pele geralmente dourada um ou dois tons mais claro. — Sim, está no
caminho.
— Mas...
— Ontem vi você de sutiã. Você se lembra? — Quando ele disse isso, não
foi como se meu argumento em favor da modéstia fosse válido. — Estava perto de
Dupont?
Assenti com a cabeça, engolindo com força enquanto ele levantava a minha
camiseta. — Estava tentando detectar um demônio. Você sabe, saber se eu poderia
ver algo diferente ao redor deles.
— Droga, Layla, você poderia ter pedido. Eu teria ido com você.
O suéter estava sendo puxado sobre minha cabeça e puxado pelo meu braço
bom, escondi a careta que fiz. — Não ia enfrentar um demônio.
— Sim, isso é um ponto discutível quando um demônio obviamente te
enfrentou. — Ele mesmo segurou o meu sutiã de renda rosa enquanto movia o
suéter lentamente pelo meu braço esquerdo.
Inalei agudamente quando atingiu a ferida.
— Sinto muito — ele rosnou.
— Não enfrentei um demônio. — A ferida parecia inflamada e sangrenta, e
forcei-me a olhar para outro lado, focar-me na cabeça inclinada de Zayne. — Nem
estou certa de ter visto um.
Ele estava calado enquanto tirava o suéter completamente. Agarrou uma
colcha, cobrindo com ela o meu peito. — Então, quem fez isto com você?
Levantei o meu braço saudável, envolvendo os meus dedos em volta do
colar. — Um Guardião.
A cabeça dele se virou para mim e os seus lábios se separaram. — Um
Guardião fez isso?
— Sim. Nunca o vi antes — disse, inalando profundamente quando ele
inspecionou a ferida suavemente. — Pegou-me quando caminhava para me
encontrar com Nicolai. Não fiz nada para instigá-lo. Ele simplesmente saiu do nada
e tentei fazê-lo compreender que eu não era uma ameaça, mas ele se lançou sobre
mim.
— Merda. Era uma lâmina de ferro. — Tensão irradiava de Zayne quando
se afastou; seus dedos cobertos com meu sangue. — Você mudou?
— Comecei a fazê-lo quando ele me atingiu com a faca, mas... Em seguida,
Bambi saiu de mim e... Oh, Deus Zayne, tentei fazê-la parar, mas o Guardião – não
queria me ouvir.
Ele ficou imóvel e subiu o olhar até encontrar os meus olhos. — O que
aconteceu com o Guardião?
Neguei com a cabeça lentamente, não querendo dizer a ele. Meu estômago
ficou agitado. — Bambi... Ela o comeu.
Zayne continuou olhando para mim. — Ela o comeu?
— Inteiro. Bem como devorá-lo imediatamente. — Um riso afogado escapou-
me quando abaixei o queixo. Mechas de cabelo deslizaram para frente do meu
ombro. — Oh, meu Deus, isto é tão ruim. Acho que é o Guardião do clã de Nova
York. Entende? Aquele de quem eles falavam lá embaixo. Quero dizer, quantos
guardiões desconhecidos estariam vagando por Washington? E isso significa que
Dez o conhece, e provavelmente é amigo dele e eu gosto de Dez. Ele sempre foi
gentil comigo e agora, a minha serpente de estimação demoníaca comeu o amigo
dele e eu...
— Ei, pare com isso, Layla-bug. Ok? Poderia ser ele, mas não há nada que
possamos fazer sobre isso. Ele te atacou e Bambi a defendeu. Ponto.
— Sim — eu disse em voz baixa, sabendo que os outros Guardiões não
veriam assim.
— Fica aqui.
Como se fosse para qualquer parte sangrando e sem camisa?
Zayne desapareceu no banheiro e voltou rapidamente com duas toalhas
molhadas.
Ele absorveu o sangue em silêncio e o ato... Ah, lembrei-me de como Roth
me limpou em seu apartamento, o que fez meu peito doer tanto quanto meu braço
e tornou toda esta situação mil vezes pior.
— O que te dói?
— Arde. — Vi os músculos se movendo sob a camisa.
— Onde está Bambi agora? — Perguntou, lançando um olhar onde a colcha
que cobria o meu peito e minha barriga.
— Em mim.
Ele arqueou uma sobrancelha. — Agora é invisível?
Sorri. — Está enrolada em minha perna neste tempo. Acho que está se
escondendo.
— Talvez tenha dor de estômago.
Um riso parcialmente histérico me escapou e um sorrisinho esticou os
lábios dele. Nada disto era divertido, mas se eu não risse, provavelmente começaria
a gritar. — Tentei impedi-la. E tentei fazer o Guardião entender. Eu juro, Zayne.
Só que não funcionou. Disse que eu cheirava a um demônio. Eu cheiro como um
demônio?
A boca foi aberta e então foi fechada com força. Ele jogou a toalha
ensanguentada onde estava o meu suéter. — O corte não está sarando e não o fará
com uma lâmina de ferro, e isso é fodidamente...
— Perigoso para os demônios. Fantástico. Isso é perfeito. — Levantei meu
olhar para ele, segurando o cobertor contra meu peito com uma mão. — Eu cheiro
como um demônio?
— Deixe-me ir buscar a Jasmine...
— Não. Ela vai dizer ao Abbot e o guardião provavelmente pertence ao clã
de Nova York. Abbot vai me culpar.
— Não, não o fará.
Uma bola de ansiedade se formou na minha barriga. — Eu o procurei
porque confio em você. Você não pode contar ao seu pai. Por favor.
Os ombros de Zayne ficaram tensos. — Então, deixe-me procurar Danika.
Não olhe para mim como se tivesse acabado de engolir urina de gato.
— Eca — gemi.
— Ela não dirá nada... E é tão boa quanto Jasmine quando se trata deste
tipo de coisa. — Curvou-se, colocando as mãos em cada lado das minhas pernas...
— Podemos contar com Danika.
Aposto que o meu rosto também parecia ter engolido urina de hamster.
Zayne aproximou-se bastante, pressionando a testa contra a minha. Tentei
afastar-me, mas ele me seguiu e ficou muito perto. Fechei os olhos, pressionando
a boca fechada quando a necessidade de – me alimentar se elevou acima da dor e
da gélida sensação de pânico.
— Não deixarei que nada aconteça com você — ele disse, com as mãos
curvando-se em torno de meus joelhos. — Eu vou te levar para curar o braço e
então nós vamos resolver isto. Mas se você confia em mim...
Comecei a desviar o olhar, mas ele colocou os dedos no meu rosto, me
impedindo. — Zayne.
— Se você confia em mim, então terá de acreditar que estará segura com
Danika — continuou. — Não consigo fazer isto – curar seu braço. Não, sozinho.
Ok? Vou cuidar de você.
Segurando a respiração, concordei. Não sabia se estava de acordo apenas
para afastá-lo de mim ou se realmente estava disposta a largar a minha confiança
nas mãos de Danika – ela, de entre todas as pessoas.
Zayne levantou a cabeça e beijou minha testa, fazendo meu coração perder
uma batida. — Volto logo.
Demorou cerca de dois minutos para voltar com Danika. Durante esse
tempo, convenci-me de que Zayne foi abordado por seu pai e forçado a revelar a
verdade. O senso de medo doentio era como comida podre na minha barriga.
Zayne entrou, fechando a porta silenciosamente atrás de Danika. Ele tinha
um pequeno saco que parecia com um kit de costura. Ah, Deus. Sério que eles vão
costurar minha pele. Voltei-me para Zayne com o olhar aterrorizado.
Ele sentou ao meu lado, atraindo os meus olhos arregalados. — Contei tudo
para ela.
— Não direi nada. — Ela disse, colocando o saco do meu lado e
imediatamente começou a mexer nele. — Só estou feliz que você está sentada aqui,
e que a Bambi conseguiu uma boa comida.
Olhei boquiaberta para ela.
Ela deu de ombros elegantemente. — Não gosto de censura às pessoas ou
de Guardiões exigentes e rígidos, e se foi Tomas, então seria desse tipo.
— Você... Você o conheceu?
Acenando, ela se virou para o meu braço e resmungou. — Isto
definitivamente foi ferro — ela disse a Zayne. — Você vê como as bordas de certo
modo estão queimadas?
Minha pele estava queimada?
— Mesmo se ela tivesse mudado, isso não a teria curado. Vai ficar bem
depois de ser suturado — continuou, e vi algo pelo canto do olho que parecia um
fio de lã... — Se fosse um demônio de sangue puro...
— Não é — disse Zayne, e quase ri com o lembrete desnecessário.
— Eu sei — ela respondeu em uma voz baixa. — Posso entender por que
não quer que Abbot saiba. Você deve ter ficado tão assustada.
Eu não conseguia olhar para Danika e não sabia o que fazer neste momento
com sua simpatia. Eu sabia que ela estava enfiando uma agulha e eu estava prestes
a perder o controle, mas então ela pegou uma garrafa.
— Esta é uma mistura de cânfora e Spilanthes4. Ajudará a anestesiar a pele,
certo?
Apertando os dentes, acenei com a cabeça.
Danika derramou uma mistura com odor de menta por todo o meu braço.
Estremeci com a picada de dor, mas em questão de segundos, a mistura esfriou,
entrando mais além da pele e dentro do músculo. Colocando o frasco no saco, ela
pegou seus instrumentos de uma dor inimaginável e olhou para cima. Seu rosto
surpreendente – perfeitas maçãs do rosto salientes, nariz arrebitado e lábios cheios
– ficaram drenados de cor.
Isso não era muito reconfortante.
— Isso ainda vai doer — disse em voz baixa para Zayne. — Provavelmente
deveria... humm, segure-a no lugar.
Engoli.
Zayne embrulhou um braço na minha cintura, me encostou à cabeceira da
cama e se colocou ao meu lado, enrolando as pernas dele sobre as minhas. Meus
olhos se arregalaram por um momento, e também estava deslumbrada pela forma
como estava perto de mim. Roth e eu deitamos assim e depois...
Ele moveu uma mão na parte de trás da minha cabeça, guiando meu rosto
em seu peito e envolveu a outra em volta do meu braço machucado. — Posso sentir
seu coração batendo — ele disse; sua voz se perdendo no meu cabelo. — Respire
profundamente algumas vezes.
Meu coração parecia estar fora do meu peito, uma mistura entre a
proximidade e a descarga do medo que veio com um toque dos dedos frios de
Danika.

4 Jambu (Acmella oleracea) é uma erva típica da região norte do Brasil, mais precisamente
no Pará, sendo originária da América do Sul. É comum também em Madagáscar e todo o
sudoeste asiático, em particular nas ilhas Mascarenhas. Também é conhecida como agrião-do-
Pará. As folhas e inflorescência são empregadas na medicina caseira na região norte do país, para
tratamento de males da boca e garganta, além de tuberculose e litíase pulmonar. As folhas e flores
quando mastigadas dão uma sensação de formigamento nos lábios e na língua devido sua ação
anestésica local, sendo por isso usada para dor-de-dente como anestésico e como estimulante do
apetite.
— Vou fazer isso rápido. — Ela prometeu. — Literalmente, levará apenas
alguns segundos.
Fechei os olhos, respirando várias vezes profundamente. — Ok. Posso fazer
isso. Pode fazê-lo.
— Você pode. — A face de Zayne escorregou em um lado da minha cabeça.
— Você é forte, Layla. Você pode fazer isso.
Quase acreditei nele.
Quando a agulha perfurou minha pele, minhas costas endireitaram-se.
Fogo emergiu do pequeno buraco que havia criado, prendendo o meu corpo como
se eu fosse jogada nas chamas.
— Está bem. — Zayne sussurrou, envolvendo os dedos em meus cabelos.
— Acabará antes... — ele esmagou o meu rosto no seu peito, silenciando o grito
que saiu da minha garganta.
— Desculpe — sussurrou Danika, suas mãos tremendo ligeiramente, — Eu
gostaria de ter algo mais forte para te dar, mas Jasmine perceberia se algo estivesse
faltando.
Ardor subiu pelo meu braço e tentei me afastar, mas Zayne me imobilizou,
mantendo meu ferido braço direito imóvel. Um fluxo vertiginoso de maldições
deixou minha língua e Zayne riu entre os dentes com a voz rouca.
— Não fazia ideia de que tinha esse tipo de boca — ele disse.
— Não me importo. Eu quero que termine. Agora. — Tentei afastar-me, mas
ele apertou suas garras. — Pare. Por favor.
— Não podemos parar, baby. Acabará logo. Já está quase metade tratado.
— O corpo de Zayne ficou tenso e Bambi começou a deslizar no meu quadril. A
última coisa que precisávamos era que ela saísse e comesse Danika. Mas a cobra
permaneceu quieta. Talvez Zayne tivesse razão e ela teve dor de estômago. — E
então, você estará perfeita — acrescentou.
— Não sou perfeita. — Meu corpo todo vibrava como uma gigante ferida
vermelha. Deus, eu era um bebê chorão. Sem qualquer tolerância à dor. Em
seguida, no entanto, minha pele era remendada novamente com um mínimo de
dormência. — Chei... Cheiro como um demônio.
— Você não cheira como um demônio. — Pareceu-me que prendeu a
respiração enquanto eu gritava contra o peito dele novamente. — Cheira como
frésia5.
— Cheiro de frésia? Eu – eu cheiro a sangue e demônios — sussurrei com
a voz rouca, apertando a mão dele até que senti os ossos enquanto ela dava outro
ponto. — Sinto muito. — Suspirei.
— Está bem. — Zayne ajeitou-se para ficar mais perto de mim, encostando
seu corpo contra o meu. — Você não cheira a sangue.
Reclamei enquanto Dinka puxava o fio. — Você é um péssimo mentiroso.
— Acabei. — Ela disse, soltando um suspiro. — Sinto muito.
— Est... Tudo bem. — Pressionei meu rosto contra o peito de Zayne,
inalando sua essência de inverno mentolado. Meus dedos queimavam por me
segurar à sua mão e camisa. — Obri… Obrigada.
Ela soltou uma respiração profunda enquanto fechava a ferida. — Você deve
descansar durante alguns minutos, deixe que seu corpo acalme, e poderia ser uma
boa ideia dar-lhe um sono profundo esta noite, só para que você se sinta melhor
mais rapidamente pela perda de sangue.
Um sono profundo significava dormir em forma normal, pois assim poderia
descansar a nível celular, mas nunca dormi assim antes. Mesmo que eu tivesse me
transformado hoje caso Bambi não tivesse aparecido. Não me transformei desde
aquela noite no ginásio, e não acreditava ser capaz de dormir assim.
Não sei quanto tempo passou com Danika sentada na beira da cama. Zayne
passou suavemente a mão nas minhas costas até os tremores cederem
eventualmente, e o conteúdo do meu estômago ficou um pouco estressado. Ele
soltou a perna da minha.
— Você está bem? — Zayne perguntou. Quando assenti com a cabeça, ele
retirou-se um pouco, passando suavemente uma mão no meu rosto molhado. —
Gostaria de experimentar se sentar?

5 A freesia, frésia ou junquilho é um gênero da família das Iridáceas, constituído de


várias espécies de plantas bulbosas floríferas, originárias da África do Sul, cujos cachos
de flores exalam perfume agradável, e que são largamente cultivadas nos jardins do mundo inteiro.
Sem confiar em mim mesma para falar ainda, concordei novamente. Com a
ajuda de Zayne, reajustei a colcha e me sentei. Minha cabeça estava um pouco
tonta e manchas escuras deixaram a minha visão nebulosa.
— Posso pegar alguns analgésicos — Danika disse; sua voz um pouco
apagada enquanto olhava para suas mãos elegantes, limpando-as do meu sangue.
— Jasmime não perceberá isto. — Olhando por cima do ombro, seus olhos fixaram-
se onde Zayne descansou seu braço no meu ombro. — Posso trazer alguma coisa
para vestir.
— Deve... Deve ter um moletom com capuz em cima da minha cama.
Danika saiu e voltou rapidamente com o moletom, e enquanto ambos se
viravam, deixei-o cair cuidadosamente sobre o curativo. Quando terminei de fechar
o zíper, eles se viraram.
— Obrigada. — Eu disse de novo.
— Como se sente? — Danika se moveu para se sentar ao meu lado.
— Não acredito que vá vomitar. — Tentei esconder meu sorriso fraco por
seu olhar de alívio, mas Zayne viu-o, e os seus olhos se iluminaram. — Isto… fede.
— Você fez bem. — Ela olhou para Zayne. Ele estava virado para mim, seus
braços cruzados e suas feições endurecidas. — O que vamos fazer agora?
Meu cérebro parecia uma massa macia, eu assumi que era porque precisava
consumir açúcar. Muito açúcar. Ajudava com os desejos. E tirar um cochilo. Talvez
dois cochilos. Só porque sim. Então, eu ia para a cama.
Zayne suspirou pesadamente. — Não sei. Não acho que este é o momento.
— Ela tem que saber. Obviamente.
Após ouvir isto, levantei a cabeça, passando minha atenção entre ambos.
— O quê?
Ele parecia querer discutir, mas em vez disso, deu um passo a frente e
sentou ao meu lado. — Há algo que sinto em você nos últimos dias.
— Ok. — Meu braço queimava muito, mas o medo afastou a dor. — Cheiro
como um demônio?
— Você não cheira a nada diferente do habitual. Aquele idiota nunca deveria
ter dito isso, mas eu sim... — Respirou profundamente enquanto esfregava as mãos
em seu queixo... — Senti mais do seu lado demoníaco em você.
Meu estômago, já sensível, piorou.
— Sério, não parece diferente — disse Danika, torcendo as mãos. — Mas é
como se sentíssemos certo tipo de demônio – um de Nível Superior.
O ar precipitou-se dos meus pulmões enquanto eu girava para Zayne, e
minha voz saiu em um gemido lamentável. Demônios de Nível Superior eram os
mais poderosos, os mais perigosos. — Prefiro cheirar como um demônio normal.
Ele não disse nada, mas um olhar torturado e cheio de pânico passou pelo
seu rosto.
Passou um segundo. Depois, um minuto. Não estou certa de ter processado
isto. O fato de ter um cheiro de demônio de Nível Superior para eles era como glacê
mofado em um bolo. — Porque não me disse antes?
— Como eu poderia? Você teria pensado o pior... E eu não queria trazer isso
para você. E não importa, porque você é parcialmente guardiã. Você é
inerentemente...
Um zumbido baixo reverberou pela casa e os escudos de aço bateram contra
as janelas, fazendo com que Danika e eu saltássemos. Golpes semelhantes soaram
enquanto Zayne se levantou. Nunca vi as janelas fazerem isso antes, mas sabia o
que significava.
Zayne deu a volta enquanto Danika ficava pálida. — Demônios — disse ele,
as mãos curvando-se em punhos. — Há demônios aqui. Fiquem aqui. As duas.
Ele já estava saindo pela porta.
Danika e eu trocamos olhares, e como em um acordo mútuo, o seguimos
escada abaixo. O que me contaram podia esperar. Para que os escudos caíssem
sob nossa casa, esta deveria estar sob ataque.
Dois membros do clã montaram guarda na sala de estar, onde sabia que
deveria estar retida Jasmine com os bebês. A porta em frente estava aberta, o que
me pareceu que eles estavam com a guarda baixa. Também havia um revestimento
de aço, mas a porta estava aberta, como se não houvesse nada a temer? O ar da
noite entrou, trazendo consigo certa essência.
Meu pulso acelerou e a minha boca secou.
Maddox bloqueava a entrada e deu um giro, seus olhos pousando em nós.
— Danika, você precisa se afastar.
— O que está acontecendo? — Perguntou, as suas pupilas ficando na
vertical. — Há demônios lá fora. Posso sentir.
— Estamos muito conscientes. Abbot está com eles. — Ele respondeu. — E
também os homens. Isto não é da sua preocupação.
Danika endureceu ao meu lado.
Não sentia nada, qual era a vantagem de ser arrogante sobre isso, mas o
cheiro – oh meu Deus, esse cheiro. Pequenos pelos levantaram-se em todo meu
corpo enquanto eu caminhava cegamente em direção à frente.
— Layla. — Danika me seguiu, apressada. — Você não deve sair.
Maddox não tentou me impedir enquanto me esquivava dele. A essência
crescia cada vez mais enquanto eu penetrava o ar glacial. Arrepios estavam
espalhados por toda a minha carne. O aroma doce e almiscarado invadiu as minhas
narinas. Meu coração pulsando furiosamente lançou-se numa marcha e também
muita – muita - emoção se levantou um pouco em mim.
Vi Zayne parado na entrada, e ao lado dele estava o seu pai, Geoff e Dez,
mas eram as formas escuras na frente deles, perto da grama levando para as
florestas, o que me atraiu mais. Minhas pernas tremiam quando peguei velocidade
e corri escada abaixo.
Zayne se virou no meio do caminho, levantando uma mão como se quisesse
me parar ou me pegar. Seu maxilar estava fixo em uma linha dura e severa. —
Layla…
Eu não parei. Nada neste mundo poderia ter me feito parar. O cansaço e a
dor desapareceram rapidamente. Zayne moveu-se uns poucos centímetros para o
lado, olhando para mim completamente.
Então, eu o vi.
Cascatas de lágrimas caíram na parte de trás dos meus olhos enquanto o
meu coração parava dentro de meu peito e então acelerou. Tudo o que havia de
errado com as duas últimas semanas desvaneceram-se no momento em que meus
olhos encontraram aquele olhar dourado.
— Roth — sussurrei.
Era tão alto e impressionante como qualquer príncipe poderia ser.
E era como se fosse a primeira vez que eu o via.
Mechas soltas de cabelo preto caíam sobre sua testa, esfregando-se contra
as igualmente escuras sobrancelhas arqueadas. Suas bochechas eram largas e
altas; seus olhos inclinados levemente nos cantos externos são uma mistura
deslumbrante de ouro e âmbar, dando ao rosto uma qualidade quase desumana.
Aqueles lábios, com o lábio inferior grosso, estavam agora separados. Uma
camiseta preta esticada sobre um peito que eu sabia que era incrivelmente bem
definido e uma barriga tonificada – o tipo de barriga que deixava os abdominais
definidos envergonhados. Seus jeans penduravam na cintura, sustentados por um
cinto cravejado.
A única coisa que faltava era Bambi, que atualmente delirava em minha
pele, deslizando para cima e para baixo, mas Roth estava vivo e ele estava aqui.
Seus olhos se arregalaram ligeiramente. Poderia ter sido a minha
imaginação, mas podia jurar que eu conseguia ver o brilho do piercing de metal na
sua língua enquanto umedecia os lábios. Seus músculos da mandíbula estavam
tensos quando um olhar ilegível apareceu no rosto deslumbrante, e esqueci-me de
todos os outros. Meu coração ficou tão grande, tanto que me senti como se pudesse
flutuar até às estrelas.
Alguém disse algo, mas perdeu-se no ritmo do meu coração e do sangue
correndo em mim.
Roth deu um passo em minha direção enquanto o seu olhar se virava
abruptamente à minha direita. Parou; seus olhos brilhando com uma intensa cor
âmbar. Uma mão se fechou sobre o meu braço, logo abaixo do curativo.
Meu passo vacilou enquanto engolia o choro. Zayne avançou ao mesmo
tempo em que Roth, mas Abbot inclinou a cabeça em minha direção. — Cuidado,
menina. Não importa o que ele fez por nós, não se esqueça de que continua sendo
um demônio.
— Na verdade, eu sou um príncipe — corrigiu Roth naquela voz profunda e
rica como chocolate escuro que enviou um rastro de calafrios por minha coluna
vertebral – a voz que não estava segura de que ouviria outra vez. — É melhor você
não se esquecer disso.
Abbot ficou rígido e sua mão ficou pressionada em mim durante um
momento, enquanto eu tentava me libertar.
— E também será bom para você que a solte — continuou, levantando o
queixo levemente. — Então, podemos começar a agitar a nossa pequena bandeira
branca de amizade sem derramar sangue.
— Não que derramar sangue seja tão ruim. — Ao lado de Roth, um demônio
que reconheci como um administrador infernal sorriu largamente, mostrando os
dentes brancos. Cayman era uma espécie de gerente dos demônios. Eu não fazia
ideia de quem era o terceiro demônio que estava atrás deles.
— E vocês fariam bem em se lembrar de que estão em minha casa. — Abbot
libertou o seu aperto e eu teria avançado, mas o olhar de Roth me avisou para não
fazer isso.
Confusa, respirei profundamente e tentei acalmar o meu coração acelerado.
Eu queria ignorar seu olhar e me jogar nele. Assim, poderia tocá-lo e ter a certeza
de que era real e estava bem, mas não podia esquecer onde estava. Metade do meu
clã estava aqui fora, e embora Roth tenha se sacrificado – bem, havia parecido isso
– pelo bem comum, ninguém ficaria feliz se começasse a subir por ele como uma
aranha demente.
Mas à medida que olhava e começava realmente a assimilar que Roth estava
aqui e estava bem, eu não conseguia entender como esta era a primeira vez que o
via. Melhor ainda, como ele saiu dos abismos de fogo? Eles eram supostamente
inescapáveis.
Ou por que ele estava aqui.
Abbot parecia ter se elevado em toda a sua estatura. — E nunca haverá
uma bandeira branca de amizade entre nossas classes.
Roth levou uma mão no peito. — Oh, lá vão todas as minhas esperanças e
sonhos para as aulas de dança juntos sob o arco-íris.
Uma veia começou a sobressair da testa de Abbot. Ele se virou para mim.
— Você precisa entrar, Layla.
Nem por mil infernos o faria, mas antes que pudesse dizer, Roth curvou a
cabeça e disse: — Não, ela precisa estar aqui. Eu vim por uma razão, apesar de
termos desviado um pouco do assunto.
Desviado um pouco do assunto com o quê? Quanto tempo Roth estava
aqui? Afastando o cabelo do rosto, eu senti como se o meu cérebro estivesse
correndo em câmera lenta. Dei uma olhada em Zayne, mas ele estava concentrado
em Roth, como se desejasse chutá-lo de volta para o inferno. Os cantos dos meus
lábios deslizaram para baixo. Eu sabia que Zayne e Roth nunca poderiam ser
melhores amigos, mas Zayne esqueceu o que Roth fez por ele?
Maddox havia saído e estava de pé, Dez estava ao lado, tranquilo. Em algum
momento, Maddox deveria ter mudado, porque estava em sua forma verdadeira.
Sua pele era da cor do granito e suas asas alcançaram a impressionante figura de
dois metros e meio. Com narinas planas e o amarelo dos olhos brilhando
ferozmente, suas garras a mostra. — Não pode haver nenhum motivo pelo qual
você o deixaria estar aqui. — Ele se virou para Abbot, as mãos-garras formando
punhos. — Tomás está desaparecido, e aposto que eles têm algo a ver com isso.
Uh...
Bambi deslocou ao redor do estômago e então se esticou, como se estivesse
feliz ao se lembrar da comida temperada que foi Tomas.
— Não sei quem é esse — disse Roth, seus lábios – lábios que estavam
gravados na minha memória – curvados em um sorriso. — Por outro lado, vocês,
Guardiões, são todos parecidos.
Maddox fez uma careta. — Você acha que é engraçado?
— Não, acho que sou sexy. — O sorriso se alargou, mas não alcançou seus
gélidos olhos ocres6. — E também acho que sou engraçado.
Dez e o resto dos Guardiões ficaram tensos. Acho que pensaram que Roth
devia sentir-se intimidado por todos aqueles Guardiões que estavam ali, mas
Roth... Bem, quanto mais difícil fosse situação, mais determinado ele ficava.
Cayman piscou o olho para mim enquanto avançava. As sobrancelhas
estavam levantadas. Tudo isto parecia surreal. Talvez tenha perdido muito sangue,
desmaiado, e tudo isto era apenas um tipo de sonho estranho.
— Podemos chegar ao cerne da questão? — Perguntou Cayman bravamente.
— O tempo é realmente essencial.
Abbot exalou profundamente com as narinas dilatadas, mas assentiu com
a cabeça.
— Temos um grande problema — disse Roth, focando o líder do clã. O
sorriso deslizou lentamente do seu rosto, e um calafrio deslizou pela minha
espinha. — Um Lilin nasceu.
Todos os Guardiões olhavam para ele como se ele tivesse baixado as calças
e feito uma dancinha. Fiquei sem palavras, minha mente reproduzindo
rapidamente o que Roth havia dito. Não poderia ter ouvido bem. Não havia como
um Lilin – a raça de demônios que poderia tirar almas com apenas um toque –
pudesse ter sido criado. Era tão vil que tirava as almas, não só matavam o humano
ou Guardião em questão, mas os transformavam em espectros vingativos, espíritos
engajados numa causa – a destruição. Os Guardiões foram criados para remover
Lilin da terra durante esses tempos de Eva e da maldita maçã.
— Isso é impossível — grunhiu Zayne. — Que tipo de merda pretende com
isto?
Roth desviou o olhar para ele, a expressão de uma máscara firme. — Eu
não fiz nada e confie em mim, existem mais interessantes mentiras para dizer.
— Isso não pode ser verdade — disse Abbott, cruzando os braços enormes
sobre o peito largo. — Nós sabemos o que é preciso para criar um Lilin e essas
coisas não aconteceram. Para não falar que Paimon foi preso antes de completar o
ritual.

6 Ocre não é dourado nem amarelo, é ocre. É uma cor, variação do marrom.
— Um demônio tentando mentir para nós? — Dez zombou, enquanto uma
brisa fria arrepiava meu cabelo. — Que surpresa.
Perversidade, do tipo que derrubaria toda a cidade, acendeu-se nos olhos
do Roth. Abriu a boca, mas deu um passo a frente. — Como isso é possível? Você
– sabemos que não é.
Roth continuou com o olhar fixo em Zayne. — É.
— Como você sabe? — Eu exigi.
Um Guardião bufou e murmurou: — Não posso esperar para ouvir esta
história.
Seus lábios estavam curvados em um lado. — Como todos vocês devem
saber, se leram o manual de quando a merda atinge o ventilador, existem quatro
correntes que seguram Lilith no Inferno.
Assenti. Eu sabia que Lilith, minha mãe distante, estava acorrentada no
inferno, mas não vejo como isso tinha algo a ver com isto.
— Duas quebraram quando Paimon tentou realizar o ritual, deixando
apenas duas correntes intactas — continuou. — Uma terceira...
— Espera. — Abbott levantou a mão. — Como exatamente quebrou duas
das correntes? Paimon foi preso, e a inocência de Layla – a chave para o ritual –
permanece. Portanto, isso não pode ser verdade.
Oh meu Deus...
Mais uma vez, toda a questão da inocência. Engoli um gemido quando
fechei a minha mão ao redor do colar. O ritual para fazer surgir um Lilin implicava
que várias coisas precisavam acontecer. O sangue de Lilith deveria ser derramado,
aquele que estava dentro do anel que eu ainda carregava ao redor do pescoço. Meu
sangue precisava ser extraído, e isso também aconteceu, mas as duas últimas
coisas eram as mais importantes.
Eu teria que ter tomado uma alma e teria que perder a minha inocência,
como no sentido bíblico. Só Zayne e Roth sabiam que eu havia tomado uma alma,
e Abbot nunca poderia saber disso, ou me mataria. A outra parte? Ainda era
virgem, então eu não podia...
— Paimon completara as partes relativas ao sangue — Roth disse, seguindo
a direção dos meus pensamentos. Não olhei enquanto falava, mas havia uma borda
afiada em suas palavras. Formaram-se nós no estômago. — Ela foi cortada. Vi isso.
Como no mundo ele havia visto a pequena picada durante a luta estava
além mim. — Sim. Paimon extraiu o meu sangue e o derramou, mas... — aquela
noite voltou para mim de repente. Após Roth e Paimon serem presos e enviados
para os abismos de fogo, o solo onde eles estiveram foi queimado e apareceu um
buraco no chão, exatamente onde eu estive amarrada.
Abbot franziu as sobrancelhas. Abriu a boca e depois se virou, dando-me
um olhar penetrante. Encolhi-me com o seu ar de acusação. Sabia sobre Petr? Que
tomara a alma do Guardião em defesa própria? Já podia sentir a corda rodeando
meu pescoço. Zayne se aproximou mais de mim, e o ar me escapou dos pulmões.
— Sua inocência — disse Abbot, a voz enganosamente calma, baixa. —
Afirmou que ainda era inocente, Layla.
Afirmei? — Não menti para você.
— Como as correntes se quebraram então? — Ele exigiu.
— Agora acredita em nós — disse Cayman, sacudindo a cabeça. — Com que
velocidade duvida de Layla.
Apesar de essa observação parecer precisa, ignorei o administrador infernal
enquanto o meu olhar passava entre os demônios e os Guardiões. Nicolai desviou
o olhar quando meus olhos encontraram os dele. Dez e Maddox me olharam com
um olhar de quem começa a compreender. Nem podia olhar para Zayne para ver
se ele também tirava conclusões precipitadas.
A única coisa boa que vi neste momento era que ninguém achava que havia
tomado uma alma. Em vez disso, eles acreditavam que abaixei a minha calcinha.
Apertei os lábios. Hesitei entre negar o que eles estavam pensando, revelar o que
havia feito, ou calar a boca.
Zayne deixou escapar um suspiro profundo. — Layla nos disse que ela é...
Bem, vocês sabem o que ela disse. Não temos qualquer razão para duvidar dela,
mas temos todas as razões para não confiar neles.
O alívio que senti desapareceu quando Roth arqueou uma sobrancelha. —
Tendo em conta que salvei você da armadilha e tomei o seu lugar, eu gostaria de
pensar que você teria um pouco mais de fé em mim.
Fechei os olhos. Esta conversa estava prestes a desandar rapidamente e
ficar feia.
— E te agradeço por isso — Zayne disse em um tom afiado. — Mas isso não
muda quem você é ou o fato de que Layla ainda é...
O calor inundou minhas bochechas. — Ok. Parem. Todos vocês. Essa fofoca
sobre minha virgindade não é algo com o que queira prosseguir.
— Somos dois então — murmurou Dez.
— Mas eu ainda tinha um hímen da última vez que verifiquei, e isso significa
que sou virgem. — Minhas mãos formaram punhos ineficazes enquanto as
sobrancelhas de Roth subiam na testa. — Então, podemos não falar mais disto?
— Então, se o que diz é verdade, o demônio está mentindo — Abbot cuspiu.
— O demônio? — Bufou Roth. — É sua Alteza para você.
— Ok — Cayman deslizou para frente, levantando a mão em sinal de
rendição fingida enquanto o guardião mostrava os dentes em aviso. — Ninguém
está mentindo – não o nosso príncipe ou a nossa pequena, bonita e virginal Layla.
Olhei feio para ele.
Ele sorriu. — Como sempre, o texto em que o ritual foi escrito não entra em
detalhes explicando como ou o que é necessário para que Layla perca a sua
inocência.
— Gostaria que este assunto acabasse — murmurei, esfregando a minha
testa. Estava começando a ter uma dor de cabeça. — Não é como se você pudesse
perder a sua inocência ou acidentalmente trocá-la de lugar e esquecer.
Abbot estreitou os olhos.
— Bom ponto. — Cayman colocou as mãos nos bolsos da calça jeans
enquanto balançava nas solas de suas botas, e pelo brilho em sua expressão, tive
a horrível sensação que havia me encurralado em um canto. — A perda da
inocência se refere ao pecado carnal e não que tenha de fazer o ato para
experimentar o prazer do pecado. Certo?
O sangue foi drenado do meu rosto enquanto a minha boca se abria. Ah, eu
experimentara prazer com Roth. Esse sangue voltou rapidamente para o meu rosto
quando as horas antes de seguirmos até à Chave inferior veio em meus
pensamentos. Roth e eu... não fizemos isso, mas fizemos outras coisas. Bom, ele
fizera coisas com a mão que eu só tinha – oh Deus, eu realmente precisava parar
de pensar nisso agora.
Os cílios incrivelmente longos de Roth se fecharam quando o que Cayman
disse mergulhou nas mentes e na imaginação de todos os presentes. Um por um,
olharam para mim... Como se tivesse assassinado um berçário, e então me
banhado alegremente no sangue dos bebês.
— O quê? — Disse, mudando meu peso de um pé para o outro. Olhei para
Zayne. Um músculo palpitava em seu maxilar.
Cayman inclinou seu queixo. — Em outras palavras, tudo o que ela
precisava fazer era ter um orgasmo.
— Oh, meu Deus — gemi, colocando as mãos no rosto ardente. Eu preferiria
estar de volta no beco, pronto para ser cortada e picada pelo Guardião, do que aqui.
— E o mais provável é que não seja ela a responsável por isso — adicionou
Cayman. — Além disso, esta é a única explicação.
Alguém me mate agora.
Zayne amaldiçoou em voz baixa e ouvi a palavra puta sussurrada por
alguém nas galerias, atrás de mim, mas não podia ter a certeza porque ninguém
reagiu com o murmúrio baixo. Não havia necessidade de ser um gênio para alguém
descobrir que havia experimentado o pecado do prazer. Não era como se tivesse
muitas opções, considerando tudo a respeito de ficar muito perto de qualquer
pessoa com uma alma.
— Bem... — Roth alongou a palavra. — Isso é desconfortável.
Lentamente, baixei as minhas mãos. — Você acha?
Não me olhou. — Então, agora que temos tudo sob controle...
— Mas e quanto a tomar uma alma? — Nicolai exigiu.
O cabelo ficou em pé na minha nuca. A mudança de tema devia ter me dado
o desejo de dançar, mas demônios, ficou apenas pior.
Roth deu de ombros. — A Chave Inferior é um texto antigo, lembra? Isso
significa que não é o mais fácil de interpretar do mundo. Claramente, todos
entendem algo errado ao lê-lo, apesar da minha inteligência superior. Você tem a
Chave Inferior. Veja se pode descobrir isso.
Os Guardiões aparentemente acreditaram nisso, no momento, mas Abbot
atirou-me um olhar que disse que falaríamos mais tarde, e não era uma conversa
que ansiaria muito.
— Mas voltando ao assunto em questão – três correntes foram quebradas,
o que significa que há um Lilin.
Isso outra vez. — Espere — disse, respirando profundamente. — Não sabia
que se as correntes se partissem, um Lilin era criado. — Preocupação revolveu meu
interior quando olhei em direção a Abbot, Zayne e então para Roth. — Ninguém...
Ninguém me disse isso. Apenas disseram que caso o Lilin nascesse, o mundo
estaria muito ocupado juntando seus pedados para se preocupar com Lilith.
— Não era preciso te dizer — Abbott disse com uma voz entrecortada.
Uma emoção quente e feia substituiu a minha ansiedade quando me virei
para o homem que uma vez foi considerado o mais parecido com um pai que
conheci. Estava tão cansada das mentiras – sobre o fato de que Lilith era a minha
mãe, que Elijah, um Guardião que agiu como se detestasse a minha simples
presença era, na verdade, o meu pai. Abbot escondeu tudo isso de mim. — Sério?
Considerando quem ela é para mim, como não era necessário?
— Bom ponto — reconheceu Roth.
— Você também não me disse — disse acentuadamente. Seus lábios
formavam uma linha dura, e olhei intensamente para que me encarasse, para
explicar porque havia mantido o importante detalhe para ele. Quando não o fez, a
apreensão estabeleceu-se profundamente dentro de mim. — E se a quarta corrente
for quebrada, Lilith será liberada?
O terceiro demônio, que estivera em silêncio até este ponto, abanou a
cabeça. — Lilith não será libertada. O Chefe a tem fechada agora, e estou bastante
certo que o inferno congelaria antes que ela escapasse — riu de si mesmo, e levantei
uma sobrancelha.
Os ombros de Abbott subiram. — Embora Lilith ainda esteja no cativeiro,
se houver um Lilin, temos um grande problema em nossas mãos.
— Neste momento, deve só haver um, porque se houvesse mais, todos
saberiam. Teria uma superpopulação de espectros. Mas mesmo um Lilin pode
converter esta cidade em seu pátio de jogos pessoais para absorver as almas —
disse Roth. — Eles podem levar uma alma com o simples toque de sua mão, ou
pode brincar com as pessoas – apagando quem eles são lentamente, mudando
completamente seu código moral interno. O Lilin pode converter um Guardião caso
coloque as mãos em um.
Oh, isso seria ruim. Muito ruim.
— E eles são os únicos que podem controlar os espectros — disse Cayman.
— Se tomar uma alma completamente, a coisa vingativa criada responderá
apenas ao Lilin. É como... Duplamente ferrado.
Espectros era no que se tornava toda criatura que uma vez teve uma alma
e depois a perdeu. Eles não iam para o inferno. Tornavam-se rapidamente
perigosos e eram poderosos, capazes de interagir com os humanos em um nível
não tão amigável. Às vezes, os alvos eram as pessoas que conheceram quando
estavam vivos. Outras vezes não discriminavam, iam atrás de qualquer um que
atravessasse o caminho deles.
— Sabe, com as regras e tudo, os Alfas – seus grandes caras maus no céu
grande e mau – não ficarão felizes. — Roth cruzou os braços em seu peito. — Então
preciso encontrar o Lilin até os Alfas decidirem que devem interferir. Do contrário,
tudo estará em risco, incluindo os Guardiões.
Alfas eram aqueles que estavam no comando. Anjos. Minha bunda meio
demoníaca obviamente nunca viu um. — Por que os Guardiões estariam em risco?
— Perguntei; confusa.
Foi Cayman que respondeu: — Os Alfas não são grandes fãs dos Guardiões,
apesar de os terem criado. Certo, intrépido líder? — Quando Abbott não respondeu,
o administrador infernal sorriu. — Os Alfas verão a existência de um Lilin como
um sinal da incapacidade dos Guardiões de lidar com as coisas, tornando-os
inúteis. Os torturando como castigo, juntamente com o resto de nós.
Oh meu Deus, os Alfas eram duros.
— Então, nós temos que trabalhar juntos — disse Roth.
Maddox riu de maneira desagradável. — Trabalhar com demônios. Estão
usando crack?
— Como disse anteriormente, o Chefe desaprova o uso de drogas enquanto
trabalhamos — a expressão de Roth ficou inexpressiva. — E todos têm que superar
sua intolerância. Estão em uma cidade que tem mais de meio milhão de pessoas,
e isso sem contar com os subúrbios. O tipo de dano que até mesmo um Lilin pode
causar é astronômico.
— Então, voltamos onde estávamos há dois meses? — Disse Zayne. —
Exceto que em vez de um demônio apaixonado, temos um Lilin – um Lilin que pode
querer tirar a alma de um ser humano.
— Espera. — Maddox finalmente se virou, afastando os olhos dos demônios.
— Se o ritual teve sucesso em renascer um Lilin, então não seria Layla, na verdade,
a mãe? O demônio nasceu do sangue dela.
— Ei — engoli o sabor repentino de sangue. — Não estou me referindo ao
Lilin como meu filho. Então nenhum de vocês tente colocar isso em mim.
— O Lilin nasceu do sangue de Lilith, também, então... — Roth suspirou,
sacudindo a cabeça. — Não importa, você repele o divino.
Maddox rosnou. — Desculpa?
Ele ignorou o Guardião.
— Só o que você necessita saber é que precisa conter – um Lilin ou algo
semelhante — murmurou Abbott mais para si mesmo e fiz uma carranca. Que
demônios significa isso? Ele balançou a cabeça. — Devemos encontrar e parar este
Lilin.
— Temos certeza que Lilith não pode ser liberada? — Perguntei; ainda
insegura de como me sentia com minha mãe presa ao inferno.
— O Chefe não a deixará passar — Roth observou Abbott, sorrindo
firmemente.
A tensão era palpável entre eles, e o instinto me dizia que era mais profundo
do que o fato de serem inimigos. — A coisa é, não sabemos muito do Lilin.
Senti-me como se precisasse sentar. — Não sabe?
— Não, mas pode haver informações na Chave Inferior, mas... — Roth
inclinou a cabeça em direção a Abbot. —... Você tem a Chave Inferior.
— E estará segura com a gente. — Ele respondeu.
— Segurança é subjetiva — murmurou Roth.
— Já sabíamos que a Chave Inferior falava sobre o Lilin — Nicolai disse.
— Você se importa de compartilhar? — Sorriu Roth. — Porque compartilhar
é divertido.
Abbot mudou seu peso. — Não há nada de novo. Apenas vagas referências
ao tempo em que dominaram a terra. Nada que já não saibamos. Isto é sério —
Abbot disse depois de alguns momentos. — Sério o suficiente para que nós não
dificultemos a sua pesquisa sobre o assunto.
O que significava que os Guardiões não irão atrás de Roth e sua equipe, o
que era ótimo. Maddox e os outros Guardiões ficaram perturbados com isso, mas
Abbott os silenciou com um gesto da mão.
— Como o líder do clã de Washington, esta é minha decisão — disse ele,
jogando um olhar feroz para todos. — A possibilidade de que exista um Lilin na
superfície não é algo que possamos permitir. — Ele virou aquele olhar mortal para
os demônios. — Mas se começar a sequer suspeitar que seja algum tipo de truque,
eu caçarei pessoalmente cada um de vocês.
Roth deu de ombros. — Tudo o que precisamos é que todos fiquem alertas
enquanto estiver em sua... Caça.
— Não acredito em forjar um acordo com demônios — disse Maddox, dando
vários passos para trás.
Nem eu podia acreditar, mas um Lilin era um assunto importante.
— É como é — disse Abbott, puxando uma respiração profunda e forte. —
Vamos permanecer alertas para qualquer relatório suspeito. Nossos contatos
dentro dos departamentos de polícia e hospitais devem ser úteis neste caso.
Cayman assentiu com a cabeça em concordância, e o fato de que todos
estavam tendo uma conversa bastante civilizada era monumental. — Também
vamos manter nossos ouvidos no chão. É mais provável que um Lilin saia em busca
de outros demônios. Vocês sabem, para se relacionar e fazer amigos. Com sorte,
haverá um em quem confie.
— Bom — disse Abbott. — Mas, agora, fora da minha propriedade.
Uma nuvem difusa de ar insuflado saiu dos meus lábios quando meu
estômago se apertou. Ele não poderia ir ainda. De maneira nenhuma. Dei um passo
à frente, ignorando os olhos penetrantes dos Guardiões. Não me importava.
Poderiam se agarrar nos seus ideais fanáticos e colocá-los em...
— Nós vamos, mas... — Roth finalmente se virou para mim. Nossos olhos
colidiram, e foi como um golpe no peito. — Nós precisamos conversar.
Quase me jogo em cima de Roth nesse momento e o abraço, mas um
rosnado baixo retumbou atrás de mim. No início, pensei que fosse a resposta de
Abbot, mas quando me dei conta de que vinha de Zayne, não pude me mover.
Roth inclinou a cabeça para o lado, olhando para mim com um sorriso
petulante nos lábios. — Você está... Realmente rosnando para mim, Stony7?
— Estou a ponto de fazer bem mais que rosnar.
Ele riu entredentes. — Que mal-agradecido.
Virei-me para Zayne e meu coração pulou para a garganta, parando tudo o
que ia dizer. Ele olhava para Roth de uma forma que não entendi, não depois de
tudo que Roth fizera por ele, como se... Balancei a cabeça.
— Ok! — Interrompeu Abbot, deixando-me surpresa. — Deixe que
conversem.
Espera. O que? Ele estava de acordo com o que Roth falara? A calma de
Abbot me perturbava. Meu coração deu outro pulo.
Zayne abriu a boca e logo a fechou. Nossos olhares se encontraram por um
momento e ele assentiu com rispidez, resignado. — Vou esperar por você.

7 Stony = Pedregoso. Apelido que o Roth dá para o Zayne


Queria dizer que não era necessário, mas fiquei tão surpresa com o que
disse que fiquei sem palavras. Respirei fundo e me virei para Roth.
— Vamos caminhar? — Sugeriu
Havia uma frieza em suas palavras que me deixou inquieta. Disse a mim
mesma que era somente porque estávamos rodeados por tantos Guardiões, mas
meus joelhos tremiam enquanto caminhava ao seu lado. Seu cheiro único invadiu
meus sentidos, fazendo-me suar apesar do vento frio. Ele virou quando o alcancei
e seguiu pelo caminho que Zayne e eu fazíamos durante os muitos anos que íamos
à casa da árvore, perto dos bosques.
Minha nuca formigou, olhei por cima do meu ombro e soltei um pequeno
suspiro. Os Guardiões estavam montando guarda na frente do complexo, mas não
vi Abbot. Zayne estava sentado na parte de baixo de uma enorme escadaria,
apoiado em uma das grandes colunas de mármore branco. Cayman e o outro
demônio se foram. Era óbvio que não temiam pela segurança de Roth. Ou não se
importavam.
Levantei a cabeça e fiquei sem ar ao ver o rosto de Roth. Um grande alívio
me inundou ao novamente ficar impressionada com o fato de que ele estava vivo e
aqui.
Tantas coisas ressurgiram no momento em que passamos pelo muro de
contenção de pedras que rodeava o gramado bem cuidado e os ramos grossos e
nus que se agitavam como ossos secos na brisa. Mas eu não podia falar. Minha
garganta estava fechada.
Os pensamentos coerentes se apagaram, e me vi andando junto a ele. Roth
deteve-se a meio passo enquanto eu fazia o que quis fazer desde que ele apareceu
esta noite. Lancei-me a ele, igual a um mini foguete.
Roth cambaleou enquanto meus braços rodeavam seu pescoço. No
momento em que meu corpo entrou em contato com o dele, meu peito se
comprimiu. Fechei os olhos contra a corrente violenta de emoções. Todas se
misturavam – alívio e medo, desespero e certeza, um desejo profundo que me dava
forças todos os dias para lutar, e a ansiedade – que não faziam sentido, e eu não
entendia como me sentia.
Quando me encostei a seu peito, pude sentir seu coração bater rápido, e
então eu me dei conta de que seus braços estavam abaixados. Uma nuvem de
nervosismo passou por mim enquanto levantava a cabeça, buscando seus olhos na
escuridão, mas estavam fechados e os grossos cílios tremiam nas pontas de suas
bochechas. Seu rosto estava pálido nos leves traços de luz da Lua aparecendo
através dos ramos, seus lábios em uma linha tensa.
Outro calafrio de apreensão passou por minha pele. Quando comecei a
ceder, para falar sobre o grande temor crescendo como uma erva daninha na boca
do meu estômago, seus braços finalmente – finalmente – me rodearam. Puxou-me
fortemente para ele, nossos corpos pressionados de uma maneira que me lembrei
da noite em que encontramos a Chave Inferior. Meu estômago estremeceu quando
suas mãos passaram por minhas costas, fazendo-me arrepiar. Bambi seguiu com
a carícia, como se quisesse se aproximar de seu verdadeiro dono.
Havia tanto calor no abraço que afastava as sombras. Fechei os olhos e o
absorvi. Não sabia o que significava o seu retorno, o que significava para nós, mas
não importava nesse momento.
Ele encostou a cabeça na minha e murmurou algo em uma voz profunda e
gutural que sabia que não pertencia a nenhum idioma conhecido.
— Está ferida. — ele disse, com voz áspera.
Tudo o que pude fazer foi balançar a cabeça enquanto apertava as mãos na
parte detrás de sua camisa. Sentia um conflito de emoções. Algumas delas minhas,
mas havia também uma pequena parte que eu não podia entender.
Deslizou uma mão pelo meu braço. Quando seus dedos deslizaram a manga
do meu casaco, mordi o lábio. — Seu braço — disse, conseguindo colocar seus
dedos embaixo do meu cotovelo, — Como aconteceu?
— Foi um Guardião — disse, esfregando a bochecha contra seu peito como
um gato satisfeito, pronto para uma sesta. Um suspiro me escapou. — Ele disse
que eu cheirava como um demônio.
Roth se afastou e inclinou o queixo para baixo. Suas sobrancelhas escuras
franziram. — Um Guardião fez isso? Com ferro?
Assenti, mas não queria falar disso. — Roth...
— O que aconteceu com Bambi? — Perguntou, tirando a mão de meu cabelo
— Devia te proteger.
— Bambi está bem. — Forcei um sorriso, mas a feição dele não se suavizou.
— Comeu o Guardião.
Suas sobrancelhas ergueram-se. — Bom...
— Sim. — Arrastei a palavra lentamente. Sabia que deveria lhe perguntar
por que do nada os Guardiões me sentiam como um demônio de Nível Superior,
mas isso não estava em minha lista de prioridades. — Não sei por onde começar.
Como pode estar aqui?
Os olhos dourados de Roth encontraram os meus por um momento e logo
se desviaram. Senti a perda de calor imediatamente. — Bom, há essas coisas
chamadas portais e eu atravessei...
— Não é isso que eu quis dizer. — Antigamente, suas respostas irônicas me
irritavam até meu último nervo, mas agora era um alívio estar irritada com ele. —
Estava na armadilha do diabo com Paimon. Estava no abismo.
— Sim. — Cruzou os braços e deu outro passo para longe de mim. — Não
foi divertido, caso queira saber.
Estremeci. — Não achei mesmo que tivesse sido, mas não entendo. Os
abismos são permanentes.
Levantou um ombro com graça. — São, mas eu sou o favorito do Chefe e fiz
o que ele quis – detive a criação de Lilin. Ou pelo menos achei que havia feito.
— Então te deixaram sair por boa conduta?
— Após um dia ou dois. O Chefe não tinha pressa. Não é nenhuma
surpresa.
Meu coração apertou. — Mas os abismos tinham que ser... — minha voz
falhou enquanto negava com a cabeça.
— Não foram férias, pequena. Imagina sua pele sendo arrancada e
queimada por um período de quarenta e oito horas. — Ele encolheu os ombros,
como se não fosse grande coisa ser praticamente queimado vivo, e passou a mão
pelo cabelo. — Mas podia ter sido pior. O idiota do Paimon ainda está lá.
Significava que Roth ainda poderia estar lá. Dois dias eram o inferno,
literalmente, mas se saíra tão rápido... — Onde estava?
Seus olhos se desviaram para os ramos nus. — Por aí.
— Por aí? — A palavra soou incrédula.
— Aqui e ali, em cima e embaixo. — Um dos lados de seu lábio se contorceu,
mas faltava sinceridade. — Passando o tempo.
Olhei para ele. — Por que não veio me ver? — Essa pergunta saiu como o
grito de cada namorada enfurecida por aí, mas o problema era que – eu não era a
namorada dele.
Roth arqueou uma sobrancelha e abriu a boca, mas não disse nada. Estendi
a mão para tocá-lo, mas ele se afastou. O desconforto e a frieza de antes voltaram.
— Fiquei muito preocupada. — disse, levando uma mão ao peito. — Senti
sua falta. Chorei por você. Mas esperava que estivesse bem. Isso... — Tirei o cordão.
A pedra rachada era uma declaração triste. — Encontrei isso em seu apartamento,
no telhado. Você o colocou lá? Depois de sair do abismo. Você...
— Sim, coloquei. E daí?
— E daí? — Sussurrei; sentindo-me quase tão vazia quanto um eco. — Por
que fez isso e não veio me ver?
Ele não disse nada.
Frio correu por minhas veias. — Você sabia que eu estava mal? Senti-me
perdida sem...
— Não estava perdida sem mim. — Interrompeu, com os olhos fixos em mim
outra vez. — Tinha o Zayne.
— Sim, mas isso não é...
— Tinha-o. — Repetiu, em meio a uma respiração profunda. — Por que acha
que tomei o lugar dele naquela armadilha? Assim poderia estar com ele.
Talvez eu estivesse mais lenta que o normal, mas não entendia o que ele
queria dizer. — Sei o que fez por mim e nunca poderei expressar quão
verdadeiramente grata sou por isso, mas não queria te perder. Nunca quis. — As
palavras continuaram saindo no pior dos casos de diarreia verbal conhecida pela
humanidade, anjos ou demônios. — Não sei o que tínhamos, mas tínhamos algo -
algo que significava muito para mim.
Ele ficou olhando para mim por um momento e uma grande variedade de
emoções apareceu em seu impressionante rosto antes de negar com a cabeça. —
Você passou por muita coisa ultimamente. Sei que está chateada, mas como disse,
não precisa de mim.
Frustração ardia como ácido em meu sangue. — Roth, eu...
— Não diga nada. — Ele levantou uma mão. — Não diga nada.
— Nem sequer sabe o que eu ia dizer! — Inferno, nem eu mesma sabia o
que ia sair da minha boca.
— Não quero saber. — Roth passou os dedos pelo cabelo de uma maneira
desigual e rápida. — É por isso que precisávamos conversar. Eu voltei. Estarei
perto por causa de Lilin, mas essa é a única razão pela qual estou aqui. Entende o
que estou dizendo?
Uma parte do meu cérebro entendia totalmente o que ele dizia, mas meu
coração era outra história. Suas palavras não faziam sentido para meu coração. As
coisas não se encaixavam. — Não. Não entendo.
Seus cílios abaixaram enquanto murmurava uma maldição. — Veja,
quando estive com você, foi... — deu uma pequena sacudida de cabeça e logo
pareceu forçar o resto a sair. — Foi divertido, pequena.
— Divertido? — Repeti em silêncio.
Ele assentiu com rigidez. — E isso é tudo. Foi somente diversão.
Afastei-me como se tivesse levado um tapa na cara. — Não foi somente
diversão para mim.
— Lógico que não foi. — Roth virou, parecendo inspecionar o tronco de uma
árvore como se isso tivesse as respostas da vida. — Não tinha experiência em nada
disso. Nem sequer havia beijado alguém antes. Era natural que nascessem
sentimentos.
Uma pequena dor correu em meu peito. — Mas não é natural para você?
— Não. De modo algum. Por várias razões. Muitas delas entediantes, mas
lógicas. Sou o Príncipe Herdeiro do Inferno, não sou como seu Stony.
— Não é apenas o próximo Príncipe Herdeiro! É mais que isso. Então, não
vamos começar com essa merda de novo. — Roth nunca se viu como algo a mais
do que as outras centenas de príncipes que vieram antes dele. Ele era inclusive um
pouco inseguro, e eu queria ser mais cuidadosa com esse sentimento, mas estava
perdendo o controle; a ira e a dor aumentaram o desespero. Levantei o anel. — Isso
demonstra que era algo mais que diversão para você. Consertou o cordão e o deixou
lá para que eu o encontrasse.
— E isso demonstra algo? — Perguntou com voz baixa.
— Sim! — O frio do metal formigava em minha mão. — Por que faria isso se
não se importasse?
Seus ombros enrijeceram. — Não disse que não me importava, pequena.
— Então, diabos, o que está dizendo?
— Estou dizendo que o que fizemos não acontecerá novamente. É isso que
estou dizendo.
Tentei inspirar, mas não conseguia. — Mas o cordão...
Virou tão rápido que tropecei para trás. Havia algo sombrio em seu rosto, a
forma como sua pele moldava seus ossos. — Por que importa, Layla? É somente
um cordão estúpido.
— Isso é mentira! Sabia o quanto esse cordão significava para mim. — Era
a única coisa que me unia a minha mãe – e a quem eu era de verdade, e ele sabia.
— Não importa. — Ele se aproximou, e precisei me esforçar para não me
afastar. Suas pupilas começaram a se expandir. — Não estou interessado em
reacender um romance sem sentido. Isso descreve o suficientemente bem para
você? Entendeu agora? Sou um demônio, Layla. Um de sangue puro que não se
envergonha do que minha raça faz. E você é somente um meio demônio. Quer ser
como seus preciosos Guardiões e Stony? Estar em minha presença deve te encher
de nojo. Por que está aqui, e comigo?
A dor se estendeu em meu peito, chegando aos meus ossos. — Então, isso
foi um jogo para você? Não acredito! — Estendi minha mão trêmula ao redor do
anel. — Quer que eu acredite que você não é nada mais do que um demônio, mas
a forma que me beijou, o que me disse antes de ser levado para essa armadilha,
demonstra o contrário.
— Você é tão ingênua. Um beijo? Umas poucas palavras sentimentais ditas
antes, quando pensei que passaria a eternidade sendo torturado? Não pode me
julgar por um lapso temporário, Layla. O que sou é o que importa. — Ele
encontrava-se a um centímetro de mim, suas mãos fechadas em punho ao lado de
seu corpo. — Sou o Príncipe Herdeiro, queira aceitar ou não.
— Isso não significa nada. — Gritei, apertando o anel – a prova de que havia
algo nele. A evidência de que tinha uma consciência... E um coração. — Está
mentindo e deve haver uma razão.
Virou a cabeça, passando as mãos pelo cabelo outra vez. — Sabe o que sou.
Eu disse para você. Cobiço coisas preciosas. Gosto de possuir coisas que não me
pertencem. — Então, ele me olhou e sorriu. O frio dele enviou calafrios para minha
pele. — Jura que pensou que você importava para mim? Não foi isso. Eu te
desejava, Layla. Você foi um passatempo. Só isso.
Cambaleei para trás, como se pudesse deter o significado de suas palavras,
para que não me machucassem, mas não havia nada que pudesse detê-las. Em
um momento dei-me conta do que já devia saber. Todo esse tempo, eu devia saber
bem. Depois de tudo, ele tinha razão. Não tinha experiência com essas coisas – com
homens e relacionamentos. Se eu... Se eu significasse algo para ele, teria vindo me
ver antes: porque se fosse eu, teria ido vê-lo logo.
E isso era simplesmente triste.
— Realmente não sei o que eu estava pensando. Geralmente, não fico com
virgens. São tão perturbadas. Alguém como sua colega de classe, Eva, é muito mais
divertida e especialista nesses assuntos. Você não é como ela. — Suspirou,
encolhendo os ombros casualmente, mas um músculo marcava sua mandíbula. —
Como disse, sabia que se apaixonaria, pequena. Foi minha culpa.
Empalideci. Sua ternura parecia desnecessariamente cruel, combinado com
o que estava dizendo. — Não me chame assim.
— Como quiser. — Roth afastou-se. Sua coluna estava rígida de um jeito
anormal. — Bambi ficará com você.
Pisquei para conter as lágrimas, não as querendo deixar cair. — Eu não...
— Não me importa se não é o que quer. Ela fica com você.
Fiquei olhando suas costas, sentindo-me sufocar de dentro para fora. —
Você é um filho da puta.
Olhou-me por cima do ombro, sua expressão severa na luz da Lua. —
Adeus, Layla.
E então se foi.
Não me lembrava de muito como voltei para casa. Havia uma dor em meu
peito que competia com o que senti quando vi Roth na armadilha do diabo. Sentia
frio e calor ao mesmo tempo, o que fazia minhas entranhas queimarem, ao mesmo
tempo em que as congelava. Um nó se formou no fundo de minha garganta e a
umidade em meus olhos aumentava a cada passo que dava.
O que Roth disse causou bem mais que uma dor, e o terrível peso da pressão
que se estabeleceu em meu peito avisava que ele havia quebrado algo ali dentro,
ainda que ele não soubesse que meus sentimentos eram profundos.
Geralmente não fico com virgens.
Deus, eu era mesmo tão burra para me enganar tanto com ele? Sentia
minhas bochechas arderem enquanto recordava suas palavras. Cada uma foi cruel,
com a intenção de arrancar pedaços, e conseguiu. Minhas mãos tremiam enquanto
as cruzava no peito, ignorando a dor dos meus pontos. Mas o abraço... A maneira
que me envolveu. Será que significou algo para ele? Não podia aceitar isso tão
facilmente. Ou fato daquelas palavras torturadas lançadas para mim antes de ser
levado pela armadilha – palavras nas quais me agarrei – parecerem tão sinceras.
Mas talvez eu fosse muito ingênua. Apaixonada? Ele estava certo. Eu me apaixonei.
E veja só.
Debaixo da dor, um tipo diferente de angústia se formou no fundo de minha
garganta, uma forte sede se estabeleceu. Podia sentir em cada célula, inclusive na
ponta de meus dentes. A necessidade de me alimentar cresceu rapidamente.
Minhas emoções se esvaíram, aumentando ainda mais o desejo proibido.
Limpei as bochechas com fúria ao mesmo tempo em que cheguei à entrada.
Os Guardiões vagavam ao redor da entrada, em suas formas verdadeiras, com as
asas escondidas nas costas, mas nenhum deles me deu atenção quando passei
apressada ao lado deles. Não pude ver suas almas, mas saboreei a pureza na ponta
da minha língua. Por um momento, imaginei como seria sentir esse calor
escorregando pela minha garganta, aliviando a frieza e a dor que Roth deixara. Não
seria difícil. Eles não confiavam em mim, mas também não esperavam que os
atacasse. E assim que tivesse uma alma ao meu alcance, não poderiam me deter...
Interrompi meu pensamento, assustada ao descobrir que havia parado de
andar. Estava olhando fixamente a cabeça arqueada e loira de Zayne, e minha boca
encheu de água. A necessidade voraz de seguir com a fantasia provocou aflição ao
meu estômago.
Com os cotovelos apoiados nos joelhos, levantou o queixo, e em um segundo
ele estava de pé, as mãos abertas ao lado. — Layla?
— Estou cansada. — Minha voz não saiu como queria. Estava muito tensa,
muito apertada. Não queria estar perto dele, perto de ninguém nesse momento. —
Eu vou... Vou me deitar.
O brilho de sua pele diminuiu quando se virou. Seguiu-me pela porta,
fechando-a silenciosamente. A luz do teto da entrada estava apagada e os pequenos
castiçais da parede emitiam uma suave luz pelo chão. A voz de Jasmine veio
flutuando da sala de estar, e apressei o passo. Cada passo que dava para subir a
escada sugava minha energia. Quando cheguei ao patamar do segundo piso, quis
voltar e parar Zayne do pior modo possível.
Zayne se aproximou lentamente, bloqueando a porta do meu quarto. — Fale
comigo.
Levantei os olhos devagar, e não sei o que viu em minha expressão, mas
estendeu a mão. Dei um passo atrás, evitando seu contato, controlando-me para
não fazer algo do qual nunca me perdoaria. Com o coração batendo com força,
neguei com a cabeça. — Não quero falar.
Inclinou a cabeça para o lado. — Você não está bem.
Contive a respiração.
Sua mandíbula ficou tensa. — Ele te machucou?
— Não. — Me obriguei a expelir, exalando pelo nariz.
— Não disse fisicamente. Ele te machucou...
— Não posso fazer isso agora. Por favor. — Sussurrei, e seus olhos se
abriram em compreensão. — Quero ficar sozinha.
As fossas nasais de Zayne se abriram enquanto dava um passo para o lado.
Seu peito subiu bruscamente. — Precisa de algo?
Meu estômago doía por causa do meu pulso batendo rapidamente. — Suco
de laranja?
Assentiu e rapidamente se moveu pelo salão. Entrei no quarto deixando as
luzes apagadas. Não que precisasse. Passava tanto tempo aqui dentro que podia
andar às cegas. Caminhei até as janelas, desejando poder abri-las para que o ar
fresco da noite entrasse, mas foram fechadas durante minha fase punida pela vida.
Suponho que Abbot pensou que me sairiam asas e voaria para me encontrar com
minha horda de demônios.
Fechando os olhos com força, me dei conta de que era isso o que queria
fazer. Não a parte de sair com uma horda de demônios, mas maldição, a parte de
sair voando. Quase havia mudado mais cedo esta noite. Talvez pudesse fazê-lo de
novo. Uma torrente de formigamento se estendeu por minha pele. A pele ao longo
das minhas costas se expandiu. Abri os olhos, deixando escapar um lento e baixo
suspiro. Quase podia sentir o ar noturno acariciando minha pele. Pergunto-me
quão alto poderia ir, e se me sentiria tão bem quanto tomar uma alma.
Abbot ficaria louco se deixasse o complexo esta noite, e não seria seguro
para mim se fizesse isso. Não que pudesse surgir algum perigo para mim, mas sim
o perigo que eu poderia ser para outras pessoas nesse momento, pessoas
inocentes.
A presença de Zayne preencheu o quarto. Virei-me, e pela primeira vez
desde que perdi a habilidade de ver as auras, fiquei contente de não poder ver a
dele nesse momento. Colocou um copo grande de suco em minha mesa, entre os
cadernos e os papeis. Olhou-me, a preocupação registrada em seu rosto bonito. —
Se precisar de algo me chame, ou mande uma mensagem.
Assenti.
— Promete? — Não se aproximou, mas manteve os olhos fixos nos meus.
— Prometo. — Prometi, engolindo o nó ainda grande em minha garganta.
Às vezes, não, sempre, achava que não o merecia. — Obrigada.
Seus cílios se fecharam rapidamente. — Não me agradeça, Layla-Bug. Não
por isso. — Seus olhos de um azul profundo se fixaram nos meus novamente. —
Você sabe... Sabe que eu faria qualquer coisa por você.
Lágrimas se precipitaram em meus olhos enquanto assentia cegamente.
Seus lábios se curvaram nos cantos, em um pequeno sorriso, e logo saiu do quarto.
Fui até o suco, bebendo-o enquanto agarrava-me ao copo frio. O ácido ardente
aliviou as aflições, e quando baixei o copo, um movimento no canto do meu olho
chamou minha atenção. Virei-me, limpando as mãos úmidas em minha saia de
brim.
As cortinas brancas da janela fechada levantavam-se, arrastando-se
suavemente no ar vazio.
Arqueei as sobrancelhas.
Não havia vento no quarto. O ar condicionado central não estava ligado.
Teria ouvido esse monstro enorme ser ligado, além do mais, estava muito frio para
ligar o ar condicionado.
À medida que caminhava em direção à janela, as cortinas voltaram a descer,
baixando lentamente contra a parede. Muito bem. Isso era estranho. Um calafrio
estranho passou por minhas costas. Muito bem. Era algo descomunal, mas Bambi
ganhou vida, me distraindo enquanto subia por minha perna esquerda. Seu
movimento era uma lembrança dolorosa, mas tinha um propósito diferente agora.
Você foi um passatempo.
Aspirei uma forte lufada de ar enquanto o golpe fazia meus joelhos
tremerem. Afastei-me da janela, abri o zíper do meu casaco e com cuidado o tirei.
Deixei-o cair no chão. Baixei os olhos para meu braço, e estremeci ao ver a mancha
escura debaixo do curativo branco. Que noite terrível.
Mordi o lábio, tirei minha roupa e coloquei as calças de dormir. Antes de
vestir a camiseta de mangas largas, Bambi saiu da minha pele. Na escuridão, ela
não era nada mais que uma sombra enquanto se reconstruía. Em vez de ir caçar,
ou voltar correndo para Roth, como uma mascote esquecida, moveu-se para a
casinha de bonecas que Abbot construiu para mim quando era uma menina.
Fui agressiva com a pobre coisa enquanto era punida e Roth havia sumido.
Há uma semana ela apareceu novamente em meu quarto, o teto e as laterais
arrumadas. Presumi que havia sido Zayne, e não sei por que o fez ou porque estava
aliviada em vê-la. Obviamente, tinha problemas em deixar as coisas irem embora.
Bambi conseguiu enrolar seu um metro e oitenta no topo da casa, sua
cabeça apoiada na cama em miniatura. Parecia... Confortável. E parecia estranho.
Os minutos passaram enquanto olhava o demônio familiar. Um calafrio se
formou em meu peito, substituindo o horrível calor. Por que Roth a deu para mim?
Bambi era família dele, não minha, e parecia ter muito carinho pela serpente. Não
fazia sentido, mas provavelmente nem se importava. Há muito tempo ele admitiu
que havia feito coisas sem nenhum motivo.
E como acabou, eu era somente uma dessas muitas coisas.
Doía muito quando subi na cama, deitada sobre meu braço ileso. Nem
sequer era tarde quando fechei os olhos, mas senti que havia passado uma
eternidade desde esta manhã. Tudo pareceu mudar em um intervalo de poucas
horas.
Eu cheirava como um demônio de Nível Superior. Roth voltou e estava
relativamente bem. Um Lilin havia nascido. Aparentemente, um orgasmo era algo
apocalíptico. E Roth... Nunca se preocupou comigo.
Era somente um trabalho para ele.
E nada mais.

***

Minha cabeça doía como se tivesse passado a noite toda a batendo contra
a parede, o que teria sido mais divertido e frutífero que olhar para o teto, lembrando
tudo o que Roth e eu compartilhamos. Havia buscado um defeito fatal em nossa
relação e isso foi tão produtivo quanto fazer buracos em uma bandeja e tentar
colocar água nela.
Roth era um demônio.
Um demônio macho.
Um demônio macho que gostava de cobiçar coisas bonitas.
E eu era tão inexperiente quanto uma freira, então é claro, dei muito valor
ao que ele disse, na maneira em que olhou para mim, a cada toque e beijo. Pensei
que tudo isso significava algo, e a dor foi forte, como sentir uvas amargas no fundo
da minha boca. Curiosamente, tanto quanto meus olhos e garganta ardiam, e por
todas as lágrimas que se acumularam em meus olhos, essas lágrimas não caíram.
Eu queria que caíssem. Sentia que talvez isso pudesse arrumar a realidade.
Quando chegou o momento de me levantar e ir para a aula, enrolei-me
embaixo do meu pesado e quente edredom. Esperei que viesse alguém e dissesse
para eu sair da cama, mas tudo que ouvi foram as pisadas de Nicolai perto da hora
em que ele me levava à escola. Não abriu a porta para me verificar. Depois de
alguns segundos, ouvi seus passos se afastarem pelo final do corredor.
Fechei os olhos, sem estar certa se eu deveria estar grata por não ser
importante para ninguém, ou se deveria ficar triste por isso. Antes de Roth... Antes
que o clã soubesse dele e de nossa relação, Abbot ou outra pessoa sempre estava
por aqui, tirando-me da cama, ou ao menos se assegurando de que Freddy Krueger
não havia me raptado. E agora? Nada. Mais do que nunca, era uma convidada
permanente em sua casa, uma que durava mais tempo do que era bem-vinda.
Enquanto estava adormecida, meu cérebro vagou em todas as direções. Um
velho plano ressurgiu, um que já não pensava havia muito tempo. Meus olhos
sonolentos desviaram para minha mesa. O copo de suco vazio em cima da pilha de
inscrições da faculdade. Esses papeis quase foram esquecidos e provavelmente era
muito tarde para considerar seriamente me inscrever para o outono seguinte, mas
talvez fosse isso o que faria.
Que vão todos a merda – Lilin, Roth e todos os Guardiões. Podia ir para
uma faculdade bem longe daqui e fingir ser... Fingir ser quem? Alguém normal?
Podia fazer isso. Já fazia isso há muitos anos. Misturar-me entre os humanos e
fazer disso uma lembrança distante. Era uma decisão egoísta, mas não me
importava. Queria ser egoísta e não queria mais estar aqui, nesse corpo ou metida
nesses problemas.
A única coisa boa era que não o veria na escola. Não havia razão alguma
para que Roth regressasse ali.
Em algum momento, voltei a dormir, acordando quando senti a cama
afundar com o inesperado e repentino peso, e senti as cobertas se mexerem.
Desorientada, pisquei para abrir os olhos. Com o coração golpeando meu peito,
olhei por cima de meu ombro.
Dois olhos azuis claro encontraram os meus.
Zayne olhou para mim, momentaneamente oculta por uma mecha de
cabelos loiros. Prendi a respiração enquanto me acomodava ao lado dele, e Z puxou
os cobertores até a cintura. Meu olhar abaixou. Ele usava uma camiseta cinza de
algodão que se esticou em seus ombros quando ele se estendeu sob a coberta para
me encontrar. Com um braço em volta da minha cintura, me apertou contra seu
peito. Cada músculo do meu corpo ficou tenso enquanto ele se acomodava atrás
de mim, enrolando seu corpo ao meu redor com uma facilidade natural que
despertou os meus sentidos. Não havia praticamente nada entre nós, exceto nossas
roupas de dormir, o que não era um escudo para o calor que ele irradiava.
E esse calor... Oh. Infiltrou-se em meus músculos, afrouxando os nós e
todos aqueles pontos doloridos. Em segundos, a rigidez fluiu de minha coluna e
meu rosto voltou ao travesseiro. A cama se transformou em uma nuvem e senti
como se estivesse em um desses comerciais bregas de colchões que Sam e Stacy
sempre tiravam sarro, mas Zayne tinha o poder de transformar um colchão comum
em algo incrível. Fechei meus olhos e deixei meu corpo afundar. Nos momentos
que se seguiram, não pensei em nada, e isso era maravilhoso.
Ele tirou a mão da minha cintura por tempo suficiente para remover os fios
do meu cabelo do rosto e então eu senti sua respiração quente contra minha nuca.
Uma série de tremores dançou por toda minha pele. Um tipo diferente de tensão se
formou na parte inferior do meu estômago enquanto me concentrava em respirar
normalmente, e não como se tivesse tentando subir e descer as escadas.
Havia passado muito, muito tempo desde a última vez que Zayne fez isto –
subir na minha cama para descansar e dormir profundamente. Não desde que
éramos muito jovens, quando compartilhar a cama era inofensivo e inocente, e
ninguém teria ideia errada. Choque passou por mim. Especialmente depois da
noite passada, eu não esperava isso dele. Senti que estive perto de render-me as
necessidades. A verdade é que estava em constante perigo quando ele estava perto
de mim. A qualquer momento poderia me virar e nossas bocas estariam a
centímetros. E seria tão fácil levar sua alma.
— Como está seu braço? — Perguntou
Quando ele falou, sua voz ecoou por mim. Esclareci a garganta e, em
seguida, me contive ao notar o quanto abrasiva soava. — Estou bem.
— Nós devemos olhá-lo mais tarde. — Moveu seu braço e sua mão terminou
sobre minha barriga, logo abaixo do meu umbigo. Assustei-me, mas ele não tirou
ou moveu sua mão.
— Então não foi por esse motivo que não foi à escola?
Engoli um suspiro e abri os olhos. Na mesa de luz, as luzes verdes néon
mostravam que eram 09:01 da manhã. Deveria ir para aula de bio neste momento.
— Não.
— Quer falar sobre isso?
Falar sobre Roth estando deitada na cama com Zayne era a coisa que menos
queria fazer. — Não.
O silêncio caiu entre nós, seu peito subia e descia contra as minhas costas
em um ritmo constante e profundo. Por mais relaxada que eu estivesse, meu corpo
estava hiperconsciente do dele, de cada respiração que tomava e cada pequeno
espasmo muscular. No silêncio, um pensamento horrível passou por mim cabeça.
Ele havia deitado assim com Danika? Não tinha o direito de sentir o ciúme que
invadia meu corpo, mas estava lá e era errado, porque eles poderiam compartilhar
mais do que eu nunca poderia compartilhar com ele.
— Desculpa — ele disse, falando tão lentamente que no início não estava
certa de que ele havia falado.
Fechei os olhos. — Por quê?
Houve outra longa pausa de silêncio e depois disse: — Sei que você está
sofrendo e quero matar o filho da puta por isso.
Meu coração bateu com força. Não havia como esconder nada dele. Zayne
me conhecia melhor do que eu gostaria de admitir. Não sabia o que dizer. Queria
estrangular Roth e chutá-lo na virilha, mas tinha uma suspeita de que Zayne
realmente queria agir de acordo com seus desejos, e como era uma menina, iria
chorar caso Zayne conseguisse matá-lo.
— Ele é um demônio — disse Zayne. — Não importa que tenha momentos
em que faz atos de grande compaixão, porque abaixo disto, é o que é.
Mordi meu lábio. — Mas isso é o que eu sou.
— Não. — Zayne levantou ligeiramente, fazendo sua mão deslizar do meu
estômago até minha cintura. — Você não é apenas um demônio, Layla. Também, é
um Guardião. Não é como se não pudesse ser os dois ao mesmo tempo e...
— E? — Virei de costas e me apoiei em meus cotovelos. Sua mão escorregou
para meu ventre, seus longos dedos atingiam o cós do meu short de dormir. Nossos
olhares se encontram. — E o quê?
Não respondeu imediatamente. Em vez disso, seu olhar desviou para meu
rosto e, em seguida, para baixo, mais abaixo que o decote da minha blusa. O
cobertor havia escorregado abaixo do meu peito. Ele engoliu em seco enquanto
virava para se deitar de lado e sua voz estava mais grave do que o habitual quando
falou: — E por que você não pode ter o melhor dos dois mundos? Sabe, com as
melhores qualidades?
— As melhores qualidades de ambos? — Murmurei. — Está dizendo que
existem boas qualidades nos demônios?
— Em você. — As covinhas em suas bochechas coraram, piscou algumas
vezes, mas o vermelho desvaneceu-se lentamente. — Você é parte demônio. Como
eu disse naquela noite na sorveteria, nós não deveríamos ter feito você odiar essa
parte de você.
Lembro que ele disse isso. Essas palavras se perderam com os outros
acontecimentos naquela noite – Paimon e a armadilha de demônios – mas me
lembrava.
— Cada parte de você é boa – inclusive o lado demônio. — Ele parou. — Eu
vi você naquela noite.
Deitada, tomei uma respiração profunda. — O que você quer dizer?
Ele se inclinou sobre mim, e vários fios de cabelo deslizaram sobre suas
bochechas. — Não é como nós quando você muda, mas tão pouco parece com um
demônio. Você é uma mistura de ambos.
— Então pareço uma aberração?
— Não. — Sua mão se moveu e seus dedos apertaram minha cintura. —
Sua pele era negra e cinza, como mármore salpicado. Era lindo. O melhor de
ambos.
Um calor agradável deslizou pelas minhas bochechas e lutei para não
afastar os olhos da intensidade dos olhos dele. — Você vem dizendo muito isso
ultimamente.
— O que?
— Que sou bonita.
Seus lábios se levantaram nos cantos em um sorrisinho. — Eu tenho dito.
— Precisa que revisem sua cabeça?
Ele revirou os olhos. — De qualquer forma... — seu polegar se movia em
círculos lentos e despreocupados acima da parte inferior do meu estômago. Parecia
estar inconsciente disso, mas então riu suavemente. — Não faço a mínima ideia do
que falávamos.
Sorri. — Nós falávamos sobre o quão incrível eu sou.
— Soa muito bem. — Ele virou para se reclinar, e agora parecia estar mais
perto do que antes. A parte superior de suas pernas estavam pressionadas contra
a parte lateral da minha coxa. E seu polegar ainda traçava círculos invisíveis abaixo
do meu umbigo, criando um ligeiro calor que era familiar.
— Eu estava pensando — disse, finalmente olhando para ele. Seus olhos
estavam fechados, e naquele momento, ele parecia muito mais jovem do que vinte
e um anos.
Houve um momento de silêncio. — Sobre o quê?
— Preencher aqueles formulários para a Universidade e ver se posso entrar
no final das admissões.
Abriu um olho e seu polegar acalmou. Passaram vários segundos. — Isso é
por causa dele?
Abri boca.
— Você sabe que eu sempre a apoiei sobre ir para a faculdade. — Agora
ambos os olhos estavam abertos. — Acho que seria ótimo para você, mas não tome
uma decisão tão grande como essa com base no que está sentindo agora.
Queria negar a presunção de que meu interesse repentino na Universidade
tivesse algo a ver com Roth, mas seria uma mentira dolorosa. Quem eu enganava?
Não era como se não tivesse considerado seriamente em ir para a Universidade
antes, mas agora a ideia dava voltas na minha cabeça, por todas as razões erradas.
Agora Zayne está me olhando fixamente, com aqueles olhos tão claros como
o meio-dia durante o verão. O desconforto me deixou ansiosa. — Você... — ele
respirou fundo, e prendi a respiração — Você o ama, Layla?
Oh, Deus. Meus olhos se arregalaram e eu podia sentir que o calor em
minhas bochechas aumentou. A pergunta me chutou completamente fora do
planeta.
Ele desvia o olhar e balança a cabeça. — Merda, Layla-bug.
— Não! — Deixei escapar, e quando sua cabeça voltou para mim, meu
coração saltou para garganta. — Não sei como me sinto. — Me apressei, sendo
completamente honesta. — Não sei, Zayne. Eu me preocupo muito com ele e… —
doía o repentino nó na minha garganta. — Eu não sei.
E eu realmente não sabia.
O amor é uma criatura estranha que você acredita que conhece e entende,
apenas para descobrir posteriormente que era somente uma amostra do
sentimento real. E havia tantos tipos diferentes de amor – isso eu sabia – o que não
sabia era onde encaixar Roth em tudo isso.
Zayne manteve meu olhar um pouco mais antes de assentir. — Ok. Eu
entendo. — Sua mão deixou meu estômago, e antes que pudesse sentir a pontada
de decepção, ela encontrou minha mão e entrelaçou seus dedos com os meus. —
Sério, eu entendo.
Ele apertou minha mão e retornei o gesto obedientemente, mas não estava
segura de como ele poderia entender isso quando eu não entendia.
***

Zayne desperdiçou o dia dormindo comigo e deixou minha cama quando os


outros Guardiões começaram a chegar em casa. O vi sair, seu rosto corado por
nenhuma outra razão além de que parecia completamente íntimo escapar do meu
quarto como se... Como se tivéssemos feito algo impertinente.
Fiquei na cama depois disso, tentando entender o estranho formigamento
no meu peito. Tinha um leve sorriso em meus lábios, porque Zayne... Bom, fez o
meu dia, mas depois me lembrei do que Roth me disse na noite anterior e o sorriso
desapareceu, como se nunca tivesse estado lá.
Provavelmente, precisava me acostumar com as mudanças bruscas de
humor.
Não foi até depois do jantar que decidi limpar a sujeira do dia do meu corpo.
Tirei o curativo com cuidado, feliz ao descobrir que minha lesão no braço estava
curando como o esperado. Já não precisava de curativo. O braço ainda estava
sensível, mas o sangue de Guardião em mim estava rapidamente revertendo os
danos causados pelo ferro.
Depois me troquei para um novo pijama, como um completo eremita, fui até
minha mesa, onde deixei o celular. Ele esteve no silencioso o dia todo, e quando
toquei a tela, não me surpreendi ao ver um monte de mensagens de texto de Stacy.

Onde você está?


Está matando aula, não é verdade cadela?

Um minuto depois:

Seu armário sente falta de você, talvez esteja doente com herpes?

Oh, meu Deus. Eu ri alto, sorrindo enquanto percorria suas mensagens.

Nossa aula de Biologia está quente. Está perdendo isso.


Biologia é solitária.
Meus seios sentem sua falta, que raro não?

Isso foi extremamente estranho, mas não surpreendente.

Se tirarem meu celular a culpa é sua.


Demônios Layla, onde está?

O ar escapou dos meus pulmões quando li a mensagem seguinte e as várias


que seguiram.

Você não tem ideio de quem acaba de entrar em Bio!!!


Roth está aqui!
Santo azeite de canola, porque não está aqui para ver isso?
Ok. Ele disse que teve mononucleose infecciosa, sério? As pessoas
ainda ficam doentes de mononucleose? E quem ele estava beijando?

Um segundo depois.

Quem? Não quis dizer quem, definitivamente não é o que eu queria


dizer, corretor automático.

Outra mensagem de texto chegou quinze minutos depois da ultima.

Ele perguntou onde você estava. Eu disse que você se uniu a uma seita.
Eu ri. Ele não.

Finalmente, a última mensagem dizia para ligar para ela caso não estivesse
morta.
— Que diabo? — Joguei o celular na cama, com a boca aberta.
Raiva surgiu em mim como uma porta sendo aberta por um chute e dei as
boas-vindas, porque era muito melhor que a maldita dor, confusão e... Esse
sentimento de perda.
Roth voltou à escola? Isso... Isso era inaceitável. Ele não tinha nenhuma
razão para estar lá. Absolutamente nenhuma, apesar do fato de passar facilmente
por um rapaz de dezoito anos. Não é como se a escola realmente o interessasse, ou
como se pudesse caçar um Lilin lá.
E se não estava lá pelos Lilin? Ele não perguntou por Eva?
No momento em que essa pergunta entrou em meus pensamentos, uma
maldição me escapou, e virei para sair do quarto. Não tinha ideia de para onde ia,
mas precisava ir a algum lugar. Talvez bater em alguma coisa.
Bater em algo soava bem.
Porque o fato dele estar lá era cruel.
Cheguei ao piso inferior, passando a biblioteca, e teria prosseguido até Deus
sabe onde em meu pijama de lua quando ouvi o nome dele.
Meus pezinhos pararam e virei, curvando a cabeça para a porta meio aberta.
— E quanto a Roth? — Isso era Dez.
— Não é necessário dizer que não podemos confiar completamente nele —
respondeu Abbot, e praticamente podia ver na minha cabeça, sentado atrás de sua
mesa, enrolando um cigarro entre os dedos. — Temos de manter um olho nele.
— De acordo — respondeu Nicolai.
Houve uma pausa, e então Abbot disse: — Também precisamos vigiar Layla.
Fechei minha boca de uma vez enquanto minhas mãos fecharam em
punhos. Vigiar-me?
A voz dele diminuiu o volume e em seguida voltou ao normal. — Você sabe
com o que poderia estar lutando. Todos vocês. Temos que ter cuidado, porque se
for o que eu suspeito, nós temos que...
Vento gelado voou pelo corredor, mexendo meu cabelo molhado e enviando-
o sobre o meu rosto. Engoli um pouco surpresa, e virei para uma explosão ecoando
pelo recinto. A explosão ecoou como um trovão, sacudindo as imagens de anjos.
Bem na minha frente, as longas janelas no átrio racharam no meio. Dei um
passo atrás enquanto o vidro se fragmentava e depois explodia.
Gritando, virei e cobri minha cabeça antes de ser bombardeada com vidro.
Pequenos fragmentos ricochetearam inofensivamente em mim, ressoando no chão
como sinos de vento.
— Merda — sussurrei, saltando quando a porta da biblioteca bateu contra
a parede e Guardiões inundaram o Hall.
Abbot foi o primeiro a sair. — Que merda aconteceu aqui?
— Não sei. — Me endireitei e virei. Três grandes painéis das janelas foram
quebrados. — Uau.
— Você está bem? — Perguntou Dez, vindo para o meu lado. Não muito
perto, mas o suficiente para que pudesse ver que suas pupilas dilataram.
Olhei para baixo. Com os pés descalços, caminhar seria complicado. O vidro
cobria o chão, piscando como pequenos diamantes na luz do Hall. — Sim. Nem
mesmo um arranhão.
Nicolai e Geoff se aproximaram da janela arrebentada. Por ser nosso
residente especialista em segurança, Geoff parecia perturbado enquanto se
inclinava para fora da janela e com razão. — Estas janelas são de vidro reforçado.
Tomara que tenha sido uma pedra que as quebrou e nada ou ninguém esteja lá em
baixo. Nenhum dos detectores de movimento soou, ou um dos encantos.
— Ou aqui dentro. — Nicolai girou a redor, com o cenho franzido. — Não há
nenhum tijolo ou algo assim.
Abbot virou para mim, a tensa linha se formou em sua mandíbula me
dizendo que não estava feliz. Meu olhar caiu para suas mãos. Uma segurava um
pequeno frasco de líquido branco leitoso. — O que aconteceu aqui, Layla? —
Perguntou antes que pudesse questionar o que ele segurava.
— Não sei. Eu estava andando pelo corredor, e as janelas... Simplesmente
quebraram e então explodiram. — Balancei a cabeça e pedaços de vidro caíram do
meu cabelo, tilintando no piso de madeira. Fantástico. Levaria uma eternidade
para tirar todos os vidros. Cuidadosamente, dei um passo para o lado.
Abbott arqueou uma sobrancelha. — Então, você não fez nada?
Minha cabeça se ergueu rápido. — Claro que não! Eu não fiz nada.
— E como as janelas foram quebradas se não há nada aqui que pode ter
feito isso?
Esqueci o vidro e olhei para Abbot. Ar frio correu através das janelas, mas
não foi a causa do repentino calafrio que correu pela minha coluna. — Não sei, mas
estou dizendo a verdade. Eu não fiz nada.
Geoff nos encarou, cruzando os braços. A covinha no queixo havia
praticamente desaparecido. — Layla, não há nada aqui que pudesse quebrar as
janelas.
— No entanto, eu não fiz isso. — Meus olhos correram a toda velocidade
entre os homens. Nenhum deles, nem mesmo Dez ou Nicolai, tinham expressões
que diziam que acreditavam em mim. — Por que eu quebraria as janelas?
Abbott levantou o queixo. — Por que você estava no corredor?
— Não sei — irritação picou minha pele. — Talvez estivesse caminhando
para a cozinha ou para a sala de estar. Ou um dos muitos quartos aqui?
Seus olhos estreitaram. — Não use esse tom comigo, Layla.
— Não estou usando nenhum tom! — Minha voz elevou um grau. — Está
me culpando por algo que não fiz!
— As janelas não quebraram sozinhas — o nuance em seus olhos
queimaram em um azul brilhante. — Se foi um acidente, eu prefiro que me diga a
verdade. Chega de mentiras.
— Chega de mentiras? Isso é muito bom vindo de você. — Respondi. As
palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse impedi-las, e bem, era como
ter um pé na cova. — Especialmente quando você dizia para ficarem de olho em
mim.
Seu peito subiu em uma respiração profunda quando ele deu um passo à
frente, vindo em direção a mim. — Então você estava aqui espionando quando
janelas foram quebradas?
— Não! — Não realmente. Pelo menos, não era isso que originalmente eu
estava fazendo aqui, mas esse não era o ponto. — Só estava passando e ouvi meu
nome. A porta estava entreaberta. Não é como se vocês tentassem ser silenciosos
sobre o assunto.
Dez deu um passo em nossa direção. — Layla…
Levantando a mão, Abbot silenciou o Guardião mais jovem. — O que você
ouviu?
Cruzei os braços em silêncio. Teimosia inesperada me encheu. Não disse
nada, ainda que só tenha ouvido uma parte.
Ele abaixou a cabeça e o ato parecia simbolizar que não tinha medo de mim,
e por qualquer razão isso me aliviou. Quando ele falou, sua voz era baixa e
assustadoramente calma. — O que ouviu, Layla?
Reunindo coragem, mantive a boca fechada e me obriguei a encontrar seu
olhar. — Por quê? O que você acha que eu ouvi?
Suas narinas abriram com uma forte exalação. — Garota, você cresceu
como um dos meus. Vai me responder com respeito e vai responder minha
pergunta.
Um arrepio de medo passou pelos meus músculos. Havia uma grande parte
de mim que queria dizer que não ouvira muito, que queria fazê-lo feliz, porque ele
era a coisa mais próxima que tinha de um pai. Sua aprovação era algo que buscava
constantemente, mas isto – isto não era justo e eu não seria uma escrava dele.
Ou de qualquer pessoa.
Tensão encheu o Hall e o resto dos Guardiões se mexeu
desconfortavelmente. — Apenas fale. — Nicolai disse suavemente.
Determinação cresceu como aço em torno de minha coluna enquanto eu
continuava segurando o olhar de Abbot.
— O que está acontecendo? — Zayne desceu as escadas, em grupo de três.
Gotas de água de seu cabelo molhado pingavam em sua camisa preta que colava
em seu corpo. Recém-saído do chuveiro, sua essência de menta enchia o ar. Seu
olhar apontou em nossa direção e se mudou para a janela. Suas sobrancelhas
levantaram. — Pai?
Abbot segurou meu olhar por mais um momento e depois se endireitou,
voltando-se para seu filho. — As janelas explodiram magicamente, segundo Layla.
— Não fui eu — disse, resistindo ao impulso de pisotear os meus pés e
acabar com vidro em meus pés. — A janelas explodiram. Não sei como aconteceu,
mas não fui eu.
— Se ela diz que não fez, então não fez. — Era tão simples com Zayne. Ele
acreditava no que eu dizia, e pelo amor de todas as coisas sagradas do mundo, ele
era meu herói naquele momento. Seus olhos foram para o chão. — Jesus, tenha
cuidado. Você não está calçada.
Comecei a sorrir ou me jogar na direção dele, mas Abbot se moveu.
Caminhando para o nosso lado. — Vá para o seu quarto, Layla. — O som de vidro
sob suas botas. Quando não me mexi, parou e seu olhar furioso perfurou
diretamente através de mim. — Agora.
— Eu não fiz nada! — Exclamei. — Por que tenho que ir...?
— Agora! — Ele gritou, e pulei novamente.
Zayne agarrou meu braço, impedindo-me de pisar no vidro. Lançando um
olhar para o seu pai.
Abbot voltou-se para os Guardiões. Começaram a ir em direção a ele, mas
os parou. — Só Geoff. O resto de vocês podem se retirar.
Geoff trocou olhares com os outros, mas seguiu Abbot para biblioteca. A
porta fechou com uma pancada atrás deles, e meu sensor de decepção foi ativado.
Olhei para Nicolai e para Dez. — Não fui eu — disse mais uma vez.
Os dois compartilharam um olhar, o mal-estar dentro de mim se espalhou
como fogo quando Nicolai deixou o átrio.
Dez suspirou. — Vou encontrar Morris para pedir ajuda com este desastre.
E as janelas. — Então se foi também, me deixando sozinha com Zayne.
— Ele está de mau humor — disse Zayne suavemente, enquanto me ajudava
a andar no caminho da destruição. — Está assim desde que Ro.... Os demônios
apareceram na noite passada.
Talvez fosse por isso que ele agia como se tivesse sentado em um prego, mas
era mais do que isso. Na parte inferior da escada, argumentei: — Estava na
biblioteca com os outros Guardiões. O ouvi dizer alguma coisa.
Zayne olhava para o chão. — Você tem certeza que não se cortou com todo
esse vidro?
— Não. Presta atenção — disse, puxando a manga da camisa dele. Ele olhou
para mim, com as sobrancelhas levantadas. — Ele estava dizendo aos outros
Guardiões para me manter sob vigilância.
— Ok. — Ele disse lentamente.
— Ok? Olá. Ele disse para me vigiarem.
Zayne pegou minha mão, me levando pelas escadas. — Com... Bem, você
sabe quem voltou, com certeza ele vai querer te manter em segurança.
Isso nem sequer passou pela minha cabeça. — Não foi assim, Zayne. Ele
disse algo mais, mas era muito baixo para que eu pudesse ouvir. E então ele falava
sobre ser o que ele suspeitava.
— O que?
— Não sei — frustrada, liberei minha mão. — Não pude ouvir tudo, e em
seguida, as estúpidas janelas explodiram. — Olhei para baixo das escadas. O vidro
brilhava como chuva no piso. — De verdade, eu não fiz isso.
— Eu acredito em você.
Meus olhos encontraram os dele. — Eu não confio no seu pai.
— Layla — suspirou, dando um passo atrás. — Existem problemas óbvios
entre vocês dois, e entendo completamente. Ele escondeu muitas coisas de você.
— Não brinca — murmurei.
Ele trocou seu peso. — Mas se está pedindo aos caras para vigiarem você,
é porque está preocupado com você.
— E porque ele não confia em mim.
— Isso também. — Ele admitiu. — Ei, você precisa entender isso. Você...
— Eu menti. Eu sei. Mas ele disse mais mentiras.
Zayne olhou para mim como se estivesse prestes a explicar como dois erros
não fazem um acerto, mas então suspirou novamente. — Vamos. Peguei um pouco
de frango frito para o jantar. Está frio, como você gosta.
— Eu deveria ir para meu quarto — disse mal-humorada.
Ele revirou os olhos e tentou me agarrar. Pulei para trás, e ele sorriu
maliciosamente. — Ande ou eu te carrego.
— Nossa, você está ficando mandão com a idade.
Zayne piscou um olho. — Você ainda não viu nada. Dou-lhe dois segundos.
— Dois segundos? O que aconteceu com o normal... Ei! — Gritei quando ele
tentou me agarrar novamente. — Está bem. Eu vou andar.
Seu sorriso se alargou. — Eu sabia que você veria meu ponto.
Mostrei a língua e ele riu, mas o segui pelo corredor até o quarto dele. Meu
estômago resmungou com o pensamento de frango frito frio, mas minha mente
ainda estava no hall, e por alguma razão, no frasco de substância branca leitosa.
Eu queria saber o que era.

***

Borboletas parasitas formaram um nó espinhoso no meu estômago, e agora


tentavam me comer para sair. Nunca estive mais nervosa em ir para escola na
minha vida.
— Tem certeza de que se sente melhor? — Stacey perguntou, andando de
um lado para outro enquanto eu colocava meus livros no armário. — Parece como
se estivesse prestes a cair.
— Sim, eu me sinto ótima — forcei um sorriso que provavelmente saiu
assustador enquanto jogava a mochila em cima de meu ombro. Tinha somente um
pouco de dor onde o Guardião me cortara, o que me lembrou de que, a partir desta
manhã, Thomas ainda estava sumido.
Bambi se esticou no meu estômago.
Cobra má.
— Então, está animada? — Perguntou Stacey, ligando seu braço ao meu.
Minha garganta parecia ter engolido uma bola de cabelo. — Animada por
quê?
— Por Roth. — Ela disse em um tom agudo que fez meus ouvidos doerem.
— Sobre ele retornar.
As borboletas mortais começaram a morder repetidamente. Entre a
perspectiva de retornar à escola e o que aconteceu nas últimas duas noites, eu mal
consegui pregar o olho. Secretamente, esperei que Zayne pulasse suas funções de
Guardião e ficasse comigo, mas não o fizera, e seria errado pedir isso para ele.
— E, por favor, não fique zangada comigo, porque realmente não sei o que
aconteceu entre vocês dois, mas ontem ele parecia malditamente sexy.
Meu coração encolheu. Fantástico. Acho que esperar que tivesse contraído
um caso grave de herpes facial era pedir muito. — Não tão animada — disse
finalmente.
Ela ficou em silêncio enquanto abríamos caminho pelo corredor. A
estranheza de não ver as almas trêmula rastejando atrás dos alunos me distraiu
do meu confronto iminente com Roth.
— Quer que bata nele? — Ela finalmente perguntou. — Conheço algumas
pessoas, mas aposto que Sam pode encontrar alguns assassinos de aluguel na
internet.
Eu ri alto. — Provavelmente sim, mas não. Está tudo bem.
— Bem, se você mudar de ideia... — passou para o lado, abrindo as portas
para bio. Eu sabia, antes mesmo de entrar, que ele ainda não estava na sala de
aula. — Irmãs antes de homens e seus encantos.
Sorri, apesar dos meus nervos e fui para o meu assento no fundo da sala.
Sra. Cleo ainda não voltara, e na frente da sala, o Sr. Tucker se esforçava para
ignorar os olhares de adoração das meninas sentadas na primeira fila.
Stacey sentou atrás de mim enquanto eu puxava meu caderno e a sala
enchia. Ocupei-me escolhendo um lápis da minha bolsinha, decidindo por um roxo
que parecia ter tomado banho de glíter... ou com a Ke$ha.
A essência foi a primeira coisa que senti. O cheiro levemente doce e
pecaminosamente sombrio perturbou meus sentidos. Meus dedos apertaram em
torno do lápis conforme toda a atmosfera na sala mudava. Não com tensão. Nunca
percebi antes, mas era como o último dia antes das férias sempre que Roth estava
perto – aquela sensação de indiferença de quem o acompanha cautelosamente por
todas as partes.
Os pelinhos na minha nuca se levantaram, e eu sabia que ele estava perto.
Não só porque Stacey endureceu ao meu lado. Foi o sexto sentido, que estava ciente
da presença dele a um nível profundo e íntimo.
Não levantei os olhos quando senti as pernas da cadeira se arrastarem pelo
chão em frente da nossa mesa, mas estava muito próximo, e essa maldita dor
emocional recomeçou, bloqueando minha garganta e pesando no peito Não queria
estar magoada por causa dele, e queria poder avançar para a parte onde a dor
penetrante era apenas uma pequena irritação.
— É bom ver que não se juntou a uma seita.
Ao som de sua voz profunda e aveludada, uma série de tremores se
espalhou pela minha pele. Respirei profundamente e imediatamente me arrependi.
Sua essência estava em toda parte e eu praticamente podia prová-lo. Contra a
minha vontade, levantei a cabeça e meu cérebro pulou pela janela mais próxima.
Roth me encarava fixamente com aqueles olhos cor âmbar rodeado por
grossos cílios negros. Seu cabelo era uma bagunça engenhosa, acariciando o arco
das sobrancelhas. Seus lábios cheios não estavam curvados em um sorriso de
satisfação, o que pensei que acompanharia essa afirmação.
Não disse nada, e após alguns segundos, seus lábios se franziram e virou
em seu assento. Uma pontada iluminou meu peito enquanto olhava para suas
costas. Debaixo da camisa azul desgastada, seus ombros estavam anormalmente
rígidos, e deveria ter me dado uma quantidade indecente de satisfação saber que
ele não estava confortável. E quem acreditaria que um Príncipe Herdeiro do Inferno
poderia estar desconfortável em primeiro lugar? Mas perceber que ele não estava
me fez sentir melhor.
Stacey se esticou e rabiscou: Hitman8? Em meu caderno.
Sorri e neguei com a cabeça. Ela encolheu os ombros e voltou sua atenção
para o substituto quente, McCalenton. Tentei me concentrar em como era bonito,
com seu cabelo castanho e seu sorriso de menino enquanto mexia no projetor, mas
tudo o que podia pensar era que Roth estava sentado a minha frente, como se não
tivesse sido enviado ao Inferno há duas semanas ou compartilhado nada de
importante comigo.
Graças a Deus e ao McDonalds na rua da escola que hoje era sexta-feira.
Pelo menos não seria obrigada a suportar mais dois dias vendo Roth, e teria um

8 Ela faz referência a um assassino de aluguel, novamente.


descanso, porque bio era a aula mais longa da minha vida, inclusive pior que
história.
Quando tocou a campainha, saí em disparada do meu assento, como um
minifoguete, colocando meus livros na mochila enquanto saía da classe. Stacey
estava bem atrás de mim, e gostava de pensar que não recriminaria minha partida
precipitada. Vi Sam no final do corredor, tomando água do bebedouro, eu suspirei
de alívio quando ele levantou o olhar, sorrindo enquanto me cumprimentava.
Fiquei um pouco surpresa por não ter gotas de água em toda sua cara, como
normalmente teria após tentar beber de um dos bebedouros, mas fui direto para
ele.
Só cheguei à metade.
A porta da sala de aula de química se abriu, quase batendo na minha cara.
Dei um passo atrás, com os olhos enchendo de lágrimas quando o cheiro acre de
ovos podres se derramou nos corredores.
— Outra vez não! — Exclamou o outro menino, batendo as mãos sobre a
boca.
Não estava segura se ele se referia ao horrível fedor de zumbi que tivemos
na sala das caldeiras há um mês ou algo assim, ou pelo que aconteceu com o
demônio Raum depois que Roth o transformou em uma nuvem de fumaça
fedorenta naquela noite no ginásio, mas não importa.
Um Professor correu para o corredor, engasgando enquanto movia as mãos
por seu rosto. Segundos depois, outra professora saiu furiosa da sala. As pontas
de seu cabelo loiro estavam fritas – literalmente queimadas e enegrecidas. Pior
ainda, suas sobrancelhas desapareceram completamente. Manchas cinza cobrindo
metade do rosto corado.
— Legal — murmurou Roth, que de alguma forma, e provavelmente como
resultado das leis do universo, terminara ao meu lado. Droga. — Isso é o que
chamaríamos de um desastre quente.
Dei-lhe um olhar fulminante e segui em frente, pronta para inalar qualquer
substância cancerígena que possivelmente poderia estar na fumaça flutuando para
fora da sala. Mas ele agarrou meu suéter, me arrastando para trás. Bati em seu
peito duro como rocha e comecei a virar, segundos depois de bater meu punho em
seu estômago, porque me senti realmente muito bem em fazê-lo conforme a
professora sem sobrancelhas passava voando pela fumaça.
A mão de Roth escorregou por minhas costas. — Cuidado, pequena, ela está
em uma missão.
— Não me toque — me afastei rapidamente dele, ignorando a faísca de
emoção que tencionou em seus lábios. — E não me chame assim. — Virei bem a
tempo de vê-la dar um salto voador em direção a alguém. — Que demônio...?
Ela bateu em outro professor.
Pulando nas costas dele e colocando-o de joelhos. Bem ali. No meio do
corredor, cheio de professores e alunos atordoados. O derrubou, levantou o braço
e o atingiu justo entre as pernas.
— Começo a pensar que estamos frequentando a mais louca escola na
América do Norte — disse Stacey no almoço, segurando seu nugget de frango entre
duas unhas pintadas de preto. ― Quero dizer, temos professores batendo nas bolas
uns dos outros nos corredores.
Sam faz uma careta, deixando cair sua batata amassada em sua bandeja.
— Sim, foi muito louco.
Foi mais que somente louco. Entre a luta em nossa aula de biologia e agora
isto, no intervalo de tempo de menos de dois dias, algo mais deveria estar
acontecendo. E o casal que eu vi se beijando no corredor sem interrupção? Mordi
meu nugget, esperando que minhas suposições não estivessem certas, mas se um
Lilin teria supostamente nascido um dos sinais da sua presença era um
comportamento estranho, verdade? Mas se tinha um Lilin por trás da ira de Dean,
o casal no corredor e o Professor de hoje, então eram quatro pessoas que estavam
muito perto de se converter em fantasmas. O peso deste possível desastre acabou
com o meu apetite.
Olhei sobre meu ombro, desejando mais uma vez poder ver as auras.
Aqueles afetados pelo Lilin deveriam ter uma aparência diferente, o que restava de
suas almas contaminadas de alguma forma. Mas não via nada, o que significava
que eu era praticamente inútil.
Meu estômago afundou enquanto colocava metade do nugget no meu prato.
Poderia minhas repentinas habilidades perdidas ter algo a ver com o Lilin? Isso
significaria que estivera nas imediações.
Não. De maneira nenhuma. Saberia se estivesse perto de algo que
compartilha o sangue da minha mãe e o meu. Deveria haver outra razão, mas
enquanto empurrava o nugget ao redor do prato, meu estômago dava voltas.
― Gente, o que vão fazer depois da escola? ― Perguntou Sam, e quando
levantei os olhos, ele havia engolido tudo que estava no seu prato. O cara e seu
apetite tinham que ser lendários. ― Estava pensando que poderíamos pegar algo
de comer. Nós três.
Eu sorri.
Stacey me olhou com olhos esperançosos. — Não estou trabalhando de babá
até amanhã, então eu sei que posso. Layla?
Considerando como Abbot agiu na noite passada, provavelmente queria que
fosse diretamente para casa. O que significava que esta era a última coisa que eu
queria. — Sim, somente me deixe enviar uma mensagem para Zayne e avisar. —
Claro que não enviaria uma mensagem para Nicolai. — Creio que não deveria ser
um problema.
— Você deveria convidá-lo! — Ela bateu palmas como uma foca drogada.
Uma sobrancelha se levantou sobre os óculos de Sam e quase me divertiu
a ideia, mas peguei meu celular e... Que diabos! O pior que Zayne pode dizer é não.
Não seria a primeira vez. — Vou perguntar.
Stancey deu a Sam um olhar de surpresa enquanto eu enviava a mensagem
de texto.

Stancey e Sam querem comer algo depois da escola. Quer vir?

Coloquei o celular na mesa perto do meu prato, não esperando por uma
resposta rápida. Zayne deveria estar dormindo agora. Alguns dias ele não estava,
mas quem saberia?
— Você acredita que ele virá? — Perguntou Sam, brincando com seu garfo.
Encolhi os ombros. — Provavelmente não.
— Bem, se ele vier, não poderá pedir uma entrevista para ele. — Stacey fez
sinal com sua garrafa de água. — Nem agir como um fanático. Isso o espantará e
ele nunca mais virá se encontrar com a gente.
Sam riu entre dentes. — Não agirei como um fanático.
Era incerto. Nas duas vezes que Sam estivera perto de Zayne no passado,
ele o olhou boquiaberto, em aberta surpresa. Não podia culpá-lo. Os Guardiões não
se misturam muito com os humanos. A maioria nem sequer sabia que algumas das
pessoas normais que viam nas ruas, lojas ou restaurantes eram Guardiões.
Stacey sorriu. — Alguma ideia de onde...
— Eu estou? — A chegada da profunda voz fez meu coração pular e meu
estômago afundar ao mesmo tempo. — Estou justamente aqui.
De nenhuma maneira – de jeito nenhum, Roth estava em nossa mesa. Uma
horrível sensação de déjà vu bateu em minha cabeça. Era como a primeira vez que
Roth apareceu na minha vida, não podia acreditar que teve a audácia de nos
procurar no almoço. E aqui estávamos novamente.
Meu sorriso sumiu enquanto ele se sentava ao meu lado sem um convite ou
uma resposta. Em vez de ter uma bandeja plástica laranja em suas mãos, ele
carregava um saco do McDonalds. Os cantos da boca se curvaram enquanto ele
pegava um pequeno saco branco. — Batatas?
Tomei um suspiro profundo. — Não.
— Eu vou querer uma. — Sam esticou a mão em cima da mesa e pegou
duas das oferecidas batatas. — Estou feliz que esteja de volta. Mono9 é uma droga.
Eu tive quando... Aw! — Seus olhos se ampliaram enquanto olhava para Stancey.
Ela lhe deu um olhar penetrante.
Não aborrecido pelo intercâmbio, Roth colocou o saco de batatas entre nós,
perto de meu celular, e então pegou um hambúrguer com queijo. — Sim, Mono é
um Inferno. Como estar acorrentado a uma cama.
Eu quase engasguei.
Meu celular vibrou e a resposta de Zayne apareceu na tela. Antes que eu
pudesse pegá-lo, Roth o fez com seus dedos ágeis. Eu te buscarei e iremos para
lá. Ele levantou uma sobrancelha. — Juntos?

9 Mononucleose: a suposta doença que manteve Roth afastado da escola.


Juntei um coro de maldições mentais e retirei o celular de suas mãos. — É
rude ler mensagens dos outros.
— É?
— Sim — respondeu Stancey. — Mas estou contente por ouvir que Zayne
vai jantar conosco.
Roth fez uma careta e pensou um segundo. — Eu também.
Incapaz de evitar, eu inalei.
Seus olhos se estreitaram.
— Jantar? — Sam franziu o cenho. — Pensava que íamos diretamente
depois da escola. E pensava no local italiano descendo a rua, não realmente um
jantar...
— Sam — Stacey suspirou.
Roth sorriu então. — De todas as formas, estou de volta e muito melhor. —
Escorregou um olhar travesso sobre mim, o que me fez querer bater nele em vez de
chorar no meu travesseiro como um bebê. — Estou seguro que sentiram minha
falta. — Ele deu uma grande mordida no hambúrguer e mastigou um bocado. —
Muita.
Não sabia o que estava acontecendo que minhas emoções mudavam tão
rápido. A dor da sua rejeição deixou uma explosão de raiva – como uma tontura,
aquela classe de raiva que espalha vômito verde. Meu cérebro se desligou. Não
pensava quando alcancei e tomei o hambúrguer da mão dele. Abrindo, joguei no
chão detrás de Roth tão forte quanto pude. O satisfatório splat que fez quando o
molho de tomate e a maionese espirraram como um horrível massacre gerou um
largo sorriso no meu rosto.
Stacey deixou sair uma gargalhada estupefata.
Roth olhou o hambúrguer, e então seu olhar voltou lentamente para mim.
Seus olhos se ampliaram. — Mas eu realmente queria aquele hambúrguer.
— Que pena. — Engoli um riso louco. — Suas batatas serão as próximas,
caso não retire o seu traseiro da minha presença.
— Poooooorra — murmurou Stacey, seu corpo tremendo com um riso agora
silencioso.
Nós nos olhamos em um épico desafio de encaradas por alguns momentos,
e então seus lábios se retorceram como se estivesse tentando não rir. E, bem,
somente isso fez com que minha raiva subisse vários graus. Então peguei o saco
de batatas. — Creio que necessitamos conversar.
— Não, acredito que não.
Ele apertou a mandíbula. — Sim, nós precisamos.
Balancei a cabeça.
Roth me olhou fixamente, e algo... Algo sobre a forma que me olhava
mudou. Alguma dureza desapareceu de sua expressão. — Layla.
— Bem — respondi, pegando a minha mochila enquanto uma ideia estúpida
se formava. Talvez ele quisesse se desculpar por ser um idiota. Pouco provável.
Virei-me para uns muito divertidos Stacey e Sam. — Me mandem o lugar onde nos
encontraremos depois da escola.
— Eu vou. — Ela fez uma pausa. — Não estrague as batatas, isso seria um
sacrilégio.
— Não prometo nada. — Comecei a caminhar sem esperar por Roth, e me
senti ridiculamente orgulhosa de mim mesma. A Layla de dois meses não havia se
atrevido a fazer uma cena, mas eu era uma pessoa diferente nesses dois dias.
Começava a ver isso agora.
Enquanto passava os banheiros do lado de fora do refeitório, a porta do
masculino se abriu e Gareth saiu cambaleando, seguido por um grupo de jogadores
dando risadinhas. Risadinhas. Eles fediam a maconha enquanto seguiam para o
refeitório.
— Mataria por um pacote de Cheetos agora — disse Gareth.
Um de seus amigos riu. — Jogaria um bebê na frente de um ônibus por um
rolo de canela.
Uau. Era bastante fome. Todos os caras foram para festa com Gareth, mas
não eram viciados em drogas. O comportamento deles era definitivamente
estranho... Poderiam estar infectados, também?
Roth me alcançou. Sem mochila. Somente ele e suas estúpidas batatas. —
Estou surpreso. Vou admitir. Você me surpreendeu.
— Sério? — Soltei um riso áspero, me irritava que estivesse estupefato. —
Pensou que depois do que me falou ficaria feliz em te ver? Realmente?
Ele colocou uma batata na boca e mastigou pensativamente, como se
realmente pensasse nisso. — Sim, pensei que sim.
Parei a meio passo do final do corredor, e olhei para ele. — Você está
delirando.
— Não iria tão longe. — Pegou outra batata.
— Você tem uma autoestima elevada.
Ele sorriu. — Sou realmente muito valioso. Sendo o Príncipe...
Arranquei o saco da mão dele, virei e sacudi as batatas restantes no lixo.
Virei em direção a ele sorrindo abertamente. — Isso é o que penso sobre sua valiosa
coroa de Príncipe de merda.
Roth deu um enorme suspiro. — Sou um cara em crescimento e preciso me
alimentar. Vou morrer de fome e tudo será culpa sua.
— Que seja. — Cruzei os braços.
Olhou-me, então inclinou a cabeça e riu. Tremi, sem estar preparada para
o som. Eu havia esquecido quão profunda e calorosa era a voz dele – como era
contagiante. O riso desapareceu rapidamente, substituído por um olhar
surpreendentemente mal-humorado. — Ah, pequena, já está tornando isso difícil.
— Tornando o que difícil? E não me chame de pequena.
Ele balançou a cabeça. — Vamos, necessitamos conversar de verdade. Onde
não sejamos interrompidos. — Ele começou a ir para as portas duplas desbotadas
e sabia aonde ele ia – nossa escada. O lugar onde não se supõe que deveríamos ir,
aonde ninguém iria. Levava ao velho ginásio e cheirava a mofo, mas anteriormente
era o nosso lugar.
E por isso queria que fosse o último lugar, mas Roth já seguia para as
escadas. Encolhi meus ombros e o segui. Nada mudou em relação à área dez por
dez. Pintura cinza ainda soltando dos blocos de cimento. Ferrugem cobria os
corrimões. Poeira flutuava à luz da pequena janela no topo da escada. O tempo
esquecera este lugar.
Roth virou para mim e se recostou contra a parede. Levantou seus braços
sobre a cabeça e esticou. Isso levantou sua camisa de manga comprida, expondo
um tentador vislumbre do abdômen inferior e a tatuagem de dragão – Tambor.
Suas escamas azuis e verdes estavam animadas como antes. Roth disse uma vez
que o dragão saía caso as coisas estivessem muito ruins. Não posso imaginar qual
é a ideia de Roth sobre o ruim, quando não usara o dragão na noite com Paimon.
O dragão estava descansando agora, suas asas perto da barriga, a cauda
desaparecendo sob o cós dos jeans escuro de Roth. Considerando quão baixo seus
jeans estavam, o que eu podia ver do tamanho da cauda de Tambor fez com que o
calor fluísse pelas minhas bochechas.
— Layla…
Levantei meus olhos e inalei um pequeno suspiro ao ver como seus olhos
ocres estavam brilhantes.
— Gosta do que vê?
Minhas mãos se fecharam em punhos. — Não. De modo algum.
— Você mente. — Um sorriso de satisfação apareceu em seus lábios. — E
você ainda é uma péssima mentirosa.
Perdendo a paciência, deixei a minha mochila cair no chão. — Por que você
está aqui, Roth?
Ele não respondeu imediatamente. — Quer a verdade?
Revirei os olhos. — Não. Quero que minta para mim. O que você acha?
Uma suave risada seguiu. — Eu meio que gosto da escola. Não temos
lugares como este lá em baixo. — Ele encolheu os ombros. — É normal.
Algo apertou em meu peito. Era pela mesma razão pela qual eu gostava
dessa escola – era normal e eu poderia ser normal aqui, mas me neguei a contar
para ele de qualquer forma. — Não deveria estar aqui.
Levantou a sobrancelha. — Por causa de você?
Eu queria gritar sim – Santo Deus, sim! — Porque você estar aqui é inútil.
— Na verdade, não. — Finalmente abaixou os braços e silenciosamente
agradeci a Deus pelo abdômen dele não ser mais uma distração fundamental. —
Não diga que a luta até a morte no corredor esta manhã não foi estranho.
Eu não disse nada.
— E duvido que este seja o primeiro acontecimento estranho recentemente,
verdade? — Seus olhos estavam entrecerrados enquanto me olhava.
Uma parte de mim queria dizer que não, porque eu não queria ver esse olhar
presunçoso aumentar, mas isso seria estúpido. Não podia esquecer o que era
realmente importante, um verdadeiramente enorme problema que nós
enfrentávamos. — Aconteceram alguns casos. Dean – um rapaz que nunca fez nada
– bateu em outro rapaz muito fortemente, realmente o matou por alguns segundos.
E então, eu vi casais se agarrando…
— Não há nada errado com isso. — Ele respondeu; sorridente.
Estreitei os olhos. — Exceto quando nós temos uma política rigorosa de
nada de DPA10 e um professor passou bem ao lado deles, inclusive quando eles
entravam no banheiro das meninas. — Afastei o meu cabelo e deixei minha mão
cair em direção ao lugar onde o anel ficava pendurado no colar. — Então, você acha
que o Lilin esteve aqui?
Ele assentiu. — Faz sentido – afinal de contas ele foi criado aqui. Esse é o
porquê de necessitarmos conversar. Você deveria ser capaz de reconhecer o Lilin,
ou ao menos qualquer demônio estranho por aqui.
— Uh… — desviei o olhar, torcendo a corrente ao redor do meu pescoço.
Não queria dizer para ele, mas era um demônio e talvez soubesse o que estava
acontecendo. — Bem, veja. Na verdade, não.
Afastando da parede, se manteve ereto, toda sua atenção centrada agora.
— O que você quer dizer?
— Já não posso ver as auras. Nada. Aconteceu alguns dias atrás.
Ele balançou a cabeça. — Detalhes.
Suspirei. — Ao princípio, as almas oscilavam, piscando e desaparecendo, e
então, no almoço, tive uma forte dor atrás dos meus olhos, e já não as via. Assim,
estou praticamente na escuridão. Não sinto outros demônios, como os Guardiões
sentem – sabe, não tão claramente. Nunca precisei trabalhar esse lado.
— Isto é mais que uma coincidência.
— Era o que temia. — Eu disse, removendo o anel. — Esperava que isso
não estivesse relacionado ao Lilin.
Roth não respondeu. Avaliando-me com o olhar, suas sobrancelhas
baixaram em profunda reflexão. A observação foi tão intensa que me fez querer me
retorcer. — Então você acha que isso está interferindo com a minha habilidade? —
Perguntei, quando o silêncio ficou demais.
— Não sei. — Roth finalmente desviou o olhar, passando a mão pelo cabelo.
— Mas nós teremos que encontrar o Lilin da maneira antiga.
— Nós?

10 Demonstração Pública de Afeto


Seus cílios desceram e o olhar paquerador foi quase ridículo, exceto que era
incrivelmente sexy, o tipo de coisa que odiava nele. — Sim. Nós. Você e eu. Nós.
Duas gotas em um...
— Não. — Levantei uma mão. — Não trabalharemos juntos em nada.
— Não tivemos essa conversa antes? — Avançou um passo, e eu retrocedi.
— E lembro como terminou. Fazemos a equipe perfeita.
Eu continuei afastando, até que minhas costas bateram na parede fria. —
Isso foi antes que falasse que eu aliviei o seu tédio.
A ponta da sua língua moveu-se sobre os dentes superiores, mostrando a
bola que mantinha o piercing no lugar. Supostamente não era seu único piercing
– parei esse pensamento. Não necessitava pensar nisso.
— Isso foi uma coisa estúpida que eu disse. Admito. Costumo... Dizer coisas
estúpidas. Eu sou um imbecil.
— Tenho que estar de acordo.
Seus cílios subiram e se moveu tão rápido que o perdi de vista até que
estava na minha frente, invadindo totalmente meu espaço pessoal. — Não queria
dizer o que disse sobre Eva também.
Algo dentro de mim – algo estúpido que precisava ser esfaqueado até a
morte, se abriu como uma flor que via o sol pela primeira vez. Tratei de esmagá-la.
— Não me importa.
— Sim. Você se importa. — Baixou a cabeça, seus lábios perigosamente
perto dos meus. Ergui os olhos, o ar frio nos meus pulmões. Ele inclinou a cabeça,
e meu coração palpitava no meu peito. — Isso te machuca.
— Por que você se importa se machucasse?
Roth não disse nada e meus lábios formigavam pelo quanto ele olhava para
eles. Ele colocou as mãos em meus quadris, o toque suave simplesmente ali.
Envolvi meus dedos em torno de seus pulsos e comecei a retirar suas mãos. — Não
— ele disse, em voz baixa.
— Então, por quê? — Sussurrei, renunciando ao minúsculo fragmento de
esperança. — Por que você disse tudo aquilo? Se não significava...
— Isso não muda nada. — Retrocedeu, dando vários passos em um piscar
de olhos. — Precisamos ser amigos. Ou, pelo menos, nos darmos bem até o ponto
onde você não destrua o fast-food perfeito quando eu abra minha boca.
Simples assim ele era um Roth diferente. Não o cara que abracei ou fiz todas
aquelas coisas maravilhosas. A pergunta saiu de repente, antes mesmo que eu
pudesse me parar. — Signifiquei algo para você?
— Isso não importa — disse Roth, com a voz apagada enquanto se virava e
ia embora. Deteve-se com a mão no corrimão enferrujado. — Nunca importou,
Layla.
Demorou muito para superar o que Roth havia dito e terminar o dia. Não o
entendia, e passaria muito tempo antes que pudesse deixar de tentar. Durante
minhas aulas vespertinas, lutei entre querer encontrar Roth e fazer com seu rosto
o que fiz com seu hambúrguer, e simplesmente querer olhar para ele fixamente.
Algumas vezes, ser uma garota era um saco.
Saí da escola e fui para a esquina da rua. Ver o antigo Impala trouxe um
sorriso cansado no meu rosto. Quase me esqueci de Zayne se unindo a nós para o
jantar, e enquanto estive lidando com Roth, não tive a oportunidade de dar muita
importância para o feito de que Zayne aceitara passar um tempo com a gente.
O que era tão raro.
Decidindo me esquecer de certo demônio caprichoso pelas próximas duas
horas, abri a porta e escorreguei para o banco do passageiro. Sorri enquanto
soltava minha mochila na parte de trás. — Olá — disse.
Zayne sorriu. Usava um boné de beisebol e estava baixo, cobrindo a parte
superior do seu rosto. Alguns caras não podiam submeter-se a um boné de
beisebol, mas Zayne podia e o fazia bem. — Aonde vamos?
— Pequena Itália – aquele que fica a duas quadras abaixo.
— Legal. — Olhou pelo espelho retrovisor e então, após alguns segundos,
saiu com cuidado.
— Obrigada por vir — disse, apoiando minha cabeça no assento. — Fiquei
surpresa de você dizer sim.
— Não devia ter ficado. Eu queria vir. — Estendeu a mão, puxando
suavemente uma mecha de cabelo solto. — Como foi a escola?
Virei a cabeça em direção a ele, estudando seu perfil forte. — Nada do que
queira falar agora. — Porque se falasse das suspeitas do Lilin, inevitavelmente teria
que contar sobre Roth, e queria desfrutar desse pequeno passeio. — Depois de
comer?
Ele me olhou e ficou em silêncio por um momento. — Deveria estar
preocupado?
— Não. — Eu gostava da forma em que as pontas dos seus cabelos se
enrolavam para fora, por debaixo do boné. — O que você fez hoje?
— Dormi. — Ele riu enquanto passava pelo restaurante, em busca de uma
vaga de estacionamento. — A noite que foi chata. As ruas estavam mortas. Por
algum motivo, isso faz com que esteja mais cansado no dia seguinte.
— É estranho que estivessem tão mortas? — Pensei em Lilin.
— Depende. Se continuar assim, então sim. — Após encontrar um lugar no
piso térreo – ele tinha uma louca sorte – desligou o motor e se virou para mim
enquanto retirava a chave. — Fica quieta — ele disse, e obedeci, principalmente
por curiosidade. Ele estendeu a mão, passando o polegar sobre o meu lábio inferior.
— Tinha um pedacinho de pelo aí e acho que...
Suas palavras se desvaneceram, terminando em uma respiração irregular.
No começo, não me dei conta do motivo – o que eu fiz, e então as coisas começaram
a se registrar – a sensação devastadora que fez com que minhas entranhas se
enrolassem em molas apertadas, o olhar dilatado em seus olhos, a súbita
intensidade de seus olhos azuis, a maneira que seu peito se levantou fortemente,
a forma e o sabor salgado da sua pele enquanto minha língua deslizava pela
superfície ligeiramente áspera do seu polegar.
Oh, Deus.
Oh meu Deus.
Eu estava lambendo o polegar dele. Tipo, realmente lambendo o polegar
dele.
E meu corpo respondeu ao sabor ilícito e completamente proibido de sua
pele. Meus seios ficaram pesados e calor fluiu em mim. Ele não se afastou. Parecia
se esticar para frente, com a parte superior do seu corpo já sobre o câmbio entre
nós.
Com o sangue queimando por duas razões muito diferentes, eu me afastei,
quebrando o contato entre nós. Minhas bochechas queimavam – todo o meu corpo
pegava fogo. Eu não sabia o que dizer ou o que fazer. Zayne me encarava, seu peito
subindo e descendo descontroladamente. Não sabia o que ele estava pensando.
Não queria saber.
Mortificação substituiu o calor prestes a estourar, o qual convertia meu
interior em lava. Inferno, o que eu estava pensando? Precisando de ar e espaço,
rapidamente soltei o cinto de segurança e quase me joguei para fora do carro.
Meus olhos queimavam. Não havia como poder sentar durante esta coisa
de jantar após fazer tudo o que eu estava fazendo. Precisaria chamar um táxi, ir a
pé até a casa, me mudar para o Alasca, ou costurar minha boca...
Enquanto contornava o capô do Impala, Zayne estava de repente na minha
frente. O boné de beisebol estava voltado para trás e seus olhos estavam bem
abertos. Sem dúvida, ele pensava que eu era um monstro. Eu era um monstro.
Como uma total covarde, me apressei para o lado para evitá-lo. Ele bloqueou o
caminho, colocando as mãos nos meus ombros.
— Ei — ele disse em voz baixa. — Do que está fugindo?
— Não sei. — Minha garganta parecia estar se fechando. Poderia ser alérgica
à pele dele? Isso soava estúpido. Talvez fosse um ataque de pânico. — Deveríamos
ir. Tipo, agora. Ou podemos ir para casa, se desejar. Entenderei completamente, e
estou tão...
— Ei, não há necessidade de tudo isso. — Suas mãos se fecharam ao redor
dos meus ombros. — Tudo bem. Está tudo bem.
— Não, não está. — Minha voz se quebrou. — Eu…
— Tudo bem. — Me puxou para frente, e quando resisti, puxou com mais
força. Acabei com o rosto plantado no seu peito e inalei seu aroma fresco. — Olha,
você tem estado sob muito estress e coisas loucas têm acontecido.
Verdade, mas isso não era desculpa alguma para lamber o dedo de alguém.
Apertei meus olhos com força enquanto seus braços me rodeavam. Ele baixou a
cabeça, apoiando o queixo em cima da minha cabeça. Somente Zayne poderia ser
tão compreensivo assim. Era muito perfeito às vezes.
E eu era muito estranha o tempo todo.
— Não sei por que eu fiz isso — disse, com voz abafada. — Nem sequer sabia
o que estava fazendo até... Bem, você sabe, e sinto muito.
— Pare. — Ele se balançou para um lado, o movimento calmante. — Não
foi...
Eu me afastei um pouco, me atrevendo a olhar para ele. — Não foi o que?
Nojento? Porque estou bastante segura de que teria preferido que eu não tivesse...
— Você não tem ideia do que prefiro e o que não. — A forma em que ele
disse não foi desdenhosa. Mais como uma declaração de fatos.
Busquei no rosto dele a resposta a uma pergunta que não estava preparada
ou disposta a fazer. Seu olhar encontrou o meu, e baixei os cílios. Sua mão embalou
minha bochecha e um sentimento esmagador de carinho cresceu dentro de mim,
juntamente com algo mais profundo, mais intenso.
Zayne retirou suas mãos. — Deveríamos ir. Seus amigos estão esperando
por nós.
Concordei com a cabeça, e enquanto saíamos do estacionamento em direção
ao sol de novembro que desaparecia rapidamente, ele virou seu boné rapidamente,
protegendo os olhos. Não falamos enquanto caminhávamos a metade de um
quarteirão para o restaurante, e eu não estava segura se era devido ao fato de que
lambi seu dedo ou algo mais.
A linda recepcionista da Universidade que nos conduziu pelo estreito
corredor de cabines e mesas passou a maior parte do tempo olhando para Zayne.
— Se precisar de algo, por favor, me avise — ela disse diretamente a Zayne
ao parar diante de uma das cabines de encosto alto.
Ele sorriu. — Nós faremos.
Resisti ao impulso de revirar os olhos. Stacey e Sam já estavam no
restaurante, sentados lado a lado em uma cabine suficientemente grande para
acomodar seis. Eles eram lindos, no entanto. Sam, com o cabelo ondulado tocando
as extremidades dos seus óculos; e Stacey, sentada com as mãos cruzadas sobre a
mesa. Realmente esperava que o que fosse que estivessem trabalhando
funcionasse. E que envolvesse lambidas mútuas de dedos.
Zayne sentou primeiro, e Sam se endireitou. Escondi meu sorriso quando
me sentei ao lado de Zayne. — Sinto muito, estamos um pouco atrasados.
— Está tudo bem — Stacey disse. — Temos mastigado palitos de pão.
— Provavelmente teria sido mais rápido caminhar. — Zayne recostou,
colocando o braço ao longo da parte superior da almofada Borgonha atrás de nós.
— Mas de jeito nenhum deixaria meu bebê estacionado ao longo da rua.
A menção do carro de Zayne despertou o interesse de Sam e ele
imediatamente iniciou uma conversa sobre o Impala. Stacey e eu ficamos olhando
para o garoto. Suponho que esperávamos que começasse a perder o fôlego, mas
agiu como se não fosse nada.
Depois que a garçonete veio anotar os nossos pedidos de bebida, Sam
acenou um palito de pão como uma varinha, derramando alho por toda a toalha
de mesa. — Sabiam que o motivo pelo qual decidiram usar um Chevy Impala em
Supernatural era porque cabia um corpo no porta-malas?
Minhas sobrancelhas se franziram...
Zayne tratou como um profissional. — Tenho certeza que você pode guardar
dois corpos no porta-malas.
Sam sorriu, mas então seu olhar se ergueu no mesmo segundo em que
Zayne ficou tenso ao meu lado. Houve uma mudança no restaurante, uma
mudança no ar a um nível anormal. Ao meu lado, Zayne se estirou, esticando o
pescoço, e soube imediatamente no instante que ouvi sua maldição rápida em voz
baixa. Eu soube, apesar do fato de que não fazia sentido.
Na minha frente, as sobrancelhas de Stacey se levantaram. — Hum…
Fechei os olhos quando o senti parar ao lado da mesa.
— Que coincidência encontrá-los aqui, caras! — Disse Roth, e o humor
negro escorria de cada palavra. — Todos juntos.
Quando me obriguei a abrir os olhos, ele ainda estava lá. Ele piscou um
olho quando chamou a minha atenção, e eu queria fazer o que o professor fizera
esta manhã.
— Olá, Roth. — Sam o cumprimentou rapidamente com a mão. — Você
gostaria de se juntar a nós? Há espaço mais do que suficiente.
Minha boca se abriu, mas antes que pudesse dizer uma palavra, Roth
deslizou no banco ao meu lado. Fiquei olhando para Stacey, que parecia precisar
de um balde de pipocas.
— Que conveniente que esteja aqui — disse Zayne. Seu braço ainda estava
colocado ao longo das costas da cabine, mas se inclinou, deixando seu outro braço
cair sobre a mesa. — Tendo uns, não sei, milhares de restaurantes na cidade.
Os lábios de Roth se curvaram enquanto se esticava, cruzando os braços.
De alguma forma presa entre os dois, a cabine de repente se parecia como uma
poltrona. — Acho que sou apenas sortudo.
— As estatísticas de que ele acidentalmente chegou aqui são bem mais
escassas — murmurou Sam para si mesmo enquanto Stacey girava lentamente em
direção a ele. — Mas está no fim da rua da escola, então isso aumenta a
probabilidade.
Meus olhos se arregalaram. Ah, não, salve os bebês pandas! Eu não disse
a Zayne sobre Roth frequentando a escola. Após Roth ser apanhado na armadilha
do demônio e ter desaparecido, não vi o sentido.
— O que significa isso? — Perguntou Zayne.
Ninguém na mesa além de Roth sabia, e alguém estava a ponto de soltar a
língua, assim me intrometi, pensando que seria melhor se viesse de mim. — Roth
vai para nossa escola.
O corpo de Zayne ficou tenso ao meu lado.
Atrevi-me a lhe dar uma olhada. Ele estava encarando Roth. — Ah, sim? —
Ele murmurou.
— Vocês não se conhecem? — Perguntou Stacey.
Os músculos ao longo do antebraço de Zayne se moveram rapidamente. —
Nós nos encontramos um par de vezes.
Roth sorriu largamente. — Bons encontros, também.
Ah, Deus...
— Você sabe que ele é um Guardião, certo? — Sussurrou Sam, inclinando-
se. — Acho que te dissemos uma vez no almoço, mas não me lembro.
— Sam! — Gritou Stacey.
Ele franziu o cenho...
Ele franziu a testa. — O que?
— Não sei — disse ela, — Mas parece rude apontar isso.
— Não é rude. — Os olhos dourados de Roth brilharam com humor. — Como
eu disse antes, acho que é épico.
Zayne sorriu de forma tensa enquanto sua mão em cima da mesa se fechava
em um punho. — Aposto que sim.
Eu queria bater minha cabeça contra a mesa.
— Ah, sim é. Você por aí, ajudando a combater o crime e todas essas coisas
boas — respondeu, e engoli um gemido. — É incrível. Aposto que você coloca sua
pequena – ah, não tão pequena – cabeça no travesseiro cada dia sentindo-se como
um herói. Espera. Sequer dormem em camas? Ouvi dizer que os Guardiões...
— Você realmente precisa estar sentado aqui? — Interrompi, perdendo a
paciência. Provocar Zayne não ajudaria em nada.
— Bem, alguém estragou meu almoço. — Roth me encarou. — Então, estou
com fome.
Sam sorriu. — Sim, de certo modo você deve uma refeição para ele.
Meus ombros caíram.
Zayne recuou, olhando diretamente para frente.
— Isto acaba de ficar realmente embaraçoso — Stacey murmurou, mas seus
olhos escuros brilhavam com interesse.
Não tão embaraçoso, surpreendentemente, como quando lambi o polegar
de Zayne como... Nem sequer sabia o que. Mas o jantar foi doloroso. Roth e Zayne
passaram o tempo todo trocando comentários sarcásticos, Sam e Stacey estavam
muito ocupados os observando, como se cada palavra que jogavam um para o outro
fosse uma bola de tênis, e no o momento em pedi a conta, já estava pronta para
acertar a garganta de alguém.
Principalmente a minha mesma.
Roth neste momento estava perguntando para Zayne quanto pesava, visto
que, de acordo com Roth, Zayne era feito de pedra. Enquanto isso, eu fiquei
encarando o encosto da cabine, rezando para que nossa conta chegasse logo.
Quando Sam retornou do banheiro pela segunda vez, um cliente habitual no
minúsculo bar na parte de trás do restaurante caiu do banco. Meus olhos se
arregalaram quando Sam olhou por cima do ombro e logo olhou para mim, com o
nariz enrugado. Droga, eles estavam ficando animados lá. Deve ser um happy-hour
bem especial.
— Peso o suficiente — respondeu Zayne. — E quanto a você? Você parece
vinte dólares empapado.
Ele bufou. — Você poderia querer olhar outra vez, ou ainda melhor, fazer
um exame nos olhos. Os Guardiões não têm doenças oculares degenerativas?
Suspirei e olhei as mesas, em sua maior parte vazias, e balancei de um lado
para outro como uma completa doente mental. Já tinha ido ao banheiro uma vez,
mas cogitava sair para me esconder até que fôssemos embora. O restaurante não
parecia ter muitos clientes, mas era antes da hora do jantar. O concurso de
comentários venenosos de Roth e Zayne se desvaneceu até ser um ruído de fundo
enquanto meu olhar se deslizava para uma mesa ocupada. Algo atraiu minha
atenção para os dois homens sentados em uma mesa para dois. Ambos eram um
pouco mais velhos que eu. Poderia dar-lhes mais ou menos a idade de Zayne.
Ambos tinham o cabelo castanho curto – quase no couro cabeludo, do estilo que
usam os policiais ou os militares. Suas camisas brancas pareciam ser passadas,
se não dobradas. Pelo o que pude ver, eles usavam caquis de cor clara. Obviamente,
eles não tinham qualquer tipo de aura rara, desde que eu não podia ver as almas
agora, mas algo a respeito deles atraiu a minha atenção.
Poderia ter algo a ver com o fato de que olhavam fixamente para nossa mesa,
um olhar sem piscar de um psicopata que te tinha na mira dele.
Eu tremi quando meu olhar encontrou o do cara de caqui da direita. Sua
expressão ilegível, fria mesmo. A de um robô.
A mão de Roth foi para minha coxa, me fazendo pular. — O que está
olhando, querida?
— Nada. — Fui retirar a mão dele, mas Zayne a bateu para longe de mim.
— Retire as mãos, amigo. — Praticamente arrancou a mão de Roth. — Se
quer que ela continue presa ao seu corpo.
Roth inclinou a cabeça, sua expressão severa. Uh, Ah. Abriu a boca, mas a
garçonete chegou, finalmente, com a conta e a peguei. — Já terminaram? — Eu
disse a Stacey e Sam. Eles pareciam fascinados enquanto assentiam. Zayne
rapidamente pegou a conta da nossa mesa e todos, menos Roth, deixaram a cabine.
Ele abaixou a cabeça, seu hálito quente no meu ouvido enquanto Zayne se
deslizava para sair detrás de nós. — Não fuja — sussurrou. — Nós três temos que
conversar.
Os olhos de Zayne se estreitaram e ele se colocou entre Roth e eu, uma
barreira enorme que fez Roth sorrir como um gato que viu um rato preso no canto
de um quarto. Fingi precisar usar o banheiro novamente para conseguir que Stacey
e Sam fossem à frente, nos dando um pouco de privacidade. Presumi que qualquer
conversa que nós tivéssemos que ter era melhor tê-lo aqui, e não em qualquer outro
lugar remoto, onde os dois provavelmente tentariam matar um ao outro.
Quando Stacey e Sam saíram pela porta da frente, Roth sentou onde Stacey
estava sentada antes, indicando que nos sentássemos. Suspirei enquanto deslizava
de volta na cabine. A pequena porção de espaguete que comi não estava caindo
bem no meu estômago conforme eu dava uma olhada na mesa de antes. Os dois
homens estavam lá, nos observando.
— Você precisa ser rápido — Zayne disse. — Porque não sei mais quanto
tempo posso suportar sua presença.
Roth fingiu um beicinho. — Você é tão mau, Stony. Talvez tenha algo no
traseiro que eu precise retirar?
— Roth — disse, agarrando a borda da mesa. — Chega.
— Ele começou.
Ofeguei. — O que? São crianças de dois anos?
Ele olhou para um Zayne irritado e aquele fraco brilho estava de volta em
seus olhos voltou. — Bem, ele parece estar cagado e necessitando trocar as fraldas.
— Chega. — Zayne começou a se levantar, mas coloquei uma mão em seu
braço.
— Para, por favor? — Quando bufou e voltou a sentar, mantive minha mão
no braço dele, somente por precaução. — O que quer falar, Roth?
O olhar de Roth baixou para onde minha mão foi apoiada. — Ele não sabia
que nós compartilhávamos as aulas.
Retirei a minha mão, ficando tensa. — Não tive tempo de contar a ele, e
sério, espero que essa não seja a razão pela qual queria conversar.
Ele encolheu os ombros. — Apenas acho interessante que você mantenha
seu melhor amiguinho de pedra no escuro.
Zayne começou a bater com os dedos na mesa. — Vá direto ao ponto, Roth.
Recostado em seu assento, era a imagem da arrogância preguiçosa. — Há
uma razão de estar aqui, além da lasanha deliciosa. Também é a razão pela qual
voltei à escola. Embora, eu ache divertidamente normal, há mais. — Seu olhar
deslizou em minha direção. — Achamos que um Lilin esteve ou está na escola.
— Detalhes.
Roth explicou o que aconteceu durante o dia, e então continuou narrando
a luta no começo da semana. — Não pensei muito nisso, até hoje. Planejava te
dizer...
— Depois do jantar? — Perguntou Zayne. — Era quando você ia me dizer
sobre este assunto? — Fez um gesto com a cabeça em direção ao Roth.
Roth bufou,
— Sim — disse. — Não queria fazer isso, você sabe...
— Arruinar a refeição? — Ele sorriu para Roth. — Isso é compreensível.
Roth revirou os olhos. — Em todo o caso, os estranhos acontecimentos na
escola não são a única razão. Acho que o Lilin quer fazer contato com Layla — ele
continuou, me surpreendendo enormemente.
— O quê? — Exigi. — Não me disse isso antes.
Ele sorriu para mim. — Você não estava com humor para falar.
Era verdade, mas de qualquer maneira... — Por que acha isso?
— O Lilin estaria atraído por você — explicou calmamente. — Afinal de
contas, compartilham o mesmo sangue.
Estremeci. Minha árvore genealógica estava seriamente ferrada. Meu pai
era um Guardião que me queria morta. Minha mãe uma super demônio com quem
ninguém se metia, e agora tinha um Lilin que poderia me declarar como uma
espécie de meio-irmã. Maravilhoso.
— O Lilin seria perigoso para Layla? — Perguntou Zayne, seus ombros
levantando como se fosse me pegar nos braços e me levar voando.
Roth negou com a cabeça. — Realmente, eu não sei.
— Esse não é o nosso maior problema — disse, inclinando para trás. — Se
o Lilin tem estado envolvido com as pessoas da escola, então já tem quatro pessoas
das que conhecemos. O que acontecerá com elas?
— Não sei se existe alguma forma de evitar que percam suas almas e se
tornem espectros. Poderia ter mais de quatro, pelo que sabemos. Centenas que
estão... Infectadas. — Roth levantou sobrancelhas. Infectadas era realmente uma
boa maneira de colocar isso. — Realmente não há como saber se aqueles infectados
são os que o Lilin está tentando levar.
— Levar aonde? — Perguntei.
Roth encolheu os ombros. — Lembra, quando os Lilins criam um espectro,
podem controlá-lo. São os únicos que podem. Pense no caos. Não só existe um Lilin
ao redor, mas está criando esses espíritos nojentos e dementes que realmente não
gostam da vida.
Tinha esquecido isso. De certa maneira. — A única maneira que nós
saberíamos o objetivo do Lilin é se... — engoli saliva, inquieta. — É se aqueles na
escola morrerem...
Ele assentiu com a cabeça, seu olhar se movendo para Zayne. — Essa é a
razão pela qual estou aqui, e por que vou ficar. E também preciso fazer um pouco
de investigação.
Levantei uma sobrancelha, e quando não continuou, suspirei. — Detalhes?
— Creio que podemos assumir com certeza que Dean foi infectado. Temos
que falar com ele.
— Ele foi suspenso por Deus sabe por quanto tempo — eu disse.
Roth sorriu com humor. — Tenho certeza que posso conseguir o endereço
da casa dele com facilidade.
Sem nenhuma dúvida a este respeito, eu olhei para Zayne. Ele assentiu
lentamente. — Talvez possa nos dizer algo que indique a direção em que temos que
ir.
— Vê? — Os olhos de Roth brilharam. — Eu sou necessário.
— Eu não iria tão longe. — Zayne se encontrou com o olhar divertido de
Roth. — Mas prometo isto, se você fizer algo que machuque a Layla ou mesmo faça
com que ela olhe de forma estranha para você, eu pessoalmente te destruirei.
Meus olhos se arregalaram. — Ok. Bom, acho que essa pequena reunião
terminou. — Dei uma cotovelada em Zayne. — Vamos.
Ele encarou Roth por um momento mais e logo se levantou. Virando para
mim, ele me ofereceu a sua mão e a peguei, deixando que me ajudasse a levantar.
Não havia como negar a vibração ferozmente protetora que estava enviando, mas
protetor sempre foi o papel de Zayne.
— Nunca quis feri-la, em primeiro lugar.
Ambos nos voltamos para Roth, que se levantava. Inalei uma lufada de ar,
mas os lábios de Zayne se curvaram para cima. — Seja como for, cara. — Ele se
inclinou. Embora fosse mais forte que Roth, não era tão alto, mas ainda assim o
enfrentou cara a cara. — Você pode jogar seus joguinhos com qualquer outra, mas
não fará essas besteiras com ela.
Apertei a mão de Zayne antes que uma partida mortalmente épica
ocorresse. — Vamos.
Um músculo saltou na mandíbula Roth quando viramos. Eu sabia que
estava atrás de nós, e quando olhei por cima do meu ombro, não fiquei surpresa
ao vê-lo. Mas também me surpreendeu ver os dois caras de caqui se levantando.
Fiz uma careta.
Os olhos de Roth se estreitaram e logo seguiu o meu olhar. Sua atenção
voltou para mim, lábios pressionados em uma linha tensa. Foi como se ele
entendesse o que eu estava pensando – algo estava errado com aqueles caras.
Lá fora, as luzes estavam acendendo, jogando seu brilho pelas ruas
rapidamente escuras. A mão de Zayne se apertou quando rodeamos um grupo de
pessoas à espera de transporte público, e suspirou quando ficou ciente de que Roth
seguia conosco. — Sério? Você vai caminhar com a gente até o nosso carro?
— Na verdade, acho que sim. — Roth reduziu os passos, andando atrás de
mim. — Estamos sendo seguidos.
Por baixo da viseira de seu boné, os olhos de Zayne se dilataram enquanto
ele olhava por cima do ombro. Ele virou, apressando o passo. — Dois homens
humanos?
— Sim — disse Roth, abrindo os lábios.
Eu queria com todas as minhas forças olhar para trás, mas pensei que seria
muito óbvio. — Alguma ideia de quem eles são?
— Não. Talvez queiram o número do seu telefone — Roth disse. — Ser parte
do seu fã-clube.
Uma vez ele disse que seria o Presidente do meu fã-clube, o que era
realmente estúpido, mas meu coração se retorceu um pouco com a sua declaração,
porque não significava nada. Respirei o ar fresco. — O que vamos fazer?
— Seu carro está no estacionamento, certo? — Ele perguntou a Zayne
enquanto eu jogava um olhar curioso sobre meu ombro, e ele piscou um olho para
mim. — Eu os segui.
— Fantástico. — A mão de Zayne liberou a minha e foi para a parte inferior
das minhas costas. — Então, você é um demônio e um perseguidor.
Impressionante.
— Que esperto, Stony. — Roth sorriu entre os dentes ante o rosnado
emanando de Zayne. — Vamos ver se nos seguem. O que é o pior que podem nos
fazer? Eles são humanos.
Não queria pensar no fato de que os seres humanos eram capazes de fazer
coisas terríveis. Não pude evitar. Pensei na última vez que Roth e eu estivemos em
um estacionamento com aqueles demônios Rack, os quais queriam jogar bola com
nossas cabeças. Tal como acontece com os becos, não tinha muitas experiências
positivas com os estacionamentos.
Rodeamos a esquina e minha respiração já formava pequenas nuvens
nubladas. Meu nariz estava frio quando finalmente olhei para trás, além de Roth.
Várias pessoas atrás de nós, os dois homens jovens estavam lá, a parte atrás de
suas camisas se mexendo. Um flash de algo metálico se refletiu na cintura de um,
parcialmente escondido pela camisa. Meu coração deu uma guinada. — Acho que
um deles tem uma arma.
— Cristo — Zayne murmurou.
Roth ironizou. — Acho que se tentar nos roubar, sério, eu vou rir.
— Só você riria de algo assim — disse, franzindo o nariz. Assalto não era
algo que eu gostaria de adicionar à minha lista de coisas que deram errado nesta
semana.
— O que? — Disse quando chegamos à entrada do estacionamento. — Eles
escolheram as pessoas erradas. Se for esse o caso.
O estacionamento estava silencioso, e as luzes do teto jogavam cor amarela
opaca nos capôs dos carros e no cimento manchado. Nem uma única coisa maldita
aqui me dava aquela sensação bem-vinda, nada de ruim acontecerá aqui em baixo.
No primeiro corredor de carros, os passos foram ouvidos atrás de nós. Roth
parou em seco enquanto Zayne virava, se movendo para ficar na minha frente. Ele
tirou o boné e me entregou. Eu me perguntei o que esperava que fizesse com seu
boné. Que não o sujasse?
Um dos homens avançou – não o que eu vi com o que parecia uma arma.
Sob a luz fraca, suas feições pareciam abatidas, afundadas, como se não comesse
bem por algum tempo.
Roth cruzou os braços, fazendo sua camiseta se esticar sobre seus ombros.
— Qual o problema, rapazes?
Revirei meus olhos.
O rapaz de caqui da frente olhou atrás dele, e meu coração parou. Os braços
de Roth se descruzaram, Roth e Zayne começaram a se agachar. O sujeito sacou
algo preto e retangular – definitivamente não era uma arma. Ele colocou isso diante
dele como um escudo, segurando-o fortemente, com os nós dos dedos brancos.
Roth começou a rir alto e intensamente. — Você deve estar brincando
comigo.
O sujeito Caqui sustentou a Bíblia em sua mão direita. — Nós sabemos o
que vocês são — disse; a voz forte enquanto seu olhar se movia sobre Zayne e Roth,
e então, onde eu assistia perto de Zayne. — O erro de Deus, um demônio do Inferno,
e algo muito pior.
Minhas sobrancelhas se ergueram. Como eu era o pior dos três? Não que
estivesse dando atenção a isso. Uma grande coisa que esse homem soubesse de
Zayne e ainda mais surpreendente saber que Roth era um demônio. Considerando
que os seres humanos deviam ser mantidos no escuro quando se tratava de coisas
de demônios.
— Estou ofendida — resmunguei.
— A Puta não deveria falar na presença de um texto tão sagrado — o sujeito
cuspiu.
— Perdão? — Gritei, atirando-me rapidamente detrás de Zayne, que me
pegou pela cintura. — Você acabou de me chamar de puta?
O homem segurava a Bíblia na minha direção. — Você é a filha de uma.
Isso não te faz o mesmo?
— Ei. — Roth deu um passo à frente, com as mãos em punhos nos seus
lados. — Isso é muito mal-educado e um pouco irônico, sabe, usar palavras como
puta enquanto segura a Bíblia.
— E isso vem de um demônio? — O outro homem desabafou. — Você é a
escória da terra, uma praga para o povo.
— Teria que concordar — Zayne murmurou em voz baixa.
O olhar selvagem do sujeito da Bíblia voltou em sua direção. — E você – não
é melhor. Posando como nosso protetor enquanto confraterniza com nossos
inimigos. Falsos profetas!
— Igreja dos filhos de Deus — disse quando entendi. A ira ardia como
pimenta picante na minha língua. Imagens de todos aqueles malditos folhetos
contra Guardiões, pregados nos postes elétricos, dançaram na minha frente. —
Vocês são fanáticos que não têm absolutamente nenhuma ideia de nada.
— Sabemos mais do que você pensa — anunciou orgulhosamente o cara
com a Bíblia. Ele fez uma careta ao olhar para Roth. — Sempre soubemos de sua
existência, e é nosso objetivo revelar os Guardiões pelo que eles realmente são.
— Curioso — murmurou Roth, se aproximando um pouco mais. O cara da
Bíblia recuou enquanto um pouco de sua arrogância se rachava como gelo. —
Como nos conhece?
— Temos nossos meios — o outro homem respondeu. Ao seu lado, seus
dedos se contraíram.
Zayne respirou profundamente. — Não somos demônios. Isso é o mais
distante...
— Está com um demônio – dois — ele respondeu, piscando várias vezes. —
As mentiras se deslizam da sua língua venenosa.
Apesar de nunca ter sido tão próxima e íntima da língua de Zayne, eu sabia
que não era venenosa. — Você não sabe nada sobre os Guardiões — disse,
esperando trazer uma dose de realidade ao mundo deles. — Se soubessem,
saberiam que eles estão ajudando a humanidade. Que não há nada a temer...
— Fique calada, puta de Satanás.
Minha boca se abriu e minha cabeça estava prestes a virar ao estilo
Exorcista. Dei um passo à frente enquanto Roth tocava seu pescoço, indicando que
estava pronto para terminar esta conversinha. — Me chame assim novamente e te
darei algo a temer. — Não tinha ideia de onde vieram essas palavras, porque mesmo
com o treinamento de Zayne, eu não era realmente uma lutadora, e não era
fantástica, mas meus lábios se curvaram em um sorriso frio e tenso. — Isso é uma
promessa.
Senti o olhar de Zayne – a surpresa e a incerteza, porque duvidava que ele
alguma vez tivesse me ouvido soar tão ameaçadora, mas ser racional com fanáticos
era tão infrutífero quanto ter uma lobotomia. Duas vezes. A raiva latente, a
indignação se formando dentro de mim alimentava minha coragem. Provavelmente
não era a melhor combinação, mas eu me aferrei a ela. Minha pele formigou e a
parte de trás da minha garganta queimou. Bambi se moveu em minha pele, sua
cauda balançando ao longo das minhas costas. Apostava que suas almas tinham
sabor de suco de morango aguado – contaminado. — Existe alguma razão para nos
seguirem, além de pregar bobagem hipócrita?
As bochechas do cara com a Bíblia ficaram vermelhas.
— Eu duvido — continuei antes que ele pudesse falar. — Duvido que exista
uma única coisa inteligente que algum de vocês tenha a dizer.
— Layla — Zayne me avisou em voz baixa, vindo para o meu lado.
— Você deveria ter sido sacrificada desde o momento em que surgiu no
ventre — disse o cara da Bíblia, e a sinceridade na voz dele era alarmante. — Você
é uma atrocidade.
Qualquer que fosse o controle que possuía foi puxado demais e se partiu
como um elástico puxado além do seu limite. Movi-me mais rápido que
provavelmente alguma vez fizera. Saindo disparada ofensivamente, eu arrebatei a
grossa Bíblia das mãos do homem. Jogando meu braço para trás, eu a lancei nele,
e o som do que deve ter sido a pancada bíblica mais épica da terra ecoou pelo
estacionamento.
A risada surpresa de Roth me sacudiu até a medula. — Maldição. Você
recebeu o que merecia. No sentido bíblico.
Choque zuniu por mim como mil abelhas confusas. Enquanto o homem
cambaleava para trás, o sangue escorria pelo corte no canto da sua boca. Voltou
os olhos selvagens em minha direção enquanto levava a mão trêmula até a boca.
Meus olhos caíram para a Bíblia que eu segurava. A borda do topo estava
escurecida – manchada. A inalação suave de Zayne me fez tremer e deixei a Bíblia
cair, esperando que me queimasse.
Isso aconteceu muito rápido.
O outro tipo cambaleou para frente, com o rosto em uma máscara vermelha
de ódio, contorcido em algo tão feio que roubou meu fôlego. Ele colocou a mão sob
a camisa com a mão direita, e me lembrei de ver o brilho do metal antes. Roth
amaldiçoou quando a arma apareceu na mão do homem, mas em vez de apontar
para mim, apontou para Zayne.
— Não! — Gritei.
Zayne virou, e o coração saltou em minha garganta. Joguei-me para ele
quando explodiu o som de estalo. Antes que pudesse alcançá-lo, Zayne se moveu.
Sua camisa se dividiu no meio e pele cinza escuro apareceu. Algo passou zumbindo
junto do meu ombro e a bala encontrou seu alvo, batendo no peito de Zayne. Ele
cambaleou para trás.
Houve um ponto de movimento à minha esquerda enquanto o grito
congelava na minha garganta. O silêncio foi quebrado por um grito agudo, seguido
de ossos quebrando, logo então este som de pele e carne. O cara da Bíblia girou em
seus calcanhares, saindo disparado, como se o próprio diabo estivesse atrás dele.
Não me importava. Ele podia correr.
Aproximei-me de Zayne, colocando minha mão em seu peito. Ele estava se
olhando, rapidamente mudando para a forma humana, sua pele voltando a ficar
rosada. — Oh meu Deus...
— Estou bem — disse ele, mas as palavras quase não foram registradas.
Com o coração disparado, passei minha mão trêmula sobre o seu peito, buscando
o calor e a umidade do sangue. Não parei até que ele agarrou meu pulso, afastando
minha mão. — Layla, eu estou bem. Olha.
— Como pode estar bem? — Minha voz estava sufocada pelas lágrimas,
coberta com medo. — Você acaba de ser baleado no peito.
Ele sorriu quando ergui os olhos para o rosto dele. — Olha. A bala
ricocheteou. Mudei a tempo. Há apenas um arranhão. Nada mais.
— Ricocheteou? — Quando ele assentiu com a cabeça, olhei para baixo e vi
a bala no cimento. A borda arredondada estava plana, como se ela tivesse atingido
algo impenetrável, o que havia ocorrido. Meu cérebro processou lentamente, e
deveria saber desde o início. Zayne mudara. Uma bala não transpassaria a pele de
um Guardião.
Lancei-me para ele, envolvendo os braços em volta do seu pescoço e
segurando-o como filme plástico. Meu coração ainda palpitava de forma doente,
porque por alguns horríveis segundos, pensei que a bala havia atingido realmente,
e em uma forma humana, um Guardião não sobreviveria a um tiro no coração.
O riso de Zayne tremeu enquanto delicadamente ele retirava meus braços
de seu pescoço. — Você vai me estrangular, Layla-bug.
— Sinto muito — me forcei a dar um passo atrás. Tentando me controlar,
virei e fiquei sem fôlego. Fiquei presa.
Roth nos olhava com um olhar distante gravado em suas feições, mas não
foi o que chamou minha atenção, o que me tocou como um balde de água gelada.
No chão, a poucos metros atrás de Roth, estava o homem que havia atirado em
Zayne.
Ou o que restava dele.
O braço direito do homem estava torcido em um ângulo antinatural, como
a de um desses bonecos assustadores. O vermelho manchava a frente de sua
camisa branca e a arma. Meu Deus, ela estava no estômago do homem, o punho
para fora. Tentei outro suspiro, mas meus pulmões estavam entupidos.
Ele ainda estava vivo. Eu não sabia como, mas seu peito subia com uma
respiração rasa, forte e rápida. Seus olhos escuros estavam muito abertos e se
movendo rapidamente, da esquerda para a direita. Seus dedos se contraíam no
braço bom.
Meus pés se moveram por vontade própria. Parei em seco na piscina de
sangue se espalhando rapidamente. Ele deu outra respiração rápida, e quando
abriu a boca, escorreu sangue. — Tudo... Terminou... Sabemos que está
acontecendo... — seus olhos castanhos perderam o foco enquanto o sangue
escorria de sua boca em um fluxo constante. — Nós sabemos sobre o Lilin...
O homem estremeceu uma vez e depois não havia nada – nenhum
borbulhar no fim ou uma respiração profunda. A respiração irregular simplesmente
parou conforme sua vida se escapava pouco a pouco dele. Apesar de tentar atirar
em Zayne, e o mais provável é que quisesse matá-lo – e matar a todos nós – ver
uma vida se extinguir – uma vida humana – não era algo que eu estava bem, ou
sequer sabia como processar.
Pressionei a palma da mão na minha boca enquanto tropeçava para trás.
Uma mão me estabilizou, mas não conseguia afastar meu olhar do jovem. Em
poucos segundos, sua pele ficou pálida, tendo a cor da morte. A vida foi tão
facilmente. Desapareceu. Simples assim. O homem estava morto e havia uma boa
chance de que havia sido minha culpa. Poderiam ter se afastado disso se eu não
tivesse confrontado eles.
— Oh Deus — sussurrei.
Alguém me puxou para trás e me obrigou a virar. Dedos quentes removeram
o cabelo de minhas bochechas enquanto me esforçava para ver o homem no chão.
— Layla.
Meus olhos se encontraram com olhos cor âmbar. Roth e eu estávamos tão
perto – muito perto. Suas mãos me firmaram no lugar, cobrindo minhas bochechas,
e seu quadril se pressionava contra o meu estômago. — Tinha que acontecer. Ele
estava virando essa arma para você e você não teria mudado rápido o suficiente. E
ele teria te matado.
— Eu sei. — Eu sabia disso, mas o rapaz estava morto.
— E você precisa parar de olhar para ele. Não vem nada de bom disso. —
Seus cílios se levantaram, com o olhar fixo sobre meu ombro. — Você precisa sair
daqui. Eu vou cuidar do corpo.
Eu não queria saber como ele cuidaria do corpo, e queria não ser a covarde,
que facilmente se afetava por um cadáver, mas minhas mãos tremiam enquanto
seus dedos se deslizavam por minhas bochechas. Os olhos de Roth se encontraram
com os meus por um segundo, e logo Zayne estava ali, me afastando da visão
horrível.
Enquanto ele me levava para o Impala, dei uma olhada por cima do meu
ombro. Não para o corpo. As sombras pareciam ter se espalhado pelo
estacionamento, tornando-se cada vez mais espessa, quase palpáveis. Nós
estávamos apenas alguns carros de distância, mas Roth já havia desaparecido nas
sombras.
— Sinto muito — eu disse, e não estava certa para quem eu falava, mas o
silêncio foi a única resposta.

***

A volta para casa foi silenciosa, e enquanto Zayne foi informar ao seu pai
da briga com os caras da Igreja dos filhos de Deus, fui para o meu quarto. Deveria
estar presente enquanto ele contava para Abbott, mas depois de ontem à noite,
duvidava que estar na mesma sala que ele ajudaria meu humor atual.
Eu estava impaciente na minha própria pele. Bambi se manteve movendo
ao redor, tentando ficar confortável. Eu gostaria que ela simplesmente fosse relaxar
na casa de bonecas, mas ela não iria a lugar nenhum.
Puxando meu cabelo em um nó bagunçado, caminhei ao longo do meu
quarto. Sempre que fechava meus olhos, eu via o homem no chão sujo do
estacionamento e ouvia suas palavras. Eles sabiam – a Igreja sabia do Lilin. Estava
mais à frente de mim. Foi o mesmo com Roth. Como eles sabiam dos demônios em
geral?
Esfreguei minhas mãos ao passar na frente da minha cama novamente.
Ainda não podia acreditar que eu havia batido no rosto do cara com uma Bíblia.
Isso foi terrível. Talvez não completamente fora do lugar, mas minha mão teria sido
uma escolha melhor. Por outro lado, se ao menos eu tivesse permanecido calma,
talvez ninguém tivesse morrido. Isso estava em minhas mãos, e nem sequer sabia
por que eu fiz isso. Sim, eu estava com o rosto cheio de ódio, mas normalmente eu
não era agressiva.
E nem lambia normalmente os dedos das pessoas.
Era algo que Roth faria – que fez comigo anteriormente. Quando havia
sugado as migalhas de um biscoito de açúcar.
Roth.
Uma sensação distorcida encheu o meu peito.
Ugh.
Gemendo, parei e sentei na ponta da cama, de costas para a porta. Esqueci
todo o lamber do dedo de Zayne à luz de ver alguém morrer. Era melhor assim.
Deixei-me cair de costas, olhando para o teto. Às vezes parecia que algum tipo de
entidade desconhecida tivesse invadido meu corpo. Esfreguei as mãos no rosto,
sentindo como se precisasse de uma limpeza do corpo.
Uma batida na porta do meu quarto me obrigou a levantar. Dando a volta,
eu limpei a garganta. — Sim?
Quando a porta se abriu e Danika apareceu, minhas sobrancelhas
levantaram. Ela mudou seu peso... — Queria checar... — pausando, olhou sobre
seu ombro. —... O seu braço?
Maldição. Esqueci-me disso também. — Agora nem mesmo dói.
— Era isso que eu queria ouvir — vacilou enquanto mordia o lábio. —
Posso? — Fez um gesto para a cama.
Ok. Isso foi estranho, mas tive muito de estranho na minha vida
recentemente, estava interessada em saber onde aquilo daria. Cruzei as pernas. —
Claro.
Seu sorriso era hesitante quando fechou a porta e atravessou o quarto, se
sentando ao meu lado. Para alguém tão alto quanto ela, poderia pensar que seria
menos graciosa. Não. A garota andava sobre a água, e a água provavelmente
gostava. — Se importa se eu der uma olhada no seu braço?
— Não. — Estendi a mão e tirei a blusa. Embaixo eu usava uma camiseta
sem mangas, que lhe dava um acesso perfeito. O corte no meu braço não era nada
mais do que uma marca cor de rosa. A pele estava enrugada, e isso provavelmente
nunca mudaria, mas era melhor que morrer. — Os pontos caíram esta manhã.
— Parece perfeito — levantou o olhar enquanto afastava um fio de cabelo
escuro. Um momento passou enquanto eu esperava que se levantasse, mas
permaneceu. — Soube o que aconteceu com os membros da Igreja.
Afastei o olhar, me perguntando se Zayne havia dito ao pai dele que eu de
alguma forma instigara a violência. — Sim.
— Abbot está preocupado — disse ela suavemente. — Não entende como
eles sabiam, que esse... O que Roth era ou sobre o Lilin. — Houve uma pausa
quando colocou uma perna incrivelmente longa sobre a outra. — Isso não é um
problema que ele realmente quer se preocupar neste momento. Mas suponho que
quando chove, chove a jarros, né?
Mais como quando chovia acontecia um furacão poderoso. — Sim.
Danika brincou com uma pulseira de prata em torno de seu pulso. — Não
sei se você ouviu ou não, mas nós não vamos voltar para Nova York. Não com o
problema do Lilin. Abbot quer toda a mão de obra que puder ter.
Uhuu. Mal conseguia conter a minha excitação.
— E com Thomas ainda desaparecido, Dez e os caras estão bastante
confiantes de que algo aconteceu com ele.
Coloquei-me rígida, distraidamente esfregando o local no meu peito onde
descansava a cabeça de Bambi.
Seus olhos se arregalaram. — Prometi a você e a Zayne que não diria nada
e não farei — insistiu ela, seus olhos tão azuis e brilhantes como os de Zayne. —
Ninguém sequer pensa que você ou... Como se chama?
— Bambi — disse. — Não dei esse nome a ela, certamente.
Franziu a testa. — Ninguém pensa que você ou Bambi tem algo a ver com
isso.
— É bom saber disso — Meu olhar se fixou na porta fechada. Isto era
realmente... Desconfortável. Estava meio tentada a ir procurar Jasmine e deixar
que sua filha mordesse o meu dedo do pé. — Zayne ainda está com Abbot?
— Sim. Todos os homens se juntaram na sala. Ninguém realmente sabe
como lidar com as pessoas da Igreja sem piorar mais, mas... Não acredito que isso
seja o que mais preocupa Zayne.
— Não? — Perguntei
Ela sacudiu a cabeça quando olhei para ela. — Ele não está muito feliz por...
Roth estar na sua escola. Nem Abbott.
— Obviamente — suspirei, descruzando as pernas. Meus pés nem sequer
tocaram o chão. Eu era um troll sentada ao lado dela. — É um demônio, então é
claro que está com raiva.
— Duvido que essa seja a única razão pela qual Zayne não está feliz com
Roth na escola com você.
Franzi a testa. — Que outras razões poderiam haver?

As sobrancelhas dela se levantaram quando olhou para mim. — Realmente


não sabe? — Quando neguei com a cabeça, ela sorriu silenciosamente. Havia um
tom triste no som. — Às vezes, Layla, você é tão inconsciente que quero te puxar
pelo cabelo.
Engasguei com o riso. — O quê?
Danika não respondeu imediatamente e depois tomou uma respiração
profunda. — Ok. Sejamos claras uma com a outra. Você não gosta de mim.
Abri a boca e senti que minhas bochechas se aqueceram. Estava prestes a
negar, mas o olhar que me enviou disse que não havia nenhuma razão para fazer
isso. — Bem... Isso é realmente desconfortável.
— Sim. — Ela assentiu com seus finos ombros subindo. — Todos no clã –
ambos os clãs – esperam que Zayne e eu fiquemos juntos, e eu não rejeitaria essa
oferta. Acho que você sabe que eu... Eu gosto de Zayne.
— Eu diria que gostar não é uma palavra suficientemente forte.
Ela sorriu para isso. — Ele é... Bem, você sabe como é. Também sei que
você gosta dele, e como provavelmente não é uma palavra suficientemente forte
para você também.
Eu não disse nada, porque essa é uma conversa que realmente não queria
ter.
— De qualquer forma, uma vez que eu ficarei aqui por um tempo, eu queria
esclarecer as coisas entre nós. Eu gosto de você, Layla — deu de ombros. — Espero
que possamos ser amigas, e não quero que se preocupe comigo e Zayne.
Parte de mim queria dizer que eu não estava preocupada, mas,
aparentemente, eu era tão transparente como uma janela. Tomando uma
respiração profunda, decidi que precisava ser mulher. — Eu sei que não tenho sido
sempre... Ah, acolhedora com você, e você não foi nada mais que legal comigo.
Sinto muito por isso — Uau. Esta foi provavelmente a mais madura sequência de
palavras que eu disse para Danika. Eu merecia um biscoito do tamanho de uma
mão. — Aceitei que você e Zayne fiquem juntos. — E essas palavras eram uma
bebida amarga, mas que eu precisava engolir. — Os dois são perfeitos um para o
outro. Ambos são lindos e você é muito agradável e inteligente. E sei que Zayne...
— Pare — ela disse, levantando uma mão. — Eu gosto de Zayne e concordo.
Nós seríamos perfeitos juntos, mas isso nunca vai acontecer.
Fiquei olhando para ela, confusa. — Por que não?
— Porque ele não me quer. Ele não está apaixonado por mim e é óbvio para
todos, menos para você — disse, e seu olhar abaixou. Cílios grossos escondiam
seus olhos. — Zayne quer você. E ele está apaixonado por você.
Eu começava a me arrepender de ter deixado Danika se aproximar do meu
braço com uma agulha – claramente, tinha muitas possibilidades que ela fumasse
crack.
Zayne me queria? Ele me amava? Claro, sabia que Zayne se preocupava
muito comigo, mas estar apaixonado por mim? Isso era completamente diferente.
Eu não podia acreditar, não quando havia tantas razões por que não estaria
apaixonado por mim – não poderia. Além do fato de que todos no seu clã esperavam
que Zayne se emparelhasse com Danika ou outra Guardiã adequada para produzir
bebês gárgula, ele nem sequer podia me beijar. Sim, isso não quer dizer que não
poderia se aproximar de mim e que... Não poderíamos fazer outras coisas, mas era
muito perigoso.
Pensar nessas coisas que não envolvem nossos lábios se tocando me
manteve acordada a maior parte da noite de sábado. Inclusive com a minha
limitada experiência quando se tratava dessas outras coisas, minha grande
imaginação estava me dando muitas ideias. Ideias envolvendo as mãos, dedos e
outras partes do corpo...
Oh, Deus.
Virei de bruços e gemi no meu travesseiro. Não vi muito Zayne durante o
dia, e pode ter sido porque eu estive o evitando, mas após o que Danika disse,
mesmo que não acreditasse nela – havia muitas possibilidades de que começasse
a rir como uma hiena caso estivesse sozinha com ele.
E isso era ridículo.
Eu era ridícula.
Mas a ideia de experimentar qualquer uma dessas coisas com Zayne deixou
minha cabeça girando e fez com que meu pulso martelasse em meu corpo.
Tentando ficar confortável, dobrei uma perna, mas não ajudou. Tirei os cobertores,
chutando-os para o pé da cama, mas minha pele ainda estava muito tensa, como
se não houvesse nenhum espaço entre minha pele e ossos.
Virei de costas. Colocando uma mão na minha barriga, não fiquei surpresa
ao descobrir que a pele estava quente, e logo se formou um pequeno nó, o que me
deixou frustrada... E confusa. Minhas ideias estavam todas emaranhadas, porque
quando sentia este fluxo suave e ardente em minhas veias, também pensava em
Roth e tudo que nós compartilhamos. E quando pensava em Zayne dessa forma,
sentia como se estivesse fazendo algo errado, o que era estúpido, porque Roth
deixou bem claro que não havia nada entre nós.
Com muito calor e nervosa demais para dormir, eu saí da cama por volta
das 03:00 da manhã. Coloquei um par de meias grossas até o joelho, que na
verdade chegavam até as coxas, peguei um casaco quente e coloquei sobre meu
baby doll.
Com o cabelo uma bagunça e um desastre ambulante de moda, eu
escorreguei do meu quarto e desci. A esta hora da noite, a maioria da casa estaria
silenciosa. Jasmine e Danika estariam dormindo ou em algum lugar com os
gêmeos. Somente Geoff estaria ao redor, monitorando as câmeras, e do lado de fora
teriam guardas, apenas no caso de acontecer algo louco. Na maior parte, teria a
casa para mim.
O ar frio aliviou um pouco do calor enquanto eu descia as escadas, as
bordas da minha camisola sem abotoar voando atrás de mim como asas.
Meus pés cobertos com meias foram silenciosos ao entrar na cozinha e
pegar uma garrafinha de suco de laranja. Comecei a fechar a porta da geladeira
quando me estiquei e peguei o que restava de biscoitos doces.
Pegando as minhas guloseimas e as segurando perto, comecei a caminhar
em direção as áreas habitáveis, mas me desviei na direção da biblioteca. Usando o
quadril, empurrei a pesada porta de madeira para que se abrisse. Deixei o biscoito
e o suco de laranja na mesa e depois liguei a lâmpada antiga. Um brilho ligeiro
encheu a grande habitação.
Respirei profundamente, inalando o cheiro perfumado de livros antigos.
Passei muitas noites e dias nesta biblioteca quando era mais jovem, e quando
visualizei as numerosas fileiras de livros, me dei conta que havia lido a maioria.
Houve muitos dias e noites solitárias. Ainda haveria muitos.
Parti um dos biscoitos, arrastei os pés ao redor da sala e comecei a folhear
os títulos, sem olhar para nada em particular. Mas ao estar em algum lugar entre
bastante aborrecida para ler e Preferiria estar deitada e frustrada, encontrei algo
que chamou minha atenção.
Métodos e Preparo de ervas e seu impacto sobre demônios e guardiões.
Não era exatamente uma leitura rápida para hora de dormir ou o tipo de
livro que encontraria em uma biblioteca humana, mas pensei no frasco que vi
Abbot segurando e a curiosidade me venceu. O peguei, virei e o coloquei sobre a
mesa enquanto mastigava o biscoito. A maior parte do livro estava escrito à mão,
ervas escritas em ordem alfabética e acompanhada de desenhos de ervas.
Em menos de dez minutos o espaço entre os meus olhos começou a doer.
Havia muitas ervas no mundo, e também muitas que eram ingredientes de poções
branco-leitosas.
Levantei a vista enquanto agarrava meu suco de laranja e tomava um gole,
amando o modo que contraía a garganta. Formei uma ideia; não uma inteligente,
mas fascinante.
Abbott estava fora à noite como a maioria dos Guardiões. Geoff estava em
algum lugar, então isso era um risco, mas... Eu estava entediada e curiosa.
O estúdio que Abbot ocupava estava justo ao outro lado do corredor.
Poderia entrar pela porta da biblioteca. Ela abria-se em uma pequena sala de estar
que ninguém nunca usava e através dessa sala eu podia entrar em seu escritório
sem usar o corredor, que provavelmente seria monitorado. Mas a sala de estar?
Provavelmente não.
Baixei o suco de laranja e contornei rapidamente a mesa, meus pés
deslizando sobre o piso de madeira. Explodi através da porta para a sala de estar,
aliviada de encontrá-la vazia e escura; e antes de me dar tempo para me
arrepender, eu tentei a maçaneta da porta de Abbott.
Não estava trancada.
Prendi a respiração enquanto girava a maçaneta. A porta rangeu como
velhos ossos enquanto a abria. Havia uma lâmpada em sua mesa de cerâmica
verde, que projetava uma pequena faixa de luz sobre a mesa e o chão.
O cômodo cheirava a Abbot – sabão, ar livre e um traço fraco dos cigarros
que ele manipulava. Uma bola formava em minha garganta enquanto deslizava
para a grande mesa de carvalho. Podia contar em uma mão o número de vezes que
o grande Guardião me abraçou, mas quando o fez, seus abraços eram sempre
quentes e surpreendentes.
Sentia falta deles.
Engoli o nó, decidindo atacar primeiro a mesa. Havia muitos lugares onde
podia ter escondido o que estava procurando – as prateleiras nas paredes de trás,
as gavetas que certamente estavam fechadas e uma dúzia de pequenos cubículos
por aqui e ali.
O primeiro par de gavetas não tinha nada que me interessava – papéis,
correspondência da polícia e do governo, e emails de líderes de outros clãs. A
segunda gaveta estava cheia de penas, do tipo que me dava vontade de roubar, e a
terceira tinha mais notas autoadesivas do que o necessário, Deus.
A quarta gaveta – a última – foi onde encontrei o prêmio maior. Literalmente.
Sobre uma grossa toalha escura estavam posicionadas dezenas de
frasquinhos, que rolaram inofensivamente enquanto abria a gaveta o máximo que
podia. Eu me ajoelhei e levantei um que parecia conter suco de toranja e logo voltei
a abaixá-lo, procurando cuidadosamente até encontrar um que parecia familiar.
Ergui o frasco pequeno, observando o líquido branco se mover enquanto eu me
levantava.
Eu virei a garrafa e franzi a testa ao ler o rabisco que estava na parte de
baixo. — Sanguinária?
— O que você está fazendo?
Gritei e quase derrubei o frasco. Virando, o agarrei contra meu peito
enquanto respirava aliviada. — Zayne.
Ele estava no limiar da porta em que eu escapuli; vestido de camisa e calças
pretas. Apesar de estava muito frio lá fora, a temperatura do corpo de um Guardião
de puro-sangue era maior do que a dos seres humanos, e inclusive a minha. Ele
cruzou os braços e levantou uma sobrancelha.
— Me assustou pra caramba. — Com o coração palpitante, tudo que pude
pensar foi na garrafa na mão. Zayne não entenderia porque eu deslizei para o
escritório de Abbot, não importando quanto inofensivo fosse. Como somente me
observava, eu tentei uma distração enquanto abaixava as mãos. — Por que você
voltou tão cedo?
— O que está fazendo no escritório do meu pai?
Enruguei o nariz. — Nada.
— Nada?
Com as mãos agora escondidas atrás da mesa, deslizei o frasco pela palma
da minha mão. Teria que deixá-lo cair e pedir ao Dalai Lama que não se quebrasse,
ou fingir um desmaio e devolvê-lo ao seu lugar. Nenhuma dessas opções me dava
muita confiança. — Não.
— Uh-huh.
Minhas bochechas começaram a esquentar, e estava agradecida pela luz
fraca do cômodo. — Não me disse por que veio tão cedo.
— E você que não me disse o que está fazendo aqui.
Balanceei o meu peso, me preparando para largar o frasco na gaveta onde
o encontrei. Tudo que precisava era o nome e já o consegui. — Eu não conseguia
dormir, então eu estava – Aah!
Zayne se moveu incrivelmente rápido, era como se ele tivesse desaparecido
desde o batente da porta só para reaparecer na minha frente. Antes que eu pudesse
deixar o frasco cair, ele envolveu a mão ao redor do meu pulso.
— O que é isto? — Ele perguntou enquanto levantava meu braço.
Meus dedos apertaram em torno do frasco. — Hum…
Ele curvou a cabeça para um lado e suspirou. — Layla…
Eu tentei me libertar, mas quando isso não funcionou, eu o imitei e então
finalizei seu suspiro com um próprio. — Certo. Vi Abbott com este frasco faz uns
dias e queria saber o que era. Então era isso que eu estava procurando.
— Às três da manhã?
— Eu não conseguia dormir e estava na biblioteca quando a ideia me
ocorreu. — Voltei a puxar meu braço. — Não estava aqui fotocopiando os segredos
dos Guardiões ou matando bebês. Veja. — Movi os dedos até que ele pudesse ver
a etiqueta escrita à mão do pequeno frasco. — Não estou mentindo.
Abaixando os olhos, franziu a testa. — Sanguinária?
— Você sabe o que é? — Se fosse assim, melhor para mim, porque seria
muito melhor que ele explicasse do que rever aquele livro empoeirado.
— Sim. — Ele soltou meu braço e puxou o frasco dos dedos rapidamente,
como um gato. — Você não deveria se meter com isso.
— Por quê?
Com muito cuidado ele colocou o frasco na gaveta e a fechou suavemente.
Assim que se levantou, me dirigiu um longo olhar. — Vamos.
Meus pés afundaram no chão teimosamente. — Me fale o que você sabe.
Zayne rodeou a mesa e saiu. — Layla, vamos, antes que alguém mais volte,
te veja aqui e enlouqueça.
Ele estava certo, e apesar de sentir este impulso de criança para discutir,
eu ignorei e o segui até a biblioteca. Passando por ele, fui direto para o escritório
enquanto ele fechava a porta.
Meus olhos se arregalaram enquanto eu notava o suco de laranja, o livro e
o... O pacote de biscoitos vazio. Virei-me para Zayne. — Você comeu meus biscoitos!
Um sorrisinho apareceu em seus lábios. — Talvez.
Soltei um suspiro enquanto pegava a garrafa de suco. — Isso é muito ruim.
Ele caminhou até a mesa e apoiou as palmas das mãos na borda,
inclinando-se para que nós estivéssemos na mesma altura. — Você receberá um
novo pacote de manhã.
— Deveria mesmo. — Eu disse, soando mal-humorado e temperamental. E
sentia essas coisas porque ele estava perto, e tudo o que podia pensar era no que
Danika havia dito e em todas aquelas coisas indecentes que estava pensando e que
me fizeram sair da cama. Afastei-me da mesa.
Uma carranca se formou enquanto me olhava atravessar o cômodo. — Você
está com um humor encantador.
Dei de ombros enquanto o olhava por sobre a garrafa. Encostando-se ao
sofá parcialmente escondido nas sombras, deixei meu suco na mesa. — Vai me
contar sobre a sanguinária?
— É uma erva.
Levantei uma almofada e a coloquei no meu colo. — Percebi isso.
— É realmente muito perigosa. — Me seguiu para o sofá, se sentou e tirou
suas botas e meias. Ele se inclinou sobre o outro braço esticando o mais que
pudesse, o que significava que me deixou no pequeno espaço que eu ocupava. —
Não têm muito efeito sobre os demônios, mais que deixá-los sonolentos. Mas pode
matar um ser humano, e nocautear e paralisar um Guardião por um tempo.
Meu coração saltou em um disparo. — Por que Abbott teria algo assim?
— Não sei. A garrafa parecia antiga. Como muitas das garrafas que estavam
lá. Deve ter guardado para quando um Guardião se revelar. Como aconteceu com
Elijah quando... — sua voz foi se apagando e olhou para baixo.
Eu enrijeci um pouco enquanto meus dedos apertavam a almofada. Era a
primeira vez que Zayne usava o nome do meu pai, meu pai ausente. O Guardião
que dormiu com Lilith, e quem, após descobrir que havia gerado um filho, tentou
matar a criança. Muitas vezes. Essa seria eu. Abbott o deteve quando eu era jovem
e pude ver como a sanguinária poderia ter sido útil então.
— De qualquer forma — Zayne disse, me observando. — Vim para casa mais
cedo porque não aconteceu muito. E eu me encontrei com Roth.
Meu estômago se apoderou de um sentimento confuso. — Sério?
Ele assentiu. — Fazia suas tarefas de espionagem de todas as noites,
suponho. Encontrou-me perto de Foggy Bottom e queria saber como Abbott aceitou
toda a merda da Igreja dos filhos de Deus.
Forcei minha expressão a ficar inexpressiva. Roth poderia ter enviado uma
mensagem para mim ou ligado facilmente para descobrir isso. Embora eu não saiba
por que esperava isso dele. — É bom ver que não feriram fisicamente um ao outro.
— Não diria que foi uma conversa da mais agradável. — Zayne se moveu no
sofá ao meu lado, empurrando minha coxa com o pé. Olhei para ele com as
sobrancelhas levantadas. — Qual é seu problema? — Perguntou, tirando a mecha
de cabelo loiro da sua testa.
Segurando a almofada mais perto, eu neguei com a cabeça. — Nada.
Ele se inclinou contra o braço do sofá, preguiçosamente segurando a nuca
com a mão. Os músculos sob a blusa fina se apertaram com o movimento. — Algo
está te incomodando...
Às vezes, eu odiava Zayne por me ler tão bem. Que quando ele olhava para
mim, como fazia agora, sentia como se ele pudesse descobrir todos os meus
segredos com apenas um olhar. Mas isso não significa que eu estivesse de acordo,
apreciasse e compartilhasse o momento.
Zayne suspirou. — Me evitou o dia todo.
— Não fiz isso.
— Sim, você fez. — Ele fechou os olhos, encolhendo os ombros
desigualmente. — Algo está acontecendo com você.
Enrolando uma longa mecha de cabelo em meu dedo, fiz uma cara de culpa
quando Zayne não poderia vê-la. — Não estava te evitando. — Era uma completa
mentira. — É apenas sua insegurança falando.
Um olho se abriu de repente. — Desculpe?
— Você me ouviu. — Eu disse, tentando esconder meu sorriso. — Não
estava ignorando, estava muito ocupada hoje.
O outro olho se abriu quando ele abaixou seus braços, cobrindo a parte de
trás do sofá. Eu tinha toda a sua atenção agora. — Não fez nada hoje, exceto ficar
no seu quarto e olhar para Izzy enquanto tentava morder os seus pés.
Meus olhos se estreitaram.
— Por que não conseguiu dormir?
Continuei torcendo meu cabelo em uma corda gigante. — Simplesmente
não pude.
Passaram alguns minutos em silêncio. — Estou realmente feliz que você
esteja acordada. Quero falar com você de algo. Tem a ver com Roth. — Disse o
nome dele como se fosse uma nova doença sexualmente transmissível.
— Temos mesmo que falar dele?
— Sim. — Franziu a testa. — Para de bagunçar seu cabelo.
Meus dedos pararam e deixei a minha mão cair, franzindo a testa para ele.
— O que há com Roth?
— Não confio nele. Não somente porque é um demônio, mas pelo que... Bem,
pelo o que ele pode ou não pode significar para você. — Seus olhos ainda não
deixaram o meu rosto. — É... Deixa para lá. Sei que você o verá na escola, mas não
quero que se encontre com ele sozinha.
Meu olhar sobre ele se intensificou. A frustração de antes estava de volta,
coçando minha pele e fazendo Bambi ficar nervosa. — Sim, porque isso é
exatamente o que eu planejava fazer.
— Olha, não estou dizendo que o faria, mas sei que você vai querer descobrir
mais sobre Lilin, e não quero que fique sozinha com ele.
Abri minha boca.
— Somente porque não quero te ver mais magoada — acrescentou, e o que
poderia dizer sobre isso. Embora pudesse haver algo mais do que isso? Deus sabia
o que Roth e Zayne disseram um para o outro, e agora que Zayne sabia toda a
extensão do que aconteceu com Roth, somente poderia adivinhar o que estava
pensando.
Por baixo dos meus cílios, assisti ele espreguiçar fluidamente, como um
gato com a barriga cheia. Zayne era super protetor comigo, mas isso não queria
dizer que ele estava com ciúmes ou apaixonado por mim.
— Além disso, há outra razão por que vim para casa mais cedo — disse
arrastando as palavras preguiçosamente. — Estava certo de que sentia minha falta.
— Não é provável. — Joguei a almofada na cabeça dele. Ele a pegou no ar
um segundo antes de bater em seu rosto. — Absolutamente.
Ele passou a almofada atrás de seu pescoço, olhando para mim. — Uma
terrível mentirosa. — Não poderia saber quão perto suas palavras faziam eco as de
Roth, e não ia lhe dizer.
— Não estou mentindo.
Seus lábios se moveram como se quisesse sorrir. — Uh-huh.
Inclinei-me para frente, empurrando suas pernas do sofá. Bateram no chão.
As colocou de novo para cima.
— Não seja uma pirralha, Layla-bug.
Afastando os olhos, arrastei uma respiração profunda, desconfortável com
a preocupação que estava sentindo. — Não me chame assim. Não sou mais uma
garotinha.
— Acredite, eu sei que você não é.
Eu me virei em direção a ele, prestes a dizer algo sarcástico, mas as palavras
foram roubadas da minha língua. Não estava brincando. Merda, ele estava falando
sério. E esse olhar – a maneira que seus olhos entrecerraram e os lábios
entreabriram – falava de algo que eu não estava acostumada, mas que vi nele no
dia em que entrara no meu quarto quando eu estava me despindo.
Nós nos olhamos em silêncio. Nada e tudo mudou entre nós em um
instante. Uma grossa tensão flutuava no ar, caindo sobre mim como um cobertor
quente demais. Seus olhos brilhavam como joias de safira em luz suave,
provocando um calafrio apesar do fato de que eu me sentia corar novamente.
Ele se ergueu um pouco, e novamente pensei no que Danika havia dito.
Eu queria me libertar.
E foi o que fiz. Ficando de pé rapidamente, eu passei minhas mãos no meu
cabelo, na esperança de que não percebesse como elas tremiam. — Toda essa
conversa me cansou. Vou para a cama. Boa noite.
Zayne arqueou uma sobrancelha e ficou no sofá.
Praticamente fugi do cômodo e subi as escadas. O que aconteceu lá? Não
sabia, mas reconheci o sentimento forte e sem fôlego no meu peito. Deveria ser a
falta de sono e minha imaginação hiperativa.
Uma vez no meu quarto, tirei o casaco de lã e meias, forçando minha mente
a ficar em branco. Não era fácil. Enquanto afastava a colcha, a porta do meu quarto
se abriu, me fazendo gritar.
Zaryne entrou, ainda com os pés descalços, cruzando os braços sobre o
peito. E se estivesse nua? Minhas bochechas ficaram em um profundo vermelho
com o entendimento de que o fino baby doll não escondia muito.
Lutando para não cruzar meus braços sobre os meus seios, eu me mantive
quieta. — O que você quer agora?
— Nada. — Caminhou em direção a minha cama e se deitou, esticando o
longo corpo. Ele acariciou o lugar ao lado dele. — Vem aqui.
— Zayne…? — Me movi desconfortavelmente, ao mesmo tempo querendo
fugir do quarto e saltar para a cama ao lado dele. — Você está sendo chato nessa
noite.
— Você é chata todas as noites. — Ele deu um tapinha na cama outra vez,
uma mecha de cabelo caindo sobre os olhos. — Pare de agir de forma estranha,
Layla.
Como se fosse eu quem estava agindo estranhamente? Está bem. Talvez
estivesse sendo um pouco ansiosa. Ele tomar minha cama como se fosse de sua
propriedade não era algo novo. Inferno, ele dormiu nela a um par de noites atrás.
Mas tudo parecia diferente depois do que Danika disse.
— Virá? — Murmurou, olhando para mim. Tomando uma respiração
profunda, fui para a cama. Ele se acomodou de lado, a perna dele tocando a minha.
— Bonito pijama.
É claro que ele notou meu short da Hello Kitty. — Você pode não falar?
Ele riu. — Você está muito mal-humorada esta noite. Foram os biscoitos de
açúcar?
Virei do meu lado, de frente para ele. Havia pouco espaço entre nós e fechei
minha boca, mas foi a coisa mais estranha quando nossos olhos se encontraram.
Meu fôlego foi cortado enquanto observava o rosto que conhecia como a palma da
minha mão. Eu poderia fechar os olhos e ainda saberia cada uma das suas
expressões, exceto a que tinha agora. Essa era nova, completamente desconhecida.
E dava medo – era incrivelmente assustadora, porque nunca considerei
seriamente que Zayne retribuísse algum dos meus menos que normais sentimentos
que tinha por ele. Era assustadora por causa do que eu queria fazer com ele – o
que poderia fazer com ele. Havia mais – havia Roth e o sentimento estúpido e
irracional de que estava fazendo algo errado. Ele praticamente se sacrificara por
mim... E depois me disse que nada do que havia dito ou feito importava quando se
tratava de mim.
Rolando sobre minhas costas, eu fiquei olhando para o teto. Meu peito se
levantava e descia em respirações curtas e desiguais. O cheiro dele invadiu meus
sentidos. Meus dedos descansaram sobre meu estômago, abrindo e fechando.
— O que acontece, Layla-bug? — Perguntou.
— Nada — sussurrei.
— Mentira. — Zayne se moveu de repente, fazendo uma alavanca com um
braço tão rapidamente que o ar abandonou meus pulmões. Ele olhou para mim,
seus lábios entreabertos como se estivesse prestes a falar, mas pareceu esquecer o
que ia dizer. Isso era bom. Eu também não tinha ideia do que íamos falar.
Havia apenas dois ou cinco centímetros separando nossos corpos.
Estávamos tão perto que as pontas do seu cabelo escovavam minha bochecha. Seu
olhar caiu para o decote do meu baby doll. Estava puxado para baixo, revelando
mais do que deveria ter sido confortável. A cabeça de Bambi descansava no meu
peito direito. Mais uma vez.
— Ela realmente gosta de colocar a cabeça aí, não é mesmo? — A voz de
Zayne era áspera.
— Acho que é macio para ela. — No momento em que as palavras saíram
da minha boca, eu quis me chutar no meu peito esquerdo. — Deus — grunhi. —
Às vezes, preciso...
Zayne colocou um dedo no meu queixo, me silenciando. Esse leve toque
desencadeou um monte de sensações – fome, necessidade, um desejo tão intenso
que me fez tremer até a medula. — Isso faz sentido. — Fazendo uma pausa, ele
engoliu saliva enquanto seu olhar traçava com detalhe a tatuagem demoníaca. —
Aposto que é... Um lugar macio.
Esta conversa era... Uau. Não havia palavras.
— Por que mantem este colar? — Ele perguntou, acariciando a corrente.
Foi uma luta para falar. — Eu... Não sei.
Seu rosto ficou tenso por um momento e então pareceu deixar passar o que
sentia. A verdadeira razão de manter este colar não tinha nada a ver com a minha
mãe; mas então a mão dele se moveu, arrastando o dedo para baixo, para o centro
da minha garganta, pela ascensão da clavícula e então diretamente para o lugar
onde Bambi descansava, parando a apenas um centímetro da cabeça dela.
Oh, meu Deus.
Meu coração despertou tão rápido em meu peito que era como um beija-flor
a ponto de voar. Um peso se estabeleceu em meu peito, a pressão exigente, mas
agradável. Então, seu dedo se moveu, deslizando sobre a ponta da cabeça de
Bambi.
Ela se moveu um pouco, virando ao toque como um animal de estimação,
procurando mais conforto. Arrastei uma respiração enquanto umedecia meu lábio
inferior. Eu deveria estar mais surpresa dele estar me tocando tão intimamente, ou
por ele tocar a Bambi? Ou que Bambi não estivesse saindo da minha pele e
tentando comê-lo? Realmente não importava, porque cada nervo do meu corpo
estava formigando.
Ele desenhou as escalas delicadas ao redor das narinas de Bambi, e quando
estremeci, seu olhar se ergueu, prendendo o meu. Havia tanto calor e intensidade
nesses olhos de cor azul celeste que não havia nenhuma dúvida de como estava
me olhando.
Assim como olhara na noite em que me viu de sutiã.
Um lado de seus lábios se levantou, e meu coração saltou do peito. Seu
olhar voltou ao lugar onde Bambi descansava, o lugar onde o seu dedo traçava
preguiçosamente as escamas com movimentos suaves. — Não é como eu pensei
que seria. A pele está ligeiramente elevada, mas na realidade, é como uma
tatuagem.
Com a boca seca, fechei meus olhos enquanto seu dedo se movia pela
cabeça, se aproximando do pequeno laço que decorava a bainha do meu baby doll.
Não usava nada sob o baby doll, e estava tão, tão perto.
— Ela gosta disso? — Perguntou; a respiração quente no espaço entre
nossos lábios.
Concordei, supondo que ela gostava, porque não estava tentando matá-lo.
— Você?
A pergunta me acertou com a força de um furacão destruidor. Meus olhos
se abriram de uma vez e minha respiração veio em curtos e pequenos suspiros.
Ainda estava perto, seu cabelo fazendo cócegas em minhas bochechas e seu dedo
se arrastando em direção ao sul, seguindo a curva de Bambi, sob o laço do baby
doll.
Seus cílios levantaram novamente, e seus olhos colidiram com o meu. Não
sabia como chegamos aqui. Sua mão parou e esperou, e não havia como negar a
força condutora por trás da pergunta. Se dissesse que não, se afastaria. Se dissesse
que sim, então... Nem sequer poderia imaginar estas possibilidades.
Se dissesse que sim, tudo mudaria – mudaria de uma forma que nem sequer
poderia imaginar, formas que nunca pensei que realmente poderiam acontecer
entre nós. Meu coração batia muito forte, e um tipo estranho de calor ia inundando
profundamente o meu corpo.
— Sim. — A palavra saiu quase num sussurro, mas Zayne ouviu...
Ele respirou fundo, movendo sua mão até a tira fina do meu baby doll. Seus
olhos nunca deixaram os meus. — Posso ver o resto dela?
Minha frequência cardíaca foi para outro nível. Estava sonhando? Caí da
escada e abri a cabeça? Parecia mais provável. Ver o resto de Bambi significava ver
o resto de mim. Ou pelo menos, a metade do resto de mim.
Abri a boca, mas não saiu nada. Meus olhar se focou nos contornos de sua
boca, olhando para a maneira em que seus lábios se entreabriam, e não pude
deixar de me perguntar como eles se sentiriam – qual sabor.
Somente em uma parte distante de mim eu me dei conta que queria
saboreá-lo, e não a sua alma.
Bambi moveu sua cauda sobre minha cintura, como se estivesse impaciente
com tudo isso e gostaria de ser mostrada. Incapaz de encontrar a coragem para
falar, assenti novamente.
O olhar febril de Zayne baixou enquanto ele deslizava a tira. O baby doll
era tão solto e fino que levou o menor esforço para movê-lo. Em segundos, as tiras
terminaram em meus pulsos, o tecido agrupando onde as minhas mãos estavam
entrelaçadas na minha barriga.
Senti seus olhos enquanto ele bebia em detalhe a Bambi e tudo mais – cada
parte de mim que estava exposta. Era como uma carícia, seu olhar seguindo o
longo e elegante estiramento do pescoço entre meus seios e a forma em que se
enrolava debaixo do meu peito.
— Layla — disse com voz rouca, e o som curvou os dedos dos meus pés.
Parei de respirar enquanto sua mão seguia o caminho de Bambi, e o desejo
e a fome que estava sentindo crescia até que todas as partes do meu corpo estavam
como um cabo de alta tensão. Tudo o que estava do lado de fora do quarto deixou
de existir – cada problema, preocupação ou questão. Tudo desapareceu enquanto
suas mãos se moviam novamente e minhas costas se arquearam da cama. Um som
engasgado me escapou, misturando com a respiração de Zayne.
Seu toque era leve e reverente ao explorar a disposição do meu corpo. Ele
fez isso com tanta delicadeza, como se fosse sua primeira vez, embora eu soubesse
– ao menos pensava – que não poderia ser o caso. Com sua aparência e
personalidade, teve que haver momentos quando estava fora de casa – ele deve ter
tido mulheres.
Mas não importava enquanto se movia para baixo, sua cabeça abaixando,
perto do lugar onde Bambi descansava. Havia uma grande possibilidade de que
isto pudesse correr terrivelmente mal, mas minhas mãos se fecharam em punhos
e mordi o lábio tão forte que um gosto metálico encheu minha boca antes do
primeiro toque suave de seus lábios contra...
A porta do quarto se abriu, batendo contra a parede com uma força que fez
tremer o quarto como um trovão. Zayne saltou e estava no chão em segundos. Se
virou e me sentei, puxando meu baby doll com meu coração na garganta.
Estávamos tão nus, e estaríamos tão encrencados.
Mas quando ergui os olhos, não havia ninguém na porta, nada atrás da
porta, exceto o corredor longo e escuro e todas as sombras da noite.
Zayne atravessou o quarto, segurando a ponta da porta e olhando para o
corredor. Enquanto se endireitava e fechava a porta, ele balançou a cabeça. — Não
há nada aqui.
Eu tremia enquanto a brisa fria e quase glacial flutuava sobre minha pele.
Olhei para o quarto, não vendo nada incomum. — Isso é... — limpei a garganta. —
Isso é estranho.
Ele enfiou os dedos pelo seu cabelo – dedos que recentemente estiveram me
tocando. E se voltou para mim, seu peito subindo e descendo fortemente. Ele
começou a dar um passo em minha direção, mas parou. Pela forma que me olhou...
Meu corpo inteiro corou. — Eu... Provavelmente deveria ir.
Não queria que ele fosse embora. Eu queria que voltasse para mim, mas
não seria inteligente, e a coisa mais inteligente seria deixar que ele saísse deste
quarto. Puxando o cobertor, me obriguei a acenar, concordando.
Zayne olhou para mim mais um pouco e depois engoliu saliva antes de
virar e delicadamente sair do quarto. Fiquei onde estava, e a fria realidade da
situação retornou. Sem importar o que sentia por ele ou ele por mim, tentar
qualquer coisa com Zayne era perigoso.
E nunca poderia ser.
— Eu sabia!
Fiquei olhando para Stacey enquanto ela se arrumava no pequeno espelho
preso à porta do armário dela e passei os dedos por suas mechas. A necessidade
de falar com alguém sobre o que aconteceu com Zayne me levou praticamente a
buscar Stacey nas primeiras horas da manhã. Contei tudo tão silenciosamente e
tão rapidamente quanto foi possível, começando com Danika e finalizando com
todo o abençoado seio nu. Menos a parte da tatuagem.
— Como sabia?
Ela me deu um olhar de cumplicidade. — Bem, a forma como ele tratava
Roth, era bem óbvio que o cara não está interessado que você esteja com outra
pessoa.
Saí do caminho de uma garota correndo pelo corredor. — Ele apenas não
gosta de Roth.
Stacey revirou os olhos. — E faz sentido porque ele finalmente fez um
movimento. Ele tem concorrência.
Meus lábios formaram um O. Na verdade, não havia pensado dessa forma.
Será que Zayne finalmente estava me vendo como algo mais do que a menininha
se escondendo no armário devido a Roth? Ou ele sempre me viu de forma diferente
e estava agindo sobre isso agora por pensar que alguém mais está na concorrência?
Disse a mim mesma que não tinha importância, porque não podíamos ficar
juntos. Abbot rejeitaria isso, e nem sequer poderíamos beijar, mas ainda assim isso
ocupava meus pensamentos quando começamos a avançar para a biologia.
— Não deve ser tão difícil de acreditar que Zayne é atraído por você. Você é
uma garota muito bonita, Layla. O tipo que caras...
— Não diga o tipo em que os caras querem entrar nas calças, porque isso é
estranho.
Stacey começou a rir enquanto me batia com o quadril. — Ok. Só estou
dizendo que essa coisa com Zayne não precisa ser um gênio para saber. Não é como
se Danika estivesse tramando algo e Zayne... — baixou a voz. — Tocou-lhe de uma
forma totalmente platônica. É simples. Vá em frente.
Vá em frente.
Balancei a cabeça embora meu coração começasse a palpitar com força. —
É complicado.
— Não, não é — parando em frente à porta de bio, arregalou os olhos. —
Tenho a ideia mais perfeita na história das ideias.
Levantei uma sobrancelha. Vindo de Stacey, isso dava um pouco de medo,
e provavelmente envolveria a possibilidade de ir para a cadeia. — O que?
— Você sabe como armou uma completa armadilha para que Sam e eu
fôssemos ao cinema durante o feriado de Ação de Graças? — Seus olhos brilharam
de emoção. — Você deveria convidar Zayne e deixar, claro – o cinema é um
encontro.
— Convite para o cinema? — Uma voz profunda se arrastou. Viramos para
ver Roth sorrindo para nós. — Que lindo. Quem pagará as pipocas?
Minha pele picou de irritação enquanto eu olhava seus irônicos olhos cor
âmbar. O fato de não perceber que ele estava perto era prova de como eu estava
desconcertada. Inferno, eu estava tão fora de mim que usava palavras como
desconcertada. — Espiar é rude.
Encolheu um ombro. — Bloquear a porta para as aulas também é rude.
— Que seja. — Me virei, pronta para levar Stacey para dentro, quando ele
me parou.
— Na verdade, eu quero te pedir emprestada por um segundo — disse,
olhando para Stacey, que estava em vias de lhe dar um olhar muito assustador. —
Tudo bem com você?
Stacey cruzou os braços. — Duvido que ela queira ser emprestada para
você.
— Nada mais verdadeiro — eu disse, sorrindo firmemente.
— Acho que vai mudar de opinião — Roth me encarou de forma significativa.
— É importante.
Isso significava Lilin, ou demônio, ou Guardião, ou algo mais com o que
realmente não queria tratar. Suspirei quando dei um passo para o lado. Stacey me
olhou sem palavras, e fiz uma careta. — Está bem.
Ela estreitou os olhos para Roth. — Não me faça te odiar mais.
As sobrancelhas de Roth se levantaram enquanto ela caminhava para a
aula de biologia. — O que falou de mim para ela?
Dei de ombros. — Na verdade, não falei muita coisa. Ela deve ter somado
dois mais dois por sua conta e deduzido que você é um idiota.
Os olhos dele deslizaram em minha direção e sorriu. — Ouch, pequena.
— Sim, como se isso realmente te chateasse. — Olhei para trás através da
janelinha da porta que levava a bio. O Sr. Tucker já estava na mesa dele – será que
a Sra Cleo iria retornar? E tínhamos somente um minuto, no máximo, antes de
tocar o último sinal. — O que você quer?
Colocando as mãos nos bolsos, ele arrancou um fino pedaço de papel
amarelo, esfregando na minha cara. — Adivinha o que encontrei?
— Obviamente, não uma personalidade melhor — observei.
— Ha. Engraçadinha. — Ele passou a borda do papel pelo meu nariz e sorriu
quando lhe dei uma palmada para afastá-lo. — Tenho o endereço de Dean.
— Oh. Wow. Isso foi rápido.
— Eu fui.
Não queria perguntar para ele como havia conseguido. Estava segura de
que o envolvia entrando pacificamente no escritório principal e fazendo algo
desprezível. Estiquei a mão para pegar o endereço, mas ele afastou a mão. Franzi
a testa. — Preciso do endereço para que Zayne e eu possamos dar uma olhada.
— Você e Stony? — Roth sorriu, escorregando novamente o papel no bolso.
Meus olhos se estreitaram. — Sim.
— Você acha que vão se divertir sem mim? Pense outra vez. Vamos fazer
um trio. — Ele sorriu com malícia quando revirei os olhos. — Hoje. Depois da
escola. Você e seu amiguinho gárgula podem me encontrar lá fora.
Eu queria dizer não, mas ele piscou o olho para mim e deu uns tapinhas no
bolso enquanto virava, seguindo para a aula de biologia.
Isso será realmente divertido.

***

Desde o momento em que Roth entrou atrás no Impala, eu sabia que essa
pequena viagem improvisada acabaria mal. Embora eles dois pudessem estar de
acordo que todos precisávamos trabalhar juntos, ninguém ia facilitar as coisas.
Não era como se eu esperasse que unissem as mãos e cantassem
Kumbaya11 juntos.
Já estava estranho entre Zayne e eu. Adicionar Roth na mistura somente
tornava umas dez vezes mais doloroso. Se Zayne pensava que eu o ignorara no
sábado, não havia dúvida que eu o ignorei no domingo. Nem sequer sabia como
olhar para ele sem cada centímetro quadrado do meu corpo se ruborizar.
— Precisamos percorrer outras três quadras aproximadamente. Ele mora
em uma dessas casas antigas de pedra calcária vermelha — disse Roth, com um
braço apoiado na parte de trás de cada um dos nossos lugares. — Mas isso se
pudesse, não sei, conduzir a uma velocidade que não nos leve o resto do ano para
chegar lá.
— Cale a boca — respondeu Zayne.
— Só estou dizendo — continuou. — Tenho certeza de que o rapaz que Dean
fez mingau no chão pode andar mais rápido do que estamos indo.
— Cale a boca — eu disse.
Peguei seu olhar com os olhos entrecerrados no retrovisor e sorri
largamente. Ele recostou-se no banco, um pouco petulante para assumir suas

11 Kum yah ba ( "Vem por aqui") é uma canção espiritual registrada pela primeira vez na década
de 1920. Tornou-se uma música de fogueira padrão em acampamentos de exploradores e de verão,
desfrutando de maior popularidade durante o avivamento popular das décadas de 1950 e 1960. A
música era originalmente um simples apelo a Deus para vir e ajudar aqueles que precisavam.
feições. Roth permaneceu em silêncio o resto da viagem. Zayne encontrou a casa
de calcário vermelho e fomos capazes de nos espremer em uma vaga de
estacionamento a algumas portas de distância da casa.
Folhas marrons e douradas se balançavam suavemente no vento à medida
que caminhávamos pela calçada. Os degraus que conduziam à escada da entrada
estavam corroídos e rachados, bem como a fachada de pedra calcária da casa.
Zayne rodeou Roth e agarrou o batente de ferro, ignorando o olhar
contrariado que o príncipe enviou em sua direção.
— Já basta. — Murmurei para Roth quando a porta se abriu.
Apareceu uma mulher idosa. Seu grosso cabelo vermelho estava prezo, mas
vários cachos mais curtos se levantaram na parte de cima de sua cabeça. Seus
olhos castanhos e seus lábios pálidos estavam marcados por linhas finas. Parecia
cansada, cansada mesmo, e quando seu olhar se moveu de Zayne para Roth e
voltou outra vez, ela passou a mão sobre seu casaco cinza de ponto trançado.
— Eu posso... Posso ajudá-los? — Perguntou, finalmente fixando seus olhos
cansados em mim.
— Sim. Nós somos... Eh, amigos de Dean e queríamos ver se nós podíamos
falar com ele por alguns momentos — falei.
Ela cruzou as mãos nas pontas do suéter, o puxando perto de seu corpo. —
Dean não é capaz de ver ninguém neste momento. Sinto muito, mas terão que
voltar quando ele não esteja sendo punido pela vida.
— Olhe, isso é um problema para nós — disse Roth suavemente enquanto
afastava gradualmente Zayne do caminho. No momento em que a Senhora
McDaniel olhou nos olhos de Roth, as linhas tensas do seu rosto relaxaram.
Quando ele voltou a falar, a voz dele era tão suave como calda de chocolate. —
Temos que falar com o Dean. Agora.
Zayne ficou tenso enquanto olhava para Roth, mas não disse nada, porque
a menos que planejássemos entrar a força na casa, precisávamos de um pouco de
persuasão demoníaca.
E funcionou.
Concordando lentamente com a cabeça, ela deu um passo para o lado e
quando falou, sua voz era suave, pausada. — Ele está lá em cima. O segundo
quarto à esquerda. Vocês querem algo para beber? Cookies?
Roth abriu a boca, mas dei um passo à frente. — Não. Isso não será
necessário.
O rosto dele escureceu.
A Senhora McDaniel concordou novamente e se virou, indo à deriva por
uma porta, cantarolando Paradise City em voz baixa.
Meu estômago caiu em algum lugar perto dos meus joelhos diante da
música familiar. Não ouvi Roth a cantarolando desde que voltara, e por um tempo,
a única coisa que pude fazer foi encará-lo.
— Eu realmente queria um cookie — murmurou Roth, subindo as escadas
de dois em dois.
Zayne revirou os olhos. — Que pena.
Ignorando-os, segui os rapazes pelas escadas. A sala era apertada e pouco
iluminada. Um velho desbotado papel amarelo sobre a pintura branca. Quando nos
aproximávamos da segunda porta do lado esquerdo, um sentimento de inquietação
percorreu minha espinha e uma pressão estranha cercou meu pescoço, me
sufocando. Havia uma sensação de peso no ar, como um cobertor de lã em um dia
de verão de calor escaldante. Olhei para Zayne e vi pelos seus ombros tensos que
ele também sentia isso.
A sensação era de maldade, pura maldade. Não havia outra maneira de
descrever isso.
Quando Roth abriu a porta sem sequer se preocupar em bater, o sentimento
aumentou. A parte Guardião em mim coçava para escapar desse mau cheiro ou
eliminá-lo, mas a parte demônio? Tinha curiosidade.
Ambos os caras pararam na minha frente, bloqueando minha visão do
quarto. Precisei olhar ao redor de Zayne para conseguir ver algo. O quarto era uma
contradição gigante. Metade dele estava limpo. Livros empilhados ordenadamente,
papéis escondidos em pastas que pareciam que alguém tivesse enlouquecido com
um rotulador. Uma pequena banqueta foi colocada na frente de um telescópio
apontando para a janela. O outro lado do quarto parecia como se um furacão
tivesse invadido. Roupas espalhadas no chão. Caixas de comida chinesa pela
metade, jogadas aleatoriamente em uma cadeira. Uma pilha de garrafas Mountain
Dew quase alcançava a extremidade da cama.
E na cama estava Dean McDaniel.
Ele estava deitado de costas, vestindo apenas meias e boxers azuis. Fones
cobriam suas orelhas e os pés se moviam em um ritmo que eu não podia ouvir.
Dean estava consciente da nossa presença. Seu olhar de piscadas pesadas
deslizou para nós e depois voltou para o teto, ignorando completamente a nossa
presença. Segui seu olhar e fiquei ofegante.
Havia. Puta merda, desenhos em marcador – círculos com estrelas
atravessando-os. Linhas se unindo para criar formas que eu vi na Chave Inferior
de Salomão.
Roth olhou para o teto por um momento e foi para a cama. Ele puxou os
fones da cabeça de Dean. — Nos ignorar é rude.
O garoto na cama – o garoto que sempre foi calmo e mantinha a porta aberta
para outros estudantes, sorriu enquanto cruzava os braços atrás da cabeça. —
Parece que eu me importo?
— Parece que não arrancarei sua cabeça dos ombros? — Respondeu Roth.
— Whoa. — Eu disse, atirando um olhar para ele. — Isso não ajuda.
Dean olhou para mim e se sentou. Ele levou a mão entre as pernas e fez
algo que fez minhas orelhas queimarem. — Você é mais do que bem-vinda para
ficar aqui, amor. Esses dois idiotas podem pegar a estrada, no entanto.
Minha boca se abriu. — Ok. Comece arrancando a cabeça dele.
Roth sorriu.
— Nunca nos conhecemos antes. — Zayne deu um passo em direção à ponta
da cama, aparentemente tentando ser a voz da razão. — Meu nome é...
— Eu sei o que você é. — Dean caiu para trás. — Magnam de cælo, et tu
super despectus12.
— E agora fala latim? — Isto não iria a lugar nenhum. — O que falou?
Roth sorriu entre os dentes. — Algo que não deixará Stony feliz.
— E sei por que estão aqui. Vocês não vão saber nada de mim. Então, já
sabem onde está a porta. — Ele olhou para mim. — Mas como disse, você...
— Termine a frase e mancará para o resto da sua vida — avisei, e Zayne
sorriu. Enquanto olhava para Dean, tentei ver o garoto tranquilo da sala, mas ele

12 Você é do céu e deve ser ignorado.


olhou de soslaio para mim como um homem de quarenta e cinco anos de idade que
bebeu demais. — Você ainda está aí, Dean?
— Acho que sabemos a resposta para isso — disse Roth, de joelhos ao lado
de sua cama. Dean virou a atenção para ele. — Qualquer parte de humanidade que
tenha ficado, certamente não a vejo.
Eu não podia acreditar nisso. A ideia de que esse cara foi lentamente
despojado de sua alma me adoecia. Talvez me afetasse muito. Eu não tinha certeza,
mas queria acreditar que havia esperança. Andei ao redor de Zayne. — Você sabe
quem fez isso com você?
Dean ainda permaneceu imóvel por um momento, então pulou da cama tão
rápido que não foi mais que um borrão por um momento. Eu não sabia se ele se
dirigia para mim ou não, mas Zayne o interceptou, prendendo o rapaz pelo ombro.
Um empurrão forte e Dean caiu na cama de bunda. — Tente isso novamente e não
gostará do que vai acontecer.
Dean puxou uma respiração irregular e depois estremeceu, sacudindo
levemente seu corpo. Ele estava deitado de lado, dobrando os joelhos sob o queixo.
Todo o seu corpo tremia, como se alguém sacudisse a cama.
— É constante — disse, levantando as mãos para cobrir os ouvidos.
Meu pulso se acelerou. — O que é constante?
— Isso. Escuto isso o tempo todo. — Seus dedos se apertaram no seu
cabelo. — Ele nunca para. Nunca me dá um descanso.
— O que é isso? — Perguntou Zayne.
O rosto do garoto se enrugou e suas bochechas ficaram pálidas. — Isso não
para.
— Acho que ele sente dor. — Procurei ajuda de Zayne. — O que podemos
fazer?
As sobrancelhas de Zayne subiram. — Ele não está possuído. Pode dizer
olhando nos olhos dele.
— O que acontece é que um bom pedaço de sua alma está ausente, e isso
provavelmente é como uma ferida de bala. — Balançando a cabeça, Roth se
levantou com facilidade. — Dean, precisa nos dizer o que aconteceu com você.
— Não entendo — ele gemeu.
Ele ainda se balançava de uma forma que me fazia querer levantá-lo e
segurá-lo, apesar de seu comportamento anterior. Roth fez a pergunta novamente
e em seguida, Zayne a repetiu. Nenhum dos dois obteve uma resposta coerente.
Aproximei-me da cama. — Quando começou, Dean?
Dean não respondeu no início e depois: — Faz alguns dias.
Roth me olhou e acenou com a cabeça para que eu continuasse. — Quando
começou? Na escola?
— Sim — disse Dean com uma voz rouca. — Tudo começou lá.
Zayne se moveu novamente, se aproximando de mim. — Foi alguém que
começou? — Perguntei.
O balanço de Dean diminuiu enquanto ele abaixava suas mãos, revelando
um olhar sombrio. Mudei o meu peso, desconfortável, enquanto ele continuava
olhando em minha direção. Ele me olhava como se eu já devesse saber isso, mas
isso não fazia sentido para mim.
Quando não respondeu, Roth colocou uma mão em seu ombro nu. Dean se
sacudiu na cama como se tivesse sido marcado com um ferro quente. Ele abriu a
boca e gritou em voz alta, como um animal ferido.
— O que você fez? — Exigiu Zayne.
Roth retirou a mão dele. — Não fiz merda nenhuma.
Virei-me quando a porta do quarto se abriu. A mãe dele entrou, obviamente
fora de qualquer transe no qual Roth a colocara. — O que vocês fizeram? O que
fizeram com o meu filho?
— Merda — murmurou Roth, se dirigindo à mãe de Dean. Juntando as
mãos nas bochechas dela, cortou o discurso inflamado de perguntas. — Shh, não
aconteceu nada. Seu filho está bem.
A senhora McDaniel tremeu. — Não, ele não está — ela sussurrou, o som
quebrado encolheu meu coração. — Ele é um bom rapaz, mas não está bem. Ele
não está nada bem.
— Estamos aqui para ajudá-lo. — Eu disse, aliviada ao ver que Dean parou
de uivar.
Roth estava tenso, mas ficou encarando-a. — Está tudo bem. Desça e
comece o jantar. Cachorros quentes com chilli seriam ótimos.
Após um momento tenso, a Sra McDaniel se afastou e deixou o quarto, mais
uma vez cantarolando a canção de Roth. Deixando de prender a respiração, me
virei para Dean. Ele segurava seus fones de ouvido.
— Dean…
— Saiam. — Ele disse, e quando não nos movemos, ele levantou o olhar e
um arrepio passou na minha pele. Havia algo em seu olhar vazio. — Saiam.
Zayne se manteve firme. — Precisamos...
— Saiam! — Dean se levantou e colocou o braço para trás, jogando os fones
de ouvido bem na cabeça do Roth. — Saiam!
A mão de Roth levantou, capturando os fones de ouvido antes de atingirem
o seu nariz. O plástico foi esmagado em seu punho e jogado no chão. — Sério, eu
odeio quando as pessoas arremessam as coisas na minha cara.
O garoto não parecia se importar. Ele se virou para Zayne e correu para ele.
Zayne deve ter visto algo nos olhos dele, porque mudou de forma. A camisa se
rasgou bem nas costas e no peito. Pele de granito substituiu a carne humana. Asas
soltas pareciam ocupar todo o quarto. Zayne apanhou Dean e o virou, curvando
um bíceps grande sob o pescoço.
Dean ficou louco – chutando e arranhando o ar enquanto se queixava em
um fluxo constante de latim.
— Esnobe — disse Roth, revirando os olhos. — Como se você precisasse
mudar.
Zayne o ignorou enquanto os músculos de seus braços se flexionavam sob
o pescoço de Dean, cortando o som desumano que emanava do rapaz.
Rapidamente, Dean se sentou, com os braços e as pernas caídos. Estava fora de
ação.
Voltando à forma humana após colocar Dean cuidadosamente na cama,
Zayne olhou para sua camisa esfarrapada. — Sinto muito, mas acho que não
vamos conseguir muito dele depois disso.
— Não conseguimos muito dele de qualquer maneira — disse Roth,
curvando o lábio enquanto olhava ao rapaz inconsciente. — Tudo o que fez foi
confirmar que entrou em contato com o Lilin na escola.
— Isso já é alguma coisa, não é? — Disse.
Nenhum dos caras respondeu. Quando saímos da residência McDaniels, eu
não podia deixar de sentir um pouco derrotada. Eu não sabia o que me esperava
ao vir aqui, mas não pensava ver Dean assim. Nenhum de nós parecia ter alguma
ideia do que Dean poderia estar escutando.
Uma vez que estávamos dentro do Impala, Roth se inclinou e tocou meu
ombro. — Você não devia ter dito o que você disse lá em cima.
Vi Zayne franzir a testa quando me virei em direção a Roth. — O que você
quer dizer?
— Quando você disse a mãe dele que podemos ajudá-lo — disse; um brilho
estranho e sério em seu olho cor âmbar. — Não devia ter dito isso.
Meu estômago torceu um pouco. — Por quê?
— Não acho que podemos ajudá-lo. De maneira alguma.
— Tenho uma ideia.
Quando Roth disse essas palavras no início da aula de biologia na terça-
feira, estava preparada para qualquer quantidade de loucuras, especialmente
depois da nossa visita a Dean.
— Ok?
— Já que não chegamos a lugar nenhum com Dean ontem, eu estive
pensando — baixou a cabeça e falou em voz baixa. — Ninguém checou o ginásio
ou algo assim?
— Não desde aquela noite, pelo que eu saiba, por quê?
Seus olhos brilharam. — Quem sabe que quantidade de provas nós
podemos encontrar desde que foi ali que nasceu o Lilin, não é demais dar uma
olhada, pensei que estaria interessada em dar uma fugida durante o almoço.
Abri minha boca, mas fechei com força, isso era exatamente o que Zayne
me pediu para não fazer. Claro que fugir para o ginásio no interior da escola não
era exatamente fugir com Roth.
— Eu sei que você não quer se sentar e deixar que cuidemos disso — me
seduziu e inclinou o rosto. — Pelo menos, a Layla que lembro era mais do tipo de
se envolver, e não alguém que prefere ficar à margem.
Meus olhos se estreitaram. — Eu sei o que está fazendo, você está me
provocando para ir com você.
— Está funcionando?
Suspirei. — Sim.
— Perfeito — respondeu, se virando em direção à porta, ele a manteve aberta
para mim. — É um encontro.
Quando ele começou a sorrir, eu sabia que havia uma boa chance de que o
mataria e esconderia seu corpo atrás das arquibancadas.

***

Em vez de ir comer como uma pessoa normal, eu deixei a minha mochila


no armário e fui à direção oposta. Passei a maior parte da manhã dizendo a mim
mesma que não estava fazendo nada de errado, e logo que eu visse Zayne depois
da aula iria lhe dizer que fomos ao ginásio.
O salão estava vazio e as conversas silenciadas pelas portas fechadas, no
alto, a bandeira vermelha e dourada balançava suavemente. Quando passava pelo
laboratório de informática a porta se abriu e Gareth saiu tropeçando.
Suas pernas e cérebro parecia não estar conectados, e cambaleou para o
lado, se apoiando em um armário, curvando, o seu queixo desceu para o peito.
Parei, mordendo meu lábio. Gareth e eu não éramos amigos de forma
alguma, e me surpreendi por ele saber o meu nome quando me convidou para
assistir o treino de futebol pouco tempo atrás. De acordo com Stacey, Gareth
provavelmente sabia o tamanho do meu sutiã, o que me arrepiava.
Seu corpo tremia enquanto arrastava uma respiração profunda.
Mas ele estava com problemas – talvez... Problemas do tipo Lilin.
Tomando uma respiração rápida, me aproximei dele. — Gareth, você está
bem?
Gareth dobrou o braço em volta da cintura, e quando ele não respondeu,
toquei seu ombro levemente. Ele deu um soco para cima, tirando minha mão de
seu ombro. Olhos injetados de sangue se encontraram com os meus.
Dei um passo para trás, balançada, assim como Dean, atrás de suas veias
vermelhas e olhos castanhos havia algo vazio ali, algo se foi.
— O que está olhando, monstro? — Ele perguntou, depois riu. — Rara... —
murmurou, rindo enquanto arrastava os pés lentamente em direção à cafeteria.
Bom Deus...
Correndo para as escadas, eu me apoiei contra a parede e olhei para cima
quando ouvi a porta se abrir acima de mim. Um segundo depois, o espaço que
estava vazio diante de mim estava cheio com a altura total de Roth. Ofegante, eu
me afastei.
— Deus! Por que você faz isso? — Apertei minha mão no peito. — Você
poderia ter usado as escadas.
Ele sorriu enquanto, se equilibrando sobre os seus tênis. — Qual é a graça
nisso?
— Não me interessa, deixe de aparecer em todos os lugares.
— Você está com ciúmes porque não pode fazer isso porque você não é um
demônio impressionante 100% puro-sangue como eu.
Revirei os olhos, mas havia uma pequena parte de mim que tinha inveja
dessa capacidade. Deus sabe que seria muito útil sempre que você estivesse em
uma situação em que quisesse fugir.
Ignorando o comentário, me concentrei no que era importante. — Acredito
que Gareth está infectado.
— Não posso dizer que estou muito dilacerado por essa possibilidade.
Meus olhos se estreitaram.
— O quê? Como eu disse antes, Gareth e seu pai estão no caminho de
passar a eternidade arranhando seus malditos olhos ou alguma merda assim.
— Gareth pode ser uma pessoa de merda, mas não merecia perder a alma.
— Quando Roth parecia imperturbável pela declaração, eu suspirei. — A vida
humana significa algo para você?
— Eu sou um demônio — respondeu. — Deveria?
Eu o conhecia melhor, suas palavras podem ser frias e impetuosas, mas
sabia que Roth era mais do que um demônio. No entanto, eu não iniciaria essa
conversa novamente. Fui para o último lance de escadas, não queria passar um
tempo nas escadas com ele e terminar remexendo memórias soltas. Ele me seguiu;
silencioso como um fantasma.
— A porta está fechada. — Eu disse, apontando para a corrente enrolada
na tranca. — Pode quebrar?
Dando um passo a frente, sorriu diabolicamente por cima do ombro. —
Facilmente.
Ele só precisou colocar as duas mãos sobre a corrente e puxar. O metal
cedeu com um tinido.
A facilidade com que quebrou a corrente me fez parar. Roth era perigoso,
algo que não podia me dar ao luxo de esquecer.
O ar cheirava a mofo, o frio se infiltrava no corredor enquanto ele empurrava
a pesada porta para abrir. Ao entrar na escuridão, ele encontrou um interruptor
de luz enquanto cantarolava baixinho.
A pressão enchia meu coração, apertando-o até secar quando percebi que
estava cantarolando Paradise City. A canção fez o meu peito doer e eu queria
tampar os ouvidos.
Roth encontrou um interruptor e um zumbido baixo soou no ambiente.
Umas luzes grandes de teto piscaram antes de firmar. A luz era suave e levou
alguns segundos para que os meus olhos se acostumassem.
Ele já havia se movido para frente, em direção à área perto da quadra de
basquete. Todo o material oculto e satânico foi removido há tempo, mas havia uma
maldade que ainda estava ali, o ginásio estava frio e úmido. O lugar me deu
arrepios.
Abraçando-me, me arrastei para trás de Roth, observando os traços finos
que as garras dos demônios fizeram no chão, havia muitos deles naquela noite. A
área que foi conectada estava negra por ter sido queimada pelo fogo, o qual
reivindicou Roth e Paimon. Olhei para cima e fiquei olhando as costas de Roth, me
perguntando se estar aqui não o fazia sentir algo.
Ele se ajoelhou, passando a mão no chão, deixando de um lado a sujeira e
o pó... — Então... Você e Stony?
Suspirando, eu passei por ele e pela fina linha branca onde foi desenhando
o pentagrama. Visualizando a área, não era difícil de me ver lá, gritando. Eu respirei
fundo.
— O cinema será um encontro? — Perguntou, indiferente ao meu silêncio.
Agachei-me perto de onde os meus braços foram amarrados. A corda
queimada e desgastada permaneceu, foi esquecida. — Não vou falar com você sobre
Zayne.
— Porque não?
Apertando meus lábios, eu levantei os olhos e encontrei os dele. Ele
levantou uma sobrancelha, e neguei com a cabeça. Virando a atenção para o chão,
olhei atentamente.
— Você e Stony têm estado muito próximos, eu imagino — continuou,
endireitando-se. — Comendo juntos, talvez indo ao cinema...
— Moramos juntos, Roth. Sair e comer não é tão incomum.
Ele fez um som com a língua contra os dentes. — Ah, mas é mais do que
isso, não é? Principalmente pela forma como o Stony me alertou sobre você – duas
vezes.
— Duas vezes? — Passei os dedos no chão.
— Uma vez no restaurante em que foram — ele disse, com a voz perto.
Quando olhei por cima do meu ombro, ele estava atrás de mim. Sequer ouvi ele se
mover. — E na noite de sábado, quando nos encontrarmos.
— Eu sei. — Virei para o chão, ignorando o tremor da consciência de quão
perto ele estava.
— Oh, então ele te disse? — Roth pegou uma mecha do meu cabelo,
puxando suavemente minha cabeça para trás. Estreitei os olhos, tirando o meu
cabelo do seu aperto, e ele sorriu para mim — Te falou o que ele me disse?
— Realmente não quero saber.
Roth se ajoelhou ao meu lado, tão perto que sua coxa pressionou a minha.
— Ele me disse que eu precisava me afastar de você.
— Sério? — Murmurei.
— Sim. — O hálito dele dançou na minha bochecha, e fiquei tensa. — E ele
também me disse que você não me pertence.
Virei meu queixo bruscamente para ele e pareceu que estávamos cara a
cara. — Bem, a última vez que verifiquei, eu não pertencia.
O sorriso dele diminuiu. — E sabe o que mais ele disse?
— Se você disser, vai deixar o assunto em paz?
Ele baixou o queixo. — Claro.
Não acreditei nisso nem por um segundo, afastando para trás me obriguei
a segurar seu olhar. — O que Roth?
— Disse que você... — ele bateu na borda do meu nariz, —... Pertence a ele.
Minha boca se abriu enquanto o encarava. — Não acredito em você.
Ele encolheu os ombros.
— Algo assim nunca sairia da boca dele. — Frustração estava espalhada
sobre mim como uma erupção de calor. — Nunca.
Os lábios de Roth estavam franzidos. — Você pode acreditar em mim ou
não, mas percebo que você não está negando nada.
Meu primeiro impulso foi o de negar, mas enquanto continuamos nos
olhando fixamente, a raiva tomou vantagem. — Porque estamos falamos sobre
isso?
— Apenas curiosidade. — Se levantou facilmente, esfregando uma mão
sobre a sua camiseta do Pink Floyd. — Eu só acredito que é... Maravilhoso, quão
rápido você seguiu em frente.
Pisquei uma vez e depois outra, acreditando não ter ouvido direito, e então,
quando percebi que eu ouvi, eu queria socá-lo entre as pernas. — Está falando
sério?
As sobrancelhas de Roth franziram. — Parece que não estou falando sério?
— Você acha que é maravilhoso que eu tenha seguido tão rápido. Certo?
Sobre o quê? — Fiquei de pé. — Sobre o que exatamente eu segui em frente? De
acordo com você, o que seja que tivemos nunca importou e nunca importará. Tudo
para que eu servi foi para reduzir o seu tédio, lembra?
— Me desculpei por dizer isso — se defendeu; seus olhos piscando em um
amarelo brilhante. — Quer que me desculpe outra vez?
— Não. — Dei um passo à frente, respirando pesadamente. — Deixe-me te
fazer uma pergunta. Quer ficar comigo, Roth?
Suas pupilas se dilataram enquanto dava um passo para trás. — O quê?
— Responda à pergunta.
Ele recuou novamente, se afastando de mim, seu peito subindo
profundamente. — Isto não é sobre o que eu quero.
— Tanto faz, Roth. — Avançando, eu empurrei meu dedo no peito dele. —
Eu gostava de você – gostava realmente de você, e quando partiu e pensei que
estava sendo torturado em uma fogueira, me machucou...
— Layla…
— Eu sei que nunca estávamos realmente juntos, mas quase não comi ou
dormi depois que foi embora, e a única pessoa que me impediu de enlouquecer foi
Zayne, e você sabia disso! Você mesmo disse que era por isso que tomara o lugar
dele. Então você volta e diz que tudo entre nós nunca significou nada para você.
Você até mesmo jogou Zayne na minha cara, basicamente me dizendo para ficar
com ele, e agora você diz que é maravilhoso. Eu me movi rapidamente. Bem, você
pode ir se fu...
— Layla…
— O quê? — Gritei.
Seus olhos ficaram brilhantes como piscinas douradas. — Você é sexy
quando está com raiva.
Fiquei boquiaberta e reagi sem pensar. Soltando um grito agudo, bati
minhas mãos fortemente contra o peito dele. Pego de surpresa, tropeçou para trás.
— Você é malditamente irritante.
Roth inclinou a cabeça para trás, rindo alto. Quando finalmente se
acalmou, seu sorriso demorou a sumir de seu rosto. — Mas falando sério, se eu te
quisesse… — ele estava de repente bem na minha frente, e os seus dedos se
estenderam pelo meu rosto. O toque suave me deixou plantada onde eu estava.
Tanta frustração reprimida explodiu como uma bola de canhão, me fazendo
cambalear. — Se eu te quisesse, ainda assim você ia querer ele?
Eu o encarei por um momento e logo me afastei, quebrando o contato entre
nós. Essa pergunta... Bem, me deixava com raiva e também colocava meus pés no
chão, porque como eu poderia responder a isso? Eu não podia. Não era uma
pergunta justa, porque, na verdade, nunca cheguei a ter Roth, e eu conhecia Zayne
praticamente toda a minha vida. No que se referia aos dois, tudo era muito confuso.
— É tão errado perguntar isso — sussurrei; minha voz tremendo. —
Inclusive, é cruel.
Uma emoção violenta e forte cruzou seu rosto e logo desapareceu, tão rápida
como apareceu.
Revoltada com ele e comigo mesma, eu voltei a me concentrar, levando
minha atenção ao chão novamente, e encontrei o que procurava. O buraco. As
bordas estavam irregulares, como se o ácido tivesse queimado diretamente através
do chão. Um pouco perturbador, considerando que o meu sangue era o que fizera
isso.
— Não há nada aqui em cima. — Roth olhou ao redor, suas sobrancelhas
levantadas. — Exceto pelo fedor de sonhos quebrados e potencial desperdiçado.
Franzi a testa para isso. — Mas o que dizer lá embaixo?
Seu olhar caiu sobre mim. — Boa menina. Ali é onde precisamos ir.
— Não sou um cão — rosnei, me levantando enquanto limpava minhas
mãos no meu jeans — Por que não sugeriu isso desde o início?
Roth não respondeu e saiu, caminhando diretamente para uma das portas
laterais. Fantasiei sobre saltar e chutar a cabeça dele enquanto o seguia. Não
falamos conforme descíamos outra escada velha e esquecida, a qual levava a um
velho e ultrapassado vestiário.
O cheiro de mofo e algo... Irritável me atingiu. Eu nem sequer queria respirar
essa combinação. Embora diferente da classificação de fedor de um zumbi, isso
cheirava igualmente nauseante.
Ele encontrou outro interruptor e apenas algumas luzes fluorescentes
acenderam. Linha após linha de armários cinzentos e solitários nos saudou.
Metade dos bancos estava quebrado ou podre, e tinham estranhas manchas
escuras nos armários, mas quando Roth se aproximou deles, ele rosnou.
— Baba — disse ele, seus lábios curvando com nojo.
Eu me aproximei de um dos bancos. Uma substância branca e pegajosa
descia por baixo dos pés de metal. Através do assento, a substância escorria para
o chão, espessa e lentamente, como o mel ou xarope. Suspirei. — Isto é ectoplasma?
— Sim e muito dele. — Roth se moveu para um dos lados rapidamente,
quase colocando suas botas na poça suja. — Acho que estamos em alguma coisa.
— Sério? — Murmurei secamente.
Ele bufou. — É incrível que ninguém na escola tenha notado isto. —
Olhando fixamente as paredes cobertas de baba, riu sem humor. — Seria um pouco
difícil de explicar.
— Ninguém tem qualquer motivo para vir aqui. — Me movi para frente, com
o cuidado de não pisar em nada pegajoso. — O que significa tudo isso?
Roth soltou um suspiro. — Realmente, eu não sei. Existem alguns bichos
que deixam o ectoplasma. Nenhum que deveria estar em uma escola secundária.
Prosseguindo, eu tentei ter uma ideia de onde desceram os pingos do ritual
de sangue neste piso. Após alguns segundos, percebi que deve ter caído em algum
lugar nos chuveiros.
Procurei com os olhos e fui até eles. A luz piscava esporadicamente lá.
Endireitando meus ombros, forcei os meus pés a se moverem e cautelosamente
entrei nas duchas abertas. A maioria das torneiras e duchinhas foi removida das
paredes, deixando buracos abertos para trás. Mais sujeira escorria, deslizando pela
parede.
Isso... Isso era realmente nojento.
— O cheiro é definitivamente pior aqui... Ah, e lá está o motivo. — Roth
colocou uma mão em minhas costas e eu me virei para o que ele estava olhando.
— Santo Deus — disse; meus olhos irritados.
Na parte de trás dos boxes dos chuveiros, uma confusão de... Alguma coisa
pendurava desde o teto, como tentáculos brancos acinzentados que pareciam uma
teia de aranha. Somente uma aranha com esteroides para criar algo tão maciço.
Entre as cordas estava emaranhado um casulo, sua carcaça branca rasgada no
centro. A ponta estava dobrada para fora, da cor de jornal velho, com uma
substância escura e oleosa salpicada por toda parte.
Parecia algo saído diretamente de um filme de ficção científica.
Levantando os olhos, percebi que a rede estava aproximadamente onde o
buraco do piso lá em cima estava – onde fui amarrada e onde o sangue que havia
jorrado caíra no chão.

— Isso é o que meu sangue é capaz de fazer? — Perguntei.


— Suponho que sim, em certas circunstâncias. — Roth caminhou para
frente. — Muito genial se você parar para pensar nisso.
Enruguei meu nariz. — Não há nada de genial sobre meu sangue criando
um casulo que parece algo saído de Alien.
— Ótimo filme, a propósito. Não as consequências, no entanto. — Quando
eu gemi, ele me enviou um sorriso maroto sobre seu ombro que, apesar de tudo,
fez o meu estômago revirar. — Obviamente, este é o lugar onde nosso bebê Lilin
nasceu.
— De um casulo?
Ele assentiu. — Ninguém sabe muito sobre os Lilin. Como se desenvolve,
como se parece, ou qualquer coisa assim. Mas o que mais pode ser isso?
— Deve haver algo aí que possa nos dizer sobre isso. — Não me aproximei
mais porque estar no local com aquela coisa era ruim o suficiente. — Que tal o
vidente? — Perguntei, pensando no garoto que conhecemos anteriormente, que
conversava com o Xbox e os anjos... Ou algo assim.
Roth riu alegremente. — Desta vez, acho que precisará de mais do que um
frango Perdue para que nos dê esse tipo de informação.
— O que você quer fazer? — Frustrada, eu aliviei meu peso. — Não sabemos
nada. Mais uma vez. E toda essa pequena viagem de busca prova que o meu sangue
tem a capacidade de criar os casulos repugnantes.
Ele se virou; a cabeça inclinada para um lado. — O que prova é que o Lilin
veio daqui – que o Lilin esteve aqui, pequena.
Levantei minhas mãos. — Já não sabíamos disso?
Não houve uma resposta enquanto ele se virava para o casulo. — Isto tem
de ser a prova do Lilin, porque não sei...
— Quem está aqui? — Uma voz ecoou todo o caminho entre os chuveiros,
se envolvendo ao meu redor. — Quem está aqui embaixo?
Meus olhos se arregalaram enquanto me virei para Roth, que deu de
ombros. Que útil. Antes mesmo de poder dizer o que fazer, uma sombra apareceu
na entrada ampla e minha respiração ficou presa enquanto um homem entrava no
local.
Ele estava em seus trinta anos, tinha cabelo castanho e muitas sardas. Não
o reconheci, mas o anel de chave em torno de seu cinto de uniforme azul escuro o
entregava. Era o porteiro.
Sua visão fixou atrás de mim, e senti Roth se aproximar. Sem olhar, eu
sabia que ele havia caminhado para o meu lado com pura graça de um predador,
o que faria qualquer humano ou não humano se mover com cautela.
O porteiro cruzou as mãos sobre o peito.
Roth deixou cair o braço em meus ombros e me prendeu ao lado dele.
Endureci enquanto ele deslizava a mão pelas minhas costas, envolvendo sua mão
no meu cabelo. — Procurávamos um lugar privado... Você sabe, para que
pudéssemos ficar sozinhos. — Ele baixou a cabeça para a minha, enviando mechas
pretas azulado na testa. — Então, nós vimos tudo isso e nos distraímos pelo
estranho que é isso tudo. Não é verdade, baby?
Minha mandíbula doía pela força com que a apertava. O que Roth estava
fazendo era completamente desnecessário. Eu o vi entrar nas mentes das pessoas
e enviá-los correndo na direção oposta, com algumas palavras bem escolhidas. Ele
fizera exatamente isso com a Sra McDaniel? Tocar em mim não era necessário.
Mas desde que começamos este jogo...
Deslizei minha mão na cintura dele, enterrando meus dedos nele. Quando
um som baixo de aviso saiu do seu peito, eu sorri largamente. — Sim. Tão certo,
querido.
O porteiro bufou. — Sim, ok.
Não exatamente a resposta que esperava. Comecei a me afastar, mas o
aperto de Roth ficou mais forte. Enquanto o porteiro desdobrava os braços,
finalmente pude ver o nome bordado na frente do seu bolso. Gerald Young.
— Não há necessidade de inventar histórias. — Subindo a manga da
camisa, ele revelou uma tatuagem com tinta preta – quatro curvas unidas por um
pequeno círculo. Lembrou-me de um cata-vento, e algo nisso era vagamente
familiar. Quando ele voltou a olhar para nós, seus olhos eram da cor de cereja
quente. — Já era hora de alguém verificar essa bagunça aqui embaixo.
Roth sugou o ar e murmurou: — Bruxo.
Bruxo.
Fiquei boquiaberta diante do porteiro. Se a minha capacidade não tivesse
danificada, talvez eu tivesse notado que havia algo diferente nele, porque a aura de
um bruxo – de um bruxo de verdade – deveria ser diferente. Porque um verdadeiro
bruxo era capaz de coisas realmente geniais: encantamentos, feitiços de cura, criar
fogo do nada e, em geral, criar coisas incríveis e impossíveis, o que me dava inveja
de, bem, todas essas coisas incríveis e impossíveis. Mas nunca vi um bruxo. A
probabilidade de ver um nesses dias deveria ser igual a ganhar o prêmio
supergordo na loteria ou avistar o monstro do Lago Ness.
— Você realmente é um bruxo? — Disse, soando um pouco idiota. — Pensei
que a maior parte de sua espécie estivesse extinta. — Assim como durante a idade
média...
Um sorriso irônico se formou nos lábios de Gerald. — Ainda estamos vivos
e ativos. — Baixando a manga, seu olhar se desviou para Roth. — Mas somos
cuidadosos.
— Compreensível — disse Roth. Ele finalmente retirou o seu braço, e
coloquei uns trinta centímetros de espaço entre nós. — Os Guardiões nunca viram
os bruxos com bons olhos, agora estão fazendo-o?
Fiz uma careta, e se intensificou quando Gerald balançou a cabeça e disse:
— Não, senhor.
— Por quê? — Não se sabia muito sobre bruxos. Ou, pelo menos, eu não
me esforcei em descobrir mais sobre eles.
— Bruxos não carregam apenas DNA humano. — Roth olhou para Gerald
respeitosamente. — Apesar de não reclamarem sua outra metade, os bruxos têm
sangue demoníaco neles.
Minha cabeça virou bruscamente em direção a ele. — O quê?
Roth concordou. — Bruxos são os descendentes de demônios e seres
humanos, querida. Não que eles estejam excepcionalmente orgulhosos desse
pequeno fato. Às vezes, eles são a primeira geração, e outras vezes, tiveram um
demônio na família em algum lugar muito distante. O sangue pode não ser tão
forte, mas está lá. De que outra forma você acha que conseguem essas
impressionantes habilidades mágicas?
Pisquei rapidamente. — Não sabia disso.
— O que acha? — Roth se inclinou para frente. — Gerald? Você é de
primeira geração ou foi um bisavô metendo a caneta onde não deveria fazê-lo?
Pensei que era estranho Roth não saber automaticamente o que era Gerald,
com toda sua impressionante grandeza demoníaca.
Gerald deve ter lido minha mente, porque seu sorriso aumentou levemente.
— Demônios não podem nos detectar. Temos encantos que os impedem,
porque não estamos realmente na equipe Demônio. Mais como equipe Mãe Terra,
mas para responder a sua pergunta, foi uma avó – um Fiend. Teve uma filha que
era uma bruxa. Essa bruxa era a minha mãe.
Roth balançou para trás, cruzando os braços sobre o peito. — Genial. De
qualquer forma. Vamos voltar para o que quer que seja isso. Ele fez um gesto com
a cabeça na direção do casulo assustador. — Suponho que você saiba que isso não
é normal?
Ele riu secamente. — De modo algum. Venho observando isso desde que o
encontrei: aproximadamente duas e meia ou três semanas atrás. — Seu olhar fixou
em mim, e meus ombros caíram. — Não sei o que é. Também ninguém sabe em
nosso clã de bruxos, mas isso não é tudo.
— Não é? — Murmurou Roth. — Ah, ótimo.
— Não. — Virou. — Me sigam.
Olhei para Roth e ele assentiu. Decidindo fazer isso, eu segui Gerald até a
sala principal. Era um pouco estranho que Gerald soubesse o que éramos – o que
eu era. Não deveria me fazer sentir estranha, mas anteriormente eu sempre tive o
controle quando se tratava de farejar o não tão normal.
Gerald pisou em torno da baba cobrindo um banco e parou de frente a um
armário fechado. — Todo este ectoplasma não pode ser bom, certo? No começo
pensei que isso tinha a ver com aquela coisa lá, mas agora não estou tão seguro.
Roth deu um passo à frente, esticando o pescoço ao máximo. — Por que
não?
— É mais fácil simplesmente mostrar isso. — Ele afastou-se, enfiou a mão
no bolso de trás e tirou um lenço vermelho. Cuidadosamente o usando e muito
lentamente abriu a porta.
— Infernos — murmurou Roth.
Sendo incrivelmente baixa, eu não podia ver ao redor deles. Suspirando, eu
me movi para o outro lado de Roth e imediatamente desejei não ter feito isso.
Espremida no armário havia uma coisa – uma criatura que nunca vi antes.
Seu corpo era da cor de leite estragado – esbranquiçado e com certo aspecto
encaroçado. Nenhum cabelo visível ou definição na sua figura magra e alta. Ele
parecia ter quase dois metros de altura e pouco mais de meio metro de largura.
Com os braços cruzados sobre o peito e a cabeça para baixo. Sem características
faciais. Nós encontramos a fonte da baba. O líquido branco pegajoso escorrendo de
seus pés malformados.
Meu estômago se agitou. — Que diabos é isso?
— Boa pergunta. — Gerald fechou a porta silenciosamente. — Não é o único.
Quase cada armário aqui tem um lá dentro.
— Oh... — meus olhos se arregalaram. — E você não pensou em dizer nada?
— A quem? — Gerald se virou para nós, com olhos penetrantes. — Os
Guardiões provavelmente nos matariam no ato pelo sangue que carregamos, e os
demônios provavelmente nos matariam por esporte. E não faço ideia do que são
essas coisas. Em nosso clã de bruxos ninguém sabe também. Não vamos matar
indiscriminadamente estas coisas.
— Ambientalistas — murmurou Roth, o que lhe rendeu um olhar feio. — O
que tem nesses armários não é Papai Noel ou o maldito coelhinho da Páscoa.
Um arrepio dançou por minha espinha dorsal. Tinha um mau
pressentimento sobre isso.
— E talvez, se você soubesse o que é esse casulo, então entenderia que
isso... — continuou Roth, acenando com a mão em direção aos armários, —… Não
é algo que você queira como praga em uma escola cheia de seres humanos.
Os ombros de Gerald ficaram rígidos.
— Esse casulo é de um Lilin nascendo.
Quando essas palavras saíram de sua boca, o sangue desapareceu da face
de Gerald e parecia querer desmaiar. — Lilin?
— Você sabe sobre os Lilin? — Perguntei, pulando sobre isso. — Algum
detalhe específico?
Ele assentiu com entusiasmo. — Alguns dos coven13 de bruxos, os mais
extremos, não o nosso, mas outros, eles acreditavam que Lilith ficou com a parte
mais arrepiante do acordo. Que ela é a mãe de todos nós.
Levantei uma sobrancelha diante disso.
— Não adoramos Lilith – nós não, mas... — ele olhou para a porta que leva
às cabines de chuveiros. — Um Lilin aqui?
— Isso que acreditamos. Por razões óbvias, nós gostaríamos de encontrá-
lo. — Os olhos de Roth estreitaram. — Mas o quê, Gerald? Você ia dizer outra coisa.
Ele engoliu; repentinamente nervoso. — Há um coven perto de Bethesda
que presta culto a Lilith. Se alguém sabe de um Lilin...
— Ou se um Lilin tem procurado refúgio... — meu coração pulou de emoção.
— Iria até eles, porque talvez simpatizassem com ele.
Gerald começou a suar. — Mas vocês não entendem. Eles não são como
vocês ou como o meu coven.
Dei uma olhada para Roth e ele sorriu, mostrando uma fileira de dentes
brancos. — Em outras palavras, são as bruxas malvadas do oeste.

13 Coven, Coventículo ou Conciliábulo é o nome dado a um grupo de bruxos(as), que se unem num
laço mágico, físico e emocional, sob o objetivo de louvar a Deusa e o Deus, tendo em comum
um juramento de fidelidade à Arte e ao grupo.
— Sim, e sei o que estão pensando – sobre ir até eles. Eu não aconselho
isso. Eles o receberiam bem. — Assentiu com a cabeça em direção a Roth. — Mas
você? Você é parte Guardião. Posso sentir isso. Eles te esfolariam viva.
Comecei a dizer que também era filha de Lilith, então deveriam me amar
completamente e me abraçar, mas Roth me lançou um olhar de aviso. — Como
podemos encontrar este coven?
Ele inspirou profundamente. — Eles têm um clube perto do Cinema Row.
Vocês saberão qual pelo símbolo. — Gerald sinalizou para marca que a manga
agora ocultava. — Com quem vocês necessitam falar, a velha bruxa deles, estará
lá durante a próxima lua cheia. E nem sequer pensem em levar um Guardião com
vocês. Com ela será ruim o suficiente.
Os lábios de Roth se curvaram em um delicioso sorriso enquanto ele virava
seus olhos dourados dançando para mim. — Isso é perfeito.
Geeenial.
— Mas voltando para as essas coisas nos armários? — Todo sério
novamente, Roth encarou Gerald com um olhar duro. — São Nocturnos em
transformação, e detesto pensar em quantos deles poderiam estar desenvolvidos.
Meu estômago caiu quando o terror o atingiu. Os Nocturnos, como os
Hellion e os demônios Rack, eram criaturas demoníacas que se criavam no Inferno
e eram proibidos na superfície. Além do fato óbvio de que não pareciam nem
remotamente humanos, eles eram extremamente perigosos. Como os Hellion, eram
fortes e ferozes, mas ainda pior era o veneno que carregavam na saliva, o que
poderia paralisar suas vítimas.
Assim, eles poderiam se alimentar delas enquanto ainda estavam vivas. É
o que eles faziam lá em baixo, torturar suas presas por uma eternidade no Inferno.
E eles não eram mordedores como os demônios Poser. Eles tinham essa
coisa incrível de cuspir projétil, como aqueles pequenos dinossauros assustadores
nos filmes Jurassic Park. Se a saliva deles alcançar a sua pele, as coisas ficariam
rapidamente ruins.
Gerald olhou por cima do ombro. — Não sabia disso. Nenhum de nós sabia
o que eram essas coisas.
— Obviamente — murmurou Roth. — Precisamos isolar esta área e...
Um forte estrondo nos assustou. Virando ao redor, eu prendi a respiração
enquanto procurava a fonte do ruído. O som fazia eco, o que tornava difícil
determinar de onde vinha.
— Alguma outra pessoa poderia estar aqui embaixo? — Perguntei, já
temendo a resposta.
— Não. — Gerald passou a palma da mão pelo rosto. — Ninguém vem aqui.
Fiz isso por acidente quando descobri isso.
Roth franziu a testa ao ouvir o som de metal rangendo, um rangido de
dobradiças antigas. Um arrepio me percorreu. Houve um momento de silêncio e
então o som de constantes passos pesados.
— Você tem um poder super especial de bruxo que devemos levar em conta?
— Perguntou Roth.
Gerald negou com a cabeça. — Sou bom somente com encantos e feitiços –
como as coisas de amor e riqueza.
Feitiços de amor? Isso incentivou o meu interesse por alguma estranha
razão, mas agora realmente não era o momento de investigar isso mais a fundo.
Esses passos se aproximavam, localizando-se na outra fila de armários, e o queixo
de Roth caiu. — Então, é melhor que tire seu traseiro daqui.
Dei um passo atrás, evitando a baba do chão. Seus olhos brilharam de uma
intensa cor âmbar quando se encontraram com os meus. — E você também precisa
ir.
— Não — eu disse respirando fundo. — Sou treinada, você – Uau.
A coisa virou o fim dos armários e estava completamente nu. Não é como se
isso fosse o mais perturbador da criatura.
Tinha a forma de um homem, com mais de dois metros de altura estando
de pé. Seus músculos ondulavam debaixo de uma brilhante cor de pele pedra de
lua. Dois chifres grossos sobressaíam do topo de sua cabeça, curvando-se para
dentro. As pontas eram afiadas, e não tinha nenhuma dúvida de que se a cabeça
do Nocturno atingisse alguém, não acabaria bem. As pupilas como de um felino
estavam injetadas na íris cor sangue. E ele sorria, mostrando dois dentes afiados.
Roth foi tão extremamente rápido.
Baixando, de repente tirou dois longos e finos instrumentos da lateral de
suas botas. Espadas de ferro. Eu não tinha ideia. Uau. O fato de carregar algo tão
mortal para sua própria espécie... De certa forma era realmente fantástico.
Ele se lançou contra o Nocturno, empurrando as espadas na direção dele.
Nocturno rugiu, batendo em Roth de lado. Ele bateu em um armário com um
grunhido. O metal cedeu, e ele deixou as espadas caírem. Uma caiu na baba, e a
outra deslizou pelo chão.
— Benditos sejam — murmurou Gerald, dando passos para trás.
Empurrando o medo amargo, o qual era inútil, me joguei no chão,
levantando uma espada de um golpe. Roth havia embrulhado um pano preto sobre
a alça, mas ainda podia sentir o calor do ferro enquanto eu me levantava.
Roth gritou comigo, e a adrenalina colocou meus sentidos a todo vapor
quando o Nocturno se virou para mim. Inclinou a cabeça para um lado, farejando
o ar através do nariz em forma de touro, como se não pudesse entender o que eu
era.
Investindo sobre o Nocturno, eu parei no ar quando ele simplesmente
desapareceu e reapareceu em seguida atrás de mim. Virei. Dois furos no seu
musculoso estômago pingavam uma substância branca.
Girei para o Nocturno, e ele sumiu, reaparecendo a poucos passos à
esquerda. Agachando-me como Zayne me ensinara, fui pelas pernas da criatura,
recordando apenas que a coisa era real e estava legitimamente nua.
Eca.
Antes que meu chute pudesse se conectar, o Nocturno se inclinou para um
lado, abrindo a boca. Cambaleei para a direita quando um jato de líquido branco
saiu de sua boca. Momentaneamente distraída por isso, não me movi rápido o
suficiente quando ele balançou uma mão pesada com garras. Pulei para trás, mas
suas garras arranharam a frente da minha camisa, me rasgando. O ar saiu dos
meus pulmões quando meus olhos encontraram com os da coisa. Houve uma
rápida sensação de queimadura, e então o Nocturno cambaleou para o lado.
Ele girou para Roth. Se movendo assustadoramente rápido, ele pegou a
outra espada que Roth agora tinha em sua mão e a partiu em dois.
— Merda — murmurou Roth.
Então ele tinha a mão ao redor da garganta de Roth, o levantando do chão.
Seu corpo vibrava à medida que inclinava a cabeça para trás, expondo algumas
presas letais, preparando outro jato venenoso. Segurando os pulsos gordos, Roth
puxou as pernas para cima e usou o peito de Nocturno como trampolim. A ação
soltou o agarre da criatura, e Roth caiu no chão, se levantando novamente.
Corri ao redor do banco podre, batendo no aturdido Nocturno nas costas,
com o tipo de chute que Zayne teria ficado orgulhoso. Levantei novamente minha
mão que segurava a espada, preparada para enviar o idiota de volta para o inferno
com uma facada diretamente no coração.
O Nocturno de repente desapareceu, e caí no chão, me segurando no último
momento, antes de colocar meu rosto em um monte de porcaria. Reaparecendo em
cima de mim, me agarrou pelo pescoço e me elevou do chão.
Bambi se moveu pelo meu estômago quando a dor explodiu por minha
espinha pelo implacável agarre, mas movi a perna para trás, conectando meu pé
onde contava. Uivando, o Nocturno me soltou e se inclinou, se curvando.
Caí em pé e girei, vendo Roth vindo atrás dele. Sem perder um momento de
vantagem, bati a espada de ferro no peito dele, saltando para trás rapidamente.
Nevoeiro branco derramou da ferida, borbulhando no ar. O uivo do Nocturno
terminou abruptamente quando ele irrompeu em chamas. Em questão de
segundos, não havia mais do que um pedaço de chão chamuscado.
Respirando pesadamente, dei um cambaleante passo para trás, abaixando
a espada. Meus olhos se encontraram com os olhos de Roth. Parecia perturbado
enquanto me olhava fixamente. — O que? — Bufei.
Ele negou com a cabeça lentamente. — Esqueci que você é capaz de lutar.
E esqueci quão incrivelmente sexy você é.
Meus olhos se encontraram com os dele por um momento e então lancei
um olhar em direção aos armários, então para onde Gerald estava grudado contra
uma parede. Um olhar de horror e desprezo preenchia a expressão dele. — Você
disse que quase todos estes armários estão cheios dessas coisas?
Gerald assentiu.
Com meu estômago em colapso, limpei a fina camada de suor do meu rosto.
— Isso é um problema.
— Eu poderia esvaziar todos — Roth sugeriu.
— O que acontece se há mais a ponto de acordar? De maneira nenhuma
você poderia enfrentar mais de uma dessas coisas ao mesmo tempo.
Ele franziu o cenho.
Suspirei. — Não seja idiota. Não tem nada a ver com suas habilidades. Nós
quase não pudemos lidar com um deles juntos. — Meus olhos rapidamente
passaram para Gerald. Um pouco de cor retornava ao rosto dele. — Desculpe, mas
temos que envolver os Guardiões nisso. Não contarei sobre você, mas vou garantir
que você fique escondido enquanto eles estejam aqui.
Gerald assentiu novamente.
Roth deslizou a espada agora quebrada em sua bota, e então caminhou
cuidadosamente pelo ambiente. Sem dizer uma palavra estendeu a mão, e lhe dei
a outra espada.
— Por que têm tantos aqui embaixo? Tem a ver com o Lilin, verdade?
— Tem que ser. — Um olhar preocupado apertou suas feições. — A menos
que o casulo, na verdade, não seja de um Lilin.
Uma dor maçante começou em minhas têmporas enquanto olhava para ele.
— Pensei que você estava certo de que era um lilin.
— Estava, mas... — ele olhou para os armários por um momento e depois
franziu a testa, virando para mim novamente, carranca enrugada enquanto se
inclinava. Muito perto.
Dei um passo atrás, deixando um espaço entre nós.
Roth continuou, baixando seus cílios por um momento. Quando ele olhou
para cima novamente, seus olhos brilhavam como cristal. — Você está ferida?
— Não. Sim. — Olhei para mim, vendo os rasgos em meu grosso suéter de
lã. No entanto, não meu estômago doía. — Não tenho certeza.
Sua atenção intensa ficou mais forte. — Pequena...
Estendendo a mão em minha direção, dei um passo atrás. — Estou bem.
Você se lembra? Acabei de matar um Nocturno.
Eu sentia que ele deveria estar mais focado nisso. Sentia-me meio como um
ninja.
— Você precisa me deixar checar você. — Ele ficou todo preocupado
novamente, desta vez se aproximando para envolver seus dedos ao redor da ponta
do meu suéter. O tecido foi esticado, revelando os três rasgos irregulares.
Ele soltou uma maldição áspera. — Ele te arranhou?
— Ei! — Bati em suas mãos, mas não mais de um segundo depois, ele
revelou a camiseta sem mangas de cor esbranquiçada que estava sob o suéter.
Estava salpicado de vermelho logo acima do meu umbigo.
— Layla — sussurrou, passando por aquele pedaço de tecido.
— Pare! — Soltei. — Tive o suficiente de você, Gropery McGropers! Estou
bem. Meu estômago nem mesmo dói. É só um arranhão.
Gerald ainda estava preso na parede.
A mandíbula de Roth ficou tensa enquanto me fulminava com o olhar. —
Você precisa parar de agir como uma tola. Um Nocturno…
— Nada do veneno me atingiu.
— Mas ele te arranhou. — Ele falou como se eu fosse uma menina de cinco
anos que não entendia a lógica. — Preciso te levar para minha casa, onde posso...
Meu riso odiosamente áspero o interrompeu. — Estou chocada! Acha
mesmo que eu cairia nisso?
— Layla…
— Cala a boca, Roth. Sério. — O rodeei feita uma fúria e fui para as escadas,
parando o tempo suficiente para enfrentar um olhar petrificado de Gerald. — Vou
trazer os Guardiões aqui embaixo o mais rápido possível.
Engolindo fortemente, ele respirou duramente. — Vou me assegurar de que
mais ninguém venha aqui.
Rezando para que eu pudesse acordar todos os Guardiões e que eles
pudessem chegar aqui logo, sem causar um grande rebuliço, subi as escadas
correndo. Quando finalmente cheguei ao último degrau, minha pele estava úmida
e pegajosa, e eu estava sem fôlego. Deveria ser a adrenalina da luta. Não poderia
ser pela minha barriga, já que sequer sentia dor.
Abri as portas e atravessei o fedorento, úmido e escuro ginásio, quando
Bambi começou a se deslizar pela minha perna.
— Layla! Pare agora!
A autoridade em sua voz, a audácia de me dar uma ordem me fez virar, mas
quando parei... O lugar continuou girando, um caleidoscópio de cinzas e negros.
— Isso não certo.
— O que? — O rosto de Roth ficou embaçado.
As bordas da minha visão escureceram. — Oh merda.
Eu estava vagamente ciente de Roth saindo disparado em minha direção
quando minhas pernas simplesmente pararam de funcionar. Elas se dobraram
debaixo de mim e então não havia nada.
Quando abri os olhos, eu estava olhando para o perfil rígido de Roth, e ele
estava concentrado à frente, com as mãos e os nós dos dedos brancos sobre o
volante. Encolhi-me no assento da parte da frente do seu Porsche.
Puxei uma respiração. Meus pensamentos estavam borrados. — O que...?
Ele olhou para mim, e algo parecido com preocupação irradiava de seus
olhos dourados. — Já estamos quase chegando, pequena.
— Como...? — Engoli a saliva, mas minha garganta parecia seca. Eu me
lembrei do que aconteceu, mas não sabia como terminei no carro dele. — Como...
Você me tirou da escola?
Um lado de seus lábios se curvou conforme voltava sua atenção para a
estrada. — Tenho habilidades.
Havia uma boa chance de que a escola ia telefonar para casa, desde que eu
estava perdendo as aulas da tarde, e meu coração batia lentamente. Ainda mais
para onde ele poderia estar me levando. Tentei firmar meu corpo, mas tudo o que
consegui foi voltar a ficar enrolada como uma bola.
— Você precisa me levar de volta para a escola. — Fiquei sem fôlego. — Não
posso ir ao seu apartamento.
— Não seja ilógica. — Roth respondeu uniformemente. — As garras de um
Nocturno são contagiosas e não podem ser tratadas no meio do corredor, certo? Já
é ruim o suficiente ter que dirigir. É muito arriscado voar durante o dia.
— Posso chamar Zayne. — Raciocinei, fechando os olhos enquanto meus
músculos do estômago se apertavam.
Ele não respondeu, e gemi. — Acho que vou vomitar.
Em vez de Roth me dizer para não fazer em seu pequeno e bonito Porsche,
eu ouvi os barulhos do motor e senti o impulso para frente do carro.
— Estamos quase lá. — Ele disse; sua voz firme.
Eu não queria ir ao apartamento dele, mas além de pular do carro, não
estava em condições de suportar uma briga.
As coisas ficaram embaçadas por um tempo. Concentrando-me em não
vomitar, mantive os olhos fechados. Senti o carro frear e registrei a mudança de
luz atrás de minhas pálpebras fechadas. Realmente não segui todo o processo de
Roth me levando para seu prédio, o que era uma coisa boa, porque estava segura
de que me carregava.
— Isso é familiar — anunciou uma voz suave enquanto uma porta se
fechava atrás de nós e o leve cheiro de maçãs veio ao meu nariz.
— Cala a boca, Cayman.
Uma risada profunda me irritou e tentei não pensar sobre a primeira vez
em que estive aqui, mais ou menos na mesma posição. — Veja, estou apenas
apontando que isso está se tornando um comportamento habitual, e nós
deveríamos...
O estrondo da porta me sacudiu e cortou qualquer coisa que Cayman dizia.
Um segundo depois, eu estava deitada na cama – na cama de Roth. Abri meus
olhos e imediatamente desejei não ter aberto.
Ao ver as familiares paredes brancas com DVDs e livros alinhados que
estiveram lá antes... O piano no canto... Até mesmo as pinturas macabras que
beiravam o inquietante. Foi um soco no peito e não ajudou com a sensibilidade do
meu estômago. Meus pés estavam pendurados uma polegada do chão, e pensei nos
gatinhos vampiros que eram tatuagens e animais de estimação. Eu me perguntei
se eles estavam ali agora, escondidos debaixo da cama, prontos para afundar seus
dentinhos na pele exposta.
Eu não podia ficar aqui.
Quando Roth recuou, comecei a me sentar. Ele me deu um olhar de aviso.
— Fica quieta. Quanto mais você se mover, mais a infecção vai se espalhar e esta
não será uma solução fácil.
Meu peito se levantou e caiu pesadamente enquanto o observava ir até a
geladeira preta em sua pequena cozinha. Abrindo a porta, ele retirou uma garrafa
de água que estava sem o rótulo. Eu olhava receosamente para ele enquanto se
aproximava da cama.
— É água benta. — Ele sacudiu a garrafa levemente. — O equivalente
demoníaco do peróxido.
— Normalmente, você mantém água benta em sua geladeira?
Ele parou na minha frente. — Nunca se sabe quando precisará dela.
Não podia prever as situações em que um demônio poderia precisar de água
benta. — Suponho que devo beber?
Seu rosto se contraiu com desgosto. — Você é parte demônio, Layla. Beba
isso e vai cuspir vômito como uma garota possuída. Isso é normalmente usado
contra demônios, pode curar um ferimento feito por outro demônio, dependendo
da ferida e todas essas coisas boas.
— Então, o que devo fazer com isso?
Um sorrisinho apareceu. — Tire a camisa.
Olhei para ele.
Levantou as sobrancelhas. — Falo sério. Preciso colocar isso... — ele
sacudiu novamente o frasco, —... Nos arranhões.
Levei um segundo para responder. — Não vou tirar minha camisa.
— Sim, você vai.
Eu me apoiei nos cotovelos e encarei seu olhar determinado. — Você está
drogado se acha que eu vou tirar uma única peça de roupa.
— Como eu te disse antes, o crack é do caralho. — Ele sorriu enquanto eu
olhava para ele. — Sua camisa tem que ser tirada, pequena. A razão pela qual seu
estômago não dói é porque você tem um pouco de veneno no sangue que está
empapando seu suéter. Esta deixando a pele dormente, e ter veneno sobre você
realmente não será propício para a cura. Toda a roupa de cima tem que sair.
Olhei para baixo. Com a cor escura da minha camisa era impossível ver se
havia sangue de demônio ali.
Roth se aproximou e agachou ao lado da cama. — Não precisa ficar tímida.
— Não é isso — sussurrei, me forçando em uma posição ereta. O quarto
rodou levemente e fechei os olhos.
— Não que eu não a vi antes.
— Oh, meu Deus — gemi. — Esse não é o ponto.
Roth suspirou. — Olha, estamos perdendo nosso tempo. Você vai adoecer e
esta água benta não funcionará. É tão simples assim, então pare de ser uma
criança e tire a blusa.
Abrindo meus olhos levemente, lutei com meu pulso acelerado. Vi no seu
olhar firme o que ia acontecer. Se eu não tirasse a blusa, ele a tiraria, e isso seria
pior. Eu poderia fazer isso. Ele não sentia nada por mim. Bom. Eu não sentia nada
por ele agora. Ótimo. Eu era uma adulta.
Murmurei uma maldição em voz baixa voz e me encolhi, removendo
cuidadosamente as magas da camisa e a camiseta de alças em um único puxão.
Irritada, eu joguei a camisa no chão e dei uma olhada em minha barriga.
Realmente não parece assim tão... Ruim.
As garras apenas me arranharam, mas as três marcas eram pequenas
linhas de um escuro e furioso vermelho, as quais foram ramificando dos cortes
como veias.
Depois de alguns segundos tensos, percebi que Roth não se moveu. Onde
demônios foi parar toda aquela merda de o tempo é essencial? Levantei meus olhos
e vi que realmente não havia se movido absolutamente.
Ainda agachado ao lado da cama, a garrafa de água benta pendurada em
seus dedos longos. Ele me olhava com a mesma intensidade que o fez no vestiário,
mas havia um calor atrás de seus olhos dourados, e seu olhar estava fixo no meu
peito. Pelo menos Bambi não estava usando meu peito como travesseiro desta vez.
Sua cabeça em forma de diamante descansava agora contra a parte inferior do meu
estômago.
Enquanto ele seguia olhando, o calor se instalou na parte inferior da minha
barriga, especialmente quando sua língua saiu e deslizou sobre seu lábio superior.
A luz se refletiu no seu piercing e senti minha pele corar. Eu não gostava do que
começava a acontecer com o meu corpo. E eu não
gostava que ele estivesse me olhando, o que ele sentiu ter sido permitido
nesse momento.
E garanto que também não gosto da falta de ar invadindo meu peito.
— Pare de olhar para mim — ordenei.
Surpreendeu-me ao arrastar seu olhar para cima, o poder concentrado
atrás de suas íris abrasando minha pele enquanto se levantava. Passou um
momento e então falou. — Deite-se.
Queria resistir ao seu tom firme, mas quanto mais rápido acabasse com
isso, melhor. Deitando, fiquei olhando para o teto enquanto o sentia se aproximar.
Roth pairou sobre mim e apertei minhas mãos no cobertor macio para me
manter quieta. — Isso pode doer um pouco.
Apertei os dentes. — Não pode ser pior do que ser costurada, certo?
Seu olhar se desviou para o meu e sussurrou: — Certo.
Contendo a respiração, me preparei para qualquer dor de destruir as células
do cérebro que estava prestes a começar enquanto ele abria a garrafa e a entornou
na minha barriga. A primeira gota espirrou na minha pele e o líquido derramou,
cobrindo as marcas de garras e escorrendo pela minha barriga, derramando na
cama debaixo de mim.
Bambi se afastou; sua cabeça desaparecendo sob a cintura da calça jeans,
evitando o fluxo constante de água benta. Minha pele queimava ao contato, ficando
um rosa avermelhado, e mordi meu lábio. Não foi tão mau como os pontos que
levei, mas não era exatamente agradável também.
— Sinto muito — murmurou, inclinando a garrafa novamente. O fez com
cuidado, evitando o contato direto. Imaginei que a reação dele, desde que ele era
de sangue puro, seria pior que a minha.
Os cortes derramavam espuma branca enquanto a picada trouxe lágrimas
aos meus olhos. Finalmente, a água acabou, e Roth recuou. — Não se mexa por
um tempo.
Inspirando e expirando lentamente, fiquei onde estava até Roth retornar
com uma toalha. Abaixou em silêncio enquanto limpava o líquido em excesso ao
longo dos lados do meu estômago. Foi então que percebi que a ponta dos dedos
dele estava cor-de-rosa escuro.
Limpei a garganta. — Você queimou os dedos.
Ele encolheu os ombros. — Acontece. — Não tocou as marcas de garras,
mas enquanto se afastava, a sua mão livre traçou ao longo da cicatriz
desaparecendo no meu braço, aquela deixada pelo Guardião. — Não se mexa.
Não precisei esperar muito tempo. Roth retornou ao meu lado com um
cobertor preto. Igual ao que havia enrolado ao redor de mim na noite do ataque de
Petr, era feito de algum tipo de material grosso, luxuoso. Ele o colocou no meu
peito, deixando minha barriga nua, e se retirou em seguida.
— Você terá que permanecer imóvel até que pare de borbulhar. — Ele
sentou no banco ao lado do piano e abaixou a cabeça. Mechas de cabelo escuro
caíram para frente, protegendo seu rosto. Ele não disse mais nada.
Puxei uma forte respiração. Um silencioso e tranquilo Roth era um
preocupante Roth, porque era uma raridade, e não sabia o que fazer quando ele
ficava assim. Uma parte de mim queria saber sobre sua mudança de humor e
queria perguntar, mas não queria parecer como se estivesse interessada.
Porque eu estava.
E de certa maneira queria me estapear por isso.
Por mais louco que fosse, enquanto esperava que a água benta fizesse seu
efeito, devo ter dormido, porque quando abri os olhos novamente, as marcas de
garras já não borbulhavam. Não sentia náuseas ou tonturas, apenas uma ligeira
dor ao redor das garras.
E Roth estava sentado na cama, ao meu lado.
Bem, quando virei a cabeça para o calor do seu corpo, ele estava
descansando na cama ao meu lado.
Apoiando o seu peso em um braço, a cabeça descansava em sua mão. Um
estranho sorriso marcava seu rosto assustadoramente lindo, um contraste com a
expressão tranquila que levava antes. Seus lábios se separaram um pouco. — Você
ainda sussurra em seu sono.
Franzi o cenho.
— Você faz estes pequenos sons, às vezes. Como um gatinho. É lindo.
— O que você está fazendo? — Calor inundou minhas bochechas quando
me sentei rapidamente. Esquecendo o cobertor, que escorregou para minha
cintura.
Seu olhar o seguiu, e ele sorriu quando puxei o cobertor para cima. —
Estava vendo você dormir.
— Arrepiante. — Eu disse, segurando o cobertor no meu queixo.
Ele encolheu os ombros. — Como se sente?
— Bem. — De algum lugar profundo dentro de mim, me forcei a dizer: —
Obrigada.
— Vou adicionar isso à sua ficha.
Franzi o cenho.
Girando elegantemente, ele se levantou e se espreguiçou. — Acordou bem
na hora. Você não quer que Stony venha aqui e te encontre toda satisfeita e feliz
na minha cama.
— O que?
— Stony. Ele está a caminho. — Ele cruzou de braços, olhando para mim.
— Para te buscar.
Pisquei uma vez e duas vezes enquanto pequenos nós se formavam no meu
estômago.
— Usei o seu telefone — explicou. — Estava no bolso da frente. Você estava
inconsciente quando o peguei. Bem, você fez aquele gemido, o que me fez pensar
que você gostou quando meus dedos...
— Você pegou o celular do meu bolso e ligou para Zayne? — Disparei para
ficar em pé. — Você está doido?
— A última vez que comprovei, eu não estava. Você deve ficar feliz em saber
que Stony atendeu no primeiro toque. — Seus lábios franziram quando uma
expressão pensativa cruzou seu rosto. — Mas não ficou exatamente feliz ao ouvir
a minha voz. Ou que você estava comigo. Ou que dormia na minha cama. Ou que
foi ferida. Ou que...
— Entendo o ponto! — Gritei, segurando o cobertor no meu peito. — Por
que você ligou para ele?
Ele inclinou a cabeça para um lado e o olhar de inocência em seu rosto me
fez querer cuspir fogo como um dragão da morte. — De que outra forma você
acredita que vai chegar em casa?
— Oh, eu não sei Roth, talvez um maldito táxi? — Meu coração batia
fortemente no meu peito. Oh Deus, Zayne ia enlouquecer. Ele ia enlouquecer tão
epicamente que quebraria a barreira do som. — O que você estava pensando?
— Estava pensando que nós precisamos deixar os Guardiões saber sobre
os Nocturnos na escola. — Ele respondeu razoavelmente. Eu queria bater nele. —
Porque isso foi ideia sua e você estava certa. Não posso cuidar de todos sozinho.
Meus dedos se cravaram no cobertor. Eu não acreditava no que ele estava
dizendo. A verdadeira razão por trás de chamar a Zayne não era para alertá-lo das
criaturas na escola. Como se Roth se importasse com isso. Ele o fez para irritar
Zayne.
A pequena curva de seus lábios o delatou.
— Aposto que você está tão orgulhoso de você, certo?
Ele olhou para mim e revirou os olhos. — Não é como se Stony fosse correr
e contar ao papai que você está comigo.
Essa parte não importava. Não que Abbot fosse compreensivo comigo
estando no apartamento de Roth, mas eu estava mais preocupada com o que isso
faria com Zayne.
De alguma forma, eu resisti à tentação de dar uma de macaco psicótico com
ele. — Preciso da minha blusa. Onde está?
— No lixo.
Fechei os olhos e contei até dez. — Preciso vestir uma camisa. — Comecei
a andar em direção ao armário dele, mas ele apareceu na minha frente, bloqueando
o meu caminho. — Saia.
O sorriso dele aumentou. — Sinto muito. Estou sem roupas de meninas
neste momento.
— Preciso de uma camisa — insisti. — Não seja idiota, Roth.
Pensando por um momento, uma centelha iluminou seus olhos e as
campainhas de alerta dispararam. Com um sorriso manhoso, ele se inclinou e
retirou a camisa de manga comprida que estava usando.
Meus olhos se arregalaram.
Wow.
Eu... Eu esqueci como Roth era sem camisa.
Ok... Talvez não tivesse esquecido tudo, mas minha memória não lhe fazia
justiça. De modo algum. Roth era toda massa muscular magra. Do peito até essas
linhas em cada lado dos quadris, ele era forte e puro músculo.
O Dragão tatuado estava no mesmo lugar, amontoado na lateral do seu
abdômen, com a cauda desaparecendo sob a calça jeans. Minha pergunta sobre a
presença dos gatinhos foi respondida. Um estava sob seu peito direito, parecendo
mais como um tigre agachado e o outro parecia estar amontoado no seu lado.
— Onde está o terceiro gato? — Perguntei antes que pudesse me parar.
Seus cílios grossos baixaram. — Preciso tirar as minhas calças para lhe
mostrar.
Fechei os olhos.
Houve uma risada profunda. — O relógio não para. E, mais importante
ainda, quanto mais tempo ficar parada aí em apenas seu sutiã, mais me sinto
tentado a ser um garoto muito, muito mau.
Meus olhos se arregalaram. Seu olhar prendeu o meu, e dei um passo atrás
pela intensidade do seu olhar. Não havia nenhuma dúvida em minha mente que
ele dizia a verdade. Pode ser que não quisesse ficar comigo, mas ele me desejava.
— Me dá a camisa — disse com os dentes apertados.
Ele a lançou, mas estava um pouco lenta para pegá-la, o material cheirava
a ele, como algo selvagem e pecador, e acertou meu peito, caindo no chão. — É
melhor que se apresse. Ele estará aqui a qualquer momento.
— Você é uma dor na bunda — eu disse, pegando a camisa.
Ele riu entre dentes. — E tenho um bom traseiro, me disseram.
Não fiz caso disso à medida que eu virava, dando as costas enquanto soltava
o cobertor. Talvez fosse minha imaginação, mas minhas costas queimaram sob seu
olhar intenso. — Por que ele tem que vir aqui, para um prédio cheio de demônios?
Não é perigoso?
— Ele vai estacionar na rua e entrar pelo telhado — respondeu Roth, sua
voz de repente tensa. — Não se preocupe. Stony está completamente a salvo.
Deslizando a camisa de Roth, imediatamente fui engolida pelo tamanho e o
cheiro dele. Eu me virei para ele, me sentindo corada. Nem sabia o que dizer
quando me sentei na ponta da cama. Não havia nenhuma maneira que pudesse
sequer me preparar para a chegada de Zayne.
Não que eu tivesse que esperar por muito tempo.
Não demorou mais que um minuto para que o forte golpe no telhado fizesse
tremer os retorcidos quadros pendurados nas paredes de Roth. Estava de pé
quando Roth se virou para a porta estreita que conduzia ao telhado. Sem
cerimônia, ele a abriu e Zayne entrou no loft.
Seu cabelo louro estava uma bagunça ondulada, e estava todo de preto –
camiseta preta e calça tática preta. Era como se tivesse se vestido para ir à caça.
O olhar de Zayne me encontrou pela primeira vez, e ele não afastou o olhar
por um longo tempo. Os olhos dele eram incríveis azuis cobaltos, e suas pupilas
alongadas verticalmente, sua mandíbula firmemente fechada. Não necessitava ler
a sua mente para saber o que ele pensava sobre me ver no apartamento de Roth
sem camisa, ao lado da cama dele e vestindo a camisa dele.
Comecei a explicar por que, apesar de parecer desnecessário, mas antes
que eu pudesse dizer uma palavra, Roth falou.
Seu sorriso era amplo, mas não atingiu os seus olhos. — Ei, irmão...
Um músculo se apertou ao longo da mandíbula de Zayne e logo se virou
sobre Roth, inclinou o braço para trás e lhe deu um soco na cara.
Roth cambaleou para trás e a transformação teve lugar. A pele se escureceu
para um suave e polido cor de ônix e asas brotaram de suas costas, abrindo três
metros e arqueando alto no ar. Os arcos estavam decorados com chifres afiados e
mortais, mas ao contrário dos Guardiões, seu crânio estava exposto.
Seus lábios se abriram, revelando as presas. — Faça novamente.
Zayne não mudara, mas parecia prestes a dar um soco no rosto de Roth
novamente. Não que eu duvidasse da capacidade de Zayne de se defender, mas
Roth era um demônio de nível superior, um príncipe herdeiro, e, mais importante
ainda, lutar por isso era estúpido.
Coloquei-me entre eles, olhando para os olhos azuis furiosos de Zayne. —
Pare.
— Não a escute — em sua forma verdadeira, a voz de Roth era gutural e
forte. — Você sabe que não quer parar, Stony.
Disparei um olhar de morte. — Já basta, Roth!
Seus olhos, ainda dourados, se fixaram em mim. Passou um momento tenso
enquanto suas mãos com garras abriam e fechavam, e sinceramente pensei que ia
me pegar e me tirar do caminho. Quando deu um passo a frente, meu ritmo
cardíaco diminuiu. — Stony começou.
— Wow. — Virei para Zayne, que examinava Roth. Coloquei as mãos no
peito dele e o calor do seu corpo queimou através da camisa. — Você precisa se
acalmar.
— Você deixou que ela saísse ferida — rosnou ele.
Roth rosnou, abaixando o queixo, como se preparando para atacar. — Eu
cuidei dela.
— Como se isso melhorasse?
Empurrei Zayne para trás. — Ele não me deixou fazer nada. Fui lá
livremente e ele disse para eu sair, mas fiquei. Você me treinou, Zayne. Eu estava
mais do que preparada para a luta – e matei o Nocturno. — Algo que todos parecem
esquecer. — Você não pode culpá-lo porque eu fui ferida – apenas ferida. Como
pode ver, estou bem.
O olhar de Zayne finalmente caiu sobre mim. Suas narinas se abriram
quando ele respirou fundo. Houve outro momento tenso de silêncio e então apertou
a mandíbula em um assentimento brusco.
Observando-o por um segundo mais para ter certeza de que não mudaria
de opinião, eu abaixei minhas mãos e encarei Roth. Ao ver que ele voltara a sua
forma humana, eu relaxei um pouco.
— Agora que isso está resolvido, Abbott e o clã foram à escola?
— Eles estão lá, mas não estão dispostos a fazer nada até que as aulas
acabem. — O tom de Zayne era cortante. — Estamos nos encarregando disso. Não
precisa se preocupar.
Roth bufou. — Não é como se eu estivesse preocupado.
Um flash de raiva passou pelo rosto de Zayne, e eu soube que quanto mais
tempo estes dois permanecessem no mesmo ambiente, maior era a probabilidade
de que a segunda rodada de luta de caras estourasse.
— Nós deveríamos ir — disse em voz baixa.
Zayne assentiu. — Eu não poderia estar mais de acordo.
Virei para dizer algo a Roth – algo como obrigada, porque havia me ajudado,
mas os dedos de Zayne se enroscaram inesperadamente com os meus. O olhar
assassino de Roth caiu em nossas mãos unidas. Sua boca ficou tensa e suas feições
pareceram duras – mais pele e osso do que qualquer outra coisa – e então uma
cortina se fechou rapidamente, fechando qualquer pensamento ou sentimento.
— A propósito, Zayne... — a frieza na voz de Roth provocou um arrepio em
minhas costas. — Essa foi a única vez que encostou a mão em mim para depois
partir sem mais nem menos.
***

Zayne e eu não conversamos na maior parte do caminho para casa. Cada


vez que eu olhava, ele parecia estar rangendo os dentes. Eu sabia que ele estava
com raiva, tanta raiva que estava além do ponto que pudesse expressar.
A culpa azedou meu estômago como um leite coalhado, que levou a uma
forte dose de confusão. Zayne me pediu para não escapulir com Roth, e eu não fiz
isso, não mesmo. Meu estômago revirou fortemente, porque minha lógica fedia e
sabia que era mais do que isso.
A raiva que Zayne lançava em ondas vinha de um lugar diferente – o lugar
que foi criado em minha cama na última noite de sábado. Não podia me enganar a
acreditar em algo diferente. Como soube no momento em que ele me tocara que
tudo havia mudado entre nós, e seu humor atual era o produto dessa mudança.
Mas não fiz nada de errado. Na verdade, eu fiz algo impressionante. Matei
um Nocturno, provando que era útil para algo mais do que apenas minha
habilidade agora inexistente.
Quando paramos na estrada privada, não pude suportar o silêncio por mais
tempo. — Eu ia te contar sobre ir ao antigo ginásio com Roth.
O músculo em sua mandíbula se contraiu. — Ia?
Sua pergunta doeu ardentemente. — Sim. Planejava ligar para você assim
que saísse do ginásio, mas passei mal por causa do estúpido arranhão.
— Esse estúpido arranhão poderia ter te machucado seriamente ou pior,
Layla.
— Mas não o fez — indiquei suavemente. — Roth se adiantou e te ligou,
mas eu o faria.
— Roth — ele sussurrou o nome.
Um piscar de olhos passou. — E há mais que eu tenho que te dizer. Acho
que temos uma pista do Lilin, mas é de... Uma fonte pouco convencional.
Seus dedos bateram no volante. — Estou meio com medo de perguntar.
— É algo que você não pode dizer aos outros. Sei que isso não soa bem, mas
confio em você. Você não é maníaco com preconceitos e não...
— Ok — Zayne suspirou. — Entendi.
Porque eu confiava nele, contei sobre Gerald, seu coven e do outro coven de
bruxas em Bethesda. Ele não estava exatamente satisfeito com a regra de não
Guardiões. — Layla, eu não quero que você vá.
— Alguém precisa ir — disse.
— Deixe que ele faça isso.
— De maneira nenhuma eu confio em Roth para entrar em qualquer
situação e não irritar tanto as pessoas que não consigamos nenhuma informação.
Ele ficou em silêncio enquanto rodeávamos a casa, na direção da garagem.
— Você sabe quão difícil é para mim considerar a ideia de que você vá com ele?
Mordendo meu lábio, não disse nada sobre isso.
— Eu sei que ele estava me instigando hoje e mordi a isca.
Bem, eu estava totalmente de acordo com isso. Por alguma razão, Roth
queria irritar Zayne e conseguiu.
— Mas ele permitiu que você saísse machucada no processo — continuou
enquanto movia com cuidado o impala na garagem, estacionando perto da frota de
caminhonetes. Quando desligou o motor, ele virou para mim. A conversa voltou
para ele novamente. — E agora você cheira como ele. Então, eu quero bater nele
novamente.
— Você não pode bater nele novamente.
Ele levantou as sobrancelhas em dúvida.
— Eu ficar machucada não foi culpa dele.
— Ele te persuadiu para ir lá enquanto poderia ter ido sozinho, e assim que
viu o casulo ou esses Nocturnos, deveria ter te tirado de lá. Ele não o fez. E não só
porque queria chegar até mim. Ele te queria ali, com ele.
Eu ri diante disso. — Tenho certeza que ele só queria mexer com você,
porque sabia que eu te contaria tudo.
Ele balançou a cabeça enquanto pegava a chave e abria a porta. — Essa
não é a única razão, Layla. — Ele olhou para mim do outro lado do carro depois
que saiu, apoiando o braço contra o teto. — Eu vejo o jeito que ele olha para você.
Fechei a porta do carro e dei um passo atrás, virando para a entrada que
leva a cozinha. Vi aquela expressão no rosto de Roth antes, mas concordar com
isso não serviria de nada. Era provável que Zayne fizesse sair suas asas, voasse até
o apartamento de Roth e lhe desse um pontapé desta vez. — Você não sabe o que
está vendo.
Dei um passo quando Zayne estava de repente na minha frente. Ofegando,
eu tropecei para trás enquanto sua mão se fechava ao redor do meu antebraço em
um aperto suave, mas firme.
— Eu sei o que vi. — O ar passou zunindo dos meus pulmões quando me
pressionou contra seu peito. Baixou o queixo, e nossos rostos ficaram apenas
alguns centímetros de distância. A proximidade me congelou no lugar. — Eu sei
exatamente como ele olha para você, e você sabe também.
As palavras sumiram enquanto eu encarava os olhos da cor do céu infinito,
por que... Oh meu Deus, nossos lábios estavam tão perto, e a necessidade que
aumentava dentro de mim não tinha nada a ver com alimentação, mas tudo a ver
com a vontade de provar os lábios dele.
A outra mão se curvou nas minhas costas e escorregou para cima,
envolvendo as pontas do meu cabelo. — Conheço o olhar. Então, você também.
Porque é a maneira como eu olho para você.
Meu coração tropeçou quando as palavras assentaram em mim. Não sabia
o que dizer, e esse sentimento crescendo dentro de mim se tornou algo mais, se
moveu no meu peito, e acelerou meu pulso.
Um som profundo saiu da garganta de Zayne e abaixou a cabeça,
reclamando os poucos centímetros entre nossos lábios. No último segundo, o senso
comum me atingiu e afastei abruptamente do seu abraço.
Respirando irregularmente, eu continuei afastando até bater no Impala.
Meus lábios formigavam e nem sequer nos beijamos. Mas quase o fizemos. E isso
me apavorava. Gelo se derramou em minhas veias, esfriando a minha pele como
uma manhã de inverno.
Coloquei minha mão sobre a boca enquanto o encarava. — O que estava
pensando?
O peito dele subia e caía rapidamente. — Layla…
O medo se apoderou de mim, pânico mais poderoso do que enfrentar ao
Nocturno. Se tivéssemos nos beijado, eu teria tomado a alma de Zayne – o teria
convertido em algo horrível e malvado. Teria matado o que ele era.
Justo como faria um Lilin.
Cambaleei para longe do Impala e passei correndo por Zayne, correndo para
o pequeno corredor e dentro de casa. Parei em seco quando entrei na pequena
cozinha bem iluminada.
Na mesa redonda, estavam Danika e Jasmine com os gêmeos. Bolas de
sorvete sobre a mesa, mas os bebês estavam mais cobertos com o liquido cremoso
do que pareciam comer.
Um sorriso hesitante passou pelo rosto de Danika. Sua mão direita estava
coberta com arco-íris de confetes. — Você voltou.
Eu queria que meu coração desacelerasse. — Sim.
A porta dos fundos na cozinha bateu na parede, anunciando a entrada de
Zayne. Ele rugiu na cozinha, desacelerando como eu ao ver que estava ocupada.
Ele deu uma olhada na mesa e retornou um olhar penetrante para mim.
Ah, Deus.
O olhar de Jasmime passou dele para mim e novamente em Zayne. Um
silêncio constrangedor caiu quando Danika mudou sua atenção para o seu prato.
― Gostaria de um pouco de sorvete? — Ofereceu Jasmine enquanto limpava
a garganta. — Tenho certeza que... Sobrou um pouco.
Izzy começou a rir, jogando seus cachos vermelhos para trás enquanto
fechava seus punhos na tigela. O sorvete espirrou no seu babador. — Mais!
— Uh, obrigada, mas vou passar. — Me virei quando Geoff entrou na
cozinha. Levantou as sobrancelhas enquanto olhava para a mesa.
— Alguma notícia dos homens? — Perguntou Jasmine, sentada com as
costas eretas.
Ele assentiu com a cabeça, passando a mão por seus longos cabelos
castanhos, os quais iam até os ombros. ― Sim. Desde que a escola está encerrando
por hoje, eles estão prestes a limpar. Já eliminaram alguns que estavam perto de
sair. — Ele olhou para mim e surpreendentemente, sorriu. — E parabéns, Layla.
Ouvi que você eliminou um.
Finalmente alguém reconheceu meu feito. — Obrigada.
Geoff concordou com a cabeça e então voltou sua atenção para Zayne. —
Você tem um segundo?
Tomei isso como meu sinal para fazer uma saída precipitada. Precisava de
um momento para limpar a minha mente e tomar uma ducha, porque cheirar como
Roth não estava me deixando confortada e tranquila. Chegava ao corredor quando
senti um estranho ar frio passar por mim. Não ao meu redor, mas literalmente
através de mim, me fazendo parar. E então ouvi Zayne.
— Isso pode esperar.
Meu coração pulou na minha garganta enquanto eu quase me lançava nas
escadas. Dei dois passos e então, de repente, eu estava fora de meus pés e sobre
um ombro forte. Muito atordoada para dar um pio, levantei a cabeça e vi o ambiente
girar ao meu redor enquanto Zayne saía da sala em direção à biblioteca. Ele chutou
a porta, fechando e trancando. Meu estômago caiu enquanto minha imaginação
voava descontroladamente.
Tão repentinamente como fui levantada e jogada por cima do seu ombro
como um saco de arroz, eu fui colocada no chão. Afastei-me e corri, batendo no
seu peito. Duro.
— Que demônios? — Exigi.
Os lábios de Zayne tremeram como se tentasse não rir. — Nós precisamos
conversar.
— Você precisa conversar com Geoff.
— O que quer que ele tenha a dizer pode esperar. — Ele me seguiu enquanto
eu me afastava, franzindo a testa. — Por que você saiu assim?
— Eu... Eu preciso tomar banho — disse sem convicção.
Seus olhos se estreitaram. — Sim, isso é ótimo, mas você saiu correndo
como se um exército inteiro de demônios estivesse perseguindo você.
— Eu não.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ok. Talvez um pouco. O que você quer conversar? Das bruxas e quando
podemos ir ao clube?
— Não.
Conforme nos aproximávamos do sofá, ele se sentou. Comecei a fugir, mas
sua mão deslizou, envolvendo meu braço. — O que você está...?
Ele me puxou para baixo, e não havia outro lugar para ir, senão para o colo
dele. Pousei na frente dele, minha boca no nível da sua garganta. Por um momento,
fiquei congelada. Com minhas pernas montada nele, havia uma sensação
desconhecida nisso que esticava os meus nervos. Se movesse meus quadris para
frente... Nem sequer poderia terminar o pensamento.
— Não estou fugindo de você — murmurei.
— Sim, você está. Você também está me evitando novamente. — Suas mãos
rodearam minha cintura quando comecei a me levantar. — Não. Você não vai a
lugar nenhum.
— O que... O que você está fazendo? — Suspirei.
— Impedindo você de fugir de mim. — Me puxou para frente, fazendo com
que minhas mãos se firmassem fortemente sobre seus ombros para impedir que
certas partes do nosso corpo se tocassem. — Caso você não tenha percebido, no
entanto, eu não sou muito de partir para a perseguição.
Meu cérebro se esvaziou de todas as respostas inteligentes. Lentamente, eu
levantei os olhos e encontrei os dele. Ele me observava... Sim, como ele havia dito
que me olhava. Estômago encontrou as borboletas.
Dei uma pequena sacudida na cabeça. — Porque você me perseguiria?
O olhar que cruzou seu rosto foi uma mistura de carinho e de incredulidade,
o tipo de olhar – sério, você é assim tão tonta. — Eu não quero, mas fiz isso. Estou
fazendo isso. E acreditava que depois da noite de sábado, seria bastante óbvio.
Sangue se engrossou dentro das minhas veias.
— Na verdade... — seus olhos buscaram os meus. — Deveria ter sido óbvio
por... Por um longo tempo. Ou talvez não fosse, mas você deveria saber.
Precisaria ser burra para não saber, especialmente depois de tudo isso,
mas...— Eu não te entendo.
— Talvez não seja certo. O que sei? Quando meu pai te trouxe para casa
todos aqueles anos atrás, ele disse que meu trabalho era te vigiar, que eu seria a
coisa mais próxima de uma família, um irmão, que alguma vez você teria. E levei
isso a sério. Desde que tinha doze anos. — Ele baixou os cílios loiros escuros, e
pareceu o Sr. Snotty. Emoção explodiu no meu peito e foi descendo pela minha
garganta. — Eu sei que não deveria pensar em você de outra forma, mas você
cresceu no ano passado ou algo assim?
Minhas mãos se fecharam em torno de seus ombros, cravando através da
sua camisa. Sangue corria em meus ouvidos.
— Me senti incapaz de deixar de te olhar, e era difícil não querer passar
tempo com você. Porque mais me levantaria sempre tão cedo? — Ele riu em voz
baixa enquanto as covinhas de suas bochechas coravam. — E quando meu pai
começou a trazer a Danika, eu soube...
— Você soube o que? — Sussurrei.
— Soube que não podia ficar com ela. Não quando você está constantemente
na minha cabeça. É errado? — Seu olhar intenso levantou novamente, encontrando
o meu. — Não. Que se foda, que se foda tudo isso. É o certo. Isto sempre foi o certo.
Minha garganta doeu quando falei. — Você não pode...
— Não posso o que, Layla-bug? Não posso pensar em você? Não posso dizer
que sempre foi a garota mais incrível que eu conheci? Não posso deixar de viver
sob o mesmo teto com você e fingir que o que sinto por você – o que quero de você
– é algo fraternal? — Enquanto eu prendia a respiração, suas mãos se deslizaram
até minhas costelas, deixando para trás um rastro de calafrios. — Que não posso
abraçar você? Tocar? Porque a última vez que verifiquei, eu podia fazer todas essas
coisas.
— Zayne...
— E eu sei que isto é o que você quer. Já sei há muito tempo. — Seus
polegares se moviam em círculos preguiçosos enquanto falava. — Ou isso mudou
por causa dele?
Isso não tinha nada a ver com ele. Esperar anos, sofrer com todas as minhas
fantasias de menina envolvendo Zayne, e acreditar que isso era absolutamente sem
esperanças, para agora ouvir estas palavras quase sagradas, eu não sabia o que
fazer com elas. Meu coração estava se expandindo no meu peito até o ponto que
pensei que certamente isso iria explodir, mas havia uma ansiedade crescente que
sussurrava confusão e medo.
— Por que agora? — A pergunta me escapou.
— Agora é quando finalmente tirei minha cabeça da minha bunda é a
resposta errada? Acho que provavelmente não é suficientemente boa, hein? —
Baixou a cabeça no meu ombro, apoiando a testa lá enquanto seus dedos se
fechavam ao redor da parte de cima da camisa emprestada, e minha respiração
parava novamente. — Quase te perdi naquela noite que Paimon te capturou.
Quando percebi que você poderia ter morrido? — Estremeceu. — Que eu poderia
ter morrido? Não quero negar isto por mais tempo. Não poderia.
Fiquei olhando sua cabeça inclinada enquanto pouco a pouco levava
minhas mãos ao alto. Era por isso? Ou era por mais? Era por causa de Roth e o
fato de que Zayne simplesmente não me queria com ele? Ou era porque agora ele
sabia no que eu poderia transformar, o que me fazia adequada, de alguma forma?
Fechando meus olhos, ignorei o estranho nó de mal-estar. Ele não era assim, e
nunca acreditou que houvesse algo defeituoso comigo. Gentilmente toquei as
pontas do seu cabelo e um suspiro o estremeceu. Zayne não mentiria para mim.
Os suaves fios sedosos do seu cabelo se deslizaram através dos meus dedos
enquanto eu me perguntava se ele podia sentir meu coração se partir. Lágrimas
arderam em meus olhos, molhando meus cílios, e fechei os olhos. Isto teria sido
quase mais fácil meses atrás, quando a ideia de Zayne abrigando qualquer
sentimento por mim não era nada mais do que um conto de fadas, do que ouvir
isto e não ser capaz de agir sobre isso.
— Isso não importa. — Eu disse, com uma voz profunda. — É impossível.
Zayne recuou, levantando. — Como assim?
— Não podemos... Quer dizer, nós não poderíamos... — minhas bochechas
se incendiaram e abaixei meu queixo.
— Não podemos? — Sua profunda e escandalosamente risada sexy
retumbou através de mim. — Acredito que a noite de sábado mostrou que há muito
que podemos fazer.
Calor fluiu em mim, uma mistura de vergonha e fogo que despertou ante a
lembrança do que fizemos. — Mas é muito perigoso.
— Confio em você.
Essas três palavras soavam tão simples, mas eram contraditórias. — Não
deveria. Não assim – não com sua vida.
Ele franziu o cenho. — Você nunca dá crédito suficiente ou acredita em
você. Tanto tempo quanto tenho te conhecido, nunca me senti ameaçado pelo que
você pode fazer.
As lágrimas que vieram aos meus olhos ameaçaram derramar e eu estava a
segundos de chorar, como se tivesse visto uma maratona de filmes do Hallmark.
— Você não é má, Layla. Nunca foi. — Seu sorriso era enorme, rastejando
o seu caminho através do meu coração. — E acredito que se te beijasse neste
momento, você não levaria minha alma.
Dei um grito afogado enquanto começava a me inclinar para trás. — Não se
atreva a experimentar isso! Não posso...
— Relaxe. — Ele sorriu.
Meus músculos estavam tensos. Como eu poderia relaxar após dizer algo
assim? Por muito que me importava e gostava, me murcharia e morreria por dentro
se eu fosse a causa da morte dele. O simples pensamento de algo assim me deu
um desejo de mudar para outro lugar bem longe.
Zayne levantou uma mão, passando seus dedos pelas pontas do meu cabelo
enquanto seu olhar se arrastava sobre meus traços. Ele inclinou a cabeça, e antes
que eu pudesse descobrir o que ele fazia, pressionou seus lábios contra meu
pescoço, contra meu pulso batendo descontroladamente.
Meus sentidos se tornaram hiperconscientes conforme seus lábios firmes
traçavam um pequeno caminho quente até a área sensível sob meu ouvido. Meu
cérebro girou, registrando tudo. Senti seu cabelo fazendo cócegas debaixo do meu
queixo, a suavidade de seus lábios, e o pequeno movimento de sua língua, como se
saboreasse a minha pele. Reconheci a repentina tensão em meu corpo, o calor
líquido, e a força da emoção inchando o meu peito. Mas havia mais, havia essa
sensação externa novamente. Quando ele curvou a mão na minha nuca, sob meu
cabelo, isso somente ficou mais forte. Havia uma ponta de masculinidade nisso.
Enquanto a compreensão se filtrava, coloquei minhas mãos em seu rosto.
Ele levantou o seu olhar interrogativo. Não poderia imaginar como, mas eu sabia
profundamente nos meus ossos o que estava acontecendo.
— Meu Deus. — Sussurrei, arrastando meus dedos sobre o rosto dele. —
Eu entendo você.
Suas sobrancelhas se levantaram.
— Posso sentir você. Posso sentir suas emoções.
Isso obviamente não era o que Zayne esperava que eu dissesse. Ele me
olhou com aqueles olhos azuis brilhantes, a confusão aparecendo em suas belas
feições.
Sentir as emoções dele soava louco, mas fazia sentido.
— O que você quer dizer? — Perguntou.
Retirei minhas mãos, apertando meus dedos em minhas mãos, e quase
imediatamente a necessidade viril desapareceu. — Posso sentir o que você está
sentindo, — repeti; atordoada pela compreensão. — Não entendo como, e não é a
primeira vez, mas só não sabia o que eu estava sentindo antes.
Ele recostou-se no sofá. — Você terá que me dar mais detalhes.
— Toda vez que alguém me toca – ele com pele – eu tenho esses rastros de
emoção que não pertencem a mim. — Pensei em Stacey, em quando ela falara
comigo sobre Sam. Senti esperança – esperança que não me pertencia. Em seguida,
novamente com Roth, com Zayne, e mesmo quando caminhando pela rua a procura
de pessoas à noite, quando tentava ver auras... Meus olhos se abriram. — Começou
quando parei de ver auras! Quase imediatamente depois. Merda.
— Inferno — ele disse, balançando a cabeça levemente. — Então, você podia
sentir o que eu sentia quando eu te tocava?
— Fracamente. Como uma corrente de emoções. Nada muito forte.
Seus lábios se inclinaram em um sorrisinho. — Bem, eu estou feliz então.
Porque se você estivesse sentindo tudo o que senti quando você me tocou. Isso
seria realmente embaraçoso, considerando todas as sensações que aconteciam
comigo.
Eu ri; apesar das minhas bochechas estarem queimando. — Sim, eu acho
que seria estranho.
— Algo assim. — Ele engoliu em seco, e colocou a mão na minha bochecha.
— O que você sente agora?
— Não sei. — Era difícil, tentar decifrar as minhas próprias emoções
confusas e o que poderia vir dele, mas havia uma que pensei que poderia ser dele.
Um fio constante que teceu o seu caminho para a minha inquietação. — Feliz? —
Sussurrei, enrolando meus dedos em torno de seu pulso. O calor aumentou, era
como tomar sol no verão. — Felicidade.
Seu sorriso se espalhou, alcançando seus olhos. — Sim, isso mesmo.
Tentei colocar um senso sobre como perder o meu talento para ver almas,
de alguma forma causou a minha capacidade de sentir as emoções dos outros.
Deixei a minha mão cair e comecei a me mover para sair do colo dele, mas suas
mãos se moveram para os meus quadris, me segurando no lugar. Levantei uma
sobrancelha.
O sorriso de Zayne emanava um charme juvenil. — O quê?
— Você sabe o que.
Ele encolheu os ombros. — Concentre-se nas coisas importantes aqui. A
coisa toda sobre as emoções. Sabemos que um súcubo ou incubo se alimenta de
emoções, certo? E Lilith era considerada um súcubo em alguns textos. Talvez seja
uma habilidade que você sempre teve e está apenas emergindo.
Em outras palavras, uma habilidade demoníaca. — Você sabe por que não
comecei a manifestar habilidades de Guardião?
— Isso importa? — Ele bateu os dedos contra meus quadris.
— Deveria. A você.
Aquele sorriso deslizou em uma carranca. — Não. Sentir as emoções de
outros não é maligno. Provavelmente seja bastante útil.
Também pensei isso, mas era apenas mais uma coisa que me faz ser tão
diferente de Zayne e desconfortável em minha própria pele. Algo me ocorreu
enquanto o meu corpo relaxava e cruzei as mãos entre nós. — Você acha que um
Lilin pode sentir emoções e ver almas?
— Não sei.
Nem sequer sei por que eu perguntava isso. Talvez fosse porque eu queria
saber por que o meu DNA era tão semelhante àquela criatura.
Zayne se moveu e deslizei um pouco para frente. — Eu sei o que você está
pensando.
— Sabe?
Ele balançou a cabeça. — Você está pensando no bruxo e o quanto você
poderá descobrir mais sobre os Lilin.
Como de costume, ele estava bastante perto. — Bem, minhas razões são
puramente egoístas. Quanto mais nós sabermos sobre os Lilin, mais rápido nós
seremos capazes de encontrá-lo.
— E a velha não estará nesse clube até a lua cheia? Ele perguntou após
alguns momentos. Ainda faltam algumas semanas... Em 06 de dezembro – eu acho.
Balancei a cabeça, distraída. Demônios, gárgulas, bruxas e suas luas... —
Então, você concorda que eu vá?
— Na verdade não, mas acho que encontrará uma maneira de ir de qualquer
maneira, e prefiro apoiar ao invés de não saber de nada. — Inclinando a cabeça na
almofada do sofá, ele olhou para mim por sob os cílios inferiores. — E suponho que
Roth está encantado com a ideia de ir a este clube com você.
Eu não sabia o que dizer sobre isso.
— Entendo que as bruxas não me querem lá, especialmente esse tipo de
bruxas, mas eu vou com você nessa noite – ao menos o mais longe que possa ir —
ele continuou. — E, tanto quanto eu odeio dizer isso, ir com Roth é uma boa ideia.
— O quê? — Olhei para ele, surpresa. — Você realmente disse isso?
— Eu gostaria de cortar a pele de Roth desde seus ossos de uma maneira
muito lenta. Sabe, como um descascador de laranja.
Meu nariz se enrugou. — Ew.
Ele me deu um sorriso rápido. — Mas, principalmente, você está segura
perto dele, na maior parte.
Fiquei olhando para ele. — Na maior parte?
— Ele irá protegê-la. Melhor do que eu fiz hoje. — A relutância em sua voz
era evidente. — Só que você não está a salvo dele.
— Não importa o que você quer ou o que você acha que quer, estou a salvo
dele. Confie em mim. Ele deixou claro e evidente que não havia nada entre nós,
exceto...
— Luxúria?
— Sim — sussurrei.
— Idiota.
Tossi um sorrisinho. — Sim.
— Sinto muito — disse ele, depois de tudo o que confessara, pensei que o
pedido de desculpas fosse possivelmente a coisa mais estranha sobre isso, mas a
bondade era tão parte da natureza de Zayne.
Circulando seus braços ao meu redor, ele me segurou perto, me colocando
em seu peito. Eu me enrolei contra ele, fechando os olhos, ouvindo a batida do seu
coração contra a minha bochecha. Com os braços cruzados em torno de mim, eu
achei o tipo de conforto que só poderia ser encontrado nos braços dele – que sempre
encontrei nos abraços dele.
Um suspiro estremeceu através de mim. Havia muita coisa acontecendo e
acontecera em um curto tempo de algumas semanas, mas nesses momentos de
calmaria, minha mente me transportava para todos aqueles maravilhosos e lindos
momentos que sonhara com Zayne conversando comigo, mas agora eram muito
reais. Havia coisas mais importantes que eu deveria tentar resolver, mas agora,
esta era coisa mais importante para mim.
Esta evolução com Zayne era tão inesperada. Luxúria era outra coisa.
Cuidar profundamente de alguém era outra coisa, mas essas palavras... Elas
pareciam carregadas com um tipo diferente de significado. Era do tipo que se
afundava no coração, derrubava paredes, destruía as barreiras e abria seu próprio
caminho.
Enquanto Zayne deslizava sua mão pela minha coluna, um suspiro escapou
dos meus lábios separados. — Confortável? — Ele perguntou.
Eu assenti.
Ele continuou movendo a mão, e me forcei a abrir os olhos, meu olhar
seguindo as lombadas de livros empoeirados que revestiam as prateleiras. Todas
as suas palavras estavam no pequeno espaço entre nós. Eu precisava dizer alguma
coisa, mas falar em voz alta sobre como me sentia sobre Zayne nunca foi fácil.
Sequer admiti para Stacey como me sentia sobre isso. Minha paixão de quase toda
vida era algo que mantive perto do meu coração, escondendo da melhor forma que
pude, e protegendo-o com mentiras. Mas Zayne se abriu comigo e eu lhe devia o
mesmo.
— Tenho uma confissão. — Sussurrei.
— Mmm?
Encontrar coragem não era nada simples. — Sempre sonhei com você...
Dizendo essas palavras, que você me queria. — Todo o meu ser queimava, mas eu
me forcei a continuar. Cada palavra era um sussurro trêmulo. — Provavelmente,
desde que entendi a diferença entre meninos e meninas, eu te amei.
Seus braços se apertaram ao meu redor, e quando falou, sua voz estava
rouca. — Isso soa como um longo tempo.
— E foi. — Uma bola se formou na minha garganta e, por alguma razão, eu
queria chorar. — E foi tão difícil, sabe? Tentar não demonstrar e não ter ciúmes de
Danika ou qualquer outra garota que...
— Nunca houve outra menina, Layla-bug.
Demorou alguns segundos para essas palavras se infiltrarem em minha
cabeça dura, e quando fizeram, eu me afastei e levantei minha cabeça. — Repita?
Desta vez, seu rosto estava corado. — Nunca estive com ninguém.
Minha boca caiu no meu peito.
— Precisa parecer tão surpresa?
— Sinto muito. Simplesmente não posso acreditar que não há... Quero dizer,
é você. Você é lindo, gentil, inteligente, perfeito e as meninas te olham em todos os
lugares que vamos.
Ele sorriu. — Eu não disse que a oportunidade nunca se apresentou. Mas
nunca reagi.
— Por quê?
Os olhos de Zayne encontraram os meus. — A verdade?
Eu assenti.
— Realmente não sabia a princípio, por que não fazia quando... Bem,
quando eu poderia ter feito. É como se nunca tivesse me interessado o suficiente
para ir com isso até o fim. Apenas no ano passado que percebi a razão. — Ele fez
uma pausa, e meu coração aumentava de ritmo novamente. — É por causa de você.
— Eu?
— Sim. — Ele pegou uma mecha do meu cabelo, torcendo o seu
comprimento ao redor dos seus dedos. — Atingi certo ponto em que tudo que eu
conseguia pensar era você, e parecia errado. Sabe, estar com outra pessoa quando
imaginava que estava com você.
Oh, meu Deus…
Meu coração explodiu em um monte de sentimentalismo enjoativo de Zayne
e partes do meu corpo ficaram animadas com o fato de que ele se imaginara
pensando em mim dessa forma por muito mais tempo do que eu poderia ter
imaginado.
Zayne colocou as mechas do meu cabelo sobre meu ombro, o qual ele esteve
brincando, deixando que caíssem lentamente. — O que você fará sobre isso?
Minha mente pulou direto para a sarjeta e começou a pular feliz com a ideia
de como corrigiríamos nossos problemas de virgindade, mas duvidei que se
referisse a isso. Então, retirei as coisas sujas do meu cérebro, abri minha boca,
mas ele colocou um dedo nos meus lábios.
— Você não precisa responder imediatamente — disse ele. — Eu sei que
não é fácil, nada entre nós será fácil, e sei que você tem bastante medo. Não quero
te pressionar ou forçar isso, porque eu sei... — ele fez uma pausa e balançou a
cabeça, como se dissesse a si mesmo alguma coisa. — E sei que você ainda se
preocupa com ele – com Roth.
Afastei-me. — Eu...
— Eu sei — disse ele solenemente. Não é algo que fique feliz em dizer em
voz alta ou mesmo pensar, mas sei que você faz. Você compartilhou...
Compartilhou muito com ele e ele estava lá quando eu não estava.
Eu sabia que ele estava pensando na noite que Petr me atacou, quando
tentei ligar para ele, mas ele não atendeu porque estava com raiva de mim e havia
saído com Danika; ele ainda não se perdoara por isso. — Zayne, aquela noite não
foi culpa sua.
— Eu deveria ter atendido ao telefone, mas esse não é o ponto. Ele sempre
esteve ali por você e te aceitou como é. Outra coisa que eu nem sempre fui muito
bom. — Ele passou o dedo ao longo da minha mandíbula e abaixou a mão. — De
qualquer forma, eu sei que você ainda tem sentimentos por ele, mas estou dizendo
que nós podemos dar uma chance – podemos nos dar uma chance.
Meu coração fraquejou e depois acelerou, Zayne estava certo, tanto quanto
ele odiava admitir, eu ainda tinha sentimentos por Roth, mas... Mas aqui estava
Zayne, e tínhamos uma história juntos. Havia todos os anos que passei idolatrando
e sonhando com ele, aí estava tudo o que acabava de me dizer.
E então, havia tudo o que eu sentia por ele, a forma como eu esperava vê-
lo todos os dias, como ele me fazia rir com o mais simples dos olhares e a maneira
em que eu desejava o mais breve contato, ser capaz de beijá-lo. Sempre houve algo
entre nós, apenas sempre pensei que era só da minha parte.
Ele sorriu um pouco. — Então, eu acho que devemos levar as coisas devagar.
— Devagar? — Mais lento do que expor meu seio e sentar no seu colo?
— Sim, como ter um encontro. O que você acha disso?
Minha primeira reação foi dizer não, havia um risco muito grande... E se
fosse honesta comigo mesma, eu estava assustada – apavorada por finalmente ter
algo que eu sempre quis, e se não funcionasse por qualquer uma das milhões de
razões que fosse possível? E se terminasse decepcionada ou destruísse a nossa
amizade? E se Zayne perdesse a alma por minha culpa?
Havia tantos riscos, mas quando meu coração saltou, percebi que metade
demônio ou não, a vida estava cheia de riscos e eu estava cansada de não viver –
de não tentar.
Um encontro não podia ser ruim, não é? Olhei para ele com meus lábios
esticados em um largo sorriso — Que tal assistirmos um filme?

***

Zayne ficou acordado até a manhã seguinte depois de retornar da caça e


me levou à escola. Para o clã isso não parecia fora do lugar e Nicolai provavelmente
ficou feliz de ser retirado do serviço.
As coisas estavam normais entre nós novamente.
Ele me provocou.
Ele me fez corar.
Isso me fez querer bater nele em algum momento durante a viagem.
E ao chegar à escola, a forma como se inclinou e deu um beijo doce no meu
rosto me fez querer dar um beijo de despedida digno.
Eu não tinha certeza do nosso relacionamento. Estávamos saindo? Éramos
namorados? Nenhuma regra foi estabelecida, e era provavelmente o melhor neste
momento. Apesar de querer assumir o risco, eu não sabia se poderia levar isso
adiante.
Ou se tentasse, eu me tornaria à pessoa mais egoísta do mundo.
De qualquer forma, havia um sorriso estúpido na minha cara quando entrei
na escola. Quando acordei esta manhã, todos os problemas que enfrentamos
pareciam serem um pouco mais administráveis, como se todos os problemas
fossem imersos em um brilho.
Eu ri disso, ganhando um olhar estranho da menina que andava ao meu
lado. Oh bem, virando a esquina, passei pela vitrine de troféus ainda vazia quando
uma cabeça acobreada e familiar apareceu com um cabo de vassoura na mão,
Gerald me acenou com a outra mão.
Deslizando entre um grupo de meninas eu fui até ele. — Está tudo bem?
Ele concordou e manteve a voz baixa. — Eles cuidaram do problema no
porão da escola, limparam tudo e se desfizeram da sujeira.
— Ótimo. — Fiquei aliviada ao ouvir isso, Zayne viera à noite anterior, se
juntando aos outros, mas não falou nada sobre isso esta manhã.
A pele ao redor de seus olhos se enrugou enquanto dava uma olhada ao
nosso redor. — Eu também queria te agradecer.
— Por quê?
— Por não dizer nada aos Guardiões sobre mim — ele respondeu, mudando
o cabo de vassoura para o outro lado. — Eu sei que você não fez, porque ainda
estou aqui, e agradeço por isso.
— Não tem problema, não acredito que teriam problema com você, mas não
quero correr esse risco. — Talvez eu tivesse feito isso há alguns meses, mas não
agora, e essa constatação matou um pouco da minha felicidade.
Os olhos cereja de Gerald me percorreram nervosamente de novo. — Você
ainda está pensando em visitar o coven em Bethesda?
— Sim. — Começávamos a receber alguns olhares estranhos de alunos e
professores. De onde nós estávamos eu podia ver Stacey esperando por mim no
meu armário, ao lado de um Sam parecendo confuso. A expressão dela
praticamente dizia tudo.
Gerald franziu a sobrancelhas de preocupação. — Eu gostaria que você
reconsiderasse, deve haver outra maneira.
— A menos que você tenha um livro de Lilin para idiotas, não vejo outra
opção. — Mas, falando sério, que seria útil, seria. — Olha, obrigada pela sua
preocupação, mas preciso conseguir...
— Você não entende. — Sua mão serpenteou o meu pulso, o súbito choque
de medo sacudiu meu intestino, e agora que eu sabia que não vinha de mim era
mais inquietante. — Você parece uma garota legal, apesar de tudo, mas às vezes
menina, você irá fazer perguntas e pode não gostar das respostas que encontrará.
Gerald soltou a minha mão antes que eu pudesse fugir, quando se virou,
deu um longo olhar para os armários e se apressou em voltar para a sala de serviço.
Ok, isso foi estranho, e talvez mais do que o habitual.
Balançando a cabeça, eu me virei, Stacey me olhou com curiosidade
enquanto eu caminhava através da multidão de estudantes. — Fazendo amizade
com faxineiros agora?
— De mãos dadas com ele? — Sam perguntou.
— Calados — eu disse. — Os dois.
Mostrando o dedo médio, ela sorriu enquanto eu revirava os olhos. — O que
aconteceu com você ontem? Por favor, me diga que não fugiu com Roth.
— Bem... Não, eu só fui para casa, não me sentia bem. Você sabe o que...
— inclinei a cabeça, franzindo a testa. Algo em Sam parecia diferente, não era seu
cabelo, embora os fios rebeldes parecessem ter sido penteados dessa vez. Então me
dei conta. — Onde estão seus óculos, Sam?
— Ele perdeu. — Stacey disse quando começamos a caminhar pelo corredor.
— Ele não está sexy?
— Claro que sim. — Sorri. — Mas você será capaz de ver sem eles?
— Ficarei bem. — Ele deu um passo para frente do fluxo de pessoas. — Mas
por que o zelador estava segurando a sua mão? Foi meio assustador.
— Ele me ajudou ontem, quando eu estava doente. — A mentira veio
rapidamente. — Estava apenas apertando a minha mão.
O doce aroma selvagem anunciou a proximidade de Roth, olhei por cima do
meu ombro. Ele vinha pelo meio do corredor, franzindo o cenho para o celular na
mão. Nem via para onde ia, mas as pessoas saíam do caminho dele.
Roth olhou para cima, seu olhar colidiu com o meu. Havia uma leve mancha
azul ao longo de sua mandíbula, um sinal de que um Guardião dera um forte golpe,
e rapidamente desviei o olhar, xingando baixinho pelo sentimento de culpa. Dois
segundos depois, ele deslizou para o meu lado. — Bom dia, damas e cavalheiro.
— Hey — Sam respondeu com um sorriso. — Preciso ir para a aula, eu vejo
vocês na hora do almoço?
Eu o vi virar as costas e desaparecer pelo corredor, Roth também notou algo
diferente nele, havia uma estranha reviravolta em sua boca. — Nosso pequeno Sam
cresceu ou algo assim?
— O quê? — Perguntei
— Não sei. — Ele deu de ombros, voltando-se para Stacey. — Sem óculos,
está vestido como se sua mãe não tivesse escolhido suas roupas e você está olhando
para ele como se quisesse fazer bebezinhos de óculos com ele.
As bochechas de Stacey ficaram vermelhas, mas ela riu. — Talvez eu esteja.
— Oh. — Os olhos de Roth se arregalaram. — Assanhada.
Além do comentário de fazer bebês, Roth foi realmente moderado em classe.
Não se virou para me incomodar ou se inclinou para que seus braços ficassem em
minha mesa.
Estava... Diferente.
Como sempre, Bambi ficou inquieta durante a aula e começou a criar um
mapa invisível no meu corpo, por isso, quando a aula acabou, eu mal podia esperar
para sair, a campainha tocou e as luzes da sala se acenderam.
— Lembre-se — disse ele, passando a mão sobre a cabeça e trazendo-a para
a parte de trás do seu pescoço enquanto olhava para seu planejenador de tarefas.
— Há um exame surpresa planejado...
Gritos abafados o interromperam e ele se virou para a porta fechada. Em
seguida gritos mais fortes, gritos estridentes e horrorizados saíam do corredor do
lado de fora da sala de aula. Como resultado, nós nos levantamos, nos movendo
nervosamente.
Roth se dirigiu para a porta assim que os gritos intensificaram.
— O que está acontecendo? — Stacey sussurrou.
— Acho que todos nós devemos ficar na sala de aula — disse o Sr. Tucker,
tentando interceptar Roth, mas ele foi rápido, e metade da classe o seguiu. — Não
sabemos quem está lá fora! Voltem! Todo mundo de volta aos seus lugares!
Era impossível.
Há um congestionamento na porta, e então nós espalhamos pelo corredor
cheio, Stacey estava agarrada ao meu suéter. A sala se acalmara a ponto de se
ouvir um espirro de gafanhotos, e de alguma forma isso era pior do que os gritos.
Abri caminho através da multidão, observando as costas de Roth. Seus
ombros estavam anormalmente rígidos, abri caminho e ele olhou por cima do
ombro, balançando a cabeça. Meu olhar se desviou dele para além da abertura
quase circular no meio da multidão de estudantes, uma abertura interrompida por
duas pernas cinzentas balançando lentamente.
— Oh, meu Deus — Stacey sussurrou.
Arrastando meu olhar, minha mão se levantou até meu peito. No início, era
como se minha mente se recusasse a reconhecer o que estava vendo, mas a imagem
não se foi. Ela não se alterou.
No meio do corredor, pendurado em uma luminária com o padrão da escola
e a bandeira vermelha e dourada em volta do pescoço, estava Gerald Young.
Com a polícia e o trauma, a escola fechou cedo neste dia.
Minha ligação para Zayne o despertou, mas no momento em que contei o
que aconteceu, já levantara e saíra da casa. Não mais de vinte minutos depois que
os oficiais começaram a despachar os estudantes, encontrei-me sentada em uma
pequena cabine em uma confeitaria na rua abaixo com Zayne e Roth.
Não éramos as únicas pessoas da escola lá. Eva e Gareth também estavam.
Eles se sentaram em uma mesa bistrô sob a fotografia emoldurada de um pão
assado. Gareth estava debruçado sobre um copo que segurava em suas mãos
pálidas, com os ombros mais finos do que me lembrava, e seu cabelo era uma
bagunça gordurosa.
Gareth parecia estar chapado no seu máximo, mas eu sabia melhor do que
interferir outra vez.
Quebrei meu biscoito em dois, mas pela primeira vez, não havia nada no
delicioso doce que eu adorava. Eu mal conhecia Gerald, tendo o visto pela primeira
vez na minha vida ontem, mas era como o membro da Igreja dos Filhos de Deus.
Ver a morte nunca era fácil, sem importar a relação ou a falta dela com alguém.
— Talvez Gerald tenha cometido suicídio — Zayne disse, chamando minha
atenção para o problema em questão. — Tão triste como isso é, talvez seja simples
assim.
Roth brincou com a cobertura de seu chocolate quente. Por alguma razão,
a ideia de um demônio – o Príncipe Herdeiro do Inferno – beber chocolate quente
trouxe um sorriso irônico aos meus lábios. — Não sei. Por que fazer isso,
especialmente no meio do corredor? Que maneira de se matar.
— Mas eu realmente não o conhecia. Nem a Layla. — Os rapazes estavam
realmente tendo uma conversa civilizada. — Falamos com ele uma vez.
— Duas vezes, na verdade — eu disse, quebrando outro pequeno pedaço do
meu biscoito. — Me parou no caminho para a aula hoje, agradecendo por não ter
contado aos Guardiões sobre ele.
— Isso não soa como algo que alguém faria antes de se pendurar com a
bandeira da escola — Roth disse, inclinando-se contra a cabine. Ele jogou um braço
sobre o encosto. — Por que agradecer a Layla por não colocar a vida dele em perigo
se estava prestes a se matar, de qualquer maneira?
— Ele disse alguma coisa?
Assenti. — Ele mencionou o coven em Bethesda e me disse para ter cuidado.
— Tirei as migalhas das minhas mãos. — Ele disse algo sobre como não
gostaríamos das respostas que encontraríamos às nossas perguntas. Era quase
como se soubesse alguma coisa, mas tinha muito medo de dizer.
Roth franziu a testa enquanto me observava. — Algum dos membros do
coven poderia ter chegado nele? — A pergunta não foi dirigida a ninguém em
particular. — Ou poderia ter sido o Lilin?
— Você sentiu algum bruxo por perto? — Perguntou Zayne.
Ele balançou a cabeça. — Eles usam encantos para nos bloquear, assim
como os Guardiões. E não sabemos o suficiente dos Lilin até mesmo para saber se
farejamos ou não.
Eu me inclinei para trás, cruzando os braços sobre o meu estômago contra
o repentino frio que se movia sobre a minha pele. — Era quase como uma
mensagem.
Zayne se virou para mim. Sombras brotaram sob seus olhos, e eu sabia que
não havia conseguido descansar bastante. — Não gosto de para onde esse
pensamento vai.
— Mas faz sentido — disse Roth.
— O encontramos ontem, nos diz o que é e onde podemos encontrar mais
informações sobre Lilin, me dá um aviso, e em menos de uma hora ele está
pendurado. — Respirei profundamente. — Parece que a mensagem é muito clara.
Retornem ao Inferno agora.
Os olhos de Roth brilharam. — Isso não acontecerá.
— Tanto quanto me dói dizer isso, o clã é a única pista que temos. — Zayne
passou seu braço atrás de mim, e seu calor corporal imediatamente se expandiu.
Seus dedos passaram facilmente pelas mechas soltas do meu cabelo em um gesto
aparentemente distraído. — Não há nada nas ruas. Não encontramos nada.
— O mesmo do meu lado. — O olhar de Roth se desviou para a mão de
Zayne e ficou ali. — Alguma atualização sobre as possíveis mortes relacionadas ao
Lilin?
— Nada fora do comum, mas o que realmente sabemos?
Um músculo começou a fazer tic tac na mandíbula de Roth, e afastei o olhar,
me focando em meu biscoito intocado. Houve um repentino golpe forte do outro
lado da confeitaria. Quando levantei o olhar, vi Gareth de joelhos junto à mesa em
que estava sentado. Eva estava ao lado dele, com os braços envolvidos ao redor de
seu antebraço. Duas manchas de cor rosada apareceram em suas bochechas
quando a metade da confeitaria parou para olhar para eles.
— Vamos — disse ela, forçando um sorriso nos lábios que estavam sem
batom. — Você precisa se levantar.
Dei de ombros, embaraçada. Eva não era minha fã, mas ver isso me deixou
desconfortável.
— O rapaz precisa de ajuda. — Um homem mais velho na fila disse alto o
suficiente para Eva ouvir.
As faces de Eva coraram ainda mais, mas Gareth soltou aquela risada
novamente; do tipo que causa arrepios.
— Mais deve ser uma ajuda dos demônios — Roth murmurou, olhando para
a situação com visível desagrado.
Gareth levantou, mas, em seguida, tropeçou novamente, atingindo uma
mesa próxima. As bebidas derramaram e as pessoas se dispersaram. Um brilho
frágil atingiu os olhos de Eva. Ela não podia ficar lá por mais tempo.
— Se mova — eu disse, empurrando Zayne ligeiramente.
Ele não se moveu. — Por quê?
— Isso é muito embaraçoso de assistir. Alguém precisa ajudá-la.
Zayne olhou para mim um momento e então suspirou. — Fique aí. Vou
garantir que ele saia daqui.
— Obrigada.
Enquanto Zayne ia ajudá-la, meu olhar percorreu a mesa. Era impossível
não olhar para lá. Eu podia sentir a intensidade nos olhos de Roth. Nossos olhos
se encontraram.
— Como você está? — Ele perguntou.
A pergunta me pegou de surpresa. Eu não conseguia me lembrar de um
momento em que ele havia me perguntado isso. — Estou bem.
— Vendo por esta manhã, não poderia ter sido divertido.
Incomodada, coloquei as mãos sobre a mesa para deixar de brincar. — Não
foi.
— E o rapaz que morreu há algumas noites — uma mecha de cabelo negro
azulado caiu sobre sua testa, suavizando suas feições. — Como você está lidando
com isso?
Pressionando meus lábios, não respondi imediatamente. Zayne tinha
Gareth na porta. Esperava que onde fossem que tivessem que ir não fosse longe,
porque duvidava que conseguissem sem que Zayne o carregasse. Quando meu
olhar voltou para Roth, ele ainda esperava.
— Eu realmente espero que você não se culpe — disse ele, inclinando seu
longo corpo para frente. — Mas conhecendo você, é isso que você fará,
provavelmente.
— Bem, eu bati no rapaz com uma Bíblia — o meu estômago se agitou com
a lembrança. — Estou certa que a situação poderia ter sido tratada melhor.
— Mas você não puxou o gatilho. Nem o matou — sua voz abaixou. — Fui
eu.
— Mas eu…
Suas mãos se fecharam ao redor das minhas, me sobressaltando. — Não
coloque essa merda na sua cabeça. Você já tem o suficiente com o que se preocupar.
Partes da frustração serpenteando o seu caminho em torno do meu núcleo
eram minhas, mas havia uma borda dura que não pertencia a mim. A perturbação
que eu não podia compreender plenamente vinha das profundezas... Roth. Quanto
mais tempo ele segurava minhas mãos, mais as emoções ficavam mais claras, como
nuvens separando-se e revelando o sol. Era um misto de frustração e outra
emoção… similar a uma que havia sentido com Zayne.
Um sopro áspero rugiu de mim e comecei a mover minhas mãos para soltá-
las. Ele não as soltou de início, mas finalmente cedeu. Meus dedos deslizaram dos
seus, causando uma onda de arrepios pelos meus braços.
— O quê? — Ele perguntou, com um olhar penetrante.
Balancei a cabeça. — Nada.
Roth não disse mais nada.
Eu também não.

***

No final da tarde, observei Izzy ir e vir enquanto Drake agarrava a perna de


Jasmine. Ela se inclinava de vez em quando, balançando preguiçosamente os
cachinhos vermelhos enquanto chupava o dedo.
Izzy era tão natural na mudança assim como era uma menina superativa.
Corria pela sala de estar a toda velocidade, uma asinha batendo enquanto a outra
estava caída de lado. Várias vezes ela se lançou ao ar enquanto se aproximava de
Drake, fazendo com que ele gritasse de terror.
Na maior parte do tempo, eu estive aconchegada com segurança em um
canto do sofá, abrigada com meu capuz. A casa parecia um frigorífico para mim,
mas provavelmente não para Danika, que interceptava Izzy antes que se jogasse
sobre mim.
Ao aproximar-se da hora do jantar, eu subi. Os jantares estavam
desconfortáveis por semanas, e agora eu preferia mendigar as sobras a sentar-me
diante de olhares desconfiados.
Passei pela cozinha, espiando Morris na ilha. Ele cortava legumes com o
tipo de faca que assassinos em série cobiçariam. Ele olhou para cima e sua pele
escura se enrugou ao redor dos olhos quando sorriu. Ele acenou a faca felizmente.
Se fosse qualquer outra pessoa, eu teria me preocupado. Acenei para ele e
subi as escadas. No andar de cima, um estranho arrepio deslizou pela minha
espinha. Virei-me, meio que esperando encontrar alguém me olhando de soslaio do
andar de baixo, mas ninguém estava lá.
Eu podia ouvir o riso distante de Izzy e o baixo gemido de Drake, mas o
sentimento permaneceu. Vacilei, levando as mãos para o meu capuz, balançando
a cabeça. Os acontecimentos recentes me deixaram paranóica, e com razão.
Virando-me, minha atenção caiu para a porta fechada de Zayne. Ele foi para
a cama quando chegamos da confeitaria, algo que era muito necessário. Eu sabia
que ele teria que se levantar cedo para entrar em uma sessão de exercícios antes
de se sentar para comer. Aproximei-me da porta, meu punho pairou por um
segundo, mas por razões que provavelmente nunca saberei, abri sem bater.
Ele não estava no meio do quarto seminu e nem onde gostava de ficar
quando entrava em sono profundo, que era ao lado da grande janela. Alguns dos
Guardiões gostavam de se empoleirar no telhado, como as gárgulas de pedra que
decoram igrejas e escolas. Zayne não. Ele gostava da janela, desde que eu
conseguia me lembrar.
Meu olhar se desviou para a sua grande cama... E lá estava ele. Os cantos
dos meus lábios se inclinaram para cima. Ele estava deitado no meio da cama, em
forma humana, deitado de bruços. Um cobertor estava envolvido em torno de seus
quadris e seus músculos das costas estavam relaxados. Uma bochecha repousava
sobre a curva de seu cotovelo, de frente para a porta, seus lábios estavam
separados. Seus cílios grossos escovando as pontas de suas bochechas, esses cílios
seriam a inveja de cada anúncio de rímel por aí.
Silenciosamente, fechei a porta e me aproximei da cama. Em seu sono, ele
parecia muito mais jovem do que era, à vontade, e de alguma forma, vulnerável.
Ninguém que o viu desta forma acreditaria que ele poderia ser perigoso ou mortal
quando estava acordado.
Sabendo que não deveria estar aqui, eu ainda assim me sentei na beira da
cama e meus olhos traçaram a linha de sua coluna. Realmente, eu não sabia por
que vim, mas tudo que eu conseguia pensar era no que ele pediu.
Dê-nos uma chance.
Meu coração tropeçou. Será que realmente poderíamos fazer isso? Ainda
não estava certa de que tentar fosse realmente o correto, mas não fazê-lo era como
dar as costas à história que compartilhamos. Enquanto meus olhos assimilavam
toda carne dourada a vista, eu não poderia deixar de me perguntar se nos
encontraríamos nesta situação caso Roth nunca tivesse entrado em cena.
Ao pensar nisso, meu estômago se revirou em nós, uma mistura de dor
persistente, a insípida mordida da confusão... E culpa. Minhas mãos se apertaram
impotente no meu colo. Odiava me sentir dessa forma – odiava que ainda estivesse
afetada por Roth e que pudesse me sentir culpada por isso. Foi ele quem me
rejeitou... Quem me empurrou diretamente para os braços de Zayne.
Que eram realmente muito legais, pensei, olhando para seus bíceps.
Eu me senti como uma completa pervertida.
Sim, hora de entrar em movimento. Comecei a me levantar, mas uma mão
se fechou em volta do meu pulso. Ofegante, eu olhei para baixo, para Zayne.
Um olho era visível e um sorriso sonolento repuxava seus lábios. — Aonde
você vai?
Vergonha se espalhou por mim. — Há quanto tempo você está acordado?
— Tempo suficiente para saber que esteve me olhando. — O sorriso
inclinado se estendeu. — Eu me sinto como um pedaço de carne.
— Cale a boca.
— Eu não disse que não gosto da sensação. Ele rolou para o lado, e notei
que as sombras escuras sob os seus olhos haviam desaparecido. Seu olhar vagava
pelo meu rosto. — Gosto de acordar e vê-la aqui.
A sensação de calor zumbia em mim como uma pequena abelha feliz, e a
sensação me deixou nervosa. Quando afastei o olhar, meu cabelo deslizou sobre o
meu ombro, protegendo meu rosto.
— O quê? — Ele perguntou, soltando meu pulso para se aproximar e afastar
as mechas loiras.
— Não sei. — Dei uma olhada nele, forçando minha atenção a não vagar
para baixo do queixo, por medo de me encontrar seriamente distraída. — É só que...
Não sei como agir quando você está tão... Aberto sobre isso.
Seus dedos permaneceram no meu cabelo, deslizando através dos fios. —
Aja como você sempre agiu, Layla-bug. Isso é o que eu sempre gostei em você.
— O fato de agir como uma idiota na maior parte do tempo?
Ele sorriu. — Sim.
Uma risada escapou quando comecei a relaxar. Levantando as pernas,
cruzei-as. Eu o vi colocando o braço mais próximo de mim atrás da cabeça.
— Eu gostaria de ter sido mais aberto sobre isso mais cedo — ele admitiu
em voz baixa. — Não ter esperado tanto tempo.
Eu também desejava, porque talvez agora as coisas não fossem tão confusas
e complicadas.
— Melhor tarde do que nunca, certo? — Quando balancei a cabeça, ele
correu os dedos pelo meu braço. Mesmo através do suéter esportivo eu podia sentir
seu toque. — O que temos para o jantar?
— Acho que algum tipo de guisado de carne ou carne de panela.
— Você vai comer com o restante de nós?
Dei de ombros. — Não sei. Eu me sinto desconfortável fazendo isso.
— Não é como se ninguém te quisesse lá, Layla.
Não era assim que eu me sentia. Olhei para o relógio na parede. —
Provavelmente deveria ir. Você precisa...
Zayne pegou meu braço e rolou tão rapidamente que não havia nada que
eu pudesse fazer. De repente, eu estava de costas, olhando nos olhos que brilhavam
maliciosamente. Ele pairava sobre mim, apoiando seu peso sobre seus braços.
— Que você saia correndo não é o que eu preciso — disse ele.
— Não é? — Provavelmente a mais estúpida pergunta que fiz, mas não tinha
culpa. O lençol deslizou mais para baixo de seus quadris, e honestamente não
poderia dizer se ele usava algo por baixo.
— Não. — Seu sorriso deu um puxão em meu peito. — Vamos nos
aconchegar por algum tempo.
— Aconchegarmos? — Eu ri com a imagem de uma gárgula de dois metros
se aconchegando.
Ele riu. — Pensei que as garotas gostassem de se aconchegarem?
— Eu realmente não saberia te dizer. — Isso não era verdade. Sim, eu
gostava de me aconchegar um pouco. Todas as vezes que Zayne dormiu ao meu
lado, e então houve um tempo com Roth, quando tudo o que fazíamos era ficarmos
deitados um nos braços do outro e falando sobre nada importante.
Respirei com dificuldade quando meu estômago afundou. Eu não deveria –
não podia pensar nisso agora.
O sorriso de Zayne caiu quando seus olhos procuraram os meus. — Às vezes,
você desaparece quando está aqui, e provavelmente não quero saber aonde você
vai.
Prendi a respiração enquanto meus pulmões se expandiam. Eu queria dizer
que não ia a lugar nenhum, e se fizesse isso não haveria nada para ele se preocupar,
mas seria uma mentira e ele saberia.
Um dos cantos de sua boca se curvou para cima. — Mas você está aqui.
Então, isso é o mais importante.
— Sim. — E era.
Um momento de intenso silêncio se estendeu entre nós, e seu olhar caiu
para os meus lábios, e então para baixo, onde meu suéter estava com o zíper até o
pescoço. Seu sorriso se estendeu. — Frio?
— Está frio nesta casa — respondi; feliz por uma mudança de assunto.
Mas então seu olhar se ergueu, e aqueles olhos estavam elétricos. Meu peito
se levantou com uma respiração profunda. — Eu deveria me levantar — ele
murmurou.
— Você deveria.
— Mas de alguma forma eu só quero ficar deitado e não fazer nada.
Um formigamento começou em meus lábios e passou para os dedos. — Isso
é muito atípico de um Guardião.
— Se soubesse os pensamentos muito atípicos de um Guardião, você
provavelmente teria fugido deste quarto. — Ele percebeu a minha forte inalação. —
Ou talvez não.
Meus dedos coçaram para tocá-lo, mas mantive-os ao meu lado. Ele sugeriu
que nós levássemos as coisas lentamente e nos desse uma chance, o que
provavelmente não significava passar a mão nele. Mas era tão difícil.
— Você gostaria de treinar comigo esta noite? — Ele perguntou.
— Sim. — Minha voz soava rouca. — Isso... Isso seria legal.
— Muito legal14. Ou talvez quente. Provavelmente quente... — ele parou e
abaixou a cabeça.

14 Ele faz uma brincadeirinha com a palavra Cool, que no inglês significa Frio, Fresco, mas também
pode ser traduzido para Legal.
Pressionei-me contra o colchão como se ele pudesse me absorver. — Zayne,
não deveria estar tão...
— Está bem. — Ele continuou se aproximando, aproximando, sem medo
algum e completamente louco. — Você se preocupa demais.
— Você está louco. — Virei à cabeça, mas ele colocou dois dedos no meu
queixo e guiou minha cabeça para frente. Meus olhos se arregalaram. — Total e
completamente louco.
— Não. Eu simplesmente confio em você. Ele encostou a testa na minha, e
cada músculo do meu corpo ficou tenso. — Vê? Você não está comendo a minha
alma, não é?
Mantive minha boca firmemente fechada. A ligeira queimação estava na
minha garganta e eu não confiava em mim para falar.
Ele balançou a cabeça e seu nariz tocou o meu, uma experiência totalmente
nova com Zayne. Meu coração disparou, batendo tão rápido que tropeçava nele
mesmo. Um suspiro saiu dele e sobre mim. Meus olhos se fecharam quando seus
dedos se arrastaram pela minha bochecha e depois para baixo, onde meu pulso
batia rapidamente. Se ele abaixasse um pouco o seu corpo, estaríamos
pressionados em todos os sentidos, o que fez meus dedos se curvarem, e meus
joelhos enfraquecerem, e tinha a sensação de que rapidamente descobriria se ele
usava algo por baixo do lençol.
Oh Deus, esse não era o pensamento mais adequado para ter neste
momento.
Pensei ouvi-lo sussurrar meu nome, e então senti o simples toque de seus
lábios, tão suave e rápido como o bater de asas, nos meus.
O choque percorreu-me, roubando meu fôlego. Meus olhos se arregalaram
e Zayne levantou a cabeça. Havia um sorrisinho satisfeito em seus lábios e os
meus... Oh, os meus estavam formigando e zumbindo pelo breve contato.
— Hmm. — Ele murmurou, colocando a língua para fora e alisando o vinco
em seu lábio superior. — Ainda estou aqui. Com a alma intacta. Vai saber.
Eu estava absolutamente atordoada, além da capacidade de falar. Não foi
realmente um beijo. Meus lábios estavam hermeticamente fechados, então nem
poderia sequer dizer que foi um beijinho, mas Zayne... Ele se atreveu a colocar seus
lábios contra os meus. Ele se arriscou – ele se arriscou a perder a sua alma por um
breve roçar de lábios.
Zayne se estirou para cima, beijou minha testa e rolou para o lado. — Na
verdade, eu tenho que ir, e preciso me trocar. Ele puxou as pernas para fora do
lençol e se levantou.
Ele estava totalmente nu.
Totalmente e completamente nu, e eu encarava seu traseiro, seu belo, firme
e... — Oh meu Deus!
Olhando por cima do ombro, ele levantou uma sobrancelha enquanto seu
sorriso malicioso ficava travesso. — O quê?
— O quê? — Olhei boquiaberta para ele, mas depois o meu olhar caiu e meu
rosto queimava como o primeiro círculo do inferno. — Oh meu Deus — eu disse
novamente, saindo da cama pelo outro lado. Uma risada abriu caminho pela minha
garganta e saiu de repente. — Você está completamente nu.
— Sério? — Sua resposta foi seca enquanto recolhia o lençol. Ele virou
ligeiramente, e oh meu Deus! Virei-me com os olhos arregalados.
Santas gárgulas bebê, ele estava...
— Está tudo bem aí?
— Sim — resmunguei, sentindo-me perturbada por uma razão
completamente diferente. Virei-me lentamente.
Ele riu, passando o lençol em volta da cintura, cobrindo seus... Suas partes
íntimas.
— Eu terei que soltar isto novamente para me trocar. — Seus olhos
dançavam maliciosamente. Não estou dizendo que você precisa sair, mas...
— Vou sair. — Corri ao redor da cama, meu cabelo se arrastando atrás de
mim. Enquanto passava, ele estendeu a mão, dando um tapinha na minha bunda.
Eu pulei, lançando um olhar para ele. — Você é tão malvado.
— Terrível. — Ele sorriu, dando um passo para trás, com uma mão sobre o
nó do lençol. — Nos vemos em um minuto.
Fiz algum som afirmativo e depois voei para o corredor. Meu corpo inteiro
estava em chamas enquanto apertava a mão contra meus lábios, os quais ainda
formigavam, e a imagem da bunda de Zayne impressa na retina dos meus olhos.
Ele tinha um maravilhoso traseiro.
E pelo que vi, ele não tinha carência em nenhum outro departamento.
Soltei uma risadinha enquanto me virava em direção à escada, quase
caminhando diretamente para Maddox. Parei no degrau mais alto. — Sinto muito
— murmurei.
Sua expressão era intensa, não muito confiante, mas concordou. Quando
se afastou para me deixar passar, a onda de irritação cravou seu caminho nas
minhas costas. Será que mataria ele dizer algo? O Guardião nunca falou comigo.
Nem uma única vez.
Respirando fundo, eu mudei meu pé para descer e uma explosão de ar frio
veio do corredor atrás de mim, agitando meu fino cabelo em volta do meu rosto.
Olhei para minha esquerda e tudo o que vi foi o rosto branco de Maddox em
choque, em seguida, caiu de cabeça para baixo nas escadas íngremes.
Gritando, desci as escadas, fazendo uma careta quando ele bateu no chão
de madeira lá em baixo, sua cabeça batendo no chão. Cheguei ao lado dele
enquanto pés corriam pela casa.
Ele estava em um ângulo não natural, um braço torcido atrás dele e uma
perna dobrada no joelho. Abaixei-me. — Maddox?
Ele não respondeu.
Segundos depois, eu ainda não tinha ideia do que havia acontecido.
Dez foi o primeiro a chegar até nós. Ele colocou a mão no meu ombro e
gentilmente me moveu para o lado enquanto se ajoelhava. — Maddox? — Ele
chamou o pálido e imóvel Guardião. Quando não houve resposta, ele colocou a mão
no peito de Maddox. — Cristo.
Envolvi minhas mãos em volta do meu peito. Sabia que Maddox precisava
estar vivo. A queda não mataria um Guardião, mas em forma humana, eram
suscetíveis a lesões, inclusive de forma grave.
— Como isso aconteceu? — Dez olhou por cima do ombro para mim.
Balancei a cabeça. — Não sei. Ele estava subindo as escadas e, então
apenas caiu...
Zayne desceu as escadas, vestido apenas com um par de calças soltas. —
Que diabos aconteceu?
— Ele caiu — expliquei sem convicção.
— Jasmine! — Dez gritou quando se levantava.
Em segundos, Jasmine chegou, arregalando os olhos. Ela virou, entregando
Drake a Danika. — Mantenha Izzy e Drake fora daqui — disse ela, virando-se para
Maddox.
Danika balançou a cabeça, olhando para onde Zayne e eu estávamos. Ela
virou rapidamente, levando Drake para onde vieram. A porta se fechou suavemente.
Enquanto Jasmine se ajoelhava em frente à Maddox e colocava os seus
dedos finos no pescoço dele, o resto da equipe chegou. Assim que eles escutaram
que Maddox havia caído para trás ao subir as escadas, Abbot se virou para mim.
Encolhendo os ombros, eu percebi que estava muito perto de ser crucificada.
— Ele simplesmente caiu para trás? — Abbot perguntou; descrença em sua
voz enquanto caminhava ao redor das pernas soltas de Maddox. — Você espera
que qualquer um de nós acredite nisso?
Pelo menos, foi direto ao ponto dessa vez. — Sim! Ele apenas caiu. Não sei
se desequilibrou ou... Espere, houve uma rajada de vento frio antes que ele caísse.
— E agora que disse em voz alta, eu sabia que não era a primeira vez. — Foi o
mesmo com janelas. Houve uma lufada de...
— Vento? — Abbot terminou, com dúvida em sua voz. — Será que o ar bateu
com força suficiente para abrir as janelas ou jogar um Guardião de cento e trinta
quilos pelas escadas? O que só poderia acontecer se tivéssemos que usar o ar
condicionado nesta época do ano, o que não fazemos.
— Ok. Eu sei que soa ridículo, mas não estou mentindo.
Zayne se moveu para o meu lado. — Ela não tem nenhum motivo para
mentir, pai. Se ela diz que ele caiu, ele caiu.
— Ela tem todas as razões para mentir — cuspiu o pai dele. — Uma vez já
foi suficiente, mas isto? — Ele gesticulou em direção a Maddox. — Um dos nossos
– um convidado do nosso clã foi machucado – e outro está desaparecido.
Fiquei tensa para o que ele queria dizer, embora ele tivesse um ponto muito
bom com o último. Zayne deu um passo à frente, me bloqueando. — O que você
está dizendo?
— Rapazes — chamou Jasmine. — Preciso mover Maddox para ver melhor
as suas feridas. Parece que ele está apenas inconsciente. Talvez um braço quebrado
ou um crânio rachado, que vai se curar. Mas preciso de ajuda para movê-lo.
Zayne e Abbot, que estavam atualmente em uma batalha épica de olhares,
não pareceram tê-la escutado.
Dez assentiu enquanto se movia para ficar diante dos pés de Maddox. —
Nicolai? Você poderia pegar os braços dele?
Enquanto Nicolai cumpria o pedido, Abbot tinha seus olhos fixos no seu
filho. — Não há como eu ou você acreditarmos que ele perdeu o equilíbrio e caiu.
Os Guardiões eram geralmente um pouco mais graciosos do que isso, mas
não havia outra explicação... A parte do vento era estranha.
— Está sugerindo que Layla o empurrou? — Desafiou Zayne enquanto os
músculos de suas costas se esticavam. — Porque isso é estúpido.
Abbot se aproximou de Zayne, ficando frente a frente, e meu coração
afundou. — Tome cuidado ao falar, rapaz. Sou seu pai.
Eu tinha o louco desejo de rir enquanto imaginava o capacete de Darth
Vader caindo na cabeça de Abbot. Felizmente, eu não ri, porque isso não ajudaria
a melhorar as coisas.
Geoff se aproximou. — Posso sugerir algo? — Quando Abbot assentiu, ele
continuou. — Tudo o que aconteceu foi gravado em vídeo. O mesmo com as janelas.
Meu olhar chegou a ele com rapidez. Por que não pensei nisso? — Então,
vocês viram o vídeo e mostrou o que?
— As janelas estalando, aparentemente sozinhas — respondeu Geoff.
Zayne ergueu o queixo. — Vamos ver os vídeos então.
Eu não tinha certeza de que iria ajudar muito, uma vez que Geoff já havia
visto o vídeo e eu não fazendo nada, mas fomos para o centro de comando. Perto
da sala de treinamento era sempre vários graus mais frios do que em qualquer
outro lugar, mas hoje parecia ter a mesma temperatura que os andares superiores
quando nós caminhamos pelo estreito e mal iluminado corredor.
Fiquei perto de Zayne, sabendo que era melhor do que falar sobre qualquer
coisa agora. Abbot irradiava raiva em ondas, obstruindo o corredor. Mesmo Bambi,
que estivera relativamente sedentária, subia sem cessar, deslizando em meu
estômago.
A tensão deixou Zayne quando ele se aproximou de mim. Ele não falou
quando entramos na sala de Geoff.
O centro de comando era uma sala circular que foi rapidamente preenchida
quando entramos. Os monitores estavam alinhados no meio da parede enquanto
outras seções estavam cobertas com cartazes antigos de bandas, variando de Bon
Jovi, Pink Floyd e AC/DC a Aerosmith. Alguns pareciam autênticos, com suas
bordas levantadas para cima.
Era estranho – um pequeno vislumbre da personalidade de Geoff misturado
com um nível assustador de segurança nível CIA. Geoff foi direto para um dos
computadores e seus dedos dançaram sobre o teclado. A tela foi focada no corredor
e ficou lá, ele começou a retroceder rapidamente e parou apenas quando fiquei à
vista... Com meus dedos tocando meus lábios.
Legal.
Exalando suavemente, eu olhei para Zayne e ele olhou para mim. Um lado
de seus lábios estava curvado com um lampejo de reconhecimento enchendo seus
olhos. Eu suspirei.
Virei-me para a direita quando Maddox apareceu na tela. Não havia
nenhum volume, mas pude vê-lo se afastando do meu caminho. As câmeras não
mentiam, e não houve erro no olhar de desconfiança que lançou em minha direção.
A sala ficou em silêncio quando o monitor revelou exatamente o que eu
havia dito. Do ponto de vista da câmera, ficou claro o momento em que senti o
sopro do vento. Meu cabelo, que parecia branco na tela, parecia ter passado em
frente a um ventilador. A câmera pegou quando ele arregalou os olhos ofegando e
se desestabilizou um segundo antes de cair. O que não percebi quando aconteceu,
foi que quando caiu, ele não ricocheteou pelas escadas. Ele caiu de costas no ar,
não acertando nada até que chegou ao chão.
Como se tivesse se jogado para trás.
Ou fosse atingido por uma grande força.
— Eu não o toquei, como vocês podem ver — eu disse, levantando o olhar
para onde Abbot estava com Geoff. — Não fiz nada.
Um músculo se moveu em sua mandíbula enquanto observava Geoff parar
a gravação.
— Não há como negar isso. — Zayne cruzou os braços sobre seu amplo peito.
— Ela não mentiu.
— Mas ela estava olhando para ele — respondeu Abbot, voltando-se para
nós.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — A não ser que eu tenha desenvolvido
poderes extra-legais sem perceber, olhar para ele não poderia jogá-lo escada abaixo.
Seu olhar se voltou para mim e a pressão formou redemoinhos em meu
peito. A maneira como ele olhou para mim, como se eu fosse um lobo entre as
pobres e pequenas ovelhas que ele tinha a responsabilidade de proteger, me atingiu
profundamente. Não havia como esconder sua aberta desconfiança, e eu não
conseguia entender de onde vinha. Sim, eu havia mentido para ele, mas ele também
mentiu sobre coisas maiores e mais importantes – como quem era meu pai e minha
mãe, para começar.
Nem sempre foi assim. Odiava a ardência das lágrimas que se acumulava
na minha garganta. Era fraqueza chorar, mas doía reconhecer que Abbot não
olhava mais para mim como parte de sua família. Isso estava muito claro agora.
Zayne falara, mas eu não estava prestando atenção. O que quer que tenha
dito provavelmente em minha defesa, ele irritara seu pai.
— Nós não sabemos do que ela é realmente capaz. Duvido que ela mesma
saiba. — Ele respondeu.
A raiva era como um golpe de aço nas costas de Zayne. — O que quer dizer
com você não sabe? Eu sei do que ela é e não é capaz. Como pode ser diferente com
você?
A maneira sincera e firme que ele me defendeu, apesar do óbvio
descontentamento que foi imposto entre seu pai e ele, me fez sentir como se uma
mão fosse colocada em meu peito e fechada sobre o meu coração.
Abbot amaldiçoou em voz baixa, e quando falou, era como se eu não
estivesse no ambiente, ou ele não se importava que eu estivesse. — Você precisa
olhar para além dos seus sentimentos filho. Ela não é mais a criança assustada
que eu trouxe para casa. Quanto mais cedo você entender isso, melhor.
Tomei uma profunda respiração enquanto a queimação se movia em meus
olhos. Exceto que esta era um tipo diferente de queimação, provocada por um fluxo
de emoções enlouquecidas. Minha pele se encolheu, fazendo Bambi se contorcer
em minhas costas, e a necessidade de me alimentar alcançou minha garganta.
Geoff apertou os lábios e olhou para o outro lado enquanto Zayne encarava
seu pai, sua boca ligeiramente aberta, como se não pudesse acreditar no que seu
pai acabara de dizer.
Humilhação se mesclou com a dor profunda da minha alma. Respirei
profundamente e não confiei em mim mesma para falar. Precisei tomar outra
respiração. — Então eu sou o que?
Abbot olhou para mim, mas não respondeu.
Minha voz vacilou quando falei novamente. — Por que ainda me deixa ficar
aqui?
Houve um momento de silêncio, e então Abbot olhou para outro lugar. Um
suspiro pesado o sacudiu. — Realmente, não sei.
Estremeci enquanto Zayne avançava em direção a seu pai, seus olhos
brilhando um cobalto não natural. — Como você pode dizer isso?
Incapaz de ficar parada lá e fazer algo que poderia me arrepender, como
romper em lágrimas ou chutar Abbot no estômago, eu me virei e saí do centro de
comando. Minhas mãos formigando enquanto as dobrava em punhos. Eu respirava
muito rápido – duas respirações, expirando, inspirando. Quando Abbot começou a
desgostar tanto de mim? Uma luz se acendeu enquanto eu atravessava a sala de
treinamento, fazendo-me parar de repente. Ele desconfiou de mim por um tempo,
mas sua desconfiança se pronunciou mais desde o momento em que Roth retornou
e lançou a notícia de que Lilin havia renascido.

***

— Layla.
Agarrando a porta do armário, eu engoli um gemido ao ouvir o som da voz
de Roth. Embora não tivesse reconhecido sua presença, ele se inclinou contra o
armário ao lado do meu. Eu não estava de bom humor para lidar com isso hoje. —
O quê?
— Você parece uma merda.
Enfiei meus livros dentro da mochila. — Obrigada.
— Você também parecia prestes a cair no sono em biologia.
— Como isso é diferente de qualquer outra pessoa na sala de aula?
Ele riu sobriamente. — Bom ponto. — Ele se deteve quando um aluno do
primeiro ano se aproximou do seu armário, que era o mesmo em que Roth
descansava suas costas. O aluno parou e Roth levantou uma sobrancelha. Ele
virou nos calcanhares e saiu correndo. Roth sorriu, inclinando o queixo em minha
direção. — Você não conseguiu dormir à noite passada?
Depois de tudo o que aconteceu ontem, o sono não veio facilmente. Balancei
a cabeça enquanto pegava meus livros do período da tarde.
— Stony te manteve acordada até tarde, sussurrando pensamentos puros e
inocentes em sua orelha?
Revirei os olhos para o escárnio em sua voz. — Uh. Não.
Ele escorregou, alinhando seu corpo com o meu. — Te manteve acordada
sussurrando todas as coisas más que queria fazer com você?
Respirando profundamente, eu finalmente me virei para ele. O cabelo de
Roth estava uma confusão de fios negros e a camisa cinza que usava se estreitava
contra seu peito liso. A calça jeans estava pendurada abaixo de seus quadris, com
rasgos nos joelhos. Era a imagem pura de preguiçosa arrogância.
— Vou assumir que ele não fez isso também. Ele é muito bom para fazer
esse tipo de coisas sujas. — Ele colocou um dedo no queixo, pensativo, e percebi
que sua unha estava pintada de preto. — Ele provavelmente se aconchegou com
você.
Zayne havia se aconchegado comigo antes de Maddox cair da escada, mas
também não foi muito claro a respeito. — O que está acontecendo com você para
querer saber o que há entre Zayne e eu? Não é assunto seu.
Seu ombro se levantou. — Apenas curioso. — Quando não respondi, ele
suspirou. — Então, o que há com você hoje? É por causa do que aconteceu com o
nosso amigável bruxo? Ou é algo mais?
Eu me encolhi um pouco com a atitude dele, cansada. — Isso, e ontem à
noite... — eu estava realmente pensando em confiar em Roth? Nossa bandeira
branca da amizade estava nesse ponto?
— Na noite passada, o quê?
Suspirando, passei uma mão pelo meu cabelo. A necessidade de dar voz ao
que me incomodava era muito forte. Não era como se eu pudesse falar com Stacey
sobre estas coisas, e não queria envolver Zayne mais do que ele já estava com o
simples ato de me defender.
— Abbot pensa que eu sou o mal encarnado.
Suas sobrancelhas se levantaram para o alto da testa, desaparecendo sob
seu cabelo. — O quê?
— A versão resumida? Aconteceram coisas estranhas na casa. As janelas
explodiram e um dos Guardiões caiu da escada. — Joguei meu cabelo para trás,
cansada. — Somando o fato de Tomas – a quem Bambi comeu – que continua
desaparecido, Abbot acredita que estou por trás de tudo isso.
Roth fez uma careta. — E por que ele acha que você tem algo a ver com isso?
Esperei até que um pequeno grupo de pessoas passasse para o refeitório
antes de continuar. — Porque eu estava presente quando as janelas explodiram e
quando Maddox caiu da escada. Não sei como Tomas me encontrou.
— Você fez essas coisas? — Ele perguntou.
— O quê? — Levantei minhas mãos. — Não, eu não fiz nada. Eles têm uma
gravação. — Um pouco paranoica, eu fiz uma careta. — Por que você está
perguntado isso?
— Por que não perguntar para ter certeza? Você disse que não fez. Há
evidências de que você não fez, então por que ele acha que ainda está por trás de
tudo?
E aqui vinha a parte que me manteve virando na cama à noite toda. — Abbot
pensa que eles não sabem do que sou capaz. Que eu tenho super poderes e fiz tudo
apenas com o pensamento, eu acho.
— Isso seria uma grande habilidade – uma habilidade muito demoníaca.
Uma de nível mais alta, para ser exato — disse ele, sorrindo.
Uma habilidade de Nível Superior… Oh meu Deus, é o que Zayne e Danika
disseram sobre mim, mas com toda a loucura, eu havia esquecido.
— Hey. — A voz de Roth se suavizou. — Layla, eu não falava sério.
Olhei para cima, encontrando os olhos dele, e vi a verdade em seus olhos.
Meu coração disparou. Ele... Ele estava mentindo agora. Eu sentia nos meus ossos.
As palavras saíram num sussurro. — Abbot pensa que eu sou do mal.
Roth se afastou e se endireitou. Quanto mais calado ele ficava, maior era os
nós de inquietação crescendo no meu estômago, se transformando em bolas de aço.
— Venha comigo.
Pisquei. — O quê?
— Venha comigo — disse novamente.
Isso não era algo que eu esperasse que ele falasse. — Vou almoçar.
— Ou você pode almoçar comigo.
Balancei a cabeça. — Isso não é uma boa ideia.
— Porque não? — O sorriso diabólico estava de volta, dando-lhe um encanto
de menino. — Stony não aprovaria?
Uh, isso é um eufemismo.
— Ou está preocupada de que Abbot não gostaria? — Ele abaixou a cabeça
para a minha e sua respiração dançou nos meus lábios. — Ele acha que você é do
mal? Foda-se. Seja má.
— Não sei se ser má ajudará com alguma coisa.
— Ajudará. Confie em mim. — Inclinando-se, ele deslizou a alça da minha
mochila no meu ombro e a jogou no armário. — Venha e seja má comigo.
Recuando, eu balancei a cabeça. — Isso não vai acontecer.
— Não estou sugerindo que venha e faça sexo comigo, Layla. — Como corei
até a raiz dos cabelos, ele apertou os lábios. — Na verdade, isso não é uma má
ideia, mas não é o que estou dizendo.
Lancei um olhar cético em sua direção.
Roth curvou as mãos sobre os meus braços. — Prometo trazê-la de volta
antes que Stony venha buscá-la. Usarei minha incrível habilidade e ninguém será
mais prudente do que eu. Palavra de escoteiro.
— Você nunca foi um escoteiro.
Seus lábios se curvaram para cima. — Ah, bom ponto, mas vamos lá. Que
mal fará? Nós somos amigos, certo? Duas ervilhas demoníacas em um saco
demoníaco.
A necessidade de rir era poderosa, mas resisti, porque isso apenas
incentivaria o idiota.
— Olhe, há algo que eu quero mostrar para você. — Quando levantei uma
sobrancelha, Roth pontuou. — Não minhas pequenas partes masculinas, pequena
pervertida.
— Suas pequenas partes masculinas? — Uma risada me escapou. — Isso é
tão bizarro.
— Mas você estava pensando nas minhas pequenas partes masculinas.
Dois pontos de calor surgiram em minhas bochechas. Agora eu estava. —
Não, não estava.
Ele sorriu. — A propósito, minhas pequenas partes masculinas não são
pequenas. Só para esclarecer...
— Oh meu Deus…
— Vamos lá. Há um lugar que eu acho que você precisa ver e vai ajudá-la a
colocar tudo em perspectiva. Você verá que te levar para o mal não é absolutamente
mal nenhum. — Vamos, pequena — ele me provocou; seus olhos cintilando como
duas peças de topázio. — Venha comigo.
Escapar soava bem. E havia uma boa dose de curiosidade sobre o que ele
queria me mostrar que podia mudar a minha perspectiva, mas deixar a escola com
ele era estúpido, podendo se tornar algo feio, e Zayne ficaria... Bem, ele não ficaria
feliz.
Mas Roth era como um diabinho no meu ombro, pedindo para que me
comportasse mal e aproveitasse cada maldito segundo disso. Só que ele não era
um diabinho. Era o Príncipe Herdeiro do Inferno.
O senso comum parecia ter deslizado pela janela e caído no chão, porque
me encontrei balançando a cabeça e dizendo: — Ok.
Olhei para o monstro de metal que estava diante de mim e lentamente forcei
meu olhar para onde Roth estava parado. Essa coisa de ser má já estava sendo
uma má ideia.
— Desde quando você começou a andar de moto?
— Esta não é apenas qualquer moto, pequena. Esta é uma Hayabusa, um
dos foguetes mais rápidos da estrada. Estendeu-me um capacete. — Coloque.
Olhei para a moto prata e vermelha. Mal havia espaço para duas pessoas
na coisa.
— Não é ruim. — A alça se ajustou ao capacete enquanto ele apertava para
mim, impaciente. — Precisamos sair antes que o segurança decida acordar de sua
soneca e nos pegar, me obrigando a fazer mais coisas demoníacas desagradáveis.
Fizemos uma parada na secretaria da escola, não sabia o que ele fez para
garantir que ninguém entrasse. Suspirando, eu estudei a moto.
Não era difícil imaginar Roth montado na máquina. Sem camisa.
Porque o meu cérebro sempre levava tudo nessa direção? Culpo os genes da
minha querida mãe.
— Em que está pensando? — Roth perguntou; um grande interesse
cruzando seu rosto.
— Nada. — Peguei o capacete das mãos dele. Levei alguns segundos para
colocá-lo corretamente, e quando terminei de enganchar a correia, Roth já havia
colocado um preto e montava na moto.
Engoli em seco quando percebi quão perto estaríamos naquela coisa, com
um nível de proximidade de um só corpo em vez de dois. Isso era tão inapropriado.
Zayne e eu não estávamos juntos, juntos, mas as minhas coisas encontrariam parte
das coisas de Roth.
— FML15 — murmurei.
Roth virou a cabeça e levantou a viseira do seu capacete. — O quê?
Droga, ele tinha uma super audição ou algo assim. Fiz um gesto para ele
esquecer conforme me aproximava da moto. Sabendo que eu me arrependeria disso,
era como se eu fosse comer um bolo inteiro de uma única vez, eu passei minha
perna sobre o assento e me acomodei. Quase imediatamente, eu deslizei para frente,
fazendo minhas coxas grudarem nos quadris dele.
Oh, isso não era bom.
Roth chutou o pedal e imediatamente o rugido fez meus olhos se
arregalarem. Timidamente, eu coloquei minhas mãos ao lado dele. Ele olhou por
cima do ombro para mim. Eu não podia ver o rosto dele, mas balançou a cabeça
antes de se virar para frente. Então, ele se inclinou, agarrando meus braços e me
puxando para frente.
Em um nano segundo, meus seios estavam esmagados contra as costas
dele. Antes que eu pudesse colocar um espaço necessário entre nós, ele enganchou
minhas mãos contra seu estômago, colocando a mão em meus pulsos. Senti sua
risada e depois ele acelerou.
Era como se o idiota soubesse que eu me afastaria e tivesse me impedido
totalmente.
Meu coração subiu até minha garganta enquanto ele corria para o tráfego,
passando zunindo entre os automóveis, eu sentia como se eles estivessem
completamente imóveis comparados a quão rápidos nos íamos.
Roth bloqueava a maior parte do vento enquanto contornava um táxi, os
açoites do vento chicoteavam meus cabelos soltos que saíam debaixo do meu

15 Abreviação de Fuck My Life


capacete. As pontas conseguiram sair por baixo das mangas de meu suéter e
patinavam na minha pele. Meu pulso estava em algum lugar entre Oh, merda em
um biscoito e de Cristo em uma muleta16.
Na nossa frente, a luz do semáforo mudou para amarelo e a moto se inclinou
enquanto acelerava ainda mais. Voamos através do cruzamento quando ele ficou
vermelho. Uma buzina a todo volume foi silenciada enquanto a caminhonete se
inclinava para um lado. Ele pegou uma curva estreita e já não era necessário que
ele me segurasse. Meus braços tinham sua cintura envolvida em um apertado
abraço.
Roth andava pelas ruas cheias como um perito e, depois de alguns minutos,
a adrenalina pulsando em minhas veias não era por medo de me tornar uma
queimadura gigante na estrada, mas sim de pura adrenalina, pela emoção.
Isso... Isso que deveria sentir ao voar.
Um sorriso trêmulo surgiu no meu rosto, e eu estava feliz pelo capacete
esconder isso, porque provavelmente pareceria uma idiota. Afrouxando meu aperto,
me inclinei para trás e fechei os olhos.
Oh, eu queria mudar novamente. Queria subir sobre esta moto e forçar a
minha pele a expandir e se espalhar para os ossos. Queria sentir minhas asas
desabrochando e levantar voo. Mas fazer isso no centro de Washington, no meio do
dia, não seria muito bom.
Após um curto período de tempo, me dei conta de que nos dirigíamos na
direção de Palisades, para o lugar onde Roth morava. Instintivamente, comecei a
atirar uma tonelada de avisos, mas havia muito pouco o que pudesse fazer naquele
momento. Esperei até que ele fez uma curva à direita no estacionamento e parou
no primeiro nível. No momento em que meus pés tocaram o chão, tirei o capacete
e o bati nas costas dele.
Depois de um tempo, ele retirou a alça do maxilar e se virou para mim,
colocando o capacete no colo. — Você não amou isso?
— Sim, foi divertido, mas por que você me trouxe para o seu apartamento?
Eu não deveria estar aqui.
— Quem disse?

16 Uma exclamação suavemente indecente de surpresa, choque ou espanto.


Lancei um olhar para ele.
— Stony?
— Roth.
Ele revirou os olhos. — Eu disse que queria mostrar uma coisa para você.
Não é no meu apartamento. Sou um pouco mais criativo do que isso.
Resisti à vontade de bater nele com o capacete enquanto ele descia
graciosamente da moto. Passando a mão pelo meu cabelo despenteado pelo vento,
mentalmente me amaldiçoei. Eu me coloquei nesta situação... Seja qual for a
situação, e enquanto Roth corria os próprios dedos em seu cabelo, sacudindo as
ondas bagunçadas, eu sabia que pagaria a conta mais tarde.
Ao descer da moto, ele murmurou. — Finalmente.
Parei e mostrei o dedo médio para ele.
Roth riu e pegou o capacete, colocando-o sobre a moto ao lado do dele. —
Ninguém vai pegá-los — explicou quando vi o que fazia. Então ele estendeu a mão.
— Sem segundas intenções agora.
Meu olhar caiu sobre a mão dele. Não seria tão ruim se estivéssemos
tentando localizar os Lilin ou procurando informações sobre eles. Pelo menos eu
teria uma desculpa para estar aqui... Além de ser má, mas era muito tarde agora.
Não peguei a mão dele enquanto descia da moto, não sendo tão graciosa
quanto Roth. Ele balançou a cabeça quando recuou, dando-me algum espaço. —
Então, o que você vai me ensinar?
Sua risada baixa enviou provocou um calafrio em mim. — Muitas coisas,
mas precisa prometer que tudo que você verá ficará aqui.
Nossos olhos se encontraram e a genuína curiosidade levou a melhor sobre
mim. Quando ele se virou e foi até a porta cinzenta sem janelas, eu estava atrás
dele, mordendo meu lábio. Ele abriu a porta, estendendo a mão em um gesto largo.
Desviei-me ligeiramente para o lado enquanto passava ao lado dele para entrar na
recepção de seu prédio. O aroma fraco e agradável de café e tabaco me acolheu.
Era justamente como eu me lembrava – da velha escola de Hollywood.
Candelabros dourados emitiam uma luz brilhante sobre as almofadas de couro
marrom que pareciam desgastadas e confortáveis. Meu olhar se levantou para o
teto abobadado.
A pintura era a única coisa fora do lugar – uma forte cena de anjos e feras
lutando com espadas. Anjos caindo através das nuvens enevoadas, seus belos
rostos envoltos em dor. Desta vez, eu observei algo que não havia feito antes. Os
anjos pintados, aqueles com os olhos abertos, todos tinham olhos azuis, o
chamativo azul elétrico que todos os Guardiões tinham. Fiz uma careta enquanto
estudava. Como Roth chamava os Guardiões? Rejeitados celestiais?
— Pequena?
Virei-me para onde Roth esperava nos elevadores – elevadores só vão para
baixo, e por baixo, quero dizer muito baixo. Ele abriu a porta, e em vez de subir as
escadas, ele desceu.
Parei no topo das escadas. — Aonde isso nos leva?
— Lembra-se quando Gerald disse que alguns clãs têm clubes onde outros
de sua espécie podem se reunir de forma segura? Nós temos a mesma coisa. Ele
subiu dois degraus de uma só vez. — Estando na parte alta, nós gostamos de nos
juntarmos em edifícios como este, e em cada um deles sempre há algo muito
especial no porão.
Enquanto estávamos no nível baixo, um par de portas vermelhas da cor do
sangue apareceu como um farol do pecado, esperando por nós. Roth colocou a mão
no centro, lançando um sorriso, e empurrou as portas, as quais se abriram em
pares.
Eu não sabia o que esperava ver além dessas portas, provavelmente algo
como mesas de um horripilante pub, mas o que vi foi algo completamente diferente.
O local era surpreendentemente brilhante. Nada de sórdidas luzes
vermelhas, nenhum anúncio de cerveja em néon. Vários sofás alinhados nas
paredes, separados por cordas negras de veludo. Pessoas de várias idades se
apoiavam contra os sofás. Eu não precisava da minha capacidade de ver almas
para saber que estava cercada por demônios.
Uma música intoxicante trovejava dos altos falantes. Do tipo que eu poderia
dançar, até me perder nela. O lugar estava lotado, e nos cantos escuros da sala
podia ver sombras movendo-se sinuosamente. Era a metade do dia, então fiquei
surpresa ao ver tanta gente aqui, mas, novamente, eu duvidava que os demônios
operassem nos horários humanos.
Roth riu enquanto abaixava seus lábios para a minha orelha. — Você
deveria ver o olhar em seu rosto.
Sacudi minha cabeça, me sentindo fora de meu elemento e algo mais. — É...
Diferente.
Havia um palco em forma de S no meio do bar, rodeado por um círculo de
cadeiras e mesas, mas era o que estava no palco que chamou a minha atenção.
Mulheres seminuas dançando. Mulheres muito belas, que poderiam estar
desfilando nas passarelas de Nova York e Milão. Uma em particular se balançava
no meio do S. Ela usava uma pequena saia de babados que cobria a parte inferior
e um sutiã que brilhava e cintilava na luz.
— Ela está usando diamantes naquele sutiã? — Perguntei.
Roth deu de ombros, mantendo os olhos em mim, pegando cada uma das
minhas reações. — Provavelmente. Eu não ficaria surpreso. Demônios gostam de
coisas brilhantes e resplandecentes.
A loira com sutiã de diamantes se movia junto com a música, deslizando
para baixo e se esgueirando para cima. Movia-se como uma serpente, ou como se
fosse parte da música pulsante. Ela caiu de joelhos, jogando a cabeça para trás
enquanto sorria fracamente para o homem diante dela. Uma estranha luz se refletia
em seus olhos.
— Ela é um demônio — apontei estupidamente, como se eu já não soubesse
disso.
— Elas gostam de ser chamadas de súcubos — ele explicou alegremente.
Acho que é o termo politicamente correto.
Dei-lhe um olhar feio, mas meus olhos foram imediatamente atraídos para
a garota novamente. Nunca vi um súcubo na vida real. — Como podem estar aqui?
Os Alfas as proibiram de virem à superfície.
— Não direi nada. E você?
Antes que ele pudesse responder, o homem levantou e encostou-se ao palco.
A súcubo vestida de rosa com diamantes sorriu alegremente conforme deslizava
para baixo e depositava um beijo nos lábios do homem.
Imediatamente ele endureceu, as mãos ao lado do corpo tremiam enquanto
a pele do súcubo brilhava. Minha boca ficou aberta. Estas reações só poderiam
significar uma coisa. O homem – ele era humano.
— Ei! — Gritei. — Ela tomou sua…
Roth colocou o dedo nos meus lábios. — Pequena, o que você vê aqui, fica
aqui. Você prometeu.
Prometi isso antes, quando não sabia o que acontecia. Toquei a mão dele.
— Isto está errado.
— Ou está certo. Olhe. — Eu me virei em direção ao palco. O homem estava
sentado em sua cadeira, um sorriso feliz em sua saciada face. — Ele não está
machucado. Ele só deu um pouco de seus reforços de energia. De qualquer forma,
ele gostou do beijo. Como tenho certeza que muitos desfrutariam de um beijinho
seu.
Ignorei a última parte. — Mas, como há seres humanos aqui? Eles sabem o
que está ao redor deles? — Eu não poderia imaginar que eles soubessem, com as
regras e tudo, mas senti como se o mundo tivesse virado de cabeça para baixo no
momento em que entrei por aquelas portas vermelhas.
— Alguns seres humanos tendem a encontrar o seu caminho para cá, mas
se os seres humanos realmente sabem o que eles descobriram? Os demônios daqui
não expõem o que são, mas os seres humanos daqui não são inocentes. Se você
pudesse ver a alma deles, saberia que não são. — A mão dele se enrolou em volta
da minha cintura, me puxando para mais perto de seu quadril enquanto
caminhávamos em direção ao palco. Bambi escorregou para ele em resposta ao seu
toque. — Portanto, aqueles que vêm aqui? Bem, eles têm o que merecem.
O que eu poderia dizer sobre isso? Enquanto procurava uma resposta
contundente, vi várias gaiolas douradas com incrustações penduradas atrás do
palco. Havia garotas nelas. Uma ruiva peituda chamou minha atenção e as pontas
de seus lábios vermelhos estavam levantadas em um sorriso provocante. Seu
vestido mostrava mais do que cobria. Desviei o olhar, sentindo meu rosto queimar.
Nos cantos mais escuros do clube estavam jogando pôquer. Um homem nos
seus trinta anos – tão simples que tinha de ser humano – suava em bicas, enquanto
o homem belo e mau que estava na frente dele olhou para cima, sorrindo. A luz se
refletiu em suas íris, tal como fez com as garotas súcubos no palco.
O demônio mostrou sua mão. — Flush17. E você?

17 Consiste na sequência de Ás, Rei, Dama, Valete e Dez do mesmo naipe. É uma mão imbatível.
As mãos do homem tremiam enquanto traçava suas cartas. — Um
Straight18 — disse com voz rouca. Ele caiu contra a sua cadeira, seu rosto pálido.
— Eles estão jogando por gatinhos? — Perguntei, pensando em um episódio
de Buffy que vi pelo computador em uma noite de insônia.
Roth parecia confuso. — O quê?
Balancei a cabeça. — Não importa. Por que eles estão jogando?
— Não sei se quero saber. — Roth afastou-me das mesas de pôquer.
— Menina bonita, você quer dançar comigo?
Minha cabeça levantou. Uma das dançarinas na gaiola se estirava para mim
através das barras. Quando não pôde me alcançar, ficou de pé, fechou os olhos e
jogou a cabeça para trás. Seus longos cabelos castanhos caíam pelas costas
enquanto ela balançava seus quadris ao som da música. — Venha. Se solte. Viva
um pouco. Você vai amar a liberdade. A forma como a música incendeia seu sangue.
Você adorará o ardor. Todos nós adoramos.
— Harpia — murmurou Roth.
Seus olhos se arregalaram enquanto ela se abaixava, passando as mãos na
frente do seu corpo parcialmente vestido. Ela sorriu para Roth. — Mei Domina19.
A língua que ela falou parecia velha. — O que ela disse?
Ele sorriu. — Não dance com nenhuma das garotas daqui.
— Não estava planejando — respondi baixinho. — Você não respondeu
minha pergunta.
— Não estava planejando — ele falou, me levando para o bar, à mão nas
minhas costas uma presença constante no mundo louco em que eu havia entrado.
— O que acontece se eu dançar com uma delas? — Perguntei após alguns
segundos.
Ele se inclinou, sussurrando em meu ouvido: — Você nunca mais pararia,
pequena. Você é apenas metade demônio, então é suscetível a alguns dos encantos
dos demônios. Algumas dessas meninas lá em cima são seres humanos. Elas
dançaram. Veja onde estão agora.
Estremeci. Por suas palavras ou sua respiração, eu não tinha certeza. —
Isso não me parece justo.

18 Cinco cartas em ordem numérica, todas do mesmo naipe.


19 Meu senhor em latim.
— Se você pudesse ver a alma delas, estou certo de que você não se sentiria
assim.
Meus olhos piscaram para elas. As meninas eram todas muito bonitas a
sua própria maneira. Algumas eram supermodelos magras e outras altas, de peles
claras ou mais escuras, morenas ou loiras. — As almas delas estão contaminadas?
Roth acenou com a cabeça, parecendo satisfeito. — Esta é meio que uma
sala de espera e comitê de boas-vindas, tudo em um só pacote.
— Isto é… O purgatório?
— Não. — Ele riu. O purgatório não é tão divertido como este lugar.
Eu realmente não sabia o que pensar sobre isso, ou por que ele queria me
mostrar um pouco disso. Eu o deixei me levar para o bar. Estava
surpreendentemente vazio. Apenas três ou quatro clientes, todos seres humanos,
eles se sentavam em banquetas. Roth me deixou no banco na extremidade do bar,
ao lado de uma tigela de amendoins.
— Vou procurar algo para comer que não envolva comida com cerca de uma
centena de dedos nela. Não dance com ninguém e nem permita que alguém compre
algo para você beber.
— Mas...
— Estou confiando que não entrará em quaisquer problemas — ele
continuou; seus olhos encontrando os meus. — Eu sei que você pode cuidar de
você. Eu sei que é inteligente. Não vou trancá-la em uma sala para me certificar de
que você pode tomar boas decisões.
Abri a boca, mas então eu percebi. Roth estava confiante de que eu poderia
cuidar de mim mesma e não me colocar em apuros. Havia uma... Uma liberdade
nisso que, na verdade, eu nunca provei. Toda a minha vida foi dentro de uma gaiola.
Não como aquelas dançarinas, mas uma gaiola dourada em que eram mantidas
todas as mulheres Guardiãs, e embora tenha sido dada mais liberdade para mim
do que a qualquer uma delas, a frustração era a mesma.
— Layla? — Ele perguntou em voz baixa.
Outra coisa me ocorreu então. Zayne me trancaria em um quarto para me
manter a salvo caso pensasse que havia sequer um pingo de perigo no ar. Roth...
Sim, ele tentou me tirar do caminho, mas ele não me prendeu. Ele... Apenas me
deixava ser eu mesma.
— Tudo bem — eu disse finalmente. — Ficarei aqui.
— Bom. — Ele sorriu e desapareceu na multidão.
Virei-me, franzindo o cenho enquanto me dizia que eu tinha tudo totalmente
sob controle. Eu estava ótima. Totalmente ótima.
Brinquei com a borda da mesa do bar, mantendo meus olhos abaixados.
Duvidava que fazer contato visual com qualquer coisa neste bar era uma boa ideia.
Se havia súcubos aqui, o que mais poderia haver. Pensei no demônio bonito
jogando no canto.
Era um demônio negociador – um tipo especial de Duke que podia ser
convocado do inferno para fazer ofertas? Em seus dias, estiveram no topo, pelo que
eu sabia, mas como outros demônios perigosos, foi banido para o inferno pelos
Alfas.
Deus, se os Guardiões soubessem que esse lugar existia, teria um dia de
campo aqui embaixo.
— Ela diz que eu preciso de um emprego melhor. Se não posso pagar
minhas contas, então como posso pagar a dela? — Disse um homem alguns
assentos longe de mim. Ele vestia um terno cinza monótono. Parecia uma imitação
que poderia ser comprado em oferta. — Não sei o que fazer. Não posso perdê-la.
Meus olhos foram para o garçom, e fiquei boquiaberta. Era Cayman! Ele
olhou para mim e piscou enquanto enchia o copo do homem com um líquido de
uma garrafa clara. Seu cabelo loiro gelo estava preso em um rabo de cavalo, e vestia
uma camisa preta enrolada até os cotovelos.
Assim, além de ser um administrador infernal e companheiro de Roth,
Cayman era, aparentemente, também um barman.
Estranho.
Ele colocou a garrafa entre eles e inclinou seu quadril contra o balcão. —
As mulheres são problemas, Ricky. É por isso que prefiro um homem bom, honesto.
Que ele gostava de homens não era novidade para mim, mas duvidava
seriamente que ele preferisse um homem bom e honesto.
Ricky correu as costas da mão pela testa, piscando. — Você poderia mudar
sua mente se conhecesse Ângela. Ela é um anjo, angelical como o seu nome. Eu a
amo.
— Um anjo que quer que você pague suas contas? — O brilho em seus olhos
castanhos se iluminou. — Não soa como uma criatura celestial para mim.
— Ela é tão bonita. O céu não tem nada contra ela. — Ricky abaixou a
cabeça em suas mãos, e por um momento, achei que o cara ia começar a chorar.
— Ela não retornará qualquer um dos meus telefonemas ou e-mails. Não até que
eu possa provar que sou financeiramente estável.
Cayman suspirou. — O que você faria por esse anjo dourado?
A cabeça do Ricky levantou; seus olhos muito abertos e vítreos. Estava
bêbado. — Eu faria qualquer coisa.
— Qualquer coisa? — Perguntou o demônio. Ele se inclinou; os olhos
cravados no mortal.
Eu tinha um sentimento de afundamento no estômago.
— Qualquer coisa. — Ricky veementemente concordou.
— O que você acha que precisa para que esta mulher maravilhosa fique com
você?
— Dinheiro — disse Ricky. — Preciso ganhar na loteria.
Cayman sorriu diabolicamente enchendo o copo do homem novamente. —
Então, mais um copo pela boa sorte, meu amigo. — Ele levantou a garrafa.
Meu estômago afundou ainda mais.
Ricky tocou o vidro da garrafa com o copo e depois bebeu. Baixou-o de
repente e o cristal brilhou em um tom de vermelho profano por um breve segundo.
Um acordo acabava de ser fechado.
Amor em troca de uma alma.
Ricky tropeçou para longe do bar depois de alguns minutos, e eu esperava
que ele acidentalmente não entrasse no elevador errado ou algo assim. Voltei um
olhar espectador para Cayman.
Ele riu enquanto caminhava para mim. — Interessada em compartilhar
suas preocupações? — Ele perguntou suavemente.
Eu me afastei. — Não, obrigada.
Ele deslizou a garrafa na minha frente e encostou-se ao bar. — Você quer
uma bebida, então?
Meus olhos se estreitaram. — Estou bem.
— Garota inteligente — respondeu. — Além disso, duvido que exista
qualquer acordo que você pudesse fazer comigo. Ele olhou por cima do meu ombro,
inspecionando o bar. — Você está olhando para mim como se eu tivesse acabado
de assassinar um bebê, querida. Você sabe o que eu sou. Sabe o que você é.
— Você acabou de deixar um cara vender a alma dele por amor.
— Parte da alma dele – apenas um pequenino, minúsculo pedaço. Isso é
tudo. Seu olhar voltou para mim. — O que Roth pensava para trazê-la aqui?
Dei de ombros. — Não tenho nem ideia.
— E onde ele está?
— Foi buscar comida.
Ele riu. — Roth te trouxe aqui para comer? Isso é genial. Você parece tão
confortável como um gatinho enrolado entre um monte de cães pit bull.
Estremeci. — Pareço tão fora do lugar?
— Você tem esse olhar que diz exatamente humana, mas isso não é tudo.
— Cayman inclinou a cabeça para um lado. — Francamente, quando você olha ao
redor, parece que está cheirando algo ruim, querida.
Eu fazia isso?
Cayman colocou a toalha branca no ombro. — Não preciso conhecê-la tão
bem para saber que não está feliz com o que você é.
— Isso não é... — Minha voz sumiu. Não havia nenhum ponto em negar.
Ainda não estava totalmente chegando a aceitar que eu era ao mesmo tempo
Guardião e demônio – a personificação do bem e do mal.
Ele sorriu novamente. — Sabe, eu sei por que Roth te trouxe aqui. Ele queria
que você visse isso, entendesse o que é este lugar.
— Um antro de pecado?
Cayman riu. — Fofo, querida, mas tenho certeza que lhe disse que certo
tipo de pessoas vem aqui, certo?
— São pessoas cujas almas já estão contaminadas?
Ele acenou com a cabeça, abaixando a voz. — Este é o fundo do poço, os
seres humanos que fazem o mal, tudo por conta própria. Eles encontram o caminho
para cá porque está na natureza deles, e estamos fazendo um favor à sociedade
com os serviços que oferecemos.
Minhas sobrancelhas se ergueram.
— Ajudamos o processo, retirando-os do pool genético por assim dizer, um
pequeno corte e aspiramos de uma vez. É isso que a maioria dos demônios fazem.
Não vamos atrás dos inocentes. Vamos atrás de pecadores – e cara, nós amamos
fazer isso. — Ele se endireitou. — É isso que seus Guardiões não entendem. Só
porque existem alguns demônios ruins no lote não significa que o que fazemos não
é um mal necessário.
Suas palavras caíram em mim como se acabasse de sair de dentro de uma
tempestade de gelo. Foi por isso que Roth me trouxe aqui? Para provar que o mal
era necessário no mundo e talvez não fosse tão errado?
Olhei em volta do bar novamente, facilmente espionando os humanos, e
Roth provavelmente estava certo. Se eu pudesse ver a alma deles, veria seus
pecados. Mas, o que isso tem a ver comigo?
Era tão óbvio que eu meio que queria bater no meu rosto.
Talvez Roth estivesse tentando mostrar que, de alguma maneira, à parte
demônio em mim era de alguma forma necessária. Foi o lado demônio que me deu
à capacidade de ver as almas, e agora, sentir as emoções dos outros, e foi o demônio
o que me obrigou a mudar na noite em que Paimon tentou libertar Lilith. Na
verdade, ele sempre tentara me mostrar os benefícios da minha herança mais
sombria. Um sorrisinho repuxou meus lábios. Pensando que esses benefícios não
diminuíam o golpe de evidente desgosto de Abbot comigo, mas sim, ajudava.
— Então, agora Roth te desviou de todo o seu bom senso? Ele é muito
atraente, certo?
Tomada de surpresa com a pergunta, eu senti meu sorriso desaparecer. —
Não! Não. Não é assim.
— Não é? — Os olhos de Cayman pareceram pegar e engolir toda a luz. —
Como não é assim com Roth? Negar isso é como não respirar.
— Bem, então, não devo estar respirando. Roth e eu somos apenas amigos.
— Amigos parecia tão covarde, e nem sequer é particularmente verdadeiro, dado
ao nosso passado.
Ele arqueou uma sobrancelha, mas deu de ombros. — O que você disser,
querida. Se você quer fingir que não está atraída por um homem bonito como
aquele, dane-se você. Embora, normalmente ele não use o cabelo escuro. Gosto
mais do que o branco que ele usa às vezes. É como se Billy Idol ligasse pedindo seu
penteado de volta. Prefiro o aspecto mais sombrio.
Não pude evitar. Curiosidade me venceu. Eu me inclinei. — O que quer dizer?
Ele sorriu, abaixando a cabeça, para que assim estivéssemos no mesmo
nível de olhos. — Ele gosta de mudar a cor. As características faciais são sempre
as mesmas, e também os piercing, mas o cabelo é diferente. Ele agora está
balançando no aspecto sombrio e melancólico, eu acho que tem a ver com White
Wedding ou Cradle of Love20.
— Huh?
Cayman revirou os olhos. — Vocês jovens não reconheceriam uma boa
música mesmo que acertasse na cabeça de vocês. De qualquer forma, eu gosto
quando ele fica sombrio e poético. É muito divertido.
— Eu meio que gosto desse jeito também. Mordo meu lábio e mentalmente
dou um tapinha em mim mesma. — Digo, eu acho que o cabelo dele parece bom.
Outro homem sentou no lugar que Ricky deixara livre, suspirando
profundamente. Cayman deu uma olhada nele e uma expressão de puro desejo
deslizou por seu lindo rosto. — Ah, o dever me chama, pequena Layla. Tenho outro
cliente.
— Eh... Bem, divirta-se?
Cayman afagou a toalha em seu ombro. — Eu sempre me divirto. Amo meu
trabalho. Sente-se quieta. Estou certo de que Roth voltará logo com todos os tipos
de coisas gordurosas.
Meu estômago roncou com o pensamento de comida e me agitei no banco.
Essa provavelmente foi uma de minhas conversas mais estranhas. Ainda mais
estranho era o fato de que quando entrei pela porta, nenhum dos seres humanos
aqui era tão tentador quando se tratava de querer sugar suas almas. Talvez fosse
a sobrecarga sensorial ou todo o mal mantendo meu demônio sob controle. Isso
não seria irônico? O único lugar onde meu demônio era comportado era ao redor
de outros demônios. Seria totalmente a minha sorte.
Uma mão se curvou em cima de meu ombro. — Bem, olá.

20 Músicas de Billy Idol.


Virei. Uma garota um pouco mais velha do que eu estava ali, com seu cabelo
longo até a cintura, brilhante e negro, igual ao seu vestido apertado. Seus olhos
eram escuros, a exuberante boca pintada de vermelho, e era bela de uma maneira
puramente pecaminosa.
Outra mão tocou meu outro ombro, mais pesada e muito mais forte do que
a fêmea. — Irmã, o que você encontrou para nós?
Minha cabeça se virou na direção da voz. Ele poderia ser o gêmeo da garota,
cabelo preto caindo sobre seu rosto claro. A camisa branca era um forte contraste
com o cabelo escuro e os lábios vermelhos. Olhei para Cayman, mas ele estava
ocupado com seu último cliente.
Engoli em seco. — Estou aqui com Roth.
— Você ouviu isso, irmã? — O homem enviou um sorriso provocador sobre
minha cabeça. — Ela pertence a Roth.
— Espera. Não pertenço a ele. Estou aqui como convidada dele.
A irmã sorriu suavemente. — Você ouviu isso, irmão? Ela está aqui como
convidada dele.
Eu tinha um forte sentimento de que deveria ter dito que eu pertencia a
Roth.
— Então, nós devemos tratá-la como a convidada que ela é. — O irmão
passou sua mão por meu braço, encaixando seus dedos nos meus. O súbito
aumento de desejo explodiu em luxúria quando sua carne tocou a minha. — Nós
vamos cuidar bem de você.
— Eu... Eu não penso que... — meus olhos encontraram os dele. Era como
cair sob a água, me afundando tão rápido que nem sequer pude fazer meus
pulmões respirarem.
— Ela não pensa — murmurou a irmã. — Ninguém pensa aqui. Este é o
lugar para não se pensar.
— Sim, — concordou o irmão, seus olhos enchendo todo o seu rosto. — Aqui
é onde a diversão começa e termina. Você deve se juntar a nós. — Ele puxou minha
mão. — Venha conosco.
Eu me levantei, meus joelhos tremiam e minha mente estava
estranhamente vazia de todo pensamento.
A irmã pegou a outra mão e me levou para a pista de dança. Um deles soltou
minha mão enquanto o outro me virava. O irmão me pegou pela cintura, puxando-
me contra ele. Olhei para cima, seus olhos eram de um negro uniforme. Sem branco.
Em vez de medo e desânimo, não senti nada.
— O que é você? — Ele perguntou. O irmão me girou.
A irmã pegou meus braços e me conduziu através de uma valsa rebuscada.
— Há um forte demônio dentro de você. — Ela assobiou como um gato assustado.
— Mas — sussurrou o irmão no meu ouvido, seu braço serpenteando a
minha cintura por trás. — Há também um Guardião.
Nós balançamos com o forte ritmo da música por alguns momentos, nos
roçando contra outros casais que pareciam tão perdidos como nós. Suas mãos
caíram para os meus quadris. Deixei minha cabeça cair contra seu peito, fechando
os olhos. Meu sangue estava em chamas. A menina da gaiola estava certa. Virei-
me, para os braços de sua irmã.
— Você é muito bonita — ela murmurou, soando como uma criança. Ela
descansou a cabeça no meu ombro enquanto nós girávamos repetidamente. —
Você não tem gosto de nada a mais, mas eu devo provar você!
Enquanto girava, vi estranhas formas e sombras. Peles sem rosto. Rostos
feitos de esqueleto e nada mais. Um material macio subia pelas minhas pernas,
flexíveis e ousadas. Por um segundo, eu pensei que tivesse colocado um vestido,
mas quando olhei para baixo, só vi calça jeans azuis.
O irmão me levou novamente em seus braços. Eu me pressionei contra ele,
inalando profundamente. Ele não tinha cheiro, nada. Nossos quadris estavam
encaixados juntos, movendo-se ao mesmo tempo.
— Nós sentimos a mesma necessidade. — Ele colocou seus lábios contra
minha testa avermelhada. — Uma prova não doerá. — Ele me afastou.
— Uma prova aliviará seu fardo — a irmã sussurrou, colocando um beijo
contra a minha garganta. — Uma prova te ajudará a ver.
— Ver o que? — Perguntei, sem fôlego e confusa.
A irmã sorriu. — Irmão, ela quer vê.
Ele veio por atrás de mim, esmagando a mão no meu estômago. — Nós
temos o mesmo que você, nossa querida irmã.
Deixei que me afastasse da irmã, ele me girou para que olhasse para a
multidão, de costas para ele. Estávamos mais nas sombras do que eu havia notado.
Todo mundo parecia tão distante. A irmã flutuava longe de nós, girando ao redor
de casais, dançando como um minitornado.
— Querida — ele disse novamente, beijando meu pescoço, onde estava a
pulsação, então sob o queixo e meu rosto.
Fechei meus olhos, me apoiando nele. Sentia-me quente, querida e
apreciada em seu abraço. Eu não estava sozinha ou era indesejada. Eu era a garota
mais bonita em seu mundo e seu mundo estava centrado em mim – apenas em
mim.
— Abra os olhos, querida — ele ordenou suavemente.
Eu fiz.
Uma ruiva estava na minha frente, com seu vestido com pontos roxos. Um
bonito bolo, eu pensei. Gosto de cupcakes, especialmente deste tipo.
No entanto, seu rosto parecia turvo. Pensei que talvez ela fosse mais velha,
e talvez eu devesse estar preocupada com isso, e, entretanto já não conhecia a mim
mesma. A irmã sussurrou no ouvido dela, pegando a taça repentinamente frouxa
dos dedos da mulher.
— Dance — disse o irmão.
E nós dançamos, a garota e eu. Não nos tocamos, mas nos movíamos
exatamente da mesma maneira. Como se uma fosse o reflexo da outra, mas não
éramos nada parecidas. Eu sabia disso. Logo, o irmão se juntou a mim,
sussurrando palavras que eu não entendia. Uma linguagem que estava destinada
a conhecer, eu acho, mas não podia entender completamente. A irmã fez o mesmo
e a mulher parecia cada vez mais aérea.
A mulher se acalmou diante de mim, a cabeça inclinada para um lado e os
olhos azuis fechados. Azul? Ela não era um demônio. Não era como eu. Mas não
importa. Dei um passo à frente, porque sabia o que precisava fazer. Era o que o
irmão queria. Eu queria isso também.
Fiquei na ponta dos dedos dos pés, apenas para alcançá-la. Senti mãos
sobre os meus ombros, me segurando com firmeza. Nós estávamos perto, perto o
suficiente. Fechei os olhos, à espera de um momento, um momento doce de tortura.
Então, eu respirei lenta e profundamente.
Eu tomei a alma dela.
Calor inundou minhas veias, acendendo chamas, meus dedos continuavam
enroscados. Esta mulher tinha sabor de açúcar de confeiteiro e vinho espumante.
Cada célula do meu corpo se abria como uma flor que foi negada água e sol por
muito tempo. Sem pensar, eu inalei novamente.
O ar estava em movimento quando a mulher se balançou.
Oh Deus, por que me neguei isto?
O irmão suspirou; seus dedos cravados em meus braços. A pequena
centelha de dor não era nada em comparação a força da essência dessa mulher.
Eu me mantive sugando-a, enchendo meu corpo com luz e ar, uma porta pareceu
abrir-se em minha mente. Eu a vi mais claramente. Era uma mulher bonita, mas
tinha uma boca cruel que dizia palavras cruéis. Enganou a todos em seus passos
pela escalada, e também seu noivo. Em um flash de luz vi uma breve memória de
suas palavras sussurrantes e miseráveis sobre um colega de trabalho para seu
chefe, e depois rir quando o seu colega de trabalho foi demitido.
Tantas recordações me invadiram, todas apostando contra ela. Ela era ruim,
vingativa até a medula, mas eu sabia que se continuasse saboreando seu espírito,
veria o que a danificou. Algo a transformou nessa pessoa detestável, algo sombrio
e mais retorcido do que qualquer estupidez que ela pudesse ter feito.
Sem aviso, ela foi afastada de mim. Eu tropecei para frente, lutando para
respirar. Senti que o irmão abaixou os braços e olhava para mim.
Roth estava diante de mim, alto e terrível. Ele agarrou o queixo da mulher,
forçando-a a olhar diretamente nos seus olhos. — Você não se lembrará de nada
disso — disse ele. — Saia deste lugar. Vá para casa e nunca mais volte aqui
novamente. Entendeu?
A mulher deu um breve aceno e cambaleou para o lado, para a multidão.
Para onde ela foi, eu não sabia. Sequer me importo. Meus olhos estavam fixos em
Roth.
A irmã riu. — Você estragou toda a diversão. Ela disse que não pertence a
você.
Roth olhou para mim. — Não pertence a nenhum dos dois também.
Suspirei sonhadoramente, balançando na direção dele. — Onde você esteve
esse tempo todo? Você saiu há horas.
— Estive fora apenas dez minutos — deixou escapar, e eu não gostava de
seu tom ou a maneira como passava a mão pelo cabelo, como se irritado. — Merda,
Layla... Eu não disse para você não se mexer? Que não dançasse?
Eu ri de sua expressão severa. — Eles me obrigaram.
— Nós a convidamos — corrigiu a irmã. — Não fizemos com que fizesse nada.
Sabemos as regras.
— Ela só queria uma prova — disse o irmão, tocando apenas o meu braço
com as pontas dos dedos. Eu estremeci. — Nós não a machucaríamos. Não é linda
irmãzinha?
Roth se lançou para frente, envolvendo sua mão ao redor do pescoço do
irmão e levantando-o do chão até que seus pés balançassem no ar. — Do que você
acabou de chamá-la?
A irmã sibilou; seus dedos se transformando em afiadas garras mortais. Em
um instante, sua beleza desapareceu. A pele ficou fina sobre seus afiados ossos,
os olhos estreitos e predadores. Parecia mais felina do que humana.
— Dê mais um passo em minha direção e quebro o pescoço de seu irmão —
Roth disse, sem tirar os olhos do irmão. — Não volte a tocá-la. Você não é mais
bem-vindo aqui.
— Você não pode nos banir — exclamou a irmã. — Você não é o Rei.
Roth deixou o irmão e virou. — Talvez não, mas posso arrancar seu coração
e alimentar os Hellions. O que acha disso? Deseja participar dessa festa?
Os irmãos disfuncionais recuaram, escorregando por entre a multidão. Eu
estava à deriva, olhando para um dançarino no palco. Ele era lindo, cheio de
músculos, com um longo e fluido cabelo loiro. Cayman foi para o palco, sorrindo
para o cara.
Um braço rodeou minha cintura, me parando. — Aonde você vai, pequena?
Inclinei-me para ele. — Não sei... Sinto-me muito bem.
— Você está. — Um suspiro pareceu passar por ele, e quando falou, sua voz
estava profunda e encantadora. — Quase matou aquela menina, querida. Eu não
deveria ter deixado você sozinha.
Dei de ombros, movendo minha mão para trás e para frente. Eu estava com
uma estranha sombra cor de pérola.
— O que você está fazendo?
Virei-me em seus braços, olhando para o rosto quase perfeito. Deus, ele era
tão bonito. Porque ele era tão sexy, ser assim... Tão sexy, especialmente quando eu
não poderia tê-lo? Eu não conseguia lembrar exatamente do motivo, mas sabia que
havia razões, uma das boas. — Acho que posso ver minha alma.
Ele levantou as sobrancelhas. — Pode? Você pode ver de mais alguém?
— Não, mas a minha é branca. Suspirei. — Isso significa que minha alma é
pura.
Roth me olhou com um leve sorriso no rosto. — Demônios não podem ter
almas puras.
De alguma forma minha cabeça terminou encostada em seu peito. — Então,
não posso ser como você.
— Oh, você está viajando agora. — Balançando a cabeça ele se moveu, e a
próxima coisa que soube era que eu não estava no chão, mas em seus braços. —
Você vai subir.
Um riso selvagem me escapou, e senti como se eu pudesse continuar
sorrindo. — O que você está fazendo?
— Te levando para algum lugar onde não se meterá em mais problema. —
Ele começou a se mover, separando facilmente a multidão.
O bar estava de cabeça para baixo para mim. — Todo mundo está andando
no telhado.
Seu riso era tenso, parecendo relutante enquanto me pegava em seus
braços. Minha cabeça agora repousava sobre o seu peito. — Melhor?
O mundo estava certo novamente. — O que eram aquelas pessoas lá atrás?
Ele abriu uma porta com o ombro, entrando em um corredor mal iluminado.
— Um súcubo e um íncubo. Eu os chamo de Sucky21 e Inky22. Acho que mudarei
seus nomes para morto e mais morto. Não posso te deixar sozinha por dez minutos
sem que lobos caiam em cima de você.
Enrolei meus dedos atrás do seu pescoço. — Eles não eram tão ruins.
— Sabe de uma coisa? — Seu sorriso não alcançou seus olhos.
— O quê?
— Você não achará isso futuramente.
Sorri. — Você é um idiota.
A risada de Roth estava mais leve quando ele se virou para subir as escadas.
— Você gosta de mim assim.
— Talvez. — Balancei meus pés no ar, rindo. — Você pode me colocar no
chão. Eu posso andar.
Em vez disso, ele me levou pelas escadas tão facilmente, como se eu não
pesasse nada mais do que uma pena. Fomos por um corredor, e depois subimos
outro lance de escadas. — Você pode tropeçar e quebrar o pescoço, ou cair em um
de nossos guardas. Ou tentar acariciá-lo.
— Que guarda? — Olhei em volta da escada. — Não vejo nada.
Roth não disse nada enquanto andava até chegar ao topo. Um homem
normal não teria conseguido subir quinze andares, mas ele não estava sequer sem
fôlego. Quando abriu outra porta, vi algo que não existia antes. Sentado em frente
à sua porta no final do corredor havia dois cães do tamanho de Chihuahuas.
Eu gritei, batendo palmas. — Quero acariciá-los! Eles são tão pequenos!
Ele suspirou. — Foi-me dito que o tamanho não importa.
— Alguém mentiu para você.
— Ah, esse pode ser o caso. Ele me colocou em pé com cuidado, mantendo
um braço ao meu redor. — Você não leva em conta que as aparências enganam.

21 De má qualidade; inadequada; desagradável.


22 Termo usado para algo ruim.
Comecei a me virar para ele, mas um dos cãezinhos se levantou. — Eu
poderia levá-lo em uma bolsa, como... Como uma daquelas bolsas caras.
— Acho que eles não gostam do som disso.
Eles não gostaram. Agora, ambos estavam de pé, suas orelhas para trás e
rosnando. Um latiu. Soou como um guincho.
Eu sorri. — O que farão? Morder meus tornozelos?
Roth me atraiu para mais perto, o que estava bem para mim. Eu gostava do
calor que seu corpo exalava, a forma como parecia se encaixar quando se elevava
sobre mim. Como não notei antes? Mas agora notara. Era algo que eu esqueci ou
tentava esquecer, mas não conseguia entender a razão por trás disso. Agora eu
queria admitir, gritar do topo do edifício e fazer coisas, muitas coisas.
Com os cãezinhos já esquecidos, virei e coloquei minhas mãos sobre o peito
Roth.
Seus cães não gostaram disso.
Um soltou um grito que se tornou um rugido. Virei, tropeçando de lado.
Grunhindo, rugindo e estalando, seus corpos se retorceram e cresceram. Patas
enormes substituindo as pequenas. Garras golpearam o chão à medida que eles
avançavam, ainda rosnando. Seus flancos estavam cheios de músculos, suas
caudas grossas. Seus focinhos cresceram muito, suas bocas ficaram mais largas e
as orelhas achatadas contra o cabelo vermelho enrolado. Os dentes saindo de suas
bocas, afiadíssimos e enormes. Os olhos passaram de castanho a vermelho sangue
e o cheiro de enxofre encheu o corredor.
Eles estavam do tamanho de ursos, e na parte longínqua de meu cérebro
eu percebi que eles eram cães do inferno.
— Puta merda — sussurrei, sabendo que devia ter medo, mas ainda
flutuava.
— Sentados — ordenou Roth, de repente na minha frente. — Vos mos non
vulnero suus23!
Em uníssono, eles obedeceram e se sentaram ao lado da porta. Suas orelhas
permaneceram para trás, não parecia mais que eles queriam me comer. Considerei
isso um bom progresso.

23 Não lhe façam mal, em latim.


Roth olhou para mim por cima do ombro. — Tem razão. O tamanho importa
sim. Eles não vão te machucar. — Vamos. — Ele estendeu a mão.
Peguei a mão dele olhando para as bestas. Um cheirava a minha perna
enquanto Roth abria a porta, e o outro rolou de costas, com a língua para fora da
boca. Roth se equilibrou, acariciando o ventre exposto do cão do inferno.
— É um bom menino — ele sussurrou. — Quem é um bom menino?
— Quais são os nomes deles? — Perguntei, inclinando-me contra a porta.
Minha cabeça estava pesada.
Ele olhou para cima, sorrindo. — Este é Bluebelle 24 e esse outro — ele
apontou para um que cheirava minha perna, — é Flower25.
Fiz uma careta. — O que há com você e o filme Bambi?
Ele se levantou com fluidez. — É um clássico americano.
Sorrindo, eu fechei os olhos. — Você é ridículo.
— Abra os olhos, pequena.
Senti sua mão nas minhas costas, então abri meus olhos. — Por quê?
— Você precisa ver para onde vai. Ele me fez andar na escuridão. Um
segundo depois, uma luz suave inundou o quarto e ele soltou minha mão. Pesadas
persianas estavam baixas, bloqueando o sol.
Tirei meus sapatos, tropeçando enquanto puxava minhas meias. Meus
dedos afundaram no tapete felpudo. — Acho que estou com fome.
— Mandei vir comida para cá.
Fiquei de frente para ele, recuperando o fôlego quando ele tirou a camisa e
a jogou de lado. Sua pele macia esticada sobre seus músculos duros. Suas calças
penduradas muito baixas.
— Há um pouco de tudo. Hambúrgueres. Batata frita. Pedaços de frango.
— Ele parou e olhou para mim. Um sorriso apareceu enquanto ele tirava os sapatos.
— Você vê algo que gosta?
Eu não podia responder, mas vi um monte de coisas que eu gostava.
Ele andou pelo quarto, parando a poucos metros na minha frente. — Sinto
muito. Não suporto o cheiro de fumaça. Incomoda-se?

24 Bluebelle é a companheira de Flower. Ela é uma fofoca e foi vista apenas no Bambi original.
25 Flower é um gambá.
Eu sabia que havia uma razão pela qual eu deveria, mas balancei a cabeça,
e então encontrei a minha voz e uma boa dose de audácia. — Não.
— Então você não se importará se eu tirar isso? — Roth passou os dedos
pelos cordões do capuz do meu suéter. — Está cheirando a Sucky e Icky.
Antes mesmo que eu negasse, ele abriu o zíper. Prendi a respiração quando
seus dedos roçaram contra mim. Um formigamento afiado passou por mim,
limpando o nevoeiro do meu cérebro por um momento ou dois. Então ele deslizou
o ofensivo material pelos meus ombros, deixando-o cair no chão.
— Linda... Qual o nome disso? — Ele murmurou; seus olhos claramente
não em meu rosto.
— Eh... Regata. — Respirei profundamente, mas não conseguia ar suficiente
nos meus pulmões. — Roth?
Seu olhar subiu. — Layla?
Comecei a falar, mas algo suave e peludo roçou meu pé, chamando minha
atenção. Um pequeno gatinho branco olhou para mim com seus lindos olhos azuis.
Abaixei-me, tentando alcançar a bolinha de pelo; querendo abraçar, apertar e
adorá-lo, mas depois me lembrei.
Franzindo o cenho para o diabinho, eu afastei meus dedos de seu alcance.
— Não. Eu me lembro de você. Gatinho mau.
O cabelo ao longo das costas do gatinho se levantou, vaiou antes de virar e
voltar correndo para debaixo da cama.
— Vejo que você aprendeu com seus erros do passado, mas acho que você
incomodou o Nitro.
— Estes gatinhos têm raiva. — Eu me levantei e logo ofeguei quando uma
onda de vertigem me atacou.
Roth colocou a mão no meu braço e havia uma preocupação muda em seu
rosto. —- Você está bem?
— Sim... estou bem. Isto acontece depois... — minha voz sumiu enquanto o
gatinho branco e preto colocava a cabeça para fora da cama e olhava para mim
com as orelhas achatadas.
— Depois de se alimentar?
Alimentar. Foi isso que eu fiz? Assim como o resto dos demônios no
estranho lugar nas entranhas deste edifício? Eu estava fazendo a minha parte na
cadeia alimentar demoníaca? Estremeci.
— Você não tomou a alma dela, pequena.
Levantei minha cabeça. Eu não fiz. — Ela estava bem, certo?
— Sim.
— E se ela estava lá, isso significa que ela era ruim, certo?
Sua respiração quente dançou na minha bochecha. — Sim.
Isso significa que ela estava bem? Eu não tinha certeza. — Não quero pensar
nisso.
— Você não precisa pensar. Por que não se senta?
Porque não parecia haver muito mais do que eu poderia fazer, voltei para a
extremidade da cama e me sentei entre os grandes travesseiros. A essência dele
estava em todo lugar, e quando fechei os olhos inalando profundamente, lembrei-
me de ter estado aqui antes, nesta cama... Nos braços dele.
Um rubor quente viajou sobre minha pele e meus olhos se fecharam.
Quando os reabri, vi Roth caminhando até a cama com uma longa bandeja nas
mãos. Vários pratos estavam cobertos com tampas de prata.
Sentei-me reta, confusa. — Adormeci? — Senti como se apenas alguns
segundos haviam se passado.
Ele riu quando se sentou, colocando a bandeja entre nós. Havia dois copos
altos cheios de gelo, perto de duas latas de refrigerante. Era como um serviço de
quarto proporcionado por um cara quente e seminu. — Não. Você estava sentada
aqui cantando.
— Estava?
— Sim. Paradise City. — Ele sorriu; dando-me um olhar através de seus
cílios grossos. — Acho que você está me contagiando.
Por alguma razão, isso não caiu muito bem, mas depois, ele começou a
revelar as bandejas e eu caí – eu caí de amores por aquela gloriosa comida
maravilhosa na minha frente. Um buffet de carne, gordura e sal.
Com Roth e eu comendo, a comida se foi em nanossegundos. Enquanto ele
recolhia os pratos e os levava para a área da cozinha, me recostei de costas e bati
no meu estômago. — Minha barriga está feliz.
— Aposto que está. — Houve um som de água corrente e depois parou. Não
demorou nem um segundo antes que ele estivesse sentado ao meu lado. Colocando
uma mão em meu ombro, ele se inclinou para mim. — Como se sente?
Meus lábios se separaram em um sorriso largo. — Bem. Ótima. Feliz. Talvez
um pouco cansada, mas sinto que...
— Entendo o ponto — ele disse, rindo. Sua cabeça se inclinou para a direita
enquanto a intensidade de seu olhar parecia poder ver através de mim. Um olhar
tenso tomou conta do seu rosto quando ele cuidadosamente afastava os fios do
meu cabelo dos meus ombros e espalhava sobre o travesseiro... — Queria você se
sentisse desta maneira depois, mas você não vai.
Meu coração afundou quando ele baixou o olhar. — Você vai se odiar depois
disto, embora não tenha ferido aquela mulher. Para ela, será como ter uma ressaca
após uma noite de festa. E ela não sentirá falta dessa pequena parte de sua alma
que você tomou. Não que sentisse falta de alguma parte de sua alma que deu de
bom grado para cada pecado abominável que cometeu — ele suspirou em voz alta,
como se houvesse um peso invisível em seus ombros. Ele bateu os cílios. — Eu não
queria fazer você fazer isso quando te trouxe aqui. Sucky e Inky deveriam ter ficado
longe de você. Eu deveria ter me assegurado disso.
Ele balançou a cabeça ligeiramente. — Eu queria apenas que você visse
como os outros vivem. Não aqueles dois bastardos. Eles são más companhias, e...
Não são nada como nós. Queria que você visse isso. Assim, você poderia ver o que
está dentro de você... — ele bateu no meu estômago com o dedo. — Não é ruim,
não importa o que um idiota líder de um clã te diz ou te faça sentir.
— O mesmo para você.
Ele arqueou a sobrancelha. — O que significa isso?
Levantei meu braço, dando batidas em seu peito com o dedo. — Você não é
tão ruim quanto gosta de pensar. Você é capaz de atos de grande bondade.
Ele bufou. — Você está chapada.
— Não estou. — Toquei novamente nele. — Você tem feito coisas que os
seres humanos com as almas não fariam, você...
Sua mão segurou meu pulso e a tirou de seu peito. — Tudo o que faço é por
uma razão puramente egoísta. Confie em mim.
Eu não acreditava. Eu queria afastar meu braço, mas de alguma forma,
tudo o que consegui fazer foi trazê-lo para mais perto. Músculo flexionava em seu
braço enquanto ele pairava sobre mim, apoiando seu peso. O calor de seu corpo
infiltrou-se novamente no meu. Bambi ficou agitada. Eu realmente gosto dessa
cobra, eu percebi. Ela deslizou sobre a minha pele, fazendo cócegas quando sua
cabeça atingiu meu ombro, aparentemente compelida pela proximidade de Roth.
Um fantasma de um sorriso cruzou seus lábios enquanto ele observava Bambi, e
eu me perguntei se ele sentia saudades.
Nossos olhos se encontraram e esse sentimento de antes voltou, deslizando
pelas minhas veias. As palavras pularam de mim. — Beije-me.
As manchas âmbares de seus olhos escureceram. Seu rosto tenso, quase
como se estivesse com dor, e não sabia por que esse pedido o incomodava. — Layla...
Puxei meu braço e ele se aproximou ainda mais. Quando falei, os nossos
lábios estavam a centímetros de distância. — Beije-me.
Seus cílios piscaram, protegendo seus olhos. — Você não sabe o que está
pedindo.
— Sim, eu sei.
Ele balançou a cabeça enquanto eu soltava a minha mão. — Não, não sabe.
Você está realmente…
Empurrei Roth e ele caiu fortemente de costas sobre a cama. Poderia ter
sido o fato de ser pego de surpresa, mas, de qualquer maneira, eu assumi a
liderança. Joguei minha perna sobre o seu quadril e me sentei, pressionando as
palmas das minhas mãos em seus ombros.
Seus olhos se arregalaram em choque quando me movi, colocando meu peso
em meus braços. Meu cabelo deslizou sobre meus ombros, criando uma cortina
loira esbranquiçada. Sentada sobre ele, sentindo-o debaixo de mim, entre minhas
pernas, eu me senti como uma deusa subindo no trono da sexualidade. Quase ri
com esse pensamento, mas percebi que arruinaria a minha sensualidade.
— Deus. — Ele jogou a cabeça para trás, gemendo enquanto colocava as
mãos em meus quadris. — Realmente, eu realmente gosto assim.
— Então, qual é o problema? — Perguntei, balançando-me para trás,
arrastando a ponta dos meus dedos em seu estômago plano.
Seus dedos se enterraram em meus quadris e olhou para mim através das
pálpebras pesadas. — Não consigo pensar em um agora.
— Bom. — Comecei a abaixar a cabeça, olhando para seus lábios
entreabertos.
Ele me pegou pelos pulsos novamente, levantando os braços e me parando.
— Isso... Isso não vai acontecer, baby.
Confusa, eu tentei me aproximar mais, mas ele me parou. Um pouco da
agradável neblina desapareceu enquanto meu coração tropeçava. — Você... Você
não me deseja?
Roth se moveu tão rápido que não tive um segundo para pensar no que ele
estava fazendo. Eu estava de costas com os braços esticados sobre a minha cabeça.
— Não te desejo? — Ele disse, pressionando-se contra mim. Cada parte dos nossos
corpos se tocou, roubando minha respiração. — Acho que você sabe a resposta
para isso.
Oh, eu acho que sabia.
Consegui libertar uma das minhas pernas de baixo das dele, e enganchei
minha perna em torno da parte inferior da perna dele. Seus quadris afundaram e
meu corpo formigava, como se pequenas faíscas dançassem na minha pele. Ele
gemeu novamente.
— Eu te desejo tanto que é como uma fome que me rói infinitamente. Ela
nunca vai embora. — Ele enterrou a cabeça no espaço entre meu pescoço e o ombro,
inalando profundamente. — Você não tem nenhuma maldita ideia.
— Então, faça algo sobre isso — sussurrei.
Roth levantou a cabeça e seus olhos se estreitaram. — Layla... — a maneira
como ele disse meu nome era uma bênção. — Por favor...
Meus dedos se curvaram indevidamente enquanto me esticava para ele,
finalmente alcançando-o com meus lábios. Nossas bocas estavam quase se tocando,
mas Roth estremeceu e seu aperto em torno de meus pulsos apertou ainda mais.
E então ele estava sobre mim.
Era como se as correntes que o prendessem tivessem se quebrado. Roth me
beijou, e não havia nada suave ou doce na forma como sua boca trabalhava na
minha. Ele segurou meus pulsos com uma mão e a outra mão deslizou no meu
braço, escorregando para a minha cintura, sob a barra da minha regata. Sua mão
deixou um rastro de fogo enquanto a movia em cima da pele nua do meu estômago
e depois subia. Arqueei-me diante do seu toque, e me perdi naquele beijo, perdida
no sabor e na sensação que era tão familiar que doía.
Então o beijo se aprofundou, e o sabor dele me marcou de dentro para fora.
Seu coração batia contra o meu. Nossos corpos se encaixavam e se moviam,
fazendo com que cada célula dentro de mim queimasse por mais, exigindo, e Roth
dava. Seus quadris se mexiam de maneira que me deixava ofegante entre os beijos
intensos e devastadores. Minhas pernas se enroscaram ao redor dele.
— Isso é tão bom — ele murmurou contra a minha boca. Um som profundo
retumbou dele quando me beijou novamente. — Muito bom para ser verdade.
Realmente não entendi o que ele quis dizer, mas queria tocá-lo, passar meus
dedos sobre os músculos de suas costas, deslizá-los por baixo de seus jeans
frouxos. Senti como se fosse sair da minha pele, como se já tivesse feito antes...
Aquela noite com ele, mais foi há muito tempo, mas isto era agora e seu corpo se
movia como pecado.
Sem aviso, ele me deixou, e a cama tremeu quando ele caiu de costas. Por
um momento, eu estava atordoada demais para me mover, muito presa nas
sensações correndo através da minha pele.
Ofegante, eu comecei a me sentar para segui-lo. — Roth...
— Não — ele disse, levantando a mão tremendo. — Deus, eu não posso
acreditar que estou dizendo isso, mas não se aproxime de mim. Não se mova.
De repente, ele tirou as pernas da cama e se levantou. Lentamente me
levantei sobre meus cotovelos e olhei furtivamente ele caminhar ao redor da cama.
Roth enterrou as mãos no cabelo e amaldiçoou em voz baixa. Como um
animal enjaulado ele olhou para mim. Seus olhos ardiam com um fogo interior.
Segui seu olhar. Minha regata estava enrolada para cima, mostrando meu
sutiã. Antes que eu pudesse fazer algo para remediar esta situação, ele se virou e
foi para o banheiro. A porta bateu, ecoando através do loft.
Respirando profundamente, eu caí para trás e fechei os olhos com força. O
que aconteceu? Senti como se estivéssemos na mesma página, que queríamos a
mesma coisa, ou não?
Corri minhas mãos sobre o meu rosto e puxei minha blusa para baixo.
Alguns minutos se passaram, talvez mais, enquanto eu ordenava ao meu corpo que
se acalmasse e ao meu coração que desacelerasse. Roth ainda não voltara do
banheiro, e meu rosto queimou em um tom profano de vermelho enquanto me
perguntava o que ele poderia estar fazendo lá.
A droga estava desaparecendo rapidamente do meu sistema e toda a lógica
e o bom senso que varri como um mosquito irritante lutava exaustivamente,
rastejando sobre mim. Essa vozinha na parte superior da cabeça aumentava de
volume, cheia de justa humilhação, e ameaçando me dar um tapa na cara, mas
então, os três gatinhos demônios do inferno correram para os pés da cama.
Rondando e se aproximando, suas garras enterrando-se nas cobertas, me olhavam
como se eu fosse uma bonita, mas estúpida borboleta presa em uma teia de aranha.
Congelei enquanto eles andavam para o meu lado, então franzi a testa ao
ver como eles se acomodavam como bolinhas que ronronavam tão forte que faziam
com que a cama vibrasse.
Um pouco atordoada, observei-os enquanto essa pequena voz aumentava
novamente, me dizendo para levantar e sair deste maldito lugar antes que fosse
muito tarde. Mas o zumbido dos gatinhos teve um efeito entorpecente, e antes que
percebesse à distância entre agora e depois eu adormeci.
Acordei com o brilho suave de velas, uma forte dor de cabeça e um pouco
confusa com o meu entorno. Levou um momento para perceber onde estava e o
que aconteceu no estranho ambiente abaixo dos apartamentos do Palisades.
Levantando-me, de repente, senti meu coração acelerar. Havia um gosto
estranho na parte de trás da minha boca. Levantando as cobertas, eu fiquei aliviada
ao descobrir que não estava nua. Lembrei-me de vir aqui com Roth, conversando
com Cayman e os demônios gêmeos do mal, então a...
Oh, Deus.
Lembrei-me de provar a alma da mulher, aquela que me lembrava de um
cupcake.
Curiosamente, a náusea por tomar uma alma era mínima. Apenas uma
ligeira dor de estômago, mas isso era verdadeiramente insignificante em
comparação a todo o resto.
Saí da cama, meus olhos disparando para todos os lugares. Na borda da
cama, o gatinho branco estava deitado de lado. Quando me viu, vaiou. O gatinho
preto e branco estava sentado no piano. Ficou de pé preguiçosamente e pisou nas
teclas. Cada nota que as patas golpeavam era discordante. Pela extremidade dos
meus olhos, uma sombra se precipitou diante da parede de vidro, bloqueando
momentaneamente a lua e as luzes dos edifícios circundantes. Eu me virei; meu
coração na garganta.
Não havia nada lá.
Meu olhar caiu na porta do banheiro. Ela estava aberta e foi fechada
quando... Oh merda em um biscoito, Roth. Eu me joguei contra ele. Bem,
tecnicamente, ele foi derrubado e montado. Eu o beijei e ele devolveu o beijo antes
de parar o que eu provavelmente teria continuado.
Coloquei uma mão em minha têmpora, fazendo uma careta. Nesse momento,
eu não sabia o que era pior: atacar sexualmente Roth, ele ter se escondido no
banheiro ou que eu tivesse provado uma alma.
Percorri o loft novamente, mas não vi Roth. Meus passos eram pesados,
minhas pernas desconexas. Encontrei meus sapatos e o suéter com capuz ao lado
da minha mochila, os três artigos colocados em uma cadeira junto à porta. Sequer
me lembrava de ter trazido minha mochila comigo. Peguei meu celular, tocando a
tela. Havia chamadas perdidas – duas de Stacey e mais do que eu poderia contar
de Zayne, e meu coração afundou. Então vi a hora.
3:15 da manhã.
— Oh, merda — gritei, assustando o gatinho no piano. O rangido das teclas
correspondeu ao ritmo do meu pulso. — Oh, merda, merda, merda.
Procurei minha carteira, encontrando-a esmagada entre dois cadernos.
Precisaria conseguir um táxi. Enquanto deslizava o telefone em minha mochila,
pensei nas chamadas perdidas de Zayne. Ele deveria ter entrado em pânico e teve
de ter pensado... Nem sequer podia me permitir terminar esse pensamento. Minha
mão tremia enquanto a envolvia ao redor da alça da mochila. Eu precisava ligar
para ele, mas não conseguia me concentrar em outra coisa senão colocar um pé
diante do outro.
Onde estava Roth?
Isso não importa. Ele me trouxe aqui e ele... Ele me deixou dormir por horas.
Um lampejo de raiva me atravessou, mas como poderia culpá-lo por essa bagunça?
Eu deveria ter escutado os meus instintos, mas fui com ele. Então dancei com
Sucky e Inky e, apesar de terem feito alguma coisa para mim, fui eu quem provou
a alma da mulher. Era como se Roth tivesse aberto a porta quando me pediu para
ser má com ele, e saltei bem no meio disso.
Eu mesma me meti nesta confusão.
Caminhar para a porta e abri-la me tomou uma grande quantidade de
energia. Do lado de fora do apartamento, os dois cães do inferno estavam sentados
como sentinelas. Suas orelhas se levantaram, mas não se voltaram para mim.
Enquanto passava junto deles, estavam calmos, os músculos de suas costas
inchando em montículos irregulares. Prendi a respiração, rezando para que não
me comessem, até que alcancei o final do corredor e abri a porta.
Meio correndo, meio deslizando degraus abaixo, continuei até ouvir gritos
agudos. Parando do lado de fora da porta que conduzia ao vestíbulo, congelei.
Gargalhadas ecoavam na escada, como gritos e gemidos.
O que...?
Recuando, eu me virei e vigiei a saída da garagem. Qualquer lugar era
melhor do que entrar no vestíbulo ou retornar ao bar, voltando para a loucura sem
Roth. Ou ele estava no vestíbulo, desfrutando da festa?
Abri a porta, correndo pela garagem escura e saindo às ruas. Meu suéter
fino não era proteção contra o ar frio. Abracei a mim mesma com a minha mochila
enquanto corria pelas ruas cobertas de neblina. De repente, pensei em Jack, o
Extirpador. Ele sempre não atacava suas vítimas nas noites de névoa, em Londres?
Não que eu não pudesse eliminar um assassino em série, mas mesmo assim, o
pensamento me assustava.
Apressei-me, os olhos procurando algum táxi nas ruas nubladas. Deus, eu
estava em um grande problema. Provara uma alma. Minhas vísceras estavam
retorcidas pela culpa e vergonha, e disse a mim mesma que parasse de pensar
nisso, porque não havia nada que pudesse fazer agora.
Mas minha pele se arrepiou a medida que continuava pela rua silenciosa.
Se respirasse muito forte, inalasse muito profundamente, ainda podia saborear a
essência dela – friamente congelada. Mordi meu lábio até que o sangue substituiu
a doçura açucarada. A dor fez pouco para parar a memória rondando, o prazer que
a alma trouxera.
O que eu fiz?
A abstinência não parecia ter me atingido ainda e merecia os suores,
calafrios e a fome que não podia ser aliviada. Eu merecia isso e muito mais.
Todos os edifícios ladeando as ruas estavam tranquilos e sombreados até
eu cruzar uma rua e perceber que uma das sombras se afastara do resto.
A sombra cruzou a calçada ao meu lado, mais espessa e maior do que a
minha própria sombra clara. O cheiro de enxofre substituiu o cheiro de mofo do rio
nas proximidades.
Eu parei.
A sombra parou.
Gelo encharcou minhas veias quando o aroma de ovos podres aumentou
até que meus olhos ardessem.
Ao meu lado, a sombra ficou alta e magra, tomando a forma de uma figura
sem rosto, feita de fumaça escura. A sombra levantou os braços para o alto e se
inclinou para um lado, levantando uma perna. A densa névoa se retirou, como se
não quisesse tocar a abominação. Lentamente, a sombra girou como a primeira
bailarina na caixa de joias que eu nunca usei.
Merda.
Era uma sombra – um espírito demoníaco. Do tipo que poderia possuir
humanos fracos e causar uma série de problemas.
Uma risada fria pareceu sair da sombra da calçada e dos edifícios de uma
só vez. Rodeou-me, levantando o pelo de todo meu corpo. Dei um passo atrás.
A sombra parou, abaixando a perna no chão. Colocou os braços fumegantes
em que assumi fossem seus quadris e fez uma dancinha feliz. Então se inclinou,
estendendo uma mão transparente para mim. Dedos frágeis se mexiam em um
convite para dançar.
Mais sombras vieram se unir à dança bizarra. Girando e mergulhando ao
meu redor, quebrando grossas nuvens do nevoeiro. Elas seguiam em uma
velocidade vertiginosa, acenando para que eu me juntasse ao corpo a corpo. Fez-
me lembrar dos gêmeos e dos momentos em que apanhei a visão dos rostos
descarnados no clube.
Não tenho tempo para isso.
— Vá embora — insisti. — Não quero nada do que você está oferecendo.
Elas pararam; as cabeças nebulosas inclinadas para um lado, exceto a
sombra original. Esta se tornou mais espessa e mais forte enquanto os segundos
se passavam, solidificando o corpo. Manchas cinzentas começaram a cair do céu,
aterrissando em minhas mãos e em meu cabelo, com cheiro de carne queimada e
do mal.
— Mas nós temos tempo para você — disse a sombra com uma voz rouca.
— Sabemos o que você quer.
Cada instinto em mim gritou para que ficasse longe dessas coisas, mas me
segurei. — Sabem?
A sombra assentiu e fumaça flutuava no ar.
— Procura por Lilin, mas não está procurando no lugar certo.
— Puxa, obrigada pelo esclarecimento.
A sombra começou a rir e o som sacudiu as janelas do edifício atrás de nós.
— Está procurando muito longe. Você precisa olhar mais perto. Mais perto — disse
ele. — A verdade é muito mais estranha do que suas fantasias mais loucas.
Contra minha vontade, inclinei-me, atraída pela voz rouca.
A face nebulosa tomou forma diante de mim, dois olhos vermelhos ardentes.
Um rosto cheio de coisas redondas e retorcido apareceu. Vermes.
Gritando, eu me afastei e então saí correndo, os meus pés batendo ao longo
da calçada. As sombras começaram a perseguição, correndo ao meu lado, rindo
enquanto eu tentava desesperadamente colocar alguma distância entre nós. Eu
podia ver as pessoas na rua, moradores de rua que provavelmente viram quase
tudo, tentando desaparecer junto às paredes e edifícios, tentando se tornarem tão
pequenos e invisíveis quanto possível.
A sombra com a cara de vermes recuou, circulando no céu acima de mim.
Ar se precipitou sobre mim quando outra disparou para frente. No centro de uma
cara de fumaça, os traços se fundiram juntos, como se o rosto fosse feito de cera
de vela. Elas continuaram mudando, cada uma revelando-se mais inquietante que
a anterior, até que estivesse quase sólido e olhasse para mim com a minha própria
face.
Eu tropecei até parar.
Meus próprios olhos redondos olharam para mim, mas eles eram diferentes.
O cinza estava dividido pela metade, como os olhos de um gato – como meus olhos
ficaram quando eu mudei. Meu rosto sussurrou para mim, revelando uma boca
sem dentes, somente vermes – mais vermes.
Horrorizada, não conseguia afastar o olhar.
Os vermes se mexeram, batendo na calçada com pequenos barulhos de
tapas. A sombra falou com o meu rosto. — Com o tempo você verá, você é como
nós, e todos seremos livres.
A sombra com o meu rosto flutuou e me afastei disso. Virando, eu corri o
mais rápido que pude.
As ruas estavam vazias. Comecei a cruzar a rua, me atrevendo a olhar para
trás.
Reduzi a velocidade, virando. O suor escorria, queimando no ar úmido e frio,
e meu estômago se retorceu. Não havia sombras dançantes. Olhei para minhas
mãos. Estavam cobertas de cinzas.
Apressadamente eu limpei no meu jeans enquanto levantava os olhos.
A sombra mostrou o meu rosto.
Meu rosto.
Pressão se fechou sobre meu peito enquanto respirava profundamente e
fazia gestos para um táxi branco se aproximando.
Abri a porta traseira, olhando para as ruas de relance enquanto deslizava
para o banco.
— Para onde? — Perguntou o taxista.
Olhei para cima, pegando o reflexo dele no espelho. O sono repuxou seus
olhos e colocou várias rugas profundas em sua pele. — Dunmore Lane.
Ele balançou a cabeça, voltando para a estrada. — Isso é uma viagem e
tanto a partir daqui. Você parece um pouco jovem para está...
Um Guardião caiu do céu, aterrissando na frente do táxi.
— Oh, não — sussurrei.
O impacto sacudiu o táxi e acrescentou outro buraco na rua. Suas asas
estavam espalhadas, cobrindo vários metros de cada lado. O peito largo, da cor do
granito, era liso. Eu nem sequer tive que olhar para o seu rosto para saber quem
era.
Zayne.
— Jesus! — O motorista engasgou, apertando a mão contra o peito. Os seres
humanos estavam bem conscientes dos Guardiões, mas eu duvido seriamente que
qualquer um deles esperasse ver um caindo do céu no meio da noite. — De onde
ele veio?
Zayne colocou uma garra no capô do táxi, levantando o veículo sobre duas
rodas. O motorista pegou o volante enquanto se empurrava contra a parte de trás
do assento diante de mim.
— Saia do carro agora — Zayne ordenou, colocando lentamente o táxi de
volta no chão enquanto seu olhar penetrante pousava em mim.
O motorista virou em seu assento. — Ele está falando com você?
Eu assenti.
— Então, saia — disse ele, apontando para a porta. — Não quero qualquer
problema com eles. Ele quer que você saia do táxi, você sai do táxi.
Fiz uma careta, querendo salientar que eu poderia ser uma moça inocente
que precisava de ajuda, mas não era o caso, e não queria arrastar alguém que era
inocente para o meio disto.
Abrindo a porta, saí. No momento em que fechei a porta, o táxi se foi,
queimando borracha enquanto voava pela avenida.
— Você esteve com ele.
Meu coração bateu forte enquanto forçava meus olhos a encontrarem os
dele. Em sua forma verdadeira, Zayne era uma massa intimidante de granito.
— Você cheira a ele, por isso nem sequer tente mentir.
— Eu não faria isso. Juro. — Engoli o caroço na minha garganta. — Zayne...
— Passei a tarde e a noite toda procurando por você — disse, dando um
passo para frente. Sua cabeça estava baixa. — Passei na casa dele. Eu não podia
entrar, mas ele me encontrou no telhado. Ele disse que você não estava lá.
Ele disse o que? Deve ter sido quando eu estava dormindo, mas por que
Roth mentiu? Provavelmente porque eu havia me alimentado com uma alma e não
sabia se ainda estava voando como uma pipa.
— Ele mentiu, obviamente — Zayne rosnou. — Não posso dizer que estou
surpreso com isso, mas e você? — A raiva parecia escoar dele enquanto dava um
passo atrás. Seus ombros caíram, respirando profundamente. — Você passou a
noite com ele.
A declaração, nem tanto uma pergunta, me quebrou. — Não – não! Não foi
assim. Não fui com ele por causa de algo assim.
Ele virou a cabeça e a luz da lâmpada se refletiu nos chifres luminosos e
pretos. O fato de ainda estar em sua forma de gárgula, diante de mim, era
testemunho do quanto ele estava chateado. Costumava haver um tempo que ele
escondia a sua verdadeira forma, de mim.
— Fui almoçar com ele. Isso é tudo! Eu sei que não parece assim, mas é por
isso que saí da escola com ele. — Minha mochila caiu no chão. — Eu estava
chateada hoje com o que aconteceu ontem à noite com Abbot e precisava ficar
sozinha... Eu precisava me afastar.
Sua cabeça se virou para mim. — Fugindo com ele?
— Eu não quis que parecesse isso. — Apertei os olhos, sabendo que o que
estava a ponto de admitir seria muito pior do que qualquer coisa que Zayne tivesse
pensando. — Nós fomos a um lugar e havia essa mulher lá e eu...
— Você o quê?
Abri os olhos e vi novamente o que a sombra me mostrara – meu rosto. —
Havia essa mulher e eu... Eu me alimentei dela.
Zayne olhou para mim com os olhos arregalados. — Não.
A palavra soou torturada, e maldição, isso me feriu profundamente. — Não
era minha intenção e sei que isso não é desculpa. — Não importa que Sucky e Inky
tivessem tido algo a ver com isso. Culpá-los era inútil. — Eu não a matei. Ela estava
bem, mas fiz e consegui ficar...
— Chapada?
Minhas bochechas queimavam de humilhação. — Sim.
— Deixe-me ver se entendi. Você foi porque estava chateada com o que
aconteceu ontem à noite com Maddox, que, aliás, está acordado e confirmou que
você não o empurrou. — Antes que eu pudesse dizer que a confirmação
provavelmente fez pouco para mudar o que seu pai pensava de mim, — ele
continuou. — Então você fugiu hoje com um demônio para fazer exatamente o que
meu pai te acusava de fazer? — Ele começou a andar na minha frente, agitado. —
Inferno, como isso faz sentido.
Corri minhas mãos pelo cabelo. — Não faz, e sei que estraguei tudo...
— Isso é porque você estava com ele.
Balancei a cabeça, sabendo que ele sequer ouviu o pior ainda e eu precisava
dizer a ele. — Não é porque eu estava com ele. Ele não me forçou a fazer nada.
Zayne abriu a boca, e então, dor cruzou seu rosto. Deu um passo atrás e
sua pele se iluminou até que estivesse diante de mim em sua forma humana.
Vestindo apenas calças de couro, ele parecia menos intimidador.
Mas a expressão do seu rosto, aqueles penetrantes olhos azuis acertaram
meu peito. Ele passou a mão no cabelo, arrumando-o e, em seguida, abaixou a
mão. — O que... O que você fez?
— Eu... Eu beijei Roth — disse, me forçando a não afastar o olhar e
enfrentar o que eu havia feito. — Estava uma pouco desorientada e...
— Basicamente é como ficar bêbada e depois ficar com alguém? — Ele riu,
mas não havia humor. — Essa é sua explicação?
— Não, não é, mas eu não teria feito se não estivesse fora de controle. —
Uma vozinha dentro de mim discordou, mas calei essa cadela bem rápido. — Foi
um erro — sussurrei. — Sinto muito. Eu sei que não muda nada ou melhora, mas
eu sinto muito.
Ele deu um pequeno sacudir de cabeça. — Nem sei o que dizer, Layla. Eu
te conheço. — Ele agarrou meus ombros enquanto abaixava a cabeça. — Eu te
conheço, mas às vezes, é uma completa estranha para mim. Você faz coisas que
irão prejudicá-la e nem sequer sabe o motivo.
— Eu só... — apertei meus olhos. Eu só o quê? Sabia por que fazia as coisas
que fazia às vezes? A resposta parecia simples demais. Estava em minha natureza.
Isso não era uma desculpa. Não me alimentar não estava em minha natureza. Mas
nada disso importava neste momento, porque quando abri os olhos, vi somente a
dor de Zayne. — Sinto muito.
Suas mãos deslizaram pelos meus braços e caíram quando ele se endireitou.
— Quando eu disse que deveríamos dar a isso – isso entre nós – uma chance, eu
não pensei que isto aconteceria.
Minhas entranhas se retorceram em nós ainda mais intrincados e dolorosos.
Isso era tudo. Fosse o que fosse que havia entre nós acabou antes mesmo de
começar. Talvez fosse melhor. A relação seria impossível e abriria uma brecha entre
ele e seu pai. Mesmo dizendo isso para mim, as lágrimas deslizaram, queimando
atrás dos meus olhos.
— Não há nenhuma chance agora, há? — Perguntei com minha voz
embargada.
Ele não respondeu por um longo momento. — Realmente não sei.
Meu queixo caiu quando tomei uma respiração irregular. Era melhor do que
eu esperava, mas não fez nada para aliviar a culpa rastejando na minha pele.
Após alguns segundos, ele disse: — Eu te cobri.
Ergui a cabeça, e quando vi que ele dizia a verdade, eu queria arrancar
minha língua da minha boca. — Como?
— De alguma forma, eu sabia que você estava... Bem — disse ele, passando
a palma da mão sobre sua mandíbula. — Não parei de procurar por você, passei
horas, mas não foi difícil te dar cobertura.
Senti-me com sessenta centímetros de altura.
— Nessa tarde, recebemos a notícia enquanto estava fora fazendo... Fazendo
alguma coisa. — Dean McDaniel morreu.
Minha mão voou para minha boca e todo o resto foi esquecido. — Oh, meu
Deus.
— Você sabe o que isso significa.
Além do fato de que uma vida muito jovem foi levada? Abaixei a mão. —
Isso significa que ele se tornou um fantasma.
As más notícias viajam rapidamente.
Quando a escola começou na manhã seguinte, parecia que todos já tinham
ouvido falar da morte de Dean. Ele não era popular, e a maioria das pessoas só
tomara consciência dele depois da briga em bio, mas havia uma sombra sobre os
corredores lotados. Ninguém sorria ou ria. O reboliço de emoção com o feriado de
Ação de Graças se aproximando estava silencioso. A morte de Dean afetou a todos
nós. Talvez servisse como um lembrete doloroso de que mesmo os jovens poderiam
morrer a qualquer momento.
— Alguém disse que foi um ataque cardíaco — Stacey disse enquanto nos
dirigíamos para a sala de aula. — Mas, o que faz um rapaz de dezessete anos ter
um ataque cardíaco?
Balancei a cabeça. Foi o melhor que eu poderia expressar dado o que
aconteceu na noite passada e nesta manhã. Curiosamente, os efeitos ocorridos
após a alimentação, quando um viciado fica muito animado, ainda não me
atingiram.
Eu sabia pelo que Zayne me disse esta manhã que a morte de Dean foi por
causas naturais, mas estava longe de ser normal.
Dean estava morto, mas certamente não estava em paz.
Aquela nuvem de maldade, a manta grossa e quase sufocante
transbordando sob a superfície e que senti na casa do Dean, estava presente na
escola hoje. Era como uma sombra escondida em cada esquina, um perseguidor
invisível esperando para atacar.
— Talvez fosse droga — disse uma menina do nosso lado, que por mais que
tentasse não consegui lembrar o nome dela. — Ele pode ter tido uma overdose e
estão dizendo que foi um ataque cardíaco.
A especulação continuou até que a campainha tocou, sinalizando o início
da aula. Fiquei tensa quando Roth passou tranquilamente no último segundo. Com
cabelos encaracolados molhados por uma chuva recente, parecia tão cansado
quanto eu me sentia. Cantarolando baixinho, ele sentou na nossa frente e olhou
para mim por cima do ombro. Havia uma fartura de mistério em seu olhar
interrogativo, o qual ignorei quando o Sr. Tucker – que eu achava que substituiria
permanentemente a Sra. Cleo – se moveu para ficar na frente da classe com as
mãos cruzadas para frente.
Meus olhos encontraram os de Roth por um momento e então me concentrei
no Sr. Tucker. Eu estava muito cansada para ter vergonha do que havia feito ontem,
mas não sabia o que dizer a Roth. Pedir desculpas por abusar sexualmente dele?
Parecia divertido. Eu podia sentir seu olhar vagar sobre mim por alguns instantes
antes de virar para frente.
— E vocês dois, o que está acontecendo? — Stacey perguntou em voz baixa,
mas eu sabia que Roth poderia ouvir perfeitamente.
— Nada — respondi.
Roth se recostou na cadeira, deixando seus braços pendurados para os
lados.
— Eu digo, como uma melhor amiga, que é mentira. — Ela bateu com a
perna contra a minha. — Ontem você desapareceu novamente. Estava com ele,
certo?
A mentira subiu na ponta da minha língua, mas estava tão incrivelmente
cansada de mentir. Não respondi; o que era resposta suficiente. A cadeira de Roth
ficou sobre as pernas traseiras, num equilíbrio precário de uma maneira que só ele
poderia manipular sem que caísse como um idiota.
Stacey prendeu a respiração. — E Zayne?
Meu coração apertou como se alguém o tivesse metido em um liquidificador.
Boa pergunta. Ontem eu cometi um erro e machuquei Zayne mais do que
provavelmente me dei conta. Quando me trouxe à escola esta manhã, ele não falou
comigo. Nem eu falei, porque, neste ponto, as palavras eram baratas e inúteis,
cheias de promessas e expectativas vazias.
Os cotovelos de Roth descansavam em nossa mesa, e Bambi se agitou
inquieta em meu estômago. Ela desapareceu logo que cheguei em casa ontem à
noite, muito provavelmente para se alimentar. Quando acordei, com apenas meia
hora para me arrumar para a escola, ela estava enrolada em minha casa de
bonecas.
Sr. Tucker limpou a garganta. — Eu sei que hoje nós recebemos uma notícia
muito trágica de um de seus colegas de classe.
Meu olhar se desviou para os meninos que se sentavam atrás de Dean.
Lenny ainda não havia retornado para a escola, mas Keith estava lá. Pela maneira
que ele estava largado na cadeira, com as pernas esticadas na frente, eu percebi
que não estava muito triste com a notícia.
— Fui informado de que existem conselheiros aqui na escola para quem
quiser falar com eles — continuou o Sr. Tucker, movendo os slides com as mãos,
fazendo a classe ficar agitada.
O próximo fôlego que tomei ficou preso na garganta quando o sentimento
dos corredores se infiltrou na sala de aula, uma escura e grossa nuvem passando
sobre o sol. Não consegui deixar de tremer.
E deixei a caneta cair em meu caderno enquanto dava uma olhada ao redor
da classe. Tudo parecia normal, mas algo estava fora do lugar.
Roth inclinou a cabeça para um lado, e eu sabia que ele também sentia isso.
— Não há nada para se envergonhar, se sentirem que precisam falar com
alguém — continuou o Sr. Tucker. — Ninguém vai censurá-los. A morte é uma
coisa difícil de lidar, não importa quantos anos você tenha.
As luzes sobre o senhor Tucker piscaram e passou despercebido por todos,
exceto para Roth e eu. Ele abaixou a cadeira para as quatro pernas. A luz sobre o
professor substituto deixou de piscar, mas a que estava em frente a ela começou a
piscar – e uma vez que essa parou, outra começou, cortando um caminho no meio
do corredor, até que a luz do teto acima da mesa em que Keith se sentava piscou
violentamente.
Keith olhou para ela com uma careta.
— Então, pergunte a qualquer um dos seus professores e agende uma
consulta com um conselheiro... — o Sr. Tucker parou e seu olhar se moveu para
as luzes. Ele parou de mexer os slides nas mãos.
Houve um momento de silêncio e cada músculo do meu corpo ficou tenso
quando uma brisa fria tomou conta da minha pele. Eu endureci com a sensação
familiar. Algo estava prestes a acontecer. Eu sabia, conhecia o sentimento. O frio
até os ossos que se filtrou em meu ser era o mesmo que sentira pouco antes das
janelas estalarem e Maddox cair pelas escadas.
Comecei a me levantar e Stacey agarrou meu braço.
A luz sobre Keith explodiu de repente, em uma chuva de faíscas e vidro. A
sala ficou cheia de gritos e o som de pernas de cadeiras batendo no chão enquanto
as pessoas ficavam em estado de choque.
— Aqui vamos nós — murmurou Roth, agora sentado reto.
O senhor Tucker deixou os slides caírem e se precipitou para frente. —
Afastem-se todos. Tem vidros no chão...
Keith tropeçou com a cadeira vazia a seu lado, sacudindo a cabeça.
Pequenos pedaços de vidro caíram de seus cabelos. Virei-me para rodear Stacey
enquanto Roth ficava de pé quando uma mancha escura veio do canto da sala, se
movendo muito rápido para que qualquer olho humano não conseguisse seguir.
Arrepios surgiram em minha pele.
Um espectro – havia um espectro na sala – e estava disposta a apostar um
ano de fornecimento de biscoitos de açúcar que se tratava de Dean.
A forma escura, não mais de três metros de altura, saiu em disparada para
as pernas de Keith, derrubando-o na cadeira. Provavelmente para todos na sala
era como se ele tivesse perdido o equilíbrio, mas eu sabia.
Keith caiu fortemente no chão, deixando escapar um grunhido. Suas pernas
chutaram a cadeira e a sombra ficou turva, se movendo novamente. A cadeira voou
para cima e para trás, batendo no rosto Keith.
— Merda! — Disse o Sr. Tucker, e Deus, em qualquer outro momento eu
teria rido, mas não era divertido.
A sombra deslizou para o canto da sala de aula, parando perto da porta
enquanto o Sr. Tucker se inclinava, ajudando um Keith ensanguentado e trêmulo.
Stacey virou para mim com o rosto pálido e olhos arregalados. — Começo a
pensar que é hora de transferir de escola.
— Isso pode ser uma boa ideia — disse Roth, se movendo em direção ao
corredor central.
Localizei a sombra enquanto ela se lançava em direção à porta. Ela caiu,
tornando-se uma poça de lama antes de passar debaixo da porta. O Guardião em
mim exigiu que eu saísse em perseguição.
— O que você está fazendo? — Stacey tentou me pegar, mas eu já estava
muito longe.
— Já volto — eu disse sobre meu ombro.
O senhor Tucker e a metade da classe estavam muito envolvidos no
atendimento a Keith, que divagava incoerentemente, para prestar atenção ao que
eu fazia.
Saí porta afora e virei para a direita, vendo o espectro imediatamente. Ele
deslizava pelo corredor, sendo nada mais do que uma horripilante nuvem de névoa.
Aproveitando a energia que não sabia que tinha, empurrei o chão e comecei a correr.
O espectro parou por um segundo e depois uma risada ecoou pelo corredor
um segundo antes das portas dos armários serem abertas ao mesmo tempo. Como
se houvesse soltado uma mola invisível, livros e jaquetas saíram voando dos
armários, seguidos por cadernos e papéis soltos.
Gritei quando um livro particularmente grande de história bateu contra
minha coxa, e depois me empurrou, perdendo o espectro de vista na tempestade
de livros.
Fora à confusão do redemoinho de livros da escola, meus olhos se
arregalaram quando canetas e lápis se transformaram em mini-instrumentos de
destruição. Saíram disparados pelo ar, batendo na parede com um baque.
As nuvens de livros e canetas bateram em meus braços. Derrubei alguns
para lutar contra outros.
De repente, Roth estava ali, atirando um livro ao chão antes que batesse na
minha cabeça. — Perseguir um espectro provavelmente não é a ideia mais
inteligente.
— Então, o que você sugere que façamos? — Abaixei-me antes que uma
grande maleta de maquiagem me acertasse. — Deixá-lo machucar mais alguém?
Roth abriu a boca para responder, mas o caos parou. Livros e papéis
ficaram suspensos no ar antes de caírem no chão.
O corredor parecia um brechó de vendas no retorno das aulas que foi
terrivelmente mal.
O pessoal veio pelo corredor, olhando o desastre antes de voltar o olhar para
onde Roth e eu estávamos. Olhares de descrença cruzaram seus rostos, seguido
rapidamente por suspeita.
— Merda — murmurei.

***

Olhei para o pedaço de papel amarelo na mão em frente à escola. Meu rosto
estava congelado em uma carranca.
Uma das portas se abriu atrás de mim, mas não precisava olhar para saber
quem era. O aroma doce o delatou. — Você também foi suspensa? — Ele perguntou.
Suspirando, dobrei o papel e coloquei no bolso do meu jeans enquanto Roth
se aproximava de mim. — Sim, a política de tolerância zero...
Roth riu, enfiando as mãos nos bolsos. — Pelo menos, são apenas alguns
dias. As férias de Ação de Graças é na próxima semana. Não estaremos mais
suspensos depois disso.
O diretor e o pessoal administrativo deram uma olhada no corredor e
culparam Roth e eu pelo desastre, dizendo que era uma brincadeira antes do
feriado ou alguma merda assim. O que poderíamos ter dito em nossa defesa? Que
foi obra de um espectro?
Sim, isso teria funcionado sem problemas.
— Você estará em apuros? — Ele perguntou quando não respondi.
Olhei para a luz do sol brilhante, tremendo. — Provavelmente.
— Isso não é bom. — Ele inclinou seu corpo em direção a mim, bloqueando
parte do forte vento ao redor do pavilhão.
Balancei a cabeça lentamente e voltei minha atenção para a rua.
— Quanta dificuldade você conseguiu pela noite passada?
Desci as mangas do meu casaco sobre meus dedos e apertei o material
escolar em minhas mãos. — Zayne me cobriu. Os outros não sabiam que eu não
estava em casa.
— Então, isso é bom.
Virando-me para ele, eu levantei minhas sobrancelhas. Ele olhou para
frente com os lábios franzidos. — Você disse à Zayne que eu não estava com você...
— Você sabe por que fiz isso.
— Ele não acreditou em você.
Ele ergueu o queixo. — Isso importa?
— Você me deixou dormir até às três horas da manhã — eu disse em voz
baixa. — Se Zayne não tivesse me coberto...
— Mas ele fez. — Seu olhar se voltou para mim. — Eu não queria te acordar.
— Porque estava com medo de que eu fosse me jogar em cima de você de
novo? — A pergunta saiu antes que eu pudesse parar.
Roth inclinou a cabeça para o lado. — Mais como eu estava com medo que
você não faria, e esse é o problema. — Ele deu um passo e se virou para mim. —
Eu deixei você sozinha, porque se você acordasse e me pedisse para beijá-la eu não
seria capaz de parar uma segunda vez.
Suas palavras tiveram um efeito contraditório sobre mim. Uma onda de
calor derretido correu pelas minhas veias, fazendo pequenas espirais apertarem
meu estômago, mas isso era errado por uma infinidade de razões.
— Você não precisa se preocupar com uma segunda vez — disse. — Eu
estava chapada.
Um lado de sua boca se levantou e ele riu baixinho. — Você é uma péssima
mentirosa.
— Não estou mentindo.
Roth voltou a subir um degrau, me cercando. Ele abaixou a cabeça para
que sua boca quase roçasse a minha, e quando ele falou, eu me recusei a dar um
passo atrás. — Eu sei por que você diz isso. Até mesmo entendo, Layla. Eu entendo.
Eu te feri e mereço todas e cada uma de suas mentiras.
Fiquei ali enquanto seu hálito quente dançava em meus lábios.
— Mas há tanta coisa que você não conhece ou não entende — disse,
inclinando a cabeça para que suas palavras roçassem o lóbulo de minha orelha,
enviando calafrios pelo meu pescoço. — Portanto, não reivindique saber o que eu
realmente quero ou o que eu faria para proteger isso.
Roth girou nos calcanhares enquanto eu piscava estupidamente. Ele desceu
as escadas largas de dois em dois degraus. Eu apertei a mão contra meu pescoço
enquanto o observava se afastar. Tinha tanta coisa que eu não sabia?
Quando se tratava de Roth, eu começava a acreditar que era verdade.

***

Eu me encontrei no escritório de Abbot no momento em que ele acordou e


meu nome ecoou pela casa. Ele soou como se o monstro de Cloverfield26 estivesse
preste a derrubar paredes ou algo assim.
Agora, olhando para Abbot, me perguntava como eu me lembrava do
monstro de Cloverfield.
— Suspensa? — Ele disse, segurando o papel.
Assenti. — Tem um espectro na escola. Ele atacou esse aluno Keith e depois
saiu para o corredor. O segui e ele e ficou louco, abrindo armários. O que eu deveria
ter dito quando os professores apareceram?
Abbot jogou o pedaço de papel em sua mesa e beliscou a ponta do nariz.
Ele não disse nada, mas Nicolai, que estava de pé à sua direita, inclinou a cabeça.
— Uma vez que o menino morreu, sabíamos que o espectro seria criado. É isso que
acontece quando uma alma é despojada de um ser humano.
Enviei a Nicolai um olhar agradecido.
— Eu sei — Abbot murmurou, esfregando a testa. — O fato de que o
fantasma foi diretamente para a escola é preocupante.
Cruzando os braços, Zayne apertou os ombros contra a parede em que
estava encostado. Ele ficara em silêncio novamente quando me buscou e não disse
nada enquanto falávamos com seu pai. Seus olhos encontraram os meus
brevemente antes de se afastarem.

26 Clover é o nome dado pela produção de Cloverfield ao monstro gigante fictício que aparece no
filme de 2008. Ele nunca é chamado pelo nome; o nome "Cloverfield" é dado pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos ao arquivo que fala dos incidentes mostrados no filme.
Eu afundei um pouco na cadeira. Enquanto Abbot falava dos planos para
avaliar os danos na escola esta noite, eu repeti o que aconteceu na sala de aula.
Keith poderia ter sido gravemente ferido, e se o espectro não fosse tirado de lá, todo
mundo estava em perigo. O calafrio que tomou conta da minha pele me fez apertar
mais em meu suéter – o calafrio.
O ar frio que senti antes do espectro atacar me parecia familiar. Como eu
podia ter esquecido isso? Inclinei-me na cadeira. — Espere um segundo. Antes de
o espectro atacar na classe, eu senti uma rajada de ar frio. A mesma que senti
antes das janelas explodirem e Maddox cair da escada.
Os dedos de Abbot pararam ao lado de sua testa quando ele olhou para
mim. — Você está dizendo que há um espectro na nossa casa?
Parecia loucura, mas não era impossível. As salas de proteção contra
atividade demoníaca dentro da casa eram praticamente nulas devido a mim. E os
espectros não eram tecnicamente demônios, de qualquer maneira.
— Por que haveria um fantasma aqui? — Perguntou Abbot, abaixando a
mão para o topo da mesa enquanto me estudava. — Normalmente, eles são atraídos
para lugares que conheciam quando estavam vivos.
Dez se levantou de onde estava sentado em uma das cadeiras de couro de
tamanho grande. Um olhar contemplativo atravessou seu rosto. Ele não falou e eu
não sabia o que ele estava pensando, ou se estava na mesma linha em que minha
mente seguiu.
Um espectro é criado quando uma alma era retirada de um ser humano.
Apenas certos demônios podiam fazer isso, Lilith, um Lilin... E eu. Os Guardiões
também tinham almas, almas puras. E eu havia tomado a alma de Petr na noite
em que ele me atacou. Foi autodefesa, porque certamente ele teria me matado caso
eu não tivesse feito, mas o ato de tomar uma alma, independentemente da causa,
era estritamente proibido.
E algo horrível aconteceu. Ele não morrera como um humano teria quando
o último fio de alma era roubado. Tornou-se algo diabólico, mais assustador do que
um demônio de nível mais alto. Mas, então, Roth havia matado o que quer que
fosse que ele se tornara.
Petr ainda poderia estar aqui, mas como um espectro?
Meu estômago se retorceu em nós enquanto abaixava o olhar. — Tem razão.
— As palavras eram como ácido na minha língua. — Não há nenhuma razão para
que haja um espectro aqui.
Quando olhei para cima, percebi que Zayne estava ereto, e ele sabia o que
realmente aconteceu naquela noite. Eu não admiti, mas ele sempre via através das
minhas mentiras.
— Como você se livrará do espectro que feriu Keith? — Perguntei, esperando
voltar a atenção dele para o problema na escola.
Abbot segurou o meu olhar, sua expressão fechada. — Com um bom
exorcismo à maneira antiga.
O tempo passou sem complicações. Provavelmente, porque eu não havia
deixado a casa, Abbot não me puniu, o que me surpreendeu. Embora fosse óbvio
que eu não causara o desastre que me levou a uma suspensão, eu realmente
acreditava que ele encontraria uma maneira de me culpar.
Eu sabia pela minha única conversa com Nicolai que um exorcismo foi feito
na escola na sexta-feira, após as aulas terminarem, e que o fantasma formalmente
conhecido como Dean já não era um problema. Fiquei aliviada que o espírito
malicioso foi removido e não houve necessidade de chamar os caçadores de
fantasmas, mas não muda o fato de que Dean morrera sem alma e, portanto, estava
no Inferno.
Dean não merecera isso e não era justo. Havia algumas mortes suspeitas
que provavelmente viriam a se tornarem fantasmas. Ou já poderiam ser e apenas
não descobrimos ainda. Os guardiões estavam investigando as mortes suspeitas,
mas era impossível para eles encontrar todas. Nós operávamos no escuro, à espera
de um desastre.
Pelo menos, quando podia ir à escola, eu sentia como se pudesse fazer algo,
caso alguma coisa acontecesse, mas ficar parada aqui fazia com que me sentisse
completamente inútil.
Era isso. Eu estava presa.
O único ponto brilhante no tempo livre eram as ligações e mensagens
trocadas com Stacey e Sam. Eles acreditavam que eu me juntaria a eles para
assistir um filme com Zayne, mas isso não ia acontecer. Eu realmente não vi Zayne.
Não o culpo por me evitar. Quando pensava dele, uma dor aguda se acendia no
meu peito. Não me arrependo de dizer a verdade, mas lidar com as consequências
não era fácil.
O jantar já foi servido e muitos dos guardiões estariam se preparando para
a noite. Antes de colocar minha cabeça na cozinha para ver que alimento eu poderia
comer, andei até onde meu celular descansava ao pé da cama.
Em algum tipo de nível subconsciente estranho e irritante, alcancei meu
telefone. Parando no meio do caminho, joguei meu braço para trás. — Merda.
Havia uma bomba do tempo me esperando no celular.
Uma mensagem de texto de Roth de dois dias atrás. Uma mensagem de
texto que não queria e não poderia responder.
A mensagem era inocente. Um simples AINDA ESTÁ ABORRECIDA? Mas
era a primeira vez que ele escreveu para mim desde que voltou de sua pequena
viagem ao inferno, e por alguma porra de razão, a mensagem fez meu estômago
virar uma ginasta toda vez que pensava nisso. Na minha cabeça, a mensagem
simbolizava uma clara linha desenhada, e responder séria como cruzá-la.
Roth estava no corredor na última vez que o vi.
Eu não sabia nada no que se referia a ele. Não sabia o que ele fazia ou o
que tentava realizar com o que me falou. Tudo o que sabia era que sua rejeição
completa do que nós compartilhamos ainda era como uma infecção nas camadas
do meu coração. Era um fato – uma realidade. Eu não deixaria acontecer
novamente.
E então havia Zayne.
Dando um suspiro fraco, eu me forcei a sair da cama. Enquanto deixava o
quarto, puxei meu cabelo em um rabo de cavalo, o que coincidia com a minha
tentativa de me vestir desleixada. Meus suéteres eram quase dois tamanhos
maiores que o meu e minha camisa de manga longa era provavelmente dois
tamanhos menores.
Bem atraente.
Desviei-me da sala de jantar grande o suficiente para acomodar um time de
futebol inteiro. Vozes profundas vinham da sala, suavizada pela suave risada de
Jasmine e Danika. Fiquei por um segundo junto à porta fechada, deixando que o
ridículo desejo de ser parte deles me tomasse por um segundo.
Ridículo.
Balancei a cabeça e me arrastei para a cozinha. Não para o local onde
Jasmine alimentava seus bebês, mas gosto de considerá-la o lugar onde a mágica
comida é preparada. As portas se fecharam suavemente atrás de mim. A equipe da
casa não pareceu surpresa ao me ver vagando pelo grande espaço da cozinha
industrial.
Morris se virou, sorrindo quando me viu. Esticando-se, pegou um prato
coberto e colocou-o na ilha. Então, ele deu um tapinha no lugar vazio em frente ao
prato.
Eu sorri enquanto me sentava no banco. — Obrigada. Você não precisava
fazer o prato para mim.
Ele deu de ombros quando me entregou garfo e faca, em seguida removeu
a tampa do prato com um movimento que todos os garçons do mundo invejariam.
Carne assada e batatas. Isso me fez salivar.
Eu mergulhei na comida, mastigando ao som de água corrente e tilintar de
pratos. De alguma forma, ao longo do mês passado, isso começou a ser um som
reconfortante. Nenhuma pessoa da equipe de Morris realmente prestava atenção
em mim, mas eu estava bem com isso.
Eu era um pouco parecida com eles. Fantasmas na casa. Nada realmente
para se apegar.
Deus. Minha mente estava em algum lugar entre o vaso sanitário e deitada
de bruços em uma poça de lama.
Pegando meu prato, andei para onde os pratos sujos eram empilhados.
Como sempre, eu tentei lavar, mas um dos funcionários pegou o prato com uma
impressionante rapidez.
— Sabe, eu posso limpar a minha própria sujeira — apontei.
A mulher não disse nada enquanto colocava o prato com o resto dos pratos
sujos. Fazendo uma careta, eu revirei os olhos e um baixo formigamento desceu
pela minha espinha quando meus olhos se encontraram com aqueles olhos azuis.
Zayne estava dentro da cozinha, a sua expressão protegida enquanto seu
olhar passava pelo meu rosto, minhas mãos segurando a faca. Ele levantou uma
sobrancelha. — Eu deveria estar preocupado?
Eu estava um pouco surpresa de vê-lo aqui.
Morris apareceu, pegando a faca da minha mão. Arregalei meus olhos
enquanto ele me dava um não tão discreto empurrão na direção de Zayne, eu
tropecei como uma idiota. — Eu estava... Uh, comendo.
— Percebi. — Seu olhar caiu novamente, e desta vez eu sabia que não estava
segurando uma arma. Ele olhava para a ampla faixa de pele que minha curta
camisa mostrava. Calor fluiu pelo meu rosto e depois se transformou em um líquido
agradável que seguia muito, muito mais lento. Quando seus cílios finalmente
subiram, eu sabia que parecia um tomate. — Vou para a sala de treino. Quer me
acompanhar?
Antes que eu pudesse responder, Morris me deu outro forte impulso bem
colocado na direção de Zayne. Dei-lhe um olhar fulminante por cima do meu ombro.
— Deus.
Ele piscou.
Quando me virei para Zayne, vi seus lábios fazerem uma careta enquanto
tentava não sorrir. Um bom sinal ou não. — Com certeza.
Zayne balançou a cabeça e o segui pela porta estreita, ao lado da enorme
geladeira. Era uma entrada ao piso inferior que raramente usei.
— Dormi muito hoje — Zayne disse, fechando a porta. — E não fiz nenhum
exercício antes do jantar.
— Você... Você teve uma noite movimentada? — Eu estava atrás dele,
arrastando os pés no corredor fracamente iluminado, mas ele parou para me
esperar, até que eu estivesse caminhando ao lado dele. — Caçando?
— Encontramos um enclave de Terriers perto de Rock Creek Park e lidamos
com ele grande parte da noite.
— Terriers? — Quando ele assentiu com a cabeça, tudo o que eu podia fazer
era balançar a cabeça com espanto. Terriers eram criaturas que eram um
cruzamento entre uma avestruz e uma ave de rapina. Outra classe de formosuras
demoníacas. — Isso é bastante anormal, certo?
Zayne diminuiu o passo ao chegar à porta da frente da sala de treinamento.
— A última vez que nós vimos um foi justamente antes de Dez trazer Jasmine aqui
pela primeira vez.
— Isso foi há anos. — Entrei pela sala enquanto ele segurava a porta aberta.
— Sim — disse ele, passando por mim e atravessando os tapetes azuis,
dirigindo-se ao equipamento que estava no banco. Pegou uma tira de pano branca
e começou a enrolar nos dedos. — A coisa é, muitos desses demônios não são
permitidos aqui em cima e como nós não os vemos frequentemente, achamos que
eles não estão por aqui. Mas eles estão. E conseguem os melhores esconderijos.
Penso no clube sob Palisades e todos os demônios que não deveriam
supostamente andar entre os seres humanos.
— Quer participar? — Ele ofereceu conforme terminava de enrolar as pontas
dos dedos.
— Não. Comi muito. Apenas observarei. — Puxei a barra da minha camisa
e ela subiu novamente, revelando metade do meu estômago. Provavelmente, eu
deveria ter verificado a minha escolha de guarda-roupa. Depois do jantar, fiquei
com um pouco de barriga.
Zayne passou caminhando, ele colocou as duas mãos sobre o saco de boxe.
— Eu realmente queria que você reconsiderasse quanto a comer com todos.
— Eu realmente queria que você parasse de falar nisso.
Ele olhou por cima do ombro para mim, com as sobrancelhas levantadas.
— Não há necessidade de sentir que não pertence a esse lugar. Você pertence. E
sua falta é sentida na mesa.
Eu ri disso. — Por quem?
— Por mim.
Meus lábios se separaram e realmente não tinha resposta para isso. Ele
virou para o saco de pancadas. Ficou em posição e levantou os braços. — Como
você tem passado o seu tempo livre? — Ele perguntou, lançando um soco que
levantou o saco em vários metros.
— Morrendo de tédio.
Com expressão concentrada, ele bateu com o outro braço. — E ainda tem o
resto da semana.
— Sim, obrigada por me lembrar. — Sentei no tapete e cruzei as pernas.
Um ligeiro sorriso apareceu enquanto ele se movia ao redor do saco,
selecionando diferentes lados com diferentes técnicas de mão. O suor salpicou sua
testa encharcando o cabelo loiro até sua têmpora. — Tivemos notícias de um
contato de um dos hospitais – o mesmo que Dean foi levado. Eles tiveram outro
morto, que chegou duas noites atrás – uma jovem que não tinha problemas de
saúde anteriormente, morreu de um ataque cardíaco fulminante. O coração,
basicamente, quase voou para fora, assim como o do Dean.
Estremeci.
— O noivo estará fora da cidade antes de ir ao funeral amanhã, na
Pensilvânia, então vou verificar a casa dela — ele continuou. — É a única maneira
de ver se ela estava infectada, sabe? Se ela for um fantasma agora, sua casa seria
o local mais provável de onde estaria.
Os Guardiões estiveram fazendo muito isso ultimamente – investigando o
recém-falecido. — Posso ir?
Ele fez uma pausa, limpando a parte de trás de seu antebraço enquanto me
observava. Um segundo se passou. — Você está começando a soar como Danika.
Ela está exigindo participar das buscas.
— Por que ela não estaria? A garota é treinada. Ela é uma guardiã completa.
Ela pode lutar.
— Você sabe a resposta para isso.
Fiz uma careta. Parecia estranho defender Danika quando passei tanto
tempo odiando-a. — Talvez ela não queira ser apenas uma máquina de fazer bebês.
Ele balançou a cabeça e se virou para o saco, voltando ao trabalho. Só ele
poderia lutar contra o inferno e não ficar sem fôlego. Eu estaria ofegante, deitada
no chão em uma poça de suor neste ponto.
— Então, posso ir? Perguntei novamente. — Não foram atribuídos nada
para eu fazer, de forma que eu me sentiria... Bem, fazendo algo útil.
Zayne deu alguns socos e virou o saco. À frente de sua camisa cinza estava
molhada de suor. — Acho que não seria um problema. Com certeza.
Um grande sorriso apareceu em meu rosto. — Obrigada. Eu realmente
quero fazer algo que não...
Parei quando ele se abaixou, puxou a camisa sobre a cabeça e a jogou no
chão.
Santa gostosura...
Agora, isso estava indo muito mal.
Meus olhos passaram sobre seu peito e estômago definidos como uma
daquelas pessoas famintas olhando para um buffet onde você pode comer de tudo.
Aquelas gotas de suor escorregando para baixo, revelando fendas em cada lado de
seus quadris. Zayne realmente não tinha um pacote de seis abdominais. Era mais
como um pacote de oito.
— O que você estava dizendo?
Cada abdominal estava firmemente marcado. Como se alguém tivesse
esculpido em seu estômago. — Huh?
Dois dedos foram repentinamente pressionados debaixo do meu queixo,
forçando o meu olhar para o rosto dele. Os cantos dos seus lábios se curvaram
para cima enquanto eu ficava vermelha. — Você falava sobre ir comigo a casa da
cidade?
— Oh, sim. Isso. — Coisas importantes que não envolviam tocar seu
estômago ou coisas assim. — Será muito produtivo.
Zayne riu quando afastou sua mão e voltou para o saco. A forma como seus
músculos trabalhavam ao longo das costas e estômago enquanto dava soco após
soco era verdadeiramente fascinante.
Eu tinha certeza de que se me sentasse aqui por um longo tempo para
assisti-lo, eu me tornaria uma poça de baba no tatame, mas não me levantei. Isto
era melhor do que olhar garotos sexys nos posts do Tumblr.
Quando ele terminou, pegou uma nova toalha. Eu estava mais ou menos
ainda sentada sobre o tapete com a minha língua de fora. Ele abaixou a toalha. —
Então, sobre o cinema de amanhã...
Era como se tivessem jogado um balde de água gelada no meu rosto.
Realidade é foda. Eu levantei, mantendo meus olhos em seus tênis. — Sim,
sobre isso. — Exalei lentamente, massageando o nó na garganta. — Acho que vou
enviar uma mensagem de texto para dizer a Stacey que o filme não é para nós –
quero dizer, para mim. Não há realmente nenhuma razão para ir, e provavelmente
é melhor assim, porque é como se fosse o primeiro encontro de Sam e Stacey e tudo
isso.
Comecei a passar ao lado do Zayne, mas ele me alcançou com seu braço,
passando o braço em volta da minha cintura. Enquanto me segurava, a carne nua
de seu braço roçou o meu estômago e eu congelei com a intrusão repentina de
emoção. Era uma bola emaranhada, e eu não era suficientemente boa decifrando
coisas.
— Uau — disse ele. Virando-me, de forma que eu estivesse bem na frente
dele. Ele abaixou o braço. — Você não quer ir?
— Bem, eu achei... Eu imaginei que depois de quinta-feira à noite você não
quisesse ir — tropecei em minhas palavras como se tivesse aprendido a falar ontem.
— E entendo completamente e...
— Alguma vez eu te disse que havia mudado de ideia sobre o dia de amanhã?
— Ele perguntou, franzindo a testa.
— Não, mas…
— Mas eu nunca disse isso, e pelo que eu sabia, ainda íamos — ele passou
a toalha por cima do ombro, olhando para mim. — Você não mudou de ideia. Então,
vamos.
Eu fiquei boquiaberta olhando para ele, me perguntando se havia olhado
para seus abdominais com tanta força que me nocauteara. — Mas por quê?
— Por quê? — Ele repetiu suavemente
— Sim, eu... Eu estraguei tudo. E muito. — Parecia desnecessário explicar
isto. — Por que você quer ir ao cinema comigo? Stacey e Sam vão pensar que
significa algo.
Sua mão se apressou em pegar o meu pulso, me impedindo de brincar com
a barra da minha blusa. — Você acha que o fato de irmos juntos significa algo?
Minha língua parecia amarrada.
Ele abaixou a cabeça, seu olhar fixo procurando o meu. — Você quer que
signifique alguma coisa?
— Sim — sussurrei, e havia muita verdade nessa palavra.
Sua mão deslizou na minha manga, curvando-se em torno de meu cotovelo.
— Então, vamos ao cinema amanhã.
Parecia tão simples, mas realmente não entendo por que ele ainda me
queria. Um sorrisinho atravessou o rosto de Zayne, como se parecesse saber o que
eu pensava e as palavras que saíram da minha boca. — Eu não mereço você.
— Veja, é aí onde você está errada. — Ele estendeu a outra mão e colocou
uma clara mecha fugitiva atrás da minha orelha. — É aí onde você sempre esteve
errada. Você merece tudo.

***

Talvez minhas prioridades sejam claramente um desastre, mas enquanto


aplicava o toque final do brilho labial, Lilin, os espectros e a diferença que sentia
dentro de mim eram as coisas mais distantes de meus pensamentos.
Quando me afastei do espelho do banheiro, eu admirei minha roupa com
um olhar crítico. Stacey diria que eu precisaria mostrar mais os seios. Os jeans
escuros eram apertados, combinado a uma blusa branca solta amarrada na
cintura, um cinto trançado azul escuro, e saltos pretos que me faziam sentir mais
alta do que um palito de pirulito.
Meu cabelo estava solto, caindo em ondas soltas, e o rosa colorindo as
minhas bochechas me dizia que não havia necessidade de blush. Meu pulso batia
estável enquanto me olhava no espelho do banheiro. Eu realmente ia para um
encontro com Zayne? Isso estava realmente acontecendo? Excitação zumbia
através do meu sangue, deixando Bambi claramente inquieta, mas havia uma parte
de mim que parecia estar sonhando.
Nunca na vida pensei que esse dia fosse acontecer, nunca.
Peguei o tubo de rímel, me perguntando se outra camada faria com que
parecesse que aranhas tivessem tecido em meus cílios.
— Você está ótima. Então pare de dar voltas. Vamos nos atrasar.
Pulei ao som da voz de Zayne e deixei à máscara cair. O tubo de plástico
ressoou na bacia da pia. Ele estava dentro do banheiro e o sorriso me fez sentir
como se tivesse visto um arco-íris.
Ele vestia um suéter cinza com gola V que se estreitava em seus amplos
ombros, e um jeans claro que lhe caía muito bem.
— Obrigada — peguei o rímel e coloquei no estojo. — Você parece muito...
Muito bem também.
Zayne ria enquanto eu saía do banheiro. — Seu rosto está tão vermelho.
— Obrigada.
— É fofo.
O fato de que provavelmente me assemelhava a uma pimenta não era lindo.
Meu olhar vagava por todos os lados, exceto para o rosto dele. — Você se importa
de pegar Stacey e Sam em casa? Acho que seria mais fácil do que irmos em dois
carros.
— Por mim está bem.
— Bom — eu me virei, franzindo a testa para a desordem que era meu
quarto. — Preciso apenas encontrar minha bolsa.
Zayne se aproximou, tão silencioso como uma sombra. — Não precisa. Eu
vou pagar. É isso que os rapazes fazem em um encontro.
Meu coração chutou no meu peito. Isso era um encontro. Não podia me
fazer de ouvidos surdos a isso. Passando os olhos pelos livros e roupas espalhadas,
eu desisti de encontrar a bolsa que raramente usava e me virei para Zayne.
Ele estava mais perto do que antes, tão perto que eu podia sentir o calor de
seu corpo. Lentamente, levantei os olhos e fiquei instável. Seu olhar deslizou pelo
meu rosto e o sorriso que dava vacilou um pouco.
— Você está realmente linda — ele disse com voz rouca. — Mas você está
sempre linda, como algo que não é real.
Ouvir Zayne dizendo algo assim nunca falhava em me levar a uma terra de
fantasia. Tudo o que eu podia fazer era sorrir como uma idiota.
O sorriso voltou com força total e ri novamente. — Vamos lá. Precisamos ir.
Eu assenti, e quando viramos, percebemos que não estávamos sozinhos. Lá
fora, no corredor, Danika estava ao lado de Maddox. Calor inundou rapidamente
meu corpo, mas foi afugentado por uma trilha de dedos gelados sobre minha pele.
Danika olhava para a sala, sua expressão completamente desprovida de
emoção, e por estranho que pareça, eu senti uma dor em meu peito por ela. Era
tão estranho, mas sabia que ela gostava de Zayne – muito mais do que apenas
gostar – e me senti mal. Senti como se devesse colocar algum espaço entre Zayne
e eu.
Mas Maddox...? Era a primeira vez que o via acordado e andando por aí
desde a queda da escada. Não que ele tivesse ficado fora de serviço durante todo
esse tempo, mas consegui evitá-lo. Bem, evitar todos eles.
Maddox olhou para Zayne com olhos arregalados. Sua mandíbula
trabalhava horas extras, como se estivesse fazendo todo o possível para manter a
boca fechada enquanto me observava.
Realmente senti como se devesse colocar mais espaço entre Zayne e eu.
Zayne ficou entre nós, entrelaçando os dedos com os meus; todo o açúcar
que consumi anteriormente parecia querer sair de mim. — O que está acontecendo?
Com um sorrisinho, Danika sacudiu a cabeça. — Nada. Só íamos à sala de
treinamento, certo? — Ela olhou para Maddox.
Ele não estava prestando atenção a ela, seu olhar estava fixo em nossas
mãos entrelaçadas, como se estivéssemos segurando uma granada. A raiva tomou
conta de mim, endireitei minha coluna substituindo o desconforto que sentia.
— Você queria dizer alguma coisa? — Zayne perguntou, seus olhos se
estreitaram em direção a Maddox.
O Guardião balançou a cabeça e franziu os lábios. — Não. Nenhuma maldita
coisa. — E virou, espreitando pelo corredor em direção as escadas.
Danika nos enviou um simpático olhar que não parecia correto nela. —
Sinto muito. Que... — ela sorriu, mas não alcançou seus olhos. — Que se divirtam.
Assim que a sala ficou vazia, eu olhei para Zayne. — Maddox não parecia
feliz.
— Pareço alguém que se importa? — O aperto de Zayne na minha mão
aumentou. — Agora, vamos. Temos um filme para ver.

***

Retorcida no banco da frente do Impala de Zayne, eu olhei para Sam e me


perguntei se um alien o abduzira. Nada no garoto sentado no banco de trás ao lado
de Stacey era parecido com o garoto estranho e um pouco nerd que conheci desde
que comecei a escola.
Seu cabelo geralmente despenteado estava realmente estilizado. Imaginei
que ele poderia dizer a todos nós o ano em que o gel de cabelo foi criado, mas não
tinha ideia de que ele mesmo sabia como usá-lo. Seus cachos estavam penteados
para trás, artisticamente desordenado. O novo visual mudou completamente seu
rosto. Sua mandíbula estava mais forte. Suas maçãs do rosto pareciam mais altas,
e sem os óculos, seus cílios pareciam ridiculamente longos.
A forma como se sentava estava diferente. O corpo relaxado e as pernas
afastadas, enquanto olhava para fora da janela. Sua curvatura típica desaparecera.
Estava bem vestido – um pulôver como o que Zayne usava, combinado com uma
camisa branca por baixo.
Sam parecia realmente bem. Era como ver seu filho crescer ou algo assim.
E Stacey não conseguia tirar os olhos dele... Ou a mão. Neste momento,
seus dedos estavam enrolados em torno do antebraço dele e a mão dele... Uau. A
mão dele descansava na coxa dela, na parte interna da coxa.
Virei-me rapidamente, sentindo-me como um voyeur. Meu olhar desviou
para Zayne. Sua mão direita repousava sobre sua perna enquanto a mão esquerda
segurava o volante. Eu queria alcançar a mão dele e colocar a minha sobre as dele,
mas anos de ser nada mais do que uma amiga me impediam de realizar essa ação.
A pior coisa do mundo veio a minha mente naquele momento. Seria difícil
esquecer o que vivi com Roth comparado com o que eu sentia agora? Rapidamente
afastei meus olhos, deixando escapar um suspiro baixo enquanto observava um
casal pegar um táxi.
Não vou pensar nele. Não vou pensar nele. Ele não tinha lugar nisto, em
nada disso.
O tráfego estava ruim e levou uma vida inteira para chegarmos ao cinema
no distrito histórico. O lugar não era um Cineplex. Mais como um antigo cinema
da escola com apenas alguns filmes sendo projetados, mas era pitoresco, bonito e
assim que escolhemos um filme, estávamos prontos para irmos para a sala.
O vestíbulo estava quase vazio no momento em que apresentamos os nossos
bilhetes, mas o cheiro de pipoca amanteigada me fez aceitar perfeitamente o fato
de que perderíamos os trailers.
Enquanto caminhávamos para a entrada, Sam passou para o outro lado de
Stacey, envolvendo o braço em torno da cintura dela, e supus que eu não estava
por perto no dia em que o relacionamento deles passou reconhecidamente para as
terras melosas.
Tendo em conta quão longe Zayne e eu fomos sem realmente ir a lugar
nenhum, eu me perguntava exatamente o que Sam e Stacey compartilharam, e fiz
uma nota mental para exigir a verdade sobre o atual estado das coisas.
Mas agora, eu estava mais preocupada com os meus próprios assuntos.
Ainda surpresa por estar aqui com Zayne depois do que aconteceu, eu olhei
para ele. Ele olhava para mim enquanto eu mordiscava a unha do polegar.
— Você está bem? — Ele perguntou, puxando minha mão da boca.
Eu assenti
Ele abaixou a cabeça para que sua boca estivesse perto da minha orelha.
— Então, relaxe.
Foi então que percebi como meus músculos estavam rígidos. Forcei um par
de respirações profundas, querendo remover a tensão do meu corpo.
— Assim está melhor. — Ele colocou uma mão nas minhas costas e
sussurrou: — Eu quero estar aqui, Layla-bug. Não importa o que aconteceu no
passado, eu quero estar aqui.
Essas palavras fizeram com que eu contivesse a respiração na minha
garganta e meu coração girasse como uma bailarina. — Eu quero estar aqui,
também — sussurrei.
Seus lábios roçaram minha têmpora. — É isso que quero ouvir.
Quando ele se afastou, o meu sorriso era tão grande que havia uma boa
chance de que meu rosto se partisse ao meio, no bom sentido. Se houvesse uma
coisa assim.
A batida da porta atrás de nós anunciava que não éramos os únicos
atrasados. O som chamou minha atenção, e olhei por cima do ombro e quase caí.
Com a cara em uma lata de lixo.
Caminhando pela porta estava o homem que me deu uma bofetada no rosto
com a Bíblia – o membro da Igreja dos Filhos de Deus. Ele estava vestido da mesma
forma daquele horrível dia – camisa branca e calças apertadas, cabelo curto, perto
do couro cabeludo. Ele carregava uma garrafa de água com ele. Não poderia ser
uma coincidência, mas caso soubesse que estaríamos aqui? Ele estaria nos
seguindo? Ou os meus amigos?
Minha boca se abriu quando dava meia volta, agarrando a parte de atrás
da camisa de Zayne. Ele se virou; seu olhar questionando. — Olha quem acabou
de entrar — sussurrei.
Ele olhou para trás e amaldiçoou em voz baixa.— Tem que estar brincando.
— Sobre o que os dois estão conversando? — Stacey perguntou,
ziguezagueando em nossa direção. Enquanto fazia isso, apoiou-se no braço de Sam
de uma maneira que teria sido superlinda se eu não estivesse a segundos de
enlouquecer.
— Nada. — Zayne lhe enviou um firme sorriso e deslizou seu braço sobre
meus ombros, me movendo eficazmente enquanto me colocava na frente dele. —
Vocês comprarão pipocas ou algo assim?
— Tenho uma necessidade por Skittles — respondeu Sam, olhando para o
balcão, enquanto apoiava as mãos no balcão de vidro. O caixa, uma menina com
mais sardas do que estrelas no céu, inclinou-se para ele.
— Skittles? — Stacey torceu o nariz. — Você odeia Skittles.
Zayne envolveu a mão ao redor do meu braço. — Vamos continuar e...
O homem deu um passo à direita, na nossa frente, e olhou diretamente para
Stacey e Sam. — Vocês não deveriam estar aqui com eles.
Stacey olhou para ele, piscando lentamente enquanto Sam se afastava do
balcão. Uma expressão curiosa marcou a face dele. — Perdão? — Ela disse.
— Vocês não deveriam estar aqui com eles — o homem repetiu, em voz baixa
e trêmula. — Eles são seguidores do diabo.
Houve uma pausa e Stacey abafou uma risada. — Oh Deus, você é uma
daquelas pessoas loucas que odeiam os Guardiões? — Ela puxou a mão de Sam.
— Ei, você finalmente conheceu um pessoalmente.
Sam olhou para o homem. — Não estou impressionado.
— Você não entende — disse ele. — Não é culpa sua, embora...
— Oh, não, não faremos isso — cortou Zayne, apertando meu braço. —
Vamos.
— Vou pegar a pipoca depois. — Stacey agarrou a mão de Sam. — Voltarei
por seus Skittles.
Fomos embora. Não rápido o suficiente para mim, mas nos afastávamos.
Meu coração começou a reduzir a velocidade. Chegamos ao corredor que leva às
portas fechadas do cinema. Então, quatro palavras nos impediram de prosseguir.
— Ela é um demônio.
O ar escapou dos meus pulmões.
— Ela é um demônio — repetiu, com o tipo de convicção que apenas
fanáticos poderiam ter. — E posso provar.
Stacey o encarou, dizendo. — Você está louco?
Eu não tinha nem ideia de como ele podia provar, mas não queria correr o
risco. Bambi se inquietava quando eu ficava muito tensa. — Isso não é verdade.
Ele olhou para mim com puro ódio nos olhos. Independentemente das
regras, eu queria gritar. Supunha-se que os seres humanos nunca deviam saber
sobre os demônios. Algo que os Alfas decretaram – que os humanos só devem ter
fé, sem provas do Inferno. Sempre pareceu louco para mim, mas ele devia estar
ciente delas e não se importava. — Tudo que você diz é uma mentira.
Zayne deixou o braço cair e deu um passo na minha frente. — Não me
obrigue a fazer algo do qual vou me arrepender.
— Há muitas coisas pelas quais você deveria se arrepender. — Ele se
afastou de Zayne.
Meu coração batia forte novamente. Ele queria me expor, bem na frente dos
meus amigos. Ele não estava preocupado com as graves consequências de tal ação.
Estes eram os meus amigos – amigos que pensavam que eu era normal e me
aceitaram. Eu não podia deixar isso acontecer.
Agarrei o braço de Stacey enquanto enviava a Zayne um olhar de pânico. —
Vamos, apenas vamos. Nós...
— Ela não quer que vocês saibam a verdade — disse o homem, enfiando a
mão no bolso de trás com a mão livre. Zayne ficou rígido, mas a única coisa que
tirou foi um papel. Ele empurrou o papel para nós, mostrando o que acabou por
ser um retrato de uma mulher mais velha. Quem quer que seja a senhora, vestindo
uma espécie de camisa laranja, com cabelo louro claro oleoso e pegajoso. Crostas
cobriam seus lábios flácidos e espessas linhas cruzavam seu rosto.
Sam franziu a testa. — Ele está nos mostrando um registro policial?
— O nome dela era Vanessa Owens — disse; sua mão tremendo enquanto
agitava o fino papel. — Tinha vinte anos quando trabalhou em uma casa do Estado
que acolhia crianças, no final dos anos noventa, frequentava a escola em
Georgetown. Ela tinha um futuro brilhante pela frente – um namorado amoroso,
uma família muito próxima e amigos.
Stacey inclinou a cabeça para o lado, franzindo a testa. — Deixe-me
adivinhar? Descobriram que ela era usuária de metanfetamina? Porque parece que
ela fazia uso disso. As drogas fazem isso. Não estou certa que tenhamos alguma
coisa a ver com tudo isto.
Fiquei olhando a foto. Nada sobre o nome ou rosto era familiar, mas havia
um crescente mal-estar florescendo em meu peito.
— Já é suficiente — disse Zayne, envolvendo uma mão ao redor de meu
braço. — Vamos sair daqui.
— Ele tampouco quer que vocês saibam – porque os Guardiões a protegem,
eles protegem o que ela realmente é e o que fez a esta mulher inocente.
— Nunca vi esta mulher — disse, me sentindo triste. As poucas pessoas no
vestíbulo olhavam para nós, mas pensei que não podiam ouvir o que dizíamos. —
Não sei quem ela é.
— Você não se lembra, mas tenho certeza que ela se lembra de você. Afinal
de contas, você destruiu a vida dela — disse, seus lábios se curvando em desgosto.
— Ela cuidou de você enquanto estava no orfanato, fiel à sua natureza, você se
alimentou dela e tomou uma parte de sua alma, enviando-a em uma espiral
descendente que terminou em drogas, roubo e finalmente, na morte.
O sangue drenou do meu rosto tão rápido que pensei que iria desmaiar. O
rosto da mulher na imagem mudou, tornou-se mais jovem e foi substituído por um
cabelo loiro vibrante, pele impecável e um caloroso sorriso.
Oh meu Deus...
Era esta a mulher que me alimentei quando era mais jovem? A mulher que
ataquei, e que impulsionou o descobrimento dos Guardiões? Eu sabia que ela foi
hospitalizada depois que me alimentei, mas isto?
— Uau — Sam murmurou, esfregando a testa.
— Ela esteve dentro e fora da prisão por dez anos, até que recentemente
decidiu roubar uma loja de conveniência. Ela atirou e matou um funcionário e foi
morta pela polícia quando eles chegaram ao local — o homem disse, abaixando a
foto. — Foi isso que você fez. Quantas vidas mais você roubou desde então?
Zayne disse algo e puxou meu braço novamente, mas eu estava congelada.
Durante todos esses anos, eu realmente nunca pensei sobre o que aconteceu com
a mulher. Pensei que desde que não tomara sua alma completamente, ela teria se
recuperado. Isso seria bom. Mas fiz com que esta mulher não tivesse um amanhã.
Fiquei surpresa, em seguida meu estômago se agitou com tanta força que
pensei que eu poderia jogar tudo para fora. O que fiz a esta mulher tomando apenas
uma parte de sua alma não era diferente do que aconteceu com Dean, o que
aconteceu com Gareth, e Deus sabe quantos mais.
— Você é um demônio — o homem fervia. — E chegará um momento em
que você não será capaz de esconder o que realmente é.
Eu não tinha ideia de como a igreja sabia tanto sobre mim, mas agora, não
importava. Nada importava, exceto o que ele proclamara e o que me dava conta
sozinha.
— Uau. Cara, você está louco. — Stacey cruzou os braços, negando. — Nem
um pouco divertido, mas do tipo é hora de chamar a polícia e possivelmente pensar
em conseguir uma ordem de restrição.
— Você não acredita em mim? — Ele perguntou.
Ela bufou. — Alguém acredita em você?
— Você verá. — A mão segurando a garrafa de água se moveu tão
rapidamente que não havia nada para impedi-lo. Nem mesmo Zayne viu isso
chegando. Com bastante força e excelente pontaria, ele lançou a garrafa em nós. A
água molhou Stacey e eu, acertando as calças de Zayne.
Stacey gritou quando sentiu água em seus dedos. — Que diabos!
A água escorria pela minha cabeça, meu rosto e pelos meus olhos, vários
lugares da minha camisa estavam molhados, fazendo com que o material ficasse
transparente, exceto... Exceto que a água não era normal. Dei um passo para trás,
batendo em Stacey conforme Zayne saía disparado para frente, batendo o braço no
peito do homem, fazendo-o voar vários metros. Ele se virou para mim e o olhar
horrorizado em seu rosto confirmou tudo.
— Oh, não — ele sussurrou.
Minha pele pinicava ao longo da minha testa e minhas bochechas. Minha
visão ficou turva e o interior da minha boca doía como se eu tivesse engolido molho
quente. Pontos ao longo dos meus seios e estômago começaram a pulsar. Bambi
girou ao redor do meu corpo, escapando para minhas costas.
O ardor cresceu rapidamente se transformando em uma queimadura feia
que roubou a respiração dos meus pulmões enquanto eu levantava minhas mãos.
Finos fios de fumaça flutuavam das pontas dos meus dedos muito rosados.
— Oh, meu Deus. — A voz horrorizada de Stacey chegou aos meus ouvidos
queimados. — Layla...
O homem se levantou com a garrafa vazia apertada firmemente na mão, e
quando falou, a satisfação escorria de sua voz conforme cuspia duas palavras que
mudaram tudo. — Água Benta.
Eu lembraria apenas vagamente de Zayne batendo no homem dos Filhos da
Igreja de Deus na próxima semana. Ele atingiu o lado oposto da parede e deslizou
para baixo. A garrafa da água da condenação rolou pelo chão. Minha pele parecia
queimar até os ossos. Isto não era nada comparado com a pequena quantidade que
Roth usou quando fui apanhada pelo Noturno.
Dor me atravessou como uma onda de choque. Dobrando-me, tentei
respirar através da dor, mas era quase impossível. Eu podia ouvir a voz de Stacey
tensa, mas parecia muito distante.
— Precisamos ir — Zayne estava mais perto e foi me levando para o lado
dele, me levando para o corredor através da recepção. O ar frio do lado de fora
intensificou o ardor e mordi meu lábio. — Preciso tirar isso dela.
— Alguém, por favor, me diga o que está acontecendo? — Perguntou Stacey.
— Não entendo o que aconteceu.
— Não tenho tempo para explicar agora. Dirija. — Ele jogou as chaves para
Sam, e se eu não estivesse perto de cair de joelhos a qualquer momento, eu teria
feito isso de qualquer jeito, porque ele estava deixando outra pessoa dirigir o Impala
dele. — Sua casa está mais perto
Sam pegou as chaves, mas balançou a cabeça. — Não podemos ir para
minha casa. Meus pais vão enlouquecer.
Um rosnado baixo saiu da garganta de Zayne. — Preciso levá-la para um
chuveiro agora. Não me importo o que seus pais pensam...
— Não — ofeguei. — Me Leve… Para a casa de Stacey. Fica apenas algumas
quadras a mais.
— Layla...
— Ela tem razão. Minha mãe não está em casa e fica a apenas algumas
ruas, de qualquer maneira. Se pegar a Quinta Avenida, provavelmente será mais
rápido — Stacey disse, sem fôlego. — Mas não devemos levá-la ao hospital? A pele
dela está toda rosada. Isso era ácido? Oh meu Deus, talvez este fenômeno...
— Não era ácido, e um hospital não pode ajudá-la. — Caminhamos quase
uma quadra antes de Zayne amaldiçoar e me levantar. Deus sabia como
deveríamos parecer para as pessoas ao nosso redor, mas sequer me importava.
Contive o fôlego quando ele me levantou. — Sinto muito — sussurrou; sua voz
rouca.
— Não entendo — Stacey repetiu; sua voz soando distante novamente. —
Era apenas água. Bateu em mim também. Não entendo.
Ninguém respondeu, e quando finalmente chegamos ao Impala, Zayne se
arrastou para o banco de trás comigo e tentou limpar a maior parte da água com
uma camisa velha que tinha na parte de trás, mas não ajudou. Eu precisava de
um chuveiro. A viagem para a casa de Stacey foi um completo inferno. Eu estava
vagamente consciente de Zayne ligando para Nicolai e avisando-o de que,
provavelmente, teríamos um desastre nível demoníaco em nossas mãos. Segui a
conversa o suficiente para saber que Nicolai vigiaria o teatro, para fazer controle
de danos. Em certo momento, minha visão ficou clara o suficiente para encontrar
com o rosto aflito de Stacey.
Ela olhou para mim como se… como se não soubesse o que via, e talvez seu
cérebro se negasse a somar dois mais dois, mas ela eventualmente faria isso. E eu
não poderia lidar com vê-la olhar para mim assim. Fechando meus olhos, mantive-
os assim até chegarmos à casa de Stacey.
A dor profunda em meu interior era tão ruim como a que saía pela minha
pele. Não disse nada enquanto Stacey nos conduzia escada acima até o banheiro
que usava. Sam ficou no andar de baixo, não querendo investigar como a água
benta podia queimar uma pessoa. Ele foi surpreendentemente tranquilo sobre tudo
isso.
— Não haverá ninguém em casa por pelo menos duas horas — a voz dela
estava confusa. — Eu... Posso ajudar?
— Você tem algo que ela possa usar? — Ela deve ter assentido, porque
Zayne disse para ela deixar do lado de fora da porta.
— Mas...
— Nós vamos explicar tudo — ele abriu a porta, me colocando dentro. —
Prometo.
Stacey segurou a porta antes que ele pudesse fechá-la. — Layla, você está
bem?
— Sim — grasnei; permanecendo de costas onde estava parada. — Eu vou...
Ficar bem.
Logo depois, Zayne conseguiu fechar a porta. Aproximou-se de mim,
abrindo o chuveiro. Um segundo depois, eu estava debaixo de um fluxo de jorro de
água, ofegando para respirar. Gotas foram lançadas sobre o meu rosto, estragando
todo meu trabalho duro com o rímel e delineador.
— Preciso tirar sua roupa — ele disse.
Ele não precisou me dizer duas vezes. Virei de lado, balançando a cabeça
em concordância. Ele não falou, e não havia nada de sexual no fato de estar na
água, sendo sacudida pelo fluxo constante de água gelada enquanto Zayne me
despia até que eu ficasse só de calcinha. Foram-se os meus jeans apertados, meu
cinto trançado e meu sutiã. Tudo o que foi tocado pela água benta precisou ser
tirado.
Bambi caminhou para minhas costas, onde estava curvada em uma
pequena e protetora bola enquanto Zayne continuava me virando na água,
molhando seus braços e garantindo que toda a água benta fosse lavada.
Depois do que pareceu terem se passados cinco anos circulando na
drenagem do quinto círculo do inferno, o ardor parou, restando apenas pequenos
tremores, os quais percorriam meu estômago de cima a baixo e minhas costas.
Piscando para afastar a água que estava em meus cílios, eu pude ver meus braços
cruzados sobre o peito, ainda sentindo um pouco de dor.
— Lamento muito por não tê-lo parado — Zayne disse finalmente, me
girando. — Eu deveria tê-lo detido. Eu poderia tê-lo impedido.
— Não é culpa sua. Quem imaginaria que ele... Ele ia jogar água benta em
mim.
Ele olhou para cima. — Eu deveria ter esperado algo parecido.
Balancei a cabeça, estremecendo. — Não... Não é culpa sua.
Um olhar de dúvida se estabeleceu em seu rosto, fazendo-o parecer mais
velho.— Você não está mais queimando.
— Nnn... Não.
Quando Zayne fechou o chuveiro, eu não conseguia sentir meu rosto ou os
dedos dos pés, o que provavelmente era uma coisa boa. Minha pele estava tão fria
que apenas um dia de fevereiro de neve poderia rivalizar contra ela.
Ele rapidamente enrolou uma toalha macia em torno de mim.
— Segure isso — disse ele, e juntou as pontas da toalha, dando um nó. Ele
me tirou da banheira e se virou. Sentado na borda, me puxou para o seu colo e
pegou outra toalha imediatamente, limpando a água do meu cabelo gelado. — Deus,
você deve se sentir como um cubo de gelo.
— Porque ele fez isso lá no cinema, onde apenas Stacey e Sam estavam para
assistir e ouvir, e não para uma grande multidão de pessoas? — Perguntei, meus
dentes batendo.
— Foi pessoal. É a única razão. — Zayne passou outra toalha sobre os meus
braços, afastando o frio. — Como se sente?
— Mm... Melhor. — Olhei para a parede de cor amarela avelã enquanto
Zayne fazia o sangue circular por minha pele gelada. Eu não sabia quanto tempo
passou antes de falar novamente. — O que va... Vamos dizer a eles?
Ele não respondeu imediatamente. Em vez disso, passou a toalha
suavemente no meu rosto. — A verdade, eu acho.
— E sobre as re... Regras?
Ele colocou a toalha ao redor dos meus ombros nus. — Bem, tecnicamente
elas já foram quebradas, e um Alfa não aterrissou sobre nossas cabeças, certo? E
eles são seus melhores amigos. Você confia neles. — Ele fez uma pausa. — Além
disso, eu não tenho nenhuma ideia de que tipo de mentira faria eles acreditarem
em qualquer outra coisa.
Tentei sorrir, mas não consegui. — E se S... Stacey me odiar agora ou tiver
medo de mim?
— Oh, Layla, ela não vai te odiar. — Ele abaixou a cabeça e apertou os
lábios na minha testa. — Ela não terá medo de você, não terá, apesar das diferenças
entre vocês.
Cordas pareciam apertar o meu peito. — Co... Como eles não poderiam?
— Porque eles te conhecem como eu te conheço, é por isso. — A intensidade
de suas palavras foi convincente. — O que você é não muda quem você é.
Eu assenti.
Seus olhos procuraram os meus e ele me abraçou, deixando a toalha que
ele segurava cair no chão. Curvei-me em seu forte abraço, absorvendo seu calor e
aceitação. Parecia imperfeita, sua confiança em mim quando eu não tinha certeza
do que se justificava.
Mas eu precisava me recompor, pois Stacey e Sam esperavam por nós, e eu
não podia me esconder no banheiro, nua, com Zayne para sempre.
— Estou pronta — eu disse, e meu coração afundou um pouco quando me
soltou e ficou em pé.
Zayne pegou as roupas que Stacey deixara do lado de fora do banheiro.
Troquei de roupa, uma calça e um suéter, e então eu me forcei a ir para a sala.
Zayne estava encostado na parede, esperando por mim, seus olhos voltados para
o teto, cansado. Quando se afastou da parede e ficou na minha frente, eu queria
pressionar um botão de rebobinar o dia de hoje.
— Tudo ficará bem — ele me assegurou.
Eu não estava tão esperançosa.
Stacey e Sam estavam na sala de estar no piso térreo. Ela se levantou
quando entramos na sala, sua pele normalmente escura estava pálida. Sam virou
para nós com expectativa.
— Ok — disse ela, juntando as mãos. — Antes de falar sobre qualquer coisa.
Você está bem?
Assenti. Minha pele estava um tom rosado mais profundo que o normal e
um pouco sensível ao toque, mas amanhã de manhã estaria bem. — Estou bem.
Ela fechou os olhos e soltou um suspiro profundo. — Você realmente nos
assustou – me assustou. Pensei que ele havia jogado ácido em você ou algo assim,
mas eu sabia que... Não era isso. Primeiramente, não foi ao hospital, e sua pele
não caiu do seu rosto.
Minhas sobrancelhas se ergueram.
— E a água caiu em Stacey — Sam disse, com a cabeça inclinada para um
lado, me estudando. Não como se estivesse assustado, mais como se estivesse
genuinamente curioso. — Nada aconteceu com ela.
— Mas algo aconteceu com você — ela disse, tomando uma respiração
profunda. — Algo muito estranho aconteceu. Vi fumaça saindo da sua pele.
Bem, isso definitivamente era dizer a alguém que algo aconteceu. Olhei para
Zayne e ele balançou a cabeça, se sentando no braço de uma cadeira. — Nem sei
por onde começar.
— Por que não com a verdade? — Disse Sam.
Essa afirmação doeu, e com razão. — Lamento que não tenha sido
completamente honesta com vocês dois, mas há coisas – regras – que me
impediram de fazer isso.
— Você é como Zayne? — Stacey perguntou, olhando para ele. — Porque,
se for, não vejo qual é o grande problema.
— Sou mais ou menos como Zayne. Eu sou parte Guardião. — Ouvir-me
dizer essas palavras aos meus amigos era estranho. Sentei-me na cadeira onde
Zayne estava. — Mas não sou como ele. Na verdade, não. Eu sou... Eu também sou
parte demônio. É por isso que a água fez o que fez. Era água benta.
Stacey engasgou e piscou uma vez, depois mais duas vezes. Então, começou
a rir, se deixando cair no assento ao lado de Sam. — Ok, Layla, não minta para
mim.
— Não estou mentindo.
— Não existem demônios — disse ela, revirando os olhos. — Esse sujeito no
cinema estava louco.
— Gárgulas tampouco existem — Zayne disse gentilmente — Certo?
Stacey sacudiu a cabeça. — Mas isso é diferente. Você é apenas de outra
espécie, certo? Algo como o Pé Grande. Não esta criatura mítica bíblica.
— Mas nossa espécie foi considerada mítica um tempo — Zayne se inclinou;
as mãos apoiadas sobre os joelhos. — Layla está dizendo a verdade. Ela é parte
demônio.
— Demônios não podem ser reais. Simplesmente não podem.
— Você acredita em anjos? — Sam perguntou, olhando para ela. — Porque
se acreditar, como pode não acreditar em demônios? Afinal de contas, não era a
maioria anjos em algum momento?
Parte de mim não ficou surpresa de que Sam estava levando isso tão bem,
mas fiquei surpresa por ele não estar de pé e me picando como um experimento
científico.
— Não — Stacey balançou a cabeça novamente, fazendo sua franja cair
sobre seu rosto enquanto me olhava. — De maneira nenhuma.
— Ok. — Levantei. — Sou parte demônio. E aqui está a prova. — Bambi? —
Deixei ela se libertar do meu corpo, esperando que me escutasse e que não me
fizesse ficar como uma tola. — Saia.
Bambi se moveu ao longo das minhas costas e então senti quando ela saiu
da minha pele. Uma sombra de pontinhos se formando ao meu lado, Stacey ficou
de pé, sua boca trabalhando enquanto tentava dizer alguma coisa, enquanto os
pontos se juntavam. Um segundo depois, Bambi se formou e levantou a cabeça em
forma de diamante, olhando para Sam e Stacey como uma potencial refeição.
— Não pode comê-los. — Avisei sob a minha respiração.
Houve um momento de silêncio, e então Stacey gritou como uma alma
penada, saltando no sofá enquanto se arrastava para trás de Sam. — Oh meu Deus!
Oh meu Deus! Uma serpente! Isso é uma cobra gigantesca! — Ela gritou, ficando
tão branca como a alma de um Guardião. — Diabos, de onde veio isso?
— De mim — eu disse. — Ela fica na minha pele, como uma tatuagem. É
um familiar.
Stacey parecia estar a segundos de desmaiar, então chamei Bambi de volta.
A serpente vaiou, sua língua dividida para mim em desgosto, mas retornou ao meu
braço e depois ao meu estômago.
— Tempestade sagrada de merda — Stacey sussurrou, escorregando no sofá.
— Eu simplesmente não acabo de ver isso.
— Sim. Sim, você viu. — Sentei.
— Como você escondeu essa coisa todo esse tempo? É enorme!
— Na verdade, é apenas uma aquisição recente. Bambi é um demônio
familiar, mas não é minha. Não realmente.
Um olhar de compreensão atravessou seu rosto. — Espere – espere um
segundo. Roth tem uma tatuagem de serpente.
Concordei. — Ele tem.
Seus olhos se arregalaram a ponto de que temi que ela tivesse rompido um
vaso sanguíneo. — Você está dizendo que Roth também é um demônio?
— Um completo — disse Zayne. — Na verdade, ele é conhecido como
Astaroth, o Príncipe Herdeiro do Inferno.
Stacey olhou para Sam, que apenas olhou para nós e, em seguida, para
mim novamente. — Eu não... Eu não sei nem o que dizer neste momento.
— O que quer que você pense sobre os demônios, e apesar do que aquele
bastardo no cinema disse, você deve saber que Layla não é ruim. Ela é boa em seu
coração — Zayne disse, e sorri levemente diante da sinceridade de suas palavras.
— Ela é mais Guardião, mais humana, do que qualquer um que eu já conheci.
Stacey fez uma careta. — Bom, duh. Eu sei que não é malvada. Conheço-a
há anos. É como o equivalente de um bebê panda malvada ou alguma merda assim.
Olhei para ela boquiaberta enquanto Zayne sorria para mim.
— E Roth? — Ela perguntou. — Quero dizer, você acabou de dizer o Príncipe
Herdeiro do Inferno...?
— Totalmente malvado — Zayne disse.
Suspirei. — Ele não é totalmente malvado. Ele está aqui fazendo algo
realmente importante.
— E isso é? — Sam perguntou; seus olhos correndo entre nós. — Você
precisa nos dizer agora.
Zayne balançou a cabeça lentamente e depois contou tudo sobre mim – o
que podia fazer, e quem era minha mãe. Zayne cortou pela metade, dando-lhes a
verdade sobre toda a situação com Lilin e o que nós suspeitávamos que estivesse
acontecendo na escola. Dizer que ambos pareciam abatidos seria o eufemismo do
século.
— Mas vocês não podem sussurrar nenhuma palavra disto — Zayne disse,
terminando a informação mais épica da história da humanidade e Guardiões. —
Falo sério. Nosso trabalho é para evitar que as pessoas saibam que existem
demônios. Se você começarem a dizer às pessoas...
— Algo como se eu falar sobre isso, eu terei que te matar? — Stacey engoliu
em seco quando ninguém respondeu. — Santa loucura...
Quando Stacey finalmente encontrou a capacidade de falar novamente,
concentrou-se provavelmente na coisa menos importante de tudo o que acabamos
de dizer. — Então é por isso que você nunca namorou um cara antes? Porque se
beijar, você pegará a alma dele?
— Gostaria de pensar que não é a única razão — Zayne sussurrou.
Assenti. — Eu sou uma espécie de súcubo – só que um tipo muito estranho.
— E esse Lilin é como você? Exceto que pode tirar almas ao tocar? Wow. —
Stacey olhou para Sam. — Sério, precisamos mudar de escola.
— Sim — disse ele, balançando a cabeça concordando. — Talvez até mesmo
de cidade. Provavelmente de país.
Já era tarde quando terminamos a conversa e seus pais voltariam a
qualquer momento. Nem Sam nem Stacey olharam para mim como se eu fosse um
monstro perigoso, mas eu suspeitava que eles não tivessem compreendido
realmente ainda. Eu ficava esperando Sam fazer algum tipo de declaração sobre
demônios, mas ele não disse nada, apenas que estava atordoado.
— Nós provavelmente deveríamos ir — Zayne disse, levantando-se
lentamente. Mas vocês...
— Não vamos sussurrar nenhuma palavra. Além disso, ninguém acreditará
em nós. — Ela olhou para mim, e eu sabia que a amizade entre nós havia mudado.
Talvez não fosse tão grande como eu temia, mas havia uma mudança. — Como
podemos ajudar?
Zayne a olhou fixamente.
Um largo sorriso apareceu no meu rosto. — Você é louca. — Ela franziu a
testa, e imediatamente me desculpei. — Não quis dizer de uma forma ruim. Estive
petrificada sobre vocês me odiarem uma vez que soubessem a verdade, e em vez
disso querem ajudar. — Lágrimas ardiam no fundo da minha garganta. —
Realmente, não sei o que dizer.
— Bem, se eu estive seguindo essa conversa louca corretamente, se Lilin
continua... Tomando almas, os Alfas se envolverão e essas são más notícias para
todos vocês, certo? Então, por que não podemos ajudar?
— Agradecemos a oferta, mas é muito perigoso para nós tê-los envolvidos
nisso. — Zayne levantou a mão quando ela começou a protestar. — Se realmente
quer ajudar, então preste atenção. Esteja ciente de seus arredores, procure alguém
agindo de forma estranha. Fiquem longe deles e nos informem.
— Ele está certo — eu disse. — Eu não poderia suportar caso algo
acontecesse a algum de vocês.
— Nada vai acontecer. — Sam deu um olhar para Stacey. — Ficaremos de
fora, mas se precisar de nossa ajuda, nós estaremos lá.
— Igual à turma do Scooby-Doo — Stacey disse com um sorriso. — Muito
mais geniais e sem o cão. — Ela fez uma pausa, franzindo o nariz. — Temos uma
serpente demônio gigante no lugar dele.
Soltei uma gargalhada, totalmente emocionada como tão bem os dois
lidaram com isto. Eu só esperava que não mudassem, uma vez que tivesse tempo
para realmente pensar em tudo. Quando finalmente nos levantamos para sair, eu
estava exausta pelo drama de hoje.
Stacey me parou na porta e prendi a respiração enquanto Zayne me
esperava na varanda, observando com cautela. — Eu queria que você tivesse sido
honesta comigo há muito tempo, mas eu entendo por que não foi. Não é algo que
você pode facilmente dizer a alguém e não esperar que enlouqueça.
— Não é — sussurrei.
Ela respirou fundo, olhando por cima do ombro para o corredor escuro,
para onde Sam esperava que ela entrasse na casa. — Você ainda é minha melhor
amiga. Só não é humana. E, bem, é um pouco genial que minha melhor amiga seja
parte Guardião, parte demônio em negação.
Olhei para ela por um momento e senti uma risada aparecer. Às cordas ao
redor de meu peito se quebraram e a pressão relaxou.
— Mas não esconda nada de mim de novo, ok? Prometa-me.
Olhei em seus olhos. — Eu prometo.
Então ela me abraçou, e eu soube que tudo poderia estar à beira de uma
catástrofe, mas Stacey e eu ficaríamos bem.
Nós ficaríamos bem.

***
Abbot esperava por nós quando voltamos para o complexo.
No momento em que nossos pés tocaram o chão dentro da sala, ele estava
diante de nós, tão alto e formidável como um leão preste a atacar uma gazela. Ele
me deu um olhar, não se incomodou em perguntar se havia tomado sol
recentemente ou se estava bem, e em seguida, virou-se para seu filho.
— Precisamos conversar — disse ele, sua mandíbula apertada. — Em
particular.
Zayne olhou para mim e encolheu os ombros, pensando que ele queria falar
sobre a confusão no cinema. Dando um pequeno sinal de despedida eu saí, ele e
Abbot se dirigiram para as escadas. Apenas uma pequena parte de mim estava
desapontada por Abbot não perguntar sobre mim. Percebi que estava me
acostumando com a maneira como ele agia agora.
Uma vez dentro do meu quarto, rapidamente troquei a roupa emprestada
pelo meu próprio pijama. Era início da noite, mas estava cansada. Depois de
recolher meu cabelo ainda molhado em um coque, fui para debaixo das cobertas e
olhei para o meu telefone, me perguntando se eu deveria alertar Roth que Stacey e
Sam agora sabiam sua verdadeira identidade.
Meus dedos pairavam sobre a tela. Eu precisava dizer. Era justo e também
era a única razão pela qual eu entraria em contato com ele. Minha mensagem foi
curta e direta ao ponto.
STACEY E SAM SABEM O QUE SOMOS.
Talvez um minuto tenha se passado e logo sua resposta apareceu.
EXPLIQUE.
IGREJA DOS FILHOS DE DEUS. ÁGUA BENTA. EU. NÃO É UMA BOA
COMBINAÇÃO. TUDO ESTÁ BEM.
Desta vez sua resposta foi imediata. VOCÊ ESTÁ BEM?
Balancei a cabeça e então percebi, como uma idiota, que ele não podia me
ver.
SIM. Fiz uma pausa e depois escrevi, BAMBI TAMBÉM ESTÁ.
Minutos se passaram depois da minha última mensagem e percebi que Roth
não responderia mais. Se ele estava com raiva porque eu expus a situação, eu não
sabia, mas eu tinha a sensação de que, provavelmente, não se importava. Apenas
quando me virei para colocar o celular na mesa de cabeceira, ele respondeu.
PROVAVELMENTE NÃO DEVERIA TER IDO AO CINEMA COM STONY, NÉ?
Olhei para a mensagem, meio irritada e meio divertida de que de alguma
forma isso era apenas uma vingança de Roth. Como se estar com Stony – Zayne –
fizesse alguma diferença. Não respondi por que imaginei que a conversa ficaria
difícil a partir neste ponto.
Meu telefone tocou novamente, mas desta vez era Zayne.
QUER COMPANHIA?
Eu ri com o fato de que estávamos na mesma casa e ele me enviava uma
mensagem de texto.
CLARO
INDO
Olhando para a porta, vi ela se abrir não mais de um segundo depois. Lutei
contra um sorriso. — Você estava esperando no corredor?
— Talvez. — Zayne se trocou, ele usava um moletom preto e uma camisa
branca. Sentou na cama ao meu lado. — Mais tranquila?
— Sim, apenas cansada...
Ele se estendeu ao meu lado, descansando sua bochecha em seu cotovelo.
— Foi um Inferno de dia.
— O que Abbot tinha a dizer sobre isso?
Uma nuvem passou sobre sua face. — Não muito.
Imediatamente, soube que havia mais. Levantei-me sobre meu cotovelo. —
O que não está me dizendo?
— Nada. — Zayne riu, mas algo nisso foi tenso. — Relaxe, Layla-bug. O dia
de hoje foi suficientemente louco sem acrescentar mais merda nisso.
— Mas...
— Tudo está bem. Acalme-se. Tenho o resto da noite livre e quero passá-la
com você. Salvar o resto do nosso encontro — disse, brincando com a borda da
minha manga. — Tudo bem?
Protestos foram se formando na ponta da minha língua, mas ele tinha razão.
Tínhamos problemas suficientes para durar o resto da semana, o que me lembrou
do dia de amanhã. — Ainda vamos revistar a casa amanhã à noite?
— Sim.
Fiquei em minhas costas, observando-o. Cílios grossos protegiam seus
olhos enquanto ele passava o dedo ao longo da veia do meu pulso. Não senti
nenhuma emoção triste da parte dele; mais uma vez, meus próprios sentimentos
se mesclavam.
No silêncio que caiu entre nós, minha mente vagou para o que o homem me
mostrou no cinema. — Posso te fazer uma pergunta e você será honesto?
Ele arqueou uma sobrancelha. — Posso tentar ser honesto.
Ignorei isso. — Você acha que o que fiz a essa senhora é diferente do que
Lilin está fazendo?
Seus cílios se levantaram e seus olhos eram de um impressionante azul
cobalto. — É completamente diferente, Layla. Você era apenas uma menina que
não tinha ideia do que fazia. Lilin faz isso de propósito.
— Verdade, mas... — abaixei a voz para um sussurro. — Mas me aproveitei
de uma mulher na quinta-feira passada. Sim, foi uma circunstância estranha, mas
fiz isso.
— Nem sequer sabemos se o que aquele bastardo disse era verdade — ele
argumentou. — O fato de dizer que era a mesma senhora não significa que
realmente fosse ela. E mesmo que fosse, não há nenhuma prova de que a vida dela
foi afetada dessa maneira. Não há nenhuma razão para acreditar.
— Você realmente acha isso? — Eu gostaria de compartilhar a certeza dele.
— Sim. — Ele fez uma pausa. — Falando de quinta-feira, que tipo de
circunstância estranha nós estamos falando aqui?
Eu me concentrei no teto. Eu não poderia dizer sem revelar o que aconteceu
em Palisades e havia feito uma promessa.
Zayne suspirou. — Pensei que não manteríamos mais segredos.
— Eu sei. Mas se eu disser isso, você deve dizer ao seu pai e... Bem, o que
aconteceria seria minha culpa. O sangue estaria em minhas mãos.
— Você acha que eu conto tudo para ele?
A irritação em sua voz me chamou a atenção. — Não, mas eu acho que há
algumas coisas que você talvez queira dizer, e não vou colocá-lo nessa posição.
Ele rolou de costas, o músculo em sua mandíbula saltou. Seus dedos
permaneceram em torno de meu pulso, no entanto. Alguns minutos se passaram.
— Eu sei o que está acontecendo na sua cabeça. Você está se comparando com
Lilin.
Eu fazia isso, mas era mais do que isso.
— Você não é como ela. — Ele virou a cabeça para mim, encontrando meus
olhos. — Nem uma única parte de você.
Nossa, seria bom beber o Kool-Aid27 de Zayne, mas quando fechava os olhos,
tudo o que via era o rosto de Vanessa Owens se alternando para o de Dean. E se...?
Eu não poderia sequer deixar terminar esse pensamento, deixar que a ideia se
enraizasse e ganhasse terreno.
Ele estirou o braço, me chamando. — Mais perto?
Mordi o lábio e depois me movi para mais perto, apoiando minha cabeça em
seu peito. Seu coração pulsava em um ritmo constante sob minha bochecha. Seu
braço rodeou minha cintura, me segurando ao lado dele.
Tantos pensamentos estavam em minha cabeça, e me agarrei a um deles –
uma teoria que precisava estudar. — Lembra quando falamos sobre os espectros
com Abbot? — Quando ele assentiu com a cabeça, eu respirei fundo. — Não estava
brincando quando disse que a sensação que senti na escola era igual a que senti
aqui antes das janelas explodirem e Maddox cair. E eu... — Deus, isto era difícil.
— À noite com o Petr, eu tive...
— Você precisou se defender — ele me cortou suavemente, sua mão
apertando a minha cintura. — Eu sei o que você fez, Layla. Você não precisa me
dizer.
Fechei os olhos. — Ele poderia estar aqui, sabe? Poderia ser um fantasma.
Um momento se passou. — Pensei nisso, mas com uma casa cheia de
Guardiões, você pode pensar que já o teríamos capturado.
Isso pode ser verdade, mas as coisas mais loucas têm acontecido. —
Lamento que o dia hoje tenha sido arruinado — eu disse, decidindo que realmente
não queria pensar sobre Petr enquanto estivesse aqui com Zayne.
— Não é culpa sua, não se desculpe.

27 Comprar completamente uma ideia, seja boa ou ruim


Queria me desculpar de novo e continuar pedindo desculpas, como se fosse
me transformar em uma dessas pessoas que constantemente dissessem que
lamentavam, mas o toque dele limpou alguns dos pensamentos desagradáveis.
Zayne baixou o queixo e passou os lábios na minha testa. Meu coração
pulou com o toque macio, e naquele momento eu sabia que não poderia colocá-lo
em perigo. Não importa o que ele dissesse, no que ele queria acreditar, não
poderíamos ignorar a realidade.
Fiquei olhando a parede, sentindo a calmante subida e descida do seu peito
em cada célula do meu corpo. Um reconhecimento frio gelou o meu coração. Se o
que o homem disse era verdade, então o que Lilin fazia e o que eu fiz era a mesma
coisa. Os dois destruíam vidas, e tudo o que seria necessário, pelo menos comigo,
seria um deslize com Zayne. Bastava um pouco de tempo e estaria em perigo.
Eu não poderia fazer isso. Não faria.
Mesmo que isso significasse ficar longe, muito longe dele.
— Você parece uma ninja — disse Danika. — Não uma ninja
particularmente hábil, mais como uma ninja depois das aulas especiais.
Olhei por cima do ombro para onde ela estava sentada na minha cama.
Honestamente não me lembrava de convidá-la para vir ao meu quarto. —
Obrigada... Eu acho.
Ela riu. — Estou brincando. Embora você esteja sexy.
— Eu não estava tentando ficar. — Virei-me para colocar meus sapatos de
salto baixo. No entanto, entendia o assunto ninja. Eu vestia calças pretas de ioga
e uma blusa térmica preta. Provavelmente, parecia um fantasma. A cor preta não
favorecia a minha pele.
— Você nunca tenta. — Ela ficou de pé atrás de mim. — É por isso que é
sexy.
Virando-me para encará-la, eu deveria pensar que ouvi-la dizer que eu era
sexy era estranho. A aparência e o corpo de Danika rivalizavam com os das modelos
das campanhas da Victoria Secret. Humanos e Guardiões em todo mundo cairiam
a seus pés se fosse dada uma oportunidade.
— Sua pele parece muito melhor — ela disse enquanto o silêncio se estendia
entre nós.
Fizemos esta promessa de sermos amigas, mas na realidade era um
processo lento. — Passei muito hidratante na noite passada.
— Posso dizer-lhe algo que soará muito estranho?
Girando para o pequeno espelho pendurado perto de meu armário, levantei
meu cabelo em um coque. — Claro.
Ela sentou na beira da cama novamente. — Estou com ciúmes de você.
Uma sobrancelha subiu em minha testa enquanto abaixava minhas mãos
e me virava para ela.
Seu rosto estava corado. — E não é pelo Zayne. Bem, sim, de certa forma
estou com ciúmes por isso, mas que seja. Estou mais com ciúmes porque você
consegue sair e fazer coisas – ir à escola, marcar se quiser. Você pode lutar com
demônios e sair machucada.
— Você está com ciúmes porque eu saio machucada?
— Sei que não faz sentido. — Ela suspirou. — Não estou feliz por você ter
sido ferida, mas você estava lá fora. Você ficou arranhada e machucada, mas estava
lá fora enquanto eu estava... — ela acenou com as mãos ao redor do quarto. — Eu
estava presa aqui.
Eu não sabia como responder no início, mas entendia. Realmente entendia.
As fêmeas do clã ficavam tão protegidas que era sufocante. A maioria
provavelmente nunca sofreu de uma cutícula inflamada, e se sofressem, seria uma
crise nacional.
Danika e outras como ela estavam presas em lindas gaiolas.
— Eu entendo — disse, sentando-me ao lado dela. — Sabe, quando eu era
mais jovem, eu ficava com ciúmes das outras Guardiãs, porque eram aceitas. Todo
mundo se preocupava com elas e prestavam atenção nelas. Elas eram amadas e
eu estava... bem, eu estava aqui. Mas superei isso com bastante rapidez. — Dei
uma olhada para ela, desejando que pudesse ser diferente para todos nós. — Eu
acho que, de certa forma, é pior para você do que para mim.
Ela balançou a cabeça lentamente. — Não que eu nunca queira acasalar e
ter filhos. É só que...
— Você também quer fazer algo mais? — Quando ela assentiu, mordi o lábio.
— Então por que não faz? Você tem treinamento. Pode lutar. Realmente precisa de
permissão? Quero dizer, de verdade? Quem está aqui para pará-la se você sair e
lutar?
Danika não respondeu por um longo momento e então seus olhos se
iluminaram. — Sabe, você tem razão. Eu poderia fazer isso, e quando chegar lá, o
que poderiam fazer para me impedir? Enviar-me para casa? — Ela riu. — Gostaria
de vê-los tentar.
— Tentar o quê?
Nós nos viramos ao som da voz de Zayne. Bendito seja Deus, ele vestia uma
calça cargo escura e uma camisa apertada e preta da Under Armour, estava
completamente e perigosamente sexy.
— Nada — Danika falou. Ela se inclinou, surpreendendo-me com um abraço.
Então, se levantou e saiu do quarto, acenando para Zayne enquanto saía.
Ele franziu a testa. — O que está acontecendo?
Balancei a cabeça e repeti o que ela disse. — Nada. Está pronto?
— Sim. — Ele olhou para mim enquanto eu caminhava em sua direção. —
Bonita roupa.
— Danika disse que eu pareço uma ninja depois das aulas especiais.
Zayne riu. — Legal.
Comecei a passar por ele, mas seu braço formou uma parede quando
colocou a mão do outro lado do batente. Meus olhos se levantaram para ele e ele
abaixou a cabeça, quase como se estivesse prestes a me beijar, mas não podia ser
isso. Ele não se atreveria a fazer algo louco novamente. Zayne não tinha instintos
suicidas. Mas, com sua boca mais perto, a vibração no meu estômago aumentou.
Seu aroma fresco de hortelã me cercou, e seus lábios roçaram a curva da minha
bochecha.
Fiquei tensa da forma mais doce. Meus olhos se fecharam enquanto minhas
mãos coçavam para tocá-lo. As coisas... As coisas eram tão estranhas entre nós.
Admitimos que havia algo entre nós, que queríamos mais, mas também havia uma
linha entre nós, uma que consistia em rótulos, promessas e perigos.
Pensei na promessa que fiz a mim mesma ontem à noite, a promessa de
mudar o que nós dois queríamos. Decepção inchou e caiu sobre mim como ondas
tumultuadas quando mergulhei drasticamente debaixo do seu braço.
Ignorando seu olhar confuso, eu corri minhas mãos em minhas calças. —
Existe algo que temos que pegar antes de sairmos?
Passou um momento antes que ele respondesse. — Eu tenho tudo que
preciso empacotado no Impala.
Tudo o que precisávamos para um possível exorcismo consistia de água
benta, algo que eu não chegaria nem perto, sal purificado e um pestilento incenso
fedido. Nós tínhamos tudo o que era necessário para fazer um exorcismo na casa,
e brevemente considerei fazer um exorcismo aqui, mas de certa forma seria difícil
explicar aos Guardiões. Teria que trazer o tema Petr, e pela forma como Abbot se
comportava comigo, isso não seria inteligente. Eu não tinha ideia do que fazer com
Petr, e havia uma pequena parte de mim que realmente se perguntava se ele estava
aqui em forma de fantasma. De qualquer maneira, a excitação zumbia através de
mim quando fomos em direção à garagem. Nunca vi um exorcismo. Deveria ser
interessante.
— Posso gritar Pelo poder de Cristo, eu te obrigo uma vez que cheguemos a
esse ponto? — Perguntei.
— O quê? — Zayne riu, abrindo à porta do passageiro. — Lamento dizer,
mas não tem que falar uma palavra e ninguém gritará algo parecido.
Fiz beicinho. Porcaria, eu sempre quis dizer isso. — Bem, isso não é de perto
tão divertido como os exorcismos que vi na televisão.
Ele me deu um olhar enquanto se afastava para o lado para me deixar
entrar. Justamente quando ia fechar a porta, Dez saiu pela porta em direção a um
dos SUVs.
Seu olhar se moveu de Zayne para mim. — Ela vai com você?
— Sim. — Ele encostou-se à porta aberta, observando cuidadosamente o
Guardião mais velho. — Você tem algum problema com isso?
Dez levantou as mãos. — Eu não disse que tinha. Basta ter cuidado. —
Deu-me uma olhada e seu olhar dizia que queria me tirar do automóvel e me atirar
em cima de seu ombro. — Ela é um…
Uma carranca repuxou meus lábios. — Um demônio?
— Não. — As sobrancelhas de Dez se levantaram. — Eu ia dizer uma menina,
que é muito jovem e não precisa se machucar.
— Oh. — Eu me senti como uma cadela. — Obrigada por apontar isso.
Zayne fechou a porta antes de poder dizer qualquer outra coisa. Ao cruzar
com Dez, ele disse: — Você sabe que eu não deixarei nada acontecer a ela.
Ele assentiu. — Ainda. Apenas ter cuidado.
Quando Dez desapareceu nas profundezas da garagem, eu olhei para Zayne
quando ele foi para trás do volante. — Adivinha o quê?
— O quê? — O motor ronronou quando ligado.
— Eu sou uma garota.
Seus lábios se curvaram. — Cale a boca.
Soltei uma risadinha.
Zayne saiu da garagem, ele perguntou se eu ouvi falar de Stacey ou Sam.
Stacey me ligara mais cedo e a conversa foi um pouco embaraçosa, mas de um
modo geral, foi normal. Exceto que disse a ela o que realmente faria esta noite pela
primeira vez na história. Havia algo de libertador em não mentir sobre minhas
atividades extracurriculares.
A viagem para Alexandria, para a casa da recentemente falecida, não
demorou muito. O tráfego era mínimo e nos sentimos aliviados de encontrar um
estacionamento pouco visível na parte de trás.
Zayne forçando uma fechadura era surpreendentemente sexy.
Eu não tinha certeza do que dizer sobre do fato de que me excitava sua
confiança enquanto ele trabalhava com a gazua até que ouvimos o clique de uma
fechadura sendo acionada.
— Essa é uma habilidade muito útil.
Ele sorriu enquanto se endireitava. — É isso ou quebrá-la. Achei que um
toque mais suave funcionaria melhor.
Roth a teria quebrado e teria ficado feliz em fazer isso. Não havia dois
meninos mais diferentes do que eles.
Abrimos a porta lentamente, torcendo para que nenhum alarme fosse
ativado. Quando o silêncio cumprimentou-nos, entramos no corredor escuro. A
casa estava cheia de sombras. Apenas uma pequena lâmpada de canto estava
acesa na sala da frente. O assoalho rangia à medida que avançávamos.
Zayne ergueu a bolsa por cima do ombro, olhando para as pinturas que
adornavam as paredes verdes. Quando entramos no quarto, uma pequena sombra
se lançou para baixo da mesa.
Era um gato cinzento.
Em vez de correr dos estranhos, ele enroscou-se ao redor das pernas de
Zayne e depois na minha. Bambi se agitou com interesse quando me abaixei e cocei
as orelhas do gato. Silenciosamente, emiti à serpente uma severa advertência de
sequer pensar em comê-lo.
Gostaria de saber se o gatinho pertencia à esposa ou ao noivo. Ou era de
ambos?
O pensamento me deixou triste.
A casa estava quieta como um túmulo quando entramos na cozinha. Uma
tigela de comida para gatos estava perto do fogão, juntamente com uma bacia cheia
de água.
— Tudo parece normal — Zayne disse, virando-se para mim. — Você sente
alguma coisa?
Balancei a cabeça.
— Temos de verificar no andar de cima.
O gatinho nos seguiu através da casa e pelas escadas. Não havia luz
suficiente para distinguir as fotos emolduradas penduradas na parede, mas
pareciam do tipo familiar, que poderiam ter sido tiradas durante as férias.
Havia apenas dois quartos no andar de cima e um banheiro compartilhado
por ambos. Um quarto era um escritório improvisado e, no outro uma pequena
lâmpada de abajur foi deixada ligada.
O gatinho se lançou pelo quarto e se equilibrou sobre a cama logo que a
porta se abriu. Ali, rolou sobre suas costas, mostrando com orgulho uma barriga
bem alimentada.
Acariciei o gato enquanto Zayne verificava o banheiro. Ao contrário dos
gatinhos de Roth, ele não tentou me matar quando distraidamente esfreguei sua
barriga.
Senti-me mal em estar aqui, nos intrometendo na privacidade de alguém. A
cama não foi feita. Os travesseiros estavam distribuídos aleatoriamente na
cabeceira. As gavetas estavam entreabertas e tinha um copo de água na mesa de
cabeceira, ao lado de uma foto emoldurada de um casal. Atraída pela imagem,
deixei o gatinho na cama e peguei a foto, segurando contra a luz.
Um arrepio percorreu meu braço. Quase deixei a moldura cair. — Oh, meu
Deus.
— O que foi? — Perguntou Zayne.
Eu não podia falar enquanto observava a imagem. Um homem sorria para
mim. Ele estava, provavelmente, no final de seus vinte anos. Tinha seu braço em
volta dos ombros de uma mulher menor.
Uma mulher que eu vi antes, embora brevemente.
Zayne veio para o meu lado, abaixando o saco. — O que é?
Eu tremia quando entreguei a foto para ele. — Esta é a casa dela, certo?
Ele franziu a testa enquanto falava. — Acho que sim. Seria estranho para
os proprietários terem uma foto de outro casal ao lado da cama.
Pânico atravessou meu peito. — Eu a conheço.
— Como?
Meus joelhos estavam fracos. — É ela... A cupecake.
Confusão se derramou sobre seu rosto. — Não tenho a menor ideia do que
você está falando.
Havia uma boa probabilidade de que meu coração fosse sair do meu peito.
— Ela é a mulher de quem eu me alimentei na quinta-feira.
Zayne largou o saco, assustando o gato. Sua garganta se moveu. — Tem
certeza?
— Sim. — Comecei a me sentar, mas desisti, pois não suportaria ficar quieta.
— Como você pode ter tanta certeza? Você a viu…
— É ela! — Gemi, pressionando as mãos contra a parte baixa do meu
estômago. Náusea subindo. — Oh meu Deus.
— Espera. — Ele veio até mim, mas eu me afastei. — Apenas espere um
segundo. Você se alimentou e se afastou. Certo?
— Sim, mas você viu o que aconteceu com a moça que cuidou de mim –
Vanessa.
— Não sabemos se isso é verdade, e mesmo se fosse, você não matou a
Vanessa. — Ele estendeu a mão para seu cabelo. — E não matou essa também.
— Ela está morta. Isso é uma grande coincidência, certo? — O suor escorria
pela minha testa. O pensamento horrível de ontem à noite voltou. E se...?
Então, eu senti isso.
Os minúsculos pelos dos meus braços se levantaram. O mau cheiro de algo
antinatural entrou no quarto como fumaça insidiosa. As costas do gato se
arquearam como um desses gatos de Halloween. Ele miou e se lançou da cama,
entrando debaixo dela.
— Merda. — Zayne ajoelhou-se, abrindo o saco. — Temos um fantasma.
— Claro que sim — murmurei, intumescida até o centro.
Eu havia matado essa mulher. De alguma forma, eu fiz isso e tomei a alma
dela, condenando-a a uma eternidade no inferno. De que outra forma se tornara
um fantasma? A probabilidade de que Lilin tivesse tropeçado nela era
astronomicamente pequena.
E isso se o Lilin de fato existia...
A temperatura no quarto caiu drasticamente. Sopros de nuvens nebulosas
se formaram na frente da minha boca.
— Layla.
O espectro estava perto – o espectro que eu havia criado.
— Layla, — Zayne chamou, parando ao meu lado por um momento. —
Preciso de você aqui comigo. Você entendeu? Isso não será fácil. Preciso de você
aqui. Você está aqui?
Ar saiu de mim. Se controle. Movendo o pânico e o horror para um segundo
plano, forcei-me a assentir. Precisava estar no presente. — Estou aqui.
— Bom. — Zayne concentrou-se na porta do quarto. — Porque o fantasma
também está.
A massa escura encheu a porta, mais ou menos do mesmo tamanho que o
espectro de Dean. A sombra de uma pessoa. Ela não se moveu. Ela parecia estar
lá para nos olhar.
Zayne colocou o pacote de incenso seco em minhas mãos. Acendeu-o e o
cheiro acre de incenso saiu em baforadas de fumaça. — Aconteça o que acontecer,
não deixe isso cair. Se deixar, vai parar com o exorcismo.
Parecia bastante fácil. — Ok.
O espectro flutuou para mais perto e o quarto tornou-se um refrigerador.
O vento aumentou, girando em torno do quarto. Roupas saltaram para fora do
armário. O abajur caiu. Um travesseiro bateu no meu braço.
Zayne avançou com a garrafa de água benta e um pequeno frasco de sal em
suas mãos. — Fique para trás. Não quero nada disso em você.
A fumaça estava me sufocando enquanto saía do caminho. Um grito agudo
veio do espectro, um som que era um cruzamento entre uma hiena e um bebê
chorando. Foi direto para Zayne. Um segundo depois, estava na minha frente, e no
seguinte batendo na parede oposta. A água caiu nela, mas o pote de sal rolou no
chão, do outro lado do espectro.
Merda.
Aquilo assobiou, o som felino e ainda distorcido estendeu-se em um uivo.
Zayne estava em seus pés novamente, seu cabelo revolto pelo vento, mas ainda em
sua forma humana. Ele jogou água no espectro, que não passou através da sombra.
Ela parecia absorver a água benta, fazendo-a inchar como aquele garoto chato em
Willy Wonka e a Fábrica de Chocolate.
Quando o espectro se voltou para ele, eu me movi na direção do frasco de
sal. Meus pés escorregaram. Eu caí com um grunhido, e de alguma forma, pela
graça de Deus, consegui segurar o incenso. Virei à cabeça, observando o frasco
descansando a trinta centímetros de mim.
O espectro riu maliciosamente enquanto eu rodava para meu lado. Agarrei
o frasco e desenrosquei a tampa com uma mão, dedos gelados desceram pela parte
de atrás do meu pescoço. O arrepio que senti nesse momento quase me fez gritar,
era como se uma aranha tivesse aterrissado em meu colo,
— Jogue o sal no espectro — Zayne gritou sobre o vento soprando.
Torcendo contra a força da corrente de ar, eu sabia que se seguisse o
conselho de Zayne, o sal purificado explodiria na minha cara. O vento estava muito
forte, roubando a capacidade dos meus pulmões de tomar fôlego.
Empurrei meus pés, agarrando firmemente o incenso enquanto forçava um
passo para frente e depois mais outro em direção ao espectro. Ao invés de jogar
apenas o sal, eu joguei com pote e tudo, no que poderia ter sido a parte do meio da
criatura.
A reação foi imediata.
Como um elástico estalando, fui impulsionada para trás quando o fantasma
soltou um grito que rivalizava com alguns dos meus piores pesadelos. Bati no meio
da cama. O incenso escorregou e peguei-o com a ponta dos meus dedos, impedindo
a merda pegajosa de bater na cama, parando o exorcismo e, provavelmente,
queimando a casa.
O espectro explodiu em fumaças, que rapidamente se evaporou como se um
vácuo fosse colocado na sala, aspirando à maldade. Tudo se acalmou e a forte
presença da anormalidade se foi. O ar ficou mais suave.
Meus olhos se encontraram com os de Zayne.
Eu parecia ter atravessado um túnel de vento. — Você está bem?
— Sim — falei, me sentando. O incenso se queimou sozinho. — Que
conveniente. — Uau.
— Foi tudo o que esperava?
Considerei isso enquanto via o gato colocar sua cabeça para fora sob a cama.
— Ainda assim, eu gostaria que alguém gritasse pelo poder de Cristo, mas foi bom.
Zayne balançou a cabeça me ajudando a levantar. Pegando o incenso, ele o
deixou cair no saco e o fechou. — Devemos sair daqui antes que alguém venha ver
que comoção era essa.
Eu concordei.
Acariciei o gato por uma última vez e saí correndo da casa. Uma vez que
estávamos dentro do Impala, fiquei aliviada ao descobrir que o cheiro doentio não
ficou em nossas roupas. Olhando para Zayne enquanto ele ligava o carro e saía
para a rua estreita, deixei tudo o que mantive dentro de mim vazar novamente.
Com a adrenalina ainda andando em minhas veias, meus pensamentos se
mantinham por um fio. À medida que cada um caía em seu lugar, eram fatiados e
cortados em cubos.
Chegávamos à estrada da fazenda que Zayne pegou para um atalho para
Alexandria, quando me vi dizendo. — Não podemos ignorar o que encontramos.
Ele me lançou um olhar rápido, agudo. — O que você quer dizer?
— Quem era aquela mulher. Não podemos ignorar isso, Zayne. Eu fiz isso
com ela. — As palavras me cortaram. — Devo ter me alimentado dela mais do que
acreditei.
As juntas de Zayne ficaram brancas pela força com que segurava o volante.
— Você teria sabido se fosse esse o caso. Deve haver outra explicação para isso.
— Qual? — Exigi, enrolando minhas mãos em bolas apertadas. — A única
outra forma é que Lilin esteja me seguindo e tomou a alma dela.
— Então é isso que aconteceu. — Sua mandíbula travou. — Tem que ser
isso.
Olhei para ele. Lágrimas queimavam meus olhos. Sua defesa inflexível era
dilaceradora. — E se... ? E se não houver um Lilin?
— O quê?
Meu estômago se agitou, mas eu precisava dar voz ao meu medo. Precisava
colocá-lo lá. — O que acontece se não houver um Lilin, Zayne? E se só pensamos
que existe – o Inferno pensa que existe – mas e se não houver?
— Isso não faz muito sentido.
— Mas faz — sussurrei enquanto as árvores passavam junto a nós. — Pense
nisso. Ninguém sabe realmente o que é necessário para completar o ritual. Apenas
pensamos que sabemos. Perder minha virgindade era realmente necessário para
trazê-la de volta? Não perdi. Então se Cayman estiver errado, então o ritual não
funcionou. Não pôde. E Abbot passou a dizer que eu era uma Lilin ou algo similar.
Eu ouvi naquela noite. É provavelmente por isso que ordenou que outros membros
do clã me vigiassem. Ele suspeita também!
— Se o ritual não funcionou, então como as correntes de Lilith foram
quebradas?
— Não sei, mas poderia ser algo que estou fazendo. Eu sou a filha dela.
Provavelmente tenha um pacto com ela. Pense nisso. O que Lilin pode fazer é a
mesma coisa que eu posso fazer – tomar uma alma. Apenas fazemos isso de formas
diferentes. — As palavras saíram de mim, tão rápidas quanto o carro. — E onde
está esse estúpido Lilin? Como nós não vimos e nem Roth? Supostamente ele está
na escola, mas ninguém o encontrou. Mas eu estou na escola! Eu estive perto de
todo mundo que foi infectado até o momento, e Deus sabe quantas outras pessoas
mais.
— Então, e quanto ao casulo no porão e os Noturnos?
— Quem sabe por que eles estavam lá ou o que havia no casulo. Não seria
a primeira vez que algo demoníaco aparece lá por minha causa. Lembra-se do
zumbi na sala da caldeira? Ou Raum – o demônio que Roth tirou de lá?
Zayne sacudiu a cabeça. — Não posso acreditar que você ainda esteja
dizendo essas coisas.
— Não posso acreditar que você se recusa a ver o que está bem na sua cara!
— Merda. — Ele desviou para a direita, pisando nos freios. Lancei-me para
frente, segura pelo cinto de segurança, e ele parou ao lado da estrada. Virou para
mim, os olhos de um tom furioso de azul elétrico. — Mas não se alimentou de Dean!
Ou Gareth! Você não é responsável por isso, Layla.
— Talvez eu não precise me alimentar para tomar suas almas. Quem sabe?
— Minha garganta se obstruiu com crueldade. — Minhas habilidades mudaram.
Não posso ver auras, mas posso sentir emoções. Talvez a minha capacidade de
tomar almas tenha mudado, também.
— Isto é absolutamente ridículo. Escutou a si mesma?
— Me escutar? — Eu me peguei retrucando. — O que estou dizendo não é
impossível, e você sabe disso.
Quando ele não disse nada, eu soltei o cinto de segurança. Não podia
continuar sentada no carro. Eu não poderia mais ficar perto dele com as minhas
emoções tão explosivas. A necessidade de me alimentar estava lá, em fogo brando,
abaixo da superfície, o que era genial.
Abri a porta, ignorando o grito dele, e comecei a andar. Andei alguns metros
e ele estava de repente na minha frente. — Você precisa se acalmar — disse ele.
— Você precisa me ouvir! Sabe as coisas que estiveram acontecendo na casa?
Pensei que talvez pudesse ser Petr, porque tomei a alma dele, mas talvez não seja
ele. Talvez seja eu. — Meu coração batia tão rápido que pensei que ficaria doente.
— Talvez Abbot esteja certo e não estou ciente do que estou fazendo.
— Não...
— Você não entende! — O vento soprava ao nosso redor, mas apenas eu
senti. — Estava chateada quando as janelas explodiram e estava chateada com
Maddox quando ele caiu por causa da maneira como me olhou! E você e Danika
disseram que sentem que sou como um demônio de nível superior agora. Você
mesmo disse!
— Isso não quer dizer que sai por aí matando pessoas sem saber! — O vento
parecia atirar as palavras no rosto dele. — Eu sei quem é você, Layla.
Umidade reuniu-se em meus cílios quando dei um passo para trás. — Você
só deseja que eu não seja desta maneira e isso te cegou…
— Não estou cego. — Ele cambaleou para frente, agarrando meus ombros.
— Sei exatamente o que estou olhando quando te vejo. Sei exatamente o que faço
quando te toco. E sei que não importa o que, nunca me fará mal. E devido a isso,
sei que o que está fazendo isto, não é você.
Balancei a cabeça. — Você não pode…
Ele cortou minhas palavras quando me pressionou contra seu peito e me
puxou para cima até que meus pés mal tocassem o chão. Meus olhos se
arregalaram naquele pequeno segundo, quando percebi o que ele estava fazendo,
o que ele estava disposto a arriscar para provar que suas palavras eram verdadeiras,
que suas convicções eram certas, ele estava me enlouquecendo. Eu me afastei, mas
já era tarde demais. Eu não podia escapar. Nunca pude.
Zayne me beijou.
Meu suspiro de surpresa foi capturado por seus lábios. Plantei minhas
mãos contra seu peito e tentei empurrá-lo, mas não consegui... Oh, Deus, isso não
era um roçar de lábios inocente que terminou antes de começar.
Isto era um beijo de verdade.
Do tipo que quebrava corações e depois os unia novamente. Seus lábios
estavam nos meus, exigentes e ferozes enquanto eu mantinha a boca fechada. Um
som profundo retumbou em seu peito quando ele mordiscou meu lábio inferior.
Engoli em seco novamente quando a pequena mordida passou por mim. Zayne
aproveitou completamente, aprofundando o beijo. Sua língua deslizou sobre a
minha, e suspirei com o gosto, porque eu não poderia evitar, e ele estava em toda
parte, em todos os meus sentidos, e eu estava queimando.
Quando ele finalmente me liberou, eu gemi e não tinha certeza se era por
ter terminado ou pelo que certamente estava chegando.
Zayne agarrou meus ombros, o olhar fixo no meu. E ele estava ali, sem
convulsões, sem cair no chão ou se transformar em algo saído de um pesadelo.
Olhamos um para o outro, ambos respirando com dificuldade. — Você...
Você está bem?
— Eu estou. — Uma parte dele soou um pouco surpreso. — Estou
completamente bem.
— Não entendo — sussurrei, olhando em seus olhos.
Um lado de sua boca se levantou. — Eu disse a você, Layla-bug. Droga, eu
disse a você.
Meu coração dançava em meu peito. — Mas isso não faz sentido. Isto é
impossível. Algo tem...
Zayne me beijou novamente, me calando com eficácia e apagando tudo o
que não fosse centrado na forma como seus lábios estavam contra os meus. Ele
tirou o meu fôlego da maneira mais maravilhosa possível.
Gemi com o beijo enquanto ele inclinava sua cabeça, tornando-o mais
profundo e mais prolongado. Agarrei seus ombros.
Não sei o que nos possuiu. Talvez o fato de que passamos uma eternidade
pensando que nunca poderíamos compartilhar algo que todos tinham como certo.
Ou talvez fossem todas as emoções selvagens que sentimos. Talvez fosse algo mais
do que um inchaço da paixão. Eu não me importava. De qualquer maneira, a
promessa que fiz a mim mesma na noite anterior desmoronou como uma pétala
seca. Eu estava me afogando nele.
Nossas bocas não quebraram o contato quando ele agarrou minha cintura
e me levantou novamente, envolvendo minhas pernas em torno de seus quadris.
Acho que nunca pararíamos de nos beijar. Não havia como. Mesmo se um Alfa
aterrisse ao nosso lado e começasse a dançar nu.
Zayne se virou; suas mãos deslizando pelas minhas costas, enroscando em
meu cabelo, e viajando para os meus quadris. Os calafrios me deixavam louca. Ele
estava andando e no segundo seguinte, minhas costas estavam contra o Impala.
Deslizei minhas mãos em seu cabelo, passando os dedos suavemente
quando ele mudou seu peso de um lado para chegar à porta. O garoto tinha
habilidade, porque de alguma forma, ele conseguiu abrir a porta traseira sem
quebrar o contato.
Ele se inclinou na altura dos joelhos e, em seguida, estávamos fora do frio
e no banco de trás, o seu longo corpo pressionado contra o meu, e ele ainda estava
me beijando, puxando a minha respiração com a sua.
Ele deveria pesar uma tonelada, mas o peso dele era delicioso e
enlouquecedor de todas as formas loucas.
— Deus — ele sussurrou contra os meus lábios inchados quando levantou
a cabeça. — Pensei nisso por um longo tempo, e não tinha ideia que seria desta
maneira.
Meus pensamentos estavam revoltos enquanto passava minha mão sobre
sua mandíbula lisa. Ele beijou-me novamente, como um homem faminto por
oxigênio, fazendo longos giros entrecortados. Mordiscava quando se retirava, só
para voltar para mais, e as coisas saíram de controle.
Sua mão deslizou até meus quadris e sob a minha camisa, e a sensação de
sua pele contra a minha, a mistura de nossas emoções e necessidades, veio para
dentro de mim, aquecendo cada célula, preenchendo cada espaço escuro.
Todos esses anos de sonhar em ser capaz de fazer isso se apressaram para
fora da superfície em nós dois, e ficamos gananciosos e loucos. Meus dedos se
agarraram a camisa dele, e quando ele olhou para cima, eu a puxei e ele facilitou
ao deixar que eu a tirasse. Minhas mãos acariciaram seu peito enquanto ele
inclinava a cabeça contra a minha. Provei nele meu próprio desejo de consumir.
Senti isso e congratulei-me com o turbilhão de emoções, me deleitando nela, e fui
eu quem aprofundou o beijo desta vez.
O som que ele fez curvou meus dedos dos pés enquanto seus quadris
empurravam contra os meus. Meu coração deu um chute e meu pulso pulsava em
todo meu corpo. E então minha camisa estava fora, desaparecendo em algum lugar
no chão do Impala. Seus dedos deslizaram sobre minhas costelas, alcançando o
fecho frágil do meu sutiã. Houve apenas um ligeiro movimento do pulso, e depois
nos dois estávamos nus da cintura para cima.
Oh, meu Deus, estávamos ao lado da estrada, no banco de trás de um carro,
seminus, e era tão... Tão humano e normal.
Uma risada brotou de mim e escapou contra seus lábios. As sobrancelhas
de Zayne se curvaram para baixo, mas antes que ele pudesse falar, estiquei-me e
o beijei de novo, simplesmente maravilhada com o fato de que podia beijá-lo – de
que isto estava acontecendo.
— Sinto muito — eu disse. — É só que nunca esperei isto. Eu nunca…
Ele me beijou suavemente, uma exploração sensual preguiçosa que foi
responsável pelas janelas embaçadas do carro. — Nunca pensei que isso era
impossível. Eu sempre confiei em você.
Lágrimas vieram aos meus olhos por uma razão muito diferente desta vez.
— Zayne, eu...
Não pude terminar o pensamento, mas era bom.
O tempo pareceu parar para nós e o que fazíamos era uma loucura, mas
estávamos muito centrados em nós mesmos para nos preocupar. Seus lábios se
arrastaram em um caminho ardente sobre minha bochecha enquanto sua mão
traçava onde Bambi estava enroscada ao redor de minhas costelas. Sua cabeça
usava meu seio como travesseiro novamente, e eu não me importava. Nem quando
ele seguiu a graciosa curva do meu corpo com a mão e depois com a boca, me
fazendo arquear ao seu toque.
Ele levantou a cabeça de novo, seus olhos procurando meu rosto e, em
seguida, viajando para baixo, fazendo minha respiração ficar presa. Então nossos
corpos estavam enroscados, peito com peito, e nunca senti nada parecido. Um
gemido profundo retumbou dele e mil emoções explodiram dentro de mim. Nossos
corpos se moviam juntos contra o banco. Um impulso selvagem me atravessou.
Aproximei-me mais a dele, escovando meus lábios nos dele, e ele tremeu. Eu queria
sentir ainda mais. Deslizei minha mão pelo seu pescoço e costas, e depois mais
para baixo. Ele prendeu a respiração.
E a maneira como seu corpo balançava contra o meu, eu podia sentir a
tensão crescendo entre nos dois, me dizendo para onde isso ia. Não era impossível,
com localização e tudo. Na minha cabeça, eu sabia que não seria a primeira garota,
e talvez nem sequer a primeira com sangue de Guardião em suas veias, fazendo
isto. Se havia vontade – e Deus santo, havia tanta vontade – havia uma maneira.
Havia algo em mim, no entanto, que pisou no freio. Eu não sabia o que era
ou se tinha um nome. Ou talvez sim, eu soubesse, e meu coração e meu cérebro
não queriam assumir a responsabilidade, mas a confusão deixou minha pele fria.
Eu queria isso. Muito. Talvez fosse somente os nervos, mas de repente minhas
mãos tremiam. Tudo o que eu sabia era que minha ansiedade não tinha nada a ver
com o feitiço estúpido amarrando a minha virgindade. Se Lilin, na verdade, foi
criado, a virgindade era um ponto discutível, e embora não houvesse Lilin, as
correntes de Lilith já foram quebradas, por isso não tinha importância. Não, era
outra coisa.
— Zayne — sussurrei, respirando seu ar. — Deveríamos...
Seus olhos estavam fechados enquanto ele respondia. — Parar?
Eu assenti.
— Você tem razão. — Ele descansou a testa contra a minha, respirando
mais profundamente. — Temos que parar. Não quero que seja assim... No banco
de trás do meu carro.
De alguma forma, eu corei. Era estranho ter vergonha agora, quando ficar
seminua não teve esse efeito em mim. Engoli em seco quando ele apertou seus
lábios contra a ponta do meu nariz e se levantou, usando os braços para se erguer
e colocar espaço entre nós.
A forma como olhava para mim me dava vontade de tirar meu pé do freio e
jogar tudo no chão. — Deus, Layla, eu... Realmente não há palavras.
Não havia, não de uma maneira ruim. Apesar de que havia um estranho
probleminha para mim, ameaçando quebrar essa paz, o silêncio era uma
recompensa.
Zayne passou a mão sobre a minha pele, como se tentasse memorizar a
sensação, e depois pegou as roupas que terminaram no chão do carro. Ele me
ajudou a vesti-las, e provavelmente levou mais tempo do que o necessário, porque
ele parava e beijava meu ombro, meu pescoço, o que me fez querer desfazer todo o
seu trabalho duro.
Quando saí do banco de trás, o ar fresco da noite tomou conta da minha
pele ardente. Ele pegou meu rosto, inclinando a cabeça para trás. — Não quero
ouvir mais nenhuma porcaria sobre você sendo responsável pelo que está
acontecendo — disse ele, seus olhos sustentando meu olhar. — Se isso prova
alguma coisa, é que você é capaz de controlar suas habilidades. Você saberia caso
estivesse tomando almas. Não está. Então é isso. Nada mais. Prometa-me.
Sou muito ruim em manter promessas ultimamente, mas prometi e rezava
para que esta fosse uma que eu poderia manter.

***

Era um pouco depois das seis da manhã quando a maioria dormia que senti
minha cama se afundando sob um peso repentino. Pisquei estupidamente e sorri
um pouco quando os cobertores se agitaram e um braço serpenteou ao redor da
minha cintura.
Seu calor estava pressionado contra minhas costas. Todas as manhãs,
desde a semana passada, era assim que Zayne me despertava quando voltava da
caçada. Os últimos dias... Bem, foram como saídos dos sonhos. Passamos muito
tempo junto, seja trancado no meu quarto ou no dele, ou passando alguns
momentos na casa de Stacey, com ela e Sam. A ação de graças veio e se foi. No
sábado, fomos tomar o café da manhã como estamos habituados a fazer, mas desta
vez foi diferente. Houve beijos. Houve um monte de beijos. Tanto assim que meus
lábios ficaram inchados durante uma boa parte do dia.
A minha parte preferida era a manhã, no entanto. Ele sempre era extra
delicado e era um inferno de uma maneira de acordar. Eu sabia que, eventualmente,
ele teria que parar. Alguém poderia apanhá-lo entrando e saindo do meu quarto, e
seu pai ficaria louco. E havia razões ainda maiores. A realidade não existia desde
a minha suspensão. Não houve problemas com Lilin, nada, exceto algumas
inofensivas mensagens de Roth aqui e ali, e quando eu estava com Zayne era fácil
acreditar que não era responsável pela infecção.
Zayne acariciou meu pescoço e depois riu quando me contorci quando ele
pegou um ponto sensível. — Bom dia — disse ele, beijando o espaço debaixo de
minha orelha antes de levantar a cabeça.
— Bom dia. — Rolei nas minhas costas, e de alguma forma, direto para os
braços dele. — Você voltou cedo.
— Sim. — Ele puxou o cobertor até que estivesse na minha cintura, quando
viu a cabeça de Bambi aparecendo debaixo do decote da minha camiseta. — Esteve
muito calmo essa noite.
Sua cabeça pendeu e seus lábios roçaram os meus em um tentador toque
suave. Levantei minha mão, colocando-a contra seu peito. A fina camisa que ele
usava era um obstáculo que me incomodou, mas seu coração batia contra a palma
da minha mão.
O beijo se aprofundou quando ele se aproximou. Colocou uma de suas
pernas entre as minhas e terminou com o seu peso em cima de mim, fazendo coisas
maravilhosamente perversas para o meu interior. Sua mão correu pelo meu
estômago e passou sob a bainha. Quando ele tocou minha pele nua, eu peguei a
intensidade do que ele estava sentindo. Necessidade. Desejo. Algo muito mais forte
o dirigia. Minhas costas se arquearam por suas carícias e meus dedos dos pés se
curvaram.
Depois do que pareceu uma eternidade, mas não o suficiente, ele se afastou
com um suspiro de pesar. Respirávamos com dificuldade. Nossos peitos se
levantaram um contra o outro. Uma de suas mãos ainda estava sob minha camisa,
me tocando. Tremores corriam por mim.
Ele encostou a testa na minha e as pontas do seu cabelo fizeram cócegas
em meu rosto. — Eu vou me atrasar para a escola se eu continuar com isso.
Essa não seria a única coisa que poderia acontecer se ele continuasse
movendo seu polegar para frente e para trás, ou se continuasse me beijando. Não
fomos além disto, nem mesmo ficamos nus ainda. Eu poderia dizer pela forma
como seu corpo tremia, que ele queria ir mais longe. Eu tinha certeza de que eu
queria também, mas esse passo era tão assustador como emocionante. Tudo isso
era algo que eu realmente nunca pensei que seria possível com Zayne.
Mas a escola também significava voltar para a realidade e isso era um
gigante assassino de estado de ânimo amoroso. Voltar a estar perto de seres
humanos que não fossem Stacey e Sam. Voltar para enfrentar a possibilidade de
que eu poderia ser a causa da infecção. Porque mesmo que pudesse beijar Zayne
sem sugar sua alma como um pirulito, isso não quer dizer que eu não era
responsável.
Ele sentiu o momento em que me afastei e franziu a testa. — Aonde você
vai?
— A nenhum lugar. — Forcei um sorriso. Não falei com Zayne sobre os
meus medos desde aquela noite, porque sabia que ele acreditava firmemente que
eu era inocente e eu... Eu queria que continuasse assim. Com ele, eu não me sinto
como uma bomba-relógio preste a explodir. Eu me sentia normal. — Talvez eu
possa saltar essa parte?
— Hmm... — ele roçou os lábios na ponta do meu nariz. — Embora eu goste
do som disso, sua pequena bunda bonita precisa ir à aula.
Fiz beicinho.
Ele riu suavemente e seu sorriso desapareceu. A seriedade deslizou em seus
olhos verdes azulados. — Você sabe que não está infectando ninguém, Layla-bug.
Não há problema em voltar para a escola. No fundo, você sabe.
— Eu sei.
Zayne me beijou novamente, e por um tempo, eu me perdi em seus lábios,
em seu inebriante aroma e sabor. E por um momento, fiquei em nosso mundo,
embora parecesse ser um pouco de fantasia.

***

Stacey e Sam esperavam por mim no meu armário. Ela saltou para frente e
me deu um abraço, me soltando antes que eu pudesse afastá-la e me ver como um
inseto estranho.
— Bem-vinda de volta — disse Sam. Ele ainda estava sem óculos. — Aposto
que você sentiu saudades da escola.
— Senti um pouco. — Abri a porta do meu armário e tirei meus textos de
bio. Isso era verdade. A escola era como um santuário... Quando não havia zumbis,
vampiros e fantasmas que se arrastavam para fora do nada.
Minha escola se tornava a Boca do Inferno.
Eu ri.
Stacey levantou uma sobrancelha. — O quê?
— Nada. Eu estava pensando em Buffy, a Caça Vampiros. — Era um alívio
ser honesta com eles agora. Fechando a porta do armário, fui em direção deles. —
Eu estava pensando que a nossa escola é algo como a Boca do Inferno de Buffy.
Ela sorriu. — Eu sou totalmente a Cordelia. E você é a Buffy.
Eu ri e começamos a caminhar pelo corredor. Sam segurava a mão de
Stacey e isso me deixava muito contente.
— Não sou a Buffy. Sou mais como a Willow. Sam, você é totalmente Xander.
— Você quer dizer que eu sou mais como Angel — ele disse, e eu esperava
algum fato estranho a respeito de Buffy, a Caça Vampiros, mas nenhum veio.
— A propósito — Stacey disse, inclinando-se para mim e baixando a voz. —
Suponho que você disse a Roth que sabemos dele... Não é, a verdade.
Meu estômago deu uma cambalhota. Eles não se viram desde que ele foi
suspenso. — Sim, ele sabe, mas não fez um grande negócio disso. Vou ao banheiro,
rapidinho.
Stacey parou. — Também tenho que ir. — Ela deu um beijo rápido na
bochecha de Sam. — Nos vemos mais tarde?
Ele balançou a cabeça enquanto se afastava, em seguida, virou-se,
passando a mão pelo seu cabelo bagunçado. Eu o observei por alguns momentos e
depois balancei a cabeça. — Você realmente precisa ir ao banheiro?
— Não. — Ela riu. — Eu só queria um momento a sós com você para
perguntar se você teve relações sexuais com Zayne.
Calor encheu meu rosto. — O quê? Não. E você e Sam?
Seu sorriso se espalhou e meus olhos se arregalaram enquanto abria a
porta, sendo recebida com o cheiro de desinfetante e um leve cheiro de cigarros. —
Oh, meu Deus, realmente teve relações sexuais com... — minha voz sumiu e depois
parou completamente dentro do banheiro.
Stacey esbarrou em mim por trás e parou.
Em uma das pias, Eva estava debruçada, com as mãos pressionadas contra
o rosto, cobrindo os olhos. Seus ombros magros tremiam. Na pia e no chão estavam
pequenas bolas de papel marrom. Um telefone celular estava na borda, em cima
da pia.
Ela estava chorando – não, realmente soluçando.
— Isso é estranho — Stacey murmurou, quando a porta se fechou atrás
dela.
Sim, isso era. Eva era ruim, e se eu não a conhecesse melhor, eu a teria
classificado como um demônio do inferno, mas não era. Era apenas uma típica
garota mediana que provavelmente não teve amor suficiente em casa ou o que seja,
mas o código das meninas disparou.
Suspirando, eu dei um passo à frente, fazendo uma careta enquanto tentava
encontrar algo para dizer. — Uh, Eva, você está bem?
Seus ombros se enrijeceram e ela abaixou as mãos. Wow. Eva não chorava
de forma bonita, que por algum motivo horrível, me fez sentir melhor sobre mim
mesma. Em seu reflexo no espelho suas bochechas estavam manchadas e seu rosto
estava inchado e vermelho.
Então, ela franziu o rosto. Isso fez com que lágrimas escorressem pelo seu
rosto. — Não. Não estou bem. Eu nunca estarei bem.
O olhar no rosto de Stacey se perguntava se Eva estava sendo um pouco
melodramática, mas o mal-estar floresceu na boca do meu estômago.
Eva se virou para nós com as mãos formando bolas contra as bochechas
rosadas. — Ele está morto. Gareth está morto.
Gareth teve uma overdose em algum momento durante a noite. Seus pais
encontraram o corpo dele na garagem naquela manhã, quando seu pai foi trabalhar.
Houve um boato de que ele havia inalado álcool.
Uma forte tristeza agarrou-se à escola. A morte de Dean foi ruim o suficiente,
então teve a do Gerald, mas Gareth era popular. Todos o conheciam e, embora seu
declínio constante nas drogas tivesse confundido muita gente, ainda era o cara que
metade das meninas queria ter e metade dos caras queria ser.
Professores conversaram sobre isso em cada classe, citando-o como um
trágico acidente e dando uma palestra depois da escola sobre drogas e seus perigos,
mas eu sabia melhor.
Stacey e Sam também.
Roth também.
Não que as drogas não fossem um grande problema, mas isto ia além do
vício e da estupidez que fazíamos. Gareth foi infectado. Sua vida e sua alma foram
roubadas dele. Não só haveria outro espírito, mas Gareth passaria a eternidade no
Inferno.
Isso me matava, e provou que havia um Lilin em algum lugar.
Roth me alcançou enquanto me dirigia para o almoço. Estar a sós com ele
deixava meus nervos retorcidos em nós inúteis. Eu sabia que tinha tudo a ver
comigo e Zayne... E tudo a ver com Roth.
— Não senti um espectro ainda — ele disse, com as mãos nos bolsos de sua
calça jeans rasgadas. — E você?
Balancei a cabeça enquanto Bambi começava a subir entre os meus seios.
Emiti a ela uma severa advertência de não aparecer no meu rosto. Sempre que
Roth estava perto, ela gostava de ser vista. Algo como um daqueles cães irritantes
de latido agudo que precisam de atenção.
— Acho que é apenas uma questão de tempo antes que ele apareça. Ainda
estamos dentro para ver o clã neste fim de semana? — Perguntei. Quando ele
assentiu, inclinei-me contra a parede. O corredor estava quase vazio. Quando olhei,
encontrei-o me observando atentamente, mudei meu peso para a outra perna. —
Existe alguma coisa que podemos fazer sobre suas almas? Alguma maneira que
possamos libertá-las?
Roth se virou, inclinando o corpo de lado. Ele negou com a cabeça. — Não,
a menos que deseje chegar a um acordo com o Chefe, e isso não é algo que eu
sugeriria.
Abri a boca para protestar, mas ele colocou um dedo nos meus lábios,
silenciando-me. Energia fluiu entre nós e me afastei.
Um lado de seus lábios se levantou. — Eu queria poder ajudá-los, querida,
mas uma vez que as almas estão lá embaixo, é um aborrecimento tirá-las de lá. E
não falo de uma inconveniência. O Chefe gosta de olho por olho. Se pedir uma alma,
o Chefe pedirá outra em troca. Você não quer fazer tal oferta, carregar esse tipo de
peso.
Ele tinha um ponto, mas eu já tinha uma carga decente sobre meus ombros.
— Você não retornou nenhum das minhas mensagens ou ligações — ele
disse depois de alguns momentos, inclinando seu quadril contra a parede ao meu
lado. Seu queixo inclinado para baixo e seus cílios escuros protegendo seus olhos.
— Eu estava preocupado.
Minhas sobrancelhas se ergueram. — Você estava?
— Sim. — Os cantos de sua boca caíram. — Por que você está surpresa?
Dei de ombros. Eu me perguntei algumas vezes durante nossa suspensão e
durante as férias, mas não encontrei uma resposta. Eu teria me sentido mal se
tivesse ligado, e não porque estar com Zayne significasse que não podia falar com
outros meninos. Era só que Roth não era outro tipo – era uma grande quantidade
de algo mais.
— Você está com Zayne, certo? — Ele disse; como se estivesse lendo minha
mente.
Eu estava? Nós não nos chamamos de namorado ou namorada, mas nos
tratávamos como se fôssemos. — Eu realmente não quero falar sobre isso com você.
Seus lábios se franziram. — Me diga que ao menos foram cuidadosos.
Meus olhos se arregalaram. — Ok. Isso soa como uma conversa está usando
um preservativo.
— Não foi isso que eu quis dizer e você sabe — disse ele.
Nossos olhos se encontraram e finalmente sabia o que ele queria dizer. —
Eu fui. — O que era uma mentira.
Ele inclinou a cabeça contra a parede e respirou fundo. Observei-o por um
momento. Seus braços estavam cruzados frouxamente sobre o peito. Tudo nele
parecia tenso. Eu sequer falara da mulher dos Palisades.
— Com fome? — Ele perguntou, com voz apagada. — Nós provavelmente
deveríamos ir antes que Stacey e Sam comecem a fazer bebês na mesa de jantar.
— Encontramos outro espectro. — Eu disse suavemente.
Seus olhos se abriram com surpresa. — O quê?
— Na semana passada. Zayne e eu fizemos um exorcismo — Expliquei
calmamente.
Ele se endireitou agora. — Por que você não me contou?
— Era a mulher do clube em Palisades, Roth. — Meu estômago doeu
enquanto seus olhos se acendiam. — A mulher de quem eu me alimentei.
Ele abriu a boca e passou a mão pelo cabelo escuro. Linhas tensas se
formaram ao redor de seus lábios. — Tem certeza?
— Sim, tenho certeza que era ela. Esfreguei minhas mãos sobre o meu rosto.
— Ela ficou bem, certo?
Ele balançou a cabeça. — Estava. Eu juro, Layla. Ela estava bem.
— Mas como ela acabou morrendo? Supostamente, foi um ataque cardíaco,
mas não tinha nenhum problema de saúde. Eu sei que isso não significa que é
impossível, mas qual a probabilidade disso? E se foi eu? E se a infectei? E se eu
estiver infectando essas pessoas?
— Whoa, de onde saiu isto? — Roth invadiu meu espaço pessoal. — Isso é
algo novo?
Neguei com a cabeça. — Não. Estive me perguntando sobre isso durante
um tempo e Zayne acha que não sou eu, mas não encontramos nenhuma evidência
de um Lilin, nada concreto, e todos os que foram infectados estiveram perto de
mim.
— Mas como? Você esteve vagando por aí beijando as pessoas? Porque se
for assim, estou muito chateado por não ter sido incluído nisso.
Atirei um olhar para ele. Não é como se não o tivesse beijado recentemente.
— Uh, não, eu não tenho feito isso e não sei como. Essa é a única parte que não
consigo entender. — Olhei para ele e coloquei tudo nesse olhar, porque eu confiava
nele para não esconder. Ele não fizera anteriormente com as coisas desagradáveis
que eu não queria escutar. — Você acha que sou eu?
Ele olhou para mim um momento, sem se mover. Eu não tinha certeza de
que ele ainda respirava. Então, ele se inclinou, colocando as mãos sobre meus
ombros. Seu aperto não era forte, mas havia tanto no contato. Era uma pressão
reconfortante e fechei os olhos.
— Pare — ele sussurrou contra meu cabelo. — De fazer perguntas que são
inúteis.
Roth não disse nada mais enquanto se afastava; os braços caindo para os
lados, e qualquer consolo que ele demonstrara se transformou em apreensão. Seu
silêncio era inquietante. Ele não respondeu à minha pergunta.

***

Na noite em que fomos ao clube em Bethesda, havia um toque de neve no


ar. Definitivamente estava suficientemente frio e o ar fresco tinha essa sensação de
inverno nele.
Nossa viagem para o clube foi em silêncio. Roth esperava dentro de seu
Porsche no estacionamento em frente à escola. Assim que Zayne parou o Impala,
ele abriu a porta e saiu.
Olhei para mim e franzi o nariz.
Roth estava vestido como se estivesse preste a entrar em um coven cheio de
bruxas. Suas pernas estavam envolvidas em couro e vestia uma camisa escura. Ele
gritava ameaça e caos enquanto os meus jeans e blusa azul de gola alta gritavam
Susie Homemaker28.
— Seria melhor se eu estivesse usado algo um pouco mais ousado —
comentei.
— Acho que está bem.
Olhei para Zayne e sorri. — Obrigada, mas tenho a sensação de que vou me
destacar.
— Você sempre se destaca. — O sorriso em seu rosto desapareceu quando
Roth foi até sua janela. Resmungando entre os dentes, ele abaixou o vidro da janela.
— O quê?
Roth parecia imperturbável. — Já era hora. Eu acho que cresceu cerca de
um fio de cabelo facial de uma semana enquanto eu esperava por vocês.
Zayne revirou os olhos e olhou para onde estava o clube. No começo, eu não
achava que estávamos no lugar certo. Era um hotel de luxo. O tipo de hotel que
tinha todas as paredes de vidro refletivo e esculturas que pareciam algo que um
menino cinco anos de idade havia moldado.
Ou algo que eu gostaria de fazer.
— Eu realmente gostaria de ir lá — disse Zayne, retirando as mãos do
volante. — Não gosto que vá lá sozinha.
— Ela está comigo. — Roth sorriu ao se inclinar na janela. — Não está
sozinha.
— Você não conta.
Era hora de sair do carro. Comecei a abrir a porta, mas Zayne pegou minha
mão. — Tenha cuidado — disse ele.
— Terei. — Eu hesitei, sentindo como se devesse dar um beijo de despedida,
mas não podia, com o homem da galeria de amendoim29 nos olhando.

28 O termo "Suzy Homemaker" tornou-se parte da cultura americana, usada como referência
irônica a qualquer mulher com hábitos ligados a atividades domésticas estereotipadas
tradicionalmente feitas pelas mulheres.
29 O termo se originou no teatro, onde os assentos mais baratos estavam no andar de baixo e onde as pessoas

compravam amendoim porque eram o lanche mais barato. Se eles desaprovassem o desempenho, eles iriam
atirar os amendoins.
— Que fofo. — Roth se afastou do carro, seu tom leve, mas sua expressão
era cortante. — Não se preocupe, Stony. Ela está em boas mãos. Acho que você
sabe o quanto ela é boa e capaz, certo?
Zayne se virou; raiva piscando em suas feições. — Sim, vá se ferrar.
Ele sorriu. — Bem, sobre isso...
— Nem sequer termine a frase — falei, fechando a porta. Seus olhos se
encontraram com os meus sobre o teto do Impala. — Falo sério.
Roth arqueou uma sobrancelha e moveu os dedos para Zayne. Dando a
volta, fui em direção à calçada. Ele estava ao meu lado em um instante.

***

— Isso não era necessário — eu disse.


Os ombros de Roth estavam tensos. — Que seja. Não é no que temos de nos
concentrar agora.
— Concentrar-se nisso ou não, não é o ponto. — Atravessamos a rua
praticamente vazia, o que era estranho, considerando que era apenas cerca de oito
horas da noite. — Não há nenhuma razão para que você diga coisas desse tipo.
Ele olhou para mim quando chegou à porta. — Não há, Layla?
Por um momento, nossos olhos se encontraram, e foi como se seus escudos
caíssem. Irritação. Decepção. Saudade. Impotência. Tudo veio através daqueles
olhos cor de âmbar. E então ele se virou, movendo em direção ao corredor. —
Vamos acabar com isso.
Respirando fundo com a dureza do seu tom, abstraí tudo o que estava
acontecendo com ele e entrei. O hotel era bom e novo. Candelabros de prata no teto
emitiam luzes no piso principal, mas era como se o edifício se aproximasse de nós,
como se procurasse conforto e luz. Os cabelos da minha nuca se levantaram.
Segui Roth até o elevador e até o décimo terceiro andar em silêncio.
Eu era um bolo de nervosismo à medida que entramos em um longo
corredor. Não só porque estávamos prestes a ser cercados por um bando de bruxas
da classe hostil. Uma muda de esperança queimava intensamente no meu peito.
Talvez a velha bruxa nos dissesse algo que mudaria o que eu acreditava e provasse
que Zayne estava certo.
Assim quando eu estava prestes a perguntar se estávamos no lugar certo,
viramos uma esquina e um restaurante ou clube ficou à vista. As janelas foram
pintadas de bronze, mas eu podia distinguir várias formas humanas sentadas nas
mesas. Um desenho rebuscado estava em cima das portas duplas.
— Você está pronta para isso? — Perguntou Roth.
— Claro.
Eu ainda estava em dúvida quando ele abriu a porta e entramos. A primeira
coisa que notei foi que tudo era normal. Como normal totalmente humano.
Paramos em frente à recepcionista. Casais estavam sentados nas mesas, rindo e
conversando. Um bar completo estava ao fundo, atendendo as pessoas sentadas e
em pé. Um jazz ligeiro tocava dos alto-falantes. Essas pessoas não pareciam terem
caído de um trem gótico. Na verdade, eu me misturava com elas.
— O que você esperava? — Ele riu no meu ouvido e me perguntei se eu
falara em voz alta ou não.
— Não isso.
— Alguma vez você já ouviu falar de não julgar um livro pela capa? — Ele
se abaixou, pegando a minha mão, e quando chegamos mais perto do que quer que
seja aquilo, ele apertou ainda mais. — Como eu disse, baby. Não julgue um livro
pela capa. Preciso que você fique perto de mim.
Uma mulher magra apareceu, com as mãos entrelaçadas. Ela usava um
simples vestido preto acima dos joelhos e seu cabelo estava preso em um elegante
coque. — Sinto muito. Nós só atendemos com reserva.
Roth sorriu. — Como você sabe que não temos reserva? — Ele olhou para a
bancada da recepcionista. Não havia nenhum livro. — Você não sabe nossos nomes.
— Eu sei que vocês não têm reservas. — Seu queixo se levantou enquanto
seu olhar frio ficou focado em nós. — E também sei o que vocês são. Então, se
desejam sair desse prédio sem uma má sorte que faria o Titanic parecer um cruzeiro
da Disney, eu sugiro que vocês saiam antes...
— Rowena — disse o homem que se aproximou por detrás. — Nós estamos
esperando por eles, deixe-os passarem.
Estavam? Olhei para Roth, mas sua expressão era ilegível.
A mulher não parecia feliz com isso, mas se afastou. O homem assentiu
com a cabeça. — Sigam-me. Estão sendo esperando.
Bem, isto era apenas um pouco assustador. Enquanto seguíamos o homem,
que parecia estar na casa dos quarenta, pessoas – er bruxas – sentadas nas mesas
pararam o que faziam e nos olharam. Alguns tinham comida a meio caminho da
boca. Outros se viravam em suas cadeiras. Fora os seus rostos duros e olhos
suspeitos, nenhum deles parecia feliz em nos ver.
De repente, Roth segurar a minha mão não era uma coisa tão ruim. Mesmo
se me fizesse sentir um pouco covarde. Eu fui treinada em combate – mas não para
me proteger de feitiços e encantamentos.
O homem nos levou ao redor do bar, para uma área do clube que estava de
alguma forma isolada. Só havia uma mesa aqui atrás, rodeada de um grande sofá
em forma de meia lua. Várias mulheres se levantaram de onde estavam sentadas.
Cada uma das mulheres, um total de seis, passaram sem nos olhar.
Nada estranho.
O sofá parecia vazio até que fomos para a área que estava aberta. Então eu
a vi, e puta merda, pensei que a guardiã da cripta estava sentada a nossa frente.
A mulher era velha – de forma que não estava certa de como ela ainda estava viva
e respirando.
Mechas de cabelos brancos como a neve caíam em seus pequenos e frágeis
ombros. Tinha rugas profundas em seu rosto e os seus olhos... Eram de cor branca
leitosa. O olho todo.
A velha sorriu e seu rosto era tão enrugado que pensei que ele paralisaria.
— O que esperava? — Para uma mulher tão velha, sua voz era forte. — Uma jovem?
Você procura a velha bruxa, ou não?
Encontrei a minha voz. — Sim.
— Uma mulher idosa é uma pessoa que é velha e sábia... Ou apenas velha.
De qualquer forma, eu já andei nesta terra por muitos anos — disse ela, estendendo
uma pequena mão branca, assinalando que nos sentássemos. — E esta é a
primeira vez que eu vejo um Príncipe Herdeiro.
Roth sentou, me puxando para o lado dele. — É uma honra, senhora.
Ela inclinou o queixo. — Tampouco pensei que viveria para ver um filho de
um Guardião e nossa verdadeira mãe, mas aqui está, da própria carne e sangue de
Lilith.
Eu realmente não tinha ideia do que dizer sobre isso.
A velha se inclinou e eu temia que se quebrasse na nossa frente. Sua face
enrugada parecia ainda mais envelhecida, como se pudesse se transformar em pó
a qualquer momento. — O que você teme, menina, está errado. Um pouco de
maldade, meus filhos, é necessário.
Roth deslizou um olhar para mim como se me dissesse que ele havia dito
isso. Sabiamente mantive minha boca fechada.
— Eu sei por que vocês dois estão aqui. — Sua risada tremia como ossos
secos. — Eu sei que estão aqui para encontrar Lilin.
Meu coração deu um salto e imaginei que seria melhor para nós se fôssemos
honestos. — Sim. Temos de encontrar Lilin.
— Urgentemente — Roth acrescentou. — Sei que todos querem um pouco
do Lilin, mas sabe a reação em cadeia que o Lilin causará.
— Ah, sim, os Alfas. — Ela acenou com as mãos. — Estou surpresa que eles
ainda não vieram com suas poderosas espadas, cortando todas as coisas que eles
sentem que não são dignos desta terra. Vocês já viram um Alfa, crianças?
Balancei a cabeça. — Não. Estive... Perto deles, mas nunca vi um.
— Nem eu — disse Roth. — Obviamente.
A velha soltou outra gargalhada. — Não. Você não estaria aqui se esse fosse
o caso, certo? Ah, os Alfas. Eles são uma ameaça para todos nós. Talvez até mesmo
para os seres humanos. Só veem em preto e branco, sem tons de cinza. Nenhuma
simpatia. Eles são os verdadeiros monstros.
Coloquei minha expressão em branco enquanto ela tagarelava. Os Alfas
eram, literalmente, o homem do saco de todas as coisas, e enquanto havia uma
parte de mim atraída para eles, também me aterrorizavam.
— Voltando para Lilin — persuadiu Roth gentilmente.
— Impaciente, jovem Príncipe? Não deveria estar. — A velha riu. — Lilin não
procurou refúgio conosco, se é isso que vocês pensam. Não há razão para isso.
Você está procurando justamente o que está bem na sua frente, Príncipe. Você
sabe disso. É a verdade por trás do motivo que te fez se levantar do Inferno.
Inquietação se formou em meu ventre e o medo que nunca estava muito
longe retornou como um parafuso apertando minha garganta. Olhei para Roth e o
músculo em sua mandíbula se contraiu. — O que você quer dizer?
Ela virou aqueles olhos de cor branca cremosa para mim. — Ele sabe. Você
sabe. Isso é tudo que estou disposta a dizer. A vinda de vocês aqui era
desnecessária. Agora vão. — Ela levantou o braço frágil e sacudiu seus dedos finos
como um gesto de despedida em nossa direção. — Estou cansada e terminei com
esta conversa. Vão.
Roth não me deu a chance de protestar. Envolvendo uma mão ao redor da
minha, ele me levantou. Então, ele se curvou. — Seja abençoada.
A velha gargalhou. — Tolo, Príncipe, tolo...
Seu sorriso era insolente quando se virou, mas o olhar em seus olhos
poderia congelar os círculos do inferno. Ele agarrou minha mão enquanto
contornávamos as mesas e passávamos pelas bruxas. Elas podiam estar nos
observando novamente, como se estivessem prestes a lançar uma maldição sobre
nossas cabeças, mas não me importei.
Você está procurando justamente o que está bem na sua frente, Príncipe. Você
sabe disso.
Tentei liberar minha mão enquanto os nós em meu estômago se triplicavam,
mas Roth apertou ainda mais. — Não, Layla.
Minha respiração ficava muito rápida – duas inspirações, uma exalação. Eu
o deixei me levar para fora do corredor e direto para o elevador. Assim que entrei,
puxei minha mão e apertei o botão de emergência.
— O que você não está me dizendo? — Exigi; minhas mãos em minha
cintura.
Roth encostou-se à parede do elevador. — Não sei o que te faria pensar isso.
— Não brinque comigo, Roth. Eu quero saber o motivo real do por que você
voltou do inferno. Qual é a verdade?
— Você sabe por que voltei. Para encontrar Lilin — disse ele, cruzando os
braços.
Tudo em mim me dizia que havia mais do que isto. — Parece que a velha
esperava que já soubéssemos quem era o Lilin. Como se talvez ele estivesse bem
na frente dos nossos narizes – na minha frente. E sabe o que eu penso? Eu acho
que... — minha voz falhou e desviei o olhar.
— O que você acha? — Ele perguntou em voz baixa. — Diga-me, Layla.
Nossos olhos se encontraram. — Não acredito que haja um Lilin, ao menos
não um que nasceu do ritual com Paimon.
Ele não disse nada quando bateu a cabeça contra a parede. Fechando os
olhos, ele suspirou forte e meu estômago se apertou.
— Roth — sussurrei.
Ele descruzou os braços e passou as mãos pelo rosto. — Não é simples. Eu
não acho que você entenda que não é.
Respirei profundamente duas vezes. — Experimente me contar.
Abaixando suas mãos, ele me perfurou com seus olhos que estavam…
tristes, o que me disse tudo antes que falasse. — Eu não estava por perto quando
as correntes começaram a quebrar e não sei se isso aconteceu antes de eu estar
no abismo ou durante. O Chefe… bem, ele realmente não estava prestando atenção.
Não pudemos decifrar. Sabíamos que o ritual não foi completado.
Caí contra a parede, forçando as minhas pernas a me segurarem. Eu pedi
a verdade e precisava ouvir.
— Pelo menos, nós não pensamos que o ritual estava completo, mas
Cayman estava certo. Quem sabe se o pecado carnal era sexo, ou apenas algo
relacionado? Nenhum de nós sabe disso, mas sabíamos que algo estava
acontecendo aqui e sabíamos que um Lilin havia nascido ou…
— Ou era eu? — Perguntei.
Roth fechou os olhos por um instante, então assentiu. — Ou era você. Essas
são as duas únicas opções. Todos nós sabíamos disso. Então o Chefe me mandou
de volta para encontrar o Lilin ou encontrar provas de que era você.
Pressionei minha mão contra meu peito.
— É por isso que voltei à escola primeiramente. Eu não estava convencido
de que Lilin estava lá realmente, mas sabia que precisava... ficar perto de você,
para ver se havia mudado — ele continuou e se afastou da parede. Começou a
andar na minha frente, o elevador tocava uma música de fundo muito estranha. —
Não pensei que fosse você, porque te conheço. Pode ser parte demônio, mas em seu
coração, é pura. Não da maneira de merda como as pessoas rotulam as coisas
puras, mas é inerentemente boa.
Meu coração doía, porque as palavras dele lembravam muito ao que Zayne
pensava. Parecia que a fé inabalável na minha pretensiosa bondade era a única
coisa que eles tinham em comum.
— Mas, então, outros estudantes foram infectados, pessoas ligadas a você,
de uma forma ou de outra. — Ele balançou a cabeça enquanto andava na minha
frente. — E não havia nenhuma evidência de Lilin. No entanto, não há nada de
concreto, apenas um casulo. Esperava que a bruxa nos guiasse em outra direção
e não confirmasse o que… o que eu temia.
Que era eu.
Ele parou na minha frente, seus traços marcantes tensos. — Desde o início,
eu sabia que suas habilidades eram como as de Lilin, apenas ligeiramente
diferentes. Onde Lilin toma com toque, você inala a alma. Mas talvez suas
habilidades tenham mudado. Não sei, mas acho que você não percebe isso. Você
não tem ideia do que está acontecendo.
Fechei os olhos. — Isso faz alguma diferença?
— Sim.
Uma risada áspera escapou de mim. — Não para os Guardiões ou os Alfas.
Ou para os seres humanos ou...
— Você me disse uma vez que todos tinham livre arbítrio e eu disse que o
livre arbítrio era pura porcaria. Você se lembra disso?
Abri os olhos. — Sim.
— E você estava certo. Todos nós temos o livre-arbítrio. Até os demônios. —
Ele colocou as mãos do lado da minha cabeça e fez uma reverência. — Eu provei
que isso era certo. E o que está acontecendo com você – se for você – não é algo
que você escolheria fazer livremente. Então, para mim, faz uma diferença.
— O que isso significa? Nós não encontramos Lilin. A velha quase disse que
era eu. Você até mesmo voltou... — minha voz falhou novamente, não sei por que
– por que saber que a razão pela qual ele havia retornado à escola era por pensar
que eu estava tomando almas e nada mais, doía tanto quanto uma punhalada no
peito. — Você voltou porque pensou que havia uma boa chance que fosse eu. Por
que... Por que não me disse desde o início?
Ele virou a cabeça e respirou profundamente. — Que bem isso faria?
— Você deveria ter me contado.
Roth baixou a cabeça. — Eu não queria colocar esse peso em você.
Algo deu uma guinada no meu peito com a confissão suave, mas havia algo
mais que eu precisava saber. — Quais são as ordens caso eu realmente seja a
causadora disso?
Ele balançou a cabeça ligeiramente.
Raiva rapidamente me inundou e fui para cima dele, batendo em seus
braços. — Diga-me.
O olhar de Roth encontrou o meu. — Eu tenho que cuidar de você.
Ouvir as palavras dele era como levar uma bofetada. — Em outras palavras,
você deve me matar?
Ele engoliu em seco. — Layla...
— Oh meu Deus, Roth, você... Você está aqui realmente para me tirar do
caminho, não é? Se encontrar provas ou outro demônio, ou se os Guardiões
descobrirem que sou eu, está aqui para me parar.
— Seria o meu trabalho fazer isso.
— Está falando sério? — Deslizei para o lado do elevador, colocando espaço
entre nós. Meu estômago se agitou. Depois do que nós compartilhamos, após me
confortar quando admiti meus medos... — Confiei em você. Jesus, tudo sobre você
– sobre nós – não foi mais do que uma manipulação. Você entende isso? Você estava
aqui pela primeira vez para encontrar Paimon e eu era apenas um meio para um
fim, então. E agora eu estou literalmente no meio e no fim para você. Outro maldito
trabalho.
Ele estremeceu.
Movi-me num pequeno círculo, tirando o cabelo do meu rosto, meus
pensamentos giravam e saltavam de uma coisa desastrosa para outra. — Existe
alguma coisa que eu não saiba que você queira me dizer?
Houve uma pausa, e mesmo enquanto ele sacudia a cabeça, eu sabia que
não era assim.
Abaixei minhas mãos, encarando-o. — Você está mentindo agora.
— Você não entende.
Isso foi tudo. Eu me perdi. Quem sabe foi exatamente o que ativou o
interruptor. O fato de Roth estar tecnicamente no topo daqueles que queriam me
matar pode ter tido algo a ver com isso, levantei meu braço e bati minha mão no
rosto dele. O golpe o surpreendeu, mas ele não se mexeu. E ele não ia retaliar. Ele
apenas olhou para mim. Silencioso. Cheio de mais segredos. Levantei minha mão
novamente e sua mão se ergueu rapidamente, pegando meu braço.
— Pare. — Ele disse.
Eu estava além de ser capaz de ouvir.
Levantando minha perna, apontei meu joelho para um ponto vulnerável,
mas ele virou antes que eu pudesse fazer contato. Ele cruzou o braço e me trancou
em um abraço.
— Solte-me! — Gritei, atirando meu peso para trás.
Roth estava preparado. — Sim, acho que não quero ser esbofeteado
novamente.
Chutei com minhas pernas, levando o peso da parte superior do meu corpo
para baixo. Pego de surpresa, o impulso nos lançou para frente. Ele se virou,
levando o pior impacto da queda, mas rolou rapidamente, me forçando a ficar
deitada de bruços. Comecei a me levantar, mas ele estava de repente sobre mim,
toda a longitude de seu corpo me empurrando para baixo.
— Pare — ele sussurrou em meu ouvido. — Eu não quero te machucar.
Meu coração deu um tombo. — Ainda.
Roth mudou de posição de repente, me rolando sobre minhas costas. Antes
que eu pudesse levantar os braços, ele os capturou, colocando-os na minha cabeça.
Levantando meus quadris, eu tentei tirá-lo de cima, mas acabou tendo o efeito
completamente oposto, empurrando ele mais para baixo.
Seus olhos encontraram os meus e algo mudou em seu olhar. Meu peito
subia e descia em respirações irregulares. Roth não parecia irritado enquanto me
segurava e minhas emoções eram como uma tempestade para capturar qualquer
coisa vinda dele, mas quando seu olhar caiu sobre meus lábios, a sombra que se
formou em seu rosto o fez parecer... Faminto.
Apesar do trilhão de razões por que isso estava errado, a onda familiar de
conhecimento cresceu entre nós, uma ligação que nos unia.
— Por favor — sussurrei.
Ele estava fora de mim e do outro lado do elevador em um piscar de olhos.
Seus olhos brilhavam quando ele se endireitou.
Levantando-me e ofegando, eu bati o botão de emergência novamente e o
elevador começou a se mover. Ele deu um passo em minha direção e balancei a
cabeça.
Roth fechou suas mãos. — Layla...
— Signifiquei algo para você? — Sabia que havia perguntado isso antes,
mas agora… agora significava muito mais. E quando ele não respondeu, eu
balancei a cabeça, finalmente entendendo. Limpei a garganta, mas doía quando
falei. — Não quero você perto de mim.
Sua mandíbula estava tensa. — Isso não é possível.
— Não me importa o que pense que seja possível. Se você se aproximar de
mim, eu te machucarei — adverti. E então algo me atingiu. Bambi. De repente fez
sentido por que ele ordenara a cobra a ficar comigo. Afinal de contas, era como ter
um chip GPS instalado na forma de uma tatuagem demoníaca. — Bambi, saia.
Os olhos de Roth se arregalaram. — Layla, isso não é inteligente. Não faça
isso. Bambi é uma parte tanto minha quanto sua.
— Não quero nada que seja parte de você. — Chamei a cobra novamente e
ela surgiu no ar, formando-se entre nós. — Vá para ele — eu disse, com voz trêmula.
Bambi inclinou a cabeça, me estudando. Quando o elevador parou e a porta
se abriu, ela se virou para Roth.
— Não — disse ele. — Layla, você precisa dela. Você precisa...
— Fique longe de mim. — Saí do elevador e estendi meu braço, puxando a
corrente do meu pescoço. Joguei o colar aos seus pés. — Apenas fique longe de
mim.
A porta do elevador se fechou para Roth e Bambi, me virei e saí correndo do
pequeno vestíbulo, na noite fria.
Zayne esperava, encostado no Impala. Ele se afastou do carro quando me
viu. — Whoa, você está bem?
— Sim. — Caminhei mais devagar, olhando por cima do meu ombro. Roth
não me seguiu. — Precisamos ir.
Em vez de perguntar uma dúzia de coisas, ele abriu a porta do passageiro
e depois foi para o lado dele. Mas no momento em que a porta se fechou e o motor
rugiu para a vida, o indulto acabou. — O que aconteceu?
Balancei a cabeça, não sabendo por onde começar. — Preciso de um minuto
— me inclinando, apertei as mãos contra meu rosto.
Zayne esticou uma mão, envolvendo-a em meu joelho enquanto dirigia. —
Estou aqui.
Balançando a cabeça, fechei os olhos. Essas foram as duas únicas palavras
faladas durante toda viagem de volta ao complexo. Seja o que for que Zayne sentia,
ele sabia que não era o momento de pressionar. E isso era bom, porque eu não
sabia o que dizer.
A maioria do tempo estive entorpecida. Ou talvez uma parte de mim já
houvesse aceitado a verdade, assimilado tudo e amadurecido com a ideia quando
comecei a somar dois mais dois anteriormente, mas a traição de Roth foi um baque
profundo.
Ele sabia todo esse tempo, desde que retornara. Toda vez que ele falara
comigo, poderia ter me dito, especialmente quando saí com ele da última vez. Ele
poderia ter me dito. Mas por que ele faria isso? Eu confiara nele. Tão estúpido como
isso era, eu confiara nele, e se ele tivesse encontrado uma prova irrefutável de que
eu era responsável, era fácil chegar até mim.
Deus, todas as vezes que estive a sós com ele. O dia que estive no fundo do
ginásio com ele, no apartamento dele… Estremeci. Ele poderia ter cuidado de mim
em qualquer uma dessas ocasiões. E isso dói, porque, caramba, era tempo de
honestidade. Embora ele tivesse me rejeitado como se eu tivesse freios defeituosos,
e então havia Zayne, e cada coisa maravilhosa que eu sentia por ele, mesmo assim
– lá fundo, aninhada em uma parte de mim que eu mantinha fechada – eu me
importava com Roth, e esses sentimentos estavam costurados dentro de mim.
Não havia realmente nada a fazer, exceto ir chorar em algum canto. Ok.
Havia muito a fazer. Como, para começar, o que vem depois? Outro tremor
sacudiu-me e enrosquei meus dedos em meu couro cabeludo.
— Layla?
Ao som da voz de Zayne, eu ergui minha cabeça e percebi que estávamos
na garagem do complexo. O carro foi desligado. Eu não tinha ideia de quanto tempo
estávamos aqui, mas o ar frio entrou.
Olhei para ele, que estava pálido, mas seu olhar era estável. — Entre —
disse ele. — E vamos conversar. De acordo?
A casa estava silenciosa enquanto entrávamos, passando por Morris no
corredor. Ele carregava um vaso de flores para uma das salas de estar. No andar
de cima, Zayne fechou a porta.
Virei justamente quando ele atravessava o quarto, seus braços já estavam
em volta dos meus ombros. Não disse nada enquanto me atraía contra seu peito.
Por alguns momentos pacíficos, eu me inclinei para ele, fechando os olhos. Quando
estava com ele, quando ele me segurava como agora, eu me sentia como era antes
de tudo isso começar. Mas, na verdade eu não podia viver no passado.
Afastando-me, levanto minha cabeça, me preparando para dizer o que a
velha havia dito e o que Roth admitira. Eu não tinha ideia para onde nós iríamos
a partir daqui, mas tudo mudou e deveria lidar com isso.
No entanto, não consegui falar.
Zayne segurou meu rosto com as duas mãos, alisando os polegares sobre
minhas bochechas. Meus olhos se fecharam e sua respiração novamente dançou
nos meus lábios, os problemas foram aliviados temporariamente, suspensos para
o fundo. Beijá-lo não deveria estar no alto da lista de prioridades, mas ele estava
seguro comigo, e precisava ser lembrada neste momento, quando me sentia como
um monstro.
Sua boca roçou a minha de forma mais lenta possível, e os meus lábios
foram imediatamente varridos pelos dele. Um som profundo retumbou dele ao
aprofundar o beijo. Inalei o gosto, gemendo contra seus lábios quando
aprofundamos o beijo ainda mais.
Um tremor passou através das mãos de Zayne e seus dedos se curvaram,
apertando minhas bochechas. A faísca de dor abriu meus olhos de repente. Os
deles estavam arregalados, sem ver e eu… eu senti isso.
Isso se reuniu na boca do meu estômago como uma bola de energia. Peguei
seu pulso, esperando quebrar seu aperto antes que fosse tarde demais.
Mas já era tarde demais.
Eu podia sentir a essência de Zayne – sua pureza – e sabor de hortelã. O
tremor em suas mãos passou para o seu corpo. Pânico me cercou com suas garras
desagradáveis. Lutei contra seu aperto violento, mas ele estava preso.
E eu estava tomando a alma dele.
A pureza da alma de Zayne, o poder nela, bateu em cada célula do meu
corpo e o demônio dentro de mim a absorveu como uma flor sedenta de água e luz
solar.
Horror tomou conta de mim quando suas pupilas se dilataram até restar
apenas uma parte fina de azul. Eu estava tomando a alma dele – tomando a alma
de Zayne. Seu corpo tremia enquanto suas mãos – suas garras – cravavam-se em
minhas bochechas. A ardente dor me atravessou quando um úmido e quente
líquido derramou pelo meu rosto. Eu precisava deter isto. Em um ato de desespero,
golpeei meu joelho em seu estômago.
Ele se libertou, cambaleando para trás. Uma sombra mortal de branco
substituiu sua pele dourada. Seus lábios se separaram.
— Zayne... — estendi a mão para ele, mas ele caiu antes que eu pudesse
evitar.
Seu corpo caiu no chão com um baque alto e não se mexeu. Nem mesmo
uma sacudida. Terror inundou meus sentidos, apagando a dor. Isso não podia
estar acontecendo. De maneira nenhuma. Não fazia sentido. Nós nos beijamos
antes e não me alimentara, mas desta vez – oh Deus – desta vez não houve qualquer
hesitação. No momento em que seus lábios tocaram os meus, eu fiz o impensável.
Não a suguei por muito tempo, mas o dano... O estrago já estava feito.
E parte da alma dele formava redemoinhos dentro de mim, uma brilhante
bola de luz e calor que era quase bonita demais para entender.
Eu nunca me senti mais feia, mais monstruosa, do que neste momento.
Caindo de joelhos ao lado do seu corpo prostrado, coloquei minhas mãos
em seu peito. Não podia sentir nenhum movimento enquanto agarrava seus
ombros. — Zayne! Vamos, Zayne! Não. Oh Deus, não. — Sua cabeça caiu para o
lado quando o sacudi. — Zayne!
Não houve resposta. Nada.
Em pânico, eu levantei e corri para a porta do meu quarto. Escancarando a
porta, eu não sabia o que gritava, mas gritei algo que foi respondido pelo tamborilar
de pés. Em questão de segundos, os Guardiões alcançaram o topo da escada.
Os olhos de Dez se arregalaram. — Jesus, Layla, o seu rosto!
Isso não é importante. Virei em direção ao meu quarto. — Por favor! Você
tem que ajudá-lo. Por favor!
Dez me seguiu a uma velocidade vertiginosa. Quando viu Zayne no chão,
ficou branco como um fantasma. — O que aconteceu, Layla?
Caí ao lado de Zayne quando Nicolai e alguns outros Guardiões encheram
o quarto. Deslizando as mãos sob a cabeça dele, eu pisquei através da névoa de
lágrimas. — Não sei como isso aconteceu. Ele me beijou, mas...
— Oh, Deus — Dez sussurrou, colocando a mão sobre o peito de Zayne. Ele
abaixou a orelha em seus lábios entreabertos. — Vamos, cara, vamos lá.
Todo meu corpo estremecia enquanto as lágrimas corriam, ardendo quando
faziam contato com as feridas no meu rosto. — Por favor. Você tem que ajudá-lo.
Por favor. — Olhei para cima, meus olhos borrados movendo-se sobre os rostos dos
Guardiões. Danika estava na porta com as mãos contra a boca e os olhos cheios
de horror. — Por favor…
E então Abbot estava lá, empurrando através dos Guardiões. Ele parou; a
boca aberta. Ele cambaleou um passo, sua grande mão voando até seu peito. —
Filho?
Não houve resposta de Zayne, e um soluço irregular surgiu das profundezas
da minha alma. Meu coração está completamente quebrado. — Não entendo…
Abbot levantou seu olhar para mim. — Você... Você fez isso?
Curvei minhas mãos ao redor das de Zayne, com os ombros tremendo. —
Não era para isso acontecer. Ele me beijou...
Ele disparou para frente tão rápido que sequer o vi se mover ou senti o golpe
até que colidi com a casa de bonecas. A madeira se estilhaçou e quebrou quando
bati no chão.
— Abbot! — Dez gritou, se lançando para frente. Quando ele se moveu para
ficar entre nós, Abbot atingiu-o no peito com um movimento de seu braço e ele
bateu contra a parede.
— Fique fora do meu caminho — Abbot disse enquanto avançava. — Geoff.
Você sabe o que fazer.
Cambaleei sobre os meus pés, dor atirando através de meus sentidos
quando Geoff saiu a toda velocidade do quarto. — Foi um acidente.
— É o meu filho – meu único filho! — Abbot rugiu, sacudindo as fotos na
parede. — Trouxe você para a minha casa, te protegi, e é assim que me paga!
Recuando, eu levantei minhas mãos, como se isso pudesse afastá-lo. —
Sinto muito. Não era suposto... Acontecer isso.
A raiva se espalhou como sangue em seu rosto. — Elijah estava certo. Eu
deveria ter deixado ele te sacrificar no momento em que a encontramos.
As palavras queimaram, mas não tive tempo de sentir plenamente seus
efeitos. Abbot se esticou para mim e quando cambaleei para o lado, o demônio
dentro de mim empurrou com força contra minha pele e ossos. Como na noite do
ataque de Paimon, não houve vacilação. A mudança que me invadiu era muito
poderosa para lutar contra ela.
— Pare! — Danika gritou. — Por favor! Ela nunca machucaria Zayne, não
de propósito.
Seus protestos caíram em ouvidos surdos à medida que Abbot avançava
sobre mim.
O instinto surtiu efeito. Se eu ficasse nesta habitação, estaria morta. Havia
assassinato nos olhos de Abbot e o demônio dentro de mim queria viver. Eu queria
lutar, destruir a sala cheia de Guardiões, mas também sabia que estava em
desvantagem.
À parte de trás da minha camisa foi rasgada quando as minhas asas se
estenderam atrás de mim. Presas perfuraram minhas gengivas e minhas mãos se
alargaram em garras. Alguém no quarto amaldiçoou quando me abaixei, me
lançando ao chão. Eu não apenas escapei do alcance de Abbot, como aterrissei do
outro lado dele.
Dei um rápido olhar para Zayne. Nicolai estava ao lado dele e acreditei –
isso eu esperava – ver o peito dele se levantar em uma respiração superficial, mas
não havia tempo para verificar. A porta nunca pareceu tão longe, tão fora de
alcance. Meus dedos rasparam pela porta da mesma maneira que minhas pernas
abaixo de mim. Não houve sequer um segundo para me preparar. Eu caí fortemente,
minha cabeça batendo no batente da porta. Explosões pretas obscureceram minha
visão enquanto eu ficava lá atordoada.
Maddox estava sobre mim e pisquei lentamente. Tudo o que vi foram asas
da cor do céu antes de uma tempestade quando ele caiu em cima de mim. Duas
mãos se agarraram firmemente, perfurando o chão do lado da minha cabeça. Ele
jogou a cabeça para trás, os músculos tensos e cheios de seu pescoço quando bati
meus joelhos em seu peito, atirando-o para trás.
Eu pulei. Um calor úmido escorreu pelo meu rosto. Tudo girou enquanto
corria pelo quarto, estendendo a mão e batendo a porta atrás de mim. A cada passo
eu sentia como se um prego tivesse atravessado minha cabeça. A dor me consumia,
mas o instinto me levou a ignorá-la.
Saltando por cima do corrimão, me impeli para o ar. Minhas asas se
desdobraram, retardando a descida. Aterrissei com um estrondo no saguão, meus
pés amassando o piso de madeira. À minha esquerda, um Guardião bloqueou a
porta da sala de estar, onde os gritos suaves de crianças pequenas podiam ser
ouvidos.
Corri para a porta e justamente quando a alcançava, Geoff disparou para
frente. Virei-me, pronta para me defender. Sua mão se moveu rapidamente e um
pequeno frasco de vidro voou de sua mão. Levantei meus braços, mas já era muito
tarde. A garrafa explodiu contra o meu peito em uma chuva de vidro e uma
substância branca leitosa jorrou. O líquido imediatamente molhou minha camiseta
rasgada e minha calça jeans, filtrando-se através dos poros de minha pele.
Confusa, olhei para cima. Geoff estava a poucos metros de mim, respirando
com dificuldade. No topo da escada, Abbot apareceu. Eu não tinha ideia do que
Geoff acabara de lançar sobre mim, mas não tinha tempo para ficar ao redor e fazer
perguntas.
Virando-me, cheguei à porta, pronta para dar uma chance para minhas
asas e empreender o voo, mas quando minha mão ficou à vista, eu congelei
conforme o tom de pele mármore era rapidamente substituído por carne mais clara
e rosada.
Meu coração caiu enquanto minhas mãos se contraíram, voltando ao
normal tamanho ineficaz. As garras desapareceram. As presas se retraíram e
minhas asas se foram. Girando novamente para Geoff com crescente horror, tentei
caminhar, mas meu cérebro não se comunicava com o resto do meu corpo.
— Sanguinária? — Sussurrei, agora reconhecendo a substância.
Pensei, e talvez tenha sido minha imaginação, mas pensei ter visto remorso
piscando em seu rosto. E então não havia nada enquanto minhas pernas cediam
embaixo de mim. Eu desmaiei antes de bater no chão.

****

Quando abri os olhos de novo, fiquei surpresa ao descobrir que ainda estava
viva. Ou talvez não estivesse. Estava cercada pela escuridão. Foi-se minha visão?
Mas quando meus outros sentidos foram ativados, minha visão se ajustou para as
sombras.
A primeira coisa que vi foram barras.
Barras.
Dei uma respiração instável conforme a minha frequência cardíaca
aumentava. Meu estômago se apertou quando minha boca seca tentou respirar
profundamente. O cheiro de mofo era pesado no ar, assim como o cheiro acre de
vômito. Sob meu corpo estava um pedaço frio de placa dura.
Eu sabia onde estava.
No porão do complexo, eu estava em uma das jaulas utilizadas para
apanhar demônios. Eu nem sabia se já havia sido usada antes. Os demônios, na
verdade, nunca se aproximavam muito do local para terminarem aqui, mas as
barras eram impossíveis de quebrar. Não que eu poderia tentar. Eu não podia me
mover. A sanguinária seguia maltratando meu sistema.
Um espasmo doloroso e tenso atravessou meus músculos, me fazendo
conter a respiração. Ofeguei enquanto jazia ali. Havia um som de gotejamento
constante de algum lugar atrás de mim. O som que me fez saber que eu não estava
em algum tipo de buraco negro.
Enquanto eu olhava para a escuridão, via o rosto pálido de Zayne, os olhos
dilatados e ouvia a dura acusação de Abbot. Eu realmente vi o movimento do peito
de Zayne antes de sair do quarto? Ele estaria bem? O fatídico beijo e suas sequelas
se reproduziam várias vezes na minha cabeça. Eu não entendia. Nós nos beijamos
– muito – antes e ele ficara bem. O que mudou?
Não havia respostas na escuridão ao meu redor, e meu coração doía. Toda
vez que eu pensava no nome dele, uma feia ferida entreabria-se e supurava. Se eu
o tivesse ferido, se tivesse mudado quem ele era, eu nunca me perdoaria. E
nenhuma quantidade de punição, nada que Abbot ou os outros Guardiões
planejassem, seria verdadeiramente apropriado.
O mal estar por me alimentar de Zayne se aquietou. Quando isso passou
por meu sistema, deixando para trás os arrepios, fechei fortemente os olhos e me
neguei a ver a parte dele que roubei.
Ele estaria bem?
Eu não entendia por que a alma me enojou agora quando não fizera antes.
Havia muitas perguntas, e novamente, nenhuma resposta.
Depois de um tempo, as dores nas minhas bochechas e nos meus quadris
se tornaram um pulsar constante. A sanguinária me impedia de mudar e também
afetava o ciclo de cura natural do meu corpo. À parte de atrás de minha garganta
ardia. Água. Eu me tornei obcecada por ela, obcecada sobre como eu me sentiria
com ela deslizando pela minha garganta.
Finalmente, eu poderia falar acima de um sussurro e gritei. E não parei de
gritar até que minha voz cedeu.
Ninguém veio.
Mais tempo se passou. Horas. Dias, provavelmente? Com o tempo pude
mover os pés e depois os braços. Eu quase podia me sentar sem bater nas barras
da jaula.
E continuava sem ninguém vir.
Ouvi o barulho de minúsculos chiados, justamente com o toque de garras
afiadas contra o cimento, que se uniram ao som de água gotejando. Ratos. Eles se
aproximavam com seus olhos brilhando no escuro. Eu me enrolei no fundo da jaula,
me pressionando contra mim mesma.
Eles se esqueceram de mim ou me deixaram aqui para morrer de sede e
fome? Meus olhos ardiam. Não queria morrer na jaula. Não queria morrer,
absolutamente. Não era o demônio em mim temendo isso. Era eu. Eu queria viver.
Passaram-se mais tempo e eu não podia sentir os dedos dos meus pés.
Estava tão gelado aqui e os ratos se aproximavam, farejando ao redor das barras,
procurando uma maneira de entrar.
Perdi a noção do tempo quando uma pequena luz apareceu em algum lugar
além da jaula, fazendo os ratos correr para as sombras espessas cobrindo as
paredes escorregadias. Com meus músculos contraídos e fracos, eu me forcei a me
virar.
Mais luz inundou a sala, cegando meus olhos muito sensíveis. O som de
passos fortes se aproximando da jaula e, finalmente, a luz apareceu. Eu podia ver.
O Guardião na minha frente era jovem, apenas um ou dois anos mais velho
do que eu, era obviamente um dos novos recrutas diretamente da casa onde os
Guardiões emparelhados viviam com seus filhos. Mas não foi isso que atraiu minha
atenção. Nem mesmo o vidro opaco na mão, que estava provavelmente cheio de
água altamente desejada.
Foi o que vi antes que pudesse distinguir os traços do Guardião.
Vi o brilho translúcido de pérola em torno dele – sua alma.
— Eu vejo sua alma — sussurrei fracamente.
Essas palavras foram perdidas pelo Guardião enquanto ele se ajoelhava na
frente da jaula. Olhei por cima do ombro e vi a aura de outro Guardião. Quando
ela desapareceu, eu reconheci Maddox. — Tem certeza que está tudo bem em abrir
a jaula? — Perguntou o Guardião mais jovem.
Maddox parou ao lado de uma jaula vazia, cruzando os braços. — Tudo bem.
Ela não fará nada.
Meu olhar se mudou para o novo Guardião. Um olhar de dúvida cruzou
seus traços quando ele alcançou o bloqueio, que era desnecessário. Eu mal
conseguia manter minha cabeça erguida.
— Ela deveria estar com essa aparência? — Ele perguntou.
Eu parecia tão ruim? Mas então, meu olhar caiu sobre meu braço. Com a
luz, era a primeira vez que eu podia me ver. Através da camisa rasgada, minha pele
estava manchada – de cinza, negro e rosa. Meus olhos se arregalaram. Que porra
é isso?
Tentei falar, mas as palavras apenas arranharam minha garganta seca.
— Ela é uma mutação do demônio – parte demônio e parte Guardião —
Maddox disse quando se aproximou, ajoelhando-se ao lado do outro guarda. — A
sanguinária está evitando que mude plenamente em qualquer uma das duas
formas. Dê a água para ela, Donn.
A porta da jaula se abriu e Donn estendeu a mão para dentro. Esforcei-me
para alcançar o copo, a sede era uma grande motivadora. O copo se sacudiu
quando levei aos meus lábios e bebi com avidez. No momento em que o líquido se
espalhou pela minha garganta, joguei-me para trás, deixando cair o copo. A água
se esparramou pela jaula, se infiltrando em partes da calça jeans e depois na minha
pele.
Maddox suspirou. — A bebida não é venenosa. Apenas sanguinária
misturada com água. Não podemos deixar que mude.
Minha cabeça balançou em incredulidade. — Por – por quê?
— Precisamos te mover daqui para o armazém — explicou Maddox, e meu
coração bateu fracamente em meu peito. Eu sabia para que esses armazéns eram
utilizados. — E queremos a menor perturbação possível.
Eu queria salientar que não atacaria, a menos que não me dessem escolha,
mas o lugar começou a rodar novamente. Antes de desmaiar, eu me forcei a
pronunciar seu nome. — Za – Zayne?
O rosto de Maddox estava turvo quando ele balançou a cabeça, e meu
coração se partiu novamente. Desta vez, eu dei boas-vindas ao nada.

***

Não tinha ideia de quanto tempo fiquei desmaiada desta vez, mas quando
voltei a mim, já não estava no mesmo local. O pequeno alívio que senti foi sufocado
quando me lembrei do que Maddox disse e me dei conta de onde estava.
Era um dos lugares na cidade onde os Guardiões traziam os demônios para
interrogatório. Medo percorreu minha pele, tomando posse do meu corpo. Oh, isso
era ruim...
Parte de mim não estava surpresa de que houvessem me trazido para este
armazém. Eles não querem lidar com o seu trabalho sujo... Nas suas próprias
instalações. Por que iriam querer tal lembrete?
Havia uma corrente em volta do meu pescoço e conectada aos meus pulsos
atrás das costas. Não era qualquer corrente – era de ferro. Nenhum demônio, nem
sequer um de Nível Superior, escaparia destas correntes.
Eu estava deitada de lado. O lugar estava vazio, exceto por uma alta mesa
dobrável. Da minha posição, eu não poderia dizer se havia alguém lá. Sabendo o
que acontecia neste lugar, meu estômago se afundou diante da perspectiva de
todos os instrumentos horríveis de tortura que poderia haver aqui.
Meus pensamentos eram desconexos e não sabia se era devido à
sanguinária, a falta de comida ou as lesões que eu poderia dizer que ainda não
começaram a cicatrizar. Cada respiração que dava doía, e quando minha cabeça
começou a limpar um pouco, lembrei-me da forma que Maddox sacudiu a cabeça
quando perguntei por Zayne. Meu maior medo tomou conta de mim, ameaçando
me dominar. Um soluço trabalhou seu caminho para sair.
— Está acordada.
Forcei minha cabeça para trás e vi botas e pernas vestidas de couro. E
depois havia as mãos sobre os meus ombros, para ficar apoiada contra a parede.
Minha cabeça estava confusa, como se todos os pensamentos estivessem
cobertos de lã, e minha língua estava pesada quando tentava falar. — O que...
Zayne...?
O Guardião caminhou, entrando em minha linha de visão. Depois que o
brilho perolado desapareceu, vi que era Maddox. Não vi nenhum outro Guardião.
Ele se aproximou da mesa. — Vou fazer um acordo com você, Layla. Uma resposta
por uma resposta.
Descansei minha cabeça contra a parede. A posição era desconfortável, com
os braços presos da forma como estavam, mas era a menor das minhas dores.
Ele pegou algo da mesa e uma luz se refletiu, de forma que causou náuseas
que se arrastaram pela minha garganta. Quando ele se virou para mim, segurando
um punhal, vi ferro em suas mãos.
Oh merda.
— Diga-me onde está Tomas, Layla.
Essa era a pergunta? De todas as perguntas, tinha que ser essa? O suor
respingou minha testa. Se respondesse à pergunta honestamente, então me
implicaria e não precisava disso justo agora, mas precisava saber sobre Zayne.
Maddox se ajoelhou entre minhas pernas, que estavam enroladas de uma
maneira estranha. — Diga-me o que aconteceu com ele e eu falarei sobre Zayne.
Isso era loucura e só serviria para piorar minha situação, mas não havia
outra opção. — Tomas... Não está aqui.
Sua mandíbula se apertou. — Está morto?
Engoli em seco, meus olhos fechados em concentração. — Na noite… que
vocês vieram… ele me encurralou em um… beco. Tentei dizer a ele… eu não era
uma ameaça, mas ele não quis… ouvir.
— O que aconteceu? — Sua voz era dura.
Meu peito subia em uma respiração irregular. — Ele me esfaqueou... E
Bambi – a tatuagem – o atacou.
Ele respirou fundo. — O familiar não está em você agora?
— Não. — Meus olhos se arregalaram. — Bambi o comeu... Ela estava me
protegendo.
— Ela o comeu? — O desgosto em sua voz era como a água enlameada na
minha pele. — Então, ele morreu?
Sentindo-me um pouco mais estável, assenti. — E... Sobre Zayne?
Maddox não respondeu por um longo momento, e abaixei meu queixo. Ele
encontrou meu olhar. — Você nunca o verá novamente.
Meu mundo se fez pedaços. Arrastei uma respiração, mas não foi para lugar
nenhum. — Não.
Ele não disse nada enquanto se levantava com o som da abertura da porta.
Novas lágrimas encheram meus olhos e caíram. Nunca mais vê-lo novamente só
podia significar uma coisa. Eu não tomei apenas uma parte da alma de Zayne.
Eu o matei.
A dor que me atravessou era maior do que qualquer coisa que já senti.
— Layla.
Ao som da voz do Abbot, eu queria me enrolar em mim mesma. — Eu…
sinto. Nunca quis que isto… acontecesse com ele.
Houve um silêncio e senti que ele se aproximou. Através da névoa de
lágrimas percebi que não estava sozinho. Quase todo clã estava com ele. Minha
visão estava instável novamente, mas parecia que Nicolai olhava para mim com
horror, pálido e agitado.
— Abbot — Nicolai disse, balançando a cabeça enquanto se afastava. — Isso
é muito errado.
Ele olhou por cima do ombro enquanto Maddox se movia para o meu outro
lado. — Você sabe que deve ser feito. Que nossa suspeita é verdade. Não há Lilin.
Apenas Layla.
Eu não disse nada, porque era verdade. Não havia nenhum Lilin. Apenas
eu. Como? Eu não tinha certeza, mas todas as evidências apontavam para mim.
Até mesmo Roth sabia. O único que não sabia era Zayne, e olhe para onde isso o
levou. Meu corpo tremia quando outro soluço me escapou. Eu precisava me
controlar.
— Nós deveríamos ter intervindo antes que atacasse meu filho — Abbot
continuou, virando-se para mim. — É um milagre que ele continue vivo.
Eu parei de respirar.
— Não temos nenhuma evidência concreta — argumentou Nicolai enquanto
Donn franzia o cenho. — Só suspeita. Ela é…
— Ela não é uma criança — disse Donn, seus olhos azuis brilhando.
Não me importo com nada disso. Se Zayne estava vivo, por que estavam
aqui? — Ele está… bem?
Abbot se virou para mim. Com os cabelos soltos em volta do rosto, ele
parecia tanto com Zayne que doeu vê-lo. — Meu filho vive.
— E... co ... Como ele está?
Compaixão atravessou o rosto de Nicolai enquanto se movia para frente. —
É ele mesmo. E está...
— Chega — gritou Abbot.
Meu coração batia com força no meu peito. Zayne estava realmente bem?
Eu queria vê-lo, vê-lo por mim mesma. — Posso... Posso ir para casa?
Uma emoção brilhou nos olhos de Abbot e ele afastou o olhar, balançando
a cabeça ligeiramente. — Isso não pode continuar. Por minha causa, muitas coisas
aconteceram. Muitas vidas estão agora em minhas mãos e algumas me escaparam.
— Abbot, eu devo protestar contra isso — alegou Nicolai, e essas palavras
estimularam uma discussão que eu sequer acompanhava.
Zayne estava vivo e parecia bem. Isso era tudo o que importava. Tudo seria
resolvido agora. Ele estava vivo e...
Dor explodiu no meu estômago, uma dor profunda e dilaceradora que se
levantou, capturando meu fôlego e fazendo com que meu corpo ficasse rígido. Eu
não entendia o que havia acontecido ou por que Nicolai e Dez estavam gritando.
Ou mesmo, porque Abbot parecia horrorizado enquanto me observava.
— Pronto — Maddox disse, e puxou o braço de volta. Meu corpo se movia
com ele, de uma maneira que não era normal. — Está feito e terminado. Tudo.
Um fogo se arrastava pelo meu corpo enquanto olhava para baixo. Por que
eu tinha óleo na minha barriga? Não, não era óleo. Era sangue. Muito sangue.
Enquanto Maddox se afastava, a ponta de sua adaga estava coberta de sangue.
Merda.
O bastardo havia me esfaqueado!
Tentei jogar meus braços para frente para cobrir a ferida, esquecendo que
eles estavam acorrentados. Isto era pior do que ruim. Era uma adaga de ferro,
mortal para demônios. Embora fosse apenas uma parte demônio, isso não era...
Abri minha boca e tudo o que pude saborear foi sangue. — Por quê? — A
pergunta saiu sem querer, e nem sequer estava certa do porque perguntei. Eu sabia
a resposta. Maddox só fez o que deveria fazer – o que Roth também foi condenado
a fazer: parar o que estava tomando as almas de pessoas inocentes, garantindo que
Alfas não intervissem. Mas a questão veio novamente. — Por quê?
Em seguida, o caos reinou.
A janela foi quebrada e ali estava Roth, de pé dentro do local, os raios de
prata da lua em suas costas formando uma aura própria. Ele soltou um uivo de
raiva.
E depois outro.
A parede do armazém tremeu e uma segunda janela voou. Pedaços de vidro
se estilhaçaram em todas as direções. Então, Roth não estava sozinho. Cayman
aterrissou agachado, parecendo surpreendentemente humano, exceto seus olhos.
Brilhavam como joias de topázio e as pupilas estavam estiradas verticalmente.
E Dez ficou ao lado de Cayman. O que ele fazia com eles?
Os Guardiões mudaram imediatamente, despojando-se de suas fachadas
humanas enquanto suas asas se desdobravam e a pele adquiria um tom de granito
escuro.
Abbot rosnou ao se virar para Dez. — O que você fez?
— Eu não podia deixar isso acontecer — disse, se transformando. Os chifres
salientes saindo de seus cachos castanhos. — Isto está errado.
Maddox mostrou a faca. — Tarde demais.
Olhei para baixo, onde o calor úmido se espalhava rapidamente. Ah, Inferno,
isso era tão, tão merda.
— Eu matarei todos vocês e vou gostar. — Uma rajada de ar quente
disparou de Roth e soprou pelo armazém, prendendo Abbot contra a parede.
Vários Guardiões se moveram para proteger o líder do clã. Usando a
distração, convoquei cada grama de energia que tinha em mim e obriguei os
músculos das minhas pernas a trabalharem. Empurrei meus pés.
Donn me agarrou, mas afundei sob seu braço, ignorando a dor que
atravessava meu estômago e se afundava em minhas têmporas. Inspirando
profundamente, a qual doeu, preparei-me para o que provavelmente se revelaria
um tapa na bunda de proporções épicas, mas tudo parecia congelado. Até mesmo
Abbot parecia enraizado no local onde estava.
Roth estava em sua verdadeira forma agora, com as pernas abertas e
ombros erguidos. Havia me esquecido de como ele luzia quando mudava. Feroz.
Aterrador como o inferno. Sua pele era brilhante como a obsidiana e suas asas
eram mais longas do que as de qualquer Guardião, formando um gracioso arco no
ar. A cabeça lisa foi empurrada para trás, dedos alongados em garras.
Mais uma vez fiquei impressionada com as semelhanças entre demônios e
Guardiões. A única diferença era a cor e a falta de chifres na cabeça de um demônio.
Roth sorriu de uma maneira que nunca o vi sorrir. Malícia e cólera saíam
dele em ondas. Um anjo vingador veio à minha mente, um que estava preparado
para dar chutes em bundas importantes.
Ele deu um passo à frente, os olhos de cor laranja começando a brilhar. —
Preparem-se, estou a ponto de fazer chover um pouco de enxofre e fogo em suas
bundas.
E ele fez.
Um aroma de enxofre tomou conta do armazém, e bolas de luz laranja
rodeavam as mãos de Roth, as quais dispararam e acertaram o Guardião mais
próximo. O Guardião ficou em chamas, gritando enquanto tentava apagar o fogo.
Em poucos segundos o fogo o envolveu. Ele cambaleou para trás contra as paredes
do armazém. O fogo se propagou.
Cayman interceptou dois Guardiões enquanto Roth disparava mais fogo,
batendo com o punho diretamente no peito de outro Guardião, puxando para fora
o que parecia muito com um coração. Encolhendo-me, vi que atirava o órgão e
girava para o seguinte, capturando o Guardião com um golpe brutal na garganta.
Roth era um cara forte, um cara durão... Tipo assustador.
Um vento forte se ergueu, espalhando as chamas enquanto um forte
rangido sacudia o armazém. Do teto ecoou um som horroroso e tudo tremeu, em
seguida, caiu como se alguém tivesse aberto uma lata de sardinhas. Montes de
rocha carbonizada chamuscaram dois Guardiões, tirando-os do jogo.
Bom Deus, isso tudo era Roth?
Roth cortava um caminho claro em direção a mim. Tentando isso, ele não
viu o Guardião vindo por trás dele. Atirei-me para frente, tremendo. — Roth!
Ele se virou conforme Donn se virava para mim. Estirou seu braço, me
agarrando pelo pescoço antes de me lançar a vários metros. Caí no chão com um
grunhido e levantei a cabeça. O fogo subia pelas paredes a centímetros do meu
rosto. Eu me afastei, me empurrando contra o chão com os pés descalços.
De repente, mãos me agarraram pelos ombros, me levantando. — Te peguei
— disse Dez. Quando me virei, vi Donn deitado de barriga para baixo. Dez quebrou
as correntes, liberando o colar em volta do meu pescoço e pulsos.
Um Guardião deixou escapar um grito estridente enquanto eu encontrava
com o olhar de Dez. — Obr... Obrigada.
Ele balançou a cabeça. — Você não pode ir para o complexo. Entende?
Pensei que era bastante óbvio. — E... Você estará em tantos problemas.
Jasmine e os gêmeos...
— Não se preocupe conosco. — Os olhos de Dez se estreitaram e se lançou
ao ar, aterrissando junto a Nicolai. Juntos derrotaram os outros Guardiões.
Roth vinha direto para mim, mas havia um Guardião entre nós.
Abbot se deixou cair de joelhos, e Roth se elevou, suas asas abertas. Não
sei o que causou, o que me empurrou, mas uma última gota de energia explodiu
em mim.
Pulei na frente de Abbot, me interpondo entre ele e Roth. Com o peito
agitado e o rosto coberto de cinza, levantei uma mão trêmula. — Não.
Roth aterrissou não mais do que alguns centímetros na minha frente, a
ponta afiada de sua asa me evitando por pouco.
O ar se agitou atrás de mim. Abbot estava se levantando, sua expressão
refletindo a mesma de Roth. Meus olhos se encontraram com os dele por um
instante, e até mesmo cercado por calor e fogo, minhas vísceras esfriaram. Sabia
por que intervi, muito provavelmente salvando a vida de Abbot. Em sua fúria, Roth
o teria matado, mas Abbot me criou e isso… isso significava algo para mim.
Ainda que isso não significasse nada para Abbot.
Ignorando a dor em meu peito, cambaleei, dando um passo para trás,
colidindo com Roth, seu braço rodeou minha cintura, me estabilizando.
— Você foi tocado pela mão de Deus — cuspiu Roth para Abbot enquanto
seu braço se apertava ao meu redor. — Não voltará a acontecer.
Os poderosos músculos de suas pernas nos empurraram para o ar. Voamos
muito alto, tão alto que quando meu olhar caiu, eu não via nada do armazém, com
exceção de faíscas e chamas.
As coisas realmente pararam de importar para mim uma vez que estávamos
no ar, deixando o armazém para trás. Eu estava acendendo e apagando como uma
lâmpada com mau contato.
Roth pousou em algum lugar em um telhado, rapidamente seguido por
Cayman.
— Não podemos ir para Palisades — disse o regente infernal. Sobre seus
ombros, a cidade piscava como um milhão de estrelas. — Obviamente, eles sabem
onde você mora.
— Sim, eu terei que concordar com isso. — Os olhos âmbar ficaram presos
nos meus por uma eternidade. — Preciso que você espere aqui por mim. Ok,
pequena? Vou dar um jeito em você.
— Vejo... Almas de novo — eu anunciei, porque por alguma razão parecia
importante assinalar isso.
O sorriso de Roth era fraco e completamente errado. — Vê? É bom ouvir
isso, baby. Muito bom. Vamos te deixar confortável em um momento. Só espere.
Estava vagamente consciente do vento chicoteando em cima de mim
novamente. Desta vez, não senti como se tivessem passado segundos para chegar
aonde íamos. Foi uma eternidade e, então, dois anos depois aterrissamos e logo
estávamos dentro de uma casa quente. Eu queria perguntar onde estávamos, mas
minha língua estava frouxa.
O coração de Roth estava batendo ao cruzar uma sala mal iluminada e me
deitou em uma cama que cheirava a lilases. Assim que se endireitou, uma sombra
saiu de seu braço e para a cama, pontos se juntando.
Bambi deslizou sobre a cama até alcançar meu quadril. Levantou sua
cabeça, descansando-a em minha coxa. Um pouco de ternura empurrou meu
coração quando sua língua bifurcada saiu, sua forma de dizer olá.
— Abra os olhos, Layla.
Pensei que estivessem abertos. Pisquei para abri-los.
— Como se sente? — Roth perguntou, passando a mão sobre a minha testa
úmida.
Fiz um balanço sobre como me sentia. — Não estou… muito ferida.
Seu rosto se apertou como se tivesse sido atingido. — Isso é bom. —
Afastando-se, olhou por cima do ombro. — Cayman?
O outro demônio deu um passo adiante, colocando meus braços para os
lados. O humor que usualmente dançava em seus olhos estava ausente. —
Sanguinária — disse ele, correndo o dedo sobre as minhas mãos. Ainda está no
corpo dela e é a razão pela qual está presa. Não será capaz de fazer qualquer
mudança até que esteja completamente fora.
Como ele sabia?
Cayman deve ter lido a pergunta nos meus olhos. — Estive ao redor disto
por um longo tempo, doçura, e simplesmente já vi de tudo.
Eu teria que aceitar sua palavra sobre isso.
Os dedos de Roth deslizaram sobre meu rosto. — Essas são marcas de
garras. Cayman, são marcas de garras.
— Eu sei, amigo, mas não é a coisa mais importante agora. — Ele levantou
a barra da minha camiseta. Isso... Isso é mais problemático.
Roth assobiou. — Ferro.
— Sim — ele pressionou com suas mãos e apenas senti.
Respirei superficialmente. — Eu... Eu acho que estou morrendo.
— Não. — Roth disse ferozmente, como se suas palavras pudessem impedir
o inevitável. — Você não está morrendo.
— Ela está em mal estado — disse Cayman. — A sanguinária está no
organismo dela há muito tempo.
Colocando a mão ao redor da minha, Roth se arrastou para perto de mim.
Enquanto falava com Cayman, não afastou seu olhar do meu, e isso era bom,
porque de alguma forma me ancorava. — Não fui capaz de entrar em contato com
ela por três dias. Pensei que estivesse me evitando novamente. — Ele olhou
melancolicamente. — Mandei mensagens, liguei, mas...
Eu queria dizer a ele que não havia como ele ter ficado sabendo, mas foi
Cayman quem disse essas palavras enquanto retirava as mãos dele. — Isto não é
bom.
— Não, merda — soltou Roth. — Eu sei disso, mas precisamos corrigir isso.
Ele balançou a cabeça. — Não se pode curar, Príncipe. Você entende o que
isso significa? Esta ferida é profunda. Ela pode ser apenas parte demônio, mas o
ferro está fazendo a sua coisa, e se fosse humana, ela estaria...
— Não diga isso — ele rosnou; seus olhos dourados voltando a brilhar. —
Deve haver alguma coisa.
Cayman se levantou, retirando-se para as sombras como se estivesse nos
dando espaço... Dando privacidade a Roth. Abri a boca, mas sangue jorrou dela.
Roth limpou rapidamente, e segurou meu rosto com cuidado.
— Eu não deixarei isso acontecer. Tem que haver... — seus olhos brilharam
intensamente e olhou por cima do ombro. — E se ela se alimentar? Isso poderia
ajudar?
— Não sei — a voz do Cayman nos alcançou. — Não pode fazer mal.
— Encontre-me alguém. Qualquer um. — Ele ordenou. — Eu não me
importo, apenas faça, agora.
— Não — gritei. Recorrendo a toda minha energia, eu forcei meus lábios a
se abrirem. — Já fiz bastante dano. ... Eu não vou me alimentar. Não importa... O
quê.
Frustração retorceu o rosto de Roth. — Você precisa. Você fará. Não me
importa o quanto se oponha. Eu não deixarei você morrer.
Parecia estranho brigar muito por isso, considerando que ele estava no topo
da lista para se livrar de mim e provar que sou a causa por trás do desastre, mas
agora não era o momento de decifrá-lo. Meu peito se levantou bruscamente. — Não
me faça isto. Por favor. Por favor... Não me faça fazer isso. Por favor.
Ele balançou a cabeça. — Layla...
— Não... me faça fazer isso.
Seu rosto se contorceu, afilando seu rosto, e percebi que estava preste a
mudar. Ele se inclinou, pressionando a testa contra a minha enquanto segurava
as minhas duas mãos. — Não me faça sentar aqui e assistir você morrer. Você não
pode fazer isso comigo.
A dor subiu na minha garganta, e apesar de suas palavras me balançarem
não havia nada que eu pudesse fazer. Eu não sabia como havia tomado as outras
almas, mas não quis deliberadamente ferir ninguém.
— Quer morrer? — Ele perguntou suavemente. — É isso que você quer?
— Não. Eu não quero, mas posso amaldiçoar outra... pessoa e enviá-la para
o inferno... Para que eu possa viver.
Um estremecimento passou por Roth e sua respiração ficou entrecortada.
— Oh, Layla — disse tristemente. — Não posso deixar que isto aconteça. Pode me
odiar quando tudo estiver dito e feito, mas você estará viva.
Meu coração deu um pulo e comecei a protestar, mas Cayman falou. —
Espera. Pode haver algo mais.
Roth se esticou, olhando sobre seu ombro. — Detalhes. Diga rápido.
— E as bruxas? — Disse ele, aproximando-se da cama. — Aquelas que
trabalharam com Lilith. Talvez elas estejam inclinadas a fazer algo para salvar a
filha dela.
Os olhos do Roth se ampliaram. — Você acha que elas têm alguma coisa
para isso?
— Quem sabe do que são capazes esses fenômenos, mas vale a pena tentar.
— Vá — disse com voz rouca. — Dê a elas o que quiserem se puderem ajudá-
la. Qualquer coisa.
Cayman hesitou por um momento. — Qualquer coisa?
— Vá
E Cayman saiu. Puff. Ele não estava mais aqui. Roth se virou para mim. —
Se isso não funcionar, eu trarei alguém aqui para você se alimentar.
Comecei a protestar, mas meus olhos encontraram os dele, e eu sabia que
era inútil. Roth também sabia. Se a coisa com as bruxas falhasse, não havia tempo
para fazer mais nada.
O queixo de Roth se inclinou e soltou uma respiração enquanto levava
minhas mãos até seus lábios, pressionando um beijo em cada dedo. — Suas mãos
estão muito frias.
Pisquei lentamente. Havia muitas coisas que eu queria perguntar, mas cada
vez que respirava era necessária uma grande quantidade de energia.
— Como isso começou? — Ele perguntou, erguendo o olhar torturado até o
meu.
— Zayne... Zayne me beijou — sussurrei, e vi seus olhos dilatarem-se... –
Nós já havíamos beijado antes, e nada aconteceu depois, mas...
Sua boca se abriu. — Então, por que esse idiota beijou você, você foi
acusada de atacá-lo?
Fechei os olhos, me concentrando em minhas palavras. — É mais... Do que
isso, mas Zayne... Está bem. Agora.
— Para ser honesto, eu não dou a mínima para ele agora.
Eu teria rido se pudesse.
— Abra os olhos, Layla.
Demorei muito tempo fazendo isso. — Estou cansada.
Ele respirava com dificuldade. — Eu sei, querida, mas você precisa manter
os olhos abertos.
— Oh... Ok.
Um sorrisinho apareceu, mais como uma careta do que qualquer coisa. Ele
colocou minhas mãos em seu no colo, apertando com força. — Você disse que o
beijou antes e nada aconteceu? — Quando balancei a cabeça, ele amaldiçoou
suavemente. — Eu deveria ter desconfiado.
Na verdade, eu não estava seguindo ele com essa parte.
— Bambi. — Compreensão atravessou seu rosto quando ele olhou para onde
a cobra estava curvada ao lado do meu quadril. — Eu sabia que ela se uniu a você
como um familiar. Eu quis isso para que ela pudesse protegê-la, se necessário, mas
não sabia que ela faria a esse tipo de nível. Mas faz sentido agora. Você pode ver
almas novamente, certo?
— Sim.
— É por causa dela. Não está em você agora, mas quando está unida a você,
ela muda suas habilidades, afetando-as. Os familiares fazem isso, e imaginei que
o fizessem mais por meios demônios. Pensei que ela somente te deixaria mais forte.
Não sabia que afetaria sua habilidade de controlar quando toma uma alma.
Fechei meus olhos enquanto isso se afundava em mim. Então não foram
meus sentimentos por Zayne que preveniram que eu tomasse sua alma como um
tipo de escudo de amor cósmico. Foi Bambi – um demônio familiar. A decepção se
tornou um forte nó no estômago, mas, pelo menos, agora sabia por que foi possível
beijá-lo. E explicava porque minhas habilidades abrandaram. Pelo menos, a
maioria delas. Talvez os poderes de Bambi também distorcessem os meus poderes,
permitindo que eu tomasse as almas de Dean e Gareth. Fazia sentido,
especialmente porque não passei mal após me alimentar da mulher no clube, mas
me senti mal após me alimentar de Zayne. A única diferença era quando Bambi
estava em mim e quando não estava. E isso aconteceu com Maddox e as janelas –
pode ter sido Bambi afetando meus poderes novamente. Ou poderia ter sido o que
Abbot temia, meus poderes foram simplesmente mudando, de qualquer maneira.
E isso significaria que não havia nenhum fantasma no recinto, e acho que eram
boas notícias.
Se fosse esse o caso então, se Bambi nunca tivesse se unido a mim, nada
disto teria acontecido. Poderia ser pior, eu acho. Bambi salvara minha vida naquela
noite com Tomas. O que não entendia era porque Roth quis que Bambi se unisse
a mim.
— Não teria te obrigado a ficar com ela se eu soubesse — disse lentamente.
— Eu nunca teria permitido você sair do elevador caso soubesse que Bambi te
afetava.
Surpresa, eu olhei para ele. A honestidade que via em seus olhos e que não
estava lá antes.
— Droga — disse ele calmamente. — Fiz uma completa bagunça disso.
Cayman apareceu de repente, e Roth olhou para ele intensamente. — Por
favor, me diga que você tem alguma coisa.
— Eu tenho. — Ele se aproximou da cama, e em suas mãos estava uma
garrafinha. — Não há garantias, mas isto foi o melhor que puderam me dar e nem
queira saber o que tive que prometer para conseguir isso.
— Não me importa o que prometeu — colocando minhas mãos gentilmente
sobre a cama, Roth ficou de pé, pegando o frasco de Cayman.
— Oh, provavelmente se importará mais tarde. Mas isso é algo para discutir
quando a água estiver debaixo da ponte, certo?
Ansiedade se formou em meu ventre, mas Roth já havia destampado o
frasco. — O que é isto? — Ele perguntou.
— Algum tipo de mistura que irá reverter os efeitos da sanguinária e deverá,
tecnicamente, empurrar o corpo dela para a cura natural a todo vapor. — Ele fez
uma pausa. — Elas disseram que ela dormiria e para não ter medo caso desmaiasse.
Roth assentiu, sentando-se ao meu lado novamente. Se isto fosse algum
tipo de truque do clã, realmente não importava. Estava me cansando cada vez mais,
e rapidamente. Senti uma punhalada de terror frio porque sabia que estava
realmente morrendo. E realmente não queria morrer. Deixei Roth levantar-me o
suficiente para deslizar o conteúdo do frasco na minha garganta.
Engasguei. A coisa tinha gosto de algo queimado além da morte, Roth o
manteve em meus lábios, deslizando o polegar para cima e para baixo da minha
garganta, forçando-me a engolir tudo. — Sinto muito. Eu sei que tem gosto ruim,
mas está quase no fim.
Quando terminou, ele colocou minha cabeça no travesseiro.
— Se isso não funcionar, eu me livrarei de todo o coven. — Um músculo se
contraiu na mandíbula de Roth. — Espero que elas estejam cientes disso.
— Acho que estão. — Cayman se retirou mais uma vez enquanto Roth
retornava sua atenção para mim. — Vou a… uh, sair por um momento.
Roth não percebeu. Ao contrário, ele escorregou e se sentou ao meu lado.
Minhas pernas pareciam chumbo que se fundiram em meus ossos. Minha cabeça
virou um pouco e meu olhar encontrou Roth. Eu podia ver que ele pensava o
mesmo que eu.
Talvez Cayman e o coven de bruxas tenham trazido a mistura tarde demais.
— Quero apenas te abraçar agora — sua voz estava áspera. — Isso é tudo
que eu quero.
Meu peito se apertou. Se isso fosse tudo para mim, era o que eu queria
também. Não queria ir sozinha. Era mais do que isso, mas mal podia processar o
que significava. Meus lábios formaram as palavras ok, mas tomava muita energia
falar.
Ele me abraçou, e seu corpo estava agradavelmente quente. Após alguns
momentos, eu não conseguia manter meus olhos abertos. O medo diminuiu um
pouco, deixando uma onda de paz sobre mim. Se isso era morrer, não era tão ruim.
Na verdade, era como adormecer.
Os braços do Roth se esticaram a meu redor enquanto enrolava seu corpo
ao redor do meu, colocando minhas pernas entre as suas e minha cabeça debaixo
do seu queixo. Respirei fundo. Respirei mais uma vez e deslizei para a escuridão.
— Layla?
Eu queria responder, mas estava além das respostas. O vazio me chamou,
e eu não estava me recusando a ir.
— Pode me ouvir? Quero que você saiba uma coisa. — Disse ele, com a voz
rouca e grossa, parecendo muito longe, mas cheia de urgência. — Eu te amo, Layla.
Está me ouvindo? Eu te amei desde o primeiro momento em que ouvi a sua voz e
ainda amo. Não importa o que aconteça. Eu te amo.
Sair do vazio foi um processo de proporções épicas. Os dedos das minhas
mãos se retorceram ao meu lado. Os dedos dos meus pés se curvaram. O doce
aroma de algo picante e selvagem flutuava ao meu redor. No momento em que meu
cérebro começou a se agitar, eu abri meus olhos, não ficaria surpresa se tivesse
levado horas.
Pisquei e me vi olhando para um peito largo. Um peito nu. Um peito nu e
masculino. Meus pensamentos eram difusos a respeito de tudo, mas tive uma
lembrança geral de tudo o que aconteceu. Eu morri? Porque esta não era realmente
uma vida ruim após a morte. Mas não, a dor profunda e constante no meu corpo
me disse que eu estava muito viva.
Minhas mãos estavam enfiadas contra um duro estômago, descansando
perto da cabeça de um dragão verde reduzido a perfeição.
Roth.
Um de seus braços estava caído sobre meus quadris e o outro se encontrava
sob meus ombros. Sua mão se enterrava profundamente na desordem do meu
cabelo. Seu peito subia e descia constantemente. Eu podia sentir Bambi do meu
outro lado, estiquei-me. Que estranho... sanduíche para fazer parte.
Não importa o que aconteça. Eu te amo.
Um caloroso formigamento percorreu minhas bochechas e caía em cascata
pelo meu pescoço. Deveria ter sido minha imaginação me lançando essas palavras.
Demônios não amam assim. Nem sequer aqueles como Roth, que poderiam
conseguir algumas pequenas coisas más. Mas lembrei-me do som de seu desespero.
Ergui a cabeça um pouco. Grossos cílios escuros se espalhavam em suas
bochechas. Seus lábios estavam entreabertos. Durante o sono, parecia jovem, e a
vulnerabilidade em seus traços nunca foi vista quando acordado.
Ele parecia um anjo.
Não sabia quanto tempo fiquei ali o encarando, mas provavelmente foi
tempo suficiente para declará-lo como um espécime raro. No entanto, o tempo era
útil. Eu estava viva e além da dor em meu corpo, tinha a sensação de que me
encontrava bem. A sanguinária estava fora do meu corpo; a ferida do meu estômago
estava se curando. Estaria me levantando e dando voltas em pouco tempo.
Mas tudo mudou.
Tanto é assim que realmente não podia sequer captar quão diferente seria
minha vida a partir deste momento. Não havia como eu poder voltar para casa. Não
queria; não depois do que Abbot fez comigo, a jaula, o armazém central. De maneira
nenhuma. E se Nicolai e Dez não tivessem intervindo, eu teria morrido... E isso era
o que Abbot queria. Tal como o meu pai verdadeiro, ele também me queria morta.
Sim, isso doeu e a picada permaneceu. Mas não podia pensar nisso.
Recusei-me a me preocupar com Elijah ou Abbot.
Escola? Isso seria impossível. Com ou sem Bambi, era muito arriscado. Não
podia correr o risco de infectar mais alguém, especialmente quando ainda não
tinha nem ideia do que estava fazendo. Não sabia o que ia fazer, mas sabia que não
podia ficar aqui. Os Guardiões estariam atrás de mim. Então seria o inferno uma
vez que fosse divulgado que eu estava por trás de tudo. E a probabilidade de voltar
a ver Zayne novamente parecia escassa, e isso me deixou em pedaços, como se
tivessem me apunhalado novamente. Mal conseguia me lembrar de um tempo sem
ele, e agora teria de enfrentar andarei durante muito tempo nesta terra sem vê-lo
novamente, e isso... Mataria-me, especialmente sabendo o que fiz com ele. Tudo o
que podia esperar era uma verdadeira confirmação de que ele estava bem. Tudo na
minha vida mudou, mas de alguma forma, iria sobreviver. Teria que sobreviver.
Os cílios de Roth vibraram e depois se espalharam, revelando círculos
dourados que brilhavam com alívio. Ele abriu a boca e depois lambeu os lábios,
mas não disse nada. Olhamos um para o outro, e naquele momento e naquela
cama, entrelaçados em um abraço apertado, aquilo era apenas nós e nada mais.
Em seguida, ele levantou a mão do meu quadril, colocando a ponta de seus
dedos contra a minha bochecha. — As marcas de garras se curaram — disse ele.
— Há apenas tênues linhas rosadas. Quem te arranhou?
De forma alguma eu ia dizer.
Em silêncio, ele arrastou a ponta de seus dedos até meu pescoço, me
fazendo tremer. — A corrente deixou uma marca.
— Sim — eu sussurrei.
Suas narinas se alargaram. — Eu matarei todos eles.
Acreditava que queria dizer isso. Levantando meu braço, eu segurei seu
pulso. — Eu não acho que isto seja... Necessário.
— Eles fizeram isso a você. — Ele curvou o lábio. — Eu acho que é
absolutamente necessário.
Abaixando minha mão, eu balancei a cabeça e comecei a dizer que eu estava
bem, mas, na verdade, estava muito longe disso. Sim, eu estava viva e respirando,
mas estar bem não se encontrava em meu dicionário.
— O frasco que o coven... Deu para nós? Será que ouvi Cayman
corretamente? — Perguntei, ao invés disso. — É algo que devemos a eles agora?
Uma sobrancelha escura se levantou enquanto ele movia o dedo para a
curva da minha clavícula. — Não há uma só grama do meu ser que quer falar dessa
merda agora.
Um riso surpreso me escapou. Parecia seco e rouco. — Tudo bem.
— Cuidarei disso mais tarde.
Então olhou para mim novamente, da mesma forma quando abriu seus
olhos. Descobri que minha respiração parara e os músculos inferiores do meu
estômago se apertaram. Minha reação foi confusa e inclusive me assustou, porque
ele tinha esse olhar antes e depois que ressurgi.
Mas ele foi o primeiro a desviar o olhar. — Quer tentar se levantar?
Limpei a garganta. — Sim. Eu poderia... Poderia tomar banho.
Isso precisava acontecer. Minhas roupas estavam sujas e pregadas em mim.
Só Deus sabia a última vez que havia tomado banho. Roth me ajudou a sentar e
depois afugentou Bambi. Ela se arrastou para a cabeceira da cama e olhou para
nós. Assim que coloquei minhas pernas na beira da cama, Roth congelou.
Ele estava com as mãos nos meus braços, e depois, de repente, estava de
joelhos diante de mim. A preocupação disparou. — Roth...
— Estou bem. — Ele fechou os olhos enquanto deslizava as mãos nas
minhas. — Sinceramente, não sabia se o que as bruxas nos deram funcionaria.
Pensei que quando você fechou seus olhos... — ele limpou a garganta. — Não sabia
se alguma vez iria abri-los novamente.
Um nó se formou em minha garganta e tudo que eu podia fazer era apertar
as mãos dele.
Ele balançou a cabeça. — Tudo o que eu conseguia pensar era em todas as
mentiras que eu disse e você iria morrer sem saber a verdade.
Pensei nas palavras que imaginei e meu coração vacilou. Abri minha boca,
mas ele se inclinou. Deixou minhas mãos de lado e fez algo que nunca esperei.
Roth colocou a cabeça no meu colo, da mesma forma que Bambi fez
anteriormente, e deixou escapar um suspiro cansado.
Minhas mãos congelaram sobre a cabeça dele. Lágrimas rolaram dos meus
olhos e eu não sabia o motivo. Olhei para onde uma faixa de luz do dia entrava sob
as cortinas, lançando um halo sobre as costas de Roth.
— Quando retornei à superfície e fui ao complexo para falar com os
Guardiões, Abbot me encontrou primeiro, antes de você aparecer.
Isto não era nada novo, mas senti que havia mais.
— Abbot me avisou, antes mesmo que eu abrisse a boca e pudesse falar por
que estávamos lá — disse ele, sua voz baixa e plana. — Não pela propriedade dele,
mas por você. E sabe, entendi isso. Eu poderia entender por que ele não me queria
por perto. Afinal, eu sou o príncipe herdeiro do inferno, não é o tipo de cara bem
visto nos lares. Particularmente, na casa de um Guardião.
Enquanto ele falava, eu abaixei minhas mãos sobre a cabeça dele e corri os
dedos pelos seus cabelos. Uma profunda emoção se agitou no centro do meu peito,
apertando minha garganta.
Roth se voltou para a carícia como um gato, procurando por mais carícias.
— Mas era mais que isso. Abbot sabia o que ocorria com você, ou o que poderia
acontecer após o ritual de Paimon. Pensou que minha influência ajudaria ao longo
desse processo, que tiraria o lado demônio de você. E acredito que... Acredito que
ele sabia que eu nunca seria capaz de fazer o que me mandaram fazer. Ele não
queria você comigo – ele não nos queria juntos.
Intrinsecamente, sabia que juntos não significava estar no mesmo recinto –
e sim mais profundo e íntimo. Meus dedos se detiveram. — O que... O que você fez?
Outro suspiro surgiu dele. — Ele me disse que nem sequer pensasse em
continuar algo com você, no começo eu ri e disse a ele que não ia acontecer. Desde
o momento que saí do abismo, eu estava vindo por você, e não porque me
ordenassem – não por causa do que você pensaria. As ameaças de Abbot não
significavam nada, mas...
Meu peito subia e descia bruscamente.
— Mas ele sabia... Ele sabia como conseguir que eu ficasse longe. — A raiva
agora afiada em seu tom. — Ele não me ameaçou. Ele ameaçou você.
— Oh, meu Deus... — parei minhas mãos, pressionando meus lábios.
Obviamente, eu sabia que Abbot não era agora muito um amigo, mas antes?
— Ele disse... Que te levaria para longe de mim. — Com o som da minha
forte inalação, ele amaldiçoou suavemente. — Ele falava sério, Layla. E não estava
disposto a arriscar. Aquelas coisas que eu disse naquela noite... Eu não queria
dizê-las.
Olhei para sua cabeça baixa, minha boca se movendo atrás das minhas
mãos, mas nenhum som saía. Havia tantas coisas que Roth me disse desde o
retorno – declarações vagas que não faziam sentido, até agora.
Ele levantou a cabeça e olhou para mim. — E estou certo como o Inferno
que não te usei para aliviar meu aborrecimento, Layla. Tampouco quero te afastar,
mas não podia ser a razão para que a machucassem. Não seria.
— Oh, Roth... — sussurrei. Isso... Eu não esperava que este fosse o motivo
pelo qual Roth havia sofrido uma mudança de cento e oitenta graus quando se
tratava do que sentia por mim.
— Eu queria estar com você, mas...
Ele tentou me proteger. Um buraco se abriu em meu peito, tão chocante
quanto a ferida que já se curava no meu estômago.
— Sinto muito. Tudo foi em vão no final, mas não posso desfazer. — Ele
inclinou a cabeça para um lado enquanto me olhava. — Eu sei que isto não altera
a dor que fiz você passar. Apenas queria que você soubesse a verdade e que eu...
Fiquei tensa, esperando que ele terminasse o que estava dizendo e me
perguntando se aquelas palavras seriam as que eu pensei ter ouvido antes de
dormir, mas ele não terminou de falar. Ele olhou para mim como se esperasse
nunca me ver novamente.
E então me ocorreu algo e eu precisava perguntar. — Estava... Zayne estava
lá quando Abbot te disse essas coisas?
Seus olhos âmbar formaram redemoinhos em uma dúzia de vertiginosos
tons dourados. — Isso importa?
— Sim — sussurrei. Totalmente me importava se Zayne sabia por que Roth
se afastou de mim, se sabia a verdade e não me disse nada.
Ele não respondeu por um longo momento e uma pontada de apreensão foi
se formando na base da minha espinha. — Nada muda, Layla. Não realmente,
porque não importa, ele... Ele teria feito o mesmo se estivesse na minha posição.
— Uma quantidade invejosa de respeito encheu seu olhar. — Eu sei disso.
Tudo estava girando na minha cabeça. Permaneci ali por alguns minutos,
absolutamente pasma. Meu cérebro estava frito. Completamente.
Roth sorriu um pouco ao se levantar, agarrando meus braços. — Vem.
Vamos te dar um banho.
Encontrava-me oficialmente em piloto automático enquanto me levantava.
Meu primeiro passo foi um fracasso. Minhas pernas tremiam, como um potro
recém-nascido.
— Te peguei — disse Roth, me sustentando. — Sempre.
Sempre. A palavra ricocheteou dentro de mim como uma bola de ping-pong.
Após Roth me guiar para o banheiro, ele foi procurar algumas roupas. Era um
banheiro bem agradável – grande, com uma banheira e chuveiro separado. Eu me
olhei no espelho. Meus olhos estavam muito grandes no meu rosto pálido. As garras
de Zayne deixaram tênues arranhões rosados. Uma contusão avermelhada estava
ao redor da minha garganta. Tirei minhas roupas e olhei pela primeira vez para o
ferimento.
Estremeci.
O pedaço de pele acima do meu umbigo se curando estava rosado e
enrugado. Se fosse humana, eu teria sangrado antes que Nicolai e Dez tivessem
intervindo. Com minhas mãos tremendo, eu tirei toda a minha roupa suja, e abri
o chuveiro. Fiquei sob a água até que minhas pernas começassem a tremer, o que
foi em apenas alguns poucos minutos.
Toda a sujeira, suor, sangue e coisas que não queria nem mesmo pensar
foram lavados. Com as pernas trêmulas, eu me enrolei em uma toalha e tentei
enxugar a maior parte do meu cabelo úmido, me dei por vencida depois de alguns
segundos.
Houve uma batida na porta. — Você está decente?
— Sim.
Roth entrou com um pequeno embrulho nas mãos. — Um par das minhas
calças de moletom e uma camisa térmica.
— Obrigada.
Ele olhou para mim e seu olhar demorou, até que minhas orelhas se
ruborizassem. Passando uma mão por seu desordenado cabelo, deu meia volta e
retornou ao dormitório. — Vou esperar aqui. Deixe-me saber quando estiver pronta.
Expirando lentamente, coloquei minhas roupas e imediatamente o perfume
dele me envolveu. Roth voltou, me ajudando a caminhar até a cama. Eu estava tão
cansada que quando minha cabeça bateu no travesseiro, eu sabia que por algum
tempo não me moveria novamente.
Roth sentou ao meu lado e puxou um telefone. — Vou pedir comida. Você
precisa comer.
Eu não estava com fome, mas a oferta era boa. Olhei em volta do quarto
espaçoso. Ele foi elegantemente decorado. — De quem é esta casa?
Ele levantou a vista de qualquer mensagem que escrevia no telefone. —
Sabe, eu não sei quem originalmente era o dono, mas é propriedade de um demônio
atualmente. Às vezes eu venho aqui quando quero fugir da cidade. O mesmo
acontece com Cayman.
Uma grande parte de mim não queria saber o que aconteceu aos seus
proprietários originais. — Onde estamos?
Enfiando o telefone no bolso, ele passou a mão sobre o peito nu. — Estamos
perto do rio – não perto do complexo. Do outro lado, em Maryland. Aqui estamos
seguros. Nenhum Guardião nos encontrará.
Pensamentos feios e angustiantes deslizaram em minha cabeça e os afastei.
— Onde está Bambi?
— Atualmente ela está ao redor da minha perna. Achei que você poderia
precisar de espaço.
— Oh. — Eu brincava com a borda do cobertor. Quando levantei o olhar,
ele me observava de novo. Prendi a respiração.
Roth se apoiou em minhas pernas. — A comida logo estará aqui. Por que
não descansa um pouco. Vou acordá-la quando chegar.
Eu estava exausta, mas o sono seria ilusório. — Não consigo.
Ele ficou em silêncio por alguns minutos. — No que está pensando?
— Muitas coisas — admiti, olhando para o teto. — Não serei capaz de
permanecer aqui...
— Você pode ficar aqui o tempo que quiser.
Meus lábios puxaram um sorrisinho. — Obrigada, mas você sabe... Sei que
não posso. Tenho que ir. Não sei para onde, mas preciso ir para algum lugar...
Onde não esteja perto das pessoas ou dos Guardiões. Pelo menos até eu descobrir
como estou infectando pessoas.
— Você me diz quando e para onde você quer ir, e nós iremos.
Meu olhar se voltou para ele. — Você não pode ir comigo.
Roth fez uma careta. — E porque não?
— Ordenaram que você me matasse. Se você for comigo, então não seria
como colocar um alvo nas suas costas?
Ele arqueou uma sobrancelha. — Pareço alguém que se importa? Além
disso, eu tenho certeza de que já desobedeci às ordens diretas do Chefe. E de
maneira nenhuma eu deixarei você fugir sozinha. Claro que não. Você precisa de
alguém com você. Precisa de ajuda.
— Roth...
— Olha, você não está fazendo nada disso por si mesma. A bagunça em que
você se encontra é parcialmente culpa minha. Não contei a você sobre um monte
de merda. — Sua mandíbula se levantou. — E sei que as coisas estão... Fodidas
com a gente. Eu sei disso. Ainda que você me diga que prefere foder a perna de um
Noturno a me perdoar, eu estarei lá com você.
Levantei-me em meus cotovelos. — Você está indo contra o Inferno – contra
o seu chefe?
Ele sorriu quando deu de ombros. — Sim.
— Por que correr esse risco?
Seus olhos encontraram os meus. — Você sabe a razão. No fundo, você sabe.
Levou mais um dia e meio para que meu corpo voltasse à normalidade.
Durante esse tempo, Roth tornou-se algo como um amigo. Assim como Cayman.
Os dois me mantiveram entretida enquanto era forçada a ficar na cama.
Acabei assistindo todos os filmes de Will Ferrell que havia.
Nós três conversamos sobre os planos e sobre para onde irmos a partir
daqui. Pelo que pudemos deduzir, eu precisava ter estado várias vezes ao redor dos
afetados, já que, obviamente, não beijei nenhum deles... Isso fazia sentido com
aqueles que já sabíamos que foram afetados – Dean e Gareth – mas não quando se
tratava da moça do Palisades e aqueles que estavam sem nome e sem rosto para
nós. Muitos não faziam sentido, mas a quem poderíamos perguntar?
Era bom – um alívio – ter algum tipo de plano, embora não fosse o mais
detalhado ou pensado, mas nos momentos de calma, quando Roth saía ou Cayman
desmaiava no sofá, não podia deixar de pensar em tudo o que perdi.
E perdi muito.
Embora os Guardiões tivessem se voltado contra mim, no fim, eles
permaneciam sendo meu clã e a coisa mais próxima que eu tinha de uma família.
Perdi Zayne, mas se fosse honesta comigo mesma, sabia que isso acontecera muito
antes do fatídico beijo. Na verdade, isso aconteceu quando deixei um
relacionamento entre nós começar, porque eu devia saber como acabaria. Com
Zayne ferido. E agora, a nossa amizade e o que tivemos entre nós se foram, e ele
devia me desprezar porque eu me alimentara dele. Ele deve sentir repulsa, porque
havia confiado em mim e eu traí essa confiança a um nível que ultrapassava beijar
outro rapaz.
Quase o matei.
A dor de perdê-lo não diminuiu, e duvidava que alguma vez diminuísse. Era
como perder um membro.
E meus amigos? Sam? Stacey? Eles estavam fora do meu alcance, também,
e nem sequer sabia se eles também foram infectados e simplesmente não
mostraram os sintomas ainda. Não saber doía. Deus, tanta coisa estava errada.
Nestes momentos de escuridão, como agora, eu queria me enrolar em uma
bola e quase me tornar algo totalmente inútil. Eu tinha dezessete anos e minha
vida, de certa forma, estava praticamente terminada. Talvez tivesse uma nova vida
esperando por mim, mas era uma que eu nunca, nunca planejei.
Roth entrou na sala, carregando uma tigela de folhados de queijo. Ele caiu
no sofá ao meu lado, dei uma longa olhada para ele, e então ele colocou um pouco
dessa deliciosa coisa na boca. Só ele conseguia comer algo tão sujo e ainda
conseguir ficar sexy fazendo isso.
Maldito demônio.
As coisas... As coisas estavam tensas entre nós. Muito foi dito e muito ainda
era tácito. De uma forma ou de outra, tudo foi colocado às claras para mim, e eu
não estava convencida de que aquelas dolorosamente belas palavras que ele disse
foram produto da minha imaginação. Eu não sabia o que fazer com aquelas
palavras, se devia confiar nelas ou até mesmo permitir um lugar no meu coração.
Por causa do meu coração e da minha cabeça tudo estava tão ruim agora.
— O que foi agora? — Ele perguntou, colocando a mão no recipiente e
retirando um pedaço bem grande de folhado.
Dei de ombros e olhei para onde Cayman estava assistindo TV. Estava
passando Elf.
Roth me ofereceu um pouco dessa coisa. Peguei, colocando-os em minha
boca. Migalhas caíram em meu colo. Suspirei. Ele não disse nada e eu sabia que
estava esperando.
Passei meus braços em torno das minhas pernas e descansei meu queixo
nos joelhos. — Eu quero ver Stacey.
Seus lábios se franziram. — Não acredito que seja uma boa ideia.
— Eu preciso vê-la, e Sam. Quero ter certeza de que não os infectei —
expliquei. Cayman estava agora surpreendentemente prestando atenção. — Agora
que eu posso ver auras novamente, eu serei capaz de saber.
— Falando em ver auras — começou Roth, — Eu quero que volte a ficar com
Bambi. Ela talvez faça com que suas habilidades mudem, mas te deixará mais forte.
Eu queria tê-la de volta também, e talvez fizesse, mas não até descobrirmos
se era ela que estava fazendo com que a minha capacidade de inalar almas
diminuísse. — Farei isso eventualmente, mas acho que ser capaz de ver almas
agora é importante.
— Isso é. — Disse Cayman, se esticando como um gato. — Mas ver sua
amiga é estúpido. Os Guardiões – seu clã – esperam isso.
Sustentei minha ideia. — Pode ser, mas preciso ver, pelo menos, Stacey.
Ela é minha melhor amiga. Preciso saber se a prejudiquei de algum jeito. Eu... Não
posso ficar sem saber.
Cayman revirou os olhos. — Às vezes, me pergunto se você não é parte
humana.
— Cale-se. — Roth disse, esfregando uma mão sobre sua mandíbula. —
Ok... Eu entendo. Vamos fazer isso, mas devemos ser rápidos e precisamos ter
cuidado. E então, teremos que descobrir para onde ir.
Aliviada, eu relaxo minhas pernas. Gostaria de ver Zayne também, mas isso
não era possível. Isso nunca mais seria possível.
Diante de nós, Cayman suspirou. — Falando de lugares para ir. Ouvi dizer
que o Havaí é muito legal. Não sei vocês, mas me viriam bem umas férias na praia.

***

Nós fomos à casa de Stacey no dia seguinte, uma sexta-feira. Com sua mãe
longe de casa e seu irmão mais novo na creche, lá pelas cinco horas da tarde fomos
capazes de esgueirar-nos para a casa dela e esperar ela chegar.
E por esgueirar-se, eu quis dizer que peguei a chave extra que Stacey
sempre deixava sob a enorme palmeira do vaso de barro no quintal de trás e abri
a porta para entrarmos.
Inalei o leve cheiro de maçãs e abóbora, o cheiro gravado na minha memória.
A mãe de Stacey tinha uma coisa por desodorizador de ambiente e a casa sempre
estava com cheiro de uma tarde quente de outono.
Roth se arrastou atrás de mim e senti que olhava para minha bunda. As
roupas que ele e Cayman arrumaram para mim não eram coisas que normalmente
eu usava. Vestidos, jeans apertados, daqueles que eu tinha que me deitar para
fechar, calças de couro, e um monte de blusas como uma segunda pele.
Hoje eu estou vestindo um par de jeans branco e um suéter preto que me
fizeram sentir como se estivesse a segundos de me despir e encontrar uma barra
de pole dance mais próxima.
Olhei por cima do ombro, e Roth levantou uma sobrancelha enquanto um
lado da sua boca deslizava para cima. — Você pode andar na minha frente?
Ele riu profundamente. — Não nesta vida.
Lançando um olhar rápido, eu corri para a sala de estar. Stacey chegaria a
qualquer momento e com um pouco de sorte, Sam estaria com ela. Tanto Roth
quanto eu imaginamos que seria mais seguro não dizer a ela que viríamos, e
rodeamos o bairro dela uma meia dúzia de vezes antes de estacionar três quadras
mais abaixo. Roth sentiu que seu Porsche chamava muita atenção, por isso havia
pedido o carro de Cayman emprestado.
Que era um Mustang vintage. Sim, realmente discreto.
Sentei-me na beira do sofá, segurando minhas mãos.
Roth estava perto da lareira de pedra a gás. — Quer ser travessa e fazer
neste sofá?
Minha boca se abriu.
— Ou podemos fazer nos balcões da cozinha. — Ele piscou. — É claro que
nos quartos poderíamos não apenas se tornar impertinente, mas também muito
sujo.
Calor coloriu para minhas bochechas e ele riu. — Você deveria ver a
expressão do seu rosto.
— Você é um pervertido — eu disse, lutando contra um sorriso.
Roth deu de ombros. — De todas as formas que alguém poderia me chamar,
essa dificilmente é a pior.
— E provavelmente a mais verdadeira — murmurei.
Ele riu novamente.
Da frente da casa, ouvi a porta sendo aberta e cambaleei para os meus pés.
Comecei a avançar, mas Roth me segurou. Foi para a entrada da sala antes que eu
desse mais um passo.
Stacey gritou no corredor. — Mas que diab...? Merda, Roth você me
assustou!
— Desculpe — ele falou suavemente.
— Onde você esteve? Onde está Layla? Como você fez...? — A voz dela foi
desaparecendo quando ela chegou à entrada.
Sorri quando a vi, as pernas enfraquecendo de repente. Foi um alívio... Um
doce e bonito alívio. Sua aura estava lá, como sempre foi – um tom suave de verde.
Não era uma alma pura, absolutamente, mas estava bem. Eu não entendia como,
porque estive em contato constante com ela, mas era normal e era tudo que
importava.
Sua mochila caiu no chão quando ela me viu. — Oh, meu Deus, Layla, onde
você esteve? Estive tão preocupada! — Ela correu, mas levantei a mão, mantendo-
a longe. Ela parou de repente. — O quê?
— Não fique muito perto. Eu sou... Bem, eu não sei se é seguro para você.
Ela franziu o cenho enquanto observava Roth e depois a mim. — Por que
não é seguro estar perto de você? E onde diabos você esteve? Todo mundo está
preocupado. Sam acha que você foi sequestrada por essas pessoas da Igreja e
Zayne esteve...
— O que tem ele? — Roth interrompeu, aproximando-se de Stacey. Sua voz
tinha um tom cansado. Tensão pingava dele.
Os olhos de Stacey se arregalaram quando ela recuou. Ela engoliu em seco.
— Ele veio aqui mais do que algumas vezes, perguntando se eu ouvi alguma coisa
sobre Layla. Isso é tudo.
Meu coração batia contra minhas costelas como um animal selvagem
tentando escapar de uma gaiola. — Como... Ele parecia bem?
Ela parecia ainda mais confusa com a pergunta. — Ele parecia normal.
Apenas realmente preocupado e chateado. Como eu. — Seus olhos foram para Roth.
— O que está acontecendo, pessoal?
— Quando foi a última vez que Zayne veio aqui? — O fato de Roth não se
referir a ele como Stony mostrou o desespero da situação.
— Ele veio ontem, por volta desse horário. Ele tem passado todos os dias
desde...
Roth praguejou enquanto virava para mim. — Eu disse que isso era uma
má ideia. Temos que ir embora.
— Espere! — Stacey gritou, entrando na frente dele. — Ninguém vai embora
até que me digam o que está acontecendo!
— Temos tempo — eu disse a Roth. — Ninguém quebrou as portas ainda.
— Sim, agora. — Ele olhou para mim, os ombros rígidos. — Eu sei que você
não quer pensar nisso, e embora eu não ache que ele seja capaz de feri-la
intencionalmente, eu não posso dizer o mesmo dos outros que o seguirão. Eles
provavelmente o têm seguido cada vez que vem aqui.
— Eu sei disso, Roth. Não sou estúpida. Sei que temos que sair logo, mas
Stacey merece saber o que está acontecendo.
— Malditamente certo — disse ela, levantando a voz. — Príncipe Herdeiro
ou não, você poderia se sentar e calar a boca?
As sobrancelhas de Roth subiram para a testa e depois ele riu. — É uma
coisa boa que eu goste de você.
— Todos gostam de mim — respondeu ela. Em seguida, respirou
profundamente e olhou para mim. — O que aconteceu?
— Você pode querer se sentar para ouvir isso — sugeri.
Por um momento, parecia que ela queria discutir, mas finalmente sentou-
se. Dei um rápido resumo do que aconteceu, sem dar muitos detalhes sobre as
partes da jaula ou da tortura. Isso não era algo que eu queria reviver. No momento
em que terminei, ela estava pálida e agitada.
— Deus, Layla, eu... Não sei o que dizer. Eu quero te dar um abraço, mas
você ficará louca se eu me aproximar, não é?
Mordi o lábio. — Não sei exatamente como estou infectando pessoas, mas...
Tem que ser eu.
As lágrimas enchiam seus olhos escuros. — Não. Eu me recuso a acreditar
nisso. Não está em você, mesmo você não sabendo como isso está acontecendo.
Eu sorri; realmente ansiosa para abraçá-la. — Obrigada, mas...
Ela balançou a cabeça. — Não faz sentido. Por que não me infectei? Ou Sam?
Você está perto de nós mais do que ninguém.
— Não sabemos — disse Roth. — Mas isso é algo que vamos tentar descobrir.
Ela passou o dorso das mãos por baixo dos olhos, fungou e depois deixou
cair às mãos no colo. — O que vão fazer? Vocês não podem simplesmente ir embora
assim.
Meu estômago doeu. — Eu tenho que ir, Stacey. Pelo menos até sabermos
como estou fazendo isso.
— E a escola? Você não vai se formar. O ensino médio, Layla.
— Acho que ela sabe disso — Roth respondeu secamente. — Mas obrigado
por apontar isso.
Sua boca tremeu. — Sinto muito, mas isso é apenas uma grande coisa. O
que você fará com sua vida? Como você vai...?
— Ela ficará bem — Roth disse com firmeza.
Suspirei. — Ainda não sei. Talvez eu possa conseguir meu exame pré-
universitário e ter aulas da faculdade on-line até resolver isso.
Stacey se levantou de sua cadeira, balançando a cabeça. — Isso não está
certo.
Não, não estava.
Ela começou a andar. — Deve haver algo que possamos fazer. Isto não pode
ser a sua única...
Roth endureceu, como se concreto tivesse sido derramado por sua espinha.
Ele xingou enquanto se virava para mim. Eu já estava de pé, porque só uma coisa
poderia provocar tal reação.
— O que foi? — Stacey perguntou, olhando ao redor.
— Há um Guardião próximo – bem perto — respondeu Roth.
Minhas mãos se fecharam enquanto a estática dançava sobre minha pele.
— A que horas você disse que Zayne geralmente chega?
— A essa altura, talvez um pouco mais tarde. — Seus olhos se abriram. —
Ele nunca a machucaria, Layla.
— Eu sei — eu disse, esperando que estivesse certa. Não tinha nem ideia
de como Zayne me veria agora, apos feri-lo.
— Um Guardião saberá que estamos aqui. Será capaz de nos sentir. — Roth
se virou; seus traços afiando-se. — Isto será...
A porta se abriu de repente e Stacey gritou. Vinha da parte de trás da casa,
a mesma pela qual entramos e trancamos, como se tivéssemos sido rastreados até
a porta. Mas sabia que Zayne era ridiculamente perito quando se tratava de forçar
fechaduras. E sabia que era ele. O tênue aroma de inverno e hortelã brincava com
meus sentidos.
Roth estava de repente na minha frente, mas o rodeei. Eu não iria me
acovardar e me esconder. Justamente enquanto meu coração saltava em minha
garganta, uma sombra caiu sobre a entrada da sala de estar e logo Zayne estava
ali.
Eu tinha a sensação de que se uma centena de pessoas estivesse na sala,
eu ainda o teria encontrado imediatamente. Seu olhar fixo no meu, e a primeira
coisa que notei foi sua aura. Ainda era branca e formosa, mas havia se apagado
um pouco, como uma lâmpada prestes a derreter. E ele parecia terrível.
Manchas escuras se arrastavam sob seus olhos como uma fraca mancha
de tinta. Barba de três dias cobria suas bochechas geralmente suaves e havia
tensão em sua mandíbula. Eu fiz isto a ele quando tomei uma parte de sua alma?
Zayne tropeçou enquanto dava um passo para mim, e era como se não eu
pudesse me afastar. — Layla — disse; a única palavra soando quebrada. Era como
um arco se quebrando. Um pouco da tensão em seu corpo foi filtrada. Seus ombros
caíram.
— Você foi seguido? — Roth perguntou.
Tudo que ele fez foi olhar para mim com o rosto pálido e seu peito subindo
em respirações profundas.
Um rosnado baixo emanou de Roth. — Você foi seguido?
Stacey deu um passo saudável para trás. — Sinto que preciso ficar fora do
caminho.
Zayne negou com a cabeça. — Não.
Sua resposta não fez nada para aliviar Roth. — Como você pode ter certeza?
— Eles não têm nenhuma razão para me seguir — ele disse e depois piscou.
— Deus, Layla, eu... Eu sinto muito.
Desconcertada, coloquei minha mão sobre meu peito. — Porque se desculpa?
Eu te machuquei...
— Eu sei o que eles fizeram com você. — Finalmente, ele olhou para Roth.
— O que quer que você fez, a ajudou, obrigado. Nunca poderei te pagar por isso.
Nunca.
Whoa.
Até mesmo Roth parecia um pouco fora do seu jogo com isso. Não houve
resposta inteligente-idiota. Tudo que ele fez foi acenar, e o olhar de Zayne se voltou
para o meu. Ele balançou a cabeça, e meu peito se apertou.
Uma batida na porta levantou os cabelos do meu pescoço.
— Isso não seria um Guardião, certo? — Stacey perguntou. — Duvido que
batessem, certo?
Zayne não tirou seus brilhantes olhos verdes azulados de mim. — Não
bateriam, mas estou dizendo a você, eu não fui seguido. Eles pensam... Eles acham
que ela está morta.
Os lábios de Roth se curvaram, expondo as presas. Ele caminhou na direção
de Zayne, e eu sabia que mesmo que ele estivesse ciente de que Zayne não foi
responsável por coisa alguma, queria derramar sangue por isso – sangue de
qualquer Guardião.
Avançando, eu segurei o braço dele. — Não. Você sabe que isso não é culpa
dele. Não lute com ele. Por favor.
Ele olhou para Zayne e se inclinou, para que quando falasse, seu fôlego
dançasse ao longo de minha têmpora. — Só porque você pediu isso. Só por isso.
Zayne fechou os olhos. A batida veio novamente.
— Uh, vou atender isso — disse Stacey, e logo murmurou, estranho.
Roth se liberou. — Vou com você. — Ao passar por Zayne, deu-lhe um olhar
de advertência. — Não me faça lamentar o fato de que eu deixarei você continuar
respirando.
Um músculo saltou em sua mandíbula, mas Zayne manteve os lábios
selados. Uma vez que Roth e Stacey iam para o corredor, dei uma respiração que
não precisava.
— Eu... Não sei o que dizer — sussurrei, dobrando os braços em volta da
minha cintura. — Mas sinto muito por ferir você. Não quis fazer isso. Eu sei que
mesmo parecendo que você esteja bem, o que fiz foi tão...
— Pare — disse Zayne, e sua voz se quebrou. — Pare de se desculpar, Layla.
Nada disso foi culpa sua. Você não entende. Aconteceram tantas coisas. — Ele
parou, dando um passo a frente. — Não me importa o que você fez ou o que
aconteceu, mas não é você. Não pode ser.
— Zayne — sussurrei, supliquei na verdade.
— Há um espectro na casa — ele continuou, e pisquei, sem saber se ouvi
bem. — Era o Petr. Geoff o apanhou em uma câmera não muito tempo depois do
que... Deus, o que meu clã – seu clã – fez a você... — ele engoliu grossa saliva e
jurava que seus olhos estavam brumosos. — Eles pensam que você está morta.
Nicolai não sabia se Roth conseguiria te salvar a tempo, mas eu sabia que não
estava morta. Eu saberia aqui. — Ele bateu a mão contra o peito. — Eu saberia se
uma parte do meu coração tivesse partido.
Respirei fundo enquanto as vozes no corredor se aproximavam, e então
Stacey e Roth retornaram. Atrás deles estava um alto e magro Sam, e o ar deixou
os meus pulmões como se alguém tivesse chutado o meu peito.
Meus joelhos tremeram enquanto dava um passo para trás e meu cérebro
não queria processar o que via, mas não havia como negar. Em meu peito, meu
coração se quebrou, completamente aberto.
As sobrancelhas de Zayne se arquearam enquanto se focava em mim. —
Layla?
A sala girou um pouco. Estava vagamente consciente de como Roth se
movia, inclinando seu corpo contra o meu, mas até a última gota do meu ser estava
focada em Sam.
Ele estava na porta e inclinou a cabeça para um lado, sua expressão vaga
e um pouco curiosa. Tudo nele parecia normal. Normal para os padrões do novo
Sam – o cabelo artisticamente desarrumado, roupas elegantes, e a confiança
brilhante que usava como um par de jeans de grife muito caro. Sam havia mudado.
Mas não era normal, absolutamente.
Seu sorriso se espalhou, fazendo seus olhos brilharem. — Layla? Você está
bem?
O tom de sua voz era como ter as unhas de alguém rastejando através da
minha pele. Respirei fundo e, de repente – oh meu Deus – de repente entendi. Tudo
fez sentido de uma maneira repugnante. Não pude ver até agora.
— Eu sei — sussurrei, horrorizada.
Confusão marcou as feições de Stacey enquanto ela cruzava os braços. —
Sabe o quê?
— Ah. — Sam murmurou baixinho. — A luz se acendeu. Já era tempo,
porque eu estava seriamente começando a duvidar da sua inteligência, irmã.
Gelo estalou na sala enquanto a compreensão alcançava Roth, que rosnou
baixo em sua garganta.
O olhar de Sam se desviou para onde Roth estava, mas parecia totalmente
não afetado pela violência rodando o Príncipe Herdeiro. Mas fiquei espantada, e se
pensei que meu mundo havia se partido antes, eu estava errada. Ele se partiu em
pedaços agora.
Não havia aura em torno dele. Nada. Tal como acontece com Roth, e todos
os demônios, era apenas um vasto espaço vazio. Mas em Roth era esperado. Não
em Sam.
Sam não tinha alma.
Oh, mas era mais do que isso. Um ser humano simplesmente não perdia
sua alma. Ou tinham uma ou não tinham, e se não tivessem, estavam mortos –
eram espectros. Só algo desumano poderia oscilar o resplendor sem alma. Ou algo
totalmente possuído.
Zayne disse que era um fantasma no complexo. Petr que estava fazendo
essas coisas. Não eu. E as palavras da velha bruxa ressurgiram. Nós entendemos
o que ela disse completamente errado. O que procurávamos estava bem na nossa
frente esse tempo todo, e era alguém que sempre esteve ao meu redor, que tinha
contato com as mesmas pessoas que eu. Eu até mesmo pensei nisso quando
descobri que a moça no Palisades estava morta – a única outra opção era que Lilin
estivesse me seguindo por aí, mas descartei essa ideia, pensando imediatamente o
pior de mim.
O Ritual de Paimon funcionara naquela noite, que agora parecia ter
acontecido um longo tempo atrás. Nunca foi minha virgindade a chave para o feitiço.
Cayman estava enganado quando disse que deveria ser um pecado carnal. Meu
sangue foi derramado naquela noite, havia queimado até o chão, e havia um casulo
no porão da escola, que era uma parte do ritual – meu sangue precisava ser
derramado.
Bambi afetara minha capacidade, mas apenas para melhor, eu percebi. Ela
não era a causadora de eu estar sugando almas pelo simples fato de estar com
outras pessoas. Ela me ajudou, porque todas as coisas terríveis não fui eu, mas
não senti nenhum alívio.
— Todos, incluindo o seu clã e os amores da sua vida, pensaram que era
você. — Sam começou a rir, e essa risada soava como a dele. Era a dele, mas o que
estava atrás de sua pele não era o menino que eu conhecia. — Até você pensou que
fosse você mesma. E isso é um pouco triste, na verdade. Leva a baixa autoestima
a um nível totalmente novo.
— Sam — Stacey engasgou, pressionando a mão contra o peito. O sangue
drenado do seu rosto. — Do que você está falando?
Suas pupilas dilataram sua íris, tornando seus olhos fragmentos de
obsidiana. Seus traços permaneceram o mesmo. Não. Sam não perdera sua alma.
Ele não estava possuído. Era pior do que isso, porque o que estava em pé na nossa
frente já não era Sam. Já não era por algum tempo agora.
Sam era o Lilin.

FIM!

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