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Ele respondeu. Às minhas palavras.

SONG OF THE SKY FALLEN BOOK 1


HEART STALKED - KERI ASHE

Ela pode tentar fugir, mas eu a alcançarei. E então


reivindicarei minha companheira, para sempre.
Minha Garota Crepúsculo caiu do céu com outras de seu
estranho e suave clã. Eu matei aqueles que ousaram machucá-la, casei
comida para ela, segurei-a quando estava ferida.
Cada respiração dela, cada olhar só me deixa mais forte,
deixa meu sangue queimando. Quando estou perto, posso sentir seu
aroma, ver o brilho de seus olhos quando nos tocamos.
E, no entanto, ela se afasta de mim.
Logo chegará a noite da caça aos parceiros. Em troca da
segurança das outras mulheres, ela correrá, perseguida pelos machos
escolhidos da minha tribo. Mas isso não importa.
Ninguém tocará na minha Garota Crepúsculo.
Ninguém além de mim.
Heart Stalked é o primeiro livro de uma trilogia de
romance de ficção científica fumegante. Aviso - esta é a primeira
parte da história de Samantha e Jannik. Cuidado com o
penhasco!
ESTÁ TRADUÇÃO FOI FEITA
PÔR FÃS E PARA FÃS.

Nós realizamos esta atividade sem fins lucrativos


e temos como objetivo incentivar a leitura de autores cujas
obras não são traduzidas para o PORTUGUÊS.
O material a seguir não pertence a nenhuma editora
NO BRASIL, e por ser feito por diversão e amor à
literatura, pode conter erros.

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PRELÚDIO

Sim, eles brilhavam no escuro, vorazes. Eu tremi quando eles


se fixaram nos meus, me atraindo.
Parte medo, parte desejo instintivo enquanto os olhos
brilhantes do predador perfuravam a noite tempestuosa - um predador
que havia capturado sua presa.
Eu.
Ele se colocou sobre mim, me prendendo com seu peso em
um ninho de folhas e galhos no chão de uma caverna.
Sua respiração quente acariciava minha pele, ele estava tão
perto. Seu olhar percorria, avaliando meu corpo seminu. Seus dentes se
mostravam satisfeitos.
A luz da abertura da caverna contornava sua pele levemente
verde, destacando sua forma imponente, o leve ondular dos músculos
pesados. Ele estava em toda parte, me segurando. Eu não podia
escapar. Será que eu realmente queria?
Eu estava sozinha com ele, a anos-luz da civilização, sua
prisioneira neste planeta primordial. Sua respiração desceu pelo meu
pescoço, e ele inalou profundamente, capturando o meu aroma. Ele
enterrou o rosto em meus cabelos e minhas mãos se moviam contra seu
peito, pedaços de músculos como pedra sob a pele ligeiramente macia.
Nada para detê-lo.
Não havia chance de detê-lo.
Meu corpo reagiu ao seu beijo repentino e apaixonado, algum
instinto profundo se acendendo com seu toque. Eu agarrei seus longos
cabelos escuros, me entregando ao beijo.
Ele me tinha capturado e agora, seguindo os tremores
internos, eu me rendi. Sua boca deixou a minha, explorando meu
pescoço, minha garganta. Será que ele sentia o pulsar do meu coração
sob sua língua, a forma como ele se acelerava?
Minha reação era puramente instintiva, e minha resposta me
surpreendeu, me chocou.
— Eu quero você. — eu sussurrei.
De repente, tentáculos espessos se espalharam de sua forma
sombria. Retorcendo-se, ondulando, eles se contorciam em direção a
mim. Quentes e firmes, eles se enrolaram em torno dos meus pulsos,
puxando meus braços com força sobre a minha cabeça. Eu tentei me
soltar, mas não consegui quebrar o aperto de aço.
Ele me estudou, seus olhos brilhantes se intensificando à
medida que eu lutava. Satisfeito por eu estar indefesa diante dele, seu
rosto se aproximou. O próximo beijo, embora mais suave, exigia mais de
mim. Línguas em conflito, eu devolvia sua paixão, a minha própria
aumentando.
Amarrada e segura para ser possuída por ele, meus quadris
se contorciam por conta própria. Enquanto eu me arqueava contra ele,
uma pressão mais firme enviava faíscas pelo meu corpo. Seu joelho se
movia entre as minhas pernas insistentemente, não como o toque de um
amante terno.
Eu estava exposta a ele, espalhada diante dele, sob ele. Eu
sempre achei que esse tipo de dominação fosse vergonha para mim.
Eu era uma mulher competente e inteligente, não brinquedo
de homem algum. Eu não seria possuída.
No entanto, minhas lutas inúteis apenas desencadearam
uma necessidade, uma sede por ele. Destrua-me, eu não me permitiria
dizer. Sua natureza alienígena deveria ser tabu.
A natureza proibida do meu desejo apenas intensificava a
chama crescente dentro de mim.
Beijando-o, acorrentada mas compelida a machucar seus
lábios com os meus, senti a inundação me dominando. Deixe minha
boca, esmagada contra a dele, implorar por seu amor indomável.
Fora da caverna, a tempestade se intensificava, vento
chicoteando, chuva cortando. Isso não se comparava à torrente de
luxúria crescendo dentro de mim.
Seu pulso acelerado, sua respiração acelerada, provavam
que ele sentia o mesmo. Nossas necessidades se entrelaçavam como
videiras lutando pela luz do sol.
Ele se afastou do beijo, mas eu tentei segui-lo, mordendo seu
lábio e pressionando meu corpo contra o dele. Sua mão me segurava
enquanto sua boca continuava sua exploração implacável, sua língua
áspera e ansiosa contra meu pescoço, meu ombro, meu peito. Uma mão
se aventurou no tecido frágil do meu xale, e eu estremeci com
antecipação.
Como eu cheguei até aqui, neste ninho selvagem, à mercê
desse homem cruel? Isso não fazia parte do plano, mas agora parecia
ser todo o plano.
Ele se ergueu sobre mim, seus estranhos olhos queimando
nos meus. Eu tremi sob seu olhar, como se ele pudesse enxergar minha
alma.
Eu ansiava por ele, ansiava pelo seu toque.
Compartilhamos um vínculo primal, e ele correspondia a
cada um dos meus desejos com sua resposta selvagem. Lábios, língua,
dentes. O animal dentro de mim despertava, tornando cada desejo mais
primitivo e brutal. Ele me tomaria, e eu pertenceria a ele.
Seu peito ronronava enquanto ele falava, sua voz baixa e
ameaçadora.
— Você me excita. — disse ele com um meio sorriso; o sem
graça meio sorriso quente, hedonista, liberando lentamente das
profundezas do inferno. Seus olhos faiscavam com uma fome primal,
mas eu não tinha certeza se fome era a palavra certa. Se fome
significasse anseio, obsessão desenfreada, possessividade
desavergonhada... claro. — Não vou prometer ser gentil. — acrescentou.
Ele estava falando sério.
Como isso tinha acontecido comigo?
E por que eu queria tanto?

Minha única resposta foi a rendição.


01 - SAMANTHA

— A comida aqui é uma merda. — eu disse. — Gostaria de


fazer uma reclamação à administração.
Lizzy sorriu.
— Fique feliz por estar muito magra para comer. —
Elizabeth Neal, outra terráquea, agora membro do meu pequeno grupo
de conhecidos.
Não amigos.
Assim que essa viagem acabasse, nenhum de nós se veria
novamente. Era melhor manter uma abordagem casual.
O rosto de Lizzy era suave, seus olhos azuis lhe dando uma
aparência doce por baixo daquelas franjas loiras. No entanto, sua
língua era afiada como uma espada.
Catherine Roche, companheira humana, bufou.
— Fale por você. Eu poderia usar um pouco de carne fresca.
— Ela puxou seus longos cabelos ruivos para trás em um rabo de
cavalo feroz e apertado.
Embora eu tenha passado minha vida sob a sombra de
árvores inchadas e distorcidas, caçando, coletando e sobrevivendo, a
viagem espacial se mostrou entediante além da conta.
As poucas mulheres humanas coletadas pelos
intermediários de noivas da Grande Aliança Galáctica se juntaram a
mim. As fêmeas de outras espécies, que pareciam relativamente
semelhantes, se agrupavam em suas próprias panelinhas.
Devido às armas biológicas letais que ainda vazavam nos
céus escuros, a população feminina da Terra diminuía a cada geração,
não me dando muita chance de me misturar com outras garotas.
— Falando em comer, já está quase na hora da gororoba?
Estou morrendo de fome. — Shorena era uma catadora de uma das
cidades caídas. Nunca perguntei qual. De um jeito mal-humorado, a
jovem com um corte de cabelo curto apenas sombreado era pelo menos
pragmática.
— Talvez não devêssemos falar sobre comida. — eu disse,
olhando para um dos predadores.
— Certo. — disse Shorena. — Vamos falar sobre nossos
queridos maridos.
Eu fiz uma careta enquanto ela continuava, expressando
em voz alta as preocupações que eu estava tentando esconder no canto
mais distante da minha mente.
— Talvez ele não te prenda a um arado em algum planeta
maldito fora do núcleo galáctico. As criaturas masculinas que nos
compram são alienígenas. Eles não pensarão como nós. É melhor se
preparar.
— Sobre o que vocês, macacos, estão conversando? —
Lilstra se aproximou sorrateiramente. Eu sabia que a conversa sobre
comida a atrairia. Seus traços eram felinos, com enormes olhos verdes,
e pelo azul-negro a cobria por completo. A mesa onde criaturas
semelhantes se agrupavam observava. Algum tipo de desafio, embora
soubéssemos que ela não faria nada de verdade.
O contrato exigia que todos nós chegássemos ilesos ao leilão
e os guardas da GGA estavam sempre atentos. Eles prenderiam Lilstra
e a jogariam na prisão pelo resto da viagem se ela saísse da linha.
— Sempre blá-blá-blá com vocês primatas.
Ela fez um gesto familiar, sua mão formando uma boca
como uma marionete. As garras meio retraídas tornavam o movimento
zombeteiro um pouco assustador.
— Macacos? — Elizabeth sorriu. — Você é a única com um
rabo, Lilstra.
As garras meio retraídas se estenderam completamente, os
olhos da felina se estreitaram.
— Animal presa. Não é de admirar que você tenha destruído
sua casa.
Lizzy se levantou.
— Como a GGA aceitou uma gata feia como você como
noiva?
O tradutor inserido cirurgicamente atrás da minha orelha
direita formigou. Ele fazia isso quando as palavras se tornavam
desafiadoras de traduzir.
Como insultos.
Então eu perdi a resposta de Lilstra, e provavelmente foi
melhor assim.
— Hora da comida! — Jeannie disse animadamente
enquanto robôs de serviço entravam na sala de jantar com tijolos
marrom de nutrientes empilhados em bandejas. A felina fez uma careta
e voltou para sua mesa. Se você não estava sentado, não era
alimentado.
A máquina largou uma carga de tijolos de comida em nossa
mesa. Supostamente, eles eram formulados para fornecer nutrição
para várias espécies a bordo. Se você acreditasse nisso...
— Bon appétit. — eu disse, embora, na verdade, eu já
tivesse comido coisas piores.
Mastigamos nossos tijolos, mais ou menos apenas para ter
algo para fazer. As cabeças se viraram quando um dos membros da
tripulação da GGA entrou na área de refeições. Todos eles usavam
trajes ambientais vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana,
ou como eles marcavam o tempo nesta nave. Ainda tínhamos que
aprender como eles realmente se pareciam.
Por um tempo, fiquei olhando para as noivas selecionadas
pelos corretores. Era uma mistura de espécies, a maioria das quais eu
não conseguia identificar. A Terra não estava em contato com a GGA
há muito tempo, e minha vida na natureza selvagem não me manteve
atualizada com as últimas notícias.
De repente, Lilstra ergueu os olhos de seu tijolo. Suas
orelhas se contraíram.
— O que é isso?
As outras trocaram olhares.
— Você ouviu alguma coisa? — perguntou Isabel.
Então todos nós sentimos a superestrutura da nave de
carga tremer. Tremer era ruim.
O transporte além da velocidade da luz sempre era suave.
Tinha que ser. Um murmúrio se espalhou entre as mulheres ao meu
redor e todas se voltaram para uma pseudo-porta.

Quando olhei, entendi o motivo.


02 - SAMANTHA

Um impacto e então a sensação doentia de cair no espaço


regular quando, inesperadamente, um planeta preencheu a tela.
Consegui ver várias luas, mas meus olhos foram atraídos por algo
muito mais importante.
Um monte de sucata de uma embarcação estava atacando,
mas se os proprietários não tivessem investido em beleza, eles
certamente colocaram todo o dinheiro em armas.
Uma descarga maciça atingiu nossa nave, fazendo-a girar
longe do planeta, e então as telas se apagaram, assim como as luzes.
Todos na sala começaram a gritar, enquanto faróis de
emergência em vermelho se acenderam nos cantos.
— Jeannie, cale a boca! — gritei. — Todas vocês, debaixo
da mesa!
Do alto vinham os rangidos e gemidos de metal desgastado
e os alto-falantes anunciavam ordens.
Violação do casco na doca frontal! Perdemos energia no
gerador de campo! Estações de batalha! Toda a tripulação nas estações
de batalha! Homens nos canhões traseiros! Ajustem os propulsores
retrógrados!
O telhado arqueado caiu em placas separadas, caindo sobre
nós. Com estrondos enormes, as chapas batiam e caíam na mesa sobre
nossas cabeças. Na penumbra, destroços caíam sobre uma mesa de
mulheres alienígenas, enterrando-as instantaneamente.
— Aguentem firme! — Agarrei a mão mais próxima,
enganchando meu pé no suporte da mesa. — Todo mundo, pegue quem
está ao seu lado.
As felinas, agindo por instinto, mergulharam debaixo de
sua própria mesa quando destroços pesados caíram. Em seguida, os
geradores de gravidade falharam e os destroços ricochetearam no chão
e giraram no espaço danificado.
Os destroços flutuantes diminuíram à medida que
ricocheteavam pela sala danificada, eventualmente flutuando em
direção à parede de estibordo. A gravidade do planeta, supus eu, mas
o que eu sabia? Este não era exatamente o momento de descobrir a
física planetária.
Figuras flutuavam na escuridão, membros se debatendo, e
meu pequeno grupo se segurava firme contra o perigo que rodopiava e
flutuava ao redor.
As portas do compartimento de carga se abriram com
violência, a luz do corredor projetando sombras dos piratas. Figuras
imponentes adentraram, suas cicatrizes de batalha substituídas por
partes robóticas até que cada um deles fosse repleto de armas e
armaduras.
Eu consegui ver o rosto de um deles à luz. Cobrindo minha
boca para evitar gritar, observei horrorizada. Uma boca como a de um
peixe das profundezas e olhos brilhantes para combinar, presas que se
entrelaçavam quando fechava sua horrível mandíbula.
Empunhando armas e holofotes, eles avançaram, cada um
mais assustador que o anterior. Pele cinza e manchada espreitava por
trás de uma armadura improvisada de metal. Feixes de luz
atravessavam a sala, parecendo sólidos na fumaça e névoa, enquanto
olhos reflexivos absorviam sua carga capturada.
As solas de suas botas batiam no chão. Magnetizadas, sem
dúvida. Varrendo a sala com armas que pareciam montadas com
sucata metálica, eles apontaram suas luzes para capacetes deformados
e puxaram longos chicotes de seus cintos.
— Atenção, escravos. — Uma voz ressoou, oca,
assustadora, mesmo no tradutor.
Uma das mulheres sem nome, vestida com um traje
espacial, correu em direção à porta. Uma criatura blindada girou e
disparou sua longa arma. Silenciosamente, um buraco se abriu no traje
da mulher. Um fluido escuro borbulhou e flutuou no ar. Ela não caiu.
Seus joelhos cederam, mas a falta de gravidade a deixou suspensa.
— Escravos? — Lizzie disse por entre os dentes.
Estendi a mão para ela. Embora mal a conhecesse, não
queria que ela morresse.
— Vocês virão conosco. Resistência é morte.
Enquanto eu observava, um dos piratas estalou seu chicote
em uma das fêmeas felinas. Ele envolveu seu pescoço e a puxou,
flutuando, atrás dele. Mais chicotadas, mais cativos capturados. Os
piratas eram eficientes e brutais.
Um chicote estalou em volta do meu pescoço. Fui puxada
para a frente, impotente na gravidade zero.
— Você não é tão valiosa assim. — disse meu captor por
cima do ombro. Ele puxou com força na coleira. — Lembre-se disso.
Em vislumbres, vi o restante das noivas sendo arrastadas
para fora da câmara. Lilstra lutava, tentando se libertar, e recebeu a
coronha de uma arma em seu rosto por seus esforços. O pirata a
arrastou, inconsciente.
Marinheiros mortos da GGA pendiam no corredor. Nossos
captores passavam por cima de seus corpos sem vida, ao redor dos que
flutuavam. Então, o pirata na ponta da minha coleira pisou na perna
de um homem e, através de uma rachadura irregular em seu capacete,
vi os olhos do homem se abrirem. Ele olhou para mim, erguendo as
marcas azuis em sua testa, e depois fingiu estar inconsciente
novamente.
Contive-me para não responder. Esperança, pensei. Há
esperança.
Assim que os piratas deixassem a área, ele poderia pedir
ajuda. A Grande Aliança Galáctica era implacável em sua resposta à
pirataria. Todos poderíamos ser salvos.
O assobio do ar escapando, sinal certo de vazamento na
atmosfera, era explicado pelo tubo de abordagem que os piratas haviam
enfiado no casco da nave de carga.
Uma vez dentro da nave enferrujada e fedorenta, a
gravidade voltou a agir. Eu sentia como se pesasse uma tonelada de
repente, mas consegui manter os pés firmes. Até mesmo tropeçar
poderia atrair sua ira.
Fomos arrastadas, tropeçando, diante de uma enorme
janela circular enquadrando o planeta, vasto e próximo, e suas luas
orbitantes. A superfície brilhava, com tons de verde e azul e o branco
das nuvens. Era apenas um vislumbre. Algo sobre isso…
O chicote em volta do meu pescoço me puxou para a frente.
— Há espaço para todas as fêmeas na prisão? — uma voz
mecânica e oca disse atrás de mim.
— Se não houver, mate as últimas e coloque-as em uma
câmara de descompressão. — respondeu um pirata. — Precisamos
partir antes que o GGA saiba dessa invasão.
Fomos puxadas e arrastadas por uma passagem estreita de
painéis enferrujados e soldados de metal desigual, depois viramos em
um corredor ramificado e entramos em uma pequena câmara. Fui
empurrada para dentro, colidindo com a mulher na minha frente.
— Mova-se para trás! — ordenou uma voz ecoante. Quando
tentei incentivar a pessoa na minha frente a avançar mais, senti uma
dor ardente nas costas antes do estalo de um chicote. — Eu disse,
mova-se para trás, escravas!
Nos apertamos no espaço apertado. Atrás de mim, ouvi o
barulho e batida de uma porta de aço, mas a sala estava muito cheia
para virar.
— Está muito apertado aqui. — uma voz gritou. — Não
consigo me mexer!
— Cale a boca! Você não ouviu quando disseram que nos
jogariam para fora de uma câmara de descompressão? — uma voz
respondeu. — Apenas siga em frente!
Em algum lugar à frente, uma porta se abriu. Nossa
passagem arrastada continuou. Seria para uma câmara de
descompressão?
Seríamos sugadas para o vácuo, sem sermos consideradas
dignas de ser mantidas? Então, vi as celas. Uma das gaiolas já estava
cheia, então entrei na próxima, um grupo logo atrás de mim sob o
incentivo de um golpe de chicote.
Daqui, eu podia ver o transporte de carga através de
escotilhas estreitas. Havia duas marcas que pareciam carbonizadas e
derretidas. Uma estava perto do propulsor estelar, a outra parecia uma
mordida tirada da ponte. Enquanto eu observava, o tubo de abordagem
se soltou do casco do transporte e lixo e gás escaparam para o vazio.
De repente, uma comunicação estalou em vida, cheia de
pânico.
— Manobra evasiva! Manobra evasiva! Propulsores do lado
esquerdo…
03 - JANNIK

Eu permaneci imóvel, absorvendo os sons dos animais


noturnos. Duas luas nessa noite - uma noite para caçar.
Em algum lugar à frente veio o barulho do movimento.
Eu já tinha visto seu rastro - um jaroor de caça noturno.
Feras perigosas, uma confusão de presas afiadas e chifres na frente,
cauda espinhosa atrás e uma massa de morte muscular no meio.
Muitos caçadores foram mortos por um jaroor. Não era
proibido pela lei tribal rastreá-lo, mas não era recomendado. Um lado
da minha boca se curvou para cima.
Recomendado ou não, os corações deles eram deliciosos
quando espetados e assados.
Sem precisar de instruções, meus homens flanqueadores
avançaram.
Sombra entre sombras, Takka se aproximava
silenciosamente à sua direita enquanto Adak se movia sorrateiramente
entre os troncos à sua esquerda.
No centro, mais uma vez assumi a liderança.
Havia aqueles no grupo de caça que se opunham à minha
liderança. Por sua vez, eu me opunha à presença deles.
Como filho do chefe, era meu dever - meu direito de
nascença - liderar. Não havia necessidade de tantos se juntarem a mim.
Um grito lamentoso de voadores ecoou acima. Fora isso, a
floresta estava em silêncio.
Continuei avançando, ouvidos atentos, então, o som de
estalos e ruídos de movimento à frente.
Silenciosamente, me apressei.
A besta estava a favor do vento. Se o ar mudasse, tudo
estaria perdido. Precisávamos diminuir a distância.
Adak apareceu na bifurcação de um galho, segurando-se
com as gavinhas de caça, gesticulando. Eu assenti e corri adiante.
O terreno inclinava-se para cima, uma colina coberta de
árvores espinhosas e arbustos rasteiros, o tipo de território que um
jaroor procurava. Aqui, ele poderia dormir, sabendo que estava
protegido pela vegetação hostil que o cercava.
A única maneira de atravessar um emaranhado como esse
era pelas copas das árvores, a meio caminho entre a cobertura do solo
e os espinhos.
Eu subi e me movi silenciosamente ao longo de um galho
até que ele se cruzasse com outro, adentrando ainda mais em seu covil.
O cheiro chegou até mim antes que eu o avistasse - talvez
"fedor" seja uma palavra melhor - sua pelagem preta e cinza
proporcionando camuflagem na penumbra da floresta.
Takka surgiu, apenas um vislumbre fugaz, do outro lado do
monstro. Protegendo os olhos da presa, procurei na escuridão e vi Adak
em posição.
Retirei minha lâmina, forjada na pedra que grita, negra e
brilhante.
Virando-me, procurei na escuridão pelo restante do grupo
de caça. Em lampejos de movimento, contei todos eles. Muitos…
Quando tudo ficou em silêncio e os caçadores
desapareceram até mesmo de minha visão aguçada, estudei a fera.
Ele deu uma patada no chão com um pé de casco afiado,
girando em círculos. O jaroor estava se preparando para se deitar antes
do amanhecer.
Era um ato covarde matar um animal dormindo. Hora de
matar...
O trovão estrondou, embora o céu estivesse limpo além da
folhagem. Eu me assustei com o barulho, meus olhos se voltaram para
cima.
Uma serpente do céu, pensei.
No entanto, esta voava e serpentava pelo ar, cuspindo fogo
e fumaça. Que tipo de besta...?
O barulho da ave fumegante e gritante assustou o jaroor.
Com um grito de trombeta, ele disparou, correndo pela floresta
espinhosa morro acima.
Ao mesmo tempo, a criatura voadora gritou no ar, soltando
penas brilhantes, uma espuma como uma cachoeira seguindo seu
caminho em direção ao solo. Devia estar ferida.
Não parecia uma boa coisa para comer. Apenas uma coisa
estranha. Objetos do céu sempre eram um mau presságio.
Com fome, dirigi meus caçadores em direção ao jaroor em
fuga.
Mas então meu olhar se voltou para a criatura aérea,
mergulhando e planando. Fascinação me dominou.
Não pela besta em si, pois as serpentes do céu apareciam
com frequência nessas terras do sul, suas caudas flamejantes
brilhando intensamente no céu noturno até que caíssem no chão,
deixando apenas uma cratera e suas cabeças de pedra para trás.
Algo diferente me puxou, prendendo minha mente.
E o meu coração.
Impelido, contornei os galhos, mantendo a criatura
afundando à vista, correndo na direção em que ela caiu.
Bumble wings se assustaram na minha frente, levantando-
se com guinchos e batendo as penas ao me verem.
Ignorando-as, continuei atrás da coisa em queda. Eu
preciso alcançá-la, eu preciso, pensei, embora, por mais que eu
tentasse, não conseguisse entender por quê.
A razão se perdeu enquanto eu corria ao longo dos galhos.
Perto do topo do morro, a vegetação espinhosa e cortante
deu lugar a um bosque de árvores doces. Pousando na terra fértil, corri
em direção ao pico.
— Jannik!
Adak quebrou o código da caçada silenciosa.
Furioso, me virei na direção do som.
O jaroor se lançou sobre mim, seus cascos quase
silenciosos na terra macia e folhosa, mas o chão tremia à medida que
ele se aproximava.
Maldita minha distração, minha obsessão pelo objeto
celeste!
Chifres brilhantes reluziram. Ele virou a cabeça, pronto
para me rasgar ao meio com suas duas presas esquerdas.
Não havia tempo para isso!
Eu pulei na direção da fera em vez de me afastar, e ela
tentou parar, mas não conseguiu deter seu próprio ímpeto.
Com minha mão esquerda, agarrei a haste de uma presa
afiada, puxando a cabeça para baixo.
Minha mão direita empunhava a preciosa faca de pedra.
Com um movimento firme que quase deslocou meu ombro, desferi um
golpe com a lâmina na garganta do jaroor.
O animal emitiu um rugido final, engasgado. Morto. Mas eu
o ignorei.
— Jannik? — Takka apareceu de trás de uma árvore.
O animal caiu pesadamente no chão. Ele ergueu as
sobrancelhas ao se deparar com a criatura abatida.
Ainda assim, mesmo com a fera morta, o objeto em queda -
eu precisava alcançá-lo.
Correndo até onde pude ver o céu, acompanhei seu
progresso. Como ele não simplesmente caía no chão?
Ele tinha algo parecido com penas, mas sem asas.
Fumegando e gritando no ar, ele descia, descia.
Então ele mergulhou atrás das copas das árvores e um
tremor sacudiu todo o chão da floresta.
O estranho desejo, quase uma dor no coração, se
transformou em um comando de pânico.
Eu precisava alcançar aquela coisa estranha, seja lá o que
fosse. Eu não podia resistir.
Fumaça e fogo se erguiam. Do meu ponto de vista, eu sabia
que ele tinha caído na extremidade distante da floresta, perto das
encostas rochosas.
Bem atrás, ouvi a perseguição dos meus guerreiros.
Ignorando-os e os perigos que espreitavam na escuridão,
corri desenfreado atrás do chamado.
Um puxão como uma voz suplicante recusou-se a me deixar
desviar. Só podia correr em direção à fonte.
Não importava qual fosse o custo.
04 - SAMANTHA

Caímos. Nós caímos,


pensei estupidamente, piscando meus olhos abertos
conforme os fragmentos de um sonho que parecia mais uma visão
deixavam minha mente. Será que a gravidade foi desativada no último
momento? Algumas naves possuíam esse recurso, uma espécie de
antigravidade para evitar impactos severos. Tendo vivido isso, eu não
poderia chamar isso de evitar. Através da fumaça, percebi que não
conseguia ver a cela ao lado da minha. A parede havia desmoronado
no impacto, esmagando-a por completo. Aquela cela estava lotada...
Tossindo, um dos nossos captores se aproximou das portas
da cela, afastando a fumaça do rosto. Outro pirata jazia a seus pés,
uma viga metálica atravessando seu peito. O primeiro o ignorou ao
passar por cima dele, enquanto seus olhos brilhantes, semelhantes aos
de um porco, percorriam nosso grupo.
— Escravos. De todas as cargas estúpidas.
A mulher na cela mais próxima recuou. Ela era uma
daquelas que usava um traje ambiental.
Seus olhos percorreram o corpo dela de cima a baixo.
— Pior, escravas. As fêmeas não são úteis para coisa
nenhuma. — Era difícil ler a expressão em seu rosto horrendo, mas
pensei ter detectado dúvida. — Bem, talvez para uma coisa.
— Tirem elas daqui. — Outro pirata cambaleou pelo
corredor. Ele lançou um olhar para o morto e o ignorou. — O núcleo
pode estar comprometido. Aquele tiro suicida, o impacto. Ainda assim,
talvez possamos salvar esse trabalho.
— Se conseguirmos fazer essa porcaria voar de novo. —
disse o carcereiro.
O outro olhou para as mulheres nas celas.
— Bem, se estivermos presos aqui com elas... — Ele bateu
sua pélvis protegida pelas armaduras nas grades, e senti náuseas.
O carcereiro estudou a mulher no traje selado mais uma
vez. Ele deu de ombros.
— Qualquer porto em uma tempestade para manter minhas
coisas quentes.
— Cala a boca. Precisamos sair. — O segundo estalou o
chicote nas grades. — Vocês, escravas! Vamos nos afastar a uma
distância segura. Um passo fora da linha, e eu atiro.
O carcereiro socou um botão no painel de controle. Todas
as portas se abriram, exceto aquela em que eu estava atrás. Deus me
ajude, eu não precisava dessa atenção.
— Oo, olhem para esta aqui. — O carcereiro me olhou de
cima a baixo. — Sua pele é da cor de torrado (intraduzível). — Meu
implante tradutor zumbiu quando ele fez um som de chupar. —
Deliciosa.
O segundo puxou com força até que a porta da cela se abriu.
— Fora, agora! Mexam-se!
Açoitando seus chicotes, os piratas nos forçaram a voltar
pelo corredor apertado. Eu tentei ver quantos de nós sobreviveram,
mas o pirata atrás de mim deixou claro que ele não aprovava que eu
olhasse ao redor.
Mais piratas jaziam mortos nos convés, uma substância
azulada vazando de corpos esmagados. Passamos por cima deles a
caminho da escotilha principal. Outro pirata apareceu à nossa frente,
no que eu acredito ter sido a ponte, antes da queda. Ele arrancou algo
de um banco de controle que faiscou em protesto antes de se soltar.
— O que sabemos sobre essa joça de planeta? — perguntou
a coisa da ponte.
Os outros deram de ombros.
— Apenas o que os autosensores mapearam durante a
queda. Deve haver cavernas a menos de (medida) ao norte.
Fantástico. Meu tradutor estava fazendo um ótimo
trabalho.
Descemos a rampa de pouso para algo parecido com uma
selva. Cipós e musgos pendiam de membros retorcidos, com uma
aparência pior do que as florestas da minha terra natal, com suas
árvores inchadas e doentes. Isso aqui era muito mais denso. Um dos
piratas assumiu a liderança, usando seu chicote metálico como um
facão, abrindo caminho à nossa frente.
No alto, através de um dossel de folhas, duas luas
brilhavam. Eu me lembrava de ver três luas do espaço. Talvez uma
tivesse se deslocado além de nossa visão. Na sombra salpicada,
subimos a colina, com o solo macio sob meus pés.
— Vocês sobreviveram. Graças a Deus. — uma voz
sussurrou ao meu lado.
Arrisquei um olhar. Elizabeth.
— Talvez a sobrevivência não tenha tido tanta sorte.
— Calem a boca, vocês duas!
Chicote! O fogo atingiu meu ombro. Se eu encontrasse
qualquer chance possível, mataria esses piratas.
Preferencialmente devagar.
Algo se moveu nas moitas à nossa frente. O homem da
frente abaixou o chicote e ergueu sua arma. Ela disparou
silenciosamente, uma luz sendo a única indicação de que foi acionada.
Gritos nas árvores se seguiram. O pirata riu e abriu caminho pela
folhagem novamente.
— Como vamos sair dessa, Sam? — Lizzie perguntou, com
a voz baixa.
Eu não fazia ideia.
— Jogue junto por enquanto. O GGA não aceitará uma nave
perdida de forma leviana. — Pelo menos, eu esperava que não.
O pirata que nos abordou nas celas andou de costas na
minha frente. Ele apontou sua arma de energia para mim. Parecia um
conjunto de peças de encanamento soltas, mas eu suspirei, sabendo
que era letal.
— O que eu disse sobre um passo fora da linha?
Baixei o olhar. Ele atiraria? Ou éramos uma carga mais
valiosa do que os piratas deixavam transparecer? Afinal, eles nos
estavam retirando de uma nave espacial potencialmente mortal.
Finalmente, seus passos se afastaram.
Árvores se abriram antes de uma colina que parecia um
monte de rochas, e acima, um triângulo de escuridão sugeriu abrigo.
O pirata que abriu caminho com o chicote escalou as rochas. Apesar
de seu corpo volumoso e da armadura improvisada, ele escalou a
fachada com habilidade e rapidez. Eu teria que lembrar disso. Não
importa o quão desajeitadas essas coisas pareçam, elas são ágeis e
fortes.
O pirata desapareceu no triângulo sombreado, mas depois
de alguns momentos, ele retornou, gesticulando para seguirmos. Era
uma subida íngreme, cascalho rolava sob os pés a cada passo. Mas um
passo fora da linha... Mantive meu equilíbrio.
— A caverna cheira pior do que a sua cabine. — comentou
um dos piratas a um camarada.
O outro o empurrou contra a parede de pedra.
— Cala essa cara nojenta.
Não havia conforto na caverna. Além de estar fora da
floresta, era apenas um buraco nas rochas. Fomos forçadas contra a
parede oposta enquanto os piratas olhavam. Talvez eles não soubessem
ao certo o que fazer conosco.
Aquele do convés sacudiu o dispositivo que havia levado.
— A coisa não está funcionando.
— Estamos enterrados sob muitas rochas. — disse outro.
Uma das mulheres em um traje ambiental ficou ao meu
lado, uma luz vermelha piscando em sua gola e então o capacete chiou
e se abriu.
Atmosfera adequada, dizia seu traje. Nenhum poluente
detectado.
O cabelo esvoaçante da mulher brilhava como obsidiana,
sua pele azul-acinzentada, não totalmente diferente dos piratas, mas
não tão doentia e manchada.
— Oh, o que temos aqui? Escondendo-se de nós,
garotinha? — Os piratas se aproximaram. — Como vai, prima?
— Elas não serão vendidas pela metade do preço se
estiverem danificadas. — disse o pirata com o dispositivo. Ele agia como
uma espécie de comandante. — Ou estragadas, sujas ou de outra
forma. Afastem-se delas.
— Como se fôssemos conseguir colocar essa porcaria no
espaço de novo. — disse o que estava na prisão. — Até termos um
comprador, essas criaturas são um prejuízo. E mais prejuízo a cada
vez que temos que alimentá-las.
Elizabeth se aproximou de mim, estudando os piratas. Será
que ela tinha um plano em mente? Eu certamente não tinha.
Várias outras mulheres nos trajes ambientais se revelaram
conforme seus detectores internos sinalizavam uma atmosfera segura,
os capacetes se dobravam automaticamente como flores
desabrochando. Os piratas sujos olharam para elas.
Além do tom de pele, não vi muita semelhança. Não se podia
dizer que as mulheres eram bonitas com base nos padrões humanos.
Ao mesmo tempo, elas não tinham mandíbulas interligadas, a ausência
de um nariz, olhos de porco brilhantes ou as manchas doentes dos
piratas.
— Por que vocês, garotas, estão se segurando? — disse o
pirata carcereiro. — Como vocês podem ser tão arrogantes? Vocês
estavam sendo vendidas como noivas.
Seu amigo se aproximou das mulheres cinzentas com
cabelos negros.
— Poderíamos ser mais gentis com vocês. Por que o
desprezo?
— Afastem-se delas. — disse o líder. — Deixem-nas
intactas. É a única maneira de recuperar qualquer tipo de
investimento.
Os dois piratas encurralaram uma das fêmeas.
— Eu não posso acreditar que um dos nossos...
— Eu não sou uma de vocês. — a fêmea disse calmamente.
— Não somos nada parecidos.
— Oh? — disse o carcereiro. Em seguida, a caverna ecoou
com a sua bofetada. Sua cabeça balançou, um rastro de sangue
cerúleo1 vazando imediatamente do canto de sua boca.
— Ei, idiota, deixe-a em paz. — Elizabeth, sempre de pavio
curto, avançou.
— Lizzie, não. — sussurrei.
— Parem com isso!
Nós nos viramos quando o líder apontou sua arma.
— Vocês dois, levem o transponder para fora. Tente
contatar a base. Deixem as fêmeas em paz!
— Quem morreu e te fez líder? — disse o carcereiro.
A cabeça do homem armado caiu por um momento antes
de ele levantá-la novamente.
— Nosso líder, seu idiota!
— Eu vou, eu vou. — disse o amigo do carcereiro. Ele pegou
o dispositivo e seguiu em direção à entrada da caverna, vários outros o
seguindo.
O líder encarou o autodenominado carcereiro.
— Não toque nelas. — ele alertou.

1 Tom de azul claro ou verde-azulado. É uma cor que lembra o céu em


um dia claro.
O carcereiro balançou a cabeça.
— Vou tocar no que eu quiser. — Ele deu outra bofetada na
mulher cinza. Dessa vez, ela perdeu o equilíbrio e caiu no chão da
caverna.
Lizzie se aproximou dele.
— Seu valentão! Quem diabos você pensa que é?
— Elizabeth! — Agarrei seu ombro, puxando-a para trás. —
O que diabos você pensa que está fazendo?
Uma mão circulou meu pescoço, apertando tão forte que eu
não conseguia respirar. O carcereiro me virou em sua direção.
— Nenhum de vocês vale isso. — ele disse.
Minha cabeça latejava como se fosse explodir. Chutando,
batendo em seus braços para conseguir um pouco de ar, eu não
conseguia lutar contra ele. Quando ele me levantou do chão, eu soube
que estava tudo acabado.
05 - JANNIK

Minha multidão de guerreiros cercou o objeto caído,


boquiabertos.
Não era uma serpente do céu, pois as cabeças delas eram
principalmente de pedra sólida, com um vislumbre ocasional de
alguma outra coisa enterrada nas profundezas da rocha.
Este objeto era quase todo brilho e muito mais massivo do
que qualquer coisa que tivesse caído antes.
Normalmente, algo maior do que todas as cabanas da aldeia
juntas caindo do céu teria me interessado muito.
Esta noite, a trilha que descia pelo caminho angular desde
a abertura da caverna do objeto me absorveu mais.
Aquela atração, mais insistente do que nunca, me
impulsionava.
A trilha era facilmente seguida, mesmo na penumbra sob a
copa das árvores. Parecia que a vegetação havia sido devastada,
destruída.
Que tipo de animal faria algo assim?
Passos atrás, girei, embora conhecesse o som quase tão
bem quanto o meu próprio.
— Jannik, aquele enorme objeto caído do céu. O que
devemos fazer com ele?
Me virei, atendendo àquele chamado inegável.
— Às vezes, as coisas caem do céu. É de se esperar.
— Nada como isso antes. — ele argumentou. — Aquelas
são apenas pedras em chamas. Isso é diferente. Estranho.
Ele estava certo, mas eu não conseguia desviar o olhar da
trilha.
As pegadas contavam uma história. No meio, eram
pequenas, cambaleantes. Na parte externa do caminho devastado,
muito maiores. Criaturas de duas pernas, todas elas.
Adak não conseguia ver as pegadas?
— Além disso, há um jaroor inteiro para ser abatido antes
que os necrófagos cheguem. — meu amigo continuou. — O que há de
errado com você?
Suas palavras perfuraram minha necessidade turbulenta.
— Eu... eu não sei. Sinto-me compelido a seguir esta trilha,
assim como tive que investigar a queda do objeto. É imperativo...
— Você está febril. — disse Adak. — Brilhante de suor.
Passei a mão na testa. Tudo bem. Ele estava certo. Isso
tinha que acontecer pelo menos uma vez.
— Seus olhos brilham mais do que o normal.
— O que você é, meu guardião ou meu guerreiro? —
perguntei a ele.
Ele se balançou sobre os calcanhares, ignorando meu
insulto.
— E você se sente compelido? Aquela coisa caída, agora
essa trilha. Apesar do perigo? Há pelo menos vários machos envolvidos.
Talvez mais, se forem pequenos.
Então ele havia percebido.
Outro se aproximou; Gitak, um dos meus caçadores.
— Devemos voltar, Jannik. O objeto caído...
Eu não podia voltar atrás, maldita seja essa fome em mim
de continuar.
— O rastro, Gitak. Estranhos em nosso território.
— Isto não é uma festa de guerra. Com toda essa
estranheza, isso está além de sua compreensão.
— Sou filho de Suvo. Você está sob minha liderança.
Continuamos.
— Filho do chefe. — Gitak, mais velho do que eu, filho do
líder da guerra, manteve seu olhar firme.
Em tempos de batalha, talvez ele devesse assumir o
comando.
No entanto, eu era o líder aqui.
— Abandone-me, caso seu medo o instrua. Eu continuo.
Porque eu não poderia fazer de outra forma.
Adak parecia entender, mesmo que eu não entendesse. A
ideia deixou uma expressão perturbada em seu rosto austero.
Segui o chamado em meu coração, sem olhar para ver se os
guerreiros me seguiam.
Eu preferiria que não o fizessem, mas um desafio à coragem
de Gitak o forçaria a se alinhar, infelizmente.
Onde o caminho rasgado se abria em uma clareira natural,
parei e retornei à sombra protetora.
Criaturas estranhas estavam em pé diante da entrada de
uma caverna, quatro delas. Com suas conchas eriçadas e
segmentadas, lembravam os rastejadores de pedra que viviam nos
riachos, mas eram muito mais feias. Seu mau cheiro era semelhante.
Takka tinha me alcançado. Ele abriu a palma da mão, olhos
se movendo rapidamente, dedos se estendendo. O que são essas
coisas?
Segurando um objeto brilhante em direção às luas,
pareciam estar adorando. Mas apenas duas luas iluminavam o céu,
não era uma noite de adoração.
Lanças curtas e inúteis pendiam de alças nos ombros deles.
No entanto, eles me enchiam de inquietação.
Cortei uma mão espalmada na minha frente, deixando
todos os meus caçadores verem: invasores em nosso território.
Como um só, os caçadores puxaram seus atiradores e
dardos longos. Precisaríamos estar na beira da clareira para que nossos
golpes fossem certeiros.
Avançamos sorrateiramente. Olhei para a esquerda e para
a direita enquanto os caçadores se espalhavam para ter uma melhor
visão. Uma vez em posição, levantei a mão.
E a abaixei.
Em um segundo silencioso, os quatro invasores com
carapaças caíram nas pedras, dardos longos sobressaindo das brechas
em seus segmentos blindados.
Minha visão não alcançava o interior da caverna, mas gritos
desajeitados ecoaram de lá.
Mais projéteis dispararam, sem qualquer formação, suas
lanças inúteis piscando como se brevemente segurassem uma estrela.
Acima de nós, as folhas irromperam em chamas.
Levantei o punho. Isso era magia antinatural. Será que
meus guerreiros fugiriam?
Em resposta, eles dispararam tantos dardos longos que
nossos inimigos caíram, fazendo com que os inimigos abatidos se
parecessem com trepadeiras.
Nosso ataque foi rápido e completamente fatal, mas meu
objetivo ainda ecoava para mim de dentro da caverna.
Sem hesitar, corri pela encosta, mesmo sabendo que dentro
da caverna seria muito apertado para atiradores.
Mais projéteis giraram em minha direção e uma lança de
chamas se aproximou.
Estendendo minha mão direita, eu liberei o shi-na da parte
de trás do meu pulso, a extensão cortando o ar e envolvendo os pulsos
do inimigo.
Recolhendo-a com um grunhido, cortei as mãos do meu
inimigo na junção enquanto ele gritava, sangrando azul, e caía no chão.
A atração em meu coração se tornou uma canção, me
envolvendo enquanto a harmonia fluía de uma única figura.
Uma fêmea. Sustentada pelo pescoço, perto do fundo da
caverna. Fêmeas a cercavam, mas eu me concentrei nela.
Cruzei os braços, liberando o shi-na de ambos os pulsos, e
minhas extensões de caça sibilaram pelo ar.
Ambos envolveram o braço que segurava a garganta do farol
do meu coração, mas a distância era muito grande. Eu não conseguia
cortá-lo, apenas quebrar os ossos.
Com um soluço sufocado, a criatura de beleza dolorosa caiu
no chão, gemendo, rastejando para longe.
Com toda a minha atenção voltada para ela, não vi o outro
monstro vestido de concha até que ele envolveu um braço em volta do
meu pescoço.
Um cotovelo jogado ricocheteou no revestimento, sem
eficácia. Um segundo braço se juntou para me estrangular, cortando o
meu ar.
Meu shi-na recuou e manchas dançaram diante de mim.
Lutei, meus golpes ineficazes. Impulsionando com as pernas, o
empurrei contra a parede da caverna.
Meus caçadores adentraram a caverna, mas não
interfeririam no combate individual.
Viver ou morrer, isso estava por minha conta.
Ainda assim, os braços revestidos de concha me sufocavam.
Um lampejo da infância surgiu. Mulheres da tribo limpando
rastejadores de pedras para o pote.
Você precisava remover as cabeças primeiro.
Cego, levantei os braços, inclinando os pulsos em direção à
cabeça do meu inimigo. Liberei meu shi-na e o enrolei cada vez mais,
estendendo-o quase completamente.
Meu inimigo gritou de terror. Ele soltou, mas não conseguia
recuar.
Juntando meus braços, o shi-na se esforçou, doeu. Então,
senti a cabeça ceder.
A criatura se afastou de mim. Com o shi-na, joguei sua
cabeça, quicando, para fora da caverna.
— Fêmeas. — Atak disse, entrando na caverna enquanto
dava um chute lateral na cabeça decepada.
Meu coração estava no chão da caverna. Corri até ela.
Outra fêmea, dourada e pálida, tentou confortá-la.
Eu segurei aquela que cantava para a minha alma em meus
braços, contendo um rosnado diante do gemido de dor que percorreu
seu corpo. Sua amiga pálida estendeu a mão, mas eu me virei,
protegendo meu prêmio.
Minha canção do coração. Minha.
Com ela contra o meu peito, sua melodia vibrava através do
meu ser. A voz do meu próprio coração se juntou, a harmonia
intoxicante quase me fez cambalear.
Quando ousei olhar para ela, senti uma vontade de chorar.
Sua cor parecia guardar sua própria sombra protetora. Cabelos macios
caíam por seus braços, como vinhas no outono. Tornou-se difícil
respirar.
A fêmea dourada balbuciou para mim. Medo preenchia seus
olhos, mas ela se manteve firme.
— O que faremos com essas estranhas fêmeas? — Gitak
olhou para as figuras encolhidas.
Takka balançou a cabeça.
— Isso está além de nós. Vamos levá-las para a aldeia.
Gitak assentiu.
— Elas podem ajudar a carregar o jaroor abatido.
Os homens fizeram gestos entre as fêmeas e a boca da
caverna. As fêmeas balbuciaram em resposta, mas eventualmente
entenderam a ideia.
Atak me encarou, olhando para o precioso fardo em meus
braços. Ele sorriu tristemente e balançou a cabeça.
Eu a embalei de forma mais protetora.
— O que foi?
— Oh, meu pobre e querido irmão de caçada. — Guiando
com gentileza, ele conduziu mais fêmeas para fora.
Meu doce fardo encontrou o meu olhar. Seus olhos
brilhavam, preciosos e profundos. Medo, sim, mas controlado.
Por um momento, não conseguia me mover, não conseguia
sentir, apenas afundar em seu olhar.
Então, meus braços sentiram sua suavidade, seu calor.
Erguendo-a mais alto, caminhei em direção à abertura da
caverna.
— Você pode segurá-la agora, primo. — disse Gitak — mas
farei o meu melhor para pegá-la mais tarde.
Franzi a testa e reprimi a vontade de responder de forma
mais definitiva.
Nunca permitiria que isso acontecesse.
06 - SAMANTHA

Minha garganta doía, estava em chamas.


Mas de alguma forma eu não estava morta. Então, isso era
um ponto positivo.
O estranho me carregava sem esforço enquanto eu tentava
avaliar nossa situação, mas a escuridão na floresta era quase
impenetrável. O máximo que eu conseguia fazer era captar breves
lampejos de iluminação, o luar por entre os galhos.
Desconforto aumentou quando braços de aço me apertaram
com mais força contra um peito rígido de músculos quando me movi
para obter uma melhor visão, sua pegada um pouco possessiva demais
para ser impessoal. Figuras sombrias caminhavam ao meu redor,
estranhos enormes e robustos, amigas pequenas, tímidas,
cambaleantes.
Amigas? Eu me peguei pensando. Mal as conhecia.
Assim como não conhecia o guerreiro alienígena que me
carregava.
Vislumbrei um lampejo de dourado.
— Elizabeth? — Eu sussurrei.
Ela trotou para acompanhar a criatura que me carregava.
— Você está bem? Achei que aquele pirata ia matar você.
— Estou dolorida. — admiti, forçando as palavras pela
minha garganta. — O que está acontecendo?
— Estamos sendo levadas para algum lugar. Nunca vi
aliens como esses - quando posso realmente dar uma olhada. A caverna
estava muito escura e eles se misturam com a escuridão.
— Quantos...? — Eu não consegui terminar.
— Eu contei oito de nós.
Oito?
— Você e eu, as outras garotas da Terra, Lilstra e duas das
garotas cinzas, aquelas que usavam trajes completos. Não sei os nomes
delas… oop!
Elizabeth tropeçou na escuridão. Imediatamente, mãos
grandes a seguraram antes que ela caísse. Tentei ver quem a havia
ajudado, mas só consegui ter impressões fugazes. Ele tinha mais de
dois metros de altura, principalmente da cor das sombras. Sua pele era
verde ou a luz da lua estava brincando comigo?
Coloquei minha mão contra o peito do meu captor. Seu
músculo se flexionou sob meu toque. Sua pele parecia ter um padrão -
ou era uma espécie de pintura de guerra?
—Para onde você está me levando?
Ele olhou para baixo. Sobrancelha grossa, feições
escondidas por um emaranhado de cabelos escuros e sombra. Por um
instante, seus olhos refletiram a fraca luz. Brilho nos olhos, como um
animal.
Mas ele não disse nada.
— Olha, você pode me colocar no chão. — Balancei dois
dedos para simular caminhar e me mexi um pouco para enfatizar. Por
enquanto, eu lhe daria o benefício da dúvida.
Talvez ele quisesse ser útil.
Ele deu uma olhada nos meus dedos e depois voltou o olhar
para o caminho.
Acenei minha mão em frente ao rosto dele, estalando os
dedos.
— Soltar. Me. Solta.
Ele estalou os dentes em direção aos meus dedos. Eu dei
um grito, puxando-os para longe.
— Isso foi rude!
Seus braços se apertaram.
O guerreiro claramente entendeu meu pedido. Sua
expressão se contraiu brevemente, e eu nem mesmo sabia por que
reconhecia a teimosia em seu rosto, como se eu já o conhecesse.
Continuamos pela floresta interminável enquanto eu era
carregada sem esforço, como um bebê, enquanto eu ficava furiosa por
estar tão indefesa. Ouvi tropeços e palavrões do grupo de cativas, mas
continuamos em frente.
O terreno se inclinava para cima, mas isso não diminuiu a
velocidade do meu captor até chegarmos a um lugar que parecia igual
a todos os outros pelos quais passamos e paramos. Os estranhos
examinaram a vegetação achatada. Um deles se agachou, passando os
dedos pelas folhas de grama. Eles estavam escuros quando ele os
levantou, brilhantes e, pelo cheiro de ferro, eu supus que era sangue,
não orvalho, que molhava o chão aqui.
Sangue. Eu me tensionei, deixando de lado minha intenção
de dar uma bronca nesse grandalhão até ele fazer o que eu queria.
Eles falaram então, suas vozes como um sussurro. Era
como se essas criaturas estivessem tão adaptadas às florestas que até
mesmo suas palavras soavam como vento nas árvores.
Meu tradutor formigou sob a pele, a sensação se tornando
uma coceira, mas não recebi palavras em minha cabeça.
Um dos estranhos gesticulou com os braços, apontando
para aquele que me carregava. Outro fez um gesto na direção em que
estavam indo.
Meu guerreiro - não, o guerreiro - falou de forma incisiva, e
eu me assustei com o som de sua voz. Profunda, com um leve tom rouco
enquanto ele retrucava de forma concisa.
Sussurros, raivosos, ininteligíveis, uma discussão sobre
mim, ou sobre todos nós, ou talvez sobre a situação.
Um braço deslizou debaixo de mim enquanto ele finalmente
me permitia ficar de pé em minhas duas pernas perfeitamente
funcionais, mas ele me manteve próximo ao seu lado, observando sua
família, o ângulo de seu corpo me colocando quase fora de sua linha de
visão. Ele indicou as luas poentes com a palma da mão e depois fez um
gesto amplo sobre o grupo. Ouvi um grito vindo de fora de vista. Perto
de mim, um estranho pegou uma das sobreviventes e ela chutou
protestando.
Pelo menos eu não era a única recebendo um tratamento
especial.
— Calma, garotão. — Lizzy disse enquanto outro a pegava
também e sussurrava para ela. Ela balançou a cabeça. — Não consigo
te entender.
Sem qualquer sinal, o grupo começou a se mover
novamente. Mais rápido desta vez.
— Algo está errado, não é? Eu perguntei quando meu
alienígena me pegou de volta.
Eu deveria ter sido sacudida enquanto meu captor corria,
mas seus braços me mantinham firme.
Ele falou, sua voz baixa, calma e quase reconfortante. Claro
que eu não entendia as palavras, mas a entonação era clara.
Ele estava tentando me tranquilizar.
Apesar da situação assustadora, parecia que ele queria que
eu não sentisse nenhum desconforto. Isso me dava uma sensação
deslocada de segurança. Além disso, claramente não era o momento de
protestar. Talvez nos carregar fosse a opção mais segura e não algum
tipo de... privilégio.
Eu exalei e decidi cooperar.
Sem saber como ele reagiria, coloquei meus braços ao redor
de seu pescoço, precisando sentir que estava segurando em algo,
qualquer coisa, nesse mundo maluco.
Aquele som sussurrante, como o vento varrendo as folhas,
veio dele. Raiva? Surpresa? Não, encorajamento, até mesmo aprovação,
como se ele estivesse reiterando que me protegeria e que eu deveria
confiar nele.
Ou como se eu tivesse acabado de pousar em um planeta e
minhas sinapses cerebrais estivessem falhando.
Com meu rosto pressionado mais perto dele, inspirei seu
cheiro. Herbáceo, picante, um pouco cítrico-doce - não era o que eu
esperava. Ele estava sobrecarregado, se movendo rapidamente, e eu
esperava algo com cheiro de suor, de esforço musculoso. Em vez disso,
eu tinha pot-pourri 2alienígena.
Os estranhos se moviam em formação. Um assumia a
liderança por um tempo e depois se afastava para as árvores. Um

2 É uma mistura de diferentes elementos, como fragrâncias ou músicas.


segurava Cathy, a luz da lua brilhando em seus longos cabelos
vermelhos.
As luas se puseram, mergulhando a floresta em completa
escuridão. Eu não via nada. Como os estranhos conseguiam enxergar?
Inabalavelmente, eles continuaram, com um ritmo rápido e
constante.
— Nunca estive em um lugar tão escuro. — disse Shorena,
sua voz trêmula. Ela era uma garota da cidade na Terra, pelo que
nossas cidades valiam. A escuridão nunca chegava a uma cidade.
Minha família havia fugido das cidades gerações atrás,
liderando nosso próprio grupo de sobreviventes em meio ao caos que a
Terra se tornara. A natureza selvagem normalmente não me
incomodava, nem a escuridão.
Aparentemente, ser carregada como se eu não pesasse nada
por um alienígena enorme também não me incomodava tanto assim.
Choque. Deve ser choque.
Eu me agarrei a ele, sentindo seus músculos se
movimentarem. o som de passos era quase inaudível.
Eu estremeci, assustada com o chamado de algum animal
noturno que guinchou ao longe. Parecia um pássaro, se pássaros
pesassem meia tonelada. Meu captor me lançou um olhar breve e
avaliador.
Os estranhos não reagiram, mantendo seu ritmo constante.
Passos caindo em sincronia, como soldados correndo, juntamente com
seu cheiro e palavras ocasionalmente reconfortantes, me embalaram
em uma calma quase hipnótica.
Eu inalei novamente, minha mão se flexionando em seu
pescoço enquanto eu lutava contra a vontade de virar a cabeça e
encostar minha pele na dele.
O que diabos estava errado comigo? Será que todos os fios
do meu corpo estavam cruzados?
Nenhuma das antigas noivas falava, talvez por medo de
nossa nova e desconhecida situação. Ou talvez, como eu, o movimento
constante as acalmasse. Após tudo pelo que passamos, cada uma de
nós deve se sentir exausta.
Lentamente, percebi um brilho vermelho contornando as
folhas. Amanhecer, pensei, mesmo enquanto nossos captores
aumentavam o ritmo.
Com o caminho se tornando mais claro, pude ver mais
facilmente como esses homens se curvavam ao redor dos troncos das
árvores, desviavam dos galhos sem diminuir o ritmo. Os movimentos
dos nossos salvadores eram graciosos, quase languidos, apesar de
estarem carregando peso. Fortes. Muito fortes.
De repente, eles pararam abruptamente. Abaixo, um campo
inclinado se estendia. No lado oposto, pensei que podia distinguir
estruturas. Embora o espaço entre elas estivesse claro, esses prédios
se agarravam ao abrigo das árvores.
— Parece que eles estão nos levando para casa para
conhecer a mamãe. — disse Lizzie.
Cathy respondeu:
— Ou nos preparando para um banquete.
Ouvi a carranca na voz de Elizabeth.
— Essa é a minha piada.
Vermelho sangue, o disco superior de um sol preenchia
metade do horizonte. Outro dos estranhos subiu a colina em nossa
direção. Uma forma feminina se aproximou.
A recém-chegada lançou o olhar sobre o grupo e, um por
um, os homens colocaram suas cargas no chão.
Quase todos eles.
Meu captor continuou a me segurar enquanto ela se
aproximava.
Por que eu não estava surpresa?
Suas palavras soavam como as deles, porém mais como
uma tempestade dançando entre os galhos. Ela ergueu o cajado em sua
mão em direção ao meu captor. Ele resmungou em resposta,
discutindo.
Então ela se aproximou mais, a expressão tensa enquanto
encontrava meus olhos.
Ela estendeu a mão, sua voz diminuiu para um sussurro
suave, mesmo quando seus olhos pareciam enviar uma pergunta.
Então, o dorso de sua mão roçou levemente meu braço e
suas palavras se tornaram sibilantes. Ela olhou para o homem que me
embalava.
Não consegui decifrar sua expressão, algo entre um sorriso
contido e tristeza.
Ela se virou abruptamente, apontando com seu cajado.
Juntos, os homens desceram a colina, minhas amigas
ainda no meio do grupo.
Guardadas? Ou aprisionadas?
Eu esperaria o momento certo para descobrir.
No nascer do sol, pude distinguir cabanas. Cada uma era
feita de um tronco flexível de árvore, curvado para formar um par de
arcos. Galhos fortes amarrados com cipós formavam as paredes
curvas.
— Parece... acolhedor?
Jeannie Wrendell, sempre tentando encontrar o lado
positivo. Suas palavras quase me fizeram sorrir. No entanto, o que nos
aguardava à frente? Isso acabou com qualquer sentimento além do
medo.
07 - JANNIK

— Onde está a caça? — Meu pai fez uma careta quando


chegamos à fogueira central, seus olhos observando as fêmeas que
resgatamos. Quando seu olhar se fixou em mim, ele mostrou os dentes.
Eu devolvi o olhar na mesma moeda.
— Carniceiros, meu chefe. — Gitak fez uma reverência. —
Eles pegaram a carne antes que pudéssemos recuperá-la.
Meu pai não gostava de puxa-sacos assim como eu. Uma
das poucas coisas que tínhamos em comum.
— Nós vimos a serpente do céu. — Novamente, os olhos do
chefe percorreram as estranhas fêmeas.
Eu não queria dizer, mas Gitak se adiantou.
— Elas são da serpente. Também havia machos feios
vestidos com conchas. Foram facilmente eliminados.
Meu pai se virou.
— Isso não é bom. A única coisa boa que vem do céu é a
chuva. Mesmo assim, nem sempre é uma bênção.
— São fêmeas, Suvo. — disse Grexi. — Nestes tempos
sombrios, as fêmeas são sempre uma bênção.
— Não essas. Caídas do céu? — Meu pai lançou um olhar
de desdém à mulher curandeira.
— Estou com Suvo. Devemos jogá-las todas no rio. —
Gattok não olhou para as novas fêmeas.
Eu não falei, mas segurei minha preciosa carga com mais
força.
— Você é o líder de guerra, Gattok, não o chefe. Isso não é
uma guerra. É uma questão de sobrevivência. — Grexi repreendeu meu
tio.
De suas cabanas, Othik, o Guardião da Memória, e Vattim,
o Guardião da Lenda, vieram descobrir qual era a comoção que
perturbava seu sono.
Meu pai franziu a testa.
— Acho que isso completa nossa reunião não planejada do
conselho.
Outros da aldeia também haviam se reunido. Eles
mantinham distância. Agricultores, caçadores, construtores, todos
observavam, conversando baixinho entre si.
Meus caçadores ficaram ao lado das fêmeas que haviam
carregado. Os outros ficaram de prontidão, caso alguma das recém-
chegadas fugisse.
Othik levantou uma sobrancelha.
— Fêmeas estranhas.
— Muito estranhas. — disse Gattok.
— Do céu. — meu pai rosnou.
Othik balançou a cabeça.
— Nunca ouvi falar de algo assim.
— Isso me lembra uma história. — disse Vattim.
Coletivamente, o Conselho dos Anciãos soltou um gemido.
— Lak, o Fundador, emergiu das terras selvagens,
declarando que ele se abrigaria onde quisesse, caçaria o que lhe
agradasse e que ele estava acima dos animais e monstros. No entanto,
esse era um caminho solitário, sem igual para se acasalar com ele. Ele
decidiu que teria apenas as companheiras mais belas, as Filhas dos
Três Infernos. Ele sabia que elas deixavam seus infernos individuais
para caçar nessas terras quando as três luas surgiam. Lak entendia
que elas eram melhores caçadoras do que ele. Então, ele construiu uma
armadilha, uma rede e uma vala para capturar as Donzelas da Lua. A
princípio, , ele perseguiu Kenda, a Pálida, arqueira e guardiã de…
— Vattim, cale a boca. — Meu pai rosnou. — Conhecemos
as histórias.
— Onde você quer chegar? — Meu tio, Gattok, era tão
puxa-saco quanto meu primo, Gitak. O líder de guerra sempre apoiava
meu pai.
— O ponto dele, imbecis, é o seguinte — disse Grexi. — Se
as Donzelas da Lua eram boas o suficiente para Lak, o Fundador, as
fêmeas da serpente do céu são boas o suficiente para nós.
Aqueles que estavam próximos o suficiente para ouvir
murmuraram entre si.
Takka se aproximou da fêmea que ele tinha carregado e
soltou uma sílaba de alegria.
Adak o chutou de lado. Deixe ele tentar fazer isso comigo.
Deixe.
— Jannik, coloque essa fêmea no chão. — meu pai rosnou.
— Ela não é uma boneca.
— Ela pode estar com piolhos. — acrescentou Gitak.
Olhei para a minha fêmea. Depois de segurá-la por tanto
tempo, tão perto, era doloroso colocá-la de pé.
— Ela estava ferida. — Dei de ombros, como se não
significasse nada. Como se minha reação a ela não significasse nada.
Eles provavelmente não eram tão estúpidos quanto eu esperava.
Meu pai cruzou os braços.
— Sem carne de jaroor, então sem festa para os recém-
chegados.
Endireitei minha postura, recusando-me a deixá-lo ver
minha raiva.
— Engraçado. — Meu pai bateu um dedo contra os lábios.
— Os pescadores conseguiram trazer uma captura completa tão tarde
na Estação Seca.
— Assim não passaremos fome. — Grexi olhou para meu
pai.
Eu permaneci pronto para ser ainda mais envergonhado.
Na frente de minha... na frente das novas fêmeas. Pelo menos elas não
podiam entender nossa língua.
Grexi deu um passo em direção a ela, examinando o
escurecimento de seu pescoço. Ela passou os dedos suavemente sobre
a garganta machucada.
— Como você está se sentindo, Garota Crepúsculo?
Se minha… se a Garota Crepúsculo entendeu, ela não
respondeu. Em vez disso, ela pegou uma de suas longas madeixas em
sua mão, os dedos entrelaçando-se nela ansiosamente.
As voltas e reviravoltas de seu cabelo me hipnotizaram. Eu
poderia olhar para cada feixe o dia todo, traçar seus caminhos de ponta
a...
— Você está ouvindo, Jannik?
Eu não estava.
— Leve as fêmeas para a cabana das mulheres. — disse
Grexi. — Ela tem ficado vazia por muito tempo. Minhas assistentes as
alimentarão e as deixarão confortáveis. Tenho certeza de que elas
precisam dormir após seu sofrimento.
— A... a Garota Crepúsculo está gravemente ferida? —
consegui perguntar. — Ela pode andar?
Grexi mordeu o lábio inferior, estudando a fêmea.
— Acho que ela está apenas machucada, mas é difícil dizer,
com a cor dela. Não estou familiarizada com isso.
— E quanto a doenças, Curandeira? — Gattok disse. —
Vermes? Insetos?
— A cura não é responsabilidade do líder de guerra. Não se
preocupe. Eu cuidarei delas. — Grexi suspirou. — Tantas fêmeas não
acasaladas. Não me lembro da última vez que a cabana das mulheres
esteve cheia.
Meu pai zombou.
— Elas devem ser vigiadas.
— Isso é uma bênção, Suvo. — Grexi o encarou com raiva.
Ele olhou de volta.
— Até que se prove o contrário, elas são uma maldição em
potencial. Colocaremos homens o tempo todo fora da cabana.
— Meu chefe! — Grexi protestou.
Meu pai balançou a cabeça.
— Minha ordem.
Gattok ergueu o queixo.
— Você ouviu seu chefe. Leve as fêmeas para a cabana das
fêmeas.
Toquei o ombro de minha Garota Crepúsculo. Apontei para
a cabana. Seus olhos escuros estavam assustados. Como aplacar seus
medos?
Um som, surpreendente e encantador, veio da fêmea
dourada.
Takka se abaixou, fazendo pernas com os dedos, então
apontou para a clareira. Ela deu um tapinha no ombro dele e começou
a andar.
Peguei a mão da minha fêmea e a conduzi enquanto os
outros faziam o mesmo.
Enquanto o resto dos Anciões se envolvia em uma conversa
baixa, Grexi se aproximou de mim.
— Você mudou, Jannik.
— Eu não. — eu disse.
Grexi olhou para a fêmea.
— Você gosta dessa, mesmo que sua aparência seja
estranha.
— Ela é interessante. — Eu não encontrei seus olhos. — E
daí?
— Hum. — Ela estava escondendo um sorriso? O que ela
sabia?
Seus modos misteriosos sempre me fizeram hesitar. Eu
tentei ignorá-la enquanto levávamos as fêmeas para a cabana das
mulheres.
Olhei para Garota Crepúsculo, caminhando ao meu lado.
Quando ela percebeu que eu a observava, ela soltou minha mão e se
afastou alguns passos.
Pisando com força até a porta, observei-as entrarem e
depois me afastei apressadamente. Ela tinha medo de mim.
Isso me irritou.
Mas eu a faria mudar de ideia.
08 - SAMANTHA

— Eles são verdes...


— Verde-claro. — disse Jeannie. — E é um verde bonito. Os
mais velhos, pelo menos eu acho que são mais velhos porque todos os
ouvem, são um pouco prateados.
— Quem se importa? — disse Isabel. — Eu sou rosa, você é
morena, Cathy é... eu não sei. Como você chama a cor da pele de frango
perfeitamente cozido?
— Delicioso. — disse Lilstra. Seus olhos verdes estreitaram.
Lizzie ignorou-a.
— Lilstra é meio azulada-negra, aquelas outras meninas
são meio cinzentas. Todos nós somos inteligentes. Todos nós somos
bípedes.
— Poder das irmãs. — Cathy disse sarcasticamente,
sobrancelhas abaixadas. — Pele de frango? Sério?
Eu encarei Lizzy.
— Você realmente gosta desses alienígenas?
— Ei, este é o planeta deles. Nós é que somos os alienígenas,
Sam.
— Qual é a diferença? — disse Cathy. — Nenhum de nós
sabia que tipo de seríamos obrigadas a nos casar. Então são caras
verdes com cabelos volumosos.
— E listras. — disse Jeannie. — Eu acho isso
— Listras ou pintura de guerra? — Perguntei. — Talvez
uma camuflagem.
A camuflagem significava que eles não eram os únicos
predadores neste planeta.
Shorena sentou-se em um esteira. Ela abraçou os joelhos,
com a cabeça baixa.
— Eles nos tiraram daqueles piratas nojentos. Eles não nos
comeram. Podemos considerar isso uma vitória?
Ainda. Eles ainda não nos comeram.
— Alguma de vocês conseguiu entender o que eles
disseram? — Perguntei. — Meu tradutor não está funcionando.
Elizabeth, parece que você entendeu um pouco.
Ela balançou a cabeça.
— Desculpe. Estou apenas acompanhando os gestos. Não
consegui entender uma palavra.
— Vocês acham que eles estão com raiva da gente? — disse
Cathy. — Quando chegamos, os outros agiram como se não nos
quisessem aqui.
— Este é um lugar primitivo. — disse Shorena. — Eles têm
que compartilhar recursos conosco. Isso cria tensão na comunidade.
Acho que eles estão se perguntando se deveriam nos colocar de volta
naquela caverna.
— Isso seria tão ruim? — Perguntei. — Pelo menos
estaríamos perto daquela nave pirata. Poderia ser uma forma de
sairmos deste mundo.
— E servir de alimento para o comércio de escravos de
novo? — Shorena disse. — Não, obrigada. Além disso, aquela nave
espacial não vai a lugar nenhum tão cedo.
Eu não sabia nada sobre naves espaciais.
— Você acha que não?
Ela balançou a cabeça.
— Minha família era de catadores, construtores. Fazíamos
transportes para a GGA quando eles queriam. Aquela nave está
acabada.
Ainda assim, a informação me intrigou.
— Você acha que conseguiria fazer reparos em algo assim?
Ela balançou a cabeça.
— Seria preciso ferramentas. E duvido que encontraremos
um depósito de peças por perto. Ou mesmo outras naves caídas para
salvar.
As meninas cinzentas, aquelas anteriormente escondidas
atrás dos capacetes, sentaram-se juntas no fundo da cabana. Suas
cabeças negras e brilhantes estavam próximas até que uma delas falou.
— Os piratas estavam sinalizando para outros. — disse ela.
— Não com muito sucesso. — disse o outro.
— Mas mesmo assim. — disse a primeira.
Os olhos verdes de Lilstra focaram neles.
— Vocês são irmãs?
— Quíntuplas. — disse uma delas
— Mas não mais... — Seu rosto caiu, os cabelos negros e
brilhantes caindo para cobrir seu rosto.
— Monozigóticas. Nossa ninhada era pequena. Foi... foi...
reduzida. — Seus olhos negros brilhavam com lágrimas. A outra
estendeu a mão, abraçando a primeira.
— Sinto muito. — eu disse. Conexão entre irmãos, eu
entendia. Se não fosse pelo meu irmão, se eu não estivesse desesperada
para encontrar uma maneira de encurtar seu contrato, eu não estaria
aqui de jeito nenhum. — Não consigo imaginar…
Ficamos em silêncio por um tempo. A viagem até aqui tinha
sido desastrosa. E continuava sendo um desastre.
— Aquele cara carregando você — Lizzie finalmente falou.
— Eu acho que ele está a fim de você.
Olhei para ela e consegui reprimir apenas uma fração do
meu sarcasmo.
— Sério? Eu pensei que ele meio que me odiasse. Seu cara
parece gostar de você.
— Aquele idiota? Esquece. Tem muitos deles para escolher,
no entanto.
— O que você quer dizer? — Eu não podia acreditar no que
ela estava dizendo.
— Cara — disse Lizzie. — Caras. Maridos em potencial.
— Neste planeta primitivo?
— Por que não neste planeta primitivo? É melhor do que
em casa. Não cheira a incêndio de lixo. Todas as plantas parecem
saudáveis e exuberantes. Provavelmente não têm aquela praga aqui...
— Ou aqueles caracóis escavadores. — disse Shorena.
Cathy estremeceu.
— Moscas da carne verde. Cachorros baiacu.
— O que você está planejando, Sam? — Lizzie me olhou.
— Ficar perto do lugar da queda e esperar mais piratas para te
sequestrarem? Não parece tão ruim aqui.
— Sempre tem alguma coisa ruim. — argumentei. — Olha,
minha família se refugiou nas montanhas nos primeiros sinais de
guerra. Vivemos lá por gerações. Há muitas coisas que podem te matar
nas florestas. Ursos mutantes, matilhas de lobos raivosos, gatos
selvagens...
— Ei! — disse Lilstra.
— Desculpe. O que estou dizendo é que a natureza
selvagem não é um bom lugar. — eu disse. — Os predadores ficam mais
audaciosos, a caça mais escassa, o clima pior a cada ano que passa.
Eu abri mão da minha liberdade para sair da maldita floresta.
— Não — disse Lizzie. — Você abriu mão da sua liberdade
por lucro. Para salvar seu irmão de alguns anos como servo contratado.
Não havia garantia de que você não acabaria em um planeta
exatamente como este.
Certo. Tecnicamente verdade. Mas se fosse esse o caso, só
seria a minha própria pele com a qual eu precisaria me preocupar.
Antes que eu pudesse argumentar mais, a velha entrou na
cabana. Jeannie estava certa. Sua pele reluzia, prateada sobre o verde,
com listras longas e finas que terminavam em rosetas. Estas eram de
um verde mais profundo, desbotadas pelo tom prateado.
A mulher fez uma pequena reverência, contas e pequenas
figuras de marfim trançadas em seus cabelos escuros e selvagens,
tilintando a cada movimento. Um colar de pedras preciosas brutas,
pequenos pacotes amarrados e ossos ocos finos decoravam seu
pescoço.
Ela falou suavemente, o som como grama agitada. Em sua
mão esquerda havia uma tigela de argila e, quando ela se aproximou
de mim, senti um cheiro adstringente.
Ela continuou falando. Meu tradutor continuou em
silêncio.
Mergulhando o dedo, ela esfregou um pouco da substância
da tigela em meu pescoço. Em seguida, ela deu um passo para trás.
Sua palma voltada para mim, ela fez um movimento circular.
Eu entendi. Esfregar a substância.
Do seu colar, ela removeu um talismã. Na parte superior,
uma pedra semelhante a um opala estava embutida em um pedaço de
madeira polido e brilhante. Olhando para a joia, ela me estudou. Ela
percorreu meu corpo para cima e para baixo, examinando, como se
pudesse enxergar através da pedra.
Em seguida, ela cuidou das outras garotas da mesma
maneira, olhando através do talismã como se fosse uma lupa.
Algum tipo de cerimônia, talvez?
— Lá está o seu garoto. — Lizzie inclinou a cabeça em
direção à porta.
Eu olhei para fora.
— Meu garoto. — tinha mais de dois metros de altura. Seu
corpo era musculoso, a pele quase da cor de chá verde. Listras
percorriam seu corpo verticalmente, mais audaciosas e escuras do que
as da mulher. Sua cintura era fina, ombros largos, rosto…
Seus olhos eram invisíveis sob uma sobrancelha pesada, as
narinas dilatadas. Outros homens estavam do lado de fora da cabana.
Ele estava separado deles, mas chamou minha atenção com um rápido
olhar, mantendo meu olhar, a postura dos ombros firme. Não, quase
agressiva, a tensão sutil de alguém esperando uma briga.
Será que Lizzie realmente achava que ele gostava de mim?
"Gostar" parecia uma palavra muito amigável.
Mas ele não se aproximou, quebrando nosso contato visual
após um longo momento e se virando. Ele queria algo de mim.
Eu precisava saber o que. Esse tipo de informação poderia
ser usado como uma alavanca.
A velha mulher falou em direção à porta, comandando com
um tom ríspido. Carregando bandejas, duas outras mulheres
entraram. Um aroma saboroso encheu a cabana como nada que eu já
tinha sentido antes, e meu estômago roncou.
— Hora da comida! — Jeannie disse.
09 - JANNIK

Na manhã seguinte, voltamos para a aldeia antes do sol


nascer. Adak, Takka e eu carregávamos cada um animal de caça com
chifres nos ombros, sinal de nossa caçada bem-sucedida durante a
noite.
Eu não permitiria que minhas falhas fossem a causa de
desconforto para minha Garota Crepúsculo. Ela era minha, cuidar dela
era um privilégio e um dever meu.
Ela protestou no começo, o que era esperado. Ela estava
confusa, sem dúvida. Mas ela passou a reconhecer-me. Seu braço ao
redor do meu pescoço, o movimento do seu peito enquanto ela inalava
meu cheiro enquanto eu a levava para a aldeia, quase me fez fraquejar.
Mas sua segurança sempre seria a prioridade máxima.
Eu retribuiria essa tortura lenta no momento adequado.
— É muito melhor caçar em pequenos grupos. — eu disse.
— Ou sozinho.
— Que líder de caça você é. — disse Takka. — Líderes de
caça lideram a caçada, eles não caçam sozinhos.
— Eles caçam se quiserem comer. — eu disse. — Qual é o
sentido de quinze de nós vagando pela floresta, assustando a caça?
— Você nunca foi seguidor dos antigos costumes. — disse
Adak.
Eu o encarei.
— Sou seguidor dos métodos que funcionam.
— O que você acha das fêmeas? — Takka perguntou. —
Acha que Gattok está certo? Elas deveriam ser jogadas no rio?
— Claro que não, idiota. — disse Adak. — Você não viu
como ele olha para a Garota Crepúsculo?
— Chega dessa conversa. Não nos cabe discutir isso. — eu
disse, então parei, ouvindo o barulho de algo se mexendo nas moitas à
frente.
Fazendo um gesto aos outros, abaixei-me e avancei
silenciosamente.
Parecia ser uma caça grande. Mais carne, menos motivos
para meu pai argumentar que as fêmeas são um fardo para nossos
suprimentos. Além disso, minha Garota Crepúsculo precisaria de toda
sua força para a atividade que eu havia planejado para nós. Eu
garantiria que ela comesse bem.
— Jannik, espere! — Adak disse. — Dois passos para trás,
devagar.
Adak tinha sido meu amigo desde o nascimento, e eu
confiava nele como em nenhum outro. Exceto quando se tratava da
minha fêmea, mas isso era diferente.
Relutantemente, dei alguns passos para trás, assim como
uma videira espinhosa chicoteou pelo ar, a pouca distância do meu
rosto.
— Videira espinhosa? — Takka deu uma olhada mais de
perto, mas não muito perto. — Consigo ver seus dentes, logo abaixo da
folhagem. Um grande exemplar.
— Deve significar o fim da Estação Seca. — disse Adak.
— Marque a localização. Enviaremos meninos para
queimá-la. Essa está muito perto da aldeia.
Takka assentiu.
— Bem escondida.
Ela ficava entre os troncos das árvores do céu, com galhos
cruzando acima. O solo onde seu corpo estava enterrado estava coberto
por anos de folhas caídas e húmus. Enquanto observávamos, uma
dúzia de ramificações se lançou novamente e um coletor fofo saiu
arrastado dos arbustos. Ele chutou e gritou no abraço espinhoso. Em
questão de momentos, encontrou seu fim na boca subterrânea da
planta.
Pegamos nossas presas e contornamos a videira a uma
distância segura.
A clareira descia em direção à aldeia, logo além da próxima
elevação. Os gritos dos voadores noturnos deram lugar ao canto dos
planadores diurnos e um vento frio despertou o sol do sono enquanto
descíamos a colina com nossos fardos.
Embora eu não quisesse, olhei para a cabana das mulheres
enquanto nos movíamos.
Ela olharia para trás, minha Garota Crepúsculo? Será que
ela conseguiria sentir que eu estava por perto?
Eu não a tinha visto desde que ela havia entrado na cabana
na manhã anterior. Estaria ela bem?
Adak me cutucou por trás.
— Pare com isso. — Ele olhou para a cabana, seu olhar
permanecendo um pouco tempo demais.
Engoli um rosnado. O que ele sabia que eu não sabia? Seu
rosto presunçoso me fez cerrar os dentes. Encarei-o com raiva,
imaginando todo tipo de infortúnio que poderia acidentalmente
acontecer com ele se ele olhasse para a minha Garota Crepúsculo.
Acidentes acontecem o tempo todo.
Não precisava ser fatal; afinal, éramos amigos. Mas será que
ele realmente precisava das duas pernas?
Rakkin trabalhava nas panelas de cozinha com seu grupo
de jovens aprendizes, suas sobrancelhas se erguendo quando nos
aproximamos.
— Ah, carne! Eu estava cansado de peixe. Mikkak, Linil,
prontos para massacrar. Depressa, vamos grelhar e adicionar à sopa
da manhã.
Dois de seus garotos pegaram a caça das minhas costas,
enquanto outros removeram as cargas de Adak e Takka. Enquanto
observávamos, as carcaças eram arrastadas pelos membros traseiros
para o futuro abate.
— Vocês são os que trouxeram aquelas fêmeas caídas do
céu, não é? — Rakkin perguntou. — Eu gosto daquela de pelagem negra
e sinuosa. Parece uma festa selvagem.
— Acho que você poderia se juntar a uma caçada, velho, se
quiser acasalar novamente. — disse Takka.
Eu fiz uma careta para ele. Eu não gostava que os
pensamentos dos outros já estivessem seguindo junto com os meus.
Eu poderia precisar planejar alguns acidentes.
— Não, não, garotos, cortem em pedaços menores. —
Rakkin se aproximou de seus ajudantes. — Temos bocas extras para
alimentar. Tamanho de uma mordida, agora.
Embora os meninos tivessem desmontado a besta com
eficiência, o cozinheiro-chefe direcionou suas facas. Ele estalou os
dedos para um garotinho.
— Você. Pequeno. Harn. Acenda um fogo embaixo da pedra
plana. Quero dar uma grelhada nessa carne antes de colocá-la na
panela.
Deixamos Rakkin cozinhando, caminhando em direção às
cabanas dos solteiros.
No poço, eu ergui um balde de água, jogando-a sobre mim
para lavar o sangue. Ofegando, sacudi a água gelada do meu cabelo.
Ao som, meu primo Gitak saiu de sua cabana, seguido por
seus companheiros de cabana, Arrak e Krenek. Todos eram filhos de
um líder ou outro.
Tecnicamente, o pai de Arrak era Vattim, um Guardião em
vez de um líder.
Mas o pai de Krenek era o Líder das Fazendas. Por que
cultivar coisas precisava de um líder estava além de mim.
— Vocês acordaram cedo. — disse Gitak. — Tentando dar
uma espiada na cabana das fêmeas?
— Não somos crianças, primo. — eu disse, recusando-me
a responder mais. Conversas entre Gitak e eu nunca terminavam bem.
— Hum. — Gitak inclinou a cabeça.
Adak se molhou com o balde. Ele fez questão de molhar
meu primo também.
— Isso está frio, seu idiota! — Gitak virou-se para Adak. —
Você fez isso de propósito.
— Não fique tão perto, Gitak. — Adak disse.
Antes que uma briga pudesse começar, ouvimos os sons do
gongo de pedra.
— Reunião de anciãos? — Eu disse. — De novo?
Ao nos aproximarmos do centro da aldeia, a fogueira central
ardia. Isso era oficial. Meu pai, seu irmão, os Guardiões e Grexi, o
curandeiro, estavam na pedra curva na borda da fogueira.
De todos os lados da aldeia, nosso povo se reunia. Na
cabana das fêmeas, os homens postados para vigiar escoltavam as
novas mulheres. Quando um tocou no ombro da minha Garota
Crepúsculo, eu quase corri em sua direção, mas, com esforço, me
controlei.
Ela era minha, mas não era o momento certo para
reivindicá-la. Eu seria paciente.
Eu ocuparia minha mente planejando aqueles acidentes.
Meu pai ergueu os três dedos direitos e o polegar. Todos se
calaram.
— Após muita discussão, os Anciãos decidiram manter as
caídas do céu. — disse ele.
Eu as examinei. Uma de cabelos dourados, uma de cachos
curtos, uma da cor de folhas caídas, uma com uma cerda escura na
cabeça, aquela que parecia um gato-noturno, duas de pele cinza com
cabelos negros que eu não conseguia distinguir, e minha Garota
Crepúsculo.
Nenhuma delas entendia o que meu pai estava dizendo.
— É o fim da Estação Seca. Ainda há várias luas de caça
pela frente. Deixemos que essas sejam caçadas por acasalamento antes
de voltarmos para o norte. — Meu pai abaixou a cabeça, encerrando
seu discurso.
—Mas apenas quando as fêmeas entenderem o que isso
significa. — disse Grexi.
Todos os Anciãos olharam para ela com tristeza.
Aparentemente, essa tinha sido uma discussão longa, e todos eles
esperavam que ela cedesse aos desejos deles.
Tolice da parte deles.
Com menos fêmeas nascendo a cada ano, a Curandeira era
a única que poderia falar pelas mulheres. Ao decidir o destino de uma
fêmea, apenas o voto dela contava.
— Como você pretende explicar isso a elas, Grexi? —
Gattok disse.
— Há maneiras. — disse Grexi.
— Métodos antigos? — Meu pai perguntou, o lábio se
curvando.
— Métodos antigos nem sempre são ruins. — disse Grexi.
Meu pai discordava, mas não discutiu.
Othik franziu os lábios, pensativo.
— Será que uma caçada por acasalamento é mesmo
necessária? Essas fêmeas podem não receber nossa semente.
Novamente, Grexi começou a falar:
— Existe…
Meu pai ergueu a mão, interrompendo-a.
— Apenas faça isso, Grexi.
10 - SAMANTHA

— Eles decidiram algo sobre nós. — eu disse.


Eu precisava saber o quê. Havia muitas coisas que eu
precisava saber, incluindo a configuração do terreno. Nenhum plano
poderia ser feito sem mais informações.
Alguém teria que explorar ao redor.
Olhei ao redor e, em seguida, reprimi um suspiro. Certo.
Eu teria que explorar.
Assim que entramos na cabana, assim que comecei a
respirar ar não saturado com o cheiro do meu guerreiro, minha mente
começou a clarear.
Eu me aconcheguei contra o peito dele como se
estivéssemos em um passeio romântico ao longo da praia. Não faço
ideia do que havia acontecido comigo, e não gostei disso.
— Um bando de velhos falando com todo mundo em frente
a uma fogueira? — disse Cathy. — Eu diria que sim. Talvez, daqui a
alguns anos, quando pudermos entender a língua deles, possamos
descobrir o que é.
— Eu não gosto disso. — Folhas largas cheias de ensopado
foram trazidas para nós depois que os homens nos guiaram de volta
para a cabana. Essas pessoas nunca tinham ouvido falar de utensílios
de mesa. Comemos com as mãos.
— Pela primeira vez, por que você não relaxa? — Lizzie
disse. — Talvez eles queiram nos convidar para se juntar à tribo. Talvez
seja um ritual religioso antes de comer. Nós simplesmente não
sabemos.
— Eu não quero me juntar a uma tribo. — eu disse. — Sério.
Nem sabemos se esta é a única civilização aqui. E se, do outro lado de
uma colina, encontrarmos uma cidade? Pessoas que podemos
entender?
Cathy franziu o cenho.
— Você não acha que se este mundo fizesse parte da GGA,
teríamos a língua deles em nossos tradutores?
Talvez isso fosse um ponto. Mas eu ainda precisava ir ver,
ver por mim mesma.
Olhei pela porta para ver nossos guardas ocupados
comendo. Agora seria o melhor momento para sair sem ser notada.
— Vou dar uma olhada ao redor. Alguém quer ir junto?
Ninguém levantou a mão.
— Para onde você vai? Para o monte dos piratas? —
perguntou Cathy.
— Não, é muito longe e eu não conheço o terreno. Vou
marcar o perímetro da aldeia, talvez ir um pouco mais longe se parecer
seguro.
Nada era seguro, é claro, mas havia níveis aceitáveis de
insegurança que eu arriscaria em troca de conhecer a terra. Além disso,
eu era a única com chances de sobreviver à selva sozinha. Tinha que
ser eu.
Lizzie balançou a cabeça.
— Não seja estúpida, Sam. É seguro aqui.
— Nós não sabemos disso. — eu disse. — Não com certeza.
Como a Cathy disse, nossos tradutores não funcionam. Eles colocaram
guardas do lado de fora. Como podemos confiar nisso? Precisamos de
mais informações antes de tomarmos qualquer decisão.
Com isso, saí pela porta. Os guardas estavam de costas,
conversando, aparentemente mais interessados em manter os curiosos
aldeões afastados do que em nos manter dentro. Silenciosamente,
contornei a cabana e entrei na floresta.
Voltar para a nave em busca de suprimentos não era uma
ideia terrível, mas eu só tinha uma vaga ideia de onde o destroço estava
e não tinha pista sobre predadores.
Ainda assim... a nave poderia ter suprimentos médicos,
talvez até tecnologia útil que poderia ser reaproveitada. Se alguém se
machucasse ou ficasse doente, poderia ser tratado com remédios
locais? Eu duvidava disso.
Talvez eu conseguisse chegar antes do pôr do sol? Tentei
lembrar das colinas que passamos antes de as luas se porem. Claro,
na floresta, era difícil localizar qualquer característica geológica.
Sabe de uma coisa, sem coragem, sem glória. Prometi a
mim mesma que voltaria ao primeiro sinal de perigo real ou qualquer
incerteza na direção da viagem. Um risco calculado em busca de
possíveis benefícios era uma coisa, estupidez era outra.
Olhei para o terreno inclinado do clareira a partir das
árvores. Era o lugar para começar. Mas eu não podia simplesmente
atravessar o espaço aberto, senão estaria de volta na cabana em
instantes. Mantendo-me nas árvores, segui em direção ao topo da
colina. A partir dali, era novamente descida.
Eu havia sobrevivido à selva de casa. Árvores doentes,
animais mutantes, riachos envenenados.
Minha mãe havia liderado nosso pequeno grupo de
sobreviventes por décadas... Bem, até que tudo deu errado.
Mas ainda assim, isso poderia realmente ser muito pior? Se
minha noção de direção me falhasse, eu esperaria a subida das luas.
Eu poderia me orientar quando isso acontecesse.
Eu teria que conseguir.
Lembrando-me da primeira visão da aldeia, segui em
direção ao topo da elevação. Ao olhar para trás, recordei uma visão
semelhante. Viemos por aquela trilha de caça, pensei, olhando para a
floresta.
Ninguém me seguia. Não ouvia nenhum alarme ter sido
acionado. Talvez isso me desse uma vantagem suficiente.
Em seguida, segui pela trilha. Me movia rapidamente, não
correndo, apenas afastando-me um pouco da aldeia. Onde a fraca
trilha passava sob os galhos de árvores gigantes, tropecei.
Algo prendeu minhas calças. Uma videira espinhosa, os
espinhos rasgando o tecido. Libertei-me, um espinho de cada vez.
Não vi a segunda videira se aproximar de mim até que fosse
tarde demais. Para meu choque, ela se enrolou em torno da minha
cintura. Uma terceira videira se agitou, fechando-se em torno do meu
braço, enquanto a primeira se enrolava em torno da minha perna.
Espinhos perfuraram minhas roupas, pontas afiadas se
enterrando na minha pele. Não havia como me soltar sem me cortar
profundamente.
Deslizei pelo solo coberto de folhas, arrastada pela videira.
Foi então que vi. Enterrado no chão, algo que parecia uma armadilha
de urso se abria e fechava suas mandíbulas. Não era grande o
suficiente para me devorar, mas certamente era grande o bastante para
arrancar uma perna.
Tentar puxar para trás foi inútil. Minhas botas não
conseguiam se firmar.
As pontas espinhosas ameaçavam me despedaçar.
Talvez houvesse coisas piores aqui do que nas florestas de
casa.
Um pouco tarde para aprender essa lição. Talvez tivessem
que escrever isso na minha lápide.
Desculpe, John. Eu queria me redimir, tirar você daqui.
Por um tempo, consegui cavar os calcanhares no chão, mas
quando fiz isso, a dor das videiras dentadas se aprofundou, puxando e
se enrolando mais apertado. Isso era estúpido. Estúpido. Estúpido.
Estúpido.
Então, ele estava lá nas ramagens acima de mim. Aquele
que me salvou do traficante. Aquele que me carregou como se eu fosse
dele.
Exibindo os dentes com uma ameaça descarada, ele
levantou um galho quebrado sobre a cabeça. Com um salto, ele cravou
a ponta serrilhada na boca do monstro.
Num instante, os tentáculos se afastaram de mim. Assim
que fiquei livre, rastejei para trás.
Mas o homem alienígena recebeu o peso do ataque. Cortado
e rasgado, ele continuou empurrando o galho mais fundo na boca da
planta assassina. Parecia uma eternidade que ele ficou lá, músculos
estourando e se esforçando, suor formando gotas em sua pele verde
pálida.
Com um estalo repugnante, sua arma afundou meio metro
na raiz. Os tentáculos espinhosos do monstro pararam de se debater.
Um por um, eles o soltaram.
Então, ele veio até mim.
Tentei me levantar, mas ele me derrubou no chão. Seu peso
pressionava sobre mim, seu pulso pulsava, sua respiração era áspera,
seus olhos selvagens como se ele pensasse que eu tentaria fugir.
Permaneci flexível, demonstrando com linguagem corporal
que eu não iria deixá-lo.
Aos poucos, a tensão rígida em seu corpo se dissipou.
A poucos centímetros de distância, vi o verde dos seus olhos
desobscurecidos pelas sobrancelhas enquanto procuravam os meus.
Suas mãos seguravam meus pulsos no chão e eu não lutei.
Ele abaixou a cabeça, o nariz roçando o lado do meu
pescoço.
Eu me contraí, hiperconsciente da força do corpo que me
pressionava contra o chão. A graça controlada e letal de seus
movimentos enquanto ele me protegia.
Mais uma vez, seu aroma picante, seu suor, infiltrou meus
pulmões. Ficamos assim, ofegantes, por algum tempo. Ele virou a
cabeça, os lábios se aproximando da minha mandíbula, pairando.
Ele tentaria...?
Mas tudo o que ele fez foi mergulhar o rosto no canto do
meu pescoço novamente, respirando profundamente antes de se
afastar de mim com um grunhido.
Lentamente, eu me levantei, mantendo seu olhar
enigmático.
Então, ele esticou os braços para longe do corpo e
tentáculos, apêndices, algo assim, deslizaram das costas de seus
pulsos até me envolverem. Tensionando-se, ele retraiu os estranhos
apêndices, me puxando para perto dele. Seus braços me circundaram,
e ele me levantou.
Lá vamos nós de novo.
— Coloque-me no chão. Eu posso andar.
Ele apenas olhou para mim.
Olhei para os tentáculos lisos e semelhantes a cobras que
estavam firmemente enrolados em volta dos meus braços. Eu deveria
sentir repulsa, mas estava fascinada.
Em instantes, descemos pela clareira inclinada em direção
à vila. Minhas companheiras sobreviventes esperavam com os homens
que faziam a guarda do lado de fora da cabana, enquanto Jeannie
sorria e acenava quando nos aproximamos.
Eu não acenei de volta.
Não estava realmente com vontade, e com as minhas mãos
firmemente amarradas, não era uma opção de qualquer maneira.
11 - JANNIK

Por que ela havia fugido?


Será que minha vila era tão terrível? Nós acabamos de
alimentá-la. Eu caçava por ela!
Ainda assim, ela balbuciava para mim, lutando contra o
meu shi-na. A tola. Ela não podia escapar de mim a menos que eu
quisesse deixá-la ir.
Por que ela lutava contra mim? Por que ela me temia? Eu a
levei até a cabana das fêmeas.
— Ponha-a no chão, Jannik. — disse Grexi. — Deixe-me
cuidar de suas feridas.
— Estou bem sangrando. — eu disse. — Eu devo amarrá-
la, prendê-la à cabana. — Assim que ela fosse minha, eu a prenderia
em algo mais também.
A Garota Crepúsculo parou de lutar quando meu shi-na
apertou.
Está bem.
Se essa era a única maneira de segurá-la, que assim seja.
Eu ouvi seus gritos de dor em minha cabeça. Sua
necessidade de mim. Mas sua necessidade era por resgate, não...
Maldito seja eu.
— Se você não vai colocar Garota Crepúsculo no chão, tudo
bem. — disse Grexi. — Mas não vou deixá-la ser amarrada. Tudo isso
tem que ser escolha dela. Eu a levarei para a cidade, e lá ela aprenderá.
— Seu lugar de magia é longe, velha mulher, pelo menos
um dia de caminhada. Eu preferiria não passar a noite naquelas
florestas. — eu disse.
— Você prefere passar a noite em Malu-Roone? — ela disse.
Eu preferiria passar a noite em minha cabana.
Eu preferiria que essa fêmea aprendesse que o lugar dela
também era na minha cabana.
Eu preferiria buscar água para toda a vila o dia inteiro.
Eu preferiria ter outra luta com uma espinhosa.
Os anciãos diziam que Malu-Roone era uma cidade dos
tempos antigos. Na minha opinião, era um local de sepultamento
assombrado.
O passado ainda perambulava em seus níveis
subterrâneos, vivo e faminto.
— Não suje o chão de sangue. Acabamos de limpar. — disse
Grexi.
Lutar contra a videira espinhosa me exauriu. As feridas que
ela causou coçavam.
Suspirando, eu debati sobre a sabedoria de colocar a
Garota Crepúsculo no chão. Ela tentaria fugir? Eu quase desejava que
sim. Isso me daria uma boa desculpa para persegui-la.
Eu sorri, abaixando lentamente ela no chão, mantendo seu
corpo apertado contra o meu para que ela sentisse a tensão em meus
músculos e entendesse que eu estava pronto para saltar e atacar. Ela
não podia entender palavras, então nossa carne teria que falar por nós.
Seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou presa.
Sim, Garota Crepúsculo, vamos brincar de perseguir.
Após um momento, meus braços ainda envolvendo-a, eu a
soltei. Foi difícil. Eu não queria deixá-la ir.
Ela recuou para dentro da cabana, mantendo-me à vista.
Sábia.
Também, com medo.
O conhecimento era amargo em minha língua, mas talvez
um pouco de medo também fosse sensato.
Quando ela se empurrou para o canto mais distante, olhos
arregalados me observando, ergui uma sobrancelha e cruzei os braços
sobre o peito. Se ela tinha medo, ela ficaria quieta dessa vez.
Grexi usou sua varinha de olho em mim, examinando os
cortes.
— Coça. — eu disse, relaxando minha postura assim que
as outras fêmeas cercaram minha Garota Crepúsculo, quase a
impedindo de ser vista.
— Merecidamente. — disse ela. — Que tipo de idiota ataca
uma videira espinhosa?
Eu neguei com a cabeça.
— Ela estava presa. Poderia ter sido pior.
As assistentes de Grexi se aproximaram da cabana das
fêmeas carregando roupas dobradas em seus braços.
— Pelo menos podemos equipá-las contra os perigos da
floresta. — disse Grexi.
Notei braceletes e caneleiras de couro entre os tecidos. Elas
poderiam fornecer alguma proteção.
Tagarelando como deslizadores do crepúsculo, as
estrangeiras seguiram as assistentes de Grexi para dentro das
cabanas.
Os olhos da curandeira estavam em mim.
— Você precisa vir comigo para a cabana da curandeira. —
ela disse.
— Estou bem.
— Sem pomada, os cortes vão desenvolver um fogo na
carne. Você pode ficar debilitado por dias.
As fêmeas seriam levadas a um dos infernos enterrados na
floresta ao amanhecer.
Grexi sabia que eu insistiria em acompanhá-las.
Eu não poderia fazê-lo se estivesse tremendo e suando em
minha cabana.
— Devemos ter uma conversa importante. — disse ela.
— Agora?
— Sim, agora.
Olhei pela porta da cabana das mulheres. Uma das
ajudantes de Grexi percebeu e abaixou a aba de couro.
Grexi estava me observando atentamente.
— Sobre isso. — Ela acenou para a cabana.
Aparentemente, eu não estava enganando ninguém.
— Não vamos perder tempo, então. — eu disse.
Assentindo, Grexi apoiou-se em sua bengala e me conduziu
para longe.
Eu não pude deixar de olhar para trás por cima do ombro.
Fennak e Lisset, os meninos que deveriam guardar as
fêmeas, não conseguiam encontrar meus olhos.
Eu teria uma conversa com eles mais tarde. Talvez mais do
que uma conversa, e eles sabiam disso.
A cabana mais profunda na floresta, a mais distante de
todas, era a da curandeira. Um caminho muito usado levava até lá.
Ela havia escolhido um bom local. Ficava na sombra das
árvores do céu, perto de um bosque de arbustos floridos de aroma
agradável. Embora estivesse longe dos poços, um riacho corria não
muito longe dali.
Fazendo um gesto para que eu entrasse antes dela, entrei
na escuridão fresca. Como a maioria das pessoas na aldeia, ela
compartilhava sua casa. Aqui, algumas assistentes faziam-lhe
companhia. Ao contrário dos outros, uma variedade de ervas, flores,
pós e parafernálias decoravam as prateleiras divididas que revestiam
todas as paredes.
Próximo a uma janela, havia uma cama alta. Grexi acenou
para ela.
— Sente-se, Jannik.
Observei-a usar uma longa e estreita varinha de pedra de
vidro para moer plantas contra uma pedra chata.
— Você sabe o que há de errado comigo?
— Você é um idiota.
Qualquer outro teria levado um tapa na cara. Meus dedos
se contraíram.
— Algo mais específico?
Grexi adicionou sua mistura moída a uma cabaça cheia de
gordura e mexeu.
— Você deveria ter me dito que sentiu o laço do amor. Claro,
você é jovem. Talvez não tenha entendido.
Eu sabia o que era o laço do amor. Ele direcionava homens
e mulheres a se unirem, a se tornarem companheiros se o homem
pudesse caçá-la e conquistá-la.
Encarando a parede diante de mim, admiti em voz alta o
que sabia em meu coração.
— Eu sei do que você está falando.
Rindo, Grexi disse:
— Aposto que sim, se jogando em uma videira espinhosa.
Grexi não era fofoqueira. Comecei a contar a ela sobre a
estranha atração, a perda contínua de controle toda vez que minha
Garota Crepúsculo estava por perto.
Seus olhos se arregalaram.
— Desde que a serpente do céu caiu?
— Sim. Quase antes disso.
— E você não contou a ninguém? — O espanto se
transformou em suspeita.
— Acho que Adak sabe. Como, eu não poderia dizer.
Ela assentiu.
— Ele é mais velho que você. Há quatro estações, o irmão
dele e uma garota de outra aldeia sentiram o laço, o som das almas.
Ela adoeceu com o fogo da carne. É sorte para ele que ela nunca tenha
corrido como presa. Se ele a tivesse capturado, e ela morresse...
O irmão de Adak ficaria sozinho para sempre, ela não
precisou dizer.
— É mais do que instinto. — eu disse. — Cada vez que vejo
o rosto dela, estranho como é, sinto uma surpresa e alegria. Anseio por
falar com ela, contar a ela o que sinto em meu coração. Mas nós não
podemos nos entender. A angústia me corrói. Quase tanto quanto o
medo dela por mim. — Bem, talvez não tanto. Um pouco de medo
saudável era útil.
— Isso é muita falação para você. — disse Grexi.
Eu fiz uma careta e desviei o rosto.
— Isso vai arder. Muito. — Ela aplicou sua pomada em meu
ombro machucado.
Rangendo os dentes para conter um grito, tentei me afastar.
Jurei que ouvi um chiado, como carne em uma pedra de cozinhar.
Com habilidade, ela aplicou a maldita pomada em meus
ferimentos profundos e o fogo me sacudiu.
— Estou usando uma pomada mais forte do que deveria.
Mas já que você vai bater a cabeça em uma pedra para ficar perto do
seu laço do coração, você precisará estar o mais saudável possível.
— Maldição, mulher. — Minha voz tremeu. — Às vezes eu
te odeio.
— Eu sou uma curandeira. Em algum momento ou outro,
todos nesta aldeia me odiaram.
A visão ficou embaçada e tentei me levantar.
Falhei.
— Minhas assistentes irão ajudá-lo a chegar à sua cabana.
Você vai dormir o dia inteiro. — disse Grexi. — Mas quando o Terceiro
Inferno tocar o horizonte, partiremos para a cidade. Você vai querer
estar acordado para isso.
12 - SAMANTHA

Começamos antes do amanhecer e caminhamos o dia


inteiro. A floresta mal produzia sons, além de nossas conversas
ocasionais e o suave baque de nossos passos. Os aldeões haviam
trazido roupas para nós e, agradecidas, trocamos. Eu não tinha
percebido como os uniformes isolantes fornecidos pela Grande Aliança
Galáctica me faziam suar, mesmo que o meu tivesse protegido minha
pele dos piores espinhos ontem.
De vez em quando, Jeannie dançava no meio do caminho,
girando e fazendo a saia tremular, claramente adorando sua roupa
primitiva.
Eu realmente, realmente invejava ela às vezes.
Todos nós usávamos braceletes nos braços e caneleiras nas
pernas. Túnicas macias eram a peça principal, amarradas com uma
faixa grossa de couro entrelaçado em cestaria. Alguns dos minhas
companheiras cativas mantiveram seus sapatos, mas os meus estavam
destruídos, agora substituídos por botas altas e macias.
Meu guerreiro mal tirava os olhos de mim. Meu coração
batia mais rápido sob seu olhar e eu me repreendia. Minha crescente
atração pelo macho de pele verde era Síndrome de Estocolmo ou algo
assim.
Sem dizer uma palavra que eu pudesse entender, ele deixou
perfeitamente claro o que queria.
Não vai acontecer. Mesmo que minhas pernas tremam com
o cheiro dele.
Ao meio-dia, com o enorme sol vermelho brilhando através
do dossel, paramos para descansar e comer.
Sentei-me em um tronco, esticando as pernas. Meu
guerreiro se aproximou de mim, mas antes que eu tivesse tempo de
perguntar o que era para o segundo café da manhã, ele se agachou ao
meu lado, oferecendo uma folha larga em suas mãos em concha, cheia
de frutas e tiras de carne seca.
Coma. Seu gesto deixava a exigência clara.
Olhei para ele, hesitante. Ele estava sendo educado ou
havia algum significado mais profundo em me oferecer comida? Porque
se aceitar comida de suas mãos significasse que estávamos
comprometidos ou algo assim, eu passaria.
— Isso não significa nada estranho, não é? — Perguntei em
voz alta. Idiota, Sam. Como se ele pudesse entender. Além disso, você
realmente confiaria no que ele dissesse?
Ele franziu a testa, emitindo sons estranhos em resposta.
Suspirei.
— Deixa para lá.
Estendi a mão para pegar a folha dele. Enquanto ele a
soltava, os dedos dele apertaram a parte de trás das minhas mãos por
apenas um segundo, as pontas acariciando minha pele enquanto ele se
afastava lentamente e depois se levantava.
Antes que eu pudesse me perguntar se tinha imaginado
aquela carícia, ele se virou e se juntou aos outros homens.
— Ele deve gostar muito de você. — Lizzie acenou com a
cabeça na direção dele. — Ele está perto de você o tempo todo.
Pairando, olhando com raiva, rosnando suavemente para
qualquer um dos outros machos que se aproximava demais. Um deles
parecia fazer isso de propósito, só para provocar. Pelo olhar que meu
guerreiro lançou ao outro, ele estava contemplando algo nefasto.
— Um deles parece gostar de você também. — observei.
Ela deu de ombros.
— Não o suficiente para fazer uma caminhada pela floresta,
aparentemente.
Era verdade. Apenas meu perseguidor e dois homens mais
jovens nos acompanhavam enquanto seguíamos a curandeira pela
floresta.
Até os mais jovens eram muito mais altos do que nós. Não
haveria escapatória aqui. Embora eu tivesse mais ou menos
abandonado essa ideia, por enquanto.
Catherine me encarou enquanto mordia um pedaço de
carne seca.
— Já que a exploração deu tão errado, você está pronta para
desistir e dar uma chance a este lugar? Seu cara parecia bem tenso
quando te trouxe de volta. Eu pensei que ele fosse te arrastar para a
cabana dele.
— Não posso desistir. — Balancei minha cabeça. — Eu não
quero estar aqui. Eu não quero ser conduzida, alimentada, protegida
por esses alienígenas. Desculpe. Nativos. Mas parece claro que existem
perigos lá fora dos quais não sabemos o suficiente.
Mordi o lábio, tentando entender minhas próprias
motivações em palavras que fizessem sentido para os outros.
— Sei que precisamos aguardar nosso tempo, mas não foi
para isso que me inscrevi. — minhas bochechas queimaram quando
admiti meus pensamentos. — Eu queria ser uma noiva? Não. Mas
imaginei que qualquer pessoa que pudesse pagar o preço devia ser rica.
Eu me imaginei em uma das gloriosas cidades do núcleo central da
Aliança. Talvez apenas uma máquina de fazer bebês, mas pelo menos
em algum conforto.
Lilstra bufou.
— Você sabe que os fazendeiros nos mundos mais
primitivos da fronteira juntam dinheiro para comprar mulheres, certo?
— ela disse. — E não importa o quanto os noivos sejam verificados,
alguns deles vêm do Sindicato. Em termos de regras, não há muita
diferença entre uma noiva comprada e uma trabalhadora sexual. Eu
estava esperando mais pela segunda opção.
— Eca! — Jeannie disse — Por quê?
— A promiscuidade está incorporada no meu código
genético, eu acho. — disse a felina. — Um desejo instintivo de
diversificar os genes.
— Claro. — disse Catherine. — É instinto. Genética. Você
não é uma vadia nem nada disso.
— Vadia. — Lilstra riu. — Insultos são baseados em
predisposição. Você não pode me ofender com a sua visão primitiva.
— Posso te ofender com um chute no seu rabo. —
resmungou Cathy.
Lilstra casualmente abriu as palmas das mãos para o céu.
Garras afiadas se estenderam de seus dedos.
— A qualquer hora, garota-presa.
— Cath-eee. — Elizabeth disse com uma voz cantarolante
— os homens grandes com lanças estão parecendo ansiosos. Vamos
todos se acalmar, ok?
Olhei para o meu guerreiro, desistindo de chamá-lo de
outra coisa. Ele não parecia ansioso. Ele me encarava, provavelmente
esperando por mais uma desculpa para me carregar, me caçar e me
jogar no chão.
Aposto que ele adoraria isso. Eu não ia dar a ele uma
desculpa.
Eu o encarei com raiva. Ele piscou, e depois de um
momento devolveu o olhar com um sorriso leve, lento e divertido,
segurando meu olhar com uma paciência tolerante que me deixava
nervosa. Como se estivesse mentalmente acariciando minha cabeça.
Quando senti minha mão alisando e arrumando meu
cabelo, me detive. Recusei-me a me sentir atraída pelo grande macho
obsessivo.
Ainda mais atraída.
Eu não podia ficar aqui neste planeta selvagem.
Eu era responsável pelo meu irmão, tinha jurado para
minha mãe que cuidaria dele. Quando ele aceitou um contrato de
serviço fora do planeta, meu coração se partiu.
Talvez me vender como noiva não fosse uma boa escolha,
mas era a única maneira de ajudar a encurtar sua dívida.
E agora eu estava aqui. A GGA iria honrar o contrato agora?
E quanto às outras garotas que estavam presas comigo?
Elas também não planejavam estar aqui.
Eu precisava encontrar uma maneira de sair dessa rocha,
levar todas nós para longe daqui.
E isso significava não me apaixonar pelo Senhor alto,
moreno e verde.
Nossos captores emitiram seus ruídos ventosos, a
curandeira se curvou para nós e pegou sua bengala. Era hora de partir.
O tempo passou como uma eternidade.
A mata era monótona, sem sequer os seres que deslizavam
entre os galhos à vista. Aqui, os troncos eram mais finos, o dossel mais
baixo. Percebi que esta era uma área de crescimento mais recente. O
terreno era mais plano aqui do que nas matas virgens que cercavam a
aldeia.
Nenhum dos outros parecia notar. Acho que se você não foi
criado na natureza, você não presta atenção em coisas assim.
As sombras se alongavam à medida que o sol baixava e
lentamente uma das três luas se erguia. Passamos por lajes de pedra
cobertas de vinhas, como cercas quebradas ou dentes faltando. Os
nativos diminuíram o ritmo e além deles, a floresta mudou mais uma
vez.
— Como Stonehenge3. —disse Jeannie. Ela se aproximou
de uma das pedras em pé. Rapidamente, um dos guardas mais jovens
a pegou pela cintura e a colocou de volta no caminho.
— Ah — ela disse. — Não toque. Entendi. Desculpe.
— Ponha ela no chão. — Eu avancei até o macho. — Pare
de nos manusear assim. Não somos crianças.
— Está tudo bem, Samantha, ele só estava... — Jeannie
começou.
— Não. Não somos sua propriedade. Tire as mãos. — Eu
me virei para aquele que insistia em me carregar como uma boneca.

3 Famoso monumento de pedras na Inglaterra, construído há cerca de


4.500 anos.
Ele me amarrou com os tentáculos de seus pulsos. — Você também.
Quem você pensa que é?
Seu olhar percorreu lentamente meu corpo, uma resposta
descaradamente provocativa ao desafio em meu tom - então ele virou
as costas para mim.
Que audácia.
— Calma, Sam. — disse Lizzie. — Parece que estamos nas
boas graças deles. Vamos evitar arruinar tudo agora, no meio do nada.
— Eu digo que você vá, Samantha. — disse Cathy. — Estou
cansada de ser um animal de estimação, um brinquedo.
— Não, Elizabeth está certa. — disse Shorena — Este não
é o momento para uma confrontação.
— Por que você acha que precisa defender todas nós, Sam?
— Lizzie disse. — Podemos nos cuidar. Somos todos adultos aqui.
— Tanto faz. — retruquei. — Mas, se é assim, qual é o seu
plano para sair daqui?
Os quatro nativos observavam nossa conversa com
interesse, sua atenção me deixava desconfortável, até que a mulher
idosa fez um gesto com sua bengala. Até então, o caminho tinha sido
fácil de seguir. Agora, apenas uma trilha estreita cortava as densas
vinhas, espinhos e arbustos.
Enquanto a anciã entrava, meu perseguidor carrancudo
falou. Por um momento, eles tiveram uma conversa sussurrada. Assim
como todas as suas conversas. Balançando a cabeça, a anciã
prosseguiu pelo caminho estreito.
Meu "herói" não gostou. Sinceramente, eu também não. Por
que a flora era tão densa deste lado das pedras em pé era um mistério.
Considerando que não tínhamos visto nenhum animal o dia todo, o que
teria criado esse caminho?
Seguimos cegamente até que bem diante de nós havia uma
parede, pálida, branca e alta. A mulher idosa se contorceu para o lado
e lutamos para segui-la. Quando ela parou e olhou para cima, segui
seu olhar.
Uma abertura na parede, um arco. E através daquela
passagem...
Eu parei de repente. Isso era uma cidade. Como uma cidade
da Terra. Tão moderna, tão arruinada. Parte da arquitetura era
estranha, arcos invertidos e janelas assimétricas que me deixaram um
pouco enjoada.
Os machos tomaram posições atrás da mulher idosa
enquanto passávamos além da parede. Todos os prédios eram brancos.
Pedra? Com o sol quase se pondo, eu não poderia dizer.
Olhando em todas as direções, a mulher idosa nos indicou
outra porta.
Meu grande guerreiro parou de repente e levantou a mão.
Ficamos ouvindo, mas eu não sabia o que estávamos esperando.
E então ouvi os chamados das criaturas, como nada que eu
já tinha ouvido na aldeia ou na floresta, vindo de todos os lados.
Comunicando-se. Se aproximando.
A mulher idosa apontou sua bengala para baixo, para um
conjunto de escadas que levavam abaixo dos alicerces de um prédio.
Sem outra escolha, seguimos seu exemplo.
— Que som é esse? Está em toda parte. — disse Cathy. —
E por que diabos estamos nos enfiando num porão?
— É melhor estar lá embaixo do que aqui em cima. — disse
Lizzy. — Se apressem!
Eu me virei para olhar. Os homens ajoelharam no topo das
escadas, juntando gravetos e folhas secas em um monte. Ouvi um som
de impacto familiar e faíscas acenderam um pequeno fogo.
Entre isso e o sol vermelho desvanecendo, eu vi uma das
criaturas em pé no topo de um prédio oposto a este. Parecia um
orangotango monstruoso, ou babuíno - eu não era especialista em
animais extintos. Simiano4, batendo no peito, mas de alguma forma
mais carnívoro, desapareceu de vista tão rapidamente quanto chegou.
Quase imediatamente, reapareceu, segurando um enorme
pedaço de parede acima de sua cabeça. Enquanto eu gritava um aviso,
ele lançou o projétil massivo para esmagar os três machos no chão.

4 Termo que se refere a macacos, símios (como gorilas, orangotangos e


chimpanzés) e seres humanos. Eles são primatas com características físicas e
comportamentais semelhantes, como mãos preênseis e comportamento social.
13 - JANNIK

O sol poente pintava sangue sobre as ruínas. Este era um


portal para o inferno, lembrado nas antigas histórias como um lugar
de condenação e morte, ocupado por Moradores bestiais que
assombravam as ruínas, ansiosos para massacrar todos que
invadissem.
Quando éramos crianças, havíamos desafiado uns aos
outros a passar por suas muralhas. Um dos meus amigos nunca
retornou de lá.
Nenhum dos Anciões achou seguro procurá-lo.
Entre a vila e este lugar, havia possivelmente a área mais
segura da floresta no sul. Poucos predadores se espreitavam ali.
Animais de caça eram escassos.
Ninguém queria estar perto da cidade em ruínas.
Então, por que os Grexi trouxeram as fêmeas, que mal
conseguiam sobreviver na floresta, para este lugar?
Sozinho, eu poderia ter chegado a esta área amaldiçoada e
ainda voltado para a vila antes do anoitecer.
Carregando uma mulher idosa e um punhado de fêmeas
forasteiras, a jornada levou o dobro do tempo. Agora, os habitantes
chamavam uns aos outros ao nosso redor, enquanto as sombras
preenchiam os caminhos de pedra dura.
Não era um momento ideal para visitar.
O mal assombrava este lugar, desde que foi abandonado
pelos Antigos.
Enquanto observava, Grexi levou suas protegidas para o
subsolo em busca de segurança. Apenas uma coisa as manteria assim.
Eu ordenei a Fennak e Lisset, os jovens que deixaram minha fêmea
escapar quase à morte, para iniciar um fogo antes da passagem
descendente.
Eu os recrutei como punição por permitirem que minha
Garota Crepúsculo escapasse, mas agora que o perigo estava presente,
eu teria preferido ter Adak e Takka ao meu lado.
Os Moradores das ruínas eram territoriais. Ferozes. Seus
gritos e uivos ecoavam na vila de pedra.
Eee-ee-ee-eeee-eee-aaahhhh!
As criaturas, chamando umas às outras, sentiram nossa
presença.
— Eles tagarelam como essas fêmeas. — disse Lisset.
Eu fiz uma careta, calando-o.
— Estejam atentos. Esses monstros são conhecidos por
arremessar…
No fundo do buraco em degraus, vi minha Garota
Crepúsculo. Seus olhos se arregalaram de horror e, em seguida, ela
apontou para algo atrás de mim. Enquanto ela soltava um som
semelhante ao de uma presa enredada, vi a criatura acima de nós.
O habitante ergueu uma laje de pedra acima de sua cabeça.
Rapidamente libertei meu arremessador e um dardo.
— Lisset, Fennak, vocês têm piche?
— Usei para começar o fogo. — disse Lisset.
Nenhum dos garotos tinha se comprometido com sua
vocação, caçador, guerreiro, um ofício. Esta noite poderia decidir por
eles.
No meio das chamas, vi uma bola em chamas e a espetei
com meu dardo.
Prendendo-o no arremessador, lancei. Um lançamento
forte, mas controlado.
O piche flamejante na ponta do dardo se transformou em
um céu estrelado de faíscas. Deixando sua arma tosca cair, a criatura
fugiu.
— Lisset, flanqueie à esquerda, Fennak à direita. Não a
deixem escapar!
Os edifícios de pedra clara tinham buracos para a luz. Uma
escalada fácil até o topo. Enquanto os outros corriam para seguir
minhas ordens, eu me impulsionava para cima.
A criatura havia permanecido no telhado plano, seus longos
braços arrastando os nós dos dedos na superfície e pernas fortes e
poderosas atrás. A coisa se parecia um pouco conosco, mas não andava
ereta.
Libertei outro dardo e preparei o arremessador enquanto o
monstro mostrava enormes presas e erguia outro pedaço de entulho do
tamanho da minha cabeça.
Lançando o dardo, a ponta voou certeira, se enterrando no
ombro da criatura.
Não foi o suficiente.
Gritando, ela investiu contra mim, garras agarrando meu
ombro, rasgando minha carne com seu alcance excessivo, seu aperto
esmagador. Não havia tempo para outro lançamento. Nem mesmo uma
estocada. Com suas presas em meu rosto, soltei meu shi-na, enrolei-o
em volta de seu pescoço, puxando-o para longe do meu pescoço.
Então ele caiu no telhado, deslizando com seu impulso.
Dois dardos estavam cravados em suas costas, enterrados
profundamente, e o sangue azul se acumulava ao redor do corpo
maciço.
— Haverá mais. — disse aos jovens de rosto pálido ainda
segurando seus arremessadores. — E eu não serei capaz de segurá-los
para que vocês acertem todas as vezes. Rezem para que Grexi conheça
bem essas ruínas o suficiente para nos esconder a todos.
Descemos pela parede quebrada onde os garotos tinham
subido, voltando para onde havíamos deixado as fêmeas.
— Não estou com medo. — disse Lisset.
— Então você é estúpida. — Contornamos o prédio, indo
em direção à caverna inclinada.
— Eu os ouço ao nosso redor, Jannik. Você tem certeza de
que devemos nos encurralar nesse buraco? — disse Fennak.
Ele era mais esperto que o amigo.
— É para onde a curandeira quer ir. Devemos confiar em
sua sabedoria.
Saltando sobre o fogo moribundo, descemos a rampa
quadrada. Minha Garota Crepúsculo não estava à vista. Entramos por
uma porta na parte inferior.
Uma das fêmeas fez um gesto para seguir. Ela falava
incoerentemente conosco. Eu acenei com a cabeça, e os jovens se
aproximaram dela. Não vi nada para bloquear a entrada contra os
monstros.
Reprimindo o medo de que estávamos nos encurralando,
segui adiante. Atrás de mim, ouvi um deslizar e me virei quando a porta
se fechou. Ele refletia minha imagem turva como um lago sujo.
Uma caverna de linhas retas, depois outra rampa cortada.
Enquanto eu corria naquela direção, avistei Fennak desaparecendo na
escuridão.
O trovão ecoou pela caverna angular. E novamente,
novamente. Batendo, percebi. Frustrado.
Os monstros estavam impedidos de entrar.
Talvez eu devesse dar mais ouvidos às palavras da
curandeira.
Remendos acima de nós produziam uma espécie de luz
pálida de tochas. Ignorei o brilho doentio.
Logo, ouvi a conversa das fêmeas, a canção da minha
Garota Crepúsculo entre elas.
Fennak e Lisset estavam agachados, arremessadores
carregados de dardos.
Peguei o meu. Que novo horror estava por vir?
Quando cheguei perto deles, olhando além, entendi. Uma
grande laje da cor de água suja inclinava-se sob uma parede de
relâmpagos, dançando e torcendo em formas e cores assustadoras. As
mulheres estavam muito perto dela.
Eu tive que me conter para não agarrar a Garota
Crepúsculo.
Ela olhou para cima abruptamente, e nossos olhares se
encontraram, seus olhos estreitos em mais um desafio antes de ela se
afastar de mim.
No entanto, nenhuma das estrangeiras parecia assustada.
Até mesmo Grexi permaneceu em repouso calmo.
Enquanto eu observava, ela mexeu em seu colar de
curandeira e, puxando, removeu um enfeite.
Era parecido com o olho de um jaroor, exceto pela cor do
sol.
A curandeira fez um gesto mágico diante do monólito. Isso
foi seguido por gritos de criaturas voadoras e o chilrear de insetos que
eu nunca tinha ouvido antes. Sons, flashes e um rugido profundo
vieram em seguida.
Eu avancei, agarrando a Garota Crepúsculo e a arrastando
para longe desse pesadelo. Ela emitiu um som estranho e agudo,
retorcendo o corpo para tentar se livrar de mim, mas eu apertei o meu
agarre. Ela não estava vendo o perigo?
Ela rosnou, cuspiu algumas de suas palavras estranhas e
parou de lutar.
Bom. Ela estava aprendendo.
Uma boca se abriu perto de Grexi e ela colocou o olho
dentro.
Um rangido profundo seguiu enquanto a escultura de pedra
brilhante deslizava para o lado. Apesar da tensão em meu estômago,
eu me mantive firme. Se a Garota Crepúsculo ficasse, eu também
ficaria.
Em um instante, outra câmara foi revelada. Como
relâmpagos, os flashes nos cegaram e depois se tornaram tão
constantes e pálidos quanto a luz da lua.
— Não ousamos entrar. — Lisset sussurrou. — Faça as
fêmeas fugirem!
Eu não tinha como fazer isso.
— Calma, Lisset. — disse Fennak. — É estranho, mas não
tão diferente de uma cabana.
Vi que ele estava certo, exceto pelas estranhas esculturas
naquela pedra reflexiva.
A Garota Crepúsculo se soltou do meu aperto mais uma vez
e desta vez, eu relutantemente permiti que ela avançasse, pisando com
rigidez. Ela não estava satisfeita comigo, mas aprenderia que sua
segurança vinha antes de seu descontentamento.
Sem medo, as fêmeas seguiram Grexi para aquela caverna
brilhante e vasta.
Nós, homens, também não mostraríamos medo. Mas
empurrei os garotos na minha frente.
Seria um bom exercício de treinamento.
14 - SAMANTHA

Eu não sabia qual desastre aconteceu para as pessoas


abandonarem esta cidade.
Eu não sabia nada sobre os monstros envoltos em peles que
queriam nos matar. Mas pelo menos este quarto era compreensível: um
laboratório médico.
— Olha só todas essas coisas! — Shorena ficou
maravilhada. Uma parede metálica havia desmoronado parcialmente,
emaranhados de fios, o brilho do metal e uma variedade de coisas
estavam sobre um balcão. — Eletrônicos. Fotônica. Armazenamento de
dados. Acho que é isso. Algumas coisas são tão estranhas que não
consigo entender. É tecnologia avançada, com certeza.
Tecnologia avançada o suficiente para consertar uma nave
pirata? Não mencionei isso. As garotas não queriam ouvir sobre meu
plano de fuga.
Pelo menos, ainda não.
— Meu Deus, uma cadeira! — disse Jeannie. Ela se
apressou e sentou em algo que parecia um módulo cirúrgico. — Eu não
percebi o quanto senti falta de uma boa cadeira.
Os mecanismos da máquina zuniram com a presença dela
e ela pulou, dando à coisa um olhar desconfiado.
Os três machos ficaram perto da porta abobadada, olhos
arregalados e inquietos. Eles nunca tinham visto algo assim, pensei, e
senti uma pequena pontada de simpatia por meu perseguidor.
Mas apenas uma pequena. A cada minuto que passava,
parecia que ele ficava mais possessivo, indo de razoavelmente atento a
arrepiado e agressivo num instante.
Protetor.
Eu não gostava do que essa proteção significava.
A mulher idosa bateu na cadeira que Jeannie havia deixado
vaga com sua bengala.
— Para que você acha que essa cadeira médica serve? —
Lizzie perguntou, olhando para mim.
Novamente, as batidas, desta vez mais insistentes,
enquanto seus olhos percorriam todos nós.
— Parece diferente, mas mais ou menos como a cadeira de
quando colocaram meu tradutor. — Cathy passou o dedo no ponto
atrás da orelha.
A velha acenou com a cabeça para Catherine, uma
expressão afiada em seu rosto prateado.
— De alguma forma, ela sabe sobre nossos tradutores. —
disse uma das irmãs cinzas.
— Talvez ela queira que entendamos o que eles dizem. —
disse a outra.
— Por quê? Esses primitivos obviamente não têm
implantes. Eles não serão capazes de nos entender. — disse Cathy. —
Qual é o sentido de nos arrastar até aqui?
— Acho que isso vai testar nossa genética, para ver se
somos compatíveis com esses brutamontes de pele verde. — disse
Lilstra. — Engraçado, eu tentei flertar com eles, mas eles mal
respondem.
— Talvez eles não curtam pelos. — disse Cathy.
— Todo mundo curte tudo, se for o momento certo. — disse
a gata.
As palavras das irmãs cinzas circulavam na minha mente.
Seria vantajoso para nós entender os habitantes locais. Saber mais
sobre esse mundo.
Se eu pudesse elaborar um plano sólido para nos levar ao
espaço, minhas companheiras sobreviventes o seguiriam. Mas eu
precisava saber mais.
Avancei e a mulher idosa assentiu para mim. Engolindo em
seco, sentei na cadeira.
Meu perseguidor avançou, parando a um passo de mim, e
olhou para baixo, franzindo as sobrancelhas. Ele me encarou com um
olhar penetrante e equilibrado, uma pergunta em seus olhos. Ele fez
um gesto para a cadeira, depois para mim, com os lábios finos.
Ele estava tentando me dissuadir ou perguntando se eu
sabia o que estava fazendo?
Fiquei tensa, quase eriçada enquanto o observava, mas ele
não fez nenhum movimento para me impedir, e relaxei um pouco. Fiz
um aceno firme para ele. Depois de um momento, ele acenou com a
cabeça bruscamente em resposta e recuou, com uma postura atenta,
mas calma.
Mais tarde eu consideraria como ele poderia ser possessivo
e protetor, mas não tirar minhas escolhas. Ele me carregou na floresta
e me puxou para longe das portas, mas em ambos os casos ele percebeu
um perigo claro e imediato. Ele agiu em resposta a essas percepções
Não achava que ele estava feliz com minha escolha aqui,
mas ele não tentaria me impedir de correr um risco.
— Tem certeza disso, Sam? — Lizzie me olhou.
Não, eu não disse.
— Se algo parecer estranho, nós te tiramos daí. — disse
Cathy.
Shorena olhou por cima do ombro, ainda vasculhando a
pilha de tralhas tecnológicas na parede quebrada. As irmãs cinzas se
abraçaram.
Eu esperava que não fosse uma grande coisa.
A velha enfiou a mão no cabelo escuro e grosso. Depois de
um momento, ela liberou um objeto familiar - um retângulo de metal
que claramente era uma chave de acesso. Enquanto observávamos, ela
caminhou até o painel de controles na parede ao lado da cadeira e
deslizou o cartão no local correto.
Sons sussurrantes emanaram dos machos enquanto a
parede ganhava vida. Monitores ocultos se acenderam, junto com
botões de controle em um arco-íris de cores. Havia também símbolos,
mas meu tradutor não conseguia captar seus significados.
Como se já tivesse feito isso antes, a velha senhora
habilmente pressionou os botões iluminados. Conforme ela os
pressionava, cada um se apagava. Em uma grade próxima a um
monitor, ela sussurrou algo. De algum lugar, um alto-falante repetiu
suas vocalizações ventosas.
Dos braços da cadeira, faixas de metal se ergueram,
envolvendo meus braços e me mantendo no lugar.
Bem, merda.
— Não tenho certeza disso, Samantha. — Lizzie se
aproximou.
A velha senhora a encarou e colocou a mão de lado sob os
seios, na parte superior de sua barriga.
Em um instante, entendi o comando silencioso: Respire
fundo.
Quando inspirei, ela pressionou um controle final. Por um
momento, senti a vibração inútil habitual do tradutor atrás da orelha.
De repente, ficou quente. Quente. Queimando, mas eu não
conseguia levantar a mão para tocá-lo.
Meu olhar se encontrou com o do meu guerreiro; o dele
segurava o meu, calmo, firme, reconfortante.
De cada lado da minha cabeça, braços de metal se
ergueram do encosto da cadeira. Os outros deram um passo à frente,
protestando, mas a velha senhora apenas acenou com sua bengala
para eles.
Uma luz cegante feriu meus olhos. O tradutor zumbia sob
minha pele, contra o meu crânio.
Fragmentos de memória atravessaram minha consciência
como raios de eletricidade. Sons ecoavam em minha cabeça, música,
vozes, nada disso chegava aos meus ouvidos.
Vogais cantadas por um coro. A de abacate. Ssssh é para
ssssheshhs...
A visão me abandonou e eu não conseguia mais ver a luz.
Meu coração acelerou. Ele bombeava cada vez mais forte. Minha pele
ficou avermelhada e suor brotou na superfície. Estática dominou meus
pensamentos.
Lentamente, retornei a mim mesma. Novamente, a luz
dolorosa, desvanecendo-se enquanto eu semicerrava os olhos. Além
dela, vi a sala novamente. Rostos ansiosos, mulheres reunidas. Você
está bem? O que você fez, Grexi? Olhem para o cabelo dela! Ela foi
eletrocutada?
Balancei a cabeça, tentando recuperar meus sentidos,
buscando instintivamente a presença na sala à qual eu me agarrava
como uma âncora.
Tudo era estranho. Eu sentia a confiança serena na velha
mulher, via o medo emanando de minhas companheiras de cativeiro
em ondas, ouvia o crepitar das máquinas empoeiradas e inutilizadas.
Oh, cara...
A curandeira se aproximou e ficou em minha frente.
— Somos vida, separados por nossa perspicácia, juntos por
nossas formas, como um só por nosso espírito.
Eu suspirei.
— Eu consigo te entender.
Ela assentiu.
— Ótimo. Eu esperava que fosse assim.
Meu guerreiro se moveu para trás dela, seu olhar oscilando
entre nós dois.
— Você machucou a Garota Crepúsculo?
— Ela está bem. Apenas um pouco atordoada. —
assegurou-lhe a velha. — Provavelmente é uma boa ideia cuidar dela…
Eu fiquei de pé. Minhas pernas cederam imediatamente.
Antes que eu caísse de volta no chão, ele me segurou, me erguendo
facilmente.
— Pela primeira vez, estou feliz por você estar aqui para me
segurar. — eu disse.
Seus olhos buscaram os meus enquanto ele abaixava a
cabeça, sua boca se aproximando do meu ouvido. O mais leve roçar
dos lábios em meu lóbulo. Pensei que estava imaginando, mas seus
braços se apertaram ao meu redor.
— Eu anseio por te segurar pelo resto da eternidade.
Ele respondeu. Às minhas palavras.
Minha mente aos poucos acompanhou os eventos.
A curandeira havia falado e eu tinha entendido.
Como isso era possível? Eu estava ouvindo corretamente?
— Estamos... nos comunicando?
Eu escutei atentamente. Será que eu estava produzindo
aquele sussurro como o vento entre as árvores que essas pessoas
falavam? Mesmo quando me concentrei, não consegui ouvi-lo. Olhei
para as outras sobreviventes. Elas não pareciam estranhar, então tive
que assumir que não estavam ouvindo.
— Estamos sim. Eu não sou de muitas palavras. — o disse
o homem que me segurava, com a voz ainda em um murmúrio baixo e
íntimo demais. — No entanto, com você, eu queria... saber...
Algo que não se traduziria? Ou era apenas difícil para ele
dizer?
— Você ouve a minha canção do coração, assim como eu
ouço a sua? — Ele levantou a cabeça e seus olhos encontraram os
meus, prendendo meu olhar.
Canção do coração? Será que a tradução estava correta?
— Eu não sei o que é isso. — eu disse.
— Jannik, deixe-a. Deixe-a se recuperar. — a velha
ordenou.
Jannik. Eu o observei. O nome parecia combinar com ele.
— Eu preciso saber; — ele disse, sua expressão teimosa.
Refleti sobre a palavra "canção do coração", sem entender
completamente. Quanto mais pensava sobre isso, mais difícil ficava
pensar. Enquanto olhava para o rosto dele, sombras se reuniram nas
bordas da minha visão.
Então, ainda segura em seus braços, a escuridão me tomou
e mergulhei em uma noite infinita.
15 - JANNIK

— Eu disse para não sobrecarregá-la, Jannik! — Grexi se


aproximou, pegando a varinha do colar, estudando a Garota
Crepúsculo.
— O que há de errado com ela?
Ela continuou seu trabalho enquanto falava.
— Essa máquina transmite mais do que nossa fala. Há
muito a saber para sobreviver em nossas terras. Pode ser avassalador.
Suas companheiras se aproximaram, falando em sua língua
estranha.
Ainda parados na porta, Lisset e Fennak trocaram olhares
preocupados, dando passos hesitantes para frente. As fêmeas os viram
se aproximar.. Os dois tentariam conter as estrangeiras?
— Parem. — eu disse. Para os garotos. Para as fêmeas.
Parecia que todos entenderam.
Grexi terminou seu estudo.
— Leve-a para a mesa de exame, Jannik. Parece que ela só
precisa descansar.
Deveria me sentir aliviado?
O leito era estranho e complicado. Em vez de palha macia,
era coberto por pele preta.
Depois de colocá-la no lugar, relutante em soltá-la, acenei
para suas companheiras.
Embora eu entendesse a Garota Crepúsculo, eu não
conseguia compreender as palavras das outras.
Qualquer que fosse o encanto que Grexi lançou, não estava
completo.
As fêmeas murmuraram e tocaram o rosto da Garota
Crepúsculo. Por trás de suas pálpebras delicadas, vi um movimento.
Sonhos, pensei.
Com o que uma garota tão estranha sonharia?
— Você deveria tê-la deixado em paz, Jannik. — disse
Grexi. — Será muito mais difícil convencer as outras a aceitar nossas
palavras, nosso conhecimento. Agora temos que esperar que ela se
recupere, que explique o que aconteceu para suas amigas.
Me afastei dela, incapaz de suportar seu olhar acusador.
— Eu tinha que saber, Grexi.
— Você se sente melhor agora?
Ela me acertou com seu cajado.
Eu me virei para ela, mas Grexi permaneceu firme, mesmo
enquanto os garotos, Fennak e Lisset, cobriam os sorrisos.
Não havia tempo para essa estupidez.
— Enquanto brincamos por aí, aqueles monstros se
reúnem. Eles são caçadores de matilha. Matamos um de sua matilha.
— Há outras saídas da aldeia de pedra? — disse Fennak.
A mulher idosa franziu a testa, avaliando o garoto.
— Existem sim. Devemos aproveitar o tempo enquanto a
mulher se recupera. Sigam-me.
Deixando a Garota Crepúsculo dormindo sob os cuidados
de seus amigos, segui enquanto Grexi nos conduzia pelo túnel
quadrado fora desta câmara fria. Fazendo gestos mágicos, a parede
diante dela se iluminou.
Recuamos juntos, como em uma dança ritualística.
Diante de nós, na luz não natural, linhas retas preenchiam
a forma iluminada. Levei um momento para entender. Mas isso era algo
que os caçadores faziam. Exceto que usávamos um graveto para
desenhar na areia.
Era um mapa.
Grexi apontou com seu cajado para uma gota de sangue no
mapa.
— Estamos aqui. Próximos à parede. Não é longe para
correr.
— Os monstros não seguirão além da parede? — disse
Lisset. — Poderíamos disparar nossos dardos e recuar pela entrada.
Tive a sensação de que Lisset não seria nem guerreiro, nem
caçador.
— Você não viu a coloração deles, Lisset? As barrigas azul-
pálidas, listras pretas nos membros. Eles são predadores de
emboscada. — eu disse.
— Por cima. — Fennak assentiu.
Cada vez mais, eu o queria em minha equipe.
— Caindo das árvores, difíceis de serem vistos do chão
antes de atacar. E eles atacarão em número. Mesmo agora, eles se
reúnem. — eu disse.
— Como você sabe disso? — perguntou Lisset.
— Pelo estrondo nas portas. Muitas portas. Um grande
barulho. — Embora aqui embaixo, não fosse tão ensurdecedor como
seria no nível do solo.
Grexi mais uma vez deslizou sua bengala de caminhada
pelo mapa.
— A maioria das cabanas aqui está conectada por cavernas
e túneis. Deveríamos conseguir nos mover para outra cabana.
Eu assenti.
— Longe da atenção dos monstros.
— A partir daí, podemos escapar. — ela disse.
Havia um problema.
— Eles são criaturas sociais. Quão inteligentes, eu não sei.
Mas provavelmente terão um deles postado perto do buraco na parede.
— eu disse.
Fennak entendeu.
— Para alertar os outros.
— Animais idiotas? Colocar um guarda? — Lisset inclinou
a cabeça para o lado.
Considerei o curtimento de peles ou talvez a agricultura
como uma futura carreira para ele. Ele seria um guerreiro fraco e um
caçador ainda pior.
— Uma distração, talvez. —disse Grexi.
Fennak olhou para ela.
— Eles temem o fogo.
— O que estou perdendo aqui, Curandeira? — Perguntei.
— Não sei o que você quer dizer. — Ela acenou com as
mãos, e o mapa luminoso desapareceu.
— Sim, você sabe. Você já esteve aqui antes. O mapa,
aqueles... aqueles paletes e tronos. — Inclinei minha cabeça em direção
à câmara. — Você tinha os meios mágicos para entrar em sua posse
desde o início.
Ela deu de ombros.
— Faz parte do treinamento de um curandeiro. Devemos
considerar os caminhos antigos, mesmo que não sejamos proficientes
neles. Praticar com eles, mesmo entre nós.
Como ela não respondeu à pergunta óbvia, eu a fiz.
— Como você escapou dos braços longos antes?
Foi uma ocasião rara em que uma pergunta deixou a
Guardiã da Cura perplexa.
— Quando eu era aprendiz da Guardiã anterior, eles nunca
nos atacaram, não importa quantas vezes viéssemos estudar Os
Antigos. Sabíamos de sua presença, nos observando. Mas esta é a
primeira vez que encontro agressão.
— Eles são territoriais. — disse Fennak. — Talvez este seja
o maior grupo de invasores que eles já viram.
— Sim. Eles sentem que podemos estar tomando conta de
sua aldeia de pedra. — eu disse. — Eles sabem que estamos nesta
cabana. Existe um portão em outra parte da parede?
— Certo. — disse Fennak. — Seus olhos os identificam
como caçadores diurnos. Talvez possamos passar por eles no escuro.
Ficamos olhando para Grexi, esperando por mais magia,
mas ela franziu a testa, balançando a cabeça.
— Nenhuma que eu saiba. No entanto, o muro desabou no
lado oposto desta cidade.
— Podemos escapar pelos escombros? — perguntou Lisset.
Fennak deu de ombros.
— Mesmo que consigamos, eles nos avistariam em breve.
— Eles caçam na cidade e na densa faixa de floresta entre
a parede e as pedras em pé. Nunca cruzam essa fronteira. — disse
Grexi.
— Bem, nunca vi esses monstros na floresta. — disse
Lisset. — Brincávamos lá quando éramos crianças. É um lugar seguro.
Pensei na estreita trilha que levava à entrada. A floresta
estava úmida e densa lá. A distância não era grande. Um homem
poderia correr toda a distância. Certamente, poderíamos correr até lá.
Exceto que a densidade da folhagem nos atrasaria a um
ritmo de lesma. Isso daria aos monstros tempo mais do que suficiente
para nos alcançar. Eles teriam oportunidade de nos atacar e nos matar.
À noite, o movimento seria ainda mais lento. No entanto, os
monstros talvez não atacassem se tivessem uma visão noturna ruim.
Uma dúzia de nós em movimento certamente atrairia a
atenção deles. Com uma ou duas luas para guiá-los, provavelmente
descobririam nosso plano.
Não importava qual fosse o plano, em minha mente, ele
terminava com os braços longos derrubando pelo menos alguns de nós.
Contei os dardos em minha aljava. Essas criaturas eram
grandes, cada uma levaria mais de um golpe bem lançado para
derrubá-la. Nossos arremessadores seriam praticamente inúteis na
densa faixa de floresta entre o muro da aldeia e as pedras erguidas.
Grexi me observou.
— Você está pensando que nossas chances são mínimas,
Jannik.
— Eu vou lutar para nos abrir caminho. — eu disse.
— Pode haver outro caminho. Um caminho mais seguro,
mas não totalmente. — disse ela.
Mas antes que ela pudesse explicar, nos viramos com a voz
da Garota Crepúsculo ecoando na câmara atrás de nós.
Ela havia acordado.
16 - SAMANTHA

Havia tanto a saber sobre este planeta que meu cérebro


quase explodia com isso. Flora e fauna, estações que não faziam
sentido. Coisas que eram boas para comer e coisas que eram veneno -
coisas que te devorariam.
— Você pode falar com eles. — Lizzie ficou ao lado da mesa
de exame enquanto eu rolava para o lado.— Eu te ouvi. É verdade?
— É verdade. Eu posso entendê-los. E posso falar com eles.
Não me pergunte como essa última parte funciona.
— Certo. — Cathy meditou. — Como você disse, os locais
não têm tradutores implantados em seus cérebros. Como isso poderia
acontecer?
Dei de ombros.
— Eu nem tenho certeza se isso importa.
— É importante para mim. — disse Shorena, com algum
tipo de painel eletrônico na mão. — Seria ótimo se eu tivesse a menor
ideia de como essa tecnologia funciona.
— É tão legal que você possa falar com eles. — disse
Jeannie. — O alto, o cara que gosta de você - o que ele disse?
Coisas que eu não entendia, pensei. Melhor, eu entendia a
mecânica do que ele queria, mas por quê? Era isso que eu não entendia.
Pior, eu não entendia por que continuava respondendo, o que esse
puxão interno em direção a ele significava.
— Ouço as palavras deles, mas não estou familiarizada com
os significados. Nem todos eles.
Os homens e a mulher idosa voltaram para a sala médica
ao som da minha voz.
O rosto da curandeira brilhava.
— Você se sente bem. — disse ela.
Dei de ombros.
— Isso pode ser um exagero. Já me senti melhor.
Meu perseguidor estava atrás dela, sobre ela, olhando para
mim com sua habitual intenção concentrada. Tentei evitar seu olhar,
lembrando de seus braços ao meu redor, sua respiração roçando meu
cabelo enquanto seus lábios não chegavam a acariciar a concha da
minha orelha.
— Você tem uma compreensão de nós? O que significa estar
entre nós? — ela perguntou.
— O que ela está falando? — Lizzie perguntou.
Foi chocante, movendo-se entre as dois idiomas. O deles era
uma forma tão estranha de falar que exigia muita concentração. Mesmo
com a compreensão e um punhado de vocabulário, cada frase era uma
luta.
Eu me virei para minha amiga.
— Ela quer saber se eu entendo melhor o povo dela.
— Você? — Lizzie perguntou.
Catherine se intrometeu.
— O que eles querem de nós?
— Suponho que eles não planejam nos comer. — eu disse.
Jeannie sorriu.
A velha ouviu a conversa, com a testa franzida. Até mesmo
as expressões faciais delas eram algo que eu conseguia ler agora, pelo
menos até certo ponto.
Ainda não tinha ideia do que meu perseguidor estava
pensando.
Você ouve a canção do meu coração?, ele tinha perguntado.
Ainda não tinha compreendido isso. Eu supunha que ele estava
esperando por uma resposta.
Pensamentos meio realizados, suspeitas, espreitavam nos
recônditos da minha mente. Apenas tocar nas ideias me fazia querer
me encolher e fechar os olhos.
Melhor deixar isso de lado por enquanto. Olhar para o rosto
expectante dele me fazia querer desviar o olhar.
Mas eu não podia. Presa no seu olhar, eu estremeci.
— A máquina me deu, ou talvez o tradutor, a língua deles.
Mas acho que também me deu uma parte da cultura deles, então talvez
tudo tenha ido diretamente para o meu cérebro. E um melhor
entendimento deste planeta. Mas está tudo abaixo da superfície. Se eu
ver essas coisas, talvez meu cérebro entre em ação. Me diga para correr,
ou que tem gosto bom.
Cathy cruzou os braços.
— Isso não faz muito sentido.
— Mas você pode falar com eles. — Lizzie insistiu. —
Compreendê-los.
A mulher idosa levantou a mão, chamando minha atenção
de volta para ela.
— Todas vocês devem nos entender, entender nossas
maneiras, antes de poderem decidir se juntar à nossa tribo, ou talvez
a outra tribo que se adeque melhor a vocês. Em breve nos
encontraremos com outros.
Ah.
Claro que havia outros por aí. O pensamento não tinha
ocorrido para mim. Meu mundo todo tinha se condensado tanto.
— O que ela disse, o que ela disse? — Jeannie perguntou,
praticamente pulando de empolgação. — Isso é meio emocionante.
— A mulher — eu não estava mais pensando nela como "a
fêmea mais velha", o que era um efeito interessante — diz que todos
nós precisamos entender essas pessoas antes de podermos decidir se
juntar a elas.
— Eles querem que nos juntemos a eles. — refletiu Lizzie.
Os olhos de Cathy percorreram as figuras na sala.
— De certa forma, isso faz sentido. Até agora, eu não achava
que tínhamos escolha.
— Ou qual era a escolha. — acrescentou Lizzie.
— Seria bom saber quais são os benefícios. — Shorena
deixou de lado seus emaranhados de fios e tecnologia para se juntar a
elas. — E as desvantagens.
— Todas nós precisamos passar pelo processo que você
passou, Samantha? — uma das irmãs cinzentas perguntou.
A outra irmã completou o pensamento.
— Não pareceu ir bem para você. Você está se sentindo
bem?
Eu me sentei. Tentativamente. Meu guerreiro tenso,
aproximando-se. Sem dúvida, ele queria me segurar se eu desmaiasse.
Me segurar parecia ser de extrema importância para ele,
mas todos os dados despejados em meu cérebro não diziam o porquê.
Canção do coração, sussurrou a parte de trás da minha mente. Você
sabe o porquê.
Balancei as pernas sobre a mesa de exame. Ela era alta o
suficiente para que meus pés balançassem.
— Parece para mim que deve ser uma escolha pessoal se
juntar à tribo. Para tomar essa decisão, precisamos entender quem eles
são, onde estamos. — eu disse. Então, me dirigi à mulher idosa e repeti
o que disse às minhas companheiras sobreviventes.
— De fato. Cada um de vocês deve fazer uma escolha
informada. Levaria uma vida inteira para entender nossas maneiras. E
ainda levará. Essa magia facilitará esse caminho. — Ela bateu na
cadeira com a bengala. — É nosso costume não fazer nada sem o seu
consentimento. Portanto, todos vocês devem saber.
Como explicar isso para as meninas?
— Tudo se resume a uma escolha informada. O que quer
que queiramos fazer, ficar, partir, esconder na floresta, nada disso pode
acontecer sem nosso conhecimento. O conhecimento vem do
procedimento. Eu não sei exatamente o que ele faz. Mas de repente, eu
sei que a planta que quase me comeu é uma videira espinhosa...
Lilstra interrompeu.
— A planta se chamava shhh-hhhahh?
OK. Eu ainda estava falando com as palavras sussurrantes,
mesmo quando conversava com as meninas. Talvez apenas quando não
havia uma palavra equivalente na nossa língua?
— Acho que não vamos saber até que essa cadeira atualize
nossos tradutores. — disse Cathy. — Eu quero saber quais são as
intenções deles. Até agora, eles nos alimentaram, nos abrigaram, nos
protegeram. Tem que haver algum tipo de troca, certo?
Sorrindo, Lilstra disse:
— Provavelmente eles querem que trabalhemos. Eu, pelo
menos, sou contra o trabalho.
— Não é apenas trabalho, senhora dos gatos. É
sobrevivência. — disse Shorena. — Pelo que vejo, essas pessoas estão
prosperando, mas não sem muito esforço.
A anciã falou comigo novamente.
— Até isso é uma escolha. —disse ela, batendo na cadeira.
Assenti. Meio que traduzido.
— Se você quer o procedimento ou não, é uma escolha sua.
Acho que essas pessoas são todas sobre liberdades pessoais.
Lilstra encolheu os ombros.
— Gosto dessa ideia. Eu vou.
Para minha surpresa, ela foi até lá e sentou na cadeira
médica. Os outros pareciam tão surpresos quanto eu me sentia. A velha
senhora sorriu e foi até um painel de controle ao lado da cadeira e
pressionou a tela sensível ao toque. Mais uma vez, a cadeira médica
entrou em movimento automatizado.
Lilstra encolheu os ombros.
— Isso não é tão ruim.
Então seus braços bateram contra as restrições, sua cabeça
batendo para trás. Seu rabo se esticou, os pelos pretos ficando em pé.
Será que eu tinha ficado assim durante o procedimento?
— Lisset, Fennak, levem-na para o leito. — A anciã olhou
para mim. — Eu acredito que você pode ficar de pé?
Me levantei para abrir espaço para Lilstra. Vacilei. Mas
quando vi o guerreiro grande, verde e obcecado se aproximar, dei
alguns passos, certificando-me de que meus pés estavam firmes.
Os dois homens mais jovens carregaram gentilmente a
forma felina até a cama. Enquanto a deitavam, ela ronronou. Fennak e
Lisset trocaram um olhar surpreso e rapidamente se afastaram.
17 - JANNIK

Levaria a noite toda.


Talvez parte do próximo dia.
As fêmeas falavam incessantemente juntas.
Eventualmente, uma delas optaria por sentar no trono e ser
ferida. A fêmea seria levada para o leito para se recuperar.
Mas elas não se moveriam novamente até que aquela fêmea
se sentasse, tranquilizando as que ainda passariam pelo procedimento
de que tudo estava bem.
Meus olhos estavam voltados para minha Garota
Crepúsculo.
Eu percebia seus olhares. Eles eram cautelosos. Tímidos.
Será que ela entendia agora? Será que ela sentia minha
necessidade por ela?
— Somos muito jovens. — Captei a voz de Fennak.
A fêmea que se assemelhava a uma felina noturna, seu
nome era Lilstra, havia encurralado Fennak e Lisset como a predadora
que ela era.
Não era uma caça que ela buscava.
— Vocês não gostam do meu pelo? É tão macio. — Ela
passou as costas da mão sobre o bíceps de Fennak. — Vocês estão em
ótima forma. Provavelmente têm muita resistência.
As crianças na aldeia desfrutavam do jogo do amor.
Algumas atrações desde a primeira flertada, toques, beijos, podiam se
transformar em um vínculo vitalício.
Se o macho prevalecesse e a capturasse, é claro.
Mas isso era diferente. A felina esbelta não parecia estar
brincando. Era mais como se ela quisesse acasalar. Imediatamente.
Nenhum dos rapazes era velho o suficiente e Lilstra não
pertencia a ninguém.
O que tínhamos permitido em nossa comunidade, eu me
perguntei?
Com passos graciosos, a felina se aproximou de mim. Ela
havia desistido dos rapazes assustados. Eles inclinaram a cabeça para
trás e suspiraram.
— Você gosta da Samantha, não é? Posso ver isso em seu
olhar faminto. — disse Lilstra.
Sua forma era tão agradável quanto qualquer uma das
fêmeas, talvez até mais com sua figura exagerada. Grandes olhos
verdes traziam uma promessa. Seus lábios eram cheios sobre as
presas. Uma cabeleira negra escorria até seus ombros.
A palavra estranha deve significar minha Garota
Crepúsculo.
— Ela me agrada. — eu disse.
— E você quer agradá-la. — disse Lilstra. — Deve ser
frustrante para você.
Ela olhou para meu kilt, mantendo os olhos fixos ali.
— Como qualquer um, devo esperar por ela. — eu disse.
— Com certeza. É a coisa educada a se fazer. Mas você
parece tenso. Posso oferecer alívio a você. — Ela parou de olhar para a
minha virilha e sussurrou no meu ouvido. — Alívio como você nunca
experimentou antes.
Por um breve momento, imaginei como seria acasalar com
ela. Seria selvagem, apaixonado, tenho certeza. Mas meu foco estava
em outro lugar. Notei minha Garota Crepúsculo olhando para nós dois.
— Agora você deve conhecer nossos costumes. — eu disse.
— Nós acasalamos para a vida toda.
Ela franziu a testa.
— Nem para me divertir um pouco? — Sua cauda se
contraiu sugestivamente.
— Agradeço sua oferta, mas não podemos.
A carranca de Lilstra se aprofundou.
— Caramba, este é um grupo difícil. — disse ela.
O que quer que isso significasse.
De canto de olho, percebi o olhar da minha Garota
Crepúsculo. Enquanto ela observava Lilstra se afastar, um sorriso
satisfeito se formava em seus lábios bonitos.
Quando ela percebeu que eu a observava, ela se virou.
Suspirei. Lilstra estava certa. Frustração...
Os sinais da minha Garota Crepúsculo eram
incompreensíveis.
Ainda assim, era tabu acasalar sem estar unido. Um macho
deve provar seu valor. Sua habilidade.
Mas eu poderia convencê-la a me deixar capturá-la quando
chegasse a hora.
Será que a magia colocaria essa ideia nas cabeças das
fêmeas?
Embora certamente tenha falhado em colocar essa ideia na
cabeça da felina.
— Eu realmente tenho que experimentar as frutas
vermelhas. — A rechonchuda com cabelos polidos como madeira
acordou no leito alto. — Vocês acham que eles fazem torta aqui?
As outras fêmeas, a morena e a dourada, jogaram a cabeça
para trás e riram.
Era um som agradável. Não como a nossa fala, mas tão
expressivo.
Lisset e Fennak se aproximaram de mim, os olhos em
Lilstra. A felina noturna apoiou-se contra uma parede, com os braços
cruzados.
— Ela quer acasalar conosco. — Lisset sussurrou.
Fennak não conseguia olhar nos meus olhos.
— Nós dois.
— Não acho que seja apenas brincadeira de amor. — disse
o primeiro.
— Eventualmente, ela entenderá melhor. — menti, e
esperava estar certo.
— Quanto tempo isso vai levar? — perguntou Lisset. —
Quero dizer, blá-blá-blá. Uma finalmente senta no trono mágico.
Depois ela precisa se recuperar. Depois mais blá-blá-blá. E parece que
elas precisam convencer a próxima tudo de novo.
Fennak deu a seu amigo um olhar penetrante.
— Você se sentaria na cadeira mágica? Deixaria ela fazer
com você o que vemos que está acontecendo com elas?
Lisset franziu a testa e ficou em silêncio.
Os dois usavam expressões que pairavam em seus rostos.
Eu bati em seus ombros.
— Se esses monstros soubessem um jeito de entrar, já nos
teriam encontrado.
Lisset assentiu.
— Você tem razão.
— Vão, encontrem um lugar para dormir. Vou precisar de
vocês descansados. — eu disse.
Os dois olharam cautelosamente para Lilstra.
Suspirei.
— Vou ficar de olho nela.
Eles concordaram com a cabeça e procuraram um canto.
Os garotos não eram os únicos a serem observados.
Grexi estava trabalhando nisso há horas. Cada vez mais,
ela se apoiava em sua bengala.
Embora o trono mágico me assustasse, me aproximei o
máximo que pude dela.
— Grexi, você precisa fazer uma pausa. — eu disse.
— Vou descansar quando todas essas garotas passarem
pelo processo mágico. — disse ela.
— Se você insiste.
Ela assentiu.
— Apenas as cinzentas restam. As gêmeas.
Eu os examinei. Elas realmente pareciam iguais. Gêmeos
eram raros entre o nosso povo, mas uma bênção quando ocorria.
As irmãs cinzentas se encolhiam juntas enquanto outras
fêmeas faziam gracinhas para elas.
— Talvez elas não queiram. — eu disse.
— Todos os sencientes têm o direito de escolher. — disse
Grexi. — Embora, se você estiver certo, essa escolha em particular seria
o cúmulo da idiotice.
— Ser consciente nem sempre significa ser inteligente.
A anciã olhou para mim, sorrindo.
— Onde você ouviu isso?
Eu balancei minha cabeça.
— Deve ter sido de um das estranhas
Afastando-me do zumbido e barulho do trono infernal vi que
Fennak e Lisset tinham ido embora. Esperava que eles encontrassem
o sono.
Se eu ouvisse com atenção suficiente, ainda poderia ouvir
o trovão dos punhos batendo. Os de braços longos, pelo menos, eram
persistentes.
O pensamento deles, e do nosso plano de escapar, se
infiltrou em meus pensamentos. Nós os enfurecemos, matamos um
deles. E eles pareciam inteligentes. Isso era ruim.
Subestimá-los seria um erro. A caça exigia uma certa
astúcia. Se eles a possuíssem, tínhamos que estar vigilantes.
Finalmente, uma das irmãs cinzentas aproximou-se da
coisa mágica, sua irmã atrás dela. A primeira sentou-se no assento e a
outra segurou sua mão.
— Vocês não devem se tocar durante o procedimento. —
disse Grexi.
É claro, sem ter o nosso conhecimento, elas não entendiam.
— Ela diz que vocês não podem se tocar. — a Garota
Crepúsculo disse a elas.
— Não gostaria que minha irmã sentisse dor sem que eu
pudesse confortá-la. — disse a gêmea de pé.
— Isso é compreensível. Mas acho que não vai funcionar
assim. — Meu coração se voltou para Grexi.
— Não vai, não. — disse Grexi quando lhe perguntaram.
— Posso estar perto? — perguntou a irmã em pé.
— Sim, mas não muito perto.
Como os garotos disseram. Blá-blá-blá. Conversa-conversa-
conversa.
Eventualmente, todas as fêmeas receberam a magia.
Agora, eu podia entender cada uma delas.
Não tenho certeza se isso era uma vantagem.
A luz da lua capturada e da estrela desbotou na parede
atrás do trono e finalmente parou de fazer barulhos de insetos.
— Precisamos descansar. — eu disse, finalmente me
aproximando de Grexi.
Ela assentiu.
— Estou cansada. Essas fêmeas também.
Meus aprendizes já estavam dormindo em algum lugar.
— Há um lugar para dormir nesta cabana. — disse ela. Ela
se virou para as fêmeas. — Me sigam. Precisamos descansar. A noite
de amanhã estará cheia de perigos.
Sem discutir, elas seguiram Grexi. Encontrei os garotos, de
costas pressionadas contra uma parede onde a caverna virava. Ficaria
de guarda até que acordassem.
18 - SAMANTHA

O próximo quarto se assemelhava a uma ala de hospital,


com camas dispostas em três fileiras de cinco. Bastante para todos nós.
Estudei uma cama de perto. Sentei nela. Sem rangidos ou gemidos ou
outros sinais de que ela desabaria sob mim.
— Primeiro uma cadeira, agora uma cama macia. —
Jeannie se espreguiçou. — Precisamos ensinar esses Dratum a
aproveitar um pouco a vida.
Dratum, pensei. Era como essas pessoas se chamavam. De
alguma forma, no fundo da minha mente, eu sabia disso, mas foi
Jeannie mencionando para trazer o pensamento à tona.
Lizzie sentou-se na cama ao lado da minha.
— Admito que estou um pouco incomodada.
Meu próprio cérebro ainda estava processando os dados.
— Há muito para assimilar.
— Acasalamento para toda a vida? Isso é tão... não sei,
animal.
— Pássaros fazem isso, abelhas fazem isso. — Catherine
cantarolou e se acomodou em um leito. — É meio que o ideal, não é?
Todos nós conhecemos histórias sobre felizes para sempre. Envelhecer
juntos. Toda essa besteira.
— É bom saber que algumas espécies na galáxia pensam
assim. — disse Jeannie. — É romântico.
Eu achei assustador. Este não era um lugar onde eu queria
passar o resto da minha vida. Essas não eram pessoas que eu queria
ter ao meu lado para sempre.
— E se não sentirmos o mesmo? — perguntei,
principalmente para mim mesma.
Ninguém me respondeu.
Não achei que fosse porque eles estavam dormindo.
Na escuridão, minha mente divagava. Eu escutava.
Será que eu ouvia a canção do coração de Jannik? Eu
reconheceria se ouvisse? Ele queria uma resposta. Mesmo agora, eu
podia sentir que ele estava junto à porta, nos protegendo. Me
observando.
Ou será que eu já sentia, e estava me enganando? Essa
atração interna, essa incapacidade de desviar o olhar quando ele
encontrava o meu, a forma como meu corpo se amolecia sempre que
ele arranjava uma desculpa para me abraçar.
Por um lado, não havia como negar que um homem tão
interessado em você era excitante. Por outro lado, ser constantemente
observada, pegada e carregada, mantida próxima e protegida...
Ok, isso também era meio excitante.
Este planeta não era o que eu queria.
Eu não tinha certeza se importava o que eu queria.
Parte de mim resistiu. Eu era minha própria pessoa, fazia
as coisas por conta própria. Eu não precisava de alguém me
observando ou me protegendo. Talvez neste mundo...
Lasharah.
O nome veio até mim, entre as informações que giravam em
minha mente.
Talvez em Lasharah, um lugar estranho e perigoso, eu
precisasse de alguém cuidando das minhas costas. No final, o que isso
significava era: eu precisava sair deste planeta primitivo, voltar para as
estrelas, para um mundo mais civilizado. Um lugar onde eu pudesse
cuidar de mim mesma, como sempre fiz.
Agora, a ideia de cuidar de mim sozinha me deixou com
uma sensação de vazio.
E o que eu faria com o resto das garotas? Nenhuma delas
parecia interessada em escapar.
Embora, elas tinham um ponto. Todas nós nos inscrevemos
para vender os melhores anos de nossas vidas, abrindo mão dos
direitos sobre quaisquer filhos que pudéssemos ter.
Como isso era diferente?
Ainda assim, meu objetivo era suportar os anos do meu
contrato de casamento e depois encontrar meu irmão e construir uma
nova vida para nós em algum lugar seguro.
Como estava John? Ele havia sido contratado por dois anos
agora. Pelas poucas comunicações, parecia que ele estava feliz o
suficiente em seu trabalho. Seu mestre o tratava bem, e seu
conhecimento sobre madeira o ajudava em seu trabalho.
Será que o mundo em que ele servia era parecido com este?
Provavelmente não muito diferente.
Árvores e árvores e árvores...
Eu acordei sobressaltada, uma mão cobrindo minha boca.
Por um momento, pensei que Jannik havia desistido dessa
ideia de ligação. Ele tinha vindo me buscar no escuro. Eu reprimi um
gemido ao pensar nele em cima de mim.
Mas não, eu não queria isso. Eu lutei.
— Shh.
Não era Jannik, percebi. Então me vi encarando olhos
verdes brilhantes.
— Lilstra? — Eu tentei murmurar enquanto sua mão
mantinha minha boca fechada.
— Está tudo bem. — ela disse no meu ouvido, sua
respiração quente. — Está tudo bem.
Mexi minha cabeça para soltar a mão dela da minha boca.
— O que você está fazendo na minha cama? —
Considerando o tamanho do leito, não existia tal coisa como "na minha
cama". Lilstra estava em cima de mim.
— Eu estava pensando, talvez um tempinho entre garotas.
— ela sussurrou.
Sua mão acariciou minha coxa. Depois de um momento,
senti a pressão de suas garras.
— Não me interesso por garotas, Lilstra, desculpe.
— Ah, vamos lá. Divirta-se um pouco comigo. Por favor. —
Sua mão se moveu para dentro da minha perna.
Eu me contorci, tentando afastar o braço dela.
— O que você está fazendo?
Ela se aproximou, me beijando tão profundamente que
senti seu ronronar.
Quebrando o beijo, eu a empurrei para longe. Olhos verdes
em pânico se encontraram com os meus.
— Eu tenho que fazer isso. Eu não aguento mais. — ela
disse. Sua cabeça se inclinou para baixo, sua língua roçando levemente
contra o meu pescoço. — Você sente isso? Posso fazer com que valha a
pena.
— Lilstra. — Eu disse alto o suficiente para fazê-la se
assustar. Ela olhou ao redor para as mulheres dormindo. — Não. Eu
não gosto disso.
— Vamos — ela choramingou. — Ajude uma garota. Não
percebe?
— Perceber o quê?
Ela suspirou, frustrada.
— Estou no cio, caramba.
O quê. Inferno? No cio?
— Nenhum desses caras vai me satisfazer. Você sabe como
é difícil? Todos esses homens musculosos, ativos, bonitos ao redor, e
todos eles presos nessa ideia de serem companheiros eternos ou seja
lá o que for?
— Eu não sou sua garota. — eu disse. — Eu simplesmente
não sou desse jeito.
— Você está brincando? Você é uma primata. Toda essa
limpeza. Toques. Eu preciso de alívio. Se eu não conseguir, o estro5 vai
durar uma semana. Talvez mais. Isso está me matando, Sam.
Por um instante, me perguntei se Jannik estava nos
observando. Isso o excitaria? Lhe daria nojo? Eu empurrei o
pensamento do meu cérebro.
— Desculpe, Lilstra, mas não.
Seus olhos se iluminaram. Lágrimas, sério?
— Acho que você não entendeu...
— Nós entendemos. — Olhei para cima e vi uma das irmãs
cinzas em pé ao lado da cama.

5 Período reprodutivo em animais, quando as fêmeas estão prontas para


se reproduzir.
— O instinto é poderoso. Nossas irmãs desaparecidas são
uma dor constante para nós.
Claro, a outra estava lá também. Eu me senti envergonhada
por elas terem interrompido esse encontro íntimo. Já que elas estavam
separando-as, deixei a vergonha de lado.
— É um vazio no seu âmago. — disse uma irmã.
A outra pegou a mão de Lilstra.
— Como um membro ausente. Um sofrimento.
— Venha. Nós iremos curar sua dor.
— Por um tempo.
Elas tiraram Lilstra da minha cama. Graças a Deus. Ela
deixou as irmãs a conduzirem para a escuridão.
— Gêmeas? — ela sussurrou. — Tudo bem!
Após alguns momentos, ouvi um ronronar vindo do fundo
da enfermaria. Eu queria colocar as mãos sobre meus ouvidos.
— Sério? — Cathy sussurrou no escuro, me fazendo pular.
— Ciúmes? — Lizzie também estava acordada,
aparentemente. — A maneira como vocês duas brigam, uh... Achei que
eventualmente vocês fossem se pegar.
— Com aquela cadela malvada? — Catherine bufou, mas
não disse mais nada.
— Tempos desesperados pedem companheiros de cama
desesperados. — disse Lizzie.
— Cala a boca, Lizzie. — eu disse. — Volte a dormir. Não
posso acreditar em vocês duas. Vocês estavam planejando assistir?
Silêncio se seguiu.
Finalmente, Elizabeth disse:
— Fizemos uma aposta.
— Vocês apostaram em mim e Lilstra?
— Você me deve sua próxima ração de amoras. — disse
Lizzie.
Eu zombei.
— Você apostou contra mim, Cath?
— Desculpe. — disse ela. — A gata é malvada. Mas também
é meio atraente. Sempre tive gatos. Eles são muito melhores do que
cachorros.
Elizabeth riu.
— Acho que os Dratum não têm ideia do que se meteram.
19 - JANNIK

— Acordamos as fêmeas. Todas dormiram profundamente


durante a maior parte do dia. — disse Fennak.
Acordei de um sono profundo e imediatamente me levantei.
— Escuridão?
— Ainda faltam algumas horas. — disse Fennak. —
Precisaremos de tempo para atravessar a aldeia de pedra.
No quarto onde as fêmeas haviam dormido, vi todas de pé.
E falando, é claro. Entrei. A Garota Crepúsculo me notou e virou o
rosto.
Suprimi minha raiva.
— Devemos ir. — eu disse.
Não havia nada para reunir. Grexi apontou seu cajado em
direção à porta e as fêmeas saíram.
Uma vez na caverna, a curandeira fez seus gestos mágicos
na imagem infernal da parede.
— Um mapa da cidade. — A Garota Crepúsculo disse com
surpresa.
— “Você está aqui”. — Jeannie leu em voz baixa.
Com seu cajado, Grexi traçou a rota.
— As cavernas ficam abaixo desses edifícios. No centro, não
há conexão. Teremos que contornar o perímetro.
— Por que o mapa está escuro na borda mais distante? —
perguntou a de cabelos eriçados, Shorena.
— Não sei. O muro desmoronou lá. Talvez isso indique isso.
— disse Grexi. — É a única saída da aldeia de pedra, além do portão
por onde entramos.
— E aqueles de braços longos, eles ainda estarão vigiando?
— A Cabelo de sol, Catherine, perguntou.
— Nós os enfurecemos. Invadimos o território deles. — disse
Grexi.
— Eles estão esperando por nós. — eu disse.
Como confirmação, ouvimos os golpes como trovões
ecoarem da caverna superior.
Eles ainda não haviam arrombado a porta de água do lago.
Como eles haviam insistido durante todo o dia, imaginei
que já tivessem entrado antes.
Eu desejava ter tido a chance de assustar aquele que nos
atacou. Agora, éramos alvos. Tanto como invasores, quanto como
predadores no meio dos braços longos.
Grexi desceu a caverna quadrada.
— Devemos acender uma tocha? — Perguntei.
— Não. Essas cabanas não gostam de fogo. Se sentirem o
cheiro, cuspirão nas chamas. — Grexi seguiu em frente.
Os jovens me olharam incrédulos, mas se Grexi disse que
era assim, então era assim. Não importa o quão estranho pareça.
A Cabelo de sol, Catherine, conversava com as irmãs
cinzentas. Ainda não conhecia seus nomes, elas não se chamavam
tanto quanto as outras.
— Cabelo de sexo. — disse ela. — Legal.
As irmãs deram tapinhas em suas cabeças.
A felina, Lilstra, colocou o braço em volta de uma irmã de
cada lado.
— Obrigada por me ajudarem. — disse ela.
— Foi um prazer. — respondeu uma das irmãs cinzentas.
— Isso eu sei. — Lilstra disse.
Mesmo com a tradução, na maioria das vezes eu não
conseguia entender as palavras das fêmeas.
Logo, caminhamos na escuridão completa. Nem mesmo
minha visão noturna era útil.
As batidas nas paredes ecoavam.
Outro dos mapas de luz brilhou e Lisset e Fennak ficaram
boquiabertos.
Tentei esconder minha surpresa.
— Só ficará aceso por pouco tempo. — disse Grexi. —
Vamos logo.
Atravessamos a escuridão. Portas com quadrados
congelados abriam-se diante de nós. Algumas áreas brilhavam quando
entrávamos.
Não é de admirar que as cidades perdidas sejam conhecidas
como os infernos, espelhos para os Três Infernos lá em cima.
Depois de muito tempo caminhando, vi um brilho vermelho
à frente e suspirei. O sol da tarde, mal visível através de uma rachadura
no teto da caverna de metal.
Animado com a visão familiar, instiguei os outros a
continuar. Grexi encontrou outros mapas luminosos. Com o tempo,
eles pareciam menos assustadores, embora ainda estranhos.
E mais do que útil.
Encontrei a Garota Crepúsculo olhando para um dos
mapas.
— O que você vê? — perguntei.
Ela se virou para mim. A maneira como a luz brilhava em
seu rosto a tornava bonita de se olhar. Crepúsculo no crepúsculo.
— Nada. — ela disse. — Nada mesmo.
Continuamos nos movendo.
— Quanto tempo isso dura? — disse Lisset. — Você tem
certeza de que estamos indo na direção certa, Curandeira?
A anciã se virou para ele.
— Você quer liderar o caminho?
Ele baixou a cabeça.
— Desculpe. Este lugar me assusta. Você lidera, Anciã.
A primeira coisa sensata que ouvi dele.
Mas senti a preocupação dele. Essa jornada subterrânea já
havia se prolongado por muito tempo. Se antes eu estava nervoso,
agora estava no limite. Eventualmente, Grexi encontrou outro mapa
luminoso.
Novamente, a minha escolhida o observou enquanto o resto
de nós passava.
— Por que você está tão interessada, Garota Crepúsculo?
Suas feições se juntaram. Raiva? Surpresa?
— Garota Crepúsculo? Isso soa depreciativo.
— Você carrega tanto uma sombra oculta, um sonho de
caçadora, mas ao mesmo tempo, você é tão brilhante quanto a manhã
após uma tempestade. — eu disse.
Ela absorveu isso.
— Samantha. Meu nome é Samantha.
Eu tinha ouvido as outras mulheres chamá-la assim, mas
essa foi a primeira vez que eu tentei pronunciá-lo.
— Shmem... Summumt...
— E que tal Sam? — ela perguntou.
— Sam. — Esse nome eu conseguia pronunciar. De alguma
forma, duvidava que a única sílaba carregasse a poesia que meu
próprio nome para ela possuía.
Era um bom nome curto. Combinaria bem com uma
caçadora.
O brilho se apagou.
Ela bateu no mapa e a luz retornou.
— Vamos lá, antes que nos percamos.
Por um momento, só pude estudar sua figura em
movimento.
Então eu balancei a cabeça. Ela estava certa. Eu não queria
me perder nas entranhas da cidade de pedra.
— Estamos perto. — disse Grexi após mais uma eternidade
caminhando no escuro.
Mesmo assim, continuamos caminhando.
Eventualmente, o cajado de Grexi bateu em algo. Fez o
mesmo barulho ensurdecedor dos punhos dos braços longos. Uma
porta feita do material da água do lago, talvez.
— Onde está? — Grexi disse para si mesma. Ela bateu com
o cajado e a palma da mão. Quando um olho se abriu, peguei um dardo
da minha aljava.
Grexi não pareceu preocupada, então deixei a arma voltar
ao lugar.
Ao nosso redor, um gemido soou. Os dois garotos e eu
demos um passo para uma camuflagem mais profunda.
O que era aquilo?
Um sino tocou. A luz foi revelada lateralmente. Um cômodo
iluminado, mas minúsculo.
— Não podemos subir todos de uma vez. — disse Grexi.
— Por que não vamos primeiro e esperamos vocês? —
Jeannie disse.
Ir primeiro para onde? Para aquela câmara minúscula. Ela,
Garot - Sam, Cabelos de Sol - Catherine, Elizabeth e Shorena se
espremeram dentro.
A porta se fechou. Esperamos.
Depois de algum tempo, o sino tocou novamente, revelando
a câmara, mas as fêmeas tinham ido embora.
Eu corri para frente.
— Está tudo bem, Jannik - é uma espécie de passagem. —
disse Grexi.
— Eu não vou entrar lá. — disse Lisset. — Engoliu nossas
fêmeas!
Exceto Lilstra e as gêmeas cinzentas entraram. Elas não
entraram em pânico. Grexi as seguiu, acenando.
Dentro estava apertado. Fennak deu um salto quando a
porta nos aprisionou.
Um gemido, e fomos jogados de pé.
Segurei os dentes para não me libertar à força, senti outro
tranco que parecia uma queda. Antes que um grito de medo escapasse
de mim, as portas se abriram.
As fêmeas desaparecidas esperavam lá fora.
— Que tipo de magia...? — Fennak começou. Então ele
saltou para fora da porta.
Seguimos com pressa semelhante.
Todas as fêmeas olharam para nós com risos contidos.
— Chega disso. — eu disse. — Ainda precisamos superar
os braços longos.
— Através da floresta indomável. — disse Fennak. Sua
respiração ainda estava acelerada.
Grexi apontou seu cajado.
— Fora desta cabana, devemos ver as ruínas de um muro.
Eu assumi a liderança. Havia um quadrado de água
congelada na porta que revelava o exterior.
Pôr do sol. Hora de seguir em frente.
20 - SAMANTHA

Os homens ficaram perturbados com os túneis e


especialmente com o elevador. Agora eles teriam que enfrentar o
desconhecido novamente, além da porta.
Eu meio que sabia como eles se sentiam.
Parecia provável que coisas piores nos aguardassem do lado
de fora deste prédio.
— Talvez devêssemos tomar um fôlego. — eu disse.
— Isso não é imprudente. — disse a curandeira.
— Quero sair desta sepultura fria que é essa cabana. —
um dos garotos, Fennak, acho, ofegou.
— Esperem um momento. — disse Jannik com sua voz
profunda e comandante. Como eu não havia ouvido isso antes? Até
agora, tinha sido apenas sussurros e vento.
— Armem-se.
Jannik e os garotos removeram os atlatl6 - acho que era isso
- das tiras. Lanças curtas e letais foram encaixadas na madeira.
Seu líder olhou pela janela por um tempo.
— Eu vou cobrir. Os destroços podem ser instáveis. — Ele
se virou para nós. — Tenham cuidado ao subir. Não demorem.

6 Ferramenta antiga usada para lançar dardos ou lanças com mais


força e alcance.
— Quando estivermos na cerca de arbustos, procurem um
caminho para as pedras erguidas. — disse a mulher idosa. — Os braços
longos não irão além disso.
Jannik partiu, rápido e tenso. Uma vez que se afastou um
pouco, ele fez um sinal.
Cathy foi a primeira a sair, seguida por Lilstra, depois o
resto de nós saiu pela porta. Sob os pés, parecia um pouco como
concreto. À nossa frente, o alto muro branco havia desmoronado,
brilhando suavemente no crepúsculo. No ponto mais baixo, era
provavelmente um metro e meio de pedra quebrada.
A maioria de nós se dirigiu para lá, mas Lilstra não se
preocupou. Ela simplesmente alcançou a seção mais próxima e subiu
direto, desaparecendo de vista. O resto de nós não era tão ágil.
Principalmente a mulher idosa.
Eu me virei, indo ao lado dela. Apesar de sua bengala, ela
ainda estava fazendo um bom progresso. Os garotos saíram por último.
Eles viraram as costas para nós, olhando para os telhados.
— Não se preocupe comigo. — murmurou a mulher idosa
para mim.
Certo. Não se preocupe com uma velhinha sendo devorada
por orangotangos azuis.
Juntos, alcançamos os destroços. Era fácil o suficiente de
subir, mas alguns pedaços rolavam sob os pés. À nossa frente, Jeannie
alcançou o topo da pilha, virou-se e ofereceu a mão, e em instantes a
velhinha subiu e passou por cima. Eu a segui o mais rápido que pude.
Mas não antes de ouvir um rugido abaixo.
Uma resposta veio de longe.
Braços longos. Eles nos avistaram.
Desci correndo a encosta oposta, não me importando em
escorregar e deslizar, arranhando a parte de trás das minhas coxas sob
a saia curta do meu vestido.
Então, parei abruptamente. Além, as plantas formavam
uma parede densa.
Como poderíamos passar por isso? Lembrei-me dos piratas
repugnantes e seus chicotes. O progresso deles havia sido lento, e
aquela parte da floresta não era tão densa quanto aquela.
Lilstra colocou a cabeça para fora de um arbusto à altura
dos joelhos.
— Por aqui. Mantenha-se agachada. — Ela desapareceu
novamente.
Rastejando, tudo o que eu conseguia ver eram galhos e
silvas, espinhos e trepadeiras. Eles batiam no meu rosto, puxavam
meus joelhos. Grunhindo, continuei avançando.
— Depressa, Sam. — Jeannie disse atrás de mim.
Apesar do medo que apertava meu coração, não conseguia
ir mais rápido. Cada movimento era um tapa, uma facada, um agarrão
das trepadeiras, mas continuei avançando.
Eventualmente, o túnel através da folhagem se tornou mais
um caminho. Finalmente, em pé, forcei meu caminho através da
abertura estreita. Será que isso era mesmo uma trilha? Estava cercado
por plantas segmentadas, semelhantes a bambu. À minha frente, vi um
lampejo de cauda preta. Lilstra.
Eu esperei.
Um grito rasgou o ar acima de mim, e uma barriga azul,
pálida como o céu, listrada com faixas escuras, caiu em minha direção.
Um ataque de um braço longo.
Levantei os braços e me agachei. Não havia tempo para
qualquer outra defesa, nenhum lugar para correr e se esconder.
Eu ia morrer. E então dois baques baixos foram seguidos
por um lamento ensurdecedor e um grande estrondo.
— Vá, vá, vá. — Jeannie me empurrou por trás.
O braço longo ficou meio pendurado nos arbustos e
trepadeiras, com a cabeça no chão. Duas das lanças curtas
sobressaíam de seu corpo. Vi sua barriga pálida, suas costas verde-
escuras.
Ele estava morto. Não eu.
— Você vai correr? — Jeannie gritou no meu ouvido, e eu
sacudi meu choque.
Mesmo com o céu escurecendo ao nosso redor, o caminho
à frente ficava mais fácil. Galhos e espinhos não mais cortavam e
esbofeteavam. Logo, alcancei Lilstra, que tinha alcançado a curandeira
idosa.
Isso era quase metade de nós. Será que o resto tinha
conseguido passar?
— Ali. — a velha ofegou. — Posso ver uma pedra erguida.
Estávamos quase livres. A visão da segurança nos
impulsionava. Na extremidade distante da trilha estreita, a floresta
estava escura. Melhor escuridão do que morte, pensei.
Agora juntos, avançamos em direção à segurança. A mulher
idosa usava sua bengala para afastar as trepadeiras tanto quanto para
caminhar.
— Continuem! — Fiquei surpresa quando um dos garotos
nos alcançou. — Corram! Eles estão vindo!
Jannik berrou.
— Eles vão tentar nos cercar nesta trilha!
E agora? Parar e se esconder? Continuar correndo?
Jannik passou correndo por mim, me empurrando para o
lado. Empurrando as costas contra as garras da vegetação agarradora
e cortante, ele seguiu à frente de Lilstra e da velha mulher e
desapareceu.
— Cuidado atrás de nós, Fennak! — ele chamou da frente.
Avançamos cambaleantes, em pânico.
Estávamos caindo em uma emboscada? Nesta garganta
estreita de trilha, eles poderiam facilmente nos atacar de cima. Essa
era claramente a forma preferida de matar deles.
Quando alcançamos o rosto esbranquiçado da pedra
erguida, a velha soltou um grito. O braço longo, azul pálido peludo ao
vento da luz da lua, estava no topo do monólito, um enorme pedaço de
pedra quebrada sobre sua cabeça.
Não havia como evitar o golpe esmagador.
Jannik apareceu ao meu lado.
— Proteja seu rosto! — ele gritou.
Ele me empurrou com força para dentro dos galhos
estalando. Eu cobri meu rosto com os braços, os protetores de braço
absorvendo o impacto, cada centímetro do resto do meu corpo sendo
arranhado, cortado.
Consegui me virar no momento em que Jannik arremessou
uma lança no braço longo. Galhos e folhas atrapalharam seu
progresso, mas mesmo assim ele conseguiu esfaquear o simiano
atacante acima. Mas não o suficiente.
Gruntindo, ele soltou o enorme pedaço de pedra em nossa
direção.
Jannik mergulhou na folhagem espessa à minha frente. Um
momento depois, ele apareceu na entrada da trilha e lançou outra
lança.
Acertou o alvo com um baque sólido, mas o braço longo não
estava acabado.
Ele saltou de sua posição, mãos com garras alcançando
Jannik. Ele rolou, mas a besta agarrou seu tornozelo.
Torceu. O osso quebrou e Jannik gritou de dor. Ele
arrancou a última lança de sua aljava e, com um rugido que sacudiu
as árvores, se levantou e empurrou a lança pela garganta do animal
enquanto ele descia suas presas para acabar com Jannik.
Um segundo depois, Fennak correu para defender seu líder.
Com seu atlatl, ele lançou uma lança nas costas retorcidas do braço
longo à queima-roupa.
O monstro estava acabado.
— Continue andando... — Jannik começou, mas ao tentar
correr, sua perna cedeu.
Ele estava gravemente ferido, sua perna claramente
quebrada.
— Não podemos parar. — ele ofegou.
— Apoie-se em mim. Vou te ajudar.
— Vou rastejar primeiro. — disse Jannik entredentes.
Me libertei.
— Não seja idiota! Deixe-nos ajudá-lo.
Embora destroçada, alcancei Jannik e Fennak. Os outros
vieram da trilha, tão machucados e arranhados quanto eu.
No túnel escuro entre as folhas densas, grunhidos e uivos
soavam. Eles estavam vindo atrás de nós. Com um barulho de folhas
se aproximando, todos nós prendemos a respiração - seria nosso fim?
Mas o outro garoto, Lisset, saiu cambaleando da trilha
claustrofóbica, seus olhos arregalados e em pânico.
— Levante-se, Jannik. — Peguei sua mão enquanto
Fennak segurava o outro braço.
Relutantemente, Jannik permitiu que o levantássemos.
Juntos, cambaleamos em frente, além da pedra erguida.
Seria realmente a nossa salvação?
O resto do nosso grupo seguiu em direção à floresta escura.
Nunca mais eu consideraria as florestas deste planeta como seguras.
No entanto, em comparação com o pesadelo rastejar por entre galhos
afiados e rasgantes, fiquei aliviada ao alcançá-la.
Um rugido nos seguiu. Enquanto ajudava Jannik, eu me
virei.
No topo das pedras erguidas, braços longos rugiam,
lançando pedras e blocos de concreto. Mísseis de pedra assobiavam
nas ramagens ao nosso redor, acima de nós.
No entanto, as criaturas não avançavam, como se
estivessem presas atrás da pedra marcada.
— Precisamos cuidar da sua perna, Jannik. — Fennak
grunhiu e ofegou sob o peso do guerreiro.
— Vamos sair do alcance das pedras. — A voz de Jannik
estava tensa de agonia. — Coloquem todos em segurança.
Ele nos fez continuar, muito além da queda das pedras
lançadas. Eventualmente, Fennak não conseguiu mais sustentar o
peso do homem maior. Eu mal estava me virando sozinha.
— Vamos parar. — gemeu Fennak.
A mulher idosa se apressou.
— Precisamos cuidar dessa perna. Você, garoto, acenda
uma fogueira. — ela disse para Lisset.
Embora fizéssemos o possível para ajudar Jannik a se
sentar no chão, ele soltou um sibilo de angústia entre os dentes.
Horrorizada, vi que um dos ossos tinha perfurado a pele.
— Eu poderia — ofegou Fennak — correr de volta. Até a
aldeia. Em busca de ajuda.
— Não. Vou precisar que você me ajude a colocar esse osso
no lugar. — ela disse.
Sangue escorria livremente pela perna de Jannik. Fennak
parecia em pânico.
— Eu?
— Eu farei isso. Conheço primeiros socorros. — eu disse.
Essas pessoas sabiam o que era isso?
— Segure-o. — disse a velha curandeira. — Vou segurar o
tornozelo dele. Vocês, rapazes, encontrem madeira plana para as talas.
Correndo um para o outro, os dois procuraram no chão. As
outras mulheres se reuniram ao redor.
Segurando a coxa de Jannik, olhei nos olhos dele.
— Vai doer. Bastante.
Ele colocou uma mão leve no meu braço.
— Faça isso.
21 - JANNIK

Eu mancava, cada passo era brilhante de dor, meus dentes


cerrados contra um grito.
— Deixe-me encontrar um galho para você usar como
bengala. — disse Sam.
— Eu não vou parecer uma velha enrugada. — rosnei.
— Se você colocar muito peso nela, teremos que ajustar o
osso novamente. — disse a mulher infernal.
— Está bem! Uma bengala de caminhada! Fennak! Lisset!
Grexi virou-se, franzindo a testa.
— Uma bengala? Devemos encontrar galhos robustos.
Construir uma maca.
Chamas dos três infernos, isso dói!
— Não serei visto sendo arrastado para a aldeia!
— Você poderia ficar aleijado, Jannik. — A mulher me
olhou. — Você tem certeza de que está disposto a arriscar?
Especialmente agora?
Maldita seja sua sabedoria.
A Garota Crepúsculo - Sam - lançou-me um olhar de raiva.
— Você é igualzinho ao meu irmão. Tão macho. Uma vez,
ele caiu de uma árvore frutífera e bateu a cabeça. Ele insistiu em
continuar trabalhando.
— Responsável. — eu disse.
— Certo. Ele bateu a cabeça com tanta força que não sabia
como voltar para casa. — Ela franziu a testa.
Jeannie deu uma risadinha.
— Você tem que fingir até conseguir. — disse Cabelo de Sol,
Catherine. — Vamos puxá-lo em uma maca até chegarmos perto da
aldeia. Então você pode cambalear até sua cabana por conta própria.
Era inteligente, mas mais do que isso, me disse que essas
mulheres eram enganadoras. Eu precisava estar atento.
Fennak deu de ombros, me olhando expectante.
Eu suspirei.
— Está bem.
— Sente-se no chão perto daquele tronco. Coloque a perna
mais alta que o coração. — disse Sam.
Grexi estudou a garota caída das estrelas, seu olhar
especulativo.
— As bagas brancas devem estar maduras. — disse a
curandeira. — Este é o fim da Estação Seca. Devemos colher algumas
para aliviar sua dor. Não quero arriscar uma cura mais profunda até
que retornemos para casa.
— Bagas brancas. — disse Sam, com os olhos distantes por
um momento. — Elas crescem sob arbustos altos. Deixe-me procurar.
Quando ela estava fora de alcance auditivo, Grexi se
aproximou mais.
— Nossas palavras estão surtindo efeito. As fêmeas estão
aprendendo.
Eu me senti ridículo, deitado de costas no chão, a perna
sobre um tronco caído, olhando para cima para a curandeira, a dor
cortando meu corpo.
— Emocionante. — eu disse. Eu ficaria mais animado
depois.
Lisset e Fennak reuniram galhos robustos e cipós verdes,
enquanto Fennak começava a construir uma espécie de trenó enquanto
Lisset se afastava para coletar mais material.
Eu fiquei feliz que Fennak estava montando. Seu amigo não
parecia muito inteligente.
As fêmeas forasteiras se reuniram em um grupo, fazendo o
que sempre faziam: conversar.
— Você viu como ele matou aquela coisa do macaco? —
Jeannie disse baixo, embora sua voz sempre ecoasse. — Bem quente.
— Típico macho alfa. — disse Lilstra. — Mas, sim, eu estava
bem ali. Meio excitante. Às vezes, uma garota gosta de ser salva.
— Estamos seguras. — disse Cathy. — Isso é tudo que me
importa.
Elizabeth olhou ao redor da floresta.
— Estamos mesmo?
Sam voltou, um galho de folhas negras e bagas brilhantes
em sua mão, que mostrou a Grexi.
As sobrancelhas da curandeira se franziram.
— Você trouxe o galho.
— Isso está errado? — Sam perguntou.
— Não. É exatamente o certo…
Eu agarrei o galho dela, mastigando as bagas dos caules.
Grexi o puxou de mim.
— Não coma muitas. Estas estão maduras. Você não
conseguirá caminhar até a aldeia, ferido ou não, se comer demais.
Sam se agachou ao meu lado, afastando delicadamente o
cabelo da minha testa.
Nossos olhos se encontraram.
— Obrigado por me ajudar. — eu disse.
Por um momento, ela procurou meu olhar e seus olhos se
suavizaram. Será que ela sentia a canção do coração?
— Eu... eu não gosto de ver ninguém ferido.
Quando estendi a mão para segurar a dela, ela começou a
aceitar, mas de repente recuou, levantou-se e afastou-se.
Deixei minha cabeça cair no chão e recusei a rosnar.
Fennak puxou uma videira apertada e depois ficou em pé,
examinando a plataforma desconfortável que ele havia feito. Era larga
o suficiente para ele e Lisset puxarem lado a lado, me arrastando.
Humilhante.
— Pronto, líder da caçada? — Fennak mudou seu peso,
desconfortável.
Quando tentei me levantar, senti o veneno das bagas.
Lutando contra a tontura, me levantei.
Enquanto tentava me acomodar, Sam se aproximou
novamente.
— Você deve manter a perna elevada.
Embora embaçado pelo efeito das bagas, tentei fazer a
carranca que geralmente fazia os subordinados se mexerem.
— Você não está sugerindo que me arrastem de cabeça para
baixo.
Seu olhar nunca vacilou.
— Como um saltador empalado.
Sam lançou um olhar para Grexi. A curandeira não parecia
interessada em se envolver em nossa conversa.
— Como um animal morto. — eu continuei.
Minha canção do coração piscou, então encolheu os
ombros.
— Ótimo. Deixe inchar mais.
Agudo. Mordaz.
Apesar da minha irritação, eu tinha que admirá-la.
— Movam-se. — ordenei.
Os garotos ergueram cada extremidade do suporte. Foi
necessário um puxão quase insuportável para começarmos a nos
mover.
Então vieram os solavancos, cada um deles me fazendo
querer arrancar minha perna.
Agarrando as vinhas que me seguravam, coloquei uma
entre os dentes.
Deuses, por favor, me matem.
Embora tivéssemos discutido, Sam caminhava ao meu lado.
Suas sobrancelhas se ergueram; a boca se contorceu para baixo, com
preocupação, talvez empatia.
Isso não era o que eu queria dela.
Ou de qualquer pessoa, na verdade.
Grexi caminhava ao lado de Sam, avaliando o suporte.
Como curandeira, ela naturalmente expressava menos
compaixão. Sua única palavra fez uma careta percorrer meu corpo
dolorido.
— Mais rápido. — ela ordenou aos garotos.
Nunca antes eu havia percebido as raízes e as
irregularidades da trilha nessa descida pela floresta. Agora, sentia cada
uma delas. Mesmo com o suco da fruta pálida me entorpecendo, cada
impacto doloroso me fazia querer gritar pela vinha em minha boca.
E assim continuamos. Por uma eternidade.
Entre a dor e a euforia, meus pensamentos se
fragmentaram, com apenas uma constante: Sam caminhava ao meu
lado. Por um tempo, quando o caminho se alargou, ela até segurou
minha mão enquanto caminhávamos e batíamos ao longo da trilha.
Eu a mantive em foco. Ela era a única coisa que me impedia
de sucumbir à escuridão.
Desde a chegada dela, eu a observava. Agora, deixei a visão
dela mergulhar em mim, me acalmar, deixei o rosto dela ser minha
distração da minha perna.
Linda. Seus cabelos ao vento, a linha do maxilar, a
suavidade da boca, a profundidade dos olhos. Seu movimento me
agitava, corpo curvilíneo e membros falando aos meus instintos.
A chance de olhar para ela por tanto tempo quase valia a
dor lancinante, a vertigem em meu cérebro.
— Você me sente? — Minha voz soava rouca em meus
ouvidos.
Seus olhos se arregalaram de ansiedade, a expressão se
afiando de curiosidade, mas ainda assim ela não respondeu.
— Você pode sentir meu coração, Sam?
Ela apertou minha mão.
— Acho que você comeu muitas bagas brancas.
— As bagas empalidecem diante da sua beleza, Garota
Crepúsculo.
Ela olhou para mim, os olhos lentamente se arregalando.
— Cer...to.
— Perto de você, a doçura deles é azeda.
Seus lábios se contraíram. Isso foi um bom sinal?
— A plenitude delas é…
— Tenho certeza que entendi.
Quando ela retirou a mão, não tive forças para segurá-la.
Não percebi que havíamos parado.
Meus olhos estavam fechados.
Será que eu realmente tinha adormecido?
— Podemos ver as cabanas daqui. — disse Fennak
relutantemente.
Lisset olhou por cima do ombro para mim.
— Se você não quer ser visto nesse suporte, você deveria
levantar, Jannik.
Eu o odiei naquele momento.
— Me coloque no chão. — eu disse.
— Poderia ser mais fácil se inclinássemos o suporte. —
sugeriu Fennak.
Jeannie estava carregando a bengala que encontraram para
mim. Próximo ao topo, havia os restos de um galho saliente, formando
uma fenda grande o suficiente para o meu braço. Transferindo meu
peso para ele, comecei o processo de me levantar.
Fennak e Lisset empurraram as alças para cima, dando-me
um ângulo melhor. Ofegando, eles inclinaram o suporte quase na
vertical.
Erguer-me despertou uma onda de agonia absoluta. Um
raio além da simples dor percorreu cada parte de mim.
Dei um passo.
Outro, sustentando meu peso com a bengala.
Mais um.
— Vá direto para a minha cabana. — a curandeira
ordenou.
Eu podia ver as paredes das cabanas. Graças aos deuses.
— Assim que chegarmos lá, começaremos a unir os ossos.
Você precisará de mais do que bagas brancas para passar por isso. —
Grexi assentiu, seus olhos focados em algo distante que eu não
conseguia ver.
As fêmeas me cercaram enquanto eu lutava para avançar.
Todas se moviam meio curvadas e tensas. Muito perto de mim.
Preparadas para me segurar se eu caísse.
Não esta noite.
Minha mente calculou o número de passos até a soleira da
curandeira. Todos nós caminhamos juntos, como se em uma dança
idiota. Dança do guerreiro fracassado de uma perna só.
Eu estava sentindo as bagas.
Na porta da curandeira, usei minha mão livre para entrar,
aliviando o peso da perna. Dirigi-me para o primeiro palete.
— Não, Jannik, essa é a minha cama. — A curandeira
apontou. — Ali.
Setenta mil passos do outro lado da sala. Praguejando e
suando com cada pequeno movimento, fui cuidadosamente até a cama
elevada e agradeci por me sentar nela. Usando as mãos para elevar a
perna imobilizada, desabei, tremendo.
Pelo menos todo o grupo de fêmeas e aldeões não tinha
entrado comigo.
Apenas Sam.
Ela encontrou uma manta e me cobriu, acomodando-a com
mãos gentis.
Eu já não tinha voz para agradecê-la.
De uma prateleira próxima à cama, Grexi pegou um pedaço
de junco fino. Ela cortou a ponta com uma ferramenta de pedra,
deixando-a afiada. Em seguida, cortou-o ao meio e depois novamente
pela metade.
Quando virado, o menor pedaço cortado caberia dentro do
primeiro.
Através da névoa da dor, vi-a procurar em um bolso de sua
túnica. Ela tirou um objeto liso, como um pingente de gelo opaco.
Dentro havia um líquido preto.
Eu não gostei da aparência disso.
Destampando-o, ela pingou um pouco do líquido no junco
afiado. A segunda seção foi inserida. Ela me cutucou com a ponta,
pressionando a outra extremidade no primeiro pedaço.
— Ai!
— Você está injetando nele? — Sam disse com uma voz
tensa.
Grexi assentiu.
— Para unir os ossos. E fazê-lo dormir...
E essa foi a última vez que ouvi.
22 - SAMANTHA

Quando cheguei à cabana das mulheres, não vi guardas do


lado de fora. Por que eles confiariam em nós depois que a velha
transmitiu uma quantidade enorme de informações sobre este mundo,
eu não conseguia imaginar.
Talvez porque agora sabíamos com o que iríamos enfrentar
lá fora sozinhas.
A maioria das mulheres já estava deitada em suas camas,
exaustas de nossa aventura pela cidade em ruínas.
— Como está o seu herói? — disse Cathy.
— Inconsciente. A velha realmente o injetou com uma
espécie de seringa feita de bambu.
— Erva-tubo. — Cathy respondeu com o novo
conhecimento.
Agora sabíamos muito mais do que antes.
— Não sei se me sinto mais tranquila ou inquieta. — disse
Lizzie. — Essas pessoas parecem altruístas, assim como seu mundo
parece mortal.
— Não tenho certeza disso. — disse Cathy. — Há uma
dureza por baixo, algo selvagem e feroz.
Essa era meio que a impressão que eu tinha. Impressões
eram o que o tradutor transmitia, florescendo para entendimento à
medida que experimentávamos o planeta em tempo real. Eu tinha
tocado aquela planta com suas bagas brancas antes de ter certeza do
que ela era. Para que servia.
— Seu cara realmente salvou nossa pele. — disse Lizzie.
— Jannik não é meu cara.
— Tente dizer isso a ele. — disse Cathy.
Tinha que admitir, estar perto dele, vê-lo sem suas
besteiras de machão, o tornava muito mais atraente. A maneira como
ele lutava contra sua fraqueza, até mesmo a aparência de fraqueza,
revelava mais caráter do que sua habitual maneira sisuda de encarar
as coisas.
Ele se recusava a ser vulnerável.
Isso era algo que eu podia entender.
E ainda assim, sob o efeito das bagas, ele começou a recitar
poesia, a expressão em seu rosto adoravelmente sincera, sua voz suave
de um modo que eu nunca o tinha ouvido usar com ninguém além de
mim.
Meus lábios se contraíram. Mais doce do que as bagas
azedas. Espere só até ele me conhecer melhor.
O meio-sorriso desapareceu do meu rosto. Ele não deveria
me conhecer melhor. Outra dica de que alguma parte de mim estava
lutando para permanecer no caminho certo.
— Por que você estava olhando aqueles mapas no porão do
hospital? — A voz de Shorena veio da escuridão.
Flagrada.
— Eu estava procurando por algo. — Não que qualquer
uma delas quisesse ouvir isso agora. Parecia que, mesmo com um
pouco de conhecimento sobre esse planeta e essas pessoas, elas
ficavam mais confortáveis com a ideia de ficar aqui.
— Ah, sério? Procurando por algo em um mapa? — A voz
de Shorena ficou sarcástica. — Inacreditável.
— Como eu não encontrei, acho que não importa. — Minha
voz soou áspera.
Depois de um momento, Shorena disse:
— Não encontrou aqui...
— Que tal calarmos a boca? — Lilstra disse do outro lado
da sala.
Shorena se levantou da sua cama e se aproximou de mim.
Ela falou no meu ouvido.
— Enquanto você estava fora, eu ouvi pessoas conversando
do lado de fora da cabana. A tribo está se movendo em breve. Algo sobre
o fim da Estação Seca, o início da Estação das Trevas.
— E isso significa? — Eu sussurrei de volta.
— Nosso destino pode estar próximo de outra cidade em
ruínas. Talvez uma maior. Talvez mais perto do equador deste planeta.
No escuro, mal conseguia ler sua expressão.
— Podemos conversar mais quando tivermos uma chance.
Shorena voltou para sua cama. Nem Lizzie nem Cathy
fizeram qualquer comentário, exceto pelo leve ronco de Lizzie. Eu
precisava descansar, mas por muito tempo, fiquei acordada.
Shorena estava definitivamente ao meu lado.
Enquanto nossos cérebros processavam o que o tradutor
tinha nos jogado, o resto se juntaria a mim ou seguiria seu próprio
caminho?
Fechei os olhos, certa de que não conseguiria dormir, mas
a luz rosada da aurora entrando pelas frestas da cabana me assustou.
Meus pensamentos da noite anterior ainda rodopiavam em minha
mente. Cathy ainda estava dormindo, mas Lizzie estava acordada.
—Então, agora nos integramos, suponho. — disse ela. —
Nos assimilamos.
Balancei a cabeça.
— Não tenho uma ideia clara disso, mas acho que há mais
do que apenas sorrir e dizer “claro, deixe-me me juntar ao seu povo”.
— Entendo isso também. Mas o que é isso? Ainda não faço
ideia.
Com certeza, eles nos diriam em breve.
No claro, ainda não vi nenhum sinal de guardas. Será que
estamos realmente livres para explorar? Parecia não haver muito para
ver na aldeia. Neste lado da encosta, cabanas se aglomeravam nas
árvores. Do lado de baixo, as coisas eram mais movimentadas.
Pelos vislumbres anteriores, eu sabia que ali se cozinhava.
Os aldeões comiam juntos, ou pelo menos na mesma hora. Remendos
de fazendas ficavam naquele lado, clareiras cortadas das florestas.
Separados e a alguma distância estavam os montes de lixo, latrinas.
Quanto ao resto, eu só tinha sussurros na minha cabeça.
— Devemos explorar. — disse Lizzie. — Pela primeira vez,
sinto que estamos por nossa conta. Sem ser observadas.
Com Jannik fora de combate, tive que concordar com ela.
Até que vi dois homens se dirigindo à nossa cabana, amigos
de Jannik, percebi desde o início.
Eles estiveram aqui desde o começo do nosso tempo aqui,
nunca muito longe. O mais alto tinha um interesse por Lizzie. Olhando
para ela, percebi seu revirar de olhos quando ele se aproximou.
Seguindo atrás do dois estava o garoto que nos
acompanhou na aventura até as ruínas, Fennak.
— O que você acha que eles querem? — Lizzie perguntou.
— Um deles parece querer você. — eu disse.
Ela suspirou.
— Conte-me sobre isso. Não me dou bem com machos alfa.
Eu tinha certeza razoável de que quase todos os homens
aqui tinham uma forte veia alfa. Mas os dois adultos pararam perto da
cabana. Foi o garoto que se aproximou.
— Fui enviado para ver se alguma de vocês precisa de cura.
— disse ele. —E Jannik me mandou perguntar como você está, Sam.
— Estou bem. Como está Jannik? — Eu disse.
— Louco como um navegador de árvores com uma noz
presa ao rabo. — gritou o homem mais baixo.
O alto lançou lhe um olhar.
— Os venenos em seu sistema tiraram sua razão.
— Provavelmente temporário. — disse o mais baixo —
Quem sabe? Até que eu meio que gosto mais dele assim.
— Pare. — o alto rosnou baixinho.
— De qualquer forma, passamos a notícia a todos na
aldeia. Eles devem aceitá-las e responder às perguntas que vocês
devem ter — disse o mais baixo.
— E, se houver algo que vocês queiram ver, eu
prontamente as acompanharei. — disse o mais alto. Ele disse isso
diretamente para Lizzie.
Eu não entendi.
— Nos aceitar?
— Vocês serão convidadas a se juntar a nós, pelo que me
disseram. — disse o baixinho. — Antes disso, Grexi acha que vocês
devem estar cientes do que estão se envolvendo. Ela é justa dessa
forma. Andem pela aldeia, vejam o trabalho que precisa ser feito, o que
vocês podem querer para vocês mesmas.
— Muito precisa ser feito. Quando a Estação Seca termina,
fazemos a jornada para o norte. — disse o mais alto.
— Devo voltar para a cabana da curandeira para informar
Jannik que vocês estão bem? — Fennak perguntou, claramente ansioso
para concluir sua missão.
O mais baixo avançou e pôs a mão no ombro do garoto.
— Não. Relate à caçada. Jannik acredita que você se
encaixa bem.
— Ele acredita? — disse Fennak. — E quanto a Lisset?
— Jannik foi específico. Ele quer você. Claro, ele também
queria parar de caminhar entre as nuvens com os deuses e saborear o
néctar dos alados. — disse o baixinho. — Mas acho que ele falava sério.
— Quem está no comando da caçada se Jannik está
deitado e estamos falando com as fêmeas? — disse o alto.
— Tenho certeza de que Gitak assumiu o comando.
— Ele é o líder da caçada, assim como dos guerreiros? — o
alto zombou.
— Na cabeça dele, ele é o futuro chefe. — disse o baixinho.
— Por enquanto, para onde vocês gostariam de ir? O que gostariam de
ver?
Jeannie saltou para fora da cabana entre nós.
— Gostaria de ver tudo. Eu sou Jeannie.
— Adak — disse o mais baixo.
— Takka — disse o mais alto.
Ambos olharam para Lizzie e para mim.
— Sou Elizabeth Neal. — disse Lizzie.
— Samantha Johnston.
Os dois homens se olharam, com as sobrancelhas
levantadas. Takka virou-se para nós.
— Lesvit-eel-lestit-knee all...
— Lizzie — disse Elisabeth.
— E Sam.
Ambos os homens pareceram aliviados.
— A primeira coisa que eu gostaria de fazer é ver Jannik.
— eu disse. — Quero ter certeza de que ele está bem. Ele ficou
gravemente ferido na noite passada.
— Devemos te mostrar onde é? — Adak disse.
— Eu conheço o caminho.
— Lizzie, Jeannie, vamos mostrar a vocês ao redor, então.
— disse Adak.
— Hora do passeio turístico! — Jeannie disse. — Estou
totalmente dentro.
23 - JANNIK

— Você precisa beber mais. — Grexi me repreendeu. —


Expulse o veneno do seu sangue.
Agarrei o odre, consegui colocar um pouco na minha boca,
mas a maior parte respingou no meu rosto.
— Aqui. — Devolvi-lhe o odre. — Por que está tão escuro
aqui? Acenda uma lâmpada.
— É plena manhã. Você precisa beber mais. — Grexi
respondeu calmamente.
Acenei com as mãos.
A curandeira rosnou e se afastou.
Observando seu movimento, minha cabeça girou, meu
estômago se revirou.
Cerrando os dentes contra a coceira profunda em minha
perna ferida, cerrando os punhos, tentei suportar, ignorar o que sabia
que não era real.
— Dê-me mais da costura de ossos.
Grexi não me encarou.
— Você já tomou uma dose completa. Se tomar mais, suas
articulações vão congelar.
— Não suporto ficar aqui sem fazer nada.
— Se você quiser retomar suas funções como líder da
caçada, vai ter que ficar deitado aqui até se curar. — disse Grexi. —
Fique quieto, se quiser voltar a correr. Você está sentindo dor?
Tremendo, suando, ondas de dor latejante percorriam a
perna quebrada por todo o meu corpo.
— Não quero mais baga branca. Está me dando pesadelos.
— Tente dormir, Jannik. Estou cansada de ouvir você
reclamar. — disse Grexi.
— Uma constante estranha na galáxia. Quanto maior o
homem, mais infantis eles são quando estão doentes. — Sam apareceu
na porta.
Ela brilhava na luz, tirando meu fôlego. Então algo em
minhas entranhas esfriou.
— Eu não quero ser visto assim.
— Ah, fique quieto, seu bebezão. — ela disse. — Quem disse
que estou aqui para te ver?
Grexi deu a Sam um olhar divertido para Sam. Isso me
enfureceu. Por que elas tinham uma camaradagem tão fácil, enquanto
ela me afastava a cada momento?
— Parece que você já fez cura antes. — disse Grexi.
— Na minha comunidade, não tínhamos um médico de
verdade, um curandeiro — disse Sam com a voz tensa, uma memória
desagradável passando suas palavras. — Quando eu tinha dez anos,
minha mãe me designou como a responsável pelos cuidados médicos
depois que o antigo faleceu. Eu tinha que cuidar das pessoas da melhor
maneira possível. — disse ela.
Grexi gesticulou para mim com seu odre.
— Esse precisa beber. Seu corpo está muito cheio de
poções. Ele acredita que segurando o veneno dentro dele, sua cura será
mais rápida. — Um breve sorriso atravessou seu rosto. — Acha que
pode fazer algo a respeito?
Enquanto observava, Sam pegou o odre de suas mãos e se
aproximou da cama.
Eu esperava ver ternura em seus olhos, um pedido
silencioso para eu beber.
Em vez disso, sua outra mão se lançou para fora e ela
fechou minhas narinas, depois enfiou a ponta do odre em minha boca.
— Engula. — ela ordenou.
Que outra escolha eu tinha?
Bebi até engasgar, e ela afastou o odre que espirrou, depois
enxugou meu rosto com o cobertor.
— Melhor?
Eu estava ocupado demais evitando morrer sufocado para
responder.
Sam devolveu o odre para Grexi.
— Você serviria bem como aprendiz. — disse Grexi.
A cabeça de Sam se inclinou para um lado.
— Você tem assistentes. Eu as vi.
— Assistentes, sim. Mas eu preciso de um aprendiz. Uma
mulher para transmitir meu conhecimento. Estou ficando mais velha e
ainda não encontrei nenhuma com o temperamento adequado para a
cura. — disse ela.
— Cura significa viagens às ruínas? — Sam perguntou.
— Há suprimentos lá, poções, venenos, pomadas que não
podemos mais produzir.
Sam assentiu.
— Muito valiosos para serem ignorados.
— Precisamente. — disse Grexi. — Se eu souber de um jeito
de curar, eu irei atrás. Mesmo em uma aldeia de pedra habitada por
monstros.
— É por isso que você não vive mais lá? Por causa dos
monstros? — Sam perguntou.
— Não. Nós deixamos as aldeias de pedra muito antes da
memória falada. Até Vattim, nosso guardião das lendas, conhece
poucas histórias do tempo anterior. Houve guerra. Deixou uma cicatriz,
uma doença que permanece nas ruínas. — disse Grexi, então sua voz
diminuiu. — Nosso povo também carrega a cicatriz. Bebês do sexo
feminino são raros. Cada vez menos a cada geração.
Sam assentiu.
— Isso parece com minha casa, como muitos outros
mundos.
Sua casa? Outros mundos?
Eu tinha ouvido falar disso, mas nunca acreditei.
E no entanto, era aparente que minha Garota Crepúsculo
não era nascida aqui. Nem suas companheiras.
Acalmei meus pensamentos curiosos para que pudesse
ouvir mais sobre seu passado.
— Por que você partiu? — perguntei a ela.
Ela desviou o olhar, e senti uma dor nela.
— Meu irmão — disse ela. — Me vender como noiva me
ajudaria a ajudá-lo. Eu quero comprá-lo de volta de seu senhor. É
minha responsabilidade.
— Você também é uma protetora. — eu disse, agora
compreendendo a dor. A dor da perda, a dor do dever - e do fracasso.
Ela era como um chefe de aldeia.
— Às vezes — eu disse a ela — em uma caçada, um caçador
se perde. Para um predador, para uma videira espinhosa. Talvez por
uma lesão. Grexi frequentemente diz que não é culpa minha. — Dei de
ombros. — Todo mundo está errado às vezes.—
Grexi resmungou.
— Você entende. — disse a Garota do Crepúsculo
suavemente.
— Sim. — eu disse. — Mas você também tem uma
responsabilidade consigo mesma. Você tem uma vida que precisa viver.
Você não pode viver sempre olhando para trás para aqueles que não
conseguiu proteger. Ou vivê-la para aqueles que você sente que deve
proteger no presente.
Eu não disse mais nada, deixando-a refletir sobre minhas
palavras. Deixando-a perceber que eu entendia.
— Você ainda não teve tempo para experimentar muito de
nossa aldeia. — disse Grexi após um longo silêncio. — Você
consideraria trabalhar comigo?
Sam piscou os olhos arregalados.
— Eu, uma curandeira?
— Sem pressa. Veja quais tarefas são importantes e para
quais você se sente atraída. Nossa aldeia é pequena, mas requer muito
trabalho para mantê-la segura e saudável. — disse Grexi.
Sam assentiu, ouvindo.
— Estamos todos conectados. Guerreiros e caçadores
matam, eles treinam juntos. Caçadores trazem carne para os
cozinheiros. Ambos retalham. Ambos descarnam. Eles trazem peles
para o curtume. Curtidores trabalham com agricultores para
pigmentos, para adstringentes, as esposas dos agricultores costuram o
trabalho do curtume em roupas e trazem comida para os cozinheiros.
Experimente a aldeia. Entenda nossos caminhos.
Depois de um momento, Sam respondeu.
— Eu vou.
— Lembre-se da minha oferta.
— Eu talvez faça isso.
Grexi franziu a testa para ela.
— Depende de algumas coisas. Você está aberta a pontos
de vista diferentes? — Sam rebateu.
— Eu poderia estar... — Grexi evitou uma resposta direta.
— Deveríamos conversar. Você sabe sobre micróbios?
Bactérias? A vida invisível ao nosso redor?
Grexi ficou em silêncio.
— Já ouvi falar dessa vida invisível. Claro, eu não tenho
provas disso. Poderíamos falar sobre isso, se estiver relacionado à cura.
— Então vou considerar sua oferta seriamente. — disse
Sam. Ela se virou para sair, mas parou ao lado da maca. — Cuide bem
de sua curandeira, Jannik.
— Espere.
Ela parou, olhando para mim.
— Fique um minuto. Por favor.
Grexi resmungou, me lançando um olhar que prometia
vingança se eu me intrometesse com sua quase-aprendiz.
Sam hesitou, então sentou ao meu lado, cruzando as
pernas. O olhar que ela me deu era igual ao de Grexi - parte
impaciência, parte compreensão, parte aviso.
Tentei sorrir.
Ela fez uma careta.
— Não sou sua babá, Jannik.
— Eu sei. Sua presença me acalma. Torna mais fácil ignorar
a dor.
Sua expressão se suavizou por um breve segundo. Estendi
a mão em sua direção, buscando em seus olhos qualquer indício de
que ela reconhecia nossa canção do coração. Eu precisava ser
estratégico, furtivo. Essas coisas normalmente eram decididas muito
antes da caçada, uma fêmea escolhendo quem ela "permitiria" capturá-
la.
Eu precisava começar a cortejá-la agora.
— É uma honra ser aprendiz de Grexi. — eu disse. — Você
era uma curandeira em seu próprio mundo?
Ainda com seu olhar cauteloso e impenetrável, mas ela
assentiu.
— Mais ou menos.
— Isso é bom. Precisamos de você aqui. Teríamos muita
sorte se você escolhesse ficar. — Suavizei minha voz, acariciando
levemente com o polegar o dorso de sua mão. Ela ainda não se afastou,
o que me deu esperanças. Um macho estúpido pressionaria essa
vantagem; eu permaneci firme. — Um macho seria afortunado em tê-
la como sua. Uma parceira forte e uma companheira bonita.
— Jannik...
Agora ela começou a se afastar, e eu apertei sua mão para
lembrá-la de que, embora eu estivesse deitado de costas, eu não era
fraco. Eu era forte o suficiente para protegê-la. Geralmente.
— Você não encontra nada digno em mim? Eu cuidaria de
você, Sam. Eu ficaria orgulhoso de ser seu caçador, seu protetor. — Eu
abaixei minha voz para uma carícia profunda. — Você poderia usar de
mim da maneira que desejasse.
Ela suspirou, desviando o olhar, um rubor cor de pôr do sol
surgindo em suas bochechas. Eu a encarei, extasiado.
— Não é que não haja motivos para querer ficar aqui. —
ela disse finalmente. Ouvi pacientemente, filtrando suas palavras em
busca de pistas sobre sua mente e coração. Pistas sobre minha presa.
— É apenas que também há motivos para não ficar.
— Diga-me o que posso fazer para te convencer. Diga-me
do que você precisa.
Sam olhou para mim novamente, sua expressão marcada
por linhas teimosas.
— Este não é o meu lar, Jannik. Isso não era o que eu
pretendia. Meu irmão... — ela parou de falar, olhando para baixo para
as nossas mãos entrelaçadas. — Se eu ficar aqui, vou perdê-lo.
— Eu entendo.
E eu entendia. Não era algo insignificante que ela teria que
enfrentar, a perda de seu povo, da vida que ela havia imaginado para
si mesma.
Eu não estava convencido de que ela encontraria um
caminho de volta às estrelas, mas isso quase nem importava. O que
importava era que seu coração e sua mente talvez estivessem sempre
nas estrelas.
Eu precisava puxá-los para baixo, para o chão comigo.
Eu precisava lhe dar uma razão para lutar por mim tanto
quanto ela lutava por seu futuro que se evaporava.
— Não quero que você desista da sua família. — Peguei a
mão dela novamente e ela não se afastou. — Se fosse meu irmão, eu
também lutaria por ele. — Dessa vez, puxei sua mão para frente,
levando-a ao meu rosto para que sua palma acariciasse minha
bochecha.
Segurando seu olhar, virei minha cabeça para que meus
lábios pressionassem suavemente a palma de sua mão. Outro macho
talvez provasse a pele dela, mas eu sentia a aceleração de seu coração
em seu pulso, via a resistência e hesitação em seus olhos, e sabia que
era melhor não pressionar mais.
Ainda não.
Após o beijo gentil, virei a cabeça para olhá-la novamente.
— Não posso dizer que você não encontrará um caminho de
volta para o seu irmão. Não sou tão sábio. Mas enquanto você estiver
aqui, pode ficar contente em permanecer conosco? Comigo?
Ela me observou, seus olhos sérios.
— E quando chegar a hora, você seria capaz de me deixar
partir? — Ela sorriu, uma curva triste nos lábios, como se já soubesse
a resposta.
Ambos já sabíamos a resposta, mas eu não era tolo o
suficiente para dizê-la em voz alta.
Quando chegasse a hora, não. Não, eu não a deixaria partir.
Mas, até lá, eu estava determinado a fazer com que ela não
quisesse partir.
Falamos pouco depois disso. Eu não tinha mentido; sua
presença era reconfortante e eu estava satisfeito em deixá-la pensar.
Se eu me esforçasse demais, qualquer progresso que tivesse feito
desmoronaria.
Depois de algum tempo, Grexi entrou, parando para nos
encarar com olhos perspicazes. Ela cruzou os braços sobre o peito,
lançando-me um olhar furioso por algum motivo.
Sam olhou para ela e depois se levantou.
— Obrigado por ficar comigo. — eu disse, olhando para
cima para ela.
Ela assentiu.
Eu a observei sair, sua forma recortada na porta iluminada
antes de desaparecer.
— Acha que pode cansá-la? — Grexi disse.
— Não sei se quero que minha companheira seja aprendiz
de curandeira. — eu disse.
— Se você não ouvir e acabar aleijado, nunca a conquistará
como companheira. — disse Grexi.
Eu não disse nada.
Desde que a Garota Crepúsculo caiu do céu, minha
intenção era capturá-la, e conquistar seu coração.
Grexi sabia que eu ouvia a canção do coração de Sam.
Eu não gostava que ela usasse isso contra mim.
Mesmo que fosse para o meu próprio bem.
24 - SAMANTHA

Cathy inclinou a cabeça para trás e soltou um belo arroto,


expressando sua satisfação com a refeição da manhã da maneira mais
básica possível. Peguei uma folha larga carregada com carnes,
tubérculos e frutas e me juntei às outras mulheres, reunidas em uma
área de rochas atrás das cabanas.
Felizmente, quase tudo isso eram coisas que já tínhamos
comido antes. Toda vez que algo novo era apresentado, eu dava uma
pequena mordida, deixando a comida repousar na língua, esperando
por um sabor amargo ou ácido.
Não era realmente a melhor maneira de testar venenos, mas
como mais iríamos descobrir o que podíamos ou não comer em um
planeta alienígena?
E bem, se alguém morresse, seria eu, já que eu era a pessoa
encarregada de provar os alimentos "não aprovados".
Jeannie se aproximou, esfregando os olhos, seguida pelas
gêmeas cinzentas.
Os amigos de Jannik ficaram juntos a certa distância. Eles
nos observavam, mas não se aproximavam.
— Acho que gostaria de me juntar aos ceramistas. — disse
Jeannie. — Há uma séria falta de utensílios de barro nesta aldeia. Não
é prático comer ensopado em uma grande folha.
Jeannie se sentou em uma pedra com sua própria refeição.
— Você também deve comer a folha, Cathy.
Cathy deu uma mordida experimental. Com uma expressão
surpresa, ela mastigou como uma lagarta. Ou qualquer outra coisa que
tomasse o lugar de lagartas neste planeta.
O pensamento passou pela minha mente: os ceramistas se
conectavam aos cozinheiros, e aos cultivadores de pomares para obter
argila...
Shorena recebeu sua folha de café da manhã. Ela chamou
minha atenção e fez um sinal com a cabeça.
Eu a segui para o outro lado das rochas, longe de ouvidos
curiosos.
— Você estava procurando um espaçoporto. — disse
Shorena, sentando-se em uma pedra.
Não adiantava negar. Deixei claro o que sentia sobre ficar.
— Eles poderiam ter a tecnologia. Pelo menos, quem vivia
nessas cidades tinha. Mais do que tínhamos na Terra. Talvez essas
pessoas tenham sido viajantes espaciais, um dia.
Shorena mastigou por um tempo.
— A questão é: como saberíamos onde essas outras ruínas
podem estar? Não sei quanto a você, mas de repente sei o que são
jaroors e que as frutas brancas te deixam chapado. Mas não sei nada
sobre uma civilização perdida.
Pensei na minha conversa com a curandeira.
— Não tenho certeza se eles próprios sabem o que
aconteceu nessas cidades.
— Me disseram que eles querem que nós nos assimilemos,
escolhamos um emprego. Mas o que diabos uma mecânica de sucata
vai fazer em um planeta que não inventou a roda? — ela disse.
— Construtora? — Eu disse. — Não vi ninguém construindo
- mas essas cabanas, elas não surgiram do chão. Elas precisam ser
mantidas. Aqueles garotos montaram um trenó rapidinho.
Ela comeu mais comida da folha.
— Teremos que dar uma olhada.
— Acho que posso ter uma oportunidade. — eu disse.
— Como? — Shorena perguntou.
— Eu poderia ser uma curandeira. A idosa conhece bem as
ruínas. Como aprendiz dela, eu poderia aprender sobre as cidades. Ela
pega suprimentos, medicamentos, de lá.
— E manipula nossos tradutores. — Shorena assentiu. —
Chame do que quiser, é tecnologia.
— Tecnologia leva a viagens espaciais...
— Se conseguirmos encontrar um jeito de sair deste mundo
de florestas, pode contar comigo. Máquinas são minha praia. Reparos,
construção, ajustes, veículos, nada que este planeta esteja preparado.
— disse ela. — Os outros - eles não estavam esperando nada melhor
do que este lugar, esses caçadores e agricultores. Eu estava esperando
pelo menos algo comparável a casa. Comprada como esposa ou não, eu
quero algum conforto. Essas pessoas dormem no chão, pelo amor de
Deus.
— Um construtor pode ter uma desculpa para visitar as
ruínas. — eu disse.
Ela assentiu.
— Vamos ver o que está disponível. Mas precisamos
acelerar isso. Agora mesmo, sem um homem alto, sombrio e heroico te
seguindo o tempo todo, você pode observar este lugar sem ser notada.
Mas tenho a sensação de que assim que Jannik descobrir que você
realmente tem um plano para sair deste mundo...
Entendi.
— Ele vai voltar a me carregar por toda parte.
— Ele definitivamente vai te manter por perto.
— O que vocês estão fazendo, se esgueirando por trás das
rochas? — Lilstra apareceu. — Não que eu não aprove.
— Falando sobre trabalho. — disse Shorena. Não era
mentira.
— Nunca fui de trabalhar. Eu estava esperando por um
marido que me alimentasse, me deixasse feliz e preguiçosa. — disse a
felina. Ela deu de ombros. — Espero que me acaricie regularmente.
Eu poderia contar com Lilstra em nosso plano de fuga?
Confiar nela parecia uma má ideia. Mas quando chegasse a hora...
— Você provavelmente poderia se juntar aos caçadores. —
sugeriu Shorena. — Uma garota como você seria natural nisso.
— Entrar para o clube dos meninos? Hmm. — disse Lilstra.
— Deixar esses meninos envergonhados, quero dizer. —
disse Shorena. — Não ouvi nada sobre papéis atribuídos por gênero.
Por que eles não iriam querer a melhor caçadora disponível?
— Nunca achei os homens razoáveis. — disse Lilstra. —
Desejáveis, sim, razoáveis, não. E depois tem essa ideia de um único
companheiro. Acho isso completamente irracional.
Cada vez mais, parecia provável que a mulher-felina se
juntasse ao meu plano de fuga, mas eu não podia revelar isso a ela
ainda. Talvez se encontrássemos uma nave, alguma maneira de
realmente deixar o planeta, eu a informaria.
— Espero que haja carne no café da manhã. — disse
Lilstra, indo em direção às panelas. — Essa garota não se sustenta
apenas com raízes e bagas.
Shorena a observou partir. Lilstra tinha orelhas grandes.
Será que ela ouvia tão bem quanto um gato?
— Acho que ela iria conosco, se chegasse a isso. E as irmãs
cinzentas?
— Sua cultura parece bem diferente, então elas podem não
se encaixar aqui. Talvez eu esteja completamente enganada, mas
parecia que as cinco irmãs planejavam se casar com um único homem?
— Sim, eu meio que peguei essa vibe. — disse Shorena. —
Gostaria de ter tido mais educação sobre culturas alienígenas na
escola. A GGA parecia estar nos alimentando com colherinhas, nos
manipulando desde jovens.
— Você foi à escola? — Perguntei. — O que eu não daria...
Shorena riu.
— Ah, não sei. Você não me parece uma garota que aceita
as coisas pelo valor declarado. Me parece que a Aliança apenas nos
ensinou o que eles queriam que soubéssemos.
— Gostaria de conseguir convencer Lizzie e Cathy. Mas as
duas são tão fatalistas.
— Provavelmente conseguiríamos convencer Jeannie. —
disse Shorena. — Ela pode ver o lado bom de tudo, mas mesmo ela
teria que admitir que as coisas seriam melhores de volta à civilização.
Aquilo era tão verdade que tive que rir.
— Vamos dar um passeio. — Shorena enxugou as mãos na
pedra e se levantou. — Quero ver como a outra metade vive.
Eu a segui.
— O que você quer dizer?
— Testemunhamos a vida de solteiro. Todo mundo se reúne
para as refeições, cabana das garotas, cabana dos garotos. Eu quero
dar uma olhada nos casais casados. Nos acasalados, digamos assim.
— ela disse.
Quando passamos pela aldeia, Takka e Adak nos
observaram, mas não nos seguiram.
E pelas olhadas de Cathy e Lizzie, tive a sensação de que
todos estavam flertando. O que eu perdi no café da manhã enquanto
conspirava com Shorena?
Um caminho serpenteava entre as árvores protetoras. A
cabana da curandeira ficava mais fundo na linha das árvores. Além
dela, havia um corte na montanha com um caminho sinuoso feito de
algum material triturado.
Ao chegar ao fundo, percebi que era um leito de rio seco,
com milhares de esqueletos espalhados pelo solo.
— Espinhas de peixe. — eu disse. — Algo como peixe. —
— Talvez a Estação Seca os tenha deixado presos. — disse
Shorena. — E então os Dratum usaram os ossos para construir o
caminho.
Olhei ao longo do corte. Parecia raso para um leito de rio,
sem pedras revestindo o fundo. Estranho. Não foi uma subida árdua
até o outro lado, mas quando chegamos ao topo, tudo mudou.
Não havia grandes cabanas, nenhum lugar central para
comer. Dezenas de pequenos abrigos espalhados dentro e fora da
floresta. Árvores cuidadosamente gerenciadas estavam na encosta.
Campos em terraços espaçados entre os bosques como enormes
quintais.
As pessoas já estavam ocupadas. Em um quintal, um couro
enorme estava esticado entre galhos, e um homem e um menino
raspavam nele, polindo-o até ficar liso.
Em uma porta, outro homem e mulher se beijavam, com a
mão dele repousando na barriga grávida dela.
Mais distante, uma mulher trabalhava em um tear
enquanto uma menina costurava uma peça de couro.
Alguns acenaram enquanto passávamos. Notei que uma
mulher e um menino saíram de uma cabana perto da tecelã. O menino
sentou-se no chão com uma cesta. De lá, ele tirou dois fios de cores
diferentes. Com um pedaço de pau na outra mão, ele juntou os fios,
enrolando-os. Sua mãe tinha um bastão que parecia um cotonete
gigante e na outra mão havia um fuso. Ela beliscou a penugem,
torcendo, enrolando-a com a outra mão.
— Agora, essas pessoas poderiam usar uma roda. — disse
Shorena — Uma roda de fiar.
Do lado de fora das cabanas próximas, homens e mulheres
trabalhavam em fogueiras, fervendo água com pedras quentes,
adicionando ingredientes à sua poção. Alguns lavaram a penugem,
outros tingiram.
— Essas cabanas fazem parte de uma comunidade têxtil.
— eu disse lentamente, pensando nisso. Olhando ao redor, parecia que
os curtumes estavam ao lado. Um homem carregava uma cesta do
pomar. Talvez uma fruta ou noz usada para tingir?
— Oh, pequeninos! — Shorena juntou as mãos. — Tão fofo!
Havia muitas delas, quase todos meninos. Eles brincavam
de um jogo entre esconde-esconde e pega-pega. Vi uma menininha
pegar um graveto esculpido enquanto os meninos cobriam os olhos.
Ela correu para o pomar mais próximo. Depois de entoarem uma
canção por um tempo, os meninos se levantaram e a perseguiram.
— Essas crianças são tão adoráveis. — suspirou Shorena.
Odiava admitir, mas ela estava meio certa.
Não fique muito maternal, lembrei a mim mesma. Não vamos
ficar aqui por muito tempo.
25 - JANNIK

Flutuava.
A única maneira de escapar da agonia, da coceira, dos
venenos correndo pelo meu sangue era a Postura do Rastreador.
Concentrando-me em minha respiração, olhos fechados, eu
buscava a luz interior, a escuridão exterior.
Na floresta, no meio da noite, ela ampliava meus sentidos.
Ao mesmo tempo, me tornava imperceptível para a minha
presa.
Inspire. Expire. A dor fazia parecer que levava uma
eternidade para alcançar um estado de calma.
Em algum momento, minha mente pessoal se desconectou.
O mundo natural me envolveu, permeou cada respiração minha.
Sentindo a atividade ao meu redor, os afazeres da aldeia,
deixei minha mente vagar. Logo, minha consciência se movia em
direção à natureza selvagem.
Canções dos pássaros e gritos dos planadores, o ronco de
um espreitador nas moitas, vibrações de um rebanho de herbívoros em
movimento, o balançar dos galhos, sombras do alto, olhos brilhantes
nas tocas profundas e frescas...
Um com a natureza selvagem, tracei as trilhas dos animais.
Guardei os caminhos amplos do meu povo.
Persegui com os predadores, me escondi com as presas.
Dor, desconforto, eu mesmo, tudo se tornou distante,
indetectável.
Nesse estado de êxtase, suportei.
Por uma eternidade, permaneci assim.
Até que a canção do coração me trouxe de volta. Mesmo
nesse estado insensível e flutuante, senti a presença da Garota
Crepúsculo se aproximando.
Ao som de sua voz, fui me aproximando da consciência.
Não. Relaxe. Respire.
Desapareça na onisciência. Mergulhe no esquecimento.
Ela gentilmente tocou meu braço. A canção do coração,
aumentando, preenchendo o vazio que eu havia criado.
— Ele está bem? — Sam perguntou.
— Em estado de caçador. — respondeu Grexi. — Isso é
bom. Eu não aguentava mais ouvir suas reclamações.
— Mas ele parece…
— Ele está em um transe profundo, mais profundo do que
o sono. É curativo. E você? Estudou nossos caminhos? O que você
acha, Sam?
— Parece tudo tão... — Ela pausou por um longo tempo. —
Idílico. Pacífico.
Grexi bufou.
— Não por muito tempo. Tenho observado as estrelas. Em
breve, a aldeia se renderá ao caos. Iremos migrar para o Vale ao Norte.
A jornada nunca é organizada, não importa o quanto planejemos. — A
curandeira suspirou. — O chefe, Suvo, pai de Jannik, não acreditará
em mim. Ele não confia nas mensagens dos céus.
— Se acontece todo ano... — Sam começou.
— Não. — Grexi a interrompeu, e mesmo em meu estado
distante, eu conseguia imaginar o movimento brusco de suas mãos. —
O início da Estação das Trevas não é regular. Sinais dela aparecem, o
comprimento do pelo do jaroor, o florescer de bagas brancas, o
desaparecimento dos cascos, dos voadores, dos planadores da floresta.
Mas pode ser previsto pelas estrelas. Quando a constelação dos
jaroores acasalando se apaga, a nova estação está próxima.
Seguiu-se uma longa pausa. Eu só tinha certeza da
presença de Sam, nada mais. Sua voz baixa finalmente me alcançou.
— Você conhece as estrelas. — disse ela.
Grexi fez um grunhido de confirmação.
— Eu sei que você vem de uma estrela, alguns de suas
companheiras de outras.
— Minha estrela é amarela, não vermelha como a sua. —
Sam admitiu. — Mas eu gostaria de saber o que mais você entende
sobre elas.
— Você considerou minha oferta? Você seria minha
aprendiz? Ou algum outro dever necessário chamou você? — Grexi
perguntou. — Como minha aprendiz, eu te ensinaria tudo o que sei.
— Eu sei primeiros socorros. Imobilização de ossos,
bandagens, suturas quando estive desesperada. Mas os métodos de
cura do meu povo, nossas práticas de cura, são mais parecidos com o
que é encontrado nas ruínas. Poções. Medicamentos. — disse Sam.
— Há pouco que eu sei dos Antigos costumes, embora
valorize o conhecimento.
Mesmo com minha canção do coração forte diante de mim,
eu flutuava novamente.
Quanto tempo flutuei, não sabia.
Mais uma vez, a sensação de sua presença me trouxe mais
perto do reino da vigília.
— Já vi homens treinando. — minha canção do coração
disse. — Vocês estão se preparando para a guerra?
— Para a viagem ao norte. — respondeu a curandeira. —
Outras tribos se encontrarão no Vale. Algumas serão amigáveis. Outras
não. Se não forem, lutaremos pelo direito de viver lá.
— E se vocês perderem? — Sam perguntou.
Uma longa pausa se seguiu. Finalmente, uma resposta
relutante.
— Aqueles que lutamos e vencemos não foram mais
ouvidos.
— O Vale é importante.
— Compartilharemos com outras tribos. Mulheres serão
trocadas. Nossas aldeias são pequenas. Precisamos de estrangeiros.
— Vocês têm cuidado para evitar a endogamia7. — Eu
apenas vagamente entendia o termo. A voz de Sam se tornou sombria.
— E nós todos somos estrangeiras.
— As trocas são consensuais, como é nosso costume. Em
sua maioria.
— O que você não está me dizendo? — A voz de Sam ficou
séria. — Isso parece um lugar perfeito, um Éden.
Um nome de lugar? Eu não sabia.
— Em três dias, o conselho se reunirá. Você será
formalmente convidada a se juntar, a solicitar um aprendizado com
nossos líderes de guilda. E...

7 Quando as pessoas se casam dentro do mesmo grupo, família ou


comunidade.
Depois de um longo silêncio, a voz de Sam ficou intensa.
— E o quê?
— Você aprenderá o que significa ser um de nós.
Verdadeiramente um de nós. — disse Grexi. — Como eu disse, damos
as boas-vindas aos estrangeiros. No entanto, um estrangeiro deve
aceitar voluntariamente nossos costumes. Todos eles.
Lutei para voltar.
Meu tempo na Posição do Caçador havia sido longo. Assim
como ficar absolutamente imóvel por muito tempo, eu demorei para me
mover novamente.
— Sam... — Minha própria voz serviu para me despertar
ainda mais, mas o caminho de volta era longo.
26 - SAMANTHA

Jannik abriu os olhos e me encarou com um olhar que me


faria dar um passo para trás se ele não estivesse atualmente tão fraco
quanto um gatinho.
Mas de repente eu não estava tão certa disso.
Ele piscou, ocultando seus olhos e a intensidade diminuiu.
— Sam. — ele disse novamente, sua voz um estrondo suave.
— Sua cabeça está nas nuvens.
Eu comecei a me enrijecer, mas percebi que ele não quis
dizer isso da maneira que soou.
Ele ergueu um pouco o olhar, encarando meus pés.
— Mas seus pés estão no chão comigo. — Jannik ergueu os
olhos. — Quando sua cabeça e seus pés estiverem de acordo, você será
minha.
Obviamente, essa coisa de meditação guerreira promovia
delírio. Ou talvez poesia realmente ruim.
Sua expressão enquanto me olhava, séria e quase infantil
apesar da graça guerreira e da musculatura, me fez suspirar e me
aproximar, ajoelhando na frente dele. Tentei imitar sua pose com o
mínimo de sucesso.
— Grexi diz que é um transe. Um transe de cura.
Ele assentiu.
— Isso traz clareza. Mas eu não preciso de clareza para ver
o que está na minha frente, Sam.
— Isso implica que você acha que eu preciso.
— Eu acho — ele disse, me encarando com olhos pacientes
— que se você está tão ocupada olhando para a colina distante, não vai
ver a raiz aos seus pés até tropeçar nela.
Eu levantei uma mão.
— Acho que entendi essa. E nesse ponto já é tarde demais,
certo? Porque a raiz vai te devorar.
Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso, embora
seu olhar permanecesse solene.
— Algumas raízes te devoram. — Sua expressão se aqueceu.
— Algumas raízes te devoram quando você se enreda nelas. Elas
agarram seu coração e o amarram em videiras vivas, criando uma
armadilha da qual você nunca quer escapar.
— De repente, acho que não estamos mais falando de
perspectiva comparativa. — eu disse, minha voz seca.
— Você é minha raiz, Sam.
Poesia realmente ruim, mas meu coração doeu um pouco
mesmo assim, porque ele estava tentando.
— Do tipo que você tropeça ou do tipo que te devora vivo?
— Perguntei.
Sua expressão mudou novamente, e eu fiquei ligeiramente
tensa, algum instinto reconhecendo a emoção sutil que atravessou seu
rosto.
— Você poderia me devorar por inteiro e eu não diria uma
palavra de reclamação. Eu não lutaria.
Eu olhei para ele.
— Sabe, de onde venho, o processo de cortejo geralmente
não envolve comparar uma garota com uma planta carnívora. Mas acho
que talvez é uma coisa que funcione.
Jannik levantou a mão de repente, e eu quase dei um salto,
assustada. Ele não deveria estar fraco como um recém-nascido? Ele
não parecia fraco, não da maneira como equilibrava seu corpo no
agachamento, não da maneira como sua palma seca acariciava minha
bochecha, os dedos pressionando suavemente contra minha pele. E
agora minhas coxas começavam a sentir a tensão, mas ele estava assim
há horas e parecia tão desconfortável quanto se estivesse deitado em
travesseiros.
— Se não for do seu gosto, Sam. — ele disse, e não havia
como confundir o sussurro suave e sugestivo em sua voz — então
sempre posso sentir seu gosto.
Congelei, procurando algo inteligente para dizer, mas não
tinha nada. Minha mente ficou em branco.
A mão que acariciava minha bochecha deslizou lentamente
para trás do meu pescoço e puxou para frente. Com delicadeza
suficiente para que eu pudesse me soltar se quisesse, mas ainda assim
insistente.
Mudei de posição e fiquei de joelhos, caso contrário,
simplesmente cairia.
E deixei que ele continuasse a trazer meu rosto em direção
ao dele.
— Eu poderia provar você. — ele disse novamente, a voz
suave, profunda, o olhar nos olhos não mais sábio e sereno, mas quente
e promissor. — Você seria toda a comida que eu preciso.
Ainda assim, ele não se mexeu nem um músculo, exceto
pelos dedos que seguravam a parte de trás do meu pescoço e a boca
que se movia quando ele falava.
Mas agora ele inclinou a cabeça, abaixou-a, os olhos ainda
nos meus como se estivesse avaliando minha resposta.
— Você poderia me provar. —sussurrei, meu coração
batendo rápido, uma borboleta familiar se contorcendo profundamente
em meu âmago.
Quanto tempo havia se passado desde que alguém me
olhara daquela maneira? Desde quando alguém insistiu que valia a
pena lutar com garras e dentes por mim?
Seus lábios cobriram os meus. Eles eram macios, roçando
levemente, sua língua lambendo ao longo do meu lábio inferior para
pedir entrada.
Eu exalei, um leve arrepio percorrendo meu corpo porque
não havia apenas desejo entre nós, mas a tensão de uma necessidade
repentinamente reconhecida.
E a pressão de seus dedos em meu pescoço aumentou, a
pressão de seus lábios nos meus abriu minha boca e sua língua
mergulhou para dentro.
Ele mantinha completo controle, seu movimento tranquilo
e ritmado, mostrando-me que seria um amante paciente e atencioso.
Que ele me caçaria, mas esperaria que eu também viesse
até ele.
Eu deixei que ele me beijasse, e o beijei de volta e soube que
era um erro. Um erro, e uma revelação. Seu beijo parecia o começo de
um novo lar.
Me afastei suavemente, olhando para o chão.
— Jannik. . .
— Você tem gosto de sol. — ele murmurou — e como cem
sóis caminhando juntos sob o sol. Não vou deixar você ir, Sam. Eu sei
o que tenho diante de mim.
27 - JANNIK

Quando abri os olhos novamente, a cabana da curandeira


estava escura.
Quanto tempo havia se passado desde nossa jornada até a
cidade em ruínas, eu não sabia, mas a pulsação em minha perna, a
coceira profunda e inalcançável, haviam diminuído.
Ambas as fêmeas estavam ao lado da cama elevada.
— Ele esteve desacordado por dias. Água. — disse Grexi.
Sam desapareceu na escuridão e voltou com o odre.
Desta vez, eu alegremente bebi o líquido, esvaziando o odre
antes de ofegar por ar.
— Devo buscar mais? — Sam perguntou.
Estendendo a mão, segurei seu pulso. Havia força
novamente em meu aperto. Não toda a minha força, mas o suficiente.
— Fique.
Ela pareceu incerta, olhando para Grexi.
— O que quer que aconteça, eu juro sob a dor e tortura dos
três infernos que vou protegê-la. — eu disse.
Sua incerteza cresceu.
— Não preciso de proteção, Jannik.
— Se você aprendeu algo sobre nossas terras, deveria saber
que todos nós precisamos de proteção. Você. Eu. Grexi. Todos nós. É
um lugar bom, pacífico, farto, mas também perigoso. Eu daria minha
vida pela sua. Outro já disse isso a você?
A incerteza se transformou em confusão.
Grexi estava perto dela, sem falar.
Sam não encontrou meus olhos.
— Você não lhe contou sobre nossos costumes de
acasalamento? — Exigi.
— Na reunião do conselho...
— Se ela não conhece nossos costumes, é seu dever
prepará-la. Assim como você preparou ela e suas companheiras sobre
os trabalhos da aldeia. — A raiva me impulsionou a me levantar.
— Você não está pronto para andar, Jannik. — disse Grexi.
Ela me empurrou firmemente de volta para a cama pelos ombros.
— Diga a ela. Diga a todas o que elas enfrentam. — eu disse.
Longe de estar completamente curado, Grexi rapidamente
me colocou de volta na cama.
— Descanse, Jannik. — A curandeira me encarou. —
Descanse, se você quiser estar pronto para a caçada. Em três dias o
conselho se reunirá. Três dias.
Sua voz continha uma ameaça.
Uma sutil.
Se o conselho se reunisse em três dias, não demoraria
muito para que as três luas se levantassem juntas.
Uma lua de caçador.
Não seria a presa habitual que os caçadores estavam atrás.
Se eu não estivesse preparado, não estivesse
completamente curado...
— Não cabe a nós falar sobre isso. — disse Grexi. — É do
seu pai... do chefe.
— Meu pai é um idiota mal-educado.
Grexi deu um passo para trás.
— Ele é seu chefe, Jannik.
— O que vocês dois estão escondendo de mim? — Sam
disse.
— Você entenderá. Quando o conselho se reunir. — disse
Grexi. Ela olhou para mim. — E não antes.
28 - SAMANTHA

— Não faço ideia do que eles têm planejado para nós. —


Todas nós, mulheres de fora do mundo, nos preparávamos para dormir
na cabana das mulheres.
— Talvez você devesse relaxar sobre isso. — disse Jeannie
— Eles vão nos contar. Podemos dizer sim ou não. É assim que eles
fazem as coisas.
Lizzie pôs a mão no meu braço.
— Existem lugares bem piores onde poderíamos ter
acabado. Esse mundo é primitivo, mas ainda tem suas vantagens. Os
Dratum trabalham juntos melhor do que qualquer povo que já ouvi
falar.
— Ela está certa. — disse Lilstra. — Quando disse que
estava pensando em me juntar aos caçadores, ninguém me questionou.
Acho que outras tribos têm caçadoras.
— Podemos escolher nossos trabalhos. — disse Jeannie. —
Não precisamos fazer algo que nos entedia. Isso é uma grande
vantagem para mim. Qual é o seu problema? Eu não entendo.
Lá fora, ouvíamos os cantos e grunhidos rítmicos dos
guerreiros em treinamento.
— Eles não estão nos dando a explicação completa sobre o
que significa se juntar à sua tribo. — Apertei a mandíbula e respirei
lentamente. Descontar minha frustração nas outras não convenceria
ninguém. — Tudo parece um pouco perfeito demais. Muito tranquilo.
O que eles não estão nos contando?
— Em qual trabalho você vai se juntar, Samantha? —
perguntou Cathy.
— A curandeira me pediu para ser sua aprendiz. — eu
disse.
— Ah, ótima escolha. Uma carreira na área médica. —disse
Jeannie.
Catherine sorriu.
— Isso deve te atrair. Você está sempre muito preocupada
com o resto de nós.
— Por todo o bem que isso me faz. Há algo sinistro por
baixo de toda essa camaradagem aqui, mas nenhuma de vocês vai me
ouvir.
— Sinistro? — Lizzie disse. — Dramática, hein?
Mesmo estando meio fora de si, Jannik havia tentado me
alertar sobre algo.
Por que Grexi, minha suposta mentora futura, não o deixou
falar sobre isso, eu não conseguia dizer. Minha confiança nela diminuía
a cada momento de seu silêncio.
O som dos guerreiros se dispersando e passando pela nossa
cabana chegou até nós.
— Por que de repente há soldados na clareira? — uma das
irmãs cinzentas perguntou.
A outra disse:
— Com quem eles lutariam? Não há mais ninguém que
tenhamos visto.
Eu balancei minha cabeça.
— Eles estão se preparando para o conflito. Há um lugar
para onde se mudam quando a Estação Seca termina. Vale do Refúgio.
Me disseram que às vezes há outros grupos com o mesmo plano. Nem
sempre querem compartilhar.
Cathy levou um dedo aos lábios.
— Isso, eles vão te contar. Obviamente, isso pode nos deixar
em dúvida. Podemos estar caminhando para uma guerra. Mas você
acha que há algo mais que eles não nos contam?
Eu assenti.
— Eu sei disso. É disso que estou falando. A curandeira nos
deu todo esse conhecimento sobre este mundo, mas ainda há algo
faltando.
— Ainda estou processando isso. — Jeannie admitiu. —
Meu cérebro parece quase cheio demais de informações.
— Eu também. Não se preocupe com isso. — disse Cathy.
— Prossiga.
— O que eles estariam escondendo? — Eu disse. —Tudo foi
revelado para nós. Ainda assim, há um segredo. Não foi transmitido
por aquele dispositivo seja lá o que for. Não consigo fazer a curandeira
ou Jannik falar.
Lizzie estava deitada em sua cama.
— Sabe, Sam, vamos ter que atravessar essa ponte quando
chegarmos lá.
— Ou queimá-la. — disse Cathy.
Lilstra se encolheu em posição fetal em sua cama com o
rabo sobre os olhos.
— Alguém apague as lamparinas.
Jeannie andou ao redor, apagando as chamas.
— Que trabalho você quer, Shorena? — ela perguntou.
— Construtora.
Cathy se espreguiçou, puxando seu cobertor de tecido.
— Não vi nenhum construtor.
— Eles não são uma guilda oficial. Por anos, as tribos têm
diminuído em população. Não houve necessidade de construir, apenas
de reparar. Mas eu tenho algumas milhões de melhorias para fazer na
aldeia. Um pequeno avanço em sua tecnologia. — disse Shorena.
— Devemos interferir nisso? — perguntou Cathy.
— Não sei quanto a você, mas se vou viver aqui, vou
contribuir. Não estamos falando de bombas atômicas aqui, apenas
tornando máquinas simples um pouco mais complexas. — Shorena se
preparou para a noite. — O que há de errado em ser mais confortável,
mais próspero?
Ela não conseguia me ver franzir a testa para ela. Será que
ela estava pensando em ficar aqui por um longo tempo?
Ou talvez ela não quisesse revelar seus planos, meus
planos. Não até que houvesse uma escolha viável para nós.
Os gritos noturnos pairavam no ar. Estranhos, mas cada
vez mais familiares aos meus ouvidos à medida que o tempo passava.
Eu não queria me acostumar com os sons. O rústico não me atraía. Eu
fui criada nele. Eu ansiava pelo som de uma cidade em movimento,
uma civilização desinteressada em caçar e migrar.
A GGA havia prometido isso em seu material promocional.
Torne-se uma noiva, junte-se a um mundo novo próspero de invenção
e tecnologia inimagináveis.
Este planeta representava um retrocesso para mim, e isso
dizia muito.
Algumas pessoas podem sonhar com uma vida simples,
vivendo da terra, com a tranquilidade da natureza selvagem. Essas
pessoas não sabiam o quanto uma vida assim era difícil.
Nenhuma das minhas companheiras entendia isso.
Estranhamente, a pessoa que chegou mais perto, Shorena,
era uma garota da cidade. Sua sobrevivência em uma área urbana
devastada e arruinada, buscando e se virando como podia, era
semelhante à minha vida anterior. Talvez seja por isso que ela fosse a
única disposta a arriscar em um lugar melhor.
De certa forma, eu esperava que o anúncio, o segredo que
os habitantes locais guardavam, fosse um tapa na cara. Um alerta.
Eu meio que esperava que fosse chocante. Inaceitável.
Será que isso faria as outras mulheres se juntarem a mim,
fazendo-as entender que isso não era seguro?
Ao mesmo tempo, todas nós estávamos presas aqui por
enquanto.
Se fosse uma questão de se render ou morrer? Eu não lutei
contra piratas, contra armas longas, contra as formas de vida mortais
aqui à toa.
Eu realmente não queria morrer.
Um medo se infiltrou em mim enquanto eu tentava dormir.
À beira do inconsciente, um pensamento se infiltrou em minha mente.
Nem mesmo parecia ser meu.
Uma fome, mas não física. Ao mesmo tempo, soava como
música. Eu não pude deixar de me esforçar para ouvi-la melhor.
Quando o fiz, parecia mais distante.
Relaxando, senti a sensação me envolver novamente. Um
som assombrado, indefinível; semelhante a um sino, mas mais suave.
Acompanhando-o, havia imagens turvas, lutando para se tornarem
claras.
Um rosto. Próximo ao meu. Vago e desfocado. Tentar dormir
o fazia vir mais nitidamente à minha mente. Ele só ficava visível se eu
não me concentrasse.
Levantei-me de repente. O rosto. Eu o conhecia. A música...
tão familiar, como a trilha sonora de um sonho.
Jannik. Não o caçador carrancudo e irritado, mas o homem
curioso, ponderado e vulnerável que se revelou lentamente para mim.
Assustada, tanto a aparição quanto a doce música distante
desapareceram.
Será que eu estava pensando nele porque temia o que em
breve seria revelado para nós? Apesar de todos os perigos pelos quais
eu havia passado, ele havia sido meu salvador. Será que agora eu
estava me agarrando a isso?
Ou seria algo mais?
Olhando ao redor da cabana escura, mal consegui
distinguir minhas companheiras. Cada uma respirava profundamente
enquanto dormia, sem saber do meu estranho episódio.
Acalmando-me novamente, pensei diretamente no homem
alienígena rude e obsessivo. Mesmo que eu negasse, até para mim
mesma, eu sentia atração por ele. Mais do que por qualquer outro
homem que eu havia conhecido.
Por quê? Ele era um caçador primitivo em um planeta
selvagem.
Talvez isso fosse bom para fantasias, mas minha vida não
era uma fantasia. Era uma luta, triunfos, fracassos e sobrevivência.
Talvez minha vida não tenha sido ideal, mas era minha.
Minha vida não tinha espaço para um herói grosseiramente
bonito, musculoso e aventureiro.
As coisas simplesmente não funcionavam assim.
Nesta vida, você precisava cuidar de si mesma, cuidar dos
outros. Depender de algum herói viril e competente não fazia parte
dessa equação.
29 - JANNIK

— Você está fedendo, Jannik.


Abri os olhos para a luz brilhante do sol e a expressão
sombria de Grexi.
— Isso é uma maneira de me dar permissão para ir ao rio?
— Considere isso uma ordem da sua curandeira. — ela
disse, se afastando.
Ela havia substituído a tala em minha perna por uma
braçadeira de couro. Não era muito diferente de uma caneleira, exceto
que envolvia a extremidade do meu pé.
Levantei-me.
Tinha se passado um tempo.
Músculos se esforçaram com a atividade não familiar.
E sim, eu cheirava muito mal.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Dez sóis. — disse Grexi. — Incluindo este amanhecer.
Dez sóis?
Imaginando em que tipo de confusão meu grupo de caça
estava, me ergui da cama alta.
A dor disparou na minha lesão, mas não tão angustiante
como antes.
— Pegue sua bengala. — disse Grexi.
Não respondi, apenas saí pela porta.
Não planejava voltar.
— Aqui. — ela chamou.
Me virei quando ela jogou um objeto para mim.
— Sabão. — disse ela. — Sua canção do coração tem uma
obsessão por limpeza.
— Ela tem?
— Nós conversamos desde que você foi nocauteado.
Às vezes, era difícil dizer se a curandeira estava do meu lado
ou não.
O banho era uma atividade noturna, feita depois que o sol
aquecia os riachos. Eu conhecia um lugar onde a água corria rasa por
muitas marchas antes de encher um buraco fundo.
Mas água quente ou fria, meu próprio cheiro me deixava
tonto.
Músculos se alongavam e relaxavam enquanto eu
caminhava, tentando evitar mancar com a perna ferida.
Com a aldeia ocupada com suas tarefas matinais, ninguém
me veria, de qualquer forma; eu não pareceria fraco.
Rapidamente percebi que estava caminhando mais do que
deveria em minha primeira saída da cabana da curandeira. Um local
mais próximo teria sido suficiente para esse primeiro banho. Ainda
assim, insisti com minha perna dolorida.
Talvez a bengala fosse necessária.
Os telhados das cabanas desapareceram. Finalmente,
peguei a trilha até o rio, apenas para ser quase derrotado pelo barranco
íngreme.
Minhas roupas estavam rígidas - de suor, de sangue, de
dias de uso. Não me despi, apenas entrei na água, apenas pausando
para deixar minha cinta de couro na margem.
A água estava suficientemente quente até eu mergulhar nas
profundezas. Afundando, o frio me picava enquanto eu submergia.
Saindo, usei o sabão, primeiro nas minhas roupas e depois as deixei
secar na margem.
Ensaboando-me, mergulhei novamente. Depois, um teste
de cheiro seguido de mais sabão e outro mergulho.
Chega. Eu estava tremendo.
Vozes chegaram a mim enquanto eu saía do rio, penteando
o cabelo do rosto com os dedos.
Reunidas na margem acima estavam as fêmeas que caíram
do céu. Incluindo Sam.
Sentindo seus olhares enquanto eu pegava minhas roupas,
segui para a cabana dos homens. Certamente eu tinha roupas limpas
lá, ou pelo menos secas.
Pela primeira vez, sua conversa interminável havia cessado
em um silêncio tenso.
Subi o barranco, entrei nas árvores, tentando ao máximo
não mancar. Indo em direção à cabana, me perguntei onde estavam
minhas botas.
Vozes chegaram a mim enquanto eu passava.
— Você viu aquilo?
— E essa água é fria!
— Isso pode deixar uma garota muito feliz.
As fêmeas voltaram a tagarelar. Entrei na cabana e vi Adak,
Takka e o garoto, Fennak, lá dentro.
— Acredito que as fêmeas estrangeiras estão falando sobre
o seu pênis, Jannik. — disse Adak.
Olhei para baixo. Eu era um homem. Eu tinha um pênis.
Não parecia ser algo tão especial para causar tamanha
comoção.
Abanando a cabeça confuso, entreguei minhas roupas
molhadas para o garoto.
— Pendure isso para mim.
— Pensei que você tivesse dito que a perna dele estava
quebrada. — Takka disse a Fennak.
— Estava. — disse ele, balançando a cabeça solenemente.
— Eu vi.
— Grexi cuidou de mim. Ainda estou dolorido.
— Pensamos que você ficaria parado por luas. — disse
Adak. — Acho que não haverá mais motivo para nos exercitarmos com
os guerreiros.
Abrindo meu travesseiro, procurei por roupas, encontrando
uma camisa seca. Cheirei-a. Era minha única outra camisa, então teria
que servir. Vesti meu kilt, afivelando-o com o cinto.
Adak também cheirou o ar.
— O que é isso?
Eu joguei para ele a bola pálida.
— Sabão.
Takka riu alto.
— Sabão?
— As estrangeiras gostam de limpeza, pelo que ouvi.
A expressão de Takka se tornou séria. Ele arrancou o sabão
das mãos de Adak e o guardou no bolso.
— Continuaremos os exercícios com os guerreiros. —
decidi. — Não sou alguém que lê as estrelas, mas a Estação das Trevas
logo estará sobre nós. Já faz muitos anos desde que tivemos que lutar
por Vale do Refúgio, mas não ousamos estar menos do que totalmente
preparados.
— Tem certeza, Jannik? Gitak lidera o grupo de guerra.
Assenti.
— Isso é o que o filho do líder de guerra faz.
— E você está em condições para os exercícios? Você parece
fraco como um jaroor recém-nascido.
— Obrigado por notar, Adak. — eu disse entredentes. —
Estou machucado, mas não o suficiente para ficar parado por mais
tempo.
Takka nos deu um olhar ilegível.
— Se não precisa de mim, tenho algo para resolver.
— Vá. — eu disse.
Quando ele estava fora de alcance auditivo, Adak se
aproximou mais.
— Ele vai tomar banho.
— Como você sabe?
— Ele está muito atraído por uma das estrangeiras. A cor
de ouro.
Procurei em minha memória, ainda um pouco confuso do
transe.
— Lizzie — Ela estava perto de Sam.
— Assim que as fêmeas souberem dos costumes, acredito
que ele a caçará. E a conquistará.
Olhei para Adak, mantendo-me em silêncio.
— Só porque você está interessado em outra. — Ele
arrastou os pés.
— Há algo que você queira me dizer, Adak?
— Não. — Ele baixou a cabeça. Arrastou o pé na poeira.
— O que é? — eu lati.
Meu amigo soltou um longo suspiro.
— O conselho se reunirá hoje à noite. Assim que as fêmeas
souberem - bem, uma lua de caça segue-se em apenas alguns sóis.
— Entendo isso. Por que você está agindo tão
estranhamente?
Ele deu uma olhada na minha perna.
— Pense nisso, Jannik. Existe a chance de que a sua Garota
Crepúsculo fuja como presa. Você não está em condições para uma
caçada. Não acho que você conseguiria...
Adak se sobressaltou com a minha risada.
Seu rosto caiu.
— Eu não entendo.
— Garota Crepúsculo, Sam, é a menos propensa a se
juntar. Talvez nunca se junte. Eu conversei com ela, quando pude. Ela
não quer um companheiro. — Uma verdade fria passou por mim, algo
que mal admitia para mim mesmo. Mas para Adak, eu podia dizer as
palavras. — Às vezes, tenho a sensação de que ela não planeja ficar
nessas terras por muito tempo.
Ele piscou.
— Para onde mais ela iria?
Apontei para o céu.
Ele bufou.
— Certo.
Minha expressão não mudou.
— Como? — Adak perguntou.
— Ela veio do céu, Adak. Quem pode dizer que ela não
voltará?
Adak abriu as palmas das mãos.
— As leis da natureza?
— De alguma forma, não se aplicam a essas fêmeas. — eu
disse.
— Três infernos, Jannik. O que você faria se isso
acontecesse? — Sua voz baixou para um sussurro. — Ela canta para o
seu coração. Eu posso dizer.
Pensei por apenas um momento.
— Por enquanto, não vou me preocupar com isso. Ela não
vai fugir. Não vou ter que perseguir. Se algo em nossas terras fizer com
que ela mude de ideia, seus costumes, sua tola independência
obstinada - então ela vai correr. E ela será minha presa.
30 - SAMANTHA

O som do gongo de pedra ecoou, martelando nosso destino.


Não saber o que nos esperava tinha me mantido acordada à noite. Isso,
e as visitas de Jannik toda vez que eu caía no sono.
Mas eu não ia pensar nisso.
Olhei ao redor para os rostos solenes. Aparentemente, eu
finalmente assustei as outras garotas. Minha convicção em relação a
coisas imprevisíveis era forte o suficiente para fazê-las se preocupar.
Talvez eu fosse a tola, procurando por problemas que não
existiam.
De qualquer forma, era hora de descobrir.
Os moradores se reuniram, os casais e seus filhos se
aproximando do vale seco do rio. Aqueles sem parceiro também se
dirigiam à fogueira central a partir das cabanas maiores.
Os cinco Anciãos ficaram ao lado da fogueira, em silêncio.
Suvo, o chefe, o líder de guerra, Gattok, os guardiões Othik
e Vattim, e minha futura mentora Grexi permaneceram solenemente,
com as cabeças baixas.
Suvo levantou a cabeça, olhando para a distância até não
ver mais retardatários, ninguém chegando à fogueira, então fixou seu
olhar em nós.
— Os deuses nos abençoaram com fêmeas. — ele declarou.
— Esta noite, pedimos que elas se juntem à nossa tribo. Cada uma de
vocês escolheu suas tarefas e guildas desejadas?
Nós assentimos.
— Avancem, uma de cada vez, digam seus nomes e a guilda
que desejam ingressar. — disse Suvo.
Olhei para as outras. Eu estava no final da fila.
Dando um passo à frente, ergui minha voz.
— Sou Samantha Johnston. Sam. Escolhi me tornar
aprendiz de curandeira.
Houve um murmúrio entre os presentes. Não havia como
eu realmente saber, mas se eu tivesse que adivinhar, parecia positivo.
Ou talvez fosse apenas um pouco da esperança de Jeannie se
manifestando em mim.
Recuei e empurrei Lizzie para frente.
— Hum. Elizabeth Neal. Podem me chamar de Lizzie.
Desejo me tornar aprendiz de tecelã. — Corando, ela voltou para a
nossa fileira.
— Jeannie Wrendell. Gostaria de ser uma ceramista, por
favor.
Shorena deu um passo à frente e limpou a garganta.
— Sou Shorena Michaelson. Como não há uma guilda
específica para construtores, estou solicitando que uma seja criada.
Mais conversas entre os moradores. Talvez essa ideia já
tivesse sido levantada antes.
Lilstra deu um passo à frente.
— Eu sou... — Ela emitiu um ruído sibilante, estrangulado.
— Me chamem de Lilstra. Serei sua melhor caçadora.
As gêmeas cinzentas avançaram juntas.
— Eu sou… — como Lilstra, seu verdadeiro nome era um
som impronunciável. Ela não deu uma alternativa. Sua irmã fez o
mesmo.
— Pedimos para nos juntar aos pescadores. — disseram
juntas, e voltaram para a fila como se o movimento tivesse sido
coreografado.
— Catherine Roche. Cathy. Gostaria de ser uma curtideira.
— Realmente? — Eu disse.
Depois de me lançar um olhar irritado por cima do ombro,
Cathy respirou fundo.
— Bem, a parte das roupas, da costura. Não sou muito fã
da parte nojenta. Mas eu gosto de sapatos.
Um riso se seguiu. De alguma forma, eu não havia
percebido que essas pessoas tinham senso de humor.
Othik levantou a mão no mesmo gesto que Suvo.
— Se algum mestre de guilda, guardião ou mentor tiver
algum problema com a escolha da vocação, dê um passo à frente e fale.
Na verdade, foi outro ancião, irmão do chefe, quem falou.
— Esta fêmea que deseja caçar, dê um passo à frente. —
Gattok exigiu.
Lilstra caminhou alguns passos e ergueu o quadril.
— Nossos caçadores treinam como guerreiros, Lilstra. Em
tempos sombrios, somos obrigados a matar homens. — Ele piscou
algumas vezes. — Pessoas. Você estaria disposta a tirar uma vida
senciente?
Ela deu de ombros.
— Eu sou uma sobrevivente. Farei o que for necessário.
Achei que o líder de guerra ficou confuso com a resposta
dela. Ele olhou para a assembleia reunida.
— Mestres de Caça?
— Se ela pode caçar, todos nós podemos comer. — Ouvi a
voz profunda de Jannik, mas não consegui vê-lo.
— Ela parece ter talento natural. — disse outra voz.
Gattok franziu a testa, mas não disse mais nada.
Mais uma vez, Othik levantou a mão.
— Qualquer outro que questiona? Quem se opõe?
Quando ninguém respondeu, o chefe assentiu. Dessa vez,
ele não levantou a mão.
— Não ouço objeções. Mas há mais uma tradição a ser
seguida.
Aqui estava. O segredo.
Meu coração batia forte no peito, quase tão alto que abafava
as palavras seguintes.
— Como vocês viram, nossa população de fêmeas é muito
menor que a de machos. Dessa forma, cada uma de vocês é uma bênção
para nós.
Ok. Eu tinha visto. Todos nós tínhamos. Mas o que viria a
seguir?
— A Estação Seca está chegando ao fim e precisaremos nos
mudar para o Vale do Refúgio. Uma jornada perigosa, mas necessária.
Ela começará mais cedo do que gostaríamos, como ocorre no início de
cada Estação das Trevas.
Eu pisquei. O que isso tinha a ver conosco?
— O céu de onde vocês caíram pode não estar repleto de
tantas dificuldades e perigos. É da natureza dos Dratuns compartilhar
as adversidades, para que se tornem menos pesadas para cada um de
nós. Portanto, devemos nos apressar em iniciar nosso ritual mais
sagrado.
Isso não estava me deixando nem um pouco melhor.
— A Lua dos Caçadores estará sobre nós em questão de
dias. É durante esta noite que os pares são selecionados. Vocês devem
escolher aceitar nosso ritual ou nos deixar no exílio.
Eu estremeci.
Ser exilada neste planeta selvagem seria uma sentença de
morte. Entre os ambientes hostis da floresta e as criaturas carnívoras
que vagavam por aqui, nenhuma de nós duraria mais do que alguns
dias sozinha, nem mesmo Lilstra.
— Ou encontramos um marido ou somos jogadas na selva?
— Shorena sussurrou em meu ouvido. — Que tipo de escolha é essa?
Eu segurei a mão dela, em parte para fazê-la calar a boca.
Também porque de alguma forma eu sabia que isso iria piorar. Eu
sentia isso desde o momento em que pus os pés na aldeia.
Ao lançar olhares furtivos para as outras garotas humanas,
notei que elas não pareciam tão perturbadas quanto eu me sentia. De
certa forma, era para isso que tínhamos nos inscrito quando deixamos
a Terra.
Não pude deixar de me perguntar se ver meu perseguidor,
Jannik, nu havia despertado uma certa vontade de me submeter a esse
ritual. A breve visão que tive antes de me virar, com as bochechas em
chamas, definitivamente me mexeu.
Não havia como tanta bondade quanto os Dratuns nos
mostraram vir sem um preço cruel em contrapartida.
Na minha experiência, o universo não funcionava assim.
O chefe continuou.
— Ninguém será forçado. Esse não é o nosso caminho. Se
vocês recusarem, não as abandonaremos completamente. Quando as
tribos se encontrarem no Vale do Refúgio, vocês serão trocadas por
uma tribo com maridos mais adequados.
O que era melhor do que ser deixada para morrer na
floresta. No entanto, suas próximas palavras me gelaram por dentro.
— Ou nossa tribo as trocará por fêmeas que julgamos mais
adequadas. — Com isso, ele fixou o olhar em nós.
— Bem na hora em que achávamos que esses caras
achavam a gente o máximo. — Cathy sussurrou.
Eu não queria que nenhuma de nós ficasse presa a essas
pessoas, casadas com esses homens.
Depois de uma vida difícil, como eu poderia me submeter a
esses homens em um mundo ainda mais primordial e implacável?
Havia melhores mundos por aí, lugares mais gentis. Devia haver.
Mas me submeter a esse ritual, a esses poderosos homens
alienígenas, tinha um atrativo maior do que a gravidade.
Fechei os olhos. Eles não eram selvagens, embora
pudessem se tornar, cada um deles. Ainda podia sentir o cheiro de
sangue no ar quando Jannik me salvou, ouvir os gritos dos Moradores
da cidade enquanto ele os matava.
Mas a perseguição de Jannik a mim, embora agressiva,
havia sido contida. Seus beijos deixavam claro que ele me desejava,
mas ele estava disposto a esperar até que eu estivesse na mesma
página.
E, fisicamente, não havia dúvida de que eu estava lá. Esse
tipo de atração animal, mesmo em minha mente mais primorosa,
adequada e civilizada, ainda agia como uma sede. Havia apenas uma
maneira de saciá-la.
Será que meus companheiros sobreviventes poderiam
superar esse instinto primordial?
Será que eu poderia?
Mesmo uma pequena parte de mim ansiava por ser a
companheira protegida de um homem que sempre poderia me proteger,
que me quereria apenas a mim, com um foco ardente e apaixonado.
Será que toda mulher ocasionalmente, em seus desejos
mais profundos e obscuros, não ansiava por isso?
Mas a parte que me impulsionava sabia que eu tinha que
superar esse ritual bestial, deixar para trás esse planeta selvagem.
Havia uma vida melhor para mim, em algum lugar. Eu não
podia deixar de pensar nisso.
Mesmo que isso significasse virar as costas para o estranho
vínculo que crescia entre Jannik e eu.
Suvo se voltou para Vattim, o Guardião das Lendas. Com
uma pequena reverência, o homem levantou a mão no gesto de falar.
Desesperadamente, tentei afastar todos os meus
pensamentos turbulentos.
31 - JANNIK

— Podemos apenas prosseguir com a caçada? — Takka


disse em meu ouvido. — Uma daquelas estrelas caídas está me
deixando louco. Ela é dourada por toda parte? Eu a perseguiria, a
tomaria...
— As fêmeas devem ser feitas para entender. — eu disse.
— Cale a boca.
O guardião das lendas geralmente era um chato. Dessa vez,
sua história me fascinou.
Pela primeira vez, ela se aplicava a mim.
— Antigamente, nosso lar estava vazio. Os deuses invejosos
nos mantinham prisioneiros e escravos, homens e bestas. Foram as
bestas que encontraram o caminho para a liberdade. Em uma primeira
lua, elas viram sua chance quando tocou o chão. Elas escaparam de
suas jaulas no primeiro inferno, adentrando as profundezas da floresta.
— No segundo inferno, as mulheres viram como as bestas
escaparam. Por meio da astúcia e da cooperação, as armas e
ferramentas das fêmeas, elas encontraram seu caminho a partir do
segundo inferno. Quando a lua tocou a floresta, elas seguiram o rastro
das bestas. E estavam livres. Mas estavam sozinhas.
— No terceiro inferno, os homens estavam satisfeitos. Era
um lugar de caça, peixes, florestas. As mulheres chamariam por eles
quando a terceira lua tocasse o chão, desejando acabar com sua
solidão. No entanto, os homens estavam interessados apenas na
caçada.
— Minnak, Deusa da Floresta, elaborou um plano. Ela e
suas donzelas estudaram as bestas fugitivas em seu novo lar. Os
caminhos ocultos, os modos de espreitar, os modos de caçar. As
mulheres pegaram a pele mais bonita de uma besta com cascos, os
chifres de um mak-ik, o cheiro de um saltador-de-musgo e vestiram
Minnak.
— Neste vestido sedutor, a Deusa da Floresta deixou seu
domínio. No claro onde o terceiro inferno beijou o chão, ela se exibiu.
Dançou, cantou e se apresentou como uma presa irresistível e exótica.
Sua canção tocou profundamente os caçadores. Todos eles foram
atraídos por sua música. No entanto, sua lua era segura e abundante.
Minnak precisava liderá-los adiante e se lançou ao chão em submissão.
— Os caçadores do terceiro inferno a viram e desejaram.
Eles rastrearam da lua até a ampla clareira… — neste ponto, Vattim
acenou amplamente com a mão em direção a clareira inclinada fora da
aldeia.
Ele sempre foi o Homem do Show.
— Jakkim, Deus da Caça, correu atrás dela com abandono.
Seus cinco carregadores o seguiram relutantemente. Aqui estava uma
nova terra, farta, mas cheia de perigos. Jakkim estava excitado e não
podia ser dissuadido!
Adak sorriu ao meu lado.
— Cheia de perigos?
Dei uma cotovelada nele para que ficasse em silêncio.
Esta noite, a história me fascinou.
— As fêmeas sabiam que seu desejo devia crescer além de
toda razão e, portanto, prepararam armadilhas astutas. Jakkim, em
sua loucura cheia de sangue, caiu em todas elas, mas não desistiu da
caçada. Ferido e exausto, ele finalmente encurralou Minnak.
— A Deusa da Floresta fingiu se encolher diante deles. Mas,
quando Jakkim se aproximou para matá-la, ela jogou fora seu belo
manto, revelando-se. A sede de sangue se transformou em desejo por
uma fêmea. Jakkim largou sua lança de caça por sua arma de amor.
— Poético. — Adak murmurou.
— Quando os caçadores de Jakkim viram os dois unidos,
eles perseguiram as donzelas de Minnak, suas almas compelidas. Sem
armadilhas para interferir, eles encontraram as donzelas. Cada mulher
escolheu seu caçador, uma por uma, permitindo que os homens
tivessem seu caminho. Pois, em seu desejo, os caçadores sucumbiram
à canção do coração das donzelas, assim como as fêmeas se
entregaram a eles.
Canção do coração.
Até agora, tudo parecia apenas uma história para mim.
Agora era tudo em que eu conseguia pensar.
— Assim, unidos, os deuses e seus servos povoaram este
novo mundo. Cada par unido criou suas próprias tribos. A maior delas
é a nossa própria. Somos descendentes de Jakkim, o deus caçador, e
Minnak, a deusa das florestas.
— Muitas gerações se passaram. Vilarejos de pedra
surgiram e caíram. No entanto, mantemos a tradição da primeira
caçada por companheiras.
— O que nos traz ao agora.
Vattim abaixou a mão em sinal de fala. Ele fixou o olhar nas
fêmeas estrangeiras.
— Para se juntar à nossa tribo, todas vocês devem
concordar em serem caçadas.
Ao meu redor, os homens solteiros escutavam, prendendo
a respiração.
Poucas fêmeas nasciam nos dias de hoje.
O aparecimento de tantas ao mesmo tempo agitou cada um
de nós, independentemente do que expressássemos.
— Deixe-me ver se entendi.
Ouvi a voz da minha canção do coração. Com seu tom firme,
meu estômago afundou.
— Seremos perseguidas e atacadas por seis homens? Seis
homens que viveram suas vidas inteiras nesta floresta enquanto nós
acabamos de chegar?
Jeannie deu de ombros.
— Mal parece justo quando você coloca dessa forma.
— Seis homens são três a mais do que o meu limite. — disse
Lilstra. Ela coçou o pescoço. — Talvez poderia tentar com quatro...
— Não, vocês não entenderam. Seis irão persegui-las, mas
apenas um irá capturá-las. Os deuses guiam a caçada. Seu caçador
será o parceiro adequado para você. — disse Vattim.
— Então, já que somos oito, duas não serão capturadas. —
disse Cathy. — Essas duas têm a liberdade de seguir seu próprio
caminho?
— Vocês não serão perseguidas juntas, apenas uma de
vocês irá correr.
Minha canção do coração falou novamente.
— E se os caçadores não pegarem a mulher?
Ao meu redor, risadas surgiram. Era um pensamento
ridículo.
Nenhuma dessas fêmeas teria chance contra qualquer um
de nós em nossas florestas natais.
Certamente, escapar de todos os seis de nós era impossível.
— Caso a presa sobreviva, não capturada, até o amanhecer,
ela está livre para escolher seu próprio companheiro. — disse Vattim.
— E se ela escolher não ter um companheiro?
O quê?
Não. Não.
Eu temia isso, mas ouvir as palavras saindo de seus
próprios lábios doeu mais do que qualquer ferida.
Isso não podia ser verdade.
— Ela poderia escolher ser solteira e ainda assim não ser
exilada ou negociada com uma das outras tribos?
Vattim fez uma pausa, pensando nos anos de tradição sob
seu comando.
— É algo raro uma mulher evitar ser capturada. Mas não
é algo inédito. Caso isso aconteça, ela pode ser tanto membro da tribo
quanto uma mulher sem companheiro. — Ele ergueu os braços, dando
de ombros. — Mas por que qualquer fêmea desejaria isso?
Normalmente, é a fêmea que escolhe quem a captura.
— Blasfêmia. — Gattok disse por entre os dentes.
Vattim sorriu para ele.
— Blasfêmia talvez, mas também é a verdade. Quem pode
dizer como os deuses agem? As maiores armas de uma fêmea são sua
astúcia e flexibilidade.
Eu não queria ouvir mais nada disso.
Até o momento em que Sam falou, eu estava excitado com
o pensamento da conquista. De ter minha canção do coração.
Toda a conversa dela sobre escapar!
Minha raiva ardia, baixa em meu estômago.
— Em dois dias, o conselho se reunirá para ouvir a resposta
de vocês. — disse meu pai.
Sem querer ouvir mais, afastei-me o mais rápido que minha
perna em recuperação permitia.
Adak me alcançou, um testemunho de que eu ainda
precisava me curar.
— Todas elas vão concordar com isso. Não há outra escolha
real. — disse ele.
— Você não entende.
— Explique para mim.
— Eu ouço o canto do coração dela. — eu disse.
— Sim, eu percebi quando você nos arrastou pela floresta
para longe de uma presa.
— Ela não ouve a minha. — eu disse.
— Você não pode ter certeza disso. Ela não é um de nós.
Sam pode ouvi-la, mas talvez não entenda que vocês dois estão ligados.
Eu dei a ele um olhar severo.
— Ela perguntou se estava livre para não se acasalar caso
evite os caçadores. O que isso diz para você?
— Que ela não é uma de nós. — Adak disse novamente. —
Mas ninguém pode evitar a canção do coração. Nenhum homem ou
mulher, da terra ou do céu. Não pode acontecer.
— Mas se acontecesse. Não seria apenas o nosso fim. Seria
a minha morte.
— Você é tão dramático. — disse Adak. — A canção do
coração do meu irmão... ela... —
Seu rosto caiu, lembrando.
— Ele nunca acasalou, mas ainda assim o rasgou em dois.
Ele afastou minhas palavras com um gesto raivoso.
— Agora, você não tem com o que se preocupar. Ela é
contra a ideia de escolher um companheiro. Talvez uma das outras
mulheres se ofereça como presa primeiro. Talvez esperem até a Estação
das Trevas e o encontro das tribos.
— Talvez, talvez, talvez! — Eu disse. — Tudo está incerto.
Por que Sam precisa ser tão imprevisível? Tão irritante?
Tão perfeita.
— Vá descansar sua perna. Você está ficando rabugento.
— Adak disse e saiu pisando duro.
32 - SAMANTHA

— Você disse que haveria uma pegadinha. Que essa vida


idílica tinha um preço. — disse Lizzie. — Acho que você estava certa.
— De qualquer maneira, seríamos vendidas como noivas.
Por que você tem que fazer um drama disso, Samantha? — disse Cathy.
— Seis homens grandes, com tesão e musculosos, me
perseguindo. — Jeannie estremeceu. — Isso me faz sentir como um
animal sexy.
Dificilmente pensei em uma vida na natureza como idílica.
Talvez eu fosse vendida como noiva, mas ainda assim eu receberia o
meu preço. Quanto aos animais excitados e sexy...
Eu não queria pensar nisso.
O que estava se tornando cada vez mais difícil.
Especialmente depois do beijo de Jannik.
Seguimos para nossa cabana até que Lizzie parou
abruptamente.
— Caminhe comigo um pouco, Sam?
— Claro.
As outras nos olharam com curiosidade enquanto nos
afastávamos da floresta, subindo a clareira. Estávamos na metade do
caminho quando ela falou.
— Você é minha amiga, Sam. Desde o momento em que nos
conhecemos no transporte da GGA, nos demos bem. Você sabe o que
quer e vai atrás disso. Gosto disso em você.
Eu assenti.
— Nós nos aproximamos rapidamente.
— Meu palpite é que você tem algum plano maluco na
manga.
— Eu não...
— Ah, ah! — Ela levantou a mão. — Não quero saber,
provavelmente é melhor assim. Aqui está a questão. Não fique no
caminho da sua própria felicidade.
Apertei os olhos para ela, movendo-me desconfortavelmente
porque ela estava mais no ponto do que imaginava.
— O que isso deveria significar?
— Quero dizer que você tem algum objetivo em mente. Você
é o tipo de garota que vai atrás de seus objetivos. Mas às vezes, acho
que você persegue esses objetivos tão intensamente que ignora o que
está ao seu redor.
Eu fiz uma careta.
— Essa não seria a primeira vez que me acusam disso.
Lizzie riu e por um momento, senti um peso sendo aliviado.
— Garota! — ela disse.
— Você quer que eu olhe para esse planeta de uma
perspectiva diferente. — eu disse. Preferencialmente, uma perspectiva
que não tivesse nada a ver com minha libido traidora.
— Isso pode ser um começo. — Chegamos ao lado oposto
da clareira, a floresta no topo da colina. — Apenas ouça por um minuto
e pense no que estou dizendo.
Levantei a mão.
— Cuidado, há uma planta ali na frente que quase me
comeu. — E, é claro, lembrar da planta carnívora me fez recordar quem
me resgatou - e o que aconteceu depois.
E depois, na cabana.
A sedução gentil e determinada de Jannik, ainda mais
inebriante por causa da compreensão que sustenta suas palavras. Ele
não queria me mudar, nem fazer com que eu abandonasse meu irmão.
Ele queria que eu decidisse que viver minha vida para mim mesma
também era importante.
Ele poderia ter pressionado, poderia ter me manipulado.
Droga, mais alguns beijos e eu provavelmente seria maleável. Mas... ele
fez o suficiente para me mostrar como poderia ser, e então recuou para
que eu pudesse tomar minha própria decisão.
Enquanto estávamos paradas, ouvi as videiras com tesão -
droga, espinhosas - se debaterem na vegetação rasteira.
— Boa decisão. — disse Lizzie. — Ser pega por aquela coisa
não parece divertido.
Suspirei.
— Vá em frente. Me convença.
— Isso não é da minha conta. Você terá que se convencer.
Aqui está a questão. Neste mundo, temos uma vantagem. Sabemos
sobre tecnologia mais avançada, de muitas maneiras diferentes.
Concordei.
— Estou convencendo Shorena a reinventar a roda.
— Exatamente. Nenhum de nós é erudita, mas vivemos
vidas mais fáceis do que essas pessoas. Talvez elas estejam dispostas
a ouvir nossas ideias, tornar este mundo mais confortável. Não estou
falando de replicadores de matéria aqui. Cadeiras. Encanamento
interno. Talvez uma roda d'água. Não seria preciso muito para tornar
este mundo nosso. Para nós, para nossos filhos. Um bom lugar.
Ela olhou profundamente nos meus olhos enquanto falava.
Ela queria fazer um lar aqui. Queria que eu fizesse o mesmo.
Eu entendia esse anseio. Uma parte crescente de mim o
sentia, imaginava como seria uma vida com Jannik. Era limpo aqui.
Selvagem, mas não indomável. Como meu... caramba. Não.
— Você também tem um homem interessado em você. —
disse ela.
Eu não poderia vencer.
— Jannik.
— E, goste ou não, você também está interessada nele.
Você tem tentado esconder isso de nós. Mas você o visitava na cabana
de Grexi todos os dias por semanas. — Ela sorriu. — Você se importa
com ele.
— Gosto dele, admito. Ele é meio atraente. Mas ele é o cara
para sempre? Um alienígena? Aqui? — Evitei o olhar dela. Talvez eu
conseguisse parecer indiferente, mas meus olhos revelariam minha
agitação.
Lizzie revirou os olhos.
— Você é tão... você.
— Ah, vamos, pare!
— Pense nisso dessa forma. Se você tivesse conhecido um
cara como Jannik quando estávamos na Terra, você teria entregado
sua vida aos corretores de noivas? — A expressão de Lizzie tornou-se
intensa.
— Isso não é justo, Elizabeth. Não existem caras como
Jannik na Terra.
— Não seja evasiva. — disse ela.
Mas eu estava falando sério. Não existiam caras como ele
na Terra, o que o tornava ainda mais atraente. Jannik, alto, forte e...
outras características físicas positivas. Assertivo, mas não insistente.
Confiante, mas não arrogante. Disposto a ir atrás do que ele queria -
eu - enquanto respeitava meus limites.
Um unicórnio.
Não era como se eu não entendesse o que eu tinha diante
de mim.
Do lado negativo, ele era sombrio, taciturno, autoritário.
Mas ele podia ser doce. Havia um aspecto vulnerável nele. Uma
vulnerabilidade fortemente guardada, com certeza.
Se nos conhecêssemos em algum outro mundo, eu...?
Claro que sim. Não querê-lo não era realmente o problema.
Era o mundo, a dificuldade inerente.
Era o meu irmão. Minha promessa para minha mãe de
cuidar dele. Será que eu realmente poderia virar as costas às minhas
responsabilidades, apenas por causa de um homem, não importando o
quão perfeito ele fosse?
— Droga, Lizzie, não tenho certeza.
Ela deu de ombros.
— Isso é justo. Mas algumas das meninas têm certeza. Elas
estão prontas para se comprometer com este mundo. Até você ter
absoluta certeza, de um jeito ou de outro, não deveria tentar nos
manipular. Deixe esse processo se desenrolar naturalmente.
— Caçar um companheiro como presa é meio natural? —
Eu argumentei.
— Ah, você está fazendo isso de novo. Eu entendo, você
está pensando que é para o nosso próprio bem. Mas, no final, cada uma
de nós vai tomar sua própria decisão.
— Já se decidiu, Elizabeth? — Perguntei. Caminhamos
novamente, desta vez em direção à floresta. Mantive os olhos abertos
para a videira agressiva sob as duas árvores do céu.
— Estou tentando conhecer Takka. Às vezes, ele é meio
idiota. Mas também tem algo atraente nele.
— Com todo esse esquema de caça de companheiro, não
há garantia de que ele te pegaria. Poderia acabar sendo algum
alienígena rechonchudo e vesgo com espinhas azuis.
— Calada! — Ela riu. — Quem pode dizer que eu não vou
pular em cima do Takka quando o vir me caçando?
— Nós não somos caçadoras, Lizzie. Lembre-se disso.
— Ok. Eu vou. Mas você lembre-se disso. Tenho quase
certeza de que a maioria das meninas poderia ser feliz neste planeta,
com essas pessoas. Companheiras e mamães, trabalhando em um
ofício que elas gostam.
Eu assenti.
— Vou lembrar disso. Mas deixe-me te perguntar uma
coisa. Se eu tivesse um plano infalível para nos levar de volta à GGA,
para voltarmos ao plano original e, esperançosamente, acabar em
algum lugar civilizado, você iria comigo?
Estava perguntando a ela ou a mim mesma?
Ela olhou para a escuridão entre as árvores por um tempo.
— Infalível? Gostaria de ouvir isso. Mas sim, claro. Este
lugar é bom o suficiente, mas há espaço na minha visão para algum
lugar melhor.
— Isso é tudo que eu queria saber. — eu disse.
Me aproximei das enormes árvores do céu. Seus troncos
eram tão grossos que nem eu nem Lizzie conseguíamos envolvê-los com
os braços. À sombra dos galhos, vi movimento. Lembrei de Jannik
enfiando um galho quebrado na planta assassina. De alguma forma,
ela havia arrancado à estaca do coração e voltado a caçar.
— Isso é uma videira espinhosa? — Lizzie perguntou ao
meu lado.
— Jannik me salvou dela. Eu pensei que fosse perder um
pé.
Ela balançou a cabeça.
— Não entendo por que vocês dois ainda não estão juntos.
Ele te salvou dessa planta assassina aqui, dos macacos-monstros. Com
que frequência você vai encontrar um herói de verdade? Um cara que
literalmente colocaria sua vida em perigo por você? Porra, isso é sexy.
Era muito sexy, mas eu não queria ir por esse caminho.
Enquanto eu ainda estava indecisa, eu seguiria com o plano
original. Essa era a promessa que fiz a mim mesma. Eu tinha que estar
completamente comprometida. Nesse momento, eu estava obcecada
por outra ideia. Um plano. As videiras espinhosas se agitavam em
busca de uma presa invisível.
— Vamos sair daqui antes que nos pegue. — disse Lizzie.
— Lembro de todas as marcas e arranhões em você. Eca.
Tinha sido uma recuperação dolorosa e com coceira. Nós
nos afastamos de suas gavinhas e voltamos para a clareira.
— Você realmente ficaria bem, acasalada com um desses
Dratum? Criando os filhotes dele? Sentada em um tear pelo resto da
vida? — Perguntei.
— Mesmo quando você coloca dessa maneira, sim. Com
certeza. É o tipo de vida com que eu sempre sonhei, na verdade.
Suspirei. Havia algo aconchegante naquele pensamento.
Juntas, cruzamos a clareira e entramos na floresta ao redor da nossa
cabana. Ela me fez pensar muito. Até demais. Duvidava que eu
conseguisse pegar no sono tão cedo.
Principalmente quando tinha outras coisas em mente.
Talvez um plano que pudesse me manter do lado de fora, cuidando das
minhas amigas, mas ainda fazendo parte dessa tribo.
33 - JANNIK

Acordei para enviar o grupo de caça pré-amanhecer, mas


minha perna me manteve na cabana. Estava cicatrizando, mas doía.
Andar por aí não estava fazendo bem. Correr faria menos bem ainda.
Assisti ao grupo desaparecer na floresta escura.
Fennak foi com eles, sua primeira caçada. Eu deveria estar
lá com ele.
Em vez disso, cuidei da minha perna. O lugar onde o osso
rasgou minha carne tinha se curado completamente. Apenas uma
cicatriz quase invisível permanecia.
A magia da curandeira.
Por baixo, o osso latejava com uma dor constante, como o
chamado dos animais na floresta. Ouvidos, mas nem sempre
obedecidos.
Eu deveria me sentir com sorte. A poção que Grexi me deu
acelerou a cicatrização do meu osso da canela. Uma fratura tão séria
deveria ter me deixado fora da caçada por muitas luas.
Mas a magia de cura dela só podia me levar até certo ponto.
Eu precisava deixar o tempo terminar o trabalho, independentemente
da minha inquietação. Se eu não me curasse corretamente, seria
menos que inútil para a tribo.
Um fardo, mais uma boca para alimentar.
Inútil para minha Garota Crepúsculo.
Nunca permitiria isso, mesmo que fosse contra a minha
natureza ficar parado.
Para minha surpresa, uma sombra caiu sobre a porta da
cabana dos homens.
A curandeira.
— Você não voltou. — ela disse.
— Estou me virando. — eu disse.
— Precisamos conversar. — Ela gesticulou com a bengala.
— Coloque sua greva ou use sua bengala.
Amarrei a greva comprida no lugar. Ela oferecia algum
conforto, algum apoio, e então segui a mulher idosa.
Andamos por um longo tempo sem falar, enquanto ela me
levava pelos leitos secos do riacho até as cabanas dos acasalados.
Então, continuamos até onde os ceramistas trabalhavam,
onde Jeannie, uma das amigas de Sam, estava sentada com três
fêmeas, conversando e rindo. Ela sorriu e acenou, depois voltou às suas
tarefas.
Grexi seguiu em frente até onde dois homens estavam
cavando um buraco no barro.
— O banho de camuflagem. — eu disse.
— Os caçadores escolhidos tomarão banho aqui na noite
da caçada. Bobagem, na verdade. Essas novas fêmeas não têm visão
noturna. — disse Grexi. — Mas os rituais precisam ser seguidos.
O buraco seria preenchido com água.
Os caçadores se cobririam de lama.
Era para furtividade, para passarem despercebidos na
floresta.
Grexi ficou olhando os machos cavarem por um tempo.
— Por que você me trouxe aqui? — Eu disse.
— Para prepará-lo.
Desviei o olhar, lutando para ter paciência. Ela falaria no
seu próprio tempo. Grexi nunca se deixava apressar.
Os homens continuaram a cavar. O sol subia no céu,
aquecendo o dia.
— Ela ouve a canção do coração?
— Acredito que sim, mas não sabe o que isso significa.
— Hum.
Mais espera. Será que ela esperava que eu fizesse mais
perguntas?
Não o faria.
— Quando a caçada por uma companheira tomar conta de
você, você não estará em seu juízo perfeito. — disse ela.
— Foi o que ouvi.
— Mas você deve estar.
Que controle eu teria? Nunca cacei uma companheira
antes.
— Ela correrá como uma presa, sua Garota Crepúsculo.
Eu dei a ela um olhar penetrante.
— Ela seria a última a correr.
— Concordo. Se ela fosse previsível. Há algo que ela planeja
para evitar o acasalamento. Não sei como.
— Você acha que ela vai fugir quando a Lua do Caçador
estiver alta?
— Acho.
— Mas…
— Você ainda está machucado, sim, não está no seu estado
mais rápido. Essa é parte da razão pela qual ela vai correr. Ninguém
está mais interessado em se unir a ela do que você. E só um tolo
mandaria um homem ferido para uma caçada por uma companheira.
Olhei para o sol nascente.
— Não acredito em você.
— Quando acontecer, o que você planeja fazer?
Sentindo seu olhar, não consegui encarar seus olhos.
Pois eu não tinha resposta.
Ela me deixou ali, encarando o buraco de barro. Os
caçadores se cobririam, cobririam uns aos outros antes de perseguir
nossa presa.
Nossa presa?
Um sentimento de afundamento me dominou.
De alguma forma, eu sabia que a curandeira estava certa.
Minha Garota Crepúsculo fugiria.
Machucado como eu estava, eu não tinha esperança de
caçá-la e capturá-la.
Devagar, com a mente acelerada, voltei para a cabana dos
homens. Deitei-me em minha esteira. Focava na minha respiração.
Sem a distração da dor, entrei rapidamente no
Agachamento do Perseguidor. Não pensava em nada. Não sabia de
nada. Por horas permaneci assim.
Os caçadores voltaram, triunfantes. Eu não me levantei. No
estado de cura, permaneci até que um som singular me tirou do
profundo vazio.
O som da pedra.
Os anciãos se preparavam para se encontrar e eu precisava
estar lá. Se o que Grexi previa se tornasse realidade...
Minha perna ainda doía, mas o transe tinha feito seu
trabalho, permitindo-me curar.
Eu poderia fazer isso.
Eu teria que fazer isso.
Aproximei-me da reunião pela retaguarda, permanecendo
nas sombras. Um por um, os anciãos chegaram à fogueira crepitante,
as estrangeiras chegando não muito depois.
Sam olhava diretamente para mim, embora eu
permanecesse nas sombras. Sim, ela podia ouvir minha canção do
coração.
Mas ela queria ouvir?
Todos os aldeões se reuniram. Essa era uma notícia
importante para toda a comunidade. Muito mais interessante do que
os assuntos habituais do conselho.
Antes mesmo de a reunião começar, Sam deu um passo à
frente.
— Se eu correr, as outras terão que correr também?
Meu pai, sempre rigoroso com a tradição, conseguiu
responder.
— Você vai correr sozinha.
Eu podia ver os músculos tensos de seu pescoço enquanto
ela erguia o queixo.
— Então, eu vou correr como presa de companheiro. — ela
disse.
Claro.
Condene-me aos três infernos.
Com um sorriso, meu pai acenou com a cabeça.
— Então que os caçadores sejam escolhidos.
Grexi aproximou-se do fogo.
— A presa será Sam, uma mulher do céu. Quem você
recomendaria para caçá-la?
— Meu filho é maior de idade. — disse o guardião da lenda.
— Meu filho, Arrak, deve caçar uma companheira.
Arrak?
O homem magro se aproximou dos anciãos. Ele não era um
caçador, nem um guerreiro. Como seu pai, ele guardava as histórias do
povo.
Ainda assim, todo homem precisava de uma companheira.
— Eu caçarei Sam. — disse ele. — E a tornarei minha
companheira.
No fundo, o calor da raiva se agitou, mas permaneceu nas
sombras.
— Meu filho é maior de idade! — " disse um homem na
multidão reunida. Ele empurrou um jovem, que reconheci tardiamente
como um dos companheiros de cabana de Gitak. — Meu filho, Krenek,
vai caçar sua companheira.
Eu nunca tinha enfrentado Krenek, mas ele era um
agricultor, seus movimentos eram suaves e lentos. Mesmo ferido, eu
poderia ultrapassá-lo em velocidade, vencê-lo em uma luta.
— Meu filho é maior de idade!
Desta vez, meu estômago se revirou. Meu tio, Gattok, estava
apresentando Gitak.
— Meu filho, Gitak, vai caçar sua companheira!
O pensamento do líder guerreiro com a minha Garota
Crepúsculo despertou uma raiva flamejante.
— Eu caçarei Sam e a farei minha companheira. — Gitak
sorriu.
Não, você não vai, pensei. Eu morreria primeiro.
Apertando os dentes, suportei o restante das nomeações.
— Meu aluno, Tamak, está em idade. Ele caçará sua
companheira! —Othik, Guardião da Memória, chamou um homem para
a fogueira.
Até agora, apenas Gitak provaria ser um desafio. Um
desafio apenas por causa da minha lesão.
Quatro foram escolhidos. Olhei para o meu pai.
Seus olhos estavam no fogo.
— Suvo! — Grexi disse — O que diz você?
O silêncio se estendeu.
— Meu filho não está pronto para acasalar. — Ele não tirou
os olhos da chama.
Maldito seja! Minha mandíbula se contraiu com tanta força
que meus dentes doíam. Como ele se atrevia a não...
Uma mulher se abriu caminho pela multidão. Ela arrastava
um homem alto de ombros largos atrás dela. Pomares, pensei, mas não
conhecia bem todos na aldeia.
— Meu menino Beron é maior de idade! Ele vai caçar sua
companheira!
— Vou caçar minha companheira do céu. — disse Beron.
O quinto caçador.
Restava apenas um lugar.
Meus olhos percorreram rapidamente os aldeões reunidos.
Companheiras eram raras. Certamente, haveria outros que
queriam caçar. Será que minha chance com minha Garota Crepúsculo
já acabou?
— Meu paciente, Jannik, está em idade! — Para minha
surpresa, Grexi gritou.
— Mulher, cale a boca. — disse o pai.
— Ele caçará sua companheira. — disse Grexi. Ela encarou
um desafio nos olhos dos reunidos. — E ele vai capturá-la!
34 - SAMANTHA

— Sério, Sam!
Ignorei Lizzie. Os aldeões estavam escolhendo aqueles que
me caçariam. Nenhum deles me parecia capaz, exceto o jovem alto e
com expressão de arrogância que estava ao lado de um dos anciãos.
Gitak. Ao contrário dos outros, ele me encarava diretamente.
Uh oh.
— Por que você está fazendo isso? — Lizzie se aproximou
de mim. — Você não quer uma companheiro.
— Eu estou me tirando da disputa. — eu sussurrei.
— O quê?
O pai de Jannik era o chefe. Enquanto eu observava, ele se
afastou sem indicar seu próprio filho para o grupo de caçadores.
Então, para meu choque, a curandeira o fez.
Minha mentora.
Como ela pôde? Por que ela fez isso? Jannik ainda estava
muito machucado para caçar.
Olhei pela multidão para uma sombra entre as árvores. De
alguma forma, eu sabia que Jannik estava lá, observando de longe. Ele
provou que eu estava certa ao avançar com passos largos.
Como ele conseguiu esconder que mancava, eu não tinha
ideia.
Ainda assim, com o osso de Jannik curado, havia uma boa
chance de escapar dele assim como dos outros. Exceto o arrogante
Gitak. Eu não conhecia sua história, mas ao contrário dos outros, ele
parecia em excelente forma.
Sorte para mim que eu não contava com minha habilidade
física.
Jannik abriu caminho pela multidão para ficar na frente de
seu pai.
— Por quê? — foi a única palavra dele, tão baixa que quase
não ouvi.
Suvo não encarou os olhos de seu filho.
— Você não está pronto.
Jannik zombou e caminhou em minha direção.
— Por que você fez isso? — ele perguntou, com a voz
sussurrando ferozmente.
Cruzei os braços sobre o peito.
— Talvez eu tenha decidido que quero me juntar à aldeia.
Ele abaixou a cabeça, quase enfiando o nariz na minha
cara.
— Não foi por isso que você fez isso.
— Estou jogando pelas regras do seu povo, não as minhas.
Seus olhos se aqueceram lentamente, e um pequeno sorriso
se espalhou por seus lábios.
— Você acha que pode escapar de mim. Negar nossa canção
do coração. Acha que, por causa da minha perna, eu não posso caçar.
Eu lutava para não dizer nada. Se ele já estava desconfiado
de mim, e claramente estava, confirmar suas suspeitas só prejudicaria
minha estratégia.
Jannik baixou ainda mais a voz.
— Eu vou caçar você, Sam. E você será minha.
Com outro olhar intenso e feroz, ele se virou e desapareceu
na multidão.
Após um momento, o chefe respirou fundo e levantou a
mão.
— Amanhã, quando a primeira lua se refletir no lago de
barro, a caçada começará. A presa correrá. Ao nascer da terceira lua,
os caçadores seguirão. Assim seja.
— Assim seja. — respondeu a multidão.
— Eu não posso acreditar em você. — Elizabeth sussurrou.
— Ninguém te culparia. — disse Jeannie. — Jannik é um
gostoso.
— Claro, ele é um gostoso, mas quebrou a perna apenas
algumas semanas atrás. Como ele pode caçar? Agora você nunca
poderá ficar com ele. — disse Lizzie.
Não ficar com ninguém era o plano. Eu não podia admitir
para ninguém que agora não estava tão certa... mas, até estar, seria
como sempre.
Eu não disse nada, ainda abalada pela promessa nos olhos
de Jannik.
— Aagh! — Lizzie levantou as mãos como garras sobre a
cabeça e foi embora, frustrada.
Jeannie deu de ombros.
— Isso é meio idiota, Sam. Você pode acabar com aquele
outro cara, o filho do líder de guerra. Ele parece bem em forma.+
— É mesmo. — Shorena me fixou com olhos
perscrutadores. — Por quê?
Suspirei.
— A Estação Seca acaba em breve. Provavelmente antes da
próxima Lua do Caçador. O resto de vocês não precisará correr. Pelo
menos, não até depois de nos mudarmos. Isso nos dará mais tempo.
O que era verdade, mas apenas parte da minha razão.
Eu precisava que essa tribo sobrevivesse. O resto dos meus
planos não funcionaria se eu morresse de fome ou fosse devorada por
um predador. Eu também precisava da minha liberdade. Essa era a
única maneira de consegui-la.
Jannik não está tentando tirar sua liberdade, disse a parte
traidora da minha mente.
Não, ele só queria que eu fizesse o trabalho sujo por ele.
Dessa forma, eu nunca poderia dizer que ele me enganou ou me
seduziu para isso.
Ele era um maldito bom caçador.
E aposto que, quando chegasse a hora, seria realmente,
realmente sujo.
Me dei um tapa mental. Controle-se, garota.
Acima de nós, a luz da lua diminuiu e massas escuras se
agitaram, escurecendo a aldeia.
— Não vemos chuva desde que chegamos aqui. — disse
Cathy. — Estação Seca, certo?
Lilstra se abraçou.
— Está frio!
Enquanto caminhávamos em direção à cabana, fiquei ao
lado de Jeannie.
— Como é aquele lago de barro?
— Com menos de um metro e meio de profundidade. Talvez
uns cinco metros de diâmetro. Como uma grande banheira de
hidromassagem, e acho que é para isso que serve.
— Ah, sim?
— Sim, um grande banho de lama. Ritual, acho. Os caras
que te perseguem fazem isso primeiro. — disse Jeannie.
Ouvi passos atrás de mim.
— Camuflagem? — A voz de Shorena.
O Dratum tinha boa visão noturna. Ela se estendia além do
espectro visível para nós? O barro pode bloquear isso.
— Você ouviu mais alguma coisa sobre a caçada de
companheiros?
— Haverá tambores de pele. Os construtores estão
fazendo-os. — disse Shorena.
— Um banquete pela manhã. — disse Lilstra. — Os
caçadores derrubaram animais grandes.
— E peixes. — disse uma das irmãs cinzentas.
A outra acrescentou:
— Dobro da captura. Nos disseram que significa que a
Estação das Trevas está quase chegando.
— Uma época de desova. — disse a primeira irmã.
— Adequado. — Cathy olhou para mim.
— Várias das ceramistas são mulheres. — disse Jeannie.
— Elas disseram que a caçada de companheiros geralmente é um jogo.
Tipo, uma garota gosta de um cara, então ela espera no escuro até vê-
lo. Aí ele “a captura”. — Ela fez aspas com os dedos. — O que significa
muito sexo quente a noite toda.
— Aha. — Lilstra disse. — Eu sabia que havia um lado bom
nisso.
— Isso faz mais sentido do que agressão sexual. — disse
Cathy.
— Você não acha que isso é meio quente? — Jeannie disse.
— Você acha excitante ter sexo com algum cara só porque
ele pode correr mais do que você? Não. Não é assim que eu escolho
meus parceiros. Escolha sendo a palavra ativa aqui. Minha escolha. —
disse Cathy.
— Ele não está apenas correndo mais do que você! Isso
seria bobagem. Não, ele está te perseguindo, te observando do arbusto,
absorvendo cada movimento, olhos magnetizados para sua pele
brilhante, seu corpo nu iluminado pelas luas... — Jeannie estremeceu.
— Já chega, Jeannie. — Cathy franziu o cenho.
— Ooh. Me arrepiei!
— Eles esperarão que você fique perto da aldeia. Você
realmente só conhece a floresta na borda da clareira. Já que você esteve
naquela cidade, sabe que a floresta morro abaixo é mais segura. —
disse Shorena. — Eles também sabem disso.
— Nossos captores piratas caíram a cerca de uma noite de
caminhada daqui. — disse Lilstra. — Se você pudesse se lembrar do
caminho, chegaria lá ao amanhecer e talvez estivesse a salvo.
Nos aproximamos da cabana, tateando pela lâmpada e
caixa de fogo que tínhamos deixado do lado de fora. Felizmente,
Shorena era boa em acender fogo rapidamente. No brilho das faíscas e
no resplendor das aparas, a curandeira apareceu à nossa porta.
— Precisamos conversar. — ela me disse.
O resto das mulheres seguiu Shorena para dentro,
lançando olhares em nossa direção enquanto passavam. Uma conversa
baixa começou.
Liderando com sua bengala, percorremos o caminho por
onde havíamos vindo.
— Por que você está fazendo isso?
— Por que você escolheu Jannik? — Perguntei.
Seu rosto se abriu em surpresa.
— Eu não escolheria outro. Você...? — Ela estendeu a mão,
colocando a mão sobre o meu coração.
— O que você está fazendo?
— Você ouviu a música? A canção do coração dele? — ela
perguntou.
Eu? Havia tantos pensamentos desordenados em minha
cabeça.
Mas então, fui lançada a este lugar estranho.
— Não sei. Eu nem sei o que isso significa.
A lembrança daquela música estranha dos meus sonhos se
insinuou sobre mim, e eu a afastei. Seja lá o que fosse, não estava me
reivindicando.
Grexi retirou a mão e tristeza passou rapidamente por seus
olhos antes que ela desviasse o olhar.
— Tive que escolhê-lo. Ele é teimoso demais, muito mesmo.
Se ele não fosse escolhido, quebraria nossas leis. Tê-la como sua
companheira o exilaria de nosso povo. Talvez você também. Dois
sozinhos não podem sobreviver por muito tempo.
Eu parei em choque.
— O quê?
— É tabu caçar uma companheira se não for escolhido. Ele
jogaria sua vida fora por você. E você, Sam? Por que pede para correr
como presa? — Ela parou de andar. — Você quer um companheiro?
Outro que não seja Jannik?
— Eu não quero companheiro.
Ela se virou para mim, chocada.
— Você não está familiarizada com esta terra. Como espera
escapar dos caçadores? Embora apenas Jannik, dos escolhidos, seja
um verdadeiro caçador, todos os rapazes aprendem. Receio que tenha
cometido um grave erro de cálculo.
Um calafrio percorreu minha espinha. Eu tinha um plano.
De repente, parecia uma ideia estúpida.
Ela não tinha mais nada a dizer, então segui em direção à
cabana, parando quando uma figura emergiu das sombras. Por um
minuto, pensei em ignorá-lo, mas provavelmente era melhor ver o que
ele queria agora. Prevenido é prevenido.
Aproximei-me lentamente, perguntando por que era tão
difícil vê-lo como um adversário. Bem, na verdade, não me perguntava.
Maldito ele e seus beijos mesmo assim.
— O que você quer, Jannik? — Eu perguntei em voz baixa.
De comum acordo, nos movemos para a parte de trás da
cabana, onde havia menos olhos enquanto as outras mulheres se
aproximavam e entravam.
Ficamos frente a frente, e ele olhou para mim, seus olhos
de alguma forma brilhando mesmo na escuridão da noite.
— Diga-me que você não ouve minha canção do coração.
Diga-me, e permitirei que outro guerreiro a capture amanhã.
Eu franzi a testa para ele, não gostando da palavra
"permitir". Veríamos se ele tinha o poder para "permitir".
— O plano é que nenhum guerreiro me capture. — Hesitei,
depois cedi. — Não é que eu não goste desta aldeia. Nem mesmo é que
eu não... sinta algo por você. Mas tenho que manter minhas opções
abertas. Não posso desistir de toda a minha vida ainda, de tudo o que
planejei. E se eu estiver acasalada... — Vacilei.
Se eu estivesse acasalada, especialmente com Jannik, ele
já deixou claro que não seria capaz de me deixar partir.
Endireitei os ombros.
— Se eu partir para as estrelas e prometer fazer tudo o que
puder para voltar assim que encontrar meu irmão, você não caçaria
amanhã?
Essa era uma opção que não tinha ocorrido a mim até
agora, uma espécie de compromisso. Isso não abordava minha aversão
natural à vida selvagem, mas... entre mim e as outras mulheres,
poderíamos construir alguma infraestrutura básica.
Trazer alguns confortos aqui. Eu até poderia trazer um
pouco de tecnologia comigo. Seria um benefício para todos, certo?
Devagar, Jannik balançou a cabeça.
— Você não entende. Um de nós vai capturá-la amanhã. É
impossível que você consiga escapar de nossos guerreiros. Serei eu ou
outro. — Ele fez uma pausa, estreitando os olhos um pouco. — É isso
que é, é que você quer outro?
Pisquei diante do repentino rosnado em sua voz, um pouco
surpresa. No fundo da minha mente, eu sabia que ele era possessivo,
mas ele nunca tinha demonstrado ciúmes tão evidentes antes.
Acho que demorei muito para responder, porque ele se
aproximou de mim, diminuindo a pequena distância entre nós.
— Sam — ele disse, sem que sua voz suavizasse. — Não
tenho feito tudo o que posso para provar que seria o melhor
companheiro para você?
Ele deslizou uma mão ao redor da parte de trás do meu
pescoço, seus dedos apertando. Eu bati minhas mãos em seus ombros
enquanto ele se inclinava. Eu não tinha certeza se ele ia me beijar ou
rosnar em meu rosto.
— Não seja ridículo. — eu retruquei. — Claro que não há
ninguém que eu queira mais do que você.
Parei de falar, me dando outro tapa mental. Ótimo. Minha
boca grande. Em minha defesa, eu estava um pouco abalada.
Um sorriso lento e presunçoso se formou em um lado de
sua boca.
— Então, eu vou caçar você. Eu vou capturá-la. E nós
decidiremos o assunto do seu irmão depois.
Abri a boca para protestar contra essa ordem de eventos
quando ele me beijou.
Era o mesmo e diferente. Antes, ele ainda estava no meio
da cura e eu conseguia fingir que estava pelo menos parcialmente no
controle.
Agora, essa ilusão ria de mim.
Ele me puxou contra seu corpo, abrindo minha boca, seu
braço livre deslizando ao redor da minha cintura e me segurando firme
enquanto devorava meus lábios.
Como se esta fosse a última chance que ele tinha para
apresentar seu caso.
E que caso convincente.
Sentia o caso pressionando contra minha barriga e... bem
grande, devo dizer. Não é como se eu já não soubesse disso.
Ele me puxou mais para perto, seu braço mudando para
que agora sua mão livre percorresse minhas costas, pairando logo
acima da curva da minha bunda. Pontos para ele, ele não foi mais
baixo.
Eu meio que queria que ele fosse mais baixo.
— Sam — ele disse, se afastando um pouco e tornando as
palavras um sussurro persuasivo — deixe-me pegar você amanhã. Eu
farei ser bom para você. Você não me quer?
Ele tinha lábia, tenho que admitir.
Mas era mais do que um jogo. A intensidade em sua voz
sugeriu sentimentos mais profundos do que luxúria - mas eu já sabia
disso também. Ele nunca escondeu que o desejo por mim ia além do
físico.
Canção do coração.
E... uma parte de mim também sentia isso. Eu tinha que
sentir, caso contrário não estaria tão em conflito. Não apenas por causa
do bom P. . .tão bom quanto o P provavelmente seria.
Dei um passo para trás, me libertando. Ele resistiu por um
segundo, tempo suficiente para provar que se ele quisesse me prender,
ele poderia. Então ele me soltou.
Jannik balançou a cabeça.
— Você calculou mal, Sam. Se não for eu, será outro.
Continuei me afastando lentamente.
— Talvez. Talvez não. Acho que você está me subestimando.
Acho que vou lhe dar uma boa corrida.
Ele sorriu novamente.
— Espero que sim. Espero que você me dê uma corrida
muito, muito boa, e então eu darei a você uma muito boa. . .corrida.
— Não posso simplesmente desistir, Jannik. Eu não posso
simplesmente ceder sem nem lutar.
O divertimento masculino e sensual se dissipou em algo
sombrio. E mais uma vez, a compreensão suave em seus olhos.
— Eu sei, senão você não chamaria meu coração. Que o
melhor guerreiro vença.
Eu sabia que ele estava falando sobre nós, não os outros
homens.
35 - JANNIK

Na noite seguinte, ela ficou diante do banho ritual, envolta


apenas pôr panos simples ao redor dos seios e quadris. Deslumbrante
à luz da lua.
— Ela pode ter caído das estrelas, mas olhem para essa
bunda. — Gitak sussurrou.
— Tão apta para procriar, esses quadris, tão bonitos
quanto os de qualquer mulher da aldeia. Pernas longas. Grande...
Eu olhei fixamente para Beron. Ele se calou.
Os anciãos ficaram solenemente ao redor enquanto Grexi
se curvava e entregava a Sam o frasco de elixir. Enquanto eu a
observava beber, minha determinação se fortalecia.
No alto, a primeira lua se elevava acima das árvores.
Era hora dela correr.
Os anciãos recuaram da beirada do banho de lama.
Com um olhar para os caçadores, minha presa deslizou
para a floresta que abrigava as cabanas.
Mantive meus olhos voltados para o céu. A caçada não
começaria até que o terceiro inferno surgisse.
— Caçadores! — A voz do pai cortou a noite. Nos
aproximamos da poça de lama.
Em sua mão estava a taça da qual minha Garota
Crepúsculo havia bebido. O chefe se virou para Gitak.
— Acasalar é para a vida, defendê-la até a morte, valorizá-
la acima de tudo.
— Minha vida eu prometo à presa que capturo. Meu
coração eu prometo à presa que subjugo. — ele disse, e pegou o frasco.
Depois de beber e ofegar, seu pai deu-lhe um tapa nas costas.
— Hora de ser homem. Gattok agarrou o ombro do filho.
Um a um, os outros caçadores beberam.
Quando chegou a minha vez, meu pai colocou uma mão no
meu ombro.
— Porquê, Jannik?
— Faço isso porque devo. — Olhei para ele, sem medo. — A
canção do coração dela bate em minha alma.
— Três infernos, rapaz! ele sussurrou. — Uma caída do
céu?
— Suvo. — A voz de Grexi era suave. — Deve ser.
Meu pai deu um suspiro trêmulo.
— Meu filho. Depois de sua mãe... — Ele balançou a cabeça
e me estendeu a taça.
— Acasalar é para toda a vida. — ele disse, olhando nos
meus olhos. Ele não apenas recitava o ritual. — Pela vida, Jannik.
— Sim, eu entendo. — Tentei fazer com que ele soubesse o
que havia em meu coração.
— Para defender esta estranha caída nas estrelas até o
ponto de sua morte... — Ele me encarou de volta. Eu não recuei. —
Para valorizar esta criatura estranha e desconhecida além de tudo. Tem
certeza, garoto?
— Tenho certeza. Minha vida eu prometo à presa que
capturo. Meu coração eu prometo à presa que subjugo. — Bebi,
sentindo o chiado passar por mim.
— Que os infernos me levem. — Meu pai se afastou,
enxugando os olhos. Ele se dirigiu à aldeia sem dizer mais nada.
Gattok olhou surpreso para o chefe. Após um momento,
encontrou sua voz.
— Uh, os caçadores se emboscam sob a plena luz do
terceiro. Deixamos você com a caçada. — Os anciãos se curvaram e
voltaram para a aldeia.
Eu observei o céu. Agora duas luas brilhavam, o horizonte
estava luminoso. Não demoraria muito mais.
As nuvens se moviam à medida que o vento aumentava. A
umidade atingia meu rosto quando as primeiras chuvas da Estação das
Trevas caíram sobre nós.
Meus concorrentes entraram na piscina, cobrindo-se de
lama. Mas eu havia passado tempo com Sam, observando-a, aprendido
seus caminhos.
Seu povo, exceto aquela felina, Lilstra, não enxergava no
escuro.
Cobrir-me de lama não me tornaria menos visível para ela.
Meu primo, Gitak, agarrou o garoto grande da plantação e
esfregou lama em seu rosto.
Os outros três observaram os dois rindo e lutando. Cobertos
de lama, eles saíram da piscina. Beron agarrou meu primo por trás,
prendendo seus braços, e os dois escorregaram juntos, a lama
tornando seus corpos escorregadios.
Arrak me lançou um olhar perplexo debaixo da lama e
perguntou:
— Você não vai entrar?
— Está muito frio para isso. —eu disse. — Além disso, não
preciso ficar coberto de lama para caçar.
Krennak, agora coberto de lama, pôs os punhos nos
quadris.
— Agora me sinto ridículo.
— Ele nos esconde da visão noturna. — disse Tamak,
falando com superioridade para os outros. Ele era um estudante.
— "Os caídos do céu têm olhos para a escuridão, Tamak?
— Perguntei.
Só recebi um olhar confuso.
Krennak apontou.
— A terceira lua começa a nascer. Caçamos juntos?
— Você quer foder juntos? — disse Tammak e depois se
apressou para a floresta.
Os outros dois encolheram os ombros e o seguiram.
Eu tinha pensado muito em Sam e em sua rendição para a
caçada.
Ela não conhecia a floresta. Mas era muito inteligente.
Qual era o plano dela, eu não conseguia entender.
Caminhei para a sombra das árvores ao redor da aldeia e
me sentei. Removendo a tala, massageei a canela sensível. Será que
estava curada o suficiente?
Teria que ser.
Cuidadosamente, testei meu peso. Todos os dias de espera
paciente, deixando que outros assumissem minhas responsabilidades,
mesmo que isso me incomodasse, valeram a pena?
Não havia mais nada a fazer. Preparei-me para esperar.
Exceto...
Um tapa veio da piscina de lama. Eu observei.
— Você gosta disso, não é, guerreiro? — O agricultor,
Beron, ficou próximo a Gitak. Uma mão segurava o cabelo do meu
primo, enquanto a outra desferia outro tapa.
— Vou te matar por isso. — Gitak suspirou.
Beron o puxou para perto, os dois se beijando como
companheiros. Gitak envolveu uma perna por trás de Beron e os dois
mergulharam de volta na lama. O agricultor rosnou.
— Você vai me chupar por isso, mais provavelmente.
Eles se beijaram novamente, desta vez com mais paixão.
Embora não fosse desconhecido que homens preferissem a companhia
uns dos outros, fiquei surpreso com a resposta do meu primo.
Submissão.
Mas eu não estava aqui por isso.
Eu precisava caçar. E para caçar, precisava entender minha
preciosa presa.
Keron puxou Gitak pelo cabelo, dando tapas em sua bunda
enquanto empurrava meu primo.
Em questão de momentos, os dois desapareceram na
escuridão das árvores.
Depois de um tempo, não conseguia mais ouvi-los.
No silêncio, ouvi minha canção do coração. Ouvi
atentamente. Ela estava próxima.
Então, como um visitante da manhã, ela entrou
cautelosamente na luz da lua. Vestindo apenas o mínimo necessário,
sua pele exposta aguçou meu sangue. Olhando para todas as direções,
ela entrou na piscina rasa.
Submergindo, ela emergiu silenciosamente.
Escorregadia de lama cinza, ela atravessou em direção à
clareira.
Eu tinha que admirar. Ela não podia nos ver na escuridão.
Agora, nós não podíamos vê-la.
Sam não ia correr como presa. Ela ia se esconder.
Quando eu me permiti imaginar, não foi assim que pensei
que minha caçada por uma companheira aconteceria.
Os homens do meu grupo descreviam uma mulher
gritando, fingindo medo, correndo sem rumo.
Seu caçador escolhido a pegaria e a levaria chutando e
gritando para um lugar protegido.
Então, quando ele a acalmasse, satisfizesse suas
necessidades, acariciasse e beijasse, ela se renderia.
Não tinha dúvidas de que essa caçada por acasalamento
não seguiria os caminhos prescritos.
Sam se apressou em direção às árvores que a protegiam.
Eu não a segui.
Não me entregaria.
Isso não seria uma perseguição.
Eu precisava superá-la em pensamento. Superar uma
mulher caída do céu.
A chuva caía, o som aumentando ao redor de mim à medida
que o vento soprava mais forte.
As últimas tempestades da estação agiam como presságio
do clima selvagem que viria.
Hora de deixar esta aldeia antes da Estação das Trevas, mas
não partiria sem minha companheira.
Onde ela se esconderia? Um lugar inteligente, pensei. Um
lugar que ninguém nem mesmo tentaria encontrar.
A chuva ficava mais intensa. O chão encharcado, a clareira
cheia de ervas daninhas inundada.
Quando as árvores protetoras não ofereceram abrigo, eu me
levantei.
— Aqui, pegadas! — Krenek chamou. Não conseguia vê-lo.
Sua voz vinha das árvores além da clareira.
Sam tinha ido naquela direção.
Era hora de me mover.
Mantendo-me sob os galhos, rastejei em direção à minha
presa.
36 - SAMANTHA

Minha ideia foi de boa para não tão boa para terrível. A
chuva caía, e caía forte. Não tinha chovido desde que chegamos aqui.
Hoje à noite? Monção.
É claro.
Não havia como eu fazer a jornada até a nave pirata caída.
Com apenas uma vaga ideia de onde ela havia pousado, nunca a
encontraria nessa tempestade.
Por que eu deveria ouvir Lilstra, afinal? Eu voltei ao meu
plano original.
Por um minuto, pensei que tudo havia acabado. O primo de
Jannik e um homem que eu não conhecia começaram a se beijar na
lama, quase arruinando a primeira parte do meu plano. Por algum
motivo, eu não havia imaginado que essas pessoas, tão obcecadas por
acasalamento e reprodução, poderiam ter uma visão mais ampla da
sexualidade.
Por outro lado, com um desequilíbrio de gênero tão
profundo, fazia todo o sentido.
Eles saíram da lama, dando tapas, agarrando, beijando.
Embora tenham passado a poucos metros de mim, estavam tão
envolvidos um com o outro que não me perceberam escondida, e
provavelmente não se importaram.
Os caçadores se cobrindo de lama não faziam diferença
para mim. Eles não entendiam isso? Mas isso me manteria mais
escondida deles.
Com o caminho livre, dei um mergulho rápido. Ofegando
com o frio, puxando minha blusa agora pesada de volta no lugar, segui
para onde ninguém iria. Especialmente se você estivesse vestido
apenas com um pano.
Não era uma boa ideia atravessar a clareira. Cortando
caminho em direção às árvores, segui morro acima. Na metade do
caminho, parei. Virei-me.
Havia olhos em mim. Procurei nas sombras.
Alguém estava observando, tinha certeza disso.
Não vendo nada, minha única opção era seguir em frente
rapidamente.
Para me manter fora de vista, eu tinha que dar uma volta
mais longa, levando muito mais tempo do que eu queria passar ao ar
livre. Segui em frente, serpenteando entre os troncos, sem ousar seguir
um caminho. Isso poderia deixar para trás...
— Pegadas!
Uma voz que eu não conhecia gritou. Mas dos seis homens
escolhidos para me perseguir, eu conhecia apenas Jannik bem, e seu
primo Gitak de vista.
Esse era um dos outros quatro.
Eu só considerava Gitak uma ameaça. Ele caçava, era um
guerreiro. Agora percebi que tinha que lidar com outros. Eles estavam
determinados a acasalar, mesmo com uma forasteira.
Nenhum deles me atraía de forma alguma. Jannik tinha
sido o único que chamou minha atenção, mas ainda estava muito
debilitado para caçar com sucesso, mesmo que a curandeira o tivesse
selecionado como um dos meus pretendentes.
A voz gritada vinha de trás de mim. Pegadas, droga. A
chuva. Em breve, o chão poderia estar tão encharcado a ponto de
escondê-las. Por enquanto, eu me comportava como uma lebre.
Contornando os largos troncos das árvores, fiz oitos. Dessa
maneira sinuosa, esperava confundir meus perseguidores.
Cuidadosamente, voltei pelo mesmo caminho até um galho
baixo e então saltei alto para alcançá-lo.
Pendurada lá, tentei lavar meus pés na chuva, antes de
perceber que estava apenas derrotando o propósito daquele mergulho
frio na lama.
Melhor torcer para que a chuva limpasse o galho. Me puxei
para cima e mais alto.
Galhos se cruzavam a alguns metros de altura, uma rede
de caminhos robustos. Semicerrando os olhos, rastejei ao longo deles.
Em minha mente, isso seria fácil.
Agora, cada movimento ameaçava me fazer cair ao chão.
Minha garganta apertou.
Se eu desmaiasse ao cair de um galho, acordaria com um
homem verde ávido em cima de mim?
Segurando esse pensamento, eu me movia tão lentamente,
tão cuidadosamente, pela rede úmida de galhos das árvores celestes
sacudidas pelo vento. De tempos em tempos, eu parava. Escutava. Será
que eu conseguiria ouvir os caçadores perto de mim?
Então deixei cair um grande galho ou casca de semente.
Escutava novamente. Prosseguia.
Meus joelhos e mãos queimavam com a casca áspera e
irregular, mas eu continuava, centímetro por centímetro.
Deixei cair outra casca de semente enquanto eu pendurava
entre dois troncos massivos. Ali! Abaixo, houve um rebuliço.
Continuei atravessando o vão, abraçando o tronco do lado
oposto.
— O que ela é, uma companheira ou uma cauda-de-toco?
Vozes. Mais perto do que eu teria imaginado. Adeus a parar
e escutar.
— Ela dá voltas e mais voltas... — Dois deles. Meu coração
congelou. Quanto tempo levaria para eles perceberem que eu tinha
subido em uma árvore?
Tentando sentir ao redor, encontrei uma casca solta. A
arranquei. Lancei-a.
Mais uma vez, houve um rebuliço vindo de baixo.
— Aqui. — disse uma voz.
— Eu a peguei. — outro respondeu.
— Não se eu chegar lá primeiro!
Eu podia ouvi-los agora, passos silenciosos na terra. Galhos
se agitavam. Então, à luz das três luas, eu os vi abaixo de mim.
Silenciosamente, eu me movi para o outro lado do tronco.
— Deve estar bem aqui em algum lugar. Estou tão
preparado para isso. Você vê — aaah!
— Arrak, o que é isso? Ela está aqui... yaah! Tire isso de
mim!
Um som trinado e estridente me ensurdeceu. Até então, eu
não sabia por que a planta abaixo de mim era chamada de videira
espinhosa. Recordando das videiras que se agitavam com espinhos
afiados e mortais, quase senti pena dos meus perseguidores. Eles
usavam pouca roupa.
O rasgo que eu ouvi não era de tecido.
Um dos homens gritou.
— Ela pegou meu pé!
Lembrei-me de Jannik enfiando um pedaço de pau
quebrado no corpo subterrâneo da planta horrível. Gavinhas cortaram
o ar antes de aterrissar com sons úmidos. Ouvir isso era muito pior do
que eu tinha imaginado.
— Idiotas! — gritou uma terceira voz. Mais uma vez,
abracei o tronco, tentando me esconder.
Por um longo tempo, ouvi algo bater no chão. Gemidos de
dor. Ofegos. E então, abaixo de mim, três homens cambalearam para a
trilha, dois deles apoiados pesadamente no terceiro, mas nenhum deles
caminhava com firmeza. Mesmo na escuridão, eu podia vê-los cobertos
de sangue.
Talvez não fosse um plano tão ruim afinal. Olhei para o céu.
Restava apenas uma única lua. Tudo o que eu tinha que fazer era ficar
escondida aqui em cima até o sol nascer. Eu estava segura...
Senti um calor úmido em meu pescoço. Sustentando-me
com surpresa, mãos grandes me seguraram, evitando que eu caísse
três metros até o chão. Mais úmido, quente...
Beijos.
As mãos firmes percorriam, quentes contra minha pele
gelada. Língua, lábios e dentes incessantes em meu pescoço. Eu gemi
antes de conseguir reprimir.
— Jannik! — Sussurrei.
— Minha. — ele disse. A palavra entrou em meu ouvido
antes de sua língua.
Oh meu Deus…
Os lábios deslizaram pelo meu pescoço, beijando meu
ombro, minhas costas. Uma mão acariciava minha coxa, a outra minha
barriga.
Meu cérebro lutava para formar palavras.
— É muito perigoso aqui em cima.
— É perigoso para você em todos os lugares. — ele
sussurrou em meu ouvido.
Seus quadris se moveram contra minha bunda o suficiente
para eu sentir o comprimento rígido dele, já ereto. Ele soltou um
pequeno rosnado enquanto se esfregava em mim.
Meu coração batia tão forte em meus ouvidos que quase me
ensurdecia, minha pele derreteu com seu toque.
— Podemos cair.
— Nós dois já caímos. — ele disse em meu outro ouvido
enquanto sua mão em minha coxa se movia para dentro.
Meu medo de cair foi consumido por uma chama de paixão.
A bebida que o curandeiro me havia dado. Era uma droga,
removendo minhas inibições. Um afrodisíaco alienígena que incendiava
meu desejo além da razão, pensei. Deve ser isso.
Maldição!
Tentei me afastar, mas ele me puxou para mais perto.
Eu o deixei.
Com mãos fortes, ele ergueu meu corpo, virou-me em sua
direção. Seu polegar passou ao longo da minha bochecha enquanto
seus olhos brilhantes olhavam profundamente nos meus. Seu rosto era
tão estranho, mas a droga em meu sangue o tornava incrivelmente
bonito.
— Você vai me beijar. — disse ele.
Eu faria. Inclinando-me contra sua carne quente e firme,
pressionei meus lábios contra os dele. O gosto de sua boca fez a minha
arder. Ele me envolveu, suas mãos me incitando a beijar mais
profundamente. Suas palmas acariciaram os lados dos meus seios e
depois apertaram, o toque leve, mas possessivo.
A chuva corria pelos nossos corpos. Eu esperava que o
vapor subisse.
Então eu vi como ele nos segurava nos galhos. Aquelas
extensões alienígenas saindo de seus pulsos nos mantinham
suspensos. Ele não era humano. Não era da minha espécie.
E ainda assim, a droga que corria em mim me fazia querê-
lo ainda mais. Passei minhas mãos ao longo desses apêndices
estranhos. Eles eram lisos, musculosos, molhados pela tempestade
furiosa.
Me aproximei, o desejo me enlouquecendo. Passando a
língua ao longo do membro, senti como se fosse pele. Possibilidades
excêntricas piscaram em minha mente, faísca de desejo.
Sua mão pressionou contra o lado do meu rosto, levantando
suavemente. Cabeça para trás, ele olhou para baixo para mim, desejo
em seu olhar.
— Você se submeteria a mim?
Isso era estúpido. Isso não era parte do plano.
O plano era estúpido. O plano tinha falhado.
Acima de mim, a água escorria pelas linhas de seus traços
rudes. A chuva formava gotas em sua pele verde, revelando a forma de
músculos massivos. Olhos que buscavam me devorar.
Algo profundo em meu ventre queimava, quente e
necessitado.
Deixe-o me devorar.
— Faça amor comigo. — eu ofeguei. — Mas não aqui.
Como se eu fosse feita de nada, ele me segurou, usando as
extensões de caça para descer rapidamente da árvore em movimentos
rápidos e precisos.
A uma curta distância, a videira guinchou, então
atravessamos o chão da floresta. Ele continuou se movendo,
incansável. Logo, chegamos a uma margem do riacho. Acima de uma
abertura escura no barranco havia uma laje de pedra abrigando uma
cavidade profunda.
Quando ele me levou para dentro, mal conseguia ver que o
fundo rochoso tinha sido cuidadosamente coberto com galhos e folhas.
Ele me colocou nesse ninho.
Braços de cada lado de mim, o rosto a centímetros de
distância, ele disse:
— Agora você é minha, minha Garota Crepúsculo.
37 - JANNIK

Finalmente, ela ouviu a minha canção do coração.


Debaixo de mim, suave e quente, ela colocou os braços em
volta do meu pescoço, seus punhos cerrados em meu cabelo enquanto
eu a beijava, puxando-me com firmeza contra sua boca.
— Eu quero você. — ela disse quando o beijo quebrou.
Eu era dela para ter.
O shi-na voou dos meus braços. Segurando seus pulsos,
minhas extensões os puxaram sobre sua cabeça, prendendo-os ao chão
da caverna.
No início, ela olhou em choque. Por um momento, ela tentou
se soltar. Então, seus quadris se contorceram debaixo de mim
enquanto eu a beijava profundamente. Meu joelho se moveu entre suas
pernas e com um movimento brusco, as abri.
— Você me excita. — eu disse. — Não prometo ser gentil.
Ela lutou, os olhos suplicantes.
— Apenas não tão rápido.
— Fiz uma cama macia para que você não fique
machucada.
Sam fez um pequeno ruído animal. Medo? Desejo? De
qualquer maneira, eu estava inflamado.
Eu precisava provar sua pele. Levei minha boca até seu
pescoço, seus ombros, seu peito.
Eu puxei o tecido de seus seios. Eles eram mais claros do
que o resto dela, mamilos mais escuros, endurecendo sob minha
língua, meus dentes.
Sua pele era mais macia do que a minha. Eu me deleitei
com isso, meu rosto contra sua suavidade.
Depois, mais abaixo. A firmeza de seu abdômen. O vale de
seu umbigo.
Eu rasguei o tecido de seus quadris. A leve abertura de suas
pernas era um convite. Meu shi-na soltou seus braços; segurou seus
joelhos.
Eu inalei sua fragrância enquanto minha língua provava o
salgado dela. Gemidos animalescos escaparam de seus lábios enquanto
eu esfregava meu rosto contra suas coxas internas, quase tão macias
quanto seus seios.
Minhas mãos deslizaram por baixo dela e a ergui como um
cálice para minha boca.
— Oh, sim. — ela respirou. — Sim! Você sabe? —
Talvez não, mas para minha Garota Crepúsculo, eu
aprenderia tudo.
A ponta da minha língua explorava e ela se abria como as
pétalas de uma flor. Sua abertura era tão pequena. Ela poderia me
aceitar por completo?
Deixei minha língua vagar até que ela ofegou.
Aí está. Não poderia se esconder de mim.
Lentamente, minha língua a massageou.
Não muito rápido, ela havia dito. Eu levei meu tempo com
prazer.
Quando a ponta da minha língua encontrou o lugar que a
fazia se contorcer e gemer, o shi-ha abriu ainda mais suas pernas. Eu
me concentrei, até que ela ficasse ainda mais molhada, seu néctar
escorrendo entre suas dobras.
Pronta.
Desejando.
Minha.
O tempo parou, minhas mãos segurando sua bunda macia,
o shi-na a segurando firmemente, meu rosto pressionado contra ela,
minha língua arrancando gemidos, suspiros, sons de amor.
Seus punhos apertaram meu cabelo enquanto um arrepio
percorria todo o seu corpo. A respiração se tornou um ofegar.
Os gritos de Sam ecoaram na pequena caverna.
— Eu quero você dentro de mim. — disse ela. — Por favor.
Agora. Por favor!
Não rápido.
Rasgando minha própria tanga, me posicionei acima dela,
absorvendo a visão de seus olhos envidraçados de paixão, a maciez de
seus lábios.
— Irei devagar, minha companheira. — eu prometi. — Vou
ter que fazer isso.
Ela piscou, entendendo. Quanto de mim ela havia visto da
margem do rio? Então ela assentiu, estendendo a mão para guiar meu
membro para dentro dela.
— Não precisa. — prometi a ela, meu shi-na envolvendo
seus pulsos novamente antes que ela me tocasse, segurando-os
firmemente.
Seus quadris se moveram, as pernas se abriram ainda mais
para acomodar o meu tamanho. Por um momento, temi novamente.
Seríamos compatíveis? Seu canal apertado desafiava imediatamente o
meu controle.
Pouco a pouco, meus movimentos a abriram. Esticando-se
docemente, ela me recebeu profundamente dentro dela, seus fluidos
escorregadios facilitando o meu caminho.
Meu shi-na se contorcia com minha paixão, estendendo-se
completamente. Eles envolviam todos os seus membros, segurando-a
com força.
Então, com uma longa e insistente investida, eu estava
completamente dentro dela, minha cabeça caindo diante da
intensidade avassaladora.
Ela ofegou, e eu orei mais do que nunca em minha vida para
que isso não lhe causasse dor.
Respondendo-me antes que eu pudesse reunir meus
pensamentos, formar as palavras, ela encontrou meu olhar com o dela,
o triângulo rosado de sua língua umedecendo os lábios carnudos.
— Mais.
Eu lhe daria mais. Eu lhe daria tudo.
Uma investida lenta provocou um rosnado suspirante.
Outra. Sua cabeça tombou para trás. Novamente. Unhas me cravaram.
Com ruídos úmidos, meus movimentos aumentaram em
poder, em velocidade. Na base do meu membro, senti o shi-na florescer
enquanto buscava o centro de seu prazer. Meus quadris continuaram
as investidas, me impulsionando para dentro do seu âmago, uma e
outra vez, mais fundo e mais fundo.
Tive que diminuir a velocidade antes que eu me perdesse
completamente.
— Não! — ela implorou. — Mais rápido!
Totalmente rendido, pressão escorregadia, senti o fogo
queimando profundamente dentro de mim. Perdi o controle, meus
movimentos não eram mais meus. Possuído por uma luxúria animal,
deixei o fogo se enfurecer.
Batendo nela com toda a minha força, o shi-na pressionado
contra seus nervos de prazer, membros amarrados, o corpo dela
tremendo. Minha própria paixão correspondia à dela, abalando-me até
a alma.
— Estou gozando! — ela chorou. — Goze comigo! Goze
dentro de mim!
Empurrões frenéticos me levaram ao limite. Segurei-me, o
máximo que pude, lutando contra a maré avassaladora, a sensação
dela debaixo de mim, o aroma de seu perfume impregnando o covil.
Então, arqueando as costas, senti-me crescer dentro dela.
Agarrando-me com os dois braços e pernas, ela soltou um grito rouco.
Preenchendo-a completamente, a explosão me dominou.
Fora de controle, senti que a rasgaria. A sensação me
envolveu. Minha visão escureceu, mas meu âmago queimava tão
quente e brilhante como o sol. Incapaz de me controlar, meus dentes
morderam seu ombro.
Ela gritou de dor, de prazer, e meu fôlego me abandonou
com minha semente.
Caí no ninho, ainda dentro dela. Segurando-a perto,
prendendo-a com meu shi-na, afoguei-me na sensação. Eu provei o
gosto do seu sangue em minha boca.
Apenas o som de nossa respiração ofegante e o chiado
insistente da chuva alcançaram nossos ouvidos.
Observei seus olhos se fecharem lentamente, e logo ela
adormeceu, com a cabeça apoiada em meu braço. Por um tempo, a
chuva constante me levou ao sono.
Em algum momento em nossa cama de acasalamento, ela
se virou de costas, com as costas pressionadas contra mim. Eu a
embalei para mantê-la aquecida. O shi-na voltou aos meus braços. Do
lado de fora, a chuva caía, um dilúvio, como meus sentimentos.
Logo, senti que ela despertou, mas ela não se moveu de
cima de mim.
— Por que você correu como uma presa companheira,
Sam? Você não queria companheiro.
— Ainda não quero. — disse ela.
Um pouco tarde para isso.
— Você ouve minha canção de coração, você canta para o
meu coração. Não pode haver maneira melhor. Por que você resistiria?
— Eu quero ser minha própria pessoa. Não apenas uma
companheira, uma mãe. — Ela se virou para mim. Eu pude ver o brilho
de seus olhos, úmidos com lágrimas não derramadas. — Se a
curandeira não tivesse me dado aquela poção, aquele afrodisíaco, eu
nunca teria feito amor com você.
Eu fiz uma careta.
— Como você chamou isso?
Ela suspirou.
— você sabe, uma comida ou bebida que te faz, bem...—
suas bochechas escureceram adoravelmente. — Realmente querer
acasalar.
Afastei uma mecha de cabelo encaracolado e emaranhado
de seu rosto.
— Aquilo não foi nada disso. Seria desprezível fazer isso
com você. É apenas uma magia suave, para te tornar fértil, para ajudar
a ter filhos. Mas nada que pudesse mudar sua mente.
— Não foi…
Eu balancei minha cabeça.
— Meu coração canta para o seu. E o seu para o meu. Você
me quer, assim como eu te quero. Eu senti isso desde antes de nos
conhecermos. Agora, você está apenas ouvindo. Mas você sente a
harmonia. Ela percorre você. A maior bênção que dois podem
compartilhar, Sam.
Ela desviou o olhar, mordendo o lábio.
— Não importa se eu sinto ou não, eu não preciso seguir
isso. Jannik, há mais na vida do que o acasalamento. Quando você
olha para as estrelas, você não vê todos os mundos lá fora, esperando.
Mas eu vejo. Eu anseio por um lugar ao qual eu pertença. Eu não
acredito que seja aqui.
— É comigo. — eu disse. Por que ela não conseguia
entender isso? — As forças dentro de nós dizem que é assim.
— Sentimentos podem ser negados. Eu quero uma vida
melhor. Eu quero desde que nasci. Eu preciso encontrá-la.
— Precisa. Você entende o que é precisar? — Peguei seu
rosto em minhas mãos, beijei-a.
— Espere. — ela tentou se afastar — eu não...
Mas eu a beijei novamente, docemente, e depois mais
profundamente, com mais força. A mão dela caiu em meus ombros,
segurando. Ela me beijou de volta e sob meu toque sua respiração
acelerou.
Eu segurei seus cabelos, inclinei sua cabeça para trás,
beijei seu pescoço.
— Você sente a minha necessidade? Você pode negar a sua
própria? — Beijei sua garganta, mordi sua orelha e sussurrei. — Diga-
me que você quer que eu pare.
Meu shi-na explodiu, prendendo seus pulsos, puxando-a
para baixo.
Quando os lábios dela encontraram os meus novamente,
ela não protestou. Suas mãos acariciaram meu corpo.
— De novo — ela sussurrou. — Por favor.

SAMANTHA

Quando acordei, estava envolvida por ele. Fiquei


observando a boca do abrigo, esperando o amanhecer. A chuva caía
torrencialmente. Teria chovido a noite toda? Eu estive ocupada.
Os apêndices de Jannik ainda me envolviam. Não com
força. Estremeci com esse pensamento. A forma como ele me havia
prendido, controlado, mantido em rendição.
Será que sempre quis isso? Eu cuidava dos outros, sentia
responsabilidade por eles. Agora, estaria me apaixonando por um
homem que me dominava facilmente? Toquei o apêndice que envolvia
meu braço. Liso, firme, quente.
Restritivo.
E seu pênis. Outro tremor de prazer lembrado percorreu
meu corpo. Eu ainda não tinha visto o que havia ali embaixo, mas nada
em minha vida me preparou para como ele parecia dentro de mim.
Antes que a excitação crescesse, água fria tocou minha mão
estendida. Retirei-a rapidamente, ouvindo o som leve do respingo
dentro do abrigo.
— Jannik!
Num instante, ele acordou, me envolvendo enquanto se
levantava, curvado, dentro do abrigo baixo. Aquilo não era um
gotejamento de cima. O chão da caverna inclinava em direção à
abertura.
Com suas bobinas musculosas, ele me colocou atrás dele.
Ajoelhei-me no fundo da caverna. Lá fora estava escuro como a noite.
Jannik correu para a abertura, olhando para o alto. Por um
longo momento, ele apenas olhou para cima.
Peguei minhas roupas do ninho encharcado, amarrando-as
rapidamente.
— O que é? Um furacão?
Quando me juntei a ele, vi que o tranquilo riacho agora
havia transbordado. A água agitada estava no mesmo nível que nosso
abrigo. Mas Jannik apontou para cima.
— O Olhar do Pavor.
Segui o seu dedo. Apesar das nuvens sombrias, uma luz
brilhante era visível. Menor do que a menor das luas deste mundo, mas
brilhante o suficiente para atravessar o céu tempestuoso.
O que seria aquilo? Um meteoro? Outra estrela?
— Devemos chegar à aldeia, ajudar na evacuação. A
Estação das Trevas geralmente não começa tão abruptamente. O Olhar
do Pavor vai nos espreitar no horizonte, agachado antes de atacar. —
Ele me puxou para si e entrou na chuva torrencial.
Um rangido profundo, um estalo soou no escuro. Uma das
árvores do céu balançou, a enormidade disso parecia impossível.
Então, com uma rajada de vento própria, ela caiu. Quando colidiu com
outra, ambas desabaram e sumiram na água.
De onde havia vindo toda essa água?
Encarando a caverna, um dos apêndices dele disparou do
pulso, enquanto o outro envolveu minha cintura. Com um grunhido,
ele nos puxou para cima da margem.
Uma vez no topo, ele olhou fixamente para a escuridão.
— Devemos chegar à colina da aldeia antes que se torne
uma ilha. — disse ele.
Uma ilha?
— Isso não é possível! — eu gritei através da torrente.
— As colinas costeiras vão ceder. O mar distante virá até
aqui. Devemos partir antes disso. — Ele olhou em todas as direções,
mas estávamos bloqueados por água com metros de profundidade em
nosso caminho na noite passada.
Segurando minha mão, ele me apressou ao longo da crista.
Sua visão noturna era melhor que a minha. Será que ele via um
caminho?
— Fui um tolo por te trazer além do riacho no final da
Estação Seca. — disse ele.
— Você disse que foi repentino. — eu disse. — Você não
poderia saber.
Ele virou o rosto para mim, os olhos brilhando.
— Nosso vínculo me obriga a mantê-la segura. Não há
desculpas.
Do outro lado do riacho – ele tinha apenas alguns metros
de largura quando o cruzamos, agora parecia que um lago em fúria
cobria o espaço – mais árvores tremiam, balançando
descontroladamente. As árvores gigantes pareciam eternas em seu
tamanho massivo. Agora, elas caíam como dominós.
— Devemos buscar terreno mais alto, embora esteja longe
do nosso caminho. — disse ele. — A velocidade é nossa única amiga.
Com isso, seus apêndices me envolveram e ele me segurou
em seus braços.
— Me coloque no chão, Jannik, eu consigo...
Ele correu encosta acima, para longe da aldeia. Nos
movíamos tão rapidamente, o ambiente tão escuro, que eu estava sem
fôlego. A respiração de Jannik permanecia estável enquanto ele corria
pelo cume da floresta.
Ok. Ele estava certo. Mesmo mancando levemente por
causa da lesão, era mais rápido assim, e mesmo que normalmente eu
preferisse me mover com minhas próprias pernas, agora a situação
estava longe de ser normal.
— A aldeia fica no terreno mais alto. Mesmo durante o auge
da Estação das Trevas, deveria resistir. — disse ele.
Não conseguia entender como a floresta havia se
transformado em um mar da noite para o dia. Árvores gigantes
mostravam apenas suas copas mais altas. Não era hora de tentar
entender. Apenas de correr.
As pernas dele batiam como pistões debaixo de nós
enquanto Jannik desviava dos troncos das árvores. Havia uma trilha?
Estava muito escuro para eu ver. Eu segurava seu pescoço enquanto
ele me carregava para dentro da enxurrada negra.
Então ele parou bruscamente.
— Não. — ele sussurrou. — Não.
— O que está errado? — Acima, o olho amarelo flamejante
queimava com mais intensidade através das nuvens tempestuosas, o
suficiente para eu ver um rio furioso à nossa frente. Uma colina coberta
de árvores ficava além de cem metros de água branca corrente.
— Aquele é o cume acima da aldeia. — disse ele, a voz cheia
de angústia.
Não havia como atravessar. A água em movimento rápido
rugia e a chuva nos encharcava, o ar parecia submerso.
— Jannik, o que faremos? — Perguntei.
Seus olhos se encheram de tristeza antes de ele se virar
para longe de mim.
— Nós morremos.
Enquanto ele falava, algo emergiu da superfície
tumultuada. Veias longas e espinhadas mantidas juntas por teias
brilhantes.
Uma barbatana? Que peixe poderia ser tão grande? Atrás
dele, uma criatura com uma dúzia de olhos brilhantes e uma boca
enorme emergiu. Ela agarrou o monstro de barbatana gigante. Debates
e turbilhões além do já poderoso fluxo seguiram até que ambas as
criaturas submergiram.
— O mar já abriu os vales. — disse Jannik, enquanto me
colocava no chão. — Eu apenas te conheci agora, embora pareça que
te conheço há mil vidas. Meu coração tolo nos levou à morte. Sinto
muito.
Ele caiu de joelhos, pegando minha mão.
Nem mesmo a força de Jannik poderia nos salvar dos
estragos do clima insano. Eu ia morrer neste planeta alienígena, vítima
de uma tempestade.
Eu não ia deixar acabar assim. Mas o que eu poderia fazer?
Quase me afogando na chuva, meu companheiro inumanamente forte
se rendendo ao destino, eu me sentia minúscula, menor do que nunca
na minha vida.
A insignificância que senti ao contemplar uma galáxia de
estrelas não podia se comparar à natureza desencadeada que
ameaçava nos eliminar.
A estrela amarela me encarava, triunfante, maligna.
Do outro lado do rio, mais árvores celestes sucumbiam à
enchente. Troncos rachados soltavam um som que eu sentia no
estômago. Nos ossos. Mal havia começado a conhecer este lugar, e
agora ele seria destruído.
Segurei a mão de Jannik, meu coração se partindo.
Será que eu negligenciei as coisas positivas deste mundo?
A chuva chicoteava, ameaçando dissolver tudo diante dos meus olhos.
— Sam! — De repente, sua mão apertou a minha
dolorosamente e, mais uma vez, fui levada para os braços dele.
Eu realmente tinha reclamado disso antes? Agora eu
precisava da força de seus braços poderosos. Ele se afastou
rapidamente da margem, me carregando sem hesitação.
Uma vez que nos abrigamos entre as árvores, ele me colocou
de joelhos. Olhei por cima de seu ombro. Uma das árvores na margem
oposta balançava pelo ar. Senti o vento de sua aproximação. Ela era
tão grande que facilmente atravessaria o rio.
Talvez ser esmagada até a morte rapidamente fosse melhor
do que a morte lenta de qualquer tentativa inútil de sobreviver a isso.
Então, ele bloqueou minha visão, protegendo-me.
— Eu te amo, minha companheira. — ele sussurrou em
meu ouvido.
Então veio a primeira explosão de folhas, de cascas e
galhos. A extensão de seus galhos era muito ampla para escapar.
Eu abracei seu pescoço, as palavras, a verdade atingindo
em cheio, mesmo que eu tivesse tentado negar meu próprio coração.
— Eu também te amo. — eu disse a ele.
E então tudo ficou escuro quando a árvore caiu nos troncos
ao redor, quebrando e esmagando seu caminho até o chão.
38 - JANNIK

— Em nome dos três infernos…


A árvore não nos esmagou.
Fomos deixados para uma morte lenta e penosa nesta
repentina Estação das Trevas.
Acima, os galhos não conseguiam bloquear o brilho
triunfante do Olhar do Pavor.
Minha canção do coração, minha Garota Crepúsculo!
Através de galhos emaranhados, estendi a mão em busca
dela.
Seu pescoço estava quente. Pulso rápido e saudável.
— Jannik? — Sua voz soou grossa.
Tentei me afastar dela, afastar as folhas caídas de seu belo
rosto.
— Desculpe. Ainda estamos vivos. — eu disse.
Nenhuma misericórdia nos concederia a Estação das
Trevas.
Sofreríamos até que o clima, as feras soltas, as criaturas do
mar distante nos consumissem lentamente.
Eu havia falhado com minha companheira. Em agonia
prolongada, morreríamos juntos, à medida que cada esconderijo, cada
poleiro seguro, cada abrigo nos fosse tirado.
Ela lutou para se sentar e seus olhos arregalados se
voltaram para mim. Ela segurou meu ombro.
— Jannik, esta pode ser a nossa chance.
Chance? Para quê?
— Podemos... você pode nos libertar desses galhos?
Olhei ao redor para os ramos que formavam uma gaiola
irregular ao nosso redor.
Se a árvore tivesse caído ligeiramente em qualquer direção,
teríamos saído deste lugar sem dor.
Ainda verdes, os galhos que nos prendiam resistiam. Com
todas as minhas forças, os quebrei. Libertado, consegui abrir caminho.
Mantendo Sam protegida em meus braços, a tirei do aperto
da árvore do céu.
Antes mesmo que eu pudesse me libertar do domínio de
galhos menores, Sam se contorceu em meus braços, seguindo à minha
frente.
— Acho que estamos salvos! — ela gritou sob a chuva que
ainda caía.
Galhos e folhas me arranhavam enquanto eu me afastava
da copa da árvore.
Sam apontou.
Do outro lado do riacho, vi meus companheiros de caça.
Eles gritavam, suas vozes se perdiam na tempestade. Braços acenavam
para nós daquela margem oposta impossivelmente distante.
— Como eles vão nos salvar? — Eu disse.
— Não, não eles. A árvore! — Ela recuou dela.
Eu a segui, olhando para onde ela olhava.
— É uma ponte. — disse ela — Através do rio. Podemos
cruzar. Podemos chegar à aldeia.
— Raramente eu pensaria que uma árvore caindo em cima
de mim seria uma sorte. — Olhei ao longo do vasto tronco.
Distante, raízes erguiam-se na margem oposta.
Galhos altos deste lado quase nos haviam destruído.
No meio, o tronco largo era salpicado pela correnteza.
Mesmo a imensa massa da árvore se movia com ela.
Não tínhamos muito tempo.
Estendi a mão para ela, mas ela se afastou.
Sam se afastou.
— Você está brincando? Você vai precisar de suas mãos e
suas... outras partes.
— Posso te segurar com o meu shi-na. — argumentei.
— Nunca desejei membros adicionais antes deste momento.
— disse Sam para si mesma. — Não, você vai precisar deles para si
mesmo.
Com isso, ela agarrou um galho próximo. Em um instante,
ela caminhou ao longo do tronco, usando os galhos superiores para se
equilibrar.
Mas sobre a parte mais perigosa do rio, só havia casca lisa.
Seguindo seu caminho, me impulsionava pela ponte
improvisada. Navegar pelos galhos era como escalar. Então, uma
rajada de vento me atingiu.
À frente, Sam caiu de quatro. Eu gritei, pedindo para ela ter
cuidado.
— Estou bem! Segure-se. — ela disse por cima do ombro.
Movendo-me o mais rápido que ousava, deixei os últimos
galhos altos para trás.
Daqui até o final, poucos galhos forneceriam algo para
segurar.
Além disso, o rio sacudia o tronco sob nós.
A casca molhada não era uma aderência segura, nem
mesmo para o meu shi-na. Eu observava o traseiro de Sam, envolto no
pano úmido e frágil, deixando suas curvas doces inspirarem meu
progresso.
Com movimentos cuidadosos, mantendo-se abaixada, ela
se arrastou até o galho mais próximo.
Ela fez uma pausa, olhando para trás para mim, e nesse
momento uma onda atingiu o tronco, espirrando água em Sam.
Segurando firme, ela balançou a cabeça.
Eu queria alcançá-la, protegê-la. Ela estava longe demais.
Uma vez que ela se moveu em direção ao próximo galho, eu
rastejei atrás dela, seguindo seu método.
Na outra margem, as vozes dos meus amigos se elevaram
acima das corredeiras turbulentas, da chuva torrencial, seus próprios
shi-na enrolados nas raízes da árvore, fazendo uma âncora incerta.
Gritos de encorajamento e incentivo não tornavam meu poleiro mais
estável.
A eternidade passou antes que eu agarrasse um dos poucos
apoios.
Cada balanço do tronco, por menor que fosse, ameaçava me
jogar na água furiosa.
Sam agilmente chegou a outro galho. A uma dúzia de
passos de distância, a rede de galhos mais baixos acenou. Uma vez lá,
ela estaria segura.
Gritos mal audíveis chegaram até mim. Sons de alarme.
Olhando para cima do rio, vi outra árvore caída avançando
em direção à ponte improvisada.
— Segure firme, Sam! — Eu berrei.
Com um olhar rápido, ela se arrastou rapidamente. Apenas
um toco de galho sobressaía da casca. Ela o segurou com as duas
mãos.
O impacto da árvore quase desalojou nossa ponte. A
correnteza e o estrondo arrastaram os galhos superiores ao longo da
margem.
Ambos nos seguramos firmes. O tempo de cautela tinha
passado.
Sam também sentiu isso. Ela rastejou com propósito em
direção ao grupo de galhos.
Ela estava quase chegando lá. Da margem, Adak e Takka
lutavam através das raízes, onde poderiam ajudá-la a atravessar o
emaranhado, para a outra margem.
Eu me apressei em segui-la. Rastejando rapidamente,
alcancei o galho fino e frágil.
Gritos. Um grito de Sam.
Do canto do olho, vi a outra árvore se inclinar em minha
direção e apertei meu agarre.
O choque desalojou ambas as árvores e juntas, elas
flutuaram rio abaixo.
Levando-me com elas.
Sam estendeu a mão para mim. Em pânico, lancei meu shi-
na em direção a ela.
Mas a aderência estava molhada demais e escorregamos
um do outro enquanto o tronco sob mim rolava.
Que força me segurou no lugar, eu não posso dizer. Por um
momento, fui submerso na água gelada. No momento seguinte, o
tronco me colocou de volta à superfície.
Sem escolha, avancei em direção aos galhos baixos. Eles
estavam a menos de cinco passos de distância. Concentrando-me em
na canção do meu coração, falhei em ver o perigo atrás de mim.
Eu vi o medo nos olhos de Sam. Ouvi parte de um grito.
Então, fui arrancado do tronco e mergulhei fundo na água
furiosa.

SAMANTHA

O longo tentáculo cinzento ergueu-se da água turbulenta,


estendendo-se, agarrando a perna de Jannik.
Sua perna ainda em processo de cicatrização.
Com um chicote pelo ar, a criatura o arrastou para as
profundezas.
— Não! — Eu gritei.
Atrás de mim, Adak lançou uma lança de sua arma.
Perfurou o membro ondulante, prendendo-o na árvore.
Por um instante, vi Jannik emergir. Ele alcançou um galho
e, em seguida, submergiu novamente.
— Jannik!
— Sam, não! — Adak disse, abrindo caminho através das
raízes.
Takka veio atrás. Ele carregou seu atlatl e lançou outro
projétil no tentáculo preso. Mais se ergueram da água, agarrando as
lanças que os prendiam firmemente. O monstro tentava se libertar.
Eu vi movimentos agitados perto da superfície.
Senti o medo de Jannik duplicando o meu próprio. Ligados.
Conectados.
Canção do coração, ele chamava.
Meu coração.
Dor dilacerou meu ser.
— Eu tenho que fazer isso. — gritei para Adak.
Então mergulhei no rio turbulento.
O frio congelante me atingiu, tentando me esmagar e
expulsar o ar que eu segurava.
Acima, árvores flutuantes se aglomeravam. Presa em um
tronco, uma criatura saída de pesadelos lutava. Parecia ter dois
conjuntos de tentáculos conectados por uma massa com dentes
afiados.
Tentáculos se moviam pela água perto de mim.
Mas tudo o que me importava era Jannik. Onde ele estava?
No final de um tentáculo esticado, vi meu companheiro
agarrado com firmeza. Ele era puxado em direção àquelas presas,
apesar das tentativas frenéticas da criatura de se libertar das lanças.
Ele foi puxado em minha direção. Eu não tinha nada, nem
mesmo uma faca. Agarrando o tentáculo enquanto ele arrastava meu
companheiro, puxei sua aderência.
Jannik flutuava, sem lutar.
Agarrando-me a ele, ao membro que o segurava, eu dei um
tapa em Jannik.
Se ele engasgasse com o golpe, tudo estaria acabado.
A água e a correnteza diminuíram a força do meu golpe.
Ainda assim, seus olhos se abriram com o leve golpe.
Entre nós dois, tentamos segurar o monstro. O tempo
estava se esgotando. Ambos precisávamos respirar.
Mas o desejo do monstro de se libertar nos ajudou. Ele
alcançou as flechas do atlatl que o prendiam e nos soltou.
Emergimos, ofegantes.
A água turbulenta imediatamente nos banhou, mas Jannik
estava livre!
As árvores emaranhadas foram levadas pela correnteza,
levando consigo o horror com tentáculos. Eu nadei em direção à
margem.
Olhei, mas Jannik não estava seguindo. Ele tinha
desaparecido novamente.
Merda.
Ele sabia nadar?
Mergulhando sob a superfície, vi sua sombra e estendi a
mão para ele. Seu shi-na envolveu meu pulso como por instinto.
Isso não era bom. Ele só nos puxaria para baixo. Eu chutei
os pés, agitei o braço livre, mas não conseguia mover nós dois.
Nosso vínculo deve ter transmitido a ele algo do minha
angústia, pois a gavinha me soltou.
Jannik afundou como uma pedra.
Humanos eram quase flutuantes, exigindo pouco esforço
para boiar.
Datrum também eram?
Aparentemente não.
Eu nadei além dele. Se suas gavinhas, seu shi-na, me
agarrassem novamente, estaríamos ambos acabados.
Quão fundo esse rio poderia ser? Nem sequer estava aqui
ontem. Finalmente, toquei o fundo. O tempo corria desesperadamente
curto. Acima, distingui Jannik contra a superfície brilhante.
Calculando o tempo o máximo possível, dobrei
completamente os joelhos. Impulsionando-me.
Enquanto nadava desesperadamente em direção ao ar,
quase perdi Jannik enquanto ele afundava. Mas consegui agarrá-lo
pela tanga, consegui colocar um braço debaixo do dele.
Não me agarre, shi-na!
A superfície brilhante estava muito além do meu alcance.
Minhas pernas chutavam freneticamente, mas eu não sentia meus pés
devido ao frio. Não havia como eu conseguir. Meus pulmões gritavam.
Finalmente, minha cabeça emergiu. A primeira respiração
foi interrompida por uma onda. Engasgando, chutando, tomei outra.
Flutuando atrás de Jannik, mantive sua cabeça acima da superfície
agitada.
O rio nos arrastava rapidamente. Quando procurei pela
margem, não reconheci nada, os amigos de Jannik tinham ficado para
trás. E ainda assim, nós corremos com o rio inundado.
Quanto tempo eu poderia aguentar isso? Precisávamos
chegar à margem. Abaixo, senti o frio roçar dos caçadores
subaquáticos. Até agora, eles nos tinham ignorado, mas não duraria
muito.
— Jannik, você pode me ouvir? — Sussurrei em seu
ouvido. — Não posso mantê-lo flutuando por muito tempo. Você sabe
nadar?
Ele não respondeu, a cabeça pendendo contra meu ombro.
— Por favor, Jannik!
Era estúpido. Todo esse esforço...
— Ai! — Minha cabeça bateu em algum detrito flutuante.
Um galho robusto de árvore, em sua maioria despojado de folhas,
seguia rapidamente com a correnteza junto a nós.
Era grande o suficiente para usar como boia. Mas Jannik
ainda não estava respondendo. A sensação de suas costas contra mim
era a única coisa que me mantinha em movimento. Tentando ficar perto
do tronco, tentei levantar seu braço. Fora da água, parecia pesar uma
tonelada.
Ofegante, apertei seu antebraço. Como ele fazia aquelas
gavinhas funcionarem? Dedos dormentes buscaram em sua pele. Ali,
como uma calosidade ou uma cicatriz. Esfreguei com meu polegar.
Jannik soltou um gemido.
Como uma bala, o tendão muscular, o shi-na, explodiu de
seu pulso. Ele se contorcia, tentando ficar fora de seu alcance, vi
quando agarrou o tronco. Segurou firmemente. Agora eu segurava
Jannik para nos mantermos à tona.
Acima, as nuvens se dissiparam, mas o céu permanecia
escuro. Brilhando, malévolo, o ponto amarelo brilhava através do céu
cinza, e a chuva continuava caindo em uma garoa lenta e persistente.
Finalmente, nosso tronco encalhou, galhos contra o fundo
nos giravam suavemente. A margem indistinta, ainda tentei empurrar
naquela direção. Não importava o que pudesse estar lá, tínhamos que
sair da água.
Será que eu poderia arrastar Jannik para fora?
De jeito nenhum.
Enquanto nos arrastávamos pela lama, mais detritos
flutuantes rolavam em nossa direção. Com impactos estrondosos,
árvores enormes colidiam. Se algo viesse em nossa direção, estávamos
perdidos.
Impotente, observei uma obstrução de troncos se formar.
Agindo como uma barragem parcial, a correnteza fluía para longe de
nós, nos deixando encalhados na margem.
E agora? Jannik estava deitado sobre mim, seu shi-na
ainda envolvendo nosso tronco. Eu não conseguia me mover.
De uma noite de sexo quente para um dia de água gelada,
eu estava acabada.
Olhei para as florestas ao meu redor. Havia algo familiar
nelas? Todas as florestas pareciam iguais por aqui. Jannik se afastou
de mim, tossindo água.
— Você está bem? — Coloquei a mão em seu ombro.
Por um longo tempo, ele não respondeu. Minha mão em
suas costas sentiu o movimento de sua respiração.
— Você me salvou? — ele finalmente disse.
— Acho que sim.
Lentamente, ele se levantou, seus olhos examinando nossos
arredores.
O rio continuava rugindo, a chuva continuava caindo.
— Você pode se mover na água.
— Posso nadar, sim.
Com um gemido, ele se levantou. Em seguida, ele estendeu
a mão. Não chegamos muito longe. Ambos nós sentamos no nosso
tronco salvador.
— Eu gostaria de aprender isso. — disse ele.
Pelo que pude ver, a terra estava inundada.
— Talvez você precise aprender logo.
39 - JANNIK

Um novo rio, um novo lago, céus sombrios, um olho


amarelo irritado nos encarando. Eu ajudei Sam a se levantar.
— Eu sei onde estamos.
— Não estamos muito longe? E sua perna?
— Uma lua de caminhada. — eu disse. — Mas não agora.
Ela tremia de frio.
Precisávamos de abrigo.
Infelizmente, eu sabia onde encontrar abrigo.
Juntos, subimos uma elevação baixa. Atrás de nós, troncos
que haviam obstruído o rio cederam. Com um rugido, o rio avançou.
Sam tropeçou. Eu a segurei firme com uma mão em seu
ombro.
— Deixe-me carregar você.
Ela balançou a cabeça.
— Você quase se afogou. Olhe para você, mal consegue ficar
em pé.
— É minha própria culpa.
Sam se afastou.
— Não é culpa de ninguém.
Mas então ela lançou um longo olhar sujo para o Olhar do
Pavor.
A enchente não havia alcançado essa altura, mas a chuva
constante transformara a terra em um lamaçal. Subimos a colina por
um tempo.
Onde a selva ficou densa, procurei uma trilha de caça. Ela
corria como um riacho.
— Quanto falta? — Sam respirou.
Continuamos a avançar.
— Não longe.
Subimos a colina até que o terreno se nivelasse.
Acima das árvores, outro cume apareceu.
Mas logo, um caminho largo e queimado revelou o céu
furioso.
Sam observou a devastação.
— O que aconteceu aqui? Raios?
— Não. — eu disse, apontando.
No final do caminho sinuoso e carbonizado, um reflexo
apareceu apesar da escuridão.
Sam me lançou um olhar interrogativo.
Continuamos, agora mais rápido, o caminho estava livre.
O ar cheirava a fumaça e sangue, sem alívio pela
tempestade. Sam ficou para trás e depois parou, seus olhos arregalados
de agitação ao perceber nosso destino.
— Eu não quero ir para lá. — ela disse, balançando
lentamente a cabeça.
— Há abrigo lá.
— Mas a caverna...
— Isso é mais perto.
A cabeça da serpente-celeste que a havia trazido e suas
amigas até aqui estava meio enterrada no final de uma vala. Já não
soltava fumaça nem vapor. A chuva escorria por sua superfície.
Lembrando as portas abaixo da aldeia de pedra, ela tinha a
cor da água de um lago. Talvez com cem passos de comprimento,
arredondada como uma colina, a coisa maligna caída do céu se erguia
ameaçadoramente.
Verificando se Sam estava seguindo, eu caminhei atrás da
inclinação angular. A escuridão pairava, impenetrável além da porta
quadrada.
Rastros de sangue seco quase foram lavados pela chuva
intensa. Ao longo das luas que se passaram, os carniceiros fizeram seu
trabalho.
— Eu não quero entrar lá. — argumentou Sam.
— Tem comida? — Eu perguntei gentilmente.
— Provavelmente. — ela murmurou.
— Roupas?
— Talvez.
— Estará seco? Aconchegante?
Seus olhos ficaram quentes.
— Está bem. Vamos entrar.
Quando chegamos ao topo da inclinação, tochas artificiais
brilhavam. Sangue seco manchava o chão liso. Eu mal me encaixo nas
cavernas lá dentro.
— Se preferir, podemos reunir o que houver aqui e, em vez
disso, nos acomodarmos no abrigo de pedra onde te vi pela primeira
vez. — eu disse.
Seus lábios se apertaram com força por um momento
quando ela se encolheu.
— Aquele lugar é tão ruim quanto esse.
Suspirei.
— Então poderíamos reunir qualquer coisa útil e ir para
outro lugar. Precisamos descansar. Depois, precisamos encontrar uma
maneira de ir para o norte.
Ela franziu a testa.
— Eu não sei muito sobre naves estelares.
— O que seria mais do que eu sei.
Sam desviou o olhar.
— Você não entende. Eles nos sequestraram. Nos
colocaram em gaiolas.
A raiva queimou através de mim, a lembrança da criatura
que ousou tocá-la, colocar suas mãos em sua delicada garganta, quase
o suficiente para me fazer desprezar a cautela, incendiar todo este lugar
de fantasmas.
Mas isso não nos serviria agora.
— Então estou feliz por termos matado todos eles. — eu
disse. — Também não gosto daqui. Até o cheiro está errado. Mas não
temos nada, e precisaremos de muito para sobreviver sozinhos.
Ela cruzou os braços.
Por um tempo, pensei que ela não fosse falar, então ela
suspirou, seus ombros se curvando ligeiramente.
— Pode haver kits de emergência perto dos pods de escape.
Se eles realmente tinham pods de escape. Ninguém escapou quando
caímos.
— Onde? — Agora que eu a trouxera até aqui, ela precisaria
ser nossa guia.
— Talvez por aqui. Eu não sei de que espécie eram os
piratas, ou quem construiu essa nave.
Eu segui.
Esta serpente do céu era muitas, muitas cabanas ou uma
única tão grande que eu não conseguia compreendê-la.
Como a aldeia de pedra, encostas cortadas levavam para o
interior.
Tochas sinistras se acendiam com nossa passagem, me
assustando a cada vez.
— Este lugar parece assombrado. — eu disse. — Tabu.
— Aqui — ela finalmente disse. Algum tipo de cestos
coloridos foram empilhados juntos. Ela puxou dois deles. — Kits de
emergência. Espero que haja algo útil. Mas estou saindo daqui. Hora
de partir.
— Concordo.
Rapidamente, refizemos nosso caminho e logo estávamos de
pé novamente sob a chuva.
Sam me mostrou como amarrar uma das cestas em minhas
costas, e eu peguei a outra enquanto ela protestava.
Ela estava fraca demais para carregá-la, mal conseguindo
acompanhar meu ritmo.
As árvores se tornaram mais escassas, a terra se elevando,
cheia de pedras e escorregadia de lama. Uma pedra do tamanho de
uma cabana se projetava do chão, inclinada o suficiente para
proporcionar algum abrigo da chuva.
— Ali.
O solo ali estava molhado, mas não havia mais terra seca
em lugar algum ao sul. Teria que servir.
— Vou tentar acender o fogo.
— Espere. Talvez não precisemos. — Sam pegou a cesta de
mim e tirou um pacote quadrado de tecido, com uma cor tão brilhante
que doía meus olhos. — Precisamos encontrar uma maneira de fixá-lo.
Ela puxou um laço grosso, e o tecido brotou como uma
planta sombria. Eu recuei quando ele sibilou para nós. Rapidamente,
o cobertor se transformou em um pequeno abrigo. Uma maravilha.
Levou um momento para seguir as instruções dela e fixar a
cabana de tecido no chão.
O vento ondulante não mudou sua forma.
— Entre. — ela disse.
Mal havia espaço para dois, mas não me importei. Ela
ocupou-se com as cestas, tirando itens estranhos de dentro delas.
Tapetes brilhantes, cubos embrulhados, algum tipo de estátua de
adoração?
Ela envolveu um tapete sobre meus ombros.
— Isso vai prender o calor do seu corpo.
Então, ela tocou a estátua. Ele respondeu com um brilho
vermelho de dentro. Eu me afastei dele, mas um momento depois, me
aproximei. Continha um fogo!
Pela primeira vez o dia todo, me senti aquecido.
Usando uma das cestas como mesa, ela arranjou os cubos
embrulhados em cima.
— Este foi um dia terrível. — ela disse. Fez uma pausa. —
Noite.
— Estamos vivos. É isso que importa.
Ela se encostou em mim.
— É mesmo? Sinto que nos encontramos, mas perdemos
tudo o mais. Suas pessoas. As minhas.
Senti sua tristeza ecoar em meu coração. Puxando-a para
mais perto, compartilhei a capa reflexiva.
— Iremos aguentar. Seu coração se acalmará depois que
você dormir.
Sam não olhou para mim.
— Aguentar. Isso é tudo que a vida é agora?
— Por enquanto, estamos aquecidos. Não estamos sendo
molhados pela chuva. — Dei de ombros. — Coisas pequenas, mas boas.
— Ah. E temos comida.
Onde?
Ela pegou um dos cubos. Com uma lágrima, ela o
descascou como a fruta menos apetitosa imaginável. Ele continha algo
marrom.
— Aqui. Coma. — Ela me entregou a outra.
Seguindo seus movimentos, descasquei o cubo. Sam
mastigava sua porção. Nenhuma expressão de prazer apareceu em seu
rosto.
Dei uma mordida duvidosa. A textura era inesperada.
Terrível.
— Não é muito apetitoso. — ela disse. — Mas é nutritivo.
Tristemente, mastigamos a substância. Apesar de eu
mencionar os aspectos positivos, nossa refeição nos deixou
desanimados.
— O que você acha? — Ela levantou seu pedaço de
"nutrição" para mim.
— Acho que tem gosto de fezes. — eu disse.
Sam começou a engasgar, e rapidamente bati em suas
costas.
Então percebi. Não estava engasgando. Estava rindo.
— Não é de admirar que seus captores cheirassem assim.
— eu disse.
Ela se inclinou para mim. Risadas estrondosas iluminaram
o abrigo, aquecendo-o mais do que a estátua de adoração. Os tons de
sua alegria me contagiaram e eu ri junto.
— Tem gosto de... — Novamente, ela irrompeu em risadas,
me abraçando com força. Eu podia sentir em seu corpo.
Aparentemente, o humor levava seu povo às lágrimas. Ela enxugou os
olhos. — Ah! Cara. Eu realmente precisava disso depois de tudo o que
passamos.
Entreguei a ela a substância alimentar.
— Gostaria do resto das minhas fezes?
Sua cabeça caiu para trás, a boca aberta, o corpo tremendo
agradavelmente com sua gargalhada estrondosa.
— Não estou com fome. — eu disse. — Meu povo não come
esterco.
Ela jogou as mãos no peito, rindo.
— Pare! — ela engasgou. — Pare!
Espalhada contra mim, tremendo, quase sem respirar,
fiquei preocupado com ela. Finalmente, ela deu um suspiro profundo.
— Oh! — Ela balançou a cabeça. Em seguida, me abraçou
com força. — Jannik. Não sabia que você era engraçado.
Eu esfreguei suas costas, permitindo-me desfrutar das
sensações de sua pele macia e quente, seu aroma encantador.
Então, de uma alegria cintilante e lacrimosa, seus olhos
ficaram sérios. Ela deslizou a mão pelo meu braço, olhou nos meus
olhos e jogou sua substância alimentar na cesta.
Assim como cada movimento, cada toque, seu olhar me
excitava.
Mas o que minha maravilhosa companheira estava fazendo
agora?
40 - SAMANTHA

Este horror de dia... e então a nave pirata.


Eu mal conseguia me forçar a entrar lá dentro, mesmo para
procurar suprimentos que desesperadamente precisávamos, e uma vez
lá, as lembranças do nosso cativeiro, do nosso aprisionamento, me
transformaram em uma criança assustada.
Eu estava preocupada em ser expulsa da aldeia.
Agora nem sequer havia uma aldeia.
Não tínhamos nada.
Eu estava acasalada com esse homem enorme, em um
planeta que parecia se despedaçar.
Exausta, congelando, molhada, meu espírito havia
mergulhado.
E então...
Jannik me fez rir. Esse pedaço de homem alienígena
realmente tinha senso de humor. Isso me chocou. Interrompeu meu
crescente desespero.
Seria minha mente cansada, o retorno de algum espírito, o
calor, o abrigo...?
Não, era ele. Apenas sua presença era o suficiente para me
fazer sentir assim.
Peguei em seu braço. Seus músculos eram além de firmes,
a pele texturizada. E seu pulso - passei o polegar ao longo de uma linha
transversal, observando fascinada enquanto ele se contorcia com a leve
pressão.
— Minha shi-na…
É sensível, eu pensei. Encarando seus olhos, movi minha
língua ao longo da linha fina, sentindo-a pulsar.
— Você gosta disso.
Ele ofegou, parte surpresa, parte prazer. Apertei seu braço
com mais força, passei a ponta da língua de forma mais insistente até
que seus músculos se tensionassem.
Jannik arqueou as costas ligeiramente, tremendo com o
esforço de se manter no controle.
— Você…— ele respirou.
A musculosa extensão respondeu, tocando minha boca
suavemente, como uma língua grossa contra a minha. A extremidade
tinha formato de cunha, a pele ondulando. Eu a coloquei na minha
boca e Jannik gritou. A extensão estremeceu, explorando,
entrelaçando-se com a minha língua.
Eu recuei minha cabeça.
— Você quer que eu pare?
Ele não respondeu, apenas ofegou.
Eu tomei isso como encorajamento para continuar.
Novamente, eu coloquei o órgão na minha boca. Eu tinha
visto seu poder, o que ele era capaz de fazer.
Sua sensibilidade eu apenas suspeitava. Mas, como
Dratum se sentia tão em casa na escuridão, eles devem ter usado essas
extensões para entender o mundo ao seu redor, como os bigodes de um
bagre, as antenas de um inseto, os receptores elétricos de um tubarão.
Eu não conseguia entender isso; estava além dos meus
cinco sentidos, mas o sentido acompanhava a sensibilidade, não é? Eu
lambi a extensão. Com um arrepio, ela me lambeu de volta.
Jannik gemeu, contorcendo-se enquanto eu me movia para
o outro braço dele. A primeira extensão se estendeu, envolvendo meus
ombros, acariciando meu pescoço. Enquanto provocava a segunda
extensão, a primeira me segurou, me guiou.
— Sam — ele sussurrou. — O que você está fazendo?
Retirando minha boca da segunda extensão, eu me arrastei
por cima dele. Nossos rostos estavam a poucos centímetros de
distância.
— Nos acasalando. — eu disse.
Minha mão desceu por seu abdômen marcado para
encontrar seu pau já pulsando dentro de sua roupa. Extensões
moviam-se sobre meu rosto, meu corpo, massageando sedutoramente.
Com os dedos trêmulos de desejo, desamarrei sua roupa
para finalmente ter uma boa visão de Jannik sem roupa.
Seu pau não era muito diferente do de um homem humano,
um membro longo e grosso, mas mais espesso, quase exigindo duas
mãos para envolver sua circunferência, e proporcionalmente mais
longo.
Suas listras continuaram ao longo do eixo, mas aqui
ganharam textura, fileiras de pequenas saliências que envolviam seu
pau.
Estremeci, lembrando de como elas tinham me feito sentir
por dentro na noite passada, me levando ao frenesi a cada investida,
então passei minha língua por elas, sentindo-o crescer ainda mais
enquanto eu explorava.
Lancei um olhar para a extensão que brincava com meu
lóbulo da orelha, tocando suavemente minha bochecha.
— Abaixe. — eu murmurei.
Gavinhas percorreram meu corpo, desamarrando o tecido
do meu peito, a tanga sendo puxada para baixo e sobre meus pés. Era
como se os braços sensoriais tivessem uma mente própria. Uma
necessidade própria.
Lambi a superfície avermelhada de seu pau, fazendo
círculos ao redor. Mesmo assim, ele crescia em minha mão.
— Sam ... — ele ofegou. — Sam, não é assim que
acasalamos.
— É assim que acasalamos. — eu disse, batendo no meu
peito com a mão.
— Não, eu te dou prazer. Te dou prazer até você poder me
receber...
Apertei suas bolas e ele gemeu, se mexeu.
Ao meu redor, o shi-na se abraçava, latejando. Um deslizou
sobre a minha bunda.
— Deite-se. — eu sussurrei. — Eu quero que seu shi-na
me explore.
Com isso, eu o coloquei em minha boca, pelo menos o
quanto eu conseguia aguentar. Abaixo, os tentáculos quentes se
espremiam, movendo-se sinuosamente. Um brincou com a minha
bunda.
Gemendo, movi minha cabeça para baixo, engolindo mais
dele. Próximo à base de seu pau, vi movimento. Outro shi-na? Quando
fazíamos amor na caverna, eu tinha certeza de que algo extra estava
acontecendo, meu clitóris sendo massageado enquanto ele me
penetrava.
Movendo minha boca para lamber ao longo de seu pau,
foquei no que estava vendo.
— Ei, garotinho. — sussurrei, acariciando a extensão
menor com a ponta do dedo.
Ela endureceu, esfregando de volta.
— Sam…
Sua palavra se transformou em um grito animal quando
coloquei o pequeno shi-na em minha boca, chupando e lambendo. Um
clitóris masculino. Não é de admirar que ele soubesse como me fazer
um oral tão bom. Eu o manipulava do jeito que eu mesma gostava.
Sucção suave, muita língua.
Uma gavinha grossa gentilmente abriu meus lábios
inferiores, vibrando e massageando meu monte. Contraí-me contra ela,
enquanto a outra circulava minha bunda, sondando suavemente.
A sensação estranha enviou um choque pelos meus nervos.
Inclinei-me contra o shi-na, instigando-o silenciosamente. Um deslizou
para dentro da minha bunda, me fazendo ofegar. O segundo...
Ondulando, ele me penetrou. Não era duro como um pênis
ereto, a sensação, o movimento insistente, tão intensamente
estimulante. Menor que o pau de Jannik, ele penetrou ainda mais
profundamente em uma parte de mim que respondeu com algo próximo
da violência.
Brincando com seu tentáculo, coloquei a cabeça de seu pau
em minha boca novamente, mais fundo, enquanto suas mãos se
enroscavam em meu cabelo. As mãos que guiavam tornaram-se
punhos. Ele empurrou minha cabeça para baixo, usando minha boca,
meu rosto. Ao mesmo tempo, a invasão quente dentro de mim acionou
uma bomba lenta.
Eu podia sentir Jannik chegando ao limite, suas sensações
se tornando minhas através do nosso vínculo de acasalamento. Nunca
tinha percebido o poder da excitação masculina. Quando ele gozou, foi
como um tiro de espingarda em seu sistema.
Ao mesmo tempo, os tentáculos me proporcionavam prazer,
ondas lentas me banhando e depois se chocando. Jannik explodiu em
minha garganta enquanto meu orgasmo me afogava. Eu me esforcei,
engolindo, recebendo seu fluxo de lava em erupção, o sabor estranho e
reconfortante, como uma especiaria que nunca tinha experimentado,
mas que rapidamente poderia passar a desejar.
Eu desabei em cima dele, membros sem força, tremores
percorrendo meu corpo. Suas mãos deixaram meu cabelo, percorrendo
meu corpo. O toque inspirou tremores mais profundos e eu gritei contra
seu abdômen.
Satisfação maior que o orgasmo me invadiu. Eu o tinha
controlado, trazendo esse gigante para se render a mim. Era o alívio de
estresse supremo. Suspirei contra seu corpo quente e suado, minha
pele uma poça de nervos formigantes.
Mesmo nesta tenda, à beira do esquecimento sacudido pela
tempestade, senti que poderia dormir.
Ele me segurou junto a ele, respirando pesadamente, sem
dizer uma palavra. Eu sorri. Através de nosso vínculo de acasalamento,
eu sabia que tinha deixado sua mente em branco. Assim como outras
partes. Ri baixinho com o pensamento bobo.
— É assim que acasalamos agora? — ele sussurrou em
meu cabelo.
— Incrível, certo? — ri contra ele.
Ele riu de volta, mas o som era muito mais sombrio. Seus
tentáculos continuaram em movimento, deslizando suavemente sobre
minha pele suada.
Um deles deslizou ao longo do meu braço, até o meu pulso,
enquanto o outro percorria meu corpo, envolvendo suavemente o meu
pescoço.
Uma parte de mim se deleitava com o movimento suave.
Mas outra parte ficou alarmada.
— Incrível. — ele repetiu.
Então, ambos os meus pulsos foram amarrados e o outro
shi-na me virou de costas. Jannik se posicionou sobre mim, com os
olhos selvagens.
— O que você está fazendo?
O segundo tentáculo envolveu minha cabeça, cobrindo
minha boca. Quando tentei me mover, era como se estivesse presa por
correntes de ferro.
Ele segurou seu pênis ainda rígido com uma mão,
pressionando-o entre meus seios. Com as mãos envolvendo, os
polegares manipulando cuidadosamente meus mamilos, ele apertou
meus seios juntos, bombeando entre eles.
Eu tentei me contorcer, mas ele me segurou firme, a
brincadeira desapareceu de seus olhos. Ele acariciou, brincou,
concentrado, bombeando com mais força. Ele ficou mais rígido,
segurando meus seios de forma brusca.
— Pensei que você fosse delicada. Tratei você com
gentileza. Mas parece que você está ansiosa para experimentar a forma
como realmente acasalamos. — ele rosnou.
Através da mordaça em minha boca, minhas mãos
amarradas, sua expressão intensa, senti um arrepio de medo.
Superando isso, havia uma sensação molhada e excitada de
antecipação.
Ele soltou meus seios, seu pênis agora ereto. Mãos quentes
percorreram meu corpo.
— Você é linda. Tão desejável.
Estremeci, em parte de medo. Como se eu não pesasse
nada, ele me virou de costas novamente. Os tentáculos pressionaram
minha cabeça para baixo, agarrando meus braços com força. Suas
mãos levantaram meus quadris ainda mais. Os dedos brincaram
brevemente com minha boceta encharcada antes de me penetrarem, se
movendo em meio aos meus sucos. Eu gemi contra a mordaça.
Ele me massageou, me deixando mais molhada.
— Você já me levou ao orgasmo uma vez, então isso vai
demorar muito. Mas então, você trouxe isso para você mesma.
Entrando em mim bruscamente, meu corpo respondeu.
Meu rosto foi pressionado contra o chão, meus quadris erguidos para
facilitar sua entrada. Em uma única e interminável investida, ele me
esticou. Eu grunhi quando ele não conseguia entrar mais fundo.
— Muito tempo. — ele ofegou. Seu quadril batia na minha
bunda. Ele não estava sendo gentil. Quase imediatamente, ele começou
a movimentar, quase saindo por completo, pressionando até o fundo.
Impotente, amarrada, com o rosto humilhantemente
pressionado no chão, eu desejava isso. Suas mãos seguraram meus
quadris dos dois lados, unhas cravando enquanto ele investia,
implacável. Eu o recebi, grunhindo como um animal. Talvez eu o tenha
controlado brevemente, mas nada comparado a isso.
Continuou, uma martelada implacável. Com o tempo, sua
velocidade, seu poder aumentaram. Eu me entreguei à besta dentro
dele, liberei o selvagem em mim. Seus movimentos molhados, meus
gemidos involuntários, sua respiração profunda lutavam com o sibilar
da chuva torrencial.
De muito, muito fundo, um brilho brotou em meu ventre,
labaredas de paixão percorrendo minhas veias, arrancando um gemido
de mim.
Como resposta, ele deu um tapa forte em minha bunda. A
dor, o ritmo! Será que isso duraria para sempre? Eu queria que ele me
possuísse, me usasse para o seu prazer.
Ele atendeu ao meu desejo, investindo em mim sem parar.
Lentamente, meu segundo orgasmo se construiu, como
uma dor na minha alma. Sem falar, uma força da natureza, ele me
fodeu.
Quando ele alcançou um ritmo mais selvagem do que eu
podia suportar, eu gritei. Um terremoto de prazer me despedaçou. No
entanto, ele não cedeu, continuou arrancando ainda mais êxtase de
mim, me espremendo completamente.
A sensação era avassaladora, mas ele me segurava
firmemente, me possuindo como queria.
E como eu queria.
Novamente, a sensação ardente se construía, explodia, me
envolvia. Ele percebeu, com a respiração ofegante. Eu precisava que ele
continuasse. Silenciosamente, implorei para que ele gozasse, meus
pensamentos dispersos, nuvens que se desfaziam ao meu alcance.
Mais? Oh, Deus. Outro orgasmo me despedaçou. Gritei
contra o tentáculo contra a minha boca. Ao fazê-lo, senti-o se enrijecer,
crescer ainda mais dentro de mim.
Ele se soltou, me inundando, penetrando mais
profundamente do que era possível. O êxtase fervente me preencheu.
Ainda assim, ele continuou. Com um grito, ele se libertou. Eu caí no
chão da tenda.
— Jannik. — eu engasguei.
A ferocidade se suavizou. Lentamente, ele me abraçou, nos
cobrindo com o cobertor térmico. Beijos suaves roçaram meu pescoço.
— É assim que acasalamos agora. — disse ele em meu
cabelo.
41 - JANNIK

Não tinha a intenção de possuí-la com tanta ferocidade,


mas algo dentro dela exigia isso.
E algo dentro de mim também.
Nenhuma luz da manhã iluminava esta cabana de tecido,
mas eu sabia que era de dia.
Ela se mexeu contra mim, uma mão quente em meu peito
— Jannik. — ela disse suavemente. Em seguida, com a
cabeça aconchegada em meu pescoço, ela voltou a dormir.
Eu me deleitei com a sensação dela, o calor contra mim.
Mas cedo demais tivemos que deixar este lugar.
Com um toque de remorso, a acordei.
— Nós devemos ir.
Piscando, seus olhos eram suaves. Depois endureceram ao
perceber a realidade. Nossa situação era sombria.
— Devemos revisitar a espaçonave. — ela disse, vestindo-
se.
Isso me surpreendeu.
Ela se submeteu a mim, se submeteu completamente, mas
seu espírito estava inquebrantável. Depois de nosso acasalamento
selvagem, temia que não fosse assim. Sua essência era muito do que
me atraía nela. Senti um breve senso de alívio.
— Coisas terríveis aconteceram lá. — eu disse
cautelosamente. — Aconteceu com você.
Sam assentiu.
— Eu odeio aquela nave. Mas há coisas que podemos usar.
Eu estava uma bagunça ontem. — Ela olhou nos meus olhos. —
Precisamos voltar.
Tentei ajudá-la a arrumar acampamento, mas só
atrapalhei. Observando-a, talvez eu possa ser mais útil da próxima vez.
A chuva continuava, mas o Olhar do Pavor não deixava de
nos encarar lá de cima.
Carregando nossos equipamentos, eu a guiei de volta pela
trilha dos animais. Sons de folhagens se mexendo vinham das
profundezas da selva.
— Jannik — ela sussurrou. — Tem algo lá fora.
E então, estava na trilha. Pele preta e escorregadia, cauda
chicoteante, uma boca cheia de presas. Eu não o conhecia, exceto como
um predador tanto da água quanto da terra.
Sem paciência, liberei meu shi-na, rosnando.
Com um longo olhar avaliador, ele desistiu dessa refeição.
Se escondeu novamente nas árvores.
— Não conheço bem as feras da Estação das Trevas. —
admiti. — Geralmente, a aldeia já teria se mudado nesta época.
— Então é melhor irmos para algum outro lugar também.
— Sam concordou.
Logo, chegamos à pilha brilhante. Ela permanecia como
antes. Assombrosa e estranha, silenciosa exceto pelo oco som da chuva
em sua pele.
— Precisamos procurar melhor desta vez. — disse Sam. —
Os cobertores de emergência térmica são bons, mas precisamos de
roupas mais quentes. Mais comida.
Eu levantei uma sobrancelha para ela.
— Que tal eu caçar em vez das frutas fecais?
Ela assentiu, os lábios curvando em um sorriso que
acendeu uma resposta calorosa em meu peito.
— Isso pode ser melhor.
Nossa passagem pela serpente do céu foi lenta desta vez,
minuciosa.
Na frente, tínhamos uma visão da selva além. Tronos
cresciam no chão. Dispositivos mágicos como aqueles na cidade de
pedra estavam por toda parte.
Seguimos em direção à cauda. Em várias cabanas,
encontramos roupas. Eu encontrei botas que serviam em meus pés.
Sam disse que elas não combinavam. Mas meus pés eram o único lugar
onde elas serviam.
Pedaços das carapaças da criatura pendiam nas cabanas
de sono. Sam colocou um chapéu brilhante em mim.
— Fofo. — ela disse, me beijando.
Eu o mantive.
Vestimentas de uma cor desagradável pendiam em uma
cabana pequena.
Mesmo as maiores ficavam apertadas em mim. Mas melhor
do que apenas um pano em meio a essa chuva eterna.
Sam colocou uma delas em si mesma. Fiquei triste em ver
sua pele coberta, mas isso a protegeria do frio.
Seus pés nadavam nas coberturas para os pés, mas eles
poderiam ser amarrados com mais firmeza com trepadeiras.
No local onde havíamos encontrado as cestas e a barraca
de tecido, Sam procurou novamente.
— Aha. — Ela levantou outra cesta. — Nós poderíamos
usar isso. —
— Eles têm lançadores? Dardos? — Perguntei.
Uma arma seria bom. No molhado, seria difícil criar algo
assim.
— Eles usam um tipo diferente de arma. — disse ela.
Lembrei-me das lanças desajeitadas que brilhavam com
luz. Pareciam inúteis para mim.
Sam abriu mais cestas. Ela amarrou uma cobertura
reflexiva sobre si como uma capa e amarrou outra em mim.
— Não é perfeito, mas nos manterá mais secos. — disse
ela.
No caminho de volta para fora, ela virou por outro caminho.
— Sam, onde você está indo?
Seus passos diminuíram.
— Só preciso ver uma coisa. Não deve demorar.
Algo em sua voz me preocupou, uma tensão que não estava
lá antes.
Não demorou muito e entramos em outra cabana, uma
longa mesa curva pressionada contra um lado da sala, lembrando-me
nada mais do que o lugar de magia de Grexi, onde as fêmeas haviam
recebido nossa língua.
Sam ficou em pé sobre a mesa, seus dedos pressionando
levemente marcações que não faziam sentido, seu olhar distante,
focado em algo que eu não podia ver.
— O que é este lugar?
Ela não se virou.
— É como eles nos trouxeram até aqui. — ela respondeu
depois de um longo momento. — Bem, caiu aqui, na verdade. Mas eu
não sei o suficiente sobre naves espaciais para saber se isso voltará a
funcionar.
Um choque me atingiu no estômago, roubando o ar dos
meus pulmões.
Nós tínhamos nos acasalado, ela havia se entregado a mim
em toda a sua glória.
E mesmo assim ela tentava me deixar? Por todas as suas
palavras doces, ela seria minha destruição.
Talvez meu pai estivesse certo.
Avançando, agarrei seu braço.
— Você é minha canção do coração. Por que você faz isso?
Incapaz de se libertar, suas narinas se dilataram de raiva.
— Eu já disse antes! Eu não vou deixar de ser eu mesma só
por causa de algum ritual. — Seu lábio se curvou com raiva. — Claro,
foi um ótimo sexo, mas você não me tirou todo o sentido.
Puxando-a para mais perto, eu pairava sobre ela.
— Então, da próxima vez, vou me esforçar mais. — prometi.
— Até que você nunca pense em sair do meu lado.
Sua respiração prendeu na garganta, suas pupilas
dilatando à medida que a tensão nos envolvia mais intensamente.
Respirando fundo, forcei-me a soltar meu aperto.
— A menos que a serpente do céu possa nos levar embora
daqui, devemos partir. Temos um longo caminho pela frente.
— Tudo bem. — ela respondeu de forma ríspida e saiu da
cabana, voltando pelo caminho que havíamos percorrido.
Em silêncio, deixamos a serpente do céu para trás e
subimos a elevação que nos afastava da selva.
Rapidamente, ela se tornaria uma ilha.
O rio havia transbordado novamente, formando um vasto
lago, e agora mesmo uma forma escura e perigosa emergiu e submergiu
na superfície.
— As colinas costeiras foram invadidas pelo oceano.
Criaturas marinhas agora ocupam essas novas águas. — eu disse. —
Com fome, sem dúvida.
— Como as do rio? — Sam perguntou.
Aquelas, e muito piores, eu pensei. Mas ela estava falando
comigo novamente, aquele estranho e irritado interlúdio esquecido.
Majoritariamente.
— Sim. — foi tudo o que eu disse.
Ela se virou lentamente, avaliando nossa situação.
— Temos que atravessar a água. — disse ela.
Uma avaliação sólida. Mas também impossível. Entre a
correnteza ainda agitada, o frio e as criaturas aquáticas, não
conseguiríamos sobreviver.
— O único jeito é seguir o rio, achar uma travessia.
— Já fizemos isso. — disse Sam. — Não, obrigado.
Eu olhei para a vasta água ao redor.
— Estou aberto a sugestões.
— Eu tenho uma ideia. — disse ela. — Precisamos descer
até a margem...
Sam se virou.
Eu também ouvi. Passos no solo rochoso.
Nada apareceu. Apenas a serpente do céu estava em minha
visão.
A selva densa poderia esconder qualquer coisa.
Estávamos sendo perseguidos? Ou havia um animal muito
tímido para se mostrar?
Sam desviou o olhar.
— Talvez devêssemos sair daqui.
Também era um bom pensamento.
Descemos pela trilha dos animais.
Ela terminou abruptamente na margem da água. O lago
apareceu durante a noite. No entanto, predadores continuavam a
emergir, buscando seu novo lar.
— O que são eles? — Sam olhou, olhos arregalados.
— Não tenho nome. Eles vêm aqui na Estação das Trevas
para acasalar e comer o que o clima deixou para morrer. Quando a
Estação Quente retornar, eles voltarão aos seus mares escuros.
— Como salmão. — disse ela. — Mais ou menos.
Um deles espirrou, mostrando dentes negros para nós, e
submergiu.
Eu a encarei.
— Qual era a sua ideia?
Ela havia trazido a cesta consigo. Agora, ela simplesmente
a lançou na água.
Ela chiou com isso.
E então cresceu. E cresceu. Brilhantemente colorida e
tremendo como uma criatura emergindo de um ovo, ela se espalhou
pela superfície.
— O que é?
— Um barco. — disse ela.
Eu balancei minha cabeça.
— Tecnicamente, uma jangada. — O que não significava
nada. — Espero que haja um motor.
Mais uma vez, eu não entendia.
Segurando-a firme, ela subiu em cima dela.
— O que você está fazendo?
Ela pegou varas com as pontas achatadas e as mergulhou
na água.
— Suba. Vamos tentar nos manter próximos das áreas
rasas.
— Você… nós…
Nós iríamos flutuar? Esses monstros emergiam com
frequência, presumivelmente em busca de presas.
— Isto facilitará a viagem. Especialmente se tudo estiver
inundado. — argumentou. — Talvez seja mais rápido.
Mais rápido seria bom. Ainda assim, a ideia de me segurar
como isca para os predadores nadadores não me atraiu.
— Confie em mim. — disse ela.
— A confiança não está em questão. Parece que não temos
outra opção...
Um zumbido na minha cabeça. Explosão de relâmpagos. A
escuridão tornando-se ainda mais escura.
Olhos arregalados, boca aberta num grito que não consegui
ouvir, Sam saltou da coisa balançante e mergulhante. Enquanto ela se
dirigia à margem, um halo escuro a cercava.
Meu rosto bateu no chão molhado.
Nada...
42 - SAMANTHA

Com horror, observei Jannik desabar no chão. Um


relâmpago havia acabado de brilhar, refletindo cegamente em seu
capacete bobo, na manta térmica.
Vê-lo deitado imóvel quase me congelou no lugar. Sem ele,
sozinha, não duraria nem um dia aqui.
E não estava certa se eu iria querer.
Ajoelhando-me, senti um cheiro de queimado. O que tinha
acontecido? Rolei-o de costas, buscando freneticamente por um pulso.
Lá estava. Fraco, mas estava lá.
Senti sua respiração fraca com a palma da minha mão, mas
era frágil.
O que aconteceu com ele?
Olhei para seu rosto relaxado.
— Você pode me ouvir, Jannik?
Por favor. Oh, por favor, deixe-o me ouvir.
Ele precisava ser tirado dali. Será que eu conseguiria
arrastá-lo até a nave espacial? Ele era tão pesado, mas eu teria que
fazer isso.
Talvez fazer outro trenó, como o que os meninos puxaram
quando sua perna estava quebrada?
Haveria suprimentos médicos, uma enfermaria naquela
nave pirata? Dado o modo como atacavam outras naves, eles deviam
ter algo.
Me virei para avaliar a distância, e meu coração subiu à
minha garganta.
— Finalmente, entendi.
Oh, merda.
Um dos piratas se aproximou lentamente de mim, sua
armadura tilintando com a chuva. Rosto de caranguejo cinza e
tremulante, olhos esbugalhados me observaram. Observaram Jannik.
A arma energética em suas mãos estava apontada para mim.
— Por isso você era tão valiosa. — ele continuou.
Eu não conseguia falar.
Cuidadosamente, ele cruzou o terreno molhado com suas
botas.
— Pensei que era suicídio atacar uma embarcação da GGA.
E depois o saque? Ridículo.
Ele fez um gesto com a arma, a mensagem era clara.
Levante-se.
Levou um momento para eu superar meu terror repentino.
Com mais firmeza, ele fez novamente um gesto com sua arma.
Me levantei, olhando para Jannik. Ele não respondeu. Não
se moveu.
Afastei-me dele, esperando que o pirata não prestasse mais
atenção em Jannik.
— Quem poderia imaginar que a Aliança traficava com
profissionais do sexo experientes? — disse o pirata.
Finalmente, encontrei minha voz.
— O quê?
— A maneira como você enfrentou aquele gigante? Quente.
— disse ele. — A coisa dos tentáculos? Vou ter sonhos molhados por
um mês. Gosta de ser amarrada? Ou é só um trabalho?
Olhei para ele com raiva. Como ele tinha nos visto fazendo
amor?
Ele parecia ler meus pensamentos. Batendo em um
monóculo articulado em seu capacete, as mandíbulas da criatura se
abriram. Seria um sorriso?
— Espectro completo, baby. Faz as paredes de uma barraca
ficarem invisíveis.
— Você nos espionou?
— Espionar? — Ele tirou uma mão da arma e fez um gesto
de bombeamento na frente dos quadris. — Que show. Quanto uma
garota como você vale? Não estou falando por noite. Mas o que você
vale para a GGA? Milhares? Dezenas de milhares?
— Não sou uma profissional do sexo! — Queria pegar
aquela arma, enfiá-la em sua garganta. — Jannik é meu companheiro.
— Era seu companheiro. — o pirata riu. Que som feio e
borbulhante.
— O que você vai fazer comigo?
— Te manter na sala de carga, carnezinha. Nossa frota se
encontra em órbitas ao redor de planetas horríveis como este porque
não há presença da GGA. Francamente, dada a instabilidade do eixo
orbital, estou surpreso que haja formas de vida aqui. Quanto mais
criaturas semissentientes como essa.
Criatura semissenciente, foi assim que esse idiota o
chamou.
Meu companheiro.
Mas ainda assim, Jannik não se mexeu.
— Ou então eu encontro nosso transceptor. Envio uma
mensagem. Mas, considerando o quão bem você se dá com
alienígenas… — ele sorriu — talvez possamos apenas esperar por uma
nave passar. Você pode ser uma ótima companhia. Nós dois,
encalhados em um planeta alienígena de merda. Inferno, é
praticamente romântico. Especialmente se você gosta de estar
acorrentada.
— Você é nojento.
— Ei, talvez eu também tenha tentáculos. Isso te aqueceria,
baby?
— Você é um pirata imundo. Um sequestrador. Você cheira
mal.
Ele deu de ombros.
— Talvez depois de alguns dias sem água, você mude de
ideia.
Então ele gesticulou com a arma.
— Vamos.
Por um momento, discuti comigo mesma. O que seria pior?
Ser baleada e deixada para morrer neste mundo hostil, ou passar
qualquer quantidade de tempo como prisioneira desse pirata nojento?
Ele refletiu:
— Fico imaginando quanto você valeria a menos com
apenas uma perna.
Apontando a arma ligeiramente para baixo, ele fechou um
olho, mirando.
Droga. Não havia escolha. Com uma perna só, nunca
encontraria uma maneira de escapar disso.
Caminhei na direção dele.
— Devagar, querida. Do jeito que você gosta. Pelo menos
no começo. — zombou o pirata.
Ao me aproximar, eu buscava desesperadamente uma
maneira de arrancar a arma energética dele, espancá-lo até a morte
com ela. Seus pequenos olhos arregalados ficaram cautelosos.
— Vire de costas para mim. Mãos para cima.
Eu obedeci. Então senti suas mãos me revistando. Ele
demorou mais em certos lugares, o que me fez sentir mal. Finalmente,
eu havia tido o suficiente. Empurrei suas mãos para longe.
— Calma, garota. A propósito, bela roupa. — Ele me
empurrou por trás. — Mexa-se.
Comecei a voltar para a nave pirata destruída.
— Talvez sejamos mais parecidos do que você pensa. Nós
te roubamos, você nos roubou...
— Nos seus sonhos, cara de lula. — eu disse entredentes.
— É, eu já sabia que você era atrevida. Você e eu vamos
nos divertir.
Não vai acontecer.
Eu encontraria alguma maneira de escapar. Ou matar essa
criatura. Uma ideia ocorreu.
— Sua nave não é capaz de voar pelo espaço?
— Inferno, eu não sei. Parece quebrada pra mim. Seus
gigantes verdes acabaram com a tripulação, o engenheiro, o piloto,
então agora sou só eu. Bem, eu e você, pelo menos.
Mais uma vez, a risada borbulhante. Nojento.
Ele me forçou em direção às árvores, a nave desaparecendo
quando entramos na floresta. Minha mente trabalhava em ritmo
acelerado. Assim que estivéssemos na trilha, eu poderia me esgueirar
pela selva. As árvores me protegeriam da arma.
— Se você sequer se mexer do jeito errado, eu vou queimar
sua doce bunda.
Eu teria coragem?
Então, antes de seguirmos pela trilha, eu percebi um
movimento no canto do olho, de volta à margem do rio.
Será que Jannik havia se movido?
Era uma luta não olhar para trás. Mas eu não podia
entregá-lo.
Se houvesse alguma chance de que meu companheiro
estivesse vivo, eu queria que ele tivesse essa chance.
Os galhos nos envolveram. Eu caminhava à frente do ser
maligno e armado. Após uma caminhada tensa, avistei a seção superior
da nave pirata.
Meus passos diminuíram. Eu não queria entrar lá com ele.
Por trás, ele empurrou meu ombro.
— Vamos, garota, está chovendo pra caramba.
Nós contornamos a espaçonave destruída e mantive meus
olhos fixos à frente. Isso não podia estar acontecendo. Não de novo.
Mas, ao virarmos para o lado da rampa da nave, eu peguei
outro vislumbre de movimento nas árvores.
Jannik?
Subindo pela rampa, a nave ocupava todo o meu campo de
visão. Será que Jannik estava me seguindo?
Ou era apenas minha mente brincando comigo,
desesperada para acreditar que ainda havia esperança?
A nave nos engoliu, afastando a selva da vista.
Fui empurrada por um corredor.
De volta às celas de detenção.
Mais uma vez, eu era prisioneira, cativa dos piratas.
Fui empurrada para a mesma cela. Ao me virar, o pirata
fechou a gaiola com força.
— Nós nos encontraremos mais tarde. — ele disse. — Ainda
preciso encontrar aquele transceptor idiota. E agora está malditamente
escuro e chovendo o tempo todo.
Seus passos ecoaram pelos corredores vazios. Por um
tempo, ouvi a chuva caindo no casco da nave.
— Por favor, fique bem, Jannik. — eu disse em voz alta.
Parecia impossível.
— Por favor...

CONTINUA…

Este mundo alienígena enlouqueceu ao meu redor. Novas


bestas percorrem a terra, os céus estão escuros com uma chuva
incessante. E Jannik... Seus beijos exigentes, seu toque possessivo,
sua presença constante.

Ele se foi.
Ou será que não?
Provavelmente é apenas minha imaginação, mas vou
manter essa esperança desesperada queimando em meu peito, me
mantendo aquecida apesar do horror que me cerca agora.
Apenas agora percebi o que Jannik significa para mim. Mas
será tarde demais?

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