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Flutuava.
A única maneira de escapar da agonia, da coceira, dos
venenos correndo pelo meu sangue era a Postura do Rastreador.
Concentrando-me em minha respiração, olhos fechados, eu
buscava a luz interior, a escuridão exterior.
Na floresta, no meio da noite, ela ampliava meus sentidos.
Ao mesmo tempo, me tornava imperceptível para a minha
presa.
Inspire. Expire. A dor fazia parecer que levava uma
eternidade para alcançar um estado de calma.
Em algum momento, minha mente pessoal se desconectou.
O mundo natural me envolveu, permeou cada respiração minha.
Sentindo a atividade ao meu redor, os afazeres da aldeia,
deixei minha mente vagar. Logo, minha consciência se movia em
direção à natureza selvagem.
Canções dos pássaros e gritos dos planadores, o ronco de
um espreitador nas moitas, vibrações de um rebanho de herbívoros em
movimento, o balançar dos galhos, sombras do alto, olhos brilhantes
nas tocas profundas e frescas...
Um com a natureza selvagem, tracei as trilhas dos animais.
Guardei os caminhos amplos do meu povo.
Persegui com os predadores, me escondi com as presas.
Dor, desconforto, eu mesmo, tudo se tornou distante,
indetectável.
Nesse estado de êxtase, suportei.
Por uma eternidade, permaneci assim.
Até que a canção do coração me trouxe de volta. Mesmo
nesse estado insensível e flutuante, senti a presença da Garota
Crepúsculo se aproximando.
Ao som de sua voz, fui me aproximando da consciência.
Não. Relaxe. Respire.
Desapareça na onisciência. Mergulhe no esquecimento.
Ela gentilmente tocou meu braço. A canção do coração,
aumentando, preenchendo o vazio que eu havia criado.
— Ele está bem? — Sam perguntou.
— Em estado de caçador. — respondeu Grexi. — Isso é
bom. Eu não aguentava mais ouvir suas reclamações.
— Mas ele parece…
— Ele está em um transe profundo, mais profundo do que
o sono. É curativo. E você? Estudou nossos caminhos? O que você
acha, Sam?
— Parece tudo tão... — Ela pausou por um longo tempo. —
Idílico. Pacífico.
Grexi bufou.
— Não por muito tempo. Tenho observado as estrelas. Em
breve, a aldeia se renderá ao caos. Iremos migrar para o Vale ao Norte.
A jornada nunca é organizada, não importa o quanto planejemos. — A
curandeira suspirou. — O chefe, Suvo, pai de Jannik, não acreditará
em mim. Ele não confia nas mensagens dos céus.
— Se acontece todo ano... — Sam começou.
— Não. — Grexi a interrompeu, e mesmo em meu estado
distante, eu conseguia imaginar o movimento brusco de suas mãos. —
O início da Estação das Trevas não é regular. Sinais dela aparecem, o
comprimento do pelo do jaroor, o florescer de bagas brancas, o
desaparecimento dos cascos, dos voadores, dos planadores da floresta.
Mas pode ser previsto pelas estrelas. Quando a constelação dos
jaroores acasalando se apaga, a nova estação está próxima.
Seguiu-se uma longa pausa. Eu só tinha certeza da
presença de Sam, nada mais. Sua voz baixa finalmente me alcançou.
— Você conhece as estrelas. — disse ela.
Grexi fez um grunhido de confirmação.
— Eu sei que você vem de uma estrela, alguns de suas
companheiras de outras.
— Minha estrela é amarela, não vermelha como a sua. —
Sam admitiu. — Mas eu gostaria de saber o que mais você entende
sobre elas.
— Você considerou minha oferta? Você seria minha
aprendiz? Ou algum outro dever necessário chamou você? — Grexi
perguntou. — Como minha aprendiz, eu te ensinaria tudo o que sei.
— Eu sei primeiros socorros. Imobilização de ossos,
bandagens, suturas quando estive desesperada. Mas os métodos de
cura do meu povo, nossas práticas de cura, são mais parecidos com o
que é encontrado nas ruínas. Poções. Medicamentos. — disse Sam.
— Há pouco que eu sei dos Antigos costumes, embora
valorize o conhecimento.
Mesmo com minha canção do coração forte diante de mim,
eu flutuava novamente.
Quanto tempo flutuei, não sabia.
Mais uma vez, a sensação de sua presença me trouxe mais
perto do reino da vigília.
— Já vi homens treinando. — minha canção do coração
disse. — Vocês estão se preparando para a guerra?
— Para a viagem ao norte. — respondeu a curandeira. —
Outras tribos se encontrarão no Vale. Algumas serão amigáveis. Outras
não. Se não forem, lutaremos pelo direito de viver lá.
— E se vocês perderem? — Sam perguntou.
Uma longa pausa se seguiu. Finalmente, uma resposta
relutante.
— Aqueles que lutamos e vencemos não foram mais
ouvidos.
— O Vale é importante.
— Compartilharemos com outras tribos. Mulheres serão
trocadas. Nossas aldeias são pequenas. Precisamos de estrangeiros.
— Vocês têm cuidado para evitar a endogamia7. — Eu
apenas vagamente entendia o termo. A voz de Sam se tornou sombria.
— E nós todos somos estrangeiras.
— As trocas são consensuais, como é nosso costume. Em
sua maioria.
— O que você não está me dizendo? — A voz de Sam ficou
séria. — Isso parece um lugar perfeito, um Éden.
Um nome de lugar? Eu não sabia.
— Em três dias, o conselho se reunirá. Você será
formalmente convidada a se juntar, a solicitar um aprendizado com
nossos líderes de guilda. E...
— Sério, Sam!
Ignorei Lizzie. Os aldeões estavam escolhendo aqueles que
me caçariam. Nenhum deles me parecia capaz, exceto o jovem alto e
com expressão de arrogância que estava ao lado de um dos anciãos.
Gitak. Ao contrário dos outros, ele me encarava diretamente.
Uh oh.
— Por que você está fazendo isso? — Lizzie se aproximou
de mim. — Você não quer uma companheiro.
— Eu estou me tirando da disputa. — eu sussurrei.
— O quê?
O pai de Jannik era o chefe. Enquanto eu observava, ele se
afastou sem indicar seu próprio filho para o grupo de caçadores.
Então, para meu choque, a curandeira o fez.
Minha mentora.
Como ela pôde? Por que ela fez isso? Jannik ainda estava
muito machucado para caçar.
Olhei pela multidão para uma sombra entre as árvores. De
alguma forma, eu sabia que Jannik estava lá, observando de longe. Ele
provou que eu estava certa ao avançar com passos largos.
Como ele conseguiu esconder que mancava, eu não tinha
ideia.
Ainda assim, com o osso de Jannik curado, havia uma boa
chance de escapar dele assim como dos outros. Exceto o arrogante
Gitak. Eu não conhecia sua história, mas ao contrário dos outros, ele
parecia em excelente forma.
Sorte para mim que eu não contava com minha habilidade
física.
Jannik abriu caminho pela multidão para ficar na frente de
seu pai.
— Por quê? — foi a única palavra dele, tão baixa que quase
não ouvi.
Suvo não encarou os olhos de seu filho.
— Você não está pronto.
Jannik zombou e caminhou em minha direção.
— Por que você fez isso? — ele perguntou, com a voz
sussurrando ferozmente.
Cruzei os braços sobre o peito.
— Talvez eu tenha decidido que quero me juntar à aldeia.
Ele abaixou a cabeça, quase enfiando o nariz na minha
cara.
— Não foi por isso que você fez isso.
— Estou jogando pelas regras do seu povo, não as minhas.
Seus olhos se aqueceram lentamente, e um pequeno sorriso
se espalhou por seus lábios.
— Você acha que pode escapar de mim. Negar nossa canção
do coração. Acha que, por causa da minha perna, eu não posso caçar.
Eu lutava para não dizer nada. Se ele já estava desconfiado
de mim, e claramente estava, confirmar suas suspeitas só prejudicaria
minha estratégia.
Jannik baixou ainda mais a voz.
— Eu vou caçar você, Sam. E você será minha.
Com outro olhar intenso e feroz, ele se virou e desapareceu
na multidão.
Após um momento, o chefe respirou fundo e levantou a
mão.
— Amanhã, quando a primeira lua se refletir no lago de
barro, a caçada começará. A presa correrá. Ao nascer da terceira lua,
os caçadores seguirão. Assim seja.
— Assim seja. — respondeu a multidão.
— Eu não posso acreditar em você. — Elizabeth sussurrou.
— Ninguém te culparia. — disse Jeannie. — Jannik é um
gostoso.
— Claro, ele é um gostoso, mas quebrou a perna apenas
algumas semanas atrás. Como ele pode caçar? Agora você nunca
poderá ficar com ele. — disse Lizzie.
Não ficar com ninguém era o plano. Eu não podia admitir
para ninguém que agora não estava tão certa... mas, até estar, seria
como sempre.
Eu não disse nada, ainda abalada pela promessa nos olhos
de Jannik.
— Aagh! — Lizzie levantou as mãos como garras sobre a
cabeça e foi embora, frustrada.
Jeannie deu de ombros.
— Isso é meio idiota, Sam. Você pode acabar com aquele
outro cara, o filho do líder de guerra. Ele parece bem em forma.+
— É mesmo. — Shorena me fixou com olhos
perscrutadores. — Por quê?
Suspirei.
— A Estação Seca acaba em breve. Provavelmente antes da
próxima Lua do Caçador. O resto de vocês não precisará correr. Pelo
menos, não até depois de nos mudarmos. Isso nos dará mais tempo.
O que era verdade, mas apenas parte da minha razão.
Eu precisava que essa tribo sobrevivesse. O resto dos meus
planos não funcionaria se eu morresse de fome ou fosse devorada por
um predador. Eu também precisava da minha liberdade. Essa era a
única maneira de consegui-la.
Jannik não está tentando tirar sua liberdade, disse a parte
traidora da minha mente.
Não, ele só queria que eu fizesse o trabalho sujo por ele.
Dessa forma, eu nunca poderia dizer que ele me enganou ou me
seduziu para isso.
Ele era um maldito bom caçador.
E aposto que, quando chegasse a hora, seria realmente,
realmente sujo.
Me dei um tapa mental. Controle-se, garota.
Acima de nós, a luz da lua diminuiu e massas escuras se
agitaram, escurecendo a aldeia.
— Não vemos chuva desde que chegamos aqui. — disse
Cathy. — Estação Seca, certo?
Lilstra se abraçou.
— Está frio!
Enquanto caminhávamos em direção à cabana, fiquei ao
lado de Jeannie.
— Como é aquele lago de barro?
— Com menos de um metro e meio de profundidade. Talvez
uns cinco metros de diâmetro. Como uma grande banheira de
hidromassagem, e acho que é para isso que serve.
— Ah, sim?
— Sim, um grande banho de lama. Ritual, acho. Os caras
que te perseguem fazem isso primeiro. — disse Jeannie.
Ouvi passos atrás de mim.
— Camuflagem? — A voz de Shorena.
O Dratum tinha boa visão noturna. Ela se estendia além do
espectro visível para nós? O barro pode bloquear isso.
— Você ouviu mais alguma coisa sobre a caçada de
companheiros?
— Haverá tambores de pele. Os construtores estão
fazendo-os. — disse Shorena.
— Um banquete pela manhã. — disse Lilstra. — Os
caçadores derrubaram animais grandes.
— E peixes. — disse uma das irmãs cinzentas.
A outra acrescentou:
— Dobro da captura. Nos disseram que significa que a
Estação das Trevas está quase chegando.
— Uma época de desova. — disse a primeira irmã.
— Adequado. — Cathy olhou para mim.
— Várias das ceramistas são mulheres. — disse Jeannie.
— Elas disseram que a caçada de companheiros geralmente é um jogo.
Tipo, uma garota gosta de um cara, então ela espera no escuro até vê-
lo. Aí ele “a captura”. — Ela fez aspas com os dedos. — O que significa
muito sexo quente a noite toda.
— Aha. — Lilstra disse. — Eu sabia que havia um lado bom
nisso.
— Isso faz mais sentido do que agressão sexual. — disse
Cathy.
— Você não acha que isso é meio quente? — Jeannie disse.
— Você acha excitante ter sexo com algum cara só porque
ele pode correr mais do que você? Não. Não é assim que eu escolho
meus parceiros. Escolha sendo a palavra ativa aqui. Minha escolha. —
disse Cathy.
— Ele não está apenas correndo mais do que você! Isso
seria bobagem. Não, ele está te perseguindo, te observando do arbusto,
absorvendo cada movimento, olhos magnetizados para sua pele
brilhante, seu corpo nu iluminado pelas luas... — Jeannie estremeceu.
— Já chega, Jeannie. — Cathy franziu o cenho.
— Ooh. Me arrepiei!
— Eles esperarão que você fique perto da aldeia. Você
realmente só conhece a floresta na borda da clareira. Já que você esteve
naquela cidade, sabe que a floresta morro abaixo é mais segura. —
disse Shorena. — Eles também sabem disso.
— Nossos captores piratas caíram a cerca de uma noite de
caminhada daqui. — disse Lilstra. — Se você pudesse se lembrar do
caminho, chegaria lá ao amanhecer e talvez estivesse a salvo.
Nos aproximamos da cabana, tateando pela lâmpada e
caixa de fogo que tínhamos deixado do lado de fora. Felizmente,
Shorena era boa em acender fogo rapidamente. No brilho das faíscas e
no resplendor das aparas, a curandeira apareceu à nossa porta.
— Precisamos conversar. — ela me disse.
O resto das mulheres seguiu Shorena para dentro,
lançando olhares em nossa direção enquanto passavam. Uma conversa
baixa começou.
Liderando com sua bengala, percorremos o caminho por
onde havíamos vindo.
— Por que você está fazendo isso?
— Por que você escolheu Jannik? — Perguntei.
Seu rosto se abriu em surpresa.
— Eu não escolheria outro. Você...? — Ela estendeu a mão,
colocando a mão sobre o meu coração.
— O que você está fazendo?
— Você ouviu a música? A canção do coração dele? — ela
perguntou.
Eu? Havia tantos pensamentos desordenados em minha
cabeça.
Mas então, fui lançada a este lugar estranho.
— Não sei. Eu nem sei o que isso significa.
A lembrança daquela música estranha dos meus sonhos se
insinuou sobre mim, e eu a afastei. Seja lá o que fosse, não estava me
reivindicando.
Grexi retirou a mão e tristeza passou rapidamente por seus
olhos antes que ela desviasse o olhar.
— Tive que escolhê-lo. Ele é teimoso demais, muito mesmo.
Se ele não fosse escolhido, quebraria nossas leis. Tê-la como sua
companheira o exilaria de nosso povo. Talvez você também. Dois
sozinhos não podem sobreviver por muito tempo.
Eu parei em choque.
— O quê?
— É tabu caçar uma companheira se não for escolhido. Ele
jogaria sua vida fora por você. E você, Sam? Por que pede para correr
como presa? — Ela parou de andar. — Você quer um companheiro?
Outro que não seja Jannik?
— Eu não quero companheiro.
Ela se virou para mim, chocada.
— Você não está familiarizada com esta terra. Como espera
escapar dos caçadores? Embora apenas Jannik, dos escolhidos, seja
um verdadeiro caçador, todos os rapazes aprendem. Receio que tenha
cometido um grave erro de cálculo.
Um calafrio percorreu minha espinha. Eu tinha um plano.
De repente, parecia uma ideia estúpida.
Ela não tinha mais nada a dizer, então segui em direção à
cabana, parando quando uma figura emergiu das sombras. Por um
minuto, pensei em ignorá-lo, mas provavelmente era melhor ver o que
ele queria agora. Prevenido é prevenido.
Aproximei-me lentamente, perguntando por que era tão
difícil vê-lo como um adversário. Bem, na verdade, não me perguntava.
Maldito ele e seus beijos mesmo assim.
— O que você quer, Jannik? — Eu perguntei em voz baixa.
De comum acordo, nos movemos para a parte de trás da
cabana, onde havia menos olhos enquanto as outras mulheres se
aproximavam e entravam.
Ficamos frente a frente, e ele olhou para mim, seus olhos
de alguma forma brilhando mesmo na escuridão da noite.
— Diga-me que você não ouve minha canção do coração.
Diga-me, e permitirei que outro guerreiro a capture amanhã.
Eu franzi a testa para ele, não gostando da palavra
"permitir". Veríamos se ele tinha o poder para "permitir".
— O plano é que nenhum guerreiro me capture. — Hesitei,
depois cedi. — Não é que eu não goste desta aldeia. Nem mesmo é que
eu não... sinta algo por você. Mas tenho que manter minhas opções
abertas. Não posso desistir de toda a minha vida ainda, de tudo o que
planejei. E se eu estiver acasalada... — Vacilei.
Se eu estivesse acasalada, especialmente com Jannik, ele
já deixou claro que não seria capaz de me deixar partir.
Endireitei os ombros.
— Se eu partir para as estrelas e prometer fazer tudo o que
puder para voltar assim que encontrar meu irmão, você não caçaria
amanhã?
Essa era uma opção que não tinha ocorrido a mim até
agora, uma espécie de compromisso. Isso não abordava minha aversão
natural à vida selvagem, mas... entre mim e as outras mulheres,
poderíamos construir alguma infraestrutura básica.
Trazer alguns confortos aqui. Eu até poderia trazer um
pouco de tecnologia comigo. Seria um benefício para todos, certo?
Devagar, Jannik balançou a cabeça.
— Você não entende. Um de nós vai capturá-la amanhã. É
impossível que você consiga escapar de nossos guerreiros. Serei eu ou
outro. — Ele fez uma pausa, estreitando os olhos um pouco. — É isso
que é, é que você quer outro?
Pisquei diante do repentino rosnado em sua voz, um pouco
surpresa. No fundo da minha mente, eu sabia que ele era possessivo,
mas ele nunca tinha demonstrado ciúmes tão evidentes antes.
Acho que demorei muito para responder, porque ele se
aproximou de mim, diminuindo a pequena distância entre nós.
— Sam — ele disse, sem que sua voz suavizasse. — Não
tenho feito tudo o que posso para provar que seria o melhor
companheiro para você?
Ele deslizou uma mão ao redor da parte de trás do meu
pescoço, seus dedos apertando. Eu bati minhas mãos em seus ombros
enquanto ele se inclinava. Eu não tinha certeza se ele ia me beijar ou
rosnar em meu rosto.
— Não seja ridículo. — eu retruquei. — Claro que não há
ninguém que eu queira mais do que você.
Parei de falar, me dando outro tapa mental. Ótimo. Minha
boca grande. Em minha defesa, eu estava um pouco abalada.
Um sorriso lento e presunçoso se formou em um lado de
sua boca.
— Então, eu vou caçar você. Eu vou capturá-la. E nós
decidiremos o assunto do seu irmão depois.
Abri a boca para protestar contra essa ordem de eventos
quando ele me beijou.
Era o mesmo e diferente. Antes, ele ainda estava no meio
da cura e eu conseguia fingir que estava pelo menos parcialmente no
controle.
Agora, essa ilusão ria de mim.
Ele me puxou contra seu corpo, abrindo minha boca, seu
braço livre deslizando ao redor da minha cintura e me segurando firme
enquanto devorava meus lábios.
Como se esta fosse a última chance que ele tinha para
apresentar seu caso.
E que caso convincente.
Sentia o caso pressionando contra minha barriga e... bem
grande, devo dizer. Não é como se eu já não soubesse disso.
Ele me puxou mais para perto, seu braço mudando para
que agora sua mão livre percorresse minhas costas, pairando logo
acima da curva da minha bunda. Pontos para ele, ele não foi mais
baixo.
Eu meio que queria que ele fosse mais baixo.
— Sam — ele disse, se afastando um pouco e tornando as
palavras um sussurro persuasivo — deixe-me pegar você amanhã. Eu
farei ser bom para você. Você não me quer?
Ele tinha lábia, tenho que admitir.
Mas era mais do que um jogo. A intensidade em sua voz
sugeriu sentimentos mais profundos do que luxúria - mas eu já sabia
disso também. Ele nunca escondeu que o desejo por mim ia além do
físico.
Canção do coração.
E... uma parte de mim também sentia isso. Eu tinha que
sentir, caso contrário não estaria tão em conflito. Não apenas por causa
do bom P. . .tão bom quanto o P provavelmente seria.
Dei um passo para trás, me libertando. Ele resistiu por um
segundo, tempo suficiente para provar que se ele quisesse me prender,
ele poderia. Então ele me soltou.
Jannik balançou a cabeça.
— Você calculou mal, Sam. Se não for eu, será outro.
Continuei me afastando lentamente.
— Talvez. Talvez não. Acho que você está me subestimando.
Acho que vou lhe dar uma boa corrida.
Ele sorriu novamente.
— Espero que sim. Espero que você me dê uma corrida
muito, muito boa, e então eu darei a você uma muito boa. . .corrida.
— Não posso simplesmente desistir, Jannik. Eu não posso
simplesmente ceder sem nem lutar.
O divertimento masculino e sensual se dissipou em algo
sombrio. E mais uma vez, a compreensão suave em seus olhos.
— Eu sei, senão você não chamaria meu coração. Que o
melhor guerreiro vença.
Eu sabia que ele estava falando sobre nós, não os outros
homens.
35 - JANNIK
Minha ideia foi de boa para não tão boa para terrível. A
chuva caía, e caía forte. Não tinha chovido desde que chegamos aqui.
Hoje à noite? Monção.
É claro.
Não havia como eu fazer a jornada até a nave pirata caída.
Com apenas uma vaga ideia de onde ela havia pousado, nunca a
encontraria nessa tempestade.
Por que eu deveria ouvir Lilstra, afinal? Eu voltei ao meu
plano original.
Por um minuto, pensei que tudo havia acabado. O primo de
Jannik e um homem que eu não conhecia começaram a se beijar na
lama, quase arruinando a primeira parte do meu plano. Por algum
motivo, eu não havia imaginado que essas pessoas, tão obcecadas por
acasalamento e reprodução, poderiam ter uma visão mais ampla da
sexualidade.
Por outro lado, com um desequilíbrio de gênero tão
profundo, fazia todo o sentido.
Eles saíram da lama, dando tapas, agarrando, beijando.
Embora tenham passado a poucos metros de mim, estavam tão
envolvidos um com o outro que não me perceberam escondida, e
provavelmente não se importaram.
Os caçadores se cobrindo de lama não faziam diferença
para mim. Eles não entendiam isso? Mas isso me manteria mais
escondida deles.
Com o caminho livre, dei um mergulho rápido. Ofegando
com o frio, puxando minha blusa agora pesada de volta no lugar, segui
para onde ninguém iria. Especialmente se você estivesse vestido
apenas com um pano.
Não era uma boa ideia atravessar a clareira. Cortando
caminho em direção às árvores, segui morro acima. Na metade do
caminho, parei. Virei-me.
Havia olhos em mim. Procurei nas sombras.
Alguém estava observando, tinha certeza disso.
Não vendo nada, minha única opção era seguir em frente
rapidamente.
Para me manter fora de vista, eu tinha que dar uma volta
mais longa, levando muito mais tempo do que eu queria passar ao ar
livre. Segui em frente, serpenteando entre os troncos, sem ousar seguir
um caminho. Isso poderia deixar para trás...
— Pegadas!
Uma voz que eu não conhecia gritou. Mas dos seis homens
escolhidos para me perseguir, eu conhecia apenas Jannik bem, e seu
primo Gitak de vista.
Esse era um dos outros quatro.
Eu só considerava Gitak uma ameaça. Ele caçava, era um
guerreiro. Agora percebi que tinha que lidar com outros. Eles estavam
determinados a acasalar, mesmo com uma forasteira.
Nenhum deles me atraía de forma alguma. Jannik tinha
sido o único que chamou minha atenção, mas ainda estava muito
debilitado para caçar com sucesso, mesmo que a curandeira o tivesse
selecionado como um dos meus pretendentes.
A voz gritada vinha de trás de mim. Pegadas, droga. A
chuva. Em breve, o chão poderia estar tão encharcado a ponto de
escondê-las. Por enquanto, eu me comportava como uma lebre.
Contornando os largos troncos das árvores, fiz oitos. Dessa
maneira sinuosa, esperava confundir meus perseguidores.
Cuidadosamente, voltei pelo mesmo caminho até um galho
baixo e então saltei alto para alcançá-lo.
Pendurada lá, tentei lavar meus pés na chuva, antes de
perceber que estava apenas derrotando o propósito daquele mergulho
frio na lama.
Melhor torcer para que a chuva limpasse o galho. Me puxei
para cima e mais alto.
Galhos se cruzavam a alguns metros de altura, uma rede
de caminhos robustos. Semicerrando os olhos, rastejei ao longo deles.
Em minha mente, isso seria fácil.
Agora, cada movimento ameaçava me fazer cair ao chão.
Minha garganta apertou.
Se eu desmaiasse ao cair de um galho, acordaria com um
homem verde ávido em cima de mim?
Segurando esse pensamento, eu me movia tão lentamente,
tão cuidadosamente, pela rede úmida de galhos das árvores celestes
sacudidas pelo vento. De tempos em tempos, eu parava. Escutava. Será
que eu conseguiria ouvir os caçadores perto de mim?
Então deixei cair um grande galho ou casca de semente.
Escutava novamente. Prosseguia.
Meus joelhos e mãos queimavam com a casca áspera e
irregular, mas eu continuava, centímetro por centímetro.
Deixei cair outra casca de semente enquanto eu pendurava
entre dois troncos massivos. Ali! Abaixo, houve um rebuliço.
Continuei atravessando o vão, abraçando o tronco do lado
oposto.
— O que ela é, uma companheira ou uma cauda-de-toco?
Vozes. Mais perto do que eu teria imaginado. Adeus a parar
e escutar.
— Ela dá voltas e mais voltas... — Dois deles. Meu coração
congelou. Quanto tempo levaria para eles perceberem que eu tinha
subido em uma árvore?
Tentando sentir ao redor, encontrei uma casca solta. A
arranquei. Lancei-a.
Mais uma vez, houve um rebuliço vindo de baixo.
— Aqui. — disse uma voz.
— Eu a peguei. — outro respondeu.
— Não se eu chegar lá primeiro!
Eu podia ouvi-los agora, passos silenciosos na terra. Galhos
se agitavam. Então, à luz das três luas, eu os vi abaixo de mim.
Silenciosamente, eu me movi para o outro lado do tronco.
— Deve estar bem aqui em algum lugar. Estou tão
preparado para isso. Você vê — aaah!
— Arrak, o que é isso? Ela está aqui... yaah! Tire isso de
mim!
Um som trinado e estridente me ensurdeceu. Até então, eu
não sabia por que a planta abaixo de mim era chamada de videira
espinhosa. Recordando das videiras que se agitavam com espinhos
afiados e mortais, quase senti pena dos meus perseguidores. Eles
usavam pouca roupa.
O rasgo que eu ouvi não era de tecido.
Um dos homens gritou.
— Ela pegou meu pé!
Lembrei-me de Jannik enfiando um pedaço de pau
quebrado no corpo subterrâneo da planta horrível. Gavinhas cortaram
o ar antes de aterrissar com sons úmidos. Ouvir isso era muito pior do
que eu tinha imaginado.
— Idiotas! — gritou uma terceira voz. Mais uma vez,
abracei o tronco, tentando me esconder.
Por um longo tempo, ouvi algo bater no chão. Gemidos de
dor. Ofegos. E então, abaixo de mim, três homens cambalearam para a
trilha, dois deles apoiados pesadamente no terceiro, mas nenhum deles
caminhava com firmeza. Mesmo na escuridão, eu podia vê-los cobertos
de sangue.
Talvez não fosse um plano tão ruim afinal. Olhei para o céu.
Restava apenas uma única lua. Tudo o que eu tinha que fazer era ficar
escondida aqui em cima até o sol nascer. Eu estava segura...
Senti um calor úmido em meu pescoço. Sustentando-me
com surpresa, mãos grandes me seguraram, evitando que eu caísse
três metros até o chão. Mais úmido, quente...
Beijos.
As mãos firmes percorriam, quentes contra minha pele
gelada. Língua, lábios e dentes incessantes em meu pescoço. Eu gemi
antes de conseguir reprimir.
— Jannik! — Sussurrei.
— Minha. — ele disse. A palavra entrou em meu ouvido
antes de sua língua.
Oh meu Deus…
Os lábios deslizaram pelo meu pescoço, beijando meu
ombro, minhas costas. Uma mão acariciava minha coxa, a outra minha
barriga.
Meu cérebro lutava para formar palavras.
— É muito perigoso aqui em cima.
— É perigoso para você em todos os lugares. — ele
sussurrou em meu ouvido.
Seus quadris se moveram contra minha bunda o suficiente
para eu sentir o comprimento rígido dele, já ereto. Ele soltou um
pequeno rosnado enquanto se esfregava em mim.
Meu coração batia tão forte em meus ouvidos que quase me
ensurdecia, minha pele derreteu com seu toque.
— Podemos cair.
— Nós dois já caímos. — ele disse em meu outro ouvido
enquanto sua mão em minha coxa se movia para dentro.
Meu medo de cair foi consumido por uma chama de paixão.
A bebida que o curandeiro me havia dado. Era uma droga,
removendo minhas inibições. Um afrodisíaco alienígena que incendiava
meu desejo além da razão, pensei. Deve ser isso.
Maldição!
Tentei me afastar, mas ele me puxou para mais perto.
Eu o deixei.
Com mãos fortes, ele ergueu meu corpo, virou-me em sua
direção. Seu polegar passou ao longo da minha bochecha enquanto
seus olhos brilhantes olhavam profundamente nos meus. Seu rosto era
tão estranho, mas a droga em meu sangue o tornava incrivelmente
bonito.
— Você vai me beijar. — disse ele.
Eu faria. Inclinando-me contra sua carne quente e firme,
pressionei meus lábios contra os dele. O gosto de sua boca fez a minha
arder. Ele me envolveu, suas mãos me incitando a beijar mais
profundamente. Suas palmas acariciaram os lados dos meus seios e
depois apertaram, o toque leve, mas possessivo.
A chuva corria pelos nossos corpos. Eu esperava que o
vapor subisse.
Então eu vi como ele nos segurava nos galhos. Aquelas
extensões alienígenas saindo de seus pulsos nos mantinham
suspensos. Ele não era humano. Não era da minha espécie.
E ainda assim, a droga que corria em mim me fazia querê-
lo ainda mais. Passei minhas mãos ao longo desses apêndices
estranhos. Eles eram lisos, musculosos, molhados pela tempestade
furiosa.
Me aproximei, o desejo me enlouquecendo. Passando a
língua ao longo do membro, senti como se fosse pele. Possibilidades
excêntricas piscaram em minha mente, faísca de desejo.
Sua mão pressionou contra o lado do meu rosto, levantando
suavemente. Cabeça para trás, ele olhou para baixo para mim, desejo
em seu olhar.
— Você se submeteria a mim?
Isso era estúpido. Isso não era parte do plano.
O plano era estúpido. O plano tinha falhado.
Acima de mim, a água escorria pelas linhas de seus traços
rudes. A chuva formava gotas em sua pele verde, revelando a forma de
músculos massivos. Olhos que buscavam me devorar.
Algo profundo em meu ventre queimava, quente e
necessitado.
Deixe-o me devorar.
— Faça amor comigo. — eu ofeguei. — Mas não aqui.
Como se eu fosse feita de nada, ele me segurou, usando as
extensões de caça para descer rapidamente da árvore em movimentos
rápidos e precisos.
A uma curta distância, a videira guinchou, então
atravessamos o chão da floresta. Ele continuou se movendo,
incansável. Logo, chegamos a uma margem do riacho. Acima de uma
abertura escura no barranco havia uma laje de pedra abrigando uma
cavidade profunda.
Quando ele me levou para dentro, mal conseguia ver que o
fundo rochoso tinha sido cuidadosamente coberto com galhos e folhas.
Ele me colocou nesse ninho.
Braços de cada lado de mim, o rosto a centímetros de
distância, ele disse:
— Agora você é minha, minha Garota Crepúsculo.
37 - JANNIK
SAMANTHA
SAMANTHA
CONTINUA…
Ele se foi.
Ou será que não?
Provavelmente é apenas minha imaginação, mas vou
manter essa esperança desesperada queimando em meu peito, me
mantendo aquecida apesar do horror que me cerca agora.
Apenas agora percebi o que Jannik significa para mim. Mas
será tarde demais?