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As coisas tomaram um rumo seriamente desagradável.
Alguém pode me deixar sair dessa montanha-russa?

Para onde quer que eu olhe, há drama e perigo prontos para atacar das
sombras. Nenhum lugar parece seguro e a confiança parece ser algo bem
raro.

Droga.
Apenas droga.

Mas as forças distorcidas que causam todo esse caos na situação devem
ser interrompidas, não importa o que aconteça. Mesmo que pareça que estou
sempre dez passos atrás.

Pelo menos tenho os beijos sensacionais da minha deliciosa Morte para me


ajudar nessa bagunça…
Death Unbound é o terceiro livro de uma série de romance M/M
Paranormal de Fantasia Urbana repleta de mistério, perigo, um necromante
tricoteiro, um ser imortal delicioso, muita excitação e cogumelos líquidos
bastante nojentos.

Este livro não é independente.


Meu pé direito mergulhou em uma poça fria de lama escondida no escuro.
Droga!
Perdendo o equilíbrio, caio para frente, as palmas das mãos raspando no
chão úmido da floresta, evitando que meu rosto bata ali. Pedras e raízes de
árvores cortam minha pele, meus dedos mergulhados na lama, meus joelhos
sendo atingidos.
Deus, isso doeu!
Respirando fundo, tentando não entrar em pânico, lentamente me levanto,
tremendo em minha camisola encharcada de hospital. Agarrou-se à minha
pele, fina como papel, sem fazer nada para me proteger da chuva e da noite
amarga de outubro.
— Isso é besteira — eu disse para a floresta escura, um leve traço de luar
espreitando por entre as árvores e as nuvens de chuva. É minha única fonte
de luz e não me serve de nada.
Atrás de mim, as luzes brilhantes do prédio onde eu estava detido minutos
atrás eram um lembrete claro de que eu estava sendo caçado pela Diretora
Superior Emma Lackey. Sim, caçado pela minha chefe e Deus sabe quantos
outros necromantes. Eu tinha sido amarrado a uma cama e drogado com um
sedativo que agora estava saindo do meu organismo. Praticamente ferrado,
até que ganhei um oitavo fio de poder – a habilidade de teletransporte – que
me levou para fora do prédio sem recursos ou roupas decentes.
Ótimo. Uhul.
Perdido no pânico que eu tentava reprimir, corri para a floresta para fugir.
Um movimento estúpido quando eu tinha um novo poder para
possivelmente brincar.
Com as palmas das mãos latejando de dor, tremendo de frio, fechei os
olhos e chamei meu novo poder para a superfície.
Foi mais fácil do que o esperado, faíscas se espalhando pela minha pele,
um exército crepitante me afogando em magia necromante verde. Pisquei
para sair do lugar próximo à poça, aparecendo a poucos metros de distância,
quase tropeçando na raiz de uma árvore.
— Porra! — Gritei.
Meu estômago embrulhou, uma bolha ácida e dolorosa subindo pela
minha garganta. Agarrei-me a um tronco úmido de árvore, com a ameaça de
uma tontura grave no horizonte, os dedos raspando a casca.
Era o novo poder ou o sedativo enfraquecido cutucando minhas
entranhas? Provavelmente uma combinação de ambos.
Deus, eu realmente precisava de um lugar quente com muitos lenços
antibacterianos e gel para as mãos. Além de alguns curativos, analgésicos e
apenas uma pitada de vinho tinto para me ajudar a ter um sono longo e
agradável.
Se apenas.
Respirando fundo, uma dor latejante migrando para meu peito, tentei me
teletransportar novamente. Concentrando-me em onde eu queria ir
enquanto me perguntava se esse poder era forte o suficiente para me mover
quilômetros e não apenas alguns metros.
Morte. Ele tinha esse poder, pelo menos antes de abandonar o trabalho e
ter suas habilidades diluídas. O afastamento dele de seus deveres foi o que
fez com que nós, necromantes, desenvolvêssemos poderes mais fortes –
poderes que nossos corpos não foram projetados para controlar. Ou nossas
mentes, e é por isso que tivemos um sério problema com necromantes se
tornando rebeldes.
— Olá.
Dei um pulo para trás ao som da voz masculina, quase perdendo o
equilíbrio. De novo. Droga. Sou um tolo vacilante esta noite.
Um homem ligeiramente translúcido e de pele rosada está parado entre as
árvores, vestindo uma capa de chuva amarela brilhante que vai até o chão.
Ele meio que me lembra o garotinho de It, de Stephen King, só que esse cara
parece ter sessenta e poucos anos e usa um boné de caça vermelho, a barba
grisalha passando pelos ombros.
Gandalf por meio de Georgie1.
— Olá — disse o fantasma novamente. — O que está fazendo aqui? Você
vai pegar um resfriado terrível com isso. — Ele apontou um dedo para mim
como se eu fosse um garoto travesso que tivesse sido pego fugindo da cama.
Seus olhos castanhos piscam, a atenção se voltando para as luzes atrás de
mim. — Aquele lugar. Morri lá.
Eu não tinha tempo para conversar, mas ele despertou meu interesse. Ele
pode ter alguma informação para mim.
— O que é aquele lugar? — Perguntei.
Ele balançou o dedo novamente. — Não seja rude comigo.
— O quê?
— Você não perguntou meu nome — ele disse, suas feições se
transformando em um sorriso de escárnio. — Tais maneiras terríveis.
— E você não me perguntou o meu — retruquei.
Ok. Hora de partir. Se algum fantasma com problemas de etiqueta
quisesse me dar um sermão sobre boas maneiras, ele poderia enfiar isso na
bunda dele. Eu não estava disposto a aceitar tal besteira.

1 Georgie Elmer Denbrough é um personagem fictício criado por Stephen King a partir de seu romance épico

de terror de 1986, It. Georgie é o irmão mais novo de Bill Denbrough e é vítima de Pennywise, o Palhaço.
Fui passar por ele, mas ele se moveu para me bloquear. Eu poderia
simplesmente passar através dele, mas ele poderia me derrubar com sua
energia cinética. E parecia que ele não teria medo de me irritar até que eu
soubesse o uso adequado de todos os talheres em um restaurante chique.
— Não tenho tempo para isso — eu disse.
— Você está fugindo.
— Por favor, não faça isso.
— Fazer o quê? — ele questionou.
— Seja o que for que você planejou.
Os olhos do fantasma eram fendas ameaçadoras, seu olhar letal, tentando
perfurar minha alma.
— O que você quer? — Perguntei.
— Isso depende — ele respondeu.
— Do quê?
— Do que você pode me dar. Se puder me provar que as boas maneiras
não estão perdidas. — Ele apontou um dedo em direção ao prédio. —
Desprezado. Tão desprezado.
Uma comoção atrás de mim, os sons dos motores acelerando, os faróis
balançando no escuro.
Oh. Merda. O tempo havia oficialmente acabado.
O fantasma riu, o som igual a um pesadelo. Deve ter sido o deleite mais
assustador que já ouvi em uma risada. Minha carne já congelada recebeu
uma camada extra de arrepios gelados envolvendo-a.
Merda. Este fantasma brilhava com más intenções. Ele queria me
machucar, emitindo tantas vibrações cruéis.
Eu o acertei com meu poder de controle, prendendo-o firmemente em
minhas mãos. Seus olhos assustadores se arregalaram de surpresa, sua boca
aberta em um 'O' silencioso enquanto ele lutava contra meu poder, como
uma mosca presa em uma planta carnívora.
Vá embora, idiota.
Os veículos que me seguiam aproximavam-se, deslizando pelo campo
molhado até à orla da floresta.
— Vá embora e cause algum caos — eu disse ao fantasma. — Realmente
acerte-os com força.
Ele emitiu um som sufocado e depois começou a correr em direção às luzes
brilhantes e aos motores.
Corri para o outro lado, superando a dor nas palmas das mãos, o chão
machucando meus pés descalços. Invoquei meu teletransporte novamente,
o estômago revirando quando as faíscas verdes acenderam meus dedos.
Tire-me daqui!
Desaparecer e reaparecer fazia minha cabeça girar e meus joelhos
dobrarem. Tropecei em um ponto diferente da floresta, tentando recuperar
o equilíbrio na beira de uma bacia. Eu falhei, caindo para frente e de lado.
— Merda! — Gritei enquanto descia a encosta íngreme e lamacenta.
Desesperado para agarrar alguma coisa, machuquei meu polegar
esquerdo em uma raiz saliente e caí de costas em uma poça de lama como
uma sopa.
— Foda-se isso — gemi, lutando para me levantar.
Gritos, um forte estrondo, metal sendo esmagado. Bom. O Sr. Assustador
estava trabalhando arduamente, ainda ligado a mim por um fio desgastado.
A lama líquida estava congelando, meus dentes batiam loucamente. Meus
dedos rasparam a lateral da bacia, arranhando a lama encharcada sem nada
sólido para me ajudar. Quanto mais eu tentava, mais entrava em pânico
quando uma compreensão de merda se instalava.
Eu estava afundando, lenta mas seguramente. Preso, a lama me
prendendo em um vácuo pegajoso.
— Oh, Deus.
Respire… Os exercícios respiratórios eram minha rotina fiel para me
impedir de desmoronar – ou entrar em um pânico paralisante.
Respire.
Respire.
Respire.
Fechei os olhos e me concentrei mais em meu poder, mesmo que meu
estômago revirasse muito. Sem alguém me tirando, ou sem um milagre, eu
me afogaria nesta lama. Eu não morreria, visto que parecia incapaz de chutar
o balde agora, então só Deus sabia que tipo de sofrimento iria acontecer.
Não. Não era algo que eu queria descobrir.
Para onde eu queria ir? Voltar para Oakthorne? Não depois que a cidade
levou um golpe forte por Nick quebrando o rubi da Morte. Eu já tinha
causado danos suficientes lá, e agora eu realmente entendia o quão
imperativo era ficar longe do amor da minha vida. Pelo menos por enquanto.
Deus, eu sentia falta dele desesperadamente, desejando seu toque, seu
rosto, tudo dele. Parte de mim esperava que ele deslizasse pela encosta
lamacenta desta maldita bacia e me levasse para um lugar seguro. Levar-me
para algum lugar quente, talvez nosso Bolsão de Margarida – um lugar que ele
fez com magia de mago. O clima lá era gloriosamente quente e romântico.
Amor e calor. Sim, era exatamente disso que eu precisava.
— Marcel!
O berro de Emma me bateu na cabeça, me trazendo de volta ao foco.
Para onde eu queria tentar ir?
Lar.
Quero ir para casa.
— Você não pode correr, Marcel!
Eu realmente não gostava da minha chefe. Na verdade, eu meio que a
odiava pela forma como ela me tratava. Mas nunca pensei que teria que fugir
dela.
— Onde você está?
Ela parecia estar muito perto.
Lar.
Quero ir para casa.
Faíscas percorreram pelos meus dedos novamente, espalhando-se pelos
meus braços.
Lar.
Passos pesados, uma voz de homem chamando, uma cabeça surgindo no
topo da bacia.
— Aqui, está aqui! — gritou o homem de capacete preto, com a arma
apontada para mim.
As faíscas aumentaram.
Emma apareceu, seu cabelo prateado elegante apesar da chuva, sua
própria pistola apontada diretamente para mim.
— Seu poder? — ela disse. — Esse é o seu poder?
Não respondi, concentrando-me na casa da minha família em Londres.
Meu espaço seguro, o lugar de onde ela me tirou, me jogando em Oakthorne.
Um santuário de calor e segurança, sempre com cheiro da comida da mamãe.
Meu.
Minha casa.
As faíscas me envolveram em um clarão de luz verde.
— Marcel!
A voz de Emma veio alta e estridente, apenas para se desintegrar,
espalhando-se no nada. O frio e a lama me libertaram, meu tapete azul
escuro do quarto me cumprimentando segundos depois.
Posicionado sobre minhas mãos e joelhos, joguei minhas entranhas para
fora. O ácido queimou minha garganta, minha língua, ardendo nas áreas
sensíveis dos meus dentes. Meu estômago latejava violentamente a cada
náusea, uma dor lancinante percorrendo minha cabeça. Onda após onda de
náusea me assaltou, prendendo-me em um ciclo de tontura.
Quando a náusea parou, desabei, com o lado esquerdo do rosto
pressionado contra o chão. Eu não conseguia me mover, meus membros
estavam pesados, nenhum músculo pronto para a ação.
Respirações profundas…
Mais fácil falar do que fazer. Cada respiração doía, provocando ondas
menores de tontura.
Cinco minutos. Eu só precisava de cinco minutos.
Minha magia necromante tremeu por dentro, cravando garras em minha
mente. Sempre senti isso à margem, a consequência invasiva de ter muito
poder.
Os necromantes eram obrigados a ser mental e fisicamente fortes, proteção
mental fornecida pela Fórmula de Assistência Neurológica Necromante –
também conhecida como Suco Necro. Caminhamos por um limite precária
todos os dias, eu mais do que nunca com minha recente atualização. A
mistura de cogumelos Chaga liquidificados e Hematita em pó ajudava, mas
nem sempre.
Por favor, não me transforme em um rebelde...
Uma agonia aguda e intensa queimou em meu crânio. Minha visão ficou
embaçada, um brilho vermelho aterrorizante passou pelos meus olhos,
infiltrando-se em minha mente. Arranhei meu couro cabeludo, um bilhão de
ácaros rastejando por ele.
— Porra! — Chorei.
Meu quarto quebrou, lembrando a vez em que o quarto da Morte na
Mansão Oakthorne quebrou após o primeiro acidente com o rubi, o mundo
tremendo. Rolei para evitar a rachadura e o líquido vermelho se espalhou
pelo meu carpete.
Eu me ajoelhei, uma vertigem severa torcendo meu interior. Outra
rachadura subiu por dentro ao lado do guarda-roupa, atravessando o teto,
com uma gosma vermelha escorrendo delas.
— O que é você? — Perguntei, com ranho escorrendo pelo meu rosto,
meus olhos cheios de areia.
O quarto tremeu em resposta, a janela rachando com a nebulosidade atrás
de mim. Abaixei-me, pensando que o vidro poderia me atingir no rosto a
qualquer momento.
— Pare! — Chorei, agarrando minha cabeça novamente.
Mas o quarto não parava de tremer, balançando com mais força em
desafio, lembrando-me quem mandava em mim, e eu era sua vadia.
Tremendo. Rachaduras. Líquido vermelho. Quase caiu na minha testa, tão
lindo quanto o rubi, mas escorrendo como gema de ovo.
Eu ri disso, com as unhas cravadas em minhas têmporas. A magia
necromante mergulhou mais fundo em minha mente, muitos dedos
mexendo em mim. Me provando. Pronto para adicionar tempero extra.
Eu caí na gargalhada, socando a parede.
Não. Eu não deveria rir. Eu não deveria ser tão agressivo.
— Deuses do quarto! — gritei por cima do terremoto, minha cama
balançando para cima e para baixo, fazendo um barulho enorme. — Imploro
que vocês me mostrem misericórdia! — Viu? Como eu não deveria rir disso?
Bufei e depois bati no nariz com a palma da mão. A dor queimou e o
sangue imediatamente escorreu junto com o ranho.
— Merda, merda, merda — rosnei, pronto para socar a parede novamente.
Não fiz isso, com muito medo dos deuses do quarto.
— Sinto muito — eu disse a eles. — Quero ser um servo leal. Eu sou
muuuito leal. Não consigo viver sem ser leal, me curvar e ser um bom servo
para vocês, vadias, dentro das paredes. — Minha mão bateu na minha boca
com tanta força que parti meu lábio inferior. Eu podia sentir meus olhos
arregalados de terror, um erro grave cometido.
A cama chacoalhou com mais força sob minha loucura.
Loucura! Que palavra engraçada!
Isso é?
Sim! Malditamente hilário!
Bufei por trás da palma da mão, o medo brotando asas e batendo elas
como um pombo preso.
Merda. Merda. Merda.
Loucura!
Bufo.
Libertei minha boca e juntei as mãos em oração. — Por favor! Por favor!
Por favor! Tenham pena de mim, um canalha humilde que não quer dizer o
que diz. Sou apenas lodo no seu tapete neste espaço sagrado.
Dedos estalaram na superfície viscosa escarlate da minha mente,
espirrando nas paredes do meu crânio.
Câmara violada…
Por que estou falando assim?
— Eu te imploro! — Gritei. — Eu gostaria de poder pegar o controle do
tempo e trazê-lo de volta ao lugar onde não insultei deuses tão incríveis
quanto vocês, porque não sou digno nem de estar aqui falando com vocês
e...
Respirei fundo, uma pausa entre minhas divagações.
Uma pausa.
Devagar…
Rainha das tagarelas. Ela sempre divagava, fazia pausas, não percebia que
estava usando muitas palavras por segundo. Minha amiga. Minha amiga
fantasma.
Louise.
Pisquei, o brilho rubi em minha visão diminuiu.
— Louise? — Eu disse. — Louise?
Apenas o quarto trêmulo respondeu, mas não tão alto.
Dedos sondadores se contorcendo na minha cabeça. Mais como vermes
escavadores, perto demais de conseguir o que queriam: minha carne
saborosa e podre.
Não podre. Eu não estou apodrecendo.
O que estava acontecendo aqui?
Caí para frente, implorando aos deuses do quarto de quatro como um
cachorro.
Cachorrinho! Cachorrinho!
Au! Au!
— Posso comer um petisco? Não. Quer que eu faça outra coisa? Matar?
Quem devo matar, ó maravilhosos?
Fiquei de pé, dando um tapa na bochecha esquerda. — Espere. — O quarto
parou de tremer quando entrei em um momento de clareza.
O brilho rubi desapareceu, as rachaduras e tremores dos deuses do quarto
desapareceram porque não eram reais. Nenhuma dessas coisas era real, e o
único vermelho na sala era o sangue que escorria do meu nariz.
Estremeci, sentindo o frio nos ossos novamente. Molhado e gelado, sem
aquecimento em minha casa e totalmente consciente da minha dança com a
maldade.
Meu poder crescente pressionou minhas faculdades mentais, e aqueles
dedos sujos e curiosos quase tiveram sucesso. Havia Suco Necro suficiente
em meu sistema para me puxar para trás, mal me impedindo de cair no
penhasco.
Tinha que entrar mais em mim, tipo cinco minutos atrás.
Não posso me tornar um rebelde.
Os rebeldes eram complicados, seu comportamento era confuso e suas
emoções eram uma montanha-russa sem regras ou freios de emergência. Eu
acho que você poderia chamar isso de um momento lúcido antes que a magia
necromante fodesse minha mente além do reparo, o último Suco Necro em
meu sistema se dissipando.
A falha mental podia estar a poucos minutos de distância.
Deus. As consequências de fazer o nosso trabalho eram muito cruéis.
Levantei-me, com os membros fracos, tudo doendo, e abri a porta do meu
quarto. A ameaça dos deuses do quarto permaneceu, um sussurro no escuro
que eu bati de lado. Aquelas criaturas falsas não me pegariam, de novo não.
— Hoje não, porra — eu disse ao patamar escuro, correndo para o quarto
mais próximo – o do meu irmão, Henri.
Embora eu tivesse feito as malas e levado meu Suco Necro para Oakthorne
quando estive – convenhamos – exilado, deixei alguns esconderijos de
emergência aqui. Sendo super importante para um necromante ter sempre à
mão a fórmula líquida bruta do cogumelo, papai insistiu que guardássemos
um pouco em todos os cômodos da casa, sem exceções. Em todos os
momentos, apenas por precaução.
Graças a Deus pelo papai!
Recuperando a caixa de prata debaixo da cama de Henri, meus dedos
sujos e ensanguentados escorregaram no fecho.
Deuses. Deuses. Deuses. Eles virão.
Oh, infernos, não.
Flexionando as mãos, respirei fundo várias vezes para me controlar,
conseguindo abrir o fecho, abrindo a caixa para encontrar uma seringa, uma
tira de borracha e frascos de líquido cinza.
Trabalhei rapidamente, trazendo uma veia com a tira no braço direito e
injetando dois lotes de Suco Necro em meu sistema. O fedor de batatas
podres atacou minhas narinas, mas eu resisti, o líquido frio entrou em guerra
com meu poder, esmagando suas ambições destrutivas.
Obrigado. Deus. Por. Isso.
Caí de lado, desmaiando antes que minha cabeça batesse no tapete.
Barbara, a guardiã do Mercado Oculto, abriu a porta vermelha de sua casa
em Londres, na estrada Roman.
— Olá, lindo — ela me cumprimentou calorosamente, apesar da ruga
confusa em sua testa. — De novo por aqui? — Seus cachos castanhos
brilhantes estavam amarrados com um elástico roxo, sua pele marrom
escura brilhando com o hidratante recém-aplicado.
Mantive a paciência, não deixando que ela visse minha fúria, meu medo
por Marcel. — Sim, estou de volta. Você ficará cansada de ver meu rosto em
breve.
— Nunca. — Eu podia sentir o cheiro de algo delicioso e doce no ar.
— Se não estiver com pressa, fique à vontade para ficar e experimentar um
pouco do meu pão de banana. É dos bons.
— Infelizmente, estou com pressa.
Ela assentiu. — Pensei isso. Entre. — Barbara deu um passo para o lado
para me deixar entrar em sua casa, levando-me até a porta do porão por onde
tantos passavam a caminho do Mercado Oculto.
Este lugar secreto, envolto em magia, tinha um conjunto de regras a seguir
para ter acesso ao mesmo, incluindo uma rota especializada com um
conjunto de padrões a recordar. Eles estavam todos gravados em minha
mente, e minhas visitas a Yvonne eram bastante frequentes.
A confiança em minha amiga maga foi quebrada desde a revelação de que
ela era a mãe de Leon – uma mãe que ele pensava estar morta. Nicholas
“Nick” West, o lich e marido de Leon, a “assassinou”. Nick usou o medo da
morte para manipular Leon, para controlá-lo. Mas Leon também se rebelou,
preocupado com as ambições do marido, sem compreender a sua dimensão.
Nick queria a chave ônix, um instrumento de desfazer que ninguém
jamais deveria ter em mãos. Vendo isso como a chave para desfazer a
existência, os planos do lich eram simples – ele queria a destruição total.
Eu não deixaria isso acontecer. Eu encontraria primeiro a chave ônix e
acabaria com essa loucura. Eu só tinha que explorar o Monte Everest em
algum momento, já que ela estava escondida em algum lugar lá.
Nada nunca era fácil.
Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu sentia por Leon. Que teia
horrível de ser pego, e com a revelação adicional de que sua mãe estava viva
para atormentá-lo.
Terrível.
Eu ainda não confiava nele, mas queria encontrá-lo. O problema era que
Nick tinha o mago escondido em algum lugar secreto. Leon continuou
tentando descobrir sua localização com projeção astral, mas sem sucesso. E
a poção Buscador só procurava objetos, não almas vivas. Somente um mago
que procura alguém poderia fazer isso.
Parei com a mão na maçaneta da porta do porão. — Posso te perguntar
uma coisa, Barbara?
— Vá em frente.
— O lich — eu disse. — Você o deixou entrar no mercado?
Ela piscou para mim, sua expressão mudando de calorosa para gelada.
Seus lábios se franziram em uma linha fina, seus olhos se arregalaram.
— Barbara?
Congelada. Se não fosse por ela piscar, eu diria que ela foi atingida por
algum tipo de magia petrificante.
— Barbara? — Tentei novamente.
Suas mãos se fecharam em punhos ao seu lado, os olhos gesticulando para
que eu olhasse para trás.
— Venha agora — disse uma voz masculina da cozinha. — Este
maravilhoso pão de banana vai queimar se você não prestar atenção.
Nick apareceu na porta vestindo um terno de grife.
— É bom ver você de volta — ele me disse. — Gerenciando essa sua
exposição?
Desgraçado. Ele usou uma poção vermelha em mim, provavelmente feita
pela traiçoeira Yvonne, para me expor à dor dos mortos dos quais eu me
escondia. Uma lâmina enferrujada atingia meu coração toda vez que as
lembranças daqueles espíritos suplicantes me atingiam. Os mortos sofriam
tanto por minha causa, tão perdidos, não importa como eles se assimilassem
em suas falsas existências com os vivos. Eles precisavam de libertação, para
seguir em frente como mereciam. E eu neguei isso a eles a cada hora de cada
dia.
E vou até que as coisas mudem…
Estremeci com meus pensamentos, dando um passo para trás.
Nick riu. — Qual é o problema, Morte? Está se sentindo um pouco
cansado?
Rosnei para o monstro de cabelos prateados. Suas feições bonitas e
bronzeadas e seus olhos verdes brilhantes não passavam de lindas mentiras.
Ele era a escória do universo, uma mancha a ser removida.
— O que está fazendo aqui? — exigi, dando um passo à frente.
Ele puxou uma arma, apontando para Barbara. — Tentando desfrutar de
um chá da tarde e pão de banana com uma amiga querida.
Seu tom era condescendente e cheio de veneno.
Eu me movi.
Ele engatilhou a arma. — Você é mais rápido que uma bala, Morte?
Parei, sem ter certeza da minha velocidade. Talvez em plena capacidade
com todos os meus poderes intactos, eu poderia ser. Mas eu não pretendia
testar nenhuma teoria sobre a vida de Barbara.
Meus olhos caíram sobre ela. — Você o deixou entrar no mercado.
Mais piscadas. — Não tive escolha. Era isso ou ele...
— Mataria o irmão mais novo dela — Nick interrompeu. — Tão jovem
quanto o Henri do seu Marcel, eu acho. Dezoito ou mais? É isso mesmo,
Barbara?
— Vinte — ela respondeu.
Pensei em Marcel, em como sua família foi usada contra ele. Meu Deus,
tudo que eu queria era abraçá-lo, deixá-lo dormir durante o trauma em meus
braços.
— Callum — Barbara acrescentou. — Eu precisava protegê-lo.
— Sim, você precisava, como irmã mais velha dele — disse Nick,
balançando a cabeça com entusiasmo.
— Onde ele está? — Perguntei, cada centímetro de mim firmemente
enrolado, pronto para atacar o lich.
O sorriso de Nick enviou aranhas geladas subindo pelas minhas costas. —
Isso não seria revelador?
— Por favor... — Barbara disse, os olhos nunca deixando os meus. — Ele
tem que ficar seguro. Ele é meu irmão.
— E um jovem muito legal — respondeu Nick.
— Por favor, não o machuque. Eu mantive minha parte no acordo.
Nick sorriu, aproximando-se dois passos, a mão desaparecendo no bolso
esquerdo. O que ele tinha lá?
— Barbara? — ele disse.
— Sim?
— Pare de choramingar.
Eu vi seu rosto se contorcer, escondendo a raiva que ela claramente tinha
medo de revelar.
Isso não levaria a lugar nenhum, desperdiçando um tempo precioso. Eu
precisava de Yvonne e de um rubi novo para poder ficar com Marcel.
Você está depositando muita fé em Yvonne…
— É Yvonne Barker que você está procurando, Morte? — o lich
questionou.
Como seria maravilhoso ver sua cabeça removida do pescoço. — Vocês
estão trabalhando juntos.
— Você poderia dizer isso — ele respondeu. — Mas não espere que eu
elabore.
— Leon acha que sua mãe está morta.
O sorriso malicioso de Nick desapareceu. — Isso não é da sua conta.
Ele se perguntou como eu sabia disso? Eu tinha acabado de colocar Leon
em apuros?
Eu direcionei a conversa para uma nova direção. — Por que você está
aqui?
Havia aquele sorriso em seu rosto bonito novamente. — Estou limpando
algumas bagunças.
Sua mão saiu do bolso, um frasco de poção quebrando aos meus pés num
piscar de olhos. O líquido vermelho efervesceu, correntes de trepadeiras
vermelhas percorreram pelo meu corpo, banhando-me brevemente em luz
vermelha.
Oh. Não.
Acordei cerca de vinte minutos depois, me sentindo melhor, com a cabeça
um pouco confusa.
— Droga — gemi para o quarto.
Teletransporte. Acontece que era meio chato, apesar de ter me salvado de
Emma. Era muito poderoso, então eu não o usaria novamente, a menos que
fosse realmente necessário.
Típico! Consigo um poder verdadeiramente incrível e isso acontece.
Ficando de pé, mudei para o patamar escuro, sem ousar acender uma luz.
Esfreguei a nuca, deixando o cheiro reconfortante do ambientador de
algodão fresco me envolver. Fechei os olhos, tão feliz por estar em casa. Tudo
que eu precisava era da minha família aqui. Luzes acesas, calor por toda
parte, Henri me pedindo para ajudá-lo com Resident Evil 4. Aquele meu
irmão nunca iria completar o jogo sem mim. E eu estava começando a pensar
que ele deliberadamente era péssimo para poder continuar olhando para
Leon. Para a bunda do S. Kennedy.
Deus, eu sentia tanta falta de todos eles.
O forte tamborilar da chuva encheu o silêncio da casa. Deus, era tão
solitário, tão trágico sem meus entes queridos aqui.
Minha família foi usada por Emma, mudou-se de um lado para o outro,
passou por tantos traumas e eu não tive nenhuma chance de abraçá-los, de
falar sobre os horrores pelos quais passaram.
Droga.
Mantenham-se juntos…
Entrei no quarto de mamãe e papai, a janela acima da cama manchada de
água da chuva. No lado esquerdo da cama havia um telefone fixo, um
aparelho portátil vermelho que mamãe adorava. Ela tinha um celular, um
notebook e um tablet, mas adorava o que chamava de telefones reais. Um pé
no passado, outro no futuro. Eu amava isso nela.
Peguei o telefone e disquei o número dela. Eu sempre memorizava
rapidamente números de telefone importantes: mamãe, papai, Henri, Morte,
Emma, meu parceiro necromante, Robert.
Robert. Oh, Deus. Ele nem tinha passado pela minha cabeça nas últimas
horas. E ele deveria ter passado porque havia perdido seu noivo, George
Barrons, meu ex, morto quando voltava do trabalho para casa.
Por minha causa.
Por causa do meu perigoso amor pela Morte.
Um bilhão de agulhas perfuraram meu peito quando o telefone tocou e foi
para a caixa postal de mamãe. Ouvi a voz dela, o forte sotaque francês,
enquanto ela me dizia em inglês que não poderia atender o telefone naquele
momento.
— Eu gostaria que você pudesse — respondi ao bipe, encerrando a ligação.
Em seguida, liguei para Henri e papai, recebendo suas mensagens de voz
– embora apenas mamãe tivesse uma mensagem personalizada.
Com Emma e Robert fora de questão, tentei a Morte. Tocou e tocou, depois
desligou. Ele estava segurando o telefone, olhando meu nome na tela?
Hesitante depois do que aconteceu, sendo inteligente em me ignorar? Ficar
longe de mim manteve o mundo relativamente seguro – pelo menos de nós.
Não tanto de Nick West.
Liguei novamente, implorando para que ele atendesse. Se eu ouvisse a voz
dele, apenas meu nome na língua dele, então eu... O quê? Ficaria fraco?
Quebraria? Encontraria forças para continuar? Foda-se isso. Ele me dava
força, mas minha família também. Eles eram meu objetivo agora, junto com
a chave ônix, bem no topo do pico de merda para ser feito.
Eu tinha que encontrá-los, tirá-los das mãos viscosas de Emma. Ela não os
usaria como ferramentas nunca mais, nem Nick.
Estalei os nós dos dedos após a quarta tentativa de chamar a Morte e
depois tomei banho. Luzes apagadas, movendo-se pela escuridão.
Felizmente, as luzes da rua Tithe entravam pela janela do banheiro o
suficiente para fornecer uma iluminação bastante decente. E eu conhecia esse
banheiro como a palma da minha mão.
A água quente era como um amante, fazendo meu corpo sentir uma doce
liberação. O calor penetrou em meus ossos, aquecendo-me profundamente.
A sujeira da floresta foi lavada em um jato de sabonete líquido com limão e
no xampu caro de mamãe.
Chorei, sem conseguir me conter, encostado nos azulejos do box. Por que
o mundo não parava de girar? Por que eu não podia simplesmente ter um
pouco de paz?
Você e todos os outros…
Saí da minha tristeza, enfiando-a dentro de uma caixa com fechadura
enferrujada por enquanto. Desliguei o chuveiro e me sequei, procurando
analgésicos, creme antibacteriano e alguns curativos para as mãos. Meu
nariz estava dolorido, mas não quebrado. E meu lábio inferior parou de
sangrar. Graças a Deus por isso.
Planejando meu próximo passo, sem saber por onde começar, vesti uma
calça jeans preta, um suéter preto tricotado por mim e uma bota de couro
ainda dentro do guarda-roupa. Eu havia deixado algumas coisas para trás
para me manter enraizado em minha casa, coisas para as quais voltaria
quando saísse de Oakthorne.
Eu não esperava voltar para casa assim.
Vestido e pronto para estourar rostos, continuei a conspirar.
Ok, o primeiro era a falta de uma pistola. Não havia nenhuma aqui, mas
havia muitas facas de cozinha no andar de baixo para serem usadas para
esfaquear. Então, eu tinha algumas opções de armas.
Incrível. O que vem a seguir, então? Ir para às ruas? Voltar para
Oakthorne? Eu estava na lista de alvos de Emma. Se ela me pegasse, eu teria
que me teletransportar e correr o risco de me ferrar de novo.
Falando nisso…
Peguei uma pequena bolsa no guarda-roupa dos meus pais, colocando um
pouco de Suco Necro dentro. Mantenha-o sempre por perto, não corra riscos.
Poder elevado significava perigo elevado de um destino rebelde.
Eu nunca pude deixar de me sentir mal por eles. Entrar em uma espiral de
loucura tão violenta, tornando-se uma pura ameaça à sociedade, era horrível
e realmente injusto.
Por causa da Morte…
Feito isso, sentei-me na cama, desejando dormir. O pico de adrenalina,
envolto em um impulso de Suco Necro que me levou através do chuveiro,
finalmente diminuiu. Meus membros estavam pesados, minha cabeça ainda
confusa. Meu corpo pedia um cochilo, o que nunca acontecia.
Cedi, me enrolando como uma bola, a carícia familiar do meu travesseiro,
a chuva e os sons da cidade me envolvendo em um cobertor reconfortante.
— Meia hora — falei em voz alta depois de um grande bocejo.
Tão confortável. Tão cansado.
Mais uma vez, desmaiei, mas de um jeito gentil.
Fantasmas invadiram a casa, colidindo comigo e me jogando de costas.
Meus dentes bateram com o impacto na minha coluna, minhas entranhas
foram levadas por uma culpa dolorosa.
— Morte! — uma mulher gritou, arranhando meu rosto. — Você está aqui!
Nós encontramos você!
A voz dela machucou meus tímpanos.
— É você! — declarou um homem, caindo de joelhos fantasmagóricos ao
meu lado. Ele tinha que falar tão alto?
— O que está acontecendo? — Ouvi Barbara dizer.
Tantos fantasmas encheram seu corredor, me afogando em rostos tristes e
mãos ávidas.
— Salve-nos — eles imploraram.
— Mova-nos para um lugar melhor.
— Que homem bonito.
— Não aguento mais — a primeira mulher falou acima do zumbido das
outras, mais fantasmas entrando na casa.
Uma corrente doentia me arrastou para baixo, com força implacável. A
culpa era uma lâmina em cada canto do meu corpo, brandida por uma
entidade que nunca pararia de me esfaquear até que eu entendesse as
consequências dos meus atos.
Pare de ser egoísta, advertiu esta criatura sombria.
Facada.
Volte para o trabalho.
Facada.
— Cada dia eu tento o meu melhor — continuou a primeira mulher. —
Mas não é suficiente. Morri na minha bicicleta e caí no Regent's Canal.
Bêbada. Cai na água. Afogada como a vaca boba que sou. — Ela lamentou.
— Como eu deveria ficar e ver meu ex seguir em frente porque ele precisa
do toque de uma mulher viva?
Pisquei para sua forma translúcida, seus dedos puxando as alças de seu
macacão vermelho brilhante.
— Por favor — ela disse, mais suavemente. — Você tem que nos deixar
sair daqui.
Um homem apareceu ao lado dela, empurrando para o lado outros
fantasmas que se acotovelavam. — Não importa que alguns fantasmas
tenham uma vida melhor do que outros. Todos nós sentimos a atração, a
perda. Você tirou nossos direitos de morte.
Uma sensação espessa e enjoativa fechou minha garganta.
— Dê-nos o que queremos — disse outra pessoa.
— Eu... — Eu não conseguia pronunciar as palavras, o sofrimento delas
era demais.
— Por favor, Morte. Por favor.
Desculpe. Me desculpe. Mas você não entende...
Uma risada. Familiar e cruel.
— Esta não é uma situação terrivelmente triste? — Nick disse.
Os olhos da primeira mulher piscaram em sua direção. — Quem é você?
— A compreensão tomou conta de sua expressão. — O lich!
Alguém gritou.
— Isso mesmo! — Não apenas uma voz, mas vários Nicks.
Não.
Levantei a cabeça para ver os cinco Nicks restantes dos oito que ele havia
feito com a poção Fatiador fornecida por seu marido. Dois estavam na porta
da frente, os outros dois atrás de mim.
Apenas um usava o terno caro com um sorriso horrível no rosto.
Meu telefone vibrou no meu bolso.
A magia necromante verde fluiu para dentro da casa. Os três anéis verdes
do fio de vinculação formaram-se em torno dos fantasmas. Mais anéis do
que cinco partes de um lich deveriam ser capazes de fornecer, visto que as
criaturas receberam poder necromante após sua horrível transformação.
Entoando.
— Para o lich! Para o lich.
Erguendo a cabeça novamente, vi-os na rua. Um ajuntamento de homens
e mulheres vivos usando seu poder contra os fantasmas.
Rebeldes.
As vozes mortas foram silenciadas, mas os seus desejos continuaram a
infiltrar-se na minha alma.
Exausto pelo ataque, comecei lentamente a tecer o casulo de esconderijo
em torno de mim. Construindo camada após camada como uma lagarta,
desesperado para me esconder deles novamente.
Esta foi a segunda vez que Nick usou aquela poção miserável contra mim
para me expor ao meu cargo.
Meu querido, querido cargo…
Sinto profundamente…
— Coma — disse Nick.
O quê? Não!
Quatro Nicks deslocaram as mandíbulas, o interior da boca se esticando
tanto que as bochechas beijadas pelo sol estavam prestes a se abrir.
O Nick de Terno assistiu com puro deleite.
Desgraçado!
Quatro pares de olhos verdes ávidos por fantasmas brilharam como um
só, braços estendidos enquanto os mortos gritavam, indefesos contra a maré
de alimentação dos liches.
— Não! — Consegui, tentando acelerar meu ritmo.
Os corpos translúcidos dos fantasmas estavam se despedaçando, linhas de
fratura se espalhando por seus rostos. Pedaços se quebrando, sugados por
aquelas mandíbulas abertas.
Os liches se alimentavam dos mortos para sustentar a si mesmos e a seus
filactérios. Como não faltam mortes no mundo, essa era uma façanha fácil
de realizar. Somente destruindo seu filactério, um encanto usado para
ancorar um lich à sua vida eterna, os mataria de verdade. Infelizmente, o de
Nick foi enterrado nas profundezas da caverna Cravo-amarelo, no extremo
sul de Oakthorne, sufocado pelo Resplendor da Morte – uma substância mortal
que precisa desesperadamente ser limpa.
A casa de Barbara virou um buffet.
O Nick de Terno se agachou ao meu lado, limpando a boca com as costas
da mão. — Delicioso. As vantagens de se alimentar sem ter que fazer o
trabalho pesado. — Uma risada. — Quer saber um segredo?
— Eu vou destruir você — eu sussurrei, fraco.
Ele balançou sua cabeça. — Por favor, não estrague minha diversão.
— Eu...
— O irmão da Barbara já está morto e na minha barriga. — Ele deu um
tapinha na barriga. — Ele era como uma sopa de tomate caseira.
Eu tinha que parar isso.
Uma rebelde entrou correndo no corredor, rindo loucamente. Ela
disparou três tiros contra Barbara, fazendo com que a guardiã do Mercado
Oculto cambaleasse contra a parede. Duas balas no peito, uma no olho
esquerdo.
Tanto sangue.
— Não... — sussurrei, ainda impotente e incapacitado. Quando eu
terminasse de me proteger, seria tarde demais.
Eu não podia ficar parado e ver isso acontecer. Não importava o
sofrimento que eu já tenha causado, a negação dos meus deveres, isso me
afetou em um nível diferente. Uma epifania, uma rejeição deste tipo de
sofrimento.
Onde isso deixa você?
Abri as comportas que eu mantinha fechadas com meu poder, sacando
minha foice. Eu me juntei ao meu palácio, aqui e lá, com uma magia
poderosa crescendo. Tudo o que foi necessário para voltar a ser eu mesmo
foi abraçar meu trono e propósito, tudo o que me tornava a Morte. Tão
simples quanto mudar o interruptor de desligado para ligado.
Uma felicidade terrível cantou em meus ossos, a canção do plano
espiritual despertou, pronta para fluir mais uma vez e se alegrar.
— Sou totalmente Morte de novo — eu disse, minha voz rica e profunda,
um estrondo que sacudiu a casa.
— Porra! — Nick disse.
A magia necromante caiu em um instante, libertando os fantasmas. Os
espíritos gritaram e correram, alguns ainda presos na alimentação do lich.
Aqueles que não foram atacados atingiram os Nicks com energia cinética.
Não funcionou, os liches sólidos e determinados a devorar.
Cuidei das vítimas, de pé, envolto em luz branca com matiz verde.
Reconheço que foi bom tê-lo restaurado, uma sensação de justiça que perdi
há vinte anos.
Isso não pode ser permanente…
— Venha comigo — eu disse a cada fantasma, me separando para ficar
com cada um deles. Não como a separação mágica de Nick entre si, mas
parte do que me tornou a Morte. Aqui e lá e em todos os lugares, em todos
os lugares ao mesmo tempo onde havia morte e uma alma que precisava de
mim a cada segundo de cada hora do dia. Mesmo quando eu estava fazendo
amor com Marcel quando ele aparecia ao longo dos séculos, ou mesmo
andando sozinho por uma encosta, meu poder se espalhava por toda parte
quando eu era eu mesmo.
Os liches cambalearam para trás, o tempo de alimentação chegando ao
fim.
A primeira mulher chorou, pegando minha mão. — Isso está realmente
acontecendo?
O ar vibrava com uma energia crepitante, uma ferida no equilíbrio da
existência se fechando.
— Está — eu disse a ela, acalmando aquela pobre alma.
Ela olhou para minha foice gigante, um pouco assustada. — Vai doer?
— Não. Sua dor acaba agora.
A lâmina curva brilhou, emitindo paz sobre ela.
Jon, o poltergeist preso em minha lâmina, não se mexeu.
A primeira mulher, cujo nome verdadeiro era Kelley, engasgou quando
seu corpo ficou vermelho e branco, desaparecendo, enviado para o outro
lado. Livre deste lugar, das bocas abertas do lich.
Enquanto trabalhava, também ataquei o Nick de Terno, desferindo um
chute rápido em seu peito. Ele bateu na parede, a parte de trás da cabeça
batendo com força no tijolo.
Ele grunhiu, caindo de frente.
Ai. A maneira como sua boca bateu no chão fez meus dentes doerem de
simpatia.
Corri até ele, movendo-me nas almas, os sons de pânico dos rebeldes eram
uma brisa insignificante.
Ele levantou a cabeça, faltando alguns dentes. O bastardo cuspiu sangue,
tentando ficar de joelhos.
Coloquei uma bota em sua coluna, esmagando-o de volta no chão.
Ele rosnou. — Isso não acabou. Não importa o que você faça, eu nunca
vou parar.
Cortei as cabeças de cada uma de suas outras partes. Eles se
transformaram em pétalas cinzentas e empoeiradas enquanto eu avançava
com muitas outras almas, espalhando-se pela casa, encontrando uma
Barbara desolada observando tudo.
— Estou morta — disse ela. — Estou morta, porra.
— Não posso ser parado. — As patéticas tentativas de força de Nick
seriam divertidas se eu conseguisse sorrir ao som de sua voz.
— Eu deveria ter feito isso no momento em que você mostrou seu rosto —
coloquei a foice em seu pescoço.
Ele não morreu, mas caiu em silêncio. Peguei sua cabeça, seus olhos
piscando loucamente, sua boca se movendo em desespero para desferir um
golpe verbal.
Eu queria fazer uma piada sobre um gato comer sua língua, ou algo
parecido com aquela expressão boba mortal. Mas, novamente, não vi humor
aqui.
— Você nunca será livre — eu disse. — No final, seu filactério
desaparecerá enquanto você morrer de fome.
Ele desapareceria com isso, incapaz de sustentar sua imortalidade como
queria. Não completamente morto, mas perto o suficiente, preso em um
purgatório sem fim do qual não conseguiria voltar. Quanto tempo levaria,
eu não sabia. Mas isso aconteceria.
Tinha acabado.
Olhos estreitados, dentes à mostra em um rosnado cruel, o sangue de Nick
pingava do corte limpo, respingando em minhas botas.
— Nunca mais — reiterei. — Você está acabado.
Olhei para Barbara enquanto ela lutava para aceitar sua nova realidade.
— Estou morta e você é a Morte — disse ela, o choque a fazendo tremer.
— Eu não posso estar morta e você não pode ser a Morte, e isso não pode
estar acontecendo comigo, não com meu trabalho.
— Receio que seja isso, Barbara — respondi. — Sua hora de seguir em
frente.
Ela balançou a cabeça. — Não posso.
— Você precisa.
— Você não pode ficar fora do trabalho? — ela perguntou. — Pelo menos
deixe-me encontrar meu irmão?
O que significava que ela não tinha ouvido a revelação de Nick sobre seu
pobre irmão, deixando para eu dar a má notícia.
Ela chorou depois que eu contei a ela. — Não Callum. Você está mentindo.
Ele não está... Ele não pode estar.
A pior parte foi a perda de seu fantasma. Nem eu sabia o que acontecia
com um fantasma consumido por um lich. Não havia nenhuma informação
de retorno após a morte do lich, e eu não tinha encontrado tal coisa em meu
tempo – que foi o tempo todo. Mas eu apostaria que não haveria retorno,
infelizmente.
Perto da porta da frente, transportei outro fantasma, um que queria ver
seus filhos novamente depois de perdê-los em um trágico acidente de carro.
— Você tem que fazer alguma coisa — implorou Barbara. — Deixe-me ver
se consigo encontrar um feitiço ou poção para voltar no tempo. Alguém
saberá um caminho.
Coloquei minha mão em seu ombro esquerdo. — Este é o fim da sua vida
aqui.
Eu não dizia essa frase há muito tempo.
— Por favor... — Seus olhos se moveram dos meus para a foice, tão
perdidos, tão inconsoláveis.
E então, com uma agradável surpresa, encontrei Callum vagando pelo
Parque Victoria, não muito longe de casa. Ele queria vir contar a Barbara o
que havia acontecido com ele, mas estava com muito medo da reação dela.
Nick o matou, mas não o comeu. Provavelmente para usá-lo como arma
contra sua irmã em algum momento.
— Ela ficará arrasada — Callum me disse.
— Vocês são parecidos — respondi.
Lágrimas fantasmagóricas brilharam em seu rosto. — Não estou
preparado.
Balancei a cabeça e peguei sua mão. — Eu tenho que te contar uma coisa.
— Barbara — ele se engasgou. — Não a minha irmã mais velha.
— Vocês podem ficar juntos — eu disse à irmã dele em casa.
— Por favor… — ela tentou de novo e de novo.
Mas eu a banhei na luz, movendo-a ao mesmo tempo que seu irmão.
— Adeus — sussurrei para os dois.
Os fantasmas da casa da estrada Roman desapareceram e meu alcance se
espalhou por Londres, pelo resto do país e depois pelo mundo. As almas que
esperavam seguiram em frente, os recém-mortos não tendo que suportar
ficar presos aqui.
A Morte estava de volta.
Passei por Louise, amiga de Marcel em Oakthorne, cuja mãe viva eu salvei
de uma terrível explosão e incêndio. Um incidente perpetrado por Nick, era
claro. Ela sentou-se ao lado da cama de hospital da mãe, incapaz de segurar
sua mão. Ela poderia pegar o jarro de água na mesa de cabeceira, mas não
oferecer nenhum conforto físico à mãe.
Uma regra terrível.
Decidi deixá-la com a mãe por enquanto, para dar a Marcel a chance de se
despedir. Outro ato egoísta, suponho, mas por que não acrescentar uma dose
extra de egoísmo à minha panela já transbordante?
George, o falecido ex-noivo do meu amor, também deixei sozinho por
enquanto.
As notícias do meu retorno se espalhariam rapidamente.
— Agora, para você — eu disse a Nick, colocando sua cabeça nas costas.
Ele moveu a boca novamente, partindo para um ataque verbal mordaz.
Peguei seu bíceps esquerdo, faíscas verde-esbranquiçadas se espalhando
de mim para ele, meu poder de teletransporte nos removendo da casa, nos
depositando no Quartel General dos Necromantes de Oakthorne.
Estar em todos os lugares ao mesmo tempo e ter habilidades de
teletransporte sempre pareceu um paradoxo para mim, mas tudo isso fazia
parte do trabalho. Assim como foi o retorno da minha imunidade ao dano,
não havia mais uma versão enfraquecida de mim.
O que você está fazendo?
Uma recepcionista atrás da mesa guinchou, entrando em ação.
— É verdade! — Sua pele pálida ficou vermelha brilhante.
Notícias novas, ao que parecia.
— Você está de volta — acrescentou ela, girando uma mecha prateada que
escapou de seu penteado.
— Estou de volta — eu disse, endireitando-me.
Ela examinou o lich com olhos castanhos temerosos. — Ele está morto?
— Não. Incapacitado. Você pode trancá-lo em uma de suas celas e alertar
Emma Lackey sobre sua presença?
— Eu... é claro.
Eu não queria levá-lo para o Santuário – um lugar para fantasmas – pois
isso seria como colocar a raposa no galinheiro.
— Não se esqueça de dizer a ela que eu o deixei — acrescentei. Um dia, eu
gostaria de trocar algumas palavras com a Diretora Superior sobre o
tratamento dela com Marcel.
— Eu vou. — Ela pediu ajuda, dois necromantes aparecendo para mover
o corpo ainda tentando jorrar insultos silenciosos.
— O Resplendor da Morte será eliminado — eu disse a Nick enquanto ele
era levado embora. — E você estará verdadeiramente morto.
A recepcionista o observou partir, virando-se para mim assim que ele saiu
de vista. — Está acabado?
Não. — Contanto que você o mantenha trancado. Presumo que Emma
tenha um lugar melhor do que este para protegê-lo?
Ela assentiu. — Ela terá. Obrigada, hum...
— Morte.
Suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas. — Sim. Claro. Morte. —
Ela riu nervosamente. — Morte. A Morte. É uma honra ter conhecido você.
— Prazer em te conhecer também.
— Você está bem? — ela perguntou rapidamente.
— Desculpe?
— Depois de tudo que o lich fez para expor você.
Transportei fantasmas enquanto ela fazia sua pergunta, aqueles presos
aqui em Oakthorne, e aqueles recém-mortos pela catástrofe de Marcel e eu
estarmos juntos que prejudicou a cidade.
— Estou bem, obrigado por perguntar.
Ela me ofereceu olhos tristes. — É horrível que você esteja amaldiçoado
por amar Marcel. — Outra atitude de Nick: ele vazou nossa aflição para a
esfera pública. — Eu o conheci na academia necromante de Londres anos
atrás. Não somos amigos, mas conversamos sobre alguns livros de fantasia
urbana que ambos amamos. — Ela sorriu nervosamente. — Fui chamada de
Londres para ajudar no drama.
Meu coração ansiava por Marcel e seu amor por essa literatura.
— Toda essa coisa de maldição parece tão injusta para mim — acrescentou
ela. — Desculpe.
Essa maldição é uma desgraça pairando sobre sua cabeça…
— Obrigado por suas amáveis palavras — respondi.
Ela cruzou os braços. — Não te culpo por ir embora. Realmente entendo.
— Obrigado novamente. Eu deveria ir.
— Sim. Legal. Tempos ocupados.
— Isso mesmo. — Teletransportei-me para fora do prédio de volta a
Londres, chegando ao apartamento de Yvonne em Canning Town.
Independentemente do meu retorno, a maldição permaneceu intacta. Eu
precisava de um rubi.
Eu poderia fazer isso? Eu poderia ser a Morte novamente quando prometi
nunca mais voltar enquanto minhas exigências de uma vida amorosa livre
de maldições nunca fossem atendidas? Será que eu tinha acabado de frustrar
as tentativas de mostrar ao conselho e a mim mesmo que poderia ser mais
do que meu propósito mortal? Que eu poderia amar e cumprir meu dever,
que não havia necessidade dessa bobagem de amor proibido?
Lembrando-me de meu telefone vibrar mais cedo, verifiquei a tela para
encontrar um número de telefone fixo desconhecido.
Disquei.
Capítulo 5

Acordei de repente, com uma dor aguda na cabeça.


— Porra! — Engasguei, desesperado por água.
Ao tirar minhas pernas pesadas da cama, entendi algo tão claro quanto o
dia. Meus poderes foram quebrados, tornando-se algo novo. Despido. Nos
primeiros seis anos da minha vida, a necromancia se resumia a reanimar
corpos e chamar temporariamente as almas da vida após a morte para ajudar
a resolver crimes para a polícia. Ah, e caçar qualquer espírito que escapasse
da rede da Morte. Sem superpoderes, sem Suco Necro ou Santuários.
Necromantes podiam controlar seus poderes naquela época sem risco de se
tornarem rebeldes.
Era isso que estava acontecendo? Um retorno a como as coisas deveriam
ser? Por quê? A Morte havia retornado à sua posição?
Não. Ele não faria isso. Seus calcanhares estavam firmemente cravados
nessa questão.
Algo muito mais insidioso, então? Algum feitiço mágico, alguma criatura
espreitando na escuridão do lado de fora do meu quarto.
Oh, Deus.
Observei as sombras pela fresta da porta parcialmente fechada, esperando
por um movimento, por um sinal, minha boca repentinamente seca. O medo
zombou de mim, como um canalha estúpido me cutucando nas costelas.
O telefone no quarto dos meus pais guinchou, me fazendo pular. Droga.
Eu odiava aquele som.
Furioso por ter me assustado, pulei e abri a porta. Nada ali, exceto o
corredor escuro e o toque estridente do telefone.
— Que se foda isso — murmurei, correndo para o quarto.
Chegando à cama, peguei o fone e desabei de costas, meu interior tão
vazio.
O poder diminuiu…
Sério, o que estava acontecendo?
— Olá? — Falei hesitante.
— Marcel?
Quase deixei cair o telefone. — Mo-Morte? É você?
A linha estava um pouco quebrada. — Sim. Você me ligou de um telefone
fixo?
Balancei a cabeça e lembrei que não estávamos cara a cara. — Estou em
casa. Na minha casa em Londres.
Crepitação, sem resposta.
Ele não estava lá e isso não era real. Eu alucinei a situação em desespero.
Desligue o telefone e injete mais Suco Necro em suas veias. Já!
— Você está em Londres? — O barítono mergulhado em mel da Morte
chegou ao meu ouvido.
Estremeci, faminto por seus lábios. — S-Sim. Onde você está?
— Em Londres.
— Ah, merda. — Minha pele coçou em resposta, cada cabelo e nervo
formigando. — Um de nós tem que sair daqui. — Comecei a hiperventilar.
— Está tudo bem, Marcel — ele respondeu. — Posso não estar usando o rubi,
mas parece que estamos a uma distância segura.
— Oh! Graças a Deus. — Agarrei meu coração acelerado. — Não que eu
queira dizer que é bom estarmos separados.
— Eu sei o que você quer dizer.
Respirando fundo, levei o telefone comigo para a cozinha, pegando uma
garrafa de água na geladeira. O líquido frio poderia muito bem ter sido o
néctar dos deuses quando desceu, proporcionando-me um doce alívio.
Bênção.
— Onde você está? — Perguntei.
— Canning Town. No apartamento de Yvonne. Tenho muito para te contar.
— Oh, Deus. — Sentei-me à mesa da cozinha, evitando a janela, mantendo
as luzes apagadas.
Ele me contou sobre Leon e Yvonne sendo sua mãe, que ele não conseguiu
encontrar a maga, e então colocou uma grande e velha cereja em cima de
tudo.
— Voltei ao trabalho — disse ele calmamente.
Tudo se encaixou, a dura realidade controlando as peças. Ele não deveria
amar porque foi feito para ser a Morte, não uma criatura de emoções e
desejos. Para ele, o amor era um grande nada, daí a maldição sobre nossas
cabeças para lembrá-lo de que ele estava errado.
Estávamos errados.
Acabou…
Mas e se eu renascesse o tempo todo? Minha alma tinha assuntos
inacabados, constantemente reciclada para encontrá-lo e depois ser morta.
Como fazia sentido para ele não amar se sempre nos encontrávamos?
Claramente, ele estava farto, a atração dos mortos era maior do que eu. E
quem poderia culpá-lo? Eles deveriam vir primeiro. Não era justo mantê-los
aqui.
Espere. Ele fez isso para parar o lich. Não foi isso que ele acabou de dizer?
Minha cabeça estava girando com a atualização e a mudança de magia
dentro de mim.
Poder mais fraco. Potência mais fácil.
— Você disse que fez isso para impedir Nick? — Pedi para esclarecer,
engolindo mais água.
— Sim.
— Pensei isso.
— Você está bem? — ele perguntou.
— Não na verdade.
— Isso não muda nada, Marcel — disse ele. — Não vou desistir de nós, se é isso
que você está pensando.
— Eu... — Engoli mais água.
— Falo sério. Minha decisão foi forçada, mas não vou dar ao conselho o que eles
querem. — Uma inspiração brusca. Falar sobre o conselho e a chave ônix no
reino mortal estava fora de cogitação.
— Mas...
— Vamos viver com o rubi e o Bolsão de Margarida — ele me interrompeu.
— Você não tem um rubi.
— Estou tentando conseguir um novo.
Eu precisava de vinho tinto, não de água. — E quanto aos seus deveres
agora?
— O que tem eles? Já realizei isso antes, quando tentamos nos amar em todos
aqueles outros momentos. Agora posso, sem consequências mortais.
— Se você encontrar um rubi.
— Quando eu encontrar um.
— Mas você deu ao conselho o que queriam — eu disse, arrependido. Que
direito eu tinha de questioná-lo? Isto era o que os mortos precisavam.
Mas isso não impediu que minha boca continuasse a vomitar palavras. —
Eles não farão nada para mudar ou ajudar você agora.
— Porque eles mostraram tanta disposição para se curvar antes? — ele rebateu.
Era verdade. E ele nem tinha certeza se eles poderiam ajudá-lo de
qualquer maneira, visto que seu poder estava aparentemente limitado a
administrar ele e a Vida, além de ficar de olho nas coisas.
— Como você está se sentindo por estar de volta ao trabalho? — Perguntei.
Sentir-me aliviado e triste ao mesmo tempo me tornava uma pessoa
horrível?
— Vou deixar você saber.
Dois fantasmas vieram à mente. — Você já viu Louise e George? Eles se
foram? — Meu aperto quase esmagou o telefone.
— Eles não seguiram em frente.
— Oh. Por que não? Ignore-me. Você deve ter uma lista enorme para
trabalhar. Deus, eu não invejo você.
Ele suspirou ao longo da linha. — Você quer que eu os leve?
— Isso não depende de mim.
— Você pode dizer adeus a eles no seu próprio tempo.
— E negar-lhes a paz? Isso não é justo. — Mesmo para os meus ouvidos,
parecia que eu estava dando um sermão no cara.
— Então vou levá-los.
— Espere!
— Sim?
— Ainda não. Por favor.
— Ok.
— Isso é ruim?
— É pouco ortodoxo, mas estes últimos vinte anos têm sido assim mesmo.
Balancei a cabeça como se ele pudesse perceber minha linguagem
corporal. — Mas não é justo. Ninguém mais tem a oportunidade de se
despedir.
— Vantagens de dormir com a Morte.
— Não é engraçado.
— Você está sorrindo?
Eu estava. — O que isso tem a ver com você?
— Sinto falta do seu sorriso.
Troquei o telefone para a outra mão. — Sinto falta do seu. Foi uma merda
o que houve em Oakthorne.
— E agora acabou. Pelo menos a intromissão de Nick.
Um núcleo de dúvida ardia profundamente. — E agora?
— Tudo que sei é que preciso de um rubi para poder ver você. — Farfalhar, sons
de gavetas abrindo.
— Como é o apartamento dela? — Perguntei.
— Caótico. Papel de parede marrom descascado e muitas teias de aranha. Faz com
que a mansão pareça o Palácio de Buckingham. — Mais farfalhar, o som de seus
passos. — Tanta papelada, manchas de chá… Que nojento.
— O quê?
— Pizza mofada. — Ouvi uma porta se abrir. — Ah, este é o lugar que quero.
Muitas coisas mágicas. É seguro guardar tantas poções num apartamento?
— Não acredito que Leon pensou que ela estava morta. Isso é terrível.
— Esse é o Nick.
— Você acha que ela sabia que seu filho pensava que ela estava morta?
Outra abertura de gaveta. — Gostaria de perguntar isso a ela, além de muitas
outras coisas. Espere. O que é isso?
Esperei que ele esclarecesse.
— Um envelope endereçado a mim. — Eu o ouvi rasgá-lo, minha mente
girando em torno de seu retorno ao trabalho.
A Morte estava de volta.
Uau.
— É um rubi — disse ele.
Borboletas vibraram em meu peito. — Um rubi... — Eu engasguei a última
parte, com a garganta seca apesar de toda a água.
— Há uma carta.
Peguei outra garrafa na geladeira.
— Querida Morte — disse meu amante, lendo as palavras de Yvonne. —
Eu estava esperando um momento como esse, então se você está aqui no meu
apartamento, isso é para você. Desculpe pela bagunça, mas não tenho tempo para
limpar minha casa, assim como não tenho tempo para sentar e escrever cartas para
você. Explicarei tudo quando puder, mas agora estou procurando meu filho. Cuide
de você e do Marcel. Yvonne.
— Merda — quebrei o silêncio.
— De fato — respondeu a Morte. — Ela antecipou que eu estaria aqui.
Interessante.
— Graças a Deus ela fez isso. Agora você tem um rubi.
A animação arrancou meu coração.
Um gemido baixo. — Desculpe. Me dê um momento.
— Qual é o problema?
— Eu tenho uma visita. Não vou demorar.
— Quem é?
— O conselho — ele soltou, desligando.
Ugh. Uma daquelas coisas fantasmagóricas.
Pobre Morte.
Uma pena preta caiu do teto. Ela caiu no chão sujo, demorando para
pousar.
Minha paciência era fina como papel, cruzei os braços, o rubi quente em
minha mão esquerda. — Se apresse.
Um vento frio soprava pelo apartamento, papéis espalhados por toda
parte. Peguei um frasco de poção vazio antes que fizesse ainda mais
bagunça.
A pena alongou-se, esticou-se e tornou-se uma figura envolta em pesadas
vestes pretas. Dentro da assustadora boca negra de seu capuz havia dois
olhos amarelos, focados completamente em mim.
— Bem-vindo de volta. — A voz gelada deslizou pelo ar.
— Não pareça muito feliz com isso.
O espectro do conselho moveu a cabeça para o lado, inspecionando as
prateleiras cheias de poções, ervas, plantas e muitos livros surrados.
— Pelo contrário — disse a criatura. — O conselho está profundamente
comovido com o seu retorno ao rebanho. No entanto, estou preocupado com
o instrumento em sua mão.
— Bom. Porque pretendo usá-lo novamente.
A cabeça do espectro inclinou-se para o lado. — Esconder-se mais uma
vez? Desafiar seu dever?
— Esconder-me do conselho e da maldição, sim. A parte do dever não
tenho muita certeza.
— Você ainda insiste nesse amor tolo?
Dei de ombros. — Sou escravo de sentimentos que não deveria ter.
— Isso você é, Morte. Você é. — Ele olhou para as prateleiras novamente.
— Isso é tudo?
Olhos amarelos enervantes rolaram de volta para mim. — Como estão
seus esforços para encontrar a chave ônix?
— Eu encontrei o local.
— E?
E você pode flutuar de volta para o casebre de onde saiu. — A localização é
complicada.
— O lich pode estar incapacitado, mas a chave está comprometida. Você
deve continuar procurando. Outros podem saber. Não podemos permitir
isso. A chave ônix deve estar sempre escondida, até mesmo de você.
Obrigado pela palestra. — Vou encontrar.
— E leve-a ao conselho.
— Tocá-la não me levará diretamente ao reino deles? — Doeu minha
língua falar assim, alertando sobre dores latejantes em minha mandíbula. Eu
parecia ser capaz de dizer mais na presença do espectro do que Marcel, mas
não muito.
— Um espectro será designado para entregá-la a um mortal — respondeu
a criatura.
— Poupe-me dos detalhes. Meus dentes não aguentam muito mais.
O espectro não reagiu à minha brusquidão. — Eu aconselharia você a não
usar esse rubi.
— Você já está indo embora?
— Indo preocupado.
Pegue sua preocupação e enfie na bunda que não tenho certeza se você possui. —
Isso é tudo?
O espectro tornou-se uma pena novamente sem dizer mais nada,
desaparecendo e me deixando sozinho para colocar a corrente de ouro em
volta do pescoço.
O rubi pulsou calor contra meu peito, preparando-se para fazer seu
trabalho. Escondendo-me do conselho, mantendo a maldição sob controle.
Agora, para o meu Marcel…
Capítulo 7

Enquanto bebia mais água, desejando que o telefone tocasse novamente,


um som no jardim dos fundos me tirou do transe.
Que diabos?
Fui até a janela da cozinha, mantendo-me o mais abaixado e quieto que
pude, fortalecendo meus nervos contra outra rodada de pânico.
Deus, e agora?
Uma figura pulou a cerca e pousou no caminho do jardim. Ele olhou para
a casa e depois para a janela da cozinha. Eu me abaixei, derramando água
em mim mesmo.
Ah, porra.
Passos, o homem chegando na porta da frente. — Sei que você está aí, seja
você quem for.
Quem eu for?
Batendo na janela da porta dos fundos. — Eu sei que vi alguém aí. Você é
da família desaparecida do necromante idiota?
Fiquei tenso, pronto para matar.
— Eles trouxeram você de volta? Estúpido. Tão estúpido.
Quem diabos era esse cara?
Estendi a mão para a gaveta acima da minha cabeça, abrindo-a
lentamente. Com cuidado, procurei a enorme faca serrilhada de mamãe,
tomando cuidado para não cortar meus dedos.
Eu realmente deveria comprar para ela um bloco de faca.
Localizando o utensílio/arma, eu o tirei, me abaixando agora mais como
uma posição de batalha. Se esse idiota invadisse, a faca iria atravessar seu
pescoço.
— Olá? — ele chamou, batendo com mais força no vidro. — Se você quiser
manter sua porta intacta, é melhor vir cumprimentar seu convidado. — Ele
riu, castigando-se com alguns sermões ofegantes. — Mantenha-se firme.
Tenho que me controlar.
Ah, um rebelde, vigiando a casa em busca de Nick.
Simplesmente ótimo.
— Foda-se isso! — ele gritou e quebrou a janela.
Eu pulei de pé, correndo pela cozinha para acertar a faca na mão dele, que
tateava a maçaneta da porta. Ele me notou tarde demais, a lâmina cortando
fundo. Ele puxou a mão para trás, prendendo a pele nas bordas serrilhadas,
o corte de sua carne me fazendo estremecer.
Droga, isso deve ter doído.
Com a mão boa, ele apontou uma arma para mim.
Ah, merda!
Ele disparou um tiro assim que eu me abaixei e rolei.
— Marcel! — ele gritou. — Eu sabia!
Merda. Merda. Merda.
— Escondido como um maldito rato. Saia daqui e se renda. Na verdade,
venha aqui e morra. — Apesar de sua mão fodida, ele conseguiu rir
loucamente. — Ratinho, ratinho, saia e se espalhe!
Hilário.
Ok. Próximo movimento. Posso ser rápido, nós, necromantes, éramos bem
radicais em nossa fisicalidade, mas eu não era um super-herói. Eu não seria
capaz de desviar de muitas balas e poderia morrer de novo agora. Não há
mais poder de renascimento para mim.
O rebelde voou pela janela quebrada num salto desajeitado, ficando no
meio do caminho, debatendo-se como um peixe em terra firme. Ele gritou
palavrões, fragmentos irregulares de vidro restantes cravados nele, cortando
sua jaqueta azul molhada.
O vento e a chuva invadiram a cozinha.
— Estraguei tudo — ele murmurou, lutando para sair de sua situação.
Entrei em ação, enfiando a faca em seu pescoço, cortando sua jugular. Ele
se debateu e sangrou rapidamente, fazendo uma bagunça horrível no chão
da cozinha.
Seu fantasma saiu de seu cadáver, olhando para mim. — Você me matou.
Os únicos fios do meu poder que restaram foram vínculo e reanimar – os
poderes de antigamente. Eu o amarrei nos três anéis verdes, a magia
lançando um brilho esmeralda enervante sobre a cozinha.
— Você estava vigiando a casa — eu disse.
Ele sibilou para mim. — Escória.
— Diga-me o porquê.
— Não te contarei nada.
— Mas você já começou.
— Huh?
— Você entregou o jogo antes de quebrar minha porta — retruquei. —
Você disse que sabia que eu estava aqui. Me chamou de idiota.
— Eu chamei? Eu sabia disso!
— Então, o lich queria que você vigiasse a casa, não é?
Ele fungou, os olhos em seu corpo. — Eu faria qualquer coisa por aquele
homem. Ele deu muita esperança aos rebeldes.
Devo contar a ele as boas notícias?
Não. Melhor não o incomodar. A sua raiva poderá empurrá-lo para o
território poltergeist. Eu realmente não quero esse nível de drama em minha
casa.
— Eu te odeio — disse ele. — Odeio todos vocês, necromantes sujos.
Você é um necromante. Fiquei de boca fechada.
— O lich é glorioso. Ele fará você pagar com sangue.
— Marcel?
Eu pulei, quase perdendo o controle do fantasma rebelde.
O rebelde respirou fundo. — Morte.
Meu amor de pele bronzeada estava a poucos metros de mim em clara
definição. Minha Morte, vestida com uma camisa azul marinho e calça de
couro preta, parecendo tão sexy. Seu cabelo escuro com mechas acobreadas
pendia artisticamente em torno de seu rosto. Seu sorriso combinava com a
luminosidade de seus olhos dourados derretidos, suas covinhas
absolutamente adoráveis.
— Você está aqui — sussurrei.
— Estou aqui. — Ele olhou para o fantasma, o cadáver, o vidro, o sangue
e a chuva. — O que aconteceu?
— Um ataque rebelde.
— Eu vejo. — Sua foice apareceu, o fantasma e o corpo sumiram antes que
eu tivesse tempo de piscar.
— Ele se foi — eu disse, aparentemente fazendo comentários sobre as
coisas.
— Para sua vida após a morte.
Deixei cair a faca.
— Você está realmente aqui? — falei.
Ele assentiu.
Um rubi estava pendurado em uma corrente de ouro em volta de seu
pescoço, encostado no botão dourado de sua camisa.
Ele era tão lindo, seus braços musculosos abertos para mim.
Corri para eles, envolvendo-me em torno dele como uma serpente píton
capturando sua presa. Lágrimas quentes de alívio rolaram, seu aroma de
sândalo era inebriante. Seu toque liberou um coquetel de tristeza, amor e
alívio agonizante.
— Você está realmente aqui.
Ele me segurou com tanta força quanto eu a ele. — Estou realmente aqui.
Senti o calor do rubi contra mim, feliz por tê-lo ali. Significava que
poderíamos nos abraçar assim, ficar conectados sem que a casa, ou mesmo a
rua inteira, caísse.
A Morte se afastou um pouco para segurar meu rosto, examinando
minhas feições. — Você está ferido. — Ele pegou minhas mãos, passando os
polegares pelos curativos.
— Tenho minha própria história para contar — eu disse.
— O que aconteceu com o seu nariz? — ele perguntou. — Parece inchado.
— Auto infligido. — Expliquei tudo, desde o teletransporte, a floresta e
meu nadar em águas turbulentas.
As pontas de seus polegares desenhavam círculos em minhas bochechas.
— Meu pobre amor. Ele se foi agora.
— Quem?
— O fantasma da capa de chuva amarela. Aparentemente, ele trabalhou
dentro daquele prédio até morrer na floresta. Tropeçou e bateu a cabeça.
Uma coisa boa, considerando os assassinatos que ele estava planejando.
Engoli. — Assassinatos?
— Um indivíduo bastante distorcido. Seu motivo era expulsar pessoas
rudes do mundo.
Fez sentido depois da nossa briga. — E o prédio?
— Um lugar que lida com a administração de necromantes,
aparentemente.
— E em esconder prisioneiros — eu disse.
Ele beijou minha testa. — Lamento que você tenha passado por isso.
— Já passei por coisas piores. Já estive morto algumas vezes.
Seus olhos brilharam de raiva, enviando uma pontada de medo através de
mim.
— Desculpe — rapidamente respondi.
Ele sorriu. — Há algo que eu possa fazer?
— Estar aqui é todo o remédio que preciso.
Ele me beijou, seus lábios quentes fazendo meus dedos dos pés se
curvarem. Gentil, amoroso, tão bonito e caloroso, tão íntimo. Minhas mãos
deslizaram para seus quadris, meu peito pressionando com mais força o
dele.
— Marcel... — ele sussurrou em minha boca.
Suas mãos encontraram meu cabelo, os dedos entrelaçando os fios
prateados. Sua língua sondou minha boca, a minha vindo ao encontro dela.
Nós nos beijamos mais profundamente, com mais fome, as mãos começando
a vagar, o rubi quente entre nós.
Eu me afastei, tocando meus lábios formigantes. — Aqui não.
— Você está certo — ele concordou. — Deixe-me levá-lo ao Bolsão de
Margarida.
— De volta para Oakthorne?
— Você decide.
O Bolsão de Margarida era um pedaço do céu criado pela Morte através da
magia encantada fornecida por Yvonne. Operava fora do tempo e do espaço
com suas próprias regras, em algum lugar onde pudéssemos nos amar com
segurança.
— Não, faz sentido voltar para lá — eu disse.
Ele beijou minha bochecha. — Quando você estiver pronto.
Olhei para o sangue, a depravação da casa da minha família. Essa merda
nunca deveria invadir um espaço tão sagrado.
— Eu deveria limpar — eu disse.
— Mais rebeldes podem vir.
— Eu sei. Mas não posso deixar assim.
— O que você precisar fazer então — ele respondeu, tão solidário.
O que eu esperava fazer a seguir? Encontrar algumas tábuas adequadas
para cobrir a janela, apenas para que outro rebelde a quebrasse novamente?
Porque onde um rebelde falhava, outro tentaria novamente. Era inevitável.
O amor deles pelo lich não iria recuar. Pelo menos não tão cedo. Seu cativeiro
e sua perda de poder provavelmente aumentaram ainda mais a causa da
destruição necromante.
Droga.
Com o coração pesado, eu disse: — Vamos embora.
Minha pobre casa. Isso era como chupar bolas de camelo, que imaginei
que não seriam muito divertidas na minha boca.
Bruto. E um insulto aos camelos.
A Morte arrancou uma pétala da margarida ao lado da porta vertical,
semelhante à água, para o nosso bolsão especial de existência.
Segurei sua mão, permitindo que ele me conduzisse pelo ar ameno da
noite, pisando sob um céu cheio de estrelas radiantes. Margaridas flutuantes
balançavam pelo céu como nuvens, uma visão estranha e bela da qual eu
nunca me cansaria. Elas fluíam em um ciclo constante, tornando-se uma
cachoeira floral no lado norte da nossa enorme casa de praia branca.
Descansei minha cabeça no ombro da Morte, ficando no deque sul da casa,
apreciando as areias brancas e puras, apreciando o ambiente paradisíaco.
Velas acesas tremeluziam ao redor da piscina externa, mais delas na
superfície do bar abastecido com bastante vinho tinto – nossa bebida
favorita. O oceano calmo refletia a lua e o céu, as ondas batendo suavemente
na costa. Era um oceano para lugar nenhum, construído apenas para este
lugar.
Meu humor caiu de repente, a tensão retornando em nós dolorosos. Sem
saber onde estava minha família, não conseguia relaxar.
Levantei minha cabeça de seu ombro, libertando minha mão da dele. —
Eu não deveria estar aqui.
— O que está errado? — ele perguntou.
— Tenho que encontrar minha família.
— Você irá. Nós iremos.
— Você pode? — Eu me perguntei. — Você tem o poder para procurar por
eles?
Ele balançou sua cabeça. — Temo que não. Posso sentir você, mas não
qualquer outra alma viva. Somente os mortos.
— Eu?
— Por causa da nossa conexão — disse ele. — Uma boa adição às minhas
habilidades.
Um pensamento horrível se instalou em minha mente. — Você pode
procurá-los para ver se... — Um arrepio, cada centímetro da minha pele
suada. — Oh, Deus.
— Eles não estão mortos — ele respondeu, com as mãos em meus ombros.
— Eu chequei.
Eu desabei sobre ele, as pernas incapazes de me sustentar mais.
— Você está bem — ele confortou. — Você está bem.
— Não estou — solucei, o sistema hidráulico liberado. — Não aguento
mais isso. Onde diabos eles estão?
Ele me pegou e me carregou até uma espreguiçadeira, me deitando.
Respirei fundo, tentando meus fiéis exercícios respiratórios para ajudar a
me acalmar, conter os malditos tremores que balançavam meu corpo. Mas
as lágrimas continuaram rolando, o medo denso e sufocante.
Eu não posso ficar aqui.
— Posso começar a procurá-los — disse ele.
Recostei-me, os olhos voltados para o céu. — Mas onde? Duvido que
estejam na cidade ou mesmo em Londres. Emma os teria escondido em
algum lugar seguro.
— Então vou encontrar Emma primeiro.
— E fazer o quê?
Havia aquelas brasas de raiva em seus olhos novamente. — Fazê-la falar.
Um toque de gelo na minha espinha.
— Ela vai falar comigo — disse ele.
Assustador e sexy pra caralho.
— Mas primeiro vou servir o vinho. — Ele acariciou meu rosto com as
costas da mão, enxugando as lágrimas. — Você definitivamente precisa de
uma taça.
— Você me conhece muito bem.

Sentei-me emaranhado em seus membros na espreguiçadeira robusta,


minhas costas apoiadas em seu peito. Não exatamente relaxado, mas
também não mais uma confusão de soluços. O vinho ajudou, um Merlot
suave delicioso.
Ele apoiou o queixo na minha cabeça, me segurando, estando presente
para mim. Ele tinha muito trabalho a fazer, me consolar no final de sua lista.
Bem, deveria estar.
Estou feliz que não esteja…
— Este vinho é incrível — quebrei nosso agradável silêncio. — Um
orgasmo em uma taça.
Ele riu, beijando minha testa. — Devo ter ciúmes de uvas fermentadas?
Por que eu tive que bufar? Ugh. — Estranho.
— Você disse isso.
— Um tipo diferente de orgasmo.
— Oh?
Revirei os olhos. — Estamos realmente tendo essa conversa?
— Gosto de discutir orgasmos.
Abstendo-me de impressões porcas, eu disse: — Você sabe o que quero
dizer.
— Eu sei?
Eu o cutuquei suavemente na lateral do corpo com meu cotovelo. — Sim.
Você sabe.
— Me satisfaça.
— Eu preciso?
— Sim — ele ronronou em meu ouvido, uma mão deslizando pela minha
barriga. — Gosto de ouvir você falar sacanagem.
Meu pau se mexeu. — Morte impertinente.
— Fale comigo, amor.
— Não quero impedi-lo de trabalhar — respondi.
— Fale comigo.
Bufei em reclamação, sorrindo para me mantendo calmo. — Um orgasmo
no sentido de se sentir bem depois de uma deliciosa mordida de chocolate
ou um gole de vinho. Assim. — Levantei a taça, agitando o líquido cor de
vinho. Captou o luar, radiante na taça. Tomei outro gole para ver se mudava
o sabor. Não aconteceu, mas tanto faz.
— Tão bom — acrescentei. — E você definitivamente sabia o que eu quis
dizer.
— Eu sabia. Eu estava brincando.
— Não brinca.
Ele beijou minha testa novamente, os dedos batendo no osso do meu
quadril. — Como está se sentindo?
Dedos se aproximando da barra do meu jeans, meu pau empurrando
contra o tecido. Olhei para baixo, acompanhando o progresso de seus dedos.
Sim…
Dedos rolando para trás na borda do suéter, revelando a polpa clara e
morena da minha barriga.
Oh, Deus…
Sua pele na minha, tão delicada, enviou tremores de antecipação às
minhas bolas, o calor acendendo na minha virilha.
Ele abriu o botão superior da minha calça jeans.
— Morte…
Lábios no meu pescoço, beijos suaves, uma língua incrível. Sua voz trouxe
faíscas de eletricidade à minha carne.
— Marcel…
Seus dedos deslizaram pela faixa da minha boxer, a outra mão explorando
por baixo do meu suéter, encontrando meus mamilos.
Ele gemeu contra mim.
O desejo se trancou em mim, deliciosos rolos prontos para me arrastar
para profundezas requintadas.
Oh, sim…
Dedos se movendo mais fundo.
Porra.
Ele chupou minha pele, rolando meus mamilos entre o indicador e o
polegar por baixo do meu suéter. Seu toque, o roçar da lã em minhas
protuberâncias inchadas me deixaram louco. Um prazer de enrolar os dedos
dos pés e de tirar o fôlego, aumentando o calor ao máximo.
— Sim…
Ele gemeu seu próprio sim para mim.
Minhas costas arquearam ligeiramente, minha bunda se contorcendo
entre suas pernas. Sua dureza penetrou em mim, e ele moveu os quadris,
moendo seu pau com mais força.
Ele encontrou meu pau, envolvendo seus dedos quentes em volta do eixo,
mantendo-o preso na cueca de algodão. Sua outra mão deixou meus
mamilos, mergulhando em minha boxer, encontrando a faixa rica em nervos
abaixo das minhas bolas.
Abri minhas pernas para ele.
— Bom menino — ele ronronou e acariciou o topo da minha fenda. Ele
não poderia ir mais longe para me penetrar, mas isso era o suficiente. Mais
do que o suficiente. Ele sabia como apertar cada botão sexy.
A cada golpe, a cabeça dura do meu pau roçava o algodão, vazando pré-
sêmen. Ficou pegajoso rapidamente.
— Adoro sentir você vazando — ele rosnou.
Uau. Suas palavras apenas deixaram minha boxer ainda mais pegajosa.
Ele aumentou seus golpes, me trabalhando mais forte, provocando minha
carne, o topo da minha fenda, chupando meu pescoço, me afogando em um
frenesi de sensações. Cada ação se intensificou, construindo-me um
verdadeiro orgasmo que nenhum vinho caro poderia igualar.
— Porra — sussurrei novamente. — Porra, sim... — Arqueei minha coluna,
inclinando minha cabeça para o lado. Ele encontrou meus lábios, minha
língua com a dele, me levando até o trecho final.
Cruzei a linha de chegada.
— Sim! Sim! Sim! — Eu gritei, liberando jatos de esperma quente em
minha cueca, os quadris projetando-se a cada explosão.
Seu braço envolveu meu peito, fixando-me no lugar, tirando cada gota de
mim, não parando até que eu pedisse.
Fiquei mole em seus braços, minha calça jeans estava uma bagunça, mas
muito satisfeito.
— Isso foi ótimo... — eu ofeguei.
Faça isso novamente!
Ele me lambeu dos dedos – ele gostava de fazer isso. Chupou cada dedo,
demorando-se ao me provar como se eu fosse uma costela de churrasco com
molho.
— Delicioso — disse ele. — Pipoca doce e salgada.
Ok, então não costelas.
Eu ri, não estando pronto para me mover, tomado pela euforia. — Eu não
estava esperando uma punheta.
— Não seja tão clínico.
— Qual seria o nome disso?
— Mão amável — ele respondeu, rindo.
— Isso é realmente ridículo.
— Muito ruim?
— O nome, não a ação.
Ele beijou minha bochecha. — Receio ter marcado você de novo. — Ele
acariciou meu pescoço. — Não pude evitar.
— Marque o que quiser. — Mordidas de amor dele eram legais para mim.
Um grunhido suave e satisfeito retumbou abaixo de mim. — Promete?
— Absolutamente.
— E você ainda está com a taça na mão — acrescentou.
Eu estava. Eu realmente estava. — Como eu consegui isso?
— Enquanto recebia uma punheta? — Ele riu. — Desculpe, as frutas mais
fáceis de alcançar são muito tentadoras.
Oh, céus. — E eu não derramei nada.
— Isso não é verdade. — Ele riu novamente.
— Sério? — Respondi, rindo também.
— Há tantas frutas penduradas diante de mim.
Esperei que ele contasse uma piada sobre testículos, mas não aconteceu, e
nem me preocupei em tentar fazer uma.
— Se sente melhor? — ele perguntou.
— Ajudou. Obrigado.
— Eu sei que isso não muda nada, mas odeio ver você sofrer.
Infelizmente, o momento sexy foi um placebo. — Quer que eu faça em
você?
— Não agora.
Eu queria, embora minha angústia voltasse rastejante. — Ok.
Eu compensaria isso com ele mais tarde.
Suspirei — Para onde vamos a partir daqui?
Humor oficialmente corrompido.
— Não sei. — Ele se abaixou e caminhou até a beira da piscina. — O que
acontecerá com o Mercado Oculto agora que Barbara se foi? Conosco? O
mundo em geral?
Abotoei minha calça jeans e o segui, passando um braço em volta de sua
cintura, minha cabeça voltando para seu ombro.
— Gostaria que houvesse algo que eu pudesse fazer — eu disse. — Você
sabe, para tornar tudo melhor.
— Eu também.
— Pelo menos lidamos com Nick.
A dúvida ainda agitava uma bandeira sobre isso.
Ele beijou minha testa. — Vou encontrar sua família.
Essa parte dele era o centro de seu poder espalhado pelo mundo, dando a
esses fantasmas sua vida após a morte.
— Você é impressionante — eu disse.
— De onde veio isso?
— Você é.
— Eu preciso ir — disse ele.
Nunca! Eu o abracei, um abraço de urso porque ele merecia todos os
abraços de urso possíveis.
Ele acariciou minhas costas. — Sua família e a chave ônix.
A ideia de ele ir para o Everest me assustou muito, restaurando a energia
ou não.
— Essa é uma grande montanha — eu disse.
— Eu vou ficar bem.
— E quanto a Leon e Yvonne? — Mudei de assunto.
— Eles podem esperar. Por agora.
— Ok — sussurrei. — Você é incrível, sabia disso?
— Eu te amo, Marcel.
Eu me afastei, pegando seu rosto em minhas mãos, me perdendo em seu
olhar. — Eu te amo.
Nós nos beijamos.
Relutantemente, direcionei a conversa de volta ao Monte Everest. — Por
onde você começará lá?
— Ainda estou elaborando um plano.
— Estou com tanto medo.
— Não tenha medo. — Ele pegou meu cabelo, afastando uma mecha
rebelde da minha testa.
— Ter medo vem junto com ser seu homem.
Seu sorriso era de prazer perverso. — Meu homem. Eu gosto disso.
— Você deveria gostar mesmo.
Uma mão no meu peito. — Por favor, não se preocupe comigo. Eu vou
ficar bem.
Isso tudo porque Jon, o poltergeist – o fantasma preso em sua foice –, deu
um impulso à poção de Buscador que a Morte estava usando. Mostrou ao
meu amante o Everest numa visão, mas não a localização real.
— Jon está bem? — Perguntei.
Jon foi o último mortal a esconder a chave – um dever concedido aos
mortais antes que suas mentes fossem apagadas.
— Está calmo — respondeu a Morte.
— Devo ir com você?
— Seria mais seguro para você ficar aqui. Não há motivo para congelar
suas lindas bolas. — O canto de sua boca se curvou em um sorriso.
— Minhas lindas bolas? — Respondi.
Ele lambeu seus lábios carnudos e sensuais. — Perfeitas para fazer
saquinhos de chá.
Bufei, o rubor inundando minhas bochechas. — Você não acabou de dizer
isso!
— Eu não me importaria que você desse um mergulho. — Ele apontou de
brincadeira para sua boca.
Minhas bochechas estavam nucleares, o calor se espalhando pelo meu
pescoço. — Er...
— Sem palavras? — Ele piscou.
— Você estará quando eu enfiar minhas bolas em sua boca — eu soltei,
brincando com ele em seu jogo excitante.
Isso não me impediu de corar ainda mais.
— Espero que seja uma promessa, meu querido necromante — disse a
Morte, em um tom incrivelmente rouco.
Eu estava pronto para me despir e fazer o que ele quisesse. Saquinho de
chá, trepar no trapézio, tanto faz. Desde que estivéssemos nus e ligados por
lábios, ou línguas, ou paus, ou bolas, eu não me importava.
Mudança de assunto. — Por favor, seja cuidadoso.
— Serei. Prometo.
Mais beijos.
— Primeiro, procurarei sua família. Ok?
— Muito obrigado. — Foda-se a chave. Foda-se todo o resto. Eles sempre
viriam primeiro.
Ele passou os dedos pelo meu cabelo. — Agora você tem que me fazer
uma promessa.
— Qual?
— Você vai ficar aqui até eu voltar.
Eu poderia fazer isso? — Eu…
— Se você entrar na cidade, alguém irá avistá-lo — disse ele. — Há vídeos
e imagens espalhadas pelas redes sociais de você convocando o cemitério,
morrendo e voltando, de mim e da destruição que provocamos. As pessoas
sabem que somos amaldiçoados. — Ele parecia pronto para matar. — Seu
rosto não pode aparecer.
Minhas entranhas coalharam. — E o seu?
— É diferente para mim.
Claro.
— E você pode morrer agora — acrescentou.
— Eu ficarei aqui. Prometo.
Ele me ofereceu seu dedo mindinho.
— Para que é isso? — Questionei.
— Juramento do dedinho.
— Sério?
— Li sobre isso uma vez e descobri que era melhor do que assinar um
contrato — disse ele. — Então? Jura de dedinho?
— Você é cheio de bolas curvas2 — respondi, rindo.
Ele me deu uma gargalhada.
— Eu deveria conseguir um distintivo com isso escrito. — Nossos
dedinhos se uniram. — Agora sua promessa está consolidada. Fique aqui.
Ele desapareceu pela porta do Bolsão de Margarida sem se despedir.
— Morte?
Ele voltou um minuto depois com um livro sobre o Everest e um romance
de fantasia urbana – Dime Store Magic, de Kelley Armstrong.
— O que é isso? — Perguntei.
— Um livro para fatos e outro para entretenimento.
— Amo Kelley Armstrong.
— Aqui.
Peguei-os e coloquei-os na espreguiçadeira. — Obrigado.

2 Uma forma divertida de dizer cheio de surpresas


— Espere. — Ele saiu novamente, cortando as trinta pétalas de margarida.
Até alguém como ele tinha que obedecer às regras de uso da porta deste
bolsão.
Ele voltou com meu projeto atual de tricô, minhas agulhas e minha caixa
de lã.
Minha boca se esticou em um sorriso super feliz. — Gosto ainda mais
disso.
Peguei meu cobertor inacabado de duas cores, azul pastel e rosa,
abraçando-o. — Meu bebê.
— Primeiro o vinho e agora isto? — A Morte disse.
— O que posso dizer? Meu coração está tão dilacerado.
— Estou positivamente verde de inveja. — Ele franziu as sobrancelhas e
saiu correndo pela porta novamente.
Desta vez ele tinha um telefone com ele. — Aqui.
— Talvez você devesse fazer uma lista antes de sair novamente.
— Terminei agora.
Peguei o tijolo com botões. — Obrigado.
— Meu número está salvo nele. Sei que o sinal aqui é ruim, mas caso você
precise de mim, tente ligar.
— Você conseguiu isso na década de 1990?
— Que rude.
Bufei.
Para o próximo truque, ele tirou uma cueca do bolso de trás – minha cueca.
— Então você não fica tão pegajoso.
Fui pegar minha boxer azul, um pouco tímido.
Ele puxou a mão para trás, levando-a até o rosto, respirando fundo. —
Mmmm. Caramelo Marcel.
Agora eu realmente corei. — Posso ficar com minha cueca, por favor?
Um brilho travesso brilhou em cada olho dourado. — Vou trocar com
você.
— O quê?
— Essa limpa por essa aqui. — Ele apontou para minha virilha.
— O quê? Sem chance!
— Por favor. Pense nisso como um favor para o seu cavaleiro.
Por mais quente que meu rosto brilhasse, havia algo de sedutor em sua
proposta. — Ah, então você é meu cavaleiro, não é?
— Em couro e seda, não em armadura.
— Claro.
— O que você me diz? — ele pressionou.
Senti minhas sobrancelhas franzirem. — Boxers com crosta de esperma?
— Sim. Um símbolo para a estrada.
— Mesmo?
Ele girou a boxer azul no dedo médio. — Vamos negociar.
Dar à Morte minha cueca suja... Bem, só meio suja por causa de suas mãos
magníficas.
Tirei minha calça jeans, depois a boxer vermelha com desejo intenso. Meu
pau se firmou, apontando para ele em saudação.
— Oh, olá. — Ele cumprimentou com um aceno.
Ele veio até mim, caiu de joelhos e me devorou. Balançou a cabeça para
frente e para trás em um frenesi de tirar o fôlego. Uma foda facial reversa,
sem necessidade de impulso.
Gozei em menos de um minuto, meus dedos cavando em seu couro
cabeludo enquanto ficava na ponta dos pés, minhas nádegas apertando a
cada pulsação.
— Que porra foi essa? — Suspirei.
Ele se levantou, limpando a boca com as costas da mão.
Quase desmaiei novamente. — De onde veio isso? — Eu me esforcei para
recuperar o fôlego.
Ele encolheu os ombros. — Mais um para a estrada. — Ele arrancou a
cueca vermelha da minha mão, passando-a na ponta do meu eixo.
— O que... — Seu toque não fez nada para diminuir minha ereção.
— Um pouco de limpeza. — Ele riu e me entregou a boxer azul.
— Nunca gozei tão rápido na minha vida.
A Morte curvou-se, amassando minha cueca com a palma da mão
esquerda. — Uma conquista que usarei com orgulho.
Eu realmente queria mais. Chupá-lo até secar, abrir minhas pernas para
ele. Foder tudo até o esquecimento feliz. Mas nós brincamos por muito
tempo.
Sua mudança repentina de volta à seriedade me disse que ele pensava o
mesmo.
— Ok. É melhor eu ir — disse ele.
Coloquei a boxer limpa e minha calça jeans. Deixei cair o telefone, então
peguei-o e coloquei-o em cima dos livros.
— Morte…
Começamos a nos beijar e abraçar e não querendo nos soltar.
— Vejo você em breve — ele sussurrou quando finalmente nos separamos.
— Mal posso esperar. — Eu queria chorar de novo.
— Eu te amo — ele me disse novamente.
— Também te amo.
Ele deixou nosso lugar especial, meu coração estava com uma pequena
rachadura por causa de sua partida.
Não. Não. Não. Eu não iria desmoronar ou me enrolar na espreguiçadeira
em uma confusão total de angústia e tristeza. Eu seria forte. Eu seria
paciente. Ele estava procurando minha família, aquela maldita chave de
ônix, e geralmente sendo incrível ajudando os mortos.
Estávamos indo para um bom lugar. Para amar livremente neste lugar, ele
de volta ao trabalho e o lich derrotado. Tão fácil quanto uma torta de maçã3.
Só que a torta de maçã não era fácil para mim, nem aceitar a esperança.
Ainda não. Ainda havia muitas sombras, muita coisa para limpar.
No momento certo, eu acho.
Na porra do momento certo.

3 É uma expressão coloquial e símile popular usada para descrever uma tarefa ou experiência como
prazerosa e simples.
Comecei minha missão voltando para meu quarto na Mansão Oakthorne,
as rachaduras no chão e nas paredes eram um lembrete sombrio da maldição
sobre meu amor por Marcel. Mas eu os ignorei, minha atenção voltada para
o espelho dourado acima da lareira fria.
Winnie, minha companheira nascida no espelho, esperou ali. O peixinho
dourado iridescente balançou o rabo, virando-se três vezes animada com a
minha aparição.
— Você é você mesmo de novo, querido! — ela declarou. Seus olhos
brilhavam de esperança.
— Eu sou.
Ela se acalmou, uma mudança repentina de alegria para preocupação. —
E você está com o coração pesado.
— Estou — admiti.
— Sinto muito.
— Eu fiz isso para impedir um massacre fantasmagórico.
— O lich está morto? — ela perguntou.
— Não morto, mas contido. Ele diminuirá à medida que passar fome.
— Você ainda procura o filactério?
— Quero que ele seja completamente destruído.
— Então acabou — disse ela.
Senti o cheiro persistente de caramelo de Marcel no ar. — Acabará assim
que eu encontrar a chave ônix. — Estendi a mão, passando o dedo pela
moldura do espelho. — Não podemos ser complacentes, Winnie.
— Claro que não — ela respondeu. — O que acontece agora?
— Estou procurando pela família de Marcel. — Levei alguns momentos
para adicionar a próxima parte. — Você pode ir para casa agora.
Ela nadou de um lado para o outro. — De fato, eu posso.
— O plano espiritual está aberto para você novamente.
— De fato, está.
Minha testa franziu em resposta. — O que foi?
Winnie parou de nadar. — Ainda não tenho uma casa para mim, querido.
— Por quê?
— Porque você ainda não terminou aqui, não é?
— Eu nunca vou terminar com este reino — respondi.
— Você não estará no palácio. Não por um tempo.
— Isso mesmo.
Enquanto falava com ela, movi mais almas, um incidente horrível numa
estrada americana, o triste falecimento de uma senhora idosa que sucumbiu
à sépsis num hospital escocês com a família reunida à sua volta.
Senti a presença de Marcel, sabendo que não seria capaz de senti-lo com
ele no Bolsão de Margarida. Ver a morte efêmera assim e amar um homem
mortal despertou todos os meus medos.
Um dia ele irá desaparecer...
— Mas você pode voltar para casa — eu disse a minha amiga, com a voz
embargada.
— Não é casa sem você.
— Vou me certificar de passar por aqui o máximo que puder. Eu nem
sempre estava aqui antes disso.
Ela piscou e nadou para a esquerda. — Não vou relaxar até que seus
problemas sejam resolvidos.
— O que está dizendo? — Obviamente, li nas entrelinhas. Eu só queria
que ela dissesse isso.
— Vou ficar — disse ela. — Quero estar aqui com você, emprestando meus
olhos, ouvidos e palavras, caso você precise deles.
Esse era o papel dela, por que os nascidos no espelho vinham até mim,
para os zeladores no plano espiritual. Pela companhia, conselhos e amizade
muito valiosa.
Eu amava Winnie profundamente. Ela me proporcionou dois séculos de
amizade. Ela tinha mais dois para oferecer, sua vida durava quatrocentos
anos.
Toquei o vidro, a vibração da água corrente zumbindo nas pontas dos
meus dedos. — Você é um peixe incrível.
— Obrigada, querido. Assim como você.
— Um peixe?
Ela riu, o som era um tilintar delicado. — Você é bobo.
— Eu sei.
Antes de partir, servi-me de um quarto de taça de vinho tinto, bebi e
apresentei o espelho compacto para Winnie. Ela desapareceu do espelho
grande, reaparecendo no pequeno círculo em minha mão.
— Você definitivamente começará com a família de Marcel? — ela
perguntou.
— Sim. Não deveria?
— Não tenho certeza.
A ameaça imediata foi subjugada, mas e se houvesse outras pessoas que
soubessem da chave ônix?
— Caramba — eu disse.
— Caramba o quê, querido?
— Oh, é apenas uma expressão mortal que ouvi. Uma de exasperação.
— Eu vejo.
— Vou tentar o Everest primeiro — eu disse.
Uma visita rápida para ter uma visão melhor da montanha. Eu já estive lá
antes para levar os mortos, nunca para mais nada.
Guardando o espelho no bolso, desci até meu cavalo, Pegasus. A bela e
luminosa criatura branca deu um relincho suave quando cheguei. Acariciei
seus flancos enquanto ele pastava na grama malcuidada dos jardins
ocidentais.
— Vem comigo? — Perguntei a ele.
Ele levantou a cabeça, os olhos escuros brilhando de interesse. Ele deu o
mesmo relincho, desta vez mais alto.
Um sonoro sim.
Com minha capacidade de teletransporte restaurada, parecia bobagem
andar em meu cavalo voador ou até mesmo em minha motocicleta, Pegasus
II. No entanto, eu gostava de tê-los por perto, de senti-los contra o meu
corpo, ambos companheiros tranquilizadores que sempre mantive por perto.
Viajando pelos céus do plano espiritual com Pegasus, acelerando minha
moto pela vasta extensão de terra. Tão divertido, tão libertador, tão
fundamental para aliviar a tristeza de perder Marcel a cada vez.
Resistindo a tropeçar na estrada da memória, subi nas costas do meu
cavalo e nos teletransportei para o acampamento base do Everest, no lado
nepalês da montanha. Houve muitos mortos aqui, vinte anos de fantasmas
vagando pelo Himalaia devido a escaladas fracassadas e acidentes terríveis.
Nem o frio nem a altitude afetaram a mim ou a Pegasus, embora eu
sentisse a mudança no ar, a escassez de oxigênio.
Um mar de tendas se estendia diante de mim no terreno rochoso, com
bandeiras coloridas de oração tremulando ao vento. O céu estava azul, o sol
pleno e glorioso. Condições perfeitas para escalar, suponho. Mas ainda não
era temporada de escalada.
Na cascata de gelo de Khumbu, uma façanha perigosa que eu não poderia
imaginar atravessar como mortal, encontrei mais fantasmas – sherpas4 e
alpinistas de todo o mundo.
Eles me agradeceram, muito felizes em ver meu rosto.
— Vai doer? — um sherpa me perguntou.
— Não haverá dor e você pode ficar em paz agora — respondi.
Meus olhos percorreram os picos. Daqui, o cume do Monte Everest estava
oculto, então pedi a Pegasus que nos levasse mais alto.
Os cascos do meu cavalo batiam forte no ar em um galope suave, seguindo
ao longo da cascata de gelo Khumbu, atravessando o Vale do Silêncio e o
Acampamento 1, seguindo a rota de escalada estabelecida no lado sul.
Procurei um sinal, alguma sugestão da chave ônix.
Não seria tão fácil.
Até onde Jon subiu antes de esconder a chave ônix? O Monte Everest era
uma atração turística muito movimentada durante a temporada de
escaladas, e Jon teria sido obrigado a encontrar um lugar secreto e seguro
para escondê-la.
Voamos ao redor da montanha em direção ao lado norte, a vista do
Himalaia era incrível. Que força espetacular da natureza, picos cobertos de
neve arranhando o céu, o maior de todos pairando acima, nuvens flutuando
pelo cume como fumaça saindo de uma chaminé onde penetrava na corrente
de jato.
Incrível. Se ao menos Marcel pudesse ver isso.
Aterrissamos no acampamento 4, no lado sul, no que os mortais chamam
de zona da morte. Uma área incapaz de sustentar a vida humana, o ar
mortalmente rarefeito. Mas não deixava de ter sua beleza etérea e estranha.

4 Os sherpas ou xerpas são uma etnia da região mais montanhosa do Nepal, no alto dos Himalaias. Segundo
os linguistas, são considerados como membros do povo tibetano.
A área de neve, pedras e tendas vazias estava silenciosa, exceto pelo assobio
do vento, e o azul escuro do céu sugeria espaço além.
— Incrível — eu disse, saindo de Pegasus e abrindo o espelho para Winnie
observar os arredores.
Havia montanhas mais altas no plano espiritual, mas havia algo especial
nesses espetáculos terrenos, cheios de perigo e mortalidade bruta que não
existiam lá.
— Isso é maravilhoso — declarou o peixe.
Por mais bonito que fosse, não havia pistas óbvias. Eu precisaria passar
muito tempo aqui.
Voltei para a Mansão Oakthorne, deixando Pegasus pastando e entrando
na sala de jantar.
Coloquei um frasco de poção Buscador em uma tigela. O líquido roxo
funcionava revelando objetos em um lampejo de imagens para quem o
usava, embora fosse terrivelmente problemático e não mostrasse muita
coisa. Eu passei por muitos deles para obter o resultado que queria,
eventualmente tendo sorte com a ajuda de Jon dentro da minha foice.
Desembainhando minha foice, mergulhei a ponta da lâmina curva no
líquido, como havia feito antes. Nada aconteceu desta vez, nenhuma
imagem do Everest, nem mesmo o menor indício da imagem. Apenas o
chiado de pétalas roxas inúteis.
— Desperdício de poção — murmurei.
Liberar Jon para fazer perguntas não traria nenhuma resposta, apenas
alimentaria as chamas de sua raiva poltergeist. Eu teria que continuar
tentando. Uma resposta viria eventualmente.
— Vou libertar você em breve — disse ao fantasma preso.
Um lampejo de calor na lâmina. Ele estava bem lá, aproveitando a paz.
Tudo o que Jon queria era paz, para não ser vítima de sua raiva. Um raro
poltergeist que moderou um pouco sua fúria, desde que nada perturbasse
seu frágil equilíbrio.
Eu me teletransportei para o prédio alto onde Emma deteve Marcel antes
que ele se teletransportasse para fora de suas garras.
Um bom lugar para começar.
O vento uivava em torno da feia estrutura de concreto, uma praga no
campo. A noite se aproximava da manhã, as nuvens de chuva se dissipando.
Todas as janelas do prédio pareciam acesas, holofotes apontados para
cada centímetro do terreno ao redor.
Paranoicos, não eram? Esperando um ataque ou um intruso?
Eu me teletransportei para dentro, saudado pela decoração cinza e bege,
necromantes e humanos normais ocupados nos vários escritórios.
Que horas de trabalho terríveis.
Mudei-me para o último andar, encontrando o escritório que queria.
Reservado para qualquer Diretor Superior visitante que o solicitasse de
acordo com uma placa que dizia: 'Zona de Mesa Compartilhada do Diretor
Superior'. Havia duas plantas, três arquivos e nenhuma arte nas paredes. A
mesa estava arrumada e havia um quarto anexo a ela – um espaço menor
para o exausto assistente enviando e-mails, tomando café puro,
provavelmente rezando por sua cama.
Exatamente quem eu queria ver.
Rezando…
Estremeci, pensando em Marcel e seu momento com os deuses do quarto.
Sua mente estava quebrando, perigosamente perto de torná-lo um rebelde.
Acabou agora…
Eu apareci diante do homem. Ele pulou da cadeira, derramando café,
girando os braços para manter o equilíbrio.
— Você veio! — ele guinchou, a pele já pálida, mas empalidecendo ainda
mais.
— Declaração interessante — respondi.
O não necromante, de cabelos castanhos, conseguiu ficar na vertical,
apertando o coração. — Emma nos avisou que você poderia aparecer para
se vingar.
Daí a segurança paranoica. — Me vingar?
Ele limpou a garganta. — Por sequestrar seu namorado.
Dei um passo à frente, ele um passo atrás. — É assim mesmo?
Sua garganta balançou, suor escorrendo por sua testa. — O que você quer?
— Achei que você já soubesse. — Meu tom revelou sombras internas.
Outro passo para trás para ele. — Por favor. Eu lido com a administração,
não com decisões.
— Mas você sabe das coisas.
— O que...
Corri para ele, agarrando-o pelo colarinho.
Levei-o a um lugar que poderia fazê-lo falar.
Eu li um pouco do livro Everest, realmente não me sentindo melhor com
a ida da Morte para lá. Eu sabia que ele não poderia se machucar, que ele
poderia mergulhar em um lago de lava ou tomar sol na Antártica sem sequer
um arranhão, agora que ele era ele mesmo. Mas como eu poderia não ficar
apavorado?
Chame isso de minha natureza humana mortal.
Incapaz de ler algo, meio excitado depois dos dedos e da boca mágicos da
Morte, levei meu tricô para dentro, para a área de estar, entre as partes norte
e oeste da casa.
Sentei-me no enorme sofá de canto dourado, que era berrante, mas muito
o estilo da Morte. Pegando o controle remoto da TV na mesinha de centro
dourada, cliquei na tela enorme e me acomodei no sofá macio. Encontrei Os
Simpsons em uma rede de streaming e deixei tocar.
Fiquei surpreso que o programa tenha reproduzido tão bem, visto que o
sinal do telefone aqui não era particularmente bom. Graças a Deus era
transmitido, porque tricotar o cobertor e rir das travessuras da família
animada realmente ajudou a me manter distraído.
No final do primeiro episódio, peguei um pouco de vinho e estiquei as
pernas, aproveitando mais o mar e a praia e aquelas margaridas do céu.
— Olá?
Uma voz vinda do meu apartamento ecoou pelo bolsão. Deixei cair o
vinho, a taça e o líquido cor de vinho espirrando nas minhas botas.
— Merda.
— Marcel?
Leon West. No meu apartamento.
Corri para o portal, parando antes de fazer algo estúpido.
— Olá?
Eu podia ver meu quarto azul do outro lado, ondulando no retângulo
vertical diante de mim.
— Você está aqui? — Leon disse novamente.
Ele passou pela porta aberta, um homem de cabelos ruivos, mais ou menos
da minha idade, com a pele pálida rachada como argila deixada ao sol. Uma
consequência de sua projeção astral.
Seus olhos âmbar pousaram na margarida.
Ninguém podia acessar o Bolsão de Margarida além da Morte. Porque ele
fez isso, só ele poderia arrancar as pétalas da margarida para nos levar para
dentro – um total de trinta pétalas para arrancar para esta criação.
Aparentemente, ele poderia atribuir acesso a outro depenador, mas ainda
não tinha me entregado as chaves.
— Marcel?
Um estrondo como uma porta sendo derrubada. Leon se desfez em uma
pilha de folhas mortas que desapareceu segundos depois.
Emma apareceu no meu quarto, seu cabelo prateado imaculado, sua pele
clara e sardenta tão fresca que ela poderia ter saído direto de um spa.
Talvez ela tivesse.
— Ele seria um tolo se voltasse aqui — Emma basicamente rosnou, seus
cruéis olhos castanhos examinando a sala.
Robert entrou atrás dela, me chocando pra caramba.
A última coisa que dele ouvi foi que ele estava sedado, Emma temia que
sua dor por perder George pudesse quebrá-lo, torná-lo rebelde. Mas ele
estava de pé, parecendo tão cruel quanto ela, sua pele dourada não tão fresca
quanto a dela, seu cabelo prateado penteado ainda mais curto, quase
desaparecendo completamente.
O aperto no peito me forçou a dar um passo para trás. Eles não podiam
me ver do lado deles, mas diga isso para meu terror crescente.
E a raiva. Deus, eu odiava tanto Emma. Bastava olhar para ela, tão
presunçosa, tão indiferente. Era como ter um cubo de gelo sem alma como
chefe.
A mão de Robert estava apoiada em sua arma, enfiada em um coldre preto
em seu quadril. Ambos estavam de preto, a cor padrão de necromantes pro
momento.
— Se ele estiver aqui — respondeu meu ex-parceiro necromante — ele não
irá muito longe. Não há mais poderes especiais.
A Diretora Superior pareceu irritada com sua resposta. — Se eu quisesse
que o óbvio fosse apontado para mim, eu poderia ter feito isso sozinha.
— Desculpe, senhora.
Olhe só para ele sendo todo apologético e subserviente. Ele não havia
demonstrado muito respeito por ela antes disso.
Emma avistou a margarida. — O que é aquilo?
Merda.
Robert se aproximou. — Não faço ideia, senhora. Quer que eu faça uma
ligação?
— Vou fazer isso. — Ela pegou seu e-scroll oval no bolso e começou a ligar.
— Chame-me Yvonne Barker — ela disse ao telefone.
Meu estômago revirou.
Que diabos? Yvonne? Trabalhando com Emma? Um contato mágico da
Diretora Superior? Havia muitos deles em todo o mundo, usados como
recurso para investigações. Eu sabia que Emma tinha dez em sua lista em
busca de uma solução para o Resplendor da Morte. Mas Yvonne Barker.
Mesmo?
Emma bufou impacientemente.
Robert examinou a margarida e agachou-se diante dela, perto demais para
me sentir confortável.
— Sim? — Emma conectou seu dispositivo. — Ela não está disponível?
Por quê? Não responda isso. Eu não ligo. Consiga-me o primeiro mago
disponível. — Ela bufou novamente. — Uma pena. Meio que gostava
bastante dela. Ela não é tão certinha como os outros.
Ha! Olha quem fala!
Robert endireitou-se. Seus olhos verdes estavam injetados, com olheiras
pesadas embaixo deles. O homem estava devastado pela tristeza, cheio de
dor. Uma combinação perigosa que eu não queria enfrentar.
Que covarde. George estava morto por minha causa, e eu queria me
esconder aqui como algum...
Não. Você prometeu a Morte.
Meus dedos estavam a centímetros do portal, pairando ali por vontade
própria.
Eu os puxei de volta.
Nem Emma nem Robert colocariam as mãos em mim.
— Quanto tempo vai levar? — Emma reclamou em seu e-scroll como uma
adolescente mal-humorada.
Robert virou-se para minha cama, curvando-se para tocar os lençóis. —
Você não merecia ele — ele sussurrou.
— O que você disse? — Emma perguntou.
— Nada.
Ele. George. Eu não o merecia? Mesmo? Depois…
Não. George morreu em um acidente horrível. Nosso passado acabou. Eu
não estava pensando nisso.
— Por que você acha que a Morte não vai levar George adiante? — Robert
disse.
— Já discutimos isso — respondeu Emma.
— Mesquinhez — disse Robert. — Para me machucar.
— Acho que sim. Eles estão jogando.
Não pude acreditar nessa merda. Jogando? Mesquinhez? Foi nesse ponto
que as coisas chegaram, onde eles pensariam tão pouco de mim? Mas acho
que esconder a Morte e outras informações deles me queimou
profundamente.
Deus, que situação horrível.
— Não que eu queira que ele vá embora — acrescentou Robert.
Talvez eu devesse dizer à Morte para deixar George e Louise irem. Não
era justo mantê-los por perto enquanto a vida após a morte os aguardava.
Lágrimas brilharam nos olhos de Robert. Ele os fechou, mordendo o lábio
inferior com tanta força que tirou sangue. Uma respiração trêmula, suas
mãos fechadas em punhos cerrados.
— Finalmente — Emma disse.
Robert voltou a se concentrar, encarando a Diretora Superior.
Sinto muito, pensei para ele. Sinto muito.
A culpa me tirou o fôlego.
— Diga-me — Emma continuou para o mago do outro lado da linha —
qual é o papel das margaridas na sua magia?
A magia dos magos tinha um tema muito vegetal em sua estética.
Isso não era bom.
Emma esperou, Robert imóvel, sua expressão como vidro.
— Entendo — disse ela, sorrindo para a flor. — Muito interessante.
Não era bom. Realmente não era. Recuei mais alguns passos.
— Brilhante. Você tem sido de grande ajuda. — Emma encerrou a ligação,
olhos malignos subindo e descendo pelo portal que ela não conseguia ver.
— Muito interessante, de fato. — Ela fez outra ligação. — Quero você aqui.
Agora. — Ela desligou e disse a Robert: — Fique aqui. Não quero que você
saia deste quarto. Peter se juntará a você em algum momento.
— O que está acontecendo, senhora?
— Tudo na hora certa — disse ela, tocando em seu e-scroll.
Ela sabia. Ela sabia que eu estava escondido dentro de um Bolsão de
Margarida.
Porra. Porra. Droga.
Big Ben, o famoso relógio do Palácio de Westminster, em Londres. Um
lugar perfeito para ameaçar este mortal aterrorizado.
Parado no mostrador sul do relógio com vista para o Tâmisa, segurei-o
enquanto ele se pressionava contra o mostrador branco e brilhante, forçado
a ficar na ponta dos pés, sem muita saliência abaixo dele.
Eu não tive o mesmo problema, apenas fiquei de pé como se estivesse em
terra firme, alterando ligeiramente meu cenário com meus poderes.
— Porra. Por favor — ele implorou. — Por favor. Por favor.
— Não é lindo aqui em cima? — Perguntei.
— Não me mate — ele soluçou. — Por favor, não me mate.
Claro que não, mas ele tinha que pensar que sim. A menos que ele me
desse um motivo para derrubá-lo.
— Diga-me onde está a família de Marcel — exigi.
— O quê? Eu...
— Não tente escapar dessa situação. Eu sei que você tem os meios para me
dar a informação, visto que você trabalha diretamente com os Diretores
Superiores.
— Não posso fazer isso — respondeu ele.
— Então prepare-se para gritar.
— Não! — ele gritou de qualquer maneira. — Por favor!
— É uma escolha fácil de se fazer.
— Não posso... não posso trair a confiança dela.
Achei que ele diria isso. — De Emma?
— S-Sim.
— Então espero que ela lhe dê um prêmio póstumo por esse serviço leal.
Ele me encarou, um lampejo de raiva em seu rosto por meio segundo. —
Eles estão em Londres.
Devo ter tocado num ponto sensível. — Por favor, elabore.
— Há um esconderijo em Stratford usado para testemunhas, um dos
muitos para aqueles que precisam de proteção. — Ele olhou para baixo,
fechando os olhos após seu erro.
Proteção era um termo interessante para isso.
— Fica na rua New Fire — acrescentou ele — algumas estradas atrás da
estação Stratford High Street. Agora posso descer, por favor?
Assenti e o levei de volta ao seu escritório. — Obrigado.
Ele caiu de costas. Esperei que ele beijasse o tapete.
Ele não fez isso.
— Voltarei se você tiver mentido para mim — avisei.
Ele bufou. — Você provavelmente me custou meu emprego.
— A vida é difícil. — Meu Deus, eu parecia terrivelmente frio.
Ele ficou no chão. — E você também. Dizem que você nunca deveria
conhecer seus heróis.
— Sou seu herói?
— Não.
— Então cale a boca.
Ele ficou de joelhos. — Vou contar a todos o que você fez comigo.
— Você pode dizer a eles o que quiser. Eu não me importo, e eles também
não. Estou de volta. Isso é tudo que importa. — Bravata arrogante a que não
pude resistir.
— Bastardo — o mortal retrucou, com um tremor de medo em sua voz.
— Veremos como você se sente quando nos encontrarmos novamente.
Sua atitude seria muito diferente. Eu poderia garantir isso.
Deixei-o pensando sobre isso.
Vinte minutos se passaram em silêncio até que Peter apareceu. Ele parecia
cansado, com barba por fazer em sua pele clara.
Ele provavelmente voltou a me odiar agora, assim como quando cheguei
em Oakthorne.
— Tudo bem, companheiro? — Peter perguntou a Robert.
Meu ex-parceiro grunhiu em resposta.
Continuei ligando para a Morte no telefone dos anos 90, sem fazer
nenhuma conexão. Não era o aparelho, era esse bolsão.
— Vamos! — Bufei.
Nada depois de nada, ter o telefone era um desperdício total. Os poderes
instituídos queriam que eu ficasse preso aqui para suar e me perguntar o que
Emma estava fazendo.
Cocei os braços, sentindo como se tivesse me tornado alvo de pulgas. O
portal era a única rota para entrar e sair daqui.
E a margarida é só para a Morte... Fiquei refletindo esse pensamento.
— Você está bem? — Peter perguntou a Robert.
— Não realmente — Robert respondeu com uma fungada. — Mas tenho
que ser forte, mano.
Peter deu um tapinha nas costas dele. — Você é incrível. Lidando com as
coisas melhor do que eu.
Robert não respondeu a isso.
— Emma também não te contou por que estamos aqui? — perguntou
Peter.
Robert balançou a cabeça.
Peter apontou para a margarida. — Mas acho que tem algo a ver com isso.
— Acho que sim.
— Por favor, conecte-se — eu disse ao telefone.
Não tive essa sorte.
Mais vinte minutos se passaram, os homens não falavam muito, havia
uma tensão densa entre eles. E continuei fazendo ligações sem sucesso.
Sim. O universo estava contra mim.
Uma hora depois de sair do meu apartamento, Emma voltou com o maior
sorriso malicioso no rosto. Quase manchou suas feições, transformando-a
em um rosto assustador.
— Marcel? — ela disse, sua voz flutuando pelo céu do bolsão. — Você está
no seu pequeno Bolsão de Margarida?
Minha mandíbula cerrou, as pernas prontas para me lançar em uma briga.
— Eu sei tudo sobre esse truque de magia que você fez — ela acrescentou
e fez uma careta, balançando a cabeça. — Que imoral acabar com a existência
de um poltergeist. Quem você pensa que é para se comportar de forma tão
egoísta? Mas então, veja os segredos que você escondeu de mim, o que você
fez com esta pobre cidade.
— Vá se foder! — Retruquei inutilmente.
Ela entrou mais no quarto, os homens confusos com sua declaração.
— O que está acontecendo, senhora? — Robert perguntou.
Ela ergueu um dedo, basicamente olhando diretamente para mim, embora
não tenha visto nada.
— Espere — ela respondeu a ele. — Apenas espere.
Tentei o telefone novamente.
Nada.
— Saia, Marcel, para que possamos conversar — disse Emma, sua voz
cheia de mentiras. — Podemos resolver isso. Quero você de volta ao
trabalho. Você é um dos meus melhores Diretores.
O que diabos eu iria fazer?
— Mas se você não quer me ouvir, pelo menos ouça uma amiga.
Amiga?
Ela estalou os dedos e ouvi passos se aproximando.
Uma amiga? Do que ela estava falando?
— Oh, meu Deus! — Chorei quando meus joelhos dobraram.
Jenn entrou no meu quarto.
Jenn. Minha melhor amiga antes de ser arrancada de mim após o acidente
na rua Baker. Lá estava ela, a parte danificada de seu belo rosto coberta com
o que parecia ser uma máscara de silicone azul.
— Oh, Deus…
Minha Jenn. Minha incrível Jenn, sem nenhum sinal de emoção em seu
rosto, seu cabelo prateado cortado em um corte curto.
Ela parecia tão diferente, mas a mesma.
— O que é isso? — Eu disse ao portal.
Mais crueldade de Emma. Assim como quando ela não me contou que
Robert estava noivo de George. Ela não via por que isso me incomodava
tanto, me contando sobre ser mais forte do que os laços da minha vida
pessoal. Ela só queria Diretores fortes, não necromantes que fossem escravos
de suas emoções.
O sorriso vitorioso da Diretora Superior trouxe bolhas tóxicas ao fundo da
minha garganta.
Jenn.
Jenn estava aqui. Eu não sabia se a veria novamente, nossos anos de
amizade foram quebrados para sempre.
Eles ainda poderiam ser.
— Saia, Marcel — Emma falou suavemente. — Venha e fique com sua
amiga.
A expressão de Jenn se suavizou então, um toque da minha melhor amiga
em seus lindos olhos verdes. — Senti tanto sua falta.
Aquela máscara azul me machucou profundamente. Era minha culpa.
Minha maldita culpa.
— Por favor, Marcel — Jenn acrescentou. — Estou preocupada com você.
Meu choque e culpa diminuíram repentinamente. Preocupada? Tão
preocupada que ela cortou todo contato? Emma pode ter tido uma
participação nisso, mas ela nunca tentou. Até Darren, o namorado dela,
sumiu.
Ela não se importava. Ela agora era a cachorrinha de Emma, vindo para
me atrair para fora desta segurança.
Fodam-se as duas. Eu estava seguro aqui. Mesmo que este telefone não se
conectasse, o bolsão permaneceria seguro contra invasores idiotas como eles.
— Tem que se esforçar mais do que isso — eu disse.
Droga. Jenn realmente me odiava agora? Depois de tudo o que passamos,
a alegria e as lágrimas, será que ela realmente me abandonaria por causa de
um acidente que eu não pude evitar? Eu estava uma bagunça, sonhando com
minhas vidas passadas, abalado por elas. Assumi a responsabilidade, claro,
mas nunca a machuquei propositalmente. Ela tinha que saber disso.
Ela me conhecia melhor do que isso.
— Marcel — Emma interveio. — Tenho notícias maravilhosas. Jenn está
aqui para trabalhar em Oakthorne por um tempo como minha nova Vice-
Diretora.
Ótimo. Simplesmente ótimo. Jenn tinha feito isso, conseguido um dos
papéis que ambos pretendíamos em Londres.
Minhas entranhas se reviraram com uma mistura de ciúme e
arrependimento.
— Acho que ela mereceu, não é? — acrescentou a Superior Cadela da
Maldade.
— Vá lamber uma cerca elétrica — respondi, desejando que ela tivesse
ouvido.
Emma tocou o braço de Jenn. — O que você me diz, Marcel? Saia e
converse, parabenize sua amiga.
Eles esperaram, sem conseguir nada de mim. Eu não era um idiota
completo. No momento em que eu saísse daqui seria o momento em que
seria amarrado e sedado novamente.
Isso não estava acontecendo.
— Bem, se você insiste em ser difícil — Emma finalmente disse — então
eu também serei.
— Tem certeza de que ele está aí, senhora? — Jenn perguntou.
Emma fez uma careta para ela. — Eu disse para você falar?
Jenn inclinou a cabeça. — Peço desculpas, senhora.
Robert e Peter ainda pareciam confusos.
— Marcel. — Tons mais suaves da Diretora Superior novamente. — Fui
informada sobre como funciona um Bolsão de Margarida. Eu sei que não posso
entrar e qualquer coisa que eu faça deste lado não afetará você. Pelo menos
até certo ponto.
O que isso significava?
Houve aquele sorriso novamente.
— Você tem uma escolha agora — ela continuou. — Pare de ser covarde
ou deixe todo mundo sofrer. De novo. Tenho certeza que você escolherá a
opção B, já que gosta de infligir horror aos outros. — Ela pegou seu e-scroll.
— Vou te dar trinta segundos.
Para quê? Trinta segundos de merda até o quê?
Oh, Deus! Oh, Deus! Se eu saísse daqui, não veria minha família
novamente.
Tantos pais e irmãos surgiram em minha memória – desde a Roma antiga
até a década de 1980. Fiquei de luto por todos eles, mas eles não se
comparavam a esta vida. Eu não era mais aqueles outros homens, mas
Marcel August. Este era o meu momento agora, com uma família que eu
amava tanto quanto amava a Morte. Eu não podia perdê-los. Eu não podia
morrer.
Mas eu também não podia ser um covarde.
— Trinta — disse Emma. — Seu tempo acabou. — Ela fez uma ligação. —
Comece.
Dois necromantes, homens que não reconheci, entraram no meu quarto
com latas vermelhas de gasolina. Começaram a derramar combustível por
todo o quarto, espalhando-o pelas paredes e encharcando meus lençóis.
— Não! — Explodi.
— Este prédio vai pegar fogo porque você não consegue enfrentar as
consequências de suas ações — disse Emma.
Pelo menos Jenn teve a decência de parecer horrorizada, diferente dos
outros.
— Venham, equipe — Emma ordenou. — De volta ao trabalho.
Um dos estranhos acendeu um fósforo e jogou-o na cama.
Gritei com todos os meus pulmões.
Meu Deus. Emma agiu o mais cruel possível, de um jeito que eu nunca
pensei que ela conseguiria realizar. Nem mesmo uma vadia desagradável
como ela.
As chamas se espalharam rapidamente, meu quarto era um inferno
violento, permanecendo lá fora. Mas o crepitar ressoou no bolsão e no céu
cheio de estrelas tão alto que tive que tapar os ouvidos.
— Eu estraguei tudo — eu disse. — Estraguei tudo.
Não havia saída, o fogo se espalhava. O que aconteceria com esse bolsão?
O fogo destruiria a margarida ou a levaria para outro lugar? A margarida
poderia ser destruída, mas não facilmente – fato que não me fez sentir
melhor.
Suando, embora não sentisse o calor do fogo, fechei as mãos em punhos
apertados, tentando manter a calma.
Perigo eminente.
Esforço.
Xeque-mate.
Avancei, enfiando a cabeça pelo portal em um calor escaldante, meu rosto
imediatamente pingando mais suor, a fumaça ardendo em meus olhos,
sondando minha boca.
Com todas as reservas de energia que tinha, gritei o nome da Diretora
Superior. Uma, duas, três vezes antes de arrastar minha cabeça para dentro.
Caí de joelhos, tossindo violentamente, os olhos vazando, os pulmões
doendo por causa da fumaça.
— Joguem! — Ouvi Emma gritar.
Esfregando meus olhos lacrimejantes, vi os dois necromantes jogarem
algo, uma luz turquesa enchendo a sala momentos depois. Pétalas mágicas
por toda parte, estourando e liberando espuma como se esta fosse uma
daquelas noites de espuma em uma boate. As chamas foram apagadas e meu
quarto ficou uma bagunça úmida, carbonizada e espumosa.
Completamente arruinado.
Olhei para o portal, Emma espreitando na porta.
— Olha o que você fez — murmurei. Eu não tinha certeza se apontei para
ela ou para mim mesmo.
— Marcel? — ela disse. — Você virá? Espero que essas poções não tenham
sido desperdiçadas. Se foram, o próximo incêndio começará na porta de
entrada deste edifício.
Os limites estavam oficialmente confusos, Emma era minha inimiga tanto
quanto Nick. Tão mortal quanto aquele idiota à sua maneira.
Completamente podre até a medula.
— Dez segundos para mostrar seu rosto — disse ela. — Sem segundas
chances.
Derrotado, não tendo escolha a não ser quebrar minha promessa à Morte,
atravessei o portal. Minhas botas cortaram a espuma, um cheiro adocicado e
enjoativo misturado com queimação dominava meus sentidos. Consegui
suprimir uma piada.
Olhei rapidamente para a margarida, ainda intacta e ilesa.
Por quanto tempo?
— Aí está você — disse Emma. — Venha aqui.
Lentamente, caminhei pelas ruínas do meu quarto, sem fôlego, com o
peito entupido e arenoso. — Não posso... não posso acreditar que você fez
isso.
— E não posso acreditar na sua traição e no total desrespeito que você me
mostrou. — Ela apontou a arma para mim. — Eu deveria matar você onde
você está, acabar com isso. Embora agora eu tenha visto seu rosto, não tenho
muita certeza sobre meu próximo curso de ação.
Os dois necromantes ficaram atrás dela, observando em silêncio.
— Mas seria muito fácil — disse ela, abaixando a arma. — Uma morte
rápida não é punição suficiente pelo que você fez.
— Eu...
— Coloque as mãos para cima. — Ela apontou a arma novamente. — Eu
me sinto mais segura assim, mesmo que você tenha perdido seus poderes
como todos nós. — Um sorriso de escárnio. — Qual é a sensação de ser
mortal de novo?
— Eu...
— Cale-se! — ela gritou. — Não se atreva a dizer mais nada, a menos que
eu mande.
Eu esperava uma bala entre os olhos a qualquer momento. Em vez disso,
ela estalou os dedos e os dois necromantes me puxaram para fora do quarto,
arrastando-me para fora. Não me incomodei em tentar me libertar, um
ataque de tosse tomou conta de mim. Até onde eu poderia chegar?
Lá fora, a chuva caía como uma garoa fina, e o amanhecer não estava
muito longe. Jenn, Robert e Peter estavam em fila ao lado de uma van preta,
sentinelas silenciosas me observando ser arrastado e jogado na traseira do
veículo. Tossi e engasguei ao passar por eles, meus olhos ardendo. Eu
realmente precisava de um pouco de água, oxigênio, algum alívio.
Os dois homens bateram à porta na minha cara, Emma conversando com
Jenn, todos os olhos voltados para a janela escura contra a qual eu me
pressionei, tentando distinguir as palavras da conversa abafada.
Nada. Minha tosse não ajudou na escuta.
Havia um carro preto estacionado nas proximidades. Os dois homens
estavam ocupados no porta-malas aberto.
Jenn acenou com a cabeça para Emma, a atenção constantemente indo e
voltando entre mim e sua chefe.
Você realmente me odeia? Pensei para ela.
Talvez ela odiasse. Eu realmente não podia culpá-la, mas ainda assim
parecia injusto da parte dela não me dar uma chance de conversar, de pedir
desculpas, de deixá-la saber que eu a amava muito.
Talvez ela simplesmente não quisesse ouvir.
Depois de mexer no porta-malas do outro veículo, os dois homens
voltaram para a van e abriram as portas. Um deles me entregou uma garrafa
de água.
— Beba! — ele gritou.
Consumi metade da garrafa imediatamente.
O outro cara abriu um tanque de oxigênio ao meu lado, com uma máscara
presa. Ele grunhiu, gesticulando para que eu avançasse. Com desconfiança,
eu o fiz, e meus pulmões agradeceram enquanto ele fixava a máscara em
meu rosto.
Por que a mudança repentina no cuidado?
Emma se aproximou. — Se sentindo melhor?
Balancei a cabeça, parecendo Darth Vader enquanto inalava o O2.
Os outros ficaram para trás, olhando.
— Não vou matar você — disse Emma — então vamos esquecer qualquer
noção de extermínio.
Quase ri do jeito dela com as palavras. Mas em vez disso, balancei a
cabeça, pegando leve com o tanque de oxigênio – meu novo melhor amigo.
— Você está bem? — ela perguntou.
Balancei a cabeça.
— Vamos levá-lo ao hospital para ser examinado.
Mais acenos de minha parte.
— Então podemos discutir os próximos passos.
Ótimo.
— Você viu a Morte?
Acenei com a cabeça, visto que o gato estava fora do saco proverbial.
— Onde ele está? — ela perguntou.
— Fazendo o trabalho dele — meio que menti.
Um momento de silêncio. — Posso ver isso. Estou satisfeita.
Eu não poderia dar a mínima para o seu prazer.
— Quais são seus planos para o futuro? — ela questionou.
— Não sei — respondi.
Ela sorriu, meu estômago revirando. — Uma discussão para mais tarde.
Vamos indo.
E as ações dela? Em que merda ela estaria depois de queimar meu
apartamento e quase matar os outros moradores? Onde eles estavam?
Houve uma evacuação? E onde estavam os serviços de emergência? Tudo
parecia estranho, encenado, como se ela tivesse a cidade inteira no bolso.
Fiz a pergunta a ela.
Ela respondeu: — Não é da sua conta.
Imagine se eu tivesse dito isso a ela.
— Apenas seja grato por eu ter o poder de mantê-lo seguro — acrescentou
ela.
Ou de me matar. Emma era agora minha verdadeira mestra e também
inimiga.
— Nunca me questione, Marcel. Não será bom para sua cabeça.
Meu ódio por ela aumentou.
— Ok, hora de alguns cuidados médicos e uma xícara de chá — disse ela
alegremente.
Ambos soavam bons. Rezei muito por este último, embora ela
provavelmente não fosse me deixar ter uma apenas por despeito. Porque ela
estava ali no dicionário entre malvado e demoníaco. Ou pelo menos ela
deveria estar.
Encontrei a casa na rua New Fire, uma área tranquila com três postes de
luz e muita penumbra. Um lugar infeliz e frio, sem nenhum calor de vida, o
fedor cáustico de urina de gato pesando no ar.
Abri o espelho compacto, revelando minha amiga peixe no vidro.
— O que há de errado, querido? — ela perguntou.
— Não tenho certeza de como proceder.
— Com o quê?
— Com a família de Marcel. O que eu digo a eles?
Ela sacudiu o rabo. — Você se apresenta e tenta não os assustar.
Eu ri levemente. — Esse é um bom conselho.
— Obrigada.
A casa diante de mim era escura, de dois andares e fortemente fechada
com tábuas, rodeada por uma cerca alta. Arame farpado enrolado no topo
da cerca, com câmeras de segurança gravando o gramado de concreto
infestado de ervas daninhas. Havia outras casas em igual estado de
esquecimento, a estrada e o pavimento desgastados, a rua inteira necessitada
de ternura e carinho. Uma brilhante cortina de fumaça para uma casa segura.
— Tenho certeza de que eles terão uma forte reação emocional —
acrescentou Winnie.
— Absolutamente.
Respirando fundo, assim como Marcel fazia para acalmar os nervos,
coloquei Winnie no bolso e contei regressivamente até dez.
No sexto, me teletransportei para dentro, mantendo-me escondido dos
vivos e dos mortos. Ser avistado só provocaria drama desnecessário.
O interior da casa era muito diferente do exterior degradado. Fortificado,
mas cheio de calor e uma decoração com muitas cores claras para compensar
a falta de luz do dia ou do luar que entrava pelas janelas e portas fortemente
fechadas. Um corredor ainda ostentava um teto pintado de céu azul com
nuvens.
Os quartos abrigavam famílias ou pessoas solitárias dormindo levemente,
ou assistindo TV em silêncio, se não conseguissem, a pintura alegre e o papel
de parede não eram suficientes para reprimir a tristeza que permeava.
Ninguém queria estar aqui, trancado longe do mundo, temendo por suas
vidas.
Encontrei a família de Marcel no porão da casa. Eram dois quartos
divididos por uma parede, um com cama de solteiro e outro com cama de
casal. Na cama de solteiro, um jovem de dezoito anos estava sentado com a
TV ligada e os olhos pesados. Henri. Irmão mais novo de Marcel. No outro
quarto, sua mãe e seu pai dormiam.
Comecei com Henri.
Eu o observei por um momento, a expressão vazia em seu rosto moreno,
seu cabelo preto bagunçado, os olhos cor de safira que ele compartilhava
com seu irmão mais velho. Ele bocejou, esfregando a barba por fazer em seu
rosto.
Eu me revelei a ele.
Ele guinchou e pulou de costas na cama.
— Puta merda! — ele gritou.
Eu levantei minhas mãos. — Por favor, tente não gritar muito.
Ele ofegou, as mãos cerradas agarrando o edredom fino. — Você é... você
é... — Ele engoliu em seco. — Você é realmente ele?
— Eu sou. E estou aqui para ajudá-lo.
— Me ajudar?
— Vou tirar você e seus pais daqui — eu disse. — Levarei vocês para
Marcel.
— O que… o quê? — Quase pude ver as rodas em sua cabeça girando para
alcançá-lo. — Marcel… — Henri soltou o edredom, sentando-se de joelhos.
— Ele está bem?
— Ele está bem — respondi. — Ele está em algum lugar seguro.
Ele olhou para mim. — Há tanta coisa acontecendo sobre você e ele. O
relacionamento de vocês, todas essas coisas.
— Sei que sim.
Ele assentiu, engolindo em seco novamente. — Isso é loucura.
— Sinto muito por ter assustado você.
— Tudo bem. Contanto que Marcel esteja bem, estou bem. — Um leve
sorriso. — Você está realmente nos levando até ele?
— Estou. Prometo.
Sua boca se abriu mais. — Eu deveria acordar meus pais.
— Você deveria. Acorde-os, diga-lhes que estou aqui e depois traga-os
para esta sala.
Ele olhou para o teto. — Não tenho certeza se há câmeras aqui.
— Não se preocupe — eu disse. — Se alguém entrar, eu tiro vocês antes
que eles possam arrotar.
— Arrotar?
— Provavelmente foi um mau exemplo.
Seu sorriso desapareceu um pouco. — É uma honra conhecê-lo. — Ele se
curvou e depois franziu a testa. — A reverência foi demais?
Que engraçado. — Desnecessário. Mas obrigado de qualquer maneira.
— Er, de nada. De qualquer forma, deixe-me acordá-los. — Ele apontou
para a porta laranja que ligava seus quartos.
Esperei, nervoso. Eu lidava diariamente com todas as esferas da vida,
nunca sentia medo, nunca me sentia desconfortável. Mas conhecer os pais
de meu amante era um nível diferente de interação.
Na verdade, eu esperava que eles gostassem de mim, borboletas internas
fervilhando como um bando de bêbados.
A mãe de Marcel e Henri disseram algo em francês na outra sala – o que
eu entendi, visto que conhecia todas as línguas vivas, mesmo as das tribos
isoladas do resto da civilização.
Ela correu para a sala, com o marido logo atrás dela. Cruzando os braços
ao redor dela, olhos azuis penetrantes perto de perfurar minha alma.
Henri e sua mãe compartilhavam a mesma rica tez morena, enquanto a
pele de Marcel parecia ser uma mistura de oliva e tons mais claros de seu
pai.
A família era toda de cabelos pretos, exceto meu amor de cabelos cinza.
— É você mesmo — disse a Sra. August.
— Sou realmente eu.
Ela se virou para o marido, que se adiantou com a mão estendida. Ele
parecia tão surpreso quanto sua esposa, mas com menos medo no rosto.
Peguei a mão dele. — É um prazer conhecê-lo, Sr. August.
— Chame-me de David — ele respondeu.
— Ok, David.
A Sra. August se conteve, entrelaçando o braço ao do filho mais novo. —
Onde está meu Marcel? — Ela me olhou com cautela, com muito medo e
indícios de uma raiva intensa.
— Em um lugar seguro. Estou aqui para levar vocês até ele. — Estendi
minha mão para ela. Ela não aceitou.
— As histórias sobre você e meu filho são verdadeiras — acrescentou ela,
não como uma pergunta.
— Elas são, e nós dois podemos explicar.
David voltou para sua esposa, entrelaçando seu braço ao dela.
Ela não gostou de mim, não me disse seu nome de batismo. — Leve-nos
até ele.
— Você só precisa me tocar. — Isso pareceu terrível. — Isso significa... —
Eu estabilizei o frio na barriga. — Significa que todos nós estaremos
conectados para eu teletransportar vocês.
Nenhum deles avançou.
— Eles não nos deram atualizações — disse a Sra. August. — Aquela
vadia, Emma, nos usou e me assustou muito. Achei que meus filhos iriam
morrer. Eu assisti... — Seus olhos brilharam. — Assisti Marcel morrer e se
levantar novamente. Vi sua garganta ser cortada. — Seus ombros caíram,
suas pernas instáveis. Seu filho e seu marido a firmaram.
— Está tudo bem, Maman — disse Henri. — Tudo bem.
— Por sua causa — acrescentou a Sra. August. — Suas ações deram a ele
esses poderes. E eles salvaram a vida dele. — Ela fechou os olhos. — Não sei
como me sentir.
O trauma irradiava de cada um deles. Eles precisavam de Marcel, não de
mim.
— Deixe-me levá-lo até ele — eu disse.
Eles se entreolharam, conversando com os olhos.
David falou por eles. — Sim, por favor.
Dei um passo à frente, certificando-me de que nossos corpos estavam
ligados, levando-os até o apartamento de Marcel.
A ruína fumegante de seu quarto arrancou gritos de gelar o sangue da Sra.
August.
— Marcel! — Henri gritou.
— Que porra é essa? — David exigiu, agachado no chão com sua esposa
desmaiada.
Eu senti pelo meu amor. — Hospital Oakthorne — eu disse.
— Meu filho — a Sra. August choramingou.
— Juntem-se novamente — ordenei, meu tom mais frio do que eu gostaria.
Um necromante apareceu, assustado com a nossa presença.
— Você não pode estar aqui! — ele gritou, apontando sua arma.
Eu o desarmei, pegando a arma, torcendo seu braço atrás das costas.
— Quem fez isto? — Eu exigi.
Ele se recusou a responder.
Eu empurrei os limites de seus ossos.
— Por favor! — ele gritou. — Isso machuca!
— Então você sabe o que fazer.
— Emma carbonizou o quarto. Queimou até que ele saísse. Ele está bem,
no hospital. Não sei de mais nada.
Ela fez isso? O que significava que ela sabia tudo sobre o Bolsão de
Margarida. Meus olhos encontraram a flor, ainda intacta na destruição.
Minha fúria queria que eu quebrasse todos os ossos do corpo desse
homem. Em vez disso, empurrei o necromante, ordenando-lhe que corresse.
Ele correu.
A Sra. August estava de pé, o rosto com uma mistura de vermelho e roxo.
— Aquela mulher…
— Juntem-se a mim novamente — eu disse.
— E agora? — Henri perguntou.
— Vou levar vocês para algum lugar seguro, depois vou salvar nosso
Marcel.
Capítulo 16

Para minha surpresa, Emma me trouxe uma xícara de chá enquanto eu


estava deitado na cama do hospital, agora sem oxigênio. O médico queria
que eu descansasse um pouco mais, ficasse algumas horas em observação.
Tudo bem por mim. Quanto mais os planos de Emma para mim fossem
adiados, melhor.
Eu tinha um quarto privado, aqueles dois necromantes postados de
guarda na porta, com Jenn, Robert e Emma na sala comigo. Peter havia
retornado à sua patrulha.
— Isso é legal — disse Emma, sentada na cadeira ao lado da minha cama.
— Um espaço calmo.
Tem certeza de que você não é uma rebelde? Fiquei quieto, tomando meu chá.
Deus, isso ajudou a acalmar os nervos na minha vida de cabeça para baixo.
Jenn e Robert estavam na parede oposta à cama, com as cabeças
inclinadas. De vez em quando, Jenn olhava para cima, apenas para desviar
o olhar rapidamente.
O que estava acontecendo com ela? Enredada na burocracia de Emma,
proibida de falar comigo? Eu não tinha mais certeza do que pensar,
concluindo que, bem, era melhor não tirar conclusões sobre o estado do
nosso relacionamento. Eu apenas teria que esperar e ver.
— Estou feliz que você tenha voltado a razão e saído de seu esconderijo —
acrescentou Emma. — E eu entendo, em alguns aspectos, por que você
escondeu essa informação de mim. Eu realmente entendo. Todos cometemos
erros quando se trata de amor, só que os seus são muito mais catastróficos.
— Um suspiro, como se ela se importasse. — Eu gostaria que você tivesse
vindo até mim com isso. Você não deveria carregar tal fardo.
Oh, por favor! Ela só queria fofocas interessantes, desprezando ser
mantida sem saber.
Bem, ela ainda não sabia sobre a chave ônix, então, que pena pra ela.
Mesmo se eu pudesse contar a ela sobre isso, eu não contaria.
— Eu estava com medo — respondi calmamente, apaziguando-a até que
a Morte me resgatasse. Pode parecer patético confiar no meu namorado para
aparecer e salvar o dia, mas dane-se. Quando ele descobrisse meu
desaparecimento, ele me afastaria desse pesadelo da Diretora Superior.
— Essa é uma desculpa terrível — ela rebateu.
Pensei que você entendia...
— Mas não vamos jogar esses jogos bobos.
Que malditos jogos? Ela era a única mestra de jogos aqui.
— Não tenho certeza se posso permitir que você trabalhe nesta cidade
novamente — disse ela.
Por que diabos eu iria querer?
— Mas não tenho certeza se você se encaixaria em qualquer outro lugar,
não agora que sua história está se espalhando pelo mundo.
Emma me entregou seu e-scroll.
— Veja o que você fez — disse ela.
Olhei para a tela, vi meu nome e rosto o suficiente para que minhas
entranhas gelassem e desviei o olhar.
Era demais. Ler comentários online sobre outras coisas já era ruim o
suficiente. Sempre tentei evitá-los para minha própria sanidade – era muito
fácil cair na toca do coelho. A última vez que fui sugado por uma notícia foi
sobre o triste fechamento de algumas bibliotecas de Londres, alguns anos
atrás. A história estava em um site local bem lido com a seção de comentários
aberta. Bem, maldição. As coisas ficaram selvagens, nadando em um ódio
podre e pegajoso. Não me envolvi na conversa, mas a acompanhei por horas.
Basta dizer que não dormi muito depois, especialmente quando ameaças
violentas e réplicas vis sangraram pela tela.
George ficou irritado comigo por ler os comentários, culpando-me pela
falta de sono.
Que apoio adorável do meu ex.
Engoli meu chá, sem querer pensar na violência dirigida a mim, meus
olhos se voltando para Robert, que manteve o foco em suas botas. Então Jenn
chamou minha atenção novamente, seus lábios se contraindo em um
pequeno sorriso ilegível.
— Então, você vê — Emma disse — temos um problema sério com relação
ao futuro do seu trabalho como Diretor.
Deus, ela estava me entediando pra caralho.
Robert olhou para cima, morto por trás dos olhos.
— Eu gostaria que o médico se apressasse com sua alta — Emma bufou.
— Acho que eu deveria falar com ele novamente.
Onde você está, Morte?
Ela se levantou, instruindo Jenn e Robert a ficarem onde estavam, e então
saiu.
Silêncio. Grosso e terrivelmente desconfortável, o melaço da tensão. Eu
devia quebrá-lo dizendo alguma coisa?
Não. Mantive a cabeça baixa, cutucando as unhas, pronto para a chegada
do meu amante. Deus, eu sentia falta do Bolsão de Margarida e de toda a sua
solidão. O que aconteceria com ele agora? Poderíamos movê-lo?
— Marcel... — Jenn sussurrou. — Eu...
— Não fale com ele — sibilou Robert.
Sua testa franziu, mas ela ficou quieta.
Eu, por outro lado, decidi abrir o zíper dos lábios. — Para onde você vai
me levar depois disso?
As narinas de Robert dilataram-se. — Cale a boca.
— Acho que tenho o direito de saber.
Ele riu, o rosto contorcido por uma fúria sombria. — De onde vieram esses
direitos, hein? Tirou eles do seu buraco especial?
A Morte acha que meu buraco é especial... — Só acho que tenho o direito de
saber.
— Por que não pergunta a Emma, então?
Eu não tinha ideia de porque queria cutucar o urso daquele jeito. —
Quando ela voltar, eu irei.
Seu olho esquerdo se contraiu. — Bom.
Balancei a cabeça, soltando um suspiro pesado. — Robert. Sinto muito
por...
— Se você disser o nome dele, vou quebrar sua cara — ele rosnou.
— Você não fará tal coisa — Emma interrompeu, entrando no quarto. —
E você — ela apontou um dedo bem cuidado para mim — vai calar a boca.
— Quero saber o que acontecerá a seguir — eu disse.
— Você sabe?
— Quero um advogado.
Ela riu. — Não seja bobo.
— Eu não sou.
— Você conhece as regras, Marcel.
Os necromantes eram autogovernados por um seleto comitê de Diretores
Superiores que supervisionavam decisões complexas e sentenciavam
necromantes travessos como eu. Os advogados não tinham lugar no nosso
círculo.
— A verdade é que — disse Emma, parada ao pé da minha cama — eu
realmente não tenho ideia do que fazer com você. Consultei muitos dos
meus colegas Diretores Superiores e não concordamos em nada.
Silêncio de minha parte agora.
— É complicado — ela disse.
Mais como mortalmente. Tornou isso mortal com uma boa dose de terror.
Naquele exato momento, com as estrelas se alinhando, a Morte se
manifestou no quarto em toda a sua glória. Emma realmente engasgou,
Robert sacou sua arma, a boca de Jenn caiu aberta.
— Morte… — minha melhor amiga disse.
O rosto de Emma ficou amargo, como se estivesse chupando limões
demais. — O que você está fazendo aqui?
Sentei-me, brilhando por dentro e por fora com sua presença.
— Estou aqui pelo meu homem — ele respondeu, em seu tom de barítono
impregnado de sexo.
— Você não pode tê-lo — Emma rebateu corajosamente, apresentando-se
como uma mulher que não tem medo de imortais.
Os lábios da Morte se curvaram em um sorriso. — Quem disse?
— Eu disse. Você não tem direitos aqui. Ele é meu para lidar. Meu Diretor.
— Acho que não — respondeu a Morte, oferecendo-me um sorriso mais
caloroso. — Você está bem?
Eu balancei a cabeça.
— Saia deste quarto imediatamente — Emma cuspiu. — Estou te
avisando.
A Morte caminhou até minha cama, pegando minha mão. Ele beijou a
parte de trás e virou seu lindo rosto para minha chefe.
— Estou indo embora com Marcel — disse ele, tão calmo, sem revelar a
raiva que eu sabia que borbulhava dentro dele.
Deus, que alívio era ver ele.
— Consegue ficar de pé? — ele me perguntou.
— Sim. — Deslizei para fora da cama, passando meu braço em volta de
sua cintura.
Emma parecia prestes a explodir. — Isso é uma desgraça.
— O que seria? — A Morte perguntou.
— Um ser imortal feito para servir aos mortos brincando com seus
corações, os poderes dos necromantes e o destino do mundo. Tudo por sua
luxúria.
A Morte permaneceu inabalável. — De fato. Vamos, meu amor. Estamos
indo embora.
Mais uma vez, as estrelas pareceram se alinhar, só que desta vez de forma
diferente. Três necromantes com suas armas em punho, junto com duas
mulheres de posição superior, entraram no quarto.
Essas mulheres eram Diretoras Superiores.
Por um momento pensei que elas iriam atacar, mas as estrelas ainda
estavam a nosso favor.
— Emma Lackey — falou a mulher de pele negra escura e longos cabelos
prateados e encaracolados. — Nós queremos falar com você.
— O que estão fazendo aqui? — ela esbravejou com elas. — Este é meu...
A mulher com pele morena clara semelhante à minha a interrompeu. —
Basta. Sabemos o que você autorizou, o que você fez. Você colocou vidas em
risco com esse incêndio e tem manipulado outras pessoas para cumprir seu
plano.
— O que...
A outra mulher continuou a interrompê-la. — Mas, o pior de tudo, você
trabalhou com o lich.
Meu sangue congelou. Havia mais nisso – mais do que o trabalho falso
dela com Nick, que colocou minha família na linha de fogo?
A mesma Diretora Superior mencionou isso, mas nada mais. Então,
apenas usou os meus entes mais próximos e queridos, então?
— Eu fiz o que tinha que fazer — protestou Emma. — Já passamos por
isso.
— Nós passamos, sim. Mas todos sentimos que você ultrapassou muitos
limites. Principalmente com o fogo. Você poderia ter matado, e então...
— E quanto a ele? — Emma apontou para mim. — E a imprudência dele?
Seus segredos? Seu total desrespeito.
Os olhares das Diretoras Superiores se voltaram para mim, as duas recém-
chegadas aparentemente não se incomodando com a presença da Morte.
— Não apreciamos seus métodos de interrogatório — disse a mulher de
pele negra escura à Morte.
O que ele fez?
— Isso me deu o que eu queria — ele respondeu.
Ela assentiu. — Então cuide deles.
Quem? Minha família? Oh, meu Deus!
A mulher com pele como a minha acrescentou: — Queremos falar com
você, Marcel.
Jenn e Robert ficaram pasmos, pressionados contra a parede com armas
apontadas para o rosto.
— Você pode vir conosco, Sr. August?
— Não — a Morte respondeu por mim, teletransportando-me para a sala
dourada mais impressionante que eu já vi.
Droga, ela era enorme.
Minha admiração pelo vasto esplendor dourado caiu no esquecimento
quase instantaneamente, assim que avistei três corpos parados ali.
Três corpos familiares.
Adicione esses três corpos familiares em seus pijamas.
— Oh, meu Deus! — Gritei, correndo para frente.
Colidi com Henri primeiro, esmagando seu corpo magro em um abraço
de urso, um soluço gutural explodindo de mim. Ele igualou minha energia,
me apertando de volta, soltando um grito.
Papai se juntou a nós, os três caras da nossa pequena família se juntando
aos soluços e aos abraços. Papai beijou minha bochecha e disse que me
amava.
— Estou tão feliz em ver você, filho — ele sussurrou.
Sempre que papai chorava, o que ele não fazia muito, partia meu coração.
Nós nos separamos, encarando mamãe, que estava a poucos metros de
distância, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela fungou, as mãos
entrelaçadas diante dela.
— Você está realmente aqui, Mon Papillon.
Balancei a cabeça. — Maman.
— Meu lindo menino — ela disse sem fôlego. — Minha linda Papillon.
Corri até ela enquanto seus braços se abriam. Nós nos separamos ao
mesmo tempo, tão emocionados ao ver o rosto um do outro depois do horror
que Nick nos infligiu e de todas as outras porcarias que nos mantiveram
separados.
Mamãe soluçou em meu peito, molhando meu suéter com suas lágrimas.
Eu a segurei, deixando que ela liberasse cada pedaço de emoção que
precisava para se libertar, tão feliz por ter ela e todos eles seguros e
respirando e aqui.
Deus, eu nunca chorei tanto em minha vida.
Papai e Henri se juntaram a nós para outro abraço coletivo e mais
lágrimas. Eu esperava que a Morte tivesse muitos lenços de papel neste lugar
dourado.
Em meio à reviravolta emocional desse reencontro, todo o resto foi
abafado, deixado em segundo plano. Agora ele voltou para o primeiro
plano, minha mente reprocessando a sala cavernosa.
— Não era o que eu esperava — falei, percebendo o tamanho daqui,
esperando pela Mansão Oakthorne quando a Morte me resgatasse.
O teto parecia estar a quilômetros de distância, um firmamento de estrelas
douradas brilhando lá em cima. Um magnífico lustre, possivelmente feito de
diamantes, pendurado em uma longa corrente dourada, a luz nas pedras
como suaves chamas de vela.
— O que é este lugar? — Perguntei.
Meu Deus, este espaço. Uma enorme escadaria dourada, espelhos
dourados gigantescos, um piso de azulejos dourados e brancos, portas em
arcos maiores do que a maioria das casas, e a Morte parada silenciosamente
à minha esquerda.
Ele sorriu, mostrando suas covinhas adoráveis para mim. — Este é o meu
palácio no plano espiritual.
Meu estômago revirou. — Plano espiritual?
Ele assentiu. — Uma pausa temporária.
Engoli em seco, com a garganta seca. — Nós estamos… nós estamos…
— Você não está morto — respondeu a Morte, como uma espécie de piada.
Minha testa enrugou. — Não foi o que eu quis dizer.
— Bom.
— Bom?
— Sim.
O que diabos ele estava fazendo?
Ele piscou e eu sorri.
Oh. Certo. Ele estava me fazendo sentir seguro, como sempre fazia.
Soltei um longo suspiro, enxugando o suor da minha testa. — Isso é
loucura.
— Sim — Henri concordou.
— Estamos igualmente surpresos, filho — meu pai me disse.
Mamãe esfregou minhas costas. — Não é lindo? — Ela não parecia muito
apaixonada, no entanto.
A Morte e minha família. Ele realmente conheceu minha família. Hmmm.
Outra coisa para envolver meu cérebro.
— Infelizmente, vocês não podem ficar para sempre — disse a Morte. —
Mas vocês podem ficar por um curto período de tempo enquanto planejamos
nosso próximo passo.
Achei que deveria começar as apresentações oficiais, como um bom
namorado faria.
— Maman? Pai? Henri? — Eu disse, indo em frente, independentemente
de eles já se conhecerem. — Esse é a Morte.
Papai riu. — Nós já nos conhecemos.
— Gostamos do seu namorado, Marcel — Henri interrompeu.
Eu ri, dando-lhe uma cutucada gentil na lateral do corpo. — Obrigado.
Mamãe ficou em silêncio, baixando os olhos.
Ok. Falaríamos sobre sua energia estranha em algum momento. Eu não
poderia culpá-la pelo que quer que ela estivesse sentindo sobre toda essa
situação. Qualquer coisa que ela tivesse a dizer era válida. Eu deixei cair
muita coisa no prato dela. A Morte e eu deixamos.
— Gostariam de fazer um passeio? — meu amante perguntou.
— Porra, sim — Henri respondeu.
Mamãe lançou lhe uma carranca por sua linguagem imprópria.
— Desculpe, Maman.
— Nós adoraríamos — eu disse.
— Então sigam-me. — Ele assumiu a liderança, mostrando-me sua bunda
revestida de couro, sua camisa insinuando deliciosos músculos das costas
sob a seda.
Não importava a situação, sua gostosura nunca deixava de aumentar
minha temperatura.
Mamãe deu o braço ao meu, ainda em silêncio. Papai e Henri nos
flanqueavam, nossos pescoços se esforçando para absorver tudo em cada
cômodo e corredor por onde passávamos.
Tantos quartos, tanto ouro. E o maior trono que eu já vi. Não que eu
realmente andasse em torno de tronos, mas este era diferente de qualquer
outro. Um enorme trono dourado digno de um gigante, coberto de
diamantes, maravilhoso como a Morte.
— Não parece muito confortável — eu disse.
— Já sentei nele uma vez — respondeu ele. — É mais simbólico do que
outra coisa.
Seguimos em frente.
A Morte nos levou por um longo corredor de vasos brancos cheios de
rosas douradas e muitos, muitos espelhos. Espelhos para a peixe Winnie
nadar, presumi.
— Esta é a biblioteca — anunciou a Morte quando entramos em outra sala.
Fiquei boquiaberto diante das estantes de mogno que se erguiam acima
de nós, o teto tão alto quanto todos os outros cômodos.
A Morte girou nos calcanhares, os braços abertos teatralmente. — Você
encontrará aqui todas as palavras já escritas por seus escritores mortais.
Livros, redações, contos, artigos, tudo o que você desejar está nessas
prateleiras.
— Mais ou menos como a Biblioteca Britânica — disse Henri.
A Morte apontou para ele. — Correto. Mas em uma escala maior.
— Uau.
— Sim.
— Então, você tem guias de jogos? — meu irmão perguntou.
Um aceno lento do meu amante. — Para qualquer jogo já escrito... o que
suponho que seja praticamente todos os jogos.
— Resident Evil 4?
— Sim.
— Incrível. — Os olhos de Henri examinaram as prateleiras maravilhado.
Dei um tapinha nas costas dele. — Um guia de jogo ainda não fará você
atirar melhor.
— Cai fora! — ele perdeu a cabeça.
— Só estou dizendo a verdade, irmãozinho.
Foi a vez dele me dar um soco na lateral.
— Ai. Muito forte.
— Isso é o que você ganha.
— Por quê? — Mamãe interrompeu.
Huh?
— Pardon? — A Morte disse.
— Por que você tem isso? — Deus, ela parecia super fria.
A Morte sorriu calorosamente para conter sua frieza. — Tudo no seu
mundo me intriga: a cultura, a comida e até as gírias. Eu simplesmente amo
isso.
— Como meu filho? — Mamãe rebateu.
Ok, mudança na atmosfera.
— Madeline, não — disse papai.
Ela balançou a cabeça sem uma resposta verbal.
— Sim — a Morte respondeu a ela. — De qualquer forma. Devemos
continuar?
Nossos olhos se encontraram, um brilho ilegível em seu olhar dourado.
— Podemos voltar aqui depois? — Henri interveio, meio que aliviando
um pouco a tensão.
— Absolutamente — respondeu a Morte.
Mamãe se desvinculou de mim enquanto eu andava, pegando o braço de
papai. Parando de andar.
— Maman? — Eu disse.
— Preciso sentar um pouco — ela respondeu. — Posso? — Ela apontou o
último para a Morte.
— É claro.
Havia muitos sofás listrados de dourado e branco na biblioteca. Aqui no
nível do solo, bem como nas muitas plataformas conectadas por escadas em
espiral acima.
Mamãe e papai sentaram-se no sofá mais próximo, com uma pilha de
livros sobre uma mesa ao lado deles.
Dei um passo em direção a eles, preocupado com mamãe. — Você está se
sentindo bem? — Perguntei a ela em francês.
— Oui. Estou cansada, só isso. Podem ir.
— Você não quer ver mais? — Henri perguntou a ela.
— Agora não.
— Vocês, rapazes, vão — disse papai, com um braço em volta dos ombros
dela. — Nós ficaremos bem. — Ele empurrou os óculos para cima do nariz.
Mamãe estava claramente lutando comigo e com a Morte, com tudo isso.
A melhor coisa a fazer era deixá-la ficar com o papai, deixá-la conversar,
chorar, sentir tudo o que tivesse que sentir. Papai era sua rocha, seu
companheiro constante ao longo dos anos e um dos melhores homens que já
existiram na Terra.
— Ok — eu disse, mandando um beijo para ela.
Ela pegou.
Henri fez o mesmo e ela recebeu o segundo beijo no ar.
Por favor, fique bem, Maman...
— Contanto que você não se importe, Morte? — Papai disse.
— Por favor, descansem o quanto precisarem — respondeu o imortal.
— Obrigado.
Nós os deixamos sozinhos, meu peito cheio de nós.
— Mamãe não está feliz — Henri disse enquanto caminhávamos juntos,
nos afastando da Morte.
— Ela disse alguma coisa para você? — Perguntei.
— Não. Mas você pode ver, certo?
— Isso é muito para lidar.
— Isso é.
— Você está bem?
— Chegando a isso — disse ele. — Sinto como se estivesse caminhando
em um sonho misturado com um pesadelo. — Ele colocou a mão no meu
ombro enquanto caminhávamos por outro corredor. — Mamãe vai mudar
de ideia, Marcel. Ela vai.
— Espero que sim. Ela me odeia?
— Por que ela odiaria você?
— Por que todos vocês não odiariam depois... — Não consegui terminar,
a vergonha me corroendo.
— Não pense nisso — ele rebateu. — É uma situação complicada, mas
todos nós entendemos. Não vou mentir e dizer que não é uma luta
compreender toda a questão das vidas passadas e dos desastres que o
perseguem. Mas eu entendo. Mamãe entende. Papai entende. Acho que eles
só precisam de um tempo a sós para conversarem como casal, sabe?
— E você?
— Irei até você se precisar conversar.
— Você não está dizendo por dizer?
Ele balançou sua cabeça. — Toda esta situação é realmente injusta.
— De todos os pontos de vista, na verdade — eu disse.
— Eu só me importo com você e não dou a mínima para o quão egoísta eu
pareço.
— Você é um bom irmão.
— Venha aqui. — Ele me puxou para um abraço. — Tudo ficará bem.
Deus, eu sentia tanta falta dele. Parte de mim queria que ele gritasse
comigo, que mamãe e papai me repreendessem por minhas ações. Podia
acontecer, e eu aceitaria com prazer os golpes.
— A Morte ama seu ouro, não é? — Henri mudou de assunto, desfazendo
o abraço.
— Ele realmente ama.
Ele riu. — Por quanto você acha que poderíamos vender este lugar?
— Huh?
— Você sabe, se pudéssemos roubá-lo e arrastá-lo de volta para Londres.
— Você bateu a cabeça em alguma coisa?
Ele revirou os olhos azuis. — Estou falando hipoteticamente aqui.
— Você deveria entender que está sugerindo o roubo de um enorme
palácio.
— Pare de estragar o jogo.
— Que jogo?
Ele bufou. — Idiota.
— Acho que você precisa reavaliar essa afirmação e dar uma olhada em
um desses espelhos.
Um segundo golpe na minha lateral, desta vez com o cotovelo.
— Droga, seus ossos machucam — reclamei.
— Novamente, é isso que você ganha. Agora responda à minha pergunta.
— A questão hipotética sobre roubar um palácio e levá-lo até as ruas de
Londres?
Ele cruzou os braços, balançando a cabeça. — Correto.
— Por um monte de dinheiro.
— Essa é a sua resposta?
— Que outra resposta existe? Você quer um valor exato baseado no valor
atual do ouro?
Ele gargalhou. — Eu...
— E depois há a questão deste ouro em particular — eu o interrompi. —
Tem maior valor por ser do plano espiritual? Informamos isso aos potenciais
compradores enquanto o arrastamos de porta em porta?
Sua testa enrugou-se tão profundamente que pensei que pudesse
desaparecer. — Você realmente sabe como se divertir.
— Isso foi divertido?
Ele riu e me cutucou novamente. — Você é mau.
A Morte esperou no final do corredor, diante de uma porta de vidro. —
Prontos para uma caminhada ao ar livre?
— Estou de chinelos — disse Henri.
— Não se preocupe. Nada aqui vai machucar seus pés. Você poderia estar
descalço andando sobre pedras irregulares e ficaria completamente bem.
— Mesmo?
— Sim. Prontos?
Deus, seus olhos me fizeram derreter.
A admiração não parou além daquelas portas.
Fomos recebidos por estranhos céus rosados, em tons de pôr do sol e
crepúsculo, que a Morte disse ser a aparência diurna padrão do reino.
Uma terra de montanhas e prados ondulados, de oceanos e lagos distantes
estendia-se diante de nós, brilhando sob o sol rosado.
A Morte nos conduziu por jardins exuberantes de grama verde, estátuas
de mármore segurando espelhos, lagos, borboletas, abelhas e pássaros
apreciando as flores frutíferas, os postos de alimentação e os bebedouros
para pássaros, tudo o que os jardins lhes ofereciam.
— Você tem animais aqui? — Questionei.
— Sim.
— Animais mortos?
— Sim. Animais e insetos do seu reino, estão aqui para fazer parte da vida
após a morte.
— Incrível.
Um chapim-azul5 pousou no ombro da Morte. Ele estendeu o dedo
indicador esquerdo e a pequena criatura pousou nele, olhos minúsculos
olhando para o mestre deste mundo.
Ele sorriu para o pássaro, sussurrou algo inaudível e ergueu a mão no ar.
O chapim-azul voou, pousando em uma pequena mesa de pássaros para
aspirar sementes espalhadas.
— Olhem para cima — disse a Morte.
Nós olhamos.
O palácio lembrava o formato de uma tulipa, com estruturas douradas
recortadas na parte inferior, uma torre longa e cilíndrica projetando-se para
cima, terminando em uma ponta curva e inchada, com pássaros brancos

5 É uma ave muito difundida e comum, desde áreas temperadas a subárticas da Europa e Ásia ocidental.
circulando-a. O interior do palácio não combinava com o exterior, mas este
não era um lugar que obedecesse às mesmas regras do meu mundo.
Estávamos no alto, duas montanhas mais altas cobertas de árvores
flanqueando os lados leste e oeste. Seus picos nevados iam além do topo do
palácio, pontes curvadas de corda os conectavam a esses terrenos.
— Uau — meu irmão e eu dissemos ao mesmo tempo.
Parecia haver muito dessa palavra circulando ultimamente.
Uma fina camada de névoa translúcida se espalhava por cada centímetro
da terra, não espessa o suficiente para bloquear qualquer visão, mas o
suficiente para se dar a conhecer.
— O que é aquilo? — Perguntei.
— A energia do plano espiritual — disse a Morte. — Ela flui algumas horas
aleatórias por dia, mantendo a paz em todos os cantos.
— Como uma droga de vapor?
— Você poderia dizer isso. É cultivado pelos Zeladores, mortais
escolhidos após sua morte para trabalhar em meu nome. Para lidar com os
mortos, tanto humanos quanto animais, mantendo o equilíbrio. — Ele
suspirou. — Eles continuaram a trabalhar depois que eu fui embora, sem
outra escolha a não ser continuar. Devo muito a eles.
A culpa praticamente saiu dele.
Peguei sua mão, apertando-a suavemente.
— Você não vai conhecê-los — disse ele. — Pelo menos ainda não.
Ainda.
Droga.
Morrer era inevitável para um mortal como eu. O que aconteceria se eu
vivesse até uma idade avançada, falecendo durante o sono? Eu voltaria,
renasceria para encontrar a Morte em um novo tempo? Estaríamos presos
para sempre no mesmo ciclo, ou isso mudaria se estivéssemos juntos até a
minha velhice, evitando a catástrofe?
E ele iria me querer quando o tempo começasse a marcar meu corpo?
Eram perguntas que eu estava com muito medo de fazer a ele.
— Venham — ele disse. — Vamos caminhar um pouco mais.
Nós o seguimos até uma das pontes de corda, com a névoa enrolada nas
ripas de madeira, agarrada às cordas tecidas. Balançava suavemente com a
brisa.
— Posso evitar atravessar isso? — Henri disse, aproximando-se de mim.
A Morte sorriu, espiando por cima da borda. — É bem alto.
Coloquei meu braço em volta do meu irmão com fobia de altura. — Mas é
um belo lugar, no entanto.
A Morte nos deu as costas, olhando para o seu mundo. — Há tanta coisa
aqui, tanta coisa que não posso mostrar aos vivos. Na verdade, dentro de
quarenta e oito horas, este reino irá rejeitar vocês, vai colocá-los para dormir
até que eu os remova. — Ele se virou para nos encarar. — Mas vou tirar vocês
daqui antes disso.
Deixei minhas perguntas crescentes para lá. Henri também não perguntou
nada. Ambos entendíamos o nosso lugar, que este não era um lugar para
entendermos até morrermos.
Por mais bonito que fosse o reino, um arrepio passou por mim. Quando a
verdadeira morte chegasse, esta seria minha residência permanente. Não o
palácio, mas aqui fora. A menos, era claro, que eu ficasse aqui com meu
amado. Isso seria permitido?
Coloquei essa nova pergunta junto com as outras.
Eu não quero saber…
— Vamos voltar — disse a Morte. — Arrumar algumas roupas, banhos,
duchas, comida, o que vocês quiserem.
— Parece ótimo — Henri respondeu.
A conjuração do poder da Morte funcionava em um nível ampliado aqui.
Tudo o que pedimos, ele forneceu.
Tomei banho, vesti roupas limpas – suéter vermelho, jeans preto – e juntei-
me a todos para jantar em uma grande sala com seis lustres.
Eu esperava que garçons ou algo assim servissem a comida, visto que
estávamos em um lugar tão grandioso. Mas a Morte fez todo o trabalho
braçal e cozinhou, insistindo nisso muitas vezes enquanto todos tentávamos
ajudar. Além de mamãe. Ela permaneceu quieta, apenas agradecendo à
Morte com cada prato que ele trazia.
Eu realmente precisava falar com ela.
Depois de uma entrada recheada de cogumelos, seguida de um enorme
bife, uma torta de cereja e chocolate amargo como sobremesa, mamãe e
papai saíram juntos, agradecendo ao nosso anfitrião.
— De nada — respondeu a Morte.
Henri saiu para explorar seriamente a biblioteca, deixando eu e a Morte
sozinhos.
— Pelo menos deixe-me ajudar com a louça — eu disse.
Ele estalou os dedos, a louça sumiu.
— Que diabos?
— Vantagens do trabalho, Marcel.
Seu sorriso era puro deleite e eu adorei. — Que poder útil.
Recostei-me na cadeira. — Essa foi realmente uma refeição incrível.
Ele veio se sentar na cadeira ao lado da minha, tendo anteriormente
sentado no canto da mesa, dando um certo distanciamento para nós quatro.
— Estou feliz que gostou. Quer que eu esfregue sua barriga?
— Na verdade, eu adoraria isso. — Levantei meu suéter para ele.
Seus dedos rastejaram pelo meu abdômen, a palma da mão alisando
minha carne. Ele me esfregou em movimentos circulares, sua pele na minha
enviando calor para minha virilha.
— Isso é bom — eu disse.
— Sim, é mesmo — ele ronronou de volta.
Outra explosão de calor entre minhas pernas.
— Estou muito cheio para foder — soltei.
Sua risada era um vento suave contra mim. — Quem disse alguma coisa
sobre foder?
Olhei ao redor da sala de jantar, pronto para ficar mortificado. Sem pais
ou irmão de repente entrando nessa sala. Mas isso não impediu que meu
rosto ficasse tão quente quanto minha virilha.
— Desculpe — eu disse, cobrindo o rosto com as mãos. — Não sei por que
eu disse isso.
— Eu adorei o que você disse — ele respondeu, a voz pingando sexo. —
Você faz foder soar muito delicioso.
Oh, Deus. Eu queria que ele me jogasse na mesa e me desse uma foda até
o fim do dia, que se dane a barriga cheia.
— Eu…
Seu rosto se aproximou, seus lábios cheios e deliciosos se abrindo
levemente. Úmidos, prontos para beijar. Virei-me na cadeira, abrindo
caminho para uma ação boca-a-boca.
Minha cabeça girava em uma confusão nebulosa, os sentidos
sobrecarregados por seu perfume inebriante de sândalo.
— Merda... — falei.
— O que está errado? — ele perguntou, lábios tão perto dos meus.
Engoli seu hálito adorável, a garganta balançando nervosamente. — Eu
não... não sei.
Eu sabia. Eu estava nervoso com a presença da minha família.
— Você fica fofo quando fica vermelho — ele ronronou.
— Não quero que sejamos pegos nos beijando — retruquei.
Lá se foi minha maldita boca de novo!
— Posso beijar você de qualquer maneira?
Fiz o movimento assim que ele terminou de falar, esmagando meus lábios
nos dele. Ele gemeu feliz contra mim, sua língua penetrando minha boca.
Fechei os olhos, gemendo baixinho, definhando em seu beijo, no calor dele.
Ele tinha gosto de cereja, embora eu não o tivesse visto comer nenhuma.
Ele segurou meu rosto, os dedos espalhados pelas minhas têmporas,
empurrando seu beijo com mais força em mim. Minhas mãos deslizaram
para seu torso, sua carne tonificada chamando meu toque por baixo de sua
camisa de seda.
Mas ele se afastou, apoiando a testa na minha. — Passe esse tempo com
sua família. Conversamos depois.
— Tem certeza? — Sussurrei, roçando meu nariz no dele.
— Tenho certeza. Preciso pensar sobre as coisas de qualquer maneira.
— E a chave ônix? — Perguntei.
— Sem sorte ainda. — Ele me beijou e depois se levantou, acariciando o
topo da minha cabeça.
Olhando para ele, cada centímetro da minha pele queimou de desejo. —
Obrigado por me salvar.
— Sempre.
— Eu me pergunto o que acontecerá com Emma. — Eu também tinha
muito em que pensar.
Ele passou o polegar pelos meus lábios. Beijei.
— Aproveite este tempo — disse ele.
— Obrigado.
Ele se abaixou e beijou o topo da minha cabeça antes de me deixar sozinho
com um pau duro e muita falta de ar.
Mas superei isso e encontrei minha família.
Nos reunimos na biblioteca, conversando, colocando tudo em dia. Sendo
nós de novo, rindo das piadas inúteis de Henri, as de papai sendo muito
piores.
Mamãe parecia muito mais relaxada.
— Você é bobo, David — ela disse ao papai.
Deus, eu nunca quis que esse momento acabasse.
Enquanto Marcel passava um tempo com seus entes queridos, eu me
teletransportei para Oakthorne quando o sol nasceu. Eu queria falar com
aquelas Diretoras Superiores e descobrir o que estava acontecendo com
Emma.
Apareci na recepção do Santuário Oakthorne, um homem me
cumprimentando com um grito. Sua pele pálida e sardenta ficou vermelha.
Alguns outros Guardiões, necromantes que trabalhavam nos Santuários,
pararam para me olhar boquiabertos.
— Sinto muito por incomodá-lo, Liam — eu disse, lendo seu crachá. —
Mas tenho uma pergunta.
Liam assentiu, engolindo em seco. — O que é?
Não havia fantasmas vivendo atualmente no Santuário. Eu passei todos
eles, incluindo os prisioneiros nas celas do subsolo, essencialmente deixando
o pessoal daqui sem trabalho.
— Está fechando? — Perguntei.
— Não tenho certeza — disse ele. — Suponho que isso faria sentido.
Considerando tudo.
Eu não estava aqui para discutir o futuro deste edifício. — Essa não foi
minha pergunta.
— Oh. — Liam puxou a gola de seu uniforme branco.
— Sabe onde Emma Lackey está?
Ele empalideceu. — Realmente não posso dizer.
— Por quê?
— Eu nem deveria saber. — Ele olhou para trás e depois para mim. — Mas
certas fofocas se espalham como um incêndio.
— E você não pode deixar isso se espalhar para mim?
— Eu não acho que ela será capaz de falar — disse Liam. — Ela está sendo
mantida em algum lugar seguro depois das coisas que fez. Mas você estava
lá, certo? Quando eles foram buscá-la?
— Eu estava.
Ele apoiou as mãos na mesa. — Eu falei demais.
— O que você acha de Emma? — Perguntei.
Seu olho esquerdo se contraiu. — Não tenho uma opinião. — A leve falha
em sua voz me disse tudo que eu precisava saber.
— Eu também a desprezo — eu disse.
— Eu…
— O quê?
— Acho que ela é uma tirana. — Ele suspirou. — Queimar o apartamento
de Marcel daquele jeito? Quem faz isso? Que tipo de Diretora Superior ela
é? Mesmo Nicholas West, antes de descobrirmos sobre ele ser um lich, nunca
tratou seus Guardiões assim.
Nick foi o lich por muito tempo antes de assumir o cargo de Diretor
Superior de Oakthorne. Quantos anos exatamente ainda estavam para ser
descobertos.
— Com esse espírito de honestidade — eu disse — você poderia sugerir
onde ela está detida?
— Desculpe. Não posso.
Hora do Plano B. O que, honestamente, era melhor do que tentar fazer um
necromante trair seus superiores, independentemente de suas opiniões. E eu
não levaria Liam ao Big Ben para assustá-lo com respostas. Não parecia certo
neste caso.
— Eu entendo — eu disse. — Você poderia fazer uma ligação em meu
nome? Diga que quero falar sobre Marcel. Agora.
Piscadas rápidas. — Agora?
— Sim. Diga que quero conversar agora ou não vou conversar depois. —
Uma ameaça vazia, mas eles não precisavam saber disso.
Liam fez o que eu pedi, sem tirar os olhos de mim. Atirei-lhe uma
enxurrada de sorrisos calorosos, juntamente com seus colegas que pararam
para me encarar.
Eu queria dizer: "Desculpe, não posso deixar de ser tão bonito", mas eles
poderiam não aceitar bem o humor irônico.
Liam desligou o telefone. — A Diretora Superior Sasha Wendell está a
caminho.
— Obrigado. — Bati no espelho de bolso de Winnie, ainda aninhada em
minha calça de couro. — Certifique-se de ouvir cada palavra — sussurrei.
— Posso pegar alguma coisa para você, Sr. Morte? — Liam perguntou.
— Apenas me chame de Morte. E você tem vinho tinto?
— Sim. Temos várias garrafas secretas de bebidas — respondeu ele com
grande entusiasmo. — Ajuda nos turnos noturnos.
Sentei-me em uma das três cadeiras ao lado da mesa. — O que quer que
ajude com que você supere o trabalho árduo, suponho.
— Correto. Vou pegar uma para você.
— Muito obrigado.
Ele saiu correndo, voltando com uma taça, uma garrafa de vinho tinto e
um saca-rolhas. — Aqui está.
— Você vai se juntar a mim em uma bebida? — Perguntei, cruzando as
pernas.
Ele torceu as mãos, olhando ao redor da sala. — Não posso. Especialmente
com uma Diretora Superior a caminho.
— Isso é uma pena.
— Mas posso lhe fazer companhia — acrescentou rapidamente. — Estou
cuidando da recepção, então estarei aqui de qualquer maneira.
— Excelente. — Estourei a rolha, enchendo metade da taça.
Liam gostava dos filmes de Martin Scorsese e fazia crochê.
— Marcel é um excelente tricoteiro — eu disse. — Você sabia disso?
— Ouvi sobre. Aqueles suéteres que ele usa são dele?
— Originais de Marcel August. — Bebi um gole do vinho bastante suave.
— Ainda não estou nem perto desse nível. Você deve estar muito
orgulhoso dele.
— Estou.
Conversamos mais um pouco sobre o filme Cassino e o tempo miserável
que estávamos enfrentando antes que o som de passos apressados chamasse
minha atenção para a entrada.
As portas se abriram, a Diretora Superior com pele morena escura e
cabelos prateados e encaracolados entrou com dois necromantes em seus
calcanhares.
— Olá — ela disse, parando.
— Oi. — Levantei-me, tomando um gole de vinho. — Prazer em ver você
de novo.
— Sou Sasha Wendell, Diretora Superior de Winchester.
Apertamos as mãos.
— Adorei seu terninho — eu disse.
Preto, habilmente ajustado, complementado com um deslumbrante cinto
dourado.
— Obrigada, Morte — ela respondeu, com o rosto estoico. — Vamos
conversar em algum lugar mais privado?
— Lidere o caminho.
Liam nos ofereceu um quarto bege com escrivaninha. Deixei Sasha sentar-
se na cadeira maior, com seus homens atrás dela. Peguei a outra cadeira em
frente a ela, cruzando as pernas, bebendo meu vinho.
Eu gostava de estar confortável.
— Então — a Diretora Superior começou. — Marcel August.
Eu balancei minha cabeça. — E quanto a Emma?
Ela me surpreendeu com: — Ela está sob custódia no futuro imediato.
— Entendo.
— Nós a consideramos um risco.
— Bom.
— Agora, Marcel. Ele está seguro?
Girei o vinho, sem pressa. — Ele está.
— Gostaríamos de falar com ele.
— Sobre o quê?
Ela foi direto ao ponto. — Queremos que ele volte ao trabalho. Ele é um
necromante capaz, com uma taxa de sucesso de noventa e sete por cento em
transições não violentas dos fantasmas para o Santuário. Mandá-lo para esta
cidade após o incidente da rua Baker foi uma opção que lamento ter votado
a favor.
— Mas essa taxa de sucesso não se aplica agora — eu disse. — Seu trabalho
mudou, regrediu.
— Sim — ela disse. — Mas ainda o queremos de volta.
Eu a deixei continuar, segurando minha língua por enquanto.
— Estamos cientes do ódio do público, mas também houve muitos
comentários positivos sobre vocês dois, sobre a injustiça da sua situação.
Como Nick sabia sobre nós para espalhar a notícia dessa forma? Yvonne?
Algo além?
Nick disse algo a Marcel uma vez, uma declaração perturbadora que dava
a entender que ele sabia muito mais do que eu gostaria: "Nunca nos
conhecemos. Eu o vi (eu) ao longo dos anos, no entanto. Vi todo o drama e o mau
senso de vestimenta."
Rude. Não havia nada de errado com minhas roupas.
— Podemos mantê-lo seguro — acrescentou Sasha.
— O risco é grande demais para ele continuar trabalhando.
Ela arqueou a sobrancelha esquerda. — Sempre existiu um risco.
— Mas agora ele pode morrer.
— O que ele deveria fazer da vida agora? Ele tem vinte e seis anos e toda
a sua vida profissional pela frente.
— Ele não vive para trabalhar.
— Necromancia é a vocação dele — ela rebateu. — Mesmo sem nossos
poderes elevados, nascemos com esse dever. Um lançamento de dados,
suponho, mas que não possa ser negado. Ele comunga com os mortos, pode
ajudá-los e ao mesmo tempo ajudar os vivos. — Ela olhou meu vinho por
alguns segundos. — Estamos nos reajustando à nova situação, aprendendo
a trabalhar como fazíamos antes de você mudar as coisas para nós.
Queremos que Marcel faça parte disso.
Eu detestei ouvir essa verdade. — E se ele recusar?
— Então ele se recusa — disse ela. — Mas não acho que ele o fará.
— O que te faz dizer isso? Por causa de seu chamado?
— Sim. Está no sangue dele. — Ela bateu no braço esquerdo.
— Talvez a vocação dele seja ser feliz comigo.
— Como um homem mantido?
— Se você quiser chamar assim — eu disse, tomando um gole de vinho.
— Ele quer ser mantido por você?
Eu não tinha feito a pergunta a ele. — Não sei.
Agora seus olhos pousaram no meu rubi. — Tudo se resume a essa joia,
não é? Junto com o Bolsão de Margarida?
Descruzei as pernas, inclinando-me para frente. — É o suficiente.
— Até que não seja. Os perigos do seu amor são tão mortais quanto ele
estar de volta às ruas.
Moderei minha irritação. — Posso mantê-lo seguro.
— Não duvido disso.
— Então terminamos aqui. — Eu fiquei de pé.
— Queremos nomeá-lo Diretor Superior de Oakthorne.
Se eu fosse mais desajeitado, teria caído no tapete em estado de choque.
— O que você acabou de dizer? — Sentei-me novamente.
— Queremos que Marcel seja o Diretor Superior dessa cidade, com Jenn
como sua Vice-Diretora — disse ela. — Ambos estavam em uma trajetória
profissional para substituir Emma e seu vice, que iriam se aposentar antes
que as coisas mudassem.
Lutei para encontrar minha voz.
— Você está bem? — ela perguntou.
— Eu estou... estou bem.
Sua postura perfeita não vacilou esse tempo todo. — É uma mudança
repentina de tom, eu sei.
— Muito mesmo.
— Mas sem segundas intenções, eu prometo a você.
— Não faça promessas para mim.
Uma pequena inspiração. — Mas quero oferecer todas mesmo assim. Se
Marcel quiser voltar ao grupo, é isso que queremos para ele. Precisamos de
homens honestos como ele.
— Honesto? Você não tem sentimentos ruins sobre os segredos dele?
— Não. Nós entendemos suas razões.
Eu não podia confiar nela. — O que mais?
— Honestamente? A conexão dele com você ajuda.
— Ah. Então você quer usá-lo?
Seus olhos castanhos eram tão frios quanto os de Emma, sem a astúcia
óbvia. — Suponho que sim. Não deveríamos todos aproveitar situações que
possam nos ajudar?
— Você está presumindo que terei qualquer negócio com você só por
causa do meu relacionamento com ele.
— Sim.
Fiquei encantado. — Admiro sua honestidade, mas esta conversa acabou.
— Por favor, diga isso a ele — acrescentou Sasha, tão calma quanto uma
brisa de verão. — Se ele decidir voltar, nós o protegeremos.
— Assim como eu.
— Absolutamente.
Engoli o resto do meu vinho, batendo a taça na mesa. — Sinto muito, mas
não entendo por que você o quer de volta. Deixando de lado os registros
exemplares, ele não seria um pesadelo de relações públicas? Por que não o
deixar ir? Deve haver outra pessoa capaz de fazer o trabalho.
Agora ela demorou a responder. Enquanto ela fazia isso, eu me repreendi
por sequer pensar em não contar nada disso a Marcel. Quem era eu para
atrapalhar sua carreira, seus sonhos?
Ele ainda sonhava com a posição de Diretor Superior?
— Existem necromantes que poderiam fazer isso — disse Sasha
finalmente. — Mas queremos a experiência de Marcel, sua perspectiva única.
Ele foi o único de nós a obter a atualização extra de poder e a sobreviver a
várias tentativas de assassinato.
— Então você quer escolher o cérebro dele?
— Queremos devolver-lhe a vida. Ele nunca deveria ter sido tratado
assim.
— Ele tem uma vida comigo.
— Isso não depende dele?
Meus dedos se contraíram, desejando o cabo da minha foice.
— Você quer machucá-lo — mordi.
— Não quero.
— Não vou deixar que ele arrisque a vida por você.
— Novamente, isso não depende dele?
— Não.
Ela se levantou. — Acho que terminamos aqui.
Você deve contar a ele...
Também fiquei de pé. — Quais são os seus termos?
— Proteção. Uma presença de segurança constante. Nenhuma ameaça
futura de Emma Lackey. Uma promoção. Uma estratégia de redenção.
— Um termo interessante.
— Você não pode mudar todas as mentes, mas pode melhorar as coisas.
Que porcaria. — Acho que ele trabalhar com você novamente será um
desastre.
Ela acenou com a cabeça para seus necromantes. Um deles abriu a porta.
— Obrigado por falar comigo. Tudo o que peço é que você transmita isso a
Marcel.
— Não posso fazer nenhuma promessa.
Seu e-scroll fez um som. Observei-a ler a mensagem, palavras em latim
reverso que eles adoravam usar.
Então ela encontrou meu olhar. — Um problema rebelde.
Infelizmente, meu retorno não curou os rebeldes. Eles eram
permanentemente danificados pela força esmagadora de seus antigos
poderes. Nada mais seria feito, embora isso não apagasse minha lousa
manchada de culpa.
— O que está acontecendo? — Perguntei.
— Uma reunião na Praça Central — disse ela. — Uma manifestação para
o lich.
Maravilhoso. — Não é um pouco cedo para essas coisas?

Segui Sasha até a praça, a luz do sol destacando os danos aos prédios de
tijolos vermelhos da cidade, a fonte da torre do relógio no centro da praça já
desaparecida.
Marco zero, uma lembrança horrível do sofrimento de Oakthorne.
Uma enxurrada de prisões foi feita, e os rebeldes foram levados em vans
por perturbarem a paz. Isso me surpreendeu. Com licenças para matar
rebeldes, muitos necromantes tiveram piedade violenta de seus camaradas
caídos. Mas não hoje.
— Queremos ver se podemos ajudá-los — disse-me Sasha enquanto
estávamos lado a lado.
Não tive resposta, esperando que as pobres almas pudessem ser ajudadas.
— Eles querem que Nick seja libertado — acrescentou ela.
— Eu percebi isso.
— Ele nunca será livre.
— Claro.
— Ele nunca mais machucará Marcel. Ele está enterrado tão fundo que
não verá nada além da escuridão.
— Ele é apenas uma ameaça para Marcel — eu disse.
— A vida é cheia de ameaças.
Eu não conseguia ouvir mais nada disso. — Adeus, Sasha.
— Por favor, fale com ele.
Deixei-a, chegando aos jardins do palácio, sentando-me num banco de
pedra.
Meu cérebro doeu sob o eco das palavras da Diretora Superior.
Abri o espelho de bolso, colocando-o na coxa. Winnie brilhou no vidro.
— O que acha? — Perguntei a ela.
— Acho que você deve falar com Marcel, querido. Não pode esconder isso
dele.
A névoa fina do plano espiritual envolveu minhas botas. — Eu gostaria de
poder.
Ela sacudiu a cauda. — Presumo que esconder isso dele o machucaria
profundamente, especialmente se ele descobrisse mais tarde. E você nunca
quer machucá-lo.
— Claro que não quero.
— Então você deve falar com ele.
— E se ele quiser aceitar a oferta? — Meu Deus, meu coração doeu com a
perspectiva.
— Então você deve apoiá-lo.
Obviamente, mas isso vinha com muitas ressalvas. Assombrosas, tanto
risco.
— Simplesmente não entendo como eles podem reabilitar sua reputação
ou protegê-lo do ódio.
Enquanto eu falava com ela, cheguei ao Cairo, no Egito, transportando
alguns recém-falecidos.
— Não posso responder a isso — disse minha amiga nascida no espelho.
— Mas você deve contar a ele essa informação. Ele deve tomar suas próprias
decisões.
Ela estava completamente certa. Mas meu amor, meu total egoísmo
quando se tratava de Marcel, queria trancá-lo.
— Eu poderia dar a ele muito mais — eu disse.
— De fato, você pode. Mas lembre-se que os riscos ainda são muito reais,
como eram antes e continuarão a ser. O rubi é falível e o Bolsão de Margarida
foi comprometido.
Correto novamente. — Então podemos fazer um novo.
Ela nadou um pouco para longe de mim e depois voltou. — Essas coisas
você deve discutir com Marcel. Mas vou ouvir tudo o que você precisar.
Acariciei o vidro com meu dedo mínimo. — Obrigado por estar sempre
aqui. — Eu amava Winnie como uma irmã, um canto do meu coração
reservado para ela.
Um suspiro profundo surgiu do meu núcleo, liberando-se no ar. — Estou
assustado.
— Sinto muito.
— Só quero que ele esteja seguro. Já o perdi tantas vezes.
Uma gota de líquido espirrou no vidro. Por um momento, pensei que
poderia chover. Às vezes chovia aqui, ou nevava, para dar variedade aos
mortos. Não poderia prejudicá-los de forma alguma ou prejudicar sua vida
após a morte. Mas eles poderiam fazer bonecos de neve, dançar na chuva, o
que quer que quisessem fazer.
Quando a segunda gota caiu, percebi que eram minhas lágrimas. E elas
jorravam agora, manchando a imagem da pobre Winnie.
— Sinto muito — eu disse, limpando o vidro.
— Nunca se arrependa, querido. Não comigo.
Com isso, liberei uma onda de tristeza, afogando o espelho, temendo cada
segundo que passava. Porque logo eu teria que conversar com meu amado,
e ele poderia responder como eu não queria.
Enquanto minhas lágrimas secavam, saí do banco e caminhei pelos
jardins, segurando o espelho de bolso na palma da mão esquerda.
— Você se sente melhor por chorar? — Winnie perguntou.
— Eu não deveria estar chorando — eu disse, enxugando os olhos com a
outra mão. — Lembra? Não fui projetado para ter essas emoções.
Sua forma brilhou com raiva. — Não dê ouvidos a esses idiotas do
conselho. O que eles sabem?
Parei no final dos jardins, a poucos centímetros da beira do penhasco. A
vista daqui de cima nunca deixava de me tirar o fôlego.
Assim como Marcel.
— Já passamos por tanta coisa, tantas vezes — finalmente falei. — Será
que algum dia haverá um platô?
— Não posso dizer, querido.
— Sei que você não pode. Ninguém pode.
Bandos de pássaros voavam pelo céu rosado, deixando rastros de névoa
atrás deles. Os lagos brilhavam, ondulações de luzes rosas balançavam nas
planícies, brilhando nos picos das montanhas.
Naquele momento, considerei seriamente uma alternativa terrível. E se
nunca fôssemos destinados a ficar juntos, e o constante renascimento de
Marcel fosse uma ferramenta para finalmente recuperarmos o juízo? Para
que finalmente tomássemos a decisão de nos separar, para que ele
encontrasse o amor como um mortal e para que eu conhecesse meu lugar no
grande projeto. Matar essas emoções, deixá-las para os mortais.
Eu viveria para sempre, além de Marcel, sempre andando de mãos dadas
com o tempo. Onde houvesse morte, eu estaria por perto. Esse era o meu
propósito, não o amor. Só que Marcel parecia mais uma razão para minha
existência, um belo figurante.
Você continua falhando no teste...
Se fosse esse o caso, por que tal teste existia em primeiro lugar?
Minha contraparte, a Vida, não teve esse problema.
— Vou falar com ele — eu disse a Winnie.
— A melhor decisão, querido.
Ele poderia voltar a trabalhar e viver sua vida e encontrar a paz, uma vida
onde eu não o seguraria ou aplicaria perigo extra apenas pela emoção de um
beijo.
Mãos frias afundaram em meu peito, tomando meu coração, torcendo-o
como uma toalha molhada, torcendo até a última gota de amor.
Não. Eu não posso...
Eu não posso ir embora…
Dando à família reunida mais tempo para se reconectarem, li um livro
sobre o Monte Everest – um relato do desastre que atingiu a montanha em
1996. Recostado em uma cadeira grande em uma sala perto da biblioteca,
tentando me distrair da conversa iminente com Marcel.
Cinco capítulos depois, uma dor intensa e ardente atingiu meu peito. Veio
sobre mim tão rapidamente, atingindo meu coração, uma série de explosões
agonizantes. Levantei-me e cambaleei para trás, apoiando-me na cadeira
para me apoiar.
Dentes cerrados, paralisado, gritando em meu crânio. Eu não deveria
sentir uma dor assim.
E então passou, desapareceu tão de repente quanto surgiu.
— O que é que foi isso? — Eu disse, recuperando o fôlego.
Limpei o suor da testa, estabilizando a respiração no momento em que
Madeline entrou na sala.
— Aí está você — disse ela, cruzando os braços. Estoica, nada revelador
em seu rosto.
Endireitei-me. — Há algo que você precisa?
— Você está bem?
— Sim. Bem. Do que você precisa?
— Isso não vai demorar muito — disse ela.
Eu esperei.
— Você ama meu filho, não é?
— Com todo meu coração.
Seu olhar me penetrou. — Estou tendo muita dificuldade em lidar com
isso, com o conhecimento das vidas passadas do meu filho, o que aconteceu
com ele. Com vocês dois. — Uma respiração instável passou por seus lábios.
— Meu filho deveria ter uma vida... esta que ele vive conosco.
— Entendo. Eu...
— Não. Você não entende. Pelo menos não meus sentimentos como mãe
dele. Meu amor por ele é diferente de qualquer amor que já senti antes. Até
com meu marido. — Ela descruzou os braços, enfiando as mãos nos bolsos
da calça jeans. — Isso não sou eu comparando nossos índices de amor,
porque eles são diferentes, e vejo o quanto você o ama em cada gesto, em
cada olhar. Ele também. Mais do que quando ele estava com George. Muito
mais.
Eu não tinha certeza de onde ela estava levando essa conversa.
— Mas você é um ser poderoso — ela continuou. — Você é a Morte e criou
o mundo em que vivemos nos últimos vinte anos por causa do meu garoto.
E isso me assusta. E o perigo do seu amor me assusta.
— Sra. August, não quero que fique com medo.
— Mas eu estou. Todo dia. — Sua voz falhou. — Eu nunca mudaria de
opinião sobre ter meus filhos, mas o terror que advém de ser mãe às vezes é
demais. Odeio que eles saiam de casa, não estejam comigo, estejam no
mundo. Você pode imaginar o quão difícil foi quando Marcel foi levado para
a academia de necromantes. Eu queria mais para ele do que isso. — Um
suspiro pesado. — Mas não é por isso que estou aqui. Queria agradecer
novamente por cuidar dele, por nos salvar.
— De nada, Sra. August.
Um sorriso suave. — Vou ser afetuosa com você, mas vou levar algum
tempo para me acostumar com isso.
— Claro.
— Não tenho certeza do que fazer, do que dizer. Estou furiosa, triste e
muito confusa.
— Sinto muito.
— Eu deveria estar gritando com meu filho, com você, forçando vocês a
ficarem separados. Outros o fariam, suponho. Mas eu não sou os outros.
— Sra. August…
— Nunca vou ficar no seu caminho. Não fiquei no de George, embora
nunca tenha confiado nele. Embrulhar meus meninos em algodão nunca lhes
fará bem.
Balancei a cabeça. — Tenho certeza de que você gostaria, no entanto.
— Absolutamente. — Ela juntou as mãos. — Se você alguma vez machucá-
lo, vou encontrar uma maneira de matá-lo. Confie em mim, não vou deixar
a imortalidade atrapalhar.
— Acredito em você. E nunca vou machucá-lo. Ele é o amor da minha
vida. A felicidade dele é meu oxigênio.
— Isso é muito doce.
— Assim como ele.
Ela sorriu. — Sim, ele é.
— Sei que vai levar tempo — eu disse. — Isso é muito para lidar.
— Isso é. Realmente é. Mas também... — Uma inclinação de cabeça, outro
suspiro pesado. — Bem-vindo à família.
O calor que essas palavras trouxeram ao meu coração foi sem precedentes.
— Muito obrigado, Sra. August.
— Me chame de Madeline. E vamos manter essa conversa entre nós.
— Claro.
— O ar entre nós precisava de um pouco de limpeza.
— Isso nunca é uma coisa ruim — eu disse.
— Mais uma coisa. — Ela levantou um dedo. — Certifique-se de ajudá-lo
com o pó.
— Pó?
— Digamos apenas que Mon Papillon deixa a desejar quando se trata de
usar pano em superfícies.
Eu ri. — Obrigado pelo aviso.
— Preciso voltar — disse ela. — Eu estou no banheiro.
— Ah, entendo.
— Au revoir.
— Au revoir, Madeline.
Sentei-me, sorrindo.
Pelo menos as coisas ficariam bem entre Madeline e eu. Eu mostraria a ela
o quanto amava seu filho repetidas vezes, nunca a deixaria duvidar do meu
compromisso com o bem-estar dele.
O que tornou a confissão da oferta de Sasha ainda mais horrível.
Como diria Marcel...
Droga!
— Você está bem, Maman? — Perguntei quando ela voltou do banheiro.
— Sim, Mon Papillon. — Ela sorriu docemente, vindo dar um beijo na
minha testa.
— Isso é bom.
Ela se sentou ao meu lado. — O que vocês estão fazendo agora?
— Estamos jogando um daqueles livros de escolha de aventura — eu
disse. — Explorando uma masmorra de fantasia.
— É muito assustador — acrescentou Henri.
— Concordo — disse papai. — Mas podemos escapar.
Mamãe riu, nos observando brincar.
Henri escolheu o caminho errado, jogando-nos num poço de espinhos.
— Deveria haver uma penalidade por más decisões — eu disse.
— Cai fora — meu irmão rebateu.
— Como uma torta na cara ou algo assim.
— Não desperdice uma boa torta — disse mamãe.
— Não sei se devo ficar ofendido ou não — respondeu Henri.
O carma me deu uma surra na segunda rodada. Levei-nos para uma sala
que ficou trancada atrás de nós, sem saída. As paredes e o teto se fecharam
sobre nós, transformando-nos em panquecas.
— O que foi aquilo de torta? — Henri disse com muita presunção.
— Touché, irmãozinho.
Depois do tempo com a família, fui passear sozinho pelo palácio dourado.
Um lugar verdadeiramente digno de um gigante, cheirando ao aroma de
sândalo da Morte.
Onde ele estava?
Encontrei muitos quartos com grandes camas de dossel e banheiros
luxuosos anexos. Por que ele precisava de tantos deles?
Me deparei com uma sala dedicada às suas calças de couro preto e camisas
de seda de várias cores. Juro que percorria cerca de oitocentos metros, com
duas araras de roupas paralelas uma à outra, intercaladas com espelhos que
iam até o chão.
Passei as mãos pelos tecidos, me aprofundando, pensando nele, em seu
trabalho, neste lugar. Era um espaço espetacular e meio solitário. Grande
demais, vazio demais e alucinante demais para seu próprio bem.
Parei em uma camisa cor de vinho, a cor que ele usava quando me
resgatou da caverna Cravo-amarelo.
Apesar da dor e da morte, nunca me arrependi em nenhum momento do
nosso amor. Eu só queria que fosse mais fácil ser dele.
Apertei meu rosto contra a camisa, me enterrando na seda, nos rastros
dele. Seu tipo especial de magia sexy me envolveu, mesmo que ele não
estivesse na sala, fazendo com que meu pau se mexesse.
— Eu te amo — sussurrei na camisa, caindo sob seu feitiço.
— Eu também te amo.
Seu barítono me assustou pra caralho. Gritei, me contorcendo de surpresa,
meus pés se enroscando. Na tentativa de não cair, consegui fazer o oposto,
caindo de lado na prateleira. Peguei a camisa estendida, junto com uma roxa
ao lado. As duas cederam, os cabides quebrando com um forte estalo, eu
finalmente apresentando meu traseiro no chão duro,
— Oh, meu Deus! — Eu disse, humilhado.
— Você está bem? — A Morte se agachou ao meu lado.
Grunhi um sim em resposta.
— Você não está ferido? — ele disse.
— Meu orgulho está ferido mais do que qualquer outra coisa.
Ele me ofereceu a mão e me ajudou a levantar.
— Meu pobre traseiro — reclamei.
— Minhas pobres camisas.
— Que bom que você definiu suas prioridades.
Ele tocou minha bochecha. — Você fica sexy quando faz beicinho.
Esfreguei minhas nádegas. — Obrigado. — Então eu o abracei.
— Isso é legal — disse ele, passando os braços em volta de mim.
— Seus abraços tornam tudo melhor.
Uma risada suave. — Como está sua família?
— Bem. Ainda relaxando na biblioteca. Eles gostam de lá.
— É um lugar bom para se estar. Falando nisso... — Ele me ofereceu a mão.
— O quê?
— Vá em frente, pegue.
— Por quê?
Ele piscou.
Eu peguei a mão.

Ele me conduziu pela ponte de corda ocidental, que era muito mais
resistente do que parecia. Mesmo assim, mantive os olhos nas árvores da
montanha à frente, e não no longo caminho abaixo dos meus pés.
Em segurança, do outro lado, observei uma nova perspectiva do palácio.
Estava no topo de uma rocha em forma de ampulheta, com um lago
cristalino no fundo, cujas bordas lambiam as bases das duas montanhas.
— É alto — eu disse.
— Não é?
Eu semicerrei os olhos. — Isso é um cisne?
— Sim.
— Legal.
Ele me levou para dentro das árvores por um caminho sinuoso, a floresta
cheia de flores e troncos caídos, borboletas e até alguns beija-flores.
— Isso é tão perfeito.
— Está prestes a ficar ainda melhor — respondeu ele.
Chegamos a uma clareira deslumbrante, a luz tão rosa que as árvores e a
grama pareciam um quartzo rosa cintilante.
— Oh, meu Deus…
Estendida no chão havia uma grande toalha de piquenique dourada,
completa com uma cesta de vime e uma garrafa de champanhe gelada em
um balde de gelo.
— O que é isso? — Perguntei.
— Exatamente o que parece.
Eu o abracei e depois o beijei. Era para ser um beijo de agradecimento, não
tão sensual quanto ficou.
Seus lábios se fundiram aos meus, suas mãos vagando, puxando minhas
roupas. O calor explodiu de forma tão agressiva, tão deliciosa.
Quebrei o beijo por alguns segundos, tirando meu suéter quando não
aguentei mais não ficar nu com ele.
Ele rasgou minha calça jeans.
— Porra — engasguei, rasgando sua camisa, revelando sua linda carne
bronzeada, seus piercings dourados nos mamilos brilhando na luz rosa,
tentando minha língua.
— Faça isso — disse ele.
Estávamos ambos completamente nus. Ele lambeu os lábios enquanto
arrastava aqueles olhos profundos pelo meu corpo, seu pau tão duro quanto
o meu, sua pele assumindo tons novos e bonitos sob a luz rosa mágica.
— Você é tão lindo — sussurrei.
Ele beliscou seus mamilos de brincadeira.
Fui até eles com a boca, beijando as protuberâncias inchadas, passando a
língua sobre a carne e o metal, sugando profundamente.
Seus dedos deslizaram em meu cabelo enquanto ele gemia. — Sim,
Marcel. Chupe-os. Chupe-os com força.
Obedeci.
— É isso, meu vampiro sexy.
Eu ri contra ele, chupando com mais força, aproveitando cada gemido, a
força de seus dedos pressionando meu crânio.
Ele me parou de repente, indo até o cobertor.
— O que está errado? — Perguntei, com a boca formigando.
Ele se deitou de costas, acariciando seu pau. — Suba. — Com a outra mão,
ele brincava com as bolas. — Dê um passeio. — Ele balançou as sobrancelhas.
Bem assim, certo?
Eu ri, me juntando a ele, espalhando meu corpo contra o dele para beijá-
lo, para moer meu pau contra o dele.
— Precisamos de lubrificante — eu disse em sua boca, passando minha
língua em seus lábios.
Ele travou minha língua com a boca, chupando-a.
Eu ri novamente, seu pré-sêmen vazando contra mim.
A Morte soltou minha língua. — Monte em mim. — Ele beijou minha
bochecha, encontrando meu pescoço. — Canalize seu poder interior.
— Hummm.
— Faça isso de novo.
— Hummm.
— Ah, Marcel.
Sentei-me, esfregando-me contra ele, seu eixo pronto para me espetar.
Ele apresentou um frasco de lubrificante que acabara de conjurar.
Peguei seus mamilos entre os dedos e polegares, beliscando, provocando.
Ele gemeu tão sexy.
— Assim? — Perguntei.
— Sim…
— Hummm…
— Porra. Já estou perto.
Apertei essas protuberâncias com mais força. — Não se atreva a gozar
antes de eu pegar meu passeio.
Um deleite perverso inundou seus olhos.
Peguei o lubrificante, pintando seu pau com uma mão, sem tirar os olhos
dele, trabalhando meus quadris, roçando sua ponta dura contra meu buraco.
Ele mordeu o lábio inferior, empurrando os quadris para cima.
O fogo sedutor queimou com mais força, assumindo o controle. Quem
sabia o que viria a seguir, quando teríamos a oportunidade de nos beijar,
foder e desfrutar de um piquenique numa clareira novamente. Embora não
houvesse muitos piqueniques acontecendo agora.
Eu precisava dele dentro de mim. Chega de provocações, chega de brincar.
Ajeitando-me, coloquei-me em posição, alinhando sua cabeça com minha
fenda. Seus dedos conectaram meus quadris, pressionando minha carne.
Relaxei, a dor ardente, a mudança da dor para o prazer, seu pênis nos
conectando, pulsando de amor.
— Marcel…
Movi meus quadris, lentamente no início, deslizando para cima e para
baixo em seu comprimento e circunferência substanciais.
— Você é tão bom — disse ele.
Trabalhei nele com mais força, girando meus quadris, saltando. Meu olhar
se fundiu com o dele, cada pedaço de mim caindo em seus orbes gêmeos
dourados. Eles ardiam de tanto prazer, faróis de êxtase.
Deus, seus gemidos. Tão gostosos em meu ouvido.
Observei seu peito enquanto sua respiração acelerava, seus lábios se
abriam, aproveitando cada movimento, cada moer, cada som que eu fazia.
— Sim…
Mais forte. Mais rápido. Mais forte. Mais rápido.
Oh, meu Deus. Ele atingiu meu ponto ideal, mergulhando tão fundo, a
fricção tão incrível. Eu precisava de mais e mais e mais e mais e mais. Ondas
de calor colidiram com eletricidade explosiva, um turbilhão de prazer, o suor
escorrendo pelas minhas costas enquanto colidíamos repetidas vezes, corpos
se contorcendo e se debatendo sob a luz rosa.
Eu estava no controle total, dominando-o com minha bunda, com minha
energia implacável, nos levando ao paraíso.
A pressão de seus dedos se intensificou, seu pênis pulsando com um aviso
de clímax.
— Goze dentro de mim! — Gemi, com os braços acima da cabeça, levando-
o até a linha de chegada.
Com seu constante apertar no meu botão mais especial, apressei-me para
me juntar a ele.
— Estou tão perto... — gemi.
— Sim. Sim. Sim — ele ofegou. — Sim… porra!
Seus quadris resistiram, suas estocadas tão profundas, seu aperto tão
firme. Ele gozou dentro de mim, enchendo-me com um calor delicioso que
me fez ver estrelas, me arrastando até o limite com ele.
Cheguei ao clímax, pintando seu peito com jatos de esperma
completamente sem masturbar, chamando seu nome. Ele pegou meu pau,
tirando o resto de mim, me fazendo gritar e cair em puro êxtase.
— Eu te amo muito! — Declarei, desabando sobre ele.
— Eu te amo — ele ronronou de volta.
Definhando no pós-coito, aninhei-me na Morte, minha cabeça apoiada em
seu peito. Eu gostava de ouvir sua respiração, o ritmo suave de seu coração.
— Preciso falar com você — disse ele.
— Diga.
Seu peito subiu, prendendo a respiração por um segundo antes de
desinflar.
Oh, céus. Isso não parecia bom.
Levantei minha cabeça. — É ruim, não é?
Ele estendeu a mão para mim, segurando meu queixo. — Não sei.
Sentei-me, cruzando as pernas. Uma borboleta pousou em meu joelho,
exibindo suas lindas asas azuis e pretas.
— Fui falar com uma daquelas Diretoras Superiores do hospital — disse
ele. — Sasha Wendell. A Diretora Superior de Winchester.
Eu não esperava por isso. — Você foi?
Ele se sentou agora. — Eu queria verificar as coisas.
A borboleta voou para longe. — O que ela disse?
— Você gostaria de voltar a trabalhar?
Minha coluna se endireitou com compreensão e uma vibração de
ansiedade. — Eles me querem de volta?
Olhos tristes me confrontaram. — Sim.
— Por quê?
— Eles acham que vale a pena ter você de volta.
Fiquei de joelhos. — Mesmo?
Ele explicou ainda mais, sobre a segurança, como me mandar para
Oakthorne tinha sido um erro. Mas o grand finale realmente puxou meu
tapete.
Caí de bunda, com as pernas abertas diante de mim. — Diretor Superior?
Ele assentiu.
Minhas entranhas se contorciam como um saco de cobras. — Diretor
Superior. Eles querem me tornar Diretor Superior.
— E Jenn, sua vice.
Que diabos era isso? — Isso não faz sentido. Você acha que eles querem
me machucar?
— Não posso ter certeza, mas acho que não.
Deslizei para mais perto dele. — Ela realmente disse isso?
— Sim. — Ele pegou minhas mãos. — E acredito que ela estava sendo
sincera.
— E se ela não estiver sendo?
— Então vamos lidar com ela — disse ele.
Uma forte sacudida no meu crânio. — O que você disse?
Ele deslizou para mais perto agora. — Vou te perguntar uma coisa e quero
que responda honestamente.
Droga. Não gostei do desconforto em seu tom. — O que é?
— O quanto você sente falta do seu trabalho?
Olhei-o bem nos olhos, inseguro de mim mesmo.
— Sei que você trabalhou duro — ele acrescentou quando eu não falei.
Considerando minha resposta, analisei várias respostas em meus filtros
internos. Havia alguma maneira que ele queria que eu respondesse?
Ele acariciou meu rosto, sem dizer nada.
— Sinto muita falta dele — eu finalmente disse, buscando ir pela pura
honestidade. — Pode ser assustador, estressante, e Deus sabe o que
acontecerá agora que tivemos uma queda de poder. Mas eu realmente sinto
falta dele. Você está certo, trabalhei duro, visando o cargo mais alto. Sou
ambicioso, quero fazer bem, quero ajudar. Está no meu sangue e sinto que
estou me esquivando completamente das minhas responsabilidades.
Seu rosto estava ilegível.
— Esta é a minha vocação — acrescentei. — Mas como eu posso voltar? —
Cruzei os braços, uma onda de irritação passando por mim. — Tornar-se
Diretor Superior é meu Santo Graal, e está aí para ser conquistado. Mas qual
é a pegadinha? Tem que haver uma, certo? Qualquer bom ator pode fingir
sinceridade.
Um aceno lento da Morte. — Pode, mas não tenho certeza se esse é o caso
aqui.
— Mas você não tem certeza.
— Só tenho certeza sobre você.
Fios invisíveis puxaram meus lábios em um sorriso. — Você sabe como
tornar doce o sabor amargo.
— É uma dádiva, Marcel.
Inclinei-me para frente, dando um beijo suave em sua bochecha. — É uma
dádiva dada a você.
Ele tocou onde eu tinha beijado. — Sério, acho que isso é algo que você
deveria considerar.
— Você acha?
— Se esta é a sua vocação, então sim. Se for uma armadilha, eu vou te
salvar.
— Que galante.
— Sempre vou te salvar.
Uma pressão desagradável sentou-se no meu peito. — Você não deveria
precisar.
— Mas eu vou. Assim como estarei ao seu lado em qualquer decisão que
você tomar.
Por que ele estava olhando para mim como se eu tivesse quebrado seu
coração? — O que está errado?
Seu olhar caiu no chão. — Nada.
Eu gentilmente peguei seu rosto em minhas mãos, forçando-o a olhar para
mim. — Nem tente fazer isso.
Aqueles lindos olhos brilharam com lágrimas. — Talvez eu devesse deixar
você viver sua vida e deixá-lo em paz.
Flechas nas minhas entranhas, nas minhas costas, no meu coração
acelerado. — O que você disse? Espere! Não diga isso de novo. Eu ouvi você
da primeira vez.
— Eu...
— Não.
— Marcel…
— Esta é a sua vez de acabar com as coisas? — Perguntei. — Tentei
primeiro, agora você precisa também? É isso?
— Eu só quero que você seja feliz — ele disse gentilmente.
— E já passamos por isso. — Deus, eu queria gritar para o céu rosa. — Não
quero uma vida sem você.
Uma lágrima solitária rolou por sua bochecha esquerda.
— Você quer uma vida sem mim?
— Claro que não — ele respondeu bruscamente.
Minhas mãos deslizaram para seus bíceps. — Então não vamos passar por
isso de novo.
Ele soltou um suspiro trêmulo. — E se estivermos errados?
Não faça isso... — Meu amor por você não está errado.
— Concordo.
— O conselho está errado. O que quer que esteja nos amaldiçoando está
errado. Ok? Não nós. Não estamos errados.
Fale sobre uma sensação inflada de estar certo.
Ele me puxou para ele, me segurando. — Eu te amo muito.
— Não vamos desistir um do outro. Nunca. Não me importo com quem é,
o que é e por quê. Contanto que tenhamos o rubi, estamos bem.
Só que eu sabia que não devia confiar nisso. Tentei acabar com as coisas
por causa disso. Até o Bolsão de Margarida trouxe dúvidas. Um deslize e olá
terremotos, tsunamis e todos os tipos de catástrofes.
Todas essas tragédias pesavam em minha alma. Mas, ao mesmo tempo,
eu não estava deixando a Morte ir. Eu não conseguia. Ele era meu mundo.
Isso pode parecer irresponsável e ridículo, mas quando você encontra
alguém que se encaixa em você como uma peça perdida de um quebra-
cabeça, você sente essa certeza em seus ossos. A Morte não parecia errada.
Nada no nosso chamado amor proibido parecia ser uma maldição. A
maldição em si era um inimigo a ser exterminado.
Se ao menos eu tivesse a espada sagrada para matar o maldito dragão.
— Sinto muito — disse ele.
— Não sinta. Acho que nós dois nos revezamos nesta crise existencial.
— Exclusivamente nossa.
— Sim. — Eu o beijei.
— Não quero perder você.
— Você não vai.
— Isso me assusta todos os dias.
— Me assusta também.
Ele me beijou, nossos lábios permanecendo juntos por um minuto.
Quando ele se separou, ele lambeu os lábios, batendo-os. — Você tem um
gosto tão bom.
Um formigamento nas minhas bolas, espalhando-se pelo meu eixo. — Nós
literalmente acabamos de foder.
— E? — Ele olhou para meu pau firme.
— Você quer foder de novo?
— Sempre quero foder, Marcel. — Ele balançou as sobrancelhas.
— Estamos tendo uma conversa séria…
Mas seus lábios estavam no meu pescoço mais uma vez. Antes que eu
percebesse, cheguei ao clímax em seu peito novamente em uma repetição do
meu delicioso passeio.
Caí em cima dele, ofegando na curva de seu pescoço. — Maldito.
Ele bateu os dedos ao longo da minha coluna suada. — Desculpe, mas não
sinto muito.
— Você não acabou de dizer isso.
— Desculpe, mas não sinto muito. Pronto, eu disse isso duas vezes.
Levantei minha cabeça, meu corpo pressionado contra o dele, nossos paus
duros esmagados juntos. — Onde ouviu isso?
— Através da observação.
Revirei os olhos para ele, me levantando para montá-lo. — Podemos
continuar com nossa conversa agora?
— Se for preciso.
Apertei seus mamilos.
Ele se contraiu, levantando um pouco os quadris. — Faça isso de novo.
— Pare. Temos que conversar sobre isso.
Ele se sentou, eu ainda montado nele, beijando meu peito.
— Morte…
Ele gemeu contra minhas costelas, sua língua encontrando meu mamilo
esquerdo.
Pelo amor de Deus! — Morte? Por favor. Chega.
— Tem certeza? — ele ronronou.
Nós transamos de novo.
Deitei-me de costas, completamente exausto, olhando para o céu com ele
enrolado contra mim.
— Quero falar com Sasha — eu disse.
— Ok — ele sussurrou de volta, aconchegando-se mais perto.
— Acho que eu deveria ouvir por mim mesmo.
— Claro.
— Mas acho que não vou voltar.
Ele não respondeu.
— Por mais incrível que fosse aceitar esse emprego, muita coisa aconteceu
— continuei. — Não sei como poderia fazer isso funcionar.
Ele se apoiou no cotovelo, seu olhar dourado fixo em mim. — Talvez possa
funcionar.
— É muito arriscado.
— Posso proteger você.
— Você não pode me seguir como um cachorrinho.
Ele sorriu. — Sou seu cachorrinho leal. — Ele falou com uma voz boba, me
fazendo bufar.
Ele me deu um tapa no nariz. — Meu lindo baconzinho.
Mais uma bufada minha. — Você realmente é algo.
— Ora, obrigado.
— O que faremos a seguir? — Perguntei. — Depois de falar com Sasha.
Onde devo morar? E quanto ao Bolsão de Margarida e Yvonne e Leon? E
quanto a George e Louise? E onde minha família pode viver com segurança?
Nossa casa não é mais segura. — Tanta coisa para resolver sem jogar a chave
ônix ou o Resplendor da Morte no processo.
— Hora das bolhas — acrescentei, pegando uma garrafa fechada da cesta
de piquenique. Sim, o champanhe estava ali, mas sempre me dê o tinto.
A Morte conjurou duas taças com aros dourados. — Eu não te mostrei isso.
— Ele me entregou uma taça com palavras gravadas nela.

Sua nova taça favorita para sua bebida favorita.

Com meu amor eterno,

Sua Morte Favorita


xxxxxx

O brilho que floresceu dentro de mim desencadeou todos os hormônios


da felicidade. — O que é isso?
— Você gostou?
— Amei. Obrigado.
Ele pegou a bebida, colocou a taça especial na minha mão e serviu. — Fica
melhor com um pano de fundo.
Ele estava certo.
Eu o beijei. — Isto é tão doce. Eles cobraram pela escrita?
Uma sobrancelha levantada. — Necromante bobo.
— Mas eles cobraram?
— Isso não é para você se preocupar. — Ele serviu bebida para si mesmo.
— Para nós.
— Para nós.
Nós brindamos.
O dourado dos seus olhos adquiriu uma austeridade repentina e
alarmante.
— O que está errado? — Perguntei.
Ele estremeceu, esfregando o peito. — Nada. — Ele cerrou os dentes, o
suor escorrendo pela testa.
— Você está com dor? — Coloquei a bebida na mesa. — O que eu posso
fazer?
Ele estendeu a mão para me manter afastado. — Não é nada.
— Não parece. Eu...
Ele revirou os ombros, estampando um sorriso no rosto. — Estou bem.
— Mas… — Não havia mais sinais de dor. — O que aconteceu?
— Não sei. Esta é a segunda vez que sinto isso.
— O quê? Oh, meu Deus. O que está errado? Você não sente dor quando
está totalmente ligado. Merda.
— Vou investigar isso, mas acho que pode ser apenas minha essência se
reajustando depois de vinte anos.
— Mesmo?
— Sim. Este é um território novo.
Não gostei disso. — Eu estou assustado.
— Vou chegar ao fundo da questão.
— Como?
— Eu simplesmente irei, Marcel. Confie em mim.
— Claro que eu confio em você.
Ele me contou sobre suas lágrimas com Winnie, direcionando a conversa
para um novo assunto.
Não vou desistir disso, pensei para ele. Talvez tenha sido apenas uma coisa
transitória.
— Oh, Morte — respondi às lágrimas.
— Sou um tolo — disse ele.
— Há uma razão pela qual sempre nos encontramos, e me recuso a atribuir
isso à destruição. Não sou a pessoa mais ensolarada, mas também não estou
no lado sombrio do espectro. Ok, talvez quando George me largou, mas não
penso nisso.
Ele lentamente inclinou a cabeça para o lado, os lábios curvando-se para
cima em um sorriso pitoresco. — Bem quando pensei que não poderia mais
te amar.
— Nunca desistiremos um do outro — reafirmei.
— Obrigado.
Estendi a mão para seu joelho, apertando-o. — Agora, talvez devêssemos
pensar em vestir algumas roupas.
— Para qual objetivo?
— O que quer dizer?
Fodemos mais duas vezes naquela clareira.
Nenhum lugar era realmente seguro, com os rebeldes ainda causando
problemas, o amor deles por Nick tão firme quanto o ódio deles por mim.
Eu era o espinho no pé, a raiz a ser cortada.
O melhor lugar para minha família morar era com a prima de mamãe, na
Provença, França. Uma bela casa de campo no meio do nada com muito sol.
Voltando à Mansão Oakthorne, mamãe fez os preparativos por telefone,
andando pela sala de jantar da Morte enquanto conversava com a prima.
— Estou arrasado por termos que deixar o palácio — disse Henri.
— Eu também — eu disse.
— O que você vai fazer? — Papai me perguntou.
O plano era: eu me encontraria com Sasha para satisfazer minha
curiosidade, carregando um desejo ardente de voltar ao trabalho. Eu
provavelmente balançaria a cabeça e riria por dentro de suas falsas
promessas. Ah, e babar com a ideia de uma promoção tão suculenta.
Deus, eu realmente queria isso. Mas os perigos eram muito altos.
Assim que isso estivesse resolvido, a Morte e eu retomaríamos o trabalho
para encontrar a chave ônix, Leon, Yvonne e uma solução para o Resplendor
da Morte. Então, tudo como sempre foi, mas com minha família em um lugar
mais seguro e eu, um necromante aposentado.
Parecia errado pensar em aposentadoria ainda.
A Morte nos teletransportou para o jardim de Celine. Eu nunca tinha
conhecido pessoalmente a prima da minha mãe e estava hesitante em fazê-
lo, especialmente com toda a merda espalhada pela mídia sobre mim.
Merda de verdade. Uma merda merecida. Se ela quisesse me repreender,
me colocar no meu lugar, eu a deixaria ter seu momento. Eu realmente não
tive um retorno, a não ser por amor. E aqueles que estavam fora dos meus
sentimentos e dos sentimentos da Morte tinham todo o direito de nos
criticar.
Mas vocês nunca vão me afastar dele...
Eu não precisava ter me preocupado. Uma mulher baixa, com pele morena
profunda, grandes olhos castanhos e uma voz estrondosa esmagou todos
nós em abraços enormes. Achei que Henri poderia desmaiar com a força
disso, junto com muitos beijos nas bochechas. Seus três cães e dois gatos a
seguiram, curiosos e entusiasmados com os recém-chegados.
— Bem-vindo! Bem-vindo! Bem-vindo!
A Morte foi abraçada por último. Celine então se curvou para ele, dizendo
em francês que era uma honra conhecê-lo.
— Obrigado por abrir sua casa para essas pessoas maravilhosas — ele
respondeu.
Ela zombou agradavelmente. — Eles são minha família. Sempre ajudarei
a família.
O comportamento de mamãe mudou para um mais alegre. Ela conversou
alegremente em francês, totalmente em seu ambiente.
Foi tão adorável ouvir. Queria ficar com eles, passar as horas sob o sol.
Havia tanta terra para passear, tantas paisagens incríveis, o Mont Ventoux
ao longe.
Mas eu tinha um trabalho a fazer. Queria riscar tudo da lista antes mesmo
de pensar na próxima etapa do meu futuro.
— Você vai ficar para tomar um café? — Celine perguntou.
— Receio que não possamos — eu disse. — Desculpe.
— Apenas uma xícara?
Eu realmente queria. Mas eu também queria muito, muito falar com Sasha.
— Estaremos de volta — eu disse em francês. — Prometo.
— Vou cobrar isso de você — papai interrompeu.
Eu o abracei e beijei, depois Henri, mamãe e Celine. Contive as lágrimas e
fiz mais promessas de voltar para um grande jantar.
— Como seu pai disse, vamos cobrar isso de você — respondeu Celine.
— Eu vou. É uma meta.
— Mon Papillon — disse mamãe, me dando outro abraço. — Eu te amo
muito.
— Eu te amo, Maman.
Seguiu-se um abraço em grupo familiar.
— Cuide do meu filho — mamãe disse a Morte, seu tom muito mais
caloroso do que antes.
— Ele é minha prioridade número um — respondeu ele em sua língua
nativa.
Ela certamente mudou de ideia com ele.
— Um dia conversaremos direito — ela me disse. — Quando for a hora
certa.
— Sinto muito por tudo.
— Eu entendo o amor, Mon Papillon. — Ela tocou meu rosto com as costas
da mão. — Mas isso não é para agora. Ainda tenho algumas coisas a fazer.
— Você não me odeia? — Não pude deixar de perguntar.
Ela me cutucou no ombro. — Pare com isso. Você é um dos três amores da
minha vida.
Deus, eu queria chorar de novo.
— Maman…
— Você deveria ir, Mon Papillon. Nós estaremos esperando.
E com isso terminamos, dando nosso último adeus, voltando para o quarto
da Morte na mansão.
Suspirei, sentando-me nos lençóis dourados de sua cama. — É tão difícil
deixá-los lá.
Ele sentou-se comigo. — Sinto muito que esteja doendo.
Apoiei-me nele, minha rocha sólida. — Posso te perguntar uma coisa?
— Sim.
— Você e mamãe conversaram?
— Nós conversamos.
— Sobre o quê?
Ele bateu no seu nariz. — Um segredo de genro e sogra.
— Sogra?
— Ela não é?
Ele realmente sabia como exercitar meus músculos sorridentes. — Eu acho
que ela é.
— Um dia será oficial.
— O quê? Mesmo? — O entusiasmo me aninhou, meu coração batendo
mais rápido.
— Nunca tivemos a oportunidade de casar, ou mesmo de ficar noivos —
disse ele — e desta vez quero fazer isso. Quando as coisas se acalmarem,
talvez possamos ter um caso totalmente chamativo.
— Mesmo? — foi tudo que consegui, atordoado demais para funcionar.
Matrimônio? Um dia de casamento? Um anel, votos e uma grande festa
depois? Eu estive tão perto de realizar esse sonho com George, apenas para
a merda bater no ventilador.
— Eu adoraria me casar com você — eu disse.
Ele deslizou para fora da cama, caindo de joelhos diante de mim. Congelei,
incapaz de respirar, de fazer qualquer coisa além de piscar para ele.
— Marcel…
— O que… o que você está fazendo? — Consegui dizer.
— Espere. — Ele deu um pulo, indo até o toca-discos e ajustando a agulha
em um disco de vinil que já estava dentro dele.
Um estalo, depois os primeiros compassos de 'Frederick' de Patti Smith.
Acho que se tornou nossa música.
Ele voltou à sua posição ajoelhada diante de mim. — Marcel August, amor
da minha vida. Você vai me fazer o homem mais feliz que existe e ser meu
marido?
Ainda congelado, ainda lutando com as palavras, olhei para ele. Isso
estava realmente acontecendo? A Morte estava realmente de joelhos com
uma faixa incrível e romântica tocando para aumentar a felicidade deste
momento?
Meu amor. Meu único. Ali.
Certo. Bem aqui.
Encontrei minha voz. — Claro que eu vou.
Ele pegou minha mão, acariciando o dedo anelar com o dedo mínimo. A
alegria estampada em seu rosto fez meu coração cantar sua própria versão
da música de Patti Smith.
— Ainda não tenho um anel — disse ele, com os olhos dourados
brilhando. — Eu não esperava que isso acontecesse agora. Eu poderia
conjurar alguma coisa, mas vamos conseguir um juntos. Iremos às compras
como você faz aqui na Terra. De mãos dadas, conseguindo tudo o que
queremos.
Lancei-me sobre ele, puxando-o para um beijo longo e mágico. Deitamo-
nos na cama, nos beijando, lágrimas brotando em meus olhos. Ele me fez tão
feliz que meu corpo mal conseguia se conter.
Com os lábios formigando, eu me enrolei com ele enquanto o álbum
tocava. Fiquei noivo de novo, só que dessa vez com o homem certo.
— Não posso acreditar nisso — sussurrei.
— Acredite.
— Eu poderia ficar assim para sempre.
— Mas então não teríamos um casamento grande e chamativo.
Me aproximei dele. — Verdade.
Por que o sonho veio com uma ponta de pavor?
Por causa da dor que ele sentiu na clareira. Porque a vida vinha com uma
ferroada permanente na cauda. Um escorpião pairando sobre o universo, a
cauda pronta para bagunçar tudo.
Tente ser menos negativo.
Isso se chama ser realista.

Ainda no auge de estar noivo do ser sexy e imortal dos meus sonhos,
chegamos ao Santuário Oakthorne, sem aviso prévio, ao amanhecer. O céu
da manhã era de uma cor vermelha rosada deslumbrante com listras de
nuvens douradas espalhadas por ele.
Céu vermelho pela manhã, aviso do pastor6…
Pare com isso!
— De volta? — o recepcionista nos cumprimentou e depois acenou
calorosamente para mim. — Vocês dois.
A Morte se aproximou dele. — Olá, Liam. Receio ter de lhe pedir que ligue
novamente para Sasha Wendell.
Sem questionar ou resistir, o Guardião o fez.
— Como vai você? — o cara me perguntou depois da ligação.
— Estou bem, obrigado. E você?

6 É um sinal de que o mau tempo virá.


— Estou bem. Estou ansioso para que meu turno termine. Meu sofá e uma
caneca de chocolate quente estão me chamando.
— Legal.
— Ah, será mesmo. — Ele ofereceu a mão. — Prazer em conhecê-lo, a
propósito.
— Igualmente. — Apertei a mão dele.
Sasha Wendell chegou dez minutos depois com Robert e Jenn a reboque,
junto com dois necromantes do sexo masculino. Todos eles estavam vestidos
de preto, o terninho de Sasha era incrível.
Jenn sorriu para mim. Robert não.
Talvez minha melhor amiga pudesse sorrir agora que Emma estava fora
de cena.
Sentamo-nos em uma sala bege, com cadeiras extras trazidas pela equipe
do Santuário.
— Obrigada por vir aqui — Sasha começou sentando-se na cadeira maior,
ladeada por Jenn e Robert sentados, os outros dois homens em pé atrás dela.
— Agradeço por você nos dar seu tempo.
Fiquei sentado, esperando, os lábios firmemente fechados.
Vá direto ao ponto.
— Queremos que volte ao trabalho — disse ela. — Queremos que você
seja o Diretor Superior de Oakthorne.
Ela examinou os detalhes da posição, de Jenn ser minha segunda em
comando. Eu queria pular e abraçar Jenn, declarando que tínhamos
conseguido.
Permaneci sentado.
Sasha continuou. — A casa Maple Lane está disponível como residência,
tradicionalmente oferecida ao Diretor Superior desta cidade.
Não. De jeito nenhum eu moraria lá.
— Você terá uma equipe de segurança de seis pessoas – três policiais, três
necromantes, com qualquer casa que você ocupar totalmente protegida com
a mais avançada tecnologia de segurança.
Um lindo pacote, de fato.
— Precisamos da sua experiência — acrescentou ela.
— Existem outros necromantes experientes a quem você pode dar este
trabalho, senhora. — Finalmente falei, mantendo meu respeito pela posição
dela.
— Sim. Mas você é único.
— Por causa da Morte.
— Sim. E queremos deixar o passado para trás, reconstruir um novo
futuro. O mundo mudou novamente, mas nosso dever como necromantes
permanece com os mortos.
— Obrigado, mas não, obrigado — eu disse. — Tome isso como minha
demissão verbal. — Isso realmente doeu de dizer.
Um silêncio denso caiu sobre a sala.
Na verdade, os necromantes não podiam renunciar, mas essas não eram
circunstâncias normais. Então, eu seria o primeiro a jogar a toalha.
— Marcel — disse Sasha — peço-lhe que reserve um tempo para
considerar esses detalhes.
Eu considerei, desde que a Morte me contou. — Não, obrigado.
— Você não pode simplesmente abandonar sua vocação.
Ela estava certa, mas o mundo havia mudado, como ela disse. — O melhor
é eu ir embora, e você continuar sem mim. Terminei. Não há lugar para mim
agora.
— Mas há um lugar.
— É muito perigoso. Não quero morrer. Especialmente agora que eu estou
noivo.
— Posso garantir sua segurança — ela tentou.
Balancei minha cabeça. — Não. Sinto muito.
Ela olhou para a Morte. — Necromantes não saem simplesmente do
trabalho.
Olá! Eu estou aqui! — Chame isso de aposentadoria precoce.
A atenção voltou para mim. — Isso é pouco ortodoxo.
— Eu sei, senhora. E eu sinceramente sinto muito por fazer isso. Mas com
tudo o que aconteceu, é o melhor. Outros necromantes nunca me
respeitariam o suficiente para que minha liderança funcionasse
corretamente. Muitos deles me odeiam. Eu não valho a pena. Até você deve
ver isso, senhora.
— Eu vejo. É por isso que quero consertar isso.
Ela parecia genuína para mim – um atributo que faltava em Emma. — Isso
não pode ser consertado.
— Você não sabe disso.
— Eu sei. E eu me recuso a passar por isso. Por mais que eu adorasse ser
um Diretor Superior, não posso aceitar isso.
— Então você viverá uma vida insatisfeita.
Ela estava certa novamente. Acho que carregaria o 'e se?' por perto
comigo, mas estar com a Morte compensaria isso.
— Sinto muito — eu disse. — Já me decidi.
Sasha olhou para a Morte novamente. — Eu também sinto muito.
— Mas posso garantir que Jenn consiga o emprego — acrescentei.
Pela primeira vez desde seu retorno, Jenn me mostrou a verdadeira face
da minha melhor amiga. Que talvez ela tivesse me perdoado pela minha
merda, que as coisas não estavam sombrias entre nós.
A expressão de Robert permaneceu vaga. Ele provavelmente me
desprezava ainda mais agora. Ofereceu-me o cargo mais importante, apenas
para rejeitá-lo como o idiota privilegiado que eu era. Bem, aos olhos dele. E
talvez eu seja privilegiado, sortudo o suficiente por ter a Morte, por ter a
opção de ir embora.
— Achei que você ficaria feliz com o ramo de oliveira — disse Sasha.
— Estou feliz com isso. Mas não posso aceitar isso, senhora.
Ela tirou o e-scroll do bolso. — Estou desapontada e não tenho certeza dos
próximos passos. Mas também devo respeitar a sua vontade, porque não
tenho outra escolha, tenho?
— Não, senhora.
— Sua mente está realmente decidida?
— Sim, senhora.
— Então farei algumas ligações. Se você puder esperar aqui enquanto eu
faço isso, eu agradeceria.
— Não se preocupe, senhora — eu disse.
Quando ela foi sair, a Morte caiu para frente, a cabeça batendo na mesa
com um estalo nauseante.
— Que diabos? — Gritei, pulando. — Morte?
Ele gemeu, escorregando da cadeira.
— Morte!
Tentei agarrá-lo, mas ele se debateu violentamente, um punho colidindo
com minha testa. Uma pancada! A força me fez cair de costas, a dor
percorrendo meu crânio.
— Morte!
— O que está acontecendo? — Sasha exigiu.
— Morte!
Ele continuou a se debater, com os membros selvagens e perigosos,
batendo no tapete, o pé esquerdo chutando repetidamente a mesa.
Oh, Deus.
Oh, Deus.
Oh, Deus.
Minha cabeça bateu na mesa, todo o controle do meu corpo se desfazendo
como uma lã se desenrolando.
Caí em uma escuridão giratória salpicada de vermelho. Eu andava dando
voltas e mais voltas, com o estômago embrulhado, a confusão como um véu
sufocante.
— O que está acontecendo? — Gritei para a escuridão. — Marcel?
Um vento gelado me atacou. Agressivo, me girando mais rápido.
— Marcel!
Os mortos gritaram de algum lugar no escuro. Me implorando para não
os deixar. De novo não.
— Volte!
— Por favor!
— Não faça isso!
— De novo não! Oh, Deus! De novo não!
Um discurso inflamado de vozes e angústia, almas que se aproximam de
mim, irritadas, tristes e devastadas pela minha segunda traição.
— Eu não estou fazendo isso! — Protestei.
Mas eles não ouviram. O vento gelado engoliu minha voz, perdida em
ouvidos tristes.
— Marcel! Marcel! Marcel!
Tentei romper o vórtice, socando o vento e a escuridão, deixando de lado
os apelos dos mortos.
A dor.
Ah, a dor.
Tomou forma em meu peito, espalhando-se por mim, atacando cada canto
até que não consegui pensar em mais nada além da terrível agonia.
Ele parou de se debater, deitado de costas, imóvel como um cadáver.
A espuma borbulhava de seus lábios entreabertos, escorrendo pelo
queixo, os olhos fechados.
Agarrei seus ombros, sacudindo-o suavemente. — Morte?
Nenhuma resposta.
A dor assolou minha cabeça – ele tinha um poderoso gancho de direita –,
mas eu não me importava com isso. Eu só me importava com os olhos dele
se abrindo, ele se sentando para me dizer que estava bem. Sinto muito por
isso, Marcel. Não tive a intenção de assustar você.
— Morte?
Deus, ele estava tão gelado.
— Ele está bem? — Jenn perguntou, logo atrás de mim.
— Não… eu não sei. Eu acho... Merda. Ele precisa de ajuda. — Tentei beijá-
lo como se isso fosse um conto de fadas. Às vezes, nosso relacionamento
parecia um, pelo menos com todos os elementos adoráveis de um.
Meus lábios encontraram os dele gelados.
— Morte — sussurrei contra ele, lágrimas de medo se libertando. — Por
favor, acorde. — Segurei seu rosto em minhas mãos. — Por favor, acorde.
— Vou buscar ajuda — disse Jenn.
Como alguém poderia ajudá-lo? Não era como se ele pudesse ser levado
para o hospital e ser tratado como um humano. Ele era a Morte.
Dane-se. Eu estava disposto a fazer qualquer coisa que pudesse ajudá-lo.
O brilho de sua pele bronzeada começou a desaparecer, empalidecendo
em uma velocidade assustadora.
Encostei meu ouvido em seu peito. Sem batimentos cardíacos.
Oh, Deus.
Comecei as compressões, o beijo da vida, cada bombeamento e respiração
desesperado. Minhas lágrimas corriam quentes e selvagens, salpicando suas
bochechas.
— O que está acontecendo? — solucei. — Por que você não está
acordando?
O terror cravou os dentes em minha alma, as presas cravando-se
profundamente.
— Por favor, acorde… — implorei. — Por favor…
— Marcel... — A voz de Jenn chegou até minha nuca.
— Por favor…
Uma mão no meu ombro. Sua mão, o toque reconfortante que eu recebi
muitas vezes ao longo dos anos.
— Não sei o que fazer — eu disse a ela.
Ela se agachou ao meu lado, sua mão se movendo para meu bíceps. —
Estou aqui.
Essas duas palavras foram um cobertor.
— Morte… — Minha voz se tornou um sussurro rouco. — Por favor…
Meus cinco fios de poder retornaram em uma inundação que me deixou
sem fôlego. Agarrei meu peito, lutando para respirar. Todos na sala reagiram
da mesma maneira, forçados a ficarem de joelhos num ataque de poder.
Escanear. Reanimar. Controlar. Vincular. Liberar. Sem renascimento,
convocação ou teletransporte. Pelo menos por enquanto. O que significava
que a Morte não estava mais trabalhando. De novo.
— Nós... Precisamos do Suco Necro... — consegui dizer, a magia
necromante sondando as paredes da minha mente.
Mas ninguém conseguia se mover.
A raiva fria destruiu a estrutura da minha sanidade. Ela queria assumir o
controle, me reivindicar, me enviar para as fileiras dos rebeldes. Logo eu
estaria declarando meu amor por Nick, indo atrás de alguns fantasmas para
prender e aterrorizar.
— Traga… traga… precisamos… — Sasha lutou. Olhei por cima, meus
olhos ardendo. Ela estava em seu e-scroll, ou pelo menos tentando estar. Ele
escorregou de sua mão e caiu no tapete.
Não estávamos preparados para essa mudança repentina. A Morte
deveria estar de volta. Os dias dos nossos fortes poderes havia acabado.
Sua dor…
A dor na clareira…
Por que não o pressionei com mais força? Nós dois fomos tão estúpidos.
— Por favor... — tentei, estendendo a mão para ele. — Por favor, acorde.
O escuro.
O frio.
Afundando.
Escuro.
Frio.
Perdido.
Tão, tão frio.
Marcel…
Dois não-necromantes invadiram a sala carregando um monte de Suco
Necro – assistentes de Sasha, presumi.
Eles começaram a trabalhar rapidamente, injetando os cogumelos líquidos
em nós. Com três doses, o ataque ao perímetro da minha mente foi
derrotado.
Puta. Merda.
Caí de costas, respirando fundo. Meu cérebro nadou em uma sopa
nebulosa, deixando-me bêbado. Cinco minutos depois, a sensação diminuiu,
meu corpo cheio de força, reequilibrado.
— Estão todos bem? — Sasha perguntou.
Ignorando-a, sentei-me, voltando minha atenção para a Morte. — Acorde.
Por favor, apenas acorde.
E-scrolls lamentavam ao meu redor, tantas vozes em uma massa abafada.
Ignorei todos eles, até mesmo Jenn, cuja mão voltou para meu ombro.
— Por favor, acorde…
Tiroteio.
Era isso?
Outra rachadura. Vozes elevadas, o som de um corpo caindo no chão ao
meu lado.
Jenn.
Jenn?
Ela ficou ali, os olhos em mim, a agonia pintada em seu rosto cheio de
cicatrizes. Sua mão cobriu o ombro esquerdo, o sangue escorrendo por seus
dedos.
Eu saí da minha dor pela Morte.
Sem tristeza! Ele não está morto!
— Jenn? — Eu disse, meu cérebro se atualizando. — O que aconteceu?
Seus olhos pousaram em uma presença atrás de mim.
— O que...
Metal frio na parte de trás da minha cabeça. — De pé.
Era a voz de Robert.
Fiz o que ele pediu, um arrepio passando por mim com a rispidez
desagradável em sua voz.
Uma vez de pé, vi o sangue, Sasha com um ferimento de bala no estômago,
olhando para Robert com uma fúria perversa. Os humanos que nos
ajudaram estavam mortos, seus fantasmas presos juntos em um único
aperto, três anéis verdes prendendo-os em um abraço estranho.
Os dois necromantes estavam feridos, morrendo.
Deus, havia tanto sangue.
— Comece a andar — Robert gritou em meu ouvido, me empurrando para
frente.
— O que você está fazendo? — Tentei.
— Cale a boca e ande.
Quaisquer que fossem seus planos, ele não passaria pela segurança.
Acorde... pensei para o corpo sem vida do meu amor.
Ele nem sequer se mexeu.
Robert me empurrou novamente, nos levando para o hall de entrada do
Santuário.
— Nem ousem tentar isso! — ele ameaçou a todos, sua voz era um
estrondo ensurdecedor.
Eu me preparei para cair e tirar suas pernas de debaixo dele.
— O mesmo vale para você — ele avisou. Ele perceber alguma coisa na
minha linguagem corporal?
Saímos do prédio, entrando nos lindos jardins, agora vazios de fantasmas,
mas que logo seriam reabastecidos se a Morte não saísse de sua aflição.
Por favor, fique bem.
Por favor.
Por favor.
Por favor.
— O que você quer? — Perguntei ao meu ex-parceiro necromante.
— Quero dar um passeio.
Mantive minha raiva em fogo brando. Esse idiota estava me impedindo
de ficar ao lado da Morte. Ele tinha que receber uma surra séria por isso.
Espere pelo momento de oportunidade perfeita…
Eu era rápido, capaz em uma luta. Robert também, cheio de muito mais
músculos do que eu.
— Mova-se mais rápido — ele exigiu, me empurrando com tanta força que
cambaleei para frente.
Isso mudou minha fervura para ebulição, meu corpo girando em reação.
Foda-se ele e suas besteiras.
Dei um soco. Ele se abaixou e estourou minha rótula esquerda.
— Porra! — Chorei, caindo com força.
Ele se curvou, a coronha da arma apontada para mim. — Seu idiota
estúpido.
Ele desceu a arma na minha cabeça, me deixando inconsciente.
Vomitei quando acordei. O vômito jorrou entre minhas pernas, fazendo
uma bagunça no chão sob o banco do passageiro de um carro que fedia a
gasolina.
O aroma tóxico não ajudou em nada meu enjoo.
Esfreguei os olhos, tentando não olhar para a bagunça do meu joelho, o
sangue. Não doeu tanto quanto deveria.
— O que... — Virei minha cabeça pesada para encarar Robert, acelerando
em direção aos limites da cidade.
Estávamos indo para o norte ou para o sul? Eu não conseguia entender
direito, minha cabeça estava cheia de algodão.
Ele olhou para mim. — Você está acordado.
Eu queria vomitar de novo.
— Enchi você com sedativos — acrescentou. — Pode ser por isso que você
vomitou, o que, aliás, é uma merda.
Bom! Uma bolha ácida subiu pela minha garganta, estourando. Arrotei,
minha boca contaminada com o gosto de enjoo.
Oh, Deus.
Pelo menos o sedativo ajudou com a dor no joelho.
— Por favor, não faça isso, querido.
A voz de George fez minha cabeça girar, como se fosse puxada por uma
corrente invisível.
Ugh. Eu não deveria ter feito isso. O mal-estar borbulhou na superfície,
escorrendo pela minha boca.
Bruto.
Meu ex estava sentado no meio do banco de trás, com as mãos cruzadas
no colo. Por mais bonito que ele fosse em vida, sua pele macia e cor de cobre
e seus olhos castanhos tinham um toque translúcido agora.
— George…
Robert me deu um soco no ombro. — Não olhe para ele. Nem diga o nome
dele.
Desviei o olhar, pronto para vomitar novamente.
— Volte, querido — acrescentou George.
Lembrei-me de uma época em que ele me chamava de querido – o
primeiro homem a fazer isso. Quando ele me perguntava que filme eu queria
assistir, encerrando com um 'eu te amo', ou expirando quando ele gozava
durante o sexo.
Robert piscou para mim e depois rosnou. — Isto é por você, querido. Não
seja tão ingrato.
— Eu não quero Marcel morto — disse George.
— Por que diabos você não quer? — Robert cuspiu, violento, lançando
olhares furiosos para seu noivo morto.
— Porque ele não é o culpado.
— Até parece que ele não é. — Robert virou de repente e bruscamente para
a esquerda, arremessando meu corpo junto. O lado da minha cabeça bateu
na janela, provocando ainda mais agitação nas minhas entranhas.
Vomitei de novo.
Robert riu. — Este carro vai ficar inundado no final da viagem.
— Não acho que ainda tenha muita coisa dentro de mim — brinquei.
Ele pousou como um paraquedista bêbado mirando no campo apenas
para pousar em um pântano.
— Que porra é um Bolsão de Margarida? — Robert perguntou, tomando
uma estrada reta em direção ao sul de Oakthorne, percebi agora.
Olhe para frente, idiota! — Qual é o seu plano?
— Eu lhe fiz uma pergunta.
— É um lugar seguro e mágico — respondi.
— Mais espreitadelas. Você é igual a Emma. — Ele fungou, com os olhos
arregalados. Ele havia tomado alguma coisa? — Mas foda-se ela. E foda-se
você.
— Onde ela está agora?
— Não sei. Não me importo. Eu odeio a vadia.
Realizei alguns exercícios respiratórios, travando uma batalha constante
contra as náuseas. — Você parecia ser o braço direito dela por um momento.
— Precisei mostrar a ela que eu era forte.
Uma bobagem comum de Emma Lackey. Seja forte. Sejam robôs. Seja
insensível.
— Sinto muito pelo que aconteceu — tentei. — Com você, com George. Eu
não queria nada disso.
Silêncio por um longo minuto.
— Por que você não veio até mim? — Robert finalmente disse. — Éramos
parceiros.
— Eu não podia contar a ninguém sobre a Morte, sobre a maldição.
— Você poderia ter me contado. Eu teria ajudado.
— Desculpe. — Honestamente, eu não confiava nele o suficiente para
compartilhar informações tão confidenciais. Ele provavelmente teria me
dado uma cabeçada pelo perigo que pairava sobre cada beijo.
Suas narinas dilataram-se, seu aperto no volante ficou mais forte. — Eu
sabia que você era problema. Eu tive uma vibração.
— Eu não sou, no entanto. Eu sou...
— Um bom necromante? — Ele balançou a cabeça, virando à direita. —
Você é um ímã para dramas.
— Eu tento não ser.
— Mas você é. E você é reservado e egoísta. Eu não estaria namorando
ninguém se o mundo estivesse em jogo.
Ok. Agora ele estava me irritando. — É muito mais complicado do que
isso.
— Mesmo? Ou você está tentando justificar ser um idiota completo?
— Por que você não vai se foder?
Um rosnado, muito cortante. — A verdade dói, não é?
— Estávamos destinados a estar juntos.
— Pare, estou prestes a aumentar sua dose de enjoo.
— Não preciso me explicar para você.
Uma tempestade passou por suas feições. — Não precisa? Erro meu. Sou
tão bobo. Eu não sabia que você tinha passe livre por ser um pedaço de
merda feliz que mente para todo mundo e matou o amor da minha vida.
Eu queria vomitar de novo. — Robert…
George permaneceu em silêncio, inativo. Ele poderia ajudar, mas talvez
não quisesse ir contra Robert. Talvez ele tenha ficado ressentido comigo por
sua morte.
— Ele está morto por causa do seu amor — disse Robert. — Eu perdi o
meu só para que você pudesse ficar com o seu.
— O lich...
— Ele apontou os holofotes para você.
— Ele destruiu o rubi — retruquei.
— Você não precisaria de um se ficasse longe da Morte.
Entendia o ponto de vista dele. Eu realmente entendia. Mas, ao mesmo
tempo, o amor me pegou e me levou embora em um furacão. Eu não poderia
abandonar a Morte. Fim da história.
— Sinto muito.
— Poupe isso, Marcel. Eu não ligo. Agora cale a boca. Este não é o
momento para conversar.
— Então, é pra quê?
— É hora de morrer, porra.
— Não faça isso — George finalmente falou novamente.
Passamos pela última construção da cidade, chegando ao vale com as
infames cavernas da cidade ao fundo.
— Para onde você está me levando? — Perguntei.
— Você vai ver.
Ele virou à direita na estrada curva e inclinada que levava ao sistema de
cavernas. Ele dirigia muito rápido, ganhando velocidade.
Morte na caverna ou possível acidente. Ótimo. Um rebelde já havia
tentado me matar nesta área antes.
Espere. Era isso que estava acontecendo aqui? Teria Robert se tornado um
rebelde, ou pelo menos estava no caminho dessa direção? Isso explicaria os
olhos, a contração dos lábios. Bem, era isso ou privação de sono, drogas,
qualquer uma das opções acima.
Droga.
Robert diminuiu um pouco a velocidade do carro, ainda andando rápido
demais em uma estrada íngreme e curva. Um movimento em falso e
cairíamos no precipício.
Mantive minha boca fechada, planejando minha fuga. Um joelho
quebrado e náusea eram obstáculos a serem superados, e não a me matar.
Eu tinha que voltar para a Morte, levá-lo para um lugar seguro e continuar
tentando acordá-lo.
O que você tem? Perguntei a ele desta distância.
Robert desacelerou um pouco mais, fazendo as curvas com segurança.
— Volte — disse George. — Vamos em algum lugar para conversar.
— Quando ele estiver morto — disse Robert, depois pisou no freio. Ele
olhou para mim e depois se virou para encarar George. — Acabei de ter a
melhor ideia.
— Qual? — meu ex perguntou por nós dois.
Robert empurrou a marcha à ré, movendo-se rápido demais novamente.
Mesmo assim, ele fez as curvas sem perder o controle.
Isso não me fez sentir melhor.
— O que você está fazendo? — perguntou George.
— Preparando-me — ele respondeu.
— Para quê?
— Para estarmos juntos.
Não gostei da maneira como ele disse isso, como sua expressão se
suavizou. O cara chegou a algum tipo de epifania que me ferrou.
— Espere... — eu disse.
Robert pisou fundo no acelerador, os pneus gritando no asfalto.
— Eu te amo, George! — ele gritou, o carro avançando.
Nós ultrapassamos o limite, mergulhando em direção à morte.
Capítulo 28

A frente do carro bateu no chão, tudo acontecendo ao mesmo tempo e


sobrecarregando meus sentidos.
O incrível estrondo, o barulho do metal, o estilhaçar do vidro quando eu
voei através dele, atingindo a terra fria. Rolando, com muita dor, meus ossos
quebrando, quicando nas pedras como uma boneca indefesa e descartada.
Parei, com a coluna quebrando sobre uma pedra. Meu corpo estava muito
curvado para trás, fundindo-se com as curvas da rocha. O sangue escorria
pelo meu rosto, vindo do crânio quebrado, da minha boca, as costelas
quebradas perfurando meus pulmões.
Eu estava morrendo.
— Não! Não! Não! — George lamentou. — Fique comigo, querido. Fique
comigo.
Robert também estava morrendo. Pelo menos ele não estava sozinho,
passando seus momentos finais com seu amor.
O que eu estava dizendo? Não seriam seus momentos finais, por assim
dizer. Ele morreria e se tornaria um fantasma e conseguiria o que queria.
Essa decisão de cair no penhasco foi para eles ficarem juntos na morte,
enquanto me levavam para ir com eles. Dois pássaros, uma maldita pedra.
Morte…
Estava chegando, o último suspiro. A agonia da morte borbulhou na
minha garganta. O que viria a seguir? Seria este o meu verdadeiro final? Eu
voltaria em outro momento para encontrar a Morte novamente? Se ele ainda
existisse.
O que aconteceu com você?
Eu não podia morrer assim, sem saber o que aconteceu com ele.
— Querido? — Ouvi George dizer com um suspiro. — O que está
acontecendo?
No canto mais distante da minha periferia, vi uma luz verde explodir.
Então isso me consumiu, claro e brilhante, outro fio do meu poder
retornando.
Renascimento.
Meus ossos sararam, incluindo meu joelho machucado em um pacote que
me colocou de pé novamente, enchendo-me de energia e mais poder.
O fio de convocação retornou, depois o teletransporte. E ainda não havia
terminado.
Um fio de cura juntou-se aos outros, para ser usado quando o
renascimento não fosse necessário.
No acidente, minhas roupas foram rasgadas, especialmente meu suéter,
que ficou pendurado em farrapos, expondo meus braços e peito. Espirais
sombrias espalhavam-se pelo meu braço esquerdo, tatuagens em
movimento, parte da massa formando uma caveira no meu bíceps, gavinhas
escuras terminando no meu pulso.
Uma tatuagem? Que diabos?
Era o fio da sombra, uma habilidade para se esconder. Mais ou menos
como a habilidade da Morte em se esconder, mas esta vinha com uma
reviravolta e não com invisibilidade total. Tinha que haver sombras para que
funcionasse, a tatuagem desenhando na escuridão para me cobrir.
A informação veio densa e rápida, mente e corpo correlacionando
habilidade e compreensão como nunca antes.
E eu não havia terminado.
Conjuração. Limitado apenas a coisas úteis, sem gastar um milhão de
libras em minhas mãos. Coisas como armas, qualquer coisa que pudesse ser
útil.
— Oh, meu Deus… — sussurrei para mim mesmo.
O fio final me atingiu com força, meus músculos ficando tensos com o peso
que se formava em minhas mãos. Eu me estabilizei com a presença
ganhando vida ali, tomando forma como um poste preto. Não, não como um
poste. Algo mais.
A ponta se alargou, tornando-se uma lâmina curva de obsidiana. Uma
foice. Menor que a da Morte, mas mesmo assim uma foice. E me concedeu o
poder de mover os mortos.
Ceifar.
Puta. Merda.
Capítulo 29

Isso saiu de mim, atraído pela escuridão, me deixando com mais frio.
Muito mais frio.
Diminuindo.
Desbotando.
Eu não era o que eu deveria ser.
Um ser menor.
Tão frio.
Tão perdido na escuridão.
Doze fios de poder.
Muito poder. Chamas vermelhas tremularam em minha visão, a ameaça
de inimigos que não estavam realmente aqui, abrindo caminho para fora da
terra. Eles eram servos dos deuses do quarto, vindo em busca de vingança.
Fuja de nós uma vez, nunca duas…
Antes de perder completamente o controle, usei meu novo poder de
conjuração para chamar um pacote de Suco Necro para minhas mãos. Sem
perder tempo, enfiei a primeira agulha. Não foi suficiente. Uma segunda,
uma terceira, uma quinta, as barreiras firmemente erguidas na sétima dose.
Meu peito estremeceu de alívio, meu braço latejava de tanto ser
esfaqueado. Mas eu estava bem, a mistura fazendo o seu trabalho.
Deus, quantas vezes eu teria que fazer isso por semana?
— Marcel?
Voltei minha atenção para a voz de Robert. Ele estava lá com George, vivo
e bem.
— Renascimento? — Perguntei.
Ele assentiu, suas feições se tornando uma carranca. — Claro, você ganha
mais poderes.
— Eu não...
Mas antes que eu pudesse terminar, seu corpo explodiu em faíscas verdes,
o teletransporte o removeu de cena.
George estendeu a mão para onde seu noivo estava, intrigado. —
Querido?
Isso não era bom.
Ele olhou para mim. — O que aconteceu?
— Robert recebeu um aumento de poder. — O que significava que outros
também teriam recebido isso.
— Ele precisa das injeções — acrescentou George.
— Sim, agora mesmo, se tiver usado o teletransporte. Isso me deixou
muito confuso.
— Tenho que encontrá-lo.
Não havia nada que eu pudesse fazer por ele além de movê-lo em frente.
Minha foice e meu corpo pulsavam com o desejo de fazê-lo. Chamando por
ele, pelos mortos no resto do mundo. Junto com isso veio a ameaça de
rachaduras nas minhas defesas mentais.
Droga.
Deixei George, manifestando-me ao lado da Morte, com uma leve
reviravolta nas entranhas com a ação. Mas eu me mantive firme, pegando a
mão do meu amor.
Deus, ele estava tão frio, tão quieto.
Tão morto.
Foi então que notei Jenn parada ali, curada, sozinha.
— Sasha me pediu para cuidar dele — disse ela, terrivelmente pálida.
— Renascimento? — Perguntei a ela.
— Cura.
— Algo mais?
— Não. Só isso. Sasha também. Um dos outros necromantes está morto, o
outro está a caminho do hospital.
— Droga. — Apertei a mão da Morte.
Ele não estava morto. Eu saberia se ele estivesse.
Certo?
— Você está bem? — minha melhor amiga perguntou.
— Não.
— Que poderes...
— Podemos conversar depois? — Eu a interrompi.
— Sim.
— Desculpe, não quero ser rude, mas... — Parei.
— Entendo. Sinto muito, Marcel.
Fechei os olhos, a ameaça de lágrimas quentes e subindo.
Por favor, acorde…
Ele não acordou e, embora não o fizesse, precisava ser mantido em
segurança. Protegido de todos enquanto ele recuperava a consciência.
Porque ele recuperaria ela. Minha Morte era um lutador, não alguém que
pudesse ser reprimido assim. Agora mesmo, ele estaria em guerra com essa
doença de merda, dando socos, parecendo sexy fazendo isso.
Eu tomei seu poder?
Um fio de compreensão penetrou em minha mente. Era o palácio me
chamando, confuso, magoado e acessível.
— É isso — eu disse em voz alta.
— O que é? — Jenn se perguntou.
Em vez de responder, levei meu lindo noivo até seu palácio, aparecendo
em um daqueles grandes quartos com uma cama de lençóis de seda dourada
e cortinas douradas ondulantes na janela.
Era noite, a luz das estrelas salpicada no céu rosado, mas escuro. Tantas
estrelas, uma lua cor de rosa, um disco cheio lançando seus raios lunares
sobre o reino.
Coloquei-o na cama, rastejando para ficar ao lado dele.
— Por favor, acorde — sussurrei, acariciando seu cabelo. — Eu te amo
muito.
A energia do palácio não entendia nada disso. Por que eu estava cheio de
poder mortal, mas não a verdadeira Morte? Um homem mortal não deveria
estar aqui com essas habilidades.
— Não sei o que fazer — disse ao meu homem. — Você tem que acordar
porque você saberá. — Passei as costas da minha mão pela lateral de seu
rosto frio. — O que faço? Como posso ajudá-lo?
— Marcel? — uma voz feminina falou atrás de mim.
Virei-me para encarar o enorme espelho dourado na parede, o peixe
luminescente nadando no vidro.
— Winnie — eu disse. — Oh, Deus. — Expliquei o que tinha acontecido,
lágrimas rolando enquanto revelava tudo. — E agora isso... eu não... — Eu
estava ficando nervoso.
Respire. Apenas respire.
— Eu o sinto perdido — disse ela. — Tão terrivelmente perdido. — Ela
nadou da esquerda para a direita. — E você tem o poder dele. Mas não é tão
simples assim, o poder interior não é exatamente o mesmo. — Ela parou de
nadar, com os olhos brilhando. — Há uma corrupção, um erro que deve ser
corrigido. Chora dentro destas paredes, dentro do meu coração, e tenho
certeza que no seu também.
Um vento fresco soprou no quarto, as cortinas balançando.
— Este reino sabe disso — acrescentou Winnie.
— O que eu faço? — Perguntei pateticamente.
— Eu gostaria de poder lhe dar respostas, mas não tenho nenhuma.
Inclinei-me e beijei a testa da Morte. — Posso deixá-lo aqui? — Deus,
deixá-lo iria me quebrar.
— Sim. Onde você está indo?
— De volta ao meu reino. Tenho coisas para fazer. — Os mortos estavam
chamando, e meu dever também. Havia muita bagunça para limpar,
mistérios para resolver. Eu não queria nada mais do que ficar aqui com ele
até que ele acordasse. Mas a minha natureza, a minha consciência, não
permitiriam que eu me escondesse aqui. Se Jenn, Sasha e Robert estivessem
ganhando novos poderes, outros estariam também. Incluindo rebeldes e
possivelmente Nick, visto que o lich possuía poder necromante.
Basta pensar nesse horror.
Eu precisava ajudar. Precisava fazer outra coisa além de implorar à Morte
que abrisse os olhos.
Sasha estava certa – essa merda estava no meu sangue.
Beijei a Morte novamente, meu corpo magnetizado por ele.
— Este é o lugar mais seguro — eu disse. — Espero que não o rejeite.
— Ainda é o reino dele — respondeu Winnie. — Ele é a verdadeira Morte.
Bom. Eu não queria ser ele de jeito nenhum.
— Isso será corrigido — eu disse.
— Esperemos que sim.
Eu a encarei, agradecendo por estar aqui.
— Estarei sempre com ele — ela respondeu gentilmente. — Estamos
unidos pela amizade, pelo amor. Quando seus olhos se abrirem novamente,
estarei aqui para apoiá-lo.
Seu tom sugeria uma esperança fragmentada – ela queria dizer se, não
quando. Ou era eu pisando na negatividade?
Eu me livrei disso, me afastando da Morte.
Oh. Deus.
Fiquei ao lado dele, desejando que houvesse um décimo segundo fio para
acordá-lo, para fazer qualquer coisa para quebrar esse desejo agonizante.
— Vejo-o em breve — eu disse a ele, pegando sua mão para beijar. — Este
não é o fim.
O rubi aninhado no V de sua camisa aberta parecia tão sem graça agora.
Ainda estava funcionando? Significava mais alguma coisa?
Sim! Porque ele vai acordar em breve!
Coloquei sua mão de volta, olhando para ele como se quisesse guardar
cada centímetro dele na memória. Com medo que ele escapasse.
— Não posso ir embora — sussurrei. — Não posso ir embora.
Meus pés ficaram colados ao chão, minha alma cravando raízes na cama.
Minha respiração engatou, minha pele ficou quente de pânico.
Respire…
— Não posso… não posso…
O ataque de pânico tomou conta de mim, minhas mãos se agarraram, meu
coração tentou sair do peito.
Respire…
Apenas respire…
Minutos depois, começou a diminuir.
É isso…
Depois de cinco minutos, eu pude me mover novamente, funcionar
melhor. Não ajudaria em nada ficarmos presos em uma espiral de angústia,
então me mantive na borda estreita.
Seja forte.
Você tem que ser forte.
Virei-me para Winnie. — Vejo você em breve.
— Até logo.
Deixei-a, reaparecendo no escritório bege. Jenn ainda estava lá. Nossos
olhos se encontraram, os dela brilhando com lágrimas, seu lábio inferior
tremendo. Isso me irritou, minha própria tristeza, tingida de alívio ao vê-la,
tomando conta.
Corremos um para o outro ao mesmo tempo, seguido de um abraço muito
necessário.
— Oh, Marcel — ela sussurrou, soluçando em mim.
Chorei de volta, uma onda de tristeza liberada.
Quando Sasha entrou na sala, nos separamos, enxugando os olhos.
A Diretora Superior olhou entre nós. — O mundo, como você deve ter
adivinhado, está um caos.
O meio-dia chegou quando Sasha terminou uma reunião conosco e com
outros necromantes da cidade. Como não podíamos estar todos aqui no
Santuário ao mesmo tempo, por causa das ruas que precisavam de
patrulhamento, os mesmos relatórios eram entregues repetidas vezes. Jenn
e eu estávamos presentes em cada um deles, ambos aceitando nossos novos
papéis – ela como Diretora Superior, eu me oferecendo para ajudar como
uma espécie de necromante independente.
Por mais que eu quisesse o cargo mais importante, deixei Jenn ficar com
ele. Ela merecia mais, se comprometeria com isso.
Nenhum Vice foi nomeado.
Minhas condições eram simples. Eu ajudaria quando necessário, até
mesmo moveria os mortos em algum momento – eu ainda estava pensando
nessa questão.
Sasha aceitou essas condições e agradeceu minha oferta.
Muito mais do que Emma teria feito.
Meu principal objetivo era limpar o Resplendor da Morte e encontrar a
maldita chave ônix. Mantive esses detalhes em segredo.
Por mais hesitante que estivesse, tinha que ajudar, distrair-me da Morte e
de um colapso mental invasor.
— Leve algumas horas para se instalar na casa de Maple Lane — disse
Sasha, recolhendo uma série de papéis da mesa. As reuniões finalmente
terminaram.
— Desculpe, senhora? — Questionei.
— A casa é sua para compartilhar com nossa nova Diretora Superior —
ela respondeu — como eu disse antes.
— Eu não quero morar lá — retruquei.
— É o melhor que podemos fazer por enquanto, e vocês dois precisam de
um lugar para ficar.
Mansão Oakthorne é bom para mim.
— Obrigada, senhora — Jenn disse.
Sasha assentiu. — Podemos fazer arranjos melhores mais tarde, mas
estamos tendo um problema de propriedade no momento. Esta cidade não
tem espaço suficiente para necromantes adicionais porque esta situação
nunca foi prevista.
Oakthorne sempre conseguia sobreviver com cinco ou seis necromantes
de uma vez. Havia muitos mais na cidade agora.
— Pensei em oferecer quartos no Santuário — ela continuou — mas com
a Morte incapacitada, esperamos que os quartos fiquem cheios novamente.
Droga.
Ela me lançou um olhar, com a testa franzida. — Estamos nos tornando
ele, não estamos? Pelo menos ganhando poderes semelhantes?
— Penso que sim. — Deus, eu odiava isso.
— Tenho uma equipe de segurança esperando por você lá fora — disse
ela. — Nos falaremos novamente em duas horas.
Ela saiu da sala.
— Você está bem? — Jenn perguntou.
— Não. E você?
— Não.
Nós dois fomos até a porta.
— Colegas de quarto — disse ela.
— Colegas de quarto.
Suponho que isso nos daria tempo para nos reconectarmos.
Ela pegou minha mão. — Nós vamos conseguir.
— Vamos conseguir — repeti sem muito zelo.

A equipe de segurança era composta por Peter, Trish e quatro policiais –


a mesma equipe da última vez que recebi proteção, só que com policiais
extras.
— Como você está, cara? — perguntou Peter.
— Tentando o meu melhor — respondi.
Ele e Trish me olharam com cautela.
— Que poderes vocês têm? — Perguntei, ignorando seus olhares.
Estávamos todos juntos nisso, pelo amor de Deus!
Trish respondeu primeiro, coçando uma crosta no queixo moreno claro.
— Cura.
— O mesmo — disse Peter.
— Assim como Jenn — respondi.
Eu não precisava de segurança, mas Sasha insistiu. Ela me fez uma
promessa de me proteger, e ela queria isso para o novo Diretor Superior de
qualquer maneira. Então era isso.
Nossa equipe nos levou por uma curta distância até Maple Lane, uma rua
residencial inclinada atrás da Praça Leste. Havia fendas na estrada, muitos
postes de iluminação e famosos carvalhos caídos ou que foram danificados,
alguns dos edifícios severamente danificados.
Peter dirigiu o carro com cuidado em meio à destruição, o segundo carro
atrás de nós imitando seus movimentos.
— Merda — murmurei.
Havia esforços de recuperação em andamento, pessoas trabalhando
arduamente para restaurar a cidade. Escadas e andaimes subindo, áreas
isoladas, um verdadeiro esforço para corrigir os erros diante do desastre.
— Eu deveria estar lá fora — eu disse.
Ninguém respondeu ao meu momento de autopiedade.
Foda-se sua culpa.
Minha voz interior e repreensiva estava certa. Besteira para minha culpa.
Poderia ser válido, mas não importava. O que importava era fazer a minha
parte para tornar o mundo um lugar melhor com meu novo conjunto de
habilidades. Concentrar-me nos meus objetivos, deixar a cidade se curar sem
que eu me intrometesse nos seus negócios.
Hmmm. O que aconteceria quando alguém visse meu rosto? Pensando
nisso, decidi manter um boné puxado para baixo, óculos escuros ou algo
cobrindo meu rosto. Um disfarce meio esfarrapado, mas melhor do que me
exibir demais – pelo menos para os vivos.
Senti o chamado dos mortos, suas vozes como uma enxurrada de
sussurros em minha mente. Eu queria ir até eles, mas não podia. Estar em
todos os lugares ao mesmo tempo não fazia parte das minhas habilidades e
me teletransportar enfraquecia demais minhas barreiras mentais.
Afinal, eu não era a Morte. Posso estar imitando-o, mas continuava sendo
uma versão totalmente diluída.
Por favor, acorde…
Chegamos à casa de Maple Lane, uma das muitas casas de tijolos
vermelhos ao longo da estrada. Bonita, pitoresca e cara.
Peter, Trish e os outros instalaram-se na rua, permanecendo em seus
carros, escondidos atrás de janelas escuras para vigiar a casa. Havia câmeras
espalhadas pela propriedade, cobrindo a frente, os fundos e o beco lateral,
transmitindo imagens 24 horas por dia, sete dias por semana. E também
havia câmeras dentro de casa, em todos os lugares, exceto no banheiro. Para
nossa própria segurança.
Um pouco perturbador se você me perguntar.
Parecia aquele antigo programa de TV de antes de eu nascer – aquele em
que eles aparentemente ficavam sentados em uma casa sendo monitorados
o dia todo. Eu não conseguia lembrar o nome e não queria.
A decoração minimalista da casa permaneceu da gestão de Nick e Leon,
as paredes ainda pintadas em uma cor suave de café com leite. O mesmo
sofá de couro marrom de três lugares estava na sala de estar.
Um arrepio gelado percorreu minha espinha, desencadeando as
lembranças de ter sido drogado aqui, quase usado como bode expiatório
para os assassinatos de Nick. Até que Leon estragou sua diversão.
Havia caixas no corredor, junto com malas com nossas coisas. Dei uma
olhada rápida, encontrando roupas novas do meu tamanho – visto que as
minhas foram destruídas no incêndio. A maior parte desse novo guarda-
roupa era preto e liso.
Eu teria que tricotar alguns suéteres novos para dar um toque de cor.
— Vou colocar a chaleira no fogo — disse Jenn.
Quero sair daqui.
— Ok. Obrigado.
— Vou ver se tem alguns biscoitos.
Não quero biscoitos. Quero a Morte. — Parece bom. — Fechei a mala e
comecei a carregar tudo para cima.
Jenn ajudou, esquecendo o chá por um momento.
— Qual quarto você quer? — Perguntei.
Havia três quartos.
— Não tenho certeza.
— Dê uma olhada — eu disse.
Ela o fez, decidindo rapidamente por um quarto nos fundos da casa, com
vista para o jardim e um pequeno trecho de floresta paralelo à rua.
— Tem uma bela vista — disse ela.
Fiquei em um dos quartos da frente, com vista para Maple Lane, a estrada
principal na parte inferior e parte da Praça Leste.
Depois de largarmos nossas coisas, voltamos para baixo para tomar uma
xícara de chá e alguns biscoitos Garibaldi juntos no sofá – a cozinha estava
abastecida com todo tipo de coisas.
— Sinto muito pelo nosso primeiro reencontro — Jenn quebrou o silêncio
entre nós.
— Não...
— Se você me disser para não me preocupar, vou ter um ataque.
— Mas está tudo bem — respondi fracamente.
— Não, não está. Vi como você estava magoado.
Suspirei, cansado de tentar aplacar em nossa conversa. Éramos melhores
amigos do que isso.
— Fiquei ferido — eu disse. — Realmente machucado. Achei que você me
odiava pelo que aconteceu.
Ela balançou a cabeça. — Eu nunca vou te odiar, Marcel.
Droga. Outra dor veio balançar em volta do meu coração. — Mas...
— Não foi sua culpa.
— Foi minha culpa.
— Foi um acidente.
Tomei um gole de chá para lubrificar a garganta. — Sonhos e visões
estranhas estavam me afetando, me confundindo. Coisas sobre minhas vidas
e mortes passadas.
Ela assentiu. — Ai está.
— O quê?
— Estava fora do seu controle.
— Como você pode ser tão misericordiosa?
Ela me ofereceu seu melhor desdém. — Idiota. Por que eu ficaria
ressentida com você por algo fora de seu controle? Você é um necromante
brilhante, não importa a merda com que tenha que lidar em sua vida pessoal.
Eu sabia que não era sobre George, que algo estava errado. Não somos
melhores amigos à toa. Você nunca faria nada para me colocar
deliberadamente em perigo. — Ela bateu meu joelho no dela. — Então pare
com suas bobagens.
Eu queria chorar. — Senti tanto sua falta.
— O mesmo. E no momento em que te vi no apartamento tive muita
vontade de te abraçar. Mas Emma fez todo tipo de ameaças a mim, a Darren,
desde o início. Disse-me para interromper todo contato com você, então,
quando ela me chamou para Oakthorne, exigiu que eu mantivesse distância.
Mais uma vez, me ameaçou de prisão, com Darren sendo ferido.
— Ela é meio podre — eu disse. — Eu sabia que ela era durona, mas as
últimas semanas realmente mostraram que ela era a pior das piores.
— Jogos mentais.
— Sim. Ela é má.
— Ela realmente me assustou até a submissão.
— Aposto que sim. E ela é difícil de enfrentar.
Jenn assentiu. — Ela é uma maldita tirana. Não achei que ela pudesse ser
detida a não ser com uma bala entre os olhos.
— Graças a Deus pelos outros Diretores Superiores a terem derrubado.
Ela assentiu novamente. — Desculpe-me, eu estava tão fraca.
— Agora é a minha vez de dizer para você parar. Isso não é culpa sua.
Houve tantas vezes que ela me manipulou, fodeu com a minha vida. Quero
dizer, ela é a razão de eu estar nesta cidade.
Ela colocou a xícara no chão. — Cadela.
— Sim.
Ela se aproximou, jogando um braço em volta de mim. — Eu te amo muito.
— Ela descansou a cabeça no meu ombro.
— Eu também te amo. Senti muita falta de você.
— E senti falta de você dizendo isso.
— É tão bom ter você de volta — acrescentei.
— Cem por cento.
Ficamos assim por um tempo, aproveitando a paz frágil.
— Como está Darren?
— Ele está bem. Ele está de volta a Londres. Emma não o deixou vir, mas
espero que Sasha o deixe. Bem, talvez. Não tenho certeza se o quero perto de
tanto perigo.
— Entendo isso — eu disse. — Olhe só para você, conseguindo o homem
dos seus sonhos.
Ela levantou a cabeça, seu sorriso radiante como um holofote. — Ele é
incrível, Marcel. Um cara decente, um amante incrível, tudo que eu sempre
quis de um homem. Não acredito que nos negamos por tanto tempo.
— Estou muito feliz por você.
— Da mesma forma — ela respondeu. — Olhe só você com sua própria
história de amantes infelizes. — Ela piscou. — Você sempre foi dramático.
— Cale a boca — respondi com uma risada.
— Sério, no entanto. Você merece ser amado.
— Pare de ser sentimental.
Ela encolheu os ombros. — É verdade. Só lamento que venha com
advertências desagradáveis.
Meu humor começou a despencar em águas deprimentes. — É uma
merda. E é uma pena que tantas pessoas conheçam nosso negócio agora. Não
queríamos nada dessa merda.
— Apenas queriam amar um ao outro — disse ela.
Isso doeu e me encheu de calor. — Exatamente. Mas aparentemente
existem regras. — Meu queixo doeu em alerta enquanto pensava no conselho
e depois na chave. Eles foram proibidos de falar neste reino. Eu nem deveria
saber os detalhes, já que a Morte me contou corretamente no Bolsão de
Margarida.
— Regras? — ela questionou.
— A Morte não deveria amar.
— Que merda de cavalo.
Sinto tanto a sua falta, minha linda Morte… — Sim.
— Alguém ou alguma coisa deve ter amaldiçoado você — disse ela.
— Talvez. Ou talvez estejamos apenas ferrados.
— Não seja tão pessimista.
— Você pode me culpar? Ele está desmaiado e não sei o que fazer.
Seu braço serpenteou em volta de mim novamente. — Onde ele está?
— Ele está seguro.
— Plano espiritual?
— Sim.
— Nós vamos dar um jeito nisso — ela acalmou. — Estou de volta e vamos
resolver isso. — Sua cabeça voltou para meu ombro. — Não vou a lugar
nenhum de novo.
Por mais reconfortante que ela tentasse ser, isso não conseguiu me
pacificar.
Por favor, acorde…
— Ele me pediu em casamento — eu disse.
Ela disparou. — Ele fez o quê?
— Se ajoelhou e me pediu em casamento.
Ela gritou, com as mãos sobre a boca. — Marcel!
— Meus ouvidos — respondi.
— Você está noivo?
— Estou.
Deus sabe como seu próximo grito não destruiu meus tímpanos.
Mas chegou perto.

Depois de duas horas de conversa de noivado e relembrando nossos dias


de balada, Jenn me lembrando do incidente com o chão molhado – rebolando
errado, eu com dor nas costas por dias –, Sasha ligou, nos dizendo para
ficarmos parados por mais algumas horas.
Sem problema para mim. Eu meio que gostava de ficar trancado,
assistindo TV, rindo com Jenn, tentando bloquear tudo com uma solução
temporária. Embora eu tivesse um problema com ela pensando que poderia
me dar ordens. Isso não fazia parte do acordo.
Tanto faz.
O chamado dos mortos continuou a reproduzir em minha mente. Partes
de mim ansiavam por ir embora, para ajudá-los e esquecer essa bobagem.
Mas como eu faria isso? Meu poder era forte o suficiente para fazer isso, ou
era apenas uma habilidade de ceifar no nível superficial?
Sasha enviou um relatório alguns minutos depois. Eu tinha um novo e-
scroll para me manter informado.
Cinco rebeldes ganharam o poder de cura, outros três de teletransporte.
As coisas iriam ficar uma merda rapidamente.
Além disso, Robert e George estavam desaparecidos, nenhum sinal deles
em lugar algum. Uma caçada nacional estava em andamento para encontrá-
los.
Por favor, acorde…
— Você realmente deveria receber ordens de Sasha agora? — Perguntei.
— Você é a Diretora Superior desta cidade.
— Não quero incomodar ninguém.
Antes de tudo isso, Jenn não teria aceitado. Eu disse a ela para recuperar
essa energia.
— É mais fácil falar do que fazer — ela respondeu, com os olhos na TV.
Eu odiava vê-la tão reprimida. Ela deveria estar no comando, governando
esta cidade. Mas lá estava ela sentada, sem fazer nada.
Uma hora depois, decidindo deixar o assunto por enquanto, recebi uma
ligação de Peter em meu e-scroll.
— Oi — eu disse. — Tudo certo?
— Há um fantasma aqui querendo ver você.
Sentei-me mais ereto. — Quem?
— Louise Bell.
Pus-me de pé. — Ela está aqui?
— Você quer vê-la?
— Sim. Mande-a entrar. — Comecei a correr, abrindo a porta da frente.
Lá estava ela, minha amiga pálida com seu casaco roxo e gorro azul com
um gatinho rosa na frente. A primeira pessoa que conheci naquela noite
fatídica quando cheguei à cidade.
Droga, eu queria abraçá-la.
— Como você está? — Ah, Peter ainda estava na linha. — Obrigado, Peter.
— Não esquenta, parceiro. — Ele desligou.
— Como você está? — Tentei novamente.
Ela sorriu, mas parecia tão triste. — Eu estou... eu estou... — Ela fechou os
olhos. — Ah, Marcel.
Dei um passo para trás, gesticulando para que ela entrasse no corredor. —
O que aconteceu?
Ela passou por tanta coisa. Sequestrada e quase comida por Nick, usada
contra mim, a casa de sua mãe destruída em outra ação do lich e dos rebeldes
para me atingir.
— É a mamãe — disse ela.
Fechei a porta. — Fale comigo.
— Ela se foi, Marcel.
— Oh, meu Deus. Sinto muito.
Suas lágrimas partiram meu coração. — Achei que ela estava bem. Ela
estava. Ela realmente estava. Abalada pela explosão e por ter perdido sua
casa, mas com boa saúde. Mas então ela teve um ataque cardíaco há duas
horas e morreu em poucos minutos. Não havia nada que pudessem fazer
para salvá-la e... não posso acreditar que ela se foi.
Maldita seja essa regra fantasmagórica de não haver abraços de fantasmas
em humanos. — Onde ela está agora?
— Ela está no Lago Oakthorne, sentada em um banco. Diz que quer que a
última coisa que veja deste lado seja o lago. Ela adora muito lá. — Ela soluçou
suavemente. — Mas ele se foi de novo, não foi?
— Sim.
— E você está aqui no lugar dele. — Louise inclinou a cabeça para o lado,
estendendo a mão esquerda. — Você é o fim e o começo, mas a versão
diluída. Não pretendo insultá-lo porque não é assim que é, embora seja
assim e…
Deus, eu senti falta de sua tagarelice longa e desconexa.
— Louise? — Eu a interrompi.
Ela parou. — Desculpe.
O pavor se acumulou em minhas entranhas. — Tenho a sensação de que
você está prestes a me perguntar algo de que não vou gostar.
Um momento longo, muito longo. — Tem alguém aqui?
Ok, não eram as palavras que eu esperava. — Minha melhor amiga. Ela
está de volta.
— Jenn?
— Venha conhecê-la.
Ela não precisou se mover porque a mulher em questão se juntou a nós.
— O que está acontecendo? — Jenn perguntou.
— Esta é minha amiga Louise — eu disse.
Jenn sorriu de orelha a orelha. — Ouvi muito sobre você e sua incrível
geleia de morango.
— Prazer em conhecê-la — respondeu Louise, com a voz desprovida de
felicidade.
O sorriso de Jenn diminuiu. — O que está errado?
Louise contou a ela.
— Sinto muito.
Abstive-me de deixar meu pé bater nervosamente. Louise tinha vindo
aqui para dizer algo, e a poça de pavor só aumentou de diâmetro.
A grande questão. A única coisa que eu poderia dar a ela.
Louise fixou seu olhar no meu novamente. — Tenho que te perguntar isso,
Marcel.
Engoli em seco, sentindo um nó pesado na garganta. — Eu sei.
— Vou deixar você em paz — disse Jenn, saindo do corredor.
— Ela é legal — disse Louise.
— Ela é.
Pergunte-me. Basta arrancar o maldito band-aid…
Dez segundos se passaram. — Por favor, você pode mover eu e minha mãe
juntas?
E aí estava. Eu estava esperando por isso, mas isso não atenuou a queda
da espada.
— Eu...
— Você não precisa responder imediatamente. Não tenha pressa para
pensar sobre isso, porque é muito, e eu odiaria estar no seu lugar, mas acho
que estou pronta para ir agora com mamãe e ver o que vem a seguir. — Uma
breve pausa. — Achei que sempre quis ficar deste lado, principalmente
desde que nos tornamos amigos. Mas há muita dor aqui e não posso ficar
sem minha mãe. Ela precisa de mim e eu preciso dela e odeio colocar isso em
você. Eu realmente odeio. Mas não há outro lugar para onde ir e...
— Louise? — Finalmente interrompi.
— Eu fiz de novo.
— Esse é o seu charme — eu disse calorosamente.
Seus ombros caíram. — Tenho que estar com ela, e não pode ser aqui.
Eu não queria que ela fosse, mas meu egoísmo poderia beijar uma serra
elétrica. — Claro.
— Você consegue fazer isso?
— Sim. Acho que sim. Vocês duas serão minhas primeiras. O que soa mais
indecente do que eu pretendia.
Normalmente, ela ficava facilmente chocada com essas coisas. Mas para
isso, ela riu.
— Vou buscá-la — disse ela.
— Irei para o lago.
— Você pode?
— Sim. — Dane-se a equipe de segurança.
— O que aconteceu, Marcel? — ela perguntou.
Eu dei a ela a versão curta.
— Oh, não. Pobre Morte.
— Vou resolver isso.
— Eu não deveria deixá-lo agora.
— Você deveria fazer o que é certo para você e sua mãe — retruquei, com
a voz trêmula. — Não se preocupe comigo.
— Mas eu me preocupo.
— Obrigado por dizer isso. Eu também me preocupo com você.
Jenn voltou para minha vida na hora certa – estava perdendo uma amiga
para recuperar a outra.
— Eu gostaria de ter conhecido você quando estava viva — disse Louise.
— As coisas poderiam ter sido diferentes.
— Eu também. Vamos.
— Não. Mamãe virá aqui.
— Oi! — uma voz alta e feminina ecoou na sala de estar.
— Porra! — Jenn chorou.
Entrei em ação, correndo para dentro da sala e vendo uma lâmina afundar
no coração de Jenn.
Uma rebelde mostrou os dentes para mim com um sorriso maníaco,
cabelos prateados bagunçados e manchados de sangue.
— Marcel August — disse ela. — É tão bom ver seu rosto antes de matá-
lo.
— Jenn... — sussurrei. Não. Isso não era real. Eu precisava de outra dose
de Suco Necro para conter essa alucinação horrível. Sim, era isso que era,
não a realidade.
Tal negação nada mais era do que desespero.
A rebelde sacou a lâmina de Jenn, o sangue da minha melhor amiga
respingou na jaqueta de couro preta da rebelde. E então ela caiu no chão, se
contorcendo. Morrendo.
Jenn.
Não Jenn.
Jenn não estava morrendo.
Amaldiçoando o fracasso dos meus reflexos, a lentidão da minha mente,
avancei com um uivo de raiva, desferindo um soco na rebelde. Ela se
esquivou do meu golpe, vindo em minha direção com sua adaga.
Desembainhei minha foice, a arma dela colidindo contra ela.
Ela riu. — Amo isto!
Jenn poderia se curar. Ela ganhou o poder de cura. Ela ficaria bem.
Contanto que ela começasse a trabalhar no ferimento agora, ela estaria de pé
e sem problemas.
Você não vai me abandonar! Pensei e rugi para ela.
Um segundo rebelde se teletransportou para a sala, um homem armado.
Ele atirou em mim, errando minha cabeça por centímetros.
— Em nome do lich! — ele rugiu, atirando e errando novamente.
A porta da frente se abriu. Louise gritou.
— Marcel! — Peter gritou.
Separei a cabeça da primeira rebelde de seu pescoço e mergulhei em
direção ao homem. Ele disparou a arma novamente, atingindo-me duas
vezes no ombro direito, tirando-me da trajetória. Caí rolando pesadamente,
a arma voando de minhas mãos. Mas consegui ficar de pé, os ferimentos de
bala cicatrizando rapidamente com meu novo poder.
Peter disparou sua arma, derrubando o rebelde.
Nenhum deles se levantou, seus fantasmas imediatamente presos em três
anéis verdes.
— Você está bem, cara? — Peter perguntou, com toda a equipe atrás dele.
Eu mal o ouvi, pousando ao lado da minha melhor amiga. Oh, Deus.
Havia tanto sangue, tanta quietude. Seus olhos estavam vidrados, o dano em
seu peito não cicatrizava.
Tanto sangue.
Muito sangue.
— Levante-se. Por favor. Levante-se.
Ela não se moveu, não mostrou nenhum sinal de vida.
Comecei as compressões, boca a boca em seus lábios gelados.
Nada.
— Onde está o seu renascimento? Você deveria ter renascimento! Vamos!
Sua cura não era suficiente para reparar o dano.
— Jenn! — Gritei, sacudindo-a. — Levante-se! Levante-se!
Ela não voltou para minha vida para morrer. Não. Não. Não. Eu não a
perderia novamente. Assim não. Não era justo.
— Marcel… — A voz dela. Era a voz dela!
— Jenn?
— Eu estou bem aqui.
Seus lábios não se moveram. — O quê? Do que você está falando? Sei que
você está aqui. Agora levante-se e pare com essa merda. Vou fazer um chá
para você e ficaremos bem e nós... — A realidade me penetrou como uma
toxina indesejada. — Ficaremos bem porque temos que estar bem para
compensar esse problema. — Enquanto eu continuasse falando, poderia
evitar a verdade. — Este é o nosso grande retorno. — Segurei seu rosto com
minhas mãos ensanguentadas, meus olhos quentes. — Você não está morta.
Aposto que dói demais, mas você não está morta. Você é Jenn. Você é forte.
Você está de volta e vamos arrasar juntos. Você até conseguiu o cargo
principal. Você fez isso. A primeira de nós a fazer isso. — As lágrimas eram
como lava pelo meu rosto. — Estou tão orgulhoso de você. Sempre terei
orgulho de você.
— Marcel… — ela disse novamente.
Não. Eu não olharia para trás. Nunca, jamais olharia para trás.
— Marcel, por favor.
Fechei os olhos, resistindo à presença dos mortos. Porque eram apenas
Louise e os fantasmas rebeldes que morreram aqui. Não a minha melhor
amiga. Aquela não era a forma fantasmagórica dela atrás de mim, falando
comigo, tentando me fazer entender.
— Falhei com você de novo — eu disse, cedendo. — Eu estraguei tudo e...
Oh, Deus. Jenn. Por favor. Por favor, Jenn. — Minhas lágrimas salpicaram
seu rosto. — Por favor, volte e cure-se.
— Você não falhou comigo, Marcel.
A agonia se enterrou em minha alma. — Por favor…
— Ela surgiu do nada — acrescentou Jenn.
— Fui muito lento.
— Não.
Levantei-me, virando-me para encarar o fantasma da minha amiga. Meu
coração gritou.
— Marcel… — Ela estava chorando.
— Não. Não, não, não, não. — Eu recuei, tropeçando em seu corpo. —
Não. Isso não está acontecendo. Isso não está acontecendo.
— Companheiro…
— Vá se foder! — Eu rugi, interrompendo Peter.
Passos apressados, Sasha entrando em cena. — Mar...
Eu me virei para encará-la. — Estou fora.
— Nós podemos conversar.
Eu estava prestes a explodir em um milhão de pedaços irreparáveis. —
Não.
— Temos que tirá-lo daqui para sua própria segurança.
— Posso ir embora sozinho.
— Você ainda precisa de proteção.
— De quê? Não posso morrer, posso me curar e me teletransportar. Não
preciso de proteção. Ela precisava. Minha melhor amiga precisava disso e
sua segurança falhou! Você falhou, porra!
— Marcel…
— Não fale comigo. Não se atreva a falar comigo. Eu nunca deveria ter
vindo aqui — eu disse, incapaz de olhar para minha melhor amiga
novamente.
Todos os e-scrolls da casa soaram ao mesmo tempo.
— Sim? — Sasha disse para ele e baixou o aparelho. — Nicholas West está
livre.
— Precisamos sair daqui imediatamente — disse Sasha.
Olhei para Jenn, depois para Louise, um peso de ferro caindo sobre mim.
— Agora! — a Diretora Superior gritou.
Ninguém estava seguro. Nenhuma pessoa viva, nenhum fantasma. Tudo
estava desmoronando.
— Marcel — acrescentou Sasha. — Vamos. Agora.
— Não — respondi com uma escuridão surpreendente. — Cansei de ouvir
você e bancar o necromante. Esses dias acabaram. Eu nunca deveria ter
vindo a esta casa ou concordado em ajudar. Se eu tivesse ficado longe —
olhei diretamente para Jenn — você estaria viva.
Jenn balançou a cabeça. — Você não pode se culpar.
— Tarde demais.
— Precisamos de você, Marcel — disse Sasha.
— Você precisa da Morte para corrigir essa bagunça. Eu não sou ele.
— Você é o melhor de nós agora — ela tentou.
— Até que um rebelde ganhe meu nível de poder. Ou até mesmo Nick.
— Não faça isso — ela disse. — Venha conosco. Trabalhe conosco.
Aquele peso de ferro pousou, esmagando-me sob pressão metafísica.
— Marcel...
Eu não tinha certeza de quem era a voz que me implorava enquanto as
faíscas verdes me engolfavam, me levando de volta ao palácio da Morte.
Lá estava ele, ainda imóvel, Winnie observando-o.
— Por favor, acorde — choraminguei, subindo na cama. — Por favor.
Eu me enrolei contra ele, a dor jorrando de mim.
Tão indefeso, tão devastado pela dor, chorei até dormir.

Acordei várias horas depois para meu noivo frio. Nada mudou, nenhuma
parte dele se moveu.
Beijei sua testa e depois me levantei da cama, andando lentamente pelos
corredores, saindo da névoa do sono.
Deus, minha boca parecia um esgoto seco.
Em vez de invocar uma pasta de dente e escova de dente, voltei ao quarto
da Morte e as peguei no armário do banheiro. Esfreguei a sensação de pelos
que tomavam conta da minha boca e tomei um banho.
Fiquei sob o jato quente por pelo menos meia hora, vazio de lágrimas,
vazio de tudo. Insensível à minha tristeza agora, vagando por qualquer hora
do dia aqui no plano espiritual.
A Morte estava fora de alcance.
Jenn estava morta.
Recém-limpo, os últimos vestígios do sangue de Jenn desaparecendo pelo
ralo em finas trilhas rosadas, me sequei, enrolando uma toalha em volta da
cintura.
A névoa do chuveiro se dissipou em segundos, deixando-me encarar meu
reflexo. Passei os dedos pelos cabelos prateados, inclinando-me perto do
vidro para examinar meus olhos vermelhos.
— Vá se foder — eu disse a mim mesmo.
Afastei-me, evitando a Morte, minha dor por Jenn. Darren ficaria com o
coração partido, assim como seu pai e todos os outros que a amavam.
— Assim como eu — eu disse, parando para me encostar na parede.
Tanta coisa para evitar a dor.
Conjurei algumas roupas limpas, todas pretas, depois caminhei mais um
pouco, soluçando, desejando uma máquina do tempo, algum poder mágico
para consertar as coisas.
Quando cheguei aos jardins, minha fúria se apoderou de mim, fazendo
um retorno fantástico. Cada centímetro do meu corpo ficou tenso, meus
dentes rangendo dolorosamente.
O Lich. Nick, o maldito idiota.
Seus rebeldes fizeram isso. Seu maldito comando acabou com a vida de
Jenn. E ele provavelmente ainda não havia terminado, pronto para se
empanturrar de fantasmas novamente.
Eu iria caçá-lo.
Ele pagaria em gritos.

Eu me teletransportei de volta para Oakthorne, usando meu poder de


sombra para me esconder na escuridão do início da noite. A tatuagem se
espalhou por mim como uma barreira de tinta, atraindo a escuridão,
envolvendo-me em um casulo de sombra enquanto eu permanecesse fora da
luz.
Mantendo meus ouvidos e olhos vigilantes, caminhei pela noite.
Ainda com o e-scroll, abri os diversos aplicativos para ficar por dentro das
novidades.
E-mails foram enviados em latim reverso, falando sobre o retorno de Nick
West e um bloqueio nacional entrando em vigor imediatamente em todas as
cidades e vilarejos.
Aparentemente, o idiota ganhou o poder de se teletransportar, junto com
um número cada vez maior de rebeldes e necromantes.
Ótimo.
Sua fuga deixou os rebeldes em sobrecarga, causando todo tipo de drama,
os filhos da puta constantemente cantando seus louvores.
O lich sabia alguma coisa nova sobre a chave? Que estava em algum lugar
no Monte Everest?
Conjurei outra dose de Suco Necro, injetando novamente por segurança.
Eu queria que a ameaça da loucura rebelde fosse mantida firmemente sob
controle.
Por favor, acorde…
O céu estava sem nuvens, cheio de estrelas e uma lua crescente, o ar
extremamente frio. Ele me envolvia constantemente, o frescor congelante
ajudando a me manter alerta.
Jenn…
Tirei da minha cabeça as imagens de seu cadáver. Neste momento,
qualquer indício de emoção que não fosse raiva ou determinação de aço
poderia desaparecer.
Uma mariposa pousou na calçada aos meus pés em meio a um foco de luz
do poste bruxuleante acima. Fiquei do lado de fora da luz, com as costas
pressionadas contra uma parede úmida. Observei a mariposa flexionar as
asas e depois voar noite adentro.
Estranho. Você pensaria que ela iria querer se atirar na luz acima.
Ok, por onde começar minha caça. Nick estaria de volta à cidade,
montando uma base em algum lugar? Se sim, onde? Sua antiga casa estava
fora de questão e não havia muitos lugares abandonados nos arredores de
Oakthorne.
A mansão…
Soltei um grunhido, sacando minha arma, me teletransportando para o
santuário da Morte.
Usei meu poder de escanear necromante primeiro para verificar se havia
rebeldes, a energia verde se espalhando pelo hall de entrada, passando pelas
paredes. Isso alertaria Nick e qualquer rebelde aqui, mas foda-se eles.
Não havia ninguém aqui.
Independentemente disso, corri pelos corredores empoeirados,
verificando cada cômodo, não encontrando nada além de vazio e resquícios
de um passado trágico.
Chegando por último ao quarto da Morte, seu cheiro me atingiu, as
memórias de nossos tempos neste espaço degradado, mas lindo.
Fechei a porta, voltando pelo prédio, a arma ainda em punho.
Meu e-scroll zumbiu com um alerta.
Um assassinato em Bristol. A vítima era um mago que guardava muitas
poções em seu laboratório. Aparentemente, as coisas foram roubadas, o
coitado levou uma chave de fenda em cada olho e teve a garganta cortada.
Liguei para Sasha.
— Marcel?
— O assassinato do mago — eu disse sem qualquer entusiasmo. — Qual
é o significado das poções roubadas?
— É significativo.
— Poupe-me da merda vaga. Tem alguma coisa a ver com Nick?
— Não temos certeza, mas achamos que sim.
— Por que roubá-las? Ele não forçaria seu marido a fazê-las para ele?
— Onde você está?
— Diga-me você — eu disse. — Você pode rastrear esta ligação.
— A mansão.
— Não por muito tempo.
— Ele já está se alimentando de fantasmas.
Estremeci. — Porra.
Desliguei, voltando para as ruas.
Os mortos me chamaram, imploraram, cutucando meus sentidos. Mas
suas vozes não eram tão fortes quanto deveriam, inseguras, confusas. Eu os
afastei, agarrando-me às sombras, esquivando-me e saltando de qualquer
espírito que se aproximasse.
Eu realmente não precisava da dor deles agora.
Depois de um tempo, tirei a sorte grande. Bem, tipo isso. Nick era o troféu
de ouro brilhante, todo o resto em segundo lugar.
Na Praça Oeste, o lugar onde não há nada além de boutiques, além de uma
loja chique de cupcakes, um grupo de rebeldes estava reunido em um círculo
ao redor de uma fogueira cantando, fantasmas mantidos prisioneiros ao lado
deles.
Aqui vamos nós outra vez.
Esgueirei-me pela área fortemente danificada, mantendo-me na
escuridão, evitando qualquer entulho que pudesse alertar o culto sobre
minha presença.
O que eles estavam fazendo?
Eu assisti, ouvi eles falarem sobre Nick.
— O lich nos abençoa com sua liberdade — disse um homem à esquerda
do círculo. — E devemos trabalhar mais do que nunca para concretizar seus
planos.
Nick realmente teve uma grande influência sobre suas mentes frágeis.
— Precisamos encontrar Marcel August e mantê-lo fora do caminho.
— Machucar ele — acrescentou uma mulher.
— Sim. Machucá-lo.
— É uma pena não podermos matar o canalha — acrescentou outro cara.
Uau. Que escória. Eu deveria sair das sombras e fazer uma reverência.
— O lich ficará mais tranquilo sabendo que Marcel está neutralizado —
disse o Chefe. — Todos vocês têm as poções, certo?
Cada um ergueu um frasco cheio de líquido vermelho.
O mesmo que destruiu as defesas da Morte e o expôs às tristezas dos
mortos? Será que funcionaria da mesma forma comigo, mesmo que eu já
estivesse exposto, muito perto desses fantasmas? Eu sabia que eles me
sentiam, mas suas línguas foram silenciadas por seus mestres rebeldes por
enquanto.
— Mas o que mais podemos fazer? — alguém perguntou.
— Nós lutamos pelo lich. Nós retribuímos a ele por toda a ajuda que ele
nos deu com nossos cérebros. — O Chefe bateu no topo de sua cabeça.
Ajudando com seus cérebros? O que, Nick era o terapeuta deles? Seu guru
rebelde? Acho que isso explicava como eles não estavam tão selvagens
quanto poderiam.
Nick realmente se assimilou no mundo rebelde como um Deus.
Idiota.
— Gostaria que pudéssemos fazer mais — disse uma mulher diferente. —
Isso não parece suficiente.
— Mantenha as coisas caóticas — respondeu o Chefe. — E seu queixo
erguido.
O círculo riu como um só.
Estremeci sob o som assustador.
— Nós ajudamos o lich, ele nos ajuda em nossa ascensão ao topo.
Mostraremos ao mundo que somos a nova raça, as antigas regras mortas.
— Queime tudo! — uma mulher gritou.
— Queime tudo! — eles rugiram como um só.
Dei um passo à frente, com os punhos cerrados. Eu acabaria com todos
eles antes que saíssem desta praça.
— Queime tudo! — suas vozes coletivas cresceram novamente.
— Começando com você.
Girei tarde demais para contra-atacar o ataque de Nick. Ele me enfiou uma
agulha no pescoço, empurrando algo frio em minhas veias.
A merda no meu sistema tomou conta instantaneamente, travando meus
músculos, minha mandíbula, deixando-me paralisado, mas mole. O poder
de cura tentou combatê-lo, falhando miseravelmente.
Desci, com o rosto prestes a beijar o concreto. Mas Nick me pegou, me
segurando em seus braços.
— Meu herói! — ele gritou. — Não? Você não concorda? — Ele riu.
Fiquei pendurado em seus braços, minha cabeça balançando a cada passo
que ele dava. Nesse ângulo, fiquei de frente para o círculo.
Merda.
— O lich! — o Chefe chamou. — Louvado seja o lich!
Todos caíram de joelhos.
Este seria um ótimo momento para meus colegas necromantes aparecerem
e chutarem alguns traseiros.
— Vocês são muito gentis — ele disse a eles, me carregando para dentro
do círculo. — A fé de vocês em mim me mantém forte.
A melhor parte de tudo isso é que o verdadeiro plano de Nick não tinha
nada a ver com eles. Os rebeldes eram um meio para um fim, mas eles
acreditavam completamente em suas besteiras. Eles sempre quiseram
derrubar o status quo, ascender, criar o caos total. E ele se aproveitou disso.
— Um dia, compartilharei os segredos com vocês — disse Nick.
Para se tornar um lich? Oh, inferno, um grande não!
— O próximo passo na evolução de vocês — acrescentou.
— Sim — eles murmuraram. — Oh, sim.
Mais uma vez, inferno, não. Ele estaria morto antes que eu deixasse isso
acontecer.
— Mas não vamos nos precipitar. — Nick se aproximou das chamas, meu
corpo flácido muito perto, o calor tocando meu rosto. — Peguei essa coisa
sorrateira escondida nas sombras — disse ele. — Achei que ele era
inteligente o suficiente para se esconder de mim.
Os rebeldes riram juntos zombeteiramente, ainda curvados.
— Você pode ascender — disse Nick.
Os rebeldes ficaram juntos, nenhum deles olhando para mim, seus olhares
de adoração focados em seu novo líder.
Permaneci mole nos braços de Nick, a toxina ainda deslizando pela minha
corrente sanguínea. Minha cura continuou a combatê-lo, desesperada para
encontrar uma brecha em sua armadura viscosa.
Todos os meus poderes estavam desligados, incapazes de emergir através
da névoa deste veneno. A Morte como ela mesma não teria sido afetada por
isso, mas eu não era ele. Eu era a Morte fora do trabalho com mais
vulnerabilidade, um peixe arrancado do mar.
Droga.
Deus, aquelas chamas estavam tão próximas, seus estalos como risadas
perversas.
— Tenho uma tarefa para vocês — disse o lich para sua adorada multidão.
— Não falta muito tempo para que essa coisa recupere a força e arruíne meus
planos novamente. Vamos quebrar esse mau hábito dele, certo? Vamos
impedi-lo de sempre sair por cima. — Seu aperto em mim aumentou. —
Cada vez que tentamos obter ganhos, ele aparece para impedi-los como se
fosse o salvador do mundo. Mas eu o chamo de intrometido. E eu odeio
intrometidos.
Um grunhido coletivo de acordo.
— Então, enquanto eu vou para realizar nossos sonhos, minha tarefa para
vocês é essa. — Pausa dramática para o Rei dos Idiotas. — Destruam-no.
Era isso? Nenhum plano maior? Pah! Que decepção.
Eu não deveria ter sido tão arrogante em meus pensamentos.
Enquanto os rebeldes aplaudiam, Nick me jogou no fogo.
A escuridão tornou-se luz, a luz trazendo calor.
Encontrei um caminho, uma rota de volta para mim mesmo. Só que esse
caminho estava quebrado, contaminado pela mudança, pela perda. A luz à
frente vinha com condições.
Então, que seja.
Acordei com os olhos pesados e em carne viva, protestando por estar
aberto novamente. Cada parte de mim doía, a pior parte nas minhas costas.
Um formigamento desagradável zumbia em todos os meus membros, nada
se movia quando tentei me levantar.
— Marcel... — falei, com a voz rouca.
Tentei me mover novamente, o formigamento diminuindo.
— Marcel…
— Ele não está aqui, querido — respondeu a voz suave de Winnie.
Pisquei meus olhos arenosos, percebendo que não estava naquele
escritório bege no Santuário, mas no meu palácio.
— Winnie?
— Estou aqui.
Meus dedos se moveram novamente, seguidos pelos dedos dos pés. À
medida que os minutos passavam, a sensação voltava aos meus membros, a
dor nas costas se transformava em uma pulsação distante, um manto de
fadiga se espalhava sobre mim.
— Eu me sinto péssimo — reclamei, sentando-me. — Tenho certeza de que
também pareço.
— Nunca, meu querido.
Esfreguei meus lábios secos, a pele rachada, minha língua coberta de
crostas. — Você é muito gentil.
Eventualmente, consegui sair da cama e plantar os pés no chão. Levaria
mais alguns minutos antes que eu tentasse me levantar.
— Você estava perdido — disse Winnie.
Ela nadou no grande espelho, brilhando com seu jeito bonito.
— Eu estava — respondi. — Em algum lugar frio e escuro. — Massageei
minhas têmporas. — Mudando.
Minha amiga nascida no espelho não disse nada.
— Eu mudei — continuei — mas não sei como. As coisas estão tão
nebulosas. Literalmente, uma névoa densa atrás da minha mente desperta.
— Marcel mudou — disse Winnie. — Ele se tornou você.
Uma pontada aguda em minhas têmporas. — Eu? — A neblina não se
dissipou.
— Do teletransporte para a foice, ele é novo.
— Do que você está falando? — Entendi suas palavras, mas elas não
estavam pousando ou tomando qualquer forma além de um som
reconhecível.
— Isso se espalhou — acrescentou ela. — A magia mortal é ilimitada,
encontrando lares em necromantes e rebeldes. Muito mais do que os cinco
fios.
Cada sílaba do peixe era uma broca no meu crânio.
— Mudança… — eu disse.
A névoa se adensou, impenetrável.
— Você consegue sentir isso, querido?
Vazio. Confusão. Perda.
— Tenho que me livrar disso. — Com meus pés finalmente funcionando,
me esforcei para ficar de pé. Um pouco instável no início, encontrando meu
equilíbrio.
— Você está bem? — Winnie perguntou.
— Sim. Preciso me livrar disso. — Concentrando todos os esforços em
meus pés e pernas, dei a volta na cama, indo até o banheiro adjacente.
Marcel…
Tomei banho com água fria, esperando que isso aguçasse meus sentidos.
Marcel…
Sequei-me e entrei em meu vasto guarda-roupa, encontrando uma camisa
de seda escarlate e uma calça de couro. Vestido, ainda preguiçoso, tentando
o meu melhor para dissipar a névoa.
Marcel…
Ele era um farol de esperança em algum lugar lá fora, perdido na névoa.
Meu verdadeiro amor, meu único. Minha razão de existir, além do meu
dever. Mas onde ele estava?
— Marcel? — Eu disse novamente.
Winnie apareceu no espelho à minha esquerda. — Você o localizou,
querido?
— Localizei?
— Você ainda pode sen...
Qual foi a última palavra? Desapareceu, como se fosse proibida.
— Pode repetir isso? — Perguntei a ela.
— Pode sen…ele?
Apertei os olhos como se estivesse tentando ver a palavra, colocá-la em
foco. — Não entendo.
Ela sacudiu a cauda. — Acho que você deveria sair para caminhar.
— Acho que você está certa.
Calçando botas pretas, caminhei pelos corredores, acariciando as paredes,
tentando enfiar ganchos naquela palavra oculta de Winnie.
Este é o meu palácio, continuei me lembrando.
O reino e o palácio estavam sintonizados comigo, sempre fazendo parte
de mim desde o início da criação. Mas ambos estavam confusos. Quando me
afastei das minhas funções, eles ficaram confusos, mas havia uma
compreensão da nossa ligação. Agora os limites estavam terrivelmente
confusos, divididos entre mim e o necromante.
Necromante? Marcel? Meu coração. Meu magnífico coração.
E ele? Winnie me contou coisas sobre seus poderes, sobre ele ser eu. Eu?
Ele se tornou eu? Mas eu era eu. Eu era a Morte, por mais confuso que o reino
e o palácio estivessem.
Eu.
Eu.
Eu.
Caminhei e caminhei, parando na beira dos jardins. Contemplei a vista
magnífica, a brisa suave em meu cabelo tão agradável contra a névoa
estagnada.
O que estou perdendo aqui?
Enquanto os pássaros voavam, cantando lindas canções, sentei-me, com
os dedos enrolados na grama. Pensando. Pensando. Pensando.
— Perdi alguma coisa — eu disse. — O que eu perdi?
Minutos se passaram, quase uma hora. A névoa permanecia, a confusão
era irritantemente palpável. Nada ajudou, nem mesmo a vontade de
encontrar meu Marcel. Porque eu não tinha certeza de como proceder, de
quais segredos precisava caçar na névoa.
— Marcel... — sussurrei.
— Olá.
— Marcel?
— Apenas eu.
Jon, o poltergeist, estava a poucos metros de distância, seu corpo pálido e
magro ainda mais translúcido que o normal.
Poltergeists eram fantasmas perigosos com poderes terrivelmente
destrutivos, consumidos pela raiva e pela tristeza, inalcançáveis. Mas não
Jon. Ele costumava sentar-se em Cravo-amarelo e encontrou uma maneira
de moderar sua raiva, imóvel como um lago isolado.
Lago. Brilho…
Resplendor da Morte.
Chave.
Chave ônix.
Jon. Jon. Jon.
Jon foi o mortal escolhido para esconder a chave ônix da última vez, uma
das muitas pessoas a fazê-lo. Ele morreu em Londres, assaltado por cinco
libras, mas antes disso esteve em uma montanha para esconder a chave.
— Montanha? — Eu disse.
Ele não respondeu.
— Monte Everest.
Ele balançou a cabeça, curvando os ombros. — Não morri como disse.
— Perdão?
Ele estremeceu, não dizendo mais nada.
Uma peça do quebra-cabeça obscuro se encaixou, um estalo suave em
meus ouvidos.
Jon estava dentro da minha foice, me ajudando a encontrar a chave ônix.
Sim. Claro.
Chamei minha foice.
— Você não é o mesmo — eu disse, uma fina camada de ferrugem
espiralando no meio da foice. — O que aconteceu com você?
— Isso me deixou ir — disse Jon. — Essa coisa. — Ele apontou para minha
arma.
Nenhum fantasma ou poltergeist poderia escapar da minha foice. Mas a
foice estava quebrada.
Como eu…
— Você sabe o que aconteceu para libertá-lo? — Perguntei a ele.
— Só que você mudou. As coisas ficaram estranhas.
— Estranhas…
— Sim.
Fiquei de pé, balançando suavemente, vagando pela névoa.
As coisas ficaram estranhas…
Você mudou…
Pensando. Pensando. Agarrando. Agarrando.
Meus poderes. Eu poderia testar meus poderes, ver se algo estava
realmente errado. Sim! Era isso.
— Exatamente — eu disse em voz alta.
Meu teletransporte falhou.
Minha habilidade de conjuração falhou.
Eu ainda conseguia sentir minha imortalidade, mas minha
vulnerabilidade a ser ferido retornou. Não morto, mas ferido ou afetado por
coisas como feitiços e venenos e qualquer coisa do tipo. E eu não podia me
esconder porque não havia nada a esconder.
Nada?
— Mais fraco — sussurrei.
Uma poderosa explosão de informações me atingiu com tanta força que
me fez cair de costas, com a cabeça quicando na grama acolchoada.
Minha posição como Morte mudou drasticamente. De alguma forma, eu
perdi meu poder, embora tivesse voltado aos meus deveres. Uma grande
mudança, uma terrível calamidade. Os necromantes estavam ganhando
novas habilidades como nunca antes, sugando poder demais para suas
mentes e corpos instáveis.
Porque algo deu muito errado.
Eu me sentei. — Mas por quê?
As dores eram um sinal, um aviso de uma mudança iminente. E eu as
ignorei.
— Mas por quê? — Perguntei novamente.
— Eu não sei — Jon respondeu.
— Desculpe. — Fiquei de pé novamente. — Eu não estava perguntando a
você.
— Ok.
Ficar afastado do trabalho por vinte anos corrompeu minha posição?
Voltar não foi suficiente?
Passei os dedos pelos cabelos, desesperado por respostas.
— O que eu fiz?
— Estou desaparecendo — disse Jon.
— Perdão?
— Desbotando.
Ele não apenas parecia mais fraco do que o normal, mas estava
desaparecendo a cada segundo.
— É o plano espiritual — eu disse. — Está levando você.
Ele sorriu, o ato iluminando seu rosto. Foi lindo de ver.
— Estou seguindo em frente? — ele perguntou.
— Você está. Há uma nova vida pela frente agora. Você tem sorte, muitos
poltergeists nunca escapam de sua raiva.
Olhei para o norte, onde os poltergeists eram mantidos.
— Chega de caverna — disse Jon.
— Isso mesmo.
A palavra que faltava para Winnie se encaixou no lugar.
Sentir. Ela me perguntou se eu conseguia sentir Marcel.
Tentei e funcionou, graças a Deus. Ele estava em Oakthorne, patrulhando
as ruas. De volta ao trabalho?
Por favor, acorde... Sua voz ecoou em minha mente, fazendo meu coração
arder.
A tristeza, o desespero. Eu o deixei sozinho, o assustei.
Eu tinha que ir até ele.
— Não morri do jeito que disse — Jon disse novamente, desaparecendo
tanto que mal consegui distingui-lo.
— O que quer dizer? — Tentei.
Mas ele se foi.
Ele não morreu no assalto? Então onde? No Everest?
Com a névoa diminuída e a determinação de encontrar Marcel
alimentando meus passos, corri pelos jardins, de volta ao palácio.
— Você entendeu agora, querido? — Winnie perguntou enquanto me
seguia pelos espelhos.
— Entendi.
— O que acontece agora?
— Vou caçar respostas.
O conselho saberia, mas eu não tinha como me comunicar com eles. Se um
espectro não viesse até mim, eu iria diretamente à fonte.
Depois de pegar um espelho de bolso, subi a escada mais alta do palácio,
dois degraus de cada vez. No topo ficava a saída de emergência para o reino
mortal – um portal que eu nunca tinha usado antes.
Vazio…
Estou tão vazio…
Quando os mortais perdem um ente querido, dizem que resta um buraco
que não pode ser preenchido. Essas palavras sempre ressoaram
profundamente em mim, especialmente entre os ciclos em que Marcel e eu
estivemos juntos. Sempre que ele morria, um vazio dominante crescia dentro
de mim. Muito grande, muito doloroso. Só ele poderia preenchê-lo, e só ele
poderia fazê-lo.
Um vazio semelhante tomou conta agora, um vazio irmão, que causou
fissuras desagradáveis em toda a minha existência.
Estou diminuído…
— Estou com medo, querido — disse minha amiga peixe.
Parei perto de um dos muitos espelhos que revestiam as paredes curvas
que circundavam as escadas em espiral.
— Eu também estou. — Toquei no vidro.
Ela se pressionou contra meu toque, uma vibração suave beijando meus
dedos.
Continuei subindo as escadas, ansioso por sair do palácio e estar com
Marcel. O que esses novos fios de poder estavam fazendo com ele, com todos
eles?
No topo da escada havia um arco de tijolos dourados cheio de uma luz
branca leitosa e cintilante. Ela ligava o palácio ao porão da Mansão
Oakthorne, uma porta de mão única. Não havia retorno ao plano espiritual
a partir deste ponto, a menos que Marcel me carregasse.
Winnie nadou através dos quatro espelhos da sala circular com quatro
janelas em forma de diamante.
Levantei o espelho de bolso. — Você vai voltar?
— Sim. — Ela desapareceu, reaparecendo dentro do pequeno espelho em
minha mão. — Estou sempre com você.
— Obrigado. — Ela merecia muito mais do que eu poderia dar a ela.
— Vamos, querido.
Com esse chamado nas mãos, atravessei o arco, a luz branca se abrindo
como uma cortina. Três passos depois, cheguei ao porão úmido, com um ar
bolorento e enjoativo.
Hora de Marcel.
Experimentei muitas formas de dor física em minha vida. De um corte de
papel a ser atropelado por Nick West. Sim, todo tipo de ai.
Mas ser jogado no fogo era outra coisa, uma agonia total, algo lá em cima
na escala do horror. E eu não conseguia me mover, não conseguia gritar, me
debater e xingar Nick por todos os nomes sob o sol enquanto as chamas
queimavam minha carne, roubavam meu fôlego.
Por dentro, porém, chorei como num assassinato sangrento.
Puta. Merda.
— Observem-no queimar! — Nick gritou. — Esfaqueiem ele! Atirem nele!
Cortem pedaços dele! — Ele rugiu com uma risada maníaca, o calor
dominando minha visão.
Meu olho esquerdo saltou como uma uva no micro-ondas.
Porra!
— Me deixem orgulhoso! — Nick gritou e o esfaqueamento começou.
Metal ao meu lado, golpeando minhas pernas, risadas aterrorizantes
desaparecendo em meus ouvidos sobrecarregados e derretidos.
A dor. Oh, Deus. Piorou, nunca parando, ameaçando me prender em
agonia para sempre.
Alguém desferiu um golpe forte em meu peito, quebrando minhas
costelas.
Pele borbulhando, ossos quebrando, tantos cortes, a sensação feliz de
desmaiar não veio até mim. Quando eu 'morresse' eu voltaria, preso neste
fogo, condenado a ser morto para sempre.
Quando uma bala abriu minhas entranhas, morri por alguns momentos, o
poder do renascimento me arrastando de volta ao fogo. Eu me curei um
pouco, a toxina foi expelida do meu sistema.
Com esse pouquinho de recuperação antes da morte novamente, eu me
teletransportei para fora do fogo, me manifestando de joelhos na próxima
praça – Praça Sul.
Escuro e vazio, apenas o luar pintando o concreto rachado. Esta praça
sofreu a maior parte dos danos, a maioria dos edifícios ao meu redor
desabou e foi isolada, fendas por toda parte. Estava tão quieto, o ar
estranhamente parado.
Eu lutei para ficar de pé, o poder de cura acalmando minhas queimaduras,
a adrenalina disparada.
Segundo a segundo, meus níveis de energia dispararam, a força
retornando em ondas. Estalei os nós dos dedos, rolei os ombros, esticando-
os.
Você é um homem de sorte…
Lampejos fantasmas de chamas ameaçaram me quebrar, trazendo consigo
lembranças de minhas outras mortes – como o incêndio no hotel na década
de 1980.
Um grupo de rebeldes, três homens, me encontrou, gritando por reforços.
Eles dispararam suas armas tarde demais, porém, meu teletransporte me
tirou de lá, me depositando de volta do lado de fora do cemitério porque eu
estava pensando em meu poder de convocação.
Devo convocar os mortos novamente para lutar contra os rebeldes? A
última vez terminou em desastre, os cadáveres dilacerados, os ossos
reduzidos a pó depois que perdi o controle deles.
O que aconteceu com eles depois disso, eu não sabia. Todas as peças
danificadas foram recolhidas e enterradas novamente? Magicamente, não
havia como saber, a menos que eu os convocasse. Decidi não fazer isso por
enquanto, com muito medo de errar novamente.
Eu me preparei para me teletransportar novamente quando um lindo
cavalo branco desceu do céu, pousando a galope.
— Pegasus! O que...
Engoli minhas palavras.
A Morte cavalgava em seu cavalo branco, com os cabelos ondulando ao
vento, tão radiante como sempre, um verdadeiro cavaleiro vindo em busca
de seu amor.
Pegasus parou, relinchando, a Morte sorrindo para mim.
— Você está... — Minha caixa de voz não funcionava.
— Surpresa — disse ele. — Suba. — Ele me ofereceu sua mão.
Eu estava alucinando? A substância que Nick me injetou causava
alucinações?
Quando meus dedos roçaram a carne quente da Morte, obtive minha
resposta.
Engasguei-me com um gemido.
— Marcel?
— Eu... eu... — Se eu não mexesse a bunda, teríamos mais rebeldes para
lidar, ou até mesmo Nick.
Peguei sua mão e subi nas costas de Pegasus. O cavalo galopou novamente
para o céu, levando-nos para o norte, na direção da Mansão Oakthorne.
A Morte estava acordada.
Eu me mexi nele, pressionando meu rosto em suas costas, soluçando
contra sua coluna. Passei meus braços ao redor dele, seu cheiro me
invadindo, sua solidez um núcleo reconfortante de músculos e ossos.
— Eu te amo tanto — falei.
— Eu te amo — ele respondeu.
Ele me atualizou com seu recente drama na mansão, ele andando de um
lado para o outro em seu quarto, eu sentado na cama desejando que
pudéssemos nos beijar, foder e esquecer essa merda. Fazer qualquer coisa
feliz para combater a tristeza.
Enquanto eu estava sentado ouvindo-o, a realidade da morte de Jenn batia
mais forte a cada golpe. Um boxeador treinando seus golpes contra mim,
buscando o nocaute a qualquer momento.
Sinto muito, Jenn. Sinto muito.
Aqui estávamos nós de novo, eu com o coração partido por causa da
minha amiga, por não ter conseguido salvá-la pela segunda vez. Só que ela
não sairia dessa com cicatrizes de batalha e palavras gentis. Ela estava
realmente morta, sem renascimento, sem caminho de volta à vida.
A Morte parou de falar e veio sentar-se ao meu lado.
Malditas sejam as lágrimas que o interromperam.
Ele as limpou com as pontas dos polegares. — Fale comigo.
Abracei-o, minha dor era esmagadora. Arranhei sua camisa, uma
profusão de tremores cruéis que não cessava. Eu não conseguia respirar, a
sala girava, meu coração batia forte e desacelerava em uma dança errática.
— Marcel…
Deus, eu nem tinha dito nada ainda.
Como eu poderia estar pronto para falar sobre isso? Era real o suficiente
sem precisar de palavras.
— Ela não pode estar morta — sussurrei contra ele.
E lá estavam eles, pedaços de realidade tomando forma, facas na luz e na
escuridão, esfaqueando, cortando, expondo cada tendão em carne viva ao
toque da dor.
Sentei-me, fungando. A Morte foi buscar-me uma caixa de lenços de papel.
Droga. Ele não conseguia mais conjurar isso.
— Desculpe — eu disse, limpando meu nariz ranhoso e enxugando os
olhos. — Estou uma bagunça.
Ele passou os dedos suavemente pelo meu cabelo. — Diga-me o que
aconteceu.
Eu disse a ele, segurando cada frase trêmula.
Seus olhos dourados giravam com ameaça. — Temos que matar Nick. Ele
está em vantagem. — Ele começou a andar novamente, com os braços
cruzados atrás das costas. — Ok, o melhor curso de ação que podemos tomar
é encontrar a chave ônix, já que limpar o Resplendor da Morte parece não levar
a lugar nenhum. Assim que tivermos isso, posso lidar com esse meu
problema, falar com você-sabe-quem. — Ele estremeceu ao ouvir o nome do
conselho. — Eu então tiro o poder dos rebeldes e de Nick. Trancamos ele de
volta.
— Parece bom para mim, especialmente o idiota estar atrás das grades
novamente — eu disse. — Mas e se… — Um suspiro pesado.
Ele parou de andar. — Diga.
— Não quero ser o muu negativo do grupo.
Seu sorriso cantou para minha felicidade enterrada. — Muu? Grupo?
— Certo. Eu sei que há apenas nós dois aqui.
— E o muu?
— Estou me chamando de vaca mal-humorada e não posso me dar ao
trabalho de explicar isso.
— Está tudo bem, eu entendo — disse ele. — Certa vez ouvi uma frase
semelhante em uma novela britânica que assisti na década de 1990.
— Er, ok. Você quer dizer aquela que se passa em Londres?
Ele assentiu. — Eu costumava gostar bastante.
Não era aqui que eu esperava que a conversa fosse, considerando toda a
tristeza.
— Eu odeio isso — matei o pico de graça. — Esses poderes, tudo. Você
voltou ao trabalho. Eu não entendo qual é o problema. Algum tipo de
punição por parte deles? Caramba! — Cada raiz de cada dente latejava.
— Não. Eu te disse, eles não podem... — ele não terminou.
Ele não precisava. O conselho não tinha esse tipo de controle sobre ele.
A menos que tivessem.
— E agora? — Perguntei, reunindo toda força que pude reunir. Fechei as
escotilhas contra o meu desgosto, preparei-me para chutar alguns traseiros.
Lute agora, chore depois.
— Everest — respondeu a Morte. — Vamos nos preparar.
Deveríamos nós dois ir? Seria melhor para a cidade se eu ficasse
patrulhando as sombras para ajudar?
Droga. Dividido em meus deveres novamente.
— Fale comigo — disse a Morte, percebendo minha incerteza.
— E se não for suficiente?
— Tem que ser.
Merda. — Estamos realmente indo para o Everest?
— Faremos uma viagem tão breve quanto possível.
Eu nunca tinha pensado no Everest ou no Himalaia antes disso. Escalando,
montanhas nunca apareceram no meu radar. Não consegui pensar em nada
mais assustador do que escalar os monólitos mais altos do mundo.
Mas eu faria isso para parar o lich.
Eu também tinha uma série de perguntas. — Quanta escalada precisamos
fazer? E preciso me aclimatar?
— Infelizmente, não temos tempo suficiente para seguir os passos
corretos. Um momento. — Ele saiu da sala, voltando com um tablet,
passando o dedo na tela. — Há muitos fatores importantes em jogo ao
escalar montanhas. Para o Everest, você deve passar doze dias caminhando
de Lukla no acampamento base para se aclimatar. Existem tantos perigos em
estar em tal altitude, como o mal da altitude. E há outros perigos da
montanha, como congelamento, avalanches, queda em fendas.
— Nenhum de nós pode morrer.
Ele assentiu lentamente. — Não temos tempo para a caminhada.
— Talvez eu não precise me preocupar com essas coisas com minha cura
e outras coisas.
— Possivelmente. Mas se você usa constantemente seu poder para se
sustentar, o risco rebelde se intensifica.
Honestamente, mais algumas doses em forma de cogumelo pareciam já
estar devidos. — Merda.
— Vamos tomar um copo de vinho tinto rápido enquanto pensamos? —
ele sugeriu.
— Nunca direi não. — Ah, eu precisava de algo para meus nervos e
angústia.
Sinto muito, Jenn...
Ele saiu da sala novamente. Fui até a janela, apreciando a vista da cidade
destruída. Havia luzes acesas, embora diminuídas, o brilho habitual de
Oakthorne perdido.
Uma grande aranha caminhou pelo outro lado do vidro, subindo.
Pressionei meu dedo no vidro, acompanhando sua subida, com uma espécie
de inveja de sua vida. Faça uma teia, coma alguns insetos, procrie. Enxágue,
repita e pronto. Simples. A menos que você seja comido por um pássaro,
esmagado por um humano ou seja um macho que será comido pela fêmea
depois de algum acasalamento. Ou pior, uma fêmea que foi comida pelos
seus filhotes.
Tirei meu dedo, recuando. — Você pode manter sua vida, aranha.
— Com quem está falando? — A Morte perguntou. Ele carregava uma
garrafa de vinho tinto, duas taças e um disco de vinil debaixo do braço.
— Isso é um álbum de Nick Cave and the Bad Seeds? — Aproximei-me.
Sim. O álbum No More Shall We Part.
— O cantor favorito da minha pessoa favorita.
Eu adorava Nick Cave and the Bad Seeds, o solo de Nick Cave e todas as
coisas que o Deus de cabelos negros conjurou de seu cérebro. Ele me ajudou
em tantos momentos bons e ruins nessa vida de Marcel.
— Você é tão fofo — eu disse.
— Eu sei. — Ele sacudiu o cabelo.
Bufei com uma risada muito necessária, a alegria sem potência.
A Morte colocou o vinho e as taças na cadeira e colocou o álbum tocando.
Fechei os olhos, regozijando-me com os primeiros compassos de 'As I Sat
Sadly by Her Side'.
— Isso nos ajudará a pensar — disse a Morte.
Ouvi o vinho ser servido e as taças tilintarem suavemente. Senti-o se
aproximar, seu calor tão próximo.
Abrindo os olhos para ele, peguei a taça oferecida, extasiado por aquelas
esferas douradas brilhando em seu lindo rosto.
Droga. Eu queria chorar de novo.
Bebi o vinho, observando a borda da taça tocar aqueles lábios sensuais. O
balanço de sua garganta enquanto ele bebia, a luz da lâmpada acima
brincando em suas feições.
— Podemos fazer isso — disse ele, sua voz suave, mas envolta em uma
sexualidade dura. — Sei que podemos.
Tomei outro gole, perdido demais nele para fazer qualquer outra coisa.
— Mas temos que ser inteligentes — continuou ele. — Perambular pela
montanha não nos levará a lugar nenhum. — Sua língua deslizou pelo lábio
inferior, sua testa franzindo levemente em pensamento. — Se voarmos em
Pegasus, não poderei esconder ele ou nós. Isso vai ser um problema.
— Não posso fazer isso — eu disse. — A menos que voemos à noite.
— Teremos que tentar.
— Você ainda ouve os mortos? — Perguntei.
— Ouço, mas é diferente. Eles estão confusos.
— Isso é o que eu sinto também.
— Desculpe. As vozes podem ser difíceis de ouvir às vezes.
— Mas elas são muito fracas — eu disse.
Ele assentiu, sem dizer mais nada.
— Podemos chegar ao acampamento base de outra maneira? — Perguntei.
— Sim. De helicóptero. Ainda precisaríamos nos aclimatar, no entanto.
Tomei um grande gole de vinho. — Por que a chave não poderia estar em
uma praia tropical?
— Se ao menos, Marcel. — Ele sorriu fracamente. — Vou tentar usar a
poção Buscador novamente.
— Devo ir com você?
— Não. É melhor manter a cabeça limpa.
— Oh. Eu turvo as águas da sua mente, não é?
Ele sorriu. — Eu não diria turvar.
— O que você diria?
— Deixe-me pensar sobre isso.
Eu ri de novo, a sensação tão catártica.
— Já volto — disse ele, saindo da sala mais uma vez.
Esperei, ouvindo Nick Cave, não gostando tanto da música agora, a dor
não me deixando escapar por muito tempo.
Sinto muito, Jenn.
— Marcel?
Pulei, deixando cair a taça de vinho. Ela quebrou, vidro estilhaçado e
vinho derramando por toda parte.
— Pelo amor de Deus! — Gritei.
— Desculpe por isso.
Era Leon, seu eu astral e argiloso, perto da porta.
— O que está fazendo aqui? — Eu disse, chutando o vidro das minhas
botas.
— Acho que você já ouviu falar da minha mãe. — Parte de seu nariz
quebrou.
Senti uma súbita pontada de simpatia por ele. — Como você está lidando
com isso?
Sua orelha esquerda caiu. — Esqueça isso. Descobri onde Nick está me
mantendo.
Oh, meu Deus! — Finalmente! Onde você está?
— No Monte Peninos.
— Onde?
— Não sei o ponto exato.
— Isso é útil, mas não...
Ele se desfez em uma pilha de folhas secas e marrons.
— Droga! — Rosnei, saindo da sala, correndo pelo corredor em direção às
escadas.
Uma mulher com cabelos ruivos me parou, me forçando a uma posição de
batalha.
— Quem diabos é você? — Minha foice se materializou em minha mão.
— Sou Yvonne Barker.
Ela compartilhava o mesmo tom de pele pálido e olhos âmbar de seu filho.
— Tenho a solução para o Resplendor da Morte.
A poção Buscador não rendeu resultados, nem mesmo imagens nebulosas
do Monte Everest. O líquido roxo borbulhava inutilmente na tigela. Um
sopro de pétalas roxas, depois muita frustração.
Abri o espelho de bolso. — Inútil, Winnie.
— Sinto muito, querido. Você tem mais algo?
— Não. Mas não adianta tentar de novo de qualquer maneira.
— Suponho que não. — Seus olhos brilharam. — Ela está aqui.
— Quem?
A Vida se aproximou da mesa de jantar com seu vestido branco
esvoaçante, sua pele de um marrom escuro radiante, cabelos como neve
sedosa, olhos prateados puros.
Maravilhoso. Como se eu tivesse tempo para lidar com meu homólogo.
— Olá, Morte — disse ela.
Levantei-me. — Não posso falar agora.
— Há um desequilíbrio terrível dentro de você.
— Eu sei.
— Você não é você mesmo — acrescentou ela — e os necromantes estão
cada vez mais fortes.
— Eu. Sei.
— Estou com medo.
— Também estou.
— Você foi embora de novo? Se você fez isso, isso é uma crueldade além
da medida. — Ela inclinou a cabeça para o lado. — Eu não acredito que você
tenha feito isso, no entanto. Algo mais aconteceu.
Eu balancei a cabeça. — Vou descobrir o quê.
— Posso ajudar?
— Acho que não.
— Por quê? Qual é o seu plano?
Olhei para Winnie e revelei minha busca para a Vida no Monte Everest, as
lutas que tínhamos pela frente.
Ela ponderou, ficando imóvel como pedra.
— O que está errado? — Eu perguntei.
— Estou pensando, Morte. Me dê um momento.
Prefiro mostrar-lhe o dedo médio e voltar para o meu quarto.
— Vou levá-lo para a montanha — disse ela.
Uma surpresa completa. — Perdão?
— Vou levá-lo ao Everest. Posso mantê-lo escondido e seguro. Você
perdeu seu poder, posso sentir isso agora que estou perto de você.
Realmente a ouvi dizer essas coisas?
— Então? — ela sondou quando não consegui responder.
— Você faria isso?
— Sim. Isso beneficia a tudo e a todos — disse ela. — Precisamos encontrar
essa chave e acabar com esse absurdo.
— E o conselho? — Eu me encolhi. — Eles não ficarão satisfeitos com o seu
envolvimento.
Ela encolheu os ombros. — E?
— Você me ajudaria mesmo depois do nosso último encontro?
— Com você exibindo sua grosseria, você quer dizer? — Ela ergueu a mão
esbelta, dispensando-me com desdém e com muita elegância. — Sou
incrivelmente insensível a insultos, como dizem os mortais.
Mais remorso para adicionar à minha pilha existente. — Desculpe.
— Considere isso no passado. — Lá se foi a mão dela novamente. —
Podemos ser opostos, mas também somos um e o mesmo. Os únicos seres
da nossa espécie. Devemos sempre ficar juntos e devemos sempre nos
esforçar para fazer o nosso trabalho.
Um pouco mais de culpa. Por mais egoísta que tenha sido minha decisão
de ir embora, eu ainda me importava com os mortos. Profundamente. Eu
odiava a dor deles, o quanto eu os fiz passar.
— Nunca conheci o tipo de amor que forçou sua decisão — disse a Vida.
— Mas vejo isso. E eu sei quem você é, que não pretende causar dor. — Ela
caminhou lentamente ao redor da mesa. — Julguei você. Odiei você. Uma
parte de mim sempre odiara, mas também entendo você com minha própria
versão de compreensão.
Eu não sabia o que dizer a ela.
— Sempre tivemos nossas diferenças, uma distância entre nós. — Ela
parou a poucos metros de mim. — Agora encontraremos a chave ônix juntos
porque nada mais importa.
— Vida, eu...
Ela me abraçou. Não foi um abraço esmagador, nem particularmente
caloroso, mas foi simplesmente incrível. Coloquei meus braços em volta dela
para retribuir, conectando-me com a Vida pela primeira vez em nossa
existência. Uma reviravolta delicada e estranha que apreciei muito.
O abraço terminou e ela deu a volta na mesa. — Vou deixar você se
despedir de Marcel. Trabalharemos com mais eficiência e sem complicações.
Deixei o comentário passar, mesmo que ela estivesse certa. — Volto já.
Marcel irrompeu na sala de jantar com Yvonne em seu encalço.
Entrei em ação, sacando minha foice enferrujada. — Você!
— Espere! — Marcel parou, com as mãos levantadas como se estivesse se
defendendo de mim. — Ela tem uma solução para o Resplendor da Morte.
Uma noite de surpresas, ao que parecia. — Isso é verdade? — Perguntei
a ela.
A maga se moveu ao redor do meu amor, aproximando-se. — Sim, é. Uma
poção e um feitiço que devem limpá-lo.
— Você trabalhou com o lich — eu disse. — Você mentiu para mim. — Ela
merecia uma lâmina enferrujada na garganta.
— Para manter meu filho seguro. — Meu Deus, ela parecia exausta e
determinada. — Ele é a pessoa mais importante da minha vida e eu faria
qualquer coisa por ele. Sinto muito pela forma como as coisas aconteceram,
mas eu faria isso de novo e de novo se isso mantivesse meu filho seguro.
Relutantemente, com o ódio caindo sobre mim, entendi sua motivação. —
Ele pensou que você estava morta.
— Estou bem ciente da crueldade de seu marido. Eu gostaria que as coisas
pudessem ter sido diferentes, que eu pudesse ter contatado ele de alguma
forma. Mas Nick fodeu com nossas vidas, usou nós dois. — Suas narinas
dilataram-se, sua pele ficou vermelha de raiva. — Nem tente me dar um
sermão, Morte. Você não sabe o quanto dói saber que seu filho é casado com
um merda desses.
— Por que ele fez isso? — Marcel perguntou.
— Para ter controle sobre meu filho, controle sobre mim. — Ela balançou
a cabeça. — Ele quer usar nossa magia, usou ela. Nick ama Leon, mas é um
amor obsessivo e fora de controle. — Yvonne olhou para Marcel por cima do
ombro. — Podemos conversar depois de matarmos o lich e resgatarmos meu
filho.
— Você sabe onde ele está? — Perguntei.
— Sim. Há uma casa no Monte Peninos. Tenho a localização exata. Toda a
vidência valeu a pena.
Olhei para Marcel, me perguntando por que nenhum deles reagiu à Vida.
Ah. Ela estava se escondendo.
— Você pode se revelar — eu disse a ela.
— O que quer dizer? — meu amor questionou.
A Vida ergueu o manto sobre sua forma, arrancando suspiros da maga e
do necromante.
— Ela é... — Marcel tentou falar.
— A Vida — eu disse.
— Prazer em conhecer vocês dois — meu oposto os cumprimentou.
Yvonne levantou a mão em alô.
Marcel ofereceu um suave “Oi”.
Fui até ele, passando um braço em volta de seus ombros, afastando-o da
maga traidora.
Uma traidora que agiu pelo bem de seu filho...
Eu não confiava nela. Ela jogou em ambos os lados e isso significava que
ela era uma ameaça para Marcel.
Yvonne pareceu captar meus pensamentos, minha linguagem corporal era
evidente. — Eu realmente queria, e ainda quero, ajudar você. — Seus olhos
dispararam entre mim e Vida, sua pele mais pálida do que segundos atrás.
— Mas também tenho que manter meu filho seguro.
Íamos continuar em ciclo com isso, passando por desculpas, motivações,
circulando ações repetidas.
— A Vida e eu vamos para o Monte Everest — anunciei.
Marcel se soltou do meu braço e ficou de frente para mim. — Você vai?
Yvonne não perguntou por quê.
— Ela pode me proteger — eu disse. — Podemos fazer isso rapidamente.
Seus radiantes olhos azuis fixaram-se nos meus. — Acho que é um bom
plano.
— Você é muita distração, Marcel — A Vida interrompeu.
Ele não olhou para ela, suas mãos segurando meu rosto.
— Eu odeio deixar você aqui — sussurrei, seu toque tão encantador.
— Eu vou ficar bem.
— Com ela?
— Ela fez o Bolsão de Margarida para nós — ele rebateu. — Tudo bem. Ela
está bem.
— E farei de novo — disse Yvonne.
Mantive meu foco em meu amado necromante. — Marcel…
— Ficarei bem. — Ele parecia tão forte, mas tão suave. — Isso é o que
estávamos esperando. Não vamos estragar tudo. — Ele me deu um beijo
suave nos lábios. — Irei com Yvonne e matarei Nick e salvarei seu filho. Vá
pegar essa chave e salve o resto de nós dessa bagunça.
Tranquei minhas mãos atrás de sua cabeça. — Estou tão orgulhoso de
você.
— Estou orgulhoso de você.
Nós nos beijamos rapidamente.
— Mais uma vez, não vamos estragar tudo — disse ele. — Podemos beijar
nossos rostos mais tarde.
— Eu gostaria muito disso.
— Eu também.
— Tem certeza? — Perguntei, cheio de hesitação.
— Sim. Isso faz parte de salvar o mundo. — Ele sorriu. — Nós vamos
conseguir.
Pobre Marcel. Perdendo sua melhor amiga daquele jeito.
— Nós vamos — concordei.
— Sim. — Ele me soltou, dando um passo para trás. — Vamos fazer isso.
— Ele se voltou para a Vida. — É realmente uma honra conhecê-la.
— É uma pena que tenha sido uma reunião tão apressada — ela disse a
ele.
— Talvez possamos tomar uma xícara de café quando isso acabar —
sugeriu ele.
Sorri, amando-o ainda mais por palavras tão doces.
— Eu gostaria muito disso.
Meu sorriso desapareceu quando encarei Yvonne. — Se você o machucar,
destruirei você.
— Eu nunca faria isso.
Levaria algum tempo para eu desembaralhar sua traição, entendendo seus
motivos ou não.
Devo realmente deixá-lo com ela?
Não disse mais nada para a maga, pegando a mão de Marcel. — Até que
isso esteja feito. — Beijei sua linda pele.
— Até então — ele sussurrou.
Com isso, nos separamos, a ansiedade parecendo um milhão de
centopeias no meu estômago.
Por favor, se cuide.
Eu te amo muito.
Guardei Winnie no bolso e peguei a mão da Vida. Em segundos,
estávamos no céu do lado de fora do palácio das nuvens, uma enorme massa
de penugem flutuando pelos céus do mundo mortal – sua casa, seu centro
de poder.
Parada no anel de nuvens ao redor do palácio, a magnífica águia, Aurora,
afofava suas penas brancas.
O pássaro grasnou, apontando seus olhos prateados para mim, estalando
o bico prateado em saudação.
— Olá, você — eu disse.
Aurora era uma gigante, muito maior do que qualquer águia normal,
capaz de suportar a mim e à Vida com facilidade. Uma criatura deste reino,
como Pegasus era meu, suas penas eram peroladas e brilhantes, de uma
beleza magnífica.
— Tão impressionante como sempre — eu disse a ela.
O pássaro abaixou a cabeça, apresentando-a para um carinho.
Atendi ao pedido dela, aquelas penas mais macias que seda. Ela estalou o
bico alegremente, os olhos fechados de prazer.
— Já faz muito tempo — eu disse.
— Sim — A Vida interrompeu. — Agora vamos embora.
Parei de me preocupar com a águia. — Vamos.
Aurora levantou a cabeça, abrindo suas magníficas asas.
A Vida pegou minha mão e nos teletransportou para as costas do pássaro.
Acomodei-me atrás da minha contraparte, pegando seu vestido e
segurando-o com força.
— É isso — disse ela.
Outro ato de teletransporte nos levou aos céus acima do Himalaia, a
montanha mais alta do mundo mortal logo abaixo de nós.
Escondida pela magia da Vida, Aurora nos levou até o cume, com o vento
uivando em meus ouvidos.
Capítulo 37

O carro vermelho de Yvonne esperava do lado de fora dos portões da


mansão.
Eu realmente sentia falta do meu carro.
— Isso não foi surreal? — ela disse, as luzes do carro piscando enquanto
ela o destrancava.
Sim, certamente foi, meu cérebro era um pião de uau. Eu tinha acabado de
conhecer a Vida. A Vida real. Deus, ela era linda, um pouco enervante, mas
a definição de deslumbrante.
— Ainda estou processando — respondi, abrindo a porta do passageiro.
Minha melhor amiga está morta.
Meu ex-noivo está morto.
Isso era péssimo. Tudo era uma droga.
Antes de estacionar meu traseiro no banco do passageiro, parei. — O que
estamos fazendo?
— Perdão? — Yvonne disse, a meio caminho de sua porta.
— Não precisamos deste carro. Posso nos teletransportar para Cravo-
amarelo.
— Tem certeza?
Balancei a cabeça, conjurando uma seringa de Suco Necro. — Estou
totalmente medicado e tenho muitas seringas de emergência à mão.
— Talvez devêssemos dirigir — respondeu a maga. — Há muito poder em
seu corpo.
Não me dê sermões! — Sempre tive.
Ela entrou no carro, enfiando as chaves na ignição. — Não confio em
teletransporte.
Inclinei-me. — Isso nos poupará muito tempo.
— Isso não vai demorar muito.
— Temos que dirigir até as cavernas, descer até Cravo e depois caminhar
até o lago do Resplendor da Morte — eu disse. — Isso vai demorar um pouco.
Ela agarrou o volante. — Não posso...
Dane-se isso. — Nick está livre. Ele descobrirá que estamos agindo contra
ele, se ainda não descobriu.
Seu aperto aumentou, os nós dos dedos ficando brancos.
— Você tem que confiar no meu plano — disse ela.
— Como se a Morte confiasse em você. — Merda. Foi demais?
Olhos irritados se fixaram em mim. — Vá se foder.
— Desculpe. Estou apenas dizendo.
— Fiz isso pelo meu filho.
— Não temos tempo para isso. Guarde para depois. Posso nos levar ao
lago e depois a Leon muito mais rápido.
Ótimo. Agora ela estava carrancuda.
— Desligue esse maldito motor e venha até aqui. Agora.
Seu dedinho bateu no volante. — Acho que Nick tem poções de Karl
Ledger.
— Quem?
— O mago assassinado. Ele era um amigo meu, tinha muitos feitiços e
poções perigosas em sua casa.
— Como o quê?
— Muitas para listar. — Ela soltou o volante. — O que significa que Leon
não está mais produzindo coisas para Nick. Acredite ou não, ele não gosta
que Leon se esforce. — Ela olhou para mim. — Difícil de acreditar, certo?
Grande momento. — Temos de ir.
— Ok. — Ela arrancou as chaves da ignição, correndo ao redor do carro
para se juntar a mim.
Graças a Deus por isso.
Ela me entregou uma lanterna, ligando a sua.
— Preparada? — Eu disse.
Um breve aceno de cabeça em resposta.
Agarrei o braço dela e nos levei para as profundezas de Cravo. O ar
esfriou, fechando-se sobre nós enquanto nos manifestávamos dentro da
caverna claustrofóbica. Os feixes de nossas lanternas refletiam a superfície
escura da água suavemente ondulada enquanto estávamos em sua pequena
praia pedregosa. O resto da borda do lago era formado por rochas
irregulares e intransponíveis, com um pequeno fio de água fluindo
calmamente para dentro dela.
— É sua primeira vez aqui? — Perguntei.
— Não. — Ela não deu mais detalhes, entregando-me sua lanterna.
— Oh.
— Certifique-se de manter a luz sobre mim — disse ela.
— Ok.
Ela abriu o zíper do casaco, revelando uma alça em seu suéter azul, com
uma bolsa presa a ele. Um tilintar vindo de dentro enquanto ela procurava,
removendo um frasco de poção branca e um pedaço de papel enrolado.
Dei-lhe espaço, feliz com a minha distância da água. Tocar o Resplendor da
Morte transformava o corpo em um cubo de açúcar jogado em uma chaleira
recém-fervida.
Coisas desagradáveis.
Sentei-me em uma pedra, observando-a examinar as palavras no papel,
levantando a mão com a poção aninhada nela.
Era isso. O fim de Nick.
Por favor, funcione. Por favor, funcione.
— Quando quebrarmos o filactério — disse ela — feche os olhos. Pelo que
sei sobre eles, a destruição cria uma última explosão de ataque. Chama-se
Sopro de Luz e vai queimar seus olhos.
— Legal.
— Entendeu?
— Eu entendi.
Ela começou a ler o feitiço. — Morte contaminada, vá embora daqui. Não
traga mais tristeza, nem medo. Desfaça as raízes, o fungo rico. Ajude-nos a
destruir o lich.
Um feitiço meio ruim, mas pareceu funcionar. A água rodopiava em
direção ao fundo do lago, como se tentasse rolar para longe.
Yvonne abriu a rolha do frasco e despejou a poção. O líquido branco se
espalhou pela superfície, explodindo em flores em forma de rosa à medida
que se movia, cada uma gerando uma nova até que as rosas brancas o
cobriram inteiramente.
Efervescente, lembrando-me sorvete, o assobio suave do ar, e a superfície
começou a clarear.
— Você não tem ideia de como foi difícil combinar essas palavras
estúpidas com os ingredientes certos — disse Yvonne. — Testei muita dessa
água vomitada.
— Obrigado pelo esforço.
Ela me lançou um olhar e depois sorriu. — Estou mais do que feliz em
ajudar.
Eu deveria agradecê-la por ajudar a Morte e a mim com o Bolsão de
Margarida e tudo mais. Mais tarde, quando tivéssemos tempo para realmente
conversar sobre as coisas.
Com a combinação de feitiço e a poção concluída, a água ficou muito mais
clara sob o facho da minha lanterna.
— Aí está! — Gritei, pulando da pedra.
Yvonne pegou sua lanterna de volta, aumentando a luz que refletia na
caixa debaixo d'água.
Ela entrou no lago, a água chegando até os tornozelos, abaixou-se e pegou-
a.
Isso estava realmente acontecendo!
De volta à terra firme, ela abriu a tampa da caixa plástica preta hermética.
— O que é?
Ela olhou para a caixa.
— Yvonne? O que está acontecendo?
Nenhuma resposta. Merda! Ela ficou paralisada por uma armadilha na
caixa?
A maga piscou e me entregou a caixa.
Peguei, com o estômago embrulhado. — O que…
A caixa não continha nenhuma joia, qualquer tipo de canal para a alma do
lich. Em vez disso, um pedaço de papel laminado foi colado no fundo com
quatro palavras escritas em negrito e marcador permanente.

QUE PENA!
AMOR,

NICHOLAS x

— Filho da puta esperto — disse Yvonne.


Deixei a caixa cair. — Sempre um milhão de passos à frente. Merda! O que
fazemos agora?
Tentei não gritar de frustração.
— Nós salvamos o meu filho.
— Nick provavelmente estará esperando por nós. Ou Leon nem estará lá.
O olhar que ela me lançou foi frio, o de uma mulher prestes a transformar
o mundo em cinzas.
— Temos que tentar, Marcel.
— Sim. Nós temos.
Tão perto. Tão perto.
Ela pegou meu braço. — Então vamos.
Capítulo 38

A Vida nos teletransportou para o pico nevado do cume do Everest, o


tempo claro e calmo. Aurora circulou acima, encarregada de procurar com
sua incrível visão.
— Pergunto-me se Jon alguma vez chegou ao cume — eu disse.
A Vida me manteve por perto, alterando as condições ao nosso redor,
protegendo nossos corpos do frio, da neve, protegendo-me da altitude
terrível.
— Posso entender por que os mortais vêm a esses lugares altos — ela
respondeu, com seus olhos prateados voltados para a vista espetacular do
Himalaia. As geleiras, os picos mais baixos, uma paisagem esculpida por
deuses com olhar atento para o deslumbrante. — Olhe para isso, Morte.
Basta olhar para isso.
— Eu sei. — Bandeiras de oração tremulavam ao nosso lado, um lindo
arco-íris, unidas pelas bandeiras de vários países ao redor do mundo para
marcar a chegada a este ponto final da montanha. Procurei ao redor delas,
embaixo delas, nós dois cavando na neve.
Quão impossível era isso, realmente? Havia corpos nesta montanha que
nunca foram encontrados. A chave ônix foi projetada para ser perdida, mais
perdida do que aqueles pobres escaladores.
Eu não pararia até encontrá-la.
Depois de vasculhar o cume o máximo que pudemos, descemos em
direção ao pico Sul, sem pressa, a Vida tornando nossos passos tão fáceis
quanto caminhar pelas ruas de uma pequena cidade.
Um pássaro parecido com um ganso voou acima, curioso, descendo para
nos inspecionar. Não pousou, decolando novamente antes de chegar muito
perto.
Na minha pesquisa sobre o Everest, li que um ganso com cabeça listrada
pode voar em grandes altitudes e muitas vezes era visto voando sobre a
montanha. Lembrei-me de fotos dos gansos, as barras preto-acastanhadas na
cabeça branca deste pássaro confirmando que este era o ganso em questão.
— Não há escaladores — disse a Vida. — Achei que esta fosse a montanha
mais movimentada da Terra. — Ela parou perto de um cadáver congelado
com roupas vermelhas desbotadas perto da rota principal. — Que trágico.
— Não é temporada de escalada.
— Eu vejo. — Ela não disse mais nada sobre o assunto, deixando-me
verificar o corpo, explorando o que podia da área, eu fazendo o mesmo.
Chegamos ao acampamento 4 no pico Sul e não encontramos nada.
— Se percorrermos cada parte da montanha pelo menos duas vezes de
cada lado, teremos mais chances de encontrá-la — sugeri. — Fique primeiro
com o topo, descendo lentamente.
— Claro.
Aurora veio baixa, a cabeça se movendo rapidamente, os olhos
trabalhando tão duro quanto nós.
Isso realmente podia levar dias, talvez até semanas ou meses.
Cinco horas depois, com uma força terrível de nuvens escuras se
aproximando, encontramos um fantasma com roupas brancas de escalada
vagando pela área da Faixa Amarela da montanha.
A Vida desfez o manto que me rodeava para me permitir falar com ela.
Ela ficou escondida.
— Olá — cumprimentei o fantasma.
Ela congelou, os grampos translúcidos cravando-se na rocha. — Você é a
Morte.
Ela era uma mulher de cabelos castanhos, pele clara e rosada, olhos de um
verde penetrante. Recém-morta, porque eu havia movido os fantasmas
remanescentes daqui antes de perder meu poder.
— Você não está aqui por minha causa — disse ela, claramente de Essex,
Inglaterra. — Você parece estranho.
— Eu sei. Lamento não poder ajudá-la a seguir em frente.
— Tudo bem. Realmente não quero agora.
— Por que isso?
Ela olhou para o céu escuro. — Eu não deveria estar aqui. Escalando
ilegalmente, esgueirei-me para a montanha.
— Isso é possível? Alguém não teria visto você?
— Não quando você conhece as pessoas certas para entrar furtivamente e
falsificar sua licença de escalada.
E isso te matou. — Eu vejo.
— Caí há alguns dias, ali. — Ela apontou para oeste daqui. — Foi uma
merda, quebrei minha cabeça, quebrei minhas costas. Levei sete horas para
morrer. Eu sou uma idiota.
— Por que você está aqui? — Perguntei.
— Já escalei antes, mas nunca o Everest. Era para eu ter feito isso com meu
namorado. Não consegui, então deixei ele vir sozinho. — Um suspiro
profundo e triste. — Nunca deveria ter permitido.
— Ele morreu aqui? — Sondei suavemente.
Ela assentiu. — Desaparecido. Não consigo encontrar seu fantasma, seu
corpo, nada. Mas há um lugar logo acima de mim, uma fenda que eu queria
verificar. Provavelmente não há nada lá, mas preciso saber. Só estou com
medo caso seja ele. Com medo de vê-lo morto. — Outro suspiro quando o
vento aumentou. — Pobre Jon. Sinto muita falta dele.
Meu coração saltou de surpresa. — Você disse Jon?
— Sim. O amor da minha vida.
— Jon Vickers?
— Sim. — Seus olhos se arregalaram. — Você… oh, porra. Você o levou?
Eu sei que você voltou brevemente antes que as coisas piorassem
novamente. Por favor, me diga que ele está bem. — Ela hiperventilou tanto
quanto um fantasma poderia.
— Calma agora — eu disse. — Ele foi levado, sim. — Isso estava realmente
acontecendo comigo de novo? Primeiro a notícia bombástica sobre Yvonne
ser a mãe de Leon, e agora esta possível pista.
Ela se acalmou, a mão no coração. — Ele nunca veio me encontrar.
Mas Jon morreu em Londres, não aqui.
Eu não morri como disse...
A magia que o forçou a esconder a chave deve ter movido seu fantasma e
também apagado sua memória.
Ele morreu aqui, não por algum assalto terrível.
Pobre Jon.
— Onde exatamente você disse que o corpo dele poderia estar? —
Perguntei.
Com razão, ela parecia estar confusa. — Você está procurando por ele?
— Estou.
— Por quê?
— Negócio privado.
— Ele é minha alma gêmea. Você pode me dizer.
— Temo que não possa.
— Por que não?
A Vida se aproximou, ainda escondida, ainda me protegendo dos
elementos.
— Para vocês ficarem juntos novamente — eu disse. — Para corrigir o erro
que você sente em mim.
Ela olhou para mim. Por um momento, pensei que ela iria me rejeitar,
tentar me questionar mais.
Em vez disso, ela respondeu: — Lá em cima. Você vê? — Ela apontou para
uma fenda aproximadamente seis metros acima. — Estou com tanto medo.
— Então deixe-me ver se ele está lá.
— O-ok.
— Não perguntei seu nome.
— Deb.
— Obrigado, Deb. Voltarei para fazê-la seguir em frente.
O pássaro preto voou novamente.
— Adeus por enquanto — eu disse, a Vida me cobrindo novamente.
Deb olhou para o lugar que eu ocupava por alguns instantes antes de olhar
para cima.
— Eu te amo, Jon.
Tragicamente, seu corpo provavelmente se juntaria aos outros presos na
montanha. Perdido, para sempre parte deste lugar.
Chegamos à fenda vertical, a abertura bastante apertada, larga apenas o
suficiente para um homem da constituição de Jon, mesmo com roupas e
equipamentos extras. A Vida alterou-o o suficiente para nos permitir passar.
A escuridão esperava lá dentro, vestígios de neve espalhados pelo chão,
uma pequena caverna curvando-se para a esquerda.
— Jon — eu disse, enquanto fazíamos a curva, chegando a um beco sem
saída.
Um corpo congelado, virado para cima, preservado em sua maior parte, o
rosto emaciado pelo tempo e pela lenta decadência. Era ele, Jon Vickers, com
o capuz levantado e os olhos fechados.
— Terrível — A Vida sussurrou.
Parecia que ele havia morrido congelado nesta caverna, provavelmente
tentando se abrigar.
Agachei-me ao lado dele, tocando o material fofo de seu casaco. — Sinto
muito que você tenha morrido assim. Mas posso dar Deb para você em
breve. Contanto que você tenha a chave.
Se ele não a tivesse, teríamos que continuar com a nossa busca. Se a chave
estivesse aqui, um dia um mortal encontraria o corpo de Jon e a chave, com
a tarefa de escondê-la em outro lugar, a magia de sua busca os manteria fora
do reino do conselho.
Tocar na chave ônix me levaria até lá, no entanto.
O conselho era minha última esperança de me restaurar. Eles tinham que
ajudar. Eles tinham que saber como me consertar.
Por favor…
Um grito estrondoso de um pássaro veio de fora.
— Aurora — disse Vida. — Algo está errado.
— Verifique ela. Vou ficar bem.
Ela conjurou um casaco e me entregou. — Você não ficará bem quando o
frio chegar até você. Coloque isto.
Obedeci às ordens dela.
— Voltarei em breve. — Ela desapareceu, levando consigo suas proteções.
O frio extraordinário atingiu-me com uma força congelante. Caí de costas,
o choque me tirando o fôlego.
Trabalhei rápido, examinando o corpo de Jon, verificando cada bolso, as
mangas, o capuz, as pernas da calça, até finalmente pousar em algo sólido
em sua bota esquerda.
— É você? — Eu disse, tremendo.
O que estava ocupando a Vida?
Tirei sua bota com cuidado, seu corpo rígido e congelado, sem ceder muito
quando levantei sua perna.
A chave caiu, tilintando na pedra.
Eu consegui. Encontrei a chave ônix. Um instrumento preto com uma
cabeça redonda e irregular, simples e indefinido, mas cheio de poder.
Estendi a mão para pegá-la, pronto para enfrentar o conselho.
Aterrorizado.
Asas batendo atrás de mim.
Dedos tão perto da chave.
Movimento. Passos.
— Morte! — A Vida chorou.
Meus dedos fizeram contato com a chave quando uma mão pesada
agarrou meu ombro.
Virei-me para perguntar a Vida o que ela estava pensando. Ela não queria
vir para o reino do conselho, queria?
Mas não era a mão ou o rosto da Vida pairando sobre mim.
Era o de Nick.
Juntos, fomos sugados para fora da caverna, arrastados por um
redemoinho de luz, sua risada rasgando meus ouvidos.
A casa ficava ao lado de uma colina próxima a uma estrada de terra, com
um riacho fluindo abaixo dela. Escuro, sem luzes em nenhuma das janelas.
Não era maior que minha casa em Londres. Dois andares, uma cerca em
volta. Se não fosse pelos vidros duplos de aspecto fresco, eu teria dito que o
lugar estava apodrecendo.
— Ele está realmente aí? — Perguntei, me escondendo em meu poder de
sombra com a maga, examinando a área.
Havia corpos se movendo. Patrulhamento. Rebeldes, provavelmente.
Evitei examinar a área.
— Ele está — respondeu Yvonne.
— Você ouviu falar sobre Nick ajudando os rebeldes a manterem a linha?
— Perguntei.
— Por que isso importa?
— Eu só estou perguntando.
— Apenas nos leve para dentro.
Mandona. — A casa estará lotada deles.
— E? Vamos.
— Para alguém que não queria ser teletransportada, você está muito
agressiva agora.
— O idiota pode estar guardando o filactério em algum lugar.
— Ou não.
Ela assentiu. — Vamos entrar. Esteja pronto para causar alguma dor. —
Ela bateu na bolsa. — Vim com algum poder de fogo, então não se preocupe
comigo.
Eu não estava preocupado. — Ok.
— Você está com medo?
— Quem não estaria?
— Bom. Use-o e vamos lá. — Ela agarrou meu braço.
Isso me disse.
Aqui vai…
Mudamos para a casa, chegando a uma sala escura. Sofás surrados, poeira
por toda parte, teias de aranha, móveis que precisavam ser jogados fora. Por
que fazer as janelas se você iria apenas deixar o interior apodrecer?
Yvonne assumiu a liderança, com um frasco de poção laranja na mão. Ela
se manteve abaixada, movendo-se com cuidado pelas tábuas expostas e
rangentes do piso.
Uma porta se abriu, batendo em uma mesa com uma lâmpada acesa atrás
dela. A lâmpada caiu para sua morte devastadora.
Droga. Parecia que poderia ser uma lâmpada Tiffany. Eu adorava isso.
Ah, bem. Acho que isso me impediu de me tornar um ladrão.
Antes que o rebelde pudesse derrubar Yvonne, ela o acertou com a poção.
Folhas de laranjeira explodiram, zumbindo ao redor do homem como
vespas. Ele caiu em segundos, imóvel.
— Morto? — Perguntei, esperando por seu fantasma.
— Em coma.
— Por quanto tempo?
— Cerca de uma semana.
— Merda!
— Só bato com as coisas mais fortes. — Ela removeu outro frasco de sua
bolsa.
Quão profundo era essa coisa enganosa?
Eu a segui, com a foice em punho, chegando a um lance de escadas –
algumas subindo, outras descendo.
— Estamos descendo — confirmou a maga.
Uma mulher atacou-nos no escuro. Desta vez não era uma rebelde, mas
um corpo reanimado. Ela rugiu, atacando-me.
Malditos zumbis.
Eu removi sua cabeça, a magia necromante controlando sua quebra.
Seu animador rebelde veio até mim com um machado, um homem
musculoso com ódio estampado no rosto.
Yvonne acertou-o com uma poção antes que eu pudesse matá-lo.
— Por que você fez isso? — Reclamei. — Eu tinha o idiota.
— Precisamos ser mais rápidos — sibilou Yvonne, descendo as escadas
correndo.
Contive uma resposta sarcástica, seguindo-a através de uma porta
destrancada até um porão banhado pela luz de três luminárias acima de
nossas cabeças.
Leon estava deitado em uma cama de acampamento no centro do quarto
vazio. Amordaçado, mãos e pés amarrados por uma rede de cordas e
braçadeiras.
Seus olhos âmbar estavam arregalados e ele soltou um grito abafado por
trás da mordaça.
Porta destrancada? Nunca era um bom sinal.
— Isso é uma armadilha — eu disse.
— Sim. — Ela me espetou no pescoço com uma agulha, empurrando para
minha corrente sanguínea o que parecia ser a mesma coisa que Nick tinha
me enfiado.
Merda!
Eu desabei, mãos que não pertenciam a Yvonne agarrando meu corpo de
macarrão molhado.
— Ei, mano.
Robert.
Merda dupla!
Assim que o calor me atingiu, a luz ofuscante do sol forçando meus olhos
a fecharem, dei um soco. Meu punho colidiu com algo sólido, um grunhido
satisfatório complementando.
— Porra! — Nick gritou.
Um baque pesado.
Meus olhos piscaram e se abriram, ajustando-se à intensa luz solar. O
contorno do lich subiu. Eu o chutei no peito, mandando-o de volta para a
areia.
Areia? Esta superfície era sólida demais para ser areia.
Enfiei minha bota em seu peito, prendendo-o. — Mova-se e eu quebrarei
seu pescoço.
Ele teve a audácia de rir. — Que bem isso faria?
— Faria eu me sentir maravilhoso. — Apliquei mais pressão, sua forma
ficando mais clara, os olhos se ajustando ainda mais.
Meu Deus, o calor estava incrível.
O lich permaneceu imóvel e silencioso enquanto eu observava meu novo
ambiente. O céu estava tão azul quanto um dia terrestre de verão, o sol era
um disco implacável e ardente. O chão não era areia, mas arenito,
branqueado e rachado, com um rio seco cortando-o. Ervas daninhas
cresciam ao longo das margens do rio, uma ponte de madeira desabada
unindo um lado ao outro. O que pareciam ser salgueiros agora estavam
tortos, cascas mortas curvando-se para uma paisagem morta. Não que
houvesse muita, a área era pequena e compacta, com vastas paredes de
ondas de calor formando um cubo alto ao seu redor.
Do outro lado do rio havia um bloco de arenito do tamanho de uma casa
de três andares, bastante largo, com as paredes rachando como o chão sob
meus pés.
— Isso não pode estar certo — eu disse.
Este deveria ser o reino do grande conselho. Sempre imaginei um palácio
majestoso cem vezes maior que o meu, paisagens exuberantes, mares e
muitas vistas dramáticas. Não este lugar morto.
— Bem-vindo ao reino do conselho — disse Nick.
Acertei minha bota em suas costelas. — Como você sabe sobre o conselho
e a chave? Quem é você?
— Ah, Morte. Você realmente é um idiota sem noção. — Ele mostrou os
dentes, ensanguentado pelo meu soco.
Agarrei-o pelo colarinho, levantando-o. — Não vou deixá-lo destruir o
mundo.
A chave ônix estava guardada com segurança na palma da minha mão
fechada. Deixe-o tentar abrir meus dedos. Eu rasgaria sua mandíbula antes
que ele fizesse meu dedo mindinho se contrair.
— Não quero destruir a existência — respondeu ele. — Longe disso.
— Continue dizendo suas mentiras. Elas não vão salvar você.
— Não tenho interesse no que você pensa que eu tenho, Morte.
— Então por que você está aqui? Você nem deveria saber que este lugar
existe. — Um momento de clareza me atingiu. Forte. — O pássaro. Você era
o pássaro do Monte Everest?
Ele riu. — Uma mariposa, uma aranha, muitas coisas para espionar você
e Marcel.
— Como?
— Lembra do mago morto?
— Você...
— Poção de mudança de forma. Difícil de encontrar. Mas isso realmente
não é da sua conta, e agora acabou.
— Desgraçado.
— Eu sei. — Ele revirou os olhos verdes. — Decepcionante, não é?
Eu arrancaria a cara dele. — O quê?
— Isso aqui. Este reino. Já foi uma linda baía.
Eu o empurrei para trás. Ele manteve o equilíbrio, tirando a camisa cara e
o jeans. O sangue escorria pelo seu queixo. Ele o limpou com as costas da
mão, cuspindo um glóbulo de saliva rosada no chão ressecado.
— Agora vou ser uma pessoa decente e preencher todas as suas pequenas
lacunas. Ok? Pronto para a verdade dura e fria?
— Onde está o conselho?
Ele apontou para o prédio da caixa. — Encolhendo-se ali.
— Então é para lá que estou indo. Não quero ouvir nenhuma de suas
supostas verdades. — Primeiro, eu quebraria a coluna dele e o deixaria aqui
indefeso.
— Eu era um deles antes de amaldiçoarem você.
Ele interrompeu minha ação pretendida, me atingindo com uma tonelada
de tijolos. — O que você disse?
Nick ergueu os braços dramaticamente. — Finalmente estou em casa.
Um gemido agudo e semelhante a uma broca atacou meu crânio. — Você
está mentindo. — Eu me encolhi, esfregando minhas têmporas. — Você não
está em casa, está aqui para...
Ele gemeu. — Poupe-me, Morte. Você receberá a confirmação em breve
daqueles idiotas lá dentro. — Ele apontou o polegar para o prédio. — Mas a
verdade é que eu estava aqui quando o conselho foi formado, quando o
criador nos encarregou de cuidar da chave de cobre e esconder a chave de
ônix. Se falhássemos, isso seria por nossa conta. E falhamos logo no início.
Bem, eles falharam. Eu não. Eu não queria amaldiçoar você.
— Eles... — Espinhos na minha garganta, trepadeiras estrangulando
minha língua. — Eles…
— Eles o quê?
Não dê ouvidos a ele! — Eles não têm o poder de me amaldiçoar! — Gritei.
Ele balançou a cabeça, cruzando os braços. — Nós enchemos a sua cabeça
e a da Vida com essas porcarias.
— Não estou ouvindo isso.
— A porta com fechadura protege as pedras da Vida e da Morte, as fontes
de suas existências. Sem eles não há nada, porque a vida e a morte são a
essência da criação.
— Pedras? — Por que eu estava ouvindo ele?
— Sim.
— A chave de cobre...
— Mantém a criação? Sim. Mantém. Sua energia mantém a natureza
fluindo e o tempo passando. Mas tirá-la da fechadura não adianta nada.
Destruir as pedras sim. — Seu sorriso desapareceu. — Devíamos mantê-las
seguras, esconder a chave ônix se quiséssemos permanecer aqui no poder,
gerenciando você e a Vida. — Ele chutou o chão seco. — Nos certificar de
você estar fazendo o seu trabalho, passarmos o tempo como imortais,
relaxando e deixando os séculos rolarem.
— Isso não faz sentido — eu disse, com a cabeça latejando.
— Porque você acredita em uma versão falsa da verdade, não querendo
ouvir isso da minha boca suja. Estou certo? — Ele riu. — E minha boca está
tudo menos suja, a menos que eu esteja na cama com meu marido.
Dei um passo à frente com raiva. — Você está mentindo.
— É aqui que eu bocejo de exasperação? — Ele revirou os olhos.
— As chaves...
— Olha, a única coisa que lhe disseram que é verdade é a parte do direito
de mudar as coisas. O criador permitiu uma brecha, uma possibilidade de
acabar com o sistema atual ou alterá-lo.
Isso era demais. — Como você nos amaldiçoou?
— Er, eu não fiz isso. Eles fizeram. Mas você acha que estou mentindo,
então qual é o sentido de conversar? Vou apenas cuidar da minha vida.
Eu movi para bloqueá-lo. — Diga-me. Agora.
— Ooo, você é meio sexy e assustador ao mesmo tempo.
— Você valoriza seus dentes?
Ele riu. — Que inteligência. Tudo bem, vou te contar por que sinto pena
de você. Pelo menos eu sentia. Não mais. Eu odeio você e sua alma gêmea.
Mas isso não vem ao caso. — Ele olhou ao meu redor. — Vou tentar fazer
isso rápido.
— Eles estão vindo?
— Não. Eles estão com muito medo. Você vê, foi assim que aconteceu. O
criador explicou todas as coisas sobre as chaves, as pedras atrás da porta, tra
la la. — Seus braços gesticulavam enquanto ele falava. — Havia um pedaço
de tentação colocado atrás da porta, o que chamamos de O Sussurro.
Constantemente nos perguntava o que queríamos, que poderia nos realizar
qualquer desejo, e sempre recusávamos, atendendo aos avisos do criador.
Sabíamos que era um teste – para todo o equilíbrio e direito de mudar as
coisas. Até que você decidiu se apaixonar por um mortal em Pompéia, tantos
séculos atrás.
Uma sensação fria e escorregadia passou por mim. Isso não passava de
veneno, mas eu o deixei continuar de qualquer maneira.
— O conselho não gostou. Enfurecido não é uma palavra forte o suficiente
para isso. E foi então que todos percebemos que não éramos nada além de
observadores, Guardiões bastante fracos. Mas estávamos protegidos, a
magia em torno da chave ônix era forte. Nossas vulnerabilidades eram
baixas. — Ele suspirou. — Eu não me importei nem um pouco com você e
Marcel. Ou devo dizer Quintus, como era conhecido naquela época?
Estremeci ao ouvir o nome da primeira forma de Marcel.
— Eu realmente não sabia — Nick continuou. — Contanto que você fizesse
seu trabalho, você poderia foder melancias por tudo que me importava. Mas
não meus colegas – éramos cinco, aliás. Oh, não. Eles não poderiam suportar
essa afronta, esse ser imortal desrespeitando as regras. O que era ridículo,
porque as regras não foram desenhadas pelo criador, mas por eles. Se você
não foi feito para o amor, então por que você amava? Qual seria o objetivo?
Absolutamente ridículas. Mas eu era um soldado solitário, seu campeão. —
Ele gargalhou. — Como os tempos mudaram.
A emoção foi drenada de mim, meu corpo e minha alma foram
bloqueados por essa enxurrada de revelações nas quais eu não queria
acreditar.
— Eles enviaram os espectros para ameaçar você, quando os espectros
deveriam ser nossos servos. Mas isso não funcionou. Quero dizer, eles são
assustadores, mas nada mais do que isso. Você refutou todas essas ameaças,
afirmando com razão que seu amor por Marcel não estava atrapalhando seu
trabalho.
— Porque não estava — eu consegui dizer.
Ele assentiu. — Mas isso não foi bom o suficiente. E assim, a oferta do
Sussurro foi aceita. Tudo o que quiséssemos, apenas um desejo. Tivemos
uma votação, quatro contra um a favor de te amaldiçoar para te dar uma
lição. Condenando você a experimentar o que você tem ao longo dos anos.
Morte, destruição e desgosto até você voltar à linha.
Ainda vazio de sentimentos, fechado.
— Com um giro da chave de cobre, a maldição foi implementada.
Agora eu tinha uma resposta para ele. — Achei que você tivesse dito que
não poderia fazer muita coisa com a chave de cobre.
— Em termos de acabar com o mundo, sim. Virar a chave, falar a intenção,
corrompeu-a. A maldição sobre sua cabeça teve um preço alto. Fomos
despojados de nossa imortalidade. Sim, ainda poderíamos viver para
sempre, mas agora estaríamos vulneráveis à morte caso alguém encontrasse
a chave ônix e chegasse aqui com vingança em seus corações. — Ele bateu
no peito. — Como eu. Além disso, a magia em torno da chave ônix
enfraqueceu, o que foi útil para mim mais tarde.
Naquele momento, um espectro apareceu do lado de fora do prédio, com
seus olhos amarelos brilhando de fúria. — Saia daqui imediatamente,
traidor. — Sua voz sombria e sussurrante flutuou através do rio morto.
— Dá um tempo — Nick rebateu, sacando sua arma. Ele disparou duas
balas, o espectro explodindo em uma nuvem de penas pretas.
Eu deveria ter reagido, ficado indignado o suficiente para arrancar a arma
da mão dele. Mas permaneci vazio, frio, confuso.
Ele soprou no cano da arma. — Eles me expulsaram, me mandaram para
Pompéia para morrer com Marcel. Mas eu sobrevivi, encontrei um lich que
me ajudou a me transformar em um – sim, somos uma espécie muito antiga.
Perdi minhas memórias, no entanto. Um revés irritante, mas ao longo dos
anos continuei encontrando você. Mesmo que você geralmente se disfarce,
às vezes não o fazia. Pelo menos não completamente, quando você estava
em restaurantes com seu amante, ou o que quer que você estivesse fazendo.
Eu queria Marcel em meus braços agora.
— Sempre que eu te via, eu sabia que havia algo em você que eu não
conseguia identificar. Sem idade e imortal como eu, é claro. Mas quem? O
quê? Finalmente recuperei minhas memórias quando te vi novamente na
década de 1980, depois de cem anos sem te encontrar. A vulnerabilidade em
torno da chave ônix finalmente funcionou a meu favor.
Fechei os olhos.
— Que incêndio terrível no hotel foi aquele — disse ele.
Lambi meus lábios secos, um recipiente para o suor sob o sol. — Você tem
sido… Você tem sido um lich todo esse tempo?
— Sim.
— Eu...
— Eu sei. Isso é muito para lidar. Pobrezinho. Sinta-se à vontade para
entrar lá e conversar com aquelas criaturas que te amaldiçoaram. Vou te dar
cinco minutos.
Eu abri meus olhos. — Até você matá-los?
— Sim. E você não pode me impedir porque adquiri alguns poderes úteis
para garantir que você não estrague isso para mim.
Meu crânio ameaçou fraturar. — Como posso acreditar em você?
— Eu não ligo.
— E essas pedras?
— Então você acredita em mim, ou pelo menos você quer.
Não respondi.
Ele examinou sua arma. — Se elas forem destruídas, tudo será destruído.
No entanto, elas também podem ser alteradas. Uma nova Vida ou Morte
feita.
Meu estômago revirou.
— E você, minha querida Morte, corrompeu a sua ao tirar seu hiato de
vinte anos. Voltar à sua posição não foi suficiente. Você tem que se
reconectar com sua pedra para restaurar seu poder. — Um sorriso
ameaçador. — Mas quero mudar isso, tentar ser eu mesmo a Morte.
— Você...
Ele se teletransportou para longe.
Tornar-se eu? Com cada novo detalhe trovejando na minha cabeça, eu
sabia que não poderia deixar isso acontecer.
Corri, saltei sobre o rio, saltei em direção ao prédio e encontrei uma porta
de madeira nos fundos. Eu a abri com um chute, correndo para dentro de
uma sala mofada com uma mesa grande, quatro figuras em túnicas brancas
sentadas atrás dela. Atrás delas havia uma pesada porta de ferro, uma chave
de cobre em uma das duas fechaduras – a esquerda.
Uma sala esparsa e monótona para combinar com o exterior. E sufocante
de quente.
— Ajude-nos! — uma das figuras gritou.
— Meus colegas do conselho — disse Nick, com sua arma pronta para
matar. — Que maravilhoso ver vocês novamente.
Eles se amontoaram, o medo tão forte quanto o suor acre. Criaturas
patéticas, com pele prateada, metálica, sem pelos em seus crânios
humanoides. Duas fêmeas, dois machos.
— Contei aqui à Morte tudo sobre nossa história corrupta — disse Nick.
— Não acredite nele! — uma das mulheres gritou. — Ele mente.
— Eu?
— Não importa — um homem interrompeu, desfazendo a declaração da
mulher. — Ele tem que nos proteger para se salvar, para salvar seu amor.
A raiva me inundou. — Meu amor? Desde quando você se preocupa com
ele?
— Pare o lich — ele exigiu, saliva voando de sua boca. — Então podemos
discutir isso.
— Então, vocês fizeram isso conosco? — Retruquei.
O conselheiro estreitou seus olhos rosados e insensíveis. — Porque você
quebrou as regras.
Dei um passo à frente. — Regras que você nunca teve que fazer.
— Isso não importa agora.
Mais fúria, agora acompanhada de nojo. — Não importa? Marcel é
importante. Ele era importante na vida de cada pessoa e vocês o fizeram
sofrer. Fizeram outros sofrerem com ele. A morte, a destruição que vocês
desencadearam no mundo... — Minha raiva ferveu rapidamente. — E ele
continuou voltando para mim porque estávamos destinados a ficar juntos.
Como isso estava acontecendo? Como minha compreensão das coisas
desmoronou tão rapidamente?
Traído.
Traidores atrás da mesa…
— Vocês realmente devem ter odiado isso — Nick disse aos conselheiros.
— Silêncio, Ômega! — o macho latiu.
— Desde quando você é o presidente deste conselho, Gamma?
— Você não tem nada a ver aqui — respondeu Gamma.
— Mas eu sim.
Essas criaturas. Essas criaturas nojentas e manipuladoras. Mestres da
miséria, do tormento, de tantas perdas, de tantas mágoas. Cada morte por
causa do meu amor por Marcel era sua culpa.
Não havia limite para minha raiva, não havia como voltar atrás. Isso me
sugou para um redemoinho frenético tão cruel que meus ossos
chacoalharam.
— Vocês me amaldiçoaram — eu disse.
— Ajude-nos.
— Vocês me amaldiçoaram.
— Ajude-nos e conversaremos — respondeu Gamma, claramente irritado.
— Por que eu deveria ajudar você?
Ele olhou furioso para mim. — Você tem um dever para conosco. Pare
com essa bobagem e conversaremos sobre o assunto.
Bobagem? Conversar sobre as coisas?
Nick/Ômega riu.
— Ajude-nos, Morte — acrescentou Gamma. — Você verá por que nós...
Peguei a arma de Nick, estourando a cabeça do conselheiro.
Os outros gritaram, escondendo-se debaixo da mesa. Mas eles estavam
condenados. Agarrei a borda da mesa, virando-a para revelar a escória por
trás dela.
— Por favor! — o outro homem implorou.
Ele morreu em seguida, com uma bala entre os olhos, os outros crivados
de buracos de bala momentos depois, caídos em poças de sangue.
Morto. O conselho estava morto, suas vestes brancas manchadas de
assassinato.
Dois espectros entraram na sala por uma porta escondida na parede
esquerda. Seus olhares amarelos examinaram a carnificina.
Apontei a arma para eles. — Seus mestres estão mortos.
Minhas emoções foram fechadas novamente, minha alma congelada em
gelo perverso. A incapacidade de compreender essa traição causou um
curto-circuito em meu cérebro, deixando-me um vazio.
Marcel…
Ele permaneceu dentro de mim, o grão de esperança como a caixa de
Pandora.
Ele sempre seria minha esperança.
Os fantasmas desapareceram antes que eu atirasse neles.
O que eu fiz?
Aplausos, o lento bater de palmas.
— Muito bem, você — disse Nick. — Você fez isso parecer tão fácil.
Embora eu suponha que sim, considerando que eles eram praticamente
castrados. Agora posso ter meu feliz para sempre com meu marido.
Ele estava parado perto da porta de ferro.
— Saia daí — eu o avisei, com a arma apontada para sua cabeça.
— Você não quer virar a chave de cobre para o outro lado? Acabar com a
maldição?
Eu vou matar você. — Isso vai funcionar?
— Penso que sim. Pelo menos para mim.
— O quê? — Pisquei, pronto para arrasar este reino a nada.
— Não tenho certeza se me tornar uma nova Morte redefine a maldição
ou não. — Ele sorriu. — É melhor estar seguro. — Ele sacou outra arma com
a velocidade de um cowboy de uma história de faroeste, esvaziando o
cartucho em meu peito.
A força das balas me fez cair para trás, rasgando minhas entranhas. Caí no
chão, cheio de agonia.
— Parece que doeu — disse Nick, seus passos se aproximando.
Enfrentei dois problemas. Em primeiro lugar, eu mantive algum poder de
cura, embora a magia demorasse a resolver minha situação. Em segundo
lugar, deixei cair a chave ônix.
Não…
Virei minha cabeça o suficiente para ver o lich se abaixar e pegá-la.
Ele balançou provocativamente. — Obrigado. Você tem sido ótimo.
O bastardo foi até a porta, girando a chave de cobre uma vez no sentido
horário.
— Sente alguma coisa?
Engasguei-me com sangue tentando me sentar.
— Deixa para lá. — Ele colocou a chave ônix na fechadura direita. — Aqui
vamos nós.
Uma trituração pesada, mecanismos ocultos trabalhando atrás da porta.
Lentamente, eles se abriram para dentro, liberando uma rajada de vento
quente. Nick recuou, cobrindo o rosto.
O vento parou, as portas continuaram a se abrir até não haver nada além
de escuridão acima delas, nenhuma indicação dessas pedras ou qualquer
outra coisa.
— Não sei o que vai acontecer com você — disse Nick sem se virar. — Mas
este é o fim da vida como você a conhece. Ou isso é a morte como você a
conhece? — Ele riu. — Eu... — Ele recuou, apontando sua arma para a
escuridão. — Quem é você?
Algo atingiu o lich, fazendo-o cair ao meu lado. Ele rolou para o lado,
ficando de joelhos.
Ele havia perdido a arma.
Uma figura emergiu da escuridão, composta de sombras oleosas e
brilhantes.
— Quem diabos é você? — Nick disse, caindo para frente, com as mãos
apoiando-o no chão.
A figura parou, a forma distorcida da cabeça voltada para cima. — Eu sou
a consequência de sucumbir à tentação. — A voz não tinha características de
gênero. — Um desejo de me alimentar, outro ramo de mudança para
enfrentar. — Ele emitiu um som de fungada e depois gemeu de alegria.
— Isso não é...
A coisa interrompeu Nick. — Você não tem autoridade sobre o
conhecimento, Ômega. Você é apenas um servo que falhou, não importa o
quão justo você tente ser.
A figura se aproximou em estranha câmera lenta.
— O Sussurro — Nick falou.
— Uma pena. Que pena — dizia.
— Você...
O Sussurro silenciou Nick novamente. — Aqui está minha liberdade. — A
coisa cheirou o ar mais uma vez. — Um jardim de maravilhas que o reino
mortal oferece.
Tossi, engasgando-me com palavras e sangue.
— Adeus, Morte. Adeus, Lich. Obrigado por este presente. — Isso voltou
sua forma para os cadáveres dos membros do conselho. — E obrigado por
terem tanta ganância pelo poder. Vocês terminaram. As chaves e a porta não
precisam de vocês.
Isso bateu palmas, o prédio tremendo violentamente.
— O que está fazendo? — Nick rugiu.
Mas O Sussurro desapareceu, o chão se desfez abaixo de nós e o teto se
tornou um mapa de rachaduras mortais.
— Não! — o lich gritou.
O chão cedeu, e o prédio do conselho desmoronou conosco nas sombras.
Capítulo 41

Robert me carregou pela sala, e dois rebeldes apareceram com outra cama
de acampamento. Ele me deitou sobre ela, minha cabeça caindo para o lado.
Ele se agachou ao nível dos meus olhos. — Aposto que você está confuso,
hein?
Não brinca, idiota!
— É muito simples, na verdade — ele continuou. — Nick me ofereceu um
acordo para trabalhar com ele. Gosto mais dele do que de você ou de Emma.
Ele me entende.
Oh, não. Teria Robert sucumbido à loucura rebelde?
— E os negócios não pararam por aí. — Ele me bateu no peito. — Ele
prometeu Leon para sua mãe se ela me desse você. — A crueldade nadava
em seu olhar, no tremor de seus lábios. — Veja, ninguém te odeia tanto
quanto eu. Nem mesmo Nick. — Ele agarrou um punhado do meu cabelo.
— Você é a razão pela qual George está morto. Vou machucar você mais do
que qualquer outra pessoa. Nick adora isso, e Yvonne aqui ama seu filho.
Então aqui vamos nós. Grande negócio, grande retorno.
Onde estava George?
— Eu sei que você não pode morrer, mano. Ainda não, de qualquer
maneira. Mas prometo tornar cada dia um inferno na Terra. — Ele soltou
meu cabelo e agarrou minha garganta. — Vou me divertir muito.
— Sinto muito — disse Yvonne. — Mas meu filho vem primeiro.
Robert emitiu um grunhido. — Pegue sua prole e vá se foder.
Algo não estava certo aqui. Por que Nick entregaria Leon para sua mãe e
me entregaria a Robert? Nick amava Leon à sua maneira distorcida. Ele não
o deixaria ir assim.
Robert consultou o relógio. — Ele estará aqui em breve. Então todos nós
poderemos cuidar de nossos negócios. — Ele soltou minha garganta. — Se
você está se perguntando onde George está, ele está em algum lugar seguro,
longe de você. — Ele cuspiu na minha cara. — Puta assassina.
Vidros quebrando, um forte estrondo. A sala se encheu de uma espessa
fumaça azul, sufocando tudo em segundos.
O que era agora?
— Porra! — Robert gritou.
Passos correndo, sons de luta. Boom, colisão, Robert gritando muitos
palavrões.
O que diabos estava acontecendo?
Mãos em mim, meu corpo leve, saindo da cama.
Teletransportado?
Cheguei em um quarto pouco decorado com uma cama grande, onde fui
largado. Cortinas pretas estavam fechadas nas janelas, uma única lâmpada
alta lançava uma luz anêmica sobre tudo.
— Vamos colocá-lo na cama — disse Yvonne.
O que estava acontecendo?
Levantado, quatro pares de mãos me segurando.
— Coisa pesada, não é?
Emma? Que diabos?
Eu a vi enquanto minha cabeça pendia em meu pescoço mole,
descansando nos travesseiros.
Ela sorriu para mim. — Nos encontramos novamente.
— Ele está bem? — Leon perguntou de algum lugar à minha esquerda,
fora de vista.
— Ele ficará — respondeu Yvonne, vindo até mim com uma seringa de
Acelerador Tipo B. — Isso vai curar você mais rápido.
Sim, a substância proibida me curaria rapidamente, neutralizaria a
porcaria dentro de mim, mas também tinha o perigoso efeito colateral de
fazer você tropeçar como se estivesse drogado.
Eu não estava com vontade de me divertir ou de girar pela sala ao som de
uma música que não existia. Eu queria saber por que Emma estava de volta
na minha vida.
Levantei-me quando a toxina em minhas veias se rompeu, pronto para
correr. — O que está acontecendo?
Emma assumiu a liderança. — Permita-me.
— Não quero falar com você — rebati.
Um sorriso, levando minha resistência no queixo. — Escapei da minha
cela com meu novo poder de teletransporte. Cruzei o caminho de Yvonne
aqui e decidi ajudar apesar dos meus problemas com você. Sempre
trabalhamos bem juntos.
— Caminhos cruzados? Que conveniente.
— Você não recebeu um alerta da minha fuga em seu e-scroll? — Emma
perguntou.
— Eu perdi ele depois que Nick me jogou no fogo.
Leon respirou fundo entre os dentes.
— Um homem tão terrível — respondeu Emma.
Hipócrita. — O que foi aquilo que você usou em mim? — Perguntei a
Yvonne.
Emma estava aqui. Posso acordar do pesadelo agora, por favor?
— Versão Supressora 2 — respondeu Yvonne.
Cocei meu rosto, uma falsa felicidade aumentando. — Nunca ouvi falar
disso. Acho que Nick usou isso comigo também. — Olhei para Yvonne
enquanto ela dava ao filho uma dose de Acelerador Tipo B. Seus hematomas
desapareceram e suas íris âmbar brilharam.
— É uma coisa desagradável — disse ela — então ele deve ter feito isso.
— Tão ilegal quanto o Acelerador Tipo B — Emma interrompeu.
Cale a boca.
A expressão de Yvonne suavizou-se. — Sinto muito pela falsa traição. Tive
que fingir que estava entregando você antes de estragar tudo. — Seus lábios
se curvaram em um rosnado. — Nick nunca iria jogar limpo.
— Contanto que fosse falso — eu disse, com um novo pico de dopamina.
— Era.
Bem, veríamos isso.
— E agora? — Perguntei.
— Procuramos o filactério.
— Poderia estar em qualquer lugar — disse Emma.
Obrigado pela sua brilhante contribuição.
Estar tão perto da antiga Diretora Superior fez minha pele arrepiar.
— Nós descansaremos aqui — acrescentou Yvonne — vamos deixar vocês
dois se livrarem dos efeitos do Tipo B, planejando nosso próximo
movimento.
— Você está sendo caçada? — perguntei a Emma.
— Provavelmente.
Eu sempre parecia estar planejando meu próximo passo.
A Diretora Superior saiu do quarto.
Bom. Eu não aguentava muito mais do rosto dela.
O que você está fazendo? Pensei depois dela sair.
— Onde estamos? — Perguntei.
— Meu outro apartamento — disse Yvonne.
— Você tem um apartamento reserva?
— Agradecidamente. Café? Chá?
— Café, por favor. — Eu deveria beber?
— Vou pegá-lo agora.
— Se importa se eu deitar ao seu lado? — Leon perguntou.
— A cama é grande o suficiente — respondi, recostando-me nos
travesseiros macios.
— Virada louca, hein?
— Você pode dizer isso de novo.
— Estamos realmente seguros. Pelo menos por um tempo.
Nunca estou seguro com Emma Lackey por perto. — Como devo confiar
em você?
A cama afundou quando Leon se acomodou ao meu lado. — Temos que
mostrar a você, eu acho. — Sua voz era suave, naturalmente calma. — Sinto
muito por tudo que fiz por causa do meu marido. — Ele riu sob a influência
do Tipo B. — Desculpe. Sinto muito por tudo.
— Não queremos pegar você, Marcel — interrompeu Yvonne, voltando
com o café. — Eu prometo.
Você trabalhou contra mim e a Morte! Quantas vezes eu poderia dizer isso
antes que se esgotasse?
— Realmente fiz isso por Leon — acrescentou ela. — Eu não aguentava
mais que ele ficasse com aquele homem.
— Você não matou aqueles rebeldes — eu disse.
— Para manter as aparências — ela respondeu, sem se virar.
Deus, isso era tão confuso. Devo me teletransportar para fora daqui e ficar
fora desse drama? Ou ficar com eles e encontrar aquele filactério?
— E Robert? Ele é um rebelde?
— Não sei.
Droga. — Suponho que não haja vinho neste apartamento?
— Não. Biscoitos?
— Por favor — Leon respondeu com entusiasmo.
Alguém me salve do país das maravilhas!
Faça isso você mesmo!
Yvonne demorou mais de dez segundos para ir buscar alguns biscoitos
quando Emma entrou no quarto com uma faca. — Seu traidor nojento e
ingrato!
Rolei enquanto ela baixava a faca, a lâmina enterrando-se no colchão.
Ela rugiu, Leon preparando um feitiço.
Yvonne entrou correndo no quarto. — Emma!
Mas agi rapidamente, cheio de ódio e de raiva por essa Diretora Superior
trabalhando com meus membros e sentidos a todo momento.
Enfiei minha foice em sua cabeça quando ela veio até mim novamente, a
lâmina curva atravessando seu crânio, parecendo uma lua crescente
mórbida alojada ali.
Ela piscou, confusa, a vida deixando seus olhos. Esperei que ela voltasse,
mas o fantasma dela apareceu.
Respirações agudas e superficiais, a mente pensando em tudo que ela fez
comigo, com Jenn, minha família, com todos ao seu redor. Um usuário, um
trabalho verdadeiramente desagradável.
— Você... — sussurrei.
Minha foice acendeu com uma luz branca e tingida de verde. Vantagens
de calor nas palmas das mãos, nos dedos, esse fantasma era meu.
Ela gritou enquanto eu gritava, meu poder de ceifar explodindo nela. Seu
domínio sobre este reino quebrou, minha vontade forçando-a em direção ao
reino espiritual.
— Marcel! — ela gritou, desaparecendo.
Com um empurrão final, ela desapareceu.
Eu não parei com seu fantasma, meu desejo de removê-la da vista e da
mente era tão forte que seu corpo vaporizou, libertando minha foice.
Silêncio no quarto, uma onda de ataques às minhas defesas mentais.
Eu rapidamente conjurei duas seringas, injetando o Suco Necro para
conter o ataque.
Minha primeira alma.
— Oh... Deus... — Respirei fundo, caindo de joelhos.
— Você está bem? — Yvonne perguntou, apressando-se para me ajudar a
levantar. — Não acredito que ela fez isso.
— Eu acredito.
— Você a matou.
Eu estava de pé novamente. — Ela mereceu.

Tudo se acalmou em uma pausa estranha. Sentei-me na cama com Leon,


tomando café preto, Yvonne digitando em seu telefone.
O choque da morte de Emma não passou de uma reflexão tardia, embora
ela devesse nos ajudar.
Foda-se ela. Ela não merecia ocupar mais espaço cerebral do que já
ocupava.
Morta. A fervura foi removida. Não precisávamos dela por perto e Yvonne
parecia concordar silenciosamente.
Difícil se ela não concordasse.
Eu sabia que a Diretora Superior não resistiria em me atacar. Eu sabia que
ela nunca me ajudaria de bom grado. Havia muita água para construir
qualquer tipo de ponte.
Ah, bem. Agora ela poderia gostar de estar morta.
— Nick me manteve trancado no porão com livros e uma TV — disse
Leon, quebrando o silêncio de vinte minutos. Qualquer vestígio de felicidade
do Tipo B já havia se dissipado.
Escutei.
— Seus lacaios rebeldes estavam lá para me alimentar e dar água, me
escoltar até o banheiro com uma arma apontada para minha cabeça.
— Isso é terrível.
— Ele realmente os colocou sob sua proteção, sabe?
— Como?
— Esse é Nick. Idiota controlador de muitas maneiras. — Ele balançou sua
cabeça. — Ele não sobreviveu todos esses séculos sendo uma planta. — Ele
mordeu o lábio inferior. — Por que eu deixei ele colocar um anel no meu
dedo?
Ele tocou aquela aliança de ouro, esfregando o polegar no metal.
— Porque você o amou uma vez — disse Yvonne, sem tirar os olhos do
telefone.
— Eu amei. Grande momento. Estou falando de um amor totalmente
apaixonado. Eu me apaixonei pelo pedaço de merda bonito, elegante e
charmoso. Ele é o melhor amante que já tive e já foi o homem mais gentil que
já entrou na minha vida.
— Com licença — Yvonne interrompeu, atravessando o quarto com os
olhos ainda grudados na tela. — Estarei de volta em um minuto.
— O que está errado? — Perguntei.
— Nada. Não se preocupe. — Ela saiu do quarto.
— Ela não gosta de falar sobre Nick — disse Leon.
— Oh.
O mago virou seu corpo, tanta tristeza em seus olhos âmbar. — Eu deveria
ter sido mais forte quando ele 'matou' mamãe. Mas então ele revelou seu
lado lich e me enterrou sob ameaças. Me usou para minha magia, me fez
fazer coisas que eu não queria porque era um covarde. Com medo de morrer.
Com medo de tudo que ele poderia fazer comigo. — Um suspiro pesado. —
E eu ainda o amava. Demorou um pouco depois disso para o ódio realmente
decolar. Agora finalmente me sinto acordado, especialmente depois que
descobri que mamãe estava viva.
— Ele ainda não sabe que você o está sabotando?
Ele encolheu os ombros. — Eu não poderia dizer. Ele me impediu de fazer
poções, me amarrou antes de você me resgatar. Me disse para assistir ao
show. — O canto de sua boca se contraiu.
— Ele ficará furioso porque seus planos fracassaram.
— Espero que sim.
Tirei as pernas da cama. — Você passou por momentos difíceis.
— Você também.
Levantei-me, de costas para ele. — Não sei o que pensar.
— Entendi. Nós bagunçamos sua cabeça.
— E você bagunçou a sua.
— Ele vai pagar.
— Quer mais café?
Leon engasgou tão alto que me virei tão rápido que quase me chicoteei.
Ele rolou para fora da cama, esticando os braços acima da cabeça.
Algo estava errado.
— Yvonne! — Gritei.
Ela correu para o quarto. — O que está errado?
— Leon… — eu disse.
Ela foi até ele, segurando-o pelos ombros. — Você está...
Ele a empurrou com tanta força que ela voou para a mesa. Ela quebrou
com a força, e a chaleira caiu no carpete.
Corri até ela. — Merda!
— Leon? — ela ofegou, o sangue escorrendo pela parte de trás de sua
cabeça.
Os lábios de Leon se abriram em um sorriso, os olhos âmbar se tornando
uma estranha e brilhante oleosidade.
— Leon? — Yvonne disse novamente. Tentei ajudá-la a se levantar, mas
ela não se movia.
Leon cheirou o ar, inclinando a cabeça para cima. — Sim. — Esse não era
seu tom suave habitual.
Yvonne procurou uma poção em sua bolsa no peito. — Filho?
Esse sangramento realmente precisava ser tratado.
— Sim — Leon disse novamente.
O que diabos estava acontecendo?
Leon ergueu os braços, os olhos voltados para o teto. — Sim. Realmente é
um jardim de maravilhas.
Uma incrível luz iridescente me engoliu, envolvendo-me enquanto eu
caia.
Braços envolveram meu corpo, uma presença sólida pressionada contra
minha coluna.
Corpo? Outro corpo?
Quem?
Como?
Nick?
Não! Se estes fossem seus braços...
— Estou aqui, querido.
A destruição do reino do conselho passou trovejando por mim, por nós.
Winnie? Como isso poderia ser Winnie?
— Eu… não entendo.
— Estou mantendo você seguro — sua voz respondeu. — Eu disse que
sempre estarei por perto para ajudá-lo.
— Mas… eu não entendo.
— Primeiro, devemos chegar ao fundo. Eu vou proteger você.
O fundo? Para onde estávamos indo? Quão longe estávamos caindo?
Marcel…
Será que algum dia eu o veria novamente?

Prepare-se para o grande final da série Necromancer Rising em…


Richard Amos é um autor inglês que está constantemente perdido nos
mundos sobre os quais escreve e naqueles que ainda não foram escritos. Ele
também tem mais livros em casa do que qualquer outra coisa e nunca fica
sem um livro (e chocolate) nas mãos quando não está escrevendo. Ele é um
nerd orgulhoso que adora dançar. Fortemente.
Em uma vida anterior, ele foi definitivamente um tritão.
Richard escreve Fantasia e Fantasia Urbana MM incríveis, todos com boas
doses de ação, aventura e romance.

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