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Revista Potocando

Número 02, Outubro/2023

Edição: Elves Cunha, Gustavo Claude e Thyago Costa


Revisão: Regina Almeida
Direção de Arte: Marina Luiza
Ilustrações: Nila Tchbum
Diagramação: Raoni Kachille
Contos: Flávio A. S. Fernandes, Pedro Icaro e R. R. Portela
RPG Ascenção: Gustavo Claude

Copyright © Revista Potocando.


Todos os direitos reservados.
Índice
Editorial | 04
Contos
A furia do tigre | 06

É sempre mais escuro antes de amanhecer | 17

A besta o gênio e o escultor | 26

Ascensão | 36
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Editorial

L
á pelo ano 2000, nos meus 10 anos de idade, estreou um dese-
nho animado na Tv Globinho que roubou toda a minha atenção:
Monster Rancher. A história de um garoto sendo sugado pelo
videogame para um mundo de fantasia, cheio de monstros e aven-
turas, me encantou. Cada caminhada do jovem, encontrando novos
amigos e aliados, culminando em um sacrifício doloroso para derro-
tar um terrível mau, era um convite para sonhar, porque nas minhas
imaginações de criança eu também queria ir para um mundo mági-
co cheio de desafios e lutas gloriosas (provavelmente eu morreria,
mas valia sonhar). E com o passar dos anos eu descobri que o RPG era
um portal que me ajudaria nessa missão. Quando o Gustavo Claude
comentou sobre sua ideia para escrever Ascensão, eu pude retornar
para esse momento da minha infância e sorrir com as possibilidades.
E como diria a música de abertura de Monster Rancher, “quem quiser
me acompanhar, coragem tem que ter”, então vamos nessa!
Ascensão é um RPG que teve inspiração no gênero de fantasia Xian-
xia. Nesse cenário você conhecerá o Mar de Sangue, uma costa con-
tinental cheia de maravilhas inimagináveis. Conhecerá os Imortais,
pessoas com habilidades sobre-humanas que disputam tesouros po-
derosos, notoriedade e transcendência. Várias organizações se espa-
lham por essas terras, com seus próprios objetivos, dos mais nobres
aos mais sórdidos. Travam batalhas monumentais para terem con-
trole sobre planos paralelos repletos de monstros e glória!
Você é um Imortal. Ou alguém buscando ser. Talvez você seja uma
pessoa atrás de novos ensinamentos. Talvez esteja à procura de uma
arma milenar. Ou quem sabe você entrou em um portal de outro mun-
do e acabou caindo aqui. Ascensão é um cenário versátil, sem amarras
geográficas ou culturais, cujos limites estão apenas na imaginação
do seu grupo de jogadores! Encorajamos a remodelação e ampliação
dos conceitos apresentados nesse livro. Que ele sirva apenas de base
para o começo de uma grande aventura!
Talvez você já queira ir direto ao jogo, mas antes eu te convido a ler
três contos ambientados nesse universo. Três narrativas que pode-
rão ajudar nos conceitos e possibilidades de histórias a serem criadas.
Começaremos com A fúria do tigre, de Flavio A. S. Fernandes, onde
um jovem agricultor foge de um ataque brutal em sua vila e acaba

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esbarrando em um artefato poderoso que pode mudar, e moldar, seu
destino para sempre. Em É sempre mais escuro antes do amanhecer,
Pedro Icaro nos leva através do aprendizado inicial de uma nova Cul-
tivadora dos Alquimistas da Névoa Púrpura, em um caminho cheio
de lutas contra seus próprios medos. Finalizamos com R. R. Portela
e seu texto A besta, o gênio e o escultor, sobre três ladrões que ten-
tam romper as amarras de uma profecia que pode reservar papéis de
heroísmo e devastação.
Cada uma dessas histórias perpassa por embates físicos e psicoló-
gicos de indivíduos que tentam compreender seu papel nesse mun-
do. Que eles sejam apenas uma fagulha que acenda a sua curiosidade
e inventividade. Que seus personagens sejam protagonistas de aven-
turas épicas e alcancem a sonhada ascensão!
Que rolem os dados!

Thyago Costa

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A fúria
do tigre
Flavio A. S. Fernandes
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A noite pouco estrelada ficava ainda mais escura sob a densa cober-
tura vegetal da floresta de folhas azuis. O brilho da lua lançava flechas
prateadas no chão coberto por folhas secas. Aqui e acolá, os fachos
de luz rasgavam a escuridão. No entanto, mesmo à noite e imersa em
tamanha escuridão, a floresta era bela; um misto de suavidade e sel-
vageria. Flores delicadas e multicoloridas disputavam espaço com as
raízes altas, grossas e retorcidas das frondosas árvores milenares.
Alheio ao espetáculo natural, Zhao Chang corria com todas as suas
forças. O ar faltava-lhe aos pulmões e as pernas, fadigadas, escapa-
vam de tropeçar por uma inexplicável sorte. Atrás dele, outras pes-
soas corriam com o mesmo afinco, porém, a julgar pelos gritos de
dor, não tiveram o mesmo sucesso que ele.
Um assobio do vento, seguido de mais gritos de dor, ecoou pela
mata. Zhao Chang resistiu à curiosidade de olhar para trás e usou a
última de suas forças para imprimir mais velocidade. Até que a sorte
o abandona e ele tropeça. Cai de cara em um monte de folhas secas,
arranhando a face em um graveto que jazia ao pé de um arbusto.
— Droga! — exclamou cuspindo a terra escura. Seu coração pare-
cia que ia sair pela boca. O suor frio se misturava ao suor da corrida
desesperada. — Ele vai me pegar!
Se arrastou pelo chão até alcançar a cobertura de uma árvore.
Atrás dela ficou em pé e arriscou olhar para trás. O corpo acelerado
pela adrenalina gelou. As mãos trêmulas agarraram a casca da árvo-
re numa débil tentativa de se manter em pé.
A figura que se aproximava era de um imortal. O homem de cabelos
longos e negros era pálido como a lua. Vestia seda negra como a noite
com uma faixa azul em sua cintura. Seus movimentos eram rápidos
e precisos. Um giro de sua espada era o suficiente para emanar uma
corrente de ar que cortava sua vítima em dois. O sangue pintalgava
as folhas azuis de vermelho e os corpos maculavam a terra bendita.
O estranho invadiu sua vila, sem qualquer aviso, pelo menos ne-
nhum que Zhao Chang tivesse conhecimento. Sua vila era muito
pobre, vivia do artesanato e da pequena produção agrícola que con-
seguiam vender para as Duas Torres mais ao sul. Ali, nas sombras da-
quela árvore, o medo de Chang virou raiva. Como podem esses seres
poderosos não se importarem com os mais humildes? Eram pobres,
carentes, mas nem por isso menos merecedores de respeito.
Aquelas pessoas só queriam viver as suas vidas em paz. Ele só que-
ria viver sua vida em paz. Chang era um jovem agricultor, estava no
início da casa dos vinte, mal tinha barba e usava os cabelos longos
presos em rabo de cavalo alto.
— Por quê? — deixou escapar seu pensamento enquanto apertava
a casca da árvore. E logo a raiva se transformou em impotência. Nada

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podia fazer e o som de mais mortes foi o lembrete para que continu-
asse correndo. E assim o fez. Pegou uma pedra, lançou para um lado
e correu para o outro a toda velocidade.
Enquanto corria, ouviu mais uma vez algo cortando o ar. O farfa-
lhar das folhas ondulou noite adentro e a única coisa que ouviu foram
seus passos amassando a folhagem seca. Não tinha como escapar. O
ruído de sua fuga entregou a sua localização.
— Kan! — exclamou o estranho. Sua voz firme viajou junto com a
mortífera corrente de ar.
Chang ouviu as folhas se levantarem e sentiu suas costas arrepia-
rem. Era o seu fim. Ou seria. No último segundo, suas pernas se em-
bolaram e tropeçaram em uma raiz alta. O tombo o fez rolar por um
declive. Por vários metros desceu rolando. Bateu a cara no chão, gi-
rou raspando as costas, depois as pernas travaram em um cipó que
se partiu levando-o a cair de peito no chão. A dor foi imediata, a sen-
sação de que algo frio e pontudo rasgou-o por dentro arrancou-lhe
o ar. Por alguns segundos, teve a certeza de que a alma havia saído
do corpo. Seu esterno devia ter batido em cima de uma pedra, a dor
o fez arquear. Ela irradiou por todo o corpo. Tentou respirar, mas o
incômodo no peito foi maior. Faltou ar, voz e forças. Arregalou os
olhos, escancarou a boca desesperado por ar, mas só via escuridão. É
o fim. Talvez, se fosse cortado ao meio seria uma morte mais rápida e
menos dolorosa. O que estava pensado, recriminou-se… Vou morrer!
— Só se você quiser! — Ecoou uma voz grave na escuridão.
— Quem é você? — perguntou e, ao mesmo tempo, ficou surpreso
por ter conseguido fazê-lo.
— Sua salvação. — A voz emanava tranquilidade e cada palavra
dita ecoava em todas as direções.
Ainda atônito, Zhao Chang notou que a dor sumiu, seu corpo estava
incólume, pelo menos assim sentia. Tudo estava escuro. Estou cego?
— Sim, está cego para as artes místicas. Seus olhos mortais não
conseguem captar a luz deste reino místico.
— Reino Místico? Mas… Isso é coisa para os cultivadores… eu… —
Chang gaguejou e girou ao redor de si numa vã tentativa de enxergar
algo. — O que estou fazendo em um Reino Místico?
— Você não está de fato aqui — retorquiu a voz —, eu trouxe a sua
consciência para cá para que eu pudesse te ajudar.
Chang sentiu um calor em sua cabeça como se mãos quentes a to-
cassem. O calor percorreu o corpo arrepiando os pelos, como cor-
rente de eletricidade estática, não demorou e a escuridão cedeu um
pouco. Foi o suficiente para o jovem tomar um susto.

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— O que é isso?! Como?
Chang percebeu que não tinha batido o esterno em uma pedra,
mas sim, em uma adaga. Ela estava enterrada em seu peito e seu cor-
po estava cheio de sangue.
— Você caiu na lâmina da adaga de Bao. — disse a voz. Ela não mais
ecoava, mas crescia lentamente atrás de Chang. — Teve o azar de ser
mortalmente ferido, ou a sorte de ter a vingança que procura.
Chang se virou para encontrar a voz e teve um novo susto. O des-
conhecido era um ser de dois metros de altura, com um corpo huma-
noide forte, e com cabeça e pelos de tigre.
— Surpreso? — perguntou mostrando as presas sem esperar o ou-
tro reagir. — Sou aquele que caminha pelos reinos e pisa nos meros
mortais. Aquele que transcendeu o poder de um mero cultivador. Já
fui mestre da Seita Presas de Azulra, mas hoje aprisionado pela in-
veja e cobiça do Grande Ancião da seita dos Artífices da Forja Gris. E
você está em minha prisão. Nomes têm poder — disse se antecipan-
do ao pensamento de Chang —, apenas me chame de Mestre.
Chang esboçou falar algo, mas a situação em que se encontrava o
fez calar. Há poucos minutos corria desesperado pela sua vida e ago-
ra estava diante de um tigre falante que trazia a sua salvação? Eu acho
que bati a cabeça e ainda estou dormindo…
— Mestre? E como pode me ajudar, se você está preso aqui? — per-
guntou ainda duvidando de que aquilo tudo era real. Pensou que um
pouco de lógica poderia ajudá-lo a “acordar”. — E isso aqui no meu pei-
to? — Chang tentou tocar na adaga cravada no peito, mas a mão passou
direto como se não existisse matéria. — Sou um fantasma? — ironizou.
— Não seja tolo! É apenas a sua consciência que está aqui! — irri-
tou-se. — Escute aqui, Chang, eu posso te dar o poder de um cultiva-
dor. Posso te ensinar a desenvolver esse potencial.
— E em troca?
O tigre sorriu em uma mistura de alegria e ferocidade. O sorriso
foi aterrador.
— Gostei de você, direto. Embora um pouco burro — e continuou
interrompendo a reclamação do outro —, mas pode ser útil. A troca
é a minha liberdade. Quanto mais você desenvolver o poder que vou
lhe dar, mais essa prisão vai crescer, até o ponto em que ela se que-
brará e eu estarei livre. O que me diz?
Prisão, poder, seres místicos, que droga de sonho maluco é esse que eu
estou tendo? Eu nunca quis ser nenhum cultivador. Sou feliz em minha
vida pacata. Zhao mordeu os lábios incomodado com a chuva de no-
vidades que aquele estranho jogava sobre ele. Ainda estava inclina-

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do a pensar que tudo não passava de um sonho ruim, porém, a lem-
brança de sua corrida desvairada pela floresta o fez fazer uma careta.
Suspirou desanimado.
— Eu só quero voltar para casa e viver minha vida em paz.
— Qual casa? A que foi destruída?
— Como você sabe?
— Estou em sua cabeça, seu tolo! — rugiu o tigre.
— Ei, é assim que você pede ajuda? Sendo assim, eu recuso. Vou
para outro lugar recomeçar minha vida.
— Vida? Que vida? Você está quase morto, Chang! Sem a minha
ajuda você vai sangrar até morrer.
O jovem gelou. Lembrou dele deitado no chão com a boca aberta
tentando buscar ar para respirar.
— Enfim, entendeu a gravidade da situação.
— O que eu tenho que fazer? — perguntou desanimado.
— Daqui para frente, vou ser o seu mestre e você vai fazer tudo o
que eu mandar! Entendido?
— Como assim tudo? Eu só sou um agricultor, não faço ideia do
que espera que eu faça. Não posso aceitar essas coisas assim, de re-
pente… — indagou gaguejando.
— Esse é o nosso pacto. — respondeu ignorando os questionamen-
tos de Chang. O Tigre cruzou os braços musculosos de pelo brilhan-
te. — Vou salvar a sua vida e você vai me ajudar em minha vingança.
— Mas não era para te libertar?
O Mestre o ignorou e deu um murro na barriga de Chang. O jovem
arqueou e arregalou os olhos de dor e de surpresa.
— Ei… — disse com voz embargada tentando retomar o ar que es-
capou rápido de seus pulmões. — Não era para eu sentir dor aqui.
— Eu decido o que você sente ou deixa de sentir. Eu tenho um pla-
no para me libertar. Você vai me ajudar ou não?
— Sim!
— Ótimo! Agora volte logo lá, senão você morre!
Desta vez, o Tigre deu um peteleco na testa do outro e em poucos se-
gundos o jovem estava de volta à floresta de folhas azuis. Zhao Chang
acordou como se tivesse saindo de dentro da água. Buscou por ar e
ele veio. Ofegante, sentiu a adaga perfurar o peito. Segurou o cabo
da arma com firmeza e a retirou. Gemeu de dor, o sangue esguichou,
mas logo parou. A ferida fechou como um olho adormecido.

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Em sua mão, a adaga cheia de sangue cresceu de tamanho e virou
uma espada curta. Espantado, analisou o cabo e viu que era esculpi-
do na forma de um tigre. A cabeça do animal ia do cabo até além da
guarda-mão, esta que era em forma de garras. Os olhos da escultura
brilharam rubros.
Agora levante! O caminho para a minha liberdade só está começando,
disse a voz dentro de sua cabeça.
— Eu não sei lutar! Só aprendi a usar enxada e forcado.
Respire fundo, deixe o elemento ar fluir pelo seu corpo. Neste primei-
ro momento você será apenas instinto. Deixe que a energia mística guie
seus movimentos!
Um som de passos pisando em folhas secas chamou a atenção do
jovem que o fez olhar para o alto. O homem que atacara a sua vila es-
tava lá, empunhando uma espada longa enfeitada com laços azuis.
Uma brisa açoitou-lhe as vestes e ele apenas sorriu, se deliciando ao
saber que ainda havia mais uma presa para matar. Chang sentiu ar-
repios ao ver o algoz de sua vila, suas mãos suaram e, como um ato
reflexo, correu o mais rápido que podia.
O que está fazendo? Inspire longamente, prenda o ar dentro de si, de-
pois expire vagarosamente.
— Eu estou meio ocupado aqui! — exclamou correndo pela mata
escapando por pouco de um ataque do oponente. A corrente de ar
cortou uma árvore e fez várias folhas azuis bailarem ao sabor do ven-
to. — O maníaco me achou!
Não seja tolo! Se correr morrerá! Volte lá e lute!
— Eu não sei lutar!
Um redemoinho veloz rasgou o chão girando incontáveis folhas
secas do chão. Quanto mais ele se aproximava do alvo, mais rápido e
mortal ficava. Quando alcançou Chang, ele conseguiu saltar para o
lado, fazendo-o acertar uma grande rocha, levantando areia e lascas
de pedra para todas as direções.
Idiota! Como você acha que está escapando desses golpes?
— O que? — Mais outro golpe foi lançado. Chang viu nitidamente
o arco de ar girando em sua direção, o desenho do golpe rodopiando a
uma grande velocidade, parecia agora rodar mais lento. O jovem ape-
nas deu um passo para o lado e acompanhou a trajetória da lâmina de
ar se chocar contra um tronco coberto por musgos. — Como eu fiz isso?
Obedeça! Respire fundo. Inspire longamente, sinta a energia mística
entrar em seu corpo e preencher todo o seu ser.
Zhao não conseguia respirar como o Mestre queria. Sentia a respi-
ração rápida e o coração acelerado. Durante toda a sua vida, apren-

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deu a correr quando via o perigo se aproximar. Afinal, ele era um
agricultor. Sabia quando ia chover, quando era tempo de colher e
plantar. Sabia curtir o couro, cortar a lã e acalmar um cavalo chucro.
Sabia que a melhor forma de lidar com animais selvagens era fugir.
Bandoleiros? O melhor era sempre deixar umas moedinhas para eles
levarem e outras escondidas no fundo da carroça para conseguir vol-
tar para casa.
A única coisa mais próxima de uma arma que havia empunhado
era uma foice que usava para cortar capim para o gado e o arroz para
o seu consumo. Não dava para simplesmente mudar a sua natureza e
querer encarar o perigo. Ainda mais encarar o perigo sendo um cul-
tivador!
Estou ouvindo o seu medo gritar! Cale esse medo. Você é parte do uni-
verso, Chang. Sinta a energia do universo fluir em seu corpo, se torne
uno com ela. A tendência natural da energia é buscar o equilíbrio! Deixe
que a energia mística guie seu corpo para o equilíbrio.
— Mas…
Cale-se! Não pense, faça!
O oponente surgiu veloz atacando com sua espada longa, ataque
esse que foi surpreendentemente rebatido por Chang. O choque das
lâminas tiniu agudo e lançou brilhos prateados na noite escura.
— Eu consegui!
Foco, Chang!
— Desgraçado! — vociferou em um misto de surpresa e ódio. Desceu
o olhar e viu o cabo da espada. — Este é o artefato que estou procuran-
do! Estava com você esse tempo todo? — sorriu macabro e apertou o
olhar — Se tivesse entregado logo de início teria evitado várias mortes.
Zhao Chang rilhou os dentes e sentiu mais uma vez o sentimento
de impotência. Lembrou do desespero de correr na floresta escura
sem saber se conseguiria sair vivo. O grito dos inocentes ecoou em
sua memória.
Chang! O ódio não é o melhor canalizador para Energia Mística. Você
pode conseguir efeitos devastadores, mas ele também irá machucá-lo. O
ódio consome sua energia vital, não caia na provocação deste canaliza-
dor! Respire! Mente tranquila faz corpo forte!
Ignorando os ensinamentos do Mestre, o jovem apertou o cabo da
espada e com uma força que ele desconhecia, conseguiu se desvenci-
lhar da espada inimiga e iniciou uma sequência de golpes rápidos.
Mente tranquila, Chang!
Leve como uma pluma, o oponente se limitava a desviar dos gol-
pes com simples movimentos. A espada passava a centímetros de sua

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face, de seu braço, da lateral de seu corpo, mas, mesmo assim, ele se
divertia com a afobação do neófito.
— Enfim, algo para me divertir! — disse o homem ao pousar alguns
metros atrás depois de uma pirueta no ar. — Já estava entediado de
matar plebeu. — Ele esticou a espada longa na direção do jovem e
com a outra mão, provocou chamando-o.
Mente tranquila!
— Ah! — Mais rápido que o vento, Chang se lançou sobre o homem,
conseguindo fazer um leve corte em sua pele pálida.
O sorriso dele se desfez.
— Acabou a brincadeira!
Respire fundo e seja um com a sua espada, deixe que a energia guie os
seus movimentos…
Antes que o mestre Tigre continuasse com os ensinamentos, o ini-
migo fez um corte no ar e se transformou em um pequeno furacão
que levantou as folhas secas que estavam no chão e sacolejou as copas
das árvores. Chang não conseguiu ver nenhum golpe que recebeu e,
ao fim, foi lançado contra uma pedra ao pé de um aclive íngreme.
Pare de afobação e me escute! O seu oponente manipula o elemento
ar. Você só poderá vencê-lo se harmonizar esse elemento dentro de si!
— Eu não consigo… — reclamou cuspindo sangue.
Cale-se e faça o que eu digo! Respire! Vamos, com mais força, assim!
Inspire até não aguentar mais!
— Ele está vindo — observou com a voz quase não saindo por segu-
rar o ar nos pulmões.
Até não aguentar mais!
O oponente chegou veloz fazendo um corte que tinha o pescoço de
Chang como alvo.
Solte!
Zhao Chang soltou o ar e com um ato reflexo levantou a espada no
último segundo, bloqueando o golpe que seria mortal.
Continue respirando! Ataque!
O ar fluía no interior do jovem aprendiz, suas mãos se moviam li-
geiras, mas suas feições eram serenas. Agora, a espada era um pro-
longamento de seu corpo. Enquanto que um braço acompanhava o
equilíbrio em um ritmado vai-e-vem, o outro empunhava a arma e
rebatia os golpes do inimigo de forma precisa. Além disso, conseguiu
contra-atacá-lo com eficiência.

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— Não pode ser! — rugiu furioso. A ira tinha mudado de lado, ago-
ra era o outro que se entregava à raiva numa inexitosa tentativa de
finalizar o combate. — Morra!
É agora, acabe com isso!
Ouvindo o seu mestre, ele deu um leve passo para o lado, girou
nos calcanhares e ficou de frente para o flanco do oponente. Zhao via
tudo em uma velocidade bastante reduzida. Conseguiu ver as feições
do inimigo se contorcerem em uma careta de ódio, depositando suas
esperanças em uma estocada que tinha passado direto. Agora, com
a costela exposta e a poucos metros de si, ainda sobrou tempo para
Chang inspirar mais uma vez e expirar no momento em que soltou o
golpe mortal. Sua espada atravessou o pulmão e o coração dele, lan-
çando um esguicho de sangue pelas costas, local onde a lâmina saíra.
— Ufa… — o jovem expirou quando viu o cadáver inerte de seu
oponente. Mal acreditava no que tinha acabado de fazer. Olhou para
a lâmina e viu que o sangue foi sugado por ela. Os olhos do tigre bri-
lharam escarlates.
Muito bem, Chang! Mas você ainda tem muito o que aprender. Princi-
palmente a me ouvir!
O que era aquilo tudo o que tinha feito? Chang não fazia ideia. Ten-
tou reproduzir no ar alguns movimentos com a espada, mas nem de
longe pareceu com o que fizera. Seria esse o poder de um canaliza-
dor? De repente, se tremeu ao pensar que tipo de preço teria que pa-
gar por tamanho poder. Afinal, aquilo não viria de graça, mesmo o
tigre dizendo que o preço era sua liberdade. No fim, tentou se con-
formar, pois era aceitar aquilo ou morrer.
— Obrigado… Mestre! Você salvou a minha vida. — completou fa-
zendo uma reverência para a lâmina. — Vou lhe ser grato me esfor-
çando para ser um bom aprendiz.
Que assim seja!
— E agora? O que faremos?
Agora colocaremos o plano em prática. Para me vingar do homem que
me prendeu nesse reino, eu preciso que você entre na seita dos Artífices
da Forja Gris. Você precisa ser aceito lá. Ganhe a confiança deles.
— E depois?
Depois? Uma vez conquistada a confiança deles estaremos próximos
o suficiente para desafiar o Grande Ancião. E assim terei a minha vin-
gança e a minha liberdade!
Chang assentiu devagar e caminhou ainda mais lento. Sua cabeça
girava rápido demais para uma caminhada mais acelerada. Sua vida
tinha virado de cabeça para baixo em poucas horas. A vila foi ata-

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cada, seus amigos e parentes morreram, sua casa foi queimada, ele
quase morreu, e agora tem um pacto com um Tigre falante.
Depois de alguns minutos avançando na mata, parou quando viu
o sol nascendo no horizonte. As setas douradas rasgavam o céu escu-
ro, substituindo o preto pelo azul. As nuvens escuras ganharam o ru-
bro da alvorada e os tons alaranjados exibiam coroas douradas que,
de certa forma, o deixaram feliz.
Não poder voltar acabou sendo um impulso para seguir adiante.
Não ter mais o que perder, lhe dava um pequeno gostinho do que ti-
nha a ganhar. Ver o sol vencer a lua lhe deixou otimista. Vai dar certo!

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Flavio A. S.
Fernandes

Soteropolitano, advogado, escritor e apaixonado pelas letras,


Flavio é fã de RPG, séries, filmes, quadrinhos, animes de literatura
fantástica e medieval. Adora escrever sobre aventura e ação, nunca
esquecendo de uma pitada de romance. É autor de diversos contos
publicados pela editora Cartola e dos livros de fantasia medieval: Me-
liah-Aha, o primeiro paladino; Contos de Awnya: Ravel; e o Caçador de
Lendas (este se passa no Brasil colonial).

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É sempre mais
escuro antes do
amanhecer
Pedro
17 Icaro
Florence correu o mais rápido possível. Saiu do dormitório em
meio à escuridão da madrugada, subiu as escadas, atravessou o pátio
de treinos e entrou no palácio. Os acólitos fecharam as grandes por-
tas duplas, assim como tinham aberto para ela, e saíram, deixando
apenas Florence e a escuridão dentro do Grande Salão.
Andou cautelosa, atravessando o espaço repleto de colunas circu-
lares que seguravam o teto multi-inclinado. Florence ainda se per-
dia olhando a arquitetura de lugares assim. Só depois conseguiu ver
quem estava à frente, no altar no fim do Grande Salão. A figura pe-
quena, coberta por uma túnica marrom que descia até perto dos joe-
lhos e calça da mesma cor por baixo. Os cabelos negros desciam pelas
costas como água em uma cachoeira. No altar, as velas se deposita-
vam em semicírculo, quase cercando por completo a pequena figura.
Florence se aproximou um pouco mais, bem devagar. Não pode
ser..., pensou. A Matriarca virou-se para ela, mas só depois tirou os
olhos das folhas que segurava e reparou em Florence estática no pé
dos degraus do altar.
— Grande Anciã Jie — Florence saudou, curvando-se. — É uma
honra.
Não houve resposta a princípio, então Florence levantou os olhos.
Ainda estava sendo estudada pela Matriarca, porém não sentiu ne-
nhum tipo de julgamento maldoso. Apenas os olhos ali, que demons-
travam ter visto muita coisa na vida.
— A honra é minha — disse a Grande Anciã, sorrindo. — Mestre
Zihao me contou que você foi a melhor no teste de aptidão, na semana
passada. Peço perdão por não ter presenciado sua performance. Há
alguns anos não temos voluntários para os testes de aptidão aqui na
seita de Alquimistas da Névoa Púrpura. Nossa ilha é de difícil acesso,
e nossa seita, ainda mais. — Olhou um pouco mais para ela. — Além
do seu cabelo de cor do sol no crepúsculo, me pergunto o que mais
você tem de especial, Florence.
Ela engoliu em seco.
— Não saberia dizer, Grande Anciã Jie. Aprendi a Cultivação sozi-
nha, lutando contra os perigos das ruas... Não sei realmente se sou
digna...
— Da Cultivação? — A senhorinha aproximou-se dela, descendo de-
vagar cada degrau do altar. Suas sandálias sequer faziam barulho no
chão de pedra e suas vestes moviam-se suavemente a cada movimen-
to. — Poucas são, na verdade. Porque não somos nós que escolhemos
a Cultivação, somos escolhidas. E não estou falando do Mestre Zihao.
Ela entregou as folhas para Florence — duas folhas simples e ver-
des com linhas sutis na horizontal como veias de sangue. Uma extre-

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midade mais arredondada e a extremidade do caule, como qualquer
outra, mais pontuda. Florence apenas não se lembrava de qual folha
se tratava, teria de estudar novamente os pergaminhos.
— Grande Anciã Jie. Quem me escolheu?
— O Destino. Venha comigo, é hora da sua próxima lição.
Ambas seguiram pelo Grande Salão, devagar. Florence seguia a
Matriarca Jie a passos curtos, pois a própria andava lentamente. Flo-
rence aproveitou para guardar as folhas no cinto do uniforme púr-
pura. Atravessaram o Salão e as grandes portas duplas de madeira se
abriram para elas. Desceram os degraus até o pátio de treinos, onde
a senhorinha parou.
— Você disse que aprendeu o combate marcial sozinha, para se
proteger. Nossa seita é especialista em poções, venenos e cura. Sabe
o que significa tudo isso?
Florence pensou um instante.
— Estas são as principais especialidades das Alquimistas da Névoa
Púrpura. Poções, venenos e cura são extremamente requisitados no
Mar de Sangue.
— Deve imaginar como é sutil a diferença entre poções de cura e
venenos. Uma poção de cura com menos tempo de cozimento se tor-
na veneno. Um pouco mais... Sabe o Destino o que pode acontecer.
Mas a sútil diferença muitas vezes está em nós. É uma responsabili-
dade muito grande, não acha, Florence?
Florence sentiu os ombros encolherem.
— Não desanime agora. — A Grande Anciã tocou seus ombros. —
Será preciso força e concentração para sua próxima lição.
— Irei preparar poções, Grande Anciã Jie?
— Ah, não. Ainda está um pouco distante disso. Sua lição envolve
algo muito mais perigoso e nocivo para você, minha jovem. Envolve
enfrentar o temperamento necessário para encarar poções de vene-
nos e de cura. Envolve mais de você do que de folhas e ervas, decidir
entre quem irá viver ou morrer. Envolve sua própria vida e existên-
cia aqui ou em qualquer outro lugar. Escolher entre o que será vene-
noso ou curativo para você.
Ela pensou nas palavras da Matriarca.
— Sinto muito, Grande Anciã Jie. Tenho medo de não ter compre-
endido seu ensinamento.
— Não é meu ensinamento, Florence. É seu, para si mesma.
Ótimo, pensou Florence, entendi menos ainda. Do lado de fora, ain-
da chegavam os primeiros raios de sol. Pouco a pouco se iluminava

19
o pátio de treinos e, com a escuridão se dissipando, a névoa púrpura
que batizava a seita também corria com a escuridão. No entanto, a
névoa não ia embora da ilha inteira, apenas do palácio, Florence já
havia notado na semana que passara ali.
Só então viu a Anciã sorrir para ela, como se lesse seus pensamentos.
— Veja essa névoa, Florence. O que seria de nós caso a ilha inteira
se dissipasse dela?
— A ilha seria invadida pelas outras seitas. Outros em busca da
imortalidade atravessariam diversos reinos místicos em busca da
Cultivação daqui. As poções se tornariam armas químicas de guer-
ra, cidades inteiras cairiam.
A Grande Anciã Jie riu baixinho.
— Provavelmente. Isso porque você está pensando no mundo fora
daqui. Mas eu perguntei o que seria de nós. A ilha está coberta por
esta névoa desde antes da memória. Nascemos, vivemos e morre-
mos sob a névoa. Mudar qualquer coisa na nossa vida, até mesmo
no mais simples aspecto dela, é trabalhar novamente quem somos.
É descobrir quem éramos e quem seremos. Não escolhemos a névoa,
nem para ficar nem para partir. Apenas para conviver com ela. — A
Grande Anciã olhou para cima. — Quando aprender isso, será capaz
de alcançar um novo nível.
Em um movimento rápido com as mãos, ela controlou a névoa.
Trouxe para perto, para longe, a fez flutuar mais rápido e mais de-
vagar. A Grande Anciã Jie era a névoa, e ainda assim nenhuma das
duas morreram com sua toxicidade.
Rápida como veio, a névoa voltou para seu lugar de antes. Floren-
ce sentia seus olhos brilharem.
— Como... Como fez isso, Grande Anciã?
— É hora da sua lição, Florence.
A Matriarca preparou sua posição. Girou os braços e fez um se-
micírculo com as pernas. A névoa púrpura, dessa vez, veio do chão,
como uma grande bomba de fumaça, e encobriu as duas. E logo o pá-
tio de treinos estava vazio.
Em outro lugar, cheio de névoa. Dissipou-se lentamente, onde sur-
giram uma senhora de roupas marrom, pequena e poderosa, junto
de uma jovem moça ruiva, de uniforme púrpura simples. Ao redor
delas, uma densa floresta de árvores enormes e escuridão palpável.
Ainda estamos na ilha?, pensou Florence. A paisagem não se pare-
cia com nada do que já tinha visto pelas andanças na região do Mar
de Sangue.
— Onde estamos, Grande Anciã Jie?

20
— É você que me dirá, Florence, no fim do seu treinamento. Você
terá de sair daqui, pelos meios que encontrar, não importa quais fo-
rem necessários. — Minúscula como era, a Matriarca ergueu os olhos
para encarar Florence, mas não sem cuidado ou sem preocupação.
— Lembre-se, filha, é sempre mais escuro antes do amanhecer.
Aos poucos, as cores do rosto da Matriarca foram mudando. As
rugas da testa e linhas das bochechas se transformavam em um tom
pastel e, depois, cinza. Os olhos escuros e pequenos irromperam em
duas grandes bolas sem cor. O sorriso afetuoso dissipou-se em uma
grande linha sem vida. Então todo aquele corpo pequeno e aparente-
mente frágil se tornou parte da névoa.
Florence estava de mãos atadas no ar, ainda sentindo as pequenas
mãos da Matriarca. Eu preciso aprender a fazer isso, sorriu consigo
mesma. Quem dera soubesse essa técnica de cultivação quando fu-
giu do peixeiro com o cutelo, correndo pelas pontes e gigantescas ra-
ízes d’As Palafitas. Agora, as árvores enormes lembravam um pouco
aquelas raízes.
Florence percorreu os olhos onde estava, reparando se havia al-
gum caminho por entre a floresta. Ergueu a cabeça, tentando deci-
frar a posição do sol. A essa hora, deveria estar mais claro. No entanto
era como se ainda estivesse na hora escura da noite. Talvez eu esteja
nas Ruínas da Cidade das Sombras. Mas por quê?
Não fazia sentido algum. Florence desistiu de encontrar o sol e
voltou seus olhos para a floresta. Percorreu uma, duas, três árvores
antes de fitar uma delas em específico. Não era exatamente a árvore
em si, mas algo atrás dela que chamou sua atenção. Um brilho. Algo
tão ínfimo que passaria desapercebido em outro lugar. Mas ali, em
meio a toda escuridão, o brilho tinha vida própria. Ele desceu e su-
biu, em um movimento vertical, e desceu novamente. Apenas esse
movimento, descendo, subindo...
Florence encarou... Essa não!
Então o brilho saiu de trás da árvore, sendo empunhado pelo pei-
xeiro d’As Palafitas. Florence correu, olhou para trás e viu o brilho do
cutelo sedento por seu sangue. O peixeiro, ainda mais. As pernas de
Florence logo pediram por descanso, mas seu peito inflou com mais
ar e ela correu até não poder mais. Quando caiu no chão, erguendo
as mãos, esperando o golpe, não havia ninguém.
Olhou na direção que tinha corrido e apenas a névoa púrpura re-
tornava para as entranhas da floresta.
— Grande Anciã Jie? — chamou. — Mestre Zihao? Alguém?
Só podia estar ficando louca. Por que, pelo Destino, seria persegui-
da pelo maldito peixeiro? Florence diria a ele que apenas estava com

21
fome, se ele lhe tivesse dado tempo de explicar. Ela até havia tentado
pedir para as pessoas que compravam iguarias e para os comercian-
tes. Três a ignoraram, dois não olharam mais que uma vez para ela,
quatro mandaram-na embora e um até a olhou enviesado, fazendo
Florence correr dele. O peixeiro em questão sequer deixou que ela
pedisse, antes falou que cortaria seus dedos se a pegasse furtando.
Florence não deu chance de ser pega.
Já havia se esquecido das Palafitas antes de chegar à floresta escu-
ra. Essa é a lição? Devo me arrepender de coisas vis? Mas então o que
isso tem a ver com poções? E como sairei daqui?
Ela se levantou, deu batidinhas para limpar a terra de seu uniforme
púrpura. Nem queria imaginar como estava seu rosto. Apenas quan-
do parou foi que percebeu o som, fraco e constante, como se estives-
se longínquo. Mas Florence não havia sido aprovada na seita à toa, e
muitos de seus sentidos haviam melhorado com o tempo; a água não
estava tão longe.
Seguiu o som, que aumentava gradativamente, facilitando o tra-
balho. Era uma pequena cachoeira, com a queda d’água longa for-
mando uma espécie de lagoa. A água não era cristalina e refletia as
árvores, as ervas no chão e as trepadeiras na parede da cachoeira.
Florence agachou-se e passou a se limpar, mesmo o rosto não estan-
do tão sujo como pensava. Passou por sua cabeça tirar as roupas, mas
e se fosse atacada? Ou se alguém estivesse lhe observando?
Está ótimo assim. Encarou o reflexo na água trêmula, seus cabelos e
roupas movimentando-se juntos. Ao lado de seu reflexo surgiu outro.
Florence deu um pulo para trás e olhou para o lado onde deveria estar
sua igual, mas não havia ninguém. Não ali; o reflexo duplo continua-
va a observá-la. As roupas lembravam muito as da Grande Anciã. Do
lado esquerdo surgiu mais uma Florence, mais jovem, e logo depois
mais outra, ao lado dessa. Ela quando era criança. As três adicionais
a olhavam com curiosidade, até fecharem suas expressões como se
Florence (quem olhava os reflexos) tivesse provocado ou xingado.
Os reflexos (todos) ergueram seus braços e bateram na água. A tor-
rente explodiu para cima da Florence de carne e osso, uma grande
explosão de água escura engoliu tudo ao redor e lhe arrastou para
longe. Não saberia dizer se estava dentro da lagoa ou fora, tamanha
força da jusante que a empurrava sem piedade. Quando conseguiu
equilíbrio dentro d’água, viu as quatro Florences a perseguindo.
Não percebeu a árvore em sua frente e bateu com toda força nela.
Tão de repente como havia surgido, toda aquela água secou de uma
vez. Florence tossiu e cuspiu, encharcada e tremendo. Conseguiu ver
que a torrente havia inundado toda a parte da floresta onde estava.
Quando olhou para trás, os reflexos estavam de pé e enxutas — rai-
vosas, ainda querendo Florence.

22
O primeiro golpe foi mais dolorido, um soco maciço no meio do
peito. Ela caiu e rapidamente levantou-se. Sua versão do reflexo era
tão forte quanto ela mesma. O segundo golpe era esperado, Florence
esquivou-se e revidou, sem sucesso. Sua versão mais jovem e a ver-
são criança atacaram juntas, mas não tinham nem um pouco da des-
treza ou força da primeira. Foi mais difícil quando as três atacaram
juntas, e Florence defendeu-se do jeito que podia. Soco, chutes e acro-
bacias. Um golpe recebido e outro desferido. Um chute nas pernas e
uma rasteira; talvez tenha dado e recebido.
Quando se viu no chão, decidiu que era hora de acabar com isso.
A versão criança foi a primeira a evaporar em névoa com um golpe
de joelho. A jovem se tornou fumaça com um golpe rápido, bem no
meio do rosto. Florence fez o favor de retribuir o golpe no peito da
sua versão atual, que também desapareceu repentinamente. Para a
última, ela armou-se na posição que Mestre Zihao havia ensinado
dois dias antes. Mas...
Olhando bem...
— Mãe? — Florence desfez a posição. — Mamãe?
Não podia ser. Não deveria ser. Mesmo tão pequena, Florence ain-
da podia se recordar. Há anos deixara de ver o rosto da mãe em so-
nhos, embora seu próprio rosto teimasse em lembrar o da mãe. Com
o tempo, essa semelhança ficou menos contundente.
— É você, mãe? Como?
Não houve resposta, nem luta. A mãe a abraçou sem nenhuma ex-
pressão. Florence desabou em lágrimas, apertou o corpo da mãe com
toda sua força e não quis soltar.
— Eu quis tanto... ah, mamãe.
— Você é fraca — disse ela, baixinho, bem próximo do ouvido de
Florence. — Uma menina chorona e fraca. Teimosa, sem modos, uma
vergonha. — Ela se retirou do abraço e olhou Florence de cima a bai-
xo. — Patética. Por isso abandonei você.
Florence soluçou.
— Mamãe, não... por favor, não faça isso.
— Por isso abandonei você.
— Não... Não me abandone de novo...
— Nunca cumprirá seu destino. Você não tem destino.
Florence caiu sobre os joelhos, sentindo a respiração findar aos
poucos. Destino?, pensou. As folhas...
— É mentira...

23
Ela pegou as duas folhas verdes que a Grande Anciã Jie lhe havia
entregado.
— Como eu poderia ter uma filha sem propósito?
— Tudo isso é mentira... — Sem pensar duas vezes, Florence mas-
tigou as folhas e engoliu de uma vez. — Mamãe...
— Eu não sou sua mãe. Você não é minha filha.
— Não vou acreditar nas suas mentiras...
— Você...
— AAAAHHHHHH!
Florence fez suas mãos explodirem uma cor púrpura tão resplan-
decente que mal podia se ver algo. Ela segurou a mulher que estava
à sua frente e a desfez naquele exato instante, transformando-a em
névoa como as outras três anteriores. Ao redor, tudo tomou a púrpu-
ra da seita de Alquimistas.
Ela não chorava mais. Aquela não era sua mãe. Sozinha e com
aquele poder, ela preparou sua posição, com braços e pernas. Girou
os braços e fez um semicírculo com as pernas. A névoa encobriu todo
o chão da floresta, como uma grande bomba de fumaça e lhe levou
de lá. No último instante, Florence reparou como o céu clareava em
tons de amarelo e rosado.
Quando a névoa púrpura dissipou-se, ela reparou que estava de
volta ao pátio de treinos. Era manhã avançada, com o sol forte sobre
seu rosto. No alto da escadaria do palácio estava a Grande Anciã Jie,
sorrindo gentilmente. Atrás de Florence estavam os alunos e alunas
mais avançados, liderados pelo próprio Mestre Zihao. Todos se cur-
varam para Florence.
Acima, na escadaria do palácio, a Matriarca também se curvou.
— Você é uma de nós, Florence. Uma Alquimista da Névoa Púrpu-
ra.

24
Pedro Icaro

Levado pelos inconstantes dias de sol e chuva de sua cidade, Belém


(PA), Pedro Icaro escreve literatura fantástica, policial, drama, aven-
tura, horror, ficção científica, YA e outras. Possui contos nas antolo-
gias Proteja-me! e Sangue Abaixo de Zero, pela Delirium Editora; na
antologia Beleza e Simplicidade em Contos e Crônicas 2020, pela Assis
Editora; nas antologias De Lilith a Joana e Relatos do Grande Irmão,
pela Editora CHA. Em 2021 publicou na Amazon a novela Santa Geni
e seu primeiro romance policial, Justiçando, pela Editora Flyve, no
mesmo ano.

25
A besta, o gênio
e o escultor
26

R. R. Portela
Os mangues não eram seguros.
As copas das árvores geravam sombras quase vivas sobre a terra
enlameada e as raízes que se sobressaíam criavam verdadeiras ar-
madilhas. Não era um lugar seguro para a travessia fora das estradas
que levavam às Palafitas.
O pior eram os bandidos que se assemelhavam a bestas, corpos sujos
de lama escondendo-se embaixo do chão para capturar gente perdida,
roubar todos os seus pertences, violar e matar, quando necessário.
Os mangues não eram seguros. E a culpa era deles.
Abaixado, de peito no chão, Shi, o Colibri Sagaz, observou junto
dos seus dois irmãos a travessia de alguém solitário a cavalo, fora da
estrada principal. Parecia perdido. Um homem de vestes muito bran-
cas, uma luz naquele ambiente escuro e sujo. Shi sorriu, observando
a aproximação dele, sem saber que estava caindo em uma armadilha.
Espalhados pelos mangues, todos os outros quinze do seu bando.
Corpos enlameados, camuflando-se no ambiente. Ao lado do Colibri
Sagaz, seus irmãos Yang, a Serpente Ardilosa, e Lao, o Gavião San-
guinário. Não eram irmãos de sangue, mas mais próximos que qual-
quer família que Shi jamais teve.
Yang ergueu-se devagar, fazendo sinal para alguém próximo de
uma árvore, onde, em breve, um cavaleiro solitário passaria. Seu
companheiro abriu uma gaiola com três ratos e eles partiram deses-
perados, passando na frente do cavalo, que se assustou e mudou de
direção, saindo da estrada e afundando na areia movediça.
O homem pulou, rodopiando no ar, mas Lao ergueu-se, seu arco
e flecha preparados. Ia abater o homem no ar. Não era conhecido
como Gavião Sanguinário à toa. A flecha foi certeira, mas o homem
foi mais rápido. Girou o corpo no ar e a flecha mudou a direção por
causa das franjas de sua roupa, indo parar na garganta do bandido
com a gaiola.
Depois disso, o pandemônio teve início. O guerreiro tentou pu-
xar o cavalo, que se desesperava e afundava mais, mas os bandidos
avançaram, tentando matá-lo. Ele precisou largar o cavalo por uns
segundos, defendeu-se rodopiando o corpo, confundindo seus ini-
migos com as camadas de tecido.
O corpo dele ficou leve. Saltou, usando o corpo dos algozes como
apoio. Usou suas pernas para pisar no crânio de dois deles e, em um
movimento harmônico, girou os pés e os juntou, fazendo os dois ca-
becearem com força um ao outro. Ambos tombaram, desmaiados.
Shi não precisava de muita coisa para saber que era um Imortal,
mas, no meio dos tecidos esvoaçantes de seu corpo, observou o sím-
bolo e as cores dos Alquimistas da Névoa Púrpura.

27
Um homem sozinho foi mandado para caçá-los? Se fosse um Imor-
tal, conseguiria. Ele dava jeito em todos, mesmo que não estivesse
concentrado no combate, e, de vez em quando, voltava para a areia
movediça, tentando puxar o pobre cavalo. Os bandidos não davam
descanso e ele chutava, flutuava, atingia-os com sua espada ainda
embainhada, usava os seus corpos como defesa e ataque. O Colibri
Sagaz nunca tinha visto um Imortal lutando e ele o fazia com graça.
Seu movimento era fluido como uma dança e não frenético como os
bandidos que apanhavam sem parar.
No fim, a quantidade de criminosos diminuiu e o Colibri reparou
que ainda estava parado no mesmo lugar, estático, admirado com
aquele movimento. Nem notou que Lao, o Gavião, não tinha mais
flechas.
Uma pedra caiu de cima de uma árvore direto na cabeça do Imor-
tal. Tão focado estava em resgatar o animal e se defender dos ata-
ques, que não viu algo cair lá de cima. Dessa forma, ele tombou, o
rosto duro caído direto na lama.
Lá em cima, Yang, a Serpente Ardilosa, com um sorriso no rosto,
ergueu um polegar na direção dos seus dois irmãos. Estavam salvos.
Felizmente ele agiu mais rápido, fazendo uso do manguezal para sal-
vá-los. Se fossem depender de Shi, estariam ferrados.

***

Yimou despertou num átimo e seus olhos, desacostumados com a


luz, foram ofuscados pela iluminação amarela de uma tocha na ca-
verna em que se encontrava.
Estava amarrado a uma rocha, sem qualquer movimento no cor-
po. Não sabia se era noite ou dia, nem quanto tempo ficou apagado.
Estava com a boca amarrada por uma corda e não conseguia falar,
apenas puxar o ar. Tentou se mexer, mas alguém ali no meio daque-
les criminosos era muito bom em amarração.
Yimou só conseguia pensar em Fugaz. Seu cavalo que, aos poucos,
afundou na areia movediça em desespero. Se isso não tivesse acon-
tecido, teria dado total atenção à luta e teria finalizado os bandidos
com maior velocidade. Teria percebido sabe lá o que lhe atingiu.
Parou. Respirou. Se as coisas aconteceram assim, deveria aceitar.
Era o destino.
Tudo bem que ele construiu seu destino até ali, optando por vir
até os mangues que contornam as Palafitas sozinho, mesmo que seu
Mentor tenha dito que ainda não estava preparado. Um alquimista

28
novato, mas esse era o seu destino. Entrando na seita por ter uma
profecia sobre seu nome, cantada pela própria mãe e descoberto por
seu Mentor como um jovem prodígio. Treinado nas fileiras da seita
com uma grande expectativa sobre si.
Três almas entrelaçadas, a Besta, o Gênio e o Escultor. O primeiro, uma
alma que veio para destruir. O segundo, que veio para curar. O terceiro,
para formá-los. O primeiro e o segundo, irmãos de alma, não de sangue.
O terceiro, o algoz e o guia. Afundados na lama os dois estarão, mas pre-
cisarão ser resgatados. São sapos, centopéias, mas no futuro serão aves,
gavião e harpia.
O próximo parágrafo da profecia descrevia como encontrar o Es-
cultor que, claro, era o filho da profetisa. Depois de ouvir dizer que
um grupo de bandidos comandados por três irmãos se escondiam na
lama do mangue, ele começou a desconfiar. Quando soube que um
deles tinha a alcunha de Gavião Sanguinário, teve certeza.
— É a oportunidade de cumprir o meu destino! — gritou para o seu
Mentor. — Preciso seguir antes que eles sejam caçados e mortos!
— Você não está pronto. Tenha paciência. É o destino, não é? Ele
se cumprirá, você desejando ou não.
— Eu não esperarei para ter certeza. Eu posso ser o Escultor, mas
as almas da Besta e do Gênio podem partir e reencarnar em momen-
tos muito mais complicados. O único que não pode matá-los sou eu.
É melhor buscá-los agora!
— Eu não vou impedi-lo, mas saiba: toda escolha tem uma conse-
quência e o destino pode ser ardiloso, às vezes.
De toda maneira estava ali para encontrar a Besta e o Gênio. Per-
deu Fugaz no caminho, mas precisava cumprir seu destino. Não ha-
via escolha.
— Ei, acho que ele acordou — disse uma das vozes.
Aproximaram-se os três líderes. Um pequeno e magro, de cabelos
longos e embolados. Um forte, de olhos pequenos, com um arco nas
costas. O terceiro bem alto, ainda sujo de lama, bigode grosso no ros-
to. Yimou não sabia o nome deles, então preferiu marcá-los através
de suas características: o magricela, o bruto e o bigode.
— A gente já deve estar com moral alta o suficiente para manda-
rem um Alquimista da Névoa Púrpura aqui — disse o bruto. Trazia
consigo uma energia caótica. — Uma pena que não é o suficiente. —
Agachou-se, olhou bem nos olhos de Yimou. — Ei, Imortal, como se
sente sabendo que seu treinamento foi inútil diante da nossa malí-
cia? Perdeu seu cavalo, foi derrotado pelo nosso irmão menor e ago-
ra está enfraquecido.
— Hmmmmm.

29
— O quê?
— Ele não pode falar nada, a boca está tampada — disse o bigode.
— Ah é. — O bruto destampou sua boca. — Agora pode nos respon-
der, porque temos muitas perguntas para fazer.
Yimou quis sorrir, mas não conseguiu. A raiva subiu sua cabeça
ao ouvir que Fugaz estava morto. Aquele homem falava de malícia?
Yimou mostraria quem era o malicioso.
Soprou. Um sopro vindo lá do fundo do pulmão, carregado de ve-
nenos e dos aromas que eles traziam. Um sopro potente, que só um
pulmão treinado por muitas horas poderia dar. Seu ar tomou toda
a caverna. Uma gritaria se iniciou entre os três, mandando tapar a
boca do Imortal, e Yimou só achou graça, quase se desconcentrou,
mas finalizou sua técnica antes de eles correrem para fora.
— Já era — disse. — Estão envenenados. Morrerão em uma hora a
não ser que o antídoto seja ministrado.
Pararam. Olharam para trás. Apoiavam as mãos um no ombro do
outro, como se isso os protegesse, de alguma forma. Eram bem pró-
ximos, sim. Como irmãos.
— Ele está mentindo — disse o bruto.
— Parece verdade — disse o magricela. Estava muito assustado. —
A gente vai morrer?
— Ele vai ministrar o antídoto — disse o bigode. — Ele quer um
acordo conosco.
— Quer ser solto, aposto — disse o bruto.
— Não quero — falou. — Antes, quero saber o nome de vocês três.
Entreolharam-se, não crendo naquilo. O magricela, assustado em
estar envenenado, jogou-se de joelho e, implorando, falou:
— Eu me chamo Yang, a Serpente Ardilosa, por favor, nos dê o an-
tídoto! Tenha piedade! Esses ao meu lado são Shi, o Colibri Sagaz, e
Lao, o Gavião Sanguinário!
Lao, o bruto, o pegou pelo ombro e o colocou de pé. Deu dois tapas
no seu rosto para ele se recompor.
— Está louco! Se ele tiver nosso nome, sabe-se lá o que ele vai po-
der fazer!
O Colibri Sagaz ficou quieto, mão no queixo, refletindo sobre aqui-
lo. Olhou para a reação dos dois irmãos. Depois olhou bem no fundo
dos olhos de Yimou.
— Ele não veio para nos matar — disse. — Aquietem-se! Ele pode
ter nos envenenado, mas não veio nos matar. Se fosse, não teria re-

30
velado que há um antídoto para o veneno. Teria apenas soprado e
não falado nada.
— Deixe de ser idiota, irmão! — gritou o Gavião. — Ele quer ser li-
bertado. Precisa ter alguma coisa para negociar. O antídoto em troca da
liberdade. Esse veneno pode nem ter antídoto. Ele pode negociar sua li-
berdade e nos dar algum placebo. Vir aqui depois e levar nossas cabeças.
— Pense com a cabeça, Lao! Seria desonrado para qualquer Imor-
tal vencer através de artifícios.
— Não para algum Alquimista da Névoa Púrpura. Eles trabalham
com venenos, oras!
— Gente — chamou Yang, dando um passo à frente, entrando no
meio dos dois irmãos. — Se ele fosse isso que vocês estão falando,
então por que questionaria nosso nome? Ele não estaria preocupado
em fugir primeiro? Não teria começado a negociar?
Yimou observou os três. Um deles era a Besta, o outro o Gênio. O
terceiro, apenas uma pessoa qualquer. Quem parecia quem? A profe-
cia não lhe dizia nada disso, mas era essencial que ele, como Escultor,
soubesse. Ele precisava determinar o Gênio, pois o ensinaria a curar.
Ele precisava saber quem era a Besta para monitorá-lo, controlá-lo,
tentar fazê-lo destruir o mínimo possível.
Se pudesse adivinhar, a essa altura, diria que a Besta era o Gavião
Sanguinário. Tinha uma personalidade difícil de lidar, uma manei-
ra caótica de se impor. Ele dominava a caverna. Por sua vez, o Colibri
Sagaz já agia como uma figura mais centrada, teorizando e decidin-
do qual poderia ser a intenção do cultivador. Parecia ser o Gênio. A
única linha na profecia que dizia algo ao Escultor era: no fim, saberás
quem são. Deveria confiar na sua intuição. Não tinha escolha.
— O que quer, cultivador? — perguntou Lao. Na sua mão, de re-
pente, surgiu uma adaga.
— Eu quero me apresentar. Sou Yimou. É um prazer conhecê-los.
— Dará o antídoto se o soltarmos?
— Posso pensar.
— Pergunte a ele quanto tempo demorará para o veneno agir e
morrermos! — gritou a Serpente Ardilosa, lá no fundo. O Gavião se
abaixou, encostou a faca no pescoço de Yimou.
— Quanto tempo demorará para o veneno agir?
— Por favor, Gavião, ele ouviu o que a Serpente falou, não precisa
repetir — disse Shi.
Yimou sorriu. Seu Mentor sempre lhe disse: “demonstre confiança
e confiança você terá. Hesite e, mesmo quando estiver confiante, es-

31
tará sozinho.” Seu sorriso pareceu funcionar. O Gavião Sanguinário
não cortou seu pescoço, talvez achando que o Imortal tivesse algum
plano de contenção. Não tinha. Mesmo assim, seu plano deu certo. O
bandido recuou com a adaga, caminhou mais um pouco em círculos.
Yang caiu de joelhos, os ombros retraídos.
— Eu já estou sentindo… — resmungou consigo mesmo. — Sen-
tindo minha energia se esvair e uma dor no corpo todo… o veneno,
já está funcionando!
— Cala a boca! — gritou o Colibri Sagaz. — Não há veneno nenhum!
Lao olhou para trás, tirando os olhos de Yimou. A Serpente Ardilo-
sa ergueu a cabeça, os olhos vermelhos de lágrimas. O Colibri olhou
para os dois irmãos.
— Ele veio por um motivo. Não é para nos matar. Como eu disse,
se fosse para fazê-lo, já teria feito. Ele não parece ter qualquer pres-
sa em fazer algum acordo conosco. Só parece estar se divertindo às
nossas custas. Observando nós três. Se ele quisesse algo, ser liberado
ou qualquer outra coisa, não faria com tanta lentidão pelo risco de
nós morrermos.
— A não ser que esse veneno tenha ativação demorada — disse o
Gavião. — Talvez mais de um dia.
— E ficar aqui esse tempo todo? Não. Tempo demais. Muitas coisas
podem acontecer nesse meio tempo. Não estamos envenenados. Nun-
ca estivemos. É tudo um plano dele, para fazer sabe-se lá o que quer.
Lao se virou para Yimou, uma veia estourando na testa franzida.
Ah, não. O Alquimista não esperava que um deles fosse tão esperto.
Fechou os olhos, se lembrou das técnicas de respiração que seu Men-
tor lhe ensinou. Soltou o ar devagar e foi como se seu corpo tivesse di-
minuído de tamanho. Soltou-se das cordas. Antes do bruto agir, ten-
tando cravar a faca no seu peito, Yimou ergueu-se, liberto, flutuando
no ar e parando de pé em cima da rocha que o mantinha preso.
— Estou livre — disse. — Acho que agora podemos conversar de
igual para igual.

***

Não, não podiam conversar de igual para igual porque nenhum dos
três irmãos, refletiu Colibri Sagaz, tinha a capacidade de enfrentar um
Imortal. Eles precisaram que todo o resto de seu bando se sacrificasse
para que conseguissem prender aquele maldito, mas pareceu inútil,
porque mais uma vez ele estava solto sem qualquer dificuldade.

32
Shi se achava inútil, se comparado aos seus dois irmãos. Yang, a
Serpente Ardilosa, era rápido, bom de se esconder, seu corpo esguio
quase o fazia sumir no meio da lama e das árvores. Se não fosse essa
sua maneira de se mover, não teriam capturado o Imortal. Lao, o Ga-
vião Sanguinário, era um ótimo líder de homens, era violento na me-
dida certa e conseguia envolver todos com suas conversas. O Colibri
Sagaz só era bom de planejar. Mas como poderia fazer qualquer coisa
diante de alguém muito mais forte que eles?
Só conseguia pensar em fugir dali. Precisavam segurá-lo o sufi-
ciente para que escapassem. Os anos de bandidagem chegaram ao
fim. Ou era escapar ou ser morto.
Disse isso para Yang, mais recuado, enquanto Lao estava na fren-
te, encaixando uma flecha no arco.
— Mas como vamos fugir? — disse seu irmão. — Alguém vai pre-
cisar ficar para trás.
— Eu não posso — disse o Colibri. — Não consigo segurá-lo por
mais de dois segundos. O melhor para isso é o Gavião.
— Não podemos abandoná-lo!
— Então vamos todos morrer!
Gavião Sanguinário disparou e Yimou deu um salto, pisando de
leve na flecha e a usando de apoio para rodopiar e parar no meio dos
três. O bruto tentou tirar outra flecha das costas, mas o homem deu
um tapa no seu cotovelo e o bandido empurrou a aljava derrubando
as flechas no chão. Feito isto, o Imortal falou:
— Dois de vocês estão destinados a coisas grandes. Eu vim para le-
vá-los. Mas apenas um vai entrar para nossa seita, pois é quem pro-
curo. Eu preciso ter certeza, porém, de quem é quem. E só tem uma
maneira de fazê-lo.
Entreolharam-se. Yang deu dois passos para trás, com medo. Lao
sacou a adaga que estava usando anteriormente.
— Eu não posso matar dois de vocês. Eu sou o único no mundo que
não pode matá-los. E eu não consigo diferenciar quem é quem, ape-
sar das minhas desconfianças.
Olhou com carinho para Colibri Sagaz e com um certo asco para
Gavião Sanguinário.
— Um é a Besta, o outro é o Gênio — prosseguiu. — Enquanto um
de vocês é ninguém. E por isso, vai morrer.
Ele puxou o ar com a boca numa força impossível para um huma-
no comum. O Gavião atacou, tentando evitar que ele fizesse qualquer
coisa, mas Yimou se abaixou, ainda puxando o ar, e esquivou-se de

33
todos os ataques. Depois soprou um ar púrpuro, venenoso, que se es-
palhou pelo local com tamanha força que, aos poucos, foi enchendo
a caverna.
Os três irmãos começaram a tossir. O Colibri caiu de joelhos pri-
meiro. Lao se apoiou na parede da caverna, Yang ficou apertando a
própria garganta. Yimou se ajoelhou perto de Shi.
— Um de vocês será o Gênio e terá o poder de curar a terra — falou.
— O outro é a Besta, com o poder de destruir o mundo. Eu preciso de-
fini-los agora. Mas eu acredito em você, Colibri Sagaz. Se eu pudesse
chutar, diria que você é o Gênio e o Gavião Sanguinário, a Besta. Você
é esperto. O único que me fez optar por uma atitude drástica.
Mesmo assim Shi foi ao chão, coçando a própria garganta e, en-
quanto morria devagar, só conseguia pensar que tudo mudaria quan-
do um Imortal se aproximasse, aquele tipo de gente que vivia em suas
seitas meditando e acumulando poder. Não esperava que viessem tão
cedo e se culpou por não ter pensado em um método de fuga. Queria
ter protegido seus irmãos, mas agora eles estavam nas mãos do des-
tino. Não, nas mãos da seita dos Alquimistas da Névoa Púrpura. Um
era um Gênio, o outro a Besta. Seja lá o que isso significasse.
Olhou pela última vez para Yimou e sussurrou algo para ele, uma
maldição ou um pedido para que cuidasse dos seus irmãos. Shi, o Co-
libri Sagaz, morreu com a sensação de que havia falhado em proteger
o seu mundo. Não era ninguém diante dos Imortais, mas pelo menos
seus irmãos poderiam ser.

34
R. R. Portela

R. R. Portela é filho do Rio de Janeiro, lugar mais absurdo que a


ficção, e se refugia na literatura fantástica como um meio de sobre-
viver ao mundo insólito. Tem contos publicados na Mafaverna, na
Escambanáutica, na Faísca e na Revista Ignoto, além de contos em di-
versas antologias. Ainda pretende publicar seus romances, mesmo
que para isso precise terminá-los primeiro.

35
ASCENSÃO
Um RPG por Gustavo Claude

[Ilustração - Ascensão]

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SUMÁRIO
1. Sobre o jogo
• O que é Xianxia?
• Cultivação
• Seitas
• Destino
• Reinos Místicos
• Regras Básicas

2. Personagens
• Atributos
• Perícias
• Resistências e Vitalidade
• Antecedentes
• Cultivação
• Ascensão
• Destino

3. A Região do Mar de Sangue


• As Quatro Seitas
□ Clã da Harpia Escarlate
□ Seita das Presas de Azura
□ Artífices da Forja Gris
□ Alquimistas da Névoa Púrpura
• Locais importantes

4. Narrando Ascensão – Um RPG Xianxia


• Regras
• Aventuras no Mar de Sangue
• Reinos Místicos
• Antagonistas
• Bestas Demoníacas
• Cultivadores
• Natureza
• Referências

Ascensão 37
SOBRE O JOGO
Ascensão é um jogo de RPG inspirado pelo gênero de fanta-
sia Xianxia, no qual guerreiros super poderosos, que contro-
lam os elementos e tem longevidade sobrenatural, travam
disputas pelos escassos tesouros que os permitem se tornar
cada vez mais poderosos. Conhecidos como Imortais, eles
se reúnem em organizações que controlam territórios, co-
mercializam equipamentos e batalham pelo acesso a planos
paralelos, onde podem enfrentar novos desafios e encontrar
ainda mais riquezas.
Em Ascensão, você será alguém que acabou de entrar no
mundo dos imortais e se reunirá com alguns companheiros
para cumprir missões para suas seitas, enquanto procuram
recursos e oportunidades para ficar mais poderosos. Vocês
viajarão pelo cenário enfrentando bestas demoníacas, in-
trigas palacianas, perigos do ambiente e outros imortais,
na busca por desenterrar relíquias, materializar profecias e
proteger seus aliados.
Este cenário amplo permite a construção de histórias di-
versas, como aventuras de exploração, conflitos violentos,
tramas políticas, conspirações e assassinatos, além de ex-
plorar o cotidiano da vida dos imortais, como seus treina-
mentos, competições e seus conflitos ideológicos. Ascensão
também explora o conceito de dimensões paralelas, os rei-
nos místicos, nos quais vocês poderão enfrentar ambientes
e inimigos diversos cujas limitações estarão apenas na ima-
ginação de seu grupo.
É importante destacar que a proposta dos autores é criar
um jogo que não esteja conectado geográfica ou historica-
mente com a realidade, permitindo a existência de múlti-
plas etnias, a inclusão de povos fantásticos, ou ainda, que
as características arquitetônicas e culturais encontradas no
cenário possam ter inspiração na história humana ou em
obras de ficção. Caberá a você e seus amigos definir o que
funciona ou não em seu jogo.
O livro se inicia com uma introdução dos conceitos mais
comuns em obras Xianxia. Caso você já tenha familiaridade
com o tema, pode passar para o próximo capítulo, que tra-

Ascensão 38
ta da criação dos personagens. Os jogadores encontrarão
as regras para a montagem de seus personagens, cultivado-
res que acabaram de iniciar seus passos no mundo imortal.
Em seguida, são descritos detalhes sobre o Continente das
Sombras e a Região do Mar de Sangue, um cenário completo
para você iniciar suas aventuras. Apesar disso, nada impede
que você adapte o sistema aos cenários de suas obras Xian-
xia preferidas. Por último, são expressas as orientações de
como construir histórias em Ascensão e também mais de-
talhes sobre as regras.
Seja bem-vindo ao mundo de Ascensão, um RPG Xianxia,
e ao início das suas aventuras rumo à imortalidade.

O que é Xianxia?
Xianxia (仙侠) é um gênero literário de fantasia com inspi-
ração em elementos culturais e religiosos, como a medicina
tradicional chinesa, organizações de artes marciais e o tao-
ísmo. Seus personagens são “heróis (Xiá) imortais (Xiān)”,
figuras que buscam transcender sua existência e alcançar
grandes poderes, como controle sobre os elementos e um
corpo indestrutível.
As histórias Xianxia giram em torno dos conflitos entre
estes indivíduos na busca por recursos para se tornarem
mais poderosos. Elas costumam se passar em cenários fan-
tásticos, com criaturas monstruosas, em ambientes extre-
mos e paisagens paradisíacas que escondem tesouros natu-
rais usados por estes combatentes na busca pela ascensão
para outros planos. Também incluem conflitos entre orga-
nizações, como impérios e câmaras de comércio, liderados
por líderes ardilosos ou déspotas sem escrúpulos.
O RPG Ascensão se inspira principalmente em obras literá-
rias conhecidas como light novels, popularizadas no ocidente
através de sites de tradução, assim como ocorreu com alguns
mangás e animes. Caso você tenha curiosidade em conhecê-
-las, uma lista das principais obras que serviram de inspira-
ção para a criação do jogo se encontra no Apêndice I, junta-
mente com referências de outras mídias, como filmes e jogos.
As obras do gênero Xianxia são plurais, apresentando
elementos diversos conforme a escolha dos autores, como

Ascensão 39
é comum em obras de fantasia. Apesar disso, Ascensão e a
maioria das obras de referências compartilham alguns ele-
mentos, que serão descritos a seguir para facilitar sua com-
preensão do gênero e do cenário descrito mais adiante.

Cultivação
A energia espiritual está presente nos fenômenos da na-
tureza e também nos seres vivos e em alguns objetos ou ma-
teriais, mesmo que em pequenas quantidades, enquanto a
cultivação é o processo em que se absorve essa energia es-
piritual (chi) para transformar o corpo, a mente e o espírito
através de métodos especiais conhecidos como artes místi-
cas, ou técnicas de cultivação. Isto pode ser feito através de
meditação ou atividades diversas dependentes de técnica,
como tocar instrumentos, forjar equipamentos ou a práti-
ca da alquimia. Alguns indivíduos também cultivam atra-
vés do combate marcial ou enfrentando perigos mortais.
Os praticantes da cultivação são conhecidos como culti-
vadores, ou imortais, pois a prática aumenta a durabilidade
e a resistência do corpo, permitindo incrementar a longevi-
dade e superar várias gerações de vidas comuns, além de ter
acesso a poderes sobrenaturais, como manipular o clima,
destruir montanhas ou conjurar relâmpagos e labaredas.
Os iniciantes no caminho da cultivação precisam primei-
ro perceber a energia espiritual e controlá-la, dando início
ao processo de transformação de seu corpo. A facilidade
com que um cultivador é capaz de perceber e controlar esta
energia definirá seu grau de talento nesta prática.

Seitas
Seitas são a forma mais comum na qual os guerreiros imor-
tais se organizam. São ao mesmo tempo escolas e organiza-
ções militares, e muitas delas perpetuam uma ideologia ou
prática filosófica específica em meio a seus ensinamentos.
Elas costumam ser lideradas por um Grande Líder (também
conhecido como matriarca, patriarca, grande ancião ou an-
ciã em algumas seitas).
As seitas costumam se estruturar em divisões menores
especializadas em diferentes práticas, como alquimia, cria-

Ascensão 40
ção de equipamentos, encantamentos, segurança do terri-
tório, espionagem, entre outras. Estes núcleos podem estar
localizados em picos distintos de uma cadeia de montanhas,
em diferentes cavernas ou em construções dedicadas àque-
la prática, dependendo da tradição local. Algumas seitas se
especializam em certo aspecto da cultivação, como na cria-
ção de itens mágicos ou em alquimia, portanto seus picos
(subseções) representam especialidades daquela arte.

Destino
Em obras Xianxia, o Destino é uma força invisível que co-
necta o passado, presente e futuro de todas as coisas. Poucos
são capazes de entender seus mecanismos, mas os que conse-
guem são vistos com admiração e temor, pois possuem o co-
nhecimento para influenciar na ascensão e na queda de heróis
e impérios. Quanto mais poderoso for o Destino de um indiví-
duo, mais as coisas caminharão na direção em que ele desejar,
mesmo que não se dê conta disso. Quando as coincidências
que cercam uma pessoa virarem um tema recorrente, não du-
vide que as forças do Destino se concentram ao redor dela.
Apesar do tom enigmático, na prática o Destino pode ser
considerado o poder do protagonismo. Nas histórias Xian-
xia é comum que diversas coincidências e eventos fortuitos
ajudem os personagens principais a sobreviver a eventos
catastróficos, derrotar inimigos muito mais poderosos, en-
contrar tesouros importantes e realizar ações que desafiem
a lógica. Em Ascensão, o Destino também está ao lado dos
personagens. Quando uma rolagem de dados importante
colocar em risco a continuidade das aventuras do grupo, os
jogadores poderão acionar seu Destino e evitar o pior. É im-
portante, porém, garantir que este recurso não seja abusa-
do para que o senso de risco não se perca, pois parte da di-
versão é a dúvida se as coisas vão dar certo ou não.

Reinos Místicos
Em meio a montanhas e pântanos, na boca de um vulcão
ou no fundo de um precipício existem portais que levam
a outras terras, outros reinos. Em Ascensão, o Continente
das Sombras não é a última fronteira, pois, assim como em

Ascensão 41
outras obras Xianxia, existem diversas realidades conten-
do mistérios e recursos ao alcance dos personagens. Mui-
tos desses locais são guardados como tesouros pelas seitas,
sendo utilizados para o crescimento dos jovens cultivado-
res e para a aquisição de materiais exclusivos, enquanto ou-
tros surgem no ermo e são alvo de disputas por todos que os
encontram. Os Reinos Místicos são fonte de recursos raros,
guardados por criaturas míticas e podem abrigar segredos e
relíquias há muito perdidos. Sabe-se que cada seita tem sua
rede de portais para reinos valiosos e o controle sobre qual-
quer novo reino místico é um dos pontos de conflito mais
importantes em obras Xianxia.

Regras Básicas
Em Ascensão, assim como em outros RPGs, os conflitos
e desafios são resolvidos através da rolagem de dados. São
utilizados dados de dez faces, referidos como D, acompa-
nhados de um algarismo representando a quantidade, como
1D, 2D, etc. A quantidade padrão de dados lançados em cada
teste é 2, mas isso pode variar em alguns casos. O que define
o sucesso ou o fracasso do teste é o Valor-Alvo, definido pela
soma de uma perícia com um atributo. Um valor igual ou
menor nos dados é considerado um sucesso.

Ascensão 42
PERSONAGENS
Em Ascensão, você jogará como alguém que está dando os
primeiros passos no mundo dos imortais: um jovem prodí-
gio a quem todos admiram, um gênio do esforço que passou
a vida lutando por este momento ou alguém que busca vin-
gança contra um cultivador que destruiu sua família. Inde-
pendente da história pregressa, seu personagem começará
como um cultivador recém admitido como um discípulo in-
terno de uma seita e deverá se provar digno da atenção de
seus anciões e angariar recursos e glória para sua organiza-
ção. Pelo menos é isso que eles esperam de você.
Para dar vida a seu personagem você precisa definir as ca-
racterísticas que vão ajudar na resolução de conflitos duran-
te o jogo e também deixarão seu personagem único. Através
deste capítulo, você vai entender mais sobre as regras uti-
lizadas na criação dos personagens em Ascensão, desde os
atributos e perícias, até os poderes que permitirão realizar
feitos sobrenaturais.

Atributos
Os atributos representam as características inatas dos
personagens, a extensão e as limitações de como interagem
com o mundo ao redor. Seus valores variam de 1 a 5, no qual
1 (um) representa a média de um humano normal, enquanto
5 (cinco) permite feitos impressionantes, como saltar cente-
nas de metros de altura, se mover na velocidade de um avião,
memorizar bibliotecas inteiras ou intimidar exércitos ape-
nas com suas palavras. Corpo, Mente, Espírito e Presença
são os atributos utilizados em Ascensão.
O atributo Corpo representa as habilidades físicas do per-
sonagem: sua força, resistência, coordenação corporal e
manual. Expressa também sua capacidade de lidar com feri-
mentos e cansaço físico, ou se recuperar e resistir a doenças
e venenos. Priorize o atributo Corpo quando quiser que seu
personagem seja conhecido como um tanque, ou um espe-
cialista em combate corpo a corpo, capaz de destruir pare-
des com punhos ou cortar montanhas com espadas, sabres
e lanças.

Ascensão 43
Mente constitui a agilidade e a flexibilidade do raciocínio
de um personagem e o grau de estudo ou a astúcia adqui-
rida ao longo da vida, além de representar a percepção do
ambiente através de seus sentidos naturais e sobrenaturais.
Mente também deve ser aplicado em feitos de força de von-
tade, determinação e resistência à charme ou outros efeitos
psíquicos. Um personagem que prioriza o atributo Mente
é inteligente e perspicaz, mas também pode ser um grande
estudioso distraído ou alguém crescido entre becos e vielas
que sabe quando ficar calado diante de um ancião precon-
ceituoso.
O valor de Espírito exprime o potencial que um indiví-
duo tem de perceber e manipular energias místicas, o chi,
dentro e fora de seu corpo para a aplicação em técnicas uti-
litárias ou de combate. Personagens com Espírito elevado
têm mais facilidade em utilizar técnicas que controlam as
forças da natureza, como fogo, terra e relâmpagos.
A Presença representa como as outras pessoas enxergam
o personagem. Quanto maior o grau desse atributo, mais os
outros tendem a confiar e aceitar as opiniões desse perso-
nagem, seja por sua postura honrosa, seu jeito agradável e
divertido, sua aparência encantadora, ou até mesmo pelo
temor causado por sua intimidação.
Todos os personagens têm ao menos 1 (um) ponto em cada
atributo, o que representa um nível comum para um mor-
tal. Para definir os valores de atributos do seu personagem,
você deve distribuir mais 5 (cinco) pontos da maneira que
quiser, respeitando o limite de um personagem inicial em
Ascensão que deve ter no máximo 3 (três) pontos em um úni-
co atributo.
Para ajudar a ilustrar, vamos usar um exemplo. Ana está
criando seu personagem: Xiao Wu, uma guerreira que usa
técnicas corpo a corpo. Para refletir as habilidades físicas
dela, Ana põe dois pontos em Corpo, totalizando 3. Como
Xiao Wu é uma garota esperta, mas não é nenhum gênio,
Ana opta por adicionar um ponto em Mente, para um total
de 2. Ela decide que Xiao Wu não tem habilidades elemen-
tais e tem um pouco de dificuldade em perceber e controlar
seu chi, preferindo resolver tudo à força. Portanto ela deci-
de manter o Espírito de Xiao Wu em 1. Ao todo Ana já gas-

Ascensão 44
tou 3 pontos, restando 2. Como Xiao Wu é uma garota bem
humorada e carismática, além de muito bonita, Ana decide
colocar o resto dos pontos em Presença, definindo os atri-
butos de Xiao Wu da seguinte forma:

Com os atributos definidos, a próxima etapa é a escolha


das perícias.

Perícias
As perícias representam o domínio do personagem sobre di-
versos assuntos, como a cultura da região, ou o conhecimento
técnico que adquiriu ao longo da vida. Elas são utilizadas no
jogo para resolver conflitos e para definir o que o personagem
pode ou não fazer. Para realizar os testes, cada Perícia será as-
sociada a um dos atributos, a depender da atividade.
Em Ascensão, as perícias estão divididas entre Mortais e
Imortais, representando conhecimentos comuns a todas as
pessoas e aqueles restritos aos cultivadores, pois demandam
capacidade de controlar energias místicas para a sua aplicação.

Perícias Mortais
As perícias mortais se referem ao conhecimento sobre ati-
vidades corriqueiras da vida dos personagens em histórias
Xianxia, como artes marciais, informações sobre animais
e plantas e ofícios em geral. Em Ascensão são definidas dez
perícias que abarcam várias áreas. No quadro a seguir elas
estão listadas, juntamente com os atributos que regem seus
testes e uma lista de possíveis aplicações.

Ascensão 45
Perícias Mortais Atributo Aplicação

Se mover rapidamente em terreno acidentado;


realizar e evitar ataques; identificar e fazer manu-
Artes tenção de armas; identificar estilos de combate e,
Corpo
Marciais em alguns casos, realizar atividades físicas, como
escalar, saltar, levantar pesos ou correr por muito
tempo.

Mente: tratar lesões e ferimentos físicos; diagnos-


ticar e tratar doenças ou venenos; determinar a
Mente ou
Cura causa da morte.
Corpo
Corpo: recuperar níveis de vitalidade e remover,
ou resistir a, efeitos de venenos ou doenças.

Resistir ao choque causado por traumas, como dor


e medo; resistir à coerção ou persuasão e manter a
Disciplina Mente
concentração em situações de estresse ou que du-
rem muito tempo.

Criar, manter, desmontar e consertar estruturas,


ferramentas e aparatos em geral; aplicar conheci-
mentos relacionados a armoraria, ferraria, cou-
Mente ou
Engenharia raria, carpintaria, alvenaria, e vários campos de
Corpo
engenharia pertinentes ao cenário. Algumas apli-
cações demandam o Corpo, enquanto as mais teó-
ricas, a Mente.

Dominar táticas de combate em grandes grupos,


incluindo logística, estratégias e conhecimento
Guerra Mente
sobre formações de ataque e defesa; reconhecer o
fluxo do combate em um campo de batalha.

Falar, compreender ou ensinar idiomas adicio-


nais; reconhecer línguas e sotaques; decifrar có-
Linguística Mente
digos ou línguas antigas; traduzir documentos ou
mensagens.

Mente: reconhecer detalhes sobre plantas e criatu-


ras não humanas, como nome e aplicação de seus
materiais; rastrear presas ou indivíduos em fuga,
Presença ou
Natureza trilhas e locais seguros no ermo.
Mente
Presença: acalmar animais selvagens; treinar e
cuidar de animais domésticos; cavalgar animais
de carga e transporte.

Mente: reconhecer padrões; perceber se alguém


está mentindo; encontrar coisas escondidas; iden-
tificar detalhes relevantes em pessoas, lugares e
Mente ou
Percepção objetos.
Espírito
Espírito: reconhecer a presença do sobrenatural
e do não natural; identificar rastros de energias
místicas e sua natureza.

Coordenar aliados ou subordinados; convencer as


Persuasão Presença pessoas daquilo que você quer que elas acreditem;
coagir através de intimidação.

Mente: lembrar de informações sobre o mundo em


geral, sobre os acontecimentos atuais e passados,
Mente ou sobre as principais cidades, seitas, eventos histó-
Sociedade
Presença ricos e personalidades famosas da região.
Presença: Aplicar a etiqueta adequada ao lidar com
diferentes grupos ou povos.

Ascensão 46
Caso seu grupo de jogo considere que estas perícias não são
suficientes para expressar os detalhes de seu cenário, vocês
podem adicionar novas. A planilha no final da revista tem
um espaço para a adição de novas perícias se necessário.
Para escolher as perícias de seu personagem você deve dis-
tribuir 12 (doze) pontos entre as perícias existentes (inclusi-
ve as que seu grupo adicionar). Diferente dos atributos, as
perícias iniciam em zero e esse valor reflete que os persona-
gens não têm conhecimentos relevantes sobre o tema. Caso
seja necessário, o narrador pode definir que certos conheci-
mentos são senso comum no cenário da aventura e, portan-
to, não exigem pontos na perícia para que os personagens
os conheçam.
As perícias mortais abarcam áreas bastante amplas, po-
rém em Ascensão também existe o conceito de especializa-
ção. Ao criar seu personagem, após preencher suas perícias,
você deve escolher uma especialização em uma das perícias
na qual foram colocados pontos. Sempre que você estiver
fazendo testes relacionados à sua especialização naquela
perícia, quando tirar o resultado 1, você considera dois su-
cessos no teste naquele dado.
Seguindo a criação de Xiao Wu, Ana agora deve escolher
as perícias da personagem e distribuir os 12 pontos, respei-
tando o máximo de 3 em cada perícia. Até o fim do preen-
chimento da planilha, outros modificadores poderão levar
o valor das perícias para além de 3, mas durante a escolha o
limite deve ser respeitado.
Ana decide priorizar Artes Marciais para Xiao Wu, pois
sua especialidade é combate corpo a corpo, portanto são gas-
tos os primeiros 3 pontos, restando 9. Em seguida escolhe
Cura, pois a guerreira está acostumada a tratar os próprios
ferimentos depois dos treinos: mais 1 pontos gasto. Xiao
Wu é dedicada aos treinos, mas não tanto, por isso apenas 1
ponto em Disciplina: restam 7. Engenheira e Guerra não são
assuntos que a personagem domina: nenhum ponto gasto.
Ana decide que Xiao Wu vem de uma vila nas montanhas e
por isso conhece o idioma falado na região: 1 ponto em Lin-
guística. Como cresceu nas montanhas e viajou pela região
para chegar até a seita, ela também possui 1 ponto em Na-
tureza para indicar as experiências adquiridas na viagem.

Ascensão 47
Ana decidiu que ser atenta e saber se comunicar bem são
características interessantes para a personagem. Por isso,
alocou 2 pontos tanto em Percepção quanto em Persuasão.
Como foi bem instruída por seus familiares e sabe se com-
portar, Xiao Wu terá 1 em Sociedade, terminando assim a
distribuição de pontos.

Ao terminar o preenchimento, Ana define que a especia-


lização de Xiao Wu será em artes marciais: Jiu Jitsu. A base
principal de suas técnicas são chaves e sufocamento.

Perícias Imortais
Algumas áreas do conhecimento são restritas aos culti-
vadores, porque demandam controle de energia espiritual
para sua aplicação. É o caso da alquimia e da inscrição de
runas para a confecção de equipamentos e formações. Além
dessas duas áreas, também é considerada uma perícia imor-
tal a habilidade de se conectar com as energias do ambien-
te e utilizá-las para avançar em poder, prática que recebe o
nome de cultivação.
Estas perícias são úteis tanto na produção de itens impor-
tantes para os cultivadores, como equipamentos e forma-
ções utilizadas para proteger as seitas, quanto na criação de
produtos para curar doenças ou facilitar a cultivação e for-
talecer os imortais. Além disso, assim como a cultivação é
útil para a acumulação de energia espiritual, muitas seitas
usam técnicas que permitem acumular chi enquanto reali-
zam atividades como a forja ou a prática da alquimia. Quan-

Ascensão 48
do o personagem quiser ativar alguma habilidade relacio-
nada à sua técnica de cultivação, o jogador precisa utilizar
uma das perícias imortais.

Nome Atributo Aplicação

Criar unguentos e poções; reconhecer e manter equi-


pamentos e ferramentas; coletar e preparar materiais,
Alquimia Mente
como minerais, metais, plantas, partes de animais e ou-
tros produtos alquímicos.

Se conectar e absorver a energia espiritual para avançar


Cultivação Espírito nas técnicas de cultivação; estimar o poder de outros
cultivadores.

Aplicar inscrições (glifos) em armas, estruturas e obje-


Runas Corpo ou Mente tos, lhes concedendo efeitos sobrenaturais; reconhecer
inscrições em objetos e formações, inclusive seus efeitos.

O que definirá os valores dessas perícias no momento da


criação do personagem é a seita à qual ele pertence. Cada sei-
ta tem uma especialidade e suas técnicas permitem evoluir
a cultivação de diferentes formas, seja utilizando a perícia
cultivação, através de elixires, ou ainda, usando formações
criadas com runas.
As seitas são descritas brevemente na seção sobre os po-
deres e no próximo capítulo, que trata da Região do Mar
de Sangue. Mas aqui você pode ver qual o valor de perícias
imortais um personagem de cada uma delas recebe:

Seita Perícias Imortais

Garras de Azulra +2 Cultivação, +1 Alquimia

Clã da Harpia Escarlate +2 Cultivação, +1 Alquimia ou +1 Runas

Alquimistas da Névoa Púrpura +2 Alquimia, +1 Cultivação

Artífices da Forja Gris +2 Runas, +1 Alquimia

Ascensão 49
Ana opta por sua personagem pertencer ao Clã da Harpia
Escarlate, pois sua vila de origem fica na mesma região na
qual se encontra a base do Clã, e escolhe para Xiao Wu as
perícias Cultivação 2 e Alquimia 1.

Resistências e Vitalidade
Além dos atributos e das perícias, outras características
importantes para os personagens são as resistências e a vi-
talidade. As resistências representam a tenacidade de cada
personagem, definindo a quantidade de sucessos necessá-
rios para que as técnicas dos adversários possam gerar efei-
tos adversos ou alterar sua vitalidade. Em Ascensão, as re-
sistências se dividem em Corporal e Espiritual.
A resistência corporal descreve o quanto o personagem
é capaz de resistir a ferimentos físicos. Estes são os tipos
mais comuns de ameaças e podem ser causados por aciden-
tes (como quedas), armas e poderes de outros cultivadores
ou por presas e garras de criaturas demoníacas. A resistên-
cia corporal pode ser ampliada com técnicas de cultivação,
ou quando o personagem avança nos Reinos Espirituais. Os
sucessos que superam o nível de resistência corporal infli-
gem dano na escala de vitalidade corporal do personagem.
A resistência espiritual está ligada à habilidade do perso-
nagem de controlar as energias místicas que permitem uti-
lizar suas técnicas, assim como ataques de natureza mental,
como ilusões e ataques psíquicos. Quando um ataque con-
tra o personagem tem um número de sucessos maior que a
escala de resistência espiritual, ele sofre dano na sua escala
de vitalidade espiritual.
Quando um personagem marca seu penúltimo nível de vi-
talidade, corporal ou espiritual, ele sofre uma penalidade em
todas as suas ações, recebendo -1D durante seus testes. Quan-
do o personagem perde o último ponto de vitalidade, ele cai

Ascensão 50
inconsciente, indicando que seu corpo não aguenta mais se
mover ou que sua mente e energia espiritual foi despendida.
Todos os personagens começam o jogo com um nível de re-
sistência corporal e espiritual. A vitalidade corporal padrão é
5 e a espiritual é 3, indicando que as técnicas de aprimoramen-
to do corpo são muito mais comuns que as defesas espirituais.
Os valores de resistência e vitalidade podem ser alterados con-
forme a escolha da técnica de cultivação e de seus poderes.

Técnicas de Cultivação
As técnicas de cultivação têm grande importância em As-
censão. Através delas, os personagens podem adquirir os co-
nhecimentos necessários para dobrar as forças da natureza
sob suas vontades. Elas também indicam a filosofia que mol-
da o caminho dos cultivadores rumo à imortalidade, suas
ambições e sua ética diante do mundo ao redor. Por isso é
comum que seitas se formem ao redor de um conjunto de
técnicas similares em ideologia.
Em Ascensão, as técnicas se dividem em corporais e espiri-
tuais e estarão disponíveis durante a construção dos perso-
nagens. Cada uma delas se destaca em alguns quesitos, mas
em ambos os casos, conforme avançam os degraus, mais po-
derosos os indivíduos se tornam.
As técnicas corporais são famosas pelos efeitos físicos que
trazem aos seus praticantes. Repelir ataques com a própria
pele, percorrer enormes distâncias sem se cansar, transfor-
mar partes do corpo em armas naturais, ou utilizar os pu-
nhos para desferir golpes poderosos são algumas das capa-
cidades das técnicas corporais.
As técnicas espirituais controlam as forças da natureza,
como fogo, água, vento e relâmpago. Sendo as mais varia-

Ascensão 51
das, possuem diversas formas, mas todas dão aos seus usuá-
rios algum controle sobre os elementos. No ápice, seus usu-
ários podem ser capazes de mover montanhas e conjurar
tempestades.
A maioria das técnicas costumam combinar elementos
da natureza em suas práticas, mesmo não sendo exclusiva-
mente espirituais. Um exemplo são as técnicas que transfor-
mam o corpo dos usuários, lhes adicionando garras e presas
imbuídas com chamas, ácido ou eletricidade. É importan-
te destacar que independente do tipo da técnica utilizada,
conforme o usuário a domina e evolui sua cultivação, seu
corpo, espírito e mente se tornam mais fortes.
Existem também outros tipos de técnicas, como criar ilu-
sões e pesadelos para atacar seus inimigos ou controlar a
mente de mortais e cultivadores mais fracos; ou ainda, téc-
nicas de controle de corpos mumificados e espíritos, similar
a necromancia, e técnicas que roubam recursos de mortais e
imortais através de sacrifícios. Esses poderes maléficos são
considerados heréticos e os cultivadores que os utilizam são
considerados demoníacos, sendo alguns dos principais an-
tagonistas em obras Xianxia. A simples associação com esse
tipo de cultivador pode acarretar em punições e ostracismo
em meio aos cultivadores ortodoxos.

Técnicas Corporais Técnicas Espirituais

Permite transformações corporais, como Possibilita criar e controlar as forças da na-


asas, garras e outras armas naturais, além tureza, como terra, fogo, água, relâmpagos
de ganho de força e maior tolerância a dano. e trovões.

Permite ações a distância, usando os ele-


Depende do uso do corpo ou de armas.
mentos do ambiente.

Menos flexibilidade, maior resistência. Mais flexibilidade, menor resistência.

A manifestação das técnicas de cultivação é chamada de


poder. Os poderes podem ter várias formas, desde um raio
conjurado sobre o inimigo, até a transformação dos mem-
bros do usuário em garras de uma ave de rapina, ou ainda, a
invocação de raízes para prender e ferir os adversários. Efei-
tos como incutir medo, provocar ilusões, envenenamento e
doenças também são possíveis. A imaginação é o limite do
que os imortais podem realizar.

Ascensão 52
É importante alertar, porém, que uma técnica pode ter
inúmeros poderes, mas um cultivador está limitado em
quantos ele pode aprender. Cada poder em uma técnica de-
manda um conjunto de caminhos pelos quais a energia tra-
fega, chamados meridianos. Então, caso um poder ocupe o
mesmo conjunto de meridianos que outro, eles não podem
ser aprendidos simultaneamente.
São conhecidas cinco regiões de meridianos que um cul-
tivador pode utilizar para aprender os poderes de uma téc-
nica de cultivação, são elas: braço esquerdo, braço direito,
pernas, tórax e cabeça. É comum que técnicas de ataque es-
tejam vinculadas aos braços, assim como técnicas de mo-
vimento às pernas e de proteção à cabeça e ao tórax, porém
não é obrigatório.
As técnicas de cultivação apresentam um nome acom-
panhado de palavras-chave que indicam se é uma técni-
ca espiritual ou corporal e qual a perícia imortal que rege
sua utilização e evolução. As técnicas contam também com
uma descrição que vai indicar as principais características
da técnica, como a qual elemento ela pertence, em que ela
se inspira e como os praticantes podem evoluir nela, além
de uma lista de poderes. Cada poder possui um nome; o Va-
lor-Alvo (VA), uma combinação de atributo+perícia, define
quanto o jogador precisa acertar em um teste para ativar
o poder; palavras-chave indicam a natureza do poder, seus
elementos, e também quais grupos de meridianos este po-
der ocupa. Por fim, cada poder tem um efeito.
Cada personagem inicia o jogo no reino da Condensação
Espiritual, no estágio inicial, recebendo dois poderes à sua
escolha dentre a lista da técnica escolhida. A seguir você
pode ver um exemplo de uma técnica de cultivação:

Ascensão 53
Nome: Dominação da Fornalha da Fúria (Corporal, Cultivação)

Descrição: os cultivadores que praticam esta técnica são conhecidos por sua tenacidade e
resistência. Se alimentando da raiva que têm por seus inimigos, eles conseguem resistir
aos ferimentos mais profundos e são capazes de materializar seu chi em uma chama des-
trutiva, trocando cada ferimento recebido por um ainda mais profundo em seus adversá-
rios. Os operadores da fornalha da fúria são pessoas que vivem em constante conflito entre
sucumbir às emoções fortes causadas pela técnica e o comportamento austero de um gran-
de cultivador. Os mais inexperientes têm dificuldades para se manter na linha, perdendo
a cabeça e entrando em brigas ou se apaixonando regularmente. Em compensação, são fa-
mosos também pela força que trazem para o campo de batalha. Para evoluir, os pratican-
tes desta técnica têm de guardar lembranças dos maiores combates que travou. Seja uma
arma destruída, parte do corpo de um inimigo ou as cinzas de um companheiro morto. As
memórias do passado servem de alimento para as batalhas do futuro.

Poderes

Palavras-
Nome Valor-Alvo Efeito
Chave

Se mova em alta velocidade durante o


Corpo combate, deixando um rastro de chamas
Rastro de Pernas,
+ artes por alguns segundos. Receba +1 Resis-
Fúria Sustentado
marciais tência Corporal enquanto o poder esti-
ver ativo.

Concentrando a fúria em um de seus pu-


Espírito nhos, crie um jato de energia capaz de
Onda de Braços,
+ artes atingir inimigos distantes dezenas de
Cólera Instantâneo
marciais metros. Ataque Cultivação+1D contra
Resistência Corporal.

Sangue Mente + Cabeça, +1 Resistência Espiritual enquanto o po-


Quente Disciplina Sustentado der estiver ativo.

Perca um nível de vitalidade corporal ao


Alimentar Corpo + Tórax, ativar este poder. Aumenta +1D nas joga-
a Forja Disciplina Sustentado das para infligir dano a um inimigo en-
quanto estiver ativo.

Concentre-se por alguns segundos imó-


Corpo + Tórax,
Retificar vel (gaste sua ação nesta rodada) e recu-
Cura Instantâneo
pere 1 nível de vitalidade.

Este poder transforma a fúria e as pai-


Corpo xões do cultivador em combustível para
Furor de Braços,
+ artes um ataque corpo a corpo devastador.
Violência Instantâneo
marciais Ataque Cultivação +1D contra Resistên-
cia Corporal.

Compreendendo as inseguranças e an-


seios de seu adversário, você é capaz de
Despertar Presença + Braços, deixá-lo vulnerável, instigando sua men-
paixões Percepção Instantâneo te a focar apenas naquele sentimento ou
lembrança. Reduza a Resistência Espiri-
tual do alvo em 1 (até o mínimo de zero).

Quando a palavra-chave do poder indica braços, significa


que você pode escolher se os meridianos ocupados se refe-
rem ao lado esquerdo ou direito. Outras palavras-chave im-

Ascensão 54
portantes são instantâneo ou sustentado. Um poder instantâ-
neo pode ser utilizado sempre que o jogador quiser durante
seu turno, ou como reação a um movimento do adversário.
Enquanto um poder sustentado pode ser mantido por toda a
cena. Cada personagem só consegue manter um efeito sus-
tentado por vez, até que chegue no reino da Formação Nu-
clear, que o permitirá combinar vários efeitos sustentados
para alcançar uma força extrema.
Ascensão não tem pontos de mana, energia, ou algo assim;
um poder pode ser reutilizado inúmeras vezes. Caberá ao
narrador avaliar o quanto é coerente a reutilização do poder.
Quando ele achar que há exagero, deve informar aos jogadores
sobre a fadiga ou esforço sobre os meridianos do personagem.
Em último caso, o personagem pode receber dano na escala
de vitalidade espiritual quando mantém um poder sustenta-
do por muito tempo, ou quando utiliza um poder instantâneo
por diversas vezes em um curto espaço de tempo. Inclusive,
a cura dos meridianos de um personagem pode ser utilizada
como ferramenta narrativa para a próxima aventura.
Uma parte importante de Ascensão é a flexibilidade e a
adaptação. As obras Xianxia são muito plurais, com diferen-
tes temas e representações de poderes. Portanto, as técnicas
de cultivação representadas no livro não são os limites que os
jogadores têm à disposição. Pelo contrário, os autores dese-
jam que os jogadores criem suas próprias técnicas e poderes.
Algumas técnicas são apresentadas na descrição de cada
uma das principais seitas do cenário, para servirem de refe-
rência para suas criações. Também são citados os nomes de
outras técnicas, a fim de definir o tema para as técnicas da-
quela seita e também ajudar a inspirar os narradores. Sin-
ta-se livre para desenvolver poderes e descrições delas.
As cinco técnicas apresentadas no livro servem de refe-
rência sobre a lógica por trás dos poderes, facilitando a sua
adaptação. É preciso apenas respeitar algumas ideias du-
rante a criação de seus próprios poderes e técnicas:

▶ As técnicas de cultivação representam uma orientação,


mas não podem limitar as escolhas dos jogadores quanto
aos poderes. Crie sempre pelo menos 7 poderes que pre-
encham os cinco slots de meridianos quando desenvol-

Ascensão 55
ver sua técnica, para que dois personagem com a mesma
técnica possam ter conceitos e realizar ações diferentes.
▶ Uma técnica é praticada por diversos cultivadores, pesso-
as diferentes, com mentes, corpos e experiências distin-
tas. Portanto, não se deve construir técnicas com poderes
usando sempre os mesmos atributos e perícias. Todas as
técnicas precisam ter poderes cujo valor-alvo é formado
pelos quatro atributos e um conjunto similar ou maior
de perícias.
▶ Inclua sempre referências sobre o que os praticantes de
sua técnica precisam durante o processo de ascensão.
Descreva se um item específico precisa ser encontrado
ou se um ambiente com um tipo de energia é necessário
para iniciar o processo de evolução.

Dando seguimento na criação da personagem, Ana resol-


ve que Xiao Wu tem um segredo muito bem guardado: sua
mãe foi uma besta demoníaca que, quando tomou a forma
humana, se apaixonou pelo seu pai. Por isso, ela tem alguns
traços que lembram uma lebre selvagem, a forma original
de sua mãe. E para finalizar o processo de criação, Ana esco-
lhe a Técnica de Cultivação e os primeiros poderes de Xiao
Wu: a técnica da seita Clã da Harpia Escarlate, a Encarna-
ção da Harpia Escarlate. Mas resolve fazer ajustes nela para
combinar com o tema da personagem, por isso decide que a
técnica de Xiao Wu será inspirada na Lebre Selvagem, ade-
quando o texto da descrição e o efeito dos poderes:

Ascensão 56
Nome: Encarnação da Lebre Selvagem (Corporal, Cultivação)

Descrição: inspirada pela herança de sua mãe, Xiao Wu é a primeira portadora desta técni-
ca entre os cultivadores humanos. Ao incorporar movimentos e características das lebres
selvagens e transformar parcialmente seu corpo, os usuários conseguirão criar grandes
efeitos, como saltar grandes distâncias, desferir chutes poderosos e invocar a presença de-
licada, mas imponente, da rainha das pradarias, a besta demoníaca conhecida como Le-
bre Selvagem. Sempre que for evoluir, Xiao Wu precisará eliminar uma besta demoníaca
carnívora e mais poderosa em cultivação, para rememorar as vitórias da Lebre Selvagem
contra bestas que ousaram desafiá-la, tomando-a por uma simples presa.

Poderes

Valor- Palavras-
Nome Efeito
Alvo Chave

A personagem transforma seus membros in-


feriores, estendendo e reforçando os múscu-
Corpo los e ossos das pernas, permitindo que salte
Impulsão Pernas,
+ Artes grandes distâncias e aplique chutes muito
da Lebre Sustentado
Marciais poderosos. Receba +1D em ataques com chu-
tes. O personagem é capaz de saltar até 3x sua
altura verticalmente e 6x ao longo do chão.

Se conectando com a ancestralidade de sua


raça bestial, a personagem invoca a presença
da grande Lebre Selvagem, causando pavor
Cabeça,
Imposição Presença + nos inimigos. O personagem salta à grande
Instantâneo,
Animal Natureza altura e conjura uma imagem gigante da Le-
Medo
bre Selvagem atrás de si, assustando seus ad-
versários e reduzindo em 1D a resistência es-
piritual deles.

Evolução dos Personagens


Os personagens em Ascensão estão sempre em busca de
evoluir, dominar novas formas de energia, aprimorar suas
técnicas de cultivação e combate, ou produzir equipamen-
tos melhores, até que possam ascender à imortalidade. Para
isso eles praticam a cultivação, acumulando energia até
criar um núcleo que guardará suas almas imortais.
Degraus da cultivação
A densidade do poder espiritual é algo importante para
os cultivadores, especialmente para os personagens dos jo-
gadores, pois eles iniciam sua história na base da pirâmide,
entre os imortais, e podem ascender em poder e prestígio à
medida que seu poder espiritual aumenta. O estágio da cul-
tivação e a densidade espiritual são as características que

Ascensão 57
definem a estrutura social em cenários Xianxia.
As fases da cultivação são chamadas reinos espirituais e se
diferenciam pela natureza da energia que circula pelo corpo dos
cultivadores. Cada um destes reinos se divide em quatro está-
gios: inicial, intermediário, avançado e pico. No primeiro reino,
chamado condensação espiritual, a energia se comporta como
um fluido de baixa densidade, como um gás. Conforme percor-
rem os estágios deste reino, os cultivadores precisam acumular
energia espiritual em seus meridianos (vasos por onde circula
o chi) para aumentar sua densidade até a condensação.
Ao condensar a primeira gota de energia, o indivíduo atin-
ge o reino do alicerce místico, no qual a energia circula como
um líquido. O objetivo nesta etapa é transformar toda a ener-
gia espiritual em um líquido com a densidade mais alta possí-
vel. Quando o chi começar a se cristalizar dentro dos meridia-
nos, os cultivadores atingem a próxima etapa da cultivação.
No reino da formação nuclear, a energia liquefeita que
percorre os meridianos do cultivador precisa ser controlada
com maestria e solidificada até a última gota. Os estágios in-
termediários desses três primeiros reinos são definidos pela
quantidade de energia espiritual nos estados gasoso, líquido
e sólido que preenchem o organismo do cultivador. Ao com-
pletar a transformação de sua energia espiritual para o esta-
do sólido, um cultivador atingirá o pico do reino de formação
nuclear. E para evoluir além disso precisará concentrar sua
energia espiritual em um ponto, normalmente no dantian (丹
田), ou centro da energia vital, criando seu núcleo espiritual.
Ao criar o núcleo espiritual, o cultivador entra no reino
de fundição da alma, ou renascimento espiritual. O núcleo
contém toda a experiência e as impressões obtidas ao longo
de sua estrada como cultivador e serve de base para a cons-
trução do seu corpo espiritual, sua verdadeira alma.
Ao atingir o pico do reino de fundição da alma, o corpo fí-
sico do cultivador será apenas uma casca que pode ser des-
truída sem que o cultivador pereça. Somente cultivadores
muito poderosos são capazes de criar ataques que causam
dano ao corpo espiritual de alguém. Apesar disso, a destrui-
ção do corpo físico não pode ser tratada como algo leviano,
pois é muito traumática e reduz a força de um cultivador até
que ele possa se restabelecer.

Ascensão 58
Em Ascensão, os personagens iniciam sua trajetória como
cultivadores no reino da condensação espiritual e podem
percorrer o caminho até o reino da fundição da alma. O pró-
ximo passo na cultivação recebe o nome de ascensão imor-
tal. Quando um indivíduo alcança este reino, é sinal que sua
história no Continente das Sombras se encerrou; caso sobre-
viva a uma torrente multicolorida de relâmpagos, seu cor-
po ascenderá para outro plano em questão de dias ou horas.
Ninguém sabe exatamente o que acontece com quem ascen-
de aos céus, pois os relatos sobre as raras manifestações da-
queles que ascenderam são sempre mantidos em segredo.

Estado da energia
Estágio Último desafio
espiritual

Criar uma gota de energia


Condensação Espiritual Gasoso
no estado líquido

Aumentar a densidade e
Alicerce Místico Líquido
cristalizar o chi

Concentrar a energia e for-


Formação Nuclear Sólido
mar o núcleo

Fundição da Alma Concentrada no núcleo Criar o corpo espiritual

Cada reino espiritual está dividido em quatro estágios:


inicial, intermediário, avançado e pico. Um personagem
do reino da Condensação Espiritual inicial, precisará acu-
mular 10 pontos de cultivação, para em seguida realizar um
teste de espírito+(perícia imortal) com um número de da-
dos igual ao valor da perícia imortal adequada à sua técnica
de cultivação e quaisquer modificadores. Ao obter um su-
cesso, ele avançará para o nível intermediário. Repetindo o
processo até o pico do reino em que se encontra.
Quando quiser avançar de um reino espiritual para o pró-
ximo, o personagem precisará acumular novamente os pon-
tos de cultivação, porém será necessário também encontrar
o item ou ambiente correspondente à sua técnica, além de re-
sistir a uma tribulação dos céus, a manifestação da natureza
contra aqueles que buscam superar suas amarras. Uma tri-
bulação é um ataque em forma de um relâmpago que atinge
todos aqueles que tentam ascender. Quanto mais alto o rei-
no, mais forte é a tribulação. O personagem deve fazer um
teste de Corpo+Disciplina com um número de dados corres-

Ascensão 59
pondente ao reino que ele quer acessar. Cada falha repre-
senta 1 ponto de dano nas duas escalas de vitalidade. Caso o
personagem fique incapacitado, ele não consegue ascender,
perde todos os pontos de cultivação, precisando recuperar
a cultivação perdida para tentar novamente.
Dano causado pela tribulação dos céus

Alicerce Místico Formação Nuclear Fundição da Alma Ascensão Imortal

6 9 12 15

Os riscos durante a ascensão de um cultivador são enor-


mes, porém os ganhos são altos. A diferença de poder entre
cada reino aumenta drasticamente e são poucos os gênios
capazes de superar o abismo.

Condensação Espiritual – os primeiros passos na vida de um cultivador. Os efeitos dos po-


deres são sempre na escala de 1: +1D, 1 nível de vitalidade recuperado, 1 nível de resistência
adquirido.

Avançado:
Intermediário:
Escolha 1 poder e Pico:
Inicial: Escolha 1 poder e
+1 nível vitalidade Escolha 1 poder e +1
Escolha 2 poderes +1 ponto de perícia
(corporal ou espiri- ponto de atributo
mortal
tual)

Alicerce Místico – o início da maturidade de um cultivador, maioria da população. Os efei-


tos dos poderes passam a ter base 2: +2D, 2 níveis de vitalidade recuperados, 2 níveis de re-
sistência adquiridos, 2 rodadas de duração.

Inicial: Intermediário: Avançado:


Pico:
Aprimore ou subs- Aprimore ou subs- Aprimore ou subs-
Aprimore ou subs-
titua 1 poder e +1 ní- titua 1 poder e +2 titua 1 poder e +1 ní-
titua 1 poder e +1
vel vitalidade (cor- pontos de perícia vel vitalidade (cor-
ponto de atributo
poral ou espiritual) mortal poral ou espiritual)

Formação Nuclear – a elite do mundo imortal, temidos por todo o continente por serem
capazes de lidar com exércitos mortais sozinhos. Remova o limite de um poder sustentado
por cena.

Inicial: Intermediário: Avançado:


Pico:
Substitua 1 poder Substitua 1 poder Substitua 1 poder
Substitua 1 poder
(opcional) e +1 nível (opcional) e +2 pon- (opcional) e +1 nível
(opcional) e +1 pon-
vitalidade (corpo- tos de perícias mor- vitalidade (corpo-
to de atributo
ral ou espiritual) tais ral ou espiritual)

Fundição da Alma – as lendas da Região do Mar de Sangue. Uma vez por história, os per-
sonagens deste reino têm a chance de controlar a narrativa em uma cena, materializando
todos os feitos que imaginarem, podendo mostrar como é o poder de um verdadeiro imor-
tal (lembre-se sempre de respeitar a diversão de seus colegas). Além disso, os cultivadores
neste nível conseguem causar efeitos destrutivos com muito mais facilidade. Aumente a
margem de especialização para 2.

Inicial: Intermediário: Avançado: Pico:


+2 pontos de perí- +1 nível vitalidade +1 ponto de atribu- +1 nível vitalidade
cias mortais em cada escala to em cada escala

Ascensão 60
Destino
Como dito anteriormente, o Destino é uma força miste-
riosa que costuma estar sempre do lado dos protagonistas
em histórias Xianxia. Para os jogadores, o Destino é a opor-
tunidade de evitar situações catastróficas, ou subverter as
expectativas, tornando viável uma vitória contra um ini-
migo muito mais forte, ou o aprendizado de uma técnica
complicada. Cada jogador começa com 1 ponto de Destino,
que pode ser gasto para rolar de novo um 1D depois de um
teste, permitindo que os jogadores transformem uma falha
em um sucesso. Além disso, caso os modificadores de difi-
culdade incluídos pelo narrador subtraiam todos os dados
de um jogador, ele pode gastar 1 ponto de Destino para fazer
o teste com 1D.
Os pontos de Destino devem ser premiados pelo narrador
sempre que os personagens conquistarem algum objetivo
ou adversidade, indicando que o mundo conspira para o su-
cesso deles. No início de cada sessão, os personagens devem
ter pelo menos 1 ponto de Destino e o máximo que um per-
sonagem pode acumular são 5 pontos. É possível gastar vá-
rios pontos em uma mesma rolagem, porém 1D só pode ser
rolado mais uma vez.
Para exemplificar, imagine que Xiao Wu tem uma parada
de dados de 4D para um teste de Corpo+Artes Marciais (Va-
lor-Alvo igual a 6). Ana rola os dados e obtém: 4, 8, 3 e 2. re-
sultando em três sucessos e um falha. Ana tem 2 pontos de
Destino e decide gastar 1 para obter o quarto sucesso, pois
o grupo tem certeza que o inimigo tem apenas alguns ní-
veis de vitalidade restando. Ela re-rola e tira de novo um 8.
Apesar de Ana ainda ter um ponto de Destino, ela não pode
jogar novamente este dado e não quer aplicar nos demais,
nem mesmo tentando tirar o valor 1 e ganhar dois sucessos.

Ascensão 61
A REGIÃO DO MAR DE
SANGUE
As histórias em Ascensão se passam num lugar conhecido
como Continente das Sombras, local que recebe seu nome
graças às imensas sombras causadas pelas grandes monta-
nhas que cortam o continente, algumas alcançando deze-
nas de quilômetros de altura.
As cordilheiras que cortam o continente criam regiões
distintas, com diferentes características geográficas e con-
centrações de energias místicas. Suas fronteiras só podem
ser superadas pelos cultivadores mais poderosos, pois entre
as montanhas descansam entidades capazes de devorar ou
consumir os de mente e corpos mais frágeis.
A história do continente se estende por eras e a guerra
constante entre os cultivadores em busca da imortalidade
causou a ascensão e a queda de várias civilizações. Isso per-
mite aos habitantes encontrar rastros de sociedades anti-
gas e mistérios há muito perdidos. Nunca se sabe quando
um jovem camponês descobrirá o próximo tesouro capaz de
rasgar os céus e trazer ruína aos poderes estabelecidos.
Com suas civilizações milenares e o conflito constante por
riqueza e poder, este continente e seus tesouros são domi-
nados pelos mais fortes. Grandes clãs, seitas e organizações
mantêm o controle sobre o transporte de pessoas e merca-
dorias, reservando parte do continente como seu território
e usando sua autoridade para manter a ordem e o monopó-
lio sobre os recursos de cada região. Porém, nem sempre tais
organizações agem diretamente.
Ao estabelecer organizações subsidiárias, as grandes fac-
ções criaram um modelo de produção de guerreiros e recur-
sos no qual eles investem muito pouco e recebem em troca
mão de obra, tesouros e acesso aos reinos místicos das seitas
que se submetem a eles. Uma estrutura na qual os títulos de
nobreza são conquistados pela força.
As duas maiores potências do continente o dividem em
norte e sul. O Império dos Dragões Celestiais e o Clã da Fênix
Rubra são os titãs conhecidos em todas as partes, alvos de in-

Ascensão 62
veja e admiração na mesma medida. Ambos usam seu poder
marcial superior e o acesso a recursos exclusivos para esten-
der sua influência às regiões mais distantes do centro do con-
tinente. Ao sul, o Clã da Fênix Rubra controla seus territórios
através de seus ramos familiares. E no sudeste do continente
veio sua conquista mais recente: a região do Mar de Sangue.

Seitas
As seitas são as principais instituições neste local, sen-
do bastante plurais, contendo técnicas e culturas diversas.
Muitas estão localizadas nas principais cidades, enquanto
outras encontraram estabilidade e segurança no ermo.
Normalmente os membros de uma Seita são divididos ba-
seado em poder, prestígio e senioridade e os títulos para cada
camada mais usados são: discípulos externos, discípulos
internos, força principal, anciões e ancestrais. Cada uma
dessas camadas representa um contingente importante das
forças de uma Seita.
Os discípulos externos compõem o maior número de pesso-
as numa organização de cultivadores. Eles são a base da pirâmi-
de que reúne principalmente mortais que mostraram talento
ou a resiliência necessária para buscar a imortalidade. Cada
uma dessas pessoas carrega o desejo de se tornar um membro
oficial de sua seita e está disposta a enfrentar treinamentos
extenuantes, batalhar por recursos escassos ou agir como ser-
vos e cumprir tarefas pelo favor de alguém importante, na es-
perança de ter alguma chance de crescer em poder.
A maioria dos discípulos externos de uma seita são mortais,
nunca tendo alcançado o estágio de condensação espiritual
e, por isso, desenvolvem tarefas mundanas, como a de men-
sageiros e auxiliares em oficinas e laboratórios. Porém, nas
seitas mais poderosas, eles podem ter iniciado a cultivação e
precisam atender a outros critérios para serem aceitos, como
aprender certa técnica ou oferecer recursos específicos.
Os discípulos internos são aqueles que transformaram
seu talento em poder, materializando o potencial que de-
monstraram no início da vida. Apesar de, aos olhos de quem
está abaixo, terem uma posição privilegiada, a verdade é

Ascensão 63
que eles são a primeira linha de guerreiros de uma seita, as
buchas de canhão. Todas as seitas usam seus discípulos in-
ternos para resolver o máximo de problemas com o argu-
mento de que estão estimulando seu crescimento. E, apesar
do potencial de ganhos, as missões dos discípulos internos
têm a pior relação risco-retorno, pois eles não têm a força
ou a experiência para lidar com todos os problemas que po-
dem surgir.
Em Ascensão, os personagens iniciam sua jornada como
discípulos internos recém admitidos em uma seita. Caberá
aos jogadores decidir se eles foram discípulos externos ou
entraram diretamente devido a seus talentos extraordiná-
rios ou a suas conexões com patronos importantes. As his-
tórias de origem são um bom material para uma sessão in-
trodutória para cada personagem.
Alguns discípulos internos continuam neste estágio du-
rante toda a vida, porém são comuns aqueles que ainda jo-
vens se mostram mais poderosos e sábios que seus pares.
Toda seita, ao perceber um cultivador com potencial para se
tornar alguém poderoso no futuro, fará de tudo para apoiá-
-lo, pois o preço do investimento é muito baixo comparado
ao surgimento de um novo campeão na organização. Estes
indivíduos que recebem a atenção e os melhores recursos
da seita estão reunidos na força principal.
Os membros da força principal têm acesso aos melhores
recursos, melhores professores e melhores locais de trei-
namento. Têm prioridade na escolha das missões com os
maiores tesouros e enfrentam os inimigos mais poderosos.
A força principal abriga a elite dos combatentes e parte da
percepção pública de poder de uma seita se deve aos feitos
de sua força principal.
Os anciões são a próxima camada na hierarquia. Mais do
que o poder marcial, o que define o status de um ancião é
o mérito e a competência para lidar com tarefas adminis-
trativas da seita. Alguns anciões têm menos poder que os
membros mais fortes da força principal, porém têm o pres-
tígio e a responsabilidade sobre setores inteiros da seita, po-
dendo utilizar estes recursos em prol da organização ou de
interesses pessoais. Um ancião é sempre alguém perigoso,
pois mesmo que ele não seja capaz de derrotar um inimigo

Ascensão 64
individualmente, terá como mobilizar itens e pessoas para
lutar por ele.
A maioria dos anciões são escolhidos entre os membros
da força principal que contribuíram para a seita durante
muitos anos. Apesar de raro, cultivadores jovens também
podem ser escolhidos como anciões como uma forma de
reconhecimento de seu poder marcial, ou pelo brilhantis-
mo em alguma área. É possível também que nepotismo e
o favorecimento de aliados sejam caminhos para se tornar
um ancião.
Os anciões focados apenas em poder marcial atuam como
instrutores, generais ou capitães (nas seitas maiores), en-
quanto a maioria dos anciões se responsabiliza por ativida-
des administrativas como catalogar, organizar e proteger
relíquias, técnicas e segredos da seita, ou gerenciar a econo-
mia da organização. Os setores de uma seita não são sempre
os mesmos, mas é comum que cada um deles seja controla-
do e administrado por um ou mais anciões.
Os anciões de uma seita costumam ser liderados por um
Grande Líder, também chamados Patriarcas, Matriarcas,
Grande Ancião ou Anciã. Esta figura concentra a responsa-
bilidade pelas decisões da seita e media a disputa política
entre os outros anciões. Numa realidade onde a força faz as
leis, o Grande Líder costuma ser o de cultivação mais alta
entre os membros ativos da seita, mas nem sempre é o caso.
E não é raro que líderes sejam desafiados por anciões que
alcançaram um poder superior.
Quando um ancião passa a considerar as atividades coti-
dianas da seita como um empecilho para sua ascensão, ele
ou ela podem escolher se transformar num ancestral da sei-
ta. Os ancestrais se afastam das atividades mundanas e dos
conflitos do mundo ao redor e focam apenas em evoluir seu
poder através da cultivação. Muitos indivíduos que se tor-
nam ancestrais também aproveitam para conhecer outras
regiões do continente, porém essa é uma ação arriscada,
pois a função dos ancestrais é agir quando os agentes ativos
não conseguirem lidar com os perigos que cercam a seita. E
não são poucos os casos de cultivadores que viajaram para
conhecer o mundo só para encontrar sua seita esmagada e
sua herança destruída. Alguns investem o resto de suas vi-

Ascensão 65
das no caminho da vingança, enquanto outros consideram
uma armadilha do destino.
Cada um desses papéis são representados no jogo como
aliados, concorrentes ou inimigos dos personagens dos jo-
gadores. Seja um ancião que privilegie seus afilhados, ou um
Grande Líder que enxergue os personagens como ameaça,
ou ainda um discípulo externo que conhece todas as fofocas
da região, cada seita sempre terá um conjunto de persona-
gens que pode ser utilizado para compor uma história rica
em detalhes para você e seu grupo.

As Quatro Principais Seitas


Como em todo o continente, o poder político e marcial
está concentrado nas mãos das maiores seitas de cultivado-
res. Na região do Mar de Sangue, são quatro os poderes he-
gemônicos, cada um deles localizado em uma área distinta
e se destacando por vários motivos. Enquanto algumas de-
las focam no aspecto marcial, outras buscam a ascensão e
ganhos de poder através da criação de itens, o que gerou um
equilíbrio de forças que se mantém desde as últimas gran-
des mudanças da região.

Clã Harpia Escarlate

Por serem um ramo subsidiário de um dos poderes que


controla o continente, os membros do Clã da Harpia Escar-
late ocupam o papel de mediadores políticos da região. Nin-
guém (inclusive eles mesmos) deseja que o poderoso Clã da
Fênix Rubra envie cultivadores para interferir e, por isso, o
lugar deles na dinâmica da região está garantido.
O Clã surgiu há vários séculos, quando os primeiros emis-
sários da Fênix Rubra chegaram à Região do Mar de Sangue,
que na época ainda não era conhecida por este nome. Ao se
instalarem nas montanhas, eles começaram a exercer pres-
são sobre os poderes locais e gradualmente dominaram os
entrepostos comerciais próximos à Cidade das Plumas, mais
ao norte da região. Quando se viram incapazes de enfrentar
os guerreiros estrangeiros, muitas das seitas das proximi-
dades debandaram ou foram destruídas e, de suas ruínas, o
Clã da Harpia Escarlate foi criado.

Ascensão 66
A seita se localiza na parte nordeste, em meio às monta-
nhas, na entrada de um dos poucos caminhos seguros que
conectam aquela área ao resto do continente. Portanto, mui-
tos itens e informações chegam primeiro lá e às vezes nunca
alcançam o resto da região. Colocando a seita em vantagem
em termos de recursos e informações.
Apesar de não se destacar na produção de artefatos ou
formações, o Clã possui ricos conhecimentos no cultivo de
plantas e ervas ricas em energia espiritual, sendo um dos
principais fornecedores da região, além de exportar para
outras partes do continente. As paisagens nas montanhas
ao redor da seita são cobertas por lotes coloridos cobertos
com flores e pomares, divididos em degraus criados artifi-
cialmente pelos cultivadores.
Os cultivadores do Clã da Harpia Escarlate se apresentam
como pessoas sábias e inteligentes que buscam honrar seus
papéis e tentam gerenciar os interesses de todos os poderes
regionais com parcimônia. Suas técnicas espirituais são fo-
cadas principalmente na manipulação de fogo, vento e luz.
Porém alguns utilizam também técnicas corporais que re-
duzem a massa e aumentam a velocidade, além de garantir
armas naturais como garras e asas.
Por terem uma estrutura familiar, os laços de casamen-
to e familiares são muito valorizados e a maior parte dos
líderes e figuras importantes de cada geração costuma ter
algum parentesco. Os clãs e seitas menores também vêem
uma grande oportunidade em ter seus jovens casados com
um dos prodígios da Harpia Escarlate, portanto é comum
que os mais poderosos deste clã troquem casamentos com
descendentes por favores de anciões aliados.
Os discípulos externos da seita se dividem entre as plan-
tações nas montanhas ao redor da seita e as instalações na
Cidade das Plumas. O clã possui centros comerciais, cara-
vanas e trata regularmente com os outros poderes da região
ou seitas menores a respeito do comércio de itens e equipa-
mentos. As outras seitas também costumam procurar o Clã
quando precisam viajar para outras regiões do continente,
já que possuir um emblema relacionado ao Clã da Fênix Ru-
bra pode abrir muitas portas.
Os personagens do Clã da Harpia Escarlate recebem +2 em

Ascensão 67
Cultivação e +1 em Runas ou Alquimia, segundo a escolha
do jogador. A alquimia e a forja de equipamentos são habili-
dades respeitadas pelo Clã, porém poucos de seus membros
se destacam nessas áreas.

Técnicas de Cultivação Populares:


▶ Dominação da Lâmina Iridescente (Espiritual, Culti-
vação)
▶ Desabrochar da Lótus Renascida (Espiritual, Cultivação)
▶ Encarnação da Harpia Escarlate (Corporal, Cultivação)

Nome: Encarnação da Harpia Escarlate (Corporal, Cultivação)

Descrição: A técnica mais popular do clã. Oferecida a todos os discípulos que tenham vín-
culos familiares com a seita. Aqueles que praticam esta técnica buscam encarnar as quali-
dades das grandes aves de rapina que dominam as montanhas da Cordilheira das Sombras.
Seja ativando suas armas naturais ou conjurando sua presença majestosa. A técnica garan-
te maior tenacidade e resistência e pequenos efeitos com chamas e correntes de ar.

Poderes

Valor- Palavras-
Nome Efeito
Alvo Chave

Transformando seus punhos em garras


Corpo
Braços, flamejantes, você conjura destruição en-
Garras de Fogo + Artes
Sustentado tre seus inimigos. Receba +1D nos testes
Marciais
de ataque contra seus inimigos.

Se erguendo alguns centímetros no ar


você é capaz de se locomover sobre qual-
quer superfície, investir contra seus ini-
Espírito
Pernas, migos com agilidade e se esquivar com
Vôo Célere + Artes
Sustentado mais eficiência. Além da melhor movi-
Marciais
mentação, sempre que gastar uma reação
para evitar um ataque, receba +1D duran-
te as jogadas.

Os seus olhos se transformam e você é


capaz de enxergar a grandes distâncias,
Mente + Cabeça, objetos pequenos ou em ambientes com
Avistar a Presa
Percepção Sustentado pouca luz. Enquanto o efeito estiver ati-
vo, você recebe +1D em testes envolvendo
a visão.

Perca um nível de vitalidade corporal ao


ativar este poder. Recupere 1 nível de vi-
Renovar a Corpo + Tórax,
talidade espiritual. No início da próxima
Plumagem Disciplina Instantâneo
rodada (ou em um minuto) recupere 1 ní-
vel de vitalidade corporal.

Ascensão 68
Ao invocar a ancestralidade de seu clã,
você conjura a sombra flamejante de uma
Harpia. A imagem intimida seus inimi-
Presença
Governar os Cabeça, gos e traz conforto para os seus aliados.
+
Céus Instantâneo Nesta rodada, você e seus companheiros
Sociedade
podem agir como se os inimigos estives-
sem surpresos, sem poderem reagir às
suas ações.

Concentrando o poder em suas mãos,


você é capaz de lançar chamas na for-
ma de uma harpia que voa em alta ve-
locidade até o alvo, se infiltrando em
qualquer brecha do corpo, vestes ou ar-
Espírito
Harpia Braços, madura. Considere que o alvo tenha re-
+ Artes
Incandescente Instantâneo sistência 0 para avaliar o dano. Sempre
Marciais
que utilizar essa técnica, jogue apenas
2D, independente dos modificadores
vindos de outros poderes ou artefatos.
Alicerce Místico: Receba +1D para realizar
o ataque usando este poder.

Ao esfregar seu sangue sobre um aliado,


você é capaz de incendiar o chi presente
Sangue do Meu Espírito + Braços,
nele e ajudá-lo a regenerar seus ferimen-
Sangue Cura Instantâneo
tos. O aliado recupera 1 nível de vitalida-
de corporal.

Seita de Alquimistas da Névoa Púrpura

Apesar de ser um dos poderes mais antigos da região, nun-


ca esteve em meio aos principais conflitos, graças à geografia
especial de sua seita. Localizada em uma grande ilha cober-
ta por uma névoa venenosa, fica em uma enseada impor-
tante para a região, pois lá desembocam dois grandes rios,
tornando a área bastante movimentada por navios comer-
ciais. Mesmo com o grande movimento, os Alquimistas da
Névoa Púrpura se mantêm isolados na maior parte do tem-
po, pois arrecifes e bestas marinhas garantem que ninguém
se aproxime. Alguns dizem, inclusive, que eles conhecem
caminhos secretos para alcançar o continente.
Seu contingente é o menor dentre as quatro maiores for-
ças da região, com menos de cinco mil cultivadores, entre
discípulos internos e superiores. Seus conhecimentos sobre
a arte da alquimia são passados a todos que demonstram in-
teresse, mas são poucos os que têm a resistência e a tenaci-
dade para sobreviver à cultivação de suas técnicas, que cos-
tumam envolver exposição a venenos e toxinas de animais
ou até de bestas demoníacas.

Ascensão 69
O passado desta seita se mistura à história de uma das gran-
des cidades da região do Mar de Sangue, as Palafitas. Um lo-
cal construído em meio às raízes de árvores gigantes, numa
região completamente alagada, cuja mistura de água do oce-
ano e dos rios permite a aparição de ervas e plantas ricas em
energias místicas. Dizem que os Alquimistas fundaram os
primeiros assentamentos no local para coletar tais plantas e
enviá-las à Ilha da Névoa Púrpura, porém, aos poucos, mor-
tais e imortais formaram o que hoje é uma grande metrópo-
le construída em vários níveis. A maioria dos discípulos ex-
ternos da seita vivem nas Palafitas, coletando ou cultivando
ervas e se preparando para enfrentar os testes da seita.
Os Alquimistas da Névoa Púrpura entendem como pou-
cos sobre a criação de poções e venenos, as artes da cura e
o controle sobre a névoa e as sombras. Muitos são estudio-
sos dedicados, que vêem na seita um refúgio do mundo de
conflito, enquanto outros são tão habilidosos em combate
como qualquer grande cultivador, porém compartilham o
fascínio pelas artes dos venenos ou da cura.
Por todo o continente,
as poções, unguentos e to-
Itens consumíveis:
xinas desenvolvidas pela
Sejam elixires, unguentos, pílulas, ou refeições feitas
seita são conhecidas, tor- de bestas demoníacas, consumíveis são bastante explora-
nando esta facção um dos dos em obras Xianxia. Em Ascensão, estes itens se destacam
por terem energia espiritual em sua composição. O cultiva-
pilares econômicos da re- dor imbui seu chi nestes produtos e quando alguém o con-
some, recebe algum benefício. Por manter parte da ener-
gião. Utilizando a estrutu- gia de quem o produziu, não é possível para os cultivadores
ra comercial das Palafitas, mais fracos manter um grande número de uma só vez. Ape-
sar de úteis, o uso recorrente, ou em grandes quantidades,
os itens produzidos por destes produtos pode comprometer a saúde e a cultivação
dos jovens imortais e precisa ser evitado.
cultivadores podem alcan- Os itens funcionam como um poder instantâneo e o
çar qualquer local no con- consumo deve ser limitado a 1 produto do mesmo tipo por
cena, exceto para o criador, que pode usar de forma indis-
tinente. criminada. Cada jogador pode ativar um poder de itens por
ação ou reação. As consequências da tentativa de consumir
Os personagens da seita múltiplos itens ao mesmo tempo devem ser definidas entre
dos Alquimistas da Névoa o narrador e seu grupo. Para produzi-los, um jogador deve
fazer um teste com Valor-Alvo de Atributo+Runas e sua for-
Púrpura recebem +2 em Al- ma e efeito dependerá dos objetivos do artesão.

quimia e +1 em Cultivação, Quantos itens um cultivador pode manter


representando o foco da Condensação Espiritual +2 a cada estágio de cultivação

seita em técnicas de produ- Alicerce Místico +4 a cada estágio de cultivação


Formação Nuclear Sem limites
ção de itens. A maioria dos Fundição da Alma Sem limites
seus poderes se manifesta
através de poções, poma-

Ascensão 70
das ou incensos, salvo algumas exceções que combinam as
habilidades da seita com armas, aumentando sua letalida-
de. Tais técnicas não se enquadram plenamente nas catego-
rias espiritual e corporal, portanto recebem a palavra-cha-
ve Itens.

Técnicas de Cultivação populares:

▶ Miríade de Toxinas (Corporal, Alquimia)


▶ Conjuração da Névoa Púrpura (Espiritual, Cultivação)
▶ Biblioteca de Elixires (Espiritual, Alquimia)

Nome: Biblioteca de Elixires (Espiritual, Alquimia)

Descrição: Os alquimistas da névoa púrpura são muito respeitados, principalmente por


sua versatilidade. Ao mesmo tempo em que dominam a arte da fabricação e aplicação de
venenos e toxinas, também sabem criar elixires muito poderosos. Como indica seu nome,
esta técnica foca no aprendizado e acúmulo de novas receitas. Para cada item, o alquimis-
ta deve memorizar o processo de produção em seus meridianos. Diferente da maioria dos
casos, para atingir um novo estágio de cultivação nesta técnica, o imortal precisa apenas
aprender um novo elixir (poder) a cada estágio além do inicial. Isto é feito através de expe-
rimentação, estudo e pesquisas (representado pelo acúmulo de pontos de cultivação e os
testes pertinentes). Como toda técnica voltada à alquimia, ela também garante ao usuário
habilidades como telecinesia de pequenos objetos e resistências a temperaturas extremas.

Poderes

Nome Valor-Alvo Palavras-Chave Efeito

Elixir da Corpo + Quando consumido, o usuário recupe-


Tórax, Item
Restauração Cura ra 1 nível de vitalidade corporal

Elixir do Espírito + Quando consumido, o usuário recupe-


Braços, Item
Relaxamento Disciplina ra 1 nível de vitalidade espiritual

Quando consumido, o usuário recebe


Elixir da Mente +
Cabeça, Item +1 Resistência Espiritual durante 2 ro-
Vontade Disciplina
dadas.

Utilizando o aprendizado utilizado em


alquimia, você consegue controlar os
Manipular Espírito + Tórax,
fluidos de seu corpo para garantir mais
fluidos Disciplina Sustentado
resistência a danos e fadiga. Resistên-
cia corporal +1.

Ao concentrar toxinas em sua saliva,


você consegue cuspir uma rajada con-
Corpo + Cabeça,
Afina-sangue taminada que enfraquece seus inimi-
Cura Instantâneo
gos. O alvo recebe -1 resistência corpo-
ral por 1 rodada.

Um elixir usado como arma. Ao arre-


messar o recipiente contra o inimigo,
Corpo +
Névoa Ácida Braços, Item ele gera uma névoa que ataca através
Natureza
da pele ou dos pulmões. Considere um
ataque contra resistência corporal.

Ascensão 71
Os alquimistas não são os combatentes
mais resistentes, portanto precisam de
meios de fugir quando o perigo é mui-
Garantir o Mente + Pernas,
to grande, com vários se especializan-
Futuro Percepção Instantâneo
do em técnicas de fuga. Como uma re-
ação, evite um ataque lançado por um
inimigo nesta rodada.

O usuário que consome fica com um


Elixir da Corpo + aspecto avermelhado e com o corpo fe-
Braços, Item
Força Guerra bril, porém fica mais poderoso. Ganhe
+1D em jogadas de ataque por 1 rodada.

Seita Artífices da Forja Gris

Esta seita se encontra aos pés do vulcão Cataclisma, um


dos maiores do continente, cujo calor se espalha por deze-
nas de quilômetros e sua altura se compara com a das maio-
res montanhas da Cordilheira das Sombras. Graças a esta
proximidade, os artífices se
Artefatos
especializaram em usar as
câmaras ricas em energia
espiritual ao redor do vul- Artefatos são equipamentos especiais desenvolvidos
por cultivadores, capazes de amplificar ou armazenar
cão para produzir armas, energia espiritual gerando efeitos. Podem ser armas usa-
das para invocar relâmpagos sobre os inimigos, ou instru-
armaduras e materiais uti- mentos musicais que prendem seus ouvintes em ilusões,
ou ainda, estátuas cuja energia protege seitas inteiras. Os
lizados na construção de cultivadores que produzem artefatos precisam gravar ru-
barreiras e outros disposi- nas místicas sobre os materiais que compõem os objetos.
Tais runas têm muitas formas, que são segredos guarda-
tivos de proteção. dos por seitas e artesãos poderosos.
Os artefatos são criados com níveis de poder corres-
Combinando a energia pondentes ao nível de cultivação do usuário. Um persona-
do Cataclisma com técni- gem precisa energizar um artefato para utilizar seu efeito,
por isso é difícil quebrar a barreira do reino e utilizar um
cas de cultivação relacio- artefato superior. Eles podem funcionar como um poder
sustentado, um poder instantâneo ou realizar quaisquer
nadas aos elementos terra, efeitos narrativos que forem pertinentes. Para produzi-
lava e metais, os artífices -los, um jogador deve realizar um teste difícil com Valor-
-Alvo de Atributo+Runas e seu efeito vai depender do po-
se tornaram referência na der utilizado para criá-lo.

produção de artefatos na Qualidade de um artefato


região do Mar de Sangue. Reino Efeito

A forja de metais é a forma Condensação


Espiritual
Equivalente a 1 poder de mesmo nível.
mais comum de produção Equivalente a 1 poder de mesmo nível ou 1
Alicerce
dos artífices, porém tam- Místico
efeito de nível de condensação espiritual
que atinja o grupo.
bém produzem peles de Formação Efeitos que atingem exércitos ou protegem
bestas demoníacas ou cris- Nuclear prédios inteiros.
Grandes formações que protegem seitas
tais raros capazes de guar- Fundição da
inteiras, ou artefatos lendários capazes de
Alma
dar poderes e técnicas de feitos extraordinários.

cultivação.

Ascensão 72
Os principais clientes dos Artífices da Forja Gris são os
outros grandes poderes, que trocam materiais e conheci-
mentos por grandes artefatos, utilizados até pelos anciões
e ancestrais de suas seitas. Apesar de não terem reconheci-
mento em todo o continente, como os Alquimistas da Névoa
Púrpura, as melhores obras criadas pelos artífices não dei-
xam a desejar quando comparadas às produções encontra-
das fora da região. Seitas pequenas, cultivadores errantes e
mesmo mortais, também utilizam muitas das peças criadas
por eles, principalmente aquelas desenvolvidas pelos discí-
pulos externos na busca por atingir os altos padrões de qua-
lidade necessários para serem aceitos pela seita.
Os artífices da Forja Gris mantêm instalações na cidade
das Duas Torres, num contexto de parceria e rivalidade com
a seita Presas de Azulra. Lá, eles mantêm casas de leilão, lo-
jas e estandes, onde oferecem suas criações e estão sempre
dispostos a trocá-las por materiais que lhes permitam criar
novos itens.
A seita se estrutura em áreas conforme a especialidade e
a qualidade dos produtos desenvolvidos pelos seus compo-
nentes. Armas, escudos, armaduras e formações são algu-
mas das divisões, que recebem o nome de Templos. O líder
de cada templo deve ser um artífice capaz de produzir pelo
menos um item de nível formação nuclear. A cada passo que
um discípulo caminha dentro da hierarquia da seita, lhe é
dado acesso a forjas e laboratórios cada vez mais profundos
e próximos do Cataclisma, exigindo deles um desenvolvi-
mento tanto como artífices, como cultivadores, para que se-
jam capaz de aguentar as altas temperaturas e pressão nas
proximidades do vulcão.
Os personagens da seita artífices da Forja Gris recebem
+2 Runas e +1 Cultivação, indicando a importância que eles
dão aos artefatos. São diversos os conjuntos de runas que a
seita conhece, assim como a infinidade de receitas e objetos
lendários que eles produziram ao longo da história.

Ascensão 73
Técnicas de Cultivação Populares:
▶ Fundição das Mil Rochas (Espiritual, Runas)
▶ Operador da Fornalha da Fúria (Corporal, Cultivação)
▶ Manifestação da Forja Imperial (Corporal, Runas)

Nome: Manifestação da Forja Imperial (Corporal, Runas)

Descrição: Alguns artífices vasculham o continente à procura de técnicas que os permitam


criar artefatos ainda mais poderosos, independente dos perigos e da distância que preci-
sem percorrer. Eras atrás, um deles foi até o centro do continente e de forma clandestina
aprendeu a técnica exclusiva do império que dominava tudo à época. Durante séculos, ele
manteve o segredo guardado, se mantendo o mais afastado possível do centro do continen-
te. Próximo ao final da vida, ele deixou esta técnica sob as câmaras de um vulcão no qual
passou a maior parte de sua história. Muito tempo depois, quando o império já havia caído
há eras, um jovem encontrou seu tesouro em meio às câmaras da seita dos artífices da Forja
Gris, crescendo em talento e técnica, para se tornar o primeiro membro da seita a atingir o
reino da Fundição da Alma, assumindo o posto de Grande Mestre da seita e popularizando
o segredo por tanto tempo guardado.
A técnica garante ao usuário resistência a altas temperaturas, manipulação de terra e metal
e permite que seu usuário conjure as ferramentas necessárias para produzir seus trabalhos.
Sendo de difícil aprendizado, ainda é uma das técnicas mais difundidas da seita.

Poderes

Palavras-
Nome Valor-Alvo Efeito
Chave

Conjura um martelo que pode assumir di-


ferentes formas. Você recebe +1D quando
Conjurar Espírito + Braços,
está empunhando seu martelo, seja para
Martelo Engenharia Sustentado
praticar seu ofício, ou para atacar seus
inimigos.

Concentrando a chama da devoção pela


arte da forja, você consegue criar uma pis-
cina de lava cuja temperatura pode contro-
Manifestação
Espírito + Tórax, lar. Você recebe +1D praticando seu ofício e
da Forja
Engenharia Sustentado pode usar o efeito como um poder instan-
Imperial
tâneo, criando uma piscina de lava sobre
um inimigo causando 3D contra resistên-
cia corporal a cada rodada.

Você concentra seu chi em sua arma até


Presença + Braços, que ela se inflame como o filamento de
Embrasar
Natureza Instantâneo uma lâmpada. Os inimigos recebem -1 de
resistência espiritual nesta rodada.

Você é capaz de transformar a parte infe-


rior do corpo em rocha, se conectando ao
União Com a Corpo + Pernas, solo, permitindo que seu martelo exer-
Terra Engenharia Instantâneo ça força superior durante a forja. Receba
+1 resistência corporal. Você não pode se
mover nesta rodada.

Ao se concentrar com afinco analisando


um artefato, você é capaz de entendê-lo
com profundidade. Receba +1D em joga-
Mente + Cabeça,
Avaliar das para tentar descobrir como ele fun-
Engenharia Instantâneo
ciona, ou como reproduzi-lo. Este efeito é
permanente, mas só pode ser usado uma
vez por artefato.

Ascensão 74
Em batalha, você é capaz de usar seus ini-
Corpo migos como base para seu trabalho como
Martelo e Braços,
+ Artes ferreiro. Quando seus ataques superam a
Bigorna Instantâneo
Marciais resistência adversária, eles causam um ní-
vel a mais de dano à vitalidade corporal.

Ao se cobrir com um manto de rochas in-


candescentes, você se torna muito mais
Espírito
Vestir a Tórax, resistente, às custas de sua vitalidade.
+ Artes
fornalha Instantâneo Marque um nível de vitalidade corporal.
Marciais
Você recebe +1 em resistência corporal e
espiritual.

Seita Presas de Azulra

Criada como consequência das ações de Azulra contra os


poderes estabelecidos, a organização se ergueu para ocupar
posição de grande destaque na região do Mar de Sangue de-
vido ao poder alcançado por seus membros e também pela
integração que eles alcançaram com as bestas da Floresta
de Folhas Azuis, local onde fica a seita. Onde quer que vão
as Presas de Azulra são respeitados, não apenas por seu po-
der, mas também pelos valores que defendem.
Azulra serviu de exemplo para muitos de seus seguidores
e sua herança foi a habilidade de se integrar com as bestas da
floresta e como aprender suas técnicas. A lenda de sua fun-
dadora segue viva na mente de mortais e imortais por toda
a região do Mar de Sangue e seu legado continua, graças aos
seus sucessores que, além de manter seus hábitos de cultivar
com as bestas da floresta, também mantêm o respeito pela
vida de mortais, animais ou bestas mais fracas. Suas prin-
cipais técnicas utilizam os elementos da água, das sombras
e das plantas, mas se inspiram principalmente na força das
bestas, como grandes felinos, insetos gigantes e símios.
A seita se distingue também por como suas instalações
se diferem das demais, sendo a maioria delas em cavernas,
troncos ocos de árvores mortas, ou ainda, em cima das pró-
prias árvores. As bestas que ocupam a floresta também são
integradas à seita e servem de companheiros e mestres para
seus cultivadores. Um cultivador desta seita aprende a en-
trar em comunhão com a natureza, entregando respeito em
troca de recursos.
Os personagens desta seita recebem +2 Cultivação e +1 Al-
quimia. A forte integração com as forças naturais fez com
que conhecimentos sobre forja e inscrição de runas não pro-

Ascensão 75
liferassem na seita. Esta limitação faz com que eles precisem
se conectar comercialmente com outras seitas para aquisi-
ção de equipamentos em troca de materiais.

Técnicas de Cultivação Populares:


▶ Manifestação do Tigre Azul (Corporal, Cultivação)
▶ Comungar com a Floresta (Espiritual, Cultivação)
▶ Percorrer o Ciclo das Águas (Espiritual, Cultivação)

Nome: Percorrer o Ciclo das Águas (Espiritual, Cultivação)

Descrição: Após a luta de Azulra, um grande lago se formou, fortalecendo a energia espiri-
tual ligada à água. Desde então, os cultivadores passaram a praticar técnicas que envolvem
o elemento, sendo esta a mais popular. Nela, o cultivador segue o ciclo da água, que segue
do solo aos céus, provocando efeitos que podem trazer vida e morte na mesma proporção.
Para evoluir, seus usuários devem procurar locais ricos em energias conectadas à água,
como oceanos, lagos e grandes rios, ou momentos de chuva intensa. Os cultivadores desta
técnica são famosos por manterem uma fachada de estabilidade, como lagos, porém serem
capazes de feitos de cólera extrema, como tempestades e inundações.

Poderes

Valor- Palavras-
Nome Efeito
Alvo Chave

Encarnando a flexibilidade da água, você é


capaz de transformar parcialmente seu cor-
Corpo
Uno com a Pernas, po em líquidos, ganhando agilidade e fluidez
+ Artes
Água Sustentado de movimentos, surpreendendo seus adver-
Marciais
sários. Você recebe +1D em todas as reações
que utiliza enquanto o efeito estiver ativo.

Espírito Conjure uma lâmina ou dardo de água para


Empunhar Braços,
+ Artes atingir seus inimigos. Jogue +1D contra resis-
as ondas Instantâneo
marciais tência corporal.

A água está em todo lugar, seja no ar, na ter-


Ouvir a ra, ou nos corpos dos animais. Ao se conectar
Mente + Cabeça,
Voz das com ela, você é capaz de perceber o mundo
Percepção Sustentado
Águas em detalhes. Você recebe +1D em testes envol-
vendo a perícia percepção.

As Presas de Azulra são capazes de recuperar


parte das marcas que a fundadora deixou pela
Bênção da Presença + Tórax, região e pegar emprestado parte de sua gran-
matriarca Disciplina Instantâneo deza para ajudar seus aliados. Crie um manto
de energia espiritual e um aliado receberá +1
resistência espiritual até o fim da rodada.

Ao compreender o movimento dos fluidos em


Espírito + Cabeça, um corpo, você é capaz de curá-lo. Recupere
Restaurar
Cura Instantâneo 1 nível de vitalidade corporal seu ou de um
aliado.

Ascensão 76
A água compõe parte importante de todos os
seres vivos. Usando esse conhecimento, você
Espírito + Braços, pode alterar o fluxo da água no inimigo, cau-
Desidratar
Cura Instantâneo sando dano. Jogue +1D contra resistência es-
piritual ao destruir vasos, alterar o fluxo, ou
ressecar áreas específicas do adversário.

Espalhe uma onda de névoa rica em energia


Maré de Mente + Braços, espiritual que afeta seus inimigos, mas não
Supressão Guerra Sustentado interfere em seus aliados. Os inimigos rece-
bem -1 em resistência espiritual nesta rodada.

Locais Importantes
A Região do Mar de Sangue se estende por centenas de qui-
lômetros, sendo limitada a oeste por um planalto imenso
que se expande em direção ao ocidente e se conecta com o
oceano através de grandes penhascos; ao norte, pela cordi-
lheira das sombras, uma das cadeias de montanhas gigantes
que cortam o continente, espalhando sombras conforme o
sol se move ao longo do ano; e o Mar de Sangue, ao sul e a
leste, área do oceano que um dia foi manchada de vermelho
pelas ações de Azulra, Mãe das Feras.
Diversos biomas diferentes podem ser encontrados no local,
incluindo uma floresta com árvores de folhas azuis, um man-
gue cujas raízes se erguem sobre as águas por vários metros, ou
ainda, as regiões de colinas e montanhas que cercam a região e
pelos quais vagam muitas bestas demoníacas poderosas. A Re-
gião do Mar de Sangue conta também com muitas ruínas de ou-
tras eras, que servem de fonte de inspiração para lendas e po-
dem guardar tesouros inimagináveis ou mazelas catastróficas.
As cidades são outro ponto importante no contexto da re-
gião. Concentram a maior parte da população e da riqueza,
abrigando tanto mortais como cultivadores. Nelas as pes-
soas estão protegidas da maioria das bestas que habitam as
áreas rurais, mesmo os mais desprovidos. Algumas delas,
como a Cidade do Meio, concentram grande população de
imortais e suas organizações, enquanto a maioria é contro-
lada por mortais, e os cultivadores se mantêm restritos à
sua própria sociedade.
Os mortais (pessoas que não tem sensibilidade para as
energias espirituais) compõem parte importante da popu-

Ascensão 77
lação na região do Mar de Sangue. Muitos deles trabalham
para as seitas ou cultivadores independentes como assesso-
res em atividades administrativas e em operações nas quais
os imortais não tenham interesse em participar, como ma-
nufatura de itens mundanos ou construção civil. Depois do
incidente com Alzura há alguns séculos, maltratar os mor-
tais passou a ser lido como uma ação de heréticos. Porém,
alguns cultivadores mais velhos, ou de seitas inescrupulo-
sas, ainda os tratam com desdém ou violência quando têm
certeza que não serão punidos.
Existem ainda alguns pontos de interesse que podem ser
vistos no mapa da região do Mar de Sangue. Você pode ex-
pandir o cenário adicionando detalhes ou incluindo elemen-
tos que achar interessantes, inéditos ou de outras histórias
Xianxia.

Ascensão 78
1. Seita Presas de Azulra
2. Clã da Harpia Escarlate
3. Alquimistas da Névoa Púrpura
4. Artífices da Forja Gris
5. Grande Celeiro: dentre as grandes metrópoles da região
do Mar de Sangue, esta é a que possui maior população
de mortais. A baixa incidência de bestas e a proximida-
de de planícies, mangues e rios, permitiu que se expan-
disse a fronteira agrícola. Hoje a região é responsável
pela produção dos alimentos que abastecem as princi-
pais cidades e seitas e esta estrutura é controlada pelos
mortais, com suas cooperativas e câmaras de comércio.
6. Duas Torres: ao contrário de Grande Celeiro, Duas Tor-
res é um local cuja influência imortal ocupa um fator
relevante na política da cidade. A seita dos Artífices da
Forja Gris a utiliza para escoar os seus produtos, en-
quanto as Presas de Azulra a utilizam como ponte para a
civilização. Sendo uma cidade importante no contexto
regional, ela só perde em tráfego e população de imor-
tais para a Cidade do Meio, atraindo pequenas seitas e
cultivadores independentes que querem fazer negócios
ou criar laços com as seitas mais poderosas.
7. Cidade do Meio: a maior e mais antiga cidade da região,
conserva resquícios de outras eras. Diversas seitas, que
outrora dominavam seus inimigos, ainda hoje mantêm
alguns territórios na cidade protegidos por barreiras
intransponíveis e estão sempre ruminando planos para
recuperar seu poder e derrubar os poderes vigentes. Em
vários pontos da cidade são encontradas ruínas e vários
segredos estão escondidos sob suas várias camadas de
reconstrução. Este é o local mais difícil para os mortais
viverem, pois ainda valem regras de um tempo no qual
eles eram tratados como escória pelos cultivadores. Po-
rém, muitos vivem lá, pois não têm outra opção.
8. As Palafitas: Uma cidade em meio a um mangue de raí-
zes gigantes. Há poucos séculos, esta era apenas a porta
de entrada para a comunicação com a seita dos Alqui-
mistas da Névoa Púrpura, mas depois das ações de Azul-

Ascensão 80
ra, e da extinção dos poderes vizinhos, mortais e imor-
tais migraram para este local com receio de se dirigir à
Cidade do Meio e seus velhos costumes. Hoje a cidade
tem um dos portos mais movimentados do continen-
te e recebe iguarias de todo o mundo, sendo também
uma cidade cosmopolita e aberta a visitantes, princi-
palmente comerciantes. Todas as estruturas na cidade
são construídas sobre palafitas ou apoiadas nas gigan-
tes raízes que se erguem da superfície da água por de-
zenas de metros.
9. Portão das Trevas: Um conjunto de falhas geológicas
que formam fossos gigantes que são desbravados por
cultivadores desde muito tempo. Hoje existem escada-
rias e diversos pontos de acampamento espalhados por
vários quilômetros e muitos se aventuram tentando
descobrir o que está escondido no fim desse lugar, mas
poucos retornam com glória. Acesso a tesouros perdi-
dos e entradas para ruínas e reinos místicos são algu-
mas das tentações que estimulam os jovens, mas criatu-
ras demoníacas e uma queda para lugar nenhum são os
temores dos mais experientes.
10. Ruínas da Cidade das Sombras: Alguns dizem que o
Continente das Sombras tem esse nome pelas vastas
montanhas que espalham a escuridão pelo território
muito antes do sol se pôr. Porém, alguns sábios acredi-
tam que uma civilização que controlava as sombras e
se associava com seres extraplanares dominava o con-
tinente. Estas ruínas cercadas pelos enormes fossos do
Portão das Trevas são lar de segredos a serem explora-
dos pelos cultivadores da região. Mas para cada tesouro
há uma maldição.
11. Baía dos Dragões: Uma cidade costeira e porta de en-
trada para os navios que vêm do Norte. Com mercado
aquecido e muitas pessoas estrangeiras. Assim como As
Palafitas, é uma cidade aberta a forasteiros, mas muito
mais ensolarada. Não são poucos os marinheiros e ma-
rinheiras que, depois de sofrer na viagem, abandonam
seus capitães e se juntam aos mortais numa cabana à
beira-mar.

Ascensão 81
12. Cidade das Plumas: Cidade controlada pela Seita da
Harpia Escarlate e porta de entrada para os que atraves-
sam a Cordilheira das Sombras até a Região do Mar de
Sangue. Se estabelecem aqui apenas aqueles dispostos
a se submeter aos “soberanos” da região.
13. Lago Lágrimas de Azulra: Lago formado após uma gran-
de batalha que gerou uma cratera aos poucos tomada
pela água. Ao longo dos anos, se transformou num re-
canto para criaturas aquáticas e para as bestas da flores-
ta de folhas azuis. Possui uma concentração de energia
espiritual muito maior que a média da região.
14. Vulcão Cataclisma: Uma região inóspita, onde vivem
criaturas tão poderosas que não se importam com os in-
setos que povoam a vizinhança. Até a próxima vez que
alguém tentar descobrir por que seu nome é Cataclisma.
15. Cordilheira das Sombras: Cadeia de montanhas que se-
para a região do Mar de Sangue do resto do continente.
Uma região perigosa e pouco explorada devido às cria-
turas míticas que a povoam.

Ascensão 82
NARRANDO ASCENSÃO
– UM RPG XIANXIA
O que define um jogo de RPG é a combinação entre uma his-
tória e um conjunto de regras usado para resolver os conflitos.
Neste capítulo, são explicadas as regras usadas em Ascensão,
assim como são dadas algumas orientações sobre como cons-
truir uma aventura neste cenário e várias sugestões que ser-
virão de inspiração para que você e seu grupo criem as suas.
Antes de falarmos sobre a narrativa, abordaremos o sis-
tema de regras. Em Ascensão, ele foi pensado com dois con-
ceitos em mente: bom senso e diversão. É muito interessan-
te ter um conjunto de regras sólido em um RPG, porém o
principal motivador para jogarmos é nos divertir com nos-
sos amigos. Então, sempre que uma regra não fizer sentido
para o seu jogo, não hesite em desconsiderá-la, mas faça isso
sempre com anuência de todos os jogadores. O jogo é sem-
pre mais divertido quando estão todos na mesma página.

Regras
Em todo RPG, quando os jogadores desejam que seus per-
sonagens realizem alguma ação, basta que eles descrevam
suas ações e o narrador descreve como elas impactam o am-
biente e os personagens controlados pelo narrador (NPCs).
Porém, em algumas circunstâncias, ações podem trazer dra-
ma para a história, como a tentativa de fechar uma porta
em uma situação de perseguição, ou quando o personagem
está pendurado em um penhasco e precisa se erguer para
sobreviver. A incerteza dessas situações traz diversão para
o jogo e, por isso, não podem apenas ser descritas.
Quando o narrador achar coerente, ele pode pedir que os
jogadores façam testes para avaliar se têm sucesso ou não
em suas intenções. Neste caso, o jogador precisará fazer um
teste utilizando os dados. Como citado antes, no jogo Ascen-
são são utilizados dados de dez faces (1D) e os jogadores po-
dem jogar um ou mais dados na busca por alcançar sucessos
para realizar ações.

Ascensão 83
Para ter um sucesso basta que o personagem atinja o va-
lor-alvo ou menos em um dado . Este valor é definido pela
soma entre um atributo e uma perícia pertinentes à tarefa
realizada. Por exemplo, Corpo+Artes marciais, quando o jo-
gador quiser que seu personagem salte sobre um precipício
extenso, ou Presença+Guerra, para inspirar um conjunto
de soldados para a batalha, ou ainda, Mente+Engenharia,
quando o personagem precisa projetar uma armadilha ou
um equipamento.

Modificadores
Cada personagem tem suas aptidões, tornando mais fácil
realizar algumas ações em comparação a outras. Porém, o
narrador pode entender que fatores externos podem facili-
tar ou atrapalhar a realização das ações e, com isso, aplicar
modificadores. Todo teste em Ascensão é feito inicialmente
com 2D, com o objetivo de alcançar um sucesso em qualquer
um deles. Caso ache pertinente, o narrador pode adicionar
um dos seguintes modificadores:

Testes fáceis ou com ajuda de outras pessoas ou de ferramentas efi-


+1D
cientes.

Tarefas com nível de desafio adequado à situação. Sem modificadores

Testes em situações adversas, sem o espaço ou as ferramentas ne-


-1D
cessárias.

Testes muito complicados, com a presença de perigo extremo ou


-2D
restrições de tempo.

Situações extremas, na qual o narrador queira muito que os jogado-


-3D, -4D, -5D, etc.
res sofram.

Um jogador precisa ter ao menos 1D para poder realizar o


teste e diversos poderes ou artefatos aumentam o número
de dados que um jogador pode usar. Caso, ainda assim, os
modificadores negativos igualem ou ultrapassem o número
de dados disponíveis, o teste não pode ser realizado e a ação
falha automaticamente se o jogador tentar realizá-la. (Os jo-
gadores podem gastar pontos de destino para ter a oportu-
nidade de jogar um dado, caso não haja dados disponíveis,
independente da quantidade de modificadores negativos).

Ascensão 84
Testes Avançados
Além das ações comuns, algumas situações exigem testes
combinados, ou comparados, entre dois ou mais jogadores.
Quando dois jogadores estiverem em um conflito associado
à mesma cena, como uma corrida, um cabo de guerra, ou a
tentativa de convencer o outro em uma discussão, o narrador
deve orientá-los a fazer um teste com o valor-alvo pertinente
àquela ação e o que tiver mais sucessos deve se sair superior
ao outro. Em caso de empate no primeiro teste, os jogadores
devem repetir o processo até que um deles se sobressaia.
Quando os personagens se reunirem para desenvolver
uma atividade mais longa, como construir um ritual, car-
regar materiais ou pesquisar informações em uma biblio-
teca, o narrador pode designar um número de sucessos e os
jogadores se revezam realizando os testes até que o número
de sucessos seja alcançado. É interessante que os testes des-
tas ações mais longas sejam entrecortados com momentos
de interpretação, indicando como os jogadores tentaram
resolver a tarefa.

Combate
O combate em Ascensão é uma ferramenta bastante utili-
zada, pois a maioria das histórias aborda conflitos entre os
personagens e os agentes do narrador, como bestas e outros
cultivadores. Portanto, a violência quase sempre é a lingua-
gem utilizada para resolver tais situações e, por isso, são ne-
cessárias regras específicas para o combate, que pode ser di-
vidido nas seguintes etapas: iniciativa, rodadas de ação ou
reação, e resolução ou consequências.

Iniciativa
A iniciativa é o momento em que se decide quem realizará
as ações primeiro. Em Ascensão, não existem regras especí-
ficas para iniciativa. Entre em consenso com os outros joga-
dores sobre quem vai começar a agir. Durante as rodadas,
cada jogador tem um turno, podendo usar uma ação, como

Ascensão 85
um poder ou alguma atividade relevante para a cena; ou uma
reação, para interceder depois de alguma ação realizada por
um personagem de outro jogador ou controlado pelo narra-
dor. Quando um personagem fizer uma reação, ele não po-
derá mais agir nesta rodada e terá de aguardar todos os de-
mais personagens completarem suas ações ou reações.
Na maioria das vezes, é mais interessante alternar entre
as ações dos antagonistas e dos personagens jogadores, para
gerar um senso de dinamismo e risco, assim como usar rea-
ções com seus NPCs. Quando for do interesse da narrativa,
como em uma situação de emboscada, você pode retirar o
direito à reação de jogadores e NPCs quando achar que es-
tão distraídos ou foram surpreendidos.

Ações e Reações
As ações ou reações consistem em definir um objetivo
para o personagem, definir a rolagem de dados adequada
para aquela atividade, rolar os dados correspondentes e ob-
servar os resultados. Em caso de acerto, a ação acontece e os
objetivos são atingidos. Caso contrário, o personagem não
consegue realizar a ação e o narrador, ou o próprio jogador,
pode definir as consequências dessa falha.

Dano
As ações em combate se diferenciam daquelas realizadas
fora dele, pois seus efeitos costumam causar consequências
que vão além da narrativa, como a perda e a recuperação da
vitalidade dos jogadores. A vitalidade são barras que indi-
cam a saúde e a disposição dos personagens. Quando todas
as marcas da barra de vitalidade são riscadas, o personagem
fica incapacitado, perde os sentidos e não pode mais agir até
que seja estabilizado ou curado por seus colegas ou perso-
nagens do narrador. Em alguns casos, eles podem manter
a consciência e interagir, mas não poderão utilizar poderes
ou artefatos.

Ascensão 86
Para causar a perda de vitalidade em um inimigo, o joga-
dor deve obter um número de sucessos na jogada de ataque
que seja superior ao valor de resistência do alvo. Um ataque
pode ser uma manobra de artes marciais, como um ataque
com armas, um arremesso, um chute ou um soco (valor-al-
vo = Corpo+Artes marciais), ou um ataque oriundo de um
poder ou artefato (valor-alvo definido na descrição). Antes
do teste, deve ficar claro também qual tipo de resistência,
corporal ou espiritual, o ataque tentará superar, exceto que
a descrição diga outra coisa. Em ambos os casos, para cada
sucesso no teste que ultrapasse o nível de resistência, o ata-
cado perde um nível de vitalidade.
Se um personagem perder vitalidade até restar apenas um
nível em alguma das barras, ele ganha o status ferido e sofre
uma penalidade. Personagens com apenas um nível em vi-
talidade corporal recebem -1D em qualquer atividade usan-
do os atributos Corpo e Presença, refletindo as mutilações
e fraturas que seu corpo está suportando. Caso alcance este
nível na vitalidade espiritual, o personagem recebe -1D em
qualquer atividade relacionada aos atributos Espírito e Men-
te, indicando as dores, inquietação ou grau de dano que seus
meridianos receberam.

Criando histórias em Ascensão


As histórias em Ascensão podem ter vários temas e gêne-
ros, desde aventura e ação até romance ou terror, cabendo
aos jogadores definir qual o interesse do grupo e criar histó-
rias envolventes relacionadas ao tema. Assim como em ou-
tros jogos de RPG, caberá ao narrador buscar no cenário ele-
mentos que ajudem a compor o background da história, como

Ascensão 87
paisagens, desafios e personagens secundários, enquanto os
jogadores conduzirão a trama a partir de suas ações e do re-
sultado de suas jogadas.
A seguir são apresentados alguns exemplos que podem
ser usados como inspiração para a criação de suas próprias
histórias:

▶ O grupo de personagens recém admitidos em uma mes-


ma seita, ou seitas aliadas, recebem sua primeira missão
(resgate, transporte de bens valiosos, escolta de mortais
importantes, etc.). Eles embarcam nesta aventura con-
fiando na promessa de que serão recompensados por seus
anciões ao cumpri-la.
▶ Aliados ou familiares de um dos membros do grupo vi-
vem em um lugar que está sendo atacado por uma hor-
da de bestas demoníacas e os personagens devem correr
contra o tempo para tentar salvá-los da morte certa.
▶ O início da vida dos recém admitidos cultivadores é aba-
lado pela iminência de um ataque devastador à seita. An-
siosos e inexperientes, caberá a eles encontrar uma esca-
patória em meio ao caos da batalha, enquanto os anciões
e ancestrais enfrentam os combatentes mais poderosos
do inimigo.
▶ Os primeiros dias em uma seita podem ser complicados
para os personagens: aulas, treinamentos e as tramas
políticas de uma seita com dezenas de milhares de culti-
vadores são suficientes para tirar a paz de qualquer um.
Ainda mais quando outros jovens cultivadores começam
a desaparecer sem deixar rastros. Com a omissão dos an-
ciões sobre a questão, caberá aos jogadores investigar se
os sumiços são causados por uma besta demoníaca ou
pior, um ancião mergulhando no caminho dos hereges.
▶ A última aventura deixou marcas em todos os membros,
mas um deles levou a pior, portando uma maldição que
nem os anciões da seita conseguem resolver. Para não dei-
xar seu amigo enfermo, o grupo parte em busca de pistas
sobre um artefato capaz de remover tal maldição, mas a
busca exigirá que o grupo desça pelo Portão das Trevas
até uma área ainda desconhecida.

Ascensão 88
▶ Um grupo da Força Principal da seita desapareceu nas
proximidades de onde o grupo de personagens estava e
uma mensagem chegou até eles indicando que devem in-
vestigar com urgência a razão do sumiço. Sem ter certe-
za se esta missão está à altura deles, caberá aos persona-
gens decidir se vale a pena se arriscar para encontrar os
colegas de seita e, quem sabe, receber favores deles junto
aos anciões.

Ao criar suas histórias, é interessante definir um estágio


de introdução no qual você poderá apresentar o contexto do
cenário para os jogadores e deixá-los explorar seus persona-
gens para criar afinidade uns com os outros. Em seguida, de-
vem ser adicionados desafios para revelar as forças e fraque-
zas dos personagens do grupo, dando espaço para que todos
possam contribuir com o andamento da história. Durante
estas cenas, você tem espaço para incluir elementos de nar-
rativa relevantes, como locais e artefatos importantes, an-
tagonistas e outros personagens que possam ser úteis para
você e seu grupo contarem uma boa história.
Uma história pode ser dividida em diferentes sessões de
jogo, mas é importante estabelecer meios de conectá-las para
que os jogadores se sintam estimulados a voltar a jogar nova-
mente. Em obras Xianxia é muito comum o artifício dos gan-
chos (cliffhangers), ato de encerrar um capítulo ou trecho da
história sem entregar a resolução de um conflito importan-
te. Esta técnica também é válida em jogos de RPG, mas o uso
recorrente pode cansar os jogadores, então use com cuidado.
Outra técnica de narrativa importante em Ascensão são
os entreatos, pois a cultivação é uma prática que intercala
momentos de tensão, como combates mortais e o testemu-
nho de fenômenos grandiosos, com momentos de reflexão
e autoconhecimento, como a meditação para o aprendizado
de novos poderes e a evolução de reino espiritual. Trabalhar
essas atividades menos agitadas em cena é interessante, mas
a repetição constante dessas situações pode cansar o grupo.
Também é importante explorar a passagem do tempo, pois
a maior longevidade dos cultivadores tem um impacto bas-
tante importante em como se formam suas personalidades
e suas conexões com mortais e outros imortais. Portanto, é

Ascensão 89
preciso saber aproveitar o tempo entre as aventuras, ou mes-
mo entre as cenas, para permitir que os personagens cres-
çam e que o ambiente ao redor evolua junto com eles.
Uma forma de aprofundar a relação de seus jogadores com
o cenário é estimular que eles comentem sobre as últimas
evoluções de suas técnicas ou poderes e o aprendizado que
veio com elas, ou sobre a visão que eles têm sobre persona-
gens secundários e seus colegas. Estabelecer o costume de
realizar essa reflexão durante o início de uma nova história,
ou durante a conclusão, pode contribuir para que você crie
novos arcos com temas que interessem ou explorem a visão
de seus jogadores sobre o cenário que você criou.

Reinos Místicos
Os reinos místicos são espaços extradimensionais que po-
dem ser pequenos ou amplos, conforme a imaginação do nar-
rador. São ferramentas narrativas bastante úteis para dar
flexibilidade a suas histórias e também combinar elementos
de outros cenários em suas aventuras. Por serem restritos
e possuírem uma entrada e saída bem definidas, podem ser
explorados para trabalhar ambientes e elementos que não
são comuns no cenário principal, como diferentes biomas
ou criaturas, ruínas com tecnologias específicas, povos dife-
rentes de humanos e civilizações inteiras. Para ilustrar, são
apresentados alguns conceitos de aventuras que exploram
os reinos místicos:

▶ As seitas a que pertencem os personagens se reúnem re-


gularmente para celebrar a introdução de novos mem-
bros, enviando-os para um reino místico adequado a seu
poder. Cabe aos personagens vencer os desafios do local
inóspito, ao mesmo tempo em que lidam com a ganância
de outros jovens cultivadores e suas maquinações.
▶ A descoberta de um reino místico é sempre vista com in-
teresse por todas as seitas. Na mesma proporção que ela
pode conter tesouros, pode abrigar males que colocam
em risco toda a vida no continente. Ao retornar de uma
missão, os membros do grupo encontram um portal es-

Ascensão 90
condido no ermo. Caberá a eles decidir se arriscar em
busca de glória, riqueza e um avanço mais rápido em suas
cultivações, ou seguir o bom senso e informar as seitas a
qual pertencem.
▶ Uma pequena seita encontrou um portal para um reino
místico em seu território e, cegos de ganância, resolve-
ram esconder a informação. Passados alguns anos, uma
horda de criaturas sinistras eclodiu pelo portal destruin-
do tudo o que encontrava pela frente, exterminando a
seita e se fortalecendo a cada dia. Devido ao risco, todas
as seitas da região agora enviam jovens guerreiros para
pôr em cheque a ameaça e encontrar quaisquer riquezas
dos escombros da seita arruinada.
▶ Após serem lançados por acidente para um reino místi-
co, os personagens se encontram em meio a uma cidade
cheia de seres muito diferentes deles. Alguns com peles
azuladas, outros com escamas e cabelos feitos de algas.
Agora cabe a eles tentar descobrir onde estão e encontrar
o caminho de volta para casa.

Antagonistas
Na maioria das histórias, os personagens dos jogadores
estarão em conflitos com personagens desenvolvidos pelo
narrador. Não há necessidade de construir uma planilha
completa para cada antagonista, pois a maioria viverá pou-
co. Para auxiliar neste processo, são descritas algumas pos-
sibilidades para os desafios que podem estar à frente de seus
heróis.

Bestas Demoníacas
Por toda a extensão da Região do Mar de Sangue, inúmeras
bestas vagam ou estão estacionadas em seus habitats. Elas
se diferenciam de animais comuns por possuírem energias
místicas e cultivarem técnicas semelhantes aos cultivadores
humanos. Quando jovens e fracas (Reino da Condensação
Espiritual), a maioria delas não é capaz de raciocinar ou de

Ascensão 91
ter noção de individualidade e muitas podem estar em um
estado de agressividade constante, sendo um risco para mor-
tais e cultivadores inexperientes, por isso recebem o nome
de demoníacas.
A Cultivação das bestas demoníacas depende basicamente
do consumo de outras bestas e da concentração dessas ener-
gias em um cristal no centro de seus corpos, diferente dos
humanos, que formam o núcleo somente quando estão em
um estágio avançado de cultivação. À medida em que derro-
ta outras bestas e devora seus cristais espirituais, as bestas
se tornam cada vez mais poderosas, se tornando equivalen-
tes a cultivadores de reinos avançados.
Você pode construir bestas como indivíduos ou como hor-
das, com uma barra de vitalidade compartilhada. Apesar de
raro, uma besta pode demonstrar inteligência quase huma-
na, mesmo em níveis baixos, portanto podem ser conven-
cidas a não entrar em conflitos com os cultivadores. A sei-
ta das Presas de Azulra é famosa por dominar técnicas que
conectam seus corpos com o de seus parceiros bestiais, ga-
nhando benefícios em troca da integração espiritual com os
animais, mas a maioria dos cultivadores vê com maus olhos
a prática, apesar da eficiência. Além do preconceito devido
a uma história de massacres de bestas contra humanos, ain-
da há o risco causado pela morte do animal.
A maioria das bestas não tem uma sensibilidade distinta
a ataques corporais ou espirituais, como os humanos, e por
isso tem somente um tipo de vitalidade. A seguir seguem al-
guns exemplos de como construir bestas demoníacas para
utilizar em sua campanha. Fique livre para mudar suas apa-
rências ou funcionalidades, conforme o contexto de suas
campanhas:

▶ Horda de Lobos: (Ataque: 2D vs Corpo – valor-alvo: 6; Re-


sistências 0; Vitalidade 10) – um grupo de Lobos Atrozes
que ataca em bando. A vitalidade representa o valor de
todo o grupo, e estes animais continuarão os ataques até
que sejam mortos.
▶ Urso-Gavião das Montanhas: (Ataque: 5D contra Corpo –
valor-alvo: 5; Resistência Corporal 2; Resistência Espiri-
tual 1; Vitalidade 8) – um animal imenso cujo poder se

Ascensão 92
concentra em suas garras e presas. Ele consegue saltar
grandes distâncias e pode atacar quem passa pelos vales
nas montanhas.
▶ Serpente dos Olhos de Sangue (Ataque 3D contra Espírito –
valor-alvo: 6; Resistências 1; Vitalidade 6) – uma serpente
que se esconde enquanto espreita suas presas. Capaz de
realizar um ataque através de seus olhos que deixa o alvo
em uma ilusão. Além do dano, o personagem fica impos-
sibilitado de agir por até 1 rodada.

Cultivadores
Os cultivadores que se colocarão diante de seus jogado-
res poderão ser adversários da mesma seita, lutando pelos
escassos recursos que os anciões disponibilizam para os jo-
vens discípulos, ou membros de seitas inimigas, que vêem
seu grupo como uma forma de adquirir glória e se destacar
em suas seitas de origem. Ou ainda um cultivador herege,
que pratica técnicas não convencionais, causando prejuízo
à natureza ou a outros cultivadores, como os membros do
grupo, que podem estar no menu do próximo jantar desse
inimigo.
Ao contrário das bestas, os cultivadores têm mais detalhes
e podem interagir com os jogadores, inclusive ser convenci-
dos ou enganados. Por isso, é conveniente que suas fichas se-
jam mais complexas. Uma boa prática é definir um valor-alvo
para jogadas com cada atributo, independente das perícias,
e adicionar mais alguns testes pertinentes, como a ativação
de algum poder ou ação na qual aquele NPC se especializa.
Em cenários Xianxia, não é comum que personagens muito
mais poderosos maltratem cultivadores iniciantes. Portan-
to, mesmo que o grupo resolva pisar nos calos de um gran-
de ancião, é provável que ele mande emissários caçarem os
personagens dos jogadores e não aja por si mesmo. Possuir
até um reino espiritual acima do alvo que você está enfren-
tando ainda é considerado honrado, desde que o atacante
ainda esteja no estágio inicial do reino superior, apesar da
glória sempre ser mais valorizada quando o fraco vence o
forte, não o contrário.

Ascensão 93
▶ Praticantes genéricos da mesma seita (Corpo 2D, valor-al-
vo: 5; Mente 2D, valor-alvo: 4; Espírito 2D, valor-alvo:
5; Presença 2D, valor-alvo: 3. Resistências 1, Vitalidade:
Corpo 5, Espiríto 3) – considere que eles têm estas carac-
terísticas com poderes ativos. Este tipo de adversário é o
cultivador mais fraco que os personagens vão encontrar,
aquele tipo de personagem que ninguém mais lembra o
nome depois que a luta acaba.
▶ Rivais dos personagens principais (Corpo 2D, valor-alvo:
6; Mente 2D, valor-alvo: 5; Espírito 2D, valor-alvo: 5; Pre-
sença 2D, valor-alvo: 6. Resistências 2, Vitalidade: Corpo
6, Espiríto 4; escolha uma técnica popular da seita a que
pertencem e alguns de seus poderes. Você também pode
adicionar os efeitos dos poderes permanentemente às fi-
chas dos antagonistas por uma questão de praticidade) –
estes personagens são aqueles que agem contra os heróis
da história. São os jovens mestres que estão perdendo os
holofotes com as chegadas de novos talentos, ou pessoas
que nutrem um ódio pelos personagens por alguma si-
tuação do passado. Podem ser trabalhados para se tor-
narem figuras recorrentes e, às vezes, até ajudar o grupo
quando for conveniente, porém estarão sempre a postos
para acertar uma adaga nas costas deles.
▶ Herege do Reino do Alicerce Místico (Corpo 3D, valor-alvo:
6; Mente 2D, valor-alvo: 6; Espírito 3D, valor-alvo: 6; Pre-
sença 2D, valor-alvo: 3. Resistências 2, Vitalidade: Corpo
5, Espiríto 5; escolha poderes dentre as técnicas do livro,
focando principalmente em ataques espirituais e efeitos
que afetam a mente; durante o combate permita que este
personagem tenha uma ação e uma reação por rodada, ao
invés de apenas uma ou outra) – cultivadores que são capa-
zes de esquecer toda a moralidade em busca de poder são
muito perigosos. Apesar de não alcançarem o mesmo ní-
vel de força de cultivadores honrados do mesmo nível, eles
também não têm as mesmas amarras sobre atacar pessoas
mais fracas. Todo o cuidado é pouco contra esses inimigos.
Apesar de a maioria se concentrar em técnicas espirituais
que afetam a mente e o espírito, alguns deles podem ser
bastante perigosos utilizando poderes baseados em armas
e que afetam a vitalidade corporal dos alvos.

Ascensão 94
Natureza
Fenômenos da natureza também podem ser desafios para
os personagens. Seja um deslizamento de terra, os efeitos
de uma inundação, ou até mesmo a queda de um meteoro.
Ao contrário de adversários como bestas e cultivadores, a
natureza não tem um ponto focal onde os jogadores podem
tentar atingir com ataques e poderes. Ela age de maneira in-
direta e os personagens têm de lidar com as consequências
da melhor forma possível.
Na maioria dos casos em que algo relacionado a um fenô-
meno natural acontecer, os jogadores podem fazer testes
para resistir ou esquivar de seus efeitos. A maioria dos tes-
tes vai envolver o atributo Corpo, combinado com a perícia
adequada, como Artes Marciais ou Disciplina, por exemplo,
mas em certas circunstâncias, testes de Mente+Percepção ou
Engenharia, para conseguir encontrar a melhor rota para
fora de um edifício desabando ou de um vulcão prestes a ex-
plodir. Combine as ações de antagonistas com os fenômenos
da natureza e efeitos do ambiente para tornar suas aventu-
ras mais ricas em detalhes.

Referências
O gênero Xianxia tem se tornado popular no ocidente a
partir de obras escritas, através da tradução de light novels
e de manhuas (a versão chinesa dos mangás), animações e
também dramatizações (doramas e filmes). Além disso, al-
guns filmes famosos também trouxeram alguns elementos
do gênero Xianxia em suas histórias. A seguir, é apresentada
uma lista de referências de obras lidas ou vistas pelos auto-
res e também algumas referências de portais contendo vá-
rias obras. É importante ressaltar que nenhuma das obras
reflete exatamente o cenário e a proposta do jogo Ascensão,
que tem caráter original, mas com certeza servirão de inspi-
ração para você e seu grupo criarem suas próprias histórias.

Ascensão 95
Obras de autores chineses:
A Record of Mortal’s Journey to Immortality, de Wang Yu
(忘语)
A Will Eternal, de Er Gen (耳根)
Against the Gods, de Mars Gravity (火星引力)
Battle through the heavens, de Heavenly Silkworm Pota-
to (天蚕土豆)
Coiling Dragon, de I Eat Tomatoes (我吃西红柿)
Emperor’s Domination, de Yanbi Xiaosheng (厌笔萧生)
I Shall Seal the Heavens, de Er Gen (耳根)
Imperial God Emperor, de Warring Blades (乱世狂刀)
Martial World, de Cocooned Cow (蚕茧里的牛)
Renegade Immortal, de Er Gen (耳根)
Spirit Realm, de Ning Cang Tian (逆苍天)
Tales of Demons & Gods, de Mad Snail (发飙的蜗牛)
Upgrade Specialist in Another World, de Endless Sea of
Clouds (茫茫云海)
World of Cultivation, de Fang Xiang (方想)

Obras de autores de outras nacionalidades:


Arrogant Young Master Template A Variation 4, de Livin-
gSpoon
Beware Of Chicken, de Casualfarmer
Dao of the Deal, de Jacobk
Forge of Destiny, de Yrsillar
The Laws of Cultivation: Qi = MC^2, de KrazeKode
Um Alquimista Preguiçoso, de Guilherme F. C.
When Immortal Ascension Fails Time Travel to Try Again,
de DragonOfRochester

Portais com vários romances (light novels):


http://wuxiaworld.com (em inglês)
http://novelmania.com.br (em português)
https://lightnovelbrasil.com (em português)

Ascensão 96
Doramas:
The Blue Whisper
Ms. Cupid in Love
Love Never Fails

Filmes (títulos das versões brasileiras):


Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986)
O Reino Proibido (2008)
Guerreiros da Virtude (1997)
Mundo Duplo (2020)
A Grande Muralha (2016)
Mestres do Yin Yang (2020)
Gato de Botas: O Último Desejo (2022), um exemplo de mis-
são em um reino místico

Jogos:
Mortal Kombat
Amazing Cultivation Simulator
Sands of Salazar
Chinese Paladin Sword and Fairy 7

Ascensão 97
Asc e n s ã O
Identificação Técnica de cultivação
nome: nome:
Jogador Descrição:
Um RPG Xianxia seita

atributos (5 PTS)
Reinos Espirituais
corpo
mente Alicerce
espírito Místico Inicial
presença intermediário
Poderes
Formação
nuclear
Pericias Mortais
avançado
(12 PTS)
fundição pico
nome: meridianos VA efeito
da alma
Artes Marciais
cura
Destino
braço esq
Disciplina (1 PT)
Engenharia braço dir
guerra

Cultivação
Linguística tronco
natureza
percepção cabeça
persuasão
Resistências
sociedade pernas
________________
corporal
________________
Equipamentos
espiritual

Pericias Imortais (seita) Vitalidade


Alquimia corpo
Cultivação
espírito
runas

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