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Tudo o que Cora pensava saber sobre Harrow Faire era uma mentira.
Absolutamente tudo.
Agora que as linhas na areia foram traçadas, que uma guerra pelo
Coração da Faire cresce, ela deve descobrir o quanto está disposta a sacrificar
para salvar as pessoas que ela veio a pensar como Família. E quanto de si
mesma está disposta a dar pelo homem que veio a amar.
O vagão do Sr. Harrow está vazio. As portas estão bem abertas na torre.
O Caos chegou a Harrow Faire.
Relativo a tribo, grupo de pessoas que descendem do mesmo povo, partilham a mesma língua, têm
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Cora gritou.
O barulho que ela fez foi silencioso, afogado em líquido, borbulhante e
fraco, mas era um barulho mesmo assim.
Ela sentiu como se facas estivessem cortando seu corpo. Rasgando a
carne, puxando os tendões, esticando coisas que não deveriam ser esticadas.
Ela sentiu veias e tendões estalarem. Sentiu eles se separarem e rasgarem.
Sua visão ficou branca, depois preta.
E por muito tempo, não havia nada.
Então, pouco a pouco, as coisas começaram a voltar para ela. Era
estranho como as coisas voltavam de maneiras estranhas. Não onde ela
estava, ou o que tinha acontecido. Não. A primeira coisa que ela percebeu foi
que seus dedos estavam entrelaçados em um piso de metal sob ela. Ela sentiu
as saliências do ferro fundido, as seções pontiagudas e o leve grão sob os
dedos das seções enferrujadas. Ela estava deitada de lado novamente. Mas
desta vez, não era na grama macia e fresca. Não era em um dia ensolarado
em um campo no colo do homem que ela amava.
Era no fundo de um poço.
No “topo” de uma torre invertida que se estendia profundamente no
solo.
Mas alguém ainda estava acariciando seu cabelo com ternura.
Ela tentou falar e tossiu. Ela rolou mais para o lado e ofegou, tentando
limpar a garganta. Ela cuspiu sangue que era velho e pegajoso. Foi nojento.
Parte dela pingou na escuridão abaixo dela através do chão. Ela gemeu de
dor, mas ficou feliz ao descobrir que podia respirar. Ela podia fazer barulho.
Ela chiou por um segundo, puxando uma respiração trêmula.
Lentamente, pouco a pouco, as coisas começaram a clarear. Ela
pressionou a mão no pescoço e não sentiu nenhum ferimento gigante lá.
Havia sangue, quente e grosso, mas nenhum corte. Nenhuma lança gigante
de metal saindo dela.
Demorou até aquele momento para perceber que ela estava livre.
Uma mão – uma mão grande – gentilmente pressionou suas costas,
acariciando-a. Era quente e macia, mas os dedos pareciam longos demais
para serem humanos. Ela ficaria com medo se não parecesse tão terno e
cuidadoso na maneira como a ajudou a se sentar. Ela se virou e deu um pulo
de surpresa.
Ela não sabia o que estava esperando.
Mas não era isso.
Era a sombra de Simon. Mas não contra a parede. Não ao longo do
chão, ou qualquer objeto próximo. Estava flutuando no espaço à sua frente.
Isso... Não era possível. Era?
Ele estava sorrindo para ela com tristeza naqueles olhos retorcidos e
irregulares dele. Com uma mão grande e sem corpo, acariciou seu cabelo
novamente. A outra se enrolou em seu quadril, e ele se aproximou dela. Ele
parecia veludo quente. Macio e um pouco felpudo, mas não desagradável.
Ela não tinha certeza do que esperar, mas nunca havia tocado uma sombra
antes, para ser justa.
— Como você... — Ela tossiu. — Você me libertou?
Ele assentiu.
Ela jogou os braços em volta do pescoço dele e o abraçou. Ele pareceu
mole, um pouco como um balão de água. Mas real.
— Obrigada. Oh, Deus, obrigada, Simon... — Ela quase chorou de
alívio. — Eu não sei como... Eu não achei que você pudesse tocar o mundo
real. Obrigada, obrigada, eu te amo.
— Eu te amo, Cora. — Era uma voz sussurrante. Não a que ela estava
acostumada a ouvir em seus sonhos. Ele soou suave e distante, mas ainda alto
o suficiente para ser ouvido. — Nunca pensei que algum dia conseguiria
interpretar o herói. Olhe para mim. Fiz algo certo.
— Obrigada, muito obrigada...
Ela beijou sua bochecha de sombra. Seu sorriso ficou um pouco mais
brilhante.
— Estou feliz por ter tido a chance de salvá-la. Mesmo que tenha sido apenas
uma vez.
— Uma chance...? — Ela se afastou dele apenas o suficiente para olhar
naqueles olhos medonhos e de redemoinhos. — O que você quer dizer?
— Eu te amo, Cora. Eu faria qualquer coisa para te salvar. Eu pagaria
qualquer preço... Você sabe disso.
Uma garra grande e sombria traçou sua bochecha.
E então ela percebeu o que era a tristeza em seus olhos. Isso não era
apenas lamentação pela dor que ela havia sofrido.
Isso era luto.
Isso era adeus.
— N-não. Por favor.
A sombra de Simon se inclinou e descansou sua grande cabeça contra a
dela.
— Está tudo bem. Eu tenho significado agora. Eu tenho propósito. Posso
morrer pela mulher que amo. Isso é mais do que eu já mereci.
— Por favor, Lazarus, por favor, salve-o.
— Eu sinto muito. É preciso muito poder para se manifestar — disse
Laz de algum lugar atrás dela. — Ele se esgotou, e não há nada que eu possa
fazer. Ele não é minha criação.
— Não. Não. Salve-o. Faça alguma coisa. — Ela não se virou para olhar
para Laz. Ela estava muito fixada na sombra à sua frente. Ela o segurou com
força, como se só por isso pudesse impedi-lo de desaparecer. — Por favor...
Não ele. — Ela beijou a testa da sombra, e ele a abraçou, descansando sua
testa contra a dela. Seus olhos se fecharam e seu sorriso era triste, mas
contente. Ela estava chorando agora copiosamente. — Eu não posso perdê-lo.
Não posso. Eu o amo.
— Não chore... Eu nunca fui real, lembra? Eu não estarei longe. Eu sempre
estarei aqui com você. Mas eu fiz uma coisa boa. Só desta vez... Eu fiz uma coisa boa.
Ela o sentiu começar a escorregar por entre seus dedos. Sua garganta se
apertou e ela soluçou.
— Não... Laz... Por favor...
— Nada que eu possa fazer... Me desculpe. Ele sabia. Ele queria isso.
— Eu... — Ela voltou sua atenção para a sombra de Simon. — Eu te
amo. Eu te amo tanto, eu... — Sua voz ficou embargada enquanto ela chorava.
— Eu sempre vou te amar. E sempre me lembrarei de você.
— Isso significa que eu existia. Isso me faz feliz. — Ele traçou uma garra
sombria sobre sua bochecha. — Tão bonita...
Cora assistiu com horror quando... A sombra de Simon flutuou.
Desapareceu e escorregou de seus dedos como a fumaça de uma vela. Não
importa o quanto ela tentasse agarrá-lo e puxá-lo para mais perto dela, não
adiantou.
— Por favor, eu...
Mas era tarde demais.
Com um sussurro de vento, ele se foi.
Se foi.
Ela colocou a cabeça entre as mãos... E lamentou.
— Querido, hora de acordar.
Turk murmurou e jogou um grande braço sobre os olhos.
— Humm.
Amanda o cutucou.
— Eu fiz o café da manhã. Seu favorito.
Grogue, ele sorriu. Ele sabia o que ela estava fazendo só pelo cheiro.
Crepes. Ele os adorava. Amanda os dominara ao longo dos anos,
especificamente porque ele gostava muito deles. Ele grunhiu e rolou para o
lado. Ela já estava na cozinha novamente, cantarolando para si mesma.
Ele a observou por um longo momento. Ele amava tudo nela. Ele
adorava a forma como a luz do sol brilhava em seu cabelo loiro. O jeito que
ela sempre parecia estar sorrindo. A maneira como ela via o melhor nele,
mesmo agora.
Mas não importa o quanto ele a amasse, ele não poderia colocar
ninguém à frente do mundo. Nem mesmo a Aerialista. Ele preferiria morrer
cem mil vezes a vê-la machucada. Ele queimaria alegremente nas
profundezas do inferno até que o universo deixasse de existir se isso
significasse que ela estava segura. Mas ninguém – nem mesmo Amanda –
valia o dano que a criatura continuaria a causar à raça humana.
Especialmente se fosse libertada da pseudo-prisão que ele conseguira criar ao
longo do lago em New Hampshire.
Ele a abraçaria quando seu próprio mundo terminasse. Ele orava ao
profeta para que ela recebesse um lugar na vida após a morte. Mas mesmo
que deixassem de existir, seria um fim tranquilo e indolor para suas vidas.
Era mais do que a maioria recebia.
Era uma esperança fugaz que ele pudesse empurrá-la para as estrelas
enquanto caía abaixo. E ele faria isso sem hesitação.
Ele ficou ali, confortavelmente envolto nos travesseiros, sorrindo para
ela.
Ela olhou para ele e, um momento depois, lançou-lhe um olhar curioso.
— O que há com esse rosto sentimental?
— Apenas apreciando a vista.
Ela olhou para si mesma e para seu pijama folgado e lançou-lhe outra
expressão incrédula.
— Pah. Você sabe o que eu quero dizer. — Ele se levantou da cama com
um grunhido e arranhou as unhas curtas no peito. Ela não se importava com
o pelo que crescia lá – na verdade, ela dizia gostar. Mesmo que ele a tivesse
pego trançando em fileiras enquanto ele dormia daquela vez. Ele caminhou
atrás dela e beijou o topo de sua cabeça. — Você é adorável, e eu estava
apenas refletindo sobre o quanto eu te amo.
— Ah, o que te fez sentir todo idiota esta manhã? — Ela inclinou a
cabeça para beijá-lo. — Não que eu esteja reclamando.
— Culpa pelo que fiz com Cora e Simon. Eu me sinto terrível pelo que
fiz com ela.
— Você não tem escolha. — Amanda suspirou. — Mas é melhor você se
sentir terrível do que não. Significa que ainda há esperança para você.
Ele riu.
— Eu suponho que sim.
— Simon teria jogado você naquele lugar e nunca olhado para trás. Ele
teria assobiado ao fazê-lo. Que você sinta remorso faz de você um homem
melhor.
— E quanto a Cora?
— Eu... Eu não sei. Eu gostaria de pensar que ela era forte o suficiente
para não ser corrompida por Simon. — Ela balançou a cabeça. — Mas eu não
acho que ela era forte o suficiente para não ser corrompida pela Faire.
— Exatamente.
Ele se sentou em sua mesa, a cadeira rangendo. Ele pegou uma das
pequenas estátuas de ouro que guardava ao lado do sal e da pimenta. Elas
tinham sido presentes dados a ele por... Ele não conseguia se lembrar quem.
Ele se lembrou de amar os presentes. Ele se lembrou de como elas o
fizeram feliz. Que ele valorizava as pequenas estatuetas de ouro e queria
mantê-las por perto e visíveis. Ainda assim, elas o fizeram sorrir. Mas ele não
conseguia se lembrar por quê.
Era por isso que a criatura precisava ser parada. Não porque não
conseguia se lembrar do momento em que recebeu as estátuas, mas porque
era isso que fazia com as pessoas. Harrow Faire roubava as pessoas de si
mesmas. Pouco a pouco, acabava com elas. Uma coisa seria se se alimentasse
de sangue. Seria outra coisa se se alimentasse de anos – tirando a vida.
Mas roubar de alguém a única coisa que realmente importava?
Alimentar-se do que faz uma pessoa ela mesma?
Isso o horrorizou, mesmo agora. Mesmo depois de mais de duzentos
anos vivendo com essa realidade, o frio percorreu sua espinha. Harrow Faire
comia gente. Da pior maneira possível.
E assim... Sacrifícios tiveram que ser feitos.
Mesmo que isso machuque seu coração.
O que restou dele. O que a Faire não tinha levado. Ele passou o polegar
sobre a pequena estátua de ouro e desejou – profundamente desejou – que
pudesse se lembrar de quem a havia dado a ele. Mas estava fora de alcance.
Amanda deslizou um prato de crepes na frente dele, inclinando-se para
beijar sua bochecha.
— Anime-se. Tudo terminará em breve e finalmente teremos vencido
nossa guerra contra esse monstro.
Ele sorriu fracamente.
— A guerra nunca é algo para comemorar. Mesmo se você for o
vencedor, ela sempre tem um preço.
— Mas está tudo acabado agora. A Faire jogou sua mão e você ganhou.
— Ela estava atrás dele, colocando os braços sobre os ombros dele,
descansando a cabeça contra a dele. — Agora, anime-se e coma, minha
grande montanha turca. Antes que esfriem.
Ela beijou sua bochecha novamente.
Turk riu. Ele virou a cabeça e a beijou.
— Eu te amo, Amanda.
— E eu, você. — Ela o beijou de volta. — E eu sempre irei. Não importa
o quê.
Ele não tinha dúvidas de que ela falava sério. Mas ele esperava que suas
palavras de vitória fossem tão verdadeiras quanto suas palavras de amor.
Algo lhe dizia que a guerra ainda não havia sido vencida.
Algo lhe dizia que estava apenas começando.
Cora não tinha certeza de quanto tempo se passou antes que ela
pudesse finalmente parar de chorar. Ela ficou de joelhos na grade de metal,
chorando, com a cabeça entre as mãos, pelo que podem ter sido horas.
A sombra de Simon... Toda vez que ela se lembrava de seu rosto
estúpido e sorridente, ou de sua exuberância selvagem, ela chorava
novamente. Ela queria estender a mão e abraçá-lo. Ela queria beijá-lo e dizer o
quanto o amava. Ela queria ouvir suas palavras de amor em troca.
Mas ela nunca mais faria isso. Ele se sacrificou por ela.
A única parte de Simon que podia amá-la... Que queria amá-la... Se foi.
Ela fungou e enxugou os olhos na manga. Ela estava coberta de sangue. Era
pegajoso e nojento. E era o menor de seus problemas.
Simon.
Esse foi o pensamento que finalmente a empurrou para seus pés. Era
mais fácil falar do que fazer. Ela cambaleou escada acima e tomou seu tempo.
Porque eles estavam invertidos, o corrimão estava embaixo dela. Ela apertou
a mão contra a parede, caminhando perto dela. A ideia de cair de volta
naquela estátua a deixou doente do estômago. Ela se concentrou em cada
passo à sua frente até chegar ao patamar no nível do solo. Ela mal parou para
respirar enquanto corria escada acima, agora dois de cada vez, até que ela
pudesse vê-lo.
Seu coração se partiu novamente.
Ele estava pendurado flácido, seus braços amarrados à cintura. Seus
olhos estavam abertos, mas sem ver. Ele estava morto – por enquanto. Ela
sabia que ele estava preso no mesmo ciclo que ela tinha estado. Ela levou a
mão à boca e tentou não chorar novamente. Ela tinha que soltá-lo, mas ele
estava muito longe de seu alcance. Ela subiu correndo o resto dos degraus,
esperando ser capaz de deslizar até uma viga e desamarrá-lo. Mas ela foi
recebida por um teto gradeado de metal. Era idêntico ao andar de baixo,
completo com uma estátua monstruosa no centro. A corda que Simon
pendurava-se vinha da boca da estrutura, como uma língua grotesca, ou
como o Marionetista era o pêndulo de algum relógio terrível.
Não havia como alcançá-lo. Ela procurou por uma vara, um gancho,
outra corda que ela pudesse jogar quando ele estivesse acordado, qualquer
coisa.
Nada.
Sua próxima ideia era a saída. Talvez ela pudesse chamar Rudy – ou
qualquer um – para ajudá-la. Ela estava com medo do que poderia acontecer
quando ela colocasse os pés fora da torre, especialmente sem Simon para
protegê-la. Mas ela tinha que fazer o que tinha que fazer.
Voando para a saída, ela empurrou. Nada.
As portas estavam trancadas do lado de fora. Ela as empurrou
novamente e só conseguiu sacudi-las. Gritando sua frustração, ela bateu os
punhos na superfície até seus pulsos doerem. Mas, assim como sua fuga de
Harrow Faire na noite em que foi transformada na Contorcionista, foi inútil.
Quando este lugar queria trancar a porta, ele trancava a porra da porta.
Ela se sentou na escada, sua esperança se esvaindo tão rapidamente
quanto tinha vindo. Ela colocou a cabeça nas mãos. Quando ela falou, sua voz
soou pequena. Com medo. Quebrada. Era exatamente como ela se sentia.
— O que eu faço?
Silêncio.
Ela suspirou e olhou para a aparição de um homem de pé junto à
parede. Ele estava lá o tempo todo, apenas fora do caminho dela, observando
e não dizendo nada.
Lazarus piscou e apontou para si mesmo.
— Você está me perguntando? Oh. Desculpe. Achei que era retórico.
— Eu te odeio.
— Não, você não odeia. Você está chateada. — Ele se afastou da parede
e olhou para a torre com um zumbido. — Você está certa, no entanto. Você
não pode soltar Simon. E com a porta trancada do lado de fora, não há como
escapar para obter ajuda. Essa porta não vai abrir para você. — Ele fez uma
pausa. — Não por meios normais, de qualquer maneira.
— O que você quer dizer?
— Esta torre – este lugar – é o meu coração. — Ele estendeu os braços e
gesticulou para a estrutura ao seu redor. — Estamos dentro de mim. O poder
de Mestre de Cerimônias funciona porque ele tem a Chave. Se você quisesse
drenar a identidade de alguém aqui, você poderia, porque você carrega o
fardo. Meu poder é o único que funciona aqui.
— Então você pode nos deixar sair.
Ele balançou a cabeça e, com um suspiro longo e cansado, sentou-se ao
lado dela.
— Deixe-me explicar de outra maneira. Sou grande demais para existir
com segurança neste mundo em minha verdadeira forma. Perigoso demais.
Você sabe como eu te dou todas as pequenas bugigangas para se divertir?
Como posso reescrever Harrow Faire de acordo com meus caprichos?
— Sim?
— Eu poderia fazer isso com a Terra como um todo se não fosse
cuidadoso. Um devaneio perdido meu e “puf” dunas de areia e criações
monstruosas até onde a vista alcança. Eu me mantenho pequeno e
principalmente inofensivo para evitar que isso aconteça. Mas para me
impedir de me soltar completamente, preciso de uma âncora. Um guardião.
— Certo. Eu entendi esse pouco. — Ela suspirou. Ele estava dizendo a
ela coisas que ela já sabia. — Palhaço era o guardião. Alguma lady antes dele.
E agora eu.
— Então por que fazer a Chave? Por que fazer uma bugiganga que
alguém poderia usar para me controlar? Por que não ter apenas o fardo de
estar ligado a mim? Por que duas partes?
Cora olhou para ele sem expressão.
— Acho que imaginei que a resposta fosse ‘porque magia e razões’
como tudo por aqui.
Ele riu, mas seu humor desapareceu um momento depois.
— Não. Você vê, eu não quero te machucar. Ou reescrever você. Eu
nunca quis ferir a Família. Os que coleciono são preciosos para mim. Você é
todo meu orgulho e alegria. Mas se eu fizer de você minha guardiã
diretamente, corro esse risco. Quanto mais de mim você tomar em você, mais
risco eu corro de mudar você. Fazer buracos na sua cabeça e enchê-la comigo
em vez disso.
— Então... — Cora parou por um momento. — Você fez uma
ferramenta para fazer isso em vez disso. Como um para-raios ou uma faca.
— Exatamente! Boa garota. — Ele deu um tapinha no joelho dela. —
Pense nisso como uma faca. Ou uma espada. — Ele sorriu ao ligar seu
exemplo de volta à sua história anterior. — Mas poder é poder. E o poder
bruto é apenas isso. Cru. Perigoso. Difícil de manejar sem prejudicar o dono.
— Você está dizendo que eu não preciso da Chave?
Ele suspirou.
— Estou dizendo que você pode ignorá-la. Ainda existiria. Mestre de
Cerimônias ainda teria o controle de mim... Mas ele não seria o único. Vocês
dois seriam o mesmo. Iguais. Ele ainda teria que ser lidado.
— Pelo menos, não será a pior luta desequilibrada de todos os tempos.
— Ela riu. — Ele me chokeslam2 e pronto.
— Nunca achei que você fosse fã de luta livre.
— Eu costumava adorar. Você está brincando comigo? Mas depois ficou
muito real. Eu gostei dos personagens bobos. — Ela se inclinou para trás,
apoiando os cotovelos na escada atrás dela. — Então, eu posso igualar Turk,
mas... Isso me custaria. Eu estaria dobrando este vínculo com você.
— Correto.
— E você iria... Reescrever partes de mim?
Ele encolheu os ombros.
— Eu não sei o que isso vai fazer. Nunca experimentei antes.
Cora fechou os olhos e encostou a cabeça na parede de madeira. A torre
cheirava a construção de madeira fresca, embora claramente tivesse centenas
de anos. Ela deu de ombros.
— Okay.
— Você... — Ele parou, chocado. — Espere. Você disse sim?
— Sim.
— Simples assim?
— Sim.
— Você não quer pensar sobre isso?
Ela ergueu as mãos.
— O que há para pensar? Eu não tenho escolha. Ou eu fico aqui
sozinha, conversando com Simon enquanto ele fica pendurado de cabeça
para baixo sendo torturado, morrendo aleatoriamente, por... O quê...Alguns
anos antes de todos nós morrermos? Ou eu faço isso.
2 É o nome usado para o golpe em que o atacante enforca o oponente com uma de suas mãos,
levanta-o (geralmente ajudado pela outra mão), e derruba o oponente de costas no chão.
Ela se levantou, foi se limpar e percebeu que ainda estava coberta de
sangue. Ela fez uma careta e enxugou as mãos na única parte limpa da calça
que conseguiu encontrar. Não ajudou. Suas mãos ainda estavam manchadas
de sangue.
— Simon sacrificou parte de si mesmo por mim. Farei o mesmo por ele.
Por todos. Por você.
Ele se levantou e a observou por um longo momento.
— Por mim?
Ela assentiu fracamente.
Ele a abraçou com tanta força e tão de repente que ela guinchou. Ele a
apertou a ponto de quase doer.
— Você não vai se arrepender disso. Você não vai. Eu prometo.
Prometo que serei bom para você – para todos. Oh, Cora... Obrigado.
Obrigado. Acho que ninguém nunca...
— Ar...
Ele riu e a soltou.
— Desculpe. Sim. Respire. — Ele pegou sua cabeça em suas mãos e
beijou sua testa. — Você e eu seremos brilhantes, Cora.
Ela o abraçou de volta. Houve um tempo em que ela teria ficado
aterrorizada com a noção dessa coisa, essa criatura, tomando mais conta de
sua mente. Ela deveria estar chorando de medo. Mas Mestre de Cerimônias
machucou o homem que ela amava. Ele a tinha machucado. E ele ameaçou
ferir os amigos dela. A Família dela.
E parte de sua família era Harrow Faire.
Uma criatura que, na verdade, só parecia querer ajudá-la. Ser gentil
com ela. Talvez a estivesse manipulando. Talvez fosse apenas um jogo
inteligente.
Mas ela não se importava mais.
Tudo o que ela tinha era o jogo.
Tudo o que ela tinha era a mentira.
Todo o resto se foi.
A imagem da sombra sorridente de Simon torceu uma faca em seu
estômago.
Ela alegremente colocaria seus ovos naquela cesta e esperaria que o
fundo não caísse porque não havia outras opções na mesa à sua frente.
Laz começou a descer as escadas para a torre invertida.
— Vamos começar, então.
Ela queria perguntar o que aconteceria a seguir. Ela queria perguntar se
iria doer. Mas, novamente, nada disso importava. Ela o seguiu porque não
havia mais nada para ela fazer. Ela acendeu as luzes antes de descer – vai se
foder, Turk – e as lâmpadas de cabeça para baixo só aumentaram a estranheza
do prédio invertido. Pelo menos ela podia ver.
Quando chegaram ao chão de metal, ela tentou ignorar o sangue que
manchava a estátua. Era todo dela.
Laz se abaixou e abriu uma escotilha no chão.
— Esta metade não está trancada. Ninguém quer descer aqui. — Ele
fungou e pareceu um pouco insultado enquanto respondia sua pergunta não
feita. Este era o espelho da plataforma de observação lá em cima.
Mas embaixo dela, ela não conseguia ver nada.
Apenas escuridão.
Apenas o vazio.
Ela hesitou.
— Eu vou fazer isso de qualquer maneira, mas posso te perguntar uma
coisa?
— Qualquer coisa.
— Você está mentindo pra mim?
Ele inclinou a cabeça.
— Sobre o quê?
Ela gesticulou com a mão para ele.
— Isto. Você. Você está jogando comigo? Me manipulando? Fingindo
ser meu amigo?
Ele sorriu. Era uma expressão fina e não totalmente afável.
— Eu sou mais coisas que você pode imaginar. Eu sou mais velho que o
sol que alimenta este mundo. Eu sou de um tempo antes deste universo ter
surgido. Eu sou todas as coisas. Eu sou bondade e crueldade. Eu sou amor e
ódio. Eu sou mágoa. Eu sou luto. Eu sou alegria. Eu sou as estrelas nos céus.
Eu sou os vermes no chão. — Ele estendeu a mão e tocou a ponta dos dedos
em sua bochecha. — Eu sou luz... E eu sou sombra. Não estou mentindo para
você, Cora. É simplesmente que eu sou mais do que você pode compreender.
Ela estremeceu e fechou os olhos.
— Eu estou assustada.
— Eu sei. Eu estou aqui com você. Eu sempre estarei com você. — Ele
deslocou a mão para pressionar sua palma para ela. — E você sempre estará
comigo.
Essa era a verdade, no fundo. A escolha dela já estava feita. Não havia
como separá-la de Harrow Faire. Nem agora, nem nunca. Algum dia, quando
ela morresse, não haveria linha entre eles. Eles seriam um e o mesmo.
Por que ela estava com medo de borrar essa linha um pouco mais
agora?
A voz de Lazarus era calma, mas firme.
— Somos como os sonhos são feitos, e nossas vidinhas são cercadas por
um sono. — Ele sorriu com a citação. — Estamos todos adormecidos um ao
lado do outro, vivendo realidades semelhantes, mas separadas por um fio de
cabelo. Estou lhe dando a chance de reescrever seu pesadelo e salvar aqueles
de quem você veio se importar.
Ela abriu os olhos e olhou de volta para ele. Seus olhos se foram – tão
vazios quanto o vazio abaixo dela. Não havia sorriso em seu rosto.
— Esse foi o seu jogo desde o começo?
— Importa se foi?
— Não. Eu suponho que não. — Ela respirou fundo e, ao expirar, olhou
para o buraco e gemeu. — Porra de pedra, texugo de bunda devorador de pau!
Laz franziu a testa.
— O que na Terra é um... — Ele parou. — Deixa para lá. Apenas pule,
Cora. Eu estarei lá para te pegar.
Olhando para o abismo sob a grade, ela sabia que não havia mais nada
a fazer.
— Okay. Mas estou farta dessa merda.
Lazarus sorriu.
— Anotado.
Ela deu um passo na escuridão, e sentiu o mundo ceder abaixo dela.
Cora estava caindo.
Desta vez, ela não se incomodou em gritar.
Rudy estava andando de um lado para o outro. Para frente e para trás,
para frente e para trás, para frente e para trás, como um animal enjaulado.
Ele andava como um porque ele era um.
Estalando o pescoço ruidosamente para um lado e depois para o outro,
houve um pequeno alívio no estalo visceral. Ele sempre tinha alguma junta
ou outra que precisava de alívio. Era parte integrante de sua maldição, seu
dom. Seus ossos estavam sempre se reorganizando conforme ele mudava de
forma.
Ele estava acostumado a andar de um lado para o outro. Ele
frequentemente andava de um lado para o outro em seu zoológico. Ele
raramente passava tempo em seu vagão. As paredes eram perto demais para
ele. Na maioria das vezes, ele dormia no telhado. Mas desta vez, não foi
nenhum desses lugares que ele andou. Era a grama na frente do vagão de
Puxador.
Ele fez uma careta, cheirando o ar. Estava cheio de cheiros. A floresta,
os clientes, o fedor de carros movidos a gasolina, óleo, graxa, comidas
gordurosas, açúcar... Álcool.
Abaixo disso estavam todos os aromas que vinham com os animais,
tanto selvagens quanto humanos. Carne, suor, urina, merda, sexo.
Então vieram todas as emoções.
Temor. Felicidade. Alegria. Luxúria. Tristeza. Tudo tinha um cheiro.
Tudo isso. O medo era o mais pungente – sempre foi – ele podia seguir uma
trilha dele por quilômetros. Era o mais primitivo. Todas as outras emoções
empalideciam diante dele.
E então havia o cheiro que era mais denso no ar e tinha sido por muitos
anos – era o que o tinha arrepiado. Era o cheiro da morte. O aroma de um
animal moribundo. Um perfume que prometia uma nova matança para quem
o seguisse.
Harrow Faire estava morrendo há décadas.
Isso irritou a besta nele. Exigiu que ele caçasse, matasse os feridos e
comesse seu cadáver. Mas não havia nada para caçar. Nenhuma carne em
que pudesse cravar os dentes. O cheiro era penetrante de qualquer maneira.
Isso quase o deixou louco. Certamente tinha arruinado seu humor por quase
cinquenta anos. Isso grudou nele como uma doença. A cada momento ele
podia sentir o cheiro, e a cada momento ele queria matar alguma coisa por
causa disso.
Eu nem sempre fui tão impaciente.
Os filhotes da Faire devem considerá-lo um tipo de criatura podre. Não
era culpa dele. Ele estava sempre a um fio de cabelo de beber seu sangue do
coto de qualquer membro que ele arrancasse de seus corpos. Isso lhe rendeu
uma reputação ao longo dos anos.
Foi essa reputação que provavelmente explicou por que Puxador
parecia tão assustado quando saiu de seu vagão. Ele quase tropeçou em seus
próprios pés e teria acabado sentado na escada se não tivesse se apoiado no
batente.
— O-oh. Uh. Bom dia, Domador de Animais.
Rudy resmungou. — Venha.
Ele virou as costas para Aaron e saiu correndo. Ele sabia que Puxador o
seguiria. Ele sempre seguiria. Ele era uma criatura curiosa por natureza e
nunca resistiria à tentação de uma fofoca suculenta.
Sua orelha se contraiu ao ouvir os passos rápidos se apressando para
alcançá-lo. Puxador era previsível. Um bom homem. Um homem gentil. Mas
um previsível.
— Qual é o problema, Rudy?
— Algo aconteceu.
Ele inclinou a cabeça para trás e cheirou. Lá estava novamente. Não era
medo. Não era sangue. Era o cheiro de algo novo. Algo perigoso. Um
predador havia chegado.
— Por que vim e me buscar?
— Ela pode me matar. Mas ela pode não matar você.
— El... P... Uh... O que...
Rudy fez outra careta, sentindo o gosto do ar entre os dentes. Ficou
mais grosso assim. Sim. Um predador e algo familiar também. Algo como
madressilva e lavanda. Ele tinha cheirado muitas vezes nas últimas semanas.
Ele tinha uma teoria. E se ele estivesse certo, ele poderia precisar de
alguém mais testado na arte da fala do que Rudy costumava ser. Ele não
tinha nenhum desejo de ser despedaçado.
— Espero que você não seja necessário. Mas você pode ser.
Previsivelmente, Aaron o seguiu.
— Você vai me dizer alguma coisa sobre o que está acontecendo?
— Você saberá em breve.
A trilha de cheiro o estava levando para a torre de observação. Ele
tentou escalar o exterior algumas vezes por curiosidade, como uma aranha e
como um lobo. Mas por mais que tentasse, não conseguia alcançar a
estrutura. Parecia rejeitar todos os esforços de escalada. Não era natural; não
fazia sentido.
Mas isso era Harrow Faire.
E onde ele não era bem-vindo, ele nunca iria.
Ele nunca tinha visto o interior da torre. A maioria dos que puseram os
pés dentro da estrutura estava sendo torturada como punição por algum tipo
de crime. Ele nunca teve o desejo de espiar dentro apenas por esse motivo.
Vê-la significava problemas.
Portanto, ele tinha ainda menos vontade de entrar quando encontrou as
portas escancaradas e espalhadas na grama e sujeira como estilhaços. A porta
de madeira não era nada além de lascas, espalhadas como se uma explosão
tivesse acontecido. Um segundo conjunto de portas – metal sólido – estava
empenado e dobrado, um dos pares combinados estava de bruços na terra,
enegrecido e carbonizado. Como se o fogo tivesse sido o que o havia enviado
para lá.
Mas a torre em si estava intocada. Ele podia ver a madeira lá dentro.
Sem marcas. Não havia fogo para culpar. Ele não podia sentir cheiro de
fuligem ou carbonização. Ele cheirou o ar. O cheiro do novo predador era rico
no ar.
Ele rosnou baixo em seu peito. Era um barulho desumano.
Aaron estava boquiaberto com a porta.
— Oh... Oh, porra. O, porra. Oh, isso não é bom. Eu deveria chamar
Mestre de Cerimônias. — Ele se virou para sair. Rudy o agarrou pelas costas
do casaco.
— Não.
— Como assim não?
— Ele saberá em breve. Devemos deixá-la jogar a mão do jeito que ela
quer.
— Ela? Você quer dizer Cora?
— Humhum.
Rudy começou a se dirigir para o refeitório. Era hora do café da manhã.
Normalmente, ele pulava refeições com os outros. Eles tendiam a se opor ao
seu amor por carne crua. Mas desta vez, ele sabia que esta manhã seria
emocionante.
— O que você sabe, Domador de Animais? — Aaron seguiu o passo ao
lado dele. — O que você não está me dizendo?
— Nada que você não saiba dentro de uma hora.
— O que tudo isso significa?
Rudy zombou.
— Guerra. Significa guerra.
3Mão imbatível no jogo de cartas. O jogador consegue uma sequência de Ás, Rei, Dama, Valete e
Dez do mesmo naipe.
estava sentado nas teclas, pressionando-as em uma sequência antes de
cantarolar a melodia e rabiscar notas freneticamente.
Um compositor mundialmente famoso.
Atingido do registro da humanidade. Tão bom quanto Beethoven,
Mozart e todo o resto. Relegado a escrever cantigas para atos de circo e
máquinas de hurdy-gurdy. Era um insulto para um homem de seu
brilhantismo.
E essa era a única linha de argumento que Turk apostava que poderia
usar para conquistá-lo. Ele tirou o chapéu da cabeça e colocou-o contra o
peito, curvando-se para o outro homem com um pigarrear alto.
— Monsieur Maestro. Uma palavra, se me permite?
— Estou muito ocupado, Mestre de Cerimônias. — Maksim rabiscou
mais notas na página à sua frente.
— Ah, eu posso ver isso. Lamento qualquer ofensa. Normalmente, eu
não o incomodaria quando sei que você está no trabalho... Mas temo que
tenho um assunto muito urgente para discutir com você.
— Sobre a Contorcionista e sua ascensão ao poder? — Maestro zombou.
Maksim adorava se referir a todos por seus títulos apenas.
— De fato. — Turk levantou-se de sua reverência.
— E como você acha que um músico humilde como eu poderia ajudá-lo
em problemas tão catastróficos como este em que você se encontra?
Ele colocou a pena entre os dentes. Seus dedos estavam manchados de
tinta. Ele vasculhou uma pilha de papéis em cima de seu piano, procurando
por uma página limpa de partituras em branco. Encontrando uma, ele a
colocou à direita da página ainda úmida e começou a trabalhar novamente,
habilmente acrescentando uma clave de sol à linha superior de linhas finas.
— Acho que esse ‘músico humilde’ para o qual estou olhando pode ser
nossa única esperança de superar esse novo perigo.
Isso chamou a atenção de Maksim. Ele se virou no banco, lançando-lhe
um olhar incrédulo e escrupuloso.
— Não me insulte depois de todos esses anos, Mestre de Cerimônias.
— Nenhum insulto pretendido. Eu falo a verdade. — Turk fez uma
pausa. — Preciso da sua ajuda para destruir a Contorcionista.
Fascinante.
Simon assistiu enquanto “Palhaço” – ou pelo menos, Harrow Faire
usando o rosto do falecido Lazarus Harrow – apareceu do nada. A Família
reunida gritou de surpresa e recuou em seus assentos.
Isso o fez rir. Ele a enfiou no gargalo de sua garrafa de cerveja, feliz por
ter um lugar na primeira fila para esse show.
O homem ainda estava vestido com roupas antiquadas. Ele soltou a
mão de Cora, endireitou os ombros e ajustou seu lenço. Coisas bobas, lenços.
Simon estava feliz por vê-los sair de moda. Ele nunca tinha gostado das
coisas de babados. Mas talvez isso tenha significado a queda da moda
moderna – a morte do lenço. Ele os veria retornar se isso significasse que os
homens não andariam mais em jeans sujos e uma camisa de tecido fino como
se fossem um presente de Deus para as mulheres.
Muito menos jeans skinny.
Moda que não deveria existir nas mulheres, muito menos nos homens.
Ele voltou a se concentrar no momento.
Muitas pessoas se levantaram de seus assentos, com as mãos sobre a
boca, olhando para o homem que apareceu à existência. E que, se eles
pudessem imaginar seu rosto usando uma grande quantidade de tinta
mórbida, parecia surpreendentemente familiar.
Lazarus – a Faire – enquanto isso, estava olhando para eles com um
sorriso tenso e emocional.
— O... Olá, todo mundo.
Cora se aproximou dele e pegou sua mão novamente. Lazarus olhou
para a mão dela, como se estivesse surpreso por encontrá-la ali, e então olhou
para ela com outro sorriso fraco e hesitante.
Era tão doce que fez Simon querer engasgar.
Ele lavou a bile garganta abaixo com um gole de cerveja.
— Sua comida está esfriando, Cora. — Com sua interrupção, ela revirou
os olhos e olhou para ele. Ele encolheu os ombros. — Bem, está.
— Palhaço? — Aaron perguntou, dando um passo mais perto. Puxador
sempre foi o corajoso, mesmo que isso significasse que ele geralmente perdia
a vida por causa disso. — É... Você?
— Não. Bem, não exatamente. — Lazarus suspirou. — Quando todos
vocês... Desaparecem, vocês se tornam parte de mim. Lazarus, que era o seu
nome, juntou-se a mim quando morreu e passou a sua ligação para Cora.
Porque ela estava familiarizada com ele, e porque todos vocês também, eu
tomo esta forma para simplificar a forma como podemos nos comunicar. Não
tenho corpo, nem voz, nem nome. Eu simplesmente sou. Isso é apenas um...
Como dizer...
— Ele é um fantoche de meia — Cora forneceu secamente. — Caso
contrário, nossos débeis pequenos cérebros não conseguiriam lidar com sua
estupidez alucinante extradimensional.
Lazarus franziu o nariz e olhou para Cora como se ela tivesse dito a
coisa mais ofensiva do mundo.
— Estupidez? Você deve saber que eu existo desde o início dos tempos
e...
— Nem me fala, circo assassino devorador de humanos. — Cora
finalmente soltou a mão dele para pegar sua cerveja e bebeu. Ela sorriu para o
outro homem com conhecimento de causa.
A criatura disfarçada de homem puxou seu sobretudo, murmurando
baixinho. Ele olhou para a Família, e sua expressão indignada
instantaneamente se transformou em admiração. Em amor. Ele caminhou
entre as fileiras de bancos de piquenique e expressões assustadas. Quando ele
ficou de pé sozinho no meio deles, ele abriu um sorriso resplandecente e
transcendente. Simon não conseguia se lembrar de quando vira um homem
parecer mais feliz.
Ele não é um homem.
Mas pela primeira vez, ele consegue fingir ser um.
Por que alguém iria querer ser algo tão patético quanto uma criatura mortal?
Lá está uma criatura que poderia ter dizimado o mundo – colocado a humanidade de
joelhos – e escolheu ser tão pequena. Isso não faz sentido. É um insulto. Está errado.
Vai contra tudo em que acredito.
O poder deve ser exercido como uma arma. Usado para esmagar
aqueles que estavam no caminho. Não reduzido, embotado e amontoado em
um recipiente menor. Simon fez uma careta e bebeu sua cerveja novamente.
Rudy foi a primeira pessoa a reagir. O Domador de Animais avançou, a
cabeça baixa, cabelos ruivos soltos caindo sobre os olhos. Seus ombros
estavam levantados, e ele soltou um grunhido baixo e feroz. O som era
desumano. Ele mostrou os dentes, seus caninos longos e afiados. Não
chocante, vindo do homem que podia mudar de forma à vontade. Mas ele se
aproximou lentamente.
E Lazarus se manteve firme.
Rudy cheirou o ar enquanto se aproximava, aproximando-se do
fantasma. Ele finalmente se endireitou quando ficou a trinta centímetros do
outro pseudo-homem. Lazarus sorriu e estendeu a mão. Rudy estremeceu
como um animal assustado, alargou a careta e rosnou para Lazarus.
Mas como qualquer um que deseja fazer amizade com um animal,
Lazarus manteve a mão imóvel e então se aproximou. Rudy não era de
desistir de um desafio. Simon observou seus dedos se transformarem em
garras afiadas. Se Lazarus não tomasse cuidado, ele perderia o rosto.
Se o rosto dele fosse real.
Pensamento fascinante, esse.
Simon se perguntou se poderia desmembrar a memória-de-homem
para descobrir, ou se levaria um sermão.
Ele provavelmente receberia um sermão de qualquer maneira.
Lazarus inclinou a cabeça para mais perto de Rudy e fez sinal para que
o Domador de Animais se aproximasse. A curiosidade acabou conquistando
o animal selvagem. Lazarus sussurrou algo para Rudy. Simon podia ver sua
boca se movendo, mas estava muito obscurecida para ele dizer o que era.
Algo na expressão de Rudy mudou. Algo em todo o seu
comportamento. De repente, a raiva se foi. Seus ombros caíram de suas
orelhas, e ele jogou seus braços ao redor de Lazarus em um abraço feroz.
Lazarus grunhiu de surpresa e quase caiu com o impacto, mas
conseguiu manter o equilíbrio no último segundo. Ele riu e abraçou o
Domador de Animais, dando tapinhas nas costas do homem. Rudy o agarrou
com força por um segundo, e então o soltou tão rápido quanto o abraço
começou. Ele deu um passo para trás, balançou a cabeça e se afastou.
Acho que o Domador de Animais está prestes a chorar. O garfo de Simon
bateu no prato ruidosamente enquanto ele observava, agora tão atordoado
quanto todos os outros. O que diabos a Faire poderia ter sussurrado para
Rudy que o fez quase perder a cabeça?
Rudy nunca... Nunca chorou.
Mas com certeza, Domador de Animais fechou o rosto e saiu da tenda.
Mas não antes de inclinar a cabeça em respeito a Lazarus.
A tenda ficou lá em silêncio. Lazarus respirou fundo e soltou um
suspiro longo e oprimido.
— Oh, é tão bom ver todos vocês. Quero dizer... Vejo todos vocês como
vocês se veem. — Ele sorriu timidamente e enfiou as mãos nos bolsos do
sobretudo. — Tenho certeza de que todos vocês têm muitas perguntas para
mim. Eu ouço tudo o que vocês já perguntaram. Apenas não conseguia
responder. Murad — ele fez uma pausa e se corrigiu — Mestre de
Cerimônias queria manter todos vocês no escuro enquanto nós murchamos e
morríamos. Em tempos passados, eu nunca fui tão recluso. Só ultimamente,
quando fiquei fraco demais para falar sem queimar a pouca vida que me
restava, me isolei da minha Família.
Ninguém parecia saber o que dizer.
Simon não os culpava.
— Eu irei. Mas se vocês tiverem dúvidas... Venham bater no vagão
vinte e um. Eu farei o que puder. O Sr. Harrow pode não existir do jeito que
vocês acreditam... Mas isso não significa que eu não esteja lá para ouvir.
Lazarus sorriu para todos eles com lágrimas nos olhos, girando nos
calcanhares como se estivesse olhando para uma praia que estava se
afastando dele enquanto ele navegava para o mar. E com isso, ele
desapareceu no nada. Desapareceu como fumaça ao vento.
Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo.
A Adivinha riu. Cacarejou como a bruxa que ela era.
Várias pessoas gritaram e correram da tenda.
Aaron sentou-se e começou a esvaziar o conteúdo de seu frasco em sua
boca aberta.
E Cora, com um encolher de ombros, sentou-se à mesa.
— Sua comida está esfriando — Simon disse alegremente, gesticulando
para seu espetinho de frango com as pontas de seu garfo. — E que fique claro
que eu não comi um único pedaço enquanto você estava de costas.
O caos se seguiu na tenda, e pela primeira vez Cora parecia feliz o
suficiente para ignorá-lo. Ela sorriu para ele e voltou a comer sua refeição
interrompida.
— Eu não sei por que você sempre insiste em roubar minha comida
quando estamos em um maldito bufê. E um grátis, por sinal.
— Porque me diverte. E te frustra. E, mais importante, me diverte que
isso te frustre.
Ele sorriu para ela enquanto esfaqueava um pedaço de camarão no
prato dela com o garfo e dava uma mordida nele.
— Deus, eu odeio você às vezes.
Ele piscou para ela.
— Não, você não odeia. Você me ama. E esse é o problema.
Aaron desabou no banco ao lado deles, parecendo mais do que um
pouco tenso. — Isso foi...
— Sim — Cora afirmou categoricamente.
— Foi realmente...
— Sim.
— Mas ele...
— Sim.
— E...
— Sim. — Ela comeu um pedaço de seu espeto de frango. —
Estabelecendo um padrão?
— Como você... Como você é capaz de...
Aaron esfregou as duas mãos no rosto e terminou sua frase com um
gemido.
— Sinceramente, não sei. — Cora tomou um gole de sua cerveja. — Um
dia de cada vez. Isso é tudo que eu tenho agora. Um dia e um passo de cada
vez.
— Mas... Isso não é normal.
Cora lançou-lhe um olhar que dizia muito. Que nada em sua vida tinha
sido normal em muito tempo, e nada estava destinado a ser normal tão cedo.
E que Aaron, pela primeira vez na vida, deveria parar de dizer coisas
estúpidas.
Simon não poderia concordar mais com seu sentimento silencioso.
Pela primeira vez, Puxador captou o significado em seu olhar e tossiu.
— Eu vou... Deixar vocês dois comerem.
Ele se levantou e saiu, balançando a cabeça em confusão. Todos os
outros estavam com muito medo de se aproximar.
Bom.
Eles deveriam estar.
— Eu preciso de férias — Cora murmurou enquanto voltava para sua
comida pela segunda vez. — Eu preciso de uma pausa de toda essa merda.
— Bem, quando você finalmente assassinar Mestre de Cerimônias e nós
estivermos livres desta vista à beira do lago na agradável Nova Inglaterra,
nós podemos ir para onde você quiser. Norte, sul, leste, oeste... Você poderá
colocar um alfinete no mapa em qualquer lugar do mundo e lá vamos nós. —
Ele sorriu. — Eu, naturalmente, insistirei em irmos para a Inglaterra primeiro.
— Oh? Inglaterra? Por que?
— Para incendiar minha antiga casa de família, é claro. Que pergunta
boba.
Cora riu.
— Não. Vamos para o sul para Florida Keys. Quero um tempo na praia.
— Ugh. Luz solar. — Simon mostrou a língua. — Que desperdício de
viagem.
— Rudy pode adotar alguns crocodilos e talvez uma jiboia. Vai ser
ótimo. Mas depois que o Halloween acabar. Quero ver como será este parque
quando decidirmos ficar totalmente horrorizados. — Ela riu. Ele observou
como algo melancólico e distante veio sobre ela. — Aposto que Rudy vai
adorar a chance de colocar suas outras feras em exibição.
— Tenho certeza que sim. — Ele fez uma pausa e olhou ao redor da
tenda agora vazia. — Bem, você certamente causou um rebuliço. Mais comida
para nós, suponho.
— Aposto que vou ter problemas por deixar a Faire falar com eles. Mas
pelo menos agora, quando eu andar por aí conversando com o ar, eles
saberão que não sou totalmente maluca.
— Não totalmente. Esse é o meu trabalho.
Ele girou um pouco de seu macarrão no garfo. Ele gostava de um bom
prato de comida tailandesa. Ele supôs que estava em seu DNA apreciar a
culinária de outras culturas mais do que a sua. Não era tão bom quanto o
curry indiano, mas definitivamente era melhor do que qualquer resíduo que
passasse por comida inglesa nativa. Se pudesse ser chamado assim.
Não quer dizer que ele não gostasse de um bom peixe com batatas
fritas.
— Simon? Se nós... Algum dia conseguirmos pôr os pés fora do parque,
podemos ir colher maçãs juntos?
— Por que faríamos isso, quando a Faire pode simplesmente nos
convocar... — Ele interrompeu suas palavras na queda de seus ombros
cabisbaixos. — Ah. Você está me convidando para um encontro, Cora,
querida?
— Sim. Eu estou. Rosquinhas de cidra, abóboras e maçãs frescas. Eu
posso fazer uma torta.
— Bem, você nunca disse que havia torta envolvida! Considere isso um
acordo. — Ele cutucou o pé dela por baixo da mesa. — E um encontro parece
adorável.
Ela balançou a cabeça, provavelmente descartando o tom dele como
sarcasmo. Era. Ou pelo menos na superfície. Mas no fundo, ele percebeu... Ele
quis dizer isso. Parecia maravilhoso.
Parecia um veneno, quente e enjoativo, penetrando em suas veias.
Ele amava Cora. Ele queria protegê-la, fazê-la feliz, dar-lhe tudo o que
ela poderia querer e muito mais. Ele daria grande parte de sua vida para vê-
la colocada apenas um degrau acima.
E era errado. Isso eriçou cada nervo em sua psique. Ela o envenenou
como uma droga. O ópio estava espesso em seu sangue, sussurrando para ele
deitar a cabeça e desistir da luta. Entregar-se à felicidade.
A ideia de vagar pelas fileiras de macieiras, colhendo as frutas crocantes
dos galhos e rindo com ela, o deixou feliz. Ele queria matar Mestre de
Cerimônias para poder saborear aquele momento sozinho. Ele queria esculpir
abóboras com ela. Ele queria provocá-la por sua falta de habilidade na arte
enquanto ele fazia alguma obra-prima ao lado dela.
Ele queria provar a canela e o açúcar de algum deleite de outono em
seus lábios.
O que eu me tornei?
Me deixei me render a este vício.
Eu quero matar Mestre de Cerimônias. Não por mim... Mas por ela.
Frio, como água, desceu por sua espinha ao perceber.
Oh não.
Ele tinha que parar com isso.
De uma vez por todas.
Dizer que Mestre de Cerimônias estava lívido seria colocá-lo levemente.
Várias cadeiras e dois caixotes de madeira encontraram um fim violento
no beco atrás da grande tenda. Ele havia feito um buraco bastante grande em
um terceiro caixote de madeira e ainda estava andando de um lado para o
outro, imaginando o que mais ele poderia destruir em sua fúria.
Por que? Porque o Maestro disse não.
Que enquanto Maksim simpatizava com o desejo de Turk de livrar o
mundo de um monstro, ele não sujeitaria ninguém a uma transformação
involuntária em parte de sua orquestra. Que ele não sacrificaria sua própria
moral.
Mestre de Cerimônias rosnou e chutou um balde de lata com força
suficiente para enviá-lo pelo caminho de terra, fazendo barulho e rolando até
parar a uns quinze metros de distância. Não importa como ele tenha
argumentado, não importa como ele tenha defendido seu caso, Maksim
recusou.
De que serviria a moral quando não serviam ao quadro maior?
De que adiantava um pequeno ato de justiça quando ajudava um ato
maior de mal?
Maksim não conseguia entender como, às vezes, males menores devem
ser cometidos em nome de uma vitória maior. Não havia mundo em que
apenas atos puros resultassem na conquista de monstros. Não se podia lutar
contra a escuridão sem tocá-la. Sacrifícios devem ser feitos.
Mas não importava.
Maestro ainda se recusava a ajudar. Turk não perderia tempo falando
com Bertha ou Rudy. Seria inútil. Mas agora ele não tinha como parar Cora.
Não havia como contê-la. Ele estava sem opções.
Sim, ele poderia pedir aos outros que ficassem do seu lado da linha
durante a ridícula “votação”. Mas e se ela se recusasse a honrar sua metade
do acordo se perdesse? Ele não confiava em Cora. Ele não gostava de deixar
seu flanco desprotegido. Ele certamente não gostava de deixar as coisas ao
acaso.
Ele estava sem opções.
Ele foi encurralado.
Virando-se, ele deu um soco em um quinto caixote de madeira. A
madeira lascou e fraturou com o impacto. Ele foi puxar a mão. Estava presa.
Rosnando, ele puxou, e a madeira que havia afundado para dentro cavou
com força em seu pulso e nas costas de sua mão.
Ele começou a xingar em todas as línguas que conhecia. E eram várias.
— Sinceramente, vou ficar do lado da caixa neste caso.
A voz atrás dele gelou seu sangue. Ele finalmente conseguiu remover o
braço da caixa, mas não sem se cortar no processo. Iria curar. Ele se virou
para encarar o intruso que tinha vindo atrás dele.
Sorrindo loucamente ao sol do meio-dia, o outro homem parecia
deslocado. Criaturas como ele pertenciam a lugares escuros. Corredores e
cantos sombrios. Aqui, ele parecia como se alguém o tivesse tirado de um
pesadelo e o colocado na bela manhã de final de setembro como uma
caricatura de si mesmo.
Turk suspirou pesadamente.
— O que você quer, Marionetista?
— Quero dizer, aquela caixa realmente não fez nada para justificar um
comportamento tão violento. — Simon deu de ombros. — Embora eu
suponha que você seja famoso por esse tipo de coisa, não é? Punir aqueles
que não merecem? — Ele caminhou até um dos caixotes ainda intactos e
sentou-se casualmente sobre. — Eu vim para conversar, Mestre de
Cerimônias.
— Por que eu não acredito em você?
Marionetista riu.
— Porque você não é um tolo. Mas não, desta vez eu realmente não
planejo começar uma briga. Eu sei muito bem que você pode me vencer em
uma luta justa. E eu já desisti do elemento surpresa, não é?
Ele tinha um ponto. Turk odiava quando Simon fazia sentido. Sempre
avisava do perigo.
— Sobre o que você quer conversar?
— O fim do nosso mundo como o conhecemos.
Tirou os óculos escuros do rosto, examinou-os e, tirando o lenço do
bolso, começou a limpar as lentes. Aqueles olhos terríveis dele saltaram da
tarefa para se concentrar nele.
Turk fez uma careta. Ele fazia isso toda vez que via os olhos de Simon.
Eles eram tão monstruosos quanto o homem embaixo. E o fato de que Cora
alegou amá-lo traía tudo que Turk, ou qualquer outra pessoa, deveria saber
sobre a verdadeira natureza da Contorcionista.
Seu olhar de repulsa só aumentou o sorriso presunçoso de Simon.
— Gostaria de deixar uma coisa bem clara, Mestre de Cerimônias... Só
estou aqui para meus próprios fins. Agora, e para sempre, estou em primeiro
lugar em todas as coisas no que me diz respeito. — Ele colocou os óculos de
volta no rosto e empurrou-os para a ponta do nariz com o dedo anelar. —
Tenho certeza de que você está bem ciente desse fato.
— Sempre foi mais do que um pouco óbvio.
— Bom. Então você vai entender por que estou aqui. Não gosto de jogar
com a minha vida, homem gordo. Não quero colocar minha existência nas
mãos de ninguém. Nem você, nem Harrow Faire, nem mesmo Cora.
Mestre de Cerimônias inclinou a cabeça curiosamente. Ele estudou o
Marionetista em silêncio por um longo tempo. Afrouxando o colarinho um
pouco mais, a gravata borboleta já pendurada no pescoço, ele se moveu para
se sentar em frente ao Marionetista em outro caixote pintado de forma
espalhafatosa.
Ele não pode estar dizendo o que eu acho que ele está.
Isso é uma armadilha.
Mas eu tenho outras opções?
Não. Eu não tenho.
— Prossiga. — Mestre de Cerimônias colocou as mãos nos joelhos.
— Este conceito de ‘votação’ é um insulto ridículo a tudo o que sofri
para protegê-la e aos nossos interesses combinados. Ela deveria ter te matado
quando teve a chance. Mas não. Ela quer ser nobre. — Simon zombou. — Que
conceito infantil quando se trata de coisas como nós.
— O quê, então? Você sabe que procuro destruir Harrow Faire.
— Sim. E tudo bem. Eu não dou a mínima para o monstro ou qualquer
outra pessoa que vive dentro dele. Eu só me importo na medida em que tem
que existir para que eu exista. — Simon acenou com a mão com desdém para
o parque. — Todos eles podem apodrecer no vazio.
— O que você está propondo, Simon?
Turk estreitou os olhos para o outro homem, como se só por aquele
gesto escrupuloso pudesse descobrir que tipo de mentiras e trapaças o
Marionetista estava empregando.
— É bem simples. — Simon sorriu, uma expressão distorcida e cruel. —
Mantenha Harrow Faire viva enquanto eu andar nesta Terra. Mantenha-a à
beira da fome, não me importo. Mas deixe-a mancar por quantos anos levar
para eu queimar e desaparecer. Então, faça o que você quiser.
Turk balançou a cabeça.
— Você está me pedindo para deixar esta criatura sobreviver. Para
deixá-lo continuar a viver.
— Por enquanto.
— E o que eu ganho em troca?
— Cora Glass como uma boneca de porcelana. — O sorriso de Simon se
dividiu em um sorriso malicioso. — Como ela deveria ter sido desde o
momento em que a vi.
Turk sentiu o sangue sumir de seu rosto. Ele sentiu frio. Ele se recostou
na pilha de caixotes atrás dele.
— Mas... Ela te ama.
— E eu me importo com ela. E é aí que está o outro problema que
procuro resolver, Mestre de Cerimônias. Tenho sentimentos por ela e não
posso dizer o quanto os acho repugnantes. — Simon fez uma careta e desviou
o olhar. — Minha sombra, a criatura tola que era, se sacrificou por ela. Perdi
uma parte de mim quando você me fez Patrocinar ela. Perdi outra parte
quando minha sombra não suportou seu sofrimento. Não vou deixá-la levar
mais de mim. Então eu vou destruí-la em vez disso.
— Você é um monstro...
— Mas não é esse o ponto? — Simon lançou-lhe um sorriso malicioso.
— Não somos todos?
Turk ficou em silêncio por um longo tempo. Era uma armadilha. Ele
tinha certeza que era. Mas que outra escolha ele tinha? Nenhuma.
Absolutamente nenhuma.
— Diga-me como você acha que isso se desenrola.
— Muito bem. Jogamos durante a semana solicitada de Cora. Deixamos
os membros de Harrow Faire debaterem o valor de suas míseras existências.
Se você ganhar, vai condená-la a se tornar uma das minhas bonecas. Eu,
obedientemente aceitando a derrota, lamentarei o destino trágico da minha
amante.
Ele grudou as costas da mão na testa como uma estrela de cinema
mudo.
— E se ela ganhar?
— Eu vou quebrar o pescoço dela enquanto ela te derruba. Ela não vai
esperar que eu a traía. Eu me declararei justamente buscando a morte de
Harrow Faire, e vou transformá-la em meu brinquedo do mesmo jeito. —
Simon sorriu. — Inteligente, não?
Turk queria vomitar. Seu estômago revirou ao pensar nisso.
— Ela vai te odiar.
— Minhas bonecas nunca me odeiam. Não importa o quão cruel eu seja
com elas. Elas não têm escolha a não ser me obedecer. Além disso... O ato de
enfiar alguém em uma das minhas marionetes tende a rasgar grandes porções
de sua mente em pedaços. Duvido que ela ainda se lembre de como ficou
assim. — Simon encolheu um ombro. — Não é da sua conta de qualquer
maneira.
— Por que eu iria acreditar em você? Se você traísse a mulher que o
ama, a única pessoa que já pisou em Harrow Faire que pode até mesmo
tolerá-lo, por que eu confiaria em você?
— Duas razões. — Simon levantou um único dedo. — Um, você pode
confiar em minhas motivações. Eu sou minha única prioridade. Ao se recusar
a priorizar nossa existência sobre sua moralidade, Cora não é apenas uma
ameaça à minha vida continuada, mas ela está lentamente destruindo tudo o
que defendo. Ela é um veneno do qual eu gostaria de me livrar de uma vez
por todas.
Simon fez uma pausa e levantou um segundo dedo para se juntar ao
primeiro.
— E dois... — Ele sorriu. — Você não tem escolha. Você está sem
opções. Ouvi dizer que a sua pequena abertura ao nosso querido Maestro
correu mal. Duvido que Rudy ou Bertha sejam mais receptivos ao seu
esquema. Eu sou o único disposto a me rebaixar a tais atos perversos.
Turk praguejou e fechou os olhos, esfregando a mão no cavanhaque.
Ele realmente odiava quando Simon fazia sentido. E como todo predador
sádico, o Marionetista sabia quando tinha sua presa presa sem escapatória.
O que seriam mais cem ou duzentos anos se isso significasse que ele
poderia livrar o mundo do monstro pelos próximos cem mil? Sua guerra
terminaria com Cora Glass em fracasso, ou terminaria no dia em que Simon
Waite finalmente desistisse do que restava de sua identidade para o vazio.
— Agora, não há como dizer o que acontecerá com o vínculo de Cora
com Harrow Faire quando ela morrer. O dom que Palhaço recebeu – para
drenar a identidade dos outros à vontade. — Simon riu. — Espero que venha
para mim. — E como o toque de um interruptor, sua expressão ficou sombria.
— Deveria ter sido meu desde o início.
— Você está com inveja dela.
— Claro que estou! — O lábio de Simon se curvou de raiva e desgosto.
— Por que a Faire a escolheria? Se quisesse viver, deveria ter me escolhido!
— Pelo que vale, estou muito feliz que não tenha acontecido. — Turk
bufou uma única risada. — Eu estaria morto há muito tempo.
— Precisamente.
Turk olhou para o parque. Ainda era tarde da manhã e os portões ainda
não estavam abertos. Em breve, outubro chegaria a eles, e Harrow Faire iria
decorar para o Halloween. Era raro que o parque estivesse “em cima”
durante o outono, mas quando estava, era algo para se ver. Os monstros mais
únicos de Rudy eram autorizados a serem exibidos, e as aberrações de Bertha
vagavam livremente pelo parque.
E os clientes vinham em massa, sem saber que os monstros que os
aterrorizavam não eram truques de ilusões e mecânica. Que eles eram muito
reais, assim como o perigo que representavam.
Monstros e demônios. Criaturas famintas que se alimentavam de mais
do que carne e sangue.
E aqui estava ele, à beira de fazer um acordo com um diabrete para
matar o diabo. Um pequeno pecado cometido em nome de um bem maior.
Sua alma já estava perdida. Ele não visitaria o reino do Profeta quando ele
deixasse de existir. Ele sabia disso há muito tempo.
O que era mais um ato de crueldade?
Mas ainda assim, ele não podia deixar de simpatizar com Cora. Uma
coisa era ser traída pela Família – Jack, Amanda e ele mesmo – mas outra
coisa era ser esfaqueada pelas costas pela pessoa que amava.
Cora Glass não escolheu nada disso. Não se tornar a Contorcionista.
Não se tornar a conexão para Harrow Faire. Nem mesmo se tornar a
abominação que ela era agora. Turk entendia, e de fato simpatizava, com
cada escolha que ela fizera. Mesmo tendo relações com Simon. Ela estava
sozinha, com medo, desesperada por afeto e amizade. Simon não era nada
além de habilidoso em fazer acordos com aqueles famintos por opções.
Caso em questão.
Turk assentiu uma vez. Fracamente. Ele sentiu um peso pesado cair
sobre seus ombros, como se o próprio Alá tivesse colocado tijolos sobre ele.
Talvez ele tivesse. Ele merecia.
— Muito bem, Marionetista. Você conseguiu um acordo.
— Fantástico! — Simon bateu em suas coxas com ambas as palmas e se
levantou. — Oh! — Ele estalou os dedos. — Eu quase esqueci. Há apenas
uma outra coisa. Você vê... Você sabe que pode confiar em mim, cidadão
honesto que eu sou. — Ele sorriu. — Mas como eu sei que posso confiar em
você?
— O quê? — Turk balançou a cabeça. — Só pode estar brincando
comigo. De nós dois, sou eu quem cumpre a palavra.
— Oh, homem gordo, eu sempre cumpro minha palavra. Você
simplesmente não tende a gostar do que eu digo. Mas isso é irrelevante. —
Simon acenou com desdém novamente. — Não, Turk. Eu conheço você. Eu
conheço o seu tipo. Aqueles que quebrarão qualquer voto, quebrarão
qualquer amizade, sacrificarão qualquer aparência de honra em nome do
chamado ‘bem maior’.
Turk tentou não se ofender com as aspas sarcásticas que Simon colocou
em torno dessas duas últimas palavras.
— Você vai se voltar contra mim no segundo em que Cora for lidada.
Você vai matar a Faire de fome e acabar com todos nós. Você me odeia. Você
sempre odiou. Promessas de você para mim valem menos do que palitos de
picolé usados. — Simon inclinou a cabeça ligeiramente para trás, observando
Mestre de Cerimônias ao longo de seu nariz. — Olhe na minha cara e diga
que estou errado.
Mestre de Cerimônias realmente odiava quando Simon estava certo. Sua
mandíbula se contraiu.
— Eu te dou meu voto. Vou manter este acordo com você, Marionetista.
Harrow Faire viverá tanto quanto você.
— Você diz isso. Mas como você vai provar para mim que você quer
dizer isso? O que você está disposto a sacrificar para me mostrar que fala a
verdade? — Simon fungou com desdém. — Eu quero algo de você. Um gesto
de amizade. De boa fé.
— Como isso vai me impedir de quebrar minha palavra para você
depois que tudo estiver dito e feito?
— Ah, não vai. Não de verdade. Mas, infelizmente, não há nada a ser
feito sobre isso. Vou ter que confiar em você e em sua honra. Isso é... A menos
que eu tivesse algo com o qual você se importasse. — O tom de Simon caiu,
não mais cordial e brincalhão, mas sombrio e sádico. Seu sorriso nunca
vacilou. Apenas mudou o contexto. — E se eu tivesse algo seu? Algo que eu
poderia torturar se você me traísse. Algo cuja dor eu poderia tornar terrível,
excruciante e completa por cada fração de segundo de existência antes de
todos nós desaparecermos do mundo. E confie em mim... Eu sou bastante
habilidoso em fazer outras coisas sentirem dor.
Turk sentiu o sangue gelar, como se água gelada corresse em suas veias.
— O que você está sugerindo, Marionetista?
— Eu acho que você sabe. Mas! Apenas no caso de você ser tão
estúpido quanto afirma ser, permita-me iluminá-lo. — Simon caminhou em
direção a Mestre de Cerimônias até que ele pairou sobre ele, obscurecendo o
sol da visão de Turk.
E então, o dia de Turk foi de mal a pior.
Assim como sua náusea.
Simon sorriu.
— Se você quer matar Harrow Faire... Você vai me dar a mulher que
você ama.
Cora saiu das tendas de comida no meio do caminho com um punhado
de cenouras. Era extremamente – extremamente – difícil encontrar cenouras
em um circo. Ela tinha ido ao refeitório, às cozinhas e quase duas dúzias de
tendas de comida antes de encontrar uma que vendia “frituras vegetarianas”.
Parecia tão nojento quanto parecia. Mas ela finalmente teve o que ela veio
buscar. Uma dúzia de cenouras inteiras, sem casca, com as folhas ainda
presas, pendia de suas mãos.
Ela tinha uma missão em mente. Era estúpida, mas ela precisava de
uma distração. Ela precisava de algo para animá-la. Simon tinha uma
apresentação para se preparar. Ela não se apresentaria até a noite seguinte.
Parecia estranho subir ao palco com tudo o que estava acontecendo, mas...
Negócios eram negócios.
Qual era a frase?
O show tem que continuar.
Um debate existencial completo entre dois monstros em guerra presos
dentro de um circo assassino devorador de humanos provavelmente não era
o que eles tinham em mente quando alguém cunhou essa frase. Ela se
perguntou de onde a frase realmente veio, agora que ela pensou sobre isso.
Ela suspirou. Sem telefone significava sem internet. Sem internet significava
sem mecanismos de busca. Sem mecanismos de busca significava que ela
teria que se contentar em não saber a resposta.
Cara, a vida deve ter sido uma droga antes da internet existir.
Talvez se ela ganhasse, ela pudesse introduzir alguma tecnologia
moderna na Faire.
Ela não queria matar Mestre de Cerimônias. Ela iria. Ela estava
comprometida agora. Mesmo que ela o odiasse pelo que ele tinha feito com
ela e Simon, ela entendia por que ele tinha feito isso. Uma coisa era concordar
com as pessoas. Outra era compreender o raciocínio delas.
Ela podia entender como Turk tinha ido do ponto A ao ponto B e
depois ao C. Ela discordava. Com veemência. Mas em cinco dias, o debate
estaria encerrado. Os votos seriam lançados e a Família decidiria se
continuariam a viver ou morreriam.
Ela não tinha intenção de quebrar sua promessa. Se eles votassem para
deixar a Faire morrer, ela deixaria acontecer. Quem era ela para decidir? Ela
não era ninguém. Ela era apenas Cora. Uma garota estúpida da Nova
Inglaterra que se formou em fotografia, teve seu corpo perdido e trabalhou
no maldito banco por sete anos desperdiçados de sua vida.
Havia uma lista muito pequena de decisões que ela estava qualificada
para tomar. Nela havia coisas como “em que ordem o troco deve ser
contado” e “qual configuração em uma câmera obteria uma foto melhor”.
Decididamente, não estavam na lista tópicos que incluíam se um maldito
monstro sobrenatural deveria ter permissão para vagar pelo mundo.
Ela queria que a resposta fosse “sim, deveria”. Mas havia sabedoria no
grupo. Se quisessem viver, viveriam. Se eles quisessem morrer... Todos
morreriam. Ela não sabia quanto tempo Harrow Faire tinha restante – talvez
um ano, no máximo. Ela sabia que se a Família ficasse do lado de Turk, ela
teria que ouvir Lazarus e Simon reclamarem disso o tempo todo.
Mas ela manteria sua palavra.
Às vezes, isso era tudo que uma pessoa tinha. Ou um horror-parte-
pessoa-parte-sobrenatural.
Puxando para trás a aba da tenda onde Rudy mantinha seus animais
estranhos e não naturais, ela olhou ao redor do espaço escuro. Era enorme, e
ela podia ver as diferentes criaturas bizarras se movendo em suas jaulas ou
cercados.
— Rudy?
Silêncio.
— Ei, Rudy, você está aqui?
Nada.
Com um encolher de ombros, ela caminhou mais para dentro da tenda.
Ela tinha certeza que ele não se importaria. Ela realmente precisava sorrir. Ela
se sentia tão quebrada sobre a coisa toda. Tão sobrecarregada. E apesar de
tudo, ela só queria gritar e quebrar alguma coisa. Mas isso dificilmente seria
produtivo.
Além disso, quem sabia o que aconteceria se ela perdesse a paciência
agora que ela era parte Cora, parte quem-sabe-que-porcentagem-extra-
dimensional, provavelmente-ser maligno? Então, em vez disso, ela caminhou
em direção aos fundos da tenda, onde encontrou o grande cercado que
continha três animais que instantaneamente a fizeram sorrir.
— Ei, família esquisita de alce-tigre — ela disse enquanto caminhava
até a beirada do cercado.
O macho dos três grunhiu e pisou com o casco dianteiro direito no
chão, tentando parecer intimidador. Mas quando ele cheirou o ar, sentindo o
cheiro dela, o pelo de suas costas baixou. Ele soltou um suspiro silencioso e
caminhou em direção a ela, enfiando a cabeça sobre a borda da cerca e
farejando seu ombro. Se porque a reconheceu de antes, ou porque ela era
parte de Harrow Faire e ele também, ela não sabia. Mas ela aceitaria.
— Bem, tudo bem, então. — Ela riu e acariciou o pescoço da criatura. —
Bom te ver também. — Quando o alce-tigre baixou a cabeça para tentar
roubar uma cenoura, ela riu de novo e as segurou fora do alcance dele. — Boa
tentativa! Seu bicho sorrateiro.
A mãe e o bebê também estavam no portão agora, cada um deles
cutucando-a e pedindo guloseimas como cavalos. Ela sorriu. Este era um dos
prazeres simples da vida. Alimentar animais sempre a animava. Ela ofereceu
uma cenoura a cada um e observou enquanto eles mastigavam alegremente.
Ela teve que segurar a cenoura para o bebê, pois não cabia uma cenoura
inteira na boca como seus pais.
— Espero que você não esteja em uma dieta especial maluca e Rudy
fique bravo comigo.
— Eles não estão.
Ela gritou e se virou. Lá estava o Domador de Animais, observando-a
com uma expressão plana. Ele estava em forma humana, mas seus olhos eram
amarelos e brilhavam como os de um lobo na penumbra.
— Maldição, não se aproxime de mim na surdina.
— Eu não me aproximei. — Ele caminhou até a beirada do cercado e
estendeu a mão para acariciar o pescoço do alce-tigre macho. — Eu grunhi.
— Tanto faz. Não grunha atrás de mim. E não seja pedante.
— Ela empurrou seu ombro.
Rudy sorriu brevemente e, pegando uma de suas cenouras, ergueu-a
para o grande animal mastigar.
— Por que você está aqui, Cora?
— Eu amo animais. Eu gosto de alimentá-los para me animar.
— Eu faço a mesma coisa.
— Você fica alegre? — Ela lançou-lhe um olhar incrédulo. — Besteira.
Isso o fez sorrir. Desapareceu rapidamente, mas estava lá.
— Eu nem sempre fui assim. Mas a Faire cheira a morte, e isso...
Arruína meu humor. Vamos colocar assim. — Ele fez uma careta e então
suspirou. — Ficarei feliz em terminar tudo isso em breve. De uma forma ou
de outra. Não gosto da incerteza.
— Eu também.
— Então por que a votação? Você poderia vencer Mestre de Cerimônias
em uma luta. Especialmente com Simon e eu atrás de você, ele não teria
chance. — Rudy virou-se para ela. — Não entendo.
— Eu sei. Nem Simon. — Ela fez uma pausa. — Mas é sobre ter a
chance de escolher. Muitos de nós foram levados contra a nossa vontade. Nós
fomos feitos parte de Harrow Faire por nenhuma escolha nossa. É justo que
todos tenham uma palavra a dizer sobre algo pelo menos uma vez.
Ela coçou entre as orelhas do filhote de alce-tigre, sorrindo enquanto
fazia um estranho, presumivelmente feliz, grunhido. Ela ergueu outra
cenoura para ele mordiscar.
Eles ficaram em silêncio por um longo tempo. Finalmente, ela teve
coragem de perguntar.
— O que foi que Lazarus disse a você ontem no jantar?
Rudy estremeceu.
— Se é pessoal, você não precisa me dizer. Me desculpe.
Domador de Animais balançou a cabeça.
— Engraçado que você deseja dar a todos aqui uma escolha. Eu
preferiria que a minha fosse tirada de mim. É por isso que eu vim aqui. Por
isso escolhi me tornar o que sou. Os animais são simples. Primitivos. Eles
fazem o que precisam para preencher suas necessidades e impulsos mais
básicos. Eles fazem o que gostam. Eles não debatem ou escolhem. Eles
simplesmente são. E você vê como eles podem ser felizes? Quão contentes em
suas vidas?
— Sim.
— Eu tive uma irmã gêmea, há muito tempo. Ela e eu éramos
inseparáveis. A vida era difícil para um irlandês em Boston nos anos trinta.
Cruzei o grupo errado de homens. Ameaçaram minha vida. Esse era o meu
fardo para carregar. Mas então, eles foram atrás de Isa. E isso... Eu não podia
suportar. Corri para o norte, esperando atraí-los para longe de Boston.
Funcionou. Eles me perseguiram. Eu vim aqui, e um homem se aproximou de
mim. Ele era o velho Domador de Animais. Ele me disse o que eu me
tornaria. E mais importante, ele me disse que eu não existiria mais. Que Isa
nunca saberia que tinha um gêmeo. Que os homens que cruzei nunca viriam
por ela. Eu não hesitei. Eu disse sim. Porque eu não tinha escolha a fazer.
Fazemos o que devemos para proteger nossa matilha.
Cora assentiu e bagunçou a crina do filhote de alce-tigre.
— Eu sinto muito.
— Eu não. Eu faria isso de novo em um piscar de olhos. — Rudy fechou
os olhos por um momento. — Você chama Harrow Faire de ‘Lazarus’. Por
que?
— Esse era o antigo nome de Palhaço. Se a Faire quer andar por aí
usando a memória de Palhaço como um traje de homem, ela também pode
lidar com o nome antigo de Palhaço.
Rudy deu de ombros.
— Eu suponho que sim. — Ele fez uma pausa. — No jantar, me disse
que Isa viveu uma vida longa e feliz. Que ela teve três filhos, que passaram a
ter filhos, que ainda estão vivos. Em algum lugar lá fora... Eu tenho sobrinhos
e sobrinhas bisnetos. Sangue do meu sangue caminha nesta Terra, e eles
prosperam. E me disse isso não querendo nada em troca. Ele sabe que já tem
minha lealdade. Ele fez isso para ser... Gentil. Para me dar paz.
— Eu realmente esperava que Harrow Faire fosse muito mais diabólica.
Muito mais cruel. — Cora riu. — Acho que não devo reclamar.
— A Faire não é humana. E a verdadeira crueldade é uma faceta da
humanidade. Os únicos animais que se machucam por esporte são aqueles
que se aproximam perigosamente de nossa própria natureza.
Ela olhou para Rudy por um longo tempo. O estudou.
— Você é um homem estranho.
Ele sorriu.
— Eu posso ver como você ganhou Simon.
— Eu não ganhei Simon. Ninguém ganha Simon. Eu o enganei para
desfrutar da minha companhia por enquanto. Isso é tudo.
Ela se voltou para os animais. Ela já estava ficando sem cenouras e
queria aproveitar o momento.
— Você acredita nisso?
— Estou em um triângulo amoroso com o ego de Simon e Simon. — Ela
sorriu. Era uma expressão cínica e autodepreciativa. Ela estava fazendo
pouco caso de algo que a machucava. Era um mecanismo de autodefesa ruim,
mas que ela usava desde criança. — Eu sei quem vai ganhar.
— E você está bem com isso?
— Você já amou, Rudy?
— Só no sentido familiar. Então não. Acho que tive sorte. Eu vejo o que
isso faz com os outros. Não tenho certeza se estou perdendo muito.
Cora riu. A risada terminou em um suspiro longo e sentimental. Era
disso que se tratava essa coisa toda. Auto-piedade. Mais tarde, ela ia ficar
bêbada para encerrar seu dia, mas parecia estranho ficar bêbada às dez da
manhã. Mesmo que ela tivesse certeza de que Bertha estava sempre no meio
do caminho.
— Amor é estranho. Eu pensei que sabia o que era antes, com Duncan...
E talvez eu o amasse. Talvez eu esteja me enganando. Talvez eu tenha um
péssimo gosto para homens.
Rudy riu. Riu de verdade.
Cora tentou não levar isso para o lado pessoal. E falhou. Ela revirou os
olhos.
— Mas Simon... Ele me faz rir. Ele me faz sorrir. Ele pode ser doce. Seu
sarcasmo é viciante, uma vez que você se acostuma. Ele não é tão abrasivo
quanto parece na superfície.
— Vou ter que aceitar sua palavra.
— Eu vou te dizer isso. Se você tiver a chance de amar alguém – não
apesar de quem eles são, mas por causa disso? Faça isso. Largue tudo e faça.
Ela deu sua última cenoura para a mãe alce-tigre. O animal tinha sido
muito paciente o tempo todo, sendo o menos agressivo dos três pelas
guloseimas. Cora não ficou surpresa. A criatura mãe inclinou a cabeça para
baixo e mordiscou seu ombro quando terminou de mastigar a cenoura.
— Porque confie em mim... Vale a pena.
— Vou levar esse conselho a sério. — Rudy suspirou. — Só espero ter a
oportunidade, Cora. Este jogo que você escolheu jogar nos colocou em uma
situação precária.
— Eu sei. — Ela descansou a cabeça contra a têmpora da grande coisa-
tigre-alce. Cheirava almiscarado como a maioria dos animais. Mas ela não se
importou. Ela coçou o pelo da criatura mãe e tentou reunir todo o conforto
que podia com o simples gesto. O animal enganchou a cabeça por cima do
ombro dela e soltou aquele resmungo que pareciam fazer quando estavam
felizes.
— Eu poderia ter matado Mestre de Cerimônias no momento em que
pus os pés fora da torre. Eu poderia. Mas... Às vezes como fazemos algo é
mais importante do que o que fazemos. Se eu o matasse então, o que restaria
a fazer? Assustar todos em obediência? Matar todos que discordaram de mim
e começar do zero? Que tipo de monstro eu seria então?
Ela beijou o animal na testa entre os olhos. A criatura a cheirou
novamente. Provavelmente apenas pedindo mais cenouras, mas ela preferia
imaginar que se importava, mesmo que só um pouco.
— Quero que as pessoas aqui sejam minhas amigas. Minha Família.
Quero que este lugar seja minha casa. E se eu deveria... Ser responsável por
isso... — Ela não pôde deixar de rir da ideia ridícula. — Então eu quero
começar com o pé direito. Quero que as pessoas saibam que suas opiniões são
importantes para mim. Que importam para mim. Que não vou jogar tudo fora
porque tenho uma cruzada idiota.
E lá foi ela, chorando novamente. Ela rosnou em frustração e bateu em
seu rosto. Se ela não se curasse rapidamente, ela teria facilmente esfregado o
rosto em carne viva agora.
A mão de Rudy caiu em seu ombro e apertou. Quando ela se recusou a
olhar para ele, ele a virou para encará-lo e a puxou com força para um abraço.
— E é por isso que eu vou seguir você, não Mestre de Cerimônias. Você
é capaz de ouvir aqueles ao seu redor. Você não escolheu se apegar à sua
visão de mundo como se fosse a única realidade.
Ele não cheirava muito diferente do animal.
Ela não se importou.
Ela se forçou a não fungar enquanto murmurava em sua camisa
esfarrapada.
— Eu não quero fazer isso...
— Eu sei. — Ele a segurou um pouco mais apertado. — Mas eu sei que
você vai. Porque é o que precisa ser feito. E é por isso que você deve liderar.
Ela o teria xingado por falar mais besteira. Mas ela simplesmente não
conseguia encontrar a força.
— Você é um bom amigo, Rudy.
Ele se separou dela um segundo depois e deu um beijo em sua testa. Foi
um gesto entre irmãos. Entre Família.
— Agora, vá atrás daquele seu cretino. Deixado desacompanhado, não
consigo imaginar o problema em que ele se meterá.
Ela riu uma vez, derrotada, e assentiu. — Sim. — Ela olhou para a
família de alces-tigre. Eles já estavam entediados com Cora e Rudy e
voltaram a mastigar feno e fazer coisas de animais. — Tenho que fazer uma
coleira para ele algum dia. Ajudá-lo a ficar longe de travessuras.
Rudy fez uma careta. — Por favor, não me conte os detalhes.
Ela riu. — Eu quis dizer isso retoricamente, não... Oh, não importa. —
Ela começou a se afastar. — Obrigada novamente, Rudy.
— A qualquer hora, Cora.
A vinte passos de distância, ela parou e se virou para ele.
— Se vencermos – se sairmos vivos disso – eu quero aquele dragão de
estimação, Rudy.
Ele riu. Uma verdadeira risada. Isso a fez sorrir.
— Considere feito.
Ele inclinou a cabeça para ela e se afastou, pegando uma vassoura que
estava encostada na parede de uma grade enquanto passava.
Homem estranho. Homem bizarro. Mas o mundo era um lugar melhor
por tê-lo nele. Ela se afastou com um leve sorriso no rosto. E certamente era
melhor do que a expressão com que ela chegou.
Ela realmente deveria ir encontrar o Marionetista antes que ele se
metesse em muitos problemas.
Se já não fosse tarde demais.
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provavelmente de curta duração.
— Por que? — Ele a jogou no ar uma polegada e a pegou novamente.
Ela gritou e jogou os braços em volta do pescoço dele. — Com medo de que
eu vá te deixar cair?
— Sim! Ou me jogar em alguma coisa.
— Você não confia em mim? — Ele fez beicinho. — Estou insultado.
— Onde estamos indo?
— Hum. Veja, eu tive uma mudança de planos. Um pequeno desvio. Eu
sei o que vai te animar. Mas eu quero que você feche os olhos.
— Por que? — Ela lançou-lhe um olhar cauteloso. — O que você está
fazendo?
— Nada. — Ele sorriu inocentemente. Ou pelo menos, ele tentou. Foi
uma tentativa patética. — Apenas feche os olhos. Estamos quase lá. É uma
surpresa.
Com um suspiro longo e atormentado, ela fez o que ele pediu e fechou
os olhos.
— Não faça nada estúpido, Simon.
— Eu? Nunca. — Ele caminhou em silêncio por mais alguns momentos
antes de subir em algo que parecia uma escada de madeira. Ela o segurou um
pouco mais apertado. — Pronta?
— Para quê?
— Opa!
E com isso, ele a jogou. Ela gritou enquanto se arremessava pelo ar e
descia e...
Respingo.
A água fria a atingiu como um tapa na cara. Ela afundou no líquido. Ela
abriu os olhos e lutou para se endireitar. Seus pés encontraram o fundo, e ela
se levantou. Rompendo a superfície, ela ofegou por ar. Ela estava em uma
poça de água, a meio caminho de seu peito. Era o tanque de imersão.
Simon estava gargalhando em histeria.
— Vai se foder. — Ela estava encharcada. Ela enxugou a água do rosto e
alisou o cabelo para trás. — Isso não é engraçado.
— Claramente, é. — Ele sorriu para ela. — Eu sei o quanto você gosta
de passear na chuva quando está de mau humor. Achei que isso deve ser tão
eficaz quanto. Agora, você está adequadamente fria e molhada? Você tem me
dado azia a semana toda, e isso acaba aqui. Você se animou?
— Ainda não. — Ela caminhou até o lado do tanque, mais perto dele. —
Eu sei o que vai fazer isso, no entanto.
— Oh?
Ele ergueu uma sobrancelha.
Ela sorriu maliciosamente para ele. Ela deixou sua escuridão se
estender pelo chão do palco do tanque de imersão. Antes que ele pudesse
reagir, a gavinha sombria envolveu seu tornozelo e puxou, tirando-o do
equilíbrio.
Simon gritou, agitando os braços para tentar se segurar. Mas um
empurrão por trás de outra sombra o lançou no ar. Respingo.
O Marionetista subiu para respirar um momento depois, cuspindo e
tossindo. Ele olhou para seu terno encharcado e arruinado e lamentou.
— Isso é veludo!
Cora riu.
Muito mais do que ela tinha em muito tempo.
— Você parece ridículo. — Ela riu. — Você está certo, isso está me
animando.
Ela espirrou água nele. Ele rosnou e foi atrás dela. Depois de uma breve
luta, ele a pressionou ao lado do tanque, seus lábios colidindo contra os dela
em uma necessidade desesperada. Ele torceu a mão em seu cabelo molhado e
o agarrou, puxando sua cabeça mais para trás.
Quando ele finalmente quebrou o abraço, ele estava olhando para ela
em uma mistura de frustração, diversão e luxúria. Seus óculos de sol tinham
caído em algum lugar da piscina.
— A caminhada de volta ao meu vagão vai ser miserável, Cora. Você
sabe como os sapatos sociais são horríveis quando estão cheios de água?
— Estou ansiosa para ouvir você lamentar sobre isso o tempo todo.
— Eu vou fazer você pagar por isso, você percebe.
— Bom. — Ela sorriu para ele, igualando sua maldade pela primeira
vez. — Esse era o ponto.
Cora mal conseguia recuperar o fôlego. Ou Simon estava tentando
roubá-lo beijando-a, ou ele estava arrancando suas roupas encharcadas muito
rápido para ela descobrir qual caminho estava para cima. Ele conseguiu se
manter sob controle até o momento exato em que a porta se fechou atrás dele
em seu vagão.
Ele a empurrou contra a porta do armário, sacudindo a madeira nas
dobradiças. Ele ainda estava quase todo vestido – e encharcado. Ela adorava
quando o cabelo dele estava molhado. Ele alisou os cachos, revelando que seu
cabelo apenas atingia o maxilar, e os fios pretos brilhavam na luz.
Ele a pegou pelas coxas, deslizando suas costas nuas pela porta de
madeira, e entrou nela. Ela rapidamente envolveu suas pernas ao redor de
sua cintura, enganchando seus tornozelos atrás de suas coxas, e o puxou
contra ela. Mais uma vez, ele a estava beijando como se estivesse planejando
comê-la inteira.
Ela sabia que poderia detê-lo se ele ficasse muito áspero.
Mas de alguma forma, ela não achava que muito áspero era uma
possibilidade naquele momento. Ela colocou os braços em volta do pescoço
dele e o beijou de volta, tentando igualá-lo.
Ele agarrou seu cabelo novamente e puxou com força o suficiente para
que ela ofegasse, rompendo com seu beijo quando ele inclinou a cabeça dela
para longe dele.
— Não. Você está à minha mercê desta vez. — Sua voz era um grunhido
baixo. Ela sentiu vibrar através dela. Ela torceu os dedos na gola de sua
camisa encharcada. — E você vai levar cada grama do que eu pretendo dar a
você. — Ele baixou a cabeça para sua garganta, e ela o sentiu sorrir contra sua
pele. — Cada grama.
Quando a língua dele arrastou a linha tensa do tendão em sua garganta,
ela gemeu. Ele tomou seu tempo doce. Quando ela passou os dedos pelo
cabelo dele, ele rosnou. De repente, ela estava em movimento novamente. Ele
deu um passo para trás da parede, levando-a com ele. E então ela estava
caindo. Desta vez, ela pousou em sua cama.
Fios finos, quase invisíveis, agarraram seus pulsos e os puxaram sobre
sua cabeça. Ela gritou de surpresa.
— Simon!
— Silêncio. Não me faça amordaçar você.
Ele sacudiu o pulso.
Cordas a prenderam em torno de sua garganta – sua cintura, seus
joelhos, seus tornozelos, em todos os lugares. Ela podia fazer pouco mais do
que choramingar quando elas a levantaram da cama, suspendendo-a alguns
centímetros sobre ela, os joelhos dobrados e bem abertos.
— Simon, me abaixa agora mesmo.,
— Que olhar! — Ele riu, mostrando a ela seu melhor e mais diabólico
sorriso. Lentamente, ele começou a desfazer a gravata. Ele estava tomando
seu tempo novamente. Fazendo-a assistir enquanto ele se despia, deixando-a
suspensa sobre sua cama como um brinquedo. — Que olhar... E que vista.
Ela rosnou e cerrou os punhos com força. Ela poderia se libertar. Ela
podia. O poder que veio com sua ligação com Harrow Faire estava bem ali –
bem nos limites de sua mente. Se ela estendesse a mão, poderia arrancar seus
membros.
Eu tenho problemas. Problemas profundos e muito complicados.
Porque ela não queria que ele parasse.
Porque era assustador, estar à sua mercê. Ela não tinha ideia do que ele
estava planejando fazer. E ainda... Maldito seja se não fosse excitante. Se ela
não amava o medo.
Ela desviou o olhar. Ele cantarolou.
— Oh, não fique tão indignada. Você terá muito mais do que reclamar
em alguns minutos.
Ele tirou a camisa e a jogou de lado. Ela ouviu a fivela do cinto dele
chacoalhar, e um segundo depois ele deslizou na cama entre suas pernas. Ele
apoiou seu peso em sua mão ao lado dela enquanto inclinou a cabeça,
capturando um de seus mamilos já empinados em sua boca.
Ela gemeu quando ele começou a brincar com ela, rolando a língua
lentamente ao redor dele apenas para morder, enviando uma sacudida de
algo que não era exatamente dor através dela. Com a mão livre, ele pegou seu
outro seio e começou a torturá-lo também.
Ela inclinou a cabeça para trás, suspensa como estava, e estremeceu. E
ainda... Ele não estava com pressa. Ele a enchia de atenção como se tivesse
todo o tempo do mundo. Ela só podia gemer e ofegar cada vez que ele
trocava de lado, amassando e tateando sua carne macia, beliscando os botões
entre o polegar e o indicador ou os dentes.
Ela estava se contorcendo, se contorcendo contra as cordas tanto quanto
podia. Ela não estava mais com frio da água do tanque de imersão. Ela estava
pegando fogo. Tudo o que ela podia fazer era implorar a ele em uma única
palavra sem fôlego.
— Simon...
Ele ergueu os olhos de seu trabalho e sorriu de orelha a orelha. — Por
que tanta pressa? — Ele riu. Ajoelhando-se entre suas coxas, ele vagou as
mãos sobre seu corpo. — Tão linda você é... Tão ágil. Tão terna. Tão flexível.
— Ele agitou seu pulso, e ela soltou um som assustado quando as cordas se
moveram, puxando suas pernas ainda mais. Ele se abaixou para ela
novamente e começou a beijar uma trilha lenta por seu corpo. — Eu amo o
quão flexível você é.
Quando ele passou a língua em seu núcleo, ela jogou a cabeça para trás
e engoliu um grito. Ele riu e mais uma vez começou a atormentá-la com a
língua e os dedos. Mas ele nunca acelerou. Ele nunca ficou mais intenso. Ele
deixou sua necessidade crescer e crescer. Deixou crescer, apenas para parar
antes que seu prazer atingisse a nota alta.
— Simon, por favor...
— Não. — Ele beijou o interior de sua coxa. — Eu disse que você ia
pagar. Você achou que não ia sofrer? Este é apenas o começo de sua
penitência.
Ele mergulhou dois dedos nela, e ela gemeu, arqueando as costas contra
as cordas. Ele os enviou o mais fundo que pôde, mas depois os manteve lá,
imóveis.
Seu grito de prazer se transformou em frustração.
Simon riu.
— Pobrezinha. Pobre coisinha frustrada. O que você quer? Hum? Diga-
me.
Ela rosnou e suspirou em derrota.
— Eu quero que você me foda.
— Muito bem. Farei o que a Rainha de Harrow Faire ordena. — Ele
abaixou a cabeça novamente, passando a língua por ela em um gesto longo e
lânguido. Principalmente só para irritá-la, ela tinha certeza. — Apenas não da
maneira que você poderia estar esperando.
Ele se sentou. E com outro movimento de seus pulsos, seu mundo girou
ao redor dela. De repente, ela estava de bruços nos lençóis sobre os joelhos, os
ombros pressionados contra o colchão, presos ali por cordas invisíveis. Seus
pulsos ainda estavam sobre sua cabeça. Ela tentou chutar. Tentou fazer
qualquer coisa. Mas ela não podia fazer muito mais do que se contorcer.
Simon grunhiu atrás dela.
— Não me encoraje. Isto já é um show e tanto sem você se contorcendo.
— O que você...
Ele enrolou a gravata em volta da cabeça dela. Apertou-a em sua boca
aberta, amordaçando-a. Ela ainda podia gritar, ou fazer barulho, mas ele
interrompeu suas palavras.
— Eu te avisei. Agora, cale-se e deixe um homem trabalhar, sim?
Ela rosnou com raiva contra o tecido de sua gravata e lutou contra as
cordas, mas ela estava presa. E agora ela não podia nem dizer a ele
exatamente onde ela iria enfiar uma frigideira quando ele a soltasse.
Mas ainda assim, a verdade irritante pairava no fundo de sua mente. Eu
posso impedi-lo. Eu posso ficar livre.
Suas mãos deslizaram sobre os globos de sua bunda, antes de uma
vagar de volta ao seu núcleo para brincar com ela, enviando choques de
prazer por sua espinha.
Ela gemeu contra a mordaça quando ele começou a empregar sua
considerável destreza tanto em seu corpo quanto dentro. Ela fechou os olhos,
estremecendo, precisando de mais. E cada vez que ela se aproximava, ele
recuava. E cada vez, ela gemia em frustração desesperada.
E cada vez ele ria.
Quanto tempo ele continuou, ela não podia nem dizer. Minutos? Uma
hora? Como ele não tinha desistido e a fodido já, ela não tinha ideia. Ele
nunca foi tão paciente. Ela sentiu como se lava tivesse substituído seu sangue.
Ela sabia que estava coberta por uma fina camada de suor.
A voz de Simon era grossa e rouca com a necessidade enquanto ele
falava. Ela não foi a única afetada.
— Você é minha, Cora. Cada parte de você. Seu coração, seu corpo, sua
alma. Minha.
Uma de suas mãos a deixou. Ela ouviu um estalo baixo, como o som de
uma rolha, e ela estremeceu quando algo líquido derramou em sua bunda.
Ela choramingou. Era frio e parecia... Estranho. O que ele está...?
Quando ele começou a esfregar a substância nela com uma mão, ela
percebeu que era algum tipo de óleo. E quando ele pressionou um dedo em
uma parte dela que não era onde ela estava esperando, ela pulou contra as
cordas e lutou.
Ela lamentou.
— Mmff! — Não! Não... Não... Por favor!
— Sshhhh. — Ele se inclinou sobre ela, girando a ponta de seu dedo
lubrificado ao redor daquele ponto. Com a outra mão, ele acariciou o cabelo
dela suavemente, em seguida, esfregou o polegar ao longo de sua bochecha.
Sua voz era suave e terna. — Eu não sou Duncan. Eu não vou te machucar.
Vamos com calma e devagar, você e eu...
Ela estava tremendo.
— Você acha que eu vou deixar um homem ter uma parte de você que
eu também não compartilhei? — Ele sorriu para ela, seu dedo escorregadio
de óleo ainda a provocando. — Respire. Se isso doer, vamos parar. Confie em
mim, Cora.
Ela fechou os olhos com força e lutou para recuperar o controle de sua
respiração. Ela lentamente soltou os lençóis que estava apertando em seus
punhos. Ela assentiu. Por muito pouco. Mas ela fez.
— Bom. Agora... Relaxe, sim?
Ele se sentou sobre os calcanhares atrás dela.
Ela fez o seu melhor para fazer exatamente isso. Ela ainda estava
tremendo. Mas quando ele sacudiu sua sensível bola de nervos com o
polegar, enviando prazer através dela, era difícil manter o foco em seu medo.
Enquanto ela choramingava, dessa vez em êxtase, ele pressionou o
dedo dentro dela. Seu som engasgou de surpresa, e ela esperou pela dor
pungente, ardente e agonizante que a perseguiu por tantos anos de sua vida.
Mas não estava lá.
Não doeu.
— Bom... Muito bom. — A voz de Simon estava tensa quando ele
começou a trabalhar seu dedo lentamente mais fundo. — É isso. Oh, Cora...
Por todos os deuses do inferno, você é tão linda. Acho que poderia gozar
assim, vendo você se render a mim.
Mais uma vez, ele tomou seu tempo. Um pouco mais fundo, depois a
meio caminho. Um pouco mais fundo e recuando pela metade. Mais óleo foi
adicionado a cada curso lento. E tudo o que ela podia fazer era ficar ali e
sentir.
Não era dor. Mas o que era, ela ainda não sabia. Era cru, primitivo,
como tocar um fio vivo. Como se estivesse tocando em algo imensamente
erótico. De vez em quando, ele brincava com o resto dela, fazendo-a
estremecer e apertar ao redor dele, fazendo-a ofegar enquanto as sensações
colidiam e guerreavam umas com as outras.
Sua pele parecia elétrica. Como se algo estivesse rastejando sobre ela.
Ela mal conseguia respirar. Ela mal conseguia pensar. Tudo o que ela podia
fazer era senti-lo. E ele estava apenas começando.
— Pronta para mais?
Ela assentiu novamente. Talvez um pouco ansiosa demais dessa vez.
Ela esperava que ele risse. Em vez disso, ela recebeu um grunhido
apreciativo.
— Sim, Cora... É isso.
Um segundo dedo juntou-se ao primeiro.
Ela ofegou e exalou um ruído que não era de choque ou dor. Ela fechou
os olhos, descansando o rosto na cama. Ele começou a esticá-la lentamente
enquanto trabalhava cada vez mais lentamente mais fundo. Ela sentiu como
se estivesse na beira de um penhasco. Que de alguma forma, de alguma
forma que ela não entendia, se ele apenas acelerasse um pouco, ela poderia
encontrar êxtase apenas com isso.
Para frente e para trás, devagar, com cuidado, ele trabalhou nela por
mais alguns minutos. Ele derramou um pouco mais de óleo.
— Aqui vem três.
Desta vez ele não esperou que ela assentisse. Ele não precisava. Ela já
estava gemendo com cada pressão em seu corpo. Ela havia parado de lutar há
muito tempo. E quando seu terceiro dedo se juntou aos outros dois, ela
arqueou as costas, gemendo alto contra a mordaça.
O som que Simon fez atrás dela foi igualmente profano. Desta vez, ele
acelerou um pouco. Ela se encontrou encostada nele, querendo mais.
Querendo que ele fosse um pouco mais longe.
— Acho que está na hora, não acha? — Ele puxou a mão dela. Ele
estava sobre ela então, sua mão contra a cama perto de sua cabeça, sua outra
mão segurando-se naquela parte dela. Ele se inclinou e beijou sua bochecha.
— Você quer isso, Cora, querida?
Ela engoliu contra a mordaça em sua boca. Ela assentiu. Mesmo. Ela
assentiu muito.
— Respire fundo.
Ele pressionou contra ela. Ele era certamente mais do que apenas
alguns dedos! Não parecia possível... Ia doer!
A pressão aumentou, e então ele estava lá. Apenas o começo. Só um
pouco. Ela esperou pela picada. A dor. O grito que ele arrancaria de sua
garganta. Mas nada disso aconteceu. Ela se forçou a respirar.
Simon estava ofegante sobre ela, a cabeça baixa, a testa contra a
têmpora dela.
— Caramba. Isso foi quase o limite para mim, bem ali. Caramba. — Ele
riu sem fôlego. — Eu nunca fiz isso antes, eu admito. Eu não esperava isso. —
Ele pressionou seus quadris para baixo sobre ela, afundando um pouco mais
fundo, e soltou um gemido baixo. — Oh, Cora... Se você vai me dizer para
parar, faça isso agora antes que seja tarde demais.
Ela murmurou algo contra a mordaça.
— Hum? Oh. Sim. — Ele puxou a gravata da boca dela. — Eu esqueci.
— Ele sorriu e beijou sua bochecha. — Olá, querida. Como você está indo lá
embaixo? Eu estou muito bem aqui.
— Deus, eu odeio você às vezes.
— Humhum, não, você não odeia. — Ele empurrou para frente,
colocando outro centímetro dele dentro dela. Seus sons de prazer eram
mútuos, entrelaçados tanto quanto seus corpos. — Eu não acho que você me
odeia, ou isso, de forma alguma. Bem? Quer que eu pare?
Ele estendeu a mão debaixo dela, brincando com seu botão sensível de
nervos.
Ela mordeu o lábio, sufocando o grito. Ela se sentia tão não-natural e
impossivelmente cheia. E ele não estava nem perto de estar dentro dela. E ela
queria mais.
— Pare de se vangloriar.
— Desmancha-prazeres. — Ele se endireitou novamente, tomando seus
quadris em suas mãos. As cordas que a seguravam no lugar afrouxaram
apenas o suficiente para que ele pudesse puxá-la para baixo para encontrar
seu lento movimento para frente. — Embora... Eu suponho que eu não
deveria re... Ah... Reclamar.
Ele repetiu o padrão que tinha feito com ela com os dedos. Avançando,
recuando pela metade, apenas para se aventurar um pouco mais fundo e
recuar. Cada vez que ele ia um pouco mais longe, ela sentia seu corpo se
iluminar em êxtase, ameaçando enviá-la para o precipício em êxtase. Seu
corpo estava zumbindo como se fosse elétrico.
— Essa é uma expressão muito mais agradável. Você está gostando
disso, não está? — Quando ela olhou de volta para ele, ele riu. — Eu não
estou tentando esfregar minha vitória. Pensando bem... Isso é, suponho,
literalmente o que estou tentando fazer, bem... Nngh... — Ele fez uma pausa e
abaixou a cabeça, respirando fundo e soltando o ar. Ele estremeceu enquanto
claramente lutava para manter o controle de si mesmo. Ele soltou uma longa
lufada de ar. — Você é excelente, Cora. E este... Este pode ser o momento
mais erótico da minha vida. Eu simplesmente quero ter certeza de que você
está gostando disso tanto quanto eu.
Ele pressionou-se mais contra ela, e desta vez ela podia senti-lo contra
ela, enterrado até o fundo. Ele inclinou seu peso sobre ela, puxando-a para
enfrentar suas tentativas de ir um pouco mais fundo.
E isso foi demais para ela. Ela ofegou e gemeu, enterrando o rosto na
dobra de seu braço enquanto o êxtase a percorria, inundando seu corpo em
sua liberação. Ela pode ter gritado seu nome. Ela não tinha certeza. Sua
cabeça estava girando.
Quando ela finalmente desceu de sua nuvem, ele estava beijando seus
ombros, sua nuca, seus braços, o que quer que pudesse alcançar. Ela virou a
cabeça para ele, e ele capturou seus lábios com os dele, lento e apaixonado.
Ela podia senti-lo dentro dela, se contorcendo, necessitado, desesperado por
mais.
E ela também.
— Vou tomar isso como um sim? — Ele sorriu e apoiou seus quadris
nos dela, aumentando a pressão. Ela quase viu estrelas, e seus pequenos
ruídos de prazer eram tudo o que ele precisava como prova. Ele riu. — Bom.
Agora, por favor. Se está bem para você... Posso finalmente começar?
Ela assentiu. Ela não conseguia formar palavras. E ela não ia encontrar
mais nenhuma delas quando ele começou a saqueá-la. Não forte. Não rápido.
Pelo menos... Não a princípio.
A última vez que isso aconteceu com ela, foi um pesadelo. Isso
despedaçou sua alma. Partiu-a em cem pedacinhos e deixou-a imaginando
quem ela era em seu rastro. Ela ficou sentada lá com todos aqueles pequenos
cacos e tentando descobrir como se recompor novamente. Quem ela poderia
ser com todas as pequenas lascas e poeira faltando nas costuras e rachaduras.
Toda vez que ela pensava que tinha colado tudo de volta depois
daquela noite terrível, onde sua confiança em um homem que ela amava foi o
que causou sua queda, Simon foi e provou que ela estava errada.
Ela pensou que quando ela deixou o Marionetista tocá-la, ela foi curada.
Ela pensou que quando ela o deixou amarrá-la, ela estava curada.
Ela pensou que quando ela tinha matado Duncan, ela estava curada.
Mesmo agora, não era o ato em si que estava reescrevendo o dano que
havia sido feito a ela. Não era o fato de que cada impulso profundo nela
enviava prazer, não agonia, atravessando-a. Não era a felicidade que ela
alcançava uma e outra vez enquanto ele acelerava, trabalhando-se como um
pistão dentro de seu corpo ansioso.
Era a confiança.
Duncan havia tirado isso dela.
E Simon tinha devolvido.
Era por isso que ela o amava.
Não as risadas, não as piadas, não o sarcasmo e as palhaçadas bobas.
Não sua bela obra de arte, não o quão doce ele parecia quando estava
dormindo, e não a parte sombria de sua alma que se sacrificou por ela. Claro,
tudo isso fazia parte.
Mas se alguém perguntasse a ela novamente por que ela amava Simon
Waite, o terrível e temível Marionetista, não seria por nenhuma dessas
razões.
Era porque ele a ensinou a confiar em alguém com seu coração
novamente.
Quando ele desmoronou sobre ela, ofegando por ar, o corpo se
contraindo em sua liberação enquanto a inundava, a sensação do calor dentro
dela a enviou em espiral de felicidade mais uma vez. Mas desta vez, ela fez
isso com os dedos dele entrelaçados nos dela. As cordas se foram. Ele a estava
segurando perto, beijando seu ombro lentamente, de novo e de novo, em
adoração.
Quando ela conseguiu respirar o suficiente para falar, ela sussurrou:
— Eu te amo, Simon...
Ele sorriu contra seu ombro e se aninhou nela e murmurou algo em seu
cabelo que ela não pegou. Ela estava bem sem ouvir sua resposta sarcástica.
Ele levantou a cabeça.
— Eu preciso de um banho, um uísque e uma soneca. Provavelmente
nessa ordem.
Ela sorriu. — Eu vou primeiro.
Ele beijou sua bochecha. — Acho que isso é justo. — Ele desceu dela,
pegou suas roupas da cama e gemeu. — Senhor do inferno, acho que você me
fez distender um músculo.
Ela deitou de lado e se espreguiçou.
— Nem pense em reclamar, ou eu vou te mostrar que a reviravolta é
realmente um jogo limpo.
Os olhos de Simon se arregalaram um pouco. — Touché, madame. —
Ele estremeceu. — Embora você pareça gostar bastante disso, eu gostaria de
proteger meus quartos traseiros da invasão por pelo menos mais cem anos
antes de ficar entediado o suficiente para tentar.
— Nota para mim mesma – verificar com Simon em cem anos.
Ele engasgou dramaticamente. — Talvez duzentos.
Ela riu de seu melodrama. Ele realmente sempre soube como fazê-la rir.
Ela sabia que Simon não poderia amá-la de volta. E estava tudo bem.
Porque ela sabia que ele ainda era dela de qualquer maneira.
Naquela noite, no jantar, a conversa na tenda não parou quando eles
entraram. Cora ficaria grata por quaisquer pequenos favores. Era noite de
lasanha, e Simon não parava de reclamar sobre o quanto ele desprezava
ricota. Ela não sabia qual era o problema dele – ela adorava a coisa.
Quando ela se virou do bufê com sua bandeja de comida, ficou chocada
ao ver alguém em uma mesa saudando-a. Era Bertha. Ela estava sentada lá
com Bruce, Aaron, Donna e Rick. Com um sorriso fraco e incerto, ela
caminhou até eles.
Parecia o primeiro dia de aula de novo, e ela odiava. Mas ela se forçou a
sorrir.
— Oi, gente... Hum...
— Sente-se, estúpida. — Bertha balançou a cabeça. — Senhor, às vezes
você é muito tímida para o seu próprio bem. Senta. — Ela olhou para Simon.
— Quanto a você? Fique ou vá, eu não me importo.
Simon bufou e colocou na mesa e se sentou.
— Então eu quero ficar simplesmente para irritar você.
Balançando a cabeça, Cora se sentou ao lado dele.
— Seja legal. Estamos aqui há quinze segundos.
— Não me culpe! Ela começou. — Ele pegou seu garfo e faca e, olhando
para sua lasanha com total desprezo, começou a cortá-la em pedaços. —
Ugh... E é recheada com vegetais, nada menos. Nem mesmo qualquer carne
para dar uma textura real. — Ele torceu o nariz, em seguida, olhou para Cora
pensativo. — Você pode escolher jantares, agora? Se eu exigir ‘não mais a
noite da lasanha de vegetais’, na verdade, ‘não mais ricota em nada’, isso
pode se tornar uma lei?
— Primeiro, você não faz as regras. — Cora revirou os olhos. —
Segundo, não. Eu acho que não. Mestre de Cerimônias ainda tem a Chave, e
ele ainda está no comando.
— Bah. Outra razão para matá-lo. Queijo ricota. — Ele pegou sua taça
de vinho tinto e bebeu. — Como se eu precisasse de outra desculpa.
— Você é um maldito esquisito, Simon. — Ela suspirou e olhou para
todos os outros. — Desculpe.
Bruce, o Cuspidor de Fogo, a observava com cautela.
— O que diabos é ‘a chave?’
— Pense sobre isso desta forma — Cora começou, recolhendo um
pouco da lasanha em seu garfo. Ela gostava de lasanha de vegetais. — Eu sou
o tradutor. O navegador. Eu tenho o mapa, mas Turk ainda tem o controle do
mastro. Posso dizer a ele para onde ir o quanto quiser, mas ele não precisa me
ouvir. Até eu pegar o mastro – a Chave – não posso fazer nada para controlar
Harrow Faire.
— Oh. — Bruce esfregou a mão na cabeça. — Acho que entendi... E a
Chave existe?
— Sim. Não pode ser roubada. Tem que ser dada ou recebida na morte.
E ele não vai desistir. — Cora fez uma pausa para dar uma mordida na
comida. A lasanha ficava estranha quando estava fria. — Eu gostaria que ele
desistisse.
— Por que? Você não quer a votação?
Rick perguntou. Ele e Donna geralmente eram pessoas bem quietas.
Cora não podia dizer se havia julgamento em sua voz ou não.
— Não. Eu quero que haja uma votação, senão eu o teria matado
quando tive a chance. Eu gostaria que ele entregasse a Chave especificamente
para que eu não tivesse que matá-lo. — Ela suspirou. — Olha. Eu não quero
matar pessoas. Eu não quero. Mesmo depois do que ele fez conosco. — Ela
esfregou aquele ponto em sua clavícula que ainda doía quando pensava
nisso. Ela se perguntou quanto tempo levaria para a dor fantasma
desaparecer. — Eu particularmente não gosto da ideia de andar por aí
matando pessoas.
— Por que estou com você, mesmo?
Simon a olhou estreitamente.
Ela lhe deu uma cotovelada nas costelas.
A mesa riu. Era bom tê-los rindo de suas travessuras novamente,
mesmo que fosse com a situação atual em mente. Ela sorriu.
— Eu senti falta de vocês.
Isso pareceu pegá-los desprevenidos. Bertha estendeu a mão por cima
da mesa e pegou a mão dela.
— Nós também sentimos sua falta, meu bem. Todos nós tentamos fazer
com que Mestre de Cerimônias deixasse você sair. Mas... Você sabe como ele
pode ser.
Cora apertou sua mão.
— Sim. Eu sei.
— O que acontece se você ganhar, então? Nós votamos em você, e então
você mata Mestre de Cerimônias e se torna nossa líder?
Donna a observava com a mesma expressão cautelosa do marido.
Cora largou o garfo. Ela realmente não tinha pensado nisso. Ela pegou o
vinho tinto de Simon – ela só pegou uma lata de refrigerante – e bebeu. Isso
fez a mesa rir novamente, assim como o barulho ofendido de Simon.
— Okay. Está bem. Seja assim. — Simon pegou sua taça vazia e se
levantou, saindo para enchê-la novamente, resmungando o tempo todo.
Cora sorriu para ele antes de olhar de volta para Donna depois de um
momento.
— Eu quero liderar? Não. Não sei o que estou fazendo. Eu me formei em
fotografia e trabalhei em um banco. Eu joguei The Sims, eu sei o quão ruim eu
seria em ser um deus. — Ela balançou a cabeça ao ver suas expressões vazias
e lembrou que ela era a única em Harrow Faire que já havia tocado em um
videogame. — Desculpe. De qualquer forma. Não fiz nada digno desse tipo
de responsabilidade. Não há nenhuma razão para alguém ter que me ouvir.
Exceto pelo fato de que quero nos proteger... Quero proteger este lugar.
Quero que tenhamos a chance de viver do jeito que devemos viver. Não
presos aqui por este lago, nunca autorizados a sair, mas no mundo. E... — Ela
fez uma pausa enquanto reunia suas palavras. — Quero proteger o amor e a
amizade que encontramos juntos.
Rick e Donna se entreolharam.
Aaron deu um tapinha no ombro dela e sorriu largamente para ela.
— Você tem meu voto, então, boneca. Não é como se você já não
tivesse. Tentando matar todos nós sem a honra de nos dizer a verdade... Nos
tratando como crianças. Isso, eu não posso ficar parado. Nós não somos seus
filhos. Então. Digamos que você ganhou. Digamos que todos nós podemos ir
embora daqui. Para onde vamos?
Cora deu de ombros.
— O sul pode ser bom. Eu estava pensando em Florida Keys. Eu
gostaria de ir a uma praia. Eu não sei o que vocês pensam, no entanto. Eu
definitivamente estaria aberta a sugestões.
— Iríamos, tipo... À praia? — Bruce se inclinou para frente sobre os
cotovelos. — Tipo, deixar Harrow Faire? Ir nadar?
— Assim ela disse, sim. Devemos ser capazes de sair daqui por um
tempo. Explorar o mundo ao nosso redor. Quanto mais vamos, mais
desvanecemos. Lazarus disse que várias pessoas cometeram suicídio dessa
maneira no passado. Que as pessoas que queriam uma saída não precisavam
recorrer a... Você sabe... — Ela apontou o polegar no ar em direção a Simon,
que estava voltando. — Aquele cara.
— O que tem eu? Que eu sou alto e sexy? Legal da sua parte me
lembrar, mas eu já sei disso. — Simon voltou com duas taças de vinho vazias
e uma garrafa de vinho. Ele a colocou entre eles, em seguida, colocou uma
taça na frente dela. — Aqui.
— Você não vai servir para mim? — Ela torceu o nariz em fingida
pretensão. — Absurdo.
— Se você entrou nesse relacionamento pensando que eu sou um
cavalheiro, Srta. Glass, você deveria repensar suas escolhas.
Ele sorriu e intencionalmente se serviu de uma taça de vinho e colocou
a garrafa de volta na frente dela.
Ela riu e serviu-se de uma taça. — Idiota.
— Humhum. — Ele sorriu.
— A praia. — Bruce soltou um longo suspiro. — Cara. Eu quero ir à
praia. Pegar um pouco... Espere, podemos sair e, tipo, ir a shoppings, ou
clubes, e essas merdas?
Ela sorriu para ele. Ele parecia tão esperançoso.
— Sim.
Ele sorriu amplamente.
— Ah, porra, sim.
— Finalmente teríamos um lugar para gastar todo aquele maldito
dinheiro que estamos acumulando — Aaron interrompeu. — Nós
poderíamos ir... Comer em restaurantes? Ver um filme?
Cora assentiu. — Estaríamos livres. Mais ou menos.
— Amarrados juntos e perambular pelo mundo é melhor do que ficar
amarrados juntos e presos aqui. — Bertha ergueu sua bebida em um brinde a
todos eles. Parecia refrigerante, mas provavelmente tinha uma grande
quantidade de álcool. — Conte comigo.
Donna e Rick sussurraram um para o outro por um momento antes de
Rick falar.
— Sim. Nós também.
Cora sorriu para eles. Ela não sabia se eles ganhariam a votação – ela
não sabia se importava se eles ganhassem – mas era bom ter amigos. Era bom
não estar sozinha.
Eles facilmente passaram uma hora lá, muito depois de terminarem de
comer. Ela estava gostando da companhia. Em algum momento, ela acabou
encostada em Simon, o braço dele sobre ela, ouvindo Aaron e Bertha
contarem mais histórias. Aqueles dois realmente tinham as melhores histórias
loucas. Simon, por sua vez, até sorria e ria junto de vez em quando.
A garrafa de vinho pode ter sido parcialmente culpada por isso – ela
adoraria ver Simon bêbado – mas ela não reclamaria. Progresso era progresso,
e ele até parecia gostar um pouco de estar lá.
Não que alguém fosse corajoso o suficiente para apontar isso para ele.
Ela mesma incluída.
Eu quero que esta seja a minha vida. Quero que esta seja a minha Família. Eu
quero ganhar essa coisa.
— Simon! — Alguém gritou, rompendo as gargalhadas como um tijolo
atravessando uma vidraça. — Onde ela está?
Todos se viraram. Era Jack. O Aparelhador estava parado a cerca de dez
passos de distância, os punhos cerrados, olhando ferozmente para o
Marionetista.
— Onde está quem? — Simon arqueou uma sobrancelha. — E pare com
sua arrogância, sim? Esse é o trabalho de Aaron.
Cora se levantou, encarando Jack. Era a primeira vez que ela o via
desde... Bem, desde que ele ajudou a jogá-la no poço da torre. Desde que ele a
traiu e a sua amizade. Machucou. Machucou muito. Mas ao mesmo tempo...
Ela entendia.
Jack deu uma olhada nela, e seus olhos se arregalaram um pouco. Ele se
encolheu por um momento, arrependimento cruzando suas feições, antes que
o medo tomasse conta. Ele deu um passo para trás deles.
— Não estou aqui para lutar.
— Então eu sugiro que você vá embora. — Simon zombou. — Eu tenho
razões para ir atrás de você, Aparelhador... E acho que sei como começaria.
Cora colocou a mão no ombro de Simon, pedindo que ele esperasse.
Surpreendentemente, ele fez. Ela tentou assumir a conversa. Poderia terminar
com menos sangue no chão se ela o fizesse.
— Quem está desaparecida, Jack?
— Amanda. — A mandíbula de Aparelhador apertou. — Ela perdeu
duas apresentações hoje. Duas. Passei os últimos setenta e tantos anos
puxando cordas para ela. Nenhuma vez ela faltou – ela nunca perdeu uma
única apresentação. Então eu sei que você fez alguma coisa, Simon. Onde ela
está?
— Por que isso é minha culpa? — Simon suspirou e revirou os olhos. —
Cora é quem aqui pode dissolver as pessoas. Por que eu sou o suposto
culpado? Você perguntou a Mestre de Cerimônias onde está sua preciosa
dama?
— Ele não atende sua porta. Eu sei que ele está lá, mas ele não sai. — A
voz de Jack vacilou e chegou perto de rachar. Ele engoliu e balançou a cabeça.
— Algo aconteceu. Eu sei disso. Onde ela está, Simon? O que é que você fez?
— Talvez você devesse checar a torre. — Simon finalmente se levantou,
afastando a mão de Cora, e se moveu para ficar ao lado dela. — Onde você
nos abandonou ao nosso destino. Onde você ajudou aquele pedaço de pão
com larvas a nos torturar. Agora, eu, eu entendo — ele colocou a palma da
mão no peito — já que não há um pingo de amor perdido entre nós. Mas
Cora? — Ele emituiu um tsk e balançou a cabeça. — Que vergonha,
Aparelhador. Que vergonha. Como você ainda pode manter a cabeça erguida
quando traiu um amigo de uma maneira tão terrível? — Simon deu um passo
lento em direção a Jack.
O Aparelhador deu um passo para trás. Simon tinha pago com sucesso
seu blefe.
— Tinha que ser feito.
— Tinha? — Simon riu. — Oh sim. É claro. Me perdoe. Para salvar o
mundo de um monstro. Por favor. Ah... A propósito! Eu quase esqueci. — Ele
se virou para encarar os outros na mesa. — Jack sabia que Mestre de
Cerimônias planejava matar a todos nós. Que ele ia ficar feliz enquanto todos
vocês murchavam e morriam.
— Nós não deveríamos existir! — Jack gritou com raiva. — Nós somos
abominações. Devíamos ter morrido há muito tempo. Não é porque eu não
me importo com todo mundo – eu me importo – mas somos errados.
— Hum. E assim como Mestre de Cerimônias, você acha que sua
opinião vale mais do que a de todos os outros? — Simon tirou os óculos de
sol para limpá-los com o lenço. Ele olhou para Jack com aqueles olhos preto-
vermelho-branco dele. O Aparelhador recuou. Cora tinha esquecido como os
olhos de Simon eram inquietantes para a maioria das pessoas. Há muito
tempo ela se acostumou com eles. — E você me chama de mal.
Jack passou a mão no rosto.
— Onde está Amanda? O que você fez com ela?
— Você continua perguntando, e eu continuo respondendo. Eu não sei
onde ela está. Verifique minha tenda se você não acredita em mim. — Simon
deu de ombros com desdém.
— Eu vou encontrá-la. Eu vou descobrir o que você fez. Eu não vou
deixar você se safar com isso. — Jack saiu furioso.
— Eu... Eu preciso falar com ele. — Ela colocou a mão no braço de
Simon. — Sozinha.
— Você vai matá-lo? — Ele sorriu esperançoso. — Eu realmente espero
que sim. Posso assistir? Por favor? Por favorzinho? Foi tão excitante da última
vez.
Ela olhou para ele, e isso foi uma resposta suficiente.
Ele suspirou tristemente e caiu de volta no banco, derramando o vinho
restante na garrafa.
— Muito bem. Você acabou não sendo nada divertida.
Ela teria feito algum comentário sarcástico de volta para ele, mas ela
não queria que Jack desaparecesse. Virando-se, ela correu para alcançar o
Aparelhador.
— Jack, espere.
Ele girou, levantando os punhos para uma luta, os olhos arregalados
em pânico.
— Para trás!
Ela parou e olhou para trás. Não havia nada lá. Oh. Certo. Ele tem medo
de mim. Ela olhou de volta para ele e sentiu seus ombros caírem.
— Jack... Eu não vou te machucar.
— Onde está Amanda? O que vocês dois fizeram com ela?
— Eu não sei onde ela está. Eu realmente não sei. — Ela fez uma pausa.
— É estranho que eu esteja preocupada? Eu realmente sou péssima com essa
coisa de ser uma vilã, não é? Não estou aqui para te machucar.
Jack baixou as mãos.
— Eu deixei você para morrer. Ajudei Turk a amarrá-la e jogá-la
naquele lugar.
— Eu sei. Confie em mim, eu sei. — Ela se encolheu e esfregou a
clavícula. — Ainda posso sentir. Como se o metal ainda estivesse lá. Passei
três semanas naquela coisa – e pareceram trezentos anos. Eu me pergunto se
algum dia vai embora, ou se vai ser assim para sempre.
— Desculpe... Eu não queria te machucar. — Ele franziu a testa. — Eu
não sabia mais o que fazer. Este lugar é mau, Cora. Veja o que isso fez com
você. Isso mudou você – manipulou e corrompeu você. Você não pode ver
isso? Pense em quem você era quando chegou aqui. Como você estava com
medo. Tudo que ela tirou de você. — Ele deu um passo em direção a ela
cautelosamente. — Você nunca teria concordado em ajudar este lugar a
sobreviver.
— Quando cheguei aqui, estava sozinha, miserável e com dores
constantes. Minha vida era... Triste. Eu mal importava para as pessoas. Eu
tinha meus amigos e meu peixe. Mas eu não tinha nenhum propósito e
nenhum significado. Harrow Faire não estava errada quando me disse que eu
acabaria me matando. Quando eu realmente penso sobre isso – quando eu
realmente deixo isso afundar – eu posso ver o porquê.
— Simon não te ama.
— Eu sei. — Ela sorriu tristemente. — Ele não pode. Mais importante,
ele não quer. E tudo bem. Ele se importa comigo à sua maneira. Ele me ama
tanto quanto é capaz de amar qualquer pessoa ou qualquer coisa, exceto a si
mesmo. E isso é mais do que algumas pessoas neste mundo têm. Eu tenho
que estar feliz com isso. — Ela olhou para a torre de observação, com suas
luzes brancas brilhantes destacando-se contra o céu escuro. — Sua sombra
estava viva, você sabe.
— O quê?
— Sua sombra esquisita. — Ela mexeu os dedos e fez um sorriso
estúpido. — Sabe.
— Eu sei do que você está falando – mas – estava viva?
Jack franziu o nariz.
— Bem, não literalmente. Mas ele podia pensar, agir e... — Ela fechou
os olhos e tentou não chorar. Ela sentia falta daquela sombra. Ela sentia muita
falta dele. — Ele era uma parte de Simon. A parte dele que poderia amar. E
essa parte dele me amava.
— Amava? Pretérito? O que aconteceu?
— Ele... — Ela fez uma pausa. — Ele morreu. — Ela olhou de volta para
Jack. — Ele se sacrificou para me salvar daquela estátua. Eu não me libertei.
Ele se esgotou quando o fez. — Ela sorriu tristemente. — E ele fez isso porque
me amava. Eu mudei? Sim. Eu mudei. Perdi um pedaço de mim no momento
em que pus os pés aqui. Perdi um pedaço de mim quando Palhaço morreu e
transferiu o vínculo para mim. Perdi um pedaço de mim quando concordei
em me tornar o que quer que eu seja agora. — Ela gesticulou para si mesma.
— Vocês não são abominações, Jack. Mas eu sou.
— E é por isso que este lugar tem que ser parado, Cora. É por isso que
este lugar tem que ser destruído. Porque vai continuar tirando de todo
mundo. Assim como aconteceu com você.
— Não, Jack. Você não me deixou terminar. Perdi pedaços de mim
mesma. Mas me deram muito mais em troca.
— Tipo poder? — Jack grunhiu de desgosto.
— Eu não dou a mínima para o poder, Jack. — Ela deu um passo suave
em direção a ele, não querendo assustá-lo. — Eu não quero o poder. Eu vou
assumi-lo, eu acho, porque eu tenho que fazer. Mas só estou lutando para nos
manter vivos porque acho que valemos a pena. Mesmo ignorando Simon e o
que estamos acontecendo, olho para todos aqui – Rudy, Bertha, Aaron, Louis,
Elena, Bruce e todos vocês – e vejo beleza. Vejo pessoas felizes e que riem
juntas. Vejo como Rudy cuida de seus animais. Vejo como Donna e Rick se
olham com tanto amor que me dá vontade de chorar. Quem sou eu para
chamar essas pessoas de monstros? Quem sou eu para dizer que eles não
merecem viver? Até você, Jack... Você se importou comigo desde o momento
em que pus os pés neste lugar. Você cuidou de mim. Tentou me proteger.
Você é meu amigo.
Jack olhou para seus pés.
— Tenho certeza que perdi o direito de te chamar de amiga quando
ajudei Turk a amarrar você em correntes e jogá-la por cima de uma grade.
— Não. Você não perdeu. — Ela pegou a mão dele. Ele pulou,
assustado, e estremeceu como se esperasse por algo. Pelo quê? Certo. Eu posso
drenar almas. Eu esqueci disso. — Eu não vou te machucar, Jack. Eu prometo.
— Nós roubamos a alma de outras pessoas para viver.
Cora sorriu.
— Não almas. As almas são baratas. — Quando Jack olhou para cima,
confuso, ela balançou a cabeça. — Deixa para lá. Eu sei o que você está
dizendo. E sim... Nós fazemos isso. Mas poderíamos estar levando muito
menos do que fazemos agora. Estamos destinados a sobreviver de aparas de
cabelo, não dos dedos das mãos e dos pés. Todo mundo se alimenta de todo
mundo na vida. Eles tiram de todos ao seu redor e retribuem quando
querem. Somos realmente melhores ou piores do que isso?
A mandíbula de Jack se contraiu, mas ele permaneceu em silêncio.
Ela pegou as mãos dele nas suas.
— Quando você estava naquelas instituições psiquiátricas, aposto que
você tinha muitos médicos e enfermeiras que gostavam do que faziam com
você um pouco demais. Eles tiraram de você porque pensaram que era para
isso que você estava lá. Que você merecia. Mais importante, eles fizeram isso
porque podiam. O mundo inteiro está cheio de pessoas assim. Subindo nos
outros para chegar à frente. Empurrando as pessoas mais para baixo na
escada para que elas possam levantar a cabeça um pouco mais.
— Nós somos monstros. Não importa se outras pessoas também são
monstros.
— Talvez. — Ela se aproximou um pouco e apertou as mãos dele. —
Talvez você esteja certo e nós não merecemos existir. Mas eu vi... Olhei bem
no centro de Harrow Faire. Eu pulei em um buraco de nada, e posso te dizer
que ela se importa conosco. Realmente, honestamente se importa. Quer que
sejamos felizes. Ela quer ver o mundo. Ela quer ser humana. Tem boas
intenções. E isso é mais do que posso dizer da maioria das pessoas neste
mundo.
— Isso é apenas o que é mostrado a você. E se estiver mentindo?
Cora deu de ombros.
— Não sei. Mas se exigíssemos provas concretas dos sentimentos de
todos o tempo todo, estaríamos sempre sozinhos.
Jack afastou as mãos dela. — Não importa se um monstro é menos
maligno que outro. Ainda é mau. E ainda deve ser destruído. Só porque você
acha que algumas pessoas são piores não significa que estamos bem. Dizer
que este mundo é uma fossa de crueldade não torna o que fazemos certo. —
Ele balançou a cabeça e deu um passo para trás. — E se você não pode ver
isso, então... Então não há esperança para você. Você já foi muito longe.
— E a sua mãe? E quanto a Maggie? A Adivinha não merece viver? O
que ela tem a dizer sobre isso?
Jack estremeceu como se ela o tivesse esbofeteado.
— Ela é neutra. Ela é sempre neutra. E ela... — Jack suspirou
pesadamente. — Ela é minha mãe. E eu a amo. Mas eu não vim aqui por
causa disso. Eu vim aqui porque não tinha para onde ir. Porque este lugar
tirou tudo de mim. Já arruinou minha vida, e achei melhor deixar que me
levasse do que viver uma mentira. Mas... Temos que ser maiores do que as
pessoas que amamos. Como Turk e Amanda. Eles estão dispostos a se
sacrificar para derrotar a criatura.
— Estou dizendo que acho que a beleza que podemos criar excede em
muito o mal que fazemos. Estou dizendo que, se pudermos inspirar outras
pessoas que vêm ver nossas apresentações para criar sua própria arte, ou
aspirar a ser algo mais, então devolvemos mais do que recebemos.
Ela honestamente não sabia de onde vinha metade desse discurso.
Não soava como ela.
Ela não discordava, mas... Não eram coisas que ela normalmente falava.
Lazarus?
— O quê?
Você está me possuindo?
— Não posso possuir você, querida. É como uma lasanha. Depois de juntar
todos os ingredientes, você não pode obter um sem um pouco de todo o resto. Somos
um e o mesmo. — A voz fez uma pausa. — O que há com o ódio de Simon por
ricota, afinal? Eu gosto de ricota.
Ela suspirou e fechou os olhos.
— Eu mudei. Você tem razão. — Ela passou as mãos pelos cabelos,
penteando os fios. — E correndo o risco de soar pedante, é o que é. Eu vou
lutar por nós. Incluindo você.
— O que você quer dizer? — Jack a observou confuso. — Incluindo eu?
— Se a votação vier e eu ganhar, e eu assumir, não vou matar você,
Amanda, ou qualquer outra pessoa que vote contra mim. Não, a menos que
vocês queiram ser libertados.
A expressão perplexa de Jack se transformou em surpresa brevemente
antes de retornar novamente.
— Por que? Nós... Teríamos ficado contra você.
— Se eu não tolerasse outras opiniões, seria tão ruim quanto Turk. E
isso não é algo que eu estou interessada em me tornar. — Ela se virou para ir
embora. — Não tenho interesse em ser uma tirana, Jack. Nem agora, nem
nunca. Eu só quero ser uma Família. E as Famílias às vezes brigam. Boa noite,
Jack. Vou buscar Simon antes que ele mate Aaron de tédio.
Houve uma longa pausa atrás dela antes de Jack responder.
— Boa noite, Cora.
Os dias passaram.
Na maioria das vezes, era como se nada estivesse acontecendo. Que seu
mundo inteiro não estava prestes a mudar... Ou acabar. Alguns membros da
Família lhe lançaram olhares estranhos. Mas quando ficou claro que ela não
estava prestes a queimar o lugar e gargalhar sadicamente sobre seus
cadáveres – como Simon estava pedindo para ela fazer – eles se acalmaram
um pouco.
Amanhã era o “grande dia”. Ela resistiu ao impulso de perguntar a
todos como votariam. Não era educado. Ela saberia em breve.
E ninguém ainda tinha visto Amanda. Cora não tinha ideia do que
poderia ter acontecido com a Aerialista. Turk e Jack praticamente se
esconderam. Isso foi bom para ela.
Apesar de tudo o que havia acontecido e estava prestes a acontecer, o
“show tem que continuar”. E continuar, ele fez. Os clientes se reuniram, os
ingressos foram vendidos e uma comida terrível foi comida.
E ela se apresentou.
Era tão bizarro para ela que ela iria subir naquele palco e fazer uma
rotina com o destino de todas as suas vidas pairando sobre sua cabeça. Ela
não tinha certeza se poderia continuar com isso. Mas uma vez que ela ficava
ali no centro daquela espiral e ouvia a multidão suspirar enquanto ela se
contorcia em formas estranhas, ela estava feliz por ter feito isso.
Deu-lhe paz. Isso deu a ela algum tipo de base. Ouvir seus aplausos e
sons de admiração iluminou seu coração.
Esta é a minha casa. Esta é quem eu sou.
Isto é o que eu estava destinada a me tornar.
Foi depois de uma de suas apresentações que ela decidiu que queria ir
na roda gigante. Não andar. Escalar. Ela queria uma vista, e o último andar da
torre exigia a chave para destrancá-la. Além disso, entrar na torre não era
algo que ela queria fazer tão cedo.
Depois de trocar de roupa, ela puxou o cabelo para cima em um rabo de
cavalo, vestiu o casaco e saiu.
Simon tinha duas apresentações consecutivas naquela tarde, então ele
estava ocupado. Ela não se importava de ficar sozinha. Sozinha como se
podia estar, quando se andava com uma criatura dentro da cabeça tão velha
quanto o próprio tempo. Ela tentou não insistir nisso.
No caminho, ela parou em uma tenda de comida e pegou um grande
recipiente de suco de lima. Ela riu. Para mim? Você não deveria.
— De nada. Não sei do que se trata o alarde.
É melhor que limonada. Desculpe. Ela tomou um gole da bebida pelo
canudo enquanto se dirigia para a roda-gigante. Ela deu a volta por trás, do
outro lado da fila de pessoas que esperavam para andar nela, e passou por
alguns dos pseudo-funcionários que administravam o parque. Eles eram
todos... Fantasmas. Apenas pedaços de pessoas, coladas pela Faire. Eles não
eram reais.
E todos eles agora sabiam sair de seu caminho ou abrir portas para ela.
Era estranho pensar que eles eram um pouco como seu exército. A ideia a fez
rir.
— O que é engraçado?
Ela não se importava em falar com a voz em voz alta, já que não havia
ninguém por perto para ouvi-la. — Tema a mim e meu exército de danação. —
Ela riu. — Tema o circo assustador da morte e meus substitutos desmiolados
para funcionários de salário mínimo!
— Bem, isso é apenas rude. — Lazarus apareceu ao lado dela. — Eu
pagaria a eles pelo menos um centavo acima do salário mínimo.
Cora riu novamente enquanto olhava para a escada que levava ao
mecanismo principal no centro da roda gigante.
— Que generoso.
— O quê? Um centavo é generoso. Não é?
— A inflação é uma vadia, querido. — Ela estendeu sua limonada. —
Segure isso.
— Suponho que se eu tivesse que pagar a alguém, eu poderia me
importar. — Ele pegou, deu de ombros e, abrindo a tampa de plástico, tomou
um gole. — Nada mal.
Cora virou-se para a escada e começou a subir. Ela costumava ter medo
de cair. Mas não mais. Agora ela sabia como era cair e que a aterrissagem era
sempre pior. Também ajudou que ela soubesse que se ela escorregasse e
respingasse por todo o chão, ela se levantaria uma ou duas horas depois.
Isso tornou a coisa toda muito menos estressante quando ela fez seu
caminho para o topo. Havia um pequeno patamar ali, destinado a quem
estivesse trabalhando na manutenção do grande rolamento no centro. Os dois
motores estavam mais próximos do fundo, presos ao aro de acionamento da
roda. Isso significava que não havia ruídos altos, exceto o zumbido silencioso
do rolamento girando. Ela se sentou na beirada do patamar, apoiando os
braços no primeiro degrau do corrimão, e olhou para Harrow Faire. Ela
estava a cerca de trinta metros de altura e quase alinhada com o deque
superior da torre de observação do outro lado do parque.
Ela podia ver tudo daqui de cima. Os vagões, as tendas, os brinquedos...
Tudo. O som da música e os gritos e berros da multidão a fizeram sorrir. Era
bonito.
Alguém cutucou seu cotovelo, e ela pegou seu suco de lima sem olhar.
Lazarus a devolveu. Ela tomou um gole pelo canudo.
— Amanhã é o grande dia.
— Sim. — Ele fez uma pausa. — É estranho que eu esteja um pouco
nervoso.
— Você não sabe o que todo mundo está pensando? E o que eles vão
fazer amanhã?
— Não. Se eu soubesse o que as pessoas estão pensando, minha
existência seria muito mais fácil. — Ele apoiou os braços no parapeito
também e apoiou o queixo neles. — Vocês humanos ainda são tão estranhos
para mim. Por mais que tente, o ditado ‘você é o que você come’ não parece
ter nenhum mérito.
Ela riu, e eles mergulharam em um silêncio amigável por um longo
momento.
— Eu estou assustada. Eu não quero perder. E eu... Também não quero
matar Turk. Quando ele não está me jogando por cima de uma grade para a
minha destruição, eu meio que gosto do grande homem.
Laz estendeu a mão e colocou um braço em volta dela, abraçando-a ao
seu lado.
— Aconteça o que acontecer, você me terá.
— E Simon.
Ele sorriu tristemente. Havia algo estranho em seus olhos, mas
desapareceu um segundo depois. Ele se inclinou e beijou o topo de sua
cabeça como um pai faria com sua filha.
— Você não estará sozinha.
Jack estava inconsciente quando Cora o puxou para baixo. Pelo menos
desta vez ela não deixou cair seu resgate de cabeça. Ela estava muito feliz por
Simon não ter acordado quando ela sem cerimônia o deixou cair em seu
pescoço na escada. Desta vez, ela tinha um pouco mais de controle sobre seu
poder. Ela ordenou aos tentáculos sombrios que abaixassem Jack até o
patamar da torre.
Ela se sentou no chão ao lado dele, de costas contra o batente
explodido, e esperou. A Faire havia fechado a porta com tábuas para impedir
que qualquer cliente entrasse, mas saiu com bastante facilidade quando ela
podia simplesmente rasgar as coisas pelas costuras.
É estranho ser um monstro sobrenatural. Mas também é muito conveniente.
Ela tomou um gole da garrafa de uísque que tinha pegado a caminho
da torre. Ela tinha toda a intenção de terminá-la. Ela estava cerca de um
centímetro e meio no vidro quando Jack sacudiu, se debateu e gritou.
— Ei-ei... — Ela estendeu a mão e colocou a mão em seu braço. — Você
está bem. Você está no chão.
Jack estava hiperventilando e rolou para o lado, vomitou – embora
nada tenha acontecido – e caiu de volta na madeira.
— O que aconteceu?
— Turk está morto. Amanda também. Simon pendurou você pelos
tornozelos.
— Eu sei sobre essa última parte. — Ele grunhiu e meio se impulsionou,
meio rastejou até o batente da porta e se encostou nele. Ele estava tremendo,
sua pele coberta de suor.
— Amanda... Amanda está morta? Você a matou?
— Não. Para encurtar uma história dolorosamente longa, Simon me
enganou. Fez um acordo com Mestre de Cerimônias para deixar a Faire viver
um pouco mais se ele me destruísse. Parte do acordo era Turk deixar Simon
transformar Amanda em uma boneca para mantê-la refém. Simon se virou
contra mim na votação, mas era tudo mentira. Só para fazer você, Amanda e
Turk sofrerem o máximo possível.
Jack estendeu a mão para a garrafa, e ela passou para ele. Ele bebeu
avidamente antes de ter que parar e tossir. Ele a devolveu, limpando a boca
com as costas da mão.
— Porra. Porra. Amanda? Turk apenas... Apenas a entregou?
— Sim.
— E foi tudo um jogo doentio da parte de Simon.
— Sim. — Ela fez uma pausa. — E o que torna pior é que eu ainda o
amo. E... Ele disse que me ama. — Ela riu secamente e bebeu da garrafa. —
Então, sim. Porra.
— Você ganhou. — Jack fez uma pausa. — Turk está morto, e então
você...
Cora pescou algo de seu bolso. Era uma pequena crista de metal. Era
feita de todo tipo de metal que ela pudesse imaginar. Ouro, latão, prata,
bronze, ferro, aço, cobre e vários que ela nem sabia nomear. Eles foram todos
torcidos juntos em uma escultura imensamente detalhada. Parecia antigo –
tipo, seriamente antigo – mas estava em perfeitas condições, talvez um pouco
manchado aqui ou ali.
Era a Chave.
Era dela agora.
— Sim. — Isso foi tudo o que ela conseguiu reunir. Ela virou o pequeno
disco na mão e o colocou de volta no bolso. — Não parece ganhar. Parece
terrível.
— Bom. — Jack bufou uma risada. — Desculpe. Isso não deveria ser tão
idiota quanto pareceu. — Ele pegou a garrafa. Ela passou. — Eu só. Estou
feliz que você não esteja feliz que Turk e Amanda estejam mortos.
— Eu gostava de Turk e adorava Amanda. Sério. E Turk não estava
totalmente errado nas coisas em que acreditava, mas também não estava
totalmente certo. Acho que ninguém nunca está. — Ela pegou a garrafa de
volta e tomou um gole e colocou entre eles. — E o que aconteceu com
Amanda... — Ela se encolheu. — A parte doente disso é que Simon fez isso
por amor. Ele queria que todos vocês pagassem por causa do que fizeram
conosco.
— Eu merecia isso. — Jack gesticulou na direção do topo da torre. —
Amanda... Não.
— Não. Ela não merecia. — Cora fechou os olhos e inclinou a cabeça
para trás no batente. — Ele também fez isso para ver se ele poderia me trair –
machucar pessoas assim – e se eu ainda o amaria apesar de tudo.
— E você?
Ela riu tristemente de quão patética ela era.
— Sim. Eu amo. É errado, é estúpido, e isso me deixa fraca... Mas eu
amo.
— Não te faz fraca. É errado, com certeza. Isso a torna estúpida? Talvez.
Você tem um péssimo gosto para homens. Mas faz você forte ser capaz de
suportar tanta loucura e levá-la com calma. Ele não te merece. — Jack
cutucou seu pé. — Então... Você vai me matar agora?
— Não. Cansei de matar a Família. Não quero fazer isso nunca mais.
— Você acabou com Amanda?
— Eu não ia deixá-la daquele jeito. Ela mal estava lá. Ela mesma não se
conhecia... Nem mesmo reconheceu Turk.
Jack repetiu a palavra de cinco letras da noite.
— Porra. — Ele tomou outro grande gole da garrafa. — Eu... Eu não sei
se posso ficar aqui agora, Cora.
— Eu sei. — Ela se levantou e resmungou. Ela estava um pouco tonta.
Bom. — Se você quer que eu acabe com você, eu vou. Não quero, mas não
vou obrigar ninguém a ficar. Você também pode simplesmente... Sair. Você
vai desaparecer eventualmente. Você pode ver um pouco do mundo antes de
ir, talvez. Então você estará realmente livre.
Jack olhou para ela por um momento antes de olhar para o circo. Ele se
levantou também, um pouco mais trêmulo do que ela, mas por motivos
diferentes.
— Posso sair da Faire? Eu posso simplesmente... Sair?
Cora assentiu e colocou a mão em seu ombro.
— Sinto muito que as coisas tenham estragado. Você era um bom
amigo, Jack... Você se esforçou ao máximo para fazer a coisa certa. E às vezes
isso é tudo o que importa.
Jack a abraçou. Ela ficou lá atordoada por um momento antes de
abraçá-lo de volta.
— Faça o certo pela Família, Cora. Seja gentil com eles. Não... Deixe
Simon corromper você. E não destrua o mundo, sim?
Ela riu.
— Vou tentar.
— Às vezes, isso é tudo o que importa. — Ele beijou a bochecha dela e
foi embora. A uns vinte passos de distância, ela viu Maggie se levantar de um
banco e se aproximar de Jack. Mãe e filho se abraçaram. Os ombros de Jack
tremeram, e ele enxugou o rosto com a manga. Maggie deu um tapinha em
seu braço e caminhou até Cora.
— Olá, Adivinha. — Cora se inclinou contra o batente da porta
novamente. — Um aviso teria sido bom.
— Humpf. Eu avisei bastante. Você simplesmente não ouviu. — Ela
pescou em seus bolsos e tirou um baralho de cartas. — Eu queria te dar isso.
Ela as estendeu.
Cora as pegou e franziu a testa. Eram o estranho baralho de cartas de
tarô que ela viu A Adivinha usar na primeira noite em que chegou a Harrow
Faire. A carta no topo era o número zero. A Contorcionista. A pequena versão
de desenho animado de si mesma era exatamente como ela se lembrava.
— Por que?
— Elas são suas agora. Isto é, até você encontrar outro perdedor para
tomar o meu lugar.
Maggie riu.
— Você também vai embora.
Era uma afirmação, não uma pergunta.
— Mães nunca devem viver mais que seus filhos. — A velha deu de
ombros e se virou. — Você vai se sair bem, garota. Eu sei que você vai.
Mantenha esse seu idiota sob seu controle, hein? Ele já fez travessuras
suficientes para um século.
Cora riu e os observou partir. E ela sabia que seria a última vez que os
veria. Com um aceno de cabeça, ela pegou sua garrafa de uísque e subiu as
escadas de madeira para o deque de observação. O som da madeira rangendo
e seus passos foram tudo o que a saudou enquanto ela caminhava para o
topo. Ela olhou para a estátua grotesca e monstruosa que quase enchia a
grade de metal acima. Era um espelho perfeito para uma que ainda
assombrava seus sonhos.
Ela alcançou a escotilha trancada na grade. Tirando a chave do bolso,
ela a pressionou na abertura. Por um segundo, ela se perguntou se ia
funcionar.
Clique.
Balançando a grade aberta sobre sua cabeça, ela terminou de subir as
escadas até o último andar da torre. Estava vazio. Ela não tinha certeza do
que estava esperando. Um pedestal com algum tipo de coração pulsante
bizarro? Um cristal flutuante roxo e alguns abutres monstros crescidos?
Ela suspirou. A própria torre era o Coração. Ela sabia disso. Mas ainda
assim, o lugar estar vazio parecia, na melhor das hipóteses, um anticlímax.
Abrindo a porta para o patamar exterior, ela saiu para o clima frio e
descansou os braços no parapeito. Em poucos dias, seria outubro. Era uma
bela noite. A lua estava alta e cheia, e lançou o circo fechado em uma luz
branca fantasmagórica. Os brinquedos estavam desligados, os portões
estavam trancados e o ar estava silencioso, exceto pelo som dos insetos do
final da estação e o sussurro do vento.
Ela fechou os olhos e se permitiu desfrutar da sensação do ar contra seu
rosto e em seu cabelo. Ela sentiu alguém ao seu lado. Não alguém – alguma
coisa.
— Você deve estar feliz.
Ela não se incomodou em olhar para Lazarus.
— Eu estou. Mas também estou de luto pela perda de muitos membros
da Família que amo. Uma vitória que termina em morte nunca deve ser
celebrada. — Ele esfregou suas costas suavemente. — Você teve um dia
difícil.
— Não brinca.
— Acho que devo me desculpar.
— Você sabia o que Simon estava fazendo. Você tinha que saber. Você
está em todos os lugares.
Lazarus limpou a garganta.
— Ele me fez prometer não contar. Ele deu um sermão para uma
parede por uma hora, tentando me convencer a não avisá-la.
Ela tentou não rir da imagem e falhou. Ela suspirou tristemente depois
de rir e balançou a cabeça.
— Ele é um idiota.
— Ele é. Mas você está certa, ele estava testando sua confiança e seu
amor. Eu não aprovei. Mas não é realmente meu lugar para intervir. O que
você disse sobre ele e bater em uma colmeia com um galho? Acho que você
provou sua teoria hoje.
— Ele é um bastardo imensamente estúpido. A massa de sua cabeça de
merda agora eclipsou a da maioria dos buracos negros. — Ela apoiou os
cotovelos no parapeito e esfregou as têmporas com as palmas das mãos. —
Acho que você não entende o quão profundamente eu quero enfiar um poste
de telefone na bunda daquele cafetão vestido demais e enfiá-lo como um
maldito flamingo rosa no meu gramado como um aviso para todos os outros.
— Não é um bom momento, eu acho?
A voz inesperada a fez olhar para cima e se virar. Lazarus se foi, mas
Simon estava parado na porta, observando-a com um leve sorriso.
E segurando uma dúzia de rosas. Vermelhas, claro.
Ela colocou a mão sobre os olhos.
— Você está brincando comigo.
— O quê? — Ela ouviu seus sapatos caros clicarem no piso de tábuas de
madeira. Ele pegou seu pulso e gentilmente o abaixou de seu rosto. — Pensei
que bastardos deveriam comprar flores quando faziam algo imensamente
estúpido com a pessoa que amam.
Ela riu. Foi fraco. Foi cansado e exausto, mas ela riu.
— Você...
— Ouvi. Não tenho certeza de como você vai superar esse sentimento
agora, então deixe-o aí. — Ele estendeu a mão para tocá-la, hesitou, e então
gentilmente colocou a palma da mão na bochecha dela quando ela não se
afastou. — Cora... Me desculpe. Eu não confiava em você. Eu precisava
descobrir a verdade.
Ela olhou para ele.
— Você não confiava em mim?
Ele franziu a testa e olhou para o circo.
— Por que você me amaria? Por que? Você poderia escolher todos os
miseráveis disponíveis na Família e, mesmo assim, provavelmente poderia
convencer os indisponíveis. Sou um homem terrível, Cora. Fiz essas coisas
com Turk, Amanda e Jack porque queria. Porque eu gostava do sofrimento
deles.
— Eu pensei que era porque você queria vingança por nós dois?
— Isso também. — Ele fungou com desdém, e ainda manteve seu olhar
no circo. — Mas principalmente porque foi muito divertido.
— Eu deveria matá-lo por me trair.
— É estranho eu achar o fato de que você pode acabar comigo bastante
excitante? — Ele sorriu, e quando ela não sorriu, sua expressão caiu. — E
você deveria me matar. Você estaria certa. Ninguém nem piscaria se você
descesse desta torre sozinha. Eles celebrariam minha morte. Eles
provavelmente te levantariam nos ombros e te carregariam pela Faire,
torcendo por você.
— Você está tentando me convencer?
— Apenas espere. — Ele se ajoelhou diante dela e se recostou nos
tornozelos, olhando para ela com um sorriso fraco e terno. — Eu te amo,
Cora. Eu te amo mais do que eu me amo. E eu tenho amado por um longo
tempo... Eu só não sabia como dizer as palavras. E se você decidir que eu
devo morrer? Isso é seu direito. Eu traí você. Eu joguei um jogo doentio.
Provavelmente farei isso de novo algum dia.
Ele pegou sua mão e beijou sua palma antes de colocá-la em sua
bochecha. Ele fechou os olhos.
— Vá em frente. Salve-se da dor que continuarei causando a você.
Porque eu sou o que sou, Cora, querida. Eu sempre serei assim. Eu sempre
serei o Marionetista.
Ela acariciou o polegar ao longo de sua bochecha.
— Levante-se, estúpido.
Ele piscou os olhos abertos.
— Hum?
— Levante-se. Eu não vou te matar. Eu quero empurrá-lo sobre o
parapeito, com certeza. Mas... Não consigo imaginar meu mundo sem você.
Eu te amo. Você sabe que eu amo. E você precisa parar de tentar tanto provar
que eu não amo.
Ele beijou seus dedos e cuidadosamente colocou as rosas no chão.
— Bem, se é assim que você realmente se sente... — Ele puxou uma
pequena caixa do bolso. — Por que não tornamos este dia um pouco mais
avassalador para você?
Seu coração se alojou em sua garganta.
— Você está brincando...
Ele abriu a caixa e a segurou para ela. Era um anel. Uma peça delicada e
de aparência antiga feita em prata ou ouro branco. A pedra central era um
rubi, cercado de ônix. Preto e vermelho. Era impressionante.
Silêncio. Ela olhou para o rosto dele, e ele ergueu a sobrancelha.
— O quê? — Ele fez uma pausa. — Você vai me fazer dizer isso? — Ele
gemeu e jogou a cabeça para trás em aborrecimento dramático. — Eu tenho
que dizer? Okayyy.
Ela riu incrédula.
Ele olhou para ela com um sorriso brincalhão.
— Cora Glass, você quer se casar comigo?
Ela nem conseguiu tirar a única sílaba de sua boca antes que ele
estivesse de pé e a beijasse.
Tem sido um inferno de um dia.
Eu ainda quero realmente empurrá-lo sobre a porra do corrimão.
Isso provavelmente seria rude agora.
Eu acho.
Ela pensou por um longo tempo e imaginou o quanto ele reclamaria
mais tarde. Não valeria a pena. Ela quebrou o beijo e o observou por um
longo momento.
— Diga de novo, Simon. Diga que me ama.
— Dizer o quê? — Ele piscou, então franziu a testa. — Por que?
— Eu gosto do som disso.
Ele respirou fundo, prendeu e soltou suas palavras em uma longa
corrida.
— Por-que-você-tem-que-se-deleitar-me-degradando?
— Porque você merece. — Ela o espetou nas costelas. — Diga, ou eu
vou te jogar do parapeito.
— Eu... — Ele engasgou. — Eu teee... — Ele cortou dramaticamente. —
Eu te-teeee a... — Ele soltou um hurk, tossiu, e bateu no peito com o punho
como se para limpá-lo. — Desculpe. Me dê um momento.
Ela o espetou com força nas costelas novamente e riu. Mais uma vez...
Apesar de todas as probabilidades, suas travessuras a estavam animando. E
ela sabia que esse era o ponto.
— Okay, okay, okay. — Ele acenou com as mãos, limpou a garganta,
endireitou a roupa e suavizou sua expressão em uma séria. — Cora Glass...
Desde o momento em que sua frigideira encontrou meu rosto, você fez o
impensável. Você cometeu um pecado grave. Você quebrou meu nariz e
roubou meu coração em um golpe de utensílios de cozinha de ferro fundido.
Ela riu, e a expressão dele cintilou e ameaçou quebrar. Ele curvou o
dedo sob o queixo dela. Sua voz era suave quando ele falou novamente.
— Eu a seguirei até os confins da Terra. Ficarei ao seu lado até virarmos
pó. Vou protegê-la o melhor que puder, até mesmo de mim mesmo. E
quando não puder, só posso rezar para que você rasgue o que sobrou de
mim. Porque eu nunca, nunca desejo te machucar. E eu nunca, jamais desejo
falhar com você. — Ele embalou seu rosto em suas mãos e se aproximou dela.
— Cora Glass, minha monstruosa e vilã Rainha de Harrow Faire... Eu te amo.
Ela ficou na ponta dos pés e o beijou, envolvendo os braços em volta do
pescoço dele. Ela sentiu cada emoção que uma pessoa poderia sentir. Alegria.
Tristeza. Pesar. Euforia. Raiva.
Mas acima de tudo, ela sentiu amor.
Ele tinha jogado um jogo distorcido. Ela havia drenado a força vital de
um homem. Ambos tinham feito coisas terríveis. Pessoas haviam morrido.
Ela amava um monstro.
E estava tudo bem.
Porque ela também era um.
Simon estava deitado na cama de Cora, abraçando-a. Ela estava
dormindo, aninhada contra seu peito.
Ele deveria estar dormindo. Ele estava exausto.
Mas ele não conseguia fazer seu cérebro parar de girar em círculos.
Eu venci. Ganhei tudo o que eu poderia querer. Mestre de Cerimônias está
morto. Cora tem a Chave, e a Faire agora é dela para comandar. Eu me vinguei e fiz
com que os traidores sofressem. E eu tenho Cora. Ela ainda me ama...
E eu a amo.
Não era a culpa que o mantinha acordado. Não era arrependimento. Ele
repetiria tudo o que fez naquele dia se tivesse a chance. Mas ainda assim,
seus pensamentos giravam, repetindo o dia repetidamente em sua cabeça.
Talvez a adrenalina fosse a culpada.
Jack tinha saído da Faire com sua mãe, a Adivinha. Turk estava morto.
E Aaron era um pouco menos insuportável. A maioria de seus principais
aborrecimentos se resolveram. Cora usava seu anel de noivado. Ela havia
concordado em se casar com ele. Ela confiava nele – ela o amava.
Ele sorriu.
E ele a amava de volta. Ele podia admitir isso agora. Não apenas para si
mesmo, mas em voz alta. Ele estava feliz. Ele não conseguia dormir porque
estava feliz.
Fechou os olhos e desejou que sua felicidade tivesse garantia. Mas, mais
uma vez do alto, tudo se repetiu em sua mente, a adrenalina e a animação do
dia ainda se extinguindo como os últimos pedaços de uma vela gasta
crepitando no fundo de uma poça de cera.
Mestre de Cerimônias havia jogado lindamente e previsivelmente em
suas mãos. Simon não sabia o que esperar quando lhe pediu que sacrificasse
Amanda. Quando ele disse sim, ele sabia que o desejo de justiça do homem
gordo o faria pensar que ainda poderia vencer. Que gloriosa vingança ele
tomou contra os dois. Assistir Mestre de Cerimônias chorar pela perda de seu
amor encheria seu coração de alegria por muitos e muitos anos.
Ouvir Jack gritar de dor, abafado pela mordaça em sua boca, foi
perfeito.
Simon não precisava removê-los da votação. Esse não era o ponto. O
objetivo era machucá-los. Porque eles machucaram a mulher que ele amava.
Ele teria de bom grado arrancado a carne de Jack de seus ossos se tivesse
tempo.
Mas ele tinha um show para fazer.
E saiu sem problemas.
Mestre de Cerimônias tinha sido poderoso em uma luta. Teria sido
bastante fácil para ele dominar qualquer um deles por conta própria. Era uma
aposta ter uma votação sem ele encurralado. Era uma questão de saber se ele
poderia ser derrotado, mesmo com Simon, Rudy e Cora trabalhando juntos.
Quem sabia quem mais iria lutar com Turk?
Simon não queria correr esse risco.
Portanto, ele só tinha uma opção – convencer o rei a dar xeque-mate ele
mesmo. E como o idiota inchado que ele era, Turk voluntariamente se
colocou em uma situação em que ele era vulnerável, e sua guarda baixa.
Ninguém deve confiar em mim. Nunca. Muito menos você, seu gordo fodido,
onde quer que esteja agora.
Ele não sabia o que esperar de Cora quando ela soube a verdade. Ela o
mataria? Ela se recusaria a vê-lo novamente? Iria rejeitá-lo? Denunciar seu
amor? Ele deu a ela a chance de provar que ele estava certo. Naquele
momento, quando a mentira ainda era verdade, ele pediu seu amor.
E ela tinha dado.
Ele não a merecia. Ele sabia disso. Mas quando alguma coisa o impediu
de pegar o que ele não ganhou e mantê-lo? Ele era uma criatura cobiçosa. E
Cora Glass era dele.
E ele queimaria o mundo para protegê-la.
Cora não tinha ideia do que esperar quando se vestiu e foi almoçar com
Simon no dia seguinte. Ela tinha dormido direto durante o café da manhã.
Simon fez uma piada sobre como ela não deveria estar com fome depois
de comer Mestre de Cerimônias inteiro.
Ela deu um tapa no peito dele por isso.
Quantas pessoas ainda estariam lá? Quantos teriam partido durante a
noite, escolhendo a morte em vez de Harrow Faire?
— Por quê tão quieta? — Simon colocou uma mecha do cabelo dela
atrás da orelha. — Alegre-se. Hoje é um bom dia.
Ela balançou a cabeça.
— Eu simplesmente não posso acreditar que acabou.
— Oh querida. Não acabou. Está apenas começando.
— Pela primeira vez, ele não está errado.
Lazarus apareceu do outro lado dela.
— Gá! — Simon pulou quase trinta centímetros no ar e então rosnou
para o fantasma de Palhaço. — Jesus Cristo em um pula-pula, eu desprezo
quando você faz isso. Você não vai aprender a ir e vir como uma pessoa
normal?
— Não. Não pense que vou. — Lazarus sorriu para Simon, em seguida,
olhou para Cora, sua testa franzida em preocupação. — Como você está?
— Tudo bem. Sobrecarregada. Mas quando eu não fiquei
sobrecarregada? — Ela riu secamente. — Vocês, filhos da puta, gostam de
empilhar merda.
— Não, nós não gostamos.
Simon fez o possível para parecer indignado.
— Nós meio que gostamos.
Laz sorriu.
— Eu suponho que sim.
O Marionetista deu de ombros.
— Se importa se eu... Uh... Me juntar a vocês? — Laz se encolheu. —
Para o almoço?
Cora riu do quão tímido ele estava sendo.
— De forma alguma.
Quando os três entraram na tenda, ela não sabia o que esperar. A
votação estava quase empatada. Quem sabia quantos deles se foram agora?
A tenda ficou quieta. Ela fez uma varredura rápida e encontrou apenas
uma pessoa desaparecida. Correção – duas. Os gêmeos. Lauren e Phil. Ela
sorriu tristemente.
— Não estou surpresa que eles se foram.
— Eles deixaram um bilhete — Lazarus disse calmamente. — No vagão
deles. Eles esperavam que você não levasse para o lado pessoal. Mas eles
cansaram de sofrer.
Ela assentiu.
— Eu...
Ela se interrompeu. Todos estavam se levantando. Ela congelou quando
todos se aproximaram dela. Simon pegou a mão dela, e ela o sentiu ficar
rígido ao seu lado. Até Lazarus parecia nervoso. Enquanto a multidão se
formava na frente dela, Aaron deu um passo à frente.
Eles iriam lutar com ela? Levantar-se contra ela? Denunciar o que ela
fez e exigir que ela destruísse Harrow Faire? Seu coração batia forte em seu
peito. Os segundos passaram como horas.
Aaron sorriu aquele sorriso torto dele.
— Para onde, chefe?
Família.
Não é com quem você nasceu. Não é quem te criou. É quem você escolhe. É seu
clã, seus amigos, as pessoas pelas quais você morreria antes de deixá-las sofrer. É com
quem você ri, com quem você chora, e com quem você ajudaria a esconder um corpo se
eles pedissem.
Também não significa que sejam boas pessoas.
Com o passar dos anos, percebi que “bom” e “mal” não existem. São palavras
falsas dadas a conceitos falsos que deveriam nos ajudar a dormir bem à noite. Assim,
7 Rede de petshops que trabalham com venda de animais pequenos e seus produtos.
podemos apontar o dedo para as pessoas de quem discordamos e dizer que suas ações
foram erradas.
Existem pessoas que fazem coisas más? Sim. Eles fazem. Eu deveria saber.
Confie em mim. Eu provavelmente sou uma eu mesmo. Por quê?
Porque eu tiro do mundo para ajudar minha Família. Eu os ajudo quando eles
precisam. Eu sorrio quando eles sorriem. Eles são as únicas coisas neste mundo que
importam para mim. E eu destruiria qualquer um – incluindo você – se eu achasse
que você poderia machucá-los.
Isso provavelmente me torna uma daquelas pessoas “más” mencionadas acima.
Pergunte-me se eu me importo. Por que não importa?
Porque eu sei que você faria a mesma coisa pelas pessoas que você gosta. Pelas
pessoas que você chama de Família. Por quem você realmente ama.
E se você não iria? Se você não atiraria em um estranho se isso significasse
salvar a vida de alguém importante para você?
Então eu tenho pena de você. E acho que está na hora de encontrar uma nova
Família.
- Cora Waite
0. A Contorcionista
1. O Mágico
2. A Trapezista
3. A Aerialista Vago.
4. Mestre de Cerimônias Vago.
5. O Pegador
6. Os Gêmeos Vago.
7. O Domador de Animais
8. O Homem Mais Forte Vago.
9. A Mulher Barbada
10. O Malabarista
11. O Cuspidor de Fogo
12. O Aparelhador Vago.
13. O Palhaço Vago.
14. A Costureira
15. O Marionetista
16. A Adivinha Vago.
17. A Diva
18. O Puxador
19. O Mecânico
20. O Maestro
21. A Faire