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WORLD OF WARCRAFT®
A ASCENSÃO DA HORDA

CHRISTIE GOLDEN

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Capitulo 1

Meu nome é Thrall. A palavra significa "escravo" na língua dos humanos e a


história por trás desse nome é longa, melhor deixar para uma outra hora. Pela
graça dos espíritos e o sangue de heróis que corre em minhas veias, tornei-me
Chefe Guerreiro do meu povo, os orcs, e de um grupo de raças chamada Horda.
Como isso aconteceu também é outra história. A que eu gostaria de descrever
agora, ante aqueles que foram residir com os honrados ancestrais, é a história
de meu pai, dos que acreditaram nele; e daqueles que o traíram e assim traíram
todo o seu povo.

O que poderia ter acontecido se esses eventos não tivessem se desenrolado, nem
mesmo o sábio xamã Drek'Thar pode dizer. Os caminhos do Destino são muitos
e nenhum ser sensato deveria se aventurar no enganosamente agradável
caminho do "se". O que aconteceu, aconteceu; meu povo deve carregar tanto a
vergonha quanto as glórias de nossas escolhas.

Este conto não é o da Horda que existe hoje, uma organização desprendida de
orcs, taurens, trolls, renegados e elfos sangrentos, mas a ascensão da primeira
Horda. Seu nascimento, como o de qualquer infante, foi marcado por sangue e
dor e seus gritos inclementes pela vida significavam morte para seus inimigos.

Para um conto tão violento e sinistro, ele começa pacificamente entre os montes
e vales de uma terra verdejante chamada Draenor...

O ritmo dos tambores ninava os jovens orcs, mas Durotan do clã Frostwolf
estava acordado. Estava deitado com os outros no chão da barraca acumulado
de barro. Um enchimento de palha e uma grossa pele de fenoceronte o
protegiam do frio de doer os ossos. Mesmo assim, ele sentia as vibrações das
batidas viajarem através da terra e para dentro de seu corpo enquanto seus
ouvidos eram acariciados pelo som ancestral. Como ansiava sair e juntas-se a
eles!

Ainda faltava um verão para que Durotan participasse do Om'riggor, o rito da


maturidade. Até esse acontecimento tão esperado, ele teria que aceitar ficar
largado com as crianças na barraca enquanto os adultos sentavam em volta da
fogueira e conversavam sobre coisas que, sem dúvida, eram misteriosas e
significantes.

Ele suspirou e virou-se na pele. Não era justo.

Os orcs não lutavam entre si, mas também não eram particularmente sociáveis.
Cada clã ficava na sua, com suas próprias tradições, estilos, vestimentas,

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estórias e xamã. Havia variações de dialetos que eram tão diferentes que alguns
orcs não se entendiam a não ser que falassem a língua comum.

Sentiam-se tão distintos entre eles quanto à outra raça que dividia a
generosidade dos campos, florestas e correntezas; os misteriosos pele azulada,
chamados draenei. Apenas duas vezes ao ano, primavera e outono, todos os
clãs orcs se reuniam como faziam agora, para honrar a época em que dia e noite
tinham a mesma duração.

O festival havia oficialmente começado na noite anterior, ao nascer da lua,


apesar de estarem reunidos naquele ponto há vários dias. Por tanto tempo
quanto conseguiam se lembrar, a solenidade de Kosh'harg acontecia nesse local
sagrado que os orcs chamavam de Nagrand, "Terra dos Ventos", que jazia na
sombra benevolente da "Montanha dos Espíritos", Oshu'gun. Enquanto rituais
de desafio e combate eram comuns durante o festival, animosidades e violencia
nunca aconteciam. Quando os ânimos se exaltavam, como ás vezes ocorria
quando tantos se aglomeravam, o xamã encorajava os grupos a resolverem
pacificamente ou saírem da área sagrada.

A terra era exuberante, fértil e calma. Ás vezes Durotan se perguntava se essa


tranquilidade era devido ao desejo dos orcs em trazer a paz ou se eles eram
pacíficos porque a terra era tão serena. Sempre que tinha esses pensamentos, ele
os guardava para si, pois nunca vira alguém expondo opiniões tão estranhas.

Durotan suspirou em silêncio, mente a mil, coração pulsando em resposta ao


ritmo do rufar vindo de fora. A noite ontem foi maravilhosa, animando a alma
dele. Quando a Dama Pálida clareou a linha escura das árvores na sua fase
minguante, porém brilhante o bastante para lançar uma luz poderosa que era
refletida nos bancos de neve, um júbilo foi ecoado das gargantas de cada um
dos milhares de orcs reunidos; velhos sábios, guerreiros no seu auge e até
crianças no colo de suas mães. Os lobos, não apenas montaria mas também
companheiros dos orcs, se juntaram com uivos exultantes. O som vibrou pelas
veias de Durotan, um profundo e primitivo brado de saudação à esfera branca
que comanda o céu noturno. Ele voltou-se para olhar o mar de seres poderosos,
levantando suas mãos marrons, prateadas pelo luar, para a Dama Pálida, todos
com um foco. Se algum ogro fosse tolo o bastante para atacar, ele tombaria em
segundos diante das armas de guerreiros tão determinados.

E então, chegou a hora do banquete. Dúzias de feras haviam sido abatidas na


estação anterior, antes do inverno chegar, e foram desidratadas e defumadas
para o evento. Fogueiras foram acesas, sua luz quente fundindo-se com o brilho
encantado da Dama e as batidas começaram e não pararam desde então.

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Como qualquer criança - deitado em sua pele ele torceu o nariz para a palavra -
foi autorizado a ficar acordado até terminar a sua refeição e o xamã ter ido
embora. Uma vez que o banquete de entrada havia acabado, os xamãs de cada
clã partiam para escalar o Oshu'gun, entrar em suas cavernas e receber
conselhos de seus ancestrais.

Oshu'gun impressionava mesmo vista de longe. Diferente de outras montanhas,


irregulares e ríspidas, ela brotava do chão tão precisa e aguda quanto a ponta
de uma lança. Parecia um cristal gigante que foi colocado na terra, com linhas
bem proporcionadas e tão clara que cintilava tanto na luz do sol quanto da lua.
Algumas lendas contam que ela caiu do céu há centenas de anos e ela era tão
estranha que Durotan achava que essas lendas poderiam ser verdadeiras.

Por mais interessante que Oshu'gun fosse, Durotan não achava justo que os
xamãs ficassem lá durante o festival todo. Para ele, os xamãs perdiam toda a
diversão. Porém, pensando bem, as crianças também.

Durante o dia havia caçadas, jogos e a lembrança de atos heróicos dos


ancestrais. Cada clã tinha suas próprias histórias, portanto haviam novas e
excitantes aventuras para escutar, além das que havia escutado quando criança.

Por mais divertido que fossem, e mesmo gostando delas, ele ansiava para saber
o que os adultos discutiam depois que as crianças caiam no sono em suas
barracas; depois de suas panças estarem cheias de boa comida, de terem
fumado e bebido muitas cervejas.

Ele não aguentava mais. Sorrateiramente sentou-se com os ouvidos atentos para
ver se havia indícios de alguém estar acordado. Não escutou nada e após um
longo minuto levantou-se e andou bem devagar até a entrada. Foi um progresso
longo e lento na barraca escura. Havia várias crianças de tamanhos e idades
diferentes dormindo e um passo em falso as acordaria. Coração acelerado pela
animação da sua ousadia, Durotan pisou cuidadosamente entre os espaços
visíveis, colocando seu largo pé com a delicadeza de uma ave.

Parecia uma eternidade até que chegasse à saída. Ele parou para diminuir o
fôlego, esticou...

E tocou um corpo largo e de pele lisa ao seu lado. Ele puxou bruscamente sua
mão com um silvo de surpresa.

"O que você está fazendo?" Durotan cochichou

"O que você está fazendo?" o outro orc retrucou. De repente Durotan riu do
quão tolos eles pareciam.

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"O mesmo que você" respondeu com sua voz ainda suave. Todos dormiam com
a exceção deles.

"Podemos continuar discutindo ou agir"

Durotan podia imaginar pelo tamanho da fraca forma à sua frente que o orc
eram um macho grande, provavelmente da mesma idade dele. Não conseguiu
reconhecer o cheiro ou a voz, então ele não era do clã Frostwolf. Era uma ideia
ousada - não apenas fazer algo proibido, como deixar a barraca sem permissão,
e ainda fazer tudo isso na companhia de um orc que não era de seu clã.

O outro orc hesitou, com certeza dividido pelo mesmo pensamento. "Muito
bem" finalmente disse "Vamos nessa"

Durotan esticou-se de novo na escuridão, seus dedos roçaram na pele da porta e


na curvatura de sua beirada. Os dois jovens orcs puxaram o tecido e
adentraram na noite gelada.

Durotan virou-se para seu companheiro. O outro era mais marrom do que ele e
um pouco mais alto. Em relação a idade, ele era o mais alto do seu clã e não
estava acostumado a alguém mais alto do que ele. Era um tanto inquietante.
Seu aliado, em provocação, olhou para ele e ele sentiu estar sendo avaliado. O
outro acenou, aparentemente satisfeito com o que viu. Não arriscaram falar.
Durotan apontou para uma árvore enorme perto da barraca e silenciosamente
os dois foram em sua direção. Era provável que o trajeto não fosse tão longo
quanto pareceu, mas eles estavam expostos e qualquer adulto poderia vê-los se
por acaso virasse a cabeça na direção deles. Apesar disso, não foram
descobertos. Durotan sentiu como se estivesse à luz do dia, de tão brilhante que
a lua estava em contraste com a neve cristalina. E o barulho da neve quando
pisava era tão alta quanto um ogro enfurecido. Finalmente alcançaram a árvore
e afundaram-se atrás dela. A respiração de Durotam condensou quando
finalmente exalou. O outro orc virou-se e sorriu para ele.

"Eu sou Orgrim, linhagem de Telkar Doomhammer do clã Blackrock" disse o


jovem num sussurro orgulhoso.

Ele estava impressionado. Apesar da linhagem Doomhammer não ser de chefes


guerreiros, era muito conhecida e honrada.

"Sou Durotan, linhagem de Garad do clã Frostwolf" respondeu ele. Agora era a
vez de Orgrim reagir ao fato de estar sentado com o herdeiro de outro clã. Ele
acenou em aprovação.

Ficaram sentados por um instante, divertindo-se com a glória do desafio.


Durotan começou a sentir o frio e a água infiltrar pela pele grossa de sua capa

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até chegar aos pés. Apontou para a multidão de novo e Orgrim assentiu.
Espiaram pela árvore com cuidado, esforçando-se para escutar. Certamente
agora eles escutariam os mistérios que tanto ansiavam saber. Entre os sons dos
estalos da grande fogueira e as batidas profundas dos tambores, vozes
flutuavam até eles.

"O xamã ficou atarefado nesse inverno com a febre" disse Garad, pai de
Durotan. Ele afagou o gigantesco lobo branco que adormecia perto da fogueira.
A besta, sua pelagem alva que o identificava como sendo dos Frostwolf, ganiu
em satisfação. "Tão logo uma criança é curada, outra adoece".

"Eu estou pronto para a primavera" disse outro orc ao levantar-se e jogar um
tronco na fogueira. "Tem sido duro para os animais também. Quando nos
preparávamos para o festival foi muito difícil achar fenocerontes."

"Klaga faz ensopados deliciosos com os ossos, mas recusa-se a falar quais ervas
usa" disse um terceiro fitando uma orquisha que estava amamentando um
infante. A fêmea em questão, provavelmente Klaga, riu.

"A única que terá a receita é esta pequena quando ela tiver idade." respondeu.

De queixo caído, Durotan virou-se para encarar Orgrim, que estava com uma
expressão similar. Isso era o que consideravam tão importante e secreto que as
crianças eram proibidas de sair da barraca? Discussões sobre febre e sopas?

Na luz brilhante da lua ele não teve problemas para ver claramente o rosto de
Orgrim. As sobrancelhas dele se juntaram ao franzir a testa.

"Você e eu podemos elaborar algo mais interessante do que isso, Durotan" disse
numa voz fraca e tola.

Ele sorriu e concordou. Ele tinha certeza disso.

O festival durou mais dois dias. Quando saiam escondidos, fosse dia ou noite,
eles desafiavam um ao outro em diferentes testes de habilidades. Corridas,
escalada, força, equilíbrio, tudo o que pudessem pensar. E um derrotava o outro
como se tivessem planejado os turnos. Quando, no último dia, Orgrim gritou
por um quinto desafio para desempatar, algo dentro de Durotan o fez falar.

"Não vamos mais fazer desafios comuns e inferiores" disse ele, se perguntando
de onde surgiam as palavras a medida que as pronunciava. "Vamos fazer algo
nunca feito na história de nosso povo".

Os olhos cinzas de Orgrim brilharam ao que se aproximou "O que você sugere?"

"Vamos ser amigos, você e eu"

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O queixo musculoso de Orgrim caiu. "Mas, nós não somos do mesmo clã." disse
com uma voz que parecia que ele tinha sugerido uma amizade entre um lobo
negro e um meigo talbuque.

"Não somos inimigos" disse com um gesto desdenhoso. "Olhe a sua volta. Os
clãs se reunem duas vezes ao ano e não há problemas nisso."

"Mas...meu pai diz que a paz é mantida justamente porque nos reunimos
pouco." continuou Orgrim. Preocupado, franziu a testa.

Decepção temperou as palavras de Durotan com amargura. "Muito bem.


Achava que era mais corajoso que os outros, Orgrim dos Doomhammer, mas
você não é melhor do que eles - acanhado, tímido e relutante em ver além do
que já foi feito e do que é possível."

As palavras foram de coração e se ele tivesse calculado ou aprimorado elas por


semanas, não poderia tê-las escolhido melhor. A face castanha de Orgrim corou
e seus olhos estalaram.

"Eu não sou covarde" rosnou ele. "Eu não fugi de nenhum desafio que propôs".

Então ele pulou em Durotan, derrubando o orc, que era menor do que ele e os
dois socaram-se até ser preciso chamar os xamãs para medicá-los e censurá-los
sobre a incoveniência de brigar em local sagrado.

"Garoto impulsivo" ralhou a xamã do Frostwolf, uma velha orquisha chamada


'Mãe' Kashur. "Você não está velho para levar uma surra como uma criança
desobediente, jovem Durotan".

O xamã que cuidava de Orgrim resmungou semelhantes sons descontentes.

Mesmo com o sangue escorrendo de seu nariz e enquanto via o xamã curar um
talho feio no torso de Orgrim, Durotan sorriu. Orgrim olhou para ele e sorriu de
volta.

O desafio havia começado, o desafio final, muito mais importante do que


corridas ou levantar pedras, e nenhum estava disposto a admitir a
derrota...dizer que a amizade entre dois jovens orcs de clã diferentes era errado.
Durotan pressentiu que esse desafio em particular acabaria apenas quando um
deles morresse...ou talvez nem assim.

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Capitulo 2

Eu me lembro da primeira vez que encontrei os tauren. Lembro-me da voz


profunda e rosto calmo de Cairne Bloodhoof e de se sentar no chão de uma
tenda que poderia ser armada e desarmada com rapidez e estranhamente ainda
me sentir em casa. Nós fumávamos cachimbo, dividíamos comidas e bebidas,
sentíamos as vibrações das batidas em nossos ossos e conversávamos.

No começo os taurens pareciam bestiais, mas havia sabedoria e disposição


neles, e na primeira rodada de negociações feita, eu sabia que os orcs tinham
um aliado valioso nesses seres meio bovinos.

Enquanto conversávamos a noite caiu, suave em harmonia com a bela terra.


Saímos da tenda e olhamos as estrelas, muitas para se contar, um doce vento
acariciando nossos rostos. Voltei-me para Drek’Thar em busca de sua
sabedoria. Para meu espanto, vi lágrimas em seus olhos, brilhando na luz da
lua.

“Nós éramos assim, meu chefe”, disse com a voz entrecortada. Levantou seus
braços, jogou a cabeça para trás, chamando o vento para abraçá-lo e secar as
lágrimas de seu forte rosto verde.

“Próximos a terra, aos espíritos. Fortes nas caçadas, gentis com os jovens, certos
e justos, sabendo nosso lugar no mundo. Entendendo o equilíbrio de dar e
receber. A única mágica praticada pelos taurens é benéfica, pura mágica da
terra e ela reflete isso. Da maneira que uma vez Draenor refletiu a nossa
ligação.”

Eu pensei no pedido de ajuda dos tauren em lutar contra seus inimigos, os vis e
imundos centauros.

“Sim...sinto por eles. Será bom poder ajudá-los”, eu disse.

Drek’Thar riu, voltando-se para mim com seus olhos cegos e me enxergando
mais claramente do que qualquer um com visão poderia.

“Oh, jovem Thrall”, disse rindo levemente, “você não entende. Eles que nos
ajudarão.”

Durotan correu tão rápido quanto suas poderosas pernas jovens conseguiam
carregá-lo. Sua respiração ficou ofegante e suor umedecia sua pele castanho-
avermelhado, mas forçou-se a continuar. Era verão e ele estava com seu largo
pé descalço sobre a grama macia enquanto corria e ás vezes ele pisava na muda
da brilhante e roxa dassanflor. O perfume da planta esmagada, que era

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cultivada para cura, subiu como uma bênção, inspirando ele a correr mais
longe, mais rápido.

Ele agora estava no limite da floresta Terokkar, entrando em suas profundezas


frias e verdejantes. Tinha que tomar cuidado com as raízes torcidas das
elegantes árvores para que não tropeçasse, fazendo com que perdesse
velocidade. Luzes brandas irradiavam no coração verde da floresta e a calma
que emitia estava em grave contraste com o desejo de vencer de Durotan.
Aumentou a velocidade, pulando sobre os troncos cobertos de musgo,
desviando de galhos baixos com a graça de um talbuque. Seus cabelos negros
ao vento, longos e grossos derramavam em suas costas. Seus pulmões
queimavam e suas pernas gritavam para que parasse, mas ele rangeu os dentes
e ignorou as demandas do seu corpo. Ele era um Frostwolf, o herdeiro, e
nenhum Blackrock poderia-

Durotan escutou um grito de guerra atrás dele e seu coração pesou. Como a
dele, a voz de Orgrim ainda estava pegando o tom grave que distinguia um
adulto, mas ele tinha que admitir que já impressionava. Ele tencionou suas
pernas a forçar mais, mas elas estavam tão pesadas e imóveis como se fossem
de pedra. Ele viu com pesar do canto de seu olho, quando Orgrim apareceu em
seu campo de visão e então, com um último impulso, ultrapassou ele.

O orc de Blackrock esticou seu braço e arrematou, conseguindo bater na árvore


da clareira, que haviam previamente decidido como objetivo, antes de Durotan.
Orgrim continuou por mais alguns passos, como se suas pernas poderosas, uma
vez em movimento, se recusassem a parar. As dele não tinham esse problema e
o herdeiro dos Frostwolf caiu de cara no chão, mal conseguindo se segurar.
Deitado com o rosto na terra fria, que tinha um doce perfume de musgo,
recuperando seu fôlego, sabendo que deveria sentar-se e desafiar Orgrim de
novo, mas exausto demais para fazer qualquer coisa além de deitar no chão da
floresta e se recuperar.

Ao seu lado, ele escutou Orgrim fazer o mesmo e então, virou-se para rir.
Durotan riu também. Pássaros e pequenos animais que habitavam a floresta
Terokkar estavam em silêncio enquanto os orcs diziam palavras de alegria que
provavelmente soavam como um grito feroz que antecipava uma caçada.

“Ah”, grunhiu Orgrim, sentando e socando Durotan de uma maneira amigável.


“É um esforço mínimo ganhar de um adolescente que nem você.”

“Você tem tanto músculo que seu cérebro está atrofiado”, replicou. “Habilidade
é tão importante quanto força. Mas o clã Blackrock não saberia sobre tais
coisas.”

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Não havia maldade no gracejo deles. No começo os clãs estavam preocupados
com a amizade dos jovens, Mas o argumento teimoso de Durotan – que só
porque algo nunca havia sido feito não significava que não poderia ser feito –
divertiu e impressionou os líderes de ambos os clãs. O fato de serem
tradicionalmente pacíficos ajudou muito. Se tivessem proposto tal amizade com
um membro do clã Warsong ou Bonechewer, por exemplo, que eram
conhecidos por seu orgulho e desconfiança nos outros, a pequena chama de
amizade apagaria rápido. Então, os anciãos observavam e esperavam que a
amizade desaparecesse e cada um voltasse para o seu lugar e manter a ordem
habitual já estabelecida por...tanto tempo quanto pudessem lembrar.

Eles ficaram desapontados.

A última geada do inverno tinha aberto caminho para a primavera e esta agora
para o calor completo do verão, e a amizade continuava. Durotan sabia que
estavam sendo observados, mas contanto que ninguém interferisse, ele não se
opunha.

Durotan fechou os olhos e deixou o musgo espalhar pelos seus dedos. Os xamãs
disseram que tudo tinha uma vida, um poder, uma essência. Eles eram
envolvidos profundamente com os espíritos dos elementos – terra, ar, fogo e
água - E o Espírito da Natureza – e alegavam que podiam sentir a força vital na
terra e até mesmo numa aparente pedra inanimada. Tudo o que Durotan sentia
era uma sensação fria e um tanto úmida de musgo e solo nas palmas de suas
mãos.

A terra tremeu. Seus olhos abriram num estalo.

Sentou rápido, automaticamente pegando sua clava com espinhos, que sempre
carregava junto a si. Orgrim preferiu um machado de metal pesado, arma
tradicional dos Blackrock, uma versão simplificada do machado legendário que
um dia seria dele. Os jovens trocaram olhares. Não precisavam falar para se
comunicarem. O que fez a terra tremer dessa maneira seria um enorme
fenoceronte, com sua pele desgrenhada que fazia cobertores magníficos e rica
carne vermelha que poderia alimentar quase um clã inteiro; ou seria algo mais
perigoso?

O que vivia na floresta de Terokkar? Eles só estiveram aqui uma vez...

Levantaram em uníssono, seus pequenos olhos negros espiando nos cantos


escuros das crescentes árvores, quase onipresentes agora, procurando pela coisa
responsável pelo barulho.

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Bum. A terra estremeceu de novo. O coração de Durotan começou a bater mais
depressa. Se fosse um fenoceronte pequeno, talvez eles conseguissem abatê-lo e
dividir os espólios com os dois clãs. Ele olhou para Orgrim e viu seus olhos
brilharem de agitação.

Bum.

Bum.

Crash.

Ambos arfaram e recuaram ao que o ruído se aproximava. Uma árvore a


poucos metros dele parecia estilhaçar diante de seus olhos. A coisa responsável
pelo barulho e despacho casual da árvore antiga apareceu.

Era enorme, carregava uma clava tão grande quanto eles e definitivamente não
era um fenoceronte.

E tinha avistado eles.

Abriu a boca e gritou algo remotamente compreensível, mas Durotan não iria
perder tempo imaginando o que havia dito.

Pensando como um, os dois garotos viraram e fugiram.

Agora ele desejava que não tivessem decidido mais cedo a desafiar um ao outro
para uma corrida, pois suas pernas não haviam se recuperado por completo.
Mesmo assim elas se moveram quando pediu, o instinto de sobrevivência
dando energia.

Como eles vagaram tão adentro do território dos ogros? E onde estava o gronn,
seu líder? Durotan imaginou o líder dos ogros abrindo caminho pelas árvores
como o ogro fazia – proeminente em relação aos ogros e estes em relação aos
orcs, mais hediondo do que um ogro, feito mais de terra do que de carne e
ainda tão terrivelmente errado, seu único olho avermelhado e fixo enquanto
apontava para o ogro ir em direção dele e Orgrim.

Ainda não tinha chegado à época na qual seriam iniciados na maturidade e


assim ter permissão de irem com os guerreiros do clã para caçar os ogros e, em
raras ocasiões, os próprios gronns. Eles tinham apenas ido às caçadas menos
perigosas, a talbuques e outras presas fáceis, mas Durotan sempre ansiou pelo
dia no qual seria permitido a ele atacar essas criaturas apavorantes e obter
honra para ele e seu clã.

Agora, não estava tão certo. A terra continuou a tremer e os gritos do ogro
pareciam mais claros agora.

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“Esmagar pequenos orcs! Mim esmagar!” O rugido que soltou quase fez seus
ouvidos sangrarem.

A coisa estava alcançando eles. Apesar das ordens apavoradas do seu cérebro
para que seu corpo corresse mais rápido, mais rápido maldição, ele não
conseguia distanciar-se do ser monstruoso que tão perto se aproximava que sua
vasta sombra quase obscurecia a pouca luz que filtrava dos galhos das árvores.

As árvores rarearam e a luz ficou mais brilhante. Eles estavam perto do limite
da floresta. Durotan continuou correndo, irrompendo no espaço aberto do
prado, pisando em grama fofa de novo. Orgrim estava a sua frente, mas não por
muito. Desespero atravessou Durotan, seguido por uma onda negra de fúria.

Eles ainda não eram adultos! Não tinham ido a sua primeira caça de verdade,
não dançaram com as fêmeas em volta da fogueira, nem banharam seus rostos
no sangue quente da primeira vítima. Tanto que não haviam feito ainda. Uma
morte gloriosa numa batalha era uma coisa, mas estavam com tanta
desvantagem em relação à horrível criatura que suas mortes seriam engraçadas
e não honrosas.

Sabendo que custariam segundos preciosos, mas incapaz de resistir o impulso,


ele virou sua cabeça para gritar uma ofensa para o ogro antes de ser esmagado
como um bolo de grãos pela sua clava.

O que viu fez seu queixo cair.

Os salvadores não proferiram uma palavra. Moviam-se em silêncio, uma


silenciosa maré azul, branca e prata que parecia saltar do ar. Durotan escutou o
gemido familiar de flechas atravessando o ar, um milésimo depois os gritos do
ogro eram marcados não de raiva, mas de dor. Dúzias de flechas, pequenas
naquele corpo massivo e pálido, germinavam nele e detiveram seu mortal
progresso. Gritou e tentou se livrar do que irritava sua pele.

Uma voz clara ecoou. Apesar de não entender a língua, ele reconheceu as
palavras de poder quando as escutava e sua pele formigou. De repente o céu
estava repleto de relâmpagos. Mas esses eram diferentes dos que havia visto os
xamãs evocarem. Energia azul, branca e prata estalavam em volta do ogro como
uma rede, rodopiando e cercando-o. O monstro urrou uma vez e caiu. A terra
tremeu.

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Capitulo 3

Drek’Thar não viu as cidades dos draenei quando estavam pacíficas. Apenas as
viu quando...bom, estou me adiantando. Mas ele disse que meu pai caminhou
pelas estradas brilhantes dos draenei, comeu sua comida, dormiu em seus
aposentos, conversou com eles em igualdade. Observou um mundo tão
diferente do nosso que até hoje é difícil de ter um vislumbre. Nem as terras dos
kaldorei me são tão estranhas quanto o que aprendi sobre os draenei. Drek’Thar
disse que Durotan não tinha palavras para descrever o que viu; talvez hoje,
vivendo nessa terra que leva o seu nome e vendo o que vi, ele teria.

Arrependimento tem um gosto amargo...

Durotan não conseguia se mover. Era como se a misteriosa rede de energias


brilhantes que havia sido jogada no ogro houvesse caído sobre ele, e ele estava
incapaz de resistir. Encarava com a boca aberta, tentando entender o que seus
olhos mostravam.

A cidade dos draenei era gloriosa! Entrelaçado à lateral da montanha, como se


tivesse florescido ali, parecia a ele como a união de pedra e metal, da natureza e
do artifício. Não sabia exatamente o que estava contemplando, mas sabia ser
harmonioso. Com o desaparecimento da magia, a cidade foi revelada em sua
tranquila magnificência. Tudo o que avistava chamava a atenção. Sólidos
degraus de pedra com suas bases largas, embotadas e pontiagudas em direção
ao alto, conduziam para moradias esféricas. Uma lembrava a concha de um
caracol; outra um cogumelo. A combinação era admirável. Banhada em cores
do sol poente, as nítidas linhas dos degraus eram suavizadas e as cúpulas
pareciam ainda mais atrativamente redondas.

Ele virou-se para achar a mesma expressão de espanto no rosto de Orgrim, e


então viu um tímido sorriso se formando nos lábios de Restalaan.

“Vocês são bem vindos aqui, Durotan e Orgrim”, disse. As palavras pareceram
quebrar o feitiço e Durotan seguiu em frente desajeitadamente. As estradas de
pedra foram polidas ou pelo tempo ou pelos draenei, ele não sabia. Ao se
aproximarem, ele via que a cidade continuava montanha acima. O padrão
arquitetônico dos degraus era repetido aqui, com longas estradas feitas da
mesma pedra branca que parecia não manchar apesar de pelo menos dez
gerações de orcs terem vivido e perecido desde a chegada dos draenei. Ao
contrário de chifres e peles de animais abatidos na caça, os draenei usavam as
dádivas da terra. Havia gemas cintilantes por todo o lugar, e um estranho metal
leve marrom que ele nunca havia visto. Os orcs conheciam metais; eles lidavam

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com eles para benefício próprio. Inclusive já tinham caçado com machado e
espada, mas isso...

“Do que sua cidade é feita?” perguntou Orgrim. Foi a primeira palavra dele
desde o começo dessa estranha viagem feita na companhia dos draenei.

“Muitas coisas.” replicou. Agora atravessavam os portões e recebiam olhares


curiosos, mas não hostis, dos habitantes. “Somos viajantes, relativamente novos
nesse mundo.”

“Novos? Há mais de duzentos verões que seu povo veio para cá. Não somos os
mesmos.” ressaltou Durotan.

“Não são.” concordou calmamente Restalaan. “Nós observamos que os orcs se


desenvolverem em força, habilidade e talento. Vocês nos impressionaram.”

Durotan sabia que era um elogio, mas de alguma maneira incomodou. Como
se...achassem que os draenei fossem melhores do que os orcs. Esse pensamento
roçou como a asa de uma borboleta e sumiu tão rápido quanto chegou. Olhou a
sua volta e, para seu embaraço, pensou se não era verdade. Nenhuma habitação
orc era embelezada, ou complicada. Mas afinal...os orcs não eram draenei. Eles
não precisavam, ou escolheram viver como os draenei.

“Respondendo a sua pergunta Orgrim, quando nós chegamos aqui utilizamos


tudo o que trouxemos junto conosco. Entendo que seu povo constrói barcos
para navegar rios e lagos. Bem, viemos em um que podia viajar pelos céus...e
que nos trouxe aqui. Era feito de metal e...outras coisas. Quando percebemos
que aqui seria nosso novo lar, pegamos parte do barco e usamos em nossa
estrutura.”

Então era esse metal espiralado, gigante e tênue que parecia ser feito de cobre e
couro. Durotan perdeu o fôlego.

“Está mentindo! Metal não pode flutuar!”.

Um orc teria rosnado e dado um soco na sua orelha – forte – por tal insolência.
O draenei apenas riu de leve.

“É o que evidentemente se pensaria. Mas é também o que pensaria sobre a


possibilidade de convocar os elementos para combater um ogro.”

“Isso é diferente,” desdenhou Orgrim. “Isso é magia.”

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“Isso também é, de uma maneira” disse Restalaan. Acenou para um draenei e
disse algo em sua língua nativa. O outro draenei concordou e adiantou-se.

“Quero apresentar-lhes alguém, se ele não estiver muito ocupado.” disse e logo
calou-se. Durotan tinha mil perguntas, mas não se atreveu a fazê-las, temendo
parecer tolo. Orgrim pareceu ter aceitado a explicação sobre magia, mas ambos
esticavam o pescoço ao olhar o ambiente.

Cruzaram por muitos draenei ao caminhar pelas ruas, e viram uma fêmea que
parecia ter a idade deles. Era delicada, mas alta e quando ela e Durotan
trocaram olhares, ela vacilou. Então um tímido sorriso se formou e ela abaixou
a cabeça encabuladamente.

Sorriu de volta. Sem pensar ele perguntou “No nosso acampamento você
encontraria muitas crianças. Onde estão as crianças draenei?”

“Não há muitas, nosso povo tem longevidade e por isso raramente temos
crianças.” afirmou.

“Quanto tempo vocês vivem?” perguntou Orgrim.

“Muito” foi tudo o que disse. “Suficiente para dizer que me lembro da nossa
chegada aqui.”

Orgrim o encarava abertamente. Durotan queria cutucá-lo, mas estava muito


longe. De repente percebeu que a jovem figura feminina que acabara de ver não
era da mesma idade dele afinal. Naquela hora o patrulheiro que ele havia
despachado, voltou e falou rapidamente com ele. Restalaan pareceu satisfeito
com o que escutou e virou para eles sorrindo.

“Aquele que nos trouxe a esse mundo, nosso profeta, Velen, ficará aqui por
muitos dias. Achei que ele gostaria de vê-los. Não é sempre que recebemos
visitantes.” Deu um largo sorriso. “É com prazer que Velen não só concordou
em conhecê-los como os convidou para acompanhá-lo essa noite. Irão jantar
com ele e dormir na casa do magistrado. É com certeza uma grande honra.”

Os dois garotos emudeceram. Jantar com o Profeta, o líder dos draenei?

Durotan começou a pensar que teria sido melhor se tivesse sido esmagado pela
clava do ogro.

Eles seguiram piamente enquanto Restalaan os guiava pelas ruas sinuosas e


inclinadas até o topo, pelos edifícios grandes que ficavam na parte mais alta da

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montanha. Os degraus perfeitamente quadrados e sólidos pareciam não ter fim
e a respiração de Durotan acelerou enquanto escalavam. Chegaram ao ápice e
estavam observando uma estrutura em forma de caracol com interesse quando
o draenei disse “Olhe para trás.”

Eles obedeceram e Durotan engasgou. Abaixo deles, espalhado como joias em


um prado, estava a cidade dos draenei. O último pedaço de pôr do sol a tingia
em cores flamejantes; então o sol se foi no horizonte e tudo foi banhado em tons
de roxo e cinza. Luzes se acenderam nas casas e lembrou a Durotan o céu cheio
de estrelas.

“Não quero parecer esnobe, mas tenho orgulho do meu povo e da minha
cidade.” disse. “Trabalhamos duro aqui e amamos Draenor. E nunca imaginei
que teria a chance de dividir isso com um orc. As armadilhas do destino são
definitivamente estranhas.”

Ao dizer isso, um profundo e quase distante pesar pareceu tomar conta de suas
feições. Afastou o sentimento e sorriu.

“Entrem e serão assistidos”.

Quietos, chocados a ponto de perder a habilidade da fala, suas jovens mentes


abertas as imagens, sons e aromas desse lugar estranho, Durotan e Orgrim
entraram no aposento do magistrado. Mostraram a eles quartos que, enquanto
bonitos e decorados os faziam sentir-se aprisionados. As paredes curvas, tão
chamativas por fora e não menos adoráveis por dentro, pareciam mais sufocá-
los do que recebê-los. Frutas jaziam na tigela, prontas para consumo, roupas
esquisitas estavam disponíveis para vestirem e havia uma banheira com água
quente fumegando no meio do quarto.

“Essa água está quente demais para beber e é muita para mergulhar ervas.”
ressaltou Durotan.

“É para tomarem banho.” respondeu o draenei.

“Banho?”

“Para lavarem a sujeira de seus corpos.” disse Restalaan. Orgrim o encarou,


mas ele parece estar falando sério.

“Não tomamos banho.” grunhiu Orgrim.

“Nós nadamos nos rios no verão. Talvez isso seja parecido.” afirmou Durotan.

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“Não precisam fazer nada que não os agrade. O banho, a comida e as roupas
estão aqui para a sua necessidade. Profeta Velen espera vê-los em uma hora. Eu
virei buscá-los. Posso ajudar em algo mais?”

Eles negaram com a cabeça. Restalaan então fechou a porta. Durotan virou-se
para seu amigo.

“Acha que estamos em perigo?”

Orgrim olhou o estranho material e a água quente. “Não, mas...sinto que estou
em uma caverna. Preferia estar em uma barraca.”

“Eu também.” Durotan tocou a parede que estava fria e suave; então percebeu
que esperava que ela estivesse quente e...de alguma maneira viva.

Apontou para a banheira. “Quer experimentar?”

“Não.” disse o amigo, e começaram a gargalhar e por fim ambos começaram a


espirrar água no rosto um do outro e descobriram que a água morna era mais
agradável do que pensavam. Comeram as frutas, tomaram água e decidiram
que as vestimentas deixadas eram aceitáveis para substituírem as túnicas sujas
e suadas, mas que permaneceriam com seus culotes de couro.

O tempo passou mais depressa do que esperavam. Estavam tentando dobrar a


perna de metal de uma cadeira como desafio, quando alguém bateu na porta.
Pularam assustados; Orgrim conseguiu dobrar a perna da cadeira ao que era
original, mas ela estava meio torta.

“O Profeta está pronto para vê-los agora.” disse Restalaan.

Ele é um Ancião foi o primeiro pensamento de Durotan quando seus olhos


encontraram os do Profeta Velen.

Ele já estava espantado pela aparência dos draenei. Contemplar Velen era algo
mais. O Profeta Draenei era meia cabeça mais alto do que os mais altos guardas
que tinha visto, mas não tão forte fisicamente. Seu corpo, vestido em suaves
túnicas cor de canela, era menos musculoso que os deles. E sua pele! Era de um
tom alvo fraco. Seus olhos, instigantes e sábios, cintilavam um azul brilhante e
eram envolvidos por rugas entalhadas profundamente que exprimiam não
apenas um Ancião, mas até mesmo um ancestral. Seus cabelos prateados não
estavam soltos como o da maioria, mas trançados num círculo e ornamentado,
expondo seu crânio pálido. Sua barba ondulava como uma onda prata até a
cintura.

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Nem Ancião nem ancestral. Pensou Durotan enquanto aqueles olhos azuis
intensos e faiscantes caíram sobre ele e pareciam ver sua alma.
Quase...atemporal.

Lembrou-se do que Restalaan disse, como ele tinha mais de duzentos verões.

Velen era bem mais velho do que isso.

“Bem vindos.” disse numa voz melosa ao levantar e inclinar a cabeça. Suas
tranças dançaram com o movimento. “Sou Velen. Estou contente que meu povo
os achou hoje, apesar de achar que em alguns anos você seriam mais do que
capazes de lidar com um ogro, ou mesmo com um ou dois gronns.”

Novamente, Durotan não sabia como, ele sabia que aquele não era um elogio
falso. Orgrim também pressentiu pois endireitou-se e olhou os olhos do draenei
em igualdade.

Velen pediu que se sentassem e assim fizeram. Durotan sentiu-se desajeitado na


mesa extravagante e cadeiras ornadas. Quando a comida chegou, ele relaxou.
Lombos de talbuque, assado de pena-branca, grande quantidade de pães e
pratos empilhados com vegetais – essa era uma comida que conhecia e
entendia. De algum modo, ele tinha esperado algo completamente diferente.
Mas por quê? Suas construções e estilo de vida podiam ser muito diferentes,
mas como os orcs, os draenei se nutriam do que a terra podia fornecer. O
preparo era um pouco distinto – orcs ferviam sua comida, ou cozinhavam na
fogueira quando cozinhavam; frequentemente carne era consumida crua – mas
no geral, comida era comida e essa era deliciosa.

Velen era um anfitrião excelente. Fez perguntas e pareceu genuinamente


interessado nas respostas: Com qual idade eles podiam caçar ogros? Escolher
uma parceira? Qual a comida favorita? Sua arma favorita? Orgrim, mais que
Durotan, ficou excitado com a conversa e começou a discutir suas façanhas.
Para seu crédito, ele não precisava aumentar suas estórias.

“Quando meu pai falecer, vou herdar a Doomhammer.” disse com orgulho. “É
uma arma antiga e honrada, passada de pai para o filho mais velho.”

“Irá empunhá-la bem, Orgrim.” concordou Velen. “Mas acredito que demorará
alguns anos até reclamá-la.”

Não pareceu ter passado pela cabeça dele naquela hora o fato do pai dele ter
que morrer para que pudesse virar Orgrim Doomhammer, e assim ficou com o
ar solene. Velen sorriu com uma pitada de tristeza, achou Durotan. Com o
sorriso, finas rachaduras apareceram em sua face como finas teias de aranha em
superfície branca.

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“Mas me fale mais sobre esse martelo. Parece-me uma arma poderosa.”

O rosto de Orgrim iluminou. “É enorme! A pedra é negra e poderosa, e a haste


é feita de madeira cuidadosamente fabricada. A haste teve de ser trocada com o
passar dos anos, mas a pedra não tem uma lasca sequer. É chamada de
Doomhammer porque quando é levada para a batalha, ela significa destruição
para o inimigo.”

“Entendo.” disse Velen ainda sorrindo.

Orgrim estava concentrado em sua tarefa. “Mas há também uma profecia.”


continuou. “Diz que o último da linha Doomhammer a usá-la, trará salvação e
destruição para o povo orc. Então será passada para as mãos de alguém não
pertencente ao clã Blackrock, tudo irá mudar novamente, e será usada mais
uma vez como objeto de justiça.”

“Essa é uma poderosa profecia.” ressaltou Velen. Ele não disse mais nada, mas
Durotan sentiu um arrepio. Esse homem era chamado de Profeta pelo seu povo.
Ele saberia se essa profecia se tornaria verdade? Arriscaria perguntar?

Orgrim continuou, descrevendo a Doomhammer em detalhes apaixonados.


Durotan já conhecia a arma, então se desligou da explicação e concentrou-se em
Velen. Por que estava tão interessado neles?

Durotan era um jovem sensível e sabia disso. Ouviu por acaso uma conversa de
seus pais sobre essa característica e Mãe Kashur, que zombou deles e disse para
se preocuparem com coisas mais importantes e “deixar o garoto viver seu
destino”. Durotan reconhecia falso interesse quando via, inclusive em um
draenei. Mas os brilhantes olhos azuis de Velen eram concentrados, seu
receptivo rosto bondoso apesar de feio e seus questionamentos sinceros. Ele
queria saber sobre os orcs. E quanto mais descobria, mais triste parecia ficar.

Gostaria que Mãe Kashur estivesse aqui no meu lugar, pensou de repente. Ela
saberia aproveitar melhor essa oportunidade do que Orgrim e eu.

Quando Orgrim terminou de descrever a arma, Durotan perguntou, “Pode nos


falar sobre seu povo, Profeta? Sabemos tão pouco. Nas últimas horas aprendi
mais do que qualquer outro do meu povo pelos últimos cem anos, acredito.”

Velen virou seus olhos azuis para ele. Quis desviar do seu olhar fixo, não
porque o temia, mas porque nunca se sentiu tão...visto.

“Os draenei nunca escondeu informações, jovem Durotan. Mas...acredito ter


sido o primeiro a perguntar. O que deseja saber?”

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Tudo quis dizer, ao invés disso concentrou-se na pergunta. “Os orcs não
encontraram os draenei há pelo menos duzentos verões. Restalaan disse que
vieram num grande navio que pode viajar pelos céus. Conte mais.”

Velen tomou um gole de sua bebida, que para Durotan tinha gosto de verão, e
sorriu. “Para começar ‘draenei’ não é nosso verdadeiro nome. É um termo que
significa...’exilados’.”

Durotan ficou boquiaberto.

“Nós discordamos de outros no nosso mundo. Não queríamos vender nosso


povo à escravidão e por isso fomos exilados. Passamos muito tempo tentando
achar um lugar adequado para residir – um lugar que fosse nosso.
Apaixonamos-nos por essa terra e a chamamos de Draenor.”

;Durotan acenou. Ele ouviu o termo antes. Gostava de como a palavra dobrava
em sua língua quando falava, e os orcs não tinham outro nome para esse lugar a
não ser “mundo”.

“É uma expressão nossa, não somos arrogantes para esperar que os orcs a
usariam também. Mas assim a apelidamos, e amamos Draenor profundamente.
É um belo mundo, e nós já vimos muitos.”

“Vocês viram outros mundos?” arfou Orgrim.

“Vimos com certeza. E encontramos muitos povos.”

“Povos como os orcs?”

Velen sorriu com gentileza. “Não há outros como os orcs,” disse com respeito
ressoante em sua voz. “São peculiares.”

Durotan e Orgrim olharam-se e endireitaram-se em suas cadeiras.

“Mas sim, tínhamos viajado por algum tempo antes de encontrarmos esse
mundo. Aqui estamos, e aqui permaneceremos.”

Durotan queria perguntar mais – por quanto tempo tinham viajado, como era
sua terra natal, porque tiveram que deixá-la. Mas havia algo no rosto eterno de
Velen que, apesar de ter sido encorajado a perguntar, o líder draenei não iria
contar essa história em particular.

Então, ao invés disso, ele perguntou sobre a natureza de suas armas e magia.
“Nossa magia vem da terra, dos xamãs e dos ancestrais.”

“Nossa magia vem de outra fonte, não acho que entenderiam se explicasse.”

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“Não somos estúpidos.” indignou-se Orgrim.

“Perdoe-me, não foi o que quis insinuar.” Era uma desculpa sincera e graciosa,
de novo impressionando Durotan. “Seu povo é sábio e vocês obviamente
inteligentes. Mas...não estou certo se tenho as palavras na sua língua. Não
duvido que se tivesse tempo e vocabulário, vocês entenderiam.”

Até para essa explicação ele parecia buscar as palavras. Durotan pensou no tipo
de mágica que pode esconder uma cidade, no metal macio e incomum mesclado
com as gemas da terra e pedra sólida e percebeu que Velen estava certo. Não
havia orc que pudesse compreender tudo isso em uma noite, apesar de
suspeitar que Mãe Kashur tivesse uma inerente compreensão, e se perguntou
por que as duas raças não interagiam mais.

A conversa segui com assuntos mundanos. Os dois jovens aprenderam que no


fundo da floresta Terokkar havia um lugar sagrado para os draenei, chamado
Auchindoun. Lá os mortos eram enterrados, ao invés de serem queimados em
piras. Particularmente achou isso estranho, mas não disse nada. Telmor era
mais perto dessa “cidade dos mortos” e Velen veio numa triste missão de
enterrar os que haviam perecido na luta contra o ogro que quase matou os dois
orcs naquele dia.

Ele explicou que vivia num lindo lugar chamado Templo de Karabor. Havia
outras cidades draenei, mas a maior era ao norte e chamava Shattrath.

Então a refeição havia chegado ao fim. Velen suspirou e seus olhos repousaram
em seu prato, mas Durotan tinha certeza que ele não estava olhando.

“Peço sua licença.” disse levantando-se. “Foi um longo dia e preciso meditar
antes de dormir. Foi uma honra conhecê-los, Durotan do clã Frostwolf e Orgrim
do clã Blackrock. Acredito que dormirão bem e profundamente, a salvo nesses
muros, onde ninguém do seu povo já esteve.”

Ambos levantaram-se com os outros e fizeram uma reverência. Velen sorriu


com o mesmo pesar que Durotan havia percebido antes.

“Encontraremos-nos de novo, jovens. Boa noite.”

Os orcs saíram pouco depois. Foram escoltados para seus quartos e dormiram
bem, apesar de Durotan ter sonhado com um velho orc sentando
silenciosamente ao seu lado e perguntou-se o que significava.

“Traga ele.” disse o velho orc para Mãe Kashur.

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Mãe Kashur, a xamã mais velha do clã Frostwolf, dormia intensamente. Pela
sua posição honrosa, sua tenda era a segunda mais opulente, perdendo apenas
para a de Garad, líder do clã. Tapetes grossos de pele de fonecerontes
protegiam seus velhos ossos do frio da terra, e uma leal e amorosa neta atendia
suas necessidades, alimentação, limpeza e mantendo a fogueira atiçada nos dias
gelados para a “mãe” do clã. O trabalho da Mãe Kashur era escutar vento, água,
fogo, gramado e beber a amarga bebida de ervas toda noite para abrir sua
mente para as visitas dos ancestrais. Ela colhia informações para o clã do
mesmo jeito que outros colhiam frutas e lenha, e esse dom os nutria
significantemente.

O velho orc não estava presente, e ainda assim ela sabia que era real. Ele estava
em seu sonho e isso era o bastante para ela. Nesse estado onírico, ela era jovem
e vibrante, podia ver sua pele ruborizada e saudável, sua forma esbelta cheia de
músculos. O orc tinha a aparência de quando havia morrido, idade onde sua
sabedoria estava no ápice. Tal’kraa era seu nome quando era vivo, mas agora,
apesar de ser de muitas gerações anteriores à dela, ela apenas o chamava de
Avô.

“Recebeu a mensagem,” disse ele para a jovem Kashur do sonho. Ela acenou,
seu longo cabelo negro fluindo com o movimento.

“Ele e o garoto de Blackrock estão com os draenei. Estão a salvo, posso sentir.”

Avô Tal’kraa assentiu, suas bochechas agitavam. Suas presas amareladas pelo
tempo, uma quebrada numa batalha a muito esquecida.

“Sim, estão a salvo. Traga-o.”

Era a segunda vez que tinha dito isso e Kashur não tinha certeza o que
significava.

“Ele virá à montanha em alguns meses, quando as árvores perderem suas


folhas. Então sim, vou trazê-lo.”

Tal’kraa balançou a cabeça ferozmente, seus olhos estreitados de


aborrecimento. Kashur deu um sorriso suave; de todos os espíritos que
honravam ela com sua presença, Avô Tal’kraa era o mais impaciente.

“Não, não.” resmungou. “Traga ele para nós. Traga ele para as cavernas de
Oshu’gun. Vou analisá-lo.”

Kashur respirou rápido. “Você...quer que eu leve ele para encontrar os


ancestrais?”

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“Não foi o que eu acabei de dizer? Garota tola! O que aconteceu com os xamãs
de hoje em dia?”

Esse tipo de explosão acontecia com frequência e não incomodava nem um


pouco a Kashur. Estava chocada demais pela importância do anúncio. Às vezes
os ancestrais pediam para ver as crianças, não era frequente, mas acontecia.
Normalmente significava que a criança em questão estava destinada a seguir o
caminho xamanístico. Não imaginava que Durotan faria esse caminho; era raro
que um xamã liderasse um clã. Significava pressão para lados opostos o que
comprometeria sua eficácia como líder. Escutar e honrar os espíritos e ainda
guiar bem um povo era mais do que um orc poderia administrar. Um que
pudesse fazer ambos, ele seria um orc notável.

Quando Kashur não respondeu, ele resmungou e bateu seu bastão no chão.
Kashur pulou.

“Trarei ele no dia de sua iniciação.” assegurou.

“Finalmente entendeu.” disse Tal’kraa, balançando seu bastão. “E se falhar, vou


bater meu bastão na sua cabeça ao invés do inocente chão.”

Não conseguiu esconder o sorriso quando disse isso, e ela sorriu de volta
enquanto sua imagem no sonho fechava os olhos. Apesar do seu temperamento
intimidador e pavio curto, Tal’kraa era sábio, bondoso e a amava efetivamente.
Gostaria de tê-lo conhecido quando era vivo, mas ele havia morrido há quase
cem anos.

As pálpebras de Kashur abriram e ela suspirou assim que seu espírito retornou
para seu corpo...tão velho quanto Tal’kraa quando havia morrido, mãos e pés
curvados com dores nas articulações, corpo fraco, cabelo cruelmente branco.
Sabia que a hora de deixar essa concha e estar com os ancestrais estava perto.
Drek’Thar, seu aprendiz, seria então o conselheiro de Garad e do resto do clã
Frostwolf. Ela tinha muita confiança nele e ansiava pelo dia em que seria pura
energia espiritual.

Apesar que, ao meditar enquanto a luz do sol a envolvia e o canto dos pássaros
acariciava seus ouvidos, ela sentiria falta das coisas que são dadas quando se
está vivo. As coisas simples, como comida quente e o amável toque de sua neta.

Traga ele, Avô havia dito.

E ela iria.

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Capitulo 4

Noite passada um jovem orc foi iniciado no ritual da maturidade sob a luz da
lua e das estrelas, que pareciam cintilar em aprovação. Foi a primeira vez que
pude fazer parte desse ritual, o Om’riggor. Quando jovem, fui negligenciado
dos ritos e tradições do meu povo; e verdade seja dita, todos os orcs foram
usurpados destes ritos por muito tempo. E desde que encontrei meu destino, fui
envolvido em batalhas. A guerra me consumiu. Ironicamente, a necessidade de
proteger meu povo da Legião Ardente e achar um lugar para que nossas
tradições renasçam me distanciaram de tais coisas.

Mas agora, Durotar e Orgrimar estão consolidadas. Agora, há paz, apesar de


frágil. Agora há xamãs reivindicando os antigos costumes, jovens orcs
crescendo e que, se os espíritos permitirem, nunca conhecerão o gosto amargo
da guerra.

Noite passada, participei de um ritual atemporal que foi negado a uma geração
inteira.

Noite passada, meu coração encheu-se de alegria e de um senso de ligação que


sempre desejei.

O coração de Durotan martelou em seu peito ao ver o talbuque. Era um animal


poderoso e presa valiosa, seus chifres não eram apenas adornos, mas afiados e
perigosos. Já tinha visto pelo menos um guerreiro escornado até a morte,
empalado como se fosse por uma lança.

E ele deveria abater um com apenas uma única arma e nenhuma armadura.

Alguns “conselhos” foram sussurrados, claro: Qualquer talbuque maduro será


o bastante para o ritual, escutou alguém murmurar em seu ouvido, enquanto
esperava vendado na tenda. São lutadores ferozes, mas essa é a temporada em
que os machos perdem seus chifres.

Outros sussurros: Você pode apenas carregar uma arma, Durotan, filho de
Garad, mas pode esconder uma armadura na floresta e ninguém saberia.

E, a mais vergonhosa de todas: O xamã que determinará se foi bem sucedido e


experimentará o sangue em seu rosto, o sangue de um talbuque morto há muito
tempo tem o mesmo gosto de um morto recentemente.

Ele ignorou todas as tentações. Talvez tenha havido outros orcs que tenham
sucumbido, mas ele não seria um deles. Durotan iria procurar uma fêmea, que
nessa época do ano carregariam chifres; pegaria a única arma permitida e seria

25
o sangue do animal que ele matou, fumegando no ar gelado, que untaria suas
bochechas.

E agora, em pé na inesperada nevasca, seu machado ficando cada vez mais


pesado, ele tremeu. Mas nunca vacilou.

Ele vinha rastreando o rebanho de talbuques há dois dias, sobrevivendo apenas


do que conseguia colher, criando fogueiras fracas no crepúsculo que banhavam
de cor lavanda a neve e dormindo em abrigos que encontrava ao acaso. Orgrim
já tinha feito o ritual e ele invejava seu amigo por ter nascido durante o verão.
Achou que não seria difícil no começo do outono, mas o inverno decidiu chegar
mais cedo e o tempo estava ruim.

E pareceu a ele que o rebanho também estava debochando dele. Conseguia com
facilidade encontrar pegadas e fezes, ver onde cavavam a neve a procura de
grama seca ou arrancavam cascos das árvores. Mas pareciam sempre escapar
dele. Foi no final da tarde do terceiro dia, quando pareceu que os ancestrais
decidiram recompensar sua determinação. Estava anoitecendo e Durotan
pensou, com dor no coração, que precisaria procurar abrigo e terminar mais um
dia infrutífero. Então, deu se conta de que as pequenas bolas de estrume
estavam frescas e não congeladas.

Estavam perto.

Começou a correr, a neve afundando embaixo de suas botas, um novo


entusiasmo tomando conta dele. Seguiu os rastros da maneira a qual foi
ensinado, desobstruiu sua visão –

E contemplou o rebanho de criaturas gloriosas.

Imediatamente agachou-se atrás de uma pedra grande e espiou para poder ver
os animais. Estavam marrons escuros em contraste com a neve, pois esta não
havia coberto suas costas. Havia pelo menos duas dúzias, talvez mais, maioria
eram fêmeas. Foi bom ter achado o rebanho, mas agora ele tinha outro
problema. Como ele iria abater apenas um? Diferente da maioria dos animais
que caçavam, os talbuques protegem um ao outro quando atacados. Se atacasse
um, o resto viria defendê-lo.

Os xamãs acompanhavam os caçadores para poder distrair os animais. Durotan


estava sozinho, e de repente sentiu-se vulnerável.

Franziu a testa e tentou animar-se. Estava procurando esses animais por quase
três dias e agora estavam à sua frente. A noite testemunharia um jovem orc
faminto devorar um lombo, ou um corpo endurecido na neve?

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Observou por um tempo, ciente que as sombras estavam se alongando, mas
sem querer apressar-se e cometer um erro fatal. Talbuques eram criaturas
diurnas e estavam cavando buracos na neve para poderem se proteger. Ele
sabia disso e viu com tristeza eles se agruparem bem próximos uns aos outros.
Como separaria apenas um?

Um movimento chamou sua atenção. Uma das fêmeas, jovem e saudável de um


verão gentil, banqueteando-se de frutas doces e grama, parecia estar com um
ânimo feroz. Ela batia a pata no chão e arremessava sua cabeça no ar – coroada
com um glorioso par de chifres – e quase dançava em volta dos outros. Não
parecia querer juntar-se a eles, e optou por dormir fora do grupo de corpos
peludos.

Sorriu; que oferenda dos espíritos! Era um bom presságio. A mais esperta e
saudável corça do rebanho, que não precisava seguir sem pensar, mas escolhia
seu próprio caminho. Embora essa escolha fosse a provável causa de sua morte,
também dava a Durotan a chance de conquistar honra e o direito de ser tratado
como um adulto. Os espíritos entendiam o equilíbrio dessas coisas. Pelo menos
foi o que disseram.

Durotan esperou. O sol mergulhou atrás das montanhas levando até mesmo o
fraco calor que havia fornecido. Esperou com a paciência de um predador.
Finalmente, até mesmo o mais afastado do grupo estava aconchegando suas
longas pernas e deitou-se com seus companheiros.

Finalmente, moveu-se. Suas pernas e braços estavam rígidos e ele quase


tropeçou. Rastejou devagar de seu esconderijo e desceu a ladeira, seus olhos
fixos na fêmea adormecida. Sua cabeça estava apoiada no pescoço, respiração
constante que produzia pequenos vapores em seu focinho.

Lentamente, pisando com o maior cuidado que conseguia, foi em direção à sua
presa. Ele não sentiu frio, pois o calor da precipitação e concentração afastava
qualquer sensação de desconforto. Estava cada vez mais perto e o talbuque
continuava a sonhar.

Levantou seu machado. E com um giro, golpeou.

Os olhos dela se abriram.

Tentou ficar de pé, mas o golpe mortal já a tinha atingido. Durotan queria ter
dado o grito de guerra que havia escutado seu pai proferir tantas vezes, mas
engoliu-o. De nada adiantaria matar o talbuque apenas para ser dizimado em
retaliação pelo rebanho. Havia afiado bem sua lâmina, e cortou através do
pescoço grosso e vértebras como se fosse manteiga. Sangue jorrou, o fluído
quente e grudento respingou gentilmente nele, e sorriu com intensidade.
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Besuntar-se com o sangue da sua primeira caça fazia parte do ritual; e o
talbuque já havia feito isso por ele. Outro bom presságio.

Apesar de ter sido silencioso, escutou os tabuques acordando. Virou-se,


ofegante, e relaxou com um assustador grito de guerra que sua garganta
ansiava a bradar. Segurou seu machado, o brilho do metal agora obscurecido
pelo sangue escarlate, e gritou novamente.

Hesitaram. Tinham dito a ele que se fosse uma morte precisa fugiriam sem
atacar, percebendo, por alguma intuição primitiva, que não poderiam salvar a
irmã abatida. Ele desejou que fosse verdade; poderia abater mais uns dois, mas
seria pisoteado se eles atacassem.

Movendo-se como um, os talbuques começaram a se afastar, e então finalmente


viraram e começaram a correr. Olhou eles galoparem acima da ladeira e
desaparecer; suas pegadas na neve imaculada eram a única evidência que
estiveram aqui.

Durotan abaixou seu machado, arfando pelo esforço. Levantou-o de novo e


soltou um brado de vitória. Seu estômago vazio ficaria cheio hoje à noite. O
espírito do talbuque entraria em seus sonhos. E pela manhã ele retornaria para
seu povo como um adulto, pronto para tomar seu lugar e servir o clã.

Pronto para um dia tornar-se líder.

“Porque não vamos montados?” Durotan perguntou de maneira petulante,


descontente como uma criança.

“Porque não é feito assim.” Mãe Kashur disse brevemente. Irritada, ela amarrou
o garoto. Ele era jovem e estava em forma; a distância da escalada para a
montanha sagrada não era nada para ele. Ela, por outro lado, adoraria ter vindo
montada no Dreamwalker, seu grande lobo negro. Mas as tradições eram
antigas e precisas, e enquanto ela fosse capaz de andar, ela andaria. Durotan
inclinou a cabeça em reverência enquanto prosseguiam.

Apesar de cada viagem esgotá-la mais do que a anterior, Mãe Kashur sentiu um
entusiasmo que amenizava a dor e a fadiga. Ela havia levado tantos jovens –
machos e fêmeas, pois ambos são valiosos – nessa última parte do ritual da
maturidade. Mas nunca antes haviam solicitado que levassem um ante os
ancestrais. Não era velha demais para ser curiosa.

Para um jovem, a viagem duraria algumas horas, e aproximadamente um dia


para alguém com ossos velhos como ela. Estavam quase chegando quando
anoiteceu. Mãe Kashur olhou para a forma familiar da montanha e sorriu.
Diferente das outras, que tinham ângulos aleatórios, o pico de Oshu’gun era um

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triângulo perfeito. Reluzia como cristal, suas facetas captavam o sol e não era
parecido com nada a seu redor. Havia caído do céu, há muito tempo, e os
espíritos tinham sido atraídos a ela. E foi por isso que os orcs haviam se
instalado aqui, sob sua sombra sagrada. Dentro da montanha eles eram como
um, independente da discussão mesquinha ou diferenças que tinham. Logo ela
voltaria para lá, ela sabia, mas não como uma velha manca. Essa era sua última
visita com um corpo danificado. Na próxima vez, ela viria como espírito,
flutuando pelo ar como os pássaros, seu coração leve e limpo como novo.

“Algo errado, Mãe?” perguntou com preocupação em sua voz. Ela piscou,
saindo do devaneio e sorriu para ele.

“Não.” assegurou.

As sombras já haviam tomado conta quando alcançaram a base da montanha e


ali iriam dormir. A escalada começaria pela manhã. Durotan adormeceu
primeiro, envolto no couro do talbuque que havia abatido há pouco tempo, e
Mãe Kashur observava com afeição seu sono inocente. Ela não sonharia; sua
mente tinha que estar vazia, se quisesse estar pronta para receber as visões.

A escalada foi longa, cansativa, e mais difícil do que uma simples caminhada
até o topo da montanha, e estava agradecida pelo seu cajado firme e a mão forte
de Durotan. Mas hoje, seus pés pareciam mover-se com mais firmeza, seus
pulmões trabalhavam com eficiência enquanto ela e seu companheiro subiam.
Era como se os ancestrais estivessem a encorajando, ajudando seu corpo físico
com o poder dos espíritos.

Pararam em frente à entrada da caverna sagrada, que era perfeitamente oval na


superfície suave da montanha, e como sempre, Kashur sentiu como se estivesse
entrando no ventre do mundo. Durotan tentou parecer valente, mas conseguiu
apenas parecer nervoso. Ela não sorriu para ele; ele tinha que estar nervoso.
Estava prestes a entrar no local sagrado, a pedido de um dos ancestrais morto
há muito tempo. Nem ela estava impassível a isso.

Ela acendeu um amontoado de ervas secas que deram um aroma doce e acre ao
ambiente, e passou a fumaça sobre ele para purificá-lo. Então o marcou com o
sangue que seu pai derramou especialmente para esse momento, e mantido
cuidadosamente em uma pequena bolsa de couro. Kashur colocou sua mão
mirrada na fronte dele, murmurou uma bênção e fez um gesto em aprovação.

“Sabe bem que poucos são chamados ante os ancestrais e que não seguem o
caminho dos xamãs.” disse gravemente. Olhos castanhos arregalados, Durotan
concordou. “Eu não sei o que irá acontecer. Nada, talvez. Mas se acontecer,
comporte-se com honra e respeito aos que se foram.”

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Durotan engoliu e concordou de novo. Respirou fundo e endireitou-se, e no
corpo ainda não formado do garoto, Kashur teve uma ideia do chefe do clã que
estaria por vir.

Juntos, entraram; Mãe Kashur na frente para acender as tochas que ficavam nas
paredes. A iluminação laranja mostrou a eles a descida tortuosa, caminho liso
por anos de contato com os pés descalços ou calçados dos orcs. Aqui e lá,
pegadas foram marcadas, para fazer os pés dos peregrinos mais seguros. O
interior do túnel era sempre fresco, mais quente que o inverno lá fora. Kashur
deixava suas mãos tocarem as laterais da parede, lembrando a primeira vez que
veio aqui, há muito tempo, com o sangue úmido de sua mãe em seu rosto, olhos
arregalados, coração batendo rápido.

Finalmente, a longa e suave ladeira que desciam diminuiu. Não havia mais
tochas na parede, e Durotan a olhou, intrigado.

“Não vamos precisar de fogo para comparecer ante os ancestrais.” disse


Kashur. Continuaram pela superfície plana, caminhando na escuridão. Durotan
não estava com medo, mas pareceu confuso à medida que deixavam o conforto
do fogo para trás.

Agora estavam no escuro. Kashur alcançou e segurou a mão de Durotan para


guiá-lo. Seus dedos fortes e espessos dobraram-se gentilmente em volta dos
dela. Até mesmo agora, que eu esperava que apertasse minha mão, ele
lembrou-se que elas doem, pensou. O próximo líder do clã Forstwolf iria ter um
coração bondoso.

Continuaram sem trocar palavras. E então...sutilmente, como a chegada do


amanhecer depois de uma longa e escura noite, luz começou a crescer em volta
deles. Agora, Kashur mal podia ver a forma do jovem a seu lado, tão mais
jovem do que ela, pois já andava no corpo de um adulto. Ela o observava
enquanto prosseguiam; o milagre da caverna dos ancestrais era familiar para
ela, mas a reação de Durotan não era.

De olhos arregalados, ele respirava depressa enquanto olhava em volta. O


brilho emanava da poça no centro da caverna, projetando uma leve e alva luz.
Tudo era suave, agradável e um tanto radiante; não havia ângulos afiados ou
pedaços ásperos, e Kashur sentiu uma profunda paz tomar conta dela. Deixou
Durotan olhar a vontade em silêncio. A caverna era enorme, maior do que a
área de festas e danças do festival Kosh’harg, e os tuneis ramificados levavam a
lugares que Kashur nunca ousou explorar. Para abrigar todos os orcs que já
viveram e morreram, ela tinha que ser enorme, não é? Ela andou até a água e
ele a seguiu, olhando de perto. Tirou a carga que levava e instruiu que ele

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fizesse o mesmo. Com cuidado retirou vários odres, abriu-os, e com uma suave
oração adicionou a água na poça brilhante.

“Você tinha me perguntado sobre os odres quando partimos.” disse


calmamente. “A água não é nativa desse lugar. Há muito tempo, oferecemos
água abençoada para os espíritos. Sempre que retornamos, contribuímos para a
poça sagrada. E não sei por que, a água não se perde como se fosse num buraco
comum. Esse é o poder da Montanha dos Espíritos.”

Depois de ter esvaziado os odres, ela sentou-se grunhindo baixo e espiou na


profundeza luminosa. Durotan imitou-a. Ela sabia o ângulo o qual enxergaria
seu reflexo e assegurou que ambos ficassem na posição correta. Inicialmente,
tudo o que via era seu rosto e de Durotan. Suas feições pareciam
fantasmagóricas refletidas na poça branca.

Então, uma terceira pessoa juntou-se a eles, pois o Avô Tal’kraa estava acima de
seu ombro, seu reflexo tão nítido quando os deles. Kashur sorriu quando seus
olhos se encontraram.

Ela virou a cabeça para olhá-lo, mas Durotan continuava a olhar dentro da
poça, como se estivesse procurando lá as respostas. O coração de Kashur
apertou um pouco, mas reprimiu imediatamente. Se não era para Durotan
seguir o caminho xamanístico, então assim deveria ser. Com certeza seu destino
seria honrado de qualquer modo, nascido para liderar seu clã.

“Minha tataraneta,” falou Tal’kraa com mais gentileza que Kashur já havia
testemunhado. “Você o trouxe, como eu havia pedido.”

Apoiando-se firmemente em seu cajado, tão insubstancial quanto ele, o espírito


do Avô andou em volta de Durotan, enquanto ele ainda observava a água.
Kashur olhou ambos orcs de perto. Durotan tremeu e olhou em volta, sem
dúvida se perguntando de onde veio esse súbito arrepio. Ele não podia ver o
espírito, mas sabia, de alguma maneira, que ele estava ali.

“Você não pode vê-lo.”

Durotan levantou a cabeça e suas narinas dilataram. Levantou calmamente. Na


luz bruxuleante, suas presas estavam azuladas e sua pele verde.

“Não, Mãe, não posso. Mas...ele está presente?”

“Certamente está.” e virou sua atenção para o fantasma. “Eu trouxe ele aqui,
como pediu. O que acha dele?”

Durotan engoliu seco, mas permaneceu de pé enquanto o espírito refletia à sua


volta.

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“Eu pressinto...algo.” disseTal’kraa. “Achei que ele seria um xamã, mas se ele
não pode me ver agora, não verá nunca. Mas apesar de não ver os espíritos e ser
incapaz de evocar os elementos, ele nasceu com um grande destino. Ele será de
grande importância para o clã Frostwolf...e também para todo seu povo.”

“Ele será...um herói?” perguntou, perdendo o fôlego. Todos os orcs batalhavam


para sustentar um código de coragem e honra, mas poucos eram poderosos o
bastante para ter seus nomes gravados na memória de seus descendentes.
Durotan suspirou com calma, e ela pôde ver a antecipação em seu rosto.

“Não posso dizer, mas instrua-o bem, Kashur, pois uma coisa é certa: de sua
linhagem virá a salvação.”

E num gesto de ternura, nunca antes visto por Kashur, ele roçou seu dedo
intangível no rosto de Durotan. Ele arregalou os olhos e Kashur percebeu que
teve de lutar contra o instinto natural de recuar, mas não recuou diante da
carícia espectral.

Então, como uma névoa num dia quente, Tal’kraa se foi. Kashur vacilou um
pouco; quase se esqueceu de como a energia dos espíritos a supriam. Durotan
se apressou e segurou-a pelo braço, e ela ficou agradecida pelo seu tenro vigor.

“Mãe, você está bem?” perguntou. Ela agarrou o braço a acenou com a cabeça.
Sua preocupação era primeiro com ela, e não sobre o que o ancestral teria dito
ou não sobre ele. Ponderando as palavras, decidiu não contar a ele. Por mais
racional e bondoso que fosse tal profecia poderia corromper o mais nobre orc.

Da sua linhagem virá a salvação.

“Estou bem,” assegurou. “Mas esses ossos não são jovens e a energia dos
espíritos é poderosa.”

“Gostaria de tê-lo visto.” disse com uma ponta de melancolia. “Mas...mas sei
que pude senti-lo.”

“Sentiu, e poucos são honrados com isso.”

"Mãe...pode me falar o que ele disse? Sobre – eu ser um herói?”

Ele estava tentando agir com maturidade e calma, mas uma ponta de súplica
transpareceu. Ela não o culpava. Todos gostariam de manter-se numa gloriosa
lembrança, através de estórias de suas aventuras. Ele não seria um orc se não
compartilhasse desse desejo.

“Disse ser incerto.” afirmou bruscamente. Ele concordou e escondeu bem sua
decepção. Isso era tudo o que tinha planejado dizer, mas algo a fez acrescentar,

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“Você tem um destino a seguir, Durotan, filho de Garad. Não seja tolo na
batalha e não morra antes de cumpri-lo.”

Riu discretamente. “Eu desejo servir bem meu clã, e um tolo não faz isso.”

“Então, futuro chefe,” replicou sorrindo também, “é melhor achar uma


companheira.”

E ela gargalhou, pois pela primeira vez na viagem que fizeram juntos, Durotan
pareceu totalmente assustado.

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Capitulo 5

Em reflexão, assim conta Drek’Thar , essa época em nossa história era como um
dia perfeito do início do verão. Nós orcs tínhamos tudo o que realmente
precisávamos: um mundo hospitaleiro, os ancestrais para nos guiar e os
elementos para nos ajudar quando achavam oportuno. Comida era abundante,
nossos inimigos ferozes, mas não invencíveis, e éramos abençoados. Se os
draenei não eram nossos aliados, tão pouco eram nossos inimigos. Eles
dividiam sua sabedoria e generosidade quando pedíamos; fomos nós, os orcs,
que sempre nos contínhamos. E nós, os orcs, que fomos deturpados
involuntariamente para servir outro fim.

Ódio é poderoso. Ódio pode ser eterno. Ódio pode ser manipulado.

E ódio pode ser criado.

Na escuridão visível, imortal e eterna Kil’jaeden jazia. O poder aumentava e


pulsava através dele, agora melhor do que sangue, mais substancial do que
comida ou bebida, ao mesmo tempo inebriante e tranquilizante. Não era ainda
onipresente, ou mundos cairiam perante ele com apenas um pensamento e não
através de batalha e destruição, e no geral, ele estava feliz por isso.

Mas os exilados ainda vivem. Podia senti-los, apesar de séculos terem se


passado para aqueles que o tempo importava. Velen e o resto dos tolos estavam
se escondendo. Covardes demais para enfrentar ele e Archimonde, que
trabalhou com ele, como aliado e amigo, pelas...mudanças...que passaram
quando eram seres simples.

Ele, Archimonde e os outros já não se consideravam mais “eredar”. Velen os


chamara de “man’ari”, mas eles se proclamavam a Legião Ardente. O exército
de Sargeras. Os escolhidos.

Ele estendeu sua longa e elegante mão vermelha com garras no nada que era
tudo e sentiu ondular ante sua indagação. Patrulheiros foram enviados no
momento em que o inimigo escapou, e reportaram apenas fracassos.
Archimonde os queria mortos por falhar, mas Kil’jaeden preferiu o contrário.
Aqueles que sentiam medo, ou fugiam, ele tinha boas razões para entender.
Aqueles que sentiam cheiro de recompensa ficavam e suplicavam a aprovação
de seu mestre. Então, enquanto ele mostrava sua desaprovação, aqueles que
falharam com ele normalmente ganhavam uma segunda chance. Ou uma
terceira, se ele acreditasse que estivessem fazendo tudo o que podiam e não só
se aproveitando de sua boa vontade.

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Archimonde não concordava com essa obsessão.

“Há mundos em abundância para conquistar e devorar a serviço de nosso


mestre Sargeras.” retumbou. À medida que sua voz perfurava a escuridão, esta
irradiou em volta deles. “Deixe o tolo ir. Nós sentiríamos se ele usasse seus
talentos a ponto de ser uma ameaça. Deixe-o apodrecer em algum mundo
qualquer, desprovido de tudo o que era importante para ele.”

Kil’jaeden virou-se para observar o outro lorde demônio.

“Não é apenas deixá-lo sem poderes”, sibilou. “É destruí-lo, e todos os outros


que foram estúpidos o bastante para segui-lo. É esmagá-lo pela sua falta de fé,
pela sua teimosia e pela recusa em pensar no que era melhor para todos nós.”

Fez um punho com sua mão gigante e as suas unhas afiadas furaram a palma
de sua mão. Fogo derretido jorrou, e o fluxo parou assim que entrou em contato
com o ar deixando uma grossa cordilheira de cicatriz. O corpo de Kil’jaeden
estava repleto desses vergões, e se orgulhava deles.

Archimonde era poderoso, elegante, tranquilo, inteligente. Mas faltava a ele o


desejo ardente de destruição total que Kil’jaeden nutria. Explicou mais de uma
vez e agora optou por apenas suspirar e não discutir mais. Já tinham
argumentado por séculos e sem dúvida argumentariam por mais alguns por
vir...ou até Kil’jaeden ter sucesso em destruir o ser que uma vez foi seu amigo
mais próximo.

E de repente ele se deu conta de algo. Archimonde nunca teve qualquer


sentimento especial pelo Velen a não ser como um colega-líder dos eredar.
Kil’jaeden amou Velen como a um irmão, mais próximo que isso, como outro
aspecto dele mesmo.

E então...

De novo cerrou seu punho, e sangrou fogo profano ao invés de sangue.

Não.

Não seria o bastante deixar Velen largado no fim do mundo, alimentando seu
orgulho ferido, sobrevivendo da terra em alguma caverna. Kil’jaeden uma vez
disse querer sangue. Mas sangue, com seu poder inerte, não o seria o bastante
agora. Ele queria a essência da vergonha, da total e completa humilhação. Isso
seria mais doce do que o gosto acobreado da vida fluindo de Velen e seus
seguidores estúpidos.

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Archimonde inclinou a cabeça, gesto que ele reconhecia. Um de seus servos
estava falando com ele. Archimonde tinha suas próprias maquinações e
esquemas a serviço de seu mestre sombrio para a conquista final. Sem dizer
uma palavra, Archimonde partiu ágil e delicadamente contradizendo seu
tamanho.

Naquele momento ele sentiu um pequeno arranhão dentro de sua cabeça.


Reconheceu na hora; era Talgath, seu braço direito, tentando contato. E a
sensação que emanava do pensamento era de cautelosa esperança.

O que é meu amigo? Diga! exigiu ele.

Meu grande mestre, não pretendo plantar falsas esperanças, mas...talvez eu


tenha os achado.

Dentro dele cresceu um grande contentamento. Como o ser que era caçado,
Talgath era o mais cauteloso de seus subordinados. Estava pouco abaixo dele e
provou sua lealdade através dos séculos. Ele não daria tal notícia sem
fundamento.

Onde? E o que fez você sentir isso?

Há um pequeno mundo, primitivo e insignificante. E senti a marca peculiar de


sua magia macular a área. Pode ser que tenham estado lá, mas partido, como já
ocorreu antes.

Assentiu, mesmo Talgath não estando presente para ver o gesto. Algumas
coisas de seu passado ainda persistiam, pensou, sorrindo um pouco do antigo
movimento que indicava concordância em todas as espécies que encontrava.

Você diz a verdade, reconheceu. Atraídos pela doce essência da magia dos
eredar, por muitas vezes as forças de Kil’jaeden chegavam a um ou outro
mundo, apenas para descobrir que, de algum jeito, Velen e seus seguidores
haviam percebido a aproximação e fugido. Mas ainda tenho esperanças. Irei
achá-los e dobra-los à minha vontade e tenho uma eternidade para fazer isso.

Uma ideia passou pela cabeça de Kil’jaeden. Tantas vezes desciam em um


mundo onde Velen supostamente estava e não o achavam mais lá. Ele destruía
esses mundos primitivos e raças inferiores apenas para aplacar seu orgulho
ferido e que, apesar de agradável, não era o bastante para saciar sua sede de
vingança.

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Desta vez agiria diferente. Ele não mandaria Talgath e a Legião Ardente. Velen
era o mais forte, mais sábio e mais ligado à magia e ciência. Kil’jaeden não
podia imaginar seu velho amigo baixando a guarda, não depois de tão pouco
tempo. Ele estaria sempre alerta, pronto para fugir perante uma ameaça tão
obvia.

Mas...e se fosse uma ameaça menos obvia?

Talgath...quero que você investigue esse mundo.

Meu senhor? A voz de Talgath era suave e equilibrada, mas perplexa.

Já chegamos à força em outros mundos antes, sem utilidade. Talvez desta vez
apenas um seja enviado. Apenas um, mas que seja totalmente confiável.

Sentiu um toque de inquietação e orgulho conflitando nos pensamentos de


Talgath.

Há outras maneiras de destruir um inimigo. Às vezes, essas são as melhores


maneiras.

Você - quer que eu descubra, então?

Precisamente. Visite esse lugar por conta própria. Informe-se sobre ele.
Investigue. Reporte se os exilados estão mesmo lá, e se sim, qual é o atual
estado deles. Diga-me do que eles vivem, se estão corpulentos e relaxados como
bichos domesticados, ou se estão esguios e ágeis como animais de caça. Como o
mundo deles é, se há outros seres vivendo lá, quais são essas criaturas, quais
estações. Investigue Talgath. E não faça nada sem que eu ordene.

Claro, meu mestre. Irei me preparar imediatamente. Ainda estava intrigado,


mas era obediente e inteligente. Talgath serviu bem ao mestre dos man’ari no
passado. E agora, serviria de novo.

O rosto de Kil’jaden, apesar de ter pouca semelhança com o que era antes de
juntar-se com o grande Sargeras, ainda era capaz de simular um sorriso.

Durotan, como todos do seu povo, foi iniciado com o treinamento de armas
desde os seis anos de idade. Seu corpo já era alto e estava desenvolvendo e o
uso de armamento era natural para eles. Aos 12 anos ele já acompanhava os
grupos de caça. E agora, depois do rito que o marcava como um adulto, ele
pôde se juntar às caçadas aos ogros e seus mestres grosseiros, os gronns.

Esse ano, com a chegada do outono e do Kosh’harg, ele se juntou ao círculo dos
adultos depois que as crianças foram mandadas para a cama. Ele e Orgrim

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aprenderam no ano anterior que ser um adulto e fazer parte da roda em volta
da fogueira não era muito interessante.

Contudo, a única coisa que achava interessante, enquanto observava com seus
olhos castanhos, era interagir com pessoas que ele conhecia apenas por nome e
nunca conversavam com ele por ser muito jovem. Mãe Kashur era do clã e ele
sabia que ela tinha alta estima entre os xamãs de outros clãs e ele se orgulhava
disso. Na sua primeira noite, percebeu que ela se aninhava perto do fogo, um
cobertor de pele de lobo envolto num corpo que mais parecia pele e osso. Ele
sabia, sem saber como, que esse seria o último Kosh’harg que ela celebraria, e
isso o entristecia mais do que esperava.

Próximo a ela e mais jovem, mas ainda mais velho que os pais de Durotan,
estava o aprendiz de Kashur, Drek’Thar. Durotan não conversou muito com ele,
mas a língua ferina e olhos afiados impunham respeito. Os olhos de Durotan
continuavam a obervar a assembleia. No dia seguinte, os xamãs terão partido
para suas reuniões com os ancestrais na montanha sagrada. Sentiu um calafrio
ao lembrar-se de sua última visita e a brisa fresca que parecia uma corrente,
mas que era algo incomum.

E num canto estava Grom Hellscream, o chefe jovem e um tanto fanático do clã
Warsong. Apenas um pouco mais velho que Durotan e Orgrim, ele era novato
em sua posição. Havia rumores sobre as circunstâncias da morte misteriosa do
chefe anterior, mas o clã não desafiou a liderança de Grom. E ele entendia o
porquê. Apesar de jovem, era intimidador. A luz dançante da fogueira
tremeluzia, deixando-o mais ameaçador. Seu cabelo negro e grosso caia sobre as
costas. Ao ascender à chefia, teve seu queixo tatuado de preto. Usava um colar
com ossos em volta do pescoço. E ele sabia o que significava; entre os membros
do clã Warsong, era tradição que um guerreiro novato usasse os ossos de sua
primeira caça, com suas próprias runas inscritas.

Ao lado de Grom estava o grande e imponente Blackhand do clã Blackrock. E


ao lado deste, mastigando em silêncio, Kargath Bladefist, chefe do clã Shattered
Hand. No lugar da mão, ele tinha uma foice embutida em seu pulso, e mesmo já
adulto, Durotan ficava inquieto ao ver a lâmina cintilar na luz da fogueira.
Próximo a ele achava-se Kilrogg Deadeye, chefe do clã Bleeding Hollow. O
sobrenome não era de família e sim adotado por ele. Um olho movia-se
rapidamente, enquanto o outro estava estático, mutilado e morto. Se Grom era
novo para ser chefe, Kilrogg era muito velho. Mas apesar da sua aparência,
Durotan tinha certeza que seus dias de chefe e de vida estavam longe de acabar.

Pouco a vontade, virou sua atenção para outro lugar.

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À esquerda de Drek’Thar sentava o famoso Ner’zhul, do clã Shadowmoon. Por
tanto tempo quanto lembrava, ele liderou os xamãs. Uma vez foi permitido a
ele ir numa caçada na qual Ner’zhul estava presente e a maestria de suas
habilidades era de assombrar. Enquanto outros grunhiam e se esforçavam para
evocar os elementos, direcionando-os potentemente, mas sem encanto, Ner’zhul
permanecia tranquilo. A terra tremia sob seus pés quando ele pedia;
relâmpagos descendiam dos céus para atingir onde direcionasse. Fogo, ar, água,
terra e o esquivo Espírito da Natureza, todos o consideravam como
companheiro e amigo. Não o viu interagir com os ancestrais, só os xamãs
poderiam testemunhar tais coisas. Mas era óbvio que se os ancestrais não o
favorecessem, não sustentaria o poder tão serenamente até hoje.

Já o aprendiz de Ner’zhul, ele não gostava. Orgrim estava sentado a seu lado e
percebendo onde o olhar dele estava fixado, inclinou-se e cochichou. “Eu acho
que Gul’dan serviria melhor seu povo se fosse usado como isca.”

Durotan desviou o olhar para que ninguém o visse sorrir. Não sabia quão
experiente xamã Gul’dan era; com certeza dispunha de alguma habilidade ou
não seria escolhido para sucessão. Mas ele não era um orc muito predisposto.
Mais baixo que alguns, mais fraco do que a maioria, com uma barba pequena e
espessa, não era o exemplo de um guerreiro orc. Mas Durotan supunha que não
precisava ser um herói para contribuir.

“Agora, aquela ali sim é uma guerreira nata.”

E olhou na direção que Orgrim indicou e seus olhos arregalaram um pouco.


Dizia a verdade. De pé, imponente e ereta, seus músculos definidos por baixo
de sua suave pele castanha , ela pegou um pedaço de carne da carcaça assada
do talbuque; a fêmea em questão pareceu a Durotan como a personificação de
todos os valores orcs. Movia-se com a graça feroz dos lobos negros, suas presas
eram pequenas, mas mortalmente afiadas. Se longo cabelo moreno estava
amarrado para trás numa trança bem feita, mas atraente.

“Quem - quem é ela?” murmurou. Seu coração já estava apertado, pois com
certeza essa fêmea magnífica pertencia a outro clã. Ele notaria tal beldade –
forte, flexível, graciosa – se fosse do seu clã.

Orgrim gargalhou e bateu nas costas dele. O som do gesto fez com que vários
virassem a cabeça em sua direção, inclusive, como percebeu, da amável fêmea.
Orgrim inclinou-se para falar as palavras que fizeram seu espírito flutuar.

Uma Frostwolf? Como diabos ele falhou em notar um tesouro desses em seu
clã? Virou-se para observá-la de novo. E notou que ela o encarava e seus olhares
entrelaçaram.

39
“Draka!”

A fêmea levantou e foi embora. Durotan piscou como se voltasse a si.

“Draka,” disse baixo. Não é de se admirar que não a reconhecesse. “Não,


Orgrim. Ela não é uma guerreira nata, mas uma guerreira feita.”

Draka nasceu doente, sua pele era castanho claro como dos cervos ao invés do
castanho escuro e saudável dos cascos das árvores, marca dos orcs. Por quase
toda sua infância, Durotan escutava os adultos sussurrando sobre ela, como se
já fosse, tão jovem, para juntos dos ancestrais. Uma vez seus pais se referiram a
ela com tristeza, se perguntando o que fizeram de errado para que os espíritos
os amaldiçoassem com uma frágil criança.

Foi logo após isso, percebeu juntando as peças, que a família de Draka mudou-
se para os arredores do acampamento. Não a tinha visto muito, já que estava
ocupado com suas obrigações.

Draka cortou vários pedaços de carne e levou para sua família. Notou que havia
duas crianças junto aos orcs que pareciam ser os pais dela. Ambos estavam em
forma e com saúde. Sentindo o olhar dele, ela o encarou com firmeza. Suas
narinas dilataram e sentou-se altiva, como se desafiasse ele a olhá-la com dó ou
piedade ao invés de respeito e admiração.

Não, ela não precisava de compaixão. Pela graça dos espíritos, a cura dos xamãs
e a determinação evidente em seus olhos castanhos, ela teve de livrar-se de sua
fragilidade quando criança para amadurecer-se nessa...visão da orc fêmea
perfeita.

Orgrim o acotovelou e seu fôlego escapou com um ruído. Durotan olhou seu
amigo de infância.

“Fecha essa boca, ou vou colocar algo nela pra fechá-la.” grunhiu Orgrim.

Durotan percebeu que estava boquiaberto, e que outros perceberam e sorriam


para ele. Então prestou atenção no banquete e não olhou mais para ela durante
o resto da noite.

Mas ele sonharia com ela. E quando acordou, soube que ela seria dele. Era
herdeiro da chefia e um dos mais orgulhosos do clã.

Que fêmea recusaria ele?

“Não.” disse Draka.

40
Durotan estava pasmo. Ele abordou Draka pela manhã e a convidou para caçar
com ele no dia seguinte. A sós. Ambos sabiam o que isso significava; macho e
fêmea caçando juntos fazia parte do ritual de cortejo. E ela o repeliu.

Foi tão inesperado que não soube como reagir. Ela o olhou quase
desdenhosamente, lábios curvados num sorriso arrogante.

“Por que não?” indagou.

“Não tenho idade.” replicou mais parecendo uma desculpa do que uma razão.

Mas ele não seria desmotivado facilmente. “Minha intenção era que fosse uma
caçada de cortejo.” disse francamente. “Mas se ainda não está na idade, eu
respeito. Mesmo assim, gostaria da sua companhia e que esta seja uma caçada
compartilhada por dois guerreiros valiosos, nada mais.”

Ficou desconcertada. Durotan imaginou que ela esperava que forçasse o convite
ou fosse embora com raiva.

“Eu...”

Deteve-se com os olhos bem abertos. Então sorriu. “Irei nessa caçada, Durotan,
filho de Garad, líder do clã Frostwolf.”

Nunca achou que seria tão feliz. Isso era muito diferente do que uma caçada
normal. Estavam andando a passos largos e rápidos. Todos os desafios que teve
com Orgrim, deram a ele vigor e preocupou-se em estar indo rápido demais.
Mas Draka, nascida tão frágil e agora robusta, o acompanhou sem dificuldade.
Não trocaram muitas palavras, não havia o que dizer. Estavam caçando,
achariam uma presa, matariam, e levariam para o clã. O silêncio era fácil e
confortável.

Diminuiu o passo ao entrarem em território aberto e examinaram o solo. Não


havia neve na terra, então rastrear não era uma tarefa simples como no inverno.
Mas Durotan sabia o que estava procurando: Grama remexida, galhos de
arbustos quebrados, um buraco no terreno, mesmo que pequeno.

“Fenocerontes.” disse. Levantou e analisou o horizonte na direção que tinham


ido. Draka ainda estava agachada, seus dedos movendo com delicadeza a
folhagem.

“Um deles está machucado.” anunciou.

Durotan virou para ela. “Não vi sangue.”

41
Balançou a cabeça. “Sangue não, mas o padrão das pegadas me diz isso.”
Apontou para onde ele olhava. Ele não viu nada que indicasse um animal
machucado, e ficou intrigado.

“Não essa pegada...a próxima. E a outra depois dessa.”

Moveu adiante, colocando seu pé cuidadosamente, e corou um bocado. “É fácil


perceber, você também teria visto.” obsevou.

“Não.” admitiu honestamente. “Não iria. Eu vi as pegadas, mas não reservei


tempo para observar os detalhes. Você sim. Será uma excelente guerreira algum
dia.”

Ajeitou-se e olhou-o com orgulho. Algo caloroso, e simultaneamente


fortalecedor e enfraquecedor percorreram através dele. Ele não era de rezar,
mas ao olhá-la de pé a sua frente, fez uma pequena prece para os espíritos: que
esta fêmea me olhe de maneira favorável.

Seguiram a trilha como lobos farejando. Durotan parou de liderar, pois essa
fêmea estava em pé de igualdade. Eles se complementavam bem. Ele tinha
olhos mais aguçados, mas ela enxergava os detalhes. Imaginou como seria lutar
ao lado dela. Seus olhos no solo perante eles deram a volta. Ele imaginou como
seria.

O grande lobo preto rodopiou, agachado e rosnando para o mesmo animal que
eles estavam rastreando. Por um instante interminável, os três predadores
trocaram olhares. Mas antes mesmo da poderosa besta juntar forças para saltar,
Durotan já havia atacado.

Não sentiu o machado pesar quando levantou e o atingiu. O golpe pegou fundo
no torso do animal, mas Durotan sentiu a mordida em retaliação esmagar seu
braço. Sentiu uma dor apavorante e chocante. Libertou seu braço. Foi mais
difícil levantar o machado com sangue se esvaindo, mas ele o fez. O lobo virou
sua atenção para Durotan, seus olhos amarelados fixados no dele, abriu sua
boca num rugido. Seu hálito cheirava a carne podre.

Naquele instante, antes que a mandíbula gigante pudesse fechar em sua cabeça,
Durotan ouviu um grito de guerra. Viu um borrão no canto do olho. Draka
avançou para cima do lobo com sua longa e adornada lança a sua frente. A
cabeça do lobo foi jogada para trás assim que foi atingida no tronco. Nesse
momento de desatenção, Durotan suspendeu seu machado de novo e trouxe-o
para baixo, o mais forte que conseguiu. Sentiu a lâmina cortar através do corpo
do animal, descendo até atingir fundo o solo, alojando tão firme que não pôde
tirá-la de imediato.

42
Recuou ofegante. Draka estava ao seu lado. Sentiu que o calor, a energia e a
paixão dela pela caça eram iguais à dele. Juntos encaravam a criatura poderosa
que tinham matado. Foram pegos desprevenidos por um animal que
normalmente requer vários guerreiros maduros para abater, e eles saíram vivos.
O inimigo jazia morto sobre a poça de sangue, partido em dois pelo machado
de Durotan e o coração varado pela lança de Draka. Ele percebeu que nunca
poderia dizer quem realmente matou o lobo e isso o deixou ridiculamente feliz.

Sentou-se pesadamente.

Draka foi logo ampará-lo, lavando o sangue de seu braço, apenas para
resmungar ao ver que mais sangue aparecia. Passou bálsamo e amarrou firme
com bandagens; juntou algumas ervas e água, obrigando-o a beber. Depois de
algum tempo a tontura passou.

“Obrigado.” murmurou.

Ela concordou sem olhá-lo. Então um pequeno sorriso apareceu no canto de sua
boca.

“Qual é a graça? Eu não conseguir ficar de pé?”

Foi mais bruto do que gostaria e ela olhou de imediato para ele, surpresa com o
tom.

“De maneira nenhuma. Lutou bem Durotan. Muitos teriam largado o machado
depois de uma mordida daquela.”

Sentiu-se estranhamente satisfeito pelo comentário, já que foi feito com


sinceridade e não bajulação. “Então, o que te diverte?”

Olhou para ele sorrindo. “Eu sei de algo e você não sabe. Mas...depois
disso...acho que vou te contar.”

Notou que sorria também. “Estou honrado.”

“Eu disse ontem que não tinha idade para a caça de cortejo.”

“Verdade.”

“Bem...quando disse isso, eu sabia que faltava pouco tempo.”

“Entendo.” disse apesar de não entender. “Bom...e quando será esse dia?”

Seu sorriso aumentou. “Hoje.”

43
Ele olhou-a por um longo tempo, então, sem falar nada, puxou ela para si e
beijou-a.

Talgath tem observado os orcs por um período. Agora, afastou-se, pois sua
natureza bestial o ofendeu. Ser um man’ari era bem melhor. Tirando as
criaturas fêmeas com asas de couro e rabo, os man’ari saciavam seu desejo com
violência, não copulando. E ele preferia assim. Na verdade, preferiria ter
matado os dois na hora, mas seu mestre foi bem claro sobre intervenções. Se
esses dois não voltassem para seu clã, levantaria suspeita e apesar de serem tão
importantes como moscas, estas ainda podiam tornar-se um incômodo.
Kil’jaeden queria que ele apenas observasse e reportasse, nada mais.

E assim ele faria.

Vingança, meditava Kil’jaeden, era como um fruta no pé, mais doce quando
estava totalmente madura. Houve momentos através dos anos quando ele
alimentava dúvidas sobre ser capaz de localizar os renegados. Contanto, quanto
mais Talgath dividia com ele, mais confiante e animado ele ficava.

Talgath o servia muito bem. Observou as tão chamadas cidades que o


“poderoso” Velen tinha pateticamente criado com um punhado de eredar.
Observou como eles viviam, caçando igual a essas criaturas chamadas “orcs”,
plantando sementes com suas próprias mãos. Era risível vê-los fazerem
comércio com essas criaturas toscas de linguagem gutural, tratando eles com
educação. Talgath pressentiu alguns ecos da grandeza dos edifícios e tecnologia
limitada, mas no geral sentiu que Kil’jaeden ficaria feliz em quão baixo seu
antigo amigo havia chegado.

“Draenei.” é como eles se denominam agora. Os exilados. E chamam seu


mundo de Draenor.

Kil’jaeden percebeu que Talgath estava perplexo quando viu que ele estava
mais interessado nos orcs do que em Velen. Como se organizavam? Quais eram
seus costumes? Quem eram seus líderes, e como eram escolhidos? O que era
mais importante para eles como uma sociedade? E como indivíduo?

Mas o trabalho de Talgath era reportar e não avaliar, e ele obedecia a seu
mestre. Quando finalmente Kil’jaeden absorveu tudo o que Talgath aprendeu,
até o nome das duas bestas acasalando depois de caçarem juntos, ele ficou
satisfeito – pelo menos até agora.

Finalmente a vingança seria sua. Velen e seus companheiros presunçosos


seriam punidos. Mas não tão rápido, não com um exército de eredar
aprimorados para dilacerá-los. Isso seria muito misericordioso. Kil’jaeden

44
queria-os mortos. Mas ele queria arruiná-los. Humilhados. Esmagados tão
completamente quando um inseto sob uma bota.

E agora, ele sabia exatamente como fazê-lo.

45
Capitulo 6

As lições daquele tempo foram amargas, compradas com sangue, morte e


angústia. Ironicamente, a coisa que quase nos destruiu foi o que nos salvou
depois: um senso de unidade. Cada clã foi leal a si mesmo, intensamente
dedicado a seus membros, mas não aos outros. Sob o que e contra nos unimos
foi totalmente errado e ainda estamos nos corrigindo por isso. Gerações por vir
ainda irão arcar com nossos erros. Mas a união, por si, foi gloriosa. E é uma
lição que pretendo resgatar das cinzas. Foi essa lição que me fez falar com
líderes de raças tão diferentes, para trabalharmos juntos em prol de algo que
possamos nos orgulhar.

Unidade. Harmonia. Essa é a boa lição do passado. Eu a aprendi bem.

Feliz, Ner’zhul olhou para o céu poente. O pôr do sol estava reluzente hoje. Os
ancestrais deveriam estar satisfeitos, refletiu, sentindo-se um tanto orgulhoso.

Mais um Kosh’harg tinha chegado e ido embora. Eles pareciam cada vez mais
difíceis do que nos outros anos, e toda a vez que a celebração ocorria, havia algo
para alegrar-se e algo para lamentar.

Sua velha amiga Kashur – sabia que dentre o clã Frostwolf era chamada de
“Mãe” – havia ido ao encontro dos ancestrais. Pelo o que ficou sabendo, havia
morrido bravamente. Ela havia insistido em juntar-se à caçada; algo que não
fizera há anos. Os Frostwolves haviam caçado fenocerontes e a Mãe ansiã
estava na dianteira junto com os guerreiros. Havia morrido pisoteada antes
mesmo que pudessem salvá-la e Ner’zhul sabia que o clã, mesmo em luto,
celebrava sua vida e como escolheu partir. Esses eram os jeitos dos orcs.
Perguntou-se se a veria e então repreendeu o pensamento. Ele a veria se achasse
que era apto para revelar-se. Morte não era esse deserto de tristezas para um
xamã como era para os outros orcs, pois tinha o privilégio de estar novamente
na presença dos amados falecidos, compartilhar de sua sabedoria, sentir sua
afeição.

O clã havia sofrido uma dupla tragédia, pois no meio tempo entre um
Kosh’harg e outro a morte tinha também levado o líder Garad. Os Frostwolves
tiveram o azar de, em um dia ensolarado, trombar com no mínimo três ogros e
seu mestre monstruoso. As horríveis criaturas eram estúpidas, mas ferozes, e o
gronn era um inimigo astuto. Os orcs saíram vitoriosos, mas a um alto custo.
Naquele dia negro, apesar de todo o esforço dos curandeiros, Garad e muitos
outros morreram em função dos ferimentos.

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Mas nas angustias da perda de um líder, e um que Ner’zhul conhecera e
respeitara, havia a alegria do sangue novo para assumir. Kashur havia falado
bem de Durotan, e pelo o que havia visto, o jovem seria um ótimo líder.
Assistiu Durotan ser nomeado chefe e notou uma fêmea atraente e de olhar
impetuoso, observando a cerimônia com mais do que apenas simples interesse
pelo clã. Estava certo que até o próximo Kosh’harg a amável Draka seria a
parceira do novo chefe dos Frostwolves.

Suspirou, selecionando as imagens em sua mente enquanto enchia seus olhos


com os prazeres do glorioso sol. Os anos se passavam, e davam suas bênçãos e
exigiam seus sacrifícios.

Voltou para sua pequena cabana, a qual uma vez dividiu com sua companheira,
que havia falecido há muitos anos. Rulkan o visitava de vez em quando sem
partilhar palavras de sabedoria, mas enchendo seu coração com ternura e
abrindo-lhe novamente para as necessidades de seu povo cada vez que seu
espírito tocava o dele. Sentia saudade de sua risada rouca e do calor ao lado
dele na cama, mas estava contente. Talvez, pensou ele, Rulkan apareceria essa
noite.

Preparou uma poção, entoando encantamentos e bebendo devagar. Isso não


causaria uma visão; nada causaria a não ser que um ancestral desejasse, e
muitas vezes elas vinham quando menos se esperava. Mas os xamãs
aprenderam através dos anos que algumas ervas abriam a mente durante o
sono, para que aquele que foi presenteado com a visão, lembraria com clareza
na manhã seguinte.

Ner’zhul fechou os olhos e logo os abriu de novo, mas sabia que estava
dormindo profundamente.

Ele e sua amada Rulkan estavam no topo da montanha. De começo achou que
olhavam o pôr do sol, mas percebeu que o sol estava nascendo e não descendo
para dormir. O céu estava magnífico, mas de uma maneira que estimulava e
incitava-o ao invés de acalmá-lo e confortá-lo. As cores eram escarlate, roxo e
laranja, quase violento, e seu coração elevou-se.

Rulkan virou-se, sorrindo, e pela primeira vez desde que exalou seu último
suspiro como ser vivo, falou com ele.

“Ner’zhul, meu companheiro, este é um novo começo.”

Arfou, tremendo, dominado pelo amor por ela, inundado com uma emoção
latente inflamada pelas cores vibrantes do sol nascente. Um novo começo?

47
“Você guiou bem o nosso povo.” disse. “Mas chegou a hora de aprofundarmos
os velhos costumes, levá-los adiante pelo bem de todos.”

Um pensamento cutucou sua consciência. Rulkan não tinha sido uma xamã,
nem uma chefe. Foi apenas uma maravilhosa orquisa, o que foi mais do que
suficiente para Ner’zhul, mas ela não havia tido nenhuma posição importante
durante a vida que a faria falar com tanta autoridade. Contrariado com sua falta
de fé, suprimiu o sentimento. Ele não era um espírito, era apenas carne e osso e
apesar de entender mais sobre o caminho dos espíritos, também sabia que havia
muito que jamais entenderia até juntar-se a eles. Por que Rulkan não falaria
pelos ancestrais?

“Estou escutando”

Ela sorriu. “Sabia que escutaria. Tempos negros e perigosos virão para os orcs.
Até agora, apenas nos reunimos durante o Kosh’harg. Esse isolamento deve
acabar se queremos que nossa raça sobreviva.”

Rulkan olhou para o sol, seu rosto pensativo e coberto pelas sombras. Ner’zhul
ansiou por abraçá-la, tomar dela o fardo que carregava como fazia em vida. Mas
agora, ele sabia que não podia tocá-la, nem forçá-la a falar. Então sentou em
silêncio, bebendo de sua beleza, ouvidos atentos à sua voz.

“Há uma praga nesse mundo.” disse com calma. “Deve ser eliminada.”

“Diga e será feito,” prometeu fervorosamente. “Sempre honrarei os conselhos


dos ancestrais.”

Voltou-se para ele, seus olhos procurando os dele enquanto a luz ficava mais
brilhante.

“Quando for eliminada, nosso povo se manterá orgulhoso e altivo...mais do que


somos agora. Teremos poder e força. E você...você, Ner’zhul, irá liderá-los.”

A maneira como ela disse isso fez o coração dele disparar. Ele já era poderoso,
honrado, talvez ainda reverenciado pelo seu próprio clã Shadowmoon. Já era o
líder dos orcs, apesar de não oficialmente. Mas agora o desejo por mais atiçou
seu coração. E o medo também o atiçou; sombrio e desagradável, mas que
precisava ser enfrentado.

“Qual é a ameaça que precisa ser dissipada antes que os orcs possam
reivindicar o que lhes é de direito?”

Ela disse.

“O que isso significa?” perguntou Durotan.

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Ele fez o desjejum com as duas pessoas do clã que mais confiava: Draka, sua
pretendida, com quem iria casar-se numa grandiosa cerimônia na próxima lua
cheia, e Drek’Thar, o novo chefe dos xamãs do clã.

Durotan, junto com todos, havia lamentado a passagem da Mãe Kashur.


Durotan tinha certeza que ela pretendia morrer aquele dia, e desejou que fosse
uma boa morte. Ela faria falta, mas Drek’Thar havia provado ser um sucessor
digno. Lutando contra seu pesar, ele assumiu na hora como o curandeiro
principal da caçada e todas as subsequentes. Kashur teria ficado orgulhosa.
Agora os três sentavam e comiam na tenda do chefe, onde Durotan, chefe desde
a morte de seu pai em batalha contra um gronn e seus ogros, residia.

Estava se referindo a carta que tinha chegado recentemente, trazido por um


grande e esguio mensageiro em um grande e esguio lobo preto. Examinou o
conteúdo enquanto comia mingau feito de grão e sangue.

Para Durotan, Chefe do clã Frostwolf, o xamã Ner’zhul manda saudações. Fui
agraciado com visões dos ancestrais que é de interesse de todos, como orcs, e
não como membros indivíduos de um clã. Falarei com os líderes de todos os
clãs no décimo segundo dia desta lua, assim como cada xamã de cada clã. Vocês
devem ir ao pé da montanha sagrada. Carne e bebidas serão concedidas. Se não
comparecer, vou considerar como um sinal de que não se importam com o
futuro de nosso povo e que irão agir de acordo. Perdoe-me pela maneira brusca,
mas essa questão é de extrema urgência. Favor responder pelo meu mensageiro.

Durotan fez o mensageiro esperar enquanto discutia o assunto. Este parecia um


tanto perturbado, mas aceitou esperar por um curto período. Talvez o aroma do
mingau soprando do grande caldeirão o tenha convencido.

“Eu não sei, a não ser que obviamente Ner’zhul sente que isso é de extrema
importância.” admitiu Drek’Thar. “Tal coisa nunca acontece fora das
cerimônias do Kosh’harg. E lá os xamãs sempre se reúnem na presença dos
ancestrais. Mas nada fora disso. E nunca ouvi falar de alguém convocar os
chefes. Mas o conheço desde sempre. É um grande e sábio xamã. Se os espíritos
fossem falar com qualquer um de nós sobre algo que nos ameaça, falariam
através dele.”

Draka rosnou. “Convocar vocês como se fossem animais de estimação para


atender seu chamado. Eu não gosto disso Durotan. É um sinal de arrogância.”

“Não discordo de você.” disse. Inicialmente o tom da carta fez seus pelos
eriçarem e estava propenso a recusar. Mas quando leu de novo, olhou através
das palavras soberbas para ver a intenção por trás da carta.

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Certamente algo estava incomodando o orc que todos respeitavam, e isso valia
alguns dias de viagem.

Draka o observou, seus olhos estreitos. Olhou-a e sorriu.

“Irei, então. E todos os meus xamãs.”

Draka franziu a testa. “Eu vou com você.”

“Acho que seria melhor se – “

Draka rosnou. “Sou Draka, filha de Kelkar, filho de Rhakish. Sou pretendida e
logo serei sua parceira para o resto da vida. Não irá me proibir de acompanhá-
lo!”

Durotan riu jogando sua cabeça para trás, tocado pela demonstração da sua
garra. Escolheu muito bem. Da orquisa nascida frágil, surgiu força e fogo. O clã
Frostwolf irá prosperar com ela a seu lado.

“Então, chame o mensageiro, se ele já terminou sua refeição.” falou com bom
humor ainda contaminado em sua rouca voz. “Diga que iremos a essa estranha
reunião, mas que ele assegure a necessidade dela quando chegarmos.”

O líder do clã Frostwolf e seus xamãs estavam entre os primeiros a chegar.


Ner’zhul foi pessoalmente saudá-los, e no momento que Durotan olhou para o
xamã, soube que fez certo em ter vindo. Apesar de não ser mais jovem,
percebeu que o xamã havia envelhecido anos em alguns meses desde o último
Kosh’harg. Parecia...mais magro, quase desnutrido, como se não tivesse
comendo por algum tempo. E seus olhos pareciam assustados. Seu
agradecimento era sincero e suas mãos tremiam quando agarrou os ombros de
Durotan.

Não era uma jogada arrogante por poder, mas um sentimento verdadeiro de
ameaça. Inclinou a cabeça e foi embora para acomodar seu clã.

Pelas próximas horas, conforme o sol descia no horizonte, viu um fluxo


constante de orcs chegarem aos campos na base da montanha, como se
estivessem se reunindo para o festival. Viu os banners brilhantes que
anunciavam os clãs tremularem ao vento, e sentiu um sorriso formar em seu
rosto ao ver o símbolo do clã Blackrock – clã do Orgrim. Desde que se tornaram
adultos, os dois amigos de infância tinham pouco tempo para passar juntos, e
mesmo Orgrim tendo ido à cerimônia que tornou Durotan chefe do clã, não
haviam se visto desde então. Não estava surpreso ao ver que Orgrim marchava
um passo atrás de Blackhand, o líder intimidador e bronco do clã Blackrock.
Seu amigo era agora o segundo no comando.

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Draka seguiu o olhar de seu futuro parceiro e grunhiu também satisfeita. Ela
havia se dado muito bem com Orgrim, pelo que Durotan era agradecido. Era
sortudo, pois as duas pessoas que mais lhe importava tornaram-se amigos.

Enquanto Blackhand conversava com Ner’zhul, Orgrim piscou em direção de


seu amigo. Durotan sorriu de volta. Ele estava preocupado com o estado de
Ner’zhul, mas pelo menos essa reunião daria a chance dele visitar Orgrim. Ao
terminar esse pensamento, Blackhand bufou e acenou para Orgrim segui-lo.
Sentiu seu sorriso sumir; se Blackhand exigisse a presença de Orgrim na
reunião, então até esse encontro lhe seria negado.

Draka, que o conhecia bem, apertou sua mão. Não disse nada, pois não era
necessário. Sorriu para ela.

O mesmo esguio mensageiro avisou que Ner’zhul não iria realizar a reunião
antes da manhã seguinte, uma vez que vários clãs chegariam aos poucos
durante a noite. O acampamento do Frostwolf era menor do que a maioria, mas
mais harmonioso do que muitos. Trouxeram barracas de viagens e peles, e o
mensageiro foi acomodado e guarnecido com carne, peixe e frutas em
abundância. Um lombo de talbuque girava lentamente na fogueira, com seu
perfume irresistível, deixando os orcs com o apetite aberto mesmo enquanto
banqueteavam-se de peixe cru. Estavam em onze no total – Durotan, Draka,
Drek’Thar e oito de seus xamãs. Alguns pareciam bem jovens, mas xamãs
aumentavam suas habilidades com o tempo e uma vez que os ancestrais
apareciam para eles em visões, eram todos iguais em honra e respeito.

Uma forma velada apareceu além da iluminação da fogueira. Durotan levantou


e expandiu seu corpo de forma imponente apenas no caso de alguém que bebeu
demais tivesse entrado com intenções hostis. Então o vento mudou de direção e
ao sentir o cheiro de Orgrim, gargalhou.

“Seja bem vindo velho amigo.” vociferou ao abraçar com força o outro orc.
Assim como na juventude, mesmo Durotan sendo alto, Orgrim era maior do
que ele. Enquanto observava o segundo em comando do clã Blackrock,
secretamente admirou-se como pôde ser capaz de superá-lo em algo.

Orgrim grunhiu e bateu no ombro de Durotan. “Seu grupo é pequeno, mas é o


que cheira melhor.” disse, olhando a carne assada e cheirando com apreciação.

“Então tasque um pedaço de talbuque e por enquanto deixe suas obrigações


para lá.” disse Draka.

“Faria se pudesse,” suspirou. “mas não tenho muito tempo. Se o líder do


Frostwolf pudesse caminhar comigo um pouco, ficaria honrado.”

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“Vamos caminhar então.” replicou.

Deixaram o acampamento e andaram em silêncio por algum tempo, até as


fogueiras virarem pequenas luzes cintilantes e distantes e asseguraram que
nenhum ouvido intrometido estava por perto para bisbilhotar. Ambos
farejaram o vento também. Orgrim permaneceu em silêncio e Durotan esperou
pacientemente como um verdadeiro caçador.

Finalmente Orgrim falou. “Blackhand não queria vir.” confessou. “Achou


degradante Ner’zhul convocar a todos como se fossemos bichinhos de
estimação dele.”

“Draka e eu tivemos a mesma reação, mas ainda bem que viemos. Você viu a
expressão no rosto do Ner’zhul. Apenas olhá-lo foi o bastante para perceber que
fizemos certo em vir.”

Orgrim bufou com escárnio. “Foi o que bastou para mim também, mas quando
deixei o acampamento, Blackhand ainda estava enfurecido com o xamã. Ele não
vê o que nós vemos.”

Não era da conta dele falar mal de outro líder de clã, mas também não era
segredo o que a maioria dos orcs pensa sobre Blackhand. Era certamente um orc
poderoso, em seu auge, maior e mais forte que qualquer orc que Durotan já viu.
E não era ignorante. Mas havia algo nele que o deixava desconfiado. Decidiu
segurar a língua.

“Até no escuro vejo o esforço que está fazendo, velho amigo.” murmurou. “Não
precisa falar as palavras para que eu saiba o que ia dizer. Ele é meu chefe, jurei
lealdade a ele e não irei quebrar o juramento. Mas até mesmo eu tenho minhas
dúvidas.”

A confissão alarmou Durotan. “Você tem?”

Orgrim concordou. “Estou dividido, Durotan: entre minha fidelidade e o que


meu coração e mente me dizem. Espero que nunca fique nessa posição. Como
segundo no comando, posso ajudar a amenizá-lo, mas não muito. Ele é o líder e
ele tem o poder. Posso apenas torcer para que ele escute os outros amanhã ao
invés de ficar teimosamente sentado em seu orgulho ferido.”

Durotan dividia essa esperança. Se as coisas estavam tão ruins quanto a


expressão de Ner’zhul indicava, a última coisa que ele queria era o líder de um
dos maiores clãs se comportar como uma criança mimada.

52
Seus olhos recaíram sobre uma forma sombreada nas costas de Orgrim.
Orgulho e pesar o inundaram ao falar. “Você carrega a Doomhammer agora.
Não sabia que seu pai havia falecido.”

“Morreu bravamente.” disse. Hesitou e continuou. “Lembra daquele dia, há


muito tempo atrás quando trombamos com aquele ogro e os draenei nos
salvaram?”

“Nunca poderia esquecer.” respondeu Durotan.

“O profeta falou de quando eu receberia a Doomhammer.” disse. “Estava tão


animado com a possibilidade de empunhá-la em combate. Foi a primeira vez
que entendi – realmente entendi – que o dia no qual se tornaria minha arma,
seria o dia que eu ficaria sem pai.”

Desprendeu a arma de suas costas e ergueu-a. Era como assistir uma dançarina,
pensou Durotan – equilíbrio entre força e graça. A lua brilhava sobre o corpo
forte de Orgrim enquanto ele movia-se, agachava, saltava e girava. Finalmente,
ofegando e suando muito, Orgrim guardou a arma lendária.

“É algo glorioso.” suspirou. “Uma arma de poder. Uma arma de profecia. O


orgulho da minha linhagem. E eu a quebraria em mil pedaços com minhas
próprias mãos se isso trouxesse meu pai de volta.”

Sem dizer mais nada, Orgrim avançou em direção ao pequeno grupo de


fogueiras luminosas. Durotan não tinha a intenção de segui-lo. Sentou-se por
um longo tempo, olhando as estrelas, pressentindo do fundo de sua alma que o
mundo que iria contemplar amanhã seria radicalmente diferente do que havia
conhecido por toda sua vida.

53
Capitulo 7

Sei bem que nós orcs perdemos mais do que ganhamos. Até então nossa cultura
era preservada, inocente, pura. Éramos como crianças que sempre estiveram a
salvo, amadas e protegidas. Mas crianças precisam amadurecer e nós, como
povo, fomos facilmente manipulados.

Há lugar para a confiança, ninguém pode me acusar de não saber disso. Mas
também precisamos ser cuidadosos. Aqueles com rostos sinceros podem
enganar e até mesmo aqueles em quem acreditamos podem ser ludibriados.

A perda da nossa inocência é o que lamento quando penso em como aqueles


dias deveriam ser. E foi a nossa inocência que nos levou à ruína.

Era uma longa fila de rostos solenes que olhavam para o grupo de líder dos clãs
orcs. Durotan estava ao lado de Draka, com a mão em volta de sua cintura num
gesto protetor, apesar de não saber o porquê sentia que ela precisaria de
proteção. Seus olhos arregalaram quando viu na expressão de seu amigo e
conselheiro Drek’Thar algo de arrepiar os cabelos.

Gostaria de estar próximo a Orgrim. Eram de clãs e tradições diferentes, mas


além dele e de sua pretendida, não havia outra pessoa em quem confiasse. Mas
obviamente Orgrim estava junto ao chefe Blackhand que olhava os xamãs com
uma irritação velada.

“Ele está há muito tempo sem caçar.” murmurou Draka indicando Blackhand.
“Está procurando por uma briga.”

“Ele vai conseguir. Olha as expressões deles.” Durotan suspirou.

“Nunca vi Drek’Thar desse jeito, nem mesmo quando viu o corpo quebrado de
Mãe Kashur.” disse Draka.

Durotan não respondeu, apenas observou.

Todos abriram caminho para Ner’zhul ao que ele avançou para centro da
multidão. Começou a andar em círculos, falando baixo. Então parou e levantou
as mãos. Fogo irrompeu a sua frente, saltando em direção ao céu numa
demonstração que arrancou sons de admiração até daqueles que já haviam visto
esse tipo de coisa antes.

O pilar ficou ali por um longo tempo e então abaixou para virar uma fogueira
tradicional, embora mágica.

54
“Ao cair da escuridão, de muitas maneiras além dessa, sentem em volta do
fogo.” comandou Ner’zhul.

“E que tal nós buscarmos uma presa também e ajoelharmos obedientes aos seus
pés durante a noite.” bradou uma voz furiosa.

Durotan conhecia aquela voz; escutara-a alterada por muitas vezes durante o
Kosh’harg quando era jovem e seu dono era conhecido por dar gritos que
arrepiavam durante as caçadas. Era peculiar e inconfundível. Virou para olhar
Grom Hellscream, o jovem líder do clã Warsong, e desejou que aquela explosão
não atrasasse o que Ner’zhul tinha para falar para eles.

Vermelho e preto eram as cores do clã Warsong e apesar de não usar armadura,
as vestimentas em couro naquelas cores já davam um toque majestoso. Grom
ficou a frente de seu clã e era mais esguio que a maioria dos orcs, mas ainda
imponente e alto. Cruzou os braços e encarou Ner’zhul.

O xamã não mordeu a isca, apenas suspirou profundamente. “Sei que muitos
estão com suas honras ofendidas. Deem-me chance para falar e ficarão
satisfeitos de estarem aqui, assim como os filhos de seus filhos.”

Grom resmungou, mas não disse mais nada. Ficou de pé por um tempo e
encolheu os ombros ao sentar-se, como se isso indicasse que o fez por vontade
própria. Seu clã fez o mesmo.

Ner’zhul esperou o silêncio e então começou a falar.

“Eu tive uma visão.” começou, “de um dos ancestrais que mais confio. Ela me
revelou uma ameaça, espreitando como um escorpião venenoso em um arbusto.
Todos os outros xamãs podem comprovar isso, e eles irão assim que tiverem
oportunidade de falar. Fico entristecido e furioso em ver como fomos tão
ingênuos.”

Durotan estava hipnotizado pelas palavras do xamã, coração batendo rápido.


Quem era esse inimigo misterioso? O que era tão obscuro que escapou de suas
vistas?

Ner’zhul suspirou, olhando para o chão, então balançou a cabeça. Sua voz era
grave e confiante, entrelaçada em tristeza.

“O inimigo a qual me refiro,” disse gravemente, “são os draenei”.

E o caos explodiu.

Durotan fitava, desacreditando no que ouviu. Olhou à volta, procurando


Orgrim e encarou os olhos cinza arregalados do amigo, vendo o mesmo choque

55
em seu rosto. Os draenei? Certamente algo estava errado. Os gronns sim, quem
sabe se encontraram algum conhecimento secreto contra os odiados orcs...mas
não. Não os draenei.

Eles nem eram guerreiros do nível dos orcs. É verdade que caçavam, mas eles
precisavam de carne para sobreviver assim como eles. Eram páreo contra os
gronns e às vezes ajudavam alguns grupos de caça. Durotan se lembrou do dia
em que dois jovens orcs estavam fugindo de um ogro cujos passos faziam a
terra tremer, e as esbeltas figuras azuis que apareceram do nada para salvá-los.

Por que arriscariam sua segurança para salvar dois garotos se eram mesmo tão
maléficos quanto Ner’zhul acreditava? Não fazia sentido. Nada do que havia
dito fazia sentido.

Ner’zhul implorava por silêncio, mas sem sucesso. Blackhand estava de pé,
veias saltadas em seu pescoço enquanto Orgrim fazia de tudo para aplacar a
fúria de seu chefe. Então um ruído terrível perfurou o ar, ensurdecedor e quase
fazendo o coração parar. Grom Hellscream estava de pé, cabeça jogada para
trás, peito estufado e seu maxilar preto tão aberto quanto de uma cobra ao dar o
bote. Nada podia competir com o grito de guerra de Hellscream, sendo
sucedido por um silêncio total.

Abriu seus olhos e sorriu para Ner’zhul, que parecia completamente sem jeito
por ver um até então opositor, virar um aliado tão rápido.
“Deixe o xamã continuar.” disse. Tão grande era o silêncio depois da sua
explosão que as palavras foram ouvidas por todos apesar de terem sido ditas
num tom normal. “Quero saber mais sobre esse novo...velho inimigo.”

Ner’zhul sorriu em gratidão. “Sei que isso assustou vocês. Fiquei chocado
também. Mas os ancestrais não mentem. Esses seres aparentemente
benevolentes têm esperado por anos até o momento certo para nos atacar. Eles
se sentam em segurança atrás de suas estranhas edificações feitas com materiais
que não compreendemos e guardam segredos que podem nos beneficiar.”

“Mas por quê?” questionou Durotan antes mesmo de perceber que estava
falando. Todas as atenções estavam voltadas para ele, mas não recuou. “Por
que querem nos atacar? Se eles guardam tantos segredos, por que precisam de
nós? E como podemos derrotá-los se isso for mesmo verdade?”

O xamã ficou desconcertado. “Isso eu não sei, mas sei que os ancestrais estão
preocupados.”

“Somos em maior número.” gritou Blackhand.

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“Não tanto assim.” devolveu Durotan. “Além do mais, são superiores em
conhecimento. Vieram para cá em um navio que navega pelos mundos,
Blackhand. Acha que cairão diante de flechas e machados?”

Blackhand franziu as grossas sobrancelhas. Abriu a boca para responder


quando Ner’zhul interrompeu, antecipando o argumento. “Resolução e
consequentemente vitória não serão conseguidas da noite para o dia. Peço
apenas que fiquem atentos, e não para entrar em guerra agora. Preparar-se.
Discutir com seu xamã quais as melhores medidas a tomar. E abrir seus
corações e mentes para a unificação que assegurará o triunfo.”

Abriu os braços implorando. “Somos clãs separados, sim, cada um com sua
tradição e legado. Não estou pedindo que desistam da sua honrosa história,
apenas que abram suas mentes para a unificação de clãs que são fortes sozinhos
e que juntos virariam uma força irreversível. Somos todos orcs! Blackrock,
Warsong, Thunderlord, Dragonmaw...não percebem quão pouco essas
distinções importam? Somos um povo só! No final, queremos lares seguros
para nossas crianças, sucesso nas caçadas, companheiras que nos amem, e
honra entre os ancestrais. Somos mais parecidos do que diferentes.”

Durotan sabia que o xamã falava a verdade e olhou seu amigo que estava atrás
de seu chefe, imponente e solene. Mas quando viu Durotan olhando para ele,
acenou em concordância.

Houve aqueles que protestaram contra a incomum amizade entre os dois jovens
aventureiros e inclinados a problemas, tinha que admitir. Mas Durotan não
seria a pessoa que é hoje se não tivesse se espelhado na firmeza de Orgrim; e
sabia do fundo de seu coração que seu amigo sentia o mesmo.

Mas os draenei...

“Posso falar?”

A voz pertencia a Drek’Thar, e Durotan ficou surpreso. A pergunta foi


direcionada não apenas para o seu chefe como para o xamã que era o mentor de
todos eles. Ner’zhul olhou para Durotan que concordou.

“Meu chefe,” e para o assombro de Durotan, a voz dele tremia, “meu chefe, o
que Ner’zhul diz é verdade. Mãe Kashur confirmou.”

Os outros xamãs do clã Frostwolf confirmaram. Durotan os encarou. Mãe


Kashur? Se havia alguém que Durotan confiava, era a velha orc sábia.
Relembrou o momento que esteve na caverna, sentindo um ar gelado em seu
rosto, que não era ar, escutando e observando com cada fibra do seu corpo

57
enquanto Mãe Kashur falava com alguém que ele não podia ver, mas que sabia
estar lá.

“Mãe Kashur disse que os draenei são nossos inimigos?” perguntou não
acreditando no que ouvia.

Drek’Thar assentiu.

“É hora de escutarem seus xamãs, como Durotan acabou de fazer,” disse


Ner’zhul. “Vamos nos reunir ao anoitecer e os chefes irão me comunicar suas
considerações. Estas são pessoas que vocês conhecem e confiam. Perguntem a
eles o que viram.”

A multidão começou a dispersar. Os membros do clã Frostwolf voltavam


devagar para seu acampamento e se entreolhavam cautelosamente. Juntos,
sentaram em círculo e voltaram sua atenção para Drek’Thar, que começou a
falar aos poucos e com cuidado.

“Os draenei não são nossos amigos.” disse. “Meu chefe...sei que você e o
Doomhammer ficaram uma noite em sua cidade. Sei que você falou bem deles e
que deram a impressão de terem salvado suas vidas. Mas permita-me
perguntar...não estranhou nada?

Durotan recordou do ogro perseguindo eles, gritando enfurecido e balançando


sua clava. E com uma sensação desagradável lembrou-se de quão rápido os
draenei apareceram para resgatá-los. E como não poderiam voltar para casa já
que era convenientemente muito tarde para isso.

Franziu a testa. Era um pensamento insensível, e ainda...

“Vejo vincos em sua testa, meu chefe. Posso considerar então que sua fé neles
quando jovem começa a diminuir?”

Durotan não respondeu ou olhou para o líder dos seus xamãs. Olhou para o
chão, não querendo se sentir daquele jeito, mas incapaz de parar a dúvida que
aumentava em seu coração, como os dedos gélidos de uma manhã fria.

Em sua memória, ele reviveu o diálogo que teve com Restalaan, dizendo a ele,
“Não somos os mesmos.”

“Não são.” Restalaan havia dito. “Nós observamos que os orcs se


desenvolverem em força, habilidade e talento. Vocês nos impressionaram.”

Sentiu de novo um incômodo, como se o elogio tivesse sido um insulto


cuidadosamente elaborado. Como se os draenei fossem superiores...mesmo com
suas peles estranhas e azuladas, pernas como as dos talbuques, com caudas

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longas semelhantes a de répteis e brilhantes cascos azuis ao invés de pés
normais como dos orcs –

“Fale meu chefe. De que se recorda?”

Durotan então disse numa voz rouca sobre a chegada afortunada dos draenei,
da quase arrogância de Restalaan. “E...Velen, seu profeta, fez muitas perguntas
sobre nós, e não era apenas conversa jogada fora. Ele realmente estava
interessado em saber mais sobre os orcs.

“Claro que estava.” falou Drek’Thar. “Que oportunidade! Estavam conspirando


contra nós desde o começo. E achar dois – desculpe-me, Durotan, mas dois
jovens ingênuos para informá-los sobre tudo o que queriam saber. Deve ter sido
um belo acontecimento.”

Os ancestrais não mentiriam para eles, especialmente sobre algo tão importante.
Durotan sabia disso. E agora que relembrou com uma nova luz de sabedoria os
eventos daquele dia e noite, era óbvio quão suspeita as ações de Velen tinham
sido. E ainda...era Velen tão incrivelmente dissimulado que toda aquela
confiança que ambos sentiram era mentira?

Durotan abaixou a cabeça.

“Há uma parte de mim que ainda duvida, meus amigos.“ disse baixinho. “E
mesmo assim não posso colocar o futuro de nosso povo em risco em algo tão
superficial como minhas dúvidas pessoais. Ner’zhul não propôs um ataque
amanhã, mas para que começássemos a treinar, observar, preparar e nos
aproximar. Isso será o bastante pelo bem dos Frostwolves e pelo bem dos orcs.”

Olhou para cada rosto preocupado, alguns apenas amigos, outros, como
Drek’Thar e Draka, conhecidos e amados.

“O clã Frostwolf irá se preparar para guerra.”

59
Capitulo 8

Com que facilidade uma mente amedrontada pode recorrer ao ódio – uma
reação protetora, natural e instintiva. Concentramos-nos naquilo que nos
dividia ao invés do que nos unia. Minha pele é verde; a sua é rosa. Eu tenho
presas; você longas orelhas. Minha pele é lisa; a sua coberta de pelos. Eu respiro
ar; você não. Se tivéssemos nos apegado a essas coisas, a Legião Ardente não
teria sido derrotada, pois eu nunca teria desejado me aliar à Jaina Proudmore,
ou lutar ao lado de elfos. Meu povo não teria sobrevivido e feito amizade com
os taurens, ou os renegados.

Assim foi com os draenei. Nossa pele então era castanho-avermelhada e a deles
azul. Tínhamos pés e eles cascos e cauda. Vivíamos geralmente ao ar livre, eles
viviam em espaços fechados. Nós tínhamos uma vida curta; ninguém sabia o
quanto eles viviam.

Não importa que eles tenham demonstrado apenas cortesia e franqueza; que
tenham comercializado conosco, nos ensinado e compartilhado tudo o que era
pedido a eles.

Todos os dias, minha prece é por sabedoria para guiar meu povo. E nessa prece
se oculta um apelo; nunca me deixar cegar por diferenças tão banais.

O treinamento começou. Sempre foi um costume da maioria dos clãs iniciar os


jovens assim que completassem seis anos; antes os treinamentos tinham sido
sérios, mas descontraídos. Havia muitos caçadores que podiam facilmente
derrubar uma presa e armas eram para caçar animais, não seres conscientes que
tinham suas próprias armas, habilidades e vantagens tecnológicas. Um jovem
orc aprendia na sua velocidade, e tinha muito tempo para brincar e aproveitar o
fato de ser criança.

Não mais.

O pedido pela unidade entre os orcs foi obedecido. Os mensageiros esgotaram


suas montarias indo de um clã para o outro levando mensagens. A certa altura
um sujeito inteligente teve a ideia de treinar falcossangres para transportar as
mensagens. Exigiu algum trabalho e não aconteceu da noite para o dia, mas
gradualmente. Durotan se acostumou ao ver a ave escarlate revoando até
Drek’Thar e outros. Ele aprovou a ideia; todos eram necessários para que os
planos de batalha tivessem êxito.

Enquanto lanças, flechas, machados e outras armas funcionassem bem contra


animais dos campos e florestas, elas precisariam ser complementadas com

60
outros tipos de armas para serem usadas contra os draenei. Proteção seria vital,
e embora anteriormente os ferreiros e curtidores fizessem armaduras que
atenuassem ataques de garras e dentes, agora teriam que criar itens que
protegeriam o portador se fosse empalado ou cortado por uma espada. Aqueles
que entendiam do ofício da ferraria eram escassos e agora eles ensinavam
dúzias ao mesmo tempo. As forjas ressoavam noite e dia com o som dos
martelos e o silvo do metal quente sendo mergulhado em barris d’água. Muitos
passavam longos dias brandindo picaretas, forçando a terra a ceder minérios
necessários para produzir armas e armaduras metálicas. Antes as caçadas
aconteciam quando necessário, agora eram feitas diariamente, uma vez que a
comida era desidratada e preservada, e as peles eram usadas nas armaduras.

Para Durotan, que era um dos instrutores, os jovens que estavam enfileirados
para o treinamento pareciam muito novos. Lembrou-se de seu pai ensinando-o
sobre o manejo da lança e da espada. O que ele acharia desses pequenos
encurvados sob a brilhante armadura, segurando armas que nenhum orc havia
antes carregado?

Draka, que se juntou a ele num ritual rápido e discreto já que não queria gastar
tempo ou recursos do treinamento de guerra, tocou seu ombro com gentileza.
Como sempre, ela sabia o que ele estava pensando.

“Seria melhor se tivéssemos nascido num tempo de paz,” concordou. “Até o


mais sedento por sangue vê a verdade nisso. Mas aqui estamos meu
companheiro, e sei que não irá esquivar-se dessa tarefa.”

Sorriu com tristeza para ela. “Não, não irei. Somos guerreiros. Prosperamos na
caçada, no desafio, no derramamento de sangue e nos gritos de vitória. São
pequenos, mas não são fracos. Irão aprender. São Frostwolves.” Pausou, e então
acrescentou com ímpeto, “Eles são.

“O tempo está passando.” disse Rulkan.

“Eu sei...mas você não quer que nosso povo entre em batalha despreparado,”
replicou Ner’zhul. “No atual momento os draenei são amplamente superiores.”

Rulkan grunhiu descontente, então sorriu. Ner’zhul olhou-a. O sorriso foi


forçado ou era apenas a sua imaginação?

“Estamos treinando o mais rápido que podemos,” complementou rapidamente


não querendo ofender o espírito que tinha sido sua companheira em vida.

Ela estava quieta. Claramente não era rápido o bastante.

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“Talvez possa nos ajudar,” disse. Tinha consciência de que estava balbuciando.
“Talvez haja algum conhecimento que tenha que...que...”

Franziu a testa e inclinou a cabeça. “Eu disse tudo o que sabia, mas há outros
poderes...outras entidades...que os vivos desconhecem.”

Ner’zhul quase gaguejou ao ouvir as palavras dela. “Há os elementos, e os


espíritos ancestrais.” enumerou. “Quais existem além desses?”

Ela sorriu. “Você ainda vive, meu companheiro, não está pronto para lidar com
eles. Essas entidades estão nos ajudando para que possamos ajudar os amados
que deixamos para trás.”

“Não!” Ner’zhul percebeu que estava implorando, mas não tinha como evitar.
“Por favor...precisamos de ajuda para que possamos proteger as gerações
futuras da trama traiçoeira dos draenei.”

Ele não disse que estava apreciando ser o centro das atenções de todos os orcs e
clãs. Nem disse que a promessa de poder que ela fizera antes, o fez pensar sobre
essas coisas e desejá-las. Mas mais do que isso, ela tinha insuflado tanto medo
dos monstruosos draenei que esse súbito atraso da parte dela o irritava
profundamente.

Rulkan olhou-o com apreço. “Talvez você esteja certo,” disse. “Vou ver se eles
falam com você. Há um em quem eu confio mais e sua preocupação com o
nosso povo é profunda e duradoura. Vou pedir a ele.”

Concordou, ridiculamente satisfeito com suas palavras e então acordou. Um


sorriso formou-se em seus lábios.

Breve. Ele veria esse espírito misterioso, esse bem feitor, muito em breve.

Gul’dan sorriu enquanto trazia frutas e peixe para quebrar o jejum de seu
mestre. “Outra visão, meu mestre?” Curvou-se ao presentear a comida e uma
caneca de chá de ervas quente. Á conselho de Rulkan, Ner’zhul começou a
beber uma infusão de certas ervas fermentadas com uma acurada intensidade.
Ela assegurou que a mistura continuaria a garantir que sua mente ficasse aberta
para visões. Não demonstrou que desgostava, mas no começo achou a poção
desagradável. Agora percebeu que apreciava a bebida que tomava logo ao
acordar e mais três vezes ao dia. Ele aceitou a caneca e bebericou enquanto
acenava em resposta à pergunta de Gul’dan.

“Certamente...e aprendi algo importante. Gul’dan, sempre que houveram orcs,


houveram xamãs. E esses trabalham com os elementos e com os ancestrais.”

“Sim...claro...” disse perplexo.

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O xamã não conteve o sorriso se formando em volta de suas presas. “E isso
continua sendo verdade. Mas há muito que não sabemos. Muito que os
ancestrais veem, mas nós seres vivos não. Rulkan disse que está em contato com
essas entidades. A sabedoria eles excede a dos ancestrais e eles virão nos ajudar.
Disse ainda que há um em particular que tomou os orcs sob sua proteção. E em
breve... ele se revelará para mim!”
Os olhos de Gul’dan brilharam. “E...talvez para mim também, mestre?”

“Você é competente, Gul’dan. Não teria escolhido você como aprendiz se não
fosse merecedor, assim como ele me considera.”

O aprendiz abaixou a cabeça. “Assim seja,” disse. “Estou honrado em servir.


Esta é uma época gloriosa para os orcs. Somos abençoados por estarmos aqui
para vê-la.”

Com seu líder Blackhand na dianteira, o clã Blackrock suplicou pela honra de
ser o primeiro a atacar. Houve queixas e ressentimentos, mas todos
concordaram que as habilidades de caça deles eram lendárias, além de viverem
mais perto de Telmor, uma das menores e mais isoladas cidades. Os primeiros
reforços de armaduras, espadas, flechas com ponta de metal e outras armas
para derrubar os draenei foi dado ao clã.

Orgrim montava ao lado de seu chefe, com a Doomhammer amarrada a suas


costas e vestido dos pés a cabeça com armadura de metal que o irritava e
confinada. O lobo que o levava também parecia não gostar da armadura pesada
e ás vezes, virava a cabeça rosnando para a perna de Orgrim, como se um inseto
estivesse o incomodando. Também parecia estar se esforçando ao carregá-lo
através dos prados, arfando mais do que o normal e com a língua para fora.

Ofegando, Orgrim resmungou. Parecia tão simples: ir para a guerra contra esse
novo e traiçoeiro inimigo. Mas quando todos, inclusive Orgrim, tinham
concordado e aplaudido a decisão, ninguém parou para pensar como seria
difícil se preparar. Precisariam criar os lobos para ficarem maiores, já que agora
eles carregariam armadura além de orcs que tinham ossos pesados e músculos.

As armas foram utilizadas. Várias vezes eles atacaram os ogros, e apesar destes
serem desajeitados e burros, e os draenei rápidos e inteligentes, lutar com eles
era mais parecido com o novo inimigo do que lutar com talbuques. Tiveram
algumas baixas no começo, estes foram queimados numa pira e honrados pelo
nobre sacrifício. As armas pareciam estranhas e a armadura os deixava mais
lentos, mas cada vez os ataques eram mais equilibrados. Da última vez eles
enfrentaram não apenas dois ogros, mas seu mestre também, que não apenas
tinha a ferocidade dominada pelos ogros como uma vil esperteza, tornando-o
um inimigo desafiador. Dois bravos soldados Blackrock caíram antes de Orgrim
63
conseguir dar o golpe final, brandindo o martelo da profecia e levando a
destruição ao barulhento gronn.

Blackhand estava de pé ao lado dele, ofegante e suando, rosto cheio de sangue,


tanto seu quanto da criatura que acabaram de matar. Limpou o rosto com sua
mão e grunhindo lambeu o sangue.
“Dois ogros e seu mestre,” murmurou. Deu um tapinha no ombro de Orgrim.
“Os patéticos draenei não tem chance contra nosso poder.”

Orgrim concordou, parado suando sob o sol, o brilho do metal cintilando a


ponto de quase cegá-lo. A sede de sangue cresceu nele. Confiava em Ner’zhul e
nos xamãs de seu clã. Depois ele conversou com Durotan e ambos concordaram
que, apesar de terem sido bem tratados pelos draenei naquele dia, quando
foram salvos, havia algo peculiar neles. Os espíritos nunca os haviam guiado
erroneamente. Por que iriam agora?

Mas ao montar ao lado de seu chefe em direção a um pequeno grupo de caça, as


dúvidas de Orgrim apareciam. E se os draenei fossem esquisitos? Com certeza
os orcs devem ter parecido esquisitos para eles quando chegaram aqui. E seria a
morte uma punição apropriada por ser diferente? Alguma vez houve ataque
dos draenei aos orcs? Ou um único insulto ou ofensa? Mas agora dezoito
guerreiros Blackrock, armados até os dentes e corpos cobertos e protegido com
metal, estavam indo assassinar um grupo de peles azuis que apenas juntavam
alimento para seu povo. De repente e sem que ele desejasse, a imagem da
draenaia que sorriu timidamente para ele surgiu em sua mente. Era seu pai ou
sua mãe que morreria aqui nesse dia ensolarado?

“Perdido em pensamentos?” perguntou Blackrock num tom grave, assustando


Orgrim. “O que o preocupa?”

O rosto de uma órfã, pensou, mas não falou. Ao invés disso, disse bruscamente,
“Apenas imaginando qual a cor do sangue dos draenei.”

Blackhand deu uma calorosa gargalhada. Orgrim escutou o grasnido hostil e a


batida frenética das asas dos corvos ao reagirem à risada e seu chefe.

” Vou assegurar que seu rosto fique coberto com ele.” divertiu-se Blackhand.

O queixo de Orgrim travou e não disse nada. Os ancestrais não mentem,


pensou sombriamente. Uma criança sempre é inocente, mas seus pais merecem
morrer se estão conspirando contra nós, como avisaram os espíritos.

Aproximaram-se com extrema facilidade e não se incomodaram em disfarçar


sua abordagem. O patrulheiro informou que o grupo era num total de onze, seis
machos e cinco fêmeas e eles encontraram um rebanho de fenocerontes.

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Enquanto as feras grandes e desgrenhadas eram difíceis de serem abatidas, não
tinham a agressividade dos talbuques; e o grupo de caça draenei já tinha
isolado um deles. O animal urrou, pisoteando a terra e abaixando a cabeça para
mirar seu único chifre nos agressores, mas o fim já estava assegurado.

Ou teria sido, se os orcs não tivessem aparecido.

Blackhand levou seu grupo para uma pausa em uma serra. Orgrim podia sentir
a excitação de seus irmãos. O corpo deles tremia de antecipação em suas novas
armaduras, apertando as mãos e querendo usar as armas que estavam
começando a ficar acostumados. Blackhand estava com sua mão levantada e
seus pequenos olhos atentos à movimentação lá embaixo, esperando o melhor
momento para arremeter como um falcão a um rato do mato.

O chefe dos Blackrock virou-se para o seu xamã, que estava na retaguarda. Eles
também vestiam armaduras, mas não carregavam armas, pois não precisavam.
Curariam seus semelhantes assim que caíssem em batalha, e direcionariam o
imenso poder dos elementos contra o inimigo.

“Estão prontos?” perguntou.

O mais velho entre eles confirmou. Seus olhos ganharam um tom feroz e seus
lábios curvaram-se num sorriso. Ele também queria ver sangue draenei ser
derramado hoje.

Grunhiu ao baixar sua mão. Os guerreiros Blackrock atacaram.

Bradavam seus gritos de guerra ao descerem, e os peles azuis viraram


assustados. Primeiro, em suas expressões foi percebida apenas surpresa. Com
certeza estavam se perguntando por que um número tão grande de guerreiros
orcs estava vindo ajudá-los a matar o fenoceronte. Foi apenas quando
Blackhand, montado em seu lobo gigante, golpeou facilmente com sua espada
larga de duas mãos partindo o líder em dois, que os draenei perceberam que
eles eram o alvo.

Em seu favor, os draenei não ficaram paralisados de medo, mas imediatamente


agiram. Vozes que apenas demonstravam um discreto tremor de pânico
pronunciavam palavras com sons liquefeitos na sua língua nativa. Apesar de
Orgrim não reconhecer as palavras – Durotan é que tinha a habilidade de
recordar esse tipo de coisa – o som era familiar. Sabia o que esperar e preparou
seus companheiros. Então quando o céu estalou com raios anormais azuis e
prata, os xamãs estavam prontos. Lançaram seus raios em direção aos raios dos
draenei. O clarão era quase cegante, e Orgrim abaixou a cabeça rapidamente,
sua atenção no guerreiro draenei a sua frente que carregava um bastão que
brilhava e faiscava. Urrou e levantou a Doomhammer sobre sua cabeça e

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investiu esmagando o inimigo. A armadura do draenei não aguentou o ataque e
amassou como um fino bracelete. Sangue e miolos espirraram no chão.

Orgrim olhou para frente, procurando seu próximo alvo. Alguns orcs estavam
presos na rede mágica criada pelo raio artificial e sujo dos draenei. Eram
guerreiros valorosos e fortes, mas as queimaduras sofridas pela rede os faziam
gritar em agonia. O cheiro acre de carne queimada misturada com o odor de
sangue tomou conta do cenário. Era intoxicante.

Um vento soprou em seu rosto, afastando o odor da batalha e enchendo seus


pulmões de energia. Escolheu o próximo que iria morrer e correu na direção de
uma guerreira que apesar desarmada, estava rodeada de energia azulada
pulsante. Ficou surpreso ao ter a Doomhammer repelida ao bater no escudo,
estremecendo a arma e por consequência seu corpo inteiro. Um dos xamãs
interveio, o estalo do raio competindo com a misteriosa energia mágica dos
draenei, e Orgrim festejou quando viu o raio natural benéfico repelir o escudo
azulado. Atacou de novo, e dessa vez a Doomhammer esmagou
satisfatoriamente o crânio da pele azulada.
Estava quase tudo acabado. Apenas dois permaneciam de pé, e num piscar de
olhos caíram sob a massa de corpos castanhos. Depois de mais alguns gritos e
grunhidos e o inconfundível som de lâminas perfurando pele e carne, reinou o
silêncio.

O fenoceronte encurralado fugiu.

Orgrim recuperou o fôlego, sangue pulsando em seus ouvidos, inflamado pela


agitação da matança. Sempre apreciou as caçadas, mas isso...ele nunca havia
sentido nada como isso. Os animais que caçavam ás vezes reagiam, mas presas
como os draenei – inteligentes, poderosos e que lutavam da mesma maneira
que eles – era algo novo. Jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada,
imaginando se de algum modo ficou bêbado com a sensação.

O único som perceptível na clareira era a vibração e altas risadas dos orcs
vitoriosos. Blackhand se dirigiu para seu segundo em comando e abraçou-o
com a força que suas armaduras permitiam.
“Eu vi a Doomhammer, mas ela era apenas um borrão de tão rápida.” disse
sorrindo. “Lutou bem hoje, Orgrim. Fiz bem em escolher você como meu
segundo.”

Blackhand parou em frente ao mago, a última vítima de Orgrim, e tirou sua


luva de malha. O crânio estava completamente esmagado e havia sangue azul
em toda a parte. Mergulhou seus dedos no fluído vital dos draenei e pintou o
rosto de Orgrim com cuidado. Algo no interior do orc mudou. Lembrou-se de
quando fez isso em si mesmo quando matou pela primeira vez, e de terem feito

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isso nele no ritual de Om’riggor com o sangue de seu pai. E agora seu líder o
ungiu com o sangue do inimigo.

O sangue azul escuro escorreu para o canto da boca. Orgrim passou a língua
para provar o gosto e achou-o doce.

O falcossangre pousou no braço de seu mestre, suas garras fincando no couro


protetor. Ner’zhul andava enquanto o falcoeiro desenrolava a mensagem.
Rapidamente ele examinou o pedaço pequeno de pergaminho.

Tão fácil. Foi muito fácil. Nenhuma baixa, apenas alguns feridos. Os orcs foram
totalmente vitoriosos em sua primeira incursão. Blackhand desdenhou a
facilidade com a qual atacaram o grupo e esmagaram seus crânios. Tudo estava
se desdobrando como Rulkan havia prometido. Com certeza a entidade que
estava aliada a ela apareceria. Liderados por Ner’zhul, os orcs provaram seu
valor com esse triunfo decisivo.

Leu a mensagem de novo. Blackhand e os orcs do clã Blackrock certamente


foram a escolha certa contra os draenei. Eram violentos e poderosos, e ao
contrário do clã Warsong e outros clãs, estavam sob total controle de seu chefe.

Um banquete da vitória foi preparado naquela noite para o clã Shadowmoon, e


eles comeram, beberam, riram e cantaram até finalmente Ner’zhul arrastar-se
para sua cama e cair num sono profundo.

E a entidade veio.

Era glorioso e radiante. Tão brilhante que até em sua visão Ner’zhul não
conseguia olhar diretamente. Ajoelhou-se, tremendo pela alegria e admiração
que tomou conta dele.

“Você veio.” sussurrou, sentindo as lágrimas descerem pelo rosto. “Sabia que se
o agradássemos você viria.”

“Certamente agradaram, Ner’zhul, xamã e acólito das almas dos orcs.” A voz
reverberou através de seus ossos e Ner’zhul fechou os olhos, quase zonzo com a
sensação. “Eu vi como habilmente lidou com seu povo e uniu os clãs com um
único propósito, um objetivo notável.”

“Um que foi inspirado por você, Grandioso,” murmurou. Pensou em Rulkan e o
motivo por ela não aparecer mais para ele, então esqueceu. Essa grande
entidade era muito superior comparada à alma de sua amada. Ner’zhul ansiava
pelas palavras desse ser magnífico.

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“Você veio a nós e revelou a verdade e fizemos o que era necessário.”
continuou.

“Certamente fizeram e estou satisfeito. Glória, honra e doce vitória continuarão


a ser de vocês, se fizerem o que eu digo.”

“Com certeza iremos, mas...Grandioso, este humilde servo implora por um


favor.”

Ner’zhul arriscou olhar para o ser. Era vermelho, gigantesco e resplandecente,


com um torso forte e pernas que terminavam em cascos fendidos e curvados
para trás, como dos talbuques...

...ou dos draenei...

Ner’zhul piscou. Silêncio tomou conta depois de ter verbalizado seu pedido e
pensou ter sentido um arrepio. Então a voz falou novamente em sua mente e
ouvidos, e era suave e doce como mel.

“Peça e eu decidirei se é merecedor.”

A boca dele ficou seca de repente e as palavras não saiam. Com muito esforço,
pediu. “Grandioso...há um nome pelo qual podemos chamá-lo?”

Uma tímida risada resoou através do sangue de Ner’zhul. “Um favor simples e
facilmente concedido. Sim, eu tenho um nome. Você pode me chamar
de...Kil’jaeden.”

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Capitulo 9

Era fácil entender porque tantos dos meus contemporâneos preferiram que essa
história morresse; deixasse cair no esquecimento silenciosamente, escorregando
para o fundo das águas do tempo até que a superfície do lago fique mais uma
vez tranquila e ninguém saiba da vergonha espreitando nas profundezas. Eu
também senti essa vergonha, apesar de não estar vivo quando isso aconteceu.
Vejo no rosto de Drek’thar quando conta, com uma voz trêmula, a sua parte da
história. Vi o peso que Orgrim Doomhammer carregava. Grom Hellscream,
amigo e traidor e amigo de novo, foi devastado por ela.

Mas fingir que não aconteceu é ignorar o impacto horrível que causou. Assumir
a participação em nossa destruição ao invés de nos fazermos de vítimas. Nós
escolhemos esse caminho. Escolhemos até ser tarde demais para voltar atrás. E
tendo feito essa escolha uma vez, com a sabedoria que acumulamos ao fim
dessa estrada escura e vergonhosa, podemos escolher não tomá-la.

Então desejo ouvir o testemunho daqueles que caminharam por essa que
significou a quase obliteração da nossa espécie. Quero entender porque deram
cada passo e o que teve que acontecer para que parecesse lógico e certo.
Quero entender para que quando aconteça de novo, eu possa reconhecer.
Os humanos têm dois ditados que são extremamente sábios.
O primeiro é. “Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-
la.”
E o segundo é...”Conheça teu inimigo.”

Velen estava em profunda meditação quando Restalaan, relutante, o abordou.


Estava no meio do pátio do Templo de Karabor sentado numa pedra ao invés
dos confortáveis bancos que cercavam a piscina retangular. O ar estava repleto
do perfume dos arbustos floridos do exuberante jardim, e a água circulava
suavemente. As árvores agregavam ao tom silencioso com suas folhas
movendo-se ao vento. Era uma cena tranquila, mas Velen estava introspectivo.
Há muitos, muitos anos que os draenei e os Naaru nutriam uma confiança
mútua. Os seres luminosos que dificilmente optavam em tomar uma forma
física, primeiro zelaram pelos eredar exilados, depois tornaram-se professores e
então amigos. Viajaram juntos e viram muitos mundos. E cada vez que
Kil’jaeden e os man’ari descobriam seu esconderijo e estavam próximos de
capturar os draenei, os Naaru, especialmente o chamado K’ure, foram
prestativos em ajuda-los a fugir. Velen sofria sempre que seu povo precisava
partir de um mundo para que se salvassem e sabia que as criaturas que
deixassem para trás seriam tão modificados quanto os antigos eredar. Sempre
desejando mais números para juntar-se à Legião que estava criando para seu

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sombrio mestre Sargeras, Kil’jaeden não ignoraria possíveis recrutas.

Pesaroso como Velen, K’ure sofria junto com ele. Mas falava em sua mente
sobre a inalterável lógica de que Kil’jaeden, Archimonde e Sargeras teriam
destruído outro mundo. Todos os mundos, seres e raças eram horrivelmente
iguais aos olhos de Sargeras. Todos precisam ser destruídos num horrendo
festival de carnificina e fogo. A morte de Velen nas mãos de seres que antes
eram seus amigos queridos não salvaria nenhum dos inocentes desafortunados,
ao passo que sua vida um dia poderia.

“Como?” disse uma vez enfurecido. “Como minha vida é mais importante,
mais valiosa do que a deles?”

O agrupamento é demorado, admitiu K’ure. Há outros Naaru, como eu, que


estão tentando persuadir raças mais jovens. Quando estiverem prontos, todos
serão reunidos. Por fim, Sargeras irá cair sob a determinação daqueles que
ainda acreditam no que é bom, verdadeiro e harmonioso, o interminável
equilíbrio deste universo.

Velen poderia acreditar no ser que havia se transformado em seu amigo, ou


virar as costas para quem havia confiado nele e ser transformados em man’ari.
Ele escolheu acreditar.
Porém agora, estava confuso. Os orcs tinham começado a atacar grupos de caça
isolados. Não parecia haver razão para as agressões; Velen conversou com
alguns guardas, muito abalados, e nenhum deles reportou nada fora do normal.
E mesmo assim, três grupos de caça tinham sido mortos até o último draenei.
Restalaan, que havia investigado a chacina, informou que os corpos não foram
apenas assassinados...mas massacrados.
Então Velen veio até o templo, criado nos primeiros anos dos draenei nesse
mundo. Aqui, cercado por quatro dos sete cristais ata’mal, que virara um ser
muito tempo atrás, ele podia escutar em sua mente a voz fraca de seu amigo,
mas K’ure ainda não tinha respostas.
Não haveria fuga para eles se as coisas dessem errado. K’ure estava morrendo,
preso na própria nave que havia caído nesse mundo há duzentos anos.
“Grande Profeta,” disse Restalaan, sua voz suave e desgastada. “Houve mais
um ataque.”
Velen abriu os olhos devagar e observou com pesar seu amigo. “Eu sei. Eu
senti.”
Restalaan passou seus dedos espessos pelos cabelos negros. “O que faremos?
Cada ataque parece ser mais violento do que o último. Examinando as lesões
feitas nos corpos, tudo indica que estão melhorando suas armas.”
Velen suspirou profundamente e balançou a cabeça. As tranças brancas
dançavam com o movimento. “Não consigo escutar K’ure,” respondeu

70
serenamente. “Pelo menos, não tão bem quanto costumava. Temo que seu
tempo esteja acabando.”
Restalaan olhou para o chão, a dor evidente em seu rosto. Os Naaru
sacrificaram-se efetivamente por eles; todos os draenei sabiam e entendiam isso.
Por mais estranho e misterioso que o ser fosse, eles passaram a gostar dele.
Havia ficado preso e estava morrendo vagarosamente há duzentos anos. Por
algum motivo, Velen achou que demoraria mais para que o ser morresse....se é
que morria, até onde entendia dessas coisas.
Levantou determinado, sua túnica marrom clara flutuando atrás dele. “Ainda
tem sabedoria para partilhar comigo, mas não tenho mais a habilidade de
escutá-lo. Devo ir até ele. Talvez a proximidade ajude a se comunicar melhor.”
“Vo-você quer dizer ir até nave?” perguntou Restalaan.
“Eu devo.” Velen respondeu.
“Grande Profeta...não é minha intenção questionar sua sabedoria, mas-“
“Mas você questiona mesmo assim,” riu Velen e o canto de seus surpreendentes
olhos azuis enrugaram com bom humor. “Continue, velho amigo. Sempre
valorizo seus questionamentos.”
Restalaan suspirou. “Os orcs adotaram a nave como sua montanha sagrada.”
“Eu sei disso.” respondeu.
“Então porque ir contra eles se aventurando lá?” contestou. “Com certeza
entenderiam isso como uma agressão, particularmente agora. Vamos dar
motivo para que continuem nos atacando.”
“Pensei nisso. Pensei muito e seriamente sobre isso. Mas talvez seja hora de
revelarmos quem somos e o que é a sagrada montanha deles. Eles acreditam
que seus ancestrais vivem lá, e talvez estejam certos. Se K’ure tem pouco tempo,
não devemos aproveitar sua sabedoria e seus poderes enquanto podemos? Se
alguém ou algo pode selar a paz entre nós e os orcs, esse ser, maior que
qualquer um de nós, tem essa habilidade. Essa pode ser nossa única esperança.
K’ure mencionou sobre achar outras raças, outros seres para tomar parte da sua
jornada por equilíbrio e harmonia. Para se levantarem contra Sargeras e seu
vasto exército profano.”
Velen pousou sua mão alva no ombro de seu amigo. “Em minhas meditações
algo certo me foi revelado. As coisas não podem continuar como estão. Orcs e
draenei não podem viver mais distantes um do outro. Não há como voltar atrás,
meu amigo. Haverá paz ou guerra. Irão tornar-se nossos aliados ou inimigos. E
não poderei me perdoar se não explorar todos os caminhos para a paz. Entende
agora?”
Apesar do rosto triste, Restalaan concordou. “Sim, acredito que sim. Mas não
gostei. Deixe-me pelo menos mandar uma guarda blindada para acompanhá-lo,
pois sei que irão atacar antes de escutar.”
Velen balançou a cabeça. “Não. Sem armas. Nada que os provoque. São
criaturas honradas em seus corações. Pude vislumbrar as almas de dois jovens
orcs que ficaram conosco poucos anos atrás. Não há covardia ou maldade,

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apenas precaução e agora por algum motivo, medo. Atacaram grupos de caça,
não civis.”
“Sim, grupos que estavam em menor número.” devolveu Restalaan.
“Encontramos sangue derramado que não era nosso naqueles lugares,”
relembrou a ele Velen. “Levaram de volta corpos para queimar nos rituais, mas
havia bastante sangue orc no solo. E com nosso conhecimento um punhado de
draenei pode facilmente suportar contra muitos orcs. Não. Arriscarei tudo
nisso. Não irão me matar se eu declarar minhas intenções com honra e não
demonstrar minha obvia capacidade de me defender.”
“Gostaria de ter sua confiança, meu Profeta.” disse Restalaan, resignado ao se
curvar. “Então irei reunir um pequeno grupo de escolta. E não estarão
armados.”

Kil’jaeden, o Grandioso, começou a visitar Ner’zhul com mais frequência.


Primeiro apenas através de sonhos, como os ancestrais. Ele aparecia durante a
noite enquanto o xamã dormia profundamente, corpo pesado pelas drogas que
tomava para abrir a mente para a voz de seu mestre que sussurrava elogios e
planos para futura vitória dos orcs.
Ner’zhul estava extasiado. Toda mensagem que chegava de clãs variados,
trazidas pelos falcossangres era lida com entusiasmo e prazer.
Encontramos dois patrulheiros sozinhos, dizia o chefe do clã Shattered Hand.
Foi fácil despachá-los, já que estavam em menor número.
O clã Bleeding Hollow se orgulha em anunciar ao grande Ner’zhul que o
obedecemos em tudo, informava outra mensagem. Junto ao clã Laughing Skull,
dobramos o número de guerreiros armados para enfrentar o inimigo desleal.
Entendemos que o clã Thunderlord está a procura de aliados. Enviaremos um
mensageiro amanhã.
“Sim.” sorriu Kil’jaeden. “Viu como eles se uniram sob uma causa justa?
Antigamente, se esses clãs se encontrassem, estariam desafiando uns aos outros.
Agora estão compartilhando conhecimento, recursos e trabalhando unidos para
superar um inimigo que destruiria a todos.”
Ner’zhul assentiu, mas sentiu uma pontada súbita. Tem sido glorioso
finalmente ver essa entidade linda e poderosa, apesar dela parecer tanto com os
odiados draenei, mas...ele não via mais Rulkan. Percebeu que sentia a sua falta.
Perguntou-se por que ela não aparecia mais para ele.
Hesitante, começou. “Rulkan-“
“Rulkan já fez a sua parte ao trazê-lo para mim, Ner’zhul.” confortou
Kil’jaeden. “Você sabe que ela está bem e feliz – você a viu. Não precisamos
mais dela para nos intermediar. Principalmente agora que estou convencido do
seu valor para ser a minha voz entre o seu povo.”
E como antes, o coração do xamã encheu-se de alegria. Mas dessa vez, apesar
das palavras animadoras e reconfortantes de seu mestre, ele sentiu um triste
aperto em seu coração e ainda desejava poder falar com sua companheira.

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Ner’zhul estava em profunda meditação quando Gul’dan trouxe uma
mensagem para ele. O aprendiz curvou-se e entregou o pedaço de pergaminho
para seu mestre, rígido pelo líquido azul.
“O que é isso?” perguntou ao pegar o objeto.

“Foi tomado de um draenei que se aproximava do sul.” respondeu.

“Era um grupo?”

“Apenas um mensageiro. Sem armas, nem mesmo tinha uma montaria. O tolo
veio andando." Os lábios de Gul’dan se retorceram num sorriso.

Ner’zhul olhou o pergaminho, percebendo que as manchas azuis pertenciam ao


sangue do mensageiro. O que passou pela cabeça do idiota ao vir para o
coração do território dos Shadowmoon, andando sozinho e desarmado?
Desenrolou com cuidado, tentando não rasgá-lo, e rapidamente começou a ler.
Mesmo enquanto seus olhos castanhos corriam pelas palavras, o ambiente ficou
repleto com o resplendor e ambos os xamãs curvaram-se.
“Leia em voz alta, grande Ner’zhul.” a voz suave de Kil’jaeden manifestou-se.
“Compartilhe comigo e seu leal aprendiz.”
“Sim, por favor, meu mestre.” suplicou ansiosamente.
À medida que lia, pela primeira vez desde que encontrou sua amada Rulkan,
Ner’zhul sentiu o gosto da dúvida.

Para Ner’zhul, Xamã do clã Shadowmoon, o Profeta Velen dos draenei envia
saudações.
Recentemente muitos dos nossos sofreram ataques dos orcs. Não entendo o
motivo disto. Meu povo e o seu conviveram em paz e tolerância por gerações,
beneficiando um ao outro. Nunca levantamos uma arma contra um orc, e
inclusive, fomos uma vez essenciais ao salvar a vida de dois jovens orcs que
involuntariamente se colocaram em perigo.

“Ah” interrompeu Gul’dan. “Eu me lembro...Durotan, que agora é chefe do clã


Frostwolf, e Orgrim Doomhammer.”
Ner’zhul assentiu despreocupado; seus pensamentos alheios por um momento,
então recomeçou.

Tão somente podemos presumir que houve um equívoco terrível, e desejo tratar
com você para que nenhuma vida - orc ou draenei – seja perdida dessa forma
trágica.
É de meu entendimento que a montanha que nomearam Oshu’gun é sagrada
para seu povo, pois é lá que os espíritos dos seus ancestrais permanecem.

73
Mesmo que esse lugar também tem profundo significado para nós draenei,
sempre respeitamos a decisão de tomá-lo como seu local sagrado. Contudo,
chegou a hora de reconhecermos que temos mais coisas em comum. Sou
chamado de Profeta pelo meu povo, porque por vezes sou agraciado com
sabedoria e discernimento. Procuro liderar bem e pacificamente, como de fato
você e os líderes de vários clãs devem fazer com seu povo.
Peço uma reunião pacífica em um lugar que tem significado tanto para nós
quanto para vocês. No terceiro dia do quinto mês, eu e um pequeno grupo
estaremos em peregrinação para entrar no coração da montanha. Ninguém
estará carregando armas. Convido você e qualquer um que se sinta comovido a
juntar-se a mim, ao entrarmos nesse lugar de magia e poder, e pedir pela
sabedoria de seres muito mais sábios e descobrir como podemos curar essa
fissura entre nós.
Com benção e Luz, desejo-lhe paz.

Gul’dan foi o primeiro a falar. Ou melhor, a rir.


”Quanta arrogância! Meu mestre, grande Kil’jaeden, esta é uma oportunidade
que não podemos perder. O líder vem a nós como um filhote de fenoceronte
para o abate, desarmado e equivocadamente achando que desconhecemos suas
más intenções. E pensa em violar Oshu’gun! Irá morrer antes de sequer colocar
seu casco repugnante no pé da montanha sagrada!”
“Suas palavras muito me agradam, Gul’dan,” pronunciou Kil’jaeden em sua
voz suave. “Ner’zhul, seu aprendiz fala sabiamente.”
Ele sentiu as palavras presas em sua garganta. Abriu por duas vezes a boca e
finalmente a sentença saiu de forma esganiçada na terceira tentativa.
“Não discordo que os draenei sejam perigosos,” disse hesitante. “Mas...não
somos gronns que matam inimigos desarmados.”
“O mensageiro foi morto.” notou Gul’dan. “Estava sem armas e montaria.”

“E lamento por isso!” rebateu o xamã. “Devia ter sido detido e trazido a mim,
não morto!”
Kil’jaeden não disse nada. O resplendor escarlate banhava Ner’zhul enquanto
continuava, buscando às cegas um caminho para a solução.
“Não permitirei que suje nosso local sagrado,” continuou o xamã. “Não se
preocupe quanto a isso, Gul’dan. Mas não mandarei matá-lo sem antes ter uma
chance de falar com ele. Quem sabe não tiramos proveito disso.”
“Sim.” disse Kil’jaeden numa voz rica e afetuosa. “Quando alguém está
sofrendo, esse alguém revelará tudo o que sabe.”
As palavras soaram estranhas para Ner’zhul, mas não manifestou sua surpresa.
Essa entidade magnífica queria que ele torturasse Velen? Algo dentro dele
estava entusiasmado com a possibilidade. Mas algo também o fez recuar. Não
ainda. Não poderia fazer algo desse tipo ainda.

74
“Estaremos esperando por ele,” assegurou a seu grande mestre e seu aprendiz.
“Ele não escapará.”
“Mestre,” disse Gul’dan com cautela. “uma sugestão, se me permite?”
“O que é?”
“O clã Frostwolf é o que fica mais próximo da montanha,” sugeriu Gul’dan.
“Vamos pedir a eles que detenham Velen e seu grupo e os tragam até nós. Seu
líder usufruiu da hospitalidade dos draenei. E apesar de não ter impedido
nossos esforços, não recordo ter recebido notícias de um ataque liderado por ele
contra os draenei. Assim matamos dois coelhos com uma cajadada só: capturar
o líder dos draenei e o clã Frostwolf provar a sua lealdade à causa.”
Ner’zhul sentiu dois pares de olhos penetrando os seus – os pequenos e negros
de seu aprendiz, e a orbe brilhante de seu mestre Kil’jaeden. A sugestão de
Guldan parecia sensata. Então porque ele estava tão relutante a concordar?
Os batimentos foram passando e suor aparecia na testa de Ner’zhul. Finalmente
ele falou, e ficou aliviado de escutar sua voz sair segura e convincente.
“De acordo. É um bom plano. Arrume uma pena e pergaminho, e notificarei
Durotan do seu dever.”

75
Capitulo 10

Quando Drek’Thar contou-me do incidente com meu pai, nunca tive tanto
orgulho dele. Sei como é difícil tomar a decisão certa em determinados
momentos. Ele tinha tudo a perder com as escolhas que fez.

Isso não é certo.

Ele manteve sua honra. E não há preço alto o bastante para sacrificá-la.

O conteúdo da carta era claro. Durotan a encarava, e com um longo suspiro


passou para sua companheira. Draka leu rapidamente, seus olhos passando
pelas palavras, e soltou um ronco baixo.

“É muita covardia Ner’zhul jogar essa responsabilidade para você.” disse baixo
para que o mensageiro, que esperava do lado de fora, não escutasse. “O pedido
foi para ele, não você.”

“Jurei obedecer,” respondeu com o mesmo tom de voz. “Ner’zhul fala pelos
ancestrais.”

Pensativa, inclinou a cabeça. Um raio de sol perdido entrou por um furo no


tecido e iluminou seu rosto, destacando seu maxilar forte e maçãs do rosto
salientes. Durotan perdeu o fôlego ao olhar sua amada. Apesar de todo o caos –
inclusive loucura – que parecia ter baixado sobre eles de repente, ele estava
grato por ela. Tocou suavemente seu rosto castanho e ela sorriu.

“Meu companheiro... não sei se confio em Ner’zhul.” sussurrou.

Ele aquiesceu. “Mas nós confiamos em Drek’Thar e ele confirmou o que


Ner’zhul relatou. Os draenei têm conspirado contra nós. Ele disse que Velen
insiste em entrar em Oshu’gun.”

O chefe do clã Frostwolf novamente olhou a carta. “Estou satisfeito por ele não
ter pedido que mate Velen. Uma vez em nosso poder, talvez possamos
convencê-lo a mudar de ideia e explicar por que querem nos prejudicar. Talvez
possamos negociar a paz.”

A possibilidade agarrou-se em seu peito, apertando forte. Por mais gloriosa que
sua vida fosse junto a Draka e pelo orgulho que sentia pelo clã, quão mais feliz
seria se vivesse como seu pai havia vivido – caçando os animais das florestas e
vales, dançando sob a luz da lua nos festivais Kosh’harg, escutando os velhos
contos e deleitando-se no zelo dos ancestrais. Não havia dito nada a Draka, mas
estava feliz por não terem concebido uma criança ainda. Não era uma época

76
fácil para os jovens orcs. Sua infância havia sido tirada e deveres tinham sido
colocados em ombros que não eram largos o bastante para carregá-los. Durotan
não hesitaria em treinar seu filho ou filha, caso Draka tivesse dado a luz. Não
pediria aos pais nada além do que ele mesmo faria, mas estava feliz por nãoter
que lidar com essas decisões ainda.

Draka o obervava com intensidade. Era como se ela pudesse ler seus
pensamentos.

“Você já encontrou Velen antes. Vejo que tenta reconciliar as memórias deste
encontro com as notícias de que estão tentando nos destruir. Não foi fácil para
você.”

“Nem está sendo agora.” respondeu. “Talvez seja melhor que essa tarefa tenha
sido dada a mim. Velen irá se lembrar daquela noite, tenho certeza disso. Acho
que estará mais disposto a tratar comigo do que com Ner’zhul. Gostaria de ter
lido a carta que mandou.”

Draka suspirou ao levantar-se. “Seria muito esclarecedor.” disse.

Durotan levantou-se em seguida. “Direi ao mensageiro para que seu mestre


fique tranquilo. Não fugirei da minha obrigação.”

E ao sair, sentiu o olhar preocupado de Draka atrás dele.

Velen segurou o cristal violeta perto de seu coração. Os cristais amarelo e


vermelho jaziam ao seu lado enquanto meditava e lançavam um brilho suave
em sua pele alva. Os outros quatro estavam espalhados pelo território draenei,
seu poder servindo o povo quando precisavam. Mas o violeta sempre ficava
com ele.

Seu poder abria a mente e espírito, e era como se estivesse em comunicação


direta com os Naaru. Quando meditava com o cristal violeta, sentia-se mais
forte, límpido, sua alma mais aguçada. Apesar de todos os cristais serem
poderosos e preciosos, este era o que mais estimava.

Esforçou-se para escutar o sussurro baixo de K’ure, mas não conseguiu. Seu
coração apertou e ele abaixou a cabeça.

Ouviu vozes e abriu os olhos. Restalaan estava conversando com um dos


acólitos, e Velen acenou para que se aproximasse.

“Tens notícias, velho amigo?” perguntou. Mostrou um jarro de chá de ervas


quente.

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Restalaan levantou o braço, rejeitando a oferta. “Boas e más, meu Profeta.”
disse. “Lamento informar que o mensageiro que enviou para o líder xamã
Ner’zhul foi morto por um grupo de orcs.”

Velen fechou os olhos e o cristal violeta tornou-se mais quente por um segundo,
como se quisesse confortá-lo.

“Senti a sua morte.” revelou com pesar. “Mas esperava que fosse um acidente.
Está certo de que foi assassinado?”

“Ner’zhul confirmou e não se desculpou.” A voz de Restalaan transmitia sua


raiva e afronta com o ocorrido. Estava ajoelhado ao lado de Velen, perto do
cristal vermelho. Os olhos azuis de Velen viraram para o cristal que pulsou uma
vez, retribuindo as emoções de seu amigo.

“Acaba por aqui sua teoria de que não atacariam um draenei desarmado.”
continuou.

“Esperava pelo melhor” disse calmamente. “Mas disse que havia boas notícias
para amenizar essas tristes novas?”

Restalaan fez uma careta. “Se é que podemos chamar de boa notícia. Ner’zhul
disse que um contingente de orcs nos encontrará na base da montanha.”

“Ele não virá?”

“Não meu Profeta,” terminou e abaixou a cabeça.

“E quem virá em seu lugar?”

“A carta não informou.”

“Passe me a carta”. Seu amigo colocou o pergaminho na mão estendida. Velen


desenrolou e leu rapidamente.

O mensageiro está morto. Felizmente, aqueles que o mataram também


vasculharam o corpo e acharam a carta. Li e concordei em enviar um
contingente de orcs que irão tratar com você. Não garanto nada – nem sua
segurança, nem uma trégua, nada. Mas iremos escutá-lo.

Velen suspirou profundamente. Não era essa a resposta que sua alma ansiava.
O que aconteceu com os orcs? Por que de repente estão tão predispostos a fazer
mal aos draenei, que nunca se opuseram a eles?
Não garanto nada, escreveu Ner’zhul com uma letra firme.

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“Muito bem,” decidiu Velen. “Então nada está garantido.” E sorriu para
Restalaan. “Assim como a vida.”

O dia estava inapropriadamente brilhante e alegre. Durotan estava pensativo.


Seus olhos apertados por causa da luz dançante do pré-verão. No dia em que se
sentia tão sombrio e infeliz, com certeza o tempo deveria refletir isso. Pelo
menos algumas nuvens. Mas uma chuva fina e fria seria mais conveniente. Mas
o sol não se importava com o coração pesado de um orc ou mesmo com o
futuro de um povo. Oshu’gun parecia estar em chamas, tão cintilante era a luz
refletida de sua superfície cristalina e multifacetada.

Durotan escolheu um posicionamento estratégico. De onde seus guerreiros


estavam situados, seria capaz de avistar o grupo de Velen muito antes de eles
verem os orcs. Decidiu esperar e deixar que o Profeta viesse até ele, apesar de
ter colocado seus guerreiros de uma maneira que não fosse possível fugir, caso
tentasse. E todos os orcs que esperavam pacientemente nesse dia ilustre,
estavam armados até os dentes com os xamãs prontos.

Com seus olhos afiados e habilidades para luta, Draka era útil como
patrulheira. Deixou-a como sentinela no primeiro grupo de guerreiros. No
minuto que Velen aparecesse, ela informaria seu companheiro pelos ventos
através de Drek’Thar.

O líder dos xamãs, porém, estava ao lado de Durotan. Como era o mais
poderoso entre os xamãs, seu trabalho era proteger o líder. Estavam parados em
uma rocha que emergia da entrada da montanha sagrada. Dúzias de guerreiros
esperavam com flechas, machados e dardos. Outros passaram o dia
manobrando pedras grandes, para que com uma palavra de Durotan, um
pequeno movimento faria as pedras rolarem e esmagar os draenei.

A ameaça de morte pairava em todos os lugares dessa adorável montanha nesse


dia ensolarado.

Os cabelos pretos de Durotan agitaram-se na brisa e um pássaro cantava.


Drek’Thar olhou com preocupação seu chefe.

“Meu chefe, está fazendo como foi ordenado.” disse com sinceridade. “Esses
seres são nossos inimigos.”

Durotan assentiu e esperava acreditar com tanta facilidade quanto os outros


orcs.

A brisa acariciou sua face de novo e mais insistente, e escutou palavras ao


vento. Uma mensagem de Draka, passado a ele por Drek’Thar e os elementos.

79
Estão chegando. Cinco deles. Nenhum está usando armadura ou visivelmente
carregando armas. Caminham com tranquilidade.

O vento soprou para longe suas palavras, e sabia que iria para os ouvidos de
todos os orcs ali reunidos. Quando chegasse a hora, Drek’Thar aproveitaria o
vento para dar ordens para as tropas de Durotan. Endireitou-se, seu coração
batendo mais depressa. Agarrou com força seu machado.

“Lá estão eles.” comunicou sombriamente Drek’Thar. Durotan seguiu o olhar


do xamã.

A informação de Draka estava certa, inclusive a maneira com a qual os draenei


se aproximavam. Os cinco não usavam a estranha armadura azul prateada que
Durotan recordava de seu único encontro. Estavam vestidos com mantos com
lindas cores que flutuavam ao vento, como se estivessem indo para um
banquete. Andando um pouco a frente do grupo, estava o Profeta Velen. Ele
era inconfundível; sua vestimenta simples e castanha contrastava com a do seu
séquito, e sua pele branca era única. Durotan sorriu um pouco, apesar da
situação trágica. Estavam tão espalhafatosos, que só um orc cego não seria
capaz de percebê-los á uma grande distância.

A lembrança do que isso representava fez o sorriso sumir. Eles queriam ser
localizados imediatamente. Desejavam que os orcs tivessem certeza de que não
carregavam armas e que estavam no que Mãe Kashur chamava de
peregrinação.

Ou era uma fraude bem elaborada? Xamãs não necessitavam de lanças para
destruir. Nem os draenei. Durotan relembrou as redes mágicas que queimavam
e enegreciam a pele – redes de energia, estranhas para os orc e que surgiam do
nada.

Não. Mesmo desarmados estavam longe de ser inofensivos.

Informou brevemente seus guerreiros e sabia que obedeceriam. Entenderam


que não deveriam emitir nenhum sinal de alerta – nem proferir insultos – sem
uma ordem expressa de Durotan. Mas eles sabiam como os draenei lutavam e
não seriam pegos de surpresa. Sentia a tensão que vinha dos guerreiros perto
dele, e perguntou-se se os draenei sentiam também.

Durotan assistiu os grupos que estavam mais longe, saírem de seu esconderijo e
fechar o cerco atrás dos draenei. Ele esperava que estivessem longe o bastante
para que os draenei não percebessem. Se sim, não transpareceram e
continuavam com uma velocidade constante, confiante e serena.

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Durotan e Drek’Thar não tentaram se disfarçar. Depois de muitos minutos,
Velen levantou a cabeça e olhou diretamente nos olhos de Durotan, este não
desviou o olhar e esperou que os inimigos continuassem a se aproximar. Ao
alcançarem a base da montanha, vários orcs saíram propositalmente do
esconderijo para cercá-los.

Velen não pareceu nem um pouco surpreso. Sorrindo, olhou em volta e tornou
a encarar Durotan. O chefe desceu até ficar no mesmo nível que o draenei
profeta.

“Há quanto tempo não nos encontramos, Velen.” disse com calma.
Propositalmente não usou o título do draenei.

“Muito tempo, Durotan, filho de Garad, chefe do clã Frostwolf.” respondeu


com a voz suave e rica que Durotan lembrava. “Ainda é amigo de Orgrim?”

“Certamente que sou.” continuou. “Ele carrega a Doomhammer agora, e é


segundo em comando de seu clã.”

Pesar despontou no rosto pálido, um que era profundo e indiscutivelmente


verdadeiro. Durotan lembrou de novo daquela noite, há muito tempo, quando
esse ser havia sentado com eles e conversado sobre os costumes orcs, da
Doomhammer e do preço a ser pago por Orgrim.

“Espero que seu pai e o dele tenham tido um fim honroso.”

“Não estamos aqui para falarmos do passado.” retrucou Durotan, com mais
ênfase do que desejava. Não gostava de relembrar esse episódio. “Estamos aqui
porque nos informou que se atreverão a entrar no nosso local mais sagrado.”

Aí está, pensou. Não vamos medir palavras.

Velen sustentou o olhar em Durotan e assentiu. “Mandei uma carta para


Ner’zhul, não para você. Ele não aceitou encontrar-me. Pergunto-me...ele
mostrou a carta para você?”

“Não há motivos para que eu leia.” respondeu Durotan. “Foi pedido que eu
viesse em seu lugar e aqui estou.”

Durotan viu os ombros largos caírem um pouco. Velen suspirou fundo.


“Entendo.” disse. “Talvez ele não tenha dito o porquê quis vir aqui hoje.”

“Não preciso saber dos seus propósitos, draenei.” comunicou.

“Na verdade precisa, ou essa conversa de nada servirá.” Sua voz era clara e fria,
e não havia nada velho ou frágil apesar da idade avançada de Velen. Durotan

81
levantou a sobrancelha. Não havia dúvida de que era sábio. Mas agora, pela
primeira vez, ele vislumbrou a absoluta força de vontade que sustentou Velen
por incontáveis anos.

“Essa montanha é sagrada para seu povo. Sabemos e respeitamos isso. Mas é
também sagrada para nós.” Velen deu um passo à frente, olhar fixo em
Durotan. Os orcs em volta sussurraram entre si, mas não se moveram.

“Dentro da montanha há um ser que há muito cuida do povo draenei.”


continuou. “É mais antigo do que qualquer coisa que nossas mentes podem
compreender. E mais poderoso. Mas mesmo coisas antigas e poderosas podem
morrer, e está morrendo agora. Há sabedoria, graça e conformidade que
podemos obter desse ser, meu povo e o seu. Nós –“

“Blasfêmia!”

Durotan assustou. O grito amargo surgiu na garganta não de um orc guerreiro


impaciente, mas do xamã que estava ao seu lado. Com os olhos arregalados, o
corpo de Drek’Thar tremia de raiva. Veias saltavam de seu pescoço e
balançava o punho para Velen. Durotan ficou tão surpreso com a explosão que
não silenciou rápido como deveria e Drek’Thar continuou.

“Oshu’gun pertence a nós! É o lar dos amados falecidos, abriga seus espíritos e
suas horríveis patas fendidas não darão um passo em seus arredores
abençoados!”

Velen também parecia surpreso com as palavras. Voltou sua atenção para o
xamã e esticou as mãos em súplica.

“É verdade que os espíritos habitam dentro dessas paredes e nunca diria o


contrário.” implorou. “Mas a razão pela qual são atraídos para cá é esse ser. Ele
busca...”

Justamente a coisa errada a se dizer. Drek’Thar gritou de raiva. Outros gritos se


seguiram e antes de Durotan perceber o que ocorria, viu guerreiros se
adiantarem. Draka foi a sua direção para detê-los, mas era como se tentasse
segurar uma maré. Durotan bateu forte no rosto de Drek’Thar. O xamã
rodopiou, rosnando.

“Proteja eles!” exigiu Durotan. “Irão obedecer minhas ordens e devemos levá-
los com vida. Proteja eles, maldição!”

Os olhos de Drek’Thar transbordavam raiva, mas apenas por um instante.


Levantou suas mãos, fechou os olhos e de repente um grande círculo de fogo
surgiu em volta dos draenei. Um vento soprou levantando o fogo e derrubando

82
os orcs. Os guerreiros recuaram e para o desespero de Durotan, alguns
arqueiros começaram a colocar flechas em seus arcos.

“Parem!” urrou Durotan, e os ventos levanto sua ordem para os ouvidos de


seus guerreiros. “Matarei qualquer um que atacar!”

Com essa ordem e as habilidades de Drek’Thar, mesmo que relutante, os


draenei estavam a salvo. Durotan desceu do flanco da montanha em direção aos
prisioneiros. Drek’Thar estava no seu encalço.

“Interrompa o fogo,” o chefe disse a seu xamã. E as labaredas que quase


chamuscaram as sobrancelhas de Durotan desapareceram de uma vez. Estava
cara a cara com Velen, e uma onda de emoção, que não soube explicar, tomou
conta dele ao perceber que o draenei ancião estava tão sereno e calmo, como
estava quando conversara antes.

“Velen, você e o seu grupo são agora prisioneiros do clã Frostwolf.” proclamou
numa voz calma, porém perigosa.

Velen sorriu com doçura, mas tristemente. “Era de se esperar.” disse.

Ele e os outros quatro conseguiram de alguma maneira manter seu porte


enquanto Durotan ordenava que os despissem e revistassem. Seus mantos
deslumbrantes foram tirados e dados a ao guerreiro superior, e os draenei
estavam em túnicas endurecidas de suor.

Seu estômago embrulhou ao ouvir os insultos, os deboches e as cusparadas em


direção aos prisioneiros, mas ele não os deteve. Contanto que não machucassem
fisicamente os prisioneiros – e Durotan observou atentamente para assegurar
que ninguém o fizesse – deixariam que seus guerreiros tivessem sua diversão.
Ao seu lado, Draka assistia com raiva o comportamento de seus camaradas de
clã e cochichou. “Meu companheiro, não pode silenciá-los?”

Balançou a cabeça. “Quero ver como os draenei reagem. E...os guerreiros


seguraram seus impulsos quando poderiam tê-los matado. Não segurarei suas
línguas.”

Com um olhar investigativo, Draka assentiu e retirou-se. Ele sabia que não
aprovava e ele também não estava feliz em presenciar isso. Mas estava andando
numa linha tênue, e sabia disso.

“Meu chefe!” gritou Rokkar, o segundo em comando de Durotan. “Venha ver o


que nos trouxeram!”

83
Durotan foi para junto de Rokkar e olhou o saco que abrira. Arregalou os olhos.
Aninhado no tecido suave estavam duas belas pedras. Uma era vermelha e a
outra amarela. Durotan ansiou por tocá-las, mas deteve-se. Olhou para Velen.

“Há muito tempo, Restalaan mostrou um cristal parecido com esse.” disse.
“Aquele protegia a cidade. O que esses fazem?”

“Cada um tem seu poder. Os cristais são parte do nosso legado. Foram
transmitidas a nós pelo ser que reside na montanha sagrada.”

Durotan resmungou. “Seria melhor não mencionar isso de novo.” aconselhou.


Para Rokkar ordenou, “Alimente-os, amarre suas mãos e coloque-os nos lobos
com xamãs os vigiando. Dê as pedras a Drek’Thar. Iremos levar os draenei
conosco e entregaremos a Ner’zhul. Ele deveria estar aqui hoje.”

Virou-se e saiu, não querendo olhar nos brilhantes e estranhos olhos azuis de
Velen, e nem o olhar de censura de Draka.

Durante a viagem de volta, Durotan lutou com seus sentimentos. Por um lado,
ele dividia a indignação de Drek’Thar. Oshu’gun era sagrada para os orcs. A
ideia de algo além dos ancestrais residir dentro dela – de fato, como Velen havia
afirmado, era tão poderoso que atraiu os ancestrais para ela, o atingiu em cheio.
Só podia imaginar como os xamãs se sentiram com essa declaração. Tudo se
encaixava no que Ner’zhul dizia; que os draenei eram uma praga e deveriam
ser eliminados.

O que o preocupara era o motivo. Ele descobriria isso essa noite.

Eles fizeram o caminho rápido, contando os cinco cativos. O sol estava apenas
começando a nascer quando chegaram. Durotan enviou alguns patrulheiros
antes para das às boas notícias e o clã os esperava ansiosamente. A sua direita
estavam Drek’Thar e Rokkar, que partilhava da ansiedade dos Frostwolves e a
sua esquerda estava Draka, que permaneceu estranhamente quieta durante o
ocorrido. Tinha certeza que não queria escutar o que ela tinha a dizer; já estava
sendo forçado em várias direções.

Os prisioneiros foram empurrados com estupidez em duas tendas e um guarda


ficou em suas costas. Quatro guerreiros experientes e o xamã que Drek’Thar
mais confiava colocaram-se a sua frente com orgulho, satisfeitos pelo dever
confiado. Velen ficou isolado; queria tratar com ele sozinho.

Depois que a agitação acabou Durotan respirou fundo. Ele não ansiava por
essa conversa, mas era seu dever. Acenou para os guardas e entrou na pequena
tenda que Velen encontrava-se.

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Esperava ver o ancião com as mãos amarradas, como havia ordenado. Viu que
independente de quem acatou a ordem, o fez com zelo excessivo.

A tenda havia sido levantada perto de uma árvore robusta e Velen estava
amarrado a ela. Seus braços foram puxados para trás num ângulo estranho, as
cordas tão apertadas em sua pele branca que, mesmo com a luz fraca, Durotan
percebeu a carne escurecendo. Felizmente, uma corda mais frouxa em volta do
pescoço que o obrigava a ficar com a cabeça ereta para não sufocar. Um pedaço
de pano sujo foi colocado em sua boca. Estava de joelhos e seus cascos também
estavam amarrados atrás dele.

Proferiu um insulto e puxou uma adaga. Velen o olhou, sem vestígio de medo
em seus profundos olhos azuis, mas Durotan percebeu que o draenei pareceu
surpreso quando o orc usou a arma para cortar as amarras ao invés da sua
garganta. Não reclamou, mas uma centelha de dor apareceu em seu rosto alvo
assim que o sangue voltou a correr em seus membros.

“Pedi que o amarrasse, não que prendesse como se fosse um talbuque. “


resmungou.

“Parece que seu povo é muito ávido.”

Durotan passou um odre com água para o ancião e observando enquanto bebia.
Velen não parecia ser uma ameaça, sentado a sua frente, em vestes sujas,
engolindo água morna, sua pele em carne viva por causa das amarras. Como se
sentiria, perguntou-se, se tivesse escutado o que Mãe Kashur disse? Tudo
parecia errado. Mesmo assim ela assegurou a Drek’Thar que o draenei era uma
ameaça tão fatal que mal podiam imaginar.

Havia uma tigela de mingau de sangue frio no chão. Com seu pé direito,
Durotan empurrou em direção ao prisioneiro. Velen olhou, mas não comeu.

“Não é o banquete que ofereceu a Orgrim e a mim quando jantamos em


Telmor.” disse. “Mas é nutritivo.”

Velen sorriu. “Foi uma noite memorável.”

“Conseguiu as informações que queria naquela noite?” Durotan questionou.


Estava com raiva, mas não de Velen. Estava com raiva por ter chegado a esse
ponto, ter em cativeiro alguém que manifestou nada além de cortesia para com
ele. E então ele descontou tudo no Profeta.

“Não entendo. Apenas queríamos ser bons anfitriões a dois jovens


aventureiros.”

85
Durotan levantou e chutou a tigela. Mingau endurecido derramou no chão.
“Espera que eu acredite nisso?”

Velen não caiu na armadilha. Respondeu calmamente. “É a verdade. A escolha


em acreditar ou não, é sua.”

Durotan ficou de joelhos e encostou seu rosto no de Velen. “Por que está
tentando nos destruir? O que fizemos a vocês?”

“Pergunto o mesmo.” disse Velen. Um rubor apareceu em seu rosto. “Nunca


levantamos uma mão contra vocês, e agora mais de duas dúzias de draenei
foram mortos em seus ataques!”

A verdade do comentário deixou Durotan mais furioso. “Os ancestrais não


mentem,” rosnou. “Fomos avisados que vocês não são o que parecem – que são
nossos inimigos. Por que trouxe esses cristais senão para nos atacar?”

“Achamos que ajudaria a nos comunicarmos melhor com o ser na montanha.”


disse rapidamente, como se quisesse falar tudo antes de ser silenciado por
Durotan. “O ser não é um inimigo dos orcs, e nem nós. Durotan, você é
inteligente e sábio. Percebi isso naquela noite. Não é daqueles que segue
cegamente como um animal para o abatedouro. Não sei por que os líderes
mentiram para você, mas eles mentem. Só buscamos interagir pacificamente
com os orcs. Você é melhor do que isso, filho de Garad. Não é como os outros!”

Os olhos de Durotan estreitaram. “Você está errado, draenei.” cuspiu ele.


“Tenho orgulho de ser um orc e da minha herança.”

Velen parecia exasperado. “Você me entendeu mal. Não quero difamar seu
povo. Eu apenas-“

“Apenas o que? Dizer que a única razão de vermos nossos mortos é por causa
do seu...deus preso na montanha?”

“Não é um deus, é um aliado, e seria também de seu povo se permitisse que


fosse.”

Durotan praguejou e levantou-se, andando pela tenda com os pulsos cerrados.


E deu um longo e profundo suspiro, a raiva nele virando cinzas.

“Velen, suas palavras são como lenha na fogueira da nossa ira.” disse
tranquilamente. “Sua alegação é arrogante e ofensiva. Irá apoiar aqueles que já
estão preparados para matar o seu povo baseado na palavra dos ancestrais. Não
entendo – mas você pede para que eu escolha entre as pessoas que confio e
tradições na qual fui criado, e a sua palavra.”

86
Virou e encarou o draenei. “Escolherei meu povo. Você precisa saber disso. Se
ficarmos frente a frente na batalha, não irei me segurar.”

Velen olhou com curiosidade. “Você...não me levará para Ner’zhul então?”

Durotan balançou a cabeça. “Não. Se ele quisesse você, deveria ter vindo. Ele
designou que eu tratasse com você, e eu cumpri minha obrigação como achava
pertinente.”

“Você deveria trazer o prisioneiro para ele.”

“Era para encontrá-lo e escutar o que tinha a dizer.” concluiu. “Se tivesse te
capturado em batalha, tirado uma arma de suas mãos, e lutado no chão, aí sim,
você seria um prisioneiro. Mas não há honra em amarrar um inimigo que
estende suas mãos de bom grado. Estamos num impasse. Você insiste que não
tem más intenções com relação aos orcs. Meus líderes e espíritos dos meus
ancestrais dizem o contrário.”

De novo, Durotan ajoelhou-se. “Eles te chamam de Profeta – sabe o futuro


então? Se sim, diga-me o que nós podemos fazer para evitar o que temo que vá
acontecer. Não tirarei vidas inocentes, Velen. Dê-me algo, qualquer coisa, que
eu possa levar a Ner’zhul que prove que o que diz é verdade!”

Percebeu que estava implorando, mas isso não o angustiava. Amava sua
companheira, seu clã, seu povo. Odiava o que estava vendo: uma geração
inteira apressando-se para a idade adulta com apenas ódio cego em seus
corações. Se implorar para esse ser estranho pudesse mudar isso, assim ele
faria.

Os estranhos olhos azuis tinham uma empatia inexplicável. Velen pousou a


mão no ombro de Durotan.

“O futuro não é como um livro que alguém lê.” articulou. “Está em constante
mudança, como água corrente, ou o rodopiar da areia. Tenho alguns
conhecimentos, nada mais. Sabia que deveria vir desarmado e olhe só, não fui
recebido pelo maior orc xamã, mas por aquele que dormiu a salvo sob meu teto.
Não acho que foi um acidente, Durotan. E se algo pode ser feito para evitar isso,
depende dos orcs não dos draenei. Tudo o que posso fazer é repetir o que já
disse. O curso do rio pode ser mudado, mas são vocês que devem mudá-lo. É
tudo o que sei e rezo para que seja o bastante para salvar meu povo.”

O olhar em seu rosto antigo e estranhamente enrugado, e o tom da sua voz


transmitiu a Durotan o que as palavras não disseram: que Velen certamente não
achava que isso seria o bastante para salvar seu povo.

87
Durotan fechou os olhos por um instante, então se afastou. “Ficaremos com as
pedras.” disse. “Seja qual for o poder que tenha, os xamãs aprenderão a
aproveitá-la.”

Velen assentiu com tristeza. “Presumi. Mas tinha que trazê-las. Tinha que
confiar que podíamos achar uma forma de resolver tudo isso.”

Durotan perguntou-se por que nesse momento sentia-se mais próximo daquele
que disseram ser um inimigo do que do líder espiritual do seu povo? Draka
deveria saber. Ela sempre soube. Ela nada disse, pois entendia com uma
sabedoria que ele nunca compreenderia e como chegou até aqui por si próprio.
Mas conversaria com ela essa noite, sozinhos na tenda.

“Levanta.” disse rudemente para esconder suas emoções. “Você e seus


acompanhantes podem sair em segurança.” Sorrindo de repente, emendou.
“Em segurança no escuro e sem armas. Se encontrarem a morte esta noite
quando não estiverem em meu território, não serei responsável.”

“Isso seria deveras conveniente para você;” concordou Velen. “Mas de algum
modo, acho que não é isso que deseja.”

Durotan não respondeu. Saiu da tenda e disse aos guardas, “Velen e seus
quatro acompanhantes devem ser escoltados em segurança até o limite de nosso
território. Então, devem ser soltos para que retornem a sua cidade. Nenhum
mal deve ser cometido a eles, fui claro?”

O guarda parecia que iria protestar, mas outro guerreiro mais sábio olhou-o
com ferocidade.

“Foi sim, meu chefe.” o primeiro guarda murmurou. Ao que foram buscar os
draenei, Drek’Thar correu para Durotan.

“Durotan! O que está fazendo? Ner’zhul espera pelos prisioneiros!”

“Ner’zhul que pegue os prisioneiros ele mesmo.” queixou-se. “Eu estava no


comando e esta é minha decisão. Você a questiona?”

Drek’Thar olhou em volta e puxou Durotan para longe de ouvidos curiosos.

“Sim,” sibilou. “Escutou o que ele disse. Ele alega que os ancestrais são...são
como mariposas em uma tocha, perto desse deus deles! Arrogantes! Ner’zhul
está certo. Devem ser eliminados. Foi nos dito isso.”

“Se é para ser assim, assim será.” concluiu. “Mas não hoje Drek’Thar. Hoje
não.”

88
Velen sentia seu coração pesado, enquanto caminhava devagar com seus
companheiros pelo gramado do campo encharcado pelo orvalho, passando
pelas sombras das árvores da floresta Terokkar em direção a cidade mais
próxima.

Dois dos cristais ata’mal estavam agora em poder dos orcs. Ele sabia que as
palavras de Durotan eram corretas e que os xamãs iriam rapidamente
desvendar seus segredos. Mas deixaram escapar uma.

Isso porque o cristal não quis ser encontrado, e quando se tratava deles, a luz
obedecia a seus desejos e curvou-se para que o cristal violeta permanecesse
escondido dos orcs. Segurou-o junto ao peito, sentindo seu calor em sua pele
antiga.

Ele apostou e perdeu. Não totalmente, já que ele e seus amigos estavam vivos e
a salvo. Mas esperava que os orcs o escutassem, ou pelo menos o
acompanhassem até o coração da montanha sagrada e testemunhar algo que
não renegaria sua fé, nem um pouco, mas que na verdade foi o que a fez nascer.

O prognóstico era lúgubre. Quando caminhou pelo acampamento dos orcs, viu
o que estava acontecendo. Crianças estavam sendo treinadas tão duramente que
caiam de exaustão. Forjas a todo o vapor mesmo durante a madrugada. Apesar
de andar livremente agora, Velen sabia que os acontecimentos de hoje não
adiantaram de nada para evitar o que estaria por vir. Os orcs, inclusive os que
eram liderados pelo perspicaz e calmo Durotan, não estavam preparando-se
para uma possível guerra. Estavam convencidos da certeza dela. Quando o sol
nascesse amanhã de manhã, testemunharia o inevitável.

O cristal que segurava em seu peito pulsou, sentindo seus pensamentos. Virou
para seus companheiros e olhou-os com pesar.

“Os orcs não serão desviados desse caminho.” disse. “Portanto, se queremos
sobreviver...nós também devemos andar pelo caminho da guerra.”

Muito distante dali, despedaçado, moribundo, descansando tão pacificamente


quanto era possível nas profundezas das águas do lago sagrado, o ser
conhecido como K’ure deu um grito intenso e agonizante.

Velen sobressaltou-se, reconhecendo a voz, e abaixou a cabeça.

Os orcs Frostwolf escutaram também e viraram para olhar o triângulo perfeito


que era Oshu’gun.

“Os ancestrais estão com raiva de nós!” gritou um jovem xamã. “Raiva por
deixarmos Velen ir embora!”
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Durotan balançou a cabeça. Deveria repreender o jovem, e na manhã seguinte,
se essas palavras forem proferidas de novo, ele iria. Mas agora seu coração
estava repleto de dor. Não foi um grito de raiva que veio da montanha sagrada.
Era o som perturbador da mais completa tristeza, e ele tremeu por dentro ao
imaginar porque os ancestrais lamentavam tão, mas tão profundamente.

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Capitulo 11

Ner’zhul...Gul’dan. Dois dos mais funestos nomes que já macularam a história


do meu povo. E mesmo assim, Drek’Thar me diz que uma vez Ner’zhul foi
admirado, inclusive amado, e se importava de verdade pelas pessoas da qual
foi líder espiritual. Foi difícil conciliar essas palavras com o que Ner’zhul se
transformou, mas eu tento. E faço isso porque quero entender.

E mesmo assim, por mais que me esforce...não entendo.

“O que?”

O grito indignado de Ner’zhul fez seu aprendiz recuar. Durotan não piscou
sequer um olho.

“Eu soltei Profeta Velen.” disse calmamente o chefe do clã Frostwolf.

“As ordens eram para que fizesse ele e os outros prisioneiros!” a voz de
Ner’zhul aumentava a cada palavra dita. Tinha sido tão simples, tão fácil. O que
Durotan pensou estar fazendo? Desperdiçar uma oportunidade como ossos
quando a carne já foi devorada! Quanta informação poderia ter tirado de Velen?
Qual tipo de poder de barganha poderia ter sobre os draenei?

Mas esse pensamento foi sobrepujado pelo medo esmagador em pensar na


reação de Kil’jaeden. O que ele faria quando soubesse que Velen não foi
capturado? A magnífica entidade pareceu tão satisfeita com a possibilidade,
quando Ner’zhul contou sobre seu plano. Repleto de orgulho pela sua
perspicácia, imaginando que a vitória era certa, Ner’zhul tinha inclusive se
atrevido a oferecer Velen como um presente. O que vai acontecer agora? Deu-se
conta de que sentiu medo ao invés de decepção em levar notícias ruins para
Kil’jaeden.

“Fui encarregado da captura, e assim o fiz,” respondeu Durotan. “Mas não há


honra em aprisionar alguém que de bom grado se entrega. Quer que sejamos
mais fortes como um povo do que como clãs individuais, mas não podemos
fazer isso sem um código de honra que é inviolável, isso é...”

Durotan continuou discursando com sua voz rouca e grave, mas Ner’zhul já
não escutava. Naquele instante, congelado no espaço e tempo, Ner’zhul teve a
repentina percepção de que talvez Kil’jaeden não fosse o espírito benevolente
no qual se apresentou. Durotan, perdido em suas palavras ao explicar sua
decisão, não percebeu a mudança de atenção do xamã. Mas sentiu que Gul’dan

91
o olhava e um novo medo tomou conta dele, pois seu aprendiz estava
testemunhando os primeiros sinais de dúvida de seu mestre.

Qual a coisa certa a se fazer? Como posso servir melhor?

Por que Rulkan deixou de aparecer para mim?

Piscou e voltou a si quando percebeu que Durotan tinha parado de falar. O


chefe olhava Ner’zhul atentamente, esperando que o xamã falasse.

Como melhor lidar com isso? Durotan era muito estimado entre os clãs. Se o
punisse por sua decisão, haveria muitos que olhariam com compaixão para o
clã Frostwolf. E isso causaria um rasgo no tecido que tentava tecer, o tecido
firmemente costurado da nação dos orcs...uma Horda, se preferir. Por outro
lado, se aprovasse a ação de Durotan, isso seria um grande insulto para aqueles
que apoiavam com fervor o fato de que os draenei deveriam morrer.

Ele não conseguia decidir. Encarou Durotan que franziu levemente a testa.

“Meu mestre está tão furioso que não consegue falar,” disse a suave voz de
Gul’dan. Tanto Durotan quanto Ner’zhul olharam para o jovem xamã. “Você
desobedeceu a uma ordem direta de seu líder espiritual. Volte para seu
acampamento Durotan, filho de Garad. Meu mestre enviará uma mensagem em
breve comunicando sua decisão.”

Durotan olhou de volta para Ner’zhul e sua aversão por Gul’dan estampava
seu rosto. O xamã se recompôs e, dessa vez, quando procurou as palavras, ele
as encontrou.

“Vá embora, Durotan. Você me desagradou, e pior, desagradou o ser que nos
tem ajudado tanto. Terá notícias minhas muito em breve.”

Durotan curvou-se, mas não saiu de imediato. “Há algo que eu trouxe para
você.” comunicou. Estendeu-lhe uma pequena trouxa. O xamã aceitou e suas
mãos tremiam, e teve esperança de que Durotan e Gul’dan interpretassem isso
como fúria e não medo.

“Apreendemos isso com os prisioneiros.” continuou. “Os nossos xamãs


acreditam que possam conter algum poder que pode ser usado contra os
draenei.”

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Hesitou por mais um momento, como se esperasse algum comentário do xamã.
Quando o silencio aumentou a ponto de ficar desconfortável, ele curvou-se de
novo e saiu. Por um longo tempo, mestre e aprendiz ficaram calados.

“Perdoe-me pela interrupção, meu mestre. Vi que estava tão transtornado que
ficou sem palavras e temi que o inseto interpretasse isso como hesitação ao
invés de raiva.”

Ner’zhul o investigava com os olhos. As palavras pareceram sinceras, o rosto de


Gul’dan parecia sincero. E mesmo assim...

Houve uma época onde Ner’zhul teria compartilhado com seu aprendiz a sua
dúvida. Havia confiado nele. Treinou ele por anos. Mas agora, embora açoitado
por dúvidas como se caminhasse contra o vento, sabia com certeza de uma
coisa. Não queria que Gul’dan visse qualquer fraqueza nele.

“Realmente estava tomado pela raiva,” mentiu Ner’zhul. “De nada serva a
honra, se prejudica nosso povo.”

Deu-se conta que apertava a trouxa que Durotn havia dado a ele. Gul’dan a
encarava avidamente.

“O que lhe ofereceu Durotan, para compensar sua raiva?” perguntou.

Ner’zhul olhou-o com superioridade. “Examinarei primeiro e dividirei com


Kil’jaeden, aprendiz.” disse friamente. Estava esperando uma reação, e temeu
vê-la.

Raiva tomou o rosto de Gul’dan por um breve momento. Então o orc mais
jovem curvou-se com devoção e disse arrependido. “Claro, meu mestre. Foi
arrogante da minha parte esperar – estava apenas curioso, apenas isso, para ver
se o chefe Frostwolf contribuiu com algo de valor.”

Ner’zhul amoleceu um pouco. Gul’dan o serviu bem e lealmente por muitos


anos e com certeza o sucederia quando a hora chegasse. Estava sendo
precipitado.

“Claro,” disse gentilmente. “Irei informá-lo assim que souber de algo. Afinal de
contas, você é meu aprendiz, não?”

O rosto de Gul’dan iluminou-se. “Eu o sirvo em tudo, meu mestre,” Parecendo


mais feliz, curvou-se e deixou Ner’zhul sozinho.

93
Jogou-se nas peles que serviam como cama. Aninhou a trouxa em seu colo e
disse uma prece para os ancestrais; já que Durotan falhou em trazer o líder
draenei, que pelo menos tivesse conseguido obter algo útil.

Respirou fundo, desembrulhou o objeto e arfou. Agasalhados na pele macia


estavam duas pedras brilhantes. Com cautela, tocou a vermelha e arfou de
novo.

Energia, excitação e uma sensação de poder fluíram por ele. Suas mãos
ansiavam em pegar uma arma, apesar de não precisar de uma há anos. Sabia de
alguma maneira que se esse cristal estivesse com ele, seu objetivo seria
realizado. Um belo presente para os orcs! Ele teria que ver como transformar
essa paixão vermelha e quente pela luta que ocultava no centro da pedra para
servir seus propósitos.

Foi preciso muito esforço para que soltasse o cristal vermelho. Respirou fundo,
acalmou-se enquanto clareava a mente.

O amarelo era o próximo.

Ner’zhul agarrou-o. Desta vez ele já tinha uma noção do que esperar. De novo,
sentiu calor emanando e a sensação de poder. Mas desta vez não era de
agitação, ou urgência. Ao segurar o cristal amarelo, sua mente clareou e
percebeu que até agora tem visto as coisas apenas como em um vale nublado.
Não achava palavras para descrevê-lo, mas havia pureza, limpidez e precisão.
Era de fato tão preciso, tão claro que Ner’zhul começou a sentir essa abertura da
mente como dor.

Largou o cristal de volta no colo. A clareza brilhante, afiada, sumiu de repente..

Ner’zhul sorriu. Se não tinha Velen em pessoa para presentear a Kil’jaeden,


pelo menos ofereceria esses itens preciosos para apaziguar o ser magnífico.

Kil’jaeden estava furioso.

Ner’zhul tremeu ante a raiva, desmoronando no chão, murmurando, “Perdoe-


me...” enquanto o ser enfurecia-se. Apertou os olhos prevendo uma dor como
nunca sentiu começar a atravessar seu corpo, quando inesperadamente a fúria
cessou.

Ner’zhul arriscou olhar de relance seu benfeitor. Kil’jaeden estava mais uma
vez parecendo sereno, equilibrado, calmo e banhado em resplendor.

94
“Estou...desapontado.” murmurou. Jogou o peso do seu corpo de um enorme
casco fendido para o outro. “Mas digo duas coisas. O líder do clã Frostwolf é o
responsável. E você nunca mais confiará uma tarefa importante a ele.”

A sensação de alívio era tão forte, que Ner’zhul quase desmaiou. “Claro que
não, meu mestre. Nunca mais. E...nós trouxemos esses cristais para você.”

“Não são úteis para mim,” disse Kil’jaeden. O xamã recuou. “Mas acho que seu
povo pode acha-los vantajosos na sua batalha para destruir os draenei. Essa é
sua batalha, não é?”

De novo o medo tomou conta do coração de Ner’zhul. “Claro, mestre! É a


vontade dos ancestrais.”

Kil’jaeden olhou para ele, seus olhos brilhantes em chamas. “É a minha


vontade.” finalizou, e o xamã aquiesceu em pânico.

“Claro, claro, é a sua vontade e obedeço de todas as formas.”

O ser pareceu satisfeito com a resposta e concordou. E então havia partido e


Ner’zhul deixou-se cair, esfregando o rosto ensebado de suor pelo medo.

Do canto de seu olho viu um vulto branco. Gul’dan havia visto tudo.

Há algum tempo estamos planejando um ataque, e ontem à noite, quando a


Dama Pálida não brilhou, recaímos com força sobre a cidadezinha adormecida.
Todos foram mortos, nem mesmo as poucas crianças foram poupadas. Os
suprimentos eram comida, armaduras, armas, e alguns itens que não
conhecemos e os evitamos – esse prêmio é agora compartilhado entre dois clãs.
Sangue draenei, azul e espesso, seca em nossos rostos, e dançamos em
celebração.

Havia mais duas mensagens, mas Ner’zhul não as leu. Não precisava. Apesar
dos detalhes serem diferentes, a essência das cartas era sempre a mesma. Um
ataque bem-sucedido, glória no massacre, o êxtase do derramamento de
sangue. Ner’zhul olhou a pilha de cartas que recebeu só esta manhã: sete.

Cada mês que passava, mesmo nos longos e inflexíveis meses de inverno, os
orcs desenvolviam suas habilidades em matar os draenei. Aprenderam muito
sobre o inimigo com cada vitória. As pedras que Durotan havia dado a
Ner’zhul provaram ser realmente valiosas. Trabalhou nelas, sozinho no começo
e depois em companhia de outros xamãs. A vermelha eles apelidaram de
Coração da Fúria, e descobriram que quando um líder de um ataque o

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carregava, não somente lutava com mais energia e aptidão, mas todos sob seu
comando também eram beneficiados. As pedras passavam de clã para clã a
cada nova fase da lua e era muito cobiçada. Apesar disso, Ner’zhul sabia que
ninguém se atreveria a roubá-la.

A segunda pedra eles chamaram de Estrela Brilhante, e descobriu que quando


um xamã usava o cristal, ele ou ela experimentavam uma profunda clareza e
foco. Enquanto o Coração da Fúria incitava as emoções, a Estrela Brilhante
acalmava-as. O pensamento era mais rápido e preciso, e a concentração
dificilmente era quebrada. O resultado era uma magia poderosa e controlada
com exatidão...outro artifício para uma vitória dos orcs. A formidável ironia era
que eles estavam usando a própria magia draenei contra eles, e isso aumentou a
moral entre os orcs posteriormente.

Mas nada disso encorajava Ner’zhul. A súbita dúvida que apareceu quando
conversou com Durotan havia chegado até seus ossos. Lutava contra as
suspeitas, aterrorizado de pensar que de alguma maneira Kil’jaeden era capaz
de ler sua mente. Mas elas insistiam em vir, como vermes contorcendo-se num
cadáver, para assombrar seus pensamentos tanto acordado quanto adormecido.
Kil’jaeden era muito, mas muito parecido com os draenei. Era possível que, de
alguma maneira, eram os mesmos? E estava ele, Ner’zhul, sendo usado numa
espécie de guerra civil?

Então, em uma noite, ele decidiu que não poderia mais suportar. Vestiu-se em
silêncio e despertou seu lobo Skychaser, que se espreguiçou e piscou para ele,
sonolento.

“Venha, meu amigo,” disse o xamã com afeição ao montar nas costas da
criatura. Ele nunca antes foi até a montanha sagrada montado em seu lobo, ia
sempre andando, como era tradição. Mas ele precisava voltar antes de sentirem
sua falta, e tinha certeza que urgência da sua missão atenuaria sua ofensa para
com os ancestrais.

Estava perto da primavera, quase época do festival de Kosh’harg. Mas a


primavera parecia estar longe, pois o vento gelado cortava o rosto de Ner’zhul.
Encolheu-se, agradecido pelo calor do grande lobo e protegeu-se como pôde do
vento, e agora da neve.

O animal continuou através dos montes, mantendo o equilíbrio para avançar


rapidamente. Por fim, Ner’zhul olhou para cima e viu o triângulo perfeito, a
Montanha dos Espíritos e um peso foi tirado de seu peito. Pela primeira vez em
meses, sentiu como se estivesse fazendo a coisa certa.

96
Sabendo que Skywalker teria dificuldades para escalar, mandou que ficasse
esperando e o lobo cavou um buraco na neve e aconchegou-se. Ner’zhul
calculou que não ficaria mais do que poucas horas e apressou-se para a
montanha com mais vivacidade do que há muito tempo havia sentido. Sua
bolsa cheia de odres com água e seu coração repleto de antecipação.

Deveria ter feito isso há muito tempo. Deveria ter ido direto para a fonte de
sabedoria, como um xamã faria. Não fazia ideia do porque não tinha pensado
nisso antes.

Finalmente chegou à entrada, um oval perfeito, e parou. Por mais ansioso que
estivesse em chegar aos ancestrais, sabia que o ritual deveria ser honrado.
Acendeu o maço de ervas secas que carregava e deixou seu perfume doce
acalmar e purificar seus pensamentos. Então deu um passo a frente,
sussurrando um feitiço para iluminar as tochas que estavam no caminho. Ele
andou por essa trilha mais vezes do que se lembrava, e seus pés moviam-se
sozinhos com firmeza. Logo embaixo o caminho entrelaçava e o coração
esperançoso de Ner’zhul acelerou ao entrar na escuridão.

Parecia demorar mais do que de costume para que a luz aumentasse. Entrou na
caverna e percebeu que de algum modo, a poça sagrada parecia mais opaca que
antes. Isso o deixou inquieto.

Respirou fundo e repreendeu a si mesmo. Estava trazendo seus medos para este
lugar sagrado, nada mais. Parou em frente à poça, retirou os odres da sua bolsa
e jogou seu conteúdo. O único barulho era o da água caindo e parecia ecoar.

Com a oferenda completa, Ner’zhul sentou a beira da água e esperou, olhando


nas profundezas radiantes.

Nada aconteceu.

Não entrou em pânico. Os ancestrais muitas vezes levavam algum tempo até
responder.

Mas quando mais tempo se passou, desconforto começou a aparecer no coração


de Ner’zhul. Comovido, falou em voz alta.

“Ancestrais...amados falecidos...eu, Ner’zhul, xamã do clã Shadowmoon, líder


das suas crianças, venho buscar...não, implorar por sabedoria. Eu...eu perdi
meu caminho para a sua luz. Mesmo ficando mais fortes e mais unidos como
povo, os tempos estão obscuros e temerosos. Questiono o caminho que agora
estou, e suplico por orientação. Por favor, se já amaram ou se importaram com

97
aqueles que seguiram seus passos, venham até mim agora e aconselhem-me
para que os guie bem!”

Sua voz tremeu. Sabia que parecia perdido e patético, e por um momento um
orgulho teimoso fez com que corasse de vergonha. Mas esse sentimento foi
afastado quando percebeu que se importava de verdade com seu povo, que
queria fazer o que era certo por eles e nesse momento ele não tinha ideia do que
era certo.

A poça começou a cintilar. Ner’zhul inclinou-se avidamente, seus olhos


perambulando na superfície, e na água, viu um rosto olhando para ele.

“Rulkan,” falou num fôlego. Lágrimas de misericórdia embaçaram a imagem


por um momento. Piscou e seu coração encheu-se de dor ao ver a expressão em
seus olhos espectrais.

Era ódio.

Ner’zhul recuou como se tivesse sido atingido. Outros rostos começaram a


aparecer na água, dúzias deles. Todos com a mesma expressão. Nauseado ele
gritou, “Por favor! Ajudem-me! Conceda-me sua sabedoria para que possa ser
favorecido por vocês de novo!”

As feições severas de Rulkan amoleceram um pouco, e foi com um traço de


compaixão em sua voz que ela disse. “Não há nada que possa fazer, não agora,
não em cem anos, para voltar a ser favorecido por nós. Não é o salvador do
nosso povo, mas o seu traidor.”

“Não!” disse encolhendo-se. “Não, diga-me o que fazer e eu farei. Não é tarde
demais, certamente não é tarde demais-“

“Você não é forte o bastante,” disse outra voz, dessa vez masculina. “Se fosse,
nunca caminharia tão longe nessa estrada. Não teria sido tão facilmente
enganado ao fazer a vontade daquele que não ama nosso povo.”

“Mas...não entendo,” murmurou. “Rulkan, você veio até mim! Escutei você!
Você, Grekshar-você aconselhou-me! Disse-me que queria que aceitasse
Kil’jaeden! O Grande Amigo de todos os orcs!”

Ela nada disse em resposta, não precisava. Mesmo enquanto as palavras


tropeçavam de seus lábios, ele entendeu quão profundamente tinha sido
iludido.

98
Os ancestrais nunca haviam aparecido para ele. Foi tudo um embuste armado
por Kil’jaeden - seja lá o que ele fosse. Eles estavam certos em não confiar mais
nele. Qualquer xamã que fosse tão facilmente enganado nunca poderia ser
confiado a corrigir essa situação. Tudo foi uma rede elaborada de mentiras,
ilusão e manipulação. E ele, Ner’zhul, foi o primeiro inseto tolo a ficar
intricadamente preso a ela.

O número de draenei mortos beirava cem. Não havia como voltar atrás, ou
como pedir ajuda dos ancestrais. Não podia mais confiar no seu visitante, a não
ser entender que tudo o que dizia eram prováveis mentiras. O pior de tudo era
ter entregado seu povo nas mãos daquele que, apesar de sua aparência íntegra e
palavras doces, não tinha boas intenções em seja lá o que fosse seu coração.

Mesmo encarando os olhos de sua amada, ela se afastou. Um por um, a


vastidão de rostos refletidos na água também se afastou.

Ner’zhul tremeu de horror ao perceber o que havia feito. Nada poderia ser feito
para corrigir. Nada, a não ser continuar nesse caminho que Kil’jaeden
cuidadosamente planejou para ele caminhar e rezar para os ancestrais, que já
não o escutavam, que de algum jeito pudesse fazer as coisas ficarem certas.
Enterrou seu rosto em suas mãos e chorou.

Agachado em um túnel escuro, Gul’dan escutou o seu mestre chorando e


sorriu.

Kil’jaeden ficaria feliz em saber disso.

99
Capitulo 12

Somos todos fracos, de uma maneira ou de outra. Independente da espécie. Ás


vezes essa fraqueza é um ponto forte disfarçado. Ás vezes é nossa completa
ruína. Ás vezes é ambos. O homem sábio identifica sua fraqueza e busca
aprender com ela. O tolo a deixa controlá-lo e destruí-lo.

E ás vezes, o homem sábio é um tolo.

Ao voltar montado em seu lobo Skychaser, Ner’zhul queria apenas ser engolido
pela noite escura, suas mãos tão geladas e entrelaçadas na pelagem preta que se
perguntou se algum dia seria capaz de abri-las de novo. Como poderia retornar
para seu povo sabendo o que havia causado? Por outro lado, como poderia
fugir; haveria um lugar onde Kil’jaeden não fosse capaz de achá-lo? Ansiava
amargamente pela coragem de pegar a adaga ritual enfiá-la em seu coração,
mas sabia que não conseguiria. Suicídio era visto como um ato desonroso entre
seu povo; era uma resposta covarde para lidar com os infortúnios que o
afetaram. Não seria permitido que vivesse como espírito se tomasse esse
caminho sedutor para escapar dos problemas. Poderia continuar a fingir não
saber de nada e talvez miná-lo sutilmente. Apesar de seus poderes colossais,
não havia evidências de que Kil’jaeden tinha a habilidade de ler mentes. A
possibilidade o animou de alguma maneira. Sim...ele podia diminuir o dano
que esse intruso estava tentando fazer a seu povo. Era assim que poderia
continuar a servir.

Fatigado tanto físico quanto emocionalmente, Ner’zhul tropeçou para dentro de


sua tenda pouco antes do amanhecer, esperava poder simplesmente desmaiar
nas peles e dormir para esquecer, pelo menos por um breve período, a agonia
que trouxe para si. Mas, ao invés disso, uma luz forte cegou-o e caiu de joelhos.

“Você me trairia, então?” disse Kil’jaeden.

Ner’zhul tentou inutilmente proteger os olhos com as mãos da magnífica


radiação. Seu estômago embrulhou e temeu passar mal de tanto medo. A luz
diminuiu e ele abaixou as mãos. Parado ao lado de Kil’jaeden estava seu
aprendiz, sorrindo sombriamente.

“Gul’dan” sussurrou Ner’zhul. “O que você fez?”

“Informei a Kil’jaeden sobre um rato.” disse com calma. Aquele sorriso horrível
nunca deixou seu rosto. “E ele irá decidir o que fazer com o verme que se
voltaria contra ele.”

100
Ainda havia neve nos ombros de Gul’dan. Desanimado, Ner’zhul percebeu o
que tinha acontecido. Ávido por poder, seu aprendiz – como fechou seus olhos
por tanto tempo para algo tão obvio? – havia seguido-o. Escutou as palavras
dos ancestrais. Depois de ouvir as mesmas coisas que Ner’zhul, ainda se
apegava a Kil’jaeden? Por um breve instante, seu medo e egoísmo foram
embora, e Ner’zhul apenas sentia pena pelo orc que tinha ido longe demais.

“Isso me machuca.” disse Kil’jaeden. Ner’zhul olhou-o, assustado. “Escolhi


você, Ner’zhul. Concedi a você meus poderes. Mostrei-lhe o que precisava fazer
para que seu povo progredisse e assegurar que não ficassem em segundo lugar
nesse mundo.”

Sem pensar, Ner’zhul disparou. “Você me enganou. Deu-me visões falsas.


Difamou os ancestrais e tudo o que representavam. Não sei por que está
fazendo isso, mas sei que não é por amor pelo nosso povo.”

“E mesmo assim prosperaram. Estão unidos pela primeira vez em muitos


séculos.”

“Unidos sob uma mentira.” disse Ner’zhul. Estava sendo leviano em sua
rebeldia. E a sensação era boa. Se continuasse, quem sabe Kil’jaeden perderia a
paciência e mataria ele, e seus problemas estariam resolvidos.
Mas o ser não respondeu com a fúria mortal que esperava. Ao invés disso, a
entidade suspirou profundamente e balançou a cabeça, igual um pai
decepcionado com um filho desobediente.

“Você pode reconquistar meus favores, Ner’zhul.” disse finalmente. “Tenho


uma tarefa para você. Se completá-la, sua falta de fé será desconsiderada.”

Os lábios do xamã moveram-se. Queria gritar sua rebeldia de novo, mas dessa
vez as palavras não vieram. Percebeu que o momento havia passado. Assim
como qualquer ser sensato, ele não queria morrer, então permaneceu em
silêncio.

“O que aconteceu com o chefe Frostwolf me preocupa.” continuou. “Ele não é o


único que tem resmungado contra o que está acontecendo. Há outros – aquele
que carrega a Doomhammer, alguns dentre os clãs Bladewind e Redwalker.
Seria uma coisa se essas vozes opositoras viessem daqueles sem influência, mas
muitos deles têm. Não deve haver nenhum risco para o sucesso do meu plano.
Portanto, irei garantir a obediência deles.”

“Não será suficiente que jurem lealdade.” prosseguiu. Pensativo, tocou o rosto
com seu dedo longo e vermelho. “Muitos parecem inclinados a mudar o

101
significado de ‘honra’ e ‘juramento’. Devemos...assegurar sua cooperação –
agora e sempre.”

Os pequenos olhos de Gul’dan cintilaram. “O que sugere, Grandioso?”

Kil’jaeden sorriu para ele. Ner’zhul já podia perceber o vínculo entre eles –
como Kil’jaeden, Gul ‘dan estava de uma maneira que ele nunca esteve.
Kil’jaeden foi forçado a contar mentiras sedutoras e usar trapaças para trazê-lo
para seu lado; com Gul’dan ele podia falar abertamente.

“Há um jeito.” disse para ambos os xamãs. “Um jeito de fazê-los para sempre
ligados a nós. Para sempre leais.”

Ner’zhul tinha pensado que havia se acostumado ao horror depois do que os


ancestrais haviam revelado a ele, mas agora percebeu que era capaz de
experimentar um novo nível de choque ao escutar Kil’jaeden detalhar o plano.
Para sempre ligados. Para sempre leais.

Para sempre escravizados

Olhou para os olhos flamejantes de Kil’jaden e faltaram palavras. Um simples


aceno com a cabeça seria suficiente, mas nem isso conseguiu fazer. Ele apenas
olhou, paralisado, como um pássaro ante uma cobra.

Kil’jaeden suspirou. “Recusa-se a mudar e se redimir, então?”

Ao escutá-lo falar, foi como se tivesse removido um feitiço. O que estava preso
em sua garganta veio à tona, e apesar de saber que isso significaria sua
perdição, o xamã não fez esforço para segurar.

“Recuso-me totalmente a condenar meu povo a uma vida de eterna


escravidão.” gritou.

Kil’jaeden escutou, e então balançou sua cabeça. “Esta é sua escolha. Escolheu
também as consequências. Saiba que isso não evitará que seu povo seja
escravizado, pois meus desejos prevalecerão. Mas ao invés de liderá-los e
continuar sendo favorecido por mim, você será apenas um observador incapaz.
Acho que isso seria mais agradável do que simplesmente matar você.”

Ner’zhul abriu a boca para falar, mas não conseguiu. Kil’jaeden apertou os
olhos e o xamã não conseguia mover-se. Até seu coração batendo selvagemente
em seu peito, apenas o fazia pela vontade de Kil’jaeden, e ele sabia.

102
Como tinha sido um tolo tão ingênuo? Como não viu através das mentiras?

Como pode confundir sua adorável amada com uma ilusão mandada por
esse...monstro ? Lágrimas enchiam seus olhos e desciam em suas bochechas e
ele sabia que era apenas porque Kil’jaeden permitia.

A entidade sorriu para ele, então devagar e propositalmente virou sua atenção
para Gul’dan. Apesar do seu estado, Ner’zhul teve um leve consolo em saber
que não tinha a expressão que Gul’dan usava agora, a de um cachorrinho
sedento por um elogio.

“Não há necessidade de enganá-lo com bonitas mentiras, não é, meu novo


peão?” disse quase afetuosamente Kil’jaeden. “Você não foge da verdade.”

“Certamente que não, mestre. Eu vivo para servir-lhe.”

Kil’jaeden riu. “Se continuarei sem mentiras, você também deverá. Você vive
pelo poder. É ávido e tem sede pelo poder. E nos últimos meses, sua habilidade
aumentou a ponto de eu poder usá-lo. Não temos uma parceria de adoração ou
respeito, mas de conveniência e interesses egoístas. O que significa que seja
provável que dure.”

Várias emoções despontaram no rosto de Gul’dan. Parecia não saber como


reagir às palavras, e Ner’zhul sentiu prazer ao ver a derrota de seu antigo
aprendiz.

“Como...desejar,” gaguejou finalmente, e então com mais confiança, “diga-me o


que quer que eu faça, e juro que será feito.”

“Como deve ter percebido, desejo exterminar os draenei. O motivo não é de seu
interesse. Apenas precisa saber que eu assim desejo. Os orcs estão indo
moderadamente bem, mas podem melhorar. Eles devem melhorar. Um
guerreiro é tão bom quanto suas armas, Gul’dan, e pretendo dar a você e seu
povo armas que nunca imaginaram. Vai demorar um pouco; você deve
aprender antes de ensinar aos outros. Está pronto e disposto?”

Os olhos de Gul’dan brilharam. “Comece logo as lições, Glorioso, e verá como


estou apto para ser um pupilo seu.”

Kil’jaeden gargalhou.

Durotan estava coberto de sangue, muito do dele mesmo. O que tinha dado
errado?

103
Tudo tinha ocorrido como deveria. Acharam um grupo de caça, foram até ele,
iniciaram o ataque e esperaram que os xamãs usassem sua magia para lutar
com os draenei.

Mas eles não o fizeram e ao invés disso, orc atrás de orc caíram sob as lâminas
brilhantes e magia branca azulada dos draenei. Num determinado momento,
brigando pela própria vida, Durotan viu Drek’Thar lutar desesperadamente,
usando apenas seu cajado.

O que havia acontecido? Por que os xamãs não vieram ajudá-los? O que
Drek’Thar estava pensando? Uma criança empunharia um bastão melhor do
que ele – por que não usou sua magia?

Os draenei lutaram ferozmente, aproveitando as oportunidades dadas pelo


inexplicável vacilo dos xamãs. Pressionaram o ataque mais firme que Durotan
já viu. Seus olhos cintilando como se sentissem pela primeira vez uma possível
vitória. A grama estava escorregadia de tanto sangue e o chão lhe faltou. Caiu e
o agressor levantou sua espada.

Esse era o momento então. Morreria em uma batalha gloriosa. Exceto que não
sentia que essa era uma batalha gloriosa. Por instinto, embora seu braço tivesse
sido profundamente cortado na junção da armadura, levantou seu machado
para bloquear o golpe que viria, e seu braço tremeu. Olhou dentro dos olhos
daquele que iria matá-lo.

E reconheceu Restalaan.

Nesse momento, o os olhos do capitão da guarda draenei arregalaram ao


reconhecê-lo e segurou o golpe. Durotan recuperou o fôlego, tentando reunir
energias para levantar e continuar a lutar. Restalaan gritou algo em sua língua
nativa, e todos os draenei pararam quase a meio golpe.

Ao que Durotan pôs-se em pé, deu-se conta de que apenas poucos de seus
guerreiros estavam vivos. Se a batalha durasse mais um pouco, os draenei
teriam eliminado todos os orcs, com apenas duas ou três vítimas deles.

Restalaan virou-se para Durotan. Várias expressões conflitavam em seu rosto


feio: compaixão, repulsa, arrependimento, determinação. “Pelo ato de
compaixão e honra que demonstrou ao nosso profeta, Durotan, filho de Garad,
você e aqueles do seu clã que ainda vivem foram poupados. Cuide de seus
feridos e retorne para seus lares. Mas não pensem que irão receber esse ato
misericordioso de novo. A honra foi paga.”

Durotan acenou como se tivesse bebido demais, e sangue derramava de suas


feridas. Forçou a ficar de pé ao que os draenei sumiam no horizonte. Uma vez

104
que estavam fora de vista, ele podia parar de obrigar suas pernas a segurá-lo e
caiu de joelhos. Várias costelas haviam sido quebradas ou rachadas, e cada
respiração o fazia sentir uma dor aguda pelo corpo.

“Durotan!”

Era Draka. Ela também havia sido gravemente ferida, mas sua voz era forte.
Alívio tomou conta de dele. Graças aos ancestrais, ela ainda vivia.

Drek’Thar correu e colocou suas mãos no coração de Durotan, sussurrando


entre cada suspiro. Calor inundou o chefe e a dor parou. Tomou um fôlego
profundo e gratificante.

“Pelo menos eles me deixam curar.” disse Drek’Thar tão baixo que Durotan não
teve certeza se escutou as palavras.

“Atenda os outros e depois conversamos.” pediu Durotan. Drek’Thar


concordou, não encarando seu chefe. Ele e os outros xamãs apressaram-se para
usar magia para curar os ferimentos que podiam e tratar com balsamo e
bandagens o que não podiam. Durotan ainda tinha algumas lesões, mas nada
grave, e ajudou os xamãs.

Quando fez tudo o que podia, ele levantou e olhou em volta. Nada menos do
que quinze corpos endureciam na grama verde, incluindo Rokkar, seu segundo.
Balançou a cabeça em descrédito.

Teria que voltar com carroças para levar os mortos de volta para sua terra.
Queimariam os corpos em uma pira e suas cinzas espalhariam pelo ar e seriam
consumidos pela água e pela terra. Seus espíritos iriam para Oshu’gun e os
xamãs conversariam com eles sobre assuntos de profunda importância.

Ou não iriam? Algo terrível havia acontecido e já era hora de descobrir o que.

De repente, raiva o invadiu pelo desperdício ocorrido. Independente do que os


ancestrais haviam dito, algo dentro de Durotan continuava a sussurrar que esse
ataque contra os draenei era um erro grave. Com um rosnado rouco, agarrou o
menor xamã, que estava engolindo água e sentado perto dele e colocou-o de pé.

“Isso foi uma chacina!” Durotan gritou, balançando o orc furiosamente.


“Quinze dos nossos jazem mortos perante a nós! A terra bebe de seu sangue e
não vi nenhum de vocês concederem suas habilidades para a luta!”

Por um instante, Drek’Thar não podia falar. O campo estava mortalmente

105
silencioso ao que cada Frostwolf assistia o confronto. Então, com uma voz fraca,
Drek’Thar respondeu, “Os elementos – não vieram dessa vez.”

Os olhos de Durotan estreitaram. Ainda agarrando Drek’Thar pela frente de seu


gibão de couro, ele exigiu do xamã que permaneceu quieto e com os olhos
arregalados, “Isso é verdade? Eles não concederam sua ajuda a batalha?”

Parecendo atordoado e débil, o xamã aquiesceu. Outro acrescentou com uma


voz trêmula, “É verdade, grande chefe. Pedi a sua assistência. Eles
disseram...que estava fora de equilíbrio, e que não permitiriam que usássemos
seus poderes.”

O choque de Durotan foi quebrado por um sibilo de raiva. Virou-se para ver o
rosto franzido de Draka. “Isso é mais do que um sinal! Isso é um brado, um
grito de guerra de que o que estamos fazendo é errado!”

Devagar, tentando compreender a magnitude do que ocorreu, Durotan acenou.


Se não fosse pela piedade de Restalaan, ele e cada um dos membros do seu
grupo de guerra estariam deitados na terra, seus corpos tornando-se frios a
cada segundo. Os elementos recusaram-se a ajudar. Condenaram o que os
xamãs pediam deles.

Durotan respirou profundamente e balançou a cabeça, como se pudesse


fisicamente afastar seus pensamentos sombrios. “Vamos levar os feridos de
volta para suas casas o mais cuidadosamente que conseguirmos. E
então...enviarei mensagens. Se o que temo é verdade – que não apenas os xamãs
Frostwolf foram reprimidos pelos elementos pelo o que estamos fazendo com
os draenei – então devemos confrontar Ner’zhul.

106
Capitulo 13

Como fomos incapazes de ver? É fácil colocar culpa no carismático Kil’jaeden,


ou no fraco Ner’zhul, ou Gul’dan e sua fome de poder. Mas eles pediram a cada
orc individualmente para fingir que quente era frio, doce era azedo, e mesmo
quando tudo em nós clamava contra o que estava sendo dito, nós continuamos.
Não posso dizer por que, pois eu não estava lá. Talvez, teria obedecido como
um cão disciplinado. Talvez, o medo era muito grande, ou o respeito pelos
líderes muito arraigado.

Talvez.

Ou talvez, eu, como meu pai e outros, começaria a ver as falhas. Gostaria de
pensar que sim.

Blackhand olhava por debaixo de suas sobrancelhas grossas e testa franzida. Ele
sempre parecia estar franzindo a testa, provavelmente porque quase sempre o
fazia.

“Não sei Gul’dan.” resmungou. Colocou sua mão, maior do que o normal, no
punho da sua arma e a acariciou, inquieto. Ele concordou quando Gul’dan
pediu para encontrá-lo quinze dias atrás, e trazer seus xamãs mais promissores,
mas não contar a ninguém o que iriam fazer. Blackhand sempre gostou mais de
Gul’dan do que de Ner’zhul, apesar de não saber por quê. Quando o xamã
sentou com ele para uma generosa refeição e explicou a situação, Blackhand
ficou feliz em ter vindo. Agora sabia por que gostava tanto de Gul’dan; o antigo
aprendiz e agora mestre era como ele. Ideais não serviam de nada, apenas
praticidades. E ambos desejavam poder, boa comida, armadura extravagante e
derramamento de sangue.

Blackhand era chefe dos orcs Blackrock. Não podia mais subir. Pelo menos...não
até agora. Quando os clãs eram separados, a maior glória era liderar um. Mas
agora...agora trabalhavam juntos. Agora podia ver o brilho da cobiça nos olhos
pequenos de Gul’dan. Conseguia quase sentir o cheiro da ambição emanando
do xamã, uma ambição que compartilhava.

"Ner’zhul é um conselheiro honrado e valioso.” disse ao mastigar uma fruta


seca, estendendo sua garra para tirar um pedaço que havia ficado entre seus
dentes. “Tem grande sabedoria, mas foi decidido que eu seria melhor para
liderar os orcs a partir de agora.”

107
Blackhand sorriu ferozmente. Ner’zhul não estava em qualquer lugar que
pudesse ser visto.

“E um líder sábio é rodeado de aliados confiáveis.” continuou. “Aqueles que


são fortes e obedientes; que cumprirão suas obrigações. E aqueles que, pela sua
lealdade, serão tidos em alto prestígio e ricamente recompensados.”

Blackhand se conteve ao ouvir a descrição “obedientes”, mas começou a


amolecer quando mencionou “alto prestígio” e “ricamente recompensados”.
Olhou para os oito xamãs que trouxe para Gul’dan. Estavam reunidos em volta
de uma segunda fogueira, um pouco distante, sendo servidos pelos criados do
xamã. Pareciam miseravelmente infelizes e estavam por conveniência fora do
alcance para ouvir o que estavam falando.

“Você me pediu os xamãs. Suponho que saiba o que está acontecendo com
eles?”

Gul’dan suspirou e pegou uma coxa de talbuque. Mordeu-a com força, o suco
escorrendo em seu rosto. Limpou sua mandíbula saliente distraidamente,
mastigou, engoliu e respondeu.

“Sim, fiquei sabendo. Os elementos não os obedecem mais.”

Blackhand o observava com intensidade. “Alguns estão resmungando que o


motivo é que o que estamos fazendo é errado.”

“Você acha isso?”

Blackhand encolheu seus largos ombros. “Eu não sei o que pensar. É um
território totalmente novo. Os ancestrais dizem uma coisa, mas os elementos
não respondem.”

Estava começando a nutrir uma suspeita sobre os ancestrais também, mas não
disse nada. Blackhand sabia que muitos o achavam tolo; ele preferia deixá-los
pensar que ele não era nada além de um braço forte e uma poderosa espada.
Dava a ele vantagens claras.

Gul’dan o examinou agora, e Blackhand se perguntava se o novo líder


espiritual dos orcs tinha percebido que havia mais no chefe orc do que parecia.

“Temos orgulho da nossa raça,” disse Gul’dan. “É doloroso admitir que não
sabemos de tudo. Kil’jaeden e as entidades que comanda...ah, Blackhand, os
mistérios que guardam. O poder que eles controlam – este que pretendem

108
compartilhar conosco!”

Os olhos de Gul’dan brilharam com excitação. O coração de Blackhand


acelerou. Gul’dan inclinou e continuou a falar num sussurro admirado.

“Somos crianças ignorantes perante eles. Mesmo você – mesmo eu. Mas eles
estão dispostos a nos ensinar. Compartilhar uma parte de seu poder. Um poder
que não depende dos caprichos dos espíritos do ar, terra, fogo e água.” Gul’dan
fez um gesto desdenhoso. “Esse tipo de poder é frágil, não é confiável. Pode
abandoná-lo no meio da batalha e deixá-lo desamparado.”

O rosto de Blackhand endureceu. Testemunhou isso ocorrer, e foi preciso toda a


força de seus guerreiros para tomar a vitória quando os xamãs começaram a
gritar desesperados, pois os elementos não trabalhavam mais com eles.

“Estou escutando.” grunhiu baixo.

“Imagine o que poderia fazer se liderasse um grupo de xamãs que controlasse a


fonte de seu poder, ao invés de implorar e rastejar por ele.” continuou.
“Imagine que esses xamãs tivessem servos que também poderiam lutar a seu
lado; que poderiam, digamos, fazer seus inimigos fugirem aterrorizados e
impotentes. Sugar a magia deles como os insetos sugam o sangue no verão.
Distraí-los para que sua atenção não fosse na batalha.”

O chefe dos Blackrock levantou uma sobrancelha. “Posso imaginar sucesso sob
essas condições. Sucesso quase sempre.”

Gul’dan aquiesceu, sorrindo. “Exatamente.”

“Mas como saber se isso é verdade e não uma falsa promessa sussurrada ao seu
ouvido?”

O sorriso do xamã aumentou. “Porque, meu amigo...eu já fiz a experiência.


Ensinarei seus xamãs ali tudo o que sei.”

"Impressionante.”

“Mas tenho mais a oferecer. Seus guerreiros – sei de um jeito que fará você e
qualquer um que lute ao seu lado mais poderoso, mais feroz, mais mortal. Tudo
isso poder ser nosso, se reivindicarmos.”

“Nosso?”

109
“Não posso continuar a perder meu tempo falando com cada líder de cada clã
toda a vez que têm uma reclamação.” disse levantando a mão imperiosamente.
“Há aqueles que estão de acordo com o que você e eu pensamos ser o melhor
jeito de proceder...e aqueles que não estão.”

“Continue.” disse Blackhand.

Mas Gul’dan não continuou, pelo menos não de imediato. Estava quieto,
reunindo seus pensamentos. Blackhand pegou um graveto e cutucou a fogueira.
Sabia bem que a maioria dos orcs, inclusive alguns de seu próprio clã achavam
ele cabeça quente e impulsivo, mas sabia que a paciência é valiosa.

“Prevejo dois grupos de líderes dos orcs. O primeiro, um simples conselho


governante que tome as decisões pelo todo, seu líder eleito, seus serviços
administrados abertamente á vista de todos. O segundo...uma sombra desse
grupo. Escondido. Secreto. Poderoso.” mencionou silenciosamente.
“Este...Concílio das Sombras será constituído de orcs que compartilham nosso
ponto de vista, e que estão dispostos a fazer os sacrifícios necessários para obtê-
lo.”

Blackhand concordou. “Sim...sim, eu vejo. Uma liderança pública...e uma


confidencial.”

Os lábios de Gul’dan formaram um sorriso. Blackhand observou-o por um


momento, e então perguntou:
“E a qual devo pertencer?”

“Ambos, meu amigo.” respondeu com calma. “Você é um líder nato. Tem
carisma, força e até seus inimigos sabem que você é um mestre estrategista. Será
fácil eleger você como líder dos orcs."

Os olhos de Blackhand piscaram. “Não sou um fantoche.”

"Claro que não.” assentiu Gul’dan. “Por isso disse que você pertencerá a ambos.
Você será líder dessa nova raça de orcs, essa...Horda se preferir. E estará no
Concílio das Sombras também. Não podemos trabalhar juntos a não ser que
confiemos um no outro, não é?”

Blackhand olhou dentro dos olhos cintilantes e inteligentes de Gul’dan. Não


confiava nem um pouco no xamã, e suspeitava que o sentimento fosse
recíproco. Não importava. Ambos queriam poder. Blackhand sabia que não
possuía talentos ou habilidades que possibilitariam a ele obter o tipo de poder
que Gul’dan cobiçava. E o xamã não desejava o poder que Blackhand

110
ambicionava. Não estavam em uma competição, mas em uma liga; o que
beneficiasse um, beneficiaria o outro.

Blachand pensou em sua família – sua companheira, Urukal, seus dois filhos,
Rend e Maim, sua filha, Griselda. Não os adorava do mesmo jeito que o fraco
Durotan adorava sua Draka, claro, mas se importava com eles. Queria ver sua
companheira adornada com joias, e seus filhos reverenciados como convém à
prole de Blackhand.

Percebeu uma movimentação pelo canto de seu olho. Ao virar-se, viu Ner’zhul,
uma vez poderoso e agora desprezado, deslizando para fora da tenda.

“O que tem ele?” perguntou.

“O que tem ele? Ele não importa mais. O Grandioso deseja que ele viva por
enquanto. Parece ter reservado algo...especial para Ner’zhul. Ele ainda será um
figurante; o amor por Ner’zhul está muito enraizado nos orcs para que seja
posto de lado agora. Mas não se preocupe, ele não será uma ameaça para nós.”

“Os xamãs Blackrock...você diz que irá treiná-los nessas novas magias? As
magias que você mesmo estudou? Eles serão invencíveis?”

“Eu mesmo os treinarei, e se eles se adaptarem bem às novas artes, os colocarei


como os primeiros entre meus novos bruxos.”

Então esse era o nome desse novo tipo de magia. Tinha um som interessante.
Bruxo. E os bruxos de Blackrock seriam os primeiros escolhidos.

“Blackhand, chefe do clã Blackrock, o que me diz sobre minha proposta?”

Blackhand virou-se devagar em direção a Gul’dan. “Eu digo, Salve a Horda – E


Salve o Concílio das Sombras.”

A multidão que apareceu no pé da montanha sagrada estava furiosa. Durotan


mandou mensagens para aqueles em que confiava, e havia recebido
confirmações de que os elementos realmente estavam evitando os xamãs. Uma
mensagem particularmente dolorosa veio do clã Bonechewer. O grupo todo
havia sido derrotado pelos draenei, seu aniquilamento ainda era um mistério
até alguns dias depois quando um xamã que ficou para trás tentou curar uma
criança doente.

E agora eles vieram, os líderes dos clãs e seus xamãs, para se encontrarem com
Ner’zhul e exigirem uma explicação.

111
Ner’zhul apareceu e os cumprimentou balançando suas mãos e pedindo
silêncio.

“Sei o motivo pelo qual vieram hoje,” disse. Durotan franziu a testa. Ner’zhul
estava tão ausente que parecia uma mera mancha, mas podia-se escutá-lo
perfeitamente. Durotan sabia que, normalmente, ele conseguia isso pedindo aos
ventos que sustentassem sua voz para que todos os escutassem. Entretanto,
como isso era possível, se os elementos haviam de fato recusado os xamãs?
Trocou olhares com Draka, mas ambos ficaram em silêncio.

“É verdade que os elementos não respondem mais os chamados de ajuda dos


xamãs.” Ner’zhul continuou a falar, mas foi abafado por gritos de raiva. O
xamã olhou para baixo por um momento e Durotan os observou de perto. O
líder espiritual dos orcs parecia mais frágil, mais oprimido do que jamais havia
visto. É claro, pensou Durotan.

Depois de algum tempo, a gritaria cessou. Os orcs lá reunidos estavam furiosos,


mas queriam respostas mais do que queriam descarregar sua raiva.

“Alguns de vocês, ao descobrir isso, tirou conclusões precipitadas que o que


estamos fazendo é errado. Mas isso não é verdade. O que estamos fazendo é
buscar poderes que nunca vimos.. Meu aprendiz, o nobre Gul’dan, estudou
esses poderes. Permitirei que responda a qualquer questionamento que façam.”

Ner’zhul virou-se, apoiando firmemente em seu cajado, e afastou-se. Gul’dan


curvou-se em reverência para seu mestre. Ner’zhul pareceu não notar. Ficou de
pé, seus olhos fechados, parecendo velho e débil.

Em contraste, nunca havia visto Gul’dan tão bem. Havia uma nova energia no
orc, um forte sentimento de confiança na sua postura e na sua voz quando
falava.

“O que estava prestes a lhes dizer pode ser difícil de aceitar, mas tenho fé que
meu povo não tem uma mente fechada quando o assunto é melhorar a si
mesmos.” disse. Sua voz era clara e forte. “Assim como ficamos surpresos e
pasmos em saber que existiam seres poderosos além dos ancestrais e dos
elementos, descobrimos que há maneiras de canalizar magia além daquela que
temos cooperando com os elementos. Poder que não é baseado em pedir, ou
implorar, ou comprometer...poder que vem porque somos fortes o bastante
para exigir. Controlá-la. Forçá-la a nos obedecer, curvar-se a nossa vontade, e
não o contrário.

112
Gul’dan parou para deixar que eles assimilassem, olhando os orcs reunidos.
Durotan olhou Drek’Thar.

“Isso é possível?” perguntou a seu amigo.

Drek’Thar encolheu os ombros, impotente. Parecia completamente assustado


com as palavras de Gul’dan. “Não faço ideia,” disse. “Mas te digo uma coisa,
depois da última batalha...Durotan, os xamãs estavam fazendo o trabalho dos
ancestrais! Como os elementos nos recusaram nessas circunstancias? E como os
ancestrais puderam permitir que isso acontecesse?”

Sua voz ficou amarga ao que falava. Ele ainda estava em choque e com
vergonha. Durotan entendeu que o xamã se sentia como um guerreiro que
estava confiante em seu machado e o via virar fumaça em suas mãos – um
machado que um amigo de confiança havia dado, um que havia sido pedido
para ser usado em nome de uma boa causa.

“Sim! Vejo que vocês entendem o valor do que eu – do que o Grandioso que nos
tomou sob sua proteção está oferecendo.” concluiu. “Estudei com essa grande
entidade, assim como esses poucos nobres xamãs.”

Afastou-se e vários xamãs, vestidos em uma das mais bonitas armaduras de


couro trabalha que Durotan havia visto, deram um passo adiante.

“São todos orcs Blackrock.” Draka murmurou. Durotan havia percebido


também.

“O que eles aprenderam,” continuou, “será ensinado a cada xamã que deseje
ser instruído. Isso eu juro a vocês. Acompanhem-me agora para as terras onde
os ritos Kosh’harg são feitos. Irei demonstrar suas formidáveis habilidades.”

Por alguma razão que não podia compreender Durotan de repente sentiu-se
mal. Draka apertou seu braço apoiando-o, percebendo sua súbita palidez.

“Meu companheiro, o que aconteceu?” perguntou silenciosamente ao andarem


em direção ao solo dos festivais, junto com todos.

Ele balançou a cabeça. “Eu não sei,” disse tão baixo quanto ela. “Eu
apenas...sinto que algo terrível está para acontecer.”

“Tenho sentido isso já faz muito tempo.”

Durotan manteve sua expressão imparcial com esforço. Era responsável pelo

113
bem estar de seu povo, e sua relação com Ner’zhul e agora Gul’dan já era
precária. Estava bem ciente de que se ambos os xamãs quisessem desacreditar
ele ou seu clã, isso seria mais fácil do que antes. Com o foco na união, se o clã
Frostwolf fosse exilado ou de alguma maneira excluído, isso seria a extinção
deles. Durotan não estava gostando de como as coisas estavam se
desenrolando, mas não podia protestar muito. Não ligava para si mesmo, mas
não poderia permitir que seu clã sofresse.

E mesmo assim, seu sangue corria, seu coração disparava, seu corpo tremia com
o mau pressentimento. Fez uma rápida reza para os ancestrais para que
continuassem a guiar seu povo com sabedoria.

Chegaram ao rio do vale plano que por gerações foi palco do festival Kosh’harg.
Ao tocar o solo sagrado, relaxou um pouco. Memórias vieram à tona e sorriu ao
relembrá-las. Recordou da fatídica noite quando ele e Orgrim decidiram
desafiar as tradições e atreveram-se a espiar os adultos que conversavam – e
quão desapontados ficaram com a conversa comum que haviam tido. Mais
sábio agora, sabia que ele e Orgrim, por mais corajosos que pensavam ter sido
naquele momento, certamente não foram os primeiros a fazer isso, e não seriam
os últimos.

Recordou também a primeira vez que viu a fêmea que seria sua companheira
para a vida toda, caçando nesses campos exuberantes, dançando em volta da
fogueira ao som dos rufos dos tambores vibrando em suas veias, e cantarolar
para a lua. Pensou que enquanto seu povo ainda tivesse essas coisas, tudo
ficaria bem. Animado, olhou onde as danças normalmente aconteciam. Uma
pequena tenda foi erguida e perguntou-se para o que servia.

Draka e ele pararam alguns metros da tenda, presumindo que fosse parte da
demonstração. Os outros fizeram o mesmo. O sol brilhava intensamente ao que
cada vez mais orcs reuniam-se. Durotan viu que a maioria daqueles que vieram
hoje eram chefes de clã e seus xamãs, então o lugar não precisou comportar o
número de orcs que normalmente aparecia no festival.

Gul’dan esperou até todos estarem acomodados antes de propositalmente


caminhar em direção à tenda. Os xamãs treinados nessa misteriosa e nova
magia o seguiram. Andavam com confiança e orgulho. Pararam em frente à
tenda, e Gul’dan chamou alguns guerreiros Blackrock, que deram um passo a
frente e ficaram atentos.

Nessa hora, o vento mudou. Os olhos de Durotan arregalaram-se ao que o


cheiro familiar preencheu suas narinas.

114
Draenei...

Cochichos baixos em volta fizeram ele pensar que não foi o único que sentiu o
cheiro. Nesse momento, Gul’dan acenou para os guerreiros e eles
desapareceram dentro da tenda.

Oito draenei com as mãos amaradas bem firmes emergiram da tenda.

Seus rostos estavam inchados pelas surras. Trapos foram enfiados em suas
bocas. Sangue coagulado em sua pele azulada e no pouco que restava de suas
roupas. Durotan ficou paralisado.

“Quando o clã Blackrock lutou utilizando a magia que estou prestes a


compartilhar com vocês, sua vitória foi tão absoluta que foram capazes de
capturar muitos prisioneiros.” disse Gul’dan com orgulho. “Esses prisioneiros
irão me ajudar a demonstrar o que essas novas habilidades mágicas podem
fazer.”

Durotan ficou enojado com a atrocidade. Uma coisa era assassinar um inimigo
em um combate armado. Outra era massacrar prisioneiros incapazes de agir.
Ele abriu a boca, mas um aperto em seu braço o fez segurar as palavras. Olhou
com raiva dentro dos frios olhos cinza de Orgrim Doomhammer.

“Você sabia disso,“ sibilou Durotan, falando apenas para os ouvidos de seu
amigo.

“Controle sua voz,” respondeu Orgrim, olhando para ver se alguém estava
prestando atenção neles. A atenção de todos estava em Gul’dan e nos
prisioneiros draenei. “Sim, eu sabia. Estava lá quando os capturamos. É o jeito
que as coisas são, amigo.”

“Não costumava ser o jeito dos orcs.” explicou Durotan.

“É agora,“ disse Orgrim. “É uma triste necessidade. Se serve de consolo, não


acredito que será uma prática comum. O objetivo é matar os draenei e não
torturá-los.”

Durotan encarava seu amigo. Orgrim encarou de volta e depois corou e desviou
o olhar. A raiva dele de repente sumiu. Pelo menos seu amigo entendia a
violação que isso representava, mesmo apoiando. Mas o que mais Orgrim
poderia ter feito? Ele era segundo em comando de Blackhand. Era jurado a
apoiar seu chefe. Como Durotan, tinha responsabilidades para com outros que
simplesmente não podia fugir. Pela primeira vez em sua vida, desejou ser um

115
simples membro do clã.

Olhou nos olhos de sua companheira. Ela encarava, horrorizada, primeiro a ele
e depois a Orgrim. E então, viu a dor e resignação tomar conta de seus traços e
ela baixou a cabeça.

“Esses seres nos deram a honra nesse momento,“ dizia Gul’dan. Com o corpo
pesado, Durotan arrastou seu olhar para o xamã. “Iremos usá-los para
demonstrar esses novos poderes a vocês.”

Ele acenou para o primeiro xamã Blackrock, que fez uma reverência. Parecendo
um pouco nervosa, a fêmea fechou os olhos e concentrou-se. Um som como o
de um vento apressado passou pelos ouvidos de Durotan. Um estranho escrito
roxo estampado apareceu abaixo de seus pés, envolvendo-a. Acima da cabeça,
um cubo roxo rodando casualmente. Então, uma pequena e barulhenta criatura
apareceu a seus pés. Fez algumas cambalhotas, seus olhos vermelhos
flamejantes e seus dentes pequenos, porém afiados, que revelavam o que
parecia ser um sorriso. Durotan escutou alguns sussurros de medo.

Outro xamã o copiou, invocando os mesmos estranhos círculos e cubos roxos,


criando criaturas do nada. Alguns eram seres grandes de tons azul e roxo que
não tinham forma definida. Outras eram agradáveis de olhar, se não fossem os
cascos fendidos e as asas de morcego. Alguns eram grandes, outros pequenos,
mas todos estavam parados em silêncio ao lado daqueles que os trouxeram a
vida.

“Lindos bichinhos de estimação, para ser exato,” a voz de Grom Hellscream


apareceu no fundo cheia de sarcasmo. “Mas o que eles fazem?”

Gul’dan sorriu indulgentemente. “Paciência, Hellscream.” disse. “Não é uma


fraqueza e sim um ponto forte.”

Permaneceu em silencio. Durotan presumiu que estava curioso, como todos.


Blackhand estava de pé, rindo suavemente, olhando como um pai cheio de
orgulho. Não pareceu surpreso ao ver o que estava acontecendo, então
imaginou que já havia testemunhado os poderes dos novos xamãs treinados.
Testemunhado e aprovado.

Um dos draenei foi solto das amarras e empurrado adiante. Suas mãos, porém,
ainda estavam amarradas, tropeçou em seus cascos fendidos depois ficou de pé,
ereto. Seu rosto estava impassível. Apenas o movimento lento de sua causa
indicava algum estresse.

116
O primeiro xamã apresentou-se, movendo suas mãos e murmurando
levemente. A pequena criatura ao seu lado chiou e pulou, e então de repende
fogo surgiu de suas pequenas mãos com garra para atingir o infeliz draenei.
Logo depois, uma bola de...escuridão...formou-se nos dedos da xamã e voou em
direção ao prisioneiro. Grunhiu de dor ao que sua carne azulada foi escurecida
e queimada pelo ataque da pequena criatura, mas caiu de joelhos em total
agonia ao que a bola de sombras alvejou-o.

Novamente a xamã murmurou algo, e chamas irromperam do corpo do draenei


torturado. Quando antes ele havia sido resiliente e silencioso, agora gritava
atormentado, seus gritos abafados pela mordaça em sua garganta, mas não
completamente. Seu corpo estremeceu e convulsionou, caindo como um peixe
que acabara de ser fisgado, seus olhos rodando descontroladamente. Então ele
ficou imóvel. O fedor de carne queimada preencheu o ar.

Por um momento, tudo era silêncio. Então, surgiu um som que Durotan nunca
achava que escutaria: gritos de aprovação e prazer à vista do tormento de um
inimigo impotente.

Durotan olhava aterrorizado. Outro prisioneiro foi morto por “propósitos


demonstrativos”. Este foi açoitado com um chicote por um dos servos dos
xamãs, de pé, maravilhado enquanto uma chuva de fogo caia sobre o
prisioneiro, ao que a escuridão o atacava. Um terceiro foi trazido, sua essência
mágica foi sugada por uma criatura monstruosa que parecia um lobo
deformado com tentáculos saindo de suas costas.

O estômago de Durotan revirou ao que sangue azul e cinzas cobriam o que


antes era uma terra sagrada, que antes e pelo menos até agora era fértil apesar
de seu profundo senso de tranquilidade ter sido brutalmente violado. Aqui ele
dançou e cantou para a lua, conspirou com um amigo de juventude, cortejou
sua amada. Aqui, gerações de orcs celebraram sua união em um lugar tão
sagrado que qualquer briga era separada imediatamente e os responsáveis
ordenados a fazerem as pazes ou partir. Durotan não era xamã. Não podia
sentir a terra ou os espíritos, mas não precisava disso para sentir que a dor deles
era a sua.

Mãe Kashur, certamente, certamente isso não é o que você desejava, pensou. A
animação tomou conta de seus ouvidos, o cheiro de sangue e carne carbonizada
incomodava seu nariz. Pior de tudo foi ver alguns de sua raça, inclusive de seu
clã, serem contaminados pelo frenesi de causar dor e tormento em outros seres
que estavam incapazes até de cuspir em seus oponentes.

Percebeu que sua mão estava doendo. Como em transe, ele olhou para baixo e

117
viu que Draka apertava sua mão tão forte que estava prestes a quebrá-la.

"Pelos xamãs!” gritou alguém.

“Não!” a voz de Gul’dan foi levada abafando o barulho da multidão. “Não são
mais xamãs. Foram abandonados pelos elementos, e não irão mais chamá-los ou
implorar por sua ajuda. Contemplem aqueles que têm poder, mas não mais têm
medo de usá-lo. Contemplem...os bruxos!".

Durotan soltou sua mão dos dedos enroscados com o de sua companheira para
olhar a montanha sagrada. Sobressaía-se em direção ao céu tão serenamente
como sempre foi, seus lados refletindo a luz, e por um momento, Durotan
imaginou por que ela não rachou e quebrou, como o coração de um ser
consciente, dominado pelo horror pelo o que estava sendo feito sob sua antes
confortante sombra.

Houve celebrações descontroladas naquela noite. Durotan não participou de


nenhuma delas e nem deixou seus membros participassem. Ao que os xamãs
Frostwolf sentavam em volta da pequena fogueira, vencidos e comendo em
silêncio, Drek’Thar ousou perguntar a Durotan o que este sabia estar em todas
as gargantas.

“Meu chefe,” disse pacientemente. “irá permitir que seus xamãs aprendam as
magias dos bruxos?”

Houve um longo silêncio, quebrado pelo barulho da fogueira. Finalmente


Durotan falou.

“Farei uma pergunta a você antes.” disse. “Você aprova o que foi feito aos
prisioneiros hoje?”

Drek’Thar pareceu desconfortável. “Seria...melhor se os atacássemos em um


combate justo.” admitiu. “Mas são nossos inimigos. Isso foi comprovado.”

“Provado que irão contra atacar quando atacados.” replicou. “Tudo isso foi
provado.” Drek’Thar estava prestes a protestar, mas Durotan o silenciou antes.
“Eu sei, é o desejo dos ancestrais, mas hoje eu presenciei algo que nunca achei
que iria. Vi os campos sagrados onde por incontáveis anos nosso povo reunia-se
em paz, manchado pelo sangue daqueles que não puderam levantar um dedo
para se defenderem.”

Viu um movimento na beira do círculo e sentiu o cheiro de Orgrim. Durotan


continuou.

118
“E sob as sombras de Oshu’gun. Aqueles que mataram os draenei hoje não o
fizeram para proteger uma ameaça as nossas terras. Eles abateram prisioneiros
para mostrar seus novos...talentos.”

Orgrim agora tossia baixinho e Durotan pediu que se juntasse. Orgrim era
conhecido por todos e sentou-se a fogueira com a familiaridade de alguém
conhecido e querido.

"Orgrim,” disse Draka tocando o braço de seu amigo com gentileza. “Os
primeiros...bruxos...são de seu clã. O que eles pensam?”

Orgrim encarou o fogo, suas sobrancelhas juntas enquanto ordenava seus


pensamentos. “Se nós formos lutar contra os draenei – e até os Frostwolf estão
resignados a essa necessidade – então devemos lutar para sermos vitoriosos. Os
elementos abandonaram os xamãs. São volúveis e imprevisíveis na melhor das
hipóteses, e nunca foram os aliados mais confiáveis. Não como um amigo.”

Olhou para Durotan e sorriu. Apesar do peso em seu peito, ele sorriu de volta.

“Essas novas criaturas, esses poderes estranhos – parecem ser mais confiáveis. E
destrutivos.”

“Há algo neles....” a voz de Draka sumiu. Drek’Thar disse rapidamente.

“Sei de suas preocupações. Definitivamente não são poderes naturais, pelo


menos não como os xamãs conheciam. Mas quem disse que é errado? Eles
existem, devem ter um lugar na ordem das coisas. Fogo é fogo. Se vem dos
dedos de um pequeno ser dançante ou da benção do espírito do fogo, não
interessa, ele queima a carne da mesma maneira. Concordo com nosso estimado
convidado. Comprometemos-nos com a batalha. Com certeza não iremos lutar
para perder!”

Draka ainda balançava a cabeça, seus lindos olhos tristes. Suas mãos moviam-se
como se procurasse fisicamente pelas palavras.

“É mais do que invocar fogo, ou mesmo estranhas setas de escuridão.” disse.


“Lutei contra os draenei. Matei draenei. E nunca os vi se contorcerem com tanta
dor, e nem vociferar tal tormento. As coisas que serviam os bruxos
pareciam...gostar daquilo."

“Nós gostamos de caçar,” Durotan apontou. Não gostava de discutir com sua
companheira, mas como sempre, precisava ver todos os lados do assunto para

119
poder decidir o que era melhor para seu clã. “Os lobos gostam de banquetear-se
em carne crua”

“É errado desejar vencer?” desafiou Orgrim, seus olhos estreitando. “É errado


ter prazer na vitória?”

“Na caçada e na vitória não. É no sofrimento ao qual me refiro.”

Drek’Thar estremeceu. “Talvez os seres que são invocados para servi-los se


alimentem disso. Talvez seja uma necessidade para a sua existência.”

“Mas é necessário para a nossa?” Os olhos de Draka brilhavam com a luz da


fogueira, e Durotan sabia que não era raiva, mas eram lágrimas de frustração.

“Os draenei sempre tiveram magia superior a nossa, mesmo com a ajuda dos
elementos,” disse Drek’Thar. “Sempre fui um xamã. Nasci assim. E agora falarei
que irei abraçar o caminho dos bruxos, se o líder do meu clã permitir. Porque eu
entendo o que aqueles poderes podem fazer por nós, tendo lidado com os
elementos pelo tempo que lidei. Eu diria Draka, desculpe, mas sim, isso é
necessário para a nossa existência. Se não tivermos os poderes dos elementos
para nos ajudar, os draenei irão nos obliterar da face da terra.”

Draka suspirou e enterrou seu rosto nas mãos. O pequeno grupo estava em
silêncio, o único som vinha da fogueira. Durotan achou que faltava algo, e
agora ele sabia. Não escutava o som das criaturas noturnas, pássaros, insetos e
outros seres que antes enchiam o ar com sons discretos. Foram afastados deste
lugar por causa do que aconteceu aqui mais cedo. Tentou não tomar isso como
um mau presságio.

“Permitirei que o clã Frostwolf aprenda essas artes.” disse gravemente.

Drek’Thar baixou a cabeça. “Eu agradeço Durotan. Não irá se arrepender.”

120
Capitulo 14

Drek’Thar chora ao me contar essas histórias, lágrimas caindo de olhos que não
podem mais ver o presente mas que vêm perfeitamente o passado. Não posso
oferecer consolo a ele. Se os elementos voltaram a responder aos seus chamados
– aos meus – e certamente de qualquer orc xamã é uma prova da sua compaixão
e perdão e o desejo de ver o equilíbrio restaurado.

O Pico que ainda abriga a escuridão não está neste continente. Estamos bem
longe de sua perversidade, mas não ainda fora de sua sombra. A sombra que foi
lançada há muito tempo, no dia seguinte da corrupção do nosso local mais
sagrado.

A sombra de uma mão negra.

O sono não chegou facilmente para Durotan. E nem para Draka, já que ela
revirava e suspirava. Finalmente desistiu e repassou os acontecimentos do dia.
Seus instintos gritavam que era errado adotar o caminho de uma magia que
descaradamente desenvolvia-se no sofrimento de outro ser. E, no entanto, o que
mais podia ser feito? Os elementos haviam abandonado os xamãs, apesar dos
ancestrais terem dado aos orcs essa missão. Sem a magia como uma arma
adicional, os orcs seriam dizimados pela sabedoria e tecnologia superior dos
draenei.

Levantou-se e deixou a tenda. Acendeu uma fogueira para afastar a friagem da


alvorada e comeu a carne fria em silêncio. Assim que quebrou seu jejum e viu o
céu clarear, percebeu um mensageiro se aproximar. Sem parar, ele jogou um
pergaminho para Durotan e seguiu em frente. Ele o desenrolou e fechou seus
olhos para o conteúdo.

Haveria outra reunião em dois dias, e nela os chefes deveriam eleger um líder
que falasse em nome de todos. Decidir por eles. Iriam eleger um que seria
chamado Chefe Guerreiro.

Um toque suave afagou seus cabelos. Olhou para cima e viu Draka lendo a
carta por cima de seu ombro.

“Você poderia até ficar em casa,” disse bruscamente. “O desfecho já está


decidido de qualquer jeito.”

Ele sorriu com tristeza. “Você não costumava ser tão cínica, minha amada.”

121
“Não costumava viver em tempos como esse.” foi tudo o que ela disse. Em seu
coração sabia que ela estava certa. Havia apenas um orc que era bem conhecido
e carismático o bastante para ganhar votos suficientes para ser Chefe Guerreiro.
Grom Hellscream poderia ser algum desafio para Blackhand, mas Hellscream
era muito impulsivo para ser confiado a essa tarefa. Ele havia sido uma figura
visível desde o início, primeiro opondo-se e depois apoiando Ner’zhul. Eram
seus xamãs que haviam tornado-se os primeiros bruxos. Havia sido vitorioso
mais vezes contra os draenei do que qualquer um.

Draka, como na maioria das vezes, estava certa sobre isso. E dois dias mais
tarde assistiu com um olhar tedioso enquanto os votos dos chefes dos clãs eram
somados e como Blackhand do clã Blackrock foi escolhido. Viu que vários
olhavam em sua direção ao que o nome de Blackhand foi anunciado por
Gul’dan, e o grande orc aceitava o título com falsa modéstia. Durotan nem se
deu o trabalho de contestar. De que adiantaria? Já estava sob suspeita de
deslealdade. Nada do que dissesse poderia mudar o que estava decidido.

Em um determinado momento, olhou para Orgrim. Para os outros, o olhar do


segundo em comando do clã Blackrock mostrava firmeza e apoio ao seu líder.
Mas Durotan o conhecia melhor do que qualquer um e viu um leve franzido na
testa e o maxilar endurecido, que indicava que estava tão descontente quanto
ele com essa decisão. Mas Orgrim também não estava em posição para fazer
objeções. Mas torcia para que a proximidade de seu amigo com Blackhand
pudesse ajudar a diminuir o prejuízo que certamente o novo líder faria.

Blackhand agora estava de pé, acenando e sorrindo para a plateia animada. E


apesar de não se opor, também não via razão para aplaudir um orc que
representava tudo o que ele mais desprezava.

Orgrim estava atrás à direita de seu líder. Gul’dan olhava Blackhand com
respeito e Durotan sabia que o xamã estava manipulando as coisas, apesar de
não saber como.

“Queridos irmãos e irmãs!” começou Blackhand. “Recebi de vocês essa honra.


Irei provar-me um Chefe Guerreiro digno desse mar de guerreiros nobres. Nós
aprimoramos nossas armas e armaduras a cada dia. E agora rejeitamos os
imprevisíveis elementos e adotamos o verdadeiro poder – poder que nossos
bruxos controlam e manejam sem rastejar ou humilhar-se para ninguém. Isso é
liberdade! Isso é força! Temos um propósito, um foco claro. Iremos varrer os
draenei das nossas terras. Não serão capazes de resistir a essa maré de
guerreiros e bruxos, esta Horda arrebatadora. Somos seu pior pesadelo. Para a
batalha!”

122
Levantou seus braços e gritou. “Pela Horda!”

E milhares de vozes apaixonadas seguiram. “Pela Horda” Pela Horda! Pela


Horda!

Indignados demais para ficar, Durotan e Draka retornaram ao lar logo depois
da eleição do líder. Os xamãs ficaram para poder treinar. Quando retornaram,
muitos dias depois, Durotan viu que estava confiantes e orgulhosos de novo.
Essa nova magia restaurou a confiança em si mesmos; algo que havia
evaporado como o orvalho da manhã, quando os elementos os deserdaram.
Durotan estava agradecido por isso. Amava seu clã e sabia que eram pessoas
boas, não gostava de vê-los abalados e desanimados.

No começo praticavam em animais, juntando-se aos grupos de caça e


mandando as estranhas criaturas atrás de fenocerontes e talbuques. Durotan
ainda sentia-se apreensivo com a agonia que as vítimas sofriam. Com o passar
do tempo, as criaturas sofriam menos – não porque a dor havia diminuído, mas
porque os bruxos aprenderam a matar de maneira mais rápida e eficaz. A
inclusão destes estranhos “ajudantes”, ou “bichos de estimação”, como alguns
bruxos afetuosamente se referiam aos seres que ficavam sob seu controle,
parecia fazer toda a diferença.

Blackhand pareceu gostar da sua nova posição. Mensageiros apareciam


diariamente com pergaminhos e tanto eles quanto seus lobos estavam cada vez
mais adornados. Durotan admitiu que saber o que acontecia com os outros clãs
era útil.

Mas um dia, alguém que não era um mensageiro, chegou ao acampamento.


Reconheceu o traje; o orc montado em um lobo com uma capa preta lustrosa e
peculiar era um dos bruxos pessoais, Kur’kul. Parou seu lobo, desmontou e fez
uma reverência a Durotan.

“Chefe, uma palavra vinda do Chefe Guerreiro.” disse com uma voz
aparentemente agradável. Durotan aquiesceu e gesticulou para que o bruxo o
acompanhasse. Andaram até estarem certos de que não era possível ouvi-los.

“O que pode ser que Blackhand queira ao mandar um de seus mais importantes
bruxos?” perguntou.

Kur’kul sorriu em volta de suas presas. “Estou indo em todos os clãs.” disse
claramente com a intenção de colocar Durotan em seu lugar. Os Frostwolves
não eram particularmente honrados. Durotan grunhiu e cruzou os braços,
esperando.

123
“O fator mais importante em nossa eventual vitória gloriosa sobre os draenei
são números.” continuou. “Eles são poucos e somos muitos. Mas precisamos de
mais.”

“E o que Blackhand deseja então?” resmungou. “Devemos parar de lutar e


copular?”

O mensageiro não piscou. “Não deixar de lutar, mas sim...encorajar nossos


guerreiros a procriar. Receberão recompensas por cada criança que venha a
nascer em seu clã. Isso vai ajudar. Mas infelizmente, precisamos de mais
guerreiros agora, não daqui seis anos.”

Durotan o encarava pasmo. Seu comentário era apenas uma piada grosseira. O
que estava acontecendo.

“Crianças começam a treinar com seis anos.” prosseguiu Kur´kul. “São fortes o
bastante para batalhar com doze anos. Convoque todos os jovens.”

“Não entendo. Convocá-los para que?”

O mensageiro suspirou como se Durotan fosse uma criança tola. “Tenho a


habilidade de acentuar seu crescimento. Iremos...acelerá-los um pouco. Se
pegarmos todos os jovens entre seis e doze anos e deixá-los todos com doze
anos, dobraremos nossos números nos campos de batalha.”

Durotan mal pôde acreditar no que ouvia. “Absolutamente não!”

“Temo que não tenha escolha. É uma ordem. Qualquer clã que se recuse a
obedecer será marcado como traidor da Horda. O clã será exilado e seu líder e
companheira...executados.”

Durotan estava hipnotizado. Kur’kul entregou o pergaminho. Leu com as mãos


tremendo de raiva e viu que o bruxo havia falado a verdade. Ele e Draka seriam
mortos e o clã exilado.

“Você seria capaz de roubar-lhes a juventude, então?”

“Pelo futuro deles? Sim. Irei drenar um pouco de suas vidas...o equivalente a
seis anos. Não sofrerão danos. As crianças Blackrock com certeza não sofreram.
Blackhand inclusive insistiu que seus três filhos fossem os primeiros a serem
honrados. Em troca serão capazes de lutar pela glória da Horda agora, quando
podem fazer diferença.”

124
Durotan não estava surpreso por saber que havia deixado que fizesse isso com
seus filhos. Pela primeira vez sentiu-se agradecido por ter poucas crianças em
seu clã. Apenas cinco que se encaixavam no requisito. Releu a mensagem
sentindo fúria e náusea ao mesmo tempo. Essas crianças deveriam ter direito
de serem crianças.

O bruxo esperava pacientemente. Então Durotan disse com um tom


propositalmente ríspido para esconder sua dor. “Faça o que deve fazer."

“Pela Horda!” disse Kur’kul.

Durotan não respondeu.

O que aconteceu depois foi bárbaro.

O chefe dos Frostwolves tentou parecer impassível enquanto o bruxo lançava o


feitiço nas cinco crianças que se contorciam de dor, gritando e debatendo-se no
chão ao que seus ossos e peles eram esticados e músculos cresciam de maneira
não natural. Uma corda de um verde doentio ligavam as crianças e o bruxo,
como se sugassem a vida delas. A expressão de Kur’kul era de êxtase. Se as
crianças sofriam, ele com certeza não sofria. Por um momento Durotan achou
que o bruxo não iria parar nos doze anos e continuaria a sugar suas vidas até
que estivessem velhos e murchos.

Mas felizmente parou. Os jovens orcs – não mais crianças - permaneceram onde
eles haviam caído no instante em que a drenagem começou. Por um longo
tempo eles não podiam se levantar, e quando tentavam, choramingavam
baixinho, mas profundamente, como se não tivessem mais força para qualquer
outra coisa.

Durotan virou-se para o bruxo. “Você terminou o que veio fazer. Vá embora.”

Kur’kul pareceu ofendido. “Chefe Durotan, você-“

Durotan o levantou pela frente do seu manto escarlate. Medo transpareceu no


rosto do outro orc.

"Vá embora. Agora.”

Durotan o empurrou com força e Kur’kul tropeçou de costas, quase caindo. Ele
olhou furioso para Durotan.

125
“Blackhand não ficará satisfeito em ouvir isso”, Kur’kul rosnou. Durotan não
se atreveu a responder; se mais alguma palavra saísse de sua boca, ele sabia que
seria o fim do seu clã. Ao invés disso, ele se virou, tremendo de raiva, e foi até
as crianças, que não eram mais crianças.

Por algum tempo depois daquilo, nada foi pedido do clã Frostwolf, a não ser
mais treinamento intensivo e seus relatórios sobre o treinamento, e Durotan
estava aliviado e apreensivo. De alguma forma, quando Blackhand e Gul’dan
escolhessem notá-lo, a tarefa que lhe seria designada seria uma difícil.

Ele não seria desapontado.

Enquanto estava olhando um novo padrão de armadura feito pelo ferreiro, um


mensageiro em seu lobo chegou ao acampamento, jogou um pergaminho para
Durotan, virou sua montaria e partiu. Durotan desenrolou a mensagem e seus
olhos arregalaram. Olhou rapidamente para orc e percebeu que não ser um
mensageiro oficial.

Velho amigo,

Tenho certeza que não é surpresa para você que está sendo observado. Eles irão
definir uma tarefa para você, uma que sabem que pode completá-la. E assim
você deverá fazer. Não sei o que farão se recusar, mas temo pelo pior.

Não havia uma assinatura, não era necessário. Durotan conhecia a letra
expressiva de Orgrim. Amassou o pergaminho e jogou na fogueira, vendo-o
retorcer e enrolar em si mesmo como um ser vivo, ao que as chamas o
consumiam.

Orgrim enviou o aviso na hora certa, Na mesma tarde, uma mensageira


vestindo o tabardo oficial aproximou-se e entregou uma mensagem ao chefe
Frostwolf. Aceitou e colocou-a de lado, não queria lidar com isso agora.

Mas a mensageira parecia inquieta. Não desmontou, mas não foi embora.

“Fui instruída a esperar por uma resposta.” disse após uma pausa
desconfortável.

Durotan concordou e abriu a mensagem. A letra era requintada, e sabia que


Blackhand havia ditado a carta; o Chefe Guerreiro, por mais astuto e esperto
que fosse, era quase iletrado.

Era pior que doe imaginava. Manteve sua expressão neutra, embora Draka

126
estivesse observando-o com cuidado.

Para Durotan, filho de Garad, chefe do clã Frostwolf, Blackhand, Chefe


Guerreiro da Horda envia saudações.

Você teve tempo para veras habilidades dos bruxos recentemente treinados em
ação. É hora de atacar nossos inimigos. A cidade draenei de Telmor fica perto
de suas terras. Será instruído a formar um grupo de guerra e atacá-los. Orgrim
me disse que, quando jovens, vocês entraram na cidade. E que viu o segredo de
como os draenei a deixam invisível. Disse-me também que se lembra de como
expô-la para que nossos guerreiros ataquem.

Tenho certeza que não preciso dizer o que a destruição da cidade significaria
para a Horda. E para o clã Frostwolf. Responda essa mensagem imediatamente
e começaremos os preparativos para o ataque.

A assinatura era um impresso da mão direita de Blackhand.

Durotan estava furioso. Como Orgrim podia ter revelado essa informação. Era
tão devoto a ponto de contar ao Chefe Guerreiro sobre este incidente
colocando-o em evidência? A raiva diminuiu quando percebeu que essa
informação poderia ter sido passada em alguma conversa tido ao longo desses
anos. Blackhand era inteligente o bastante para pegar qualquer resquício de
informação e guardar até a hora certa de usá-la.

Durotan pensou em mentir, e dizer que não se lembrava das palavras que
Restalaan tinha dito para tirar a ilusão que mantinha a cidade draenei segura e
longe dos olhos dos ogros...e agora os olhos dos orcs.Já fazia muito tempo e
havia escutado apenas uma vez. Qualquer um já teria esquecido. Mas a ameaça
na mensagem era tão mal velada que beirava o ridículo. Se Durotan
concordasse em ajudar no ataque, provaria sua lealdade a Horda, a Blackhand e
a Gul’dan pelo menos por enquanto. Caso recusasse alegando não lembrar as
palavras que o novo líder queira que falasse...bem, como Orgrim, temia pelo
pior.

O mensageiro ainda esperava.

E Durotan tomou a única decisão que poderia.

Olhou para o mensageiro, rosto tranquilo. “Farei conforme o Chefe Guerreiro


manda claro. Pela Horda!”

O mensageiro parecei aliviado e um pouco surpreso. “O Chefe Guerreiro ficará

127
feliz em ouvir isso. Fui instruída a entregar-lhe isto.” Pegou um pequeno saco
de sua bolsa e entregou. “Seus guerreiros e bruxos precisarão disso para
treinar.”

Durotan acenou. Sabia o que eram: Coração da Fúria e Estrela Brilhante que
tirou de Velen. Essas pedras foram o motivo pelo qual foi salvo da ira de
Ner’zhul. Agora, as usaria contra as pessoas das quais tirou.

“O Chefe Guerreiro irá contatá-lo em breve.” disse a mensageira ao virar seu


lobo e ir embora. Durotan a observou. Draka foi para seu lado. Passou a carta
para ela, e entrou na tenda.

Alguns minutos depois ela o acompanhou, colocando seus braços em volta dele
enquanto enterrava seu rosto nas mãos e lamentava os eventos ocorridos que o
levaram a tomar essa decisão forçada.

Alguns dias depois um grupo foi reunido no acampamento Frostwolf. A


maioria dos guerreiros e dos bruxos era do clã Blackrock, mas havia alguns dos
clãs Warsong e Shattered Hand. Até o mais ignorante dos Frostwolves percebia
o clima de desconfiança dos visitantes. Sabia que não era por acaso que os orcs
eram dos clãs mais agressivos. Estavam lá para assegurar que ele não falhasse
em nenhum momento crucial. Perguntou-se qual deles foi designado para
cortar sua garganta no primeiro sinal de hesitação. Torcia para que não fosse
Orgrim. Os amigos trocaram algumas palavras e Durotan pôde ver
arrependimento no rosto de seu amigo. Estava grato pelo menos por aquilo.

Um mensageiro havia sido mandado antes para que fossem arrumadas muitas
fogueiras e alimentação para os “convidados”.

Na alvorada, o grupo de guerra – um pequeno exército de orcs – movimentava-


se. Passaram pelos campos que envolviam a Floresta Terokkar, onde há muito
tempo Orgrim e Durotan correram como jovens e foram surpreendidos com a
aparência de um ogro.

Nenhum dos pesados gigantes perturbava a vasta onda de orcs enquanto eles
marchavam a caminho do seu destino naquela manhã. Durotan estava à frente
montado, ao lado de Orgrim e Nightstalker. Eles eram silentes, mas Durotan
não ignorou o fato dos olhos e Orgrimm demorar-se no local onde dois garotos
foram resgatados por guerreiros draenei.

“Longos anos se passaram desde que passamos por aqui”, Durotan disse.

Orgrim assentiu com a cabeça. “Eu não tenho nem certeza se estamos na

128
direção correta. A floresta e os campos mudaram e cresceram, e naquela época
as marcações já eram poucas e preciosas.”

Durotan disse pesaroso, “Eu lembro o caminho”. Ele desejou que não. Uma
pilha de pedras aqui, uma vegetação esquisita ali era o suficiente para guiá-lo.
Aquilo não parecia nada para os outros. Blackhand havia dito para as tropas
que os draenei eram capazes de camuflar sua cidade. Mesmo assim, os ouvidos
afiados de Durotan captaram pequenos murmúrios de preocupação. Ele franziu
as sobrancelhas.

“Nós estamos nos aproximando”, ele disse. “Devemos ser silenciosos. Há uma
grande chance de já termos sido vistos e reportados.”

O grupo de guerra então ficou quieto. Com alguns gestos, Orgrim enviou
alguns de seus batedores para reconhecer a área. A mente de Durotan voltou
àquele crepúsculo, quando ele também estava preocupado com onde estavam
indo e o que os draenei tinham planejado.

Ele parou seu lobo e desmontou. Nightstalker balançou a cabeça e coçou as


orelhas, displicente. Foi aqui.... ou perto daqui...Durotan sentiu uma esperança
desesperada de que talvez os draenei lembrassem que haviam exposto seu
segredo para ele, que tivessem trocado o local onde a pedra mágica, de que sua
segurança depende, ficava escondida.

Não havia uma pedra falsa em baixo onde a gema verde ficava escondida. A
memória de Durotan não lhe servia de ajuda em descobrir isso. Ele se
concentrou, andando lentamente, ouvindo o tilintar da armadura e o suave
ressoar do metal, enquanto os outros observavam e esperavam. Ele fechou os
olhos para ajudar na concentração e viu de novo Restalaan ajoelhando no chão,
movendo as folhas e as espinhas do pinheiro para revelar-

Durotan abriu os olhos e deu alguns passos para a esquerda. Ele disse uma
breve oração aos ancestrais; se era buscando ajuda em encontrar a pedra ou não
encontrá-la, ele não estava certo. Mãos metálicas desceram e empurraram as
camadas de detrito e então tocaram algo gelado e duro.

Agora não há mais volta.

Durotan fechou seus dedos ao redor da gema e a pegou.

Até neste conturbado estado mental ele podia sentir a pedra emanando uma
reconfortante energia. Ela estava alojada na palma de sua mão como se lá
pertencesse. Durotan passou seu dedo indicador esquerdo sobre a pedra,

129
prolongando o momento antes que tudo mudasse irrevogavelmente.

“Você encontrou,” sussurrou Orgrim, que silenciosamente apoiou o amigo.


Durotan estava tomado de emoções e não conseguia falar por um momento. Ele
apenas assentiu com a cabeça, e então arrancou seu olhar da bela e pulsante
pedra, para ver os rostos pasmos, que fitavam o tesouro que ele segurava.

Orgrim maneou a cabeça bruscamente. “Fique em posição”, ele disse. “Nós


fomos afortunados o suficiente por não ter havido um sinal de alerta.”

A pedra era tão tranquilizante de segurar, Durotan não queria nada além do
simplesmente ficar parado e olhar o seu interior, mas ele sabia que já tinha feito
sua escolha. Ele respirou fundo e disse as mesmas palavras que Restalaan havia
dito no mesmo lugar há tanto tempo.

“Kehla men Samir, solay lamaa kahl.”

Ele queria acreditar que seu grosseiro sotaque orc não ativaria a pedra. Que ele
seria capaz de cumprir suas obrigações com o seu povo sem precisar devastar
uma pequena cidade cheia de civils, mas aparentemente as palavras foram
entendidas por qualquer força que controlasse a gema verde. A ilusão já estava
desaparecendo, as árvores e pedras tremeluzindo até desaparecer, e diante do
grupo de guerra orc, uma larga e pavimentada estrada, como um convite.

Eles não precisavam de mais motivação. A gloriosa cidade dos draenei jazia à
sua frente, com gritos vindos de milhares de gargantas, os orcs caíram sobre
eles.

130
Capitulo 15

Dreak’Thar conta com uma voz entrecortada de glórias arruinadas, belezas


destruídas e do massacre de crianças. Ao contar sua história, uma desculpa
velada: Parecia tão certo na época. Imagino que deveria parecer. Parecia ser
justo.

Posso apenas rezar para os ancestrais que eu nunca seja colocado na mesma
posição que meu pai. – dividido entre o que sei em meu coração estar certo e o
bem-estar do meu povo. E é por isso que continuo a lutar para sustentar a tênue
paz entre nós e a Aliança.

Porque poucas ofensas e insultos neste ou em qualquer outro mundo são


suficientes para justificar o massacre de crianças.

Mais tarde, Durotan se perguntaria como a cidade de Telmor não recebeu


nenhum aviso prévio da onda de orcs montados. Nunca seria capaz de falar
com um draenei para descobrir. Podia apenas presumir que os draenei eram tão
confiantes na camuflagem ilusória, que nunca ocorreu a eles a ideia de que
poderia ser rompida.

A atmosfera calma foi quebrada pelo som dos gritos de guerra e uivos dos lobos
enquanto aqueles que os montavam atacavam as ruas da cidade. Vários draenei
desarmados foram mortos nos primeiros segundos do ataque. A pavimentação
branca logo estava azul pelo sangue derramado, mas não demorou muito para
os guarda contra atacarem.

Durotan jogou a pedra dentro de sua bolsa no momento que terminou de usá-
la; seria adicionada a vermelha e a amarela que tirara de Velen. Montou
rapidamente e percorreu o caminho com uma determinação sombria e machado
pronto. Embora tivesse feito um juramento pessoal de que não atacaria um
inimigo desarmado ou uma criança, ele também fez uma escolha e estava
preparado para matar ou morrer por ela.

A primeira onda lotou a cidade. Um rio de orcs bifurcou-se em afluentes,


jorrando dentro dos edifícios públicos grandes e esféricos que se ramificaram
em cada lado da rua e subiam os grandes degraus de pedra. Os bruxos estavam
na retaguarda. Suas criaturas eram obedientes e silenciosas, menos os pequenos
que murmuravam constantemente entre suspiros. Esperavam pelo momento
certo para descer uma chuva de fogo, ou bolas de escuridão e várias maldições
de tormento. Os guerreiros surgiam cobertos de sangue, suas pegadas deixadas
nos degraus ao continuarem para o próximo edifício.

131
Os guardas draenei estavam nas ruas agora, lançando suas próprias magias.
Durotan virou-se em sua sela a tempo de bloquear um golpe de espada que
flamejava com energia azulada. A espada ressoou contra a cabeça do machado e
estremecendo seus braços e ossos. Mas isso não era nada comparado com o
choque que sentiu ao reconhecer seu ofensor.

Pela segunda vez ele e Restalaan encontravam-se em batalha. Durotan poupou


Velen e em troca foi poupado por Restalaan quando estava impotente ante os
guerreiros draenei. O orc percebeu que foi reconhecido pelos olhos azuis
brilhantes.

As dívidas entre eles estavam quites. Não haveria misericórdia.

Restalaan gritou algo em sua língua musical. Derrubou-o da sua montaria ao


invés de atacá-lo de novo. Durotan foi pego de surpresa e antes de entender o
que acontecia, estava deitado no chão ante seu inimigo. Buscou seu machado ao
que Restalaan atacou com sua espada, e ao fechar sua mão no cabo pensou que
não seria rápido o bastante.

No entanto, Nightstalker foi treinado quase tão bem quanto o orc que
carregava. Ao sentir que este não estava mais em suas costas, ele virou-se para
Restalaan. Grandes dentes mastigaram o braço do draenei. Se não fosse pela
armadura, o braço teria sido arrancado naquele instante. Mas a pressão tinha
sido o bastante para que derrubasse sua espada. Com um grunhido, Durotan
brandiu seu machado o mais forte que conseguiu. Bateu violentamente contra o
torso do draenei, e seu gume afiado cortando a armadura e ferindo a carne.

Restalaan caiu de joelhos, seu braço inútil ainda preso aos dentes de
Nightstalker. O lobo branco mordeu fundo, rosnando, pressionando como se o
braço do draenei fosse um pequeno animal. Em instantes, o lobo iria arrancá-lo.
Sangue jorrou da ferida. Não fez nenhum som, apesar da agonia que deveria
estar passando.

Durotan ficou de pé e atacou de novo, desta vez um golpe letal – um golpe de


misericórdia. Restalaan encurvou e imediatamente o lobo soltou o braço. O
capitão dos guardas de Telmor estava morto.

Durotan não se permitiu lamentar. Montou rápido em Nightstalker e procurou


seu próximo alvo. E havia muitos. A cidade com certeza não era do tamanho de
Shattrath, a capital, mas era grande o bastante. Havia bastante draenei para
matar. A atmosfera estava repleta com gritos de sede de sangue, de dor e medo,
do ressoar da espada no escudo e a crepitação de feitiços sendo lançados.

132
Odores assaltaram suas narinas, de sangue, fezes e urina, e do inconfundível e
único fedor de terror.

Sentiu-se bem com a cólera fervendo dentro dele. Seus sentidos nunca foram
tão aguçados e parecia mover-se sem pensar. Ali perto – outro dos guardas
lutando com Orgrim. Ficou apreensivo pensando em adiantar-se para ajudar
seu amigo, mas a Doomhammer brandiu no ar e esmagou o crânio do inimigo
apesar do elmo. Durotan sorriu ferozmente. Orgrim não precisava de ajuda.

Sentiu uma presença ao seu lado antes de poder escutar ou farejá-la, e virou-se,
urrando o grito de guerra de seu clã. Ergueu seu machado coberto de sangue e
preparou-se para brandi-lo.

A criança acabara de sair da puberdade, mas gritava em fúria ao arranhar com


as mãos vazias sua perna protegida pela armadura. Lagrimas corriam em seu
pálido rosto azul e seus dentes estavam cerrados. Sangue azulado, muito para
ser apenas o dela, empapava seu vestido a ponto de grudar no corpo.
Esmurrava-o inutilmente, seus olhos cheios de lágrimas queimavam de dor e
fúria de justiça.

Por um horrível segundo ela pareceu ser a mesma garota que Durotan e Orgrim
encontraram anos atrás. Não podia ser – certamente aquela garota era uma
adulta agora. Ou era ela? Mas não importava. Era uma criança que, brava e
estupidamente, estava tentando atacar um guerreiro orc montado com suas
próprias mãos.

E foi com enorme esforço que segurou seu ataque na metade do caminho. Não
iria machucar uma criança – não era esse o código, não era o jeito dos orcs-

De repente a garota congelou. Seus olhos se arregalaram. Abriu a boca e sangue


jorrou. O olhar de Durotan baixou de seus olhos para seu torso, e pode ver a
ponta da lança levantando o tecido ensopado de sangue. Antes que Durotan
pudesse reagir, o orc do clã Shattered Hand que assassinou a garota jogou a
lança para o lado, obrigando o corpo a cair no chão, e colocou sua bota no
ombro da garota. Grunhindo, puxou a lança e sorriu para Durotan.

“Você me deve uma, Frostwolf.” disse, e sumiu na multidão de matadores e


vítimas.

Durotan jogou sua cabeça para trás e gritou sua agonia para os ancestrais.

Assim continuaram os orcs, deixando cadáveres em seu rastro. A grande


maioria de mortos eram draenei, mas aqui e ali aparecia um corpo castanho de

133
um orc caído. Alguns orcs que ainda viviam, gritavam por ajuda, mas suas
súplicas não foram ouvidas. Xamãs podiam curá-los com seus feitiços, mas
aparentemente a magia dos bruxos não abrangiam as artes da cura. Então
jaziam onde haviam caído, alguns arfando seus últimos suspiros ao lado do
draenei que haviam matado enquanto a onda irreversível despejava-se adiante.

Seguiam pelas ruas através dos pés da colina, entrando em cada construção e
matando quem encontrassem. Certamente alguns draenei se esconderam,
pensou Durotan, e rezavam para que não fossem achados. Não achava que
essas preces seriam atendidas. Uma vez que a primeira rodada de massacre
fosse completada, haveria os saques e a procura por aqueles que escaparam do
ataque. Ele sabia. Foi planejado assim.

Alcançaram o maior edifício até então, aquele que ficava mais alto na
montanha, e Durotan reconheceu imediatamente. Era a casa do magistrado,
onde ele e Orgrim tinham jantado com o Profeta. Pensou com amargura que
Velen não era bem um profeta, se não previu esta situação negra. Nightstalker
apressou-se pelos degraus e Durotan não conseguiu evitar. Durotan virou a
cabeça e olhou sobre os ombros, em direção da cidade lá embaixo, exatamente
como fez a primeira vez que subiu esses degraus com seus próprios pés.

Naquela época, a cidade draenei entendia-se como joias em um prado. Agora,


parecia o oposto do que foi – uma cidade tomada, quebrada, com sangue e a
morte de não apenas de seus cidadãos, mas de qualquer esperança de paz,
trégua ou negociação. Durotan fechou brevemente seus olhos com pesar.

Tenho orgulho do meu povo e de nossa cidade, havia ditoe Restalaan, seu corpo
jazia morto e rijo na rua branca junto com incontáveis draenei. Trabalhamos
duro aqui. Amamos Draenor. E nunca pensei que teria chance de dividir isso
com um orc. As armadilhas do destino são definitivamente estranhas.

Mais estranha do que qualquer jovem orc ou guarda draenei poderia imaginar.

Os cômodos que fizeram os dois jovens orcs sentirem-se confinados anos atrás,
agora parecia totalmente claustrofóbico repleto de dúzias de guerreiros orcs.
Maioria estava vazio; houve tempo para evacuar todos os draenei, exceto
aqueles que juraram lutar a serviço da cidade. E esses guardas que os atacavam
agora, morreram. A bela mobília ornada foi usada como arma, lançada na
cabeça dos draenei, a quebradeira acrescentando à emoção da luta. Orcs
fazendo buracos nas paredes macias com socos pelo simples prazer de fazê-lo.
Camas rasgadas, e estátuas destruídas por machados ou martelos.

Durotan havia chegado ao seu limite. “Pare!”, gritou, mas ninguém o escutou.

134
As criaturas controladas pelos bruxos pareciam contentes com esse
comportamento. Mas a hora da destruição já havia passado e a implacável
selvageria dos orcs não serviria de nada agora que os habitantes de Telmor
estavam mortos ou haviam fugido.

"Pare!” gritou novamente. Desta vez Orgrim o escutou e também gritou. O


representante do clã Warsong também balançou a cabeça, como se para livrar-
se de algo nebuloso e obscuro, e então também tentou acalmar seus guerreiros.
Drek’Thar, junto com outros bruxos não ficou perdido na sede de sangue como
os outros, então parou os que ainda lançavam feitiços.

“Escutem!” rugiu Durotan. A maioria já havia chegado ao cômodo onde havia


jantado com Velen. Aquele estava vazio, cadeiras e mesas reviradas, as
tapeçarias da parede rasgadas e jogadas no chão.

“Tomamos a cidade, é hora de tirar dela o que precisamos!”

Estavam escutando agora, sua respiração em fôlegos que enchiam o quarto com
um som rouco. Mas pelo menos eles pararam de usar suas armas em qualquer
coisa que se mexia... ou às vezes no que não se mexia.

“Primeiro vamos ajudar os feridos,” ordenou. “Não deixaremos que nossos


irmãos sofram nas ruas.”

Alguns pareciam sentir culpa por isso. Durotan percebeu que muitos haviam
esquecido completamente que alguns dos seus ainda permaneciam se
contorcendo de dor lá fora, enquanto praticavam a destruição gratuita da
estátua do magistrado. Afastou esses pensamentos e acenou para Drek’Thar. Os
bruxos podem não ter magias de cura, mas eles haviam sido xamãs, e sabiam
como cuidar das feridas da batalha de uma maneira mais mundana. Drek’Thar
gesticulou para vários bruxos e eles voltaram pelo caminho de onde tinham
vindo.

“Agora, essa cidade tem suprimentos dos quais nunca havíamos visto. Há
alimentos em abundancia, armas, armaduras e outras coisas que não
conhecemos. Coisas que servirão a Horda em sua busca para-“

Ele não pode terminar a frase como planejou: Em sua busca para varrer os
draenei. Ao invés disso, disse desajeitado, “Em sua busca. Somos um exército. E
um exército marcha junto com seu estômago. Precisamos estar bem
alimentados, bem hidratados, curados, descansados e protegidos. Orgrim –
você pega um grupo e comece pelo fim. Guthor, pegue outro e vá direto para os
portões. Avance até encontrar o grupo de Orgrim. Qualquer um que tenha

135
qualquer conhecimento de cura, apresente-se a Drek’Thar e faça exatamente
como ele mandar.”

“E os draenei que encontrarmos vivos?” perguntou alguém.

Realmente, o que fazer? Não havia estrutura para cuidar dos prisioneiros, e no
final, o único propósito para prisioneiros, seria para negociar. Uma vez que
ficou bem claro que a única finalidade da Horda era o total extermínio da raça
draenei, não havia motivos para fazer prisioneiros.

“Mate-os.” disse roucamente. Esperou que essa falha em seu tom de voz fosse
interpretada como uma fúria crua do que a dor agonizante que era. “Mate todos
eles.”

Ao que os orcs correram para obedecer a suas ordens, Durotan se pegou


desejando que Nightstalker não tivesse sido tão rápido em protegê-lo. Teria
sido mais fácil se tivesse perecido pela mão de Restalaan do que ter proferido
aquelas palavras.

Com alguma sorte, durante essa campanha horrível para apagar uma espécie
que nunca levantou a mão para eles, a morte acharia Durotan cedo ou tarde.

136
Capitulo 16

O Concílio das Sombras.


Mesmo agora, depois de tanto tempo, sabemos muito pouco sobre quem eram e
suas atividades. Gul’dan levou muitos segredos para o tumulo. E que lá
apodreça. Já é difícil para eu entender como um ou dois poderiam corromper-se
por poder a ponto de condenar seus descendentes; mas terem sido tantos – nem
sei o número ao certo – vai além da minha limitada imaginação.

Mesmo assim, esses números não teriam importado se não fossem pelos
demônios que os tinham em suas mãos. Regozijo-me com sua dor; condeno com
cada fibra do meu ser o que fizeram àqueles que os obedeceram por confiança.

“Foi um teste excelente,” aprovou Kil’jaeden, sorrindo para seus subordinados.


Gul’dan fez uma reverência, olhos brilhando com a aprovação de seu mestre.
Ner’zhul agachou, olhos fixos no chão. Independente disso, ele estava
escutando.

“Confesso ter ficado surpreso por Durotan ter sido capaz de executar nossas
ordens,” disse Gul’dan. “Achei que resistiria, ou ao menos restringiria
determinadas ações dos seus orcs. Mas a cidade está destruída e conquistada,
mestre. Todos os draenei que lá viviam não mais estão lá – a maioria morta.”

’Maioria’ não é o bastante, Gul’dan. Você sabe disso.”

O bruxo encolheu com a crítica. Havia se perguntado algumas vezes sobre a


ligação entre Kil’jaeden e os draenei e a causa do desprezo do Grandioso. “Foi a
primeira tentativa de levar a batalha até eles, do que apenas atacar grupos
isolados de caça.” respondeu, surpreso com sua audácia. Kil’jaeden inclinou a
cabeça, considerou e concordou.

“Verdade. E ainda há tempo.”

Já havia passado vários dias desde a queda de Telmor. Gul’dan, impressionado


com o serviço feito por Durotan e tentou oferecer a cidade para o clã Frostwolf
como prêmio, mas o líder recusou e declarou que o clã continuaria a viver em
suas terras ancestrais.

No entanto, o clã Blackrock não foi tão tolo. Blackhand e família agora deitavam
em camas onde antes o magistrado da cidade dormira. Os orcs não sabiam o
que fazer com os adereços dos draenei no começo, mas agora começaram a
incorporar o estilo de vida de suas vítimas. Sentavam-se em cadeiras,
alimentavam-se a mesa, treinavam com armas draenei, adaptaram as

137
armaduras ao porte mais corpulento do orc. Poucas orquisas e muitos orcs do
clã Blackrock adicionavam vestimentas draenei às tradicionais túnicas e culotes.
Gul’dan sabia que muitos se perguntavam por que ele, ou Ner’zhul não ficaram
com a cidade para eles. Apesar de tentador, ele foi muito bem aconselhado por
seu mestre. Confortos materiais eram agradáveis, mas poder era mais doce, e
quanto menos reivindicava para si publicamente, seu alcance ficaria em
segredo. Kil’jaeden não o decepcionaria contanto que fizesse bem o trabalho.
Alguns itens foram trazidos para esse novo lugar, que ele chamava de casa –
uma mesa circular enorme, esculpida em madeira incrustada com pedras e
conchas que brilhavam suavemente, junto com belas cadeiras.

Gul’dan aproximou-se da mesa grande, passando seus dedos pela superfície


polida e sorrindo para si. Só restava convocar quem acreditava que responderia.
Alguns nomes eram óbvios. Outros apareceriam apenas com forte
concentração. Mas já tinha uma lista grande o bastante para ser abrangente, e
curta o bastante para ser...providenciada.

Logo, bem antes do que esperava, o Concílio das Sombras seria formado.
Enquanto por fora, Gul’dan estava progredindo os orcs como raça, dando poder
e eliminando o “inimigo” draenei, um punhado de orcs tão corrompidos e
sedentos de poder quanto ele, os manipularia.

Não era uma questão dos orcs como raça.

Nunca foi uma questão dos orcs como raça.

Era uma questão de poder – obter, exercer e manter. Ner’zhul nunca


compreendeu isso. Gostava de poder, mas não estava disposto a alimentar sua
fome. A finalidade que Kil’jaeden exigia.

Decepção, mentiras, manipulação – até Blackhand, que acreditava estar por


dentro de todas as tramas, não fazia ideia da vastidão das ambições de Gul’dan.
Era tão grande quanto o desejo de Kil’jaeden destruir os draenei. Tão enorme
quanto o céu, profundo como os oceanos, aguda como a fome.

O bruxo olhou com desprezo o velho orc, que fora seu mestre, sentado
encolhido no canto. Seu olhar então encontrou os olhos ardentes de Kil’jaeden e
ele aquiesceu.

“Convoque-os.” assegurou. Um sorriso formou em seus lábios, mostrando seus


dentes brancos afiados. “Responderão ao seu chamado. E dançarão conforme a
música. Irei garantir isso.”

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Aliados.

Eles precisavam de aliados.

Gul’dan estranhou Kil’jaeden não perceber isso. De fato os orcs eram


poderosos, principalmente quando controlados e direcionados de maneira
apropriada. Os longos meses, mais de um ano, que essa guerra se alongou
apenas acentuou isso. As melhores mentes orcs trabalhavam para entender
como a tecnologia draenei funcionava. Construções começavam no centro da
fortaleza, a qual Gul’dan chamava de Cidadela, onde um exército poderia ser
tranquilamente alojado, treinado e equipado. Os orcs nunca haviam tentado
nada parecido com isso e o bruxo estava orgulhoso de ter tido a ideia. Eram
guerreiros, eram xamãs – agora, claro, bruxos – curavam e eram artesãos. Os
três primeiros tinham objetivos claros e muitas oportunidades para fazer seu
trabalho. Os artesãos contribuíam de maneira diferente, criando armaduras,
armas e construções para apoiar aqueles que tinham a glória de assassinar
draenei até que seus corpos ficassem frios e cobertos de sangue.

Alguns poderiam referir-se a eles como uma classe mais baixa de orc.
Secretamente, era assim que o bruxo pensava. Mas era sábio o bastante para
saber que seu ofício, apesar de não ser nobre ou dificilmente reconhecida, era
tão necessário quanto o desejo de matar de um guerreiro ou a maestria de
lançar feitiços de um bruxo. Aqueles que forneciam alimentos, abrigo,
armamento – os guerreiros e bruxos não iriam longe sem eles. Então Gul’dan
fez um espetáculo de louvor aos artesãos e o resultado agradável foi deixá-los
inspirados para trabalhar mais e melhorar.

Mas apesar de cada orc de cada clã estar trabalhando o máximo que podia – e
Gul’dan tinha espiões em cada clã para certificar-se disso – não iria ser o
bastante. A tomada de Telmor foi surpreendentemente fácil e o estímulo à
moral foi grande. Mas sabia que a vitória dos orcs foi em grande parte devido a
sorte. Nenhum draenei que lá vivia tinha razão para achar que seria descoberto
e invadido em questão de horas. Achavam que estavam totalmente a salvo,
protegidos pela magia da pedra verde, que Gul’dan chamou de Folha Sombria,
que os protegia das vistas dos ogros e depois dos orcs. Aquela vitória fácil não
seria repetida. Como –

“Ogros,” disse em voz alta. Tocou seu queixo, pensativo. “Ogros...”

“De jeito nenhum!” gritou Blackhand. Em duas passadas diminuiu a distância


entre ele e Gul’dan, elevando-se sobre o bruxo. Precisou de cada fibra de
fingimento de Gul’dan para que não recuasse da carranca ameaçadora a sua
frente.

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“Venha, Blackhand.” convidou ele. “Acalme-se e escute o que tenho para falar.
Você é o que mais será beneficiado.”

Isso o atingiu. Blackhand rosnou, bufou e recuou. Gul’dan esforçou-se para


parecer aliviado.

“Eles são a escória.” grunhiu. “São inimigos de longa data. Muito mais do que
os draenei, e por melhores motivos. Como irei me beneficiar disso?”

Indo direto ao assunto, pensou com satisfação o bruxo. A escolha por ele foi
acertada.

“Há alguns que ainda dizem que não foi eleito de maneira justa. Se obtiver
sucesso, irá apenas aumentar sua glória.”

Blackhand estreitou os olhos. “Talvez.” admitiu. “Mas os orcs irão concordar


com isso?”

Gul’dan permitiu-se sorrir. “Irão se nós os mandarmos.”

Blackhand jogou sua cabeça para trás e gargalhou.

Ao olhar seu líder, Orgrim mexeu-se inquietamente na sela. Quando explicou o


que queria fazer, ele protestou com veemência. Havia participado de várias
caçadas ao longo dos anos para eliminar a ameaça que eram os ogros. Para ele
era algo pessoal. Nunca deixou de detestar o fato de ter fugido de uma dessas
criaturas gigantes e broncas. E agora Blackhand faz essa proposta.

Mas Orgrim sabia que apesar de suas qualidades – e ele tinha muitas que o
desagradavam – ele era um bom estrategista. O plano era sólido, se pudessem
se desprender emocionalmente. Então concordou em apoiá-lo.

Trocar informações foi complicado. O clã Blackrock havia capturado três ogros
e passaram uma noite inteira falando com palavras simples para que pudessem
entender o que queriam e começassem a cooperar. Agora cada guerreiro, bruxo
e curandeiro do gigantesco clã estava preparado para batalha.

Os ogros disseram onde seus mestres se escondiam e os conduziram até lá –


uma entrada na base da cordilheira Blade Edge. Não fizeram nenhuma
tentativa de se esconder. Lixo se espalhava pelo lado de fora, e havia muitas
pegadas de ogro tanto indo quanto voltando. Orgrim inclusive olhou um grupo
arrastando-se em direção a luz do dia. Sem dúvida, achavam que estavam a

140
salvo, assim como os draenei em Telmor; e estariam certos há um ano. Mas
muito mudou desde então. Os orcs não eram mais clãs separados, mas uma
força de combate unificada, disposta a deixar de lado um antigo rancor por um
novo ódio.

Blackhand estava à frente, acompanhado pelos três ogros. Atrás dele estavam
seus filhos, Rend e Maim, que conversavam entre si em voz baixa e davam
risinhos roucos. Orgrim foi contra levá-los a batalha, mas estes provaram ser
mais fortes e hábeis do que parecia. Herdaram a sede de sangue do pai, mas
não a astúcia. Griselda também foi treinada para lutar, mas não era talentosa
como os garotos. Ficaram sérios quando Blackhand olhou-os com ferocidade.

Orgrim perguntou-se se ele faria um discurso. Eesperava que não fizesse, já que
o líder era melhor agindo e não falando e seu clã estava preparado para agir.
Blackhand olhou o mar de guerreiros e acenou, dando a ordem para atacar.

O primeiro grupo atacou, gritando selvagemente e descendo pelo lado da


montanha. A princípio os ogros ficaram tão confusos ao ver três dos seus junto
aos orcs, que ficaram parados esperando serem mortos. Então, seus cérebros
lentos começaram a entender que estavam sob ataque, então se mobilizaram.
Eles não atacavam os ogros, que se moviam pelas fileiras para conversar com o
líder dos guardas que estava em algum lugar na caverna.

Orgrim estava determinado a aproveitar a última matança de ogros autorizada


e brandiu com gosto a Doomhammer. Seu lobo era rápido e disparava com
facilidade entre as pernas grossas como árvores dos ogros, que gritavam
impotentes e balançando suas clavas inutilmente. Lembrou-se de como
pareciam grandes quando era criança. Não que não fossem agora, mas ele havia
crescido e agora carregava a arma lendária com equilíbrio e habilidade.
Quebrou a tíbia do ogro e este gritou em agonia. O lobo de Orgrim desviou do
grande corpo que caiu, fazendo a terra tremer ao tocar o chão. Ainda tentou se
levantar usando suas mãos gordas, mas outro orc Blackrock o atacou. Antes que
Orgrim pudesse avaliar, o ogro jazia morto e sangrando de várias feridas.

Orgrim virou a tempo de ver um dos guerreiros ser arremessado, morto com
um único golpe da clava maciça. Rugindo, Orgrim preparou-se para atacar a
criatura assassina quando um grito de “Parem! Parem!” o fez brecar de repente.

Era um testemunho do poder da personalidade de Blackhand pois, mesmo


agora, quando a maioria dos orcs estavam no ápice da sede de sangue e
matando um antigo inimigo, eles pararam de atacar. A princípio os ogros não
fizeram o mesmo, e Orgrim deixaou o campo de batalha até que os ogros lerdos
entendessem o que estava acontecendo. É para o bem de todos, disse a si

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mesmo. E esse pensamente o irritou.

Levantou a cabeça para ver os ogros que eram amigos do clã conversando com
os da sua espécie. Ou melhor, gritando e de vez em quando os estapeando. Pelo
menos eles pararam de perseguir os orcs que saiam da batalha. Pareciam estar
escutando. Um deles, maior e usando algo que parecia ser um cinturão oficial,
tinha um cérebro. Orgrim não entendia as criaturas vis e usou a pausa para
recuperar-se e tomar água.

“Não vejo a hora de poder matá-los de novo,” disse Rend. Orgrim olhou o filho
mais velho de seu chefe.

“Se obtivermos sucesso, eles lutarão ao nosso lado.” retrucou. “Não será
permitido matá-los.”

Maim cuspiu. “Hehe. Sei. Matamos eles escondidos.”

Orgrim fez uma careta. Ele também gostaria, mas...”Vários orcs estão mortos
tentando fazer com que o plano de seu pai dê certo. Não iria gostar de ver você
sabotando seus esforços.”

“E quem irá contar a ele?” disse sorrindo com escárnio.

“Eu irei. Se isso funcionar, e eles nos escutarem – e se algum deles aparecer
morto, seus nomes serão os primeiros que irei mencionar.”

Rend o encarou furioso. Agora, ele era tão jovem que parecia ser o ato de uma
criança petulante, mas por dentro, pressentiu um agouro. Nunca gostou de
Blackhand, nem de seus filhos, tirando Griselda. Não sabia ao certo se era a
criação ou o crescimento forçado o responsável pela obscuridade que havia
neles. Não confiava neles. Se sobrevivessem e começassem a usar o cérebro
além dos músculos, Rend e Maim seriam mais perigosos e mortais que seu pai.

“Eu disse que ele não iria concordar, Rend.” disse Maim, audacioso. “O velho aí
esqueceu o que é ter a sede de sangue correndo pelo corpo. Vamos.”

Rend seguiu seu irmão, sorrindo. Orgrim suspirou. Tinha problemas mais
importantes do que lidar com dois moleques. Voltou sua atenção para as
negociações, apesar de achar que os ogros não entenderiam essa palavra. Os
ataques haviam cessado. Blackhand, que havia fugido do campo de batalha e
pedido que seu clã fizesse o mesmo, agora conduzia seu lobo para onde os
ogros se reuniam. Orgrim o seguiu e chegou a tempo de escutar o líder dos
guardas anunciar, “Não gostar gronn. Gronn nos machucar.”

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Acenou para um dos ogros virar e mostrar as costas para Orgrim e Blackhand.
Viu cicatrizes cruzando as costas do ogro. Não sentiu pena da criatura, pois
fizeram pior com os orcs por décadas. Mesmo assim, era algo útil. Os ogros
capturados falaram também de agressões parecidas, e concordavam com a
cabeça, como se fossem muito sábios.

“O que dá pra nós se juntarmos vocês?” exigiu saber o guarda.

Blackhand sorriu para a coisa. “Bem, para começar não iremos bater em vocês.”
Orgrim pensou nos filhos de seu chefe, mas não disse nada. “Iremos dar
alimentos e armas apropriadas.” Blackhand ficou aliviado por não prometer
armaduras. Os materiais para fazer armadura para um ogro dariam para fazer
três para os orcs. E felizmente, o guarda – o mais inteligente dos ogros – ainda
não tinha sido esperto o bastante para lembrar-se disso.

“Terão comida, abrigo e o deleite de esmagar draenei até que virarem uma
mancha na grama.”

Os ogros escutavam com atenção, e um deles literalmente pulava de emoção.


“Mim esmagar!” grunhiu com alegria, e vários outros repetiram a simples frase,
mas aparentemente divertida. Blackhand esperou a euforia diminuir antes de
continuar.

“Então, estamos entendidos?”

O ogro capitão concordou. “Não mais machucar ogros.” rosnou, e virou-se para
aqueles que liderava. Seus pequenos olhos brilhavam com lágrimas, e desta
vez, ao olhar para as costas cheias de cicatrizes do ogro, Orgrim sentiu um
pouco de pena deles. Bem pouquinho.

"Qual seu nome?” Orgrim perguntou ao capitão de repente.

“Krol.” disse ao virar sua atenção para ele.

“Krol, então.” repetiu Blackhand antes que seu segundo em comando pudesse
acrescentar algo. “Quando acha que podemos liderar nosso primeiro ataque em
conjunto.”

“Agora.” disse o ogro antes que ambos orcs pudessem protestar, ele gritou algo
em sua língua estranha e horrenda. Os outros ogros pulavam, e a terra tremia
quando aterrissavam. Então todos se viraram e propositalmente entraram de
novo na caverna. Blackhand olhou Orgrim, que vacilou. Imaginou ser mais fácil

143
parar a maré do que essa enchente de gigantes estúpidos e determinados.

“Chame-os,” disse Blackhand. Orgrim pegou um chifre de fenoceronte e


assoprou com força. Os orcs gritaram com alegria começaram a descer.

Não houve tempo de relembrar o clã do plano. Orgrim tinha esperanças de que
se lembrassem; principalmente os maníacos filhos de Blackhand. Uma matança
de ogros estava a espera deles, mas era melhor que matassem os ogros certos.

Porque se não o fizessem, se dessem aos ogros alguma razão para questionar
esta súbita e peculiar aliança, então os bebes e os velhos que esperavam no
acampamento, poderiam ser os únicos remanescentes do clã Blackrock.

Orgrim não estava muito otimista. O clã era sempre feroz nas batalhas.
Blackhand era mais do que um selvagem astuto, e Orgrim percebeu que,
recentemente, uma certa fúria maníaca começou a esgueirar-se entre os clãs. Ao
virar seu lobo em direção da caverna para atacar junto com os seus, perguntou-
se se sua imaginação não estava pregando-lhe uma peça.

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Capitulo 17

Lar.

Independente da raça a qual se pertence, é uma palavra, um conceito que faz o


coração encher-se de anseio. Um lar pode ficar em terras ancestrais, ou em um
novo lugar que alguém se tornou seu. Pode também ser achado nos olhos da
pessoa amada. Mas todos precisam e desejam, pois sem um lar de algum tipo
somos incompletos.

Por muitos anos, cada clã tinha seu próprio lar e terras sagradas. Espíritos da
terra, ar, água, fogo e da natureza. A erradicação começou e continuou cada vez
mais devastadora, até chegarmos a Kalimdor. Aqui, achamos um lar para um
povo errante. Um lugar para repouso, um santuário, onde possamos nos reunir
e reconstruir.

Lar, para mim, agora tem o nome de meu pai; a terra de Durotar.

Durotan levantou a cabeça para farejar o ar. O aroma que preencheu suas
narinas era de poeira e desidratação, um tipo acre de odor. Parecido a algo
queimando. Antes Drek’Thar poderia ter sentido esse cheiro melhor do que ele,
mas esses dias já haviam se passado. Não era mais um xamã, era um bruxo. O
vento não viria ao seu chamado quando solicitado, carregando informações tão
detalhadas como se tivessem sido escritas em um pedaço de pergaminho. E
pior, nem ele e nem os outros bruxos do clã pareciam se importar.

Havia algum tempo que não chovia e o verão parecia mais quente do que o
normal. Era o segundo verão no qual a chuva veio escassa, isso quando veio e
por um capricho Durotan ajoelhou e enfiou os dedos no solo. Antes era um
barro fértil, marrom escuro e cheirando a terra. Agora seus dedos mergulhavam
facilmente na poeira e a crosta ruiu entre eles, e dissolviam em areia que não
eram capazes de suportar pasto ou colheitas ou qualquer outra coisa.

Escutou Draka se aproximando, mas não se virou. Sentiu os braços dela em


volta da cintura, abraçando-o. E assim ficaram por um longo tempo e então com
um último aperto, soltou-se e virou para encará-lo. Durotan limpou as mãos.

“Nunca dependemos muito daquilo que podíamos plantar.” disse calmamente.

Draka olhou-o com seus olhos negros e sábios. Seu coração doeu ao olhá-la. Ela
era melhor do que ele em tantas coisas. Mas era a companheira do chefe, e não o
chefe, e não tinha que fazer as escolhas que ele tinha.

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As escolhas que tinha.

“Nós dependemos basicamente do que podemos caçar,” disse. “Mas os animais


que caçamos se alimentam do que a terra fornece. Somos todos conectados. Os
xamãs sabiam disso.”

Ficou em silêncio quando um dos bruxos mais jovens chegou, com uma
pequena criatura saltitante no seu encalço. Ao passar, a criatura virou para
olhar Draka e sorriu, mostrando a boca repleta de dentes afiados. Draka sentiu
um arrepio.

Durotan suspirou e entregou uma mensagem. “Acabei de receber. Devemos nos


preparar para uma longa marcha. Vamos deixar nossas terras.”

“Como assim?”

“Ordem de Blackhand. Ele mudou-se para a sua nova cidadela, que foi feita
para ele, e quer seu exército lá. Não será mais suficiente nos juntarmos para
atacar. Devemos viver juntos e estarmos prontos para seguir Blackhand para
onde nos liderar.”

Draka o encarava, incrédula, então baixou seus olhos para a mensagem. Leu
rapidamente, enrolou e devolveu a ele.

“Melhor nos prepararmos,” disse baixo, e voltou para a tenda.

Ao vê-la ir, perguntou-se o que exatamente aconteceu que fez seu coração
partir.

A Cidadela não estava terminada, mas no momento que Durotan a viu, ficou
totalmente pasmo. Foi rodeado de murmúrios de espanto.

“Tão imponente!”

“Tão grande!”

“Digno de um Chefe Guerreiro!”

Se Durotan tivesse dito algo, teria sido: Blasfêmo. Uma praga sobre a terra.
Desarmonioso com tudo o que somos.

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A caravana do clã Frostwolf ainda estava a muitas milhas de distância, mas a
Cidadela elevava-se no horizonte como um abutre. O seu modelo em nada
parecia com o estilo orc. Essa estrutura, esse pesadelo arquitetônico, uma ofensa
aos olhos e alma era maior do que as construções draenei. Durotan sabia o
motivo; para abrigar uma elite de guerreiros orcs, a construção tinha que ser
enorme. Mesmo assim, esperava outra coisa.

Ao invés linhas suaves e elegantes que eram a marca das estruturas draenei,
essa fortaleza era afiada e pontiaguda. Dominava a paisagem ao invés de entrar
em harmonia com ela. Talhado com pedra negra, madeira áspera e metal,
praticamente eriçava contra o céu. Apesar de só poder ver a torre principal,
para Durotan isso já era o bastante. Estava parado como se tivesse criado raízes
ali, relutante a dar um passo em direção àquela monstruosidade.

Um olhar silencioso passou entre ele e Draka. Eram os únicos a perceber?

O resto do clã seguia, passando pelo seu chefe. Hesitante, ajustou seu lobo e
continuou.

Ficar mais próximo da fortaleza não a deixou mais atrativa. Agora Durotan
podia ver outras construções – guarnições, silos de armazenamento, uma
extensão plana de áreas de treinamento que eram repletas com armas grandes
que nunca havia visto. Elas também pareciam negras, perigosas e mortais.

Membros oficiais do clã Blackrock e outros cumprimentavam Durotan


superficialmente e mandavam os membros Frostwolf para uma área plana na
parte ocidental do complexo para armar suas tendas. Começava a anoitecer
quando recebeu uma convocação para apresentar-se ao pátio da Cidadela, junto
com vários outros do seu clã. Um grupo com vinte orcs andou até lá e esperou.

Escutou primeiro tambores à distância e ficou tenso. Foram instruídos a não


trazer armas, apenar vir e esperar por...isso não foi dito. Draka olhou-o
desconfortável. Não tinha como oferecer conforto a ela; estava no escuro tanto
quanto ela.

As batidas ficaram mais próximas. A terra começou a vibrar debaixo de seus


pés. Isso era comum quando as batidas começavam no círculo, mas de tão
longe? Escutou alguns comentários preocupados e viu que não era o único com
uma pontada de apreensão.

A terra continuou a tremer, as vibrações ficando mais acentuadas. Dois


patrulheiros Blackrock aproximaram-se exultantes. “Não temam, membros
orgulhosos da Horda!” um deles gritou. “Nossos novos aliados, trazidos para

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nossas fileiras pelo poderoso Blackhand, estão a caminho! Deem boas vindas!”

Havia algo familiar na maneira com que o chão estremecia. A única vez que
Durotan sentiu algo parecido foi quando lutava contra –

“Ogros!” alguém gritou. E de fato Durotan podia vê-los agora. Dúzias deles,
gigantes e determinados, indo em direção do grupo de orcs reunidos. Mais
patrulheiros Blackrock trotavam com seus lobos, berrando e assoprando os
chifres em júbilo. A multidão foi a loucura, encantada, gritando e dançando
desenfreadamente.

Esses eram os novos aliados? Durotan mal podia acreditar ao encarar, não
conseguindo achar as palavras, o maior ogro que já viu aparecer. O próprio
Blackhand andava ao seu lado, tão ágil e imponente como se a coisa do
tamanho de um mamute não o fizesse parecer um brinquedo de criança.

“Iremos esmagar os draenei!” Blackhand urrou, e como se esperassem a deixa,


os ogros que marchavam junto a ele gritaram, “Esmagar! Esmagar! Esmagar!”

E numa vertigem doentia, Durotan sentiu-se criança de novo, fugindo de um


monstro desses. Piscou e viu novamente o rosto forte de seu pai destruído e
quebrado, sangue e vida esvaindo-se pelo chão. O crânio de Garad esmagado
como uma noz por um único golpe de clava.

Orcs estavam lutando ao lado de criaturas monstruosas e imbecis em um


esforço para destruir uma raça inteligente e pacífica.

O mundo havia enlouquecido.

Velen estremeceu. Seu assistente foi ampará-lo, oferecendo uma bebida quente
e suave, mas o Profeta recusou. Nenhum conforto poderia vir de uma bebida
agora. Nenhum conforto poderia vir de novo.

Ficou em luto quando recebeu a notícia de que Telmor havia caído, e junto com
a cidade foi-se seu amigo Restalaan. Foi ainda pior saber como o ataque
aconteceu. Velen havia sentido algo especial no jovem Durotan, e o tratamento
que teve quando esteve sob sua custódia, apenas confirmou a fé no chefe do clã
Frostwolf. E agora isso. Durotan e Orgrim foram os únicos orcs que
presenciaram como a pedra verde havia protegido a cidade. Um deles inclusive
decorou o encantamento que desativaria a camuflagem protetora. Alguns
conseguiram escapar para o Templo de Karabor. Seus ferimentos foram
cuidados, mas não havia nada que ele ou qualquer um pudesse fazer para curar
seus espíritos destroçados.

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Mas havia notícias piores. Os refugiados falaram que as armas dos orcs não
eram apenas arcos, flechas, machados ou lanças. Falaram também de setas
verdes escuras que causavam mais dor e tormento do que qualquer magia
lançada pelos xamãs. E também de criaturas que se agitavam e dançavam aos
pés daqueles que praticavam tais magias.

Eles falavam dos man’ari.

De repente, as peças se encaixaram numa lógica espantosa. O ataque abrupto e


irracional dos orcs. O aumento repentino de tecnologia e habilidades. O fato de
terem renegado o caminho do xamanismo, uma religião que, até onde Velen
entendia, era baseada numa relação de dar e receber entre os xamãs e os
elementos. Aqueles que comandavam os man’aris não se preocupavam em
equilíbrio e harmonia com seus poderes; eles buscavam controle.

Assim como Kil’jaeden e Archimonde.

Os orcs nada mais eram do que peões nas mãos dos eredar. Velen sabia que ele
e os exilados eram os alvos reais. A Horda orc, agora expandida com a adição
de criaturas imensamente poderosas, era a maneira com a qual Kil’jaeden
desejava destruí-lo. Por um breve instante, o Profeta pensou que talvez pudesse
racionalizar com o líder da Horda; se eles se voltassem e lutassem junto com os
draenei para derrubar Kil’jaeden, depois de saber que estão sendo usados. Mas
desistiu da ideia na mesma hora. Era provável que aqueles sendo usados por
Kil’jaeden sabiam dos propósitos e da natureza dos eredar, e a oferta por poder
parecia real e sedutora. E Archimonde e Kil’jaeden sucumbiram, sendo que
eram infinitamente mais sábios velhos e fortes que qualquer orc.

E agora para piorar a situação, essa visão, da aliança dos orcs com os
desajeitados ogros – algo que acharia ser um sonho trazido por uma bebida
forte. Agora sabia ser verdade. Algo mudou de maneira drástica a natureza dos
orcs, e tão irrevogável, que se aliaram a seres que odiaram por gerações, ao
contrário dos draenei, que tentaram apenas serem amigáveis pelo mesmo
período.

Se houvesse ocorrido em outro lugar, a resposta seria simples. Velen reuniria


seu povo e fugiria, protegido pelos Naaru. Mas a nave havia colidido, e K’ure
estava agonizando, e não havia fuga, apenas lutar contra essa Horda, rezando
para sobreviverem de algum jeito.

Ah, K’ure, velho amigo. Como sinto falta da sua sabedoria agora, e quão
doloroso é saber que jaz junto ao inimigo, que não faz ideia da sua existência.

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Segurou junto ao peito a pedra que era conhecida como Canto do Espírito e
sentiu uma fraca centelha do Naaru moribundo. Velen fechou os olhos e baixou
a cabeça.

Gul’dan olhou a sala com grande satisfação. Tudo estava indo como planejado.
O Concílio das Sombras se reunia há algum tempo e sentia-se confiante. Havia
escolhido bem. Estavam preparados – nem, ávidos – para trair seu povo e
buscar suas aspirações pelo poder. Já realizaram tantas coisas, agindo através
de seus fantoches que pensavam fazer parte do Concílio. Foi fácil eleger um
Chefe Guerreiro, e contanto que o Concílio sorrisse e concordassem com ele nas
poucas vezes que era chamado para uma reunião, ele não fazia perguntas. Mas
Blackhand sempre ia embora antes das verdadeiras reuniões acontecerem,
enviado para uma missão especial que enchia seu peito de orgulho.

”disse Gul’dan ao sentar-se na cadeira da cabeceira da mesa. Ner’zhul como


sempre, ocultava-se no canto, nunca convidado a juntar-se aos outros, mas
autorizado a escutar as conversas. Essa foi a instrução de Kil’jaeden, e apesar de
não entender o motivo, não contestou, pois queria ficar de bom grado com seu
mestre.

Ao que todos deram suas saudações, Gul’dan começou a trabalhar. “Como os


clãs estão reagindo à ideia de ter os ogros como aliados? Kargath comece, por
favor.”

O chefe do clã Shattered Hand sorriu e grunhiu. “Estão preparados para o


derramamento de sangue, e não se importam com quem os ajudará a cortar
algumas gargantas draenei.”

A caverna foi preenchida pelas gargalhadas roucas dos membros do Concílio ao


concordarem. A luz fraca vinda das tochas fazia os olhos brilharem num tom
alaranjado. No entanto, uns poucos não acompanharam a alegria.

“Ouvi alguns protestos vindo do clã Whiteclaw.” relatou um. “E Durotan do clã
Frostwolf ainda precisa ser vigiado, pois tudo o que fez foi liderar o ataque a
Telmor.”

Gul’dan o silenciou com um gesto. “Não tema. Tenho pensado em algo especial
para ele há algum tempo.”

“Por que não foi eliminado?” rosnou com raiva Kargath. “Seria mais fácil
colocar outro que se adequasse aos nossos planos. Durotan está se tornando
conhecido por discordar das ideias de Blackhand – e por consequência, suas.”

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“E é exatamente por isso que o quero vivo.” concluiu, observando aqueles que
entenderam sem precisar das explicações. Foram poucos, sendo que a maioria
parecia intrigada e furiosa.

“Porque ele é conhecido por ter uma postura moderada,” continuou, pesaroso
por ter que soletrar para cada um no Concílio, “quando ele finalmente
concordar, todos aqueles que têm dúvidas virão com ele. Ele representa aqueles
que não tem coragem de falar por si próprios. Se Durotan concordar, pela sua
lógica, então deve ser o certo. Como Kargath mencionou, o clã Frostwolf não é o
único que parece ainda ter alguma reserva.”

“Mas...e se ele não concordar? E se tiver algum limite do qual não queira
ultrapassar?”

Gul’dan sorriu friamente. “Então iremos lidar com ele de um jeito que aumente
nosso poder sem colocarmos em risco. Como sempre fazemos.” disse,
decidindo ser melhor mudar o assunto. Inclinou-se, colocando as mãos na
mesa. “Falando em pessoas com reservas. Fiquei sabendo que ainda há aqueles
que tentam contatar os elementos e os ancestrais. ”

Um dos membros pareceu desconfortável. "Tentei persuadi-los, mas não vejo


como posso dar uma punição. Afinal de contas foi a crença de que os ancestrais
queriam que atacássemos os draenei que fez tudo isso possível.”

Suas palavras soaram insolentes. Gul’dan sorriu de maneira reconfortante.


“Certamente. Essa foi a isca que os prendeu tão eficientemente.” Olhou então
para Ner’zhul. O velho xamã retornou o olhar e baixou logo a cabeça. A isca
também fisgou Ner’zhul – isca que não teve o mesmo apelo para Gul’dan.

“Mas não é necessário.” continuou. “Devemos assegurar que os velhos tempos


não voltem. Tivemos sorte em nossa jornada, e com o sucesso dos ogros, ela
deve continuar. Mas se tivermos algum revés nas batalhas, então aqueles que
ainda se afeiçoam ao xamanismo podem encontrar outros iguais. Isso não fará
bem nenhum.” Apertou o queixo, pensativo. “Encorajar as práticas bruxas não
será o bastante. Temos de desencorajar o xamanismo. Seria desastroso se os
ancestrais por alguma razão se comunicassem com seus descendentes. ”

Olhou de novo Ner’zhul. Foi apenas quando o antigo mestre dos orcs viajou
para a montanha sagrada que conseguiu falar com os ancestrais e então
descobriu a verdade. Até então, mesmo sendo o poderoso xamã que era, havia
sido iludido. A resposta, no entanto, parecia simples.

Fundo, no sonho desencarnado, flutuavam os seres que eram feitos de luz.

151
Tinham memórias do que havia sido e relances do que estava por vir. Residiam
aqui por muito tempo, alimentados pelo Outro, que era como eles, mas não
parecidos com eles, e aqueles que sentiam estavam perto da passagem. Até
então, eles jaziam num estado de 'ser' 'não-ser' de paz e tranquilidade. Mas
agora, corrupção e ódio havia chegado. Eles não podiam mais alcançar os
amados vivos, e esses não os procuravam como antes, nem para reabastecer a
poça sagrada e involuntariamente manter o Outro vivo. Apenas o Grande
Ludibriado veio, chorando e implorando, mas muito perdido em seu engano
para ser ajudado.

Repentinamente seu sono profundo foi interrompido. Um tremor passou por


eles. Dor os afligiu e pediram ajuda para o Outro, que não podia ajudá-los, e
não podia ajudar a si mesmo. Os seres obscuros e profanos, que antes eram
belos, estavam chegando. Os ancestrais sentiam sua aproximação.
Irremediavelmente eles surgiam, unindo suas forças, criando um anel de
escuridão e fragmentação em volta da base da montanha. Escuridão tangível
dançava das coisas que seguiam Sargeras, atraídos pela promessa de poder,
alimentados agora pela promessa da total destruição. Os ancestrais sentiram
cólera fervente e concentrada fundir numa manifestação de energia verde
escura, açoitando como tentáculos, que buscavam se unir. Sua luta aumentou
até que uma corrente de poder sombrio sufocou a montanha, selando-a,
prevenindo qualquer orc perdido a entrar e qualquer alma agitada a sair.

E agora, também o Outro, gritou de pesar quando o círculo foi fechado. Sem a
água que os xamãs traziam, não podia mais nem tentar curar a si. E sem o
Outro, também não haveria ancestrais.

Longe, sonhando, os poucos orcs que secretamente ainda se achavam xamãs,


tremeram e choraram, seus sonhos corrompidos em pesadelos de tormentos
intermináveis e destruição fatal.

152
Capitulo 18

Faço parte do segundo grupo de xamãs, assim como sou líder da segunda, e
rezo melhor e mais sábia, encarnação da Horda. Comuniquei-me com os
elementos e espíritos, e os senti trabalhando comigo em harmonia muitas vezes
e recusando sua ajuda tantas outras.

Mas eu nunca vi os espíritos dos ancestrais, nem em sonhos; minha alma anseia
por essa ligação. Até muito recentemente, aqueles que andam pelo caminho dos
xamãs não sonhavam poder fazê-lo, e mesmo assim foi possível.

Quem sabe um dia, as barreiras entre nós e os amados finados, também seja
derrubada.

Quem sabe.

Mas eu me pergunto se realmente sabem o quanto nos distanciamos dos seus


ensinamentos, se viram o que foi feito em Draenor, com Draenor...talvez mesmo
agora, eles virariam as costas nos deixando a mercê do destino. E posso dizer
que não os culparia se assim fizessem.

“Não entendo,” disse Ghun. Era o bruxo mais novo do clã e ainda assim
idealista, pensou com amargura Durotan. Viu o jovem torcer o nariz para as
criaturas que era obrigado a usar na batalha contra os draenei e seu rosto
repleto de remorso ao ver o inimigo se contorcer de dor. Durotan tomou
conhecimento do bruxo através de Drek’Thar depois do documento emitido por
Gul’dan. “Qual o problema em desejar que os elementos cooperem conosco de
novo? E por que não posso ir a Oshu’gun?”

O chefe não tinha respostas; a ordem que nenhum orc deveria praticar o
xamanismo ou sofreria punições severas – exílio ou morte por violações
recorrentes – parecia não ter motivo. Era verdade que os elementos
abandonaram aqueles que seguiam por esse caminho, mas e os ancestrais? Por
que diabos Gul’dan proibiria os orcs de irem ao seu local mais sagrado nessa
hora de necessidade e apuro?

E por não ter respostas para o jovem que as merecia, Durotan ficou furioso. Seu
tom de voz era rouco e áspero.

“Nosso Chefe Guerreiro fez alguns aliados para poder vencer os draenei. Esses
aliados nos deram os poderes bruxos que agora controlamos. Sei que está feliz
com os resultados, não minta para mim.”

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Os dedos longos de Ghun estavam cavando a terra seca e removeram uma
pedra. Jogava-a para cima com a palma da mão. Durotan franziu a testa ao
olhar a pele do bruxo. A aridez e as duras condições sob as quais estavam
trabalhando há quase dois anos estavam os afetando. Normalmente os orcs
tinham uma pele castanha e suave, estendida sobre músculos tonificados, mas
agora estava ressecada e descascando. Distraído, Ghun coçou onde havia pele
áspera. Durotan olhou a nova pele embaixo.

Tinha uma coloração esverdeada.

Por um instante, foi tomado por um pânico irracional. Acalmou-se e olhou de


novo. Não era um engano – a pele estava esverdeada. Não fazia ideia do que
significava, mas era recente e estranho, e por instinto não gostou disso. Ghun
não pareceu notar. Arremessou a pedra e viu desaparecer no horizonte.

Se o bruxo fosse mais velho, perceberia o aviso no tom de voz usado pelo seu
chefe, mas era jovem e estava envolto em suas próprias preocupações e não deu
atenção a advertência.

“Os feitiços...as criaturas que me obedecem...estou satisfeito com a eficiência,


mas não com a maneira. Parece...parece errado, meu chefe. Matar é matar, e os
elementos me davam poderes que aniquilavam os inimigos. Mas nunca me
senti assim quando me davam esse poder. Estamos nessa guerra porque os
ancestrais nos disseram que precisávamos matar os draenei.” continuou. “E por
que agora Gul’dan nos proíbe de falar com eles?”

E algo em Durotan estalou. Deu um grito furioso e colocou o jovem de pé.


Puxou Ghun pelo tecido de sua camisa ficando a poucos centímetros do rosto
perplexo do bruxo.

“Não interessa!” gritou. “Farei o que for melhor para meu clã, e isso significa
seguir as ordens de Gul’dan e Blackhand. Obedeça a essa nova ordem!”

Ghun o encarava. A fúria foi embora tão rápido quanto chegou, deixando dor
em seu rastro. Durotan acrescentou com um tom ríspido, sussurrando apenas
para que o jovem bruxo escutasse. “Não serei capaz de protegê-lo, se não
obedecer.”

Ghun olhou em seus olhos, e um brilho laranja e estranho apareceu por um


breve instante, então olhou para baixo e suspirou.

“Compreendo, meu chefe. Não trarei desonra para o clã Frostwolf.”

154
Durotan o soltou. Ghun endireitou-se, arrumou suas vestes, fez uma reverência
e partiu. Ele também sentia algo de errado em como as coisas estavam se
desenrolando. Mas um único jovem tentando entrar em contato com os
elementos não seria o bastante.

Nem, pensou com angústia, um único chefe.

Um local sagrado seria o próximo a sucumbir ante a poderosa Horda.

Na sequência do anuncio do banimento do xamanismo, veio a ordem para


marchar para o local que os draenei chamavam de Templo de Karabor. Apesar
de ficar perto do Vale Shadowmoon, terras ancestrais do clã de Ner’zhul,
nenhum orc jamais havia visto. Era um lugar sagrado e por isso era respeitado
pelos orcs. Pelo menos foi respeitado até agora, com Blackhand ante seu
exército vociferando contra a tão chamada “espiritualidade” dos draenei.

“As cidades que tomamos até agora foram apenas um treino.” declarou
Blackhand. “Logo, sua capital será derrubada. Mas antes de destruir a cidade
mais importante, vamos destruí-los como um povo. Vamos invadir o local!
Despedaçar suas estátuas. Aniquilar tudo o que é importante para eles.
Assassinar seus líderes espirituais. Eles vão perder o ânimo e então...tomar a
cidade deles será tão fácil quanto matar um filhote de lobo.”

Durotan, que estava junto com os outros guerreiros armados, olhou para
Orgrim. E como sempre, seu velho amigo estava ao lado de Blackhand e estava
ficando mestre em manter-se impassível, mas não conseguia esconder suas
emoções de Durotan. Sabia o que isso significava. O templo era o lar de Velen.
Quando ele e Orgrim estavam em Telmor, o Profeta estava apenas visitando a
cidade; seu lugar era no templo, onde rezava e meditava, servindo como guia
de seu povo. Se estivesse lá, provavelmente seria morto. Já havia sido difícil
matar Restalaan. Havia rezado para que não acabasse matando Velen
também...se é que havia alguém para quem rezar.

Seis horas depois, parado no topo das escadarias do grande trono do templo
dos draenei, Durotan quase engasgou com os odores que atacaram suas
narinas. O agora conhecido cheiro de sangue draenei. O fedor de urina e fezes e
o odor denso do medo. E o doce e enjoativo aroma do incenso. Sangue cobria a
sola das botas ao que pisavam em juncos espalhados, que liberavam uma
fragrância limpa, deixando todos os outros aromas piores.

Durotan curvou-se e vomitou, deixando um gosto azedo na boca. Só parou


quando seu estômago estava completamente vazio, e então lavou a boca com
água e cuspiu.

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Escutou alguém rindo e congelou. Virou para ver os dois filhos de Blackhand
rindo.

“É isso aí,” disse Rend, ainda rindo. “É tudo o que eles merecem, nosso vômito
e cuspe.”

“É. Nosso vômito e cuspe.” repetiu Maim.

Maim chutou e cuspiu no corpo de um sacerdote vestido em roupas lilases.


Durotan afastou-se com nojo e horror, mas não havia trégua. Para onde olhasse,
testemunhava orcs fazendo o mesmo com os corpos: violando, saqueando-os,
colocando suas túnicas ensanguentadas e desfilando ironicamente. Estavam
enchendo sacos com lindas tigelas, pratos e castiçais enquanto pisavam em
frutas frescas que haviam sido deixadas como oferenda a deidades que os orcs
não entendiam e nem faziam questão de entender. Blackhand, com outra vitória
para si, havia achado uma bebida alcoólica e estava dando goladas tão rápido
que o líquido entornava e caia na armadura.

É isso que nos tornamos? Assassinos de sacerdotes desarmados, saqueadores


do que lhes é sagrado, violadores de seus corpos? Mãe Kashur...de uma certa
maneira, fico feliz com a proibição...não gostaria que testemunhasse isso.

“Eles tomaram o templo,” disse Kil’jaeden. “mas não acharam o meu prêmio.”

A voz de Kil’jaeden nunca esteve tão doce, mas sua cauda balançava
repetidamente. O estômago de Gul’dan revirou-se de medo.

“Velen o Traidor deve ter previsto,” responder o bruxo. “Não é a toa que é
chamado de ‘profeta’”.

Kil’jaeden virou a cabeça e Gul’dan se esforçou para não recuar. Depois,


concordou.

“Você está certo.” disse finalmente. “Se fosse um inimigo fácil e burro, já o teria
achado antes.”

O bruxo conseguiu voltar a respirar. Uma parte dele ansiava perguntar o que
Velen havia feito para aquele que era da sua mesma espécie, Gul’dan já tinha
essa certeza, para merecer um ódio tão direcionado. Mas Gul’dan era sábio o
bastante para ficar quieto. Ele podia ficar com a curiosidade insatisfeita nesse
ponto.

“Com o templo em nossas mãos, Grandioso, os que sobraram, fugiram para a

156
cidade. Vão achar que estão a salvo, quando na verdade estarão sem saída.”

Kil’jaeden estalou os dedos e sorriu. “Sim.” disse. “O templo deve ser dos orcs.
Blackhand está bem confortável abrigado na Cidadela. Mas antes de você
mandar seus cachorrinhos atacarem a fortaleza dos draenei, eu tenho
um...presentinho para eles.”

Ner’zhul esperou que Gul’dan terminasse. Ele viu com olhos semi-abertos o
bruxo escrever carta após carta, manchando seus dedos de tinta e comendo
frutas e carne com esses mesmos dedos sujos. Então eram cartas importantes;
geralmente Gul’dan pediria a um escriba bajulador para enviar as mensagens.

O templo havia sido...purgado, essa foi a palavra usada por Gul’dan. Os


sacerdotes que haviam ficado para brava e estupidamente enfrentar a onda de
orcs haviam sido mortos com rapidez e eficiência. Soube que os corpos foram
violados, e achou compaixão em si para se sentir enojado. Mas os corpos não
existiam mais, assim como os itens sagrados. A maior parte do templo foi
fechada; O Concílio e seus servos não precisavam de tanto espaço. Algumas
mobílias foram utilizadas, outras foram destruídas ou substituídas por
decorações sombrias e pontiagudas que já estavam começando a ficar associada
à Horda. O local foi renomeado para Templo Negro e agora abrigava
mentirosos e traidores, ao invés de sacerdotes e profetas. E, pensou com
tristeza, ele fazia parte do primeiro grupo.

Finalmente, Gul’dan terminou. Limpou o pó de tinta das mãos para evitar


manchas e sentou-se. Olhou para seu antigo mestre com uma repulsa velada.

“Enderece e leve até os mensageiros. E faça isso rápido.”

Ner’zhul inclinou a cabeça. Ainda não conseguia fazer uma reverência para seu
antigo aprendiz, e Gul’dan não o pressionava, pois sabia quão destruído estava.
Sentou-se na cadeira que o bruxo havia usado e assim que seu andar pesado
não pôde ser mais escutado, começou a ler as mensagens.

Gul’dan sabia que leria, e não havia nada que já não sabia. Era convidado para
todas as reuniões no Templo Negro, mas era obrigado a ficar no chão frio e não
na grande mesa de pedra, onde os influentes sentavam. Não sabia o porquê,
apenas que Kil’jaeden o queria lá. Caso contrário, Gul’dan já teria se livrado
dele.

Ficou perturbado ao ler as palavras. Sentiu-se totalmente impotente, como uma


mosca presa a seiva que escorria da árvore olemba. Aliás, costumava escorrer.
As árvores haviam sido cortadas para aproveitar a madeira, ou estavam

157
morrendo. Afastou o pensamento e começou a enrolar as mensagens. Seus
olhos pousaram no pedaço de pergaminho não utilizado e na pena com tinta.

Seria tão audacioso, que só de pensar seu coração parou por um instante.

Olhou em volta rapidamente. Estava sozinho, e não havia motivo para que
Gul’dan voltasse. Gul’dan, Kil’jaeden, o Concílio – achavam que estava
destruído, tão inofensivo quanto um lobo velho e banguela que aquecia os
ossos junto à fogueira esperando o sono da morte. E talvez estivessem certos.

Talvez.

Ner’zhul já havia aceitado que seu poder havia sido tirado. Seu poder, não sua
vontade, pois sem isso não teria conseguido resistir a Kil’jaeden. Não podia agir
diretamente, mas poderia entrar em contato com quem poderia.

Segurando o pedaço de pergaminho, seus dedos tremiam. Teve que se acalmar


para poder escrever algo legível. Finalmente, escreveu uma breve mensagem,
guardou a tinta e enrolou a mensagem.

O lobo era banguela. Mas o lobo não havia esquecido como lutar.

Mais ordens para marchar. Durotan já estava cansado. Não havia mais trégua,
apenas batalha, consertar armadura, comer carne dura e fibrosa, dormir no chão
e outra batalha. Os tempos de tocar tambores, fazer rituais e banquetear-se
acabaram. O triângulo perfeito que era a Montanha dos Espíritos foi substituído
por um pico negro que às vezes emitia uma fumaça preta. Alguns diziam que
uma criatura morava dentro da montanha e que um dia acordaria. Durotan não
sabia no que acreditar.

Quando o mensageiro se aproximou, Durotan abriu a mensagem e leu com


olhos desinteressados. Arregalou os olhos ao ler e quando havia terminado seu
corpo estava tremendo e suando. Olhou para frente e pensou se alguém poderia
ter imaginado o conteúdo da carta só pela expressão que havia feito. Orcs
passavam por ele com pó grudado em suas peles grossas e armaduras
maltratadas. Ninguém sequer o olhou com interesse.

Correu para encontrar Draka, a única pessoa no mundo com a qual poderia
dividir essa informação. A reação dela foi a mesma ao ler.

“Quem mais sabe disso?” disse calmamente, deixando sua expressão firme.

“Só você.” respondeu.

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“Vai contar para Orgrim?”

Durotan balançou a cabeça. “Não me atrevo. Ele está jurado a contar tudo para
Blackhand.”

“E acha que Blackhand sabe?”

Durotan encolheu os ombros. “Não faço ideia de nada. Apenas sei que devo
proteger meu povo. E farei isso.”

Draka o olhou fixamente. “Se o clã não fizer o que está escrito...iremos atrair
atenção. Poderá ser punido. Quem sabe exilado ou morto.”

Durotan furou a carta com o dedo. “Qualquer coisa é melhor do que irá
acontecer se obedecermos. Não. Jurei proteger meu clã. Não os entregarei
por...”

Percebeu tarde demais que sua voz estava alterada e alguns orcs prestavam
atenção. ”Não os entregarei por isso.”

Os olhos de Draka encheram-se de lagrimas e agarrou seu braço tão forte que
suas unhas furaram a carne. “E é por isso.” disse destemidamente. “que eu me
tornei sua companheira. Estou tão orgulhosa de você.”

159
Capitulo 19

Tenho orgulho da minha herança. Tenho orgulho de ter tido Durotan e Draka
como pais. E de Orgrim Doomhammer ter me chamado de amigo e me confiado
a liderança do povo que amava.

Orgulhoso da coragem dos meus pais...e ao mesmo tempo, gostaria que


pudessem ter feito mais. Mas não passei pelo o que passaram. É fácil agora,
numa posição segura e confortável da minha vida, décadas após o ocorrido e
dizer “Deveria ter feito isso.” ou “Deveria ter dito aquilo.”

Julgo apenas alguns indivíduos que sabiam bem o que estavam fazendo, que
estavam trocando a vida e o destino de seu povo por uma recompensa
momentânea. E o fizeram de bom grado.

Quanto aos outros...posso apenas balançar a cabeça e agradecer por não ter sido
forçado a fazer as escolhas que fizeram.

Gul’dan estava tão ansioso que mal conseguia se conter. Estava esperando por
esse momento desde a primeira vez que Kil’jaeden mencionou. Tentou apressar
seu mestre, mas este apenas sorriu e pediu paciência.

“Ainda não estão prontos. Aprenda a esperar, Gul’dan. Um golpe dado cedo ou
tarde demais não mata, apenas machuca.”

Gul’dan achou estranha a metáfora, mas entendeu o que seu mestre quis dizer.
Mas finalmente os orcs estavam prontos para a última etapa.

Havia um pátio central no Templo Negro que era descoberto. Quando pertencia
aos draenei, essa área tinha um jardim exuberante, com uma piscina no meio.
Nas últimas semanas os orcs beberam a água doce e pura, não se importando
em reabastecê-la e agora deixando um espaço vazio com pedras e ladrilhos. As
árvores e flores que rodeavam a piscina haviam murchado e morrido com uma
velocidade espantosa. Ner’zhul e Gul’dan esperavam ao lado da piscina vazia a
pedido de Kil’jaeden. Nenhum deles fazia ideia do que esperar.

Ficaram em total silêncio por várias horas e Gul’dan se perguntou se havia


desagradado seu mestre. Esse pensamento o fez começar a suar frio e olhou
nervosamente para Ner’zhul. Ficou mais animado ao imaginar que talvez hoje o
xamã rebelde fosse morto.

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Perdeu-se em devaneios, fantasiando vários tormentos que poderiam ser
aplicados a Ner’zhul quando um súbito estalo de um trovão os fez arfar.
Gul’dan olhou para o céu; onde antes abrigava inúmeras estrelas agora havia
apenas escuridão. Engoliu seco, olhando fixo as trevas.

De repente a escuridão começou a agitar-se. Parecia uma nuvem negra


pulsando, e então começou a formar um redemoinho que aumentava a
velocidade a cada momento. O vento primeiro levantou levemente os cabelos e
vestimentas de Gul’dan, mas depois ficou tão forte que o sentia esfregando sua
pele. A terra tremeu e do canto do olho pôde ver Ner’zhul falando alguma
coisa, mas não conseguia ouvir nada. O barulho da ventania estava alto e a terra
sacudia mais intensamente sob seus pés.

O céu se abriu.

E algo brilhante e ardente despencou na terra em frente à Gul’dan e Ner’zhul.


Atingiu o chão com tanta força que o bruxo foi jogado para trás. Por um longo e
aterrorizante minuto, não conseguiu respirar; ficou apenas se debatendo no
chão como um peixe até seus pulmões voltarem a funcionar e finalmente inalar
uma grande quantidade de ar.

Ficou de pé, seu corpo tremia sem controle e perdeu o ar de novo quando viu a
coisa.

Era muito maior do que ele. Quando mexia suas quatro patas, pedaços de terra
voavam e batia as asas, irritado. O cabelo parecia uma juba que fluía em cachos
verdes sobre seu pescoço e torso. Os olhos verdes brilhavam como estrelas e ao
abrir a boca suas presas podiam ser vistas na luz fraca. Parecia ter uma fileira de
dentes afiados e Gul’dan quis cair de joelhos e chorar de medo ao ver a parte
inferior do ser. Este, cerrou os punhos, baixou a cabeça e olhou para os orcs
amedrontados.

O que é aquela coisa? gritou Gul’dan, em silêncio.

E Kil’jaeden apareceu de repente, olhando e sorrindo para o bruxo.

“Contemplem meu tenente, Mannoroth. Tem me servido bem, e assim


continuará. Em outros mundos é conhecido como o Destruidor, mas aqui ele é o
salvador. Gul’dan,” ronronou KIl’jaeden , fazendo-o sentir-se débil e fraco de
novo. “Você sabe o que estou oferecendo para seu povo.”

Gul’dan engoliu e não se atreveu a olhar para Ner’zhul, mesmo sabendo que o
antigo mestre o observava pelas costas.

161
Sabia o que ele estava oferecendo. Poder além do imaginável...e escravidão
eterna. Kil’jaeden ofereceu o primeiro a Ner’zhul pelo segundo, mas o covarde
recusou. Não quis condenar o seu povo.

Gul’dan não tinha esse tipo de escrúpulo. Só pensava na recompensa que havia
sido prometida.

“Sei sim, Grandioso.” disse surpreso com a firmeza da sua voz. “Sei e aceito a
oferta generosa.”

Kil’jaeden sorriu. “Ótimo. É mais sábio que seu antecessor.”

Confiante e alegre virou-se para encarar seu antigo mestre. O xamã olhava-o
implorando. Não se atrevia a falar, mas não era necessário, mesmo a luz fraca
das estrelas, sua expressão dizia tudo.

Os lábios de Gul’dan curvaram em suas presas e virou-se para encarar


Mannoroth, pois a sede por poder fez seu medo diminuir. Fitou a criatura
sabendo que, como ele, era tida em alta estima para com o ser que ambos
serviam. Eram irmãos de armas.

“Apenas uma lâmina especial pode fazer o que lhe peço, Gul’dan.” retumbou
Kil’jaeden. Estendeu as mãos e a adaga era pequena em comparação com a
palma gigante na qual repousava. Quando Gul’dan a pegou percebeu que era
grande.

“Foi forjada na lava da montanha que lá jaz,” continuou, apontando para a


montanha fumegante. “Meus servos trabalharam duro para criá-la. Você sabe o
que fazer Mannoroth.”

A criatura concordou balançando a cabeça. Usando a cauda para equilibrar-se,


ficou sob as patas traseiras e esticou o braço. Virou a palma para cima,
mostrando a parte mais macia do pulso.

Gul’dan hesitou por um momento. E se fosse algum truque ou teste? E se


Kil’jaeden não queria que fizesse isso? E se falhasse?

Será que Ner’zhul estava certo?

“Gul’dan, Mannoroth é conhecido por muitas qualidades. Paciência não é uma


delas.” disse Kil’jaeden.

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A criatura rosnou de leve e seus olhos verdes brilharam. “Estou ansioso para
ver o que acontecerá. A todo o seu povo...Faça!”

Gul’dan engoliu seco, levantou a lâmina, mirou sua ponta cintilante na carne
exposta de Mannoroth e fincou a adaga o mais forte que conseguiu. Mannoroth
urrou de dor e golpeou Gul’dan, jogando-o longe. Levantou a cabeça um pouco
zonzo tentando enxergar algo.

Fogo líquido jorrou da ferida, brilhando um amarelo esverdeado doentio ao ser


derramado na piscina dos sacerdotes. A lesão era minúscula em comparação
com o tamanho do corpo de Mannoroth, mas o sangue fluía gradualmente
como uma cascata. Percebeu então que o fraco Ner’zhul chorava. Mas não
conseguia tirar os olhos do sangue impuro, vertendo sem parar da criatura que
ainda bradava de dor. Levantou e andou até a borda da piscina, tomando
cuidado para não tocar no fluido que era expelido pela ferida que ele mesmo
havia feito.

“Eis o sangue do Destruidor,” regozijou-se Kil’jaeden. “Consome tudo que não


lhe serve. Expurga toda a hesitação, confusão ou incerteza. Cria um apetite que
pode ser direcionado conforme desejar. Seu pequeno fantoche acha que lidera a
Horda, mas engana-se. O Concílio das Sombras acha que lidera a Horda,
também se enganam.”

Gul’dan tirou os olhos do líquido verde brilhante para olhar seu mestre.

“Gul’dan...em breve você será o líder da Horda. Estão prontos. Estão sedentos
pelo o que dará a eles.”

O bruxo voltou à atenção para o líquido.

“Invoque-os. Sacie essa sede...e estimule seu apetite.”

A trompa que acordava e convocava a Horda para o pátio já estava se tornando


familiar. Durotan não havia dormido; já não dormia há algum tempo. Draka e
ele levantaram e se trocaram em silêncio.

De repente, escutou-a suspirar depressa. Virou-se e viu que encarava-o com os


olhos arregalados.

“O que houve?” perguntou.

“Sua pele.” respondeu silenciosamente. Olhou para seu peito descoberto. A


pele estava seca e descascando e ao coçar, a pele embaixo parecia...verde.

163
Lembrou-se de ter visto o mesmo no jovem Ghun há pouco tempo.

“É apenas a luz,” disse tentando convencer a si mesmo. Não seria fácil acalmá-
la. Levantou seu braço e coçou e a pele também estava verde. Voltou seus olhos
para o companheiro. Não era um truque da luz, ambos viram.

“O que está acontecendo conosco?” Draka perguntou.

Durotan não tinha uma resposta. Continuaram a se vestir em silêncio e ao sair,


seus olhos percorreram seu braço, e o estranho tom esverdeado escondido
embaixo da armadura de metal.

O anúncio da reunião havia sido dado na tarde anterior durante um


treinamento com orcs mais jovens. Durotan não se acostumou a ver crianças,
que alguns meses atrás mal podiam andar, agora manejavam espadas e
machados com extrema habilidade. Pareciam alegres com a nova condição, até
mesmo satisfeitos, mas Durotan lutava contra a vontade de balançar a cabeça
toda vez que os via.

Durotan já não conseguia nem ficar curioso sobre a próxima missão. Seria o
mesmo que antes – matança, fúria, violação de corpos. Recentemente até corpos
de orcs foram deixados onde haviam caído, as armas e armaduras tomadas para
ser usado em quem sobreviveu. Ás vezes algum amigo ou familiar abaixava em
reverência em frente ao corpo, mas estava acontecendo com cada vez menos
frequência. A época em que os corpos dos mortos honrados eram trazidos e
colocados na pira e seus espíritos enviados cerimonialmente para os ancestrais
havia acabado. Agora não havia tempo para rituais, ou piras, ou ancestrais. Não
havia tempo para os mortos. Não havia tempo para nada além de massacrar
draenei e consertar armas a armaduras para que a Horda continuasse sua
tarefa.

Olhava com indiferença para o pátio enquanto esperava as ordens. Blackhand


andou com seu lobo até os portões da Cidadela, onde podia ser visto por todos.
Ventava muito, e como não havia nada para bloquear o vento, os estandartes
dos clãs agitavam-se violentamente.

“Temos uma longa marcha a nossa frente,” gritou Blackhand. “Foram


instruídos a levar suprimentos e espero que tenham obedecido. Guerreiros,
armadura polida e armas prontas. Curandeiros levem seus medicamentos,
poções e bandagens. Mas antes de marcharmos para a guerra, marcharemos
para a glória.”

164
Levantou a mão e apontou a sombria montanha distante, que se projetava no
céu e soprava fumaça negra.

“Será nosso primeiro destino. Subiremos até a montanha...e o que acontecerá lá


será lembrado por milhares de anos. Será o tempo no qual os orcs conhecerão
poder que nunca antes provaram.”

Parou para que pudessem processar o que foi dito e ficou feliz com o murmúrio
causado.

Durotan ficou tenso. Então...seria hoje...

Conhecido por não falar mais do que era necessário, Blackhand terminou o
discurso com, “Vamos!”

A Horda avançou ansiosamente, curiosa e animada com as palavras do seu


chefe. Durotan olhou rápido para Draka, que acenou em apoio ao seu plano.
Finalmente, forçando para mover-se, ele seguiu, pego pela maré de orcs.

A meio caminho da montanha havia uma trilha íngreme e estreita que levava a
um grande platô. Para Durotan, era como se esse pedaço tivesse sido cortado
com uma espada, de tão anormal. Arrepiou só de pensar. Nos últimos dias,
nada de natural aconteceu na vida dele. Três grandes placas de pedra negra e
polida estavam parcialmente encaixadas no chão, dispostas em sequência.
Eram, ao mesmo tempo, belas e sinistras. Os orcs estavam cansados depois da
subida sob o sol forte, vestidos com armadura e carregando suprimentos e
tentou encontrar alguma lógica nisso. Não parecia racional deixar os guerreiros
exaustos pouco antes da batalha. Talvez ela fosse acontecer na manhã seguinte,
depois de descansar.

Para sua surpresa, logo após todos estarem acomodados e quietos, quem
começou a falar foi Gul’dan, e não Blackhand.

“Não faz muito tempo que éramos um povo disperso.” começou o bruxo.
“Reuníamo-nos só duas vezes ao ano apenas para cantar, dançar, tocar tambor e
caçar.”

Disse essas palavras com desdém. Durotan baixou a cabeça. Os clãs se reuniam
durante festival Kosh’harg fazia séculos. Não era algo tolo, como estava
implícito pelo tom de voz de Gul’dan, mas sagrado e poderoso. Prevenia ataque
entre os clãs, mas, pela reação dos orcs a sua volta , parecia que havia
acontecido há décadas. Eles também grunhiam em reprovação e balançavam a
cabeça, envergonhados. Inclusive aqueles que haviam sido xamãs.

165
“Olhe para nós agora! Estamos lado a lado. O clã Laughing Skull junto ao
Dragonmaw; Thunderlord junto ao Warsong. Todos sob uma liderança forte e
perspicaz de Blackhand – escolhido por vocês para unifica-los. Por Blackhand!”

Gritos de satisfação ecoavam pela plateia. Durotan e Draka ficaram em silêncio.

“Ante sua orientação sagaz, e benfeitoria dos seres que escolheram aliarem-se a
nós, estamos fortalecidos. Tornamo-nos mais gloriosos. Nos últimos dois anos,
progredimos mais em habilidade e tecnologia do que em dois séculos. A
ameaça que se aproximava dos orcs foi quebrada e precisará apenas de um
impulso final para que seja totalmente destruída. Mas antes...primeiro iremos
nos comprometer à causa e receber uma benção em retorno.”

Inclinou-se e pegou um cálice estranho. Parecia ter sido feita do chifre de algum
animal, mas Dutoran não se lembrava de um fenoceronte ter um chifre tão
grande. Era curvado e amarelo, com alguns adornos e inscrições que brilhavam
timidamente. O conteúdo do cálice, seja o que fosse, também brilhava. Assim
que Gul’dan segurou perante a si, uma luz amarela esverdeada horripilante
iluminou seu rosto, criando sombras grotescas.

“Esta é a Taça da Unificação.” reverenciou Gul’dan. “É o Cálice do


Renascimento. Ofereço-o ao líder de cada clã, e este pode oferecê-lo a qualquer
um de seu clã que queira ver abençoado pelos seres que foram tão bons
conosco. Quem virá primeiro jurar sua lealdade e receber a dádiva?”

Gul’dan virou-se em direção a Blackhand. Este sorriu e ia começar a falar


quando uma voz selvagem e familiar cortou o ar.

Não pensou Durotan. Não...ele não.

Draka apertou seu braço com força. “Vai avisá-lo?”

A garganta de Durotan travou. Não conseguia falar. Então decidiu: Não. Antes
considerava o líder magro, mas imponente, como um amigo. Mas não poderia
arriscar revelar tudo o que sabia.

Nem mesmo por Grom Hellscream.

O chefe do clã Warsong abriu caminho na multidão e ficou a frente de Gul’dan.


Blackhand ficou um pouco incomodado. Esperavam que o Chefe Guerreiro
fosse o primeiro a beber.

166
“Sempre soube aproveitar as oportunidades, estimado Grom.” sorriu Gul’dan,
entregando o cálice repleto de líquido verde. Ondas de calor e luz subiram e
fizeram da face do chefe – lapidada para inspirar medo nos inimigos e respeito
nos aliados – parecer mais terrível.

Grom não hesitou. Pegou o cálice e bebeu com intensidade. Durotan observou,
esforçando-se para ver a reação. No final das contas, talvez alguém sem boas
intenções tenha enviado a carta; quem sabe não fosse uma armadilha...

Gul’dan mal teve tempo de tirar o cálice antes de Grom começar a tremer e
endurecer. Dobrou o corpo para frente e já se podiam ouvir sussurros de
preocupação. Durotan fitava, horrorizado, o corpo do orc sacudir e arquejar.
Seus ombros, esguios para um orc, alargaram-se diante dos olhos de Durotan. A
armadura rachou com o novo corpo desenvolvido. Grom endireitou-se. Já alto,
agora estava remodelado pelo líquido verde para ficar mais forte e musculoso.
Olhou para a multidão.

O que pôde ver foi um semblante saudável, suave e, tirando a tatuagem preta
no maxilar...completamente verde.

Grom jogou a cabeça para trás e berrou. Foi o grito mais alto que Durotan havia
ouvido. Tapou os ouvidos, assim como a maioria havia feito, mas ainda olhava
a expressão de Hellscrem.

Seus olhos brilhavam vermelhos.

“Como se sente, Grom Hellscream do clã Warsong?” perguntou Gul’dan com


suavidade.

A fisionomia de euforia era tão aguçada que parecia dor, e tentava achar as
palavras. “Sinto-me...magnífico! Sinto...”. Parou de falar e gritou pela terceira
vez, como se apenas isso respondesse a pergunta. “Quero carne draenei para
rasgar e despedaçar! Sangue draenei no meu rosto...beberei até não aguentar
mais!

Quero seu sangue!”

Seu peito arfava de paixão pelas emoções e estava com os punhos cerrados.
Parecia estar preparado para atacar uma cidade inteira com as mãos vazias...e
Durotan achou que ele seria vencedor dessa batalha. Voltou-se para seu clã.

“Vozes do Warsong! Adiante! Não negarei esse êxtase a nenhum de vocês!”

167
Os guerreiros apressaram-se, sedentos para sentir o que seu chefe estava
sentindo. A taça foi passada a todos e cada um bebeu. Tremeram de dor aguda
por um momento; e passavam para o deleite total e aumento da força física. E
os olhos de todos aqueles que beberam, tornaram-se vermelho flamejante.

A testa de Blackhand estava ficando franzida. Quando o último orc Warsong


bebeu da taça, ele grunhiu. “Eu beberei agora!” exigiu, agarrando-a e tomando
um grande gole. Apertou a garganta, mas permaneceu quieto enquanto a magia
negra fazia seu trabalho. Removeu a armadura e seus músculos cresceram sob a
pele esverdeada. Os olhos vermelhos brilharam quando abriu os olhos.
Gesticulou para seus filhos, Rend e Maim, que atropelaram os orcs a sua frente
para atender ao chamado de seu pai. Durotan viu que Griselda, filha de
Blackhand, hesitou, até que tomou coragem e avançou para tomar o líquido.
Blackhand desdenhou.

“Você não,” rosnou. A jovem recuou, assustada. Durotan, que sempre gostou
da garota, suspirou aliviado. Apesar de a intenção ter sido humilhá-la,
involuntariamente, deu a ela um precioso presente. Virou-se para Orgrim.

“Venha, meu amigo! Beba comigo!”

Durotan não conseguiu falar, mesmo vendo seu melhor e mais antigo amigo ser
chamado. Felizmente, não foi preciso. Orgrim inclinou a cabeça.

“Não tirarei sua glória, meu chefe. Sou segundo em comando, e não chefe. Não
tenho pretensões para tomar seu lugar.”

Durotan curvou aliviado. Orgrim sentiu algo errado, mesmo não tendo sido
avisado como Durotan foi. Não era tolo. Não iria vender sua alma para ter esse
tipo de poder que atormenta o corpo e faz os olhos arderem com um brilho
sinistro.

Agora os outros líderes enfileiravam-se, ansiosos pela benção que foi concedida
aos dois chefes mais respeitados por todos. Durotan não se mexeu. Drek’Thar
sussurrou, “Meu chefe, não deseja receber essa benção?”

“Não. E não permitirei que ninguém do meu clã beba desse líquido.”

Drek’Thar piscou, chocado. “Mas...Durotan, obviamente essa bebida concede


grande poder e ardor! Seria um tolo se não bebesse!”

Durotan balançou a cabeça, relembrando do conteúdo da carta. Teve suas


dúvidas no começo, mas agora tinha certeza. “Seria um tolo se bebesse.” disse

168
em voz baixa, e quando o ex-xamã fez menção de protestar, foi silenciado com
um olhar de seu chefe.

Inesperadamente, as palavras do profeta Velen vieram a sua mente: Não vender


nosso povo a escravidão foi uma escolha, e por isso fomos exilados. Durotan
sabia que os orcs que beberam desse cálice, já não eram donos de si mesmos,
Gul’dan fez o mesmo que os líderes dos draenei haviam feito. Vendido seu
povo, transformando-os em escravos. A história estava se repetindo; agora era
Durotan que desafiava seus líderes pelo bem de seu povo. Talvez ele e seu clã,
como os draenei, seriam em breve “os exilados”. Não importava. Estava
fazendo o certo. Percebeu que todos os líderes de clã, exceto ele, haviam bebido
e o momento que tanto temia havia chegado.

Gul’dan acenou para ele. “O poderoso Durotan! O herói de Telmor!” Durotan


esforçou para permanecer firme. “Junte-se aos outros chefes. Beba sua parte no
cálice.”

“Não Gul’dan, não irei.”

Conseguiu ver, iluminado pelas tochas, um músculo no canto do olho do bruxo


tremer.

“Recusa-se? Acha ser melhor do que os outros? Não acha necessária essa
benção?”

Os outros chefes estavam com as testas franzidas, ofegantes e com suor


escorrendo pelas sobrancelhas.

Durotan não mordeu a isca. “É minha decisão.”

“Talvez os membros do seu clã pensem diferente.” disse, expandindo os braços,


incluindo todos do clã Frostwolf. “Deixará que eles bebam?”

“Não. Sou o chefe do clã Frostwolf e essa é minha escolha.”

Gul’dan desceu do tablado e correu para junto de Durotan e sussurrou. “O que


você sabe e como descobriu?”

Apesar de ser um ato intimidador, Durotan encheu-se de esperança. O bruxo


sentiu-se ameaçado. Porém, ao invés de enviar um assassino despachar alguém
que o incomodava, estava tentando ameaça-lo e submetê-lo. Havia acabado de
confirmar as informações contidas na carta e revelado que não fazia ideia do
autor. Podia sobreviver a esse episódio e ainda proteger seu clã.

169
“Sei o suficiente. E nunca saberá como descobri.” sussurrou em resposta.

Gul’dan afastou-se e forçou um sorriso. “Certamente que a escolha é sua,


Durotan filho de Garad. E se prefere renegar essa benção, deve então sofrer as
consequências.”

Eram palavras em duplo sentido, mas não importava. Iria se preocupar com o
que o bruxo poderia fazer com ele outro dia.

Não esta noite.

Gul’dan voltou para onde estava e gritou para a multidão. “Todos aqueles que
desejaram a benção do poderoso Kil’jaeden, nosso bem feitor, a receberam.
Considerem esse local como solo sagrado, pois aqui os orcs tornaram-se algo
muito maior do que quando nasceram. Pensem nessa montanha como o trono
de Kil’jaeden, onde fica enquanto cuida e abençoa os orcs.”

Afastou-se e acenou para Blackhand. Com os olhos vermelhos, armadura


refletindo o brilho das tochas, Blackhand levantou as mãos e gritou, “Hoje
faremos história. Hoje, atacaremos a única fortaleza inimiga restante. Iremos
cortá-los ao meio. Iremos nos banhar em seu sangue. Iremos assaltar as ruas da
sua capital, seremos seu pior pesadelo. Sangue e trovão! Vitória para a Horda!”

Durotan estava perplexo. Esta noite? Não haviam discutido estratégias. Não
estavam falando de uma vila ou aldeia, mas da capital draenei. Era o último
refúgio dos draenei e certamente lutariam com mais garra do que nunca, como
animais encurralados. Lembrou que Blackhand mandou remover as máquinas
de guerra – mas para onde, ninguém sabia.

Loucura. Isso é loucura.

E ao ver os companheiros gritando a sua volta, pares de olhos brilhando


escarlate, e percebeu que a palavra loucura nunca foi tão verdadeira.

Aqueles que beberam do cálice corrompido enlouqueceram. Hellscream


dançava próximo à fogueira, exibindo seus braços agora musculosos, as luzes
brincando com a pele que antes era castanha e tornou-se verde. Enjoado e
zonzo, lembrou-se das criaturas que os bruxos controlavam, pois os olhos
tinham a mesma coloração; o tom de pele verde que havia acometidos os
bruxos, agora maculou a pele de Durotan e daquela que mais amava na vida.

Pensou na carta, escrita em língua arcaica, que era ensinada a poucos – os

170
xamãs e os líderes de clã.

Pedirão para que beba. Recuse-se. É o sangue de almas distorcidas, e distorcerá


a sua e de todos que a absorverem. Escravizará a todos para sempre. Por todos
que mais ama, recuse.

“Almas distorcidas” era grafada como uma única palavra na língua arcaica.

O fluido que passara pelos lábios daqueles que eram amigos e inimigos de
Durotan era sangue desse ser. E Durotan assistiu as almas distorcidas que os
orcs haviam se transformados, começarem a dançar como insanos à luz das
tochas antes de correrem montanha abaixo, dominados por uma fúria e energia
anormal, atacar a cidade mais fortificada que o mundo havia visto.

Almas distorcidas.

Dae’mons.

Demons.

Demônios.

171
Capitulo 20

Conversei com muitos que presenciaram a destruição da cidade de Shattrath.


Quando os pergunto sobre o ocorrido, as mentes ficam turvas e se lembram de
muito pouco. Até Drek'Thar, que relembra tudo com assombrosa clareza, hesita
e gagueja quando peço os detalhes. É como se o sangue ainda fresco em seus
lábios, fez aqueles que o beberam, recordar apenas a fúria que sentiram e não as
ações que realizaram. E mesmo os que não tomaram, o pequeno grupo do qual
Drek’Thar fez parte, não conseguem evocar os acontecimentos. A impressão
dada, é que uma atrocidade tão horrível como essa, quer ser esquecida.

Alguns draenei certamente sobreviveram; vi com meus próprios olhos os tristes


e patéticos seres que um dia foram gloriosos, divagando por Azeroth,
despedaçados, clamando pelo seu antigo lar. Esses infelizes são dignos de pena.

Então esse relato é vago e lamento por isso. Por mais obscuro que fosse não
deveria ser esquecido ou encoberto. Mas este é o desafio do cronista.

Os orcs desceram pela trilha, ardendo com uma necessidade feroz de


destruição. Alguns estavam transbordando com tanta cólera e ódio que
golpeavam rochas pelo caminho, outros gritavam enfurecidos. Havia aqueles
que estavam em silêncio, guardando a energia para liberá-la no momento certo.

Durante a longa corrida, Durotan teve mais medo de seus companheiros orcs
do que qualquer ogro, ou um bando de talbuques, ou até mesmo um guerreiro
draenei raivoso. Suava frio, mas não temia por si. Tinha medo do que
aconteceria depois – não com os draenei, pois seu destino certamente já estava
decidido, mas com os orcs. Não conseguia concentrar enquanto corriam para
Shattrath como a Horda.

Em um determinado momento, um estrondo terrível os derrubou. Levantaram-


se e olharam para trás.

Parecia que a montanha havia explodido. Fogo líquido jorrava no céu noturno,
subindo e então descendo e espirrando do pico. Brilhava e irradiava como o
sangue demoníaco que os orcs tinham acabado de beber, só que ao invés de
verde, sua cor era alaranjada. Mais e mais rochas derretidas eram expelidas da
montanha. Era uma cena magnífica, hipnotizante e pavorosa.

Os orcs comemoraram, pois entenderam como um sinal. Depois de festejar


brevemente na própria montanha, o Trono de Kil’jaeden, abençoando sua
empreitada, viraram-se e continuaram sua corrida a caminho da matança.

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Diminuíram a velocidade há uma milha da cidade. Uma área havia sido
desobstruída recentemente e os orcs que lá chegaram primeiro, observavam,
confusos. Foi dito que se reunissem nesse local; e onde as máquinas de guerra
deveriam estar.

E sem aviso prévio, algo se materializou a sua frente. Os orcs recuaram com um
silvo, então, em vista de tudo isso, começaram a rosnar para o ser gigantesco.
Era três vezes maior do que o maior ogro; era vermelho desde as patas fendidas
até os chifres salientes. Nunca haviam visto nada naquele tamanho, mas a
forma...Durotan encarava. Era nada mais nada menos do que um draenei
colossal e com a pele escarlate. A súbita compreensão de que os orcs foram
mergulhados em um conflito pessoal e que não era de sua conta, atingiu-o como
uma onda gigante.

“àqueles que juraram fidelidade a mim, não há nada que devam temer, apenas
celebrar.” gritou e sua voz penetrava em seus ossos. “Sou Kil’jaeden, o Belo,
que esteve com vocês desde o começo. E estarei durante a batalha mais gloriosa
já vista. Os perversos draenei conspiraram contra os orcs, escondendo uma
cidade inteira. Mas essa cidade foi destruída, junto com outras e seu templo foi
conquistado. Esta batalha é tudo o que resta para que a ameaça seja eliminada.”

“A pedra verde que um dia escondeu a cidade de Telmor agora esconde a


perdição deles.<em> Kehla men samir, solay lamaa kahl!”

E a ilusão foi dissipada. Dezenas de catapultas, aríetes e variadas armas de


cerco. Ao lado estavam os ogros, parados e quietos; seus rostos obtusos cheios
de determinação. Carregavam armas adaptadas para seu tamanho e Durotan
percebeu que havia vários preparados para lutar. As armas pareciam
brinquedos em suas mãos.

“E tem mais...” disse e acenou com a mão. Os bruxos gritaram e seguraram a


cabeça por um instante, e piscaram com um sorriso no rosto. “Novos feitiços
foram transmitidos para suas mentes. Use-os bem. Derrotem os draenei agora!”

Os orcs moveram-se em um pulo, como se tivessem aberto os portões. Alguns


se precipitaram para as armas com uma força que Durotan nunca viu antes. Os
ogros juntaram-se aos outros, pegando armamento pesado com rapidez. Alguns
orcs ainda estavam tão imersos na sede de sangue que apenas correram em
direção da cidade. Não fazia ideia o que fariam quando chegassem lá, mas
seguiu obedientemente junto com seu clã.

173
Os ogros impulsionavam as máquinas de guerra com os orcs no encalço. Mas os
muros da cidade já estavam sob ataque antes mesmo das maquinas serem
manobradas. Rochas verdes enormes e brilhantes caiam do céu e atingiam a
cidade. Torres e cidadelas que ultrapassavam o nível dos muros rachavam e
estilhaçavam, e o próprio muro começava a desmoronar em alguns pontos. Mas
não eram apenas os pedregulhos que caiam que abrangiam o ataque – mas que
aparecia uma vez que aterravam.

Movendo-se de maneira deliberada, mas com uma velocidade doentia, criaturas


que pareciam ser feitas da mesma pedra verde brilhante levantavam e
atacavam. Golpeavam o muro junto com as pedras lançadas pelas catapultas e
grandes troncos de árvores arremessadas no portão principal. Dois ogros
batiam no portão com suas clavas, fazendo a madeira estremecer. Era possível
ouvir os gritos de fúria e terror dos draenei ao lutar contra essas criaturas –
“infernais”, escutou de um bruxo. A maioria deles usava esses novos servos e
poucos estavam com a versão menor dessas criaturas.

A cidade não iria durar com tamanha investida. E com uma vasta colisão, uma
parte do muro de pedras ruiu. Uma maré de orcs enlouquecidos e ogros
barulhentos sacudiam suas armas e vertiam pela fissura criada. Durotan não
saiu do lugar, parecia estar pregado ao chão olhando orcs a lutarem, matarem e
morrerem.

A fúria e raiva que havia visto antes não eram nada comparadas com o que via
agora. Não havia estratégia, defesa, ou pedidos para recuar quando necessário.
Era apenas matança e massacre, infligindo e recebendo a morte. Caindo
estupidamente em armadilhas, atitude esperada dos ogros, que quando caiam
em batalha seus corpos jorravam sangue, Durotan não os lamentava. Mas os
orcs...importavam-se apenas com a sensação do sangue ressonando em suas
veias e os gritos de guerra que ecoavam de suas gargantas.

Dúzias...não, centenas iriam morrer essa noite. As baixas deixariam a cidade


inabitável. A nascente testemunharia corpos verdes e azuis emporcalhando as
ruas. Mas por agora, era apenas caos, carnificina e profunda insanidade.
Durotan brandiu seu machado porque era matar ou morrer, e mesmo vendo
seu povo nesse caminho sombrio, ele não desejava morrer.

Kil’jaeden e Mannoroth assistiam juntos os meteoros verdes que abrigavam os


infernais espatifarem-se no solo.

“Fervilham como insetos.” grunhiu Mannoroth.

Kil’jaeden aquiesceu, satisfeito. “Certamente. É um espetáculo e tanto. Estou

174
muito contente.”

“Qual o próximo passo?”

Virou-se surpreso para seu tenente. “Próximo? Não tem próximo, pelo menos
não aqui. Os orcs cumpriram meu propósito. Ardem com seu sangue, amigo.
Por fim irá consumi-los a não ser que arrumem uma válvula de escape, e essa
válvula só pode ser achada no massacre de todos os draenei.”

Observou a distância fogo juntar-se ao tom verde.

“Bom saber que já terminou por aqui,” disse o tenente. “Archimonde resmunga
que isso é perda de tempo e que nosso mestre precisa de nós em outro lugar.”

Kil’jaeden suspirou. “É verdade. Sargeras está faminto, e tem sido muito


paciente comigo. Arrependo-me de uma coisa – não poder assistir a morte de
Velen. Bem, já é o bastante saber que acontecerá. Vamos embora daqui.”

Gesticulou e ambos desapareceram.

“Como assim ele não está aqui?” chiou Gul’dan. Não era possível.

“Exatamente o que eu disse.” respondeu Blackhand. “Fizemos uma busca pela


cidade. Não localizamos Velen.”

“Quem sabe um soldado muito ávido achou-o e acabou por mutilá-lo.”


ponderou com nervosismo. Eram péssimas notícias. Instruiu Blackhand a achar
o corpo do profeta e trazer sua cabeça. Era para ser um presente para
Kil’jaeden.

“Possível. Muito provável.” disse o Chefe Guerreiro. “Mas pelo o que me havia
dito, mesmo se o corpo estivesse em pedaços, não seria confundido por draenei
comum.”

Gul’dan balançou a cabeça, sentindo preocupação e enjoo. Draenei tinham a


pele azulada e cabelos pretos. Velen, o profeta, era pálido e tinha cabelos
brancos. Contanto que houvesse um pedaço inteiro, daria para identificá-lo.

“Vasculhou a cidade?”

Blackhand franziu a testa. “Eu disse que sim.” respondeu sombriamente. A


respiração acelerou, seus olhos ficaram mais vermelhos e a cólera subiu pelo
corpo.

175
Gul’dan concordou. Apesar de enfeitiçados pela sede de sangue, não iriam
falhar em procurar o corpo mais cobiçado pelo seu líder. A recompensa era
muito boa e o castigo caso fosse ignorado e descoberto depois seria implacável.

Velen escapou de alguma maneira. Isso significava que havia outros draenei
vivos. Em pânico, imaginou como os deixou escapar por entre os dedos...e para
onde tinham ido nesse vasto mundo.

Velen tinha um templo inteiro, repleto de acólitos, sacerdotes e servos, que


meditavam e rezavam. Agora, estava numa sala pequena. Segurava o cristal
roxo e lágrimas silenciosas e ignoradas fluíam em seu rosto.

Assistiu a queda da cidade. Quis ficar e emprestar uma parte considerável da


sua magia, mas isso significaria a morte – não apenas a sua como a do seu povo.
Não precisavam de um líder militar. Com sangue demoníaco em seu
organismo, os orcs queimavam com desejo de matar que não seria saciado
mesmo se assassinassem até o último draenei em Draenor, mas apenas quando
a morte endurecessem seus corpos. A demoníaca Legião Ardente de Sargeras e
Kil’jaeden os possuíam agora. Os orcs tinham número, ogros, bruxos e um furor
que os levariam físico e mentalmente a lugares onde nenhuma mente sã ousaria
ir. Velen só podia deixar a cidade cair, pois nada poderia fazer para salvá-la.

Nem mesmo os orcs poderiam ser salvos. A única centelha de esperança para
uma possível redenção da Horda jazia no único clã que não bebeu o sangue e
não fez parte do pacto e, portanto ainda eram donos de suas almas e corações.
Cerca de oitenta orcs. Oitenta para irem contra dúzias de clãs; sendo que um clã
já superava esse número, e seu Chefe Guerreiro era o pior de todos. Orcs seriam
tratados pelos draenei como bestas enfurecidas, e se esbarrassem com algum no
caminho, seriam executados rápida e piedosamente, pois apesar de não
compreenderem o que faziam, deviam ser mortos mesmo assim.

Velen queria que abandonassem a cidade, deixá-la vazia para os agressores.


Salvar o máximo de vidas possível. Mas Larohir, general inteligente e ágil que
havia sucedido Restalaan depois de seu assassinato, o convenceu de que não
adiantaria.

“Se não houver draenei suficientes para matar, a sede não poderá ser saciada
nem temporariamente. Ficarão ávidos e irão farejar nosso cheiro e nos
encontrar. Aqueles que fugirem vão acabar mortos. Devem acreditar que
mataram a maioria de nós. E para acreditarem...precisa ser verdade.” disse com
compaixão e delicadeza, mas com firmeza.

176
Velen o encarava horrorizado. “Acha que mandarei meu povo consciente para
ser massacrado?”

“Apenas um grupo sabe que fugimos no Argus.” disse o tenente. “Nós


lembramos o que Kil'jaeden fez e o que aconteceu com nosso povo.
Morreríamos – morreremos – felizes se isso preservasse um punhado
incorrupto.”

Velen baixou a cabeça com o peito doendo. “Se acreditarem que mataram a
todos, menos alguns draenei banais, Kil’jaeden ficará satisfeito e partirá.”

“Os orcs irão sofrer imensamente.” disse parecendo contente. Velen não o
culpava, depois do que os orcs haviam feito contra sua raça.

“Irão, e não duvido que continuem a nos perseguir.”

“Mas o método que podem usar para achar alguns draenei será diferente do
que das centenas que sobreviverão. Pensar que estamos destruídos e dispersos
será nossa vantagem.”

Olhou o tenente, assombrado. “É fácil falar. Não será você que decidirá. Serei
eu. Escolherei e direi ‘Você e sua família virão comigo e viverão. Mas você, você
e você devem ficar para trás e deixar os demoníacos orcs parti-los em pedaços e
embeber de seu sangue.’”

Larohir nada disse. Não havia nada a dizer.

Velen conversou com cada um que havia escolhido para morrer. Abraçou e
abençoou-os; ficou com objetos que significavam algo para eles e prometeu que
estes perdurariam. Viu esses guerreiros polirem suas armaduras, sem uma
lágrima no rosto, como se houvesse a possibilidade de outro resultado senão a
perdição. E os viu marcharem, entoando canções antigas, envolvendo-se nos
muros da cidade esperando uma lança, maça ou machado para terminar com
suas vidas.

Velen não podia ficar. Tinha habilidades únicas e se os draenei quisessem


sobreviver, precisariam delas. Mas usou o cristal para assistir a batalha e a dor
que sofreu era abrasadora, mas purificante. Ninguém morreria em vão.

Os orcs não sabiam nada sobre Zangarmarsh. Não haviam detectado esse
esconderijo, e se dependesse de Velen, nunca iriam. Aqui, as melhores cabeças
draenei continuariam a planejar meios para conseguir energias e direcioná-las
para manter a salvo os sobreviventes. Reagrupariam e iriam se recuperar.

177
Curariam suas feridas e rezariam para terem finalmente ludibriado Kil’jaeden,
o Enganador e escapado de seu vislumbre.

Os orcs haviam capturado três cristais, mas Velen ainda estava com quatro;
Sorriso da Fortuna, Olho da Tormenta, Escudo de Naaru e claro, Canção do
Espírito. E apesar da ligação com os Naaru ser tênue, K’ure ainda vivia.

Mesmo derramando lágrimas que tocavam o cristal violeta, e amargando a


trágica perda de tantas vidas, Velen, profeta dos draenei, sentiu uma ponta de
esperança nascendo dentro dele.

178
Capitulo 21

À essa altura, tudo estava perdido.

Abandonamos o equilíbrio e harmonia com o nosso mundo e por isso os


elementos nos abandonaram. A entrada de Oshu’gun estava sendo vigiada por
demônios, afastando-nos dos ancestrais. Nossos corpos e almas foram
corrompidos pelo sangue que, pela ânsia por poder e força, a maioria dos orcs
beberam de bom grado. Então...quando fizemos tudo isso sob a “orientação” de
Gul’dan, Kil’jaeden nos deixou. E deu-se início a chamada Era da Extinção.

Espero que nunca volte.

“O que devo fazer?” Gul’dan não parecia acreditar nas palavras que saiam de
sua boca, mas estava tão aterrorizado que um conselho, seja qual fosse, era
melhor do que esse medo que sentia.

Ner’zhul olhou-o com desprezo. “A escolha foi sua.”

“Não haja como se não tivesse alguma culpa!” rebateu o bruxo.

“Claro que não. As minhas escolhas foram egoístas, para meu próprio proveito.
Mas nunca joguei fora o futuro do meu povo – meu mundo – por elas. Cadê o
poder que lhe foi prometido, Gul’dan? Aquele que você trocou pelo nosso
povo?”

Tremendo, afastou-se. Sabia que não havia poder e isso fez com que as palavras
penetrassem fundo.

Ao invés de recompensar seu servo com glórias e divindade, Kil’jaeden


desapareceu. Tudo o que sobrou de sua presença foram os bruxos e seus
demônios, uma Horda colérica, e uma terra devastada.

Não, pensou. Não foi apenas isso.

Ainda havia o Concílio das Sombras. E Blackhand, o fantoche perfeito


justamente por não perceber ser um. E apesar da Horda estar infundida com
sangue demoníaco e desejar destruição e violência mais do que alimento, ainda
não estava fora de controle. Não ainda.

Convocaria o Concílio para encontrar-se no Templo Negro. Com certeza


estariam também tentando arrumar maneiras de salvar o poder que restou.

179
Sim. Ainda havia o Concílio das Sombras.

“A terra está morta.” sentenciou Durotan enquanto inspecionava junto com seu
amigo um local que antes havia sido um campo verdejante. Cutucou o solo com
a bota. Chutou a grama amarela ressecada revelando rocha e areia debaixo dela.
Sem árvores para bloquear, o vento assobiava.

Orgrim ficou quieto por um bom tempo. Viu que o amigo tinha razão. Olhou o
leito do rio que havia nadado um dos muitos desafios junto a Durotan, mas que
agora não apresentava vestígios de que água alguma vez passou por ali. A que
havia restado estava suja, repleta de corpos de animais e sedimentos. Beber
arriscaria ficar doente; não beber, seria morte certa.

Sem água ou gramado. Havia alguns lugares aqui ou ali que sobreviviam, como
a Floresta Terokkar. Sem pasto para alimentar o rebanho, os orcs estavam
definhando. Nos últimos três anos houve mais mortes por inanição e
enfermidade do que baixas na batalha contra os draenei.

“Está mais do que morta.” disse finalmente Orgrim. Sua voz era rouca e grave e
virou-se para Durotan. “Como está o suprimento de grãos do clã?”

Olhando para si e Durotan, a pele já estava verde. Comparado a outros, como


Grom e Blackhand, ainda estavam mais para o castanho, mas o estrago estava
feito. Especulava que o poder dos bruxos estava atingindo os orcs e o mundo.
Porém era claro que aqueles que beberam a poção que Gul’dan havia preparado
estavam com o tom mais vívido. A ironia era que a terra estava marrom quando
deveria estar verde e os orcs estavam verdes quando deveriam estar marrons.

Durotan fez uma careta. “Vários tonéis foram roubados durante o ataque.”

“Qual clã?”

“Shattered Hand.”

Orgrim assentiu. O clã Frostwolf estava absorvendo o impacto da recente


epidemia de ataques. Após a Horda ter tomado Shattrath, o indício de draenei
encontrados diminuiu. Há seis meses que ninguém reportou ter visto os seres
azulados e esquivos. O líder dos Frostwolves fez seu clã virar um alvo após ter
se recusado a beber do cálice na noite que a capital caiu. E mesmo após isso, a
relutância em atacar os draenei foi percebida e estes, sendo o escape para o
aumento da sede de sangue dos orcs, estavam ficando escassos e alguns
achavam que Durotan era o responsável. Esqueceram que o objetivo principal,

180
varrê-los de Draenor, foi alcançado e que provavelmente haviam sido caçados
até a extinção.

“Trarei alguns quando voltar aqui.”

“Não aceitarei esmola.”

“Se meu clã estivesse na mesma condição, você me daria uma surra até me
deixar inconsciente e depois enfiaria comida goela abaixo antes de eu ter a
chance de recusar.” disse Orgrim.

Durotan ficou surpreso ao rir. Orgrim apenas sorriu. Ignorando o solo infértil a
sua volta e a coloração anormal da pele, era como se, por um momento, os
horrores dos últimos anos não tivessem acontecido.

E assim que a risada de Durotan esvaiu-se o presente reapareceu. “Pelo bem de


nossas crianças, irei aceitar.” Examinou o terreno. Novos nomes começaram a
aparecer – mais sombrios e duros. A Cidadela agora era chamada de Cidadela
Fogo do Inferno, e a área de Península Fogo do Inferno.

“O aniquilamento dos draenei irá induzir aos dos orcs caso algo não seja feito.”
expos Durotan. “Estamos nos voltando uns contra os outros. Rebaixando-nos ao
tirar comida da boca de crianças, já que a terra está tão ferida que não nos nutre
mais. Os demônios que saltitam aos pés dos bruxos podem atormentar ou
dizimar, mas não curam ou alimentam os famintos.”

“Alguém já tentou...trabalhar com os elementos?” perguntou em voz baixa.


Tais atividades ainda eram proibidas, mas sabia que o desespero havia feito
alguns pensarem nas velhas práticas.

“Foi um fracasso,” assentiu Durotan. “Encontramos nada além de silêncio.


Demônios ainda guardam Oshu’gun. Não há esperança lá.”

“Então...estamos acabados.” disse Orgrim. Olhou para seu machado; a haste


apoiando na perna. Perguntou-se se a profecia da Doomhammer estava sendo
cumprida mesmo agora; se seria o último da sua estirpe. Já havia trazido a
salvação e a perdição usando a arma para exterminar os draenei? E como
poderia agora ser usada para fazer justiça?

Com tudo morrendo...como poderia ser alterado de novo?

O instinto de sobrevivência é algo impressionante, pensou Gul’dan ao se


preparar para dormir. Dormia agora num quarto no Templo Negro que foi

181
preparado especialmente para ele. E lá havia colocado um altar com todos os
berloques e instrumentos necessários para comandar os demônios que
convocava: fragmentos das almas dos draenei, certas pedras para criaturas
maiores, poções para manter a energia quando preciso. Havia também crânios,
ossos e outros símbolos de domínio. Ervas queimavam em recipientes para que
os aromas causassem visões.

Acendeu uma pequena fogueira e deixou a madeira virar brasa. Cantando


suavemente, Gul’dan jogou algumas folhas secas no fogo e segurou para não
tossir ao aspirar a fumaça. Deitou-se – gostava de pensar que esta era a mesma
cama que o detestável Velen dormia – e logo pegou no sono.

E Gul’dan sonhou, algo que não acontecia desde a partida de Kil’jaeden. E


apesar da visão ser em um lugar escuro e estranho, sabia ser verdade.

Viu um ente na forma de um orc vestindo um longo manto que escondia seu
rosto. Era mais esbelto do que uma orquisa, mas de alguma maneira pressentiu
que era um orc. Apesar de ter um porte delicado, o poder que irradiava quase o
açoitava. Tremeu, e quando o estranho falou em sua mente a voz era masculina,
singularmente agradável e persuasiva.

“Está sentindo-se sozinho e sem rumo.” disse o estranho.

Concordou, ávido e ao mesmo tempo cauteloso.

“Kil’jaeden prometeu-lhe poder...força...divindade. Coisas que esse mundo


nunca viu.” continuou a voz vindo da boca que permanecia velada pela sombra
do manto. As palavras acariciavam o bruxo, acalmavam e também
amedrontavam. Mas sentiu mais raiva do que medo ao falar.

“Abandonou-me,” disse Gul’dan. “Causou a ruína do nosso mundo e então nos


deixou para morrer aqui. Se vem por parte dele, então –“

“Não, não.” respondeu misterioso ser. “Represento alguém muito superior.” Os


olhos brilhavam fundo na sombra do capuz. “Venho em nome...de seu mestre.”

Sentiu uma pontada. “Seu...mestre?”

Ao cair, sua consciência foi acorrida de imagens: a de Kil’jaeden, Velen e


Archimonde como eram antes, a transformação dos seres conhecidos como
eredar em monstros e semideuses. E sentiu uma grande presença por trás de
tudo, apesar de não vê-la.

182
“Sargeras!”

Teve a impressão de que o estranho sorriu, apesar do rosto ainda estar


escondido.

“Sim. Aquele que governa a todos. Aquele a quem servimos. Entenderá em


breve, Gul’dan, que destruição e torpor são puros e belos. É o caminho que
deve ser seguido. Pode resistir e ser aniquilado, ou colaborar e ser
recompensado.”

Com cautela, ainda receoso com as palavras doces proferidas pela figura
encapuzada, o bruxo perguntou. “E o que será exigido de mim?”

“Seu povo está morrendo.” afirmou bruscamente. “Nada resta para que possam
arruinar, ou mesmo sobreviver. Devem ir para outro lugar, onde há alimentos
em abundância e presas dignas de se matar. Os orcs estão famintos por algo
além de comida. Dê-os o sangue que tanto anseiam.”

Estreitou os olhos. “Isso está mais para uma recompensa do que uma missão.”
disse.

“Ambos...mas não é a única recompensa oferecida. Sentiu o gosto do poder ao


controlar o Concílio das Sombras. É um dos melhores bruxos dentre os orcs e
sei que sente orgulho. Imagine se fosse...um deus.”

Gul’dan estremeceu. Já haviam oferecido isso antes, mas percebeu que Sargeras
era mais capacitado para cumprir juramentos tão extravagantes. Fantasiou
estender a mão e fazer a terra sacudir, ou apertar a mão com força e parar um
coração. Viu os olhos de milhares de seguidores e as vozes clamando seu nome.
Pensou em paladares e sensações fora de seu entendimento, ficando com água
na boca.

“Temos um inimigo em comum.” continuou o estranho. “Quero vê-los mortos.


E seu povo será saciado com massacres e matança.” E nessa hora, Gul’dan pode
ter uma vaga ideia das feições; pele clara, cabelos negros e lábios finos que
formavam um leve sorriso. “Uma parceria que nos será benéfica.”

“Certamente,” ofegou Gul’dan. Estava aproximando-se do forasteiro, como se


fosse atraído, então parou e continuou, “mas duvido que esta seja a única coisa
que será exigida de mim.”

A figura suspirou. “Sargeras dará tudo isso e muito mais. Só que...ele está
aprisionado. Precisa de ajuda para escapar. Seu corpo está confinado num

183
túmulo antigo sob um oceano turvo e obscuro. Aspira pela liberdade e pela
soberania que possuía, assim como os orcs por derramamento de sangue e você
por poder. Leve seus orcs para esse mundo novo e intacto. Dê-os carne macia
para que possam fincar seus machados. Derrote os habitantes deste lugar,
fortaleça seu povo e junte-se a mim para, junto com esse mar verde de orcs,
possamos libertar nosso mestre. A gratidão – “

De novo um sorriso astuto e um lampejo de dentes brancos no meio da barba


negra.

“Bem...vai além do que pode imaginar, Gul’dan.”

Ao considerar, a imagem do estranho modificou e sumiu. Perdeu o fôlego


quando viu um lindo campo e o vento embaraçando seu cabelo trançado.
Animais que nunca havia visto e no horizonte, árvores altas e saudáveis. Seres
diferentes, parecido com os orcs, só que de pele rosada e magros como o
estranho cuidavam dos prados e do gado.

Perfeito.

A cena mudou. De repente estava debaixo d´água, nadando, mas seus pulmões
não pediam por ar, independente da profundidade. Algas oscilavam na
correnteza, escondendo parte das colunas caídas e uma laje com uma escrita
singular, deteriorada pelo tempo e incessantes carícias da água. Um arrepio
percorreu seu corpo ao perceber que esse era o local onde Sargeras jazia.
Libertá-lo de sua prisão...e então...

Seria uma boa parceria. Era melhor que ficar em Draenor, e morrer lentamente.
Um mundo bonito e pronto para ser saqueado, já era uma boa troca, mas havia
mais por vir.

Olhou brevemente em direção a sombra. “Diga-me o que fazer.”

Gul’dan acordou esparramado no chão. A seu lado, na pedra fria, estava um


pergaminho repleto de instruções escritas com sua letra. Passou rapidamente os
olhos: Portal. Azeroth. Humanos.

Medivh.

Gul’dan abriu um sorriso.

184
Capitulo 22

Pode algo ser, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição? Salvação e
perdição? Assim limito o que aconteceu depois à história do meu povo. Por
tudo, as energias demoníacas, usadas livremente e sem se importarem com as
consequências, extraindo tudo de sadio e vital de Draenor. Kil’jaeden quis
aumentar o número de orcs, para que virássemos um exército imenso, e assim
fizemos, forçando o crescimento de nossos jovens, roubando assim sua infância.
Agora a população de orcs nunca foi tão alta e não havia como alimentar a
todos. Ficou claro para mim, assim como para aqueles que viveram em tempos
tão terríveis, que se permanecêssemos em Draenor, nossa raça seria extinta.

Mas como...e por que partimos...esse mundo ainda sangra por isso. Faço o que
posso para curar essa ferida enquanto protejo os interessas da nova Horda que
criei, mas será que ela um dia cicatrizará?

Vida para meu povo: uma benção. Como conseguimos: uma maldição.

O Concílio das Sombras estava aflito, tão preocupado com o desaparecimento


de Kil’jaeden quanto Gul’dan. Mas agora eles tinham um objetivo. Reuniu-os e
compartilhou as palavras do estranho chamado Medivh, que falava de terras
férteis, água potável, animais de caça saudáveis e de pelagem brilhante. Falava
ainda mais ostensivamente sobre os seres chamados “humanos”, que seriam
um desafio, mas que por fim cairiam ante a superioridade da Horda.

“Água, alimento, matança. E poder para aqueles que concordarem em


colaborar.” disse Gul’dan, sua voz era tão atraente que parecia ronronar. Havia
selecionados os orcs certos. Seus olhos, alguns brilhavam vermelhos, outros
ainda castanhos e intensos, estavam concentrados nele, e viu esperança...e
cobiça...em seus rostos.

O trabalho começou.

Primeiro, tinham que redirecionar a atenção da esfomeada Horda. Gul’dan


sabia que, com a diminuição dos suprimentos junto a uma sede por violência
que já não tinha mais escape, os orcs estavam atacando uns aos outros. Pediu
que Blackhand enviasse ordens para que os clãs apresentassem os melhores
guerreiros para pequenas batalhas diretas em público. Os vencedores
ganhariam alimentos dados pelo clã perdedor, além de água, honra e fama.
Alucinados por algo, qualquer coisa, que aliviasse a dor do duplo apetite, por
comida e por sangue, os orcs responderam bem à sugestão e Gul’dan ficou
tranquilizado. Medivh pediu um exército para atacar os humano e isso não

185
seria possível se os orcs se matassem antes da invasão.

Durotan continuava sendo um problema. O líder do clã Frostwolf,


provavelmente encorajado por não ter sido eliminado na noite da tomada de
Shattrath, começou a falar publicamente. Censurou as batalhas arranjadas, pois
eram degradantes. Apelou para procurarem um jeito de curar a terra e parar de
culpar apenas os bruxos. Em outras palavras, dançava o mais perto possível do
limite, e às vezes ultrapassava.

E, como sempre acontecia, alguns escutavam. Assim como o clã Frostwolf foi o
único a não beber o sangue de Mannoroth, outros orcs de posições mais baixas,
também se recusaram. O que mais o preocupava era Orgrim Doomhammer.
Esse poderia virar um problema. Orgrim nunca gostou de Blackhand; um dia
ele poderia fazer algo. Por agora, não se pronunciava junto aos Frostwolves e
era um vitorioso constante das batalhas.

As visões continuaram. Medivh tinha um conceito bem claro sobre o que


queria: um portal entre os dois mundos, um criado pelo Concílio das Sombras e
seus bruxos de um lado, e Medivh e seja lá que magia controlava, do outro.

Não poderiam fazê-lo em sigilo; o portal deveria ser grande para o exército que
Medivh queria passar. Além disso, a Horda sentia-se derrotada. A animação e
desafio das batalhas e a construção do portal com ampla cerimônia daria aos
orcs algo para se concentrar.

Medivh gostou da ideia. Em uma determinada visão, assumiu a forma de um


grande pássaro negro, empoleirado no ombro de Gul’dan. As garras fincavam
sua carne e sangue vermelho escuro escorria pela pele verde, mas a dor
era...boa. Havia um pedaço de papel enrolado na pata do pássaro. O bruxo
desenrolou-o e viu um desenho que tirou seu fôlego. Quando acordou, fez um
rascunho em um pergaminho.

Examinou com olhos que brilhavam de antecipação.

“Maravilhoso,” disse.

“Não entendo seu desagrado,” disse Orgrim em um dia que sentava junto a
Durotan para observar a construção do que chamavam de Portal. Orcs
trabalhavam por todos os lados. A pele esverdeava cintilava com o suor
debaixo do sol que queimava a terra. Alguns cantavam gritos cadenciados de
guerra enquanto trabalhavam, outros estavam concentrados e em silêncio. A
estrada que levava ao platô, que percorria quase em linha reta do que era
conhecido como Cidadela Fogo do Inferno, estava pavimentada para que os

186
equipamentos pudessem transitar livremente.

As formas das quatro plataformas grandes eram baseadas no modelo dos


draenei. Ironia percebida por Durotan. O original havia sido modificado,
coroado com espinhos e bordas afiadas, que começavam a discriminar a
arquitetura dos orcs. Dois obeliscos que despontavam no céu como lanças
aguçadas, e uma estátua de Gul’dan o topo de cada uma.

Porém, o mais ameaçador era o quarto, situado um pouco atrás dos outros três.
Essa era a real estrutura do Portal que Gul’dan havia prometido que se
manifestaria. Duas grandes lajes de pedra se erguiam no ar, e a terceira estava
deitada entre elas para formar o mais primitivo dos portais. Moldes começavam
a aparecer da rocha, figuras encapuzadas em ambos lados e uma espécie de
serpente ondulada no topo.

“Não é melhor do que ter seu clã dizimado por eles?” continuou Orgrim.

Durotan aquiesceu. “De certa maneira. Mas ainda não sabemos onde esse portal
nos levará.”

A Península Fogo do Inferno era a área mais prejudicada de Draenor, mas não
era a única. Apontou para a paisagem seca. “E isso importa? Sabemos de onde o
portal virá.”

Durotan grunhiu com uma pitada de alegria. “Acho que tem razão nisso
também.”

Sentiu os olhos cinza de Orgrim olhando-o. “Durotan...tenho evitado perguntar,


mas...por que seu clã recusou o gole oferecido por Gul’dan?”

Olhou seu amigo, e respondeu a pergunta com outra pergunta. “E por que você
não bebeu?”

“Havia algo...errado,” disse finalmente. “Não gostei do que fez nos outros.”

Durotan encolheu os ombros, torcendo para que o amigo não pressionasse.


“Então teve a mesma percepção que tive.”

“Eu me pergunto,” começou Orgrim, mas não terminou.

Não havia razão para revelar o que sabia. Conseguiu proteger seu clã dos
horrores que aconteceriam se tomassem sangue demoníaco. Impôs-se para
Gul’dan e, até agora, não havia sofrido nenhuma retaliação. E Orgrim, graças

187
aos ancestrais, havia sido sábio o bastante para perceber que algo equivocado e
assim recusou a oferta. Por enquanto isso já bastava para Durotan, filho de
Garad, chefe do clã Frostwolf.

“Luto hoje,” disse Orgrim, mudando de assunto. “Você virá?”

“Sei que faz isso pelo seu clã e não por glória,” expos Durotan. “Luta para
ganhar água e alimento para eles. Mas não colocarei um pé nessas...exibições.
Orcs não deviam lutar entre si. Nem em batalhas rituais.”

Orgrim suspirou. “Não mudou nada. Sempre teve medo que eu o derrotasse.”

Riu um pouco ao dizer a frase. Durotan virou-se, e pela primeira vez em


tempos, muitos meses, sorriu com entusiasmo verdadeiro.

O dia chegou.

A noite inteira, enquanto um círculo de bruxos cuidava para que nenhum


curioso testemunhasse o ritual sombrio, pedreiros trabalharam duro,
esculpindo o selo final na base do portal. Uma vez terminado, limparam o suor
do rosto, sorriram uns para os outros e foram rapidamente mortos. Gul’dan foi
informado por Medivh que o sangue daqueles que criaram o selo, iria prepará-
lo. Não sentiu que havia razão para duvidar do novo aliado. Mas os
desafortunados pedreiros não seriam os únicos a morrer aqui.

Foi solicitado que alguns clãs ficassem em Draenor. Gul’dan fez o possível para
convencer os chefes dos clãs Shattered Hand, Shadowmoon, Thunderlord,
Bleeding Hollow e Laughing Skull, que eram necessários aqui. Foi
particularmente difícil e fazer o mesmo com Grom e seu clã. No começo, o chefe
do Warsong enfureceu-se e Gul’dan pensou se foi acertado deixa-lo beber o
sangue do demônio. Parecia ter pouco controle sobre suas emoções;
Independente de falar o quão valioso Grom era e o quanto era importante que
ficasse, quis que o chefe permanecesse justamente por seu comportamento
selvagem e imprevisível. Caso Grom colocasse alguma ideia maluca na cabeça,
acabaria desobedecendo a ordens. Gul’dan não poderia arriscar. Medivh não
iria gostar nada disso.

Blackhand convocou toda a Horda para reunir-se na Cidadela. Muitos que


voltaram para as terras ancestrais, sendo o Frostwolf um deles, agora
acampavam na área. Obedeceram a ordem para que se armassem como se
estivessem indo para uma batalha, apesar de muitos não entenderem o que de
fato acontecia.

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Os clãs reuniram-se. Cada um com suas cores tradicionais adornadas em uma
faixa ou cinto sobre a armadura, e neste dia quente o vento balançava
orgulhosamente os estandartes.

Gul’dan e Ner’zhul observava a assembleia. Aquele se virou para seu antigo


mentor. “Você e seu clã ficarão para trás.” disse brevemente.

O xamã concordou, submisso. “Imaginei.” disse. Andava calado esses dias, o


que agradou Gul’dan. Chegou a suspeitar que o ancião pudesse brigar pela
liderança depois que Kil’jaeden o abandonou, mas pelo jeito estava destruído
demais até para isso. Lembrou com desprezo da época em que idolatrava e até
invejava Ner’zhul. Como era tolo. Progrediu e aprendeu, inclusive com a
amarga decepção. Às vezes via um leve brilho nos olhos do xamã, como agora.
Olhou com mais cuidado e julgou ser um truque de luz. Virou sua atenção para
os clãs reunidos e sorriu.

Apesar de seus projetos irem além do simples derramamento de sangue, não


podia evitar em ficar animado com a vista. Estavam gloriosos! O sol queimava
nas armaduras, estandartes dançavam ao vento, os rostos ansiosos brilhavam.
Se o que Medivh prometeu era verdade, este seria um marco a caminho da
grandeza.

Os tambores rufaram. Profundo, primordial e que estremeceu ao longo do solo,


através das rochas e nos ossos da Horda. Ao começar a marcha muitos
levantaram a cabeça e uivaram, entrando naturalmente em sintonia, mais uma
vez um povo unificado.

Gul’dan não se apressou. Seria teleportado para o Portal por outro bruxo. Podia
aproveitar o desfile do exército descer a estrada pavimentada até o Portal.

De pé, em frente ao Portal, havia uma criança draenei.

Onde a encontraram? Durotan não havia visto nem sombra dos seres azulados
fazia meses. Foi muita sorte achar qualquer draenei, muito menos uma criança.

Estavam entre os clãs Thunderlord e Dragonmaw. A entrada do Portal foi


terminada e parecia linda e aterrorizante. Duas figuras encapuzadas, seus olhos
vermelhos brilhavam, se por magia ou tecnologia não havia como saber,
ladeava o acesso. Uma serpente esculpida enrolava-se no topo, a boca aberta
mostrando as presas. Durotan nunca havia nisto aquilo, e perguntou-se como
os pedreiros haviam criado aquela imagem. Teria sido um pesadelo? De uma
maneira geral, era uma edificação impressionante.

189
Mal pode terminar de apreciar a habilidade aplicada a esta criação. Sua atenção
foi desviada para o jovem draenei. Era tão pequeno em comparação com o
enorme arco – minúsculo, fraco e machucado. Olhava inexpressivelmente para
o mar de orcs que gritavam em sua direção, tão aterrorizado que já nada sentia.

“O que vão fazer com ele?” perguntou Draka em voz alta.

“Pressinto o pior.” respondeu Durotan balançando a cabeça.

Encarou-o. “Vi assassinarem crianças no meio da batalha. A sede de sangue os


dominava – não poderia concordar com a atitude, mas entendo o porquê
aconteceu. Mas espero que não façam um ritual com essa criança.”

“Espero que esteja certa.” disse Durotan, mas não via outra razão para que o
pequeno ser estivesse presente. Se esse fosse o caso, não poderia apoiar. Não
queria arriscar mais o clã, então rezou para que estivesse enganado.

Os bruxos cantavam algo e para a surpresa de Durotan, Gul’dan apareceu


diante de seus olhos. Murmúrios rolaram soltos e Gul’dan sorriu para a Horda.

“Hoje é um dia glorioso para a Horda!” gritou. “Viram o Portal ser construído,
admiraram o artefato e como agora virou um monumento à glória da Horda.
Revelarei as visões que tive.”

Apontou para o portão. “Tenho um aliado em uma terra chamada Azeroth,


muito longe daqui. Ele oferece as suas terras. É verde e exuberante, repleta de
água pura e criaturas robustas para caçar. E melhor ainda, continuaremos a nos
jubilar no prazer do derramamento de sangue. Uma raça, chamada ‘humanos’,
que é inimiga de nosso aliado, tentarão nos impedir de conquistar essa terra.
Iremos destruí-los. Seu sangue irá correr em nossas espadas. Assim como
aniquilamos os draenei, faremos o mesmo com os humanos!”

Gritos de alegria entre os orcs. Draka parecia não acreditar. “Como ainda
podem estar assim? Não percebem que acontecerá nessa nova terra o mesmo
que aconteceu em Draenor se continuarmos nesse caminho?”

Durotan concordou. “Mas ao mesmo tempo, não há outra escolha. Precisamos


de água e comida. Devemos passar pelo portal.” Draka suspirou. Havia lógica,
apesar de não gostar da situação.

“Nesse momento nosso aliado está abrindo o Portal do outro lado. E agora,
começaremos.” Gesticulou para o pequeno cativo draenei. “Sangue é uma
oferenda pura para aqueles que não concedem esse vasto poder. E o sangue de

190
uma criança é ainda mais puro. Com o fluído vital de nossos inimigos,
abriremos o Portal e entraremos em um glorioso mundo novo – uma nova
página na história da Horda!”

Aproximou-se da criança amarrada, que o olhou com olhos vazios. Gul’dan


levantou a adaga adornada. E brilhou na luz do sol.

“Não!”

A palavra foi arrancada dos lábios de Durotan. Todos viraram para encara-lo.
Avançou. Não poderia se esperar nada de bom, se essa nova iniciativa seria
aberta com o sangue de uma criança inocente. Não conseguiu dar três passos
até ser derrubado. Ao cair no chão banhado pelo sol, ouviu Draka urrar um
grito de guerra e o barulho e metal contra metal. Irrompeu o caos. Lutou para
levantar-se e viu a forma contorcida da criança. Sangue azul escorria da
garganta cortada.

“Gul’dan, o que fez conosco!” Durotan bradou, mas seu protesto perdeu-se no
rugido dos orcs enfurecidos. Os Frostwolves tomaram ação para defender seu
líder, e os gritos eram ensurdecedores. Durotan perdeu o fôlego ao ser atacado
– não sabia de qual clã. Levantou seu machado para se defender. O agressor
desviou, movimentando-se mais rápido que Durotan esperava, aproximou-se e

A terra começou a tremer, mudando o teor dos gritos proferidos. A luta cessou
assim que os orcs viraram-se para o Portal. Antes se via a paisagem da
Península através do portal. Agora havia escuridão cintilada por estrelas como
se olhassem um céu noturno. Até os olhos de Durotan ficaram fixos no
espetáculo. Observou a escuridão ondular e transformar-se numa cena que
surpreendeu e intrigou.

Gul’dan havia falado de uma terra fértil e rica, com animais para caçar e céu
azul. Certamente estava olhando para uma terra que nunca havia visto antes,
mas em que nada parecia ao reino idílico que o bruxo havia descrito. Era tão
úmido quanto Draenor era árida. Uma neblina espessa flutuava sobre a água
salobra e oscilava em um terreno úmido. Um zumbido encheu o ar. Pelo menos,
pensou Durotan, havia vida nesse lugar estranho.

Sussurros descontentes correram pela multidão. Este era o local aonde queriam
enviá-los? A primeira vista não era muito melhor do que Draenor. Mas de
qualquer jeito, água significava vida.

Olhou para Gul’dan, ao que as reclamações aumentavam. O bruxo tentava

191
disfarçar o próprio choque. Levantou os braços pedindo silêncio.

“Azeroth é um mundo vasto, assim como o nosso!” gritou. “Sabem quão


diferente a terra pode ser de um lugar para o outro. Tenho certeza que esse é o
caso. Não parece tão atraente quanto fui...” Sua voz sumiu e voltou a si. “Mas
observem, pois esta é outra terra! É real! Vocês!”

Gul’dan apontou para um grupo de orcs com armadura que esperavam ao lado
do Portal. Pareciam ter acordado. “Foram escolhidos para serem os primeiros a
investigar a nova terra. Avancem em nome da Horda!”

Hesitaram por um instante e continuaram em direção ao Portal.

O cenário desapareceu.

Durotan olhou Gul’dan. O bruxo esforçava-se para ficar impassível, mas estava
intrigado.

“São patrulheiros.” disse. “Voltarão com novidades sobre esse mundo.”

E antes que os orcs reunidos pudessem começar a se preocupar, a imagem do


pântano reapareceu e os patrulheiros passaram correndo, com sorrisos de
orelha a orelha. Mais da metade carregava carcaças de grandes animais. Um
parecia ser um reptil, escameado, com cauda longa, patas atarracadas e uma
mandíbula enorme. O outro era peludo, com quatro patas com garras, orelhas
pequenas e manchas na pelagem amarelada. Ambos pareciam saudáveis.

“Matamos e comemos das duas criaturas,” disse o líder dos patrulheiros. “A


carne é sadia. A água é potável. Não precisamos de uma terra bonita, mas de
uma que nos alimente e sustente. E essa Azeroth fará isso admiravelmente.”

Recomeçaram cochichos na multidão. Sem perceber, a atenção de Durotan


estava nas bestas trazidas e seu estômago roncou. Fazia dois dias que não
comia.

Gul’dan relaxou. Olhou para Durotan e estreitou os olhos. Ficou apreensivo e


sentiu um gosto amargo na boca.

Tanto ele quanto seu clã eram necessários e sabia disso. Sabia também que a
tentativa em defender a criança – e a reação desencadeada entre os outros clãs,
muitos que vieram em defesa dos Frostwolves – não seria esquecida. Chegou a
suspeitar que Gul’dan o executasse, ou banisse, mas pelo jeito ainda tinham
alguma utilidade para Blackhand e Gul’dan.

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Que seja. Por enquanto, lutaria ao lado da sua raça. Amanhã cuidaria de si
mesmo. Qualquer coisa que acontecesse, morreria com a honra intacta.

Gul’dan olhou para o grupo de orcs e respirou fundo.

“Esse é o nosso destino,” disse. “Do outro lado, um novo começo nos espera.
Um novo inimigo para exterminar. Conseguem sentir, não é? A sede de sangue
crescendo? Sigam Blackhand! Obedeçam suas ordens e governem esse novo
mundo, como lhes é de direto! O mundo do outro lado do Portal é de vocês.
Ocupe-o!”

Os gritos eram ensurdecedores. A multidão avançou. Até Durotan foi levado


pela animação desse novo lugar, tão abundante, maduro e pronto para ser
dominado. Talvez estivesse se preocupando demais e realmente era um novo
começo. Durotan amava seu clã e seu povo. Queria vê-los prosperar. E, como
todos os orcs, divertia-se em matar.

Talvez, tudo ficaria bem.

Machado em mãos, esperança renascendo em seu coração, Durotan juntou-se a


corrida em direção ao Portal e Azeroth. Levantou os braços, soltou um grito que
estava na boca de cada orc ao avançarem:

“Pela Horda!”

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Epílogo

E assim começou a nossa história no mundo de Azeroth. Atravessamos o portal


como se fôssemos a morte encarnada, uma enxurrada de assassinos
sanguinários dedicados ao massacre. É de se esperar que os humanos nos
odeiem tanto, mesmo agora. Mas talvez essa história que contei um dia cairá
nas mãos de um humano, elfo, gnomo e anão. Quem sabe perceberão que
também entendemos o que é perseguição e sofrimento.

A suspeita de que meu pai e seu clã seriam exilados provou-se correta. Gul’dan
os baniu logo após o clã Frostwolf entrar em Azeroth. Foram forçados a se
estabelecerem nas severas montanhas de Alterac. Os lobos brancos que ainda
caçam por lá, cuja lealdade não pôde ser abalada por palavras daquele que
ainda guardava um rancor, descendem dos que seguiram meu clã através do
Portal...

Quando nasci, meu pai compreendeu que teria que dividir com os outros orcs
tudo o que sabia. Procurou seu velho amigo, Orgrim Doomhammer, que
acreditou em suas palavras e teriam se aliado se meu pai não tivesse sido morto
de forma traiçoeira. Quando me tornei adulto, fiquei amigo de Orgrim assim
como meu pai; e a profecia da Doomhammer foi cumprida por mim.

Em sua homenagem, essa terra chama-se Durotar, e a principal capital,


Orgrimmar. É minha esperança que –

“Meu chefe!” a voz rouca pertencia a Eitrigg.

Thrall parou no meio da frase, movendo a pena para que não manchasse o
pergaminho. “Pois não?” perguntou ao orc ancião, um dos seus conselheiros
mais confiáveis.

“Tenho notícias...sobre a Aliança. Um dos nossos informantes soube de algo


que insiste que saiba.”

Thrall não gostava do termo “espião”, mas os tinha mesmo assim. Certamente
Jaina Proudmoore os tinha os dela. Era de se esperar e muitas vezes provava-se
útil. Um querer vê-lo já era algo difícil de acontecer. Com certeza algo
importante ocorreu.

“Mande-o entrar e deixe-nos a sós.” disse. Eitrigg aquiesceu e momentos depois


um humano esquelético e apático entrou. Estava subnutrido, exausto e
aterrorizado.

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Thrall levantou-se mostrando toda sua majestade sem pensar que isso poderia
intimidar o humano. “Aceita água ou comida?” perguntou com um tom gentil.

O espião balançou a cabeça e gaguejou, “Á-Água por favor,” O próprio Chefe


Guerreiro serviu o cálice e entregou para o homem, que sedento tomou tudo, e
limpou a boca com a mão.

“Muito obrigado, Chefe Guerreiro.” disse, agora mais calmo.

“As notícias.”

O humano ficou pálido. Thrall suspirou baixo. Nunca seria tão cruel – ou tão
tolo – para matar um mensageiro com más notícias. Tal comportamento só
afastaria possíveis recrutas. Para reforçar esse pensamento, sorriu.

“Não tema. As notícias, sejam boas ou ruins, são bem vindas se ajudam a
proteger meu povo.” concluiu.

O homem pareceu mais tranquilo e tomou fôlego.

“Meu chefe,” começou. Hesitou por um momento e continuou. “Os draenei


vieram para Azeroth.”

Thrall ficou confuso. Trocou olhares com Eitrigg, que encolheu os ombros.

“Alguns draenei estão em Azeroth há anos.” disse. “São chamados de perdidos.


Já sei da sua existência. Não é novidade, amigo.”

“Você não entendeu,” a urgência aumentando em sua voz. “Não essas criaturas
patéticas – draenei! Uma nave foi vista vindo do céu. E caiu como um infernal
há duas noites.”

Thrall inspirou com calma. Todos viram o objeto estranho que caiu do céu como
uma estrela cadente. Então...não era uma estrela ou um infernal. Era um navio...

O homem continuou. “Proudmoore concordou em ajudá-los. Há um entre eles –


pálido, nobre e apesar de não ser forte fisicamente, tem comando. Velen é o seu
nome.”

Thrall reagiu. O draenei? O Profeta Velen? Aqui?

Afundou vagarosamente em sua cadeira como se tivesse sido atingido pela

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importância da notícia.

O pior inimigo que orcs já conheceram estão em Azeroth. E foram acolhidos


pela Aliança.

Como poderia haver paz entre a Horda e Aliança agora?

“Que os ancestrais nos salvem.” Thrall sussurrou.

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Atenção!
O texto que você acabou de ler, só teve sua tradução possível em uma parceria
dos sites Coja no WoW e Acervo de Azeroth sem fins lucrativos, foi feito por
um simples motivo, possibilitar um alcance maior ao Lore (História) do Jogo de
Computador: World of Warcraft para aqueles que não possuem condições ou
não compreendem bem o idioma Ingles para ler o material original.

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