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Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Sobre a autora
Sinopse
Eu podia salvá-lo, mas ele me arruinaria.
A besta.
A criatura que caça a Floresta Proibida.
O Príncipe Dragão.
Ele sofreu um destino pior que a morte. Todos nós sofremos.
Uma maldição lançada pelo rei louco.
Somos um reino preso no tempo. Metamorfos incapazes de sentir os nossos
animais.
Presos aqui por um acordo entre o falecido rei e um demônio que deseja
nossa destruição.
O único que mantém este reino vivo é Nyfain, o próspero príncipe de um
trono roubado.
O último metamorfo dragão.
Ele é nossa esperança.
Ele é meu pesadelo.
Quando Nyfain me pega invadindo a Floresta Proibida,
ele não me castiga com a morte, como tem direito.
Em vez disso, ele me captura. Me força a ir para o castelo como sua
prisioneira,
com o intuito de me usar.
Pelo visto, eu posso salvá-lo. Posso salvar todo o reino esquecido,
confinado pelo poder do rei demônio.
Mas isso significaria domar o monstro sob a pele dele.
Significaria me entregar a ele.
Significaria a minha ruína.
______
Este livro é uma releitura dark e hot de A Bela e a Fera com um anti-herói,
uma heroína forte e personagens secundários bem-humorados. Uma história
de enemies to lovers e possíveis companheiros predestinados para maiores
de 18 anos. É o primeiro livro de uma trilogia e termina com cliffhanger.
AGRADECIMENTOS
Este livro é para os leitores.
Vocês queriam que eu apimentasse as coisas. Queriam que eu me
empolgasse.
Pois conseguiram. Espero que não se arrependam. Tenham uma pulseira
antiestresse de prontidão, só por precaução.
Aperte quando necessário.
Eu não conseguiria fazer isso sem vocês do meu lado. Sou eternamente
grata por isso. Agradecimentos especiais para Amber Hyde e Heather
Rainwater-Alvarado pelos títulos que foram escolhidos.
PRÓLOGO
UMA HORA DEPOIS, eu estava na sala da frente com uma bolsa de
tweed cruzada no peito. A planta parecia responder melhor quando
transportada neste tipo de bolsa. Recebi a dica de um livro e provei a teoria
com tentativa e erro.
Meus irmãos e minha irmã estavam comigo.
— Tenha cuidado. — Hannon apertou meus ombros, encarando-me.
Com uns oito centímetros mais alto que meu um metro e oitenta e dois,
ele era o homem mais alto da nossa aldeia. Um dos mais fortes, também,
com braços grandes e um corpo musculoso. A maioria das pessoas
assumiria que seria ele que arriscaria a vida na caça da besta. Ou que
caçaria nosso jantar na floresta mais segura a leste. Mas não, Hannon era o
cara que ficava preocupado em casa esperando para me remendar quando
entrasse sangrando pela porta. Ainda bem, porque eu tinha entrado
mancando em mais de uma ocasião. Aqueles malditos javalis selvagens na
floresta do leste sabiam como atacar. Filhos da mãe perversos.
A besta era uma situação completamente diferente.
Coragem.
Um pássaro da noite gritou um aviso à distância. As cabanas ao nosso
redor na pista de terra estão em silêncio, seus habitantes dormindo a esta
hora da noite. Dormindo, ou sentados em silêncio em suas casas escuras,
não querendo chamar a atenção de qualquer coisa que pudesse ter passado
pela linha das árvores. Pode não ter acontecido em anos, mas as pessoas por
aqui tinham boa memória.
— Não se arrisque — disse Hannon. — Se você vir a besta, saia de lá.
— Se eu vir a besta, provavelmente vou me mijar.
— Tudo bem. Mas faça isso enquanto corre.
Conselho sábio.
— Está tudo bem, Hannon. Peguei o elixir mascarador de cheiro. Isso
geralmente funciona quando estou caçando. Vai ajudar.
Ele acenou com a cabeça, mas pelo visto o sermão não tinha terminado.
— Só há uma besta — disse ele. — Essa é a maior preocupação. Você já
confrontou as outras criaturas naquela floresta e foi com tudo.
Não exatamente, mas como eu disse, Hannon confiava nas pessoas. Ele
não parecia saber quando eu estava mentindo. Se ele achasse que eu fosse
mais forte do que eu era, ele se preocuparia menos. A quem isso faria mal?
Eu me virei e dei um abraço feroz em Sable, beijando-a na cabeça. Dash
foi o próximo, e então eu tive que soltá-lo de mim.
— Posso ir também? — implorou Dash. — Eu sei onde é! Posso ajudar a
pegar mais. Posso lutar com os monstros!
— Como… — Eu me parei. Agora não era hora de gritar com meu
irmão mais novo. Em vez disso, apontei para Hannon. — Enquanto eu
estiver fora, descubra como ele sabe onde é o campo. Espere para puni-lo
quando eu voltar. Quero participar.
Dei um último abraço em Hannon e fui embora às pressas. Eu podia
fazer isso. Eu tinha que fazer isso.
Meu arco tinha sido quebrado na semana passada por um daqueles
malditos javalis, então eu estava indo com nada além da adaga e do
canivete enfiado nas minhas calças. Nenhuma arma faria muito dano na
besta. Por outro lado, se a besta realmente tinha um corpo blindado, as dez
flechas que eu possuía também não ajudariam muito na minha proteção.
Cortei os jardins dos fundos de duas cabanas, escalando as cercas, e me
aproximei da borda da Floresta Proibida. Um pedaço de terra aparada por
cabras era tudo o que me separava dela. As ervas daninhas rastejavam em
direção ao perímetro… e, então, murchavam e morriam. Troncos
fantasmagóricos subiam na borda, galhos torcidos alcançando a aldeia.
Mais adiante havia profundezas sombrias, fatiadas pelo luar sob o céu
estrelado.
Parei de pensar nos riscos. Afastei a imagem do leito do meu pai. Joguei
de lado a preocupação nos olhos de Hannon e a sensação de Sable e Dash se
agarrando a mim no abraço de despedida, espero que não pela última vez.
Neste momento, era só eu e esta floresta. Eu e as criaturas que se escondiam
dentro de suas profundezas deterioradas. Eu e a besta, se chegasse a esse
ponto.
Eu não decepcionaria meu pai. Não falharia com ele.
A lâmina da minha adaga deslizava no couro duro da bainha pendurada
no meu quadril. Eu andei leve e cuidadosamente, visando o chão e evitando
qualquer coisa que pudesse estalar ou fazer barulho. Era fácil agora, ainda
na aldeia. Quando eu passasse por aquela linha de árvore, seria muito mais
difícil. Muito mais mortal.
Nem um som vibrava pelo ar. Nenhum vento mexia nos galhos
congelados ou nos ramos. Minha respiração estava gelada. Notei cada
pequeno detalhe do meu entorno. Eu era a presa, e não queria dançar tango
com o caçador.
O ar esfriou quando atravessei o limiar. Parei e respirei fundo. O pânico
me mataria. Eu precisava manter a calma.
Ao continuar fui com olhos atentos. Precisava prestar atenção a qualquer
movimento. Qualquer mudança no cheiro ou no som.
Eu me lembrei de uma época, antes da maldição, quando a Floresta
Proibida tinha sido adorável. Verde e exuberante. Mas agora, a grama
quebradiça estalava sob minhas botas usadas. A casca dos troncos parecia
escamosa sob meus dedos. Nenhuma folha agraciava os galhos, mesmo nas
árvores perenes, e nenhuma flor adornava as plantas de inverno.
Lá na frente, em torno de um pinheiro grande com poucas folhas, eu vi –
uma bétula que não parecia se encaixar com as outras árvores. Logo atrás
estava meu destino.
O campo de everlass era menos da metade do tamanho atual quando eu o
encontrei pela primeira vez. Tinha crescido ao longo dos anos, não que
realmente importasse. Eu só podia usar o que eu poderia roubar, e eu não
ouso fazer isso muitas vezes.
Crack.
A adrenalina invadiu minha corrente sanguínea. Eu congelei com as
mãos esticadas como uma idiota, como se estivesse pronta para voar de
verdade. Posso ter coragem, mas era óbvio que não era indiferente ao lidar
com o perigo.
Aquilo soou como um galho estalando.
Segurando a respiração, esperei que algo acontecesse. E esperei um
pouco mais – observando os movimentos, ouvindo sons. Nada.
Soltando um fôlego instável, continuei. As formas das árvores mudaram
ao meu redor, rastejando pela escuridão manchada de estrelas. Uma criatura
gritou em algum lugar distante à minha esquerda. O som se espalhou pelo
ar antes de se afastar, como ondulações em um lago. Meu coração acelerou,
mas o som estava muito longe para me preocupar no momento. Espero que
a criatura continue gritando para que eu possa rastrear sua rota de viagem.
Um grito horrível preencheu o ar, também distante. Parecia um humano
em perigo, sendo comido vivo ou torturado, ou um homem com um corte de
papel no dedo. Era o grito de uma angústia intensa, em outras palavras,
precisando de ajuda imediatamente, ou poderia morrer.
Boa tentativa, filho da puta.
Já tinha ouvido essa criatura antes. Eu até a vi quando estava em pânico
correndo para casa uma vez. Seu objetivo era atrair bons samaritanos. As
pessoas iam ajudar, e a criatura os matava.
Ou era assim que a criatura pensava que seu ardil funcionaria. Exceto
que todos sabiam que na Floresta Proibida era cada um por si. Não havia
bons samaritanos aqui. Pouco me importava que aquela coisa continuasse
gritando. Isso pelo menos evitaria que se aproximasse de mim.
A bétula estava perto agora, elevada e estoica.
Seus ramos tremiam dramaticamente, como se estivesse com frio.
Congelei de novo, e, de repente, perguntei-me por que eu sempre abria
meus braços como uma espécie de dançarina confusa quando ficava com
medo…
Mas sério, por que pelo armário secreto da deusa a árvore estava
tremendo? Isso não tinha acontecido antes. Eu passava por esta árvore toda
vez que vinha a este campo, e ela nunca tinha se movido por causa de nada
além do vento.
Esta é uma péssima hora para uma árvore estar dançando, pessoal,
pensei para o público invisível assistindo minha aventura. Era algo que
fazia desde pequena, e não tinha desistido do hábito aos 23 anos.
Antigamente, eu tinha feito isso porque estava fingindo ser um bobo da
corte, ou uma rainha, mas agora fazia por conforto. E excentricidade, eu
acho.
Vamos manter a calma, pessoal. As coisas estão ficando um pouco
estranhas.
Mantive minha distância da bétula tremendo, e fiquei grata quando parou
de se mover. A noite ficou quieta mais uma vez, o impostor que gritava
dando um tempo. O campo estava diante de mim, revestido à luz da lua.
Observei a área por trás da clareira. Nada se moveu. Nenhuma outra
árvore tremeu.
Um olhar para trás – com olhos estreitos para aquela bétula – e nenhum
problema à vista. Sem avisos corporais de perigo se aproximando, sem
sentir olhos em mim. Era agora ou nunca.
Adaga de volta na bainha e canivete a postos, observei as plantas e
caminhei com cuidado por elas. A maioria dos herbalistas as chamariam de
ervas. Mas a maioria dos herbalistas eram feéricos, e desdenhavam as
plantas que não podiam crescer. Ou é o que dizem por aí. Ninguém na
aldeia tinha visto um por dezesseis anos.
Claro, isso não impediu os feéricos de procurá-la. Everlass era a cura
mais potente de todos os reinos. E sabe o que mais? Só crescia em terras
governadas ou mantidas por metamorfos dragões. Engole essa, feéricos.
Mesmo que este reino estivesse basicamente na administração do rei
demônio por causa da maldição, ele ainda tinha a magia dos dragões. A
maior parte da nobreza foi morta logo após o rei louco perecer, mas a
everlass permaneceu ilesa. Tudo o que tínhamos que fazer era aprender a
trabalhar com ela.
Sempre achei romântico. Sem a presença de dragões, a everlass não
brotaria da terra. Era como se a magia protetora do dragão infundisse na
essência do solo que caminhamos e desse coragem a everlass para se
arriscar.
Esta planta era majestosa. No sentido de incrivelmente exigente e difícil
de se trabalhar. Se você for muito áspero ou precipitado ao utilizá-la, ela
murcharia e reduziria em potência. Exigia atenção focada e cuidadosa,
talvez até amor.
E eu a amava. Por que não amaria? Estava salvando minha aldeia.
Tirei apenas as folhas maiores e mais saudáveis, tomando cuidado para
não perturbar as sementes que garantiriam uma nova vida quando chegasse
a hora. Ao mesmo tempo, podei folhas mortas ou secas, mas eram muito
poucas.
Enfiei as folhas na bolsa, permitindo que elas tivessem espaço. Não era
bom amontoá-las logo depois da colheita. Elas funcionavam melhor quando
tinham um pouco de espaço para respirar, como as próprias plantas. Se não
tivesse que me preocupar em ser perseguida, atacada e comida, eu
carregaria as folhas para casa em uma bandeja grande, sem nenhuma tocar
na outra.
Quando a bolsa estava cheia, eu me endireitei e varri meu olhar pelo
campo. Queria saber quantas outras pessoas entraram neste lugar para usá-
lo. Nunca tinha visto mais ninguém, mas as plantas foram podadas e
cuidadas de forma correta. Isso significava um grupo de pessoas zelosas e
experientes, provavelmente das outras aldeias. Eu tinha visto o que
aconteceu com as plantas dos meus vizinhos que não se empenharam. Elas
cresceram selvagens e indisciplinadas.
Eu não fui a única que banhou essas plantas com amor. Não me
surpreendeu, mesmo assim, aqueceu meu coração. Esperava que as outras
aldeias estivessem se saindo tão bem quanto nós.
Um chirriar de coruja me assustou em meu devaneio. Franzi o rosto,
ouvindo. Veio do lado, bem perto. Não era alarmante por si só – parecia
irritada, mas poderia estar chateada com o companheiro ou outro pássaro.
Talvez tivesse notado um insetinho andando pelo chão ou algo assim, eu
não sabia. Eu não era uma especialista em comportamento de corujas. Não,
o que era alarmante era ser a primeira vez que ouvi esse tipo de coruja na
Floresta Proibida.
Uma bétula tremendo, e agora uma coruja. O que estava acontecendo
nesta noite?
Seja o que for, eu não gostei.
Fiquem quietos, pessoal. Se formos sorrateiros, ninguém vai nos
incomodar.
Girei e me apressei, ainda escolhendo meu caminho pelas plantas com
cuidado, mas fazendo o mais rápido possível.
Um suave ronco chamou minha atenção e me inundou com um calafrio
terrível. Meu reflexo de fuga quase me fez puxar as calças e correr pela
floresta como uma espécie de hobgoblin.
Era a besta? Outra criatura? Talvez não importasse. O som tinha vindo
de um animal maior, e qualquer coisa tão grande nesta floresta era algum
tipo de predador.
Soltei minha respiração muito lentamente. O animal estava a sudoeste de
mim, na mesma direção que o rompante da coruja, só que mais perto.
Olhei para o canivete agarrado na minha mão tremendo. Essa arma não
seria uma boa armadura.
Droga, agora eu estava pensando em piadas sem graça.
Esforçando meus olhos, observei o movimento enquanto pegava a
lâmina para dobrá-la. Observei para ver se alguma coisa interrompeu os
fragmentos de luar suave perfurando as sombras. A noite quieta não revelou
seus segredos.
Coragem, pessoal. Permaneçam calmos.
Eu me virei devagar em direção a casa, abaixando cuidadosamente os
pés, um de cada vez. Eu não queria que meus pés deslizassem na terra
estaladiça. Respirar devagar também ajudou. Eu precisava de ar para
abastecer meu cérebro e meus músculos. Precisava pensar ou correr, ou
ambos ao mesmo tempo. O pânico nunca ajudou ninguém.
Meu canivete fez um clique enquanto o fechava e a lâmina se alojava.
Fiz uma pausa, rangendo os dentes. O silêncio reverberou ao meu redor…
até escutar um lamento, como uma senhora de luto por suas perdas. Alto e
baixo, e cheio de agonia amarga.
Dei um salto. Meu canivete caiu dos meus dedos.
Porra! Derrubei a porra da faca. Puta merda, pessoal, isso está prestes
a ficar complicado.
Outro grito, desta vez como uma criança. Ele sacudiu meus sentidos
enquanto a faca bateu no chão em vários baques.
Os sons desta nova criatura vieram do Norte. Um norte perto, talvez,
quarenta e cinco metros, possivelmente um pouco mais.
Grunhidos altos seguiram os gritos. Ruun, ruun, ruun.
Mesma direção, distância parecida. Era óbvio que era a criatura dos
gritos, algum tipo de tordo aterrorizante. O que os grunhidos deveriam
atrair, eu não sabia, nem me importava.
Eu me curvei às pressas, tentando olhar pelas sombras profundas para
encontrar a faca, e depois passei meus dedos no chão, procurando. Grama
seca escovou minha palma.
Outra coruja disparou um aviso – ou talvez a mesma coruja? Eu não
sabia. Será que eram criaturas tenazes que seguiam invasores como velhos
mal-humorados? Eu precisava pesquisar. Independentemente disso, o
chirriar foi muito mais próximo desta vez. Vinte e sete metros, talvez
menos. Sudoeste, na direção do grande predador.
Foda-se o canivete.
Apressada, eu me levantei, ajustei a bolsa com as folhas e corri em torno
da bétula. Ela tremia do mesmo jeito de quando cheguei. Mas, desta vez, o
movimento parecia mais intenso. As folhas se agitavam como esqueletos
dançantes. Galhos rangiam, balançando mesmo na ausência de vento.
Qual era o problema com aquela árvore? Será que eu tinha cortado sua
prima ou algo assim?
O tordo aterrorizante parou seu grunhido de repente. Tinha me ouvido.
Sabia que algo estava aqui.
Aquela bétula condenada pela deusa se juntaria a prima se eu tiver
escolha. Eu dançaria nua ao redor das chamas.
Engolindo um xingamento, continuei para colocar alguma distância entre
mim e a flora surtando. Um pedaço de grama quebradiça entre dois troncos
espessos me esperava à frente, e eu desacelerei. Minha visão se restringiu
para o caminho diretamente na minha frente, e meu coração bombeou
adrenalina no meu corpo, sinais do reflexo de fuga. Desacelerei ainda mais
e respirei. Eu não podia correr às cegas. Não podia. Eu precisava pensar
sobre isso. Eu precisava ser inteligente.
O canivete que caiu não tinha feito tanto barulho. As criaturas da área
não sabiam que eu estava aqui. Elas só sabiam que a bétula era uma diva
querendo atenção. E mesmo se soubessem que havia um invasor no meio
delas, não seriam capazes de me achar. Meu cheiro estava escondido devido
à poção de ervas artesanais que eu tinha bebido antes de sair de casa, e o
terreno era muito duro para meus pés fazerem trilhas distintas no escuro.
Neste momento, eu ainda não tinha sido descoberta.
Olhei a grama à frente enquanto ouvia. A bétula finalmente se
estabeleceu, deixando uma ausência escancarada de som em seu rastro.
Meus ouvidos não pegaram nenhum movimento. Sem gritos.
Meu peito parecia apertado, tenso com a pressão de manter a calma. Eu
me concentrei na minha respiração e comecei a avançar devagar outra vez,
tirando a adaga da bainha ao mesmo tempo. A grama emitiu alguns estalos
leves antes de eu encontrar terreno duro de novo, cortado por pedaços de
grama morta. Por pouco não suspirei alto.
Uma coruja chirriou por cima.
Eu me sacudi e pulei ao mesmo tempo. A lâmina da adaga bateu
inutilmente no tronco da árvore à minha esquerda. A coruja chirriou seu
aviso outra vez, e desejei ter meu arco para que eu pudesse calar essa coisa
neste exato instante. Saia do meu gramado, coruja!
O lamento da velha soou outra vez, percorrendo meu corpo. À nordeste,
rastreando-me.
Eu me movi mais rápido, tomando cuidado com meus passos. Ainda
tinha uns noventa metros para sair deste lugar. Talvez um pouco mais. Não
muito longe se fosse considerar, mas qual era a velocidade dessa criatura?
Eu era rápida, mas ela era quase certamente mais rápida do que eu. E a
fronteira da aldeia só significava algo para a besta. Cruzar a fronteira não
seria suficiente para escapar desta criatura. Eu teria que entrar na minha
casa e trancar a porta. Era uma distância suficiente para ela me pegar.
Caminhar seria muito mais lento e não muito mais silencioso. A
alternativa seria ficar e me defender com um corpo meio faminto de anos de
sobrevivência penosa, e uma adaga um tanto cega e de tamanho médio.
Boas chances.
Uma sensação estranha rolou pelo meu peito, como um grande peso se
virando. Pouco depois, um choque de fogo passou por mim, e eu não pude
deixar de arquejar assustada.
Foi… maravilhoso. Incrível, na verdade. O calor, a potência e o…
desejo?
Merda. Íncubo. Eu não tinha tomado a poção para parar a magia da
luxúria de um demônio porque não tinha pensado que haveria um na
Floresta Proibida. Afinal, por que não teria? Eles têm um passe livre por
todo o reino. Não os ter visto aqui antes significava muito pouco.
Felizmente, eles não eram perigosos o suficiente para me fazer parar.
Segurei firme na alça da adaga, ignorei o desejo no meu núcleo e
continuei me movendo. Ignorei a súbita explosão de umidade entre minhas
coxas, enviando faíscas de prazer toda vez que minhas pernas davam até
mesmo o menor indício de atrito. E que cheiro era aquele? Agradável e
picante e delicioso. Porra, isso cheirava bem.
O som de um bebê chorando rasgou o ar noturno, desesperadamente
perto, uns dezoito metros à minha esquerda. O tordo aterrorizante tinha se
movido em minha direção em uma diagonal. De alguma forma estava me
rastreando sem ser capaz de sentir meu cheiro ou me ver.
Ou talvez meu elixir mascarador de cheiros não funcionava tão bem
quanto eu pensava…
Olhei para cima, pensando em escalar. Seria difícil chegar nos ramos
mais próximos. Eu duvidava que conseguisse ser rápida ou silenciosa, e
mesmo se eu conseguisse, e se a criatura pudesse voar? Chegaria em mim
em um piscar de olhos.
Correr pode ser minha única opção.
Antes de começar a me mover, o estranho peso no meu peito se arrastou.
Lava derramou e escorreu até meu núcleo encharcado. Não consegui parar
um gemido quando uma presença íntima roçou minha pele, como se alguém
estivesse me tocando fisicamente com dedos sedosos.
Minha respiração ficou irregular enquanto eu tentava, desesperada,
afastar o sentimento.
Mas foi… incrível. A melhor coisa que já senti. Quase primitivo,
alcançando dentro de mim e arrancando uma fome crua que eu não queria
evitar. Desejos desesperados voavam pela minha cabeça, de toques, de
corpos emaranhados, do gosto de um pau duro deslizando na minha boca.
Foda-se, este íncubo era um filho da puta forte. Eu nunca me senti assim
antes.
Precisava passar por isso. Precisava ignorar o desejo repentino e
nebuloso de deitar agora e abrir minhas pernas, implorando para ser
tomada. Para ser dominada.
Desde quando uma garota como eu queria ser dominada?
Pelo visto, desde agora.
Não era assim que eu sairia desta floresta viva. Isso não era real.
Mas certamente parecia real. Isso não era como os demônios da aldeia,
que tinham uma espécie de presença oleosa em sua magia sensual. Isso
parecia um pedaço de mim… um pedaço secreto de mim… exposto.
Porra. Não parecia nada bom. Eu precisava acabar com isso!
Continue andando, insisti para mim mesma. Continue. Você é mais forte
que isso. Resista!
Eu me forcei a continuar, e tropeçando como se estivesse bêbada. Como
eu ia lutar contra o tordo aterrorizante neste estado? O íncubo estava
trabalhando com ele? Se não, ele precisava se mostrar para que eu pudesse
matá-lo rapidamente e seguir em frente.
A costura das minhas calças esfregando na minha vagina quase me
desfez. Meus mamilos duros esfregaram no tecido grosseiro ao redor deles,
que de repente não estava apertado o suficiente. Minha respiração acelerada
não era por causa da caminhada rápida.
Isso era tão fodido. Eu mal conseguia me concentrar no meu pânico
extremo.
Um rosnado baixo percorreu cada ponto de prazer em volta do meu
corpo, e o desejo desintegrou como fitas cortadas. Em seu lugar, o pânico
ressurgiu.
Parei bruscamente, adaga levantada, olhos do tamanho da lua. A
vibração barítona continuou, congelando meu sangue.
Devagar, virei a cabeça em direção ao som à minha direita.
Uma sombra cobria os relevos ásperos da casca na árvore grande. Luar
se infiltrava pela escuridão ao lado dela. Não ouvi nem vi nada. Por alguns
segundos, nada em toda a floresta parecia se mover.
Uma forma saiu da esquerda, na direção oposta de onde eu estava
olhando. O corpo escamoso estava dobrado nas duas pernas robustas, a
cabeça ainda cobria a minha por mais de um metro. Braços pequenos e
mãos pequenas se estenderam para a frente e a boca enorme abriu. Eu
esperava algo como um pássaro. Não é este o caso. Duas fileiras de dentes
pingaram saliva.
Ele se atirou na minha direção, com a intenção de agarrar meu rosto em
suas garras.
Capítulo 2
⁎
NÃO TIVE FÔLEGO para gritar. Os pontos não afiados de dentes bem
gastos me apertaram enquanto ele corria, batendo nas árvores. Galhos
bateram no meu rosto, com força para machucar, mas não para causar danos
duradouros. Se ele me soltasse, eu teria um longo caminho a percorrer antes
de cair. Essa foi a única razão pela qual eu não tentei erguer a adaga e enfiar
no seu olho ou em seu nariz.
Passamos por mais uma parede de folhagem, e seus pés com garras
esmagaram a grama quebradiça além dela, provavelmente morta há muito
tempo. Vinhas e espinhos se torceram em um gazebo à esquerda, a tinta
descascando e o habilidoso trabalho na madeira lascado e quebrado. Ao me
curvar, podia ver uma grande entrada para o que devia ser o castelo real.
Ele parou diante da escada suja e rachada, e me soltou.
Gritei ao mergulhar em direção ao chão.
Antes de bater, a grande forma da besta rapidamente se reduziu ao
homem, e seus braços me arrebataram do ar. Minha adaga bateu no chão,
agora fora de alcance, e ele me apertou no peito enquanto subia os degraus.
Eu esperava o cheiro de suor, sujeira e odor corporal, mas fui
surpreendida por um cheiro fresco, leve e quase agradável de pinheiro e flor
lilás, com um toque de madressilva. Era o mesmo aroma da floresta mais
cedo, quando todos meus sentidos ficaram em alerta máximo por um
momento, e era absolutamente divino. Convocava uma imagem do topo da
montanha exposto ao vento que tinha uma vista para um lago cristalino com
uma superfície espelhada. Falava de conforto, paz e familiaridade,
sentimentos tão em desacordo com o momento e este lugar horrível que
congelei enquanto ele entrava pelas portas em um saguão vazio. Colunas de
mármore se ergueram ao nosso redor e o chão estava limpo e brilhante.
— Me coloque no chão — falei entredentes, tentando sair dos braços
dele.
Ele não se mexeu, seu aperto muito forte para eu me soltar. Duas escadas
de cada lado do espaço cavernoso se curvavam até um patamar acima. Ele
virou à esquerda, contornando as escadas, e adentrou o castelo, em direção
a um conjunto de portas duplas fechadas pintadas de branco. Um baque
surdo vibrou pelo ar, perfurado por gritos ocasionais de alegria.
Ele arrombou as portas. A luz foi a primeira coisa que me atingiu, um
brilho do que devia ser centenas de velas espalhadas pelo cômodo e presas
no lustre de cristal, onde as lâmpadas deveriam estar. Levantei a mão para
cobrir o rosto enquanto meu captor avançava. Depois veio a cacofonia.
Risos berrantes e música alta encheram o espaço. O movimento frenético
acompanhou uma infinidade de cores, nenhuma delas subjugada. Penas
balançavam, e uma corda do que pareciam contas voava pelo ar. Corpos
giravam com a música que devia estar sendo alimentada por magia de
alguma forma.
Afastando o braço, observei mais detalhes.
Era uma espécie de festa de máscaras. Uma mulher usava nada além de
uma máscara de penas pretas e um roupão. Seus lábios eram escarlates e
seu corpo estava pintado em desenhos elaborados, enrolados em torno de
seus mamilos nus e manchados no interior de suas coxas.
Um homem do outro lado da sala usava um grande cocar em fúcsia
brilhante e amarelo, joias pontilhando a testa e atravessando a ponte do
nariz. Um grande manto vermelho drapeava sua frente, a gravata
frouxamente amarrada em torno da parte inferior de seu peito e o resto
aberto. Um anel de metal cercava seu pau e bolas, e linhas vermelhas
haviam sido pintadas em cada lado de seu pênis ereto.
Na nossa frente, duas mulheres se contorciam enquanto dançavam, cada
uma nua, exceto pelas máscaras, uma com os dedos na boca da outra e a
outra com os dedos na boceta da primeira.
Meu olhar disparou para uma orgia de homens nos fundos. Era algum
tipo de trem, com quatro homens juntos com os paus em bundas e em
perfeita sincronia, avançando e recuando para que todos tivessem atrito. A
precisão deles era impecável. Um impulso prematuro e todo o grupo se
perderia.
Eu olhei em completo e absoluto choque. Eu não era puritana, mas…
Porra, talvez eu fosse puritana. O pub na minha aldeia não era nada
parecido. Esse nível de devassidão estava além de qualquer coisa que eu já
imaginara.
— Que tipo de grupo você traz para aqui? — perguntei.
Um homem trotou pelo chão preto quadriculado, usando cascos de pano
nas mãos, que ele mantinha apertados no peito, chinelos feitos para parecer
cascos nos pés e uma espécie de máscara de cavalo com um freio na cabeça.
Uma mulher vestida de couro estava sentada na sela nas costas dele,
projetada sob medida para ser usada quando ele estava de pé, dando golpes
com uma chibata. Ele estava gostando, se julgássemos por sua ereção.
Um por um, os festeiros nos viram, seus grandes sorrisos escorregando e
seus movimentos diminuindo e depois parando.
O líder do comboio do trem se afastou e se virou para nós. Na mesma
hora, soube que era um íncubo apenas pela postura e pela maneira sensual
como ele se movia. A multidão abriu espaço enquanto ele se dirigia para
nós. Ele tirou a chibata da amazona com um sorriso conhecedor no rosto.
— Nyfain, que bom que se juntou a nós. — Seus olhos cor de obsidiana
brilhavam com malícia e arrogância. Ele parou na nossa frente. — O que
temos aqui?
Ele esticou aquela chibata em direção à minha bochecha. Só a Deusa
sabia onde aquela coisa esteve. Qual bunda suada tinha batido. Não,
obrigada.
Antes que eu pudesse afastá-la, o homem que me segurava – Nyfain –
chutou para a frente. Seu pé se conectou firmemente com o meio do peito
do íncubo. O íncubo voou para trás com uma expressão de surpresa
misturada com dor. Ele bateu no chão e deslizou pelo mármore, a bunda
escorregadia não permitindo que a tração parasse. Ele passou pelas
mulheres que estiveram dançando e entrou em um grupo misto que parou
para assistir.
— Hadriel, um passo à frente — gritou Nyfain.
— Ora, ora, Nyfain. — Uma mulher caminhou em nossa direção pelo
lado, vestindo um bustiê de renda carmesim com cinta-liga e sem calcinha.
Súcubos. Claro que estavam por trás dessa devassidão. Alimentavam-se da
luxúria e de delitos. — O sol se pôs. Você não tem jurisdição aqui.
— Não preciso de jurisdição, preciso de Hadriel. Um passo à frente.
— Hadriel está ocupado…
— Aqui! — Um homem magro saiu de uma multidão de pessoas no
centro à direita. Era de admirar que eu não o tivesse notado antes.
Ele usava uma espécie de fantasia… roxa felpuda que o fazia parecer
uma imitação boba da besta. Suas calças desgrenhadas terminavam em
sapatos pretos que se assemelhavam a cascos, mais ou menos como o
homem com fantasia de cavalo. Um V preto cobria sua região íntima, mas o
traje se abria para desnudar o torso, expondo mamilos peludos. Seus braços
estavam cobertos com o mesmo material que suas pernas, apertados em
volta do pescoço. Dois chifres de pelúcia se curvavam na cabeça dele.
— Ah, Deusa, que espetáculo — eu disse com uma pequena risada. Era
o que eu precisava para perfurar meu medo.
— Aqui, senhor. — Hadriel avançou um pouco mais e depois oscilou.
Ele claramente não estava sóbrio.
— Se recomponha e depois vá até a sala da torre — gritou Nyfain.
— Você não precisa ir, Hadriel — disse a súcubo. — Não há nada que
ele possa fazer com você se ficar.
— Há muito que ele pode fazer comigo — murmurou Hadriel, enquanto
cambaleava em nossa direção.
Eu me afastei um pouco de Nyfain e tentei olhar para o corpo dele.
— O que está fazendo? — rosnou ele, e me apertou em seu peito para
que eu ficasse parada.
— Estou tentando ver se está com uma ereção.
Ele bufou, voltando para as escadas e subindo. No terceiro andar, ele fez
a curva e entrou em um lindo e pitoresco salão com janelas arqueadas à
esquerda e pedra à direita. Pinturas a óleo alinharam o caminho, algumas
com bigodes desenhados nos rostos dos sujeitos e, ocasionalmente, alguns
paus. Era óbvio que alguns festeiros perderam o controle.
No final, ele subiu uma pequena escada que levava a uma única porta
pesada. A torre, provavelmente. Ele planejava me colocar lá.
— Pensei que ia me matar — eu disse com uma voz suave quando ele
me pousou no chão.
— Colher uma erva daninha não é realmente roubar, mas sua invasão
persistente justifica a detenção. Sua sentença é para toda a eternidade. Aqui
está sua cela.
Ele torceu a chave antes de abrir a porta. A escuridão esperava lá dentro.
Ele fez um gesto para eu entrar.
— Mas… — Eu mexi no colarinho enquanto olhava para as profundezas
sombrias. — Você vai me manter em uma torre? — Minha voz continuava a
subir. — Em um lugar que se tranca por fora?
— Você prefere que eu a jogue na masmorra?
— Existe uma terceira opção? Como uma advertência e humilhação
pública?
Ele me agarrou pelo braço e me empurrou para o cômodo. Eu cambaleei,
o medo subindo para me sufocar. Ele ficou na porta, os ombros enormes
quase enchendo a moldura. Seu corpo foi construído para o poder, e ele o
aperfeiçoou com força.
— Bem-vinda ao inferno, princesa.
A porta bateu e a fechadura estalou. Deixei cair a adaga e bati na porta,
balançando a maçaneta e puxando. Nada.
— Aquele filho da puta — resmunguei, virando-me e empurrando as
costas na porta.
Meus olhos se ajustaram à escuridão. Graças à Deusa pela lua quase
cheia. Luz fraca filtrava pelas cortinas pesadas. Comecei a avançar,
acenando com as mãos na minha frente para sentir o que não conseguia ver.
Meu pé bateu em algo sólido e depois o lado do meu braço. Algum tipo de
madeira. Andei um pouco mais, e eu chutei e, depois, praticamente caí por
cima de uma pequena mesa. Ainda mais longe, finalmente cheguei à janela.
Agarrei o veludo e abri. Os ganchos de metal rasparam na haste da
cortina. A luz jorrou e eu dei uma primeira olhada na vista.
Eu estava bem acima do chão. As escadas indicavam que eu estava
quatro níveis acima, mas o castelo estava empoleirado em uma elevação. A
terra deste lado se inclinava e parecia que eu podia observar para sempre.
Os topos das árvores se espalhavam ao longe com várias lacunas, algumas
bem grandes. Queria saber se essas aberturas marcavam outras aldeias ou
propriedades. Percebi o pouco que eu sabia sobre o reino. Nunca estive
longe de casa. Não fazia ideia de como eram os outros lugares e de como
eles eram organizados. Nem de como era o castelo além do que eu tinha
visto esta noite.
Quando era jovem, sonhava com essas coisas. Eu fazia de conta que era
uma rainha andando em seu trono, acenando para a multidão adoradora
reunida abaixo e ajustando minha longa capa de veludo vermelho. Que
viajava para reinos distantes e encontraria seus líderes, sorrindo
serenamente e bebendo chá com o dedo mindinho para cima, como se fosse
da realeza. Outras vezes eu era o bobo da corte, fazia acrobacias e
malabarismos para a realeza sorridente, depois fazia piadas às custas deles,
que eles eram muito lentos para entender.
Mas depois cresci. O grandioso faz-de-conta reduziu para meu hábito de
me dirigir a um público invisível sempre que me metia em problemas, ou
corria riscos para pôr comida na mesa. Meus sonhos tinham secado. Todos
nossos sonhos tinham, eu acho. Não estava sozinha em nada disto.
Bem. Eu estava sozinha em uma torre em um castelo, sendo mantida
como prisioneira pelo último nobre sobrevivente…
Respirei fundo ao puxar o resto das cortinas e olhar para o chão. Fiz
algumas contas rápidas: o último nobre sobrevivente + encarregado de
proteger a terra = dragão. Dragão!
Procurei na minha memória como eram os dragões. Primeiro veio aquela
brilhante obra-prima dourada no céu da minha juventude. O príncipe
dragão. Mas eu nunca o tinha visto – ou qualquer um deles – de perto,
apenas de baixo enquanto cortavam o ar com enormes asas. Não havia
como comparar a besta com o que eu tinha visto.
Mas havia quadros, desenhados ou pintados à mão. Na verdade, eu tinha
acabado de ver alguns no livro de história da biblioteca. Nyfain
compartilhava algumas características com os dragões. A cabeça blindada e
com chifres, a longa cauda terminando em espinhos, os pés com garras, a
inclinação nas costas.
Mas o que aconteceu com as asas dele?
E por que apenas um nobre foi poupado? Um nobre que aparentemente
tinha jurisdição aqui apenas durante o dia.
E por que
Não adiantava registrar todas minhas perguntas. Jogá-las no ar só
aglomeraria o espaço. Eu não tinha respostas. Pelo menos por enquanto.
Uma batida suave soou na porta. Meu estômago revirou, mas não aquela
coisa estranha no meu peito. Meu animal, como Nyfain tinha chamado.
Várias perguntas tentaram subir para a superfície.
— Olá? — chamou uma voz abafada.
Eu me virei. Era assim que ia ser? Teria de me comunicar pela porta?
— Olá? — chamou a voz outra vez.
Suspirando, atravessei o cômodo e me inclinei na moldura.
— O quê? — eu disse, cruzando os braços.
— Ah. Você está aí. Fantástico! Posso entrar?
A fala arrastada era evidente. Devia ser a imitação roxa da besta da festa.
Hadriel.
Não pude evitar uma pequena risada ao lembrar da fantasia e sua timidez
ao se apresentar. Ele estava zombando de Nyfain e não esperava ser pego.
Mas, isso não significava que pegaria leve com ele. Para todos os efeitos,
ele era um guarda. Por direito, os prisioneiros deviam estar em desacordo
com os guardas. Para mim, isso significava muito sarcasmo. Esperava que
ele estivesse pronto para isso.
— Você tem a chave, idiota — falei.
— Tenho? — Sua voz foi sumindo. — Ah. Entendo. Está na porta.
Espere… você é uma prisioneira? Por que está presa?
Levantei as sobrancelhas e me preparei para uma série de palavras,
mas… nada apareceu. Sua total falta de noção fez minha mente ficar em
branco. Ele não parecia mais esclarecido sobre a situação do que eu.
— Você é perigosa? — perguntou. — Devo me preocupar? O mestre não
mencionou que eu deveria estar preocupado.
Mais uma vez não sabia o que dizer.
— Não? — consegui finalmente dizer.
— Não parece ter certeza. Olha, eu não sou bom em lutas. É por isso que
ainda estou vivo. Sou um mordomo, pelo amor da Deusa! Cuido das
pessoas, mais ou menos. Não sou muito bom nisso. Também é por isso que
ainda estou vivo, eu acho. Há segurança na mediocridade. Por isso, se está
furiosa, vou precisar pedir que se acalme um pouco. Eu não sou o vilão
aqui.
Um sorriso estava puxando meus lábios. Este cara era real?
— Não vou te machucar — falei.
— Tem certeza? Agora que penso nisso, o mestre tinha uma ferida
recente. Foi você?
— Sim, mas ele agarrou minha garganta. O que eu devia fazer? E, pra ser
sincera, nem me lembro de ter feito isso.
— Não se lembra de ter feito isso? — Agora a voz dele estava
aumentando. — Que tipo de maluco esfaqueia uma pessoa e não se lembra?
— O tipo que pensa que vai morrer?
Uma pausa. Então:
— Sim, tudo bem. Isso faz sentido, eu acho. Tudo bem, estou entrando.
Agradeceria se não me apunhalasses nem me machucasse de alguma forma.
Eu estava me divertindo muito há pouco tempo e não quero arruinar a
sensação.
Eu me afastei da porta e retomei minha posição na janela mais distante.
Lá eu esperei. Nada aconteceu.
— Você vai entrar? — gritei.
— Eu estava esperando uma confirmação!
O metal tilintou, a chave girando na fechadura. A maçaneta oval girou
devagar. Com a mesma vagareza, a porta abriu uma fresta, e uma cabeça
roxa felpuda coberta com dois chifres de pelúcia olhou para dentro. Os
olhos dele dispararam até que seu olhar pousou em mim. Ele me olhou de
cima a baixo por um momento, parando nas minhas mãos desarmadas. A
porta continuou a se abrir até que o monstro roxo e felpudo entrou.
Tentei esconder mais risadas e falhei. Eu tinha passado da vida real e
pesadelos para uma vida de pesadelo sem qualquer tipo de realidade.
— Olá… — Ele entrou um pouco mais, as mãos para cima. — Não estou
sóbrio. Só para que fique claro.
— Gostaria de não estar sóbria. É quase a mesma coisa.
Ele assentiu e se desviou para a pequena mesa de cabeceira perto da
cama. A luz se acendeu de um fósforo que ele colocou em uma vela no
suporte de prata. Só então eu realmente assimilei o quarto.
Uma enorme cama de dossel empurrada na parede, as cortinas recolhidas
para as colunas com cordas com borlas. Mesas de cabeceira de madeira
intrinsecamente esculpidas ficavam de ambos os lados da cama e um grande
guarda-roupa de porta dupla do outro lado do quarto tinha o mesmo design.
A poltrona estofada no canto, aninhada entre as janelas do chão ao teto
cobrindo as paredes do lado leste e sul, parecia desgastada e bastante
confortável para leitura. Estava claro que a pequena mesa ao seu lado era
para apoiar livros.
Um tapete bege cobria a maior parte do piso, mas não conseguia ver o
design por causa da luz fraca. As paredes estavam quase vazias, exceto por
uma pintura a óleo representando uma cabra deformada e uma lasca de lua.
Era uma visão moderna da arte ou feita por um amador.
Hadriel pegou o castiçal, a metade da vela queimada do uso anterior com
cera seca escorrendo pelos lados.
— Então. Aqui estamos. — Ele soluçou e deu um tapinha no peito,
depois deslizou a mão pela roupa. Ele baixou a cabeça para olhar para
baixo. — Ah, porra.
— O quê? — perguntei, sem conseguir parar.
— Esqueci que usei isso esta noite. Você acha que o mestre notou?
— Como… — Eu contive uma risada. — Como você poderia esquecer
que usava isso?
Ele cambaleou para trás alguns passos e apoiou os dedos na mesa de
cabeceira.
— Assim que a magia demoníaca entra em ação, você para de se
importar com a sua aparência. Tudo o que você quer é…
Ele estreitou os olhos.
Levantei minhas mãos.
— Não estou julgando. Eu sei o efeito que tem.
Ele cedeu.
— Sim. É diversão. Uma boa diversão. Mas depois você acorda e se
sente sujo, sabe? Estou usando uma fantasia de demônio peludo, na
esperança de transar com qualquer buraco molhado que encontrar. Não me
importa a quem pertença ou que parte do corpo seja, só quero enfiar o pau
nela. O que eu tenho, dezoito?
Imaginei que ele estivesse na casa dos vinte e cinco, um pouco mais
velho do que eu. Ele tinha a pele bronzeada e um bigode fino acima dos
lábios finos. Ele estava um pouco tonificado, mas claramente não malhava
ou lutava pelo jantar. Ele já tinha dito isso.
— Mas fica tão chato aqui — retomou ele. — Que continuo me
aventurando na festa. Bebida e sexo foram muito divertidos durante cinco
anos. Depois foi uma distração agradável. Agora… estou apenas fodendo e
sentindo vergonha depois, sabe? E se eu não estou fodendo e sentindo
vergonha, estou devorando comida. Eu costumava ter passatempos e tal. E,
não sei, fazia coisas. Agora eu só faço o que aquele íncubo gostoso me
manda. Ele me fez foder mulheres. Eu nem gosto de foder mulheres! Mas
eu fodo. Por que não? Não é como se eu tivesse mais autorrespeito.
Fiz uma careta.
— Isso é sombrio. Quantos anos você tem?
— Quando a maldição começou, eu tinha 26 anos. E já que estamos
congelados no tempo… acho que ainda tenho 26 anos? Existem diferentes
correntes de pensamento sobre esse assunto, mas temos certeza de que
emergiremos da maldição como entramos, apenas com muitas experiências
sexuais terríveis em nosso currículo. Vou ser tão baunilha depois de tudo
isto, não estou tirando onda. Zero fetiches depois disto. Serei um novo
homem.
— Espere… o que quer dizer, congelado no tempo?
A sobrancelha dele franziu e depois relaxou com um sorriso.
— Minhas desculpas. Eu me esqueci completamente do que acontece
com vocês. Vocês envelhecem e adoecem com a maldição, né? Nós não
ficamos doentes, mas estamos presos no tempo. Tudo aqui parou. Não faço
ideia porque é diferente entre o castelo e as aldeias, mas é isso. Eu tive 26
anos por dezesseis anos. — Eu não sabia o que dizer.
“De todo jeito, é. Superpesado. — Ele abriu a gaveta da mesa de
cabeceira antes de fechá-la outra vez. — Precisamos lhe arranjar alguns
vibradores. Você não tem permissão para ir às festas... queria não ter tido
permissão para ir às festas. Bem, você provavelmente vai querer algo para
aliviar a tensão. São vibradores alimentados por magia demoníaca.
Incríveis. Eu tenho um que chupa meu pau enquanto gira, e são coisas de
lendas. Ou… seriam se eu não estivesse atolado em uma poça de tédio que
se tornou autoaversão. — Ele fez uma pausa, apontando para mim. —
Gosta de anal?”
Eu fiz um som como “hã?” e me imaginei segurando uma pulseira
antiestresse em um punho de ferro. Agora eu sabia como Hannon sempre se
sentiu.
Ele assentiu como se isso fosse uma resposta.
— Vou me certificar de arranjar um para você experimentar. Estão todos
limpos, não se preocupe. Não reutilizamos nem nada. Os demônios têm
estoques. O que mais?
— Vou ficar presa neste quarto… o tempo todo?
— Vai precisar de uma tonelada de velas… — Ele caminhou para a
parede mais distante e começou a mexer em uma cômoda. — Não sei, vai?
— Olhou em volta. — Espero que não. Acho que não. Ele não a confinaria
aqui. Não quando… — Seus olhos se arregalaram e ele voltou a cutucar o
peito.
— Não quando o quê?
Eu me inclinei para a frente.
Ele balançou a cabeça.
— Temos uma mordaça mágica. Se falarmos sobre… algumas coisas, a
mordaça se tranca e sufocamos até a morte. Sabe quantas pessoas morreram
por ativar a mordaça mágica? Muitas, posso garantir. Por um tempo,
tentávamos embebedar os outros e falar sobre… coisas que eles não
deveriam falar, apenas para ver se foderiam tudo e morreriam.
— Então você tentou enganá-los para que se matassem?
Ele baixou a tampa do baú.
— Parece uma coisa muito ruim de se fazer quando se diz assim. Mas na
época… Bem, isso foi quando eu comecei a foder e depois sentir vergonha.
Todos nós já tínhamos perdido o contato com a realidade a essa altura.
— Este lugar é…
— É um pesadelo. Saúde! — Ele sorriu e olhou em volta. — Merda. Eu
não tenho uma bebida.
Estava claro que era um tema comum em torno deste lugar. De certa
forma, eles estavam vivendo uma vida de luxo, mas a maldição não os
poupou. Enquanto nosso povo sofria de modo físico, essas pessoas sofriam
mentalmente.
A tristeza me venceu ao pensar na minha aldeia, e lágrimas brotaram. É
melhor não pensar em casa agora. Eu acabaria em um buraco mais escuro
do que Hadriel, e parecia que esse caminho levava a foder e depois sentir
vergonha.
— Deusa belíssima, o que é isso… — Hadriel abriu as portas do guarda-
roupa e estava tirando vestidos como se estivessem cobertos de cocô de
galinha.
Um vestido rosa cheio de babados foi jogado de lado e caiu no chão
como cobertura de bolo. Outro azul com babados e renda foi parar em cima
dele.
— De quem eram esses vestidos? — Ele jogou um vestido laranja
brilhante na pilha. — Quem os fez devia ser esfaqueado.
— Isso era… o quarto de alguém antes de eu chegar? — Uma pergunta
perigosa para o meu bem-estar mental.
Ele encolheu os ombros.
— Talvez antes da maldição? Mas não desde a maldição. Ou pelo menos
não desde que o Mordomo Um sofreu uma morte horrível e o Mordomo
Dois foi jogado de uma janela. Desde que eu estive neste posto, não, não
houve ninguém novo neste castelo.
Ele contorceu o rosto e fechou as portas do guarda-roupa.
— Torre — gritou ele para mim. — Ninguém novo esteve nesta torre!
ESSE DEJESO ERA algo que eu teria que ignorar, porque eu não ia me
rebaixar a foder esse idiota. Talvez eu precisasse ir para o salão receber uma
lambidela.
— Acabou? — perguntei com uma bravata que não sentia.
Ele fechou a pequena distância entre nós, seu corpo grande diminuindo o
meu, seu doce hálito acariciando o meu rosto. Fogo, raiva e luxúria
carregava o ar entre nós. A respiração dele era superficial, combinando com
a minha. Palavras não ditas – palavras indecentes, safadas e sensuais –
pairavam ao nosso redor.
Uma veia pulsava em sua mandíbula. Seus olhos cravaram nos meus por
um momento tenso. Foi preciso tudo o que eu tinha para forçar meu animal
a se acalmar.
— Você vai querer ficar longe de mim — disse ele com a voz de um
pesadelo. — Eu não estava mentindo, vou arruinar você. Destruirei sua
virtude. Mancharei sua bondade.
Por que parte de mim queria tanto isso? Quais eram esses desejos loucos
que este homem estava despertando em mim?
Cerrei o maxilar com tanta força que meus dentes doeram. Acreditei na
ameaça dele, e não queria enfurecê-lo. Não queria que ele me inundasse
com outra explosão de poder. Não sabia se podia me impedir de ceder.
Seus olhos vagavam pelo meu rosto antes de finalmente acenar com a
cabeça. Com uma rigidez contradizendo o estado em que estava, ele se
virou e caminhou mais fundo no campo everlass. Ele passou os dedos pelo
cabelo, deixando-os mais indisciplinado.
Soltei um fôlego e virei para o outro lado. Eu precisava me orientar.
Hadriel estava a uma certa distância com Leala, com um piquenique
montado. Mesmo longe, eu podia ver a preocupação em ambos os rostos.
Uma lembrança da noite anterior flutuou – Nyfain agarrando meu pescoço e
me puxando para ele, exigindo informações que eu não estava disposta a
fornecer. Era óbvio que ele tinha um temperamento terrível.
Se ao menos fosse com isso que eu estivesse preocupada.
Mais uma vez sob controle, eu me virei de volta. Ele estava trabalhando
no campo de novo, verificando as plantas e podando. Seus movimentos
graciosos pareciam uma dança bem praticada. Ele também não apenas
retirava folhas secas ou murchas. Ele afofava as plantas, tocando quase
ternamente antes de seguir em frente, dando um pouco mais de amor e
atenção.
— Isso funciona? — perguntei, aproximando-me. — Os toques
aleatórios?
Ele olhou para trás antes de continuar.
— Pra ser sincero, eu não sei. Esse conhecimento foi passado. Não
questionei.
— Posso testar, se quiser.
Ele se levantou, atravessando uma das fileiras. O sol bateu em seus
ombros largos quando ele olhou para longe do campo.
— Faça o que quiser. Eu quero que você faça aquele… elixir
neutralizante, como o chamou. Quero que beba primeiro, para ter certeza de
que não é veneno. Então quero distribuí-lo para algumas pessoas para ver se
funciona mesmo.
— Por favor — eu disse.
Ele olhou para mim.
— É uma ordem, não um pedido.
— E se não fosse salvar as pessoas, diria para enfiar seu pedido naquele
canto.
Surpreendentemente, ele sorriu.
— Não vamos nos dar bem, Finley.
Meu nome na voz dele fluiu por meu corpo. Eu tremia, agora
incrivelmente irritada de novo.
— Acho que isso estava subentendido assim que me fez prisioneira —
retruquei.
— Antes mesmo disso. — Ele voltou para mim. — Você diz que precisa
colher à noite?
— Sim. Meia-noite parece funcionar melhor.
— Você já tentou às três horas? É quando os demônios são mais fortes.
Se você diz que o elixir funciona melhor quando colhido à noite por causa
da magia deles, então três horas seria o momento ideal.
Franzi os lábios pensando.
— Boa dica. Não sei muito sobre demônios.
— Então você não… se misturava com eles na sua aldeia? — rosnou ele,
como se apenas pensar em mim tocando intimamente um demônio o
enfurecesse.
Franzi a testa, sem saber por que ele se importaria. Talvez tivesse um
ódio geral deles, que eu entendia completamente.
— Não — respondi, vagando pelo campo e olhando para as várias
plantas. Queria escolher as que eu colheria. — Falando nisso, esse lugar
tem um jardim de ervas? Quero fazer a poção que neutraliza a magia dos
íncubos.
— O que você disse?
Aquilo chamou a atenção dele.
Gargalhei.
— Hadriel ficou animado também. Com isso e com o substituto do café.
Todo esse tempo livre e ninguém pensou em experimentar? Criei a poção
para demônios quase depois de fazer 16 anos. Aqueles desgraçados
pegavam pesado. Não quis acidentalmente ficar fora de casa muito tarde e
me encontrar com um. Que jeito de perder a virgindade.
Eu fiz um som de eca.
— Nem todos têm o dom da cura.
Seu tom era sombrio com traços de tristeza e uma pitada de orgulho.
Olhei para cima para avaliar sua expressão, mas ele tinha se afastado,
vagando pelo campo.
— Certo, bem, se você tem um jardim de ervas, posso fazer o suficiente
para todos, se quiser. Para quem quiser. Se tiver suprimentos suficientes,
claro.
— Você é muito solidária com seus antídotos. — Mais uma vez aquele
tom sombrio. Aquela tristeza.
— Talvez eu esteja apenas tentando envenenar todo mundo. — Depois
de alguns segundos de silêncio, deixei a curiosidade ganhar. — Você cuida
deste campo sozinho? E aquele na Floresta Proibida?
— Na maior parte. Há um jardineiro no terreno. Ele ajuda onde pode.
— Quem te ensinou a cuidar das plantas? Não os livros, imagino.
— Minha mãe — disse ele baixinho.
Ele fez um trabalho quase perfeito com essas plantas. Estavam todas
felizes e saudáveis. Dariam um elixir muito forte, exceto que não tínhamos
água da chuva coletada. Precisaria descobrir uma maneira diferente.
Primeiro... a colheita.
— Não notei qualquer correlação entre a força dos demônios e os vários
ciclos lunares, e você? — perguntei quando parei perto de uma planta
murcha. Eu me agachei e observei, descansando os antebraços nos joelhos.
— Não. A lua não os afeta.
Franzi os lábios para o lado, pensando, antes de olhar para o sol e,
depois, ao redor, marcando este ponto em minha mente para que eu pudesse
evitá-lo.
— Mas afeta os metamorfos. — Ele surgiu na minha linha de visão,
tendo claramente me seguido pelo campo.
— Sei disso.
— Afeta você?
— Como poderia? Meu animal está... ou estava, pelo visto, suprimido
como o de todos os outros. Só agora, depois de você, posso senti-lo. Senti-
la, eu acho. Parece uma presença feminina.
— Você não sentia seu animal antes de mim? Nem um pouquinho?
— Não.
— E mesmo assim pode resistir aos meus comandos.
Não mencionei que não era divertido resistir a ele.
— Ninguém nunca resistiu — disse ele.
Eu me levantei.
— Talvez você não seja tão forte como antes. Talvez seja por isso que
você não pode quebrar a maldição, seja lá o que for.
— Não cabe a mim quebrar a maldição. Eu sou impotente a ela.
— Nunca somos impotentes — murmurei, um sentimento que sempre
repeti para mim mesma quando eu me sentia, de fato, impotente.
Normalmente sem esperança, também. Eu apontei para baixo. — Esta
planta está sendo aglomerada. Acho que sabe o que isso significa.
As sobrancelhas dele franziram. Ele levou um segundo para olhar onde
eu estava apontando. Ele não comentou, e, a julgar pelas nossas interações
anteriores, deduzi que ele não sabia o que dizer.
Queria mesmo socá-lo, na maioria das vezes, mas em vez disso respirei
fundo e preparei a palestra. Isso era algo que ele precisava saber se ia
trabalhar com everlass. Uma coisa que a mãe dele deveria ter dito a ele. A
localização da planta sugeria que tinha sido plantada desta forma de
propósito.
— Esta planta está basicamente sendo intimidada, para dizer de forma
simples. Isso cria uma espécie de… qualidade ácida que é ruim para a cura.
Pode ser venenoso, na verdade. Alguém na minha aldeia usou folhas de
uma planta aglomerada para o elixir de que falamos, e matou o marido em
poucas horas. Ela alegou ter escolhido as folhas, várias folhas, por acidente,
o que significa com certeza que foi de propósito. Já que ela se recusou a se
casar de novo e passou muito tempo depois disso com demônios no bar…
bem. Foi suspeito.
“Voltando ao assunto, o livro que li dizia que muitas vezes se pensava que
plantas aglomeradas eram cultivadas dessa forma de propósito, aninhadas
entre as outras no campo, escondidas à vista de todos. Apenas uma pessoa
que sabia o que procurava saberia a verdadeira natureza da planta
aglomerada.”
Usei meu dedo para delinear as fileiras. Haviam pequenas depressões
por toda parte, como se o cavalo não tivesse andado em linha reta quando
os campos foram arados. Só que às vezes as fileiras mergulhavam o
suficiente para criar uma planta aglomerada. Contei treze, um número
supersticioso.
— O layout deste campo é magistral. — Levantei as sobrancelhas para
ele. — Você?
— A ex-rainha.
Isso era surpreendente. Eu não tinha pensado que a realeza trabalhava de
verdade. Não de forma física.
— Bem, ela sabia o que estava fazendo — eu disse. — Pena que não foi
ela que lhe ensinou. Para desaglomerar a planta, você poda as plantas ao
redor e dá mais espaço para ela respirar. A planta vai espalhar as folhas e
florescer. Não guarda rancor. No geral, o jardim também não sofrerá na
produção, já que todas as plantas estão a todo vapor. Se quiser aglomerar a
planta de novo para poder matar o marido, só fazer a poda um pouco e
deixar as outras plantas se aproximarem. Fácil.
— Você aprendeu tudo isso com um livro? — Ele parecia incrédulo.
— Alguns, na verdade. Um livro sobre everlass, um sobre mitos e
lendas, uma história do reino, um livro sobre fadas, e depois apenas
tentativa e erro. Sem dúvida completei os diversos espaços em branco.
Ele olhou para mim por muito tempo, equilibrado na ponta dos pés.
Preparando-se para algo, ou se defendendo, não sabia qual. Seja qual fosse,
a luta parecia interna.
Ele cerrou os dentes contra uma forte emoção. Pela primeira vez, ele não
jogou seu drama em mim, e eu estava grata.
— Nossos jardins não estão à altura de uma bruxa — desdenhou ele, mas
pude perceber que não falava do fundo do coração.
— Ouvi dizer que às vezes dá mais trabalho ser um idiota do que ser um
cara legal — eu disse baixinho.
— Sabe por experiência?
— Não. Pra mim sempre foi mais fácil ser idiota. Pessoas boas me
deixam nervosa.
Um sorriso genuíno apareceu em seu rosto, suavizando a aparência
severa. Sem dúvida ele tinha sido admirado por sua beleza, antes de todas
aquelas cicatrizes cruzarem a pele dele.
— Se você consegue se transformar, por que não se cura? — perguntei, a
curiosidade vencendo enquanto o ajudava a cuidar do campo, podando e
agora acariciando levemente as plantas. Exigia muito cuidado, essa
everlass. Mas valia o esforço.
Sua expressão desmoronou, retornando à pensativa. Seus músculos
ficaram tensos.
— Só posso me transformar por pura determinação e pela conexão forte
com meu animal. Eu me recusei a perder o controle dele, e ele foi capaz de
forçar a mudança. Nosso vínculo é forte e juntos somos mais poderosos que
o rei demônio. Mas pagamos o preço. A magia tirou nossas asas com a
primeira mudança, deixando-nos presos a terra e desfigurados. Minha
capacidade de cura foi suprimida também. Quando me machuco, demoro a
me curar. Que mulher iria querer ficar presa com um dragão que não voa e
um homem tomado por cicatrizes — Ele se virou e se inclinou, de costas
para mim. — Se tivesse esfaqueado meu coração com aquele canivete, eu
teria morrido. Você teria feito o que ninguém mais foi capaz de fazer nestes
últimos dezesseis anos. Teria acabado com este pesadelo eterno.
Uma dor apertou meu coração. Não só por ele, mas por todos nós.
Queria que alguém me explicasse a maldição para que eu pudesse descobrir
uma maneira de acabar com ela. Assim eu poderia fazer mais do que lidar
com plantas exigentes.
— O que aconteceria se eu tivesse te matado? — perguntei, caminhando
mais perto dele.
— A maldição acabaria e o rei demônio enfim governaria. Depois disso,
ele provavelmente transformaria todos em servos ou apenas os mataria. Não
sei.
Perdi o fôlego.
— Bem — Eu me levantei e olhei para as plantas por um momento, a
desesperança aumentando. Como sempre no meu passado, só me deixei
remoer por um segundo. Deixei o sentimento se assentar, e então me
recuperei. — Onde há vida, há esperança. Você ainda não está morto, e eu
também não. Podemos achar um jeito. O que acontece se matarmos o rei
demônio?
Ele se levantou e se virou, seus belos olhos desprovidos de raiva pela
primeira vez.
— O poder que ele exerce sobre nós será transferido para o próximo na
linha de sucessão ao trono demoníaco.
— E se matarmos todos eles?
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Não temos recursos para isso.
Coloquei as mãos nos quadris.
— Vou dar um jeito. Deve haver algo que possa ser feito.
— Você sacrificaria sua vida para salvar este reino?
Sua voz estava grave, e soou como uma pergunta traiçoeira. Mesmo
assim, não precisei pensar na resposta.
— Claro — eu disse. — Pensei que estava sacrificando a vida pela
minha família. Fazer isso pelo reino seria uma honra.
— Fácil assim, hein?
— Sim. Quero dizer, não me entenda mal, eu morreria de medo, tentaria
fugir e escapar como ontem à noite, mas no final, eu faria isso. Claro que
sim. Qualquer um faria.
Ele zombou.
— Nem todos. Algumas pessoas não são tão honrosas ou altruístas como
você diz ser. — Ele se virou para mim, raiva mais uma vez queimando
brilhantemente em seus olhos. Outra coisa brilhava lá também. Dor. —
Você deveria ser mais cuidadosa quando faz tais reivindicações, princesa.
Não sabe do que fala. Há destinos piores do que a morte.
— Como ficar desfigurado? — Eu o encarei. — Como perder as asas?
Pelo menos você pode se transformar em seu animal. A maioria das pessoas
adoraria fazer isso e não consegue. Que mulher adoraria um dragão sem
asas e com cicatrizes? Uma mulher que não dá a mínima para as aparências.
Por que não pergunta do que realmente tem medo, que mulher gostaria de
você por você? Não é mais um nobre. Não é mais um dragão. Está tão
fodido quanto o resto de nós. Claro, você desfila por este castelo e patrulha
os terrenos da realeza, mas os demônios comandam este lugar. Você está
brincando de faz de conta se pensar o contrário. Os demônios controlam sua
vida do mesmo jeito que controlam a nossa. As linhas entre plebeus e
realeza foram borradas. Agora somos só você, eu e todos os outros. Então,
não, você não está preocupado em estar desfigurado, está preocupado que a
feiura de sua personalidade seja a única coisa que as pessoas têm para julgá-
lo.
— Você se atreve a falar comigo dessa maneira?
— Diga que estou errada.
Seus punhos abriram e fecharam, e seu temperamento explodiu. De
repente, ele estava vindo na minha direção, raiva e poder liberados. Ele
parou de frente a mim, ainda tendo cuidado com as plantas everlass, mas
sem cuidado comigo. Um movimento rápido, e seus dedos enrolaram na
minha garganta. Eu não estava com o canivete, mas tinha o pé.
Eu pulei para que ele pegasse meu peso, todo meu corpo segurado por
uma de suas mãos. Meu ar cortado completamente, mas não perdi a
oportunidade. Balancei o pé o mais forte que pude.
Minha bota bateu entre as pernas dele. A respiração dele atingiu forte o
meu rosto com o impacto. Ele fechou os olhos de dor e quase caiu,
gemendo ao se abaixar.
Meus pés bateram no chão, e então afastei a mão dele. Pessoas normais
teriam fugido, mas pessoas normais não tinham um reino dependendo da
força dessas plantas everlass.
— Continue em pé — ordenei, e meu animal rodopiou dentro de mim,
emprestando poder às minhas palavras.
Seus joelhos balançando ficaram tensos, fazendo ele se endireitar. Mas a
parte superior do corpo ainda estava curvada enquanto ele segurava as
bolas.
— Não esmague essas plantas. — Envolvi os braços em sua cintura, e ele
se encostou em mim, seu peso um pouco mais do que eu poderia lidar de
modo confortável. — Controle-se. É só seu pau. Lide com a dor.
Ele emitiu uma risada trêmula antes de tossir.
— Foi um chute muito bom.
Uma de suas mãos grandes e cicatrizadas repousou no meu ombro, e ele
se endireitou dolorosamente. Ele olhou para nossos pés antes de afastar um
dos seus um pouco para trás, dando à planta everlass mais espaço. Seu olhar
então percorreu meu corpo, calor seguindo o rastro. O cheiro dele encantou
meus sentidos. A outra mão dele subiu no meu braço e na minha clavícula
até a base do meu pescoço.
— Tão feroz — sussurrou ele, traçando o polegar por minha pele
aquecida. — Tão forte. — Ele exalou, nossa respiração se misturando. As
pontas dos dedos dele tocaram a linha da minha mandíbula antes de aplicar
pressão, fazendo-me olhar para ele enquanto ele se curvava. — Tão
poderosa.
Pressionei as mãos no peito dele para afastá-lo mesmo quando minhas
pálpebras ficaram pesadas e o desejo se enrolou em mim.
Os lábios dele se aproximaram da minha orelha.
— Quer que eu toque em você, Finley?
Sua língua traçou a borda do lóbulo, e eu estremeci.
— Diga — ordenou ele baixinho, e meu animal estúpido disparou o
poder por mim. Tentando assumir o controle.
— Humm — gemeu ele, aumentando o aperto na minha mandíbula,
mantendo minha cabeça inclinada para ele. — Isso mesmo. Deixe seu
animal alimentar sua excitação. Posso senti-la em você. Posso sentir o
quanto você me quer.
A mão no meu ombro escorregou pela clavícula e pelo volume do meu
seio. Seu polegar pressionou o bico do meu mamilo. Um choque de prazer
me invadiu.
Agarrei o tecido da camisa dele e criei coragem para afastá-lo.
Seu polegar se movia em círculos preguiçosos, acariciando meu fogo
interior. Meus lábios se abriram mais enquanto eu ofegava.
— Onde quer que eu toque em você? — persuadiu ele, afastando a mão
do meu seio para que pudesse empurrar o tecido e o tirar do meu ombro. A
gola era tão grande que deslizou facilmente. Seus dedos ardilosos foram
para baixo outra vez, deslizando pela pele nua. Ele passou o dedo no tecido
que prendia meus seios.
Levantei as mãos um pouco, puxando-o em minha direção. Cerrei os
dentes e me parei. Meu animal tentou assumir, mas eu estava pronta desta
vez. Eu a controlei, suprimindo o poder que rolava por mim, tentando
manter o controle.
A risada dele era sombria e sinistra ao descer o tecido. Sua outra mão
segurou meu rosto, e ele se inclinou até que os lábios roçaram nos meus.
Um choque de eletricidade me iluminou quando nossos lábios se tocaram.
— Quero provar você — murmurou ele.
Apertei ainda mais sua camisa e me concentrei na batalha pelo controle.
A lógica dizia para afastá-lo. Mas meu animal me bloqueou. Ela queria isso,
e estava prestes a assumir o controle e conseguir o que desejava.
A língua dele disparou para fora, deslizando na costura dos meus lábios.
Abri a boca antes de poder me conter. Seus lábios se curvaram, e ele
terminou de libertar meus seios, tocando agora na camisa. Ele se afastou,
nossos olhares se travaram quando ele beliscou meu mamilo enrijecido.
Gemi com seu toque enquanto ele manipulava o bico duro com o dedo
áspero. Suas pupilas dilataram, mostrando seu prazer com o efeito que
estava tendo em mim.
— Hum… senhor?
A voz era insistente. A raiva acendeu dentro de mim por ter alguém
interrompendo. Meu animal jogou poder pelo meu sangue.
Nyfain abriu mais minha camisa. O tecido rasgou e lhe deu mais acesso.
Ele se inclinou e colocou a língua quente no meu mamilo.
Gemi, perdida nas sensações.
Eu movi minha mão para o lado de seu rosto e arqueei, empurrando o
seio em direção à boca dele. Ele o envolveu, sugando gananciosamente.
Com a minha mão segurando seu pescoço, ele libertou uma das mãos e
colocou entre minhas coxas. Seu toque firme esfregou exatamente onde eu
precisava, excitando-me ainda mais. Eu me esfreguei contra ele, totalmente
fora de controle.
— Senhor? Senhor! — A voz era incessante, e eu a reconhecia
vagamente.
Eu também queria matar o dono dela para que ele fosse embora.
Nyfain lambeu e apertou meu mamilo enquanto esfregava a costura das
minhas calças, excitando-me. E me levando ao ponto do êxtase.
— Mestre, senhor. Senhor!
Nyfain se afastou com um rosnado, meu mamilo saindo de sua boca. Ele
me agarrou possessivamente, como se houvesse perigo vindo de outra
pessoa e ele não pretendia deixá-lo chegar até mim.
— Senhor! — Hadriel estava acenando da beira do campo. — Desculpa
interromper, mas, senhor, está na hora de ir.
Levou um segundo para os olhos de Nyfain clarearem. Suas
sobrancelhas franziram e ele piscou rapidamente. Quando seu olhar voltou
para mim, foi acusatório. Ele me afastou enquanto recuava. Olhou para
meus pés, verificando se eu não estava pisoteando a everlass.
— Eu disse para controlar seu animal — rosnou ele, com o rosto corado.
Frio tomou conta da minha pele febril. Estremeci com a mudança, cobri
meus seios. Meu mamilo latejava no tecido, ainda jorrando prazer pelo meu
corpo. Formigando por causa da sucção forte e deliciosa dele.
— Você está falando sério? — Puxei minha camisa, agora esticada, para
a passar em volta do meu pescoço de novo. — Qual de nós já conheceu seu
animal? Você é que tem experiência. Isso é culpa sua, não minha.
— Fique longe de mim, Finley. Não sou um bom homem. Vou destruir
você.
Ele caminhou em direção a Hadriel.
— Fique longe de não era eu com meu mamilo na boca! — gritei, a
picada de rejeição apertando meu peito.
Isso era uma coisa boa. Ele recuando e indo embora era uma coisa boa.
Eu que deveria ter feito isso. Eu deveria ter afastado ele quase
imediatamente.
Então por que me senti como se eu não fosse boa o suficiente? Como se
eu fosse suja?
Andei mais para pelo campo everlass para acalmar os pensamentos
loucos. Meu animal estava mexendo com minha cabeça. Isso é o que estava
acontecendo. Por alguma razão, ela tinha gostado daquele idiota e estava
me levando junto. O animal dele o estava controlando, também, pelo visto.
Mas aquele homem e eu não nos dávamos bem. Primeiro, o filho da puta
me fez uma prisioneira. Admito, ele poderia ter me matado e não matou. E
claro, era tecnicamente dentro de sua jurisdição julgar e executar uma
punição. Mas as pessoas estavam morrendo a torto e a direito, e eu só
invadi aquele campo para salvar minha família. Que tipo de idiota prenderia
alguém por isso? Era apenas para se sentir superior.
Segundo, não dava para gostar dele. Nyfain era taciturno e irritado, e
difícil de se conviver. Se ele não estava me irritando, estava tentando me
forçar a fazer alguma coisa. Hum… não, obrigada.
Então qualquer sentimento de rejeição era ridículo. Eu precisava puxar
minhas calcinhas de menina grande e deixar a lógica governar. Meu animal
foi cortado, e assim que eu conseguisse descobrir uma maneira de suprimi-
la ainda mais, faria isso.
A pontada de remorso e culpa que seguiu esse pensamento foi
inesperada. Foda-se, eu não podia ganhar.
— Então, como foi? — perguntou Hadriel com uma voz melodiosa e
fazendo careta. — Conseguiu arrumar as plantas?
Meu rosto queimou de vergonha. Na hora, eu não tinha pensado em
pessoas assistindo. Eu não deveria me importar.
— Você não se virou, né? — perguntei, enquanto me sentava para a
adorável propagação de comida no cobertor rosa choque e laranja.
— Me virar? Amor, por favor, você deve estar brincando comigo. — Ele
se sentou ao meu lado. — Não consegui desviar o olhar! Não sabia se ele ia
foder ou quebrar você. Foi maravilhosamente tenso.
— Ei. — Leala bateu no ombro dele. — O que você está fazendo? Isso é
para ela. Você não deveria se sentar com eles.
— Primeiro, ela não é eles, e eu vou deixá-la comer. Mas você ouviu o
mestre; devo mantê-la segura… de alguma forma. Se ela se meter em
problemas, ele vai me matar. — Ele alisou o cabelo para trás. — Agora
mais essa. É assim… acho que minha vida não pode piorar, e então boom.
Aqui está um sanduíche de merda, Hadriel. Aproveite seu almoço!
Olhei para ele incrédulo.
— Quando ele disse para me manter segura?
— Agorinha, quando foi embora. Devo deixar você encontrar um jardim
onde possa cultivar suas ervas. E devo cuidar de você. Se entrar em apuros,
ele espera que eu o chame imediatamente.
— Isso não é mantê-la segura — disse Leala. — É apenas espioná-la.
— Mantê-la segura, espioná-la... de todo jeito, ele está de olho em mim e
quer que eu me reporte a ele. E sabe o que vai acontecer se os demônios
descobrirem? — Hadriel gesticulava entre ele e eu. — Nós dois seremos
mortos.
Levantei as mãos.
— Não entendo aquele cara. Ele essencialmente me disse para sumir e
deixá-lo em paz, e ainda assim ele está mandando alguém me proteger? E
me espionar?
— Ah, de jeito nenhum Hadriel pode protegê-la, milady — disse Leala,
rindo. — Se algo acontecesse, é provável que ele se sujasse enquanto fugia.
Hadriel se virou para ela.
— Leala, querida, vá se ferrar.
— Se jogue de um penhasco — respondeu ela, tranquila.
Eu sorri.
— Que tipo de problema posso me meter?
Hadriel apontou para o campo everlass.
— Você acabou de se agarrar com o cara mais perigoso e desequilibrado
deste reino…
— Exceto pelo rei demônio — disse Leala. — Ele é mais perigoso.
— Ele não é mais perigoso que o mestre — disparou Hadriel.
— Claro que é. Ele pode controlar o mestre.
Enquanto os ouvia discutir, escolhi um sanduíche e dei uma mordida.
Presunto curado e queijo. Delicioso.
Hadriel se virou de lado para ela.
— O rei demônio só pode controlar o mestre usando a maldição como
coleira. O mestre nem deveria ter jurisdição, lembra? No começo, ele
deveria ficar no castelo como o resto de nós. Mas ele matou qualquer
demônio que tentasse mantê-lo longe da Floresta Real. Diga que o rei
demônio é mais poderoso do que isso!
— Mas o rei demônio tem a maldição como coleira, então tecnicamente
ele é.
— Tecnicamente você é um desperdício de recursos.
— Vá se foder.
— Uau, ok… — Coloquei minhas mãos para fora.
— Meu argumento era — Ele deu a Leala um olhar incisivo; ela revirou
os olhos. — É óbvio que você não toma as melhores decisões.
— E as garotas que ele fode? — perguntei. — Elas têm guardas,
também?
Um silêncio estranho saudou minha pergunta. Ergui as sobrancelhas.
— Ele não fode garotas — respondeu Hadriel quando Leala disse:
— Ele não fica com ninguém desde a maldição, pelo que eu lembro.
— Espera… — Baixei meu sanduíche meio comido. — O quê?
— Sim, você pode precisar de um segundo com ele. — Hadriel deu um
tapinha no meu joelho. — Não posso nem imaginar como suas bolas azuis
devem estar. Quero dizer, sentir vergonha depois de foder distorce o
cérebro, sim, mas ficar na seca por anos e anos? Isso deixaria um homem
louco.
— Ele tem uns… problemas — disse Leala com cuidado. — Ele não faz
sexo com demônios porque eles se mudaram para cá e arruinaram nossas
vidas. Ele tem muito mais autocontrole do que o resto de nós, é óbvio. Eu
também não queria tocar naqueles demônios, não queria mesmo. Mas os
íncubos são muito bonitos, e no final eu me cansei de todos os outros, e
depois…
— Foder e sentir vergonha depois — finalizou Hadriel. Leala deu de
ombros e acenou com a cabeça. — Com isso, só resta o pessoal da casa.
Presumimos que ele estava secretamente transando com alguns de nós, mas
todos os segredos e outros já foram descobertos, e nada. Ele não está
transando com ninguém no castelo. Então assumimos que ele poderia estar
transando com alguns dos aldeões. Faz sentido. Eles dão informações, e
depois ele recebe uma cantada e um chupão. Mas parece que ele apenas se
encontra com os homens.
— Ele não gosta de homens — disse Leala.
— Certo. Ele não gosta de homens.
— Calma aí. — Empurrei a última mordida para o lado da bochecha. —
Ele está se encontrando com aldeões?
— É assim que ele obtém suas informações — disse Leala. Ela colocou
o dedo na boca. — Mas não diga para ninguém. Se o rei demônio
descobrisse, mataria os aldeões. Aconteceu no passado.
— Ele não se encontra com ninguém da minha aldeia — eu disse,
estranhamente ofendida.
Hadriel puxou os lábios para o lado do rosto.
— Era óbvio que ele devia, né? Porque você tem aquele elixir. Eu devo
levar você para colher a everlass hoje à noite. Coisa boa, também, ou eu
poderia tomar uma bebida para curar a ressaca, e então os demônios teria
feito de mim um bobo.
— Você faz papel de bobo sem a ajuda dos demônios — disse Leala.
— Sei o que está fazendo. — Hadriel ergueu um dedo. — Você está
tentando me irritar para que eu segure a chibata da próxima vez que quiser
umas palmadas. Vou dizer de novo, Leala, não gosto desse fetiche. Não
acho que espancar uma garota amarrada seja excitante. Isso me estressa.
Então pare de me pedir.
— Mas você dá o seu melhor quando faz. Posso sentir sua paixão.
— É raiva, Leala. É raiva, e eu estou sendo muito violento quando faço
isso.
— Humm — disse ela com um sorrisinho, e correu os dedos pelo lado
do pescoço.
Ele balançou a cabeça e olhou para o lado.
— Não entendo a foda com ódio. Se eu odiasse você, não ia querer
transar com você.
Senti meu rosto ficar corado quando pensei nos meus sentimentos
complicados por Nyfain. Nossa ira, nossa raiva, nossa antipatia mútua, e
como me senti com sua língua acariciando meu mamilo. O calor do desejo
quando seus dedos esfregaram minhas coxas. Eu tinha certeza que transar
com ele seria bom. Muito bom.
Eu também tinha certeza de que algo estava errado comigo, e Hadriel
estava certo – eu não estava tomando boas decisões! Eu precisava ficar
longe daquele cara. A todo custo, eu precisava de distância entre nós.
— Não entendi direito as regras — eu disse, esfregando as têmporas
como se isso tirasse Nyfain da minha cabeça e o calor fervente do meu
núcleo. — Pensei que a besta não poderia passar do limite da Floresta
Proibida.
— Bem, é aí que a coisa do poder entra em vigor — explicou Hadriel. —
Antigamente, a magia fortificando essa linha era potente. Machucava muito
para o mestre atravessar. Mas a magia se dissipou um pouco nos últimos
dezesseis anos. O rei demônio não a fortaleceu, e o mestre pode fazer a
travessia sem muita dor. Ele só tem que fazer isso com moderação porque
não quer que nenhum dos demônios descubra. Felizmente para ele e para
nossa infelicidade, mantemos os demônios muito bem ocupados. Assim
como as aldeias, pelo que eu ouvi.
— Então quando ele vai encontrar esses aldeões… — Apertei um olho.
Hadriel arremessou a mão para silenciar Leala, mas era tarde demais.
— Na maioria das vezes, eles se encontram na floresta. Os aldeões
podem ir e vir sem que a magia os afete. O que também deveria ser um
segredo do rei demônio. Bem, ele deve saber, mas não acha que os aldeões
representam mais qualquer ameaça…
Ela pausou. Hadriel olhou para mim com um rosto em branco. Como
deveria.
— E quantos outros prisioneiros ele já teve? — perguntei com uma voz
comedida. Desta vez deixei meu animal subir à superfície, alimentando-me
de energia. Meus sentidos se fortaleceram, olfato e visão e audição ficaram
mais aguçados. Isso pode ser útil. — Quantos?
— Hum… — Leala pigarreou. — Não temos permissão para…
— Diga — vociferei.
— Nenhum — disseram ambos rapidamente, segurando seus peitos. Os
olhos de Hadriel se abriram, e Leala sorriu e se inclinou um pouco, olhando
para o corpo outra vez.
Depois de um momento, Hadriel respirou fundo.
— Nunca, e quero dizer nunca… — Ele apontou um dedo. — Nunca
faça isso na presença do rei demônio. Nunca. Ou ele vai levá-la embora sem
uma palavra.
— Fazer o quê? — perguntei, permitindo ao meu animal um pouco mais
de liberdade agora que Nyfain não estava perambulando por aí.
Hadriel deu a Leala um olhar antes de se levantar.
— Nada. O mestre vai dar um jeito. Certo. Vamos nos apressar, boneca.
Vou mostrar todos os lugares com passatempos para que você não
enlouqueça e ceda aos demônios, então precisamos encontrar aquele jardim
para suas ervas, espero que você possa fazer milagres, e pegar suas medidas
para que não se pareça com um menino de 14 anos correndo pelo castelo.
Temos padrões por aqui.
— Então ele me fez prisioneira…
— Não. — Ele ergueu o dedo outra vez.
— Mas sério, ele é…
— Não. — Ele balançou o dedo.
— Por que eu sou
— Calada.
Ele agarrou meu braço e me puxou, afastando-me de Leala, que
presumivelmente recolheria as sobras do piquenique, e me levou em direção
a porta dos fundos.
— Preste atenção — disse ele, sério. — Há três pessoas em quem você
pode confiar neste lugar, ok? — Ele ergueu um dedo. — Eu, porque não
tive opção. — Ele levantou um segundo dedo. — Leala, porque ela é uma
ótima criada pessoal e vai guardar cada um de seus segredos. Não diga a ela
que eu disse coisas boas sobre ela, ela só vai me provocar. — Terceiro dedo.
— E por último, o mestre. — Ele abriu as mãos. — Só. Somos os únicos
em quem você pode confiar. Só nós três. E não é porque o resto do pessoal
quer o seu mal. O problema é que os sobreviventes são medíocres na
melhor das hipóteses. Lembra que falei isso? Tendemos a piorar as coisas
em vez de melhorar. Então, se você contar algo a alguém, vão espalhar. Se
não contarem a um demônio durante uma sessão de prazer, dirão a outra
pessoa da casa, e eles vão espalhar. Quando se trata de você, não queremos
nenhum detalhe por aí. No que diz respeito a eles, Nyfain encontrou alguém
roubando, e ele vai usá-la como brinquedo antes de matá-la. Isso é algo que
os demônios entenderão. Eles vão pensar que finalmente o estão
influenciando. E darão a ele um pouco de liberdade. Pelo menos — Ele fez
uma careta. — Ele parece pensar assim. Acho que vamos ter que esperar
pra ver, né?
— Mas… eu ainda não entendo. Se ele nunca fez um prisioneiro, por
que eu?
— Às vezes, para proteger algo, precisamos escondê-lo em plena vista.
— Proteger de quê?
— Você vai precisar perguntar ao mestre. Eu não tenho permissão para
dizer, e se você for longe demais em me fazer responder suas perguntas,
pode sem querer perguntar a errada. Vou tentar dizer coisas cobertas pela
mordaça mágica, e isso vai me matar. Suas queixas precisam ser levadas ao
mestre e mais ninguém. De preferência, onde você não possa ser ouvida.
Tirei o cabelo do meu rosto, nervosismo embrulhando meu estômago.
— Tudo bem. — Levantei o queixo em desafio. — Vou falar com ele
diretamente.
Lá se vai minha ideia de ficar longe de Nyfain. Só esperava que no
próximo encontro não acabasse com meu peito em sua boca.
Capítulo 8
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