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COPYRIGHT © 2021 K. F. BREENE


COPYRIGHT © 2022 EDITORA CABANA VERMELHA
TÍTULO ORIGINAL: A RUIN OF ROSES
(Deliciously Dark Fairytales Book 1)
Todos os direitos reservados.
 
Diretora Editorial: Elaine Cardoso
Tradução: Sara Lima
Revisão: Elaine Lima
Revisão Final: Elaine Cardoso
Adaptação Texto da Capa: Elaine Cardoso
Diagramação digital: Kaique Martins
 
 
Fantasia Sombria
1ª Edição
 
 
Esta obra foi revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. É proibida a
reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico,
inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo o uso da internet, sem permissão expressa da
autora (Lei 9.610 de 19/02/1998).
Sumário
Sinopse
AGRADECIMENTOS
PRÓLOGO
Capítulo 1

Capítulo 2
Capítulo 3

Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10

Capítulo 11
Capítulo 12

Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15

Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Sobre a autora
Sinopse
 
 
Eu podia salvá-lo, mas ele me arruinaria.
A besta.
A criatura que caça a Floresta Proibida.
O Príncipe Dragão.
Ele sofreu um destino pior que a morte. Todos nós sofremos.
Uma maldição lançada pelo rei louco.
Somos um reino preso no tempo. Metamorfos incapazes de sentir os nossos
animais.
Presos aqui por um acordo entre o falecido rei e um demônio que deseja
nossa destruição.
O único que mantém este reino vivo é Nyfain, o próspero príncipe de um
trono roubado.
O último metamorfo dragão.
Ele é nossa esperança.
Ele é meu pesadelo.
Quando Nyfain me pega invadindo a Floresta Proibida,
ele não me castiga com a morte, como tem direito.
Em vez disso, ele me captura. Me força a ir para o castelo como sua
prisioneira,
com o intuito de me usar.
Pelo visto, eu posso salvá-lo. Posso salvar todo o reino esquecido,
confinado pelo poder do rei demônio.
Mas isso significaria domar o monstro sob a pele dele.
Significaria me entregar a ele.
Significaria a minha ruína.
 
______
 
Este livro é uma releitura dark e hot de A Bela e a Fera com um anti-herói,
uma heroína forte e personagens secundários bem-humorados. Uma história
de enemies to lovers e possíveis companheiros predestinados para maiores
de 18 anos. É o primeiro livro de uma trilogia e termina com cliffhanger.
 

 
AGRADECIMENTOS
 
 
 
 
Este livro é para os leitores.
Vocês queriam que eu apimentasse as coisas. Queriam que eu me
empolgasse.
Pois conseguiram. Espero que não se arrependam. Tenham uma pulseira
antiestresse de prontidão, só por precaução.
Aperte quando necessário.
Eu não conseguiria fazer isso sem vocês do meu lado. Sou eternamente
grata por isso. Agradecimentos especiais para Amber Hyde e Heather
Rainwater-Alvarado pelos títulos que foram escolhidos.
PRÓLOGO

UM ROSNADO BAIXO retumbou pela Floresta Proibida. Meu coração


saltou na garganta.
A besta!
Corri para trás da árvore mais próxima e esmaguei as costas no tronco
áspero. Minha bolsa de tweed pendurada no torso, cheia com a carga
preciosa que eu tinha roubado do campo de everlass. Se a besta me
encontrasse com isso – se me encontrasse na Floresta Proibida – eu estava
ferrada. Ela me mataria como tinha feito com inúmeros outros,
independente do fato de eu ter apenas 14 anos.
Não importava que eu fosse muito jovem para me transformar, se a
mudança ainda fosse possível para nós após a maldição. Se eu tinha idade
para roubar, tinha idade para morrer pelos meus pecados.
Um galho de árvore quebrou. O que pareceu um grande pé esmagando a
grama quebradiça. O outro tocou no chão, a criatura desacelerando. Ou
sentia alguém próximo ou havia captado meu cheiro. Respirei fundo e
fechei os olhos com força, as mãos tremendo. Um fungado alto preencheu o
silêncio. A besta farejando sua presa.
Meus pais nem sabiam que eu tinha vindo. Vovó havia adoecido, os
efeitos da maldição que condenou nosso reino. Todos disseram que não
havia cura. Mas eu tinha encontrado uma maneira. Pelo menos, eu
conseguia retardar os efeitos. Mas eu precisava da planta everlass e mal a
tínhamos. Eu ainda estava aprendendo a cultivá-la adequadamente.
Ninguém mais na aldeia sabia lidar muito com a planta. Mas, algo a
respeito dela se conectava comigo. Logo, eu descobriria, sabia que
conseguiria, mas agora, eu estava sem tempo.
Meus pulmões queimavam. Eu tinha medo de respirar.
Mais grama esmagada sob os pés enormes da besta. Ela estava se
movendo na minha direção!
Um choramingo escapou dos meus lábios. Coloquei uma mão na boca,
mas era tarde demais. Os passos cessaram. A besta tinha ouvido.
A escuridão jazia à minha volta. Silêncio.
A besta rugiu, e quase fez minha alma sair do corpo. O medo me
encharcou de adrenalina e comecei a correr. Correndo o mais rápido
possível. Atravessei o mato. Circundei uma árvore.
Os passos da besta aceleraram. Estava vindo tão depressa! Como eu
podia escapar?
Grunhidos altos soaram bem acima de mim, a respiração da besta
bufando ao se mover. Se sua cabeça estava tão alta assim, a criatura era
muito maior do que os rumores haviam dito.
Uma parede de arbustos esperava à frente. Duas árvores se cruzavam por
meio dela, criando uma abertura estreita entre os espinhos. Eu me arrisquei
e corri entre elas.
Algo deslizando soou atrás de mim, olhei para trás e vi dois pés enormes
com garras longas e afiadas agitando a sujeira. Eles pararam pouco antes da
abertura.
Continuei, sem conseguir evitar as lágrimas. Fiquei de joelhos, apoiei-
me nas mãos e rastejei. Folhagem densa me encobria. Espinhos rasgavam
minha pele. Continuei a rastejar, agora de cotovelos e joelhos.
Uma respiração soprou atrás de mim. A besta estava seguindo meu
cheiro.
O buraco escuro à frente anunciou o fim deste túnel natural. Sangue
escorria pela minha bochecha que um espinho havia rasgado. A bolsa com
everlass amassada debaixo do meu corpo. Sabia que seria ruim para o elixir,
mas não tive muita escolha.
Precisava tirar essa planta daqui. A vida da vovó dependia disso. Sua
tosse estava muito ruim e sua respiração estava superficial. Ela precisava de
ajuda.
Reunindo minha coragem, eu me agachei na escuridão, olhando para a
noite sem estrelas. Árvores se erguiam ao redor e o chão era um emaranhado
de ervas daninhas e amoeiras. Nada se moveu. A besta podia ter desistido?
No fundo do coração, eu sabia a resposta, mas meu medo estava fora de
controle.
Pensei em ficar aqui, mas ela podia esperar até eu sair. Ou vir atrás de
mim. Todos diziam que a criatura tinha um rosto blindado. Algumas
videiras e espinhos não incomodariam.
Corri para a frente, soluços me sufocando.
Seu rugido me seguiu, cada vez mais perto. Minha respiração estava
ofegante e cansada. Eu bombeei para o ar com os punhos e circundei uma
árvore. A borda da floresta estava logo à frente.
Embora outros horrores pudessem cruzar essa linha, a besta, a guardiã da
Floresta Proibida, não podia.
Luzes na aldeia tremeram na névoa úmida da minha visão. Velas nas
janelas. Fogueiras nos pátios. Elas esperavam por mim. Estavam bem à
frente!
O rugido sacudiu meus ossos, muito perto. O fim estava próximo.
Capítulo 1

OLHOS DOURADOS BRILHANTES me arrancaram do sono. Arquejei


aterrorizada e me sentei com pressa. Meu cabelo estava colado no rosto
com suor. A camisa se agarrava nas minhas costas. Um pesadelo.
Não, pior que um pesadelo. Uma memória.
Ainda me lembro de atravessar aquela linha de árvores aos catorze e
tropeçar em uma pedra. Cair e marcar meu rosto. Quando parei de rolar,
fiquei deitada, de frente para a floresta.
Aqueles olhos dourados brilhantes me encararam na escuridão. A cabeça
da besta estava impossivelmente alta, entre os galhos das árvores. Nunca
tinha visto o seu corpo. A noite o havia consumido.
Essa imagem ainda era reproduzida sem parar nos meus pesadelos
depois de todos esses anos. Nove anos de repetições.
Uma tosse irregular e produtiva me tirou do pânico. Respirei fundo para
me aterrar no momento. A tosse voltou. Meu pai. Ele estava piorando.
Suspirei cansada, prendendo o cabelo e afastando as cobertas. Minha
irmã, Sable, acordou na cama estreita ao lado da minha no nosso pequeno
quarto. Não tínhamos muito, mas, pelo menos, tínhamos um teto sobre
nossas cabeças. Por enquanto, de qualquer forma.
O luar suave se filtrou pelas cortinas desgastadas, e eu pude ver o rosto
dela se virando para mim, os olhos arregalados de medo. Ela sabia o que
aquela tosse significava.
— Está tudo bem — eu disse a ela, balançando as pernas na beira da
cama. — Está tudo bem. Tenho mais do elixir neutralizante. Ainda não
acabou.
Ela assentiu, sentou-se e juntou os lençóis perto do peito.
Sable tinha apenas 14 anos, a idade que eu tinha quando sobrevivi por
pouco à besta, apenas para perder a vovó.
Mas agora era diferente. Desde então, trabalhei diligentemente com o
elixir especial de everlass que criei. Ele ainda não curava a doença da
maldição, mas a retardava de modo drástico e anulava a maioria dos efeitos.
Por causa disso, e porque eu dei a receita para a aldeia e os ajudei a
aprender a fazê-la, só perdemos uma pessoa até agora este ano. Se o inverno
acabasse logo, a primavera nos ajudaria a revitalizar nossos jardins. Em sua
maior parte, as plantas ficavam dormentes no inverno, sem crescer muitas
folhas novas. Os jardins em nossos pequenos quintais não eram grandes o
suficiente para nos sustentar se tivéssemos alguém à beira do abismo. Havia
muitos à beira do abismo.
Meu irmão mais velho, Hannon, abriu a porta e enfiou a cabeça no
quarto. O cabelo ruivo dele girava em volta da cabeça como um tornado.
Um respingo de sardas escurecia seu rosto pálido. Ao contrário de mim, o
cara não se bronzeava por nada. Ele veio em duas cores: branco e vermelho.
— Finley — disse ele antes de perceber que eu já estava acordada. Ele
deixou a porta aberta, mas saiu, esperando por mim.
— Ele está piorando — disse Hannon baixinho quando cheguei no
corredor. — Ele não tem muito tempo.
— Ele durou mais tempo com a doença do que qualquer outra pessoa. E
ele vai continuar assim. Fiz algumas melhorias recentes. Vai ficar tudo bem.
Dei um passo em direção ao quarto do nosso pai, ao lado do meu, mas
Hannon me parou com uma mão no meu braço.
— Ele está com os dias contados, Finley. Quanto tempo isto pode durar?
Ele está sofrendo. As crianças estão o vendo sofrer.
— É só porque estamos apenas com as folhas de everlass fracas. Assim
que a primavera chegar, será melhor, Hannon, você vai ver. Vou encontrar
uma cura para ele. Ele não se vai juntar à vovó e à mãe no além. Não vai.
Vou encontrar uma cura. Deve existir.
— A única cura é quebrar a maldição, e ninguém sabe como fazer isso.
— Alguém sabe — eu disse baixinho, abrindo a porta do quarto. —
Alguém neste reino arruinado pela deusa sabe como quebrar essa maldição.
Vou encontrar essa pessoa e arrancar a verdade dela.
Uma vela no suporte cintilou na mesa ao lado da porta. Peguei e protegi
a chama do ar enquanto corria para o lado do meu pai. Duas cadeiras
ficavam sempre em cada lado da cama. Às vezes as usávamos para ficar ao
redor dele quando ele estava lúcido. Mas, ultimamente, elas eram usadas
para vigílias, para que pudéssemos observar com receio enquanto ele se
agarrava à vida.
O rosto com rugas do meu pai estava cinzento à luz de velas. Suas
pálpebras tremiam como se estivesse preso em um pesadelo.
Ele estava, suponho. Estávamos todos. O reino inteiro. Nosso rei louco
usou a magia astuta do rei demônio para resolver um rancor pessoal, e todos
estávamos sofrendo as consequências. Na verdade, ele não estava. Ele tinha
morrido e nos deixou apodrecendo. Que maravilha. Eles não disseram do
que ele tinha morrido, mas eu esperava que fosse de gangrena no pau.
Coloquei a vela na mesa de cabeceira antes de verificar a lareira do outro
lado do quarto. As brasas ficaram carmesim e depois preto, liberando calor
suficiente para aquecer a chaleira de água acima dela. Nunca sabíamos
quando precisaríamos de água quente. Dado que a maldição tinha
aniquilado as conveniências modernas como eletricidade e água corrente,
quase nos mergulhando de volta na Idade das Trevas, precisávamos nos
contentar com o que tínhamos.
— Dash diz que quase não temos folhas utilizáveis e a colheita que você
plantou ainda não está pronta — disse Hannon.
— Eu não plantei… deixa pra lá. — Eu não me preocupei em explicar
que a everlass surgiria naturalmente todos os anos se você a persuadisse
com bom solo e manutenção rigorosa. Hannon não era um bom jardineiro.
— Dash não deveria estar espalhando boatos.
Dash era o mais novo, um menino de 11 anos que se movia mais do que
ouvia… exceto quando ele estava me ouvindo murmurar para mim mesma,
pelo visto. Não sabia que ele tinha me ouvido.
— Sou boa com plantas e jardinagem, mas não sou uma bruxa de
poções, Hannon. É um passatempo, não magia. Pode não ficar muito frio
aqui, mas é frio o suficiente para retardar o crescimento das plantas. Só
preciso de um pouco de sol. Continuo pedindo à deusa, mas ela claramente
não dá a mínima para nós. Divindade, uma ova. Talvez devêssemos voltar
aos velhos costumes dos nossos antepassados. Eles adoravam a um bando
de deuses sentados em uma montanha ou algo assim. Talvez um deles
ouvisse.
— Você lê demais.
— E isso é possível?
— Você sonha acordada demais, então.
— Provavelmente, é verdade. — Encolhi os ombros.
Minha estação medicinal ficava no canto, ervas, um almofariz e pilão
colocados em uma bandeja de madeira. As duas folhas escassas na tigela de
cerâmica já haviam sido secas na luz fraca do pôr do sol.
Muito poética, esta receita de cura em particular. Poética de arrepiar. Foi
preciso muita leitura, tentativa e erro para descobrir o que funcionava
melhor, e eu não tinha terminado. Tinha certeza de que o rei demónio estava
rindo de mim em algum lugar. De todos nós. Afinal, ele foi o filho da mãe
que pegou o ouro do rei e criou a bendita maldição que atualmente
atormentava nossa terra. Seus servos tinham sido posicionados no reino
para nos ver lutar. Pena que eles não estavam apodrecendo debaixo do chão
com o falecido rei. Eles mereciam, idiotas dedos-duros de merda.
— O quê? — perguntou Hannon, seu temperamento muito mais doce do
que o meu, embora isso não fosse uma grande conquista. Eu tinha baixado
muito o nível.
— Nada — murmurei. Não era digno de uma dama xingar, ou assim as
pessoas da nossa aldeia antiquada sempre me lembravam. Do mesmo jeito
que mostrar o dedo do meio depois que eles faziam uma careta para mim.
Muito antiquada, esta aldeia, e bem pobre, todos nós.
Meu pai teve convulsões, com espasmos a cada tosse produtiva.
Com as mãos tremendo e lutando para permanecer calma, esmaguei as
folhas com o pilão. Um aroma pungente, como queijo maduro misturado
com alho, explodiu em meus sentidos. Podem ser folhas pequenas, mas
estavam cheias de magia de cura.
Meu pai se lançou para o lado da cama.
Um segundo depois, Hannon sentado ao lado dele trazendo o balde do
chão. Ele o ajudou a se inclinar na borda e vomitar. Haveria sangue naquele
vômito, eu bem sabia.
— Foco — eu disse a mim mesma baixinho, sacudindo duas gotas de
água da chuva da ponta do dedo nas folhas esmagadas. Eu as havia coletado
na calada da noite. Parecia funcionar melhor.
Quando terminei, acrescentei as outras ervas, que eram muito mais fáceis
de encontrar – um ramo de alecrim, uma folha de endro, um toque de
canela. E, por fim, o ingrediente que era quase tão importante quanto a
everlass: a pétala cheia e saudável de uma rosa vermelha.
Precisava ser vermelha, também. As outras não funcionavam muito bem.
Não fazia ideia do que as rosas vermelhas tinham a ver com essa maldição
ou os demônios, mas os efeitos desse ingrediente aumentavam a potência
do elixir em dez vezes. Isso me fez pensar que havia mais um ou dois
ingredientes por aí que eu ainda não havia experimentado que agiriam como
uma cura. Uma cura a longo prazo com a qual não precisaríamos de cada
vez mais poções só para ver os mesmos efeitos. Algo que anularia
completamente a doença. Se estivesse lá fora, eu encontraria. Espero que a
tempo de salvar meu pai.
O grunhido dele me incentivou. Um suspiro agitado atravessou sua
garganta apertada. Pelo menos ele tinha um coração forte. Um ataque
cardíaco tinha levado minha mãe há um ano. O corpo dela estava sob muita
pressão e o coração desistiu da luta. Naquela época, eu não tinha sido tão
boa no elixir neutralizante. Meu pai tinha mais tempo.
Ele tem que ter mais tempo.
— Pra ser sincera, Dash tem razão. Precisamos de mais suprimentos —
eu disse, trabalhando no pilão. — Nossas plantas não são suficientes.
— Você não disse ontem que ninguém mais tinha?
— Não que estejam dispostos a dispensar, não.
Todos tinham pais doentes e talvez um ou dois avós doentes, se tivessem
sorte. Nossas matérias-primas tinham acabado.
— Então, onde você vai… — Ele deixou as palavras desaparecerem. —
Não.
— Não tenho muita escolha, Hannon. Além disso, entrei e saí desse
campo várias vezes nos últimos anos sem problemas. Até mesmo de noite.
A besta provavelmente não patrulha mais a Floresta Proibida.
Minhas mãos começaram a tremer, parei por um momento e respirei
fundo. Mentir para Hannon era uma coisa – ele confiava nas pessoas e
queria acreditar em mim –, mas eu não era tão tola para acreditar nas
minhas próprias mentiras. Só porque eu não tinha visto a besta em nenhuma
visita desde a primeira, isso não significava que ele tivesse desistido de
caçar invasores. Nossa aldeia ficava na fronteira do reino, e eu era
sorrateira. Eu me esforcei muito para garantir que não fosse vista. Mas ouvi
os rugidos. Ele estava lá, esperando. Observando. O predador supremo.
A besta também não era o único perigo na floresta. Criaturas terríveis
haviam sido soltas pela maldição e, ao contrário da besta, não pareciam ser
impedidas pela linha das árvores. Elas costumavam sair da Floresta
Proibida e comer qualquer aldeão após o escurecer. Ocasionalmente, elas
também entravam pela porta da frente e comiam os aldeões em suas casas.
Não havia acontecido isso há muito tempo. Nenhum de nós entendeu por
que nos deixaram em paz, mas elas ainda estavam na floresta. Eu também
tinha ouvido seus rugidos. Aquele lugar era um aglomerado de perigo.
— Está tudo bem — reafirmei, mesmo que ele não tivesse rebatido
vocalmente. — O campo de everlass é perto. Vou entrar bem rápido, pegar
o que preciso e sair. Eu tenho um ótimo senso de direção naquele lugar.
Entrar e sair.
— Só que faltam apenas dois dias para a lua cheia.
— Isso só vai me ajudar a ver melhor.
— Também aumentará o poder da besta. Ele vai cheirar melhor. Correr
mais rápido. Morder com mais força.
— Eu não acho que uma mordida suave seria melhor do que uma forte,
mas não importa. Serei rápida. Eu sei o caminho.
— Você não devia saber o caminho.
Mas pela maneira como ele disse, eu sabia que Hannon desistiria da briga.
Ele não tinha mais fôlego para me convencer a não ir. Eu meio que esperava
que ele tivesse se esforçado mais.
Fiz uma careta quando tentei sorrir, e meu estômago começou a revirar.
Precisava mesmo ir. E eu tinha ido várias vezes nos últimos anos e voltado
em segurança.
Havia odiado todas as vezes.
— Quando? — perguntou Hannon, sombrio.
— As folhas são mais potentes quando colhidas à noite — expliquei. —
E estamos com os dias contados, como você disse. Não há tempo a perder.
— Tem certeza absoluta de que precisa ir?
Deixei meus ombros caírem por um momento.
— Sim.

 
UMA HORA DEPOIS, eu estava na sala da frente com uma bolsa de
tweed cruzada no peito. A planta parecia responder melhor quando
transportada neste tipo de bolsa. Recebi a dica de um livro e provei a teoria
com tentativa e erro.
Meus irmãos e minha irmã estavam comigo.
— Tenha cuidado. — Hannon apertou meus ombros, encarando-me.
Com uns oito centímetros mais alto que meu um metro e oitenta e dois,
ele era o homem mais alto da nossa aldeia. Um dos mais fortes, também,
com braços grandes e um corpo musculoso. A maioria das pessoas
assumiria que seria ele que arriscaria a vida na caça da besta. Ou que
caçaria nosso jantar na floresta mais segura a leste. Mas não, Hannon era o
cara que ficava preocupado em casa esperando para me remendar quando
entrasse sangrando pela porta. Ainda bem, porque eu tinha entrado
mancando em mais de uma ocasião. Aqueles malditos javalis selvagens na
floresta do leste sabiam como atacar. Filhos da mãe perversos.
A besta era uma situação completamente diferente.
Coragem.
Um pássaro da noite gritou um aviso à distância. As cabanas ao nosso
redor na pista de terra estão em silêncio, seus habitantes dormindo a esta
hora da noite. Dormindo, ou sentados em silêncio em suas casas escuras,
não querendo chamar a atenção de qualquer coisa que pudesse ter passado
pela linha das árvores. Pode não ter acontecido em anos, mas as pessoas por
aqui tinham boa memória.
— Não se arrisque — disse Hannon. — Se você vir a besta, saia de lá.
— Se eu vir a besta, provavelmente vou me mijar.
— Tudo bem. Mas faça isso enquanto corre.
Conselho sábio.
— Está tudo bem, Hannon. Peguei o elixir mascarador de cheiro. Isso
geralmente funciona quando estou caçando. Vai ajudar.
Ele acenou com a cabeça, mas pelo visto o sermão não tinha terminado.
— Só há uma besta — disse ele. — Essa é a maior preocupação. Você já
confrontou as outras criaturas naquela floresta e foi com tudo.
Não exatamente, mas como eu disse, Hannon confiava nas pessoas. Ele
não parecia saber quando eu estava mentindo. Se ele achasse que eu fosse
mais forte do que eu era, ele se preocuparia menos. A quem isso faria mal?
Eu me virei e dei um abraço feroz em Sable, beijando-a na cabeça. Dash
foi o próximo, e então eu tive que soltá-lo de mim.
— Posso ir também? — implorou Dash. — Eu sei onde é! Posso ajudar a
pegar mais. Posso lutar com os monstros!
— Como… — Eu me parei. Agora não era hora de gritar com meu
irmão mais novo. Em vez disso, apontei para Hannon. — Enquanto eu
estiver fora, descubra como ele sabe onde é o campo. Espere para puni-lo
quando eu voltar. Quero participar.
Dei um último abraço em Hannon e fui embora às pressas. Eu podia
fazer isso. Eu tinha que fazer isso.
Meu arco tinha sido quebrado na semana passada por um daqueles
malditos javalis, então eu estava indo com nada além da adaga e do
canivete enfiado nas minhas calças. Nenhuma arma faria muito dano na
besta. Por outro lado, se a besta realmente tinha um corpo blindado, as dez
flechas que eu possuía também não ajudariam muito na minha proteção.
Cortei os jardins dos fundos de duas cabanas, escalando as cercas, e me
aproximei da borda da Floresta Proibida. Um pedaço de terra aparada por
cabras era tudo o que me separava dela. As ervas daninhas rastejavam em
direção ao perímetro… e, então, murchavam e morriam. Troncos
fantasmagóricos subiam na borda, galhos torcidos alcançando a aldeia.
Mais adiante havia profundezas sombrias, fatiadas pelo luar sob o céu
estrelado.
Parei de pensar nos riscos. Afastei a imagem do leito do meu pai. Joguei
de lado a preocupação nos olhos de Hannon e a sensação de Sable e Dash se
agarrando a mim no abraço de despedida, espero que não pela última vez.
Neste momento, era só eu e esta floresta. Eu e as criaturas que se escondiam
dentro de suas profundezas deterioradas. Eu e a besta, se chegasse a esse
ponto.
Eu não decepcionaria meu pai. Não falharia com ele.
A lâmina da minha adaga deslizava no couro duro da bainha pendurada
no meu quadril. Eu andei leve e cuidadosamente, visando o chão e evitando
qualquer coisa que pudesse estalar ou fazer barulho. Era fácil agora, ainda
na aldeia. Quando eu passasse por aquela linha de árvore, seria muito mais
difícil. Muito mais mortal.
Nem um som vibrava pelo ar. Nenhum vento mexia nos galhos
congelados ou nos ramos. Minha respiração estava gelada. Notei cada
pequeno detalhe do meu entorno. Eu era a presa, e não queria dançar tango
com o caçador.
O ar esfriou quando atravessei o limiar. Parei e respirei fundo. O pânico
me mataria. Eu precisava manter a calma.
Ao continuar fui com olhos atentos. Precisava prestar atenção a qualquer
movimento. Qualquer mudança no cheiro ou no som.
Eu me lembrei de uma época, antes da maldição, quando a Floresta
Proibida tinha sido adorável. Verde e exuberante. Mas agora, a grama
quebradiça estalava sob minhas botas usadas. A casca dos troncos parecia
escamosa sob meus dedos. Nenhuma folha agraciava os galhos, mesmo nas
árvores perenes, e nenhuma flor adornava as plantas de inverno.
Lá na frente, em torno de um pinheiro grande com poucas folhas, eu vi –
uma bétula que não parecia se encaixar com as outras árvores. Logo atrás
estava meu destino.
O campo de everlass era menos da metade do tamanho atual quando eu o
encontrei pela primeira vez. Tinha crescido ao longo dos anos, não que
realmente importasse. Eu só podia usar o que eu poderia roubar, e eu não
ouso fazer isso muitas vezes.
Crack.
A adrenalina invadiu minha corrente sanguínea. Eu congelei com as
mãos esticadas como uma idiota, como se estivesse pronta para voar de
verdade. Posso ter coragem, mas era óbvio que não era indiferente ao lidar
com o perigo.
Aquilo soou como um galho estalando.
Segurando a respiração, esperei que algo acontecesse. E esperei um
pouco mais – observando os movimentos, ouvindo sons. Nada.
Soltando um fôlego instável, continuei. As formas das árvores mudaram
ao meu redor, rastejando pela escuridão manchada de estrelas. Uma criatura
gritou em algum lugar distante à minha esquerda. O som se espalhou pelo
ar antes de se afastar, como ondulações em um lago. Meu coração acelerou,
mas o som estava muito longe para me preocupar no momento. Espero que
a criatura continue gritando para que eu possa rastrear sua rota de viagem.
Um grito horrível preencheu o ar, também distante. Parecia um humano
em perigo, sendo comido vivo ou torturado, ou um homem com um corte de
papel no dedo. Era o grito de uma angústia intensa, em outras palavras,
precisando de ajuda imediatamente, ou poderia morrer.
Boa tentativa, filho da puta.
Já tinha ouvido essa criatura antes. Eu até a vi quando estava em pânico
correndo para casa uma vez. Seu objetivo era atrair bons samaritanos. As
pessoas iam ajudar, e a criatura os matava.
Ou era assim que a criatura pensava que seu ardil funcionaria. Exceto
que todos sabiam que na Floresta Proibida era cada um por si. Não havia
bons samaritanos aqui. Pouco me importava que aquela coisa continuasse
gritando. Isso pelo menos evitaria que se aproximasse de mim.
A bétula estava perto agora, elevada e estoica.
Seus ramos tremiam dramaticamente, como se estivesse com frio.
Congelei de novo, e, de repente, perguntei-me por que eu sempre abria
meus braços como uma espécie de dançarina confusa quando ficava com
medo…
Mas sério, por que pelo armário secreto da deusa a árvore estava
tremendo? Isso não tinha acontecido antes. Eu passava por esta árvore toda
vez que vinha a este campo, e ela nunca tinha se movido por causa de nada
além do vento.
Esta é uma péssima hora para uma árvore estar dançando, pessoal,
pensei para o público invisível assistindo minha aventura. Era algo que
fazia desde pequena, e não tinha desistido do hábito aos 23 anos.
Antigamente, eu tinha feito isso porque estava fingindo ser um bobo da
corte, ou uma rainha, mas agora fazia por conforto. E excentricidade, eu
acho.
Vamos manter a calma, pessoal. As coisas estão ficando um pouco
estranhas.
Mantive minha distância da bétula tremendo, e fiquei grata quando parou
de se mover. A noite ficou quieta mais uma vez, o impostor que gritava
dando um tempo. O campo estava diante de mim, revestido à luz da lua.
Observei a área por trás da clareira. Nada se moveu. Nenhuma outra
árvore tremeu.
Um olhar para trás – com olhos estreitos para aquela bétula – e nenhum
problema à vista. Sem avisos corporais de perigo se aproximando, sem
sentir olhos em mim. Era agora ou nunca.
Adaga de volta na bainha e canivete a postos, observei as plantas e
caminhei com cuidado por elas. A maioria dos herbalistas as chamariam de
ervas. Mas a maioria dos herbalistas eram feéricos, e desdenhavam as
plantas que não podiam crescer. Ou é o que dizem por aí. Ninguém na
aldeia tinha visto um por dezesseis anos.
Claro, isso não impediu os feéricos de procurá-la. Everlass era a cura
mais potente de todos os reinos. E sabe o que mais? Só crescia em terras
governadas ou mantidas por metamorfos dragões. Engole essa, feéricos.
Mesmo que este reino estivesse basicamente na administração do rei
demônio por causa da maldição, ele ainda tinha a magia dos dragões. A
maior parte da nobreza foi morta logo após o rei louco perecer, mas a
everlass permaneceu ilesa. Tudo o que tínhamos que fazer era aprender a
trabalhar com ela.
Sempre achei romântico. Sem a presença de dragões, a everlass não
brotaria da terra. Era como se a magia protetora do dragão infundisse na
essência do solo que caminhamos e desse coragem a everlass para se
arriscar.
Esta planta era majestosa. No sentido de incrivelmente exigente e difícil
de se trabalhar. Se você for muito áspero ou precipitado ao utilizá-la, ela
murcharia e reduziria em potência. Exigia atenção focada e cuidadosa,
talvez até amor.
E eu a amava. Por que não amaria? Estava salvando minha aldeia.
Tirei apenas as folhas maiores e mais saudáveis, tomando cuidado para
não perturbar as sementes que garantiriam uma nova vida quando chegasse
a hora. Ao mesmo tempo, podei folhas mortas ou secas, mas eram muito
poucas.
Enfiei as folhas na bolsa, permitindo que elas tivessem espaço. Não era
bom amontoá-las logo depois da colheita. Elas funcionavam melhor quando
tinham um pouco de espaço para respirar, como as próprias plantas. Se não
tivesse que me preocupar em ser perseguida, atacada e comida, eu
carregaria as folhas para casa em uma bandeja grande, sem nenhuma tocar
na outra.
Quando a bolsa estava cheia, eu me endireitei e varri meu olhar pelo
campo. Queria saber quantas outras pessoas entraram neste lugar para usá-
lo. Nunca tinha visto mais ninguém, mas as plantas foram podadas e
cuidadas de forma correta. Isso significava um grupo de pessoas zelosas e
experientes, provavelmente das outras aldeias. Eu tinha visto o que
aconteceu com as plantas dos meus vizinhos que não se empenharam. Elas
cresceram selvagens e indisciplinadas.
Eu não fui a única que banhou essas plantas com amor. Não me
surpreendeu, mesmo assim, aqueceu meu coração. Esperava que as outras
aldeias estivessem se saindo tão bem quanto nós.
Um chirriar de coruja me assustou em meu devaneio. Franzi o rosto,
ouvindo. Veio do lado, bem perto. Não era alarmante por si só – parecia
irritada, mas poderia estar chateada com o companheiro ou outro pássaro.
Talvez tivesse notado um insetinho andando pelo chão ou algo assim, eu
não sabia. Eu não era uma especialista em comportamento de corujas. Não,
o que era alarmante era ser a primeira vez que ouvi esse tipo de coruja na
Floresta Proibida.
Uma bétula tremendo, e agora uma coruja. O que estava acontecendo
nesta noite?
Seja o que for, eu não gostei.
Fiquem quietos, pessoal. Se formos sorrateiros, ninguém vai nos
incomodar.
Girei e me apressei, ainda escolhendo meu caminho pelas plantas com
cuidado, mas fazendo o mais rápido possível.
Um suave ronco chamou minha atenção e me inundou com um calafrio
terrível. Meu reflexo de fuga quase me fez puxar as calças e correr pela
floresta como uma espécie de hobgoblin.
Era a besta? Outra criatura? Talvez não importasse. O som tinha vindo
de um animal maior, e qualquer coisa tão grande nesta floresta era algum
tipo de predador.
Soltei minha respiração muito lentamente. O animal estava a sudoeste de
mim, na mesma direção que o rompante da coruja, só que mais perto.
Olhei para o canivete agarrado na minha mão tremendo. Essa arma não
seria uma boa armadura.
Droga, agora eu estava pensando em piadas sem graça.
Esforçando meus olhos, observei o movimento enquanto pegava a
lâmina para dobrá-la. Observei para ver se alguma coisa interrompeu os
fragmentos de luar suave perfurando as sombras. A noite quieta não revelou
seus segredos.
Coragem, pessoal. Permaneçam calmos.
Eu me virei devagar em direção a casa, abaixando cuidadosamente os
pés, um de cada vez. Eu não queria que meus pés deslizassem na terra
estaladiça. Respirar devagar também ajudou. Eu precisava de ar para
abastecer meu cérebro e meus músculos. Precisava pensar ou correr, ou
ambos ao mesmo tempo. O pânico nunca ajudou ninguém.
Meu canivete fez um clique enquanto o fechava e a lâmina se alojava.
Fiz uma pausa, rangendo os dentes. O silêncio reverberou ao meu redor…
até escutar um lamento, como uma senhora de luto por suas perdas. Alto e
baixo, e cheio de agonia amarga.
Dei um salto. Meu canivete caiu dos meus dedos.
Porra! Derrubei a porra da faca. Puta merda, pessoal, isso está prestes
a ficar complicado.
Outro grito, desta vez como uma criança. Ele sacudiu meus sentidos
enquanto a faca bateu no chão em vários baques.
Os sons desta nova criatura vieram do Norte. Um norte perto, talvez,
quarenta e cinco metros, possivelmente um pouco mais.
Grunhidos altos seguiram os gritos. Ruun, ruun, ruun.
Mesma direção, distância parecida. Era óbvio que era a criatura dos
gritos, algum tipo de tordo aterrorizante. O que os grunhidos deveriam
atrair, eu não sabia, nem me importava.
Eu me curvei às pressas, tentando olhar pelas sombras profundas para
encontrar a faca, e depois passei meus dedos no chão, procurando. Grama
seca escovou minha palma.
Outra coruja disparou um aviso – ou talvez a mesma coruja? Eu não
sabia. Será que eram criaturas tenazes que seguiam invasores como velhos
mal-humorados? Eu precisava pesquisar. Independentemente disso, o
chirriar foi muito mais próximo desta vez. Vinte e sete metros, talvez
menos. Sudoeste, na direção do grande predador.
Foda-se o canivete.
Apressada, eu me levantei, ajustei a bolsa com as folhas e corri em torno
da bétula. Ela tremia do mesmo jeito de quando cheguei. Mas, desta vez, o
movimento parecia mais intenso. As folhas se agitavam como esqueletos
dançantes. Galhos rangiam, balançando mesmo na ausência de vento.
Qual era o problema com aquela árvore? Será que eu tinha cortado sua
prima ou algo assim?
O tordo aterrorizante parou seu grunhido de repente. Tinha me ouvido.
Sabia que algo estava aqui.
Aquela bétula condenada pela deusa se juntaria a prima se eu tiver
escolha. Eu dançaria nua ao redor das chamas.
Engolindo um xingamento, continuei para colocar alguma distância entre
mim e a flora surtando. Um pedaço de grama quebradiça entre dois troncos
espessos me esperava à frente, e eu desacelerei. Minha visão se restringiu
para o caminho diretamente na minha frente, e meu coração bombeou
adrenalina no meu corpo, sinais do reflexo de fuga. Desacelerei ainda mais
e respirei. Eu não podia correr às cegas. Não podia. Eu precisava pensar
sobre isso. Eu precisava ser inteligente.
O canivete que caiu não tinha feito tanto barulho. As criaturas da área
não sabiam que eu estava aqui. Elas só sabiam que a bétula era uma diva
querendo atenção. E mesmo se soubessem que havia um invasor no meio
delas, não seriam capazes de me achar. Meu cheiro estava escondido devido
à poção de ervas artesanais que eu tinha bebido antes de sair de casa, e o
terreno era muito duro para meus pés fazerem trilhas distintas no escuro.
Neste momento, eu ainda não tinha sido descoberta.
Olhei a grama à frente enquanto ouvia. A bétula finalmente se
estabeleceu, deixando uma ausência escancarada de som em seu rastro.
Meus ouvidos não pegaram nenhum movimento. Sem gritos.
Meu peito parecia apertado, tenso com a pressão de manter a calma. Eu
me concentrei na minha respiração e comecei a avançar devagar outra vez,
tirando a adaga da bainha ao mesmo tempo. A grama emitiu alguns estalos
leves antes de eu encontrar terreno duro de novo, cortado por pedaços de
grama morta. Por pouco não suspirei alto.
Uma coruja chirriou por cima.
Eu me sacudi e pulei ao mesmo tempo. A lâmina da adaga bateu
inutilmente no tronco da árvore à minha esquerda. A coruja chirriou seu
aviso outra vez, e desejei ter meu arco para que eu pudesse calar essa coisa
neste exato instante. Saia do meu gramado, coruja!
O lamento da velha soou outra vez, percorrendo meu corpo. À nordeste,
rastreando-me.
Eu me movi mais rápido, tomando cuidado com meus passos. Ainda
tinha uns noventa metros para sair deste lugar. Talvez um pouco mais. Não
muito longe se fosse considerar, mas qual era a velocidade dessa criatura?
Eu era rápida, mas ela era quase certamente mais rápida do que eu. E a
fronteira da aldeia só significava algo para a besta. Cruzar a fronteira não
seria suficiente para escapar desta criatura. Eu teria que entrar na minha
casa e trancar a porta. Era uma distância suficiente para ela me pegar.
Caminhar seria muito mais lento e não muito mais silencioso. A
alternativa seria ficar e me defender com um corpo meio faminto de anos de
sobrevivência penosa, e uma adaga um tanto cega e de tamanho médio.
Boas chances.
Uma sensação estranha rolou pelo meu peito, como um grande peso se
virando. Pouco depois, um choque de fogo passou por mim, e eu não pude
deixar de arquejar assustada.
Foi… maravilhoso. Incrível, na verdade. O calor, a potência e o…
desejo?
Merda. Íncubo. Eu não tinha tomado a poção para parar a magia da
luxúria de um demônio porque não tinha pensado que haveria um na
Floresta Proibida. Afinal, por que não teria? Eles têm um passe livre por
todo o reino. Não os ter visto aqui antes significava muito pouco.
Felizmente, eles não eram perigosos o suficiente para me fazer parar.
Segurei firme na alça da adaga, ignorei o desejo no meu núcleo e
continuei me movendo. Ignorei a súbita explosão de umidade entre minhas
coxas, enviando faíscas de prazer toda vez que minhas pernas davam até
mesmo o menor indício de atrito. E que cheiro era aquele? Agradável e
picante e delicioso. Porra, isso cheirava bem.
O som de um bebê chorando rasgou o ar noturno, desesperadamente
perto, uns dezoito metros à minha esquerda. O tordo aterrorizante tinha se
movido em minha direção em uma diagonal. De alguma forma estava me
rastreando sem ser capaz de sentir meu cheiro ou me ver.
Ou talvez meu elixir mascarador de cheiros não funcionava tão bem
quanto eu pensava…
Olhei para cima, pensando em escalar. Seria difícil chegar nos ramos
mais próximos. Eu duvidava que conseguisse ser rápida ou silenciosa, e
mesmo se eu conseguisse, e se a criatura pudesse voar? Chegaria em mim
em um piscar de olhos.
Correr pode ser minha única opção.
Antes de começar a me mover, o estranho peso no meu peito se arrastou.
Lava derramou e escorreu até meu núcleo encharcado. Não consegui parar
um gemido quando uma presença íntima roçou minha pele, como se alguém
estivesse me tocando fisicamente com dedos sedosos.
Minha respiração ficou irregular enquanto eu tentava, desesperada,
afastar o sentimento.
Mas foi… incrível. A melhor coisa que já senti. Quase primitivo,
alcançando dentro de mim e arrancando uma fome crua que eu não queria
evitar. Desejos desesperados voavam pela minha cabeça, de toques, de
corpos emaranhados, do gosto de um pau duro deslizando na minha boca.
Foda-se, este íncubo era um filho da puta forte. Eu nunca me senti assim
antes.
Precisava passar por isso. Precisava ignorar o desejo repentino e
nebuloso de deitar agora e abrir minhas pernas, implorando para ser
tomada. Para ser dominada.
Desde quando uma garota como eu queria ser dominada?
Pelo visto, desde agora.
Não era assim que eu sairia desta floresta viva. Isso não era real.
Mas certamente parecia real. Isso não era como os demônios da aldeia,
que tinham uma espécie de presença oleosa em sua magia sensual. Isso
parecia um pedaço de mim… um pedaço secreto de mim… exposto.
Porra. Não parecia nada bom. Eu precisava acabar com isso!
Continue andando, insisti para mim mesma. Continue. Você é mais forte
que isso. Resista!
Eu me forcei a continuar, e tropeçando como se estivesse bêbada. Como
eu ia lutar contra o tordo aterrorizante neste estado? O íncubo estava
trabalhando com ele? Se não, ele precisava se mostrar para que eu pudesse
matá-lo rapidamente e seguir em frente.
A costura das minhas calças esfregando na minha vagina quase me
desfez. Meus mamilos duros esfregaram no tecido grosseiro ao redor deles,
que de repente não estava apertado o suficiente. Minha respiração acelerada
não era por causa da caminhada rápida.
Isso era tão fodido. Eu mal conseguia me concentrar no meu pânico
extremo.
Um rosnado baixo percorreu cada ponto de prazer em volta do meu
corpo, e o desejo desintegrou como fitas cortadas. Em seu lugar, o pânico
ressurgiu.
Parei bruscamente, adaga levantada, olhos do tamanho da lua. A
vibração barítona continuou, congelando meu sangue.
Devagar, virei a cabeça em direção ao som à minha direita.
Uma sombra cobria os relevos ásperos da casca na árvore grande. Luar
se infiltrava pela escuridão ao lado dela. Não ouvi nem vi nada. Por alguns
segundos, nada em toda a floresta parecia se mover.
Uma forma saiu da esquerda, na direção oposta de onde eu estava
olhando. O corpo escamoso estava dobrado nas duas pernas robustas, a
cabeça ainda cobria a minha por mais de um metro. Braços pequenos e
mãos pequenas se estenderam para a frente e a boca enorme abriu. Eu
esperava algo como um pássaro. Não é este o caso. Duas fileiras de dentes
pingaram saliva.
Ele se atirou na minha direção, com a intenção de agarrar meu rosto em
suas garras.
Capítulo 2

EU ME ESQUIVEI e me preparei para atacar, mas não tive a chance.


Uma forma enorme explodiu do espaço entre os dois troncos à minha
direita.
Gritei e desabei para trás, minha adaga caindo inutilmente da minha
mão. A forma se movia tão rápido que era quase um borrão. Eu mal vi a
forma musculosa, seus ombros bem acima da minha cabeça e as pernas
enormes terminando em garras de quinze centímetros. A escuridão
deslizava por ela como se fossem velhos amigos.
Uma visão dos meus pesadelos.
A besta.
Um rosnado feroz foi todo o aviso que o tordo aterrorizante recebeu antes
que a besta o arrematasse e levasse de volta pelo caminho que tinha vindo.
Não tive a chance de ver a cabeça da besta. Mas vi sua cauda deslizar pelo
chão, os espigões na extremidade chicoteando na direção oposta.
Um grito agudo de agonia acompanhava os sons molhados e gosmentos
de dentes rasgando a carne. O fogo se espalhou pelo meu corpo, mas
felizmente, o desejo já havia ido embora há muito tempo.
Como não sou de desperdiçar boa sorte, peguei minha adaga e fiquei de
pé com um pulo. Um segundo depois, eu estava correndo o mais rápido que
podia. Passando por arbustos e me abaixando sob galhos, eu não fiquei na
trilha. Não me importava se eu pudesse ser rastreada ou ouvida. Eu
duvidava que alguém perseguisse uma pequena metamorfa que não podia se
transformar, não com a confusão monstruosa acontecendo atrás de mim.
Atravessei a fronteira da Floresta Proibida e corri pela aldeia no caminho
mais longo até minha casa. Seria mais rápido se eu não tivesse que me
preocupar em pular cercas.
Subi os degraus e entrei pela porta. Antes que eu pudesse recuperar o
fôlego, eu me virei e bati a porta atrás de mim. Coloquei a madeira pesada
ao lado e a posicionei atravessada na porta, protegendo-nos.
Hannon se levantou do sofá, com os olhos ansiosos. Ao me ver de costas
contra a porta, ofegante, ele correu para a pequena janela com vista para a
varanda, agarrando as persianas de madeira internas para bloqueá-la.
— Não — ofeguei, meu peito ainda pesado. Tirei a bolsa com everlass e
a arrumei. Não queria que minha viagem quase mortal tivesse sido em vão.
— Deixa aberto.
Ele fez uma pausa com as persianas no meio do caminho. Sem uma
palavra, ele lentamente as abriu antes de olhar para a noite lá fora.
— Você a viu — disse ele baixinho.
Eu me endireitei, respirei fundo e balancei a cabeça.
— Não, quero dizer…
Lambi meus lábios secos.
Sem uma palavra, ele se moveu em direção à cozinha. Depois de anos
cuidando de nossos pais, ele não precisava escutar o que uma pessoa
precisava.
— Mais ou menos. Eu vi uma forma enorme. Um corpo. E uma cauda. E
o pé. O pé. Tinha que ter sido a besta.
— E estava perto?
Ele não deveria estar perguntando isso. Ele nunca perguntou se eu tinha
escapado por um triz. Aquilo me impedia de ter que mentir.
Mas desta vez, não tive vontade de encobrir o que tinha acontecido.
Contei tudo a ele, desde a bétula tremendo, até a estranha coruja
territorial, do forte íncubo que nunca se materializou, até a estranha fuga.
— Eu não acho que estava vindo atrás de mim — eu disse depois de um
tempo, quando fui para o sofá e terminei dois copos de água. — Quero
dizer… no início, era óbvio que estava. Estava me perseguindo. Como
aquela outra criatura
— Como? — perguntou Hannon, sentado na cadeira de madeira do outro
lado. Ele a tinha feito.
— Todo o barulho ao meu redor, eu acho, não sei. A bétula e depois a
coruja. Ou talvez a poção para mascarar o cheiro não funcionou. Não é
como se eu já tivesse testado de fato na Floresta Proibida. Eu só testei nas
florestas ao sul e a leste, em animais de verdade em habitats naturais, não
em criaturas demoníacas em um ecossistema maligno. A magia na Floresta
Proibida é distorcida.
— Bem. — Hannon esfregou seu rosto. — Vou pra cama. Nosso pai está
dormindo em paz agora. O elixir mais cedo ajudou mesmo. Talvez ele esteja
lúcido amanhã.
Acenei com a cabeça e fiquei parada por um momento. Eu precisaria
cuidar das folhas de everlass hoje à noite se fosse usá-las. Tinha que colocá-
las em uma bandeja de secagem e polvilhá-las com água para mantê-las
frescas até poderem ser secas no pôr do sol de amanhã. Exigiam muitos
cuidados, essas folhas. Mas se você as tratava bem, elas mantinham seus
entes queridos vivos.
No entanto, por um segundo, eu só queria sentar e relaxar. Ainda havia
tantas perguntas para refletir, como o que diabos estava acontecendo com
aquela bétula? E de onde veio aquela coruja e qual era o seu problema?
Porém, o mais importante, o que tinha acontecido com o íncubo? Eu
duvidava que o tordo aterrorizante pudesse excitar uma pessoa. Fazia
aqueles gritos e grunhidos, mas não era algo sensual. Também não achava
que a besta iluminada pela lua era um deus do sexo. Eu teria ouvido falar
sobre isso. Então, o que estava me afetando como uma diversão indecente, e
ainda estava lá fora? Porque íncubos não tinha problemas em vagar pela
aldeia e pegar o que queriam. Claro, eles geralmente podem ser fáceis de
ignorar, mas este era diferente.

TARDE NA MANHÃ seguinte, segurei uma caneca com um chá


especialmente feito em nossa cozinha caseira. Café era coisa do passado,
novos abastecimentos perdidos para nós quando a maldição entrou em
vigor. Grãos de café eram cultivados em alguns reinos, sem mencionar o
reino humano além do véu mágico, mas não éramos um deles. Quando
meus pais foram atormentados com dores de cabeça depois que o
suprimento acabou, eu criei uma mistura para acalmar a dor e ainda ajudar a
começar a manhã. Tinha funcionado, e agora eu esperava por isso todos os
dias.
Hannon tirou a panela do gancho pendurado sobre o fogo e a inclinou.
Um pouco da poção que salvava vidas encheu minha caneca.
— Tente de novo — eu disse com um bocejo, mantendo minha caneca
no ar.
— Acabou. Esbanjei um pouco demais ontem à noite quando você
estava sendo perseguida por bestas pela floresta. Mas dormi como um bebê
quando você voltou.
Ele sorriu para mim.
Eu fiz careta, tomei um gole, e encostei na bancada de pedra limpa, mas
lascada.
— De quem é a vez de ir ao mercado hoje?
— Sua, graças à adorável deusa.
— Qual é seu problema? — Olhei para ele por cima da borda da caneca
enquanto ele amassava pão. Ele era o útil da nossa família. Hannon
essencialmente assumiu o lugar da nossa mãe, cozinhando, costurando,
construindo e fazendo todos os tipos de outras coisas úteis... ele era o
mestre de todos os ofícios. Minhas habilidades se limitavam à cura, caça,
pesca, jardinagem, e escapar por pouco da besta na Floresta Proibida. Era
em parte por isso que eu precisava correr todos os riscos. Esta família não
sobreviveria sem Hannon. Nem por um instante.
Ele revirou os olhos e parou de amassar por um momento.
— Daphne.
Senti um sorriso no meu rosto cansado.
— Todos nós precisamos de admiradores.
— Sim, bem… — Ele balançou a cabeça e voltou para sua tarefa.
Depois de um momento, ele abriu o jogo. — Ela sabe que fiz meu
aniversário de 25 anos no mês passado.
Meu sorriso aumentou.
— O auge da idade de acasalamento, sim. Continue.
— Ela tem algo que quer me perguntar.
— Não… — Eu me inclinei para a frente alegremente. — Ela vai te
pedir em casamento?
— As mulheres não pedem em casamento, Finley. Acho que ela quer me
pedir para pedi-la em casamento. Ela não tem sido sutil sobre seus…
desejos.
Eu podia sentir meu sorriso completo. Hannon não era como a maioria
dos caras da nossa inútil aldeia. Ele não corria atrás de saias e visitava os
bares depois de escurecer para transar com as súcubos. Ele gostava de
conhecer a garota antes de passar para o próximo nível. Por causa disso, de
seu corpo robusto e bela aparência ruiva, ele parecia chegar ao próximo
nível (transa) toda vez que se esforçava. Ele só não se esforçava muito.
E isso deixava as mulheres loucas.
— As mulheres não devem caçar, também. Ou usar calças masculinas
inadequadas. No entanto, aqui estou eu…
— Você é diferente.
— Só acha isso porque sou sua irmã. Garotos não devem cozinhar e
cuidar de suas famílias, e ainda assim você se destaca nisso melhor do que a
maioria das mulheres. Talvez ela seja sua parceira verdadeira
Ele bufou.
— Ah, claro. Parceiros verdadeiros não são possíveis.
— Você sabe o que eu quero dizer. — Eu recitei como se ele fosse
ignorante. — Talvez ela fosse sua parceira verdadeira se a maldição não
tivesse suprimido todos os nossos animais, e pudéssemos realmente agir
como verdadeiros metamorfos.
Ele fez uma pequena pausa.
— Não acho que parceiros verdadeiros alguma vez existiram. Eu li as
histórias, assim como você, e nenhuma delas confirma que são reais.
— Em primeiro lugar, nossa biblioteca é pequena e limitada, e antes da
maldição, as pessoas não procuravam aprender seus traços de metamorfo
através dos livros. Aprendiam com outros metamorfos. Então, faz sentido
que não tenhamos muitos volumes nessa funcionalidade. Eu sei porque
reclamei disso e foi o que me disseram. Em segundo lugar, aquelas que têm
são de histórias focadas nos nobres, reis, rainhas e pessoas importantes.
Eles se casam por dinheiro e poder. Não dão a mínima para o amor. Gente
comum como nós tem mais chance de encontrar nosso parceiro verdadeiro.
Eu não acreditava nisso, mas adorava bancar a advogada do diabo. Eu
sabia que meu irmão queria encontrar a parceira dele. Que ele honraria a
escolha de seu animal (caso ele conhecesse seu animal, trancado dentro
dele), e acasalaria como a natureza pretendia.
Eu mesma não acreditava em nada predestinado. Eu não era do tipo que
permitia que alguém me pressionasse, mesmo que fosse meu próprio lado
primitivo. Nem me importava com amor e acasalamento. Não mais. Não
desde que eu tive meu coração arrancado e pisoteado há dois anos. Meu ex
me largou e acasalou com uma garota dentuça, dedicada a bordados e a
cuidar dele.
O raciocínio dele para o término? Ele precisava de alguém pronta e capaz
de administrar uma casa. Ele queria uma esposa “adequada”.
Pelo visto, em seus olhos, e aos olhos da maioria das pessoas na aldeia,
uma esposa adequada não caçava melhor do que seu marido, ou de forma
alguma. Ela não tingia o couro, brincava com facas e usava calças. Nem
cuidava dos aldeões convalescendo da doença da maldição mais do que ela
atenderia às necessidades menos terríveis do marido. Isso porque ela teria
assumido (pelo visto incorretamente) que seu marido era um adulto e não
precisava de uma babá para limpar sua boca e garantir que ele era o mestre
do universo. Que tola.
Era óbvio que eu ficaria solteira para sempre. Mas não seria uma grande
perda, levando em conta os idiotas nesta aldeia. Era uma pena o período de
seca nos últimos dois anos. Isso não era tão fácil de suportar, ainda mais
com demônios da luxúria vagando por aí.
— Acho que os parceiros verdadeiros são incrivelmente raros —
murmurou Hannon.
— Bem, sim. Há uma pessoa em todo o mundo mágico predestinada a
nós? E elas têm que ser o mesmo tipo de metamorfo, mesmo nível de poder
geral, e a mesma idade geral… Muitos “e”. Mas é fazível, ou então não
teríamos um nome para isso. Além disso, Daphne é muito bonita e está
muito disposta. Eu sei como você gosta das curvas, também.
Eu podia ver sua bochecha e orelha ficar vermelho brilhante. Ele era
muito fácil de envergonhar. Era meu objetivo fazer isso pelo menos uma
vez por dia.
— Sou muito jovem para casar — resmungou ele.
— Está bom. Isso não é nem remotamente verdade, e você sabe. Não
desde a maldição. Ninguém tem mais uma longa expectativa de vida,
precisamos viver. Inferno, se aquele burro não tivesse me largado, eu
poderia estar acasalada e grávida agora.
— Mesmo assim — murmurou ele.
Ignorei a pontada do meu coração partido e bati no balcão.
— Você tem uma lista ou devo adivinhar o que precisamos?
— Não temos moeda suficiente para você adivinhar.
— É verdade. Estou com muita fome. Enlouqueço quando faço compras
com fome. Acelera esse pão.
Ele me encarou, o vermelho em suas bochechas começando a
desaparecer.
— Ei… — Ele puxou a folha de papel artesanal bege manchado, de
formato estranho e excessivamente grosso, da borda do balcão e esticou
para mim.
Não tínhamos mais papel normal. Não podíamos alimentar as máquinas
para fazê-lo. Em vez disso, ou tínhamos que fazê-lo à mão com celulose de
madeira, plantas e qualquer papel que sobrou antes da maldição, ou
conseguir através de troca. Pergaminho também poderia ser feito, embora
fosse mais caro e reservado para situações especiais.
Nesta casa, recebíamos papel como agradecimento por ajudar com a
everlass ou o elixir. Não era bonito, mas dava para usar.
— Sobre Dash… — disse Hannon.
Terminei o que estava na caneca e a coloquei ao lado da bacia. Eu tinha
esquecido completamente de Dash. Eu só tinha conseguido algumas horas
de sono na noite anterior, e esqueci qualquer coisa não relevante para a
everlass.
— Então o que foi aquilo? — perguntei.
A seriedade roubou a expressão de Hannon.
— Um de seus amigos sabe a localização do campo. Acho que você não
é a única que o usa de vez quando. Ele levou Dash e outro amigo. Acho que
o garoto vai com o irmão mais velho pegar as folhas.
O sangue saiu do meu rosto.
— Eles são loucos? Por que arriscariam um menino de 10 anos?
— Eles vão ao meio-dia alto, eu acho. O momento menos perigoso. Eles
sacrificam a potência das folhas no elixir para a segurança das crianças.
Eu estava tendo dificuldade em processar isso. Arriscar as crianças.
Crianças! Eles eram tudo o que tínhamos. Eles eram a riqueza mais
importante nesta aldeia. Foi por isso que Dash e Sable foram mimados mais
do que deveriam ser. Superprotegidos. Observados mais do que
provavelmente era saudável. Precisávamos que as crianças mantivessem
nossos números ou corríamos o risco de desaparecer.
— Precisamos observá-lo melhor — eu disse, falando mais comigo
mesma do que com Hannon. — Ele vai apanhar como nunca apanhou na
vida. Não me importa quantos anos tem. Vou colocar o medo da Deusa
Divina nele para que ele nunca mais faça isso.
— Você tinha 14 anos…
— Quatro anos mais velha que ele, e eu era a única esperança da vovó.
Não que tenha ajudado. Dash não tem razão para estar lá fora.
— Eu sei — disse ele baixinho. — Precisamos falar com ele.
Suspirei.
— Bem. Agora, sabemos. E temos muitas folhas para nos manter até a
primavera. Estamos bem.

NÃO MUITO TEMPO DEPOIS, andei pela pista ensolarada até o


pequeno mercado da aldeia na praça. Em sua maioria, tinha produtos e
bugigangas, alguns móveis, e uma ou duas peles ou mantos. Costumávamos
ter muito mais, eu me lembrei de quando eu era criança, os viajantes
vinham ao nosso mercado, trazendo suas habilidades especiais e produtos, e
os aldeões criavam artes e artesanato sofisticados para vender aos
forasteiros. Eu adorava vagar pelas várias barracas, olhando para o lindo
vidro feito à mão, os desenhos divertidos dos bordados e a arte e as
esculturas. Ajudava minha mãe a gerenciar nossa barraca de vez em
quando, oferecendo algumas flores que eu tinha plantado, ou peles que eu
tinha ajudado o pai a curtir. Eu dizia olá para os viajantes e assistia o
malabarismo deles na grama na praça.
Mas nosso reino tinha desaparecido dos corações e das mentes do mundo
mágico. Ninguém poderia vir aqui mesmo que quisesse. Pior, ninguém
poderia sair. Muitos tentaram ao longo dos anos. Ou foi o que ouvi. Eu
tinha sido muito jovem para testemunhar isso por experiência própria.
Alguns tentaram escapar pelas florestas comunitárias a leste e sul da
aldeia. Aquela terra tecnicamente pertencia à família real, mas tinha sido
alocada para o uso da aldeia. Como resultado, não havia sido amaldiçoada,
como a Floresta Proibida, e nenhuma everlass crescia lá.
Apesar disso, um grupo de aldeões partiu para sair dessa maneira. Pelo
que eu entendi, eles caminharam uma certa distância antes de não poder ir
mais longe. O ar se cristalizou diante deles, queimando aqueles que
tentaram passar. Matando aqueles que continuaram mesmo com dor.
Depois disso, os sobreviventes – desesperados, enfurecidos e assustados
– partiram para o castelo. Eles carregavam forquilhas e arcos, lanças e
tochas, com a intenção de exigir liberdade.
Nenhum deles voltou.
Naquela mesma noite, o rei demônio apareceu na praça da aldeia. Ele
anunciou que se alguém pisasse na Floresta Proibida, seria punido. Caso
roubassem algo dela, seriam enforcados. Como nos velhos tempos.
Ele permaneceu fiel à sua palavra, ou assim disseram. Não estava claro
se as pessoas eram punidas, enforcadas ou comidas pela besta ou por uma
das outras criaturas, mas, naqueles primeiros dias, qualquer um que se
aventurasse na floresta não voltava.
Estávamos presos neste lugar perdido e abandonado, metamorfos
incapazes de se transformar. Incapaz de sentir os animais dentro de nós. A
magia era mantida além do nosso alcance.
Não era tão ruim para pessoas como eu, já que nunca tinha conhecido
meu animal e não me lembrava muito dos velhos tempos. Eu nunca tinha
conhecido o poder primitivo, a força e as habilidades extras que vieram com
a mudança. Alguém mais velho e experiente deveria guiar um metamorfo
jovem pela transformação na primeira lua cheia após seu décimo sexto
aniversário, mas nossos poderes foram suprimidos muito antes da minha
idade. Eu não sabia o que estava perdendo.
Para nossos anciãos, foi uma perda tão grave que eles não falaram mais
sobre isso. Nada. Eu não sabia quem costumava se transformar em que
animal. Eu não sabia detalhes da vida de um metamorfo, ou como era se
transformar. Não sabia muito sobre o que eu deveria ser.
Eu tinha aprendido uma coisa: as ofertas de um demônio sempre tinham
condições. Suas palavras adocicadas deixavam um gosto amargo.
Qualquer que seja o acordo que nosso rei louco tinha tentado fazer, o
que ele por fim aceitou condenou a todos nós. Ao suprimir nossos animais,
os demônios também suprimiram nossa habilidade de curar rapidamente.
Nossa força, nossa proeza de luta. Eles nos humilharam. A nobreza tentou
resistir após a morte do rei louco, mas eles foram incapacitados. A maioria
do exército foi a seguir. Sem a habilidade de se transformar, eram presas
fáceis. Quase da noite para o dia, o reino era uma ilha, todas as seis aldeias
e o castelo no centro isolado do mundo exterior e à mercê dos demônios.
Que vida maravilhosa.
Eu me lembrei do ataque de emoções que sentira naquela época. O
terror, a raiva, a tristeza e o desespero, mas eu era jovem e aprendi a me
adaptar. Aprendi um propósito. Um propósito que ainda sentia. Uma luta
que eu não desistiria até o dia em que morresse.
Esta seria a minha vida até morrer gritando. E se as pessoas me
deixassem em paz, eu poderia continuar com ela.
— Olá, Phyl — cumprimentei, enquanto o ferreiro caminhava em minha
direção com um grande martelo na mão enorme. Ele foi o único homem na
aldeia que nunca tinha se importado com o meu amor por coisas afiadas.
Ele acenou com um sorriso, mostrando uma grande lacuna entre os
dentes da frente.
— Olá, Finley. Está um dia adorável, não está?
— Está sim — eu disse, indo para o centro da aldeia.
Rita Desonesta sorriu para mim de cima do balcão de madeira na barraca
de tomate.
— Olá, srta. Finley. Ficou com algum demônio nos últimos tempos?
Ouvi dizer que o rei demônio gosta de virgens em particular.
— Ah, sério? Droga. Não sou virgem. Idiotas contam, né?
Ela riu e embalou alguns tomates e um pouco de alface.
— Provavelmente. Eu te disse? Vi Patsy Baker sendo assada no espeto
na outra noite. É quando um está comendo por trás e outro está enfiando na
boca.
Rita Desonesta gostava de fazer os jovens corarem. Ela fazia a festa com
Hannon. Eu era muito mais difícil de provocar, mas reconhecia seus
esforços. Era outro efeito colateral de ficar preso aqui – algumas pessoas
tinham ficado… esquisitas. Aprendi a apenas ir com a onda.
— Foi mesmo? Ela estava se divertindo?
— Até que ela foi esguichada no olho. É quando
— Sei o que significa. Não precisa explicar.
— Ouvi dizer que o rei demônio entrou no quarto da pequena Dalia
Foster na outra noite e a deflorou. Ela está esperando seu filho.
— Nojento. Odeio essa expressão.
O sorriso dela era perverso.
Eu não mencionei que a “pequena” Dalia Foster tinha quase a minha
idade e não tinha mais como ser deflorada… por qualquer um de seus
orifícios. Ela tinha experimentado intimidade física cedo, pelo que eu tinha
ouvido, e experimentado pesadamente. Pelo visto, o chá de prevenção de
gravidez falhou com ela. Mas, pelo menos, ela tinha uma boa desculpa para
dizer ao pai superprotetor.
Rita Desonesta amarrou a sacola e entregou.
— E quando será sua vez? — perguntou ela, seu olhar mergulhando para
minha barriga lisa. — Você é uma garota bonita. Talvez o rei demônio faça
uma exceção e entre na sua janela. Ouvi dizer que ele é um excelente
amante.
— Ah, sério? Até com uma faca no estômago? Porque isso é o que
aconteceria se ele tentasse entrar no meu quarto.
Ela estava falando besteira, claro. Esta aldeia tinha visto o rei demônio
apenas uma vez, pelo que eu tinha ouvido, e foi quando ele avisou a todos
para ficar na aldeia ou enfrentar a morte. Ele não estivera interessado nas
mulheres na época, e não estaria agora. Não mulheres daqui, pelo menos.
Sempre fomos a vila mais pobre do reino. Também havia rumores de que
ele odiava os metamorfos. Não, não haveria visitas do rei demônio neste
lugar.
— Se não ele, então acho que você vai ficar feliz em ouvir que um certo
alguém decidiu finalmente ter uma esposa…
Um calafrio passou pelo meu corpo.
Ela tinha que estar falando de Jedrek. Urgh!
Ele estava atrás de mim desde que eu tinha 16 anos, só querendo entrar
nas minhas calças. Depois da série de rejeições, ele tinha decidido que não
queria apenas uma transa, ele queria acasalar.
A ilusão era forte com aquele.
— Você está brincando — eu disse. Era só o que eu precisava. Ele era
um filho da puta tenaz quando queria algo.
Seu sorriso era astuto.
— De jeito nenhum. Ouvi dizer que ele estava procurando por você mais
cedo. Muito bonito, aquele Jedrek, não é? E um grande caçador. Ele tem sua
própria casa, e nada vai faltar para sua esposa.
— Exceto afeto, livre-arbítrio, orgasmos que ela não desse a si mesma…
— Ah, olha, ele está vindo agora…
Às pressas, eu me virei e corri pelo caminho. A risada de Rita me seguiu
além da fila de barracas. Precisava ser mais rápida antes que ele me visse
— Finley!
Tarde demais. Droga!
Jedrek me perseguiu com a arrogância de um campeão, os braços fortes
balançando, a cabeça erguida e o cabelo preto brilhando no sol. Mais de
uma mulher se virou para olhar, apreciando a vista.
Este idiota tinha de alguma forma passado Hannon na distinção
questionável de ser o solteiro mais elegível. Claro, ele era bonito. E sim, ele
tinha uma casa e uma renda viável, mas só porque ele não tinha feito nada
para ajudar seus pais a sobreviver à doença. Hannon poderia ter essas coisas
também se ele jogasse a família na rua e deixasse o pai sucumbir à doença.
Mas ele não era um filho da puta com cara de doninha. Aquela era a
diferença.
— Jedrek, oi — cumprimentei, olhando para minha lista para que ele
entendesse que eu estava ocupada.
— Você está linda hoje.
Ele me deu uma olhada apreciativa.
— Fantástico. Eu só estava pegando algumas coisas…
— Você já soube?
Ele deslizou a mão no cabelo, flexionando os bíceps.
— Que seu ego é tão pesado que você se inclina quando anda?
— Está na hora de eu ter uma esposa. Tenho uma casinha agradável e
muito espaço para um berçário.
Seu olhar baixou para os meus quadris.
Ele estava checando se meus quadris eram largos?
— Bem, boa sorte com isso. — Sorri com dentes demais e tentei me
abaixar em torno dele.
— Ora, Finley, ambos sabemos que somos o casal da aldeia.
Ele ajustou as calças, olhando para nosso público. Pelo visto todos
sabiam que isso aconteceria, menos eu. Maravilha.
— E por que eu saberia disso, Jedrek?
Ajustei a sacola para que cobrisse mais da minha pessoa.
Ele deu um sorriso impecável ao se aproximar um pouco mais.
— Porque somos as pessoas mais desejáveis nesta aldeia. É natural que
fiquemos juntos.
— A beleza desaparece, Jedrek. Mas as falhas permanecem, e eu me
orgulho de ter um monte.
Sua risada estrondosa não se encaixava com meu comentário.
— Bobagem, Finley. Você vai me dar herdeiros fortes que carregarão
minha linhagem.
— Ah, ótimo. Por um segundo, pensei que ia ser tudo sobre você.
Ele se virou e deslizou o braço nos meus ombros.
— Teremos o casamento mais grandioso. Um prato de carne para todos.
Você não gostaria de negar uma celebração para a aldeia, gostaria?
Aqueles ouvindo, um número que crescia a cada minuto, animaram-se.
Fantástico, ele estava jogando o ângulo da culpa. Era um golpe baixo. Se
eu dissesse não, seria a vilã. O que faria o resto da minha vida muito
agradável…
— Vou precisar pensar — eu disse, saindo de seu aperto.
Ele agarrou meu braço e me puxou. Arquejei, assustada, quando ele se
inclinou mais, com os olhos ardentes.
— Você vai se casar comigo, Finley. Deixei claro na aldeia que você é
minha noiva. Ninguém mais vai tocar em você. Eu vou ter você.
O duplo significado brilhou em seus olhos, sua luxúria aparente.
Mantive o desgosto longe do meu rosto. Ele atraiu uma plateia. Eu daria
um show a eles.
Aumentei a potência da minha voz.
— Quem tem dois dedos, um polegar e orgasmos noturnos? Esta garota.
Eu não gostaria de desistir disso por um passeio chato no seu pau
minúsculo. Vá vender suas merdas em outro lugar. Este balde está cheio até
a borda.
Suspiros soaram ao meu redor. Mais do que algumas pessoas riram.
Arranquei meu braço para fora de suas garras e continuei pelo mercado.
Não pensei nem por um segundo que tinha acabado.
Capítulo 3

A TRANQUILIDADE DA biblioteca me invadiu quando abri a porta.


Quando estava dentro e felizmente fora dos olhos do público, fiquei parada
por um segundo e deixei a tensão no meu corpo relaxar. Jedrek tinha
mesmo me atordoado. Ele tinha me desnorteado por completo.
Livros forravam a prateleira na sala minúscula, não muito mais do que
um armário glorificado. Eu não me importava. Este era um lugar de refúgio
para mim. Um lugar de informação. Depois de um dia difícil, ou um dia
chato, ou na verdade qualquer dia, eu poderia vir aqui e escapar para outro
mundo e viver uma vida diferente.
Varri meu olhar pelas fileiras, permitindo que o cheiro de livros amados
permeasse meus sentidos.
Eu tinha lido cada um dos livros aqui, alguns várias vezes. Não
conseguíamos novos, então tive que reviver aventuras. Mas, às vezes, era só
para passar o tempo. Como hoje.
— Finley! — Kessa, a bibliotecária, entrou por uma porta lateral. O
quarto ao lado era bem mobiliado, usado como uma espécie de clube social
feminino. Era um lugar de boas maneiras e tradição, com conversas
murmuradas, chá e pequenos sanduíches. Eu nunca tinha sido convidada
para participar.
Era melhor assim. Eu gostava mais deste lado da parede, de qualquer
maneira.
— Oi, Kessa.
Coloquei a bolsa na porta e andei até as prateleiras à minha direita. Eu
sabia exatamente o que estava procurando, mas não queria anunciar minha
busca por sexo safado e pesado agora. Havia um tempo e um lugar, e não
era esse.
— Tem algum livro novo? — perguntei como uma piada, passando os
dedos pelas lombadas de todos esses livros gloriosos.
— Na verdade, tenho sim. — Ela parou em uma pequena mesa no canto
e pegou uma pequena pilha de papel decentemente feito. Havia outros três
ao lado dele. — Nosso autor favorito quer saber o que eu penso. Ninguém
sabe por que ele perde o tempo dele e recursos nisso. Ele precisa de um
passatempo diferente.
Eu ri. Na prateleira seguinte corri meu dedo pela lombada de um volume
da história do nosso povo. Por impulso, tirei da prateleira e separei. Eu
poderia me aprofundar nisso essa semana. Não tinha lido por um tempo.
— Acha que é melhor do que o último?
— Não. Nem do anterior. Eu dou as anotações, ele pega as anotações e
ele não as incorpora. É basicamente a mesma história, várias vezes, com os
mesmos problemas. — Ela deixou o papel cair de volta na mesa. — Está
ilegível. Não estou brincando. Por que se preocupar em pedir minha opinião
se não vai ouvi-la?
— Acho que ele prefere que você apenas o elogie e o ajude a encadernar.
— Ora. — Ela deu batidinhas no ar. — Isso é o que acontece quando a
parceira é uma mulher muito solidária. Você faz papel de boba.
— Pelo menos ele tem um passatempo.
Olhei para cima até o topo das pilhas para ver se alguma coisa me
chamava a atenção.
— Estava querendo dizer a você. Obrigada pela ajuda mês passado.
Ernie está se recuperando completamente!
Congelei por um segundo. Eu a ajudei a fazer o elixir neutralizante para
seu parceiro, que era dez anos mais velho e tinha começado a ficar doente.
Ele tinha algum tempo, e, com a minha ajuda, teria mais, mas o elixir não
era uma cura.
Eu tinha dito tudo isso a Kessa, mas Ernie era o mundo dela. Eles nunca
tiveram filhos e ela não tinha família. Apenas ele. Se ela o perdesse, estaria
sozinha.
Não tive coragem de corrigi-la.
— Estou feliz que está ajudando — eu disse baixinho com uma pontada
no coração.
Eu precisava encontrar uma cura de verdade. Eu precisava.
Depois de selecionar mais dois livros dos quais tive um interesse
renovado e agarrar minha obscenidade de sexo bruto, fui para casa pelo
caminho mais longo. Eu não queria encontrar Jedrek ou qualquer um de seus
amigos admiradores por acidente.
Deixando minha mente vagar, olhei para o brilhante céu de safira.
Apenas duas grandes nuvens brancas se espalhavam pela vasta extensão.
Flashes de memória lotaram meus pensamentos. Escamas douradas
brilhantes no azul. Luz solar amarela brilhando entre asas douradas. Fogo
sendo expelido de uma cabeça com chifres.
Dragões.
Tínhamos uma infinidade de metamorfos de dragões naquela época,
todos de sangue nobre. Todos encarregados de proteger o reino. Mas apenas
um deles tinha me feito parar todos os dias.
Ele tinha sido magnífico, maior do que os outros, mesmo que fosse
muito mais jovem. Seus movimentos haviam sido tão graciosos. Tão
elegantes e bonitos. Seu rugido enviava um choque até meu núcleo,
encharcando meu sangue no fogo. E me ordenando a atender sua chamada.
Até hoje, nunca tinha sentido nada parecido.
Cada pessoa parava e ficava boquiaberta quando ele passava sobre a
aldeia. Elas ficavam fascinadas, como eu costumava ficar, bocas
arreganhadas, seus olhares presos a essa visão incrível.
O príncipe dragão. O herdeiro do trono.
Ele nos deixaria orgulhosos, disseram. Ele tinha um potencial incrível.
Teríamos o melhor reino do mundo mágico.
E então tudo tinha desmoronado.
O boato era que ele tinha abandonado nosso reino antes do acordo do rei
com os demônios. A rainha tinha morrido pouco tempo depois, embora eu
não pudesse lembrar a causa, se é que algum dia soube.
Em seguida, veio o fim de todas as coisas – a maldição.
Pela porta da casa, depositei meus livros na mesa e levei a comida para
Hannon. Ele saiu do quarto do nosso pai com uma expressão sombria.
— Como ele está? — perguntei.
Ele deu de ombros, pegando a sacola e indo para a cozinha.
— Segurando as pontas.
— Ele só precisa aguentar até a primavera. Na primavera, farei tudo o
possível. Devo encontrar algo que funcione.
Ele acenou com a cabeça, colocando as compras no balcão.
— Sei que você vai. É apenas difícil, tudo isso.
— A vida é difícil, mas vamos conseguir. — Eu acariciei as costas dele.
— As crianças ainda estão na escola?
— Elas pediram que parássemos de chamá-las de crianças, e sim, estão.
— Pouco provável — murmurei com um sorriso. — Ah, adivinha o que
eu ouvi hoje.
— O quê?
— Jedrek está pronto para se casar!
Ele parou, olhando para mim com sobrancelhas levantadas.
— E a garota escolhida?
Apontei dois polegares para mim mesma.
— Ele acha que somos as pessoas mais desejáveis e, portanto, devemos
ser um casal. Vou ter a honra de carregar todos os filhos dele.
Um sorriso apareceu nos lábios do meu irmão.
— Vocês dois serão o casal mais bonito da aldeia, com as crianças mais
mal-humoradas.
Estreitei meus olhos para ele.
— Seríamos, já que de jeito nenhum vou concordar em casar com aquele
idiota.
Hannon sorriu.
— O que você faria se ele fosse seu parceiro verdadeiro?
— Rejeitá-lo em um piscar de olhos. Se meu animal insistisse, cortaria
todos os laços.
Ele riu baixinho.
— Ok, acho que sabemos sua opinião.
— O que você precisa agora? Posso ajudar de alguma forma?
Seu olhar correu para a sala de estar e, em seguida, pela janela para o
quintal.
— Não, acho que merece a tarde de folga. Você vai secar as folhas à noite,
certo?
— Sim. Hora mágica.
— Acho que a hora mágica é às três da manhã.
— Sério? Então o que é crepúsculo?
— Crepúsculo.
Fazia sentido.
Peguei os livros na sala de estar e fui para a minha árvore plátano
favorita na beira da aldeia, de frente para a Floresta Proibida. Com a luz do
dia brilhando, mantendo todas os demônios à distância, e aquela barreira
invisível mantendo a besta do outro lado, era seguro. Eu me acomodei no
chão, com as costas no tronco e espalhei os livros na minha frente,
decidindo o que eu queria ler agora.
Não escolheria o livro que peguei sobre árvores e seus habitats. Mesmo
que quisesse estudar sobre aquela maldita bétula, e o autor tivesse escrito
esses maravilhosos capítulos sobre cogumelos venenosos e outros venenos
encontrados na natureza, eu não tinha a capacidade cerebral no momento.
Estava cansada por não ter dormido e ansiosa para secar essas folhas logo
mais tarde. Eu o empurrei de lado.
O romance estava no topo da minha lista por razões óbvias. Eu precisava
desesperadamente desse tipo de fuga. Mas meu olhar continuava a ir para o
livro que eu tinha agarrado sobre a história do meu povo, os metamorfos.
Embora houvesse apenas três reinos de metamorfos agora – bem, dois, já
que a maldição quase nos limpou do mapa – já tiveram cinco. Dois reinos
liderados por metamorfos de dragões, dois por lobos e uma rainha urso
solitária e seu povo. Só os reis e rainhas lobos permaneceram, filhos da mãe
persistentes.
Havia outros reinos, é claro, perto e longe. Alguns reinos feéricos com
suas políticas e intrigas. Goblins horríveis com seus montes de tesouros
roubados. A terra da noite, governada por vampiros. E, claro, o astuto rei
demônio que estava aos poucos eliminando toda competição. Dentro de cada
reino, várias aldeias e cidades abrigavam pessoas trabalhadoras, geralmente
todas do mesmo tipo mágico – os metamorfos viviam em um reino de
metamorfos, feéricos em um reino feérico –, mas de vez em quando um amor
impossível faria alguém se mudar para uma pequena diversidade mágica,
sacrificando o reino por seu amor. Isso, ou eles escapariam além do véu para
o reino humano, se disfarçando dentro do mundo mundano, muitas vezes
para nunca mais voltar.
O boato era que o príncipe dragão tinha deixado nosso reino por essa
razão. Ele tinha se apaixonado por uma feérica nobre e se mudou para seu
reino para estar com ela, fugindo de seus deveres como nosso príncipe e
futuro rei. Desistido de tudo por uma chance no amor.
Não posso dizer que o culpava. Todos mereciam uma chance de ser feliz,
até os príncipes. Duvidava que ele soubesse o custo.
Talvez ele ainda não soubesse. Talvez o rei louco o tenha deserdado.
Podemos ter sido apagados da mente dele.
Era impossível saber. Nobres não eram conhecidos por socializar com
pobres plebeus, e éramos os mais pobres do reino. Tínhamos as terras
menos férteis e as piores mercadorias. Éramos uma das terras mais distantes
do castelo. O que quer que tivesse acontecido, eu duvidava que alguém
nesta aldeia tinha descoberto mais do que meros rumores. Provavelmente
foi por isso que ninguém continuou a especular. Porque eu não tinha ouvido
mais nada sobre a maldição quando tinha idade suficiente para entender o
panorama geral.
O livro da biblioteca não falava sobre a fuga do príncipe, é claro. Era
muito velho. Mesmo assim, ofereceu algum tipo de conexão com nosso
passado, com o jeito que as coisas costumavam ser, e eu precisava acreditar
que seriam assim outra vez. Então eu puxei o volume para o colo e me
acomodei.
Depois de um tempo, um bocejo tomou conta de mim, e eu bati a cabeça
na árvore, sentindo uma onda de fadiga. Espero que hoje à noite eu possa
recuperar um pouco de sono. Estava quase na hora de ir caçar de novo, e eu
precisaria da minha força para enfrentar aqueles javalis idiotas. Eu era uma
das únicas pessoas na aldeia que rotineiramente caçava aquelas bestas, mas
elas tinham a melhor e a maior parte da carne. Valia a pena o risco.
Um momento depois, abri meus olhos… e, em seguida, pisquei mais
algumas vezes.
A luz havia diminuído ao meu redor. Uma brisa fresca passou pelo meu
rosto, sinalizando a noite que chegava. O livro que estava no meu colo tinha
deslizado por minhas pernas, sua borda apoiada no chão.
Só queria fechar os olhos por um segundo, mas era óbvio que eu tinha
adormecido.
Eu me sentei, fazendo uma careta por causa da rigidez nas minhas costas
e pernas. Se eu quisesse cochilar, deveria ter feito na minha cama. Não que
eu tivesse planejado fazer isso.
Quando ergui meu livro e me estiquei para pegar os outros, um
formigamento deslizou pelas minhas costas e rastejou pelo meu couro
cabeludo. Olhos. Alguém estava me observando. Uma presença,
provavelmente perigosa. Não precisava de uma conexão com meu animal
para saber de nada disso. A caça dava a uma pessoa um certo sexto sentido.
Empilhei meus livros, um pouco longe de mim, e descruzei as pernas. Se
precisasse me mover rápido, conseguiria.
Despreocupada, como se eu não soubesse que algo estava errado, eu me
espreguicei e fiz o truque de olhar por cima do ombro. Ninguém estava à
vista, embora isso não significasse que não estavam atrás de mim.
Apoiei as mãos e os joelhos, como se fosse me levantar, e depois olhei
em torno do tronco da árvore. Nada, deserto.
Eu meio que esperava que Jedrek ficasse por perto. Eu o tinha rejeitado
em público hoje. Ele não cometeria o erro de se aproximar de mim na frente
de uma plateia outra vez, mas um cara como ele também não cederia. O ego
dele não o deixaria. Eu esperava que ele tentasse me encontrar sozinha e
depois me assustar para concordar em ser sua esposa.
Mas ele não era um homem pequeno. Se ele fosse a presença à espreita,
eu o teria visto. Mesmo assim… o formigamento persistia. Uma estranha
sensação de peso encheu meu peito, como eu tinha sentido ontem à noite
antes de…
Gelei.
Nada sexual veio desta vez. Só uma gota de fogo que penetrou meus
membros.
Passei meu olhar pelas árvores que escureciam, a luz diminuindo e
sugando a cor da área. Nada se movia dentro das sombras prolongadas. A
brisa leve não mexeu os galhos. Tudo estava quieto e silencioso.
Isso não fez nada para abalar minha certeza. Algo se escondia nas
manchas de escuridão aninhadas entre os galhos à frente. Algo observava e
esperava.
Calafrios se espalharam na minha pele.
Devagar, eu me levantei e peguei os livros. Eu não pretendia ficar por
aqui e ver o que a noite traria. Além disso, tinha coisas para fazer. Precisava
cuidar daquelas folhas.
Ao me virar, pensei ter ouvido uma trepidação nas folhas.
Joguei a cabeça na direção da Floresta Proibida e observei enquanto
olhava para a escuridão. Seja o que for, estava bem escondido.
Meu nervosismo disparou. Segurei os livros no meu peito como se eles
me protegessem – reação clássica de leitor ávido – e me apressei para casa.
Bati a porta da frente atrás de mim e respirei fundo.
— O que houve? — perguntou Hannon, olhando para cima de seu
próprio livro na sala da frente.
— Nada. Eu só… — Coloquei os livros na pequena mesa perto da porta
e me joguei no sofá ao lado dele. — Fiquei assustada, só isso. A Floresta
Proibida está mexendo com a minha cabeça.
— Que bom. Isso vai mantê-la fora de lá.
— Não quero nada mais do que ficar fora de lá.
— O dia está acabando — disse ele, voltando ao seu livro.
— Em outras palavras, larga do meu pé e faça algo útil?
— Sim. Estou em uma parte boa.
— Onde estão as crianças?
— Com os amigos.
Elas estariam em casa logo. O pôr do sol era toque de recolher para
crianças, sem exceções. Mesmo que uma criatura não saísse da Floresta
Proibida, ainda havia os demônios que se escondiam na aldeia depois de
escurecer. Desde a maldição, a noite era muito perigosa para crianças.
Eu me levantei do sofá e fui para fora para cuidar da everlass.
O tempo passou enquanto eu executava série de movimentos familiares.
Em algum momento, Dash trouxe uma tigela de guisado e depois ficou por
perto, ouvindo enquanto eu descrevia o que estava fazendo. Trabalhar com
plantas – especialmente esta – me acalmava de uma maneira que eu não
poderia descrever. Eu gostava da delicadeza e da atenção necessária. A forma
como suas propriedades mudavam de acordo com o ambiente.
Em poucas horas, terminei finalmente minhas tarefas e empurrei Dash
para dentro para que ele pudesse ir para a cama. Esta colheita duraria por
um tempo, graças às plantas fortes e saudáveis de onde as folhas vieram.
Quando eu precisasse de mais, minhas plantas estariam prosperando no sol
da primavera.

 

OLHOS DOURADOS BRILHANTES me encaravam das árvores. O


terror martelou constantemente no meu corpo. Um rugido perfurou meus
ossos enquanto também me fazia sentar.
Eu me sacudi e acordei, abrindo meus olhos.
Malditos olhos brilhantes da besta. Eu tinha certeza que sonhava com
outras coisas, mas a única coisa que me lembrava ao acordar eram aqueles
malditos olhos brilhantes, e agora o rugido, pelo visto.
Um rosnado baixo e ameaçador serpenteou no ar. O frio brotou no meu
sangue.
Por favor, diga que ainda estou sonhando. Por favor, diga que ainda
estou sonhando.
Eu estava com medo de me mover, virar a cabeça para o lado e procurar
a fonte do barulho.
O rosnado soou outra vez, profundo e baixo, do mesmo lugar.
Bem do lado de fora da janela do meu quarto.
O pavor me inundou, e eu coloquei os pés no chão devagar, lutando
contra o medo congelando minhas articulações.
Isto não pode ser o que eu pensei que era. Não podia ser. A besta não
podia passar do limite da Floresta Proibida. Ou pelo menos foi o que as
pessoas disseram.
O rosnado profundo soou pela terceira vez, rolando pelo ar da noite
densa.
— Finley! — Sable estava deitada de lado em frente a mim. Pela luz da
lua nebulosa eu podia ver seus olhos arregalados. Ela também ouviu. Não
era um sonho. Esta situação impossível estava acontecendo em tempo real.
A luz da lua que entrava pela janela cintilou… e depois ficou escuro,
algo enorme bloqueando a luz.
— Que a Deusa nos ajude — disse Sable com uma voz trêmula. — A
besta veio atrás de nós.
— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Como isso era possível?
Eu me joguei para baixo e rolei no chão. A criatura podia ser capaz de
ver no escuro, mas não conseguiria ver muitos detalhes pelas cortinas,
mesmo tão desgastadas e frágeis como estavam.
— Não se mexa — sussurrei.
Com os cotovelos e joelhos no chão, rastejei até a cômoda no canto. A
luz voltou a fluir pela janela. A besta tinha seguido em frente.
Eu me levantei e agarrei minha adaga do topo. Um momento depois,
corri para a porta e a abri.
Um grito rasgou minha garganta, cortado rapidamente por uma mão na
minha boca. Hannon colocou um único dedo nos lábios.
Tirei a mão do meu irmão e passei por ele. Eu não precisaria do aviso se
ele não tivesse me surpreendido.
Nosso pai tossiu atrás da porta fechada, com o peito ruidoso.
Não vamos nos preocupar com isso agora, pessoal. Vamos tentar manter
toda a família viva primeiro.
Na sala de estar, cheguei à porta da frente e me certifiquei de que a viga
de madeira pesada tinha sido abaixada. Sua extremidade repousava no
suporte de metal que a segurava no lugar. A luz da lua cintilou na madeira
branca. Então a luz escureceu… antes de desaparecer.
Fechei os olhos enquanto meu coração palpitava. Cada terminação
nervosa estava emitindo eletricidade. Adrenalina tinha inundado meu
sistema.
Além da janela com vista para a varanda, tínhamos três janelas na sala de
estar. As duas que davam para o quintal ficavam próximas, e uma terceira
dava para o beco lateral entre a nossa casa e outra. A julgar pela diferença
de iluminação, ambas as janelas traseiras tinham acabado de ser obstruídas.
Não tínhamos persianas naquelas janelas.
O tempo diminuiu quando me virei. Eu sabia o que encontraria. Meus
pesadelos tinham voltado à vida.
Um grande e brilhante olho dourado fez residência em uma das janelas.
Era difícil respirar. Aquela sensação estranha no meu peito rolou para
fora, fogo vazando do meu centro para minhas pernas e meus braços. Mas,
mesmo quando meu corpo queimava, meu sangue se transformou em gelo.
Eu não podia me mover por causa do medo.
Aquele olho não estava a mais de quatro metros de distância, muito mais
perto do que da última vez que o vi. Muito mais perto. Através da minha
paralisia induzida pelo medo, não pude deixar de notar todos os detalhes.
Um oval fino e vertical tomava o centro, a pupila semelhante a de um gato,
só que mais redonda. Um dourado profundo e forte esboçava o preto antes
de irradiar para fora em uma explosão de cor, forrada com listras de ouro
mais claro, laranja, vermelho e amarelo. Ao longo das bordas, manchas
mais escuras brilhavam, tornando aquele raio de sol muito mais dramático.
Era lindo.
O olho piscou, e eu vi que havia dois conjuntos de pálpebras. A primeira
parecia mais um brilho que deslizava para o lado. Em seguida, o
equivalente humano, a de cima descendo e encontrando a de baixo. O piscar
aconteceu rapidamente, mas o movimento me sacudiu.
— Finley?
A voz de Dash veio do corredor. O olho dourado se movimentou naquela
direção, como se a besta tivesse ouvido.
Um tipo diferente de medo comeu o primeiro, e eu comecei a me mover
outra vez, eu me lancei para a frente para interceptar Dash correndo para a
sala de estar.
— Fique longe — vociferei, parando no centro da sala para bloquear seu
progresso. Estendi a mão. — Afaste-se! Fique fora de vista.
Aquele lindo, mas terrível olho dourado deslizou de volta para mim,
observando-me, ultrapassando minhas barreiras e me avaliando. Eu podia
senti-lo, como se ele tivesse arrancado minha alma e colocado em uma
balança.
O olho desapareceu, e o corpo seguiu, escamas escuras se movendo para
longe da janela. Em um instante, o luar voltou, explodindo a escuridão.
O som de vidro quebrando me fez vacilar e levantar o braço na frente do
rosto. Algo bateu no chão de madeira e deslizou aos meus pés. Meu
canivete.
Eu olhei para ele como se fosse de um corpo diferente. Um mundo
diferente.
A besta tinha recuperado meu canivete. Então ele tinha me seguido até
aqui. Sabia quem eu era e o que tinha feito. Devia saber.
E agora veio cobrar.
Isso pode dar muito errado, pessoal. Fiquem atentos para o final, pensei
desesperada, todo o corpo tremendo.
Eu precisava fazer algo. Precisava sair dessas algemas induzidas pelo
medo e usar a energia para algo útil. Mas o quê? O que eu faria contra uma
criatura deste tamanho? Parecia que a única coisa disponível para mim
agora era se esconder. Ou nos esconderíamos… ou precisaríamos de uma
distração.
Lágrimas brotaram nos meus olhos, mas eu não as liberei. Para salvar
minha família, eu faria qualquer coisa, incluindo correr às cegas em direção
à Floresta Proibida para que ele me perseguisse. Para que minha família
pudesse fugir.
— O que eu faço? — perguntou Hannon calmamente do corredor.
— Cuide deles — eu disse com uma voz seca enquanto forjava minha
coragem. Eu me inclinei devagar e peguei o canivete fechado com a mão
livre, evitando os cacos de vidro no chão. A luz diminuiu outra vez, e havia
aquele olho dourado me observando. Esperando, parecia. Oferecendo-me
uma escolha. Ou eu me entregava, ou arriscava minha família.
Escolha.
Com a janela quebrada, agora eu podia ouvir a besta. Sua respiração na
noite tranquila. O rosnado fervilhando nas profundezas do peito.
Não era uma escolha. Não para mim. Era uma eventualidade.
— Reúna as crianças perto da grande janela do seu quarto — sussurrei
para Hannon, uma lágrima escorrendo do meu olho. Coloquei o canivete no
bolso do pijama. — Se precisar, saia com eles e os leve para algum lugar
seguro. Caso contrário, se escondam e fiquem quietos. Eu vou distrair a
besta.
— Não, Finley. — Hannon deu um passo à frente como se quisesse me
agarrar e me arrastar para um lugar seguro.
Joguei minha mão no ar.
— Fique quieto, droga! Você tem a everlass. Chartreuse na praça da
aldeia sabe como fazer o elixir neutralizante melhor do que qualquer outro
além de mim. Peça ajuda a ela. Mantenha nosso pai vivo. Eu vou… — O
que eu faria? O que eu poderia fazer contra uma besta? — Eu vou dar um
jeito de alguma forma, e vou voltar para vocês, ok? Mantenha-os vivos.
Todos.
As lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas. Minhas palavras
gotejaram tristeza. Ambos sabíamos que eu não voltaria.
Mas estava tudo bem. Ele cuidaria deles melhor do que eu. Ele era a
fortaleza da família na tempestade em curso.
— Amo todos vocês — eu disse, virando e correndo para a porta.
— O que ela está fazendo? — reclamou Dash.
— Não, Finley — disse Sable, todos amontoados na entrada do corredor
escuro.
Removi a madeira bloqueando a porta. Parei, mas não olhei para trás. Eu
queria sair como uma heroína. Não queria que a última imagem que
tivessem de mim fosse de uma garota assustada marchando de encontro ao
seu destino.
Capítulo 4

DEPOIS DE FECHAR a porta, saí correndo. Jamais deixaria a besta me


matar na frente da minha família.
Também não peguei o caminho pelo quintal do vizinho. A besta poderia
se mover atrás de mim e acabar com eles e a casa no fogo cruzado. Em vez
disso, peguei a pista pelo centro das casas e ao redor.
O rugido da besta me penetrou, fazendo-me tropeçar e me ordenando a
parar. A força quase paralisou minhas pernas e transformou meu corpo em
madeira. O efeito fez cócegas em uma memória, mas meu pânico a
exterminou da minha mente.
Madeira estilhaçada e passos pesados soaram no caminho atrás de mim.
A besta deve ter caído na cerca do jardim. Hannon poderia reparar isso, sem
problemas. Pelo menos estava me seguindo. Esse era o plano.
Acelerando, fui para a Floresta Proibida. Não me atrevi a olhar para trás.
Eu não queria ver o tamanho da coisa. Além disso, se de alguma forma
chegasse até mim, derrubando e me partindo em dois, pelo menos o fim
seria rápido. Seria melhor do que tentar lutar uma batalha perdida com um
punhal um pouco cego.
Ao redor da última casa no caminho, corri pelo plátano e me amaldiçoei
aleatoriamente por não ter dito a Hannon para levar aqueles livros de volta
para a biblioteca. Como se isso fosse a coisa mais importante.
Chegando à linha de árvores da Floresta Proibida, eu me perguntava por
que eu não tinha sido pega. A besta já deveria ter me alcançado.
Talvez não tivesse me seguido…
Desacelerei até parar e girei, esperando ver o espaço vazio. Em vez
disso, quase me mijei.
Seu progresso tinha sido totalmente silencioso. Nem uma respiração ou
passo pesado me alertou de sua presença. Mas me seguiu mesmo assim.
Uma criatura enorme estava depois do plátano, olhando para mim.
Aqueles olhos brilhavam na semiescuridão, aparentemente absorvendo a luz
da lua banhando suas escamas pretas e sombrias. Uma grande cabeça
alcançava metade do pico de uma árvore alta, dois chifres se curvando para
longe do topo. Seu rosto com escamas tinha um maxilar saliente e dentes
longos se projetavam da boca sem lábios. Eu já tinha visto seus ombros
enormes antes, mais altos do que eu, com um peito longo e musculoso.
Duas pernas robustas a apoiavam na frente e a parte superior do corpo se
inclinava para os membros posteriores, com as pernas traseiras ligeiramente
mais curtas.
Se eu tivesse a minha bainha de couro, enfiaria a adaga nela. Pois não
me ajudaria contra o que enfrentava.
Se tivesse mais coragem, eu me defenderia.
Eu me virei e corri o mais rápido possível.
Nem sabia para onde ia. Nem olhei para trás para ver se a besta estava me
seguindo. Eu não tinha controle nenhum sobre mim mesma naquele
momento. O pânico estava conduzindo essa carroça e estava usando cavalos
bêbados.
Ziguezagueei pelas árvores e tropecei nas rochas. Meu ombro bateu em
um tronco que eu não tinha notado, e me enrosquei em um emaranhado de
espinhos. Arquejei quando um espinho arranhou meu braço e rasgou a
camisa. Minha respiração estava ofegante e a cena diante de mim se mexia
com a visão impregnada de lágrimas. Que heroína. Eu tinha me
transformado em uma donzela, e pra ser sincera, não me importaria de ser
resgatada. Não me importaria nem um pouco.
Por trás de um conjunto de arbustos, de repente percebi onde estava. A
bétula alta, parecendo fora de lugar, estava diante de mim, marcando o
campo da everlass. Mesmo em pânico, tive senso direcional para chegar lá.
Dado que eu tinha sido pega roubando desse mesmo campo, provavelmente
era o pior lugar para eu ter levado a besta. Por outro lado, para onde mais eu
iria? Poderia me esconder aqui a noite toda e voltar para casa amanhã…
apenas para encontrar a besta em minha casa outra vez. Eu não podia
escapar da aldeia e agora não podia escapar da besta.
Hora de encarar o futuro. Como nossa heroína que se tornou covarde
vai escapar desta vez?
Com a respiração pesada, parei em frente à bétula e olhei para cima. A
árvore viu aquilo como um sinal para tremer como uma dançarina,
balançando os galhos e sacudindo as folhas.
— Quer calar a boca, sua idiota? — gritei com ela. — A besta pode me
encontrar muito bem sozinha.
O rosnado baixo atrás de mim era prova disso. Respirei fundo e me virei
mais uma vez.
A besta estava aninhada nas árvores, sua maior parte obscurecida pelos
galhos que a cercavam, menos aqueles olhos, como duas brasas cercadas
pela escuridão. Sua cabeça abaixou e eu agarrei minha adaga com força,
levantando-a um pouco. Pelo menos posso dar a ilusão de bravura.
A enorme besta diminuiu num piscar de olhos, transformando-se em um
homem nu.
Fiquei de queixo caído. Não podia ser. Isso era impossível! A capacidade
de se transformar foi suprimida pela maldição. Eu não tinha ouvido falar de
ninguém neste reino que ainda pudesse fazer isso. E embora seja possível
que nossa aldeia fosse a única que tivesse sido tão afligida, eu certamente
não tinha ouvido dizer que a besta se transformava em um homem. Isso
seria algo que as pessoas falariam. Avisariam aos outros.
Ele caminhou em minha direção, das árvores. O luar atingiu seus cabelos
castanhos bagunçados, os ombros largos e estrutura robusta. Músculos
fortes e bem definidos cobriam cada centímetro de seu corpo alto, nem um
pingo de gordura. Dava para ver que ele ganhou esses músculos em
batalhas árduas. Parecia um homem que sabia exatamente do que era capaz.
Seus movimentos eram elegantes e graciosos, e seus olhos – ainda eram
aquele mesmo tom de ouro animalesco – me seguiam enquanto ele
avançava. Ele era o caçador nesta situação, e ele sabia disso. O predador.
Ele estava avistando sua presa... eu.
Mas o que capturou minha atenção não foram os músculos ou o poder
óbvio. Nem sequer foi a aura de perigo que revirou meu estômago e fez
minhas pernas tremerem. Foi a aparência desfigurada dele.
Uma confusão de cicatrizes cruéis tomavam o seu corpo. Uma linha de
prata irregular corria em seu peitoral ao lado do mamilo, quatro cicatrizes
paralelas atravessavam o lado do corpo dele e outras linhas cruzavam seu
abdômen. Ele tentou cobri-las com redemoinhos de tinta. Mas não tinha
funcionado. Na verdade, chamava mais atenção para o trauma passado,
alguns deixando a pele franzida e outros criando vales no que devem ter
sido feridas profundas.
Ele parou a alguns palmos de distância, sua força e poder fazendo minha
respiração sair desigual. Mesmo como homem, ele era enorme. Eu era uma
mulher alta, mas a altura dele superava a minha em trinta centímetros. A
ponta da minha adaga oscilava para frente e para trás, e não havia nada que
eu pudesse fazer para esconder meu braço trêmulo.
— Você invadiu minha propriedade — disse ele com uma voz profunda
e áspera. Parecia que ele também adquirido aquilo. Como se tivesse gritado
tanto que danificou as cordas vocais.
— Você me perseguiu até aqui. Não acho que isso conta — falei, adepta
a retrucar apesar de tudo. Eu tinha muita prática.
— O preço da invasão é a detenção. O preço de roubar é a morte.
— Ainda bem que eu não roubei.
Estendi os braços para indicar a minha falta de bens roubados.
Claramente por impulso, ele baixou o olhar para seguir o fio da
conversa. Seus olhos começaram a se mover de volta para cima, em direção
ao meu rosto, quando parou e fixou sua atenção no meu peito. Percebi tarde
demais de que o suor tinha feito a camisola transparente se agarrar aos meus
seios livres, sem tempo para amarrar antes de fugir de casa. O frio e o medo
fizeram meus mamilos enrijecerem. Ele estava tendo uma visão completa.
A pressão no ar aumentou. O peso dentro do meu meio capotou e mais
fogo vazou. Meu núcleo apertou quando o olhar dele se ergueu devagar
para o meu. A fome brilhou naqueles olhos dourados. Luxúria. Dominância.
Algo dentro de mim – algo estranho, mas enraizado profundamente –
ronronou com prazer. O desejo aqueceu meu corpo.
O que diabos está acontecendo, pessoal? Isso não é bom.
Mas reconheci esse sentimento. Era a magia da luxúria da noite anterior.
Ainda não parecia o mesmo que o poder de um íncubo. O poder deles era
simples, furtivo e escorregadio, oleoso. Isso era… bruto, intenso e
poderoso. Perigoso. Delicioso.
Afastei com tudo o que tinha, ignorando a súbita umidade entre minhas
pernas e o desespero inflexível de ser tomada de forma bruta. Que ele me
penetrasse com seu pau grande sem parar.
— Finley, não é?
Por que aquela voz áspera de repente pareceu uma lambida sensual na
minha pele aquecida? Odiei ter adorado. Odiei que de repente desejasse os
beijos dele entre minhas coxas. Os dedos dele tocando minha vagina.
— Pela Deusa, estou perdendo a cabeça — murmurei, tentando me
controlar. Passei as costas da mão na testa. Parecia que a magia dele estava
me desenrolando, um fio de cada vez. Por que pareceu tão bom?
— Você quer ser dominada, Finley? Seu animal certamente quer.
— O-o quê?
Empurrei a palma da mão no peito, sentindo aquele peso se debater
dentro das minhas costelas, como se fosse de fato uma criatura tentando se
libertar. O fogo continuava a penetrar minha corrente sanguínea, pulsando
poder nos meus membros. Eu tinha sido consumida por ele. Consumida por
este sentimento. Desesperada para deixar este grande alfa me empurrar na
terra e conduzir esse pau grande profundamente na minha boceta molhada.
— Basta!
Seu comando era como um balde de água fria.
Pisquei e percebi que tinha soltado a adaga e estava bem na frente dele.
Seu peito arfava como o meu, seu grande pau totalmente ereto entre nós. Eu
ainda não tinha tocado nele, mas ficou claro que estava prestes a agir de
acordo com meus pensamentos. Exigir que ele me desse o que eu desejava.
O assustador era que eu não fazia ideia de quando me mexi ou como
cheguei lá. Nenhuma daquelas coisas estava registada. Era como se outra
pessoa tivesse assumido o controle dos meus movimentos. Controle de
mim. Mas, ao mesmo tempo, eu me lembrei de pensar naquelas palavras
indecentes. Eu me lembrei de querer agir de acordo com elas. Eu me
lembrei de sentir a dor no meu íntimo com os pensamentos safados e
deliciosos.
Ah, merda, estava acontecendo de novo?
Sem pensar, dei um tapa no rosto dele. Então pensei, ah, merda, o que
acabei de fazer?
Antes que eu pudesse recuar, correr ou rir de forma maníaca, ele agarrou
meu pulso no ar.
— Vou deixar essa passar — disse ele com uma voz de um pesadelo. —
Sou parcialmente responsável. Não controlei a minha besta como deveria.
Mas só dessa vez. Tente de novo, e vou te partir.
— Que tipo nojento de criatura você é? — perguntei. — É o rei dos
íncubos ou algo assim? Força as meninas a se entregarem a você através de
magia?
— Eu não sou um demônio, princesa, posso garantir.
O apelido era condescendente, assim como sua expressão.
— Não sabe o que tem preso dentro de você, sabe? — perguntou ele.
Olhei para ele e, pela primeira vez, não tinha uma resposta espirituosa. O
desgraçado tinha me desnorteado por completo.
Ele afastou minha mão e depois me empurrou para trás, leve o suficiente
para forçar algum espaço, mas não para me afastar muito.
— Essa besta dentro de você vai colocá-la em apuros — disse ele. —
Precisa aprender a controlá-la.
— Do que você está falando?
Ele soltou uma risada, balançou a cabeça e depois olhou para o céu.
— Típico. — Parecia que estava falando sozinho. Ou talvez tivesse pego
emprestado meu público invisível por enquanto. Ele girou os ombros antes
de os endireitar. — Você roubou a planta everlass dessas terras em várias
ocasiões. Por quê?
— Não, eu não roubei. — Só um idiota confessaria sem provas.
— Por quê? — rosnou ele.
O medo me perfurou, mas não daria para ele a satisfação de ver isso.
Aquela planta era muito importante para ele. Isso não era apenas sobre
roubar – era sobre roubar dele. Seu rancor era pessoal, e eu não queria
incriminar minha aldeia. Meus segredos morreriam comigo.
— A maioria das pessoas vem a esta floresta na esperança de escapar
deste reino em ruínas — continuou ele. — Eles esperam me matar ou, nos
últimos tempos, fazer um acordo com o rei demônio. Mas você e alguns dos
seus vizinhos roubam a planta everlass. Sua aldeia é a única que
demonstrou interesse por ela. Por quê?
— Acho que os outros fazem porque seus jardins são muito pequenos e
não têm espaço suficiente para cultivar as plantas de que precisam.
Ele deu um passo à frente, transbordando de raiva.
— Você precisa tornar isto tão difícil?
— Preciso dificultar minha execução? Sim, mais ou menos. Não é algo
pelo qual estou ansiosa.
O olhar dele bateu em mim, e amoleceu meus sentidos.
— Você está tentando travar uma batalha que não pode vencer.
— A vida é uma batalha que não podemos vencer. A questão é,
queremos morrer pacificamente, ou lutar até o nosso último suspiro? Eu
escolho lutar.
Aquele peso no meu peito – quase uma presença real – agitou dentro de
mim. Senti sua aprovação.
Poderia ser mesmo meu animal? Isso era mesmo possível? O ar entre nós
estalou.
— Você não me deixa escolha.
Um choque de poder bateu em mim. Latejou, não sexual desta vez, mas
dominante, consumindo. A compulsão de responder a ele tomou conta de
mim. Quis me controlar e dominar. Abri a boca para obedecer. Fechei.
Eu não era um fantoche. Não era uma serva para receber ordens. Eu não
tinha nenhum mestre e não aceitaria um agora. Se ele quisesse me matar,
tudo bem, mas eu não seria obrigada a revelar meus segredos.
Cerrei o maxilar para conter as palavras. Cravei as unhas na palma da
minha mão livre, e me concentrei naquela picada de dor.
Raiva e frustração ferveram dele. Mais poder veio e me atingiu. Ele
ateou fogo na minha pele e raspou meus ossos. O flash de agonia ferveu
meu sangue. Doeu tanto que pensei que poderia desmaiar. Mas resisti.
— Maldita seja, Finley — rosnou. Ele estendeu a mão e me agarrou pela
garganta, puxando-me para ele. Seus olhos dourados se fecharam nos meus.
— Por quê?
A presença dentro de mim derramou fogo. Raiva. Fúria.
O canivete estava na mão sem nem eu notar. Abri sem saber como.
E o esfaqueei no peito.
Ele sibilou e me jogou no chão. Uma mão subiu rapidamente para a faca
saindo de seu peitoral. Eu não tinha o esfaqueado com muita força. Não era
nada além de uma ferida superficial. Dado o estado do seu corpo, não faria
diferença. Dada a sua espessa massa muscular, não o atrasaria muito.
Isto ia acabar muito mal para mim.
Eu me levantei e comecei a correr num piscar de olhos. Mas não podia ir
para casa. Isso só o traria de volta para minha família. Em vez disso, virei à
direita e evitei a bétula, que ganhou vida. Tremeu, balançou e fez sua dança.
Do outro lado, senti o seu comando para parar, mas ignorei. Corri para a
everlass, observando meus passos até chegar ao meio. Lá, eu parei,
respirando com dificuldade e o encarei outra vez.
Se a everlass fosse pessoal para ele, entenderia sua fragilidade. Não iria
querer atravessar o campo e destruí-lo. Espero.
Ele apareceu na borda do campo com o sangue escorrendo pelo novo
buraco no peito, bem no espaço entre os músculos do abdômen e das costas.
Ele abriu os braços.
— Aonde você vai? Se voltar para sua aldeia, mato todos. Quer isso?
Sua vida está perdida, Finley. Você roubou desta terra, e agora pertence a
mim.
— E quem é você? O fantoche do rei demônio? O lacaio dele?
Confusão cruzou o seu rosto. Ele inclinou a cabeça e depois começou a
rir sem humor. Ele abaixou os braços.
— Isso está ficando cada vez melhor — disse ele para si mesmo. Depois
para mim: — Na ausência do rei, como o único nobre que restou, sou o
guardião dessas terras. Sou o protetor delas. Sou seu carcereiro e seu
mestre.
— O protetor delas? Você está brincando? As pessoas estão morrendo. A
doença da maldição está matando todo mundo. Pensando bem, eu sou a
protetora. Sou eu que os mantém vivos quando a doença da maldição tenta
apodrecer seus corpos como apodreceu esta floresta. Devia me agradecer,
não ameaçar. Tudo o que você faz é andar pela floresta em forma de fera e
matar os invasores. De quem está a protegendo? Dos seus súditos? Ou está
enganado ou é um idiota. Cumpra seu castigo e acabe com isso. Está
desperdiçando meu tempo.
Seus punhos se abriram e fecharam. Ele olhou para a everlass em seus
pés, depois para mim. Parecia que ele estava em guerra consigo mesmo por
alguma coisa. Ele caminhou para a frente, escolhendo o caminho com
cuidado. Um pensamento repentino me atravessou. Ele disse que apenas
minha aldeia usava este campo, e nenhum deles era bom em podar. Era ele
quem vinha podando e cuidando dessas plantas. Demostrando amor.
Eu não tinha tempo para a confusão que senti.
Levantei um pé e pairei sobre a planta mais próxima. Ele fez uma pausa.
— É apenas uma planta, Finley.
— Quando chegar a mim, será muito mais do que uma planta. Ambos
sabemos que partilham um sistema radicular. Se uma é esmagada, todas vão
compartilhar a dor. Vão decair se eu acabar com uma quantidade delas. Eu
sei quantas precisam ser.
Não tinha a certeza se isso era verdade. Pensei que tinha lido isso uma
vez.
Ele congelou na mesma hora, então talvez tenha sido preciso. Ele ergueu
as palmas das mãos devagar com um gesto apaziguador.
— Seu irmão entrou neste terreno não muito tempo atrás com outros
dois.
Meu coração parou de bater. Abaixei o pé no caso de acidentalmente
perder o equilíbrio e esmagar uma planta sem querer.
— A vida dele, as vidas deles, também me pertencem. Perdoarei a
invasão e o roubo se você cooperar.
— Podemos fazer um acordo — eu disse rápido, lambendo os lábios. —
Contarei meus segredos se poupar a aldeia. Já estão tendo bastante
dificuldades. Eles não estão tentando machucar ninguém. Sem dúvida não
possuem os recursos para matá-lo.
Ele contemplou isso por um momento.
— Vou consentir em poupar aqueles que tratam bem a everlass. Todos os
outros vão morrer — rosnou ele.
Tinha que ser bom o suficiente.
— Tudo bem, sim, estive aqui algumas vezes por necessidade. Confie
em mim, eu não queria pôr os pés na floresta. Usamos a everlass em um
elixir que inventei chamado elixir neutralizante. Ao longo dos anos, eu o
fortaleci para que prolongue a vida daqueles que sucumbiram com a doença
da maldição. — Engoli. — Eu ainda não o aperfeiçoei muito bem. Não é
uma cura. Mas enquanto perdíamos uma dúzia de aldeões em um ano, agora
estamos reduzidos a dois. Só um até agora este ano.
— Você criou este elixir?
Eu não conseguia dizer se ele estava descrente, mas eu definitivamente
podia perceber que ele estava zombando.
— Só porque não nascemos com dinheiro não significa que não
nascemos com inteligência. Todos temos nossos próprios jardins, mas
durante os meses de inverno, como você deve saber, a everlass hiberna. As
folhas que colhemos não voltam a crescer. E como precisamos de muitas
para manter uma pessoa estável, alguns de nós com pacientes à beira do
abismo ficam sem folhas. Quando desesperados, ou os deixamos morrer, ou
acabamos nesta floresta correndo o risco de confrontar a besta que a
patrulha. O sr. Protetor, como se chama. Pronto, feliz? Só estamos tentando
salvar vidas.
— Eu não ouvi falar desse elixir.
— Por que alguém entraria aqui e lhe diria? Nem sequer sabíamos que se
transformava em um homem. Ou que qualquer um ainda pudesse se
transformar.
— Nenhuma das outras aldeias tem isso.
— Estamos confinados à aldeia, gênio. Eu criei o elixir. Como poderia
partilhar com alguém além das nossas fronteiras? Telepatia?
— Eu não acredito em você.
— E suponho que tenha uma teoria melhor. Por que acha que viemos
aqui, um desafio? Para encher as nossas almofadas com fofura extra? Talvez
um adorável pote de fragrância para o canto do nosso…
Ele se eriçou outra vez e um calor estrondoso se abateu sobre mim. A
necessidade de me calar me consumiu.
— Fizemos uma barganha — disse ele. — As queixas passadas da sua
aldeia e do seu irmão foram apagadas. Não lhes mostrarei ira. Venha. Você
deve pagar pelos seus pecados.
O ar saiu de mim. Olhei para as plantas everlass uma última vez
enquanto as lágrimas turvavam minha visão. Balancei a cabeça,
principalmente para mim, e escolhi o caminho para a frente.
Ele esperou depois da bétula, alto e estoico na floresta escura. Eu o
enfrentei com a cabeça erguida.
— Quer suas armas? — perguntou ele.
Eu bufei.
— Vão servir de alguma coisa?
Ele não respondeu. Só me encarou.
Dei de ombros indiferente e as peguei, limpando a lâmina do canivete e
colocando de volta no bolso do pijama, depois erguendo a adaga.
— Você poderia ter sido incrível um dia, Finley — disse ele. A enorme
besta surgiu e ele me atacou.
Ergui a adaga por instinto, conduzida puramente pelo medo. Tilintou no
rosto blindado dele. Seus olhos dourados brilhantes piscaram e depois seus
dentes se fecharam no meu corpo.
Capítulo 5

NÃO TIVE FÔLEGO para gritar. Os pontos não afiados de dentes bem
gastos me apertaram enquanto ele corria, batendo nas árvores. Galhos
bateram no meu rosto, com força para machucar, mas não para causar danos
duradouros. Se ele me soltasse, eu teria um longo caminho a percorrer antes
de cair. Essa foi a única razão pela qual eu não tentei erguer a adaga e enfiar
no seu olho ou em seu nariz.
Passamos por mais uma parede de folhagem, e seus pés com garras
esmagaram a grama quebradiça além dela, provavelmente morta há muito
tempo. Vinhas e espinhos se torceram em um gazebo à esquerda, a tinta
descascando e o habilidoso trabalho na madeira lascado e quebrado. Ao me
curvar, podia ver uma grande entrada para o que devia ser o castelo real.
Ele parou diante da escada suja e rachada, e me soltou.
Gritei ao mergulhar em direção ao chão.
Antes de bater, a grande forma da besta rapidamente se reduziu ao
homem, e seus braços me arrebataram do ar. Minha adaga bateu no chão,
agora fora de alcance, e ele me apertou no peito enquanto subia os degraus.
Eu esperava o cheiro de suor, sujeira e odor corporal, mas fui
surpreendida por um cheiro fresco, leve e quase agradável de pinheiro e flor
lilás, com um toque de madressilva. Era o mesmo aroma da floresta mais
cedo, quando todos meus sentidos ficaram em alerta máximo por um
momento, e era absolutamente divino. Convocava uma imagem do topo da
montanha exposto ao vento que tinha uma vista para um lago cristalino com
uma superfície espelhada. Falava de conforto, paz e familiaridade,
sentimentos tão em desacordo com o momento e este lugar horrível que
congelei enquanto ele entrava pelas portas em um saguão vazio. Colunas de
mármore se ergueram ao nosso redor e o chão estava limpo e brilhante.
— Me coloque no chão — falei entredentes, tentando sair dos braços
dele.
Ele não se mexeu, seu aperto muito forte para eu me soltar. Duas escadas
de cada lado do espaço cavernoso se curvavam até um patamar acima. Ele
virou à esquerda, contornando as escadas, e adentrou o castelo, em direção
a um conjunto de portas duplas fechadas pintadas de branco. Um baque
surdo vibrou pelo ar, perfurado por gritos ocasionais de alegria.
Ele arrombou as portas. A luz foi a primeira coisa que me atingiu, um
brilho do que devia ser centenas de velas espalhadas pelo cômodo e presas
no lustre de cristal, onde as lâmpadas deveriam estar. Levantei a mão para
cobrir o rosto enquanto meu captor avançava. Depois veio a cacofonia.
Risos berrantes e música alta encheram o espaço. O movimento frenético
acompanhou uma infinidade de cores, nenhuma delas subjugada. Penas
balançavam, e uma corda do que pareciam contas voava pelo ar. Corpos
giravam com a música que devia estar sendo alimentada por magia de
alguma forma.
Afastando o braço, observei mais detalhes.
Era uma espécie de festa de máscaras. Uma mulher usava nada além de
uma máscara de penas pretas e um roupão. Seus lábios eram escarlates e
seu corpo estava pintado em desenhos elaborados, enrolados em torno de
seus mamilos nus e manchados no interior de suas coxas.
Um homem do outro lado da sala usava um grande cocar em fúcsia
brilhante e amarelo, joias pontilhando a testa e atravessando a ponte do
nariz. Um grande manto vermelho drapeava sua frente, a gravata
frouxamente amarrada em torno da parte inferior de seu peito e o resto
aberto. Um anel de metal cercava seu pau e bolas, e linhas vermelhas
haviam sido pintadas em cada lado de seu pênis ereto.
Na nossa frente, duas mulheres se contorciam enquanto dançavam, cada
uma nua, exceto pelas máscaras, uma com os dedos na boca da outra e a
outra com os dedos na boceta da primeira.
Meu olhar disparou para uma orgia de homens nos fundos. Era algum
tipo de trem, com quatro homens juntos com os paus em bundas e em
perfeita sincronia, avançando e recuando para que todos tivessem atrito. A
precisão deles era impecável. Um impulso prematuro e todo o grupo se
perderia.
Eu olhei em completo e absoluto choque. Eu não era puritana, mas…
Porra, talvez eu fosse puritana. O pub na minha aldeia não era nada
parecido. Esse nível de devassidão estava além de qualquer coisa que eu já
imaginara.
— Que tipo de grupo você traz para aqui? — perguntei.
Um homem trotou pelo chão preto quadriculado, usando cascos de pano
nas mãos, que ele mantinha apertados no peito, chinelos feitos para parecer
cascos nos pés e uma espécie de máscara de cavalo com um freio na cabeça.
Uma mulher vestida de couro estava sentada na sela nas costas dele,
projetada sob medida para ser usada quando ele estava de pé, dando golpes
com uma chibata. Ele estava gostando, se julgássemos por sua ereção.
Um por um, os festeiros nos viram, seus grandes sorrisos escorregando e
seus movimentos diminuindo e depois parando.
O líder do comboio do trem se afastou e se virou para nós. Na mesma
hora, soube que era um íncubo apenas pela postura e pela maneira sensual
como ele se movia. A multidão abriu espaço enquanto ele se dirigia para
nós. Ele tirou a chibata da amazona com um sorriso conhecedor no rosto.
— Nyfain, que bom que se juntou a nós. — Seus olhos cor de obsidiana
brilhavam com malícia e arrogância. Ele parou na nossa frente. — O que
temos aqui?
Ele esticou aquela chibata em direção à minha bochecha. Só a Deusa
sabia onde aquela coisa esteve. Qual bunda suada tinha batido. Não,
obrigada.
Antes que eu pudesse afastá-la, o homem que me segurava – Nyfain –
chutou para a frente. Seu pé se conectou firmemente com o meio do peito
do íncubo. O íncubo voou para trás com uma expressão de surpresa
misturada com dor. Ele bateu no chão e deslizou pelo mármore, a bunda
escorregadia não permitindo que a tração parasse. Ele passou pelas
mulheres que estiveram dançando e entrou em um grupo misto que parou
para assistir.
— Hadriel, um passo à frente — gritou Nyfain.
— Ora, ora, Nyfain. — Uma mulher caminhou em nossa direção pelo
lado, vestindo um bustiê de renda carmesim com cinta-liga e sem calcinha.
Súcubos. Claro que estavam por trás dessa devassidão. Alimentavam-se da
luxúria e de delitos. — O sol se pôs. Você não tem jurisdição aqui.
— Não preciso de jurisdição, preciso de Hadriel. Um passo à frente.
— Hadriel está ocupado…
— Aqui! — Um homem magro saiu de uma multidão de pessoas no
centro à direita. Era de admirar que eu não o tivesse notado antes.
Ele usava uma espécie de fantasia… roxa felpuda que o fazia parecer
uma imitação boba da besta. Suas calças desgrenhadas terminavam em
sapatos pretos que se assemelhavam a cascos, mais ou menos como o
homem com fantasia de cavalo. Um V preto cobria sua região íntima, mas o
traje se abria para desnudar o torso, expondo mamilos peludos. Seus braços
estavam cobertos com o mesmo material que suas pernas, apertados em
volta do pescoço. Dois chifres de pelúcia se curvavam na cabeça dele.
— Ah, Deusa, que espetáculo — eu disse com uma pequena risada. Era
o que eu precisava para perfurar meu medo.
— Aqui, senhor. — Hadriel avançou um pouco mais e depois oscilou.
Ele claramente não estava sóbrio.
— Se recomponha e depois vá até a sala da torre — gritou Nyfain.
— Você não precisa ir, Hadriel — disse a súcubo. — Não há nada que
ele possa fazer com você se ficar.
— Há muito que ele pode fazer comigo — murmurou Hadriel, enquanto
cambaleava em nossa direção.
Eu me afastei um pouco de Nyfain e tentei olhar para o corpo dele.
— O que está fazendo? — rosnou ele, e me apertou em seu peito para
que eu ficasse parada.
— Estou tentando ver se está com uma ereção.
Ele bufou, voltando para as escadas e subindo. No terceiro andar, ele fez
a curva e entrou em um lindo e pitoresco salão com janelas arqueadas à
esquerda e pedra à direita. Pinturas a óleo alinharam o caminho, algumas
com bigodes desenhados nos rostos dos sujeitos e, ocasionalmente, alguns
paus. Era óbvio que alguns festeiros perderam o controle.
No final, ele subiu uma pequena escada que levava a uma única porta
pesada. A torre, provavelmente. Ele planejava me colocar lá.
— Pensei que ia me matar — eu disse com uma voz suave quando ele
me pousou no chão.
— Colher uma erva daninha não é realmente roubar, mas sua invasão
persistente justifica a detenção. Sua sentença é para toda a eternidade. Aqui
está sua cela.
Ele torceu a chave antes de abrir a porta. A escuridão esperava lá dentro.
Ele fez um gesto para eu entrar.
— Mas… — Eu mexi no colarinho enquanto olhava para as profundezas
sombrias. — Você vai me manter em uma torre? — Minha voz continuava a
subir. — Em um lugar que se tranca por fora?
— Você prefere que eu a jogue na masmorra?
— Existe uma terceira opção? Como uma advertência e humilhação
pública?
Ele me agarrou pelo braço e me empurrou para o cômodo. Eu cambaleei,
o medo subindo para me sufocar. Ele ficou na porta, os ombros enormes
quase enchendo a moldura. Seu corpo foi construído para o poder, e ele o
aperfeiçoou com força.
— Bem-vinda ao inferno, princesa.
A porta bateu e a fechadura estalou. Deixei cair a adaga e bati na porta,
balançando a maçaneta e puxando. Nada.
— Aquele filho da puta — resmunguei, virando-me e empurrando as
costas na porta.
Meus olhos se ajustaram à escuridão. Graças à Deusa pela lua quase
cheia. Luz fraca filtrava pelas cortinas pesadas. Comecei a avançar,
acenando com as mãos na minha frente para sentir o que não conseguia ver.
Meu pé bateu em algo sólido e depois o lado do meu braço. Algum tipo de
madeira. Andei um pouco mais, e eu chutei e, depois, praticamente caí por
cima de uma pequena mesa. Ainda mais longe, finalmente cheguei à janela.
Agarrei o veludo e abri. Os ganchos de metal rasparam na haste da
cortina. A luz jorrou e eu dei uma primeira olhada na vista.
Eu estava bem acima do chão. As escadas indicavam que eu estava
quatro níveis acima, mas o castelo estava empoleirado em uma elevação. A
terra deste lado se inclinava e parecia que eu podia observar para sempre.
Os topos das árvores se espalhavam ao longe com várias lacunas, algumas
bem grandes. Queria saber se essas aberturas marcavam outras aldeias ou
propriedades. Percebi o pouco que eu sabia sobre o reino. Nunca estive
longe de casa. Não fazia ideia de como eram os outros lugares e de como
eles eram organizados. Nem de como era o castelo além do que eu tinha
visto esta noite.
Quando era jovem, sonhava com essas coisas. Eu fazia de conta que era
uma rainha andando em seu trono, acenando para a multidão adoradora
reunida abaixo e ajustando minha longa capa de veludo vermelho. Que
viajava para reinos distantes e encontraria seus líderes, sorrindo
serenamente e bebendo chá com o dedo mindinho para cima, como se fosse
da realeza. Outras vezes eu era o bobo da corte, fazia acrobacias e
malabarismos para a realeza sorridente, depois fazia piadas às custas deles,
que eles eram muito lentos para entender.
Mas depois cresci. O grandioso faz-de-conta reduziu para meu hábito de
me dirigir a um público invisível sempre que me metia em problemas, ou
corria riscos para pôr comida na mesa. Meus sonhos tinham secado. Todos
nossos sonhos tinham, eu acho. Não estava sozinha em nada disto.
Bem. Eu estava sozinha em uma torre em um castelo, sendo mantida
como prisioneira pelo último nobre sobrevivente…
Respirei fundo ao puxar o resto das cortinas e olhar para o chão. Fiz
algumas contas rápidas: o último nobre sobrevivente + encarregado de
proteger a terra = dragão. Dragão!
Procurei na minha memória como eram os dragões. Primeiro veio aquela
brilhante obra-prima dourada no céu da minha juventude. O príncipe
dragão. Mas eu nunca o tinha visto – ou qualquer um deles – de perto,
apenas de baixo enquanto cortavam o ar com enormes asas. Não havia
como comparar a besta com o que eu tinha visto.
Mas havia quadros, desenhados ou pintados à mão. Na verdade, eu tinha
acabado de ver alguns no livro de história da biblioteca. Nyfain
compartilhava algumas características com os dragões. A cabeça blindada e
com chifres, a longa cauda terminando em espinhos, os pés com garras, a
inclinação nas costas.
Mas o que aconteceu com as asas dele?
E por que apenas um nobre foi poupado? Um nobre que aparentemente
tinha jurisdição aqui apenas durante o dia.
E por que
Não adiantava registrar todas minhas perguntas. Jogá-las no ar só
aglomeraria o espaço. Eu não tinha respostas. Pelo menos por enquanto.
Uma batida suave soou na porta. Meu estômago revirou, mas não aquela
coisa estranha no meu peito. Meu animal, como Nyfain tinha chamado.
Várias perguntas tentaram subir para a superfície.
— Olá? — chamou uma voz abafada.
Eu me virei. Era assim que ia ser? Teria de me comunicar pela porta?
— Olá? — chamou a voz outra vez.
Suspirando, atravessei o cômodo e me inclinei na moldura.
— O quê? — eu disse, cruzando os braços.
— Ah. Você está aí. Fantástico! Posso entrar?
A fala arrastada era evidente. Devia ser a imitação roxa da besta da festa.
Hadriel.
Não pude evitar uma pequena risada ao lembrar da fantasia e sua timidez
ao se apresentar. Ele estava zombando de Nyfain e não esperava ser pego.
Mas, isso não significava que pegaria leve com ele. Para todos os efeitos,
ele era um guarda. Por direito, os prisioneiros deviam estar em desacordo
com os guardas. Para mim, isso significava muito sarcasmo. Esperava que
ele estivesse pronto para isso.
— Você tem a chave, idiota — falei.
— Tenho? — Sua voz foi sumindo. — Ah. Entendo. Está na porta.
Espere… você é uma prisioneira? Por que está presa?
Levantei as sobrancelhas e me preparei para uma série de palavras,
mas… nada apareceu. Sua total falta de noção fez minha mente ficar em
branco. Ele não parecia mais esclarecido sobre a situação do que eu.
— Você é perigosa? — perguntou. — Devo me preocupar? O mestre não
mencionou que eu deveria estar preocupado.
Mais uma vez não sabia o que dizer.
— Não? — consegui finalmente dizer.
— Não parece ter certeza. Olha, eu não sou bom em lutas. É por isso que
ainda estou vivo. Sou um mordomo, pelo amor da Deusa! Cuido das
pessoas, mais ou menos. Não sou muito bom nisso. Também é por isso que
ainda estou vivo, eu acho. Há segurança na mediocridade. Por isso, se está
furiosa, vou precisar pedir que se acalme um pouco. Eu não sou o vilão
aqui.
Um sorriso estava puxando meus lábios. Este cara era real?
— Não vou te machucar — falei.
— Tem certeza? Agora que penso nisso, o mestre tinha uma ferida
recente. Foi você?
— Sim, mas ele agarrou minha garganta. O que eu devia fazer? E, pra ser
sincera, nem me lembro de ter feito isso.
— Não se lembra de ter feito isso? — Agora a voz dele estava
aumentando. — Que tipo de maluco esfaqueia uma pessoa e não se lembra?
— O tipo que pensa que vai morrer?
Uma pausa. Então:
— Sim, tudo bem. Isso faz sentido, eu acho. Tudo bem, estou entrando.
Agradeceria se não me apunhalasses nem me machucasse de alguma forma.
Eu estava me divertindo muito há pouco tempo e não quero arruinar a
sensação.
Eu me afastei da porta e retomei minha posição na janela mais distante.
Lá eu esperei. Nada aconteceu.
— Você vai entrar? — gritei.
— Eu estava esperando uma confirmação!
O metal tilintou, a chave girando na fechadura. A maçaneta oval girou
devagar. Com a mesma vagareza, a porta abriu uma fresta, e uma cabeça
roxa felpuda coberta com dois chifres de pelúcia olhou para dentro. Os
olhos dele dispararam até que seu olhar pousou em mim. Ele me olhou de
cima a baixo por um momento, parando nas minhas mãos desarmadas. A
porta continuou a se abrir até que o monstro roxo e felpudo entrou.
Tentei esconder mais risadas e falhei. Eu tinha passado da vida real e
pesadelos para uma vida de pesadelo sem qualquer tipo de realidade.
— Olá… — Ele entrou um pouco mais, as mãos para cima. — Não estou
sóbrio. Só para que fique claro.
— Gostaria de não estar sóbria. É quase a mesma coisa.
Ele assentiu e se desviou para a pequena mesa de cabeceira perto da
cama. A luz se acendeu de um fósforo que ele colocou em uma vela no
suporte de prata. Só então eu realmente assimilei o quarto.
Uma enorme cama de dossel empurrada na parede, as cortinas recolhidas
para as colunas com cordas com borlas. Mesas de cabeceira de madeira
intrinsecamente esculpidas ficavam de ambos os lados da cama e um grande
guarda-roupa de porta dupla do outro lado do quarto tinha o mesmo design.
A poltrona estofada no canto, aninhada entre as janelas do chão ao teto
cobrindo as paredes do lado leste e sul, parecia desgastada e bastante
confortável para leitura. Estava claro que a pequena mesa ao seu lado era
para apoiar livros.
Um tapete bege cobria a maior parte do piso, mas não conseguia ver o
design por causa da luz fraca. As paredes estavam quase vazias, exceto por
uma pintura a óleo representando uma cabra deformada e uma lasca de lua.
Era uma visão moderna da arte ou feita por um amador.
Hadriel pegou o castiçal, a metade da vela queimada do uso anterior com
cera seca escorrendo pelos lados.
— Então. Aqui estamos. — Ele soluçou e deu um tapinha no peito,
depois deslizou a mão pela roupa. Ele baixou a cabeça para olhar para
baixo. — Ah, porra.
— O quê? — perguntei, sem conseguir parar.
— Esqueci que usei isso esta noite. Você acha que o mestre notou?
— Como… — Eu contive uma risada. — Como você poderia esquecer
que usava isso?
Ele cambaleou para trás alguns passos e apoiou os dedos na mesa de
cabeceira.
— Assim que a magia demoníaca entra em ação, você para de se
importar com a sua aparência. Tudo o que você quer é…
Ele estreitou os olhos.
Levantei minhas mãos.
— Não estou julgando. Eu sei o efeito que tem.
Ele cedeu.
— Sim. É diversão. Uma boa diversão. Mas depois você acorda e se
sente sujo, sabe? Estou usando uma fantasia de demônio peludo, na
esperança de transar com qualquer buraco molhado que encontrar. Não me
importa a quem pertença ou que parte do corpo seja, só quero enfiar o pau
nela. O que eu tenho, dezoito?
Imaginei que ele estivesse na casa dos vinte e cinco, um pouco mais
velho do que eu. Ele tinha a pele bronzeada e um bigode fino acima dos
lábios finos. Ele estava um pouco tonificado, mas claramente não malhava
ou lutava pelo jantar. Ele já tinha dito isso.
— Mas fica tão chato aqui — retomou ele. — Que continuo me
aventurando na festa. Bebida e sexo foram muito divertidos durante cinco
anos. Depois foi uma distração agradável. Agora… estou apenas fodendo e
sentindo vergonha depois, sabe? E se eu não estou fodendo e sentindo
vergonha, estou devorando comida. Eu costumava ter passatempos e tal. E,
não sei, fazia coisas. Agora eu só faço o que aquele íncubo gostoso me
manda. Ele me fez foder mulheres. Eu nem gosto de foder mulheres! Mas
eu fodo. Por que não? Não é como se eu tivesse mais autorrespeito.
Fiz uma careta.
— Isso é sombrio. Quantos anos você tem?
— Quando a maldição começou, eu tinha 26 anos. E já que estamos
congelados no tempo… acho que ainda tenho 26 anos? Existem diferentes
correntes de pensamento sobre esse assunto, mas temos certeza de que
emergiremos da maldição como entramos, apenas com muitas experiências
sexuais terríveis em nosso currículo. Vou ser tão baunilha depois de tudo
isto, não estou tirando onda. Zero fetiches depois disto. Serei um novo
homem.
— Espere… o que quer dizer, congelado no tempo?
A sobrancelha dele franziu e depois relaxou com um sorriso.
— Minhas desculpas. Eu me esqueci completamente do que acontece
com vocês. Vocês envelhecem e adoecem com a maldição, né? Nós não
ficamos doentes, mas estamos presos no tempo. Tudo aqui parou. Não faço
ideia porque é diferente entre o castelo e as aldeias, mas é isso. Eu tive 26
anos por dezesseis anos. — Eu não sabia o que dizer.
“De todo jeito, é. Superpesado. — Ele abriu a gaveta da mesa de
cabeceira antes de fechá-la outra vez. — Precisamos lhe arranjar alguns
vibradores. Você não tem permissão para ir às festas... queria não ter tido
permissão para ir às festas. Bem, você provavelmente vai querer algo para
aliviar a tensão. São vibradores alimentados por magia demoníaca.
Incríveis. Eu tenho um que chupa meu pau enquanto gira, e são coisas de
lendas. Ou… seriam se eu não estivesse atolado em uma poça de tédio que
se tornou autoaversão. — Ele fez uma pausa, apontando para mim. —
Gosta de anal?”
Eu fiz um som como “hã?” e me imaginei segurando uma pulseira
antiestresse em um punho de ferro. Agora eu sabia como Hannon sempre se
sentiu.
Ele assentiu como se isso fosse uma resposta.
— Vou me certificar de arranjar um para você experimentar. Estão todos
limpos, não se preocupe. Não reutilizamos nem nada. Os demônios têm
estoques. O que mais?
— Vou ficar presa neste quarto… o tempo todo?
— Vai precisar de uma tonelada de velas… — Ele caminhou para a
parede mais distante e começou a mexer em uma cômoda. — Não sei, vai?
— Olhou em volta. — Espero que não. Acho que não. Ele não a confinaria
aqui. Não quando… — Seus olhos se arregalaram e ele voltou a cutucar o
peito.
— Não quando o quê?
Eu me inclinei para a frente.
Ele balançou a cabeça.
— Temos uma mordaça mágica. Se falarmos sobre… algumas coisas, a
mordaça se tranca e sufocamos até a morte. Sabe quantas pessoas morreram
por ativar a mordaça mágica? Muitas, posso garantir. Por um tempo,
tentávamos embebedar os outros e falar sobre… coisas que eles não
deveriam falar, apenas para ver se foderiam tudo e morreriam.
— Então você tentou enganá-los para que se matassem?
Ele baixou a tampa do baú.
— Parece uma coisa muito ruim de se fazer quando se diz assim. Mas na
época… Bem, isso foi quando eu comecei a foder e depois sentir vergonha.
Todos nós já tínhamos perdido o contato com a realidade a essa altura.
— Este lugar é…
— É um pesadelo. Saúde! — Ele sorriu e olhou em volta. — Merda. Eu
não tenho uma bebida.
Estava claro que era um tema comum em torno deste lugar. De certa
forma, eles estavam vivendo uma vida de luxo, mas a maldição não os
poupou. Enquanto nosso povo sofria de modo físico, essas pessoas sofriam
mentalmente.
A tristeza me venceu ao pensar na minha aldeia, e lágrimas brotaram. É
melhor não pensar em casa agora. Eu acabaria em um buraco mais escuro
do que Hadriel, e parecia que esse caminho levava a foder e depois sentir
vergonha.
— Deusa belíssima, o que é isso… — Hadriel abriu as portas do guarda-
roupa e estava tirando vestidos como se estivessem cobertos de cocô de
galinha.
Um vestido rosa cheio de babados foi jogado de lado e caiu no chão
como cobertura de bolo. Outro azul com babados e renda foi parar em cima
dele.
— De quem eram esses vestidos? — Ele jogou um vestido laranja
brilhante na pilha. — Quem os fez devia ser esfaqueado.
— Isso era… o quarto de alguém antes de eu chegar? — Uma pergunta
perigosa para o meu bem-estar mental.
Ele encolheu os ombros.
— Talvez antes da maldição? Mas não desde a maldição. Ou pelo menos
não desde que o Mordomo Um sofreu uma morte horrível e o Mordomo
Dois foi jogado de uma janela. Desde que eu estive neste posto, não, não
houve ninguém novo neste castelo.
Ele contorceu o rosto e fechou as portas do guarda-roupa.
— Torre — gritou ele para mim. — Ninguém novo esteve nesta torre!

Levantei as mãos de novo, tentando digerir esta loucura.


— Entendi.
Ele me deu um olhar feio antes de olhar para a poltrona estofada no canto.
Em seguida, a mesa ao lado dela.
— Você gosta de ler?
Fiquei atenta.
— Você tem uma biblioteca?
Ele revirou os olhos.
— Apenas a melhor biblioteca de todo o mundo mágico. Bem, até a
maldição. Não tivemos nada de novo desde então, obviamente, desde que o
resto do mundo pensa que desaparecemos. Maldita magia demoníaca. —
Ele levantou a vela, iluminando-me melhor. Ele arregalou os olhos. —
Caramba, você é bonita. — Sua expressão se tornou pesada. — Você não
tem permissão para sair depois de escurecer de qualquer maneira, mas não
saia depois de escurecer. Ninguém aqui vai forçá-la, a punição é a morte se
alguém fizer isso, mas eles vão ser como moscas na merda, marque minhas
palavras. Você é nova e bonita e todos vão querer coagir você a transar.
Garotos que gostam de garotos, garotas que gostam de garotas, garotos que
gostam de garotas, garotas que gostam de garotos... todos vão querer coagir
a nova gostosa a transar. Eles vão querer fazer coisas que você vai precisar
de mais uma década pelo menos para se sentir confortável a falar. Então
fique no seu quarto. Leia seus livros, se masturbe com aqueles vibradores e
finja que a vida é normal.
— Eu não sei como posso fingir isso.
— Cara, eu queria ser você.
Ele balançou a cabeça tristemente.
— Você gostaria de ser um prisioneiro em um castelo, mantido longe de
sua família que precisa de você, tudo porque foi na Floresta Proibida para
evitar que seu pai morresse?
— Mas você conseguiu?
— O quê?
— Você impediu seu pai de morrer?
Eu pisquei para ele.
— A curto prazo… Sim.
— Então, pelo menos sua família está segura. A minha está morta. Eu
vim aqui com, bem… — Ele colocou a mão perto de sua coxa, em seguida,
levantou-a um pouco mais alto. — Pequeno. Meus pais eram nobres no
reino de Red Lupine. — Esse era um dos reinos lobos que ainda permanecia
intacto, pelo que ouvi. — Mas eles foram exilados e depois mortos quando
tentaram escapar. Fui enviado para cá. Era o único reino que me aceitaria. A
ex-rainha… — Ele colocou a mão no coração. — Ela era uma mulher boa e
gentil. Ela manteve este reino unido. Sabe, eu também sou um prisioneiro,
tanto quanto você. Posso ir para as aldeias, mas ficarei doente se ficar muito
tempo. Ou foi o que eu ouvi, de qualquer maneira. Sou muito covarde para
testar.
— É por isso que você ainda está vivo.
Ele balançou um dedo no ar na minha direção.
— Exatamente! Sim. É por isso que ainda estou vivo. Isso e a
mediocridade. Somos todos prisioneiros neste reino, de uma forma ou de
outra. Pelo menos você tem uma mudança de cenário. E não se preocupe, o
mestre é um idiota real, mas ele não vai deixar sua família morrer de fome.
Ele tem esses princípios. Ele roubou você, e você claramente fazia coisas
que eles precisavam, então ele vai compensar por isso. Ele vai. Eu sei que
ele vai. É o dever dele.
— Como o último nobre restante?
— Como o último que restou que se importa, sim. E como o único cara
que pode enfrentar aquele velho rei demônio, que seu pau apodreça e caia
em um moedor.
— Me conta
— Não. — Ele gemeu e se inclinou para o lado, como se estivesse
murchando em uma videira. — Não! Preciso gozar, depois ir para a cama e
dormir até o efeito passar. Eu preciso que haja um motivo para me vestir
assim, caso contrário, vou direto devorar alguma comida e, em seguida,
fazer uma dieta necessária e... é todo um ciclo. Apenas não posso lidar com
mais situações sombrias na minha vida.
Ele foi me entregar a vela, pensou melhor e colocou na cabeceira. Ele
apontou para mim.
— Tenha uma boa noite de sono, o que sobrou dela. Todos nós nos
levantamos um pouco tarde aqui, por razões óbvias — Ele estendeu as mãos
para indicar sua roupa. — Então você pode dar uma descansada. Depois,
precisamos arrumar seu guarda-roupa. O mestre provavelmente vai querer
jantar com você
— Sem chance! Sou uma prisioneira, não uma acompanhante.
Hadriel deixou as mãos caírem.
— O-k. Você tem águas turbulentas pela frente. Tudo bem. Mais poder
para você. Por favor, não me envolva nessas brigas. Mas você ainda vai
precisar de roupas. Eu posso ver seus seios pela camisa e você está muito
suja. Somos um grupo civilizado. — Ele me encarou por um segundo. —
Sei que o comentário seria bem melhor se eu não estivesse usando uma
fantasia de besta roxa com meu pau pendurado.
— Seu pau não está pendurado.
— Bem, isso é um milagre. Você tem um banheiro ao lado daquela
cortina pesada ali. Obviamente não temos mais água corrente, maldita
maldição, mas tem um penico e amanhã podemos oferecer um banho e tudo
mais. É um pouco tarde para isso. A criada pessoal está um pouco
amarrada. Literalmente. Bem, vou embora. Eu vou gozar mesmo que não
queira. E depois, desmaiar ou chorar até dormir.
— Pra que escolher? Faça os dois.
Ele abriu a porta e acenou com a cabeça.
— Sim, bom argumento. Por que não? Ah! — Ele colocou a mão no
buraco da fechadura vazia dentro da porta. Então olhou do outro lado. Ele
tirou a chave da fechadura e segurou. — Eu ficaria com isso, se eu fosse
você. Demônios são muito astutos. Eles se esgueiram por todas as fendas.
— Ele levantou a voz aos gritos. — Me pergunte como eu sei!
Ele rolou os ombros, como se estivesse sacudindo o pensamento.
— Não tem problema deixar sua porta aberta durante o dia; mas se
certifique de que você ou a criada pessoal tem a chave. Deixe a porta
trancada à noite, mesmo quando não está aqui. Você não quer voltar e
encontrar um daqueles filhos da puta deitado na sua cama. A magia deles…
bem. É difícil de resistir e eles gostam de testar os limites. Tem uma chave-
mestra do castelo e é guardada pelo mestre. Contanto que mantenha sua
porta trancada, você está segura.
A salvo dos demônios, talvez, mas já estava claro que eu não estava
protegida da besta.
Capítulo 6

UMA BATIDA LEVE soou na minha porta.


— Milady… — Franzi a testa. Era uma voz de mulher.
Meus olhos estavam inchados pelo choro da noite anterior. Tentei
dormir, como Hadriel mandou, mas pensamentos do que eu tinha perdido
continuavam assolando meus pensamentos. Pela primeira vez, eu estava
sozinha. Sable não estava ao meu lado. Hannon e Dash não estavam no
final do corredor. Meu pai não estava no quarto ao lado.
Pior, eles estavam de luto por mim agora. Isso ou se perguntando se eu
de alguma forma consegui me salvar. Eu não podia deixá-los em suspense.
Não podia matar a luz do sol deles só porque a besta queria brincar comigo.
Precisava me comunicar com eles, pelo menos para assegurá-los que estava
bem. Seria impossível ficar, é claro – a última coisa que eu queria era a
besta vindo atrás de mim e descontando sua raiva na aldeia –, mas eu
poderia pelo menos dizer para não se preocuparem… e fazer um pouco da
poção para afugentar íncubo. Eu não queria ser pega em algum tipo de
fantasia roxa em um trenzinho.
O problema era atravessar a floresta, claro. Hadriel tinha me assustado
para eu não me aventurar lá fora à noite, então talvez eu precise escapar
durante o dia.
Mas antes de tentar qualquer coisa, eu precisava reconhecer o terreno.
— Milady?
Quem no mundo chamaria uma plebeia de “milady”?
Eu me sentei e me alonguei antes de vestir o que estava usando no dia
anterior e destrancar a porta.
Do outro lado da porta estava uma mulher com quase trinta anos,
grandes olhos azuis, cabelos loiros encaracolados e marcas vermelhas
profundas em sua garganta.
— Você está bem? — perguntei, apontando.
— Ah! — Ela acenou com a mão e corou. — Não se preocupe comigo.
Eu pedi por isso.
Parecia que alguém tinha tentado estrangulá-la.
Então ela não gostava de fantasias de besta felpudas; gostava das coisas
mais pesadas. Anotado.
— Eu sou Leala, sua criada pessoal. Como você está esta manhã,
milady?
— Criada pessoal? Hum… Acho que deve haver algum mal-entendido.
Eu não sou nobre ou alguém importante.
Ela sorriu agradavelmente.
— Você é a convidada do mestre no castelo, e, portanto, precisa de uma
criada pessoal.
Ela entrou animada no quarto, indo primeiro para as cortinas. A luz do
sol brilhante fluiu, e eu levantei a mão para bloqueá-la do rosto.
— Certo. Acho que esse é o mal-entendido. Na verdade, não sou uma
convidada. Sou mais… uma prisioneira.
— Bem, somos todos prisioneiros em alguns aspectos, não somos? —
Ela me deu um sorriso reconfortante. — Mas, se alguém perguntar, vamos
dizer que você está esperando para ser executada por roubo. Isso é no caso
de alguém ficar tagarela com os demônios. Os demônios… não são gentis
com pessoas novas. Eles podem ir balbuciar para o rei deles, e nós não o
queremos por aqui. Ele não é agradável.
— Quantas vezes o rei demônio vem por aqui?
Ela pegou os vestidos que Hadriel tinha jogado no chão e abriu o guarda-
roupa. Depois de guardar os rejeitados, olhou alguns dos outros.
— Meu Deus, estes são… velhos. — O rosto dela coloriu um pouco. Ela
fechou as portas. — Ele vem de vez em quando, é difícil ter noção do
tempo aqui. Tudo é o mesmo. Dia após dia, é tudo igual. Ele vem para
assediar o mestre, essencialmente, e garantir que nossas vidas sejam
governadas por seus demônios. Não é um bom momento quando ele visita.
O fogo acendeu no meu íntimo. Meu animal se movia dentro do meu
peito, a primeira vez que tinha acontecido sem a besta – Nyfain – por perto.
— Não direi nada. As chances são de que eu ainda diga algo que vai
irritar Nyfain — Parei quando ela se encolheu. — O quê?
— É só… — Ela fez uma reverência, algo que eu nunca tinha visto
antes. — Não usamos seu nome de nascimento. Nós o chamamos de mestre.
— Você pode chamá-lo do que quiser. Vou chamá-lo pelo nome, e se ele
não gostar, vou chamá-lo de monte púbico. Vou deixar que escolha.
Ela fez uma cara de “ah!”.
— De todo jeito, as chances são de que eu vou irritar o monte púbico
bem rápido, e ele vai me matar, de tão furioso.
— Ah, não, milady. Duvido que ele… — Ela puxou os lábios para o lado
enquanto olhava pela cômoda que Hadriel tinha cutucado ontem à noite. —
Ele tem um temperamento, claro, mas…
— Ele me agarrou pela minha garganta na noite passada, quando não
respondi sua pergunta.
— Hadriel mencionou que o mestre tinha sido esfaqueado. Você o
esfaqueou nessa hora, milady?
— Sim. Foi por isso que ele me soltou.
Eu não entrei em detalhes. O olhar de triunfo dela me fez sentir bem
comigo mesma. Não queria estragar tudo dizendo que não tinha estado no
controle.
— Então você vai se sair muito bem. — Ela tirou um conjunto de calças
de couro e segurou na sua frente. — O mestre disse que você pode gostar de
um par de calças em vez de um vestido para as atividades do dia a dia. Ele
estava certo? Espero que sim, porque não há vestidos adequados para sua
beleza. Todos eles são projetados para embelezar alguém com um rosto
simples. Além disso, não vão mesmo caber. São pequenos demais.
Eu não tinha percebido que tais considerações entraram em moda. Por
outro lado, nossa mãe tinha feito nossas roupas e ela não se importava com
essas coisas. Hannon tinha assumido esse dever depois que ela tinha morrido,
e ele se importava ainda menos.
— Calças, sim — eu disse quando um formigamento perigoso percorreu
minha coluna.
Nyfain deve ter prestado muita atenção em mim da última vez que me
expulsou da Floresta Proibida. De que outra forma ele saberia que tipo de
traje eu preferia?
— Bem. — Ela colocou as calças na cama e olhou em outra gaveta. —
Ainda bem que é uma garota alta ou teria que ficar no quarto até que
mandássemos fazer alguma roupa. Ah, isso me lembra. Marquei consultas
com os dois costureiros para mais tarde. Elas podem começar a trabalhar
em suas roupas imediatamente. Elas estavam muito animadas pela
oportunidade de fazer algo novo. Tudo o que trabalham agora são fantasias
para festas e roupas de servos.
— Não vou precisar de fantasias para as festas — eu disse rápido. Muito
rápido. Eu precisava arrancar meus dedos daquela pulseira antiestresse.
Ela me deu um sorriso reconfortante.
— Claro que não. O mestre proibiu você de sair de seu quarto depois de
escurecer.
Isso me fez parar, relembrando o que Hadriel tinha dito ontem à noite
também. Eu não tinha permissão para sair depois de escurecer.
Nyfain pensou que poderia me governar, não pensou? Que eu o
obedeceria?
Sem dúvida não percebeu que Hadriel tinha me dado a chave e eu
poderia praticamente fazer o que quisesse. Talvez eu não usasse uma
fantasia, e com certeza não participaria das festividades, mas sairia do meu
quarto depois de escurecer.
Eu só tinha que fazer aquela poção para afugentar demônios primeiro.
Estes demônios pareciam mais poderosos do que os da minha aldeia.
As calças estavam muito soltas na cintura e curtas na perna, com espaço
extra na virilha e pouco espaço na bunda. A camisa estava caindo nos
ombros e muito solta no pescoço, apertada no busto e depois solta outra
vez. Mesmo depois de ter prendido os seios.
— Estou usando roupas de homem — afirmei.
— Sim, minha senhora. Temo que seja tudo o que temos. As fêmeas por
aqui não se vestem exatamente… — Ela fez uma pausa, e eu sabia que ela
estava procurando por uma palavra que não feriria meus sentimentos. Antes
que eu pudesse ajudar, tranquilizando-a de que eu não tinha sentimentos, ela
terminou: — Por conforto.
— Sou meio que uma pária social por vestir como me visto — eu disse
enquanto ela redobrava as roupas que estivera mexendo e fechava as
gavetas.
— Isso significa que você não se conforma com a maneira como lhe foi
dito para viver sua vida. Isso requer coragem, milady. Nestes tempos,
precisamos de pessoas com coragem. Não há muitas sobrando.
Lisonjeada, eu me sentei na beira da cama e olhei para a vista de tirar o
fôlego das janelas. Um brilho quente infundiu meu coração.
Ela me entendia. Ela não estava julgando – ela estava apoiando.
De repente, ela se endireitou e disse:
— Ah!
Do canto do meu olho, eu a vi girar e fazer uma reverência. Uma
explosão de fragrância fresca atacou meus sentidos, pinheiro e flor lilás
com uma pitada de madressilva, tão delicioso que eu queria lamber o ar.
Isso me lembrou de dias agradáveis sob o sol quando criança, memórias
cheias de felicidade e risos.
Meu humor azedou.
— Mestre. Com licença — falou ela, entusiasmada, e eu revirei os olhos.
— Eu estava terminando, e então ia prepará-la e levá-la para o almoço, e
mostraria o terreno, como solicitou.
Nyfain preencheu a porta. Ele usava uma camiseta branca que se
esticava no topo do torso e ficava solta na cintura. O Jeans cinza desbotado
estava colado nas coxas musculosas. Quase sempre as pessoas na minha
aldeia usavam calças de tecido, ou couro se pudessem pagar ou fazer. Eu
não tinha visto jeans em… muito tempo. O material era difícil de fazer,
usava muita mão de obra e exigia máquinas caras – ou o que fosse usado
em seu lugar agora. Antes da maldição, eu me lembrava de negociar por ele
na aldeia. Claramente o castelo tinha os meios para fazê-lo, mas não a
habilidade ou inclinação para negociar com as aldeias. No entanto, dado
como estava desgastado, era óbvio que não faziam com muita frequência.
— Prepare um piquenique — disse ele com reverência. Sua voz
profunda e sombria fluiu sobre mim. Meu animal bombeou fogo no meu
sangue, despertando meus sentidos. A criatura se moveu dentro de mim,
implorando para ser libertada.
Não tinha percebido que ela vinha com uma coleira. Eu gostaria de
encontrar a bendita e amarrá-la a uma árvore.
— Ah minha Deusa — disse Leala, agarrando o peito e caindo na
cômoda.
Olhei para ela surpresa. Um sorriso sereno cruzou seu rosto, como se
estivesse abraçando uma amiga há muito perdida. Ela claramente sentia seu
animal perto de Nyfain também, mas ela parecia gostar do dela. Eu ainda
estava bastante cautelosa com o meu. Eu estava bem em esfaquear sem
pensar homens perigosos que se escondiam na floresta, mas não estava de
acordo com seus outros desejos – como arrastar homens perigosos quaisquer
para cima de mim e transar loucamente.
— Leve ao campo do jardim oeste — disse Nyfain como se sua reação
fosse normal. Provavelmente era.
Campo do jardim? Eram duas palavras que eu não esperava ser usadas
juntas.
— Claro, sir. — Ela tentou outra reverência, mas foi estranha e uma mão
ainda agarrava seu peito. — Com licença, milady.
Ela saiu apressada do quarto.
Alguns segundos de silêncio passaram. Eu deixei, olhando para a vista
fantástica. Nenhuma nuvem arruinava o céu azul. Daqui, a Floresta Proibida
não parecia tão morta e distorcida. Ainda havia vida dentro dela, lutando
para sobreviver. As lacunas eram de fato outras aldeias. Eu podia ver
telhados, mesmo a essa distância. Bem abaixo da minha janela, no chão,
havia um jardim esquecido, coberto e emaranhado de ervas daninhas.
Ele entrou no quarto e ficou em pé no espaço vazio ao lado da cama,
alinhado comigo. Nyfain olhou para a mesma vista que eu estava
observando.
— A Floresta Real costumava se estender para sempre, era o que parecia
— disse ele no silêncio, e percebi que ele estava falando da Floresta
Proibida. Obviamente, esse era o nome preferido do lado dele do divisor
social. — Está morrendo, como o resto deste reino.
Assenti com a cabeça. Sem dúvida, isso era verdade.
Depois de um momento, ele me observou.
— Essas roupas não servem em você.
— Suas habilidades observacionais são excepcionais — respondi, seca.
— Foram feitas para um homem.
— Daí o espaço extra onde um pau devia estar, acho.
— Você é muito magra.
— Não por escolha. Comeria mais se houvesse mais para comer.
Gostaria que eu começasse a apontar seus defeitos agora? Quanto tempo
você tem?
O olhar dele bateu no lado da minha cabeça. Depois de um momento, ele
disse:
— Venha comigo.
Seu tom não tolerava discussões.
Mas eu estava pouco me lixando.
— Não — eu disse.
Ele se afastou, fora de vista.
— Você vai me fazer forçá-la? — perguntou ele de algum lugar perto da
porta. Não me virei para olhar.
— Já não tentou isso? Na floresta? Mas, se quer outra facada, pode
contar comigo.
— Grandes palavras para uma prisioneira.
— Diz o cara que protege o reino sequestrando aldeões malignos
tentando salvar suas famílias da maldição.
O silêncio me cumprimentou. Um segundo se transformou em minutos.
Ele esperou tanto tempo que me perguntei se tinha ido embora.
A curiosidade me venceu. Olhei para trás.
Espaço vazio.
Ele tinha ido embora! Como um cara tão grande se movia tão
silenciosamente?
Fiquei sentada por mais um tempo, imaginando se deveria aproveitar a
oportunidade para explorar a área sozinha. Exceto que de repente meu
corpo queimou. Minha pele parecia que estava fervendo, derretendo dos
meus ossos. Aquela presença dentro de mim se debateu e protestou,
tentando assumir o controle. A vontade desesperadora de me levantar e
obedecer Nyfain era tão forte que eu mal conseguia pensar. Suprimi-la
estava demandando toda minha força de vontade, e mesmo assim podia não
ser suficiente.
— Respire e vai passar — eu me orientei, inspirando profundamente
pelo nariz e exalando bem devagar. — Respire.
Uma dor contorcia no meu íntimo quanto mais eu resistia. Eu ignorei.
Não prestei atenção. Eu já tinha sido ferida várias vezes – se não fosse fatal,
eu podia ignorar.
— Disse algo, querida? — Hadriel enfiou a cabeça na porta, seus olhos
vermelhos e seu rosto abatido.
— Não, nada — respondi, cerrando o maxilar, o comando sem resposta
me fazendo sentir como se meu cabelo estivesse sendo arrancado e meus
olhos retirados. A presença dentro do meu corpo jogou as garras na minha
caixa torácica.
Mesmo assim, persisti, suprimindo aquele animal. Lidando com a dor.
— Como está se sentindo? — perguntei. — Incrível?
Ele não era um amigo – pelo que eu sabia, ele poderia ser um inimigo –,
mas você não podia receber uma saudação como a que ele me deu na noite
anterior e se sentir com um estranho.
— Eu não me sinto incrível, não — respondeu ele, encostando na porta e
esfregando a mão no rosto. — Minha boca tem gosto de que alguém cagou
nela e minha cabeça está martelando. Estou terrível. E enquanto estou
terrível, o mestre decidiu que precisa piorar as coisas e me fazer levá-la ao
campo do jardim oeste. Lidar com ele é adicionar um pouco mais de
miséria ao meu dia. Precisamos nos apressar.
— Eu não vou.
— É, exceto que se você não for, serei punido de maneiras horríveis.
Então vou ter que implorar para você por favor, por favor tenha pena de seu
pobre e humilde mordomo Hadriel e o acompanhe até o campo do jardim
oeste.
— Você sempre fala sobre si mesmo na terceira pessoa?
— Só quando é uma situação terrível e eu não posso pensar de forma
racional. Isso é uma emergência, amor. Meu objetivo do dia é não me cagar.
Se ele me punir por não seguir ordens, sem dúvida vou me cagar, e então
todo mundo vai tirar sarro de mim por, tipo, uns cinco anos. Isso é crucial.
Por favor. Farei qualquer coisa.
Ele segurou a barriga enquanto dizia tudo isso com uma cara séria, e eu
não conseguia parar de rir.
— Não tem graça — disse ele com os lábios um pouco curvados. —
Tem ideia de quanto eu bebi ontem à noite? Esse hidromel não é bom para o
estômago, e então eu tomei um café da manhã gorduroso. Eu só fiz essas
coisas porque pensei que ficaria dentro de casa o dia todo hoje com nada
além de um quebra-cabeça para fazer. Agora eu tenho que me aventurar em
uma situação estressante longe da privada e de uma bacia. Não sou capaz de
fazer isso, minha querida. Estas são minhas calças de trabalho. Não quero
arruiná-las. Preciso que faça isso por mim.
Eu ri mais; não pude evitar. A situação era tão absurda.
— Preferia mesmo não ir — consegui dizer.
— Por favor. Não posso lidar com sua ira normalmente, e sem sombra
de dúvida não posso lidar com ela hoje. Farei qualquer coisa.
Minha cabeça tinha começado a latejar. Se eu cedesse, ganharia um
favor. Era uma boa desculpa para acabar com esse tormento excruciante.
— Tudo bem — concordei, soando irritada. Eu tinha que agir assim,
afinal de contas.
Ele pendeu aliviado.
— Tinha considerado você como o tipo teimoso, implacável. Que,
vamos ser sinceros, eu absolutamente amo. Não há nada como um idiota
sarcástico para iluminar o dia. Não aguento as mulheres que sempre têm
seus sentimentos magoados e depois agem de modo passivo-agressivo.
Quem tem tempo? Mas só por hoje, preciso de você dócil, certo? Só me
ajude hoje. Seja fodona depois de hoje.
Ainda rindo, eu disse:
— Você me convenceu.
— Ah, graças à Deusa e seus homens lubrificados. Ok, aqui vamos nós.
Rápido. O mestre já está chateado por alguma razão. Normalmente não é
preciso muito, mas isso é ridículo. Quem cagou em seu café da manhã,
sabe?
— A mesma pessoa que cagou na sua boca?
— Não brinque com isso. Coisas piores aconteceram neste lugar, e eu
prefiro que não aconteçam comigo.
Prestei atenção na roupa dele. Calças cinza-escuro e uma jaqueta cinza
com uma lapela de veludo preto.
— Estou sentindo falta da besta roxa felpuda
Ele ergueu um dedo.
— Não diga isso.
— Eu amei a fantasia roxa
— Não se atreva a continuar. Acordei com a cabeça no banheiro e a
calça nos joelhos. Eu diria que foi o pior momento da minha vida, mas
infelizmente, não chega nem perto.
— Pesado.
— Nem me diga.
— E esta é sua… vestimenta de mordomo?
Ele olhou para a roupa, e, depois, para seus pés, até poder ver pantufas
de veludo, dois tons mais claros do que as calças cinza.
— Sim. Queria um visual moderno. Mas acho que escolhi os sapatos
errados. Fora isso, estou passando mesmo a energia, não acha? Quer dizer,
quando foi a última vez que tive que ser mordomo? Nem sei como fazer
esse maldito trabalho. Eu trabalhava nos estábulos antes disso. Só comecei
como mordomo porque todos tinham medo de ser mortos. Se sairmos dessa,
será um ótimo diferencial no currículo, sabe? — Ele ergueu um dedo
enquanto descíamos as escadas. — O importante é a mediocridade.
Lembre-se disso. Se você for medíocre e estiver desinteressada em ajudar o
castelo a florescer, os demônios não vão lhe dar um “acidente”.
A raiva queimou no meu corpo.
— Eles matam aleatoriamente qualquer um que faz um bom trabalho por
aqui?
— Sim, isso mesmo. Mas não houve mortes há algum tempo.
Conseguimos ter as coisas sob controle. Se alguém é bom no seu trabalho,
como sua criada pessoal, tem alguns fetiches pesados que os demônios
gostam de explorar. Já que eu tenho medo dos fetiches mais pesados,
transformei ser um terrível mordomo em arte.
Ele passou a mão pela lapela.
— Sim, você conseguiu — eu disse, entrando no jogo e sorrindo. Ele
tinha uma maneira de fazer uma pessoa se sentir melhor sobre a situação de
merda. Eu precisava mesmo disso agora.
— E você… — Ele deu uma olhada na minha roupa. — Você já está
fazendo isso, pelo visto. Bom trabalho. Você ainda está bonita, não me
entenda mal, mas essas… roupas e… a sujeira em seu rosto realmente
prejudicam sua aparência. O que aconteceu com seu cabelo?
Eu nem tinha pensado em me lavar. Minha vida estava de cabeça para
baixo, e não me ocorreu fazer nada básico de um dia normal. Já que eu não
tinha mesmo o hábito de me olhar no espelho… Bem, acho que isso só
poderia me ajudar neste castelo. Melhor para mim.
— Você também deu um soco no seu rosto? — perguntou ele. — Há
outras maneiras de prejudicar sua aparência do que a autoviolência. Confie
em mim. Você acha que eu gosto deste bigode horroroso? E esse laço
prendendo meu cabelo comprido demais... você acha que gosto desse
visual? — Suas sobrancelhas se ergueram.
Tive outra crise de risos. O bigode definitivamente diminuía a beleza de
seu rosto. A coisa era cômica, assim como a roupa e o grande laço
segurando seu cabelo preto na nuca.
— Não, sem autoviolência. Pensei que poderia ser divertido chorar até
dormir na noite passada.
— Ah. Bom, podia ser pior. Você poderia ter acordado com a cabeça no
banheiro, uma fantasia roxa nos joelhos e nenhuma lembrança de como
você chegou lá.
— Obrigada pelo aviso.
Quando chegamos ao segundo andar, ele apontou para a esquerda e
fomos por um salão digno de um livro ilustrado. Era lindo, com grandes
cortinas vermelhas cobrindo as janelas enormes, aparadores dourados e
paredes bege acolhendo pinturas a óleo. Grandes lustres pendurados, todas
as velas usadas. Eu me perguntei se eles as usavam todas as noites ou nunca
as tinham substituído. Não tinha certeza quantos demônios vagavam neste
lugar à noite. Eu estava com um pouco de medo de descobrir.
— Onde os demônios dormem durante o dia? — perguntei. Na aldeia,
todos se retiravam para uma casa que tinham tomado no extremo da cidade.
Eles se escondiam em quartos escuros, esperando que a luz do dia
desaparecesse. O sol não os matava como com os vampiros, mas abalava o
poder deles. Só os muito poderosos andavam por aí durante o dia.
— Eles estão nas masmorras. Sacanas nojentos. Por que escolher passar
o tempo em um lugar tão vil, sabe? Por outro lado, acho que eles podem
muito bem se fechar lá dentro. Talvez estejam preocupados que um de nós
tente arrastá-los para o sol para matá-los. Quem sabe? Até parece que o
mestre deixaria.
Um homem andando na direção oposta desacelerou quando me viu. Ele
sorriu e acenou antes de arrancar seu chapéu floppy da cabeça e segurá-lo
no peito.
— Ah, vá se foder, Liron — disse Hadriel, acenando para o homem ir
embora. — Não chame atenção para ela.
— Vá se ferrar — disse Liron com um rosnado antes de sorrir para mim
e se curvar.
Depois que passamos por ele, Hadriel murmurou:
— Aquele cara fode cada ménage que você tenta começar. Ele
literalmente não sabe onde colocar o pau. Ele só anda por aí com o pau na
mão. Seria assustador se fizesse mais do que olhar com aquela expressão de
idiota no rosto.
— Posso ouvir você — gritou Liron com uma voz estridente, agora
continuando pelo corredor.
— Como se eu me importasse — falou Hadriel de volta. Ele revirou os
olhos. — Claramente nada de errado com sua audição. Se você se encontrar
em uma situação íntima com aquele cara, cuidado com o traseiro. Porque
esse cara vai querer pegá-la por trás. Ele vai mesmo! Todas as mulheres
dizem isso. Uma vez eu estava fazendo um oral, e ele simplesmente se
aproximou e tentou enfiar no meu rabo. Só que ele errou e caiu em cima de
mim. Tipo, quem faz isso, sabe?
Fiquei de queixo caído. Eu precisava daquela pulseira. Eu precisava de
algo para apertar. Isso estava começando a ficar um pouco louco.
Ele deve ter notado, porque acenou com a mão no ar.
— Está tudo bem. Você não vai sair à noite mesmo. Se alguém tentasse
transar com você, o mestre provavelmente arrancaria seu pau e o
alimentaria com ele.
— É assim que todos vocês falam?
Ele riu.
— Ah, amor, você é fofa. — Ele olhou para o céu. — Lembra de quando
eu pensava que falar assim era nojento? Nem eu. Você nem sabe na loucura
que se meteu. Este lugar está congelado no tempo com um bando de adultos
solteiros. A gravidez não existe, não no castelo. Só o mestre pode
engravidar uma mulher e apenas sua parceira verdadeira . E só. A maldição
acabou com todo o resto. Acrescente os demônios, sua magia sexual e
infinitas quantidades de álcool, e isso, meu amor, é uma receita para más
decisões e desastres. De-sastres! Os demônios conduzem o navio. Qualquer
um que tente mudar o rumo sofre um acidente mortal. Estamos à deriva. Só
o mestre foi capaz de evitar todas as coisas sexuais, e isso é porque ele tem
uma vontade de ferro. De ferro absoluto. Não sei como ele consegue. O
resto… Bem, essa é a nossa vida. Bem-vinda a ela.
— Você continua ficando cada vez mais sombrio.
— É, eu sei. Nunca fui um raio de sol, mas tive meus momentos. De
qualquer forma, temos um monte de passatempos aqui. Depois que o mestre
liberar você, posso mostrar todos e ver o que pode querer fazer. Aquele
idiota, Liron, ensina aquarelas, se quiser tentar. Não é tão chato se você
estiver bebendo.
— Eu não sou uma pintora, pelo menos não acho.
— Nem eu. Pintei quadros de pênis. Eu não conseguia nem fazer isso
direito. Ele ficava comentando sobre minha obra final, pensando que eu
tinha pintado um buquê de flores ou algo assim. Mas na verdade ele estava
me elogiando por um monte de paus. Fiz várias aulas só por isso. Um dia
alguém contou e arruinou toda minha diversão.
Eu ri, sem conseguir me conter, enquanto ele abria a porta levando para
fora e esperou que eu passasse.
— Um detalhe — disse ele, apontando para um amplo conjunto de
escadas que haviam sido pintadas recentemente. Descemos para uma rampa
natural no campo, a base coberta de azulejos coloridos que hospedavam
uma mesa de madeira redonda e cadeiras combinando. Grama marrom e
quebradiça levava para um caminho de árvores muito mais domado do que
a Floresta Proibida. — Não devia estar dizendo isso, mas… Bem, eu vou.
Se planeja se rebelar contra o mestre e sair do quarto à noite, deve ir ao
salão. Abre no início da noite antes que todas as coisas principais comecem.
É a atividade mais segura para você.
Coloquei a mão no cabelo. Só tinha sido cortado pela minha mãe ou por
Hannon. Devia ser bom cortar com alguém que sabia o que estava fazendo.
— Não, não esse tipo de salão, amor — disse ele. — Não é para o cabelo
da cabeça. É para o monte de Vênus. — Ele apontou para minha virilha. —
Você pode ir lá e se depilar, e é superdelicioso e erótico. Depois, se quiser,
você pode conseguir uma lambidela.
Ele piscou para mim.
— Este é o começo do caminho para foder e depois sentir vergonha?
— Não. É só uma maneira de se tratar. Se depile, receba uma lambidela
e relaxe. Você pode deitar com um divisor de pano pendurado na sua
cintura ou no seu pescoço ou qualquer outra lugar, para que não possam ver
quem eles estão atendendo. Então é totalmente anônimo.
— Demônios fazem isso?
— Sim, mas os mais fracos. Eles ainda se alimentam do seu prazer, mas
não mexem com sua cabeça ou qualquer coisa. É o mais seguro.
— Posso fazer uma poção que ameniza a magia da luxúria demoníaca.
Ele colocou a mão no meu braço enquanto caminhávamos.
— De jeito nenhum! Está falando sério? Você consegue?
— Sim. Eu só tenho que encontrar as ervas certas. Posso te dar um
pouco, se quiser.
— Hum… claro! Você é algum tipo de bruxa de poções ou algo assim?
Isso é incrível.
— Você teve seu sexo, e eu tive minhas plantas. Preciso fazer um chá da
manhã, também. Eu o criei para ser revitalizador como o café, e preciso
muito de uma xícara agora
Ele parou e me puxou para sua frente, completamente sério.
— Não minta para mim sobre uma substituição de café ou eu vou puxar
seu cabelo. Todos esses anos e ainda estou desesperado por uma xícara de
café pela manhã.
— É chá, mas pelo visto dá conta do recado.
— Finley, sua talentosa, inteligente, brilhante presente da Deusa. Eu
poderia beijar você. — Ele começou a andar de novo. — Vamos dar todas
as ervas que você precisa, não se preocupe. Até cortaria alguém para pegá-
las. Cortarei, não me importo.
Eu ri quando ele apontou para a esquerda em uma diagonal, e passamos
por uma pequena rampa. Do outro lado, perto das árvores da floresta mais
bonita, um campo de everlass se espalhou diante de nós. Não era tão grande
quanto o que eu tinha usado na Floresta Proibida, mas era conservado do
mesmo jeito, com plantas grandes e saudáveis, e folhas grandes e vibrantes.
Nyfain estava inclinado no meio delas, a camisa repuxada em suas costas e
revelando quatro linhas paralelas prateadas não cobertas de tinta nova. Ele
tinha recebido tanto cicatrizes quanto tatuagens há pouco tempo.
Agora que eu o vi, o desejo de chegar até ele e a dor de resistir por fim
se dissolveram. Ele se levantou com algumas folhas murchas, podando.
Esse estranho peso dentro de mim – meu animal – surgiu ao vê-lo antes de
se estabelecer mais uma vez até que eu não podia senti-la.
Só então Nyfain se virou e olhou para mim. Diretamente para mim,
como se ele tivesse catalogado minha abordagem e adiado reconhecer
minha presença até que eu estivesse esperando por ele. Em outras palavras,
ele estava fazendo o joguinho de alfa superconfiante. Aquele desgraçado.
— Finley — disse o idiota ao se aproximar, e aquela voz maldita
deslizou por mim como uma massagem íntima. Odiei aquilo.
— Nyfain — respondi, casual.
Aquele lindo olhar dourado bateu em mim, e eu absorvi a corrente
elétrica estalando no ar entre nós. Sob a luz do sol, podia ver claramente seu
rosto. Ele parecia ter uns vinte e cinco anos. Um nariz reto entre maçãs do
rosto quase altas, pronunciadas na bochecha. Barba por fazer ruiva-escura
cobria o maxilar definido e mergulhava na fissura em seu queixo. Seu
cabelo castanho-escuro indisciplinado enrolava atrás das orelhas e cobriam
a testa. Ele poderia ter sido bonito, talvez um pouco intenso, se não fosse
pelas cicatrizes que cortavam seu rosto. Uma delas cortava uma sobrancelha
e a outra saía de seus lábios cheios.
Seu tamanho era um pouco intimidante. Ele tinha dois metros e treze
centímetros de altura, pelo menos, com ombros enormes e robustos, e
músculos fortes cobrindo o corpo grande. Sempre me senti grande para meu
sexo. Alta, musculosa. Ele me fez sentir absolutamente insignificante.
Delicada de uma forma que eu nunca pensei ser possível. Jedrek não
chegava aos pés dele. Hannon também seria ofuscado. Nyfain era letal.
Mas nada disso importava. O que me atraiu foi sua aura – a intensidade
dura e bruta que bateu em mim como uma força própria. Revirou minha
barriga e balançou meus ossos. Fez minha pele formigar e acumulou fogo
no meu núcleo. Sua óbvia brutalidade e escuridão fez meu coração acelerar,
e eu não sabia se eu queria fugir dele ou me agarrar a ele em um desejo
irracional.
Uma coisa era bem óbvia: ele não era um cara que você podia virar as
costas.
Seu olhar foi para Hadriel.
— Você pode ir.
Hadriel fez uma grande reverência.
— Sim, senhor.
Quando Hadriel tinha se afastado um pouco, Nyfain se virou e observou
o campo.
— Como eu disse ontem à noite, eu não tinha ouvido falar que everlass
poderia retardar a doença matando as pessoas nas aldeias. — O tom dele
sugeria que ainda achava que eu estava mentindo.
Eu tinha sido chamada de um monte de coisas na minha vida, mas havia
duas coisas que as pessoas sempre concordavam – eu era muito sincera ao
ponto de constrangimento social e eu sabia mexer com plantas.
Esse cara estava questionando os fundamentos do meu ser. Isso me
irritou em muitos sentidos. Tanto que fiquei em silêncio, imaginando
maneiras de arruinar seu dia.
— O que é esse elixir? — perguntou ele depois de um momento. — O
que leva?
Eu não conseguia reter tal conhecimento útil, não importa o quanto eu
queria perfurar as costelas dele com alguma coisa afiada. Se eu pudesse
ajudar as outras aldeias, ajudaria. Descrevi meu processo do começo ao fim,
explicando por que colhia em determinado momento, como cheguei a essa
conclusão, e os efeitos que tinha.
Quando terminei, ele olhou para o campo por um tempo antes de
perguntar:
— Onde você aprendeu a trabalhar com a everlass?
— Livros. Tentativa e erro.
Ele se voltou para mim.
— Impossível. Precisa ser ensinado para trabalhar com everlass. É
passado de geração em geração. Mãe para filha. Pai para filho.
— E então algum filho da puta inteligente com problemas com o pai
pegou seu conhecimento e colocou em um livro. Agora eu aprendi.
Seus olhos queimaram. Minha coluna parecia que estava se
desintegrando por causa daquele olhar ameaçador.
Quando ele falou em seguida, sua voz era baixa e perigosa.
— Você tem medo de mim, princesa?
— Não. — Mentira.
— Não? Você deveria ter.
— Bem, você parece ser bem informado em merdas que eu não me
importo.
— Continue com essa boca espertinha e serei forçado a fodê-la.
Suas palavras se chocaram em mim. Meu corpo se iluminou como se
tivesse morto todo esse tempo e ele o tinha trazido à vida. Fogo líquido
agrupou quente em meu núcleo que, em questões de segundos, estava
molhado e desesperado por contato forte e bruto. Meus mamilos
enrijeceram e arrepios cobriram minha pele sensível. Por dentro, a presença
em mim – meu animal – rugiu e se contorceu, lutando para se libertar para
que pudesse ficar de joelhos e segurar as coxas dele. Eu podia sentir o
desespero dela para chupar seu pau grande e engasgar com ele. Aquela vaca
não precisava de uma pulseira antiestresse. Ela estava gostando de tudo
isso.
Lutei por fôlego, lutei para ficar em pé enquanto meus joelhos
enfraqueciam e meu corpo tremia. Meu gemido de desejo foi incrivelmente
embaraçoso, mas eu continuei lutando contra a besta dentro de mim, minhas
mãos em punhos e meus braços tremendo.
— Diga essas coisas para mim de novo e queimo sua cama… com você
nela — falei entredentes.
Saiu como um ronronar. Dane-se tudo. É difícil ser durona quando você
soava rouca e devassa.
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Você vai precisar desse fogo antes do fim. Marque minhas palavras,
princesa, antes que tudo isso acabe, vou arruiná-la.
Estreitei meus olhos.
— Isso é uma ameaça… ou um desafio?
Ao ouvir desafio, ele arquejou assustado. Seus olhos dourados
queimaram em mim enquanto se acomodavam em meus lábios. Outra onda
de seu poder se chocou em mim, tentando trazer minha besta à superfície.
Minha calcinha encharcou e meu núcleo apertou até que eu quase tive
que pressionar minhas coxas. Eu mal consegui evitar gemer com a onda de
calor tocando dentro de mim. Mal consegui evitar de colar meu corpo no
dele. Eu sabia que ele me deixaria, mesmo que não quisesse. De alguma
forma senti seu desejo quase como uma coisa palpável. Eu sabia que ele ia
ficar chateado com o lapso de controle, assim como na noite anterior.
Ele me afastaria antes ou depois de gozar em mim?
Lutei contra o chamado do alfa dele, porque era exatamente o que era.
Ele estava usando seu poder para tentar me dominar, como alfas
costumavam fazer antes da maldição. Eu tinha ouvido falar isso. Tinha lido
isso nos livros. As pessoas naquela época não pareciam irritadas com isso.
Eu não ia aceitar.
Lutei para suprimir, mas a ferocidade do alfa fez uma serenata ao meu
animal recém-desperto. Ele estava me envolvendo de tantas maneiras
diferentes, e infelizmente não importava que ele tivesse me arrancado da
minha vida e estava me mantendo em cativeiro. Eu queria colocá-lo entre
minhas coxas e aceitá-lo fundo, bem fundo dentro do meu corpo.
Capítulo 7

ESSE DEJESO ERA algo que eu teria que ignorar, porque eu não ia me
rebaixar a foder esse idiota. Talvez eu precisasse ir para o salão receber uma
lambidela.
— Acabou? — perguntei com uma bravata que não sentia.
Ele fechou a pequena distância entre nós, seu corpo grande diminuindo o
meu, seu doce hálito acariciando o meu rosto. Fogo, raiva e luxúria
carregava o ar entre nós. A respiração dele era superficial, combinando com
a minha. Palavras não ditas – palavras indecentes, safadas e sensuais –
pairavam ao nosso redor.
Uma veia pulsava em sua mandíbula. Seus olhos cravaram nos meus por
um momento tenso. Foi preciso tudo o que eu tinha para forçar meu animal
a se acalmar.
— Você vai querer ficar longe de mim — disse ele com a voz de um
pesadelo. — Eu não estava mentindo, vou arruinar você. Destruirei sua
virtude. Mancharei sua bondade.
Por que parte de mim queria tanto isso? Quais eram esses desejos loucos
que este homem estava despertando em mim?
Cerrei o maxilar com tanta força que meus dentes doeram. Acreditei na
ameaça dele, e não queria enfurecê-lo. Não queria que ele me inundasse
com outra explosão de poder. Não sabia se podia me impedir de ceder.
Seus olhos vagavam pelo meu rosto antes de finalmente acenar com a
cabeça. Com uma rigidez contradizendo o estado em que estava, ele se
virou e caminhou mais fundo no campo everlass. Ele passou os dedos pelo
cabelo, deixando-os mais indisciplinado.
Soltei um fôlego e virei para o outro lado. Eu precisava me orientar.
Hadriel estava a uma certa distância com Leala, com um piquenique
montado. Mesmo longe, eu podia ver a preocupação em ambos os rostos.
Uma lembrança da noite anterior flutuou – Nyfain agarrando meu pescoço e
me puxando para ele, exigindo informações que eu não estava disposta a
fornecer. Era óbvio que ele tinha um temperamento terrível.
Se ao menos fosse com isso que eu estivesse preocupada.
Mais uma vez sob controle, eu me virei de volta. Ele estava trabalhando
no campo de novo, verificando as plantas e podando. Seus movimentos
graciosos pareciam uma dança bem praticada. Ele também não apenas
retirava folhas secas ou murchas. Ele afofava as plantas, tocando quase
ternamente antes de seguir em frente, dando um pouco mais de amor e
atenção.
— Isso funciona? — perguntei, aproximando-me. — Os toques
aleatórios?
Ele olhou para trás antes de continuar.
— Pra ser sincero, eu não sei. Esse conhecimento foi passado. Não
questionei.
— Posso testar, se quiser.
Ele se levantou, atravessando uma das fileiras. O sol bateu em seus
ombros largos quando ele olhou para longe do campo.
— Faça o que quiser. Eu quero que você faça aquele… elixir
neutralizante, como o chamou. Quero que beba primeiro, para ter certeza de
que não é veneno. Então quero distribuí-lo para algumas pessoas para ver se
funciona mesmo.
— Por favor — eu disse.
Ele olhou para mim.
— É uma ordem, não um pedido.
— E se não fosse salvar as pessoas, diria para enfiar seu pedido naquele
canto.
Surpreendentemente, ele sorriu.
— Não vamos nos dar bem, Finley.
Meu nome na voz dele fluiu por meu corpo. Eu tremia, agora
incrivelmente irritada de novo.
— Acho que isso estava subentendido assim que me fez prisioneira —
retruquei.
— Antes mesmo disso. — Ele voltou para mim. — Você diz que precisa
colher à noite?
— Sim. Meia-noite parece funcionar melhor.
— Você já tentou às três horas? É quando os demônios são mais fortes.
Se você diz que o elixir funciona melhor quando colhido à noite por causa
da magia deles, então três horas seria o momento ideal.
Franzi os lábios pensando.
— Boa dica. Não sei muito sobre demônios.
— Então você não… se misturava com eles na sua aldeia? — rosnou ele,
como se apenas pensar em mim tocando intimamente um demônio o
enfurecesse.
Franzi a testa, sem saber por que ele se importaria. Talvez tivesse um
ódio geral deles, que eu entendia completamente.
— Não — respondi, vagando pelo campo e olhando para as várias
plantas. Queria escolher as que eu colheria. — Falando nisso, esse lugar
tem um jardim de ervas? Quero fazer a poção que neutraliza a magia dos
íncubos.
— O que você disse?
Aquilo chamou a atenção dele.
Gargalhei.
— Hadriel ficou animado também. Com isso e com o substituto do café.
Todo esse tempo livre e ninguém pensou em experimentar? Criei a poção
para demônios quase depois de fazer 16 anos. Aqueles desgraçados
pegavam pesado. Não quis acidentalmente ficar fora de casa muito tarde e
me encontrar com um. Que jeito de perder a virgindade.
Eu fiz um som de eca.
— Nem todos têm o dom da cura.
Seu tom era sombrio com traços de tristeza e uma pitada de orgulho.
Olhei para cima para avaliar sua expressão, mas ele tinha se afastado,
vagando pelo campo.
— Certo, bem, se você tem um jardim de ervas, posso fazer o suficiente
para todos, se quiser. Para quem quiser. Se tiver suprimentos suficientes,
claro.
— Você é muito solidária com seus antídotos. — Mais uma vez aquele
tom sombrio. Aquela tristeza.
— Talvez eu esteja apenas tentando envenenar todo mundo. — Depois
de alguns segundos de silêncio, deixei a curiosidade ganhar. — Você cuida
deste campo sozinho? E aquele na Floresta Proibida?
— Na maior parte. Há um jardineiro no terreno. Ele ajuda onde pode.
— Quem te ensinou a cuidar das plantas? Não os livros, imagino.
— Minha mãe — disse ele baixinho.
Ele fez um trabalho quase perfeito com essas plantas. Estavam todas
felizes e saudáveis. Dariam um elixir muito forte, exceto que não tínhamos
água da chuva coletada. Precisaria descobrir uma maneira diferente.
Primeiro... a colheita.
— Não notei qualquer correlação entre a força dos demônios e os vários
ciclos lunares, e você? — perguntei quando parei perto de uma planta
murcha. Eu me agachei e observei, descansando os antebraços nos joelhos.
— Não. A lua não os afeta.
Franzi os lábios para o lado, pensando, antes de olhar para o sol e,
depois, ao redor, marcando este ponto em minha mente para que eu pudesse
evitá-lo.
— Mas afeta os metamorfos. — Ele surgiu na minha linha de visão,
tendo claramente me seguido pelo campo.
— Sei disso.
— Afeta você?
— Como poderia? Meu animal está... ou estava, pelo visto, suprimido
como o de todos os outros. Só agora, depois de você, posso senti-lo. Senti-
la, eu acho. Parece uma presença feminina.
— Você não sentia seu animal antes de mim? Nem um pouquinho?
— Não.
— E mesmo assim pode resistir aos meus comandos.
Não mencionei que não era divertido resistir a ele.
— Ninguém nunca resistiu — disse ele.
Eu me levantei.
— Talvez você não seja tão forte como antes. Talvez seja por isso que
você não pode quebrar a maldição, seja lá o que for.
— Não cabe a mim quebrar a maldição. Eu sou impotente a ela.
— Nunca somos impotentes — murmurei, um sentimento que sempre
repeti para mim mesma quando eu me sentia, de fato, impotente.
Normalmente sem esperança, também. Eu apontei para baixo. — Esta
planta está sendo aglomerada. Acho que sabe o que isso significa.
As sobrancelhas dele franziram. Ele levou um segundo para olhar onde
eu estava apontando. Ele não comentou, e, a julgar pelas nossas interações
anteriores, deduzi que ele não sabia o que dizer.
Queria mesmo socá-lo, na maioria das vezes, mas em vez disso respirei
fundo e preparei a palestra. Isso era algo que ele precisava saber se ia
trabalhar com everlass. Uma coisa que a mãe dele deveria ter dito a ele. A
localização da planta sugeria que tinha sido plantada desta forma de
propósito.
— Esta planta está basicamente sendo intimidada, para dizer de forma
simples. Isso cria uma espécie de… qualidade ácida que é ruim para a cura.
Pode ser venenoso, na verdade. Alguém na minha aldeia usou folhas de
uma planta aglomerada para o elixir de que falamos, e matou o marido em
poucas horas. Ela alegou ter escolhido as folhas, várias folhas, por acidente,
o que significa com certeza que foi de propósito. Já que ela se recusou a se
casar de novo e passou muito tempo depois disso com demônios no bar…
bem. Foi suspeito.
“Voltando ao assunto, o livro que li dizia que muitas vezes se pensava que
plantas aglomeradas eram cultivadas dessa forma de propósito, aninhadas
entre as outras no campo, escondidas à vista de todos. Apenas uma pessoa
que sabia o que procurava saberia a verdadeira natureza da planta
aglomerada.”
Usei meu dedo para delinear as fileiras. Haviam pequenas depressões
por toda parte, como se o cavalo não tivesse andado em linha reta quando
os campos foram arados. Só que às vezes as fileiras mergulhavam o
suficiente para criar uma planta aglomerada. Contei treze, um número
supersticioso.
— O layout deste campo é magistral. — Levantei as sobrancelhas para
ele. — Você?
— A ex-rainha.
Isso era surpreendente. Eu não tinha pensado que a realeza trabalhava de
verdade. Não de forma física.
— Bem, ela sabia o que estava fazendo — eu disse. — Pena que não foi
ela que lhe ensinou. Para desaglomerar a planta, você poda as plantas ao
redor e dá mais espaço para ela respirar. A planta vai espalhar as folhas e
florescer. Não guarda rancor. No geral, o jardim também não sofrerá na
produção, já que todas as plantas estão a todo vapor. Se quiser aglomerar a
planta de novo para poder matar o marido, só fazer a poda um pouco e
deixar as outras plantas se aproximarem. Fácil.
— Você aprendeu tudo isso com um livro? — Ele parecia incrédulo.
— Alguns, na verdade. Um livro sobre everlass, um sobre mitos e
lendas, uma história do reino, um livro sobre fadas, e depois apenas
tentativa e erro. Sem dúvida completei os diversos espaços em branco.
Ele olhou para mim por muito tempo, equilibrado na ponta dos pés.
Preparando-se para algo, ou se defendendo, não sabia qual. Seja qual fosse,
a luta parecia interna.
Ele cerrou os dentes contra uma forte emoção. Pela primeira vez, ele não
jogou seu drama em mim, e eu estava grata.
— Nossos jardins não estão à altura de uma bruxa — desdenhou ele, mas
pude perceber que não falava do fundo do coração.
— Ouvi dizer que às vezes dá mais trabalho ser um idiota do que ser um
cara legal — eu disse baixinho.
— Sabe por experiência?
— Não. Pra mim sempre foi mais fácil ser idiota. Pessoas boas me
deixam nervosa.
Um sorriso genuíno apareceu em seu rosto, suavizando a aparência
severa. Sem dúvida ele tinha sido admirado por sua beleza, antes de todas
aquelas cicatrizes cruzarem a pele dele.
— Se você consegue se transformar, por que não se cura? — perguntei, a
curiosidade vencendo enquanto o ajudava a cuidar do campo, podando e
agora acariciando levemente as plantas. Exigia muito cuidado, essa
everlass. Mas valia o esforço.
Sua expressão desmoronou, retornando à pensativa. Seus músculos
ficaram tensos.
— Só posso me transformar por pura determinação e pela conexão forte
com meu animal. Eu me recusei a perder o controle dele, e ele foi capaz de
forçar a mudança. Nosso vínculo é forte e juntos somos mais poderosos que
o rei demônio. Mas pagamos o preço. A magia tirou nossas asas com a
primeira mudança, deixando-nos presos a terra e desfigurados. Minha
capacidade de cura foi suprimida também. Quando me machuco, demoro a
me curar. Que mulher iria querer ficar presa com um dragão que não voa e
um homem tomado por cicatrizes — Ele se virou e se inclinou, de costas
para mim. — Se tivesse esfaqueado meu coração com aquele canivete, eu
teria morrido. Você teria feito o que ninguém mais foi capaz de fazer nestes
últimos dezesseis anos. Teria acabado com este pesadelo eterno.
Uma dor apertou meu coração. Não só por ele, mas por todos nós.
Queria que alguém me explicasse a maldição para que eu pudesse descobrir
uma maneira de acabar com ela. Assim eu poderia fazer mais do que lidar
com plantas exigentes.
— O que aconteceria se eu tivesse te matado? — perguntei, caminhando
mais perto dele.
— A maldição acabaria e o rei demônio enfim governaria. Depois disso,
ele provavelmente transformaria todos em servos ou apenas os mataria. Não
sei.
Perdi o fôlego.
— Bem — Eu me levantei e olhei para as plantas por um momento, a
desesperança aumentando. Como sempre no meu passado, só me deixei
remoer por um segundo. Deixei o sentimento se assentar, e então me
recuperei. — Onde há vida, há esperança. Você ainda não está morto, e eu
também não. Podemos achar um jeito. O que acontece se matarmos o rei
demônio?
Ele se levantou e se virou, seus belos olhos desprovidos de raiva pela
primeira vez.
— O poder que ele exerce sobre nós será transferido para o próximo na
linha de sucessão ao trono demoníaco.
— E se matarmos todos eles?
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Não temos recursos para isso.
Coloquei as mãos nos quadris.
— Vou dar um jeito. Deve haver algo que possa ser feito.
— Você sacrificaria sua vida para salvar este reino?
Sua voz estava grave, e soou como uma pergunta traiçoeira. Mesmo
assim, não precisei pensar na resposta.
— Claro — eu disse. — Pensei que estava sacrificando a vida pela
minha família. Fazer isso pelo reino seria uma honra.
— Fácil assim, hein?
— Sim. Quero dizer, não me entenda mal, eu morreria de medo, tentaria
fugir e escapar como ontem à noite, mas no final, eu faria isso. Claro que
sim. Qualquer um faria.
Ele zombou.
— Nem todos. Algumas pessoas não são tão honrosas ou altruístas como
você diz ser. — Ele se virou para mim, raiva mais uma vez queimando
brilhantemente em seus olhos. Outra coisa brilhava lá também. Dor. —
Você deveria ser mais cuidadosa quando faz tais reivindicações, princesa.
Não sabe do que fala. Há destinos piores do que a morte.
— Como ficar desfigurado? — Eu o encarei. — Como perder as asas?
Pelo menos você pode se transformar em seu animal. A maioria das pessoas
adoraria fazer isso e não consegue. Que mulher adoraria um dragão sem
asas e com cicatrizes? Uma mulher que não dá a mínima para as aparências.
Por que não pergunta do que realmente tem medo, que mulher gostaria de
você por você? Não é mais um nobre. Não é mais um dragão. Está tão
fodido quanto o resto de nós. Claro, você desfila por este castelo e patrulha
os terrenos da realeza, mas os demônios comandam este lugar. Você está
brincando de faz de conta se pensar o contrário. Os demônios controlam sua
vida do mesmo jeito que controlam a nossa. As linhas entre plebeus e
realeza foram borradas. Agora somos só você, eu e todos os outros. Então,
não, você não está preocupado em estar desfigurado, está preocupado que a
feiura de sua personalidade seja a única coisa que as pessoas têm para julgá-
lo.
— Você se atreve a falar comigo dessa maneira?
— Diga que estou errada.
Seus punhos abriram e fecharam, e seu temperamento explodiu. De
repente, ele estava vindo na minha direção, raiva e poder liberados. Ele
parou de frente a mim, ainda tendo cuidado com as plantas everlass, mas
sem cuidado comigo. Um movimento rápido, e seus dedos enrolaram na
minha garganta. Eu não estava com o canivete, mas tinha o pé.
Eu pulei para que ele pegasse meu peso, todo meu corpo segurado por
uma de suas mãos. Meu ar cortado completamente, mas não perdi a
oportunidade. Balancei o pé o mais forte que pude.
Minha bota bateu entre as pernas dele. A respiração dele atingiu forte o
meu rosto com o impacto. Ele fechou os olhos de dor e quase caiu,
gemendo ao se abaixar.
Meus pés bateram no chão, e então afastei a mão dele. Pessoas normais
teriam fugido, mas pessoas normais não tinham um reino dependendo da
força dessas plantas everlass.
— Continue em pé — ordenei, e meu animal rodopiou dentro de mim,
emprestando poder às minhas palavras.
Seus joelhos balançando ficaram tensos, fazendo ele se endireitar. Mas a
parte superior do corpo ainda estava curvada enquanto ele segurava as
bolas.
— Não esmague essas plantas. — Envolvi os braços em sua cintura, e ele
se encostou em mim, seu peso um pouco mais do que eu poderia lidar de
modo confortável. — Controle-se. É só seu pau. Lide com a dor.
Ele emitiu uma risada trêmula antes de tossir.
— Foi um chute muito bom.
Uma de suas mãos grandes e cicatrizadas repousou no meu ombro, e ele
se endireitou dolorosamente. Ele olhou para nossos pés antes de afastar um
dos seus um pouco para trás, dando à planta everlass mais espaço. Seu olhar
então percorreu meu corpo, calor seguindo o rastro. O cheiro dele encantou
meus sentidos. A outra mão dele subiu no meu braço e na minha clavícula
até a base do meu pescoço.
— Tão feroz — sussurrou ele, traçando o polegar por minha pele
aquecida. — Tão forte. — Ele exalou, nossa respiração se misturando. As
pontas dos dedos dele tocaram a linha da minha mandíbula antes de aplicar
pressão, fazendo-me olhar para ele enquanto ele se curvava. — Tão
poderosa.
Pressionei as mãos no peito dele para afastá-lo mesmo quando minhas
pálpebras ficaram pesadas e o desejo se enrolou em mim.
Os lábios dele se aproximaram da minha orelha.
— Quer que eu toque em você, Finley?
Sua língua traçou a borda do lóbulo, e eu estremeci.
— Diga — ordenou ele baixinho, e meu animal estúpido disparou o
poder por mim. Tentando assumir o controle.
— Humm — gemeu ele, aumentando o aperto na minha mandíbula,
mantendo minha cabeça inclinada para ele. — Isso mesmo. Deixe seu
animal alimentar sua excitação. Posso senti-la em você. Posso sentir o
quanto você me quer.
A mão no meu ombro escorregou pela clavícula e pelo volume do meu
seio. Seu polegar pressionou o bico do meu mamilo. Um choque de prazer
me invadiu.
Agarrei o tecido da camisa dele e criei coragem para afastá-lo.
Seu polegar se movia em círculos preguiçosos, acariciando meu fogo
interior. Meus lábios se abriram mais enquanto eu ofegava.
— Onde quer que eu toque em você? — persuadiu ele, afastando a mão
do meu seio para que pudesse empurrar o tecido e o tirar do meu ombro. A
gola era tão grande que deslizou facilmente. Seus dedos ardilosos foram
para baixo outra vez, deslizando pela pele nua. Ele passou o dedo no tecido
que prendia meus seios.
Levantei as mãos um pouco, puxando-o em minha direção. Cerrei os
dentes e me parei. Meu animal tentou assumir, mas eu estava pronta desta
vez. Eu a controlei, suprimindo o poder que rolava por mim, tentando
manter o controle.
A risada dele era sombria e sinistra ao descer o tecido. Sua outra mão
segurou meu rosto, e ele se inclinou até que os lábios roçaram nos meus.
Um choque de eletricidade me iluminou quando nossos lábios se tocaram.
— Quero provar você — murmurou ele.
Apertei ainda mais sua camisa e me concentrei na batalha pelo controle.
A lógica dizia para afastá-lo. Mas meu animal me bloqueou. Ela queria isso,
e estava prestes a assumir o controle e conseguir o que desejava.
A língua dele disparou para fora, deslizando na costura dos meus lábios.
Abri a boca antes de poder me conter. Seus lábios se curvaram, e ele
terminou de libertar meus seios, tocando agora na camisa. Ele se afastou,
nossos olhares se travaram quando ele beliscou meu mamilo enrijecido.
Gemi com seu toque enquanto ele manipulava o bico duro com o dedo
áspero. Suas pupilas dilataram, mostrando seu prazer com o efeito que
estava tendo em mim.
— Hum… senhor?
A voz era insistente. A raiva acendeu dentro de mim por ter alguém
interrompendo. Meu animal jogou poder pelo meu sangue.
Nyfain abriu mais minha camisa. O tecido rasgou e lhe deu mais acesso.
Ele se inclinou e colocou a língua quente no meu mamilo.
Gemi, perdida nas sensações.
Eu movi minha mão para o lado de seu rosto e arqueei, empurrando o
seio em direção à boca dele. Ele o envolveu, sugando gananciosamente.
Com a minha mão segurando seu pescoço, ele libertou uma das mãos e
colocou entre minhas coxas. Seu toque firme esfregou exatamente onde eu
precisava, excitando-me ainda mais. Eu me esfreguei contra ele, totalmente
fora de controle.
— Senhor? Senhor! — A voz era incessante, e eu a reconhecia
vagamente.
Eu também queria matar o dono dela para que ele fosse embora.
Nyfain lambeu e apertou meu mamilo enquanto esfregava a costura das
minhas calças, excitando-me. E me levando ao ponto do êxtase.
— Mestre, senhor. Senhor!
Nyfain se afastou com um rosnado, meu mamilo saindo de sua boca. Ele
me agarrou possessivamente, como se houvesse perigo vindo de outra
pessoa e ele não pretendia deixá-lo chegar até mim.
— Senhor! — Hadriel estava acenando da beira do campo. — Desculpa
interromper, mas, senhor, está na hora de ir.
Levou um segundo para os olhos de Nyfain clarearem. Suas
sobrancelhas franziram e ele piscou rapidamente. Quando seu olhar voltou
para mim, foi acusatório. Ele me afastou enquanto recuava. Olhou para
meus pés, verificando se eu não estava pisoteando a everlass.
— Eu disse para controlar seu animal — rosnou ele, com o rosto corado.
Frio tomou conta da minha pele febril. Estremeci com a mudança, cobri
meus seios. Meu mamilo latejava no tecido, ainda jorrando prazer pelo meu
corpo. Formigando por causa da sucção forte e deliciosa dele.
— Você está falando sério? — Puxei minha camisa, agora esticada, para
a passar em volta do meu pescoço de novo. — Qual de nós já conheceu seu
animal? Você é que tem experiência. Isso é culpa sua, não minha.
— Fique longe de mim, Finley. Não sou um bom homem. Vou destruir
você.
Ele caminhou em direção a Hadriel.
— Fique longe de não era eu com meu mamilo na boca! — gritei, a
picada de rejeição apertando meu peito.
Isso era uma coisa boa. Ele recuando e indo embora era uma coisa boa.
Eu que deveria ter feito isso. Eu deveria ter afastado ele quase
imediatamente.
Então por que me senti como se eu não fosse boa o suficiente? Como se
eu fosse suja?
Andei mais para pelo campo everlass para acalmar os pensamentos
loucos. Meu animal estava mexendo com minha cabeça. Isso é o que estava
acontecendo. Por alguma razão, ela tinha gostado daquele idiota e estava
me levando junto. O animal dele o estava controlando, também, pelo visto.
Mas aquele homem e eu não nos dávamos bem. Primeiro, o filho da puta
me fez uma prisioneira. Admito, ele poderia ter me matado e não matou. E
claro, era tecnicamente dentro de sua jurisdição julgar e executar uma
punição. Mas as pessoas estavam morrendo a torto e a direito, e eu só
invadi aquele campo para salvar minha família. Que tipo de idiota prenderia
alguém por isso? Era apenas para se sentir superior.
Segundo, não dava para gostar dele. Nyfain era taciturno e irritado, e
difícil de se conviver. Se ele não estava me irritando, estava tentando me
forçar a fazer alguma coisa. Hum… não, obrigada.
Então qualquer sentimento de rejeição era ridículo. Eu precisava puxar
minhas calcinhas de menina grande e deixar a lógica governar. Meu animal
foi cortado, e assim que eu conseguisse descobrir uma maneira de suprimi-
la ainda mais, faria isso.
A pontada de remorso e culpa que seguiu esse pensamento foi
inesperada. Foda-se, eu não podia ganhar.
— Então, como foi? — perguntou Hadriel com uma voz melodiosa e
fazendo careta. — Conseguiu arrumar as plantas?
Meu rosto queimou de vergonha. Na hora, eu não tinha pensado em
pessoas assistindo. Eu não deveria me importar.
— Você não se virou, né? — perguntei, enquanto me sentava para a
adorável propagação de comida no cobertor rosa choque e laranja.
— Me virar? Amor, por favor, você deve estar brincando comigo. — Ele
se sentou ao meu lado. — Não consegui desviar o olhar! Não sabia se ele ia
foder ou quebrar você. Foi maravilhosamente tenso.
— Ei. — Leala bateu no ombro dele. — O que você está fazendo? Isso é
para ela. Você não deveria se sentar com eles.
— Primeiro, ela não é eles, e eu vou deixá-la comer. Mas você ouviu o
mestre; devo mantê-la segura… de alguma forma. Se ela se meter em
problemas, ele vai me matar. — Ele alisou o cabelo para trás. — Agora
mais essa. É assim… acho que minha vida não pode piorar, e então boom.
Aqui está um sanduíche de merda, Hadriel. Aproveite seu almoço!
Olhei para ele incrédulo.
— Quando ele disse para me manter segura?
— Agorinha, quando foi embora. Devo deixar você encontrar um jardim
onde possa cultivar suas ervas. E devo cuidar de você. Se entrar em apuros,
ele espera que eu o chame imediatamente.
— Isso não é mantê-la segura — disse Leala. — É apenas espioná-la.
— Mantê-la segura, espioná-la... de todo jeito, ele está de olho em mim e
quer que eu me reporte a ele. E sabe o que vai acontecer se os demônios
descobrirem? — Hadriel gesticulava entre ele e eu. — Nós dois seremos
mortos.
Levantei as mãos.
— Não entendo aquele cara. Ele essencialmente me disse para sumir e
deixá-lo em paz, e ainda assim ele está mandando alguém me proteger? E
me espionar?
— Ah, de jeito nenhum Hadriel pode protegê-la, milady — disse Leala,
rindo. — Se algo acontecesse, é provável que ele se sujasse enquanto fugia.
Hadriel se virou para ela.
— Leala, querida, vá se ferrar.
— Se jogue de um penhasco — respondeu ela, tranquila.
Eu sorri.
— Que tipo de problema posso me meter?
Hadriel apontou para o campo everlass.
— Você acabou de se agarrar com o cara mais perigoso e desequilibrado
deste reino…
— Exceto pelo rei demônio — disse Leala. — Ele é mais perigoso.
— Ele não é mais perigoso que o mestre — disparou Hadriel.
— Claro que é. Ele pode controlar o mestre.
Enquanto os ouvia discutir, escolhi um sanduíche e dei uma mordida.
Presunto curado e queijo. Delicioso.
Hadriel se virou de lado para ela.
— O rei demônio só pode controlar o mestre usando a maldição como
coleira. O mestre nem deveria ter jurisdição, lembra? No começo, ele
deveria ficar no castelo como o resto de nós. Mas ele matou qualquer
demônio que tentasse mantê-lo longe da Floresta Real. Diga que o rei
demônio é mais poderoso do que isso!
— Mas o rei demônio tem a maldição como coleira, então tecnicamente
ele é.
— Tecnicamente você é um desperdício de recursos.
— Vá se foder.
— Uau, ok… — Coloquei minhas mãos para fora.
— Meu argumento era — Ele deu a Leala um olhar incisivo; ela revirou
os olhos. — É óbvio que você não toma as melhores decisões.
— E as garotas que ele fode? — perguntei. — Elas têm guardas,
também?
Um silêncio estranho saudou minha pergunta. Ergui as sobrancelhas.
— Ele não fode garotas — respondeu Hadriel quando Leala disse:
— Ele não fica com ninguém desde a maldição, pelo que eu lembro.
— Espera… — Baixei meu sanduíche meio comido. — O quê?
— Sim, você pode precisar de um segundo com ele. — Hadriel deu um
tapinha no meu joelho. — Não posso nem imaginar como suas bolas azuis
devem estar. Quero dizer, sentir vergonha depois de foder distorce o
cérebro, sim, mas ficar na seca por anos e anos? Isso deixaria um homem
louco.
— Ele tem uns… problemas — disse Leala com cuidado. — Ele não faz
sexo com demônios porque eles se mudaram para cá e arruinaram nossas
vidas. Ele tem muito mais autocontrole do que o resto de nós, é óbvio. Eu
também não queria tocar naqueles demônios, não queria mesmo. Mas os
íncubos são muito bonitos, e no final eu me cansei de todos os outros, e
depois…
— Foder e sentir vergonha depois — finalizou Hadriel. Leala deu de
ombros e acenou com a cabeça. — Com isso, só resta o pessoal da casa.
Presumimos que ele estava secretamente transando com alguns de nós, mas
todos os segredos e outros já foram descobertos, e nada. Ele não está
transando com ninguém no castelo. Então assumimos que ele poderia estar
transando com alguns dos aldeões. Faz sentido. Eles dão informações, e
depois ele recebe uma cantada e um chupão. Mas parece que ele apenas se
encontra com os homens.
— Ele não gosta de homens — disse Leala.
— Certo. Ele não gosta de homens.
— Calma aí. — Empurrei a última mordida para o lado da bochecha. —
Ele está se encontrando com aldeões?
— É assim que ele obtém suas informações — disse Leala. Ela colocou
o dedo na boca. — Mas não diga para ninguém. Se o rei demônio
descobrisse, mataria os aldeões. Aconteceu no passado.
— Ele não se encontra com ninguém da minha aldeia — eu disse,
estranhamente ofendida.
Hadriel puxou os lábios para o lado do rosto.
— Era óbvio que ele devia, né? Porque você tem aquele elixir. Eu devo
levar você para colher a everlass hoje à noite. Coisa boa, também, ou eu
poderia tomar uma bebida para curar a ressaca, e então os demônios teria
feito de mim um bobo.
— Você faz papel de bobo sem a ajuda dos demônios — disse Leala.
— Sei o que está fazendo. — Hadriel ergueu um dedo. — Você está
tentando me irritar para que eu segure a chibata da próxima vez que quiser
umas palmadas. Vou dizer de novo, Leala, não gosto desse fetiche. Não
acho que espancar uma garota amarrada seja excitante. Isso me estressa.
Então pare de me pedir.
— Mas você dá o seu melhor quando faz. Posso sentir sua paixão.
— É raiva, Leala. É raiva, e eu estou sendo muito violento quando faço
isso.
— Humm — disse ela com um sorrisinho, e correu os dedos pelo lado
do pescoço.
Ele balançou a cabeça e olhou para o lado.
— Não entendo a foda com ódio. Se eu odiasse você, não ia querer
transar com você.
Senti meu rosto ficar corado quando pensei nos meus sentimentos
complicados por Nyfain. Nossa ira, nossa raiva, nossa antipatia mútua, e
como me senti com sua língua acariciando meu mamilo. O calor do desejo
quando seus dedos esfregaram minhas coxas. Eu tinha certeza que transar
com ele seria bom. Muito bom.
Eu também tinha certeza de que algo estava errado comigo, e Hadriel
estava certo – eu não estava tomando boas decisões! Eu precisava ficar
longe daquele cara. A todo custo, eu precisava de distância entre nós.
— Não entendi direito as regras — eu disse, esfregando as têmporas
como se isso tirasse Nyfain da minha cabeça e o calor fervente do meu
núcleo. — Pensei que a besta não poderia passar do limite da Floresta
Proibida.
— Bem, é aí que a coisa do poder entra em vigor — explicou Hadriel. —
Antigamente, a magia fortificando essa linha era potente. Machucava muito
para o mestre atravessar. Mas a magia se dissipou um pouco nos últimos
dezesseis anos. O rei demônio não a fortaleceu, e o mestre pode fazer a
travessia sem muita dor. Ele só tem que fazer isso com moderação porque
não quer que nenhum dos demônios descubra. Felizmente para ele e para
nossa infelicidade, mantemos os demônios muito bem ocupados. Assim
como as aldeias, pelo que eu ouvi.
— Então quando ele vai encontrar esses aldeões… — Apertei um olho.
Hadriel arremessou a mão para silenciar Leala, mas era tarde demais.
— Na maioria das vezes, eles se encontram na floresta. Os aldeões
podem ir e vir sem que a magia os afete. O que também deveria ser um
segredo do rei demônio. Bem, ele deve saber, mas não acha que os aldeões
representam mais qualquer ameaça…
Ela pausou. Hadriel olhou para mim com um rosto em branco. Como
deveria.
— E quantos outros prisioneiros ele já teve? — perguntei com uma voz
comedida. Desta vez deixei meu animal subir à superfície, alimentando-me
de energia. Meus sentidos se fortaleceram, olfato e visão e audição ficaram
mais aguçados. Isso pode ser útil. — Quantos?
— Hum… — Leala pigarreou. — Não temos permissão para…
— Diga — vociferei.
— Nenhum — disseram ambos rapidamente, segurando seus peitos. Os
olhos de Hadriel se abriram, e Leala sorriu e se inclinou um pouco, olhando
para o corpo outra vez.
Depois de um momento, Hadriel respirou fundo.
— Nunca, e quero dizer nunca… — Ele apontou um dedo. — Nunca
faça isso na presença do rei demônio. Nunca. Ou ele vai levá-la embora sem
uma palavra.
— Fazer o quê? — perguntei, permitindo ao meu animal um pouco mais
de liberdade agora que Nyfain não estava perambulando por aí.
Hadriel deu a Leala um olhar antes de se levantar.
— Nada. O mestre vai dar um jeito. Certo. Vamos nos apressar, boneca.
Vou mostrar todos os lugares com passatempos para que você não
enlouqueça e ceda aos demônios, então precisamos encontrar aquele jardim
para suas ervas, espero que você possa fazer milagres, e pegar suas medidas
para que não se pareça com um menino de 14 anos correndo pelo castelo.
Temos padrões por aqui.
— Então ele me fez prisioneira…
— Não. — Ele ergueu o dedo outra vez.
— Mas sério, ele é…
— Não. — Ele balançou o dedo.
— Por que eu sou
— Calada.
Ele agarrou meu braço e me puxou, afastando-me de Leala, que
presumivelmente recolheria as sobras do piquenique, e me levou em direção
a porta dos fundos.
— Preste atenção — disse ele, sério. — Há três pessoas em quem você
pode confiar neste lugar, ok? — Ele ergueu um dedo. — Eu, porque não
tive opção. — Ele levantou um segundo dedo. — Leala, porque ela é uma
ótima criada pessoal e vai guardar cada um de seus segredos. Não diga a ela
que eu disse coisas boas sobre ela, ela só vai me provocar. — Terceiro dedo.
— E por último, o mestre. — Ele abriu as mãos. — Só. Somos os únicos
em quem você pode confiar. Só nós três. E não é porque o resto do pessoal
quer o seu mal. O problema é que os sobreviventes são medíocres na
melhor das hipóteses. Lembra que falei isso? Tendemos a piorar as coisas
em vez de melhorar. Então, se você contar algo a alguém, vão espalhar. Se
não contarem a um demônio durante uma sessão de prazer, dirão a outra
pessoa da casa, e eles vão espalhar. Quando se trata de você, não queremos
nenhum detalhe por aí. No que diz respeito a eles, Nyfain encontrou alguém
roubando, e ele vai usá-la como brinquedo antes de matá-la. Isso é algo que
os demônios entenderão. Eles vão pensar que finalmente o estão
influenciando. E darão a ele um pouco de liberdade. Pelo menos — Ele fez
uma careta. — Ele parece pensar assim. Acho que vamos ter que esperar
pra ver, né?
— Mas… eu ainda não entendo. Se ele nunca fez um prisioneiro, por
que eu?
— Às vezes, para proteger algo, precisamos escondê-lo em plena vista.
— Proteger de quê?
— Você vai precisar perguntar ao mestre. Eu não tenho permissão para
dizer, e se você for longe demais em me fazer responder suas perguntas,
pode sem querer perguntar a errada. Vou tentar dizer coisas cobertas pela
mordaça mágica, e isso vai me matar. Suas queixas precisam ser levadas ao
mestre e mais ninguém. De preferência, onde você não possa ser ouvida.
Tirei o cabelo do meu rosto, nervosismo embrulhando meu estômago.
— Tudo bem. — Levantei o queixo em desafio. — Vou falar com ele
diretamente.
Lá se vai minha ideia de ficar longe de Nyfain. Só esperava que no
próximo encontro não acabasse com meu peito em sua boca.
Capítulo 8

— OK, O QUE você está pensando, minha querida? — Hadriel me levou


por um corredor largo com teto abobadado. Em sua maioria, portas
fechadas alinhavam nosso caminho, com janelas no topo da parede sob a
linha do teto, iluminando o local.
— O que estamos fazendo aqui?
— Estamos escolhendo passatempos. Você precisa de algo para fazer
durante o dia além de irritar o mestre.
— Ah… Mas…
— Aqui é bordado. — Ele apontou para uma porta entreaberta. —
Gostaria de fazer uma imagem adorável cutucando tecido com agulhas? Ou,
no meu caso, uma horrível versão de um lago? Acabou como um pântano.
Naquela época, descobriram as aquarelas e todos me acusaram de não
conseguir fazer um pênis. — Ele colocou a mão no peito. — Eu disse por
favor, se eu quisesse fazer um pau, eu poderia fazer um pau, mesmo em um
bordado. Mas saí zangado e nunca mais voltei porque, pra ser sincero, eu
não tinha tanta certeza que era verdade, e eu não queria que me cobrassem.
Gargalhei antes de enfiar a cabeça no cômodo. Uma mulher de meia-
idade estava sentada em uma cadeira de balanço. Óculos empoleirados na
ponta do nariz enquanto ela puxava um fio de uma tira branca de tecido.
Duas outras mulheres estavam sentadas perto dela, uma delas na frente de
um retângulo branco de tecido em algum tipo de suporte, criando um
intrincado projeto florido.
Antes que eu pudesse voltar, a mulher na cadeira de balanço olhou para
cima. Suas sobrancelhas franziram e ela se assustou.
— Maxine! — gritou ela, parando de balançar. — Maxine, estou morta?
— O quê? — Uma mulher idosa olhou para cima com uma carranca. —
Do que você está falando?
— Eu vejo um anjo. Estou morta?
— Também vejo — disse a terceira mulher, com o penteado em um
coque no topo do cabelo bagunçado. — É um anjo de batalha? Por que está
sujo?
Puxei a cabeça para fora e me afastei. Hadriel preencheu meu lugar.
— Ei! As senhoras virão aquele fantasma? — disse ele. Ouvi um suspiro
coletivo. — Era um fantasma, não era? Tenho certeza que era! Parecia
aquela mulher… — Ele estalou os dedos algumas vezes e olhou para o teto.
— Aquela assistente de cozinheiro. Lembra dela, aquela que caiu do cavalo
e foi pisoteada?
— Ah! — disse uma das mulheres. — Sim! Acho que eu me lembro.
— Isso nunca aconteceu — disse outra. — Eu me lembraria se tivesse
acontecido.
— Aconteceu sim! — insistiu a primeira. — Lembra…
Hadriel fechou a porta e voltou, rindo.
— Isso vai lhes dar algo para discutir por pelo menos um ano. Andrelle
está obcecada com a morte desde o início de tudo. Ela constantemente acha
que será a próxima a morrer. Ela caça os terrenos em busca de fantasmas,
tem certeza que são reais. No que ela não acredita? Demônios.
— Como ela não acredita em demônios? Eles estão no castelo. Eles têm
seu próprio reino.
Ele riu quando parou na frente de outra porta.
— Interessante, né? Ela não sai à noite! Não participa do sexo, mas,
mesmo assim, ficou louca. Não havia esperança para nenhum de nós, estou
dizendo. Ela entra em seu quarto ao pôr do sol e ressurge ao amanhecer. Ou
por aí. Às vezes ela vê demônios, mas os ignora como se não estivessem lá.
É a coisa mais estranha. Quero dizer, no começo, todos nós pensamos que
era apenas a maneira dela de passar por tudo isso. Mas depois de dezesseis
anos? — Ele inclinou a cabeça. — É um mistério. Além disso, você deve se
acostumar com as provocações. Estamos todos abatidos e miseráveis.
Insultar um ao outro é tudo o que temos.
— É um pesadelo…
— Saúde! — Ele fez careta para mim. — Droga, não faça isso quando eu
não tiver uma bebida. Só me dá vontade de ir procurar uma festa. Certo, ok,
que tal fabricação de velas? Você pode fazer perfumadas, coloridas e…
acho que só.
— Não, obrigada. Não sou muito boa nesses tipos de coisas.
— Certo. Mas você pode ficar boa. Esse é o objetivo.
— Sim, mas… não tenho interesse.
— Também não. Ok, o que mais? Há uma sala de quebra-cabeças. Eu
tenho trabalhado em um por três anos.
— Você não… é tão bom em quebra-cabeças?
— Não, na verdade sou ótimo! Amo mesmo quebra-cabeças. É que o
resto desses filhos da mãe não são bons, e eles misturaram todas as peças.
Então, eu estou basicamente fazendo todos os quebra-cabeças no castelo
para tentar arrumar tudo.
Ele abriu uma porta para uma selva de pequenas e grandes mesas
cobertas de quebra-cabeças semiconstruídos. As peças estavam espalhadas
por todo o lugar. Pequenos caminhos entre elas. Duas pessoas estavam
sentadas no chão, curvadas sobre uma seção.
— Essas são as peças desajustadas! Não misture as peças desajustadas!
— Ele entrou no cômodo apressado, andando com muito cuidado pelos
quebra-cabeças como eu tinha feito com a everlass.
Enquanto ele estava ocupado, continuei um pouco pelo corredor,
imaginando se eu tinha coragem de tentar uma das outras portas. À frente, no
final do salão, uma das portas duplas estava um pouco entreaberta. Eu podia
ver apenas uma prateleira de livros na parede. Meu coração se encheu de
alegria, e caminhei naquela direção.
— Não, espera! — Hadriel pulou na minha frente com os braços abertos.
— Desculpe, eu não posso te mostrar isso ainda. Ordens do mestre.
Estreitei os olhos.
— Por que ele não quer que eu veja a biblioteca?
— Ele se orgulha bastante daquela biblioteca. Há um sistema para retirar
os livros. Ele quer explicar para você.
Revirei meus olhos para manter as aparências, na maior parte. Não podia
culpar Nyfain por isso. Com todas as travessuras que aconteceram aqui, ele
precisaria ter um sistema muito bom para manter o controle dos livros.
Mesmo assim, estava louca para ver a biblioteca, para passar meus dedos
pelas lombadas. Devia ter tanto conhecimento novo lá que faria minha
cabeça explodir. Se o único passatempo viável para mim fosse ler todos os
livros daquela biblioteca, ninguém ouviria uma reclamação minha.
No entanto, era outra coisa sobre a qual eu precisaria me encontrar com
Nyfain. Ficar longe dele não parecia tão viável.
Depois de uma respiração profunda, prestei atenção em Hadriel listando
outros passatempos em potencial.
— Tricô? — perguntou ele. Balancei a cabeça. — Que tal fazer panelas
de barro?
— Que tal arco e flecha? Ou espadas. Lutas em geral?
— Qualquer um bom nisso foi morto. Óbvio. Amor, não ouviu nada do
que eu disse? Eles foram os primeiros a morrer.
— Caça? Todos precisam comer, certo?
— O mestre cuida da caça. Mas… talvez? Vou mencionar isso. E que
tal… — Ele nos levou um pouco mais adiante.
— E se olharmos a biblioteca? Não vou levar nada.
Ele fez beicinho.
— Não desta vez, sinto muito. Não é divertido irritá-lo. Mas em breve,
prometo. Vou mencionar seu desejo. Ele adora aqueles livros. Ele vai
arranjar tempo para outro entusiasta, garanto. — Ele entrelaçou o braço no
meu e apontou para a direita. — Que tal dançar ou cantar? Quer aprender
um instrumento musical?
— Parece que eu deveria estar fazendo algo mais útil do que aulas.
Ele recuou, com a testa franzida.
— Talvez não diga coisas assim. Ah, Deusa nos salve, como vamos
impedir os demônios de nos fazer ter um acidente letal? Percebeu que eu
disse nos? Sim, porque vou acabar perecendo com você.
Fogo atravessou meu sangue e meus dedos formigaram, meu animal
deixando bem claro sua opinião sobre demônios tentando nos matar.
Concordei de todo coração.
— E isso, sim.
Ele tocou o peito ao balançar a cabeça.
— Você não costuma sentir seu animal?
Ele colocou a mão na minha boca.
— Não — sussurrou ele, ficando mais perto. — Droga, eu sabia que
você não sabia muito, mas não me disseram que não sabia nada. Ainda
estamos todos suprimidos. Todos menos o mestre. Ele pode ocasionalmente
puxar nossos animais para a superfície com seu poder, mas é raro, e logo
eles voltam a ser suprimidos. Não sei bem porquê. Não faço ideia como
você está fazendo isso. Seja lá o que tem escondido, é poderoso, e ela nunca
chegou a fazer sua estreia como outros animais. Ela deve estar frustrada,
inquieta e ansiosa para sair, né? Ela está enlouquecendo você?
Engoli em seco e assenti.
Ele olhou para trás. Vendo que ninguém estava lá, e continuou a
sussurrar:
— Quando você libera seu poder, posso senti-la à espreita. A
combinação
Seus olhos se abriram, e o medo vazou para eles. Ele estendeu a mão até
a garganta, unhas marcando sua pele.
O alarme tocou em mim. Eu o alcancei, agarrando seus ombros enquanto
ele recuava para a parede. Meu animal lutou para sair. O rosto de Hadriel
ficou vermelho, e ele abriu e fechou a boca como um peixe. Nenhum ar
podia sair. Ele deve ter ativado a mordaça mágica!
— Respire — eu disse aterrorizada. Eu tinha cerca de cinco minutos até
que seu cérebro sofresse. Precisava agir rápido. — Respire!
Senti a garganta dele, imaginando se poderia cortar um buraco e forçar o
ar assim. A mordaça mágica cobriria do queixo ao peito?
Provavelmente.
Everlass?
Minha mente passou por todas as possibilidades enquanto meu animal
me queimava. Ela empurrou para assumir o controle, para cima e pela
minha cintura até que ela estava batendo nas minhas pernas e braços.
Quando a preocupação e o pânico me consumiram, perdi o domínio sobre
ela.
Ela preencheu meu corpo como uma pessoa colocando uma roupa de
látex. O poder rugiu pelo mim e meus sentidos melhoraram, os aromas e
sons que eu estava processando eram tão complexos que eu não conseguia
compreendê-los. Mas ela conseguia.
Era como se eu fosse uma passageira do meu próprio corpo, mas em vez
de apagar como antes de esfaquear Nyfain, eu podia ver tudo o que
acontecia.
Ela pegou Hadriel como se ele não pesasse nada, o colocou sobre nossos
ombros e foi correndo pelo corredor, e depois desceu algumas escadas. Ela
parou em vez de continuar pela porta que tínhamos usado para entrar.
Inalando, processando aqueles cheiros complexos, virou à esquerda e
começou a correr.
Uma mulher que estivera caminhando em nossa direção parou confusa.
— Cuide da sua vida, Florence! — rugiu meu animal quando passamos.
A mulher, que não devia se chamar Florence porque eu nunca a tinha
visto antes, se contraiu como se tivesse sido esbofeteada. Ela tropeçou e
caiu de bunda enquanto corríamos.
Florence?, pensei.
Hadriel disse que essas pessoas eram simples.
Tentei arregalar os olhos, mas eles não eram só meus agora, e ela tinha
mais controle do que eu.
Você pode falar comigo?, pensei. Ele não disse que eram simples; ele
disse que faziam um trabalho medíocre.
Se ela é ou não simples, agora ela está confusa. Se tivermos sorte ela vai
esquecer tudo. Tenho a sensação de que somos uma raridade neste lugar e
precisamos ser discretas. Você está fazendo um péssimo trabalho até agora.
Ótimo trabalho.
Ela parecia comigo, só mais mal-humorada. Eu duvidava que minha
personalidade precisava de mais temperamento, mas aqui estávamos.
Entramos em um pequeno salão ao lado de um pequeno covil, o teto
baixo e as paredes apertadas. O salão dos criados, talvez. Do outro lado, ela
chutou uma porta de madeira para o lado de fora.
Como você sabia…
Cheiro, interrompeu ela. Você precisa me dar mais espaço para que
possa acessar meu poder. Aquele alfa delicioso está me deixando sair da
minha gaiola. Use isso até que possamos abusar.
Sim, exceto que você sem dúvida quer transar com ele. E de jeito
nenhum. Ele não é um cara legal.
Foda-se caras legais. Tenho uma necessidade sombria e condenatória
por aquele alfa. Quero dar um mergulho, envolver minhas pernas em sua
cabeça e alimentá-lo à força com minha buceta. Esta garota precisa de
pau. Uma rapidinha.
Pela Deusa. Que tipo de criatura eu tinha dentro de mim?
Corremos pela grama amortecida e demos a volta no castelo. Hadriel
chutava e se contorcia no nosso ombro, tentando respirar. Ela inalou e
mudou de direção, correndo mais rápido do que eu jamais me movi na
minha vida. Num piscar de olhos, ela correu para a Floresta Proibida,
escolhendo nossos passos com cuidado. Galhos crepitavam e galhos
chicoteavam atrás de nós. O lado de um pé pisou em uma pedra, e eu subi e
ajustei nosso peso para que pudéssemos cair rolando. Caso contrário, teria
resultado em uma torção. Eu era uma profissional em ajustar passos
errados.
Você nos manteve em ótima forma, pensou ela. Nosso corpo tem ótimo
tônus e destreza. Bom trabalho.
Meio que precisei. Javali selvagem teria sido a minha morte de outra
forma. Filhos da mãe.
Ela seguiu a trilha de algum animal e virou à direita, aumentando a
velocidade. Peguei o cheiro delicioso de Nyfain, o efeito vibrando pela
minha pessoa.
Delícia, ronronou ela.
Sou sua prisioneira. Ele é o inimigo.
Isso só o torna mais gostoso.
Eu estava muito irritada que não podia revirar os olhos.
Nós rompemos uma parede de arbustos espinhosos, arranhando nossa
pele. Ela rosnou em desafio.
É um arbusto. Não desafie um arbusto.
Você pode segurar um facão, não pode? Não será um arbusto por muito
tempo.
Mais uma vez, seria realmente útil para o meu bem-estar geral se eu
pudesse revirar os olhos.
Nyfain estava inclinado em outro pequeno campo de everlass, sem roupa
após ter se transformado, tocando uma planta de leve antes de passar para a
próxima. Ele arrancou algumas folhas mortas e verificou o solo antes de
tocar nesta planta também. Sempre fui rotulada de estranha pelo quanto
babava as plantas. Comparada a ele, eu não era nada. Eu queria parar e
assistir, absorver a visão, mas Hadriel murchou em nosso ombro, cedendo à
escuridão.
Rápido, pensei, cobrindo a distância entre o arbusto e o campo everlass
em alguns passos rápidos. Nyfain não tinha olhado para nosso lado. Por que
ele não nos ouve? Ou sente nosso cheiro?
Ele está perdido em pensamentos e não tem nada a temer aqui. Ele é o
predador.
Eu me perguntava quais eram esses pensamentos, fazendo com que ele
agisse com tanta gentileza e calma quando na maioria das vezes era áspero
e mal-humorado. Mas rapidamente mudei minha atenção quando colocamos
Hadriel com cuidado no chão, seus lábios ficando azuis.
Em um piscar de olhos era eu mesma outra vez, meu animal se
esgueirando de volta para que eu pudesse assumir o controle.
— Nyfain! — gritei.
Sua cabeça se ergueu. Ele se levantou apressado, folhas murchas caindo
de suas mãos. Em um piscar de olhos, ele escolheu seu caminho para nós.
— Acho que é a mordaça mágica — eu disse, enquanto ele se agachava
ao nosso lado. — Meu animal assumiu. Ela nos trouxe para você.
Ele me estudou por um segundo, e foi difícil respirar com aquele olhar
dourado inteligente.
Ele concordou.
— Solte ela. Apenas o suficiente para que você possa manter o controle.
Respirei fundo e fiz o que ele disse, pronta para o ataque de luxúria
quando ela emergisse. Mas ele não veio. O fogo, que eu tinha percebido que
era o poder dela, fluiu no meu sangue, mas seu foco era apenas em Hadriel.
Olhamos para Nyfain, precisando de direção, e pela primeira vez pude
sentir a besta dele. Necessidade bruta, desejo desesperado e algo tão forte
que eu não conseguia definir…
O mundo girou. Tudo dentro de mim se apertou. Senti minha presença
sendo empurrada, mas só demorou um pouco para eu voltar a mim mesma.
— Trabalhe comigo — disse Nyfain urgentemente, estendendo a mão.
Observei quando a seguramos, a minha tão delicada em comparação. Ele
colocou a outra mão em Hadriel, que tinha ficado parado.
O medo e a tristeza ricochetearam em mim.
— Por favor — eu disse a ninguém em particular. — É tudo culpa
minha. Por favor, ele precisa viver.
Eu girei, olhando para a everlass.
Nyfain usou nossas mãos unidas para me puxar de volta. Ele se inclinou
mais, seus olhos reivindicando meu foco.
— Você tem usado um pouco de seu poder toda a sua vida sem saber.
Você pode curar. Você é vida. Você não precisa da planta agora. Você só
precisa de mim para ter força. Afaste-o da magia dos demônios. Pense no
que sua alma quer e faça acontecer. Tire de mim, Finley. Me use. Eu sou
seu.
Afaste-o da magia dos demônios.
O pensamento ecoou na minha cabeça. Meu animal empurrou o poder
em mim.
Juntas nos concentramos em Hadriel e nosso poder continuou a crescer,
puxando das minhas raízes, fervilhante e turbulenta.
— Agora — ordenou Nyfain.
Pela primeira vez, não recuei.
Eu me afundei no pensamento: Respire. Por favor, Hadriel, respire!
Um choque de poder reverberou dentro de mim antes de explodir. Eu
podia sentir o poder de Nyfain girando e se fundindo com o meu, tornando
uma onda de força que roubou meu fôlego. Então, para minha surpresa,
girou e bateu no meu corpo. Quase recuei com a potência. Minha visão
vacilou e meu animal rugiu, curvando-se e pulando dentro de mim. Minha
pele se arrepiou e o fogo rolou nela. Minha pele parecia formigar, de
alguma forma. Como se estivesse muito apertada. Eu precisava a descartar.
— Calma — ordenou Nyfain, sua voz áspera tomando conta de mim
confortavelmente. — Fique calma. Use o poder, mas não para se
transformar. Você não pode se transformar com a maldição em vigor. Não
vou deixar que isso a desfigure como fez comigo. Apenas se acomode com
o poder. Empurre qualquer coisa que não possa lidar para mim. Me use,
Finley.
A tempestade furiosa dentro de mim se debateu. Minha visão tinha pontos
pretos, e eu fiz o que ele disse, encostando-me nele enquanto tentava
empurrar um pouco do poder para longe. A neblina clareou um pouco, mas
não acalmou o inferno furioso.
— Essa é a minha garota — murmurou ele, sua voz parecendo cantarolar
dentro de mim. — Assim mesmo. Segure.
Choraminguei sob a tensão quando seu braço envolveu meus ombros e
me puxou com força. Seu calor acariciou minha pele e depois se
estabeleceu profundo e baixo. Palpitante. A eletricidade zumbiu no nosso
toque.
Sua cabeça caiu um pouco, e eu jurei que ouvi o mais suave dos
gemidos, como um suspiro decadente.
— Use sua vontade de novo — sussurrou ele na concha do meu ouvido.
— Use sua vontade para afastá-lo da magia demoníaca.
Fechei os olhos, sentindo meu animal se aquecer no brilho do nosso poder
combinado. Arrepios correram até minha pele e meu couro cabeludo. Mais
uma vez, eu fiz o que ele disse, agarrando-o e tomando um pouco mais de
poder, o inchaço esticando minha pele de forma desagradável. Furioso ao
ponto de destruição.
Respire, Hadriel, pensei, minhas pálpebras tremulando.
Meu poder se envolveu em algo liso e oleoso, como um brilho sobre o
lixo. Eu arranhei ele, selvagem e crua. Arranquei a coisa.
Hadriel sugou ar, convulsionando para cima. Ele agarrou o chão, seus
dedos cavando na terra como garras. Ele tossiu e se inclinou, caindo de lado.
— Hadriel? — Eu fui em sua direção, mas o aperto de Nyfain me
manteve imóvel. Aqueles dedos fortes e marcados agarraram meu queixo e
ele puxou meu rosto para ele.
Ele procurou nas minhas feições por um momento antes de cair nos
meus olhos. Parecia que ele estava procurando por algo. Uma resposta para
alguma pergunta. Sua testa franziu, e, de repente, ele me libertou e ficou
parado.
O movimento inesperado me fez tombar para a frente, caindo em minhas
mãos.
— Limpe-o, e então vamos embora — vociferou Nyfain, caminhando
para direita e para trás das árvores.
Até agora suas mudanças de humor e comportamento idiota não eram
novos ou surpreendentes. O cara levou taciturno a um nível totalmente
novo.
Trêmula por causa do poder, que agora estava se dissipando bem rápido,
eu me inclinei para Hadriel.
— Você está bem?
Agarrei o braço dele.
Ele tossiu de novo, enrolado na posição fetal. O peito dele subia e descia.
— Vocês salvaram minha vida — falou ele, com dificuldade, segurando
sua garganta. — Essa foi por pouco.
— Por pouco mesmo.
Esperei até que ele estivesse pronto e depois o ajudei a levantar.
Ele respirou fundo.
— Porra, achei que ia morrer. Quando você começou a correr comigo
pela floresta pensei que era para esconder meu corpo.
— Meu animal estava no controle.
— Agradeça à Deusa e seus fetiches secretos que você tem acesso a ela e
escolheu ouvir, porque sim. — Ele ficou com a mão pressionada na base da
garganta por muito tempo, olhando para o nada. — Eu não quero comentar
porque não quero passar por isso de novo, mas…
Ele me deu um olhar incisivo e acenou com a cabeça.
Senti um friozinho na barriga, mas não sabia o motivo.
— Você pode me falar sobre a maldição agora — eu disse, gesticulando
para o castelo. — Talvez eu possa ajudar…
— De jeito nenhum. — Ele acenou com as mãos. — Eu nem estava
falando diretamente sobre isso, e fez isso. Poderia ter sido pior se eu tivesse
dito mais. Magia mais forte, talvez. — Ele balançou a cabeça inflexível. —
Eu engasgaria antes que pudesse informar algo importante, e mesmo que
conseguisse… — Ele fez uma pausa, pensando no que diria.
— Mesmo que você conseguisse, não adianta. — Nyfain voltou para a
área, ainda nu.
Tentei não deixar meu olhar vagar pelo seu corpo esculpido e terminar
em seu grande…
Levantei a cabeça para que meu animal não tentasse lutar até a superfície
e pular em cima dele.
— Ela não pode ajudar.
Ele parou alguns passos de distância, carrancudo. Hadriel estudou seus
pés e não comentou.
— Não posso? — perguntei com uma súbita onda de raiva. —
Claramente tenho algum valor. Talvez eu não saiba lutar tão bem quanto
você, mas me disseram que tem uma grande biblioteca. Se me informar o
sistema, posso encontrar algo para me ajudar. Eu sei que poderia. Aprendi
sobre a everlass com os livros, sobre fazer elixires e poções. Posso estar
pronta quando chegar a hora.
Hadriel olhou para cima outra vez com uma testa franzida, inclinando a
cabeça um pouco. Eu não o conhecia bem o suficiente para interpretar a
expressão.
Nyfain fechou a distância e arrebatou meu braço. Ele me puxou para
encará-lo.
— Você pode estar pronta quando chegar a hora, pode? Para o quê?
Sacrificar sua vida e sua felicidade para proteger sua aldeia?
Cerrei os dentes, fazendo uma nota para começar a carregar uma faca
perto dele.
— Claro — eu disse cerrando o maxilar.
— Sacrificar seu futuro? Reduzir-se a nada mais do que uma causa?
— Não são seus criados que são simplórios, você é — eu disse, fechando
os punhos. — Sacrificar meu futuro? Que futuro? Tudo o que temos é a
doença e a morte. Ver nossos entes queridos morrerem horrivelmente ao
nosso redor. Você chama isso de futuro? Claro que me sacrificaria, seu
gorila. Por que acha que saí de casa quando apareceu na sua forma de
besta? Aceitaria qualquer destino para ver meus entes queridos
sobreviverem a isso. Pagaria qualquer preço para dar a Sable e Dash uma
chance de uma vida de verdade, uma vida de verdade na qual poderiam
viajar e ver outros reinos, e se casar por amor.
Ele olhou para mim por muito tempo, dúvida em seus olhos. Mas
também… dor. Tristeza. Arrependimento. Eram velhas assombrações, eu
podia ver isso. O tormento dele não era só por causa da maldição.
— O que aconteceu com você? — perguntei baixinho, incapaz de evitar.
As sobrancelhas dele baixaram.
— Não faz diferença. Nem morto deixarei isso acontecer com você.
— Por que se importa? Pensei que minha vida estava perdida…
Emoções guerrearam em seu rosto. Então ele deu um passo para trás, e
de repente a besta cresceu diante de mim. Seu tamanho e poder
aterrorizaram meus ossos. Eu recuei como Hadriel fez, impulsionada por
um aviso primitivo para fugir.
A besta abriu a boca cheia de dentes grandes. Estremeci e me virei. Eu
não fui longe.
Os dentes fecharam ao meu redor pela segunda vez na minha vida, e
então ele estava me levando correndo de volta para o castelo.
Capítulo 9

ELE ME JOGOU no quarto da torre. Eu caí na cama. Ele ficou parado


ofegante na porta, depois de me carregar para o castelo em sua forma de
besta e me levar pelas escadas em um aperto inabalável.
Agora, de volta ao meu quarto, ele estendeu a mão.
— Me dê a chave.
Eu me levantei, procurando minha faca. Leala deve ter limpado e
colocado em algum lugar.
— Suas armas não vão ajudar agora. — A ameaça fluiu dele em ondas.
Ele pisou bem na minha frente, seu tamanho e poder batendo em mim. —
Me dê a chave, ou eu vou revistá-la e levá-la.
Ignorei o desejo de me acovardar e, em vez disso, eu o enfrentei. Eu não
permitiria que ele visse o efeito que tinha em mim.
— Não se atreva a colocar as mãos em mim.
Seu peito se levantou e desceu, sua respiração acelerando.
— Não tenho tempo para isto. Me dê a chave, princesa.
— Ah. Estamos de volta ao princesa, né? Pouco antes de me trancar na
torre do castelo.
Ele fechou o pouco espaço entre nós. Sua voz retumbou de seu peito
largo, acariciando-me.
— Esta é sua última chance — murmurou ele, seu olhar vagando pelo
meu rosto e se estabelecendo em meus lábios.
Calor ferveu meu sangue num piscar de olhos. Meu núcleo apertou,
medo, luxúria e anseio criando uma mistura confusa.
— Não vou ser trancafiada neste lugar contra a minha vontade —
consegui dizer, desafiadora.
— Você vai fazer o que eu mandar.
Ele se moveu tão rápido que eu nem consegui vacilar. Ele agarrou meus
pulsos e os enfiou nas minhas costas, transferindo ambos para o aperto de
uma de suas mãos grandes. Eu me contorci, tentando me libertar, mas ele
me encostou na cama com seu corpo, sua ereção pressionando na minha
barriga. Sua mão livre passou na minha coxa, procurando no bolso da
minha calça.
Joguei a cabeça para a frente, batendo na sua boca com a testa.
Sua cabeça se afastou, e a mão livre voou para seu rosto. Ele deu um
passo para trás, puxando-me para o lado. Soltei a mão direita do seu aperto
e o soquei. Meu punho se conectou com o nariz dele, mas não tive o
equilíbrio para colocar peso. Ele mal se mexeu com o golpe.
Seus olhos brilharam, e meu íntimo derreteu. Eu acabei de excitá-lo.
Merda.
— Você quer fazer isso da maneira mais difícil? — perguntou ele
naquela voz grossa, muito assustadora e estranhamente erótica.
Para minha surpresa, ele soltou minha mão. Um pequeno sorriso
apareceu em seus lábios. Ele queria que a gente começasse no mesmo nível.
Como se houvesse tal coisa.
O pânico retumbou, e de repente eu estava em modo de sobrevivência,
querendo fugir, meu animal querendo que ele me pegasse.
Fingi que ia para a direita, depois fui para a esquerda querendo correr em
volta dele. Ele deu um passo preguiçoso e estendeu a mão. A mão dele caiu
entre meus seios, e ele me empurrou de volta, lançando-me na cama. Eu caí
de lado com as pernas abertas, uma posição muito ruim sob as
circunstâncias.
Agindo rápido, eu me virei e lutei para sair do outro lado da cama. Eu
precisava da minha faca!
— Minhas roupas ficam bem em você, princesa. Mas vestir nada ficaria
muito melhor.
Eu estava usando as malditas roupas dele? Por que Leala não disse nada?
Eu preferiria usar um saco de batata a desfilar na presença dele no que
devia ser suas roupas de infância.
Um aperto de ferro prendeu meu tornozelo direito. Eu me virei para
chutar, mas ele me puxou em direção a ele.
Seu poder tentador deslizou na minha pele formigando. Meu animal
ronronava com ele me agarrando de forma tão dominante. Minha boceta
estava tão molhada que passou para minha calcinha. Dane-se meu corpo!
Eu não cederia a essa insanidade de luxúria. Eu precisava de lógica agora!
Lutei contra ele, enquanto Nyfain arrastava minhas pernas para fora da
cama e as deixava cair. Elas balançaram até meus joelhos baterem no
colchão. Ele se inclinou para a frente, seu comprimento duro descansando
exatamente onde eu precisava. Onde eu odiava querer tanto que estivesse.
Meu animal lutou e meus quadris recuaram, em seu controle. Arrepios
me cobriram enquanto esfregava seu pau, baixando minha cabeça por um
segundo e fechando os olhos, com foco apenas naquela deliciosa sensação.
Ele rosnou, sua mão livre segurando meu quadril e me mantendo parada
enquanto ele balançava, o glorioso atrito pingando fogo líquido na minha
boceta desesperada.
— Humm, Nyfain, me foda — gemi.
Meus olhos se abriram com a percepção do que eu tinha acabado de
dizer. Não o que meu animal me fez dizer – o que eu tinha dito.
Eu não tinha autopreservação? Minha cabeça tinha dado curto-circuito.
— Não foi isso o que eu quis dizer. Eu quis dizer, pegue o que quer e vá
— eu disse, lutando contra meu animal outra vez. Lutando contra mim
mesma. Lutando contra a gloriosa sensação de seu peso em cima de mim,
empurrando-me para o colchão. Os picos duros dos meus mamilos se
esfregando no tecido enquanto eu me contorcia, meus olhos tremulavam
enquanto nos esfregávamos um no outro.
— Pegar o que eu quero? — Ele estendeu a mão para minha barriga e
depois para a pélvis. Ele mergulhou mais baixo e dois dedos escorregaram
no meu clitóris excitado.
Evitei soltar um gemido. A sensação de sua besta rolou por mim,
dominante e possessiva. Era quase como se o dragão estivesse no controle.
Um momento depois, o poder se seguiu, transferindo força para mim. O
homem estava me dando a habilidade de lutar contra o dragão? Era o que
parecia. Como se Nyfain estivesse lutando contra sua besta, também, e
tentando me ajudar a lutar.
Apenas um pouco mais, ronronou meu animal quando os dedos firmes
dele fizeram círculos nas minhas calças – nas dele! O pau dele deslizou em
mim, os dois trabalhando em conjunto. Meu corpo estava apertando,
balançando com ele.
Eu queria esperar um pouco mais. Deusa me ajude, eu queria que ele me
virasse, rasgasse essas calças e afundasse na minha boceta gananciosa. Meu
corpo estava tão excitado. Minha boceta molhada e ansiosa.
— Não — eu disse para mim mesma, usando aquele poder e me
contorcendo.
Afastei a mão dele e consegui levantar um joelho. Antes que ele pudesse
agarrá-lo e abrir minhas pernas, eu chutei o mais forte que pude, a sola do
meu pé batendo no peito dele. Eu esperava que seus olhos se arregalassem
quando eu o derrubei, mas, em vez disso, um clarão de orgulho penetrou
naquele olhar dourado.
Não tive tempo de me perguntar sobre isso. Eu pulei da cama e o
empurrei, com cuidado para não deixar que suas mãos se agarrassem a
mim. Ele cambaleou de volta para a porta. Peguei a chave do bolso e
estendi.
— Você quer me fazer prisioneira? Tudo bem. Aqui está sua chave.
Ele ficou ofegante por um segundo, seu pau enorme ereto com a ponta
brilhando. Afastei meus olhos do seu pau, e depois daquele peito perfeito,
marcado de suas muitas batalhas. Este homem era impossível, mas ele
estava me afetando de maneiras instintivas. Não era justo. Sempre pensei
que conseguiria encontrar um cara legal que amenizasse minha loucura.
Este filho da mãe só piorou as coisas.
— Mas me diga uma coisa, por que eu? — perguntei. — Por que me
levar para a prisão e ninguém mais? O que eu fiz que estava tão errado?
Ele se inclinou para a frente, furtivo como um predador. Meu corpo
estremeceu sob seu olhar. Ele tirou a chave dos meus dedos.
— Talvez um dia eu diga. Vou mandar Leala subir, preparar um banho e
trazer comida. Descanse um pouco. Serei sua escolta quando for a hora de
colher.
Ele fechou a porta. A chave virou, trancando-me. Metal tilintou, e eu
sabia que ele estava levando a chave com ele desta vez.
Chateada, frustrada e irritada, andei pelo quarto e espalhei as mãos no
parapeito da janela. Aquele jardim crescido e meio morto esperava lá
embaixo, roseiras se estendendo por todos os lados, sem uma flor para me
animar.
Ele disse que eu poderia escolher um jardim e trazê-lo de volta à vida
para minhas ervas. Escolheria aquele para que quando estivesse trancada
aqui, pelo menos tivesse algo para olhar. Por enquanto, tirei as roupas que
não eram minhas e coloquei um pedaço de tecido que tinha sido deixado na
beira da minha cama. Era provável que fosse para dormir, mas serviria até
eu ter outra coisa. De jeito nenhum eu ia experimentar aqueles vestidos de
cobertura de bolo. Provavelmente eram de uma ex-namorada dele. Ou
talvez ele gostava de vestidos também; era impossível dizer. Só sabia que
eles não eram meus, e eu não ia mais fazer papel de tola.

⁎⁎⁎

MAIS TARDE NAQUELA noite, depois de um banho relaxante,


refeição e cama, a onda de desejo percorreu meu corpo. Os dedos de Nyfain
enrolados em meus tornozelos, a memória se transformando em um sonho.
Gemi enquanto suas mãos grandes se espalhavam e tocavam a parte interna
das minhas pernas, pegando e abrindo meus joelhos.
Eu estava deitada de costas na cama enquanto o luar absorvia a
escuridão. O tecido envolto em mim, leve e macio na minha pele febril. As
cobertas tinham sido afastadas, e Nyfain se sentava entre minhas coxas, nu
e lindo apesar de suas cicatrizes. Parecia perfeito, como se isso estivesse
realmente acontecendo. Como se eu tivesse acordado suavemente sem
perceber.
Ele subiu as mãos, suspendendo minha camisola. Seu toque queimou o
interior das minhas pernas. Arqueei para trás, espalhando-me para ele, desejo
me encharcando.
— Quer que eu foda você, garota bonita?
Sua voz estava diferente, não áspera com poder, confiança e dor que eu
estava acostumada. Agora era sedosa e sensual, enrolando meu desejo ainda
mais.
— Quer que eu enfie meu pau duro em suas profundezas molhadas?
— Humm, sim — sussurrei.
Seu toque deslizou pelas minhas coxas, e ele se inclinou para a frente.
Sua língua deslizou nas minhas dobras molhadas antes de chegar ao topo e
me provocar. Ele chupou meu clitóris e o prazer me fez revirar os olhos.
Passei meus dedos pelo cabelo bagunçado, agarrando e puxando um pouco.
Ele chupou e lambeu, mergulhando dois dedos em mim e os curvando para
cima.
Eu gemi e me contorci embaixo dele.
Ele pressionou mais e me lambeu com ânsia, estabelecendo um ritmo
rápido. Eu girava meus quadris em sua boca, passando as mãos na minha
camisola e nos meus mamilos duros.
Ele continuou, mais rápido, empurrando-me para o limite. E me fodendo
com os dedos.
Duas mãos na cabeça dele agora, meus dedos emaranhados no cabelo
dele, eu me movi para ele, fodendo seu rosto, precisando de um pouco mais
para que eu pudesse chegar ao clímax.
Ele parou, movendo-se para beijar mais acima do meu corpo. Chupando
minha pele. Mas ainda parecia que ele estava chupando meu clitóris,
batendo os dedos na minha boceta com despreocupação imprudente.
— Me foda, Nyfain — implorei, arrastando-o até meu corpo,
contorcendo-me com aquele toque fantasmagórico. — Por favor, Nyfain.
Preciso de você.
— Pegue o que precisa — sussurrou ele, e desta vez sua voz áspera
ecoou em minha mente como uma memória. — Me use.
Ele chegou à minha boca e me beijou dominantemente. Ele roubou meu
fôlego com seu beijo bruto. E então ele me penetrou, enchendo-me ao ponto
de estourar. Eu gritei, dor, prazer e desejo, e sem arrependimento. Segurei
os ombros dele e enrolei minhas pernas na sua cintura, querendo ser levada
a força. Querendo que ele carimbasse sua marca em mim e me reivindicasse
como um alfa deveria.
— Você quer minha língua bifurcada entre aqueles lábios encharcados,
garota bonita?
As palavras pareciam erradas. O tom.
Nyfain recuou, olhando para mim. Mas os olhos não estavam certos. Os
belos pôr do sol se foram, substituídos por olhos amarelos brilhantes com
pequenas fendas pretas. Chifres se enrolavam de sua cabeça, mas não eram
o mesmo que da sua besta.
Arquejei e despertei, sentada na cama. A luz do luar fluía pelas janelas,
mas Nyfain não estava à vista. Minha camisola, que Leala tinha me dado
após o banho, não estava mexida, e o cobertor ainda me cobria até o peito.
Um sonho. Tudo tinha sido um sonho. Mas ainda senti o prazer me tocar.
A estocada dentro do meu corpo.
Pareceu errado. Pareceu uma violação. Um íncubo, deve ser, mas um mais
poderoso do que eu já senti. Normalmente eles só faziam você querer foder,
mas este agiu como se estivesse fodendo com mãos invisíveis.
Minhas entranhas contorceram com nojo. Empurrei meus joelhos para
bloquear a sensação. Não me excitou. Fez eu me sentir mal.
Ajuda, pedi para meu animal, abrindo caminho.
Ela me encheu de fogo e raiva. Que tipo de merda imunda temos aqui?
pensou ela quando assumiu o controle.
Deixei que assumisse sem reclamar. Eu não tinha como lidar com algo
assim. Meu cérebro recuou do pensamento do que estava acontecendo. Eu
poderia lutar, mas isso era uma coisa muito diferente.
Ela cheirou o ar enquanto empurrava as cobertas, e lentamente saímos da
cama.
— Tenho seu cheiro agora, seu merda imundo — disse ela com uma voz
que eu não sabia que poderia fazer. Um tipo de voz áspera cheia de
confiança e perigo. Uma voz prometendo a morte. Gostei bastante.
Paramos ao lado da porta e procuramos a chave, caso tivesse aparecido
por mágica.
Sem sorte, pensou ela. Eu pensei o contrário. Eu tinha me irritado com
Nyfain pegando a chave mais cedo, e ordenando Leala para levá-la de volta
para ele quando terminasse de me ajudar com o banho, mas agora eu estava
grata. Se aquela coisa tivesse entrado, teria tentado pegar o que queria, e eu
não tinha ideia se podia lutar.
— Venha para mim, dama bonita, e me deixe lamber aquela deliciosa…
A criatura parou de falar logo antes de um alto tum sacudir a porta.
Pegamos o cheiro familiar de pinheiro e flor lilás com uma pitada de
madressilva em um dia de verão. Nyfain.
O tum veio outra vez, sacudindo a madeira na moldura. Uma terceira vez,
algo sendo batido na parede. Um lamento alto que de repente foi cortado
antes de silêncio intenso preencher o espaço fora da porta.
Metal tilintou no buraco da fechadura e a trava estalou. Dei um passo
para trás quando a porta se abriu, revelando Nyfain em uma camiseta azul e
jeans apertados e rasgados.
Todos meus instintos disseram para correr até ele e me enfiar em seu
abraço seguro. Eu me segurei com tudo o que eu tinha.
— O que foi… — Eu vi um vislumbre deitado atrás dele. Um cara de
aparência humana, nu, da minha idade e muito bonito. Sua cabeça tinha
sido esmagada e estava inclinada em um ângulo não natural. Um ombro
parecia deslocado e três dedos estavam sem dúvida quebrados. Nyfain tinha
feito algum dano. O que obviamente incluía a morte.
— Era um dos tipos mais poderosos de íncubos do reino demoníaco —
disse Nyfain em voz alta. — Eles se alimentam de luxúria e vergonha. Há
três neste castelo – dois agora, projetados para lentamente levar a equipe à
autodestruição.
Ele capturou meu queixo e analisou meu rosto. Suas narinas inflaram.
— Excitou você. — Soou como uma acusação.
— Eu estava dormindo quando sua magia me atingiu. Tornou meu sonho
erótico, mas pareceu errado, e eu acordei. Um idiota me trancou na torre
antes que eu pudesse fazer a poção para bloquear esse tipo de coisa.
Embora ache que vou precisar deixá-la muito mais forte para lidar com
íncubos mais poderosos. Esse foi… nojento.
Estremeci.
— Que idiota — murmurou ele, tão baixinho que olhei para ele por um
segundo para ver se eu tinha imaginado. — Vista uma roupa. É hora de ir.
Olhei para baixo para a camisola.
— Não tenho roupas. Isso também estava na lista de coisas para fazer
antes que o idiota me trancasse na torre.
— O mesmo idiota, não foi? — Ele ergueu a sobrancelha antes de passar
por mim. Desde quando ele tinha senso de humor?
Ele olhou para a cama enquanto caminhava em torno dela, seus
movimentos rígidos. Sem uma palavra, ele abriu a cômoda.
— Não. Não vou usar mais roupas suas.
— Duvido que queira andar por este castelo à noite sem roupas. Neste
momento, isso é visto como um convite. Tem sido assim por… pelo menos
uma década, acho. As pessoas vão tocar sem pedir permissão e serei
forçado a matá-las.
Meu animal tremeu de prazer, respondendo ao que era obviamente o alfa
nele. Eu fiz caretas em aborrecimento para os dois.
— Vou usar a camisola.
— Essa camisola é quase transparente, e mesmo que ame a vista, todo
mundo também vai gostar. Voltaríamos ao cenário… eu matando todos. Não
quero perder mais pessoal, e matar vários demônios resultará em uma visita
do rei demônio. Ninguém quer isso, muito menos você. — Ele continuou
remexendo nas gavetas. Parecia que ele estava procurando algo em
particular. — Não se preocupe, faz muito tempo que não uso nada disso.
Meus germes já se foram há muito tempo.
Minha carranca desta vez competiu com um sorriso promissor. Sua
mudança de personalidade, por menor que fosse, estava o tornando mais
agradável. Isso era péssimo. Eu já estava tendo dificuldades para manter a
raiva em vez de desejo.
— Aqui. — Ele tirou algumas calças de couro e uma camisa preta. —
Onde está sua faixa? Eu vou protegê-la de todos os outros, mas você vai
precisar se proteger de nossos animais. A faixa faz com que leve mais
tempo para ele colocar nossa boca em seus seios perfeitos.
O arrepio do meu animal coincidiu com o meu desta vez.
— Por que sou sempre eu que preciso controlar meu animal? — Abri o
guarda-roupa e puxei a faixa de tecido. — Onde está sua responsabilidade
em tudo isso?
— Essa é uma boa pergunta. — Ele me viu parar, não querendo tirar
minha camisola na frente dele. Ele virou as costas e olhou pela janela. —
Geralmente há uma divisão muito uniforme com nossos animais. Meu
animal controla a besta na maior parte, comigo observando, e eu controlo
este corpo. Nossa conexão é aberta o suficiente para que eu tenha acesso às
suas capacidades primitivas, e ele tenha acesso à minha lógica e raciocínio
dedutivo. Mas com você…
Lutei para entrelaçar a faixa na parte de trás. Esta era diferente do tipo
que eu sempre usei, melhor qualidade e mais seguro, mas também projetado
para outra pessoa ajudar a aplicá-la. Leala tinha me auxiliado antes.
— Eu não consigo… preciso de ajuda. Segurei o tecido quando ele olhou
para trás.
Ele respirou fundo antes de vir.
— Vire-se.
Eu fiquei de costas. Ele continuou falando enquanto trabalhava no fecho.
Seus dedos escovaram minha pele de leve, suavemente, como se estivesse
trabalhando com a everlass. Arrepios se espalham pela minha pele.
— Ele deseja reivindicá-la.
Estremeci de novo, droga, lembrando do meu sonho desta vez.
Lembrando dele se movendo dentro de mim.
— De jeito nenhum — eu disse rápido, afastando as memórias. Mas a
súbita umidade entre minhas coxas não pôde ser evitada. — Você já me
sequestrou sem explicação adequada, me jogou de um lado para o outro,
falou um monte de merda... eu prefiro não usar algemas de um alfa por
cima de tudo isso.
— Sei disso. Acredite em mim. Embora ele tenha acesso à lógica, neste
caso ele claramente não a está usando. Ele não se importa que você seja
plebeia, por exemplo. Que sua família não tem um tostão, e que sua aldeia é
pobre e inútil. Ele não se importa que um nobre da minha posição nunca se
rebaixaria com uma mulher como você. Ele só quer que eu foda você tão
bem que nunca seja usada por outro homem. Ele quer nossa reivindicação
sobre você. Ele odeia que você esteja resistindo. Que eu estou. Ele sente o
seu animal tentando chegar até ele, então tem tomado o controle. É uma
batalha toda vez, e quando sua besta ganha, ele ganha. Nossos animais estão
se alimentando um do outro, e é muito poderoso para eu parar a menos que
você me ajude. O que você não está fazendo. Está estragando tudo.
O Taciturno Arrogante estava de volta. Um rosnado a cada palavra. Era
óbvio que ele me culpava por sua falta de controle. Não era assim que
sempre era para uma mulher?
Ele levantou a faixa, sem cuidado, antes de me afastar. Ele voltou a olhar
pela janela, seu bom humor esgotado.
Levantei um dedo e depois ri. Seu retorno a ser um idiota era um pouco
aliviante. Eu conhecia esse cara. Aquele outro cara, com palavras lúdicas,
humor leve, dedos gentis… Aquele cara era intrigante e, por causa disso,
perigoso. Aquele cara tinha o potencial de descongelar minha atitude em
relação a ele. Já que ele era meu carcereiro por razões não especificadas, era
um pensamento preocupante.
— Há tanta coisa errada com esse seu discurso, que é um pouco difícil
de destrinchar. — Passei a camisa preta pela cabeça. Esticou no busto e
depois ficou solta na cintura. — Minha aldeia é quase inútil? Você não me
pediu para recriar um elixir que saiu daquela aldeia? Um elixir que salva
vidas? Acho que sim.
Vesti as calças e subi nas coxas e nos quadris. Foi onde eles pararam.
— Isso não vai caber. Seu eu mais jovem não tinha silhueta.
Ele olhou para trás, seu olhar parando no pedaço de tecido rendado
posando como roupa íntima. Era pequeno, e pelo visto era isso que Leala
gostava nele. Pode ser arrancado com facilidade. Para uma garota tão
educada, ela gostava de aspereza. Ela me deu esse porque ainda não os
tinha usado.
A fome queimou intensamente em seu olhar. Ele ficou tenso, todos os
músculos firmes. Com movimentos rígidos, ele se inclinou para a cômoda.
— Sua besta não quer outros homens me usando? As mulheres só
servem pelas vaginas?
— As mulheres não servem para nada — rosnou ele, mas ele nem sequer
chegou perto de me fazer acreditar nas suas palavras. Ele estava tentando
desviar sua excitação, sua excitação, não de seu animal. Eu sabia porque
meu animal não tinha despertado. Era só ele, e aquele conhecimento tirou a
picada de suas palavras. Eu tinha poder sobre ele. Ele não era intocável.
— E ainda assim você continua voltando — eu disse.
— Depois desta noite, essa é uma situação que espero corrigir.
— Hum.
Ele me deu outra calça de couro. Ele tinha algum outro tipo?
— Quantas vezes isso acontece com você? Seu animal querendo algo
que você não quer?
Ele se virou e me olhou feio, depois atravessou o quarto.
— Se apresse. A noite está sendo desperdiçada.
Então ele me deu as costas e foi para o corredor.
Eu tinha deixado ele nervoso. Interessante. Houve um amor perdido em
algum momento que o rejeitou? Algo certamente aconteceu para deixá-lo
assim.
Essas calças terminavam nas minhas canelas, mas cabiam em todos os
outros lugares, exceto pelo espaço extra para o pau. Depois de colocar
sapatos e lembrar de colocar o canivete em um dos bolsos grandes, amarrei
meu cabelo e o encontrei no corredor. O demônio tinha mudado de um
homem muito bonito para uma forma humanoide horrível coberta de
escamas verdes lisas. Tinha um rosto serpentino, chifres torcidos e mãos
que terminavam em garras.
— O glamour acaba quando eles morrem — explicou Nyfain, com o
lábio repuxado de nojo.
— O glamour… Quer dizer que ele não se transforma em homem? Ele é
sempre assim, nós apenas não conseguimos ver?
— Sim. — Ele me pegou pelo braço e me afastou do demônio morto. —
Se uma pessoa está em seu juízo perfeito, vai sentir a diferença. — Ele nos
levou escada abaixo. — Os demônios que se alimentam da luxúria e da dor
têm pênis farpados, ou farpas em suas vaginas. Eles coagem suas vítimas e
se alimentam do resultado.
Coloquei a mão no peito, revoltada. Eu não tinha ouvido falar de
demônios assim. Fiquei feliz por isso. Teria me dado pesadelos.
Acho que já tinha.
— Há muitos tipos diferentes de demônios — continuou ele quando
chegamos no próximo conjunto de escadas. — Mas o rei demônio levou a
maioria dos tipos mais terríveis para a guerra para defender seu reino. Eles
fizeram o seu trabalho de nos diluir, nos tornando vulneráveis a ataques. Se
conseguirmos escapar dessa maldição, ele pode nos dominar sem
problemas. Não seríamos capazes de lutar contra ele. Estamos acabados,
estamos apenas esperando a marcha fúnebre.
Eu me livrei do aperto dele quando atingimos o patamar no segundo
andar. Ele esticou a mão de novo, mas parou quando percebeu que eu não
planejava fugir. Olhei para cima e encontrei seus olhos turbulentos, raiva,
frustração, arrependimento e, acima de tudo, tristeza nadando em suas
profundezas.
Eu mantive minha voz um sussurro, para apenas seus ouvidos.
— Não se atreva a desistir da esperança neste lugar. Não vou ficar
parada assistindo enquanto minha família e todos que conheço morrem
porque você desistiu. Você é a única esperança que nos resta. Eu não me
importo se você voa ou corre, você é poderoso. Você precisa manter a fé e
ser paciente. Há um caminho. Eu acho que você é um idiota, e eu prefiro
socá-lo em vez de falar com você, mas vou lutar ao seu lado até o fim para
arrancar este lugar das mãos dos demônios. Faça seu trabalho e lidere seu
povo. Você é a fortaleza deles. Você não pode perder a esperança,
entendeu?
Seu corpo ficou tenso enquanto ele olhava para mim, emoções piscando
em seus olhos tão rápido que eu não conseguia ter uma imagem clara do
que ele estava pensando. A energia estalou entre nós, e seu poder deslizou
pela minha pele, desesperadamente sexy. Mas eu me segurei firme. Eu não
seria impedida de entregar esta mensagem.
Ele se inclinou um pouco para a frente, mas depois parou, e eu não sabia
se ele queria me beijar ou me bater. Eu me preparei para me esquivar
também.
Em vez disso, ouvi uma voz sedosa dizer:
— Olá, Nyfain.
Nyfain explodiu em ação, colocando-me atrás dele enquanto se virava e
me empurrava para as costas dele. Eu quase saí de trás dele – não precisava
de um escudo –, mas pensei melhor. Eu deveria ser fraca, ou pelo menos
medíocre. Uma metamorfa prestes a morrer. Não seria bom afirmar a minha
independência e ser morta pela minha coragem.
— O que você quer? — rosnou Nyfain.
O menor sussurro de movimento foi o único som enquanto o demônio
nos rodeava. Nyfain se virou enquanto ele se movia, ficando na minha
frente. Mesmo assim, tive um vislumbre. Elegante e bonito, muito parecido
com o homem lá de cima. Cabelos escuros, longos e esvoaçantes caíam em
cascata nos ombros dele. Seu nariz pontiagudo terminava perto de lábios
grandes, como travesseiros presos a um rosto, sem forma real. Seus longos
dedos terminavam em unhas bem cuidadas, e um manto de seda adornava
seu corpo magro.
A magia dele me fez cócegas, um tipo indecente de sexy, deslizando por
baixo da minha roupa e por minha pele nua. Respirei fundo e agarrei a
camisa de Nyfain. Seu corpo ficou fluido, como um lutador se preparando
para a batalha.
— O que temos aqui? — O demônio se moveu até conseguir ver por
cima do braço de Nyfain, observando-me. Ele olhou para baixo, sem
conseguir ver a minha metade superior, mas claramente absorvendo as
calças de couro e as botas. — Ah, sim, ouvi falar dela. Você a trouxe ontem
à noite, certo?
— Ela estava roubando destas terras. Fui eu quem a pegou, então, por
direito, ela pertence a mim.
O sorriso oleoso do demônio mostrou dentes manchados, como se ele
tivesse bebido muito vinho ou se alimentado de sangue.
— Sim, isso faz parte do acordo. E em vez de matá-la, como sempre fez,
a trouxe para cá. Eu me pergunto por quê. Você prefere mulheres simples e
dispostas, não é?
Nyfain não comentou.
O demônio riu.
— Eu poderia jurar que sim. Mas se fosse esse o caso, não teria roubado
uma dama tão bela da própria aldeia e a confinado ao castelo. Estava
carregando-a, creio eu, certo? E mais cedo, quando ela tentou escapar, você
a trancou na torre? — Ele estalou a língua, o olhar ainda em mim. —
Quando puder, venha me ver, garota. Eu posso tirar você daqui.
Calafrios se espalharam no meu corpo e eu quase dei uma resposta. Em
vez disso, eu me afastei mais atrás de Nyfain e enterrei meu rosto no sulco
muscular no meio das costas dele. Eu não tinha certeza de que era a maneira
certa de agir, eu deveria ser uma flor murcha, com medo de demônios, ou
devo agir com medo de Nyfain?
— Se tocá-la, vou matar você — afirmou Nyfain, com a voz uniforme e
confiante. Não era uma ameaça, era uma declaração de fatos. Meus pelos
ficaram em pé.
Olhei em volta de Nyfain outra vez quando o demônio abriu as mãos
com um sorriso malicioso.
— Você está perdendo, Sr. Alpha. Perdeu todo o seu querido povo. Sua
capacidade de proteger qualquer um diminuiu. Logo, aquela garota
perceberá que trocou o corpo por promessas vazias.
Nyfain se encolheu, mas não comentou.
— Quando isso acontecer, ela se voltará para nós — continuou o
demônio. — E quando isso acontecer, podemos garantir a ela segurança de
sua… ira. Ou o que quer que seja que faz com ela.
— Terminou? — perguntou Nyfain, virando-se um pouco e me puxando
para fora de trás dele, ainda mantendo seu corpo protetoramente entre o
demônio e eu.
— Sr. Alpha é tão orgulhoso — disse o demônio com aquele sorriso
oleoso. — Tão delirante. Um dia vou gostar de ver a luz sumir dos seus
olhos. Você está com os dias contados. Você vai morrer, e o seu reino
também.
Capítulo 10

NYFAIN ENVOLVEU UM braço ao meu redor e agarrou meu quadril


possessivamente, mantendo-me perto. Olhei para trás enquanto
continuávamos pelo corredor. O demônio estava no meio do espaço com o
manto aberto, mostrando seu corpo nu sem pelos e brilhante. Tentáculos da
sua magia flutuavam até mim, fazendo minha pele arrepiar.
— Bem, aquele cara era encantador, hein? — eu disse com uma careta.
Nyfain olhou para mim.
— Você não o acha atraente?
Estudei a expressão neutra dele.
— Não sei dizer se você está brincando.
Ele olhou em frente, sem notar as duas pessoas diante de nós – uma
vestida como um tigre, a outra como um coelho – transando entre duas
estátuas de dragão.
— Também não sei dizer se eles estão brincando.
O tigre com a cabeça grande e felpuda estava atrás do coelho cinza
curvado com orelhas flexíveis. O tigre rosnou entre estocadas fazendo o
coelho miar com alegria.
— Som errado para um coelho — disse, horrorizada, quando passamos.
— Isso não vai deixar as fantasias nojentas? Haverá esperma e gozo por
todo o lado.
Ele riu baixinho.
— Faz muito tempo desde que alguém… racional esteve neste castelo
depois de escurecer. Não consigo imaginar o que isso deve parecer para
você.
— Vi muita coisa num dia. Com certeza.
— Duvido que tenha visto muita coisa. Uma vez, entrei em um cômodo
cheio de pessoas fantasiadas assim. Havia tanta pele e movimento que só
fui embora. Uma mulher tentando fazer um boquete por um buraco na
máscara de esquilo… Meu cérebro não entendia. Eu não insisti.
— A magia sexy deles afeta você? Os demônios.
— Se eu deixar.
— Mas você nunca cede?
— Não — rosnou ele. — Nunca.
— Você tem uma vontade forte, então?
— Uma vontade forte e uma grande teimosia.
Chegamos à porta que dava para fora, e ele deu um passo à frente para
abri-la para mim. Ele me guiou, com a mão ainda no meu quadril.
O ar frio da noite me cumprimentou quando saí.
— Para responder à sua pergunta, não, eu não achei aquele demônio
atraente. Espera…
Ele fez uma pausa, a mão serpenteando na minha barriga para me manter
ao seu lado.
— Não, quis dizer espera um pouco, como em parar a conversa. —
Tentei arrancar a mão dele de mim, mas ele a deslizou de volta para meu
quadril. Pelo visto, ele queria manter a farsa possessiva quando em público.
Não faria mal com a força dos demônios vagando por aí. Bufei e
gesticulei para ele.
— Continue caminhando. Estava dizendo ao meu cérebro para esperar.
Você é muito literal.
Ele retomou sua caminhada sem pressa em direção ao campo everlass.
Os suprimentos que eu precisaria rolaram pela minha cabeça. Eu
precisaria pegar algo para transportar as folhas, bem como verificar o lugar
para trabalhar com elas.
— Espera — eu disse.
Ele continuou a andar.
— Não, desta vez… Você pode apenas… — Eu torci e girei para me
afastar dele, depois levantei as mãos. — Onde vou secar a everlass? Precisa
ser feito à noite amanhã, e as folhas devem ser mantidas planas e
molhadas…
— Temos uma grande estação para trabalhar com as plantas — informou
ele, prendendo os polegares nas alças do cinto. — Você terá pelo menos
dois de tudo o que precisa, com espaço suficiente para várias pessoas
trabalharem com você. Se quiser.
Eu olhei ao redor.
— E quem seria?
Era só eu, ou a linguagem corporal dele gritava desconfortável?
— Esperava que me deixasse observá-la. Sei que… temos nossas
diferenças, mas posso ser útil. Além disso, faz muito tempo desde que
trabalhei com alguém experiente. Seria um favor especial para mim. — Ele
fez uma pausa por um momento. — Que eu estaria disposto a fazer uma
troca.
Eu quase dispensei a oferta, apreciando a ideia de ter alguma ajuda, mas
parei.
— Ok, tudo bem, mas é melhor não mudar de ideia, os termos
decidiremos mais tarde. — Pensei na mesma hora em poder falar com
minha família. — E algo para segurar as folhas para colhermos e depois
transportar?
— Está tudo pronto.
Estreitei meus olhos.
— Veremos.
Ele sorriu, mas não disse nada, serpenteando o braço ao meu redor.
Tentei sair de seu aperto, que não se mexeu, e então decidi desistir. Ainda
estávamos perto do castelo. Pode haver um ou mais demônios vigiando,
observando a mais nova presa. Eu.
Voltando à sua outra pergunta, eu disse:
— Aquele demônio deu a impressão de alguém que é atraente. Mas seu
rosto não era muito atraente, então deve ter sido o glamour dele me
afetando, certo?
— Você aprende rápido.
— Quando se trata da minha sobrevivência… ou castidade, sim.
— Você não é casta. Pelo menos, não é virgem — disse ele sem rodeios,
enquanto descíamos as escadas até a grama amortecida. Sua expressão
neutra não demonstrava nada.
— Como você sabe? — perguntei.
— Uma virgem ficaria muito mais nervosa com o que fizemos. Com as
coisas no castelo. Você pode não ser experiente, mas não é virgem. — Ele
suspirou e passou os dedos pelos cabelos. — Mudança de assunto.
Eu sorri maliciosamente, mas não o provoquei. Eu sabia onde isso me
levaria. Parecia que nossas feras estavam felizes em ficar em segundo plano
no momento, e precisávamos mantê-las assim.
— Mas a magia dele me deixou enojada, não excitada. O outro também,
quando percebi o que estava acontecendo.
— Esse é… — Ele desviou o olhar. — Seu animal. Vai lutar contra os
efeitos. Mas não vai anulá-los por completo. Você precisa fazer aquela
poção.
— Escolhi o jardim. Só preciso de tempo fora da minha torre para
começar a trabalhar.
— Você vai ter isso. Amanhã, durante o dia.
Eu não ia discutir com ele sobre isso, não depois dessa noite. Eu seria
um alvo para aquele demônio oleoso, especialmente depois de saber que
Nyfain havia matado o outro, e eu não confiava em mim para manter a farsa
de flor murcha.
— Odiei não poder responder àquele demônio — eu disse, envolvendo a
minha mão em seu antebraço. Eu só precisava de um pouco de
solidariedade. Aquilo foi nojento. Eu tolerava os demônios na aldeia porque
eles não eram piores do que a doença, mas isso… eu não seria boa em
tolerar isso. — Havia tantas coisas que eu poderia ter dito que o teriam
derrubado do seu pedestal.
— Eu podia sentir a sua frustração enquanto você se enterrava nas
minhas costas. — Um sorriso iluminou o rosto dele, transformando-o. —
Mas não há sentido nisso. Eles querem provocar, para conseguir uma reação
das pessoas. Quando souberem o que afeta você, vão continuar insistindo.
Digo muito pouco para eles, se possível. Eu aconselharia a fazer o mesmo.
— Falar é fácil.
Ele riu baixinho. Lá estava ele de novo, o cara que se permitia um pouco
de leviandade. O homem que era muito difícil de resistir.
— O que te deixou de bom humor?
Ele respirou fundo e lentamente esfregou o polegar ao longo do meu
quadril.
— Algumas das minhas melhores lembranças são de trabalhar nos
campos de everlass com minha mãe. Ela adorava jardinar e trabalhar com
plantas, e eu gostava de compartilhar sua paixão. Ela não tinha uma vida
fácil em muitos aspectos, mas quando estava no campo, sorria e ria. Estar
aqui juntos elevava nosso espírito. Era a coisa que fazíamos juntos. A coisa
que ninguém podia tirar de nós. Sinto falta daqueles tempos.
— Devo avisá-lo de que sou uma amadora. Duvido que meus métodos
sejam parecidos com os da sua mãe.
— Você tem paixão pelas plantas. Consigo ouvir na sua voz quando fala
em trabalhar com elas. O método pode ser diferente, mas a alegria é a
mesma. Mal posso esperar para ver como você faz.
— Por que não continuou?
Ele olhou para mim, com o rosto sombrio. Eu não conseguia ver os olhos
dele o suficiente para ler a expressão neles. Nós nos aproximamos do
campo, mas ele ainda não me soltou, só desacelerou o passo.
— Nem todos têm os dons que a minha mãe tinha. Que você parece ter.
Eu sei como cuidar de plantas curadoras, isso é o dever de uma linhagem de
dragão, e conheço algumas poções rudimentares para ajudar a curar feridas.
Eu estaria morto sem isso. Fora disso, sou um novato, na melhor das
hipóteses. Preciso de orientação. O que você fizer estará bem feito. Os
feéricos usam a everlass para dar às suas poções e elixires uma força
incomparável, mas o que você afirma estar fazendo com o elixir
neutralizante soa como o trabalho de um mestre.
— Eu dificilmente sou um mestre. Mesmo assim, você vai aprender que
eu não faço reivindicações infundadas. Vamos lá, vamos começar a
trabalhar.
— Mal posso esperar.
Parecia que ele estava falando sério.
Cavaletes segurando grandes bandejas de madeira com profundidade do
comprimento do meu mindinho haviam sido espalhadas pela borda do
campo. A lua brilhava com toda a sua força e fornecia muita luz. A brisa
noturna agitava as folhas, e um pássaro noturno cantou ao longe.
Sorri e fechei os olhos por um momento, absorvendo tudo.
— Uma moeda por seus pensamentos? — disse Nyfain, calmo.
Estendi as mãos e respirei fundo.
— Eu tenho toda essa everlass para trabalhar, na hora certa da noite, e
não tenho que me preocupar com uma grande besta, ou alguma outra
criatura me matando. Não preciso estar nervosa ou sempre olhando por
cima do ombro. É um sonho realizado.
— Ou seria se não estivesse fazendo isso para anular o pesadelo em que
vive.
— Que maneira de roubar o momento. — Passei os dedos pelo lado de
dentro de uma das bandejas e depois senti o material. — Cedro é melhor
para as bandejas. Esta bandeja é de pinho, se não me engano. É o segundo
melhor.
— Ouvi o oposto.
— O livro também dizia o contrário. Há limites para informações em
segunda mão. Sua mãe disse que o pinheiro era melhor, e por isso aceitou.
A mãe da sua mãe provavelmente disse a mesma coisa. O cara que escreveu
o livro também ouviu. Não tinha motivos para questioná-lo. Se eu não
tivesse usado carvalho antes de ler, que era pior, eu também não teria
pensado em experimentar, mas as diferenças eram fortes o suficiente para
me fazer pensar sobre o impacto de outros tipos de madeira. Através de
tentativa e erro, descobri que o cedro era melhor, sem dúvida. É o mais
indulgente e deixa a folha mais potente.
Ele não comentou, como eu pensei que faria. Era provável que eu
gostaria de discutir se alguém me dissesse que o conhecimento da minha
mãe estava errado. Por outro lado, não era como se eu estivesse dizendo
para trocar as bandejas. Ele claramente se acostumou a deixar os demônios
tagarelarem. Provavelmente era o que ele estava fazendo comigo também.
Fiz uma pausa quando passei os dedos pela parte superior da última
bandeja.
Levantei e a joguei no chão.
— Alguém poliu essa. Isso murchará as folhas com o dobro da
velocidade.
Ele cruzou os braços, ainda me observando. Fiz uma pausa.
— Foi um teste, não foi?
— Sim. Estava no seu livro?
— Não. Aprendi isso da pior maneira possível. Tentei aumentar a
produção uma vez porque uma vizinha estava em seu leito de morte e seu
marido, que geralmente fazia o elixir, foi ferido caçando. Minha mãe
também estava muito doente. Tentei dobrar o lote. Usei a bandeja do
vizinho e quase perdi todas as folhas.
— Você salvou o vizinho?
— Não salvei nenhum deles. Não salvei ninguém. Apenas dei mais
tempo.
— E, no entanto, ainda acha que será capaz de salvar todos.
Seu tom ficou áspero. O Sr. Taciturno Arrogante nunca estava longe.
— Pelo menos estou tentando. Vai ajudar ou não?
— Qual é o seu processo?
— Dado o tamanho dessas bandejas, você terá que seguir atrás de mim,
segurando uma até que esteja cheia.
Ele pegou a primeira sem discutir, e eu comecei a colher folhas – uma
por planta, as maiores e mais saudáveis que vi. No caminho, cuidei de
qualquer poda que ele não tivesse visto, adicionando afofar a planta na
rotina. Cuidar dessas plantas era relaxante de certa forma. Meditativo.
Provavelmente porque dar amor e carinho significava que eu seria capaz de
dar à família e amigos amor e carinho.
No meio da fileira, ouvi uma melodia suave com uma voz profunda e
retumbante. As notas subiram e desceram delicadas, bonitas e inebriantes.
Um olhar para trás disse que ele estava no mesmo espaço, pacífico e
meditativo. Era como se ele tivesse começado a cantar sem perceber que
estava fazendo isso.
— Mais alto, por favor — eu disse ao colocar três folhas em sua bandeja.
Encarei seus olhos profundos e cheios de alma.
— Minha mãe costumava cantar essa música quando trabalhava na
everlass. Eu não queria cantá-la em voz alta.
— É linda. Sua mãe morreu antes da maldição?
— Sim.
— Então ela foi poupada do pesadelo.
— Este foi o único pesadelo que ela foi poupada.
Coloquei a mão sobre a dele na bandeja, passando o polegar pelos nós
dos dedos. Eu não sabia mesmo o que dizer, então repeti:
— Cante mais alto, por favor.
Ele cantou com palavras desta vez, em uma linguagem que eu não
conhecia.
Parecia uma língua antiga, com vogais roladas e consoantes suaves. Sua
voz perfeita ainda era profunda e áspera, mas agradável de uma maneira
inesperada. Levantou meu espírito e acalmou minha ansiedade. Seu tom
estava cheio de doce tristeza e suave lamento, sua voz agora ondulando
maior, preguiçosamente entrelaçando-se com o ar.
Antes que eu percebesse, todas as três bandejas estavam tão cheias quanto
poderiam estar, de forma segura. Ele parou dois carrinhos com espaço para
duas bandejas cada, e as colocamos neles, cada um empurrando um carrinho.
Só quando chegamos a um grande galpão com duas mesas que abrangem o
comprimento com várias estações para trabalhar com plantas e ervas, ele por
fim deixou a música morrer em seus lábios. A ausência deixou uma pontada
no meu coração.
— A versão dela também era triste? — perguntei, enquanto ele me
ajudava a posicionar as bandejas perto do final da mesa mais próxima.
Ele me observou por um momento, algo que tinha feito muito durante
aquele tempo.
— Sempre achei que fosse, mas ela disse que era para ser uma música
alegre.
— Você sabe o que as palavras significam?
Ele balançou a cabeça enquanto pegávamos baldes para recolher água da
bomba.
— Ela era da região montanhosa do reino Flamma, governada pelo rei
lobo, Cincious, e sua rainha, Elmerdonna. Eles tinham uma língua regional
na montanha. Era permitido naquele reino, mas o rei aqui proibiu. Ele disse
que seria muito fácil para ela passar segredos.
— Uau. Isso parece loucura.
— Não foi apenas no final que ele ficou louco. Ele nunca foi muito bem
da cabeça, isso era apenas mantido em segredo.
— E olha como esse segredo real funcionou para todos.
Segurei o balde em frente à bomba, mas ele o tirou de mim.
— Este é o trabalho de um homem.
— Bombear água é trabalho de um homem?
Seu sorriso suavizou todos os planos ásperos e cicatrizes cruéis em seu
rosto. Ele flexionou o bíceps.
— Eu forte. Seguro água para mulher inteligente.
Eu ri e recuei enquanto ele trabalhava.
— Ganhando o seu sustento, hein?
— Sempre tive os trabalhos pesados quando era criança. Eu era grande
para a minha idade e não tinha a destreza natural para trabalhar com as
plantas e remédios curativos. A minha força está em… bem, força. Força.
Poder. Meu papel como macho dragão é proteger. E mesmo tendo formado
uma irmandade com os outros metamorfos de dragão através do
treinamento, ainda assim, estávamos sempre em desacordo. Fomos
ensinados a competir... Você aguenta isso?
Peguei o balde de água com as duas mãos.
— Sim, obrigada.
Ele assentiu, segurando com facilidade um balde em cada mão como se
não pesassem nada. Enquanto isso, era provável que eu precisasse voltar
para buscar mais depois que derramasse metade do conteúdo do meu.
— Fomos ensinados a competir uns com os outros por hierarquia. Para
dominar um ao outro. Sempre houve uma hostilidade subjacente entre nós.
As mulheres que trabalhavam nas fábricas… eram diferentes. Elas sempre
trabalharam em harmonia. Elas se ajudavam em vez de tentar mostrar que
eram melhores do que a outra. Provavelmente porque passei tanto tempo
com a minha mãe, acabei gravitando em direção a essa mentalidade. Meu
pai odiava. Ele me chamou de fraco por causa disso. — O sorriso dele
diminuiu. Ele colocou os baldes na mesa e estendeu a mão para agarrar o
meu.
— E você é? — perguntei.
Ele despejou a água na primeira bandeja, e eu fui reorganizar as folhas.
— Espere, uau… — Levantei a mão quando a água estava na
profundidade certa. — Não muito. Elas não gostam ficar em muita água,
como em uma inundação. Apenas o suficiente para mantê-las úmidas.
Ele assentiu e trabalhou nas outras bandejas. Eu não tinha certeza se ele
não pretendia responder à minha pergunta ou apenas precisava de tempo,
então eu não pressionei.
— Você deixava as bandejas do lado de dentro? — perguntou ele.
— Em casa? Sim, porque eu não tinha cavaletes, e eu não queria que
nenhum animal selvagem chegasse até elas ou que vizinhos desesperados as
roubassem, ou que demônios mijassem nelas. Um quintal não é tão isolado
como se poderia esperar. Como bem sabe, já que invadiu o meu antes de me
sequestrar.
— Mas elas ficariam melhores deixadas ao luar?
Abaixei a boca nos cantos.
— Na verdade, não sei. Vamos deixar uma para experimentar. Mas terá de
ser trazido ao amanhecer. Confia em mim o suficiente para me deixar uma
chave?
— Nesse momento sim. Daqui a uma hora, é provável que não. Mas eu
vou carregá-la. Você pode derramar tudo.
Ele tinha razão. Eram bandejas grandes e pesadas.
Ele insistiu que eu me afastasse enquanto trazia uma pequena mesa e
colocava a bandeja nela. Feito isso, ele pousou as mãos nos quadris e olhou
para os campos, depois olhou para o céu.
— O quê? — perguntei.
Ele voltou a me observar.
— Eu provavelmente deveria levá-la de volta.
Parte de mim não queria ir. Eu queria ficar aqui e encontrar algumas
coisas novas para tentar com a everlass. Ou talvez ir ver o jardim de rosas
com ele me seguindo. Ou talvez apenas… ficar com ele um pouco mais. O
ouvir cantar ao luar ou contar mais histórias do seu passado. Talvez dizer
algumas das minhas em troca. Quando ele estava calmo assim, era tão fácil
fazer companhia a ele. Fácil falar com ele. Parecia que talvez pudéssemos
chegar a um lugar de brincadeiras e provocações. De sermos amigos em vez
de inimigos.
Observem, pessoal, como o raptor engana a raptada a pensar que ele é
um cara legal. Não se preocupe, ela vai entender quando ele a trancar de
volta na torre e se recusar a deixá-la ver a família…
— Sim, provavelmente — murmurei.
Nós nos viramos para o castelo e ele deslizou o braço ao meu redor,
apoiando a mão no meu quadril outra vez. Mesmo que não fosse necessário
ele fazer isso, eu não resisti. Amanhã podemos voltar a ser inimigos. Neste
momento, eu queria criar uma memória para desfrutar.
— Não — disse ele quando estávamos a meio caminho do castelo. — Eu
não sou fraco. Cultivar a vida e a saúde com as mulheres não torna um
homem fraco. Se alguma coisa, me fez mais forte, porque me fez mais
flexível. Me permitiu ver uma perspectiva diferente. Me tornou tolerante da
maneira que o treino de batalha nunca poderia ter feito. Mas não havia
como explicar isso ao meu pai. Ele não tinha um bom relacionamento com
mulheres. Na verdade, ele não pensava muito nelas.
— Parece um ótimo homem, esse cara. E sua mãe se casou com ele
porquê?
— Casamento arranjado Você deve saber que os nobres não têm muita
escolha em tais coisas. Consolidamos dinheiro e poder, tanto social como
mágicos. Nossos pais fazem escolhas cuidadosas nas nossas alianças.
— Seus pais escolheram alguém para você antes de tudo isso?
— Sim. Não era uma escolha que eu teria feito para mim.
— O que aconteceu?
— No final? A maldição.
Ele não entrou em detalhes quando chegamos aos degraus do pátio. Por
outro lado, ele realmente não precisava. Ele era o único nobre que restava.
Era óbvio que a prometida dele não tinha sobrevivido.
Ele desacelerou, olhando para a porta. Vários painéis de vidro estavam
embutidos na madeira, e uma bunda nua foi pressionada em um deles.
Enquanto observávamos, a parte de trás do que parecia ser uma mulher se
prensou no vidro acima. Logo depois, duas pernas ficaram de frente a ela,
os joelhos dobrados diante da carne na janela se moveram. Duas palmas
achatadas no vidro. Eles estavam fodendo na porta dos fundos.
— Vamos dar a volta — eu disse rápido, sabendo que ele provavelmente
iria querer forçar aquela porta a se abrir e arruinar o momento deles. Era
óbvio que ele não ia ignorar essas travessuras como na situação peluda de
antes.
Os dedos dele cravaram no meu quadril com raiva. Um nervo saltou na
lateral do maxilar cerrado. Mas ele se virou, dando a volta ao lado do
castelo em direção a outra entrada. Quase lá, ele parou. Seu braço se
contraiu ao meu redor, esmagando-me ao seu lado antes que ele xingasse
baixinho e se virasse abruptamente.
— O que aconteceu…
— Não diga nada — sussurrou ele furioso, movendo a mão para meu
ombro e me empurrando em direção às árvores.
Bati numa pedra com o dedo do pé e tentei me ajustar, mas ele me pegou
primeiro, arrastando-me para cima.
Uma vez nas árvores, ele sussurrou:
— Eles estão nos procurando. Ou estão desconfiados ou querem me
insultar. Precisamos garantir que seja o último.
— Sobre o que eles querem te provocar?
Ele se escondeu atrás de uma árvore e me arrastou com ele,
pressionando-me no tronco. Ele ficou perto e me prendeu com o corpo. Seu
calor me banhando.
— Levo minha honra muito a sério, e estou celibatário desde que a
maldição entrou em vigor. Há algumas razões para isso, mas uma delas é
que não permitirei que me deturbem sexualmente como fizeram com todos
naquele castelo. Agora que está aqui, vão pensar que estou começando a
ceder. Que vi o meu verdadeiro destino, o fracasso e a morte, e decidi
abandonar meu dever e abandonar minha honra. Acham que a capturei por
roubar e pretendo usá-la para sexo até me fartar. Quero propagar essa
ilusão. Eles irão me insultar e  me provocar com minha suposta culpa. Eles
querem torcer a faca e, ao fazê-lo, distorcer minha mente. Assim que virem
que estão tendo um efeito, irão atrás de você para incitar meu animal.
— Por que isso incitaria seu animal?
— Porque não compartilho, Finley. Se eu reivindicar minha escolhida,
não haverá outra pessoa. Nem para mim nem para ela… Meu animal não
vai aguentar, mesmo que eu pudesse. Através de mim, eles vão tentar
arruiná-la. Mas não vou deixar que façam mal a você, entendeu? Não vou
deixar que a toquem. Você está aqui sob minha proteção, e farei o que for
preciso para mantê-la segura e bem. Custe o que custar.
— Mas você precisa que eles pensem que está me profanando, e eu
preciso fingir. Caso contrário, o disfarce será descoberto e você me matará
ou pior.
Ele levantou a mão lentamente e passou o polegar pela borda da minha
mandíbula. Meu coração palpitou com aquele toque delicado.
— O plano era mantê-la no seu quarto à noite. Mas seu elixir
neutralizante pode salvar vidas, e por isso o plano mudou. Eu disse que não
era um homem bom, princesa — murmurou ele com uma aspereza na voz.
Ele ficou tenso e virou a cabeça para a direita um pouco.
— Perceberam nosso cheiro — sussurrou ele. — Estão se aproximando.
Meu animal rondava meu peito. Tentei acessá-la um pouco, precisando
que ela tivesse acesso aos aromas. Ela deu um passo à frente com pressa, o
fogo familiar passando por mim e um tipo de mofo abordou meus sentidos
no mesmo instante. Eu torci o nariz.
— Sim. Esse é o cheiro de um demônio poderoso — disse ele. — Quanto
mais alto eles estão na escala de poder, mais mofados eles são para nossos
sentidos. Pode ser difícil de entender, mas preciso que aja como se não fosse
sua escolha. Que estou forçando você.
— Para pensarem que está perdendo a moral e se rebaixando,
convencendo de que finalmente estão tendo um efeito sobre você?
— Ok, talvez não seja difícil para você entender.
— Não seria difícil para ninguém entender. Você acabou de soletrar um
segundo atrás.
— É óbvio que você não está neste castelo há tempo suficiente.
Ele agarrou meus punhos e os empurrou acima da minha cabeça,
prendendo ambos em uma de suas mãos grandes. Ele se aproximou até que
cada centímetro daquele corpo duro foi pressionado com firmeza no meu.
Ele colocou a mão livre no meu quadril e baixou a cabeça, passando os
lábios ao longo da lateral do meu pescoço.
— Finja resistir — murmurou ele, curvando-se um pouco e balançando
os quadris para a frente. Sua protuberância dura esfregou na minha pélvis,
não onde eu precisava. Passei uma perna pela parte de fora da coxa e pelo
quadril dele. Ele agarrou meu joelho e balançou os quadris para a frente
outra vez.
— Não, por favor — eu disse com uma voz rouca e gemi enquanto ele
sugava a pele febril do meu pescoço. Os lábios dele subiram até a minha
mandíbula e terminaram do lado de fora da minha boca. Ele girou de novo,
esfregando-se na minha vagina revestida de couro.
Ele riu, sombrio.
— Você não é uma boa atriz.
Ele se moveu um pouco, se ajustando para que os lábios dele estivessem
bem na frente dos meus, mas sem se tocarem. Nossa respiração se misturou.
Ele avançou outra vez, a protuberância esfregando à direita.
Minhas pálpebras se fecharam. Estava tão excitada que não conseguia
evitar. Maldito seja, mas eu queria mais das sensações que ele provocava
em mim. Do seu delicioso corpo se esfregando no meu. Mais atrito. Mais
calor. Mais, mais…
Balancei os quadris. Meu corpo ficou mais tenso.
Ele passou a mão livre pelo meu lado e no pico duro do meu seio. Ele
esfregou por cima das minhas roupas com o polegar, enviando choques de
prazer direto para meu núcleo encharcado. Eu gemi, delirando de desejo.
— É uma pena que as coisas sejam como são — murmurou ele,
arrastando os lábios pelo lado de fora dos meus, segurando meus pulsos
com firmeza, moendo seu pau em mim. — Adoraria foder você com tanta
força que imploraria por misericórdia.
— Sim.
Puxei a outra perna para cima, enrolando em volta dele.
Meus quadris levantavam freneticamente.
Nyfain ergueu a mão por baixo da minha camisa e puxou a faixa que
segurava meus seios, rasgando o tecido. Ele abaixou sob meu seio e
acariciou a pele com sua mão áspera.
Eu não sabia se era meu animal saindo em mim ou o desespero para
acabar com essa dor terrível latejando no meu núcleo, mas eu fiquei
indecente.
— Me foda, Nyfain — implorei. — Destrua minha boceta molhada com
esse pau duro.
Ele rosnou e esmagou os lábios nos meus.
O mundo girou e depois caiu. Neste momento eu não me importava com
nossos problemas e a minha atual prisão. Era um problema para amanhã.
Neste momento, eu só precisava daquele pau grande me fazendo esquecer
do estresse e dos problemas. Eu precisava de uma fuga da minha vida, e sua
energia de pau grande iria fornecê-la.
Ele torceu meu mamilo entre os dedos. A picada de dor me fez respirar
fundo, mas em um momento se transformou em doce prazer, e eu lutei para
soltar minhas mãos para que pudesse sentir seu corpo perfeito.
— Preciso que você foda minha boceta molhada, Nyfain — eu disse
rouca. — Eu preciso de você dentro de mim.
— Porra — falou ele, a dor fazendo suas palavras tremerem. — Você é
tão sexy.
Ele me deu um beijo dominante e bruto. Abri a boca com um gemido, e
ele a tomou depressa, a língua invadindo. Ah, santa Deusa, ele tinha um
gosto tão bom. Como fumaça líquida e novas manhãs de primavera. Como
a emoção da caçada.
Perdida na sensação, pelo toque de suas mãos em mim e seu corpo
prendendo o meu à árvore, bombeei meus quadris descontrolada. Ele
enganchou a mão na parte de trás do meu joelho e empurrou o corpo para
mais perto. O pau dele esfregou em mim, as nossas roupas no caminho.
Esta dor consumidora me deixou desesperada.
— Você deveria estar resistindo — disse ele nos meus lábios, com a
respiração acelerada agora.
— Não! — gritei enquanto girava, lutando para me aproximar. — Pare!
Ele me beijou outra vez, irregular e desesperado, depois empurrou em
mim com mais força e rosnou na minha boca. A língua dele avançou com
os quadris.
— Com o que estava sonhando mais cedo? — perguntou ele, afastando
minhas pernas e alcançando minhas calças. — O demônio a fez ter um
sonho erótico. Com o que estava sonhando? — Ele tirou o botão e desceu o
zíper. Abri as pernas em desespero.
— Solte minhas mãos — implorei. — Quero segurar seu pau.
— Com o que estava sonhando? — insistiu ele.
Ele empurrou um lado das minhas calças para baixo antes do outro, com
uma mão.
Lutei para libertar minhas mãos.
— Quero segurar seu pau. Quero que você force aquele pau grande na
minha garganta, depois me vire e enfie fundo na minha buceta.
— Eu não vou foder você, Finley, não importa o quanto eu queira. Não
serei sua ruína.
Quase parecia que ele me implorava para entender.
— O melhor que posso fazer é dar prazer a você — disse ele. — Ele
cavou a mão nas minhas calças e entre as minhas coxas.
Minha boca se abriu quando os dedos dele traçaram ao longo da linha da
calcinha, bem ao lado da minha boceta encharcada. O mundo parou
enquanto ele mergulhava um dedo. Calafrios se espalham na minha pele.
— Sim — sussurrei, abrindo minhas pernas para ele. — Quero dizer…
— Levantei a voz. — Não, por favor, não. Ainda não. Ou nunca.
Meus olhos tremularam quando um dedo correu lentamente ao longo das
minhas dobras escorregadias.
— Porra, você está tão molhada — rosnou ele. Ele mergulhou o dedo
antes de esfregar minha umidade no clitóris. — Vou fazer com que goze
para mim, princesa.
Meus movimentos foram reduzidos a pequenos empurrões de prazer
quando ele voltou para a minha boceta e enfiou dois dedos.
— Vou fazer você gozar tão forte que não vai conseguir pensar em
nenhum outro nome além do meu.
Ele me beijou, empurrando a língua. Seu polegar massageou meu clitóris
quando ele começou a me foder com os dedos, forte e rápido.
Eu gemi, balançando com ele, meus sentidos sobrecarregados.
— Diga com o que estava sonhando — ordenou ele, seu poder
borbulhando em mim. Meu mamilo duro e nu esfregou no peito dele. Os
dedos dele entraram e saíram da minha vagina, o polegar dele circulando
meu clitóris.
— Você — admiti com um grito de prazer, meu corpo impossivelmente
tenso. Os dedos dele bateram na minha umidade. — Estava sonhando com
você me fodendo. Quero que me foda. Tanto. Tão forte.
Ele rosnou, e todo seu braço estava se movendo com uma deliciosa
rugosidade. Abri as pernas e arqueei, dando o máximo de acesso que
minhas calças permitiriam. O polegar dele me massageou. Eu estava bem
no limite, apenas… quase…
— Ora, minha Deusa, o que é isso? — disse uma voz.
O animal de Nyfain atacou agressivamente, a sensação de uma corda me
puxando pela cintura. O fogo encharcou meu corpo já aquecido enquanto
meu animal tentava se libertar também. Eu a forcei a recuar para que ela
não me metesse em problemas e Nyfain arrancou a mão dele das minhas
calças. Ele me puxou para longe da árvore e me esmagou ao seu lado,
possessivo.
Soltei um grito angustiado e não estava fingindo.
Capítulo 11

— TSC, TSC, NYFAIN — murmurou o demônio, o mesmo cara que


vimos no final da escada. Ele tinha nos seguido. — Quando você precisa
restringir seus interesses amorosos, significa que eles não estão se
divertindo muito. Ou talvez pense que pode fazer sexo até ficar nas boas
graças dela? Isso é muito demoníaco da sua parte.
Mais uma vez, reprimi uma resposta sarcástica. Mas, pra ser sincera, ele
pensou mesmo que os sons que saíram de mim enquanto eu me aproximava
do orgasmo sugeriam que eu não estava me divertindo? Ele nunca fez as
mulheres gozarem?
Em vez disso, agarrei Nyfain como a donzela que estava tentando ser,
tentando expressar incerteza e medo. Eu provavelmente parecia ter cheirado
algo azedo. E com o fedor deste demônio, não estava longe da verdade.
— O que você quer? — perguntou Nyfain.
— Ah, nada — respondeu o demônio com um sorriso. — Estava apenas
saindo para ver se sua senhora queria provar outro sabor. Como eu, por
exemplo. Eu posso mostrar a ela o que é se divertir sem qualquer
necessidade de restrições.
O corpo de Nyfain ficou tenso e seus dedos pressionaram
agressivamente minha carne. Ele se virou e levantou minhas calças antes de
prendê-las de leve e garantir que minha camisa cobrisse meu peito exposto.
O olhar dele vagou pelo meu rosto por um momento, e ele alisou meu
cabelo para longe da minha bochecha antes de envolver o braço em volta do
meu corpo.
— Ela não toca em ninguém além de mim — rosnou ele, afastando-me
da árvore e partindo em direção ao castelo.
— Por enquanto — disse o demônio de modo sedoso.
Com a faixa ainda torta e minha vagina latejando de seu tratamento
áspero, mas delicioso, eu estava cambaleando e andando inclinada. Meu
núcleo clamava por atenção, tendo sido levado a alturas impossíveis e
depois ficou só no desejo. Lambi meus lábios formigantes, lembrando-me
do beijo dele. Deusa do céu, ele era ótimo quando se empenhava.
— O que vou fazer com você? — rosnou ele baixinho, para si mesmo,
pelo visto, indo para a entrada dos fundos, onde o casal ainda estava
pressionado no vidro.
— Jogar um jogo perigoso com minha vida, ao que parece — respondi,
minha situação atual me deixando um pouco mais arisca do que o normal.
Ele bateu na porta para abri-la. O casal voou com um monte de membros
no chão. Os olhos do homem estavam semicerrados e em chamas, e os da
mulher estavam encharcados de excitação. Outra enxurrada de desejo se
derramou em mim, enviando meu cérebro de volta para momentos atrás,
quando eu estava presa naquela árvore com aqueles dedos ardilosos no
fundo da minha boceta.
Deusa me dê força, eu queria mais. Meu corpo não concordava com meu
cérebro. A lógica estava ausente no que dizia respeito a Nyfain. Eu
precisava dormir, de preferência depois de uma boa sessão de amor-próprio.
Casais cobriam o corredor e meu olhar tremeu entre eles. Um homem
com o rosto entre as coxas de uma mulher. Duas mulheres se contorcendo
juntas num canto. Outra mulher no meio de cinco homens, usando todos os
buracos que a Deusa lhe dera e duas mãos para compensar a diferença. Ela
era excelente em lidar com vários paus de uma só vez. Três homens no
banco, um homem curvado chupando enquanto o terceiro o comia por trás.
— Puta merda — gemi, cambaleando para Nyfain.
Ele olhou para mim, olhou em volta e depois me agarrou nos braços
dele. Pelo visto, ele estava ignorando tudo isso. Todo o sexo à nossa volta
não o fez recuar. Eu não conseguia nem imaginar isso, porque de repente eu
estava uma bagunça. De novo.
— Vamos terminar o que começamos — ronronei, traçando a língua ao
longo da concha da orelha dele.
— Você vai se odiar por isso pela manhã.
— Provavelmente. — Passei meus lábios pelo pescoço dele, deleitando-
me com o cheiro delicioso e aconchegante dele, com o calor de sua pele e a
sensação de sua força ao meu redor. — Eu já me odiei por menos.
— Duvido que isso seja verdade. Não estamos atraídos um pelo outro,
princesa. São nossos animais. Precisamos prestar atenção à lógica quando
eles não vão.
— Tem certeza? Eu não senti seu animal até que o demônio apareceu.
Eu rocei meus lábios no maxilar dele e beijei de leve o canto da sua
boca.
Ele se encolheu antes de me levantar e me jogar por cima do ombro.
— Fico sempre ligado ao meu animal. Preciso ficar ou posso perdê-lo. O
desespero dele para foder você transborda. Não deixe que isso suba à sua
cabeça.
Suas palavras pareciam vazias, como se ele estivesse disposto a acreditar
nelas.
Ele me colocou mais ou menos na frente da porta da torre e encaixou a
chave na fechadura. O demônio de antes havia sido transferido. Queria
saber se foi por isso que os outros demônios decidiram ir à nossa procura.
— Eu nem sempre vou agir como a donzela, sabe — eu disse,
desafiadora, afastando o desejo residual.
— Bom. Não é digno de você. Mas é importante agora. Irá atrasar o
inevitável.
— Qual é o inevitável?
— O rei demônio chegando e o inimigo se aproximando. Você vai
precisar da sua coragem até o final.
Os calafrios me prenderam. Respirei a súbita incerteza que se agarrava
ao meu peito.
— Preciso aprender a lutar corpo-a-corpo melhor — eu disse. — Sou
ótima com uma adaga e, apesar do que os homens lhe dirão, sou a melhor
caçadora da minha aldeia. Sou boa com um arco e uma lança. Mas não sou
muito boa com os punhos. Além disso, seria bom ter mais força.
— Você estava bem com aquela faca quando a enfiou em mim.
— Foi meu animal, eu acho. Eu não me lembro de ter feito isso.
— Você tem muita força. Poderia aprender mais condicionamento com
seu animal.
Ele virou a chave.
— E se você vai me trancar nesta torre amaldiçoada todas as noites, eu
preciso de acesso à biblioteca. — Ele abriu a porta e me empurrou para
dentro. — E se você não parar de ser bruto comigo — eu disse quando
estava no quarto. — Vai se arrepender.
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Isso é um desafio, princesa?
Sua voz áspera e a excitação que eu podia ver brilhando em seus olhos
me incendiaram de maneiras que eu realmente não conseguia explicar.
Medo e excitação criaram uma mistura inebriante.
Eu não tinha uma resposta, então virei as costas para ele, esperando que
ele saísse.
— Tire a camisa e eu ajudo a tirar as amarras. A criada pessoal está…
ocupada no momento.
Gemi de aborrecimento e tirei a camisa. Meu rosto esquentou, e eu me
certifiquei de ficar quieta para que ele não visse a evidência do meu
constrangimento, da minha vulnerabilidade. Sua presença se moveu para
trás de mim, e um puxão suave girou minha cintura enquanto sua respiração
aquecida observava minha pele exposta.
— Você não gozou mais cedo — resmungou ele, as pontas dos dedos
traçando meus ombros.
— Apenas mais um dos seus dispositivos de tortura, presumo.
Seu toque se resumiu aos fechos da minha amarração. Ele a apertou e
depois abriu, caindo no meu peito. O peito que ainda estava amarrado
balançou com o outro. Ele não se moveu. A eletricidade entre nós fluía na
minha pele.
Fechei os olhos e senti as mãos dele tocarem meus ombros de novo,
massageando com delicadeza.
— Você está tensa — sussurrou ele.
Eu não conseguia parar as minhas mãos de flutuar para trás, batendo nas
pernas dele. Agarrei suas coxas, desejando aquela âncora. Algo nele me
fazia sentir ancorada. Apesar de todas as merdas em que ele me arrastou,
sua presença, seu cheiro, sua possessividade faziam me sentir segura em um
reino que era tudo menos isso.
— Tenho tido muito estresse nos últimos tempos — murmurei.
— Fui ver sua família hoje à noite. Eles estão tristes pela sua perda, mas
estão bem. Sua aldeia está segura, neste momento.
Algo duro e desconfortável descongelou dentro de mim. Deixei escapar
um suspiro de alívio.
— Falou com eles?
— Não. Eu os observei como um perseguidor. Vou caçar para eles assim
que puder. Eu sei que essa era a tarefa que você costumava fazer.
Corri um pouco as mãos para cima, parei e as deixei descer.
— Obrigada — eu disse baixinho.
Ele deslizou o toque pelo lado de fora dos meus braços. Afastou as mãos
e depois estendeu a mão por baixo dos meus braços até minha cintura. Suas
palmas ásperas traçaram minha pele, flutuando pela minha barriga e para
cima. Eles esbarraram na parte de baixo dos meus seios enquanto eu movia
minhas mãos mais para cima em suas coxas outra vez. Ele traçou minha
pele macia com os polegares, centímetro por centímetro, talvez imaginando
se eu o impediria.
Eu deveria, pela Deusa, como eu deveria ter impedido, mas meu corpo
estava muito quente e a sensação elétrica de seu toque fluía por mim, como
um raio me atingindo e me engolindo em sua energia.
Seu polegar fluiu para o centro do meu peito. Um choque de prazer me
percorreu.
— O que eu estava fazendo com você no seu sonho? — perguntou ele,
pegando cada um dos meus mamilos nos dedos e beliscando de leve.
— Acordei com você entre minhas pernas.
Gemi, dobrando os cotovelos para poder levantar as mãos mais.
Acariciei a parte superior das coxas dele, deleitando-me com a força delas.
— E?
Ele segurou meu seio direito e deslizou a outra mão na minha barriga.
Estendi a mão, massageando a parte superior das coxas. Subindo pela
parte de dentro.
— Você se curvou para lamber minha boceta.
Ele estendeu a mão e abriu o botão na minha calça.
— Fico excitado ao ver você com minhas roupas — disse ele, rouco. —
Isso me excita mais quando tiro elas de você.
Ele as empurrou pelas minhas coxas até que caíram aos meus pés.
— Eu gosto dessa calcinha rendada. — Com um puxão rápido, ele a
arrancou de mim. — Acho que vou ficar com ela.
Fiquei nua à frente dele. Deslizei uma das minhas palmas na
protuberância ereta dele.
Eu não entendia – ele me queria; ele não me queria. Ele me rejeitava,
depois se atirou em mim. Ele me tocava com tanta paixão, e depois ficava
frio. Era uma foda mental, e por alguma razão confusa, eu estava animada
com isso. Gostava do inesperado. Gostava da necessidade constante de
reagir e me adaptar. Eu sabia que poderia desistir a qualquer momento, e ele
não faria nada. Eu sabia que ele respeitaria minha distância se eu pedisse (e
mantivesse meu animal sob controle). Mas agora? Eu queria o desafio.
Ou talvez eu só quisesse finalmente ser fodida. O homem era um
provocador da mais alta ordem.
— Abra um pouco suas pernas — ordenou ele, seu poder borbulhando
por mim.
Eu gemi e fiz isso, esfregando o pau duro dele preso nas calças.
Ele deslizou uma mão de volta para meu seio e a outra para baixo,
mergulhando entre minhas coxas. O dedo médio dele passou pela minha
umidade escorregadia.
— Isso mesmo, princesa, fique bonita e molhada por mim. — Ele
chupou um ponto no meu pescoço, com força. Uma mordida de dor
rapidamente se misturou com prazer enquanto seu dedo fazia círculos
preguiçosos em meu clitóris. — O que mais eu fiz no seu sonho?
— Você me fodeu com os dedos, como fez na árvore.
— Você gostou?
— Sim — ofeguei.
Eu choraminguei quando ele enfiou um dedo em mim, puxando mais
umidade para acariciar meu clitóris. O ritmo de seus golpes aumentou, e ele
mordeu meu pescoço. A dor e o prazer, o calor e as faíscas, incendiaram-me
de dentro para fora.
Ele me empurrou para frente tão rápido que cambaleei, agarrando a
borda da cama para me manter de pé. Ele apoiou uma das mãos no centro
das minhas costas e, com a outra, estendeu a mão e empurrou dois dedos
nas minhas profundezas molhadas. Ele começou a empurrar. Meu corpo
rugiu para a vida, quase retomando exatamente de onde havia parado após a
situação da árvore.
— Preciso provar você.
Ele caiu de joelhos atrás de mim, batendo na minha bunda e a apertando
bem. Ele me empurrou para a frente e me abriu enquanto lambia meu
centro. Estremeci, gemendo o nome dele. Foi muito melhor do que aquele
sonho. Muito melhor do que qualquer coisa que eu já tenha experimentado.
Empurrei a bunda para ele, e ele chupou minhas dobras. Sua língua
brincou com meu clitóris até que ele o sugou também, em uma série de
chupadas. Gemi em rajadas, girando. Ele deslizou a mão na minha nádega e
serpenteou o polegar no meio. Ele moveu o dedo suavemente no meu
orifício, e uma estranha emoção me prendeu. Mas ele não foi mais longe.
Ele se levantou e me virou, depois me empurrou mais para a cama.
Seu cabelo estava despenteado e seus olhos semicerrados enquanto ele
olhava para minha pele nua. Deixei meus joelhos caírem e coloquei os
dedos entre eles, acariciando minha umidade.
Pensei que ele desabotoaria as calças e libertaria aquele pau grande, mas
ele apenas se ajustou antes de afastar minha mão e se inclinar ansioso. Ele
enfiou os dedos em mim e chupou meu clitóris. Com a mão livre, ele a
estendeu e esfregou meu seio, brincando com meu mamilo de uma maneira
que ninguém jamais fez. Círculos, voltas e pequenos beliscões aumentaram
o prazer que sua boca me dava. E me tirou da minha pele.
Arqueei na mão de Nyfain e empurrei meus quadris em sua boca.
Agarrei o cabelo dele com força para mantê-lo preso até eu gozar.
Ele rosnou e chupou com mais força, mais rápido. Meu corpo derreteu e
depois começou a se desfazer. O prazer me aglomerou, bloqueando o quarto
e todo o resto. Tudo apertou e então eu me desfiz, entrando em uma
explosão espessa e inebriante de sensação crua.
Ele deslizou as mãos pelos meus lados, mas não empurrou para cima. Os
beijos dele na minha boceta suavizaram. A língua dele acariciou os efeitos,
dando-me arrepios agradáveis. Ele se abaixou um pouco, empurrando meus
joelhos para cima e lambeu ainda mais, naquele buraco proibido. As
cócegas me fizeram contorcer, e eu me perguntava se doeria se ele me
fodesse lá, ou se seria prazeroso. Perguntei que tipo de fetiche eu poderia
ter. Era impossível não pensar nisso num lugar como este.
Queria saber se ele sempre teve o mesmo tipo de pensamentos, mas
nunca se deixou explorá-los.
Ele empurrou minhas pernas e se levantou, limpando a boca com a parte
de trás do braço. Até mesmo aquilo foi sexy por razões que eu não podia
explicar.
— Durma um pouco — vociferou ele, antes de se virar. — E não
reclame comigo quando se arrepender disso pela manhã.
Com isso, ele saiu pela porta e a fechou com força. A chave girou.
Eu ri baixinho com a rápida mudança de personalidade dele. Era óbvio
que o cara estava lutando com sua excitação. Ele pode não gostar de mim,
mas queria me foder. Não eram só nossos animais, ou qual seria a razão de
ele levar minha calcinha? Estávamos no mesmo barco. E já que não queria
arruinar minha maravilhosa felicidade pós-orgasmo, lidaria com isso
amanhã.
Puxei meu animal para a frente, partilhando espaço. Ela deu a sensação
de se alongar devagar, e eu rastejei até a cabeceira da cama.
Porra, aquele macho é tão alfa, ronronou meu animal. Adoro quando ele
reivindica seu domínio. Ele tem muito poder. Ele será um bom protetor para
nossos pequeninos.
Nojento! Não vai acontecer. Eu me envolvi nas cobertas, olhando para a
noite iluminada. Logo a lua diminuiria e eu teria que ser melhor em acender
velas. Precisamos parar de deixá-lo nos tocar, na verdade. É divertido,
admito, mas provavelmente acabará mal para nós.
Concordo. Eu tenho a impressão da sua besta que o homem carrega
muita culpa por suas ações antes da maldição. Que ele se resignou a esta
meia-vida como uma penitência. Ele tem seu dever, mas não quer arrastar
mais ninguém para a sua miséria. A besta dele precisa de você para salvar
o homem. Eu insinuei que o homem tem que se salvar. Isso não correu bem.
Quando falou sobre tudo isso? Como falou sobre tudo isso?
Não conversamos. Há muitas maneiras de se comunicar – falar é apenas
uma delas. Você precisa aprender.
Revirei os olhos. Eu nem tinha me transformado. Só senti e conheci meu
animal por um dia. Como saberia alguma coisa sobre ser um metamorfo?
Mas deixei para lá. Eu estava com sono.
Salve o homem.
Essa não era a minha especialidade. E mesmo que fosse, isso não
ajudaria aqueles que estão morrendo da doença.
Não, primeiro eu precisava descobrir uma maneira de salvar as pessoas.
Concordei com meu animal, Nyfain precisava se salvar.
Fechei os olhos, muito relaxada. Deusa me ajude, eu me senti muito
bem.
Minha mente voltou para a situação da árvore. Normalmente eu não
permitia que as pessoas me tirassem o controle. Com meu ex, eu nunca quis
minhas mãos amarradas. Eu não confiava nele com minha vulnerabilidade.
Mas com Nyfain mais cedo… confiei nele por completo. Eu estava à
mercê dele. No entanto, em vez de estar com medo, eu estava bastante
excitada. Confiei nele sem pensar.
Eu ainda recuaria quando ele estava sendo o Taciturno Arrogante, mas
acreditava na sua capacidade de me proteger. Eu acreditava que ele queria.
Até gostei quando ele ficou possessivo comigo com os demônios.
Ele estava me afetando. Merda. Não devia tê-lo deixado me ajudar com a
everlass. Ele tinha conseguido se esgueirar para dentro de mim, e agora
estava começando a apodrecer. Isso não pode ser bom.
Salve o homem. Salve o reino.
Por que os homens são tão quebráveis, pensei enquanto meus olhos se
fechavam.
Porque nos dá espaço para entrar e salvar o maldito dia, se intrometeu
meu animal.
Ela tinha razão.
Capítulo 12

— ACORDA PRA VIDA, minha querida. Muita coisa para fazer. —

Hadriel me cumprimentou mais cedo do que o normal na manhã seguinte,


vestido com a mesma roupa estranha de mordomo, mas com um pouco de
óleo em seu pequeno bigode. Aquilo era novo. Apontei para ele.
— Por quê?
— Ah sim. — Ele tocou de leve. — Ridículo, não? Depois do que
aconteceu ontem, pensei que talvez fosse melhor aumentar meus esforços
para me destacar de uma forma ruim. Pretendo usar isso na festa hoje à
noite e deixar os demônios fazerem de mim um tolo absoluto. Eles adoram
fazer isso. É o preço que pagamos para não sofrer nas mãos deles.
— Mas você está sofrendo nas mãos deles.
— Bem, sim, mas não pela eternidade, entende o que estou dizendo?
Ah… — Ele fez uma pausa quando notou as marcas no meu pescoço. —
Ele… mordeu você?
Meu rosto aqueceu. Eu tinha visto os efeitos da noite passada no espelho
esta manhã depois do banho.
— Sim. Pelo visto, o chupão não foi suficiente.
— Ele apenas mordeu no pescoço, ou… talvez no ombro também?
— Por quê? — Cobri o ombro com a mão oposta. — Ele não fez isso
com força suficiente… não foi como agarrar minha garganta. Foi… uma
coisa diferente.
— Sexual, sim, óbvio. Mas ele também mordeu… Vem cá, me deixa ver.
— Ele puxou a gola da minha camisa um pouco, olhando para a junção
entre ombro e pescoço.
Afastei suas mãos.
— Apenas o pescoço — disse Leala, enquanto Hadriel persistia.
— Ah. Bem. Que estranho. — Abriu para mim um sorriso enorme: —
Fetiche bobo, né? Bem, já comeu?
— Eu trouxe uma bandeja antes do banho — disse Leala, virando-se e
apertando as mãos. Os pulsos dela tinham vergões vermelhos. Ela estava
mesmo ocupada ontem à noite.
— Queria saber sobre o… você sabe… — Rodei o dedo em torno da
minha virilha. — O salão. Para o monte de Vênus. Mas talvez não a parte
demoníaca. Talvez eu possa apenas… aparar as coisas um pouco? Apenas
para… limpeza e… facilidade de… chegar a… coisas.
Fiz uma careta e meu rosto ardeu.
Leala abaixou o rosto para esconder um sorriso.
Hadriel inclinou a cabeça e estalou a língua.
— Ah, você não é fofa? Quando foi a última vez que tivemos alguém
tímido por perto, Leala?
— Há muito tempo — respondeu ela, recatada.
Revirei os olhos para distraí-los do meu rosto que continuava a aquecer.
— Bem. — Hadriel apertou meu ombro. — Sem dúvida vamos
investigar. Mas, por agora, precisamos fazer um monte de outras coisas.
Primeiro, precisamos conhecer os costureiros. — Ele me levou para fora. —
Agora, vou avisá-la. Uma delas é muito doce. Muito profissional. E o outro
é um horror. É difícil suportar o idiota. Mas ele é incrível no que faz, por
isso vamos precisar sofrer. Tente não machucar o homem.

⁎⁎⁎

DUAS HORAS DEPOIS, estava em pé na sala de trabalho desarrumada


de um costureiro de meia-idade. Um caos de tecido me rodeava, envolto em
postes, escorregando das mesas, fluindo ao vento ao lado de duas janelas
abertas, deixando entrar o ar frio. Uma almofada de alfinete estava no chão
na base do pedestal em que eu estava empoleirada. O vermelho brilhante no
chão bege continuava atraindo meu olhar por razões que eu não conseguia
explicar. Os alfinetes se destacavam em ângulos estranhos, cada pequeno
grânulo em suas cabeças de uma cor diferente. De vez em quando, o
costureiro cutucava ou o chutava com o pé, sem ideia de que estava lá. Ele
havia sido deixado de lado e esquecido como todo resto nesta sala, usado
quando necessário, ou nunca. Parecia uma metáfora para as aldeias que se
aglomeravam ao redor deste castelo. Ou talvez o nosso reino como um
todo.
Esta foi a minha segunda parada na fila da medição. Antes disso, eu
estava em uma sala de trabalho muito limpa e ordenada no terceiro andar,
com vista para a Floresta Proibida. Naquela sala, cada pedaço de tecido
estava dobrado e guardado em seu lugar. Cada dedal tinha um lar. Cada
medida foi cuidadosamente tirada e registrada no exato segundo. Tinha sido
rápido e eficiente, e eu não vi o ponto nesta segunda visita. Mas, pelo visto,
a costureira, uma mulher mais velha e gorda, com uma disposição agradável
e um sorriso fácil, se destacava em fazer roupas de trabalho humildes, e o
costureiro excêntrico fazia trajes elegantes. Leala e Hadriel pensaram que
eu precisava de ambos, embora eu não tivesse ideia de onde eles pensavam
que eu estaria vestindo o traje elegante. De jeito nenhum eu desfilaria perto
de demônios à noite. Era um tipo de drama que eu não precisava.
O costureiro estava me medindo há horas. Ele balbuciava, gaguejava e
tirava as mesmas medidas duas ou mais vezes cada. Pelo visto, ele
imaginava as várias roupas enquanto trabalhava, e cada peça precisava de
seu próprio conjunto de medidas. Não admira que ele ainda estivesse vivo.
A certa altura, Hadriel se ofereceu para escrever minhas medidas para
ele. Foi quando ganhei todo o peso da personalidade dele.
— Este é o meu processo, seu patife de cara azeda. Nos deixe a sós!
Havia uma razão pela qual ele não era bem querido, isso era claro.
Visto que Hadriel riu para si mesmo, não me dei ao trabalho de tacar
meu joelho na cara do costureiro.
— Vou precisar secar a everlass esta noite — eu disse, enquanto deixava
minha mente vagar. — Alguém precisa lembrar Nyfain.
O costureiro, Cecil, arquejou assustado.
— Como se atreve uma plebeia vagabunda chamar o mestre pelo nome
próprio? Você nem deveria estar mexendo com a valiosa everlass dele!
— Me chame de vagabunda de novo e vou dar um chute na sua bunda —
respondi.
Ele olhou para mim devagar, encontrou meu olhar, e com a mesma
velocidade olhou de volta para baixo. Mensagem entregue, mensagem
recebida. Depois ele parou de protestar.
— Eu tenho uma nova inspiração! — gritou ele. — Devo começar de
novo. Estava fazendo tudo errado!
Ele trabalhou mais rápido na segunda vez, ainda bem, mas ainda faltava
mais uma hora para sairmos de lá.
— Eu nunca o vi trabalhar tão rápido — disse Hadriel, enquanto
caminhávamos para fora. A próxima coisa era encontrar um jardim para
refazer. — Quero dizer, ele perdeu muito tempo no início, mas pareceu
encontrar o caminho depois que você o ameaçou.
— E agora sabemos o que é preciso para apressá-lo — comentei.
— Não deve ter de voltar para as medições. Quando ele tem uma direção,
geralmente começa a produzir. Às vezes, demora uma eternidade para que
essa direção chegue até ele. Certo, ok, onde está esse jardim que você tinha
em mente?
Levei um tempo vagando pelos terrenos externos, queimados e morrendo
sem uma equipe de pessoas para cuidar deles, para trazê-los à vida. Pensei
em perguntar à equipe de jardinagem, mas tinha uma boa ideia do que tinha
acontecido. Se pudessem usar uma forquilha, provavelmente não teriam
durado muito.
Eu vi meu quarto da torre e cortei por ali.
— É por aqui.
Só que não era. Uma parede de tijolos se erguia à nossa frente, coberta
por uma confusão de videiras.
— Ah, não, você não pode escolher este. — Hadriel balançou a cabeça
quando encontrei a parede do castelo.
Comecei pelo outro lado, encontrando a mesma coisa. Um olhar para
cima confirmou que eu estava no lugar certo. Eu só não tinha notado que o
jardim estava murado porque eu estava olhando para baixo. Deve ter sido
escondido dentro do crescimento excessivo, o que significava que o
crescimento excessivo era extremo.
— Está vendo? — disse Hadriel. — Não há como entrar. O que está
fazendo?
Encontrei uma parte da parede livre das videiras espinhosas e pulei,
enganchando os dedos na borda. Eu me levantei e joguei a perna,
recompensada com uma dor na panturrilha por causa dos espinhos de um
arbusto de amoras fora de controle. Sugando o ar entredentes, eu me ajustei
e me sentei, confrontada com uma onda de vida vegetal.
— Puta merda, este lugar está um caos. — Olhei para a janela da torre,
acessando a memória do layout ao olhar para baixo. — Se eu cair,
Hadriel… diga a alguém.
— Não devia estar aí em cima. Esse jardim está fora dos limites!
— Nyfain não mencionou nenhum jardim fora dos limites.
— Isso não é algo que deve ser mencionado!
Bem, isso só tornava as coisas mais atraentes.
Eu me levantei, tirei um momento para recuperar o equilíbrio e caminhei
até o topo da parede de tijolos. Havia uma confusão de rosas à minha
esquerda e um bosque de videiras espinhosas além delas. Não fazia ideia do
que eram aquelas videiras, mas planejava cortá-las.
— Vou precisar de algumas ferramentas de jardinagem, Hadriel —
chamei. Ele quase pulou no chão ao meu lado, incrivelmente ansioso. Era
bem provável que este jardim já tenha pertencido à realeza, aos terrenos
privados. Eu li sobre isso nos livros de história. Mas sabe de uma coisa? A
realeza estava toda morta, e o rei tinha sido o pior. Eu não me sentiria mal
por assumir o controle dele.
Ao lado, perto da parede do castelo, o crescimento excessivo se
transformou em ervas daninhas altas e quebradiças. Elas se aglomeravam
dentro e no topo de fileiras que devem ter sido usadas para cultivar ervas ou
produtos de algum tipo. Queria saber como estava a sujeira. Eu me virei e
me abaixei.
— Volte! — gritou Hadriel. — Sério, sai daí. Esta é uma péssima ideia.
— É apenas um jardim, Hadriel.
— É o jardim da rainha! — respondeu ele. — O jardim privativo da
rainha.
— É provável que ela gostaria que eu o devolvesse à sua antiga glória,
então.
Vagueei pelo espaço, fazendo um balanço de quaisquer plantas que eu
pudesse identificar, ervas daninhas ou outra forma. Precisaria verificar a
biblioteca por qualquer coisa que não reconhecesse.
— O rei proibiu. Ele proibiu qualquer um de tocar em qualquer parte do
terreno, exceto na everlass. Ele disse que esse era o papel da rainha, a
gestão dos terrenos, e sem uma rainha, não poderia haver terrenos.
— E olhe a solução que ele nos colocou com a sua terrível tomada de
decisão. Além disso, ele está morto, Hadriel. Seus decretos reais ou seja lá
mais o que não significam mais nada.
Eu me inclinei e cavei as mãos pela terra. Algo arranhou o meu dedo, e
eu fiz uma careta, puxando para fora para olhar. Uma gota de sangue brotou
e eu sorri. Alimentei o sangue de volta ao chão.
— Viu só? — Levantei o dedo mesmo que ele ainda estivesse do outro
lado da parede. — Ele tirou o primeiro sangue. Escolheu a mim. Agora tudo
o que preciso dar é suor e lágrimas, e estaremos prontos.
— Desde quando você fala como uma guerreira? São plantas, Finley.
Saia daí agora mesmo!
— Não.
Continuei a avaliar o espaço, a trabalhar na minha cabeça o que eu
precisaria fazer primeiro e quais ferramentas necessitava. Queria saber se
alguém poderia ser poupado para ajudar.
— Ok, mas ouça aqui, Finley. — Hadriel parecia ter sido pressionado na
parede. — O rei aprovou essa lei porque queria que o príncipe se casasse
com uma nobre de sangue de dragão e a fizesse rainha. Ou pelo menos uma
rainha consorte.
— E quando ele não conseguiu o que queria, fez um acordo com os
demônios, e aqui estamos. Eu sei.
Ele não parava de falar, mas eu não estava ouvindo. Embora não
houvesse nenhuma porta para o resto do terreno, havia um adorável pátio
que eu não havia notado do meu quarto da torre. Isso levava a um par de
grandes portas de vidro na lateral do castelo. A escuridão me esperava.
A realeza tinha vivido por lá.
Com admiração, subi para o pátio.
— Não, mas… o rei culpou o príncipe pela morte da rainha. Quando o
príncipe tentou casar por amor, partiu o coração da rainha, e ela morreu. Foi
o que me disseram. O funeral trouxe de volta o príncipe e os demônios, e o
rei o prendeu aqui.
A própria rainha tinha saído por aquelas portas e entrado neste pátio. Ela
usou essas cadeiras de madeira apodrecidas para olhar para a obra do
jardineiro. Ela talvez tivesse tomado café da manhã ou almoçado aqui em
dias bons, mergulhando na beleza. Talvez antes do rei enlouquecer, eles se
amavam e celebravam esse amor aqui.
É provável que não. A realeza não encontrava o amor.
Bem, talvez ela tenha gostado de amor-próprio, pensando num jardineiro
gostoso ou algo assim.
Eu me aproximei do vidro, protegendo meus olhos do brilho.
— Ela e o príncipe tinham uma ligação bem forte! — gritou Hadriel, sua
voz distante enquanto eu tentava espiar a sala.
Apesar de todas as vezes que eu brincava de faz de conta quando criança,
fingindo estar na corte real, eu nunca acreditei que isso realmente
aconteceria. E agora, depois que o mundo tinha ido à merda, aqui estava eu
no pátio privado da rainha. Isto estava me enlouquecendo.
Não conseguia ver nada pelo vidro, mas a curiosidade estava fazendo um
buraco em mim. Tentei as portas, imaginando que estariam trancadas. Eu
poderia encontrar o meu caminho através do castelo para verificar o outro
lado? Nyfain tinha uma chave-mestra… se houvesse alguma razão para
seduzir alguém…
Puxei a maçaneta. Nada aconteceu. Um impulso teve o mesmo resultado.
Arrastei a mão quando me afastei e o vidro se afastou do outro lado.
Gelei. Janela deslizante Eu nunca tinha visto uma coisa dessas! No
entanto, eu também nunca tinha visto um único painel de vidro tão grande
quanto essas portas. Dinheiro fazia milagres.
Deslizei para mais longe.
— Finley? — chamou Hadriel. — Finley, você caiu? O que está
acontecendo?
— Estou bem — falei, um pouco quieta, abrindo a porta.
— Não fique bisbilhotando. O mestre se culpa pelo que aconteceu, e esse
jardim é o remanescente de algo que ela amava. Ele não vai querer que isso
seja perturbado.
Suas palavras fluíram ao meu redor enquanto eu me aventurava no
espaço escuro, e embora eu pudesse ouvi-lo, eu não estava ouvindo. Duas
cadeiras de tecido combinando com um sofá estavam ao redor de uma
pequena mesa ao lado da porta. Um lugar para o chá, talvez. Nem um pingo
de poeira marcava a superfície brilhante, como se esta sala ainda fosse
limpa de tempos em tempos. O chão estava estampado com um tapete
enorme, quase grande o suficiente para cobrir toda minha casa. Uma
pequena mesa esperava à minha direita, limpa de qualquer pergaminho, e
um grande espelho estava do outro lado. Outros móveis tomavam
residência, mas fui em direção à coisa mais estranha da sala. Uma roseira de
alguma forma – obviamente mágica – saía do chão! Como se o chão fosse
terra. Parecia quase falso, menos pelas diferenças nos marrons e amarelos
das folhas e pela maneira como se enrolava quando morria. Os galhos eram
frágeis e as rosas eram de um marrom profundo e murchas, exceto por
algumas. A planta estava em péssima forma.
Por alguma razão, isso me comoveu. Eu queria arregaçar as mangas e
trazê-la de volta à vida. Mas havia algo estranho nela, ao lado, crescendo no
chão de madeira, então eu a deixei sozinha para não quebrar algum tipo de
feitiço mágico de lembrança ou algo assim.
Em vez disso, continuei em frente, absolutamente encantada com os tons
saturados e as escolhas ousadas de decoração. Ela até tinha uma espada
decorativa e um escudo amarrados na parede. Uma mulher com os mesmos
gostos que o meu.
Uma porta aberta levava a um quarto com uma cama e outra pequena
câmara que parecia ser a sala de banho. A cama estava encostada à parede
mais distante, um enorme dossel decorado em ouro e marfim. O guarda-
roupa aqui também tinha sido espanado, tudo limpo e em seu devido lugar.
Imagine viver neste tipo de elegância, em quartos como estes. Estava
além da imaginação para alguém com as minhas origens e posição social,
mas sem dúvida sonharia com essa minha vida depois de vê-la. Meu
público de faz-de-conta estava prestes a se transformar em um bando de
servos de faz-de-conta e damas de companhia adoráveis, esperando cada
palavra minha. Chega de brincadeiras para esta garota.
Ao sair, ouvi o metal tilintar. Como uma chave na fechadura!
Meu coração acelerou e corri em direção à porta de vidro. Antes que eu
pudesse ir longe, a porta se abriu. Nyfain encheu a porta e ele me viu
imediatamente. Suspeita e raiva encheram aquele olhar dourado.
Tudo o que Hadriel havia dito finalmente se estabeleceu.
O funeral trouxe de volta o príncipe e os demônios, e o rei o prendeu
aqui.
Ela e o príncipe tinham uma ligação bem forte.
O mestre se culpa…
— Ah, santa Deusa, de jeito nenhum. Você é o príncipe — eu disse com
um suspiro apressado, tantas emoções guerreando por mim que não sabia o
que fazer com nenhuma delas. Excitação, tristeza, descrença... eu não sabia
onde parar.
Do outro lado daquela tempestade emocional estava o conhecimento de
que isso fazia todo o sentido. Claro que ele era o príncipe. O rei louco
condenou a todos para manter o filho aqui. O rei demônio não poderia
matá-lo com a maldição o trancando aqui. Mesmo assim, Nyfain não curava
da mesma forma, então seria mais fácil para alguém ou alguma coisa matá-
lo. Só que isso ainda não tinha acontecido. Então os demônios estavam
tentando destruí-lo.
Como não percebi?
O príncipe.
O maldito príncipe!
Por que eu não sabia o nome dele? Mas eu não sabia. E eu nem sabia o
nome da rainha. Tudo isso tinha caído através das rachaduras na minha
memória. Apenas não era relevante. Mesmo assim, ele deve ter pensado que
eu era simplória. Uma ignorante, uma plebeia de baixo nível.
Passei a palma da mão pelo rosto.
Memórias enfiadas no meu cérebro emergiram. Aquele dragão majestoso
cortando o céu de safira. As escamas douradas brilhantes capturando e
refletindo o sol amarelo amanteigado.
— Mas seu dragão é preto opaco, não dourado…
Ele se apressou até mim. Eu deveria ter me virado e corrido para a saída,
ou talvez me enrolado na posição fetal, ou pelo menos tirado minha faca e
tentado esfaqueá-lo, mas eu estava muito ocupada congelando no lugar. O
passado guerreou com o aqui e agora. Minhas memórias dele no céu
guerrearam com este homem com cicatrizes na minha frente. Eu sonhava
acordada com ele quando era criança. Queria que fôssemos melhores
amigos. Então eu cresci, e mesmo que todos acreditássemos que ele tinha
ido embora, eu fantasiava em entrar na cama dele. Eu não sabia como ele
era como um homem, mas não me importava. Aquele rugido. Aquele
dragão. Aquele deslizar sem esforço pelo céu. Ele era o orgulho do reino.
Feroz e poderoso. Ele tomaria o trono e nos elevaria – era o que os anciãos
da minha aldeia haviam dito.
— O que você está fazendo aqui? — rosnou ele, parando ao lado da
roseira. — Dando uma olhada no reino caído do meu pai?
Franzi a testa para a planta.
— Acho que está exagerando um pouco nas suas metáforas…
Ele riu, depreciativo, prendendo-me no lugar com um olhar duro.
— Isso mesmo, você é tão ignorante quanto eles. Nenhuma ideia sobre
seu animal, os metamorfos, a corte do dragão…
A dor picou minha coluna. Mesmo como besta rondando suas terras em
ruínas, ele não prestou atenção à nossa aldeia. Não tínhamos sido nada para
ele. Eu não era nada agora.
Mas ele não tinha terminado. Ele pairou a mão no arbusto de rosas.
— A planta favorita da minha mãe era a roseira. Ela acreditava que isso
a encarnava. Quando deixada florescer na natureza, ela era feroz e bonita,
com um cheiro doce, mas com uma picada afiada. Então ela foi trazida para
cá, e o rei a tratou como se fosse uma roseira. Ela foi podada. Moldada.
Cultivada. Ela tinha um coração selvagem, até mesmo violento, mas
incapaz de expressá-lo.
Ele bateu os dedos no vidro. Seu olhar despertou violência. Eu dei um
passo para trás, de repente insegura.
— Meu pai queria me lembrar da minha parte na morte dela —
continuou ele, e eu podia ouvir a dor distorcendo suas palavras. — Esta
roseira foi encantada pelos demônios e afundou no chão. Está ligada ao
reino. A cada ano a vejo murchar um pouco mais e morrer. Algum dia,
todos morreremos com ela. Não há nada que possamos fazer a não ser
tornar a passagem o mais fácil possível. Pensei que talvez trazer você aqui
ajudaria. Eu sabia que sua aldeia estava usando everlass para alguma coisa,
e a sua taxa de morte era mais lenta do que em qualquer outro lugar. Seu
setor ainda tem rosas florescendo. As únicas que parecem razoavelmente
saudáveis. Estive observando de longe. Eu só não fazia ideia de como você
estava fazendo.
— O quê? — deixei escapar. — Mas você disse…
— Eu menti. Quantas vezes devo lembrar a você de que não sou um
homem bom? — Ele caminhou em minha direção devagar, um caçador
avaliando sua presa. — Seu cheiro está queimado no meu cérebro. Na
primeira noite que encontrou a Floresta Real, a coisinha jovem e valente
com mais coragem que um dragão adulto, eu a memorizei. Você não
escapou, Finley. Permiti que saísse. Você era muito pequena para matar.
Senti o cheiro da everlass em você e queria saber o que estava fazendo com
ela. Depois que saiu, visitei o campo e cheirei seu caminho por ele. Percebi
que tinha podado enquanto andava. Você colheu apenas uma folha de cada
planta, tomando o seu tempo para manter as plantas saudáveis. Mesmo que
tivesse vindo para roubar, você estava cuidando daquele campo.
Ele se aproximou, um passo lento de cada vez, os ombros grandes
balançando, o tamanho dele diminuindo o meu. A presença dele era
imponente.
Engoli em seco.
— Todos sabem colher assim.
Ele balançou a cabeça.
— Você sabe que não. Ainda mais uma pequena valente com o quê?
Catorze? Quinze?
— Catorze — sussurrei.
— Sim. Antes da primeira mudança era possível. Não cheirei seu animal,
nem o senti quando persegui você. A magia ao redor da floresta era forte
demais para eu atravessar na época, mas eu não precisava. Você voltou para a
floresta antes que eu pudesse investigá-la mais. Nunca entrou sem eu saber,
mas nunca consegui pegá-la. Não até encantei aquela bétula. Você é uma
coisinha astuta.
— Eu só estava tentando manter minha família viva.
Ele parou na minha frente.
— Da última vez, quando deixou o canivete, senti você. Senti seu animal.
Nos chamou. Eu suspeitava, mas só então soube o que havia em você. Seu
poder. — Ele se aproximou, tomando todo o espaço e me prendendo. —
Diga, quando seu animal despertou pela primeira vez, o que você sentiu?
— Eufórica. Assustada.
— E?
Ele colocou uma mão em cada lado do meu rosto. O calor dele tomou
conta da minha pele, transformando-me em líquido. Meu corpo tinha só
cinquenta por cento dos seus batimentos cardíacos.
— Excitada — sussurrei.
Seu poder me percorreu, capturado pelo meu animal e segurado por um
momento antes que ela o alimentasse de volta, como tínhamos feito para
salvar Hadriel. Ele era o músculo; eu era a delicadeza. Juntos, afastamos
alguém da beira da morte. Mas, desta vez, a excitação veio com nossa
ligação.
Eu ofeguei, meus seios subindo e descendo a cada respiração. Seu olhar
viajou pela minha frente como se acariciasse minha pele nua. Meu animal
me incendiou. O poder entre nós derreteu.
Um gemido desesperado e torturado separou meus lábios. Ele se inclinou
um pouco, quase imperceptivelmente, como se não pudesse evitar. Como se
lutasse contra o desejo. O ar entre nós se esticou e o aposento desapareceu.
Tudo o que conseguia sentir era ele e eu, e esta sede interminável pelo seu
corpo encher o meu. Para os músculos dele me empurrarem no colchão e o
pau dele preencher meu mundo.
Ele inalou, prendendo-me.
— Deusa me castigue, Finley, quero foder você com tanta força que vai
esquecer seu nome. Eu quero possuir essa boceta e destruí-la com prazer.
Não conseguia respirar o suficiente. Umidade jorrou entre minhas coxas.
— Mas se eu fizer isso — continuou ele. — Será o seu fim. Já expliquei
porquê. Eu não compartilho. Nem na minha vida passada, nem agora.
Assim que levar você, não permitirei que mais ninguém a toque. Sua vida
será perdida… para mim.
As palavras dele rastejaram pela minha pele, fazendo-me tremer. Seus
olhos me hipnotizaram, e uma grande parte de mim queria que ele fizesse o
que disse. Queria que ele cumprisse sua palavra e me marcasse com seu
desejo.
Mas sério, eu tinha perdido a cabeça? Eu tinha enlouquecido
completamente?
Ele era um maldito príncipe. O que eu me tornaria, a amante dele?
Porque de jeito nenhum eu era a heroína desta história. Eu era uma ninguém
de lugar nenhum. Eu era uma isca para a ruína dele. Um fim para o celibato
dele. E se eu ceder? Eu ficaria com o maior empata foda do mundo.
Sem mencionar que ele me aprisionou aqui. Ele mentiu em várias
ocasiões. Ele me trouxe aqui e me forçou a correr perigo. Eu e mais
ninguém. Ele podia ter me encontrado na floresta como os outros. Não
havia razão para ele me arrastar para isso. Agora ele mexeu com minha
cabeça e meu futuro. Com minha vida.
Fui uma tola por tê-lo deixado entrar sob minha pele. Por me permitir
esquecer como vim parar aqui.
Ele queria que eu ficasse longe dele. Então eu ficaria. Eu tinha um lar e
os demônios de lá não davam a mínima para mim. Ele podia se encontrar
comigo na Floresta Proibida como fez com os outros informantes, obter a
receita do elixir e seguir sua vida. Os demônios não me queriam. Eles
queriam o príncipe.
O homem podia se salvar. Eu tinha outras merdas para fazer.
Com o último pingo de bom senso que tinha, eu me abaixei sob os
braços dele e corri em direção à porta. Eu esperava que esta área do castelo
não fosse um labirinto, e eu pudesse encontrar o caminho no caso de ele me
perseguir.
Capítulo 13

— IMBECIL FILHA DA MÃE! — exclamou Hadriel quando finalmente


me encontrou na torre. Leala estava aqui quando voltei, dobrando algumas
calcinhas e guardando no guarda-roupa. Isso foi estranho, observá-la dobrar
roupas íntimas rendadas. Eu a expulsei e a forcei a deixar a chave.
— Você correu e disse a ele que eu estava naquele quarto? — exigi
saber, procurando no guarda-roupa as roupas que eu tinha usado para
chegar aqui. De jeito nenhum ficaria com as roupas dele. Eu deixaria aquele
lugar como tinha chegado, mas desta vez seria por vontade própria.
— Não! Só tentei encontrá-lo quando não me respondeu mais. Fiquei
com medo que tivesse dado de cara… no que diabos estava lá para matar
você. Até lá, ele já tinha encontrado você. Você enlouqueceu para entrar nos
aposentos da rainha daquele jeito?
— Sim. Sou louca por muitas razões. Como ficar neste castelo horrível
por tanto tempo quanto fiquei. Como desenvolver um ponto fraco por ele.
Por não ter sido mais forte e não perder a cabeça perto dele.
— O que você está…
Encontrei a roupa em que cheguei e me vesti apressada, depois peguei
minha faca e a pequena mochila que encontrei e enchi com velas e um
graveto que, com sorte, queimaria. Pelo menos mais cedo eu tive o bom
senso de criar uma bolsa de emergência, para quando precisasse fugir e
verificar minha família. Isso foi antes da viagem ao campo de everlass.
Antes de conhecê-lo melhor.
Deusa me ajude, fui muito estúpida.
Fui para a porta.
— Onde você está… Ah, Deusa, sua bruxa má, o que está acontecendo
agora?
Fechei a porta e tranquei. Eu me senti um pouco mal, mas não podia
arriscar que ele corresse e dissesse a Nyfain para onde eu tinha ido. Dentro
de uma hora, Nyfain viria para me fazer cuidar da everlass. Naquele
momento, ele poderia libertar Hadriel e eu já estaria longe.
— O que você está fazendo? — falou Hadriel pela porta. — Tudo bem,
fique com o jardim! É óbvio que o mestre não matou você quando a
encontrou lá mais cedo, então talvez ele não se importe. Eu vou até…
A voz dele desapareceu enquanto eu descia os degraus. No patamar
seguinte, vi uma mulher com um avental e bochechas rosadas. Ela me deu
um sorriso agradável. Acenei como uma idiota e continuei. No primeiro
andar, tudo estava quieto. As pessoas deviam estar com seus passatempos
ou se preparando para qualquer festa que acontecesse naquela noite. O
pessoal deste lugar era escasso, na melhor das hipóteses. Isso era o que
acontecia depois de anos dos demônios matarem qualquer um que se
importasse.
A raiva passou por mim, mas eu ignorei e saí pela porta da frente. Isto
não era problema meu, o que estava acontecendo aqui. Nyfain era o
príncipe; ele podia resolver isso. A minha tarefa era curar, não lutar com
demônios.
Sem demora, desci os degraus e atravessei o gramado da frente, há muito
transformado em terra e ervas daninhas. Assim que cheguei à Floresta
Proibida, deixei meu animal correr para a superfície.
O que você fez?, exigiu saber ela enquanto eu passava pelas árvores.
O que eu tive que fazer. Sabia que ele era um príncipe?
Ele é um alfa.
Sim. Um príncipe alfa. Ele é um maldito príncipe!
Vá devagar. Vai ter um enfarte.
Parei por um momento e fechei os olhos. Mesmo na boca de uma besta e
aterrorizada, prestei atenção ao caminho que Nyfain pegou naquela
primeira noite. Aprendi um pouco mais com o nosso caminho louco para
salvar Hadriel. Para mim, era o suficiente para ir embora. Sempre fui capaz
de encontrar o meu caminho neste lugar.
Para onde vamos?, perguntou meu animal.
Você tem um nome?
Finley, somos a mesma pessoa.
Eu sei. Mas você tem um nome?
Finley.
Esperei por um momento. O quê?
Meu nome é Finley, sua idiota. Estamos no mesmo corpo, então temos o
mesmo nome. Para onde estamos indo?
Não achei que fosse possível ser mais sarcástica que eu, mas está
provando que estava errada. Virei para a direita até um lago se meter no
meu caminho. Ele gorgolejou e borbulhou, cheirando a peixe decomposto
por uma semana e peidos. Uma espécie de vapor acinzentado subiu do
meio. Vamos embora para casa. Eu não sou o tipo de pessoa que fica com
um príncipe.
Mas você é o tipo de pessoa que fica com um alfa. Eu sei disso porque
eu quero ficar com aquele alfa, e ele estava a favor.
Você não entende a hierarquia social.
Você não entende que a verdadeira hierarquia é baseada em poder e
destreza.
Corri para leste até encontrar um caminho para dar a volta ao lago e o
segui, indo para o sul. Precisava de mais folhas de everlass ao sair. Eu não
tinha um bom lugar para guardá-los, mas eles teriam que me contentar. Se
Nyfain ficasse chateado, podia ir se foder.
Aquele alfa não estava interessado, pensei, parando em um penhasco
com o dobro da minha altura. A pedra era lisa e brilhante. Não tinha como
eu escalar sem corda. Não me lembrava de Nyfain passar por aqui. Eu
estava um pouco fora do curso.
O penhasco se abaixou atrás de algumas árvores à esquerda, e eu fui
nessa direção.
Acabei de dizer que ele estava, respondeu ela.
Bem, o homem por trás do alfa não estava interessado. Ele me avisou.
Várias vezes. Tipo… toda vez que estávamos na presença um do outro, ele
me avisou para ir embora.
Porque ele está tentando protegê-la. Isso é o que os alfas fazem. Cabe a
você dizer a ele que vai fazer o que quiser. E o que você quer é foder até ele
não conseguir mais pensar. Então faça bebês e repovoe este reino.
Grande deusa, isso é um pouco demais.
Eu me perguntava quando o solo ia voltar a se nivelar. As sombras
começaram a se alongar, o crepúsculo vindo mais cedo na floresta por causa
de todas as árvores. Eu esperava ir um pouco mais longe. Talvez eu devesse
ter esperado um dia e começado mais cedo.
Mas, pelo menos, eu sabia que a besta não tinha a intenção de me matar.
Isso tirava muita pressão. Se ele me recuperasse, haveria outra chance de
fugir. Eu sabia que haveria.
Quando um homem diz que vai arruinar você, é melhor ouvir e dar logo
o fora, pensei quando enfim cheguei em torno da ascensão e voltei ao
caminho certo. Demorou um pouco, mas esta sou eu finalmente ouvindo.
Tenho muitas outras oportunidades para me arruinar, não preciso da ajuda
dele.
Ele só poderia arruiná-la se você permitisse. Somos mais fortes que isso.
Sou mais forte que isso. Se você se sentir fraca, eu vou deixá-la forte. Esse
é o poder dos metamorfos: duas almas trabalhando em conjunto. Em
qualquer acasalamento perfeitamente sincronizado, há quatro. Nem mesmo
o rei demônio poderia derrubar um par tão poderoso.
O rei demônio tinha derrubado um reino inteiro. Ele segurou este lugar
na palma da mão. Mas não queria discutir. Só queria chegar em casa.
Minutos se multiplicaram para se tornar uma hora. O sol tinha
oficialmente baixado do céu, deixando para trás a densa noite negra. Eu
tinha transformado a vara em uma espécie de tocha que se espalhava pela
escuridão e cuspia brasas em seu rastro. O rastro de fumaça queimou meus
olhos. Destemida, continuei correndo pelas trilhas dos animais e ouvindo
sons de movimento. Eu não sabia a que horas as criaturas tendiam a sair à
noite nesta floresta, mas eu sabia que não queria me meter com elas. A
besta não me mataria, mas eu não excluiria o tordo aterrorizante, e ele não
estava sozinho. Talvez eu tenha que lutar para sair daqui. Mas graças a
Nyfain, eu tinha ajuda: Finley número dois me encheria de força e poder, ou
apenas assumiria quando as coisas ficassem terríveis.
O nome do jogo será sempre manter contato agora que estamos longe de
Nyfain, pensei, vendo uma forquilha no caminho. Uma árvore, como uma
sentinela, guardava a frente de um campo. Incapaz de evitar, fui por ele
apressada. Everlass, crescida e selvagem.
Então Nyfain não cuidava de todos. Ele provavelmente não poderia.
Fazia sentido, por que ele tinha escolhido aqueles perto do castelo – como
era seu dever, eu imaginava –, mas por que ele tinha prestado atenção para
aquele próximo à nossa aldeia, quase no limite do seu reino?
Nunca entrou sem eu saber, mas nunca consegui pegá-la, dissera ele.
Foi por isso que ele cuidou daquele campo? Ele tinha feito isso para me
ajudar?
De repente, era difícil respirar.
Eu me virei na direção de casa, e meu animal derramou energia em mim.
Quase perguntei por que ela tinha suas próprias reservas de energia e poder,
mas eu não estava no clima. Havia muitas coisas sobre ela, sobre mim, que
provavelmente não faria sentido até que eu pudesse me transformar. Por
enquanto, aceitaria a ajuda e continuaria.
Um cobertor de luzes fracas e cintilantes pontilhava a escuridão acima
de mim, a única estrela essencial era a Luz do Sul, algo que eu costumava
usar para guiar meu caminho. Usei agora e me movi o mais rápido que
pude, evitando tropeçar em raízes e em videiras.
Um rosnado chamou minha atenção, à esquerda. O medo escorreu para
meu sangue. Não era o som de Nyfain. As criaturas da Floresta Proibida
apareceram.
Tentei pensar. Alguém no castelo disse algo sobre outros metamorfos
com habilidade de se transformar? Se Nyfain podia se transformar, então
ele talvez não fosse o único. Talvez a floresta não fosse nada perigosa.
Talvez fosse apenas um bando de guardiões protegendo as terras dos
ancestrais.
Exceto que Nyfain atacou o tordo aterrorizante.
Por outro lado, tinha vindo atrás de mim. Talvez tenha sido um aldeão
irritado?
Não, eu não poderia descartar todas as cicatrizes no corpo robusto e
musculoso de Nyfain. Eles falaram de anos de batalha constante. Se as
criaturas da floresta pudessem fazer isso com a forma de besta dele, que
chance eu tinha sem me transformar?
Tarde demais para suavizar o medo que bombeava pelo meu sangue.
Ok, pessoal, vamos apenas nos acalmar. Vamos ir mais devagar e andar
com cuidado. Mas o que faremos sobre esses holofotes em nós?
Do que diabos você está falando? perguntou meu animal. Como se
explica suas idiossincrasias quando tem muito medo?
Um grito chamou minha atenção, reverberando através das árvores.
Parecia que tinha vindo de todos os lugares e de nenhum lugar. Um rugido
se transformou em um uivo distorcido, como se viesse de algum tipo de
lobo zumbi.
Sempre ouvi dizer que zumbis não eram reais. Que eram uma história
inventada para assustar as crianças em torno de fogueiras. Por outro lado,
também ouvi que ninguém podia se transformar e que a besta era uma
criatura da noite em vez do príncipe quebrado com uma maldição em seu
pescoço. Eu não tinha mais muita fé nos boatos que ouvi na aldeia.
Uma raiz enroscou meu sapato e eu mergulhei de cabeça em uma
samambaia frágil. Meus joelhos rasparam o chão, e minha chama caiu em
um aglomerado de grama seca.
— Puta merda — resmunguei, o mais rápido que pude e tentando pisar
apressada no fogo que se espalhava. Ele fechou o chão e se espalhou,
chegando em uma árvore. Eu pisei nele, sentindo a pressão de olhos em
mim. Eu tinha criado um farol para as criaturas da noite me encontrarem.
Corra, disse meu animal.
Não precisava ser avisada duas vezes.
Antes que eu pudesse virar, o fogo diminuiu e depois desapareceu, como
se a floresta fosse resistente ao fogo.
Encantamento?, perguntei, fugindo.
Este lugar não está certo.
Não brinca, hein? Que outras observações óbvias você tem para mim?
Você poderia usar um dicionário.
Cale a boca, rosnei internamente, vendo familiaridades ao meu redor.
Aquele arbusto alto e fino com o topo desgastado, o salgueiro com a
mancha careca no topo – eu estava perto de casa. Falta pouco.
Um grito humano congelou meu sangue. Terminou em uma espécie de
gemido ou chiado, muito alto para o meu gosto.
É melhor que zumbis não sejam reais, pessoal, ou terei pesadelos pelo
resto da minha vida.
Estou ficando preocupada com quem você pensa que está falando,
pensou meu animal, bombeando energia por mim. Eu vou ver o quanto
dessa combinação posso assumir antes da necessidade de soltar as garras.
Segure firme.
Segure firme em quê?
Puta merda, a simplicidade daquele castelo está passando para você. É
uma expressão. Uma que eu conheço porque você aprendeu. A presença
dela me empurrou, colocando-me de lado, então ela estava tomando conta
das minhas pernas. As complexidades do cheiro me sobrecarregaram até
que eu me esgueirei mais para trás, deixando-a lidar com eles. Nossa
velocidade aumentou bastante. Ela continuou, tomando mais controle.
Tentando trabalhar com um corpo que ela não conhecia bem – pude sentir a
confusão se arrastando. Senti a coceira na nossa pele e o bombeamento de
energia pronto para se transformar em uma explosão. Meu cabelo começou
a formigar e pareciam que facas estavam sendo enfiadas nas minhas costas.
Mas a escuridão recuou.
Formas pairavam ao nosso redor, a maioria pretas, brancas e amarelas.
Isso é… o máximo… que posso empurrar, pensou ela, e eu podia sentir
ela se esforçando.
Sem perder tempo, ela pegou o ritmo, passos leves e ágeis, mesmo que
tivesse preferido estar em quatro patas. Ela pulou raízes que eu poderia ter
tropeçado e evitou arbustos quebradiços ou galhos crepitantes que teriam
denunciado nossa localização.
Minha mão bateu no bolso e tirou o canivete. Ela abriu a lâmina quando
uma batida de adrenalina nos atravessou. Algo estava vindo.
— Ha-ha-ha! — Parecia a voz de um homem – depois de cem anos de
cigarros e sufocamento com lodo de pântano. — Ha-ha-ha!
Não estava rindo. O ser estava dizendo essas palavras como se tentasse
enganar alguém para pensar que era humano e estava se divertindo.
Olha aí.
Uma forma distintamente humana saiu de trás de uma árvore à frente.
Usava roupas usadas com buracos, e parte do couro cabeludo tinha
apodrecido. Dentes salientes preenchiam a boca e a mandíbula parecia
desequilibrada.
Olha aí seu zumbi, disse meu animal, diminuindo um pouco ao se
aproximar. Queria ter quatro pés e garras. Seria muito mais fácil. Você pode
ter que ajudar a comandar.
A escuridão invadiu um pouco, as formas ao nosso redor ficando
confusas.
Aposto que é um dibbuk, eu disse, imagens de criaturas demoníacas
passando pela minha cabeça. São demônios nos corpos dos pecadores. Um
entrou em nossa aldeia quando eu tinha uns quinze anos. Era desajeitado.
Posso lidar com isso.
Peço desculpas por tirar sarro por ser bem versada. Isso compensa.
Corri para ele, faca na mão. Ele virou quando cheguei perto, e eu me
desviei do braço dele, exultante pela força e velocidade com que eu poderia
agora me mover. E o esfaqueei no peito. Eu mal percebi. Mas esperava isso.
Esses sacanas não sentiam dor como um humano. Mas seus corpos ainda
podiam morrer.
Se eu tivesse minha adaga…
Derrubei a perna dele, seguindo com uma facada no rim, e então usei
ambas as mãos para conduzir a lâmina na base de seu crânio. Isso o
desabilitaria até sangrar, o que aconteceria bem rápido.
Um rosnado soou da direita antes de uma grande criatura que parecia
com um cachorro pular para cima de nós. Mais da metade do meu tamanho,
tinha impulso e músculo por trás dele. Caí no chão, esperei que ele passasse
acima do meu corpo propenso, e pareceu como se eu tivesse molas. Eu
poderia me acostumar com essa situação animal dentro de mim, atitude
sarcástica à parte. A criatura de cachorro pousou e tropeçou um pouco, não
esperava que eu me abaixasse. Uma barbatana se levantou de suas costas
como uma onda, cada costela coberta com um espeto. Seus olhos brilhavam
verde e saliva pingava de seus caninos enormes. Um cão do inferno mal
feito? Eu não tinha visto esse em nenhum dos livros que eu tinha lido.
Preciso de quatro pés e garras! pensou meu animal, frustração girando
em nós.
Sim, nós duas precisávamos, porque eu não poderia lidar com isso com
um bendito canivete.
Corri em direção a uma árvore e pulei em um galho baixo que gemeu
sob meu peso, mas aguentou. A criatura rosnou, pulando atrás de mim outra
vez. Com o coração agitado, eu me puxei para cima de outro galho e
segurei nossa vida em minhas mãos enquanto pulava através de um galho
grosso para a árvore vizinha. Eu enrolei meus braços em volta dele, mas
minhas pernas balançaram para o espaço aberto abaixo.
A criatura pulou e bateu na minha bota pendurada. Eu a puxei para fora
do caminho e me soltei, oscilando para o tronco.
Agora o quê? perguntou meu animal.
Agora você finge entender meus probleminhas enquanto tento descobrir
um jeito de sair daqui.
Com isso, iniciei meu diálogo interno habitual.
Este é um feito angustiante, pessoal. Mal posso esperar para ver o que
acontece depois, pensei, dimensionando a área. Havia uma trilha clara e
bastante larga que levava para longe daqui. Ela devia se cruzar com a trilha
que eu usei muitas vezes na floresta.
Uma coruja gritava distante, minha velha amiga Tagarela. Outra coisa
claramente rondava a floresta. Parte de mim esperava que fosse Nyfain. A
maior parte de mim percebeu que devia ser outra coisa horrível que os
demônios tinham desencadeado nesta floresta. Eu precisava sair daqui. Mas
essa coisa de cachorro sem dúvida poderia correr como o vento. Eu não
podia vencê-lo, então eu teria que matá-lo.
Ele esperou logo abaixo de mim, ainda olhando para cima como se
estivesse pensando em aprender a escalar uma árvore. Eu tinha a vantagem
sobre ele.
Fantástico, parece que ela teve uma excelente ideia. Obrigada, horrível
javali selvagem, por dar a ela a prática de tornar esse movimento precário
possível.
Isso é bem difícil de suportar. Meu animal parecia com dor.
É meu processo, eu disse quando pisei em outro galho e me movi ao
redor do tronco. Eu desci para o ramo abaixo. A criatura se movia comigo,
saliva pingando de uma mandíbula feita para esmagar ossos. Um gemido
baixo reverberou através de seu peito musculoso.
Fiquei empoleirada acima da criatura, cheia de determinação, minha faca
agarrada em uma mão que tremia de leve. Eu precisava pular sobre ele e
enfiar a faca em um ponto vulnerável. Já fiz isso antes com outros animais,
mas essa barbatana dificultaria as coisas. Eu teria que mirar perto de sua
cabeça, e essa extremidade tinha dentes. Ainda assim, eu não tinha outras
ideias. Esperar aqui não era uma opção. A criatura estava alertando a todos
sobre a minha presença, e se um monstro mais hábil aparecesse, ele poderia
vir aqui e me pegar. Escapar também não era uma opção. Se eu caísse
agora, a criatura entraria em meu caminho e me devoraria.
Porra, isso é uma droga, pensei, e me curvei de modo que meu rosto se
inclinou para baixo em direção a ele. Ele se preparou, seu rosnado ficando
mais alto. Balancei a mão armada. Ele tremia enquanto esperava, pronto
para saltar a qualquer momento.
— Vamos lá, seu desgraçado, venha me pegar — eu disse, baixando um
pouco mais.
Meu pé escorregou, e eu caí no galho, minha perna pendurada e meu
estômago para baixo. Eu lutei para me levantar enquanto a criatura pulava.
Agora ou nunca, pessoal!
Não, não, não, não, não!, respondeu meu animal.
Tarde demais. Esperei até que as mandíbulas se aproximassem do meu
rosto e depois rolei, caindo em direção a ela. A criatura caiu no chão, mas
não conseguiu se mover a tempo. Eu pousei em cima de sua cabeça, duas
mãos no punho da faca e a empurrando para baixo. Enfiei a lâmina na base
de sua barbatana, entre as omoplatas.
A criatura uivou e surtou, pegando meu braço. A dor aguda me
atravessou, mas eu não soltei. Usei a faca para arrastar a coisa comigo. Ela
se jogou no meu rosto, sua força começando a diminuir. Eu me esquivei da
mordida e puxei a faca, socando na garganta da coisa e apunhalando. Ela
arranhou minhas pernas com as garras dianteiras, e desejei ter usado o
couro de Nyfain, apesar de tudo. O sangue me banhou, mas eu continuei. A
criatura se debateu e depois caiu, muito pesada.
Eu saí de baixo dela, respirando com dificuldade. Meu braço pulsava em
agonia, e minhas pernas pareciam ter sido cauterizada, mas não era nada
que Hannon não tivesse curado antes. Só precisava chegar até ele.
Puxando meu animal de volta para o centro, deixei que assumisse a
liderança. Seu poder diminuiu um pouco a dor, e mancamos pelo caminho.
Suspirei aliviada quando marcos familiares apareceram. Estávamos perto de
casa.
Fiz um desvio rápido, retrocedendo um pouco e corri para o campo de
everlass. Sem dúvida Hannon ainda tinha um pouco da minha última
colheita, mas eu não usei tudo. A Deusa sabia que eu precisaria de um
pouco para essas mordidas e cortes.
A bétula apareceu à minha frente, e eu sorri com a vista – até que me
lembrei de sua propensão a dançar.
— Ah, merda…
Tarde demais. Ela balançou e se sacudiu, seus galhos rangendo e suas
folhas tremendo. Poderia muito bem convocar todas as criaturas curiosas
nesta floresta.
Embalei as folhas de everlass na mochila, o máximo que podia caber de
modo razoável. Elas ficariam irritadas com o material de qualquer maneira,
então eu poderia muito bem irritá-las empurrando mais do que o normal.
Ignorando o rebolado da bétula, corri em torno dela e para fora da área.
Dor pulsava nas minhas pernas e dedos, e o sangue escorria das feridas.
Algumas criaturas demoníacas se alimentavam de sangue, mas não da veia
como um vampiro cheio de frescura. Não, eles gostavam de rasgar carne e
lamber do corpo de suas vítimas. Se eles estivessem nesta floresta, eu
estava sobretudo os chamando.
Nunca ouvi falar de tantas criaturas vagando na floresta, pensei ao
caminhar, rangendo meus dentes contra a dor. Nunca encontrei tantos.
Meu animal não disse nada, apenas assumiu a maior parte do controle
outra vez e manteve nossos pés, um na frente do outro. No meio do
caminho, um cheiro estranho chamou minha atenção. Um pouco
almiscarado, como um demônio, mas com fortes tons de enxofre. Primeiro
veio da direita, depois da esquerda.
O cheiro está pairando ou o quê?, pensei quando meu animal acelerou.
Eu sabia que ela estaria catalogando muito mais complexidades do que eu
poderia compreender.
Não.
Esperei que ela entrasse em detalhes, mas em vez disso ela desacelerou.
O que estamos fazendo?, perguntei.
Eles estão nos cercando. Estou tentando decidir – sem falar com o
pessoal – o que fazer. Não sei dizer ainda a velocidade ou agilidade deles.
Continuamos, diminuindo a velocidade, e o cheiro continuava a ficar
mais forte. Da direita. Da esquerda. Um cheiro por trás. Então um deles
emergiu no caminho na minha frente. Era horroroso, e um olhar foi suficiente
para me dizer que nunca tinha feito uma aparição em nenhum dos meus
livros.
Seu rosto era como uma paródia de um esqueleto humano, com grandes
vazios cinzas para os olhos, um buraco para o nariz e um sorriso largo e
sem lábios. Sua juba amarela viscosa ia até uma corcunda em suas costas,
formada porque suas pernas dianteiras eram mais longas que as traseiras e
tinha uma pequena cauda nas costas. Era quase tão grande quanto a criatura
cão, só que mais espinhoso. Mas, seus membros dianteiros tinham um
polegar opositor. Era provável que pudesse agarrar.
Mais deles apareceram entre as árvores e folhagens ao meu redor,
cercando-me como meu animal tinha avisado que fariam. Cinco no total.
Enquanto eu observava, lodo preto pingava de seus dentes pontiagudos. O
da frente passou as pontas dos dedos por eles.
Isso provavelmente não é bom, pensei com uma sensação ruim no meu
íntimo. Deve ser algum produto químico projetado para desarmar um
oponente, como veneno.
Retiro o que disse. Não gosto do quanto você lê.
Vá em frente e fale com meu público invisível. Eles estão sempre
animados durante os momentos difíceis. Ajuda com o medo.
Se pudéssemos escolher nosso parceiro humano…
Respirei fundo, liderando agora. Meu animal e eu parecia estar
melhorando sobre quem tomava as rédeas e quando. Mesmo assim, eu meio
que desejei que ela tivesse escolhido este momento.
Mais respirações profundas, enviando oxigênio muito necessário para o
meu sangue. Eu tinha o poder do meu animal, emprestando força e
velocidade. Entorpecendo um pouco a dor. Mas não o suficiente. Isso seria
divertido.
— Vocês falam? — perguntei, porque era uma grande técnica de
protelar. — Me leve ao seu líder.
O da frente rangeu os dentes e fez um som de nack-nack-nack. Foi um
pouco melhor que o "ha-ha-ha" do outro cara, mas não muito. Lodo
escorreu pelo queixo.
— Certo, ok — eu disse baixinho, testando seus limites. Andei para a
frente devagar. A formação das criaturas mudou na mesma hora, se
movendo comigo, continuando a me encurralar. Eu os encorajei a apertar o
círculo.
Então, de nada ajudou.
Avancei, correndo para o que estava ao lado. Para minha surpresa, ele
recuou, criando espaço entre nós. Os que estavam na frente e atrás correram
para dentro, flanqueando-me. Mudei de direção na mesma hora, cortando
com uma faca que era muito pequena para a situação. A lâmina atingiu o ar.
A criatura correu e me atacou. Eu cambaleei para trás, mas me virei e
apunhalei com o canivete. A lâmina afundou nas costelas daquele que tinha
planejado marcar suas garras nas minhas costas.
— Vá se ferrar, filho da puta — eu disse, agarrando seu ombro ossudo e
puxando para a frente. A criatura pisoteou e se desequilibrou. Escorreguei
para trás e esfaqueei três vezes rápidas e em qualquer área decadente, vendo
os outros se reorganizarem.
Esses desgraçados são muito inteligentes? O que você acha?, pensei.
Eles são animais de bando, é óbvio, e são bons em caçar presas.
Também é óbvio que subestimaram você.
Sim. Foi o que eu pensei. Droga.
Respirando forte, pretendia usar o moribundo como escudo, mas suas
pernas desistiram. Caiu no chão, não morto, mas não disposto a servir como
meu escudo superútil.
Eles tentaram se espalhar em volta de mim para me enjaular, mas eu
recuei e os mantive na frente. Peguei mais cheiros por trás.
Não me diga…
Há três atrás de nós, disse meu animal. Eles são bons predadores.
E eu estava me transformando em uma presa.
Tentei mudar de direção, mas eles foram comigo. Eu me virei e corri,
mas um pulou das árvores para me impedir. Os que estavam atrás se
aproximaram.
Eu continuei assim mesmo, atacando o da frente. Quase perto dele, eu
me virei e bati no que podia sentir correndo atrás de mim. Eu sabia como
trabalhavam, e meu senso de perigo estava nas alturas, sem mencionar
Finley Número Dois. As criaturas do lado se aproximaram. Eu virei para
dar um golpe no que agora estava atrás de mim, apenas para girar de volta
para dar outra facada no primeiro. Eles estavam um passo atrás de mim, o
que era ótimo, exceto que eles não estavam morrendo com apenas um golpe
com a faca. Eu não estava diminuindo os números.
Minha respiração saiu em rajadas irregulares, e minha mão direita ferida
não aguentava mais segurar a faca. Eu não era tão boa com a esquerda.
Mais uma vez, eu os enfrentei, procurando uma alternativa. Tentando
descobrir um jeito. Sabendo que eu provavelmente não encontraria. Deixar o
castelo assim foi claramente o último erro da minha vida.
Capítulo 14

EU ESTAVA ME PREPARANDO para atacar outra vez quando algo


puxou minha barriga, como alguém arrancando uma corda de arco. O poder
me atravessou, pego e segurado pelo meu animal.
Fique viva, disse ela. O alfa está chegando.
Excitação, alívio e esperança ferviam dentro de mim. Respirei e me
estabilizei. O pulso de energia fresca bloqueou um pouco da minha dor,
então transferi minha faca para minha mão direita mais forte. O cheiro
sombrio de pinheiro e flor lilás com uma pitada de madressilva chegou a
mim, Nyfain se aproximou silenciosamente. Com o objetivo de surpreender
meus agressores.
A criatura à minha direita avançou devagar e cautelosa. Mantive minha
posição. Se eu atacasse, o do lado oposto se aproximaria. O contrário, e o
resto apertaria.
Seu progresso diminuiu. Em seguida, desacelerou ainda mais. Senti um
movimento rápido por trás e me adiantei para esfaquear o que estava bem
na minha frente. Eu me virei para direita. Suas pontas dos dedos escuras se
alongaram em garras no último segundo, indo para o meu braço.
A besta enorme de Nyfain explodiu pelas árvores. Ele se reduziu em
homem enquanto corria, alcançando-me assim que os dedos terminaram seu
golpe no ar. Ele me agarrou em seus braços fortes e se virou, virando suas
costas para a criatura. Ouvi sua ingestão de fôlego e o senti ficar tenso
quando o golpe o atingiu.
— Não, Nyfain…!
Ele me jogou, arremessando-me por cima do círculo das criaturas. Eu caí
de lado e rolei, minhas feridas gritando e novos hematomas surgindo por
todo meu corpo. As criaturas se aproximaram enquanto ele aumentava de
tamanho de volta para sua besta. Outro golpe inofensivo foi dado nas
escamas de seu pé poderoso. Ele pisou em uma criatura, achatando-a. Em
seguida, outra, todas as criaturas convenientemente próximas e fáceis para
ele matar. Mas logo elas perceberam isso e aumentaram sua circunferência.
Ele se virou e bateu em uma com a cauda. Aquela criatura bateu em um
tronco de árvore e deslizou para o chão. Ele se virou outra vez e atingiu
mais duas antes de chutar com o pé traseiro e levantar as garras na cara da
última.
Acabou em momentos, todas as criaturas esmagadas, jogadas em árvores
ou com rostos perdidos e metade de seus peitos.
Ele voltou a forma humana e correu para mim, caindo de joelhos ao meu
lado.
— Finley, você está bem? Ah, Deusa, Finley.
Parecia que ele estava implorando.
Ele me deitou no chão e passou as mãos pelo meu peito, procurando a
fonte de mais sangue.
— Não, está tudo bem. — Acenei meu braço bom para ele. — Apenas
alguns arranhões e mordidas. Está bem. Hannon vai me remendar em um
instante…
— A mordida deles é venenosa. Temos que levá-la…
Eu me encolhi enquanto ele manuseava meu braço.
— Não foi deles. Foi de uma coisa que parecia um cão infernal com uma
barbatana. Mas um deles arranhou você. O quanto venenoso é?
— Tudo bem, não se preocupe comigo.
Ele rasgou minhas calças para ver os arranhões nas pernas.
— O quanto venenoso? — exigi saber, afastando a dor para me sentar.
Ele olhou para mim e depois me analisou. O olhar dele transmitia tudo o
que eu precisava saber.
— Rápido — eu disse, empurrando Nyfain para longe e lutando para
ficar em pé.
Ele enfiou um braço sob minhas pernas e outro nas minhas costas, então
ficou em pé e me embalou no peito.
— Eu levo você até lá, tanto quanto eu posso. Quando o veneno tomar
conta, terá que fazer o resto do caminho sozinha. Há everlass e ataduras…
Puxei meu animal e possuí o poder que ela tinha tirado do dragão de
Nyfain. Com cada grama de medo e urgência que tinha, toda a minha
vontade, eu disse:
— Me leve para minha aldeia, agora!
Seu animal rugiu para a superfície. Poder envolveu sua resposta,
pressionando por alguém lhe dizer o que fazer. Meu animal estava lá para
enfrentá-lo, ferro, fogo, força e teimosia.
— Faça isso — nós dissemos. — Agora!
Seus músculos estouraram enquanto ele lutava, e então ele se virou. Eu
não sabia quem estava no controle, meu animal ou eu, e não me importava
muito. Eu só precisava que ele chegasse em segurança.
— Eu posso andar. Não precisa me carregar — eu disse a ele, batendo
em seu ombro.
— Não force a barra — rosnou ele.
Verdade. Escolha as batalhas.
— Há mais alguma criatura para se preocupar? — perguntei quando ele
começou a correr.
— Não. A floresta está quase vazia. Eu teria chegado a você mais cedo,
mas as criaturas continuaram cruzando meu caminho, como se estivessem
me impedindo propositalmente de chegar até você.
— Sempre tem tantos?
— Há um portal do reino demônio para o nosso, alimentado pela magia
da maldição. No primeiro dia depois de uma lua cheia, quando meu poder
cai, eles deixam entrar mais criaturas do que o normal. Ele está tentando me
matar, é claro. O prêmio de consolação é minha desfiguração. Eu coleciono
cicatrizes como crianças coletam pedras. Mas enfim… ele pode ter
conseguido.
— Ele não conseguiu nada. Eu posso consertar você. Sabia que em muitos
reinos, as crianças colecionam conchas porque não são cercadas por florestas
como nós? Isso não seria bom?
— Em vez de coletar a recompensa da natureza, elas coletam as casas de
criaturas marinhas mortas?
Pisquei algumas vezes.
— Mas essas casas são muito bonitas. E as criaturas marinhas não as
usam mais, então…
— Suas técnicas de distração precisam melhorar.
— Então, se você não está distraído, posso muito bem perguntar… está
doendo muito?
— Pra caralho, na verdade. Mas não tanto quanto doeria se tivesse sido
você.
De repente fiquei sem saber o que dizer. Sem saber por que ele diria isso.
Sem saber se era verdade.
Ele parou na beira da floresta.
— Preciso de energia.
— Claro, sim, vou… perguntar a Mais Sarcástica Finley…
Preciso de mais energia.
Então tecnicamente não era uma pergunta.
— Você ainda a suprimi? — perguntou ele quando uma onda de poder
passou de mim para ele, carregando um pouco de mim e meu animal.
Suspirei com a sensação da conexão mais forte entre nós. Um sentimento
perigoso de se desfrutar. Não aprendi minha lição?
— Não, mas… ela lida com a fonte de energia porque parece entender a
mecânica, e eu não.
Ele atravessou a barreira, e eu o senti ficar tenso outra vez.
— É mais fácil atravessar com você.
Ele continuou em um ritmo rápido, andando entre a floresta e as casas ao
redor. Notei que ele pegou um desvio, claramente tomando cuidado para
não passar pela área onde demônios andavam ou descansavam ou
recebiam/davam boquetes. As casas que passamos pertenciam a humanos
que não mexiam com demônios no normal, e a maioria tinha janelas
escuras. Esse caminho mostrava familiaridade e prática.
— Você estava mentindo de novo — eu disse enquanto ele se
aproximava. — Sobre vir me ver em vez de esperar que eu entrasse na
floresta.
— Omitir mais do que mentir, mas sim. Desde que você fez 18 anos,
visitei de vez em quando, mais frequentemente nos últimos anos.
— Como não percebi? Como nunca ouvi falar de um homem estranho
perseguindo esta aldeia?
— Porque estava escuro, e demônios vêm e vão. Por que se importariam
com outro rosto que não conhecem? Mas tomei cuidado para não ser visto.
— O que veio fazer aqui?
— Curiosidade. Queria saber sobre a everlass e o enigma da taxa de
morte em declínio de sua aldeia, mas eu não era inteligente o suficiente para
fazer a conexão. Parecia impossível que alguém pudesse criar um elixir
para ajudar. Eu me perguntava se talvez seus números tinham diminuído ao
limite.
— Mas se você esteve por perto, como meu animal só impulsionou
agora?
— Os metamorfos atingem sua potência máxima aos vinte e cinco anos.
Você tem… vinte e três, né? Você ainda está desenvolvendo.
— Quantos anos você tem?
Ele finalmente chegou ao caminho da minha casa, aderindo às sombras
ao subir.
— O tempo congelou para mim aos vinte e cinco anos. Todas as
experiências, menos o voyeurismo e as batalhas noturnas paradas. Não tive
experiências significativas, nada de novo para aprender e nenhuma nova
sociedade para me revigorar ou me ajudar a amadurecer. Eu sou um
metamorfo iniciante preso como uma mosca em mel.
Algo mexeu dentro de mim, e eu disse:
— Eu me sinto velha e jovem ao mesmo tempo. Minha infância se
transformou rapidamente em pânico, doença e conflitos. O perigo me
forçou a amadurecer muito rápido. Sinto que vivi duas vidas em apenas
dezesseis anos.
— É estranho, a maneira como aconteceu. Tempo parando no castelo
enquanto ele marcha nas aldeias.
Nyfain parou na porta da casa da minha família, colocando-me com
cuidado no chão. Seu equilíbrio tombou, e ele tropeçou na porta. Ele
colocou a mão na madeira e se endireitou.
— Não acho que vai me ver de novo, Finley — disse ele, com os olhos
observando meu rosto. — Você é uma mulher incrível. Tem um futuro
brilhante. Esta maldição preparou você para uma vida de sobrevivência. —
Ele fez uma pausa, engoliu em seco, e acrescentou: — O rei demônio ama a
beleza. Ele coleciona, como troféus. Com as pessoas, ele gosta que elas
perambulem por sua corte e leve bandejas douradas de comida e vinho para
seus convidados. Faça um acordo e tire sua família daqui. Apenas esconda
essa determinação feroz. Esconda seu poder e habilidade para liderar.
Esconda tudo o que faz de você muito boa. Você consegue.
— Pare de falar loucuras. — Bati na porta antes de agarrar o ombro
grande dele e virá-lo para mim. Ele inclinou o antebraço na moldura desta
vez, curvando-se.
— Normalmente eu não deixaria você ver minhas costas — murmurou
ele, balbuciando um pouco.
— Quanto tempo eu tenho?
Não havia luz suficiente para eu ver bem a ferida.
— Pra ser sincero, eu não sei. Nunca senti o veneno deles. Temos um
antissoro, mas tem décadas. Duvido que ainda funcione. Não há nada que
me cure, Finley. Apenas me deixe ir. Por favor, me deixe finalmente ir.
Bati na porta de novo antes de virá-lo para mim. Eu o esbofeteei no
rosto. Seus olhos acenderam fogo. Bom. A raiva era boa.
— Vou consertar isso, entendeu? Nossa biblioteca tem um livro sobre
venenos. Bem, é principalmente sobre árvores, mas também fala de um
monte de venenos naturais. Tem um…
A porta se abriu, a luz de dentro me fazendo olhar. Hannon ficou parado
com olhos arregalados e descrentes.
Eu dei um passo à frente e lhe dei um tapa na cara, também. Só para ele
saber que eu não era um fantasma.
— Esse cara se machucou salvando minha vida. Eu preciso ajudar ele, e
então você precisa cuidar de mim.
Hannon me puxou para a frente em um abraço apertado, tremendo.
— Não temos tempo, Hannon — chiei.
Ele me afastou antes de avaliar meus ferimentos com pressa.
— Qual é a gravidade?
— Eu? Não terrível. Posso esperar.
Ele acenou com a cabeça e olhou atrás de mim. Seus olhos se abriram, e
eu segui seu olhar. Ofeguei assustada ao ver as costas de Nyfain. As marcas
de garras estavam pretas, a pele ao redor rasgada e inchada, e linhas pretas
se espalhavam da ferida.
Meu olhar disparou para outra lesão – cicatrizes ásperas corriam por
cada lado, começando em suas omoplatas e correndo até o meio de suas
costas. Essas lesões eram antigas, a pele quase cerada e mais leve que suas
costas bronzeadas. Dezesseis anos, eu apostaria. Pareciam o tipo de
cicatrizes que se poderia ter depois que suas asas fossem cortadas. Foi por
isso que ele não queria me mostrar as costas. Ele estava envergonhado com
o que a maldição tinha feito ao seu animal. A ele.
Meu coração apertou. Lágrimas escorreram dos meus olhos. Eu mal
conhecia meu animal, e odiaria que ela se machucasse assim. Seria como
alguém cortando meus dois braços.
Mas, uma coisa de cada vez. Eu não podia curar aquilo. Podia curar o
que estava acontecendo com ele por causa do veneno.
Com sorte.
— Rápido — disse Hannon, empurrando-me para fora do caminho e
alcançando Nyfain. — Vai ficar tudo bem. Fique calmo.
— Coloque-o na minha cama — eu disse a Hannon, enquanto levávamos
Nyfain pelo corredor. Seus movimentos eram lentos, e seus ombros se
inclinaram. — Preciso invadir a biblioteca e tentar descobrir que tipo de
veneno é…
— É veneno de um fah rahlen — disse Nyfain, enquanto Dash e Sable
corriam de seus quartos com olhos arregalados.
— Finley! — disseram ao mesmo tempo, correndo para me abraçar e, ao
fazê-lo, abraçar Nyfain.
— É uma criatura que o rei demônio cria a partir das almas dos
perversos e uma mistura especial de sua magia — disse ele. — O veneno
não é bem conhecido.
— Você achava que ninguém sabia como trabalhar com everlass,
também. E mesmo assim… — Lutamos para passar com ele pela porta
enquanto uma tosse vinha do quarto do meu pai. — Uma coisa de cada vez
— eu disse a mim mesma, lembrando de respirar. — Ajude uma pessoa de
cada vez.
— Pobre Finley — disse Nyfain, balbuciando. — O mundo em seus
ombros.
— Preciso invadir a biblioteca — repeti para Hannon, colocando Nyfain
deitado de barriga para baixo.
— Humm, tem seu cheiro — murmurou Nyfain. — Reconheço esse
cheiro em qualquer lugar.
— Quem é esse cara, Finley? — perguntou Sable.
— Longa história.
— Você está procurando aquele livro sobre árvores que tinha antes da
besta… — As palavras de Hannon cortaram em uma onda de emoção.
Encontrei os olhos dele por cima de Nyfain. Ele encolheu os ombros. —
Ouvi você falando lá fora. Eu precisava ter certeza de que era você antes de
abrir a porta. Estivemos preocupados que a besta fosse vir atrás de nós.
— Sim, claro. E sim, esse livro.
Ele encolheu os ombros outra vez.
— Não tive coragem de devolver. Eu estava esperando que você
aparecesse e fizesse isso por mim.
Passei o braço em seu ombro.
— Deusa abençoe você, Hannon. Onde está?
— Onde você deixou. Na mesa perto da porta.
Eu não tinha percebido, não que estivesse procurando.
— Aqui! — Dash correu para o quarto segurando três volumes grossos,
lutando com o peso. — Hannon, Sable, e eu estivemos pesquisando. Os
outros livros não vão ajudá-la, mas estes podem. São sobre os diferentes
reinos, e há um sobre o reino dos demônios. Hannon não viu nenhum
sangue, e viu rastros da besta, então pensamos que talvez ele estivesse
levando você de volta para o rei demônio. Nós íamos salvá-la.
Hannon me deu um olhar indefeso.
— Não poderíamos deixar de tentar ajudar de alguma forma.
— Verdadeira coragem — murmurou Nyfain no meu travesseiro.
— Sim, claro. — Eu fiz careta para Hannon. — Me dê isso, Dash. Vou
refrescar minha memória. Faz tempo que não li. E pegue isso. Tenho folhas
de everlass. Você pode arrumá-las? Vou precisar delas.
Tirei todas as folhas e peguei o volume com informação do reino
demônio, sentando-me perto da vela para ler. Não levei tempo para
encontrar a seção sobre criaturas demoníacas. Eu me lembrei de estar um
pouco interessada nela alguns anos atrás. Mas como eu suspeitava, o livro
não mencionava esta desagradável raça particular.
— O tipo de veneno… — Eu folheei o livro da árvore, sabendo que a
informação sobre venenos era intercalada com fatos sobre árvores. A ideia
era dar a ilusão de que era um livro inócuo. Eu tinha verificado para ler
sobre a bétula, mas tanto faz.
Voltando ao leito de Nyfain, eu me sentei perto da cabeça dele. Hannon
estava trabalhando na limpeza de suas costas, e as crianças, Dash de lado
dele, observavam.
— Fale sobre o veneno — eu disse, enquanto me familiarizava com o
conteúdo do livro. Se eu tivesse escolhido lê-lo na noite em que fui levada,
e tivesse ficado acordada tempo suficiente para aprender algo, eu teria uma
vantagem. — Cada detalhe que você pode lembrar. Eu sei a cor.
Nyfain me disse o que podia, mas não foi muito. Enquanto listava o que
sabia, suas palavras se tornaram cada vez mais arrastadas. Hannon estendeu
a mão e abriu as pálpebras dele.
— Olhos estão claros, não vermelhos. — Ele colocou a parte de trás da
mão na testa de Nyfain. — Febre alta. Dash, vá lá fora e pegue água gelada
do balde. Sable, pegue ataduras.
Dash correu pelo corredor, seus pés leves como uma pena. Aquele garoto
seria um excelente espião. Ou ladrão.
— Ele não pode morrer — eu disse, enquanto corria pelas páginas do
livro de veneno de árvore, já sabendo que não encontraria respostas. —
Hannon, ele não pode morrer.
— Então você gosta dele? Onde você o conheceu? Onde você esteve?
Ele aplicou creme nas marcas das garras. Nyfain se mexeu, seus olhos se
abriram e me encontraram imediatamente. Depois de um momento, eles
fecharam outra vez.
— Eu não gosto dele. Ou pelo menos… É complicado. Só… Ele não
pode morrer. O nosso futuro depende dele.
Hannon me estudou por um momento antes de voltar a Nyfain. Dash
apareceu com o balde, e Sable se sentou perto da cabeça de Nyfain. Ela
mergulhou o pano e aplicou de leve na testa dele.
— Sua família é extremamente competente, princesa — resmungou
Nyfain.
— Ele está zombando de você? — Sable tirou o pano, carrancuda.
— Sable, quando você está com um paciente, não cabe a você julgá-lo
— disse Hannon em voz alta. — Só a Deusa pode fazer isso.
— Vá em frente e me julgue, Sable — disse Nyfain. — Sua irmã sabe.
Eu os bloqueei, debruçando-me sobre os venenos. Nada combinava
perfeitamente com as características do veneno fah rahlen, embora isso não
fosse uma grande surpresa. O livro narrava venenos naturais.
— Essas criaturas foram criadas — eu disse baixinho. — Sable, deixe
Dash fazer isso. Venha aqui e se prepare para escrever as coisas.
— O que você achou? — perguntou Hannon.
— Essas criaturas foram criadas. Eles são uma mistura de… mal e lixo,
eu não sei. O veneno deles não vem da natureza. Não é uma coisa, é uma
coleção de várias coisas, e, portanto, preciso misturar vários componentes
para obter o antídoto certo. — Acenei com a mão para Hannon. — Faz
sentido, eu prometo. Só preciso começar a resolver isso. É arriscado… mas
se eu errar, ele ia morrer de qualquer maneira.
— Esse é o espírito — murmurou Nyfain, correndo as mãos para cima
para apertar o travesseiro.
Um sorriso torto estonteou o rosto de Sable.
— Eu gosto dele, Finley — sussurrou ela.
— Você é a única — disse ele. — Não está queimando. Parece que está
cavando nas minhas costas. Como se fosse derreter minha coluna.
Eu acenei com a cabeça e comecei a trabalhar.

⁎⁎⁎

QUINZE MINUTOS DEPOIS, e com mais alguns detalhes sobre a


incrível dor de Nyfain, eu estava lá fora com Sable. Ela segurou o
pergaminho, pronta para ler os ingredientes para a minha poção de cura
improvisada, mas eu não precisava da lista. Eu sentia o que era necessário.
Encontrei as folhas de everlass aglomerada exatamente como eu as tinha
deixado. Eu nunca a tinha usado antes. Eu olhei para ela por um momento.
— Mas Finley.
— Eu sei, Dash. Eu sei. É só que…
Não consegui explicar. Não podia explicar em palavras a razão deste
sentimento. Era uma loucura essa ideia. Arriscada. Mas algo parecia certo.
Esta planta poderia agir como um veneno porque era tão potente. Atacava
o corpo. Mas e se isso só acontecesse quando não tivesse uma doença forte o
suficiente para lutar? O que faria se fosse introduzido no sistema de alguém
que tinha sido dosado com um veneno que comia a carne e o osso?
O principal objetivo da everlass era curar. Às vezes não era o suficiente,
então alguém tinha descoberto uma maneira de torná-la mais potente. Os
efeitos colaterais infelizes de usar muitas everlass aglomeradas, ou não a
usar em algo grande o suficiente, era… morte.
Isto era enorme.
— Deusa me ajude. — Fechei os olhos e passei as mãos na planta. — Eu
preciso de ajuda. Ele é um dos seus. Quanto devo utilizar?
Passei as pontas dos dedos pelas folhas. Em seguida, sob a haste. Um
sentimento suave passou por mim. Pacífico, quase.
Eu me lembrei da música que Nyfain tinha cantado.
Sem tempo a perder, corri para dentro da casa e me agachei perto da
cabeça dele. Ele estava tremendo e coberto de suor. Hannon parecia triste.
Era um sinal muito ruim.
— Nyfain! — Eu descansei minha mão em seu ombro nu, coberto de
cicatrizes.
Ele sacudiu.
— Finley — ofegou ele.
— Preciso que cante aquela música. A música da everlass, lembra?
Quando estávamos colhendo? Preciso que cante aquela música.
Seus lábios mal se moviam. Sua voz saiu vacilante no início, mas ficou
mais forte à medida que se erguia e caía naquela bela sinfonia.
— Está muito ruim? — perguntei a Hannon. — O quanto perto da
morte?
Ele balançou a cabeça triste. Hannon não sabia, mas não parecia bom.
— O quanto agressivo é esse veneno? — perguntei.
— Muito — murmurou Nyfain. — Foi feito para matar rápido e de modo
horrível.
Eu me inclinei sobre ele, ficando bem na frente de seu rosto.
— Você sabe o quanto de uma planta everlass aglomerada se usa com
um veneno horrível e agressivo? Será que sua mãe alguma vez mencionou?
Seus lábios esticaram em um sorriso sublime, eram tão cheios e macios.
Eu me lembrei da sensação deles. A adrenalina de seu beijo.
Sua voz tremeu, mesmo que não fosse muito mais do que um sussurro.
Eu podia senti-lo em meu peito, como se estivesse conectado lá.
— Você acabou de descobrir isso por conta própria, não foi?
— Estou certa, então. — Eu suspirei. Em seguida, apontei para Sable. —
Vá cantar essa canção para a planta everlass aglomerada.
— Você é uma garota tão inteligente, Finley — continuou Nyfain,
estendendo a mão. Eu a segurei, muito quente no toque. A febre dele estava
furiosa. — Eu meio que suspeitei todo esse tempo que alguém estava
contando nossos segredos familiares às escondidas. Noção absurda, mas ao
mesmo tempo…
— Ele está começando a delirar por causa da febre — avisou Hannon. —
Se você vai fazer alguma coisa, faça agora.
— Mas aqui estou eu, vendo você descobrir a cura para me salvar. Eu
não ia contar. Principalmente porque não sei os detalhes, mas também
porque minha mãe passou o segredo para mim, e eu jurei apenas contar à
minha família se eles fossem dragões. Inacreditável. Você vai fazer coisas
com a everlass que os feéricos apenas sonharam.
Apertei a mão dele.
— Quantas folhas?
— Para isso, talvez duas. Mas comece com uma no caso de você ter uma
planta muito revoltada.
Apertei a mão dele e voltei, percebendo tarde demais que ele não tinha
aberto os olhos uma vez durante toda a nossa troca.
Lá fora, Sable estava cantando para a planta em soprano perfeito. Ela
estava inconscientemente brincando com as folhas ao mesmo tempo, e eu
não pude deixar de sorrir com o pensamento de que ela estava fazendo algo
que a mãe de Nyfain já fez. Queria ter conhecido a mãe dele. Ou o povo
dela.
Eu pensaria no absurdo de conhecer uma rainha outra hora.
— Obrigada. — Eu me abaixei ao lado dela e depois fiz uma pausa. Eu
não tinha perguntado se elas precisavam secar primeiro. Mas não tinha
tempo de secá-las.
Peguei uma das mais saudáveis porque eu sabia que as folhas murchas
eram ainda mais imprevisíveis. Se eu não usasse o suficiente, eu poderia
adicionar mais. Muito, e eu precisaria pegar uma pá.
— Lá vamos nós — eu disse, usando a everlass do mesmo jeito que
usava para qualquer doença, só agora adicionando traços de outras ervas.
Eu trabalhava lá fora no ar fresco, mantendo o foco.
— Ele está mal, Finley — disse Dash, na porta dos fundos. Eu não tinha
ouvido ele se aproximar. — Hannon diz que você tem muito pouco tempo.
— Puta merda — murmurei. Eu estava trabalhando com uma chama
aberta. Isso estaria quente. Peguei uma caneca de chá e derramei o
conteúdo.
De volta ao meu quarto, Nyfain gemia com as mãos jogadas para os
lados da cama, as costas de seus dedos descansando no chão. O preto do
veneno tinha rastejado por quase todas suas costas e estava subindo em seus
ombros. Sua cabeça parecia uma fornalha.
— Coloque algumas ataduras; ele precisa se virar de costas e sentar. —
Coloquei o antídoto (espero) na mesa e corri para ajudar Hannon com as
ataduras. Quando tínhamos as feridas de Nyfain cobertas, eu movi as pernas
dele para o chão e então puxei a força do meu animal para ajudar Hannon a
levantá-lo de leve.
— Desde quando você é tão forte? — perguntou Hannon.
— Houve muitos desenvolvimentos. Agora não é hora. Além disso, você
sabia que as pessoas no castelo vestiam fantasias de animais e... bem, não
importa. Agora não é mesmo a hora.
Meu braço doía e minhas pernas queimavam, mas ignorei a dor.
Colocamos Nyfain de costas, mas ele não conseguia acordar para se sentar.
Seus olhos tremularam, e ele gemeu.
— Ok, vai ficar tudo bem. Aqui. — Sentei Nyfain e depois balancei a
perna na cama atrás dele. Eu me inclinei na cabeceira e tive um Hannon
surpreso me ajudando a incliná-lo de volta em mim. Estendi a mão e Sable
me deu a caneca.
— Ainda está muito quente — murmurei, depois, levei um segundo para
soprar.
Nyfain gemeu, e sua mão veio em direção ao meu braço segurando a
caneca.
— Não, não. Alguém agarre o braço dele!
Hannon estendeu a mão, pegou e segurou o braço. A outra mão de
Nyfain se ergueu, procurando. Bem baixinho, ouvi:
— Finley.
— Ok, já foi tempo suficiente. — Eu me inclinei mais perto da orelha
dele. — Você tem que beber isso, Nyfain. — Eu infundi o comando com a
força do meu animal, que estava fazendo o equivalente mental de torcer as
mãos. — Beba isso, Nyfain.
— Os olhos dele estão vibrando — disse Sable, sentada em sua cama e
se inclinando para olhar.
A cabeça dele levantou um pouco. Hannon se inclinou para ter certeza
de que ele tinha as duas mãos capturadas. Olhei em volta do rosto de Nyfain
para alinhar o copo e inclinar um pouco.
— Baba — disse Hannon. — Sable, limpe rápido.
— Mantenha essa mistura longe de suas bocas — eu disse, o poder do
meu animal ainda passando na minha voz. Todos meus irmãos congelaram.
— Desculpa. Vou explicar mais tarde. Vamos, Nyfain, você precisa de mais.
Eu lhe dei o elixir pouco a pouco, certificando-me de que ele bebeu a
maior parte. Esperei por um momento.
— A maioria dos antídotos são uma pequena quantidade — comentei,
relembrando o que eu sabia e o que eu tinha acabado de ler. — Uma
ampola. Mas essa cura não está concentrada. Eu também posso não ter
usado o suficiente.
— Se tem alguma esperança de funcionar, deve fazer alguma coisa —
disse Hannon. — O elixir de everlass que você faz leva apenas horas para
dar resultados no papai.
— Eu sei, eu sei. — Suspirei e tirei o cabelo de Nyfain do rosto. —
Acho que agora esperamos e veremos o que nossas vidas se tornarão.
Capítulo 15

DUAS HORAS DEPOIS, eu me sentei na cama de Sable coberta de


ataduras, olhando para Nyfain enquanto ele se contorcia. Seus punhos
cerravam e relaxavam. Sua cabeça virava de um lado para o outro. Ele
soltava grunhidos, a testa e as costas cobertas de suor.
Contei à minha família toda a história, desde o momento em que saí de
casa até o segundo que voltei, omitindo apenas algumas coisas. Eles tinham
descoberto que Nyfain era importante, mas eles não sabiam que ele era um
príncipe. Eles achavam que ele era um nobre que tinha sobrevivido e tinha
o destino do reino descansando sobre seus ombros. Eu esperava que eles
fossem tão ingênuos como eu tinha sido. E mesmo contando sobre o castelo
de pesadelos, eu obviamente não tinha entrado em detalhes sobre a natureza
desses pesadelos. As crianças estavam presentes, afinal. Mas eles agora
tinham a ideia geral. Eu tinha certeza que Hannon ligou os pontos, dado seu
conhecimento dos demônios que infestavam nossa aldeia.
Quando terminei, Sable perguntou:
— Mas por que ele está cheio de dor?
A pergunta me pegou de surpresa.
— Porque ele acha que matou a mãe dele e falhou em proteger seu reino.
— Não. — Ela fez uma careta. — Essa coisa com a mãe é apenas bobo.
Mulheres não morrem de corações partidos. Isso é apenas algo que as
pessoas dizem para esconder a negligência e maus tratos dos quais as
mulheres na verdade morreram. Mas você disse que a mãe dele se achava
uma roseira. Bem, roseiras não cedem. Você pode cortá-las, pensar que as
matou, e elas crescem e voltam dos mortos. Roseiras morrem por serem
sufocadas e isoladas das coisas que amam, como água e sol. Aposto que a
culpa é do pai. O pai a matou para trazer o filho de volta e depois prendê-lo.
Diga que estou errada.
— Você tem lido muitos mistérios — murmurou Hannon.
— Melhor do que os graphic novels estúpidos de Dash — disse ela, e
Dash jogou um travesseiro nela. — De todo jeito, não, não estava falando
do que o pai fez com ele. Isso é óbvio. Eu quis dizer, por que ele tem tantos
arranhões pelo corpo? É assim que os guerreiros sempre se parecem?
Mais tempo passou enquanto eu observava Nyfain, movendo-se tão
devagar quanto mel frio, Sable dormindo no sofá e apenas ele e eu no
quarto. Mais agitação da cama. Ele se deitou de bruços de novo, e eu me vi
olhando para aqueles recuos espessos correndo pelas costas dele. Para os
zigue-zagues cortando sua carne.
— Por que você patrulha a Floresta Proibida? — perguntei baixinho,
inclinando-me para traçar uma daquelas cicatrizes largas. Ele tremeu e
gemeu um pouco, ficando quieto.
Fiquei de joelhos ao lado da cama, traçando até o final da cicatriz e
começando no topo de novo. Ele respirou fundo e virou o rosto para o meu
lado, com os olhos tremulando. Parecia acalmá-lo por alguma razão.
— É porque você está protegendo todos nós, não é? Esse é o seu dever.
Observei as linhas negras do veneno, recuando de sua pele. A everlass
aglomerada estava trabalhando. Se essas linhas não tivessem sumido em
mais uma hora e meia, eu daria a ele um pouco mais do elixir.
Eu pensei ao longo dos anos. Naquela época, tínhamos visitas mais
violentas que os íncubos. Aquelas criaturas aterrorizaram a cidade e
mataram todos que conseguiram. Eu me lembrei do medo e do pânico.
Meus pais faziam com que nos escondêssemos debaixo da cama até que a
ameaça passasse, caso eles entrassem na casa. Tínhamos sido religiosos
sobre trancar as portas e fechar as janelas.
Com o tempo, aquela ameaça tinha diminuído. Não me lembrava da
última vez que aconteceu.
Agora percebi que foi por causa de Nyfain. Ele claramente passou por
uma curva de aprendizado íngreme, e agora ele patrulhava a floresta todas
as noites, matando as criaturas violentas antes que pudessem chegar às
aldeias.
— O rei demônio está jogando com você, né? — perguntei, alisando seu
cabelo despenteado da testa alta. — Ele fez isso para que você não pudesse
ir para as aldeias, mas suas criações poderiam. No começo, pelo menos. O
jogo é que você precisa encontrá-los e matá-los antes que eles entrem nas
aldeias e cacem o povo. Seu povo.
Que cobra viscosa. Não, chamar o rei demônio de cobra era um
desserviço às cobras.
— Queria ajudar você. — Tracei o maxilar forte e, depois, a cicatriz ao
longo da borda de seus lábios cheios e esculpidos. — Queria me
transformar e ajudar você. Eu sei que meu animal adoraria.
Seus olhos tremularam. Semicerrados e sonolentos, mas abertos.
Uma onda de excitação passou por mim. Eu me aproximei um pouco
mais da cabeça dele.
— Oi — sussurrei, lágrimas ardendo os cantos dos meus olhos. — Como
está se sentindo?
Ele abriu a mão mais perto de mim e a moveu um pouco na minha
direção. Peguei, acariciando as costas com meu polegar.
— Um redutor de dor vai mexer com a everlass? — perguntei, colocando
minha outra mão na cabeça dele e gentilmente acariciando sua testa. — Eu
poderia ser capaz de descobrir algumas coisas, mas o resto é tentativa e
erro. Eu prefiro não tentar com você agora e estragar tudo.
— Por favor. — Sua voz era apenas mais do que um sussurro.
Mais áspera que o normal.
— Água, né? Você quer água? — Eu me mexi para me levantar, mas a
mão dele me segurou firme, ainda incrivelmente forte.
— Fique comigo — falou com a voz áspera.
Eu peguei a mão dele.
— Claro que sim! Estou observando para ver se precisa de mais do
elixir. Vamos tirá-lo dessa, ok? Você viverá para lutar outro dia.
— Por favor. Continue falando. Me ajuda a saber que… Ainda faço parte
deste mundo. O outro lado está me puxando. Anseio por desistir. Se não
fosse você, eu já teria desistido. Os últimos dezesseis anos… foram só
miséria. Cada dia tem sido pior que o último. Estou tão cansado, Finley.
Estou tão cansado deste pesadelo.
O medo perfurou meu coração. Apertei a mão dele na minha.
— Mais everlass, então? Você precisa de mais agora? Eu sei que
prometeu a sua mãe não divulgar o segredo da família, e vamos brigar sobre
isso quando você estiver bem, mas você precisa me ajudar a ajudá-lo agora,
ok? Ela não iria querer que você morresse tão jovem. Sei que acha que é
responsável pela morte dela, mas Sable disse algo, e eu estive pensando
sobre isso. Sua mãe amava você. Ela gostaria que você fosse feliz. Ela
sentia falta de casa. — Estava deduzindo aquela parte pelas coisas que ele
tinha dito. — E ela não guardaria rancor por você ir embora. Ela acabou em
um casamento sem amor com um marido louco e nem sequer tinha
permissão para falar sua língua ancestral. Por que ela ia querer isso para
você? Quero dizer, olhe para mim. Não sou como as outras mulheres desta
aldeia. Sou selvagem, caço, e me arrisco, e volto para casa como uma
bagunça sangrenta. Eu não me importo com vestidos bonitos, com babados
ou se o galã da cidade quer se casar comigo…
Sua mão apertou a minha e seu corpo ficou tenso. Suspirei devagar,
verificando as linhas em suas costas outra vez. Eles ainda estavam
recuando. Talvez houvesse apenas alguns choques de dor no processo.
Eu continuei falando.
— Sou assim desde que eu era criança. As pessoas costumavam dizer à
minha mãe que ela não devia me deixar sair tanto com Hannon. Que eu era
uma má influência para ele porque ele é gentil, bondoso e adorável. Mas ela
podia ser tão teimosa quanto uma pedra. Ela governava esta casa. Ela não
permitiria que ninguém me intimidasse. Ela me deixou usar o que eu
quisesse. Ela me deixou fazer o que eu quisesse, desde que eu fosse
respeitosa. Ela confiou em mim para fazer as escolhas certas. É isso que as
mães fazem... elas guiam. Elas fortalecem. Elas apoiam, e nunca deixam de
amar seus filhos. Nunca. Duvido que uma roseira guardaria rancor do
espírito selvagem do filho. — Lágrimas encheram meus olhos.
“Sinto tanta falta dela — confessei, inclinando-me para a frente e
colocando meu rosto no travesseiro perto da cabeça dele. — Eu não pude
salvá-la. A receita para o elixir neutralizante não era tão boa naquela época.
Fiquei sem tempo. Mas sabe o quê? Tenho que lembrar que não foi minha
culpa. A maldição e a doença a mataram. Eu não podia vencer naquele
momento, mas vou vencer a tempo do meu pai. Eu vou. Eu não vou perder
outro. — Acariciei a bochecha dele, a minha outra mão ainda em volta da
dele.
“Sabe, elas estavam certos sobre Hannon ser mais agradável do que eu.
Minha mãe sempre argumentou que eu seria uma causa perdida sem ele.
Hannon odeia caçar, pescar e beber litros no bar com os rapazes. Acha que
são todos macacos cabeça-dura. E está certo, é claro. Ele gostaria dos
passatempos no castelo. Provavelmente poderia fazer uma aquarela muito
bonita. Ele é superbom em costura e bordados. E você viu como ele pode
cuidar das pessoas. Ele e eu somos tão opostos quanto os opostos podem
ser. É por isso que formamos uma excelente equipe. Eu sou boa em todas as
coisas que ele odeia, e ele é bom em todas as coisas que eu odeio.”
— Ele precisa de uma parceira forte — falou Nyfain com a voz áspera.
Eu me assustei. Em seguida, corei em constrangimento. Ele disse para
continuar falando, verdade, mas eu não tinha percebido que ele examinaria
cada palavra.
— Sim. Mas não há nenhuma nesta aldeia. Quero dizer, isso não é
verdade. Tenho certeza que há mulheres fortes. elas apenas não vão nadar
contra a maré. Ninguém se aproximou de mim, por exemplo, para aprender
a caçar. Exceto Sable. Eu estava ensinando sobre armadilhas e caças
pequenas antes de conhecê-lo. Mas ela também gosta de vestidos babados e
ficar bonita, para poder esconder sua estranheza um pouco melhor que eu.
— Gosto da sua estranheza.
— Eu não achava que gostava de nada meu.
— Água, por favor.
— Certo. Sim, claro. — Eu fui me levantar, mas uma das minhas pernas
tinha adormecido. Ela cedeu, e eu caí como uma pedra, batendo na borda da
cama de Sable e batendo no chão. — Droga.
Ele se sacudiu e depois gemeu, com os olhos abertos para olhar por cima
da cama.
— Estou bem. — Levantei o polegar, enquanto me arrastava para a
cama. — Tudo bem.
A porta do quarto se abriu, e Hannon entrou com o rosto exausto.
— O que aconteceu?
— Eu preciso de água para ele. Minha perna adormeceu, e eu caí de
cabeça.
Ele revirou os olhos e se moveu pelo quarto para o jarro de água. Ele
pegou e encheu um copo de alumínio. Quando ele se inclinou para dar a
Nyfain, eu voltei para a cama e comecei a bater na perna.
— Você consegue se sentar ou devemos ajudá-lo? — perguntou Hannon.
Nyfain tentou se levantar, mas seus braços cederam, e ele caiu de volta
para o colchão.
— Esta cama é tão dura quanto pedras.
— Do mesmo jeito que sua cabeça, então — eu disse sem querer.
Ele sorriu quando Hannon se mudou para o outro lado e esperou por
mim.
— Você vai se sentar à mão direita da Deusa quando morrer, Hannon —
disse Nyfain, enquanto eu me levantei para ajudar. Alfinetes invisíveis e
agulhas esfaquearam minha perna. — Você merece a maior honra na morte
por lidar com uma irmã como essa toda a sua vida.
— Pelo visto você está se sentindo melhor — resmunguei, quando
Hannon e eu nos inclinamos e o apoiamos na cama.
— Como está se sentindo? — perguntou Hannon, virando o cuidador
outra vez. — A dor recuou?
— Um pouco. Está mordendo meus ossos, mas não está mais latejando.
Pequenos milagres.
— Você precisa de mais elixir? — perguntei, pegando a xícara de
Hannon. A mão desajeitada de Nyfain veio para levá-la, e eu a afastei. —
Você vai acabar derramando. Você é um inválido, aja como tal.
Seus lábios se curvaram para cima.
— Sim, senhora.
Ele bebeu o conteúdo, derramando a última parte pelo canto da boca.
— Por enquanto está bom — disse Hannon baixinho.
Coloquei o copo no chão, e deitamos Nyfain de novo. Ele soltou uma
tosse irregular e segurou o travesseiro, mas se estabeleceu, seu rosto ainda
inclinado e olhando para mim.
— Estou no quarto ao lado, se precisar de mim — acrescentou Hannon,
estendendo a mão.
Depositei o copo na palma dele. Ele acenou com a cabeça e saiu pela
porta.
— O que ele vai fazer com aquilo? — perguntou Nyfain, tossindo um
pouco mais e depois gemendo.
— Com o quê, o copo? — Recebi um aceno fraco. — Lavar. Há outro lá
em cima. Quando esse estiver limpo, ele trará de volta o primeiro. Ele é
muito bom em limpeza quando se trata de cuidar de pessoas.
— Como ele deveria. Vocês dois formam uma boa equipe.
— Sim. Fomos criados em tempos difíceis, com pouquíssimas pessoas
para depender.
— Não, sem mais elixir por enquanto. Mas poderia usar um pouco do
seu poder.
Eu cutuquei meu animal e uma onda de poder passou de mim para
Nyfain. Quando voltou, nós o pegamos em confusão e difundiu em mim e
se afundou. Arquejei assustada. Parecia que eu ainda estava conectada a
Nyfain através do poder ou talvez da magia. Ou talvez apenas nossos
animais, eu não sabia. E embora não pudesse senti-lo especificamente, eu
podia sentir sua essência. Sua imponente presença se enraizando dentro de
mim. Era algo que eu deveria estar irritada, ou preocupada talvez, mas
agora eu só queria Nyfain inteiro de novo. O reino precisava dele. Eu lidaria
com as repercussões quando ele estivesse bem.
Suspirei e caí perto dele.
— Você deveria cortar o cabelo — eu disse, colocando a cabeça no braço
desta vez enquanto eu girava o cabelo dele com meus dedos.
— Eu não me importo com a minha aparência há muito tempo. Não
tinha ninguém para impressionar. Ninguém que eu queria impressionar,
pelo menos.
— Ah, muito obrigada. — Eu ri baixinho. — Eu tive um namorado uma
vez, e algumas vezes tentei me vestir melhor. Eu queria me sentir sexy e
excitá-lo.
— O que aconteceu?
— Ele ficou muito estranho. Ele disse que não queria me levar para sair
perto de pessoas vestida daquele jeito. Eu não estava exposta nem nada.
Não entendi o problema dele. Ele explicou quando terminou. Segundo meu
ex-namorado, ele pensou que eu tinha exibido minha aparência para fazê-lo
parecer menor. Como se ele não me merecesse. Acho que ele queria que eu
me ajoelhasse para ficar mais alto. Eu estava com o coração partido na
época, então não dei um soco nele por isso como deveria ter…
— Por que ele pareceria menor por namorar alguém mais atraente que
ele? Seria de pensar que outros homens estariam batendo palmas nas costas
em parabéns.
— Não sei. Só posso presumir que teve algo a ver com Jedrek, esse
idiota na aldeia. Ele quer ficar comigo principalmente por causa da minha
aparência, eu acho. Ele devia estar pensando sobre isso por um tempo.
Aposto que ele espalhou boatos ou implicou com meu ex. Os egos dos
homens são tão frágeis. Sem ofensa.
— Eu não teria ido longe se eu me ofendesse toda vez que alguém
falasse a verdade.
Eu ri, arrastando meus dedos pela bochecha dele.
— Essa coisa toda de “bonita” me irrita. Todos elogios que recebi foram
da minha aparência. É tudo o que posso ser.
— O que isso significa?
— Eu sou muito mais do que minha aparência. Todos somos. Sou tão
versada quanto posso nesta aldeia. Sou inteligente, forte e boa na resolução
de problemas. Sou corajosa... na maioria das vezes. Criei vários remédios de
cura que as pessoas usam, sem mencionar aquele que mantém seus familiares
vivos. Mas só recebo elogios por ser bonita. Parece que, nesta aldeia, se você
é bonita, você atingiu o mais alto nível de conquista para uma mulher, algo
que ninguém pode controlar. Algo dado e que eu não trabalhei ou tive
escolha. E se você não é visto como bonito, ou se você não melhora sua
beleza, você vive escutando maneiras de se tornar melhor: cabelo,
maquiagem, roupas, qualquer coisa. Como se de alguma forma precisamos
de conserto porque outra pessoa não gosta de nós do jeito que somos. Como
se devêssemos nos importar com o que os outros pensam mais do que
pensamos de nós mesmos. Isso é besteira.
Ele não respondeu. Dei um suspiro.
— Quero ser reconhecida pelo que faço, não por como me pareço. Quero
ser elogiada pelas minhas conquistas. Mas nesta aldeia, sinto que tudo o que
sou é bonita e cheia de falhas. Eu só… Eu só quero algo mais, eu acho.
— Você vai ter — sussurrou ele, e conseguia sentir que sua força estava
falhando com ele. Ele precisava dormir. — Você foi feita para grandes
coisas, Finley. Coisas que este reino não pode lhe proporcionar. Um dia
você verá uma rachadura em sua gaiola e vai voar.
Capítulo 16

ABRI OS OLHOS e tirei um momento para me orientar. O sol destacou


os motes de poeira se movendo preguiçosamente pelo ar do meu quarto.
Respirei os cheiros familiares, feliz por estar em casa de novo. Feliz em ver
minha família.
Levei um momento para perceber que os olhos de Nyfain estavam
abertos e me encarando.
Um choque de pânico me fez arquejar, pensando que era um olhar
morto. Pensando que ele tinha morrido entre o momento em que entrei na
cama de Sable no início da manhã e agora. Mas ele piscou e voltou a me
encarar.
Voltei a relaxar do meu lado, de frente para ele.
— Como está se sentindo? — perguntei, cansada e com as pernas
doendo. Eu precisava de pontos, pomadas, ataduras e descanso, e eu tinha
conseguido tudo, menos o último.
— Como você está se sentindo?
— Ótima. Mas não fui eu que quase morri. Em grande parte porque você
me salvou.
— Eu fui a razão pela qual você fugiu em primeiro lugar. A razão pela
qual você teve que fugir. A razão pela qual você está presa neste reino...
preciso continuar? Eu não salvei nada.
— Seu mau humor está de volta. Você deve estar se sentindo melhor.
Bocejei e me estiquei, caindo nas costas.
— Quantas daquelas criaturas você matou antes de eu chegar lá?
Eu pensei.
— Acho que apenas uma. O resto eu só esfaqueei com um canivete. Não
parecia atrasá-las muito.
— E você se machucou na hora?
— Sim. O cão do inferno com a barbatana me pegou. Isso não foi
agradável. Acho que prefiro enfrentar javalis. Você pode pelo menos cair
em javalis sem se preocupar em ser empalado com uma barbatana.
— Antes disso?
— Um dibbuk. Ele não era nada.
Virei a cabeça para o lado, encontrando aquele belo olhar. As listras
douradas mais leves foram destacadas pela filtragem da luz solar na sala.
Seu cabelo selvagem e cachos soltos fez suas maçãs do rosto se destacarem.
— A maldição mudou a cor das escamas do seu dragão? — perguntei.
— Sim.
— Seus olhos sempre foram dourados?
— Não. Mas, perto. Avelã. Mas algo sobre forçar a mudança queimou
minhas íris. Ou talvez seja algo da maldição, me forçando a lembrar o que
foi perdido. Eu só preciso olhar no espelho.
Acenei com a cabeça e, em seguida, eu me sentei. Eu me estiquei de
novo para completar.
— Você deveria dormir mais — disse ele. — Você parece horrível.
Balancei as pernas na borda e fiquei de pé, a parte de baixo do meu
pijama – que troquei depois de me remendar ontem – caiu nos tornozelos.
Eu me inclinei sobre ele, passando meus dedos nas suas costas. O preto do
veneno tinha acabado de desaparecer. Eu puxei algumas das ataduras
cobrindo as marcas de garras. Apenas alguns fios enevoados teciam pela
ferida rosa-vermelha inchada.
— A everlass comum não faz muito sobre veneno — eu disse, mordendo
o lábio. — Talvez precisemos arriscar um pouco mais da planta aglomerada
mais tarde. Talvez meia folha ou um quarto dela. Vejo em algumas horas.
Você vai precisar descansar de qualquer maneira.
— Preciso voltar para o castelo. — Ele fez um movimento para se
levantar. Eu coloquei a palma entre as omoplatas dele, mantendo-o no lugar.
— Sim, porque é uma ideia fantástica deixar os demônios vê-lo assim.
Seria fácil matá-lo, Nyfain. Este reino não pode ter isso. Você vai descansar
por um dia ou dois, e então podemos pensar nisso. Como está a dor?
— Eu não preciso ser mimado, princesa. Eu posso cuidar de mim
mesmo.
Recuei para que ele pudesse me ver de sua posição propensa na cama.
Eu levantei minhas mãos.
— Com quem você está falando agora? — Procurei pelo quarto sendo
dramática. — Você está com a impressão de que alguém neste quarto vai
acreditar nas suas mentiras?
Seus lábios se ajustaram em um pequeno sorriso.
— Acho que só uma pessoa.
— Quem?
Seu sorriso se espalhou mais. Ele.
— Foi o que pensei. — Abaixei o curativo dele e me sentei na parte da
cama perto da borda. — Vou tentar de novo, e tente cooperar desta vez, ok?
Eu sei sua fraqueza.
— Todo mundo sabe minha fraqueza: mulheres insistentes e teimosas.
Achatei meus lábios em uma expressão “você é ridículo”, mesmo que ele
não pudesse ver.
— Nem de perto.
Coloquei meu dedo no topo de uma das cicatrizes das asas dele e deslizei
de leve. Ele tremeu e arrepios rolaram em sua pele. Ele agarrou o
travesseiro em dois punhos e virou o rosto para baixo. Um gemido macio
resmungou fundo em seu peito.
Sua voz abafada veio do travesseiro.
— Não, princesa.
Senti um sorriso perverso cruzar meu rosto.
— Como está a dor? — perguntei, reposicionando meu dedo no topo
outra vez e pressionando levemente para baixo.
Os músculos ao longo de suas costas ficaram tensos. Sua metade inferior
se moveu, empurrando sua pélvis para baixo no colchão.
Bastou aquele simples para que ele ficasse duro?
Meu núcleo apertou. Aquele pensamento foi suficiente para me deixar
molhada.
Olhei para trás para ter certeza que a porta estava fechada. Eu sabia que
deveria me afastar. Ele precisava descansar.
Mas o cara era muito sexy, cicatrizes e tudo mais, e ele estava me
atormentando por dias. Ele merecia uma pequena vingança. O veneno
estava sob controle por enquanto, e as ataduras captariam qualquer sangue
que derramasse se seus cortes estivessem irritados. Além disso, ele tinha o
dia todo para descansar.
Não pude evitar. Ele não pôde evitar, mesmo com sua má atitude e
comportamento mal-humorado. Pelo menos meu animal sentiria orgulho,
embora eu não a alcançasse porque não queria que ela sequestrasse a cena.
Empurrei as cobertas para baixo, expondo aquela bunda muscular.
— Dragões têm asas quando estão em forma humana? — Eu acariciei
um pouco. Ele gemeu, e eu podia dizer que era metade prazer, metade dor
quando seus ombros e bunda flexionaram, empurrando meus lençóis. —
Nunca li nada falando isso.
— Não, eles não têm — rosnou ele. — Mas têm faixas de escamas, onde
ficam as asas. Elas foram arrancadas do meu corpo quando as asas dele
foram arrancadas de suas costas.
Esmaguei minha palma ao lado da cicatriz, acima das ataduras.
— E essa faixa de escamas…
— É incrivelmente erótica e proibida.
— Por que é proibido? — Minha voz estava rouca. Deslizei minha mão
para cima e raspei o topo da cicatriz com meu polegar.
Ele tremeu de novo.
— É reservado para parceiros.
Meus lábios se enrolaram um pouco mais alto.
— O que mais é proibido aos príncipes que você fez?
— Ninguém nunca tocou nessas escamas.
— Opa. Essa é a segunda pergunta que você não respondeu. De
propósito? Acho que sim. — Passei o polegar de novo. Em seguida, para
baixo, bem de leve, mal tocando.
— Ah Deusa, Finley, por favor… você não deveria…
Ele não estava enganando ninguém.
Uma memória de seu polegar traçando meu buraco proibido esclareceu
algumas coisas bem rápido.
— O rei demônio tem os íncubos e súcubos no castelo e aldeias, porque
muitas dessas coisas sexuais excêntricas eram proibidas, certo?
Acariciei a cicatriz. Ele respirou fundo, sua coluna se curvando e sua
pélvis empurrando para a frente, moendo seu pau duro na minha cama.
— Sem anal, sem orgias, sem… chicotadas, com certeza, né? Ninguém
amarrado? Devo admitir, sempre fui cautelosa em ser amarrada, problemas
de controle, mas quando você tinha minhas mãos presas na outra noite, eu
gostei. Teria deixado você me amarrar, vendar e me foder. — Seus quadris
sacudiram para a frente, sem dúvida pelo pensamento. — E os salões? Já
visitou um deles? Tentou alguma coisa antes da maldição? Eu não acho que
o rei poderia regular completamente todo o reino, mas sem dúvida poderia
restringir o castelo. Ou pelo menos tentar. Será que o filho obediente e
honrado seguia as leis da terra?
Quando ele não respondeu, eu devolvi o favor da outra noite e corri um
dedo pelo caminho de sua bunda.
— Meu ex gostava de uns toques e às vezes uma cutucada quando estava
recebendo um boquete. Você já tentou? Há um ponto muito sensível que eu
sei como atingir…
— Não fale comigo sobre outros homens — rosnou ele, e o calor
deslizou pela minha coluna. Senti meu animal arquear e ronronar dentro de
mim. Ela gostava quando ele ficava alfa.
— Já experimentou? — perguntei com uma voz rouca enquanto traçava
um dedo pela cicatriz de novo, ainda bem leve.
— Não… — Ele bombeou os quadris para a frente. — Finley, por favor.
— Humm, você está implorando, Nyfain. Tenho certeza que o Sr. Alfa
nunca deveria implorar.
Por impulso, eu me inclinei para a frente e lambi o topo da cicatriz.
Seus quadris se curvaram. Ele soltou um gemido longo e torturado.
— Quando eu estiver melhor, vou jogar você em uma parede e fazer
você pagar por tudo isso. Vou foder você tanto que não vai se lembrar do
seu nome. Você nunca vai querer outro homem enquanto viver.
Este era um jogo perigoso que estávamos jogando. O dragão dele queria
me reivindicar, afinal. Se eu perdesse, perderia muito.
Às vezes você só tinha que arriscar.
— Palavras grandes, para um inválido. — Eu lambi de novo, depois
beijei suavemente, alcançando e esfregando sua outra cicatriz.
— Finley — ofegou ele, seus quadris sacudindo agora, montando meu
colchão. — Abra suas pernas na minha frente. Quero provar você.
— Não. Eu vou brincar com meus dedos enquanto você goza na minha
cama.
— Estou fingindo que é sua boceta que estou montando.
— Finja o quanto quiser, mas quando terminarmos, você sempre vai
pensar no jeito que aquela garota comum fez você gozar da maneira mais
estranha imaginável.
Seu gemido foi prazer e tortura de novo, e eu ri ao mergulhar a mão livre
abaixo da minha cintura. Senti minha umidade antes de mergulhar um dedo.
Lambi sua pele, esfregando de leve com a outra mão.
— Humm — disse ele, então virou a cabeça, olhando para meu braço
mergulhado de seu campo de visão.
Eu me levantei e coloquei um joelho na beira da cama e enfiei meus
dedos em mim, meu braço pulando a cada impulso. Eu os tirei e ofereci a ele.
Ele chupou avidamente.
Eu queria me posicionar na frente dele, deixá-lo comer minha buceta
como um homem faminto. Mas isso seria muito movimento para seus
ferimentos, e além disso, ele não me deixou ter acesso a ele no passado, e
eu tinha a intenção de fazê-lo pagar.
Enfiei a mão de volta nas minhas calças e me inclinei para as costas dele
de novo, lambendo e chupando, esfregando sua outra cicatriz. Ele levantou
a bunda e esticar o braço para baixo, tremendo com o esforço. Dei um tapa
na sua mão.
— Preciso ajustar meu pau para profanar seus lençóis.
Sorri de modo perverso, eu me estendi sob seu corpo e agarrei aquele
pau enorme e bonito. Salivei com o desejo de chupar, levá-lo mais longe do
que eu poderia confortavelmente ir e, em seguida, forçá-lo ainda mais. Mas
dessa vez não.
Acariciei duas vezes em um aperto firme, fazendo-o gemer, antes de
arranjá-lo para apontar para o peito. Ele se deitou, empurrando na mesma
hora. Eu fiz uma pausa rápida para trancar a porta, então voltei e tirei a
calça. O que eu podia dizer? Nunca fui boa em autocontrole. Retomei
minha posição, esfregando dois dedos entre minhas dobras escorregadias
antes de mergulhá-los na boceta.
— Porra, Finley.
Continuei nossa conversa, lembrando de onde estávamos.
— Você já tentou isso antes, Nyfain? — Corri um dedo um pouco mais
firme em sua cicatriz. — Você já viu uma mulher se dar prazer?
— Não — chiou ele, vendo meus dedos se moverem enquanto se
esfregava na minha cama. — Eu preciso foder você, Finley. Preciso muito
foder você.
— Você já afundou seu pau na bunda de uma mulher?
— Porra… — Ele apertou os olhos, puro prazer dominando sua
expressão. Ele se esfregou como se estivesse com raiva... grandes
movimentos fortes que me chamou a atenção dos meus olhos e os prendeu.
Seu corpo, mesmo com dor, se movia com fluidez graciosa. Ele era um
espécime e tanto. Poderoso. Bruto. Tão gostoso que não deveria ser
permitido.
Acariciei aquela pele febril. Bati meus dedos em mim.
Queria ter outra mão para poder manipular um mamilo.
— Você já sonhou comigo? — perguntei, quase em uma experiência fora
do corpo. Por alguma razão, era tão erótico manter o controle agora.
Provocando. Brincando com ele. Eu sabia que a inversão de papéis o
deixava louco de necessidade. Eu sabia que ele queria se levantar e roubar o
controle de volta. Que queria me jogar debaixo dele e mergulhar fundo nas
minhas profundezas molhadas. Queria me dominar até os dois estarem
exaustos e aconchegados.
— Você já sonhou em me foder? — sussurrei, lambendo-o novamente.
— Sonhei à noite, sonhei acordado, deixei minha mão quente
relembrando você arqueando em mim, tentando forçar seu peito um pouco
mais fundo na minha boca. Ou contorcendo meus dedos enquanto eu
segurava você na árvore. Implorando por meu pau.
Sua bunda relaxou e, depois, tensionou. A cama tremeu com o poder
dele. Meu corpo pediu por mais, e eu mergulhei no tempo com seus
impulsos enquanto ele observava, seu olhar dourado colado nos dedos
brilhando com minha umidade.
Eu me curvei de novo e chupei um pouco de pele, massageando com a
língua.
— Não… Não posso… É… Porra! — Ele espasmou na cama, o móvel
todo tremendo.
Trabalhei um pouco mais rápido, levantando e fechando os olhos quando
o prazer se intensificou. Tirei minha mão dele e corri para baixo da camisa
até meu peito. Apertei um mamilo e meu orgasmo me invadiu. Gemi
baixinho, tremendo de prazer.
Quando terminei, estava ofegando. O suor cobria minha testa.
Abri os olhos, vendo que ele tinha subido em seus antebraços, apesar de
qualquer dor que deve ter causado, para que pudesse me ver terminar.
Sorri e peguei algumas roupas. Eu coloquei isso antes de virar os lençóis
de cima sobre sua metade inferior.
— E agora vai ficar nesse ponto molhado até eu tomar café da manhã e
voltar para ver como está. Tome isso como vingança pelo tanto de bolas
azuis femininas que você me deu. Ou, inferno, por ser um idiota todas essas
vezes.
Eu me inclinei para pegar meu pijama do chão, e ele estendeu a mão e
pegou minha camisa. Ele me puxou para ele e reivindicou meus lábios. Abri
minha boca de tão surpresa, e ele a encheu com a língua apressado,
deslizando antes de mergulhar. O gosto dele me deixou louca. A
eletricidade do nosso toque brilhou pela minha pele. Meu pulso tremia.
Ele me libertou, e eu cambaleei para trás, meus lábios formigando e
inchados. Meu corpo já começou a apertar mesmo que eu tivesse acabado
de gozar.
Ele deve ter visto o olhar assustado no meu rosto, porque sorriu
presunçoso antes de se deitar.
— Se você quer que meu gozo encharque sua cama, princesa, quem sou
eu para dizer alguma coisa? Vou precisar de um banho mais tarde. Vou
esperar pela hora do banho de esponja que você vai me dar. E não, eu não
fiz muitas coisas, incluindo visitar um daqueles salões, embora os tenha
visto em minhas caminhadas. Sim, eu sempre quis. Sim, quando você me
der uma versão plebeia dele, vou querer um final feliz.
— Vai sonhando, Sr. Alfa.
Ele riu sombriamente.
— Veremos.

⁎⁎⁎

DEPOIS DO CAFÉ da manhã, verifiquei meu pai, só para encontrar sua


situação se deteriorando. Hannon me encontrou ao lado de sua cama, seu
rosto sombrio.
— Só foram alguns dias — eu disse. — Você misturou o elixir
corretamente?
— Dash fez da mesma maneira que você sempre faz. Sabe que ele faz
direito.
Acenei com a cabeça, porque ele fez. Passei a mão pelo rosto, sentindo
tristeza se espalhar.
— Preciso ser mais criativa. Temos que pensar em algo.
— Você não faz milagres, Finley — disse ele triste. — Não pode salvar
todo mundo.
Com certeza eu ia tentar.
Coloquei uma cadeira ao lado das plantas everlass e deixei minha mente
vagar, pensando na magia dos demônios. Pensando nas criaturas que tinha
encontrado na floresta. Pensando no veneno em Nyfain.
Usando uma planta everlass aglomerada que tinha matado o marido da
senhora no final da rua, mas talvez o elixir tinha sido muito forte. Ou talvez
a receita em si precisasse ser ajustada para acomodar o agente de cura mais
forte.
Foi só quando ouvi meu nome que percebi que alguém estava no jardim
comigo. Também que as lágrimas estavam rolando pelo meu rosto.
A menos que algo mudasse logo, eu estava prestes a perder outro pai.
Nyfain estava com o braço em volta dos ombros de Hannon, e o braço de
Hannon estava enrolado em torno da cintura dele para apoiá-lo. Nyfain
usava uma calças de moletom muito curtas e estava sem camisa, mostrando
aquele físico musculoso.
Limpei a umidade do meu rosto e me levantei.
— O que foi?
— Dê uma olhada em suas feridas. Ele precisa de pontos, mas primeiro
precisamos ter certeza de que o veneno se foi.
Saí da cadeira e a segurei para Hannon levá-lo e sentá-lo. Os olhos de
Nyfain permaneceram enraizados em mim enquanto ele se aproximavam,
só se afastando quando precisou se sentar. Nyfain se inclinou para a frente,
as ataduras já tinham sido retiradas. Sem linhas pretas na carne rosa
exposta. Hannon tinha feito seu trabalho habitual de limpeza, também. Sem
sujeira, sem sangue seco.
— Sim, está bom. — Coloquei as mãos nos ombros de Nyfain. Seus
músculos suavizaram um pouco debaixo da minha palma, como se ele
estivesse relaxando. — Resolvemos isso bem rápido, então não deve deixar
cicatrizes.
— Já sei, você de alguma forma conseguiu acelerar a cura ou suavizar
cicatrizes com suas plantas — desdenhou Nyfain.
— Os dois. Você não notou nenhuma cicatriz em mim, notou?
— Uma no topo do seu seio direito. Outro na sua nádega esquerda
— Certo, sim, tudo bem. Chega — eu disse.
As sobrancelhas de Hannon se ergueram, e meu rosto aqueceu. Esses
arranhões não foram tão ruins para eu sofrer o constrangimento de Hannon
curar eles. Era óbvio que Nyfain estava prestando atenção.
— Bem… certo. — Enfiei meus dedos na pele de Nyfain. — Exceto
pelos lugares que eu não pedi para Hannon tratar, óbvio.
— Vamos levá-lo para o balde e pode lavá-lo — disse Hannon, ficando
ao lado de Nyfain. — Vou costurá-lo depois disso. Depois ele precisa
descansar.
— Não posso descansar aqui. Preciso voltar para o castelo. Vou…
— Você vai descansar aqui porque é muito longe para se rastejar — eu
disse, meu tom infundido com poder e sem tolerar discussões.
Eu podia ver a veia no lado de sua mandíbula pulsar de irritação.
Ele não comentou, o que significava que ele faria o que eu disse.
— Além disso, eu não vou limpá-lo. Você é o enfermeiro, Hannon. Você
limpa. Eu preciso descobrir algo para nosso pai.
— Finley, posso falar com você?
Hannon fez um gesto para eu me afastar de Nyfain.
— O que foi? — perguntei quando estávamos a uma pequena distância,
na esquina da casa e no beco lateral.
Ele falou baixinho, com os olhos me avaliando.
— Normalmente ficaria feliz em limpar um paciente, como você sabe,
para ter certeza de que foi feito direito. Mas ele pediu antes que você fizesse
isso, e agora você está tentando não fazer. É claro que vocês dois estão
brincando um com o outro, e eu não pretendo ficar no caminho.
— Mas…
Ele levantou a mão.
— Mas acho que você precisa ver o que acontece, não importa qual
caminho leve.
— Pode levar à morte, Hannon.
— Mais da metade de suas aventuras fora de casa sempre podiam levar à
morte. Você nunca se esquivou delas.
— Isto é diferente.
Ele me observou por um momento.
— Bom. Você precisa de algo novo em sua vida. Agora, não esqueça de
fazer um bom e minucioso trabalho. — Arrepios revestiram minha pele
com a ideia do que Nyfain tinha dito sobre o salão. — Feridas de garras
sujas infundidas com veneno são a principal fonte de infecção. Parece que
ele precisa melhorar com pressa. Seja qual for o jogo que estão jogando,
você precisa se concentrar no que é importante. A saúde dele. Coloque isso
em primeiro lugar.
Respirei lentamente e acenei com a cabeça, nada mais do que um
empurrão irritado da minha cabeça.
Hannon demorou um segundo e então perguntou:
— Você vai voltar para o castelo quando ele for?
Não estava na ponta da minha língua. Estava lá, pronto para ser lançado
ao mundo. Mas… a verdade era… eu não sabia. Havia muitas razões para
ficar na aldeia e algumas razões para voltar ao castelo, a maioria
relacionada com os recursos de jardinagem disponíveis para mim lá. Isso
poderia ajudar mesmo meus esforços para encontrar uma cura para a
doença, especialmente considerando que a planta aglomerada pode ser o elo
perdido, e eu não tinha muito disso.
Mas havia apenas uma razão pela qual eu estava indecisa – aquele
grande monte de músculos sentado no meu quintal, coberto de cicatrizes e
tinta, precisando de ajuda para proteger seu reino. Eu queria dar essa ajuda,
mas eu não sabia se seria capaz de resistir a lhe dar o resto de mim também.
Capítulo 17

HANNON E EU levamos Nyfain ao pequeno galpão de madeira para


banho ao lado da casa, uma instalação ao ar livre perto da bomba de água.
Dentro, um fogo ardente aquecia uma panela de ferro fundido – nós o
chamamos de “o balde” – cheio de água. O piso era feito de ripas de
madeira sobre cascalho, proporcionando drenagem. Reunimos o fogo de
manhã e nos revezamos para nos lavar, depois deixamos as brasas
morrerem até a manhã seguinte. Neste ponto do dia, elas estavam brilhando
e a água não estaria mais do que morna.
Paramos na porta e eu pausei para Nyfain fazer um som ou comentário
enojado. Apesar da desgraça do reino, ele ainda era um príncipe. Ele vivia
em um castelo com instalações internas. Até minha torre solitária tinha um
banheiro com uma boa banheira.
Em vez disso, ele colocou a mão na moldura e disse:
— Vou precisar daquela cadeira.
— Claro. — Hannon se afastou e nos deixou parados em silêncio por um
momento.
— Eu sei que você está acostumado a coisas mais elegantes — comecei
sem jeito. — Mas é isso que usamos.
— Um reino é tão bom quanto a pessoa mais pobre — murmurou ele. —
Era algo que minha mãe costumava me dizer. Eu nunca tinha entendido a
gravidade disso até agora.
Enrijeci na defensiva.
— Não temos muito, mas temos o suficiente. Antes da maldição, eu me
lembro da felicidade e dos sorrisos. Vizinhos ajudando uns aos outros e
jantares comunitários mensais. Não tínhamos vidas ruins, só não tínhamos
banheiras ou torres chiques para colocar as pessoas que sequestrávamos.
Até mesmo agora, todos nos reunimos o máximo que conseguimos.
Algumas pessoas são péssimas, mas ajudam. Não deixamos ninguém passar
fome. Seu reino poderia ter um destino muito pior do que ser moldado por
nossa comunidade.
— Você está coberta de razão. Peço desculpas pela forma como pareceu.
Não quis desrespeitar, mas acho que sua aldeia foi negligenciada pela coroa.
Seu povo foi deixado para se virar sozinho enquanto ainda precisava pagar
os impostos. Não receberam nada pelo dinheiro. Se não cuidar direito do
povo cria uma marca negra no reino, só isso. Vocês deveriam ter tido mais.
— Aqui. — Hannon passou com a cadeira e colocou nas ripas de
madeira. Ele se abaixou para aumentar o fogo, mas eu o impedi.
— Acho que nosso convidado se beneficiaria mais de um banho frio.
Hannon acendeu o fogo mesmo assim antes de testar a água. Ele disse
para Nyfain:
— Está quente o suficiente. Se preferir esperar que eu aumente o fogo…
— Não precisa — interferiu Nyfain. — Finley acha que está bom então
deve estar.
O olhar neutro de Hannon disse a mim que sabia que era uma
continuação do nosso jogo, e não achava graça. Ele não gostava de qualquer
indício de tolices quando a cura estava envolvida. Mesmo assim, ele se
despediu e fechou a porta. Nyfain “trancou” a porta com o pequeno pino de
madeira que se encaixava em círculos redondos interseccionais.
Revirei os olhos.
— Como eu disse, vá sonhando, sua alteza.
— Você não disse a Hannon quem eu sou. — Ele fez uma careta quando
eu tive problemas para ajudá-lo na cadeira. — Por quê?
— O que um príncipe estaria fazendo em um lugar como este?
— Descansando. Curando. Permitindo que uma garotinha salve sua vida.
— Garotinha, né?
Mergulhei as pontas dos dedos na água antes de jogar no rosto dele.
Seu sorriso se dissolveu em risadas.
— Isso os deixaria desconfortáveis, ter o príncipe em nossa casa.
O sorriso escorregou de seu rosto.
— Eles ficariam desconfortáveis com o que eu me tornei.
Gargalhei sem alegria antes de agarrar e puxar a bainha da calça. Ele se
esforçou para se levantar para que eu pudesse arrastá-la por suas pernas.
Seu pau semiduro se contorceu na sua perna, e eu ignorei minha vontade
repentina de envolver meus dedos.
— Como eles poderiam ter alguma opinião sobre o que você se tornou
quando eles não têm nenhuma ideia de como costumava ser? — eu disse,
colocando a calça no suporte na parede perto da porta. — Todos os nobres
poderiam ser tatuados e cheios de cicatrizes pelo que sabem. Endurecidos na
batalha, basicamente. Mas como você mesmo sempre me lembrou, há
diferenças sociais muito claras entre alguém da sua posição e alguém da
nossa. Eu só… Só não quero ouvir como sou sortuda por sentir o brilho
condescendente das atenções do príncipe. Para ouvir como somos sortudos
por ter sido agraciados com sua presença. Sem mencionar que uma das
crianças pode contar a alguém e não precisamos que a aldeia saiba.
Ele me observou em silêncio enquanto eu pegava uma esponja e um soro
antisséptico que ardia pra caralho. Eu poderia ter usado um tipo mais
suave? Provavelmente. Eu pegaria leve com ele? De jeito nenhum!
— Não acho que posições significam muito agora — disse Nyfain calmo,
enquanto eu mergulhava a esponja na água morna. Então esfreguei na barra
de sabão e coloquei nas costas de Nyfain. Agora que o veneno se foi, a
evidência do perigo se foi com ele. Eu estava cautelosa em esfregar sabão na
pele rosa-vermelha irregular. Isso parecia supernojento por alguma razão.
Fiquei do lado dele em vez disso, decidindo começar com seu ombro e
trabalhar até a parte de trás.
— Uma grande mudança de opinião em me chamar de princesa e
ressaltar o tempo todo que sou uma plebeia.
— Todos nós temos que enfrentar a realidade um dia.
— Isso não é realidade, alteza. — Esfreguei o ombro dele, pegando o
braço e continuando para baixo. — Quando esta maldição acabar, as coisas
voltarão a ser como eram.
— Se a maldição for derrubada, seremos jogados na guerra. O rei
demônio tentará tomar o território. — Ele me deu um olhar significativo. —
Vou ser morto num instante, assim como qualquer um que tentar ficar ao
meu lado.
— Há sempre a esperança.
— É o que você diz.
— Seria melhor você acreditar nisso.
Coloquei a mão dele no meu ombro enquanto mergulhava a esponja na
água e depois esfregava na pedra outra vez. Desta vez, esfreguei o lado do
corpo dele.
— Por sinal, fiquei muito impressionado com sua fuga pela floresta
ontem à noite — disse ele. — As criaturas que você matou tiraram a vida de
muitos homens experientes. Você matou e feriu vários dos fah rahlen. Com
um canivete. Isso é inédito.
— Exceto por você.
— Eu estava na minha forma de besta.
— Falando nisso... — Deixei cair o braço dele com uma onda de raiva
que não era totalmente esperada. Seu corpo mergulhou, mas ele pegou a si
mesmo, fazendo uma careta.
— Estou tão fraco quanto um gatinho recém-nascido — resmungou ele.
Era o veneno. Seu corpo se recuperaria em breve. Mas não me
incomodei em explicar. Isso não o impediria de resmungar daquilo.
— O que você estava pensando, se transformando em um homem para
receber um golpe que sabia que seria envenenado? Você estava tentando
encontrar uma maneira de sair desta vida e do seu dever?
— Você preferia que eu deixasse você levar o golpe e certamente
morrer? Como eu disse, temos um antissoro no castelo, mas foi feito antes
da maldição. Eu tinha muito pouca esperança de que ainda funcionasse, e
menos esperança de que eu pudesse misturar as plantas da maneira certa de
curá-la. Você teria morrido.
— O que quero dizer é, por que você não ficou em sua forma de dragão,
já que as escamas impediriam o ataque?
Peguei o jarro de argila da prateleira e derramei água na parte com sabão
do lado dele antes de ir para o outro lado. Eu não estava pronta para a frente
mais do que as feridas em suas costas.
— Dragões não são incrivelmente hábeis no chão, e eu quase não tinha
tempo. E do jeito que eles estavam reunidos ao seu redor e o ângulo em que
eu estava, teria pisado em você por acidente ou o golpe do fah fahlen teria
chegado antes que eu pudesse interceder. Blindar você era a única coisa que
eu conseguia pensar.
— Exceto que você estava colocando o reino em perigo para salvar uma
plebeia.
— E faria de novo em um piscar de olhos.
Meu coração apertou. Eu lutei para segurar minha raiva enquanto
ensaboava seu lado e fui para o jarro.
— Nem sei por que você veio atrás de mim. Você está tentando ficar
longe de mim. Quer que eu fique longe de você. E mesmo assim me segue
em vez de apenas me deixar ser livre.
— Eu estava preocupado com a sua segurança. Era a pior noite do mês
para andar pela floresta. E também…
Ele esperou enquanto eu jogava água em sua pele ensaboada. Ele
respirou pelo nariz como se estivesse de repente frustrado com alguma
coisa.
— Acho que podemos ajudar um ao outro, Finley — disse ele depois de
um tempo.
Ensaboei a esponja e hesitei. Ferida nojenta ou olhos dourados
encantadores, lábios deliciosos e beijáveis, um torso maravilhoso e um pau
que estava lentamente ganhando impulso em sua busca para ser a maior
coisa neste lugar.
Fui para suas costas.
— Posso fornecer conhecimento sobre trabalhar com everlass que
provavelmente não tem. Por exemplo, as plantas aglomeradas têm mais
usos do que você sabe.
— Ah, sim, a everlass aglomerada. Ainda precisamos falar sobre como
você se recusou a me dar essa informação para que eu pudesse ajudar a
salvar sua vida. Vamos chegar lá, mas eu quero que você fique saudável
primeiro para que eu possa bater em você.
— Mal posso esperar. — Eu podia ouvir a travessura em sua voz. —
Talvez possamos inventar algo juntos que ajude pessoas como seu pai.
— Mas podemos fazer isso comigo vivendo aqui em vez do castelo.
Seus ombros se curvaram, e eu não sabia se era porque eu tinha
esfregado nas marcas de garras ou outra coisa. Continuei esfregando mesmo
assim. Precisava ser feito dessa maneira.
— Sim. Podemos… E talvez devêssemos. Você estará mais segura aqui,
eu acho. Posso encontrá-la e escoltá-la até o campo everlass na Floresta
Real. Você pode pegar tudo o que precisa e voltar aqui. Vou garantir sua
segurança.
— Se eu usar a planta aglomerada, talvez não precise ir à noite.
— E então pode parar de me ver.
Engoli o nó repentino na garganta, sem saber o que dizer. Esse tinha sido
o plano quando saí, certo? Fugir. Conseguir um pouco de liberdade. Então
por que de repente me sentia em pânico e nervosa com essa ideia?
Meu animal rolou pelo meu peito, tentando forçar seu caminho para a
superfície. Dada a súbita tensão de Nyfain, tive a sensação de que ele estava
lutando contra seu animal também. Forçando-o a recuar.
Eu queria perguntar se todos os animais agiam como lunáticos famintos
por sexo em torno de alfas. Em circunstâncias diferentes, ele teria todas as
fêmeas lutando por sua atenção?
Mas se as coisas fossem normais, ele não estaria aqui agora. Ele não se
rebaixaria a tomar banho em um galpão ou dormir em um quarto minúsculo.
Ele não passaria tempo comigo, isso era certo. Ele teria muito mais opções
do que uma garota desonesta correndo por aí com roupas de meninos na
Floresta Proibida. Então eu não me incomodei em perguntar. Eu não queria
que ele mentisse para me acalmar, e sem dúvida não queria a verdade.
— Seu pai não está bem — disse Nyfain no silêncio.
Limpei as costas e a cintura dele antes de pegar o jarro.
— Não. Ele piorou. Ele não tem muito tempo. Isso vai doer.
Depois de lavar as feridas, esfreguei a pomada que o ajudaria a se curar e
reduziria muito as chances de cicatrizes. Ele arfou entredentes e seus
músculos retesaram.
— É por isso que você estava chorando? — perguntou ele em um
rosnado, claramente lutando contra a dor.
— Sim. Eu estava pensando em opções para mudar o elixir. Isso foi um
efeito colateral.
— Eu vou ajudar o máximo que puder — disse ele baixinho, enquanto
eu continuava a aplicar a pomada.
— Quando não é sua vida em risco, você vai ser mais comunicativo, é
isso?
Era para ser uma piada, mas saiu como uma acusação.
Respirei fundo, molhei a esponja e me mudei para a frente dele. Seu pau
tinha suavizado, provavelmente resultado da dor. Isso ajudou um pouco.
Mas aqueles lindos olhos de explosão solar, cheios de simpatia e apoio,
quase foram minha ruína. Ele sabia o que eu estava passando e ele estava
tentando aliviar o golpe.
— Em relação à noite passada, eu subestimei você — disse ele.
Lavei o pescoço e fui até os peitorais, meus movimentos desacelerando,
meus olhos festejando com todo aquele músculo glorioso. Eu não me
importava mais com as cicatrizes. Não me faziam recuar. Os redemoinhos
de tinta, alguns dos quais pareciam rabiscos antigos, eu gostava bastante.
Eu me aproximei um pouco mais, minha respiração mais superficial. As
palmas dele encontraram o lado de fora das minhas pernas.
— Eu não sei como trabalhar com everlass como você. Não tenho o
toque que minha mãe tinha. Que você tem. Eu só sei o básico. Eu nunca
trabalhei com uma planta aglomerada de everlass porque provavelmente
significaria morte para quem bebesse a mistura. Como tal, não poderia
contar a receita antissoro, poderia? E se eu dissesse que poderia funcionar,
você poderia ter criado algo muito poderoso e me matado. Isso teria
deixado uma marca em você, eu sabia disso. E agora eu tenho provas,
vendo como a saúde de seu pai a atormenta mesmo que não seja sua culpa.
Não queria minha morte na sua consciência. Apenas não havia necessidade.
Então eu não mencionei.
— Então aquela coisa sobre sua mãe…
— Eu menti. Você é muito ingênua.
— Mas você me subestimou.
— É óbvio. Eu poderia ter mencionado isso e advertido você, e salvado
dez minutos de pensamento. — Ele riu, em grande parte para si mesmo,
pelo visto. — Você é melhor com as plantas do que qualquer um que eu já
conheci. E eu já conheci a melhor. Sua capacidade de não apenas raciocinar
as respostas, mas sentir as respostas é notável. Nos velhos tempos, não
importaria de onde você veio, com essa habilidade, você teria se destacado.
Você teria elevado a posição de toda a sua família.
— Nos velhos tempos, não teria havido razão para eu fazer os melhores
elixires. Então, não, eu não teria me destacado.
Ele olhou para cima enquanto eu despejava água em seu peito. Ele
mergulhou as mãos debaixo da minha camisa e deslizou na pele dos meus
lados.
— Você se destacaria em qualquer lugar.
Deixei meu olhar mergulhar pelas curvas de seu rosto. A gravidade de
sua beleza foi suavizada por seus olhos cintilantes e sorriso suave. Eu mal
via as cicatrizes agora, olhando em vez disso para o homem dentro. Eu não
conseguia esconder a verdade de mim mesma por mais tempo – quanto
mais eu o conhecia, mais eu gostava dele, bordas ásperas e tudo mais. Eu
gostava de sua personalidade resmunguenta, seus maus humores, e suas
explosões de paixão. Gostava da consideração dele e da proteção. Até sua
possessividade alimentava o fogo dentro de mim.
Meu animal estava no último pensamento porque ela gostava quando ele
nos dominava. Quando ele nos prendia e nos dava prazer até implorarmos
por mais.
Mas não era para ser assim. Eu sabia disso. Eu sabia que isso nunca
poderia dar certo.
Mas isso não significava que eu não poderia dar a ele um final feliz para
este banho. Eu tinha dito que não faria, claro, mas ainda bem, ele não
parecia do tipo que se vangloriava.
Molhei a esponja de novo e lentamente cuidei de sua perna direita,
banhando o lado de fora primeiro e depois o interior. Fiz círculos lentos,
mais e mais altos, até que quase estava tocando suas bolas. Sua respiração
ficou mais profunda, mais pesada. Eu derramei a água, me molhando no
processo, deixando minha camisa branca transparente. Eu fiz o mesmo com
a outra perna, provocando com movimentos lentos. Derramei a água,
enxaguando o sabão, antes de beijar suavemente sua coxa interna. Então eu
mudei para a outra, passando minha língua antes de chupar sua pele.
Ele sugou em uma respiração profunda. Eu me levantei e molhei minhas
mãos, esfregando a pedra de sabão, ficando com espumas nas palmas.
Peguei seu olhar, com os olhos semicerrados e pegando fogo, então corri
minhas mãos para os lados de seu pau e para baixo, pegando suas bolas.
Ele gemeu enquanto eu massageava, estendendo a mão para baixo e
emaranhando os dedos no meu cabelo. Senti um puxão de leve, e meu
animal quase subiu à superfície. Eu a forcei a recuar. Ela nos forçaria a ir
longe demais. Eu não ia transar com ele. Não, em vez disso eu o foderia
com minha boca. Eu o deixaria duro, e pegaria todo aquele comprimento e
gozaria em segurar o poder entre os dentes. Era o mais longe que iríamos.
Enrolei os dedos de uma mão em torno do seu pau e continuei
massageando suas bolas com a outra. Bombeei minha mão e massageei,
deliciando-me com a pele macia. Passei meu dedo na ponta, onde pré-
sêmen tinha escapado. Eu coloquei a espuma para baixo, bombeando mais
rápido agora, vendo seus quadris inclinar e recuar. Seus dedos no meu
cabelo se transformaram em um punho. Ele me segurou firme, e eu gemi
com o aperto.
Sua respiração estava acelerada. A minha estava pior. Eu estava
excitada, muito molhada e desesperada por ele.
Eu não podia esperar. Não poderia fazer isso devagar. Estava me
matando.
Coloquei o jarro sobre ele, lavando o sabão e ataquei seu pau com a
boca. Lambi a ponta antes de chupá-lo, levando tão profundamente quanto
conseguia. Empurrei mais meus joelhos, cheguei mais perto. Bombeei
minha mão e segui com a minha boca, pegando mais de seu pau grande com
cada movimento da minha cabeça. Ele me deixou, o punho no meu cabelo
sem fazer nada.
Eu não queria isso. Eu queria que minha boca fosse fodida.
Abrindo uma rachadura, deixei o fogo do meu animal me encher. Ela
escapou tanto quanto conseguiu, seu poder pulsando, mas eu ainda estava
no controle.
Mesmo assim, uma onda inebriante do dragão de Nyfain respondeu,
enchendo-me de poder. Tirei minha boca do pau de Nyfain e fechei meus
olhos enquanto eu me encharcava naquela espessa onda de felicidade. Nos
conectou – picante, doce e sexy pra caramba.
— Sim, Nyfain — gemi, ainda bombeando com a mão. Querendo subir
em cima dele e afundar naquele pau.
Ele agarrou minha cabeça com mais força e a forçou a descer. Meu
animal rosnou em êxtase enquanto ele empurrava com os quadris e separava
meus lábios com a cabeça de seu pau. Raspei suavemente o eixo dele com
meus dentes. Ele rosnou de desejo e me inundou com outra onda de poder.
Então puxou meu cabelo, mergulhando fundo. Meus olhos lacrimejavam, e
eu agarrei suas bolas com uma mão, apertando mais do que a carícia de um
amante. Minhas unhas da outra mão cavaram na coxa dele.
Isso não está certo, meu animal chorou de frustração, mas me
estimulando. Eu balançava em seu pau com abandono imprudente, tomando
tudo o que ele tinha para dar e implorando por mais. Abaixei a mão e corri
os dedos na minha boceta molhada antes de massagear meu clitóris.
Ele precisa estar na nossa boceta, não na nossa cara. Devemos lutar,
forçá-lo a nos dominar para provar seu valor e nos acasalar com uma
paixão que ele não mostraria a ninguém. O homem não sabe para onde um
pau deve ir? Seu dragão pode ajudar.
Shh.
Os movimentos dele ficaram mais intensos. Mais fortes. O pau dele
devastou minha garganta. Meu queixo bateu nas bolas dele. Foi feroz,
áspero e brutal, e eu estava adorando. Era exatamente o que eu queria.
Meu dedo continuou indo no meu clitóris, excitando meu corpo e minha
saliva banhou seu pau e se acumulou em torno de suas bolas. Suas coxas
apertaram, e sua mão puxou meu cabelo, e então ele estava gemendo e
enchendo minha boca. A libertação dele deslizou pela minha garganta, e eu
recuei para que eu pudesse engolir tudo. Normalmente eu não engolia, mas
com ele… eu queria. Nada disso foi pensado. Era bem provável que eu
fugiria se alguém me perguntasse há dois dias se eu queria ser mais ou
menos sufocada por uma foda e ter minha boca cheia de gozo, mas aqui, no
momento… sim.
Ele puxou meu cabelo para que eu tivesse que me erguer, e eu estremeci.
Ele desceu a boca para a minha, pelo visto não estava preocupado em
provar seu sabor nos meus lábios, então puxou minhas calças para baixo e
colocou os dedos na minha calcinha. Minha umidade o fez gemer.
— Goze pra mim, querida — rosnou ele baixinho, mergulhando dois
dedos e acariciando meu clitóris com o polegar. — Goze pra mim.
Ele me beijou, e eu agarrei seus ombros grandes e me perdi em seus
lábios. No movimento habilidoso de suas mãos. Eu gemi em sua boca
quando ele bombeou os dedos mais rápido. Ele enrolou a outra mão em
volta da minha nuca, aprofundando nosso beijo enquanto chupava minha
língua em sua boca e a enrolava com a dele. Seu beijo era profundo,
apaixonado e delicioso, e antes que eu percebesse, eu gozei da melhor
maneira possível.
Eu gritei na boca dele, tentando me afastar. Ele não me deixou,
continuando enquanto mordiscava meu lábio inferior. Eu me derreti nele,
meus joelhos se curvando. Ele me pegou antes que eu deslizasse entre seus
joelhos e guiou minha bunda até a coxa dele. Seu toque relaxou e seu beijo
mudou, ficando mais doce. Persistente, como se ele não quisesse que eu
partisse ainda.
Eu gostei do final, mas eu ainda acho que ele está fazendo errado,
resmungou meu animal, mal-humorada.
Eu sorri e a empurrei para baixo. Um eco do dragão de Nyfain vibrou
dentro de mim até que o sentimento recuou. Ele parecia tão irritado quando
o meu.
— Você pode sentir meu animal? — perguntei a Nyfain, puxando meus
braços em volta dele. — Quero dizer… mais do que apenas sua presença.
Você pode sentir o humor dela?
Ele prendeu os braços ao meu redor, tentando me manter no lugar.
— Me deixe levantar — sussurrei, em seguida, roubei mais um beijo.
Sentindo meu coração escorrendo um pouco.
Meus olhos se abriram, e eu cambaleei para fora de seu abraço. Não, não
para a coisa do coração escorrendo. Admitir gostar do cara era uma coisa,
mas escorrer corações e o que isso poderia significar era totalmente outra.
Ele não era alguém por quem eu estaria desenvolvendo sentimentos
profundos. Eu não podia perder meu coração para ele mais do que eu
poderia me deixar ser reivindicada por ele.
Seu olhar me seguiu como um predador. Ele se inclinou para trás na
cadeira com um estremecimento.
— Você não tem energia para… nada disso. Eu não deveria ter…
Peguei o jarro e o enchi de água, andando pelas costas dele.
— Me dado o melhor boquete que eu já tive? — perguntou ele
levemente. Arrepios cobriram minha pele, e eu cerrei os dentes contra o
orgulho aquecendo meu íntimo. — Mostrado que nenhum salão de sexo em
nenhum dos reinos poderia se comparar a você?
— Eu não preciso de bajulação. Não vai acontecer de novo.
— Eu amo quando você faz promessas. O desafio de ajudar a quebrá-las
torna tudo mais doce.
Então ele era de se vangloriar. Merda.
Derramei água nos cortes de garras, apenas uma pequena mancha de
sangue escorrendo pelas costas dele. Ele tinha exagerado a ponto de piorar a
ferida. Eu adicionei mais pomada para ter certeza de que se curariam logo.
— Quanto ao seu animal, posso senti-la melhor do que você pode sentir
o meu, óbvio. Mas só posso sentir traços do seu humor... e do dela. Só
quando suas emoções são aumentadas de alguma forma. Essa habilidade
deve ter sido subjugada pela maldição.
— Então era normal naquela época?
— Até certo ponto — disse ele vagamente.
Guardei tudo e trouxe um pano para secar.
— O que isso significa, até certo ponto? Que ponto? Como isso se
relaciona com a gente?
Ele ficou parado, usando a parte de trás da cadeira para se segurar
enquanto eu o secava.
— Tantas perguntas. — Ele parecia irritado. — Você não é versada? Há
livros sobre isso.
— Há livros sobre a história dos metamorfos, sobre os tipos de animais e
sua raridade, coisas assim. Mas tudo isso foi antes da maldição. Esses
autores assumiram que as pessoas sabiam os fundamentos de ser um
metamorfo. Não há nenhum livro sobre isso.
— Na minha biblioteca, talvez.
— Certo. Bem. Alguém não me concedeu entrada em sua biblioteca.
— Sim. Porque alguém fugiu antes que eu pudesse mostrar a ela o lugar.
— Tudo bem. Bem, quando você vier me escoltar para os campos de
everlass, você pode trazer um livro que explica isso para que eu não precise
incomodá-lo com minhas perguntas?
— E como você acha que eu vou carregá-lo? Eles não costuram
mochilas para dragões terrestres.
— Na boca.
— E arriscar ficar encharcado com minha saliva? Se você quiser conferir
um livro, vai precisar voltar para o castelo.
Bufei em aborrecimento e coloquei uma mão no quadril. Em vez de me
forçar a voltar, ele estava tentando me atrair.
Então, quando eu chegasse lá, uma hora estaria dizendo que queria lamber
minha boceta e na outra querendo me trancar no meu quarto.
Revirei os olhos e fui para a porta.
— Volte sozinho para a casa. Melhor ainda, rasteje de volta para o
castelo como planejou antes. Talvez uma lição sobre ser humilde será bom
para você.
— Eu tive muitas lições sobre ser humilde. Eu certamente não preciso de
uma sua, princesa. E se você não me ajudar a voltar…
Bati a porta atrás de mim antes que ele pudesse entregar a ameaça. Ele
era impossível. Impossível. Ele era como dois opostos compartilhando um
corpo – venha aqui, vá embora. Embora talvez isso tenha sido um resultado
natural de compartilhar sua pele com um dragão.
Eu queria que ele dissesse isso. Ou tentasse explicar. Não podia ser como
todos os metamorfos são. Simplesmente não podia. Se fosse, as orgias
teriam sido piores do que as hospedadas pelos demônios, e eu tinha certeza
que isso não tinha sido uma coisa antiga. Sem dúvida estava perdendo algo
aqui.
Eu me perguntava se Hadriel me contaria. Ou se havia, mesmo, um livro
sobre isso.
Claro, eu teria que voltar para o castelo se quisesse procurar qualquer
forma de confirmação, e uma vez que eu voltasse, talvez não houvesse mais
saída. Eu não seria capaz de escapar outra vez.
Capítulo 18

NA MANHÃ SEGUINTE, acordei de frente para a janela, e fiquei


surpresa ao sentir uma estranha sensação de melancolia. Não havia
nenhuma razão para isso. Na verdade, foi uma ótima noite depois que
Hannon resgatou Nyfain do galpão.
Nyfain tinha me observado enquanto eu fazia um elixir para meu pai e
depois um pouco de elixir curativo para ele e para mim, já que meu braço e
minhas pernas ainda precisavam se curar. Então Hannon fez guisado para o
jantar e nos aglomeramos em torno da pequena mesa para comer como uma
família, Nyfain não parecendo ansioso ou fora de lugar. Ele parecia bem
confortável, na verdade. Depois do jantar, Nyfain e Sable encontraram uma
canção que ambos conheciam e harmonizavam como dois mestres, fazendo
para nós uma serenata.
A hora de dormir tinha sido…
Deixei meus olhos tremerem por um momento, um sorriso enrolando
meus lábios.
A hora de dormir tinha sido completamente mundana, e eu adorei. Eu
precisava mesmo disso. Sem confusão sexual ou ultrapassando limites. Não
me preocupe em lutar com meu animal ou mantê-la na linha. Foi apenas…
natural. Normal.
Estávamos todos sentados na sala para uma saideira, tomando chá que
Nyfain tinha sido gentil o suficiente em fazer para nos compensar por não
ajudar no jantar ou limpar. Eu teria recusado, mas Hannon disse que Nyfain
deveria se mover um pouco para manter seu corpo flexível. Fazer chá era
uma tarefa inofensiva. Os sabores tinham sido um pouco estranhos, mas o
que você poderia esperar de um cara que teve servos a vida toda?
Nos sentindo extremamente relaxados, fomos nos recolher. Sable dormiu
no sofá, e eu ajudei Nyfain a se instalar na minha cama de costas, as
ataduras ainda no lugar. Depois, atravessei o quarto para colocar meu
pijama.
— Você quer que eu feche meus olhos? — perguntou ele, sua voz baixa
e suave.
A luz de velas cintilou nas maçãs do rosto pronunciadas, jogando sombra
em seus olhos. Eu dei de ombros, porque para ser sincera não me
incomodou pensar nele assistindo, e comecei a me trocar como faria com
Sable no quarto. Mesmo que eu não pudesse ver seus olhos, eu podia senti-
lo rastreando cada movimento, vendo-me guardar as coisas e ir para a cama
de Sable.
Depois que eu me acomodei, ele se deitou com o rosto virado para mim.
— Você está com dor? — perguntei no silêncio.
— Nem um pouco — murmurou ele. — Seus remédios humilham os
meus. Estou quase 100%.
— De jeito algum. Você mal pode andar em linha reta. Esse veneno fez
um estrago no seu sistema. Mas está fora de perigo, pelo menos. Vai se
curar. Só precisa descansar.
— Eu sei. — Ele parou por um momento quando deitei na cama,
afofando o travesseiro e me enfiando debaixo das cobertas. Eu estava de
lado, de frente para ele.
— Posso dizer uma coisa sem você ficar com raiva? — perguntou ele.
— Provavelmente não — eu disse, sendo sincera e rindo.
Ele acenou com a cabeça, mas disse o que estava em sua mente de
qualquer maneira.
— Você é muito bonita para mim, e eu não quero dizer apenas sua
aparência ou seu corpo. Até sua alma, você é linda. É tão honesta sobre
quem você é. Tão livre com seus pensamentos e emoções. Enquanto
crescia, todos ao meu redor eram reservados. Tão fechados. Mas você…
você tem essa luz divina em você. Essa pura honestidade e bondade.
Aparece quando você trabalha com a everlass, e brilha através de seus dons
de cura. Suas expressões atenciosas são tão adoráveis porque eu posso
praticamente ver as rodas nesse seu grande cérebro girando. Você é tão
inteligente e capaz, Finley. Tão dura e inflexível em sua habilidade de
sobreviver. Estou admirado por você. Mas acima de tudo, eu amo seu fogo
e sua paixão. Amo que você se recuse a deixar os outros ditarem quem você
é. Amo que ataca e empurra quando eu tento dominá-la, me desafiando a
ser melhor, mais forte. É excitante, mas também… É só que… Você é
perfeita. Eu gostaria de ser um poeta para que eu pudesse expressar do jeito
certo. Quando outros olham para você, eles podem ver sua beleza
superficial. Eu queria que você soubesse que quando eu olho para você, eu
vejo a beleza de sua alma, e eu estou em êxtase. Vejo você, Finley. Era o
que eu queria dizer. Eu vejo você por completo, e você é linda.
Uma lágrima escapou do meu olho. Não sabia o que dizer. Ninguém
nunca tinha dito algo assim para mim antes. Nyfain foi genuíno, também –
eu podia ouvir em seu tom, e sentir em suas palavras.
Minhas pálpebras fecharam, o resultado de alguns dias estressantes, sem
dúvida, e o conforto de estar segura em casa.
Eu tinha sonhado com ele. De um beijo doce em meus lábios, e depois
batalhas, e gritos de guerra e o dragão dourado salvando o reino. Tinha sido
muito emocionante, especialmente desde que terminou com ele entre
minhas coxas. De todos os sonhos que tive, esse foi um dos melhores.
Mas o homem tinha um aperto firme no meu coração. Isso com certeza
não foi bom. Tinha que começar a me distanciar. Logo ele estaria indo
embora, e eu deixaria. Eu precisava. Estávamos quase no ponto sem
retorno, e eu podia me sentir cambaleando à beira de um grande erro.
Abri os olhos e deixei a luz me acordar. Eu me senti um pouco vazia por
alguma razão. Senti como se algo estivesse faltando. Talvez porque eu sabia
que Nyfain iria embora?
Meu animal rolou pelo meu peito, tentando arranhar seu caminho para a
superfície. O pânico dela sangrou.
Franzindo a testa, ainda de olhos turvos por alguma razão, apesar de ter
dormido a noite toda, rolei para as costas. Uma tosse macia veio da porta ao
lado, depois outra. Meu pai ainda estava aguentando.
Olhei para Nyfain enquanto me sentava e me esticava, com cuidado para
não fazer barulho. Depois parei.
Meu animal me arranhava descontroladamente. Eu a empurrei para baixo
como um sentimento doentio enrolado em meu íntimo. Ele tinha ido embora,
a cama bem feita. Não havia um bilhete. Talvez ele tivesse acordado antes de
mim e não queria me incomodar.
No corredor, encontrei Hannon na mesa da cozinha, limpando seus olhos
vermelhos enquanto segurava sua caneca fumegante com um aperto de
morte. Ele pendia, parecendo tão cansado quanto eu me senti.
— Ei — eu disse, pegando Sable bocejando no sofá. Isso era estranho.
Normalmente ela era a primeira a acordar. — Vocês viram Nyfain?
— Não. Mas eu encontrei seus esforços de ontem à noite. — A voz de
Hannon era plana, seus olhos cheios de algo que raramente via nele... raiva.
— Ele não foi sutil.
Balancei a cabeça.
— Ele não foi sutil sobre o quê?
— Eu não limpei seus ingredientes. Você vai saber o que significam. —
Ele olhou além de mim para a cozinha e, em seguida, ergueu o pergaminho.
— E tem isso.
Peguei o pedaço de pergaminho. A mensagem, escrita em um delicado
rabisco, dizia: Algum dia você vai me perdoar. Não venha atrás de mim;
não tem motivo. É aqui que nosso contato termina. É melhor assim.
Havia um trecho em branco no pergaminho, como se ele tivesse lutado
pelo que escrever a seguir.
Não esqueça, nenhuma gaiola pode mantê-la por muito tempo. Encontre
uma saída, Finley, como puder. Você merece ser livre. Espero conhecê-la na
próxima vida, quando não houver tanto entre nós.
Esse sentimento doentio revirou meu estômago. Meu animal rugiu. Não
foi preciso um gênio para saber que algo estava muito errado. Ele
claramente tinha feito algo que eu não gostaria.
Não sou um cara legal. Ele tinha dito uma vez. Ele quis dizer isso uma
dúzia de vezes.
Respirando fundo, fui para a cozinha para ver o que Hannon estava
falando. Os ingredientes estavam no balcão, claro como o dia. Raiz
valeriana, camomila, e algumas ervas que eu tinha no meu jardim que
promoviam o sono profundo. Dava ao meu pai uma versão dessa mistura
quando a tosse ficava muito ruim.
Nyfain tinha nos drogado, e eu não tinha percebido porque ele tinha
escolhido uma coleção de sabores projetados para confundir o paladar.
Meu animal continuou empurrando, desesperado para ser ouvido. Eu
finalmente cedi, abrindo uma rachadura para que pudéssemos nos
comunicar.
Ele se foi, ela disse, e seu pânico me infundiu. Eu não posso sentir sua
magia nos conectando mais. Ele nos cortou.
— Finley, seus olhos estão brilhando? — disse Sable, que ficou de
queixo caído. — Hannon, os olhos dela…
Empurrei as palavras de Sable para o fundo da minha mente, focando no
estranho buraco escuro dentro de nós.
Ele voltou para o castelo ontem à noite, eu disse. Óbvio que não
seríamos capazes de sentir seu poder daqui.
Você não entende. Desde que ajudamos Hadriel, sempre tive a presença
do dragão dele comigo. Achei que isso significava que estávamos
trabalhando para o acasalamento e esperando vocês, idiotas, se
recomporem. Ficou mais forte quando ele estava aqui. E agora se foi. Ele a
arrancou. Ele quebrou a conexão.
Por que eu não sabia sobre a conexão?
Por que você é burra? Não sei. Ele basicamente nos atingiu com ela. Eu
aceitei, e lá estávamos nós.
Isso deve ter sido o que eu pensei que era o poder de Nyfain em mim, às
vezes segurado pelo meu animal, às vezes voltando. Eles estavam fazendo
joguinhos há dias, mas eu não tinha percebido que era algo permanente.
Exceto… ela estava dizendo que não estava mais lá. Ele tinha cortado.
Ele me cortou.
Não, o dragão dele tinha. Pelo visto, o dragão dele ouviu as coisas que
me disse e escolheu ir embora. Exceto que os animais não se importavam
com coisas sociais. Eles não se importavam com reis e plebeus. Pelo menos,
o meu não.
Talvez o dragão de um príncipe entendesse as coisas um pouco melhor.
— Ele se foi — eu disse sem rodeios, sem saber como me sentir.
As memórias me inundaram. Quantas vezes Nyfain me disse o que
aconteceria se a maldição fosse quebrada? Hadriel tinha sugerido isso,
também.
O rei demônio tinha matado os defensores do reino. Ele matou qualquer
um capaz, pelo amor da Deusa. Qualquer um que pudesse segurar uma
espada ou fazer seu trabalho bem. Uma vez que a maldição fosse quebrada,
o rei demônio poderia matar Nyfain e se mudar. Nada o impediria.
Mas esse sempre foi o caso, e Nyfain tinha cumprido seu dever de
qualquer maneira.
Eu me lembrei do que ele disse na outra noite, quando o veneno estava
tomando conta.
Os últimos dezesseis anos… foram só miséria. Cada dia tem sido pior
que o último. Estou tão cansado, Finley. Estou tão cansado deste pesadelo
que nunca parece acabar.
Medo alojou no meu íntimo, apagando a razão.
Ele tinha saído daqui meio curado. Ele se aventurou na floresta em um
estado fraco à noite, quando os demônios estariam rondando. Ele não tinha
esperança de derrotar todos eles no estado em que estava.
Mas isso não importava para ele. Ele era um homem fiel ao dever,
atrasado para o jogo, talvez, mas agora o único defensor feroz do reino. Ele
tentaria limpar a floresta mesmo no estado em que estava. Eu sabia que ele
sairia e morreria lutando, se esse fosse o seu destino e a maldição morreria
com ele. Quando isso acontecesse, ele esperaria que eu fizesse um acordo
com o rei demônio para minha família e aldeia. Para o meu reino, se
possível.
Ele não sabia que era loucura? Eu nunca teria deixado ele se colocar em
perigo assim sem tentar ajudar…
E foi por isso que ele me drogou. Porque ele sabia que eu o seguiria e
tentaria ajudá-lo. Sempre tivemos nossas diferenças, e metade do tempo ele
me irritava, mas isso não importava quando se tratava de ajudar as pessoas.
Ele sabia que eu cairia com ele se chegasse a esse ponto. E ele claramente
não sofreria me colocando em perigo.
Bem, vá se ferrar. Eu não era uma flor delicada, e desta vez ele tinha ido
longe demais.
Corri para meu quarto e me troquei, peguei meu fiel canivete, uma adaga
mais velha que teria que servir e corri pela porta da frente. Se ele quisesse
que eu interpretasse uma heroína, eu faria.
E eu faria dele minha donzela.
Sobre a autora

K.F. Breene é uma autora best-seller de romance paranormal, fantasia


urbana e fantasia do Wall Street Journal, do USA Today, do Washington
Post, dos mais vendidos da Amazon e do Kindle. Com mais de quatro
milhões de livros vendidos, quando K.F. não está criando histórias sobre
magia e o que se esconde nas sombras da noite, ela está tomando vinho e
planejando travessuras. Ela vive no norte da Califórnia com o marido, dois
filhos e uma esteira quebrada.
 
@editoracabanavermelha

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