Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Meu nome é Rômulo Deckart, sou um licantropo, o ano é 1723 D.C., tenho 220 anos,
e esta é minha maior história..
13 de Março
14 de Março
Após situar-me e me assentar em uma área perto de onde cheguei, iniciei minhas
buscas por cidades espirituais e povos nômades umbrais.
O mundo aqui é sempre noite, cheio de sombras que caminham. As únicas luzes são
as que brilham no céu e estas sempre estão se movendo como se fossem estrelas cadentes.
Devem ser almas que esperam cair nos grandes rios a fim de esperarem o barqueiro.
15 de Março
Em minhas caminhadas sinto-me sempre vigiado por criaturas que somente existem
em pesadelos. A cada árvore ou moita são diversos os pares de olhos das mais diversas
formas e das mais variadas cores. São olhos medonhos, demoníacos, alguns vermelho
sangue, outros amarelos, fulgazes, como a luz de uma vela.
Sons dos mais grotescos chegam à minha audição aguçada. O que me faz tremer não é
a quantidade e variedade de sons por onde passo, mas sim quando há o cessar dos mesmos,
e restando, somente, os olhos.
Passado um grande período, pois não há como se medirem as horas num lugar como
este, deparei-me com um grande rio negro e corrente, assim como um corcel selvagem.
Sentei-me a sua beira para satisfazer minha visão com aquela magnitude.
Ao longe vi uma pequena canoa, de madeira, com um vulto de vestes negras,
comprida, lhe cobrindo os membros inferiores, superiores e sua cabeça. Estava segurando
um grande bastão, que penso eu ser uma espécie de remo.
Juntamente dentro da canoa está um ser sentado com a cabeça baixa e totalmente
imóvel. Não consigo ver nem distinguir a face da pessoa sentada nem do condutor da
canoa.
Eu não conseguia remover meu olhar, estava, creio eu, com mais curiosidade do que
medo. No momento em que a barcaça passava por mim, seu condutor virou sua cabeça em
minha direção e pude ver seus olhos medonhos e vermelhos. Pareciam me penetrar como
agulhas quentes. Ele então abre um sorriso amarelo com uma pequena fumaça vermelha
saindo de sua boca. Ele solta uma de suas mãos de seu remo, provando estas serem
formadas somente por ossos, e a posiciona em cima da cabeça de seu passageiro e a vira
para mim mostrando-me uma face humana com a boca costurada e sem os globos dos
olhos. Soltei um grito breve. Ele gargalhou e continuou sua viagem.
A floresta neste momento aquietou-se, não haviam mais olhos. Eu tremia. Será que
aquele é um dos barqueiros do submundo?
16 de Março
17 de Março
18 de Março
Fui cuidado pelos moradores daquela cidade. Parece que não sou mais o mesmo
estranho.
Decidi ficar para ajudar e aprender. Fui muito bem recebido. Creio que deve ser um
modo de agradecimento por eu não ter deixado os pequenos demônios invadirem a cidade.
24 de Março
Até agora a cidade não viu nem ouviu ruídos fora de seus portões.
Obtive muitas ocupações neste tempo, como aprender os modos deste povo, sua
linguagem e história. Ando muito tempo lendo os documentos da biblioteca.
A cidade possui cerca de cinqüenta mil habitantes e não existem registros sobre sua
idade. Chama-se Dhirè.
Fui condecorado pelo mérito de salvar a cidade.
25 de Março
30 de Março
02 de Abril
Uma sombra, uma sentinela chega à cidade com uma mensagem nada amistosa. Os
demônios novamente se reuniram, num grupo muito maior, e já estão rumando para Dhirè.
Yetho chamou a guarda principal. Perguntei a ele se não poderíamos pedir ajuda, mas
a cidade mais perto foi destruída ha um tempo. Lembrei-me da clareira. A próxima cidade
fica a muitos dias daqui. Começamos a preparação da defesa de Dhirè.
03 de Abril
Estou cuidando dos ferimentos deste homem, cujo nome descobri por meio de uma
pesquisa em sua casa. E encontrei um pouco mais. Ao chegar presenciei um portal,
pequeno, na película, para o Mundo Umbral, onde creio que as criaturas devem ter passado,
no entanto, não foram elas que o abriram, o que prova que este homem é um licantropo e
estava em uma de suas viagens ao Umbral. Devo tomar cuidado, pois não deve me
conhecer profundamente.
Meus estudos sobre Deckart revelaram sua idade, o porque de sua busca espiritual e
mais alguns detalhes pessoais. Suas feridas estão demorando a cicatrizar, seus ferimentos
foram causados por meios que desconheço. Deckart possui um ferimento profundo no peito
que atravessa do canto do ombro esquerdo à base direita da cintura, sem contar as marcas
que as criaturas fizeram, à frente da sua casa, em sua barriga. Estou usando todos meus
métodos esotéricos e sobrenaturais para a recuperação deste protetor de Gaia.
Deckart hoje mostrou uma melhora. Seus olhos se abriram por um momento breve e
indo de encontro aos meus. Não esboçou nenhuma reação, segurou minha mão e
novamente desmaiou.
Minha preocupação diminui, meus tratamentos estão surtindo efeito. A ferida de seu
tórax parou de sangrar, e a cor de sua pele já está voltando ao normal.
Tornei minha atenção à arma que este carregava quando foi atacado. Examinando
descobri realmente que era do mundo espiritual. Uma cimitarra com certas gravações em
sua lâmina, que eu não sabia em que língua fora escrito, muito afiada e leve, muito leve.
Exauria um poder imensurável. Fui treinar fora da casa alguns golpes. Testei-a em uma
árvore. No momento em que tentei acertar a árvore não senti nenhuma resistência da
mesma, e a atravessei sem muitos problemas. Na verdade não a atravessei, eu nem cheguei
a atingi-la, pois, ela se abriu por onde a lâmina atravessou. Um corte perfeito, sem ranhuras,
como se fosse esculpido.
Meu paciente deve ser uma pessoa muito honorável, pois este presente é um presente
digno de reis. Sinto-me contente por estar cuidando deste ser superior.
Creio que meus serviços aqui estão acabados, não irei mais postergar minha estadia,
não gostaria de comprometer este meu colega perante sua tribo. Ele deve acordar de seu
descanso, revitalizado, hoje ou amanhã. Preparei uns chás, colhi frutas e fiz carne seca para
que Deckart quando acordasse pudesse se fortalecer.
Espero que sua tribo não o julgue por causa de minha ajuda.
Minha peregrinação deve continuar. Já a atrasei demais. Muitos lugares devo ainda
conhecer e muitos seres ainda hão de me procurar para conselhos.
Deixei uma pequena carta com alguns dos cuidados que Deckart deve tomar para
curar por completo seus ferimentos. Despeço-me dele agora.
11 de Abril
Acordei ainda meio atordoado nesta madrugada. Meu tórax estava enfaixado e meu
braço esquerdo tinha uma pequena tala mantendo-o reto. Meu braço já não doía tanto, mas
meu tórax ainda latejava um pouco.
Ardia, ainda, o resto de lenha em minha pequena lareira, minha choupana estava
limpa e arrumada. Ao meu lado, numa bancada, repousava um pequeno bule e uma xícara,
o bule estava ainda morno e continha um chá. Em cima de uma mesa estava uma travessa
com pedaços de carne seca.
Tentei me levantar, minhas pernas doeram um pouco. Quando endireitei minhas
costas meu peito doeu. Estava morrendo de fome e sede, fui sedento ao chá e esfomeado à
carne seca. A bebida era revigorante, não consegui distinguir seu sabor. A carne estava
muito bem preparada. Tratei de buscar um pouco d’água para saciar minha sede. Nada em
minha casa estava fora do lugar. Minha espada estava posta ao lado de minha cama
encostada na parede.
Examinando melhor minha casa pude encontrar na bancada uma pequena carta. Esta
dizia quais os cuidados que eu deveria tomar para me curar por completo. Plantas, bebidas,
comidas e como devo preparar os mesmo para o melhor resultado. Salientava um maior
cuidado quando viajar para o Umbral e mesmo que signifique um desmaio ou coisa pior,
fechar sempre a passagem pela película que divide os dois mundos. Uma observação ao
final da carta comentava sobre minha espada. O nome dela era Sorsha, e me dizia para ter
um cuidado excessivo com ela, pois é um dos artefatos mais poderosos do submundo. O
nome assinado na carta era Milosh Keat.
Nunca ouvi falar desta pessoa. Como ele conheceu minha espada? Por que não a
levou? Como soube cuidar de meus ferimentos? Poderia ser ele quem fechou a brecha que
deixei aberta na película? Ele conseguiu abater os três licantropos possuídos que me
atacaram neste Mundo? Estas são questões que tenho que esclarecer o mais rápido possível.
Agora tenho preocupações muito mais acentuadas. Devo me refortalecer e recuperar-me
para receber o chamado de minha tribo para nossa assembléia. Devo esclarecer alguns
fatos, enfrentar meu destino e me redimir. Minha honra foi quebrada, a raiva me consome.
Meu dever a partir de agora é usar este remorso e vingar-me daqueles que um dia ousaram
me fazer cair, restituir minha honra e limpar meu nome.
12 de Abril
13 de Abril
Meu braço já está completamente curado. Já posso retirar a faixa e cuidar levemente
de meu tórax. Admito que os medicamentos que Milosh deixou preparados realmente
possuem um efeito miraculoso.
Hoje devo iniciar a caminhada rumo a minha redenção.
15 de Abril
É quase hora do almoço quando chego em nosso covil, o retiro de nossa tribo. É uma
parte bem densa da floresta, com árvores de copas altas dificultando a entrada da luz solar
produzindo um odor de folhas úmidas. Estendem-se casebres e pequenas plataformas no
alto das árvores como moradias e casas de vigília. No meio desta pequena aldeia encontra-
se um Dólmen e acima dele um trono formado de madeira, ossos e pano em que um dia
sentei. Era o lugar do líder da matilha, chefe da tribo.
Adentrei na aldeia acompanhado pelos olhares repletos de desconfiança e decepção.
Isto me angustiava. Portas se fechavam de acordo com que eu avançava aldeia adentro.
Rosnados eram dirigidos a mim, comida, pedra e gravetos eram arremessados. Não existe
humilhação maior.
Ao longe avistei o Dólmen e acima dele, sentado, estava Sakadhwio o chefe agora
desta matilha. Ao redor dele estavam alguns dos conselheiros, guerreiros e sábios mais
valorosos da tribo. Todos me encaravam com seus olhares penetrantes. A assembléia será
realizada com todos seus membros em sua forma lupina, como sempre foi e como sempre
será. Aproximei-me do Dólmen para me apresentar ao corpo da assembléia. Sucintamente
sou avisado de que a assembléia dará início à noite quando a lua estiver em seu ápice.
Com minha cabeça baixa vou aos aposentos a mim reservados para esperar a hora em
que serei julgado.
15 de Abril, meia-noite
19 de Abril
20 de Abril
Minha procura pela cidade em que me abrigaram foi em vão, em seu lugar há uma
clareira. Chorei por eles. Achei um dos pedaços da máscara de Yetho e o guardei. Não
consegui achar os rastros de meus inimigos. Não mais os temo, o que restou em mim foi
somente raiva e fúria. Minhas garras brilham e atravessam pedras e árvores imaginando
serem os corpos de meus inimigos.
Sinto-me dominado por um frenesi que me faz correr sem cansar às vezes sem saber o
porquê. Os sons e olhos não me atrapalham mais, eu retorno olhares e rugidos fazendo às
vezes com que tudo ao meu redor se aquiete e somente haja eu em meio às sombras.
11 de Setembro de 1728
Já fazem 25 anos que vivo no Umbral. Minha busca me levou a muitos lugares,
pessoas e encontros desastrosos. Minha vida no submundo me fez aprender muita coisa e a
pensar em muita coisa. Este é realmente um espelho turvo de nossa realidade. Tudo que
acontece no Mundo Terreno possui um efeito colateral aqui.
Há três anos que moro numa Ilha em umas das Praias Distantes, como é chamado no
Mundo Umbral. Decidi ser este o lugar para meu exílio eterno. Estou rodeado por um lago
de prata profundo, do qual tive que transpor a nado. Uma de minhas expiações penso eu. A
causa desta expiação foi depois de muito tempo e estudo descobrir que Yetho, o senhor de
Dhirè, era um de meus ancestrais, e nunca mais o verei, o que aumenta mais ainda minha
desgraça. Alguns registros me indicaram uma pista sobre um ancestral de Yetho aqui
mesmo neste Mundo. Devo procurá-lo incessantemente. Creio que minha missão possua
múltiplos objetivos a serem alcançados.
Não mais almejo retornar ao Mundo Terreno, viver lá, tão pouco para minha tribo.
Sou parte já deste mundo, seu poder já está em minhas entranhas. Tornei-me imortal.
Tenho uma nova casa, sou respeitado pelos espíritos e uma grande massa de literatura
demanda toda minha atenção e tempo. Tornei-me um sábio.
Como gostaria de rever Keat e dizer obrigado.
23 de Agosto de 2005
Estou vivendo no submundo já há mais de 270 anos. Muita coisa mudou em mim,
inclusive minha aparência. Vivi sozinho todo esse tempo adquirindo conhecimento. Não
recebo muitas visitas. Alguns seres valorosos conseguem vir a meu encontro em busca de
iluminação, mas minha maior visita continua sendo a de Milosh Keat.
Sua visita sempre faz relembrar meus séculos de vida e traz a lembrança de meu
julgamento injusto. Nossas conversas tomam semanas, e não nos preocupamos mais com o
tempo. Agora não há como voltar atrás em minha decisão. Eu pertenço a este plano.
Hoje a visita de Keat trouxe-me ótimas notícias, senão umas das mais importantes
para mim. Milosh revelou a localização do Balor que tanto procurei. A derrota deste ser é
uma de meus principais objetivos. Devo derrotar aquele que me fez cair e ousou afrontar
meus ancestrais.
Sem delongas apressei em pegar Sorsha. Milosh me alertou que o Balor estava
rumando para uma pequena cidade a leste daqui. Estava com um grupo considerável de
demônios junto a ele. Keat me ofereceu ajuda, aceitei-a na hora somente com a condição de
que o Balor era meu. Não terei piedade.
25 de Agosto de 2005
Minha missão espiritual foi realizada com êxito. Não mais lutarei. Sou um ser acima
de outros seres, transcendental, um ser que viu e viveu histórias em diferentes mundos.
Acumulei conhecimento que muitos não possuem.
Agora compreendi o objetivo de Milosh. Sou um ancião. Não, sou mais que isso. Sou
um oráculo.