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A Lenda

Meu nome é Rômulo Deckart, sou um licantropo, o ano é 1723 D.C., tenho 220 anos,
e esta é minha maior história..

13 de Março

Decidi, após um grande período, reservar-me em minha residência, situada nos


arredores da Floresta Negra, perto da cidade de Valença, a setenta quilômetros de Lyon,
França.
A causa é um retiro espiritual a fim de estar mais perto e conhecer um pouco mais
sobre o Mundo Umbral e minhas habilidades.
Já era noite. Fiz minha refeição, fui olhar o céu estrelado e fumar um bom cachimbo à
luz da Lua. Logo após iniciei o preparo de meu Sanctum. Acendi minha lareira, arrumei
meu assento, meus pertences e acendi vinco velas ao meu redor num formato de um
pentagrama. Sentei-me e comecei meu processo de respiração e concentração profunda para
a abertura de um canal entre a película que divide o mundo terreno e o mundo espiritual.
Senti estar mais leve, e que tudo de repente ficou escuro como as sombras e logo após
pequenas luminosidades turvas começaram a aparecer em minha visão borrada. Então uma
grande massa de nuvem escura deixou-me no Mundo Umbral, em meio a uma mata
espessa, morta, muito parecida com a que eu vivia. Fazia muito tempo que não viajava para
este espelho mórbido de nossa realidade.

14 de Março

Após situar-me e me assentar em uma área perto de onde cheguei, iniciei minhas
buscas por cidades espirituais e povos nômades umbrais.
O mundo aqui é sempre noite, cheio de sombras que caminham. As únicas luzes são
as que brilham no céu e estas sempre estão se movendo como se fossem estrelas cadentes.
Devem ser almas que esperam cair nos grandes rios a fim de esperarem o barqueiro.

15 de Março

Em minhas caminhadas sinto-me sempre vigiado por criaturas que somente existem
em pesadelos. A cada árvore ou moita são diversos os pares de olhos das mais diversas
formas e das mais variadas cores. São olhos medonhos, demoníacos, alguns vermelho
sangue, outros amarelos, fulgazes, como a luz de uma vela.
Sons dos mais grotescos chegam à minha audição aguçada. O que me faz tremer não é
a quantidade e variedade de sons por onde passo, mas sim quando há o cessar dos mesmos,
e restando, somente, os olhos.
Passado um grande período, pois não há como se medirem as horas num lugar como
este, deparei-me com um grande rio negro e corrente, assim como um corcel selvagem.
Sentei-me a sua beira para satisfazer minha visão com aquela magnitude.
Ao longe vi uma pequena canoa, de madeira, com um vulto de vestes negras,
comprida, lhe cobrindo os membros inferiores, superiores e sua cabeça. Estava segurando
um grande bastão, que penso eu ser uma espécie de remo.
Juntamente dentro da canoa está um ser sentado com a cabeça baixa e totalmente
imóvel. Não consigo ver nem distinguir a face da pessoa sentada nem do condutor da
canoa.
Eu não conseguia remover meu olhar, estava, creio eu, com mais curiosidade do que
medo. No momento em que a barcaça passava por mim, seu condutor virou sua cabeça em
minha direção e pude ver seus olhos medonhos e vermelhos. Pareciam me penetrar como
agulhas quentes. Ele então abre um sorriso amarelo com uma pequena fumaça vermelha
saindo de sua boca. Ele solta uma de suas mãos de seu remo, provando estas serem
formadas somente por ossos, e a posiciona em cima da cabeça de seu passageiro e a vira
para mim mostrando-me uma face humana com a boca costurada e sem os globos dos
olhos. Soltei um grito breve. Ele gargalhou e continuou sua viagem.
A floresta neste momento aquietou-se, não haviam mais olhos. Eu tremia. Será que
aquele é um dos barqueiros do submundo?

16 de Março

Passei muito tempo lembrando-me daqueles olhos vermelhos do barqueiro.


Decidi hoje, ir além de meus limites. Arrumei-me junto com uma sacola e pus-me a
caminhar. Caminhei e corri por uma grande distância.
Vi-me entrando, ao que me parecia, uma clareira. Era imensa, e ao entrar nela não me
senti bem. Sentia-me desprotegido.
Percebi então que os sons pararam. Meus pêlos ouriçaram. Minhas garras estavam
sentindo um pequeno tremor na terra, como se fosse a caminhada pesada de uma pequena
legião. Tentei encontrar algum cheiro, mas achei muito estranho por não ter sentindo nada.
Lembrei-me que estava em outro plano de existência.
Os tremores ficaram maiores e então comecei a ouvir gritos misturados com rugidos,
e pude concluir que vinham em direção à clareira, e eu não tinha onde me esconder.
Comecei a correr com uma velocidade frenética até o início da floresta mais próxima que
eu encontrasse.
Já dentro da densa floresta, escondi-me no alto de uma árvore e mirei a clareira a fim
de poder visualizar meus possíveis agressores.
Vi figuras das mais grotescas e hediondas. Verdadeiros monstros com partes
costuradas de outros seres. Licantropos que mais pareciam demônios. Sombras que
caminham e emitem um grito muito parecido com o de uma Banshee. Logo atrás deles
vinha uma figura gigantesca, derrubando árvores a seu caminho, o fogo o acompanhava,
um fogo negro e vermelho. Seu semblante apareceu por cima das mais altas árvores e em
meio ao fogo, e neste momento meu coração e o tempo pararam. Eu fugi. Fugi de um
pesadelo que somente existia em histórias de terror.

17 de Março

Não sei o quanto corri, somente sei que me encontro exausto.


Avisto ao longe uma conturbação em meio à escuridão eterna. Chegando mais perto
vejo um certo movimento de pessoas. Parece ser uma cidade.
Indo em direção à entrada da cidade, eu era medido e pesado como se fosse um ser
que não pertencia àquele povo. Eles tinham razão.
A cidade era ladeada por casas muito parecidas com as do Mundo Terreno, só que
com eras de edificação. Telhados quebrados, paredes com lodo ou inacabadas, janelas
oxidadas e tortas. As pessoas eram parecidas com vultos. Algumas ainda com restos de suas
formas e aparências mortais, outras não possuíam mais seu semblante, mostrando o tempo
delas na não-vida.
Um tumulto começou. Pessoas corriam de um lado a outro. Gritos, berros em uma
língua que eu nunca tinha ouvido. Sabia que não era eu a causa, pois eles pararam de
prestar atenção em mim. Eu era empurrado, levado às vezes junto com a multidão.
Pude perceber um pequeno grupo, ao longe, organizado, indo em direção ao portão.
Fui ao seu encontro.
Tratava-se de um pequeno grupo de soldados. Suas armas possuíam lâminas negras.
Admito que fiquei curioso em por minhas mãos naquelas armas.
Senti o mesmo tremor de antes. Congelei. Os soldados continuaram a avançar em
direção à estrada indo em direção à floresta. O tremor eu sabia, vinha de lá.
Continuei parado no portão da cidade, vendo os soldados avançar em direção ao
tremor. Foi quando meu maior medo tornou-se real. Saíram da floresta como um estouro de
elefantes. Uma grande batalha estava sendo travada. Mais soldados estavam sendo
enviados. Era o mesmo grupo do qual eu tinha fugido.
A floresta então se abre como um mar rubro. Vi o que somente existia em meus mais
temidos pesadelos. Uma criatura deste mundo, colossal. Seu poder é sentido de longe, seu
rugido ensurdecedor, sua aura causa um temor inigualável. A criatura é da cor do fogo, com
um corpo gigantesco e volumoso. Anda em duas patas curvadas para trás, suas asas sempre
abertas e afiadas. Em suas mãos estão uma espada flamejante e um chicote com a
extremidade rubra de sangue. Seu nome é Balor.
Em meio ao som da batalha, num rugido medonho do Balor pude perceber meu nome.
Minhas mandíbulas cerraram-se. O monstro olhou direto para os portões da cidade e para
mim.
Alguns demônios conseguiram atravessar o grupo de soldados, vindo em direção à
cidade. Fui tomado de medo e raiva, por ter fugido pela primeira vez e por ver toda aquela
destruição.
Eu estava sozinho com três bestas espirituais. Nunca vi tamanha força e vigor em toda
minha vida. Minha pele grossa era rasgada como papel pelas garras das criaturas. Descobri
que o sangue das criaturas é negro, e se sangram, certamente podem ser mortas.
Sozinho, consegui abater dois deles, o terceiro ficou tão machucado quanto eu. Uma
pequena multidão veio à minha ajuda.
Os soldados conseguiram afastar as criaturas, mas eu creio que não por muito tempo.

18 de Março

Fui cuidado pelos moradores daquela cidade. Parece que não sou mais o mesmo
estranho.
Decidi ficar para ajudar e aprender. Fui muito bem recebido. Creio que deve ser um
modo de agradecimento por eu não ter deixado os pequenos demônios invadirem a cidade.

24 de Março

Até agora a cidade não viu nem ouviu ruídos fora de seus portões.
Obtive muitas ocupações neste tempo, como aprender os modos deste povo, sua
linguagem e história. Ando muito tempo lendo os documentos da biblioteca.
A cidade possui cerca de cinqüenta mil habitantes e não existem registros sobre sua
idade. Chama-se Dhirè.
Fui condecorado pelo mérito de salvar a cidade.

25 de Março

Fui chamado a comparecer à frente no que eu penso ser o governante.


Era uma figura poderosa, com presença, e utiliza sempre uma espécie de máscara feita
de retalhos de outras máscaras. Seu nome era Yetho.
Yetho me lembrou do ataque à cidade oito dias atrás. Novamente me agradeceu pelo
meu feito, mas percebi algo em sua voz que não conseguia distinguir bem. Ele então
comentou sobre o meu nome quando foi rugido por Balor. Eu soube, também por Yetho,
que meu nome era dito pelos pequenos demônios quando se encontraram com os soldados.
Fui questionado sobre o meu possível conhecimento dos demônios. Ouviu minha pura
e pasma negação. Pensei em ir embora da cidade, para não por em perigo seus moradores.
Ambos sabiam que estavam a minha procura, só não sabíamos o porque.
Yetho me convidou a ficar e a entrar ou ajudar a elite de guarda da cidade. Aceitei no
ato.

30 de Março

Passei um bom tempo estudando sobre criaturas do submundo. Obtive alguns


registros secretos do Balor.
Por meio dos estudos que fiz das vítimas da batalha, descobri que alguns eram
licantropos caídos. Inclusive muitos deles eram de uma tribo a qual eu participei de sua
extinção. Uma antiga tribo guerreira e canibal. Acredito que por meio de pactos com alguns
espíritos tenham se tornado mais fortes, e recriaram sua tribo aqui no Mundo Umbral.

02 de Abril

Uma sombra, uma sentinela chega à cidade com uma mensagem nada amistosa. Os
demônios novamente se reuniram, num grupo muito maior, e já estão rumando para Dhirè.
Yetho chamou a guarda principal. Perguntei a ele se não poderíamos pedir ajuda, mas
a cidade mais perto foi destruída ha um tempo. Lembrei-me da clareira. A próxima cidade
fica a muitos dias daqui. Começamos a preparação da defesa de Dhirè.

03 de Abril

A guarda já estava no portão da cidade quando senti os tremores novamente. Era


muito maior. Pude sentir uma legião, eram muitos, a cidade não iria resistir. Estavam a
minha procura. Devo enfrentá-los.
Juntei-me aos soldados em direção à floresta. Yetho me deu sua espada, uma
cimitarra de lâmina negra. Um pequeno calafrio subiu minha espinha quando pus minha
mão em seu cabo.
Estou agora parado à frente da densa floresta. Os tremores pararam. O que será que
estão esperando?
Apareceram assim como uma tempestade assola a plantação. Criaturas maiores e mais
medonhas.
Soldados eram dilacerados, armas quebravam, e sangue negro brilhava no chão. As
lâminas escurecidas brandiam no ar com ferocidade e bravura. Era minha hora, já estava
recuperado, iria me vingar.
Minha cimitarra girava e cortava o ar como se não tivesse peso algum. Ela não
cortava os demônios, e sim feridas se abriam quando minha lâmina se aproximava de seus
corpos. A espada possuía um poder sobrenatural. Meu corpo já estava coberto com aquele
líquido escuro. Meu corpo já colecionava grandes cicatrizes. Os ferimentos destas criaturas
são mais dolorosos e demoram mais para cicatrizar.
Ouvi então aquele rugido, e o fogo escarlate se abriu à minha frente, revelando meu
encontro com o que somente existia em minha imaginação.
O Balor agitava seu chicote criando caminhos flamejantes no solo, sua espada deixava
pequenos rastros de chamas no ar. A temperatura perto da criatura era muito alta. Sua fúria
o fez abrir caminho em minha direção. Não esmoreci. Ele conseguiu segurar meu braço
esquerdo com o chicote. Queimava como o fogo do inferno. Conseguia conter alguns
golpes de sua espada flamejante com minha cimitarra. Abocanhei o chicote amarrado ao
meu braço. Queimei meus dentes e minha boca, mas agora estou livre.
Meu braço esquerdo está inutilizado. Mais demônios se juntavam à minha batalha. Eu
estava fraco, muito ferido. Meu peito sentiu o ardor da lâmina do Balor. Fui lançado a
quase dez metros de distância. Soldados vieram ao meu auxílio. Estávamos perdendo a
batalha, e por minha causa. Precisava sair daqui.
Me recompus, corri em direção à cidade, estava quase desistindo. Perto dos portões
comecei meu processo de concentração para a abertura de uma película no Umbral que me
levasse de volta ao Mundo Terreno. Somente assim eles desistem desta busca.
Esgotei quase todas minhas forças, mas me encontro, agora, dento de minha choupana
em minha forma hominídea. Sem perceber acabei trazendo a cimitarra de Yetho. Sinto-me
fraco.
Uma mão segura meu pé, e percebo então que não consegui fechar o portal que abri
para o Umbral. Os demônios vão atravessá-lo. Consegui me libertar e sair da casa. Estou
indefeso, e os demônios menores estão atravessando a película.
Três deles conseguiram atravessar, e possuem a forma de licantropos. Estão
dominados pela raiva e fúria, e me atacaram. Sou rasgado e jogado aos pés das árvores.
Minhas forças estão se esvaindo.
À minha frente salta uma figura escura. Ouço sons animalescos de carne dilacerando,
urros de pavor e então o silêncio. A última coisa que vi foi o brilho do luar nos olhos
escarlates desta nova sombra. Meus sentidos começam a falhar. Caio num sono profundo.
Creio que desmaiei.

03 de Abril, registro de Milosh Keat

...me encontrava aos arredores de Valença em uma de minhas peregrinações quando


pude ouvir algo que há muito não ouvia. Uma batalha e uma sensação de poder tamanha
que me arremeteu a tempos antigos. Senti uma pequena quebra na realidade o que me
prendeu a atenção e me motivou a ir ao encontro deste evento.
Não estava trajado para aquele tempo, aliás, me perdi em meu próprio tempo, um
tempo longo. Estava com veste longas e escuras com runas gravadas às minhas costas, por
dentro estava nu. Tive que tomar cuidado com a minha aproximação, para não poder causar
transtornos.
Era noite, por volta das nove horas. A lua estava meio coberta produzindo uma
luminosidade fraca em meio à floresta. Para mim, isso não era problema, pois sou uma
criatura da noite, por mais iluminado, hoje, que eu seja.
Deparei-me com uma região aberta, porém pequena, com uma minúscula choupana,
um homem a uma distância de uns 8 metros da casa, caído, segurando uma arma que
aguçou-me a curiosidade quando pus meus olhos nela e em três criaturas gigantescas,
cheias de pêlos, com mais ou menos 3 metros de altura, bocas projetadas e forradas de
dentes afiados. Eu lembrava muito bem destas figuras, alguns de meus inimigos mais
mortais nas épocas antigas. Mas estes eram diferentes, eu sentia algo de diferente neles,
pareciam não pertencer a este mundo.
O homem deitado estava totalmente ensangüentado, totalmente debilitado, e ainda
estava tentando se levantar quando uma das criaturas saltou em sua direção rasgando sua
barriga e o atirando ao pé de uma árvore, a uns seis metros de mim. Pude perceber que a
força destas criaturas era sobrenatural, realmente não pertenciam a este mundo, isto deve
acabar, pois planos diferentes não coexistem, cada ser pertence a seu mundo e a seu plano.
As criaturas lançaram-se em direção ao corpo caído e eu me pus, com um salto, à
frente do mesmo. Estes demônios sobrenaturais pararam e começaram a rosnar para mim.
Sues pés afundavam no chão gramado, deviam pesar uns mil e duzentos quilos de puro
músculo. Começaram a se mover ao meu redor como se fossem me emboscar por todos os
lados. Meus cabelos esvoaçavam juntamente com o pequeno vento que lá batia. Minhas
mãos tornaram-se garras das mais afiadas, minha boca projetou dentes afiados que há muito
estavam adormecidos, meus olhos tornaram-se um mar vermelho, meu corpo se retesou.
Uma das criaturas veio em minha direção com um salto, consegui me esquivar e levá-
la ao chão rasgando-lhe a mandíbula, produzindo um urro de dor. Outra aproveitou este
momento para saltar sobre minhas costas e conseguir cravar seus dentes afiados em meu
pescoço. Admito que não sentia dor há muito tempo, minha raiva me dominou. Agarrei seu
braço com uma de minhas garras e o arranquei. Ele afrouxou sua mordida e eu o retirei dali
arremessando-o contra o restante que estava vindo ao meu encontro. Corri em direção a
ambos para terminar meu trabalho. Com uma dentada dilacerei o pescoço do já debilitado
demônio e com um aperto quebrei as costas do restante.
Voltei a minha atenção ao homem caído, ele me olhou já com seus olhos cansados,
virou sua cabeça de lado e desmaiou.

04 de Abril, registro de Milosh Keat

Estou cuidando dos ferimentos deste homem, cujo nome descobri por meio de uma
pesquisa em sua casa. E encontrei um pouco mais. Ao chegar presenciei um portal,
pequeno, na película, para o Mundo Umbral, onde creio que as criaturas devem ter passado,
no entanto, não foram elas que o abriram, o que prova que este homem é um licantropo e
estava em uma de suas viagens ao Umbral. Devo tomar cuidado, pois não deve me
conhecer profundamente.
Meus estudos sobre Deckart revelaram sua idade, o porque de sua busca espiritual e
mais alguns detalhes pessoais. Suas feridas estão demorando a cicatrizar, seus ferimentos
foram causados por meios que desconheço. Deckart possui um ferimento profundo no peito
que atravessa do canto do ombro esquerdo à base direita da cintura, sem contar as marcas
que as criaturas fizeram, à frente da sua casa, em sua barriga. Estou usando todos meus
métodos esotéricos e sobrenaturais para a recuperação deste protetor de Gaia.

07 de Abril, registro de Milosh Keat

Deckart hoje mostrou uma melhora. Seus olhos se abriram por um momento breve e
indo de encontro aos meus. Não esboçou nenhuma reação, segurou minha mão e
novamente desmaiou.
Minha preocupação diminui, meus tratamentos estão surtindo efeito. A ferida de seu
tórax parou de sangrar, e a cor de sua pele já está voltando ao normal.
Tornei minha atenção à arma que este carregava quando foi atacado. Examinando
descobri realmente que era do mundo espiritual. Uma cimitarra com certas gravações em
sua lâmina, que eu não sabia em que língua fora escrito, muito afiada e leve, muito leve.
Exauria um poder imensurável. Fui treinar fora da casa alguns golpes. Testei-a em uma
árvore. No momento em que tentei acertar a árvore não senti nenhuma resistência da
mesma, e a atravessei sem muitos problemas. Na verdade não a atravessei, eu nem cheguei
a atingi-la, pois, ela se abriu por onde a lâmina atravessou. Um corte perfeito, sem ranhuras,
como se fosse esculpido.
Meu paciente deve ser uma pessoa muito honorável, pois este presente é um presente
digno de reis. Sinto-me contente por estar cuidando deste ser superior.

10 de Abril, registro de Milosh Keat

Creio que meus serviços aqui estão acabados, não irei mais postergar minha estadia,
não gostaria de comprometer este meu colega perante sua tribo. Ele deve acordar de seu
descanso, revitalizado, hoje ou amanhã. Preparei uns chás, colhi frutas e fiz carne seca para
que Deckart quando acordasse pudesse se fortalecer.
Espero que sua tribo não o julgue por causa de minha ajuda.
Minha peregrinação deve continuar. Já a atrasei demais. Muitos lugares devo ainda
conhecer e muitos seres ainda hão de me procurar para conselhos.
Deixei uma pequena carta com alguns dos cuidados que Deckart deve tomar para
curar por completo seus ferimentos. Despeço-me dele agora.

11 de Abril

Acordei ainda meio atordoado nesta madrugada. Meu tórax estava enfaixado e meu
braço esquerdo tinha uma pequena tala mantendo-o reto. Meu braço já não doía tanto, mas
meu tórax ainda latejava um pouco.
Ardia, ainda, o resto de lenha em minha pequena lareira, minha choupana estava
limpa e arrumada. Ao meu lado, numa bancada, repousava um pequeno bule e uma xícara,
o bule estava ainda morno e continha um chá. Em cima de uma mesa estava uma travessa
com pedaços de carne seca.
Tentei me levantar, minhas pernas doeram um pouco. Quando endireitei minhas
costas meu peito doeu. Estava morrendo de fome e sede, fui sedento ao chá e esfomeado à
carne seca. A bebida era revigorante, não consegui distinguir seu sabor. A carne estava
muito bem preparada. Tratei de buscar um pouco d’água para saciar minha sede. Nada em
minha casa estava fora do lugar. Minha espada estava posta ao lado de minha cama
encostada na parede.
Examinando melhor minha casa pude encontrar na bancada uma pequena carta. Esta
dizia quais os cuidados que eu deveria tomar para me curar por completo. Plantas, bebidas,
comidas e como devo preparar os mesmo para o melhor resultado. Salientava um maior
cuidado quando viajar para o Umbral e mesmo que signifique um desmaio ou coisa pior,
fechar sempre a passagem pela película que divide os dois mundos. Uma observação ao
final da carta comentava sobre minha espada. O nome dela era Sorsha, e me dizia para ter
um cuidado excessivo com ela, pois é um dos artefatos mais poderosos do submundo. O
nome assinado na carta era Milosh Keat.
Nunca ouvi falar desta pessoa. Como ele conheceu minha espada? Por que não a
levou? Como soube cuidar de meus ferimentos? Poderia ser ele quem fechou a brecha que
deixei aberta na película? Ele conseguiu abater os três licantropos possuídos que me
atacaram neste Mundo? Estas são questões que tenho que esclarecer o mais rápido possível.
Agora tenho preocupações muito mais acentuadas. Devo me refortalecer e recuperar-me
para receber o chamado de minha tribo para nossa assembléia. Devo esclarecer alguns
fatos, enfrentar meu destino e me redimir. Minha honra foi quebrada, a raiva me consome.
Meu dever a partir de agora é usar este remorso e vingar-me daqueles que um dia ousaram
me fazer cair, restituir minha honra e limpar meu nome.

12 de Abril

É de manhã. Um homem bate à minha porta. Eu o reconheço, é uma dos mensageiros


de minha tribo. Veio a mim entregar a mensagem que devo me apresentar em 3 dias em
nosso covil. Tenho que me preparar. Não pensava que eles pudessem ser tão rápidos para
chamarem esta assembléia. Creio que meus erros foram graves. Cada vez sinto mais raiva
de mim mesmo. Sinto-me vazio como uma concha sem sua pérola.

13 de Abril

Meu braço já está completamente curado. Já posso retirar a faixa e cuidar levemente
de meu tórax. Admito que os medicamentos que Milosh deixou preparados realmente
possuem um efeito miraculoso.
Hoje devo iniciar a caminhada rumo a minha redenção.

15 de Abril

É quase hora do almoço quando chego em nosso covil, o retiro de nossa tribo. É uma
parte bem densa da floresta, com árvores de copas altas dificultando a entrada da luz solar
produzindo um odor de folhas úmidas. Estendem-se casebres e pequenas plataformas no
alto das árvores como moradias e casas de vigília. No meio desta pequena aldeia encontra-
se um Dólmen e acima dele um trono formado de madeira, ossos e pano em que um dia
sentei. Era o lugar do líder da matilha, chefe da tribo.
Adentrei na aldeia acompanhado pelos olhares repletos de desconfiança e decepção.
Isto me angustiava. Portas se fechavam de acordo com que eu avançava aldeia adentro.
Rosnados eram dirigidos a mim, comida, pedra e gravetos eram arremessados. Não existe
humilhação maior.
Ao longe avistei o Dólmen e acima dele, sentado, estava Sakadhwio o chefe agora
desta matilha. Ao redor dele estavam alguns dos conselheiros, guerreiros e sábios mais
valorosos da tribo. Todos me encaravam com seus olhares penetrantes. A assembléia será
realizada com todos seus membros em sua forma lupina, como sempre foi e como sempre
será. Aproximei-me do Dólmen para me apresentar ao corpo da assembléia. Sucintamente
sou avisado de que a assembléia dará início à noite quando a lua estiver em seu ápice.
Com minha cabeça baixa vou aos aposentos a mim reservados para esperar a hora em
que serei julgado.

15 de Abril, meia-noite

Aproximei-me do Dólmen para me apresentar. Foi-me posto um tapete na grama a


uns 5 metros de Sakadhwio, o restante dos representantes da assembléia sentaram-se em
ambos os lados do Dólmen, todos à minha frente, para poderem olhar em meus olhos.
Alguns lupinos à minha esquerda seguravam certos instrumentos.
Retornei a meu tapete e sentei-me. Sons de tambores, chocalhos e uivos indicaram o
início da assembléia.
Meu julgamento ocorreu em três momentos, três decisões, cada uma por um
acontecimento.
O primeiro momento foi quando Sakadhwio discursou sobre minha peregrinação ao
Mundo Umbral. Minha missão como o próximo ancião desta tribo era a de encontrar meus
ancestrais, entrar em contato com eles e me tornar mais sábio e forte espiritualmente. Esta
missão não foi realizada ainda com êxito, mas esta não há prazo para se concluir. O meu
retorno à tribo não era para acontecer enquanto eu não pudesse realizar esta missão. Como
minha volta foi decidida pela tribo e não por mim, eu não serei punido. Mas minha missão
de me tornar um dos próximos anciões não deve parar.
O segundo momento foi de ser ajudado a me recuperar pela pessoa sob o nome de
Milosh Keat. Admito que achei muito estranho comentarem sobre esta pessoa, mas creio
que seria nessa hora que eu saberia um pouco mais sobre este ser. Um dos conselheiros,
Belock, tomou a palavra. Seu discurso sobre Keat durou cerca de uma hora. Milosh era um
dos maiores inimigos de minha raça. Neste momento fui dominado pela fúria e não pude
conter um rugido. Milosh era um vampiro antigo, um Matusalém, com aproximadamente
três mil anos de idade, pelo que Belock conseguiu levantar. Participou de diversas partes da
história terrena como a batalha de Waterloo, o incêndio em Roma, a era dos cavaleiros, e
muitas outras. Seu verdadeiro nome perdeu-se nas eras.
Milosh era um vampiro diferente, pois, buscou sua própria ascensão, buscou sua
própria iluminação, ou podemos dizer a própria redenção de suas culpas e medos. Ele
alcançou a Golconda, onde um vampiro não possui mais a sede de sangue, não entra mais
em conflitos mundanos. Este se torna um ser iluminado que alcançou seu perdão, se torna
um oráculo, um ser de tamanha sabedoria e inteligência. Não é mais tratado como uma
sanguessuga de Gaia e sim um defensor, assim como nós lupinos.
Os conselheiros e Sakadhwio não me puniram por este acontecimento. Admito que
não aceitei esta decisão, mas minhas argumentações de nada valem, simplesmente
envergonharam-me ainda mais. Senti-me inútil por ter sido ajudado pelo ser que mais odeio
e luto contra. Tratarei disso mais tarde com minha intimidade, com meu senso de honra. Eu
trarei minha punição para este caso.
O terceiro momento foi de minha queda no mundo terreno, sendo atacado por três
demônios licantropos e sem chances de me defender, e o mais importante, não conseguindo
defender Gaia. O ponto mais forte da reunião foi não ter fechado o portal que abri na
película entre os dois mundos. Desta forma fui negligente, e fraco. A decisão de uma
punição foi unânime. O conselho pediu uma breve ausência minha a fim de discutir a
possível punição.
Meia hora se passou e fui convocado de volta à assembléia. Consegui obter de alguns
olhares a expressão de pena e indignação, outros de decepção. Sentei-me em meu tapete e
Sakadhwio começou a discorrer sobre meu destino.
Minha pena por ter sido fraco e negligente com Gaia foi a de banimento de minha
tribo pelo período de duzentos anos. Não sou permitido voltar ou fazer contato com
representantes de minha tribo, ou qualquer outra. Mensagens serão mandadas para outras
tribos, e assim por diante, dizendo que de hoje a daqui a duzentos anos passarei a ser um
Uratha, um lobisomem sem tribo.
Sou marcado por magia com um símbolo em minha aura para que outros de minha
espécie possam ver que sou um Uratha. Somente esta assembléia, sobre este Dólmen, daqui
a duzentos anos, quando devo retornar, que possuem o direito e a força para retirar de mim
esta desgraça.
A assembléia termina e sou obrigado a deixar a aldeia como a forma hominídea para
aumentar mais ainda minha desonra. Muito mais ainda espera por mim. A maior penalidade
ainda há de acontecer.

19 de Abril

Estou de volta à minha choupana, cansado e totalmente curado. Meus pensamentos


estão turvos como a noite. Sinto que minhas forças voltaram e estou pronto para uma nova
empreitada.
A partir deste momento tomei minha decisão mais difícil e importante. Não admitindo
a ajuda da raça de meu maior inimigo decidi me exilar no Mundo Umbral, em algum lugar
que ninguém possa me alcançar e que eu possa terminar minha missão espiritual.
Arrumei minha sacola com Sorsha, a carta de Milosh Keat e umas duas trocas de
roupa. Sem delongas me concentrei e reabri meu portal na película para o submundo. Uma
das coisas que procurarei serão os malditos demônios. Eles hão de pagar pelo que fizeram,
não serei fraco, não desonrarei a mim ou à minha tribo novamente. Sem perder tempo estou
de novo no mesmo lugar que antes no submundo. A escuridão toma conta de minha visão
até que ela se acostuma. Penso estar em casa, pois esta será minha nova casa, este Mundo
será meu novo Mundo.

20 de Abril

Minha procura pela cidade em que me abrigaram foi em vão, em seu lugar há uma
clareira. Chorei por eles. Achei um dos pedaços da máscara de Yetho e o guardei. Não
consegui achar os rastros de meus inimigos. Não mais os temo, o que restou em mim foi
somente raiva e fúria. Minhas garras brilham e atravessam pedras e árvores imaginando
serem os corpos de meus inimigos.
Sinto-me dominado por um frenesi que me faz correr sem cansar às vezes sem saber o
porquê. Os sons e olhos não me atrapalham mais, eu retorno olhares e rugidos fazendo às
vezes com que tudo ao meu redor se aquiete e somente haja eu em meio às sombras.

11 de Setembro de 1728

Já fazem 25 anos que vivo no Umbral. Minha busca me levou a muitos lugares,
pessoas e encontros desastrosos. Minha vida no submundo me fez aprender muita coisa e a
pensar em muita coisa. Este é realmente um espelho turvo de nossa realidade. Tudo que
acontece no Mundo Terreno possui um efeito colateral aqui.
Há três anos que moro numa Ilha em umas das Praias Distantes, como é chamado no
Mundo Umbral. Decidi ser este o lugar para meu exílio eterno. Estou rodeado por um lago
de prata profundo, do qual tive que transpor a nado. Uma de minhas expiações penso eu. A
causa desta expiação foi depois de muito tempo e estudo descobrir que Yetho, o senhor de
Dhirè, era um de meus ancestrais, e nunca mais o verei, o que aumenta mais ainda minha
desgraça. Alguns registros me indicaram uma pista sobre um ancestral de Yetho aqui
mesmo neste Mundo. Devo procurá-lo incessantemente. Creio que minha missão possua
múltiplos objetivos a serem alcançados.
Não mais almejo retornar ao Mundo Terreno, viver lá, tão pouco para minha tribo.
Sou parte já deste mundo, seu poder já está em minhas entranhas. Tornei-me imortal.
Tenho uma nova casa, sou respeitado pelos espíritos e uma grande massa de literatura
demanda toda minha atenção e tempo. Tornei-me um sábio.
Como gostaria de rever Keat e dizer obrigado.

23 de Agosto de 2005

Estou vivendo no submundo já há mais de 270 anos. Muita coisa mudou em mim,
inclusive minha aparência. Vivi sozinho todo esse tempo adquirindo conhecimento. Não
recebo muitas visitas. Alguns seres valorosos conseguem vir a meu encontro em busca de
iluminação, mas minha maior visita continua sendo a de Milosh Keat.
Sua visita sempre faz relembrar meus séculos de vida e traz a lembrança de meu
julgamento injusto. Nossas conversas tomam semanas, e não nos preocupamos mais com o
tempo. Agora não há como voltar atrás em minha decisão. Eu pertenço a este plano.
Hoje a visita de Keat trouxe-me ótimas notícias, senão umas das mais importantes
para mim. Milosh revelou a localização do Balor que tanto procurei. A derrota deste ser é
uma de meus principais objetivos. Devo derrotar aquele que me fez cair e ousou afrontar
meus ancestrais.
Sem delongas apressei em pegar Sorsha. Milosh me alertou que o Balor estava
rumando para uma pequena cidade a leste daqui. Estava com um grupo considerável de
demônios junto a ele. Keat me ofereceu ajuda, aceitei-a na hora somente com a condição de
que o Balor era meu. Não terei piedade.

25 de Agosto de 2005

Nossa caminhada durou dois dias. Lá estavam os profanadores, em meio a uma


pequena clareira, prontos para rechaçarem a próxima cidade. O que eles procuravam não
pude descobrir até hoje. O grupo era consideravelmente grande. Os anos os fortaleceram,
novos integrantes se juntaram, mas a única criatura que me interessava era o Balor
imponente como o chefe do grupo.
Esperamos o momento certo. Não fomos vistos, nem nos sentiram por perto. Isso é
bom. A cidade estava próxima, nosso ataque deveria ser próximo à cidade, para podermos
nos flanquear, utilizando os soldados como distração para nosso ataque furtivo.
Não demorou muito e os demônios tomaram rumo para a cidade, como bestas
Berserkers. Fomos atrás deles mantendo uma distância segura.
O grupo então, em sua corrida pela destruição saiu da floresta, por meio de uma
pequena estrada rumo à cidade e deram de encontro com uma grande massa de soldados,
que pelo que já conheço, não irão resistir por muito tempo.
Esperamos um pouco a batalha se desenvolver e como sombras, sem emitir o menor
ruído, decidimos atacar o grupo pelos flancos. Nunca vi Milosh dominado pela sua besta
interior como vi neste dia. Keat transformou-se em uma bruma que asseou entre os
demônios e se materializou novamente no meio deles. De lá somente ouvia-se urros,
rugidos e o líquido preto jorrando sobre as criaturas. Não demorei para por Sorsha em uso.
Sorsha estava pedindo sangue e eu sabia como saciá-la. Avistei o Balor ao longe perto das
tropas da cidade. Devo chegar a ele o mais rápido possível.
Sem perceber Milosh conseguiu abrir caminho até mim. Estava totalmente enegrecido
do sangue Umbral e não possuía uma ferida. Um guerreiro valoroso.
Fomos cercados pelos demônios e começamos a criar uma pilha de corpos aos nossos
pés. Ceifávamos a não-vida de nossos inimigos a cada corte de Sorsha e mordida de Keat.
Os soldados conseguiram se juntar a nós.
Em nosso rumo um caminho se abriu naturalmente, como um tapete vermelho, para a
vinda do Balor. De longe eu sentia seu calor. Veio com a fúria de uma avalanche que desce
a montanha. Corri em sua direção, era chegada a hora. Keat se aproximou de mim servindo
de um escudo contra qualquer interferência neste duelo épico.
Desviei-me de seu chicote agarrando-o com minha garra. Estava tão centrado na
minha fúria interior que não senti seu calor infernal. Minha espada acabou por inutilizar seu
chicote. Sorsha cantou diversas vezes junto com a espada flamejante de Balor. Um
descuido meu fez o Balor acertar-me com seu corpo arremessando-me longe. Pude sentir
ele correndo em minha direção. Neste momento lembrei-me de minha tribo, Yetho,
Sakadhwio e de minha desonra. Emiti um rugido tão alto para os céus e ergui Sorsha.
Chamei os espíritos antigos de minha tribo. Meus olhos tornaram-se prateados e brilhantes,
de minha boca provinha uma fumaça branca e gélida. Meus dentes e língua congelaram por
um pequeno instante. Sorsha brilhava como nunca vi antes, um brilho ofuscante, suas
inscrições negras acentuaram-se. Eu sentia seu poder fluir por minhas veias. As luzes no
céu começaram a virar um turbilhão negro e sinistro. Nuvens juntaram-se às mesmas. A
batalha de repente se silenciou para ver este momento.
Cerrei meu olhar para digladiar o Balor. Meus pêlos estavam cobertos por partículas
brancas. Estava nevando. Outro rugido, emitido juntamente com o do Balor. Dos céus,
então, desce um tufão branco e brilhante, com uma força descomunal. Tudo o que toca se
congela, um gelo escuro, como um cristal negro. Eu estava dominando os elementos do
submundo com a ajuda de Sorsha. O ciclone enfurecido atravessava o campo de batalha
carregando consigo e congelado os demônios que corriam como abelhas desorientadas. O
Balor olhava para mim com pavor e bestialidade. O ciclone estava indo em sua direção. Ele
cravou sua espada e garras no chão. A fúria desta tempestade estava acima dele, cortando,
congelando, o fazendo urrar de dor. Sua força era tamanha, estava conseguindo aumentar o
calor de seu corpo, seus olhos mostravam seu poder.
Eu não tinha mais medo. Esta missão será cumprida agora ou morrerei tentando. Girei
Sorsha em minha mão, para sua lâmina ficar virada para o chão. Com uma corrida e um
salto cravo Sorsha na fronte do Balor. Sou arremessado longe devido a uma explosão.
Rugidos de agonia e dor são ouvidos a quilômetros de distância. Keat corre em meu
auxílio. Balor tenta arrancar Sorsha, porem, não consegue tocá-la. Seu corpo se contorce no
chão, um sangue, mais parecido com lava, começa a sair de seu corte. Os soldados da
cidade batem em retirada. Suas garras falham em o conter preso na terra, o ciclone é
impiedoso, cobrindo-o por completo. Nada é possível ser visto, simplesmente o urro de um
ser perto de seu fim. Então, de repente, o silêncio reina de dentro do ciclone, que começa a
subir aos céus novamente revelando aos poucos um cristal negro gigantesco com uma aura
vermelha dentro do mesmo com a forma do Balor como se gritando aos céus.
O cristal começa a se rachar e se quebra em milhares de pedaços diminutos que são
levados pelo ciclone que some então no céu de eterna noite. O que resta, é somente Sorsha
caindo dos céus a meus pés. Seu brilho se esvai. Está terminado. Yetho foi vingado. Sinto-
me feliz, esgotado e realizado.
Mesmo sem voltar a minha tribo, sem remover a marca de minha aura, sinto-me
maior que todo e qualquer ritual mundano. Meus ancestrais foram vingados, minha honra
restaurada e nenhum membro de minha tribo ou qualquer outro lican jamais ousará apontar-
me ou citar a vergonha que se foi junto ao Balor.

28 de Maio de 2007, último registro

Minha missão espiritual foi realizada com êxito. Não mais lutarei. Sou um ser acima
de outros seres, transcendental, um ser que viu e viveu histórias em diferentes mundos.
Acumulei conhecimento que muitos não possuem.
Agora compreendi o objetivo de Milosh. Sou um ancião. Não, sou mais que isso. Sou
um oráculo.

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