O documento descreve a situação de um personagem preso em um cárcere sombrio e cruel. Ele testemunha atrocidades como tortura e assassinato de outros prisioneiros. Após escapar, o personagem explora uma sala estranha contendo mesas de pedra conectadas a cilindros borbulhantes e pergaminhos misteriosos com desenhos anatômicos e escritos em uma língua desconhecida.
O documento descreve a situação de um personagem preso em um cárcere sombrio e cruel. Ele testemunha atrocidades como tortura e assassinato de outros prisioneiros. Após escapar, o personagem explora uma sala estranha contendo mesas de pedra conectadas a cilindros borbulhantes e pergaminhos misteriosos com desenhos anatômicos e escritos em uma língua desconhecida.
O documento descreve a situação de um personagem preso em um cárcere sombrio e cruel. Ele testemunha atrocidades como tortura e assassinato de outros prisioneiros. Após escapar, o personagem explora uma sala estranha contendo mesas de pedra conectadas a cilindros borbulhantes e pergaminhos misteriosos com desenhos anatômicos e escritos em uma língua desconhecida.
Não há nada mais desesperador do que a sensação da
incerteza, o anseio advindo da profundeza da alma perdida, da
insegurança de não ter certeza dos passos e de estar perdido por caminhos caóticos e imprevisíveis. E era assim que eu me sentia no momento em que abri os meus olhos e contemplei a face opressora da negação. Onde eu estava? Como cheguei ali? Quanto tempo já tinha se passado? Dias, horas, semanas? Não sei dizer ao certo, entretanto posso lhes dar somente uma certeza, a do embrulho vazio em minhas entranhas ao perceber que me encontrava quase um semimorto, com poucas forças para me manter em pé, sentindo em minhas costas magras e esqueléticas o frio da parede negra e crua de pedra, acorrentado pelos pulsos por autoritários grilhões de ferro. Nesses terríveis e solitários momentos que descobrimos de qual tipo de fibra nossa alma se alimenta. Sempre fui um sobrevivente nessas terras injustas, e meu fim não tinha chegado, com certeza não tinha chegado. Pelo menos era o que eu desejava afirmar para mim mesmo. Me apegando nesse desejo, resolvi abrir os olhos para tão logo desejar nunca o ter feito. Pobreza, tristeza, podridão eram palavras suaves para descrever aquele cárcere. Com dimensões sufocantes, em meio ao cheiro repugnante da mistura de excrementos, sangue seco e restos de comida apodrecida espalhados pelos cantos do úmido chão de terra, estavam um punhado de moribundos, espalhados pelo lugar tal qual restos esquecidos da dádiva chamada vida. Aqueles que ainda conseguiam se manter conscientes só tinham forças para, pendurados pelos pulsos ensanguentados, murmurarem gemidos de dor e sofrimentos devido as amputações e escarificações afligidas, em total escárnio, nos seus pobres restos de carne. Foi ali, digerindo toda essa loucura e desespero, que minha lucidez retornou e acordei daquele transe aterrador no qual me encontrava. Eu precisava fazer algo rápido, antes que estripassem toda minha esperança e desejo. Tal qual um bárbaro em seu frenesi comecei nervosamente a perscrutar todos os cantos na tentativa de achar alguma forma de escapar, algo ou alguma coisa, algum utensílio em que poderia utilizar as minhas habilidades, mas não encontrava absolutamente nada, estava sem minhas roupas e seus compartimentos secretos, onde guardava as gazuas, lixas e chaves-mestras, e o tempo estava passando ansiosamente. O que poderia fazer? Mesmo com os pés desamarrados e ágeis como sempre foram, agora eram inúteis e a força bruta nunca foi um dos meus triunfos. O que fazer? O que fazer? Pensa seu maldito! E agora? Será que sua sorte lhe abandonou de vez? Acho que não, pois em meio a minha angústia escutei o barulho de ferro rangendo na única saída possível daquele inferno, e logo o som de passos aumentando. De prontidão fingi estar ainda desmaiado. Os passos revelaram dois homens, muito altos e magros, vestindo robes totalmente negros e com o detalhe de uma espiral prateada em suas costas. Suas faces estavam ocultas pelo capuz, mas suas mãos revelavam fortes dedos excessivamente compridos e pálidos. Junto com eles, atrás, vinha cambaleante outro humanoide de tamanho descomunal, curvado nas costas, vestido com roupas sujas de um sangue já enegrecido e uma cinta com vários artifícios de corte, como facas e serras. A forma desordenada em que seus membros se ligavam ao seu tronco trazia sensações desagradáveis e inquietantes. Sua face era horrenda, com olhos apáticos e inchados. Mechas de cabelo escuro caiam ridiculamente pobres e finas por cima das protuberantes orelhas. Um nariz gordo e torto ocupava grande parte da face, terminando em uma bocarra de dentes amarelados e quebrados. A criatura empurrava um carrinho de rodas tortas e trêmulas, formado por um aro metálico prendendo um grande saco de pano, tão sujo quanto as vestes de seu condutor. E dentro havia um machado. Dizem que o medo é um sentimento que se espalha igual fogo em palheiro nos dias secos de verão, e a chegada deles trouxe tanta inquietude no lugar que o ar foi preenchido com uma onda de um silencioso temor. Logo os gemidos e murmúrios dos cativos aumentaram em intensidade e, como se fosse ainda possível, o que restou de alguma sanidade foi sugada para o fundo do abismo da melancolia. Ao chegar no centro da sala, os homens se separaram, e se aproximaram de alguns prisioneiros. Como linces cercando suas caças, farejavam ferimentos e rostos esquálidos. De súbito, um deles se virou para mim, e veio serpenteante, como se flutuasse em suas vestes até minha direção. Não sei nem explicar o grau de terror que se apoderou do meu ser. Tudo ficou silencioso e o tempo, lugar e mesmo minha mente pareceram não mais existir. O seu hálito era de um calor sepulcral. Ele percorria de cima a baixo, extremamente curvado, devido minha baixíssima estatura, numa inquietante busca de algum odor específico. E o que mais me afligia é que não conseguia vislumbrar a sua real aparência. Logo, ele chegou em um de meus ferimentos, esquadrinhando e farejando, enquanto seu corpo dava algumas tremidas. Juro pelos deuses que ele sentia um odioso prazer naquele ato, e sorte minha que tal regozijo não era de puro êxtase, pois logo ele se levantou como se num chamado silencioso, e voou em direção ao seu comparsa, parando ambos em frente de um maltratado meio-elfo, e não mais prestou atenção em mim. Juntos, fungavam sua presa e tremiam espasmodicamente, soltando grunhidos de excitação. Os dementes ao redor ficaram mais agitados e barulhentos, respondendo aquela excitação, até que em um só movimento os dois se retesaram, e tudo silenciou naquela maldita cela, e em sintonia se dirigiram para a saída da cela. Nesse momento o brutamontes, agarrado em seu artefato, começou a se movimentar. Foi forte, preciso, único, de uma habilidade invejável a qualquer lenhador. Um golpe de misericórdia para aquela sofrida alma. De um certo ponto de vista, pôs o fim aquela miséria de ser. E isso transparecia na expressão de alívio na face do meio-elfo, que se encontrava ainda em sua prisão, sem a parte inferior do torso, onde agora, em meio ao sangue jorrando, se dependuravam tripas e restos de carne misturados a um toco da espinha dorsal. Subitamente uma ideia me veio a mente, e como um alucinado comecei a me debater e berrar xingamentos incoerentes entre outras escrotidões para aquela aberração, o qual jogava os pedaços inferiores do defunto no seu odioso carrinho, e funcionou, pois ele me olhou e veio correndo em minha direção. Via a raiva em seu semblante, e em todos esses anos de desafios e aventuras nunca levei uma pancada tão forte quanto aquela. Senti meu estômago se misturar aos músculos das costas, aos vômitos quase desmaiei. Resolvi me aquietar e observar a vagarosa saída de meu captor. Rangido de ferro, barulho abafado de algo pesado na areia. Esse era o momento. Tolerando o máximo a dor que sentia, foquei minha atenção entre os dedos do me pé peludo, onde estava um dos apetrechos do cinturão daquele monstro. Uma rústica agulha fina de metal. Ia servir, tinha que servir. Em uma acrobacia, e se aproveitando de toda minha elasticidade, consegui, com certa dificuldade, me manobrar, e com um dos pés soltar uma das mãos. O restante foi moleza. Estava agora ali, solto finalmente, e precisava fugir o mais rápido possível. O portão de ferro e sua engrenagem. Moleza. Aberto. Vamos seu ratinho, rápido, rápido. Como uma flecha corria sem parar pelos corredores cavernosos. Qual era o tamanho daquele lugar? Pareciam corredores eternos, corredores iguais, sem fim. Maldição! Onde fica a saída? Perdi a noção de quanto tempo estava correndo, e as pernas já doíam e os pés sangravam. E nada da saída. Parei, e sentei ao chão. Todo meu corpo doía, e que sensação era aquela? Olhei para as paredes e o teto, eles pareciam se mexer, pareciam querer me esmagar, e me vigiavam, tinha certeza em minhas quimeras que olhos na escuridão riam de minha inútil tentativa. Mas não podia parar, agora não era hora, tinha que continuar tentando, correndo, até que... boa!! Uma porta. Entrei. Nunca antes tinha entrado num aposento como aquele. Não era grandioso em estrutura e tamanho. Um tanto vazio de detalhes, salvo que em seu centro haviam quatro mesas de pedra escura, sulcadas, dispostas em fileiras de dois. Perto das paredes, ao lado das mesas, haviam quatro estruturas cilíndricas que iam do solo até o baixo teto, borbulhando em seu interior um esquisito e escuro líquido avermelhado. Essas estruturas se ligavam por alguns tubos até os sulcos das mesas. No outro extremo da porta havia outra mesa e uma cadeira, onde estava um livro, pena e tinteiro e alguns pergaminhos. Atrás dela na parede, uma estante recheada de pequenos vidros, pedaços de ervas, algumas plantas, variados potes e outros livros. Tudo era estranhamente limpo e organizado. E por um breve momento, a curiosidade característica de minha raça ganhou terreno acima de todo o cansaço e horror. Fui até lá ávido por respostas. O livro era de capa preta e de um couro endurecido. Sua capa mostrava, já meio apagado do uso e tempo, a figura em baixo relevo da espiral prateada com uma caveira ao centro. Suas páginas estavam em branco, todas sem exceção. Tentei os pergaminhos. Eles estavam em uma língua desconhecida, desejei ter um mago comigo, tinha cara de ser algo dessa natureza, entretanto haviam desenhos de partes de corpos, de muitas formas e aspectos. Alguns de humanos, outros de animais, outros de criaturas disformas, maiores e menores, de insetos, de Orcs e Trolls. Em cada figura apareciam pequenos números salientando partes específicas dos membros e mis escritos, como se nomeando-os. Um desenho de uma estrutura como uma mola, similar a duas fitas entrelaçadas, aparecia recorrentemente, junto com os mesmos escritos, e que eu poderia jurar que eram cânticos ou algo do gênero. Somente um nome, em um dos pergaminhos, eu consegui ler: Garr. Me dirigi até a estante, e comecei a mexer nas plantas, abrir os potes, onde encontrei pós de cores diversas, pedaços de couro, dentes e garras. Mas tudo mudou quando olhei para os vidros, e tive a audácia de pegar um para ver de perto. O horror voltou a mim, misturado com uma enjoativa repugnância, aquilo que eu segurava entre minhas mãos era uma blasfêmia, uma afronta a tudo que era belo e sagrado. Dentro do vidro, boiando em um líquido transparente, rodeava em posição fetal, uma criatura diminuta, horrenda e malformada. Em cada movimento que fazia um desgosto e um embrulho tomava conta de meus sentidos. Que tipo de criatura pervertida podia ostentar em seus pertences e, foi quando lembrei assombrado, que não havia somente uma daquelas coisas, mas várias na estante. Um mal estar tomou conta de mim. Onde eu estava, pelos deuses? Era algum tipo de pesadelo? Uma ilusão maléfica de algum antigo inimigo? E foi em meio aos meus delírios que aquela caricatura abriu um de seus olhinhos, e um semblante de choro começou a se desenhar nela. Aquele humúnculo me fitou e atravessou minha torturada alma com todo o seu desespero e ânsia de ajuda e atenção. Fraquejei e em minha covardia, deixei cair o vidro no chão, se estilhaçando. Eu me afastei tropego, até encostar em um dos tubos, sem desviar o olhar daquele serzinho se contorcendo em sofrimento no piso molhado até seu último suspiro. Tudo o que se sucedeu depois aconteceu rapidamente. Algo dentro do tubo tentou me atacar, me fazendo pular de susto, ao mesmo tempo que a porta se abriu. Instintivamente me escondi atrás de uma das mesas e espiei. Era um daqueles homens de robe negro. Ele entrou, e logo parou desconfiado. Farejava no ar, mexendo o capuz de um lado para o outro. Foi quando percebeu o meu pequeno estrago e correu na sua direção para averiguar. Furtivo e com um pulo somente, armado daquela agulha de ferro, ataquei por trás, perfurando o seu baço, ou pelo menos foi o que eu tentei. Um líquido verde correu por minha mão, e percebi que ele não era humano. A criatura levantou, sem aparentar dor alguma, e travamos uma difícil batalha. Minha agilidade e esperteza contra a sua força e mágica. Raios e rajadas de energia saíam de suas mãos e eu me esquivava com acrobacias, me aproximando e estocando as suas partes vitais, mas logo percebi que era em vão. Nesse momento tive uma ideia, e em meio as minhas cambalhotas me prostei em frente ao tubo de vidro, esperando a rajada. Ela veio. Me esquivei, e uma rachadura se formou, vazando um pouco do líquido, exalando um cheiro de podridão. Naqueles segundos passados rezei como nunca antes. O vidro quebrou. Foi um desastre, e antes mesmo que todo aquele líquido fedorento se espalhasse pelo aposento, a criatura pulou com uma agilidade descomunal, e atacou o mago, o prensando na parede. Ela era horrível, disforme, um retalho de outras criaturas, com fortes e compridas pernas e braços. Ainda faltava alguns pedaços do crânio e da face, com parte do cérebro a mostra e uma língua comprida e suspensa. Detido aquele ser apontou para mim e soltou um assustador e alto guinchado. Senti o frio percorrer a espinha, mas era a minha melhor chance. Abri a porta para escapar e fui agarrado pelos ombros e jogado ao chão. Era o seu parceiro. Sentindo o toque repugnante daquelas mãos lutei no desespero para escapar, e em meio a confusão de golpes desferi um forte e certeiro chute no interior do capuz, empurrando a cabeça da criatura para trás. O golpe foi tão forte, que pela posição da cabeça, achei que tinha deslocado o comprido pescoço. Estava errado. O pescoço começou a voltar e devagar me vi frente a frente da misteriosa face do feiticeiro. Realmente não era humano, era uma cara cadavérica, de feições duramente marcadas, alongado em exagero, com um fino nariz que mais parecia somente dois buracos bifurcados e uma minúscula boca sem dentes. O pior eram os olhos, eram desprovidos de órbita, retina ou qualquer outra coisa, eram somente dois buracos, negros, profundos, infinitos, opressores. Tentei com todas as forças restantes não olhara, mas era impossível. Eles ao mesmo tempo me amedrontavam e me seduziam, e ao fim fraquejei, me afundando por entre aquele infindo vazio. Foi como se girasse em uma espiral, sendo tragado, engolido para seu interior, para o meu interior, para toda a verdade de meus mais terríveis atos, para o penoso peso de conviver com meus pecados, com meus erros, com todas ações bondosas que poderia fazer e não fiz, seja qual for o motivo, não importava mais, era demais para se suportar e assim desfaleci. Acordei algum tempo depois, zonzo e enfraquecido. Olhei o meu redor e, como se estivesse preso em uma piada sádica de muito mal gosto, ali estava eu, em meio a miséria e podridão, acorrentado pelos pulsos, só que com um sentimento novo, tonificando toda aquela decadência, o fardo do entendimento de conviver comigo mesmo, me unindo ao cântico mórbido do murmúrio dos esquecidos, de volta ao início desse contínuo pesadelo.