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Beoto Manalipa

-Me chamo Beoto Manalipa, um nome que de certa forma homenageia


minha progenitora. Dado as circunstâncias que vim ao mundo, um nome até que
bem sonorizado e imponente. Uma meretriz geralmente não tem boa educação e
conhecimento para tal. Rosmerta Manalipa era diferente, lembro-me bem,
mesmo depois de tantos anos, o cheiro dos cabelos e o brilho de sua pele ao
amanhecer. Eu a amava, venerava até. Meu coração era partido todos os dias e
nada podia ser feito, apenas aguentar e esperar chegar o amanhecer para tê-la
em meus braços outra vez.

-Comecei a falar e nem perguntei se você já estava preparado para


guardar esse meu relato. - Ah, já está relatando, continuarei então.

-Meu pai? Humpf. Era um homem importante, me ensinou algumas


coisas após a perda de minha mãe. É, fui obrigado a acompanhá-lo após o
incidente na taverna. Vingança, foi o nome do incidente. Eu tinha
aproximadamente 14 anos quando vi minha mãe ser abusada por homens de
capuz. Eu estava escondido no armário como de costume, adorava ver seu rosto.
Nesta época eu já possuía desejos sexuais, digamos… peculiares.

- Não! Me recuso a comentar profundamente com você sobre eles,


estou aqui apenas por ter uma dívida. Homem de palavra. Aqui estou eu
retribuindo contando-lhe minha história. Então contenha-se com isso. Indigno!
Voltando à taverna: - Após o ocorrido investiguei entre vagabundas,
mendigos e bandidos até obter a primeira pista. Lembro-me de ter sido muito
descuidado, deixei muitas pistas. Muitas pessoas sabiam da minha procura sobre
homens encapuzados. Minha mãe não sabia do meu ódio, para ela eu era doce e
gentil. Estava realmente decidido a matar qualquer um deles.
Anos depois, finalmente consegui algumas informações da qual
precisava. Era coisa grande, envolvia gente poderosa e cultos ocultos.
A sombra de Nero já começava a pairar por toda Roma, desde
prostíbulos até grandes palacetes e mercados.
Certo dia, como de costume, eu observava o quarto de mamãe através
de um buraco na parede, seu rosto, seu corpo e seu cheiro. Seus prazeres eram
meus prazeres, aqueles homens pareciam animais e a tratavam como tal. Como
eu os odiava e invejava. Em devaneios eu estava em pleno suor quando sinto um
cheiro peculiar, um cheiro tomou conta de todo o prostíbulo. Silenciei-me.
Eu conhecia aquele cheiro, era Cyperus alternifolius- Um cheiro que
vocês diriam hoje ser cítrico, era feito com pastas oleosas e demoravam muito
para se dissipar. Era usado muito em cultos para purificação ritualística.

Um homem encapuzado entra no quarto, mamãe apenas se ajoelha feito


uma cadelinha esperando o comando do dono. Silêncio total. Burburinhos vindo
de fora.
Comece! Foi a única coisa que o homem disse. A presença dele me
assustava, meu coração palpitava e meu corpo se excitava com o cheiro.
Passaram-se alguns minutos, mamãe ainda limpava os pés dele. A
lamparina estava fraca e a minha posição não facilitava ver as feições do rosto
de minha amada mãe sofrendo tal humilhação.
Com uma voz que soava como um trovão, o homem disse: - Hoje
entregarás tua vida a mim. Sabe que eu sou a sua salvação. Vim dos céus
apenas para te salvar. Serviu-me bem.

Tremendo, tentei me mover, porém não conseguia parar de olhar


para aquele homem humilhando minha amada. Ele deveria morrer e seria
naquela hora. Não permitirei que ele mate ninguém.

Após uma tremedeira forte, como se tivesse quebrado um


encanto, consegui sair e ir para o hall do principal do Sólon. - Sim, esse era o
nome do prostíbulo onde cresci.
Sentei-me numa mesa junto a umas pessoas desconhecidas, eu
só fitava o corredor na qual aquele homem encapuzado sairia. Eu dava sorrisos
sem graça quando algumas pessoas conhecidas me cumprimentavam. Me distraí
um pouco, porém logo senti a presença daquele homem, ele estava muito
próximo a mim, eu me encantei com seu cheiro. Não entendia o motivo de ficar
tão temeroso em sua presença. A essa altura da vida, já havia matado animais
com o dobro do meu tamanho.
Ele olhou pra mim e ouvi sua voz dentro da minha cabeça: - Meu
filho, não sejas assim, vejo seus pensamentos, se tenta fazer mal a mim, saiba
que não o fará. Ninguém é mais poderoso que eu. Não estou aqui para vingança
e sim por salvação. A que chama de mãe ajudou-me quando mais precisei.
Entendo você, não te julgo e nem a ninguém, mas o que acha que foi feito com
sua amada, não é o que imagina, sua mente é pequena demais para entenderes
as vontades do meu pai. Naquele dia foi quebrada uma maldição, pois o que é
meu, nenhuma criatura toca.

-Dou uma ordem a você, protegerá os meus. Terá uma escolha,


seu destino não poderá ser mudado. Apenas seu caminho.
-Começa aqui. Faça o que achar melhor.
Ouvi um grito e despertei de uma espécie de transe. Fitei na mesa uma
faca afiada usada para cortar queijos. Olhei para o homem e fiz o que tinha que
fazer, cortei-lhe o pescoço.
Muitos gritos, de todos os lugares, eu banhado pelo sangue do homem,
corri até o quarto de minha mãe com a ideia de forçá-la a fugir comigo pelas
terras ermas.
Para meu surto, o grito era de uma lavadeira. Minha mãe estava deitada,
gentilmente apoiada por travesseiros. Seus lábios roxos encontravam-se imóveis.
Nunca havia visto uma expressão tão bela quanto aquela. Gritei para todos
saírem do quarto, entrei em histeria e raiva, dor e paixão. Beijei minha amada do
jeito que sempre desejei, passei a mão por todo seu corpo. Arranquei um
pequeno chumaço de seus cabelos e guardei comigo. Naquele dia eu passei a
odiar muito, muito forte, um certo movimento que estava tomando conta de roma,
depois de alguns anos veio tornar-se o famigerado cristianismo.
Meu ódio pelos cristãos era demasiado grande, às vezes vazava pela
minha boca.
-Rapaz, sabe o que significa ironia, correto? Preferi perguntar do que
jogar minhas palavras no lixo. Tenho dito, não existe ironia maior do que minha
vida, acho engraçado hoje em dia.
Se soubesse quem é aquele homem e a força da palavra dele…
Jurei proteger os cristãos a pedido Dele. Seu nome? Acho que já sabe.
- ‫( יהוה‬Jehovah)
O abraço

-O caso foi abafado, lógico que o homem morto era outra pessoa
e não aquele homem. Ele é inatingível até para mim. Me acha poderoso, pois
saiba que sou nada perto dele, apenas um sopro de existência.
Meu pai decidiu se fazer presente, precisava de herdeiros. Tomou-me e me
ensinou os bons modos e maneiras. Era uma pessoa tola, irritante e cristã. Com
o passar do tempo me tornei uma pessoa educada, adquirindo expertise em
como encontrar informações. Sabia tudo muito antes de todos. Tinha bons olhos
para negócios, embora considerado moço por muitos eu já havia adquirido muita
experiência nos negócios da família. Eu tinha presença!
Tudo ia bem, embora eu não tivesse conseguido superar a morte
da minha amada. Mantinha seu pequeno chumaço de cabelo trançado dentro de
um medalhão, este que eu mesmo forjei, pendurado em meu pescoço.
Como uma praga eles começaram a aparecer eram cristãos por
todos os lados, desde a maldita ralé até altos cargos, esses claro, em mais
absoluto sigilo. Impelido a defendê-los, fingi boas maneiras a classe cristã. Criei
até um vinhedo, muito usado como fachada para os encontros e pregações.
Achava aquilo tudo patético, como eu disse antes, eu não conseguia negar nada
a eles. Gritava maldições, de nada adiantava. Tentei muito, isso eu posso
garantir a você.
O tempo passou, Roma foi mudou! Guerras locais, guerras civis,
expansão territorial, tudo estava acontecendo. Várias conspirações contra o
governo deixavam Roma cada vez mais mal instruída, perdida…
Certa vez, por um descuido meu, fui visto ao lado de cristãos. Sempre
tomei muito cuidado, muito cauteloso. Tinha álibis espalhados por toda Roma. Ao
menos em questão de influência os cristãos me ajudaram bastante. Uma mão
lava a outra, mesmo que uma das mãos esteja suja de esterco.
Logo começou se espalhar na alta sociedade meu envolvimento com a
ralé.
Tudo aconteceu muito rápido, meu tropeço seria grande demais, mais
uma brecha.
Em uma época de festas para os cristãos desci até a cidade para fazer
negócios e aproveitar disfarçadamente para acompanhar os festejos.
Havia um cliente em especial que sempre fazíamos negócios, este me
convidou para ir até sua residência, por isso o motivo da descida. Confesso que
as músicas me chamavam muito a atenção, toda a animação me contagiava, as
vezes eu me pegava até dando leves sorrisos.
Decidi que iria sozinho, não queria chamar muito a atenção, trajava
roupas normais, mas com tecidos de qualidade. Chegando, fui bem recebido,
lavaram meus pés, me deram o melhor vinho da casa e após uma longa
conversa decidimos ir aos negócios. Eu estava muito bem, poderia dizer que
estava até feliz.
-Digo para você, meu rapaz: -Cautela nunca é demais. Era uma
armadilha. Um grupo de pessoas que hoje vocês chamam de extremistas
tramavam contra mim usando meu cliente como disfarce. Eu sempre dando
brechas, a vida inteira eu caía tropeçando no meu próprio pé.
Fui espancado. Me quebram a mandíbula e alguns ossos, fui largado
numa fossa para morrer.
Pela primeira vez na minha vida eu não conseguia pensar em nada.
Minha morte parecia embalada pelas fanfarras e risadas da cidade.
Chorei.
Como um estalo, veio a minha mente… Os Critãos!
Veio como se fosse uma fonte de energia, minha mente ficou tão confusa, tudo o
que fiz passava como um grande evento teatral diante dos meus olhos.
Tudo parou num momento: -Dou uma ordem a você, protegerá os meus.
Terá uma escolha, seu destino não poderá ser mudado. Apenas seu caminho.
-Começa aqui. Faça o que achar melhor.

Gritei, gritei o mais forte que podia. - Ei, tem alguém aqui! Onde estás?
Alguém me respondeu.
Tive esperanças de ser salvo e assim me vingar desses malditos
traidores. Gritei mais algumas vezes. Já era noite e eu não conseguia falar por
causa da mandíbula quebrada. Eu apenas gritava.
-Achei, meu Deus! Como vou tirar você daí?
Era um camponês, que tentou de todas as formas me puxar, eu quase sem
forças pouco podia ajudá-lo.
O tempo passou, a lua subiu. -Clichê demais, eu sei. Como um abraço
não seria clichê?

Percebi que o camponês se assustou e parou para olhar ao redor.


Apenas esperei. Ouvi soluços e engasgos. Silenciei-me. Meu corpo dormente já
esperava a morte.
Inclino a cabeça, observo o luar ao mesmo tempo que vejo um corpo
sendo arremessado para o outro lado da vala em que eu estava. Quase
simbólico, um corpo cruzando o luar ao mesmo tempo que fito a lua? Poético
demais.
-O que temos aqui? Uma voz quase sibilante.
Com força me pegou pelos braços e puxou-me como se eu fosse um saco de
esterco. -Naquele momento realmente eu era.
- Beoto Manalipa, cheguei no momento certo. Quase estás a
morrer. Não, não, você não pode morrer, não agora, nem tão cedo! Hahahahaha.
Tão Lindo você, pena que está todo mal ajambrado.
Logo entendi sobre o que ele estava falando. Como ele sabia, de onde
me conhecia?
- Auspício, meu caro. Presságios, premonições…

Calei-me, meu corpo caíra sob o chão. Não me movia mais. Senti um
cheiro de vinho velho e morte. - Quero te ajudar, meu precioso. Quero te ajudar
a se vingar, quero ver tudo o que Ele preparou para você. Quero ser a sua ironia,
quero te preparar! Quero ver você mostrar seu ódio aos seus inimigos e aos
inimigos deles… Sim, como poderia deixar de ver como vai cuidar da ralé?
Beoto, és interessante demais para morrer aqui.
Tive medo, comecei a chorar. Com suas mãos ensanguentadas ele
limpou meu rosto e com uma força e velocidade colocou minha mandíbula onde
deveria estar originalmente.
Acordei algum tempo depois, percebi que meus ossos pareciam
estar todos no seu local de origem, sentí que era apenas questão de calcificar.
Eu estava sem roupas. Mais uma vez fito o luar e penso. -Que clichê.
Ouço passos e uma voz que dizia: - Jovem senhor Manalipa,
sente-se melhor? Acredito que as dores mais pungentes estejam amenizadas
por hora. Com muito esforço tentei agradecer. - Não precisa se mexer. Consigo
entender o que pensa. Só pense no quer que eu saiba e saberei o que deseja.
- Aliás, que cabecinha suja seu danadinho. Ela era quase uma santa, fez
de tudo para cuidar de você! Gritei em meus pensamentos: - MALDITO! O
homem apenas riu.

- Beoto, serei breve, pois a ansiedade me corrói, estou doido


para beijar esse corpo maravilhoso.
-Responda-me. Quer ter uma chance de vingança contra seus inimigos?
Sei o quanto dói para ti não poder cumprir sua promessa…
-Posso te prover tudo isso!
O que irei perder, nada nesse mundo é de graça, tudo tem um preço? Terei que
abraçar Diabolus? Vamos me diga logo o que quer?
-Você é o próprio Diabolus, apenas quero ver a força do seu ódio. Quero
ver o mal servindo o bem. Como eu disse antes, você é super interessante.
Aceitei. Fui beijado e abraçado. Demorei um pouco para
entender as coisas, minha mente e meu corpo estavam diferentes. Me alimentei
dos meus inimigos e de alguns inimigos da ralé. Meu mestre nunca me disse seu
verdadeiro nome. Apenas me observava de longe. Perdi tudo o que tinha,
algumas casas e alguns vinhedos. Restou-me apenas Glosbe(curral em grego),
Lá eu cuidava de alguns cristãos, me escondia e escondia as coisas lindas que
eu encontrava, minha riqueza.
Minha intenção era Crescer sendo ROMA, lutei para ter tudo que
perdi. Gerenciava às escondidas um pequeno prostíbulo com jovens meninos da
cidade, os mais belos. Cuidei deles e ensinei-lhes como serem RATOS, como
estarem em todos os lugares. Eu tinha minha própria rede de informação,
pequena ainda, na época! Com sexo pode-se conseguir muitas coisas, das mais
caras as mais imensuráveis como informações ou até mesmo a vida de alguém.
- Ja dei-lhe informações demais meu caro. Acho que minha dívida está
paga, não acha? Sei que dei brecha e deixei ser encontrado por ti.
- O que? Hahahaha, não acredito no que está me pedindo!
- Eu, seu mestre e senhor? Não me faça rir…
- Está falando sério? Seu mestre?

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