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Chovia muito, a luz alta do farol do mustang clareava a cena, a frente do carro uma mulher
morta.
Desci do veículo para olhar mais de perto, loira, por volta dos 30 anos, olhos vidrados, ela
não teve chance, barriga aberta e tripas pra fora, sem um dos braços, o sangue escorria
pelo canto da estrada, na entrada da mata fechada existia um espaço bem grande, sei
reconhecer um rastro quando vejo. Me questiono se devo realmente fazer isso? Odeio
esbarrar por acidente com algum caso desse tipo.
Caminho até a outra ponta da estrada, um barranco acidentado, algumas marcas profundas
no solo, ele subiu por aqui carregando ela, certamente, mas pq a soltou na beirada da
estrada? Não faz sentido. Bom, o que resta é decidir, vou mesmo fazer isso ou só seguir
como se nada tivesse acontecido? Maldita chuva.

- Vamos lá Thom, balas de prata no revólver e as explosivas nas pistolas, pentes reservas,
lâminas de prata, escopeta, lanterna...- Dizia enquanto checava os coldres-...É, tudo aqui.

Adentrando a mata fechada, as árvores me davam pouco espaço pra andar, raízes grandes
dificultavam meus passos, e a chuva não parava, o rastro da coisa estava mais dificil de
seguir até o ponto o qual eu já não era mais capaz de encontrar nenhum vestígio.
Por um instante tive uma sensação, as gotas de chuva que caiam pelas árvores, o silêncio,
o vento parou de correr por um momento.

-Merda...

Saltei para a esquerda bloqueando com o braço a imensa mão da criatura, que me
arremessou contra uma árvore, as garras rasgaram meu suporte e a lâmina de braço voou
em alguma direção, mas se não fosse por ela teria sido amputado, os cortes não foram tão
profundos, e acho que quebrei alguma coisa quando bati na árvore, tá difícil de respirar.
Sangrava pelo braço, cabeça e boca, me pegou de surpresa, chuva maldita.
Ele me olhava, seu cheiro de cachorro molhado me dava náusea, era enorme, 3m talvez?
Acho que um pouco mais... Péssimo pra mim. Ele se curvava e lentamente começou a me
rodear.

- O que foi desgraçado? Tá esperando o que? - Falei me preparando para o próximo ataque,
dessa vez nada de surpresas.

A criatura avança ferozmente, um breve salto e me apoiando na árvore salto sobre ele,
sacando as pistolas, atiro, ele é rápido e apesar de grande, sai da frente dos disparos se
embrenhando em meio às árvores, o perdi de vista, e ao pousar começo a correr em
alguma direção, logo o escuto se mover contra mim.
"Pela direita!"
Atiro contra ele, que num movimento súbito desvia fazendo as balas só acertarem de
raspão, o desgraçado já está acostumado com isso?
Ele se movimenta como uma sombra, pelas árvores, um volto, a chuva não para...

-Vamos, mostra essa cara feia pra mim. - Sussurrava enquanto acompanhava os
movimentos dele com meus olhos, se lança contra mim vindo do alto, eu rapidamente me
jogo para a direita e engatilho a escopeta disparando contra ele, os fragmentos da bala
perfuram seu couro e lhe causam uma grande dor, também são de prata, com mercúrio,
logo outro disparo desta vez no peito, ele recua alguns passos e enfurecido avança dessa
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vez sem pensar, era o que eu precisava, me jogo contra ele sacando a segunda lamina de
prata que eu tinha, e como em um flash, lhe arranco o antebraço esquerdo, o ouço cair, mas
não me viro ainda, é o momento do discurso não é? Lentamente começo a me virar falando

- É, seu fim chegou maldito, nunca mais vai mat... - Sou interrompido pelo golpe, ele ainda
podia lutar e eu já havia começado a me gabar, eu sou um idiota.
Caí rolando e me choquei contra uma árvore, as garras rasgaram meu peito, e perdi a
consciência por um momento.

- Você não vai morrer agora não é? - Uma voz lhe dizia.

Acordo como de um pesadelo e tossindo sangue, eu desmaiei? Mas que merda.


A criatura se sacudia confusa e seus rosnados e uivos eram de raiva e dor, sua confusão
não lhe deixava menos assustador, mas o mercúrio que se soltou das balas de prata, junto
ao veneno no qual a lâmina estava banhada o perturbavam os sentidos. Talvez por isso eu
ainda esteja vivo.
Me apoio lentamente na árvore e começo a me levantar, o sangue escorre, mais a palma do
que garras, já é o segundo golpe que por sorte não sou partido em pedaços, estou vacilando
demais, da próxima posso não ter muita sorte.
Dei por conta quando já estava muito perto, o monstro a correu enfurecido ao ver que havia
me levantando, me jogo no chão rolando evitando o ataque que parte o tronco da árvore, ele
se vira contra mim e com um impulso vem ao meu encontro com aquela imensa boca
aberta, me esquivo passando por baixo dele, e ao ficar de pé, suas garras novamente
tentam me fatiar, me inclino por completo pra trás, nem pensava ser mais tão flexível, apoio
as mãos no chão e ele vem para tentar mais uma mordida, que certamente seria meu fim
se me conseguisse mesmo me pegar, num mortal para trás chuto sua face pra cima e saco
meu revólver, primeiro disparo, a queima roupa, abre um grande buraco em seu torso, ele
dá alguns passos para trás, não vai fugir dessa vez, sigo com os tiros, um atrás do outro, ao
fim dos oito disparos a criatura cai, inerte, finalmente o fim.
O corpo do que antes era um Crinos gigante, aos poucos torna a ser um homem comum.

-Eu tô na merda... Tenho que voltar pro carro... - Caminhava lento, era difícil respirar, o
caminho era ainda pior nas condições atuais do meu corpo.
Ao chegar no carro, a beira de um desmaio, pegava o rádio e fazia uma transmissão, a voz
com ruídos era complicada de entender, ou será que eu não estava mais conseguindo ouvir
direito? Não importava

- Estrada das montanhas, leste de Little Cloud... - Foi apenas o que eu disse antes de
apagar.

*Narração ambientada:
Um carro vinha pela estrada, um cadillac vemelho vinho, encosta atrás do Mustang, uma
mulher de cabelos negros e um homem bem musculoso saem do carro e, caminham em
sua direção, o homem recolhe o corpo de Thom, o levando até o cadllac, enquanto a mulher
caminha até a loira morta. O cadllac deixa o local.*

Acordo tonto, a visão dupla me deixa um pouco confuso, onde eu estava? Olhei em volta
para tentar descobrir, um quarto com uma luz vermelha no teto, a cama é bem macia até,
cheiro de cigarro que vinha de um cinzeiro no lado da cama, não devia ter sido apago a
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muito tempo, ao olhar pro outro lado um borrão negro como a noite que ondulava como
fumaça, pisquei meus olhos com força e ao abrir era Mira, seus cabelos negros e lisos
caiam sobre a frente de seu corpo sobre o lado esquedo, a pele pálida e o corpo magro
sempre me faziam questionar se estava doente, a boca era tão negra quanto seus cabelos
e seus olhos, sempre vazios, era um tanto incomodo de encarar.

- Finalmente acordou, me perguntava quanto tempo ficaria apagado. - Ela dizia puxando um
cigarro de uma carteira que estava sobre seu colo, em suas pernas cruzadas.

-E os corpos? - Tentei fazer um movimento para me sentar, péssima idéia, tudo me doía,
reparei que parecia uma múmia, coberto por ataduras, acho que a única coisa que não doía
era meu braço direito. Bom, pelo menos não tanto quanto todo resto - Pode me arrumar um
cigarro?

Nem a vi se levantar da poltrona e ela já se sentava ao meu lado na cama.

-Dei um jeito na garota, mas acho que você deve algumas explicações. - Dizia pondo o
cigarro em minha boca e acendendo.
Ela ajeitou os travesseiros, me deixando um pouco mais elevado. Dei um trago e tirei
cigarro da boca com a mão direita.

-Eu não sei como eu me meti nisso... Estava voltando de Little Cloud e quando percebi,
estava me embrenhando na mata atrás de um lobisomem. - Levei mais uma vez o cigarro
até a boca, até fumar era difícil, me doíam os pulmões.

-Ele te deu uma surra e foi embora? - Ela arqueava a sobrancelha esquerda olhando para
mim.

-Claro que não, dei a maldita prole de Adrian o que merecia, uma morte nada piedosa.

-Não havia outro corpo no local.

-Como é? Aquela porra não estava mais viva, eu lhe arranquei um braço e depois
descarreguei a Berenice nele! É impossível. - Meu semblante era de total insatisfação com a
informação que eu recebi.

-Bom, é um fato. - Ela dizia se levantando da cama e a passos lentos como se desfilasse,
caminhava até a porta - É bom saber que voltou a ativa, a associação agradece e eu fico
feliz. - Ela sorriu me olhando por cima dos ombros a pesar, era uma mulher bonita no final
das contas, mas não me lembrava, já fazia muitos anos desde que não a via.

Os dias seguintes foram de um grande incômodo até que eu conseguisse me mover bem
novamente, e não me saía da cabeça saber que a Associação acreditava que eu estava
novamente na ativa, não era bem o que eu queria, mas não se pode deixar a Associação,
sempre soube disso. Outro fato que me incomodava era o desaparecimento do corpo do
Crinos que eu havia matado, não fazia sentido pra mim alguém ter ido até lá só pra sumir
com o corpo do homem, mas de qualquer forma se quisesse respostas teria de voltar até lá.
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Perdi um tempo me recuperando dos estragos, Vitry a velha curandeira da Associação me


ajudou no processo, ervas e magia da floresta, todo santo dia naquele mesmo quarto ela
vinha, um molho de ervas na mão, um turíbulo? Bom, era algo que lembrava, bem rústico de
madeira, algumas filhas queimavam dentro dele e faziam uma fumaça fedida se espalhar
pelo quarto.
Ela batia com aquele molho de ervas nos meus ferimentos, maldita dor que aquilo me fazia
sentir, ela falava alguma coisa em um idioma que eu não entendi e balançava aquela porra
de turibulo e, eu juro que podia ver sombras se mechendo pelas paredes do quarto, talvez
alucinava pela dor que eu sentia, não sei ao certo. No final de tudo, ela ia embora, sempre
que cruzava a porta ela se fechava sozinha. Mesmo a dor sendo quase insuportável, eu
sentia as feridas se fechando mais rápido, a magia da floresta era algo que eu não
compreendia muito bem.

Depois de longos 9 dias de dor e agonia, eu já estava melhor, os ferimentos agora eram
apenas cicatrizes e a dor já não existia, agora era o momento de voltar de verdade a ativa.
No décimo dia, ao anoitecer, estava com um leve bom humor, o que era estranho pra mim
em qualquer outro dia, certeza que alguma coisa ruim iria acontecer. Me levantei e tomei um
bom banho, fiz a barba e dei um jeito no cabelo, me dei um belo trato. Olhando no espelho vi
o quanto eu havia emagrecido nos últimos dias, pra um homem de 37 eu estava com cara
de 50, mas iria me recuperar, só precisava sair dali.
Depois de me arrumar subi para o andar da boate, um ambiente sombrio cheio de mal
encarados, alguns dali estranharam a minha presença, já fazia uns 4 anos que não dava as
caras por aqui, as mestiças dançavam nos palcos enquanto os mestiços faziam o mesmo
nas gaiolas suspensas, malditos mestiços, por que sempre tão atraentes?

A boate meia noite era território neutro para caçadores da Associação e Independentes que
agiam por conta própria, local que abrigava todo tipo de gente e havia uma regra a qual
deveria ser sempre respeitada, não são permitidas mortes no estabelecimento. Era logo
abaixo de uma boate comum para pessoas normais, os que chamavam de mundanos.
Os mestiços, como eram chamados eram humanos que serviam de recipiente para anjos
ou demônios, já que eles não podiam passar livremente para nosso plano e em seus corpos
mortais também não podiam utilizar de toda sua "divindade", havia também vampiros e
lobos, alguns dos que eram conhecidos como amaldiçoados também iam até o local.
Amaldiçoados eram pessoas que tiveram um momento de morte, em sua grande maioria
suicidas, e foram reanimados seja por alguma magia latente ou até mesmo por
paramédicos após o processo de morte, trouxeram junto algo do mundo dos mortos, algum
espírito, entidade ou qualquer coisa que tenha se prendido a sua alma no momento de volta
da alma ao corpo. Mas não gostam de ser chamados assim, então, tenha respeito.

Me aproximei do balcão e sentei numa das cadeira redondas, o blues era bom, os mestiços
sempre bem dispostos a satisfazer seus mais profundos desejos, andavam semi nús pelo
lugar, estava com sede.

-Hey, um conhaque. - Disse levantando a mão para o barman.

E quando ele se virou para mim, não acreditei no que via.


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-Quem é vivo sempre aparece, não é Thom? - Era Chester, um maldito vampiro rank C, que
eu acreditava ter dado cabo a uns anos atrás, eu deixei uma bela marca no rosto dele,
metade da cara do infeliz ainda tinha a marca da queimadura.

-É, definitivamente, essa foi uma surpresa de merda. - Disse revirando e fechando meus
olhos, depois os abrindo bem devagar e o encarando.

-Não parece feliz em me ver velho amigo. - Ele me trouxe o conhaque e se debruçou sobre
a bancada para olhar bem em meus olhos.
Os olhos dele já mudavam de cor, suas pupilas dilatavam e o branco de seus olhos
começava a dar espaço para um vermelho intenso.
Me inclinei para frente pousando meus cotovelos na bancada e cruzando os antebraços.

-É melhor ter cuidado rank C, não sei qual foi o milagre que te manteve vivo da última vez,
mas pode não ter a mesma sorte agora. - O olhei sério, mantendo a superioridade que era
notória em mim com relação a uma criatura tão repugnante.
Seus olhos então voltaram ao normal e ele abriu um largo sorriso, deixando à vista suas
presas.

-Você não muda mesmo, não é? O mesmo Thom de sempre. Haha! - Ele começava a
gesticular com as mãos a todo tempo, apontando para mim, para o bar... - É bom saber que
está bem, meu velho, como pode ver, mudei de ramo.

-É mesmo? Sequestrar crianças e roubar bolsas se sangue de hospitais não estava mais
dando certo? - Dei um gole no conhaque e tentei ao máximo não fazer uma careta, meu
paladar estava péssimo pelos últimos dias de pouca alimentação, senti como se tivesse
lambido enxofre na casca de uma árvore, dei uma tossida breve. - Melhor conhaque que já
bebi na vida.

-Dá pra ver pela sua expressão de satisfação. Quer uma coisa menos forte, amigão? - Ele
dizia zombando de mim.

-É claro que não, ele gosta de coisas bem intensas. - Uma voz feminina dizia se
aproximando pela minha direita, e quando eu me virei para olhar, recebi um soco no rosto,
que me derrubou do banco no chão. Sentia minha boca sangrar por dentro e olhei para a
pessoa.
Era Sulla, uma velha conhecida, desfiz a minha cara de ódio e passei a mão no canto da
boca limpando o pouco de sangue que escorria, alguns no bar deram leves risadas da
minha cara.

-Olá Sulla, é bom te ver de novo. - Me levantei e bati na roupa, como se limpasse a poeira.

-Eu não posso dizer o mesmo Thom, seu saco de merda. - Ela se sentou na cadeira ao
lado da minha.

Dei uma boa olhada pra ela, e vi o qual diferente estava, nem parecia a mesma pessoa a
não ser por seu rosto que continuava bonito e a pele de negra que parecia muito bem
hidratada, mas ela sempre se cuidou muito bem, era uma mulher de 70 kg da última vez, e
por volta de 1m70, agora porém, parecia que tinha crescido uns 20cm e ficado com 130 kg
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de pura massa muscular, raspou ambos os lados da cabeça, além das tatuagens novas.
Vestia uma camiseta branca e uma calça preta larga, com alguns bolsos e coturnos nos
pés.
Me sentei ao seu lado, no mesmo banco de antes e tornei a tomar meu conhaque, que, por
incrível que pareça, estava até menos pavoroso depois do soco.

Chester me olhava com um sorriso debochado na cara, que me irritou um pouco, mas tentei
ignorar e me voltei para Sulla que pedia um whisky.

-Olha, eu queria me desculpar, eu tive que correr, era uma emergência. - Mais um gole no
conhaque, ainda sentia o gosto do sangue.

-Depois de passar horas transando, você colocou suas roupas e foi embora, me deixando lá
sem dizer uma palavra, e 4 anos depois me pede desculpas. - Ela dava uma golada no
whisky, o copo era até um pouco pequeno pra sua mão. - Eu já superei Thom, mas esperei
muito pelo momento de te dar uma bela porrada.

-E andou treinando muito também né?

-Isso é resultado do esforço e de dois itens que encontrei numa das missões.

-Falando em missões, queria alguma só pra ser oficial a minha volta a ativa. - Terminei meu
conhaque e me virei para o salão pra dar um olhada no ambiente, minha intenção real era
saber se alguém prestava mais atenção em mim do que deveria.

-Mira com certeza pode te arrumar alguma. - Disse Chester limpando um copo.

-Já se uniu à Associação Sulla? - Perguntei já imaginando sua resposta.

-Não pretendo. - Ela respondeu terminando o whisky e levantando do banco e indo em


direção a saída.
Ela sempre foi uma caçadora independente e uma grande amiga, bom, acho que não mais,
não é? Mas não menti quando disse que foi uma emergência... Mas é melhor assim.

-Saco de lixo, onde eu posso encontrar a Mira? - Me referia a Chester, que surgiu a minha
frente, e puxou a minha camisa fazendo meu rosto ficar bem próximo ao dele.

-É melhor você tomar mais cuidado com as palavras, Thom, como eu disse, as coisas
mudaram desde que você saiu fora de cena. - Com o branco de seus olhos tendo sido
consumido por um vermelho intenso e sua iris se tornado apenas um ponto negro.

-Certamente minhas ultimas palavras pra você seriam, "Oh senhor, não deixe as entranhas
desse maldito chupador de sangue de quinta categoria, sujem muito as minhas
roupas"!-Chester notou só agora a faca que eu havia posto em sua barriga quando ele se
aproximou muito rápido de mim.

-Sempre cheio de truques... - Ele disse após me soltar e ajeitar suas roupas - Mas esses
truques podem não te salvar pra sempre, Thom, toma cuidado nas ruas lá fora. Mira deve
estar no escritório, segue pelo corredor, última porta.
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-Obrigado pela informação e pela dica, meu velho. -Saí com um sorriso sarcástico, indo até
a última porta.

Pelo corredor haviam algumas outras portas, eram quartos que na maior parte das vezes
eram usados pelos mestiços, mas também serviam de abrigo pra qualquer um cansado
que estiver procurando uma boa noite de sono e sossego dessa vida maldita.
Chegando mais próximo a porta se abre e de lá sai um garoto, jovem, talvez por volta de
seus 20 anos? vestia uma roupa de bispo, com a faixa roxa na cintura da batina e o solidéu
da mesma cor em sua cabeça, ele fechava a porta e, quando se virou pra mim, abrindo
seus olhos de íris verdes sem pupila, pude notar que era um mestiço.
A mesma característica se aplica a ambos os tipos de mestiço, sejam eles de anjos ou
demônios, o que difere é a cor, anjos tem as colorações verdes ou azuis e demônios
vermelhas ou amarelas.
Ele sorriu de canto e caminhou em minha direção, passamos um pelo outro e quando
pousei a mão sobre a maçaneta da porta o ouvi dizer

-Deus te ama, Thom, Ele está sempre de olho em você e, ele não é o único. - Então partiu.
Eu não olhei pra trás, apenas o ouvi, não o conhecia, mas essa maldita capacidade de
saber o nome das pessoas só olhando pra elas é um saco.

Abri a porta e entrei, Mira fumava um cigarro que estava pela metade na ponta de sua
boquilha preta, olhava alguns papéis que estavam sobre uma mesa de centro redonda. Ao
redor dessa mesa alguns sofás de dois lugares em circular, ao todo eram 4 mais a poltrona
que mais parecia um trono, o qual ela estava, toda ornamentação do local era bem bonita e
o lugar bem iluminado, detalhes das ornamentação do ambiente eram todas em dourado,
seja na borda dos jarros de planta que estava nas extremidades da sala até as quinas e pés
dos sofás e mesa. Segui até ela logo após fechar a porta.

-Posso me sentar? - Perguntei apontando para o sofá que ficava à sua frente.

Ela me olhou e deu um breve sorriso, e com a mão direita apontou pro sofá indicando
positivamente. Então me sentei e me debrucei sobre o braço do sofá pondo o outro esticado
sobre a cabeceira.

-Então, vou te ser sincero, você deveria rever os seus colaboradores, tem um sujeito lá no
bar que não deveria exercer essa função, vai por mim.

-Thom, não é de bom tom me dizer como devo cuidar de meus negócios. - Ela sorria.

-Qual é Mira, Chester? Eu não tenho ideia de como ele está vivo e sinceramente encontrar
alguém como ele trabalhando pra você... Não consegui engolir isso até agora.

-Chester é um colaborador muito leal, Thom. Seja lá o que for que vocês tenham passado
juntos, espero que esqueça, ele está do meu lado agora. - Ela levou a ponta da boquilha até
seus lábios e tragou.

-Tanto faz, que se foda o Chester. Outra pergunta, qual é a do mestiço com roupa
eclesiástica?
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-É um caçador não associado, ainda. - Ela abriu a carteira e jogou um cigarro na minha
frente sobre a mesa.

-Entendi, a Associação está tão desesperada assim por membros? - Peguei o cigarro, tirei
do bolso meu velho isqueiro à óleo e o acendi.

-Mais de 35% dos membros foram mortos nos últimos 4 anos, precisamos de mais
membros. - Ela me dizia olhando nos olhos.

-35%, isso dá algo por volta de mais de 40.000 caçadores pelo mundo? Puta que pariu, o
que a Alta Clave está fazendo?

-Não Thom, esse número é só do nosso país... - Ela dava um trago, olhando para o lado.
A informação foi chocante para mim, significava de mais de 3.000 caçadores foram mortos
só por aqui, haviam muitas pessoas as quais eu conhecia, fiquei ansioso, e isso ficou
visível. - Os registros estão naquele livro Thom, dê uma olhada. - Ela falava de um livro de
capa marrom sobre uma mesa mais alta precisamente posta no canto da parede.
Levantei e comecei a caminhar em direção a ele, haviam nomes os quais não queria
encontrar ali.

-Quem? Como? - Perguntava chegando ao livro.

-Bruxas... - Uma palavra seca e carregada de um mau existente a milénios.

Abri o livro e comecei a ler os registros, alguns nomes começaram a me chamar mais
atenção, Charles Mills, Elise Phoenix, Nathan Price, todos caçadores experientes, mas notei
algo estranho, Allan Greed.

-Allan Greed, ele não tinha um irmão que não desgrudava dele? Eram um par de caçadores
bem fortes. - Disse sem olhar para trás e segui lendo os nomes.

-Ele enlouqueceu. - Parei, não entendi be o que ela disse com enlouquecer, peguei o livro e
o carreguei até o sofá onde estava sentado, o coloquei sobre a mesa de centro, aberto.

-O que quer dizer com enlouqueceu? - Me recostei no sofá e cruzei os braços esperando
uma explicação pra loucura.

-Foram mandado em uma missão, os irmão Greed, Bianca Vallentin, Marcos O'corn e
outros 4 caçadores que haviam iniciado na Associação a pouco tempo, mas carregavam
uma certa bagagem como caçadores. - Ela pareceu um pouco inquieta, sua respiração
mudou um pouco e seus batimentos deram uma leve acelerada.

-Certo, certo, mas o que eles estavam caçando? Pra que tantos caçadores em uma única
missão?

-Havia relatos de uma bruxa que havia se filiado a um grupo de vampiros rank B e C.
Anormal e perigoso, eles planejavam algo nas montanhas a leste de Baltaglia.
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Baltaglia era uma cidade bem esquisita, antro de ladrões e assassinos, humanos ou não
humanos. Uma cidade cheia de puteiros e bares, casas de apostas ilegais e contrabando de
qualquer coisa que seu dinheiro fosse capaz de comprar de animais exóticos e ingredientes
raros para poções até algum aprimoramento mágico vindo de um item que alguém deu a
vida para conseguir, podia se comprar pessoas também. É um péssimo lugar para se estar,
mais ainda pra caçadores.

-Mas o que tinha mesmo nas montanhas a leste de lá? Já passei por aquelas bandas mas
não lembro de ter visto nada. - Levei a mão ao rosto, tocando meus lábios com a lateral do
indicador, tentava pensar o que tinha daquele lado.

-Eles formaram algum tipo de culto para invocar uma entidade maligna e estavam
sequestrando e sacrificando crianças para isso, então eles foram para lá. Bom, o relato é
que ao chegar lá eles fora emboscados pelos vampiros e acabaram se dividindo, mataram
quantos foram possíveis, porém nesse primeiro embate, dois dos recém associados
morreram, e ainda restava a bruxa...

Péssimo para qualquer grupo, para haver baixar a quantidade de vampiros deveria ser
relativamente grande, ou deveriam haver mais Rank B do que Rank C, de qualquer a
situação era ruim.

-...Ela havia sido possuída pela tal entidade que conseguiram invocar.

-Que ótimo, uma bruxa possuída por uma entidade maligna. - Notei algo, meu cigarro havia
se consumido, enquanto eu fiquei focado no que ela falava, merda... Mas lembrei de algo,
passei as mãos pelos bolsos e encontrei um maço, e nele um último cigarro que logo
acendi enquanto ela continuava com o relato

-Seja lá o que aquela coisa havia se tornado, atingiu todos eles com uma magia de efeito
mental, um mar de insanidade consumiu a mente deles que tomados pela loucura
começaram a lutar entre si.

Magias de efeito mental são incomuns demais para bruxas, é raro ver uma que faça algo do
tipo, ações e efeitos dessa categoria são geralmente atribuídos a vampiros e mestiços.

-Então a loucura não foi algo exclusivo de Allastor, irmão de Allan.

Ela se levantou e pegou uma garrafa de licor que estava em uma estante do outro lado da
sala, trouxe também dois copos, colocando um a minha frente e um a frente de si e nos
serviu.

-Não, mas você vai entender. - Ela ergueu o copo em cumprimento, fiz o mesmo e demos
um gole - Quando começaram a brigar entre si, Allastor sacou seus revólveres e matou
Marcos e os outros dois caçadores, com tiros em seus rostos e cabeças, ficando assim
apenas, Allan, Bianca e ele. Allan conseguiu desarmá-lo, porém, Allastor sacou a faca que
estava na cintura de Allan e começou a perfurar o próprio irmão, Bianca retornou a
consciência e viu que a bruxa não estava mais ali, mas mesmo assim Allastor continuava a
acertar o corpo do irmão, ela gritava pra que ele parasse, e ele se levantou e se virou pra
ela.
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-Bianca não é a filha do velho Martin Vallentin? - Um velho cascudo, duro na queda, esse
cara já matou mais criaturas da noite do que eu já bebi de litros de álcool em toda minha
vida, e sendo sincero, eu já bebi muitos litros.

-Ele já não tinha uma expressão humana, dizia coisas sem sentido, com os olhos
arregalados e um sorriso macabro, que misturado ao banho de sangue que havia recebido
do corpo destroçado do irmão, o faziam parecer mais demônio. Ela tentou lutar, atirou
contra ele, que de alguma maneira continuou andando em sua direção, então ela correu e foi
perseguida, ele a esfaqueou algumas vezes e foi embora, mas ela não havia morrido ali, se
arrastou pela floresta até a estrada, onde foi encontrada e resgatada, mas não sobreviveu.
-Ela acendia mais um cigarro o colocando na ponta de sua boquilha - E sim, ela era filha de
Martin Vallentin, que por sinal, jurou não descansar até vingar a morte da filha.

-Tá ai, algo perigoso de verdade, aquele velho é maluco. -Disse servindo um pouco mais de
licor para ambos, continuei lendo os nomes no livro e a cada nome de conhecia, lhe
perguntava o que havia acontecido e ela prontamente contava uma nova história que
raramente não envolvia uma maldita bruxa. Eram pessoas boas ali, nomes de gente que
lutava pra tentar fazer do mundo um lugar melhor pros mundanos viverem.

Perdemos algum tempo nisso, até que por fim, eu fui ao ponto o qual me interessava,
alguma missão, além do interesse que tinha em passar uma noite de prazeres com ela, o
que não era pertinente questionar naquele momento.

-Tem algo pra mim? Alguma missão pra um cara bem enferrujado que precisa voltar a ativa?
- Dizia com um sorriso no rosto.

-Você está bem, Thom? -Ela olhou fixamente nos meus olhos.

-Claro que sim, estou recuperado, eu vacilei com aquele crinos mas...

-Você está bem, Thom? -Ela me interrompeu.

-Claro, tô bem, melhor impossi...

-Thom, você está bem? -Ela disse num tom gentil, sua expressão de compaixão como se
realmente se preocupasse comigo, com o que eu sentia, ela realmente se preocupava? Não
fazia tanta diferença, mas senti um aperto no coração.

-Eu... Eu vou ficar... 4 anos é tempo demais para não superar, eu juro que vou ficar bem. -A
sensação era triste e pesava o peito, meus olhos se encheram de lágrimas por um
momento, mas sequei, sorri e olhei pra ela. -As coisas vão melhorar, acredite!

Ela foi gentil, não como se sentisse pena de mim, mas como se entendesse o meu pesar,
seu olhar era sereno e seu sorriso brando. Então, ela pegou uma das folhas que estava
sobre a mesa, era um recorte de algum jornal, que falava sobre casos de homicídio em uma
floresta nos entornos de Black Mine.
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Black Mine é uma cidade grande, dividida em 4 distritos, Mount Mariah, Lemox, Oak Forest
e Gold Hall.
Gold Hall era o distrito central, onde os mais ricos moravam, um lugar com uma forte vigia
das milícias, que zelavam pelos bens daqueles porcos imundos, os demais distritos ficavam
nos arredores. Lemox era a base de comércio de Black Mine, um distrito totalmente voltado
as vendas de equipamentos feitos dos metais pesados que vinham do interior das minas
em Mount Mariah, que por sua vez abrigava as fábricas de refinamento e propriamente a
extração de metais únicos que vinham do mais profundo buraco na terra que já ouvi falar,
enquanto Oak Forest era o local mais humilde, residências de menor porte, com pessoas
menos favorecidas de recursos, boa parte trabalhava nas minas ou comércios de Black
Mine, rodeadas por grandes carvalhos que seguiam até o pé da montanha.

Certamente seja lá o que estivesse causando os homicídios estaria em algum lugar de Oak
Forest, mas na matéria não diz nada sobre o estado das vítimas, então não tenho como
imaginar o que poderia ser, por isso deveria me preparar pra qualquer coisa, absolutamente
qualquer coisa.

-Certo, posso fazer isso, mas, não tem nenhum relato de alguém que viu alguma coisa ou
de como as vítimas foram encontradas? - Perguntei tentando pescar alguma informação do
que poderia encontrar por lá.

-Ainda não mandamos ninguém pra lá, você vai ser o primeiro e, pelo seu tempo e histórico,
acredito que possa lidar com o que quer que seja. -Ela era sagaz e sabia que aquilo afetaria
meu ego, afinal, eu não recusaria vendo que tenho uma certa reputação a manter, e ela
estava certa.

-Ótimo, perfeito pra mim. Agradeço e pode considerar essa missão executada! -Disse
pegando o recorte, e saindo.

Senti uma coisa, meu estômago roncava, eu não comia a umas horas e estava um pouco
tonto, pelas bebidas e cigarros, precisava comer, mas a boa vida já havia acabado, podia
considerar o tratamento dos últimos dias apenas como boas vindas de volta, não rolaria
mais nada de graça dali pra frente.
Precisava comer, então voltei passando pelo bar, dei um “tchau” pro Chester e
sinceramente queria encontrá-lo fora daquele lugar, pra eu mandar aquela maldita alma
podre direto pro inferno.
Passei pela porta de saída e pelo segurança do lado de fora, ele era novo por ali, ou será
que eu quem não vinha aquele lugar a muito tempo? Tanto faz. As tatuagens dele eram
incomuns, parecia uma caveira, como se seu crânio estivesse por fora da pele, não era um
cara grande, então acredito que era muito bom de porrada ou nos dons mágicos, mas não
pretendia pagar pra ver, não naquele momento pelo menos.
Subi as escadas que dava na boate do mundanos, passei por outro segurança, que era
exatamente idêntico ao anterior, o que me fez parar e olhar bem pra ele.

-Seu irmão é mais carismático. - Ao dizer saí andando e mais a frente ri sozinho, eu sou
idiota? Acho que sim.

As luzes dali alternavam entre azul e vermelho, as dançarinas e garçonetes seminuas


passavam trocando olhares, fazia um tempo que não sentia um corpo colado no meu, até
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pensei em perder um pouco mais de tempo, mas tinha que chegar em Black Mine, o que
demoraria mais de 2 horas de carro, então não parei pra me divertir, mas quando voltar,
com certeza.
Ao sair, finalmente, depois de quase 10 dias tive contato com o ar puro da noite, aqui em
Hemlock as ruas são bem tranquilas, estava um pouco frio, o chão molhado indicava chuva
a não muito tempo, o letreiro da boate piscando se destacava do resto da baixa iluminação
da rua, próximo a entrada alguns bêbado conversavam, nada que me interessasse ou que
fizesse muito sentido, mas pareciam burgueses suas roupas eram de boa qualidade, era
uma ótima chance pra mim. Caminhei e tropecei quase caindo sobre eles.

-Hey! Cuidado ai idiota! - Um deles disse me empurrando.

-Olha por onde anda imbecil! - O outro dizia tentando me olhar diretamente, mas sua
cabeça balançava de maneira involuntária devido a estar muito embriagado.

-Perdão amigos, quem colocou essa calçada aqui não é mesmo? - Dei uma breve risada,
eles estavam meio putos. - Bom desculpa de novo! -Saí andando e dobrei o beco ao lado da
boate, pra chegar ao estacionamento.

Entrei no meu carro e saquei as carteiras daqueles dois babacas, em uma rápida revista
consegui 300 Dills (D$), ótimo, dava pra comer alguma coisa. Joguei as carteiras pela janela
e saí com meu carro.
Fui até um posto de gasolina para abastecer e parei em um restaurante de beira de estrada
pra comer, agora sim, estava me sentindo bem melhor pra seguir viagem.
Já passava de duas da manhã quando entrei na autoestrada, demoraria pelo menos mais
uma hora até lá, faróis altos, a estrada era muito escura, mantive a mão meu revólver,
pousado sobre minhas pernas, por precaução, o som era bom, os solos de guitarra do
Blues, o vento era agradável, sem dúvidas a noite é melhor que o dia, saí da auto estrada
entrando numa via de menor porte.
De relance vi alguém a frente do carro, enquanto apreciava a paisagem pela janela e, freei
bruscamente com o susto, senti o impacto e a lombada, havia atropelado alguma coisa.
Parei o carro e desci, vi um corpo estirado na estrada e fui até lá, me inclinei esticando a
mão para tocar, era uma mulher, quando estava prestes a encostar meus dedos no braço
dela, ela se contorceu e tentou segurar o meu antebraço, rapidamente me retrai e dei
passos para trás, a cabeça se virou para mim e ela gritou “VAI MORRER CAÇADOR!” o
corpo se contorcendo novamente e ficou de pé, um novo grito, era estridente, começando a
flutuar, ela desaparece se tornando uma fumaça negra, antes que eu pudesse fazer
qualquer coisa, reparo no que ficou ali, o corpo de um animal pequeno que ela havia
possuído.

Mas que merda, um espírito maldito de alguém que vivel uma vida aviltada ou fez um pácto
com o maligno, condena sua própria alma aos planos inferiores, mas as vezes a alma se
torna algo tão vil que sucumbi a si mesma deixando de existir um instante antes de
embarcar numa terrível e maldita vida pós morte, é o que conhecemos como Aparição.

Fui olhar minhas armas no porta malas, dei uma vasculhada nos pergaminhos runados e
nos livros que eu tinha conseguido a um tempo com um caçador aposentado, achei, fechei
o porta malas, joguei o livro dentro no meu banco do carro, e voltei para o animal, afinal ele
não merecia algo assim, eu já não era capaz de identificar o que ele era antes. O arrastei
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para fora da estrada, e ao seu redor desenhei um círculo de criação de chamas, assim
quando ativei, o corpo começou a pegar fogo só que da cor verde, era uma reação ao
vestígios do maligno que ainda permaneciam nele, mas agora, estava sendo purificado pelo
fogo.
Deixei ali, queimando, entrei no carro e continuei meu caminho, aquela coisa certamente
viria atrás de mim, mas o motivo pelo qual apareceu de repente eu não entendi, será que é
essa coisa o motivo dos desaparecimentos? Será que está atrás de mim por alguém tê-la
mandado? Se for isso, por eu ter voltado a ativa, seria possível ter alguma coisa a ver com o
Crinos de dias atrás? Merda de ramo de trabalho, eu fiz muitos inimigos durante esses anos
de caça, isso é bem problemático, já que agora, tenho a sensação de estar sendo caçado e
não sei por quem.

Já passava das três da manhã, quando cheguei a Lemox, o distrito comercial de Black Mine,
procurei por algum motel pra passar a noite, a cidade a noite ainda era movimentada por ali,
comércios noturnos, prostíbulos, algumas lojas abertas na madrugada, a milícia também
era comum por ali, sempre fardados, portando suas armas medíocres, nada contra as
pessoas que são, mas não gosto de oficiais em geral.
Encontrei um motel que parecia caber no meu orçamento para aquela noite, “Hotel San
Marin”, é esse mesmo, peço um quarto e ao chegar nele peço algo para comer. Enquanto
espero, vou dando uma olhada no livro, algumas folhas coladas estendiam páginas com
anotações especiais, indicações extras, alguns desenhos as vezes, a maior parte das
folhas era assim, esse cara viveu muito e encarou muita coisa, o mais incrível é ter se
aposentado com plena sanidade, chega até ser incomum.
Vou direto ao que interessa, Apariçõe, alguns relatos, alguns recortes, mas nas anotações
importantes havia o desenho de uma runa, algo que eu desconhecia até o momento, sobre
a runa não havia nada escrito, e sobre as Aparições nada muito concreto, apenas falava
para não deixar que te toquem, o toque delas por muito tempo leva a morte, assim como a
possessão. Não havia nada ali que eu já não tivesse ouvido falar, nada de novo que eu
pudesse de fato usar sobre essas coisas, a não ser aquela runa, pensei um pouco e resolvi
entrar em contato com um velho conhecido, Mikail, o homem que me ensinou parte do que
eu conhecia sobre a magia rúnica, a magia que precisa de um grimório ou foco mágico,
como magos usam, a magia que só precisa do seu entendimento sobre energia vital e
como emanar através dos símbolos, resolvi ligar para ele.

-Alô. - Disse ele com uma voz um tanto apática.

-Olá meu velho, está tudo bem? - Falei em tom de brincadeira.

-Velho sim, 142 anos na semana que vem - Ele me respondeu, meio áspero, mas ele nunca
foide muitas brincadeiras mesmo - O que você quer Thomas, não tenho tempo para perder.

-Prometo não tomar muito tempo, devo estar te atrapalhando a regar as plantas ou ler um
jornal.

-Adeus.

-Não! Espera, é uma runa! - Me apressei, ele realmente iria desligar na minha cara.

Ele ficou em silêncio, porém conseguia ouvir a sua respiração cansada.


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-Bom, é que eu nunca vi nada do tipo, não sei o que é e nem o que faz, também não
pretendo testar por conta própria, da última vez não deu muito certo… - Eu criei um pequeno
tornado dentro de um apartamento, desagraddável situação.

-Como ela é?

-Bom, são dois círculos que se colidem, no meio deles tem algo parecido com uma letra
“m”, mas uma das pernas segue até fora dos círculos, traços em cima e em baixo, uns
cinco, e do lado oposto a perna pra fora, da letra “m”, tem um traço que faz uma curva na
ponta.

Ele ficou em silêncio novamente, permaneci na linha, esperando uma resposta, ele já era
bem velho eu sabia, talvez tivesse demorando por precisar puxar na memória, até que ouvi
o som de água na ligação.

-Que porra de barulho é esse, Mikail?

-Você realmente ligou quando eu ia regar as plantas. - Que velho desgraçado, só não o
xinguei por precisar da informação, mas algumas coisas passaram na minha mente.

-Certo, certo, e então, a porra da runa serve pra que? -Admito que fiquei um pouco
impaciente

-Sol.

-O que?

-Invocar a luz do sol. É uma runa antiga, muito perigosa, que por sua capacidade ser
altamente destrutiva, a séculos não é usada.

-Pode explicar um pouco melhor? Como ativar?

-Da mesma maneira que qualquer outra, porém ela cobra um preço alto, e você pode
acabar se matando. Nunca esteja à frente da ativação. - Ele falou preocupado.

-Mikail, o qual poderosa essa runa é? Você sabe o efeito da ativação?

-Eu nunca vi uma runa desse tipo sendo ativa, mas pelo que sei é desastroso, tenha
cuidado.

-Certo, certo. Obrigado, vai descansar velho, nem devia estar acordado a essas horas.

-Pro inferno, seu moleque filho da…

Ri e desliguei antes que ele me ofendesse.


No final das contas era bom ouvir a voz dele, saber que apesar de velho, ele ainda estava
vivo e bem. Aprendi muito com ele, só tenho a agradecer.
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Agora que sabia para que servia, restava saber como me servia, mas tinha medo de ativar
de qualquer maneira.
Pela manhã iria para Oak Forest, e lá faria um teste, afinal precisava começar a
investigação de qualquer forma por lá.

Deitei e muitos pensamentos tomaram minha mente, o Crinos, minha volta a ativa, que foi
um tanto forçada, a Aparição na estrada, tudo estava acontecendo muito rápido e eu ainda
não conseguido absorver, já passava das 03h00 quando peguei no sono.

O sol que passava pela janela me acordou, e meio grogue me levantei, já passava de meio
dia, fui até o banheiro, higiene em primeiro lugar, depois de um bom banho, peguei minhas
coisas e desci pra recepção, lá paguei minha conta e perguntei à recepcionista.

-Você ouviu falar dos homicídios? Fiquei sabendo que as coisas andam mal por aqui.

-Ouvi sim, disseram que os corpos e foram encontrados só pele e osso, cena horrível.

-Pele e osso é? Mas que merda não? Ainda bem que só estou de passagem.

-Ah sim, entendo, então vá pela principal que corta todos os distritos, a pista que leva a Oak
Forest está fechada em um determinado ponto, por conta dos homicídios.- Ela me advertiu
de forma muito despreocupada.

-Certo, pode deixar!

Sai rapidamente dali, entrando no carro peguei meu celular pra mandar uma mensagem
para Mira, enquanto dirigia para a estrada que corta Oak Forest.

Thomas: Acho que pode ser um vampiro. Talvez um level E perdido. Ouvi algo por aqui.

Mira: Level E? O que você ouviu?

Thomas: Bom, a recepcionista do motel que eu passei a noite disse que os corpos foram
encontrados só pele e osso. Acredito que seja um level E, com base em informações
limitadas.

Mira: Ok Thom, mas investigue um pouco mais, se confirmar que é, elimine, um level E
não deve ser problema pra você.

Thomas: Pode deixar, não é o level E que me preocupa. Até mais.

Chamamos de Level E um vampiro que só age pelo único impulso de matar, é um ser
amaldiçoado criado pela mordida de um vampiro de sangue puro que não consome
totalmente a vida de um ser humano e o alimenta com seu próprio sangue. A mordida
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infecciosa espalha a maldição dos chupadores de sangue pelo corpo e mente desse ser,
que passa a ter uma dependência insana pelo sangue puro.
Mas é muito raro o fato de um level E estar solto pelo mundo sem o vampiro de sangue puro
que o amaldiçoou.

Segui meu caminho.


A estrada que corta toda a extensão de Oak Forest é composta de constantes subidas e
descidas, num determinado ponto de pois de bons minutos seguindo por ela, vejo um
bloqueio, um caro da policia com as luzes ligadas, diminui a velocidade, olhei bem e notei
que não havia policiais dentro do carro, que estava com uma das portas abertas, parei o
carro ao me aproximar e quando saí senti o cheiro de sangue no ar, olhei pro carro da
polícia, nenhum sinal de luta, não havia sangue também.
Que porra aconteceu ali a final? Eu não tinha ideia, olhei em volta e notei um rastro, seguia
para dentro da floresta, passos, de duas pessoas, cheguei mais perto e olhei melhor. Não
fazia muito tempo que haviam passado por ali.

Fui até o carro, peguei minhas armas, carreguei alguns pergaminhos, e parti, não levei
tantas coisas pra não ficar muito pesado, apenas o necessário.
Segui o rastro floresta adentro, em um determinado ponto notei que o cheiro de sangue
estava mais forte, comecei a ver sinais de luta pelo caminho, até ver algumas marcas de
sangue e por fim encontrar um corpo. Estava seco, boca aberta, até os globos oculares
estavam murchos e caídos para dentro do crânio.
Nunca vi nada desse tipo, mas procurei alguma marca no corpo, mordida, arranhões,
qualquer coisa, mas não tive sucesso.

-Que porra é essa irmão, seu sangue simplesmente sumiu do seu corpo? Não faz sentido.

Nenhuma criatura que eu conheço faria isso, também nunca ouvi falar que algum caçador
havia enfrentado algo assim, então decidi procurar mais. Haviam dois rastros de calçados
semelhantes entrando na floresta, onde será que estava o outro policial? Tornei a rastrear,
poucos metros depois encontrei alguns galhos quebrados, marcas de botas indicavam que
o outro policial havia corrido por ali, mas não havia nada atrás dele, mas ele estava fugindo
de algo com certeza, eu conseguia refazer a cena na minha cabeça.

A floresta era naturalmente escura, tinha um bom espaço para andar entre as árvores,
porém os galhos eram gigantes e em alguns locais até se entrelaçam, o que faz com que o
sol passe pouco e na maior parte dos lugares nem passe pelas folhas. O tempo havia
fechado sem que eu notasse, afinal nem estava olhando para o céu. Parecia que ia chover.
Precisava encontrar pistas mais concretas o mais rápido possível, a chuva apagaria
qualquer rastro muito em breve.

Segui os rastros refazendo os passos do policial, ele não parou de correr, caiu algumas
vezes, mas continuava em disparada, em momento algum voltou pro carro, estranho, até
que chego a um barranco e de dali vejo o corpo do policial, desci o barranco para olhar
melhor e me surpreendi ele não morreu da mesma maneira do outro policial, o que matou
ele foi a queda, o pescoço estava quebrado. Mas que merda, voltei à estaca zero.
Pensei em subir novamente o barranco mas senti como se um choque percorresse todo
meu corpo, e num movimento sem pensar, ergui a escopeta me virando pra trás e fazendo
mira, tinha certeza que tinha algo lá, mas não vi nada. Mantive o olho naquela direção, mas
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abaixei a arma, esperava que algo aparecesse tentando me devorar, ou arrancar meu
coração, mas nada veio em minha direção, porém distante vi um vulto passar entre as
árvores.

-Te achei, filho da puta.

Iniciei uma corrida, a chuva começava a cair forte, as folhas até seguravam bastante a
água, mas ainda assim não era o suficiente pra em poucos instantes o chão estar coberto
de lama.

-Tinha que chover né? Tinha que chover…

Eu olhava ao redor com frequência buscando algo que eu ainda não sabia o que era, quando
de repente tenho a sensação de que passei por uma parede, parecia um tipo de tecido
translúcido. Tentei voltar mas agora, era como se um muro de aço estivesse em meu
caminho.

-Ok… Ok…Tô preso, excelente. -Senti a mesma sensação anterior, como um choque, saltei
para o lado dando um rolamento, instinto apenas isso, não pensei. Um som aterrorizando e
uma mortalha caída sobre onde eu estava. Então se ergue do chão e começa a flutuar, do
meio daquele tecido negro e macabro, dois braços surgiram, e o pano tomou uma silhueta
como se um capuz negro envolvesse o crânio.
A sensação era de que estava diante do meu fim, o ar ficou frio e pesado, ficou difícil de
respirar.

-VAI MORRER CAÇADOR!

Reconheci aquela maldita voz,era da aparição na madrugada anterior, mas jã não tinha a
mesma aparência.

-Mas que merda, tá mais bizarro que antes, maior também. Tomou uma vitamina?

Se lançou na minha direção com os braços estendidos como se fosse me agarrar

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