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Copyright © 2020 por Tom Adamz

Todos os direitos reservados

— É PROIBIDA A REPRODUÇÃO —

1ª Edição — 2020

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autorização por escrito do autor.
SUMÁRIO
Informações Iniciais:
00. Prólogo.
01. Lady Bramaum? Nunca ouvi falar!
02. A história da Fera.
03. Grosso é o meu p**!
04. Elas não vão acreditar...
05. “... o divórcio veio junto”.
06. Juca é o perigo!
07. Valentina?!
08. A Caça e o Caçador.
09. Nos Braços da Fera.
10. Cheiro de medo...
11. Fique longe do pato!
12. Sabe de uma coisa?
13. Como quebro a maldição?
14. A noite do lobo.
15. Até que o amor o liberte...
16. A ira do predador.
17. Um novo começo.
18. Sobre o Autor:
Informações Iniciais:

“Nos Braços do Predador” é um romance feito para todas as leitoras


que sonham em encontrar o homem dos livros. Aquele homem que é perfeito,
mesmo com defeitos. Que a faz sentir amada, desejada e encanta os seus dias,
tornando-os mais emocionantes. Pensando nisso, eu lhes trouxe a história de
Valentina. Quem imaginaria que ela, literalmente, encontraria o homem dos
livros?

E, falando nela, na nossa protagonista, vocês sabem de onde surgiu a


escolha do nome? Há muito tempo, passei por problemas e essa pessoa me
abraçou e me deu bons conselhos. Em retribuição, eu criei essa personagem
em sua homenagem, Valentina K. Michael. Obrigado por me oferecer uma
amizade sincera, quando a maioria me deu as costas. Você me tem para
sempre. Lembre-se disso, mocinha.

Por fim, nesse livro abordamos um tema bastante importante que é a


violência contra a mulher. Anualmente, mais de 1,6 milhão de mulheres
sofrem violência física, verbal ou sexual. A agressão começa de força sútil e
termina por meios brutais. Por isso, se lembrem: o mal deve ser cortado pela
raiz. Se você, mulher, está sofrendo ou vier a sofrer algum tipo de ameaça,
por mais simples que possa parecer, não hesite, DISQUE 180.
00. Prólogo.
POR LADY BRAMAUM

Década de sessenta.

Consegui publicar o meu primeiro romance, cujo título era “Dona


Confusão”. Uma comédia romântica da época e que causou muita polêmica,
afinal, os homens não queriam uma esposa petulante e que demonstrasse
traços independentes. Pelo contrário, o perfil dona do lar era o exigido para
os casamenteiros da época.

Nos anos seguintes, publiquei outros romances, mas eu não estava


satisfeita com o meu limite de alcance. Os meus olhos vislumbravam o
mercado internacional e, por mais que eu ou o meu agente tentássemos,
diziam que as minhas obras eram inapropriadas para as famílias.

Decepcionada, recolhi-me um retiro espiritual para descansar a mente


e reunir inspiração para um último livro. Algo que marcasse o final da minha
carreira. Naquela época, já circulavam boatos sobre uma lagoa milagrosa,
localizada no município de Itajá — e, quase duas décadas depois, já
conhecida como lagoa santa, o pedaço de terra teve o status elevado ao de
munícipio.

Jamais vou me esquecer daquela sexta-feira de 1981. Era madrugada


e eu estava sem sono. As ideias se remexiam na minha mente e não se
encontravam. Decidida a relaxar, resolvi entrar nas águas termais.

O vento frio contrastava com a temperatura da água quente, que


cobria o meu corpo quase todo, exceto a cabeça. Margeada por pedras e com
pequenos postes de luz ao seu redor, a lagoa era o paraíso da Terra. O som
dos grilos era como a sinfonia de uma banda marcial atrelada ao toca-discos
que ecoava ao fundo.

A minha paz fora abalada quando um “tibum” ecoou. Abri os olhos e


não vi ninguém, mas as ondas que tocavam o meu corpo, sinalizavam que eu
não estava sozinha naquela madrugada. Afinei os olhos, procurando por
quem seja lá que fosse, pronta para lhe lembrar as regras de disciplina do
local e foi quando uma luz, que surgiu como uma esfera no centro da lagoa,
ergueu-se sobre as águas, tornando-se cada vez mais intensa.

— O que é isso? — ergui um dos braços para cobrir o rosto, tentando


espiar.

Quando o clarão se dissipou, vi um homem de pele clara, cabelos


loiros e grandes asas. Na verdade, três pares de asas. Ele sacudiu a cabeça e
virou-se em minha direção, levando-me de encontro aos seus olhos
esverdeados.

— Um anjo... — murmurei, completamente encantada com o que


meus olhos me mostravam.

O anjo tombou a cabeça para o lado e esboçou um sorriso terno. Sem


sequer piscar, aproximou-se e parou em minha frente.

— Consigo ver ambição em seu rosto. Diga-me, o que você deseja?


— afinou os olhos, fazendo mais que uma pergunta. Era uma proposta.

— E-E-Eu... — pisquei algumas vezes. — Desejo romper os limites


do mundo e me tornar a maior escritora da minha época. — finalmente
consegui cuspir o que estava entalado na minha garganta.

— Gosto de escritores. — o anjo assentiu com a cabeça e piscou


algumas vezes, parecendo ponderar o meu pedido. — Vou lhe propor um
acordo.

— Q-Q-Que tipo acordo?!

— Dar-lhe-ei fama internacional e você será, sim, a maior escritora da


sua época. — estendeu os braços e suas mãos reluziram. — Contudo, do teu
livro sairá uma fera e se nenhum daqueles que o lerem, o domarem em até
dois ciclos entre a Terra e o Sol, você cairá no esquecimento.
Engoli em seco e abaixei a cabeça.

— E se eu conseguir?

— Entrará para a história. — sussurrou, de forma tentadora.

— Aceito!

O anjo balançou a cabeça e aproximou-se um pouco mais e, com a


ponta dos dedos, tocou a minha testa. Em seguida, ele fechou os olhos e,
fazendo a sua voz transbordar poder, decretou:

— Eu, Balthazar, um dos sete arcanjos, dou-lhe a minha benção.

A água começou a borbulhar e o céu se viu cortado por relâmpagos.


Eu sentia algo diferente envolver o meu corpo e, conforme a luz tornava a
ficar intensa, sua imagem sumia diante de mim.

— Balthazar... — sussurrei seu nome.


01. Lady Bramaum? Nunca ouvi falar!
POR VALENTINA

Se a minha vida fosse uma história dos livros, como eu começaria?

Me chamo Valentina Duran, tenho trinta e cinco anos e me separei


recentemente do meu ex-marido, Juca Pompeu e moro em Araçatuba, interior
de São Paulo. Após quinze anos de agressões, inicialmente verbais e,
posteriormente, físicas, resolvi dar um basta com o cabo da enxada. Fora os
sete pontos na cabeça e um “spa” de uma semana no hospital, também lhe
presenteei com o processo de separação.

O divórcio segue no litigioso, pois, segundo ele, não mereço nada do


que conquistamos juntos — apesar de termos entrado em acordo sobre as
residências; a da cidade, ficaria com ele e o rancho, comigo.

Dada as suas insistentes tentativas de me contatar, o juiz também


determinou uma medida protetiva de proibição de contato e aproximação,
tanto de mim, quanto da minha propriedade.

— Valentina? Valentina? — meneei a cabeça ao ouvir Clara me


chamar. Voltei-me a minha direita, percebendo-a de pé ao lado do sofá,
cobrindo o telefone com uma das mãos. — É a sua mãe.

Clara foi a minha babá e quando me casei, veio trabalhar em nossa


casa. Se há alguém que testemunhou o que vivi, foi ela. Uma mulher de
poucas palavras, mas que quando abre a boca, diz verdades incontestáveis.

Em quinze anos de casamento, ela opinou uma única vez sobre o que
estava acontecendo e, duas semanas depois, me tornei uma mulher solteira.

— Diga que estou dormindo. — soletrei, sem emitir som,


gesticulando com uma das mãos para que ela inventasse uma desculpa.
— Dona Isidora, ela não quer acordar. Acho que o calmante a colocou
em sono profundo e... — Clara parou de falar e, mesmo não tão próxima, eu
conseguia ouvir a minha mãe tagarelar do outro lado da linha. — Tudo bem,
eu vou avisar. — desligou o telefone e soltou um longo suspiro, revirando os
olhos.

— O que ela disse?

— Que você deveria parar de evitá-la, pois vocês duas precisam


conversar.

— Ela quer falar sobre o Juca. — cruzei as pernas e levei ambas as


mãos as têmporas. — Sem dúvida, ele deve ter oferecido algo para que ela
intercedesse em sua causa. — torci a boca.

Clara assentiu com a cabeça e respirou fundo.

— Vai precisar de mim esse fim de semana?

— Não. Sinta-se à vontade para tirar uma folga.

— Obrigada. — ela assentiu com a cabeça e se retirou.

Passei a parte da manhã acompanhada do meu kindle, fazendo o que


fazia de melhor: ler. Foi na leitura que encontrei refúgio e aconchego,
sonhando com um homem dos livros, que me tratasse feito uma deusa e que
me fizesse sentir amada.

Ah, como queria um homem assim... suspirei, perdendo-me em tais


pensamentos.

Depois do almoço, aprontei-me para ir à inauguração de uma nova


livraria na cidade. O letreiro de abertura me chamou a atenção: “Venha viver
um romance dos livros”.

Coloquei-me na fila e enquanto aguardávamos, um dos funcionários


passou coletando os nossos dados, para confeccionar um cartão de fidelidade
que garantiria descontos exclusivos e, obviamente, eu o fiz.

Havia pouco mais de vinte pessoas. Acho que a divulgação de


inauguração não foi lá essas coisas e a localização não era das melhores. Uma
senhora idosa surgiu do outro lado das portas de vidro e virou a placa de
“fechado” para “aberto”.

Do lado de fora, era impossível dizer que a livraria era imensa por
dentro, sem mencionar que trazia um ar aconchegante. O estabelecimento
contava com quatro funcionários e a senhorinha que abriu as portas.
Provavelmente, ela era a proprietária, pois, desde que entrei, a senhora
permanecia sentada no caixa, observando-nos atentamente.

O catálogo era extenso. Desde os últimos lançamentos da literatura


nacional e internacional, até livros e autores que eu nunca tinha ouvido falar.

“... caros clientes, o primeiro andar conta com ambiente para leitura,
além de comportar nossa humilde cafeteria”.

Subi para o primeiro andar e parei na cafeteria, onde uma mocinha


me atendeu. Pedi um expresso. Depois de alguns minutos, ela me serviu.

Agradeci e segui perambulando pelas estantes, tão altas quanto as do


térreo. Entre passadas curiosas, procurando por um livro que me chamasse, vi
uma porta entreaberta e pela estreita abertura, meus olhos afiados fixaram-se
em uma espécie de altar e sobre ele, vi um imenso livro de couro, com
relevos em sua capa.

A minha curiosidade foi aguçada instantaneamente. Soava proibido e


sombrio. Era como se o livro estivesse me seduzindo e...

— Desculpe, esqueceram a porta aberta. — no susto, quase derramei


o café ao girar o corpo na direção da voz, dando de cara com a senhorinha.

Céus! Com esse cabelo grisalho e essa fala rouca, pensei que fosse um
fantasma...
— Que livro é aquele? — perguntei, ainda intrigada com aquela capa
exótica.

— Infelizmente, “O Predador” está fora do catálogo. — ela sorriu,


parecendo desconfortável e, em seguida, fechou a porta lentamente,
trancando-a e guardando a chave no bolso do seu avental.

— Por que?

— Coisas estranhas acontecem com quem lê aquele livro. —


sussurrou baixinho, parecendo me contar um segredo e, por fim, me fez
arrepiar inteira ao esboçar aquele sorriso, que me soou tão perigoso quanto
uma ameaça.

— Que tipo de coisas? — afinei os olhos, tentando entender melhor.

— Estranhas. — ela insistiu, passando por mim e indo em direção a


outra estante, prosseguiu: — Se quer saber, estranhas demais, até mesmo para
uma leitora.

— Quem é o autor? — acelerei o passo para acompanhá-la, ainda que


ela demonstrasse querer fugir da minha presença.

— Lady Bramaun.

— Nunca ouvi falar.

— Ela caiu no esquecimento. Talvez não tenha merecido o sucesso


que fez... — assentiu com a cabeça, mirando alguns livros na prateleira.
Finalmente, a senhora esticou a mão, pegando um dos títulos e voltou-se a
mim, oferecendo-o. — Acho que vai gostar desse.

Peguei-o e sequer olhei a sua capa.

— Eu gostaria de ler aquele livro. — insisti e a senhorinha tombou a


cabeça para o lado, fitando-me.
— Como você se chama?

— Valentina.

— É um belo nome. — ela balançou a cabeça e centrou os seus olhos


nos meus. — Vejo que você procura algo ou alguém.

— C-C-Como? — pisquei algumas vezes.

— Há um vazio no seu coração e você busca preencher essa lacuna.

Engoli em seco e prendi a respiração. Como ela sabe disso?


Acabamos de nos conhecer...

— Quem não procura, não é? — respondi sem jeito, tentando


disfarçar, enquanto o meu peito se apertava com tamanha verdade.

Está tão evidente assim? O meu sofrimento pode ser lido com tanta
facilidade?

— Todos nós procuramos por algo. — deu de ombros e apressou-se,


deixando-me ali, parada no meio das estantes.

Desconcertada e sentindo um pouco de vergonha, rodeei algumas


estantes, evitando encontrar a senhorinha novamente. Escolhi alguns livros
aleatórios e desci para o térreo. Ao parar no caixa, entreguei-os a atendente.

— Algo mais?

— Como aquela senhora que estava aqui no caixa se chama?

— Lady Bramaun. — entreabri a boca, piscando algumas vezes e


girei a cabeça, procurando por ela, sem sucesso.

— Isso é sério?! — pisquei algumas vezes.

— Sim. — a garota assentiu com a cabeça, esboçando um sorriso


tímido. — Ela já foi muito famosa, mas não costuma falar sobre isso.

— Entendo...

Aquela senhora é a autora do livro de capa exótica. Por qual razão um


autor se negaria a deixar outras pessoas lerem o seu trabalho? Ela disse que
acontece coisas ruins, mas...

Sacudi a cabeça e respirei fundo, voltando-me a mocinha do caixa.

— Pode finalizar a compra.

Voltei para casa, atordoada e com aquele livro em mente. Agora, mais
que nunca, eu queria lê-lo. Esse mistério que rodeia uma história — não só a
do livro, mas, também a da autora — é uma tentação para leitoras como eu.

Parando para analisar. Sinto que fui um pouco descortês quando disse
que nunca havia ouvido falar dela. Se eu soubesse que estava diante da autora
do livro, teria sido mais gentil. Lê-se: mentido, afinal, realmente, eu nunca
ouvi o seu nome.

Virei a madrugada tomando café com achocolatado e pesquisando


sobre a “Lady Bramaun” na internet. Não tinha muita coisa disponível, mas
algumas matérias eram mais que interessantes.

“Lady Bramaun é, não só uma autora, mas, também uma maga da década dos
anos oitenta. O seu novo romance O Predador captou toda a crítica e o lançamento está
previsto para o fim do mês. — 07 de Janeiro de 1982”.

“O Predador de Lady Bramaun que vendeu um milhão de exemplares, teve todos


os títulos recolhidos. Pessoas que leram o livro, relatam acontecimentos sobrenaturais.
Também tivemos relatos de vários atos públicos onde os manifestantes queimaram seus
romances. — 12 de dezembro de 1983”.

“Após vender cinquenta milhões de exemplares, Lady Bramaun encerra sua


carreira literária. O controverso e polêmico título, O Predador, infelizmente, engoliu o
brilhantismo de uma escritora destinada a dominar o mundo. — 05 de março de 1985”.

Apesar de se tratar de matérias bem antigas, encontrei tudo em inglês,


nos arquivos de um grande jornal. Pelo que dizia ali, ela é brasileira, mas
consolidou-se como autora nos Estados Unidos, publicando seu primeiro
livro em 1960. Todos os seus romances foram escritos em português e,
consequentemente, traduzidos para mais de vinte idiomas.

Respirei fundo.

Por instantes, cogitei algumas situações, mas nenhuma delas me era


real. O que faria uma autora desistir da carreira? Por qual motivo um livro
seria recolhido?

E, é claro, o principal: O que pode ser tão proibido na história de “O


Predador”?

O celular apitou.
Uma mensagem:

“... o seu pedido está a caminho”.

Que pedido?!
Eu não fiz pedido algum! Deve ter sido engano.

Coloquei o notebook de lado na cama e o fechei. Amanhã seria um


longo dia e eu queria acordar antes das dez da manhã para encontrar as
minhas amigas na cidade.
02. A história da Fera.
POR VALENTINA

Apreciar o canto dos pássaros junto ao nascer do sol na varanda dos


fundos, era algo único. Não muito distante, atrás de alguns coqueiros, havia o
rio tietê — diga-se de passagem, nessa região, a água é limpa e repleta de
vida.

Precipitei-me em direção a horta, onde pude admirar cada uma das


minhas hortaliças. Ao girar o corpo em direção a sede do rancho, mirei-o,
notando o sol tocando a ponta do telhado. Investir no condomínio Riviera, foi
um dos meus grandes acertos; o sobrado de dois andares, construído de
madeira pura e vidros, era o meu ninho.

Sabe aquela sensação de que o seu lugar é aqui? Esse é o meu lugar.
Um pouco modesto para os padrões do condomínio, mas, para mim,
aconchegante: quatro quartos, sendo três suítes. Dois banheiros sociais. Duas
salas. Uma cozinha com despensa e a sede cerceada por uma imensa área
com muitas plantas, principalmente, orquídeas.

O caminho de entrada é composto por grandes pedras retangulares,


delimitadas por imensas palmeiras, indicando onde os carros devem passar.
Ao longo da propriedade de quase mil metros quadrados, há diversas árvores
frutíferas. O engenheiro que fez o projeto, sugeriu uma piscina, mas, no fim,
concordamos que um deque de madeira beira-rio seria mais interessante,
afinal, o meu ex-marido adorava pescar.

Geralmente, aos sábados, eu me reunia com as minhas amigas de


infância. Apesar de todas estarem casadas ou terem se casado de novo,
atualmente, sou a única solteira do grupo.

Como de costume, nos reunimos na casa de Miranda, na cidade. O


imenso casarão de esquina no Jardim Nova Yorque, ostentava não só luxo,
mas, também, bom gosto.
Após ter a entrada liberada, segui para os fundos da casa, onde as
encontrei sentadas ao redor de uma imensa mesa de ferro, tingida de branco,
cujas cadeiras, apesar de feitas a ferro, eram almofadadas. O imenso coqueiro
as presenteava com uma deliciosa sombra, aliviando o sol escaldante da
região.

— Olha quem chegou. — Ariana disparou, erguendo sua taça de


champanhe. — A bela mais cobiçada do pedaço.

— Vamos ver quanto tempo essa solteirice dura. — Miranda


emendou.

Ariana é uma mulher morena, de cabelos anelados e olhos negros.


Apesar de ter quarenta anos, aparenta ter bem menos e nunca teve filhos, por
opção. Miranda tem trinta e sete anos — e, também não aparenta ter essa
idade —, possuí cabelos castanho claros e lisos, além de olhos azuis. Ela tem
um filho chamado Carlinhos. Ambas têm um e setenta de altura.

Sou a caçula da turma e a mais baixa, com um e sessenta e oito de


altura.

— Bom dia para vocês, também. — respondi com bom humor e me


sentei. — Como estão as coisas?

— Raimundo está insuportável. — Ariana revirou os olhos. — Ele


encucou que quer investir em gado e não fala em outra coisa. — bufou,
visivelmente irritada. — Acordo ouvindo sobre vacas. Almoço escutando
sobre comprar ração e “produzir” capim... — e dando uma breve sacudida de
cabeça, explodiu: — Daqui a pouco, quem vai começar a produzir leite, sou
eu.

Gargalhamos.

— Ele parece empolgado com os negócios. — Miranda assentiu com


a cabeça. — E dê graças a Deus que esses negócios tem quatro patas, ao
invés de ter duas e usar um par de saias.
— Amém, pai! — Ariana disse com bom humor, erguendo as mãos
para o alto.

— Bom... Aqui as coisas seguem normais. — Miranda fez aspas com


as mãos. — O “D” teve a sua primeira conversa adulta com o Carlinhos. —
ela torceu a boca.

— Pelo visto as coisas não saíram muito bem... — Ariana murmurou.

— Termina, amiga! Ou você quer nos matar de curiosidade? — cruzei


os braços.

— Sábado passado, contei que ele encontrou camisinhas no quarto de


Carlinhos e alguns dias depois, eles foram conversar, então, o nosso filho
contou a ele que é bissexual. Dezesseis anos e bissexual. — ela disse,
prendendo a respiração.

O silêncio imperou por alguns segundos e Ariana e eu nos encaramos.

— É um leque de opções. — dei de ombros.

— Muitas opções. — Ariana concordou.

— Vejo como indecisão. — Miranda apoiou o cotovelo sobre a mesa


e levou dois dedos a cabeça. — Não sei, os jovens de hoje são estranhos... —
fez uma careta.

— Estranho ou não, é seu filho. — pontuei.

— Sem dúvida. — Ariana gesticulou com uma das mãos.

— Se o pai dele não disse nada e deu apoio, quem sou eu para
questionar? — deu de ombros. — O ponto positivo é que se ele trouxer um
homem aqui em casa, não preciso me preocupar com o golpe da barriga. —
disparou em tom brincalhão e emendou: — O único golpe possível seria um...
o quê? Cuzality?!
Explodimos em gargalhadas.

Ri tanto que cheguei a lacrimejar. Miranda era daquelas pessoas que


sempre faziam piada de tudo. Aprendi muito com ela sobre a vida e sobre
como viver. Ela é a cabeça do nosso trio, sabe? Sempre conselheira, como se
fosse uma mãezona.

— Não está bebendo, Val? — Ariana pousou os olhos sobre mim.

— Ainda não posso. Sigo fazendo o tratamento com os calmantes.

— Maldito seja, Juca Pompeu! — Miranda rosnou.

— Maldito seja! — Ariana a acompanhou.

— Filho da puta! Isso sim. — finalizei e gargalhamos, outra vez.

Demorei anos para expor a situação abertamente a elas, mas, dada a


nossa proximidade, elas sabiam e nunca foram invasivas quanto a isso —
apesar dos conselhos, sempre respeitaram o meu limite e o meu momento.

Agressões físicas deixam marcas, mas, pior que a marca no corpo é a


que fica na alma. Dificilmente, eu confiaria em outro homem.

O dia se desenrolou de forma gostosa e com muitas gargalhadas.


Quase seis da tarde, nos despedimos. O sol começava a se pôr no horizonte
quando cheguei à sede do rancho. Ao estacionar o carro, desci.

Eu estava procurando a chave da porta da frente na bolsa, quando


ouvi um som sinistro que me fez congelar, arrepiando-me dos pés a cabeça.
Um rosnado gutural, como se o próprio demônio estivesse chegando para me
levar.

Quando minhas pernas finalmente reagiram, corri de volta para o


carro, me tranquei e peguei a pistola que ficava guardada no porta luvas — eu
a havia comprado após a separação, caso o meu ex-marido resolvesse tentar
alguma gracinha.

Como toda a propriedade era iluminada, passei alguns minutos dentro


do veículo, observando atentamente e, quando constatei que não havia sido
nada além de vozes da minha cabeça, desci. Ao retornar à porta da frente,
notei um embrulho grande e franzi a testa.

— Você não estava aqui... — cocei a cabeça, perguntando-me se bebi


e esqueci que havia bebido.

Abaixei-me e peguei o embrulho. Por fim, entrei. Deixei-o em cima


da mesa e tomei uma ducha quente. Ao retornar à sala, peguei o pacote e o
abri sem pressa.

— Oh, isso é sério? — esbocei um imenso sorriso, desacreditada.

Era o livro que eu queria comprar na livraria da senhora Lady


Bramaum e ela se recusou a me vender. Junto dele, havia um cartão, com a
seguinte inscrição: “Saudações, Valentina. Posso estar enganada, mas, creio
que esse livro foi feito para você”.

Estufei o peito de ar, me sentindo. Não é todo dia que uma autora que
vendeu cinquenta milhões de exemplares me manda uma dedicatória assim.

Sem conter a minha curiosidade, passei os dedos pela capa de couro,


analisando as marcas de garras, como se algo tivesse tentado rasgar o livro.
Na minha cabeça de leitora, soava proposital, como se fosse feito assim para
dar ênfase a história que continha ali.

Após fazer um lanche, subi para o quarto. Sentei-me na cama,


aconcheguei as costas em algumas almofadas e me cobri até a cintura.
Coloquei o livro do predador no colo e respirei fundo.

— E lá vamos nós. — assenti com a cabeça, iniciando mais uma


história.

[...]
A ambição não é totalmente ruim, desde que, bem dosada. Todavia,
Graves Wolf, o herdeiro do império do café dos anos oitenta, ambicionava
cada vez mais. O homem de rosto perfeitamente simétrico, barba rala e
cabelos que batiam nos ombros, costumeiramente, bagunçados, era
ganancioso por demais.

E tal ganância, estendia-se a tudo. Bens, mulheres, conquistas e


posições. Dono de um belo corpo, uma voz máscula cujo ressoar excitava
qualquer mulher, como um chamado de acasalamento e olhos intensamente
cinzentos, Graves era conhecido como o “Lobão”. Apelidado assim pelos
amigos que se mantinham próximos apenas por medo de sua fúria e, abraçado
pelos inimigos, que emendaram tal nome a “Predador”.

Se Graves queria, ele conseguia. Não importava como e quando, tudo


estava ao seu alcance. Até que aconteceu...

— Uma esmola para um viajante? — o rapaz de cabelos negros


aproximou-se do Lobão, que o mirou dos pés a cabeça, olhando com atenção
as roupas sujas e os pés descalços.

— E por acaso eu sou algum representante da igreja para dar o que


tenho? — Graves respondeu com desdém.

— Perante Deus, somos todos iguais, senhor. — o rapaz o mirou nos


olhos, de forma intensa.

Os demais, se entreolharam e Lobão respirou fundo. Ao se aproximar,


agarrou o rapaz pelo colarinho da camisa e o ergueu do chão, quase
encostando o seu rosto ao dele.

— Não me compare com um maltrapilho feito você. — rosnou,


empurrando-o para trás, ao ponto do rapaz cair no chão.

Os amigos de Lobão, explodiram em gargalhadas, pois, no fundo,


aprenderam a sentir prazer com a sua arrogância. No fundo, o poderoso
imperador do café não era mal, mas o poder lhe ensinou a sentir prazer na
maldade.

Mal sabia ele, que sentado no topo de um coqueiro, Balthazar


observava com atenção. Na verdade, desde que ouvira os boatos sobre um
“Lobão”, imaginando ser alguma besta à solta, ele veio ao seu encontro. E,
apesar da decepção, Balthazar estava decidido a lhe ensinar uma lição que ele
jamais iria esquecer.

Um pouco mais tarde naquele mesmo dia...

Lobão estava na varanda, com os amigos, quando um uivo gutural


colocou todos em alertas. Os homens sacaram as suas armas, mas, foi em
vão. A besta que surgiu da mata, era um imenso lobo negro, que andava sobre
as patas traseiras e tinha olhos cinzentos. Sedenta por sangue, não provou da
carne de nenhum deles, mas, dos dez que estavam ali presentes, apenas um
ficou vivo.

— O que é você, meu Deus?! — Lobão gritou, arrastando-se com as


mãos para trás, sem tirar os olhos da criatura diante de si e temendo a morte,
cobriu o rosto com uma das mãos.

— É o preço da sua arrogância. — a voz masculina ecoou e Graves


abriu os olhos, mirando um homem de cabelos loiros, com três grandes pares
de asas.

— Clemência, por favor...

Lobão arrastou-se até o arcanjo que se enojou e deu dois passos para
trás, sem deixar de encará-lo de forma altiva.

— Vejo que o teu coração já foi tão puro, mas tornou-se sombrio... —
Balthazar ergueu o tom de voz e afinou os olhos. — O dinheiro não lhe fez
bem...

— Eu vou mudar. Prometo que vou... — suplicou, ofegante.

— Com certeza, vai... — Balthazar esboçou um sorriso de canto e


apontou o indicador em direção ao céu e a ponta do seu dedo reluziu. — Por
tua arrogância, o condeno a vagar pelas noites de lua cheia, como uma fera,
sedenta por sangue e enquanto não conhecer o amor, não sairá do castigo
eterno que lhe ensinará um pouco da aflição que causastes! — um trovão
ecoou e o que era homem, tornou-se livro.

Um imenso livro de couro, com garras esculpidas em sua capa. E,


após o julgamento, o arcanjo deu um longo suspiro.

— Agora vamos encontrar alguém para escrever a sua história,


Graves Wolf... — meneou a cabeça para o lado, esboçando um sorriso mais
que satisfatório.

[...]

Fechei o livro rapidamente, sentindo o meu coração acelerado. Era


como se eu estivesse dentro da história e sentisse tudo o que estava
acontecendo. Sentei-me na beirada da cama e mirei a janela, observando a
lua.

— Crescente... — respirei aliviada e fiz o sinal da cruz. —


Definitivamente, não é uma leitura para a noite. Ainda mais quando se está
sozinha em um rancho.

Coloquei o livro no criado mudo e deitei. O melhor que eu poderia


fazer, era dormir.

Pela manhã...

Ao descer as escadas, precipitei-me até a cozinha. A garganta estava


seca e eu precisava de um copo de água. Quando cheguei na entrada, quase
infartei ao ver um homem nu, futricando dentro da minha geladeira.

O meu corpo tremeu inteiro e eu fiquei muda, sem reação. Quando


um copo de vidro de requeijão caiu e quebrou, sai do transe.

— T-T-T-arado... — murmurei e puxei voz do fundo da garganta. —


Socorro! Tarado! Tarado! — gritei.

— Onde?! Diga-me onde está o filho da puta que eu o mato. — a voz


máscula soou furiosa, arrepiando-me inteira e quando ele se virou em minha
direção, vi que ele não tinha apenas o corpo grande e, cobri os olhos com
ambas as mãos.

— Q-Quem é você?!

— Graves Wolf, ao seus dispor. Onde está o vagabundo? — seus


passos aproximavam-se cada vez mais, enquanto eu recuava, mantendo as
mãos no rosto.

Como é que é?

— Repita.

— O quê?

— Seu nome!

— Graves Wolf.

Espiei por entre os dedos, analisando-o. Sim, as descrições eram as


mesmas: cabelos grandes e bagunçados, barba rala, corpo magnifico e olhos
acinzentados. Além de ter um imenso cacho entre as pernas, mais que
convidativo e...

— Não! — protestei, fechando os dedos. — Você não pode ser o


homem dos meus livros! É impossível... — sussurrei baixinho.

— Tire as mãos do rosto e verá que eu sou real.

— Não enquanto você estiver nu.

— Tem medo do que vai ver? — sua voz soou próxima a minha
orelha e outro arrepio subiu por minha espinha.
— N-Não! É só que... Eu não te conheço. É isso!

— Certo. — ele respondeu e, em seguida, ouvi várias coisas caindo


no chão. — Já pode abrir.

Respirei fundo e retirei as mãos do rosto. Ao mirá-lo, o vi enrolado


com a toalha da mesa e todas as minhas vasilhas no chão. Pisquei algumas
vezes e esfreguei os olhos.

— Não, não pode ser... — afinei os olhos e precipitei-me até ele. Ao


parar em sua frente, cutuquei seu peitoral. — Meu Deus! — levei uma das
mãos a boca e recuei, mas minhas costas encontraram a mesa.

— Pronta para os jogos? — Graves se aproximou e segurou o meu


queixo, mirando-me fixamente nos olhos.

— Q-Q-Que jogos?! — prendi a respiração e fechei os olhos. — Isso


é um sonho! É um sonho! É um sonho! — repeti várias vezes e quando abri
os olhos, ele seguia parado diante de mim.

— Bu! — Graves fez um beicinho com a boca e eu gritei.


03. Grosso é o meu p**!
POR GRAVES WOLF

Dada a sua expressão de pânico, acho que não foi uma boa ideia
assustá-la. A mulher de cabelos negros e lisos, com um corte que batia nos
pés da nuca, olhos castanho-claros, pele clara e corpo no formato de um
violão, disparou pelos cômodos da casa. Eu conseguia ouvir os passos
apressados sumirem e, em seguida, o ruído de panelas sendo reviradas.

— Ela vai tentar me acertar?! — tombei a cabeça para o lado e franzi


a testa. Ao constatar como aquilo era idiota, sacudi a cabeça. — Como você
se chama? — ergui o tom de voz.

— Fique onde está! — o grito, quase desesperado, ecoou dos fundos.

— Se não conversarmos, isso ficará ainda mais difícil... — bufei e


levei uma das mãos aos cabelos, jogando-os para trás.

— Recuso-me a conversar com a minha imaginação. — protestou,


arrancando-me um sorriso de canto.

— Ainda acha que eu sou fruto da sua mente? — precipitei-me sem


pressa em sua direção e antes que eu adentrasse o cômodo, ela saiu, armada
com uma enxada.

— O meu ex-marido é tão grande quanto você e eu o derrubei com


uma única pancada. — ameaçou, sem parar de ofegar, segurando a “arma”
com ambas as mãos.

— Ele mereceu a pancada? — cruzei os braços e mirei-a.

— Com certeza, sim.... — rapidamente sacudiu a cabeça e apontou a


enxada para mim. — Isso não vem ao caso. Agora, me diga, como entrou na
minha casa?
— Você me trouxe para dentro da sua casa.

— Não, não trouxe.

— Sim, trouxe.

— Não!

— Quando chegou, havia um embrulho em sua porta e a menos que o


meu livro amaldiçoado, depois de quarenta anos, tenha ganhado pernas, sim,
foi você.

Ela preparou-se para abrir a boca, mas subitamente parou, piscando


algumas vezes.

— Você estava do lado de fora me observando e me viu pegar o livro


e agora, está tentando me fazer acreditar nessa história ridícula...

— As minhas descrições com o personagem do livro não batem? —


ergui as sobrancelhas e ela emudeceu. — Você parou no exato trecho onde o
arcanjo me castigou. — afinei os olhos e respirei fundo.

— Como isso pode ser possível?! — ela sacudiu a cabeça e apoiou o


cabo da enxada no chão.

— Você leu o começo da história e ainda pergunta como? — revirei


os olhos. — Eu esperava mais.

— O que você quer dizer com isso, seu imbecil? — rosnou, tornando
a apontar a enxada em minha direção.

— Nada... — acenei com uma das mãos e lhe dei as costas, indo em
direção a cozinha.

— Onde está indo?


— Procurar algo para comer. Estou com fome.

— Isso aqui não é um hotel!

Sem cessar o passo, espiei-a por cima do ombro, percebendo-a um


pouco atrás de mim, de prontidão para me golpear a qualquer movimento
brusco que eu fizesse.

— Em qual fase da lua estamos? — ignorei-a, pegando um pedaço de


bolo com as mãos.

— Não sei.

Ao girar o corpo, mirei-a, mordiscando o pedaço, sem tirar os olhos


dela, que entreabriu a boca.

— Temos talheres nessa casa! — resmungou, indignada.

— Agora é um hotel? — perguntei ao terminar de comer o bolo e, em


seguida, chupei dedo por dedo, sem tirar os olhos dela.

— Pare de me olhar assim... — seu rosto corou.

— Assim como?! — ergui as sobrancelhas.

— Como se fosse me devorar... — sua voz tremulou e ela engoliu em


seco.

— Não seria uma má ideia. — passei a língua nos lábios e os mordi


em seguida.

— Eu o mato antes que isso aconteça! — a mulher ralhou e,


automaticamente, gargalhei.

— Como um homem amaldiçoado, não posso ser morto. Eis uma das
vantagens dessa maldita prisão. — suspirei, passando o indicador sobre o
mármore da mesa. — Apesar do tempo, eu já saí do livro algumas muitas
vezes e isso me deixa atualizado. Segundo as minhas contas, você é a mulher
de número mil.

— Quê?

— A milésima a me invocar.

— E-E-Eu não te invoquei.

— Quando leu o livro, invocou, sim. — assenti com a cabeça.

— Pois agora eu quero te desinvocar! — bateu o pé, parecendo


incerta das próprias palavras.

— Maria, não é? — franzi a testa.

— Eu não te disse meu nome...

— É verdade. Estou falando com uma estranha. — balancei a cabeça.

— Você está na minha casa e a estranha sou eu? — ela entreabriu a


boca e eu confirmei com um aceno de cabeça. — Que absurdo!

— Preciso de roupas, moça sem nome.

— Já falei que isso aqui não é um hotel! — rosnou outra vez.

Espreguicei-me e abri a boca, em um bocejo. Ao centrar meus olhos


novamente nela, respirei fundo. Isso já estava ficando cansativo.

— Eu não tenho todo o tempo do mundo... — murmurei, caminhando


em sua direção.

— Não chegue mais perto. — avisou e quando segui me


aproximando, ela gritou pausadamente: — Eu disse para não chegar mais
perto!
Quando parei em sua frente, ela preparou-se para me acertar com a
enxada, mas segurei o cabo com uma das mãos e a desarmei. Sem pudor,
puxei-a pela cintura, colando seu abdômen ao meu.

— Socorro! Socorro! — gritou, debatendo-se em meus braços e,


quando viu que aquilo não a salvaria, voltou-se a mim. — Por favor, não me
machuque... — pediu, com os olhos começando a lacrimejar.

— E por qual razão eu lhe machucaria? — esbocei um pequeno


sorriso e segurei seu queixo, então, aproximei os meus lábios do seu rosto e o
lambi. Ao voltar-me a ela, percebi seus olhos arregalados, em total espanto.
— Agora, repita comigo, garotinha: Graves Wolf não é fruto da minha
cabeça.

— Graves Wolf não é fruto da minha cabeça... — repetiu e eu assenti


com a cabeça, soltando-a.

— Viu, não foi tão difícil, foi? — cruzei os braços e respirei fundo. —
Essa é a sua sina, mas não será longa. Eu costumo ser passageiro na vida das
pessoas.

A ficha finalmente caiu e, cambaleando, ela dirigiu-se até o sofá e se


sentou. Por longos segundos, esfregou o rosto, parecendo pensativa, então,
voltou-se a mim.

— Valentina. Eu me chamo Valentina.

— É um prazer conhecê-la, Valentina. — inclinei a cabeça de forma


cortês.

— Eu diria o mesmo, mas... — sacudiu a cabeça e levou as pontas


dos dedos as têmporas, esfregando-as. — Estou confusa com tudo isso.

— No começo é complicado, mas, com o passar dos dias, você se


acostuma. — Valentina tornou a me encarar e eu lhe joguei uma piscadela.

— Por qual motivo você está aqui?


— Sempre que há uma donzela em perigo, eu venho ao seu socorro.

— Não estou em perigo. — respondeu, franzindo a testa e, então,


desviou os olhos do meu. — Não mais...

Havia tristeza em sua voz.

— Bom, o livro nunca erra. — dei de ombros e sentei-me no sofá à


sua frente. — Se estou aqui, você corre perigo eminente.

— Depois de um cara bonitão sair dos meus livros, eu, sinceramente,


não duvido de mais nada... — ela murmurou, soltando um longo suspiro. —
Como eu te mando de volta?

— É preciso cumprir o ciclo.

— Que ciclo? — Valentina endireitou o corpo, parecendo interessada.

— O ciclo da sua história.

Percebi quando sua expressão mudou e ela engoliu em seco ao ouvir a


minha resposta.

— Que tipo de fera você é? — perguntou, um tanto receosa.

— Ah, você vai detestar essa parte. — uni os lábios e balancei a


cabeça.

— Não me conte! — ergueu uma das mãos e colocou-se de pé. —


Então é isso, eu “invoquei” um personagem do meu livro... — fez aspas com
as mãos, mirando-me de cima a baixo. — E agora, o tenho como hospede na
minha casa até que o tal ciclo seja completado?

— Isso mesmo.

— E depois?
— Ah, temos duas opções. — ilustrei com os dedos. — Se você
quebrar a maldição, pode ter uma recompensa e não pergunte qual é, pois
como nunca foi quebrada, não faço a menor ideia. E se não quebrar, são sete
anos de azar.

— Quê?! — piscou algumas vezes, um tanto indignada.

— É brincadeira. Se não quebrar, eu volto para o livro e fim da


história. Provavelmente, vou para as mãos de outra leitora.

— Menos mal... — respirou aliviada.

— E como eu quebro a sua maldição? — cruzou os braços, parecendo


interessada.

— E eu lá sei? — gargalhei. — Se soubesse, não estaria aqui.

— Muitíssimo educado. — Valentina uniu os lábios e afinou os olhos.


— Ok, como vai ficar aqui...

— Vai me deixar ficar? — esbocei um imenso sorriso e coloquei-me


de pé, automaticamente a toalha que estava em volta da minha cintura, caiu.

Os olhos de Valentina desceram de forma espontânea, parando no


meu cacete. Ela gaguejou algumas vezes e ergueu o rosto, centrando seus
olhos nos meus e, apesar da pele da sua face ter enrubescido, ela prosseguiu.

— V-V-Vou!

— E o que quer em troca? — passei a língua pelos lábios.

— Não faça isso... — disse, ofegante e, rapidamente, deu-me as


costas. — Vista-se, por favor.

— Não tenho roupas.


— O livro não pode te providenciar algumas?

— É um livro mágico, não um closet de fadas encantadas. — revirei


os olhos.

— Grosso!

— É o meu pau. — prontamente retruquei e Valentina, ainda de


costas, bateu os pés, cerrando os punhos.

— Mude esse linguajar!

— Não está acostumado com homens como eu?

— Desbocados? Mal-educados? Sem vergonhas? — enumerou com


os dedos e cuspiu sua constatação: — Não mesmo!

— Bom, esse sou eu e não vou mudar o meu jeito, assim como espero
que você não mude o seu. Gosto da combustão que você exala.

— Deus! Já estou arrependida. — marchou sem olhar para trás e


subiu as escadas.

— Ei, ainda preciso de roupas. — gritei, mas Valentina me ignorou.

Depois de alguns minutos, ela retornou com algumas peças femininas


e as jogou ao meu lado no sofá, cruzando os braços em seguida.

— Veja se algo te serve.

— Roupa de mulher?!

— É o que temos para agora. Vista-se com algo e vamos à cidade


comprar algo adequado para você. — cruzou os braços, batendo um dos pés
no chão, impaciente.

— Quer fazer de mim uma maricona?! — rosnei, afinando os olhos.


— Ótimo, vamos com você enrolado em uma toalha de mesa e
passaremos a noite na delegacia! — respondeu, um tanto irritada, emendado
cada uma das palavras.

— Nada aqui serve em mim. — resmunguei, mirando as peças.

— A calça legging estica. — apontou com o dedo. — Essa preta.

Encarei a calça e voltei-me a ela, arqueando uma das sobrancelhas.


Automaticamente, rosnei, de novo.

— Pare de fazer esse som... — ela sacudiu a cabeça. — Parece um


animal.

— Eu sou um animal. — bufei e voltei-me as peças de roupa. Após


coçar a cabeça e constatar que aquela era a única solução, perguntei sem
encará-la: — E a camisa?

— Qualquer uma que servir. — deu de ombros.

— Santo Arcanjo... — murmurei, admirando as duas peças que ela


havia escolhido. — Se mamãe fosse viva e me visse assim, morreria no
mesmo instante.

— Para de drama e se vista de uma vez. — revirou os olhos,


apressando-me.

Quando me coloquei de pé, Valentina deu-me as costas novamente.


Com dificuldade, vesti a maldita calça, que parecia me apertar todo, mas nada
se comparava as minhas bolas. Pareciam estar sendo espremidas, mas era
suportável. A camisa, batia acima do meu umbigo.

— Pronto.

Assim que se virou, Valentina arregalou os olhos e levou uma das


mãos a boca, contendo a risada.
— Se a senhorita debochar de mim, juro que a amarro pelos pés e,
literalmente, a mato de gargalhar com uma pena de ganso.

— Desculpa... — gargalhou, apontando uma das mãos em minha


direção. — É que é impossível não rir...

Explodiu em gargalhadas, me fazendo revirar os olhos. O surto de


alegria havia passado, exceto quando ela me encarava e, dava outros “tics” de
riso.

Quando entramos no carro, explicou-me pela terceira vez:

— Você é amigo do meu primo, Ronan, e está aqui para esfriar a


cabeça, pois se divorciou da esposa que o traiu, certo?

— Certo. — respondi, fazendo questão de deixar meu


descontentamento com a roupa estampado na cara.

— Ok, vamos lá.

Valentina deu partida no carro e fomos para a cidade, Araçatuba. Um


interior de duzentos mil habitantes no estado de São Paulo, vizinho do meu
estado natal, Minas Gerais. Apesar de movimentada, não havia nada de
fabuloso. Claro, o que seria fabuloso para quem já percorreu os quatro cantos
do mundo? De todo modo, soava familiar.

Como não soaria? A última vez em que meu livro foi aberto, fui parar
na Inglaterra.
04. Elas não vão acreditar...
POR VALENTINA

Ainda é difícil acreditar que o homem sentado ao meu lado, no banco


do carona, saiu de um livro. Contudo, contra fatos não há argumentos; Graves
Wolf não é fruto da minha imaginação. Ele está aqui e é de carne, osso e...

Melhor não pensar nisso!

Apesar da minha crise de risos ter passado, era inegável que Graves
estava mais que cômico. Ele era uma piada ambulante. Também pudera, um
homem de quase dois metros de altura, usando calça legging que bate nas
canelas e uma camisa que está acima do umbigo...

Quis rir novamente, mas ele rosnou para mim e eu encarei-o


rapidamente, afinando os olhos.

— Mania estranha... — segurei o volante com firmeza e foquei na


direção.

— Que tal me contar a sua história?

— Que história? — sacudi a cabeça sem entender.

— De vida.

— Ah... — balancei a cabeça e respirei fundo. — Não há nada de


interessante.

— Imagino que não, mas preciso saber de onde o perigo virá. — disse
sério e eu o encarei por alguns segundos e ele emendou: — Claro, se não
morrermos em um acidente de carro, afinal, você não tira os olhos de mim.

— Isso não é verdade! — ralhei, erguendo o queixo.


— Pode negar, mas, sim, é.

— Não, não é.

— Mulheres... — ele suspirou e virou o rosto para o lado.

— E qual a sua história? — perguntei depois de alguns segundos.

— Leia o livro.

— Grosso!

— É o meu pau.

O meu rosto enrubesceu automaticamente e um pico de irritação


acendeu dentro de mim. Por que diabos esse idiota tem que se referir ao pau
dele a cada hora? Ele acha que é um ator pornô e ganhou o prêmio de piroca
de ouro?!

Respirei fundo e guardei as ofensas que pensei em proferir para mim


mesma.

Não demorou muito para chegarmos à cidade. Segui para o centro e


parei em um estacionamento, próximo ao calçadão. Os rapazes do lugar, não
paravam de encarar Graves, entre cochichos e risadas.

Ao ouvi-lo rosnar, dei-lhe um soco de leve no ombro.

— Comporte-se!

— Eu não fiz nada, ainda... — resmungou, mirando os homens que


caçoavam dele.

— Anda, vamos as compras.

— Por acaso, você teria um par de óculos aí? — mirou-me com um


sorrisinho de canto.

— Ah, agora você está com vergonha? — cruzei os braços e uni os


lábios, contendo uma gargalhada. — Lá em casa, quando você estava nu, sua
expressão era de pura tranquilidade.

— De fato. — ele assentiu com a cabeça e justificou o pedido. — Eu


só não quero ter que matar alguém por tirar com a minha cara. — disse em
tom sério e eu arregalei os olhos. — Brincadeira.

— Tá, eu tenho um aqui. — respirei aliviada.

Depois de vasculhar a bolsa, encontrei o bendito óculos e lhe


entreguei.

— Obrigado. — ele mostrou os dentes e os colocou na cara.

E foi quando, pela primeira vez, notei o quanto suas presas eram
grandes. Pareciam afiadas para serem cravadas na carne de alguém e...

Um arrepio desconfortável subiu pelo meu corpo e eu sacudi a


cabeça, afastando aquela ideia, que trazia à minha mente a resposta imediata:
a fera.

Descemos do carro e seguimos pela calçada. Era inevitável não atrair


olhares de todas as direções. Graves, parecia não se incomodar muito, até que
um cara soltou um:

— ... maricona!

— O que foi que você disse, verme? — ele trovejou, apontando o


dedo em direção a um homem, do outro lado da rua. — Passe para o lado de
cá e eu vou te ensinar quem é a maricona! — chamou-o com uma das mãos,
pronto para a briga.

— Pare com isso. — pedi e ele me encarou e encarou o cara, que


continuou usando termos chulos para provocá-lo.
— Se eu for até aí, vou socar a mão no seu rabo e puxar o seu
estomago para fora até te virar do avesso. — ameaçou, parecendo furioso.

Estapeei a minha testa e o peguei pelo braço.

— Vamos!

— Eu ainda não terminei com ele... — resmungou, enquanto eu o


puxava.

— Nem vai.

— Ele me ofendeu. — tentou argumentar, mirando-me com a testa


franzida. Nitidamente, indignado.

— E você está chamando a atenção de todos da rua.

— Ah, claro, como se eu precisasse dizer algo para chamar a atenção.


Eu sou quase uma “ursa bailarina” de circo. — resmungou e eu uni os lábios
para não rir.

— Já estamos chegando à loja. — disse, tentando conter o riso.

Graves respirou fundo e assentiu com a cabeça.

— Ok, mas se eu o ver de novo, o mato.

— Você não vai matar ninguém! Eu não quero ser presa como sua
cúmplice.

— É só ficar de longe, observando... — ele esboçou um sorriso


medonho no rosto, como se estivesse imaginando algo terrível. — Vai ser
maravilhoso e...

— Você está hospedado na minha casa e como eu iria explicar para a


polícia quem é você? Nada de mortes! — findei o assunto.
— Ok, ok. — revirou os olhos.

Ao chegarmos à loja, entrei. A moça rapidamente veio ao meu


encontro com um imenso sorriso.

— Bom dia, no que posso... — entreabriu a boca e quando olhei para


o lado, seus olhos haviam pousado em Graves. — Ajudar? — forçou um
sorriso, evidentemente, querendo explodir em gaitadas.

— Vamos vestir esse moço de forma correta. — toquei o ombro de


Graves, que cruzou os braços e virou o rosto para o lado.

— Acompanhem-me.

O interior da loja era agradável. Tinha um ar requintado e luxuoso.


Quando eu era casada e dava algo ao meu ex-marido, era aqui que eu vinha
fazer compras.

— Alguma preferência, s-s-senhor? — ela gaguejou e quando mirei


seu rosto, notei que seus olhos estavam fixos em um ponto.

Meu Deus!

A crise de riso havia me impedido de ver como o volume dele ficava


ainda maior com a calça legging. Estava praticamente desenhado.

— Qualquer coisa decente. — ele soprou um pouco de ar e passou as


mãos pelos cabelos, prendendo-os com um nó.

— Certo. — a mulher engoliu em seco e nos deu as costas.

— .... fazendo sucesso. — dei de ombros, cruzando os braços.

— Já era esperado. — disse como se aquilo não fosse nada e eu mirei-


o, com uma das sobrancelhas arqueadas. — Eu só disse a verdade.
— Quanta arrogância!

— Já fui pior. Acredite. — ele balançou a cabeça.

— Não quero nem imaginar... — sentei-me em uma das poltronas e


cruzei as pernas.

— Vai ficar sentada aí?

— A mocinha precisa de companhia? — afinei os olhos, provocando-


o e Graves, automaticamente, rosnou para mim.

— E se alguma delas me atacar?

— Ora, ora... — levantei-me, com um sorriso satisfatório no rosto. —


Lá fora você estava todo valentão, mas, aqui, está com medo de ser atacado
por um bando de mulheres? — passei os olhos pelo local e as moças do
balcão seguiam encarando-o.

— Você é uma mulher má. — ele afinou os olhos e eu balancei a


cabeça.

— Está tentando me fazer ciúmes? — franzi a testa, indo direto ao


ponto de encontro com o seu jogo.

— Talvez. — jogou-me uma piscadela.

— Vai ter que fazer melhor.

— Tudo bem. — deu de ombros e retirou a camisa, deixando o


peitoral a mostra.

De longe, ouvi as moças do balcão soltarem um suspiro. Graves


voltou-se a mim com um sorriso sabichão e eu sacudi a cabeça, unindo os
lábios.

— Quantos anos você tem mesmo?


— Teoricamente ou a minha idade real?

— A real.

— Setenta e oito. — pisquei algumas vezes. — Estou preso naquele


maldito livro há quarenta anos.

— Então... você foi amaldiçoado quando tinha trinta e oito?

Ele bateu palmas e cruzou os braços em seguida.

— Ela sabe fazer conta. — usou um tom debochado que me causou


irritação instantânea.

— Idiota!

Sentei-me novamente na poltrona e o observei acompanhar a


vendedora que havia retornado, com várias peças nas mãos. Mantive meus
olhos nos dois, de longe.

Aproveitei que ele parecia muito à vontade com a moça e mandei


mensagem no grupo das meninas:

“Preciso contar algo a vocês. URGENTE! Meio-dia na casa da


Miranda?”, enviei a mensagem e guardei o celular.

Depois de longos minutos que findaram a minha paciência, levantei-


me. Ao me aproximar, deparei-me com o bom papo dos dois.

— Então, o senhor é solteiro? — ela perguntou, com os dentes


“arreganhados”.

— Sou. — Graves respondeu de dentro do provador.

— É mesmo, meu amor? — ergui o tom de voz e quando a vendedora


se voltou a mim, parecia uma folha de papel em branco.
— Agora eu sou seu? — Graves enfiou o rosto para fora da cortina do
provador, com um sorriso de ponta a ponta.

— É, sim, afinal, estava no meu livro! — resmunguei, cruzando os


braços.

— Tudo bem. — deu de ombros e escondeu-se atrás das cortinas.

— Senhora, eu não sabia... — a vendedora começou a se explicar.

— Não se preocupe, eu já descobri que ele é um canalha formado. —


assenti com a cabeça. — Está tudo bem. — minimizei o acontecido com um
breve aceno de mãos.

Depois de provar várias roupas, Graves finalmente saiu do provador,


vestido feito gente. E eu só tinha uma coisa a dizer:

— Uau! — respirei fundo, mirando-o dos pés a cabeça.

O homem dos meus livros era, realmente, extremamente belo e


sedutor. Aquela camisa social branca de botões pretos, dobrada até os bíceps,
combinava perfeitamente com a calça jeans escura. E os cabelos amarrados,
lhe davam um charme tão selvagem que...

— O senhor está... — a vendedora freou as palavras e me encarou,


depois o encarou. — Muito elegante.

— A senhorita queria dizer bonito, certo? — Graves esboçou um


sorriso de canto e a vendedora corou.

— É, todo mundo sabe que você é bonito. Agora vamos pagar a conta
e ir embora. — resmunguei, revirando os olhos.

Quando saímos da loja, seguimos sem pressa pelo calçadão. Graves


mirava de forma curiosa, tudo ao seu redor, parecendo estar procurando por
algo.
— O que foi? — puxei assunto.

— Não mudou muito. Em que ano estamos?

— Dois mil e vinte.

— É, minhas contas estavam corretas. — deu de ombros. — Para


onde vamos agora? — parou do nada e enfiou as mãos nos bolsos, pousando
os olhos em mim de forma intensa.

Simplesmente, engoli em seco.

— E-E-Eu acho que para casa.

— Acha? — ele ergueu as sobrancelhas e gargalhou. — Que péssima


anfitriã você é. Uma cidade enorme como essa e você quer me trancar na sua
casa? — fez um som com os lábios que me fez socar seu peito.

— Au!

— Não reclame, você disse que é imortal.

— Isso não significa que eu não sinto dor. — disse como se fosse
óbvio.

— Tá, tá! — acenei com uma das mãos.

— Vou te apresentar para algumas amigas, ok?

— Suruba? — mordeu os lábios, mais que empolgado e eu o


repreendi com o olhar. — Foi só uma brincadeira... — defendeu-se.

— Vamos! — apressei o passo e ele me acompanhou.

Eu não era uma péssima anfitriã...


Enquanto a hora do almoço não chegava, fomos rodar pelas lojas do
centro. E, acabei notando algo de peculiar em Graves. Ela adorava cachorros.
Tipo, muito. Estávamos na porta do petshop a mais de trinta minutos.

— Quem é a gracinha do lobão? Quem é? — ele segurava um dos


muitos filhotes à venda — um labrador preto —, que abanava o rabo,
enquanto lambia seu rosto.

Confesso que, pela primeira vez, em poucas horas que havíamos nos
“conhecido”, o achei extremamente fofo. O tom de voz era gentil, a
expressão de alegria em seu rosto era palpável e o carinho pelo animalzinho,
transbordava.

— Não podemos levar um? — ele mirou-me, com um olhar pidão.

— Sério?! — tombei a cabeça para trás, lembrando-me de que


animais geram responsabilidade. Não é que eu não gostasse, mas eu não tinha
tempo. — Sério mesmo?

— Olha a carinha dela. — virou o filhote em minha direção e colocou


o rosto ao lado do pet, sorrindo. — E então? — mexeu as sobrancelhas.

— Tá bom, mas é você quem vai cuidar.

— Obrigado. — subitamente, Graves se aproximou e beijou meu


rosto, fazendo-me incendiar inteira.

Eu havia entrado no modo panela de pressão. O meu centro feminino


assoviava e minha cabeça girava, ao ponto de eu ficar tonta, sem sair do
lugar.

Depois de pagarmos pelo pet, seguimos em direção ao


estacionamento. Ao pegar o celular, vi as notificações no grupo das meninas.

“Combinado!”.
“Estou curiosa”.
Elas não vão acreditar... Pensei comigo mesma, imaginando quando
contasse a elas como Graves Wolf apareceu na minha casa.
05. “... o divórcio veio junto”.
POR VALENTINA

Fizemos uma parada rápida em uma lanchonete do calçadão e, dada a


hora, seguimos para a casa de Miranda. A empregada nos recebeu e
entramos. Assim que cheguei aos fundos, elas abriram um sorriso, parecendo
empolgadas com a fofoca do dia, mas, a expressão em seus rostos, mudou
quando Graves surgiu ao meu lado.

Era uma misto de surpresa, espanto e desejo. Sim, eu consigo


entendê-las perfeitamente.

— Não vai apresentar o seu amigo, Val? — Miranda mordeu os lábios


e passou olhos por Graves, como se fosse comê-lo.

— É, não vai, Val? — Ariana abriu o leque que carregava consigo e


começou a se abanar.

— Que mulheres estranhas... — Graves murmurou, sem parar de


acariciar a cabeça do pet, que inclusive, já havia ganhado nome: pantera.

— C-C-Claro... — a reação delas me pegou desprevenida. — Esse é


Graves Wolf. — apontei para ele e me voltei a elas, apresentando-os. —
Aquela é Miranda e aquela outra é a Ariana. As minhas melhores amigas. —
apontei com os dedos.

— Prazer, Graves. — disseram em coro.

— O prazer é meu. — ele assentiu com a cabeça e mirou-me. —


Pantera está com sede.

— Tem água na cozinha. — respondi, apontando o caminho com uma


das mãos.
Assim que Graves entrou na residência, voltei-me a elas, que abriram
a boca, exibindo as mais diversas expressões possíveis.

— Uau! — Miranda estapeou a mesa.

— Uau mesmo! — Ariana aumentou a velocidade do leque. —


Quando você disse que iria vir, não imaginei que traria o divórcio junto.

— Se tivesse dito, eu teria me vestido de noiva. — Miranda emendou.

Quis manter a seriedade, mas diante dos comentários, foi impossível


não explodir em risos contagiantes. Não demorei para me sentar e respirei
fundo.

— Nem eu sabia que o teria em casa. — sacudi a cabeça, analisando


em como começar aquilo.

— Como assim? — Miranda franziu a testa e cruzou as pernas. Em


seguida, entreabriu a boca e encarou Ariana, voltando-se a mim. — Não... —
sacudiu a cabeça. — Não me diga que ele é um garoto de programa? — levou
uma das mãos a boca. — Já quero o contato.

— Queremos! — Ariana esbarrou o ombro no dela e elas trocaram


um olhar sacana.

— Não, ele não é um garoto de programa. — uni os lábios e sacudi a


cabeça.

Um pouco nervosa, esfreguei as mãos, pensando em como contar que


aquele homão que elas haviam acabado de ver, saiu de um livro amaldiçoado.

Bom, se elas não acreditarem em mim, ninguém mais vai, não é?

Apoiei os cotovelos sobre a mesa e levei o rosto para frente.


Automaticamente, elas fizeram o mesmo. Trocamos, as três, um olhar tenso
por alguns segundos. Enchi os pulmões de ar e comecei:
— Provavelmente, vocês não vão acreditar em mim, mas... — engoli
em seco. — Esse homem, Graves Wolf, saiu de um livro que eu encontrei em
uma livraria. Ele veio com uma história de que eu estou correndo perigo e
que, por essa razão, o livro me escolheu e agora irá me proteger. E, também,
tem um bagulho sinistro sobre ele ser uma fera em noites de lua cheia...

Minha voz travou quando as duas explodiram em gargalhadas. Ariana


ria tanto que chegou a cair da cadeira e, na queda, puxou Miranda, que caiu
junto com ela. Depois de alguns segundos, ambas se levantaram, com os
olhos lacrimejando, enquanto eu as mirava sem reação.

— Isso é o quê? Uma espécie de RPG adulto? — Miranda enxugou as


lágrimas com as mãos e sentou-se.

— Eu quero jogar! — Ariana disparou, servindo-se um pouco da água


da jarra que estava sobre a mesa.

— Ah... — forcei um sorriso, sem saber como proceder. — É, acho


que é isso mesmo. — dei de ombros, sentindo o meu rosto enrubescer.

— Certo. — Miranda respirou fundo. — Então, no jogo ele vira uma


fera em noites de lua cheia? — assenti com a cabeça. — Bom, na literatura,
só há um. — voltou-se a Ariana que balançou a cabeça.

— Lobisomem. — ela prontamente respondeu, me fazendo arrepiar


dos pés a cabeça.

Quando Graves fez o comentário sobre ser uma fera em noites de lua
cheia, isso me veio a mente, mas eu estava tão focada em entender como um
homem poderia sair dos livros, que ignorei o fato, mas, agora...

E se ele for mesmo um lobisomem?

— E nesse caso... — Ariana prosseguiu, lançando um sorriso sacana


na direção de Miranda, antes de me encarar novamente. — Você é a
chapeuzinho vermelho.
— Eu?! — apontei para mim mesma, negando com a cabeça.

— Que olhos grandes você tem... — Miranda engrossou a voz.

— É pra te ver melhor. — Ariana respondeu, aos risos e entrou na


brincadeira. — Que nariz grande você tem?

— É para sentir teu aroma. Que boca grande você tem... — Miranda
usou uma voz sexy, fazendo um beicinho.

— É para te comer! — Ariana respondeu e ambas foram aos risos.

Sem saber como reagir, engoli em seco e forcei uma risada, fingindo
estar adorando a brincadeira, mas, no fundo, se aquilo fosse realmente
verdade, eu estava em apuros.

Um lobisomem? Na minha casa?!

— Val? Val?

— Oi. — voltei-me a elas, abandonando as preocupações.

— Ela estava pensando nele. — Ariana abriu a bolsa e retirou um


cigarro, acendendo-o. — Agora que já rimos muito, nos conte a verdade,
onde o conheceu?

— É, queremos saber de onde o Tarzan saiu. — Miranda cruzou os


braços e acenou com a cabeça.

— Ah... — já que a primeira tática não funcionou, vamos ao plano


padrão. — Graves é amigo de um primo. Ele se divorciou recentemente e
veio para cá, esfriar a cabeça.

— Então o bonitão está solteiro? — Miranda mordeu os lábios.

— Você é casada, amiga. — revirei os olhos.


— Fale baixo. — ela disse baixinho, em tom de repreensão. — Ele
não sabe.

Contive um sorriso e sacudi a cabeça.

— Como diz o ditado: o que os olhos não veem, o coração não sente.
— Ariana gesticulou com uma das mãos, erguendo a taça com água.

— Vagabas! — disparei em tom bem humorado e explodimos em


risos.

Depois de muita gargalhada e uma vã tentativa em compartilhar com


elas a coisa mais estranha que já aconteceu em minha vida, a preocupação
rodeou a mesa de conversa.

— Juca já viu você com ele?

Dei de ombros e ela se entreolharam.

— Seu ex-marido é um psicopata. — o tom de Miranda mudou.


Trazia seriedade e preocupação. — Só Deus sabe qual seria a reação dele.

— Ele já está com outras mulheres...

— Não é assim que funciona. — Ariana contestou, gesticulando com


as mãos. — Ele é um homem de posses e te vê como uma dessas posses. Por
mais que já tenha alguns meses, Juca ainda acha que é seu “dono”. — fez
aspas com as mãos.

— Há uma ordem judicial que o impede de chegar próximo de mim


e...

— Valentina. — Miranda pousou a mão sobre a minha e mirou-me


nos olhos. — Todos os dias a televisão mostra que nem sempre funciona, por
isso, tome cuidado.

Ariana engoliu em seco e permaneceu em silêncio.


— Vou tomar. — respirei fundo e, tentando sair um pouco do clímax
que havia envolvido a mesa, lembrei-as. — E, não estou sozinha, ele está
dormindo lá em casa.

Os gritos de empolgação retornaram e Graves Wolf, voltou a ser o


tema da roda de conversa, mas, não por muito tempo, afinal, quando o
assunto chega, o diálogo cessa.

— Vocês parecem bastante empolgadas. — ele comentou, parando ao


meu lado.

— Estamos. — elas responderam em coro.

— E o que está deixando as senhoritas tão excitadas? — a voz


masculina reverberou.

— Ah... — Miranda levou uma das mãos ao rosto.

— Eu acho que... — Ariana uniu os lábios e desviou os olhos da


direção dele.

— Coisas de mulheres. — pontuei.

— Entendo. — Graves sacudiu a cabeça, exibindo um pequeno


sorriso e, por fim, pousou os olhos cinzentos em mim. — Estou cansado e,
também, preciso de um banho.

— Ok. — assenti com a cabeça e me levantei. — Bom, já vamos


indo, meninas. — acenei com uma das mãos.

— Tão cedo? — Miranda ergueu as sobrancelhas.

— É, ele precisa descansar. — dei de ombros.

— Achei que ele fosse comer a gente. — Ariana enrolou-se com as


palavras e, automaticamente, ficou da cor de um pimentão, corrigindo-se: —
... comer com a gente.

— Não seria uma má ideia. — ele disse de imediato e respirou fundo.


— Contudo, fica para outro dia. — jogou-lhes uma piscadela e eu soquei seu
ombro.

— Au! — soltou um gemido e, em seguida, mordeu os lábios.

— Continue engraçadinho e vou acertar um lugar cuja dor será dez


vezes maior. — disse entredentes e acenei novamente para as minhas amigas.
— Até mais!

— Até. — responderam em coro, despedindo-se de nós.

Quando entramos no carro, ele se sentou, despreocupado, brincando


com a cachorrinha. Liguei o carro e o imitei:

— ... não seria uma má ideia. — torci a boca e acelerei.

— Está com ciúmes? — senti seus olhos em mim, mas não o encarei.

— Eu? Com ciúmes de você? — forcei uma gargalhada. — O que te


faz pensar isso?

— Gostei das suas amigas. Inclusive, acho interessante a ideia de


você me emprestar a elas...

— Nem por um caralho! — ralhei, freando o carro bruscamente e o


encarei, afinando os olhos.

— Tudo bem. — ele mordeu os lábios e sacudiu a cabeça. — E, antes


que eu me esqueça, tente não se matar enquanto dirige.

— Eu já te disse que hoje você está insuportável? — passei a marcha


e acelerei outra vez, sacudindo a cabeça.

— Disse agora. Obrigado. Aliás, o “hoje” é o nosso primeiro dia


juntos. Espero manter o ritmo. — provocou-me, mordendo os lábios.

Segurei o volante com mais força, furiosa. Se eu não estivesse


dirigindo, teria lhe dado outro soco.

Graves Wolf é um egomaníaco de carteirinha. O pior de tudo é que


não dá para negar que todo essa segurança tem sustentação sólida, mas, ainda
assim, odeio quando ele fica se achando!

Ao chegar em casa, entramos. Graves foi dar banho na cachorra e eu


subi até o meu quarto, para pegar o livro do predador. Em seguida, desci e
sentei-me em uma cadeira de balanço, na área da frente.

Eu sabia que precisava ler mais, para entender o que estava


acontecendo.

— Quem é esse cara que está na sua casa? — mal abri o livro e a voz
de Juca ecou, fazendo o meu coração se acelerar. Ao erguer o rosto, o vi em
minha frente, a poucos passos de distância.

O meu ex-marido, continuava bem-apessoado; usando uma jeans


clara, com uma enorme fivela e uma camisa social branca. A barba seguia
rala e os cabelos charmosamente grisalhos e curtos. Dono de olhos negros,
Juca sempre teve um corpo malhado, afinal, além de amante das mulheres,
também, era dos esportes.

— O que você está fazendo aqui? — coloquei-me de pé, me


abraçando ao livro, enquanto sentia as minhas pernas tremerem.

— Responda a minha pergunta! — Juca afinou os olhos, erguendo o


tom de voz.

— I-I-Isso não é da sua conta. — minha voz tremulou e eu apontei em


direção a saída. — Retire-se da minha propriedade.

Esboçando um sorriso de canto, Juca abaixou a cabeça e levou ambas


as mãos a cintura, então, caminhou em minha direção, fazendo o solado da
sua bota ecoar a cada passo. E, quando parou em minha frente, fez menção de
tocar meu rosto, mas recuou.

— Escute aqui, vagabunda: — disse, trazendo uma raiva surreal em


sua voz. — Você não vai torrar o meu dinheiro com os seus machos,
entendeu? Se eu tiver que te matar para garantir que isso não aconteça, o farei
sem pensar duas vezes.

Os meus olhos lacrimejaram e eu fiquei sem reação. Eu havia travado.


Como não? A falsa segurança havia caído por terra e, eu estava ali, refém dos
seus abusos verbais.

— Vá embora! — gritei.

— Diga-me quem é ele.

— Você é surdo? — a voz de Graves ecoou e quando girei a cabeça


para o lado, o vi, com uma expressão séria.

— Quem é você? — Juca cruzou os braços e o encarou.

Graves caminhou em sua direção e Juca levou uma das mãos a


cintura, sacando uma pistola, mas aquilo não o intimidou. Ao parar em sua
frente, ele respondeu.

— Isso não é da sua conta.

— Esse rancho é meu, então, sim, é da minha conta. — Juca ralhou,


balançou a pistola apontada para o rosto de Graves, que esboçou um sorriso
de canto. — Do que está rindo? Quer morrer, filho da puta?! — ralhou, me
fazendo tremer ainda mais.

Aconteceu tudo muito rápido. Quando vi, Graves havia erguido Juca
pelo pescoço com uma das mãos. Os seus olhos estavam diferentes;
tornaram-se vividos e brilhantes.

— Dê-me uma única razão para eu não rasgar a sua garganta com os
dentes? — rosnou, furioso.

Juca não teve outra opção e soltou a arma, para tentar se livrar da mão
que o sufocava, enquanto ele se debatia.

— Solte ele, por favor. — segurei em seu braço. — Por favor. —


implorei, abraçando-o.

E, atendendo ao meu pedido, Graves o empurrou para trás, jogando-o


na terra. Depois de dar duas piruetas e se sujar inteiro, Juca tossiu algumas
vezes e massageou a garganta. Quando se levantou, sacou outra pistola da
cintura e apontou em nossa direção.

— Eu vou matar os dois! — gritou enraivecido e disparou várias


vezes.

Abaixei-me e levei as mãos as orelhas, mas Graves ficou parado, em


minha frente. Quando os tiros cessaram, a voz de Juca ecoou, trêmula.

— O-O-O que você é?

O som dos passos de Graves eram pesados, trazendo consigo um leve


tremor, enquanto ele caminhava na direção do meu ex-marido.

— Você não vai querer descobrir. — parou na frente de Juca e lhe deu
um soco de direita, derrubando-o. — Aproxime-se dela novamente ou a
ofenda e eu vou te desmembrar vivo. Será um prazer te eliminar.

Juca levantou-se ainda zonzo, mantendo uma das mãos no rosto e


correu em direção a saída do rancho. Quando ele sumiu, Graves girou o corpo
em minha direção e aproximou-se em passos lentos. Sem dizer nada, me
pegou no colo e levou para dentro.

Abracei-o com força e escondi meu rosto em seu pescoço. Eu ainda


estava em choque com toda aquela situação: Juca vindo me ameaçar. Graves
andando como se não tivesse acabado de levar meia dúzia de tiros. As minhas
amigas prevendo a inevitável reação do meu ex-marido.
Tudo estava acontecendo, ao mesmo tempo. Rápido demais para que
eu pudesse acompanhar...
06. Juca é o perigo!
POR GRAVES WOLF

— Quem é a princesa do papai? Quem é? — perguntei a pantera,


enquanto ela abanava o rabinho, em meio ao banho. — É você! — disse,
como se ela pudesse me entender.

Por alguma razão, gosto mais dos animais do que das pessoas. Em
particular, os cachorros sempre foram os meus preferidos. São fiéis, honestos
e carinhosos.

Antes mesmo de ser preso nos livros, eu já era amante dos bichos.
Lembro-me de uma vez que dei um tiro no traseiro de um cara que estava
maltratando uma égua. O animal estava cansado, puxando um maquinário
pesado e ele sapecava seu lombo com o chicote, sem dó.

Depois do estímulo, ele se convenceu de que era melhor me vender o


animal. Comprei a égua e a chamei de Liberdade, pois, daquele dia em
diante, ela jamais sentiria o peso de um chicote em suas costas.

Bons tempos...

Ao terminar o banho da pantera, enxuguei-a com uma das toalhas


disponíveis no varal e a levei para dentro. Coloquei-a toda enrolada no sofá e
precipitei-me em direção a cozinha, mas, meu corpo travou subitamente.

O cheiro no ar havia mudado. Os pelos da minha nuca se arrepiaram e


eu funguei algumas vezes.

Perigo!

Segui o aroma e quando me aproximei da varanda da frente, ouvi


Valentina pedir para alguém ir embora. A sua voz, em desespero, trazia medo
e aflição. Ao me aproximar um pouco mais, vi um homem estranho e, quando
meus olhos pousaram nele, eu tive a certeza de que ele era a razão de eu estar
ali.

Uma raiva incontida brotou dentro de mim e a fúria da fera interior


me cegou. Dali em diante, eu não vi mais nada. Ao longo dos anos, isso se
tornou comum. Sempre que o lobo assumia o controle, não era eu, era a fera.

Quando voltei a mim, eu estava com Valentina nos braços, subindo as


escadas. O choro baixo e o coração ainda acelerado, me faziam abraçá-la ao
meu corpo, para que ela se sentisse protegida, afinal, essa era a minha função
ali; protegê-la.

Ao entrar em seu quarto, sentei-a na cama e ajoelhei-me em sua


frente, tomando suas mãos junto as minhas.

— Valentina? Valentina? — chamei algumas vezes, até que ela


centrou os olhos em mim. — Estou aqui, ao seu lado. Está tudo bem agora.

Ela apenas assentiu com a cabeça e uniu os lábios, segurando as


muitas lágrimas que ainda ameaçavam cair.

— Vou preparar um banho para você. — disse, apressando-me até a


suíte.

Enchi a banheira com água quente e, depois de constatar que a


temperatura e a quantidade estavam no ponto ideal, retornei ao quarto.
Quando parei em sua frente, ela mirou-me novamente e centrou os olhos na
minha camiseta.

— Os tiros... — murmurou, levando uma das mãos até mim, tocando


os furos no tecido. — Você tomou vários tiros e...

— Um homem amaldiçoado, lembra? — ao tombar a cabeça para o


lado, esbocei um sorriso gentil.

— É, eu me lembro. — Valentina assentiu com a cabeça, esboçando


um sorriso frustrado. — Ainda estou assimilando o fato de um homem
imortal ter saído de um dos meus livros.

— É, demora um pouco. — fiz uma careta e ofereci uma das mãos a


ela. — Vamos tomar banho, mocinha?

Valentina respirou fundo e pegou em minha mão. A conduzi até a


suíte. Então, ela subitamente parou e me encarou por alguns segundos. Sem
pressa, ajudei-a a se despir, deixando-a apenas de sutiã e calcinha e, por mais
que o desejo despertasse instantaneamente, o homem em mim, também era
um lobo e assim como o lobo, eu entendia que os momentos de uma mulher,
eram como as fases da lua; mudavam constantemente.

Ajudei-a a entrar na banheira e, depois de longos minutos em silêncio,


sentado na beirada, ela puxou assunto.

— Você deve ter ficado frustrado...

— Pelo quê? — encarei-a e ela abaixou a cabeça.

— Não sou a mulher perfeita, dos livros. — respirou fundo.

— Não, não é. — concordei. — Contudo, também nunca conheci uma


que fosse. — a resposta quase que imediata, lhe arrancou um sorriso tímido.

— Tamanha sinceridade me deixa aliviada. — ela usou um tom


brincalhão. — Saber que você deixou a sua história por tudo isso... —
apontou para si mesma. — é confortante.

— O livro escolhe quem eu devo proteger e você é a escolhida. —


balancei a cabeça positivamente. — A milésima. — repeti entre murmúrios.

Quantas mais virão? Até quando seguirei nessa sina? Não é que seja
ruim. Eu realmente me sinto bem em ajudar todas as mulheres que surgem no
meu caminho, mas, chega um momento, em que eu gostaria de ter um lugar
para ficar e, talvez, alguém para acordar todos os dias ao meu lado.

Cada vez que saio do livro, isso me soa tão distante, ao ponto de essa
ideia não passar de uma mera fantasia. Ambição demais, até mesmo para
mim, Graves Wolf.

— Já se apaixonou? — a pergunta me pegou desprevenido e eu travei


entre as palavras, boquiaberto. Valentina riu e sacudiu a cabeça. — Isso é um
“sim”?

— É...

— Como ela era?

— Há muitos anos, quando eu era adolescente, conheci uma garota,


mas não deu certo. O pai era contra a nossa relação e, um belo dia, ela sumiu.
— mirei os meus sapatos e respirei fundo. — Talvez, por isso eu tenha me
tornado tão amargurado.

— Ah, não diga isso! — ergui o rosto, encarando a expressão otimista


de Valentina. — Você tem senso de humor.

— Sério?! — arqueei uma das sobrancelhas.

— Sim!

— Bom saber. — bati a mão na água, jogando-a em seu rosto.

Valentina entreabriu a boca e afinou os olhos. Em seguida, jogou água


em mim, me fazendo saltar da beirada da banheira.

— Quase! — disse sorridente.

— Você não vai fugir. — ela jogou água novamente, dessa vez, me
acertando.

— Desse jeito, vou ter que entrar na banheira também. — sugeri. Seu
rosto corou imediatamente e, Valentina, afundou aos poucos na banheira,
deixando apenas os olhos de fora. — Eu não mordo... com força. — joguei-
lhe uma piscadela.
Um fato interessante sobre mim é que todos os meus sentidos foram
aguçados: audição, visão, tato, olfato e paladar. Provavelmente, se deve ao
fato do que me tornei. E, por essa razão, eu conseguia ouvir o coração de
Valentina palpitar sem parar.

— Pode pegar a toalha para mim, por favor? — ela pediu,


interrompendo os pensamentos lascivos que emergiam no meu subconsciente.

— Claro. — estiquei o braço até a porta e peguei a toalha pendurada


no suporte, em seguida, entreguei a ela e, antes que ela pedisse, dei-lhe as
costas, mantendo-me de braços cruzados.

— Eu já estou bem.

— O que me garante isso? — perguntei sem olhar para trás,


mantendo-me imóvel. — Enrole-se e eu a deixarei na cama.

— Não, não precisa.

— Isso não foi uma pergunta.

Sem dizer nada, ouvi quando ela deixou a banheira. Assim que me
virei em sua direção, meu rosto parou a poucos centímetros de distância dos
seus e, quando nossos olhos se encontraram, vi suas pupilas dilatarem e ouvi
seus batimentos cardíacos ficarem cada vez mais altos em minhas orelhas,
como tambores batendo, anunciando o prelúdio do ritual de acasalamento.

— Quer ir no colo? — perguntei entre sussurros e Valentina sacudiu


positivamente com a cabeça.

Sem demora, peguei-a, sentindo seus braços envolverem o meu


pescoço. Segui para o quarto, mantendo meus olhos nos dela e ela nos meus.

Aconteceu de forma automática. Nossos lábios se tocaram,


conhecendo-se. Em seguida, envolvemo-nos em um beijo descompassado,
como se estivéssemos descobrindo um ao outro. O seu sabor era doce, como
o mel.

Durou alguns segundos, até que ela se afastou e saltou dos meus
braços para a cama. Ri sozinho e mordi os lábios, mirando-a de costas para
mim.

— Vou sair para que você se troque.

— O-O-Obrigada...

Eu não precisava ver seu rosto para ter absoluta certeza de que ele
estava completamente avermelhado.

POR VALENTINA

Quando Graves deixou o quarto, soltei a respiração, repreendendo a


mim mesma em pensamento:

Não! Você não pode, Valentina!

O meu corpo estava completamente aceso. Era como se ele fosse a


gasolina e eu o fogo. Sim, havia atração. Como não haveria? Ele é um
homem muito atraente, mas, depois do que aconteceu hoje, essa atração
tornou-se algo maior. É como se ele estivesse me chamando e eu, mesmo que
involuntariamente, estava atendendo ao seu chamado.

A única coisa que se passava pela minha cabeça era que sensatez não
cabia ali. Quer dizer, por qual motivo pensar que ele pode simplesmente
entrar no livro e nunca mais volta? Não é?

Não vou me envolver e ponto final!

Após o jantar, fomos dormir. Não era bem o que eu imaginava, mas...

— Comigo? Na minha cama? — afinei os olhos, mirando-o apenas de


bermuda, com o peitoral sexy a mostra, segurando um travesseiro com uma
mão e pantera com a outra. — E a cachorra junto? Sério?! — ergui as
sobrancelhas e cruzei os braços.

— Não gosto de dormir sozinho. — deu de ombros e aproximou-se,


sentado do outro lado da cama. — E a pantera está limpinha. — defendeu-a,
dando-lhe um beijinho na testa. — Eu dei banho nela assim que chegamos.

E como se o assunto estivesse resolvido, Graves deitou-se de lado na


minha cama, virado para mim. Depois de aconchegar a cabeça no travesseiro,
ele colocou a cachorrinha ao seu lado.

— Filhotes mijam na cama. — argumentei.

— É sinal de que eles gostam do dono. — retrucou de imediato e


lançou-me um olhar malicioso. — Eu também mijaria em você.

— Dispenso. — fiz uma careta, gesticulando com uma das mãos.

— Boa noite. — fechou os olhos, mantendo o sorriso no rosto.

— Boa noite... — respirei fundo e o mirei por longos segundos.

Algumas mechas de cabelos caídas sobre o rosto e o corpo, quase que


esculpido por uma artista, parcialmente a mostra. Haviam tantos gomos em
sua barriga que eu não conseguiria contar. Estranhamente, pantera já havia
caído no sono, ao lado do seu dono.

— Pare de me cobiçar enquanto durmo. — ele resmungou, me


fazendo corar.

— Não estou te cobiçando! — ralhei.

— Ok, não está. — ele respondeu, sorrindo outra vez, sem sequer se
dar o trabalho de abrir os olhos para conferir o quão furiosa eu estava.

Seria burrice sentir vontade de matar um homem que é imortal?


Desliguei a luz do quarto e liguei o abajur que ficava ao meu lado da
cama. Sentei-me e coloquei o livro do predador no colo. Retomei a leitura de
onde havia parado.

[...]

“Não importa a situação, ele irá defendê-la até o fim. Ainda que elas o
vejam como um objeto de prazer, enquanto Graves Wolf, o Lobão, estiver ao
seu lado, ele será o seu defensor”.

Os gritos agonizantes de dor e desespero, ecoavam de uma voz


feminina. Agatha, a filha do fazendeiro. No topo do céu, a lua cheia
iluminava a pequena clareira no centro da floresta, onde havia um grupo de
homens que se revezavam para estuprar uma adolescente. A pobre, tinha
apenas dezessete anos e havia sido sequestrada por um malfeitor da região,
Zé Canastra, que teve o pedido de sua mão negado.

A pele clara tingida por sangue e os olhos marejados, quase parados,


deixavam claro que ela já não tinha esperança de sair dali com vida,
aceitando o triste destino que a vida a havia reservado.

— O que faremos com ela quando terminamos? — um dos homens


perguntou, sem tirar os olhos do outro que a violentava.

— Vou jogar seus pedaços na porta da fazenda do pai. — Zé Canastra


assentiu com a cabeça.

De repente, a floresta ficou silenciosa, mas, os homens sedentos pelo


prazer e cobertos de maldade, não notaram. E quando a mata silencia, o
predador está caçando.

— Deus, livre-me desse sofrimento... — já sem forças, Agatha


suplicou por ajuda.

Em seu socorro, o uivo tenebroso ecoou, fazendo todos estremecerem


de medo. O homem que a violentava, levantou-se rapidamente, subindo as
calças e, os demais, colocaram-se de prontidão.
— O que foi isso? — perguntavam-se entre si, assustados.

— Preparem as armas. — Zé Canastra ordenou, carregando a


espingarda.

— E a garota?

— Esqueça a vagabunda! — rosnou, passando os olhos ao seu redor.

Os passos pesados ecoavam de todos os lugares e o rosnado, apenas


aumentava o pânico entre os homens. Após um breve silêncio, a fera saltou
no meio da clareira, revelando-se. Apenas a sua figura foi o suficiente para
fazer com que alguns homens abandonassem as suas armas, enquanto outros,
em desespero, atiravam em sua direção.

À noite, antes silenciosa, ganhou o sonoro som de tiros e homens


sendo despedaçados vivos. A fera, deixou Zé Canastra por último, que após
gastar todas as suas balas, tentou fugir, mas a besta o alcançou. Primeiro,
arrancou-lhe uma perna e depois mastigou um de seus braços. Não se tratava
de alimento, mas, sim, do prazer em castigar aqueles homens. E aquele que
tramou tamanha maldade com a garota, foi mastigado, ainda vivo, até que
deu seu último suspiro quando o sol nasceu.

Havia um grupo de homens, reunidos pelo pai de Agatha, na entrada


da fazenda. Eles estavam apostos em frente à sede e prontos para iniciar as
buscas pela garota, quando um homem surgiu do meio da mata, com ela nos
braços. O pai alegrou-se imediatamente, mas seus homens mantiveram-se de
prontidão.

Apesar das roupas de Graves Wolf estarem completamente rasgadas,


a garota não tinha um único arranhão em seu corpo e suas roupas seguiam
intactas. O poder do livro e da fera limparam toda as más lembranças daquela
noite, fossem do seu corpo ou da sua mente.

— Aqui está ela. — disse Graves, entregando-a nos braços do pai.


— Como você se chama, rapaz?

— Graves Wolf. — ele respondeu e deu-lhe as costas. — Cuide dela.


Por essas bandas, há monstros disfarçados de homens. — disse, despedindo-
se com um aceno de mãos.

Um dos homens do fazendeiro aproximou-se.

— Ele fez algo com ela? Quer que o prendamos?

— Não, ela está bem...

E, sem entender, o fazendeiro acompanhou Graves com os olhos, o


vendo sumir mata a dentro.

[...]

Ao fechar o livro, pisquei algumas vezes. Havia um misto de


sentimentos em mim. Obviamente, medo, mas, também, admiração

Mirei-o ao meu lado na cama, adormecido. A cachorrinha volta e


meia, lambia seu rosto.

— Você é tipo um anti-herói... — sussurrei baixinho, esboçando um


sorriso de canto.
07. Valentina?!
POR VALENTINA

— Valentina?!

Acordei com a exclamação estridente quase estourando meus


tímpanos. Sentei-me na cama ainda zonza e pisquei algumas vezes, quando a
visão embaralhada se endireitou, vi Clara em minha frente, com uma
expressão de espanto e uma das mãos cobrindo a boca.

— O que foi...

Ao acompanhar seus olhos, deparei-me com Graves completamente


nu ao meu lado, com o traseiro para cima. E que traseiro!

— E-E-Eu não sabia que você estava acompanhada... — gesticulou


com uma das mãos e deu-me as costas. — Peço perdão pelo inconveniente.

— Clara, não é o que você está pensando... — ofeguei entre as


palavras, quase perdendo o ar. Antes que eu pudesse me explicar, ela
apressou-se em deixar o quarto. — Ele é apenas um amigo...

Esfreguei o rosto com as mãos e sacudi a cabeça. O pouco da minha


dignidade acabava de se esvair pelos meus dedos.

Ao girar a cabeça para o lado, tornei a mirar o corpo daquele homem


monumental. Os cabelos bagunçados caídos sobre o rosto davam-lhe um ar
tão sexy. As costas eram musculosas e o traseiro arrebitado, tão redondo que
senti vontade de dar um tapa.

— ... continua me cobiçando dormindo? — ele gemeu, virando-se na


cama, ficando de barriga para cima.

— Não estou te cobiçando... — minha voz travou, quando vi seu


membro, envolto por alguns pentelhos, bem aparados.

Como um homem pode ter algo tão grande, mesmo mole, entre as
pernas? O pior é que o seu pau é esteticamente bonito. A glande avermelhada
exposta e as bolas inchadas, sem pelos.

— O que é que você está olhando? — resmungou novamente e


quando mirei o seu rosto, percebi que seus olhos estavam fechados.

— Quem disse que estou olhando?! — resmunguei, levantando-me da


cama.

— Eu disse!

— O que você diz não tem importância. — dei de ombros e respirei


fundo, voltando-me contra ele, repleta de acusações: — Por qual motivo você
está pelado na minha cama? Aliás, por quê está na minha cama?

— Eu já disse: odeio dormir sozinho e estava muito quente, então


resolvi tirar a roupa. — entreabriu um dos olhos, espiando-me. — Explicado?

— Você é um pervertido! — entreabri a boca, afinando os olhos.

— Posso ser muitas coisas, mas não um pervertido. — bocejou e


finalmente sentou-se na cama, espreguiçando-se.

E como se o seu sono acompanhasse o do filhote, pantera acordou,


choramingando. Graves a pegou e beijou-lhe a testa, fazendo aquela voz
infantil.

— Acordou, papai? Você está com fome? O papai vai colocar ração
para você. — disse e ao me espiar, afinou os olhos. — O que foi?

— Nada. — dei de ombros.

— Não ligue para essa invejosa, filha. — ele sussurrou baixinho na


orelha de pantera.
— Você fala com os bichos e eles entendem? — franzi a testa. A
pergunta veio do nada em minha cabeça.

— Falar, eu falo. Agora se eles entendem, não sei.

Revirei os olhos e sacudi a cabeça.

— Vou me explicar a Clara antes que ela pense que isso aqui virou
um puteiro. — acenei com uma das mãos e apressei-me para fora do quarto.

— Se virar um puteiro, que eu seja o primeiro a saber, por favor. —


sua voz ecoou atrás de mim.

— Idiota! — rosnei, pisando duro, atravessando o pequeno corredor


que dava acesso ao topo das escadas.

Quando cheguei a cozinha, Clara encarou-me e percebi que seu rosto


ainda estava corado. Engoli em seco e abaixei a cabeça, esfregando as mãos.

— Clarinha...

— Não precisa se explicar. — ela disse de costas para mim. — Você


é uma mulher solteira e bem sucedida. Eu só espero que me avise quando
estiver com visitas. Já sou velha para tomar esse tipo de... — respirou fundo e
pontuou: — susto.

— Ele é apenas um conhecido.

Clara subitamente girou em minha direção, com uma das


sobrancelhas arqueadas.

— Você quis dizer: um estranho?

— Não. — sacudi a cabeça e ela levou ambas as mãos a cintura,


unindo os lábios. — É, quase isso. É complicado. — balancei a cabeça para
os lados.
— Complicado como? — e, mostrando que tinha tempo de sobra,
cruzou os braços.

Clara me conhecia desde a infância. Eu teria que escolher a pior das


opções: a verdade. Ela iria acreditar em mim, não iria?

— Sente-se. — apontei para uma das cadeiras e ela arregalou os


olhos.

— Devo chamar a polícia? — sentou-se e pegou o telefone.

— De jeito nenhum! — dei pulinhos e ela arregalou ainda mais os


olhos.

— Absoluta certeza? — Clara sequer piscava.

— Sim!

Esfreguei as minhas têmporas e caminhei até ela. Puxei uma cadeira e


sentei em sua frente. Sem pressa, tomei o telefone das suas mãos e o coloquei
no gancho.

— O nome dele é Graves Wolf.

— Do cara que está lá em cima? — ela prendeu a respiração e eu


assenti com a cabeça. — Ele é da cidade?

— Não... — engoli em seco. — Coisas estranhas aconteceram de


sexta pra cá e eu “comprei” um livro. Ele veio junto com o livro.

— Ah... — ela esboçou um sorriso sem graça. — Ele é o carteiro? —


levou uma das mãos a testa, balançando a cabeça.

— Não exatamente... — gemi baixinho.

— Querida... — pegou as minhas mãos e centrou os olhos nos meus.


— Não consigo entender o que você quer me dizer. Seja objetiva. — pediu,
assentindo positivamente com a cabeça.

— Ele saiu do livro que eu comprei. Graves Wolf é o personagem


principal do livro “Predador”.

Clara piscou algumas vezes, como se esperasse que, em algum


momento, eu explodisse em gargalhadas e contasse que tudo não passava de
uma piada, mas, diante da minha demora, ela reagiu de forma completamente
inesperada.

— Você anda muito cansada, meu amor... — acariciou a minha mão e


abriu um sorriso terno. — Primeiro, vou marcar uma consulta com o
psiquiatra. Depois, vou ligar para a sua mãe para resolvermos isso da melhor
forma, ok?

O meu coração parou por alguns instantes.

Espera... Clara está pensando que eu fiquei louca? Não!

Quando pensei em contestar, a voz máscula ecoou na cozinha.

— Fez a mesma piada com ela? — Graves gargalhou e se aproximou.


— Sou amigo do Ronan. — estendi-lhe uma das mãos. — O meu nome é
Graves Wolf.

Clara piscou algumas vezes. Primeiro, o encarou e depois, me


encarou, buscando verdade em meus olhos.

— Brincadeirinha... — forcei uma risada e encolhi os ombros.

— Menina! — gritou, levando uma as mãos ao peito. — Quase morri


de susto. Pensei que você estava ficando pirada... — e, depois de confessar o
que eu já sabia, levantou-se e apertou a mão de Graves. — Clara. Onde é que
você e Ronan se conheceram?

— Em uma roda de amigos.


— E o que veio fazer aqui?

— Fugir da minha ex-mulher. — ele disse com bom humor.

Céus! Ele mente de forma tão espontânea que até eu estou


acreditando.

— Ah, entendo bem sobre fugas... — ela torceu a boca e mirou-me,


parecendo querer mencionar o nome do meu ex-marido, mas conteve-se. —
Pretende ficar quanto tempo, senhor Graves?

— Alguns dias, não sei. — deu de ombros.

— Bem-vindo. — Clara gesticulou com as mãos e apressou-se em


direção a pia da cozinha. — Vou preparar o café.

— Estou morta de fome, Clarinha. — fiz uma voz fofa e os olhos de


Graves pousaram sobre mim. — O que é?

— Não sabia que você tinha um lado doce.

— Continue me provocando e eu te dou outro soco. — ameacei-o e


ele sacudiu a cabeça, mordendo os lábios.

— Ah, aí está você, papai. — abaixou-se, pegando a cachorrinha, que


começou a chorar. — Está com fome? — e, sem dizer mais nada, seguiu para
área dos fundos, com pantera nos braços.

— Ele parece ser um homem gentil. — Clara murmurou e antes que


eu pudesse contestar, ela continuou: — E é muito bonito. — espiou por cima
dos ombros, lançando-me um sorriso sugestivo, me fazendo corar.

— Somos apenas amigos. — lembrei-a.

— Sei, sei. — debochou.


Pelo visto, ninguém me leva a sério nessa casa!

O telefone celular tocou. Miranda.

— Pronto. — falei ao atender.

— Estou falando com a ganhadora da mega sena? — perguntou, cheia


de empolgação.

— Teve outro ganhador na cidade? — franzi a testa, caminhando até a


varanda da frente.

Recentemente, Araçatuba foi contemplada com um ganhador da mega


sena. No ritmo atual, até eu começaria a jogar, pois, os seus munícipes,
parecem estar tendo bastante sorte.

— Estou falando do premiozão que você trouxe aqui em casa ontem.


— deu risadinhas.

— Ah... — balancei a cabeça.

— Como foi a noite? — o tom tornou-se sugestivo.

— Normal.

— Quê? — exclamou indignada. Ouvi o barulho de algo caindo do


outro lado da linha. — Como assim normal? Com um homem desses na sua
casa, eu não teria mais cama.

E dado os seus atributos, também não teria “xana”, pensei comigo


mesma.

— Ele é um desconhecido... — defendi-me.

— Esses são os melhores!

— Ah, eu... — não sabia o que dizer.


— Não me diga que ainda gosta do Juca? Eu te mato.

Fiz uma careta e sacudi a cabeça.

— Definitivamente, não. É só que, não sei, as coisas são tão


estranhas, que isso ainda não passou pela minha cabeça.

Mentira! Sempre que eu o via nu, meu corpo fica todo aceso e se
havia uma frase que pudesse me definir, era: se eu sento, nem guindaste me
tira de cima.

— Bom, seja lá o que esteja te incomodando, é bom deixar de lado e


aproveitar esse homenzarrão. Eu tenho certeza que ele te quer. — senti meu
rosto ruborizar.

— Tem?!

— Por qual outro motivo ele escolheria passar uns dias na sua casa?
Bonito como é, ele poderia se hospedar na casa de qualquer uma, mas, não,
ele está na sua casa, Valentina. Esse papo de ex-mulher não me convence. Ele
quer o seu corpo. — soltou risadinhas.

— Quer?! — pisquei algumas vezes.

— Claro que quer! — repetiu, parecendo irritada.

— Vamos aos poucos... — respirei fundo.

Confesso que cogitar dormir com ele, seria delicioso. Todavia, do


mesmo modo que ele surgiu do nada, ele poderia sumir. E se eu me
apegasse? Pior, e se começasse a rolar sentimento da minha parte?

Seria catastrófico!

— Na aula de direção, sabe qual marcha você é? — ela usou um tom


brincalhão. — Isso mesmo, a marcha lenta.
Gargalhamos.

Desde que nos conhecemos, Miranda sempre fazia essa piada e nunca
perdia a graça.

— Estou evoluindo. — assenti com a cabeça, mais que certa daquilo.


E, falando em evolução, lembrei-me do mal que me fez dar o primeiro passo:
— Juca esteve aqui.

— Hã?! Como assim?! Ele ficou louco?!

— Não sei se ficou, mas esteve e me ameaçou.

— Ele tocou em você? Fez algo? O que ele disse? — Miranda rosnou,
me fazendo ouvir sua respiração furiosa do outro lado da linha.

— Não, ele não fez nada além de me ameaçar. Disse que me viu com
outro homem na cidade e queria saber quem era. E começou com aquela
conversa de que não iria me deixar gastar o seu dinheiro com homem e blá
blá blá...

— Ele jura que construiu o que tem sozinho? Se não fosse você
fazendo a contabilidade dos supermercados, ele já teria falido há anos!

— Eu sei...

— E depois disso?

— Ele se aproximou, aí o Graves surgiu na varanda.

— Jesus! E aí? — a raiva virou curiosidade. Era palpável no tom da


sua voz.

— Graves disse que se ele se aproximasse de mim ou me ofendesse,


iria lhe dar uma surra. Isso, depois de ter lhe dado um soco no rosto.
— Não sei o que dizer... — Miranda ofegou. — Por um lado, o meu
coração já flerta vocês dois, mas, pelo outro, conhecemos bem o Juca e
sabemos que ele não vai deixar isso barato. É bom vocês dois tomarem
cuidado.

— Sim, vamos tomar.

— E, é claro, comunicar ao juiz sobre o acontecido.

— Já fiz isso... — menti.

Como eu iria contar ao juiz o que aconteceu? Que depois de socar o


meu ex-marido que estava me ameaçando, Graves tomou vários tiros e seguiu
de pé, como se não fosse nada?

— Ótimo. Qualquer coisa me ligue, ok?

— Ok.

— Agora preciso desligar. O “D” acabou de chegar e combinamos de


sair para almoçar.

— Tudo bem. Beijos, amiga. — despedi-me.

— Beijos.

Desliguei o celular e respirei fundo, cruzando os braços. Até aquele


exato momento, eu não havia pensando na reação de Juca, mas, agora, a ficha
havia caído. Sem dúvida, ele iria tentar se vingar de nós...
08. A Caça e o Caçador.
POR GRAVES WOLF

Depois do almoço...

Sentei-me na varanda, observando pantera correr atrás de uma


pequena bola que eu havia encontrado jogada. Sempre que eu a jogava, ela
corria atrás, dando pulinhos.

— Você chegou na hora exata. — disse Valentina, escorando-se no


batente da porta. — Alguns segundos a mais e eu estaria indo para uma
clínica psiquiatra.

— Não me parece tão ruim. — comentei, pegando a bolinha outra


vez, jogando-a um pouco mais longe. Pantera disparou atrás. Em seguida,
voltei meus olhos a Valentina. — Há certas coisas que devemos guardar
como segredos.

— É... — ela deu de ombros.

— Eu entendo que tudo isso seja estranho para você, mas sair dizendo
a verdade por aí, vai te garantir uma vaga com os malucos de verdade. —
joguei-lhe uma piscadela, fazendo-a revirar os olhos.

— Às vezes, acho que já fiquei maluca e só não me dei conta ainda.

— Também acho.

Ela entreabriu a boca e eu mordi os lábios.

— Eu já disse que não te suporto hoje, Graves Wolf?

— Ainda não.
— Obrigada. — assentiu com a cabeça, encheu os pulmões de ar e
disparou: — Eu não te suporto.

— Vou acatar como um elogio. — levantei-me e bati as mãos na


calça, limpando-a. — O que tem do outro lado do rio? — apontei com o
queixo.

— É uma reserva.

— Hum... — balancei a cabeça e levei ambas as mãos a cintura. — Se


apronte, vamos explorar.

— Quê?! — endireitou-se e franziu a testa, mirando-me com


incerteza.

— Não quer ir se aventurar ao ar livre? — ergui as sobrancelhas.

— Não! — sacudiu a cabeça. — Tem bichos selvagens; cobras,


catetos e há muitos relatos de onças...

— Gosto! — esbocei um sorriso de canto.

— Definitivamente, não! — negou com a cabeça.

— Sabe o que consigo ouvir daqui? — bati o indicador em uma das


orelhas e ela revirou os olhos.

— O quê, Graves?

— Uma cachoeira.

— Não me convenceu. — ela bateu o pé.

— Imagine que lindo deve ser algo que não foi tocado pelo homem?
— tombei a cabeça para o lado, imaginando águas cristalinas, sem sujeira,
como um paraíso no meio da mata. — Ah, deve ser perfeito... — suspirei.
Parecendo captar meus pensamentos, Valentina parou por alguns
instantes e um sorriso bobo surgiu em seu rosto.

— Sequer tenho roupa para esse tipo de atividade... — argumentou.

— Ora, vista uma calça, uma camisa de manga longa e leve roupa de
banho. Seria um pecado não dar um mergulho na cachoeira. — assenti com a
cabeça e ela respirou fundo, parecendo indecisa. — Prometo te proteger.

— E se encontrarmos algum animal?

— Além de mim? — esbocei um sorriso de canto. — Onde quer que


eu vá, eu sou o topo da cadeia alimentar; “o” predador, Valentina. — joguei-
lhe uma piscadela, fazendo-a corar.

Ela sacudiu a cabeça para os lados por alguns instantes e, finalmente,


rendeu-se à minha proposta.

— Certo, vou me trocar.

— Ótimo, vou preparar o barco. — respondi, sentindo as patinhas de


pantera em minha calça. Inclinei-me para acariciar sua cabeça, enquanto ela
abanava o rabo. — Você ainda é muito pequena para esse tipo de aventura,
mas quando ficar feroz, o papai te leva. — disse, pegando-a no colo.

Valentina riu e eu voltei-me a ela.

— Você não parece tão idiota quando fala com ela... — espiei-a
rapidamente.

— Não dê atenção, filha. Ela não bate bem. — contei a pantera,


mirando Valentina de soslaio. — Agora, deu para falar por aí que um homem
saiu dos livros... — gargalhei em tom de deboche e apressei o passo em
direção ao rio antes que ganhasse outro soco dela.

E, volta e meia, eu olhava para trás apenas para me saborear com a


expressão de Valentina: olhos afiados e boca entreaberta.
— Filho da puta! — gritou ao longe.

— E do puto também. — ergui uma das mãos e voltei-me a pantera.


— Viu só? O papai está sempre certo. — em resposta, pantera lambeu o meu
rosto.

Ao chegar ao deque, composto de madeiras grossas, avaliei-o. Sem


dúvida, foi bem construído. Era grande, firme e contava com divisas de
madeira em sua extensão, caso alguém quisesse se apoiar ou apoiar a vara de
pesca. Do lado esquerdo, havia um portãozinho que dava acesso ao uma
pequena escada que se findava na margem do rio, ao lado do barco. Bastava
esticar a perna e entrar na embarcação.

O barco era novo, estava em bom estado e os assentos eram


confortáveis. Ao entrar, coloquei pantera no chão metálico e conferi o
combustível. Em seguida, liguei-o. Tudo parecia certo.

Depois disso, voltei a sede. E mesmo percebendo os olhos


repreensivos de Clara, deixei pantera no sofá. Minutos depois, Valentina
desceu, usando um jeans, camisas longas, um chapéu e trazendo uma bolsa de
praia em um dos braços.

Confesso que o look, propriamente, o chapéu, combinava bastante


com ela. Suavizava seu rosto e destacava os olhos castanho-claros em sua
face — um tanto pálida essa manhã.

— Vamos fazer um piquenique também? — cruzei os braços.

— Bem lembrado. — ergueu o indicador, respondendo com um


sorriso irônico. Ao passar por mim, foi até a cozinha e encheu a bolsa de
frutas.

— Isso, leve bastante comida para servir aos macacos. — ela


subitamente parou e eu contive o riso.

— Será que eles mordem?! — perguntou um tanto preocupada.


— Que macacos? — dona Clara perguntou, um tanto curiosa.

— Os da reserva que fica do outro lado do rio. — contei e ela


arregalou os olhos, voltando-se a Valentina. — O que vocês vão fazer lá? —
a expressão de espanto havia tomado o seu rosto.

— Explorar. — Valentina assentiu com a cabeça.

— Jesus... — Clara levou uma das mãos a boca. — Só faltava essa!


— bateu palmas uma vez e apressou-se para a varanda dos fundos, sacudindo
a cabeça.

— Vamos ficar bem. — Valentina gritou e voltou-se a mim, forçando


um sorriso. — Não vamos?

— Prometo te trazer inteira antes do anoitecer. — levei ambas as


mãos a cintura e respirei fundo. — Pronta?

— Pronta.

Seguimos até o deque, na beirada do rio. Ajudei-a a entrar no barco,


em seguida, entrei e liguei o motor. Dei partida no barco e o conduzi até o
outro lado, parando em uma margem limpa, com um pouco de areia.

— Se avistar algum animal, me avise. — lembrei-a assim que pisei na


areia, ajudando-a a descer.

— Ok.

A mata batia na altura das canelas e as árvores não eram tão juntas,
proporcionando uma caminhada confortável. Em determinado ponto, saquei o
facão que havia pegado no barco e abri caminho, até que encontrei uma
trilha.

— Pelo visto, não somos os únicos que vem aqui. — espiei-a por
cima do ombro, percebendo-a olhando em uma direção. — O que foi?
— Pensei ter visto algo, mas acho que não é nada... — aproximou-se,
colando atrás de mim e eu me segurei para não gargalhar.

— Certo. — respirei fundo e retomei o caminho.

O som da cachoeira ficava cada vez mais alto, e, também, as passadas


pesadas do grande felino que nos acompanhava a distância, espreitando-nos.

Em determinado ponto, achei a árvore perfeita. Subitamente, parei e


encarei Valentina.

— O que foi?

— Suba.

— Hã? Porquê?

— No seu lugar, mocinha, eu já teria subido. — esbocei um sorriso de


canto.

Sem questionar, ela se apressou e eu a ajudei a subir. Não era muito


alto, mas ela já não era mais um alvo. As passadas ficavam cada vez mais
próxima. Se não me engano, o animal estava à minha direita, atrás de uma
moita.

— O que está acontecendo, Graves? — Valentina perguntou aflita.

Antes que eu pudesse responder, o felino começou a esturrar. Ao


olhar para cima, vi Valentina subir ainda mais, quase que desesperada.

— É uma onça. É uma onça, Graves! — gritou mais que aflita, em


pânico. — Suba em algum lugar, pelo amor de Deus.

— Está com medo? — ergui as sobrancelhas.

— É claro que estou, seu idiota! — gritou com a voz chorosa e, ao


mesmo tempo, furiosa.

— Não confia em mim?

— Não! — murchei.

Os esturros tornaram-se mais constantes e, enfim, o animal se revelou,


ficando frente a frente comigo. O maior felino das américas é realmente
lindo. O amarelo acastanhado, coberto por rosetas negras deixava a pintada
ainda mais imponente. Os grandes olhos verde-claros miravam-me com
curiosidade, com ela se aproximando cada vez mais.

— Não grite. — disse a Valentina, que levou uma das mãos a boca,
abraçando-se ao tronco da árvore.

Primeiro, a onça me rodeou algumas vezes e, depois, me cheirou,


como se reconhecesse o meu aroma. Por fim, sentou-se em minha frente.
Inclinei-me e estendi uma das mãos, tocando a sua cabeça.

— A presa reconhece o caçador e, na floresta, eu sou o maior dos


predadores. — disse, mirando a beleza de um animal tão pomposo e que,
infelizmente, era alvo constante dos caçadores. — O que você faz tão perto
da civilização, amigona? — deslizei a mão pelo seu dorso e ela virou de
barriga para cima.

— Parece um gatinho... — Valentina cuspiu as palavras e quando


ergui o rosto, vi o espanto em seu rosto.

— Quer tocá-la?

— De jeito nenhum!

— Não sabe o que está perdendo... — dei de ombros.

— Um braço. Talvez, uma perna. — respondeu com ironia, parecendo


não tão amedrontada como antes.
Segui acariciando o animal, até que me inclinei para segurar a sua
enorme cabeça com ambas as mãos e beijar a sua testa.

— Se avistar caçadores, me avise. — sussurrei baixinho.

Assim que me afastei, ela se levantou e seguiu mata a dentro.


Valentina a acompanhou com os olhos e quando ela finalmente sumiu da sua
visão, ela desceu.

— C-C-Como você fez isso? — franziu a testa, mirando-me com


descrença.

— Tem que ter um lado bom em ser amaldiçoado, não é? — dei de


ombros.

— Você disse que não conversava com eles...

— Aparentemente, eles me entendem e respondem do seu jeito. Isso


não é uma conversa, é? — ergui as sobrancelhas e ela levou uma das mãos a
boca, esboçando um sorriso bobo.

— Essa foi a coisa mais incrível que eu já vi em toda a minha vida.

— Obrigado. — inclinei a cabeça, agradecendo o elogio. — Vamos


prosseguir. Já estamos quase chegando.

Valentina assentiu, parecendo um pouco mais segura depois do que


havia presenciado.

— Uma vez, ouvi boatos sobre um curupira em uma cidadezinha no


interior do Mato Grosso. Dizem que ela aprontou muitas travessuras com
uma índia e um padre... — comentei e ela me encarou boquiaberta. — Isso já
tem tempo, mas, infelizmente, nunca pude conferir.

— Será que é verdade?

— Não sei, mas o nome do lugar me parece promissor: Vale dos


Sonhos.

— Nunca ouvi falar...

Finalmente chegamos e, como eu imaginava, o lugar era lindo.


Envolto por grandes pedras e, algumas piscinas termais, com águas
cristalinas. Valentina e eu nos encaramos, trocando um breve sorriso.

— Vou vestir a roupa de banho. — disse, colocando a bolsa no chão,


começando a vasculhar dentro dela.

— Ok.

— Onde está a sua? — voltou-se a mim.

— Eu vou tomar banho pelado. — ela subitamente corou. — O que


foi? É um banho. — respondi como se fosse óbvio.

Valentina revirou os olhos e sacudiu a cabeça. Sem demora, me despi,


deixando as minhas roupas em cima de uma pedra e pulei na água. Após dar
algumas braçadas, chamei-a.

— Não vai entrar?

— E se tiver algum bicho aí dentro?

— Deus do céu, mulher! — revirei os olhos e joguei água em sua


direção, fazendo-a dar um pulinho para trás. — Vem logo!

— E-E-Eu não sei nadar. — cruzou os braços, virando o rosto para o


lado.

— Eu ensino.

— Pelado? — piscou algumas vezes.

— E por acaso eu vou te ensinar a nadar com a rola?!


— Eu não disse isso, seu idiota! — resmungou, furiosa.

— Sei... — afinei os olhos e afundei na água, ficando apenas com a


cabeça de fora.

— Por que diabos eu embarquei nessa loucura? — perguntou para si


mesma, coçando a cabeça. — Se eu me afogar, te dou um soco!

— Eu adoraria te afogar, mas não seria na água... — esbocei um


sorriso sacana, fazendo Valentina ficar vermelha feito um pimentão.

Finalmente, ela encheu-se de coragem, respirou fundo e pulou dentro


da cachoeira. Mais que depressa, suas mãos grudaram-se aos meus ombros e
eu a abracei pela cintura.

— Aqui é fundo... — disse, com o queixo começando a tremular.

— Um pouco. Suba nas minhas costas.

Ela fez exatamente como pedi. E então, dei algumas braçadas, indo de
um lado a outro.

— Viu? É só bater os braços e as mãos. As mãos em forma de concha


e os pés esticados.

— Não é tão fácil assim. — resmungou, dando-me um soco nas


costas.

— Au! — gemi, espiando-a por cima do ombro. — É, sim.

— Não é, não. E não discuta comigo!

— Se não?

— Eu te dou outro soco. — Valentina afinou os olhos, me fazendo


gargalhar.
Desde que deixei o livro, tem sido bastante divertido estar ao lado
dela. Valentina tem uma presença única, diferente das outras mulheres que o
livro me incumbiu de proteger. Geralmente, elas se jogavam aos meus pés e
faziam exatamente o que eu mandava. Ela, não. Valentina sempre contestava,
sempre discutia e sempre que podia, me dava uma porrada.

Sem dúvida, ela é muito interessante e, confesso, estou gostando


muito de estar ao seu lado. Espero que possamos aproveitar todo o tempo que
temos da melhor forma. Afinal, eu sabia que quando chegasse a hora de
partir, iria sentir falta de ver os seus grandes olhos castanho-claros me
ameaçando logo pela manhã.
09. Nos Braços da Fera.
POR VALENTINA

Confesso que eu ainda estava hipnotizada com o que Graves havia


feito no meio da mata. Como é possível um homem domar uma onça-
pintada? É claro que não estamos falando de um homem comum, mas, ainda
assim, ele é de carne e osso...

Sem hesitar, eu poderia considerar muitos fatos: ele é um brutamontes


grosseirão e, na maioria das vezes, um tanto idiota, contudo, o seu amor e
carinho pelos animais era algo que chamava a atenção. Achei que fosse
apenas com a pantera, mas eu estava enganada. De um modo geral, Graves
Wolf nutre muito respeito pelos animais e isso é encantador.

Quando findamos nossa breve discussão, pulei na água e ele me


segurou. Demonstrando bastante paciência, Graves estava disposto a me
ensinar a nadar. Não que eu fosse aprender naquele exato momento, mas já
era um grande começo.

— Algo roçou na minha coxa! — gritei quase que desesperada e bati


em seu peitoral, encarando-o com os olhos arregalados.

— Acho melhor eu não dizer o que foi... — ele mordeu os lábios e eu


arregalei ainda mais os olhos.

— E se for venenoso?

— Ah, não é. Cospe, mas não tem veneno... — finalmente entendi do


que se tratava e soquei seu peito, arrancando-lhe um gemido.

Graves gargalhou de forma farta, chegando a tombar a cabeça para


trás.

— Maníaco da cachoeira. — virei o rosto para o lado e cruzei os


braços, ainda sentindo suas mãos me segurarem pela cintura.

— Em minha defesa, foi involuntário...

— Quem diabos nada em uma cachoeira desconhecida


completamente nu? — sacudi a cabeça. — Um bicho poderia arrancar o... —
dei de ombros.

— Está preocupada em ficar sem diversão? — Graves aproximou os


lábios da minha orelha e perguntou entre sussurros.

— Vou te afogar! — girei o corpo em sua direção e segurei em seus


ombros, pulando em cima dele e afundando-o na água.

Ainda que submerso, ele não me soltou e quando emergiu, explodiu


em gargalhadas.

— Você precisa parar de ficar nervosinha com as minhas


brincadeiras... — ele fez um beicinho.

— Não estou nervosinha! — ralhei e ele uniu os lábios assentindo


com a cabeça. Então, respirei fundo e assenti com a cabeça. — Viu só? Sou a
mais pura calmaria.

— Não quero nem imaginar como seria se fosse a mais terrível


tempestade.

— Errado não tá. — dei de ombros.

Quando finalmente cansei, Graves me deixou na margem e seguiu


nadando sozinho. Estiquei uma toalha na areia úmida e deitei-me sobre ela,
admirando-o. Ele realmente parecia se divertir nadando, isso quando não
subia em cima da pedra nos pés da cachoeira, completamente nu e saltava.

Um homem com espírito de criança...

Dei um breve suspiro ao admirar o sorriso em seu rosto, com os olhos


sempre parando para mirar algum detalhe do cenário ao nosso redor.

— Vê aquelas flores brancas nas pedras, no topo da cachoeira? —


apontou com o dedo e eu assenti com a cabeça. — São conhecidas como lírio
do brejo.

— Uau! — acompanhei seu dedo, mirando as flores e eram realmente


lindas. — Como você sabe tudo isso?

— Ah, o tempo foi me ensinado. — ele deu de ombros.

A tarde passou e Graves finalmente se cansou de nadar e veio em


minha direção. Virei o rosto para o lado e espiei pelo canto dos olhos; os
cabelos grandes molhados e pingando, com as gotículas de água escorrendo
pelo seu corpo. Então, ele se deitou ao meu lado e respirou fundo.

Algo se remexeu dentro de mim, fazendo-me sentir febril e, aos


poucos, eu estava ardendo feito brasa, ao ponto de as auréolas dos meus seios
ficarem ouriçadas.

Ele é realmente tentador...

— Ah, foi revigorante. — disse, satisfeito.

— Como você se apaixonou pela natureza? — puxei assunto,


tentando equilibrar o desejo que emergia como um vulcão dentro de mim.

— A natureza é o reflexo de Deus, não percebe? — ele perguntou e


eu virei-me, curiosa, em sua direção, deixando meu rosto próximo ao seu, ao
ponto de eu sentir sua respiração. Graves sorriu e começou sua explicação: —
A água é a fonte da vida e nos foi dada por Deus. Os animais, em sua beleza,
sons, ou imponência, são criações divinas. — disse, balançando a cabeça
positivamente. — Vê esse lugar? Vê como tudo funciona em harmonia sem a
presença do homem? — assenti com a cabeça, encantada com suas palavras.
— O planeta não necessita de nós. Na verdade, somos nós que necessitamos
dele. E, infelizmente, nós, os seres humanos, não respeitamos a maior prova
viva da existência de Deus, que é a natureza em sua pura perfeição.
— Isso foi... — entreabri a boca, ainda admirada com sua analogia. —
Perfeito.

Graves uniu os lábios e levou uma das mãos ao meu rosto, tocando-o
com carinho. E, sem dizer nada, aproximou os lábios dos meus, encostando-
os de forma carinhosa, esperando que eu o correspondesse e por mais que eu
lutasse contra meus instintos, foi impossível resistir aquele homem.

Fechei os olhos e me deixei levar, sendo envolvida em um beijo


intenso e lento. Os lábios carnudos eram grandes o suficiente para cobrir os
meus e puxá-los a cada movimento ritmado, enquanto sua mão deslizava de
forma suave por minha barriga, deslizando até a parte debaixo do meu
biquini.

Por instantes, prendi a respiração e abri os olhos, deparando-me com


aqueles grandes olhos acinzentados. Subitamente, corei.

— Só uma vez... — sussurrei.

— Então farei com que seja inesquecível. — ele respondeu no mesmo


tom, deixando-me a sua mercê.

Virando-se sobre mim e com os joelhos apoiados ao redor da minha


cintura, Graves sentou-se em meu ventre, sem colocar o seu peso. Usando as
mãos, prendeu meus pulsos junto a areia úmida, acima da minha cabeça e
aproximou nossos rostos, fazendo com que algumas gotas de água do seu
cabelo, ainda molhado, respingassem sobre a minha pele.

A sensação das suas bolas grandes e inchadas tocando a minha


barriga, era um tanto estranho; um estranho gostoso. Contudo, nada se
comparava a sentir as pulsadas do seu pau, que a cada segundo, ficava maior,
esfregando-se em minha pele.

— Vou te devorar, garotinha... — disse, passando a língua pelos


lábios.
E, naquele instante, todo o desejo acumulado dentro de mim,
explodiu, tocando tudo ao seu redor e, em resposta, mordi os lábios,
avisando-lhe que estava pronta para ser devorada.

Mantendo os olhos nos meus, Graves avançou sobre mim, com um


sorriso perverso. Senti o seu cacete aconchegar-se entre os meus seios e, com
ambas as mãos, ele os pressionou, começando a movimentar o quadril para
frente e para trás.

Era algo inteiramente novo para mim e que despertava um lado meu
que eu ainda não conhecia. Automaticamente, deslizei as mãos por suas
coxas grandes e firmes e subi com elas até o seu peitoral, tocando-o.

O seu corpo era um colírio aos meus olhos e o seu cheiro, misturado
ao aroma de sexo, era como um elixir que fazia minha boceta clamar por seus
lábios.

A minha pele estava molhada, com o pré-gozo que sua rola expelia e
quando ele se ergueu sobre os joelhos, o seu pau trouxe consigo, a parte de
cima do meu biquini, esticando-o. Ajudei-o a tirar e quando dei por mim,
estava com a cabeça tombada para trás, segurando os seus cabelos, enquanto
o sentia chupar meu seio direito e esfregar a mão por cima do tecido, que
protegia a parte de baixo.

Graves sabia exatamente onde massagear e qual medida de força usar,


ao ponto de me fazer morder os lábios com força. Eu não sabia o que me
dava mais tesão: os meus seios sendo chupados, ora o direito, ora o esquerdo,
ou os seus dedos massageando a minha boceta por cima do tecido.

Arfei, sentindo o meu corpo subir as nuvens e, de repente, os seus


lábios, que pareciam fervilhar como brasa, desceram, deixando um rastro por
onde passavam e, quando seu rosto finalmente parou entre as minhas pernas,
respirei fundo.

Ele não hesitou, nem por um único segundo. Graves separou as


minhas pernas e puxou a minha calcinha para o lado e com o dedão, esfregou
meu clitóris, várias e várias vezes, obrigando-me a levar uma das mãos a
boca, para conter meus gemidos.

O meu corpo se estremecia, a minha boceta pulsava. Eu havia me


rendido e, confesso, o que eu mais queria era ser devorada pelo Lobão.

Lutei muito para me conter, mas quando ele se inclinou, prendi a


respiração. Ao sentir o toque de sua língua em meu clitóris, era como se o
meu corpo estivesse deixando o chão. Intenso, molhado e ritmado. Ele estava
brincando comigo e com o meu corpo e, automaticamente, deixei um gemido
alto escapar, levando uma das mãos aos seus cabelos, empurrei a sua cabeça
entre as minhas pernas. Em resposta, ele aconchegou-se, abraçando-as, de
modo que intensificou os seus movimentos.

A língua deu espaço aos lábios e os lábios a boca. O meu corpo


arrepiava-se por inteiro, sentindo-o me chupar, do clitóris, aos lábios vaginais
e de lá, até o meu centro feminino e como se não tivesse me provocado o
suficiente, colocou dois dedos dentro de mim, voltando a linguar o meu
clitóris.

— Ah... — arfei, fechando os olhos.

Quando ele parou, entreabri os olhos, vendo-o aconchegar-se entre as


minhas pernas. Mordi os lábios e me preparei para recebê-lo. Graves segurou
a rola com uma das mãos e começou a deslizá-la por minha boceta, às vezes,
esfregando a glande em meu cuzinho.

O maldito estava me provocando! Ele queria me ouvir pedir. Sim, era


isso que ele queria. Eu conseguia enxergar isso naquele maldito sorriso.

Os segundos passavam em meio aquela tortura gostosa e foi quando


ele encaixou a glande em minha boceta, forçou a passagem, mas não entrou,
voltando a me provocar.

— Maldito... — gemi baixinho, fazendo-o sorrir.

— Sabe o que eu quero. Peça!


— Não... — gemi baixinho, com ele fazendo o mesmo movimento.

— Mandei pedir!

— Seu filho da... — gemi baixinho, sentindo a cabeça entrar e sair em


seguida. — Por favor...

— O quê? Diga! — rosnou de forma extremamente sexy.

— Foda-me até eu não aguentar mais...

— Com prazer.

O senti se afastar de mim e quando pisquei, ele estava de joelhos ao


meu lado. Sem dizer nada, segurou-me pelos cabelos e trouxe o meu rosto em
direção as suas pernas e antes que eu pudesse dizer algo, o senti encaixar a
sua rola entre os meus lábios.

Endireite-me, ficando de quatro, sentindo-o começar a socar em


minha boca. O seu gosto era suave e gostoso. Graves movimentava o quadril
sem pressa, fazendo-me engolir o seu cacete e conforme os meus lábios
deslizavam pelo seu membro, que eu não consegui engolir por completo, eu
massageava as suas bolas e, devo confessar:

Mais gostoso que chupá-lo era ouvi-lo gemer. O meu corpo se


ouriçava inteiro com o eco da sua voz poderosa, máscula e sexy.

Após intensos minutos chupando-o, ele se afastou e sentou em minha


frente. Pensei em dizer algo, mas seus lábios envolveram os meus, enquanto
ele me puxava para o seu colo. Aconcheguei-me em cima dele e passei os
braços pelo seu pescoço, enquanto ele encaixava sua glande em minha
entrada.

Imaginei que fosse doer, mas Graves foi gentil; começando devagar,
até afundar-se dentro de mim. Mordi seu ombro e gemi baixinho. Ao mirá-lo,
ele se afastou, apoiando ambas as mãos para trás, sem deixar de esboçar
aquele maldito olhar cativante e que por alguma razão, me deixava ainda
mais sedenta.

O ritmo lento começava a aumentar, ao ponto de eu dar pulinhos em


cima dele, com as mãos apoiadas em seu peitoral. Volta e meia, ele fazia
questão de jogar o meu cabelo para trás, sempre mirando-me nos olhos.

— Essa é a expressão que eu quero ver no seu rosto. — ele sussurrou,


segurando o meu maxilar, obrigando-me a fazer um beicinho. — Prazer! —
soletrou, mordendo os lábios.

— Você é um maldito gostoso... — ofeguei entre as palavras,


fazendo-o sorrir, mais uma vez.

Subitamente, ele me abraçou, colando seu peitoral aos meus seios e,


sem hesitar, aumentou o ritmo, com força. Era dolorido, mas tão gostoso que
eu não pensei nem por um instante em parar.

Eu queria mais daquele homem dentro de mim. Eu queria...

Gemi baixinho, sentindo meu corpo se amolecer e, dei-me conta de


que há muitos anos eu não sabia o que era um orgasmo. E quando os
movimentos reduziram, mantendo as estocadas fortes, tombei a cabeça para
trás, sentindo o gozo vir.

— Ahh... — gemi baixinho, sentindo-o segurar os meus cabelos.

— Isso, gema para mim e me mostre como eu sei te satisfazer. —


disse, mantendo o ritmo.

Outro orgasmo. Outro gemido.

Senti o meu corpo amolecer e o abracei quando a sua voz sonorizou


em meus ouvidos, dando-me uma última faísca de tesão. Conforme os seus
gemidos aumentavam e eu sentia os jatos quentes invadirem-me, rebolei no
seu pau, obrigando-o a gemer ainda mais alto.

— Ah... — ele gemeu, segurando meus cabelos com mais força que
antes e envolveu-me em um beijo, lento e calmo.

Exaustos e já sentindo o tempo esfriar com a chegada do anoitecer,


nos vestimos e sem dizer nada, fomos embora. Apesar de trocarmos alguns
olhares pelo caminho, eu não disse uma única palavra sobre o que havia
acontecido e, tenho certeza de que ele não tocaria no assunto.

Quando chegamos a sede, Clara estava do lado de fora, sentada em


uma das cadeiras da varanda e assim que nos viu, levantou-se, soltando um
suspiro aliviado.

— Eu já estava imaginando que tinha acontecido algo... — levou uma


das mãos a cabeça.

— Pode ficar tranquila. Estamos bem. — pousei uma das mãos em


seu ombro.

Clara passou os olhos por nós dois e seus olhos pareciam querer falar
algo, mas, seja lá o que fosse, ela não disse.

— Bom, vou indo. — disse, atravessando a porta de entrada, seguindo


rumo a cozinha e eu a acompanhei. — Antes que eu me esqueça, sua mãe
chega amanhã.

— Quê?!

— É isso mesmo. — pegou a bolsa e colocou no ombro. — Acho que


ela só vem ver como você está e vai embora.

— Sei bem o que ela vem fazer aqui... — revirei os olhos e respirei
fundo.

— Paciência, afinal, é a sua mãe.

— É, é... Você sempre me diz isso. — balancei a cabeça para os


lados.
— Aqui está a princesinha do papai. — a voz de Graves ecoou da
sala, junto ao choro de pantera.

— O coração é cheio de artimanhas. Cuidado para não ficar presa em


nenhuma delas. — Clara disse baixinho e quando fiz menção de responder,
ela frisou: — Apenas tome cuidado. Te amo, minha filha. — sorriu e
aproximou-se, beijando a minha testa.

— Ah, eu também te amo. — abracei-a com força. — E obrigada pelo


conselho. Vou usar bem.

— Assim espero. — respondeu, despedindo-se com um aceno.

Entrei e sentei-me no sofá. Graves espiou-a ir embora e voltou-se a


mim, com um olhar curioso.

— Acho que ela não gosta muito de mim...

— Você é um estranho ao lado de uma mulher que ela conhece desde


bebê.

— Entendo... — ele sorriu, ainda abaixado brincando com pantera,


que rosnava pra ele, mordendo seus dedos. — Quem é a princesa do papai?
Quem é?

Sorri ao mirá-lo brincar com a cachorrinha e, por instantes, lembrei-


me de alguns momentos do nosso dia. Ele domando a onça, falando sobre a
natureza e...

Subitamente corei, perdendo o fôlego. Balancei a cabeça e prendi a


respiração e Graves me encarou, sem entender.

— Está tudo bem?

— Sim, está. — respondi, quase imóvel.

Quando seus olhos desviaram de mim, soltei o ar e tombei a cabeça


para trás, mirando o teto. Se tinha uma coisa que Clara carregava de sobra,
era sabedoria e isso de artimanhas do amor soa tão momentâneo...

Um homem que saiu dos livros. Um homem que tem uma missão:
proteger uma donzela em perigo. No caso, eu. Um homem que tem os dias
contados para ficar aqui.

Por mais que eu quisesse, seria impossível me envolver com ele. Não
que tenha sido amor à primeira vista, é só que, Graves Wolf, o Lobão, é um
homem tão único e interessante que, sinto que se eu não tentar tomá-lo para
mim, vou perder a chance da minha vida, mas quando paro e volto a
realidade, dou-me conta de que estou vivendo dias impossíveis.

Dias que são quase irreais, como se eu estivesse dentro da história de


um livro...

Por isso, talvez seja melhor blindar o meu coração e me privar de


qualquer sofrimento futuro. Assim, quando ele voltar ao livro, não vou ficar
com o meu coração partido. Ao mesmo tempo, quero aproveitar todos os
minutos que tivermos juntos, ainda que isso se divida entre xingá-lo, socá-lo
e, quem sabe, lhe beijar mais uma vez.
10. Cheiro de medo...
POR VALENTINA

[...]

A lua cheia em sua magnificência, ocupava o topo do céu. Grande,


brilhosa e chamativa, sua luz noturna era como esperança aos que estavam
perdidos na densa floresta. Com os pés doloridos, prossegui em ritmo lento,
andando no meio da estrada, evitando ficar muito para os lados.

— O que estou fazendo aqui? — franzi a testa, sentindo minhas forças


esvaírem.

— Socorro!

Parei quando ouvi o grito de uma mulher, fazendo o meu coração


palpitar com força. Durante alguns segundos, esperei para tentar localizar a
direção do som, mas não ouvi mais nada. Quando voltei a caminhar, o pedido
de socorro ecoou, de novo.

— Socorro! Socorro! — a voz, dessa vez, veio mais aguda e em tom


choroso, trazendo-me uma sensação de absoluto desespero.

As minhas pernas moveram-se automaticamente e quando percebi, eu


estava correndo na direção do pedido de ajuda.

Havia algo em mim que dizia que eu precisava socorrê-la a qualquer


custo. Adentrei a mata escura, pouco iluminada pelas frestas das árvores que
deixavam a luz da lua passar e quando aproximei-me da margem do rio,
cessei o passo, espreitando atrás das árvores.

Uma pequena fogueira iluminava alguns rostos masculinos e,


também, uma mulher, cujo rosto aparecia como um borrão para mim; ainda
vestida e amarrada em um tronco. As mãos unidas e atadas para cima e os pés
apoiados em uma espécie de altar. Ao redor do grande tronco ao qual estava
presa, havia várias toras de madeira, como se eles fossem...

— Você deve odiá-la muito para querer queimá-la viva. — um dos


homens gargalhou e deu algumas goladas na garrafa de pinga.

— Não a odeio, mas não vou dar metade do que conquistei ao longo
da minha vida a ela. — o outro, um pouco maior, de costas para minha
direção, respondeu.

— Solte-me, por favor... — a mulher implorou. — Abdico a tudo.


Está ouvindo? Abdico a tudo, Juca!

Arregalei os olhos ao ouvir aquele nome e quando pousei os olhos na


mulher novamente, vi seu rosto ganhar traços.

— Meu Deus! — levei uma das mãos a boca, sentindo meu corpo ser
tomado pelo pânico, com as primeiras lágrimas descendo pelo meu rosto. —
Sou eu... — murmurei baixinho. — Sou eu...

— Acendam a fogueira! — Juca ordenou.

— Acendam a fogueira, rapazes! — o outro gritou mais que


empolgado, arrancando gargalhadas dos demais.

O meu coração palpitava sem parar. Eu precisava ajudá-la. Quer


dizer, me ajudar e...

As risadas foram cortadas pelo uivo gutural que ecoou furiosamente


por toda a mata, trazido pelo vento que sibilava, com tamanha ira que apagou
a pequena fogueira.

[...]

Despertei, ofegante. Não demorei para notar que eu estava


completamente suada e o meu coração ainda palpitava com força. Era como
se tudo aquilo tivesse sido real e...
Respirei fundo e esfreguei o rosto, balançando a cabeça
negativamente. Ao olhar para o lado, vi Graves, ainda adormecido e, ao seu
lado, sua fiel companheira, Pantera, deitada de barriga para cima e a língua
de fora.

Por instantes, quis rir com tamanha fofura, mas o pesadelo que eu
havia acabado de ter, ainda estava impregnado na minha cabeça, impedindo-
me de esboçar qualquer reação além de receio e preocupação.

Lembro-me de que quando era criança, Clara dizia que sonhos eram
desejos adormecidos e pesadelos eram avisos de que algo ruim está prestes a
acontecer. Talvez fosse apenas uma história para criança, mas, dessa vez,
pareceu tão verdadeiro que eu achei que estava mesmo ali.

Deixei a cama e segui para o banheiro. Tomei uma ducha, escovei os


dentes e após me trocar, desci para o térreo. Ao chegar na cozinha, deparei-
me com Clara terminando de passar o café.

— Bom dia. — ela disse, sorridente.

— Bom dia. — respirei fundo e puxei uma cadeira, sentando-me à


mesa.

— Dormiu bem?

— Tive um pesadelo. — esfreguei o rosto.

— Pesadelos não são bons sinais. — lembrou-me.

— Espero que seja apenas um sonho ruim. — murmurei baixinho,


servindo-me um pouco de café.

— Bons ou ruins, a vida é feita de sonhos, minha filha. — ao ouvir


aquela voz, girei a cabeça para o lado, em direção a porta que dava acesso a
varanda dos fundos.
Usando uma saia xadrez e uma blusa, Isidora Duran escorou-se no
batente da porta. Mamãe era magra, de quadris largos e altura mediana. Os
olhos castanho-escuros pousaram em mim e os lábios tingidos de batom
vermelho, esticaram-se. Os cabelos pretos eram sempre cortados no estilo
joãozinho.

— Saudades? — tragou o cigarro mais uma vez, soprando a fumaça


para o lado.

— Não vi a senhora chegar... — levantei e fui em sua direção,


abraçando-a e quando me afastei, encarei-a.

— Cheguei cedo... — deu de ombros.

— Praticamente juntas. — Clara emendou.

— Ah sim.

— Como estão as coisas? — a pergunta era de praxe, pois ela já sabia


como estavam.

— Normais. — menti.

Eu deveria dizer o quê? Que um homem saiu dos meus livros? E,


inclusive, que ele está neste exato momento adormecido e completamente nu
na minha cama, junto com sua inseparável “filha”, pantera?

Não mesmo!

— Recebi uma ligação um tanto... perturbadora. — gesticulou com as


mãos e jogou o cigarro fora. E seguiu em passos lentos em direção a sala e eu
a acompanhei.

Sentamo-nos no sofá.

— De quem? — ergui as sobrancelhas.


— Juca. — bufei, revirando os olhos. — Sei que as coisas entre vocês
não estão na melhor fase, mas...

— Nunca estiveram. — interrompi-a, deixando bem clara qual era a


nossa situação.

— E a sua situação agora está? — mamãe afinou os olhos e cruzou as


pernas, pousando ambas as mãos sobre o joelho. — Um homem estranho na
sua casa e que, suspostamente, tomou vários tiros e seguiu andando como se
nada tivesse acontecido.

Arregalei os olhos e mamãe tombou a cabeça para o lado. Por um


breve momento, o meu coração disparou, mas, enfim, me veio uma luz de
sanidade.

— E a senhora acreditou? — forcei uma risada. — Ele ficou louco de


vez! Quem toma vários tiros e segue andando?!

— Nessa parte, não. — sacudiu a cabeça, fazendo-me engolir em


seco. — Quem é ele?

— Amigo do Ronan. — menti, outra vez.

— Eu o conheço?

— Acho que não. — ela suspirou, descruzou as pernas e cruzou


novamente para o outro lado, parecendo incomodada.

— E o que ele faz da vida?

— Ah... — meneei a cabeça sem jeito e lembrei-me do livro. — Até


onde me consta, ele é herdeiro de algumas fazendas de café. Coisa de
gerações... — gesticulei com as mãos, prendendo a respiração.

Os olhos de mamãe brilharam e a ambição tornou-se evidente em seu


rosto. Ela sempre foi assim. Dizia-me que homens pobres não tinham futuro e
que apenas os ricos, por mais ruins que fossem, dariam a uma mulher o estilo
de vida que elas precisam para serem felizes.

Do que adianta riqueza se isso, por si só, não traz felicidade? Apenas
amor faz um casamento feliz.

— E como ele se chama?

— Graves Wolf.

— Que diferente. — esboçou um sorriso de canto, assentindo com a


cabeça.

— É, um pouco.

— E está interessada nele? — o meu rosto corou e eu prendi a


respiração.

— N-N-Não...

— E mesmo assim ele dorme com você? Na sua cama?

Preparei-me para responder, mas fechei a boca. Então, a reabri


automaticamente.

— A senhora estava me espiando?

— Fui lhe dar bom dia, mas não imaginei que fosse me deparar com
um homem nu ao seu lado. — cruzou os braços e começou a balançar a ponta
do pé.

— Vejo que a senhora ainda não adotou o conceito da palavra


“limites”. — respirei fundo, começando a expor o meu incômodo.

— É apenas preocupação.

— Excessiva e, como de costume, invasiva. — pontuei.


— Sou sua mãe, é natural que eu queira saber tudo que se passa em
sua vida.

— O que não é natural é querer tomar decisões por mim, como vir até
aqui para me aconselhar a voltar com um homem que me agredia de forma
física e verbal. — ergui o tom de voz e ela engoliu em seco.

Por instantes, ela ficou em silêncio e, desviou nossos rostos. Ao dar


um longo suspiro, abaixou a cabeça.

— Os dias com o seu pai não eram dos melhores, mas eu precisava te
criar, te dar um futuro. Era uma manhã de domingo quando ele infartou e
caiu morto na cozinha... — comentou.

— Não lembro de a senhora comentar algo sobre o meu pai ser


agressivo... — rapidamente a contestei.

O meu pai morreu quando eu tinha oito anos e ele era um homem
gentil e um pai maravilhoso. Apesar dos negócios, ele sempre tinha tempo
para me colocar na cama e ler para mim antes de dormir.

— Infidelidade também é uma forma de agressão. — mamãe respirou


fundo, visivelmente magoada.

Sacudi a cabeça e soprei o ar preso nos pulmões.

— Não tenho filhos com Juca.

— Não tem, mas... — ergueu o indicador. — Vai jogar o que é certo


fora para se aventurar nos braços de um homem que mal conhece?

— A senhora ainda não entendeu que eu não me importo com


dinheiro? — bati as mãos no colo, como se aquilo fosse óbvio.

— Todos se importam com dinheiro. — revirou os olhos, tratando-me


como se eu fosse uma garotinha que não sabia tomar decisões.
E aquilo, me deixava ainda mais enfurecida.

— Somos ricas. — lembrei-a. — Aliás, somos ou éramos? — fixei


meus olhos nela. — A senhora ficou responsável por gerir os negócios
deixados por papai e, dado o seu desespero por dinheiro...

— Acha que a sua mãe é burra? — riu, sacudindo a cabeça. — Eu


mais que dupliquei o que o seu pai nos deixou.

— Então qual a necessidade de viver nessa sina em prol de dinheiro?!


— ralhei, mirando-a diretamente nos olhos.

— Sabe... — mamãe mirou o teto. — Quando entramos nessas


discussões, vejo que não sou uma boa mãe, mas eu fui criada assim e,
infelizmente, é apenas isso que eu tenho para te ensinar. — disse, usando um
tom amargurado. — Amor vem com o tempo, mas lembre-se, amor não
enche barriga. A sua avó me dizia isso todos os dias.

Engoli em seco e sentei-me ao lado de mamãe, abraçando-a.

— Apesar de infiel, o seu pai era um bom marido e um excelente pai.


— ela murmurou. — E eu fui feliz com ele. — balançou a cabeça, sorrindo.
— Quando nos casamos, achei que fosse o fim, pois eu não o amava, mas
aprendi.

— O mundo mudou, mamãe... — beijei seu rosto e pousei uma das


mãos em sua nuca, afagando-a.

Por instantes, ela ficou pensativa, em silêncio, até que sua voz voltou.

— Você pode pensar que eu não te amo ou que não tenho coração,
mas já vi homens poderosos em situações parecidas com a de Juca,
cometerem loucuras... — disse baixinho, segurando uma de minhas mãos
com força.

— Esse é o seu medo? — ela voltou-se a mim com os olhos


marejados.
— Antes a prisão do que a morte. — sussurrou, unindo os lábios. —
Como sua avó dizia, contra a força, não há resistência e, nesse caso, somos a
resistência.

Dona Isidora Duran sempre foi uma mulher forte e, em raras ocasiões,
vi seus olhos lacrimejarem. Antes, eu não entendia a sua insistência em me
manter naquele relacionamento, mas, agora, tudo havia ficado claro.

— Está tudo bem? — a voz máscula nos fez olhar para trás, em
direção as escadas.

Graves.

— Está. — sacudi a cabeça, piscando algumas vezes para que as


lágrimas que ameaçaram sair, secassem.

— Então é ele? — mamãe abriu um imenso sorriso e colocou-se de


pé.

— E a senhora é a? — Graves me encarou e voltou-se a ela.

— Isidora Duran, mãe de Valentina. — esticou uma das mãos e


prontamente, Graves a pegou, beijando-a.

— É um prazer conhecer a senhora.

— Que cavalheiro. — ela riu, recolhendo a mão e voltou-se a mim. —


Observando com mais atenção, ele é um homem muito bonito.

— Eu sei. — Graves assentiu com a cabeça.

— E convencido. — revirei os olhos.

— Todos temos defeitos. — ele deu de ombros e rapidamente voltou


os olhos ao topo da escada. — Filha?
Mamãe me encarou, sem entender. Então, o choro canino ecoou e
pantera surgiu, abanando o rabo. Graves subiu alguns degraus e a pegou no
colo.

— Você está com fome, papai? — a ergueu no alto, fazendo um


beicinho e sem dizer nada, seguiu para a varanda do fundo.

Dona Isidora me lançou um olhar curioso.

— Ele é apaixonado por animais...

— Notei... — em meio a um sorriso, ela balançou a cabeça e respirou


fundo. — Bom, vou passar a manhã com vocês e pela tarde, vou para a sua
tia. Devo ficar alguns dias na cidade.

— A senhora é muito bem vinda, mamãe.

— Obrigada, meu amor. — assentiu com a cabeça e disse baixinho.


— Vou conversar um pouco mais com o seu “amigo”. — fez aspas com as
mãos, me fazendo corar.

Forcei um sorriso, sentindo o meu coração gelar e a observei ir atrás


dele. Por Deus, Graves, não fale demais! A minha mãe é como uma águia
pescadora; nada passa despercebido pelos seus olhos e ouvidos.
11. Fique longe do pato!
POR GRAVES WOLF

Ao ver um passarinho na varanda, Pantera aproximou-se curiosa. Sem


parar de abanar o rabo e um tanto desconfiada, esticou-se nas patas da frente,
como se estivesse com medo e quando o pardal bateu asas, ela pulou para
trás, mas, rapidamente, recompôs-se, latindo para o pássaro, que já estava
longe.

— Feroz! — murmurei, orgulhoso.

— Ela é sua? — Isidora, mãe de Valentina, parou ao meu lado,


mirando Pantera, que veio em sua direção, abanando o rabinho.

— Sim, é minha filha. — assenti com a cabeça e voltei-me a ela com


um imenso sorriso no rosto.

— Quando se trata de um animal, é incomum ouvir “minha filha” de


homens. — ponderou e, com razão.

— Eu não sou um homem comum. — respirei fundo e passei uma das


mãos pelos cabelos, jogando-os para trás.

— E que tipo de homem o senhor é? — afinou os olhos, analisando-


me.

— O que você realmente quer saber?

— Naturalmente, quero saber com quem minha filha está dormindo.


— uniu os lábios, fazendo com que as laterais dos olhos enrugassem.

Mirando-a com atenção, posso afirmar sem sombra de dúvida que


Valentina puxou a mãe. Os traços lembram bastante, exceto pelo
comportamento. Isidora parece ser mais objetiva e decidida. Confiança
ganhada com a experiência de vida.

— Que tipo de homem eu sou? — cruzei os braços ao repetir aquela


pergunta e respirei fundo, balançando a cabeça. — Eu diria que sou
determinado a concluir meus objetivos, não importam os obstáculos, eu vou
conseguir.

— Interessante... — deu um passo à frente e inclinou-se para acariciar


pantera, que prontamente a recebeu com lambidas nas mãos. — Valentina
comentou que você trabalha com café...

Arqueei a sobrancelha e esbocei um sorriso de canto.

— É um negócio de família.

— Daqui do interior de São Paulo?

— Minas Gerais.

— Parece ser rentável. — levantou-se e apressou o passo até o tanque,


para lavar as mãos.

— Com sabedoria, até pedra pode ser rentável.

Isidora mirou-me com um sorriso.

— Concordo. — disse, pegando uma toalha no varal e após enxugar


as mãos, tornou a mirar-me. — O senhor gosta da minha filha?

— Ela é extremamente irritante e eu adoro o seu jeito explosivo. —


rimos. — No geral, sim, gosto dela.

— Sabe quem é o ex-marido dela?

— O babaca com o mesmo sobrenome do cônsul romano? — assenti


com a cabeça. — Eu esperava mais inteligência de alguém com esse
sobrenome. — cruzei os braços.
— Inteligência não é o forte dele. Juca é adepto da força bruta. — ela
respirou fundo e escorou-se no tanque, mirando o jardim. — Ele é um
homem extremamente perigoso.

— Eu sei disso, por isso, estou aguardando o momento certo de matá-


lo.

Isidora voltou-se a mim com os olhos arregalados, perplexa com o


que eu havia acabado de dizer.

— V-V-Você não está falando sério, está?

— Depende. — afinei os olhos. — Ele estava falando sério quando


disse que mataria Valentina?

Isidora engoliu em seco e abaixou a cabeça. Após alguns segundos,


deu um longo suspiro e mirou os próprios pés.

— Se ele disse isso, então...

— Talvez eu só arranque as pernas dele. — caminhei em direção a


horta, visualizando mentalmente o que faria. — Dependendo do dia, eu posso
desmembrá-lo também.

— O quê?! — a voz de Isidora ofegou e quando espiei por cima os


ombros, ela estava atrás de mim, pálida.

— O pato. — apontei com o dedo, voltando a mirá-lo próximo a


horta. — Ele está bem gordinho, não acha? — tombei a cabeça para o lado.

— Ah... — ela soltou o ar dos pulmões, meio sem jeito. — Achei que
estivesse falando de Juca.

— Não se preocupe com ele, dona Isidora. A sua filha está segura
comigo. Eu garanto.
— Espero que você esteja certo...

Sem esticar a conversa, ela deu-me as costas e seguiu para dentro.


Provavelmente, ainda perturbada ao ter me ouvido dizer que iria matar Juca.

Sinceridade é tudo, não?!

Foi o prazo da mãe entrar para que a filha saísse e, como quem não
quer nada, Valentina aproximou-se, com as mãos unidas, balançando-se entre
um passo e outro.

— Oi.

— Ela veio especular. — respondi antes que perguntasse.

— É, ela me disse que faria isso. — Valentina sorriu e eu voltei-me a


ela, mirando seu rosto. — O que foi?

— O sol da manhã faz bem para você. Deixa a sua pele... —


gesticulou com uma das mãos, procurando pela palavra: — vivida.

— Obrigada. É raro ver você ser cavalheiro... — deu de ombros, me


rodeando.

— É, de vez em quando, os cavalos oferecem mais que coices. —


respondi no mesmo tom de deboche.

— Durou pouco.

— O que acha daquele pato? — apontei com uma das mãos.

— Ah, ele é bonito e... — Valentina subitamente arregalou os olhos.


— Não vai matar o meu pato.

— E qual a função de um pato além de ser assado? — cruzei os


braços.
— Você não é defensor dos animais?! — ela parou em minha frente,
cruzou os braços e fechou o cenho, irritada com a ideia.

— Sim, dos que eu não posso comer.

Valentina piscou algumas vezes e revirou os olhos. Após sacudir a


cabeça, marchou em direção a sede, mas não antes de parar e apontar o dedo
para mim, ameaçando-me:

— Fique l-o-n-g-e do meu pato!

— Quanta maldade... — afinei os olhos.

— Maldade é você querer depenar o bichinho...

— E por qual razão você o tem aqui? — cruzei os braços e ergui o


queixo.

— Pela mesma razão que te recebi; sou piedosa quando se trata de


animais. — ralhou, me fazendo morder os lábios.

Quando ela ficava furiosa, algo acendia dentro de mim. Era como se o
meu corpo clamasse pelo dela. Eu queria tocá-la, beijá-la e fazê-la minha.

Após o almoço, onde Isidora nos recheou com as peripécias que


Valentina aprontava na infância, despedimo-nos dela.

— Fico feliz que você e sua mãe se entenderam. — disse Clara,


puxando Valentina pela cintura para abraçá-la.

— Eu também. — Valentina respondeu, sorridente.

— Vou fazer um bolo de laranja. — Clara comentou e voltou-se a


mim. — Você gosta?

— Amo.
— Prometo caprichar. — assentiu com a cabeça.

— Não agrade muito, Clara... — Valentina afinou os olhos, mirando-


me. — Ele é ingrato.

Clara a encarou e depois me encarou. Sem saber o que dizer, apenas


riu e apressou-se em entrar. Quando percebi que a senhora havia tomado
distância, provoquei Valentina.

— Quer que eu pague pela minha estadia? Pela sua comida? — ergui
as sobrancelhas e antes que ela respondesse, comecei a tirar a camisa. — Vai
gemer a noite inteira.

— Vista-se, seu idiota! — veio em minha direção, mais que irritada e


endireitou a minha camisa.

— Ok, eu não pago. — dei de ombros e respirei fundo. — Que tal


organizarmos a sua horta?

— Como assim organizar a minha horta? — ela franziu a testa,


mirando-a. — O que há de errado com ela?

— Se você não vê, é realmente um problema. — uni os lábios. —


Está decidido, vamos organizar.

— T-T-Tá.

Depois de reunir algumas ferramentas, comecei o trabalho. Eu


precisava podar algumas plantas, remover outras que não iriam amadurecer,
além de também, cercar a horta ou aquele pato gordo iria comer as alfaces.

Valentina, por sua vez, sentou-se na área com pantera no colo.


Aparentemente, ela havia se rendido a fofura da minha filha. Quem não se
renderia, não é?

Tal pai...
Depois de um tempo, ela veio até mim, parecendo entediada. Sem
dizer nada, acompanhou-me com os olhos, fazer a poda de algumas
hortaliças.

— Qual o motivo?

— Garantir que continuem crescendo saudáveis? — respondi como se


fosse óbvio e ela rosnou.

— Não faça esse som pra mim. — afinei os olhos.

— Faço, sim! Você também vive rosnando.

— Eu posso, você não.

— Deus, dai-me paciência, pois se me der forçar, eu derrubo esse


homem com um soco. — resmungou, num tom irritadiço.

— Vê essa coloração perto da raiz? — ignorei a sua ameaça e apontei


para o amarelado nos pés das alfaces. — É ferrugem. Não presta mais.

— Elas estão tão bonitas... — gemeu e quando arranquei o pé,


jogando-o fora, ela pareceu ter sentido, fazendo um beicinho.

— Nem tudo que é bonito é saudável. — virei na direção das couves.


— Por exemplo, na mata; quanto mais colorida uma cobra for, mais venenosa
é.

— Sério?

— O mesmo se aplica aos sapos.

— Uau!

— Não ensinam isso na escola? — encarei-a rapidamente e Valentina


entreabriu a boca. — Ok, não precisa responder.
Por instantes, senti-me em um filme de terror. Os cabelos de
Valentina esvoaçavam para cima e os olhos haviam ficado completamente
pretos, como se o surto de raiva fosse acontecer a qualquer momento.

Não seria uma mera explosão; seria nuclear.

— O bolo! — disse Clara, que trazia uma bandeja com bolo e leite
achocolatado, rompendo a visão maligna diante de mim.

— Obrigada, Clara. — Valentina mudou bruscamente e, agora


sorridente, pegou o primeiro pedaço de bolo e o comeu de uma vez, corando.
— Ah, eu estava com fome.

É como dizem, uma mulher de barriga cheia não quer guerra com
ninguém...

Também peguei um pedaço e quando provei, senti meu rosto arder.


Rapidamente, peguei mais um pedaço e voltei-me a Clara.

— Está muito bom.

— Não fale de boca cheia. — Valentina rosnou para mim.

Revirei os olhos e engoli.

— Delicioso. — fiz um “ok” com uma das mãos.

— Obrigada.

Em seguida, nos servimos com leite e achocolatado. E é claro, peguei


mais dois pedaços de bolo. Após a pausa para o lanche, voltei ao trabalho.

— Ela sempre foi boa na cozinha. — Valentina disse toda orgulhosa.

— Devo concordar. A comida que ela prepara é muito saborosa.

— Vou tomar um banho. Vai demorar aí?


— Um pouco, mas devo parar para te ensaboar? — ergui as
sobrancelhas e Valentina corou e, imediatamente, cerrou os punhos.

Sem dizer nada, ela deu-me as costas e marchou para dentro,


arrancando-me um sorriso de canto.

Adoro te ver furiosa, mulher!

Sequer vi o tempo passar. Apenas dei-me conta de que estava tarde


quando Clara se despediu de nós. Valentina sentou-se na varanda com o meu
livro nas mãos e como eu já estava finalizando a cerca, decidi terminar o
trabalho.

Quando finalmente conclui a cerca, levantei-me, esticando os braços.


Eu estava exausto. Precipitei-me em direção a varanda, mas cessei o passo,
ouvindo alguém chegar. Ao mirar em direção a entrada do rancho, não havia
nada e, segundos depois, vários carros entraram.

Valentina franziu a testa, estranhando o movimento e quando viu os


carros entrarem em sua propriedade, colocou-se de pé. Mais que depressa,
correu para dentro.

— Vou chamar a polícia.

Os carros pararam e vários homens desceram, todos armados. Por


último, Juca Pompeu desceu, cheio de si. Usando um chapéu, ele o ajeitou e
deu alguns passos, parando a uma distância segura de mim.

— O que está fazendo aqui? — Valentina voltou, segurando o celular.


— Se não for embora, vou chamar a polícia.

— Já estou indo, meu bem. — jogou uma piscadela para Valentina e


voltou-se a mim. — Só vim dar um recado a esse indivíduo.

— E o que está esperando? — ergui as sobrancelhas, estufei o peito e


cruzei os braços.
— Não sei que tipo de aberração você é, pois nunca vi um homem
tomar tantos tiros e continuar de pé, mas, seja lá o que for, se não sair da
cidade até amanhã, eu vou te matar. — disse, em tom raivoso.

— Vai tentar de novo? — gargalhei. — A sua coragem me


impressiona. — passei os olhos pelos homens ao seu lado, que mantinham-se
de prontidão.

— Que caralhos é você?

— Eu sou a espada do arcanjo.

— Quê?! — Juca franziu a testa e voltou-se aos seus homens, que


emendaram um coro de riso, mas ele, não riu.

Por que iria rir? Seus olhos testemunharam o que digo ser.

— Capitão, talvez o senhor tenha errado os tiros. Esse aí é de carne e


osso. — um deles, o que segurava uma espingarda, comentou.

— Nunca errei um tiro. — ele respondeu, ofegando entre as palavras.

— Vou repetir a pergunta, Juca Pompeu. Que tentar de novo? —


afinei os olhos. — Só que dessa vez, não terei clemência.

— Você tem até amanhã, Graves Wolf. — disse e, em seguida, lançou


um olhar ameaçador na direção de Valentina.

Um a um, eles foram entrando em seus carros e aceleraram para fora


da propriedade. Respirei fundo e assenti com a cabeça.

Então, vai começar...


12. Sabe de uma coisa?
POR VALENTINA

Apesar de Juca e seu bando terem ido embora, eu permanecia


paralisada e com as pernas trêmulas. O que seria de mim? De nós? Era como
se mamãe estivesse ao meu lado, repetindo o que havia dito mais cedo.

“... já vi homens poderosos em situações parecidas com a de Juca.


Eles costumam fazer loucuras.”

Quando senti-me sendo abraçada, foi como se o sentimento do medo


tivesse sido arrancado com a mão. Pisquei algumas vezes e vi aquele homem
grande, com os braços envoltos em minha cintura e, sua mão pousou
suavemente em minha cabeça, deitando-a sobre seu peito.

— Não vou deixar nada de ruim te acontecer.

— O-O-Obrigada... — agradeci, sentindo meus olhos começarem a


arder.

— Sabe de uma coisa? — perguntou Graves, afagando meus cabelos.

— Hum?

— Apesar do seu temperamento, gosto de você. Gosto bastante. —


disse com bom humor.

Em outra ocasião, eu provavelmente lhe daria um soco, mas, naquele


exato momento, aquilo soou extremamente fofo.

— Eu também gosto muito de você.

— Quanto? — ele se afastou, mirando-me com curiosidade.


— Não sei.

— Do tamanho do meu pau? — arqueou uma das sobrancelhas,


esboçando um sorriso sacana.

— Você não muda mesmo. — revirei os olhos e o empurrei, sem


parar de sacudir a cabeça.

— E você quebrou o clima. — ele retrucou.

— Que Clima? — afinei os olhos. — Que clima, Graves Wolf?!

— Acha que eu não sei o quanto você me deseja, garotinha? — ele


rosnou de um jeito sexy, me fazendo corar.

— P-P-Pois isso é uma grande mentira! — cerrei os punhos e bati os


pés.

— Está me chamando de mentiroso? — entreabriu a boca e afinou os


olhos.

— Sim, estou.

— Olhuda. — soletrou, me fazendo piscar.

— Quê?

— Eu te chamei de olhuda; uma mulher de olhos grandes.

Franzi a testa e sacudi a cabeça.

— Qual o problema com os meus olhos? — ofeguei, preocupada,


passando ambas as mãos ao redor deles.

— O problema não são seus olhos, mas onde eles param sempre que
você conversa comigo. — e fazendo um beicinho, apontou para baixo; na
direção do seu pau.
— Escuta aqui, seu atrevido... — apontei o dedo em sua direção e ele
deu um passo à frente.

— Estou ouvindo.

— Eu não fico olhando para as suas coisas e... — Graves puxou-me


pela cintura, fazendo nossos corpos se chocaram e, sem titubear, beijou-me.

Cogitei socá-lo, mas já era tarde. O meu corpo havia amolecido em


seus braços, enquanto o desejo intenso acendia dentro de mim, feito um
vulcão prestes a entrar em erupção.

— Dessa vez eu vou lutar contra essa vontade... — ofeguei entre o


beijo, sem deixar de segurar seu rosto.

— Unhum... — ele respondeu, esfregando nossos lábios. — Quero


você lutando em cima de mim. — rosnou novamente, pegando-me no colo.

Graves empurrou a porta com uma das mãos e paramos no meio do


cômodo. Ao ajoelhar-se no chão, deitou-me no tapete da sala e segurou
minhas mãos, uma longe da outra, mirando-me, enquanto eu mantinha
minhas pernas em volta da sua cintura.

— Que olhos grandes você tem... — sussurrei baixinho, ao ver suas


pupilas dilatadas.

— É para te ver melhor.

— Que braços grandes você tem... — ofeguei entre as palavras,


sentindo o meu corpo inteiro arder de excitação.

— É para te carregar no colo.

— Que boca grande você tem... — mordi os lábios e fechei os olhos


quando ele avançou sobre mim, mordiscando o meu pescoço.
— É para te chupar inteira. — disse, entre as mordidinhas gostosas
que me causavam arrepios.

Antes que seus lábios chegassem ao meu umbigo, ele subiu com a
boca, mordiscando o meu queixo. Em seguida, chupou meus lábios sem
pressa, puxando-os contra si, enquanto apressávamos em nos despir.

— Por Deus, como a sua boca é boa... — ofeguei, segurando seus


cabelos, sentindo-o descer até minha boceta, beliscando-a com os lábios.

— Eu sei que é... — disse, cheio de si.

Quando pensei em xingá-lo, mordi os lábios. A sua língua havia me


invadido, iniciando um vai e vem intenso, que me fazia agarrar aos seus
cabelos, passando as pernas pelo seu pescoço.

Soltei seus cabelos e levei ambas as mãos aos meus seios,


massageando-os. Quando ele parou, puxou-me pela nuca e chupou os meus
lábios. Sem fôlego, ele se levantou e me puxou. Cambaleamos até a parede,
onde ele me prensou com seu corpo.

— Você é tão linda, sabia? — sorriu, mordendo os lábios, com a testa


encostada a minha. E, por fim, roçou o dedão em meu rosto, tirando a mecha
de cabelo que estava sobre ele. — Como mulher e como pessoa.

— E-E-Eu...

— Xiu! — cobriu meus lábios com o indicador e puxou umas das


minhas pernas, segurando-a pela coxa.

Arfei quando o senti se encaixar em mim, enquanto pressionava seu


peitoral contra os meus seios. Os movimentos eram lentos e profundos, às
vezes, obrigando-me a ficar na ponta dos pés.

Segurei em seu pescoço e passei a outra perna por sua cintura,


prendendo-me nele. O ritmo mantinha-se, com Graves fazendo questão de
sonorizar seus gemidos másculos e, cada vez mais excitantes em minha
orelha.

Era como se ele soubesse o quanto aquilo que excitava...

Quando nos cansamos daquela posição, ele me desceu. Fui em sua


direção e o empurrei, indicando-o para que ele deitasse no meio da sala, sobre
o tapete. Graves o fez sem hesitar. Aconcheguei-me em cima dele, sentando
em seu pau.

Ofeguei e levei as mãos para trás, apoiando-as em suas coxas e


comecei a quicar e rebolar, provocando-o, como ele havia feito comigo no
outro dia.

— Ah... — ele gemeu, deslizando uma das mãos pelo meu corpo,
enquanto usava a outra para massagear o meu clitóris com a ponta dos dedos.

Eu já havia perdido a noção de quanto tempo estava fazendo aquilo,


pois estava tão gostoso que... Gemi, cravando as unhas em sua pele e
intensifiquei os movimentos, sentindo mais um orgasmo chegar.

Graves, por sua vez, já havia me deliciado com duas gozadas e, dessa
vez, quem parecia incessante era eu, não ele. Aumentei o ritmo, quicando
com força, ao ponto de ele tombar a cabeça para trás, gemendo
constantemente, até que senti o meu corpo ser tomado pela mais pura
sensação do prazer.

— Graves... — gemi seu nome e, aos poucos, fui parando.

Tomada por uma fraqueza súbita, inclinei-me em sua direção e ele me


abraçou, deitando o meu rosto em meu peitoral. Ainda pulsando dentro de
mim e dando longos suspiros, senti seu beijo carinhoso em minha testa.

Por alguma razão, aquele gesto final, me fez corar e suspirar.

Exaustos, ficamos um bom tempo deitados no tapete da sala. Graves


enrolava meus cabelos com os dedos, enquanto eu alisava seu peitoral,
pensando em tudo e, ao mesmo tempo, em nada.
— Depois que se tornou homem, amou alguém? — perguntei, sem me
esquecer do amor que ele havia mencionado na adolescência.

— Talvez eu tenha amado e não tenha me dado conta. — ele suspirou


e quando o encarei, percebi que seus olhos estavam fechados. — Eu era
arrogante demais, até mesmo para amar.

— Ainda é.

— É, ainda sou, mas não como era. E você?

— Eu amava o meu ex-marido quando nos casamos, mas o tempo me


mostrou que era um sentimento que existia apenas em mim e, o próprio
tempo, se encarregou de matá-lo. — engoli em seco.

— De todas as mulheres que protegi, você é a única que fez meu


coração se acelerar. — ele contou, baixinho, como se não quisesse que eu
ouvisse.

— O que isso significa?

— Não sei.

— Eu sinto uns negócios bem estranhos quando estou com você, tipo,
agora... — confessei, meio que sem jeito.

— Estranhos como?

Se eu contar para ele que falto molhar a calcinha em certos momentos


quando estamos perto, ele vai ficar se achando ainda mais.

Recuso-me!

— Estranhos... — engoli em seco, fazendo-o gargalhar.


Automaticamente, soquei seu braço. — Do que está rindo?
— É que isso soa muito interessante. Geralmente, as mulheres que
estão comigo, querem apenas sexo e não se apegam, pois sabem que vai
chegar o momento em que eu irei partir para sempre.

Aquilo me fez engolir em seco.

— Quem disse que eu estou apegada a você?! — soquei-o novamente


e me levantei, procurando pela minha blusa.

Graves gargalhou novamente.

— Quer saber um segredo?

— Se for algo relacionado ao seu pau, eu chuto suas bolas. — rosnei,


vestindo minha blusa, em seguida, a calcinha.

— Eu adoraria viver o resto da minha vida com você nesse rancho.

Paralisei por inteira, conseguindo ouvir as batidas do meu coração,


lentas e compassadas.

— Por que está me dizendo isso? — perguntei, sem encará-lo.

— Para que você saiba que, pela primeira vez, vou sentir tristeza em
partir.

— Ah, mas isso ainda vai demorar... — dei de ombros.

— No ritmo atual, não muito.

— E como sabe? — voltei-me a ele.

— Apenas sinto. — respirou fundo e, em seguida, provocou-me: —


Também adoro te ver furiosa.

— Continue assim e te dou outro soco.


— Por favor... — pediu, fazendo um beicinho que me fez revirar os
olhos.

Respirei fundo e precipitei-me em direção as escadas, rumo ao meu


quarto. Tomei uma boa ducha e desci para procurar algo para comer. Ao
notar a ausência de Graves, fui para a área da frente.

— Graves? — chamei-o e, quando o vi de costas para mim, próximo a


uma das colunas da varanda, estranhei. Ele estava... — Seu porco! Mijando
na minha porta?!

— Marcando território. — ele me corrigiu.

— Por acaso você é algum animal?! — franzi a testa.

— Apenas em noites de lua cheia. — retrucou e depois de dar alguns


pulinhos, voltou-se em minha direção. — Não se esqueceu disso, esqueceu?

Engoli em seco e respirei fundo.

— Às vezes, eu me esqueço.

— Pois trate de se lembrar. Amanhã é noite de lua cheia... —


caminhou em minha direção e afinou os olhos. — Você já sabe que tipo de
fera eu sou, não sabe?

Sacudi com a cabeça, sentindo meu corpo inteiro se arrepiar.

— Eu já gravei o seu cheiro e o meu subconsciente sabe que preciso


proteger você. Urinar na sua porta vai garantir que eu não destrua a sua casa.

— C-C-Como assim?

— A primeira noite é complicada, mas, depois, as coisas ficam mais


tranquilas. — ele sorriu sem mostrar os dentes.

— Complicada como?
— O lobo está adormecido há um bom tempo, ou seja, está sedento.
— e dizendo aquilo, ergueu o indicador. — Por isso, vamos estabelecer
algumas regras.

O meu coração palpitava cada vez mais rápido.

— Primeiro, não sair de casa em noites de lua cheia quando anoitecer


e, segundo, cuide da minha filha, a pantera. Ela gosta de dormir na cama.

Pisquei algumas vezes. De imediato, pasma com a realidade que tudo


trazia, mas depois...

— Está preocupado com a sua cachorra? E se você me matar?! —


minha garganta secou.

— Claro que estou, ela ainda é filhote. — retruquei de imediato e


cruzei os braços. — Não há a menor possiblidade de eu te matar.

Abaixei a cabeça, cogitando a pior das possibilidades. E se salgo


desse errado? E se ele aparecesse na minha frente como fera e...

— Apenas confie em mim. — ele disse e quando encarei-o, Graves


tombou a cabeça para o lado. — Eu ainda não te decepcionei, nem vou.

— Tudo bem. — assenti com a cabeça.

Apressamos o passo para dentro, andando lado a lado.

— Como fera, você é... — gesticulei com uma das mãos.

— Horrendo? A maioria dos homens se borra quando me vê.

— V-V-Vamos mudar de assunto... — pedi, prendendo a respiração.

— Terminou de ler o livro? — ele perguntou, indo em direção a


geladeira.
— Ainda não.

— Deveria continuar lendo, até o fim. — ao pegar uma pera, virou-se


para mim, jogando uma piscadela.

— Farei isso...

Sem estender a conversa, subi para o meu quarto. Quando sentei na


cama, me fiz muitos questionamentos, mas, nada se comparava ao que
martelava a minha mente desde que tocamos no assunto da lua cheia.

Sei que ele está aqui para me proteger, mas se deparar com a
personificação das lendas, não me soa nada atrativo. Pode soar rude, mas eu
não quero conhecer a fera que habita em você, Graves Wolf...
13. Como quebro a maldição?
POR VALENTINA

Graves dormia feito um anjo, com a sua inseparável companheira ao


lado, pantera. Eu, por outro lado, passei a noite em claro, com sentimentos e
questões inoportunas que surgiram, uma atrás da outra, bagunçando a minha
cabeça.

Por que isso agora? Esse aperto no peito com a ideia de ele partir e
eu nunca mais vê-lo?

Definitivamente, não! Eu não estou apaixonada pelo arrogante Graves


Wolf. Quer dizer, ele é o pedaço de mau caminho que qualquer mulher
adoraria percorrer, mas isso nunca daria certo...

Graves, o Lobão, é um homem amaldiçoado. Um homem que surgiu


dos livros. Como ele poderia ficar aqui, comigo? Isso é impossível.

No fim das contas, tudo é tão estranho. Ele surgiu do nada e vai
embora do nada. Não é nada disso que está parecendo... É só que, talvez, eu
sinta falta da sua companhia, arrogância e das nossas brigas diuturnas.

“Terminou de ler o livro? Deveria continuar lendo, até o fim”.

Lembrei-me do que Graves havia me dito mais cedo e girei a cabeça


para o lado, mirando o grande livro de couro, marcado por garras em cima do
criado-mudo. Passei longos segundos admirando-o, mas a minha cabeça
estava tão cheia com tudo que estávamos passando que eu resolvi adiar a
leitura para o dia seguinte.

Fui dormir às três da manhã e acordei às seis, em ponto. O homem


grande e de cabelos que cobriam o rosto, seguia adormecido na cama.
Respirei fundo e tomei uma ducha rápida. Depois que troquei de roupa,
deixei um bilhete grudado no lado de dentro da porta, avisando que iria dar
uma saída e que logo estaria de volta.

Eu precisava espairecer.

Dirigi até a cidade e, por acaso, passei na porta da livraria que


pertencia aquela senhora, Lady Bramaum. Imediatamente, uma luz surgiu em
minha cabeça. Se havia alguém que poderia me dar respostas, era ela.

Estacionei o carro na porta e desci. Ao me aproximar, deparei-me


com o aviso: “Luto em família. Seguiremos fechados por sete dias”.

Será que ela morreu?

O cartaz trazia a data de ontem, ou seja, eles só iriam abrir na semana


que vem e, com sorte, talvez tenha sido outra pessoa que partiu, ao invés de a
autora de “O Predador”. Seja lá quem foi, que Deus o tenha.

Como eu já estava ali, atravessei a rua e fui tomar algo na cafeteria


que ficava quase de frente. Pedi um capuccino e sentei-me em uma das mesas
ao fundo. O lugar estava razoavelmente cheio. Passado alguns minutos, uma
das moças trouxe a bebida quente. Agradeci com um aceno de cabeça e
respirei fundo, tocando a bebida com os lábios.

Delicioso!

— Posso me sentar com você? — girei a cabeça para o lado e quando


a vi, meus olhos faltaram saltar.

Ela usava um terno preto e saltos baixos. Os cabelos brancos, estavam


presos em um coque.

— Senhora Bramaum?! — levantei-me, boquiaberta.

— Cruzes, querida. — ela sacudiu a cabeça e esboçou um sorriso


tímido. — Você me olhou como se eu fosse um fantasma...

— É que na porta da livraria...


— Minha neta. Ela fazia tratamento de câncer há um tempo. —
suspirou e sentou-se em uma das cadeiras. — Descansou. Essa é a verdade.

— Ah... — engoli em seco e abaixei a cabeça. — Eu sinto muito. —


prestei minhas condolências e sentei-me novamente.

— Obrigada. — Lady Bramaum assentiu com a cabeça e voltou-se a


mim. — Algo me disse para vir aqui hoje e, cá estou, surpresa com quem
encontrei.

— Talvez seja o destino. — dei de ombros.

— Como estão as coisas? — ergueu as sobrancelhas.

— Estranhas... — resmunguei baixinho.

— Imaginei. — torceu a boca. — Como ele está?

— A senhora o conhece? — não escondi meu espanto.

— Eu escrevi a história dele. Como não o conheceria?! — balançou a


cabeça e deu um longo suspiro. — Graves Wolf, o Lobão.

— Deveria tê-lo apelidado de egomaniaco ou senhor arrogante. —


franzi a testa, dando minha sugestão.

Lady Bramaum sorriu e assentiu com a cabeça.

— Acho que também ficaria bom.

— É... — respondi sem jeito, lembrando-me da razão de estar ali.

— Sinto que quer me perguntar algo...

Engoli em seco e assenti com a cabeça.


— Como quebro a maldição do Graves? — subitamente, pousei
minhas mãos sobre as suas, quase que suplicando por uma resposta.

Lady Bramaum alinhou os olhos nos meus e, por instantes, a senti


penetrar minha alma.

— Você o ama, não é?

— Não... De jeito nenhum! — neguei com a cabeça tantas vezes que


fiquei tonta. — Eu jamais iria me apaixonar por um brutamontes feito ele. —
dei de ombros e cruzei os braços.

— Ah, isso é uma pena. — ela se entristeceu e abaixou a cabeça. —


Somente o amor pode quebrar a maldição de Graves. E quando digo amor,
me refiro ao verdadeiro e puro amor.

Senti o meu coração tremular com aquelas palavras.

— E, supondo que eu o ame. Só isso é o suficiente?

— Bom, eu não sei. — deu de ombros. — Nunca ninguém me fez tal


questionamento e, também, essa é a primeira vez que chegamos a esse ponto.

— Como assim a primeira?!

— Acho que ele já deve ter lhe dito que as mulheres nunca o viram
como algo além de prazer passageiro, afinal, o homem do livro amaldiçoado,
sempre retorna para o livro.

— Entendo... — abaixei a cabeça, imaginando como deve ser


horrível, mesmo para um homem, ser visto apenas como um objeto.

Quer dizer, as pessoas cansam de foder, não cansam?! E, ele é tão


fofo quando quer ser, mas, não vamos nos esquecer de que, na maior parte do
tempo, ele segue sendo um insuportável e arrogante.

— De todo modo. — Lady Bramaum tombou a cabeça para o lado e


esboçou um pequeno sorriso. — Enxergo em seus olhos o fim da prisão de
Graves Wolf.

— O que isso quer dizer? — sacudi a cabeça, tentando entender tais


palavras.

— Eu não sei explicar, mas é o que sinto, Valentina. — ela assentiu


com a cabeça e se levantou. — Bom, agora preciso ir. O velório será às oito.
— acenou com uma das mãos e apressou-se em direção a saída. — Até outro
dia, mocinha.

— Até... — respondi baixinho.

Terminei o meu capuccino e acabei pedindo outro. Graves adoraria


provar um daqueles. Depois de pagar a conta, segui para casa.

Assim que apontei na entrada do rancho, o meu coração parou. Em


frente a sede, haviam várias viaturas. Uma sensação ruim apossou-se de mim
e quando estacionei, vi Graves sair do sobrado, algemado.

Rapidamente desci do veículo e corri em sua direção.

— O que está acontecendo? — perguntei ao policial.

— Ele foi acusado de assassinato. — a voz familiar me fez girar o


corpo para trás.

Juca.

— Isso é obra sua, não é? — senti meu corpo inteiro fervilhar de ódio.

— Minha? Eu não matei ninguém.

— O suspeito será levado detido e seguirá em prisão preventiva até


que as investigações sejam concluídas. — um dos policiais respondeu.

— Fique tranquila. — disse Graves, despedindo-se de mim com um


sorriso, antes de ser colocado na viatura. — Aliás, eu li seu bilhete. A sua
letra é horrível.

Isso é hora de falar da minha letra, seu grande idiota?!

— Como vou ficar tranquila?! — acompanhei-o, parando ao lado da


viatura. — Você está sendo preso injustamente.

— Se formos analisar os eventos passados, não. — ele sacudiu a


cabeça. — Contudo, desde que cheguei, não cometi nenhum crime. —
defendeu-se, com bom humor.

— Quem foi morto? — voltei-me ao policial.

— Um pescador na noite passada e a descrição do suspeito, feita por


testemunhas, bate com a do senhor Graves.

Rapidamente voltei meus olhos a Juca, que apenas deu de ombros. Eu


sabia que havia, não só os dedos, mas o seu dinheiro, nesse teatro fajuto.

— Ele passou a noite comigo. — apresentei o primeiro álibi.

— A senhorita pode dizer isso ao delegado. Até lá, ele está sob a
custódia da polícia.

E sem me permitir seguir com os questionamentos, o policial entrou


na viatura.

— Cuide da minha filha! — Graves gritou do carro, exibindo um


largo sorriso.

Por instantes, quis rir, mas a situação não me permitiu.

Fiquei parada, observando-o ser levado. Pouco a pouco as viaturas


seguiram caminho e sobrou Juca, exibindo um sorriso vitorioso.

— Primeiro, vou acabar com ele e, depois, vou me entender com


você.

Cega pela raiva, não vi quando fui em sua direção. Quando voltei a
mim, pisquei algumas vezes, vendo Juca caído no chão, passando as mãos na
boca ensanguentada. Ao olhar meu punho, ele estava cortado.

— Não te matei da primeira vez, mas não vai ter uma segunda, Juca
Pompeu. — adverti-o e segui pisando duro rumo a porta principal. —
Apareça na minha propriedade mais uma vez e eu te mando para o quinto dos
infernos. — disse, furiosa, sentindo todo meu corpo tremer.

Não era só raiva. Havia medo, mas não só em mim. A expressão nos
olhos de Juca, deixava claro que, agora, mais que nunca, ele pensaria duas
vezes em tentar fazer qualquer coisa comigo.

— Vai pagar caro por isso, vagabunda! — rosnou, levantando-se do


chão.

Observei-o partir e quando seu carro finalmente sumiu, soltei a


respiração, sentindo minhas pernas tremerem. Entrei e tomei um copo de
água. E, sem saber o que fazer, rendi-me ao choro.

Isso não pode estar acontecendo... pensei, esfregando o rosto, em


meio as lágrimas.

— Bom dia... — a voz de Clara travou e ela rapidamente veio em


minha direção. — O que aconteceu? Eu vi Juca no caminho. Ele te fez algo?
— perguntou, sentando-se ao meu lado.

— Não comigo... — funguei, voltando-me a Clara. — Graves foi


preso.

— Quê?! — Clara ficou branca quando contei. — Como assim? Sob


qual acusação? — franziu a testa, abraçando-me junto ao seu corpo.

— Assassinato.
— Deus...

— Juca inventou isso. Ele deu algum jeito de incriminar Graves e,


agora, ele está preso... — murmurei, chorosa. — É tudo culpa minha.

— Maldito homem demoníaco... — Clara sussurrou e abraçou-me


com mais força. — A verdade sempre vence.

— Na maioria das vezes, o dinheiro fala mais alto que a justiça, Clara.
— engoli em seco, tratando a situação com sensatez.

Depois de um tempo atordoada, recuperei a sanidade. Coloquei-me de


pé, enxuguei as lágrimas e respirei fundo.

— Se Juca quer brigar, vamos brigar. — disse a mim mesma. Peguei


a bolsa em cima do sofá e fui em direção a porta.

— Onde você vai?

— Para a delegacia, garantir uma defesa justa a Graves Wolf. —


estufei o peito, parando na varanda. — Cuide da pantera.

— Você está preocupada com a cachorra?!

— Não é uma cachorra qualquer, Clara. — assenti com a cabeça. — É


a filha dele e lembre-se disso. — respirei fundo e apressei os passos em
direção ao carro.

— Devo ligar para a sua mãe? — perguntou.

— Em hipótese alguma conte a ela sobre o que aconteceu. —


determinei e entrei no veículo, acelerando-o em direção a cidade.

Espere por mim, Graves.

Dessa vez, seu grandíssimo idiota, sou eu quem irá te proteger!


14. A noite do lobo.
POR GRAVES WOLF

Imaginei que os eventos pudessem se desenrolar de forma


complicada, mas ser preso? Definitivamente, isso não passou pela minha
cabeça.

— Graves Wolf, certo? — o delegado de olhos puxados pousou


ambas as mãos sobre a mesa. Ao mirar seu crachá, li seu nome, Bartolomeu
Hisaka.

— Até que seja provado o contrário, é isso mesmo, senhor Hisaka. —


respondi, ainda incomodado com as mãos algemadas para trás.

O velho me lembrava um daqueles samurais de filmes japoneses. A


diferença é que ele tinha um enorme bigode grisalho, no mesmo tom dos
cabelos e usava vestes atuais, mas se lhe dessem uma katana — modelo de
espada japonesa —, certamente, eu diria que se tratava de um espadachim.

— Quantos anos você tem?

— Setenta e oito. — o delegado piscou algumas vezes.

— Quantos?!

— Vamos direto ao ponto. Por qual razão estou aqui? — pulei as


apresentações. — Tanto eu, quanto você, sabemos que isso é pura encenação.

— De fato. — ele suspirou e colocou as costas na cadeira, cruzando


os braços.

Por longos segundos, os olhos puxados, ficaram ainda mais esticados.


Como diria aquele meme viral: Neiva do céu, só o sinarzin.
— O senhor está aqui por se envolver com a mulher do homem mais
poderoso da cidade...

— Ex-mulher. — interrompi-o e ele deu um longo suspiro.

— É, que seja. — acenou com uma das mãos. — E, em uma cidade


como a nossa, a política e o dinheiro são o que ditam as regras. — disse,
endireitando-se na cadeira e, em seguida, aproximou o rosto do meu. —
Entende isso?

— Corrupção.

— Cuidado com as palavras, rapaz. Estou tentando te ajudar. —


Hisaka usou um tom de advertência.

— Com algemas? — ergui as sobrancelhas. — Os brancos também


diziam isso quando escravizaram os negros. Um ponto interessante é que,
inclusive, liam a bíblia para eles, amparando-se nela para a manutenção do
sistema escravocrata.

Hisaka sacudiu a cabeça e menosprezou a analogia que fiz com a sua


“ajuda”.

— Você tem duas opções, por isso, ouça bem...

— Saia da cidade ou morra. — atravessei suas palavras e assenti com


a cabeça. — Sempre dizem isso.

— E o que vai ser?

— Não vou sair da cidade.

— Rapaz... — ele insistiu, entre sussurros. — Juca Pompeu é um


homem perigoso. Você não está entendendo a situação aqui. — socou a mesa,
visivelmente irritado.

— Senhor Hisaka, sob o manto da lua, eu sou o maior dos predadores


e espero que entenda isso enquanto respira. — alinhei meus olhos nos seus.

— Tirem-no da minha frente! — ele se levantou e, aos berros,


ordenou que os policias me levassem para uma das celas.

Dois homens me levaram para uma cela e eu não ofereci resistência.


Eu poderia derrubá-los facilmente, mas nada acontece por acaso. Se aqui
estou, é aqui que as coisas devem começar a fluir.

A delegacia contava com seis celas, mas apenas duas, além da minha,
estavam ocupadas. Uma com um único preso, encolhido no canto e outra com
outros três.

— Ei, ei...

Ao erguer o rosto, mirei um dos presos segurando nas grades. Ele


esboçou um sorriso de canto.

— Está vendo esse cara que está na cela em frente a sua? Ele é um
maldito estuprador. Abusou de uma garotinha de dez anos.

— Isso não é verdade! — o homem gritou ao fundo, encolhendo-se


ainda mais. — Eles estão mentindo. Estão mentindo. — repetiu, quase que
em desespero.

Em quem acreditar? Seja como for, bandido é bandido.

— E o que você fez?

— Qual é, irmão? — ele bateu as mãos no peito. — Sou do tráfico.


Matei um vacilão que não pagou as drogas e vim parar aqui. Negócios,
irmão.

— No fim, dois lixos. — levantei e me aproximei das grades,


segurando-as. — Espero que fiquem vivos até o amanhecer.

— Tá me tirando, maluco?! — o cara apontou o dedo em minha


direção e bateu as mãos no peito novamente. — Fica ligado, hein?! Fica
ligado?! — disse, repetindo o gesto com o dedo.

Isso foi uma ameaça? Eu deveria clamar pela minha vida agora?
Pobrezinho, não sabe o que a noite lhe reserva.

Sentei-me novamente e respirei fundo.

Então, é isso, Graves Wolf. Preso por um falso crime, enquanto a


mulher que você deveria proteger, está vulnerável.

Esfreguei o rosto, enfurecendo-me.

— Quando eu sair daqui, vou te despedaçar, Juca Pompeu. —


murmurei.

Depois de um tempo, ouvi uma voz familiar. Parecia estar


acontecendo uma discussão.

— Quero vê-lo, é um direito meu e dele.

— Senhorita Duran...

— Não me enrole, senhor Hisaka. Abra logo essa porta! — o tom de


voz soava feroz.

Ouvi o trinco da porta se abrir e, em seguida, saltos ecoando pelo


corredor que dividia as celas. Poucos segundos depois, a silhueta feminina
surgiu em frente ao meu “recinto”.

— Graves... — disse quase que sem ar.

— Valentina... — imitei-a.

Ela automaticamente revirou os olhos e segurou nas barras de ferro da


cela.
— Pelo visto, você está bem o suficiente para fazer piadas.

— Entediado.

— Já contratei um advogado e falei com as minhas amigas. Elas estão


mexendo alguns pauzinhos. O que está acontecendo é completamente injusto.
— disse, aflita. — Na verdade... — abaixou a cabeça. — É culpa minha.

Levantei-me e caminhei em sua direção. Pousei uma das mãos sobre a


sua e, com a outra, ergui seu queixo, alinhando nossos olhos.

— Sentiu a minha falta? — usei um tom sexy e ela subitamente


corou.

— Isso não é hora...

— Sentiu ou não?

— Claro que não! — cruzou os braços, virando o rosto para o lado,


arrancando-me um sorriso.

— Como está a minha filha?

— Clara está cuidando dela.

— Ótimo. Quando for dormir, não a deixe dormir sozinha. Ela não
gosta.

— Graves! — o tom de repreensão veio de imediato, fazendo-me


arregalar os olhos. — Você está preso por um crime que não cometeu e age
como se isso não fosse nada.

— E não é. — tombei a cabeça para o lado e admirei seu belo rosto,


que trazia aquela expressão preocupada. — Hoje é noite de lua cheia.

Os olhos de Valentina se arregalaram e ela engoliu em seco. Balancei


a cabeça positivamente e levei ambas as mãos a cintura.
— A noite do lobo... — ela sussurrou, piscando algumas vezes.

— Já sabe o que fazer? — perguntei e a resposta veio com uma


confirmação de cabeça. — Não saia de casa e cuide da minha filha. Amanhã
eu já não estarei aqui.

— Você pretende fugir? — ela disse entredentes, trazendo um misto


de apreensão e surpresa na face. — Será considerado foragido da justiça.

— Se importa comigo? — ergui as sobrancelhas e ela corou


novamente. — Em todo caso, isso é indiferente. Eu sou Graves Wolf, o
Lobão. — joguei-lhe uma piscadela.

Havia uma hesitação e receio em sua expressão. Por mais que ela
soubesse exatamente o que eu era, ela se importava. E, isso me fez sentir algo
que eu não sentia há muito tempo. A sensação de alguém se lembrar de mim,
de me querer bem.

— Confia em mim? — segurei suas mãos.

— Confio.

— Vou te proteger, custe o que custar. E, pare de se preocupar


comigo. Eu sou a prova de balas, lembra? — ela sorriu e sacudiu a cabeça.

— Por favor, fique bem. — pediu, unindo os lábios.

—Digo o mesmo a você. — levei uma das mãos ao seu rosto e o


acariciei. — Agora vá.

Aos poucos, Valentina se afastou, sem tirar os olhos de mim. Os olhos


marejados e aquela expressão de tristeza que partia o meu coração.

— Estou te esperando, Lobão. — sussurrou e apressou o passo em


direção a saída.
— Eu sei... — respondi, abaixando a cabeça.

— Quem é a gostosa? — o mesmo chato de antes me chamou.

— Se chamá-la de gostosa novamente, vou arrancar a sua traqueia


com um soco. — fulminei-o com os olhos, fazendo-o sumir nas sombras da
sua cela.

Por que a maioria dos homens é tão idiota?!

Deitei na cama de pedra, com um colchão mais fino que o meu


indicador. Acabei tirando um cochilo, mas tive meu sono interrompido por
aquela voz irritante, que aguçava o instinto primitivo adormecido dentro de
mim.

— Graves Wolf... — abri os olhos, mirando o teto.

— Juca Pompeu. Ao que devo a honra? — sentei-me, apoiando ambas


as mãos nos joelhos.

— Diga-me, o que você é?

— Acredita em lendas? — esbocei um sorriso de canto, mirando-o.

— Acredito no que eu posso matar e eu descarreguei uma automática


em você. — disse, parecendo mais seguro que antes, com aquelas grades nos
dividindo. — Como você está vivo? — ergueu o tom de voz.

— Acho que a sua pontaria não é muito boa. — usei um tom de


deboche e ele socou uma das barras.

— Eu nunca errei um tiro, seu merda! — ralhou, começando a andar


de um lado a outro. — O que você é?

— Está mesmo pronto para descobrir? — levantei-me e caminhei em


sua direção. Conforme eu me aproximava, ele recuava.
— Vou te matar e vou picotar seu corpo inteiro. — confessou seus
planos, num tom de raiva que eu raramente havia visto.

— Engraçado... — cruzei os braços e afinei os olhos. — Eu tive a


mesma ideia. A diferença é que... — deslizei o indicador pelas grades. —
Primeiro eu vou arrancar as suas pernas e, depois, vou mastigar os seus
braços, com você vivo, é claro.

Os olhos de Juca faltaram saltar do rosto.

— Mastigar? — ele sacudiu a cabeça, recompondo-se. — Você é


algum tipo de animal?!

— E se eu for? O que pretende fazer a respeito? — segurei nas


grades, aproximando meu rosto do espaço entre elas. — Bu! — fiz o som
com a boca e bati o pé.

Aquilo foi o suficiente para toda a coragem de Juca sumir e ele


cambalear para trás, batendo as costas na cela que ficava em frente à minha.

Gargalhei como se não houvesse amanhã.

— Seu desgraçado! — ergueu o punho. — Você será transferido


amanhã, mas não irá chegar ao seu destino. Enquanto isso, darei o pior do
destino a ela.

O meu coração acelerou-se e senti o meu corpo ser tomado pela ira.
Segurei as barras da cela e centrei meus olhos nos dele.

— Você não viverá o suficiente para machucá-la. — lembrei-o,


enfurecido.

— É o que veremos, Graves Wolf...

E sem estender a discussão, apressou o passo em direção a saída. Eu


estava quase ensandecido de ódio. Como ele se atreve a dizer que irá tocar
nela? Ele não teme a morte?
Paciência, Graves. Paciência... disse a mim mesmo, mirando a janela
da cela. Já estava entardecendo.

Por mais que eu tentasse me acalmar, a realidade era nua e crua.


Enquanto eu estiver preso, Valentina corre perigo e isso é ruim, mas se ele
tocar nela...

— Darei a Juca um destino pior que a morte. — murmurei, cerrando


os punhos.
15. Até que o amor o liberte...
POR VALENTINA

— Aquele filho de uma puta! — Miranda socou a mesa, furiosa.

— Dona Maria não tem culpa de ter o filho que tem. — suspirei,
mantendo-me de braços e pernas cruzadas, com as costas coladas na cadeira.
E, por instantes, tombei a cabeça para trás, mirando o céu. — Não consigo
parar de pensar que isso tudo é culpa minha.

— Não vamos culpabilizar a vítima. — Ariana pegou a garrafa de


vinho, enchendo sua taça até a boca e, sem demora, deu um gole. — Homens
abusivos são experts nisso.

— Ah, ainda assim, me sinto mal. — dei de ombros, sentindo meu


coração apertado.

— Já informou o juiz das aproximações de Juca? — Miranda esticou


a mão e pegou a garrafa, bebendo no bico.

Confirmei com um aceno de cabeça.

— Aproveitei que estava na delegacia e fiz um boletim de ocorrência


e enviei o número do protocolo para o advogado.

— Ótimo. — Miranda deu outro gole na garrafa e assentiu com a


cabeça. — Deus, se eu pudesse, Juca já teria partido dessa para melhor.

— Curuzes! — Ariana a encarou, com os olhos arregalados.

— Matar ou morrer, amiga. — ela defendeu-se.

Ao se dar conta que o comentário não caiu bem, ambas me


encararam.
— Foi mera figura de linguagem... — Miranda pousou a mão sobre a
minha, visivelmente arrependida das últimas palavras.

— Bocuda! — Ariana revirou os olhos.

— Estou tentando ajudar! — Miranda resmungou e respirou fundo,


trazendo o rosto para frente antes de apertar a minha mão com força. — Quer
dormir aqui hoje? Você está sozinha em casa e...

— Não. — balancei a cabeça. — Fiquem despreocupadas, eu vou


ficar bem, ok? — esbocei um sorriso não tão otimista e me levantei. — Vou
indo. Nos falamos pelos whats, ok?

— Ok. — Miranda despediu-se com um aceno.

— Fique tranquila, Val. Logo o seu bonitão deixa a prisão e volta a te


fazer companhia. — Ariana ergueu a taça, exibindo um sorriso de ponta a
ponta.

— Assim espero... — murmurei, adiantando-me até a saída.

No caminho para casa, a minha mente estava focada na conversa que


tive com Graves. Ele tratou tudo com tamanha naturalidade que não sei se
sinto alívio ou fico mais preocupada. De todo modo, ele sabe se cuidar.

Ao chegar no rancho, estacionei e entrei em casa. Deparei-me com


pantera, choramingando. Ela estava inquieta, andando de um lado a outro.

— Está com saudades dele? — peguei-a no colo e sentei-me no sofá.


Então, a ergui na altura do meu rosto. — O seu pai logo volta.

— Está conversando com a cachorra? — Clara surgiu na entrada da


sala, com os braços cruzados e as sobrancelhas erguidas.

— Acho que estou pegando as manias de Graves...


— E falando nele, como foi lá na delegacia?

— Discuti com o delegado e disse que não podiam mantê-lo detido


sem provas, mas ele argumentou que ele, por hora, é apenas um suspeito e,
por isso, seguiria preso. — suspirei, colando as costas no sofá e ajeitei
pantera em meu colo.

— Que Deus o proteja. — Clara sacudiu a cabeça e levou ambas as


mãos a cintura. — Não faça essa carinha triste. Eu odeio te ver assim...

— Sabe do que me lembrei? — esbocei um sorriso bobo, sentindo


meus olhos arderem. Então, mirei Clara. — Desde que Graves chegou, me
esqueci de como era a tristeza.

— Você gosta dele?

Clara aproximou-se e eu assenti com a cabeça. Ela sentou-se ao meu


lado e puxou-me para um abraço, beijando a minha testa.

— A justiça sempre vem à tona. Lembre-se disso.

— Vou me lembrar. — respondi, com a voz embargada.

Depois de alguns segundos, Clara se levantou e bateu as mãos no


colo.

— Vou fazer aquela torta de limão que você adora. — fez um “ok”
com as mãos e adiantou-se, cheia de empolgação, rumo à cozinha.

— Obrigada. — agradeci.

Coloquei a pantera no chão e subi para o meu quarto. Após tomar


uma ducha relaxante, joguei-me na cama e me perdi num longo sono.
Acordei com Clara me chamando.

— Quer que eu pose aqui hoje?


— Não, obrigada.

— Tem certeza? — insistiu.

— Se tiver que acontecer algo, vai acontecer com ou sem você aqui.
— fui objetiva quanto as suas preocupações. — E, caso eu precise correr, vai
ser mais fácil se eu estiver sozinha.

Clara franziu a testa e sacudiu a cabeça.

— Que loucura, menina. Você já trabalha com a pior das hipóteses.


— resmungou, em tom de repreensão.

— Enfim... — levantei-me, pousando ambas as mãos na cintura. —


Vá, pois já anoiteceu.

— Amanhã de manhã estou de volta. — assentiu com a cabeça.

— Vou jantar sua torta. — joguei-lhe uma piscadela, arrancando-lhe


um sorriso tímido.

Quando finalmente fiquei a sós com pantera, peguei o meu livro e


segui para a varanda da frente. Ela me acompanhou e quando sentei na
cadeira de balança, a pequena aconchegou-se em cima dos meus pés.

Abri o livro e dei-me conta de que já estava quase no fim da história


de Graves Wolf, o Lobão. Respirei fundo e reiniciei a leitura.

[...]

O vento, raro naquela época do ano, chacoalhava o topo das árvores e


cortava seus troncos, atingindo os desprotegidos com seu o ar quente. Um
pouco mais a frente, um grupo de homens correndo atrás de uma garota,
Lissandra, que fugia do marido — um casamento forçado com um homem
mais velho.

— Pegam-na. — o velhote barrigudo ordenou, temendo que a garota


conseguisse fugir.

— Vão! Vão!

— Se ele aparecer, matem-no. — o velhote emendou.

Segui a espreita, entre arbustos. Pela primeira vez em todos esses


anos, deparei-me com um contratempo. Enquanto for amaldiçoado, sou
imortal, mas, balas de prata conseguem me paralisar por alguns segundos,
além de causar imensa dor. O sol da manhã já apontava no horizonte,
indicando que o meu tempo era curto.

Ouvi um grito ao longe, eles conseguiram alcançá-la e, sem hesitar,


respirei fundo e fechei os olhos, libertando a fera dentro de mim. A minha
visão mudou, envolvendo-me em uma espécie de daltonismo de tom
completamente vermelho. Aos poucos, fui perdendo a consciência, mas o
cheiro dela, tornava-se cada vez mais intenso ao meu olfato.

Lembro-me apenas do som de tiros e gritos. Ao acordar, eu estava


acorrentado em uma árvore, com vários homens ao meu redor.

— Então você é mesmo um lobisomem... — o velhote se aproximou e


cuspiu aos meus pés. — Diferente das lendas, balas de prata apenas te deixam
atordoado. Então, me diga, o que mata uma espécie de monstro feito você?

Aos poucos, a silhueta embaçada diante de mim, ganhou forma.

— Nada pode me matar.

— Nada? — ele riu e voltou-se a um dos homens ao seu lado. —


Cortem a cabeça.

Um homem pegou um machado e o segurou com as duas mãos, mas


parecia hesitante em cumprir a ordem.

Apesar de não ter sido preso pela primeira vez, ter a cabeça cortada
seria um evento inédito. Passei os olhos pelo lugar e mirei a garota, toda
ensanguentada, como se tivesse tomado uma surra.

— Não o machuquem... — ela pediu, com a voz fraca.

— Calada, vagabunda. — o velhote voltou-se a ela. — Quando você


me der o meu herdeiro, vou amarrar uma pedra ao seu pescoço e jogá-la no
rio mais fundo que encontrar.

— Graves... — ela sussurrou meu nome e eu mirei seus olhos verdes,


tão vivos quanto as primeiras folhas de uma nova estação. — Sei que você
prometeu me proteger, mas salve-se. Salve-se... — disse com a voz
embargada, rendendo-se ao choro.

— Ele não consegue se proteger e você espera que ele te proteja? — o


velhote gargalhou.

As palavras dela ecoaram em minha mente e me lembraram da minha


missão. Então, as memórias do primeiro momento em que a conheci me
tomaram. Uma menina cheia de sonhos, que queria estudar e se casar com um
homem que amasse...

— Quem disse que eu não posso protegê-la? — senti o meu corpo ser
tomado pela raiva e as correntes se despedaçaram.

Rapidamente, os homens me alvejaram novamente com balas de


prata, mas, dessa vez, não senti nada. O sol tocou o meu rosto, havia
amanhecido.

— Eu sou a justiça do arcanjo! — rugi, sentindo meu corpo se


transformar, sentindo o lobo despertar em plena luz do dia.

Acordei com as lágrimas de Lissandra caindo sobre a minha face. Ao


abrir os olhos, vi o seu rosto e o toquei.

— Você está livre, menina. — sussurrei, esboçando um pequeno


sorriso.
— O que está acontecendo com você? — perguntou, ofegante,
passando os olhos pelo meu corpo.

— É hora de voltar ao livro. Apenas fique bem. — dei-lhe um último


conselho.

[...]

Pisquei algumas vezes.

— Uma fera a luz do dia? — passei a página, parando na última,


lendo o parágrafo final.

“Não fosse o sacrifício de ter se tornado uma fera durante o dia, talvez, Graves tivesse sido
liberto, pois, aquela garota, Lissandra, o amou como um pai e ele, a amou como uma filha.

Seja como for, o predador ou como dito por ele, a justiça do arcanjo, segue a sua sina, até
que o verdadeiro amor, aquele que aquece o seu coração e o faz suspirar, o liberte”.

O meu peito encheu-se e eu suspirei. Você é mesmo um bom homem,


Graves. Do seu jeito e dos seus modos, mas, sem dúvida, é.

Fechei o livro e balancei a cabeça. Mais um, dentre muitos,


concluídos. Peguei pantera no colo e me levantei, mirando a imensa lua no
céu. Eu não fazia ideia de que horas eram, mas o sono começava a chegar e
depois de um dia longo como aquele, eu precisava de um bom descanso.

Todavia, parei quando vi uma luz na entrada do rancho. Ao mirar a


entrada, dei-me conta de que eram vários carros. Juca.

Um arrepio subiu por minha espinha e eu corri para dentro. Deixei


pantera em cima do sofá e tranquei todas as portas e janelas. Quando me
precipitei em direção ao telefone, ouvi um rombo. A porta da frente havia
sido derrubada.

— Vamos dar uma volta, meu amor? — Juca surgiu sorridente,


mirando-me com um olhar maligno.

— Estou ligando para a polícia. — fiz menção de pegar o telefone


fixo, mas ele sacou uma pistola e atirou no aparelho.

O meu coração palpitava sem parar. Sim, eu estava com medo. Como
não teria?

Subitamente, os olhos de Juca pousaram em pantera, que abanava o


rabinho em sua direção.

— Desde quando você tem animais? — ergueu as sobrancelhas e a


pegou pelo cangote, fazendo-a choramingar.

— Coloque-a no chão!

— É claro. — esboçou um sorriso de canto e a arremessou contra a


parede.

Pantera apenas gemeu e do mesmo modo que caiu, ficou. Corri em


sua direção e a peguei nos braços, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu
rosto.

— Seu maldito! — ralhei, mirando-o se aproximar de mim.

— Vou fazer coisa pior com você. — disse, pegando-me pelos


cabelos e me puxou, deixando o seu rosto próximo ao meu. — Eu até te daria
uma surra, mas te ver queimar feito uma bruxa na fogueira, será o suficiente.

— Socorro! Socorro! — gritei o mais alto que pude.

— Ninguém vai te ajudar.

— Graves! — gritei o mais alto que pude, enquanto Juca me puxava


para fora da sede do rancho. — Você prometeu, Graves!

Prometeu me proteger...

— Jogue esse bicho fora. — pegou pantera, ainda quente das minhas
e a arremessou novamente, na varanda.
Tentei me debater, mas não tive sucesso. Os capangas de Juca me
seguraram e depois de me amarrar, colocaram uma mordaça na minha boca e
me jogaram no banco de trás da camionete.

Como um homem pode ser tão cruel ao ponto de matar um


animalzinho daquele jeito?

Funguei, sem parar de choramingar, sentindo o meu rosto encharcasse


com a tempestade que meus olhos despejavam.

Enquanto eu era levada para sabe-se lá onde, lembrei das minhas


amigas e de Clara, insistindo para que eu não ficasse sozinha. Era como se
elas estivessem pressentindo, de novo, que isso poderia acontecer.

Graves, eu preciso de você!

Supliquei por sua ajuda em pensamento. Ainda que ele não pudesse
me ouvir, repeti a mesma frase mentalmente, várias e várias vezes.
16. A ira do predador.
POR GRAVES WOLF

A minha mente vagueava no primeiro instante em que a vi. Os


cabelos negros e curtos, os olhos castanho-claros e o sorriso triste, quase que
exibido por obrigação e que, aos poucos, ganhou vida.

No fundo, eu sabia que tudo estava prestes a terminar. Eu já havia


vivido esse roteiro e, apesar de sentir algo único ao lado de Valentina, tenho
consciência de que a despedida em breve irá chegar para nós.

Posso mentir para os outros, mas não para o meu coração. A partida
será dolorosa, mas a minha missão ao seu lado estaria completa. Ela cresceu e
se tornou mais segura, mais decidida e aprendeu a sorrir de forma
verdadeiramente bela e isso, por si só, é o suficiente para me deixar feliz.

Graves, eu preciso de você...

Ao ouvir a voz de Valentina, abri os olhos e sentei-me, apoiando os


punhos fechados no colchão. Por fim, respirei fundo, concentrando-me. Foi
quando ouvi sua voz, outra vez:

Graves, eu preciso de você...

Coloquei-me de pé e mirei a janela da minha cela. A lua grande e


brilhosa estava no topo do céu. Eu conseguia sentir o seu chamado de justiça.

Apesar de não conhecer muito bem a cidade, eu seguiria o seu cheiro


até o rancho ou onde quer que ela estivesse, eu a encontraria.

— É hora de sentir a minha ira, Juca Pompeu... — vociferei, sentindo


meu corpo se transformar.

Cambaleei para o lado e antes de cair, segurei-me nas grades da cela.


Com um soco, derrubei o portão de ferro, assustando os demais presos. E, no
meio do corredor, senti meu corpo se transformar.

— O que está acontecendo com ele? — vozes ao fundo que eu não


sabia identificar ecoavam.

— Ele está virando uma espécie de animal... — a voz trazia descrença


e medo.

— Socorro! Socorro! Nos ajudem.

Por fim, perdi a consciência. Dali em diante, quem estivesse no meu


caminho, seria julgado pela fera aprisionada dentro de mim.

POR VALENTINA

Despertei sentindo algo gelado tocar a minha pele. Ao abrir os olhos,


vi Juca com um sorriso demoníaco estampado no rosto. Imediatamente, senti
um aroma forte que fez minhas narinas arderem e, ao passar os olhos por
mim, dei-me conta de que estava amarrada a um tronco, com as mãos atadas
para cima e as pernas presas.

Não demorei para constatar que aquele líquido que havia encharcado
a minha roupa, era gasolina. Ainda inerte com aquilo, passei os olhos ao
redor. Aparentemente, eu havia sido levada até a prainha — que não ficava
muito longe da minha propriedade. Havia, ao menos, dez homens armados,
em completo silêncio, ao redor de uma fogueira, próxima a nós.

— Acordou, meu amor? — Juca finalmente disse algo, pousando


ambas as mãos na cintura. O sorriso sínico que ele exibia, me despertava
mais ódio que antes.

— Não sou seu amor!

— É verdade, agora você é o amor de Graves... — balançou a cabeça,


começando a andar de um lado a outro, impaciente. — Eu já dei um jeito
nele, então se esperava alguma ajuda, esqueça. — parou, voltando-se a mim.
— Por que está fazendo isso? — ofeguei entre as palavras, sentindo
meus olhos arderem. — Quando me casei com você, eu te amava, mas...

— Mas? — ele interrompeu-me, cruzando os braços. — Você era e


ainda é uma mulher bonita e que vem de uma boa família, mas, cá entre nós,
Valentina, lhe falta sal. — uniu a ponta dos dedos. — Pouco a pouco, fui
tomando birra das suas manias de leitura, de sair com as suas amigas e de
querer ser o “homem” da casa.

— Isso é ridículo! — sacudi a cabeça. — Ser independente não tem


nada a ver com ser o “homem” da casa.

— Primeiro, tentei resolver de forma amigável e quando não


chegamos a um consenso, tentei resolver de forma mais enérgica... — riu,
levando uma das mãos a cabeça. — Confesso que era prazeroso te surrar.

— Você é um monstro... — choraminguei, balançando a cabeça. —


Um homem que bate na sua esposa é menos que lixo. Nada justifica qualquer
tipo de agressão.

— Mulher, você sequer sabe cozinhar. — debochou.

— Sempre tive condições de pagar uma cozinheira. — refutei,


engolindo em seco. — Na verdade, Juca, não se trata de mim, mas de você.

— Eu sempre soube que a loucura te dominaria. Só não imaginei que


fosse hoje, no dia da sua morte... — gargalhou e caminhou até a fogueira,
pegando um tronco com uma chama acesa.

— O que vai fazer?! — o desespero surgiu, fazendo com que a


tempestade em meus olhos retornasse.

— Ora, o que eu vou fazer? Garantir que o meu futuro seja


resguardado. — bufou, sacudindo a cabeça. — Você não teve a capacidade
de me dar um mísero filho.
O meu coração estava acelerado. Eu sabia que no momento em que as
chamas tocassem em mim, eu iria queimar dos pés a cabeça. Tentando manter
a calma e não me render a aflição, respondi:

— Eu fiz um favor em não proliferar a sua semente nesse mundo, seu


maldito! — ralhei, com a voz trêmula.

— Suas últimas palavras?

— Espero que você morra da pior forma possível. — gritei, com as


lágrimas escorrendo, uma atrás da outra.

Onde você está, Graves?! gritei em pensamentos.

— Que assim seja. — Juca mordeu os lábios, parecendo se divertir


com tudo aquilo e quando deu um passo à frente, parou.

O chão está... tremendo?

Era como o galope de milhares de cavalos atravessando a floresta. Ao


longe, o som de árvores caindo ficava cada vez mais próximo, enquanto
pássaros em plena noite sonorizavam, em desespero.

Os homens colocaram-se apostos, encarando-se. Por alguns segundos,


Juca esqueceu-se de mim e caminhou em direção a mata, mas parou a uma
distância segura.

E foi quando uma árvore caiu, marcando a areia branca da “prainha”.


Fez-se silêncio total. Os homens apontavam as suas armas em direção a mata.

— O que está acontecendo? — eles se perguntavam.

— Permaneçam de prontidão! — um outro ordenou, fazendo o sinal


da cruz.

Juca permanecia em silêncio, mirando a mata. Por fim, constatou que


não era nada e lhe deu as costas, voltando-se aos seus homens.
— É, meus amigos, coisas estranhas estão acontecendo por aqui.
Primeiro, um homem que não morre com tiros e agora isso. O que mais...

Suas palavras foram cortadas quando algo saltou por cima das árvores
e pousou na areia. O impacto das suas patas, mesmo em terreno volúvel,
causou um estrondo. Era duas vezes maior que um homem. A pelugem negra,
num tom fosco, brilhava sob a luz do luar. O focinho alongado, exibia uma
boca repleta de dentes. O lobo estava ereto e seus olhos amarelados e
brilhantes, miravam-me.

— Deus do céu! — o terror na voz de um dos homens quebrou o


silêncio de sua chegada.

— Graves... — ofeguei, sentindo meu coração bater com força.

E, mirando a lua, o lobo fez um uivo aterrador ecoar. O som dos tiros
começou e a fera, finalmente se moveu. Era rápido demais para que os meus
olhos pudessem acompanhar os seus movimentos. Uns tentaram revidar com
balas, enquanto outros, percebendo a sua ineficácia, mergulharam no rio, sem
sucesso, pois o lobo os perseguiu.

Do contrário do que possam pensar, não senti medo. Na verdade,


nunca em toda minha vida, vi uma criatura tão bela quanto aquela. Tratava-se
de um vislumbre de pura fúria e poder.

Após intensos minutos de tiroteio e gritos desesperadores, o som da


morte cessou e foi quando me dei conta de que Juca estava vivo e vindo em
minha direção. Sem hesitar, ele sacou a sua arma e parou ao meu lado,
colocando-a na minha cabeça.

— É você, não é, maldito?! — berrou, furioso. — Se aproxime e eu


explodo a cabeça dela. — ameaçou, com a voz trêmula.

— Ele vai te matar. — senti prazer em dizer aquilo.

— Calada! — Juca berrou, enquanto sua mão balançava sem parar. O


medo havia se apossado dele. — Onde você está, aberração? Apareça para
que eu possa explodir a sua cabeça!

Passei os olhos ao redor e não vi Graves e, quando pisquei, ele surgiu


em nossa frente. Juca deu alguns passos para trás, revezando a arma entre ele
e mim.

— E-E-Eu a mato antes que você chegue aqui... — gaguejou entre as


palavras.

O lobo estava em sua frente, mirando-o fixamente. O seu corpo estava


completamente coberto de sangue, ao ponto de pingar gotas de sua boca e
garras.

— Lembra-se como eu disse que iria te matar, Juca Pompeu? — a voz


gutural ecoou, me fazendo arrepiar.

— V-V-Você fala? — Juca engasgou, mais uma vez e apontou a arma


em sua direção.

Naquele instante, senti apenas uma ventania passar ao meu lado,


seguido de um estrondo atrás de mim. O lobo havia saltado sobre Juca.

Os seus gritos de dor e agonia eram desesperadores. De repente, algo


foi jogado na areia e quando percebi o que era, meu coração tremulou.

Era uma das pernas de Juca...

Fechei os olhos e, confesso: senti medo. Os gritos agonizantes do meu


ex-marido eram como um tormento na minha mente. Aquilo parecia não ter
fim.

— Pare! Pare! — gritei, sem parar de chorar. — Por favor, eu não


quero ouvir isso! — implorei.

O sofrimento cessou e fez-se silêncio, mais uma vez. Os passos


pesados aproximaram-se e diante de mim, Graves surgiu, não como homem,
mas ainda como lobo. A boca, repleta de dentes, estava aberta. Virei o rosto
para o lado e fechei os olhos, temendo que a fera não me reconhecesse.

Prendi a respiração e fiquei em silêncio e foi quando senti as cordas


serem cortadas. Cai no chão, de quatro, com as mãos apoiadas na areia e, ao
erguer o rosto, não vi mais o lobo, vi apenas um homem, cambaleando sem
forças, até deitar-se na areia.

— Graves... — chamei-o e disparei em sua direção.

Ajoelhei-me ao seu lado e coloquei a sua cabeça em meu colo,


passando a mão pelo seu rosto.

— Fale comigo, Graves. — pedi, dando-lhe tapinhas na face.

— Se há um inferno, espero ir para lá e torturá-lo eternamente. — ele


abriu os olhos, em meio a murmúrios. Em seguida, tocou o meu rosto. — Ele
matou a minha pantera. A minha linda pantera. — disse, em tom choroso,
deixando as primeiras lágrimas escorrerem por seu rosto. — Eu esperava
deixar ela para que você se lembrasse de mim... — sussurrou.

As lágrimas retornaram e eu simplesmente o abracei com força.

— Quando amanhecer, tudo vai ficar bem e vamos poder enterrar a


nossa linda pantera. — ofeguei entre as palavras e afastei-me, passando a
mão pelo seu rosto.

— Eu gostaria muito de fazer isso, mas a minha hora chegou. A


minha missão foi cumprida. — ele esboçou um pequeno sorriso e desceu a
mão até os meus lábios, acariciando-os com a ponta dos dedos. — Sabe de
uma coisa? — neguei com a cabeça. — Eu daria tudo para ter mais um único
dia com você, Valentina Duran.

— Eu também... — respondi, sentindo meu coração se apertar.

Esse era o momento que eu tanto temia. Ele estava partindo e eu não
podia fazer nada. Estava além do meu alcance. Por mais que o livro ensinasse
como quebrar a maldição, eu havia falhado...

— Preciso te dizer algo antes de partir. — Graves gemeu entre as


palavras e sentou-se, alinhando nossos olhos.

— Diga, por favor...

— Eu te amo. — e entre o sussurros de suas palavras, seus lábios


tocaram os meus.

— Eu também te amo! — beijei-o, abraçando-o a mim com todas as


minhas forças. — Eu também te amo, Graves Wolf...

As minhas palavras cessaram quando seu corpo sumiu dos meus


braços e em seu lugar, surgiram várias esferas de luz. E, pouco a pouco, elas
se apagaram. Uma a uma.

— Não... — sacudi a cabeça, rendendo-me mais uma vez as lágrimas.


— Por favor, Graves, volte pra mim... — levantei-me, passando os olhos ao
meu redor. — Volte pra mim! — gritei, levando ambas as mãos ao rosto.

Demorei para me dar conta de que ele não iria voltar, mas quando
constatei o inevitável, respirei fundo e coloquei-me de pé. Apesar de estar
com o coração partido, eu jamais o esqueceria.

O caminho até o rancho levou quase uma hora a pé. Passei os olhos
pela varanda e pantera havia sumido. Ao entrar em casa, iniciei a minha
busca pelo livro de “O Predador”, mas não o encontrei.

Estava amanhecendo quando desisti e subi para tomar uma ducha.


Após o banho, joguei-me na cama e me cobri com várias cobertas. Eu não
conseguia parar de chorar e soluçar, ainda tentando digerir o fato de que perdi
o homem que havia me feito sentir viva, como nunca antes.

Ele se foi. Ele me deixou...

Talvez, tudo isso fosse um pesadelo e quando eu acordasse, ele iria


estar adormecido ao meu lado, resmungando por eu estar admirando-o
dormir.

Inconformada e tomada pela dor da perda, adormeci.


17. Um novo começo.
POR GRAVES WOLF

Quando abri os olhos, me vi no topo de uma montanha, tão alta que


tocava as nuvens. A vista dali de cima era linda, mas tal vislumbre não durou.
Raios cortaram o céu e o tempo enegreceu, anunciando uma tempestade. O
som de espadas se chocando ecoava, juntando-se a uma sinfonia; regada a
violino e trombetas.

— Achas mesmo que podes batalhar contra mim, arcanjo? — a voz


gutural me fez tremer.

— Fui ungido pelo próprio Deus e chamando de Balthazar, um dos


grandes cavaleiros. O sétimo arcanjo do apocalipse. Você não tem poder
aqui, Satan!

Arcanjo Balthazar?!

Pisquei algumas vezes, vendo figuras surgirem atrás das nuvens. Que
vozes são essas? O que está acontecendo? Será que o livro se enganou e me
mandou para o inferno?!

— Olá, Graves. — ao ouvir uma voz atrás de mim, esbocei um


sorriso de canto e enfiei as mãos nos bolsos.

— Olá, Arcanjo.

— Já faz muito tempo, não faz? — disse, surgindo em minha frente.

— Quarenta anos, sendo exato. — pontuei, mirando-o dos pés à


cabeça.

Ele estava diferente. Quando o vi pela primeira vez, a sua figura não
ostentava tamanha divindade, mas, agora, usando uma armadura reluzente,
com uma espada maior que meu braço na cintura e uma coroa na cabeça. Não
há dúvida; trata-se de uma criatura celestial.

— Estive te observando, Graves. — sacudiu a cabeça positivamente.


— Nesses quarentas anos você aprendeu muita coisa e o tempo moldou o seu
coração. Estou orgulhoso de você...

— Blá blá blá. — rosnei impaciente, cruzando os braços. — Você me


trouxe aqui para fazermos tricô e tomar chá? Diga-me de uma vez, eu morri,
não foi? — antes mesmo que ele respondesse, cocei a cabeça, lamentando-
me. — Eu deveria ter aproveitado melhor a morte de Juca...

— Não, você não morreu, idiota. — Balthazar revirou os olhos e


passou as mãos pelos cabelos, jogando-os para trás.

— Por que estou aqui?

— Ora, você não sabe? — ele ergueu as sobrancelhas e ao gesticular


o indicador, um trono ergueu-se do chão e, sem demora, ele se sentou,
cruzando as pernas. Com o queixo erguido e olhar altivo, mirou-me. — Ela
quebrou a sua maldição. Você está livre.

Pisquei algumas vezes, desacreditado.

— Não é hora para brincadeiras... — sacudi a cabeça, sentindo os


meus olhos lacrimejarem.

— Valentina Duran, a mulher que libertou o meu mais mortal e


eficiente juiz. — ele prosseguiu e eu o encarei, notando a satisfação em seu
rosto. — Diga-me, você gostaria de voltar há quarenta anos e recomeçar a sua
vida, com a sua família ou prefere que eu o mande de volta a ela?

— E-E-Eu posso escolher?

— Entenda isso como um agradecimento por quarenta anos de castigo


cumprido. — afinou os olhos.
— Eu escolho...

POR VALENTINA

Ao acordar pela manhã, ainda de olhos fechados, me virei na cama e


esbocei um pequeno sorriso. Estiquei uma das mãos até o outro lado e senti
algo.

— Bom dia, Graves... — disse, ao abrir os olhos.

A decepção veio imediatamente. Era apenas a coberta. Sentei-me na


cama e senti meus lábios tremularem, junto da imensa vontade de chorar. As
vozes desesperadas de ontem ainda ecoavam na minha cabeça e, por mais que
tenha sido merecido, senti pena daqueles homens, inclusive, de Juca.

Fechei os olhos, tentando esquecer aqueles sons horrendos e me


lembrei de como ele conseguia mudar o meu dia logo pela manhã. Sempre
que eu o mirava adormecido, ele me provocava com um:

“Pare de me cobiçar enquanto durmo”.

— Eu vou sentir tanto a sua falta... — sussurrei baixinho, abaixando a


cabeça.

Depois de um tempo, adiantei-me até o banheiro e tomei uma ducha.


Em seguida, desci para a cozinha. Ainda estava cedo. O relógio da sala
marcava seis da manhã. Sem pressa, caminhei até a porta da frente e quando a
abri, vi uma bola pingando para o outro lado e atrás dela...

— Pantera?! — arregalei os olhos, vendo a pequena me ignorar e


seguir atrás do brinquedo.

Hipnotizada com aquela imagem e constatando que eu só poderia


estar sonhando acordada, acompanhei a “filha” de Graves pegar a bola e
voltar pelo mesmo caminho, indo em direção ao quintal e foi quando vi uma
silhueta próxima a horta.
O meu coração disparou e eu dei alguns passos a frente, mirando a
imagem que, aos poucos, ganhou forma. Quando vi nitidamente, disparei em
sua direção.

— Graves... — sussurrei, ofegante, correndo o mais rápido que


minhas pernas podiam. — Graves...

Quando cheguei perto o suficiente, saltei em cima dele e nós dois


fomos ao chão. Sentada em seu abdômen, deslizei a mão do seu rosto ao seu
peitoral, para conferir se aquilo era mesmo real.

— Au! — ele gemeu, exibindo uma careta de dor. — De agora em


diante, você precisa ter cuidado. Já não sou mais imortal...

— É você mesmo?! — segurei seu rosto com força, alinhando meus


olhos aos seus.

— Até que se prove o contrário, sou eu, sua resmungona. —


respondeu, esboçando um sorriso de canto.

As lágrimas rolaram automaticamente eu o abracei pelo pescoço,


apertando-o contra mim com força. Chorei tudo que tinha para chorar,
enquanto o sentia afagar os meus cabelos.

— Eu não vou mais sumir...

Ergui o corpo e enxuguei o rosto com a barra da camisa, ainda sem


entender.

— C-C-Como você voltou?

— Você terminou de ler o livro? — ele arqueou uma das sobrancelhas


e esticando uma das mãos até o meu rosto, roçou o dedão em minha pele.
Assenti com a cabeça. — Então você já sabe como voltei.

“Até que o amor o liberte...”.


— Eu te amo, brutamontes... — inclinei-me em sua direção e toquei
seus lábios com os meus.

— Eu deveria responder? — quando me afastei, endireitando-me, ele


mordeu os lábios, provocando-me mais uma vez. Imediatamente, dei-lhe um
soco no peito. — Au! Sim, eu também te amo, mas, nesse ritmo, você vai
acabar me matando.

— Não vou, não... — mordi os lábios contendo o riso.

— Você acha graça da minha dor? Ora, sua...

Tentei me levar o mais depressa que pude, mas suas mãos me


seguraram, fazendo-me cócegas. Acabamos rolando na grama e quando
cansamos, pantera se aproximou, lambendo meu rosto.

— Agora ela é nossa filha. — lembrei-o.

— Sim, mas segue sendo mais minha que sua. — ele resmungou e eu
o soquei de novo.

— Au!

Gargalhei, adorando ouvi-lo gemer daquele jeito. O todo invencível


Graves, agora não parecia tão invencível assim.

Duas semanas depois...

Graves me explicou tudo o que aconteceu, desde quando ele viu, pela
primeira vez, o arcanjo que o castigou, até quando ele lhe disse que deixaria
tudo no lugar, para que ele pudesse seguir com a sua nova vida, após
quarenta anos de castigo.

— Graves, eu não fazia a menor ideia de que você cozinhava tão


bem... — desviei a atenção da TV e girei a cabeça em direção a cozinha,
mirando mamãe com uma colher na mão, provando o purê com carne moída
que ele havia feito.
— Obrigado. Essa é uma receita da minha falecida mãe.

— E falando em falecidos... — disse mamãe, batendo a colher na


mesa, parecendo cogitar muitas coisas, mas eu tinha certeza de que nada
próximo a verdade. — Essa onda de desaparecimentos na cidade está
começando a me deixar com medo. Alguns presos, o delegado e vários outros
homens, incluindo o Juca. — exclamou o nome do meu ex-marido.

— Que não volte mais. — respondi, engolindo em seco.

— Detesto ter que concordar, mas... — ela suspirou e caminhou em


minha direção, sentando-se ao meu lado. — Com sorte, nunca mais o
veremos.

— Amém. — assenti com a cabeça.

O jornal anunciou o plantão. Imediatamente, o coração foi a boca.


Geralmente, quando faziam essas interrupções, era coisa ruim, dentro ou fora
do país.

— Boa tarde, aqui quem fala é Josicleide Kandersbrut e, nesse


momento, estou na porta do escritório de uma das maiores editoras do
mundo, com filial no Brasil, para anunciar o retorno de ninguém mais,
ninguém menos que, Lady Bramaum, a maga da literatura. — disse, andando
em direção a entrada da editora. — Em meados dos anos oitenta, o seu nome
figurou todos os jornais do mundo. Com mais de cinquenta milhões de livros
vendidos, ela acaba de anunciar a sequência do polêmico romance “O
Predador”, cujo título será “Nos Braços do Predador”. — tomou fôlego e
voltou-se a idosa ao seu lado. — Pode nos contar a retornar ao mundo da
literatura?

— Boa tarde, Josicleide. — ela assentiu com a cabeça e uniu os


lábios. — Esperança e amor. Foram essas duas coisas que me motivaram a
retornar e quando se acompanha tão de perto uma linda história de amor,
seria um crime não a compartilhar com o mundo.
— A senhora está dizendo que uma história de amor motivou a
sequência do seu polêmico livro?

— Sim.

Graves aproximou-se e lançou-me um sorriso. Em seguida, cruzou os


braços e escorou-se no batente da porta, mirando a TV.

— O predador não encontrou o amor no primeiro livro, mas, depois


de quarenta anos, o amor o encontrou.

— O que os leitores podem esperar desse novo romance, Lady


Bramaum?

— Muitas coincidências. — arqueou uma das sobrancelha e sorriu. —


Muitas, mesmo.

— Obrigada. — disse Josicleide, mantendo-se ao lado de Lady


Bramaum. — Desde o anúncio do contrato, feito semana passada com a nova
editora, a autora retornou ao ranking dos mais vendidos, emplacando apenas
essa semana, mais de um milhão de livros vendidos com “O Predador”. A
expectativa é que o livro da sequência: “Nos Braços do Predador”, bata um
novo recorde mundial. — e dando um passo a frente, abriu um imenso
sorriso. — Brasileira e notoriamente conhecida, a maga da literatura nacional
retornou.

O plantão terminou e o jornal voltou aos assuntos cotidianos. Mamãe


levantou-se do sofá e bateu palmas.

— Preciso ler o livro.

— É péssimo. — levantei-me, prendendo a respiração e ela arregalou


os olhos.

— Sério?

— Sim. Cheio de sangue, mortes, muitas mortes... — disse sem jeito e


Graves, atrás dela, levou uma das mãos a boca, tentando não rir.

— O jornal elogiou bastante o trabalho dela...

— Ah... — acenei com uma das mãos. — Ela deve ter pago pelo
horário.

Mamãe pensou por alguns segundos e assentiu com a cabeça.

— Vou confiar no seu julgamento, afinal, a louca por livros aqui, é


você! — deu de ombros e apressou-se em direção as escadas. — Preciso de
um banho. Logo desço para o almoço.

— Não tenha pressa, mamãe...

Quando ela sumiu, encarei Graves, preocupada com os rumos que os


novos capítulos traziam.

— Quando as pessoas lerem o livro, o que vai acontecer?

— Você não a ouviu, meu amor? — Graves deu alguns passos em


minha direção e puxou-me pela cintura, colando seu corpo ao meu. — É mera
coincidência... — sorriu, mordiscando os meus lábios antes de puxá-los
contra os seus.

Assenti com a cabeça e o abracei pelo pescoço. Por fim, coloquei


minha testa a sua e respirei fundo.

— Não vamos nos preocupar com nada que ficou no passado, ok? —
disse Graves, selando os meus lábios.

— Um novo começo, lembra? — respondi, esboçando um sorriso.

— Isso mesmo! — ele respondeu com um sorriso, aproximando os


lábios dos meus.

Quando dei por mim, estava envolta em um beijo lento e calmo. Na


minha mente, eu imaginava o nosso futuro. Casados, com filhos e, claro, com
a nossa pantera.

FIM.
18. Sobre o Autor:
RODOLPHO SOUSA TOLEDO, mais conhecido como Tom
Adamz. O autor atingiu a marca de dez milhões de leituras na Amazon.

Tom escreve desde os doze anos de idade, tendo escrito mais de


cem livros, contos e crônicas até os dias de hoje. Atualmente mora em
Goiânia - Goiás.

Autor de romances conhecidos como: Dr. Prazer, Lúcifer, A


História Nunca Contada, Ajoelhou Tem Que Rezar, Hércules, Me Chame
de Donna, Um Milagre Para o CEO e outros...

Livros na Amazon:
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Página do Facebook:
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