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Copyright © Letícia P.

S, 2022

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento, cópia e/ou


reprodução de qualquer parte dessa obra ― física ou eletrônica ―, sem a
prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas,
fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

Revisão: Jadna Alana


Capa: André Martuscelli do Amaral
Diagramação: Letícia P.S.

2022
1ª Edição
CONTOS DE SANGUE E FOGO
© Todos os direitos reservados a Letícia P.S

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Para Pricila Carla Parisotto, minha eterna irmã.
Para Thais Oliveira e Lary Zorzenone, as primeiras leitoras.

“E não sobrou ninguém,


Ninguém para amar,
Eu sou a escuridão.”
Vampire – In The Dark

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Nota da autora

Olá, caro leitor.


Você está prestes a entrar no universo da trilogia A adaga de Edwan.
Caso já tenha lido o primeiro livro, Eternidade, abaixo seguem algumas
alterações que precisaram ser feitas na história, mas mantenha a calma, é
apenas na nomenclatura. Se você caiu de paraquedas neste livro, não se
preocupe, não precisa ter lido Eternidade para conhecer os contos a seguir.
Todas essas pequenas histórias são sobre os eternos e amados personagens
da trilogia e se passam antes do início da trilogia. Espero que goste dos
contos, e já o aguardo na pré-venda de Eternidade!

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Alterações na história

Em respeito a todos, houve algumas alterações na trilogia, não houve


mudança na história em si, no entanto em alguns nomes. Nada neste livro
remete ao racismo, pois os nomes das espécies de vampiros não estão
ligados à cor da pele. Ainda assim, optei por fazer essa mudança para que
não haja maus entendidos.
As novas nomenclaturas são:

Vampiros Negros: Sombrios


Vampiros Brancos: Conjuradores
Livro Negro: Livro das Trevas
Poder Negro: Poder Sombrio
Feitiço Negro: Feitiço das Trevas
Criaturas Negras: Infernais

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Sumário
O fogo do inferno
A família Jones
A princesa das trevas
A chama que arde na escuridão
O bastardo
O fim da Resistência do Norte
O para sempre tem um fim
O primeiro filho
Sonhando em preto e branco
Feita de fogo

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O fogo do inferno
Luca Malgarezzi

O inferno era real. Ele sempre esteve sob nossos pés, escondido nas
entranhas do mundo, abrigando as feras mais horrendas que já andaram sobre
a terra. Trancafiando as almas perversas e alimentando os Infernais com o
sofrimento dos inocentes.
Não sei como tudo deu tão errado. Eu me mantinha longe dos outros
vampiros, tentava não chamar a atenção e simplesmente vivia. Ainda assim,
o mundo estava em guerra, e o Vampiro das Sombras não perderia a
oportunidade de ter em seu exército um Sombrio de oitocentos anos como eu.
Quanto mais velho é o vampiro, mais forte ele é.
Meu coração não era trevas como o dele, no entanto. Meu lugar era na
luz, e por isso disse não ao vampiro mais poderoso do mundo. Minha estadia
permanente no inferno foi por causa desse pequeno não. Um pequeno traço
de meu dna foi tudo o que o Vampiro das Sombras precisou para colocar os
Infernais em meu encalço, então, quando os portões do inferno se abriram,
quase dez anos atrás, eles vieram até mim.
Passei dez anos sendo torturado, junto com outros vampiros
capturados naquela mesma noite. Um deles foi preso por tentar tomar o lugar
do Vampiro das Sombras. Quem em sua sã consciência tentaria roubar o
lugar dele? Era o único Vampiro Sombrio que não virava cinzas ao sol, o
único que poderia controlar a maior e mais poderosa arma contra a nossa
espécie: o fogo.
Ainda assim, um tolo tentou.
Outro vampiro o traiu, e acabou ali, tendo o mesmo fim que todos nós.
Dizem que foi o Vampiro das Sombras que fortaleceu os Infernais, e por isso
agora são seus escravos, caçando todos que ele queira, ou que não se dava
ao trabalho de caçar. A verdade, porém, era que todos nós estávamos ali
porque ele não nos queria morto, e sim em agonia perpétua pela eternidade.

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Um Infernal entrou no recinto, as correntes ao redor do seu corpo
faziam um barulho estranho ao se chocarem uma contra a outra. Ele não tinha
rosto, o manto negro que lhe cobria todo o corpo não permitia ver sua face;
tudo o que podíamos ver era escuridão dentro do capuz. Dizem que eles não
tinham face, pois eram feitos de escuridão e sombra. As mãos para fora do
manto eram puro osso, com as falanges cumpridas e afiadas como navalha.
Ele estava ali para se alimentar.
E eu era o prato principal.
A criatura se aproximou de um Vampiro Conjurador e com seu osso
afiado cortou-lhe a carne. O vampiro gritou enquanto a criatura se deleitava
com seu sofrimento. Depois de satisfeito, o Infernal foi embora. Suspirei
aliviado por não ter me escolhido como sobremesa.
— Quem foi o sortudo dessa vez? — uma voz surgiu do silêncio.
Olhei ao redor, todavia não encontrei seu dono, e já sabia a quem
pertencia, mesmo sem ver uma face. Era Alan, um Vampiro Conjurador com
o poder de ficar invisível.
Alan escapou assim que o trancafiaram aqui. Desde então já havia
salvado dois vampiros.
— Por favor… me salve… — implorou o vampiro que a pouco fora
torturado.
— Você não parece ser uma boa companhia — respondeu Alan.
Escutei os passos do vampiro. Todos nós éramos mantidos pendurados
a um metro do chão. Quando Alan abriu minhas correntes, despenquei no
chão. Fiquei tão chocado com o que havia acontecido que não consegui me
mover. Enquanto outros dois libertos corriam para fora do lugar, fiquei
estirado no chão, sem conseguir acreditar que estava livre das correntes.
— É agora que você corre — a voz de Alan parecia muito próxima. —
Eles logo virão para o almoço.
Suas últimas palavras me despertam do torpor. Fiquei em pé e
observei tudo ao meu redor. Estava em uma espécie de caverna, e havia
muitos caminhos para tomar. Escolhi um aleatoriamente e sai correndo.
Me escondi entre as paredes rochosas por muito tempo, fugindo dos
Infernais que nos procuravam com seus gritos ecoando pelos corredores de

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pedra. No terceiro dia, encontrei Alan e fiquei surpreso ao ver que ele não
passava de um adolescente.
— Poxa, velho, você é ótimo em brincar de pique esconde.
Riu como se tudo fosse uma brincadeira.
— Obrigada por salvar minha vida. — Lembrei-me de agradecer.
— Não há de que. Venha comigo. Os outros estão planejando fugir
daqui.
Sem esperar uma resposta, Alan começou a caminhar.
— Como esperam fugir do inferno? — perguntei curioso, seguindo-o.
— Quando os portões do inferno se abrirem — respondeu com tanta
naturalidade que fiquei sem palavras por um momento.
— E quando isso vai acontecer?
— Esta noite.
Por um momento, parei de caminhar. Esta noite? Mais algumas horas e
eu poderia sentir novamente a grama macia sob meus pés, o vento soprando
meus cabelos… Poderei ver as estrelas.
— Mas estou fraco demais para isso.
A realidade se abateu sobre mim.
— Não se preocupe. Roubei sangue dos Infernais.
Eu poderia ter esperanças? Poderia acreditar naquele Vampiro
Conjurador com tão poucos anos de vida, que foi capturado, mas nunca
chegou a ser torturado? Contudo, suas promessas de salvação eram como o
sangue que ele oferecia: uma tentação.
Alan entrou em uma saliência na rocha e o segui. O lugar nada mais
era do que uma pequena caverna, e lá dentro estavam os dois Vampiros
Sombrios que ele havia resgatado.
Passamos as horas seguintes bebendo sangue em um silêncio
mortuário. Era visível como os dois estavam abatidos pelos anos de tortura.
Eles não tinham no que ligar a sanidade. Quando chegou o momento de
escapar, Alan nos guiou até o local, muitos Infernais estavam ali, e comecei
a pensar que não conseguiríamos. Ele não havia explicado o plano, nem

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sequer sabia se tinha algum, mas, se haveria uma chance de escapar, eu
tentaria, ou pularia nos rios de lava que corriam pelas cavernas.
Não seria torturado novamente.
Com um rangido ensurdecedor, o teto da caverna começou a se rachar.
O chão tremia sob nossos pés enquanto os portões se abriam. Aquilo era
apavorante, mesmo para uma criatura sobrenatural como eu, que já vira
muitas coisas sombrias na vida. Ainda assim, assistir a terra se abrir,
liberando uma passagem direta para o inferno, era surreal.
Meu medo, porém, foi substituído por outro sentimento: saudade. Pela
primeira vez em anos, pude ver as estrelas. Mesmo que seu brilho fosse
fraco e distante, ver o céu noturno renovou as minhas forças, me deixou mais
forte para o que precisava fazer.
— Agora é a hora — indicou Alan, tirando-me do meu torpor. Olhei
novamente para os Infernais e vi que poucas deles ficaram para trás. O resto
já seguia seu caminho para a terra. — Boa sorte, meus caros, foi um prazer
salvá-los.
Dito isso, Alan desapareceu, deixando-nos à nossa própria sorte.
Olhei para os vampiros ao meu lado e encontrei um vazio em suas faces.
Eles não teriam forças para lutar.
Eu estava sozinho.
— Apenas corram — disse um deles e desapareceu em um borrão.
Fiz o mesmo.
Fixei meus olhos na abertura e corri, mas fui atirado ao chão a poucos
metros de minha liberdade, fitando o céu enquanto caía. Fiquei em pé e
encarei o Infernal que me derrubou. Ele bloqueava meu caminho. A criatura
retirou as correntes ao redor de seu corpo e tentou me acertar com ela,
desviei dos seus vários golpes. Seguiu-se uma dança mortal, em que eu
desviava de cada golpe. Quando finalmente consegui me aproximar, cravei a
única arma que Alan havia me dado, uma adaga, no rosto sombrio da
criatura. Uma risada grotesca escapou do manto, era como a própria morte
rindo, e a adaga simplesmente penetrou a escuridão do manto e desapareceu.
Em choque, dei abertura para asa mãos em forma de garras que perfuraram
meu abdômen.

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Caí no chão gemendo de dor, porém esta não era pior do que a
realidade: eu não escaparia. O Infernal se aproximou de mim, prestes a me
capturar novamente, enquanto Alan em sua forma visível o atacava.
— Corra, vampiro — pediu ele, e logo voltou à luta.
Não perdi tempo e usei todas as forças que tinha para correr a íngreme
estrada feita de pedra para minha saída. Mais Infernais se aproximavam, no
entanto dessa vez não me perseguiam, eles voltavam ao Inferno, trazendo
vampiros para mais alguns anos de tortura. Vi um Conjurador da Terra
tentando se libertar, ele não era mais velho que o vampiro que me salvara, e
gritava com alguém na superfície, porém não clamava por ajuda, clamava
para a vampira escapar. Dei um passo em sua direção, pensando em salvá-lo
do destino cruel que sofreria, mas outros Infernais se aproximavam. Olhei
para o céu que estava mais próximo de mim e pude sentir a corrente de ar
que entrava pelo enorme rasgo na terra. Não podia arriscar perder aquela
chance. Corri sem olhar para trás, para o garoto que eu poderia ter ajudado.
Caí de joelhos em uma grama molhada, apertei minhas mãos em volta
dela, sentindo sua textura para saber se era real, mal percebi os sons de
batalha que ecoavam perto dali. Mãos tocaram meu ombro e quase ataquei o
responsável, no entanto era um dos vampiros que foram salvos comigo.
— Precisamos correr — ele informou. — O Vampiro das Sombras
está por perto.
Sob o céu estrelado, corremos com todas as nossas forças. Nos
escondemos em uma cabana no meio da floresta, longe da luta que era
travada, longe dos portões do inferno. O silêncio era um desconforto visível
e palpável. Eu queria dizer alguma coisa, perguntar o que fariam a seguir, se
poderíamos nos tornar um grupo, curar nossas feridas juntos, mas as poucas
palavras que ecoei não foram respondidas. Os Sombrios apenas fitavam o
vazio à sua frente, um vazio que ecoava em suas almas; se é que ainda
teríamos almas depois de nossa transformação.
Aqueles dois estavam quebrados de uma forma além do reparo.
Horas depois, que mais pareceu ume eternidade, o sol nasceu.
Observei pasmo enquanto meus colegas abriam a porta da cabana e saíam
para a manhã ensolarada. Eles gritaram, mas seus gritos não eram piores que
o som e o cheiro de carne queimando. O fogo os consumiu até restar apenas
cinzas espalhadas ao vento.

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Um Vampiro Sombrio não dorme, vive para sempre, sente mais
intensamente, mas principalmente nunca se esquece. Eles não conseguiram
lidar com todas as lembranças marcadas em sua alma dos dez anos de
tortura. Enquanto sentia as dores em minha própria carne, me aproximei da
porta, ficando a centímetros da luz do sol.
Então o rosto do Vampiro das Sombras surgiu em minha mente. Ele era
o culpado por todos os anos sofrendo, e eu não daria a ele o gostinho de
minha morte.
Não. Eu me vingaria.
Afastei-me da porta com um pensamento: precisava encontrar Taylor
Harper, a herdeira da profecia. Eu a ajudaria a encontrar a adaga de Edwan,
e faria de tudo para que ela cumprisse a profecia a qual fora destinada.

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A família Jones
Jared Jones

— Você não deveria levá-la — disse Galin enquanto eu arrumava as


flechas na aljava.
Sorri para ela.
— Nossa filha vai ser uma caçadora um dia — respondi de imediato.
— E melhor do que você e eu juntos.
— Um dia. Não hoje.
— Então diga isso a ela.
Indiquei com a cabeça para a pequena garota de nove anos que
adentrava o recinto com sua roupa de caça.
Zafira tinha os olhos de Galin, verdes como as folhas das árvores mais
altas, já o cabelo era como o meu: castanho-claro. Peguei minha filha nos
braços e a girei no ar. Ela era meu orgulho, e uma versão menor de mim.
Para o desapontamento da mãe, sua personalidade era inteiramente minha.
— Eu já sou bem grandinha, mamãe — reclamou a garotinha, pegando
o seu próprio arco.
— Você sempre será meu bebê — Galin respondeu, acariciando o
rosto da filha.
Pude ver em seus olhos que ela lutava para tirar o arco de suas mãos.
Por um momento, observei as duas. Meu mundo inteiro estava ali,
naquela pequena cabana. Poderiam me oferecer castelos, riquezas ou vida
eterna, mas não trocaria aquilo por nada disso. Eu era feliz na minha vida
simples porque tinha Galin e Zafira ao meu lado; elas eram tudo de que eu
precisava.
— Precisamos ir, ou vamos perder a luz do dia.
Deixei meus devaneios de lado e dei um longo beijo em Galin, fitando
seus olhos verdes, tentando transmitir todo o meu amor com um olhar.
— Tenham cuidado.

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Ela encostou sua testa na minha, e por um momento pensei em desistir,
passar aquele dia em seus braços enquanto víamos nossa filha treinar, no
entanto eu precisava alimentar as minhas garotas.
Zafira e eu deixamos Galin na porta da cabana. As mãos no coração e
ansiedade no olhar. Não olhei para trás, pois tinha medo de ceder diante
daquele olhar que queria nos prender ali, em uma bolha de segurança e amor.
As melhores presas estavam no fundo na floresta, longe de qualquer
vida humana, o que nos renderia longos dias longe de casa. Às vezes,
passava dias em busca de um único cervo, e um único animal não seria
suficiente para o inverno rigoroso que viria. Por sorte, abatemos um coelho,
o que serviu para o nosso jantar. Zafira insistiu que eu ensinasse a preparar o
animal, e não pude negar: acendemos uma fogueira e preparamos o jantar.
A fogueira manteria qualquer animal longe de nosso acampamento.
Zafira me ajudou a montar uma barraca para manter o frio da noite afastado.
Se fosse apenas eu, dormiria no relento da noite, perto da fogueira, mas
queria dar maior segurança e conforto para minha filha.
Enquanto dormia, tive sonhos estranhos, senti que algo não estava
certo, que estava faltando. Ouvia os sons da floresta, corujas e galhos secos
sendo partidos por algo pesado, não sabia se era realmente real, ou fruto da
minha imaginação. Abri os olhos quando já era madrugada, e percebi a falta
de minha filha ao meu lado. Sai da barraca desesperado, gritando o nome de
Zafira. Minha voz era carregada pelo vento em todas as direções, mas não
trazia uma resposta.
Parei para ouvir os sons ao meu redor, a procura de algum sinal de
vida. Algo chamou minha atenção, uma espécie de grunhido animal. Com o
coração nas mãos, segui em sua direção. A luz das estrelas era suficiente
para iluminar meu caminho, contudo isso trazia um tom sombrio para a
paisagem. Durante o trajeto, estranhei a falta de animais, nem sequer o pio
das corujas ou o som de roedores. Era como se tivessem sido espantadas por
algum predador.
Me detive quando o som animalesco ficou mais alto. Parecia um sugar
seguido de grunhidos de satisfação. Uma forma sombria tomou forma na
escuridão, encurvada sobre sua presa, alimentando-se. Senti que todas as
forças de meu corpo se esvaíram quando pude ver a cena com clareza. Um
homem estranho, com uma tatuagem de espada envolta por uma serpente

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negra em seu pulso, debruçava-se sobre o pescoço de minha filha; parecia
sugar o sangue de minha menininha.
Algo saiu de minha garganta, um grito desesperado. Um comando para
largar minha filha? Não lembro. A única coisa que meu cérebro registrou
daquele momento foi a dor e o desespero para salvar Zafira. Aquele homem
largou minha pequena no chão como se não fosse nada. Seu olhar se voltou
em minha direção, e ele se endireitou lentamente. A luz banhou sua face e
soube que não era humano. Os olhos eram completamente negros, a pele
pálida, rachaduras cobriam sua face, como se fosse feita de uma porcelana
que havia caído da prateleira, mas de alguma forma se mantido inteira.
E os caninos… eram cumpridos e afiados, feitos para furar a pele.
Sangue, o sangue de minha menina, escorria por sua boca, enquanto um
sorriso de satisfação se apossava de sua feição, completando o quadro
sombrio que era aquela criatura.
Atirei uma flecha em sua direção, acertei seu coração. Aquilo riu
histericamente enquanto retirava o objeto de seu peito, como se nada fosse,
como se tivesse feito apenas cócegas. Antes mesmo de preparar outra flecha,
ele avançou, transformando-se em um borrão, movendo-se tão rápido que só
percebi sua aproximação quando já estava sobre mim, mordendo-me entre o
pescoço e o ombro.
E assim como veio, ele desapareceu em um borrão que se misturou
com a escuridão da floresta.
Caí de joelhos, perdendo a força, as mãos sobre o ferimento, o sangue
logo encharcou meus dedos. Rastejei em direção à minha filha com o resto
da força que tinha.
— Zafira…
Seu nome saiu de meus lábios como um sussurro desesperado, um
pedido para que estivesse viva.
Porém não estava.
O sangue banhava suas vestes, tão cuidadosamente limpas para aquela
ocasião que ela mais adorava: caçar com seu pai, mas ela não era mais a
caçadora, havia se tornado a caça.
— Minha menina. — Apertei seu corpo junto ao meu, sentindo o frio
de sua pele. — Não! Não! — agarrei Zafira com força, desejando trocar de

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lugar com ela, odiando qualquer Deus que tivesse deixado aquilo acontecer,
rogando para que devolvesse a vida à minha filha e levasse a minha em
troca.
Se algum Deus realmente existia, no entanto, ele não se importava, ou
era cruel demais. Senti tudo aquilo que construí com tanto amor, meu mundo,
desabar, ruir e vi suas peças quebradas se colidirem e gerarem um som tão
alto que poderia ter partido qualquer vida ao meio.
O torpor veio a seguir. Como poderia levar minha filha sem vida e
devolvê-la aos braços de sua mãe? Como poderia quebrar o mundo de Galin
como haviam quebrado o meu? Como olharia para ela sabendo que a culpa
era minha? Que havia quebrado a promessa mais sagrada de minha vida:
proteger minha filha.
Minhas pernas se forçaram a levantar, segurei o corpo de Zafira
sabendo que aquela seria a última vez que aninharia ela em meus braços.
Caminhei pela floresta de volta para casa, espantando os animais enquanto
seguia meu trajeto. Algo ardia em mim, mas não sabia o quanto daquilo era
físico ou apenas sentimental; se era minha dor tomando forma e me
machucando de diversas formas. Algo estava diferente, aquilo que meu
coração bombardeava não era sangue, era veneno, queimava em minhas
veias, corroía cada célula de meu corpo.
Quando avistei a fumaça deixando a nossa chaminé, comecei a gritar
seu nome loucamente, diversas vezes, até ela vir ao meu encontro.
— Não… não! — O sangue em nossas vestes, o corpo caído, já
indicaram à minha esposa o que havia acontecido. — Minha filha não!
Se aproximou, retirou o corpo de nossa filha de meus braços, caindo
de joelhos, gritando e chorando, balançando para frente e para trás,
agarrando-a.
Em algum momento minhas forças falharam e caí. Ouvi Galin chamar
meu nome, mas parecia distante, um eco em minha mente. Não sei como, mas
estava em movimento novamente, entrando em nossa cabana. O lugar que
havia sido um lar, porém que agora parecia vazio e sem vida, sem as risadas
de Zafira para preencher seu interior com amor.
— Jared, o que aconteceu? — a voz de minha esposa soou ao meu
lado.

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Olhei seu rosto destruído pelas lágrimas.
— Não era humano… — sussurrei.
Falar exigia muita força, parecia que algo arranhava minha garganta.
— Alguém fez isso com nossa filha?
O rosto de Galin entrava e saía de foco. Minhas pernas não mais
suportavam o peso de meu corpo.
Senti quando Galin me ajudou a me deitar em nossa cama, logo minha
mente se apagou, mas estranhamente ainda estava acordado. Meu corpo não
se movia como o ordenado, meus olhos não se abriam. Por mais força que
fizesse, podia ouvir minha esposa chorar e gritar, podia sentir seu pesar em
minhas veias, mas por mais que quisesse tomá-la em meus braços, consolá-
la e pedir perdão, meu corpo não obedecia.
Horas haviam se passado, e eu sentia o toque de minha esposa, o pano
úmido que ela colocava em minha testa, enquanto meu corpo todo queimava
como se o próprio inferno residisse em mim. Gritava em minha mente,
contudo meus lábios não ecoavam meu desespero. Podia sentir todo meu
corpo mudando, mas não conseguia reagir.
De um minuto para o outro, tudo cessou, restando uma fome enorme e
um arranhar em minha garganta que chegava a doer. Abri os olhos com
rapidez, assustando minha esposa. Algo estava diferente, eu podia ouvir o
bater do coração de Galin, o sangue correndo em suas veias, o crepitar do
fogo na lareira era ensurdecedor, e o cheiro… podia sentir o cheiro do corpo
de Zafira em decomposição, podia ver a menor rachadura no teto sobre
minha cabeça. O mundo ao meu redor estava diferente, porém ao mesmo
tempo igual. Era eu quem o via e ouvia com mais clareza agora.
— Jared… — o sussurro de minha esposa pareceu um grito aos meus
ouvidos.
Me virei em sua direção, e ela cambaleou para trás, como se eu fosse
uma ameaça.
— Galin…
Fiquei de pé, todas as dores e fraqueza haviam sumido. Me sentia mais
forte do que nunca fora antes, mas a cede… Engoli em seco, a garganta
arranhando com o movimento.

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— Meu amor, o que aconteceu com você? — a voz de Galin era
cautelosa.
Podia sentir as notas do medo através do seu batimento cardíaco.
— Aquele homem… criatura — corrigi. — Ele nos atacou.
Meu rosto se virou na direção de nossa menina, acomodada em sua
própria cama, coberta de sangue.
— Ah, Jared!
Galin acabou com o espaço entre nós, me abraçando em busca de
conforto, as lágrimas escorrendo por sua face.
Eu a envolvi com cuidado, sentia como se minha força fosse tão
grande que com um abraço apertado poderia matá-la. Não sabia o que estava
acontecendo, no que estava me transformando. De repente, o cheiro de Galin
invadiu meus sentidos, o aroma de lavanda e baunilha misturado com sangue.
Isso fez minha garganta arranhar mais ainda, a fome dentro de mim aumentou.
A veia no pescoço dela pulsava, tão convidativa, tão apetitosa… Senti
minha face se contorcer. Os caninos ficaram maiores, o aperto em volta dela,
mais forte. Não pude me controlar. O amor que sentia por ela ardia em meu
peito, contudo foi ocultado pela necessidade de me alimentar. Não era mais
Galin, meu mundo, o amor de minha vida, era meu alimento, a fonte para o
fim do incômodo em minha garganta.
Sem saber ao certo o que fazia, minhas presas perfuraram a pele no
pescoço de minha esposa. Ouvi seu grito ecoar em mim. Senti sua confusão e
mágoa, mas não consegui parar. Seu corpo foi ficando cada vez mais mole
em meus braços, meus joelhos foram cedendo e nos levando ao chão. Eu não
conseguia parar, mesmo quando ouvi seu coração bater cada vez mais lento
até parar. Inebriado pelo cheiro da lavanda, suguei todo o sangue de minha
esposa. E, quando finalmente acabei, lamentei pelo que tinha feito.
— Eu sinto muito!
Chorei sobre o corpo dela, pedindo perdão ao seu espírito.
Os meus dias de felicidade haviam terminado. Eu havia me tornado um
tipo de caçador novo, algo sombrio, como o homem que havia matado minha
filha. Sentia a escuridão que pulsava dentro de mim, que me condenou para
sempre andar nas trevas, mas não poderia sucumbir, pois eu tinha sido luz ao
lado de Galin e Zafira.

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Deixei o corpo de minha esposa ao lado de minha filha, passei o dia
ao lado delas, pois rapidamente descobri que o sol queimava e feria minha
pele. Tudo o que queria era correr para longe daquela cabana, deixar o
terrível erro que havia cometido. Não suportava olhar para minha esposa
morta sabendo que eu a havia matado.
Quando a escuridão caiu, cavei suas covas, marcando com duas cruzes
seu descanso eterno. Depositei um ramo de lavanda e uma rosa sobre a terra
recém-mexida para então partir para uma nova vida.

Vaguei por anos e anos sozinho, atormentado com o que fizera à mulher
que mais amei. Atormentado pela lembrança do homem sobre minha filha.
No início, a sede por sangue era insuportável, martelava em minhas veias
sem parar. Matei diversas pessoas até ter o controle. Depois disso, comecei
a me alimentar apenas de animais, mesmo o sangue deles não sendo tão forte,
e bom como o de um humano.
Carregava uma dor imensa. Vagar sozinho pelo mundo não era a
melhor forma de aliviar o que sentia, mas eu tinha medo de me aproximar de
pessoas, e era fraco demais para deixar o sol me queimar vivo. Se é que eu
poderia dizer que ainda estava vivo. Caminhei por terras desconhecidas,
procurando um rumo, uma resposta para quem havia me tornado.
Em uma noite, não fazia ideia de quanto tempo depois de minha
transformação, encontrei um alce para me alimentar. Estava havia dias
lutando contra a fome, testando o limite de meu corpo. Senti algo estranho
enquanto me agarrava com todas as forças ao animal, uma presença, uma

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aproximação, levantei o rosto de minha refeição, o sangue do animal
escorrendo até o chão.
Era uma mulher.
Tinha o encantador cabelo loiro-escuro, levemente ondulado, e olhos
castanhos que carregavam uma curiosidade imensa. Rosnei para ela, para
que corresse, era o que esperava que fizesse, me chamasse de monstro e
fosse buscar os aldeões da vila mais próxima para me mantar. Ela não o fez,
no entanto.
Fiquei com medo de atacá-la, mesmo não tendo a intensão. Me
alimentar libertava um lado sem controle, mas meus sentidos não tiveram
interesse algum nela.
— Vá embora.
Não quis brincar com a sorte e ordenei que se afastasse.
Ela permaneceu. Foi quando percebi que se aproximou sem nenhum
ruído, que seu coração não batia, não como o dos humanos, e em seu pulso
havia a mesma marca que surgiu no meu após minha transformação, uma
espada claymore envolvida por uma serpente negra.
— Sangue animal não é uma boa opção — observou ela. Ao constatar
que éramos iguais, deixei minha presa de lado e me levantei — Você precisa
aprender a se alimentar sem fazer tanta bagunça.
Ela atirou um lenço em minha direção. Um dia ele talvez tivesse sido
branco, mas agora estava rosado, e em alguns pontos mais vermelho. Usei o
tecido para limpar o sangue de minha boca e pescoço, acumulando mais
sangue.
— Eu me chamo Milena — apresentou-se.
— Sou Jared.
Atribui o gesto.
Sua face se virou para o céu, sabia o que ela iria dizer a seguir.
— O sol está quase nascendo. Precisamos encontrar um lugar para nos
abrigar.
Segui aquela mulher até uma caverna, não foi necessário acender
nenhuma fogueira, mesmo longe da entrada. Conseguia vê-la perfeitamente

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no escuro, como se estivesse diante de uma lamparina, e sabia que ela
também me via com clareza.
Eu não entendia o que eu era até Milena me contar: Vampiro Sombrio.
Ela me ensinou sobre os Vampiros Sombrios e Conjuradores, sobre a
diferença de cada espécie e sobre a luta que era travada com um mal sem
tamanho a caminhar pela terra: o Vampiro das Sombras.
— O que esse Vampiro das Sombras quer? — perguntei com
curiosidade.
— A dominância dos Sombrios.
— E… você está do lado dele? — questionei.
Não seria natural ela estar do lado dos seus semelhantes?
— Ele quer escravizar os Conjuradores e fazer muito pior com os
humanos. — Seu olhar se desviou do meu, olhando para as sombras além,
como se lembrasse de algo. — Já fui humana. Todos nós, Sombrios, já
fomos. Como poderíamos deixar que um monstro como ele acabe com a
humanidade?
— Mas não somos todos monstros?
Minha voz mal passava de um sussurro. Eu sentia a escuridão que
habitava meu ser, e não podia apagar a lembrança do que fizera à minha
esposa.
— E por que seriamos?
Sua atenção se voltou para mim com rapidez.
— Todos os Sombrios são monstros em sua definição, porque
precisamos de sangue humano para sobreviver. — Ela me fitou por longos
minutos, como se esperasse mais. — Você não sente a escuridão?
— No início você a sente com mais força — ela baixou a mão para
brincar com um fio solto em seu vestido —, depois você se acostuma. Mas,
Jared — seus olhos voltaram a encontrar os meus —, não é essa escuridão
que nos define. Não somos monstros por algo que fizeram conosco, nos
tornamos monstros pelos nossos atos.
— Mas eu… — desviei o olhar, constrangido, com medo que me
criticasse por minhas próximas palavras — matei minha esposa quando me
transformei.

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— Você queria matá-la, Jared?
— Não. Mas a escuridão… a fome… isso me dominou.
Uma lágrima solitária escapou por meus olhos. Incrível como
vampiros podiam sentir tudo mais intensamente, podiam ter um coração que
não batia, no entanto ainda assim seu corpo produzia lágrimas.
— Você sentiu prazer em matá-la?
— Não! — Me virei para ela, perguntando que tipo de louca era. —
Claro que não.
Milena se aproximou de mim, tomando minhas mãos nas suas.
— Então você não é um monstro. — Seus olhos estavam fixos nos
meus, transmitindo uma intensidade tão forte que me prendia a ele. — Você
só se torna um quando tem prazer de matar.
Daquele dia em diante, Milena passou a viajar comigo. Éramos dois
solitários que haviam se encontrado. Com o passar dos anos, ela acabou me
curando de minha dor interna, até ofereceu algo que pensei ter perdido havia
muito tempo: uma família. Encontramos um garoto, aparentava ter uns vinte
anos, talvez mais, talvez menos, sua família era grande, e ficou óbvio o
quanto os pais odiavam os filhos. Ele passava fome, era excluído pelos
irmãos, levava uma vida abaixo de miserável. Seu nome era Dylan.
Então o transformei.
Nos primeiros anos, ele agiu como se tivesse lhe dado uma maldição,
exatamente como me senti, mas com o passar do tempo formamos uma
família. Os Jones. Seguimos pelo mundo sem rumo, nos divertindo como
irmãos humanos fazem. Contudo, esses tempos acabaram quando chegamos
na República Dominicana, onde pude perceber quem eles realmente eram.
Corríamos por uma floresta densa e escura, fugindo de alguns humanos
que nos acusavam de bruxaria. Dylan e Milena não conseguiam parar de rir.
Nós, vampiros, sendo acusados de bruxaria. De repente, fui atirado ao chão
com um movimento surpreendente. Me coloquei de pé com a mesma rapidez
que levei o golpe, apenas outro vampiro teria força para me derrubar,
confirmei que era um Sombrio quando vi a marca negra em seu pulso.
Ele avançou contra mim, mas usei uma árvore como apoio para passar
por cima do vampiro. Acertei um chute em suas costas, que o fez cambalear
e cair. Fui atingido por outro vampiro, que me atirou contra a árvore.

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Arranquei um galho dela como se estivesse arrancando e rasgando um
pergaminho. Com movimentos rápidos, acabei com o vampiro à minha
frente.
Ainda assim, outros vieram. Até que finalmente uma deusa da noite nos
salvou. Ela surgiu em meio às árvores. Seu corpo era banhado pela luz da
lua, seus trajes, como o de uma guerreira. Os cabelos loiros dançavam
conforme o vento, e seus olhos eram de uma cor tão perfeita, azul
esverdeados; mesmo de longe me perdi neles. Senti seu aroma, era
levemente adocicado, me lembrava do pôr do sol das manhãs em um jardim
ensolarado, das cavalgadas em um dia chuvoso. Lembravam-me felicidade.
Ela foi a minha perdição.
— Parem! — ela gritou, e os vampiros ao nosso redor obedeceram,
curvando-se diante de sua deusa. — Não é assim que tratamos nossos
convidados. — Com o balançar de seus quadris, se aproximou de nós — Sou
Melissa Beaver.
Se apresentou primeiro a mim, estendendo sua mão para um
cumprimento. Logo a peguei e beijei o dorso de sua mão. Sua pele era macia
e convidativa.
— Sou Jared Jones — respondi, esperando não soar tão pasmo com
meu encanto. — E esses são meus irmãos, Milena e Dylan.
— É um prazer conhecê-los. Por favor, se juntem a mim e à minha
família em meu castelo.
Ela se afastou, mas não antes de me lançar outro olhar.
Fomos guiados até um imenso castelo de pedra no meio da floresta, o
lugar era repleto de Vampiros Sombrios. Ao passar por cada um, podia notar
a admiração nos olhos deles por Melissa. Se me olhasse no espelho, veria o
mesmo olhar.
Seguimos direto até a mesa do banquete. Nós vampiros não nos
alimentávamos da comida humana, já que não precisávamos dela para
sobreviver, mesmo assim encontramos um banquete quase todo feito de carne
crua, servido em uma longa mesa.
— A culinária daqui é um pouco diferente — avisou Melissa,
sentando-se na ponta da longa mesa. — Usamos sangue e outras especiarias
no tempero. — Sorrindo, ela ergueu uma taça de sangue em nossa direção.

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— Sentem-se, por favor. Eu estava no meio do meu banquete. Adoraria ouvir
a história da família Jones.
— Obrigada, senhora — agradeceu Dylan —, mas não nos
alimentamos de sangue humano.
— Que bobagem! — Ela gargalhou, e os outros vampiros no recinto
também o fizeram. — Em meio a uma guerra, vocês escolhem tomar sangue
de carneiro?
— Acreditamos não ser o certo matar nossos semelhantes —
acrescentou Milena ao se sentar.
Eu escolhi o lugar mais próximo à minha deusa.
— Semelhantes? — Melissa riu. — Deixaram de ser nossos
semelhantes quando um vampiro cravou os dentes em nós. E quem disse que
precisamos matar para nos alimentar? — Ela fez um sinal e um humano
apareceu, enchendo minha taça com sangue. — Aqui na República
Dominicana os humanos nos respeitam, trabalham para nós e nos dão sangue.
Em troca de sua proteção, é claro.
Dylan finalmente se sentou e foi servido de sangue também.
— Não foi o que me pareceu — observou Milena, encarando sua taça
com nojo. — Fomos caçados como bruxos.
Melissa se dobrou em seu assento de tanto rir.
— Eles nunca aprendem — ela respondeu. — Logan, envie alguns
soldados para a vila e os ensine a diferença entre bruxos e vampiros.
— Sim, mestra.
Um vampiro assentiu e logo desapareceu, levando outros dois consigo.
— Peço desculpa por isso — ela prosseguiu. — Eles ainda estão
aprendendo. Mas, como estava dizendo, nosso sangue é todo doado. Não
posso imaginar como é uma vida se alimentando de sangue de animais.
— É difícil, devo dizer — respondi com um leve sorriso nos lábios.
Provei do conteúdo da taça e deixei um leve gemido escapar de minha
garganta. — Havia me esquecido do gosto.
— Garantirei que não se esqueça.
Sorriu Melissa.

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Naquela noite fui à procura de Melissa, ainda hipnotizado por seu
cheiro, e foi seu aroma que me guiou até seu quarto. Por séculos, pensei que
nunca me atrairia por outra mulher, não depois de Galin, mas a força que
Melissa possuía, o modo como era segura de seus passos e de seu lugar ao
mundo, aquilo me fascinou.
Bati na porta de madeira.
— Entre. — Sua voz ordenou.
Adentrei, mas não a vi, apenas um amplo espaço, com uma cama de
dossel negro bem no centro. Seu tecido era tão escuro e denso que não
conseguia ver o que havia além dele.
— Me desculpe o incômodo — meus olhos percorreram o lugar à
procura dela —, queria saber mais sobre…
— Você não é um incômodo.
A aba do dossel se abriu, revelando uma Melissa completamente nua,
ajoelhada na cama. Me aproximei dela como se seu corpo fosse um ímã.
Parei à sua frente, fitando cada pedaço daquele corpo perfeitamente
esculpido, ansiando por tocá-la, mas não o faria sem permissão.
Melissa tocou minha mão, meu membro já estava respondendo ao
desejo. Ela a conduziu para seus seios, e enquanto eu acariciava seus
mamilos ela começou a remover minha roupa.
Quando dei por mim, já estava completamente nu sobre ela,
saboreando cada pedaço, cada toque, cada sensação.
Me perdendo em seu corpo de uma forma que não conseguiria explicar
para ninguém.

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A princesa das trevas
Dylan Jones

As estrelas tinham um brilho diferente quando eu era humano.


Pareciam mais perfeitas e inalcançáveis. Ao me tornar imortal, pude vê-las
com mais clareza acompanhado de uma certeza de que poderia tocá-las; fruto
da sensação de ser o predador mais forte a andar pela terra.
Apoiei meus braços na grade de madeira, a única proteção entre mim e
uma queda gigantesca. Ousei olhar para baixo, mas medo algum me dominou,
por mais que o castelo de Melissa estivesse localizado na ponta de um
rochedo a muitos e muitos quilômetros do chão. Se pulasse, com certeza
sofreria com a queda, contudo logo meu corpo se regeneraria.
Senti a aproximação de Milena antes de ouvir seus passos. Ela saiu
para a sacada, sendo atingida pelo vento instantaneamente, que carregou seu
cheiro até mim.
— Ele dormiu com ela.
Milena precisou tomar coragem para dizer aquelas palavras.
— Acho que o castelo inteiro ouviu isso — respondi. Ela soltou
aquela risada leve e gostosa típica. Milena se aproximou, se apoiando nas
grades comigo. — Se não te conhecesse direito, diria que está com ciúmes.
— Tudo nesse lugar parece estranho. — Sua voz assumiu novamente
um tom sério. — Existe algo estranho e sombrio em Melissa.
— Eu também senti. Senti quando a vi pela primeira vez. Ela não é a
rainha de tudo isso. É uma princesa das trevas.
— Precisamos salvar Jared das garras dela.
— Precisamos? — Suspirei e me virei na direção de minha irmã. —
Depois do que ele fez a Galin… Jared nunca se permitiu amar novamente.
Arrisco dizer que não se deitou com nenhuma outra.
— Creio que não. — Milena desviou o olhar par ao horizonte, para a
amanhã que logo se aproximaria. — Mas deveríamos arriscar perder nosso
irmão para que ele transe de novo?

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— Claro que não. Apenas… deixe ele se divertir, ver que pode amar
novamente. — Me afastei da grade, Milena seguindo meus passos. A manhã
se aproximava. — Além do mais, ainda não conhecemos Melissa direito.
Podemos estar errados em relação a ela.
— Espero que sim, meu irmão.
Eu podia ver, em sua face, em seu tom de voz, que ela não acreditava
em suas palavras, ela tinha a certeza.
— Se ela causar algum mal a Jared, eu mesma a mato.
A luz do sol alcançou a sacada, segundos depois adentrava pela porta
aberta, como se nos caçasse. Ela tocou minhas botas e logo subiu pelo meu
corpo, queimando minhas mãos nuas. Por um momento, deixei o sol me
queimar para depois recuar as sombras. Sentia muita falta do sol em minha
pele, das cavalgadas sob sua luz, de seus raios refletindo nas águas
cristalinas, do beijo de uma manhã ensolarada. Olhei para Milena, sentindo
seu olhar pesaroso. Apesar de sermos feitos de trevas, os Jones não
gostavam dela.
— Ela tem um pequeno exército aqui, irmão. — Milena deu voz à sua
preocupação.
— Então mostraremos a Jared quem ela realmente é, e partiremos.
Segurei suas mãos, meu toque a acalmou quase instantaneamente.
No entanto, quando a noite voltou a surgir e fomos convidados para um
banquete, perdi a calma. Jared e Melissa adentraram ao grande salão juntos,
colados um ao outro, rindo como se fossem dois amantes. Seus cheiros se
misturavam de uma forma intensa, sinal de que havia passado o dia todo com
ela.
— Meu caros! — A voz de Melissa soou alegre. — Sinto que já os
conheço a tanto tempo.
Ela apertou meu ombro e abraçou Milena como se fossem grandes
irmãs.
— Espero que nosso irmão não tenha falado muito mal de nós.
O olhar de Milena se dirigiu para Jared enquanto o casal se sentava à
mesa.
— Só coisas boas, eu garanto.
A vampira bateu palmas e criados humanos apareceram para nos
servir.
Naquela noite, serviram ensopado, uma cor tão vermelha que me
perguntei se não seria sangue puro. O vinho servido tinha um forte cheiro de

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sangue misturado com bebida, havia até mesmo uma torta de carne, tão crua
que o sangue escorria dela.
— Agradeço sua hospitalidade. — Fui obrigado a dizer, pois Milena
estava calada e Melissa já se servia. — Mas pularei o desjejum.
— Você não pode fazer essa desfeita com sua anfitriã — ela brincou
após tomar um longo gole de uma taça.
— Não bebemos sangue humano.
Milena não foi tão delicada quanto eu.
Por um breve momento, pensei ter visto um lampejo sombrio no olhar
de Melissa ao fitar minha irmã, porém ele logo foi substituído por um sorriso
mais amigável.
— Somos convidados, Milena. — A voz de Jared atraiu toda a atenção
para si, ele se serviu do ensopado, mesmo eu vendo em seus olhos que não
estava gostando muito da ideia. — Temos que respeitar o que nossa anfitriã
põe à mesa.
Houve um pequeno momento de tensão, enquanto Milena observava
Jared levar uma pequena colherada à boca, e em seguida mais outra. Pensei
que haveria uma discussão entre os dois, bem ali, em frente a Melissa, que
parecia se divertir com a troca de olhares dos irmãos.
Para não deixar nenhuma faísca se ascender, eu mesmo me servi do
ensopado. Milena rapidamente voltou seu olhar em minha direção. Juntando
uma força enorme, levei aquela mistura espessa à boca.
O pior de tudo: não era ruim. O gosto do ensopado de galinha se
misturava ao sangue de uma forma brilhante. Misturar nosso passado humano
com nosso lado vampiresco trouxe uma sensação tão boa de lar.
Logo me repudiei por deixar o sangue humano inebriar meus sentidos,
no entanto Melissa tinha razão. O gosto não era o mesmo, a descarga de
energia não era a mesma. Passar anos se alimentando de animais e depois
provar o sangue humano faz parecer que todo esse tempo estive passando
fome. Tive que me controlar para não degustar o prato de uma vez só, e me
esforcei para lembrar o quanto aquilo era errado.
— Podemos voltar ao nosso regime amanhã — garanti para Milena,
mais para me distrair do que para deixar as coisas mais calmas.
Ela foi mais relutante, brigando em seu interior para não ceder, mas o
olhar de Jared e Melissa estavam sobre ela, e por fim cedeu. Quando a
anfitriã seguiu para um assunto banal, me permiti relaxar.

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— Vocês deveriam lutar contra meus guardas essa noite — sugeriu
Melissa.
— Para quê? — perguntei, curioso.
— Estamos em guerra. É sempre bom estar preparado para uma luta.
Vocês podem nos ensinar o que sabem, e nós ensinaremos nossos truques.
— Vivemos em paz. — Milena não gostou de sua sugestão. — Não
procuramos brigas.
— Mesmo assim, às vezes a briga nos acha — insistiu.
Milena discordaria, ou diria alguma coisa muito estúpida, mas Jared a
interrompeu:
— É melhor estarmos prevenidos. São tempos estranhos estes.
— É, realmente estranhos. — Tive que concordar, mas não por conta
de suas palavras, mas sim do que via nele.
Jared estava concordando cegamente com tudo que Melissa falava. Ele
estava completamente encantado por ela.
Por um instante, quis ficar feliz pelo meu irmão, ele sempre carregara
uma sombra pela morte de sua esposa e filha. Vê-lo desfrutar do amor
novamente era encantador. Apenas desejava de todas as minhas forças que
Melissa fizesse bem a ele, pois naquele momento ela estava com Jared nas
mãos.

Havia uma ala inteira dedicada ao treinamento em combate. Vampiros


vestidos de preto treinavam no centro com uma brutalidade nunca vista.
Sangue voava pelos ares e caía no chão de pedra; ficaria ali até virar uma
mancha escura.
— Não há regras no combate? — perguntei para Melissa.
— Não.
O olhar da vampira estava fixo na luta, algo brilhava ali.
Meus olhos se encontraram com os de Milena, transmitindo uma
mensagem silenciosa.

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— Mas é proibido matar, claro — completou a anfitriã. — Quem
gostaria de ir primeiro?
— Eu vou.
Jared já estava pronto para se exibir.
— Eu contra você, como nos velhos tempos.
Milena se apressou em lançar o desafio, com medo de que nosso irmão
enfrentasse a brutalidade dos homens de Melissa. Enquanto meus irmãos se
preparavam para lutar, parei ao lado de nossa anfitriã, mais interessado em
observá-la do que a luta em si.
Jared e Milena analisaram um ao outro antes de entrarem em combate,
ambos eram ágeis, porém meu irmão era mais inteligente. Sempre fora
divertido ver os dois lutar. Naquele instante, eles pareceram relaxar, e eu
entrei na onda.
Golpes foram trocados e bloqueados. Milena pulou sobre Jared,
porém ele previu sua tática e segurou a vampira pelo pé, jogando-a no chão.
Meu irmão esperou que ela se levantasse para continuar.
— Em uma luta de verdade — observou Melissa —, seu oponente não
vai te esperar levantar para atacar.
Milena fuzilou a vampira com os olhos, contudo logo teve que desviar
sua atenção, pois Jared caiu sobre si, acertando um soco em seu rosto que
logo a trouxe de volta para a batalha.
Voltei minha atenção para Melissa. Ela observava a luta com grande
fascínio, no entanto não foi isso que me preocupou. Ela estava analisando os
dois minuciosamente, como se planejasse testar nossas forças para nos
recrutar.
— Não vai entrar na luta, Dylan?
O olhar de Melissa virou-se para mim. Tive que manter a compostura
para que não percebesse que a estava analisando.
— Eu não aprecio lutas — respondi e desviei o olhar.
— Seus irmãos são habilidosos. — Jared havia usado um pilar para
pegar impulso e derrubar Milena. — Mas precisam aprender a lutar de
verdade. Em um campo de batalha o inimigo não terá pena, nem
misericórdia.
— A qual inimigo você está se referindo?
Voltei a fitá-la. Havia um mistério por traz do tom verde azulado.
Ela me analisou longamente antes de responder:
— O Vampiro das Sombras, claro.

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Sorriu, mas não senti verdade no gesto.
— Meus irmãos e eu preferimos ficar fora dessa luta.
— E deixar que outros decidam seu destino?
Não respondi.
De certo modo, ela estava certa, contudo não iria admitir.
— Decidimos, há muito tempo, que essa guerra não nos pertencia —
informei após analisar com cuidado minhas palavras. — Guerras só trazem
morte, destruição e dor. Por isso vamos continuar fugindo dela, e no fim nos
adaptaremos ao que vier. Porque a única coisa que não queremos nessa
eternidade é ter que vivê-la sozinhos sem nossos irmãos.
Melissa abriu um meio-sorriso, me analisando com um certo cuidado,
até que algo tomou suas feições e pude jurar que vi um lampejo de dor em
seu olhar.
— Enterrar alguém que você ama pode destruir você.
Voltou-se novamente para a batalha, mas já era tarde, eu havia
percebido que alguma lembrança veio à tona.
Quem aquela vampira que parecia ser tão destemida, tão forte e
impenetrável a dor, havia perdido? Em que essa destruição de seu interior
havia transformado ela?
As perguntas e respostas ficaram para depois, Jared havia subjugado
Milena. Ambos riam enquanto se levantavam, pois a luta nunca havia sido
uma competição entre nós, e sim uma forma de nos mantermos alertas.
— Bravo! — cantarolou Melissa. — Agora, vamos ver como a
agilidade se sai contra à força. Marcos! — ela gritou o nome de um vampiro,
e não tardou para ele aparecer.
As portas se abriram e um homem, ou melhor, vampiro, alto e forte,
adentrou. Parecia uma montanha com pernas. Seu olhar era feroz e
assustador. Dizia que vivia apenas para causar dor.
— Tá brincando, não é? — questionou Milena. — Olha o tamanho
dele.
— Serão dois contra um. O que acha? — Melissa ignorou minha irmã
e se dirigiu a Jared, que assentiu entusiasmado para agradar. — Lembrem-se,
meus garotos não lutam justo.
Dito isso, o vampiro atravessou a sala quase como um borrão, seu
peso diminuía sua supervelocidade, mesmo assim foi o suficiente para
agarrar uma Milena despreparada e atirá-la no chão. Pude ouvir o som de

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seu crânio se chocando. A montanha virou-se para Jared, considerando
minha irmã fora de jogo, já que se contorcia de dor ao chão.
Jared tentou golpear seu adversário, mas ele segurou o braço de meu
irmão, parando-o como se tivesse o peso de uma pena, e não a força de um
Sombrio. A montanha contorceu o braço de Jared, o vampiro gritou de dor,
tentou se soltar, mas não conseguiu, até que ouvimos o craque do osso se
partindo. Com isso, o homem-montanha se sentiu satisfeito e chutou Jared no
peito, atirando-o para longe.
Milena urrou de raiva, pulou em seu adversário, agarrando seu
pescoço, mas o adversário se jogou para trás, deixando minha irmã presa
entre o chão de pedra e seu enorme peso.
— Já chega disso. Está machucando eles — disse para Melissa, mas
ela pareceu não se importar.
Mesmo com Milena estando com várias costelas quebradas, e Jared
um braço, o homem-montanha não desistiu da luta, ou deixou mais fácil. A
anfitriã ao meu lado parecia se deleitar com a batalha, então fui forçado a
agir. Atravessei a arena, pegando uma adaga de uma longa fileira de armas, e
arremessei na cabeça do grandalhão.
O vampiro, distraído demais em causar dor, não percebeu o ataque.
Seu corpo caiu inconsciente no chão, e ficaria assim por alguns minutos, ou
horas, até suas células se regenerassem.
— Isso é bárbaro. — Dirigi o olhar para Melissa. — Não pode
chamar isso de treino.
— O mundo lá fora é bárbaro — ela respondeu com certa irritação o
olhar. — Aqui eu os fortaleço, ensino a lutarem em desvantagem, com
oponentes mais fortes e espertos do que eles.
— Não pode achar que isso está certo.
Ajudei Milena a se levantar. Seu corpo agonizado de dor.
— Nada que sangue não possa curar — respondeu a vampira.
Ela estalou os dedos e logo apareceu um vampiro oferecendo uma taça
de sangue para meus irmãos. Milena recusou a taça, empurrando a mão do
vampiro para longe, mas eu não estava suportando vê-la com dor; por isso
eu mesmo peguei a taça e a fiz tomar.
— Viu só? — disse Melissa.
Estava prestes a responder quando outro vampiro adentrou o recinto;
parecia agitado e nervoso.

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— Minha Lady, trago notícias — disse o vampiro, não querendo
despejar as novidades sem saber se os visitantes poderiam ouvi-las.
— Diga — respondeu Melissa.
— Vampiros Conjuradores, minha Lady, um grupo deles está vindo
para cá.
Todo o tom divertido que Melissa tinha desapareceu, seu semblante
ficou sério.
— Preparem todos para o ataque — comandou a vampira.
— Ataque? — perguntei, incrédulo. — Os Conjuradores não
costumam atacar.
— Estamos em guerra, Dylan. — Ela me fitou com um olhar sombrio.
— Sombrios se tornaram inimigos dos Conjuradores. Vai arriscar a sorte se
estão vindo apenas conversar?
— Vai matá-los sem saber se vieram para nos ferir? — perguntou
Milena, seu corpo quase todo regenerado.
— Vocês já encontraram Conjuradores antes? — Não respondemos,
pois sempre evitamos a outra espécie e sua magia. — Nós já. E perdemos
muitos dos nossos. Não vou deixar isso se repetir.
— Nós vamos ajudá-la — Jared ofereceu.
Como ele poderia se dispor a lutar, e pior, nos colocar no meio disso?
Antes que pudéssemos protestar, Melissa o levou para fora da sala. Fomos
juntos, Milena e eu, trocando olhares, tentando decidir se iríamos com nosso
irmão ou se esperaríamos a notícia de sua morte chegar. Com certeza não
podíamos deixar que ele se arriscasse sozinho.
— Podemos emboscá-los — sugeriu meu irmão, o que só me deixou
mais apavorado. Não parecia ser o Jared que havia me transformado. —
Mostre-me um mapa e podemos pensar em algo.
Nosso irmão montou todo o plano para matar os Conjuradores. Ele
mandou vampiros para lugares estratégicos para que a única opção daquele
grupo fosse encarrar o gargalo do diabo. Era uma passagem estreita, cercada
por paredões de pedras, que eram tão instáveis que constantemente algum
rochedo se deslocava, caindo na estreita passagem. Era alto o suficiente para
que os Conjuradores não sentissem nossa presença. Nos posicionamos de
modo que o vento não pudesse carregar nosso cheiro e esperamos.
Quando estavam abaixo de nós, Jared deu o sinal, e pulamos com
agilidade os quilômetros mortais que separavam o topo do chão. Mal
aterrissamos e já partimos para o ataque. Os Vampiros Conjuradores nem

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sabiam direito o que os atingia. Eles não tinham para onde fugir, já que a
entrada e a saída estavam bloqueadas. Estavam sendo massacrados.
Poucos tentavam usar seus poderes, os boatos que se espalharam ao
longo dos anos diziam que os Conjuradores pararam de usar seus poderes
com medo de serem localizados pelo Vampiro das Sombras. Estavam certos.
Jared me ensinou a não tirar vidas, a não ser que fosse necessário, mas
o homem que via lutando não era o mesmo. Ele matava sem piedade. Havia
uma chama negra consumindo seu olhar. Soube naquele momento que ele
estava perdido.
Um choro de criança se sobressaiu aos sons da batalha, olhei para os
lados em busca de sua origem e encontrei um garotinho abraçado à uma
manta. Se esses vampiros vieram para atacar a fortaleza de Melissa, por que
trouxeram uma criança? Prestei mais atenção nos corpos. Havia jovens ali,
famílias, uma carroça transportando alimentos, trouxas de roupas jogadas.
Não, aquilo não era um grupo de vampiros querendo nos aniquilar, era
uma resistência.
Tentei chegar até à criança, porém outro vampiro a matou antes que me
aproximasse. Horrorizado, procurei Milena. Ela estava perdida em meio ao
caos. Fogo ardia na noite, rajadas de água se transformavam em gelo e
perfuravam a pele, pedras se deslocavam e eram controlados por
Conjuradores de Terra para acertar os Sombrios.
Corri até ela, mas uma rajada de água me atirou para longe. Logo ela
estava congelando, uma tentativa de me manter preso, contudo logo me
soltei. Uma Conjuradora, parecia não ser mais velha do que eu quando me
transformaram, apareceu à minha frente; havia uma esfera de água brilhando
em sua mão.
— Não quero te machucar. — Levantei as mãos em sinal de paz. — Eu
posso te ajudar a fugir.
Lentamente, ela abaixou as mãos. A esfera desaparecendo. Eu podia
ver em seus olhos que estava desesperada, deu até alguns passos confiantes
em minha direção, mas um Sombrio pulou sobre ela. Nem tive tempo de
processar o que estava acontecendo e seu sangue foi sugado.
Apavorado, voltei à minha procura por Milena. Ela estava paralisada
vendo a mesma cena, tão desorientada que não percebeu quando um
Conjurador se jogou contra ela, atacando com sua adaga. Corri na direção de
minha irmã, arranquei o vampiro de cima dela. A adaga ainda cravada em

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seu ombro. A prata feriu minhas mãos, porém não me importei, arranquei-a
da carne de Milena.
O Conjurador já havia se recuperado. Sobre sua cabeça pedaços
enormes de pedra caíram. Gritei para alertá-lo e só fui perceber tarde
demais que ele as controlava. Desviamos de seus ataques, vendo que aquilo
não fora suficiente. O Conjurador fez raízes cobertas de espinhos saírem de
suas mãos. Milena e eu tentamos correr, mas não foi suficiente, elas se
enrolaram ao redor de meu corpo, não pude evitar o grito que escapou de
meus lábios. Minha irmã parou ao me ver aprisionado, e por mais que suas
mãos se ferissem ela partiu os galhos para me libertar. Vendo que não era
suficiente, pois mais apareciam, decidiu atacar o vampiro, acertando um
golpe que o deixou desmaiado.
— Precisamos sair daqui. — Ela se aproximou de mim e me ajudou a
levantar. Sangue empapava minhas vestes. — Matamos uma resistência,
Dylan. — Havia pavor em sua voz. — Vamos pegar Jared e dar o fora daqui.
No entanto, quando encontramos nosso irmão paralisamos. Ele gemia
de prazer ao beber o sangue de uma Vampira Conjuradora. Logo saí do
torpor e atirei Jared para longe. O corpo da vampira caiu ao chão, e Milena
tentou ampará-la, mas já era tarde. Voltei minha atenção para meu irmão, que
se levantava, limpando a boca com o dorso da mão. Um rosnado foi dirigido
a mim:
— Por que nos abstemos do sangue deles, irmão? — disse uma pessoa
diferente, pois aquele não era meu irmão. — A magia que corre na veia dos
Vampiros Conjuradores faz o sangue deles ser mais prazeroso que sexo.
Você deveria experimentar.
— Jared, irmão, eles fazem parte da resistência, não são uma ameaça.
Há crianças entre eles. — Tentei trazer juízo para sua mente.
— Eles são uma ameaça, irmão. Todos eles.
— Você escuta suas próprias palavras? Estamos falando de crianças.
— Pouco importa.
Jared me empurrou para o lado, e com força arrancou a vampira dos
braços de Milena e voltou a consumir seu sangue.
Por alguns segundos, eu e Milena apenas observamos, atônitos. Aquele
não era Jared Jones, o homem que sofreu por anos, que ainda pronunciava os
nomes de Galin e Zafira quando achava que não estávamos por perto para
ouvir, que preferiu viver longe de qualquer vampiro e humano, longe da

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guerra. Quando voltamos à realidade, fugimos da zona de morte,
abandonando nosso irmão. Ou pelo menos o que havia restado dele.

Havia poucos vampiros no castelo, até mesmo os humanos serviçais


eram escassos, ou haviam fugido, ou se escondido do que viria a seguir.
Milena adentrou seu quarto e trancou a porta. Sabia que choraria pelo sangue
derramado, pela perca da família que éramos. Mas eu não desistiria de Jared
tão fácil.
Aguardei quase a noite toda para que os vampiros retornassem. O sol
estava quase nascendo quando finalmente Jared e Melissa adentraram ao
grande salão. Aguardei nas sombras, paciente, para que eles se separassem e
pudessem conversar com meu irmão a sós. Contudo, ambos se dirigiram para
o quarto da vampira. Pensei em desistir, deixar para outro momento, mas a
imagem daquelas pobres crianças mortas não saía da minha mente.
O sol já havia subido quando quem eu menos esperava saiu do quarto.
Melissa.
Aguardei alguns segundos para ver se Jared a acompanhava, mas ele
não o fez. Haveria perigos de seguir a aquela vampira, porém o fiz mesmo
assim. Me escondi nas sombras, tentando ficar o mais longe possível dela.
Melissa parou no seu grande salão, havia outro vampiro ali.
— Mi Lorde. — Ouvi distantemente.
Ela tinha um marido? Estava apenas usando meu irmão como um
brinquedo sexual?
Contudo, quando me aproximei da sacada interna, a vi ajoelhada
diante de uma figura sombria, emaranhado em uma capa de sombras.
— A resistência foi aniquilada? — ele perguntou.
Sua voz deixava claro o quanto ele estava no comando, e que não
toleraria uma resposta além da que queria.
— A Resistência dos Elementais foi completamente destruída —
garantiu com um sorriso, pondo-se de pé.

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— E o trabalho por aqui?
— Mais lento do que o esperado. — Ela fez uma careta. — Os
vampiros da República Dominicana ainda precisam aprender a temer seu
nome.
— Faça-os se ajoelharem ao ouvirem meu nome, ou traga a morte para
aqueles que negarem.
Melissa assentiu como um cachorrinho.
— Devo preparar um quarto, meu rei? — perguntou a vampira.
— Não. Seguirei meu caminho. Preciso mostrar aos outros como
devem temer meu nome.
Sem mais nem menos, o Vampiro Sombrio seguiu para a porta,
abrindo-a, deixando a luz do sol banhar todo o seu corpo, mas sem que
nenhum mal lhe fosse feito. Então soube diante de quem estava. Aquela foi a
primeira vez que vi o Vampiro das Sombras.
Corri de volta até o quarto de Milena, nem sequer bati na porta. Ela
estava aninhada perto da janela, a face coberta de lágrimas.
— Milena, precisamos partir — disse a ela em um tom sério, fazendo
com que as lágrimas parassem de cair. — Você tinha razão. Melissa não é
uma rainha, é uma princesa, ela responde a um superior. E esse superior é o
Vampiro das Sombras. — Ela arregalou os olhos. — Temos que partir assim
que escurecer.
Ela me encarou com medo, mas então seu olhar foi dominado por
determinação.
— Nós podemos descobrir o que eles estão tramando, Dylan. Podemos
retribuir o mal que causamos nesta noite, ajudando a derrotar o Vampiro das
Sombras.
— Milena, não precisamos nos envolver nesta guerra — implorei. —
Podemos continuar vivendo como fantasmas.
— Não podemos viver assim para sempre, esperando que escolham
nosso destino. Temos que tomar um lado, e só há um correto. — Ela se
levantou, já decidida, se dirigindo à porta. — Finja que nada aconteceu.
Enquanto isso vou tentar descobrir os segredos de Melissa.
— Eu posso ajudar.
Me aproximei dela.
— Faço isso melhor sozinha. E é melhor que só um de nós seja pego.
O outro precisa salvar Jared.

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Sem esperar outra palavra, deixou o recinto. Aquele olhar… ela sabia
os riscos que estava assumindo, e não queria me colocar em perigo. Quando
saí para o corredor, em busca de minha irmã, não a encontrei em lugar
algum.
Passei aquele resto de dia atordoado, pensando se deveria encontrar
Jared, tentar mudar sua cabeça, ou Milena, para tirar qualquer ideia louca de
sua cabeça. O sol se foi e tudo se tornou mais difícil, pois os vampiros
passaram a circular fora do castelo. No fim, tudo que fiz foi vagar pelos
corredores, esperando ver em qual deles o destino ia me fazer esbarrar.
Contudo, foi Milena que me encontrou, e não o contrário. Eu estava em
uma sala comunal, observando o brilho do fogo, aquilo que mais temia em
minha nova vida, quando minha irmã adentrou o recinto toda agitada.
— Era pior do que eu pensava — afirmou e havia desespero em sua
voz. — Ele…
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Jared apareceu,
acompanhado de um punhado de soldados, com Melissa ao seu lado.
Ficamos confusos, aquilo não parecia uma visita comum.
— Milena Jones — disse Jared —, você foi condenada à morte por
traição.
— O quê? — dissemos eu e Milena ao mesmo tempo.
Não houve tempo para protestar, ou para defesas, os vampiros caíram
em cima de minha irmã, incluído o homem-montanha, que por si só já seria
eficiente. Eles arrastaram Milena para fora da sala, sua mão tentava buscar a
minha, mas meus dedos não conseguiram alcançá-la. Outros vampiros me
impediram.
— Para onde estão levando ela? — perguntei a Jared.
— Para o pátio. Vai receber sua punição — meu irmão respondeu
como um soldado, não como alguém que condenava a família à própria
morte.
Corri para o pátio. Dessa vez ninguém me impediu. Quando cheguei lá,
estavam amarrando Milena em um tronco, grossas correntes banhadas com
Espinho Negro a manteriam no lugar. Ela lutava para se soltar, mas quando
me viu tentando se aproximar Milena simplesmente parou. Voltei minha
atenção para Jared, que entrava acompanhado de Melissa.
— Jared, ela é sua irmã! — implorei.
— Ela nos traiu, irmão — Jared respondeu sem nenhuma emoção em
sua voz. — Se não quiser ter o mesmo destino, sugiro que não apoie a

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traidora.
Tentei pensar em uma solução. Havia tantos vampiros. Como eu
conseguiria acabar com todos? Por que ela não estava mais lutando? Voltei
meu olhar para Milena. Havia desespero ali, mas para que entendesse o que
ela tentava me transmitir sem pronunciar uma palavra: está tudo bem, meu
irmão. Você ainda pode se salvar, e salvar Jared.
Balancei a cabeça negativamente e seu olhar se tornou mais sério,
mais duro.
Está tudo bem.
Queria ter ficado ao seu lado, segurado sua mão, pelo menos até seu
último minuto. Mas não o fiz. Em choque, deixei meu irmão me conduzir
para as sombras, enquanto esperávamos o sol nascer.
Vi quando o sol tocou a pele de Milena, quando seu corpo foi tomado
pelas chamas e seus gritos ecoaram pelo castelo. Pude sentir o cheiro de sua
carne queimando. Me obriguei a ver toda aquela cena, registrar tudo o que eu
tinha deixado acontecer com minha irmã.
A mão de Jared pousou em meu ombro.
— Você tomou a decisão correta — disse ele.
Me virei em sua direção e não vi remorso eu seu olhar.
Jared Jones deu as costas para nossa irmã e saiu pela porta
enganchado em Melissa. Fiquei para trás, para ver minha irmã virar cinzas,
que foram carregadas pelo vento.
Ali fiquei até a noite nascer novamente, então deixei o castelo e Jared
para trás. Eu não poderia fazer o que Milena queria de mim, salvar nosso
irmão. Tudo em meu ser cantava por apenas um desejo.
Eu iria matá-lo.

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A chama que arde na escuridão
Trish Keller

A luz do fogo refletia nos cabelos loiros de Hanna, fazendo-os parecer


laranja. Minha prima brincava com o fogo, conjurando seu elemento, o ar,
para fazer as chamas dançarem. Para assustá-la, fiz as chamas ficarem mais
altas. Com o susto, ela caiu de costas no chão lamacento.
— Trish! — ela protestou ao se levantar. — Você sabe que não tenho
roupas limpas!
— Que dramática.
Ri enquanto Hanna se sentava novamente no tronco de árvore caído.
— Aproveita só porque é uma Conjuradora do Fogo.
Ela fez um biquinho que achei muito meigo.
Seu irmão chegou de fininho por trás da vampira, agarrando-a em um
abraço.
— Hanna está cm ciúmes de novo? — brincou ele.
— Eu não tenho ciúmes dos conjuradores de fogo.
Hanna se desvencilhou do abraço do irmão.
Mas aquilo era uma mentira e tanto. O fogo era o elemento mais forte
dentre os quatro elementos, e o que mais causava arrepios aos Sombrios.
Depois, é claro, do poder do Sol e a da Lua, porém nunca soube se
realmente existiu algum conjurador com esses dons, nossas histórias e lendas
se perderam junto com a queda da monarquia.
— Dizem que conjurava o ar, conseguia voar — menti para animar a
vampira.
— Sério?
Seus olhos brilhavam, e não havia nada a ver com a luz das chamas
refletindo em seu olhar.
— Sim. Quem sabe você não consiga voar como um pássaro um dia
desses.

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— Seria muito legal. — Seu olhar se desviou para o grupo de
vampiros que discutiam, as vozes se elevaram mais do que o normal,
geralmente eles não falavam tão alto quando estávamos por perto. — Eu só
queria que eles chegassem a um concesso.
— Não é uma decisão fácil — observou seu irmão, com certeza ele
havia herdado o cabelo escuro da minha linhagem, era de um tom escuro e
brilhante, como o meu.
— Mas não deveria ser — lamentei.
Fugíamos em família havia muito tempo, desde que meu avô fugira da
queda de Galantia, a maior e mais protegida cidade de Conjuradores. Os
Kellers não se consideravam uma resistência, como a maioria dos vampiros
faziam ao se juntarem em bandos, pois de acordo com eles não estávamos
resistindo a nada, mas simplesmente sobrevivendo. Todos éramos primos de
algum grau, irmãos, pais e mães de alguém naquele grupo composto por onze
vampiros.
— E o que você espera fazer em meio aos humanos? — gritou meu
pai.
— Sobreviver, Bruce! — contra-argumentou meu tio, pai de Hanna e
Victor.
Troquei um olhar e uma careta com os irmãos.
— E o que você vai fazer quando seu filho perder o controle e
incendiar alguém? Como vai explicar que ele conjura o fogo?
— Eu não sou tão emotivo assim — protestou Victor para nós. —
Seria mais fácil a Hanna atirar alguém longe com uma rajada de vento.
Rimos de sua brincadeira, tentando nos concentrar em nossa própria
conversa, mas era difícil. Os nervos estavam a flor da pele nos vampiros
mais velhos. Nunca era fácil escolher nosso próximo destino, mas pelo
menos em uma coisa todos concordavam: a caminhada constante nos
manteria vivos.
— Podemos tacar fogo neles — brincou Victor.
— Nossos pais também são conjuradores de fogo — observei. — E
bem mais fortes do que nós.
Hanna se levantou. Com um movimento de mão, fez uma rajada de
vento atirar a mim e a seu irmão para trás.
— Exibidos — reclamou ela.
A vampira nos ajudou a levantar. Eu estava pronta para revidar, ou
dizer qualquer coisa que nos distrairia da briga, mas algo silenciou as vozes.

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Um uivo ecoou pela noite.
— O que foi isso? — Me virei para trás, procurando a origem do som.
— Lobos? — perguntou Victor.
Outro uivo. Me virei na direção do grupo de vampiros, eles estavam
paralisados em estremo choque. Não poderiam ser lobos. Eles costumavam
ficar longe de vampiros. Mais um uivo tomou forma, era uma matilha.
— Trish! — Não percebi a aproximação de minha mãe. Ela me
agarrou pelos ombros. — Minha filha! Você precisa correr. — A fitei com
um olhar confuso. — Corra, e não pare até o sol nascer, só assim estarão
seguros.
— Mas por quê? — perguntei, os uivos ficando mais próximos. — O
que está se aproximando?
— Lobisomens.
Troquei um olhar assustado com meus primos. Os lobisomens não
eram vistos havia anos, acreditava-se que estivessem extintos. Por puro
instinto, olhei para a lua, ela estava redonda e brilhante, as histórias que
minha avó contava voltaram a minha mente: eles se transforam na lua cheia,
uma mistura de humano e lobo, uma fera assassina, atraída pelo sangue
dos vampiros. Sua mordida é fatal para um Sombrio, e apesar de não
matar um Conjurador provoca uma dor tão intensa que vai te incapacitar,
e então eles te devoram.
— Eu te amo — sussurrou minha mãe, estava tão entorpecida que não
escutei direito suas palavras. — Corram! Agora!
Ela me agarrou em um último abraço, antes de se juntar aos vampiros,
preparando-se para a batalha.
— Não… — sussurrei.
— Vamos, Trish! — Hanna me puxou para dentro da floresta, mas meu
olhar voltava para meus pais, armando-se com tudo que tinham.
Corremos como havia sido ordenada, meus passos mal tocavam o
chão, toda minha concentração estava em desviar das árvores e galhos
caídos. Quando os gritos chegaram até nós, meu coração parou de bater e
meu corpo parou de se mover. Olhei para meus primos, o desespero em suas
faces.
— Precisamos ajudá-los! — disse a eles, quase implorando.
— Não podemos! — respondeu Victor — Por favor, Trish, precisamos
correr.

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— Ela tem razão, Vic. — Hanna caminhou em minha direção, parando
ao meu lado. — Não podemos abandonar nossa família.
— Hanna, temos que ir! — ele insistiu, mas logo sua voz silenciou.
Havia alguma coisa ali conosco. Não era só a presença, que deixava o
ar denso e carregado, mas a sensação de que algo nos observava. Os sons
dos animais fugindo do predador que se aproximava, seus passos eram
lentos, como se não quisesse delatar sua presença.
— Trish… — sussurrou Hanna.
— Shh!
Aquilo estava muito próximo. A folhagem balançava com seu
movimento, tão perto, mas ainda escondido pelas sombras. Me aproximei de
Hanna e agarrei sua mão, apertando com força, tentando controlar as batidas
de meu coração, que soava tão alto que tinha medo daquilo ouvir.
Tudo começou a se mover, os arbustos balançavam de um lado para
outro. Para onde quer que eu olhasse, os passos ficavam mais fortes, aquilo
não se incomodava de esconder sua presença. Minha cabeça virava de um
lado para o outro, procurando o ponto por onde atacaria.
Meu olhar se fixou no tronco de uma árvore, quando tudo ficou em
silêncio. Estava ali. Podia sentir.
Garras surgiram, arranhando o carvalho, garras tão afiadas que
poderiam partir meu corpo ao meio. Uma perna surgiu na escuridão, parecia
tão humana, mas era repleta de pelos, finalizando em uma pata com mais
garras afiadas. A cabeça surgiu, revelando olhos que brilhavam na
escuridão, olhos tão humanos, em uma cabeça de lobo.
Meu corpo travou. Eles não foram extintos. Os lobisomens ainda
existiam.
Por um breve momento o mundo parou, preso naquele momento de
terror, na certeza de que estaríamos mortos. Meus olhos piscaram, e o
lobisomem desapareceu. Antes que pudesse reagir, ele pulou detrás do
arbusto, correndo sobre as quatro patas em nossa direção.
Hanna foi mais rápida do que nós, conjurando o ar, empurrando com a
força de um tornado. O lobisomem desapareceu atrás da mata, mas sabíamos
que aquilo não o deteria, precisávamos correr.
Corremos e corremos, me atrevi a olhar para trás, apenas para
perceber que estávamos perdidos. O lobisomem corria muito mais rápido
que nós, não teríamos chance. Cada vez mais perto, meu coração batia

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desesperado, bombeando adrenalina por meu corpo, obrigando-o a ir mais e
mais rápido. Mas seria impossível terminar aquela noite com vida.
Derrapei na grama molhada, ao mesmo tempo rodando meu corpo para
ficar cara a cara com o inimigo, lançando uma rajada de chamas que o fez
parar. A chama desapareceu, revelando o lobisomem, saliva pingava de sua
enorme boca, seus olhos estavam fixos em mim.
— Trish! — A voz de Hanna soou atrás de mim, mais distante do que
eu esperava.
— Corra, Hanna! — ordenei.
Meu olhar estava fixo no lobisomem, temendo que um leve desvio o
faria avançar. Não percebi quando Hanna e Victor pararam ao meu lado.
— Nós ficaremos juntos — garantiu meu primo.
— Vocês podem viver — observei.
— Viver juntos. Morrer juntos — completou Hanna, meu coração se
encheu de amor.
Enquanto estivesse com eles, nunca estaria sozinha.
O lobisomem avançou, Victor conjurou as chamas para atacá-lo. Juntos
cercamos nosso inimigo. A força combinada do ar de Hanna e meu fogo, fez
o lobisomem recuar. Ele tentou acertar o elo mais fraco, Hanna, mas ela se
saiu bem em manter as presas longe de si. Éramos inexperientes com a luta,
com nosso poder. Estávamos ficando cansados quando conseguimos por fim
derrotar o lobisomem.
— Vamos… — a palavra custou para sair, o ar quase não entrava em
meus pulmões. Meu olhar estava fixo no corpo em chamas. — Precisamos ir.
Hanna desabou no chão, corri em sua direção sentindo o cheiro de seu
sangue.
— Não, não, não — disse Victor, caindo ao lado da irmã, percebendo
pela primeira vez a blusa rasgada da garota, o sangue escorrendo de uma
ferida de garras.
— O sangue… — sussurrou Hanna. — Vai atrair mais.
Como se para provar que a vampira estava certa, mais uivos encheram
a noite, troquei um olhar apavorado com Victor.
— Vão. Por favor — implorou Hanna. — Vão, eu seguro eles.
— Não vou deixar você morrerem, irmã. Por mais que você seja muito
irritante e ciumenta.
As mãos de Victor trabalharam com rapidez, cortando um pedaço de
sua própria camisa e enrolando ao redor de Hanna. Enquanto ele cuidava

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dela, o movimento na floresta chamou minha atenção. Eles estavam se
aproximando.
— Victor… — sussurrei.
Não sabia quantos eram, mas sabia que independentemente disso
aquele era o fim, nunca iriamos abandonar Hanna.
— Eu sei, Trish — respondeu ele, a voz estava séria, mas sem o tom
de preocupação que eu esperava.
Victor levantou Hanna, que deixou escapar um grito. Ele apoiou a
vampira em meu ombro, e naquele momento soube o que ele faria. Seu olhar
voltou-se para sua irmã, dando um beijo em sua testa.
— Eu te amo, Hanna, nunca se esqueça disso.
— O que…
A vampira ainda não havia percebido.
— Salve-a, Trish. — Victor voltou seu olhar para mim. — Por favor.
Como eu poderia deixá-lo? Como poderia partir para salvar minha
vida, sabendo que outro morreria por mim? Victor sacou a adaga de sua
cintura e cortou a palma de sua mão.
— Não é um pedido, Trish — completou.
— Victor… — sussurrei seu nome.
— Precisamos fazer sacrifícios por aqueles que amamos. — Ele sorriu
para mim, depois voltou-se para a irmã. — Se vocês não partirem agora,
meu sacrifício será em vão.
Victor deu as costas para nós, conjurando o fogo em sua mão boa. Não
sei como encontrei forças para arrastar Hanna, para correr com o peso da
vampira sobre mim, mas precisava salvá-la, porque não poderia perder os
dois na mesma noite.
A luz da chama de Victor iluminou por um tempo nosso caminho. Olhei
para o céu com a esperança de que o sol nascesse logo. Não saberia dizer
por quanto tempo corremos até percebermos que estávamos sendo
perseguidos novamente, e aquilo só poderia significar uma coisa: Victor
estava morto. Uma lágrima solitária escapou e rolou por minha face.
Não conseguiria correr com Hanna a noite toda, precisávamos nos
esconder, e deveria haver alguma sorte para mim, pois avistei a entrada de
uma caverna.
— Mais um pouco Hanna — implorei para a vampira.
Assim que nossos passos encontraram a superfície rochosa, os
lobisomens nos encontraram. Me virei para trás e conjurei chamas na entrada

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da caverna, impedindo que eles entrassem. Lobo, humano, ou criatura
sobrenatural, todos aprendem a temer o fogo. E foi aquilo que salvou nossas
vidas.
Em algum momento, eles desistiram de tentar passar pelas chamas e
recuaram. Mantive a barreira por mais um tempo, até desabar de cansaço. O
sol não nascera, não estávamos seguras, mas eu estava tão fraca que
aceitaria a morte de bom grado.
Hanna e eu nos apoiamos uma na outra para adentrar mais fundo na
caverna, e desabamos no chão, esperando que a morte chegasse, ou que
nossa sorte prevalecesse.
Muito tempo se passou antes que recuperássemos nossas forças e o
ferimento de Hanna começasse a se curar. Arriscamos nossa saída para fora
do túnel escuro, descobrindo que o sol já havia nascido havia um tempo.
Olhei para Hanna, seu rosto manchado pelas lágrimas e a poeira, seus olhos
me fitavam com medo do que nos esperava.
Percorremos nosso caminho de volta com passos lentos, esperávamos
que alguém nos encontrasse, que nossa família estivesse procurando por nós.
Mas nenhuma voz chamou através das árvores.
Encontramos o corpo de Victor primeiro, ou o que sobrara dele. Hanna
se agarrou em mim, soluçando de tanto chorar. Sem conseguir olhar para o
que um dia fora seu irmão. Quando encontrei forças em mim mesma para
desviar a atenção daquela cena de terror, arrastei a vampira de volta para
nosso acampamento.
Adentramos naquela clareira de mãos dadas, preparadas para o que
iríamos encontrar, e sabendo que mesmo assim doeria muito.
Não havia sobrado ninguém. Nossos pais, tios e tias, primos distantes,
todos mortos. Por incontáveis horas ficamos paralisadas, sentadas no mesmo
tronco de árvore da noite passada, as mãos entrelaçadas, as lágrimas
chegaram a secar na face.
— E agora? — perguntei a Hanna. — O que vamos fazer?
— Vamos parar de somente sobreviver. — Havia uma certeza em sua
voz, que imaginei que ela partira para a luta naquele momento. — Dizem que
Taylor Harper está com a resistência dos órfãos.
Aquele não era o verdadeiro nome da resistência, mas todo grupo de
vampiros que encontrávamos o chamavam assim, já que seus integrantes
haviam perdido todos aqueles que poderiam chamar de família. Como nós
duas.

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— A resistência da adaga vermelha. — Corri, mesmo sem
necessidade, Hanna conhecia o nome. — E como vamos encontrá-los?
— Em Nova Jersey. Dizem que estão em Nova Jersey.
Olhei para Hanna, vendo o vazio que percorria seu olhar. Não
tínhamos mais nossos pais para nos proteger, só tínhamos uma à outra. As
cicatrizes daquela noite ficariam para sempre marcadas em nossos corações,
cicatrizes que ninguém veria por fora, mas que doeria por dentro, para toda a
eternidade. Se não encontrássemos outro motivo para viver, poderíamos
sucumbir a essa dor.
Talvez estar ao lado da herdeira da profecia não nos deixasse seguras,
mas nos daria a esperança de que tudo acabaria bem no final.
— Para Nova Jersey, então — concordei.

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O bastardo
Vampiro das Sombras

Eu fitava o céu azul, fingindo que estava em outro lugar, em qualquer


lugar, enquanto os garotos atiravam palavras grosseiras em minha direção.
Fiquei imóvel no chão, quando até mesmo meus irmãos começaram a atirar
estrume de vaca.
— Do que seu pai o chama? — perguntou Arvid para meu irmão, ele
sempre fora o pior do bando.
— Bastardo — respondeu meu irmão mais velho, Hakon.
— Meu pai diz que bastardos são sujos. Nojentos.
Ignorei os risos, com o passar dos anos ficava mais fácil. Como não
reagi, Arvid e sua turma desapareceram, me deixando finalmente em paz,
mas coberto de bosta. Pensei que poderia me esconder na mata, achar um
lugar tranquilo para deitar e esquecer o mundo ao meu redor, mas o mundo
sempre me encontrava.
Quando achei que estavam longe o suficiente, me levantei e voltei
caminhando para nosso acampamento. Todos paravam ao me ver passar,
cochichavam entre si, e alguns até riam descaradamente. Levantei a tenda de
nossa barraca e encontrei minha mãe com Amice nos braços, minha irmã
mais nova, a única que ainda não me odiava.
— Lazarus! — exclamou mamãe. — O que é isso?!
— Foi Arvid de novo, mamãe.
Ela me fitou com aquele olhar de pena que guardava só para mim. Eu
tinha dez anos naquela época, mas já conhecia bastante os seus olhares, e o
significado da palavra bastardo.
Cateline havia cometido os piores dos crimes, deitando-se com outro
homem fora de seu casamento, e gerado a mim, um bastardo desonrado. Por
isso, toda vez que me olhava seus sentimentos brigavam entre a pena por
tudo o que me fazia passar, e a raiva por ser o maior erro de sua vida.
— Vá se limpar no lago! Agora! — ela gritou. — E não volte até esse
cheiro ter sumido de você!
Cateline deu as costas para mim e voltou a aninhar Amice.

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Impotente, abandonei-a, encontrando meu pai no caminho. Bjorn era
líder do clã, e o guerreiro mais forte, talvez por isso eu e Cateline ainda
continuássemos vivos. Ele me olhou de cima para baixo, depois balançou a
cabeça negativamente e adentrou na tenda.
Todos sabiam que ele não era meu pai, mas ninguém contrariava isso
diante de Bjorn. Havia boatos que quatro anos após meu nascimento meu
verdadeiro pai fora levado em uma caçada e nunca mais retornara. Há quem
diga que Cateline chorou baixinho por noites depois disso. Eu tinha seus
olhos, seu cabelo, eu era sua cópia, e quanto mais os anos se passavam mais
isso ficava visível.
Peguei o caminho mais longo para o leito do rio, pois não queria
encontrar ninguém naquele momento. Já estava escurecendo quando cheguei,
entrei na água de roupa e tudo, esfregando tudo para remover os dejetos.
Quando terminei, a noite já havia caído e o cheiro não havia deixado
completamente minhas roupas.
Fiz uma fogueira para me aquecer e secar minhas roupas. Por longos
minutos fiquei tremendo diante do fogo, uma pequena raiva borbulhando em
mim. Se tivesse a força, destruiria aquele acampamento por inteiro,
incluindo minha mãe, aquela que deveria me amar incondicionalmente e me
defender dos olhares maldosos.
— O que faz uma criança sozinha na floresta à noite?
Por um breve momento, me assustei com aquela voz. Olhei para além
do fogo e vi o homem que se aproximava.
— Não posso voltar para casa enquanto estiver fedendo à bosta de
vaca — respondi com uma careta, remexendo no fogo com um graveto.
O homem riu enquanto se aproximava, sentando-se o mais distante
possível do fogo, mas dentro de sua luz para que pudesse ver seu rosto. Ele
não pertencia ao nosso acampamento, nunca o havia visto na vida. Tinha
cabelos cumpridos e encaracolados, a pele era negra como a noite,
destacando seus olhos verdes.
— E não tem medo de estar aqui sozinho? — Quis saber.
— Tenho mais medo de estar com os outros. — O olhei através das
chamas, podia ver que seu olhar me analisava. — Prefiro quando estou
sozinho.
— Por quê?
— Sou um bastardo. Ninguém gosta de bastardos.
Ele me fitou com curiosidade.

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— Eu também sou um bastardo — disse ele, meus olhos quase
brilharam quando o fitei através das chamas, ele também era como eu. — As
pessoas também me tratavam como se não fosse nada mais do que um
estorvo, até que as fiz pagar.
— Eu também queria que eles pagassem. Mas sou fraco.
Voltei meu olhar para as chamas. Como queria que Arvid ardesse em
chamas.
O homem se levantou, vindo em minha direção.
— Como se chama, garoto?
— Lazarus.
— Lazarus, gostaria que eu vingasse você? — O fitei com olhos
esbugalhados. — Eu preciso me alimentar, e se puder fazer isso com aqueles
que o atormentam será um prazer.
— Alimentar?
Seus olhos se tornaram negros como a escuridão que nos cercava,
rachaduras surgiram em sua pele e quando ele sorriu exibiu presas afiadas.
Me assustei com o que vi e institivamente caí para trás.
— Sou um vampiro, Lazarus. — Por puro instinto, comecei a rastejar
para longe dele. — Não se preocupe, garoto. Não vou te machucar.
Levantei-me devagar, aproximando-me com passos lentos. O analisei
com curiosidade, sem medo algum, afinal, quem vive uma vida repleta de
sombras, aprende a não temer nem mesmo a morte.
— Você pode me vingar?
— Claro, pequeno. É só dizer sim.
Eu queria aquilo? Queria o sangue das pessoas no acampamento em
minhas mãos? Queria a morte de minha própria mãe?
A resposta veio tão rápida que me assustei com a raiva que carregava
em meu interior.
— Sim — aleguei.
A palavra mal havia saído de minha boca e o vampiro havia
desaparecido na noite. Olhei para os lados, tentando encontrá-lo, e nada vi.
Ele seria real? Eu havia inventado tudo aquilo na minha mente?
Gritos chegaram até mim algum tempo depois, vindos do
acampamento. Corri na escuridão de volta para meu povo, quase sem
enxergar o caminho sob meus pés. Quando adentrei na clareira, percebi que
não havia alucinado. O vampiro estava debruçado sobre meu irmão, bebendo
seu sangue, fogo começava a arder nas tendas mais distantes.

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— Largue meu filho! — meu falso pai gritou.
Minha mãe apareceu ao seu lado, gritando ao ver o corpo de Hakon no
braço dos vampiros. Os homens do clã se uniram em uma frente, agarrados
em suas lanças. Temi pelo vampiro que tentou me defender, no entanto,
quando atiraram as lanças, ele desviou delas como se não fosse nada. Uma
perfurou seu ombro, contudo, derrubando o corpo já sem vida de Hakon ao
chão.
O vampiro a tirou de sua carne como se não fosse nada. Naquele
momento, a maioria dos homens se juntou ao movimento de fuga, mas alguns
que ficaram para trás tiveram uma morte dolorosa.
— Lazarus! Fuja! — minha mãe gritou quando finalmente me notou,
enquanto eu me aproximava do vampiro.
Parei ao lado dele, suas vestes estavam sujas de sangue, mas ele
parecia não se importar.
— Alguém mais, pequeno Lazarus? — perguntou ele.
Olhei ao redor, encontrando o corpo de Arvid, era ele quem eu mais
odiava, mas ainda restava duas pessoas. Apontei para meus pais. O vampiro
atirou a lança que haviam cravado em seu corpo, empalando meu falso pai.
Mamãe gritou, caindo de joelhos ao lado dele. Logo o vampiro estava ao seu
lado, cortando sua barriga com as próprias mãos.
Ambos ainda estavam vivos quando o vampiro caminhou em minha
direção.
— Creio que não me apresentei pequeno. Sou Roland Akauss. — Ele
estendeu a mão em minha direção. — Se você quiser, Lazarus, pode vir
comigo.
Olhei em direção às pessoas que pensei serem a única família que
conheceria. Mas família não significava amor? Eu nunca havia encontrado
amor ao lado deles. Nunca havia conhecido outra vida, a não ser aquela vida
de sofrimento, imposta a mim desde o dia de meu nascimento por algo que eu
não tinha culpa alguma.
Aceitei a mão de Roland. Enquanto caminhávamos para fora da
clareira, dei uma última olhada naqueles que foram meus pais, e vi seus
olhos se apagarem como a chama de uma vela se apaga.

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Não sabia que desejava tanto o amor até ser amado de verdade.
Eu finalmente sabia o que era ter uma família. Não era mais um
bastardo, era Lazarus Akauss, filho de Roland, o vampiro. Ele me acolheu
quando os humanos se recusaram a me aceitar, enquanto meus iguais me
julgavam por algo que não tinha culpa, Roland me amava por quem eu era.
Por anos vivemos juntos, ele me ensinava sobre o mundo sobrenatural,
um mundo que ia ganhando força em uma terra que ainda não tinha nome. O
mundo era muito mais do que imaginei. A escuridão guardava mais do que
vampiros e suas duas espécies. Havia lobisomens, sereias, bruxos, e muito
mais escondido nas sombras. Eles estavam se reunindo em vilarejos,
constituindo sociedade, os vampiros tinham até uma monarquia que zelava
para manter os vampiros na linha.
Meu pai não era favorável às regras da monarquia. O cuidado para
manter nossa espécie em segredo, como se não fossemos os seres fortes que
éramos. Eles tentavam a todo custo manter a paz entre as espécies, tanto
entre vampiros e humanos, como Sombrios com Conjuradores. Mas também
eram os responsáveis por manter o equilíbrio do sobrenatural com o restante
do mundo, como proteger até mesmo humanos dos dragões que assolavam
aquela terra.
Eu estava ansioso para me transformar em um sombrio e compartilhar
a eternidade com Roland, mas assim que ele me mordesse meu corpo não
mais envelheceria. Quando atingi a casa dos trinta, decidi que era hora,
poderia viver eternamente preso aquele corpo.
— Vá, aproveite seu último dia de sol — disse Roland naquele dia,
colocando sua mão em meu ombro, abrindo um sorriso corajoso.
— Obrigado, pai — agradeci e saí para o dia que amanhecia.
O sol tocou minha pele e apreciei aquele momento, sabendo que sua
luz nunca mais me tocaria, pois, se o fizesse, estaria morto. Olhei para trás,
para a pequena caverna e meu pai, escondido nas sombras, em segurança.

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Aquele estava sendo nosso lar desde que meu pai achou que estávamos
sendo perseguidos.
Meus passos me guiaram até um lago, adentrei suas águas com roupa e
tudo, lembrando do dia em que minha vida mudara completamente. Passei o
dia caçando, comendo frutas silvestres, apreciando o sabor da carne, pois
em breve tudo que me sustentaria seria sangue. Aproveitei cada segundo
daquela antiga vida, pronto para embarcar em meu destino.
Perto do pôr do sol, voltei para a caverna, meu pai me aguardava perto
da entrada, um sorriso acolhedor em seus olhos.
— Como foi meu garoto?
Fiz uma careta para sua pergunta.
— Vai continuar me chamando de garoto quando for um vampiro?
— Você sempre será meu garoto, Lazarus.
Ele me guiou para dentro, onde havia uma fogueira, não para ele, pois
a visão de Roland era tão perfeita à escuridão, como era a luz, mas para mim
e minha parca visão humana.
— Você era só um garotinho quando te encontrei — comentou, seu
olhar indicando que sua mente voltava para o passado. — Você não teve
medo daquele desconhecido que se sentava diante de sua fogueira porque
não tinha medo de nada. E tenho muito orgulho do homem que você se
tornou, Lazarus.
— Sou o que sou graças a você pai — o interrompi. — Aquela vida
era uma miséria, tudo o que fazia era sobreviver, era forte porque não existia
outra opção, não tinha medo porque não havia nada pior, mas você, pai, me
trouxe para uma vida extraordinária. Que nunca imaginei poder viver. Você
me salvou.
— Ah, meu garoto, creio que foi o contrário. — Suas mãos se
apoiaram em meu ombro. — Você está pronto? — Ele havia me contado
tudo, cada detalhe, eu me sentia preparado para a dor que viria a seguir,
então assenti. — Estarei ao seu lado sempre.
Suas mãos foram para meu pulso, erguendo a manga de minha
vestimenta, suas presas ficaram à mostra, perfurando minha carne. Em
segundos, tudo estava terminado e minha nova vida começava.
O veneno que me transformaria em vampiro começou a percorrer
minhas veias, ele corroía de uma forma inexplicada, mas não tive medo,
aceitei aquela dor como se fosse muito bem-vinda.

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A dor foi aumentando, duplicando e triplicando de tamanho, até que
meu corpo cedeu, caindo ao chão, meu pai me amparou e se sentou ao meu
lado, esperando com paciência.
Algo começou a dar errado. Pude sentir na postura de meu pai, algo se
aproximava, olhei para a entrada da caverna, meu corpo querendo ceder
para a escuridão, mas lutei com todas as minhas forças para permanecer
acordado.
— O que vocês querem? — perguntou meu pai.
Havia um grupo de seis homens, todos carregando tochas e lanças,
olhares ameaçadores em suas faces.
— Purificar o mundo — respondeu um deles.
Roland estava certo, estávamos sendo perseguidos. Não, estávamos
sendo caçados por aqueles homens. Quem seriam? Familiares de alguém que
meu pai matou?
— Vão embora — rosnou meu pai. — Não há nada aqui para vocês.
— Viemos por você. Monstro da noite — informou um deles,
aproximando-se com a tocha.
— Não… — sussurrei do chão, meu corpo todo tremendo com a dor.
Uma luta se iniciou, minha visão indo e vindo, mal pude saber o que
acontecia.
— Deixem meu pai em paz. — Tentei dizer mais alto, mas parecia que
minhas palavras foram perdidas no ar.
Aqueles homens encurralaram meu pai, não iriam desistir até que
estivesse morto. Eles vieram para isso: matá-lo. A trilha de corpos que meu
pai deixaria para trás deveria ter lavados direto para nós, justo quando eu
mais estava imponente e não poderia ajudá-lo.
Eu lutava contra meu próprio corpo para manter a consciência, mas a
escuridão ia e vinha, sem controle. Algo brilhou mais forte na escuridão,
uma luz se espalhando, demorei para entender que era meu pai, ardendo em
chamas.
Perdi a consciência quando seu corpo caiu ao chão, seu olhar fixo em
mim enquanto Roland Akauss deixava de existir.

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A transformação era algo engraçado, a dor o levava para o
inconsciente, e quando você voltava a si o mundo já não era mais o mesmo.
Pensei que aqueles homens me matariam também, mas as vozes ao meu
redor indicavam que não faziam ideia do que estavam caçando, e menos
ainda de como os vampiros eram transformados.
— Ele parece morto. — Ouvi uma voz perto de mim, não ousei abrir
meus olhos.
— Será que aquele monstro fez algo com ele? — Outra voz se
pronunciou.
— Você viu como as lanças não o feriram?
— Mas o fogo deu conta do recado.
Eles falavam de meu pai. A única pessoa que me amara. A raiva
pulsou em minhas veias, junto com a fome que me corroía. Abri os olhos, os
dois homens estavam mais longe do que esperava, suas vozes soavam como
se tivessem bem ao meu lado.
— Bendito seja! — um deles exclamou, ficando em pé. — Pensamos
que estava morto.
Ele veio se aproximando de mim, falando algo sobre terem salvado
minha vida, mal sabiam que haviam destruído tudo. Levei meio segundo para
entender o mundo ao meu redor, como meu novo ser via a tudo, ouvia tudo.
As tochas haviam desaparecido, havia apenas uma fogueira. De alguma
forma eles haviam me arrastado para a floresta, talvez a quilômetros da
caverna. Os seis homens estavam dispersos, despreocupados, afinal, não
sabiam que era uma ameaça.
Quem melhor para ser minha primeira refeição que aqueles homens
que haviam matado meu pai?
— Seja melhor você se sentar um pouco…
O homem que se aproximava não terminou sua frase. Por puro instinto,
minhas presas saíram. Senti algo se contorcendo em minha face e todo meu

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mundo se resumia em me alimentar.
As presas se encaixaram com perfeição em seu pescoço. Ele não teve
tempo de gritar. sua voz havia sumido. Suguei seu sangue como se houvesse
passado fome por semanas, como se aquilo fosse aliviar minha raiva.
— Está tudo bem? — Outra voz soou pela noite.
Larguei o corpo, que caiu com um baque surdo no cascalho sob meus
pés. Por um instante, os humanos ficaram paralisados, seus cérebros tentando
processar o que estava acontecendo. A minha direita um deles entrou em
ação, pronto para reacender sua tocha, mas o agarrei pelo pescoço,
apertando com tanta força que senti seus ossos se partirem em minha mão.
Havia mais quarto deles. Eu estava em desvantagem, mas, diferente de
meu pai, não fui pego de surpresa, e não estava cercado. Me deliciei em
dilacerá-los, rasgar sua carne com minhas presas, quebrar seus ossos com
minha mão. O serviço estava quase acabado quando um deles ergueu duas
tochas em minha direção, o fogo me fez hesitar.
— Se afaste! — o humano gritou, rosnei para ele. — Não se aproxime
ou vou matá-lo!
Eu não queria fugir, queria seu sangue em minhas mãos, mas como me
aproximaria? Um toque e o fogo poderia me consumir por inteiro. Rosnei
mais alto para ele, minhas presas completamente expostas.
Vendo meu medo, ele teve a ousadia de se aproximar, bramindo
aquelas tochas como se fossem armas. Dei um passo para trás. Desde que
Roland entrara em minha vida, nunca mais tive que temer um humano, e ali
estava eu, recuando diante de um.
Seus passos pararam, sua boca se encheu de sangue, que escorreu por
sua face, meu olhar se dirigiu ao seu peito, havia uma mancha vermelha onde
deveria haver um coração. Seu corpo caiu ao chão, revelando uma criatura
atrás de si, segurando seu coração em mãos.
Olhei em seus olhos escuros enquanto outros se aproximavam. Eu
sentia algo emanando deles, algo estranho, algo conhecido, parecia um eco
de meu próprio ser. Foi quando vi a marca em seu pulso. Olhei para o meu
próprio e lá estava ela, a serpente negra entrelaçada a claymore.
Éramos iguais.
— Procuramos por esses humanos por dias — disse o sombrio com o
coração ainda em mãos. — Eles decidiram caçar os nossos, mesmo não
sabendo o que somos.

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Ele analisou o coração que tinha em mãos antes de atirá-lo ao chão e
pisá-lo.
Nada disse, nada consegui dizer, a raiva ainda pulsava em mim.
— Vaga sozinho, vampiro? — outro perguntou, ele havia se
aproximado dos corpos, analisando-os. — Fez um ótimo trabalho com eles.
— Eles mataram meu pai. — Foi tudo o que consegui dizer.
O vampiro me fitou com pesar.
— Sinto muito. — Ele se aproximou de mim. — Os humanos tendem a
matar aquilo que lhes é estranho. Sou Ivor. — Ele estendeu a mão em minha
direção. — E aquele é Arne, nosso líder.
— Quem vocês são?
Segurei sua mão.
— Os Guardiões da Noite. — Arne se aproximou. — Ouviu falar de
nós? — Neguei com a cabeça. — Somos a guarda pessoal do rei Arkyn,
trazemos sua lei para todos, vampiros ou humanos. — O sombrio me
observou de cima a baixo, seu olhar migrou então para os corpos. —
Estamos procurando Sombrios para fazerem parte de nossa guarda, e parece
que você tem o que precisamos.
Eu queria aquilo? Naquele momento, tudo o que pensava era na raiva e
ódio que ardiam em meu peito. Mas se eles eram a guarda pessoal do rei,
talvez pudesse me aproximar o suficiente para mostrar ao monarca como
nenhum humano merecia nossa piedade. Todos eles mereciam morrer.
— Gostaria de se juntar a nós? — perguntou Arne.
— Sim — respondi com convicção.
O pensamento focado em apenas uma coisa: erradicar aqueles que
sempre me fizeram sofrer.
— Qual o seu nome, novato?
— Lazarus Akauss.
Sorri ao responder.
— Seja bem-vindo aos Guardiões da Noite.

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O fim da Resistência do Norte
Mayra Leni

Nós dividíamos acampamento com a herdeira da profecia. Se aquilo


colocava um alvo em nossas costas, ou afastava os inimigos, eu não saberia
dizer. Mas eu gostava da presença dela, da força que exibia ao caminhar, do
olhar seguro, e de seu grupo de Conjuradores; eles pareciam uma grande
família. Sempre quis me aproximar dela, mas nunca tive coragem, então a
observava de longe.
— Estamos há muito tempo paradas em um único lugar. — A voz de
minha mãe me chamou de volta à realidade, me fazendo desviar o olhar de
Taylor Harper.
— Você disse isso semana passada — respondi a ela.
Nós éramos a cópia uma da outra, cabelos loiros, olhos castanhos.
Teodora era seu nome.
Apesar de não gostar de ter que discutir aquilo novamente, não negava
que ela estava certa. Alguns Vampiros Conjuradores não nasciam com
habilidades mágicas, contudo o universo os agraciou com dons, melhorando
algumas habilidades quase ao extremo. Minha mãe e eu possuíamos o dom
da inteligência.
— Eu sei. E agora faz mais tempo ainda — continuou minha mãe. —
Não é sábio para a Resistência do Norte manter uma residência fixa.
Precisamos ficar em movimento.
Olhei ao nosso redor. A Resistência do Norte ocupava um enorme
terreno, onde antigamente era uma propriedade feudal. O lugar era amplo, e
tinha até mesmo um galpão velho. Cerca de setenta vampiros, ou mais,
abrigavam-se ali, dormindo em tendas ou qualquer coisa improvisada,
enquanto os líderes dormiam no casarão. O lugar era afastado dos humanos e
cercado por muitos quilômetros de floreta, ou seja, seguro o suficiente.
— Talvez — respondi por fim. — Ou talvez precisemos de um lugar
para chamar de lar.
Teodora me fitou com olhos esbugalhados. Havia muito tempo que não
sabíamos o que era um lar de verdade. Pouco tempo antes de entrarmos para

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a Resistência do Norte, eu, minha mãe e meu pai seguíamos pelo país, nunca
ficando muito tempo em um único lugar, sempre com a filosofia do
movimento em nossas cabeças. Ficar parado só poderia chamar a atenção
dos Vampiros Sombrios, e isso fazia muito sentindo para nós, uma família
com o dom da inteligência. No entanto, não fazia sentido para o nosso
coração, ou para os nossos pés cansados.
Depois que meu pai havia morrido, após uma emboscada, mamãe e eu
seguimos arrasadas, até esbarrar com a resistência. Eu e ela não
conseguíamos mais caminhar, pois tudo o que fizemos depois que papai
morrera, fora prosseguir e prosseguir, sem nunca parar. Não ganhamos
apenas abrigo e um lugar para dormir, mas também um lugar para recuperar
o coração partido. E tinha sido aí que eu percebera que havia um furo nessa
teoria tão esplêndida que nos guiara por séculos.
Todos precisam de um lugar para voltar no fim da noite, para se
sentirem seguros e aquecidos, e até mesmo amados.
— Eu odeio esse dom — disse Teodora depois de um tempo em
silêncio. — Nos faz pensar com o cérebro, mas às vezes precisamos pensar
com o coração. Por que todos os vampiros não poderiam ter nascido
simplesmente com o controle de um elemento?
Naquele exato momento, uma flecha passou entre nós duas, zunindo em
nossos ouvidos. Olhei para trás e vi que acertou um esquilo, o prendendo na
árvore. Procurei o responsável pelo tiro, era Scott, um dos garotos do grupo
de Taylor.
— Por isso que existem os dons. — Maneie a cabeça em direção a
Scott, o dom dele era o arco e flecha. — Para não sermos acertadas por uma
dessas flechas.
— Perdão, minhas senhoras — disse Scott, aproximando-se de nós —,
mas a cozinha estava precisando de um esquilo.
Mamãe fez uma careta por ser chamada de senhora. Scott retirou a
flecha da árvore com o esquilo preso a ela.
— Como alguém consegue comer uma coisa tão fofa como um esquilo?
— perguntei ao vampiro.
— Quando a fome bate, você come qualquer coisa — respondeu em
um tom divertido; para Scott tudo parecia motivo de piada. — Posso guardar
para as senhoras um pedacinho da orelha. O que acham? É uma delícia.
— Só se você parar de me chamar de senhora — respondeu minha
mãe.

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Scott riu.
— Como quiser.
Ele fez uma reverência e se afastou.
— Pelo menos o dom dele é útil contra um Vampiro Sombrio —
observou Teodora quando Scott e seu grupo entraram no velho galpão,
levando o esquilo.
— Nosso dom nos manteve vivas por anos — afirmei.
— Não manteve seu pai vivo. — Suas palavras me congelaram. Ela
virou o rosto para que não pudesse ver a dor estampada em seu rosto.
Mamãe tentava ser forte, mas muitas vezes fracassava. — Vou ver se
precisam de ajuda com aquele esquilo.
Sem esperar uma palavra, ela levantou e se retirou. Observei enquanto
se afastava, tomando o caminho da floresta. Mamãe sabia que não era
inteligente ficar sozinha, mas a dor em seu peito clamava pelo silêncio que
somente a floresta escura poderia lhe dar. Peguei minha mochila, um livro
velho e subi em uma árvore. Quando eu lia, podia fugir do mundo sem
esperança em que vivia, e o melhor de tudo era que as palavras impressas
naquelas velhas páginas me faziam esquecer a dor em meu peito.
Não sei quanto tempo permaneci aninhada ao galho mais alto da
árvore, havia me perdido na leitura, mas já era tarde, o sol não tardaria a
nascer. Foi aí que comecei a sentir algo estranho, uma sensação de que algo
estava errado. Chequei a floresta ao nosso redor, as árvores balançavam
com o vento… mas as árvores ao leste balançavam como se algum mal
estivesse próximo.
Um grupo de pássaros alçou voo naquela direção, saindo
desesperados das copas das árvores, como se algo os tivesse assustado.
Agucei meus sentidos, os pelos de minha pele se eriçaram. E então senti.
Vampiros Sombrios. E não apenas um ou dois, um bando tão grande a
ponto de fazer o chão ao seu redor tremer, as árvores chacoalharem e os
pássaros fugirem.
Com um pulo estava no chão, gritando que estávamos sob ataque. As
pessoas no acampamento demoraram um tempo para raciocinar minhas
palavras. Apenas encararam a vampira louca que corria pelo campo,
gritando. E esse segundo levou embora toda a chance de fuga que tínhamos;
os vampiros chegaram até a resistência.
O caos irrompeu pela noite tranquila, e aquilo que era sagrado e
seguro tornou-se um banho de sangue. Em minha mente só havia um

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pensamento: encontrar minha mãe.
Quando percebemos que o tempo que passaríamos na Resistência do
Norte seria maior que o previsto, juntas montamos algumas armadilhas na
floresta. Provavelmente ela estaria lá. Corri na direção da primeira, mas um
sombrio bloqueou meu caminho.
— Pensa que vai para algum lugar? — perguntou ele.
— Não, mas você vai.
— Ah é? E para onde vou? — gargalhou.
Atirei uma espécie de bomba nele, que liberou um líquido
transparente. Era água banhada com Espinho Negro, uma planta que feria os
sombrios. Ele começou a gritar e a se debater, levando a mão ao rosto.
Aproveitei para derrubá-lo com um chute e cravar a estaca de prata em seu
coração.
— Para o inferno — xinguei.
Não esperei para ver seu corpo entrando em decomposição, disparei
floresta adentro em busca de minha mãe. Não gritei o seu nome, pois sabia
que aquilo iria atrair mais vampiros.
Escutei paços atrás de mim, e os conduzi para a primeira armadilha.
Pulei sobre ela, e o vampiro caiu direitinho. Ao pisar no mecanismo de
acionamento escondido nas folhas, diversas lanças com pontas de prata são
arremessadas em sua direção, o acertando. O corpo caiu inerte no chão.
Segui para a segunda armadilha.
O mecanismo foi acionado, derrubando grandes quantias de Espinho
Negro sobre ele. Me virei para acabar com o serviço, mas outra pessoa o fez
por mim. Uma estaca de prata atravessou o coração do vampiro. Quando seu
corpo escorregou até o chão, vi quem fora a responsável por sua morte:
Teodora.
— Mãe!
Corri para seus braços.
— Eu disse que devíamos ter partido antes — comentou ela enquanto
me tomava em seus braços.
Não tivemos tempo para um reencontro, ou para discutir quem estava
certa ou errada, pois mais vampiros vinham atrás de nós. Não adiantaria
fugir, seríamos perseguidas até o sol nascer. Precisávamos lutar, e a melhor
chance era fazer os vampiros caírem nas armadinhas.
Pegamos dois com o que eu chamava de poço dos espinhos, um buraco
profundo cheio de estacas de prata e água banhada em Espinho Negro. Outro

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teve a cabeça amassada por duas toras de madeiras. E assim seguiu a noite,
nossas armadilhas se esgotando junto com nossas forças.
Restava apenas uma, e muitos vampiros.
— Não vamos conseguir — observou minha mãe, nos fazendo parar.
— Eu quero que você me escute, Mayra Leni. Eu te amo com todas as minhas
forças…
— Pode parar, mãe.
Aquilo estava parecendo uma despedida.
— Não vamos conseguir escapar. Eu vou atraí-los até a última
armadilha. Corra, Mayra, com todas as suas forças, corra. — Ela beijou a
minha testa e deu-me um último abraço. — Está na hora de rever seu pai.
Não tive forças para sair correndo, mesmo depois dela ter me
abandonado. Teodora fez um corte na mão, e de longe pude ver um bando de
vampiros segui-la, loucos pelo seu sangue. Depois de sair do estado
catatônico em que me encontrava, corri atrás deles, e cheguei bem a tempo
de ver minha mãe lutando. Estava cercada, sem qualquer chance de saída.
Então ela mesma acionou a armadilha. As flechas disparam de todos os
lados, contendo não apenas uma ponta de prata, mas um dispositivo que
injetava Espinho Negro na corrente sanguínea.
Em câmera lenta, observei os corpos caírem ao chão.
Não pude ficar olhando para aquela cena. Cobri a boca com a mão
para abafar meu grito, virei de costas para o corpo sem vida de minha mãe,
mas não consegui me afastar daquele local. Sentei-me com as costas apoiada
em uma árvore e fiquei a chorar até o sol nascer.
Eu estava sozinha em um mundo secreto, onde não havia mais
esperanças, apenas morte. O que iria fazer? Foi então que tomei a decisão
que salvara minha vida. Ou pelo menos me deu uma segunda família.
Caminhei de volta até o acampamento, foi onde encontrei Taylor
Harper sobre o corpo do pai, e muitos outros Vampiros Conjuradores mais
jovens do que eu carregando aquele mesmo olhar perdido. Todos ali haviam
perdido tudo naquela noite, e ninguém sabia mais para onde ir ou o que fazer.
Foi quando uma voz nos guiou pela escuridão de nossas almas.
— Alguns de nós perderam muito esta noite — disse Claire, a irmã
adotiva de Taylor, chamando a atenção de todos. — Mas não vamos perder
nossa fé. A Resistência do Norte não existe mais, e talvez nós sejamos os
únicos que sobreviveram dela. Então vamos nos unir e nos proteger. Vamos
ser os pais e os irmãos um dos outros. E vamos revidar. — Enquanto ela

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falava, uma luz voltou a brilhar no rosto de todos. — Nós vamos ser a
Resistência da Adaga Vermelha. Porque esta — ela apontou para a irmã — é
Taylor Harper, e ela vai encontrar a Adaga de Edwan. Com ela vai fazer o
Vampiro das Sombras sangrar.
Os vampiros se aproximaram da vampira loira, prestaram atenção em
suas palavras, em sua promessa. Por um momento, todos ali se viram
sozinhos em um mundo devastado, não sabiam o que fazer, nem para onde ir,
ou como seria o dia de amanhã. No entanto, aquela conjuradora nos guiou
por toda a escuridão.
Talvez ainda houvesse esperança. Talvez mamãe estivesse errada.
Precisávamos de um lar.

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O para sempre tem um fim
Melissa Beaver

O sol tocava minha pele como um beijo gentil, o orvalho da manhã


molhava nossas roupas, mas não nos importamos quando nos deitamos na
grama. Me aninhei mais ainda em Thomas, feliz por poder compartilhar
aquele momento com ele. Havíamos passado por tantos momentos de
tormenta que aproveitávamos cada segundo dos dias ensolarados.
— Qual vai ser a primeira coisa que você fará ao voltar para a
América? — perguntei para Thomas, entrelaçando sua mão à minha.
— Mostrarei para minha esposa toda a beleza da América. — Ele
beijou o alto de minha testa. — Depois construiremos um lugar só nosso,
longe da civilização.
— Poderíamos viver perto de uma cachoeira — disse, acariciando
suas mãos. — Eu adoraria ter cachorros. — Minha mente divagou para o
futuro que nos esperava. — E filhos, eu adoraria ter filhos com você.
Sua mão tocou meu queixo, gentilmente levantando meu rosto para que
pudesse me beijar.
— Seria uma honra ser o pai de seus filhos — Thomas sussurrou em
meus lábios.
Eu não conseguia acreditar que o destino havia me dado não apenas
uma chance de escapar, como também havia me dado o amor verdadeiro.
Enquanto fitava o céu, pensei em tudo que abandonaria na França, e como o
faria com um enorme prazer a alívio.
Minha família era cruel, de uma forma que nunca imaginaria quem
alguém que deveria me acolher seria. Éramos fazendeiros, e tudo o que
longas gerações de Boucher sabiam fazer era cuidar da terra. Fui a única
garota entre três irmãos, e para meu pai uma filha mulher não tinha valor
algum, a não ser o dote de casamento.
Mas não queria cuidar da terra, e não queria ser entregue ao homem
que pagasse mais. Não levava jeito para cuidar dos animais, nem sequer

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para manter uma minúscula planta viva; e todos os meus erros eram
corrigidos com a surra.
Por ser a filha mais nova, meus irmãos gostavam de me torturar,
arrancavam meus cabelos, me deixavam presa do lado de fora de nossa
cabana na noite, sabendo que morria de medo do escuro. Meu pai não se
importava com o que acontecia, desde que sua mercadoria continuasse
intacta, e minha mãe fingia não ver as atrocidades que cometiam comigo.
Me sentia nada mais do que um verme, um parasita dentro daquela
família. Eu via o quanto decepcionava meu pai por não conseguir ser mais
forte, tanto física como mentalmente. Se pelo menos fosse bonita, fosse algo
além de comum, alguém com dinheiro poderia se interessar em mim, mas não
fui agraciada com essa sorte. Ou com nenhuma outra.
Até que Thomas chegou em minha vida. Ele vinha das colônias da
América, era apaixonado por viajar o mundo, tinha um coração gentil e uma
alma bondosa, mas não tinha nada para oferecer à minha família, a não ser o
seu amor por mim.
Para mim, somente aquele amor já bastava.
Ele nunca permitiria que eu continuasse naquele sofrimento. Por isso,
na calada da noite, fugimos, não apenas de minha casa, mas de nossa vila,
deixando quilômetros de distância entre nós, no entanto não era suficiente.
— O que foi, Melissa?
O olhar de Thomas me fitou com preocupação, vendo lágrimas
escorrendo por minha face.
— Eu estava lembrando do passado — confessei.
Ele se sentou, me levando consigo. Suas mãos acariciaram meus
cabelos, minha face, enxugando as lágrimas de meu rosto.
— Minha Melissa — disse ele com delicadeza —, você não está mais
com eles. Está comigo agora, e vou te manter em segurança.
— Mas e se eles vierem atrás de mim? — Meus olhos o fitaram com o
desespero que havia em minha alma. — Você sabe que meu pai me
considerava uma posse sua, ele não vai deixar que eu fuja.
— Meu amor — ele tomou meu rosto em suas mãos, seus olhos fixos
nos meus —, você já fugiu, está comigo e está segura.
— Mas e se… — insisti, todavia ele me calou com suas palavras.
— Você é minha, e eu sou seu, para sempre e além do infinito. Seus
pais não vão conseguir nos separar, mesmo se tentarem.

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Sua testa encostou na minha e por muitos minutos ficamos assim,
apenas sentindo a proximidade um do outro, sentindo nosso amor, deixando
as batidas de meu coração se acalmarem.
— Você promete? — perguntei, nossos rostos se levantando para uma
troca de olhares. — Você e eu, para sempre?
— O para sempre, Melissa, é algo muito pequeno para nós dois. —
Sua mão acariciou meu cabelo. — Mas prometo que dentro deste pequeno
infinito seremos nós dois para sempre.
Nossos lábios se tocaram e logo estávamos rolando pela grama
novamente, trocando carícias, rindo do estado em que a grama molhada
deixou nossas roupas. E fácil assim esqueci meu passado. Com Thomas ao
meu lado nada poderia me preocupar. Partiríamos na manhã seguinte para a
América, longe de meus pais e dos sofrimentos que tive em suas mãos.
— Precisamos de provisões para a viagem — disse Thomas, acabando
cedo demais com aquele doce momento, mas teríamos muitos outros.
— Eu irei até à vila. Quero gravar em minha memória as belezas do
lugar que deixarei para trás.
— Certo. Arrumarei nossos pertences, e quando você voltar estarei te
esperando com um banquete digno de uma rainha.
— Sim, meu rei.
O beijei novamente e parti para a vila.
A França, apesar de maculada pela mancha que era minha família, era
bela para mim. Nem mesmo os anos de sofrimento puderam estragar o amor
que sentia por aquela terra. Caminhei por entre as casas, ouvi com atenção o
canto dos pássaros, gravei em minha memória os maravilhosos vestidos que
as mulheres exibiam pelas ruas, memorizei cada som e cheiro daquele lugar.
Quem sabe um dia pudesse voltar ali sem o medo que carregava no peito,
talvez me tornasse mais forte.
Com as provisões em mãos, voltei para nossa cabana, cedida por
alguém que Thomas ajudou ao chegar na França, e um ótimo lugar para nos
escondermos até nossa partida. A porta estava aberta, e fumaça subia pela
chaminé. Adentrei à cabana com um sorriso nos lábios.
— Thomas! Você não vai acreditar no que encontrei… — A cesta foi
ao chão com todas as nossas provisões. — Não. — A palavra mal passou de
um sussurro.
Eles estavam ali. Meu pai. Marcel. Adrien. Louis. Meus três irmãos
mais velhos. Todos ao redor do corpo de Thomas, caído ao chão com sangue

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escorrendo de sua boca.
— Não! — Dessa vez gritei mais alto.
Corri em sua direção e me atirei sobre ele, rezando para que sentisse
seu coração, que o sangue em suas vestes, a cor pálida de sua pele não eram
nada, ele ainda estava vivo. Mas não ouvi nada. Nem um ruído de
respiração, nem a batida rítmica de um coração.
— Não! — gritei o mais algo que minhas cordas vocais permitiram.
Não poderia ser verdade! A poucas horas ele havia me prometido o
para sempre, e agora me deixava com menos do que nada.
— Achava que iria escapar assim tão fácil, irmãzinha? — perguntou
Marcel, um sorriso divertido em seus lábios.
Não respondi, não me movi, nada fiz. Porque eu era a pobre e fraca
Melissa. As mãos de Adrien me puxaram para longe do amor da minha vida,
tentei me segurar a ele com todas as minhas forças, mas não consegui
permanecer ao seu lado e partir com ele, pois sem Thomas nada mais me
restava nesta vida. Louis me colocou em pé, diante de nosso pai.
Ele era um homem alto, seu corpo era forte graças aos anos
trabalhados, sua presença transmitia aquilo que ele era: um monstro.
— Eu te disse, Melissa, você é minha — cantarolou meu pai.

O sacolejar da carroça me deixou enjoada. Ou seria a dor em meu


peito que causava o enjoo? A lembrança de Thomas caído ao chão, banhado
em seu próprio sangue.
Como tudo poderia estar bem em um minuto, e no outro tudo
desmoronar? Como aquilo doía, ardia em meu peito como fogo. Naquele dia,
descobri que o para sempre nunca poderia existir, ele sempre chegaria a um
fim, não importa quanta força você empregue para que dure eternamente.
A viagem de volta ao lugar em que nasci demorou dois dias inteiros.
Eu sabia que partir assim deixaria meu pai com raiva, e que nenhuma
distância iria impedi-lo de me encontrar, mas ousei ter esperanças.

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Quando os cavalos nos conduziram para nossas terras, tive um
vislumbre de minha mãe trabalhando no campo, em um trabalho triplicado
pela ausência dos homens da casa. Eles deveriam me odiar muito para
largarem tudo para me trazer de volta.
— Desça — ordenou Marcel, mas não o obedeci, não para irritá-lo,
mas porque eu não tinha mais forças.
Fui tirada à força, meu corpo atingiu o chão empoeirado. As lágrimas
voltaram a cair, me encolhi por puro instinto. Eu estava de volta ao
pesadelo. Não queria acreditar naquilo. Adrien se dirigiu a mim, pronto para
me arrastar para dentro, mas nosso pai o impediu, disse que um tempo na
sujeira me faria bem.
Assim que eles adentraram, a voz de minha mãe soou atrás de mim.
— Você só vai piorar as coisas.
— Eles o mataram.
Engasguei-me com as palavras, uma nova onda de choro se
apoderando de mim.
Ouvi seus passos se aproximando, senti sua presença atrás de mim,
depois senti seu toque em minha pele, me puxando para um abraço, algo tão
raro entre nós.
— Eu sinto muito, minha filha. — Ela acariciou meus cabelos, pensei
que me confortaria, mas suas próximas palavras me derrubaram. — Você
nunca deveria ter fugido com ele. Está na hora de aceitar seu destino.
Me afastei de minha mãe abruptamente.
— Nunca vou aceitar que escolham meu destino por mim — sussurrei
para ela, o peso da culpa me esmagando.
— Você sabe que seu pai nunca vai aceitar, minha filha. Somos
propriedades dele. — Olhei em seus olhos e vi como ela era mais fraca que
eu. Passara a vida toda abaixando a cabeça e fazendo aquilo que os homens
desejavam que fizesse, fora a propriedade de seu pai, agora era de seu
marido.
E ela nunca moveria um dedo para me salvar.
Naquela noite, soube que estava entrelaçada àquele destino e que
nunca conseguiria me livrar dele. Mesmo que conseguisse, que vida me
esperaria? Thomas se fora, eu viveria fugindo, sempre olhando por cima do
ombro? Nunca houve salvação para mim, só estava me iludindo.
Passei a noite no relento, tremendo de frio, a tristeza em algum
momento me fez dormir, pois já não havia mais lágrimas para chorar.

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Quando o sol raiou, meus irmãos me arrastaram para dentro. Se eu não
tomasse um banho por conta própria, eles iriam me lavar, então fiz o que me
mandaram.
Fizemos o desjejum todos juntos, com o olhar sombrio de meu pai
sobre mim, observando cada movimento meu em busca de um ato rebelde,
me forcei a comer para não despertar sua ira.
— Aila, leve sua filha para limpar os estábulos — ordenou meu pai.
— Depois vão aos campos, precisaremos recuperar o atraso que Melissa
nos causou.
— Sim, meu marido — concordou minha mãe, obediente.
E simples assim voltei aos serviços dos quais tinha fugido. Passei o
dia sem ter consciência do que fazia, a dor em meu peito era tão forte que
todo o movimento que eu fazia não me pertencia, como se outra pessoa
tivesse posse de meu corpo. Como se alguém me controlasse de fora, porque
não ordenava ao meu corpo que se movimentasse; ele o fazia sem minha
permissão.
A noite estava chegando, e com ela o fim dos serviços. Mas ainda
havia uma última tarefa para mim, ir até a taverna realizar uma entrega. Meus
irmãos carregaram a carroça e me deram as rédeas: iria sozinha. Aquilo era
um ato para mostrarem que não estavam preocupados com minha fuga, pois
me encontrariam, aonde quer que fosse. E também para mostrar a todos no
vilarejo que eu havia retornado.
O sol já havia partido quando entrei na taverna, ignorando o olhar de
todos que recaíram sobre mim. Avisei ao taverneiro que sua entrega estava
na carroça, e enquanto seus homens a descarregavam me acomodei em uma
mesa para aguardar o pagamento.
Foi quando ouvi as conversas sobre o monstro.
— Estou te falando, ele vive na floresta — um homem de barba ruiva
falava para outros dois.
— Impossível. A floresta está cheia de lobos — o homem de cabelos
negros respondeu.
— E você viu algum desde que os ataques começaram? — o barba
perguntou, os outros dois trocaram olhares assustados. — Exatamente! Estou
te falando, seja o que for que esteja matando as pessoas, está naquela
floresta, e é tão terrível que até os lobos fugiram.
— O corpo de Marc foi encontrado perto das cavernas subterrâneas —
concordou o terceiro homem. — Talvez faça sentido que esteja se

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escondendo lá. Mas ele? Você acha que é um homem que está matando?
— Eu acho que é um animal — constatou o de cabelo escuros. — As
mortes são tão brutais para ser um homem.
— Mas que tipo de animal deixa apenas dois furos em suas vítimas?
— perguntou o barbudo, com uma expressão de quem tinha toda a razão.
Parei de escutá-los.
Se minha família não me deixava ir, a única maneira de me livrar deles
era a morte.
Passei pelo taverneiro enquanto saía, ignorando suas sacolas de
moedas. Ele chamou meu nome, mas ignorei. Corri para a floresta, ansiosa
para o destino que me aguardava, para o reencontro que proporcionaria.
A lua que nascia iluminava o caminho, enquanto tropeçava e me
levantava pela floresta. Eu poderia encontrar o caminho para as cavernas
subterrâneas de olhos vendados, era lá que Thomas e eu nos encontrávamos
escondidos, onde nosso amor floresceu.
Lá estava ela. Uma abertura rochosa na grama verde, um rasgo no
mundo. Por um instante, fitei aquela entrada, aquela conversa na taverna era
claramente um sinal, e eu o seguiria.
A caverna era escura, mas em alguns pontos havia aberturas que
deixavam a luz da lua adentrar. Fui pisando nas rochas com calma, rezando
para que ele, ou o animal, ainda estivessem ali. Deixei meus instintos me
guiarem pelas passagens, cada vez mais para baixo. Se aquele era realmente
meu caminho, se era Thomas me guiando, só poderia estar em um lugar.
O estreito foi dando abertura para um espaço muito maior, a luz da lua,
vinda da abertura a metros e metros de distância lá em cima, banhava o lago
com uma luz prateada. Thomas e eu nadamos naquelas águas esquecidas,
observamos os raios que a lua lançava sobre a água, refletindo em toda a
caverna.
Foi ali que o encontrei. E era mesmo um homem. Ou algo mais que
isso. Ele estava debruçado sobre o corpo de uma mulher, seu vestido branco
manchando de sangue. Adentrei na caverna, me aproximei sem medo em meu
coração, pronta para aceitar o que viria. Caí de joelhos na metade do
caminho.
— Por favor, me mate — implorei.
O homem virou-se para mim, revelando uma face monstruosa, com
sangue a escorrer por sua boca. O corpo da jovem foi atirado nas águas
escuras, e ele veio em minha direção com passos lentos.

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— Me mate — implorei novamente e fechei os olhos.
Senti sua presença se assomar sobre mim, esperei pela dor física que
acabaria com minha dor interna, mas em vez disso ele acariciou minha
bochecha. Abri os olhos. Ele já não tinha um rosto assustador, mas humano,
apenas o sangue manchando seu queixo o marcava como um predador.
— Por que uma garota tão bela como você iria desejar a morte? — ele
perguntou.
— Eles tiraram tudo de mim. — Deixei as lágrimas correrem por
minha face. — Não há mais nada para mim neste mundo.
— Ah, minha cara, ainda há algo. — Ele sorriu, revelando suas presas.
— Vingança.
— Eu sou fraca. Não consigo… — sussurrei. — Apenas me mate.
— Eu a tornarei forte, e então você se vingará daqueles que lhe
tiraram tudo, e encontrará uma nova vida. Nunca mais se sentirá fraca.
Suas presas se aproximaram de mim, perfurando a carne em meu
pescoço. Não gritei, pois pensei que a morte viria, mas ela veio de uma
forma muito diferente.

Voltei para casa. A sede ardia em minha garganta durante todo o


caminho da caverna até nossas terras. Adentrei aquelas cavernas em busca
de minha morte, mas encontrei algo muito mais grandioso.
Me tornei uma vampira naquela noite, quando o sol nasceu fiquei presa
nas cavernas com Arthur, enquanto me falava sobre o mundo novo que me
aguardava. O sol me mataria, somente o sangue me saciaria, eu era mais
forte e rápida do que qualquer coisa que caminhasse sobre a terra. O fogo e
a prata poderiam me matar, e eu nunca mais dormiria. Ele me contou sobre a
era antes da América ser descoberta, quando os seres sobrenaturais vagavam
por lá, governados por uma monarquia de Vampiros Conjuradores, mas
quando os humanos chegaram e se procriaram tudo ruíra. Bem, tudo havia
ruído antes, quando o Vampiro das Sombras acabara com monarquia e os

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vampiros não mais viviam em sociedades, mas sim espalhados, apagando
qualquer traço de que estiveram naquela terra.
Mas naquele instante nada importava, somente uma coisa era
importante na noite que se sucedeu.
Abri a porta de minha casa, minha família estava reunida diante do
fogo, de longe pude escutar suas conversas, os planos para me caçar, como
haviam me procurado na floresta durante o dia, pois alguém havia me visto.
— Ai está ela! — cantarolou Marcel.
— Uma pena, adoraria uma perseguição — disse Adrien.
Mantive o controle por algum tempo, olhando nos olhos de meu pai, o
desafio marcado em minha face.
— É bom ter uma boa desculpa. — Ele se levantou. Vindo em minha
direção. — Deixou meu dinheiro para trás, fugiu de mim novamente.
Sua mão se levantou e acertou minha face, mas mal senti seu toque,
minha cabeça nem sequer se mexeu, e ele me fitou com um olhar
desentendido. Meu pai foi o primeiro que matei. O primeiro sangue que bebi.
Ouvi os gritos de minha mãe, enquanto me banqueteava com o sangue
de meu pai. Arthur havia me alertado, eu deveria beber todo seu sangue, ou
ele se transformaria. Mas tinha planos diferentes. Larguei o corpo de meu
pai, deixando que ele se contorcesse no chão, meus irmãos me fitaram com
olhares assustados. Em segundos, estava diante deles, segurei a cabeça de
Adrien em minhas mãos, apertei com força, mas não foi preciso tanta para
esmagar sua cabeça.
Marcel deu dois passos para trás, sem entender o que estava
acontecendo. Como a presa havia se tornado o caçador?
— Acha que irá escapar assim tão fácil, irmãozinho? — perguntei
para ele, sorrindo, deixando o sangue de nosso pai escorrer por meus lábios.
Marcel foi o terceiro que matei. Dilacerando seu abdômen. Quando me
virei para Louis, ele tinha um arco em mãos, a flecha foi atirada enquanto os
gritos de nossa mãe preenchiam o ar. Deixei que perfurasse bem perto de
meu coração, a arranquei de minha pele como se não fosse nada.
— O que você é? — perguntou Louis, e aquelas foram suas últimas
palavras.
Depois de quebrar seu pescoço, voltei-me em direção à nossa mãe,
seus olhos estavam marejados de lágrimas, o rosto contorcido em pavor.
— Você nunca me defendeu — disse a ela. — Você foi a pior de todas.
Assistia a tudo calada. Poderia ter acabado com tudo isso, poderia ter

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matado meu pai enquanto ele dormia, mas decidiu ser submissa, decidiu
deixar que ele me destruísse.
Me aproximei de minha mãe, ela mal se mexia, contorcida pela dor de
ver sua filha matar seus filhos.
— É tão culpada quanto. — Me abaixei para ficar face a face com ela,
acariciei uma mexa de seu cabelo. — E vai queimar com eles.
Quando deixei aquela casa, minha mãe estava arrastando o corpo de
seus filhos para que pudesse abraçar e ninar todos ao mesmo tempo.
Atirei a tocha em chamas na porta da casa, e ela não tardou a pegar
fogo. Observei de longe enquanto tudo ardia em chamas, ouvi os gritos de
minha mãe enquanto queimava.
Eu havia sido uma pessoa diferente quando humana, apaixonada,
esperançosa, rebelde, fraca. Mas havia me tornado muito mais como
vampira. A dor de perder Thomas ainda ardia em meu peito e arderia por
toda a eternidade, mas sabia que iria encontrar um caminho, porque
finalmente estava livre de minha família.
Quando nossa cabana não passava de ruínas e escombros
carbonizados, deixei nossa vila, rumo ao porto. Eu pegaria um barco para as
colônias da América, como tínhamos planejados, e iniciaria uma nova vida.

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O primeiro filho
Bryan Akauss

A escuridão sempre me chamou. Desde que eu era apenas um menino,


ela sussurrava para mim, cantando uma doce canção sobre sangue e morte, e
aprendi a cantá-la com perfeição.
A primeira vida que tirei foi como uma perfeita sinfonia de emoções.
Ainda era pequeno demais para saber o que era sexo, mas, se conhecesse o
ato, saberia que matar era muito melhor.
Quando nasci, já tinha quatro irmãos para atormentar. Ah, que
presente. E ser o caçula me rendia algo que os outros não tinham: a proteção
de nossa mãe. Quando animais mortos eram encontrados, ou quando vizinhos
vinham reclamar da estranheza de seu filho, ela me defendia com uma
ferocidade que não atribuía aos meus irmãos, e até mesmo deles me
defendia.
Aquele chamado da escuridão era tão convidativo, sua voz tinha tantas
ideias que comecei a ouvi-la com mais atenção e colocar em prática seus
ensinamentos. Não comecei com animais. Ah, não. Eles vieram depois. Os
primeiros foram meus irmãos. Louise era a mais velha, e deveria ser a mais
sábia, mas quando pedia para cortá-la porque queria aprender mais sobre
nosso corpo, ela deixava, achava que era apenas curiosidade.
Com Theo, Paul e James era diferente. A primeira vez que cortei o
braço de Theo ele correu para contar à nossa mãe. Eu disse categoricamente
que era mentira dele, e mamãe acreditou. Soube que precisava ser mais
esperto com meus irmãos, os experimentos tinham que ser diferentes. Às
vezes, eu envenenava seu prato de ensopado. Pobre mamãe, não sabia para
que eu queria tanto aprender botânica. Se eles estivessem com sorte, daria
apenas uma dor de barriga como presente, mas tinha dias que usava folhas
mais poderosas, que causavam dores nas juntas, alucinações, terríveis dores
de cabeça e outros sintomas.
Theo foi minha primeira morte. Estava curioso como seria matar
alguém por envenenamento. Dei pequenas doses a ele, o que causava febre e
convulsões. Mamãe preparava um chá para aliviar os sintomas, e eu

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adicionava mais uma dose. Foram dias incontáveis de dor e sofrimento para
o pobre Theo, até que finalmente encontrou a morte.
Quando meu irmão já estava a sete palmos da terra, meu pai começou
a suspeitar de mim. Seriam pelas lágrimas que não derramei? Ou pelo
sorriso que deixei escapar enquanto atirávamos terra em seu corpo? Mas
nem minha mãe, nem a tonta de minha irmã, acreditara nele, então ele partiu.
Eu já tinha os meus dez anos quando em uma noite ele fez suas trouxas
e partiu pela floresta, e fui atrás, usando as sombras a meu favor, ouvindo
seu sussurro em meu ouvido, mais uma lição a aprender. Aterrorize-o, foi o
que elas disseram, e eu o fiz.
— Quem está aí? — perguntou meu pobre pai, olhando para a
escuridão da floresta em busca de algo.
Quebrei um galho sobre meus pés de propósito. Ele virou em minha
direção, o archote em sua mão iluminou a floresta, criando sombras
assustadoras, o som do vento soprando as folhas, os animais noturnos
fazendo seus habituais barulhos, serviram para deixá-lo com medo. Ele
aumentou seus passos, quase correndo, e o cacei.
Quando cansei da caminhada, coloquei uma flecha em meu arco e
acertei sua perna. Com um grito ele foi ao chão, o archote caindo longe. Saí
da proteção da mata, enquanto meu pai se contorcia no chão e olhava para os
lados, procurando um culpado. Levantei o archote, permitindo que visse meu
rosto banhando pelas chamas.
— Bryan! — exclamou.
Vi em seus olhos que não sabia se eu iria ajudá-lo, ou se eu que o
estava caçando.
— Não posso deixar que você vague por aí contando para todos que
matei meu irmãozinho — disse enquanto me abaixava ao seu lado.
— Foi mesmo você… — Vi quando a dúvida se tornou uma certeza em
seu olhar. — Por que, meu filho?
— Porque a escuridão quis assim.
Meu pai sacou uma adaga para se proteger, mas seria inútil. Com um
movimento, girei a flecha cravada em sua perna, e ele urrou de dor. Tentou
me acertar, mas seus movimentos eram lentos. Pude agarrar sua mão e
remover a arma dele.
Um uivo chamou da floresta, algum lobo solitário estava por perto.
— Por favor… — ele implorou. — Me deixe ir.

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— Para você voltar pelos seus outros filhos? — perguntei. — Acho
que não.
Com um movimento rápido, cortei sua garganta, observei o sangue que
jorrou dela, tive curiosidade em tocá-lo, sentir o gosto, a textura, mas não
queria justificar a sujeira depois. Lentamente, levantei-me ao me virar e dei
de cara com o lobo. Nos fitamos por longos momentos, ele reconhecia que
eu não era uma presa. Talvez sentisse a escuridão. Eu não era seu inimigo,
era seu semelhante.
Não tive medo quando se aproximou de mim, farejando o ar ao meu
redor, pude jurar que assentiu para mim, em aprovação, antes de se
banquetear com o corpo de meu pai.
Para toda minha família, ele havia ido embora e nunca mais voltado.
Somente eu sabia seu verdadeiro destino.

Anos se passaram, enquanto eu ia acabando com minha própria


família, exceto minha mãe, não pude terminar com a vida de quem me trouxe
ao mundo. Eu fui de vila em vila, roubando, trapaceando, apreciando, mas o
principal: matando. Até que em uma noite o inesperado aconteceu, e isso
custou tudo. Pelo menos pensei.
A noite estava tranquila, quase não havia movimento nas ruas, poucas
carruagens passavam naquele horário, e a maior parte de pessoas na rua
eram homens, principalmente jovens, bebendo e se divertindo até tarde.
Mas uma mulher apareceu, saindo de uma taverna com lágrimas no
olhar. Ela caminhou sozinha, com passos duros e apressados. Esperei alguns
minutos para saber que ninguém sairia do estabelecimento atrás dela.
Quando ninguém o fez, eu fiz.
— Boa noite, madame — cumprimentei, assustando-a. — Perdão, não
era minha intenção assustá-la.
— Não preciso de companhia.
Ela logo me desprezou.

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— Não é seguro andar sozinha uma hora dessas. Você soube dos
assassinatos?
— Pessoas morrem todo o tempo.
A mulher não diminuiu seu passo e continuou a andar.
— Não acha que pode haver um assassino entre nós? — brinquei, mas
minhas palavras fizeram o efeito desejado, e a madame de cabelos
acobreados caminhou mais devagar.
— Acha que as mortes têm alguma ligação?
Seus doces olhos cor de amêndoas viraram em minha direção.
— Quem sabe. — Ajustei meus passos para acompanhar seu ritmo. —
Mas depois do primeiro… assassinato, houve tantas mortes, para um lugar
tão pacato como esse, não é estranho?
— Mas as mortes… — Ela fitou a noite ao nosso redor, como se
procurasse por algo. — Não há nada que ligue a uma única pessoa.
Claro que não havia, esse era meu modus operandi, sem abandonar
rastros, matando de formas diferentes, pessoas diferentes, e claro, depois de
me cansar, mudar de cidade. Envenenamento, desmembramento, afogamento,
gargantas cortadas, eram tantas as opções. Por que me ligar a apenas um
modo de matar?
— Você pode ter razão. — Fingi. — Mas deve concordar que a morte
vem rondando este lugar.
— A morte nos ronda desde o momento em que nascemos.
— Sábias palavras. — Caminhei um tempo em silêncio ao seu lado,
esperando para ver se ela iria encontrar uma maneira de se desvencilhar da
minha companhia, mas não o fez. — Por que uma jovem tão bonita como
você está andando sozinha uma hora dessas? Com os olhos marejados?
Seu rosto corou, a cor de suas bochechas combinou com seu cabelo, o
que me encheu de desejo para tocar suas madeixas.
— Apenas desejos, meu cavaleiro, desejos de um coração tolo e
solitário — respondeu envergonhada.
— Tenho certeza de que aquele que te fez chorar não merece uma gota
de suas lágrimas. — Precisava me aproximar com doces palavras para que
me conduzisse para dentro de sua casa.
— Ah, mas todos os homens acham que merecem nossas lágrimas,
quando nem merecem o espinho de uma rosa.
Ela enxugou algumas lágrimas teimosas.

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— Eu sou Bryan Connor, e garanto que mereço muito mais do que
espinhos.
Poderia rir de minha própria piada? Com certeza, mas quando
estivesse sozinho.
— Sou Beth.
— Apenas Beth?
Franzi o cenho.
— Apenas Beth.
Não era um bom sinal. Não havia conquistado seu nome completo.
Precisava de sua confiança.
— Apenas Beth é um nome um tanto incomum. Sua mãe não devia a
amar se te chamou de Apenas. — Ela soltou uma breve risada. — Não
somos todos ruins, Apenas Beth.
Apressei o passo para ficar à sua frente, retirando meu gorro. As
donzelas eram loucas para arrumar um cabelo despenteado. Alguns passos
de dança a fizeram rir de verdade, afinal eu não era nem um pouco bom
naquilo.
— Viu só! — Continuei a caminhar ao seu lado, agora ofegante. —
Você sempre se lembrará do estranho que te fez rir em uma noite sem estelas
para espantar as lágrimas de sua face.
— E você se lembrará de mim como a garota que te deu o melhor
conselho do mundo: nunca dance para uma garota.
Fiz minha melhor face de magoado. Até olhei para os meus pés, como
se eles tivessem algum problema.
— Mas como dançarei no dia de meu casamento? — perguntei com um
leve pavor em minha voz. — Minha futura esposa me abandonará ao ver que
nada danço?
— Vai ter que correr o risco. — A peguei me olhando de esguelha. —
A não ser que já tenha uma esposa.
— O infortúnio levou minha única chance de amor.
Meu semblante logo se entristeceu.
— Ela partiu?
Eu havia conquistado sua curiosidade.
— Partiu para fazer parte das estrelas, Apenas Beth.
Olhei para o céu como se procurasse uma esposa morta por lá.
— Oh! — ela exclamou com pesar. — Eu sinto muito, Sr. Connor.
Seus passos foram ficando mais lentos até parar.

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— Não sinta — garanti. — Já faz muito tempo, e eu aprendi a mantê-la
viva aqui.
Toquei meu coração
Deixei que Beth me analisasse com aqueles olhos tristes, que visse
uma falsa dor em meu olhar.
— É aqui onde vivo.
Ela apontou para uma pequena casinha de madeira.
— Então a deixarei, Apenas Beth, para reviver meu luto na solidão.
Me virei e comecei a partir, deixando que Beth pensasse que havia
trazido tal dor de volta a mim naquela noite.
— Espere, Sr. Connor. — Parei, virei metade de meu rosto em sua
direção, para que visse uma lágrima solitária escapar. — Aceite pelo menos
uma xícara de chá, como agradecimento por ter me trazido em segurança.
— Seus pais não irão se incomodar? — perguntei, preocupado com
sua inocência.
— Sou apenas eu, Sr. Connor.
Ótimo.
— Me chame de Bryan, por favor.
Aceitei seu convite e adentrei em sua residência. O lugar mal era
mobiliado, dando a certeza de que Apenas Beth vivia ali, o que não era
seguro para uma moça. Sentei-me em uma cadeira meio bamba enquanto a
moça preparava o chá.
— Isso vai acalmá-lo e proporcionar uma boa noite de sono —
garantiu ela, de costas para mim.
Ah, com certeza.
Como era fácil enganar. As pessoas acreditavam na bondade, nas belas
palavras, sem perceber que por baixo de todo o bem poderia habitar um
monstro. Eram inocentes em seus próprios julgamentos quando viam sorrisos
em faces e não desconfiavam de onde vinham suas alegrias. A minha vinha
da morte.
Ainda precisava escolher como matar Beth. Nossa breve conversa
havia me deixado entusiasmado. Preferi o estrangulamento, pela
proximidade que teria de seu corpo, poderia até sentir sua alma partir.
Levantei-me em silêncio, enquanto ela tagarelava ao adicionar as ervas na
água fervente, peguei meu garrote e em um único movimento rápido estava
em seu pescoço.

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Beth lutou, seu corpo se debatia, procurando uma saída, a jarra de
barro se espatifou ao chão, espalhando seu conteúdo. Eu adorava quando
eles lutavam, quando eu tinha que desafiar minha força e inteligência para
conseguir o que queria.
Podia sentir sua alma chegando à superfície, sua respiração falhava e
de sua boca saía um ruído indecifrável.
A porta abriu com um estrondo, não diminui meu aperto enquanto
olhava para o homem que havia me interrompido, louco para terminar com a
garota e partir para uma verdadeira luta.
Mas quem vi na soleira da porta fez toda a minha força vacilar. Não
poderia ser real.
— Paul… — sussurrei. — Como você está vivo?
Encarei meu irmão, sem ter certeza se era ele mesmo, ou seu fantasma
vinha para me assombrar. Metade de seu rosto não tinha pele, eu a havia
esfolado anos atrás, no dia em que tirei a sua vida, ou pelo menos pensei que
havia feito.
— Você é uma assombração. Só pode ser — disse a ele, ainda sem
acreditar no que via.
Beth escorregou de meus braços, caindo no chão de joelhos, o ar
voltando a circular por seus pulmões.
— Parece que você não é um bom assassino. — Paul adentrou no
recinto. Percebi então que carregava um arco consigo. — Ou eu sou muito
bom em me fingir de morto.
— Você nunca foi bom em nada, Paul.
Ri para ele, um lampejo de irritação passou por seu rosto.
— Fui bom o bastante em te caçar.
Ri mais ainda, deixando-o mais irritado.
Beth estava se recuperando do choque, ela engatinhava para objetos
afiados, fui obrigado a desviar minha atenção para agarrá-la novamente, não
poderia deixar minha presa com tanto cuidado fugir.
— Passou o resto de sua miserável vida me caçando? Que desperdício
para uma segunda chance.
Beth se remexia em meus braços.
— Não poderia deixar um monstro como você à solta. — Ele colocou
uma flecha no arco, mirando em minha direção. — Agora, solte a garota.
Olhei de Beth para Paul, pensando no que deveria fazer. Negociar
minha vida pela da jovem? Matá-la rapidamente e aceitar minha própria

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morte? Seria Paul tão bom com a morte como eu era?
— E se eu não a soltar? — perguntei, agarrando Beth com mais força,
como se pudessem tirá-la de mim.
— Então vai experimentar do seu próprio veneno.
A linha foi esticada, a flecha clamando para cortar o ar com sua ponta
afiada.
Encarei meu irmão, aquele que deveria ter sido minha quarta morte,
pensando onde havia falhado, desejando finalizar aquele trabalho, ali
mesmo. Quem ele pensava que era para atrapalhar meus planos? Para me
ameaçar com aquilo que venho amando por anos?
— Seu erro, meu irmão, é achar que temo a morte. — Posicionei
minhas mãos na cabeça de Beth e usei força para quebrar seu pescoço. — Eu
sou a morte, Paul. Eu me deleito dela. Se tiver que encontrá-la, estarei em
casa.
Ele me fitou com ódio, rangendo os dentes enquanto o corpo de Beth
caía de encontro ao chão. A flecha foi disparada, uma dor lancinante logo
começou a surgir em meu ombro. A dor levou um de meus joelhos a
encontrarem o chão. Com a mão trêmula toquei a flecha, pronto para tirá-la
de mim, quando algo atingiu minha cabeça e me levou para a escuridão.

Eu estava em casa, banhado naquilo que mais amava, sabia que o


negrume ao meu redor era fruto do golpe aplicado por Paul, e que minha
mente logo despertaria. Por algum motivo, ele não havia me matado. Teria
sido fraqueza?
O sacolejar de meu corpo me fez tomar a ciência de que estava em
movimento, então abri os olhos. Estava em uma carruagem, mas não uma
qualquer, uma destinada a delinquentes e assassinos. Havia quatro homens
comigo, armados com lâminas, e minhas mãos estavam fortemente
amarradas. Levantei meu olhar para encarar Paul.

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— Passou a vida me procurando e não foi capaz de dar o golpe final?
— perguntei, contudo seu rosto não dizia que algo estava fora de seus
planos.
— Você deve ser julgado pelos seus crimes, Bryan. — Sua voz era
carregada do ódio que sentia por mim, e aquilo me fez rir. — Não sou um
assassino como você.
Gargalhei.
— Não. Só está me conduzindo à morte.
— Estou trazendo justiça a todos que você assassinou. Justiça à nossa
mãe…
— Eu nunca faria mal a ela.
O cortei.
— Mas matou seus filhos. Deu a ela uma dor mais insuportável que a
própria morte.
Bem, aquilo eu não poderia negar, então simplesmente dei de ombros.
Ele havia esquecido de algo.
— E seu marido também.
Sorri com perversidade, e mais ainda quando vi o olhar de
incredulidade em seu rosto.
— Nosso pai foi embora.
Ah, a negação.
Quando algo ruim bate à nossa porta, a primeira coisa que fazemos é
negar, como se isso mudasse a realidade das coisas.
— Ele tentou, querido irmão…
Deixei um suspense no ar.
Seus olhos ficaram presos aos meus por muito tempo, alimentando um
ódio sem tamanho em seu peito, enquanto todo o seu ser lutava para não me
atacar naquele pequeno espaço, para não perder a compostura diante
daqueles homens.
— Quantos… — disse um homem ao meu lado, que parecia não estar
confortável com a situação. — Quantos já matou?
— Meu caro, parei de contar há muito tempo.
Aqueles olhares estavam sobre mim, várias emoções eram exibidas em
cada um de seus rostos: medo, raiva, perplexidade. Seus olhares
perguntavam “como ele pode fazer isso?” Ninguém nunca seria capaz de
entender o prazer que era matar, ter o poder de acabar com uma vida, sentir a
alma da pessoa escorrer por seus dedos.

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— Espero que te matem da forma mais lenta e dolorosa — outro deles
sussurrou em meu ouvido.
— Eu também, meu caro.
Sorri para ele.
Qualquer frase de “você é um monstro, está louco” morreu em suas
bocas. Os cavalos frearam de brusco, nossos corpos chacoalharam e
colidiram. Aqueles homens olharam assustados para mim, como se fosse o
causador da confusão. Logo estavam pegando suas armas.
— Saiam da estrada! — gritou o condutor do lado de fora.
Não houve um aviso prévio, nem mesmo o som de botas amassando o
cascalho da estrada, apenas um grito ecoou do lado de fora, seguido do
relincho nervoso dos cavalos, como se houvesse um predador por perto.
Depois o silêncio.
Encarei meu irmão, seus olhos estavam esbugalhados de medo. Ele
trocou um olhar com os outros, como se decidissem quem deveria ir lá fora
verificar o que estava acontecendo.
— Tom? — chamou meu irmão, sua voz quase não passava de um
sussurro.
— Acho que o Tom não pode responder — disse com um sorriso. —
Mas posso ir lá fora para ter certeza, já que vocês não têm coragem.
— Shh! — exigiu um deles.
O som de garras arranhando a carruagem deixou a todos petrificados.
O arranhar vinha de ambos os lados, encostei meus ouvidos na madeira e
pude sentir, como se arranhasse minha própria pele. Algo pulou no teto,
meus companheiros deram um pulo em seus assentos, os passos eram lentos,
dados para nos intimidar.
Houve alguns minutos de silêncio antes da porta ser arrancada,
mostrando um céu escuro e estrelado, uma estrada vazia e nada mais. Nem
sinal daquilo que nos atormentava. Meu irmão foi o primeiro a ser levado,
pelo quê, eu não saberia dizer. Movia-se tão rápido que tudo que senti foi o
vento se deslocando com sua passagem. Naquele ponto, os homens haviam
sacado suas lâminas, no entanto as mãos tremendo indicavam a falta de
coragem.
Um grupo de três homens apareceu diante da porta escancarada, um
deles tinha sangue nos lábios e nas vestes, e claramente não era humano. Eu
sorri para eles, afinal, tinham terminado aquilo que eu não fizera com
sucesso.

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Dois deles adentraram, agarrando dois humanos, pulando em seus
pescoços, não se importando com os cortes causados pelas lâminas. Ao meu
lado o homem gritou, apavorado, e tentou escapar, mas além do espaço ser
apertado nossos caçadores eram mais rápidos.
Presenciei tudo com um sorriso nos lábios e uma calma no coração.
Quando aqueles seres se viraram em minha direção, aguardei a tão esperada
morte, todavia aquele que não havia adentrado à carruagem deu uma ordem.
— Ele não.
Os dois seres de caninos afiados não gostaram da ordem, mas
obedeceram, arrastaram os humanos para fora da carruagem e continuaram a
beber seu sangue. Me aproximei para ver de perto. Como aquilo era
fascinante!
O líder deles se levantou, seu cabelo era cumprido e os olhos pura
escuridão, como se refletissem aquilo que eu era. Ele me observou por um
longo momento, e o observei de volta, sentindo sua força.
Quando todo o sangue foi drenado, o líder conjurou, como magia, fogo
em suas mãos e queimou seus corpos, então viraram-se de costas para mim,
partindo.
Eu estava livre, poderia voltar para minha vida ou então… Demorei
poucos segundos para saber o que queria.
— Esperem! — gritei para eles. O líder se virou para mim. — Como
eu me torno um de vocês? Quero ser um caçador.
— Sabe o que nós somos, humano? — perguntou ele.
— Não. Mas quero mesmo assim.
O líder sorriu com minha resposta.
Ele caminhou em minha direção, parando à minha frente, analisando
cada fibra de meu ser.
— Uma mordida — ele respondeu. — Uma mordida e você será um
vampiro como nós.
— Vampiro… — Testei o som daquelas palavras em meus lábios.
A minha resposta foi inclinar a cabeça, deixando meu pescoço à
mostra.
Em pouco tempo, suas presas perfuraram minha carne, apesar da dor,
não gritei, muito pelo contrário, eu sorri.
O vampiro se afastou, meu sangue manchava seus lábios.
— Qual seu nome? — perguntou ele.
— Bryan Connor.

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— A partir de hoje você será Bryan Akauss. — Sua mão pousou em
meu ombro, enquanto eu sentia as sombras circularem por minhas veias. —
Filho do Vampiro das Sombras.

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Sonhando em preto e branco
Katie Parker

Como é nascer em uma guerra? Durante a minha vida, ouvi alguns


humanos perguntando isso para amigos, para si mesmos, para o noticiário.
Enquanto eles apenas questionam como seria, eu vivo em uma desde o dia
em que nasci.
Sou uma Vampira Conjuradora, pertencente a uma família de
conjuradores d’água. Sim, nossa espécie possui magia. Assim como
nascemos, envelhecemos — mais lentamente que os humanos — e morremos.
A nossa guerra é com a oposição: os Vampiros Sombrios. Vampiros
imortais, transformados por outros vampiros, com força e velocidade
sobrenatural. E o melhor de tudo: eles morrem no sol.
No entanto, nem sempre houve essa rivalidade entre nossas espécies.
Meu pai sempre me contava histórias de um império dominando por
Vampiros Sombrios e Conjuradores, todos sob o olhar e atenção de um rei
Conjurador, que garantia que nosso segredo ficasse escondido dos humanos.
Vivíamos em cidades, continentes, ilhas, todos enfeitiçados por bruxos para
ocultar nossa existência. Construímos uma civilização para nós, e vivíamos
em harmonia.
Até que o Vampiro das Sombras matou nosso rei e declarou que nós,
os Conjuradores, éramos inferiores, nada mais que escravos, e que os
humanos não deveriam dominar o planeta terra, eram nada mais que
alimento.
Desde então, tudo desmoronou no mundo sobrenatural, os vampiros já
não confiavam uns nos outros, alguns ficaram tão paranoicos que decidiram
vagar sozinhos pelo mundo, como minha família.
Eu já havia perdido a conta de quantas vezes rodamos aquele país,
quantas vezes perdemos oportunidades de nos juntarmos com outras
resistências, pois minha família achava que um grupo enorme de vampiros

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chamava muita atenção. Ela nunca parou para pensar que juntos éramos mais
fortes.
Naquela noite, havíamos quebrado uma regra muito importante: viajar
sempre pela floresta, longe de qualquer vida humana. Mas o número de
Vampiros Sombrios patrulhando as matas havia aumentado. Meu pai veio
com a teoria de que eles evitariam cidades humanas, pois chamaria muita
atenção.
Ele estava terrivelmente enganado, no entanto.
— Estou sentindo a presença de um Sombrio à frente — disse minha
mãe, fazendo eu e meu pai pararmos a caminhada. — Eu disse que
deveríamos viajar pelas florestas, e não pelas cidades.
— Não podemos sempre viajar pelas sombras — respondeu meu pai
com seu tom teimoso. — As sombras são o lar de nossos inimigos.
— Não podemos viver sempre fugindo.
Observei os dois. Herdei de mamãe os cabelos castanhos, tanto os
meus quanto os dela eram curtos. Já os olhos puxei de meu pai, castanho-
claro. Agradeci por não ter herdado o temperamento de minha mãe.
— Mamãe — intervi —, você sabe que eles estão procurando nas
florestas e lugares afastados dos humanos.
— Lembre-se, Amélia — completou meu pai —, nem todo Vampiro
Sombrio está ao lado do Vampiro das Sombras.
— Quando uma guerra traz o ideal de que os Vampiros Sombrios
devem reinar — disse minha mãe —, que os Conjuradores devem ser
escravizados e os humanos serem distribuídos em latinhas em conservas,
todos os Sombrios são inimigos.
Meu pai bufou. Ele não conseguia acreditar que por você pertencer a
uma espécie seu caráter já estava definido. Como se ser mordido por um
Sombrio não ganhasse apenas a vida eterna, mas também a maldade. Mesmo
com todo o lance de sombras. Ele era muito otimista. Acho que herdei isso
dele.
— Katie, minha filha, você fica aqui — orientou meu pai —, enquanto
eu e sua mãe vamos averiguar a situação.
— Nem pensar — respondi rapidamente. — Eu vou junto.
— Podemos todos simplesmente virar as costas e ir embora — propôs
minha mãe.
— Se nós o sentimos — observou meu pai —, ele nos sentiu também.
Se sairmos correndo, ele vai nos caçar.

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Não dei mais ouvidos à discussão deles. Papai estava certo. Fugir
naquele momento só traria consequências ruins. Era apenas um vampiro. Se
fosse inimigo poderíamos dar conta dele.
— Katie! Volte já aqui! — gritou minha mãe, vendo-me caminhar na
direção do centro da pequena cidade.
— Não podemos ficar parados aqui como estátuas — respondi sem
parar de caminhar.
— A culpa é sua, Felix!
— Que culpa eu tenho se ela herdou meus genes?
Podia vislumbrar o sorriso de meu pai mesmo de longe.
Aquilo não era uma cidade. Mal passava de uma pequena vila com
uma única estrada. Poderia contar em torno de dez construções, em sua
maioria casas de madeira. Não havia eletricidade e parecia que aquilo que
os humanos chamavam de tecnologia não havia chegado por ali.
Lá no centro do vilarejo havia um Vampiro Sombrio parado na estrada.
Percebi que ele não era um dos mocinhos quando senti o cheiro de sangue.
Os humanos daquele pequeno lugar estavam encolhidos e escondidos, e
muitos jaziam no chão, mortos.
— Achei que não iriam se juntar à festa! — vangloriou-se o Sombrio.
— Bem-vindos à minha comemoração, pessoal. — Ele fez um gesto
abrangendo o seu redor, enquanto sangue escorria de sua boca. — Meu nome
é Bryan Akauss. E vocês, quem são?
— Sr. Akauss — disse meu pai com toda a calma do mundo —, só
estamos de passagem. Não queremos confusão.
— Oh, claro que não — respondeu o vampiro. — Só preciso fazer
uma simples pergunta e então poderão ir. Ou não. — A pausa entre uma frase
e outra fez um calafrio percorrer minha espinha. — Vocês são a caça ou o
caçador?
O Sombrio disse as palavras lentamente. Seu tom de voz era
diabólico, e o sorriso em seu rosto o fazia parecer o Vampiro das Sombras
em pessoa.
— Somos os caçadores — respondeu minha mãe bravamente. —
Somos seguidores do Vampiro das Sombras.
— Ah, mas se são seguidores não se incomodariam em fazer uma
pausa para um lanchinho.
Com uma velocidade sobre-humana, ele agarrou um humano e virou a
cabeça para o lado, exibindo o pescoço.

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— Obrigada, mas devemos recusar — alegou minha mãe. — Estamos
em uma missão e não podemos nos atrasar.
— Claro, claro — soltou Bryan, atirando o humano no chão como se
fosse um brinquedo. — Mas garanto que possam parar para uma janta, não é
mesmo? Você! E você! — Apontou para dois humanos encolhidos. —
Tragam uma mesa e cadeiras para nossos convidados. E nem pensem em
fugir. Sabem o que vai acontecer.
Suas feições se tornaram amargas.
Minha mãe agarrou minha mão e apertou. Trocamos um olhar que dizia
para entrarmos no jogo. Tentei manter as batidas de meu coração em um
ritmo normal; o ritmo acelerado poderia denunciar meu medo.
Enquanto uma mesa de madeira era posta no meio da estrada, Bryan
apenas nos encarava, um sorriso divertido nos lábios. Ele mesmo acendeu as
lamparinas sobre a mesa. Depois, com um gesto, nos convidou a sentar.
Bryan ficou em uma ponta da mesa retangular, enquanto meus pais me
colocaram na ponta oposta e sentaram-se ao meu lado; o mais longe possível
dele.
— É sempre bom encontrar com nossos aliados. Tudo fica mais
divertido.
Seu sorriso perverso indicava que tipo de diversão era aquela.
— Com certeza — concordou meu pai.
Eu não sabia de onde os dois estavam tirando forças para se manterem
calmos, ou porque não o atacaram. Éramos três contra um. Pensando bem,
um Sombrio tinha muita vantagem sobre Conjuradores de água. Nosso dom
não tinha muita utilidade.
Então era isso: entrar na farsa e torcer para sermos liberados sem
nenhum estrago.
— Aceitariam vinho? — perguntou a nós, porém logo se virou para a
pequena fila de humanos. — Tem vinho por aqui?
Eles demoraram a responder, e Bryan gritou novamente.
— Na… na… não — respondeu um humano, seu corpo tremendo.
— Mas temos cerveja. — Uma mulher tomou as rédeas. Seu olhar era
firme, e seu corpo não transparecia o medo que os outros tinham. — Nós
mesmos a produzimos.
— Ótimo. — Bryan lançou um olhar estranho à mulher. Como se
tivesse gostado de sua ousadia. — Traga.

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A mão de minha mãe procurou a minha por baixo da mesa. Quando o
olhar faminto de Bryan se virou em minha direção, seus dedos tamborilaram
na mesa de madeira. Aquilo era uma maldita tortura psicológica. Apertei os
dedos de minha mãe, como se aquele aperto pudesse levar embora todo o
medo que sentia. Eles eram minha única família, os únicos por muitos anos
em minha vida.
— E para onde meus caçadores vão? — perguntou Bryan, virando-se
para meu pai. — Qual a missão?
— A Leste daqui existe uma resistência — respondeu meu pai,
mantendo o semblante sério —, nossa missão é nos infiltrar entre eles, captar
o que pudermos e eliminar o restante.
— Há! Excelente! — Bateu palmas em um contentamento tenebroso.
— Adoro missões de infiltração. A empolgação de não saber se vão te
descobrir. Mas, se o fizerem, tudo bem, você pode soltar a sua fera sobre
eles. Aí está!
A humana retornava com as cervejas, serviu a todos. Quando se
aproximou, prestei atenção em seu coração. Ele não batia descompassado
como deduzi. Será que ela não estaria com medo? Nossos olhares se
encontraram por um momento, e eu soube que aquela mulher nada temia.
Quis ser mais como ela, e menos como a garota que só sonhava em ser
corajosa.
— Nada mal — comentou Bryan, após um longo gole da bebida. —
Não vão provar?
Minha mãe foi a primeira a levar o líquido à boca, eu fui a última.
Olhei para aquilo com dúvidas. E se a humana tivesse envenenado?
— Não se preocupe, criança — Bryan chamou minha atenção. — Não
tem uma boa aparência, mas garanto que é delicioso.
Bebi um gole e me engasguei em seguida, jogando tudo para fora,
fazendo o Sombrio rir.
— Acho melhor você não beber isso — alertou minha mãe, afastando
o copo de mim. — Ela ainda não está acostumada com as bebidas alcóolicas
dos humanos. — A última parte foi dirigida a Bryan.
— E nem pelo sangue deles, pelo que vejo. — O olhar do vampiro
ficou um pouco sombrio. — Já que quando vocês bebem sangue humano seus
olhos ficam… — ele fez um gesto em frente ao seu próprio rosto —
vermelhos.

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— Tivemos que nos abster do sangue humano para esta missão. —
Meu pai foi rápido em responder. — Se batêssemos à porta de uma
resistência com olhos vermelhos não seríamos aceitos.
Houve um breve momento de tensão, onde Bryan analisava meu pai
com um olhar sério, como se visse a mentira por trás de suas palavras, mas
esse momento passou e ele caiu na gargalhada.
— Mas é claro! Ainda bem que vocês pensaram em tudo. — Ele tomou
outro longo gole da cerveja. Seus olhos fixados em nós. — Deve ter sido
horrível, a abstinência de sangue humano.
— Foi — concordou minha mãe. — Mas fazemos de tudo pelo mestre.
— Mestre? — Bryan a olhou com uma curiosidade sombria. — Hum.
Meus pais trocaram um breve olhar. O que haviam falado de errado?
Contudo, enquanto eles se comunicavam com um olhar, analisei Bryan. Ele
estava se divertindo, fingindo que acreditava em nós, brincando com nosso
medo. Apertei com muita força a mão de minha mãe, cuidando para meu
rosto não denunciar o medo que estava sentindo.
Aquele seria o nosso fim, meu coração bateu acelerado, lágrimas se
acumularam em meus olhos. Caminhei até o Sombrio e trouxe a nossa
destruição.
— Por que seu coração está tão acelerado? — perguntou Bryan para
mim.
Olhei desesperada para meu pai.
— É difícil para ela controlar a fome — respondeu ele.
Eu queria gritar com ele, que aquilo era uma farsa, que estávamos
perdidos, que precisávamos correr, mas meu medo me manteve calada.
— Que não seja por isso — disse Bryan e, tão rápido como um raio
ele desapareceu, em segundos estava ao meu lado, atirando um homem à
minha frente. Tive que me segurar para não gritar. — Um pouco de sangue
não vai fazer seus olhos ficarem vermelhos.
Meus olhos encontraram com o do humano. Eu vi meu próprio medo
espelhado ali.
— Por favor… não — ele sussurrou por sua vida.
— Eu amo quando eles imploram. — Riu Bryan.
Procurei ajuda em meus pais, porém eles estavam tão chocados que
também não sabiam o que fazer.
— Tome o meu sangue. — Aquela humana, mais forte que um rochedo,
se intrometeu, parando diante do Sombrio em um desafio. — Deixe-os ir.

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Bryan soltou o humano, que logo caiu ao chão e se arrastou para de
baixo da mesa.
— Estou adorando essa sua força — disse o Sombrio. — Quem sabe
eu te transforme, ou te leve comigo, para ver em quanto tempo você
quebraria — ele brincou com uma mecha de cabelo dela, mas a humana deu
um tapa em sua mão. — Que ousada!
— Vai descobrir que sou difícil de quebrar.
Aquela humana desafiava alguém muito mais poderoso que ela, um ser
sobrenatural que nem sabia da existência. Eu a admirei.
Bryan a agarrou seu pescoço e chocou sua cabeça contra a mesa,
prendendo-a ali.
— Dizem que o sangue dos destemidos tem um gosto melhor — disse
o Sombrio com um sorriso. — Você vai adorar, garota. — Ele me fitou,
aguardando. — Não estava faminta?
Meus pais nunca permitiriam que eu corrompesse minha alma ao beber
sangue humano. Os pais sempre sacrificam o seu todo para manter seus
filhos em segurança.
Eles pularam no pescoço da garota, um de cada lado, e beberam o
sangue humano pela primeira vez. Eu só pude fitá-los em choque pelo que
faziam para me manter inteira.
— Seus pais estão famintos. — Bryan riu — Acho que não vai sobrar
nenhum pouquinho de sangue para você experimentar pela primeira vez. —
Virei, apavorada, para ele. — Ou você acha que eu, filho do próprio
Vampiro das Sombras, não iria saber quem são os nossos seguidores?

Meus pais largaram a humana e se colocaram à minha frente. Um


escudo contra a escuridão daquele vampiro.
— Agora, sim, a festa vai começar! — gritou Bryan, fazendo sua voz
ecoar pela noite.

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O vampiro avançou, mas um jato d’água o lançou para longe. Minha
mãe virou-se em minha direção.
— Filha, pegue esses humanos e saia daqui. Me ouviu? — pediu ela,
segurando meu rosto em suas mãos. — Eu te amo.
Com um último beijo na testa, partiu para ajudar meu pai. Alguns
humanos não precisaram do meu auxílio para saírem correndo desesperados
para qualquer lugar. Outros, no entanto, estavam em estado de choque e não
se moviam. A humana que demostrou tamanha coragem ainda estava viva,
banhada em seu próprio sangue, no entanto encontrou forças para se levantar,
pegar uma adaga e me ameaçar.
— O que você são? — perguntou ela.
Havia pura determinação em meu rosto.
— Eu não vou te machucar — garanti, levantando as mãos para provar.
— Não foi o que pareceu. — Ela moveu a adaga em minha direção. —
O que vocês são?
— Vampiros. Mas não somos como ele.
Apontei com a cabeça na direção de Bryan, que lutava contra meus
pais.
— E aquilo? É magia?
Com a adaga, a humana apontou para a luta, a qual meus pais
conjuravam água.
— Minha espécie pode conjurar certas… magias. — Não havia tempo
para explicar toda a diferença entre Sombrios e Conjuradores. — Você
precisa tirar seu povo daqui. Corram e não parem até o sol nascer.
A humana me estudou por mais um instante. Ela se aproximou de mim,
fiquei imóvel, pensando que iria me matar, mas segurou minhas mãos e
colocou sua adaga ali.
— Mas e você? — perguntei.
— Tenho outras. — Ela deu de ombros. — Faça o que seus pais
pediram, garota, fuja.
— Como é seu nome?
— Helena.
— Helena… — pronunciei como se ela fosse uma heroína.
A mulher se afastou de mim, indo até seus semelhantes, ajudando-os a
ficar de pé e despertar do transe. Mas não pude fazer o que ela e minha mãe
me pediram. Era incapaz de abandonar minha família. Nesse momento,

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desejei intensamente que meu elemento fosse fogo, para queimar Bryan até
as cinzas.
O Sombrio brincava novamente conosco, correndo ao redor de meus
pais, transformando-se em um borrão com sua velocidade não humana. Mas
meu pai era esperto, encharcou o chão com água, fazendo o vampiro
escorregar e cair. Do chão, Bryan ria. Minha mão conjurou água sobre o
corpo do vampiro, congelando-a até que tivesse uma ponta afiada e deixou
cair, porém o Sombrio escapou e o gelo partiu-se em vários pedaços.
— Cansei da brincadeira — disse nosso inimigo, deixando seus dentes
expostos.
Meus pais, de adaga na mão, iniciaram uma luta. Nosso elemento
participando para retardar o inimigo. Mas logo foram dominados. Bryan
segurou ambos pelo pescoço, erguendo-os do chão. Eu não podia ficar
parada.
Um redemoinho de água surgiu sob o vampiro. Usei toda minha força
para que ele fosse atirado para cima. Meus pais mal atingiram o chão e já
corriam em minha direção.
— Katie! — disse meu pai. — Você precisa fugir, vá!
— Não sem vocês.
— Sua filha não é muito obediente, não é mesmo? — a voz de Bryan
chamou nossa atenção.
Olhamos para trás, ele se levantava do chão. Seu corpo regenerando
os ossos quebrados.
O vampiro tinha perdido todo o tom brincalhão, estava com raiva. Nós
três lutamos lado a lado contra o Sombrio, todavia nosso elemento era quase
inútil. O sol não tardaria a nascer. Se pelo menos conseguíssemos
sobreviver até lá. O vampiro teria que fugir ou morreria.
Entre um golpe e outro, minha mãe e eu fomos atiradas para longe.
Todo meu corpo doeu ao colidir com uma carroça. Tentei levantar-me do
chão, mas estava sem forças. Logo minha mãe estava ali para me ajudar, mas
isso deixou meu pai em desvantagem.
Seu olhar cruzou com o meu, e pude ver todo o amor que ele sentia por
mim ali, quando o vampiro rasgou sua garganta e ele nada pôde fazer. Seu
olhar se transformou em um pedido de desculpas.
— Não! — minha mãe gritou e correu para ajudar.
Antes que pudesse alcançá-los, Bryan quebrou o pescoço de meu pai e
o largou no chão como se não fosse nada. De longe, eu via seu corpo desabar

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em câmera lenta. Quando acordei naquela noite não sabia que tudo que eu
mais amava seria tirado de mim.
Minha mãe teve um instante de choque, e foi o suficiente para Bryan
atirá-la ao chão, mas seu foco não era mais ela. Não senti medo quando o
vampiro começou a caminhar em minha direção, apenas raiva, uma raiva fria
e penetrante.
— Corra, Katie, corra! — exclamou minha mãe, atirando-se sobre o
vampiro.
Os dois trocaram alguns golpes, até que com um movimento ágil Bryan
desarmou minha mãe e usou sua própria adaga para rasgar sua barriga. Eu
corria em direção a ela, contudo ao ver seu sangue escorrendo com tanta
força estanquei no lugar. Não bastava perder meu pai, perderia minha mãe
também?
Não tive tempo para as lágrimas, Bryan já vinha em minha direção
para finalizar o que tinha começado. As mãos de minha mãe tocam o chão, e
água saiu de seus dedos, percorrendo todo o caminho até mim, criando uma
barreira entre mim e o Sombrio, que logo virou gelo.
— Isso não vai me deter! — berrou Bryan, soltando uma risada da
tentativa parca de minha mãe de me salvar.
Ele golpeou o gelo, arrancando um pedaço da barreira, mas logo o
pedaço que faltava foi restituído. E isso repetidas vezes.
— O que é isso? — perguntou ele, sua voz carregava ira.
— Isso é o amor de uma mãe. — Ouvi a fraca voz de minha mãe,
lutando entre a vida e a morte, chegar até mim através de nosso elemento.
Através da parede de gelo, a vi morrendo. Escorreguei até o chão,
chamando seu nome, tocando o gelo, implorando para que me deixasse
ajudar. Pude senti-la através do elemento, pude sentir seu medo, não pela
própria morte, mas por minha vida; ela implorava para que eu corresse.
Vendo que era impossível derrotar o elemento de minha mãe, Bryan
virou-se em sua direção, mas gritos vieram da floresta, pedidos de socorro
desesperados, que fez o vampiro estancar no lugar. Ele olhou de mim para
minha mãe, e em seguida para o céu, calculando quanto tempo havia sobre a
proteção das estrelas.
— Sorte sua que tenho que caçar alguns humanos antes do sol nascer
— observou Bryan. — Não podemos deixar eles espalharem o que
aconteceu hoje à noite, não é mesmo?

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Em um borrão ele desapareceu, e quase no mesmo momento a barreira
que nos separava cedeu. Já não ouvia mais as batidas do coração de minha
mãe.
— Mamãe! Papai! — gritei, correndo.
Me joguei ao chão e puxei seus corpos para perto de mim e me aninhei
neles. Fiquei muito, mas muito tempo assim. O sol nasceu, e seus raios
irritaram minha pele, mas não me importei, a dor dentro de mim era pior.
Nada nunca seria pior do que aquilo. Parecia que tudo não passava de um
sonho, um sonho em preto e branco.
Pensei em Helena, se ela havia conseguido escapar e no quanto queria
ser forte como ela, contudo naquele momento não havia mais pelo que ser
forte, tudo o que tinha se fora.
— Eu sei que isso dói. — Uma voz surgiu atrás de mim. Me levantei
com um pulo. Havia um Vampiro Conjurador ali, carregando um arco e
flecha. — Dói tanto que você não consegue nem respirar. Eu já passei por
isso. Todos em nossa resistência já passaram.
— Sua… resistência? — perguntei com a voz rouca, tomada pela dor.
— A Resistência da Adaga Vermelha. Todos nós perdemos nossos
pais. — Ele se aproximou de mim. — E se você permitir poderemos te
ajudar com essa dor. Eu posso ajudar. — Estendeu a mão, mas em vez de
pegá-la me atirei nos braços dele. Por incrível que pareça, aquele
desconhecido me acalmou, abraçando-me de volta, transmitindo em um toque
que tudo ficaria bem. — Sou Scott Martin, e você?
— Katie Parker.
— Bem-vinda à família, Katie Parker.

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Feita de fogo
Taylor Harper

O calor da chama me aquecia naquela noite escura, o fogo conjurado


tremeluzia na palma de minha mão. Movimentei os dedos, sentindo meu
elemento. Observei a parede de tijolos, onde havia um anúncio colado:
“procura-se colega de quarto”, pensando no que suas palavras podiam
significar para mim.
Eu havia fugido de Nova Jersey há um bom tempo. Não tinha mais um
lar, nem meus amigos por perto; seria bom finalmente descansar os pés.
Quem sabe, se me escondesse entre os humanos nenhum vampiro me
encontraria.
Apaguei a chama e deixei o beco escuro, adentrando o prédio em
busca do endereço anunciado. Não tinha certeza se era o correto, no entanto
pelo menos estaria vivendo pela primeira vez uma vida humana e comum,
como sempre quis. Nada de profecia, nada de Vampiro das Sombras, nada de
pacto me condenando ao inferno.
E precisava ver como era a vida daqueles humanos que eu sacrificaria
para salvar minha mãe.
Cheguei ao quinto andar e me dirigi para a porta de número 503, mas
tudo o que fiz foi ficar paralisada. O que estava fazendo? Me afastando da
vida que conhecia com minha resistência por qual razão? Para que ficassem
em segurança, pois o Vampiro das Sombras iria garantir que eu cumprisse
minha parte do pacto? Ou temia que, se ficasse com eles, iriam me
convencer a não o cumprir?
Em troca de libertar minha mãe, prisioneira do Vampiro das Sombras,
eu deveria ser condenada ao inferno, literalmente, perdendo toda minha
liberdade e possivelmente levando à minha morte.
A porta se abriu, e quase dei um pulo. Era difícil pegar uma vampira
desprevenida, mesmo sendo uma Conjuradora, que não tinha uma audição tão
aguçada como os Sombrios. Mas eu estava tão concentrada em meu passado
que não ouvi os passos do outro lado da porta.

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— Uou! — a garota se espantou. — Que susto, garota! Você bateu na
porta? Se bateu, devo estar surda, porque não ouvi.
Ela tinha olhos e cabelos castanhos, vestia um blusão largo com o que
parecia ser um vampiro estampado, o que quase me fez rir.
— Posso te ajudar? — ela perguntou, já que eu não havia dito nada
ainda.
— Eu vi seu anúncio — respondi.
— Ah, que bom. — A garota não me deixou dizer mais nada, já foi me
cortando. — Entra, entra. — Suas mãos me arrastaram para dentro do
apartamento, um lugar pequeno, com mais livros do que móveis. — Eu sou
Donna Harris. Já vou avisando, não aceito drogadas, loucas, paranoicas,
namoradeiras. Não gosto que mexam nos meus livros, mas se você for
boazinha posso te emprestar um. Vamos dividir as despesas de água, luz e
aluguel. Comida cada uma se vira com a sua. Alguma dúvida?
A fitei com curiosidade, ela falava demais, porém tinha um jeito que
me encantou, despreocupada, leve, engraçada. Seria aquela tagarela uma
opção para passar o resto dos meus dias?
— Dividir as despesas? — acabei por perguntar. — Eu… não tenho
moedas.
Donna me olhou com espanto e gargalhou. Passei a maior parte de
minha vida longe dos humanos, não conhecia muita coisa de sua cultura,
somente algumas coisas que observávamos de longe, ou roubávamos para
nós, como os CD’S que abandonei, esperando que Scott não roubasse
nenhum dele. A música com certeza foi a melhor invenção da humanidade.
— Dinheiro? — perguntou a humana. Claro! Essa era a moeda de troca
deles. — Não se preocupe com isso, posso te ajudar a encontrar um
emprego, até lá não cobrarei nada. — Ela parou para pensar. — Depois eu
cobro a dívida.
Simpatia invadiu meu coração. Ela nem me conhecia, mas estava
disposta a me ajudar. Eu não havia dito que ficaria, no entanto…
— Então, quando você se muda? — perguntou Donna.
— Mas você não me conhece, e se eu for uma assassina?
— Assassina! Sabia que faltava listar alguma coisa! Não aceito
drogadas, loucas, paranoicas, namoradeiras e assassinas! — Ela sorria ao
citar as palavras. — Conheço as pessoas logo de cara, e você parece ser
uma pessoa bem tranquila. — Ah, como estava errada. — Então, quando
busca suas coisas?

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— Eu só tenho isso. — Tirei minha mochila das costas, mostrando
para ela.
— Hum. — Donna ficou pensativa. — Não pense que vou emprestar
minhas roupas. Mas conheço um bazar que vende roubas bem baratinho. —
Assenti com a cabeça. — Venha, vou te mostrar seu quarto.
Segui a humana pelo pequeno apartamento, entrando em um cômodo
pequeno em que havia apenas uma cama de solteiro e uma cômoda.
— É pequeno, mas garanto que é aconchegante, e o colchão não tem
pulgas. — Ela me puxou para fora. — Aqui é o banheiro, e aqui meu quarto.
Fim do tour.
Seu quarto também tinha apenas uma cama de solteiro, porém havia
mais vida; pôsteres estavam colocados na parede, roupas espalhadas pelo
chão.
— E seus pais? — perguntei, notando a ausência.
— Eu sou emancipada. — Uma sombra passou pela sua face, como se
algo doloroso viesse à tona. — Mas e aí, em que escola você estuda? Que
idade você tem? Podíamos estudar juntas!
Escola? Eu nunca havia pisado em uma escola humana. O que eles
ensinavam? Fiquei curiosa com a ideia de uma vida humana completa, mas
como conquistaria uma?
— Donna… não tenho documentos. — Acreditava ser essa a palavra
para aqueles papéis que deixavam as pessoas andarem por todo lugar. —
Houve um incêndio, perdi tudo — acrescentei logo para não gerar suspeitas.
— E o os seus pais?
— Meu pai está morto.
Meu peito se apertou ao responder.
— E sua mãe?
Ela é prisioneira do homem que eu nasci para matar. Mas claro que
não disse isso em voz alta.
— É complicado.
Seu rosto brilhou em compreensão.
— Eu sei como é. — Ela me olhava com simpatia. — Podemos dar um
jeito nisso… Como é mesmo seu nome?
— Taylor Harper.
— Seremos ótimas amigas, Taylor Harper.
Ela enganchou seu braço no meu, conduzindo-me para o sofá.

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Levou apenas um dia para Donna conseguir documentações falsas para
mim, cortesia dos contatos de sua mãe, tive medo de questionar mais. Pouco
tempo depois, eu estava empregada em uma livraria junto com a humana e
frequentando a mesma escola que ela.
— Você vai adorar aqui — ela tagarelava enquanto adentrávamos os
portões. — Claro, temos alguns babacas, mas é só ignorar que tudo fica
bem…
Ela seguiu falando, mas não prestei atenção em suas palavras. Eu
olhava tudo ao meu redor. Nunca havia entrado em uma escola humana, e
estava maravilhada com a simplicidade de suas vidas, o modo como sorriam
e gargalhavam com facilidade. Eles se juntavam em grupos, andavam em
grupos, alguns poucos corriam apressados. Nenhum deles tinha o peso de
uma profecia nas costas, ou tinha que se esconder de seus inimigos, ou
decidir entre salvar o mundo ou sua mãe.
— Terra chamando, Taylor! — a voz de Donna me trouxe de volta.
Não havia percebido que havíamos parado de caminhar.
Voltei meu olhar para a humana, contudo meus olhos não encontraram
Donna, e sim um garoto. Cabelos castanho-escuros, olhos verdes como a
grama. Ele me olhava de uma maneira engraçada. Lembrei-me de Josh e de
como ele me olhava com intensidade. Meu peito ardeu com a saudade, mais
forte do que a chama que ardia em mim.
— Esses são Jack e Karen — apresentou Donna, só então percebi que
havia uma garota de cabelos curtíssimos, tão escuros como carvão.
— Oi! — Karen cumprimentou de um jeito muito alegre.
— Oi — cumprimentei de volta, mas Jack nada disse, apenas ficou me
olhando.
Seu olhar me cativou, não poderia negar que ele era muito atraente,
mas precisava me lembrar que meus dias estavam contados. Um estranho
sinal tocou, e agradeci por aquilo.

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— É hora da aula.
Donna enganchou seu braço ao meu e me conduziu pelos corredores
com seus amigos atrás.
— Você parece uma garota sensata, Taylor — comentou Karen. — Por
que estaria andando com Donna?
— Hey — protestou a humana. — Eu sou muito maneira.
Não disse nada, pois sentia o olhar de Jack sobre mim, virei-me para
olhar em sua direção e nossos olhares se encontraram. O que ele via em
mim? O que eu era sem todos os pesos que carregava nos ombros? Fazia
quase dez anos que não deixava ninguém se aproximar de mim; não dessa
forma.
Contudo, eu estava pensando em Jack dessa forma? Ou a forma como
ele me olhava? A última pessoa que havia me olhado assim fora Josh. No
meu antigo lar, estávamos tão preocupados em sobreviver que quase não
havia espaço para o amor florescer.
Quando voltei para mim, já estava dentro de uma sala. Vários humanos
já estavam sentados. Donna me conduziu para uma mesa ao lado da sua,
meus olhos acompanharam Jack até seu lugar.
— Bom dia alunos. — Um homem alto, de vestimenta escura, adentrou
na sala. — Parece que hoje temos uma aluna nova.
Todos os olhares se voltaram para mim, meu coração começou a
acelerar e comecei a duvidar se aquilo havia sido uma boa ideia. O homem
escreveu números e símbolos em um quadro. Eu não fazia ideia do que era
aquilo, como funcionava uma escola. O que estava fazendo ali?
— Senhorita, Taylor Harper — meu nome saiu dos lábios daquele
homem e meu coração se chocou contra a caixa torácica. — Poderia vir até
aqui?
Olhei para Donna e ela sorriu, encorajando-me. Olhei para Jack e
encontrei um olhar carinhoso. Levantei-me lentamente, dirigindo-me diante
da turma, ciente do olhar de todos sobre mim.
— Em cálculo, nós damos as boas-vindas de uma forma diferente.
Ele estendeu o que usou para escrever em minha direção.
Fiquei travada no lugar. O que queria que eu fizesse? Ouvi burburinhos
atrás de mim.
— Perdão — sussurrei. — O que devo fazer?
O burburinho virou risada.
— Resolver o cálculo, Srta. Harper.

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Peguei o canetão de sua mão e encarei o quadro, podia sentir meu
elemento se contorcendo dentro de mim, as chamas querendo sair,
acompanhando as mudanças no meu estado de humor.
— Eu… — gaguejei — não sei resolver.
— Mas é um cálculo simples, Srta. Harper.
O professor levantou a sobrancelha.
— De onde você veio? — uma voz masculina soou atrás de mim,
virei-me para encarar os humanos ali. — Só pode ter vindo de um chiqueiro
para ser burra como uma porca.
Todos riram, menos Donna e seus amigos.
Aquelas eram as pessoas que eu deveria salvar? Aquelas terríveis
pessoas que riam da piada de um garoto? Levei as mãos atrás do corpo e
apertei com força, pude sentir as chamas surgirem, senti o calor em minhas
costas. Agradeci o professor estar tentando parar os risos para ver. Eles não
mereciam ser salvos. Não mereciam o sacrifício de minha mãe.
As chamas, eu ia perder o controle, precisava fugir.
Jack se levantou de sua mesa, com um livro em mãos, e acertou-o na
cara do garoto que havia feito a piada.
— Desculpe, James — disse Jack —, tinha uma aranha em sua cara.
Tive medo de que te picasse e acabasse morta.
Aquele ato acabou com os risos, isso extingui as chamas
imediatamente. James se levantou, furioso, pronto para atacar Jack, mas ele
permaneceu tranquilo, encarando seu colega.
— Já chega! — gritou o professor. — Os dois para a diretoria, agora!
Pisando firme, James saiu sem olhar para ninguém, mas Jack piscou
para mim ao passar. Ele havia feito aquilo por mim, e não pude acreditar.
Era por pessoas como ele que eu deveria lutar.
— Volte para o seu lugar, Srta. Harper — pediu o professor.
Tive que me segurar para não correr de volta ao meu assento. Donna
estendeu a mão e agarrou meu pulso, apertando de leve.

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Enquanto o professor começava a explicar sobre aqueles cálculos, do
qual eu não sabia nada, fiquei pensando em como uma vampira sobreviveria

ao ensino médio
Donna me acompanhou nas trocas de aula, até que o sinal tocou para o
intervalo. Nos reunimos no refeitório com seus amigos, a cacofonia de
barulhos estava me deixando um pouco perdida, no entanto me concentrei na
conversa com os humanos e silenciei o resto dos ruídos.
— Estou tão apavorada com a apresentação — disse Karen enquanto
se sentava à mesa. — Eu simplesmente odeio biologia. Ainda bem que temos
a maquete para ter um apoio. — Donna imitiu um som estranho,
estrangulado, e seu coração começou a bater aceleradamente. — Nós temos
a maquete, não é mesmo, Donna?
— Sim… — respondeu vagarosamente. — No meu apartamento.
Karen soltou um suspiro, e sua cabeça bateu com força na mesa.
— Eu te mataria, Donna, se não te amasse tanto. — Quando se
levantou, a testa estava vermelha. Ela massageou o ponto dolorido. —
Engula essa comida e vamos correndo para sua casa.
— Vamos engolindo no caminho.
Elas se levantaram, levando seus sanduíches juntos, enquanto davam
mordidas e corriam para a porta. Me deixando sozinha com Jack.
— Elas estão bem ferradas. — Ele riu enquanto mordiscava seu
lanche. — Como você foi parar com Donna? Ela anunciou essa vaga para
colega de apartamento há muito tempo. Nos primeiros meses até teve
procura, mas todos que entravam ou saíam de ré rapidinho, ou ela botava
para correr.
Dei um leve sorriso, imaginando com facilidade como teria sido.
— Eu não tinha certeza se iria ficar — expliquei depois de mastigar
um pedaço de meu próprio almoço, não estava acostumada à comida frescas

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e deliciosas, por isso aproveitava cada mordida —, mas quando dei por mim
ela já estava praticamente guardando meus pertences no quarto. E ela nem
me conhecia. E se eu fosse uma assassina?
— Você não é. — Ele deu um meio-sorriso. Jack me fitou com a
mesma intensidade que havia me olhado quando nos conhecemos. — Ela
deve ter visto o mesmo que eu.
— O que você viu em mim?
— Uma garota perdida tentando se encontrar no mundo. — Ele brincou
com o copo vazio à sua frente, evitando meu olhar. — Assim como eu.
— Eu não estou perdida — retruquei, e ele riu.
— Acredite em mim, um perdido sempre reconhece o outro. — Jack
deixou de lado o copo e voltou sua atenção para mim. — Onde estão seus
pais?
— Eles se foram.
Não era uma verdade completa, mas também não era inverdade.
Me surpreendi quando Jack pousou sua mão sobre a minha.
— Eu sinto muito. — Olhei em seus olhos, e Jack abriu um sorriso
delicado. — Eram sua única família?
Pensei em Claire, em como havia deixado minha irmã adotiva para
trás para liderar uma resistência.
— Eram.
Retirei minha mão e continuei a comer, não querendo entrar no assunto.
— Você parece carregar tanta dor, Taylor, tanta coisa, mas sua casca
parece forte e resistente. — Fitei ele, Jack me analisava com um olhar
curioso. — Isso me fascinou em você.
— Mas eu sucumbi hoje — sussurrei, pensando que ele não escutaria.
— Você nunca passou por isso, não é? — O encarei com uma pergunta
no olhar. — Ser humilhada na frente de todos, e eu até diria que nunca
frequentou uma escola.
Como ele poderia ser tão perceptivo?
— Não — confessei. — Já enfrentei coisas muito piores do que
risadas, não deveria me importar com algo tão superficial.
— Até as pessoas mais fortes sucumbem às vezes. Não seriam
humanas se não fosse assim. — Ah, mas eu não era humana. E torcia para
que ele nunca soubesse disso. — Gostaria de conhecer mais sobe você,
Taylor Harper.

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Eu o olhei com um pouco de espanto. Eu queria deixar alguém me
conhecer de forma completa? Não. Contudo, Jack era uma pessoa tão
acolhedora que quase me peguei contando todos os dilemas de minha vida.
— Eu não sou nenhum pouco interessante — respondi.
— Para mim você parece a pessoa mais interessante dessa escola.
Fitei seus olhos verdes, observando a curiosidade que invadia seu
olhar. Todos sempre tiveram interesse em mim, afinal, eu era a herdeira da
profecia, destinada a encontrara a Adaga de Edwan e matar o Vampiro das
Sombras. Apenas Josh realmente me olhava como se fosse interessante de
outra maneira.
— Obrigada por me salvar hoje — resolvi mudar de assunto,
agradecendo por sua ousadia.
— Não tem de quê. Às vezes, gosto de salvar as pessoas. Quando elas
merecem. — Ele sorriu para mim, algo tão sincero que fez meu coração
bater diferente — Você parece ser uma boa garota, Taylor, não vejo maldade
alguma em você. Eu ficaria muito feliz se você se encontrasse conosco,
talvez eu também possa me encontrar.
Passamos o resto do almoço conversando sobre Donna. Sua paixão
por vampiros era bem conhecida até mesmo no colégio. Enquanto
conversávamos, eu pensava em suas palavras. Eu estava perdida? Se sim, foi
porque abandonei meus amigos? Ou os abandonei, pois não sabia quem eu
deveria ser? Aquela que salva o mundo ou condena a todos por ser fraca?
Jack tinha razão.
Éramos perdidos de formas diferentes, mas de alguma forma nos
encontramos.

Os dias passavam com uma leveza da qual eu não estava acostumada.


O trabalho era algo maravilhoso, mesmo que eu não fosse tão boa. Jack
aparecia todas as tardes na livraria, me perguntava se era possível que ele
lesse em um dia os livros que comprava. O humano passava horas vagando

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pelas estantes, me peguei muitas vezes procurando o seu olhar, e todas as
vezes o encontrava olhando para mim.
Suas visitas ao apartamento de Donna se tornaram mais frequentes, o
que, eu peguei os dois em um sussurro, não era normal.
— Você nunca veio em meu apartamento — sussurrou a humana. —
Está vindo aqui só pela novata, não é mesmo?
— Donna! Fique quieta! — urrou ele.
Mal sabiam que eu poderia escutar qualquer sussurro.
Karen era uma constante diferente, ela se sentia em casa quando
aparecia no apartamento, o que era quase todas as noites. E na livraria,
quando ia, não comprava nenhum livro sequer. Donna só não era despedida
pelas horas gastas em conversas com Karen, porque era boa demais
vendendo livros de vampiros.
Sim, minha colega era uma humana viciada em vampiros, até me fez
assistir a um filme em que vampiros brilhavam e se incomodara com minha
risada, mal podia ela saber por que estava rindo. Me senti desconfortável no
início, com as camisas que ela vestia, com todos aqueles pôsteres de
vampiros pendurados em seu quarto, e o quanto ela falava dos livros que lia;
sem contar que quando a televisão estava ligada era só isso que passava.
Mas me acostumei com aquilo tudo e me senti confortável ao lado
deles. Mais do que isso até, me senti acolhida, como se pertencesse a uma
família novamente. Soube que havia feito a escolha certa, ou a escolha tinha
me feito? Meus últimos dias na terra seriam repletos de risadas, aulas de
reforços com Jack, e noites repletas de pipoca e filmes no sofá velho de
Donna.
Eu sentia uma necessidade muito grande de liberar meu elemento,
então na calada da noite subia até o telhado para libertar as chamas dentro
de mim. O fogo dançava ao meu redor, seu calor era como um remédio para
minha alma confusa. Naquela noite, as chamas brincavam em minha mão
quando ouvi passos vindo dos degraus, rapidamente extingui o fogo.
— Não conseguiu dormir?
Era Jack.
Meu coração palpitou no peito, me deixando confusa.
— Não — respondi, me virando para olhar o movimento noturno da
cidade.
Ele se aproximou, apoiando os braços no parapeito.

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— As festinhas de Donna costumam ser barulhentas — observou ele.
— Mesmo tendo apenas quatro convidados.
— Não me incomodo com o barulho. Só queria respirar um pouco do
ar noturno.
— Achei que estava fugindo de mim.
Ele baixou o rosto, logo seu coração começou a bater mais forte.
Eu estava fugindo dele? Sim, estava. Porque tinha medo daquele
sentimento que ganhava força em meu peito, e se eu sucumbisse poderia
quebrar o pacto que havia feito, tudo para ficar ao seu lado.
— Não — respondi em vez da verdade.
— Mas é o que parece. — Seu olhar se fixou no meu, a cor verde,
intensificada pelo brilho da lua. — Parece que está sempre encontrando uma
desculpa para se afastar, mesmo quando insisto em me aproximar.
Fiquei presa em seu olhar, sua mão se aproximou da minha, então virei
o rosto, mas não pude me afastar daquele pequeno toque.
— Não posso me aproximar de você, Jack, não desse jeito.
Fui incapaz de olhá-lo novamente.
— Foi algo que fiz?
Pude ouvir o desespero em sua voz.
— Claro que não. Desde que cheguei, você só tem sido gentil, me
ajudou de formas incontáveis. Mas eu…
Estou condenada ao inferno? Tenho pouco tempo na terra? Meu
coração continua pertencendo a um vampiro que morreu havia dez anos?
— Você pode confiar em mim — pediu Jack, sua mão se entrelaçou à
minha.
— Eu tive um namorado. — Meu olhar voltou-se para o céu noturno,
as estrelas piscando. — Mas ele morreu.
— Ah, Taylor, eu sinto muito. — Ele apertou de leve minha mão. —
Faz tempo?
— Sim, já faz um tempo. — Meu olhar se voltou para ele. — Mas
sinto que ainda estou presa ao que éramos, e não consigo seguir em frente.
Meu olhar se prendeu em seus olhos verdes, que analisavam cada
centímetro de sua alma, sua mão livre de repente estava acariciando meus
cabelos, eu sabia que deveria recuar, no entanto estava presa.
— Você não pode se prender ao passado, Taylor, isso só vai te trazer
dor e sofrimento. — Sua mão escorregou para minha face, acariciando
minhas bochechas. — Eu vejo a saudade escrita em seu olhar, o quanto a

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falta de alguém a parte ao meio. Mas precisa encontrar um modo de
prosseguir, de se permitir ser feliz.
— Por quê? — Minha voz não passava de um sussurro. — Por que se
importa tanto?
Ele exibiu um meio-sorriso que fez meu coração errar o compasso de
suas batidas. Jack afastou a mão de meu rosto, mas ainda manteve a outra
entrelaçada à minha.
— Porque nunca conheci alguém tão fantástica como você. Desde a
primeira vez que te vi, soube que precisava te fazer minha. E não vou
desistir, Taylor, porque não sabia o que queria para minha vida até te
conhecer. Quero você, nenhuma outra. Ninguém mais.
Me sentir desejava depois de tanto tempo fez meu coração reacender,
como se a chama que ardesse em mim fosse fria, e agora estivesse se
tornando aquilo quer era: puro fogo. Mas havia tanto em jogo.
— Eu não te mereço — disse aquelas palavras com tristeza na voz,
pois eu também não sabia que desejava ser amada novamente, que poderia
haver alguém depois de Josh.
— Taylor, você é feita de fogo, você merece aquilo que quiser.
Não pude raciocinar quando Jack se aproximou, puxando minha
cabeça em sua direção, quando nossos lábios se encostaram tudo que pude
fazer foi retribuir seu beijo.
Lembranças explodiram em minha mente, a primeira vez em que ele
me salvara na sala de aula, e como eu havia aprendido que quando meu
poder ameaçava se descontrolar só precisava olhar para ele para que tudo se
acalmasse. Como me ensinara coisas sobre o mundo humano que nem
sonhava existissem, como sua presença fazia meu coração palpitar e o fogo
dentro de mim dançar.
Me afastei e, quando o fitei, não era mais Jack ali, e sim Josh. O
vampiro por quem estive apaixonada por tanto tempo, aquele cuja perda me
devastara por dentro, me quebrando em mil pedaços de mim mesma. Nunca
poderia amar outra pessoa, porque meu coração sempre pertenceria a Josh, e
ficar com outro seria uma traição.
— Não posso… — sussurrei enquanto corria de volta para as escadas.
Jack me seguiu, me chamando de volta, mas o ignorei. Adentrei o
apartamento e quase dei de cara com Karen.
— Vá de vagar, garota — brincou ela.
— Desculpe.

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— Sobre quase colidir comigo, eu te desculpo, sobre perder a noite da
diversão, vai ter que pedir mais do que desculpas — brincou.
Karen tinha um sorriso fácil e acolhedor, muitas pessoas ao verem seu
cabelo curto, a imagem rebelde que passava, nunca iriam imaginar o quão
doce ela era.
— Você já vai? — perguntei.
— Sim. — Ela suspirou. — Minha carona me deu um bolo, e vou ter
que ir para casa caminhando.
— Eu disse para ela dormir aqui — observou Donna, encostando seu
corpo no batente da porta. — Mas ela não gosta dos seus roncos.
— Eu posso te acompanhar — propus, louca para fugir antes que Jack
descesse.
— E voltar sozinha? — perguntou Karen com olhos arregalados.
— Acredite em mim — respondi com um meio-sorriso —, se alguém
tentar me machucar vai acabar muito mal.
— Eu acredito. — Donna riu. — Ela derrubou um grandalhão na aula
de educação física. Com uma bolada na cara.
Fiz uma careta para ela. Eu era mais forte que os humanos, e não havia
calculado muito bem minha força. Ouvi os passos de Jack se aproximando,
puxei Karen para fora e quase bati a porta em Donna.
— Logo estarei de volta — disse para minha colega.
Quando meu pé tocou o primeiro degrau da escada, Jack surgiu, nossos
olhares se encontraram por um instante, um instante que pareceu uma
infinidade, até que meus passos me levassem mais para baixo e não pudesse
vê-lo.
Dessa vez, ele não me seguiu.

A noite estava fria, por isso deixei que meu corpo emanasse o calor de
minha chama, aquecendo um pouco Karen. Àquela hora quase não havia

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ninguém nas ruas, nenhum perigo eminente, então minha amiga achou que era
seguro diminuir o passo e começar uma conversa despreocupada.
— Você deveria dar uma chance ao Jack — disse ela. A olhei como
espanto. Como sabia? — Ele foi atrás de você, não foi? — Fiz que sim com
a cabeça. — Bem, ele nunca foi muito bom em esconder os sentimentos.
Olhei para meus próprios pés, torcendo para que a conversa
terminasse logo.
— Sabe — ela continuou —, ele sempre foi um garoto muito fechado.
Até mesmo comigo e com Donna era difícil ele participar de algo conosco.
Para ser bem sincera, nem sei o porquê de ele andar conosco. — Karen riu
sozinha. — Ele tem tudo para ser um garoto popular, não é mesmo?
— Eu… acho que sim.
Não havia entendido direito a hierarquia do colégio.
— Mas ele não é assim. Jack não gosta das coisas superficiais da
vida, ele gosta da intensidade, daquilo que é resistente, do que é diferente.
Se ele gosta de você, acredite, você é uma garota de muita sorte.
Eu não me sentia nem um pouco sortuda. Aquilo era uma confusão
tremenda de sentimentos.
— Não estou pronta para isso, Karen — respondi.
— Então ele vai esperar até o momento em que estiver. Jack não
desiste das coisas, e quando gosta de alguém… ah, ele gosta de uma forma
muito intensa. — Seu cotovelo me empurrou de uma forma divertida
enquanto adentrávamos em um beco. — Não que esteja pressionando.
— Ele nunca foi muito próximo de vocês?
— Foi próximo o suficiente. Acho que ele nunca se sentiu encaixado
em algum lugar, nós tínhamos o encaixe que mais se adequava a ele, mas
ainda assim não nos encaixávamos perfeitamente. Mas você… você é o
encaixe perfeito para ele.
Karen parou de caminhar, colocou suas duas mãos em meu ombro, me
fazendo virar em sua direção.
— E se você magoar ele, garota, eu te mato. — Seu olhar era
ameaçador, porém com um fundo de divertimento. — Mesmo que eu te ame,
entendeu?
— Acredite, nunca faria algo para machucá-lo.
— Que bom, porque nunca o vi tão feliz como fica ao estar com você.
Eu tinha tantas perguntas, queria conversar com Karen sobre Josh,
queria o ombro amigo de Donna e sua opinião divertida sobre tudo. Mas

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nunca pude fazer nada disso.
Do topo de um dos prédios que nos cercavam, alguém pulou, porém
seu corpo não estatelou no chão, ele pousou com a graça de um felino e se
levantou com a ameaça de um caçador.
— Finalmente te encontrei, herdeira da profecia — disse o Vampiro
Sombrio.
Meu coração congelou. Eles haviam me encontrado. Me virei para
Karen, ela olhava para o vampiro sem entender o que estava acontecendo.
— Corre, Karen! — gritei para ela, mas ela não se moveu. — Agora!
Exibi minhas presas, que não eram tão grandes e nem tão sombrias
quanto de meu inimigo, mas o fogo ao ser conjurado em minha mão a
espantou e foi o suficiente para ela correr.
Virei na direção do sombrio, havia um sorriso medonho em seu olhar.
Atirei uma bola de chama em sua direção, que foi desviada com facilidade.
Antes que pudesse atacar novamente, ele virou um borrão, me preparei para
o ataque, conjurando fogo ao meu redor, mas ele passou diretamente por
mim, perseguindo Karen.
Ela foi atirada ao chão, batendo a cabeça. Antes que o vampiro
pudesse encostar mais um dedo nela, me atirei sobre ele. Rolamos pelo chão
até ficarmos cara a cara.
— Nunca imaginei que se esconderia com os humanos — disse ele
com uma gargalhada. — Mas o lorde nunca vai parar de te procurar, não
importa onde você esteja.
Atirei uma rajada de chama, mas ele escapou novamente. Quando dei
por mim, havia sido atingida na barriga e atirada para longe. O sombrio se
aproximou a passos lentos, brincando comigo, apoiei minha mão no chão e o
fogo saiu de mim, serpenteando até o vampiro. Ele ardeu em chamas, mas
não desistiria. Correu para o lado de Karen e logo fiz as chamas
desaparecerem, não querendo ferir minha amiga.
O sombrio a levantou pelos cabelos, ela gemia de dor e desespero.
— Deixe-a ir. — Havia ira em minha voz, uma tentativa de abafar o
desespero.
— Olha o que você fez, garota insolente. — Todo o corpo do vampiro
estava queimado, suas roupas grudando na carne, o rosto parecia derretido.
— Eu preciso me recuperar.
— Não!

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Antes que pudesse fazer alguma coisa, suas presas perfuraram o
pescoço de Karen.
Corri em sua direção, mas antes que pudesse alcançá-lo ele quebrou o
pescoço da garota, enquanto seu corpo caía ao chão, eu caí junto. Puxei
Karen para perto de mim, aninhando seu corpo em um abraço. As chamas
começaram a sair sem controle, tremeluzindo ao meu redor.
— É melhor vir comigo — disse o sombrio —, antes que mais alguém
se machuque.
Eu o encarei. Ele saberia de Jack e Donna?
As lágrimas rolavam em minha face quando gritei pela dor da perda e
ergui a mão em sua direção, uma rajada de fogo tão forte saiu de minhas
mãos que não deu tempo de o vampiro correr. Sua força era tão grande que
em pouco tempo o sombrio estava caído de joelhos, o corpo carbonizado,
mas não parei, continuei a gritar, de dor, de raiva, e meu poder continuou a
fluir através de mim, até que o vampiro havia virado apenas cinzas.
O fogo cedeu. Olhei para Karen em meus braços, acariciei seus
cabelos curtos. Era minha culpa. Eu nunca estaria segura, e todos que
estivessem ao meu redor seriam alvos.
— Eu sinto muito — sussurrei para ela. — Sinto tanto.
Aninhei ela em meus braços. Eu deveria levá-la para casa em
segurança.
E levaria.
Levantei e carreguei Karen até sua pequena casa, entrei em silêncio,
sem acordar seus pais que haviam dormido em frente a tv, e a coloquei em
sua cama, tirei seus sapatos e por um tempo fiquei sentada ao seu lado,
segurando sua mão. Era minha culpa. Não poderia levar o mesmo destino a
Jack e Donna.
Corri todo o caminho de volta para o apartamento, rezando para que a
humana já estivesse dormindo, e para minha sorte estava. Peguei minha velha
mochila, a mesma com a qual tinha entrado por aquela porta, reuni meus
poucos pertences e fechei a porta de meu quarto.
Lentamente, caminhei até o quarto de Donna, ela dormia em uma
posição engraçada, seu peito subia e descia com a leve respiração do sono.
Doeria ter que deixá-los, eles me deram a vida que sempre desejei, foram
meu lar quando achei que nunca mais teria um. Mas precisaria partir para
que continuassem vivos e bem.
— Obrigada, Donna — murmurei.

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Deixei o apartamento sem olhar para trás, tentando não pensar em
Jack, e em como minha partida partiria seu coração.
Eles teriam um luto para viver, um luto que eu trouxe para a vida
deles.
Eles estariam melhor sem mim.

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Conheça a trilogia A Adaga de Edwan:

Taylor Harper só queria ser normal, mas ela era uma Vampira
Branca, com o poder sobre o elemento fogo, herdeira de uma Profecia e a
única capaz de matar o Vampiro das Sombras, o mais poderoso vampiro que
já andou sobre a terra. Desde que abrira os olhos pela primeira vez, Taylor
soube que sua vida não seria nada fácil. Nascida em meio a uma guerra na
qual os vampiros de sua espécie eram forçados a fugir e se esconder,
esquecendo até mesmo como usar a sua magia interior como arma, Taylor
acaba se vendo dividida entre salvar aqueles que ama e salvar o mundo
inteiro. O destino de todos está nas mãos de Taylor.

Previsão de lançamento: 2023 pela editora Cabana Vermelha.

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Conheça outras obras da autora:

Vermelho como o amor: Existe uma magia no Natal. Talvez nas luzes
piscando sem parar, afugentem qualquer escuridão, ou a esperança que o
nascimento de Jesus Cristo representa. Quem sabe o Papai Noel exista
mesmo, e o Polo Norte seja o quartel general de toda a sua magia.
Independente de como for, verdades ou mentiras, dezembro traz o amor para
o coração das pessoas, trajado na cor predileta deste sentimento: vermelho.
Conheça oito histórias sobre as multifacetas do amor, e deixe que esses
personagens lhe conduzam e mostrem como é possível superar, recomeçar e
amar novamente. Encontrar alguém para espantar a solidão e dizer adeus no
momento oportuno.

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Laços Inquebráveis: A verdadeira amizade não conhece obstáculos.
Sarah e Rebeca se conhecem na faculdade de administração e a conexão
entre as duas é instantânea. Tornam-se mais que amigas, verdadeiras irmãs, o
que só torna tudo mais difícil quando Sarah morre, deixando sua melhor
amiga despedaçada. Mas nem a morte conseguiu separá-las.
Depois do enterro, ainda sentindo a pior dor de sua vida, Rebeca descobre
que ainda consegue ver e ouvir Sarah, mesmo que não possa tocá-la. Ainda
falta uma última missão para as duas amigas: fazer Rebeca seguir em frente e
redescobrir a felicidade, e Sarah não vai desistir até encontrar a pessoa
perfeita para sua amiga. Mesmo que isso signifique desafiar a própria morte.

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Um livro cheio de emoções e sentimentos, vai ser impossível largar Laços
inquebráveis.

A chama de seus olhos: Natália está passando pela pior batalha de


sua vida: O câncer. Perdida e sem esperança, ela tenta suicídio, e é salva por
uma completa estranha, Luísa. A salvadora fica irritada com a moça por
tentar tirar a própria vida, já que seus pais não tiveram nem direito de lutar.
Luísa e Natália começam uma amizade improvável, divertida, mas que a
cima de tudo pode reacender a chama nos olhos de Natália, que se apagaram
quando ela recebeu o diagnóstico.

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