Você está na página 1de 855

Copyright© 2022 SIL ZAFIA

ARTHO – CLUBE DOS CRETINOS – LIVRO 1

Revisão: Sophia Castro

Capa: Sil Zafia

Diagramação: Sil Zafia

____

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer

forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio

de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem

permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra

de ficção, nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos


são produtos da imaginação do autor, qualquer semelhança com

acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.


Sumário

Sinopse

Avisos

Playlist

Prólogo

FASE 1

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7
Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20
Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

FASE 2

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32
Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

CARTAS PARA ARTHO

Carta 1

Carta 2

Carta 3

Carta 4

Carta 5

Carta 6

Carta 7

Carta 8
FASE 3

Capítulo 37

Capítulo 38

Capítulo 39

Capítulo 40

Capítulo 41

Capítulo 42

Capítulo 43

Capítulo 44

Epílogo

Agradecimentos

Uma espiada

Outras Obras
Redes Sociais da autora
Ele é um cretino mulherengo, ela é virgem e tímida. Eles são

completamento opostos, mas ambos têm algo que o outro precisa

muito.

Artho Becker é um dos membros do Clube dos Cretinos.

Veterano do curso de Direito, tem a reputação de pegador

irresistível intacta, mas a fachada de músculos e tatuagens esconde

perigosos segredos.

Charlotte Castro é uma estudiosa caloura do curso, mas sua

vida social é um fracasso e ela nunca namorou. Quando os convites


para as festas mais badaladas do campus começam a surgir, o

desespero e a timidez tomam conta.

Um acordo de fake dating é a saída perfeita e a única regra é

não se apaixonar.

Mas quando os encontros de mentira se tornarem mais

quentes e reais do que planejavam, e o desejo ardente consumir

seus corpos, qual dos dois será o primeiro a resistir à iminente

tentação?
Artho é o primeiro livro da série de livros independentes:

Clube dos Cretinos.

A UFBG, universidade onde o livro se passa, é fictícia.

O livro contém gatilhos como: violência, violência doméstica,

consumo de álcool e drogas.


Bem-vindo ao grupo de pessoas

Que tiveram um grupo de pessoas que eles amaram um dia

(Heathens – Twenty One Pilots)

Para ouvir a PLAYLIST do livro, clique aqui.


Artho

São Paulo – Capital

Sweater Weather da banda The Neighbourhood está tocando

no rádio. Faz um século que não ouço essa música.

São 16h16 de uma tarde agitada.

Batuco com as mãos no volante do Jaguar, enquanto espero

que o sinal abra.


Acelero quando a luz fica verde e puxo o nó da gravata para

folgá-la. Não vejo a hora de chegar em casa, tirar o terno e tomar

um banho.

Combinei com meus cinco melhores amigos de encontrá-los à

noite, na boate que Natan e Gabriel abriram recentemente — o

Clube dos Cretinos. Ganhei muito dinheiro com um caso hoje e

preciso comemorar. Além disso, o clube está fazendo muito mais

sucesso do que os gêmeos esperavam.

Não consigo dirigir por muito tempo, outro sinal fecha e eu

paro na faixa, ao lado da calçada de um restaurante italiano.

Olho as pessoas atravessarem a rua e sinto algo bloquear

minha garganta e roubar meu fôlego ao ver um rosto conhecido.

Ela está usando um vestido preto e sandálias de salto, e seu

cabelo castanho ondula em volta dos ombros, enquanto ela

atravessa a faixa como se fosse uma modelo em uma passarela.


Procuro o nome dela na memória. Não preciso de mais que

alguns segundos para recordar.

Meus batimentos aceleram. O que ela está fazendo em São

Paulo? Eu passo aqui todos os dias, quando vou buscar minha filha

na escola, e nunca a vi.

Meu queixo cai, porque eu tinha esquecido como é bonita.

— Conseguiu ficar ainda mais — murmuro, a assistindo

passar em frente ao Jaguar. — Puta que pariu, como ela tá gostosa.

— Papai! — minha filha me repreende, do banco de trás.

— Desculpe, meu amor.

Digo e toco sua mão sobre meu ombro, mas não consigo

desviar os olhos da mulher. Ela alcança a calçada e entra no

restaurante.
O sinal abre e um carro buzina atrás de mim, mas eu ainda

posso vê-la através da vidraça do restaurante. Meu coração começa

a doer como da última vez em que eu a vi.

Puxo o ar para os pulmões. O carro continua buzinando.

— Quem é ela, papai? — a voz suave da minha filha me traz

de volta à realidade e eu volto a acelerar.

— É alguém que eu conheci muitos anos atrás, quando fazia

faculdade em Bento Gonçalves — murmuro.

Tento me convencer de que a pulsação acelerada e o nó na

garganta são pela surpresa de encontrá-la, oito anos depois.

Deixá-la foi a coisa mais difícil que eu já precisei fazer na

minha vida. Mas eu fiz e consegui esquecê-la. Tenho certeza disso.


Esse mundo pode te machucar

Te cortar profundamente e deixar uma cicatriz

As coisas desmoronam, mas nada quebra como um

coração

E nada quebra como um coração

(Mark Ronson - Nothing Breaks Like a Heart -

feat. Miley Cyrus)


Charlotte

Sábado, 5 de agosto de 2017

O Bar Culture fica a três quarteirões do Edifício Universitário.

Há vários estudantes fumando na calçada, usando jaquetas com o

emblema da universidade e segurando copos de bebida. Dá para

ouvir a música da rua.

As paredes são de vidro e eu consigo ver as luzes

avermelhadas lá dentro. Luz vermelha me remete a cabaré.


Raquel Mendes aperta meu cotovelo com força. Ela é minha

nova colega de quarto, a pessoa com quem vou dividir um

minúsculo apartamento pelos próximos anos.

Estou de cabeça baixa, tão nervosa por estar aqui, que meu

estômago revira.

— Aqueles são os rapazes mais gatos da universidade — ela

diz baixinho.

Faz algumas horas que me mudei de Santo Antônio dos

Missões, uma cidadezinha de aproximadamente dez mil habitantes,

localizada no noroeste do Rio Grande do Sul, para Bento

Gonçalves, na Serra Gaúcha, onde vou cursar Direito na

Universidade Federal.

Mal deu tempo de desfazer as malas e minha colega de

quarto já conseguiu me convencer a vir a esse bar que, segundo

ela, está sempre cheio de universitários.


Já estou arrependida de ter aceitado. Passei todo o ensino

médio enfiada nos livros, batalhando para conseguir uma vaga em

uma universidade federal, e nunca fui a um lugar como este.

Raquel sacode meu braço outra vez, até que eu ergo a

cabeça e o vejo parado sob a luz do poste.

— Aquele é Artho Becker — ela murmura perto do meu

ouvido.

Ele está a menos de dois metros de nós, chama a atenção

porque é um dos caras mais altos daqui e tem uma coroa de louros

tatuada no pescoço. Mesmo estando de jaqueta de couro, posso

notar que tem ombros largos.

Me permito analisar seu rosto por alguns segundos, mas

morreria de vergonha se ele me pegasse olhando. Seu queixo tem

um formato bonito e seus olhos são castanho escuros, e ele está

dando risada enquanto conversa com dois rapazes gêmeos.


— Cinco reais pelo couvert — o recepcionista na porta diz, me

distraindo de Artho Becker.

Ergo as sobrancelhas. Não sabia que precisaria pagar para

entrar.

Preciso administrar muito bem o dinheiro que minha mãe me

deu, ou vou passar aperto longe de casa.

Ela quer que eu me dedique aos estudos no primeiro

semestre da faculdade. Juntou um pouco de dinheiro para me

manter nos próximos meses, até eu arranjar um estágio relacionado

a Direito.

Tiro uma nota de cinco reais do bolso e pago ao

recepcionista. Sinto minha consciência pesar, não foi para isso que

minha mãe ralou tanto em jornadas duplas como cuidadora de

idosos, para que eu gastasse em bares e baladas.


Pela cara que Raquel faz ao entregar o dinheiro a ele, gastar

dói tanto no seu bolso quanto no meu.

Entramos no bar e agora sou eu quem me agarro ao cotovelo

dela, com medo de ficar sozinha em meio a todos esses estranhos.

— Aquelas são as universitárias que moram na cobertura —

Raquel informa, me fazendo olhar para um grupo de garotas bonitas

e elegantes que estão próximas à banda. — Quanto mais dinheiro

sua família tem, mais alto é o andar que você ocupa no Edifício

Universitário, e elas são muito ricas. Dão as melhores festas do

nosso prédio, mas nunca fui convidada.

— Os apartamentos mais baratos sempre ficam em andares

inferiores mesmo — comento.

— Por isso, moramos no segundo andar, junto com o resto da

ralé, é o máximo que nossos pais conseguem pagar — Raquel diz.


Pelo jeito como se veste, percebo que tenta disfarçar ao

máximo sua classe social. Ela estuda Moda e tem uma máquina de

costura no quarto. Me contou que faz sozinha suas próprias roupas.

A banda está tocando Sweater Weather, dos The

Neighbourhood. Pelo menos a música é boa. Enfio a mão livre no

bolso da minha calça jeans, para tentar controlar o tremor de

ansiedade.

Eu sou a única garota no meu campo de visão usando calças

retas. Todas as outras meninas que vejo estão de vestido ou

minissaia. Além disso, aposto que também sou a única calçando

tênis de corrida e usando uma camiseta de personagem. Não sei

como Raquel teve coragem de sair comigo vestida assim.

Ela está usando um conjunto de saia e blusa vermelhos, um

casaco oversize preto e botas que vão até metade das coxas.
— Vamos comprar uma bebida? — Raquel pergunta ao me

levar em direção à parte mais movimentada do bar.

Não posso gastar mais dinheiro, mas a acompanho mesmo

assim.

O lugar está cheio e demoramos a chegar até o balcão. Ela

cochicha comentários sobre cada uma das pessoas que passam por

nós. Estou nervosa demais para prestar atenção nas informações.

— Ai, meu Deus, Artho está na fila! — ela diz, arrumando o

cabelo depressa, então começa a abrir caminho entre os jovens, até

chegar aonde deseja. A acompanho, ainda segurando em seu

cotovelo, esbarrando nos ombros das pessoas. Ela se joga contra o

rapaz que está comprando bebidas no caixa.

— Artho? — ela diz, fingindo surpresa, ao vê-lo se virar. —

Esbarrei em você sem querer, me desculpa.


O rapaz, que antes estava na calçada com os gêmeos,

encara Raquel de volta e pisca para ela.

— Não tem problema — ele responde com a voz grave.

— Que clichê! — sussurro, rindo da cena, ao perceber que

ela está enrolando uma mecha de cabelo na ponta do dedo, jogando

todo seu charme.

Deve ser bom sentir-se confiante assim para chegar nos

rapazes. Eu, pelo contrário, fico com o coração acelerado só de vê-

la falando com ele.

— Raquel Mendes, do curso de Moda? — Artho pergunta e

ela faz que sim com a cabeça, satisfeita por ele saber seu nome. —

O que vão beber?

— Cerveja — Raquel diz e logo lhe entrega uma nota de dez.


— E você? — Artho pergunta ao olhar meu rosto pela

primeira vez, desviando os olhos logo para minha camiseta. — Bat...

girl.

Sinto minhas bochechas corarem pela atenção que não

esperava receber dele.

Enfio a mão no bolso e procuro pelo dinheiro, praguejando em

pensamentos por gastar tanto logo na primeira noite.

— Uma Coca-Cola — digo com a voz fraca e entrego uma

cédula de dez a ele.

O rapaz bonito e atlético compra as bebidas e devolve nosso

troco. Dou um longo gole na coca gelada, sentindo descer

refrescante pela minha garganta.

— Você veio aqui para ficar tomando refrigerante, Batgirl? —

Raquel brinca, piscando para mim.


Ignoro sua provocação e bebo mais alguns goles. Estou

envergonhada pela minha camiseta sem graça do Batman. Todo

mundo em volta está bem vestido e eu não me encaixo aqui.

Agradeço em pensamentos por mais ninguém além de Artho reparar

em mim.

A banda começa a tocar uma música mais agitada e ouço o

tatuado chamar Raquel para dançar.

— Pode ir — digo quando ela me lança um olhar preocupado.

Estou com receio de ficar sozinha, mas não posso exigir que ela

fique o tempo inteiro ao meu lado.

Não gosto do sentimento que preenche meu peito ao ver

Artho e Raquel se afastarem de mim, indo em direção aos outros

casais que estão dançando.

Franzo o cenho ao assisti-los se moverem no ritmo da

música. Ela sabe dançar muito bem e, segurando na mão do rapaz,


move o quadril com sensualidade, chamando a atenção dos olhares

masculinos ao redor.

Vejo os gêmeos sorrindo para o amigo. O cabelo loiro escuro

de Raquel ondula conforme ela dança. Outros casais começam a

dançar e eu vou me espremendo cada vez mais para perto de uma

coluna de concreto.

Desvio os olhos deles, coloco a latinha de coca sobre uma

mesa próxima a mim, e assisto à banda tocar algumas músicas.

As garotas ricas da cobertura estão cercando o vocalista com

risinhos e palmas.

Ele é moreno, tem cabelos compridos até a altura do queixo e

olhos claros, além disso, canta muito bem.

— Você está comendo Victor com os olhos — ouço a voz de

Artho Becker bem perto do meu ouvido e dou um sobressalto.


Levo a mão ao peito, enquanto o sangue flui para meu rosto.

Raquel está pendurada no pescoço de Artho, parecendo

delicada em seus braços. Ela é vários centímetros mais baixa que

ele, mesmo com as botas de salto alto. Noto que também não chego

nem à altura dos ombros dele.

— Outra cerveja? — Artho pergunta.

— Claro — Raquel responde e lhe entrega o dinheiro.

Reviro os olhos, ele bem que poderia pagar uma bebida para

ela.

— Outra Coca-Cola, Batgirl? — Artho me pergunta.

Detesto como meu coração se comporta de forma exagerada

apenas por receber atenção de um rapaz bonito. Me pergunto como

minha colega de quarto parece tão calma.


— É Charlotte — tomo coragem e digo meu nome, já que

Raquel não nos apresentou, depois me dou conta de que ele irá

esquecer disso no instante seguinte. — Ainda estou bebendo minha

coca.

— Ele é uma delícia, não é? — Raquel pergunta assim que

Artho se afasta. — Além de gostoso, dizem que ele aguenta a noite

inteira.

Arregalo os olhos e quase engasgo, surpresa pela

naturalidade como ela fala.

— E-eu não... — começo a gaguejar.

— Vou ter que descobrir. Não gosta de tatuados, Batgirl? —

ela questiona e me lança um sorriso malicioso.

— Nunca experimentei um — confesso. A verdade é que

nunca experimentei homem nenhum, e agora me sinto mal por


saber que ela vai sair com ele e eu terei que voltar para o edifício

sozinha.

Preciso disfarçar, ela não pode perceber.

— Ele está voltando. — Raquel morde o lábio bem

desenhado, pintado com um batom nude. — Quero transar até o sol

raiar.

— Espero que consiga — sussurro, arrumando meu cabelo

em um coque no alto da cabeça.

Artho se aproxima e olha nos meus olhos ao entregar a

cerveja que Raquel pediu. Desvio rápido, mas consigo perceber que

ele tem o ar de superioridade. Talvez more em um dos

apartamentos caros, vizinho das garotas que Raquel comentou.

Com certeza tem dinheiro, um típico playboy.


Pelo menos, Raquel vai conhecer um apartamento da

cobertura.

Eles se beijam ao meu lado, e não posso deixar de ver suas

línguas passando de uma boca para a outra, enquanto Artho aperta

minha colega de quarto contra o peito e a ergue do chão. Raquel se

encaixa perfeitamente entre os braços dele.

Desvio minha atenção da cena e vejo que seus amigos

gêmeos estão me observando. Na certa, pensando: a amiga

esquisita segurando vela. Isso me irrita de tal modo que consigo

engolir minha timidez e os encaro de volta com seriedade, um

depois o outro, até eles pararem de me olhar.

Volto a atenção para o casal.

A mão de Artho está segurando os cabelos da nuca de

Raquel, com o outro braço, ele a mantém presa ao seu corpo. Seus

lábios se afastam, ele a coloca no chão e ela passa os dedos na


boca dele para tirar as marcas de batom. Os dois sorriem um para o

outro.

Me sinto ridícula por desejar que alguém me beije assim.

Além de Raquel estar sendo superlegal comigo, Artho não é o tipo

de cara que beijaria uma garota como eu.

Raquel se vira e pega minha mão sem que eu esteja

esperando. Meu coração bate ainda mais rápido quando ela esfrega

o polegar contra o meu, porque minha mente fantasia que ela vai

me oferecer a Artho, para que ele me beije também.

Esse pensamento é tão absurdo que perco o fôlego, me

recuso a olhar para Artho agora. Mesmo que ele aparente ser um

playboy metido, é muito atraente e eu não estou preparada para

pegá-lo me olhando de volta, não com as coisas que estão se

passando na minha cabeça.


— Você tem um furinho tão lindo no queixo, Charlotte — ela

diz e acaricia meu rosto quente. — Ela não é linda, Artho?

Meu peito se move depressa com a respiração acelerada.

Tomo coragem e o encaro por um instante. Preciso morder o canto

interno das bochechas para aliviar a tensão.

Artho pisca o olho castanho para mim, mas não responde à

pergunta.

Estou me sentindo transparente, como se as pessoas ao

redor, inclusive os gêmeos intrometidos, pudessem saber o que

acabei de imaginar.

Raquel tira o celular da bolsa e me puxa para aparecer num

story do Instagram com os dois.

— Qual o seu arroba, Artho? — ela pergunta.

— Não tenho Instagram — ele diz. — Nem Facebook.


Ela olha perplexa para o rapaz.

— E como você se relaciona com as pessoas?

— Assim — ele responde, a puxando para mais um beijo de

língua.

Viro o rosto constrangida, quente e ansiosa.

Percebo que a banda não está mais no palco. Um DJ

assumiu seu lugar. Os gêmeos desapareceram. As garotas da

cobertura também, provavelmente foram fazer uma orgia. Todos

juntos, incluindo o vocalista.

— Quer sair para comer um lanche? — Raquel pergunta. —

Artho tem carro. E esse lugar vai ficar uma loucura com o DJ. Muitas

drogas.

— Não, não! — nego depressa. — Podem ir, estou cansada

da viagem, vou voltar para o dormitório. Espero que se divirtam.


Me afasto com a plena consciência de que foi uma péssima

decisão ter vindo. Além de me sentir constrangida a maior parte do

tempo, já gastei dinheiro suficiente por uma noite.

Mas o casal me segue para fora do Bar Culture.

— Vamos te acompanhar até o prédio — é Artho Becker

quem diz quando chego à calçada, longe do barulho alto da música.

— Nem pensar — respondo, elevando o tom de voz por

causa do nervosismo. — Não preciso disso.

— Charlotte! — Raquel me lança um olhar de advertência.

— Vão se divertir. Posso muito bem voltar sozinha, são só

três quarteirões.

— Está chateada por eu ficar com ele? — minha colega de

quarto sussurra ao se aproximar do meu ouvido. — É a sua primeira

noite, podemos passar juntas. Não preciso dele.


— Não, Raquel. De jeito nenhum, pode ir em paz — peço e

me afasto alguns passos, mas eles me seguem.

— Você acabou de chegar à cidade, eu não te deixaria voltar

para casa sozinha depois de roubar sua amiga na primeira noite

aqui — Artho se justifica. — Está tarde e tem muito cara bêbado na

rua a essa hora.

Mordo a língua ao perceber que só vou parecer birrenta se

continuar insistindo.

— Tudo bem.

Deixo que Raquel se enrosque no meu braço. Artho caminha

do meu outro lado, com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta.

A brisa fria joga mechas do seu cabelo castanho claro contra

sua testa.
Olho para nossos pés. Artho usa coturnos marrons, Raquel,

as botas pretas, e eu, os tênis de corrida.

Ela apoia a cabeça no meu ombro e segura meu braço com

firmeza até chegarmos à portaria do Edifício Universitário, lar da

maioria dos alunos que vem de outras cidades para estudar na

UFBG.

— Tem certeza de que quer ficar sozinha? — ela insiste.

Tento me manter otimista, mas a verdade é que estou um

pouco chateada por ela preferir sair com ele a passar o resto da

noite comigo, mesmo afirmando que não ligo.

— Pode ir se divertir — digo e dou um sorriso amarelo.

— Você tem um lindo furinho no queixo, Batgirl — Artho diz.

Sinto meu coração acelerar com seu elogio. Abro um sorriso

tímido e dou as costas para os dois.


Dentro do quarto, resolvo terminar de desfazer as malas e

organizar minhas roupas surradas no pequeno armário que agora

me pertence.

A antiga colega de quarto de Raquel foi jubilada, e abandonou

alguns cabides, que uso para pendurar minhas camisetas de

personagens e o casaco de lona novo que minha mãe me deu.

Tomo um banho e me enfio debaixo das cobertas, em uma

das duas camas de solteiro com cabeceiras de ferro, a mais

afastada da porta de entrada.

Essa é a primeira vez que vou dormir longe de casa. Sinto

falta da minha mãe e do seu colo seguro.

Me viro na cama e engulo o nó na garganta. Não posso

chorar como uma criança, já estou bem grandinha e preciso

aprender a me virar. Só não pensei que fosse ser tão solitário, que

eu me sentiria deslocada assim.


Meu coração está pesado quando lembro dos gêmeos, do

jeito como eles me olharam, enquanto Raquel beijava Artho, e fecho

a cara.

Não sou charmosa e desejável como as garotas que estavam

no bar. Tenho ciência de que não me visto bem e nunca fiz nenhum

esforço para mudar.

Deve ser por isso que estou rolando sozinha na cama em um

sábado à noite, no auge dos meus dezoito anos, enquanto Raquel

vai transar a madrugada toda com Artho.

Todo mundo fala sobre beleza interior, mas no fim das contas,

é a aparência que realmente importa.

Até eu queria ter um namorado bonito e gostoso. Não vou ser

hipócrita.
Em meio aos pensamentos depreciativos, acabo

adormecendo.

Acordo assustada com um barulho no quarto. Ouço

sussurros. Tento focar os olhos até enxergar o casal se agarrando

perto da cama de Raquel.

— Isso não é legal — ouço Artho Becker murmurar. —

Charlotte vai acordar.

Ele acaba de dizer meu nome! Não Batgirl, mas Charlotte, e

soa tão… bonito na sua voz grave.

— Ela está dormindo — Raquel sussurra em resposta,

enquanto tira a blusa.

Deixei a luz do banheiro acesa para que ela não esbarrasse

nos móveis quando chegasse, por isso posso ver seus corpos

sendo despidos. Devagar, puxo o cobertor até a cabeça, deixando


apenas os olhos de fora. Mal respiro, e isso faz meu coração

martelar contra os ouvidos.


Charlotte

As coisas ficam quentes, enquanto os vejo pela fraca

iluminação. O sutiã de Raquel cai, Artho se inclina para baixo e

coloca a boca em um dos seios dela. Faz barulho quando ele chupa.

Raquel geme, Artho faz Shiii para que ela fique calada. Ele segura

seus pulsos quando ela começa a tirar sua camiseta, mas acaba

cedendo.

Nunca vi ninguém transando ao vivo. Sei que está todo

mundo errado. Eles, por fazerem isso comigo no quarto, e eu por


ficar espiando sem que saibam, mas não consigo fechar os olhos.

Estou sentindo meu corpo esquentar como nunca.

A camiseta de Artho aterrissa no chão e posso ver seu corpo

musculoso. Me esforço para tentar enxergá-lo melhor, identificar os

desenhos tatuados no seu corpo, mas Raquel está na frente.

Ela escorrega os dedos pelo peitoral, o abdômen, então se

ajoelha e abre a calça de Artho.

Lambo os lábios quando ela começa a chupá-lo.

É tão errado que me faz queimar por dentro.

Artho a coloca de pé e murmura que deveriam ir para outro

lugar, mas ela puxa o pescoço dele, até lhe calar com o seio em sua

boca. As mãos do rapaz começam a abrir sua saia. O resto das

roupas se vai.
Estou em choque quando ela se deita de pernas abertas

sobre a cama.

O vejo se deitando sobre ela. Raquel joga a cabeça para trás

e geme, enquanto ele a penetra. Artho tapa a boca dela com a mão,

e começa a entrar e sair devagar.

Quero tanto saber qual é a sensação, que mordo o cobertor

em desespero. Inconsciente, minha mão direita alcança meu seio.

Fecho os olhos, mas logo os abro. Algo está acontecendo.

Olho para Artho e me choco quando vejo que ele está me

encarando de volta. Meu mundo desaba.

Quero desviar dos seus olhos castanhos, mas não consigo.

Ele continua me encarando, enquanto fode Raquel. Não sei qual de

nós é pior.
Só que, tão logo, Artho para. Ela parece ter adormecido e ele

começa a se levantar da cama. Não quero olhar seu corpo, mas não

posso evitar. Olho para cada centímetro dele.

De pé, Artho pega suas roupas e caminha até o banheiro. Ele

fecha a porta, deixando o quarto no escuro. Fico quieta, sem saber

direito como processar o que acabou de acontecer.

O fato de eles terem começado a transar, enquanto eu estava

no quarto me incomoda? Sim! Mas incomoda muito mais eles terem

parado.

Me sinto depravada. Ainda mais quando Artho abre a porta do

banheiro e fica parado sob a luz. O cabelo castanho bagunçado, os

lábios entreabertos, o corpo rígido. Ele está me encarando.

— Você quer? — o ouço sussurrar.

Olho para Raquel, sentindo o suor se formar na minha nuca.


— Ela não vai acordar — Artho completa.

O encaro de novo e balanço a cabeça positivamente apenas

uma vez.

Ele vem depressa, entra debaixo da coberta e puxa minha

calcinha para o lado. Não levo em consideração que essa é a minha

primeira vez, não penso em Raquel, nada.

Mordo seu ombro quando ele me penetra, sem ao menos me

beijar.

A cama range quando ele começa a se mover. Quero gemer,

mas Artho tapa minha boca com sua mão. Quero fechar os olhos e

imaginar outro homem, mas tudo que consigo ver diante de mim são

os olhos castanhos de Artho, seus lábios rosados, o cabelo

grudando ao suor da sua testa. Ele me olha como se soubesse

exatamente o que quero.


Não penso em mais nada. Só abro as pernas para que ele se

enterre cada vez mais em mim, e solto gemidos abafados contra

sua mão, até que...

Domingo, 6 de agosto de 2017

— Não foi legal o que Artho fez com você? — ouço a voz de

Raquel assim que levanto e estou a caminho do banheiro. O quarto

está escuro, as janelas com insulfilm estão fechadas.

Sinto minha pele arder e minha mente se embaralha com a

enxurrada de lembranças da noite passada.

— O que Artho fez comigo? — murmuro com a voz afetada.


Ele esteve mesmo aqui no quarto ou tudo não passou de um

sonho ridículo? Se esteve, entrou mesmo debaixo do meu cobertor?

Ele não pode ser tão cafajeste ao ponto de fazer isso. Se foi real, eu

sou alguém ainda pior por ter cedido.

— Sim, Charlotte. Vai ao banheiro primeiro, depois a gente

conversa — ela diz.

Não tenho coragem de me virar e encará-la. Dou alguns

passos até o banheiro e fecho a porta. Na luz clara, investigo meu

rosto e toco por cima da minha calcinha.

Eu saberia se fosse real? Se eu tivesse mesmo perdido a

virgindade com o cara que estava ficando com Raquel?

— Não! Não! Não! Não! Não! — repito, sacudindo a cabeça,

sem querer aceitar.


Todo mundo fala sobre virgindade, mas ninguém nunca me

disse o que se sente no dia seguinte.

Não sinto nada além de vergonha. Mesmo que não tenha

acontecido, eu me odeio por ter sonhado com ele. Não sou assim,

não fico desejando os rapazes que minhas colegas namoram. Eu

fantasio com personagens literários, super-heróis, atores de cinema

e músicos. Não sou uma talarica, nunca nem fui beijada na boca.

Sou estudiosa e não perco meu tempo preocupada com homens.

Respiro fundo, faço o que tenho que fazer e volto ao quarto.

Procuro manter uma postura ereta, mas sempre andei com os

ombros caídos, é difícil começar agora com Raquel me encarando

assim.

— O que Artho fez de tão legal? — pergunto e me sento na

beirada da minha cama. Meus olhos percorrem o quarto ao procurar

vestígio de que ele tenha realmente estado aqui.


— Ele insistiu em te acompanhar até aqui — ela diz e se

senta na cama, mantém as costas apoiadas na cabeceira vintage.

— Foi muito gentil da parte dele.

— Hunrum. Ele... — murmuro. Aperto o colchão da cama e

tento encará-la, preciso limpar a garganta com um pigarro para

continuar — Ele... aguentou a noite toda, como você esperava?

Sinto meu sangue fluir depressa para meu rosto. Não acredito

que estou perguntando isso.

Raquel dá risada e passa as mãos no cabelo, que está

bagunçado. Mesmo tendo acabado de acordar e na fraca

iluminação, ainda posso ver o quanto ela é bonita.

— Não, ele não aguentou a noite toda — ela diz e joga as

pernas para fora da cama, vai até a janela e abre, trazendo a luz do

dia para o quarto. — Na verdade, não aconteceu muita coisa depois

que saímos daqui.


— Não? — Estou mais curiosa agora.

— A gente comprou um lanche, depois fomos até uma área

afastada do centro da cidade, aonde a galera costuma ir depois do

bar. Eles ligam o som do carro, bebem e fumam. Estava cheio de

universitários lá, inclusive os amigos de Artho. Mas não passamos

muito tempo no local, porque alguém ligou pra ele — Raquel

explica, apoiando-se na escrivaninha e arrumando o cabelo em um

coque. — Ele disse que tinha uma emergência familiar e que

precisava ir embora. Mas me trouxe para cá antes.

— Ah — é tudo que expresso.

Tento imaginar como eu me comportaria com um monte de

universitários bebendo e fumando. Não consigo pensar em nenhum

cenário positivo para mim, em todos os meus pensamentos, estou

acanhada demais para interagir com alguém. Foi sábio da minha

parte não ter aceitado ir com eles.


— Mas tenho certeza de que era outra garota ligando —

Raquel continua. — E ele me dispensou para ficar com ela. Que

desculpa mais esfarrapada, emergência familiar.

— Não vejo por que ele te dispensaria para ficar com outra.

Você é muito bonita — elogio com sinceridade. — Ele pegou seu

telefone? Quem sabe te ligue hoje.

Raquel abana as mãos e sacode a cabeça em negação.

— Não vou mais ficar com Artho. Ele beija muito bem e é

muito gostoso, mas eu mirei no ninho e acabei acertando o

passarinho errado.

— Como assim? — pergunto, franzindo o cenho. — Não

entendi.

— É uma expressão. O ninho são os amigos, o passarinho é

Artho. Falei que acertei o passarinho errado porque acabei


conhecendo um dos amigos dele muito mais interessante. Eros

Giordano. Herdeiro do Grupo Editorial Giordano. Já ouviu falar

deles?

— O sobrenome não me é estranho — comento, mas não

consigo puxar pela memória.

— Os pais dele estavam naquele jatinho que caiu alguns anos

atrás, quando iam daqui à São Paulo.

— Eles morreram? — pergunto, surpresa.

— Sim, infelizmente. E Eros herdou sozinho toda a fortuna da

família. Ele, Artho e mais quatro amigos moram na casa da família

Giordano, é uma espécie de república chique. Eu nunca estive lá,

mas é o que dizem.

— Aqueles gêmeos são amigos dele, né?


— Sim, Natan e Gabriel. Além deles, tem Dimitri e Lion. São

os seis homens mais desejados da Universidade Federal de Bento

Gonçalves.

— Entendi. E agora você quer ficar com Eros? — pergunto.

— Não fomos apresentados ainda, mas não é uma má ideia.

Mas ele só sai com garotas muito populares. Acho que ele não

sairia com uma moradora do segundo andar do Edifício Universitário

— ela diz e dá um risinho.

Sua condição financeira é algo que a incomoda muito. Eu

também detesto não ter dinheiro para nada além de sobreviver.

Entendo Raquel.

— O fato é que perdi todo o interesse em Artho. Meu foco

agora é Eros Giordano — ela diz e pisca para mim.


Me sinto aliviada por saber que ela não está mais a fim de

Artho. Não que eu tenha algum interesse no rapaz, mas seria muito

esquisito se namorassem, por eu ter tido um sonho tão explícito com

ele.

Mordo o lábio e me pergunto se é melhor contar a Raquel,

mas logo desisto. Foi apenas um sonho sem sentido. Não vou

incomodá-la com minhas besteiras.

— Vou até a padaria comprar pães para a gente tomar café.

Você já viu a cozinha coletiva que tem nesse andar?

— Ainda não — respondo e começo a arrumar a cama, antes

que ela me mande fazer isso.

— Temos uma cozinha por pavimento do primeiro ao sétimo

andar do prédio, tem fogão, microondas, mesa e geladeira, mas

todo mundo divide. Se você precisar cozinhar, vai ter que dividir o

espaço com outros estudantes. O lado bom é que universitários


vivem à base de refeições do RU e miojo. A não ser que você seja

um inquilino dos andares mais altos, é claro.

— E o que significa RU?

— Restaurante Universitário — Raquel informa. — É lá que

todo mundo faz as refeições durante a semana. O valor é

superacessível, mas a comida é muito boa. Até os mais ricos

comem lá, por ser dentro da universidade.

— Entendi. As meninas da cobertura estavam lá ontem?

Naquele lugar que você foi com Artho?

— Só duas delas. Você deveria ter ido.

— Estava cansada, além disso, ainda não estou acostumada

a frequentar esses ambientes. Fico nervosa.

— Você me disse, logo quando chegou, que era tímida na

escola, mas aos poucos vai se acostumar — Raquel diz.


Ela está errada, tenho certeza disso.
Charlotte

Segunda, 7 de agosto de 2017

Preciso confessar que minha tentativa de passar

despercebida no primeiro dia de aula na universidade não foi bem

sucedida.

Usei calças jeans retas, uma camiseta cinza com o símbolo

da Mulher Maravilha em tons escuros e meu casaco de lona. Nada

que pudesse chamar atenção das pessoas da sala, mas acontece

que dois dos três professores com quem tive aula pediram para
todos os alunos se apresentarem. São seis aulas, duas seguidas de

cada disciplina.

Na primeira vez foi um desastre. Eu gaguejei e não tinha nada

de interessante para falar sobre mim, além de nome, idade e de

onde vinha.

Para piorar as coisas, Artho Becker entra na sala do primeiro

período, na quarta aula, na disciplina de Economia Política,

carregando um capacete preto e uma mochila nas costas. As

cadeiras estão arrumadas em um círculo, um rapaz inquieto está

sentado do meu lado esquerdo, a cadeira do meu lado direito está

vazia. Artho escolhe um lugar a sete assentos do meu.

Fico chocada pela sua presença. Raquel não me falou sobre

qual curso ele estuda, eu não imaginava que fosse ser justamente

Direito.
Enquanto a professora Claudia Schmitz se apresenta à turma,

tento não pensar no sonho, ainda assim, quanto mais eu procuro

afastar a cena da mente, mais nítido o devaneio fica. O formato do

seu corpo me vem à mente, o contorno dos seus músculos e maciez

da sua pele me fazem arfar.

Artho é o terceiro aluno a quem Claudia pede para se

apresentar. Ele fica de pé em frente a sua carteira e começa a falar

com segurança, como se não tivesse medo algum de público.

Isso é algo que preciso trabalhar em mim o mais rápido

possível. Quero ser juíza, e timidez não cabe.

Olho para seu rosto enquanto ele fala. Sua voz é aguda e

envolvente, dá vontade de nunca parar de ouvi-lo.

— Me chamo Artho Becker, tenho vinte e dois anos, sou aluno

do oitavo período de Direito e faço estágio no Cartório Judicial

desde o quinto. No primeiro semestre, não me matriculei em


Economia Política, porque estava com alguns problemas pessoais,

por isso só entrei na turma agora.

Observo seu pomo de adão, enquanto ele fala, se movendo

na pele macia do pescoço, onde há a coroa de louros tatuada.

Imagino o quanto deve ter doído fazer uma tatuagem nessa

região e me pergunto se tem outros desenhos gravados em sua

pele, por baixo da calça preta, da camiseta de algodão e da jaqueta

de couro.

Logo, me culpo por olhá-lo com tanta cobiça, mesmo que não

tenha dado certo com Raquel, é esquisito.

— Se não me engano, você passou em primeiro lugar no

vestibular para Direito em 2014 — professora Claudia comenta, me

deixando ainda mais boquiaberta.


Ouço algumas das poucas garotas da sala dizerem “uau” com

a informação. Artho Becker passa os olhos por alguns dos

estudantes, mas não por mim. Ele não me vê aqui, não me

reconhece do Bar Culture, é como se eu fosse invisível.

— Sim, eu mesmo — ele responde e dá um sorriso de canto

muito charmoso, e as mesmas garotas que comentaram uau

começam a cochichar.

Ele parece perceber, pois estufa o peito e ergue o queixo,

incentivado por elas.

Fecho a cara. Quero dizer a elas que não olhem assim para

Artho, pois ele está saindo com Raquel e isso não é legal. Mas

Raquel já me disse que não quer mais nada com ele, então por que

estou tomando suas dores?

Me lembro sobre o tal de Eros e me pergunto o que ele tem,

além da grana, que poderia chamar mais atenção do que Artho.


Antes de terminar sua apresentação, Artho me lança um

rápido olhar e o canto esquerdo dos seus lábios se curva em um

sorriso que faz o ar ficar preso na minha garganta. Ele parece ter

me reconhecido, talvez eu não seja tão invisível assim.

Artho se senta e fica batucando com a caneta no caderno,

enquanto assiste os outros alunos se apresentarem.

Na minha vez, respiro fundo e fico de pé. Tento ser o mais

breve possível, para me sentar logo. Os alunos não fazem nenhum

comentário a meu respeito, mas sinto os olhos de Artho em mim o

tempo todo.

Quando volto a me sentar e outro aluno fica de pé para a

apresentação, vejo Artho se levantar do seu lugar e vir até mim.

Droga! Ele coloca o capacete e a mochila no chão, entre seus pés,

se acomoda com a bunda na beirada da cadeira vazia ao meu lado,


deixando as pernas esticadas, quase deitado, e continua batucando

com a caneta no caderno.

Sinto meus batimentos ecoarem nos meus ouvidos.

— Oi, Mulher Maravilha — ele murmura ao se inclinar na

minha direção, tão próximo que posso sentir seu cheiro: uma

mistura atraente de ervas, madeira e menta.

Passo a língua no lábio inferior e aperto as unhas nas palmas

das mãos na tentativa inútil de diminuir a tensão que estou sentindo.

Penso em dezenas de coisas para falar, como “parabéns por

passar em primeiro lugar no seu vestibular”, “gostei da tatuagem”,

“não imaginei que te encontraria aqui”, “e aí, senhor gostoso, tudo

bem?”, mas tudo que consigo murmurar é oi.

— Você gosta mesmo de super-heróis — ele comenta

baixinho.
Fecho o zíper do casaco depressa e começo a bater meus

tênis de corrida pretos na perna da cadeira, em um gesto de

ansiedade, com medo de Artho perceber que fiquei corada com seu

comentário.

O último aluno já se apresentou e a professora Claudia

Schmitz volta a ministrar a aula.

Não respondo o que Artho disse, e ele não volta a falar até o

final da aula. Mas estou consciente dos seus olhares na minha

caligrafia. Também o olho de vez em quando, ele é o aluno mais

bonito daqui, além disso, é interessante observar a tatuagem no seu

pescoço quando ele se move, mas não deixo que perceba isso.

Quando a professora sai da sala, um grupo de alunos do

segundo período entra e começa a falar sobre a tradicional festa de

boas-vindas aos calouros que é promovida todos os semestres. Eles


explicam que precisamos pagar trinta reais para os comes e bebes,

e que a festa acontecerá no sábado, em uma chácara.

— A presença de vocês é obrigatória — uma garota ruiva

brinca, abrindo um sorriso simpático para Artho ao vê-lo sentado ao

meu lado. Ela me olha também, então se aproxima da minha mesa

e me entrega uma folha de papel. — Assine seu nome. Você pode

pagar os trinta reais até a quinta.

— Eu não sei... — murmuro. Ir à festas não estava nos meus

planos, muito menos gastar essa quantia.

— Você não pode perder, é a festa mais importante para os

calouros — a garota ruiva insiste. — Não é mesmo, Artho?

Vejo como ela fica mais simpática ao olhar para ele. Deve ser

o aluno mais popular do curso de Direito.


— Assine, Mulher Maravilha, você não vai se arrepender —

ele pede com o mesmo timbre de voz rouco do sonho, sem olhar

para a garota, só para mim.

— Vamos lá, Mulher Maravilha! — a menina pede.

Solto o ar pelos lábios. Não posso acreditar que graças a

Artho estou recebendo um apelido no primeiro dia da universidade.

Escrevo meu nome na folha e respiro fundo outra vez.

— Já temos a assinatura da Mulher Maravilha. Vocês não vão

ficar de fora, né? — a ruiva brinca em voz alta, para que toda a

turma ouça. — Só se lembrem que apenas estudantes do curso de

Direito podem ir à festa. Nada de levar amigos ou namorados de

outras áreas.

— Mulher Maravilha? — ouço um dos alunos do segundo

período, que entrou na sala com ela, perguntar.


Meu rosto arde de vergonha. Preciso arranjar roupas novas

urgentes.

— Sabia que o apelido que te dão no primeiro dia de aula vai

te acompanhar pelo resto do curso? — Artho pergunta com um

sussurro. — Não precisa ficar vermelha. É melhor se acostumar.

Como ele pode ser tão metido? Todo mundo agora está

olhando para mim. Que ótimo!

— Qual foi o apelido que te deram no primeiro dia? — Não

consigo disfarçar a irritação no meu tom de voz.

— Eu não era tão popular quanto você — ele diz e dá um

sorrisinho pretencioso, mostrando os dentes brancos e retinhos.

Noto que seus caninos são pontudos e se destacam. Se ele não

fosse enxerido, eu poderia criar facilmente um crush por ele.

— É Charlotte! — o corrijo.
— Quanto mais irritada você demonstrar estar, mais vão te

provocar.

Reviro os olhos, estou cansada e ainda tenho mais uma

disciplina antes do almoço.

Os veteranos esperam as assinaturas, enquanto dão apelidos

para os outros alunos, conforme vão assinando a lista.

Meteoro da Paixão para o aluno inquieto, sentado ao meu

lado, que lembra vagamente o cantor Luan Santana; Pirulito para

uma garota loira que está chupando o doce; Burguesinha para a

estudante mais arrumada da sala, que vi andando com as garotas

da cobertura; Pinscher para um aluno que já conhecia os veteranos

e tem fama de ser briguento.

— Mulher Maravilha não parece tão ruim agora, não é? —

Artho murmura antes de se levantar para deixar a sala.


Quero perguntar se ele vai nessa festa, mas acabo ficando

calada.

O professor de Introdução ao Estudo do Direito I entra na sala

e se apresenta de forma breve, enquanto apaga o quadro. Gosto

dele porque não insiste para que nos apresentemos novamente.

Após a aula, sigo um grupo de alunos até o Restaurante

Universitário, que fica a aproximadamente seiscentos metros do

Departamento de Humanas I. O campus da UFBG é muito maior do

que eu esperava. Talvez até maior do que minha antiga cidade,

Santo Antônio das Missões.

Vejo os alunos da minha turma logo à frente conversando,

fazendo amizades, e me pergunto como seria se eu fosse mesmo

àquela festa.

Não é que eu seja antissocial. Gostaria de me entrosar e sei

que preciso disso para minha carreira, mas é algo com o qual ainda
não consigo lidar. Não sei chegar nas pessoas e puxar conversa, do

jeito que Artho fez comigo. E quando chegam em mim, fico

envergonhada e não falo muito.

Sopro uma mexa do meu cabelo, estressada comigo mesma,

e sinto o celular vibrar no bolso do casaco. O alcanço e leio a

mensagem de Raquel perguntando se já estou a caminho do

restaurante.

Me apresso e a encontro na fila de entrada.

— Guardei lugar para você — ela diz com um sorriso

simpático.

Como é bom encontrar um rosto amigo! Posso até sentir

meus ombros relaxarem quando ela me abraça.

— Como foi o primeiro dia? — ela quer saber.

— Estão organizando uma festa para os calouros do curso.


— É tradição. Todo curso tem uma festa na primeira semana.

Eu posso te arrumar? — ela pergunta e me olha dos pés à cabeça,

certamente julgando minha escolha de vestimenta. — Posso

costurar alguma coisa para você, o que acha?

Damos alguns passos, para acompanhar a fila. Ela está

usando um vestido de linho marrom, as mesmas botas do sábado,

meias de lã, e um sobretudo bem estruturado.

— Foi você quem fez esse casaco? — questiono ao tocar a

gola perfeitamente costurada.

— Sim, mas não muda de assunto. Posso te arrumar?

— Eu não vou a essa festa — respondo, surpresa por não

parecer óbvio.

— Claro que vai! — Raquel diz com o cenho franzido. — É a

festa mais importante dos calouros, vai se arrepender se não for. É


a chance de fazer amigos.

— É só uma festa — resmungo e dou mais alguns passos,

até chegar ao balcão onde ficam as bandejas. — Você foi à sua

semestre passado?

— É claro!

— E onde estão os amigos que você fez lá? — pergunto,

soando irônica. Não costumo ser tão franca com alguém que

conheço há pouco tempo, mas Raquel faz eu me sentir à vontade.

— Eles são uns esnobes. É uma competição de quem se

veste melhor, quem desenha as melhores roupas. — Ela revira os

olhos azuis. — Uma disputa ridícula. Me dou bem com todos, mas

não tenho vínculos com nenhum.

— Não vejo como alguém pode desenhar ou se vestir melhor

que você — digo, enquanto caminho até o self service e coloco no


meu prato arroz, feijão, salada, farofa, carne cozida e batata frita. —

A comida é sempre boa assim?

— É perfeita. Por cinco reais, é o melhor que vamos

encontrar, e cabe no nosso bolso.

Assinto. Escolhemos uma mesa no centro do refeitório e nos

sentamos.

— E como foi a aula? Tem algum gato na sua turma? — ela

questiona.

— Não, mas o seu estava lá.

— Quem? Eros Giordano?

— Não, Artho Becker — respondo. — Falando nele...

Estou virada para a porta de entrada e aponto com o queixo

na direção do grupo de seis rapazes que passa com suas bandejas


para a mesa do fundo. Artho está com o capacete pendurado no

cotovelo e a mochila em um dos ombros. Ele esboça um sorriso de

canto e pisca para mim quando passa.

— Oi de novo, Mulher Maravilha — murmura baixinho. Na

cacofonia de alunos no refeitório, só consigo entender por que leio

seus lábios. — Raquel.

Artho meneia a cabeça ao cumprimentá-la. Ela dá um sorriso

breve para ele, muito diferente da forma sensual com a qual ela deu

em cima dele no sábado.

De onde Raquel está, pode ficar olhando para a mesa deles.

— É até difícil escolher qual é o mais gostoso.

— Você sabe quem são todos? — pergunto.

— Artho você já conhece. Eros é o loiro de cabelo mais curto

e lábios carnudos — ela explica e eu assinto ao reconhecê-lo. — Os


gêmeos são Natan e Gabriel. O de cabelo castanho e pele

bronzeada é Lion, ele tem um leão tatuado no braço. O mais sério e

de olhos muito azuis é Dimitri. É um belo clube, não é?

— É sim. — Tenho que concordar, eles são o tipo de caras

que introvertidas como eu ficam olhando à distância.

— Agora voltamos ao assunto da festa, você vai e eu irei

costurar uma roupa bem bonita para você usar — ela diz.

— Raquel, eu não sei se tenho grana nem para pagar a festa,

veja lá comprar tecido! O dinheiro que minha mãe manda é contado:

aluguel e comida. Enquanto eu não arranjar um estágio, preciso me

controlar muito.

— Não seja por isso, eu tenho alguns tecidos em casa.

Depois você compra outros para mim, quando arranjar uma renda.

Vai dar tudo certo, Charlotte. Meu pai também me manda só o

suficiente para não passar fome. Eu tenho que comer bem no


almoço e dividir um miojo em dois dias na janta para conseguir

comprar meus tecidos — ela explica.

— Você se esforça tanto e ainda quer dividi-los comigo —

comento e um nó se instala em minha garganta, porque eu nunca

tive alguém, além da minha mãe, que faria algo assim por mim. —

Não posso aceitar.

— Pode sim! — ela insiste. — Não se preocupe comigo. Essa

tarde mesmo vou espalhar currículos por aí. Logo vou ter mais

dinheiro. E você vai à festa.

Endireito os ombros e corto um pedaço de carne.

— Não sei se percebeu, mas eu não sou muito extrovertida —

admito e faço uma careta. — Se eu pudesse te levar comigo, até me

esforçaria para ir, mas é só para estudantes de Direito.


— Claro, as festas de boas-vindas são sempre exclusivas

para alunos do curso.

— Não vou sozinha de jeito nenhum. Seria tortura para mim

— confesso. — Mas muito obrigada pelo apoio.

— Você não precisa ir sozinha. A maioria dos alunos da sua

turma são homens, né? — ela pergunta e eu assinto. — Não tem

nenhuma menina com quem você conversou e se deu bem?

— Tem cinco meninas contando comigo. Vi uma delas

andando com as garotas da cobertura, as outras três sentaram perto

uma da outra. Não falei com nenhuma delas.

Raquel morde o canto do lábio rosado, enquanto seus olhos

azuis percorrem a mesa, pensativos.

— Tive uma ideia — ela diz e ergue o dedo indicador em riste,

depois se inclina na direção da mesa onde os seis rapazes estão


sentados. — Artho, vem cá?

Arregalo os olhos.

— Você vai nessa festa acompanhada de um dos homens

mais desejados da faculdade — Raquel sussurra para mim.

Meus olhos estão prestes a saltar das órbitas quando ele se

levanta e vem até nossa mesa.

— Não não não não não não não — começo a murmurar, com

o coração saltando no peito. — Não sei o que você tem em mente,

mas a resposta é não!

— Relaxa, Batgirl — ela brinca e pisca o olho azul para mim.

Odeio como eles tem a facilidade de piscar assim, eu nunca teria

essa ousadia.

Artho para ao lado da nossa mesa. Me sinto pequena, frágil e

transparente. Não tenho psicológico para encará-lo nesse momento.


— Senta — ela diz ao adquirir a postura sensual. Dá um

tapinha no assento ao seu lado e morde o lábio.

Ele obedece a ela. Meu estômago está gelado, mas sinto que

posso derreter na cadeira.

— Preciso de um favor seu — Raquel diz com o mesmo tom

de voz que usou quando esbarrou nele no bar.

Vejo que ele ergue o queixo, como um bad boy.

— Qual favor? — pergunta.

Me limito a ficar de cabeça baixa e a revirar a comida no meu

prato com o garfo. Acabo de perder o apetite, porque meu estômago

está cheio de borboletas.

— Preciso que acompanhe Charlotte à festa de Direito. Eu iria

com ela, mas é só para os alunos do curso — Raquel diz.


Engulo a saliva, não sou capaz de erguer o rosto. Adoraria

me enfiar em um buraco nesse momento.

— Eu não vou a essa festa. Tenho um compromisso — ele se

nega, o que faz minha vergonha duplicar.

Quero pedir a Raquel que pare, mas não consigo sequer falar.

— Qual é, Artho! Que compromisso é esse? — Raquel quer

saber.

— Trabalho no sábado — ele diz.

— E você não pode faltar? — ela insiste.

— De jeito nenhum — Artho responde.

— Por mim — ela murmura e faz um biquinho. Vejo que Artho

desvia o olhar dela e me observa por um instante.

— Preciso do dinheiro — ele confessa. — Não dá pra faltar.


— A gente fica te devendo um favor. Eu até te pagaria se

pudesse, mas não tenho dinheiro. — Raquel me dá a punhalada

final.

Eu tenho vontade de morrer de tanta vergonha. Me sinto

incapaz, como se fosse alguém tão indesejável que uma amiga

precisa implorar para um cara sair comigo.

Só que não é apenas como me sinto, é a realidade.

— Posso cobrar quando eu quiser? — ele pergunta com o

tom de voz rouco, igual ao sonho…

Os dois ficam em silêncio, então percebo que estão

esperando minha resposta.

Respiro fundo e tento me blindar para não ser atingida por

mais nenhuma emoção, então ergo a cabeça e o encaro.


— Não precisa me acompanhar. Eu nem quero ir — murmuro

e dou de ombros. — É ela quem está insistindo.

— É uma festa importante — os dois dizem em uníssono.

— É só uma festa, não vai valer nota — consigo me expressar

melhor.

Artho está me encarando, seu cabelo castanho cai sobre sua

testa e ele quase parece fofo agora.

— Você também precisa se divertir. Não é só estudar — ele

diz, fazendo parecer que se importa comigo, então se move na

cadeira e pega o celular no bolso da calça. — Anote seu número,

vou tentar dar um jeito. Não quero que perca a festa.

Passo a língua no meu lábio ressecado e estico a mão para

pegar o aparelho. Noto a marca de uma tatuagem despontando no


seu pulso, através da manga da jaqueta, e engulo em seco, tomada

pela curiosidade de ver um pouco mais do seu corpo.

A tela está desbloqueada e eu vejo a foto de um homem sem

camisa, com várias tatuagens, segurando contra o peito um bebê

que usa um lacinho cor de rosa em seu cabelo.

Arregalo os olhos, é ele!

Mas quem é a menininha?

Antes que Artho perceba que estou olhando, abro a agenda e

marco meu número. Clico em adicionar o nome no contato e

escrevo: Charlotte Castro.

Devolvo o celular e ele me olha com um sorriso torto que

mostra o dente canino pontudo.

— Você sabe que vou trocar o nome por Mulher Maravilha,

não é? — brinca.
Reviro os olhos.

— Não precisa faltar ao trabalho para me levar — digo ao

juntar a dignidade que existe dentro de mim. — Não preciso levar

acompanhante.

Seu sorriso se alarga ainda mais.

— A gente se vê na aula de Economia Política — Artho diz,

olhando diretamente para mim, então se vira para Raquel. Por um

segundo, acho que ele vai beijar a boca dela. Não sei por que essa

ideia me incomoda. — Até mais, Oiapoque.

Raquel rosna para ele.

— Esse é um dos motivos pelos quais não vamos mais ficar

— ela diz, me olhando com fúria. — Ele ficou me chamando de

Oiapoque o resto da noite, depois que saímos do bar.

Artho se levanta com um sorriso largo.


— Esse foi o apelido que te colocaram no seu primeiro dia de

aula — ele diz, antes de voltar a sua mesa.

— Ugrh! — ela rosna outra vez. — E você ainda ri?

— Você não ficou brava quando ele me chamou de Batgirl —

me defendo, feliz por ter relaxado, depois da humilhação. — Por que

Oiapoque?

— É a cidade mais ao norte do Brasil, e eu sou do Chuí, a

cidade mais ao sul. Dois veteranos do meu curso só me chamam

assim.

— Vou ter que dar razão a Artho. Mulher Maravilha não

parece tão ruim agora — brinco e cutuco sua perna

Ela revira os olhos, mas continua comendo.


Artho

Segunda, 7 de agosto de 2017

Percebi o jeito como Eros ficou durante todo o tempo em que

estive na mesa com as garotas, no Restaurante Universitário. Ele é

emburrado por natureza, mas no almoço de hoje estava

especialmente irritado.

Eu não teria beijado Raquel Mendes, do curso de Moda, se

soubesse que meu melhor amigo tinha uma queda por ela. Mas ele
é tão fechado que não deixa isso claro nem para mim. Como eu iria

adivinhar?

Pelo menos percebi a tempo e dispensei Raquel antes de

transar com ela. Seria muito mais esquisito. Penso nisso enquanto

arrumo alguns documentos no arquivo do Cartório Judiciário, onde

trabalho de segunda a sexta, das treze às dezoito horas.

Aproveito que não tem ninguém olhando e alcanço o celular

na prateleira. Abro o WhatsApp, ignoro as novas notificações, todas

de mulheres da faculdade, e digito o nome da caloura na busca, só

para ver como está sua foto de perfil. Não fico surpreso quando vejo

que não há imagem, Charlotte deve ter privado só para quem é seu

contato ver. Ela não tem meu número.

Mudo seu nome para o apelido de Mulher Maravilha, depois

bloqueio a tela e volto ao trabalho. Só pego no celular novamente


quando estou subindo na moto para ir embora. Vejo que há três

ligações do meu padrasto.

Não tinha combinado com ele de trabalhar hoje como seu

ajudante, mas não dispenso o serviço. Tenho muitas despesas e

estou economizando para viajar no final do ano.

Coloco o capacete e vou a toda velocidade até a construção

onde Celso Weber trabalha como pedreiro. Não trouxe roupas

velhas e não posso sujar minha camisa nova com cimento, muito

menos a jaqueta, então as tiro ainda na moto. Está frio no começo

da noite, mas vou carregar sacos de cimento e tábuas, logo o corpo

vai se aquecer.

— Deixa isso aí, rapaz — Celso grita assim que me vê

enchendo o carrinho de mão com o cimento sob a luz do refletor. —

Não foi para isso que te liguei.


Largo a pá no chão e bato as mãos. Seu tom de voz me

preocupa.

— É a sua mãe — meu padrasto diz e alguma coisa revira

dentro de mim.

— O que tem ela? — pergunto. Agora ficou ainda mais frio.

— Bebeu de novo — Celso é direto —, parece que passou a

tarde apagada e a menina ficou chorando por horas.

Suas palavras fazem meu peito doer. Alcanço a moto com

passos largos, jogo a camisa dentro da mochila e visto apenas a

jaqueta. Celso vem atrás de mim.

— Porra, é segunda-feira — resmungo.

— Eu fui até lá à tarde, porque uma vizinha ouviu o choro e

me ligou. Acalmei ela, dei almoço e acordei sua mãe, mas não pude

ficar muito tempo, já estou atrasado com essa obra.


— Foi só a bebida que a derrubou ou ela usou alguma coisa?

— Eu não sei — meu padrasto responde. — Você deve

reconhecer melhor que eu.

Aceno, antes de colocar o capacete. Acelero ainda mais para

o bairro mais afastado da cidade, onde Celso, Ayla e minha mãe

moram em uma casa pequena, mas arrumada, que meu padrasto

construiu.

Durante todo o percurso, tenho medo de encontrar o carro do

conselho tutelar estacionado na calçada da casa. Tenho pavor de

pensar que tirem Ayla da minha mãe.

Para meu alívio, não há carro nenhum.

Desço da moto e entro depressa. Encontro a menininha de

dois anos e meio toda rabiscada de caneta colorida, que comprei

para ela na semana passada, desenhando uma espécie de bigode


verde na minha mãe, em meio à bagunça de brinquedos e roupas

espalhadas pelo cômodo.

— Minha princesinha — digo, a pegando no colo.

— Tutú! — ela grita de empolgação ao me ver.

Minha mãe está apagada. Eu quero brigar, quero xingá-la,

sacudi-la até acordar, mas sinceramente estou cansado de lidar com

isso.

Desabo no chão, com Ayla no meu colo, e tento pensar em

alguma coisa com clareza, algo que eu possa fazer com essa

situação.

— Tutú, quelo meu mamá — Ayla pede ao segurar meu rosto

com suas mãozinhas rabiscadas. Ela me encara com seus olhos

grandes, azuis e brilhantes.

— Está com fome? — pergunto com um nó na garganta.


Ela balança a cabeça e eu beijo sua bochecha gordinha.

Não tenho tempo para ficar pensando. Me levanto e vou até a

cozinha preparar a mamadeira como ela gosta. Encontro a pia cheia

de louça suja e respiro fundo, mas é quando abro a lata de mucilon

e a encontro vazia, que perco o resto da paciência.

Escancaro a porta da geladeira e não encontro os

Danoninhos e nem os sucos que Ayla gosta, muito menos as frutas

e os legumes.

— Caralho, mãe — dou um berro, assustando a menina nos

meus braços.

— Ca... — Ayla começa a repetir, mas a interrompo.

— Eu disse caraca e, mesmo assim, não é para você

aprender a falar essas coisas — peço, ao voltar para a sala.

— Mãe! — chamo, sacudindo seus ombros.


Ela abre os olhos e me encara, assustada. Seu cabelo loiro

está uma bagunça e seu rosto amassado, além do bigode verde.

— Cadê a comida de Ayla? — a interrogo. — Eu te dei

dinheiro no sábado, coloquei na sua mão para você comprar as

coisas dela. O que aconteceu?

— Oi, Artho — ela diz ao se sentar, enquanto esfrega o rosto.

— Oi, Artho porr — começo a xingar outra vez, mas me

controlo. Não quero que Ayla repita. — Por que não comprou

comida pra ela? Acabou o mucilon e ela quer o mamá.

— Eu estava devendo a uma pessoa — ela se justifica.

— Que pessoa?

— Você sabe muito bem, não preciso dizer.


Coloco Ayla no sofá ao seu lado e tapo os ouvidinhos dela. Se

eu não xingar, vou explodir de raiva.

— Você usou o dinheiro da comida da menina para pagar a

porra de um traficante? — pergunto, mas é retórico. — Mãe, pelo

amor de Deus. Você sabe muito bem o que já aconteceu com a

gente por causa da droga, como pode...?

— Eu já parei. Estou limpa. — Ela ergue as palmas das mãos

em rendição. — Só paguei o que devia e não comprei mais. Me deu

vontade de usar hoje, mas bebi em vez disso.

— E você conta vantagem por ter bebido, apagado e deixado

Ayla sozinha? E quanto à comida dela? Como você vai comprar?

Passo a mão nos cabelos macios da minha princesinha, só

ela pode me acalmar agora. Odeio que Ayla veja essas coisas, sei o

quanto ficam marcadas, mesmo ela sendo tão pequena.


— Você deve ter dinheiro. Sei que recebeu o salário hoje.

— Você ainda deve mais alguma coisa ao traficante? —

pergunto a ela. Sei que é inútil, que ela vai mentir para mim se

quiser, mas não posso evitar esperar um pouco de sinceridade.

— Só um pouco. Mas não tem pressa — ela diz e sorri de

uma forma que me machuca. Odeio que ela tenha se metido com

drogas outra vez, que tenha cedido ao vício.

— Eu não sei mais o que fazer, mãe — digo, vencido.

— Tutú, meu mamá — Ayla pede, puxando minha jaqueta

para chamar minha atenção.

— Pode esperar alguns minutos, princesinha? — lhe

pergunto. — Só alguns minutinhos.

— Fome — ela diz e faz uma careta que precede o choro.


Pego o celular e ligo para Eros.

— Onde você está? — pergunto assim que ele atende.

— Em casa. Acabei de chegar.

Respiro aliviado por ele não estar na cama fodendo com

nenhuma caloura do curso de Administração.

— Você se importa se Ayla passar a noite aí? — quero saber.

— Claro que não. Que pergunta, Artho — Eros responde,

ofendido.

— Você pode vir buscá-la aqui na casa da minha mãe? Estou

de moto e não tenho como levá-la.

— Sem problemas. Aconteceu alguma coisa?

— O de sempre — informo. — Pode vir agora?


— Sim, já estou saindo. Chego em alguns minutos.

— Valeu.

Guardo o celular e me encaminho ao quarto de Ayla para

pegar algumas mudas de roupa, torcendo para encontrar roupas

limpas e fraldas.

— Você não precisa levar ela — minha mãe diz, enquanto me

segue, cambaleando. — Eu já estou bem. Não vou beber de novo.

Celso vai chegar daqui a pouco...

— Você ainda está bêbada. Posso sentir o odor daqui —

retruco. — Deveria dar valor ao marido que arranjou. Ele é

trabalhador e tem paciência com você, e é assim que retribui. A

casa está uma bagunça e a louça na pia fede. Ele está na obra até

agora, vai chegar cansado e ter que ver a casa nesse estado. Vou

levar Ayla comigo para passar a noite e amanhã bem cedo virei.
Trate de deixar os documentos dela separados, amanhã vamos à

creche tentar uma vaga.

— Minha filha não precisa de creche. Você só foi para a

escola com seis anos e está ótimo!

Eu congelo por um instante. Minha mente demora a assimilar

suas palavras.

Eu estou ótimo? Ela disse mesmo isso?

Quase arranco a jaqueta para que ela se lembre de tudo. Mas

não vou fazer isso com minha mãe, ela também sofreu.

Fecho as mãos em punho e abro a gaveta da cômoda à

procura de roupas. Por sorte, encontro algumas. Só acho três

fraldas no pacote. Ayla já passa o dia sem, mas ainda usa para

dormir. Esse era um item que deveria ter sido incluído nas compras

que minha mãe não fez.


Coloco tudo dentro da bolsa rosa dela, além do cobertor

felpudo com o qual ela ama se cobrir, e volto à sala para recolher os

brinquedos e as roupas espalhadas.

— Ayla não precisa de creche — minha mãe insiste. O bigode

verde em seu rosto a deixa pior.

— Ela vai para a creche, sim, nem que eu tenha que trancar a

faculdade e arrumar um emprego integral para pagar a mensalidade

de uma particular. Ela não vai mais passar o dia com você aqui,

enquanto eu não tiver certeza de que não vai aprontar outra dessas.

— Celso está em casa sábado à tarde e o domingo inteiro.

Ela pode passar esse tempo aqui. Ele adora ela, sempre me ajudou

a cuidar de Ayla.

— Quando ele estiver em casa, ela pode ficar o dia todo com

você, mas só as duas, não.


Arrumo a bagunça, faço cócegas na barriga de Ayla para que

ela não chore mais, em seguida lavo um pouco da louça. Estou na

metade quando ouço a buzina do carro de Eros.

Enxugo as lágrimas de dor. Eu sei que minha mãe ficou assim

porque teve que lidar com as agressões do desgraçado que a

engravidou tão nova, que ela comeu o pão que o diabo amassou

quando não aguentou mais e fugiu de Porto Alegre comigo, sem um

centavo no bolso.

Engulo a saliva e seco as mãos em um pano de prato.

— Cheguei, Batatinha — ouço a voz de Eros quando ele entra

na sala. — Boa noite, dona Alice.

— Tio Elo! — Ayla grita, empolgada, se jogando nos braços

dele.

— Por que está chorando, minha Batatinha fofa?


— Já te falei para não chamá-la de batata — reclamo, mas

sem fazer cara feia.

— Mas ela é tão fofa que parece uma batata — Eros brinca,

fazendo cócegas na barriga gordinha dela. — Conta pro tio porque

estava chorando.

— Tutú não fez meu mamá — Ayla diz ao fechar a cara, em

seguida dá um soluço de desgosto. É o mesmo que dá um tiro no

meu peito. — Tô com fome.

— Te explico em casa — murmuro. — Enquanto você a leva,

vou passar em um supermercado para comprar algumas coisas.

Mas vou chegar junto com vocês, vou voando.

— Não precisa voar, Artho. Eu dou comida para ela quando

chegar em casa. Vamos, Batatinha, o tio vai te dar um monte de

porcarias para você comer.


— Vai devagar com ela — peço ao segui-lo até a calçada,

minha mãe vem logo atrás. — Você trouxe a cadeirinha?

— Sim, senhor! — Eros brinca e bate continência, antes de

abrir a porta do seu Mercedes preto e colocar Ayla na cadeirinha.

— Dirija com atenção e cuide bem da minha filha — minha

mãe pede a ele.

Eros me dá um breve olhar, tenho certeza de que deve estar

rindo por dentro do bigode no rosto dela, então assente para minha

mãe.

— Pode deixar, dona Alice. Vou dirigir com todo cuidado.

Fico olhando o carro se afastar até virar a esquina, então

entro em casa para pegar o capacete.

— Esteja pronta às sete da manhã. Vou perder a primeira

aula para irmos à creche tentar uma vaga — digo usando um tom
autoritário. — Se você beber de novo, mãe... Eu não vou mais...

Não sou capaz de terminar a ameaça. Não para ela. Por isso

ela apronta, sabe que tem a mim para consertar suas merdas.

Beijo seu rosto e a deixo em pé na calçada, com os braços

cruzados e o cabelo desgrenhado. É duro ver minha mãe assim.

Chego em casa com as sacolas de compras. Aciono o botão

do controle do portão de ferro e ele se abre. São cem metros do

portão até a varanda de entrada da casa, com a estradinha de pedra

ladeada de jardins que são cuidados por um jardineiro que trabalha

aqui desde quando Eros era criança.

A porta da mansão luxuosa tem aproximadamente cinco

metros de altura, e ela está sempre arrumada, porque há duas

funcionárias que trabalham em tempo integral.


Os antigos donos da casa, Elena e Gustavo Giordano,

morreram em um acidente de jatinho, quando estavam voando

daqui para São Paulo, três anos e meio atrás. Sem irmãos, Eros

ficou sozinho.

Dimitri, Lion, Gabriel, Natan e eu, nos mudamos para cá um

mês após o acidente, porque não suportávamos vê-lo sozinho

enfurnado em casa. E é aqui que vivemos desde então.

Passo pela sala de entrada e me lembro com clareza dos

traços de Elena Giordano. Ela tinha apenas quarenta anos quando

morreu. A casa está praticamente do mesmo jeito que ela deixou,

com exceção da placa de madeira com CLUBE DOS CRETINOS,

escrito em letras garrafais, pendurada no hall de entrada.

Ela não combina muito com a casa, apesar do estilo rústico,

mas Lion a fez quando Eros descobriu que estava sendo traído pela
namorada no ensino médio. A partir daí, prometemos que não nos

apaixonaríamos por mulher nenhuma.

Ao nos mudarmos, Lion achou perfeito pendurar a placa, para

que cada um de nós lembrasse da promessa todos os dias ao

passar pela porta da frente.

Eu quase quebrei a promessa meses depois, mas consegui

me manter firme.

Esse é nosso lar, a sede do nosso clube, e é muito bom

chegar e ouvir e as risadas de Eros e Ayla, brincando na cozinha,

traz uma felicidade genuína à casa, como era quando Elena e

Gustavo estavam vivos.

Olho para os pés do piano, que fica na sala de estar, e vejo a

montanha de pelos pretos deitada próximo ao instrumento, sobre o

carpete.
— Oi, campeão — digo, ao me agachar para fazer carinho na

cabeça de Darth Vader, o cachorro da raça rottweiler mais esperto

que já conheci.

Ele abre o olho e me encara, mas está preguiçoso e não se

levanta. Eros deve tê-lo alimentado há pouco tempo.

Apresso o passo até a cozinha e encontro Ayla sentada sobre

a ilha de mármore com a mão enfiada dentro de um pote de Nutella,

toda suja de creme de avelã. Lion e Dimitri estão sentados à ilha.

— O que você está fazendo, princesinha? — pergunto,

preocupado que o doce a faça mal.

— Você nunca deu Nutella para Batatinha, Artho? Ela adorou!

— Eros brinca.

— Se ela tiver uma dor de barriga, eu te mato — ameaço,

olhando com tristeza para suas roupas sujas. Mas ela bate os
pezinhos e dá risada, não tem como ficar sério por muito tempo.

— Ela é nossa mascote — ouço Dimitri dizer, do outro lado da

ilha, ao devorar um pedaço grande de picanha.

— Sim, um clube precisa de uma mascote — Gabriel diz,

surgindo da lavanderia. Pega um prato branco e serve uma porção

de picanha e polenta. — Ela é perfeita.

— Ayla não é uma mascote, já temos Darth Vader — digo.

— Coloca a outra mão na Nutella — Lion incentiva Ayla. — Se

joga, bebê. Artho vai adorar!

— Vai se fod... — eu quase xingo, mas me lembro que não

posso falar palavrão na frente de Ayla.

Ela me olha com um sorriso sapeca, como se soubesse o que

estou pensando, então tira a mão do pote, deixando o creme


escorrer pela roupa e a bancada, então enfia a outra mão, como

Lion disse.

— Isso, Batatinha, suja tudo! Artho ama isso — Eros diz.

— Não vou limpar essa sujeira — brinco, então fico sério. —

Obrigada por deixar ela passar a noite aqui.

— Você traz mulheres para cá o tempo todo e nunca me

perguntou se podia. Agora vai fazer cerimônia por causa da

Batatinha? — Eros comenta.

— Vocês também trazem um monte de mulheres, eu não sou

o único, mas uma criança é diferente.

— Ela pode morar aqui, Artho. Se não está sendo legal para

ela ficar com sua mãe, saiba que pode trazê-la em definitivo. Tem

um quarto sobrando, eu ia adorar tê-la aqui — Eros diz.


— Agradeço, mas isso é temporário. Não vamos atrapalhar as

festas de todos, não é princesinha? — pergunto. Pego papel toalha

e limpo parte da Nutella das suas mãos. — Vamos tomar um banho,

depois faço sua mamadeira.

— Êba! — ela comemora com um risinho lindo.

— Artho, você já ficou com essa daqui? — Natan pergunta ao

entrar de repente na cozinha, colocando o celular diante dos meus

olhos.

Vejo a garota ruiva de peitos grandes na tela e dou uma

risada.

— Foi só um teste drive — brinco. — Se te consola, ela é

muito boa no que faz.

Não posso dar mais detalhes na frente de Ayla.

Natan bufa.
— Se você quer ficar com uma garota que Artho ou outro de

nós nunca pegou, é melhor procurar em outra cidade — seu irmão

gêmeo provoca.

— Acho melhor não procurar nas cidades vizinhas — Dimitri

acrescenta, rindo debochadamente, segurando o garfo no ar. — Se

quer exclusividade, é melhor ter cuidado.

Pego Ayla no colo e deixo a cozinha. Enquanto subo as

escadas até meu quarto, faço uma nota mental de mandar uma

mensagem dispensando a garota que eu havia marcado de

encontrar essa noite.

— Também preciso mandar mensagem para Charlotte — digo

em voz alta.

— Chaloti? — Ayla repete. — Que Chaloti, Tutú?


— Uma garota da minha faculdade. Preciso dar um jeito de

levá-la a uma festa no sábado. Vou ter que arranjar uma desculpa

para não ajudar Celso na obra. Preciso muito do dinheiro da diária,

mas não posso deixá-la na mão — conto a Ayla como se ela fosse

capaz de entender.

— Não podi — ela diz e balança o dedo indicador. — Não,

não, não, Tutú!

— Impressionante como não é a palavra que você sabe

pronunciar melhor — comento.

A deixo na cama e vou até o banheiro encher a banheira,

confiro a temperatura da água e logo volto ao quarto para buscá-la.

Esfrego o corpo fofinho de Ayla com uma esponja para limpar

os rabiscos de canetinha colorida, depois a seco bem depressa,

coloco a fralda e a visto. A lareira está apagada e o quarto, gelado.


Seco seus cabelos com o secador para que ela não fique

resfriada, depois a penteio e coloco um lacinho nos seus cabelos.

Mando uma mensagem de voz para Charlotte, enquanto

desço as escadas com as perninhas de Ayla enroscadas no meu

torso.

Eu: Boa noite, Mulher Maravilha. Vou à festa com você no

sábado.

Envio a mensagem e bloqueio a tela. Já estou fodido

financeiramente, de qualquer forma.


Charlotte

A janela está aberta e eu posso ouvir o ronco do motor dos

carros passando na rua em frente ao prédio. Estou lendo o capítulo

dois de um livro de Direito Civil que peguei emprestado na biblioteca

da universidade.

Antes disso, fiz o cartão do Restaurante Universitário e

coloquei dinheiro suficiente para almoçar de segunda a sexta, até o

próximo mês, quando minha mãe vai depositar dinheiro na conta

que abri recentemente.


Pego o celular sobre a cama e vejo que recebi uma

mensagem de um número com o código de área daqui. Desbloqueio

a tela imediatamente ao ler o nome que aparece no contato. Ele

enviou uma mensagem de voz.

Artho Becker: Boa noite, Mulher Maravilha. Vou à festa com

você no sábado.

Minha mão voa imediatamente para meu coração ao escutar

o timbre rouco da sua voz.

Nesse mesmo instante, Raquel entra no nosso quarto,

carregando uma sacola de supermercado, parecendo exausta.

— O que aconteceu? — pergunta ao ver minha cara

assustada.

— Artho acabou de me mandar mensagem para dizer que vai

comigo à festa — explico.


— Ah, perfeito! — ela vibra. Larga a sacola na escrivaninha,

junto com a bolsa, e bate palmas. — Eu sabia! Ele é todo marrento,

mas ia acabar amolecendo.

— Eu não sei se quero ir — digo. Mas a verdade é que eu

quero, sim, ir a essa festa, só não sei como me comportar, como

ficar menos inibida.

— Ah, você vai!

— Não é esquisito? Vocês já ficaram…

— Charlotte, eu dei dois beijos nele e só. Não é como se eu

tivesse saído com Artho um monte de vezes. A gente não tem nada.

Esqueceu que tenho outros planos?

— Eros Giordano — respondo e reviro os olhos.

Não a conheço o suficiente para saber se está sendo sincera.


— Você vai à festa com um dos caras mais gatos do campus.

Tem noção de que todo mundo vai olhar para você? — Raquel

comenta.

— Isso é para ser um ponto positivo? — pergunto ao enrugar

o cenho.

— É óbvio. Vai ser convidada para todas as festas. Acho que

é isso que acontece quando se anda com um popular.

— Pelo amor de Deus, Raquel, Artho só vai me acompanhar

uma vez, e por pura pena e pressão, não é como se a gente fosse

continuar saindo.

— Ele bem que poderia te acompanhar mais vezes, e se

vocês ficassem bem íntimos, eu seria convidada também — ela diz.

— E acabaria ficando próxima de Eros.

Estreito meu olhar para ela.


— Era seu plano desde o início, não é? Me entregar a Artho

de bandeja só para se aproximar de Eros — brinco de acusá-la,

enquanto ela se deita ao meu lado na cama e me olha com falsa

inocência. — A má notícia é que Artho nunca vai se interessar por

mim.

— Por que não? — Raquel pergunta o óbvio.

— Você está mesmo fazendo essa pergunta? Olha pra mim e

olha pra ele! — exclamo, mostrando a foto que aparece no perfil

dele do WhatsApp. — Você é o tipo de garota com quem ele sai. Eu

sou do tipo que sonha com um homem como ele. É totalmente

diferente.

— Você é linda, amiga. Para com isso! Além do mais, vou

costurar uma roupa bem estilosa para você, vou te maquiar. Artho

vai ficar babando.


Sua fala me faz gargalhar. Qualquer pessoa pode ver que eu

não tenho nada que possa despertar interesse nele.

— Ele te chama de Mulher Maravilha agora — Raquel insiste.

— Deve te achar maravilhosa. E você é.

— É só por causa da minha camiseta — explico, apontando

para o símbolo da Mulher Maravilha no meu peito.

— Ele me chama de Oiapoque, Charlotte. Pare de se

rebaixar.

— Raquel, ele só vai me acompanhar à uma festa por causa

da pressão psicológica que você fez nele. Só isso. Não tem mais

nem menos. É apenas isso! Vamos parar de falar como se fosse um

encontro de verdade.

Ela revira os olhos azuis para mim, rola na cama e fica de pé.
Mesmo eu dizendo que é só isso, a lembrança do sonho que

tive com ele vem à tona. Penso em contar a Raquel, mas tenho

vergonha de admitir que sonhei com Artho, enquanto ela estava

beijando a boca dele. É ridículo.


Artho

Terça, 8 de agosto de 2017

Acordo mais cedo que o normal, já cansado por não ter

dormido direito. Ayla se mexeu a noite toda e eu fiquei preocupado

de ela cair, mesmo fazendo uma barreira de travesseiros na lateral

da cama para evitar um acidente.

Preparo a mamadeira na cozinha, antes de acordá-la. Erika e

Marcela já chegaram para o expediente. Erika pega os produtos de

limpeza e se encaminha para o andar de cima.


— Ayla passou a noite aqui, Artho? — Marcela pergunta,

enquanto enche a chaleira para preparar o chimarrão. Ela já

conhece a história toda.

— Sim, minha mãe não estava bem ontem — explico por

cima.

— Quer que eu prepare alguma coisa para ela?

— Não precisa, muito obrigado. Vou dar o mamá dela, depois

vou passar em uma creche para tentar conseguir uma vaga.

— Sua mãe não está dando conta, não é? — ela pergunta

com o tom de voz preocupado. É uma senhora simpática de

cinquenta e seis anos, o tipo que gosta de cuidar de todos. Nos

conhece desde que éramos crianças.

— Não está, e eu não confio em deixar Ayla com ela o dia

todo. Preciso da creche.


— Você vai agora de manhã, não é? — ela pergunta e eu

faço que sim com cabeça. — Quer deixar Ayla comigo? Cuido dela

hoje.

— Obrigado, mas não quero incomodar. Além do mais, quero

levá-la para que ela conheça o lugar.

— Se precisar de mim, estou aqui.

— Obrigado, mais uma vez — digo, antes de deixar a

cozinha.

Eu sei que a casa é enorme e elas têm muito o que fazer,

além do mais, é Eros quem paga os salários de Erika e Marcela, eu

nunca traria mais trabalho para as duas.


Para meu alívio, minha mãe está pronta e com todos os

documentos de Ayla em mãos quando chego. Se ela ainda

estivesse na cama, seria o presságio de um dia infernal.

Ela entra no carro e coloca o cinto de segurança em silêncio.

Está ressentida e mal olha para Ayla, que está cochilando.

— Curou a ressaca? — pergunto.

— Estou ótima — ela responde.

Respiro aliviado, não sei o que faria se ela não estivesse

bem. Não queria perder as aulas de hoje e faltar ao trabalho.

— Vou ajudar Celso na obra mais tarde — comento, para

tentar puxar conversa.

— Isso é bom, ele não está muito amigável — ela diz, ainda

séria.
— Você promete que vai ficar sóbria hoje? Eu não posso ficar

em casa te vigiando, mãe. Se tudo der certo, amanhã mesmo Ayla

começa na creche.

— Eu já te disse que estou bem, Artho — ela reclama. — Não

vai acontecer de novo.

— Você vai buscá-la na hora certa todos os dias e vai cuidar

muito bem dela?

— Sim, filho. Eu prometo! Vou cuidar da minha filha direitinho.

Pare de ser tão preocupado, você precisa estudar. Falta quanto

tempo mesmo para você se formar e virar um advogado?

— Um ano e meio — respondo.

— Que orgulho. Quem diria que Alice Becker teria um filho

advogado — ela diz e sorri, parecendo menos irritada. — Você vai

continuar sua faculdade, indo às aulas de manhã, trabalhando à


tarde e estudando à noite, e eu vou ficar em casa com essa coisinha

fofa. Ela é minha, Artho, não a tire de mim outra vez, nem por uma

noite.

— Desde que você tenha condições de ficar com ela. A

vizinha ligou para Celso, mas poderia ter ligado para o conselho

tutelar — a lembro. — Sem falar no fato de que você gastou o

dinheiro que eu lhe dei.

Respiro fundo para controlar a raiva repentina pelo que ela

fez. Não quero odiá-la.

— Foi a última vez, meu querido. Prometo — ela diz e dá

tapinhas no meu ombro, como se esse gesto pudesse apagar tudo.

Chegamos em frente à creche mais próxima do bairro.

Estamos com sorte, há uma vaga disponível para Ayla e ela pode

começar amanhã.
Ela fica o tempo todo no meu colo, observando os desenhos

nas paredes com seus olhos azuis atentos, mas não esboça

nenhum interesse.

A moça que nos recepciona explica que a primeira semana é

de adaptação, e que eles podem ligar para a mãe vir buscar a

criança, caso ela chore muito.

Vou dando sermão na minha mãe, da creche até em casa,

para que ela não se afaste do celular nos próximos dias, e que não

chegue nem perto de uma gota de álcool ou de um traficante.

Deixo as duas na casa com o coração apertado. Se pudesse,

levava Ayla para bem longe, mas ainda não tenho condições de

fazer isso. Estou terminando a faculdade, não posso largar tudo

antes de conseguir o diploma. Batalhei demais para chegar até aqui.


Chego a tempo da aula de Economia Política, com a

professora Claudia Schmitz. As carteiras estão organizadas em

fileiras hoje.

Vejo Charlotte ocupando um lugar na fileira do canto e lembro

que ela não respondeu minha mensagem, apenas ouviu o áudio.

Vejo que o assento à sua frente está vazio e caminho para

ocupá-lo. Ela estremece quando me vê e começa a enrolar uma

mecha do cabelo castanho na ponta do dedo.

— Oi, Mulher Maravilha — a cumprimento.

Seus ombros estão curvados, mas ela empina o queixo e me

mantém longe do seu campo de visão o máximo que pode, olhando

fixo para o quadro onde a professora Claudia escreve, agindo como

se eu fosse invisível, o que é bem irritante.


— Ei, psiu — digo e estalo os dedos para chamar sua

atenção.

Suas narinas inflam quando ela respira fundo, antes de me

olhar bem séria.

— O que é, Artho? — pergunta, irritada.

— Por que não me responde?

— Não vou conversar com você até conseguir pensar em um

apelido que seja à sua altura — ela diz, ríspida.

— Falando assim, até parece que você não gosta que te

chamem de Mulher Maravilha — sussurro para que a professora

não ouça.

— E não gosto.

— Por quê?
— Porque é ridículo e vergonhoso.

— Você é mulher e maravilhosa, o que tem de ridículo? —

pergunto, mas não estou pronto para a sua reação.

Charlotte revira os olhos e sopra o ar, fazendo uma mecha de

cabelo flutuar na frente do seu rosto, seu semblante demonstra que

ela está aborrecida. Nunca elogiei uma garota e ela ficou irritada.

Aperto os lábios, pego a mochila e me levanto, não vou ficar

perto de alguém que claramente não quer a minha presença.

Encontro um assento vago na fileira de trás, ao lado de uma

garota que se apresenta para mim como Larissa Ferrari. Ela fica

passando a mão no cabelo liso e preto, o jogando em várias

direções, enquanto sorri e faz comentários sobre a minha caligrafia.

Antes da metade da aula, já tenho o número dela salvo na

agenda do meu celular.


— A gente poderia ir até um barzinho qualquer dia desses —

Larissa sussurra. — Sou nova na cidade, qual você me recomenda?

Ouço sua pergunta, mas minha atenção está voltada para a

garota da fileira do canto, de cabelos castanhos presos em uma

trança bagunçada, que cai sobre o agasalho de lã azul. Ainda com

os ombros curvados para a frente, ela faz anotações sobre a aula.

Prendo a respiração quando ela se move no assento e vira o

rosto para trás.

Seu queixo está apoiado na mão, meus olhos encontram os

dela e nos encaramos por um longo momento.

Detesto não fazer ideia do que ela está pensando.

— Artho? — Sinto o toque de uma mão no meu braço e viro a

cabeça, me dando conta de que não respondi a pergunta de

Larissa.
— Hum? — murmuro.

— Tem algum barzinho para me recomendar? — ela sussurra

a pergunta.

— Bar Culture — respondo vagamente.

— Já fui nesse.

Charlotte se vira mais uma vez e me olha. Pego meu celular e

digito uma mensagem para ela.

Eu: Se quer ficar me olhando, posso voltar e me sentar aí.

A observo pegar o celular discretamente, sem que a

professora note, depois seu quadril se move na cadeira e ela

flexiona os ombros, mas não volta a olhar na minha direção.

Odeio essa falta de resposta.


— Podemos nos encontrar lá qualquer dia desses? — Larissa

insiste.

— Claro — respondo. — Eu te ligo.

Deixo o celular ao lado do caderno e fico olhando para a tela

a cada anotação que faço, esperando que Charlotte vá me

responder, mas ela acha mais divertido me ignorar, o que é muito

sem noção da sua parte.

O que ela esperava que eu fizesse, respondesse que de jeito

nenhum iria à festa com ela?

Tento ser legal e ela me devolve com indiferença.

Talvez seja melhor ela ir sozinha. Tenho coisas muito mais

importantes para me preocupar do que com uma caloura, de

qualquer forma.
Charlotte

Eu queria saber me portar melhor, mas me recuso a acreditar

no elogio dele. Você é mulher e maravilhosa. Essas palavras ficam

repetindo na minha cabeça, na sua voz grave.

O que Artho pensava? Que ia me elogiar assim e eu iria

acreditar? Deve ser muito divertido para ele fazer falsos elogios a

alguém como eu e rir por se achar um mentiroso convincente.

Pretendia dizer que eu não acreditava nele, mas preferi ficar

calada. Às vezes, o silêncio e a indiferença são as melhores


respostas.

Mas, no fim da aula de Economia Política, já estou me

sentindo arrependida.

Ele passa ao lado da minha carteira ao deixar a sala e não

me cumprimenta.

— Meia hora com ele resolveria noventa porcento dos meus

problemas — ouço uma garota sussurrar para a outra quando Artho

passa entre as nossas fileiras para deixar a sala.

Não sei exatamente o que ele poderia fazer em meia hora

para aliviar os problemas dela.

Releio pelo menos cinco vezes a mensagem que ele me

mandou.

Por que ele se importa tanto comigo?


Será que Artho me acha mesmo maravilhosa?

Esse pensamento é tão ridículo que eu me envergonho.

Recolho minhas coisas e caminho até o RU, onde Raquel já

está me esperando na fila. Quero comentar com ela sobre Artho,

mas temo que ela comece a inventar fanfics sobre nós na sua

cabeça criativa.

Pegamos nossas bandejas e nos servimos de arroz, polenta,

salada de radite com bacon e frango.

— Hoje à noite vou tirar suas medidas — ela diz assim que

escolhemos uma mesa.

Abro a boca para dizer que não vou mais, por causa do

deboche de Artho, porém me abstenho, sei que já estou enchendo o

saco em me recusar tanto, quando quero muito ir.


— Tem certeza de que não vou te atrapalhar? — pergunto. —

Os tecidos não vão te fazer falta? Eu não posso comprar outros

para você tão cedo.

— Não vai — ela diz e abana a mão. — Olha lá.

Ela está sentada em frente à porta e aponta com o queixo

para o grupo de seis homens gostosos que entram no refeitório.

Os observo passar pela mesa. Eles são típicos bad boys, com

a postura ereta e o corpo atlético, além de serem todos altos.

Nenhum deles olha para nós, nem mesmo Artho, isso me faz ter

certeza de que ele não vai ser meu acompanhante no sábado, que

só pregou uma peça em mim.

Decido que vou passar o resto dos dias me preparando

psicologicamente para ir sozinha, mas já sei que vou fracassar.

Talvez eu me arrume e ande pela rua até de noite, só para que


Raquel pense que eu fui. É ridículo, mas melhor do que receber

mais um olhar de pena.

Vejo um dos amigos de Artho me encarando com os olhos

azuis e estreitos, os traços do seu rosto são angulosos, e seu olhar

gélido faz um calafrio percorrer minha espinha. Aquela expressão

“se olhar matasse” nunca fez tanto sentido para mim.

À noite, Raquel liga o aquecedor a óleo no nosso quarto e me

faz ficar só de short e sutiã para tirar minhas medidas. Ela anota os

números em uma folha de caderno e faz elogios sobre minhas

supostas curvas.

— Agora veja a magia acontecer — ela diz toda empolgada.


Me sento na cama e pego um livro de Direito Constitucional,

enquanto ela abre um tecido xadrez em tons de bege e marrom

sobre sua cama e começa a cortá-lo.

Uma hora depois de muito ziguezague da máquina e várias

páginas estudadas, Raquel me apresenta uma saia xadrez de

pregas que não vai cobrir nem metade das minhas coxas e uma

blusa preta de mangas longas e gola alta.

— Experimenta com essas minhas meias e o seu par de

botas coturnos tratoradas que você está guardando no fundo do

armário para uma ocasião especial — ela pede ao pegar um par de

meias pretas 7/8 em sua gaveta.

— Não estou guardando-as para uma ocasião especial —

explico, ao procurar o par de calçados —, só não vou usar salto

para ir à aula quando tenho meus tênis de corrida.


Experimento a saia e a blusa, depois coloco as meias e calço

as botas. Para a minha surpresa, amo o resultado.

— Eu adorei — digo, passando a mão no tecido grosso da

saia, enquanto me olho no espelho de corpo inteiro. É a roupa mais

bonita e bem feita que já tive.

— Imagina com um delineado, máscara para cílios e um

pouco de blush, você vai arrasar.

— Você acha que é demais? Tipo, é só uma festa da turma.

— Nunca se sinta mal por estar bem vestida — Raquel pede.

— Você é linda, Charlotte, mas assim ficou muito mais. Sei que

adora as suas camisetas de super heróis, mas saias também te

caem muito bem.

Assinto e estalo a língua. Só de pensar na tarde de sábado já

fico ansiosa, mas é algo que eu preciso aprender a enfrentar.


— Tenho um sobretudo marrom que vai combinar

perfeitamente — ela diz.

— Você não se importa de me emprestar?

— De jeito nenhum.

— Só posso dizer muito obrigada. Acho que meu casaco de

lona não iria combinar muito — comento e franzo o nariz.

Raquel tem esse jeito espontâneo e um pouco exagerado,

mas tem um coração enorme.

— Não precisa agradecer, eu amo costurar, ainda mais

quando tenho um bom motivo — ela diz.

A pego de surpresa ao me aproximar para um abraço

apertado.
Ela me chama para ir até a cozinha do nosso andar. Lá,

coloca água para esquentar, faz um miojo e divide para nós duas.

Andei tão preocupada em pegar livros na biblioteca, que não

passei em um supermercado ainda para comprar algumas coisas

para comer à noite. O restaurante universitário abre na hora do

jantar, mas não tenho dinheiro suficiente para fazer duas refeições

por dia lá, ainda mais tendo que pagar trinta reais para ir a uma

festa.

Não tenho mais aula de Economia Política o resto da semana

e não volto a encontrar com Artho na minha sala. Na quarta, cruzo

com ele no corredor. Ele está conversando com uma garota do

segundo período. Se ele me vê, finge que não me conhece.


No mesmo dia, como uma forma de garantir a mim mesma

que ele não me afeta, pago a taxa da festa e me esforço para trocar

algumas palavras com um rapaz da minha turma, o mesmo que os

veteranos apelidaram de Meteoro da Paixão, mas não é fácil,

porque fico sem assunto muito depressa.

Na quinta, o professor de Introdução à Sociologia Jurídica

pede à turma para se separar em grupos de cinco alunos, para

preparar um seminário que deveremos apresentar na semana que

vem.

A crise de ansiedade é instantânea.

— Mulher Maravilha, quer fazer com a gente? — Meteoro da

Paixão pergunta.

Ele tem cabelos grossos e castanhos, pele clara e olhos

escuros, além de ser realmente parecido com Luan Santana.


Aceito sem pensar duas vezes, e me junto ao seu grupo, o

qual já tem mais duas moças e um rapaz loiro, que tem cara de

quem comeu e não gostou. Uma das meninas, Gabriela, tem a pele

clara, com algumas espinhas no rosto, cabelos e olhos cor de mel, a

mesma que fez o comentário sobre meia hora com Artho resolver

boa parte dos seus problemas. A outra é, Bruna, mas a chamam de

Pirulito, uma moça de pele marrom, rosto em formato de coração e

cabelos cacheados e volumosos.

Na sexta à noite, Raquel chega tarde, exausta por ter rodado

a cidade a pé distribuindo currículos, mas acha que me torturar com

uma pinça é uma atividade muito relaxante.

Após fazer minhas sobrancelhas, ela pinta minhas unhas de

vermelho e depois compartilhamos um jantar de miojo com ovos e

biscoitos amanteigados de sobremesa, pois passei no


supermercado à tarde e me dei ao luxo de gastar em uma cartela de

trinta ovos e três pacotes de biscoito, sendo um doce e dois

salgados, além de algumas maçãs. Estou me sentindo rica.

— Preciso estudar para um seminário — Raquel diz ao se

espreguiçar.

— Eu também preciso — respondo ao me levantar e pegar

nossos pratos.

Lavo os utensílios na pia da pequena cozinha, enquanto

Raquel limpa a mesa e o fogão, depois seco a louça com um pano

de prato e ela as guarda no armário. Todos os estudantes que

compartilham o andar precisam deixar tudo limpo após o uso. Há

placas sobre isso por todo lado.

Assim que saímos, dois rapazes do curso de biomedicina

entram para preparar seus jantares.


Raquel vai para o quarto e eu desço até o saguão e ligo por

chamada de vídeo para minha mãe. Estou morrendo de saudades

da minha casinha em Santo Antônio das Missões, no noroeste do

estado, a cerca de quinhentos quilômetros de Bento Gonçalves.

Nunca fiquei tanto tempo longe dela ou do meu irmão, Tomás,

dois anos mais velho que eu. Preciso falar com eles todos os dias,

porque não os verei tão cedo.

Ainda no saguão, vejo uma garota da minha turma entrar no

prédio, rumo aos elevadores. Ela se chama Larissa Ferrari e

provavelmente mora na cobertura, bem vestida e charmosa.

Aceno para ela, pois estou tentando ser sociável, se ela

percebe, finge não ver.

Volto ao quarto e dou meu melhor para não pensar no evento

do dia seguinte, que começará às duas da tarde. Mergulho de


cabeça nos livros e, quando me dou conta, Raquel já pegou no

sono, em cima de um caderno com linhas cor de rosa.

Puxo o caderno devagar, tiro a caneta da sua mão e coloco

seus pertences sobre a escrivaninha, depois a cubro e apago a luz

do quarto.

Uso a lanterna do celular para estudar até duas da

madrugada.

Na manhã seguinte, abro os olhos por volta das seis da

manhã. Meu relógio biológico já está se habituando a acordar cedo,

mas decido aproveitar a manhã da melhor forma, ou seja, cobrindo

a cabeça e dormindo até meio dia.

Tomamos café com cream cracker e ovos, depois tomo

banho. Raquel seca e modela meu cabelo de modo a deixar as

camadas destacadas, em seguida me maquia.


Procuro disfarçar a todo momento como estou ansiosa,

mantenho as emoções dentro do peito.

— Se ele não aparecer — ela diz enquanto faz o delineado

—, eu vou com você de ônibus até lá. Sei onde fica a chácara,

depois vou para a festa do meu curso.

— Artho não vai, amiga — comento. — Se ele fosse mesmo,

teria me enviado uma mensagem para combinar o local e horário

para me encontrar.

— E você mandou mensagem para ele? — Raquel quer

saber.

— Não mesmo, se ele tem coisas mais importantes para

fazer, não vou ficar insistindo. Mas não tem problema, estou num

grupo para a apresentação de um seminário com alguns alunos da

minha sala, posso ficar na festa com eles.


É mentira. Não conversei nada com o grupo além de algumas

palavras sobre o trabalho.

— Prontinho — ela diz após passar o batom vermelho nos

meus lábios cheios. — Essa cor combina perfeitamente com suas

unhas.

Me olho no espelho, satisfeita por gostar do resultado. Quase

me sinto confiante.

Estou terminando de vestir as meias 7/8 quando ouço meu

celular vibrar sobre a escrivaninha.

Raquel está se maquiando e dá um gritinho ao olhar a tela

piscando.

— Você nem salvou o número dele! — ela protesta. —

Charlotte!
— Como você sabe que é ele? — pergunto ao pegar o

celular, mas reconheço o número assim que olho para a tela.

Respiro fundo antes de apertar o botão para atender. Meu

coração começa a bater mais depressa.

— Oi? — murmuro.

— Está pronta, Mulher Maravilha? — ouço a voz grave

perguntar, seguida de uma buzina que ouço tanto no celular quanto

vindo da rua.

Sigo Raquel até a janela e vejo Artho apoiado em uma moto

branca grandona.

Engulo saliva. Não havia me preparado psicologicamente

para isso.
Charlotte

Há uma fila de jovens no elevador e Raquel decide que é

melhor descermos de escada.

Percorro cada degrau com cuidado, não estou habituada a

usar salto alto, apesar de não me considerar um desastre.

Vejo Artho parado ao lado da calçada, sentado de lado na

moto, enquanto mexe no celular. O tempo está gelado e nublado, e

o vento bagunça seu cabelo castanho claro, o jogando contra a

testa.
Percebo algo parecido com choque atravessar seu rosto

quando nossos olhares se encontram.

— Aproveita, amiga. Ele é bem gostoso — Raquel diz ao

descermos os degraus de acesso ao Edifício Universitário. — E está

babando.

— Raquel, não exagera!

Com alguns passos eu atravesso a calçada. Minha respiração

está acelerada, assim como os batimentos, mas me iludo achando

que é apenas pelo esforço das escadas.

— Você veio mesmo — Raquel diz assim que paramos diante

dele.

— Eu falei que viria, Oiapoque — Artho diz para provocá-la, a

encara por um instante, em seguida volta sua atenção a mim.


— Traga minha amiga em segurança, entendeu? — Raquel

se mostra superior ao ignorar o apelido. — É a primeira vez que ela

vai a uma festa.

— Ela nunca esteve tão segura — Artho diz e pisca para mim.

Odeio como meu corpo reage quando ele faz isso, odeio

muito mais a forma como as borboletas despertam no meu

estômago, e meu coração reage furioso, se assemelhando a um

cavalo selvagem, galopando sem rédeas.

Disfarço ao acenar para Raquel.

— Não esperava te ver tão bonita, Mulher Maravilha — Artho

murmura, enquanto Raquel retorna ao prédio.

Respiro fundo e endireito a postura.

— Pelo jeito, vou escutar esse apelido a festa inteira —

murmuro, incomodada com o apelido que ele insiste em repetir.


— Eu não estou zombando de você. E se fosse, não te

chamaria de Mulher Maravilha, aliás, o apelido nunca combinou

tanto — ele comenta, após ter escutado o meu murmúrio e logo

alcança meu pulso.

Engulo em seco, enquanto Artho esfrega o polegar quente no

dorso da minha mão.

— Me desculpa por não ter me expressado melhor, então —

ele murmura com a voz mais grave.

Tenho medo que meu coração exploda no meu peito.

— Não foi mesmo para zombar de mim? — insisto em

perguntar.

— Por que eu zombaria? Você é linda — diz, então me

entrega um capacete.
— Eu nunca andei de moto — confesso depressa, para

disfarçar o quanto seu comentário me afetou.

Ele me ajuda a arrumar o capacete, antes de colocar o seu.

Coloco o pé no apoio e monto desajeitada na moto, o mais

distante dele que consigo ficar, certa de que posso cair a qualquer

momento.

— Você precisa segurar em mim — Artho diz. — Não precisa

ter medo, pode agarrar minha cintura.

Sinto a moto estremecer sob as minhas pernas quando ele

liga o motor. Escorrego para a frente alguns centímetros, mas não o

suficiente para encostar nele. Estou tão tensa que mal consigo me

mover.

Ele fecha o zíper da jaqueta e equilibra a moto.


— Pode me agarrar agora — Artho repete, mas é demais para

mim. Sinto meu corpo começar a tremer, acompanhando a vibração

do motor.

Penso em dizer para deixarmos a moto aqui e irmos de

ônibus. Isso é uma péssima ideia.

— Estou com medo — admito, fracassada.

Artho estica a mão para trás e toca a base da minha coluna, o

que me faz estremecer, então me puxa na direção das suas costas.

De repente, esqueço como respirar, com meu corpo

encostado no dele. Seios e barriga contra suas costas, interior das

coxas contra sua bunda. Parece que somos um só.

Então ele pega as minhas mãos e as coloca cruzadas na

frente da sua barriga.

— Segure firme — ele diz.


Engulo a saliva quando ele tira as mãos das minhas, se curva

para a frente e começa a acelerar.

Aperto sua barriga quando a moto começa a percorrer a rua,

cada vez mais rápido. Posso sentir a firmeza do seu abdômen

mesmo por cima da jaqueta, acho que nunca toquei um corpo

masculino dessa forma. Mesmo de capacete, aspiro o perfume

gostoso de ervas na parte de trás da sua nuca.

Conforme a moto atinge a alta velocidade, começo a relaxar,

sendo surpreendida pela sensação de liberdade. Vejo as árvores da

alameda ficarem para trás depressa.

Não me distancio de Artho nem quando ele para nos sinais

vermelhos e se empertiga.

— Está tudo bem? — ele pergunta em um cruzamento, com a

voz abafada pelo capacete, ao equilibrar o peso da moto nas

pernas.
— Sim, tudo bem — respondo bem perto dele.

— Você está gostando de me agarrar? — Artho quer saber.

— É melhor do que eu pensava — admito, depois me

arrependo. Não preciso ser tão franca com ele.

— Isso é bom — ele diz e posso imaginar a cara de cretino

que está fazendo.

Ele acelera a moto e eu amo a sensação do motor se

enfurecendo, então disparamos entre os carros.

Sinto a adrenalina percorrer meu corpo. Andar na garupa de

uma moto é confiar sua vida na mão de quem está pilotando, e isso,

de certa forma, é bem maluco.

Atravessamos o centro e logo, os prédios comerciais dão

lugar às casas, que vão ficando mais distantes umas das outras nos
limites da zona urbana. Penso em abrir os braços e aproveitar a

sensação de liberdade, mas é claro que não sou tão ousada assim.

Em certo ponto, ele vira em uma estrada secundária sem

desacelerar, a moto se inclina para o lado e nossos joelhos quase

tocam o chão.

Solto um gritinho de medo e agarro seu corpo com mais força.

Nada me separaria de Artho Becker agora.

Quando o asfalto dá lugar a uma estrada de terra batida,

Artho diminui a velocidade.

Minha ansiedade aumenta quando começo a ver as chácaras

com vários carros estacionados em frente.

Fiquei tão nervosa com a moto que me esqueci da festa.

Tiro o capacete, assim como Artho faz, quando ele para em

frente a um portão onde um veterano do segundo período


recepciona a entrada.

— Mulher Maravilha? — o rapaz pergunta, após cumprimentar

Artho, enquanto eu passo os dedos nos meus cabelos depressa, os

arrumando na tentativa de desembaraçar os fios.

Fico surpresa por ele me reconhecer. Só esteve na minha

turma uma vez, no dia em que fomos avisados sobre a festa.

— Para você é Charlotte — Artho diz com o tom de voz sério.

Imagino que ele está brincando, mas o rapaz em frente ao

portão parece constrangido.

— Claro, Charlotte — ele diz ao sacudir a cabeça.

Engulo a saliva e dou um sorriso amarelo.

— Isso, Charlotte Castro, do primeiro período — me obrigo a

dizer. Minha voz sai tão fraca que me envergonho.


O rapaz abre o portão e Artho guia a moto por uma rampa de

acesso à casa, que fica no alto de uma pequena colina. Vejo vários

carros novos estacionados. Não há muitos pobres como eu no curso

de Direito.

Artho estaciona a moto ao lado de duas outras, mas a dele se

destaca por ser muito maior.

— Eu pensei que você não fosse aparecer — digo, quando

desço. Minhas pernas não estão muito firmes, mas torço para que

ele não perceba.

— E eu pensei que você não queria que eu aparecesse. Não

respondeu nenhuma das mensagens que te mandei — ele diz ao

passar a mão nos cabelos castanhos.

O sol saiu de trás de uma nuvem espessa e os raios quase o

fazem parecer loiro.


Olho para a coroa de louros em seu pescoço e fico tentada a

tocar a tatuagem, saber quais outros desenhos ele tem gravados em

sua pele. O pensamento é tão bobo que sacudo a cabeça para

afastá-lo.

— Não sabia que precisavam de resposta — digo ao me

inclinar para arrumar as meias 7/8 nas coxas e deixá-las da mesma

altura.

— Você está muito bonita hoje, de verdade — ele diz e eu

faço uma careta. — Por que acha que eu zombaria de você?

Lambo o lábio inferior. Não é óbvio?

Eu não sou como as outras garotas bonitas e confiantes, as

que recebem elogios. Sempre passo despercebida, então nenhum

rapaz nunca disse que sou bonita, muito menos maravilhosa. É

compreensível pensar que ele estava tirando sarro da minha cara.


Mas não preciso explicar nada disso a Artho.

— Não vou mais te chamar de Mulher Maravilha, se te

incomoda tanto. Também não vou permitir que mais ninguém faça

isso — ele diz e desce da moto. — Não foi minha intenção fazer

você se sentir mal.

Ele pendura seu capacete em um dos retrovisores e faz o

mesmo com o que eu usei.

— Vamos? — pergunta.

Temo que ele encontre os amigos da sua turma e esqueça de

mim assim que passe pela porta de entrada, mas não posso exigir

sua companhia na festa. O combinado era ele me acompanhar e

não ficar de babá.

Sacudo a cabeça em afirmação. Queria que Raquel estivesse

aqui.
Caminho com cuidado pela grama, concentrada em me

equilibrar nos saltos, mas me detenho a poucos metros da casa.

Artho para e me encara, vejo curiosidade e talvez um pouco

de preocupação em seu olhar.

— Pode me dar um segundo? — peço e começo a respirar

profundamente, enchendo meu peito de ar e o esvaziando devagar.

— Você está tendo uma crise de ansiedade? — ele pergunta.

Não sei se tenho mais vergonha de ir a essa festa ou de

admitir a ele o quanto sou tímida.

— Não é uma crise — respondo. — Só estou respirando ar

fresco.

É uma mentira ridícula, e ele não acredita. Estreita os olhos e

me analisa com atenção.


— Quer ir embora? — Artho quer saber.

A ideia me parece tentadora, mas logo me dou conta dos

trinta reais que paguei para vir. Penso no tanto de miojo e ovos que

poderia comprar, então nego com a cabeça.

— Vou me formar em Direito, não posso ter medo de aparecer

em público — murmuro.

Então, Artho surpreende ao pegar minha mão e a segurar

com força. Sua pele é quente e seu toque me conforta.

Ele me encara de um jeito que parece querer dizer “está tudo

bem”. Não sei se é essa sua intenção, mas ajuda muito. Sinto uma

barreira se quebrar dentro de mim e, ainda o encarando, assinto.

Relaxo os ombros e caminho ao seu lado. Ainda estou nervosa e

envergonhada, mas não travada.


Larissa Ferrari, a morena que foi apelidada de Burguesinha, é

a primeira pessoa da minha turma que avisto.

— Artho, você veio — ela diz assim que o vê e abre um

sorriso de orelha a orelha. Mas o sorriso parece desaparecer assim

que ela me nota ao lado dele. Seus olhos verdes encontram nossas

mãos dadas e ela torce o nariz.

— Você já conhece Charlotte — ele diz, sem soltar minha

mão.

— Charlotte? — ela pergunta e enruga a testa. — Você é

veterana?

Seu questionamento me faz perceber o quanto sou ignorada.

Ergo o queixo, sou alguns centímetros mais baixa que Larissa

e não quero deixar que ela me intimide. Não hoje.


— Charlotte é do primeiro período — Artho diz com o tom de

voz diferente do que ele usou para falar comigo.

— Ah, claro — Larissa diz. — Eu andei tão distraída essa

semana que nem reparei.

Ela estica a mão para me cumprimentar, mas Artho começa a

andar pela varanda, me tirando da obrigação de apertar a mão dela

de volta.

Na sala ampla com teto de madeira, há uma mesa de sinuca

com alguns alunos jogando, além de duas mesas com quatro

cadeiras. Uma delas está ocupada por quatro rapazes que

reconheço como sendo do segundo período. Eles estão jogando

truco e batem na mesa com empolgação. Um deles está tomando

chimarrão e os outros três bebem de canecas de cerveja.

Todo mundo na sala vem cumprimentar Artho, como se ele

fosse a pessoa mais esperada da festa. Quebrando minhas


expectativas, ele não me larga. Só solta minha mão para que eu

cumprimente cada uma das pessoas as quais ele me apresenta.

É estranho porque elas parecem realmente interessadas em

me conhecer.

— Artho, Mulher Maravilha! — Ouço a voz da veterana do

segundo período, a mesma que me fez assinar a lista da festa.

— É Char... — Artho começa a dizer, mas finco minhas unhas

vermelhas na sua mão para detê-lo.

— Eu mesma — respondo. — Você me convenceu a vir.

— Você está fazendo jus ao apelido, está maravilhosa. Amei

a saia.

— Foi minha colega de quarto que fez. Raquel Mendes, do

curso de Moda. Ela costura roupas lindas — explico.


— Ela faz para vender? — a veterana pergunta.

— Preciso ver com ela.

— Veja e me conte na segunda — a veterana diz. — A gente

se encontra depois.

Ela sai em direção a um grupo de rapazes da minha turma

que acabaram de chegar.

Artho me olha confuso, mas estou muito orgulhosa de mim

por não ter passado vergonha até agora, e não me abalo.

— Se não me chamava assim para debochar, está tudo bem

— sussurro para que só ele escute, e esfrego o polegar na pele

onde finquei as unhas.

— Então posso voltar a te chamar pelo apelido? — ele quer

saber.
— Pode — respondo. — Mas não abuse.

Ele empina o queixo e dá um sorriso de canto, o que faz

minha respiração acelerar.

Gosto como Artho segura firme na minha mão. Jamais andei

de mãos dadas com um rapaz e, mesmo que ele só esteja fazendo

isso por pena de mim, seu toque é reconfortante.


Charlotte

Eu deveria sentir vergonha de me contentar com tão pouco,

mas não quero ficar me criticando hoje. Já me estressei demais.

Deixo que Artho me guie pelo corredor que leva até os fundos

da casa. Vejo uma piscina coberta com uma proteção azul, além de

algumas mesas, na qual vários estudantes estão sentados. Outros

estão de pé, ouvindo música, bebendo ou fumando.

Há apenas cinco rapazes em volta da churrasqueira. É

exatamente para lá que Artho me leva.


Ele me apresenta aos veteranos de sua turma do sétimo

período, em seguida me leva até uma mesa onde estão sentados

Meteoro da Paixão, Pirulito, Lorenzo Moretti e Gabriela Rossi, todos

alunos do meu grupo do seminário.

— Uau, Mulher Maravilha, você está linda — Meteoro da

Paixão diz. Não me irrito com ele, até porque não consigo chamá-lo

de Lucas Rech, só pelo apelido.

Pirulito e Gabriela cumprimentam Artho com um beijo no

rosto, então recordo o comentário de uma delas sobre meia hora

com meu acompanhante resolver noventa porcento dos seus

problemas.

Uma mistura de sentimentos me atinge. Não quero que

nenhuma garota pense que pode ficar com ele e, ao mesmo tempo,

me sinto orgulhosa por ser eu a estar de mãos dadas com alguém

tão desejado.
Preciso me lembrar a todo momento que ele só está aqui

comigo porque Raquel insistiu muito.

— Por que está tão séria? — Artho pergunta ao perceber que

estou de cara amarrada. Ele solta minha mão e desliza a ponta dos

dedos pelo meu rosto.

Nesse momento, um vento gelado sopra do oeste e faz meu

corpo se arrepiar por baixo das roupas. Aperto o casaco contra o

peito e cruzo os braços, sentindo minhas pernas se enrijecerem.

— Quer a minha jaqueta? — Artho pergunta.

— De jeito nenhum — respondo depressa. Jamais aceitaria,

sabendo que ele iria ficar com frio.

Ele dá um passo para mais perto e me envolve com seus

braços. Fico ainda mais tensa ao sentir seus membros se fechando

em volta do meu corpo. Ele me abraça tão apertado que meu rosto
fica encostado contra seu peito, rígido por baixo da camiseta de

algodão. Artho me aninha contra seu corpo e passa a jaqueta em

volta dos meus ombros, me presenteando com o calor da sua pele.

Arfo. Sei que é apenas um gesto educado, mas não estou

acostumada.

Levo alguns segundos para criar coragem e abraçá-lo de

volta, rodeando seu torso com meus braços. Posso sentir seus

músculos, a forma como suas costas são fortes e sua barriga firme.

Percebo que estou prendendo a respiração e puxo o ar bem

forte. Aspiro o aroma do amaciante da sua roupa, o seu sabonete e

o perfume que ele usou.

— Melhor assim? — Artho pergunta contra os meus cabelos.

Meu coração está batendo rápido, não sei se é por causa do

frio ou do seu contato, mas temo que ele sinta meus batimentos.
— Já me sinto melhor — respondo, abrigada entre seu corpo

e a jaqueta.

— Vocês ainda querem jogar sinuca? — alguém grita da

porta. — A mesa está livre.

— Queremos — Meteoro da Paixão responde. — Quer jogar,

Artho? Podemos ir em duplas. Mulher Maravilha e você, Pirulito e

eu.

— Eu não sei jogar direito — digo.

— Te ensino.

Antes de voltarmos ao interior da casa, Gabriela pega um

prato de churrasco e polenta frita, e Lorenzo pega canecas de

chope para mim e Artho.

Não estou acostumada a beber, mas acabo aceitando. Os

acompanho para o interior da casa e dou um gole da bebida no


caminho.

Artho apoia sua caneca de chope intacta na mesa, escolhe

nossos tacos e passa giz na ponta. O imito, conheço as regras do

jogo e o que precisa ser feito, mas sou péssima com as tacadas.

O jogo começa e Meteoro da Paixão sugere que as damas

devem ir primeiro. Artho me induz a segurar o taco corretamente, e

fica atrás de mim, com as mãos sobre as minhas e a respiração

contra o meu pescoço, ele me induz e eu acerto a bola branca com

facilidade. Ela acerta uma das verdes que, por sua vez, cai no

buraco, sendo encaçapada.

Pisco, chocada, mesmo sabendo que não fui responsável

pelo acerto.

— Muito bem, Charlotte — Artho diz, ainda inclinado contra

mim.
Me viro e o encaro. Estou tão empolgada que preciso me

conter para não abraçá-lo.

Ele me deixa tacar a segunda sozinha, mas erro.

— Merda! — xingo baixinho.

— Está tudo bem. Acertamos a próxima — ele diz e pisca,

sorrindo torto.

Será que ele sabe o quanto está charmoso, será que faz ideia

do quão tentador é esse sorriso de canto? Ou será que está ciente

de tudo isso e faz de propósito?

Mas por que razão Artho desperdiçaria seu charme comigo?

Não faz nenhum sentido.

— Você é sortuda, Charlotte — ouço Pirulito dizer, quando

dou espaço para que Artho faça sua jogada.


— Por quê? — pergunto.

— Você veio com o cara mais gostoso do curso de Direito. Se

ele piscasse para mim como pisca para você, eu choraria, e não

seria pelos olhos.

Franzo o cenho, sem entender o que ela acabou de falar.

Penso em confidenciar que ele só veio comigo por pena, porque

minha amiga, que já ficou com ele, insistiu muito nisso, mas gosto

da ideia de ela pensar que eu realmente posso sair com um homem

como Artho.

— Ouvi dizer que ele aguenta a noite inteira — Gabriela

sussurra, enquanto morde o lábio e olha para a bunda de Artho

emoldurada pela calça preta. — É verdade, Mulher Maravilha?

Só não engasgo com o gole de chope porque recordo de

Raquel falando sobre isso no sábado passado.


Dou uma risadinha, mas não respondo.

Poderia mentir que sim, Artho aguenta a noite inteira toda vez

que dormimos juntas, mas seria uma coisa muito feia de se fazer.

Sem dúvidas, não gostaria que ele espalhasse mentiras sobre mim

e não farei com ele, mas também não vou assumir que esse

encontro é falso.

Quando ele termina a tacada, é a vez de Pirulito jogar, fico

feliz por ele vir até mim e passar o braço em volta da minha cintura,

como se soubesse exatamente o que precisa fingir.

É a primeira festa que vou e estou me saindo bem. Gosto da

atenção que as pessoas estão me dando, de como se apresentam

para mim, sem me olhar com desdém ou fingir que sou invisível,

como Burguesinha fez, assim como era no ensino médio.

Mesmo sabendo que só estão sendo simpáticos comigo,

porque vim acompanhando o veterano mais legal do curso, eu não


reclamo. Para falar a verdade, pagaria a Artho para me acompanhar

em todas as festas e fingir ser meu namorado, se eu tivesse

dinheiro, é claro.

Mas eu sei que não vai ser mais assim quando ele não estiver

comigo. Respiro fundo e tento não sofrer pelo que ainda está por vir.

Segurando meu taco, de pé no meio dos outros estudantes,

eu assisto como ele se diverte, como sabe exatamente o que dizer

para fazer todo mundo rir, a forma como as pessoas gostam dele.

Me pergunto qual é a sensação de ser querido assim, de

saber se comportar.

Artho sabe como seduzir e me admira que ele tenha aceitado

o pedido de Raquel para me trazer, quando poderia ficar com

qualquer uma.
Quando nós ganhamos o jogo, no melhor de cinco, já bebi

toda a minha caneca de chope e ele não provou da sua.

Já conversei com a maioria dos alunos da minha turma, que

passaram pela mesa de sinuca e nos viram jogar, e já sei que, de

todos, Meteoro da Paixão e eu somos os únicos alunos que aspiram

ser juízes. Alguns alunos querem ser advogados trabalhistas, alguns

irão optar pela área tributária e outros até pelo direito desportivo.

É ótimo poder conversar com eles, saber seus nomes e seus

objetivos. Acho que o chope me deixou mais falante.

Agora entendo por que Raquel queria tanto que eu viesse. A

festa é importante para fazer amizades. Todos os quarenta alunos

da sala estão aqui e seria péssimo ficar de fora.

— Quer ir embora? — Artho pergunta, por volta das cinco da

tarde.
— Sim, por favor — respondo. Meus pés estão começando a

doer dentro das botas e não sei quanto tempo mais consigo

aguentar.

Nos despedimos e o sigo até a moto.

Dessa vez, me apoio em Artho com um pouco mais de

intimidade, mas o contato entre nossos corpos ainda me deixa

nervosa.

— Vou passar em casa primeiro — ele informa, antes de dar a

partida e fazer o motor vibrar abaixo de mim.

— Tá — respondo, um pouco desconfiada.

No caminho até a próxima parada, estou preocupada com o

que Artho vai fazer. Eu nunca estive na casa de um rapaz. Me

lembro de Raquel explicar que ele mora com mais cinco amigos em
uma espécie de república chique, mas nada me prepara para a

mansão onde paramos.

O portão eletrônico se abre no muro coberto de trepadeiras. A

construção lembra um castelo, acho que foi construída há pelo

menos cem anos.

Ele pilota a moto por uma estrada de pedra que vai do portão

até os degraus de entrada da casa. Vejo varandas no primeiro andar

e um jardim bem cuidado. Deve valer alguns milhões de reais.

— Uau — digo assim que desço e tiro o capacete. — Você

mora mesmo aqui?

— Sim, mas ela pertence a Eros Giordano. Moramos aqui

desde que seus pais morreram — Artho diz e apoia o capacete no

retrovisor.

— Raquel me explicou por cima — comento.


— Eu só vou dar comida para o meu cachorro, não vou

demorar muito. Vem comigo — ele pede.

O sigo pelos degraus e fico impressionada ao adentrar a

casa. No hall de entrada, vejo uma placa de madeira com três

palavras escritas em letras garrafais CLUBE DOS CRETINOS, que

destoa da sala ampla e decorada em estilo rústico, logo à frente.

Noto um piano de cauda e uma criatura deitada perto dele, de

pelos pretos e corpulenta, que se levanta assim que percebe nossa

presença.

O rottweiler corre na minha direção, com a língua de fora.

— Calma, garoto — ouço Artho pedir quando me agacho para

fazer carinho na cabeça do cachorro. — Desculpa, pensei que ele

estivesse lá fora.
— Como ele se chama? — pergunto, fazendo cócegas no

pelo brilhante e curto do rottweiler.

— Darth Vader — Artho diz. — Você não ficou com medo…

Não é uma pergunta, mas uma afirmação.

— Adoro animais — respondo, encarando os olhos escuros e

amigáveis do cachorro.

— A maioria das mulheres fica com medo dele à primeira

vista — Artho se justifica. — Mas ele só avança para alguém que

não gosta de animais.

— Eles reconhecem quando a pessoa não é boa — comento.

—Não tenho medo de cachorros. Eles são melhores que muitos

humanos.

— Isso é verdade — Artho concorda comigo e sorri. Não

aquele tipo de sorriso sedutor que ele dá em público, mas um


sorriso diferente, alguma coisa parecida com o sorriso de um garoto.

— Só vou colocar comida para ele e já volto.

— Posso beber água? — pergunto.

— Claro, fique à vontade. Os outros que moram aqui saíram e

as funcionárias estão de folga. A cozinha fica naquela direção — ele

diz e aponta com o queixo, em seguida estala os dedos para que

Darth Vader o siga.

Os observo se afastar e percebo o quanto ele parece gostar e

dar carinho ao cachorro.

Olho para o lustre enorme pendurado no teto da sala e me

pergunto como deve ser morar aqui. Vejo uma lareira e algumas

toras de madeira em suporte de ferro ao lado. Os sofás são beges e

parecem macios. Há abajures e obras de artes em mesinhas de

centro e aparadores.
— Eles têm funcionários — sussurro e dou uma risadinha. —

Minha mãe iria adorar conhecer essa mansão.

Caminho na direção que ele me mostrou. Há três copos

grandes de vidro no escorredor, muito mais elegantes do que os

copos de requeijão que costumo beber água em casa. Alcanço um e

o encho no bebedouro ao lado da pia.

Os armários são cinza claros, com puxadores dourados, e os

balcões estão ocupados apenas por cestas de frutas e alguns vasos

bonitos. Não há uma exibição de eletrodomésticos à vista, como na

minha casa. Todos os utensílios estão guardados. O fogão de

indução está localizado abaixo de uma coifa muito sofisticada, e a

mesa é acoplada a alguns armários, formando uma ilha na cozinha.

Termino de encher o copo e dou o primeiro gole, olhando para

a paisagem além das portas de vidro que dão para uma varanda,

onde há uma mesa e cadeiras de ferro com arabescos esculpidos.


Ouço passos atrás de mim e viro para ver Artho chegando,

mas dou de cara com outro homem entrando na cozinha.

Fico imóvel, olhando para o rosto com traços angulosos e os

olhos azuis. Ele é tão alto quanto Artho e me encara de uma forma

que me deixa apreensiva.

— Quem é você? — ele pergunta com o timbre de voz rouco

e sério.

— Ah, e-eu — gaguejo diante de sua figura. Ele usa calças

pretas e jaqueta de couro, como Artho, e vejo que tem um

emaranhado de tatuagens que ultrapassa a gola da camiseta preta

e sobe em direção ao seu cabelo.

— Nome — ele exige.

Aperto o copo para não o deixar escorregar dos meus dedos.


— Char-Charlotte — consigo dizer. Meu coração está

martelando contra os meus ouvidos.

— Com quem você veio? — o homem quer saber.

— Artho — é tudo que sou capaz de responder.

Ele dá um sorriso e parece relaxar os ombros, estica o braço

para pegar o copo no escorredor, atrás de mim. Fica tão próximo

que posso sentir o cheiro de cigarro e perfume nas suas roupas.

— Então Artho te trouxe — ele comenta, antes de começar a

encher o copo. — Sou Dimitri Romano.

Olho para sua mão grande e esticada na minha direção e

demoro um instante para apertá-la. Ele tem tatuagens até no dorso

da mão.

Tenho medo de que ele perceba o tremor que domina meu

corpo, mas Dimitri aperta minha mão com firmeza e me dá um


sorriso simpático. Ainda tensa, sorrio de volta.

— O que faz em casa? — Ouço a voz de Artho questionar,

em tom de acusação.

Dimitri esfrega o polegar nos lábios, ainda com os olhos azuis

fixos nos meus, e abre ainda mais o sorriso.

— Estou bebendo água — ele responde, de costas para

Artho.

Só então depois de um longo olhar, é que ele se vira.

— Não ia à festa dos calouros de Jornalismo? — Artho

pergunta, desconfiado.

Agora, sem Dimitri na minha frente, posso vê-lo. Seus olhos

estão duros como eu nunca vi antes, de uma forma que chega a ser

mais ameaçadora que a presença de Dimitri.


Com passos largos, ele me alcança, segura minha mão e se

prostra entre mim e o outro.

— Ela não — murmura por entre os dentes, quase como se

rosnasse.

Enrugo o cenho, sem saber o que ele pretende com essas

palavras.

Dimitri parece entender, porque dá uma risada debochada.

— Vai querer exclusividade agora? — ele o provoca.

— Ela não — Artho repete.


Artho

Sábado, 12 de agosto de 2017

Não vou explicar a Dimitri os motivos pelos quais ele não

pode dar em cima de Charlotte, porque o fato de ela ser tímida,

caloura e adorável, só o faria desejá-la ainda mais. E eu sei que ele

está desejando nesse exato momento, conheço esse olhar.

— Você nunca se importou em pegar as nossas — Dimitri diz

e abre ainda mais o sorriso.


Preciso responder, mas é difícil pensar em algo quando ele

está certo, eu jamais liguei de dar em cima das garotas com quem

meus amigos saíam, porque nunca foi um grande problema. Com

exceção de Natan, o gêmeo que tem um pouco mais de escrúpulos

que nós, não nos importamos de dividir.

— Charlotte não — insisto, dessa vez com o tom de voz mais

sério, para que Dimitri entenda.

Ele percorre o corpo dela com o olhar, que para na pele da

coxa exposta entre a saia de pregas e a meia, apenas quatro

centímetros de pele, mas que faz a nossa imaginação fantasiar um

monte de coisas.

— Vou respeitar, só dessa vez — Dimitri diz, coloca o copo

sobre a pia e sai.

— Se eu soubesse que ele estaria em casa, não teria deixado

você sozinha — comento com Charlotte.


— Deixa eu ver se entendi, ele quis dizer que você dá em

cima das garotas que seus amigos ficam? — ela pergunta.

Dou de ombros e começo a lavar os dois copos na pia.

Ontem, eu não me importaria.

Planejava levar Charlotte à festa, como prometi, depois a

levaria para casa, voltaria à festa e sairia com Larissa, a caloura de

Direito que me mandou mensagens a semana toda.

Então Charlotte surgiu, vestida para matar qualquer cara do

coração. Meus planos foram por água abaixo assim que vi a saia de

pregas esvoaçando nos seus quadris e o batom vermelho na sua

boca.

Como ela poderia saber que eu tenho uma queda por garotas

de batom vermelho?
Além de estar tão gostosa, ainda veio perfumada, com cheiro

de jasmim e flor de laranjeira. Precisei me segurar para não dar um

basta em cada um que olhou para seu corpo com cobiça na festa.

Estar acompanhada não era o suficiente para eles

controlarem os olhares?

E agora, Dimitri.

Coloco os dois copos lavados sobre o escorredor e me viro

para olhá-la. Seus cílios são compridos e seus olhos são azuis

acinzentados, quando ela me encara, parece sempre estar cheia de

perguntas.

Meus olhos encontram os lábios carnudos e ainda vermelhos

no instante em que ela os morde, e eu sei que não vou voltar para

festa nenhuma hoje. A melhor festa será no meu quarto, e só

Charlotte está convidada.


Vejo sua língua aparecer entre os lábios e preciso me segurar

para não beijá-la aqui mesmo.

Pretendo ir com calma…

— Quer conhecer o resto da casa? — pergunto.

— Quero — Charlotte diz e sorri. É mesmo maravilhosa.

Apoio a mão na sua coluna, logo acima da bunda, que está

empinada, coberta pela saia xadrez, e a guio. Mostro a biblioteca, a

sala de jantar, que raramente é usada, o salão onde Eros costuma

dar festas, então a conduzo para o andar de cima.

Meu coração bate rápido e o pau está acordando quando

abro a porta do meu quarto e ela entra.

A essa altura, sei que não preciso fazer mais nada. Ela já

deve saber por que eu a trouxe para cá.


Ela dá alguns passos para dentro e eu espero que ela se vire,

tire o casaco e venha me beijar, assim como todas as outras fazem,

mas Charlotte não se vira, ela continua indo em direção às portas de

vidro que dão acesso à varanda.

— Aqui tem uma vista linda — ela diz, como se não fizesse

ideia do que vai acontecer.

Apresso o passo e abro as portas para que ela veja a varanda

melhor.

Gosto do jogo que ela faz comigo, da forma como finge não

se importar.

Ela caminha até a grade de ferro e se apoia para olhar o

jardim e a floresta que se estende atrás da casa. O sol está

terminando de se pôr e deixa uma luz dourada na paisagem.

— É lindo — ela sussurra.


Espero que Charlotte vire agora e me beije, mas ela

permanece olhando para o sol, que some atrás das montanhas.

— Gosta de assistir ao pôr do sol? — pergunto.

— Amo — ela diz. — Deixa um sentimento bom, não é?

— É, sim.

Ela está de parabéns. Nunca uma garota demorou tantos

minutos para tirar a roupa no meu quarto.

— Quer ver um filme? — pergunto.

— Não sei. Raquel ia a uma festa, não sei que horas ela

volta.

— Você precisa estar em casa quando ela chegar? —

pergunto.
Charlotte se vira na minha direção e arruma o cabelo

castanho atrás da orelha.

Imagino como vou enrolá-lo no meu pulso e puxá-lo.

— Fica mais um pouco — murmuro e seguro sua mão. —

Vamos entrar, está gelado aqui fora.

A conduzo de volta ao interior do quarto e digo para ela

procurar um filme, enquanto eu acendo a lareira, que fica localizada

na parede em frente à cama, abaixo da TV.

— O que gosta de assistir? — ela pergunta.

— Mulher Maravilha — digo e ela dá risada.

— Seu quarto é lindo — a ouço dizer.

— Os móveis já estavam na casa quando me mudei. Até a

TV. Só trouxe minhas roupas e livros — admito. — Pode se


acomodar na cama, já estou acabando.

Coloco minhas mãos acima das chamas para esquentá-las,

quando termino de acender a lareira, depois vou até a cama e

ocupo o lado vazio.

Ela está com as costas eretas e a saia caída em volta do

quadril. Arrumo os travesseiros e a puxo para se apoiar neles, então

pego o controle e dou o play.

O filme começa, mas estou me perguntando o que há de

errado comigo. Por que ela não me beija, por que não começa a

tirar a roupa? Será que minha capacidade de conquistar as

mulheres está com defeito ou ela simplesmente não sente nenhuma

atração por mim?

Seja qual for a resposta, meu pau a quer ainda mais agora.
— Você gosta mesmo de filmes de super herói ou só vai

assistir por minha causa? — ela pergunta e cruza os braços, apoia a

cabeça nos travesseiros e me olha com curiosidade.

— Eu gosto. Já assisti todos — respondo.

Pego uma mecha do seu cabelo e coloco atrás da orelha.

Charlotte estremece e se move, como se tivesse ficado inquieta. Por

um instante, olho para baixo e vejo que o movimento fez a saia

escorregar nas suas coxas de tal forma que posso ver um pedaço

da calcinha preta.

A respiração fica presa na minha garganta e sinto o coração

subindo para a minha boca, o pau lateja e a boca saliva de vontade

de tê-la. Essa demora só me atiça cada vez mais.

Olho diretamente para os seus lábios carnudos e engulo a

saliva. Deixo as costas dos meus dedos escorregarem pelo seu

queixo perfeitamente esculpido, em seguida alcanço seu pescoço.


Sinto sua pulsação na jugular e me inclino, preparado para devorar

sua boca gostosa.

— O que está fazendo, Artho? — ela sussurra quando meus

lábios estão a poucos centímetros dos seus.

— O que eu já deveria ter feito — respondo com a voz rouca,

afetada pelo tesão que me consome.

— O quê? — ela pergunta e se inclina para trás.

Minha mão solta seu pescoço e cai ao lado do meu corpo.

— Você, por acaso, pretendia me beijar? — Charlotte quer

saber.

Pela sua cara, vejo que isso não passou pela cabeça dela

uma única vez.


Charlotte

Artho pisca os olhos castanhos para mim, aparenta estar

confuso. Acho que fui longe demais na minha pergunta. É claro que

ele não queria me beijar.

— Talvez — ele diz.

Suas palavras me deixam de queixo caído. Me movo na

cama, sem conseguir assimilar como alguém como ele iria querer

algo comigo.
Arrumo a saia e prendo a barra entre as minhas pernas.

Inclino a cabeça para baixo e aperto o edredom branco para aliviar a

tensão que me domina. Meu coração acaba de dobrar de tamanho e

parece ecoar em cada parte do meu corpo.

— Eu nunca beijei ninguém — confesso, para que ele saiba

de uma vez com quem está lidando. Que tipo de homem terminando

a faculdade vai querer beijar uma garota que não sabe fazer isso.

Ergo a cabeça devagar e encaro seu rosto chocado.

— Nunca beijou... tipo... nunca mesmo? — Artho pergunta,

como se não fosse capaz de formular uma frase.

— Tipo nunca, nunquinha — confirmo.

Ele se move também, então se joga contra os travesseiros e

bate a mão na testa.

— Você é virgem? — ele quer saber.


Dou risada, porque sua pergunta não faz sentido.

— É claro que sou — digo. — Você me trouxe aqui, me

mostrou seu quarto e me chamou para assistir um filme com

segundas intenções?

Eu poderia ficar ofendida, mas não dá para me ofender ao

saber que ele me quer dessa forma.

Esse é um tipo de convite que só vi acontecer nos filmes e

livros de romance, quando o mocinho convida a mocinha para o

cinema e a beija quando as luzes se apagam.

Respiro fundo, é bom me sentir desejada.

De repente, estou olhando para a sua camiseta branca,

exposta pela jaqueta aberta, observo como o tecido revela o formato

do seu peito, e me pergunto como é sua pele sem essas roupas.


Sinto meu rosto esquentar. Não consigo recordar exatamente

como ele era no sonho, mas o vi sem camisa na tela do celular,

segurando um bebê, e tenho quase certeza de que havia algumas

tatuagens no seu peito.

Engulo a saliva, incomodada com a quantidade de

pensamentos que povoam minha mente.

— Eu não trouxe você aqui apenas para te beijar — Artho diz.

Sua voz está mais rouca que de costume.

Eu deveria estar morrendo de vergonha por estarmos falando

de beijo, mas ele tem me deixado especialmente à vontade hoje.

Dobro os joelhos, sento sobre os calcanhares e apoio os

punhos fechados ao lado do meu corpo. O encaro e dou risada ao

perceber que ele está mentindo.

— O que foi? — Artho quer saber.


— Nada demais, eu só não esperava que você fosse me

querer dessa forma — respondo e mordo o lábio.

Acho que ele despertou alguma coisa dentro de mim. Sempre

pensei que essa coisa de encontros e ficar com alguém nunca fosse

acontecer comigo, mas estou muito feliz por quase ter acontecido.

— Por que eu não iria te querer, Charlotte? — Artho pergunta.

Não respondo. Não preciso reafirmar o quanto ele é bonito,

gostoso e muito desejável. Aposto que muitas garotas já fizeram

isso.

Tirei minhas botas antes de me sentar na cama, por isso ando

na ponta dos pés, até a varanda. O chão está frio e o ar do lado de

fora ainda mais, só que eu preciso desse momento.

É uma emoção que nunca senti antes. Fecho o casaco diante

do meu peito e dou risada para as montanhas escurecidas atrás da


casa.

Sinto Artho se aproximar e parar ao meu lado.

— Como você conseguiu chegar à universidade sem nunca

ter beijado? — O ouço perguntar.

Dou risada outra vez. Talvez eu tivesse beijado se um garoto

ao menos tentasse.

— Acho que eu estava concentrada demais nos estudos —

digo, o que não é uma completa mentira.

Eu não saía porque vivia estudando ou vivia estudando

porque não saía de casa?

Acho que a segunda opção é a melhor. Ninguém me

convidava para as festas, muito menos para um encontro.

— Eu também estudei muito — ele murmura.


— Professora Claudia Schmitz falou sobre você ter passado

em primeiro lugar no seu ano. Isso é incrível. Meus parabéns!

— Obrigado. Eu tenho facilidade para aprender. Estudei em

escola particular com bolsa integral porque sempre tirava as

melhores notas — Artho me conta. — Não venho de família rica,

como os outros amigos que dividem a casa comigo.

— Você os conheceu na escola? — pergunto.

— Sim, eu era nerd e eles também. Seis alunos

desengonçados do sexto ano do fundamental. A gente era motivo

de piada, até a explosão de hormônios da puberdade — ele diz e

olha para o chão.

— Então vocês deixaram de ser nerds e viraram o grupo de

rapazes populares, que todas as garotas da escola desejavam —

concluo. — Se tornaram o clube dos cretinos.


Ele ri outra vez.

— Foi Lion que pendurou a placa — confessa. — Você o

conhece?

— Já o vi no refeitório com você.

— É uma piada interna — Artho diz.

— Eu sou como vocês antes da explosão de hormônios —

digo, baixinho.

Artho ergue a cabeça lentamente, como se estivesse

apreciando meu corpo aos poucos, até seu olhar encontrar o meu.

— Você é linda, Mulher Maravilha — sussurra, então ergue a

mão e toca meu pescoço. — É uma pena que eu não posso ficar

com você.
Toda a felicidade que estava sentindo rui, e me odeio por ter

permitido que ele mexesse tanto comigo. É ridículo, eu não o quero

de verdade, ele só é gostoso e atraente.

Eu quero continuar estudando, tirar boas notas, arranjar um

estágio e depois virar uma excelente juíza, para dar uma vida mais

confortável a minha mãe, que está dando um duro danado para me

sustentar aqui. Não há espaço para me iludir com garotos nesses

planos.

— Por quê? — pergunto, apesar de tudo.

— Porque você é virgem. Como diz a placa lá fora, eu sou um

cretino e, por mais que eu deseje te beijar, não vou insistir nisso. Já

fiquei com uma garota virgem uma vez e foi a maior burrada que eu

poderia ter feito na vida.

Aperto os lábios. Um nó se forma na minha garganta. O que

tem de mais em ser virgem? Não estou implorando para ele tirar
minha virgindade. Isso é tão ridículo.

— Sim, você é um cretino — murmuro. Por sorte, está escuro

aqui fora e Artho não pode ver o quanto suas palavras me afetaram.

Reflito sobre elas por um instante. Ele ficou com uma garota

virgem e foi uma grande burrada. Por quê? Ela se apaixonou? Ficou

no seu pé?

Quero perguntar, mas já me sinto esquisita demais.

— Quem é aquela menininha na tela do seu celular? —

resolvo perguntar.

— É Ayla, minha irmã — ele diz com a voz mais relaxada. —

É a coisa mais importante da minha vida.

— E onde ela está?


— Com minha mãe e meu padrasto — Artho diz. — Eles

moram em um bairro mais afastado do centro, mas eu passo lá para

vê-la todos os dias.

Respiro fundo. Agora, ele me parece muito fofo ao falar da

sua irmãzinha. Estou começando a odiar essa montanha russa de

sentimentos.

Como que as garotas conseguem ficar com os caras e lidar

com essas emoções? É tão desgastante.

— Ela deve ser muito linda — comento. Não sei por que ainda

estou aqui me humilhando.

Tenho o aplicativo Uber baixado no meu celular e posso pedir

um carro. Respiro fundo, me perguntando quanto a corrida vai ficar.

Não acredito que vou gastar mais dinheiro com este dia fatídico.
Tudo bem, não foi tão fatídico assim, afinal, consegui

conhecer melhor as pessoas da minha turma, me entrosei com eles,

e isso já é um grande passo para o meu desenvolvimento social.

— Ela é, sim — ele diz e enfia a mão no bolso para pegar o

celular.

Me apresenta a um vídeo dela cantando uma música infantil

enquanto rabisca um caderno com giz de cera.

— Tutú, tô desenhado você — a menininha diz e olha para a

câmera com um sorriso lindo que exibe os dentes pequeninos. Suas

bochechas são fofas e eu tenho vontade de apertá-las, mesmo sem

poder

Meu instinto materno é despertado com força total e eu pego

o celular das suas mãos para vê-la melhor.

— Ela é muito linda — comento. — Quantos anos tem?


— Fez dois anos em março — ele diz, todo orgulhoso.

— São só vocês dois de filhos? — pergunto ao devolver o

aparelho.

— Sim.

— Você disse que ela mora com sua mãe e seu padrasto. O

que aconteceu com seu pai?

— Não sei — Artho diz e dá de ombros, enquanto guarda o

aparelho de volta. — Não o vejo há muitos anos.

Engulo a saliva e troco o peso do corpo para a outra perna.

Também não tenho meu pai, ele faleceu quando eu tinha seis anos,

mas não preciso dar detalhes da minha vida pessoal a ele.

— Eu vou pedir um Uber — digo. — Está ficando tarde e

Raquel já deve ter chegado.


— Não são nem dezenove horas — Artho diz.

— Dezenove horas é tarde para uma virgem ficar fora de casa

— falo com sarcasmo.

— Termina de ver o filme comigo, depois faço alguma coisa

para a gente jantar. O que acha?

— Guarde seu charme e sua habilidade na cozinha para

alguém com quem possa ficar — digo e volto para o quarto.

Sento na cama para calçar as botas. Meus pés voltam a doer

quando fico de pé outra vez.

— Eu não quis te ofender — ele diz ao me alcançar.

— Você deixou claro que não é bom para mim, não foi ofensa,

e sim, um favor — digo de cabeça erguida. — Agradeço a sua

sinceridade.
Caminho na direção da porta e saio para o corredor. A casa

está escura.

— Fui te buscar e vou te levar de volta — ele diz ao acender

as luzes.

— Não precisa, chamo um Uber, já falei.

— Insisto.

Ele me acompanha até a porta. Não vejo sinal de Dimitri ou

de qualquer outro morador da casa.

Aceito sua carona só pela questão financeira. Monto na

garupa da sua moto e Artho me leva de volta ao Edifício

Universitário.

A noite está congelando quando chegamos. Estou com tanto

frio que meus músculos estão duros. Sinto meus mamilos doerem.
Penso no chocolate quente da minha mãe e no quão cairia bem

agora.

Tiro o capacete e ouço o som de música eletrônica vindo do

prédio. Ergo a cabeça e vejo luzes coloridas piscando nas janelas

da cobertura.

— Quer ir até lá comigo? Fui convidado — Artho diz ao me

pegar olhando.

— Duas festas no mesmo dia é demais pra mim — admito.

— E o que vai fazer o resto da noite? — ele pergunta.

— Vou comer alguma coisa, tomar um banho quente, estudar

para a apresentação de um seminário e depois ler um romance que

me deixe com o coração quentinho.

— Você é adorável — ele diz, de repente. — Espero que eu

tenha ajudado na festa.


— Ajudou sim — preciso admitir. — Muito obrigada. Estou te

devendo um favor.

— E eu vou cobrar — ele diz, pisca o olho castanho para mim

e dá o sorriso torto e malicioso.

Mas estou tranquila, sei que Artho não quer nada de

malicioso envolvendo uma virgem.

— Eu te convidaria para entrar, mas não tem nada de

interessante no meu quarto.

— Tem você — ele brinca, mas não vou entrar nessa outra

vez.

— Até logo, Artho, e obrigada mais uma vez.

— Te vejo na aula de Economia Política. Guarde um lugar

para mim — ele diz antes de colocar o capacete.


Artho

Segunda, 14 de agosto

Aperto a buzina do carro pela segunda vez, parado em frente

à casa da minha mãe. São vinte para às sete da manhã e preciso

levar Ayla cedo à creche, só assim não me atraso para minha aula.

Na terceira vez em que aperto a buzina e não sou atendido,

desço do carro e resolvo entrar na casa.

Ouço seu choro assim que me aproximo da maçaneta.


Localizo a chave no molho e destranco a porta. Pego Ayla no

berço e tento acalmá-la, só então procuro pela minha mãe.

A encontro no quarto e vejo vestígios de pó branco sobre a

mesinha de cabeceira.

Pego o celular e ligo para Celso Weber, enquanto volto com

Ayla para o quarto e a troco o mais rápido que posso.

— Ela saiu de casa ontem à tarde. Voltou tarde, eu já estava

dormindo — Celso explica com a voz aborrecida.

— Você viu que ela usou? — pergunto.

— Não vi nada. Só sei que fiquei cuidando de Ayla sozinho.

Só não dei um fim nesse relacionamento por causa da menina —

meu padrasto diz. — A casa é minha, fui eu quem a construiu e não

vou sair e deixar tudo para ela. Eu amo sua mãe, mas não posso

mais aguentar outra dessas.


Sinto meu estômago doer. Eu não tenho condições de cuidar

dela em tempo integral, a não ser que eu largue a faculdade.

— Vou procurar um tratamento, dessa vez ela vai ter que

fazer — respondo. — Não desista dela ainda.

— Duvido que dê certo — Celso responde. — Você e Ayla

não merecem passar por isso.

Com Ayla arrumada e ainda choramingando, vou até a

cozinha e preparo sua mamadeira.

A coloco na cadeirinha e ela toma seu mamá a caminho da

creche. Está calma e sorridente quando chegamos.

Ela me olha como se soubesse o tamanho do amor que sinto

por ela. Só isso é capaz de me fazer acreditar que há uma saída

para essa situação.


Não posso mais deixá-la com minha mãe, não posso deixar

essa responsabilidade nas mãos de alguém que sofre de

dependência química e é perturbada diariamente com a lembrança

terrível do passado.

Eu não sei o que fazer. Se ao menos o meu expediente

terminasse antes do horário de saída da creche, eu poderia buscar

Ayla e levá-la para casa. Eros já disse que não se importaria se ela

morasse com a gente, pelo menos durante a semana, e seria só à

noite, mas meu expediente no cartório acaba uma hora depois da

saída da creche.

Ainda estou preocupado com isso quando saio da minha aula

de Direito Processual Penal II e sigo para o bloco do primeiro

período.

Vejo que a carteira à frente de Charlotte está ocupada por um

aluno que os veteranos chamam de Pinscher. Ele é da cidade e


conheço bem sua fama de arrumar briga.

Não gosto nem um pouco de vê-lo perto dela.

— Oi, Artho — escuto a voz aguda de Larissa me chamar. —

Guardei lugar para você.

Tiro a mochila pesada dos meus ombros e dou um aceno de

cabeça para ela, então jogo a mochila em cima da carteira que

Pinscher ocupa. Metade de uma folha do seu caderno é arrancada

do arame em espiral.

— Dá o fora — digo, sem me dar ao trabalho de olhar para

ele.

Vejo os olhos arregalados de Charlotte. Ela vira o pescoço na

direção da turma e seu rosto fica corado.

— Seu filho da puta, olha o que você fez — Pinscher reclama.


— Dá o fora agora — peço com toda paciência.

— Artho? — Charlotte sussurra.

— Peguei essa carteira primeiro — ele diz.

— Já deveria saber que o lugar perto de Charlotte é meu —

murmuro e empurro os ombros dele com a mochila.

Ocupo a cadeira assim que ele sai rosnando e xingando

minha mãe, que ele nem conhece.

— Quando eu te pegar, vou arrebentar sua cara — ameaça.

Ergo as sobrancelhas e o encaro até ele sentar na fileira mais

distante.

— Que porra foi essa? — Charlotte pergunta baixinho, parece

irritada. É incrível como o palavrão soa bem no seu timbre de voz.

— Todo mundo está olhando!


— Não quero ele andando com você, falando com você, muito

menos se sentando perto de você — explico.

— Por quê? — Charlotte questiona.

Nesse momento, a professora Claudia Schmitz entra na sala.

Por sorte, ela se atrasou. Se me visse arrumando briga com o

calouro, é bem provável que eu seria convidado a me retirar da sua

aula, e em três anos e meio de universidade, isso nunca aconteceu.

— Porque não confio nele — murmuro.

— Isso não te dá o direito de... — ela começa a dizer, mas me

inclino na sua direção e coloco meu dedo indicador nos seus lábios

macios.

— Ele aprontou há algum tempo… pegou uma menina em

uma festa e ela estava tão bêbada que não reagiu.

— Meu Deus! — Charlotte se espanta.


— Como se não bastasse, ele filmou e mandou para o grupo

dos amigos.

— E como ele não está preso?

— A família dele é rica, soltou uma boa grana para os pais

dela se mudaram da cidade sem prestar queixa.

— Passaram pano para um... — ela diz e olha na direção

dele.

— Eles abafaram o caso, só as pessoas mais próximas

ficaram sabendo. Mas Lion Bianco, um dos amigos que moram

comigo, jogava no mesmo time de futebol que ele e nos contou. Por

esse motivo, ele não vai fazer nenhum trabalho com você, não vai

falar e nem andar com você e muito menos sentar ao seu lado. Se

eu souber que ele se aproximou de novo, não vou pedir

educadamente que saia, vou quebrar a cara dele.


Charlotte fica me encarando com os olhos cinzentos

assustados. Ela é tímida, doce e não tem experiência nenhuma com

homens. Não posso permitir que alguma coisa ruim aconteça a ela.

Os calouros ainda estão comentando sobre o acontecido,

cochichando uns com os outros, quando a professora começa a

fazer perguntas sobre o último capítulo do livro.

Batuco a caneta no caderno. A voz da consciência fica me

dizendo que não tenho condições de arrumar mais problemas, mais

pessoas para cuidar, porém, não posso ouvi-la, não se ela está

contra proteger Charlotte desses babacas.

Você também é um babaca, a voz irritante fala. Não é melhor

que nenhum desses caras.

Eu nunca ficaria com uma garota bêbada, muito menos

exibiria isso para os meus amigos, respondo a voz em

pensamentos.
Mas você mente, ilude, promete, usa e depois descarta.

Quantas garotas do curso você já fez pensar que estava apaixonado

por elas, quando a verdade é que nunca se apaixonou por

ninguém?, minha consciência insiste em lembrar quem sou.

Vai se foder, xingo meus próprios pensamentos.

Olhe para Larissa, ela está há quase uma semana esperando

sua ligação, e o que você faz? Aparece na festa com outra, a

consciência continua. Aposto que Camila morreu de desgosto.

— Vai se foder — rosno baixinho e bato com a palma da mão

contra meu ouvido direito, não posso mais lidar com isso.

— Está tudo bem? — Charlotte pergunta e coloca a mão no

meu ombro.

Seguro seus dedos para manter o contato e escorrego na

cadeira até deixar a bunda na beirada do assento. Apoio a cabeça


na parede ao lado e esfrego o polegar no dorso da sua mão.

— Você parece perturbado — a sua voz doce soa bem perto

do meu ouvido. É a melhor coisa a se ouvir depois de um ataque de

pensamentos ruins.

Beijo as pontas dos seus dedos e continuo segurando sua

mão para que Charlotte não se afaste.

— Estou com uns problemas, não é nada demais — sussurro.

Olho sobre o ombro e encaro os olhos brilhantes. Seus lábios

não estão pintados de vermelho, mas são tão desejáveis quanto se

estivessem. É uma pena que eu não possa beijá-los.

Solto sua mão e espero que Charlotte se afaste, mas ela

prolonga o toque, então esfrega as pontas dos dedos na parte de

trás do meu pescoço.

Fecho os olhos e tento esvaziar a mente, mas é impossível.


— Posso te cobrar aquele favor? — pergunto baixinho.

— Depende... — ela soa desconfiada.

— Te explico depois da aula.

Charlotte me encara por um instante, como se quisesse me

xingar, depois assente e desvia o olhar.


Charlotte

Ainda estou perturbada pelo que Artho me contou. Eu estava

combinando com Pedro Ludwig, a quem todos chamam de Pinscher,

que iríamos estudar na biblioteca depois do almoço.

Não quero pensar nas coisas que esse cara é capaz de fazer.

Me dá nojo e arrepios. Sou contra a violência e a forma ridícula

como Artho chegou nele, mas passo pano agora que sei seus

motivos.
A aula termina e Artho me pede para acompanhá-lo até o

corredor, estou ansiosa e curiosa para saber o que ele vai me pedir

em troca de ter me acompanhado à festa no sábado.

Sinceramente, não estou em condições de reclamar.

— Então...? — pergunto ao estalar os dedos da mão.

— Minha mãe não está bem e não vou conseguir buscar

minha irmãzinha na creche hoje à tarde. Não tenho outra pessoa a

quem pedir. Você poderia fazer isso por mim? Vou estar no

trabalho... Eu pediria a Eros, mas sei que ele tem uma reunião com

o advogado hoje. Lion vai estar no treino, Dimitri também trabalha e

os gêmeos...

— Eu vou, tudo bem — garanto. — Ela se chama Ayla, né?

— Isso. Eu vou precisar de uma foto do seu R.G. para enviar

à escola e autorizar que você a busque.


Assinto. Enquanto pego o documento, percebo o quanto ele

parece preocupado, como se estivesse com a cabeça cheia de

problemas.

— Eu a busco, depois levo até sua casa e fico com ela até

você chegar? — pergunto.

— Seria ótimo.

Entrego meu R.G. a Artho e ele tira uma foto com seu celular.

— Você é a primeira pessoa que eu vejo ficar bonita na foto

do documento — ele brinca e dá o sorriso de canto, de um jeito que

exibe o dente canino direito.

Sinto meu rosto esquentar, não pelo seu comentário, mas

pela forma como sorri.

— Foi um elogio — Artho comenta e estica a mão para tocar

minha bochecha.
Ele perceber que acabei de corar faz o sangue se concentrar

ainda mais na minha face.

Puxo o R.G. da sua mão e o guardo na carteira.

— Me passa o endereço no meu WhatsApp — digo, antes de

voltar a minha sala.

Na hora do almoço, Artho me entrega uma nota de cinquenta

reais e diz que é para pagar o Uber. Estou inquieta porque não sei

como a menina vai se comportar quando me vir.

Sou apaixonada por crianças, mas temo que ela não goste de

mim e chore por todo o caminho.

Depois do almoço, Raquel me acompanha até a biblioteca e

me explica qual ônibus devo pegar para chegar à creche e depois ir


de lá à casa de Artho. Ele me deu dinheiro para o Uber, mas não

vou gastar. Sei o quanto precisa.

Ayla é a criança mais fofa que já vi. Tem os olhos azuis

grandes e expressivos, o rostinho fofo, as bochechas rosadas e a

boquinha em formato de coração. Seu cabelo castanho claro, no

mesmo tom do irmão, está preso em marias-chiquinhas com

lacinhos de veludo cor de rosa.

Ela me olha com estranheza, nos braços da moça que a traz

até o portão da creche.

— Ela não chorou nenhuma vez hoje — a moça me diz. — Só

fez xixi no vaso e comeu o lanchinho todo.

Assinto e a pego no colo.


— Me chamo Charlotte. Seu irmão me pediu para buscá-la —

explico com a voz mais calma possível. — Sua mamãe não está se

sentindo bem e eu vou levar você para a casa de Artho.

— Cadê Tutú? — ela pergunta, mas aceita vir no meu colo.

— Está no trabalho. Mas loguinho você vai vê-lo — explico,

enquanto a moça da creche pendura a bolsa rosa dela nos meus

ombros.

Arrumo melhor Ayla no meu colo, coloco o capuz do casaco

lilás na sua cabeça e caminho com ela até o ponto de ônibus.

A parada está cheia, mas um rapaz se levanta para que eu

me sente com Ayla.

— Muito obrigada — digo e me sento.

Ela continua me olhando, mas dessa vez com curiosidade.

Começa a dar risadinhas fofas quando brinco com seus dedos


gordinhos.

— Chaloti — ela diz meu nome do seu jeitinho, então começa

a bater palmas e cantar quando vê o ônibus se aproximando. —

Motolista, motolista, olá o posti, olá o posti. Não é di bolacha, não é

di bolacha, vai batê! Vai batê.

— Artho não me disse que você era tão esperta assim — a

elogio, enquanto me levanto e me preparo para entrar no ônibus

cheio.

Confiro pelo menos cinco vezes a numeração do ônibus para

ter certeza de que ele vai mesmo para o bairro da casa de Eros

Giordano e o clube dos cretinos.

Temo tropeçar e derrubar a nenê, mas consigo chegar ao

assento mais próximo à porta de saída sem cair. Me sento com ela

assim que o ônibus começa a andar. Firmo meus pés no chão para

não escorregar na cadeira lisa e dura a cada curva.


Ayla está sentada de frente para mim, e olha tudo com

curiosidade.

— Como foi seu dia? — pergunto, só para ouvir sua voz doce

outra vez.

— Mamãe não cordô — ela conta bem séria, com o dedinho

indicador erguido, o sacudindo de um lado para o outro. — Nenê

cholô cholô cholô. Ficô muito tisti. Ai Tutú chegou e fez o mamá de

nenê. Tutú gosta muuuuuito de nenê.

Tento entender suas palavras.

— Sua mamãe não acordou? — pergunto.

— Não não — ela diz e sacode o dedinho. — Dexô nenê com

fome e cholando.

Meu coração se aperta no peito. Não sei se aconteceu

alguma coisa grave com sua mãe. Artho não entrou em detalhes,
mas parece que Ayla ficou chorando por muito tempo até ele

chegar.

— Sua mãe estava doentinha, por isso não acordou — digo e

faço carinho no seu rosto. — Não foi culpa dela.

— Tutú fica bavo, muuuuito bavo poquê ela bebe cheveja e

não cuida de nenê.

Engulo em seco e torço para ter entendido errado.

— Que outra música você sabe cantar? — resolvo mudar de

assunto, não sei se aguento outra declaração dessas. Preciso ouvir

da boca de Artho o que está acontecendo com sua mãe e essa

criaturinha fofa.

Ayla segue cantando as musiquinhas infantis, errando as

palavras de um jeito muito meigo, até chegarmos ao ponto de

ônibus da rua onde fica a mansão da família Giordano.


Desço com cuidado, equilibro Ayla de um lado, com as pernas

em volta da minha cintura, sua bolsa rosa do outro, junto com a

minha.

— Nenê qué xixi — ela diz assim que o ônibus parte.

— Você não está de fralda? — pergunto e toco seu bumbum

para conferir.

Arregalo os olhos quando sinto que ela não está usando

nenhuma fralda.

— Já estamos chegando em casa, meu amor. Vamos correr!

— digo. — Segure firme.

Começo a correr pela ladeira que leva até a casa de Eros.

Minhas costas doem e perco o fôlego, mas não desisto de ir bem

rápido, não quero que ela faça xixi na roupa.


Na metade da subida, percebo um carro preto parar ao meu

lado.

— Ayla? — uma voz áspera e masculina pergunta. —

Charlotte?

Me viro e vejo Dimitri Romano na direção do carro.

— Entra — ele pede e se estica para abrir a porta do carona.

Sei que Artho ficou bem irritado por Dimitri falar comigo, mas

tenho urgência em chegar logo.

Pulo para dentro do carro com Ayla e bato a porta.

— Ela precisa fazer xixi — explico, sem me dar ao luxo de

colocar o cinto de segurança.

Dimitri bate uma continência e acelera o carro, o fazendo

cantar pneu. Quando avisto o portão entre os muros cobertos de


trepadeiras, ele já está abrindo. Em poucos segundos estamos na

frente da casa.

Ele pega Ayla do meu colo e a leva depressa até o segundo

andar.

— Xixi! Xixi! — ela pede com urgência.

A pego dos braços de Dimitri e ele abre a porta do banheiro

para nós, em seguida a fecha, nos dando privacidade.

Só respiro novamente quando ela acaba e balança as

perninhas.

— Deu tempo? — ouço Dimitri perguntar, enquanto eu arrumo

Ayla novamente.

— Deu sim, muito obrigada, mesmo! — grito para a porta

fechada.
— Não foi nada.

Lavo as mãos de Ayla e as minhas, deixamos o banheiro e eu

mando uma mensagem para Artho avisando que já estamos em

casa.

Quando saio, Dimitri ainda está parado no quarto. Só então

me dou conta da sua presença e do quanto ele parece ameaçador.

— Está com fome, Batatinha? Titio chegou mais cedo do

serviço hoje e vai preparar um chocolate quente para você — ele diz

e estica as mãos na direção de Ayla.

— Êba! — Ayla grita e se joga na direção dele. — Fome!

— Vem com a gente — Dimitri convida.

Mordo o lábio e o acompanho.


Quando estou na cozinha com eles, evito ficar encarando,

mesmo que seja atraída para as tatuagens em seu pescoço e nas

mãos. Ele está usando uma jaqueta de lona verde e calças jeans.

Ayla não fica nada incomodada com a presença dele, pelo contrário,

se diverte com tudo que ele diz.

Tem um bolo de milho intacto sobre a mesa. Ele nos serve

pedaços generosos quando termina de preparar o chocolate quente.

Ouço o barulho da porta da frente se abrir, em seguida o som

de passos se aproximando.

Me viro e vejo o rapaz que suponho ser Lion. Ele

cumprimenta Ayla com um beijo na bochecha e pega um pedaço de

bolo.

— Lion Bianco — ele diz, arrumando a alça da mochila no

ombro. Está usando uma camiseta do time de futebol local por baixo

de um casaco preto. — Você é a tal Charlotte?


— Sim — respondo, envergonhada.

Lion se inclina e beija meu rosto.

— É um prazer — diz.

Não estou certa do que responder, por isso fico em silêncio.

Ele apoia o bolo em cima de um guardanapo sobre a mesa e

se serve de chocolate quente.

Bebo o primeiro gole, mantendo os olhos na minha xícara,

acanhada por estar no mesmo cômodo com dois homens que não

tenho intimidade.

Ayla está sentada sobre a mesa e responde às perguntas dos

rapazes sem nenhum constrangimento. É muito bom ser criança.

Quando a porta bate outra vez, meu coração acelera. Torço

para que seja Artho, mas estou enganada.


Os gêmeos entram na cozinha, fazendo o cômodo grande

parecer pequeno.

São morenos, olhos castanhos, cabelos lisos e lábios cheios.

A princípio, não vejo nenhuma diferença entre eles. Rodeiam a

mesa e pegam um pedaço de bolo cada.

— Natan, você precisa conhecer a garota que Artho está a fim

— Dimitri diz. — Essa é Charlotte.

— É um prazer, Charlotte — um dos gêmeos fala. — Natan

Valentini.

Ele também se inclina e beija meu rosto.

Dou um sorriso amarelo, torcendo para não ficar vermelha. O

outro gêmeo se apresenta como Gabriel e faz um comentário sobre

ser a oportunidade perfeita para o irmão se vingar de Artho.


Já sei que Artho pega as ficantes dos amigos e eles não

veem a hora de pegar a dele também.

— Não quero desanimar vocês, mas Artho e eu somos só

colegas — explico, antes que um deles comece a me dar cantadas.

Lion segura a barriga e joga o pescoço para trás ao dar uma

gargalhada estrondosa.

— Artho e você só colegas? — Dimitri quem ri dessa vez.

— Artho não tem amigas mulheres — um dos gêmeos diz, o

que se apresentou como Natan, então se inclina e tapa os ouvidos

de Ayla. — Porque ele come todas.

Engulo a saliva. Não posso descrever o quanto me sinto

constrangida.

Ayla dá um gritinho, puxa as mãos de Natan e liberta suas

orelhas.
— Você já falou demais — Dimitri diz com o semblante sério.

— Lion, a lenha é por sua conta.

Lion termina de comer o bolo, faz sinal de positivo com o

polegar, coloca a xícara sobre a mesa e alcança o interruptor que

acende as luzes do gramado lá fora.

O vejo sair pelas portas de vidro e começar a tirar o casaco e

a camiseta do time. Desvio o olhar do seu corpo, mas dá tempo de

ver a tatuagem de leão em seu braço.

Fico de pé, pego Ayla e deixo a cozinha antes que Eros

Giordano apareça e me envergonhe com comentários do tipo que

seus amigos fizeram.

Vejo Darth Vader, o rottweiler de Artho, na sala e o convido a

subir as escadas com Ayla e eu.


Brinco com eles por vários minutos, depois abro a porta do

quarto quando Darth Vader começa a choramingar para sair. Ligo a

TV e coloco a música O Sapo Não Lava o Pé para Ayla. Ela começa

a dançar e dar pulinhos em frente a cama. Assisto a cena com um

sorriso e bato palmas para incentivá-la.

— Charlotte? — alguém me chama do corredor.

Pulo da cama de Artho e vou ver quem é. Dou de cara com o

loiro alto e de olhos castanhos, segurando alguns pedaços de lenha

nos dois braços.

— Artho pediu para avisar que foi ver como a mãe está, mas

que não vai demorar muito — Eros Giordano diz. — Trouxe lenha

para acender a lareira, Dimitri me disse que o suporte está vazio.

— Ah, claro — respondo, saindo da frente da porta para que

Eros entre.
Ayla para de dançar e corre para agarrar a perna dele. Eros

coloca a lenha no suporte e a pega no colo.

— Batatinha, o tio estava morrendo de saudades — ele diz

com o timbre de voz afetado.

Amo como as criancinhas deixam até os rapazes mais sérios

com voz de bobos.

Ele termina de cumprimentá-la e inicia o processo de acender

a lareira.

Ayla vem para a cama comigo e começa a pular ao ouvir a

música da Borboletinha, que se inicia logo após a do sapo. Ela

parece tão feliz aqui, sorrindo, mostrando seus dentinhos e

balançando o bumbum no ritmo da música.

— Nunca vi uma criança mais fofa — Eros diz quando fica de

pé, após fazer o fogo pegar.


Ele se aproxima da cama e faz cócegas na barriguinha de

Ayla, o que a faz cair deitada na cama, em gargalhadas.

Penso em pegar meu celular e filmar a cena para mostrar a

Raquel. Acho que ela morreria se o visse assim, brincando com uma

criança. Mas filmar seria muito esquisito, ainda mais para mostrar a

outra pessoa.

Quando termina, Eros joga um beijo para ela e nos deixa a

sós.

Ayla está ainda mais agitada e quer que eu pule com ela.

Mesmo cansada, fico de pé, seguro suas mãos com firmeza e

começo a pular sobre o colchão macio da cama de Artho.

Estou ofegando quando ele chega e nos flagra assim.


Charlotte

— Tutú! — Ayla grita, solta minhas mãos e desce da cama

correndo, até se jogar nos braços do irmão.

Arrumo meu cabelo bagunçado depressa em um coque e

começo a ajeitar a colcha da cama que bagunçamos.

A lareira esquentou o quarto e estou usando apenas minha

calça jeans e uma camiseta do Lanterna Verde.


Artho ataca a irmã com beijos estalados, enquanto caminha

até uma escrivaninha e larga sua mochila.

— Se divertiu, minha princesinha? — ele pergunta a ela.

Não consigo entender direito o que Ayla responde, mas é algo

parecido com andei de ônibus com Charlotte.

Pego o troco do ônibus na bolsa, enquanto Artho tira a

jaqueta de couro e a deixa sobre a cama. Fica apenas de calça

preta e camisa social cinza.

— Toma — digo ao esticar a mão para lhe entregar o dinheiro.

— Por quê? — Artho pergunta.

— Eu fui de ônibus, não peguei Uber — explico e dou de

ombros. — Isso é o que sobrou.


— Espera, fica com o dinheiro mais um pouco, não me

devolva ainda — ele pede.

Mordo o lábio, sem saber o que fazer.

— Só vou dar um banho nessa sapequinha e tentar colocá-la

para dormir. Você pode esperar? Eu te levo depois.

— Claro, tudo bem. Quer ajuda?

— Você já fez muito por mim hoje — Artho diz.

— Domi não Tutú — Ayla reclama.

— Dormir sim, minha princesa — ele diz e a coloca no chão.

Quando a banheira está cheia o suficiente, Artho tira as

roupinhas de Ayla e a coloca na água quentinha. Me escoro na

parede e o observo desabotoar os punhos da camisa e os dobrar


até a metade do antebraço. Vejo uma rosa tatuada no seu braço

direito e um escorpião no esquerdo.

Engulo em seco, sentindo meu coração acelerar, mas não sei

o motivo.

Artho ensaboa o corpo da irmã e depois lava seu cabelo com

cuidado, enquanto ela brinca com a espuma que se forma na água,

ao cantar a música da Borboletinha.

— Ela é muito esperta — elogio quando Artho a envolve em

uma toalha branca para secá-la.

— É sim — ele diz e sorri.

Ofereço ajuda, mas ele cuida dela depressa, muito mais

rápido do que eu faria. Passa hidratante no seu corpinho cheio de

dobras fofinhas, coloca a fralda, um conjunto de moletom vermelho


e bege, depois ainda seca seus cabelos e os arruma com um

lacinho.

Fico boba de ver. Duvido que meu irmão Tomás fosse capaz

de cuidar de mim assim, se nossa diferença de idade fosse maior.

Quando está pronta, ele a leva até a cozinha e dá algumas

colheradas de sopa, mas ela ainda está cheia do bolo e do

chocolate e só quer seu mamá.

Ele me deixa na biblioteca para fazê-la dormir sozinho.

O cômodo está gelado e eu me sinto ansiosa para saber o

que Artho tem a me dizer. Passo os dedos nas lombadas e vejo

vários títulos que tenho vontade de ler. Alcanço um livro do autor

irlandês Bram Stoker, intitulado de Contos Estranhos.

Quando Artho chega, já estou terminando de ler o primeiro

conto, O Hóspede de Drácula, sentada em um recamier próximo a


uma lareira que está apagada.

— Ela dormiu? — pergunto e fecho o livro.

Faço uma nota mental de procurar o título na biblioteca da

UFBG amanhã, para continuar a leitura.

— Ela é teimosa, mas sempre acaba dormindo rápido —

Artho diz e dá um sorriso.

Se senta ao meu lado, com as pernas jogadas uma de cada

lado do assento, de modo que fico entre elas, e deixa as costas

caírem no encosto do recamier. Parece muito cansado.

— Sua mãe está melhor? — pergunto baixinho.

Ele me encara com os olhos expressivos e faz que não com a

cabeça.
— Ela não vai melhorar tão cedo — o ouço dizer com a voz

rouca.

Engulo em seco ao me lembrar das palavras de Ayla.

— O que ela tem?

— É viciada em cocaína desde os vinte anos — ele confessa

e desvia o olhar para a janela de vidro às minhas costas.

Endireito a postura, minhas costas doem porque a biblioteca

está gelada. Não esperava por essa resposta e não sei o que dizer.

O vejo pegar uma espécie de rádio branco e colocar no chão,

ao lado do recamier. Percebo que é uma babá eletrônica. Ele deve

ter deixado o outro rádio no quarto para o caso de sua irmã acordar.

— Eu sinto muito — murmuro. — Não pensei que fosse algo

tão grave.
— Ela é uma boa pessoa, mas a dependência química fode

com a nossa vida há anos — Artho diz. — Agora é Ayla quem sofre.

— É por isso que ela não foi buscá-la na creche? — pergunto.

— Sim, ela virou a noite na rua ontem. Chegou de

madrugada. Meu padrasto está a um fio de botá-la para fora de

casa, só não fez ainda por causa de Ayla.

— Ele é pai dela? — questiono.

— Não biologicamente, mas a considera como filha — ele

responde.

Franzo os lábios, envergonhada por vê-lo assim e não saber

o que dizer.

— Estou tentando convencê-la a se internar, se ela não

aceitar até semana que vem, vou tentar uma internação

compulsória.
— Você precisa de uma medida judicial para isso?

— Sim, mas não queria fazer contra a vontade dela.

Tem várias perguntas passando na minha cabeça: quem é o

pai da menina, por que ele não ajuda, sua mãe trabalha ou o

padrasto sustenta as duas, desde quando sua mãe vive com ele?

Mas nenhuma delas é da minha conta.

— Eu espero que você consiga convencê-la — sussurro.

Minhas mãos estão postas entre meus joelhos e meus ombros se

curvaram, porque consigo sentir sua aflição. Não queria estar na

pele de Artho.

Ele passa a língua no lábio e me encara.

— Ayla vai ficar aqui depois da creche, pelo menos durante a

semana. Meu padrasto vai ficar com ela aos sábados e domingos.

Ele trabalha com construção civil e chega em casa muito cansado


durante a semana, por isso ela precisa ficar aqui de segunda a

sexta.

Assinto, porque não sei mais o que dizer.

— Eu tenho uma proposta para te fazer — Artho diz, de

repente.

— Pra mim? — pergunto com o cenho enrugado.

— Você busca Ayla todas as tardes na creche e fica com ela

até eu chegar do trabalho, em troca, te acompanho às festas e onde

mais você precisar, como se eu fosse seu namorado.

Arregalo os olhos, perplexa.

— Charlotte, eu não pediria se não fosse a única saída em

que pensei. A creche fecha às dezessete, mas eu só saio do

trabalho às dezoito. Faço estágio no Cartório Judiciário do centro e


até conseguir meu diploma e passar na OAB, é o melhor trabalho

que posso arranjar.

Arrumo meu cabelo com cuidado atrás da orelha. Preciso

pensar com cuidado no que vou responder. Eu não necessito que

ele finja ser meu namorado, muito menos que me acompanhe às

festas.

Precisa sim!, uma voz grita bem alto dentro da minha cabeça.

Ela se parece com Raquel falando.

Mas se eu aceitar, estarei assumindo que sou tão fracassada

que preciso de um namorado de mentira. E eu não estou tão

desesperada assim.

Foi ótimo quando todo mundo te deu atenção e te tratou bem,

não foi?— a voz de Raquel me provoca.


Sim, foi perfeito, mas... Artho está em um beco sem saída, se

aceitar, é como se eu estivesse me aproveitando dele.

Cruzo os braços, não sei mais o que pensar.

— Você está considerando? — o ouço perguntar.

Eu sou alguém que se aproveita de uma situação assim só

para mostrar aos outros que namoro um homem muito gostoso e

inteligente?

Acho que não sou, mas...

Mas foi ele quem propôs, não eu.

É minha dignidade que está em jogo aqui, e ela depende da

resposta que vou dar.

Endireito os ombros e descruzo os braços.


— Você não pode se apaixonar por mim — digo com uma

ousadia que não que tinha.

— Por quê? — Artho pergunta e dá aquele sorriso torto.

— Por inúmeros motivos — respondo ao empinar o queixo.

— Exemplifique.

— Número um — digo e ergo o dedo —, você é um cretino

que já deve ter ficado com a maioria das alunas da faculdade;

número dois, não sei se lembra, mas sou virgem, você já deu sua

palavra que não fica com virgens, e está proibido de quebrar essa

promessa, número três, vi Jamie Sullivan dizer isso a Landon Carter

em Um Amor Para Recordar e sempre quis fazer o mesmo.

— Landon quebrou a promessa — Artho diz —, ele se

apaixonou por Jamie.


Estreito os olhos, surpresa por ele saber do que estou

falando.

— Mas você não vai quebrar — insisto.

Ele não responde, limita-se a me encarar de volta.

— Não quero sentir como se você estivesse fazendo caridade

— digo.

— Não é caridade, é você quem vai fazer o pior trabalho.

— Ayla é fofa, não me importo de buscá-la. Eu ainda não

estou trabalhando. Minha mãe juntou dinheiro nos meus últimos

anos da escola e ela prefere que eu me dedique aos estudos

durante o primeiro semestre. Não consegue me mandar uma

fortuna, mas é o suficiente para que eu sobreviva.

— Agradeça por isso. Eu sempre precisei trabalhar e estudar.


— Eu sinto muito, de verdade, pela sua mãe.

— As pessoas que amo são as que mais me machucaram —

ele murmura.

Tenho curiosidade de perguntar o que aconteceu com seu pai,

mas Artho está triste demais para que eu toque no assunto.

— Fique sabendo que eu te ajudaria mesmo se você não me

oferecesse nada em troca — confesso ao tocar seu joelho.

Ele me encara e passa a língua no lábio inferior. Seu gesto

desperta em mim uma vontade enorme de saber como é ser

beijada.

Imagino seus lábios contra os meus, o gosto que têm, o que

eu sentiria se ele colocasse a língua na minha boca...

Fico de pé, arfando. O que diabos deu em mim para pensar

uma coisa dessas?


Artho se levanta também. É impressionante como a camisa

cai como uma luva sobre seu peito e ombros largos.

Passo os olhos pelas tatuagens expostas e recordo aquele

sonho pervertido que tive na primeira vez que o vi. O imagino sem

essas roupas, afastando minhas pernas e se acomodando entre

elas. Sou tomada até pelo ruído que as molas do colchão fizeram,

mas não consigo me lembrar ao certo como foi o beijo.

Respiro fundo e me abano discretamente. Minhas bochechas

estão ardendo.

— Preciso ir embora, meu casaco e bolsa estão no seu quarto

— anuncio.

Começo a caminhar na direção da porta, mas antes que eu

possa girar a maçaneta, Artho se antecipa e a prende com a mão.


Me viro, parada entre ele e a porta, com o coração quase

saindo pela boca.

Seu braço esticado me impedindo de sair, seu peito rígido,

seu cabelo e principalmente a pele tatuada, tudo é um convite para

que eu o toque.

Mordo a parte interna das bochechas para me deixar desperta

e consciente. Nunca fiz nenhuma besteira do tipo e não será agora

que eu vou me atirar nos braços de um homem.

— O que foi? Eu disse alguma coisa que te chateou? — Artho

pergunta baixinho, com a voz grave e ao mesmo tempo aveludada.

Está tão perto que posso sentir seu perfume. Eu tinha me

esquecido do quanto ele é cheiroso.

Se soubesse o que estou pensando, o que diria?


— Nada. Só lembrei que não olho o celular há um bom tempo

e Raquel deve estar preocupada.

— Tem certeza? — Artho insiste.

Ele está tão charmoso nessas roupas, nunca me senti tão mal

vestida.

— Tenho — respondo sem convicção. — Você pode me levar

embora?

— Não quer dormir aqui?

Acho que meu coração explodiria se eu me atrevesse a

passar uma noite inteira com Artho, ainda mais depois de todos

esses pensamentos.

— Nem pensar. Se você não puder me levar, eu peço um

Uber.
— Eu levo, é claro. Só vou pedir a Eros que fique atento à

babá eletrônica.

Ele me dá licença e eu abro a porta. Subo as escadas

sentindo seus olhos no meu corpo. Nunca estive tão desperta.

Ando na ponta dos pés pelo seu quarto, pego a bolsa e o

casaco, beijo a testa de Ayla, enquanto Artho entra e pega sua

jaqueta.

Para a minha surpresa, vamos em um carro sedan preto, e

não na moto branca grandona. Cruzo as pernas e me agarro aos

pensamentos coerentes, mas não posso prender a respiração para

não sentir seu perfume gostoso, impregnado no carro e nas suas

roupas.

Ele faz o trajeto da sua casa até o Edifício Universitário em

cerca de quinze minutos, estaciona ao lado da calçada e desce para

me acompanhar até o quarto.


Me pergunto se toda garota que anda no carro com ele se

sente tentada dessa forma.

Há uma fila de alunos esperando o elevador, mas eu não

posso mais ficar esperando. Tenho que tomar um banho e colocar a

cabeça no lugar. Meus pensamentos são uma confusão que eu

preciso organizar.

— Vou pelas escadas — digo a ele. — São apenas quatro

lances.

Para minha surpresa, Artho me segue.

Abro a porta e aperto o interruptor, mas as luzes dos dois

primeiros lances estão queimadas.

— Ótimo — resmungo baixinho.

Começo a subir os degraus, e quando alcanço o patamar do

primeiro lance, Artho segura meu pulso e me empurra contra a


parede.

Arfo outra vez quando sinto seu corpo encostar no meu, tão

próximo que posso sentir sua respiração contra minha boca.

— Sou só eu que estou morrendo de vontade de te beijar? —

ele sussurra a pergunta com a voz rouca.

Não respondo, não sou capaz, mas também não me afasto.

Passo a língua no lábio inferior e engulo a saliva. Ele solta meu

pulso e segura meu pescoço com ambas as mãos, então o aperta

de leve.

Ouço um gemido escapar da sua garganta e um arrepio

percorre meu corpo.

Seu quadril aperta-se contra o meu e sinto uma coisa dura

pressionar meu baixo ventre.


Não consigo mais respirar, meus pensamentos são todos

incoerentes e meu coração parece querer atravessar meu peito.

Artho se inclina e contorna meus lábios com a ponta da

língua.

Puta que pariu, isso é gostoso.

Aquela coisa dura aperta ainda mais meu corpo, ao mesmo

tempo em que ele pressiona os dedos em torno do meu pescoço de

um jeito que não tem como escapar.

Quando sua boca chupa meu lábio inferior, alguma coisa se

contrai no meu sexo. Aperto as coxas com força, na tentativa de

aliviar a agonia que sinto entre elas.

Deixo a bolsa cair no chão e seguro seu torso, afundo meus

dedos em suas costas e o puxo para mais perto de mim.


Não sei o que fazer, não sei beijar, mas afasto meus lábios e

provo sua língua quando ela invade minha boca, acompanhada de

outro gemido.

Sigo meus instintos e obedeço aos hormônios que estão

ensandecidos de desejo. Escorrego minhas mãos até o cós da sua

calça e puxo seu quadril ainda mais contra o meu. Adoro a forma

como ele continua segurando meu pescoço, quase roubando o

fôlego que ainda me resta.

Me derreto com sua língua na minha boca, e quando ele a

retira, sou eu quem invade seus lábios, na tentativa de imitar seus

movimentos.

Afasto minha coxa direita quando ele desliza o quadril contra

o meu. Uma de suas mãos desce do meu pescoço e aperta minha

bunda por cima da calça. Solto um gemido quando aquela coisa


dura atinge o interior das minhas coxas. Saber o que é me deixa

ainda mais ardente.

Sinto minha calcinha molhada e tenho certeza de que estou

perdida. Artho desliza outra vez contra mim, então solta a outra mão

do meu pescoço e segura um dos meus seios.

Nunca pensei que fosse tão gostoso ser tocada assim. Sua

mão escorrega para baixo e ele agarra minha bunda, levando meu

quadril para mais perto do seu.

Sei que preciso me afastar, mas não consigo sequer me

refrear.

Minhas mãos puxam sua camisa de dentro do cós da calça

como se tivessem vontade própria. Toco a pele quente da base de

sua coluna e Artho solta mais um gemido, que é abafado contra

minha língua.
De repente, ouço o som da porta da escada abrindo, um

lance abaixo de nós, e tomo consciência do que acabou de

acontecer.

O empurro de perto de mim, alcanço minha mochila no chão e

subo o resto dos degraus depressa. Meu coração bate de forma

traidora no peito, meus pulmões imploram por ar.

Ouço os passos de Artho correndo atrás de mim na escada.

— Charlotte, espera — ele pede, mas não paro até estar

diante da porta do meu quarto.

Pego a chave no bolso do jeans e tenho dificuldades para

encaixá-la na fechadura. Quando consigo, empurro a porta com

tudo e corro em direção ao banheiro. Preciso me acalmar, pensar

com clareza, ficar sozinha.


— Charlotte, o que aconteceu? — ouço a voz de Raquel, mas

não me viro para olhar.

Largo a bolsa no chão e puxo o ar com força para os pulmões

bem no momento em que Artho entra e tranca a porta atrás de si.

— Ai, meu Deus — murmuro quando ele avança na minha

direção.

Eu preciso me afastar, mas o agarro de volta quando seus

braços me tomam outra vez. Artho torna a me beijar e me empurra

contra a pia. Amo como ele se aperta mais forte contra meu quadril

dessa vez. Não resisto a tentação de ter seu membro rígido contra

meu íntimo e gemo nos seus lábios.

Estou rodeando seu quadril com minha perna quando Raquel

começa a bater na porta.


— O que aconteceu? — ela pergunta. — Charlotte, você está

bem?

— Ah, vai se ferrar — Artho xinga ao virar o rosto da direção

da porta.

Vejo o formato da sua mandíbula se destacando na pele, tão

perto de mim, que não resisto a beijá-lo.

— Vem comigo, eu posso te levar para um lugar onde

possamos ficar sozinhos — ele sussurra e acaricia meu pescoço, o

qual havia apertado momentos antes.

— Não — consigo responder, por mais que esteja tentada a ir.

— Charlotte? — Raquel pergunta após esmurrar a porta

novamente. — Que merda está acontecendo?

— Eu já vou sair — grito para ela. — Só um segundo.


— Vem comigo, por favor — Artho pede outra vez. — Prometo

que vai ser a melhor noite da sua vida.

— Não — repito. Minha consciência está sobressaindo aos

pensamentos incoerentes. — Não, não e não.

— Por quê? — ele quer saber.

— Porque você não fica com virgens, esqueceu? — murmuro.

Consigo escapar dos seus braços, mesmo que o meu corpo

implore por mais do seu contato, solto meus cabelos e tento penteá-

los com a ponta dos dedos.

Seus braços me alcançam outra vez e Artho rodeia meu

pescoço com as duas mãos.

— Isso não vai acabar assim — ele diz no meu ouvido, então

afasta meu cabelo com rapidez e lambe a pele atrás do meu

pescoço.
Um arrepio percorre meu corpo e eu estremeço.

Apoio as mãos na porta a minha frente e mordo o lábio com

força, permitindo que ele esfregue uma das mãos pelos meus seios

uma última vez.

Então me viro e o encaro com o máximo de severidade que

consigo colocar no olhar.

— Sim, isso vai acabar exatamente aqui — digo. — E você

vai embora agora.

Ele maneia a cabeça em negativa, mas o ignoro.

Faço um coque no alto da cabeça e abro a porta do banheiro.

Alcanço minha mochila no chão e saio.


Artho

Raquel está parada de braços cruzados no meio do quarto,

esperando por uma explicação.

Não posso acreditar que Charlotte está apontando com o

queixo na direção da porta, não entendo como ela consegue resistir

ao desejo, que ela não quer ir adiante.

É a primeira vez que entro no quarto de uma garota e saio

sem gozar. Meu pau dói de tesão.


— Charlotte... — chamo seu nome, não vou aguentar ir

embora assim.

— A gente se vê na aula amanhã, Artho — ela diz como se

não tivesse correspondido, me agarrado e gemido de tesão.

Trinco o maxilar e saio do quarto.

Ela bate a porta logo em seguida, me largando sozinho no

corredor.

Endireito os ombros e olho para o elevador. Estou com raiva e

ao mesmo tempo ardendo de desejo. Foderia qualquer uma agora

só para aliviar o que está me consumindo.

Arrumo a calça, ajeitando o pau dentro da cueca, e caminho

até o elevador. Em vez de clicar no andar do térreo, quando se abre,

aperto o botão que me leva até a cobertura. Há outros alunos no

elevador, mas ignoro todos.


Coloco a camisa para dentro do cós da calça de novo e ligo

para Larissa, assim que chego à cobertura.

— Quem é? — ela pergunta.

— Artho — respondo. — Estou na sua porta.

Desligo a chamada e espero que ela apareça, mas, conforme

os segundos se passam, a ideia de saciar o desejo por uma no

corpo de outra me parece cada vez pior.

— Mulher desgraçada — praguejo baixinho.

Larissa abre a porta e me olha. A vejo morder o lábio e esticar

a mão para me puxar. Dou um passo para trás, sem me reconhecer.

Sexo vazio sempre funcionou comigo. Ela tem uma boceta e

isso é tudo que preciso, por que merda estou me afastando ainda

mais?
— Que porra você quer, Artho? — ela berra.

— Eu não... — murmuro encostado à parede do outro lado do

corredor.

— Você não o quê? — Larissa continua perguntando. —

Comeu todas as outras meninas desse apartamento e agora vai

fazer joguinho comigo?

— Não vim aqui para te comer — minto.

— Ah, vai se ferrar — ela diz com o dedo em riste. — E apaga

a porra do meu número do seu celular. Não sou mulher para ficar

correndo atrás de um cretino como você.

Ainda me sinto idiota quando chego em casa. Frustrado,

carente e com ódio.


Charlotte é uma desgraçada que acabou com minha noite,

como se eu precisasse de mais uma adversidade na minha vida.

— Por que você está tomando sopa com o garfo? — ouço a

voz de Lion perguntar e o olho para o caldo escorrendo entre os

dentes do talher.

— Minha cabeça está explodindo de problemas — resmungo.

— Com sua mãe? — Lion quer saber. Ele alcança uma colher

em uma das gavetas e me entrega.

— Valeu. Minha mãe tem sido um grande problema. Vou ter

que interná-la, não tem mais o que fazer.

— Ela vai aceitar? — Lion questiona.

— Me pediu uma semana para se decidir, mas não sei se

Celso aguenta por mais alguns dias — respondo.


— Pode contar comigo para o que precisar, você sabe.

Assinto, tomando uma colherada da sopa que Marcela fez.

Ela sempre deixa o jantar pronto antes de ir embora.

— Tem outros problemas além desse? — Lion pergunta ao se

sentar no banco à minha frente.

Abro a boca para falar de Charlotte, mas não quero expor a

intimidade dela, mesmo estando irritado.

— Lembra de Pedro Ludwig?

— Pinscher? — Lion pergunta. — O que pegou a garota

bêbada, filmou e mandou no grupo do WhatsApp?

— Ele mesmo.

— O que tem?
— É calouro de Direito, da mesma turma que Charlotte, e hoje

o peguei sentado com ela — comento.

— E o que você fez?

— Falei para ele ficar longe, caso contrário vou arrebentar a

cara dele — respondo, curto e grosso.

— É uma ótima exigência, simples e fácil de lembrar — Lion

brinca. — Mas e se ele não respeitar?

— Acho que podemos dar um pequeno aviso, só para

certificar de que ele não vai desobedecer.

Lion abre um sorriso.

— Vai ser uma honra bater naquele vagabundo de novo — ele

diz.
Não contei essa parte a Charlotte, mas a garota que ele

abusou era ficante de Lion. Demos uma boa lição nele na época,

mas não custa nada dar um lembrete de com quem ele está lidando.

— Não queria te aborrecer com isso, mas não é só com

Pinscher que você precisa se preocupar — Lion diz.

— Quem? — exijo saber.

— Natan e Dimitri ficaram aqui rodeando sua garota. Eu sei

que ela é importante, porque você não deixaria Ayla com qualquer

uma.

Aperto tanto a colher que o cabo chega a entortar.

— Já avisei a Dimitri para ficar longe dela — murmuro. — E

agora Natan?

— Você sabe que tem culpa nisso. Dá em cima das garotas

que eles pegam. Natan é sistemático, não gosta de dividir, e


Dimitri...

— Charlotte não é uma das garotas que a gente pega — falo

por entre os dentes.

A verdade é que ela é pior, o tipo que atiça e depois te dá um

pé na bunda.

Porra, se eu não parar de pensar nela, vou pirar.

Me levanto, ainda mais irritado que antes, lavo meu prato e

subo para o quarto. Encontro Eros dormindo na beirada da minha

cama. Ele fez uma espécie de cercado de travesseiros e colocou

Ayla no meio.

— Acorda, Eros — digo ao cutucar suas costelas.

Ele dá um pulo da cama e esfrega os olhos.

— Que horas são? — sussurra.


— Já passa das onze. Ela acordou?

— Sim, ficou perguntando pela sua mãe, por isso fiquei aqui

com ela até pegar no sono, mas acho que dormi primeiro.

— Ela vai sofrer, e isso é tudo que eu queria evitar.

— Ela é pequena, não vai se lembrar dessa fase — Eros diz.

Quem dera fosse fácil assim.

— Você vai mesmo interná-la? — ele quer saber.

— Sim, amanhã vou levá-la ao CAPS e ver como funciona a

questão das vagas em uma clínica que atende pelo SUS — explico.

Minha mente já está cansada só de pensar em lidar com isso.

— Se não conseguir uma clínica pública, podemos procurar

uma particular — ele sugere.


— De jeito nenhum — digo depressa. — Você já faz muito por

mim deixando que eu more aqui de graça.

— Você é meu melhor amigo, Artho. De que serve o meu

dinheiro se não posso ajudar as pessoas que amo, as únicas que

me restaram?

— Não somos sua responsabilidade. Nos amar não significa

gastar seu dinheiro com a gente — tento explicar.

Ele bufa e anda até a porta.

— Espero que um dia deixe de ser tão orgulhoso. E saiba que

não é por você, é por sua mãe e pela mulher incrível que ela é

quando não está se drogando.

Engulo o nó na garganta e assinto.

— Boa noite, Eros.


— Fica com Deus, Artho.

É incrível como ele não perdeu a fé, apesar de tudo que

passou.

Acho que todos nós conhecemos o sofrimento bem de perto,

alguns em proporções menores, já Eros, perdeu tudo de mais

importante que tinha na vida.

Olho para Ayla, dormindo um sono profundo, e faço carinho

nos seus cabelos. Não sei o que faria se perdesse ela ou minha

mãe. Eu não aguentaria, como Eros tem aguentado.

Tomo um banho e apago assim que deito na cama, o dia de

amanhã será uma tormenta.


Artho

Terça, 15 de agosto de 2017

Marcela prepara o café da manhã e exige que eu coma antes

de sair para levar Ayla à creche.

A mesa está cheia de queijos, presuntos, pães e bolos, além

de café e leite.

Preparo a mamadeira de Ayla e a coloco para tomar em um

dos bancos da ilha.


Aceito o chimarrão que Marcela faz para mim, porque o dia lá

fora está muito frio. Geou durante a madrugada e mal posso ver o

gramado congelado através da serração espessa que rodeia a casa.

Ayla está usando seu macacão mais quente, um cachecol e

um gorro de lã, mesmo assim tenho dó de tirá-la da casa aquecida

quando ela termina a mamadeira.

— Nuvem, Tutú — ela fala com a voz estridente assim que

saímos em direção ao carro, apontando para a serração em volta de

nós.

— Sim, minha princesinha, a nuvem desceu do céu para te

desejar um bom dia — brinco ao colocá-la na cadeirinha, no banco

de trás do meu carro.

Ela bate palminhas e dá a risada mais doce do mundo.

Mesmo que esteja congelando, Ayla consegue aquecer meu

coração. Me inclino e beijo a ponta fria do seu narizinho arrebitado.


Dirijo até a creche Não quero nem pensar na dívida que

minha mãe provavelmente arranjou com algum traficante da região.

Espero que Charlotte possa ficar com ela até às oito e meia

da noite, pelo menos, assim posso dar uma mão para Celso na

mansão que ele está construindo. Passarei menos tempo com Ayla,

mas é por um bom motivo, preciso ajudá-lo para que ele não

expulse minha mãe até semana que vem.

Mando uma mensagem de bom dia para Charlotte assim que

deixo Ayla na creche. A noite de sono me fez perceber o quanto fui

um babaca, não só por tê-la beijado, quanto por ter entrado no seu

banheiro, e muito mais por ter ido atrás de outra quando Charlotte

me colocou para fora do quarto.

Eu sei que mereci isso e os insultos de Larissa, mas não

quero que Charlotte fique brava. Prometo que nunca mais vou beijá-

la, se for preciso.


Onde eu estava com a cabeça?

Mesmo sendo um cretino, tenho meus princípios e, por causa

dela, os quebrei.

Mulher Maravilha: Bom dia, Artho. Como Ayla está?

Sou surpreendido com sua mensagem. Respiro aliviado por

ela não ter ficado chateada. Talvez eu não precise fazer promessas,

afinal.

Eu: Ela está bem. Acabei de deixá-la na creche.

Mulher Maravilha: Foi ótimo ficar com ela ontem. É a criança

mais fofa e esperta que já conheci.

Leio sua mensagem e um sorriso se forma no meu rosto.

Eu: Ela é mesmo.


Coloco o celular abaixo do freio de mão e dou partida. Antes

de chegar à casa da minha mãe, ouço o toque de uma nova

notificação.

Mulher Maravilha: Precisamos conversar sobre o que

aconteceu ontem.

Engulo em seco. Não posso me preocupar com isso agora.

Desço do carro e entro em casa, como sempre, Celso já saiu

para o trabalho.

Encontro minha mãe sentada na beira do sofá. Vejo o

travesseiro, seus cobertores e o aquecedor a gás ligado perto dela.

Chora como se fosse uma criança inconsolada.

— Você tirou Ayla de mim — ela murmura assim que me vê.

— A única alegria que eu tinha.


— Não tem mais condições de cuidar dela, mãe — digo ao

sentar ao seu lado. Posso sentir o cheiro da cerveja no seu hálito e

prendo a respiração para poder chegar mais perto. — Onde

arrumou dinheiro para comprar bebida?

— Vendi umas roupas que não usava mais e... — ela aponta

com o queixo na direção da cozinha — o microondas. Não

precisamos mais dele.

Aperto meus olhos com as pontas dos dedos indicador e

polegar. As lágrimas fazem meus olhos queimarem, mas preciso

engolir o choro. Ela já chegou bem perto disso quando eu era

criança, e conseguiu se recuperar sozinha por minha causa, agora

sou eu quem tenho que salvar ela desse buraco. Não tem nada que

eu odeie mais do que ver minha mãe desse jeito.

— Não adianta brigar com você — sussurro e faço carinho na

cabeça dela. — Por que dormiu no sofá?


— Seu padrasto não me quer na cama com ele — ela

responde e dá um soluço. — Você não faz ideia do quanto é

humilhante para mim nessa idade.

Ela debruça a cabeça no meu ombro e abraça minha cintura.

Não posso tirar a razão dele, já aguentou demais.

— Por que não vamos morar juntos? Ayla, você e eu? Você já

ficou tempo suficiente na casa dos Giordano, está na hora de cuidar

melhor da sua mãe — ela sugere.

— Eu vou cuidar, mas não vai ser te levando para morar

comigo e confiando Ayla a você novamente — digo. — Você está

vendendo as coisas de casa para comprar droga e bebida.

— Só o que não usamos mais — ela tenta se defender.

— Preciso que tome um banho, escove os dentes e se

arrume, enquanto eu preparo um café. Já sabe aonde vamos e não


vou discutir com você sobre isso outra vez.

Ela respira fundo, mas levanta e se arrasta na direção do

banheiro.

Encontro a cozinha arrumada e sei que não foi ela quem

limpou, mas Celso.

Preparo o café e passo margarina em um pão que encontro

na sacola de pães dormidos, que está no espaço onde antes ficava

o microondas.

Ela aparece com o cabelo úmido e embaraçado, e eu os

penteio enquanto ela faz o desjejum.

— Você não deveria estar na universidade? — minha mãe

pergunta.

— Sim, eu deveria. Mas é melhor faltar à aula do que ao

trabalho. Eu vou assim que passarmos no CAPS — explico,


pacientemente.

— Você disse que daria uma semana para eu tomar uma

decisão.

— Não estou levando você para interná-la, só para uma

consulta.

Quando ela termina de comer, a levo para o carro. Minha mãe

reluta, mas acaba indo. Me faz pensar em todas as vezes que ela

me levou ao pronto socorro por causa de algum ferimento causado

pelo meu pai.

Agora sou eu quem a levo com feridas na mente pelo mesmo

maldito motivo.

Se não fosse por mim, minha mãe poderia ter escapado dele

muitos anos antes, e não teria todos os problemas que tem hoje,

mas eu sempre fui o fardo que ela precisava carregar.


Chego à UFBG na metade da aula de Prática Forense

Trabalhista, e o professor Eduardo Gomes me deixa entrar, mesmo

tão atrasado. É uma das vantagens de ser um bom aluno.

O atendimento no CAPS não foi ruim, mas a psiquiatra ainda

precisa avaliar melhor o quadro dela e a necessidade da internação.

Além disso, minha mãe precisa concordar, só depois eles procuram

uma vaga.

A internação de urgência só é feita em casos de surto

psicótico ou quando o paciente ameaça a própria vida ou a de

terceiros.

Não quero nem pensar na ideia da minha mãe precisar

chegar a esse ponto para receber o tratamento mais rigoroso.


Estou pensando na oferta que Eros fez sobre pagar o

tratamento dela em uma clínica particular.

Faço uma busca rápida no Google e descubro que os custos

mensais em um lugar assim giram acima de dez mil reais.

Está tão fora da minha realidade que não há como cogitar.

O sinal toca e o professor Eduardo se despede da turma.

Troco algumas palavras com os alunos do meu período a respeito

de um seminário que precisaremos apresentar na próxima semana,

depois caminho até o bloco onde fica a sala do primeiro período.

Vejo que a professora Claudia já está apagando o quadro.

Ergo a cabeça ao entrar na sala, estou obstinado a aceitar tudo que

Charlotte tem a me dizer. Se ela não quer mais que a beije, vou

concordar. Não tenho nada que dar em cima dela, muito menos

agarrá-la em uma escada escura, ela é virgem e provavelmente dá

importância a isso, vai querer perder com alguém que ela goste
muito e confie, e esse alguém não pode ser eu. Não tenho nada de

bom para oferecer e a última coisa que quero é um relacionamento.

É muito melhor ficar com várias do que me apegar a uma,

afinal, esse é o lema do clube dos cretinos.

Vejo Larissa do outro lado da sala quando chego à porta, ela

me vê também e morde a ponta da caneta, parece não estar mais

chateada comigo.

Ela tem razão, é a única do seu apartamento de riquinhas que

não comi ainda, mas não estou fazendo joguinhos, como ela disse,

só não estou tão a fim ainda.

Viro o rosto na direção da fileira onde Charlotte costuma

sentar e engulo em seco.

O assento a sua frente está vazio, como exigi ontem, mas o

que eu vejo faz meu corpo ferver. Esqueço Larissa e todos os outros
problemas quando vejo a saia de pregas cobrindo apenas alguns

centímetros das suas coxas.

Abaixo a cabeça e olho em volta. Vejo, pelo menos, dois

calouros babando nas suas pernas.

Fecho a mão em punho e respiro fundo. Meus olhos

escorregam pela meia que termina acima dos joelhos, ela está

usando as botas de salto e uma camiseta da Mulher Maravilha por

baixo do casaco aberto. Não é a mesma que usou no primeiro dia, a

outra era larga e cinza, essa é preta, justa e revela o tamanho dos

seios que eu tive o prazer de tocar ontem.

Como se não bastasse nada disso, seu cabelo não está preso

em tranças ou rabos de cavalo, mas solto, caindo brilhante em volta

dos seus ombros. E para completar meu tormento, seus lábios estão

pintados de vermelho.
Desabo na cadeira a sua frente, sentado de lado para poder

vê-la melhor, e largo a mochila no chão entre as minhas pernas.

Procuro um elogio, mas minha mente está tomada pelas

memórias do que aconteceu ontem, o gosto dos seus lábios, a

maciez do seu corpo e de como ela me agarrou e correspondeu.

Quase posso ouvir ela gemendo outra vez.

Dou um aceno de cabeça. Minha boca está seca.

É um péssimo dia para ela me provocar assim.

— Oi — ela sussurra.

Está fazendo anotações no caderno com o olhar inocente,

como se não fosse a mulher mais gostosa da sala.

Não me dou ao trabalho de resistir, já que não posso beijá-la

com a professora em sala, estico a mão e alcanço um dos seus


joelhos. O aperto por cima da meia preta e continuo subindo os

dedos.

Ela não tenta me deter, nem mesmo se move, fica me

encarando com os olhos cinzentos selvagens e os lábios carnudos

entreabertos. Nunca a vi me olhar assim.

Alcanço a pele macia do interior da coxa e esfrego meu

polegar.

Charlotte arfa. A ponta da caneta para de escrever e ela se

concentra em mim. Sinto o sangue fervendo em direção a minha

virilha. Olho em volta novamente e percebo alguns olhares curiosos.

Não ligo que vejam, é melhor que saibam que essas pernas

expostas pela saia de pregas me pertencem.

Preciso me inclinar na cadeira para continuar subindo a mão

por baixo da sua carteira, indo em direção à boceta. Passo a ponta

da língua nos dentes superiores e pressiono meus dedos na pele


que fica cada vez mais quente e macia e noto seu rosto começando

a corar.

Ela morde o lábio vermelho lentamente, de um jeito que

aniquila os pensamentos coerentes. Só quero levá-la para um lugar

onde eu possa abrir suas pernas e fodê-la com força.

As pontas dos meus dedos atingem a calcinha. Charlotte

estremece outra vez, sua boca se abre e ela revira os olhos por um

instante. A acaricio, ela está pegando fogo. Sinto o tecido da lingerie

úmido e minha boca saliva com o desejo de experimentar sua

boceta, não tem nada que eu queira mais que isso, no momento.

— Gabriela Rossi, pode ver para mim em qual tópico da

apostila paramos?

Charlotte dá um sobressalto ao ouvir a voz da professora,

afasta minha mão, cruza as pernas e passa as páginas da apostila.


— Ei — sussurro para ter sua atenção novamente.

— O que é? — ela pergunta.

Aponto com o queixo na direção da saída. Ela sacode a

cabeça em negativa e volta a olhar para a frente.

Arrumo a calça na tentativa inútil de disfarçar a ereção, deixo

a mochila nos pés da cadeira e peço licença para sair da sala.

No corredor, envio uma mensagem no seu WhatsApp,

pedindo que me encontre em frente ao banheiro do bloco.

Caminho até lá. Há um bebedouro em frente a porta do

banheiro feminino. Encosto as costas e um dos pés na parede e

espero. Vejo que ela visualizou a mensagem, mas não respondeu.

Estico o pescoço e olho para o corredor, até vê-la sair da sala

e caminhar na direção onde estou.


Me certifico que não há nenhuma garota dentro do banheiro e

entro para esperá-la.


Charlotte

Terça, 15 de agosto de 2017

Nunca pensei que eu fosse pedir licença de uma aula para

encontrar um cretino safado no banheiro da faculdade, isso não

combina comigo.

Enquanto caminho com o coração batendo rápido e uma

sensação inquietante no estômago, quase posso ouvir a voz de

Raquel dizendo ontem à noite que eu preciso curtir mais a vida. Isso
foi logo depois de colocar Artho para fora do nosso quarto, após

meu primeiro beijo.

Eu nunca pensei que seria da forma como aconteceu.

Imaginava que seria beijada de forma doce e gentil, por um

cavalheiro que me tratasse com cuidado, não um cara todo tatuado,

que apertasse meu pescoço enquanto enfiava a língua deliciosa e

macia na minha boca.

Paro na metade do corredor e sacudo a cabeça. Por que

diabos gostei tanto daquilo, por que não consigo esquecer a

sensação das suas mãos grandes e fortes no meu pescoço e do

pau duro se esfregando contra mim?

Sacudo a cabeça, não era para ser assim. Isso

definitivamente não combina comigo.

Dou meia volta e ando na direção da minha sala outra vez.


Ouço a voz de Raquel de novo. Ela me deu carta branca para

ficar com Artho, disse que só deu uns beijos nele e que nenhum dos

dois tem interesse de repetir. Mas eu não quero.

Artho não tem nada a ver comigo, somos opostos. O que foi

mesmo que ele disse?

— Ah, sim! Ele disse que não fica com virgens — murmuro,

sozinha no corredor.

Giro nos calcanhares outra vez, endireito a postura e caminho

na direção do banheiro, decidida a jogar essa verdade na sua cara.

Respiro fundo ao ver o bebedouro e ensaio mentalmente as

palavras que darão um basta nele, mas meu discurso fica confuso

assim que o vejo encostado à bancada de mármore das pias.

Ele está usando um jeans de lavagem escura e uma camiseta

verde militar, por baixo do casaco preto com punhos e gola de listras
brancas e pretas. Tem uma corrente prateada e larga pendurada em

seu pescoço, que some por dentro da gola da camiseta. Artho

engole a saliva e seu pomo de adão se move entre a tatuagem.

— Isso não está certo — começo a dizer ao encurtar a

distância entre nós. — E não vai se repetir.

— Não... — ele sussurra e maneia a cabeça em negação.

Seguro a gola do seu casaco quando ele me puxa com força

para seus braços. Sinto o volume duro contra meu baixo ventre e

luto para não ceder.

Seu beijo começa lento, me dá a oportunidade de escapar,

mas é tão difícil… ainda mais quando ele acelera, quando suas

mãos alcançam minha bunda por dentro da saia.

Artho bate com a mão espalmada contra meu glúteo e eu

estremeço. Tento chegar mais perto dele, me colar ainda mais ao


seu corpo, mas já estou perto o bastante.

Agarro sua nuca e entrelaço meus dedos em seu cabelo.

Confio que posso parar a qualquer momento, só quero aproveitar

mais um pouco.

Ele solta minha bunda, coloca uma mão no meu pescoço e a

outra agarra meu cabelo, dessa forma, ele me faz girar. Meu quadril

bate contra o seu e Artho me empurra em direção a uma das

cabines.

Apoio as mãos na parede assim que ele fecha a porta e ergue

minha saia.

Olho para baixo e vejo sua mão me tocar por cima da

calcinha. Mordo o lábio com força e fecho os olhos para não deixar

escapar o gemido que se forma na minha garganta.

— Não podemos fazer isso — sussurro. — É errado.


— Por quê? — ele pergunta, antes de passar a língua na pele

sensível do meu pescoço.

Me contorço contra seu corpo e cerro os dentes com força,

sou tomada por uma palpitação que jamais senti. O desejo é tanto,

que chego a queimar.

Isso não pode estar acontecendo comigo, eu mal o conheço.

Tudo que sei a seu respeito é que ele não presta, como eu posso ter

saído no meio da aula para encontrá-lo?

— Artho... — chamo seu nome, enquanto a ponta do seu

dedo rodeia o elástico da minha calcinha.

— Sua boceta é minha a partir agora — ele murmura contra

meu pescoço. — Minha e de mais ninguém.

Quero lembrá-lo de tudo que nos impede, mas queimo

quando ele segura a tira lateral da minha calcinha com as duas


mãos e a rasga.

A respiração fica presa na minha garganta quando Artho faz o

mesmo com a outra lateral. Não posso acreditar no que ele acabou

de fazer. Seus dedos me acariciam, agora sem o tecido para

atrapalhar.

Não aguento e solto um gemido.

— Alguém já te deixou molhada assim? — ele pergunta.

— Não... — respondo baixinho.

Estico a mão para trás e seguro sua nuca. Acho que vou

explodir de tanto desejo.

— Você é minha, Charlotte — ele murmura com o tom de voz

autoritário. — Só meu pau vai poder entrar nessa boceta, entendeu?


Sacudo a cabeça. Como se ele soubesse exatamente o que

quero, sinto a ponta do seu dedo abrir meus lábios de baixo e tocar

meu clítoris.

Mordo o lábio ainda mais forte, mas não sou capaz de

segurar o gemido.

Artho ergue a mão e aperta meu pescoço.

— Isso — sussurro. Não sei o que ele faz comigo para me

deixar tão louca.

Seu dedo escorrega para baixo e fricciona minha parte mais

sensível.

— Caralho, você tá encharcada de tesão — ele diz com a voz

rouca. — Não vejo a hora de te chupar bem gostoso, de te comer

por inteiro, de...


Ele não termina de dizer. Ouço passos dentro do banheiro e

fico imóvel.

Por sorte, estamos dentro da cabine. Artho ergue a mão do

meu pescoço até minha boca, a tapando, e começa a me tocar mais

rápido. Sei que devo impedi-lo, mas como parar se ele está me

dando a melhor sensação que já experimentei?

Ouço o som da descarga em outra cabine, instantes depois, o

barulho da água caindo na pia.

Artho continua me acariciando, até eu sentir que não vou

aguentar mais.

Alguns segundos depois dos passos deixarem o banheiro, ele

para e me solta.

Fico perdida sem a sensação das suas mãos no meu corpo.

Minha saia escorrega para baixo e eu me viro. O encaro, enquanto


ele chupa o dedo que esteve me tocando há poucos segundos.

— Você só vai gozar quando eu deixar — ele diz com o

queixo empinado. — Hoje à noite, vou te levar a algum lugar onde

você possa sentar na minha cara e esfregar a boceta na minha

boca. E vou te fazer gozar tão forte que você nunca vai se

esquecer.

Artho termina de dizer isso, enfia o que sobrou da minha

calcinha dentro do bolso da calça e sai, levando consigo minha

dignidade.

Preciso de um momento para recuperar o controle da

consciência. Meu corpo está trêmulo, aceso e sensível, e Artho

acabou de me deixar desse jeito, saindo por cima, quando eu só vim

aqui para dar um basta nele.

Como o deixei ir tão longe? Não posso acreditar, essa não

sou eu.
Quase pego o celular e ligo para Raquel, mas me lembro que

o deixei em cima da mesa, na aula de onde eu não deveria ter

saído.

Caminho pisando forte até a pia e lavo com água gelada as

partes em que ele me tocou, esperando que a baixa temperatura

leve consigo os vestígios do que senti. Meu batom está todo borrado

e eu preciso esfregar uma toalha de papel várias vezes em volta dos

lábios até me recompor.

— Eu vou resistir — digo para o meu reflexo no espelho assim

que estou pronta para voltar à aula. — Não é porque ele é tatuado,

gostoso, adora me provocar e tem um passado traumático que vou

ser sua cadelinha.

Ergo os ombros, satisfeita com minha fala. Não é um veterano

qualquer que vai me abalar. Ele me beijou, tudo bem, algum dia eu
teria que dar o primeiro beijo, mas isso não significa que vou

correndo encontrá-lo cada vez que ele me chamar.

— Sem contar que ele não fica com virgens — lembro a mim

mesma, ainda diante do espelho.

Abro um sorriso e saio com minha dignidade restaurada,

quase me esqueço que estou sem calcinha.

— Olha o que vamos fazer hoje à noite — Raquel diz ao

colocar um panfleto na mesa ao lado da minha bandeja de almoço.

Olho para o papel e vejo uma mulher de lingerie pendurada

em uma barra de ferro.

Espeto um pedaço de cenoura cozida com o garfo e mastigo

devagar, com as sobrancelhas arqueadas, esperando por mais


informações.

Raquel gesticula a mão na direção do papel. O olho

novamente e leio o endereço e o horário: Village Hotel, às vinte e

uma horas.

— Hum? O que tem? — pergunto.

— Vamos fazer aulas de pole dance — ela informa com o tom

de voz baixo.

— Ah, é claro que vamos — digo com sarcasmo, então

empurro o panfleto de volta para Raquel. — Só na sua imaginação.

— Vamos fazer sim, e você nem ouse estragar meu bom

humor.

— Raquel! Eu não tenho dinheiro nem para comprar livros da

faculdade, imagina pagar aulas de pole dance! O que você tem na

cabeça?
— As aulas são gratuitas. Uma conhecida abriu as vagas e

como a ajudei a conseguir algumas alunas, ela vai nos dar aulas de

graça — ela explica. — Qual a desculpa agora? O Village Hotel fica

a três quadras do Edifício Universitário. É só uma hora de aula às

terças e quintas.

Respiro fundo.

— Não sei se você percebeu, mas sou um pouquinho tímida e

introvertida — a lembro. — Foi por isso que aquele cretino do Artho

me levou à festa dos calouros.

— Você não o achou muito cretino quando estava com a

língua dele enfiada na sua garganta ontem a noite — ela brinca. —

Pior ainda, se esfregando nele dentro do nosso banheiro. É bem a

cara de uma tímida mesmo!

Solto a respiração pesada e largo o garfo sobre a bandeja.


— Eu beijei ele mais uma vez e só. Nunca mais vai acontecer,

você vai ver — a confidencio, na esperança de que Raquel me

apoie.

— Vocês ficaram outra vez? — ela pergunta com os olhos

arregalados. — Quando, onde? São meio dia e meia. Como pode?

Movimento os ombros e endireito a postura.

— No meio da aula de Economia Política — respondo.

— Como?

— Eu o encontrei no banheiro feminino, mas foi coisa rápida,

nada que atrapalhasse a minha aula — minto.

— Eu estou chocada — Raquel brinca.

— E agora ele está com minha calcinha no bolso da calça

jeans — sussurro. — Espero que você me dê umas dicas de como


ser mais forte e não ir mais encontrá-lo quando ele me chamar.

A boca de Raquel se abre em formato de “o”.

— Vocês transaram?

— Não! Foi só... A gente se beijou e ele... — Não consigo

explicar o que aconteceu, meu rosto está ardendo. — Amiga, diga

que eu preciso me afastar dele, que isso não é certo, por favor.

— Não é errado se te faz bem — Raquel brinca. — Ele tirou

mesmo sua calcinha?

— Ele rasgou.

Ela cai na gargalhada, chamando atenção de alguns

universitários para nossa mesa.

— Ok, você é mais piranha do que eu pensava.


— Raquel! — a repreendo, mas seu comentário não me

ofende.

— É sério, se você gostou de ficar com Artho, e acredito que

sim, já que sua calcinha foi parar no bolso dele, não tem que ficar se

segurando. Senta nele e seja feliz.

Reviro os olhos, só eu mesma para achar que ela poderia me

ajudar.

— Ele é um cretino — a lembro. — Tem fama de pegar até as

ficantes dos amigos.

— Eu falei de sentar, não de namoro. É só cuidar para não

ficar apaixonada — Raquel explica. — De resto, se joga, quando

enjoar dele, o dispense.

— Eu jamais me apaixonaria, ainda mais por alguém como

Artho Becker — digo com convicção. — Tenho coisas muito mais


importantes nas quais focar meu pensamento.

— Nas aulas de pole dance, por exemplo? — Raquel

pergunta.

Nesse instante, vejo Artho entrar no refeitório com os amigos.

Me lembro dele dizendo que vai me levar hoje à noite a um

lugar onde podemos ficar sozinhos.

— Eu topo — digo a Raquel. — Tudo para escapar dele essa

noite. Vou buscar sua irmãzinha na creche, fico na casa com ela até

Artho chegar, depois te encontro.

— Te adoro, amiga! — Raquel diz e bate palmas.

Mantenho os olhos na minha bandeja quando os seis passam

por mim, não vou dar o gostinho de encará-lo.

— E aí, Charlotte? — ouço Lion me cumprimentar.


— Oi — respondo ao erguer o olhar só pelo tempo suficiente

para ser educada.

— Vou providenciar nossas roupas — Raquel diz, está nas

nuvens de felicidade.

Não sei onde vou arranjar coragem para ir a uma aula de pole

dance.

Ayla está mais agitada que ontem e pergunta da mamãe

várias vezes durante o percurso de ônibus.

— Ela está dodói, mas logo vai melhorar — digo para animá-

la.

— Nenê não podi vê? — ela pergunta com a voz doce e os

olhos curiosos.
— Não pode, até ela sarar.

— E Tutú? Cadê Tutú? — Ayla quer saber.

— Seu irmão está trabalhando no cartório, mas logo quando

ficar escuro, ele chega em casa.

— Sodadi da mamãe e do papai — ela murmura, solta a

respiração de um jeito dramático e murcha os ombros. — E de Tutú.

Meu peito se aperta, gostaria de fazer alguma coisa para

melhorar seu humor, mas deve ser muito difícil para uma criancinha

tão pequena ficar longe da mãe.

— Você verá seu papai no sábado — digo para animá-la. —

Artho disse que você vai passar o final de semana com ele.

— Êba! — ela diz e bate palminhas.


Noto que Ayla tem uma covinha na bochecha igual a Artho.

Seus cabelos também são da mesma cor, assim como o tom da

pele, só os olhos são diferentes. Imagino que ela possa ter puxado

ao pai biológico.

— Papai faz bolo, pipoca e patel — ela me conta. — Nenê

ama patel.

— É mesmo? — pergunto. Me sinto aliviada por perceber o

quanto ela gosta do padrasto, e como ele parece amá-la.

— Papai chega em casa muuuuito canchado — Ayla explica.

— Muito cansado?

— Muuuuuito canchado — ela repete. — E dome cedo. Ele

faz casa.

— Ele constrói casas, é muito inteligente.


Ela sacode a cabeça ao concordar comigo, então respira

fundo e deita a cabeça no meu peito.

O cheirinho dos seus cabelos me faz querer apertá-la bem

forte. Amo crianças.

Desço do ônibus com ela cochilando nos meus braços. Hoje,

fui esperta e passei no meu quarto para deixar minhas coisas da

faculdade, depois de três horas a fio estudando na biblioteca. Por

isso, só tenho Ayla e a sua bolsa rosa para carregar na subida da

ladeira.

Chegamos ao portão da mansão sem nenhum imprevisto de

xixi. Pego controle do portão que Artho me deu e o abro.

Darth Vader está no jardim e vem correndo me encontrar

assim que entro. Ele dá um latido alto que desperta Ayla do seu

cochilo.
— Cachorro — ela diz e se estica para descer do meu colo.

A coloco no chão e me agacho para fazer carinho na cabeça

do rottweiler.

— Você só tem cara de bravo, mas é um doce, rapazinho —

digo a ele, que me olha como se entendesse exatamente o que

estou falando.

Seguro a mão de Ayla e ela caminha comigo até a porta de

entrada. Darth Vader nos segue, como se fizesse nossa guarda.

A levo direto para o quarto e brinco com ela na frente da TV

até escurecer. A casa ainda está vazia quando desço para lhe dar

janta.

Encontro tortei com molho de tomate em uma travessa sobre

o fogão. Abro os armários à procura de pratos e talheres. Sirvo Ayla

e depois resolvo que também posso comer um pouco.


Ela ama o tortei e se empanturra. Amarro um pano de prato

em volta do seu pescoço para evitar que suje a roupa.

A comida está deliciosa, e já estou no segundo prato quando

ouço a porta abrir.

Fico tensa, com receio de ser Artho, ainda não o encarei

desde a fatídica aula e não sei como vou me portar, mas é só Eros.

— Boa noite, Batatinha — ele diz e beija a bochecha de Ayla.

Ela ergue o garfo com um tortei espetando e sorri para ele

com a boca toda lambuzada de molho.

— Quer jantar? — pergunto, acanhada por estar comendo

sem o convite do dono da casa.

— Tenho um encontro hoje, mas vou fazer um prato e comer

um pouco.
— Não custa forrar o estômago antes — digo e logo me

arrependo.

Eros me olha, mas não comenta mais nada.

Quero falar de Raquel para ele, mas não sei como fazer isso.

Era com minha amiga que ele deveria ter um encontro hoje. Só que

eu não consigo ficar à vontade na sua presença. Termino de comer,

ajudo Ayla a terminar também e lavo os pratos depressa.

Volto para a segurança do quarto de Artho antes que mais

cretinos cheguem em casa.

Ele aparece por volta das vinte horas, carregando duas malas

grandes e uma sacola de brinquedos.

Ayla pula em seus braços assim que o vê.

Engulo em seco, tomada por uma emoção inquietante. Seu

rosto está sério, mas ele dá um sorriso de canto ao me encarar.


— São as coisas dela? — questiono.

Ele faz que sim com a cabeça.

— Não dava mais para deixá-la com minha mãe — Artho

murmura.

Assim que coloca a irmãzinha no chão novamente, o vejo

arrastar as malas até perto da entrada do closet e noto como seus

ombros estão caídos. Não há nada da postura de bad boy agora.

— Como ela está? — pergunto ao caminhar até ele. —

Conseguiu ver alguma coisa sobre a internação?

— Eles vão estudar o caso, mas acho difícil conseguir uma

vaga. Ela está péssima, mas ficou em casa o dia todo, pelo menos

foi o que me disse.

— Pode contar comigo para o que precisar — murmuro e

cruzo os braços. Sei que não eram essas as palavras que eu


pretendia dizer quando o encontrasse, mas detesto vê-lo assim.

— Obrigado, você já está fazendo muito por ela — ele diz e

abre a sacola de brinquedos, fazendo Ayla pular de empolgação.

Sinto vontade de abraçá-lo e dizer que vai ficar tudo bem,

mas o que eu tenho a ver com isso?

— Ela já jantou — o informo ao pegar meu casaco que está

sobre a cama.

— Aonde vai? — Artho quer saber.

— Para casa.

O seu humor muda drasticamente.

— A gente combinou de...

— Não, Artho. Você combinou, eu não concordei com nada —

o interrompo. — Tenho um compromisso daqui a pouco e preciso ir.


— Compromisso com quem? — ele pergunta ao se colocar

entre mim e a porta.

Dou risada e mordo o lábio.

— Não é da sua conta.

— Charlotte — ele diz em tom de advertência.

Ergo as sobrancelhas e o encaro. Sou tomada pelo desejo de

beijar sua boca outra vez, mas preciso me conter, não estamos

sozinhos.

— Com licença — peço.

— Compromisso com quem? — ele insiste.

— Vou sair com Raquel. Coisa de garotas — confesso e

acabo me arrependendo, não devo nenhuma satisfação a ele.

— Eu te deixo em casa.
— Não precisa, vou pegar o ônibus e você vai ficar com sua

irmã.

— Vamos passear de carro, minha princesinha? — ele

pergunta a Ayla, que larga uma casinha de bonecas e vem correndo

para seus braços.

Respiro fundo, não quero perder a paciência com Artho na

frente dela.

— Não precisa, de verdade. Fique em casa com sua irmã.

Artho abre a porta e a segura para que eu saia do quarto.

— Esse compromisso é demorado? Posso te encontrar

depois?

— Não, porque você estará com Ayla — o lembro.

— Eros pode ficar de olho, depois que ela dormir — Artho diz.
— Não pode, ele tem um encontro.

— Eu preciso te ver ainda hoje — ele insiste.

— Vai ter que esperar — brinco.

Estou aliviada quando chegamos ao seu carro. Primeiro, eu

não estava muito animada para pegar o ônibus e a carona caiu

muito bem; segundo, com Ayla no banco de trás, nenhum de nós vai

perder o controle.

— Volto num instante, princesinha — Artho diz assim que

paramos na frente do prédio.

Me antecipo em abrir e descer do carro. Abro a porta de trás e

beijo seus cabelos castanhos, presos em maria chiquinhas e

lacinhos roxos.

— Até amanhã, meu amor — digo e beijo a ponta do seu

nariz. — Dorme com os anjinhos quando chegar em casa.


Ela joga um beijo estalado para mim e acena com a mão

gordinha, faz meu coração ficar quentinho.

Artho está segurando a porta e a fecha assim que saio do

banco de trás.

— Obrigada pela carona — digo e dou um passo em direção

ao prédio, mas ele segura minha mão.

Volto e tento enfiar a mão no seu bolso para resgatar o que

restou da minha calcinha.

— Ela não está aí — ele diz e dá o sorriso torto que exibe a

presa —, assim como você não está mais usando a saia.

Fico com os dedos diante do seu bolso e o encaro com o

olhar desafiador.

— Você tem mesmo que sair com sua amiga ou só inventou

uma desculpa para escapar de mim? — ele pergunta.


— Sim, eu tenho.

— É muito importante?

— Mais do que você imagina — garanto.

Meu coração dispara quando ele larga meu pulso e segura

meu pescoço, escorregando os dedos até minha nuca.

— Eu preciso entrar — sussurro.

— E eu preciso de você — Artho murmura.

— Não precisa. Eu sou virgem, esqueceu? Caso tenha

esquecido, deixa eu te recordar. Você não sai com virgens, porque

fazer isso foi a maior burrada que você fez na vida.

Ele sustenta meu olhar. Estou tão perto que sinto o calor da

sua respiração.
— Sábado, Ayla vai estar com meu padrasto e eu quero você

toda pra mim.

Perco o fôlego.

— Sou virgem — repito.

— Eu vou tirar sua virgindade — ele diz e me puxa. Não

precisa se esforçar muito, é vergonhosa a forma como cedo.

O beijo só dura alguns segundos, mas é o suficiente para

despertar meu corpo.

— Vão para um motel! — ouço Raquel gritar da janela do

nosso quarto.

Seguro no peito de Artho por um instante, aproveitando para

sentir os músculos rígidos por baixo do casaco, então me afasto.


— Vai ter uma festa lá em casa no sábado. Muita gente do

curso vai. Eu quero você lá — ele diz.

— Vou pensar.

— Convide sua amiga, acho que ela nunca foi à nossa casa.

Eros vai gostar de conhecê-la.

Mordo o lábio, é a oportunidade perfeita para ela. Não posso

negar isso a Raquel.

— Eu vou, mas só para a festa — o informo. — Esse foi

nosso último beijo, entendeu? Não vamos mais ficar e você só vai

tirar minha virgindade nos seus sonhos.

Seu sorriso se alarga. Artho claramente não acredita que

posso resistir a ele.


Charlotte

Quinta, 17 de agosto de 2017

Estou toda dolorida da segunda aula. Não pensei que me

pendurar em um mastro pudesse machucar tanto.

Na primeira aula, na terça, nos alongamos e aprendemos os

primeiros movimentos. Pensei que ficaria com muita vergonha, mas

a professora era um amor e eu acabei me soltando.

Consegui ficar por dois segundos pendurada na barra. Raquel

foi mais longe e aguentou cinco segundos.


— Já pensou em fazer um showzinho particular para Artho?

— ela brinca, enquanto caminhamos do Hotel Village de volta ao

Edifício Universitário.

Meu corpo ainda está quente, mas se não apressarmos o

passo, vamos acabar congelando na rua.

— Sim, é claro que pensei — digo com sarcasmo.

— Imagina só, ele não sabe que você está fazendo aulas, te

leva em um motel onde há uma barra, e você faz uma dança. Ele

jamais vai te esquecer.

— Você viaja, Raquel — reclamo.

— Se não for para mostrar a alguém, por que você está se

esforçando tanto para aprender? — ela me provoca.

— Se eu não conseguir me formar em Direito, já terei uma

profissão — brinco.
Ao me aproximar do prédio, alcanço meu celular no bolso do

casaco e vejo duas ligações perdidas de Artho.

Reviro os olhos, parece que quanto mais o ignoro, mais ele

me procura.

Na quarta, ele não pode me trazer, porque Ayla estava

tristonha, com saudades da mãe e do padrasto, mas ele fez Eros

me dar carona, mesmo eu dizendo que poderia ir de ônibus.

Hoje, me enfiei no carro de Lion assim que Artho chegou em

casa. Lion estava vindo ao Bar Culture e me deixou na porta do

prédio.

Quando chegamos à calçada do nosso edifício, vejo o carro

de Artho parado atrás de uma van.

Minhas mãos voam para meu cabelo assim que o noto.

— Eu te liguei, mas você não atendeu — ele diz.


— Acabei de ver as ligações.

— Boa noite, Artho — Raquel o cumprimenta.

— Boa noite — ele responde, a olhando apenas por uma

fração de segundo, então direciona sua atenção a mim outra vez. —

Desculpa te incomodar mais uma vez, mas você poderia ficar com

Ayla por mais algumas horinhas?

— Claro — respondo, notando o quanto ele parece

preocupado. — Aconteceu alguma coisa?

— Meu padrasto me ligou, minha mãe não estava em casa

quando ele chegou — ele diz baixinho. Imagino que tem vergonha

de falar dos problemas da sua mãe na frente de Raquel. — Vou

procurá-la pelo bairro.

Assinto, em seguida caminho até o carro, abro a porta e pego

Ayla, que está dormindo. Vejo Eros sentado no banco do


passageiro, quase peço para que ele desça e conheça Raquel, mas

a ocasião não é apropriada.

Artho ajuda a levar a bolsa com as coisas de Ayla até o nosso

quarto. Está tão sério que não dá uma palavra, enquanto estamos

no elevador.

— Pode ficar tranquilo, que vou cuidar bem dela — o garanto,

enquanto Raquel pega Ayla dos meus braços e a leva até minha

cama. — Não precisa voltar para buscá-la hoje, você vem amanhã,

antes das aulas. A deixo pronta para a creche.

Ele assente.

Sei que ele é um safado, que não vale muito, mas em se

tratando de família, dá seu melhor por eles, por isso meu coração se

aperta ao vê-lo com tantos problemas.


Fico na ponta dos pés e beijo seu rosto com carinho. Ele

envolve meu corpo com seus braços e me aperta contra o peito.

— Meu padrasto disse que alguns objetos da casa sumiram,

como a TV e umas ferramentas de trabalho — ele murmura para

que só eu escute. — Ele não vai aceitá-la de volta, tenho quase

certeza.

Esfrego suas costas com carinho.

— Ele não pode abandoná-la assim — sussurro, não agora.

— Ele não aguenta mais.

— E a internação? — pergunto.

— Não conseguimos a vaga ainda, mas... — Artho começa a

dizer e se cala.
Seguro nos seus ombros e me inclino para trás a fim de olhar

em seus olhos.

— O quê? Termina de me contar, por favor.

— Eros quer pagar a internação em uma clínica particular —

ele diz. Vejo que seus olhos estão vermelhos e imagino que ele

chorou antes de vir.

— Isso é ótimo, não é?

— É dinheiro demais, sei que ele tem muito e não vai fazer

diferença, mas não posso aceitar.

— Não é para você, e sim para sua mãe, Artho. Não faz

sentido recusar.

— Não faz sentido aceitar — ele insiste.


— Se você tivesse condições e Eros precisasse de ajuda,

você o ajudaria? — pergunto, atenta aos seus olhos castanhos,

tentando ler através deles o que Artho está sentindo.

— É claro que ajudaria — diz, como se fosse óbvio.

— Então aceite ajuda dele, não é o momento de ser

orgulhoso — digo com firmeza. — Por favor, pela sua mãe, por Ayla.

— Eu não... — ele começa a dizer, mas apoio meu dedo nos

seus lábios.

— Aceite — insisto.

Artho assente, beija meu rosto e se vira na direção do

elevador.

Meu coração está batendo apertado quando entro no quarto.

Vejo Raquel empurrando sua cama para perto da minha.


— Acho que é melhor deixá-las juntas — ela explica quando

as duas camas de solteiro se unem. — Assim Ayla não cai.

— Muito bem pensado — observo.

Ela já ligou o aquecedor a gás e eu tiro o casaco. Agradeço

por Raquel não me fazer perguntas sobre os problemas de Artho.

Apesar de já ter mencionado por cima, não me sinto à vontade para

expor a família dele dessa forma.

Tento ler um livro de romance, após um banho quente. Raquel

faz nosso miojo e traz o prato no quarto para que eu coma sem

deixar Ayla sozinha.

Não demoro a adormecer. Acordo no quarto escuro com o

celular vibrando.

O alcanço e vejo que Artho está enviando mensagens.

Desbloqueio a tela e leio. Ele conta que encontrou sua mãe em uma
boca, por volta das duas horas da manhã, ela estava suja e com um

corte no lábio inferior, que pode ter sido feito por um traficante.

Depois de encontrá-la, ele e Eros a levaram até uma clínica

particular e conseguiram interná-la. Ele vai voltar amanhã para levar

os objetos pessoais dela.

Meu coração dói só de pensar em encontrar minha mãe em

uma situação parecida.

Eu: Quer que eu leve Ayla à creche?

Artho: Não precisa. Vou passar para buscá-la antes de ir a

clínica. Desculpe por te acordar. Só mandei mensagem porque

pensei que seu celular estivesse no silencioso.

Eu: Não precisa se desculpar, só acordei com as notificações

porque estava preocupada. É um alívio saber que ela está em

segurança agora.
Artho: É mesmo um alívio. Vou te deixar dormir. Ayla não deu

trabalho?

Eu: Nenhum. Durma bem.

Artho: Você também, e obrigado por tudo.

Fico olhando para sua mensagem, até que meus olhos pesam

e eu adormeço.
Charlotte

Sábado, 19 de agosto de 2017

Raquel está surtando. Ela costurou para mim uma saia preta,

com algumas riscas cinza escuras, que formam um xadrez discreto,

com uma fenda sobre a coxa, e uma camisa branca.

Visto o seu casaco e um par de meias 7/8 bege, além das

botas coturnos pretas.

Ela está tão empolgada por ir a uma festa na casa de Eros

Giordano, que fez as roupas para mim sem que eu pedisse, de


surpresa. Quando eu cheguei ontem, elas já estavam prontas.

— Você é a melhor colega de quarto que eu poderia arranjar

— ela cantarola, enquanto se olha no espelho ao experimentar o

terceiro vestido. — Eu acho que nunca seria convidada a ir àquela

mansão se não fosse por você. Obrigada, amiga.

Abano a mão.

— Esse vestido fica lindo em você — a elogio, assim como fiz

para os três outros looks que ela vestiu.

— Você acha que ele vai me notar com essa roupa?

— É claro que vai — respondo.

— Charlotte, você disse isso para tudo que experimentei —

ela reclama.
— Porque você ficou linda em todos eles. Eros vai te notar,

sim, fique tranquila.

Continuo a minha luta de passar o batom vermelho nos meus

lábios cheios, tentando não borrar. Sequei os cabelos e os prendi

ainda quentes em um coque, como Raquel me ensinou, para que

fiquem ondulados quando os soltar.

— Está decidido, vou com esse — ela diz e desliza as mãos

da curva da sua cintura até abaixo dos quadris.

Depressa, ela veste uma meia calça natural e as botas que

vão até metade das coxas e que a deixam muito sexy. Se senta ao

meu lado, na penteadeira, e começa a se maquiar.

Está colando os cílios postiços quando Artho liga e avisa que

está nos esperando.


Raquel se levanta da cadeira e corre até a janela, enquanto

abana um dos cílios para secar a cola.

— Não me apresse, Artho! Sou capaz de jogar uma cadeira

no teto do seu carro — ela berra.

Logo em seguida, se vira para mim e baixa o tom de voz.

— Ah, não, espera! Foi ele quem me convidou, né?

— Ele mesmo — respondo.

— Brincadeirinha, Artho — ela volta a gritar. — Já estamos

quase prontas!

Dou risada.

— Se acalma, é só uma festa.

— Claro, como se você não tivesse surtado durante uma

semana por causa da festa dos calouros — ela me repreende.


Passo perfume na nuca e percebo que minhas mãos estão

trêmulas. Também estou muito ansiosa. As pessoas da minha turma

estarão lá, é um bom momento para interagir outra vez. Mal

conversei com eles a semana toda, além dos trabalhos.

Não estou ansiosa apenas para encontrar meus colegas de

turma, mas isso não vem ao caso.

Quando Raquel se arruma, trancamos a porta do quarto de

chave e descemos pelo elevador.

Encontramos Artho encostado no capô do carro, está vestindo

uma calça de sarja preta, jaqueta de couro e uma camiseta azul por

baixo. Ele não tem feito a barba ultimamente, não sei se escolheu

isso ou anda tão cheio de problemas que não se importa mais.

Ele abre um sorriso, pega minha mão e me faz dar uma

voltinha.
— Você está perfeita, Mulher Maravilha — ele brinca, mas

aquele brilho no seu olhar já não existe mais. Nem mesmo chama

Raquel de Oiapoque.

Eu entendo, também ficaria destruída se passasse pelo que

ele passou nos últimos dias.

— Obrigada — respondo.

Quero abraçá-lo bem forte e dizer o quanto sinto falta do

queixo empinado, do sorriso torto e do olhar cheio de desejo, mas

não posso fazer isso. Não somos nada um para o outro.

Artho abre a porta do carro, primeiro para mim, depois para

Raquel.

— Ayla está com o pai hoje? — pergunto quando ele dá

partida.
Vejo que ele trinca os dentes antes de responder. Me

pergunto se há mais alguma coisa errada.

— Sim, deixei ela lá antes de vir. Ela estava morrendo de

saudades dele — Artho explica.

— Muita gente foi convidada para a festa? — Raquel quer

saber.

— Somos seis, cada um faz um curso diferente, cada um

convida amigos diferentes, que trazem outros amigos, então a casa

fica cheia.

Sua resposta é comprovada pelo número de carros e motos

estacionados na rua. Os portões de ferro estão abertos e posso

ouvir o som da música eletrônica assim que desço do carro.

— Ainda estamos fingindo ser um casal? — pergunto a Artho

baixinho, com o coração batendo rápido.


Minhas mãos estão geladas, mas não é por causa do frio.

— É o nosso acordo — ele responde, então segura minha

mão.

Raquel se enrosca no braço dele e subimos os degraus de

acesso à casa.

Há um rapaz baixinho, fumando na porta da casa, cercado de

duas garotas do apartamento da cobertura.

As duas me olham dos pés à cabeça, então fazem o mesmo

com Raquel, julgando com seus olhares cada item do nosso

vestuário.

Murcho os ombros. Ficar nessa festa vai ser bem mais difícil

que no churrasco dos calouros de Direito.

— Vou pegar bebidas — Artho diz ao atravessarmos a sala.


O salão de festas está aberto e eu vejo luzes piscando no

teto. A música está vindo de lá.

— Ainda bem que você está aqui — sussurro, me agarrando

ao braço de Raquel. — Eu fugiria se Artho me deixasse sozinha no

meio de toda essa gente.

As salas estão lotadas. É estranho ver a casa assim. As

pessoas não hesitam em nos encarar.

— É aqui que você vem toda noite? — Raquel pergunta, sem

dar a mínima para os olhares dos estranhos.

— Sim, essa é a mansão de Eros Giordano.

— Falando nele… — ela diz e aponta com o queixo.

Olho para a esquerda e vejo ele e Artho se aproximando,

carregando duas canecas de chope cada.


— Estou bonita mesmo? — ela pergunta ao virar de costas

— É claro — a elogio.

Os rapazes param diante de nós e Eros me estende a bebida.

Artho toca o ombro de Raquel e ela se vira depressa, como se não

estivesse esperando por eles, e seu cabelo balança no ar.

— Essa é Raquel Mendes, do curso de Moda — Artho diz ao

lhe passar a caneca. — Raquel, este é Eros Giordano.

Olho para Eros e me assusto com a expressão dura em seu

rosto. É como se ele tivesse visto um fantasma ou até alguém que

odeia muito.

Ele a olha de cima. Seus olhos castanhos estreitos, então,

sem dizer uma única palavra, empina o queixo e sai.

Fico boquiaberta com sua reação, não é o mesmo Eros que

brinca com Ayla e a chama de Batatinha. Nunca o vi sendo tão


grosso. Preciso me lembrar de que frequentei sua casa nos últimos

cinco dias, e mesmo assim ele nunca me cumprimentou no

restaurante, na hora do almoço.

Franzo o cenho e faço um bico. O desconforto no rosto de

Raquel é visível.

— Não liguem para Eros — Artho diz. Percebo que até ele

ficou sem graça.

— O que tem de rico, tem de mal educado — Raquel

murmura.

Ficamos os três parados na sala, bebendo goles de chope.

Artho olha em todas as direções, menos para mim, me deixa com a

impressão de que ficar ao meu lado é um fardo.

— Quer dar uma volta? — Raquel me pergunta.

— Claro.
Eu a sigo, deixando Artho para trás.

— Juro que não sabia que ele era tão grosso — sussurro

assim que tomamos distância. — Me choquei tanto quanto você.

— Ele arruinou meu humor — ela diz e vira a caneca de

chope de uma vez. — Preciso de uma bebida mais forte.

A levo até a cozinha, onde Lion Bianco está preparando

drinks com vodca e frutas.

— Prepara algo bem forte para mim, por favor — ela pede.

— Oi, Charlotte — Lion me cumprimenta.

— Tudo bem, Lion? — pergunto ao receber seu beijo no

rosto. — Essa é minha amiga, Raquel Mendes.

Ele a beija no rosto também, como imaginei que Eros faria.


Quando Lion lhe entrega um copo de bebida e Raquel o vira

de uma vez, começo a ficar preocupada.

— Acho que você terá trabalho — Lion comenta com um olhar

compreensivo.

Quero dizer que é tudo culpa do seu amigo, mas não gosto de

expor as pessoas desta forma.

— Prepara um mais forte — Raquel diz, batendo o copo

contra o mármore da ilha.

Lion endireita a postura, sentindo-se desafiado, e prepara

uma mistura de vodca, cachaça, tequila e um pouquinho de suco de

morango.

— Amiga, ele não é o único homem da festa — a alerto ao

segurar em seu cotovelo.

Mas Raquel não me ouve e entorna mais um copo.


— Qual o nome desse drink? — ela pergunta a Lion e faz

uma careta esquisita.

— Não tem nome, acabei de inventar — ele diz e dá de

ombros.

— Que tal chamá-lo de Raquel? — ela diz.

Abro um sorriso amarelo para Lion e tento puxá-la para longe

da cozinha, antes que ela peça outra bebida, mas Raquel finca os

pés no chão e me lança um olhar sério.

— Charlotte, é preciso muito mais que isso para me derrubar

— ela diz e volta sua atenção a Lion. — Agora prepare uma bebida

especial para minha melhor amiga.

Lion dá risada do jeito espontâneo dela, mas fica sério, de

repente. Ele olha sobre o meu ombro, na direção da sala, e corre

daqui com uma garrafa de vodca em mãos.


Raquel e eu nos encaramos, sem entender.

— Será que foi alguma coisa que eu disse? — Raquel

pergunta. — Parece que estou fadada a espantar todos os homens

desse clube. Mas não tem problema, eu mesma vou te preparar um

drink.

Ela começa a olhar os rótulos das garrafas, mas é

interrompida por Dimitri, que irrompe na cozinha e corre até a área

de serviço, volta instantes depois carregando uma espécie de taco

de beisebol preto.

Minha amiga e eu nos olhamos de novo, em seguida, ouço

gritos e me viro a tempo de ver as pessoas correndo na sala.


Charlotte

Raquel me puxa para ver o que está acontecendo.

Acompanhamos os curiosos que se espremem para passar pela

porta da frente. Assim que conseguimos sair, vejo Artho dando

socos em um rapaz que nunca vi na vida, enquanto Lion bate em

Pinscher, da minha sala. Tem outros homens querendo entrar na

briga, mas Dimitri está girando o taco, ameaçando bater em quem

ousar se aproximar.

Levo a mão até a boca, sem entender o que Pinscher está

fazendo aqui, se sabe que não é bem-vindo.


As pessoas se aglomeram em um círculo em volta dos

rapazes. Meu peito dói de preocupação.

Pinscher reage e consegue acertar um soco no queixo de

Lion. Nesse momento, Natan entra na briga para defender o amigo,

e alguns caras fazem o mesmo, desafiando Dimitri.

Um dos rapazes que está contra o clube dos cretinos, desfere

um golpe contra o rosto de Artho.

Me encolho, apavorada com a ideia de ele se machucar.

Dimitri acerta o taco contra as costas do rapaz e o faz cair no

chão de pedra. Estremeço com a cena. Ele não leva mais que

alguns segundos para golpear cada um dos outros que se atrevem a

desafiá-lo.

Percebo que Raquel não está mais ao meu lado. Como Artho

não parece muito machucado, desvio a atenção da briga e começo


a procurar por ela, em meio aos convidados da festa, que berram,

uns em defesa do fim da briga, outros sedentos por porradaria.

Pinscher e sua turma são expulsos da propriedade, enquanto

busco desesperada por Raquel.

Temo por ela ter bebido, não quero que ninguém se aproveite

da sua situação.

Procuro Raquel entre as pessoas que se dispersam pelo

jardim, dando voltas e mais voltas, até encontrá-la atrás de um SUV

vermelho, estacionado na rua, agarrada a Victor, o vocalista da

banda que tocou no Bar Culture, na minha primeira noite em Bento

Gonçalves.

Engulo minha vergonha e interrompo o beijo dos dois ao

sacudir o ombro dela.

Os dois me olham de cenhos franzidos.


— Eu fiquei feito uma besta te procurando — digo.

— Por quê? — ela ainda pergunta.

— Você bebeu! — digo para lembrá-la.

— Te garanto que estou bem. Pode ir curtir a festa com Artho

— Raquel incentiva.

A encaro para ter certeza de que está sóbria.

— Pode ir, sua amiga está em ótimas mãos — Victor diz e a

beija novamente, como se eu não estivesse ali.

— Gastei adrenalina à toa — resmungo.

Raquel estica a mão e me empurra. Solto o ar com força e

reviro os olhos.

Ando pisando forte pela calçada, atravesso o portão e

caminho pela estrada de pedra até a frente da mansão, observando


alguns casais se agarrando no jardim.

Nos degraus de acesso à porta de entrada, vejo os cacos da

garrafa que Lion estava segurando quando a briga começou. Os

empurro para o canto com a ponta da bota, a fim de evitar que

alguém se machuque.

Entro na sala e começo a procurar pelo meu namorado de

mentira, para minha decepção, encontro seu corpo pressionado

contra a ilha de mármore da cozinha. Larissa Ferrari, a quem os

veteranos chamam de Burguesinha, está encostada em Artho,

segurando uma sacola de gelo contra a maçã inchada do rosto dele.

Sinto meu sangue arder sob minha pele, ainda mais quando

ouço as risadas de duas meninas do segundo período de Direito.

— Essa é a consequência de se iludir com um dos homens do

clube dos cretinos — uma delas diz, olhando diretamente para mim.
— Eles têm um aviso pendurado na entrada da casa, se ilude

quem quer — a outra diz, então me olha os pés à cabeça.

Odeio que me olhem dessa forma. Não estou nem aí para

Artho ou o fato de ele estar com Larissa, só me incomoda ele ter

combinado que fingiria ser meu namorado. Ficar se esfregando com

outra em público não fazia parte do acordo.

Me viro depressa e esbarro no corpo de um dos gêmeos.

— Ei, Charlotte, aonde você vai com tanta pressa? — ele diz

e passa os braços em volta de mim.

Não reconheço se é Natan ou Gabriel, mas não me afasto.

O gêmeo inclina a cabeça na minha direção, mas não chega

a encostar os lábios nos meus, porque Artho o impede.

— Que porra você acha está fazendo? — ele berra,

empurrando o gêmeo de perto de mim.


Estou farta dessa festa, não aguento mais tanta perturbação,

não fico para ver se o gêmeo vai revidar, corro na direção da saída

antes que alguma das meninas em volta faça alguma piada.

Desço os degraus com rapidez, estou tão aborrecida que não

temo tropeçar nos saltos. Alcanço a estrada de pedra e sigo para a

rua. Por sorte, sou prevenida e trouxe dinheiro suficiente para pegar

o ônibus.

Respiro o ar gelado e me obrigo a engolir o choro de raiva.

Quando estou a aproximadamente vinte metros do portão,

ouço o ronco de uma moto se aproximar. Aperto o passo, mas sou

interrompida por Artho, que segura meu pulso, enquanto pilota a

moto com apenas uma mão, me fazendo parar.

Dou um safanão para escapar dele, mas o cretino vira a moto,

a colocando diante de mim. Esbarro no seu corpo, mas me recuso a

encará-lo.
Tento contornar, mas Artho faz a moto avançar, me barrando

outra vez.

— Espera, por favor — ele pede.

— Esperar o quê? — pergunto e o encaro.

Veja como a maçã do seu rosto está inchada. Bem feito!

— Você está indo embora da festa porque viu Larissa

colocando gelo no meu rosto? Ela tinha acabado de pegar a

compressa da minha mão, quando você entrou na cozinha.

Reviro os olhos.

— Até parece que eu ia me importar com quem faz

compressa no seu machucado — rebato. — Por mim, ela pode fazer

o que quiser com você.

— Então, por que está indo embora desse jeito?


— Porque você tinha combinado que fingiria ser meu

namorado — o recordo. — E não respeitou nosso acordo.

Meu coração está acelerado e eu detesto o fato de estar tão

frio ao ponto de minhas mãos tremerem.

— E o que uma compressa de gelo tem a ver com isso? Eu

não fiz nada demais — Artho se defende.

Sopro o ar pesado entre os lábios e arrumo os cabelos,

chateada por ter me arrumado à toa. Essa festa não vale nem o

batom que usei.

— Não foi o que você fez, foi o que comentaram.

— Quem comentou o quê?

— Eu entrei na cozinha, vi a cena e escutei umas pessoas

dizendo que aquela era a consequência por se iludir com você —

respondo.
Cruzo os braços e tento acalmar a respiração.

— Por causa da sacola de gelo? Quem falou isso?

— Ninguém importante — resmungo.

— E por esse motivo você ia permitir que Natan te beijasse?

— Artho quer saber. — Na frente de todo mundo?

Pisco, abro a boca para falar, mas não consigo formular um

argumento razoável.

— Isso é mais respeitoso? — ele insiste. — Você tem ciúmes

de mim, Charlotte? Tanto ciúme que ia beijar um amigo meu, só

porque viu uma mulher apertando um saco de gelo no meu rosto?

Eu preciso arranjar uma resposta depressa. Tento raciocinar,

mas fui pega de surpresa.


— Por mim você poderia ficar com quem quisesse, desde que

cumprisse o acordo.

— Eu não descumpri — ele diz, com a cabeça erguida,

imaginando que venceu nos argumentos.

Empino o queixo também, ainda tenho uma cartada na

manga.

— E você, por acaso, estava com ciúmes de mim, Artho?

Ciúmes de me ver beijando um amigo seu?

Mordo o canto interno das bochechas para não rir da sua

cara. Ele não esperava que eu tivesse um argumento tão bom.

— Sim, eu não só estava, como ainda estou — Artho diz e me

pega de escudo abaixado. Não posso acreditar que ele está

admitindo isso. — Isso me fez tremer de raiva, Charlotte, mas dos

dois. Agora me diz, quem foi mais desrespeitado.


Pisco e fecho a cara.

— Eu vou embora, não precisamos desse acordo. Ele foi para

o ralo, e essa festa está uma droga.

— Eu não quero que vá ainda. Volta comigo, vamos consertar

isso. Você ouviu alguém fazer uma piada sobre nós, mas fui eu

quem fiquei com cara de trouxa quando Natan quase te beijou na

frente de todo mundo — ele diz. É bom em argumentos, preciso

levar em consideração que já está no sétimo período de Direito.

— Não temos que consertar nada — digo, com o tom de voz

mais manso. — Eu não preciso mais que você finja ser meu

namorado por pena. É tão ridículo...

— Nunca foi por pena, por que pensou isso? — Artho

pergunta.

Puxo o ar profundamente e aperto os lábios.


— Se não lembra, você só foi àquela festa comigo porque

Raquel implorou.

— Ela não teve que implorar, eu só me recusei no início

porque precisava trabalhar. Teria aceitado de primeira o pedido de te

acompanhar se não fosse por isso — ele se justifica. — Mais uma

vez, deixei você tirar as conclusões erradas.

Quero dizer que ele não tem culpa de como interpreto suas

falas, mas não sei se estou certa.

— Por que vocês brigaram daquela forma? — resolvo mudar

de assunto. — Por que Pinscher estava aqui?

— Ele veio sem ser convidado, sabe muito bem que não é

bem-vindo aqui. Você estava ao meu lado, depois que Eros fez

aquela palhaçada, de repente, sumiu de perto de mim.


— Raquel me puxou para a cozinha, ela queria uma bebida

forte.

— Eu comecei a te procurar na sala, quando o vi chegar. Não

pensei duas vezes, tenho certeza de que ele só veio aqui para te

procurar, e ainda trouxe os amigos, imaginando que fosse nos

intimidar.

— Me procurar? — Ergo as sobrancelhas, sem entender.

— O envergonhei na frente de todos da sua turma por causa

de você, é claro que ele vai tentar me provocar.

Quero pensar que Artho está enganado, que Pinscher jamais

viria até aqui por algo relacionado a mim, mas me assusta a ideia de

alguém como ele tentar alguma coisa comigo.

Esfrego as palmas das mãos contra o tecido grosso do

casaco para conter um arrepio na espinha.


— Obrigada por fazer alguma coisa pela minha segurança —

sussurro. — Duas vezes.

— Dessa vez foi Lion quem socou a cara dele, e Dimitri botou

o bando para correr com um taco — ele diz e dá um sorriso.

— Seu rosto está inchado — digo.

— Não foi nada. Eu só quis colocar gelo porque não pega

bem aparecer assim no trabalho segunda — ele murmura, ainda

montado na moto, passa o braço em torno da minha cintura e me

puxa para mais perto. — Não precisa se preocupar com Larissa.

— Eu já disse que não foi por causa dela, mas do que

comentaram.

— Vamos entrar de novo, aí você me mostra quem falou isso,

para que eu tenha o prazer de expulsar daqui.

Dou risada da sua fala.


— Você não precisa expulsar ninguém, Artho. Foi só um

comentário.

— Ninguém faz comentários maldosos para minha namorada

na sede do meu clube — ele brinca.

Apoio as mãos no seu peito e dou outra risada. Não esperava

que ele fosse vir atrás de mim, essa é a verdade.

— Peço desculpas pela situação. Volta comigo, por favor?

Eu sei que Artho só está me chamando de volta para provar

às pessoas da festa que ele não perdeu para Natan, mas não posso

me chatear com isso, afinal, estamos só fingindo.

— Tudo bem — sussurro. Também quero esfregar na cara

daquelas meninas que eu não me iludi com esse cretino, pelo

contrário, foi ele quem veio correndo atrás de mim.

— Sobe na moto — Artho pede com gentileza.


Passo a perna sobre o banco, monto e me agarro com

firmeza as suas costas.

Gosto de sentir o cheiro do perfume em sua nuca.

Ele para ao lado da garagem e segura minha mão quando

voltamos para dentro da mansão.

— Onde está Oiapoque? — ele pergunta ao subirmos os

degraus.

— Aproveitando a festa — digo, sem querer entrar em

detalhes.

Vejo Eros com uma garota de pele marrom e cabelos

cacheados, que eu já vi andando pelos corredores dos blocos das

salas de Administração. Eles estão se beijando no sofá ao lado do

piano.
Em seguida, avisto um dos gêmeos indo em direção à

cozinha. Não sei se é Natan ou Gabriel. Espero que Artho não tenha

brigado com um dos seus amigos, quando sei que ele não tem

razão.

— Oi, Mulher Maravilha — Meteoro da Paixão me

cumprimenta. — Tudo pronto para a apresentação do seminário?

— Quer falar de seminário em uma festa? — Gabriela critica.

— Por favor, né?

— Ela tem razão — Artho diz, em seguida me guia até o salão

de festas, onde as pessoas estão dançando.

Quando ele para em meio ao cômodo, quero dizer a ele que

não sei dançar, mas ele fala primeiro.

— Quem fez aquele comentário que te chateou?

Olho em volta e avisto as duas garotas intrometidas.


— Não estou vendo, já devem ter ido embora — minto.

Ele pega meu queixo e me faz encará-lo.

— Eu preciso saber quem foi, para nunca mais deixar entrar

aqui. É mulher ou homem? — pergunta.

Eu ainda não estou habituada a ter Artho me olhando com

tanta intensidade.

— Não importa.

— Importa, sim — ele diz e passa os braços em torno da

minha cintura.

— Não vai colocar gelo nessa cara? — ouço a voz masculina

e vejo um dos gêmeos parado ao nosso lado.

— Quer que eu te dê um motivo para você precisar de gelo

também? — Artho quase rosna.


Estou certa de que é Natan.

Ele ergue a cabeça com um olhar de provocação, depois me

olha.

— Ainda podemos terminar aquilo — Natan brinca —, Mulher

Maravilha.

— Vai se foder — Artho diz, caindo na provocação.

Abraço sua cintura, passando os braços por baixo da sua

jaqueta, e entrelaço os dedos sob a base da sua coluna.

— Não sei por que você se irrita, se dá em cima das

namoradas deles também — digo.

— Namoradas não, ficantes. É muito diferente — Artho se

justifica. — Acho que não estamos fingindo direito.


Vejo Natan se afastando de nós, andando de costas ao me

encarar com um sorrisinho debochado.

Sinto o toque de Artho no meu queixo e volto a olhá-lo. Sua

mão toca meu maxilar e escorrega para o meu pescoço. Ele se

inclina e encosta os lábios nos meus.

Sou pega de surpresa e estremeço ao senti-lo sugar meu

lábio devagar.

Seus dedos quentes e ásperos rodeiam meu pescoço. O

gesto faz minha respiração acelerar. Artho aperta os lábios contra os

meus e me olha por alguns segundos.

— Por que fez isso? — questiono baixinho.

— Para que não restem mais dúvidas de que você é minha

namorada — ele diz.


Me agarro com toda força ao pensamento de que é só pela

mentira, Artho não quer que seus amigos deem em cima de mim,

para não passar vergonha.

Mas sua mão permanece em meu pescoço. Meus batimentos

se elevam quando ele pressiona os dedos um pouco mais forte.

Abro os lábios e puxo o ar para encher meus pulmões.

Sua boca alcança a minha com muito mais intensidade desta

vez. Amo o calor e a maciez da sua língua quando ela invade minha

boca e se move selvagem contra a minha. Afundo os dedos nas

suas costas, à procura da barra da camiseta, então enfio as mãos

por baixo e toco a pele da sua lombar, acima do cinto que ele usa na

calça.

A música está alta no salão cheio, mas toda minha atenção

se volta para Artho.


Meu corpo palpita quando sinto o volume enrijecendo contra

meu ventre.

Artho me puxa com força contra seu corpo e aperta um pouco

mais meu pescoço. Não entendo, mas isso me desperta, faz meu

coração acelerar cada vez mais.

Passo os dedos por dentro do cós da sua calça, acariciando a

pele quente e macia.

Seu corpo estremece, ele morde meu lábio e interrompe o

beijo.

— Para o meu quarto — Artho exige, com a voz rouca e o tom

autoritário. — Agora!

Assinto, enquanto ele esfrega o polegar no meu lábio inferior.


Charlotte

Sinto o sangue o fervendo nas minhas veias quando ele me

solta. Não encontro razão para não obedecê-lo.

Dou as costas e caminho para fora do salão. Alcanço as

escadas que me levam ao primeiro andar. Meus joelhos estão fracos

ao subir os degraus. Preciso segurar no corrimão para me firmar.

Sinto seus olhos nas minhas coxas, mas não me viro para ter

certeza de que Artho está vindo.


Abro a porta do seu quarto e entro. De frente para a varanda,

com o coração ameaçando sair pela minha boca, ouço a porta ser

trancada. Me viro e o encaro.

Ele dá alguns passos na minha direção e eu ando de costas,

mantendo a distância entre nós. Seus olhos estão selvagens, do tipo

ameaçadores, como se ele fosse um predador prestes a me

encurralar.

Artho para em frente à sua cama e tira a jaqueta. A camiseta

preta que ele veste não tem mangas, e vejo todas as tatuagens em

seus braços pela primeira vez.

Há um relógio tatuado entre rosas em seu antebraço direito,

logo acima tem uma águia. O direito é coberto pelo escorpião e

vários outros desenhos que fazem lembrar um mapa medieval.

Engulo a saliva, tentada a tocá-lo.


Ele ergue o queixo, na pose de bad boy, e começa a abrir o

cinto.

— O que vai fazer? — pergunto quando ele tira o acessório,

mas não o joga na cama, como fez com a jaqueta.

Artho dobra o cinto e o bate contra a palma da mão.

— Shiii — ele sussurra. — Seja boazinha, minha pequena.

Estou paralisada diante dele, não me movo um centímetro

sequer.

Ele se aproxima de mim, nunca vi seu olhar tão sério, nem

mesmo quando estava com raiva.

Escorrego meus olhos pelo seu corpo e posso ver o pau duro

marcando a calça. Anseio por senti-lo pressionando o interior das

minhas coxas outra vez.


Me preparo para o seu beijo gostoso, mas ele segura meu

pulso e me faz girar.

Arfo, sem entender. Ele leva a mão livre até minha nuca, junta

todo o meu cabelo e o puxa, fazendo minha cabeça se inclinar para

trás.

— Ai... — murmuro.

— Shiii — ele pede outra vez.

Acho que meu coração vai explodir. Por mais que eu puxe o

ar pela boca, parece não ser suficiente.

Percebo o couro do cinto deslizar pelos meus pulsos quando

Artho solta meus cabelos. Ele une minhas mãos e enrola o cinto em

volta dos pulsos, o afivelando e me prendendo.

Quero perguntar o que ele pretende com isso, mas não quero

estragar a brincadeira. Artho me faz girar para encará-lo.


— Não sabe o que eu tenho vontade de fazer com você

quando usa essas saias — ele diz, quase como se rosnasse. Seu

rosto está erguido e os olhos parecem queimar minha pele.

Ele me empurra até a parede ao lado da porta de vidro da

varanda, então passa a língua no meu queixo, cortando a extensão,

antes de fechar uma das mãos contra o meu pescoço.

Adoro quando Artho faz isso desse jeito rude.

— Quero ver suas tatuagens — sussurro, sentindo meu

interior começar a pulsar.

— Agora não — ele responde, e ergue a minha blusa,

descobrindo meu sutiã.

Artho puxa um dos bojos para baixo e beija meu seio,

chupando meu mamilo, enquanto apalpa o outro com a mão.


Um gemido escapa da minha boca e meus joelhos fraquejam

quando ele tira os lábios do meu seio e me lança um olhar de

advertência.

— Shiii — sussurra ao balançar a cabeça em negação.

— Não posso gemer? — pergunto baixinho, com a voz fraca.

— Hoje não — Artho responde.

Ele ergue meu quadril e levanta minhas coxas, colocando-as

em volta da sua cintura. Minhas mãos estão atadas contra a parede,

mas morro de vontade de tocar seus braços, sentir a firmeza dos

músculos, erguer sua camiseta e ver quais as outras tatuagens que

se escondem por baixo da sua camiseta.

— Por quê? — arrisco perguntar. — Por que não posso

gemer?
— Porque eu gosto de dar ordens, e gosto mais ainda que

obedeçam — Artho diz.

Sinto meu coração vacilar e errar as batidas. Seu corpo entre

as minhas pernas queima como fogo.

Artho pressiona sua pélvis contra a minha, me fazendo sentir

o volume dentro da sua calça, duro e quente.

— Por favor — imploro, antes de ele colocar a língua para

fora e lamber meu queixo mais uma vez.

Alguma coisa se contrai dentro de mim, me belisca.

Ele vai me enlouquecer, lambendo meu pescoço, ombros,

mordendo meu mamilo exposto. Faz pressão contra meu quadril,

enquanto passeia com a língua no espaço entre os meus seios. Se

esfrega em mim lentamente e um som áspero se forma em sua

garganta.
Sua pélvis desliza novamente, com mais força dessa vez, de

baixo para cima. Encosto a cabeça na parede, ergo o queixo, fecho

os olhos e mordo o lábio com força para aguentar sem gemer.

— Isso — ele sussurra. — Seja boazinha e não gema.

Quando abro os olhos novamente, ele está me observando.

Seus olhos queimam, parece satisfeito de me ver entregue dessa

forma.

— O que acontece se eu gemer? — arrisco a pergunta.

— Eu só vou te chupar até você gozar se me obedecer.

Arfo, sentindo um arrepio percorrer meu corpo, quando

aproxima a boca da minha e a invade com sua língua. A chupo,

sentindo seu sabor delicioso, enquanto Artho se movimenta outra

vez contra minha pélvis.


Ele esfrega a mão espalmada contra meu mamilo, o deixando

rígido, então desce a mão para baixo e dá uma palmada na minha

bunda.

Solto o ar pesado por entre os lábios, não exatamente

assustada, mas surpresa. Gosto da sensação dos seus dedos se

chocando contra a minha pele.

Ele agarra meu cabelo de novo, me coloca no chão e me faz

ficar de costas, me empurrando até a varanda. Com os braços

atados, não posso baixar a blusa e um dos meus seios está de fora.

A varanda dá para os fundos da casa, e atrás do gramado, só

há as montanhas, mas se algum convidado resolver dar uns

amassos naquela parte da propriedade, pode acabar nos vendo.

— Artho — sussurro —, por que estamos aqui? E se alguém

aparecer?
— Não gosta de correr perigo, minha pequena?

Arfo, nunca pensei nisso, mas com ele eu aceito.

— É a primeira vez que me arrisco assim — assumo.

Não acredito que estou confiando meu corpo e minha

reputação a um bad boy. Ele está virando minha cabeça.

— Você não vai se arrepender — ele murmura, antes de me

virar para encará-lo. Suas mãos encontram a barra da minha saia e

ele mantém o olhar fixo no meu, enquanto ergue minha saia.

Depois ele agacha. Sua língua passeia pela minha barriga,

até parar em cima da calcinha. Meu coração dá um solavanco e

minhas coxas se espremem com o latejar que sinto.

Franzo o cenho e jogo a cabeça para trás, a boca

entreaberta. Artho me provoca, tão malvado, com sua língua

entrando lentamente por baixo do elástico da calcinha.


— Artho... — chamo seu nome com a voz manhosa, quando

sua língua me toca.

— Adoro esse cheiro — ele diz, então me lambe.

Inclino a cabeça para a frente, aperto as unhas contra as

palmas das mãos e cerro os dentes para não gemer.

Não quero que ele pare agora.

Meu corpo estremece quando Artho agarra minha bunda com

uma das mãos. A outra desce e ele segura por trás do meu joelho

esquerdo, ergue minha perna e a coloca sobre seu ombro.

Me contorço no momento em que ele puxa a calcinha de lado

e começa a lamber minha entrada, então sua língua macia desliza

para cima.

Estou desperta e sensível. Sinto o ar frio ao redor tocar minha

pele quente, arrepiando a pele da minha bunda exposta.


Sinto sua cabeça entre as minhas coxas. A ponta da sua

língua se enfia lá embaixo, me invadindo, forçando a entrada. Cravo

as unhas nas palmas das mãos novamente e grito para dentro, sem

emitir nenhum som. Mal consigo me manter de pé. Meu coração não

bate mais, ele vibra, assim como meu sexo.

Bem devagar, Artho retira a língua de dentro. Sinto seus

dentes no meu clitóris, sem mordê-lo, apenas roçando a pele

ultrassensível. Ele o circula com sua língua, antes de segurá-lo

entre os dentes por alguns segundos, nos quais eu experimento um

prazer quente, devastador e que aumenta de intensidade

rapidamente.

Então, ele para, me deixando perdida. Fica de pé e me

encara.

— Você se comportou — ele murmura, me encarando com o

rosto sério.
Posso ver seus caninos afiados. Percebo que há duas cobras

despontando em ambos os ombros. Seus músculos são firmes e

destacados. Estou com tanto tesão que quero me jogar contra ele,

me fundir ao seu corpo.

— Sim — digo e lambo os lábios. — Por favor, continua.

Artho solta um rosnado, apertando-se contra mim e

esfregando sua pélvis com firmeza no meu sexo hipersensível.

— Adoro o gosto da sua boceta, seu cheiro — ele diz ao

segurar meu pescoço, elevando ainda mais meu estado de

excitação. — Você é só minha e de mais ninguém. Entendeu?

O encaro, mordo o lábio e assinto.

— Sim, sua e de mais ninguém.

— Boa menina, por isso vai ganhar um prêmio — Artho diz.


— Qual?

— O melhor prazer que você já sentiu.

Arfo quando ele me puxa de volta para dentro do quarto. O

sol está se pondo atrás das montanhas. Passo os olhos pela área

do gramado e não vejo ninguém, por sorte.

— Você vai gozar só para mim, estou sendo claro? — ele

pergunta ao pararmos diante da sua cama. Agora as suas mãos

estão no meu pescoço.

— Sim, senhor — brinco e ele abre um sorriso malvado.

Então ele me joga contra os lençóis e se deita sobre mim. Tira

minha calcinha depressa.

Meus braços doem e a pele em volta dos meus pulsos arde,

mas não quero pedir para me soltar. Estou adorando seu jeito de

demonstrar possessividade.
Seus lábios tomam os meus em um beijo excitante, que

arranca o ar dos meus pulmões, então ele desliza a boca pelo meu

queixo, seios, barriga, ergue ainda mais a minha saia e vira meu

quadril, me fazendo ficar de lado, Em seguida, morde minha bunda,

não de um jeito que machuca, mas que só me deixa com mais

tesão.

Minhas coxas são afastadas e ele abocanha minha boceta e a

suga com intensidade.

Solto um gemido alto, arfando, extasiada.

Apenas quando Artho para e se ergue para me olhar, eu

lembro que estou proibida de gemer.

Seu olhar severo cai sobre o meu e eu temo não receber mais

o prazer que ele tanto prometeu.


— Minha pequena, você me desobedeceu — ele murmura

com a voz rouca.

— Por favor, eu prometo que não vou mais gemer — imploro.

— Não me deixe assim.

Sinto sua mão bater espalmada contra minha bunda outra

vez. Me contorço na cama e aperto as coxas, na tentativa de sentir

algum alívio.

Artho afasta minhas pernas outra vez e atende meu pedido.

Sua língua traiçoeira circula meu clitóris com suavidade, depois

firme, então ele chupa meus pequenos lábios, e volta a lamber.

Seus dentes cravam meu clitóris e uma onda de arrepios se

espalha pelo meu corpo. Meu interior começa a se contrair,

conforme sua língua vai mais depressa. Nunca senti nada parecido,

estou tremendo, latejando. Nunca senti isso antes e não sei como

vai terminar, mas quero muito ir até o fim.


Fecho as pernas e aperto sua cabeça entre as minhas coxas,

em desespero, mordo o lençol e abafo um grito quando o prazer me

atinge, avassalador. Meu corpo treme e me contorço em espasmos,

perdendo o fôlego.

A sensação é de que estou morrendo de tanto prazer. Nunca

pensei que fosse assim. Tento libertar meus braços para agarrar seu

cabelo e esfregar seu rosto na minha boceta, mas o cinto me

mantém atada.

Artho dá mais uma palmada e me chupa toda. Solto um novo

grito, dessa vez sem abafá-lo contra os lençóis, que se alonga.

Estou desesperada. Arqueio as costas e fecho os olhos, quando sou

atingida em cheio pelo maior prazer que já senti.

Ele se ergue e me encara com um olhar satisfeito, então

morde o lábio inferior, mas não diz nada. Abre a fivela do cinto e

liberta meus braços.


Deito de costas, ele está de joelhos entre as minhas pernas e

beija meus pulsos. Vejo a pele avermelhada e fecho os olhos

quando seus dedos massageiam a área suavemente.

Ele se debruça sobre mim e eu o abraço com força, tomando

sua boca com a minha.

— Gozou bem gostoso? — ele pergunta e eu dou risada, um

pouco envergonhada por ter gritado daquela forma. — Não precisa

ficar tímida

— Sim — admito ao encarar seus olhos, mas sinto minhas

bochechas arderem.

— Eu quero muito saber como é estar dentro de você —

Artho murmura, então começa a abrir o botão da calça.


Charlotte

Engulo em seco, ciente do que ele quis dizer, então puxo a

barra da camiseta e a puxo, para despi-lo. Me choco com a

definição do seu abdômen, quando ele fica de joelhos sobre a cama

e joga a camisa para o lado.

Há um número tatuado em sua barriga, abaixo do peito: 1994.

Faço as contas rapidamente, estamos em 2017, e eu fiz

dezoito esse ano e nasci em 1999. Artho tem vinte e dois, faz

aniversário em onze de novembro, logo sei que 1994 foi o ano em


que ele nasceu. Um pouco acima do peito, vejo duas rosas, uma de

cada lado, e a continuação das cobras em seus ombros. Além disso,

entre as duas rosas e abaixo da coroa de louros, há o desenho de

um arame farpado.

Mesmo na escuridão, percebo que são tatuagens muito bem

feitas.

Quero perguntar se todas tem um significado, mas ele está

puxando a calça para baixo e eu me espanto ao ver o volume dentro

da sua cueca boxer.

Engulo em seco, quando ele se livra da calça e da cueca. Não

consigo tirar meus olhos do seu pau. Nem naquele sonho, era como

isso.

Meu coração dispara outra vez, mas agora não é de

excitação, e sim de receio.


— Artho — chamo seu nome, preocupada, quando ele

alcança um preservativo no bolso da calça e começa a abrir a

embalagem. — Artho?

Ele me olha, seu cabelo está caído sobre a testa, seus olhos

escuros me encaram.

— O que foi? — ele pergunta.

— Você nunca vai conseguir entrar em mim com isso — digo,

com o coração martelando.

Aperto minhas coxas como uma proteção, e puxo a blusa

para cobrir os seios.

Ele dá risada e morde o lábio inferior.

— Eu sei que você me fez gozar, e foi muito bom, e agora eu

preciso te dar prazer também, mas... — começo a sussurrar.


— Claro que não — ele me garante e se deita ao meu lado.

Me viro para encará-lo e puxo a saia para baixo.

— Minha pequena, você não precisa me dar nada em troca se

não quiser — ele diz e acaricia meu queixo com a ponta do dedo. —

Não precisa ter medo, não vamos fazer nada que não queira. Ok?

Sacudo a cabeça e solto o ar que estava prendendo.

Ele me abraça e eu sinto seu pênis quente e pesado contra

meu quadril. Me sinto tão pequena entre seus braços, acho que ele

não poderia me chamar de outro apelido melhor hoje.

Sua mão passeia pelas curvas do meu corpo, minha saia é

erguida outra vez e ele me toca entre as pernas.

— Eu posso te dar todo o prazer que você desejar, sem pedir

nada em troca — Artho me garante. — Só para te assistir gozar

novamente.
Assinto, sentindo meu peito se encher das suas palavras, da

sensação de ser acariciada, bem tratada, desejada. Olho para Artho

e duvido que eu vá encontrar alguém, um dia, que me faça bem

assim.

— Senta na minha cara e esfrega essa delícia na minha boca

— ele murmura ao pressionar o dedo no meu clitóris.

Agora sou eu que me ajoelho na cama, tiro a blusa e o sutiã,

enquanto Artho se inclina, desabotoa minha saia e ajuda a tirá-la.

Me deito sobre ele e ofereço um dos meus seios para que ele

chupe. É tão gostoso que eu gemo. Passo a mão em sua barriga,

até encontrar seus testículos pesados. Os acaricio com cuidado, e

sinto seu corpo estremecer de desejo.

Subo a mão e encontro seu pau. Nunca toquei um e não

imaginava que fosse tão duro, com tantas veias. O massageio e ele

morde o meu seio, soltando um urro contra meu mamilo.


Me excito ainda mais e me apresso para fazer o que ele

pediu.

Posiciono um joelho de cada lado da sua cabeça, e sinto sua

língua me lamber outra vez. Ele dá uma palmada e eu me esfrego

na sua boca, surpresa com a sensação gostosa que é.

Rebolo, apertando meus seios, me esfregando contra sua

língua, e começo a gemer. Me inclino em direção a sua barriga e

passo a língua no seu membro, ficando de quatro sobre o corpo de

Artho.

Beijo a glande macia e experimento sugá-la. Artho me dá

outra palmada, enquanto me chupa. Lambo seu pau bem devagar,

adorando seu sabor. A pele é macia, mas ele fica cada vez mais

duro, dando espasmos contra minha língua.

Arrisco colocar um pouco dentro da boca, com cuidado para

não encostar os dentes. Artho continua me chupando, mexe o


quadril conforme meus lábios vão descendo. Sei que ele está

gostando, porque geme contra minha boceta, e minha vontade de

satisfazê-lo só aumenta.

Seguro seu quadril com as duas mãos e sugo seu pau grande

e grosso até onde consigo, depois tiro a boca devagar e rebolo

sobre a sua boca, como aprendi a fazer nas aulas de pole dance.

Chupo até a metade, rápido, envolvendo-o com minha língua, então

solto devagar. Aumento a velocidade e a pressão da sucção, sem

deixar os dentes o tocarem, conforme meu prazer vai se elevando.

Quando chego ao orgasmos e grito contra seu pau. Sinto seu

gozo encher minha boca e engulo sem pensar, lambendo até a

última gota.

Me deito na cama com a boca seca e a respiração pesada.

Meu sexo ainda pulsa de forma deliciosa quando Artho se deita ao

meu lado e envolve minha cintura com seus braços.


— Acho que nunca conheci uma mulher que rebole de um

jeito tão sexy — ele sussurra e beija meu pescoço.

— Você gostou mesmo?

— Está de brincadeira, minha pequena? — ele diz com a voz

rouca. — Você rebola como ninguém, sua safada.

Dou risada e mordo o lábio.

— Por que está rindo? Você sabia que eu posso ficar viciado

em você? — pergunta.

Passo a língua no meu lábio superior. É gostoso ouvi-lo me

chamar de safada. Sei que fiz direito.

— Em que exatamente você ficaria viciado, seu cretino?

É sua vez de rir, e seu corpo balança contra o meu.


— Na sua boceta gostosa, em você rebolando na minha cara

e chupando meu pau como um putinha — Artho diz. — Em mamar

no seu peito.

Meu queixo se abre, eu deveria me ofender, mas não consigo,

ainda mais quando ele inclina a cabeça e chupa meu mamilo.

— Vou acender a lareira — ele diz e se levanta.

Quando retorna à cama, me enrosco no seu corpo e o abraço

bem forte, com medo que Artho vá escapar de mim, e ele puxa os

cobertores para nos cobrir.

Acabo pegando no sono, e quando desperto novamente, o

quarto está iluminado apenas pela luz das chamas na lareira.

Artho está agarrado ao meu corpo, dormindo, com o cabelo

castanho bagunçado na testa, e eu me permito olhar as tatuagens

mais atentamente.
Passo o dedo suavemente pelo arame farpado em seu peito e

sinto o relevo de uma pequena linha, como uma cicatriz antiga.

Deslizo o dedo até uma rosa do seu lado direito e percebo uma

protuberância em uma das folhas, uma cicatriz em forma de círculo,

pequena, com cerca de meio centímetro.

Aliso sua pele até alcançar a cobra, acima da rosa. A cabeça

está apontada para a coroa de louros que eu desejei tanto tocar em

seu pescoço. Sinto outra protuberância do mesmo tamanho e

formato da que há na folha da rosa.

O corpo da serpente dá voltas em seu ombro, e circula uma

cicatriz um pouco maior. Posso sentir como ela é mais alta que as

outras, mais ou menos do tamanho de uma azeitona.

Engulo a saliva e sinto meu estômago doer, enquanto

escorrego a mão pelo seu peito, sentindo outras cicatrizes menores,

até me deparar com o maior relevo. Não está coberto, mas posso
ver as formas de uma caveira, um pouco acima da marca com cerca

de seis centímetros de comprimento, irregular e em alto relevo. Me

encolho ao olhar para seu rosto e perceber que ele parece um

menino, enquanto dorme.

Um acidente causou essas marcas em sua pele? Temo que

não tenha sido isso.

Preciso acender a luz para vê-las melhor.

Me levanto da cama e caminho até o interruptor para acender

as luzes do quarto. Minhas mãos estão tremendo de pavor quando

aperto o botão.

Ouço sua respiração pesada, e me viro no momento em que

ele se senta na cama.

— Apague a luz, Charlotte — ele diz com a voz dura.

— Eu quero ver... — começo a dizer.


— Não quero que você veja! — Seu tom de voz é imponente

e eu obedeço imediatamente.

Me encolho e abraço meu próprio corpo, me dando conta de

que estou nua.

— Vem aqui, eu não quis gritar com você — ele diz. — Por

favor.

Caminho de volta para a cama com o coração apertado.

— Por que tem todas essas cicatrizes? — pergunto, baixinho,

e Artho me puxa de volta para perto dele.

— Não precisa se preocupar com elas. Eu deixo a luz

apagada quando a gente fizer de novo — ele diz, como se eu não

quisesse vê-lo. — Não precisa ter medo de mim.

Apoio as mãos em seu peito e o encaro.


— Por que eu teria medo de você? — pergunto.

— É uma coisa feia de se ver — ele diz e beija minha testa.

— São cicatrizes, eu não teria medo.

— Mas eu não quero que olhe para elas.

— Por quê? — insisto.

— Não faça perguntas, Charlotte.

— Eu preciso saber, Artho!

— Não quero que você olhe para mim e se lembre delas

depois — ele diz com a voz rouca.

— Você sempre transa com a luz apagada? — ouso

perguntar.

— Não, mas eu não quero que você, em especial, veja.


— Por quê?

— Porque você não é só uma transa que eu não vou olhar

mais na cara no dia seguinte. A gente convive, temos uma relação,

e eu não quero lidar com seu olhar de pena.

Me afasto dos seus braços e fecho a cara.

— O que foi?

— Você deixa todas as outras verem, mas eu não —

murmuro. Sei que é idiota, mas não consigo evitar ter ciúmes.

— Porque as outras não olham para mim como você olha. E

não quero perder isso.

— Não vai perder, Artho. Eu quero te conhecer melhor —

murmuro.
— Um anjo como você não precisa conhecer o inferno que já

foi a minha vida — ele sussurra.

Dou um soluço, e me arrepio com suas palavras,

— Foi seu pai? — me arrisco a perguntar, com a voz afetada

pela emoção.

Mesmo com a pouca luz que vem da lareira, eu posso

perceber a dor em seu rosto quando ele assente. Quero me calar,

mas não consigo.

— São queimaduras de cigarro? — questiono, tocando as

marcas menores na folha da rosa e sob a cabeça da cobra.

Ele assente outra vez e eu me encolho, tomada pela dor.

— Você pode acender a porra da luz, se ainda quiser — sua

voz é grave e autoritária.


Corro para o interruptor e trago a iluminação para o quarto.

— Só porque é linda, você consegue me dobrar assim — ele

diz, quando volto para a cama, dobro os joelhos e sento sobre os

calcanhares.

— Quantos anos você tinha?

— Minha mãe ficou com ele até eu completar oito anos — ele

diz e aperta os lábios. — Gostaria de esquecer tudo, mas ainda

lembro de muita coisa.

— Eu sinto muito, mas nunca começaria a te olhar estranho.

Você é um sobrevivente, e eu te admiro muito — digo ao tocar seu

peito.

— Ele me batia com o que encontrava pela frente: pedaços

de madeira, cabos de eletricidade, garrafas de bebida, além dos

chutes e socos. Minha mãe já era viciada nessa época, e eu não


tinha ninguém para me defender — ele conta de uma vez só. — Ei,

minha pequena...

Estremeço e dou outro soluço quando as lágrimas começam

a escorrer.

— Minha mãe deu um duro danado para criar meu irmão e eu

depois que meu pai faleceu, mas ela jamais bateu na gente. Eu

nunca apanhei e não posso entender o tamanho da dor que você

carrega — digo e meu peito sobe e desce com o choro que ameaça

me atingir.

— Não precisa ficar assim, linda — Artho diz e me puxa para

deitar sobre seu peito, me consolando. — Está tudo bem, são só

cicatrizes, a maioria já está coberta pelas tatuagens.

Enterro minha cabeça em seu peito e controlo a respiração.

Sua pele, mesmo marcada, é macia e tem um cheiro muito bom.


— Eu sinto muito, de verdade — sussurro.

— Tudo bem, já passou — Artho diz, como se não fosse ele

quem precisasse de um colo.

Me dou conta dos motivos que se escondem por trás de todo

o cuidado que ele tem com Ayla. Ele tenta ser para ela o pai que

gostaria de ter tido.

Só alguém tão próximo pode machucar como ele foi

machucado.
Charlotte

Domingo, 20 de agosto de 2017

— Ainda não consigo acreditar no jeito como Eros agiu ontem

— comento com Raquel, enquanto almoçamos macarrão e ovos.

— Amiga, eu mirei no ninho e acertei o passarinho errado

outra vez — ela diz e faz um bico. — Será que tenho o dedo podre?

— O problema não é você, e sim ele. Até Artho ficou

desconfortável — observo.
— Eros é um riquinho mimado egocêntrico — ela reclama. —

Mas foi melhor assim, já pensou se eu fico com ele e sou

destratada?

— Você desencanou dele há tempos.

— Desencanei dele na força do ódio — ela diz e dá risada.

Gosto do jeito como ela consegue levar tudo numa boa e ainda ri da

situação.

— E você e Artho?

Mordo o lábio e fico vermelha com a lembrança do que

fizemos ontem.

— Olha que safada! — ela brinca. — Recebeu um oral e já

fica toda vermelha só de ouvir o nome dele.

Sinto seu pé me cutucar por baixo da mesa.


— Não foi um oral, foram dois — digo e mordo o lábio.

— Imagina quando você sentar nele, não vai mais querer

parar — Raquel brinca. — Só não esqueça de...

— Não se apaixonar por um cretino — a interrompo. — Eu

sei, Raquel. Não é porque nunca namorei que vou ser ingênua a

esse ponto.

— E não esquece a camisinha — ela diz com o dedo em riste.

— Isso é muito importante.

— Nem sei quando vai acontecer.

— Ele finge ser seu namorado, te defende em público, e

ainda te chupa — ela observa. — Você está bem.

— Me chupar não está no nosso acordo — brinco e sinto

minhas bochechas arderem ainda mais. — É só um bônus.


Raquel cai na gargalhada.

Terminamos de almoçar e lavamos os pratos.

À tarde, Artho me liga e pergunta se quero ir a um jogo de

futebol com ele.

— Estou estudando para minha apresentação do seminário

— respondo.

— Não pode sair por algumas horas? Tenho certeza de que

você já estudou o dia todo — ele comenta, como se me conhecesse

muito bem. — Além do mais, é bom sermos vistos juntos, para

nossa imagem.

— Acho que aquele beijo de ontem já foi bem convincente. —

Me jogo no travesseiro ao dizer isso e mordo a ponta da caneta.

— Quanto mais você for vista andando comigo, mais sua

popularidade vai aumentar.


— Eu adoraria comprar um pouco da sua autoestima. É uma

pena que não esteja à venda — o provoco e ouço sua risada.

— Você não quer ir mesmo? — Artho quer saber. — Depois,

vamos sair para beber alguma coisa. Vamos ao Bar Culture.

Ir ao Bar Culture implica em pagar pelo couvert, comprar

bebidas. Isso está fora do meu orçamento.

— Muito obrigada pelo convite, mas realmente preciso

estudar — digo.

— Então nos vemos amanhã.

— Só não se esqueça de que você tem uma namorada. Nada

de aprontar publicamente. Ser namorada de mentira, tudo bem, mas

corna, não.

— Parece que você não confia em mim — ele diz com o tom

sarcástico. — Eu sou um santo.


— Não é o que seus amigos dizem — retruco. — Muito

menos a placa que está pendurada na entrada da sua casa. E se

você aprontar, minha popularidade vai pelo ralo. De qualquer forma,

diga a Lion que desejei um bom jogo. Nos vemos amanhã.

Segunda, 21 de agosto de 2017

Concentro toda a atenção e energia na apresentação do

seminário, da disciplina de Direito Civil. Minhas mãos chegam a

tremer de nervosismo, mas me lembro das palavras da professora

de pole dance, sobre manter a postura ereta e a cabeça erguida

para transmitir confiança, e assim eu faço.

Acabo me saindo bem e falando sem gaguejar.

Na aula de Economia Política, Artho ocupa o lugar à minha

frente. Vejo que a maçã inchada do seu rosto adquiriu uma cor

arroxeada, graças ao soco que levou, na briga de sábado.


— O que vai dizer no cartório? — pergunto e coloco a mão no

seu ombro.

Ele segura e beija meus dedos, antes de responder.

— Eu caí. Não é essa a desculpa que as pessoas usam?

Ele está de costas, virado para a frente, e eu posso ver a pele

lisa da sua nuca.

Ele está de costas, virado para a frente, e eu posso ver a pele

lisa do seu pescoço e um dos pontos da Constelação de Taurus que

ele tem tatuada alguns centímetros abaixo da nuca.

Engulo a saliva, me aproximando um pouco mais para sentir

seu cheiro gostoso, e me pergunto quando vamos ter um momento

a sós de novo.

Não queria admitir, mas estou ansiosa por isso.


Escorrego minha bunda na cadeira, chego mais perto e beijo

sua nuca. Sinto o cheiro do shampoo em seus cabelos e faço um

carinho.

Artho estremece, em seguida ouço um pigarro e viro o rosto

na direção da fileira do lado.

Vejo Pirulito me olhando com um sorriso. Ela sacode a

cabeça em negação e aponta para a professora.

Sorrio de volta, em seguida volto a minha posição, para

prestar atenção na aula.

— Vem — Artho me chama, quando professora Claudia sai de

sala.
Ele segura minha mão e me puxa até o corredor, apoia as

costas na parede de concreto, com a mochila pendurada em um dos

ombros, segura minha cintura e me puxa para seu corpo.

— Está na hora da nossa encenação, Mulher Maravilha — ele

diz.

Meu coração começa a bater bem depressa, porque parece

que ele não sabe diferenciar o que é real e o que é só um namoro

de mentira. Também não o culpo, eu nunca tive um namorado de

verdade para saber a diferença.

Gosto de como Artho passa a língua no lábio inferior antes de

me beijar.

Meu corpo também não consegue entender que é uma farsa,

e reage assim que a língua de Artho entra na minha boca.


Ele poderia não usá-la, mas não consigo me afastar o

suficiente para reclamar. Fico na ponta dos tênis, alcanço seus

ombros e me espremo contra seu corpo, mas me choco quando

sinto seu pau enrijecendo contra minha barriga.

Pelo visto, não é só meu corpo que não sabe fingir.

— Porra — ele xinga contra meus lábios.

Abro os olhos a tempo de vê-lo fazer uma careta.

— Você precisa se controlar — sussurro.

— Não tem como controlar isso, ainda mais quando estou

pensando no gosto da sua boceta — ele diz e aperta meu quadril

bem forte contra o seu. Meu coração martela. — Agora todo mundo

vai saber o jeito que você me deixa.

Penso em dizer que ele está de calça escura e ninguém vai

perceber, mas seria mentira. Pela extensão do volume, não há como


não ser notado.

— Desculpa interromper o casal, mas você pode me passar o

número daquela sua amiga do curso de Moda? — ouço a voz da

veterana ruiva do segundo ano.

— Claro — respondo e começo a me afastar de Artho, mas

ele me puxa novamente contra o seu quadril e tosse, para lembrar

que ainda precisa de mim.

Passo o número de Raquel à ruiva com os braços de Artho

me mantendo presa a ele.

Ela olha para ele e dá risada.

— Não consegue desgrudar da Mulher Maravilha, Artho? — a

ruiva pergunta. — Parece que o clube dos cretinos acaba de perder

um membro.

— Não perturba — ele diz, mas dá um sorriso.


— As garotas da minha sala e eu vamos ao Bar Culture

amanhã, noite das mulheres — ela diz ao voltar sua atenção a mim.

— Quer vir com a gente?

Arregalo os olhos, ela está mesmo me convidando para sair

com suas amigas?

Tenho certeza de que isso não aconteceria se eu não

estivesse “saindo” com o futuro advogado mais gostoso do campus.

— Eu vou fazer de tudo para ir — minto, com um sorriso. Eu

não posso gastar e, mesmo que pudesse, tenho aula de pole dance

às terças, mas não quero deixar transparecer que tenho um

compromisso. Se Artho descobrir sobre as aulas, acho que morro de

tanta vergonha. — Obrigada pelo convite.

— A gente se vê — ela diz e acena.

— A caloura que domou o cretino — Artho brinca.


— Se elas soubessem que preciso cuidar da sua irmãzinha

toda noite só para você fingir ser meu namorado, retiraria o convite

na mesma hora — sussurro perto do seu ouvido.

Aspiro mais uma vez seu perfume, antes de me afastar do

seu corpo

Dou dois passos para trás quando estou ciente de que a

ereção diminuiu.

Vejo duas garotas da cobertura conversando com

Burguesinha na porta da nossa sala. Uma delas me faz lembrar da

postura e a cara de metida que Regina George tinha em Meninas

Malvadas. Ela me olha dos pés à cabeça, depois lança um olhar de

indignação para Artho, que se afasta de nós, indo em direção ao

seu bloco.

— Que porra aconteceu com Becker? — a garota que eu

apelido de Regina George pergunta, como se eu não fosse um ser


humano ao lado dele. — Deu para fazer caridade agora?

— Cala a boca, amiga. Ela fica bem bonita quando se arruma

— Burguesinha diz.

— Quem você está mandando calar a boca, caloura? —

Regina George diz e arregala os olhos, como se fosse uma chefe

dando ordens em sua estagiária. — Perdeu a noção?

— Ah, por favor — Burguesinha responde.

Nesse momento, o professor de Introdução ao Estudo do

Direito I chega à sala e precisamos entrar.

— Se tivesse me deixado fazer a compressa de gelo no rosto

do seu namorado, no sábado, ele não estaria com o rosto daquele

jeito — ela diz e pisca para mim.

— Ele vai ficar bem — resolvo responder, porque meu corpo

ainda está quente pelo beijo e eu me sinto mais confiante.


— Tem razão. Pinscher é quem deve estar péssimo, Lion

Bianco deve ter ferrado com a cara dele — Burguesinha diz. —

Gostei de você, Mulher Maravilha. Vamos dar uma festa no meu

apartamento sábado, quer ir? Vamos convidar Artho e os rapazes

do clube.

— Talvez eu vá, se minha colega de quarto não tiver outros

planos para a gente — respondo.

— Raquel Mendes, a garota que costura as roupas que você

usa nas festas? — Burguesinha quer saber.

Percebo que ela andou reparando em mim.

— Ela mesma.

— Sua amiga está convidada também. Gostei de saber que

você não vai só por causa de Artho.


— Precisamos levar alguma coisa? — pergunto logo. Planejo

comprar um par de calçados mês que vem e estou dispensando

qualquer programa onde eu precise gastar.

Ela abana a mão e nega com a cabeça.

— Não precisa levar nada, é só aparecer.

Raquel se empolga tanto com a encomenda que recebe da

veterana de Direito, quanto com o convite da festa na cobertura.

— Vou ser uma grande estilista, e ainda vou esfregar meu

sucesso na cara daquele pau no cu — ela diz, assim que vê Eros

entrando no refeitório, acompanhado de Natan, Gabriel, Lion, Dimitri

e Artho.
Dou uma risadinha da sua fala. Eros merece, pela falta de

educação do sábado.

— Por que não foi ao jogo, Mulher Maravilha? — Lion

pergunta ao parar ao lado da nossa mesa.

— Para você, é Charlotte — Artho diz ao amigo com seu jeito

autoritário, e o empurra para a mesa atrás da nossa.

Posso ver que muita gente no refeitório está olhando para os

rapazes.

— Raquel, estou aperfeiçoando seu drink. Que dia você pode

ir lá em casa experimentar? — Lion se estica na cadeira para falar

com minha amiga.

Ouço o tilintar de talheres, quando Eros solta o garfo e a faca

na mesa, como se estivesse furioso pelo amigo dirigir a palavra a

ela.
— É só me convidar — Raquel provoca.
Charlotte

Quinta, 24 de agosto de 2017

Ayla pergunta pela mãe a semana toda, quando estamos

voltando da creche, e hoje está particularmente tristonha. Nem a

Nutella que Eros oferece, depois que chega da rua, a anima.

— Tenho uma ideia, Batatinha — ele diz, enquanto ela está

sentada sob a ilha da cozinha, fazendo careta para a sopinha que a

ofereço. — Vamos ao shopping andar nos brinquedos. O que acha?


Ayla dá um sorriso que mostra os dentinhos e a covinha que

tem na bochecha, igual a de Artho.

— Shopi! — ela grita e ergue os braços de alegria.

Eros é chato com todos, mas pelo menos sabe tratar muito

bem a irmãzinha do seu melhor amigo.

Eu limpo a boquinha dela, enquanto ele liga para Artho e

avisa.

Vou para a biblioteca quando os dois saem, pego o livro

Contos Estranhos, de Bram Stoker, e continuo a leitura de onde

parei, na última vez em que estive aqui.

Quando me dou conta do tempo que passei lendo, guardo o

livro de volta na estante e subo as escadas para pegar minha bolsa,

que deixei sobre a cama de Artho, assim, quando ele chegar,


poderá me levar embora e eu descansarei um pouco antes da aula

de pole dance, às vinte e uma horas.

Abro a porta do quarto e percebo que deixei a luz do banheiro

acesa, quando levei Ayla para fazer xixi no vaso. Caminho até lá

para desligar a lâmpada e levo um choque ao ver um homem

musculoso, de quase um metro e noventa, embaixo da água, com

uma mão apoiada na parede revestida de mármore e a outra

massageando o pau ereto.

Engulo em seco, sem conseguir olhar para outro lugar que

não seja a extensão que parece ficar ainda maior conforme ele o

toca.

Não há box de vidro nem cortina que separa a área do banho,

ao lado da banheira, por isso posso vê-lo perfeitamente.

Acho que minha respiração ficou presa na garganta e meu

sangue está fervendo. Observo a glande avermelhada, as veias


saltadas e os testículos pesados.

Dou um passo para mais perto e abro o botão da minha calça,

acho que nunca fui tão ousada na vida.

Artho dá um sobressalto ao perceber minha proximidade.

— Sou eu — respondo, enquanto abro o zíper.

Seus olhos me encaram com o choque.

Observo todas as tatuagens em seu corpo, que tentam

esconder seu passado, enquanto tiro minha calça jeans e a

camiseta do Homem Aranha.

— Quer ajuda? — pergunto e mordo o lábio.

— Eu quero sua boceta, você sabe — ele murmura.

— Você é grande demais para caber em mim — digo ao

entrar na área do banho.


— Eu faço caber, minha pequena — Artho sussurra.

— Ainda não — digo e me agacho entre ele e a parede.

Seguro seu pau com as duas mãos, mas sem apertar, e

lambo a cabeça macia, me divertindo com a forma como ela pulsa

contra meus lábios.

— Isso, assim — Artho geme.

Massageio todo o comprimento e lambo seus testículos,

arrancando dele um urro selvagem. Artho segura meus cabelos e eu

o encaro enquanto lambo. Acho que ele adora isso.

— Eu quero beber de você outra vez — murmuro, enquanto a

água quente cai do seu corpo. Me levanto, beijando sua barriga, seu

peito, e o olho mais de perto. — Fode a minha boca, por favor?

Artho engole em seco e me aperta contra o mármore do

banheiro, agarra meu pescoço com força, me deixando sem ar, e


morde meu lábio inferior, selvagem.

Passo a perna em volta do seu quadril, sinto seu pau contra

meu baixo ventre e me contorço para me esfregar nele. Só a

calcinha molhada nos separa.

Ele rosna e segura meu maxilar.

— Não me provoca desse jeito — ele murmura, então me

empurra para baixo, me fazendo ficar de joelhos.

Aperto as unhas contra seu quadril e abocanho seu pau,

deixando até metade dele deslizar para dentro da minha boca.

Começo a chupá-lo, sugando bem forte, saboreando seu gosto e

ouvindo seus urros, até ele não aguentar mais e derramar seu gozo

na minha língua.
Artho

Sábado, 26 de agosto de 2017

Pinscher aparece da festa do apartamento da cobertura, no

Edifício Universitário, como se quisesse testar o quanto de

problemas eu consigo suportar. Ainda está com um curativo no nariz

quebrado e olheiras roxas.

Ouvi boatos de que ele usou uma queda da escada da sua

casa como desculpa. Quanto aos outros que estavam na briga, não
eram da cidade e não tive notícias, depois que foram escorraçados

da nossa casa.

Tive uma semana de cão, tendo que me virar entre cuidar de

Ayla, que não para de perguntar sobre a minha mãe, dois

seminários da universidade, adiantar um pouco do desenvolvimento

do meu Trabalho de Conclusão de Curso, sobre Direito de

arrependimento nas relações de consumo em contratos eletrônicos,

e ainda tive que suportar o novo auxiliar administrativo que assumiu

o cargo esta semana.

Um homem arrogante, na faixa dos quarenta anos, que tentou

convencer o tabelião — que nunca havia implicado com isso antes

—, que eu deveria começar a cobrir minha tatuagem do pescoço,

afirmando que esse detalhe atrapalhava na credibilidade do cartório.

Por sorte, o tabelião reconhece meu bom desempenho no

estágio e não deu ouvidos.


Mesmo assim, pedi a Gabriel para furar os quatro pneus do

carro do auxiliar administrativo, só para ele sentir o gostinho do

estresse enorme que eu estou passando.

E como se não bastasse tudo, não posso expulsar Pinscher

de uma festa onde estou como convidado, por mais que eu queira.

Vejo a tensão na mandíbula de Lion, enquanto ele bebe um

uísque duplo, sem gelo, e encara Pinscher, do outro lado da sala,

que dá em cima de uma caloura de medicina.

— Quer pegar a garota ou quebrar o que sobrou do nariz

dele? — pergunto a Lion.

— Quebrar todos os dentes — ele responde. — Qualquer

vacilada, e eu acabo com ele.

Bebo um gole do energético na minha mão. Tenho planos de

sair com Charlotte depois daqui, e quero estar sóbrio.


Combinei de levá-la a minha casa, porque sei que estará

vazia. E eu pretendo fodê-la como espero há dias.

Não aguento mais esperar, não pode passar de hoje. Já estou

há muito tempo com uma garota só e quero partir para outra, voltar

a minha vida normal de solteiro, senão ela vai acabar se

apaixonando por mim. Já levamos esse namoro falso longe demais.

Sei que preciso dela para me ajudar com Ayla, mas tenho certeza

de que vai entender, afinal, ela já está bem popular entre os

estudantes do curso, não necessita mais de mim.

Como se soubesse que estou pensando nela, Charlotte

atravessa a sala, deixando as colegas da sua turma, para vir falar

comigo.

Seguro sua cintura e beijo os lábios. Por mais que adore seu

beijo e seu carinho, não posso mais ficar de casal nessas festas.
Chupo sua língua e me lembro do gosto da sua boceta quente

e macia. Ela é gostosa pra caralho, mas é só uma boceta, não vou

largar meu estilo de vida por causa dela.

Já faz semanas que eu não experimento um sabor diferente,

nem me reconheço mais. E sei muito bem o que aconteceu da vez

em que me apaguei a uma garota. Não vou cometer o mesmo erro

de novo.

Lion ri, ao meu lado, como se soubesse o que estou

pensando, assim que Charlotte se afasta para falar com Oiapoque.

— O que foi? — pergunto.

— Tem uma fila de caras esperando para dar em cima da sua

Mulher Maravilha quando você não quiser mais.

Sinto como se levasse um soco no estômago, só de pensar.


— Ela não vai ficar com nenhum deles — digo. — Charlotte é

estudiosa, não é de namorar.

A lembrança dela batendo uma pra mim no chuveiro, duas

noites atrás, diz o contrário, mas prefiro ignorar.

— Confia — Lion provoca e dá uma gargalhada.

Algumas horas se passam depois disso, e eu começo a ficar

preocupado quando não vejo mais sinal de Charlotte. Começo a

procurar por ela em todos os cômodos do apartamento espaçoso. A

encontro vomitando na privada do banheiro da área gourmet.

Raquel está segurando seu cabelo e eu ocupo seu lugar

assim que as vejo.

— O que aconteceu? — pergunto. — O que foi que ela

bebeu?
— Não entendo, eu só dei um copo de vodca com energético

para ela — Raquel explica. — E tinha muito mais energético.

Seguro os cabelos castanhos de Charlotte, enquanto ela

expele um novo jato. Está mole e gelada.

— De onde você pegou a bebida? — procuro saber.

— Um rapaz com um curativo no nariz preparou para mim.

— Pinscher? — minha voz sai rouca, sinto meu sangue

congelar. — Aquele que brigou com a gente no sábado passado?

— Não faço ideia. Eu estava beijando na boca, enquanto os

machões brigavam para ver quem tinha o pau maior — ela diz com

sarcasmo.

Bufo, sem paciência.


— E Charlotte aceitou bebida dele? — Aperto a descarga

assim que ela para de vomitar. — Não consigo entender.

— Ela não aceitou bebida dele, ele me deu e eu dei pra ela.

Encaro o rosto de Raquel com fúria.

— Certeza que tinha droga na bebida — murmuro. Não posso

culpá-la.

— Ah — ela diz, com a boca aberta formando um O.

Pego Charlotte no coloco, segurando seu corpo com firmeza.

Ela parece não ter forças para reagir, o que me deixa apavorado.

Qualquer um poderia levá-la.

A seguro com uma das mãos, pego o celular depressa e ligo

para Lion.
— Pinscher entregou bebida para Raquel, e ela deu para

Charlotte, estava batizada. Vou levá-la ao pronto socorro.

— Você vai contar no hospital? Vão chamar a polícia.

— Não, se a polícia vier, mesmo que as meninas digam quem

foi, seus pais darão um jeito. Tenho certeza que você vai cuidar

disso melhor que eu. Só vou levá-la para tomar glicose.

— Dimitri e eu cuidamos disso — ele responde.

No hospital, Raquel confirmou que Charlotte só havia ingerido

álcool e que não estava acostumada. O médico a deixou em

observação para tomar soro, mal ela ficou a maior parte do tempo

com os olhos fechados, quando não estava vomitando.


Antes que ela receba alta, Lion me liga e diz que Pinscher

resolveu, “de livre e espontânea pressão e muita porrada”, que vai

trancar o curso de Direito esse ano.

— Tenho certeza de que ninguém vai sentir falta dele —

resmungo.

— Ele não vai mais incomodar Raquel ou Charlotte — Lion

diz. — Te dou minha palavra.

— Eu também te dou a minha. Duvido que ele dê as caras por

um bom tempo. — Escuto Dimitri dizer, perto do celular de Lion.

Acredito na palavra dele, sei o quanto Dimitri pode ser cruel

quando precisa. Ele é o único de nós que passou um tempo na

cadeia, aprendeu com os “melhores”.

O médico aparece para dar alta, e eu levo Charlotte

adormecida e em segurança, por volta da meia noite.


Aquele verme fodeu com minha noite.

Raquel quer que eu a leve para o Edifício Universitário, mas

prefiro cuidar de Charlotte na minha casa. Ela vem comigo e me

ajuda a cuidar da amiga, que ainda não acordou.

Não preciso da ajuda dela, tenho experiência suficiente com

minha mãe para saber como cuidar de alguém nesse estado, mas

deixo que ela me ajude nos momentos mais constrangedores. Me

afasto quando Raquel precisa tirar a lingerie molhada dela, após o

banho, e só volto quando ela está coberta com minhas calças de

moletom e uma camiseta de algodão.

Charlotte já está reagindo depois do banho, mas acha que

somos sua mãe e seu irmão. Ela chora e diz que está morrendo de

saudades da família, enquanto Raquel penteia seus cabelos e eu

faço massagem em seus pés.


Gabriel já voltou da rua quando Charlotte adormece, e eu

peço para que ele leve Raquel em segurança para o edifício.

Volto ao quarto, tomo um banho, coloco suas roupas para

lavar, depois me deito na cama, ao lado dela, por volta das duas

horas da manhã.
Charlotte

Quinta, 7 de setembro de 2017

Os gêmeos, Dimitri, Eros, Artho, Raquel e eu ocupamos as

cadeiras mais próximas ao campo, onde o time de Lion joga, na

primeira vez em que assisto a uma partida de futebol

presencialmente.

É feriado e o estádio está lotado. Eros se mantém de cara

fechada, mas bufa a cada vez que Raquel fica de pé e grita palavras
de incentivo a Lion. Ele fica insuportável na presença dela. Não

entendo o que ela fez ou o que tem de tão grave para irritá-lo tanto.

Enquanto os rapazes vibram com o gol de Lion, eu observo o

herdeiro do Grupo Editorial Giordano. Ele tem, pelo menos, umas

três personalidades diferentes, e elas não combinam entre si. Tem o

herdeiro sério e sofisticado que ele é na maior parte do tempo, tem

o rabugento de oitenta e quatro anos, que parece estar com

hemorroidas — exatamente como ele se comporta agora —, e tem o

tio rico, que faz tudo para mimar a sobrinha.

Ele é um amor com Ayla, inclusive, passei os últimos dias o

ajudando na decoração do quarto surpresa que ele montou para ela.

Natan costumava ocupar o quarto ao lado do de Artho, mas

Eros o obrigou a mudar para uma suíte vazia, no final do corredor,

porque achou melhor instalar Ayla perto do irmão. Ele disse que
Artho acordava cansado todo dia, porque dormia com ela, que não

parava de mexer a noite inteira.

Mesmo sendo um gesto muito bonito da parte de Eros, Artho

ainda parece não querer aceitar muito bem. Tem um orgulho de

pedra e acha que vai ficar em dívida com tudo que Eros faz por ele.

Estou olhando para meus all star novos, que comprei no

último final de semana, na loja onde Raquel começou a estagiar.

Parcelei ele e três conjuntos de lingerie novos em suaves

prestações.

Além do par de tênis, estou usando meias 7/8 fio oitenta, Off

White, da mesma cor da blusa de lã de gola redonda, que deixa

uma pequena faixa da minha barriga à mostra. Também estou

vestindo uma saia de pregas em padrões de xadrez vermelho e

branco, que Raquel fez com retalhos que sobraram de uma


encomenda para uma aluna de Serviço Social. A saia é curta e,

mesmo com as meias, deixa uma parte das minhas coxas exposta.

A mão de Artho está apoiada na pele nua, abaixo da bainha

da saia, e seus dedos ásperos estão pressionados na parte interna

da minha coxa. Não sei se ele sabe as sensações que esse toque

provoca em mim, mas estou ansiosa para o jogo acabar.

Alguns dias atrás, tínhamos combinado de sair depois da

festa no apartamento de Burguesinha, mas fui dopada por aquele

desgraçado do Pinscher e tudo deu errado.

Acho que os meninos lhe deram uma surra tão grande, que

ele trancou o curso, porque nunca mais o vi.

Depois daquela noite, acordei na cama de Artho pela primeira

vez, usando suas roupas. Não lembrava de nada do que tinha

acontecido, mas Raquel me contou a forma como ele cuidou de

mim.
Depois daquele dia, não tivemos mais oportunidade de

ficarmos sozinhos. Além dos beijos fakes nos corredores do

Departamento de Humanas I, não tivemos muito contato íntimo.

Nem mesmo no último final de semana, porque ele trabalhou o

sábado e o domingo, ajudando seu padrasto a finalizar a construção

de uma casa, enquanto eu fiquei com Ayla, para que Celso Weber

pudesse folgar hoje e levá-la para visitar os pais dele, em um sítio

no município de Farroupilhas.

Mas estou tão ansiosa por uma nova oportunidade, que sinto

minha calcinha ficar úmida só de pensar.

Estou usando um conjunto de lingerie branca, de renda e

lycra, que Raquel me ajudou a escolher. E não há nenhum

pensamento em mim que me faça desistir de ir até o final com ele.

— Eu já te disse o quanto você está linda? — Artho elogia ao

beijar meu pescoço, quando o jogo acaba, por volta das quatro da
tarde.

— Disse, mas não faz mal falar de novo — brinco. — Para

onde vamos agora?

— Festa lá em casa ou um lugar mais reservado? — Artho

pergunta.

— O que você entende por lugar reservado? — brinco.

— Uma cachoeira aonde os turistas não vão?

Arqueio as sobrancelhas, curiosa.

— Fica em uma propriedade particular? — pergunto.

— Sim, mas eu conheço o dono.

Entendo imediatamente, deve ser um sítio que pertenceu aos

pais de Eros.
Mordo o lábio e assinto, ansiosa.

Artho pega o caminho que fizemos para ir à chácara, no dia

da festa dos calouros de Direito.

Passamos pela chácara e ele continua dirigindo pela estrada,

até parar diante de uma corrente. Ele desce do carro e a retira do

apoio de ferro, depois retorna e guia por cerca de um quilômetro por

uma estradinha de cascalho, estreita e ladeada de árvores que a

deixam escura. Estaciona o carro diante de uma casa de pedra de

dois andares, que me faz pensar que estou na Itália.

Pelo jeito grama bem cortada, e as árvores e arbustos

podados, sei que algum funcionário vem aqui regularmente.

Ao descermos do carro, Artho pega sua mochila no banco de

trás, além de uma garrafa de vinho. Não entendo muito disso, mas

não deve ser cara, já que ele arranca a rolha com os dentes,

enquanto me puxa para uma trilha nos fundos da casa.


O mato e os galhos caídos não me transmitem confiança, mas

o medo não me faz querer ir embora, só me excita.

— Quer? — ele pergunta, ao passarmos pela trilha de pedra,

me estendendo a garrafa.

Aceito e bebo alguns goles, sentindo a bebida descer quente

pela minha garganta.

Em certo ponto, a trilha começa a ficar úmida, por causa dos

pequenos córregos que a atravessam. Por sorte, estou de tênis.

Alguns metros depois de ouvir barulho de água corrente,

chegamos à uma cachoeira. A água do lago que se forma em frente

é tão límpida que posso ver o fundo.

Artho tira a mochila das costas, a abre e tira um cobertor. Ele

o estende na pequena clareira, ao lado da cachoeira.


— O sol vai se pôr bem ali — ele diz ao apontar para um

ponto acima de onde a água cai.

Me agacho, sento sobre o cobertor, e abraço meu corpo para

me aquecer do frio. Ele tira sua jaqueta assim que percebe.

— Você sabe que eu não te trouxe aqui para assistir ao pôr

do sol, não é, minha pequena?

— E trouxe para que, exatamente? — Eu sei a resposta, mas

adoro ouvi-lo dizer o que quer fazer comigo.

— Para te foder e fazer você gozar muito.

O fogo acende dentro de mim imediatamente.

— Você acha que está pronta? — ele pergunta, de joelhos na

minha frente, com as tatuagens dos braços visíveis por causa da

camiseta regata branca.


Seguro a bainha e o puxo para mais perto de mim.

— Você me disse que conseguia fazê-lo caber dentro de mim

— sussurro.

Ele pega a garrafa e bebe mais alguns goles, antes de me

beijar.

Sugo sua língua, sentindo o sabor doce da bebida, enquanto

suas mãos começam a percorrer meu corpo.

Cada novo toque é um arrepio.

Quando ele se afasta e me encara, não consigo resistir.

Empurro seus ombros para que ele se deite, e monto sobre seu

quadril.

Artho segura minha bunda com firmeza, por baixo da saia, e

me conduz para rebolar sobre ele.


Não faz ideia de que tenho feito aulas e já consigo

movimentar o quadril muito bem.

— Você é tão gostosa — ele diz, me encarando.

Percebo que, na luz do entardecer, seus olhos parecem

verdes.

— Gosta que eu rebole assim? — pergunto ao apoiar minhas

mãos em seu peito rígido e musculoso.

Ele balança a cabeça e sorri, de um jeito que aparece a

covinha em sua bochecha e os dentes caninos pontudos.

— Você é tão bonito — sussurro, me movimentando sobre

ele. — Tão gostoso, tão duro.

Mordo o lábio e gemo, tomada pelo prazer que sinto ao

esfregar o clitóris inchado contra sua calça.


— E o que você quer que eu faça? — ele pergunta.

Meu coração dispara. Espero pelo sentimento de vergonha,

mas ele não vem. Artho consegue me deixar à vontade.

— Quero que você tire minha calcinha e chupe a boceta que

é sua, enquanto aperta meus seios. Quero que você morda meu

clitóris, que me faça gritar de tesão, e quando eu estiver quase

gozando na sua boca, você vai se enfiar entre as minhas coxas e

penetrar bem devagar — digo aos sussurros. — E vou pertencer a

você de verdade quando seu pau estiver todo enterrado dentro mim.

— Caralho — ele diz e dá uma palmada na minha bunda. —

Você é minha putinha.

— E você é o meu dono, e quando estiver dentro de mim, me

fodendo gostoso, vou apertar minha boceta bem forte, até você não

aguentar mais e gozar.


Artho emite um rosnado, enquanto agarra meu corpo e me faz

girar.

Caio de costas contra o cobertor e sinto o solo duro

pressionado contra minha coluna. Perco o fôlego com a dor, mas

disfarço.

— Me avise se eu te machucar — ele dá o alerta. — Basta

avisar e eu paro imediatamente.

Assinto, ainda sem ar. Ele afasta meus joelhos e se deita

entre as minhas pernas. Seguro seu cabelo e me inclino para vê-lo.

O assisto passar o nariz na minha calcinha, farejando meu

cheiro como um predador.

— Eu posso ver que está molhada através da calcinha — ele

diz com a voz grossa. — Sua boceta não aguenta mais esperar.
— Não... — concordo, passando meus dedos pelo queixo,

traçando o contorno que o deixa tão bonito.

Ele passa a língua sobre a calcinha e eu não consigo

controlar o gemido. Artho ergue o olhar e me encara com tanta

intensidade que alguma coisa cresce dentro de mim.

Não sei o que é, mas parece intenso demais para conseguir

manter dentro do peito. Será que é assim que as pessoas se

apaixonam?

Amo quando ele tira minha calcinha, por sorte não rasgou,

como fez daquela vez. É nova e eu ainda estou pagando.

Sinto sua língua adentrar meus grandes lábios e estremeço.

Os arrepios começam entre as pernas e atingem todo meu corpo

quando ele rodeia meu clitóris com a ponta da língua.


— Geme gostoso para mim, eu adoro ouvir — ele diz, me

lançando outro olhar que atravessa minha pele e atinge meu

coração.

Minha boceta é sugada e eu tremo. Começa devagar, mas vai

ficando mais rápido. Ao morder meu clitóris e o segurar, nesses

cruéis segundos, eu não consigo parar de gritar, implorar por mais.

Artho aperta meus seios por baixo da blusa. Fico ainda mais

excitada quando ele belisca meu mamilo.

Seus dentes continuam o apertando, então ele começa a

enfiar um dedo dentro de mim. Arfo, sinto que estou escorrendo.

Aperto sua nuca, o fazendo chupar ainda mais forte, e arqueio as

costas.

Noto que ele abre a calça e estende seu pau para fora. Fico

de queixo caído toda vez que o vejo.


Artho tira o dedo de dentro de mim e o massageia algumas

vezes, então volta a me tocar.

Adoro a sensação do seu dedo lá dentro. Estou mais pronta

que nunca.

— Me come agora — peço.

Solto seus cabelos e ele vem, se deita sobre mim e nossas

bocas se encontram. O sentimento duplica, eu nunca me senti

assim, tenho certeza. Me dá vontade de nunca sair de perto dele.

Sinto seu pau pulsando quente contra minha coxa e ele

grunhe quando eu o acaricio.

— Você me pertence — ele diz ao morder meu lábio inferior.

Encaro seus olhos, admirando a cor que oscila entre castanho

e verde, e então imagino que ele sente a mesma coisa que eu.
Artho fecha a mão em torno da minha garganta e aperta.

Busco por ar em sua boca. Adoro como eu me sinto sua quando ele

faz isso.

Então ele se ajoelha, pega um envelope de preservativo do

bolso e tira a calça e a cueca branca de uma vez.

Vejo as veias saltadas alguns centímetros abaixo do seu

umbigo, indicando o caminho até seu pau.

Ele coloca a camisinha e se deita sobre mim.

— Você também me pertence — eu digo e aperto seu

maxilar.

O beijo enquanto seu pau começa a entrar.

Arde. Uma dor que se espalha onde antes só havia prazer.

— Devagar — peço.
— Eu paro se você não aguentar — ele me diz de uma forma

que deixa explícito sua preocupação comigo.

Se ele quer me conquistar, está no caminho certo.

— Não para — sussurro. — Quero tudo que vem de você.

Toco suas costas e escorrego a mão até sua bunda, sentindo

a pele arrepiar com meu toque.

Artho apoia um cotovelo ao lado do meu corpo e leva uma

mão até meu clitóris. Estremeço quando ele começa a me acariciar.

— Ergue a blusa — pede.

Obedeço e ele puxa o bojo do meu sutiã com os dentes,

antes de chupar meu seio.

Me sinto ficando mais molhada e o prazer volta a tomar conta

conforme Artho acaricia meu sexo.


Aperto sua bunda e começo a puxá-la de encontro ao meu

quadril, e ele vai se enterrando dentro de mim, me preenchendo,

fazendo meu interior dilatar, sensível ao seu toque.

— Como se sente? — ele pergunta ao tirar a boca do meu

seio.

— Me sinto sua — respondo e mordo o lábio.

Artho dá aquele sorriso safado, de canto, e se inclina para me

beijar.

Enfio a mão entre nossos corpos e descubro que não foi nem

metade.

Ele dá uma risada, contra meus lábios, então tira devagar.

Quando volta, o sinto tocando em alguma coisa lá dentro,

acertando um ponto que me faz gemer de prazer.


— Isso é gostoso — digo e relaxo.

Meu interior se abre quando ele tira e coloca outra vez. Aperto

os lábios no seu queixo e gemo.

— Porra, como é gostoso… — sussurro.

— Você é tão quente, tão apertada — Artho diz. — Eu adoro

a sua boceta.

Ele vai tirando e colocando cada vez mais fundo, é tão

gostoso que eu não penso mais em nada. Seguro seu corpo contra

o meu e o beijo com vontade. Quando ele começa a ir mais rápido,

estou tão envolvida que gozo.

A sensação do seu pau me fodendo nesse momento é

perigosa, me enfeitiça, faz eu esquecer até meu nome.

Artho me fode em uma aceleração crescente, seu corpo

começa a ficar suado, e vibro quando ele começa a gemer, soltando


urros profundos contra meu ouvido.

— Você é minha putinha e eu sou seu dono — ele diz com a

voz mais grossa que nunca. Ele se entrega ao prazer e aperta meu

pescoço. Parece um animal agora, e eu adoro isso.

— Sim, você é. Seu pau é tão gostoso — sussurro. — Isso,

me come assim.

Gemo mais alto, acompanhando seu ritmo, até que o sinto

estremecer.

Adoro seu urro quando ele também goza.

O sol está acabando de se pôr.

Mesmo quente e suada, me sinto fria quando ele sai de

dentro de mim e se afasta.

Vejo ele conferir a camisinha e depois tirá-la.


Artho fica de pé, tendo apenas as tatuagens lhe cobrindo,

ergue os braços e mergulha na água gelada.

Abro um sorriso quando vejo sua cabeça emergir.

Estou suada e queria ter coragem de entrar na água fria, mas

não sou corajosa como Artho.

Me sento e coloco sua jaqueta em volta dos meus ombros.

Quando ele sai, eu o ajudo a vestir a cueca e a calça.

Pegamos nossas coisas e caminhamos até a casa. Ele está

gelado, mas não coloca a camiseta.

Abre a porta com uma das chaves que está em seu bolso e

acende as luzes da sala, e eu vejo os sofás de veludo e a estante

de madeira, que ocupa toda a parede, repleta de livros com

encadernação de couro.
Logo acima da lareira, há um quadro do Coliseu.

Artho atravessa a casa, em direção aos fundos, e eu sigo. Ele

abre mais uma porta e vai até onde há uma pilha de troncos.

Ele pega um deles e coloca no centro do quintal. Me sento no

degrau da varanda, ainda com sua jaqueta em volta de mim, e o

assisto pegar um machado e começar a cortar a lenha.

Sem camisa, eu posso ver as formas dos seus músculos,

enquanto ele se movimenta, soltando urros baixos, pelo esforço.

Quando consegue uma pilha de lenha cortada, voltamos para

dentro e ele acende uma fogueira.

Nos aninhamos no sofá e beijos cada uma das suas

tatuagens que cobrem as cicatrizes, amando a forma como sua pele

fica arrepiada a cada toque.


Acabo pegando no sono depois, enquanto Artho faz carinho

no meu cabelo.
Charlotte

Sexta, 21 de outubro de 2017

— Amiga, só há um motivo para Becker te convidar para

jantar fora. — Raquel está fazendo babyliss em seu cabelo,

enquanto opina sobre meu possível encontro.

Artho está ansioso para poder visitar sua mãe pela primeira

vez, na semana que vem.


Alice Becker não vê ninguém da família desde que foi

internada em uma clínica fazenda, no interior. Eles não aceitam

visitas, preferem manter o paciente longe de tudo que pode servir de

gatilho, durante a primeira fase do tratamento.

Artho é duro e orgulhoso, mas eu sei o quanto tem sofrido

com a ausência dela.

Não posso nem imaginar como deve ser difícil ver sua mãe

chegar ao limite, ainda mais depois de tudo que eles passaram na

mão do escroto do pai de Artho.

Quando fecho os olhos, posso ver claramente as cicatrizes

que ele carrega em seu corpo e tenta cobrir com as tatuagens.

— Amiga! — Raquel insiste e lança um pincel de maquiagem

que atinge minha testa, enquanto tento ler um capítulo do livro de

Direito Civil I.
Estou estudando desde a hora do almoço, aproveitando que

não precisei ir buscar Ayla na creche. Ela foi à uma festa de

aniversário da neta de Marcela, uma das funcionárias de Eros, e seu

pai vai buscá-la quando acabar.

— O que é? — grito para Raquel.

— Não vai perguntar?

— Perguntar o quê?

Raquel revira os olhos, sem paciência.

— O único motivo de Artho de levar você para jantar.

— Ah, isso. Não sei, talvez ele esteja a fim de comer fora, já

que não vai passar a noite de sexta com Ayla.

— Não, sua boba! — Raquel diz, me encarando através do

espelho da penteadeira. — Ele vai te pedir em namoro. Levanta


dessa cama e vai já se arrumar. Você precisa estar bem bonita para

este evento.

— Não tenho nem roupa para ser pedida em namoro, amiga

— brinco, voltando minha atenção ao livro.

Sou atingida por outro pincel, dessa vez maior, que bate na

minha cabeça e vai parar no chão.

— Charlotte!

— O que é? — pergunto e jogo de volta seus pincéis.

— Você vai ser pedida em namoro!

— Qual é a fonte dessa informação? Ah tá, são as vozes da

sua cabeça — digo com deboche. — Artho está prestes a fazer vinte

e três anos e nunca namorou ninguém, de repente, ele resolve que

vai namorar?
— Sim! Exatamente. Você não acha que ele amadureceu

muito depois que vocês começaram a ficar? Eu mesma nunca ouvi

falar que ele ficou com alguém depois de você. É óbvio que ele vai

querer assumir um compromisso mais sério.

Dou uma chance a Raquel e penso a respeito.

Eu gosto de Artho, gosto de estar com ele, de vê-lo todos os

dias, gosto de tudo nele, mas nunca pensei que pudéssemos ir além

do sexo selvagem e do acordo de fingirmos ser um casal.

A verdade é que eu nunca saí para jantar com um rapaz.

Encontro Artho em festas, nos corredores da faculdade, aqui ou na

sua casa, mas nunca saímos para um encontro de verdade. Ele

nunca me chamou.

— Tenho razão, não tenho? — Raquel quer saber.

Não quero admitir, mas a ideia não é tão absurda assim.


Penso nele e nas palavras que ele pode usar para fazer o

pedido.

— Por que você diz com tanta convicção? — investigo. — Já

namorou sério alguma vez?

— Está para nascer o homem que vai me fazer aceitar um

compromisso tão sério — ela diz e dá risada. — Não tem nada que

eu ame mais do que minha liberdade.

Reflito por mais alguns instantes, então resolvo abrir o

armário em busca de um dos três vestidos que Raquel fez para

mim, em retribuição pelas clientes que consegui para ela.

Tem um laranja, um roxo e um preto. Escolho o preto e vou

tomar banho.

Deixo que Raquel faça uma maquiagem mais elaborada em

mim, e modelo meu cabelo com o babyliss. Ela tem um encontro


com um rapaz do curso de Engenharia Civil, e fica pronta para sair

antes de mim.

Artho combinou de me buscar às vinte horas, e quarenta

minutos antes, estou pronta e ansiosa, andando nas pontas dos

pés, de um lado para o outro do quarto, para ver se me acalmo.

Não quero dar muita credibilidade ao que Raquel disse, mas

me vejo ensaiando o que vou dizer se ele realmente falar que quer

namorar comigo.

Quase ligo para minha mãe e conto a novidade, mas resolvo

deixar para telefonar se realmente acontecer.

Parece que eu nunca me dei conta do quanto queria ter um

namorado, até estar prestes a ter um.

Retoco o batom e penso nos seus olhos castanhos e

selvagens, na forma como Artho sempre me surpreende quando a


gente fode, de como me sinto quando ele me leva ao clímax, no

desejo de estar sempre perto dele. Será que eu, de maneira

inconsciente, desejei um relacionamento sério com ele esse tempo

todo, sem nunca ter me dado conta?

Não sei, mas quando o relógio diz que faltam cinco minutos

para as vinte horas, calço minhas botas e visto o sobretudo.

Dou mais uma borrifada de perfume atrás da nuca só para

garantir que estarei perfumada. Artho está sempre tão cheiroso...

As borboletas fazem festa na minha barriga quando alcanço a

janela e olho para a calçada, às vinte em ponto, imaginando que ele

já vai estar lá fora, sentado no capô do carro ou no banco da moto,

a minha espera.

Mas não há ninguém, além dos pedestres que passam para lá

e para cá.
Arrumo o cabelo atrás das orelhas, é a primeira vez, desde

que o conheci, que ele não chega no horário para me buscar.

Fico olhando a rua, enquanto os minutos passam bem

devagar. Sinto meu coração apertado, mas não entendo como um

pressentimento, e sim uma reação da ansiedade.

Às vinte horas e trinta minutos, puxo a cadeira da penteadeira

e me sento em frente à janela, porque já estou cansada de esperar.

Uma hora depois do combinado, faço uma chamada de voz

para saber o que aconteceu. Artho não atende. Mando uma

mensagem de texto, que fica com apenas uma setinha, indicando

que ele não recebeu.

Às vinte e duas horas, estou enrolada embaixo da coberta,

com aquele sentimento de solidão no peito.


Não posso acreditar que me iludi assim. Faço um bico e me

viro nos lençóis, com um nó pressionando minha garganta.

Acabo pegando no sono e acordo no meio da noite ao ouvir

batidas na porta. A luz do banheiro está acesa, mas Raquel ainda

não voltou do seu encontro, provavelmente vai passar a noite fora.

Ouço mais três batidas e estremeço, me perguntando quão

firme a fechadura é. Alcanço meu celular e vejo que são duas e

quinze da manhã. Não há uma única mensagem de Artho.

Abro a conversa com Raquel, no WhatsApp, e estou prestes a

tocar o ícone do telefone e ligar para ela, quando batem outra vez.

Dessa vez, o toc-toc-toc vem seguido de uma voz.

— Charlotte? — ouço Artho me chamar.

Pulo da cama, usando uma calça de moletom cinza e uma

camiseta do Capitão América, e corro até a porta.


— Quem é? — pergunto, só para ter certeza.

— Sou eu, Artho.

Abro um sorriso, porém, lembro que ele me deixou

esperando, e fecho a cara.

— O que quer, Artho? — pergunto para a porta.

— Preciso te ver — ele diz.

Tento identificar se está bêbado, mas não sei dizer. Me

pergunto onde e com quem esteve até essa hora.

— Vai embora — peço.

— Me desculpe por não ter aparecido, nem dado satisfação

— Artho insiste.

Respiro fundo, só queria não estar afetada, que as borboletas

em meu estômago voltassem a dormir.


— Está desculpado — minto. — Agora pode ir embora.

— Por favor, Charlotte, abre a porta e eu te explico o que

aconteceu — ele murmura.

Respiro fundo, então abro.

Pisco os olhos algumas vezes, por causa da luz forte que vem

do corredor, então vejo seu rosto abatido, os olhos vermelhos e as

olheiras fundas. Ele ainda veste as mesmas roupas com as quais o

vi na hora do almoço.

— O que aconteceu? — pergunto, rendida.

— Está sozinha? — Artho quer saber.

Eu assinto e ele dá um passo na minha direção, então me

abraça tão apertado que tira meu fôlego.


— O que aconteceu com você? — questiono, e sou tomada

por um aperto no coração.


Vou desejar que a gente nunca tivesse se conhecido no dia

que eu partir

Eu te coloquei de joelhos

Porque dizem que o sofrimento adora companhia

Não é sua culpa eu estragar tudo

Não é sua culpa que eu não sou o que você precisa

Amor, anjos como você não podem voar para o inferno

comigo
(Angels Like You - Miley Cyrus)
Artho

Não tenho um colo para onde correr desde que... Espera, eu

acho que nunca tive um colo para onde correr.

Durante a infância, minha mãe estava focada em sobreviver,

ela não tinha tempo e muito menos cabeça para se preocupar em

me dar carinho.

Só me dei conta de como não era tratado da mesma forma

que as outras crianças quando comecei a ser aluno no colégio

particular, graças à diretora da escola pública que me matriculou


para a prova de bolsas. Fiz amizades e passei a frequentar as casas

dos meus amigos.

Minha mãe nunca me dava a atenção e o afeto que as

famílias Giordano, Valentini e Bianco davam a seus filhos.

Não inclui a família de Dimitri nessa porque ele teve

problemas familiares, assim como eu.

Quando me dei conta de que não tinha uma mãe carinhosa, já

estava bem grandinho para chorar por um colo.

É a primeira vez que realmente tenho alguém para abraçar,

por isso permito que Charlotte esfregue minhas costas, beije meu

rosto e me puxe para a sua cama.

Adoro o calor dos seus braços, o cheiro dos seus cabelos, o

seu perfume, a maciez da sua pele e, principalmente, o seu carinho.


— O que aconteceu? — Charlotte sussurra, como se

estivesse com medo da resposta.

— Minha mãe de novo — respondo e me enrosco em seu

corpo.

— O que ela fez? É por causa dela que você me deu bolo?

— Ela fugiu da clínica, depois de ameaçar um enfermeiro com

uma faca que roubou da cozinha — confesso. Não preciso esconder

nada dela. — Eles me ligaram quando eu estava saindo do cartório.

Eros e eu passamos horas procurando por ela, indo em todas as

bocas onde ela costumava ir. Quando a encontramos, ela já tinha

cheirado a porra do pó, jogando no ralo dois meses de tratamento e

duas mensalidades que eu não sei como vou pagar a Eros.

— Eu sinto muito, Artho — ela diz com sua voz doce. — Não

fazia ideia de que algo assim tinha acontecido.


Charlotte faz carinho na minha nuca como se soubesse que

isso é tudo que preciso no momento.

— Pensei que você tinha esquecido do nosso encontro ou...

Tinha arranjado algo melhor para fazer.

— Eu queria ligar, mas fiquei sem bateria, e passei com tanta

pressa em casa para buscar Eros, que ele acabou esquecendo de

levar o celular. Me perdoe por isso.

— Não precisa se desculpar por algo assim, meu am... — ela

começa a dizer, mas sua voz morre antes que ela conclua a

palavra.

Travo os dentes e prendo a respiração. Nunca me chamaram

assim antes, e fico esperando ela terminar de dizer, mas não

acontece.
Ela deve ter se arrependido de abrir a boca. O quarto fica em

silêncio, mas ouço as batidas dentro do seu peito, o som regular da

sua respiração.

É melhor assim, não é?

Não sou um cara bom para Charlotte, por mais que ela esteja

nos meus pensamentos o tempo todo.

Fiquei com um monte de mulheres e nunca tive um momento

assim com nenhuma.

Gosto dela, gosto muito, mas é temporário. Se ela não se

tocou que eu não a mereço, vai se tocar a qualquer momento e vai

se afastar.

Estou preparado para isso, nunca tive ninguém de quem

gostei tanto e não vai ser agora que vou me importar. Já sofri uma

perda maior antes e me recuperei.


— Raquel saiu? — pergunto, quando seu silêncio começa a

incomodar.

— Ela tinha um encontro.

Ergo a cabeça e olho para seu rosto delicado, seus olhos

azuis cinzentos estão brilhando. Percebo que ela passou

maquiagem porque seus cílios estão maiores e mais cheios.

— Você se arrumou toda para sair comigo? — pergunto, me

apoiando no cotovelo para olhá-la melhor.

Charlotte dá de ombros.

— Me arrumei como sempre — ela diz, mas parece que está

escondendo algo.

A imagino me esperando, olhando pela janela, e meu peito se

aperta.
— Minha mãe ferrou minha vida mais uma vez — digo e

passo a mão em seus cabelos macios. Noto que estão mais

brilhantes e enrolados.

Ela deve ter arrumado para sair comigo. Era a primeira vez

que iríamos sair sozinhos, mas isso não iria dar certo. Minha vida é

ferrada demais para eu incluir alguém tão especial assim.

— Podemos marcar outro dia? — Charlotte quer saber.

Penso em dar um basta, não quero ter que deixá-la

esperando, mas não sou capaz de negar isso quando ela me olha

assim.

— Quando? — pergunto.

Ela passa a língua no lábio e o morde, seus olhos se movem,

olhando para o teto do quarto, então percebo que suas bochechas

ficam vermelhas.
Nunca disse a ela o quanto amo quando ela cora assim,

envergonhada.

— Eu tinha pensado em uma coisa — sussurra.

— O quê?

— Eu sei que você e seus amigos darão uma festa no

próximo dia onze, no seu aniversário...

— Não se faz vinte e três anos todo dia — brinco e ela dá

risada. — Continua, o que você pensou?

— Que a gente poderia sair no dia dez, só nós dois —

Charlotte sugere. — E...

Suas pausas atiçam ainda mais minha curiosidade.

— O que você pensou, minha pequena? — digo, para

encorajá-la.
Ela se senta e morde a ponta do dedão.

Me deito de costas e coloco as mãos embaixo do pescoço,

esperando pelo que ela tem a dizer.

— A gente pode ir a um motel, no dia dez? — ela pergunta e

fica ainda mais vermelha.

Abro um sorriso e mordo o lábio. Só ela para fazer eu me

divertir depois da merda que foi minha noite.

— Claro. Você nunca foi, né?

— Não, nunca — ela confessa.

— Tem curiosidade de saber como é? — investigo, enquanto

acaricio sua cintura, por cima da camiseta com estampa do Homem

Aranha.
— Sim. Eu... — ela diz e engole em seco. Parece que voltou a

ser a garota acanhada que era no começo do semestre. — Eu

queria fazer uma coisa para você, já que eu não tenho dinheiro para

comprar um presente caro.

— Prefiro você e seja lá o que pensou em me dar — digo e

pisco para ela com malícia.

— Não é o meu cu — ela diz. — Nem adianta sonhar.

Tenho que rir do jeito como ela fala.

— Obrigado por ficar comigo hoje. Vou adorar te levar a um

motel na véspera do meu aniversário. Se bem que, vamos ficar lá

até depois da meia noite, vou comemorar com você.

— Raquel pode ficar com Ayla, se o pai dela não puder. Só

preciso te dizer que não tenho dinheiro para pagar a suíte.


— Não se preocupe com dinheiro — sussurro, como se eu

ganhasse muito. — Primeiro um jantar, depois o motel.

— Agora, tem mais alguma coisa que eu posso fazer para te

animar? — ela pergunta, me olhando com uma cara de safada.

Puxo a barra da camiseta larga e enfio minha cabeça por

baixo. Ela ri e dá um tapa no meu ombro, até que eu chupo o bico

delicioso do seu seio, e a risada dá lugar a um gemido.

— Raquel pode chegar a qualquer momento — ela diz, mas

tira a camiseta, me presenteando com a visão dos seios

arredondados e macios.

— Nunca transamos aqui — comento e Charlotte ri. — O que

foi?

— Já transamos no meu sonho — ela confessa e passa a

língua no lábio inferior.


Me inclino e seguro seu pescoço estreito. Adoro a sensação

da sua jugular pulsando contra meu dedo quando a aperto.

— Você teve um sonho safado comigo e não me contou?

— Tive — ela admite ao me encarar.

— E o que a gente fez nesse sonho?

— Você me comeu bem gostoso e tapou minha boca para

que eu não gemesse — Charlotte sussurra, fazendo meu pau doer

de tanta vontade. — Mas estava tão bom ser fodida pelo seu pau

maravilhoso, que eu não aguentava e gemia contra sua mão.

Puxo seu pescoço e a empurro na cama, a fazendo deitar de

bruços, arranco sua calça de moletom depressa e agarro sua

bunda.

Ela rebola quando dou uma palmada. Abro sua bunda e

lambo por cima da calcinha.


— Raquel pode chegar... — ela sussurra, mas se cala quando

puxo o tecido, o pressionando contra seu clitóris. O acaricio com a

ponta do dedo e ela geme.

Fico de pé, tiro o cinto e o uso para prender seus pulsos à

cabeceira da cama, em seguida, vou até a porta e posiciono a chave

na horizontal, de um jeito que Raquel não vai conseguir abrir com a

sua chave.

Sinto tanto tesão ao vê-la rebolar a bunda empinada, que não

consigo me refrear.

Aperto seu quadril contra a cama e afasto sua calcinha com

uma das mãos, enquanto a outra liberta o pau de dentro da calça.

Pego uma camisinha no bolso e a desenrolo no meu pau

depressa.
Chupo sua boceta, sugando o mel delicioso que escorre dela,

então posiciono a glande na sua entrada e começo a empurrar

devagar, para ela ir se acostumando.

Charlotte rebola, enquanto sua boceta quente e apertada

engole meu pau, o contraindo dentro dela. Me deixa sem fôlego, o

que faz aumentar o desejo e a vontade de comê-la.

Em uma única estocada, a penetração está completa.

Seu sexo aperta o meu e eu solto um grunhido involuntário.

Aperto seus pulsos presos a cabeceira, movimentando para dentro

e para fora, me inclino no seu pescoço e sinto seu cheiro, o calor da

sua pele. Charlotte grita quando minha língua úmida circula o lóbulo

da sua orelha.

Sinto arrepios na pele quando ela vira o rosto para mim,

alcança meu pescoço e o chupa por cima da barba que está por
fazer. O movimento rápido dos nossos corpos faz sua língua

serpentear no meu queixo. Isso me faz queimar.

Arranco o cinto dos seus pulsos, junto seu cabelo e o puxo

para fora da cama. A coloco de joelhos, fazendo-a ficar de quatro.

Minha mão coça quando vejo sua bunda balançando enquanto ela

engatinha pelo chão.

Ela desperta meu lado mais selvagem. Ergo a mão e defiro

uma palmada contra umas das nádegas.

Charlotte ama quando eu bato assim, ela se debruça até

encostar os seios no chão, deixando apenas o quadril erguido. A

calcinha ainda está de lado. Solto seu cabelo e me agacho. Abro

seus glúteos, umedeço bem a língua e lambo o pequeno orifício

nunca tocado. Ela estremece e geme, mas não se afasta. Chupo em

volta e deslizo o nariz até a entrada da sua boceta, farejando seu

cheiro viciante, que atiça minha fome de devorá-la.


Alcanço o clitóris e o mantenho por alguns instantes entre os

dentes, e seu corpo se contorce no chão, enquanto geme.

Quando não aguento mais, me ajoelho por trás e penetro sua

boceta de novo. Ela é minha, toda minha. Eu não aceitaria dividi-la

com ninguém.

— Só eu posso te comer — aviso, antes de dar mais uma

palmada, depois esfrego minha mão na pele quente. — Só eu posso

me enterrar dentro de você e foder essa boceta pequena e ardente.

Nunca se esqueça disso.

— Eu sou apenas sua, Artho. Sua putinha.

Coloco a mão em seu pescoço e mantenho sua cabeça presa

no chão enquanto estoco com força. É assim que o animal dentro

mim ganha ainda mais força, quando ela se entrega desse jeito e diz

o que eu adoro ouvir.


Meu corpo ferve, o suor escorre e respinga contra sua pele

macia. Paro por alguns segundos para me livrar das roupas que

ainda restam.

— Alguém pode ouvir você gemendo do corredor — digo

quando ela grita.

— Eu quero que ouçam, que saibam como você me come.

Travo os dentes ao ouvi-la falar isso, então meto bem rápido

até senti-la explodir de prazer, apertando meu pau ao se contrair em

êxtase. Ejaculo também, urrando em cima dela, com as mãos

agarradas em seus pulsos.

Ela me faz pensar que nunca vou encontrar outra boceta tão

deliciosa assim.
Charlotte

Sexta, 10 de novembro de 2017

Artho me leva a um restaurante italiano que eu sei que é caro,

porque ele precisou fazer reservas.

Me sinto como uma mocinha de filmes de romance quando

ele coloca a mão na base da minha coluna e me guia até uma mesa

para dois, com toalha de linho e talheres dourados.


Estou usando um vestido tubinho bege, um sobretudo preto,

botas e meias pretas.

Artho pede uma taça de vinho tinto para cada um, enquanto

olho o cardápio. Ele sabe que não tenho dinheiro, que vai pagar a

conta sozinho. Imagino que, se escolheu um restaurante caro, é

porque está disposto a pagar, mesmo assim, escolho um prato mais

barato, ravióli ao molho pesto, com salada de acompanhamento.

O vinho é delicioso e, como estou nervosa, bebo duas taças.

Estamos sentados um de frente para o outro, quando ele me

confessa que nunca levou uma garota para jantar.

— Então somos os dois novos nisso — brinco e mordo o

lábio.

Ele está usando uma camisa de botões, calça de alfaiataria e

uma jaqueta de couro mais elegante. Está parecendo um advogado


de sucesso. O único traço do bad boy é a coroa de louros em seu

pescoço.

— Como você pegava tantas mulheres sem ter que levá-las

para jantar? — pergunto.

— Me diga você — ele diz e pisca para mim, com os olhos

fixos nos meus ao beber o vinho.

— Nosso caso é diferente — digo.

— Mas já levei algumas para comer lanche, conta? — Artho

diz e dá aquele sorriso de canto.

— Por que eu sou a privilegiada? A única garota a quem

Artho Becker se dispôs a pagar um jantar? — pergunto, na

brincadeira, mas logo me arrependo.

Não quero que ele pense que estou me achando, ou até me

iludindo que esse encontro possa significar alguma coisa.


Se eu queria ser sua namorada? É claro que sim, eu aprendi

a gostar tanto dele, que às vezes, tenho medo de deixar

transparecer, do sentimento transbordar do meu peito.

Mas eu sei quem ele é e o que pensa sobre relacionamentos.

— Porque estou confiante que você vai me dar uma ótima

sobremesa — ele diz com a voz rouca.

Bebo mais um gole de vinho, com o coração disparado. Não

estou certa de que vou conseguir dançar para Artho, como aprendi

nas aulas de pole dance. Tenho medo de errar, mas sei que vou

ficar mais segura assim que a música começar a tocar. As aulas me

fizeram melhorar a postura, além da minha autoestima e confiança.

— Pensei que iríamos comer fondue de sobremesa — o

provoco.

— Vai me dar um chá, então?


— Chá? De quê?

— Chá de boceta — ele sussurra e sinto a ponta da sua bota

entre os meus joelhos, os afastando. — Molhada e deliciosa.

Lambo meu lábio, ansiosa, e passo a comer os raviólis mais

rápido.

Meu corpo está aceso quando ele paga a conta e me leva até

seu carro.

Ainda bem que não viemos de moto, eu adoro andar nela,

mas morreria de vergonha de chegar em um motel desse jeito.

Na portaria, olho as imagens das suítes no portão de entrada

e localizo o mastro de pole dance em uma delas.

— Posso escolher o quarto? — sussurro, enquanto aliso a

parte interna da sua coxa.


— O que você quiser — ele responde.

Digo o nome da suíte e a recepcionista confirma, através do

interfone, que ela está vazia.

Artho me beija, aperta minha bunda e segura meus pulsos

nas minhas costas, mas me afasto.

— Você adora mandar, mas hoje sou eu quem dou as ordens

— murmuro contra seus lábios, tocando seu pau por cima da calça.

Ainda me choco como ele fica duro toda vez que me beija, como se

ele não resistisse a mim.

— Porra, Charlotte — ele diz com a voz rouca. — O que

minha putinha vai aprontar hoje?

Não respondo. O mastro fica em um nível mais alto, e precisa

subir três degraus para chegar até ele. Há uma mesa com duas
cadeiras, próximo à entrada. Pego uma delas e a posiciono perto

dos degraus.

— Senta e fica quietinho — ordeno, apontando com o queixo

na direção da cadeira.

Meu coração está batendo forte e meu peito sobe e desce

com a respiração acelerada.

— O que você vai fazer? — Artho quer saber.

— Senta! — digo, um pouco mais alto.

Ele passa a língua no lábio inferior, mas obedece. Senta de

frente, mas apoia os cotovelos sobre as coxas.

Me aproximo, tiro sua jaqueta e o faço ficar com as costas

retas, apoiadas no encosto da cadeira. Depois vou até minha bolsa

e pego o que preciso. Uso um pedaço de corda para prender seus

pulsos atrás das costas, bem forte, como ele adora fazer comigo.
— O que você vai aprontar? — Artho pergunta e dá risada.

Me sento em seu colo, de frente para ele, e aperto seu queixo

com força. Agora ele não pode me agarrar com as mãos presas.

— Calado! — falo em tom autoritário, como aprendi com ele.

Coloco a língua para fora e lambo seus lábios bem devagar.

Sinto seu pau ficar ainda mais duro quando uso um pedaço

de tecido preto para vendá-lo.

Artho não se atreve mais a falar, mas percebo que respira

pela boca.

Conecto meu celular ao som do quarto, ligo as luzes coloridas

e coloco uma playlist de músicas sensuais.

Tiro o sobretudo, o vestido bege, e fico apenas com um

shortinho e um bustier de um material que imita couro, que Raquel


fez para mim.

Tiro as botas coturnos, abro minha bolsa, onde trouxe tudo

que preciso, e pego a sandália de salto, que comprei no último mês,

para as aulas. A calço por cima das meias 7/8 pretas.

Encontro meu perfume e dou uma borrifada na nuca e no

umbigo, solto meu cabelo que está modelado em ondas e passo

batom vermelho.

Está tocando Love Is A Bitch, do Two Feet, quando estou

pronta.

Artho espera pacientemente e imóvel. Caminho até ele, com

as costas arqueadas e a bunda empinada — o shortinho é

minúsculo e exibe uma boa parte dela.

Me agacho entre as suas pernas e massageio suas coxas,

enquanto a música que vou dançar não começa. Passo a língua por
cima da sua calça, contornando seu pau.

Ele não se atreve a dizer nada.

Me sento nos degraus, diante dele, e arranco sua venda

quando música River, de Bishop Briggs, começa.

Artho pisca os olhos algumas vezes e me encara.

— Puta que pariu! — ele diz.

— Shiiii — sussurro.

Coloco minhas mãos nos joelhos e abro minhas pernas bem

rápido. Escorrego uma mão entre as coxas, me acariciando por

cima do shortinho, enquanto a outra mão escorrega pela minha

barriga e seios.

Artho está de queixo caído. Coloco um dedo na boca e jogo a

cabeça para trás, antes de levantar dos degraus.


Me apoio em seus ombros e desço, flexionando os joelhos e

rebolo quase até minha bunda tocar o chão, enquanto a letra diz:

Como nos apaixonamos / Mais intensamente do que uma bala

poderia te atingir?

Mordo o lábio, rebolando mais rápido, imaginando que estou

quicando sobre seu pau, e gemo.

Ele não desvia o olhar, está boquiaberto.

Me levanto outra vez, com movimentos sensuais, me inclino e

lambo seus pescoço, dou uma palmada na minha bunda e subo os

degraus até o mastro, quando a música diz: Não diga, não ouse

dizer / Uma simples respiração vai quebrá-lo / Então cale a boca e

me percorra como um rio.

Fico na frente do mastro, com os braços para trás, segurando

a barra acima da minha cabeça. Sussurro:


— Cale a boca, querido, e mostre a que veio

Desço devagar, inclinando o quadril para a frente, e abrindo

as pernas, antes de me pendurar no mastro.

Adoro o jeito como ele me olha, como se estivesse babando,

enquanto danço na barra, e escorrego devagar. Giro lentamente, de

cabeça para baixo, com as coxas em volta do mastro, as pernas

flexionadas, até meus cabelos tocarem o chão.

Engatinho na direção dos degraus, apoio os seios no chão e

rebolo. Nunca me senti tão bonita assim, tão desejável.

Fico de pé outra vez e subo na barra, arqueando a coluna,

balançando os quadris.

Os olhos de Artho revelam o quanto o peguei de surpresa. Ele

assiste cada movimento meu, atentamente, nem pisca.

O desejo está estampado no seu rosto.


Escorrego no chão outra vez, ansiosa por me unir a ele, e

engatinho pelos degraus, com os olhos fixos nos dele, até alcançar

seus joelhos.

Me sento sobre suas coxas, de frente, e cavalgo sobre Artho,

enquanto lambo a tatuagem em seu pescoço e liberto seus pulsos.

Chupo seu dedo indicador bem devagar, depois volto à barra,

andando de costas, enquanto ele abre a calça, liberta seu pau e o

envolve com um preservativo.

Estou excitada, ansiando por tê-lo dentro de mim. Quando ele

fica de pé, seguro na barra e abro as pernas, lambendo meu lábio

superior.

Artho
Olho dentro dos seus olhos cinzentos, procurando a garota

tímida e acanhada que ela era quando a conheci. Meu coração bate

forte, os pelos atrás da minha nuca estão eriçados. De todas as

coisas que eu poderia imaginar que ela faria hoje, nunca passaria

pela minha cabeça que Charlotte faria esse show para mim.

O melhor presente que ela poderia me dar. Estou atento a

todos os seus movimentos, latejando de tesão, com o corpo em

chamas. A imagem dela girando com a boceta apertada contra a

barra vai me acompanhar pelo resto da vida.

A garotinha tímida ficou do lado de fora. Aqui está uma puta

gostosa pra caralho.

Um gemido escapa da minha garganta quando coloco a

camisinha. A alcanço de pernas abertas, pendurada na barra.

Agarro suas coxas e as coloco em volta dos meus ombros. Farejo o

cheiro do seu sexo e ela balança os quadris, me provocando.


Puxo o que ela usa, não sei se é um short ou uma calcinha,

mas é muito tentador. Exponho sua boceta e separo os lábios para

provar seu clitóris. O lambo e o sugo bem forte, arrancando dela um

gemido prolongado que só me excita ainda mais.

Quero continuar bebendo dessa boceta gostosa, mas tenho

pressa em penetrá-la, em fazê-la lembrar que ela pertence a mim.

Só a mim.

Afasto suas coxas dos meus ombros e ela escorrega, até seu

quadril ficar na altura do meu. Seguro sua bunda com firmeza e

Charlotte toca meus ombros.

— Você só vai dançar assim para mim, ouviu? — pergunto ao

cravar meus dedos em sua carne.

— Sim, Artho — ela diz e alisa meu peito, por cima da camisa.

— Você é minha putinha, só minha, entendeu?


Charlotte balança a cabeça, mordendo o lábio vermelho

devagar, enquanto me olha com a cara de safada.

— Sou sua putinha — ela sussurra.

Sinto um frio na barriga quando ela puxa a gola da minha

camisa com toda força, arrancando os botões e exibindo meu peito.

Posiciono a glande na sua entrada escorregadia e

experimento a sensação de me esfregar nela por um instante. Então

começo a penetrá-la, grunhindo, sentindo-a apertada em volta do

meu pau.

Tento ir devagar, apreciar o momento e a sensação, mas não

consigo resistir. Fodo depressa, me enterrando cada vez mais

fundo, ouvindo os seus gemidos que me fazem enlouquecer, até

que não aguento mais e gozo.


Artho

Sábado, 23 de dezembro de 2017

Estou procurando uma camiseta para vestir quando encontro

o embrulho do presente que comprei para Charlotte e não entreguei.

Eu não a vejo desde que as aulas do semestre acabaram.

Ayla viajou com meu padrasto para a casa da mãe dele, no

interior, e vai ficar lá até semana que vem. E eu dediquei minhas

horas, fora do estágio, ao TCC.


Estou me vestindo para a segunda visita que farei a minha

mãe, desde que ela voltou ao tratamento.

Seguro a caixa vermelha com laço preto, onde há uma

sandália de salto alto que Oiapoque me ajudou a escolher.

Resolvo que vou passar no edifício para deixar o presente e

perguntar se ela quer passar o Natal comigo. Eros não comemora

essa data desde que seus pais morreram, e não tolera ninguém

perto dele.

Os outros rapazes já foram para as casas de seus parentes.

Dimitri até levou Darth Vader com ele.

Tenho pensado muito em Charlotte nos últimos dias e no que

ela tem significado para mim todo esse tempo.

Ela sabe que nunca prestei, que minha família é

desestruturada e sou cheio de problemas, mas ela ainda não sabe


do pior. O segredo que só as pessoas mais próximas a mim sabem.

Passamos um semestre juntos, mas eu nunca deixei claro o

quanto ela é importante. Não sei como falar o que sinto, porque nem

eu sei exatamente o que é.

Coloco o embrulho dentro da mochila e vou de moto até o

edifício.

Encontro Raquel no corredor, enquanto ela passa a chave na

porta do apartamento.

— Aonde vai, Oiapoque? — pergunto, só para perturbá-la.

Ela segura a alça da mala e me lança um olhar furioso.

— Para o Chuí, passar o Natal com meus pais — ela explica.

— Pensei que você fosse passar com Charlotte — comento.

Raquel me olha com desconfiança e franze o cenho.


— Charlotte foi passar o Natal com a família dela — ela diz.

Sinto meu peito se apertar.

— Ela não te contou? — Raquel quer saber.

— Não... — murmuro, incomodado por ela ter ido sem me

dizer. — Qual é mesmo o nome da cidade?

— Santo Antônio das Missões — ela explica. — Fica a

quinhentos quilômetros daqui. Agora deixa eu ir, porque Chuí é

ainda mais longe, e se eu perder o ônibus... Feliz Natal, Becker.

Ela se inclina e me abraça.

— Feliz Natal, Oiapoque.

Charlotte

Domingo, 24 de dezembro de 2017


Já passa das vinte horas quando ele chega, com um

capacete azul pendurado.

Ele fez vinte e um anos semana passada, e está todo exibido

com a moto Honda que minha mãe o ajudou a comprar.

— Você pode buscar as panelas sujas lá fora. Preciso

terminar de lavar toda a louça antes de começar a me arrumar para

a ceia. Quero estar pronta antes do resto da família chegar.

Tomaz vem até mim e passa a mão na minha cabeça,

bagunçando meus cabelos. Estamos usando camisetas do Batman.

A minha é larga como a dele. Na parte de baixo, estou usando uma

calça de tactel que peguei emprestado dele e chinelos de dedo.

Com as mãos cheias de sabão, mostro a língua para ele e

continuo minha tarefa. Minha mãe está lá fora, ajudando meu avô

com o costelão de doze horas.


Tomaz traz o resto da louça e escapa de fininho, antes que eu

o peça para secá-las.

Ouço o ronco de uma moto se aproximando da casa e

imagino que seja o irmão da minha mãe, chegando para beber vinho

com meu avô, enquanto cuidam da costela.

O Natal da minha família sempre é celebrado no sítio dos

meus avós maternos, uma casa grande de madeira, onde passo

minhas férias desde que me entendo por gente.

— Que sujeito mais estranho. — Ouço a voz de vovô Castro

se aproximando da cozinha.

— Feche as janelas, vó Nina — Tomaz fala —, tem um

marginal aqui e ele pode roubar a casa.

— Vai lá fora ver, Charlotte — vovô Castro diz quando chega

à porta e me vê. Ele parece assustado. — Vai ver o que aquele


bandido quer!

— Ele é bandido mesmo, vô. Ouvi falar dele na cidade. É

envolvido com tráfico e roubo — meu irmão diz, disfarçando a cara

de palhaço.

Franzo o cenho, sem entender a quem meu avô está se

referindo e por qual motivo Tomaz está o assustando.

— Quem, vô? — pergunto.

— Vai lá ver logo, antes que ele busque o rifle — Tomaz diz.

— Tem um homem procurando você.

Sinto meu coração errar as batidas. Não pode ser ele.

Santo Antônio das Missões fica a mais de seis horas de Bento

Gonçalves, Artho jamais percorreria essa distância toda.


Mas que outro homem, conhecido meu, vovô Castro iria

confundir com um bandido?

Alcanço o pano de prato para secar as mãos. Meus dedos já

estão enrugados de ficarem tanto tempo debaixo da torneira.

Não dá nem tempo de arrumar os cabelos que Tomaz

bagunçou. Vejo Artho Becker entrar pela porta da cozinha, seguindo

a minha mãe.

Meu coração dispara no peito quando nossos olhares se

encontram. Artho dá aquele sorriso de canto, e vejo seu dente

canino afiado aparecendo entre os lábios. Abro um sorriso

involuntário, só depois me dou conta de como estou desarrumada.

— Oi — digo e corro para abraçá-lo.

Não o vejo há, pelo menos, dez dias e senti tanto sua falta.
— Oi, minha pequena — ele sussurra contra meu ouvido,

quando me pega nos braços. — Por que não me avisou que viria

para cá?

Estou tão feliz em vê-lo que até esqueço do meu estado.

Saio do seus braços e olho em volta. Murcho os ombros ao

ver vovó Nina, vovô Castro, minha mãe, e seus dois irmãos mais

velhos, além de três primos, olhando assustados de mim para Artho.

Apenas Tomaz parece estar se divertindo.

Não sei se eles estão mais pasmos com a aparência de Artho

ou com o fato de um homem ter vindo me procurar.

Ouço minha mãe pigarrear e encolho os ombros.

Acho que essa será a pauta da ceia de Natal.


— Esse é Artho Becker — murmuro. — Artho, essa é a minha

família. Minha mãe Luíza, Meu irmão Tomaz, meu vovô Castro e

minha vovó Nina, meus tios Vicente e Robson, e meus primos,

Adilson, Gustavo e Leandro.

Digo e passo a ponta do dedo indicador na sobrancelha.

Artho está usando uma jaqueta de motoqueiro, por sorte, a

única tatuagem à vista é a coroa de louros em seu pescoço, mas é

suficiente para deixar vovô e meus tios cismados.

Ele aperta a mão de cada um deles, distribuindo sorrisos

simpáticos.

Minha mãe ainda está me olhando séria, esperando por mais

informações.

— Artho é veterano de Direito. Ele passou em primeiro lugar

no vestibular de 2014, é o aluno mais inteligente do curso — explico


e mordo o lábio.

Não sei o que esperar como reação da minha família, eu

nunca trouxe um rapaz em casa e eu não sei exatamente o que ele

está fazendo aqui.

— Parabéns — ouço meus tios dizerem, mas não sei se é

para mim ou Artho.

— A gente pode conversar um instantinho lá fora? —

pergunto a Artho e seguro sua mão.

— Filha, você precisa se arrumar — minha mãe diz. Deve

estar pensando como eu estou toda descabelada e não me escondi

dele.

Assim que deixamos a cozinha, os ouço começarem a

cochichar sobre Artho.


— Desculpa pelo meu avô, ele é um homem muito sistemático

e meu irmão atiça ele, só para provocar — peço, assim que

chegamos à varanda.

Vejo o capacete e a mochila sobre a moto que ele estacionou

na frente da casa.

Sinto seus braços me envolverem novamente e respiro fundo,

com o peito transbordando de emoção. Não sei exatamente o que

significa a presença de Artho aqui, mas estou muito feliz em vê-lo.

— Você está indo ao Uruguai e resolveu dar uma passada

aqui? — pergunto. — Como me achou?

Seu corpo balança, enquanto ele dá risada. Senti muita falta

do contato com seu corpo.

— Eu vim te ver, minha pequena — Artho sussurra. — Não

sabia que você viria para cá. Por que não me disse?
Dou de ombros, ainda nos seus braços.

— Você estava ocupado nos últimos dias, eu não quis encher

seu saco nem atrapalhar.

— Você nunca encheu meu saco nem me atrapalhou. Eu fui

ao seu apartamento para te perguntar se você gostaria de passar o

Natal comigo, aí descobri que eu não estava nem nos seus planos.

— Não é isso. Não pensei que você quisesse passar comigo,

ainda mais tão longe de Bento Gonçalves.

— Eu vim mesmo sem ser convidado — ele diz. — Você tem

pouca fé em mim.

Me inclino para trás e o encaro, meu coração está quente,

imenso, e Artho está em toda parte dele.

— Acho que eu nunca vou encontrar alguém que eu goste

tanto como você — murmuro.


Ele me beija, com seus braços em volta da minha cintura, me

aperta bem forte. É exatamente como preciso ser correspondida

nesse momento.

— Eu tenho certeza de que nunca vou encontrar uma mulher

que eu ame tanto como amo você — Artho diz, me acertando

precisamente com suas palavras. — Eu amo você, minha pequena.

Pisco, meus olhos estão ardendo, as lágrimas se formam,

tenho medo de não caber todo esse sentimento dentro de mim.

— Eu também amo você, Artho — confesso. — Amo muito!

— Sei que não mereço uma mulher incrível como você,

mesmo assim, estou aqui...

— Como? Como você me achou? — insisto em saber.

— Raquel me disse os nomes da sua mãe e do seu irmão,

explicou que a cidade era muito pequena, e eu vim. Tentei te ligar,


mas não dava sinal. Perguntando, consegui encontrar a casa da sua

mãe, e investiguei com os vizinhos e eles me explicaram onde

ficava o sítio dos seus avós.

— Não pega sinal de celular muito bem aqui e meus avós não

têm internet — explico. — Não acredito que você viajou tantos

quilômetros para me ver.

— E para dizer que te amo — ele sussurra.

Abro um sorriso, estou tão feliz que não sei explicar. Não

quero perder isso, vou me agarrar a esse sentimento com toda

força.

— Você poderia ter me convidado — ele diz e dá risada. —

Eu vim mesmo sem convite.

— Me desculpa, mas nunca pensei que você aceitaria vir para

Santo Antônio das Missões, achei que vocês fossem fazer uma
festa no clube.

— Eros prefere ficar sozinho no Natal. Os outros foram passar

o feriado com a família. Me convidaram, mas eu queria passar com

você. Só não sei se vou poder ficar ou terei que ir procurar um lugar

para dormir na cidade. Sua família está a ponto de me botar para

correr daqui.

— Eles não vão te colocar para correr. É só pelas tatuagens,

mas estão mais surpresos por ter um homem me procurando do que

com sua aparência. Sem contar que você é um amor, vai conquistar

eles rapidinho.

Quero perguntar se estamos juntos mesmo, tipo namorados,

não sei o que vou explicar para minha mãe, mas resolvo que é

melhor deixar para lá. Ele veio até aqui de moto!


Charlotte

Domingo, 24 de dezembro de 2017

Estou usando um vestido vermelho, costurado por Raquel, e

as sandálias de salto alto que ele trouxe para mim.

Já estou acostumada a andar arrumada assim em Bento

Gonçalves, mas, na casa dos meus avós, é estranho.

O resto da família já chegou, e os primos menores estão

correndo pela casa. Minhas primas, mais ou menos da minha idade,


estão na sala, fofocando, e se chocam ao me verem.

— Charlotte? — Helena, a mais arrumada de todas, pergunta.

— É você mesmo?

Reviro os olhos e atravesso a sala em direção à varanda.

— Por que não disse a ninguém que tinha um namorado? —

minha mãe me aborda. Ela também já tomou banho e se arrumou,

após organizar a mesa da ceia.

— Por causa das tatuagens, e porque eu não imaginei que

ele iria aparecer — me justifico.

— Dei uma toalha para ele tomar banho, ele viajou quase

sete horas naquela moto. Deve estar cansado. Falei para ele ficar à

vontade e usar o quarto em que Tomaz está, se precisar se trocar.

Assinto, aliviada por ela não estar furiosa comigo.


— Ele é muito simpático, sabe conversar. Ficamos

assustados quando ele chegou... Por que nunca me falou sobre ele?

Vocês não tiram fotos?

— Vocês o pré-julgaram por causa da tatuagem — observo,

estreitando os olhos. — Não foi isso que você me ensinou, mãe.

Que feio! Se eu mandasse uma foto dele, o que iria pensar? Artho é

alguém para se conhecer pessoalmente, não por fotografias.

Ela dá um tapinha no meu ombro e dá risada.

— Ele é mesmo o aluno mais inteligente do curso?

— Ele tira as melhores notas, além de ser o mais cobiçado

também — brinco. — Faz estágio no Cartório Judicial.

— Charlotte, você arrumou um partido. E desde quando se

veste tão bem assim? Foi sua amiga de Moda que fez?

— Ela mesma.
— É perfeita.

Minha mãe me faz girar, elogiando o quanto estou bonita.

Nesse momento, ouço o trinco da porta do quarto, que Tomaz

ocupa sempre que vem pro sítio. Logo, sinto o cheiro amadeirado do

perfume de Artho e meu coração dispara.

Ele nos encontra no corredor. Está usando calças pretas e

uma camiseta cor de vinho. O cordão de placa, estilo militar, que eu

dei para ele no seu aniversário, com Artho Becker gravado de um

lado e CLUBE DOS CRETINOS gravado do outro, está pendurado

em seu pescoço.

As tatuagens dos braços estão à mostra. O escorpião,

símbolo do seu signo, assusta mesmo, à primeira vista, mas se

minha mãe aprovou e vovô Castro não o colocou para correr, vai dar

tudo certo.
— O cheiro está bom — Artho diz, sentindo o aroma do

churrasco que meus tios assam lá fora. — E você está muito linda,

Mulher Maravilha.

Quero puxá-lo para um dos quartos e matar a saudade do seu

corpo, da sua língua passeando pelo meu clitóris, do seu pau dentro

de mim, mas não me sinto à vontade para beijá-lo aqui, na frente da

minha mãe e das minhas primas, que olham abismadas para Artho.

— Vamos nos servir — mamãe diz e nos leva para a sala de

jantar, onde uma mesa grande está preparada.

— A comida é simples, mas é muito boa — aviso a Artho,

quando pegamos nossos pratos para nos servirmos.

— Até parece que você não lembra de onde vim — ele

sussurra. — Uma ceia assim, quando eu morava com minha mãe,

era um luxo que eu jamais sonharia.


Sinto meu coração se apertar e um nó fechar minha garganta,

mas respiro fundo e disfarço. Ele já sofreu muito, passou fome

quando era pequeno, comeu o pão que o diabo amassou com a

mãe e o monstro do pai, mas é inteligente e esforçado, vai

conquistar o mundo, ser um excelente advogado, e nunca mais vai

passar necessidade. Tenho muita fé.

Nos servimos de peru, farofa, arroz à grega, maionese e

salada, além de vinho e churrasco.

Minha família é humilde, mas unida e grande.

As esposas dos meus tios estranham Artho à primeira vista,

mas assim que ele começa a conversar, elas se encantam.

Há quase cinco meses, quando o conheci, nunca pensei que

estaríamos passando o Natal juntos, no interior de Santo Antônio

das Missões. A faculdade me transformou.


Depois de comermos pudim, torta de bolacha e sagu de

sobremesa, estou estourando. Mas ainda sento com Artho lá fora,

para comer o costelão de doze horas.

— É a melhor costela que já comi — Artho diz, saboreando a

carne que desgruda do osso de tão macia, e bebe da caipirinha que

meu irmão fez.

— Minha barriga está tão cheia que tenho medo de passar

mal — comento. — Mas preciso descontar das noites em que dividi

um miojo com Raquel.

— Tempos difíceis — Artho brinca.

Um dos meus tios toca gaita gaúcha e o outro, violão, e a

família se reúne em volta para ouvir.

É uma vida simples e bem diferente das festas que Artho e

seus amigos dão, mas ele parece não se importar.


Até dança com minha mãe e uma das minhas primas, quando

os casais se juntam para dançar. Ele me convida também, mas eu

sou uma das poucas da família que não aprendeu os passos.

— Quem diria que você arranjaria um namorado — meu irmão

comenta, enquanto devora um pedaço macio de carne e bebe

longos goles de caipirinha.

— E você precisava mesmo assustar nosso vô? — digo ao

cutucar suas costelas.

— Você acha que eu perderia essa oportunidade? — Tomaz

brinca. — Senti muito sua falta durante esses meses, a casa fica

triste sem você.

Me inclino e abraço seus ombros. Ele é mais velho, ainda

assim, sempre fui eu a cuidar dele.


— Que tal maratonarmos alguns filmes da Marvel? Será que

seu namorado topa assistir com a gente?

— Sim, mas acho que ele gosta mais de Star Wars. O nome

do cachorro dele é Darth Vader, um rottweiler lindo — lhe conto.

— Legal, podemos assistir, então — meu irmão diz.

Vejo Artho se aproximando de novo.

— Eu deveria ter filmado a cara do vovô Castro quando ele

chegou — Tomaz brinca, antes de se levantar e ir em direção ao

terraço coberto, onde minha família dança.

— Podemos conversar? — ele pergunta.

Sinto meu coração disparar toda vez que alguém me faz essa

pergunta.

— Claro — respondo como o tom de voz fraco.


Fico de pé e o acompanho até um bando de madeira, que fica

sob o alpendre.

— Eu vim até aqui para saber se você quer ser minha

namorada, se quer assumir um namoro comigo, mas primeiro eu

preciso te contar tudo que você não sabe sobre mim — Artho

começa a falar, sua voz está mais grave que o normal, faz a tensão

que sinto aumentar. — Quero que me dê a resposta só depois que

souber de tudo.

Engulo em seco, não consigo pensar em nada que me faria

dizer não.

— Tudo bem, Artho.

— Eu menti para você, Charlotte. Menti todos esses meses —

ele murmura e solta o ar pesado pelos lábios entreabertos.


Artho

Estou prendendo a respiração, enquanto Charlotte me encara

com os olhos cinzentos curiosos e cheios de perguntas.

Seus lábios carnudos e vermelhos, que eu amo tanto beijar,

se apertam em uma linha fina, e seu cenho se enruga.

Eu não quero perdê-la, mas não posso continuar mentindo.

Ela se tornou a pessoa mais próxima a mim nos últimos meses, é

para seus braços que eu corro sempre que não consigo suportar o
peso dos meus problemas, e é injusto que, de todos, ela seja a

única que não sabe.

Estou ciente de que essa informação pode afastá-la, e que

não terá nada que eu possa fazer. Não há como mudar meu

passado, mas ela precisa saber.

— O que é? — Charlotte sussurra. — Sobre o que você

mentiu?

Respiro fundo, enchendo o peito de ar, e expiro lentamente,

então resolvo falar de uma vez.

— Ayla não é minha irmã, é minha filha — declaro e observo

sua reação.

Seus olhos se arregalam e as sobrancelhas grossas se

erguem. Vejo como ela junta as mãos e as coloca entre os joelhos,


já a conheço muito bem para saber que esse é um gesto de

nervosismo e ansiedade.

Por um momento, ela não diz nada.

Estico a mão e coloco algumas mechas do seu cabelo atrás

da orelha, deixando seu rosto lindo, visível.

— Quem é a mãe? — é a primeira coisa que ela pergunta.

— Camila Klein, uma garota de Farroupilha, que conheci

quando eu tinha dezenove anos — explico.

Meu cenho também está franzido agora, detesto falar sobre

isso.

— E onde ela está? — Charlotte questiona.

— Ela faleceu, no parto de Ayla. Tinha só dezoito anos, como

você.
Olho para a sua mão e desejo segurá-la. Minha garganta está

se fechando e preciso do contato de Charlotte, mas não quero ser

rejeitado por ela agora.

— Por que você diz que ela é sua irmã? — ela pergunta.

— Quando Camila descobriu que estava grávida, nós não

namorávamos. Ela era virgem quando ficamos, engravidou de

primeira. Seus pais não aceitavam que ela levasse a gravidez

adiante, pelo fato de não sermos nem namorados. Queriam que ela

fizesse um aborto clandestino, mas eu bati o pé e pedi que ela não

tirasse o bebê. Eu não iria assumir um relacionamento, mas já

trabalhava, ia ajudar com tudo que ela precisasse.

“Ela me atendeu, em vez de ouvir os pais, estava apaixonada

por mim. Era um amor que eu não poderia corresponder. Eu vivia

em festas, pegava uma diferente toda noite, e eu cometi um erro


enorme ao ficar com ela, sabendo que era virgem. Eu nunca tinha

me apaixonado por ninguém.

“Mesmo sabendo que eu não valia nada, ela levou a gravidez

adiante. Teve complicações na hora do parto e não resistiu. E a

culpa é minha por ter insistido tanto.

Engulo em seco. Me sinto ainda pior por não me arrepender,

Ayla é minha vida, é tudo para mim. Como eu poderia ter me

arrependido de uma decisão que deu vida a ela?

Charlotte tira as mãos das coxas e as passa no cabelo,

apertando forte, e respira bem fundo.

— E por que disse para mim que ela era sua irmã? — me

pergunta, mas sem me encarar.

— Só meus melhores amigos, minha mãe e meu padrasto

sabem que ela é minha filha. Quando Ayla nasceu, os pais de


Camila queriam que eu entregasse ela para a adoção, que eu

mandasse para um abrigo. Eles não queriam saber da bebê, mas

também não queriam me dar o gostinho de ficar com minha filha —

digo e preciso fazer uma pausa para respirar, quando recordo tudo

que enfrentei naquela época. — Minha mãe implorou, prometeu que

ela e meu padrasto cuidariam de Ayla como se fosse deles, e que

ela nunca saberia que eu era o pai. Eles acabaram aceitando.

Registrei minha filha, mas nunca pude ouvi-la me chamar de pai.

— Eu sinto muito — Charlotte sussurra assim que me calo,

então vira o torso na minha direção e acaricia meu rosto.

Quero dizer a ela o quanto meu coração está doendo, mas

nunca me abri dessa forma com ninguém.

— Eu não quero perder você por causa disso, mas vou ter

que aprender a aceitar se você não me quiser mais — digo de uma


vez. — Eu fui um babaca com Camila, eu sei. Irresponsável,

cretino...

— Shiiii — ela sussurra com o dedo indicador contra os meus

lábios.

— Eu amo você, Artho. Amo Ayla também. Não é por causa

disso que vou desistir de você. Isso não muda nada entre nós.

Não quero me atrever a acreditar nas suas palavras, nunca

tive alguém que me fizesse tão bem e cuidasse de mim como ela

cuida. Eu sei que não mereço ser amado como Charlotte me ama.

Seguro seu rosto e a encaro por tempo suficiente para que

ela tenha a oportunidade de se afastar, mas minha pequena não

vacila, e a beijo com toda paixão que sinto.

O toque dos seus lábios me faz arder, desperta em mim

lembranças de tudo que já fizemos juntos, de como ela rebola,


chupa e geme.

Preciso sacudir a cabeça para me livrar dos pensamentos

pervertidos. Pelo menos até toda a família ir dormir.

— O que foi? — ela pergunta.

— Estou com saudades de foder você — respondo baixinho.

Amo como ela fica corada, mesmo que seja uma puta na

cama.

— Posso te perguntar uma coisa? — Charlotte quer saber.

— Claro, o que você quiser.

— Por que você não assume a paternidade de Ayla agora? Já

faz anos, os pais da moça pararam de incomodar, né? Eles não

saberiam.

Flexiono os ombros antes de dizer.


— Minha mãe não quer. Ela bate o pé e diz que Ayla é filha

dela, que eu não posso mudar isso. Eu sei que ela tem razão, que

cuidou de Ayla como filha e a ama demais, mas... — Coço a nuca,

sem saber direito como contar. — Ela não faz bem para Ayla,

mesmo a amando muito, não cuida direito. Não posso deixar Ayla

crescer com ela, mesmo que isso destrua minha mãe. Não quero

que ela tenha os traumas e as feridas que eu tenho.

— Você tem toda razão. Além disso, é seu nome na certidão.

Ela está crescendo e logo vai descobrir.

— Eu quero ir embora de Bento Gonçalves quando me

formar, e levar Ayla comigo, construir uma vida com ela bem longe

dos problemas do meu passado.

— E tem ideia de para onde você vai? — Charlotte pergunta,

vejo preocupação nos seus olhos.


— Eros se forma no próximo semestre e vai se mudar para

São Paulo, onde funciona a sede do Grupo Editorial Giordano, ele

quer que eu vá também. Me formo em dezembro do ano que vem, e

ele me quer como advogado da empresa. É um ótimo emprego, e

vai pagar muito bem. Vou poder dar tudo que nunca tive a Ayla.

Ela dá um sorriso, mas parece triste.

Seguro sua mão com firmeza e a encaro com intensidade.

— Ainda temos um ano até eu ir, não vamos nos preocupar

com isso agora, tudo bem? — peço, com o alívio no peito. — Tenho

um convite para te fazer.

— Convite? — ela pergunta e abre um sorriso.

Toco o furinho em seu queixo e o mordo de leve.

— Meus amigos e eu vamos passar o réveillon na casa que

Eros tem em Florianópolis. Ele faz aniversário no dia primeiro de


janeiro e sempre vamos pra lá. Quero muito que você venha

comigo.

Ela endireita a postura e enrola o cabelo sobre o ombro.

— Eu não tenho dinheiro, Artho. Ainda mais para passar o

réveillon em Florianópolis. Fico muito feliz que queira me levar, mas

não posso.

— Não precisa de dinheiro. Vamos de carro, eu pago tudo que

você precisar. Não se preocupe — digo e seguro sua mão com

carinho. — Até Ayla vai, se você não for, vou acabar desistindo. Não

quero passar nossa primeira virada de ano longe um do outro.

— Não sei se minha mãe vai deixar, mas...

— Eu a convenço.

— Seria Natan, Gabriel, Lion, Dimitri, Eros, Ayla, você e eu?

— Charlotte questiona.
— Isso.

— Tudo bem se Raquel for também?

— Tudo bem, pode convidá-la — respondo. — Tenho certeza

de que Eros vai adorar.

Charlotte dá uma risadinha e morde o lábio.

— Vou ligar para ela amanhã, depois do almoço. Ela vai

surtar!

Charlotte

O som passa fácil de um cômodo a outro em casas de

madeira. Estou deitada sozinha no meu quarto, por volta das quatro

horas da manhã, quando ouço estalos no assoalho, como se

alguém estivesse caminhando na ponta dos pés pela casa.


Meus tios e primos já foram embora. Vovó Nina e vovô estão

dormindo no seu quarto, minha mãe no dela.

Ela deu um cobertor a Artho e o colocou para dormir no

mesmo quarto que meu irmão e me lançou um olhar de advertência

que queria dizer: não se atreva a aprontar na casa dos seus avós.

Eles são conservadores, moraram aqui no sítio desde que se

casaram, e não acham certo um namorado dormir com a neta, ainda

mais um todo tatuado como Artho.

Agora, ouvindo os estalos no piso, embaixo da coberta, no

quarto sozinha, meu coração dispara.

Escuto o ruído metálico do trinco da porta abrir e me movo na

cama bem devagar. Na penumbra, vejo a silhueta do homem alto

entrar e trancar a porta.

— Artho? — sussurro.
— Shiiii — ele diz ao se aproximar.

Dou espaço para que ele se deite ao meu lado, na cama de

solteiro estreita.

— Como você saiu do quarto do meu irmão sem ele ver? —

questiono.

— Ele viu.

— E mesmo assim você veio? Meus avós vão ficar putos!

— Eu dei dinheiro ao meu cunhado para que ele não

contasse — Artho sussurra.

— O quê? — pergunto

Não deixa de ser impactante ouvir Artho chamar Tomaz de

cunhado.

— Seu irmão te vendeu, minha pequena.


— Não acredito que aquele vadio fez isso! — protesto. —

Quanto você pagou?

— Duzentos reais, era tudo que eu tinha na carteira — Artho

me conta.

Maneio a cabeça em negação.

— Não posso acreditar que valho duzentos reais para Tomaz

— resmungo, mas as mãos de Artho estão entrando dentro da

minha roupa.

Uma pelo cós do short, e outra por baixo da blusa.

— Shiii — ele me pede outra vez.

O ouço abrir o botão da calça e baixar o zíper devagar.

Alguém pode ouvir, e eu estarei ferrada, mas isso me excita

tanto que eu não me atrevo a refreá-lo.


Eu gozo logo depois que ele me penetra, com os dentes

cravados em seu pescoço, e gozo de novo quando as estocadas

lentas começam.

O amo e o desejo tanto que tenho medo desse sentimento,

medo do que vai acontecer com a gente quando Artho se formar na

faculdade e for embora.


Artho

Domingo, 31 de dezembro de 2017

Charlotte está parada há, pelo menos, quinze minutos, de pé

na areia, onde as ondas alcançam seus pés.

Ela está usando um biquíni laranja e sua pele já está

queimada do sol. O cabelo molhado está sujo de areia, caindo

abaixo da sua cintura.

Charlotte viu o mar pela primeira vez ontem, quando

chegamos à mansão à beira mar de Eros, em Jurerê Internacional.


Desde então, não parou mais de admirar.

— Ele é seu papai — Dimitri brinca com Ayla, enquanto fazem

um castelo de areia muito desengonçado.

O rostinho dela está branco de tanto protetor que passei, e

seus olhos parecem ter absorvido o azul no mar.

— Papai Tutú? — ela me pergunta.

Agora que Charlotte sabe a verdade sobre Ayla, meus amigos

ficaram à vontade para dizer a Ayla que sou seu pai.

— Só papai — Dimitri insiste com ela. — Não precisa chamá-

lo de Tutú. Ele é seu papai.

Ayla me encara, com os olhos azuis arregalados. Ela estica a

mãozinha sujas de areia na minha direção e eu a beijo.

— Papai? — ela me questiona.


Não estou acostumado a ouvi-la me chamar assim, e me

emociono toda vez.

— Sim, minha princesinha — respondo. — Sou seu papai.

— E o oto papai? — Ayla pergunta.

— Ele também é seu pai — Dimitri explica. — Você é uma

menininha de muita sorte, tem dois!

— Dois — ela diz, apontando com os dedinhos. — Dois! Tutú

é meu papai!

Ayla bate as palminhas, como se isso a deixasse muito feliz.

Vejo seus dentes pequeninos quando ela sorri e não aguento. A

puxo para meu peito e me deito de costas na areia da praia,

embaixo do guarda-sol.

Seguro em seu dorso gordinho e em seus joelhos e a ergo.


— Voá, voá — ela diz, rindo, de braços abertos.

Ela flutua acima de mim, como se fosse a criança mais feliz

do mundo. Seus cachos castanhos balançam, enquanto ela brinca

de voar.

A abaixo até apoiá-la do meu peito, e a encho de beijos.

Charlotte está caminhando na minha direção, sorrindo para

mim como se eu fosse a pessoa mais importante da sua vida.

Não me lembro se algum dia já fui tão feliz assim. Não sei se

mereço, acho que não, mas não quero que isso acabe nunca.
Charlotte

Um ano depois...

Sexta, 7 de dezembro de 2018

Acabei de sair do Cartório Judicial, onde faço estágio desde

que Artho saiu, para se dedicar ao TCC, e me indicou como

substituta. Comecei em agosto.

Consegui tirar minha habilitação e minha mãe me ajudou a

comprar uma Biz vermelha, linda. Subo nela, coloco o capacete e


dirijo até o Edifício Universitário para pegar a maleta de maquiagens

de Raquel. Ela está viajando e eu irei me maquiar sozinha.

Do prédio, vou direto para a casa de Artho, onde vou me

arrumar para sua colação de grau.

Abro o portão eletrônico com o controle pendurado no

chaveiro da moto e entro na propriedade.

Na estradinha de pedra, posso ver o Porsche de Eros

estacionado ao lado do Toyota sedan preto de Artho.

Eros se formou em Administração no mês de junho deste ano,

e se mudou para São Paulo. Hoje administra o Grupo Editorial

Giordano.

Eu não o vejo desde que ele deixou Bento Gonçalves,

cheguei a pensar que não viria para a formatura do seu melhor

amigo, mas aqui está ele.


Dou um risinho abafado pelo capacete, estaciono perto dos

carros e entro em casa.

Marcela está arrumando o cabelo castanho e longo de Ayla

em seu quarto. Ela está usando um vestido comprido e rodado,

parece uma princesa.

— Chaloti! — ela grita ao meu ver e joga um beijinho.

— Oi, meu amor! — a cumprimento e beijo a ponta do seu

narizinho arrebitado. — Seu papai vai ficar orgulhoso, você está

linda!

Ela dá risada e se balança na cadeira, dificultando o trabalho

de Marcela.

Pelo que sei, Alice Becker, a mãe de Artho, não está falando

com ele desde que recebeu alta da reabilitação. Motivo: Artho ter

contado a Ayla que ele é seu pai, em vez de irmão, e Alice é avó, e
não sua mãe. É muito provável que ela não apareça na colação de

grau dele hoje.

Eu irei acompanhá-lo. Artho foi escolhido para ser o orador da

turma. Ele é todo durão e manteve a pose esse tempo todo, mas

tenho certeza de que deve estar uma pilha de nervos por dentro.

Dou um beijo na bochecha da minha pequenininha e deixo o

seu quarto de princesa. Vou até a suíte de Artho, onde dormi a

maior parte do ano, principalmente depois que Eros, os gêmeos,

Dimitri e Lion se formaram e, aos poucos, foram embora

Artho foi o único que começou a faculdade no primeiro

semestre de 2014, mas o último a se formar porque o curso de

direito dura cinco anos. Os outros meninos começaram no segundo

semestre daquele ano e se formaram em junho.

A casa ficou muito solitária sem as vozes deles, sem as

festas. Dimitri foi o último a partir, depois de aceitar uma vaga no


Grupo Editorial Giordano, onde trabalha na área de jornalismo.

Por isso, praticamente me mudei para cá, onde vivi meses

muitos bons e calmos com Artho e Ayla, além da equipe de

funcionários que Eros mantém até hoje na casa: Marcela e Erika, e

o jardineiro que vem três vezes na semana cuidar dos jardins.

Pego o vestido que vou usar no cabide e o coloco sobre a

cama, verificando se não está amassado, depois saio para procurar

Artho. Passo no quarto de Eros e não os encontro. Continuo

caminhando no corredor, até passar pela porta da suíte master que

pertecia a Elena e Gustava Giordano, os falecidos pais de Eros.

É a primeira vez, em quase um ano e meio frequentando essa

casa, que vejo a porta do quarto deles aberta.

Ouço as vozes do meu namorado e o seu melhor amigo lá

dentro, me apoio no portal para entrar, mas paro quando ouço Eros

tocar no meu nome com o timbre de voz sério, quase bravo, como
se me desprezasse. Eles não podem me ver, mas posso escutar

tudo que dizem.

Engulo a saliva. Uma vozinha na minha cabeça diz para eu ir

embora e fingir que não os ouvi, mesmo assim eu fico.

— ... todas as burrices que você já fez na vida, Charlotte é a

pior delas — Eros diz.

Sinto como se estivesse levando um soco no meu estômago.

— Não é, não — Artho rebate. — De jeito nenhum.

— É, sim, e você sabe que eu estou certo — Eros insiste. —

Eu mantive a vaga para você em São Paulo durante seis meses,

você não sabe o tanto que eu falei de você para futuros clientes.

Você tem uma carreira de sucesso pela frente, vai ganhar muito

dinheiro e quer me dizer que vai largar tudo isso por causa de uma

mulher?
— Não é como se eu fosse apagar tudo que estudei na

faculdade. Eu ainda serei advogado, só vou começar atuando aqui

em Bento Gonçalves, abrir um escritório pequeno com um colega da

turma, até conseguir alguns clientes.

— Você se escuta falando isso, Artho? — Eros eleva o tom de

voz. — Em São Paulo você vai ter tudo, vai começar muito bem,

tendo o Grupo Giordano como seu principal cliente. Esqueceu pelo

que você batalhou para chegar até aqui?

— Eu nunca esqueceria.

— Faça pela sua filha. Ayla merece tudo que você pode

oferecer a ela se vier comigo para São Paulo. Ela não vai crescer

com os mesmos problemas que você. Não esqueça que ela já vai

fazer quatro anos, é a época perfeita para você ir embora, ela não

vai lembrar de tudo que já viveu com sua mãe, vocês vão poder
começar uma vida nova, sem os problemas da sua mãe para

atormentar.

— Eu sei do que estou abrindo mão. Eu tenho ciência de que

seria muito melhor para Ayla. Mas eu posso crescer aqui também.

Não vou ser um milionário no primeiro ano, mas tenho fé que vai dar

certo — Artho diz com a voz mansa.

— Por causa de mulher... — Eros diz e bufa, elevando o tom

de voz. — Porra, Artho, você vai renunciar a uma carreira de

sucesso, a um emprego milionário, para ficar com uma garota?

Namora a distância, caralho. Usa o cérebro!

— Eu não vou, Eros. Charlotte ainda tem sete semestres, eu

não vou embora para longe dela, não vou de jeito nenhum. Eu a

amo e é aqui que eu vou ficar, ao lado dela, porque ela sempre

esteve comigo quando precisei. Não vou morar a mil quilômetros de

distância se eu não consigo ficar um dia sem vê-la. Vou trabalhar


aqui e juntar a grana que eu te devo pelo tratamento da minha mãe

e por todo tempo que morei aqui.

— Vai se foder, Artho! Como você... — Eros fala e ouço um

som abafado, ele deve ter socado um móvel. — A gente planejou

isso nos últimos cinco anos, nos formarmos e trabalharmos juntos

em uma cidade bem longe de todas as lembranças ruins daqui. Lion

como nosso contador, Dimitri na parte jornalística, eu na direção e

você como advogado. Quando foi que uma garota passou a ser

mais importante que nossa amizade?

Estou encolhida, com o peito ardendo, sem conseguir

assimilar direito o que estou sentindo.

Eu sei o quanto Eros é importante para Artho, o quando o

clube todo é. Lion e Dimitri já trabalham no grupo editorial, em São

Paulo, até os gêmeos arrumaram emprego na cidade, com


influência de Eros, e agora descubro que Artho não quer ir, como

eles combinaram que seria, durante todos esses anos.

Sabia que Artho estava abrindo um escritório com um colega.

Imaginava que ele tinha mudado de ideia a respeito de ir embora,

por causa da sua mãe, para poder assisti-la, estar sempre por perto

para o caso de ela ter uma recaída, criar Ayla perto dela.

E agora eu descubro que, na verdade, ele não quer estar

perto dela, que ele realmente queria poder ir embora para bem

longe com Ayla, e que está abrindo mão de tudo isso por minha

causa.

Trocar um emprego que o fará milionário por um

escritoriozinho com clientes pingados.

Com Eros, ele pode conquistar muita coisa, pagar uma boa

escola para Ayla, dar a ela tudo que ele nunca teve. Comigo, ele vai
conseguir chegar lá também, mas será pelo caminho mais lento e

difícil.

Não posso acreditar que... estou atrapalhando sua vida

assim.

Isso sem contar que ele tem uma dívida com Eros de

aproximadamente cento e trinta mil reais, pelos meses em que Alice

ficou na melhor clínica de reabilitação das redondezas.

Eros não está cobrando, e muito menos jogando na cara de

Artho que foi ele quem pagou o tratamento da sua mãe, mas eu sei

o quanto Artho deseja pagar ao amigo.

Eles continuam discutindo. Eros está tão bravo que eu

imaginando Artho tirando suas coisas da casa hoje e arrumando

outro lugar para morar.


— Você fala como se eu fosse passar fome de novo — Artho

se defende. — Eu vou conseguir viver bem aqui em Bento

Gonçalves também. Quando Charlotte se formar, e se ela quiser se

mudar, a gente...

— Eu mantive Miguel como meu advogado até hoje — Eros o

interrompe —, mas ele precisa se aposentar, e não vou segurar a

vaga, enquanto você espera sua namorada pegar o diploma e

decidir sua vida e da sua filha. Não vou de jeito nenhum.

— Só iria com você se Charlotte me desse um pé na bunda.

— Artho ainda mantém a voz calma ao falar. — E eu sei que ela me

ama e não vai fazer isso.

— Eu o amo, sim, Artho — sussurro para a porta entreaberta.

— Um dia você vai olhar para trás e se arrepender — Eros

resmunga.
Percebo que a conversa não vai durar muito quando ouço os

passos dentro do quarto. Corro na ponta dos pés e desço as

escadas, atravesso os cômodos até chegar ao jardim, onde

encontro Darth Vader.

Fico brincando de jogar alguns galhos para o rottweiler pegar,

enquanto tento assimilar tudo que ouvi.

Artho me encontra alguns minutos depois.

— Não ouvi você chegar — ele diz e vem me dar um beijo.

— Já já vou começar a me arrumar — digo. Percebo que seus

olhos estão vermelhos e opacos. Odeio saber que ele andou

chorando. Me forço a engolir o nó na garganta. — Como está o

orador da turma?

— Com os nervos em frangalhos — ele brinca, parecendo um

idoso falando.
Passo os braços em volta do seu pescoço e o abraço, depois

percorro a tatuagem da constelação de Taurus, entre as escápulas,

que é o símbolo da amizade dos meninos e a relação que eles

tinham com o pai de Eros.

Já tinha visto a mesma tatuagem em Lion, mas só descobri

que todos eles possuíam aquela constelação gravada na pele, na

mesma região do corpo, quando viajei com eles para a praia no

último réveillon, e vi todos sem camisa.

Artho me disse que Gustavo Giordano costumava levar o

telescópio para a varanda e mostrar as constelações a eles, quando

eram garotos. Eles fizeram a tatuagem em homenagem a ele.

Foi um gesto muito bonito dos rapazes, uma pena que

Gustavo não pôde ver, ele era tão importante para os garotos. Tanto

que eles largaram as suas famílias para morar com Eros quando ele

perdeu o pai e a mãe.


São o grupo de amigos mais unidos e leais que tive a

oportunidade de conhecer.

Escorrego as mãos pelos braços de Artho, me dando conta

que ele é o único que vai romper o laço, a promessa de que iriam

morar juntos em São Paulo, depois que se formassem.

Traço o contorno do ás de copas que ele fez no braço

recentemente, o nome de Ayla, além do pássaro ferido por duas

espadas.

Acho que o pássaro o representa, e as espadas, seu pai e

sua mãe. As pessoas que mais o machucaram. Não era só do pai

que ele apanhava. Eu descobri depois de alguns meses de namoro,

quando ele estava pelado na cama, depois de uma rodada de sexo

selvagem, com direito a dança e cinto. Toquei algumas linhas quase

invisíveis na lateral do seu torso, e ele me disse que eram as

marcas da varinha que sua mãe usava.


Visitei Alice Becker algumas vezes, enquanto ela estava

internada, e vou a sua casa quando Artho me convida, mas nunca

gostei dela e não me sinto culpada por isso.

Ela é tóxica, não só com Artho, mas com Celso Weber

também.

Levar Ayla para bem longe dela seria a melhor decisão.

Eu ainda tenho três anos e meio pela frente e sei que Artho

não iria embora para mantermos um relacionamento à distância.

Estou atrasando não só sua vida, como a da sua filha

também, ainda assim, eu o amo tanto!

Estou brava com tudo que Eros disse, mas não chateada de

verdade. Ele tem toda razão, só um tolo trocaria a chance de

ascender profissionalmente por causa de uma namorada. Isso não

combina com Artho, e o universitário esforçado que ele é.


Não foi para ficar trabalhando em um escritório pequeno aqui

em Bento Gonçalves que ele passou em primeiro lugar e se dedicou

tanto, foi para acompanhar os amigos e se tornar um dos melhores

advogados empresariais do país.

Mas eu o amo tanto...


Charlotte

Sábado, 8 de dezembro de 2018

Estou usando um vestido longo azul claro, cheios de cristais,

que Raquel fez especialmente para mim.

Meu coração está doendo como eu nunca senti antes. Estou

com um nó na garganta e precisei me afastar várias vezes para ir

até o banheiro e respirar fundo.


Aproveitei essas escapada para não aparecer na maioria das

fotos que Artho tirou.

Alice e Celso foram para a colação de grau de Artho ontem,

na qual ele foi orador da turma e ainda teve uma surpresa. Recebeu

o título de aluno laureado, aquele que teve o melhor desempenho

de todos ao longo dos semestres.

E agora é hora do baile. Eu não sabia que precisava ver Artho

Becker de smoking até vê-lo.

Nunca amei tanto alguém e duvido que um dia irei amar, o

sentimento que eu tenho por ele é o mais puro possível e o quero

bem demais para continuar atrapalhando sua vida.

— Te encontrei — ele diz e aperta os lábios contra os meus

por um instante.
Se ele soubesse que seriam nossos últimos beijos, será que

se demoraria mais?

— Eu só fui ao banheiro — respondo, arrumando sua gravata

borboleta.

Quero abraçá-lo bem forte, mas não posso mais demonstrar

tanto amor assim.

— Está na hora da valsa, vamos? — ele pergunta e segura

minha mão.

Maneio a cabeça em negação.

— Você deve dançar com sua mãe primeiro. É a dança mais

importante da noite — digo, mesmo que eu tenha ensaiado com ele

nas últimas semanas para não pisar nos seus pés nem envergonhá-

lo na frente dos seus colegas.

— O combinado era você — Artho me lembra.


— Eu sei, mas hoje é dia de você dançar com sua mãe.

Não é que eu ache que Alice merece mais. Não quero

aparecer na gravação, dançando com ele. Quero que ele tenha o

mínimo de fotos e vídeos comigo hoje, assim ele vai poder ver tudo

sem a minha lembrança.

— Tem certeza? — ele quer saber.

— Sim, sua mãe vai ficar muito feliz — digo e dou um sorriso

falso, por dentro, meu coração está rachado.

Vejo ele ir até a mesa e buscá-la. O cabelo loiro dela está

preso em um penteado, até maquiagem ela está usando, muito

bonita em um vestido prateado. Celso Weber está usando um terno

e vigiando Ayla, enquanto ela brinca com as outras crianças da

festa.
Vejo Artho entrar de mãos dadas com Alice, no espaço

destinado à valsa, junto com os outros formandos da turma de

Direito da UFBG 2014.1, e um soluço foge dos meus lábios.

Tento segurar, mas não consigo. Não dá tempo de sair, as

lágrimas escapam aqui mesmo.

Me viro para dar o fora, não quero que Artho me veja assim,

mas esbarro em Eros no portão de saída do salão de festas.

— O que foi? — ele pergunta, ao segurar meu queixo para

encará-lo. — Aconteceu alguma coisa?

— Sim — digo e sinto meu corpo tremer.

Eros me pega em seus braços e me aperta contra o peito.

— O que foi, Charlotte? — ele quer saber.


— Ouvi tudo que você disse a Artho ontem — confesso e

sinto seu corpo ficar tenso. — Eu entendo cada palavra que você

disse, e eu não vou mais ficar no caminho dele, mesmo que isso me

destrua. Vou terminar com ele e preciso que o convença a ir

embora, a seguir o que vocês planejaram a vida toda.

— Charlotte, eu sinto muito.

— Não precisa sentir. Já estou sentindo o bastante — digo,

com uma dor atravessando meu coração. — Saber que a felicidade

dele está longe de mim é a coisa mais difícil que eu já tive que

assimilar.

— Você o ama o suficiente para entender do que ele e Ayla

precisam — Eros murmura. — Eu sei que está doendo, já passei por

uma dor assim, mas vai passar. Te dou minha palavra.

— Demora muito? — o questiono.


— Um pouco, mas um dia passa, e você vai se sentir

orgulhosa de ter tomado a decisão certa.

A voz de Eros me confirma o que eu já sabia.

Tento me afastar, mas ele me mantém em seus braços por

mais um momento.

— Se for para ser, vocês vão se encontrar novamente um dia

— ele diz.

Dou uma risada sem humor.

— Duvido que Artho me perdoe depois que eu terminar com

ele. Duvido muito.

— Eu sei o quanto ele é cabeça dura, mas o tempo ajeita as

coisas.
Olho para Eros. Ele é a prova viva de que o tempo não é

capaz de curar as feridas, mas não vou lembrar disso agora.

— Não quero que ele saiba sobre essa conversa — digo com

firmeza. — Ele já tinha me dito uma vez, quando começamos a

namorar, que iria embora com Ayla para São Paulo.

— Ele precisa levar ela daqui. Alice não faz bem para nenhum

dos dois, quer pegar a menina de volta e nós sabemos que ela não

tem condições de cuidar, mesmo que esteja limpa há alguns meses.

Artho e Ayla merecem começar uma vida nova.

— Entendo tudo isso e quero o melhor para os dois.

— É esse o melhor. Vou ajudá-lo a abrir uma firma que atue

na área do direito empresarial, tenho muitos conhecidos que são

donos de negócios multimilionários. Vou trazê-los para trabalhar

com Artho. Ele vai se destacar rápido em São Paulo, vai ganhar
muito dinheiro e nunca verá a filha passar as privações que ele

enfrentou na infância. Ele merece muito isso.

Sacudo a cabeça. Pensar dessa forma faz o meu peito se

acalmar um pouco.

— Ele vai ficar bem, Charlotte — Eros acrescenta. — E Ayla

também. Eu sei o quanto você a ama, como cuida dela como se

fosse sua própria filha, mas é o melhor para os dois. Sim, e Artho

saberá que tivemos essa conversa. Não sei como ele reagiria sobre

isso.

Viro o rosto na direção do salão e vejo que Artho terminou de

dançar com sua mãe e está olhando para os lados, me procurando.

Vejo Celso segurando a mãozinha de Ayla, levando-a em direção ao

pai, e percebo que não sou forte o bastante para ficar aqui.

— Quer ir embora? — Eros pergunta. — Dou uma desculpa

para Artho e o faço aproveitar a festa.


— Quero, sim, vou chamar um Uber.

— Não precisa — ele diz e tira a chave do seu Porsche do

bolso. — Vai no meu carro. Eu cuido de tudo aqui.

Aceito, mesmo que tenha medo de bater seu carro.

Abraço Eros, quando queria estar abraçando Artho.

— Obrigado, Charlotte, muito obrigado mesmo por entender o

que é melhor para ele.

— Diga que estou com cólica, ele vai acreditar — murmuro e

dou um soluço. Não consigo mais falar.

Olho para Artho uma última vez, então vou embora, com a

certeza de que essa dor pode me matar.


Artho

Quinta, 20 de dezembro de 2018

Só alguém que eu amo tanto pode me machucar desse jeito.

Daqui a cinco dias faríamos um mês de namoro, e eu estou

observando o vestido que comprei para ela, enquanto ele queima

nas chamas da lareira e eu o cutuco com o espeto.

Sei que poderia insistir, ficar de joelhos e implorar, tentar fazê-

la mudar de ideia, mas tenho uma parte de mim que sempre soube
que não era uma boa companhia para ela.

Minha vida sempre foi um caos, meu passado um buraco sem

fim. Não tenho meu pai e minha mãe ficou meses na reabilitação, e

ainda preciso lembrar que, se eu não tivesse insistido para Camila

levar a gravidez adiante, quando eu não tinha condições de pagar

um parto decente, no qual ela fosse mais bem assistida, ela ainda

estaria viva. Sou responsável pela morte da mãe da minha filha.

Como eu posso pedir para que Charlotte volte para mim? Não

tenho esse direito.

Entro no closet que já está quase vazio e pego as últimas

coisas que restaram dela: um secador de cabelo, o sabonete dentro

de uma saboneteira de acrílico, o frasco quase vazio do seu

perfume, uma camisola de cetim preta e algumas camisetas.

Ela me pediu para deixar tudo no seu apartamento.


Coloco seus pertences dentro de uma caixa de papelão, mas

tem um item que eu não vou devolver. Em vez de colocar a

camiseta cinza da Mulher Maravilha — que ela usou no primeiro dia

de aula da faculdade — dentro da caixa, a coloco na minha mala,

porque eu não sou tão forte assim.

Todos os meus pertences e os de Ayla já estão empacotados.

Nos mudaremos amanhã para São Paulo.

Ela está com Marcela agora. Não faz sentido passar o Natal

aqui, minha mãe parou de falar comigo outra vez, desde que soube

da minha partida. Ela não aceita que eu leve Ayla embora.

Não há mais nada que me prenda aqui.

Enquanto carrego a caixa pelas escadas, penso em tudo que

vivemos aqui nessa casa. As festas, a diversão, os encontros. Meu

coração só não se parte de saudades porque ele já foi destruído.


Entro no carro e dirijo até o Edifício Universitário.

O prédio está vazio e pego o elevador sozinho. Me lembro da

vez em que fodemos aqui, depois do jantar do Dia dos Namorados.

Eu travei o elevador e afastei a calcinha dela. Estávamos com tanto

tesão, que não aguentamos esperar chegar no quarto.

Será que eu ainda vou desejar alguém assim?

Chego à sua porta e dou três bastidas. Respiro fundo e

espero que ela abra.

Eu quero entender sua decisão, mas uma parte de mim a

odeia.

Charlotte abre a porta, com o cabelo ondulado caído sobre a

camiseta de algodão branca, tão grande para ela, que cobre o

shortinho jeans que ela usa.


Aperto os lábios com força para impedir a mim mesmo de

implorar.

Eu jamais imploraria para voltar à vida de alguém que não me

quer.

— Você trouxe — ela diz e dá um meio sorriso.

Me faz pensar como ela pode sorrir assim, como pode agir

como se não sentisse mais nada.

— Está faltando uma camiseta — ela comenta, enquanto

inspeciona a caixa. — A cinza, da Mulher Maravilha.

— Tenho certeza de que Erika ou Marcela devem ter colocado

na minha bagagem, quando me ajudaram a empacotar tudo —

minto descaradamente. Charlotte sabe melhor que ninguém, eu não

deixaria as funcionárias arrumarem minha mudança.

— Quer entrar? — ela pergunta.


Não! Não! Não! Não! Não!, a razão grita.

— Tudo bem — respondo. Talvez mais uma dose não me

machuque tanto.

Olho seu quarto, enquanto Charlotte fecha a porta atrás de

mim. Está um pouco mais bagunçado que de costume, mas tem um

cheiro muito bom.

Coloco as mãos dentro dos bolsos e a observo. Ela dobra a

perna direita, apoiando o pé na coxa esquerda, enquanto tira as

coisas da caixa e as coloca no armário.

Sua pele parece tão macia... Chego a pensar que não vou

aguentar, que vou me rastejar aos seus pés e implorar.

— Quer comer alguma coisa? — ela pergunta, quando fecha

o armário e coloca a caixa vazia no chão. — Podemos pedir ou...


— Quero comer você — não consigo segurar a língua. —

Uma última vez, antes de eu ir embora.

Para minha surpresa, ela assente e morde o lábio.

Como se eu fosse seu cachorrinho, a alcanço em um

segundo. Arranco sua camiseta, enquanto ela tira a minha. Meu pau

lateja e dói de tanto tesão quando ela me toca por cima da calça.

Vejo seus seios e sugo um deles, aproveitando cada

segundo. Eu sou um idiota por fazer isso, mas não consigo parar.

Abro o botão do seu short e enfio a mão por dentro do cós,

agarrando sua bunda macia e empinada. Lhe dou uma palmada e

ela geme. Tenho certeza de que já está molhada, Charlotte sempre

está quando a toco assim.

Me ajoelho, como eu não queria fazer, seguro com as duas

mãos na tira da calcinha branca e rasgo a renda depressa. É a


última vez...

Chupo sua boceta com vontade, circulando seu clitóris com

minha língua, então o mordo, arrancando um grito de prazer da sua

garganta.

Me afogo no seu sabor, enquanto ela agarra meu cabelo com

as duas mãos e esfrega a boceta contra minha boca.

Não sei como vou viver sem ela.

Fico de pé outra vez, a empurro para se apoiar na

escrivaninha. Charlotte empina o quadril na minha direção e recebe

mais uma palmada.

Eu a penetro de uma vez e fodo com força. Ela joga as mãos

para trás, com a coluna arqueada, e agarra meu cabelo.

Seguro seus seios e trinco os dentes para não chamá-la de

minha pequena, para não lembrá-la que sua boceta me pertence e


que ninguém mais pode entrar nela.

Foi perfeito enquanto durou, mas está acabado agora.

Enfio a língua na sua boca e acaricio seu clitóris, enquanto

meu pau se afunda em sua boceta cada vez mais.

Sinto seu corpo estremecer e suas paredes me apertarem,

quando ela goza forte.

Dou meu melhor para aguentar por mais alguns minutos,

porque quando eu acabar, não terei mais motivos para estar aqui.

Continuo fodendo e a faço gozar mais uma vez. Ela se

derrete nos braços. Suas costas estão suadas e escorregam no

meu peito, também molhado.

Quando ela para de gritar, tiro meu pau dela.

— Para o chão, agora — ordeno.


Ela obedece se ajoelha diante de mim. Sinto suas mãos nas

minhas coxas e massageio o pau quando ela abre a boca e coloca a

língua para fora.

Me derramo nos seus lábios, enquanto ela me encara de um

jeito safado.

Penso em me vestir novamente, mas ela me puxa para o

banheiro sem dizer nada. Fazemos mais uma vez no banho, e eu

cometo o erro de me deitar de conchinha com ela na sua cama de

solteiro.

Pego no sono com sua mão acariciando as tatuagens no meu

braço enroscado em sua cintura.

Não sei que horas são quando acordo, mas não quero ir

embora, pois, quando eu sair desse quarto, a mulher que eu tanto

amei será apenas uma lembrança.


Eu a odeio. Vou apagar seu telefone, mudar meu próprio

número, vou apagar suas fotos do meu celular, rasgar todas as

fotografias impressas que tenho dela. Eu vou esquecer, nem que

seja a última coisa que eu faça.

Travo o maxilar para não deixar escapar um soluço e seco as

lágrimas.

Ela não me quer e eu nunca mais vou voltar a essa cidade.

Abro a porta do quarto e me viro para olhar seu corpo

adormecido uma última vez, então saio pela porta para nunca mais

voltar.
Então eu assisto sua vida em fotos

Assim como eu costumava te assistir dormir

E eu sinto você me esquecer

Como eu costumava sentir você respirar...

(Last kiss – Taylor Swift)


Terça, 25 de dezembro de 2018

Para: Artho Becker.

Já passava da meia noite quando você me pediu em namoro,

ano passado, por isso, decidi que o dia de Natal seria nosso

aniversário de um ano.

Eu tirei a fronha e o lençol que estava na cama quando você

veio devolver minhas coisas, porque ficou com seu cheiro. Guardei

em um saco de plástico e espero que seu perfume dure.

Preciso confessar que uma grande parte de mim estava

torcendo para você não ser orgulhoso. Não comigo.


Eu voltei atrás. Me arrependi assim que disse a você aquelas

palavras. “Eu não te amo mais”. Que mentira mais mal contada,

como você acreditou nisso, Artho?

Dou risada, mas as lágrimas não param de escorrer, porque

eu falei aquilo e pedi com todas as forças para que você não

aceitasse, para que você batesse o pé e dissesse que não era o

nosso fim.

Sei que não sou o melhor para você, que fiz a coisa certa em

terminar, e que você tem um mundo de oportunidades agora, tanto

para você quanto para Ayla, mesmo assim, eu fui egoísta e desejei

que você me pedisse mais uma chance.

Mas já está acabado, não vamos ficar juntos novamente, eu

sei.

Não sei por que estou escrevendo essa carta, já que não

tenho seu novo endereço. Você já foi embora de Bento Gonçalves.


Estou em Santo Antônio das Missões, comendo costelão de

doze horas e bebendo caipirinha, como no ano passado. Você se

lembra? A diferença é que o assento ao meu lado está vazio.

Sei que essa carta não vai chegar até você, mas é a minha

forma de explicar que eu fiz como deveria ser feito. Eu desisti do

nosso amor para que você pudesse crescer. Tenho certeza de que

vai valer a pena. Por você, e principalmente pela Ayla.

Está sendo uma tortura não ter notícias de vocês. Queria

poder dar um beijo em Ayla. Ela tem perguntado por mim?

Mas ela é pequena, loguinho vai esquecer. Crianças da idade

dela sempre esquecem.

Espero que você esteja muito ocupado na cidade nova,

ocupado o suficiente para não ficar pensando nada de ruim.


Te desejo um Feliz Natal e que 2019 traga muita coisa boa

para sua vida.

Beijos,

Da Sua Pequena.
Quarta, 25 de dezembro de 2019

Para: Artho Becker.

Acabei de me dar conta de que nunca encontrei um apelido à

sua altura, como eu disse que faria, antes do nosso primeiro

encontro de mentira.

Por que estou falando disso? Você não deve se lembrar do

que estou falando.

Acho que estou apenas enrolando para dizer o quanto tenho

me sentido sozinha depois que Raquel se formou e foi embora.


A nova colega de quarto é muito mais reservada do que eu

era no primeiro período, e mal trocamos dez palavras desde agosto,

quando ela chegou.

Sinto falta da minha amiga me repreendendo por deixar as

roupas bagunçadas, atirando coisas em mim quando eu não

prestava atenção no que ela dizia, sinto falta das festas, das

conversas animadas, até do barulho da sua máquina costurando até

tarde.

Parece que tudo que eu tinha, tudo com que aprendi a

conviver, virou fumaça. Raquel, Ayla, os rapazes do clube e,

principalmente, você.

Até o seu cheiro desapareceu da fronha e do lençol.

Eu tive a brilhante ideia de ir até a casa onde moravam para

tentar entrar em seu antigo quarto e ver se você tinha deixado

alguma peça de roupa ou um frasco de perfume vazio para trás.


Mas eu não tive coragem de entrar. Fiquei parada no portão,

fantasiando que Darth Vader viria correndo para mim, ou que eu iria

escutar a risada de Ayla, brincando nos jardins, ou até mesmo o

ronco da sua moto, ou um dos carros.

Eu não tive coragem de entrar. Em vez disso, fui até uma loja

e, não dê risada, mas eu comprei um frasco do seu perfume e agora

borrifo seu cheirinho em todas as fronhas.

Não sei como tenho coragem de contar isso, é tão

vergonhoso…

Ainda assim, é melhor do que assumir o quanto imaginei você

caminhando pelos corredores do Departamento de Humanas I, com

a jaqueta de couro, a mochila em um dos ombros e o capacete

pendurado no antebraço. Passei o ano inteiro esperando que você

fosse aparecer e perguntar se poderíamos manter um

relacionamento à distância.
Mas você não iria querer uma coisa dessas. Você é fogo e

intensidade, jamais se contentaria em ver sua namorada duas ou

três vezes no ano. Esse é o homem por quem me apaixonei, alguém

tão especial que não precisa de apelidos.

Acho que, a essa altura do campeonato, você já deve ter

voltado a ser o cretino de antes.

É melhor pensar assim do que imaginá-lo amando outra

pessoa que não seja eu.

Estaríamos fazendo dois anos de namoro hoje se eu tivesse

sido egoísta, se não tivesse renunciado à melhor coisa que já tive. E

eu ainda te amo na mesma intensidade.

Eu adoraria saber como Ayla está. É uma pena que você não

use redes sociais, para que eu pudesse assistir à vida de vocês em

fotos.
Feliz Natal, e que 2020 seja um ano abençoado.

Fica com Deus,

Charlotte Castro.
Sexta, 25 de dezembro de 2020

Para: Artho Becker.

Hoje faríamos três anos de namoro. Me pergunto como

estaríamos se você ainda estivesse aqui.

Me pergunto também o que você diria se soubesse que estou

escrevendo essas cartas, quando nem deve mais lembrar de mim.

Acredita que minha família ainda pergunta por você, toda vez

que nos reunimos para o Natal, aqui em Santo Antônio das

Missões?
Eu vi sua mãe no supermercado em novembro, perto do dia

do seu aniversário. Quase fui até ela e a cumprimentei, mas fiquei

com medo de que ela não recordasse quem sou. Mesmo vendo-a

de longe, deu para ver o quanto ela está bem, sua pele, seu cabelo.

O tratamento foi um sucesso, afinal.

Ah, adivinha quem veio me visitar? Isso mesmo, Oiapoque!

Ela iria me matar se lesse isso.

Ela veio em setembro, diretamente de Paris, não sei se você

sabe, mas ela está fazendo um curso na França. Está mais chique e

metida que nunca.

Fizemos compras e fomos ao Bar Culture. Foi a primeira vez

que pisei lá desde que você se foi, mas era como se eu te visse em

cada canto. Prometi a mim mesma que não vou voltar mais.
Estou começando as pesquisas do meu TCC, vou seguir os

seus passos e preparar tudo com antecedência.

Como está Ayla? Não consigo acreditar que ela já tem quase

seis anos. Daqui a pouco vai começar a ler e escrever. Eu adoraria

estar por perto para ver isso.

Minha prima mais velha teve um bebê e eu tenho ficado a

maior parte do tempo carregando-o no colo. Me faz lembrar de

quando Ayla ainda usava fraldas e pedia seu mamá.

Como a saudade e as lembranças conseguem ser tão vívidas,

mesmo depois de três anos? Como eu ainda posso te amar tanto?

Você não vai saber me responder isso, Artho Becker. Não se

lembra mais de mim, não é?

Acho que teria aparecido uma hora ou outra para uma visita,

caso lembrasse.
De qualquer forma, mesmo não sabendo mais quem sou, te

desejo um Feliz Natal e um ano novo cheio de prosperidade.

Até ano que vem,

Charlotte Castro.
Sábado, 25 de dezembro de 2021

Para: Artho Becker.

Ainda não consigo acreditar que não perguntei de Darth Vader

na última carta. Como pude esquecer?

Você lembra que maratonamos Star Wars no ano em que

você veio atrás de mim, em Santo Antônio das Missões? Meu irmão

assistiu com a gente.

Por sua culpa, eu não assisto mais Star Wars. É algo que eu

não consigo aguentar.

Quantos anos faríamos de namoro?


Eu sei que você não sabe, mas vou escrever como se

soubesse, porque eu odeio a ideia de pensar tanto em alguém que

não se recorda mais de mim.

Estaríamos fazendo quatro anos de namoro. Você já teria

muitos clientes a essa altura da vida, mas sei que está melhor aí.

Criei coragem e digitei seu nome no Google pela primeira vez,

no dia onze de novembro, dia do seu aniversário. Não sabe o

tamanho da minha surpresa ao descobrir que você fez um perfil no

Instagram.

Eu vi todas as fotos e assisti a todos os vídeos.

Ayla está cada dia mais linda, parecida com você. Adoraria

vê-la de novo.

Vi que você tem uma babá que cuida dela. Preciso confessar

que fiquei com uma pontinha de ciúmes.


Eu vi o quanto você é requisitado aí em São Paulo, li o nome

das empresas que são suas clientes. Está conseguindo realizar

todos os seus sonhos.

Vê-lo tão bem sucedido faz valer à pena a dor que senti

quando terminei.

Lembra da colega de quarto que veio depois de Raquel? Ela

trancou o curso e foi embora.

Faz dois semestres que divido o quarto com Betina, a pessoa

mais divertida que já conheci, depois de Raquel.

Graças a ela, voltei a ir às festas.

Eu conheci um rapaz, ele não queria só curtir, queria ter um

relacionamento sério. E juro que tentei, mas... o sexo não chegou

nem perto do que eu tinha quando namorava você, então eu

terminei.
Estou contando sobre ele porque vi a foto de uma mulher

muito bonita no seu Instagram. Espero que ela te faça feliz, como eu

não fui capaz.

Tenho pensado tanto no clube dos cretinos esses dias, nas

badaladas festas.

Tenho saudade dos gêmeos, do jeito brincalhão de Lion, da

seriedade de Dimitri e até da chatice de Eros.

Sim, eu tenho muita saudade. Terminei o nono período de

Direito e me formo ano que vem, deve ser por isso que estou tão

nostálgica.

Me pergunto como ainda posso chorar, enquanto escrevo,

depois de tanto tempo. Eu amo você, mas nós dois sabemos que

não era para ser.


Feliz Natal, Artho, e que o ano novo seja de muito mais

sucesso na sua carreira.

Beijos,

Charlotte Castro.
Domingo, 25 de dezembro de 2022

Para: Artho Becker.

Sou oficialmente advogada. Tenho minha carteirinha da OAB

e a exibo como um troféu sempre que preciso.

Agora sei como você se sentiu orgulhoso na sua colação de

grau. Só foi uma pena, porque você não estava na minha plateia,

como eu estava na sua vez.

Mas, a cada matéria que leio sobre você nos jornais, cada vez

que ganha um caso importante, eu sinto que meu sacrifício valeu a

pena.
Não parece poético ter sacrificado meu coração em nome da

sua carreira?

Sim, eu sacrifiquei meu coração. Apenas isso pode explicar

porque eu terminei com o quinto namorado, só esse ano.

Eles são bons, me tratam como uma princesa, eu nunca tive o

dedo podre, mas nenhum deles é um cretino como você.

Eu namorei cinco homens durante esse ano, fora as transas

de apenas uma noite, e não consegui sentir aquilo que sentia com

você em nenhum.

Você me amaldiçoou, Artho? Esse é o castigo por ter partido

seu coração? Você não entende que foi por um bom motivo?

Hoje estaríamos fazendo quantos anos? Preciso contar nos

dedos.

Cinco anos! Será que você teria me pedido em casamento?


Nunca vou saber.

Estou preocupada com Darth Vader. Não consigo me lembrar

se algum dia você me falou em que ano ele nasceu. Queria saber

quantos anos ele tem agora. Rezo para que ainda tenha muita vida

pela frente.

E Ayla... Meu Deus, como ela está bonita. Vi as fotos do seu

aniversário, em março. Quando eu soprei as velinhas, no dia sete do

mesmo mês, desejei que você aparecesse aqui em Bento

Gonçalves.

Meteoro da Paixão, Pirulito e eu montamos nosso escritório.

Não é nada comparado à Advocacia Empresarial Becker, mas já

temos alguns clientes.

Estou morando com Pirulito em um apartamento no centro e

estamos decorando nosso lar, está ficando lindo.


Imaginei esbarrar com você, na calçada do prédio, mas acho

que você nunca voltou a essa cidade.

Será que eu te fiz odiar Bento Gonçalves? Se for o caso, me

desculpe. Mas acho que não é por isso. Você tinha questões com

sua mãe.

Vi as fotos dos países que você visitou com Lion, Dimitri e

Ayla. Percebi que você não está mais namorando.

Vou fazer minha primeira viagem internacional na semana

que vem.

Estou aqui em Santo Antônio dos Milagres para passar o

Natal, mas vou a Paris para comemorar o Réveillon com Raquel.

Feliz Natal e um 2023 abençoado. Me deseje sorte, é a

primeira vez que vou voar de avião. E... eu ainda te amo.

Au revoir,
Charlotte Castro.
Segunda, 25 de dezembro de 2023

Para: Artho Becker.

Hoje faríamos seis anos de namoro.

Mais uma prima ganhou nenê e estou começando a ficar

preocupada.

Não que esteja desesperada para me casar, mas eu quero

ser mãe. Quero muito. E para isso, eu preciso conhecer um homem,

viver um namoro com ele, casar, só para depois engravidar.


Quantos anos isso leva?

A outra opção é fazer uma inseminação, mas não gosto muito

da ideia, me parece tão solitária.

É sério, Artho, se você me lançou uma maldição, por favor, a

desfaça!

Comprei meu primeiro carro. O número de clientes do nosso

escritório triplicou esse ano.

Você ainda se lembra de Oiapoque? Ela veio ao Brasil, no

inverno, e ficou hospedada alguns dias no meu apartamento. Agora

moro sozinha.

Fizemos aquele passeio de Maria Fumaça, o Trem do Vinho,

você se lembra?

Ela, Eros, você e eu fizemos esse mesmo passeio no outono

de 2018. Eros arrumou briga com um turista que jogou lixo pela
janela do carro. Ele estava com um grupo de amigos. O bate boca

começou e vocês quase perderam a cabeça e chamaram para o

soco.

Sorte que não fizeram, porque eles estavam em maior

número, e seria um desastre.

Viajei para o Nordeste em outubro. Me apaixonei por Natal, no

Rio Grande do Norte. Vi no seu Instagram que você já foi lá duas

vezes. Já pensou se nos encontrássemos em uma praia

paradisíaca?

É incrível como eu não deixo de pensar em você.

Por favor, dê um beijo em Darth Vader. Vi que você postou

algumas fotos dele esse ano e fiquei muito aliviada de saber que ele

está bem.

E diga a Ayla que a amo muito.


Ainda continuo te amando, Artho Becker,

Boas Festas e um feliz 2024

Charlotte Castro.
Quarta, 25 de dezembro de 2024

Para: Artho Becker.

Já faz sete anos que você me pediu em namoro, na varanda

do vovô Castro. Há seis anos eu escrevi a primeira carta, quando o

cheiro do seu corpo ainda estava fresco nos meus lençóis.

Você acreditaria se eu dissesse que ainda tenho o frasco do

seu perfume?

Acho que você não o usa mais. É milionário e deve usar

perfumes importados.

Estou muito orgulhosa de tudo que você conquistou.


Finalmente, entendi que não estou amaldiçoada. Não consigo

manter um relacionamento porque eu não te esqueci.

Preciso superar você.

Tomei uma decisão: essa é a última carta que te escrevo.

Dê um beijo em Ayla, em Darth Vader, e diga aos rapazes do

clube dos cretinos que sinto falta deles.

Eu te amo, Artho Becker, mas é a última vez que vou escrever

isso.

Feliz Natal, e que 2025 venha cheio de conquistas.

Charlotte Castro.
Quinta, 25 de dezembro de 2025

Para: Artho Becker.

Não dê risada.

Eu sei! Eu sei o que eu disse, mas me peguei aqui, na mesma

festa familiar de Natal que eu venho todos os anos, e eu não tinha

como evitar. Escrever para você nesta data virou uma tradição para

mim.

Talvez eu tenha que escrever cartas para você para sempre,

sem nunca as enviar.


É bizarro, porque estou apegada a alguém que vi pela última

vez há sete anos. Pelo menos ouço sua voz em vídeos. Vi o último

que você fez no seu treino de boxe.

Me lembro que vocês tinham uma academia na garagem do

clube, mas não treinavam com muita frequência.

Eram jovens, e brigar, cortar lenha e fazer muito sexo era o

cardio de vocês.

Bons tempos, não era?

Mês passado, fui a uma festa e passei na sua antiga rua,

onde você morava com os amigos. Estava chovendo e isso me fez

recordar um dia em que pegamos chuva quando estávamos

voltando de uma festa, na sua moto. Você a guiou até a garagem,

me colocou sobre o banco e rasgou a regata branca que usava...

Aquela noite está na minha lista dos meus dias preferidos da vida,

sabia?
Você estava presente em todos eles.

É uma pena que eu não consiga superar, que eu não consiga

te esquecer, encontrar outra pessoa que possa me oferecer pelo

menos metade do prazer que me dava.

Eu quero seguir em frente, e juro que tento em cada

relacionamento, mas enjoo muito rápido, porque nem um deles é

você.

Agora a preocupação bate real. A essa altura, sonhei que já

estaria planejando engravidar, e não estou nem perto disso.

Se eu te encontrasse um dia, se esbarrasse com você na rua

e tivéssemos a oportunidade de conversar, acho que eu pediria para

você me engravidar. Eu acho que nada me faria mais feliz do que ter

um bebê seu.
Droga, eu quero tanto ser mãe, mas ter você como ideal de

marido perfeito não ajuda em nada.

Ninguém é como você, Artho.

Chatos demais, românticos demais, tagarelas demais,

carinhosos demais... cretinos de menos.

Minha garganta está doendo, enquanto escrevo, porque estou

dando um duro danado para não chorar.

Vou mudar de assunto.

Eu nunca te contei por que me chamo Charlotte. Meu pai

morou nos Estados Unidos, na Carolina do Norte, em uma cidade

chamada Charlotte. Ele gostou tanto de lá que me batizou com este

nome.

Me deu curiosidade de saber se tem alguma história por trás

do seu nome. Eu vi sua mãe e seu padrasto, alguns meses atrás.


Fiquei muito feliz de saber que ainda estão juntos, e o quanto ela

parece saudável e feliz.

Valeu muito a pena o que você e Eros fizeram.

Descobri que Eros é o melhor amigo que alguém poderia ter.

Ele, realmente, transformou sua vida.

Com o apoio dele, hoje você é o dono da empresa de

advocacia mais requisitada de São Paulo.

A vida não foi nada legal com você no começo, mas colocou

anjos no seu caminho que te resgataram do inferno.

Estou muito feliz por você, mesmo não podendo acompanhar

de perto. Acho que isso é o verdadeiro sentido de amar, não é?

Me afastar de você causou a maior dor que já passei na vida,

mas foi o melhor que eu poderia ter feito por alguém que amo tanto.
Sim, valeu a pena todas as lágrimas.

Ayla está simplesmente linda. Queria tanto dar um beijo nela.

Em Darth Vader também.

Completei três anos de experiência na área jurídica e já me

inscrevi em alguns concursos para juiz. Aquele estágio que você me

arranjou, no Cartório Judicial, onde você estagiou por dois anos, foi

essencial na minha carreira.

Obrigada, de verdade!

Já pensou se eu passasse em um concurso para ser juíza aí

em São Paulo? Será que a gente se esbarraria?

Eu ia torcer para você não estar casado. Se eu até agora não

casei, tenho certeza de que também não estaria.

Sobre ter um bebê, estou considerando a inseminação

artificial para quando eu for aprovada em um concurso e me


estabilizar.

Ser mãe é o meu sonho, e não casar. Você deu conta

sozinho, por que eu não diria?

Até nisso você é perfeito, Artho. Foi pai sozinho e tem uma

menina linda de dez anos.

Você é minha inspiração.

Vou te amar daqui à eternidade.

Feliz Natal e um próspero ano novo para você, Ayla, Eros,

Dimitri, Lion, Natan, Gabriel e, é claro, Darth Vader.

Mulher Maravilha.

P.S.: Encontrei uma camiseta igual àquela que você levou

embora nas suas coisas, quando se mudou. Queria dizer que eu


não comprei, já que não uso mais camisetas de personagens, mas

estaria mentindo. Mas só quando estou sozinha no meu

apartamento.

Por que ainda estou aqui? Quem ainda escreve cartas hoje

em dia?

Beijo, Artho.
Eu digo que não me importaria se você partisse

Mas toda vez que você está lá, te imploro para ficar

Quando você chega perto, eu simplesmente tremo

E toda vez que você se vai

É como se uma faca cortasse bem na minha alma

Só o amor pode machucar assim

(Only Love Can Hurt Like This – Paloma Faith)


Artho

São Paulo - Capital

8 anos depois...

Sexta, 11 de dezembro de 2026

Sweater Weather da banda The Neighbourhood está tocando

no rádio. Faz um século que não ouço essa música.

São 16h16 de uma tarde agitada.


Batuco com as mãos no volante do Jaguar, enquanto espero

que o sinal abra.

Acelero quando a luz fica verde e puxo o nó da gravata para

folgá-la. Não vejo a hora de chegar em casa, tirar o terno e tomar

um banho.

Combinei com meus cinco melhores amigos de encontrá-los à

noite, na boate que Natan e Gabriel abriram recentemente — o

Clube dos Cretinos. Ganhei muito dinheiro com um caso hoje e

preciso comemorar. Além disso, o clube está fazendo muito mais

sucesso do que os gêmeos esperavam.

Não consigo dirigir por muito tempo, outro sinal fecha e eu

paro na faixa, ao lado da calçada de um restaurante italiano.

Olho as pessoas atravessarem a rua e sinto algo bloquear

minha garganta e roubar meu fôlego ao ver um rosto conhecido.


Ela está usando um vestido preto e sandálias de salto, e seu

cabelo castanho ondula em volta dos ombros, enquanto ela

atravessa a faixa como se fosse uma modelo em uma passarela.

Procuro o nome dela na memória. Não preciso de mais que

alguns segundos para recordar.

Meus batimentos aceleram. O que Charlotte está fazendo em

São Paulo? Eu passo aqui todos os dias, quando vou buscar minha

filha na escola, e nunca a vi.

Meu queixo cai, porque eu tinha esquecido como ela é bonita.

— Conseguiu ficar ainda mais — murmuro, a assistindo

passar em frente ao Jaguar. — Puta que pariu, como ela tá gostosa.

— Papai! — Ayla me repreende, do banco de trás.

— Desculpe, meu amor.


Digo e toco sua mão sobre meu ombro, mas não consigo

desviar os olhos da mulher. Charlotte alcança a calçada e entra no

restaurante.

O sinal abre e um carro buzina atrás de mim, mas eu ainda

posso vê-la através da vidraça do restaurante. Meu coração começa

a doer como da última vez em que eu a vi.

Puxo o ar para os pulmões. O carro continua buzinando.

— Quem é ela, papai? — a voz suave da minha filha me traz

de volta à realidade e eu volto a acelerar.

— É alguém que eu conheci muitos anos atrás, quando fazia

faculdade em Bento Gonçalves — murmuro.

Tento me convencer de que a pulsação acelerada e o nó na

garganta são pela surpresa de encontrá-la, oito anos depois.


Deixá-la foi a coisa mais difícil que eu já precisei fazer na

minha vida. Mas eu fiz e consegui esquecê-la. Tenho certeza disso.

Acelera o Jaguar pela avenida. Outra música começa e eu

não a conheço, ao contrário de Ayla, que canta a todos pulmões no

banco de trás.

Observo o restaurante ficando para trás no retrovisor,

enquanto calculo quanto tempo faz que não vejo Charlotte Castro.

Me lembro que fui embora depois da minha formatura, alguns dias

antes do Natal.

— Já faz oito anos — digo para o espelho retrovisor.

Eu nunca voltei a Bento Gonçalves, deixei meu passado e o

de Ayla lá.

Jamais soube se ela se formou, se fez o concurso para ser

juíza. Nada. Me recusei a procurar qualquer informação sobre ela, a


esqueci, como se Charlotte nunca tivesse existido.

Então... por que diabos estou dobrando à direita? Por que

estou olhando para o GPS no painel do carro, à procura do retorno

que me levará em frente ao restaurante outra vez?

— É só curiosidade. Eu voltaria se fosse qualquer outra

pessoa com quem tive amizade naquela época. Não é nada

especial por ser Charlotte — digo a mim mesmo e me dou por

satisfeito.

— Papai, você está estranho — Ayla protesta, batendo no

meu ombro outra vez. — Acho que está ficando velho.

— Talvez eu esteja mesmo. Trinta e dois anos é velho para

você? — pergunto, encarando minha filha pelo retrovisor.

— Eu tenho onze. Trinta e dois anos são vinte e um a mais

que eu. Você é muito velho, pai.


Dou risada do seu jeito de falar.

— Mas não fique triste, você é um velho legal, com todas

essas tatuagens — Ayla observa. — Por que estamos voltando?

— Sabe aquela mulher que a gente viu passar?

— Sim, o que tem?

— Ela cuidou de você por mais de um ano, quando você era

bem pequena — explico.

— Tão pequena que não consigo me lembrar — ela diz. —

Mas por que estamos voltando?

— Só vou parar e falar com ela. Saber como ela está. É o que

os amigos fazem quando se reencontram depois de muitos anos.

— Sei... — Ayla diz, desconfiada.


Ela sempre quis ter uma mãe, mas nunca foi com a cara de

nenhuma mulher com quem ela soube que saí.

Entro na mesma avenida outra vez e paro no primeiro

estacionamento que encontro.

Dou a mão para Ayla, e caminho com ela até a calçada do

restaurante. Ela ainda está usando o uniforme da escola, foi seu

último dia de aula do ano, e eu estava levando-a para casa.

Alcanço a maçaneta na porta de vidro do restaurante e olho

para os meus próprios pés, me dando tempo para desistir e voltar

ao carro.

— Não vai entrar? — Ayla quer saber.

Ergo a cabeça outra vez e incorporo a postura do advogado

requisitado em quem me transformei, aquele que não abaixa a

cabeça para ninguém e nunca perdeu uma causa.


Encontro Charlotte em uma das mesas assim que entramos.

O ambiente é climatizado e posso sentir o cheiro de pizza assando.

Vejo que ela está acompanhada de um homem. Ele está de

costas para mim e Charlotte, sentada de frente para a entrada. Seu

queixo está apoiado em seus punhos fechados, com os cotovelos

sobre a mesa, e está sorrindo para o homem.

Os olhos azuis brilham e ela balança a cabeça para

responder a alguma pergunta que ele fez. Não sei por que a ideia de

ela estar casada com ele me incomoda tanto, afinal, só estou aqui

para dar um oi.

Meus batimentos aceleram um pouquinho além do normal

quando começo a caminhar até a mesa.

Charlotte só me vê quando paro ao seu lado. Por um instante,

ela parece não me reconhecer, então a surpresa atravessa seus


olhos azuis acinzentados. Ela pisca a cortina de cílios algumas

vezes e se levanta.

— Artho Becker? — diz e estende a mão na minha direção.

Olho para seus dedos estendidos e sinto um aperto no peito.

A garota que eu cumprimentava com beijos agora só quer pegar na

minha mão.

Correspondo, sentindo sua pele macia contra a minha, mas

me inclino e beijo a lateral do seu rosto. Ela corresponde e toca meu

ombro de leve.

Estou surpreso que ela ainda use o mesmo perfume, mais

surpreso ainda que eu o reconheça. Não penso mais nisso faz tanto

tempo.

— Mesmo que você tivesse mudado, eu reconheceria essa

tatuagem em qualquer lugar — Charlotte diz com o sorriso largo. O


furinho no seu queixo ainda fica lindo quando ela sorri assim. —

Você não mudou nada, Artho.

— Você também não. Quer dizer, só ficou mais bonita —

comento, sem me dar conta do homem sentado à mesa com ela.

— Obrigada — ela diz e imagino que vai corar e colocar o

cabelo atrás da orelha, mas não acontece. Essa Charlotte em quem

ela se transformou não é tímida. Seus ombros estão erguidos o

tempo todo. — Essa é Ayla?

Mordo a parte interna da bochecha, parece até que estou

emocionado por ela lembrar o nome da minha filha de primeira.

— Sim, diga oi, meu amor — peço a Ayla.

— Olá, tudo bem? — Ayla cumprimenta, educada, e beija o

rosto de Charlotte. — Seu nome não me é estranho. Meu pai disse

que você foi minha babá.


Charlotte me lança um olhar que eu não consigo identificar.

— Sim, fui sua babá, sim. Lhe buscava todas as tardes, na

creche, e ficava com você até seu pai chegar do trabalho. Você era

a criança mais fofa do mundo.

Ayla abre um sorriso, com os olhos azuis brilhando. Adora ser

elogiada.

— Eu ainda sou fofa — brinca.

Nesse momento, o homem sentado à mesa pigarreia para

chamar atenção de Charlotte.

— Eu... — murmuro, sem saber exatamente o que dizer.

— Esse é o... — Charlotte diz e gesticula para o homem,

aperta os olhos e estala dos dedos, como se estivesse tentando se

lembrar de algo.
— Rodrigo — o homem diz com o tom de voz arrogante.

Eu também ficaria puto se a mulher com quem eu estivesse

saindo me ignorasse e não se lembrasse do meu nome.

Aceno com a cabeça na direção dele, mas não tenho

empatia. Na verdade, me dou conta de que faz anos que não dou

um soco na cara de ninguém, e como eu adoraria resolver isso

assim, como nos tempos da universidade.

— Vocês querem sentar? — Charlotte pergunta. Ela

claramente não dá a mínima para esse sujeito. — Podemos pegar

uma mesa maior, você não se importa, né...?

Charlotte faz de novo, estala os dedos, porque já não lembra

mais o nome que ele acabou de dizer. Não sei por que isso eleva

meu ego.
O homem a encara com irritação, seu cenho está enrugado e

os lábios formam uma linha fina. Quero afastá-la de perto dele, mas

já passei dessa fase de arrumar briga por causa dela.

— Não precisa. Já estamos indo — digo. O cara de vinte e

poucos anos, que um dia fui, tem vontade de realmente sentar com

eles e poder passar mais tempo com ela, além de provocá-lo, mas

Ayla está comigo e não quero expor minha filha.

— Foi um prazer te ver, Artho — Charlotte diz e me abraça.

Sinto seus seios contra meu peito, o seu cheiro gostoso, e

várias lembranças vêm à tona. Aperto seu corpo contra o meu e

esfrego minha mão em suas costas.

— Também foi um prazer te ver — sussurro contra seu

ouvido.

Ela me solta e abraça Ayla bem forte.


— Você se transformou em uma mocinha muito linda —

Charlotte diz e meu coração dói. Odeio como o tempo tem passado

depressa ultimamente. Não quero pensar em Ayla como mocinha

tão cedo.

— Pra mim, ela ainda é minha princesinha — digo.

— Pai! — Ayla protesta, fazendo cara feia.

Charlotte dá risada. Eu não perguntei o que ela está fazendo

na cidade, se mudou para cá ou só veio encontrar esse sujeito que

nem lembra o nome. É a minha chance de ir embora com a

dignidade intacta. Só que a minha maldita boca não consegue

concordar com a minha razão.

— Pode me passar seu número? — peço e lhe entrego o

celular para que ela anote.


Quando ela pega meu celular e olha para a tela, eu sinto que

já vi esse mesmo filme antes. E o final não foi nada legal.

— Aqui — ela diz após salvar, e me entrega o aparelho com o

sorriso estampando em seu rosto. — Me liga, a gente pode sair para

tomar um café.

— Você está morando aqui ou só está de passagem? —

pergunto.

O sujeito bufa. Quase peço para ele sair de perto dela, mas

preciso lembrar que Charlotte e eu não temos mais nada. Mesmo

assim, o encaro de volta.

—Passei em um concurso e me mudei para cá há alguns

meses.

Meu coração reage a essa informações como se fosse uma

coisa importante. Tenho muitas perguntas a fazer, mas já tenho o


número dela.

Dou um beijo em seu rosto mais uma vez e sussurro o quanto

foi bom encontrá-la.

— A gente se encontra, então — digo.

— Foi um prazer revê-la, minha babá — Ayla diz e a abraça

mais uma vez.

— O prazer foi todo meu, linda — Charlotte diz e acena para

nós.

Me viro de costas e caminho com Ayla até a saída. Quando

abro a porta, olho sobre o ombro e vejo que ela ainda está de pé,

nos observando sair.

Passo pela calçada, ao lado das vidraças, e aceno para ela

uma última vez. Odeio como o meu sorriso se abre.


— Papai, ela é muito bonita — Ayla diz ao cutucar minhas

costelas.

— Ela não era sua babá — comento, a caminho do

estacionamento. — Ela era minha namorada. E ficava com você

depois da creche. Charlotte te amava muito.

— E por que você terminou com ela? — Ayla quer saber.

— Foi ela quem me deu um pé na bunda — confesso.

Ayla cai na gargalhada.

— Chocada que o homem que vive dispensando as mulheres,

escolhendo com quem vai sair, levou um pé na bunda assim. Que

passado sombrio, pai!

Aperto seus ombros e faço cócegas em seu pescoço, para

provocá-la.
— Você está falando de um jeito muito adulto, pode parar.

Ela não dá bola, não entende que precisa crescer mais

devagar.

— Vocês poderiam voltar. Ela cuidava de mim quando eu era

pequena, eu ia adorar ter alguém como ela em casa — Ayla diz,

demonstrando o quanto sente falta de ter uma mãe.

Meu coração se aperta de preocupação, porque em breve ela

vai começar a se transformar em uma moça e só vai ter a mim e a

governanta com quem conversar.

— Me admira você dizer isso, não vai com a cara de nenhuma

mulher que te apresento. Além disso, não volto para quem me

dispensou, princesa — digo, ao entrarmos no estacionamento. —

São as minhas regras.


— Regras foram feitas para serem quebradas — ela diz

quando aciono o botão que abre o carro.

Olho para ela bem sério.

— Regras foram feitas para serem cumpridas.


Artho

Já passa das vinte e três horas. Não costumo sair tão tarde,

mas resolvi ficar em casa até essa hora para que eu não decidisse

fazer nenhuma besteira no caminho da boate.

Estando atrasado, não vou poder desviar o caminho.

Assisti a três filmes com Ayla, desde que chegamos, e agora

ela está dormindo.

Aneliza, nossa governanta, mora com a gente desde nosso

primeiro ano em São Paulo. Ela ocupa o quarto ao lado do de Ayla,


e sei que posso sair e deixar minha filha em segurança. Ela sempre

me liga quando precisa de algo. Cuida de Ayla e dirige a casa

melhor que ninguém.

Estou terminando de me vestir e puxo uma jaqueta em um

dos cabides do closet, quando me deparo com a caixa onde guardo

algumas memórias.

Sei que vou me arrepender de abrir a tampa, mas faço assim

mesmo. A primeira coisa que vejo é meu álbum de formatura, com

capa de couro. Charlotte aparece em apenas três das dezenas de

fotos que tirei naquela noite, sem saber que ela me daria um pé na

bunda logo depois. Ergo o álbum e vejo o símbolo da mulher

maravilha na camiseta cinza. No fundo da caixa, está o cordão que

ela me deu no meu aniversário de vinte e três anos e um álbum de

fotos nossas que ela fez no único Dia dos Namorados que

passamos juntos, além das cartinhas que ela escrevia para mim em
datas especiais e os restos da calcinha que rasguei, quando ainda

não namorávamos.

Pego o cordão e experimento colocá-lo por dentro da

camiseta, mas me sinto tão ridículo, que o arranco logo em seguida.

Só o fato de ter guardado essas coisas durante tantos anos já

é motivo suficiente para eu me envergonhar.

Esfrego a mão no rosto, tentado a ligar para o novo contato

salvo no meu celular, mas resisto. Fecho a tampa da caixa e saio do

closet.

Pego a jaqueta e saio. Passo no quarto de Ayla para ver se

ela está dormindo, arrumo o cobertor, faço carinho em Darth Vader,

que está dormindo na caminha baixa ao lado, e vou para a boate.


— Quanto você ganhou hoje? — Eros pergunta, com o braço

em volta dos meus ombros, assim que nos reunimos em torno de

uma mesa.

— Sete milhões — respondo, erguendo a taça de champagne

que os gêmeos fizeram questão de trazer para a gente.

— Sete milhões, em um caso, porra! — Eros diz em alto e

bom som para todos ao redor do camarote ouvirem. — Esse é um

dos melhores advogados de São Paulo.

— Parabéns — Dimitri diz e aperta minha mão.

— Parabéns, cara — Lion me solicita também.

Vejo as garotas se aglomerando em volta.

Natan pede mais duas garrafas ao garçom e Gabriel ajuda a

servir as mulheres.
Eros solta meus ombros e me empurra discretamente na

direção de uma mulher de cabelos ondulados e olhos claros.

— Tim-tim — digo, batendo minha taça contra a dela. Sei que

vou esquecer seu nome assim que ela me disser, mesmo assim

pergunto. — Como se chama?

— Bianca — ela responde, se apoiando no meu peito para

falar.

Olho para Eros e ele pisca para mim, então começa a beber

direto do gargalo da garrafa.

Ele foi meu maior apoio nos últimos anos, o que me ajudou a

entender que eu sempre fui um cretino, que Charlotte e eu nunca

daríamos certo.

Penso no que ele diria se soubesse que a encontrei hoje.


— O que acha de comemorarmos seu sucesso? — a garota

diz e passa a mão por cima da minha calça, à procura do pau que

começa a ganhar vida.

Inclino a cabeça para baixo e mordo seu ombro nu, exposto

pelo vestido sem alças preto. Ela tem cheiro de doce e flores. Estico

a mão livre e aperto sua bunda, deixando meus dedos

escorregarem por baixo da barra, descubro que ela está sem

calcinha.

Olho em volta e vejo que Eros já está com uma garota

também.

— Acho a ideia perfeita — respondo à garota, enquanto

encaro uma ruiva, por sobre seu ombro.

Seguro a bainha do vestido e a puxo na direção do banheiro

do camarote. Pisco para a segunda mulher, antes de passar pela

porta.
Coloco a taça sobre a bancada de quartzo da pia e agarro a

mulher. A beijo, sem me demorar muito, e a coloco sobre a pedra, a

erguendo pelos quadris. Abro a calça e pego uma camisinha no

bolso. Ela beija meu pescoço, enquanto coloco o preservativo.

A penetro devagar, observando-a morder o lábio carnudo com

força. É uma mulher gostosa para caralho e eu tento me concentrar

nisso. Puxo seu vestido, revelando um dos seios, e abocanho seu

mamilo, enquanto começo a meter em sua boceta.

De repente, sinto mãos acariciarem minha barriga. Ergo a

cabeça e vejo a outra garota às minhas costas.

Ela tira minha jaqueta e puxa a barra da minha camiseta para

cima, deixando as tatuagens da minha barriga expostas. A primeira

garota, que está sendo fodida, acaricia meu abdômen e geme.

Acelero os movimentos e viro o rosto na direção da segunda, a puxo


para o meu lado e a beijo, enquanto entro com os dedos por baixo

da sua calcinha.

Me concentro em dar prazer às duas, sem me importar com

um ou dois homens que entram e veem a cena.

Quando a primeira goza, troco a camisinha e ergo a coxa da

segunda, a colocando entre as pernas da que ainda está com os

joelhos afastados, sentada sobre a bancada.

A segunda começa a gemer assim que eu dou a primeira

estocada. Sinto sua boceta se contraindo quando ela goza,

segurando meu rosto com as duas mãos.

Continuo fodendo, enquanto beijo uma, depois a outra, até

estar satisfeito.

Me lavo, pego minha taça, visto a jaqueta, e volto ao

camarote. Acho que foi a foda mais fácil do último mês. Sete
milhões abrem portas. E pernas também.

— Quer pegar meu número? — a primeira pergunta, quando

voltamos à roda de amigos.

— Anota o meu também — a outra diz.

— Foi mal, deixei meu celular em casa — minto sem nenhum

remorso.

— Vem aqui conhecer uma pessoa — Gabriel diz assim que

me vê voltar. — Essa é Jess.

— É um prazer — cumprimento. — Artho.

— Gabriel disse que você ganhou uma causa muito

importante hoje — ela comenta. — Sete milhões? Em que área você

atua?
— Direito empresarial. E eles não deveriam ficar espalhando,

mas Giordano não consegue calar a porra da boca — brinco.

— Eu sou aluna de Direito — a garota diz.

Por um instante, sinto meu coração disparar. Percebo que ela

tem os cabelos da mesma cor dos de Charlotte. Ela também é muito

nova para mim, não deve ter nem vinte e um anos.

— Em qual área você quer se especializar? — pergunto, mas

não estou mais prestando atenção à garota.

Olho para os meus amigos, conversando com as mulheres

em volta, e me dou conta de que um dia eu já tive uma coisa que

não encontro em nenhuma boate. Uma garota que fazia meu

coração subir pela boca, que me deixava com tanto ciúmes que eu

fervia de raiva.

Acho que nunca fui tão feliz como naquela época.


Eu tinha esquecido de quão vazio meu coração estava, até

vê-la hoje. Me pergunto por que eu nunca encontrei o mesmo

sentimento em outra mulher.

Sinto falta daquilo que tínhamos. A liberdade de ter uma,

duas, três, deixa uma sensação de vazio no final da noite.

Dou risada do que a garota está dizendo, só para agradá-la.

Mesmo parecendo muito nova, eu sei seus planos, pelo jeito que ela

toca meu braço e peito a todo momento.

Três em menos de uma hora é um excelente número. Mas é

só isso. Um número.

— Você me dá licença? Preciso atender uma ligação — digo

a ela, ao pegar meu celular no bolso.

— Já volto — digo a Eros e desço as escadas.


Saio para a calçada e o manobrista pergunta se quero meu

carro.

— Sim, por favor — respondo.

Enquanto ele espera, praguejo contra Charlotte e contra mim

mesmo por ter ido atrás dela naquele restaurante.

Meu celular parece queimar dentro do bolso, gritando para eu

ligar ou mandar uma mensagem. Mas isso é a última coisa que devo

fazer.

Esfrego a mão no cabelo e procuro colocar a cabeça no lugar.

Não deveria sentir falta dela e sim, de um dia atrás, quando

eu não lembrava dessa merda de sentimento, quando eu era feliz

sem me dar conta do quanto era vazio.

Vejo um casal passando de mãos dadas, ele está usando

jaqueta de couro e ela tem o cabelo castanho. Odeio a sensação


nostálgica que isso traz.

O manobrista aparece com meu BMW conversível, que

comprei recentemente e me entrega as chaves.

— Seu carro é uma máquina — ele diz. — O que faz da vida

para ter um carro desses?

— Sou advogado — respondo, forçando simpatia. Tiro uma

nota de cem do bolso interno da jaqueta e lhe dou como gorjeta.

O sorriso de felicidade do funcionário ao receber o dinheiro é

muito mais genuíno do que o meu ao entrar no BMW.

Acelero o carro pelas ruas, evitando ao máximo pegar o

telefone e mandar uma mensagem.

Mas chega um momento que eu não me controlo mais. Envio

uma mensagem de texto perguntando se ela já está dormindo, e

jogo na mão do destino.


São 1h10, e as chances de Charlotte responder são mínimas.

Mesmo assim, a tela do meu celular acende, sete minutos

depois.

Mulher Maravilha: Não, estou em uma boate, e você?

O sorriso que eu abro agora é genuíno. Checo meu reflexo no

espelho retrovisor, mas não consigo me sentir culpado.

— Foi o destino, cara. Joguei nas mãos dele — digo, com um

sorriso de orelha a orelha.

Eu: No carro, esperando você mandar a localização para ir te

encontrar.

Não me importo de responder imediatamente.

Ela é rápida em mandar o que pedi. Escolho o itinerário mais

rápido e chego à boate em quinze minutos.


Sei que vou me arrepender, é claro que vou, mas há quanto

tempo eu não faço uma merda na minha vida? Há quantos anos eu

não apronto algo que vai fazer eu ter vergonha do meu próprio

reflexo?

A última vez, pelo que me lembro, foi quando me despedi

dela. Eu fui lá só para levar suas coisas, e acabei me prestando ao

papel de dormir com ela de conchinha, depois de ter levado um pé

na bunda.
Artho

Eu: Acabei de chegar.

Mulher Maravilha: Estou perto do bar.

Passo a mão no cabelo e respiro fundo. Quero tentar

controlar meus batimentos, mas eles estiveram controlados por

tanto tempo, que é melhor não me importar agora.

A vejo usando um vestido prateado, com sandálias de tira,

brincos de argola e, para aumentar minha agonia, batom vermelho.


Ela vem caminhando na minha direção assim que me vê.

Como se o destino quisesse jogar ainda mais comigo, está

tocando o remix de uma música que foi lançada no ano em que a

conheci.

— Oi, Artho — ela diz com um sorriso largo.

Seu cabelo está solto, não mais comprido como era na

faculdade, mas na altura dos ombros.

— Onde está o cara de quem você não lembrava o nome? —

pergunto contra seu ouvido, aproveitando para sentir seu cheiro.

Minha mão coça de vontade de apertar seu pescoço e enfiar minha

língua na sua boca.

— Foi só um encontro ruim — ela diz e abana a mão,

fazendo um gesto de desdém. — O que vai beber?

— Estou dirigindo e já bebi champagne em outra boate.


Ela me lança um olhar curioso, então pega minha mão e me

puxa na direção de algumas mulheres.

— Meninas, conheçam Artho — ela diz.

— Artho Becker? — uma delas me pergunta.

Não presto atenção nas características de nenhuma, porque

minha atenção está toda voltada para Charlotte.

— Isso — respondo para a mulher, esfregando o polegar no

dorso da mão que eu adorava segurar.

— Elas são minhas amigas advogadas — Charlotte me

explica.

— Você não nos disse que iria encontrar o advogado

empresarial mais famoso da cidade — a mulher que me reconheceu

diz. — Você ganhou aquele caso hoje?


— Ganhei — respondo. Me obrigo a perguntar em que áreas

elas atuam.

— Elas trabalham no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde

assumi o cargo de Juíza Substituta há alguns meses — Charlotte

me explica.

— Uau! Parabéns, minha pequena. Você sonhava em ser

juíza.

Os olhos das suas amigas estão em mim. Charlotte abre um

sorriso e morde o lábio vermelho.

— Você me chamou de minha pequena — ela diz, se

divertindo.

Como eu posso ser tão idiota?

Ela já me machucou uma vez, quando era só uma

universitária. Não quero nem pensar no estrago que pode fazer


comigo agora.

— Vamos dançar? — pergunta.

Porra, ela não sabia dançar. Ensaiei com Charlotte durante

semanas, feito um trouxa, para que ela dançasse comigo na minha

formatura. E ela fugiu da festa sem me dar uma explicação.

Mesmo sabendo de tudo isso, maneio a cabeça e a puxo em

direção à pista.

Ela começa a dançar, ao som da música eletrônica, com as

mãos apoiadas nos meus ombros. Pelo jeito que sorri, se ainda a

conheço pelo menos um pouquinho, sei que o álcool já está fazendo

efeito.

Apoio as mãos ao redor da sua cintura, desejando puxá-la

para mais perto. Quando seus seios encostam no meu peito, e a


seguro com mais firmeza, ela joga os braços para cima e os balança

no ritmo da música.

Mantém o braço direito erguido e desliza as pontas dos dedos

da mão esquerda por ele, de olhos fechados, balançando a cabeça.

Sua pele está brilhando com as luzes coloridas.

— Você é tão linda — a elogio.

Ela abre os olhos, e toca meu rosto com as duas mãos.

— Você também é muito lindo — Charlotte diz, deixando os

dedos escorregarem na minha barba, descendo para o pescoço.

Se inclinando ainda mais, ela passa a língua em torno do meu

pescoço. Meu sangue ferve, indo em direção à virilha, fazendo a

região arder. Minha pele se arrepia conforme ela me lambe.

Seguro seu pescoço, como eu não faço com ninguém há

muito tempo, e sinto a pulsação acelerada na sua jugular.


Começa a tocar o remix de uma música antiga, All Of Me, do

John Legend, e tento me segurar para não a beijar.

Luto contra o desejo, travo os dentes com força e me seguro.

Mas não consigo aguentar por muito tempo, não com ela me

encarando, acariciando minha pele com as pontas dos dedos.

— Por que você veio, Artho? — ouço sua voz se

sobressaindo à música.

Balanço a cabeça em negação.

— Eu não sei — respondo com sinceridade.

— Por que você entrou naquele restaurante?

— Estava parado no sinal, quando você atravessou. A gente

não se via há muitos anos. Eu tive que parar, precisava falar com

você, te ver de perto.


— Você acha que é o destino? — Charlotte pergunta. — Eu

fui aprovada em cinco concursos de estados diferentes, mas só fui

chamada para assumir o cargo daqui. É só coincidência?

— Você acha que o destino te daria uma nova chance de me

machucar? — pergunto, aliviado por conseguir resgatar o

ressentimento que carrego desde que ela olhou dentro dos meus

olhos e disse que não me amava mais e queria terminar.

Fecho a cara e penso em ir embora, mas ainda quero ouvir o

que ela tem a dizer.

— Nunca te machucaria de novo, meu amor — Charlotte diz.

Seu sorriso desapareceu.

A respiração escapa pesada pela minha boca. Nego com a

cabeça, mas não consigo falar agora, tem um nó bloqueando minha

garganta.
Ela morde o lábio vermelho, a poucos centímetros do meu, de

modo que posso sentir o cheiro de vodca em seu hálito. Quando ela

lambe o lábio vermelho, me destrói.

Meu pau pulsa, à espera do seu toque, porque tudo que meu

corpo quer é reviver, em vez de ficar se maltratando.

Seguro sua nuca bem forte e a beijo. Charlotte corresponde,

se agarrando ao meu quadril, apertando sua barriga contra minha

pélvis. Sinto meus batimentos acelerarem, quando ela suga minha

língua. É a mesma paixão de antes. Não posso acreditar que ela

beija todo mundo assim, porque eu não faço com as outras o que

fazia com ela.

A seguro bem firme contra meu peito, como eu deveria ter

feito anos atrás. O sentimento renasce outra vez, e eu posso até me

odiar, ainda assim, sabendo tudo que sei agora, eu imploraria por

ela.
Minha mão se fecha em torno do seu pescoço, porque desejo

que ela sinta a respiração presa como a minha está.

Tento travar os dentes outra vez, para não dizer o que estou

sentindo, para não confessar que eu sempre a amei, que ela só

precisou passar na minha frente uma vez, para que toda a paixão

viesse à tona.

Não digo nada disso, é ridículo.

Não há como entregar isso à pessoa que me deixou com uma

cicatriz maior que todas as outras que eu já tinha.

Nos encaramos. Não faço ideia do que Charlotte está

pensando.

O choro fecha minha garganta porque é muito mais difícil

estar na frente dela, e saber que não me ama, do que quando

estávamos separados.
Sinto falta de ontem, quando ela ainda não tinha cruzado meu

caminho. Sinto falta do vazio com o qual eu já tinha me habituado a

conviver.

— Eu preciso de uma bebida — é tudo que Charlotte diz,

após me beijar, depois de anos.

Ela se desprende dos meus braços e caminha na direção do

bar. Fico parado, a olhando se afastar, entre as pessoas que

dançam. A cicatriz está sangrando agora, porque ela cutucou bem

fundo.

Eu posso me virar de costas, pegar o meu carro e ir embora,

encontrar meus amigos, foder aquela estudante de Direito que

deixei na boate. Deveria fazer tudo isso, mas talvez eu seja viciado

em dor. Por isso não joguei fora as coisas que ainda guardo dela.

Ando devagar, até encontrá-la virando shots de tequila com

as amigas. Fico parado, com as mãos dentro dos bolsos. Ela está
se divertindo, como se não desse a mínima. Uma de suas amigas

segura sua cabeça e sacode para que a bebida suba mais rápido.

Me pergunto se é com elas que Charlotte pretende voltar para

casa, mas acho que ela não está pensando muito agora.

A amiga solta sua cabeça e Charlotte tomba para a frente, só

não cai no chão porque me antecipo e a seguro. A amiga começa a

gargalhar.

Estalo a língua, sem achar nenhuma graça. Se eu visse um

homem fazendo isso com Charlotte, ele voltaria para casa com um

olho roxo.

— Você está bem? — sussurro perto do seu ouvido.

Ela me olha, visivelmente alterada, mas não responde.

Arrumo seu cabelo, que a outra bagunçou ao sacudi-la.


Outra mulher, que está com o bando, pega a garrafa de

tequila e segura seu queixo para enfiar mais bebida goela abaixo.

— Chega — digo ao colocar o antebraço na frente.

Ela ri e se vira para outra, que abre a boca e bebe.

Sei que estão só se divertindo, eu também já bebi muito

quando era mais novo, antes da minha mãe ser internada por

dependência química, mas me preocupa que ela fique tão bêbada

que não consiga se defender. Sempre tem uns otários nessas

festas.

— Abre a boca, Artho Becker — a mulher que me reconheceu

pede.

— Não, obrigado. Estou dirigindo.

— Nós também estamos — ela diz.


Estreito os olhos, não posso deixar Charlotte ir embora com

elas.

— Quer sair daqui? — pergunto.

— Quero ficar sozinha com você — ela diz.

A puxo para perto do meu corpo e a levo na direção da saída.

Nenhuma das “amigas” tenta impedir.

— Ei, está tudo bem, moça? — a segurança feminina

pergunta, ao passarmos pelo corredor de saída.

— Ela bebeu demais, estou levando-a embora — explico.

— Sei... — a mulher diz com desconfiança. — Vi ela

chegando com as amigas. Como ela se chama?

— Charlotte — respondo, então a cutuco de leve. — Você

pode falar com a segurança?


— Hum... — ela resmunga.

— Conhece esse homem? — a mulher a interroga.

É um gesto bonito. Em vez de mim, poderia ser qualquer cara

mal intencionado.

— Esse? — Charlotte pergunta, se endireita e segura o meu

queixo, mantendo a postura ereta. — É o meu marido, o pai do meu

futuro filho.

Tenho que dar risada da sua resposta, depois me preocupo

de ela estar realmente casada e ter me confundido com seu marido.

— Qual o nome dele? — a segurança pergunta.

— Artho Becker — Charlotte diz meu nome com orgulho.

Pego minha habilitação na carteira e mostro à mulher, para

que não restem dúvidas de que Charlotte está sendo levada por
alguém de confiança.

— Obrigada, senhor — a segurança agradece. — Desculpe o

transtorno.

— Não precisa se desculpar — digo e guio Charlotte até o

carro.

Ela consegue caminhar com mais facilidade, mas apoia a

cabeça no meu ombro.

Abro a porta do carona para que ela entre no BMW e dou a

volta.

Assim que me acomodo no banco do motorista, ela pula para

meu colo.

— Que história é essa de eu ser seu marido e pai do seu

filho? — pergunto.
— Futuro filho — ela diz e dá risada.

— O que foi?

Seus joelhos estão ao lado das minhas coxas, e ela se move

sobre o meu colo, fazendo meu corpo despertar outra vez.

— Não faz isso, por favor — sussurro, mesmo sabendo que

ela está bêbada e que provavelmente não vai me ouvir.

— Quero transar, Artho — ela diz, sem saber como essas

palavras me provocam. — Quero que você me foda como fazia

antes.

Ela segura meus ombros e rebola devagar, esfregando a

boceta em mim.

Um gemido baixo escapa da minha garganta ao ver que seu

vestido escorregou, por causa da sua posição, e que agora posso

ver sua calcinha.


— Eu te odeio, Artho Becker! — ela protesta.

— Por quê?

— Porque ninguém me come igual a você. Porque você

elevou os padrões, e nunca consigo ficar muito tempo com um

namorado, nenhum deles é bom o bastante.

É mentira dela. Só está dizendo isso para elevar meu ego.

— Eu tenho tudo, uma carreira, um ótimo salário, conquistei o

cargo que sempre quis, já estou realizada profissionalmente, mas eu

queria tanto ser mãe. Lembra como eu era com Ayla? Como eu

amava ficar com ela?

— Sim, eu lembro — respondo, afastando o cabelo do seu

rosto.

— Sempre quis ser mãe, e agora eu posso. Mas o problema é

que preciso de um pai e não acho nenhum homem que seja


interessante o suficiente.

— Você é jovem ainda. Tem o quê? — Calculo sua idade

mentalmente, ela é de 1999. — Você tem vinte e sete anos. É muito

nova.

— É uma besteira. Eu já me sinto pronta. Você foi pai muito

mais jovem.

Ela diz e encosta na direção do carro, acionando a buzina.

Seguro sua cintura e a puxo de volta.

— Eu não sou exemplo — digo.

— Você quer ser pai do meu filho, Artho Becker? — ela

pergunta, com a cabeça tombada de lado e os olhos fechados.

Charlotte me faz rir, porque, durante o ano em que passamos

juntos, imaginei muitas vezes como seria se nós tivéssemos uma

criança juntos.
— Você aceita? Não precisa assumir, se não quiser, só gozar

dentro de mim várias vezes, até dar certo — ela diz de forma

prática.

— Para de falar essas coisas — reclamo.

— O que foi? Você não quer gozar dentro de mim? Você

sente falta, Artho? Eu sinto, de como você segurava meu pescoço,

como gostava de prender minhas mãos com seu cinto...

Charlotte puxa minha camiseta e começa a desafivelar meu

cinto.

Meu pau lateja com a visão da sua calcinha e, sim, eu queria

muito gozar dentro dela.

— Para, Charlotte! Por favor — peço, quando ela rebola outra

vez, despertando um fogo destruidor dentro de mim.

— Por quê?
— Porque eu te amo, porra! Porque eu nunca deixei de te

amar — confesso, com as emoções me enfurecendo, mas sei que

ela não vai lembrar no dia seguinte.

— Eu também te amo. Nunca esqueci você nem por um dia

— Charlotte diz, como se sentisse prazer em mentir para mim. Até

bêbada, ela consegue.

— Se me amasse, não teria dito o contrário, não teria

terminado comigo de uma hora para a outra — murmuro.

Fecho as mãos em punhos para não tocar em seu corpo.

— Eu sempre te amei e sempre vou amar — ela insiste na

mentira. — Você pode, por favor, me comer? Não sabe com desejo

seu pau gostoso dentro de mim.

— Puta que pariu, minha pequena, estou implorando para

você parar — sussurro.


Ela aperta os lábios contra os meus e me beija com paixão.

— Acredita agora? — sussurra contra a minha boca.

— Vamos ver amanhã, quando acordar. Agora você está

bêbada demais para responder por si. Vou te levar para casa, e

quando a bebedeira passar, a gente conversa.


Charlotte

Sábado, 12 de dezembro de 2026

Sinto que minha cabeça está doendo antes mesmo de abrir

os olhos.

Demoro alguns segundos para descobrir que não sei onde

estou.

Me sento nos lençóis e minha cabeça gira.


As paredes são cinza claro e, pela decoração sóbria e

elegante, sei que estou no quarto de um homem milionário.

Puxo pela memória e, mesmo sentindo como se meu crânio

estivesse sendo esperado por um monte de agulhas, consigo me

lembrar.

Meu coração erra as batidas e meu estômago revira. Não

acredito que acordei de ressaca na casa de Artho Becker.

Puta merda! Quantas vezes eu sonhei em vir aqui?

Ouço o trinco da porta abrindo e passo a mão nos cabelos,

tentando me preparar para a emoção de vê-lo novamente. Olho

para baixo e vejo que estou usando o mesmo vestido da noite

anterior.

O puxo para cobrir a bunda, enquanto Artho entra no quarto.

Meus batimentos aceleram, aumentando a dor de cabeça.


Ele está tão lindo que eu não seria capaz de desviar os olhos.

Caminha até mim, usando uma bermuda preta e uma

camiseta regata branca. Há uma corrente prateada pendurada em

seu pescoço, e seus braços estão muito mais cobertos pelas

tatuagens agora, do que eram oito anos antes.

Ele está carregando uma sacola, para ao lado da cama e a

coloca na mesinha de cabeceira, ao lado da minha bolsa.

— Como está se sentindo? — pergunta e dá um sorriso.

Me movo, tão nervosa que sinto as mãos tremerem, ao ver os

dentes caninos pontudos e a covinha na bochecha. Ele tem o

sorriso mais lindo que já vi.

— Comprei o kit ressaca que eu costumava te dar, quando

você bebia demais. Coca-Cola ainda funciona? — Artho pergunta e

me entrega uma lata bem gelada.


Me lembro da primeira vez que o vi, quando ele comprou uma

latinha de coca do Bar Culture, acho que estou tão nervosa quanto

naquele dia.

— Ajuda, sim — pergunto, ao vê-lo preparar a mistura de

remédios. — Como vim parar aqui, eu só me lembro de...

Consigo me lembrar de Artho aparecendo na boate. A

lembrança dele me beijando atinge meu coração como uma bola de

canhão.

— Você bebeu além da conta. Eu te trouxe para cá porque

não achei que aquelas amigas poderiam dar conta — ele diz e se

senta na cama, ao meu lado, e me entrega os remédios e o

refrigerante.

— Fiz muita besteira?


— Só falou demais — Artho explica. Mesmo com dor de

cabeça, amo o som da sua voz.

Bebo a mistura de remédios e abro a latinha de coca.

— Ai, meu Deus — murmuro. — O que seria falar demais?

— Você disse à segurança que eu era seu marido — Artho

me conta.

— Ai, eu não fiz isso! — digo, colocando a mão em concha

sobre a boca.

Artho dá risada e passa a ponta do dedo mindinho na

sobrancelha grossa. Seus ombros, agora mais largos do que eram

na época da faculdade, estão curvados para a frente.

— Você também disse que eu era o pai do seu futuro filho —

ele acrescenta.
— Puta que pariu, eu não acredito! — Dobro meus joelhos e

me encolho de vergonha. — Não pode ser.

Artho fica ereto, se inclina para trás e apoia os braços na

cama, com os músculos tensionados. Ele ri como se eu não

estivesse morta de vergonha na sua frente.

— Você foi bem específica quando me pediu para gozar

várias vezes dentro de você, até te engravidar — ele me conta.

Puxo o edredom e cubro minha cabeça.

— Não pode ser! — grito. Não acredito que falei essas coisas,

depois de oito anos sonhando em encontrá-lo.

— Você tentou abrir minha calça, mas eu te trouxe em

segurança para casa, não precisa se preocupar.

— Ugrh — resmungo, embaixo do edredom. — Você deve

achar que eu sou uma louca obcecada por você.


— Obcecada por mim? Por que eu pensaria isso?

Ele puxa o cobertor e me encara. Sinto os batimentos

acelerarem outra vez.

— Você... — começo, mas não sei o que falar. Dizer a ele que

escrevi cartas todos os anos lhe contando o quanto o amava? Que

ridículo.

— Eu...?

— Passei esse tempo todo imaginando como seria se a gente

se encontrasse — confesso. — E, na primeira noite, fico bêbada e

falo um monte de merdas. Está claro que eu preciso dar um jeito na

minha vida.

— Você me disse que sua vida estava perfeita, só faltava um

homem que te engravidasse — ele diz.

— Que vergonha — protesto.


— Você quer mesmo ter um filho? — Artho pergunta.

Se eu quero? É claro que eu quero!

Bebo alguns goles de coca, meu estômago ainda está

revirando.

— Planejo isso desde que me formei — confesso. — Mas não

é fácil quando não se tem um namorado. Quer dizer, eu já tive

alguns, mas nada muito sério.

Dou de ombros.

— Eu entendo, também nunca tive outra namorada que

durasse mais que um mês, além de você — Artho confessa.

Me sinto destruída, tanto física quanto emocionalmente.

— Posso tomar um banho? Acho que vai ajudar com a dor de

cabeça — pergunta.
— Claro — Artho diz. — Tenho uma coisa que você pode

vestir.

Ele se levanta e vai até o closet. Pela regata cavada, vejo que

há uma nova tatuagem em suas costas. Engulo em seco, desejando

vê-la melhor.

Ele volta alguns instantes depois, segurando um pedaço de

tecido cinza escuro.

Fico imóvel quando ele me estende a camiseta da Mulher

Maravilha, que as funcionárias da casa tinham, supostamente,

colocado nas suas malas, antes da sua partida.

Olho para o símbolo em cores escuras e tento entender por

que ele a guardou. Não posso me iludir. Nós terminamos há oito

anos e, se ele ainda sentisse algo por mim, não teria me procurado?
Você ainda é louca por ele e nunca o procurou., minha

consciência diz. A verdade é que eu estava dando o espaço que ele

precisava, o deixei livre para conquistar todos os seus sonhos, mas

também corri atrás dos meus.

Eu tinha uma carreira para trilhar, ele não era o único que

precisava correr atrás de um futuro melhor.

— Estava com você esse tempo todo... — murmuro,

esticando a mão para pegá-la. — Por que a guardou?

— Não quer tomar um banho primeiro?

Olho para meu reflexo no espelho grande do banheiro de

Artho. Consegui lavar toda a maquiagem e fiquei um bom tempo

debaixo do chuveiro, sentindo a água morna fazer pressão na minha

cabeça e aliviar a dor.


Escovei os dentes com a escova que ele me deu, agora estou

usando o vestido, dobrado nos quadris como se fosse uma saia, e a

camiseta que cobre até metade da minha bunda.

Saio do banheiro e o encontro sentado na cama, vejo que há

uma caixa de madeira nas suas mãos, dessas que compramos em

lojas de decoração, para guardar lembranças.

— Quer ver o que mais guardei, além da camiseta?

Caminho devagar, com a respiração pesada, e sento ao seu

lado. Pego a caixa e a trago para meu colo. Meu braço toca o seu e

estremeço. Não acredito que nos beijamos e eu não estava sã o

suficiente para lembrar de cada detalhe.

Abro a tampa e vejo um álbum com capa de couro, escrito em

letras douradas:
Turma de Direito 2014.1 – Universidade Federal de Bento

Gonçalves.

— É parecido com o meu — sussurro ao abri-lo.

Estou na primeira foto que encontro, abraçada com ele, como

se não fôssemos nos separar um dia depois dessa imagem.

— Eu queria que houvesse pelo menos uma foto sua no meu

álbum de formatura — confesso, sentindo um nó fechar minha

garganta.

— Hum... — ele resmunga. Parece muito sério agora.

Olho todas as fotos com atenção, depois vejo os outros itens

na caixa. Fico surpresa ao ver que ele guardou o colar com a

plaquinha, o álbum de fotos brega que fiz para ele, as cartas

apaixonadas e aquela calcinha.


Estou com os nervos à flor da pele. Seguro a caixa com força,

com medo de desabar.

— Nunca conheci uma pessoa bêbada que mentisse tão bem

quanto você — ele diz, percebo a acusação no seu tom de voz. —

Mente tão bem que, se eu não fosse esperto, cairia no seu golpe.

Engulo a saliva, meu estômago volta a revirar.

— Sobre o que você acha que eu menti, exatamente? — o

questiono.

— Sobre ainda me amar, sobre não conseguir encontrar

alguém melhor, sobre querer ter um filho comigo. Mas não consigo

entender por que precisa mentir. É por diversão?

— Eu não menti — me defendo, lutando contra a ânsia. —

Porque mentiria, Artho?


— Você disse que não me amava mais. Essas palavras

saíram da sua boca, e lembro perfeitamente delas até hoje. Se você

quisesse ter um filho comigo, não teria terminado.

Encaro seus olhos castanhos. Não me preparei para esse

momento, onde eu teria que me justificar. Jamais considerei que

realmente fosse acontecer.

Limpo a garganta. Tem uma parte que eu não posso contar,

porque prometi a Eros.

— Você não teria vindo embora para São Paulo, trabalhar

como advogado do Grupo Editorial Giordano, se eu não tivesse

rompido nosso namoro — começo.

— Eu não viria mesmo. De jeito nenhum. Teria ficado com

você, em Bento Gonçalves. Já estava até abrindo um escritório lá,

com um colega da universidade.


— E você não teria conquistado o sucesso que alcançou, não

teria feito metade da fortuna que fez. Eu vi o uniforme do colégio de

Ayla. Ela não estudaria na escola mais cara de São Paulo. Talvez,

se ficasse lá, você poderia até ter cedido aos apelos da sua mãe e

devolvido sua filha aos cuidados dela.

Falo tudo isso depressa, então o encaro. Ele parece procurar

alguma coisa em meu olhar, talvez mentiras.

— Eu tive que me afastar, Artho, pelo seu bem e o da sua

filha, mesmo que tenha sido a coisa mais difícil que já fiz —

confesso. — Você merecia uma vida melhor, longe de Bento

Gonçalves e todas as memórias ruins que lhe traziam. Só que eu

não poderia estar incluída nessa vida.

Abaixo a cabeça, com o nó na garganta. É péssimo saber o

quanto o magoei, mesmo tentando lhe fazer o bem.


— Você... — Artho começa a dizer, então respira fundo e faz

uma pausa. — Por que nunca me procurou?

— Porque eu também tinha minha carreira para conquistar.

Dei duro na faculdade e continuei estudando incansavelmente, até

passar em um concurso. Além disso, eu sabia que tinha te

machucado...

— Perder você foi a pior coisa que me aconteceu, acredite.

Nenhuma outra dor superou a facada que você deu no meu coração

— ele sussurra.

Não consigo resistir a abraçá-lo. Sinto sua pele quente e

encosto os lábios no seu pescoço, meu coração bate dolorido.

— Espero que um dia você consiga entender — murmuro.

Ele leva alguns segundos para corresponder o abraço.


Quando sinto seus braços em volta do meu corpo, meu peito

é tomado por uma euforia tão grande, que fico com medo de me

iludir. Artho não é mais meu.

— Eu sempre te amei. Durante todos esses anos, eu torci por

você à distância, te acompanhei pelo Instagram, o Google, e

comemorei cada conquista sua. No fim das contas, valeu a pena.

Esfrego suas costas e pisco várias vezes para não chorar.

— Eu também nunca te esqueci — ele sussurra. — Mas

passei tempo demais te odiando, é difícil acreditar que ainda me

ama.

Engulo a saliva, aproveitando o calor da sua pele mais um

pouco.

Estremecemos quando ouvimos o barulho da porta.

— Papai — ouço Ayla gritar —, estou entrando.


Solto Artho e me endireito na cama.

Ficamos os dois como se fôssemos adolescentes pegos no

flagra, enquanto a garotinha nos observa com os olhos estreitos.

— Eu sabia! — ela diz, batendo palmas. — Sabia que vocês

iam se encontrar novamente. Eu senti!

Artho dá risada e eu arrumo o cabelo atrás da orelha.

— Se você era namorada do meu pai e ainda cuidava de

mim, por favor, se casem logo! Eu preciso de uma mãe! — ela diz

como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Filha — Artho diz em tom de repreensão. — Por favor.

— Eu só quero uma mãe — ela diz e faz um bico. — É a

primeira vez que eu gosto de uma das mulheres que você me

apresenta.
— Meu amor, Charlotte e eu estamos conversando. Você

poderia nos dar licença? — ele pede, paciente.

Ela estreita os olhos novamente e dá uma risadinha, como se

estivesse entendendo tudo.

— Sei muito bem qual a conversa — Ayla brinca. — Estou de

olho em vocês.

Dou risada quando ela sai do carro, é um amor.

— Eu preciso ir embora — digo ao ficar de pé. Alcanço

minhas sandálias ao lado da cama, minha bolsa na mesinha de

centro, e os seguro contra meu peito. — Acho que não preciso te

devolver essa camiseta. Obrigada por ter cuidado de mim ontem.

— Sobre a gravidez... — ele diz, ao se levantar também.

Respiro fundo.
— Eu não saio por aí implorando para os homens me

engravidarem. Você foi o único, pode ter certeza. Estou

considerando a ideia de fazer inseminação artificial — explico. —

Não preciso de outra pessoa para fazer dar certo. Você é pai solo e

se saiu muito bem.

— Você queria mesmo que eu fosse o pai?

Sacudo a cabeça. Acho que essa é uma das conversas mais

estranhas que já tive.

— Você é meu ideal de pai perfeito — confesso.

Ele sorri e coloca as mãos dentro do bolso.

— Está me propondo um acordo, Mulher Maravilha? — Artho

brinca.

Abro um sorriso também. Me sinto com dezoito anos

novamente. Adoro ouvir esse apelido na sua voz grave.


— Quer ser o pai do meu filho, Artho Becker? — pergunto

com a voz suave. — Você não tem que se envolver na criação, se

não quiser, eu só preciso do seu esperma. Podemos tentar uma

fertilização em laboratório.

— Você acha mesmo que eu perderia a melhor parte? — ele

diz e dá o sorriso malvado. — A oportunidade de te foder repetidas

vezes?

Sinto um calor tomar conta do meu baixo ventre e se espalhar

pelas minhas coxas.

— Eu ainda consigo te fazer corar — Artho observa. —

Pensei que você tivesse perdido a timidez.

— Não é de vergonha que estou corando — digo e mordo o

lábio.
— Você pode me dar um tempo para pensar? Se me conhece

bem, sabe que eu não toparia isso sem me envolver com a criança.

— Você está mesmo considerando? — pergunto, tentando

refrear a emoção que começa a crescer dentro de mim.

— Sim, eu estou. Porque, agora que te encontrei novamente,

não quero pensar em nenhum outro homem tentando te engravidar,

mesmo que seja por inseminação.

— Tudo bem — respondo e abro um sorriso. — Eu te dou o

tempo que você precisar para pensar. Agora, preciso ir embora. Não

sei o que aconteceu com minhas amigas e tenho que estudar um

caso para amanhã. Obrigada por tudo.

— Eu te levo em casa — ele diz.


Artho

Quinta, 17 de dezembro de 2026

— Vocês não sabem quem eu encontrei um dia desses —

digo, enquanto corto um pedaço de bife. Estou almoçando com

Eros, Dimitri e Lion em uma churrascaria, uma semana antes do

Natal.

Demorei para contar isso a eles, porque eu não sabia se

ainda ia querer ver Charlotte outra vez. Não valeria à pena tocar

nesse assunto, se não voltássemos a nos encontrar.


Acontece que eu não consigo tomar a decisão sozinho. Uma

parte de mim, vingativa, fria e dura, quer ignorá-la pelo resto da

vida, fazê-la passar pela mesma dor que eu passei. Outra parte,

acredita cegamente em tudo que ela disse e acha que foi uma prova

de amor ela ter se sacrificado por mim.

Não sei a qual dos lados devo ouvir. Não posso cometer o

erro de me envolver com uma pessoa que vai me destruir outra vez,

eu não aguentaria ter que esquecê-la.

— Homem ou mulher? — Dimitri pergunta.

— Mulher — eu respondo.

— São tantos nomes que me vêm à mente — Lion brinca. —

Sophia, Amanda, Letícia, Rafaela, Eduarda, Manoela…

— Charlotte — digo de uma vez.


— Ah... Como era mesmo o apelido que você deu a ela? —

Dimitri pergunta, estalando os dedos.

— Era o nome de um personagem da DC — Lion diz.

— Mulher Maravilha — é Eros quem acerta.

De todos eles, Eros foi o que mais me assistiu sofrer.

— Ela mesmo. A vi atravessando o sinal. Parei o carro e fui

atrás dela — confesso, esperando que eles me julguem. — Ela

estava em um encontro com um cara, os interrompi e ainda pedi seu

telefone.

— Não acredito — Lion diz e bebe um longo gole da caneca

de chope. — Vocês se encontraram depois?

Olho para Eros e Dimitri, que ouvem atentamente.

— Sim, a encontrei em uma boate — explico.


— E vocês tiveram um remember? — Eros quer saber.

— Não, ela ficou bêbada e a levei para casa. Mas, enquanto

embriagada, disse que nunca deixou de me amar. Quando ela

acordou no outro dia, sã, me contou que o motivo de ter terminado

comigo foi que ela queria...

— Ela queria que você viesse para cá — Eros diz.

O observo atentamente, tentando entender a convicção na

sua voz.

Dimitri e Eros se entreolham.

— Você nunca contou a Artho? — é Dimitri quem pergunta.

— Contou o quê? — exijo saber.

Eros pigarreia e bebe alguns goles de chope.

— Contar o quê? — insisto.


— Que ele sabia sobre Charlotte e porque ela terminou com

você — Dimitri o entrega.

Me arrumo na cadeira, tentando entender do que ele está

falando.

— Você se lembra daquela conversa que tivemos, antes da

sua formatura? — Eros questiona. — Quando me contou que não

viria mais trabalhar em São Paulo por causa dela?

Assinto, mas não digo nada.

— Ela estava escutando a conversa — Eros continua. —

Ouviu tudo que eu falei sobre o quanto o namoro de vocês iria

atrapalhar sua vida.

— Como você sabe disso e eu não? — Sinto um tremor pelo

corpo. Meus olhos estão ardendo. Não consigo acreditar que

Charlotte ouviu as coisas horríveis que Eros disse naquele dia.


— Foi por isso que Charlotte terminou, para que você e Ayla

viessem para cá e tivessem uma vida melhor.

— Você também sabia disso? — Desvio minha atenção para

Dimitri.

— Sim, Eros me contou — ele confessa.

— E você, Lion? — o questiono.

— Sou que nem corno, o último a saber — Lion brinca.

— Charlotte esbarrou comigo na formatura, quando estava

indo embora, e contou que iria terminar. Eu a apoiei, nós dois

queríamos o melhor para você — Eros continua. — Mas ela sofreu

muito. Pode acreditar nela. Te amava tanto que abriu mão de ficar

ao seu lado, para que você estivesse onde está hoje.

Trinco os dentes, não sei exatamente o que pensar.


Eu sei que fizeram pelo meu bem e que não poderiam me

contar. Eu jamais teria ido embora se soubesse a verdade.

A única forma era me dar um pé na bunda.

Me arrumo na cadeira e cruzo os braços.

— Acredite, se ela disse que sempre te amou, é porque é

verdade — Dimitri comenta.

— Não vou te pedir desculpas — Eros murmura. — Não acho

que fiz uma coisa errada ao apoiá-la. Você é um dos melhores

advogados empresariais do estado, mas não sei se teria se

destacado tanto vivendo em Bento Gonçalves. Além de tudo, tinha

Ayla e os problemas com a sua mãe. Você ia se afastar, foi a melhor

saída.

Assinto, mesmo que ainda sério.


— Ela quer ter um filho comigo — resolvo contar logo, para só

depois organizar meus pensamentos, quando estiver sozinho. —

Sempre quis ser mãe, mas, assim como eu, jamais se apaixonou

novamente.

— Um filho? — Lion pergunta. — Porra, vocês se

reencontraram esse mês e já estão falando em filhos?

Bebo o chope da minha caneca em três goles, então explico

tudo a eles, cada palavra que me lembro de ter ouvido da boca dela.

Eles ouvem atentamente. Conto até a parte em que Ayla

entrou no quarto e pediu para que nos casássemos.

— Se vocês ainda se amam... — Lion murmura. — Não vejo

nada que os impeça.

— Mas é você quem precisa decidir — Dimitri diz.


— Sim, só você. Não somos nós que vamos conviver com a

dor, se ela mudar de ideia — Eros diz. — E ter um filho é uma coisa

muito séria, você sabe melhor que a gente.


Charlotte

Quinta, 17 de dezembro de 2026

Artho Becker está na portaria do meu prédio. Faz cinco dias

que ele me deixou em casa e não deu mais notícias.

Cinco dias que passei correndo para olhar o celular a cada

notificação, esperando que fosse uma mensagem sua. Dias de

ansiedade e nervos à flor da pele. Parece que eu estou com dezoito

anos de novo, esperando para saber se ele vai me levar à festa dos

calouros do curso de Direito da UFBG.


Estalo os dedos da mão, conferindo meu reflexo no espelho.

Cheguei do Tribunal de Justiça há uma hora. Meu último dia de

trabalho antes do recesso do final do ano. Estou com a passagem

marcada para viajar na quarta, dia vinte e três. para o Rio Grande

do Sul, onde passarei o Natal com minha família, como em todos os

anos.

Por sorte, tomei um banho depois que cheguei e sequei o

cabelo, mesmo sem estar esperando visitas, porque pretendia ir ao

cinema com as minhas amigas.

— Pode deixá-lo subir — respondo ao porteiro do prédio.

Encosto a testa na porta e sofro pelos próximos minutos, sem

saber o que ele está vindo fazer aqui. Se ele disser que é melhor

deixar as coisas como estão, eu vou levar mais uma vida para me

adaptar a sua falta.


Se Artho disser que quer voltar comigo... Eu não sei se

aguento tanta emoção.

— Você é uma juíza agora, não pode deixar um homem te

arrasar desse jeito — me repreendo. — Mas é Artho...

Encosto o ouvido na porta e a abro assim que ouço passos no

corredor.

Ele está usando uma camisa de botões branca, calça de

alfaiataria e gravatas cinza, e o terno está jogado sobre o ombro.

Nunca conheci ninguém tão bonito no tempo em que estivemos

separados.

Quando ele para diante de mim, não diz uma palavra, mas

toma meu pescoço com a mão direita e me beija de um jeito que

rouba meu fôlego.


Quero pará-lo, quero pedir para conversarmos primeiro, mas

a parte irracional de mim varre para longe todos os pensamentos

coerentes.

Abraço seu torso com minhas pernas quando ele agarra meus

quadris e me ergue.

Meu coração se enche dele outra vez. Não entendo como

consigo estar ainda mais apaixonada do que era anos antes.

Artho caminha para dentro do meu apartamento e fecha a

porta com o pé.

Ele me apoia sobre o encosto do sofá e olha em volta,

localizando a porta que dá para meu quarto, então me pega

novamente e me leva.

Quando sou jogada contra a cama, já estou queimando de

desejo. A consciência me grita para interrompê-lo e conversarmos,


mas não dou ouvidos a ela.

Estico o pé e o esfrego no relevo sobre sua calça cinza,

enquanto Artho tira a gravata e abre os botões da camisa. Vou até

ele e beijo a tatuagem 1994 em seu abdômen.

Ele geme, aquele tipo de gemido que me deixa toda molhada,

mas continua sem dizer uma palavra. Nossas roupas são

arrancadas e eu posso ver as novas tatuagens que ele fez. O

símbolo do seu signo está em suas costelas. Ele é de escorpião, e

vai me picar novamente.

Vejo alguns outros desenhos, mas o que me chama atenção é

a caveira que preenche toda a extensão das suas costas malhadas.

Deslizo meus dedos por ela, enquanto ele se debruça sobre mim e

toma meus lábios para si outra vez.

Não é como se fôssemos jovens de novo, é muito melhor. O

seu beijo é mais doce e quente e suas mãos estão ainda mais
provocantes.

Ele tira minha calcinha, afasta meus lábios e, passa a língua

ao redor do meu clitóris, me arrancando um gemido prolongado.

— Porra, Artho! — xingo quando ele dá um chupão gostoso e

lento.

Nenhum outro homem com quem já estive faz como ele.

Agarro seus cabelos e me esfrego contra seu rosto, atingindo

meu limite em poucos segundos. Me contorço sobre os lençóis,

conforme ele me suga, morde e lambe, e quando sinto que não vou

aguentar mais, Artho para.

Fico sem fôlego, apoiada nos cotovelos, e o assisto tirar a

cueca boxer branca. Lambo os lábios ao ver seu pau e arfo, não

posso acreditar que vou tê-lo dentro de mim outra vez.

Desejei tanto isso.


— Você tem camisinha? — ele pergunta, de repente.

Pisco, confusa. Será que é a força do hábito e ele não se

lembra do que conversamos ou simplesmente não quer?

— Na gaveta de cima — respondo e aponto com o queixo

para a mesinha ao lado da cama. Por mais que a decepção tenha

me atingido, eu não vou perder essa chance, mesmo que ele só

tenha vindo para uma única foda, antes de me dizer adeus.

Ele vai até lá e abre a gaveta.

— Caralho, Charlotte! – Ouço seu espanto.

Levo as mão ao rosto e me lembro do estoque de camisinhas

que guardo na gaveta. Uma mulher prevenida vale por duas. Não é

porque eu planejo engravidar que eu vou ficar sem proteção em

casa.

— Você faz orgias em casa? — ele pergunta.


— Não, eu...

— O que é isso? — ele pergunta, ao abrir a gaveta de baixo.

— Artho, por favor — protesto.

Fecho as pernas e puxo a colcha de cama para me cobrir.

— Quantos vibradores você tem? — ele quer saber.

— Não mexe nas minhas coisas — peço, mas ele já está

enfiando as mãos na gaveta.

Meu rosto queima de vergonha.

— Mulher Maravilha, você é uma devassa — Artho diz.

— Ugrh — resmungo, sentindo o rosto arder. Ele não

precisava ver isso e eu não vou dizer que essa é a única forma que

encontrei de chegar pelo menos perto do prazer que ele me dava,

quando namorávamos. — Fecha isso, por favor.


Ele não me dá ouvidos. Pega um dos vibradores e aperta o

botão que o liga.

Ouço o zumbido baixinho e fico ainda mais envergonhada,

mas Artho não está nada preocupado. Ele agarra meus tornozelos e

me puxa até minha bunda alcançar a beirada do colchão.

— O que vai fazer? — o questiono.

— Relaxa, minha pequena — ele murmura com a voz rouca,

morde o lábio e dá aquele sorriso de canto que exibe uma das

presas.

Arfo, apertando meus seios, quando ele encosta a ponta do

vibrados na minha entrada e se debruça até encostar os lábios no

meu clitóris.

— Você já se masturbou pensando em mim? — pergunta com

um sussurro.
— Talvez — respondo e gemo ao senti-lo me sugar.

Artho afasta a boca e se inclina para me encarar.

— Talvez não é a resposta que uma boa menina me daria —

ele diz com o tom de voz bem sério. — Você não é mais comportada

como antes, minha pequena?

— Ai, porra — eu gemo quando ele introduz o vibrador em

mim, então o tira de volta.

— Charlotte — Artho me adverte. — Você não quer que eu

pare agora, quer?

— Não, por favor — imploro, apertando os bicos dos meus

seios, com as coxas apoiadas nos seus ombros.

— Então responda, você já se masturbou pensando em mim?

— Claro que sim — respondo sem pudor.


— Quantas vezes? — Artho que saber.

— Praticamente todos os dias — sussurro.

Ele introduz o vibrador lentamente, enquanto me assiste

gemer, então inclina a cabeça e dá um chupão ainda mais gostoso

no meu clitóris. Mordo o lábio e grito, ardendo de tesão.

— Se você me quer, vai ter que ser só minha — ele diz ao

tirar e colocar o vibrador bem depressa. — Ninguém mais pode

entrar nessa boceta, você entendeu?

— Sim, senhor — respondo.

— Estou falando sério, minha pequena — ele diz, sua voz é

tão sexy que me enlouquece. — Você pertence a mim outra vez. E

só eu posso te comer.

— Sim, eu entendi — digo, entre um gemido e outro. — Me

come, por favor, eu imploro.


Ele tira o vibrador de mim, se levanta e massageia o pau

cheio de veias saltadas. Estou louca para chupá-lo, mas Artho está

vindo para mim.

— Você se lembra quando estava com tanto tesão, que

gozava assim que eu enfiava meu pau em você? — ele pergunta.

Balanço a cabeça positivamente.

— Eu adorava aquilo — Artho diz.

Ele se inclina, dá um último chupão no meu clitóris, então me

penetra devagar, de pé, entre as minhas pernas. Seguro seus

quadris e atinjo o clímax quando ele me preenche por inteiro.

— E você gozava de novo quando eu continuava metendo —

ele sussurra.

Ainda estou me recuperando, quando ele pega meus

tornozelos e os apoia em seus ombros. Desse jeito, consigo senti-lo


todo enterrado dentro de mim.

Ele começa a se movimentar, estocando cada vez mais

rápido, inclina a cabeça para trás e rosna. Posso ver seu pomo de

adão entre a coroa de louros em seu pescoço, o suor escorrendo

em sua pele avermelhada.

Cravo minhas unhas em seus quadris e me movo com ele, ao

sentir outro orgasmo se aproximando.

— Vai mais rápido — peço. — Me faz gozar de novo, e eu

prometo que vou ser sua para sempre.

Artho abre minhas coxas e se deita sobre mim, aperta meu

pescoço e me beija com desejo, entrando e saindo bem rápido.

Quando começo a gozar, contraindo meu interior em torno do seu

pau, ele me preenche com seu gozo pela primeira vez.


Ele me abraça com força e eu enrolo minhas pernas em volta

dele.

Tenho várias perguntas para fazer. É a primeira vez que um

homem ejacula dentro de mim sem camisinha. Mas fico calada,

apenas ouvindo o som da sua respiração.

Meu celular começa a tocar, minutos depois.

— Está esperando algum filho da puta? — Artho pergunta,

com os dedos acariciando meu couro cabelo.

— Não, deve ser uma das minhas amigas, combinei de ir ao

cinema com elas — explico, mas agarro seu tórax bem forte. Não

posso nem arriscar ficar longe dele.

— Você vai? — ele quer saber.

— Prefiro que você me coma de novo, até não ter mais forças

para foder — respondo.


— Você tem algum namorado? E aquele cara do restaurante?

— Artho investiga.

— Ele não era ninguém importante. Estou solteira —

sussurro. — E você?

Espero pela resposta com o coração apertado.

— Solteiro também — ele diz, e eu agradeço em

pensamentos. — O que vai fazer no Natal?

— Viajo na quarta para Santo Antônio das Missões, e você?

— Minha mãe e meu padrasto vêm passar o Natal comigo.

— Eles estão bem? Ela conseguiu aceitar que você tenha

ficado com Ayla?

— Demorou, mas acabou aceitando — ele diz. — Ela e Celso

estão bem, ele é um marido muito bom pra minha mãe. Acho que
todo mundo merece uma segunda chance, e ele é a segunda

chance dela.

Desejo perguntar se essa é nossa segunda chance, mas não

quero estragar o momento.

Artho volta na sexta, no sábado, domingo e na segunda, mas

nunca fica para dormir, me fode até me deixar sem forças e vai

embora.

Minha cabeça cria inúmeras teorias, porque a gente não

conversa sobre o futuro, mas eu levo em consideração que tem Ayla

e ele não pode ficar dormindo fora.

Na terça, acordo por volta das nove da manhã com sua

ligação. Artho me convida para almoçar em um shopping.


— Se você não tiver outro compromisso — ele diz.

Eu sei que não devo estar sempre à disposição de um

homem, mas não é qualquer um. É Artho, e já passamos coisas

demais para ficarmos fazendo joguinhos. Além disso, não tenho

outro compromisso.

— Eu aceito — respondo, animada.

— Ayla vai também, tudo bem? Ela está me pedindo para te

ver desde a semana passada.

— Claro, eu vou adorar almoçar com ela.


Artho

Terça, 22 de dezembro de 2026

— Você já conversou com ela, papai? — Ayla pergunta,

impaciente no banco de trás.

— Ainda não — respondo ao encarar seus olhos azuis

através do retrovisor.

— Papai! — ela protesta. — Por que não disse à Charlotte

que preciso que ela me ajude a fazer compras?


Paro na faixa amarela, ao lado da entrada do prédio de

Charlotte, e a vejo se aproximando.

Está usando calça jeans e uma blusa de alcinhas vermelha

que combina com o seu batom, além de sandálias de salto.

Vejo dois homens que estão passando na calçada se virarem

para olhá-la. Buzino como forma de protesto, fazendo Charlotte dar

um sobressalto. Abaixo o vidro da janela, tiro o cinto e me inclino.

— Para de olhar pra mulher dos outros — vocifero. Um deles

olha para trás, mas continua andando.

Charlotte sacode a cabeça em negação e dá risada.

— Você não pode estacionar aqui — ela me corrige —, muito

menos xingar todo homem que olha pra mim.

— Posso, sim — respondo.


— Oi, Ayla. Tudo bem? — ela cumprimenta minha filha.

— Estou bem. Você viu, ele já está te chamando de minha

mulher? — Ayla comenta. — Vamos ter fé que esse casamento sai.

— Filha! — digo e lanço um olhar de advertência. — Sem

gracinhas.

Eu sei o quanto ela sonha em ter uma mãe. Ayla não se

lembra de Charlotte, era muito pequena quando nos separamos,

mas de alguma forma, elas têm uma conexão, e isso está mexendo

com a sua mente criativa.

Não quero confundi-la, mesmo assim, acho que não tem mais

jeito. Só estou tentando manter a cabeça no lugar e ir com calma,

para nenhum de nós acabar se magoando.

Tanto Ayla quanto eu já sofremos pela falta dela uma vez, e

eu deveria tomar mais cuidado, mas aqui estou eu, levando as duas
para almoçar como se Charlotte e eu tivéssemos um relacionamento

outra vez.

— Agora eu sou sua mulher? — Charlotte pergunta em tom

de brincadeira.

Eu preciso pensar melhor na nossa situação, mas minha

mente não aceita a ideia de deixá-la livre para outro homem. E é o

que vai acontecer se eu não assumir o que sinto, se eu não me

resolver.

— Sim, você é — murmuro, manobrando o carro para a rua.

— E ninguém tem o direito de olhar para o que é meu.

Ayla dá risada no banco de trás.

— Nunca vi alguém mais ciumento — ela diz. — Você vai

deixar, Charlotte?
— Ele finge que manda e nós fingimos que obedecemos —

Charlotte responde, ao se inclinar para olhar minha filha. — No fim

das contas, dobramos ele.

— Sim! — Ayla concorda. — Sempre o dobramos. Eu pedi

para ele falar com você, mas ele não falou. Queria muito que você

me ajudasse a escolher algumas roupas, você se importa?

— Claro que não, meu amor — Charlotte diz. — Tenho a tarde

livre.

— Ainda bem, assim não vou precisar ficar horas esperando,

carregando sacolas, indo de uma loja a outra — digo, aliviado.

Eu fui enganado. Elas estavam em duas e me obrigaram a

ficar sentado, esperando impaciente, enquanto escolhiam roupas.


Um desfile infindável de peças. E ainda me faziam opinar, escolher

qual vestido ficava melhor, qual cor combinava mais.

Ayla estava eufórica, porque era a primeira vez que ela saía

para fazer compras com alguém além de mim e da nossa

governanta, e aceitava com um sorriso largo tudo que Charlotte lhe

sugeria.

Após horas, as duas se deram por satisfeitas e me fizeram ir

guardar os pacotes no carro. Quando voltei, imaginando que íamos

assistir a um filme juntos, as encontrei em um salão de beleza.

— Vai ser rapidinho — Charlotte diz e pisca para mim. — Só

vamos aparar as pontinhas do cabelo.

— E fazer as unhas — Ayla comemora, sacudindo as mãos

diante do rosto.
Eu quero ficar irritado, mas não consigo. É muito bom ver

minha filha feliz, se divertindo com a mulher que eu sempre amei.

Estou rendido, não tem como não me apaixonar ainda mais

por Charlotte.

Quando elas terminam, levo minhas duas garotas para jantar.

Elas conversam e brincam uma com a outra como era antes da

separação. É como se os anos não tivessem passado.

— Você pode dormir na minha casa? — pergunto para

Charlotte, ao entrarmos no carro para irmos embora.

Ela morde o lábio e olha sobre o ombro para Ayla, que está

bocejando, exausta no banco de trás.

— Tem certeza? — Charlotte questiona. Sei que ela não está

se referindo apenas a dormimos juntos, mas sobre levar as coisas

adiante.
— Eu devo ser muito trouxa para cair na sua lábia outra vez

— brinco. — Mas sim, eu tenho certeza. Você vai viajar amanhã,

então eu quero aproveitar cada minuto com você.

— Eu volto para passarmos o réveillon juntos, se você quiser

— ela diz e passa as pontas dos dedos no meu maxilar.

— A última vez que me senti como agora, foi na virada do ano

que passamos em Florianópolis, você lembra? Ayla estava me

chamando de papai e você tinha aceitado meu pedido de namoro e

todos os problemas que vinham comigo — sussurro. — Depois que

fui embora de Bento Gonçalves, pensei que jamais sentiria essa

felicidade outra vez.

— Agora sou eu quem te peço em namoro — Charlotte

sussurra. — Você quer ser meu namorado de novo, Artho Becker?

— Ele aceita! — Ayla vibra do banco de trás. — Ele está

caidinho por você.


Charlotte dá risada.

— Não precisa responder agora — ela sussurra para que só

eu ouça. — Me dê a resposta quando eu voltar de viagem.

Quando deixo Charlotte no seu prédio, ela me pede para

esperar no carro e volta alguns minutos depois carregando uma

caixa.

— Escrevi algumas cartas para você, durante esses anos.

Gostaria que você lesse para entender meus sentimentos —

Charlotte diz, me entrega a caixinha através da janela do carro,

aperta os lábios contra os meus e me dá as costas.

Fico esperando-a entrar, até desaparecer de vista, então dirijo

para o condomínio onde moro. Ayla me pergunta várias vezes o que

tem na caixa, mas acaba adormecendo antes de chegar em casa.


A pego no colo e a levo para dentro, carregando a caixa de

Charlotte embaixo do braço.

Peço a Aneliza que pegue as compras no carro e coloco

minha filha em sua cama. A cubro e vou para o meu quarto.

Tomo um banho primeiro, enquanto organizo os

pensamentos, antes de começar a ler as cartas.

Me sento na varanda do quarto, com uma garrafa de cerveja

na mão, e abro a tampa.

Respiro fundo quando vejo a pilha de cartas amarradas com

uma fita de cetim vermelha. Desfaço o nó e pego a primeira da

pilha.

Quando leio sobre o lençol e a fronha que ela guardou, para

manter o meu cheiro, meu coração se aperta tanto que me sinto

tentado a correr para seus braços imediatamente. Minha garganta


dói quando descubro que ela se arrependeu de ter terminado, que

desejou que eu não fosse orgulho e implorasse por uma segunda

chance.

— Eu entendo tudo, minha pequena — murmuro ao chegar

ao final da carta.

Parte de mim deseja com todas as forças voltar no tempo e

arrancar a dor que ela sentiu, mas isso é impossível. Nem todo

dinheiro do mundo pode comprar uma máquina do tempo.

Seco as lágrimas e respiro fundo, antes de começar a ler a

segunda.

Outro golpe me acerta em cheio no peito ao ler o quanto ela

ficou sozinha depois que Raquel foi embora.

Não consigo imaginar a solidão que ela passou. Não acredito

que a odiei tanto, quando Charlotte é quem tinha sido deixada para
trás, não só por mim, mas por todos com quem ela estava

acostumada a conviver.

Fico imaginando como ela ficou parada na frente do portão da

nossa antiga casa, a sede do clube, revendo as coisas que

aconteceram ali.

Até de Darth Vader ela sentia falta.

— Eu nunca te esqueci — digo ao ler a terceira carta.

Vejo a preocupação que ela tinha com Ayla, o quanto sentia

falta dela.

Sinto os pedaços do meu coração rachando ainda mais

quando Charlotte conta que conheceu um cara. Prendo a respiração

e só volto a soltá-la quando ela conta que terminou com ele.

Quando leio a última carta, e sei o quanto ela tentou encontrar

em outro homem a mesma paixão que tínhamos, é que me dou


conta de como estive tão perto de perdê-la para sempre.

Eu tive muita sorte por ela nunca ter se apaixonado, mas

estou ciente de que essa sorte não vai durar a vida inteira.

Acabamos de nos reencontrar, mesmo assim, não vou ficar

adiando mais. Charlotte sofreu por mim e eu sofri por ela. Claro que

pelos motivos errados, mas hoje consigo ver que tudo o que

aconteceu entre nós foi necessário e agradeço pelo destino ter

colocado-a em meu caminho novamente.

Agora, eu quero dar toda felicidade do mundo a ela.

Não vou deixar que nada e nem ninguém nos afaste

novamente.

Charlotte
Quarta, 30 de dezembro de 2026

Eu odeio Artho Becker na mesma intensidade que amo.

É o primeiro Natal que não cumpro a tradição de escrever

uma carta a Artho, desde nossa separação, em 2018.

Mantive todas as cartinhas em uma caixa, sem nunca as

enviar, mas resolvi entregar tudo a ele antes de sair de viagem.

Pedi que ele as lesse quando estivesse sozinho. Era uma

forma de fazê-lo entender a intensidade com a qual permaneci

amando-o, mesmo sem vê-lo.

Imaginei que ele iria me ligar após ler, fantasiei até que Artho

iria pegar um avião e vir me encontrar, em Santo Antônio dos

Milagres, mas não aconteceu.

Ele me deixou sem notícias por mais uma semana.


— Cretino! — o xingo ao conferir o celular e ver que não há

nenhuma mensagem dele.

O avião acabou de pousar no aeroporto de São Paulo e os

passageiros começam a pegar seus pertences para desembarcar.

Fico sentada no meu banco, tentando controlar a respiração, me

odiando por ser tão iludida.

Esperava que ele viesse me recepcionar, com a resposta do

meu pedido de namoro, mas aquele escorpiano cafajeste adora me

fazer sofrer.

— Quando ele vier atrás de mim outra vez — murmuro — e

eu sei que ele vem, será a minha vez de dar um gelo. Você vai

provar do seu próprio veneno, Artho. Ah, se vai!

Fico de pé e alcanço minha bolsa de mão no compartimento

acima da minha poltrona, quando a movimentação dos passageiros

diminui.
— Senhorita Charlotte Castro? — Ouço uma comissária de

voo me chamar.

Arregalo os olhos ao encará-la, com o coração acelerado.

— Sou eu? — minha fala sai como uma pergunta.

— A senhorita pode esperar em seu assento um momento?

— a comissária pede.

Maneio a cabeça lentamente.

— Algum problema? — pergunto com a voz fraca.

Será que acharam alguma coisa na minha bagagem? Não

pode ser, eu não fiz nada de errado.

Caio no assento, com o coração saindo pela boca. Meu

estômago começa a revirar.

Espero por novas instruções, impaciente.


Quando todos os outros passageiros saem, o piloto aparece

no final do corredor e me cumprimenta com um aceno de cabeça.

— Pode descer, Charlotte — ele diz e gesticula com a mão

para a saída.

Não confio no seu sorriso. Aconteceu alguma merda, caso

contrário, ele não me chamaria pelo nome.

Respiro fundo e me obrigo a ficar de pé. Meus joelhos estão

fracos e eu temo que eles não possam me manter erguida por muito

tempo. Caminho até o piloto, que ainda me espera com o sorriso

aberto.

Levo a mão ao peito e o esfrego por cima da blusa, enquanto

aperto a alça da bolsa com a outra mão.

— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, mas ele não

responde.
Me viro para deixar o avião e a luz clara do dia ofusca minha

visão. Coloco o primeiro pé na escada e começo a descer, piscando

várias vezes para os meus olhos se adaptarem à claridade. Então

eu o vejo.

Artho está parado ao pé da escada, está usando calças

pretas e camiseta branca, com os antebraços tatuados à mostra. Na

sua mão há um buquê de rosas vermelhas. Sinto meu coração errar

as batidas. Ele só me deu flores duas vezes: no meu aniversário de

dezenove anos e no único Dia dos Namorados que passamos

juntos, em Bento Gonçalves.

Vários homens com quem saí e até namorei depois dele me

presentearam com rosas, mas jamais me senti assim.

— Seu cretino! — o xingo baixinho, enquanto desço os

degraus com as pernas fracas.


Ele faz minhas mãos tremerem quando dá o sorriso de canto,

mostrando a covinha.

— Oi, minha pequena — Artho diz e eu amo como seu pomo

de adão se move na sua pele, no meio da tatuagem.

— Como te deixaram entrar aqui? — pergunto, ao colocar o

pé no último degrau.

Ele pisca o olho castanho para mim, me entrega as flores,

passa a língua no lábio inferior e enfia a mão no bolso da calça.

O vejo tirar uma caixinha vermelha lá de dentro. A respiração

fica presa quando ele se agacha e prosta um joelho no chão.

— Ai! — sussurro.

Percebo que suas mãos estão tremendo e eu rezo com todas

as forças para não estar errada.


Artho abre a caixinha e eu vejo as alianças.

Ele ergue a cabeça e me encara contra a luz do sol, que

deixa seus olhos esverdeados.

— Quer se casar comigo, Charlotte? — Ouço sua voz grave e

aveludada perguntar.

Pisco, tomada por uma euforia maior do que jamais senti.

— Sim, meu amor, eu quero!

Preciso me controlar para não dar pulinhos, quando

colocamos as alianças.

Me jogo no seu peito, sem me preocupar em amassar as

flores, e o beijo com paixão assim que ele fica de pé. Ele me

envolve com seus braços quentes e tatuados. Seguro sua nuca com

força e torço para que não seja mais um dos meus sonhos

traiçoeiros.
— Como entrou aqui? — pergunto.

— Dinheiro — ele explica, resumidamente.

— Ai, meu Deus, estamos noivos!

— Você disse sim — ele sussurra, seus olhos estão brilhando.

— Por que não ligou esse tempo todo? — o questiono.

— Queria te fazer uma surpresa.

— Conseguiu! A comissária de bordo quase me matou do

coração quando me pediu para esperar os outros descerem. Estou

tão feliz!

— Que bom que você disse sim, porque eu te amo demais.

Tentar te esquecer foi a pior coisa que eu já fiz na vida, não

aguentaria ter que passar por aquele sofrimento de novo.


— Nunca mais vamos nos separar, porque eu te amo com

todo meu coração — respondo, me enroscando no seu braço, ao

caminharmos em direção ao carro que nos espera. — Você leu

todas as cartas?

— Sim, eu li tudo, pelo menos, umas dez vezes — Artho

confessa. — Você me pediu em namoro, mas eu precisava te

responder com um pedido de casamento.

Abro um sorriso ainda maior, e caminho com a cabeça

encostada no seu ombro, enquanto admiro a aliança no meu dedo

anelar.
Charlotte

Domingo, 11 de abril de 2027

Eu amo a liberdade que sinto quando estou na garupa da

moto de Artho.

Agora ele tem uma Harley-Davidson preta, e fica

absurdamente lindo pilotando-a de jaqueta de couro.

Abro os braços, com as coxas apertadas contra seu quadril, e

assisto o sol nascer no horizonte. Saímos de casa bem cedo, antes


dos primeiros raios de sol.

Estou levando apenas uma mochila com uma muda de roupa,

vamos a Campos do Jordão passar o dia e voltamos antes do

anoitecer.

Ainda é muito cedo quando chegamos ao hotel em que Artho

fez reservas. Ele para a moto no estacionamento e tira a jaqueta.

Está usando camiseta sem mangas, calças e coturnos pretos. O

cordão que lhe dei de presente de aniversário de vinte e três anos

está pendurado em seu pescoço.

Hoje ele não parece um advogado de sucesso, mas o bad

boy que era na universidade, com a jaqueta pendurada no ombro.

Seguro em seu braço musculoso e tatuado, enquanto ele faz

o check-in, depois caminhamos de mãos dadas até o restaurante do

hotel. A maioria das mesas estão ocupadas, e posso ver várias

cabeças se virando para olharem meu noivo.


Ergo o queixo, orgulhosa por estar ao seu lado.

As mulheres observam as tatuagens em seu braço e eu amo

a ideia de que só eu posso tocá-las agora, porque esse cretino é só

meu.

O café da manhã é self service.

Me vem à memória a época em que Raquel e eu comíamos

quatro cream cracker e um copo de café cada, para que o pacote

durasse o mês inteiro.

Encho meu prato com tudo que tenho direito: queijos, bolos,

pães, presunto, ovos. Artho também empilha o monte de comida em

seu prato. Nós dois sabemos como é passar privações.

Estou comendo um pedaço de queijo quando sinto meu

estômago revirar.
Tento fazer a ânsia passar bebendo alguns goles de iogurte,

mas o enjoo só aumenta. Sinto minhas mãos ficaram geladas e

corro na direção dos banheiros antes que seja tarde demais.

Coloco tudo para fora e depois me arrasto até a pia. Me lavo,

enquanto me certifico de que a ânsia não vai voltar. Só depois deixo

o banheiro.

Artho está parado em frente a porta com o olhar preocupado.

— Odeio passar mal — resmungo.

— Não é a primeira vez que você enjoa — ele diz. — Ontem

você colocou todo o café da manhã para fora.

— Acho que foi alguma coisa que comi.

Ele estreita os olhos e me observa, como se eu estivesse

deixando passar alguma coisa.


Levo a mão à boca assim que me dou conta. Mas não quero

me iludir.

— Você acha que pode ser? — o questiono, sentindo o

coração acelerar. — Minha menstruação está atrasada alguns dias,

mas isso sempre acontece.

— Me espere no quarto, eu vou procurar uma farmácia e

comprar um teste — Artho diz com a voz calma.

— Esperar no quarto? Eu estou nervosa demais para esperar!

— Vem comigo — ele diz e me pega pela mão.

Artho pega a mochila e a jaqueta nas cadeiras onde

estávamos sentados e me acompanha até a nossa suíte, que tem

vista para as montanhas.

Me sento na cama e ele se agacha para falar comigo.


— Eu volto logo, fique calma.

Assinto, certa de que não vou me acalmar.

O observo deixar o quarto e aguardo. Estou tão ansiosa que

não sei se vou aguentar.

Caminho de um lado para o outro da suíte até ele estar de

volta.

— Me diga que não sou só eu que estou nervosa — peço.

— Eu também estou, mas um de nós precisa manter a calma

— ele diz me leva até o banheiro.

Faço como mandam as instruções na caixa e abraço Artho

com força, enquanto espero o resultado.

A gente transa sem camisinha desde dezembro, mas eu sei

que é mais difícil engravidar quando se quer muito.


— Calma, não tem problema se der negativo — Artho

sussurra.

Sinto seu cheiro amadeirado e beijo a pele macia do seu

pescoço, com o coração martelando contra meus ouvidos.

— A gente vai continuar tentando — ele acrescenta. —

Transar é o que a gente sabe fazer de melhor, minha pequena.

Dou risada do seu jeito de falar.

— Eu sei, meu amor, mas isso não me impede de ficar assim

— respondo.

— Quer saber o resultado? — ele pergunta. Está virado para

a pia, onde o bastão está, e eu estou de costas.

— Eu não sei se estou pronta — digo. Coloco a mão sobre

seu peito e sinto seu coração batendo forte. Me inclino e o encaro.


Minha pulsação se eleva ainda mais quando ele abre um

sorriso e seus olhos brilham.

— Artho… — sussurro e ele faz que sim com a cabeça.

Me viro e vejo que deu positivo.

— Vamos ter um bebê! — grito, dando pulinhos de alegria. —

Eu vou ser mãe!

Paro, com as duas mãos sobre a boca e os olhos

arregalados.

— Ai, meu Deus, eu vou ser mãe! — repito, me dando conta

do poder dessas palavras. Meus olhos ficam úmidos. — Mãe de um

filho seu...

— Você precisa fazer o exame de sangue para ter certeza,

mas esses testes de farmácia quase sempre dão certo — Artho diz

e me pega no colo.
Passo meus braços em volta dos seus ombros e beijo a coroa

de louros em seu pescoço, enquanto ele me carrega até a cama.

Ele me coloca sobre o colchão e se deita ao meu lado.

Quando ele se inclina, puxa minha blusa e beija a parte de baixo da

minha barriga, eu sinto meu coração inchar, dobrando de tamanho.

Arfo com a emoção, a ficha está começando a cair.

Fico um longo momento me adaptando as novas emoções,

pensando eu tudo que passamos até aqui, enquanto Artho me

acaricia com todo cuidado.

— Tem uma vida crescendo dentro de mim — sussurro,

chocada com o tanto de amor que consigo carregar dentro do meu

coração.

— Um bebê que nós dois fizemos — Artho diz e segura o meu

rosto entre suas mãos.


— Eu sei que ainda preciso do exame de sangue, mas… —

levo a mão até minha barriga e sinto uma lágrima escorrer. — Eu

me sinto tão feliz!

Quinta, 10 de junho de 2027

— Você me perguntou em uma das cartas qual era a história

por trás do meu nome — Artho sussurra ao parar com o Jaguar ao

lado do BMW, na garagem. Meu Audi está estacionado mais à

frente.

— Sim, não me lembro de você ter me contado — respondo,

passando a mão na barriga que mal aparece. Ainda não me

acostumei a sentir os tremores.

Estou na décima oitava semana de gestação e hoje

descobrimos que vamos ter um menininho. O apartamento em que

eu morava não era meu, por isso encerrei o contrato de aluguel e

me mudei para a casa de Artho em janeiro.


— Não tem nenhuma história por trás, interessante como a do

seu nome — ele diz. — Minha mãe deve ter lido em uma revista ou

algo assim.

Sacudo a cabeça para concordar e acaricio seus cabelos.

Ando tão emotiva que, às vezes, choro só de olhar para Artho. Estar

ao seu lado novamente me deixa tão feliz, que tenho medo dessa

alegria escapar das minhas mãos outra vez.

— Ei — ele diz ao segurar meu queixo, sabe exatamente o

que estou sentindo só de me olhar —, não precisa ter medo de me

perder. Estou bem aqui e nunca mais vou embora para longe de

você. Somos adultos agora, temos nossas carreiras, não

precisamos nos separar.

— Eu sei — digo e respiro fundo. — É que eu te amo tanto.

Amo você, o bebê e Ayla. Acho que eu morreria se perdesse um de

vocês.
— Shiii — Artho sussurra ao pressionar o dedo indicador no

meu lábio. — Não fala assim, nada de ruim vai te acontecer, porque

eu não vou deixar. Vem aqui no meu colo.

Tiro o cinto de segurança e sento entre seu corpo e o volante

do carro.

Ele ergue minha blusa e inclina a cabeça para beijar minha

barriga.

— Ela está pequena agora, mas daqui a algumas semanas,

vai esticar, você vai ver — Artho murmura.

— Não vejo a hora de ele nascer. Mesmo que esteja

morrendo de medo. Sonhei a vida inteira com isso, mas agora tenho

receio de não ser uma boa mãe. Você também está com medo?

— Só um pouco — ele diz. — Eu fiquei com muito mais medo

quando não tinha dinheiro para nada, quando eu não podia nem
pagar um parto particular. Agora podemos dar tudo que nosso bebê

vai precisar. Além disso, estamos juntos, temos um ao outro. Vai dar

tudo certo, você vai ver.

— Eu pensei em sair de licença maternidade só no fim da

gestação, e volto ao trabalho assim que ela acabar.

— Aneliza vai ajudar a cuidar dele quando nós dois

estivermos trabalhando, vai dar tudo certo. A gente já cuidou de

Ayla antes, você lembra?

— Sim, eu tinha que carregá-la de ônibus depois da creche,

porque não tinha carro, sequer sabia dirigir. Às vezes, pegava

ônibus lotado. Sorte que alguém sempre cedia o lugar. Eu me

sentava com Ayla, enquanto ela cantava as musiquinhas que

aprendia na creche.

— Obrigado por tudo que você fez por nós. Foram tempos de

escassez, mas estudamos muito, demos duro, e agora temos uma


vida confortável. Vai dar tudo certo.

— Vai, sim — sussurro, ainda acariciando minha barriga.

— Você já pensou em um nome? — ele me pergunta.

— Pensei em Nicolas. Era o nome do meu pai — respondo.

— É um lindo nome — Artho diz e toca minha barriga

novamente. — Oi, Nicolas! Pode me ouvir? Sou seu papai.

Dou risada, eu amo como até mesmo um cretino faz uma voz

boba quando fala com um bebê.

— Não acredito que terei outro escorpiano na minha vida —

brinco.

— Como assim?

— Fiquei grávida no carnaval, naquela viagem à Paraty, e ele

está previsto para nascer em novembro. Há uma grande chance de


sair no signo de escorpião.

— Meu signo é o melhor — Artho diz.

— Como se você não fosse vingativo, tivesse uma língua

afiada e não fosse amante de confusão.

— Um bom amante eu sei que sou — Artho diz ao mudar o

tom de voz.

— Convencido também?

— Não sou convencido — ele sussurra com a voz rouca.

O assisto tirar a mão da minha barriga e começar a abrir o

cinto.

Engulo em seco.

— O que acha de nos casarmos quando ele estiver grandinho

o suficiente para carregar as alianças? — pergunto, manhosa.


— Sim, é uma ótima ideia — Artho responde. — Agora fique

calada e coloque as mãos para trás.

Eu obedeço, porque adoro quando ele me dá ordens assim,

amo quando ele me deseja tanto que nem aguenta esperar para

estarmos no quarto.

Artho me encara com os olhos selvagens e tira o cinto

devagar, então ata meus pulsos atrás das costas e os prende ao

volante do Jaguar.

Minha respiração acelera conforme ele ergue minha saia, e

eu gemo quando me acaricia por cima da calcinha.

— Hoje você não pode gemer — ele diz com a voz rouca,

antes de libertar seu pau das calças.

Mordo o lábio com força, acho que nunca vou me cansar

disso...
Artho

Sexta, 19 de novembro de 2027

Faz dois dias que Nicolas nasceu.

Eu me segurei a gestação inteira, sabia o quanto Charlotte

queria ser mãe e o quanto se sentia insegura, por isso, eu não

poderia demonstrar, em hipótese alguma, o quanto estava

apavorado.

Camila morreu no nascimento de Ayla, e era impossível não

considerar a ideia de que alguma coisa ruim acontecesse a

Charlotte.

Eu passava noites em claro, conferindo a todo momento se

ela estava bem, se respirava, como se ela fosse um bebezinho

recém-nascido. Nos últimos meses, quando a barriga estava grande


demais para incomodar seu sono, fiz tudo que podia para deixá-la

mais confortável.

Me fiz de forte, mas só eu sei o medo de que passei, sem

poder correr para os braços dela e pedir que me consolasse. Eu não

poderia deixar transparecer.

Quando ela teve as primeiras contrações, a coloquei no colo e

levei para o hospital às pressas.

Senti o maior alívio do mundo quando Nicolas chorou pela

primeira vez, e eu pude ver os olhos azuis acinzentados da minha

mulher e ter certeza de que ela estava bem.

Agora, estou ainda mais feliz por tê-los em casa.

Charlotte está fazendo uma careta de dor, porque o seu seio

dói quando ela amamenta.


— Isso é algo que eu não posso resolver — lamento, ao

acariciar seu cabelo.

Ayla não foi amamentada, tenho experiência com cólicas,

banhos, trocar fraldas, mas não com isso.

— Você vai se acostumar logo — minha sogra diz, enquanto

desfaz as malas que trouxemos do hospital. — Os primeiros dias

são sempre mais complicados.

Charlotte trava o queixo e assente, mas posso ver que seus

olhos estão cheios de lágrimas.

— Vai passar — sussurro.

Estou de joelhos ao lado da poltrona onde ela está sentada.

Levo a mão até a cabeça de Nicolas. Seus cabelos são da mesma

cor que o meu, e os olhos são cinzentos como os de Charlotte. Ele

tem até um furinho no queixo, como ela.


— Eu sei — ela diz baixinho e me joga um beijo.

Ayla está andando de um lado para o outro, estalando os

dedos de ansiedade para segurar o irmãozinho no colo.

— Calma, ou vai acabar afundando o chão — brinco com ela,

esticando a mão para que ela venha se sentar perto de mim,

enquanto Charlotte segura o bebê diante do peito, para que ele

arrote.

Ouço o latido de Darth Vader, sentado ao lado do berço, com

o peito erguido em uma pose respeitosa de um cachorro de treze

anos.

— Vem cá você também, garotão — o chamo, estalando os

dedos.

Ele vem correndo e aproxima o focinho perto da cabeça de

Nicolas para farejá-lo.


— A família aumentou — digo a ele, fazendo carinho em seu

pelo.

— Quer segurá-lo agora, meu amor? — Charlotte pergunta a

Ayla. — Ele já arrotou.

— Sim, por favor.

Me levanto e pego Nicolas do colo de Charlotte, enquanto

Ayla se senta em outra poltrona. Levo o bebê até ela e posso ver

como seus olhos azuis ficam cheios de lágrimas.

— Cuidado com a cabeça — minha mãe diz ao entrar no

quarto, trazendo um chá que fez para Charlotte.

— Eu sei — Ayla diz baixinho, com o irmão em seu colo. —

Charlotte, ele vai te chamar de mãe quando crescer. Eu também

posso te chamar assim?


A pergunta pega todos no quarto de surpresa. As duas avós

se entreolham e Charlotte arregala os olhos.

— É claro que pode, meu amor — ela diz a Ayla. — Você

sempre foi minha filha de coração.

Sinto um nó na garganta por ter uma família completa agora,

mas a emoção é interrompida pela respiração pesada que minha

mãe solta.

Ela não diz nada, mas sei que isso a deixa louca de ciúmes.

Sacudo a cabeça em negação e pisco para ela, que revira os

olhos.

— Não falamos sobre isso, mas o que acha de batizarmos

Nicolas? — pergunto a Charlotte, quando estamos a sós em nosso


quarto finalmente. As duas avós corujas vão se revezar para trazê-lo

para mamar quando acordar.

— É uma boa ideia — ela concorda.

Está assistindo a um filme na TV, com a cabeça apoiada no

meu peito, enquanto afago seus cabelos.

— Quem você quer que seja a madrinha, por que eu quero

que Eros seja o padrinho? — pergunto e dou risada, antecipando

sua resposta. — Raquel?

— Ela vai adorar! — Charlotte diz e inclina a cabeça para me

olhar. — Você acha que ela e Eros são capazes de ficar no mesmo

ambiente sem se matarem?

— Eles já estão bem grandinhos, vão se comportar — brinco.

— Quem sabe, eles não se acertem, finalmente.


— Duvido muito — ela diz e dá risada. — Mas eu confio em

você para apaziguar os ânimos, se eles resolverem brigar feito

crianças. Você sempre dá um jeito em tudo, meu amor. É por isso

que eu te amo tanto.

— Eu te amo muito também. Obrigado por nunca ter desistido

de mim.

— Eu nunca desistiria da melhor pessoa que já apareceu na

minha vida.

Ela se inclina e beija meus lábios com paixão, é uma pena

que, por causa do resguardo, não podemos passar disso.

Mas não me desespero, terei o resto da vida para demonstrar

toda minha paixão a ela.

Beijo sua testa e a abraço, quando Charlotte apoia a cabeça

no meu peito.
Artho

Dois anos depois...

— Estou oficialmente casado — murmuro ao me sentar à

mesa com Nicolas nos braços.

A noite já caiu, ele está cochilando, usando calças pretas e

camisa branca, além de uma gravata borboleta.

Depois da sua missão de carregar as alianças até o altar,

Nicolas foi liberado para correr e brincar por toda a propriedade da

casa que compramos recentemente, em Jurerê Internacional, à


beira mar, próxima a de Eros, onde Charlotte e eu dissemos sim um

para o outro, pouco antes do pôr do sol.

Eros está de cara amarrada, até que sua filhinha se mexe em

seu colo e puxa uma de suas orelhas.

— Ai — Eros diz. — Meu bebê, o papai ainda precisa das

orelhas para te ouvir chorar à noite.

— Vem cá, Bananinha! — Lion estende as mãos para pegá-la

do colo de Eros.

— Já falei para não chamar minha filha de banana — Eros

reclama, enquanto passa a menina de um aninho para Lion.

— Quando você chamava Ayla de Batatinha, eu não me

importava — brinco.

— Se importava, sim — Eros rebate.


— Experimenta chamar ela da Batatinha agora — Gabriel diz,

ao colocar sua taça de champagne sobre a mesa.

— Só se ele for maluco — é Dimitri quem diz. — Chamei Ayla

assim na frente das suas amigas e ela me fuzilou com o olhar.

— Ela te assustou? — Gabriel pergunta, dando risada. — A

Batatinha assustou o Dimitri Romano, o cara mais durão do clube

dos cretinos?

— Sim. Não sei o que há com esses adolescentes de hoje em

dia — Dimitri diz. — Eu nunca fui assim.

Caímos os cinco na gargalhada. Ironicamente, Dimitri sempre

foi o pior de nós.

— Dois de nós já foram abatidos — Natan diz. — Quem será

o próximo cretino a se tornar pai?

Nos entreolhamos, enquanto fazemos apostas mentalmente.


— Tenho certeza de quem será — Lion começa a dizer, mas

Natan o interrompe.

— Olha lá, a mulherada se juntando para ver quem pega o

buquê — Natan diz e aponta com o queixo.

— Dá até medo de ver! — Eros se encolhe.

— Nem brinca com uma coisa dessas — Dimitri concorda.

— Eu não quero nem olhar — Lion diz e vira o rosto na

direção oposta à qual Charlotte está.

A noiva mais linda que eu já vi sobe em uma cadeira e brinca

com o buquê em mãos.

As convidadas, usando trajes elegantes, se aglomeram em

volta dela.

— Façam suas apostas — Gabriel diz.


Nesse momento, Tomaz, meu cunhado, para ao lado da

nossa mesa e assiste a cena.

Charlotte move os braços e arremessa o buquê sobre a

cabeça.

— Olha lá — Tomaz diz e se vira para olhar um dos meus

amigos.

— Acho que você se ferrou — Natan brinca.

Estreito os olhos e vejo Oiapoque erguer o buquê como se

fosse um troféu.

Todo mundo na mesa dá risada.

— Raquel foi a mais rápida — Lion observa, com a bebê de

Eros em seu colo.


— Sim, ela mereceu — eu concordo e empurro o cotovelo

contra o braço de Eros.

— Vão se foder — ele diz, com a cara fechada. — Não vou

me casar só porque sua mulher combinou de jogar o buquê

diretamente para as mãos dela.

— Não foi combinado — Tomaz defende. — Eu vi claramente.

Raquel foi a sortuda.

Eros tenta manter a pose, mas acaba dando risada.

— Vão se foder, seus cretinos — ele insiste, como se

fôssemos garotos de novo. — A vez de todos vocês vai chegar, e

vou assistir de camarote, caírem um por um.

— Se um caiu, todos vão cair — concordo, me perguntando

em qual casamento nos reuniremos da próxima vez.

Fim.
Vou começar agradecendo a todas as meninas do grupo de

parceiras, que foram tão importantes nesses últimos dias.

Preciso agradecer imensamente a Paola, Paloma, Catiele e

Sophia, que me ajudaram tanto a construir esse maravilhoso cretino.

E em especial a Jussara, que topou fazer partes deste projeto e

esteve comigo o tempo todo, em cada surto.

Obrigada a Vanessa, tão maravilhosa, e a cada um dos

leitores que estão finalizando mais um livro.


Meu amor por vocês é imenso, como o amor de Artho e

Charlotte.
Uma espiada no próximo lançamento da série

CLUBE DOS CRETINOS – 09/05/22

JUSSARA MANOEL
Prólogo

Eros

Vê-la de novo depois de quase dez anos, faz meu interior ficar agitado.
Nunca imaginei que pudesse passar um filme na minha cabeça com todos os
momentos em que vivemos, até tudo escapar por entre os meus dedos de forma
rápida, não me dando tempo de agarrar.

Ela está ainda mais bonita que da última vez que a vi pessoalmente,
naquela fatídica noite que foi a cartada final para as nossas vidas.

Seus cabelos loiro escuros estão mais curtos. Ela não usa a mesma cor de
batom que costumava usar. Sua expressão está mais dura, seus olhos menos
expressivos e com postura mais ereta quando olha para mim.

Vejo outra mulher, completamente diferente da que conheci um dia. Essa é


capaz de me fazer gelar pela forma que me olha, sem demostrar nenhuma
emoção.

Desço meus olhos para suas mãos, procurando algum indicativo de que
está afetada com o nosso reencontro, mas não vejo nada, ela exala um controle
absurdo.

Mas não é isso que vejo e que faz uma pressão acertar minha cabeça e me
deixa zonzo, é a aliança em seu anelar da mão direita que parece me cegar.

Tudo isso me lembra remete à anos atrás, um pesadelo que faço de tudo
para esquecer a existência. Atrás dela vejo um homem se aproximar, sorrindo
enquanto tem os olhos nela, e a vejo se virar para ele, abrindo o mesmo sorriso
que acostumava ser somente para mim. Essa cena faz a raiva crescer dentro de
mim.
Capítulo 1

Raquel

Sábado, 11 novembro de 2017

Não é a primeira vez que tenho a oportunidade de entrar na casa dos bad
boys mais cobiçados de Bento Gonçalves, mas posso dizer que é sempre
emocionante ser convidada. Ainda mais por serem conhecidos como o clube dos
cretinos.

Todas as mulheres da universidade sabem o quão eles podem ser


perigosamente gostosos e ao mesmo tempo causar um coração quebrado.

Como todo cretino, eles não se apegam, pegam sem pensar no que poderá
causar depois. Já vi o quanto eles podem deixar uma confusão por onde passam,
ou como posso explicar melhor, por quem pega.

Há alguns meses, minha melhor amiga começou a se enrolar com um


deles, e a partir daí passei a frequentar a casa.

Talvez Artho seja o exemplo de que todo cretino um dia aposenta e se


prende em uma só mulher. Hoje inclusive é aniversário dele e a casa, como todo
dia de festa, está cheia.

Dou passos largos enquanto ando em direção à sala, de mãos dadas com
a minha amiga que segue à minha frente. Meu sorriso se alarga por eu estar
conseguindo chamar atenção de alguns caras que passo ao lado. Não é à toa que
coloquei minha saia de pregas preta, meia calça da mesma cor, com a bota de
salto cano longo e minha blusa cropped branca de manga longas.

Sempre gostei de me destacar, e estando na festa dos cretinos, não seria


diferente.
A música alta e com ritmo dançante faz algumas pessoas criarem uma
própria pista de dança, onde conseguem beber e balançar o corpo.

Artho fez jus ao título, a festa está mesmo um arraso, e tenho certeza de
que todos presentes se sentem honrados por terem sido convidados a estarem
aqui, claro que sempre vai ter um ou outro de penetra e eles não se importam
nem um pouco.

Vamos abrindo espaço para passarmos entre as pessoas e logo estamos


entrando na sala. E mesmo já tendo visto toda a mobília da casa quando estive
aqui algumas vezes não consigo deixar de continuar admirando, é tudo tão rústico
e moderno.

Ouvi falar que a maioria da decoração foi planejada pela mãe do dono da
casa, que ela fez as mudanças quando se mudaram para cá, já que a casa é
herança. O meu bom gosto para o design me deixa extasiada com cada escolha
dela.

Assim que passamos pelo hall da sala, meus olhos encontram os seis
caras donos do título clube dos cretinos sentados à vontade e relaxados, rindo e
bebendo de forma descontraída, eles me lembram aquelas pessoas que não têm
nada com o que se preocuparem, nem mesmo com os boletos a serem pagos,
diferente de mim.

Sorrio, apertando a mão de Charlotte, minha melhor amiga desde que


começou a dividir o quarto comigo no Edifício Universitário quando entrou no
curso de Direito.

Ela chama atenção deles quando paramos a alguns passos dos rapazes.
Charlotte os cumprimenta, e Artho que até então estava sentado, levanta e a puxa
para mais perto dele para beijá-la de uma forma quente e possessiva, deixando
as bochechas da minha amiga, rosadas de vergonha.

Continuo passando meus olhos pelos outros cinco membros, tentando


controlar minha ansiedade.

Eu já os conheço de outras festas e da universidade, mas terem a atenção


deles em mim é excitante. Temos os gêmeos Natan e Gabriel Valentini que estão
sempre aprontando alguma coisa, eles usam a aparência idênticas deles para
enganar muitas mulheres e não duvido que os dois já até trocaram de parceiras
ou até mesmo ficaram com uma ao mesmo tempo, muitos murmurinhos correm
pelos corredores da UFBG.
Os dois tem o que eu chamo de charme, morenos, cabelos pretos e curtos,
estatura alta e forte e aquele olhar travesso. Para quem observar bem os dois, vai
ser fácil diferenciá-los, Gabriel é o que tem menos tatuagens e o que mais
dialoga, está sempre rindo e fazendo comentários engraçados, por outro lado
Natan é o mais quieto, observador e o mais tatuado.

Vamos para o próximo. Lion Bianco cabelos castanhos e olhos verdes, de


um metro e oitenta. É descontraído e divertido, mas não dá para se enganar com
a carinha bonita.

Dimitri Romano, esse é uma incógnita, ele consegue ser um cretino lindo
de morrer, com seu corpo todo tatuado com o mesmo tamanho de Lion, cabelos
escuros, raspados dos lados e bem reservado e silencioso.

Artho Becker com seu ar de metido, ele é tatuado, alto com cabelos
castanhos de seu estilo dark, posso dizer que dos seis ele é o mais descontraído
e piadista.

E por último, Eros Giordano, conhecido entre os seis por ser o mais rico,
sério e frio. Acho que eu nunca o vi sorri antes, assim como Dimitri. Tenho uma
leve impressão de que Eros seja do signo de capricórnio, não que eu entenda
muito de astrologia. Isso não quer dizer que ele não seja atraente. Esse é só um
detalhe a mais para chamar atenção para ele.

Cabelos loiros e bem cortados, seus olhos de um castanho claro e acho


que ele tem um metro e noventa de altura. De todas as fofocas que rolam pelas
mulheres que já conseguiram ficar com ele, dizem que ele também é bem dotado
e um deus na cama, é de se esperar, só de olhar para ele, se percebe pelos
atrativos que ele tem.

Enquanto o encaro, o vendo com uma morena sentada em seu colo, com
os braços em volta do pescoço dele, ela exibe um sorriso malicioso, enquanto fala
coisas no seu ouvido, mas não é nela que Eros presta atenção. Seu olhar intenso
está em mim, sua expressão séria e fria sem esboçar nenhuma reação, na
medida que retribuo o olhar, meu sorriso largo ainda aberto.

Sua reação impassível a mim, não me causa timidez, ao contrário, me


deixa mais curiosa e determinada em encará-lo. É ele que corta nosso contato
visual, revirando os olhos, antes de voltar a atenção ao que a morena fala com
ele. O vejo passar a mão pela sua coxa exposta por uma saia curta jeans, acho
que assim como eu, ela não liga muito para o frio que o Rio Grande do Sul está
causando hoje.
Eros já me chamou atenção um dia, até ele ser um escroto na vez em que
fomos apresentados pelo Artho. Nunca tive oportunidade de conversar com Eros
e entender por que ele tem ranço de mim.

— Feliz aniversário, Becker — digo a Artho que sorri, ainda abraçado a


Charlotte.

— Obrigada, Oiapoque.

Reviro os olhos, descontente com o apelido ridículo que ganhei logo que
entrei na Universidade. Talvez teria sido outro pior se eu não morasse em Chuí
antes de vir pra Bento Gonçalves, por isso do apelido.

“Do Oiapoque ao Chuí”

— Odeio você! — reclamo e Charlotte dá uma risadinha.

Artho ri e olha para seus amigos.

— Vocês já conhecem a Raquel, amiga de Charlotte.

— Olá — falo animada, o que faz minha voz sair um pouco alta demais. E
isso que eu nem comecei a beber ainda.

Lion faz um gesto com a mão para ri discretamente da minha forma muito
exagerada.

Gabriel e Natan sorriem para mim, e um deles me oferece a bebida de seu


copo, a cerveja gelada enchendo a minha boca quando dou um gole. Natan me
convida para sentar em um sofá ao lado que me dá uma perfeita visão de Eros do
outro lado, que está praticamente na minha frente e tento ignorar a lembrança do
desconforto que ele me causou no primeiro momento que tentei falar com ele.
Charlotte ficou em choque e imagino que até mesmo Artho, que é amigo dele há
anos, ficou envergonhado com a situação.

Foi um momento idiota que odeio lembrar, estava tão empolgada em


conhecê-lo, que foi um balde de água fria no momento, e esse é um dos motivos
da raiva que sinto por ele.

O outro motivo é o fato dele achar que, só porque é super rico, pode tratar
todos do jeito que quiser.
Mesmo tentando ignorar Eros, olho para ele discretamente, enquanto ele
tenta demostrar o quanto minha presença não tem importância.

— Charlotte disse que você está cursando Moda — Gabriel comenta, bem
interessado em puxar assunto comigo, acho que é mais para me incluir no grupo
e não vejo problema nisso.

Passo a mão nos cabelos, jogando-os para o lado e sorrio, assentindo.

— Sim, estou no segundo semestre — bebo o restante da cerveja. — Eu


pego algumas encomendas de roupas para fazer também, Charlotte que me
indicou.

— Raquel é bem requisitada.

Sorrio para minha amiga que está sentada no colo do Artho, e nem preciso
comentar como a atenção dele é toda para ela.

A conversa vai rendendo e vou descobrindo um pouco mais de cada um.


Durante a conversa, os gêmeos saíram da sala acompanhados de duas mulheres,
que davam risinhos contentes por ter conseguido a atenção deles.

Dou risada quando Lion começa a me contar episódios engraçados que


aconteceram em algumas festas que eles fizeram. E percebo que Eros parece
incomodado com algo, comigo, talvez? Em como meu jeito extravagante e
chamativo é diferente do que ele está acostumado.

Já havia sentido em outras vezes que vim na casa deles que de alguma
forma eu pareço incomodá-lo, mas nunca descobri o motivo, nem mesmo
Charlotte que já percebeu a mesma coisa.

Em determinado momento Eros bufa alto, e toda atenção da nossa roda vai
para ele. Artho com a testa franzida, abre um sorrisinho de lado para o amigo e
logo vemos Eros levantar delicadamente a mulher de seu colo e levantar
também.

— Vem, não consigo ficar aqui.

Franzo a testa com seu comentário e o vejo sumir escadas acima. Os


garotos devem ter percebido quando pareço incomodada com a grosseria dele.
— Não ligue, ele é sempre assim — Natan tenta amenizar o clima. —
Como Artho costuma dizer, Eros é chato por natureza.

— Mas infelizmente hoje ele está pior, não é nada com você — Artho
declara e sorrio, aquiescendo.

— Percebi isso — soo sarcástica. — Ele não é nada discreto.

Dou de ombros quando Charlotte tenta esconder o riso, mas Lion ao meu
lado gargalha.

Fico pensando no que pode ter causado tal reação nele, nem sequer me
dirigi a ele alguma vez, e Eros também não me deu brecha para isso. Parece que
o problema sou eu.

Depois do episódio desconfortante, não deixo que isso me afete. A pessoa


que perde toda diversão é ele, não eu. Vim aqui justamente para me divertir e
aproveitar as bebidas grátis e as companhias.

— Você quer dançar? — pergunto para Lion, que sorri de lado, e aquiesce
se levantando do sofá.

— Por que não?

Dou um gritinho animado e aceito sua mão quando a estende para mim.
Deixamos Charlotte e Artho no sofá, Dimitri saiu da sala silencioso e eu nem havia
percebido.

Seguimos para o outro lado da casa, onde fica o salão usado como pista de
dança.

Lion consegue ser bem divertido, fazendo passos no ritmo da música, me


acompanhando com alguns movimentos, e dou risada quando nos esbarramos
um no outro.

Ele grita próximo ao meu ouvido, me informando que vai buscar alguma
coisa para bebermos. Já havíamos dançado algumas músicas, e a sede é algo
presente. Continuo balançando meu corpo e me viro em direção a escada no
exato momento que Eros está descendo.

A rapidez que ele passa pelas pessoas, parece até que ele deseja fugir de
todos. Ele não está mais acompanhado da mulher que vi mais cedo, o que me faz
pensar que eles já devem ter transado e como sempre, como acontece com todo
cretino, ele a dispensou.

Ele vira a cabeça para onde está a pista de dança e me encontra com seu
olhar enigmático, me encara por alguns segundos, antes de descer de vez as
escadas e sumir no meio das pessoas em direção aos fundos da casa.

Não gosto do que vou fazer agora, porque geralmente tento fugir de tudo
que me indica perigo, mas não tenho culpa se tenho uma atração para isso.

Logo eu, Raquel Mendes, jovem, com meus dezenove anos. Tenho
tendência a atrair o perigo.

Sigo Eros para fora, passando pelas mesmas pessoas e parando logo que
eu chego no fundo da casa. Passo os olhos em todas as direções, procurando por
ele. Tem bastante pessoas do lado de fora, bebendo, rindo, se beijando. Desço as
escadinhas que dá para a grama bem cortada e passo por um cantinho escuro
onde tem um casal na maior pegação e dou uma risadinha.

Dou alguns passos mais para o fundo da casa e quando penso em desistir
de procurá-lo, vejo uma figura sentada em um banco mais a frente, embaixo de
uma árvore. O local é escuro e é preciso estreitar os olhos para poder enxergar
alguma coisa. Ando mais um pouco para o ver melhor e alguns galhos baixos
tampam quase toda a visão da pessoa, mas sei que é ele.

Não consigo descrever o que sinto quando me aproximo mais e me deparo


com ele me encarando. Ele está com os cotovelos apoiados nos joelhos, fixando
seus olhos em mim tão intensamente. Com um palito de dente no lábio, Eros me
traz exatamente o aviso que preciso para correr dali e manter a distância.

Mas me conhecendo bem, não vai ser isso que me assustará, não é hora
de me sentir temerosa com a maneira que ele me olha, paro na frente dele, um
espaço um pouco maior e o encaro de volta.

— O que você está fazendo aqui? — Eros pergunta, sua voz rouca.

Eros mexe no palito entre seus dentes, pressionando o maxilar me


mostrando a imagem de como não sou bem-vinda, mas não deixa de ser sexy.

No escuro, com o olhar forte que está me lançando agora, suas mãos
entrelaçando e o movimento que Eros faz com os ombros para ficar ereto, me
chama atenção para sua correntinha que escorrega para fora do seu pescoço
com o movimento, e isso me faz olhar para seu peitoral, escondido na blusa
branca que marca cada musculo seu.

A verdade é que não sei o motivo de ter vindo atrás dele, talvez por
curiosidade ou... não sei, a única coisa que sei é que vim e torço para não me
arrepender disso. Só quero entender o porquê dele me odiar tanto ao ponto de se
incomodar com a minha presença.

— O quê? Me seguiu até aqui e não vai me dizer o motivo?

Me pergunto se ele mantém essa frieza o tempo todo ou em algum


momento ele a deixa de lado.

— Só vim saber se está bem.

Eros solta uma risada forçada. Se levanta com uma calma incomum,
tirando o palito dos lábios. Ele se aproxima de mim, só parando quando está com
seu corpo a poucos centímetros do meu.

Consigo sentir seu cheiro, seu perfume, misturado com um aroma


mentolado. Ele abre um sorriso de escárnio.

— Ou você veio até aqui porque quer saber como é ficar com outro
membro do clube dos cretinos?

Ofego com a sua declaração, e ele nem me dá tempo para uma resposta à
altura da sua.

— Você já ficou com Artho, agora quer experimentar como é ficar comigo?
O cara frio, misterioso, rico. É a mesma conversa de todas vocês.

Me irrito com a sua acusação, mesmo tentando ser legal. Deveria ter
esperado isso dele, não o conheço, somente pelas coisas que ouvi falar sobre ele.
E pela forma que ele agiu desde que nos conhecemos, era de se esperar que
fosse idiota.

— Você é um escroto de merda, não precisa me tratar assim só para subir


seu ego ridículo. Eu nem deveria ter vindo aqui, só estava sendo legal.

— Eu não preciso que seja legal, esse seu jeito não me engana. Na
verdade, não preciso que seja nada.
— Percebi agora que tudo o que dizem sobre você é verdade, é um
riquinho de merda, frio que age como se tivesse um pau enfiado no seu rabo —
grito.

Escuto uma tosse misturado com uma risada estrangulada atrás de mim.
Quando me viro, vejo Lion parado logo atrás da gente. Sua expressão é divertida
e tem a mão tapando a boca para esconder o sorriso.

Neste momento me toco da última parte que acabei de falar, e que Lion
ouviu tudo. Tento parecer envergonhada, mas não consigo, isso não é muito do
meu feitio.

Olho de volta para Eros, e percebo que seus olhos não deixaram meu rosto
nem mesmo quando seu amigo chegou.

— Acho que já falamos tudo o que tínhamos para falar um para o outro —
empino meu queixo para ele, demonstrando que não estou nem um pouco
afetada com a sua acusação, mas ele está muito irritado pelo que eu disse, só
pela forma que ele aperta seu maxilar.

Eros não é de todo imbatível.

— Se me dão licença.

Me viro o deixando e sorrio para Lion de forma amigável quando o passo


por ele.

— Que mulher irritante — escuto ele murmurar e duvido que seja para o
seu amigo.

Mas consigo escutar a risada de Lion, à medida que ando. Me sinto


vitoriosa em saber que sai por cima.

— Pau enfiado no rabo é? Artho vai amar saber disso.

— Cala a boca.

Deixo de escutá-los quando estou bem distante e quando entro na casa,


logo consigo ver Charlotte, que vem ao meu encontro.

— Onde estava? Te procurei para dizer que vou ficar e dormir com Artho.
Dou um sorriso travesso a ela, que entende e seu rosto fica rosado. Minha
amiga nunca mudaria.

— Você quer ficar também? Pode ficar em um dos quartos dos meninos —
pergunta, ignorando minha reação ao que ela acabou de falar. — Ou podemos
voltar juntas se não se sentir à vontade.

Artho aparece, abraçando-a por trás. Quando penso em negar, para não
incomodá-los, vejo Eros entrando na casa, com Lion logo atrás sorrindo, quando
ele me vê, seu sorriso parece crescer ainda mais.

— Aceito sim.

— Você pode ficar no quarto do Eros, é o mais arrumado e limpo de todos


— Artho sugere e é nesse momento que quando Eros está se afastando, ele para
ao ouvir o que o amigo acaba de falar. — E tenho certeza de que ele não vai se
importar.

Eros resmunga alguma coisa, e pela forma que reage, ele não gostou nada
da novidade, mas não vai perder seu tempo retrucando o convite do amigo.

— Por mim tudo bem.

Murmurando mais alguma coisa, eu vejo Eros voltando a andar, sumindo no


outro cômodo e Lion e Artho rindo, Charlotte e eu sorrimos sem entender nada,
mas algo me diz que tudo isso é provocação de amigos.

— O que aconteceu? Ele parece está pior que da última vez que o vi —
Artho pergunta, estreitando os olhos para o amigo, que solta uma gargalhada
alta.

— Nem queira saber — Lion responde, olhando para mim.

Dou de ombros, ignorando os olhares dos três em mim, mostrando que é


mais interessante arrumar meu cabelo que por causa do vento, está com os fios
fora do lugar, do que explicar que tive uma discussão bem boba e inocente com
Eros Giordano no lado de fora da casa.
Tentação de Vizinho

Henrique Gonçalves é médico, bem sucedido e pai de gêmeas.

Teve seu coração partido e, desde então, está fugindo de todas as

pretendentes que os amigos insistem em empurrar para ele.


Nicole Ferreira é dedicada e está lutando por uma vaga na

universidade, sua última esperança de escapar da cidade pequena

e da casa da madrasta, onde ela é feita de empregada desde

criança.

Mas quando Henrique se muda para a rua de Nicole, precisando de

uma babá com urgência, seus caminhos se cruzam.

Ela necessita de dinheiro e ele, de alguém que o ajude a escapar

dos encontros arquitetados pelos amigos. É a oportunidade perfeita

para um fake dating: Nicole finge ser sua namorada e Henrique lhe

paga por cada encontro falso que eles tiverem.

A farsa daria certo se Henrique não fosse gostoso, tatuado e

atraente. Ela quer resistir à tentação, mas é quase impossível

morando na mesma rua.


E para complicar as coisas, há um detalhe do passado de Henrique

que pode arruinar todos os seus planos.

Grávida de um CEO

Abigail Oliveira tem como principal objetivo de vida conquistar sua

independência. Filha de pais rigorosos e humildes, ela dá duro para

alcançar sua liberdade.

Sebastian Roux, CEO de uma importante rede de hotéis, dedica-se


exclusivamente a aumentar sua fortuna. Congelou seu coração após

ser largado no altar e a última coisa que quer da vida é se envolver

com outra mulher novamente.

Acostumado a ter muitas mulheres, as quais sempre descarta na

manhã seguinte, ele acredita que a noite de prazer com a doce e

inocente Abigail jamais passará disso.

O que acontecerá quando ela aparecer em seu escritório, meses

depois, com uma notícia que vai tirar a vida de ambos totalmente

dos eixos?

Este livro faz parte da série Mães Improváveis, composta por livros

independentes, não sendo necessário ler na ordem.

NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS!

A Virgem e o Rockstar
Benicio Larsson é líder da banda de rock mais popular da década.

Após uma grande decepção amorosa, decide curtir a vida e nunca

mais se apaixonar novamente. Milionário e bonito, ele pode ter

qualquer mulher que desejar, menos uma.

Mila Costa é uma universitária doce e inocente, que sonha em

trabalhar no mundo das celebridades. Com a família atolada em

dívidas, ela vê uma solução para seus problemas ao aceitar o

emprego de assistente da banda Swedish Legends, que Benicio

Larsson divide com os amigos Vincent e Adrian.


O que a virgem e tentadora assistente não imaginava, é que

mexeria com a cabeça do rockstar mais cobiçado do momento.

Completamente atraído por ela, mas com o coração bloqueado para

uma nova paixão, o milionário propõe uma única noite de sexo a

Mila, a entrega da sua virgindade e a promessa de nunca mais

ficarem novamente.

Ela sabe que se envolver com alguém como Benicio seria sua ruína,

que o rockstar nunca poderia corresponder seus sentimentos.

Mas o que fazer quando o desejo fala mais forte que a razão, e a

paixão é inevitável?

Será que eles vão conseguir manter a promessa de uma única

noite?

Nem todos os príncipes usam coroa:


Lucy Peter leva uma vida miserável, acostumada a ser

maltratada pelos tios, com quem foi obrigada a morar desde os

quatro anos de idade, após uma tragédia.

Tudo muda quando sua tia Esther arranja um novo emprego

na fazenda da família Hansson, onde vive Axel, o único rapaz da

cidade de Agaton, no sul da Suécia, capaz de chamar sua atenção.

O problema é que nunca trocaram um único olhar e, enquanto

o rapaz bonito e inteligente frequenta badaladas festas em que se


apresenta como DJ, Lucy vive no lado pobre da cidade, forçada a

viver sob os constantes maus-tratos do tio dominador.

Será que Axel poderá salvá-la?

Duas realidades completamente opostas irão se misturar em

um romance proibido e inesquecível.

Encontro Perfeito
Ele saiu da pequena cidade de Agaton para fazer shows ao

redor do mundo, conquistando fama, dinheiro e fãs que pareciam

encontrá-lo aonde quer que ele fosse.

Ela permaneceu na fazenda e precisou enfrentar a gravidez

sozinha. Não poderia abrir mão da rotina com a formatura e o

nascimento de um bebê tão próximos.

Como duas pessoas tão jovens, com objetivos e vidas tão

diferentes poderiam suportar o destino os afastando cada vez

mais?

Em Encontro Perfeito, nós temos a chance de passar um dia

especial com Axel e Lucy, o casal que arrebatou nossos corações

em Nem todos os príncipes usam coroa.


Trilogia Irresistíveis

Desde os tempos mais antigos, os jogos de azar sempre

foram muito procurados pelos homens. Roggero Fontana era um

viciado em apostas, à beira da falência.

Em uma de suas jogadas habituais, desesperado, aposta a

mão de sua própria filha, Isabella, com John Smith, um misterioso


forasteiro. Mas Roggero perde o jogo e, consequentemente, sua

filha.

O casamento acontece de forma rápida; John tem urgência

em levar Isabella para sua isolada fazenda.

Lá, a jovem se depara com um segredo que vai mudar para

sempre suas vidas, e descobre que para ficar ao lado de John

precisará enfrentar todos os demônios do passado para, só então,

encontrarem o paraíso que sempre desejaram.

Duologia Paixão Proibida


Agatha Mendes, dona de um temperamento explosivo, foi

mandada para um colégio interno quando tinha onze anos, para que

pudesse aprender a se comportar. Cresceu sob supervisão das

freiras, saindo do colégio apenas para assistir às missas da

paróquia.

George viveu em um orfanato, onde cresceu planejando se

vingar da família Mendes, responsável pela morte de sua mãe. Ele

traçou o plano perfeito para caçar os culpados.


Sete anos depois, Agatha é agora uma mulher deslumbrante,

pode finalmente voltar para casa, mas o destino acaba cruzando

sua vida com a de George, um homem charmoso e misterioso, que

a envolve numa aventura perigosa e cheia de segredos.

Ele poderia seguir com seu plano de vingança, caso se

apaixonasse por Agatha?

E como ela poderia se entregar ao homem que está caçando

sua família?
Instagram: autorasilzafia

Grupo de leitoras

WhatsApp
Facebook

Você também pode gostar