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Diretora Editorial: Elaine Cardoso
Editora: Mari Vieira
Tradução: Marcela Resende
Preparação: Sara Lima
Revisão: Sara Lima
Revisão Final: Elaine Cardoso
Capa e Diagramação: Elaine Cardoso
Ivory
Pobreza.
Costumava ser mais fácil.
Talvez porque não me lembro muito dela na minha infância. Porque eu
era feliz.
Agora tudo o que sobrou foi o luto e os gritos e as contas a pagar.
Aos 17 anos, eu não sei muito do mundo, mas descobrir que ser
indesejada e infeliz são muito mais difíceis de suportar do que não ter nada
para comer.
Os nós em meu estômago apertam. Talvez vomitar antes de sair de casa
vai acalmar meus nervos e clarear minha mente. Exceto que eu não posso
me dar ao luxo de perder calorias.
Respiro fundo para confirmar que os botões da minha melhor camisa se
mantêm firmes e o considerável decote ainda está escondido
moderadamente. A saia na altura do joelho está servindo melhor essa
manhã do que no brechó e a sapatilha… Esqueça, não tem nada que eu
possa fazer sobre as solas rachadas e os rasgos nos dedos. Esses são os
únicos sapatos que eu tenho.
Saio do banheiro e ando na ponta dos pés pela cozinha passando as mãos
trêmulas pelo cabelo. As mechas molhadas caem nas minhas costas
encharcando a camisa. Droga! O sutiã está aparecendo nesse tecido úmido?
Eu deveria ter prendido meu cabelo ou secado, mas estou sem tempo, o que
endurece ainda mais minha barriga.
Meu Deus, eu não deveria estar tão ansiosa. É só o primeiro dia de aula.
Eu fiz isso inúmeras vezes.
Porém é o meu último ano.
O ano que irá determinar o resto da minha vida.
Um erro, notas menores do que a ideal e uma violação no código de
vestimenta, a menor das infrações irá direcionar o holofote para longe do
meu talento e brilhar na pobre garota do Treme. Cada passo que dou nos
corredores preconceituosos e de mármores do Instituto Le Moyne é um
esforço para provar que eu sou mais do que aquela garota.
Le Moyne é um dos ensinos médios de belas-artes mais reconhecido,
elitista e caro do país. É intimidante. Muito assustador. Não importa se eu
seja a melhor pianista de Nova Orleans. Desde o meu primeiro ano, a
academia tem procurado um motivo para me expulsar e preencher o meu
competitivo lugar com um estudante que traga talento e recursos
financeiros.
O fedor da fumaça de cigarro me traz de volta à realidade da minha vida.
Aperto o interruptor na parede da cozinha, iluminando as pilhas de latas de
cervejas amassadas e caixas de pizzas vazias. Pratos sujos enchem a pia,
pontas de cigarros se espalham pelo chão e… Que diabos é isso? Eu me
inclino sob o balcão e semicerro os olhos para os resquícios queimados na
colher.
Filho da puta. Meu irmão usou nossos melhores utensílios para aquecer a
coca? Jogo a colher no lixo em um surto de raiva.
Shane alega que ele não tem condições para pagar as contas, mas o
maldito desempregado sempre tem dinheiro para festejar. Não só isso, a
cozinha estava impecável quando eu fui dormir, apesar do mofo exuberante
nas paredes e das lâminas descascando na bancada. Caramba, essa é a nossa
casa. A única coisa que ainda temos. Ele e minha mãe não tem ideia do que
tenho suportado para manter a gente com o atual pagamento da hipoteca.
Pelo bem deles, espero que nunca descubram.
Um pelo macio roça no meu tornozelo chamando minha atenção para o
chão. Grandes olhos dourados olham para cima em um rosto laranja
malhado e meus ombros logo relaxam.
Schubert inclina o queixo sujo e esfrega o bigode de gato na minha
perna, sua cauda balançando no ar. Ele sempre sabe quando preciso de
atenção. Às vezes, eu acho que ele é o único amor que sobrou nessa casa.
— Eu tenho que ir, garoto — sussurro, e me abaixo para coçar suas
orelhas. — Seja um bom gatinho, está bem?
Pego a última fatia do pão de banana do esconderijo, na parte de trás da
despensa, aliviada por Shane não ter encontrado. Embrulho em um papel
toalha e tento sair pela porta da frente o mais quieta possível.
Nossa casa em ruínas tem uma sala ampla e cinco ambientes compridos.
Sem corredores e com os quartos organizados um na frente do outro, todas
as portas em fileiras. Eu poderia ficar parada no final, atirar com uma
espingarda na porta da frente e não atingir nenhuma parede.
Mas eu poderia atingir Shane. De propósito. Porque ele é um maldito
fardo e um desperdício de vida. Ele também é nove anos mais velho, tem
sessenta e oito quilos a mais e é o único irmão que eu tenho.
As tábuas antigas de madeira gemem debaixo dos meus pés e eu paro de
respirar, esperando para que um Shane bêbado urre.
Silêncio. Obrigada, Senhor.
Segurando o embrulho do pão no peito, passo pelo quarto da minha mãe
primeiro. Trinta minutos atrás, andei sonolenta e tropeçando em direção ao
banheiro no escuro. Mas com a luz da cozinha brilhando no vão da porta, o
amontoado em sua cama parece bastante com uma pessoa.
Eu cambaleio de surpresa tentando lembrar a última vez que eu a vi.
Duas… três semanas atrás?
Uma palpitação se agita em meu peito. Talvez ela tenha voltado para casa
para me desejar boa sorte em meu primeiro dia?
Três passos quietos me levam até a cama. O quarto retangular é apertado
e estreito, mas o teto eleva-se em três metros ou mais. Papai costumava
dizer que o telhado inclinado e o longo layout comprido era um projeto de
ventilação para garantir que todo o seu amor pudesse fluir.
Contudo, papai se foi. E tudo que ficou circulando pela casa foi o mofo e
os crepitantes barulhos do ar-condicionado.
Eu me curvo sobre a cama, me esticando para ver os curtos cabelos da
minha mãe na sombra. Porém, encontro o indesejável fedor de cerveja e
maconha. Mas é claro. Bem, pelo menos ela está sozinha. Não tenho
nenhum interesse em conhecer o homem do mês com quem ela está
transando.
Deveria acordá-la? Meus instintos me diziam para não fazer, mas eu
anseio sentir seus braços em volta de mim, caramba.
— Mãe? — sussurro.
O amontoado se levanta e um profundo gemido ressoa dos cobertores. O
gemido de um homem que eu conheço com uma horrível intimidade.
Um calafrio percorre minha coluna enquanto ando para trás. Por que o
melhor amigo do meu irmão está na cama da minha mãe?
O braço grosso de Lorenzo balança para cima e sua mão pega minha
nuca, me puxando em sua direção.
Deixo meu pão cair em uma tentativa de me afastar, mas ele é forte,
malvado e nunca responde ao não.
— Não! — digo de qualquer forma, o medo aumentando minha voz e
minha pulsação ressoando em meus ouvidos. — Pare!
Ele luta comigo na cama, me empurrando de bruços sob seu corpo suado.
O hálito de cerveja quente me sufoca. Então seu peso, suas mãos… meu
Deus, sua ereção. Ele cutuca minha bunda com isso, levantando minha saia
e sua respiração pesada roçando minhas orelhas.
— Me solta! — Bato descontroladamente, meus dedos batendo nos
cobertores e me levando a lugar nenhum. — Eu não quero isso. Por favor,
não…
Sua mão tapa minha boca, me calando enquanto sua força limita meus
movimentos.
Meu corpo vai gelando, ficando entorpecido, desmoronando como algo
morto, me separando dos pensamentos. Eu deixo minha concentração
escapar para uma segurança que eu conheço, que eu amo, enquanto envolvo
meu ser com uma atmosfera negativa, leves batidas no teclado do piano e
um ritmo atonal. A sonata Nº 9 de Scriabin. Vejo meus dedos percorrendo
as teclas do piano. Escuto a persistente melodia e sinto cada nota tremer, me
puxando mais perto da massa negra. Para longe do quarto. Para longe do
meu corpo. Para longe de Lorenzo.
Uma mão vagueia sob meu peito, apertando meus seios e puxando a
blusa, mas estou perdida nas notas dissonantes e recriando-as com cuidado,
distraindo meus pensamentos. Ele não pode me machucar. Não aqui com a
minha música. Nunca mais.
Ele muda de local, empurrando suas mãos em minhas nádegas, dentro da
calcinha, sondando rudemente o buraco na parte de trás que ele sempre faz
sangrar.
A sonata se estilhaça em minha mente e eu tento reunir as notas. Mas
seus dedos são persistentes, me obrigando a aguentar seu toque e sua mão
que abafa meu grito. Procuro por ar e desesperada chuto as pernas próximas
da mesinha de cabeceira. Meu pé bate no abajur, mandando-o direto para o
chão.
Lorenzo congela, sua mão apertando minha boca.
Uma batida alta vibra a parede sob minha cabeça, um punho batendo do
quarto de Shane. Meu sangue congela.
— Ivory! — A voz de Shane ecoa pela parede. — Porra! Você me
acordou, sua puta inútil!
Lorenzo salta de cima de mim e vai até o feixe de luz da porta da
cozinha. Tatuagens tribais escurecem seu peito e a calça de treino folgada
pendura em seu quadril estreito. Uma pessoa despretensiosa poderia
considerar seu físico robusto e seus fortes traços latinos atraentes. Contudo,
a aparência é apenas a pele da alma e a dele é podre.
Eu rolo da cama, abaixo a saia e pego o pão embrulhado do chão. Para
chegar na porta da frente tenho que passar pelo quarto de Shane e pela sala.
Talvez ele ainda não tenha se arrastado para fora da cama.
Com o pulso trêmulo, corro para a escura caverna do quarto de Shane e
pufff! Bato em seu peitoral nu.
Esperando sua reação, desvio do caminho de seu primeiro golpe só para
expor minha bochecha ao forte tapa da sua outra mão. O impacto me manda
de volta ao quarto da nossa mãe e ele me segue. Seus olhos perdidos em
uma neblina de álcool e drogas.
E pensar que um dia ele se pareceu com o papai. Mas isso foi antes…
Todo dia, o contorno loiro do couro cabeludo de Shane recua mais, as
bochechas afundam mais no rosto pálido e a barriga cai sob aqueles
ridículos shorts de treino.
Ele não tem treinado desde que desertou dos Fuzileiros Navais, quatro
anos atrás. O ano em que nossa vida virou uma merda.
— Por que... Diabos… — diz Shane, empurrando seu rosto no meu. —
Você está acordando a maldita casa às cinco horas da manhã?
Tecnicamente são quase seis horas e eu tenho que fazer uma rápida
parada antes da viagem de quarenta e cinco minutos.
— Eu tenho escola, idiota. — Endireito a coluna, ficando mais alta,
apesar do terrível som que azedava meu estômago. — O que você deveria
estar perguntando é: por que Lorenzo estava dormindo no quarto da mamãe,
por que ele colocou as mãos em mim e por que eu estava gritando para que
ele parasse?
Eu sigo a atenção de Shane para seu amigo. Tinta desbotada rabisca as
laterais do rosto de Lorenzo, indiscernível sob a sombra escura das
costeletas. Mas a nova tatuagem no pescoço queima com tanta ousadia e tão
preta quanto seus olhos. Destruir era o que dizia e o modo como ele me
encarava era uma promessa.
— Ela deu em cima de mim de novo. — O olhar fixo de Lorenzo recai
sobre mim, sua expressão um livro aberto de malícias. — Você sabe como
ela é.
— Mentira! — Eu me viro para Shane, minha voz suplicando. — Ele não
me deixa em paz. Toda vez que você se vira, ele puxa minhas roupas e…
Shane agarra meu pescoço e me joga de cara no batente da porta. Eu
tento escapar lutando contra a força de sua ira, mas minha boca encontra o
canto pontiagudo.
Dor explode em minha boca. Quando sinto o gosto de sangue, levanto o
queixo para evitar que suje minha roupa.
Ele me solta, seus olhos opacos e pálpebras pesadas, mas seu ódio me
apunhala mais forte do que nunca.
— Se você mostrar seus peitos para os meus amigos de novo, vou cortar
essas merdas fora. Você me escutou?
Minha mão voa para os meus peitos e meu coração afunda quando minha
mão desliza no decote em V da camisa. Pelo menos dois botões se foram.
Merda! O instituto vai me reportar ou pior, me expulsar. Em desespero,
procuro pelas pequenas bolinhas na cama e no mar de roupas espalhadas no
chão. Eu nunca vou encontrá-las e se eu não sair agora, terá mais sangue e
botões perdidos.
Eu me viro e corro pelo quarto de Shane, seus gritos furiosos me
impulsionando a ir mais rápido. Na sala, eu pego a mochila do sofá que
durmo e logo depois estou do lado de fora da porta, exalando meu alívio
sob o céu cinza. O sol não irá nascer por mais uma hora e tudo está calmo
na rua vazia.
Enquanto dou um passo no gramado da frente, tento apagar os últimos
dez minutos da cabeça ao guardá-los em malas. De estilo antigo, prendo o
couro marrom com fivelinhas beges. Então, imagino a mala na varanda.
Fica lá porque eu tenho um limite para carregar.
Uma corrida curta me leva em direção a rota 91. Se eu me apressar, eu
ainda consigo dar uma olhada em Stogie antes do próximo ônibus.
Contornando os buracos que marcam as majestosas ruas arborizadas,
passo pelas fileiras de chalés e casas espingarda pintadas com cores
vibrantes e adornadas com marcas registradas do verdadeiro sul: cercas de
ferro forjado, luminárias a gás, janelas guilhotinas e frontões trabalhados
com arabescos ornamentais. Está tudo lá, se alguém conseguir olhar além
das varandas caídas, do grafite e do lixo em decomposição. Lotes vazios e
cobertos de mato marcam a paisagem urbana como se precisássemos do
lembrete do último furacão. Mas a reverberação do Treme cresce no solo
fértil, na história cultural e no sorriso degastado das pessoas que chamam de
lar a parte de trás da cidade.
Pessoas como Stogie.
Alcanço a porta altamente bloqueada de sua loja de música e encontro a
maçaneta destrancada. Apesar da escassez de clientes, ele abre a loja no
momento que acorda. Afinal, esse é o seu sustento.
O sino no alto toca quando entro na loja e minha atenção se volta como
de costume para o antigo Steinway no canto. Eu passei cada verão que
posso me lembrar batendo as teclas daquele piano até minhas costas doerem
e meus dedos perderem a sensibilidade. Por fim, essas visitas se tornaram
em um emprego. Cuido dos clientes, da contabilidade, do inventário e do
que mais ele precisa. Porém, só nos verões quando não tenho nenhuma
maneira de ganhar outra renda.
— Ivory? — O barítono rouco do Stogie gorjeia pela lojinha.
Eu ponho o pão de banana sob o balcão de vidro e grito para os fundos.
— Só estou deixando o café da manhã.
O som de mocassim sendo arrastado sinaliza sua aproximação e seu
corpo encurvado emerge do quarto nos fundos. Noventas anos e o homem
ainda consegue se movimentar rápido ao cruzar a loja com seu frágil corpo
como se não estivesse abatido pela artrite.
O olhar enevoado nos olhos escuros mostra sua visão ruim, mas ao se
aproximar, ele nota de imediato os botões faltando em minha camisa e o
machucado inchado em meu lábio. As rugas debaixo da aba do seu boné de
beisebol aumentam. Ele já viu o trabalho de Shane antes e eu fico muito
feliz que ele não pergunta ou fica com pena. Eu posso ser a única garota
branca nesse bairro e com certeza a única criança com uma educação em
uma escola particular, mas as diferenças terminam aqui. Minha bagagem é
tão comum no Treme como as contas jogadas na Bourbon Street.
Enquanto ele me observa da cabeça aos pés, coça o bigode branco que
contrasta com sua pele negra como carvão. Os tremores visíveis percorrem
seus braços e ele endireita os ombros, com certeza em uma tentativa de
disfarçar sua dor. Eu tenho visto sua saúde piorar em meses, impotente para
parar isso. Eu não sei como ajudá-lo ou apaziguar seu sofrimento e isso me
mata por dentro.
Eu vi suas finanças. Ele não pode arcar com medicamentos ou visitas aos
médicos, nem mesmo coisas básicas como comida. E com certeza ele não
pode arcar um funcionário, o que fez com que meu último pagamento no
verão passado fosse bom, mas pesado para ele. Quando eu me formar no Le
Moyne na primavera, eu vou deixar o Treme e Stogie não se sentirá mais
obrigado a cuidar de mim.
Mas quem irá cuidar dele?
Ele puxa um lenço do bolso da camisa, suas mãos tremendo ao levar em
direção ao meu lábio.
— Você parece muito inteligente esta manhã. — Seus olhos astutos
encaram os meus. — E nervosa.
Fecho os olhos enquanto ele limpa o sangue. Ele já sabe que minha
aliada mais forte no instituto renunciou ao cargo de professora chefe do
departamento de música. Minha relação com a sra. McCracken durou três
anos. Ela era a única pessoa no Le Moyne que eu podia contar para cuidar
de mim. Perder seu endosso para uma bolsa de estudos é como começar
tudo de novo.
— Só tenho um ano. — Abro os olhos, bloqueando-os do Stogie. — Um
ano para impressionar meu novo professor.
— E tudo o que você precisa é de um momento. Apenas garanta estar lá
para isso.
Vou pegar a rota 91 alguns quarteirões de distância. A viagem de ônibus
dura vinte e cinco minutos. Depois uma caminhada de dez minutos até o
campus. Verifico meu relógio. Vou estar lá com botões faltando e lábio
machucado, mas meus dedos ainda funcionando. Vou fazer com que cada
momento valha a pena.
Corro a língua no machucado e recuo na vultuosa pele partida.
— Está perceptível?
— Sim. — Ele me lança um olhar estreito. — Mas não tão perceptível
quanto seu sorriso.
Meus lábios se curvam sozinhos, o que tenho certeza que era a sua
intenção.
— Você é encantador.
— Somente quando ela vale a pena. — Ele abre a gaveta bagunçada
próxima do seu quadril e enfia uma mão trêmula nas palhetas de violão, nas
palhetas de sopro, nos pregos… O que ele está procurando?
Ah! Pego o alfinete de segurança ao lado do seu dedo e procuro por
outro.
— Você tem outro?
— Só um.
Depois de alguns ajustes estratégicos, consigo prender as frentes da
minha camisa e dou um sorriso grato a ele.
Com um leve tapinha em minha cabeça, ele faz um movimento de
expulsão.
— Anda. Saia daqui.
O que ele realmente está dizendo é: vá para aquela escola para sair
daquela casa. Sair do Treme. Sair dessa vida.
— É o que eu planejo. — Deslizo o pão pela mesa.
— Ah não, fique com ele.
— Vão me alimentar na escola.
Eu sei que ele percebe a mentira, mas ele aceita de qualquer maneira.
Enquanto me viro para partir, ele pega meu pulso com mais força do que
eu achei que fosse capaz.
— Eles têm sorte de ter você. — Seus olhos escuros piscam. — Não
deixe que aqueles malditos filhos da puta esqueçam disso.
Ele está certo. Só porque minha família não pode oferecer doações
abastadas ou conexões poderosas, isso não faz de mim um caso de caridade.
Minha mensalidade de quatro anos foi paga quando eu tinha dez anos e eu
passei nas audições exigidas quando eu tinha 14 anos, assim como meus
colegas. Durante o tempo que eu continuar superando os outros nos
trabalhos, nos recitais, nas redações e no comportamento, o instituto não
pode ser tão pressionado em me largar.
Dou um beijo na bochecha enrugada de Stogie e parto em direção a
parada de ônibus, incapaz de permitir que o medo retorne a minha barriga.
E se o novo professor de música me odiar, se recusar a ser meu mentor ou
ao me apoiar no processo de matrícula da universidade? Papai ficaria
devastado. Deus, esse é o meu maior medo. Será que o papai está me
vendo? Será que ele viu as coisas que fiz para sobreviver? As coisas que
terei que fazer de novo esta noite? Ele sente minha falta como eu sinto a
dele?
Às vezes, o terrível vazio que ele deixou para trás dói tanto que é
impossível suportar. Às vezes eu quero ceder a dor e me juntar a ele, onde
quer que ele esteja.
E é por isso que estou movendo meu maior desafio para o topo da lista de
tarefas.
Hoje, eu vou sorrir.
2
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Eu sigo o sr. Marceaux para fora da sala de aula, com a boca seca e as mãos
suadas. Enquanto a porta fecha atrás dele, minhas entranhas se contorcem
em uma enxurrada de mil punhos.
Ele não é um homem alto, mas ele parece gigante no corredor vazio, uma
gigante montanha brava repercutindo.
Se minha vida dependesse da primeira impressão dele sobre mim, eu fodi
com a minha vida.
Ele esfrega uma mão no rosto, passando-a até o lábio e me encara pelo
que parece ser uma eternidade.
— Você vem para minha aula despreparada e…
— Eu já expliquei a questão do livro com a secretária. Eles sempre me
dão a primeira semana para…
— Não me interrompa — ele diz duramente e se inclina, apoiando a mão
na parede ao lado da minha cabeça.
Um fluxo de sangue atinge minhas bochechas com seus intimidantes
olhos azuis. Sua boca está tão perto que posso sentir um ligeiro cheiro de
canela do chiclete no hálito dele e meu estômago se revira em desconforto.
— Você está deliberadamente tentando desperdiçar o meu tempo? — Sua
mandíbula endurece. — Sem choramingar desculpas ou mentir, você tem
cinco palavras para explicar por que não tem o material.
Cinco palavras? Esse cara está falando sério? Ele pode ir se foder porque
eu só vou dar quatro.
— Eu moro no Treme.
— Treme — ele repete, inexpressivo.
Eu odeio como me sinto rígida e desconfortável sob seu olhar. Eu quero
que ele olhe para outro lugar porque odeio seus olhos, odeio os vívidos
aspectos de safira e o modo como as congelantes faíscas afiadas ficam
nítidas sob a luz fluorescente. Nada poderia ser gentil ou seguro naquele
olhar.
Sua garganta se move no profundo bolso sombrio acima da sua gravata.
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que você mora em Treme?
Ele não só faz uma pergunta, ele estala como um chicote. Como uma
punição que eu não merecia.
Estou a centímetros de distância dele, minhas costas prensadas na parede
e me sentindo na defensiva, encurralada e meus pelos arrepiados por
vingança.
— Ah, sim. Esqueci que tem um diploma muito chique, então vou
simplificar para você.
— Cuidado com a porra do seu tom.
É quase um sussurro, preso e mantido no pequeno espaço entre nós, mas
eu consigo sentir vibrar através de mim como um barulho trovejante.
Ele não disse nada de choramingar desculpas ou mentir? Muito bem.
Eu limpo a atitude da voz e lhe dou a verdade pura e não polida.
— Eu moro no Treme porque minha família não pode arcar com uma
mansão no Garden District, sr. Marceaux. Eu não posso comprar um celular
ou qualquer tipo de aparelho eletrônico. Eu não posso comprar um tênis de
corrida ou comida para o meu gato. E esses… Esses braceletes eletrônicos
que todos os meus colegas usam quando estão se exercitando? Eu não sei
para o quê servem, mas eu não posso comprar um desses também. E neste
exato momento, eu não tenho dinheiro para os materiais da escola. Mas vou
ter até o final da semana.
Se endireitando, ele dá um passo para trás e abaixa sua cabeça. Isso é um
maldito sorriso que ele está escondendo? Eu juro por Deus que vi um. Ele
realmente está aproveitando dessa patética avaliação da minha vida? Que
merda de pessoa. Esse é o professor que eu deveria admirar? Aquele que
vai me ajudar ou me destruir? Meus pulmões se agitam, batendo juntos.
Quando ele levanta a cabeça, seus lábios estão em uma linha reta e seus
olhos profundamente gelados parecem manipular sua expressão,
distorcendo para uma montagem de outros rostos que me assombram
enquanto durmo.
— Eu deveria sentir pena de você?
— Nunca. — Fervilho cerrando os dentes. — Eu nunca iria querer isso.
— Não? Então o quê? Espera que eu faça exceções para você?
— Não, só… — Eu nunca conheci um idiota mais insensível e hipócrita.
— Só me reporte ou faça seja lá o que vá fazer.
Percebo que algo não está certo no momento que ele olha para o corredor
para verificar se estamos sozinhos. Eu sei que toda essa situação é
inapropriada quando ele se curva em minha direção e coloca suas mãos na
parede, me prendendo. E eu sei que não há uma maldita coisa que eu possa
fazer quando ele sussurra por cima das batidas dos meus ouvidos.
— Não se preocupe com sua punição. — A atenção dele volta para os
meus lábios antes de retornarem para os meus olhos. — Vou cuidar disso
depois.
E assim do nada, minha força, minha coragem, tudo o que eu desejava ter
agora, me abandonam nos pesados braços do medo. Eu estive nessa posição
incontáveis vezes. É a primeira vez com um professor, mas ele não é
diferente daqueles outros aproveitadores. Eu poderia reportar ele, mas em
quem acreditariam? A garota com a reputação de puta ou o antigo diretor da
Shreveport? E enquanto eu sei que não posso subjugá-lo, sei que vou
sobreviver. Eu até talvez possa controlar minhas emoções enquanto está
acontecendo como um Noturno, Op. 27 Nº 2 de Chopin em Ré Bemol
Maior.
Eu me assusto quando sua mão sobe, não para agarrar meus peitos, mas
para segurar meu queixo para que ele pudesse ver melhor o meu lábio.
— Você precisa ir para a enfermaria e pedir para que coloquem algo
nesse corte.
Só quando ele me solta e desliza as mãos para dentro dos bolsos que
percebo que estou tremendo. Ele dá um passo para trás, cotovelos largos e
ombros soltos. Um calafrio dissipa pelo meu corpo.
Ele me observa com seus olhos azuis árticos, não tenho certeza se devo ir
para a enfermaria ou esperar ser dispensada. Por alguma razão, isso
importa. Como se ele estivesse me testando. Então, eu aguardo.
Ele é um idiota imprevisível e sem coração, mas também me surpreende.
Ele não forçou sua boca na minha ou colocou seus dedos entre minhas
pernas. Ele… Deu um passo para trás?
Talvez eu ainda tenha chance de provar que não sou só uma garota pobre
ou alguém para apalpar no corredor por cinco minutos.
Um constante clique de sons agudos preenche o silêncio entre nós. Sigo o
barulho com meu olhar, traçando sob sua gravata e colete, visualmente
traçando o escuro cabelo em seu antebraço exposto e parando no relógio
mecânico em seu pulso.
Rodas em movimentos com pontas semelhantes a dentes giram dentro do
enorme mostrador, tiquetaqueando e medindo o ritmo do tempo como um
metrônomo. Será que cada momento que passo com ele significará uma
sequência irreversível no futuro? Ou ele me prenderá aqui, no presente,
nessa vida?
— Srta. Westbrook.
Volto minha atenção para seu rosto, as linhas angulares de seu queixo, as
sombras escuras em sua bochecha onde a barba irá crescer e a curva dos
lábios que não foram machucados pela circunstância. Ele parece intocável.
Talvez seus punhos sejam cruéis como sua beleza. Só de olhar para ele
parece como se eu estive respirando fogo.
Porque ele é perigoso. E ele também parece saber disso ao empurrar um
dedo impaciente em direção à enfermaria, sua voz cheia de urgência.
— Vá.
Eu me viro e corro em direção ao corredor com o peso de seu olhar
pressionado nas minhas costas.
6
Emeric
Ivory não olha para trás enquanto corre pelo corredor, ela não se atreve a
encontrar meus olhos. Contudo, a pressa descontrolada em seus passos me
fala tudo. Eu mexi com ela. Não minha influência profissional, mas minha
presença masculina. Eu a amedronto.
Um grande sorriso aparece em minha boca.
Separados pelo comprimento do corredor, eu ainda sinto os e se
queimando entre nós. Eu sei que ela imaginou a gente junto quando a
encurralei na parede. Tenho certeza que ela sentiu a troca de energia, talvez
até tenha detestado, já que a respiração dela acelerou e as pupilas dilataram.
E mesmo assim, ela aguardou minha permissão para sair.
Sabendo disso, observo ela correr e a visão do seu corpo curvilíneo
balançando inocentemente, tudo desencadeia uma necessidade predatória
dentro de mim. A necessidade de perseguir.
Mas eu não vou. Não aqui. Nunca. Respiro e aguardo que minha ereção
receba a mensagem.
No momento que ela desaparece na esquina, eu me encosto na parede.
Ela é mesmo o tipo de garota que me atraí. Uma mulher que foge quando
caçada e ganha vida quando é pega. Uma mulher que se curva às punições e
procura por aceitação ao ser humilhada. Uma mulher que morde uma mão
pesada apenas para derreter em torno do punho implacável que bloqueia seu
ar.
Eu exigi sua honestidade – sem choramingar desculpas ou mentiras – e
esperei que ela recuasse, me desobedecesse ou me mandasse para a puta
que o pariu. Mas ela não o fez, não poderia. Foi o momento que eu percebi
que é da sua natureza me dar o que eu queria. Quando ela expôs os detalhes
constrangedores da sua pobre vida, oferecendo suas vulnerabilidades para
que eu pudesse zombar, que Deus me ajude, foi maravilhoso, trágico e
sedutor – a trindade da tentação.
Uma gulosa palpitação apertou a frente da minha calça, mas a reação não
significa nada. É simples, na verdade. Quero sexo. Sexo indecente e
pervertido. Nada mais. Por mais machucado e furioso que eu esteja do meu
último erro, estou relutante em seguir em frente e incapaz de deixar que a
Joanne vá. Mas eu também sou rancoroso e vingativo o suficiente para
foder quantas mulheres possíveis com o controle bruto que Joanne deseja e
não pode mais ter. Talvez ela se engasgue com seu ciúme venenoso.
O que faz de Ivory uma provocação tentadora. Eu posso dar a ela
exatamente o que ela precisa. Eu posso treiná-la, objetificá-la e corrompê-
la, e ela deixaria porque se entregar é a estrutura da sua sexualidade.
Mas eu também poderia me perder nela, porque ela é o tipo de mulher
com quem eu cometo erros.
Exceto que ela não é uma mulher.
Como aluna do último ano, ela tem pelo menos dezessete anos, a idade
legal para o consentimento. Mas ela ainda é uma criança com dez anos a
menos do que eu e a conduta sexual entre professor e estudante é punido
com prisão, não importa a idade.
A concepção é desanimadora, esvaziando meu pau e mantendo minhas
mãos quietas com muito mais facilidade.
De volta a sala de aula, os alunos me bombardeiam com perguntas sobre
escala cromática e o ciclo das quintas. Devagar, minha fixação em Ivory
escorrega para os cantos da minha mente.
Até que a porta abre e seus olhos escuros encontram os meus de
imediato.
Continuo com a aula enquanto ela desliza atrás da mesa, seu lábio
inferior brilhando com a pomada. Não olho para ela por mais de meio
segundo. Eu sou o adulto aqui, aquele em controle das nossas interações.
Ignoro minha fascinação por ela, fingindo que não quero devorá-la com
meu olhar e colocando limites apropriados. Estou aqui para ensinar a ela e
isso não inclui instruções sobre como chupar corretamente o meu pau.
Para falar a verdade, apesar do meu desgraçado final como diretor de
Shreveport, estou animado por estar de volta à sala de aula. Nada me
completa como o sentimento de pertencimento em estar diante de uma
plateia extasiada e poder chamar atenção com o som da minha voz. Isso não
é um emprego. É um bom uso das minhas necessidades para influenciar e
dominar, um lugar onde posso disciplinar as fraquezas, moldar as mentes
confiantes e inspirar os estudantes com minha paixão pela música.
Minhas veias pulsam com energia enquanto escuto os alunos discutirem
sobre a aplicação do cantochão. Eu me sento em uma cadeira de frente para
a sala, acenando em encorajamento e interferindo somente quando eles
saem do tópico. Eles olham para mim em busca de conhecimento e
estremecem sob minhas ordens. E eu gosto disso.
Foi por isso que eu não lutei para manter meu trabalho em Shreveport.
Eu preciso disso… Dessa liberdade para deixar todas as besteiras
administrativas para trás e focar no meu amor pelo aprendizado.
A discussão na classe aumento o volume, vozes se chocando à medida
que o debate sobre o uso da pauta musical aumenta. Estou a segundos de
pôr um final a discussão quando Ivory entra.
— Gente, relações comuns em pautas são estereotipadas. — Ela franze a
testa. — Mas ainda é possível obter um sentimento de emoção na música.
— Ela rapidamente reforça suas ideias com exemplos válidos com o
Concerto para Violino de Schoenberg.
Nenhuma vez ela menciona o texto. Nem mesmo quando cita as
composições ornamentais por número de opus. A turma escuta em silêncio
e quando o sinal toca, ela persuadiu o debate magnificamente.
Eu fico… impressionado. Ela conhece o material quase tão bem quanto
eu. Se ela tocar piano com a mesma aptidão, vou ter que puni-la só por me
fazer ficar encantado pra porra.
Seus olhos encontram os meus enquanto a turma vai diminuindo. Restam
cinco estudantes, mas estou muito focado em uma para notar os outros. Tem
algo reconhecível em seu olhar. Desconfiança? Acusação? Abuso. O que
quer que ela esteja expondo é ao mesmo tempo ofensivo e assustador.
Endureço meu olhar, uma repreensão silenciosa. Ela afasta o olhar,
esfregando os lábios com pomada enquanto segue seus colegas.
Três meninos e duas meninas compõem os pianistas do último ano do Le
Moyne, incluindo o idiota hipster, Sebastian Roth. Ele muda de assento
durante as aulas, deixando uma fileira entre eles ao se sentar próximo de
Ivory. Vou permitir desde que ele não olhe para ela, nem um maldito olhar.
Como os arquivos dos estudantes não chegaram para minha mesa antes
da hora do almoço, não tive tempo de ler. Mas eu sabia que as últimas aulas
da minha agenda seriam com um grupo íntimo. As vantagens de
desembolsar uma mensalidade tão cara são muitas, todas ilustradas na
brilhante ficha do Le Moyne com uma página inteira de 1:5 dedicada à
relação professor-aluno.
— Então é assim que os melhores pianistas da Le Moyne se parecem? —
falo com dúvida, deixando claro que eles teriam que se provar. — Vocês
acham que têm o necessário para se tornarem pianistas, compositores e
professores virtuosos, qualquer coisa que não sejam pirralhos privilegiados
e esnobes?
Exceto Ivory. Nada nela fede a privilégio, suas roupas e seus sapatos
esfarrapados e sua incapacidade de comprar os livros. Como é que uma
garota de um bairro pobre consegue uma vaga aqui? É estranho. E
perturbador.
Forçando-a a sair da minha mente, ando pelas fileiras com minhas mãos
cruzadas atrás de mim e estudo cada um dos cinco estudantes, sem registrar
seus traços individuais. Eu não dou a mínima para como eles se parecem.
Estou procurando por colunas eretas, lábios separados e olhos alertas.
Cinco pares de olhos se estreitam em mim, seus corpos inclinados para
seguir meus movimentos e as respirações engasgadas, esperando enquanto
passo por cada mesa. Eu tenho a atenção deles.
— Estaremos juntos três horas por dia, todos os dias até o fim do ano
letivo. teoria musical, seminário de piano, aula magistral de apresentação e
para alguns de vocês, aulas particulares… Foi para isso que o papai e a
mamãe gastaram tanto. — Minha caminhada sem pressa acaba na frente da
sala e eu me viro para olhar eles. — Não desperdicem meu tempo e eu não
desperdiçarei o dinheiro de seus pais. Não me levem a sério e eu com
certeza foderei com as perspectivas de futuro de vocês. Estamos
entendidos?
No silêncio que se segue, quase posso sentir o cheiro da mistura de
apreensão e começo de respeito.
— Não vou dar aula ou colocá-los no banco do piano hoje. — Olho para
os arquivos dos alunos na minha mesa. — Vou usar as próximas horas para
uma discussão individual com cada um de vocês. Não pensem nisso como
uma entrevista, apenas uma pequena reunião para ajudar a me familiarizar
com seu histórico e objetivos acadêmicos.
Sem convite, meus pensamentos voltam para Ivory e todas as maneiras
com a qual eu não posso conhecê-la. Passo uma mão pelo cabelo, evitando
o piscar de seus olhos. Eu me coço para conversar com ela novamente, para
saber como uma garota do Treme consegue pagar uma das mensalidades
mais caras do país.
Talvez eu não quisesse saber.
Mas eu sei que preciso de um momento para reunir um pouco de
autocontrole.
— Sr. Roth, começarei com você.
Vou guardar a tentação para o último.
7
Ivory
Giro o lápis entre os dedos e tento não abrir um corte em meu lábio.
Sentada no chão do fundo da sala em forma de L, observo o sr. Marceaux
através do labirinto de pernas das cadeiras enquanto ele administra as
reuniões individuais em sua mesa.
Um grande espaço separa a gente, o comprimento de duas salas de aulas
normais cheias de mesas e instrumentos. Mas quando ele olha na minha
direção, o que é perturbadoramente frequente, posso vê-lo. Eu também
posso me mexer um pouco e obstruir o contato visual.
Às vezes não me mexo, meu olhar paralisado sob a força do dele. Por
quê? Essa preocupação que tenho com ele é a coisa mais estranha. Eu quero
aprender mais sobre ele – o que ele come, o que ele escuta e aonde ele vai
quando não está aqui. Quero estudar cada movimento calculado dele,
observar o caminho de seus dedos no queixo, encarar os traços robustos de
seu rosto e memorizar a forma como a calça delineia sua forma. Ele é
encantador, uma distração e sem dúvida assustador.
Por que não posso focar em outra coisa? Isso não tem nada a ver com a
minha ambição para a universidade e seu papel nisso. Santo Deus, eu nem
cheguei a pensar nisso. Eu só quero… O quê? Que ele olhe para mim? Eu
odeio seus olhos, ainda assim, eu observo os dele, esperando que se virem
em minha direção. Isso é tão fodido.
Ele disse que poderíamos usar o período de tempo livre para estudarmos,
mas eu não consigo me concentrar. Eu não consigo pensar em nada a não
ser o enigma na frente da sala de aula.
Dois estudantes, Sebastian e Lester, deixaram a sala após a reunião.
Sarah escolheu ficar depois da vez dela e Chris está lá neste momento,
empoleirado e ereto na cadeira, acenando com a cabeça para qualquer coisa
que o sr. Marceaux esteja dizendo.
Sobrando apenas eu e a espera pela minha vez, que está esfolando minhas
entranhas.
— Psiu. Ivory.
Eu me viro em direção a Sarah que copia minha posição de pernas
cruzadas – nossas saias esticadas sobre os joelhos por recato – na outra
extremidade da parede dos fundos.
— Vem cá — sussurra.
Balanço a cabeça, relutante em desistir da visão.
Com um suspiro, ela abaixa o livro e engatinha em minha direção.
Isso vai ser interessante. Eu acho que ela falou comigo duas vezes nos
últimos três anos. Eu desisti de ser sua amiga quando ela disse que o
hambúrguer que eu estava comendo era feito de cobiça, mentiras e
assassinatos. Eu não tenho o luxo de poder escolher comidas que salvam
animais de fazendas e boicotam agendas políticas.
Seu cabelo castanho e liso é tão comprido que se arrasta no chão
enquanto ela se aproxima até mim de quatro. Ela tem um visual hippie à
moda antiga com cordas de contas multicoloridas penduradas no pescoço,
um vestido longo e esvoaçante que ela amarra na coxa e um brilho travesso
em seu olhar. Tenho quase certeza de que ela não está usando sutiã, mas ela
tem o tipo de constituição esbelta que não requer um.
Ela desaba de forma esparramada ao meu lado, braços e pernas
compridos, sorrindo. O que ela está tramando?
Em um volume muito baixo para ser escutado além do nosso grupo, ela
pergunta:
— O que você acha dele?
Pode me matar. Eu não vou conversar sobre isso com ela.
— Ele é severo.
Ela balança em direção ao sr. Marceaux e linhas retas se formam em sua
testa.
— Ele não. Quero dizer, sim, ele é severo, gostoso e… Alô? Você não
escutou sobre seus outros usos para o cinto?
O cinto dele? Balanço minha cabeça.
— O que você quer dizer?
— É só um boato. Eu quero falar sobre Chris Stevens.
Eu não tenho nenhuma opinião sobre Chris, a não ser que ele tentou
dormir comigo no segundo ano e eu tenho tentado evitá-lo desde então.
— O que tem ele?
— Você transou com ele?
Minhas bochechas queimam.
— O quê!
Sr. Marceaux lança sua atenção para mim.
Merda. Diminuo a voz, cortando as palavras.
— Eu não fiz nada com ele.
— Desculpa, desculpa. É só que… — Ela pega uma mecha do cabelo e
começa a trançá-lo em uma trança fina. — Eu sei que você esteve com
Sebastian, Prescott e… outros. Eles não calam a boca sobre isso e, bem,
esqueça. Eu estava errada em assumir. — Ela deixa a trança cair e me
mostra um par de covinhas. — Estamos bem?
— Sim, estamos bem. — Eu acho?
— Ótimo, porque eu preciso de uns conselhos. — Ela abaixa o queixo e
sussurra: — Sobre sexo. E como você é… hum…
Uma puta? Uma prostituta? Uma vadia suja? Luto com meus ombros
para relaxarem.
— Eu sou o quê?
— Experiente.
Cerro os dentes.
Ela não parece perceber.
— Chris e eu temos uma coisa. Tipo, nós já ficamos e eu tenho… Eu não
sei, me guardado para uma ocasião especial, sabe?
Não, eu não sei. Eu não consigo imaginar alguém ou algo sendo especial
o suficiente para passar por isso.
Ela aproxima tanto o rosto do meu que tudo que eu consigo ver são suas
sardas.
— Como é?
Eu me inclino para trás, ficando mais desconfortável a cada segundo que
passa.
— O quê? Sexo?
— É. — Ela lambe seus lábios. — Isso.
Só de pensar em sexo, meu estômago fervilha com milhares de abelhas.
Aguentar isso é pior do que lamber uma afta escorrendo pus e pele morta.
Mas eu não sei se é assim para todo mundo – as pessoas agem como se as
garotas deveriam gostar disso – então eu dou de ombros.
Ela inclina a cabeça.
— Dói? A primeira vez?
— Sim. — Minha voz falha e esclareço. — Dói. — Nunca para de doer.
— Quantos anos você tinha?
Eu não quero falar sobre isso, mas ao mesmo tempo meu peito aperta
com uma insuportável vontade de compartilhar. Ninguém nunca havia me
perguntado sobre minhas experiências sexuais. Com certeza, não a minha
mãe e eu nunca tive uma melhor amiga. Não é isso o que eu sempre quis?
Conversa de garotas sem julgamentos?
Procuro em seu rosto por sinais de crueldade e só encontro curiosidade
nos olhos brilhantes. Isso produz uma sensação quente no fundo do meu
núcleo. Ela está interessada, talvez até com inveja. Porque eu tenho algo
que ela não. Experiência.
Esticando as pernas, descanso minha cabeça na parede.
— Eu tinha treze anos.
— Uau. — Seu rosto brilha com deslumbre. — Quem? Como? Me conta
tudo.
As palavras vêm com facilidade, jorrada de uma memória tatuada em
cada célula do meu corpo.
— Meu irmão tinha acabado de cumprir seu tempo no Corpo dos
Fuzileiros Navais e voltou com um dos homens da sua unidade. Seu melhor
amigo.
Eu estava tão apaixonada por Lorenzo, tonta por sua boa aparência,
grandes músculos de batalhas e charme robusto. E ele olhou para mim
como se eu fosse a garota mais bonita que ele já viu.
Ele ainda olha para mim e eu o temo no fundo dos meus ossos.
Sarah cobre a boca, seu sorriso escapando entre os dedos.
— Você entregou sua virgindade ao melhor amigo do seu irmão?
Arrepios sobem pela minha coluna.
— Ele estava ficando com a gente até que pudesse arranjar seu próprio
lugar. Eu acordei uma noite e não consegui voltar a dormir, então saí para
me sentar no deck dos fundos.
Só fazia um mês desde que meu pai havia morrido e a perda ainda era tão
dolorosa, um aperto constante em meu peito. Ele costumava dizer, nada é
inconcebível e tudo é possível. A prova está na magia da música. Então lá
estava eu, murmurando sua música preferida de Herbie Hancock, desejando
pelo inconcebível: que ele voltasse.
Sarah se aproxima, sua expressão irradiando mais entusiasmo do que a
realidade que aquela noite merece.
— O que aconteceu?
— O amigo do meu irmão saiu e me prendeu na escada. Ele era tão
grande. Grande em todos os lugares. E forte. Ele sabia o que queria e eu não
pude impedi-lo.
Não consegui impedir que a escada de concreto arranhasse meus peitos e
minhas pernas enquanto ele pegava o que queria por trás. A mão em minha
boca abafando meus gritos. O som da minha camisola rasgando e o cheiro
do seu hálito apodrecendo o ar. A dor entre minhas pernas… As lágrimas, o
sangue, o dolorido por dias seguidos quando ele pegou de novo e de novo.
— Cara. — Sarah relaxou a postura na parede. — Isso soa tão quente.
É mesmo?
— Você tem tanta sorte. — Ela brinca com as pontas do cabelo. — Você
tem peitos, experiência e caras como esse dando em cima de você. Quero
isso. Eu acho que estava com medo, mas definitivamente estou pronta
para… você sabe… com Chris.
Deve ter alguma coisa de errado comigo, porque peitos, sexo e tudo o
que ela disse me fazem quere vomitar minhas tripas.
— Sarah, não…
— Entre eu e você, as garotas daqui só são malvadas com você porque
estão com ciúmes. Quero dizer, olhe para você. Homens querem isso. —
Ela balança uma mão para indicar o meu corpo. — Não é de admirar que
você dormiu com metade da escola.
Bile prende minha garganta e engulo de volta repetidas vezes para mantê-
lo no estômago.
— Ah, veja, ele acabou. — Sarah se levanta de um salto, pega seus livros
e corre apressada pela sala até Chris.
Parte de mim quer derrubá-la no chão e implorá-la para ficar longe dele.
Mas a outra parte, a parte egoísta, almeja sua aceitação. Se ela fizer sexo
com Chris, ela vai ser igual a mim. Talvez ela vá falar mais comigo,
confidenciar comigo. Talvez eu possa compartilhar outras coisas, coisas
assustadoras sobre homens e suas necessidades.
— Srta. Westbrook. — O sr. Marceaux se levanta da cadeira com os
punhos nos quadris e um frio nos olhos. — Não me faça esperar.
8
Emeric
Tento ler o arquivo de estudante dela, mas as palavras fogem. Estou muito
distraído, todos os meus pensamentos se afunilam em direção a garota que
está sentada do outro lado da mesa. Mandei todos os outros estudantes para
casa e agora é só Ivory, eu e essa distração inconveniente.
Seus dedos finos se juntam no colo, as costas eretas e o cabelo escuro cai
gracioso por volta das linhas de seu pescoço. Um sorriso se forma em seus
lábios, uma expressão que parece vir naturalmente a ela, porém menor do
que os antecessores. Instável. O tipo de sorriso que garotinhas dão quando
estão assustadas.
Deixo o arquivo cair na mesa e me inclino para frente, invadindo sua
invisível bolha de tensão.
— Do que você tem medo?
Eu sei a resposta, mas quero ouvir como soa em seus lábios.
— De nada. — Ela coça um dedo no nariz. Um pequeno gesto revelador.
Ela está mentindo.
Bato um punho na mesa com força o suficiente para fazê-la arfar.
— Essa é a última vez que vai mentir para mim. — Arrancarei a verdade
dela se for preciso. — Me diga que entendeu.
Uma veia salta e vibra em sua garganta.
— Sim, entendi.
— Bom. — Meu olhar cai para o V em sua camisa, o profundo decote e o
alfinete de segurança que segura quase tudo. Rápido, impeço meus olhos,
treinando-os para seu rosto. — Agora responda minha pergunta.
Ela esfrega as palmas nas coxas e mantém meu olhar.
— Você, sr. Marceaux. Você me preocupa.
Agora sim, muito melhor. Eu quero que ela alimente sua honestidade
comigo, respiração por respiração trêmula.
— Explique o que você quer dizer.
Ela acena para si mesma como se invocando sua coragem.
— Você é inteligente e rigoroso como os outros professores, mas você
tem uma abordagem e um temperamento de um bárbaro sa… — Ela aperta
os lábios um no outro.
— Linguajar é permitido na minha sala de aula, srta. Westbrook. —
Estreito meus olhos. — Desde que usado de forma construtiva.
Ela estreita seus olhos de volta.
— Eu ia dizer sacana, mas eu não sei se de forma construtiva.
Pelo menos ela está pensando em sacanagem.
— Me dê um exemplo do meu suposto comportamento e eu irei decidir
como é construtivo.
Sua boca se abre como se estivesse pasma com a minha resposta.
— Que tal quando estávamos no corredor? Quando eu falei da minha
situação financeira e você… Você sorriu?
Merda, ela viu aquilo?
Eu não posso falar para ela que eu sorri porque a vulnerabilidade dela me
deixou no ápice do desejo e duro como uma pedra. Mas eu posso dar a ela
sinceridade.
— Você está certa. Eu estava errado e peço desculpas. — Pego o arquivo
e folheio as impressões. — Vamos conversar sobre as suas condições.
Vejo a página com seus dados e confirmo seu endereço no Treme. Pulo o
resumo de suas excepcionais notas escolares e notas no teste de
qualificação, me prendendo nos detalhes que me importam mais.
Data de nascimento?
Ela vai fazer 18 anos na primavera.
Pais?
William Westbrook. Falecido.
Lisa Westbrook. Desempregada.
Aquilo explica sua escassez de fundos, mas não como ela paga por uma
escola particular. Espera…
Volto para o nome do pai.
— William Westbrook?
Seus olhos se estreitam. Olho de novo para a página, tentando conectar
os detalhes. Westbrook, falecido, do Treme, filha toca piano…
Jesus Cristo, não acredito que não conectei seu nome antes.
— Você é a filha de Willy Westbrook?
Seus olhos se arregalam, brilhantes e esperançosos como seu sorriso.
— Você ouviu falar dele?
— Eu cresci em Nova Orleans, querida. Todo mundo daqui já ouviu falar
no Piano Bar de Willy.
Seu olhar se volta para dentro e seu sorriso suaviza.
— Eu escutei que é um lugar legal. Os turistas adoram.
Ela diz isso como se nunca tivesse ido, o que contradiz a imagem que eu
tenho dela sentada atrás do famoso piano de Willy depois do expediente e
sonhando em preencher seu talentoso lugar.
Descanso meus cotovelos na mesa, ficando mais próximo.
— Você não mora naquela rua? Você nunca esteve lá?
Ela ergue as sobrancelhas.
— É um bar para maiores de 18 anos. Eu não posso entrar.
Meu cérebro embarca em uma nuvem de confusão.
— Você não vai lá quando está fechado para ajudar a cuidar dos
negócios? Ainda está na sua família, certo?
Exceto que o arquivo diz que sua mãe está desempregada.
Seu olhar cai para o colo.
— Papai vendeu o bar quando eu tinha 10 anos.
Eu odeio quando não posso ver seus olhos.
— Olhe para mim quando estiver falando.
Ela levanta a cabeça, sua voz calma, plena.
— O novo dono manteve o nome e deixou que papai continuasse a tocar
piano lá até que…
Até que uma briga começou no bar, tiros foram disparadas e Willy foi
atingido no peito enquanto tentava dominar o arruaceiro.
Minha familiaridade com a história deveria estar escrita em meu rosto,
porque ela diz:
— Então você sabe o que aconteceu.
— Estava em todos os noticiários.
Ela assente, engole em seco.
A morte de Willy chamou muita atenção. Ele não era somente um
pianista branco de jazz em um bairro de negros, ele também era adorado e
respeitado pela comunidade. O bar dele trazia uma boa quantidade de
dólares turísticos para o Treme e pelo que ouvi, sua popularidade manteve
os negócios bem por anos.
Eu me lembro especificamente de assistir as notícias na televisão sobre
sua morte enquanto visitava Nova Orleans – essa visita em particular foi um
ponto crucial na minha vida. Isso foi… quatro anos atrás? Eu tinha acabado
de receber meu mestrado da Leopold e estava pensando se deveria manter
meu emprego de professor em Nova Iorque ou procurar por um trabalho
mais perto da minha cidade natal.
Na mesma semana, aceitei uma oferta de emprego na Escola Preparatória
Shreveport. E conheci Joanne.
Eu tinha 23 anos naquela época, o que significa que Ivory tinha 13 anos
quando seu pai foi assassinado.
Ela está sentada na minha frente, vigilante e quieta. À medida que o
silêncio se estica, uma sútil transformação aparece em seu corpo, curvando-
o para si mesma e fazendo com que ela pareça menor. Ela pega uma costura
em sua manga, trazendo minha atenção para a costura em sua camisa e
todos os lugares onde as costuras estão se desfazendo. Suas roupas são
baratas, velhas ou gastas pelo uso. Provavelmente todas as opções acima.
Não há um traço de maquiagem em seu rosto bronzeado. Nada de
brincos, braceletes ou qualquer tipo de joia. Nenhum cheiro de perfume
também. Ela com certeza não precisa de nenhum tipo de melhoria para ficar
bonita. Sua beleza natural supera todas as mulheres em que já coloquei
meus olhos na vida. Contudo, não é por isso que ela fica sem isso.
Não vou fingir que sei como é viver na pobreza, muito menos perder um
progenitor da maneira que ela perdeu. Meu pai é um médico bem-sucedido
e minha mãe se aposentou como diretora e reitora da Leopold. Quando
retornei para Louisiana depois da universidade, eles se mudaram comigo
para permanecer perto de seu único filho. O amor e suporte deles para mim
são tão confiáveis quanto sua fortuna e quando eu digo que eles são ricos é
um eufemismo. A família Marceaux detém a patente dos suportes de
madeiras utilizados nos pianos. Estou com o futuro garantido para o resto
da vida assim como meus filhos e seus filhos estarão, contanto que pianos
estejam em produção.
Dinheiro de gerações passadas são abundantes nas famílias no Le Moyne,
a não ser Ivory. Então porque Willy Westbrook vendeu seu próspero
negócio só para continuar trabalhando lá como artista, ganhando o tipo de
salário servil que deixou sua filha na miséria?
Eu folheio o arquivo dela, procurando pelos pagamentos das
mensalidades. Uma pequena anotação na última página indica que as
mensalidades dos quatro anos foram pagas integralmente sete anos atrás.
Meu pai vendeu o bar quando eu tinha 10 anos.
Encontro seus olhos.
— Ele vendeu o negócio para te matricular aqui?
Ela se mexe na cadeira, se curvando para trás, mas sem desviar o olhar.
— Ele recebeu uma proposta que era o suficiente para cobrir o programa
de quatro anos, então ele… — Ela fecha os olhos, depois os abre. — Sim.
Ele vendeu tudo para garantir minha vaga aqui.
E três anos depois ele morreu, deixando a filha tão quebrada que não
consegue nem comprar os livros.
Não me importo em esconder o desprezo em minha voz.
— Isso foi extremamente estúpido.
Chamas queimam em seus olhos enquanto ela avança para a frente, suas
mãos agarrando as bordas da mesa.
— Papai olhava para mim e via algo que valia a pena acreditar antes que
eu mesma pudesse acreditar em mim. Não tem nada de estúpido nisso.
Ela me encara como se esperasse que eu entrasse na onda e acreditasse
nela também. Mas na verdade, ela só parecia uma garotinha na defensiva e
brava. É inconveniente.
— Você não tem mais 13 anos. Cresça e pare de chamá-lo de papai.
— Não me diga como eu posso ou não o chamar. — Seu rosto ficou
vermelho em um adorável tom de devoção. — Ele é o meu pai, minha vida
e não tem nada a ver com você!
Cristo, essa garota tem história e dado o corte em seu lábio, vai muito
além de problemas com o papai. Abuso físico é fácil de descobrir. Contudo,
trauma sexual é um grande salto. Mas eu sou desconfiado por natureza e
estou muito curioso sobre ela. Apesar dessas faíscas ousadas em seus olhos,
sua postura tem a tendência de se curvar em autodefesa, evidência que
alguém do seu passado ou presente a machuca.
Eu quero cavar dentro dela, esculpir as facetas úteis da sua miséria e
destruir o resto.
— Ele era o seu pai e você tem sua própria vida. Siga em frente.
Sua bochecha se contrai.
— Eu te odeio.
E eu odeio o quanto eu quero punir a boca dela esfregando meu pau nela.
— Você teve sucesso em mostrar sua imaturidade, srta. Westbrook. Se
você quer permanecer sob minha orientação, vai parar de se queixar como
uma adolescente e começar a agir como uma adulta.
Ela funga, seus ombros retos.
— Você não tem uma opinião muito boa sobre mim. — Ela encara
através da sala, seu olhar vagando pela parede de instrumentos. — Eu
estraguei tudo mesmo.
— Olhe para mim.
Ela o faz, rapidamente.
O perfume enjoativo de sua obediência lambe minha pele. Eu quero me
banhar nele, prová-lo e saboreá-lo.
— Por que você está aqui? Por que seu pai decidiu quando você tinha 10
anos que se tornaria uma pianista?
Suas sobrancelhas se juntam.
— Não, esse é o meu sonho também e “tenho obrigação a ser diligente”.
Ela pode citar Bach. Bom para ela.
— Qual é exatamente o seu sonho? — Abro o arquivo na seção de
admissão das universidades. — De acordo com isso, você não tem objetivos
e não tem ambições. O que vai fazer depois do ensino médio?
— O quê? — Indignação grita através de sua voz. Ela se lança através da
mesa e pega a página da minha mão, seus olhos voando pelas colunas
vazias. — Por que está em branco? Tem que ter algum erro aqui. Eu
tenho… eu tenho… Deus! Eu tenho sido inflexível sobre…
— Sente-se!
— Sr. Marceaux, isso não está certo. Você precisa me escutar… — Sua
voz diminui, arrastando-se para um silêncio assustador sob a força do meu
olhar.
Ela se abaixa na cadeira, o rosto ficando vermelho e as mãos trêmulas
farfalhando o papel.
Coloco meus dedos no queixo.
— Agora me fale em um tom de voz calmo, o que você espera ver nessa
página?
— Que eu vou para Leopold.
De jeito nenhum.
Exceto que a força inabalável de seu olhar argumenta que ela tem
determinação para fazer isso acontecer e a elevação em seu queixo me
desafia a afirmar o contrário.
Eu aceito o desafio.
— Você sabe que só três por cento dos candidatos são aceitos por ano?
Vários de seus colegas se aplicaram mesmo que a Leopold não tenho
aceitado nenhum estudante do Le Moyne em três anos. Talvez, só talvez,
um de vocês vá conseguir entrar no ano que vem.
Não tem nenhum talvez nisso. Minha mãe ainda mantém um assento do
Conselho de Diretores da Leopold e tem os meios para aprovar uma de
minhas referências. Eu estou confiante que ela irá fazer isso. Por mim.
Contudo. Embora a aceitação de um estudante no rigoroso processo de
aceitação não levante suspeitas, dois com certeza levantariam suspeitas e
colocaria a integridade da minha mãe em dúvida. Eu nunca pediria isso para
ela.
Recosto na cadeira, folheando as impressões para ter certeza que não
esqueci as anotações sobre as metas da universidade de Ivory.
— Você já deveria ter se inscrito para o processo de matrícula. Não tem
nada aqui que indique que você tem interesse em perseguir uma empreitada
tão impossível.
— Tudo é possível, sr. Marceaux. — Ela joga a página em branco na
mesa. — E eu me inscrevi. Três anos atrás. Na verdade, a sra. McCracken
tinha a intenção de me indicar como a principal candidata.
Isso explica o porquê de Beverly ter forçado Barb McCracken em uma
aposentadoria e ter me trazido aqui como seu substituto. Quando aceitei o
acordo, eu sabia que haveria estudantes mais dignos de minha referência do
que o filho de Beverly, mas eu não esperava sentir toda essa culpa
emaranhada no estômago.
Ivory Westbrook apresenta um dilema moral e eu ainda nem a escutei
tocar. Talvez seu talento seja medíocre e eu possa empurrar o conflito de
interesse para o canto.
Ela encara minha gravata, uma fuga de pensamentos passando pelos seus
olhos. Longos segundos se passam. Em algum lugar do corredor, uma
clarineta toca em uma perfeita nota.
Finalmente, ela encontra meu olhar.
— Minha presença não é exatamente desejada por aqui. Eu não visto as
roupas certas, nem dirijo o carro certo. — Ela ri. — Eu nem dirijo um carro.
E com certeza eu não trago doações ou conexões glamorosas. A única coisa
que tenho para oferecer é o meu talento. Deveria ser o suficiente. Deveria
ser a única coisa que importa. No entanto, essa escola tem sido contra mim
desde o meu primeiro dia.
Nada que ela diz me surpreende. Ela é um carneirinho perdido em uma
matilha de lobos ferozes. Então por que ela não mira um pouco mais para
baixo? Tentar uma universidade um pouco mais fácil e se retirar do alvo?
Por que a Leopold?
Mantenho minha expressão indiferente, adiando minhas perguntas até
que ela tenha acabado.
Ela toca na página em branco e empurra em minha direção.
— Alguém apagou minha proposta para a Leopold junto de todo o
trabalho de preparação que eu fiz para apoiar minha elegibilidade. A sra.
McCracken me falou que colocou tudo no meu arquivo. Eu não quero
acusar ninguém, mas alguém dessa escola não gosta de mim e esse alguém
tem um filho que está competindo comigo pela vaga.
Beverly Rivard apagou o arquivo dela, uma conclusão que eu também já
tinha chegado.
— Por que a Leopold?
— É o melhor conservatório do país.
— E?
— E? — Seus olhos se iluminam. — A rigorosa educação que os alunos
recebem lá é incomparável. Eles têm um corpo docente de elite, as
instalações são de alto nível e o melhor histórico em impulsionar os alunos
para a carreira musical. — Registrando os nomes em seus dedos, ela lista
ex-alunos notáveis como compositores, maestros e pianistas renomados,
então ela adiciona: — E você, sr. Marceaux. Quero dizer, você está na
Orquestra Sinfônica de Louisiana.
Eu estou para chamá-la de bajuladora, mas então ela me surpreende.
— Eu não quero só me apresentar. — Ela junta as mãos, seus olhos
perdendo o foco. — Eu quero ocupar a cadeira principal em uma grande
orquestra e sentar ao lado do melhor dos melhores em um local lotado,
tremendo sob a luz do palco. Eu quero estar lá, fazer parte de tudo quando a
música começar.
Esse não é um argumento que ela preparou com antecedência. A paixão
em sua voz é de mil decibéis de intensidade, todo o corpo vibrando com a
perspectiva de suas palavras.
Ela abaixa suas mãos e encontra meus olhos.
— Além disso, como você já sabe, cada estudante aceito na Leopold
recebe uma bolsa que cobre toda a mensalidade. Não importa quem você
seja ou qual seja o seu histórico…
Compartilhamos um olhar e nesse espaço de compreensão, término
mentalmente sua frase. Leopold tem prestígio e riqueza o suficiente para
não se preocupar com a conta bancária dos estudantes. A universidade
avalia os candidatos somente com seu talento.
— Muito bem. — Esfrego a nuca e torço para que ela seja uma péssima
pianista. — Vou atualizar seu arquivo e partiremos daí.
Sob circunstâncias normais, ser a melhor da sua turma faria com que ela
entrasse na Leopold. Mas Beverly me contratou para garantir que isso não
acontecesse. Leopold aceitará Prescott Rivard porque farei isso acontecer.
Todo os outros do Le Moyne ficarão esquecidos. Isso é péssimo para Ivory,
mas a vida é uma merda.
— Obrigada. — Ela sorri, sua postura relaxando.
— Ainda temos mais um assunto para discutir.
Eu guardo o arquivo, me levanto da cadeira e dou a volta na mesa para
me sentar na borda ao lado dela, encarando-a.
Com as pernas fechadas, ela coloca os pés – um pé descalço em cima do
outro – na perna da minha mesa. Examino o chão localizando seus sapatos
surrados debaixo da cadeira. Suspeito que as bordas de plástico rasgadas
irritem seus pés depois de usá-los o dia todo.
Quando ela olha para cima, ponho um dedo embaixo de seu queixo,
mantendo a posição da cabeça.
— O que aconteceu com o seu lábio?
Como esperado, ela tenta abaixar o queixo. Uma resposta evasiva. Cada
parte do meu corpo me fala que alguém a machucou.
Aplico uma pequena, mas, ainda assim, inconfundível pressão na sua
pele macia.
— Levante-se.
Sua respiração se acelera quando ela levanta da cadeira, guiada pelo meu
toque sob sua mandíbula.
Quando alcança sua altura total, deixo minha mão cair.
— Fiz uma pergunta e antes que responda, se lembre do que eu falei
sobre mentiras.
Ela pressiona os lábios um no outro.
Eu tento uma tática nova.
— Como seu professor, sou obrigado a relatar. Você sabe o que isso
significa?
Seus olhos como ébano líquido piscam. Ela é dolorosamente bonita e eu
estou tão fodido.
Desdobro do meu canto na mesa. De frente para ela, sou uma cabeça
mais alta e muito maior.
— Quer dizer que eu sou obrigado a relatar qualquer suspeita de maltrato
infantis ao serviço de proteção.
— Não! — Seus dedos voam para seu lábio cortado. — Você não precisa
saber sobre isso. Meu irmão… ele e eu discutimos essa manhã como
quaisquer irmãos fazem. É completamente normal.
Normal? Acho que não.
— Quantos anos ele tem?
Ela inclina o quadril na borda da mesa, uma pose casual, mas ela não está
me enganando.
— Ele tem 26 anos.
Uns dez anos a mais para já ter juízo. Se aquele maldito bateu nela, eu
não vou reportá-lo. Vou encontrá-lo e quebrar a merda do rosto dele.
— Ele bateu em você?
— Ele… hum, bem, estávamos discutindo e hum… — Ela escolhe as
palavras com cuidado, a testa franzida em concentração, com certeza
tentando evitar uma mentira. — Acabei acertando o portal da porta.
— Ele. Bateu. Em. Você?
Ela solta a respiração.
— Ele me deu um tapa. Isso — Ela aponta para o lábio —, foi o portal da
porta.
Uma chama de raiva irrompe de dentro de mim, correndo até a superfície
e queimando minha pele.
— Com que frequência?
Ela abraça a barriga, seus olhos no chão, me enfurecendo ainda mais.
— Responda!
— Não faça isso. Eu não posso… já tenho problemas demais para lidar
agora.
— Levante sua camisa. — O que estou fazendo? Merda, isso é uma
péssima ideia, mas eu preciso saber. — Mostre suas costelas.
Ela olha ao redor, seus olhos presos no corredor.
— Se alguém entrar, a pessoa não poderá ver ao redor do meu corpo. —
Dobro meus joelhos, colocando meu rosto próximo do dela. — Eu sou
obrigado a ajudá-la, srta. Westbrook. Prove que não está coberta em
hematomas e não farei o relatório.
Em vez disso, baterei no irmão dela.
Seus dedos agarram a bainha da camisa, sua expressão se estreitando e
seus olhos se fechando. Ela está tão parada que eu não tenho certeza se ela
está respirando.
— Isso é só um exame, é para o seu próprio bem. Nada inapropriado. —
É ilegal para caralho, mas não consigo me conter. — Estou esperando.
Ela levanta seu olhar dos botões do meu colete até o nó da minha gravata,
demorando lá antes de arrastar seu olhar para cima, em uma viagem
dolorosamente lenta pela minha boca. Quando encontra meus olhos, um
zumbido agudo sai do fundo da sua garganta.
Então, ela levanta a camisa.
9
Ivory
Ivory
Emeric
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Prescott enrola a mão no meu cabelo, segurando minha cabeça no seu colo.
Seu pênis apunhala a parte de trás da minha garganta e eu engasgo.
Gravata com flores amarelas. Chiclete de canela.
A fivela de seu cinto agita com os golpes. O console entre os assentos
bate nos meus peitos.
Olhos azuis assustadores. O calor de suas palmas no meu traseiro.
Uma música pesada soa no rádio e eu não consigo encontrar meu porto
seguro. Eu não estou entorpecida, não estou longe o suficiente. Eu estou
tentando, tentando… Não consigo alcançar as notas da Sonata Nº 9 de
Scriabin.
O tique-taque de um relógio mecânico. O suave golpe das respirações
dele.
Lágrimas banham meus olhos e agarram aos meus cílios. Eu não posso
me concentrar. Não posso escapar.
Tudo o que eu consigo pensar é nas palmadas e em como eu não me
importaria se terminasse com um quase beijo do sr. Marceaux.
16
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Apesar das minhas dúvidas sobre o futuro de Ivory, eu foco no meu próprio
futuro. Passo o resto do final de semana procurando por trabalhos de
ensino. No domingo à noite, me inscrevi para algumas vagas de meio de
semestres fora do estado.
Eu detesto a ideia de sair de Louisiana sem resolver uma última coisa
com Joanne. Mas eu tenho opções e talvez com um pouco de autocontrole,
manterei as coisas profissionais com Ivory até essas opções darem certo.
Mas não diminui o sentimento intoxicante em meu corpo. Ao cruzar o
estacionamento do campus na manhã seguinte, minha expectativa de vê-la
me faz assobiar “Patience” com a contagiante alegria do Axl Rose. Meu
sangue bombeia quente e meus músculos flexionam em cada passo que dou
na direção ao Pavilhão Meia-Lua.
A mente trabalha de formas engraçadas, me fazendo raciocinar todo tipo
de besteira ao entrar no prédio. Se estou indo embora, não vai ter problema
tocá-la hoje. Só uma vez. Outra degustação do lábio dela. Isso é tudo.
Cara, por que estou considerando me demitir? Eu não posso abandoná-la.
Como irei respirar? Isso é besteira.
Meus passos se afastam da sala de aula e mudam em direção ao Centro
do Campus por motivos que só podem ser descritos como obsessão.
Eu passo uma mão pelo cabelo e diminuo meus passos. Eu não me
lembro de me sentir feroz e fora de controle com Joanne. Mas eu também
não dei em cima dela. Não no começo e com certeza não no final. Nunca
dei em cima de uma mulher. Nunca precisei. Isso por si só me faz
questionar por que estou esticando o pescoço e examinando a multidão de
estudantes, esperando vislumbrar longos cabelos escuros. Ivory Westbrook
está fodendo com a minha cabeça.
Alguns corredores depois, vejo Ivory encostada na parede dos armários
sorrindo para Ellie Lai.
O vislumbre dela envia um calor de satisfação por mim, prendendo
minhas pernas e me paralisando à seis metros de distância. Minha obsessão
pode ser ridícula, mas não deixa de ser real. Estou completamente
hipnotizado por ela.
Ela se destaca dentre todos nesta escola. Não por causa do estilo
monótono da blusa branca de botões e a saia preta esfarrapada, mas porque
ela brilha acima de suas limitações financeiras, exalando uma beleza que
não pode ser comprada. Tudo parece apagado em comparação a pele
brilhante, o brilho dos olhos e a potência da aura. Estou tão perdidamente
atraído por ela que não consigo ver direito.
O fluxo de estudantes entre a gente é grande, mas só leva um segundo
para ela sentir minha presença. Quando seus olhos encontram os meus, seu
sorriso escapa. Seus lábios se separam e uma mão se fecha em punho na
lateral.
Ela está com raiva de mim por ter posto um espaço entre nós, mas
entende por que eu fiz isso. Mesmo assim, nós dois sabemos que aquele
espaço não serviu de nada. A cada dia que passa, fica mais tenso e delicado,
se esforçando para sucumbir e desaparecer. Como neste exato momento.
Seu olhar prende o meu, me perfurando com um apelo vulnerável.
Assume o risco. Encontre um jeito. Eu preciso de você. Talvez isso seja
apenas reflexos dos meus próprios pensamentos, mas eu quero agarrar seu
pulso, forçar seus dedos a se abrirem e prendê-los ao redor dos meus
enquanto prometo dar tudo o que ela quiser.
Ellie cutuca o braço de Ivory e, num piscar de olhos, ela desvia a atenção
quebrando a conexão.
Eu pisco e respiro frustrado enquanto a atenção de Ellie muda de Ivory
para mim. Merda.
Relaxando os ombros, dou a elas um leve aceno de cabeça e viro para
baixo no corredor. Graças a Deus, nenhum outro estudante pareceu perceber
minha fixação congelada. Passo as mãos pelo rosto e luto contra o ardente
desejo de olhar de relance para Ivory outra vez.
No momento que chego ao Pavilhão Meia-Lua, minha cabeça está uma
bagunça de argumentos incoerentes. Eu posso dar a nós dois o que
queremos. Mas eu posso mantê-la segura das consequências? Ela está
segura agora? Sem tê-la ao meu lado cada maldito segundo eu não tenho
ideia de quem ou o que está a ameaçando. Eu odeio isso.
Eu me aproximo de um cruzamento vazio e paro ao som de vozes
familiares no corredor.
— Eu não me importo com o que ela concordou. — O protesto agudo do
Sebastian Routh arranha minha pele.
Quem é ela? Eu ando para mais perto da borda, ficando fora do campo de
visão.
— Cara, me solta.
Eu reconheceria a voz nasalada de Prescott Rivard em qualquer lugar.
Esses dois idiotas são amigos inseparáveis, o que desperta minha
curiosidade sobre a discussão.
— Eu tenho um acordo com ela por tipo desde sempre — Sebastian
sussurra. — Ela não pertence a você.
Paranoia me acerta no tórax. Só tem uma garota nessa escola por quem
eu brigaria e sei exatamente como eles olham para ela todos os dias na sala
de aula. Eu espero que para o bem deles, eles estejam falando de outra
pessoa.
Seus resmungos pesados ecoam pelo corredor, seguido pelo barulho dos
sapatos. Se eles virarem no corredor, vão me ver e serei interrogado. Mas eu
espero, escutando a briga deles enquanto seguro a respiração. Falem o nome
da garota. Falem a merda do nome dela.
— Pare! Você está amassando a minha camisa — Prescott fala. — Não
podemos fazer isso aqui. Se minha mãe escuta a gente…
— Eu não dou a mínima! — Sebastian grita.
No final do corredor, algumas garotas se viram e congelam no meio do
caminho. Eu aponto inflexível para a direção oposta e elas se viram para
fugir.
— Você é quem vai ter problema. — Sebastian diminui a voz, sua
respiração acelerada. — Já que é o único a fodendo agora, talvez eu faça
uma visita a sua querida mamãezinha e conte como você tem gastado sua
mesada.
Minhas mãos se fecham e minha visão turva logo que conecto as
motivações dos ricos garotos tarados com as de uma linda garota com uma
fonte de renda desconhecida.
Adrenalina treme meu corpo e encurta minha respiração. Eu quero bater
em algo, meus dedos cravados nas palmas. Quero matar os filhos da puta.
— Você não faria isso — Prescott fala, seu tom venenoso.
— Não me teste — Sebastian grunhe.
O som de articulações batendo em carne chega aos meus ouvidos no
instante que Sebastian entra no meu campo de visão. Ele pousa nos meus
pés, seus óculos com armação de plástico tortos na testa.
Segurando a boca, o hipster magricela geme e rola para o lado.
— Seu psicopata do caralho!
Prescott o ataca do corredor. Nenhum deles me vê, Prescott se agachando
sobre Sebastian e erguendo o punho para trás…
— Fiquem de pé.
Eles congelam ao som da minha voz e levantam os olhos, os rostos
empalidecendo e demonstrando expressões de puta merda.
Sebastian se recupera primeiro, se esforçando para sair debaixo de
Prescott e ficar de pé. Ele ajeita os óculos e aponta para o filho da diretora.
— Ele me bateu. Você viu, não é?
O covarde nem está sangrando.
Prescott dá uma risadinha, esticando a gravata sem pressa no chão.
Recusando-se a me reconhecer. Eu posso mudar isso.
Pego a gravata dele e o puxo para cima. Ele cambaleia ao mesmo tempo
que o giro. Bato com ele na parede e prendo minha mão em volta de seu
pescoço.
— O nome dela.
Cabelo loiro cai sob seus olhos, seus lábios se afastando de sua mordida.
— O quê?
Que Deus me ajude, se ele tiver enfiado seu pau na minha garota…
Não vá por aí, Emeric.
Colo meu rosto no dele e o deixo sentir a fúria na minha respiração.
— A garota que você está fodendo. Me dê o nome dela.
Sua garganta balança contra a pressão da minha mão. Temos a mesma
altura, mas eu tenho pelo menos trinta quilos de adultos sobre ele. Porque
eu sou o adulto, a figura autoritária que deveria estar separando brigas, não
começando uma.
Afrouxo meu aperto, mas me recuso a soltá-lo. Quero esmagar sua
garganta desengonçada só por infectar minha cabeça com imagens dele com
a Ivory.
— Má conduta sexual irá fazê-lo ser expulso, sr. Rivard. Quem é a
garota?
— Avery — ele gagueja. — Mas só para deixar claro… Nós não
estamos… fazendo sexo.
Avery, não Ivory. Os nomes são muito parecidos como se tivesse pensado
na Ivory ao mesmo tempo que cospe outro.
Encaro Sebastian.
— Quem é Avery?
Ele encara Prescott muito bravo.
— Avery Perrault é a namorada dele. Ela estuda na St. Catherine.
Ele está mentindo? Estou muito tenso para pegar os sinais.
— Fale do arranjo que você tem com ela.
Os olhos de Sebastian brilham atrás do óculos, sua voz baixa e dolorosa.
— Ela costumava sair comigo, mas não mais.
Se sair não é um eufemismo para sexo, então eu não sei mais o que é. E
se isso é sobre Ivory, por que ele mentiria? Para ela não poder contradizer a
história deles? Tem mais do que isso? Pagá-la para transar vai além de
expulsão. Se pegos, os três podem ser acusados como adultos por violarem
as leis de prostituição. Meu peito aperta com pensamentos de Ivory sendo
presa.
Volto minha atenção para o imbecil respirando com dificuldade na minha
mão.
— Como você está gastando sua mesada?
— E-eu… c-compro coisas para Avery. — Ele pega na minha mão. —
Porque ela é a minha namorada.
Cada canto do meu corpo se contorce com irritabilidade. Eu o solto e
estico minha mão.
— Desbloqueiem o celular e me entreguem. Os dois.
Eles trocam olhares hostis e fazem o que eu digo. Uma rápida rolagem
nos registros confirma que ambos tem se comunicado com um contato
chamado Avery. Nenhum dos celulares tem Ivory nos contatos.
Porque ela não tem um celular.
Devolvo os dispositivos e examino suas posturas tensas e expressões
indignadas, procurando por um vislumbre de mentira. Eu quero falar o
nome de Ivory, de alguma forma trazê-la para a conversa e estudar as
reações deles. Mas eu não posso fazer isso sem deixar meus próprios
interesses óbvios.
Contudo, eu posso reportar eles por brigar.
Vinte minutos depois, estou em pé atrás da mesa de Beverly Rivard com
as mãos cruzadas nas costas. Eu não digo uma palavra enquanto os garotos
explicam a disputa deles por Avery Perrault, como tudo não passou de um
mal-entendido e que a honra de todos ainda está intacta e blá, blá e um
maldito blá.
Prescott se inclina para a frente na cadeira com seus braços balançando
em minha direção.
— Então ele tentou me estrangular!
A diretora muda a direção de seus olhos cinzentos para mim.
— Sr. Marceaux, você está ciente da política de não tocar?
— Sim. — Inclino a cabeça. — Você está ciente que seu filho é um
cretino?
— Viu o que estou dizendo? — Prescott joga as mãos no ar e despenca
na cadeira. — Ele é doido pra caralho.
Beverly anda ao redor da mesa, só parando na parede de janelas e
encarando os gramados bem-cuidados do lado de fora.
— Sr. Rivard e sr. Roth, vocês serão advertidos pelo linguajar e por
brigar. — Ela se vira, braços cruzados embaixo dos peitos e calmamente
absorve suas expressões indignadas. — Esperem no corredor enquanto
troco uma palavrinha com o sr. Marceaux.
Um turbilhão de emoções me invade e liderar uma investida é o tipo de
urgência pesada e de mau pressagio. Se eles estão mentindo sobre a
namorada, eu não vou encontrar a verdade neste escritório. Preciso realizar
minha própria investigação sobre as atividades deles após a escola.
Quando a porta se fecha atrás deles, Beverly deixa os braços caírem e
fica mais alta, mais rígida e seus olhos afiados olham os meus.
— Se você colocar as mãos no meu filho de novo…
— Esse é o pupilo que você quer que eu envie para a Leopold? —
Aponto um dedo para a porta. — Aquele babaca não vai durar um mês lá.
Sua cabeça treme com a força do grito.
— Chega!
Ela toca no colarinho da camisa e fecha os olhos, respirando fundo.
Ando devagar até ela, parando a centímetros de distância. Imponente
sobre ela, espero ela olhar para mim.
Minhas entranhas queimam com uma raiva ansiosa, mas mantenho meu
timbre suave e meus olhos calmos.
— Quando ele fizer algo que eu desaprovo, lidarei da maldita forma que
eu queira. Se não gostar, nosso acordo está cancelado.
Enquanto caminho para a porta, ela diz:
— Eu irei demiti-lo.
— Não, você não vai. — Não preciso dizer a ela que estou pensando em
me demitir. — Eu sou seu único meio para a Leopold.
21
Ivory
Algo está errado hoje. Sinto algo de estranho no ar logo que entro na Sala
1A. Prescott e Sebastian estão sentados em cantos opostos da sala de aula.
Estranho. Quase tão estranho como a forma dura e rancorosa que estão
olhando para mim. O sr. Marceaux está de pé atrás da mesa, também me
encarando de uma forma dura. Mas tem algo a mais em sua expressão.
Algo que não tenho visto em cinco semanas.
Ele olha para mim como se estivesse visualizando me dar umas
palmadas. Uma sútil chama contida aparece em seu olhar, piscando como se
estivesse crescendo por um tempo, crescendo e se fortalecendo atrás de seus
grossos cílios e agora, talvez tenha se tornado grande demais, faminto
demais para suprimir.
Pode ser que eu esteja imaginado, mas a sensação pesada e grave como o
som de um baixo que bate nas minhas entranhas é definitivamente real.
Estudo-o com atenção enquanto encontro meu assento, enquanto ele
começa a aula e enquanto ele guia a turma pela próxima hora de debate.
Nesses incontáveis momentos quando ele encontra meus olhos, uma
ressonância irradia dele como se ele estivesse experimentando algo que está
ansioso para compartilhar comigo.
Ele segura meu olhar.
— Cada minuto que não estão na escola, devem estar praticando o
instrumento de vocês.
Agora que estamos em outubro, temos vários eventos para nos preparar
sendo o maior deles o Feriado de Celebração da Assembleia de Música.
Enquanto ele passa pelo calendário de apresentações, me recordo que ele
ainda não escolheu o pianista solo. Eu sei que sou a melhor, mas não sei se
ele concorda. Sua avaliação nas minhas habilidades é tão grossa e
humilhante. Mesmo assim, sua avaliação me estimula a tentar mais, a ser a
melhor, a agradá-lo.
Ele continua me olhando enquanto fala. Eu sou sempre a primeira a
desviar o olhar, sua intensidade é muito forte para aguentar por muito tempo
e me faz ficar tonta. Mas quando devolvo o seu olhar – e eu sempre faço –,
percebo que seus dedos estão trêmulos ou sua língua está molhando o lábio
inferior, provas que não sou a única sentindo essa presença mais profunda e
essa atmosfera entre a gente.
O que mudou? O que faz um homem ir de me dar umas palmadas e me
beijar para cinco semanas de rejeição e depois para uma atmosfera de que
quer me foder?
Na hora que o último sinal ressoa e a classe se esvazia, eu já fiquei tão
suscetível aos clarões das chamas em seus olhos que ele não precisa me
dizer para ficar sentada. No momento que ficamos sozinhos, seu único olhar
me paralisa. Um comando silencioso. Não se mexa.
Com passos firmes e determinados, ele se aproxima da minha mesa, gira
na borda e se abaixa na curta distância, invadindo meu espaço pessoal da
forma predatória que ele faz.
Ele olha para mim, eu olho para ele e um formigar tonto passa pelos
meus membros.
— Sr. Marceaux? — Cristo, meu coração vai sair pela boca. — O que
você está fazendo?
— Fale sobre Prescott Rivard.
Meu coração para de bater.
— Como?
Ele bate o punho na mesa e o eco da batida reverbera em sintonia com
seu timbre em um D baixo.
— Me responda!
Meus ombros se curvam para a frente e minha garganta se fecha. Ele
descobriu? Eu deveria encontrar com Prescott de novo hoje à noite. E se
aquele maldito cretino me dedurou? Mas por que ele faria isso? Prescott
ficaria tão ferrado quanto eu.
Fique calma. O sr. Marceaux não sabe de nada.
— Prescott é meu maior competidor para a Leopold. Mas eu sou
melhor…
— Isso não. — Sua voz se nivela a uma calma composição. — Me fale
sobre a sua relação com ele fora da escola.
Abro a boca para inventar uma mentira, mas as palavras não saem. Eu
não posso ser desonesta com ele, não sei por quê. Então, falo a simples
verdade.
— Eu o odeio.
— Por quê?
— Ele dirige por aí com seu carro sofisticado, usa seu sorriso bom
demais para todo mundo e é seu próprio absorventezinho.
Ele levanta uma sobrancelha.
— Absorventezinho?
— Sim. Como um absorvente. Um absorvente usado, nojento e pegajoso.
Ele esfrega uma mão na boca me encarando como se eu estivesse falando
uma outra língua. Deixando a mão cair na mesa, ele estreita os olhos.
— Explique o que você quer dizer.
— Você realmente quer que eu… Ok, tudo bem. Um absorvente é
repulsivo. Ele dilata e expande com sangue. Ele pinga por todos os lugares,
fede e…
— Pare. Por que Prescott é repulsivo?
— Você tem que perguntar?
Ele endireita, enfia os dedos nos bolsos da frente e, pela primeira vez em
semanas, me dá um meio sorriso.
— Não, acho que não.
Silêncio envolve a gente, mas não está quieto. O ar está tão carregado e
cheio de batidas que eu me perco na música que soa entre a gente. O olhar
em seus olhos… Meu Deus, é esmagadoramente sexual. Não do jeito quero
foder você. É provável que ele esteja pensando nisso, mas sua expressão
emana um tipo de sensualidade que promete mais como se só a troca de
olhares pelo resto da eternidade já fosse íntimo, incrível e perfeito, com ou
sem sexo.
É um conceito que luto para entender. Só de pensar em sexo com ele, me
remexo em uma pilha de conflito. Mas eu não preciso compreender ou
analisar. Eu sinto.
O ritmo da nossa respiração toca uma delicada música de necessidade e
desejo e desejo no fundo e enquanto os tons sexuais não são necessários em
nossa comunicação silenciosa, ele adiciona ritmo e sabor no coração da
nossa música.
— Sr. Marceaux? — Esfrego minhas palmas nas coxas, segurando meu
olhar ao sussurrar. — Você está compartilhando suas notas.
Linhas de expressão se formam em sua testa enquanto ele agarra a parte
de trás do pescoço.
— O quê?
— Eu sinto suas notas. Aqui. — Toco meu esterno, minha voz tremendo.
— Elas são sombrias e hipnóticas como sua respiração e a batida do seu
coração.
Ele dá um passo para trás, então outro e mais um. Não importa a
distância. Eu ainda o escuto. Eu ainda o sinto. Ele está dentro de mim.
Se virando, ele vagueia até a frente da sala, ziguezagueando, trocando de
direção como se não soubesse para onde ir. Ele acaba na sua mesa,
atrapalhando-se com o computador.
— Você vai trabalhar com o Concerto Nº 2 de Prokofiev hoje — ele diz
de costas para mim. — Vá se aquecer.
Merda. Aquela é uma obra que requer uma quantidade incrível de
concentração. Foi por isso que ele escolheu? Para me distrair?
Decepção se enterra em meu peito quando me levanto da mesa para
seguir seu comando.
Pelas próximas quatro horas, aguento seus golpes de mão e suas duras
críticas sobre minha apresentação de piano, tudo enquanto me arrependo de
ter contado a forma como ele me faz sentir. Eu deveria ter focado primeiro
em me preparar e nutrido as palavras antes de jogá-las meio-formadas no
vento da instabilidade dele, com a ridícula esperança que isso prenderia e
manteria seu afeto por mim.
Ele me libera às sete horas, nem um minuto depois, com uma voz
imutável e de partir o coração.
— Boa noite, srta. Westbrook.
Só que eu não posso ir para casa. Trinta minutos depois, estou sentada no
terreno baldio dos projetos e no banco de trás do Cadillac de Prescott,
observando-o colocar uma camisinha pela sétima vez desde que a escola
voltou.
Eu posso fazer. Desde que ele não tente foder pela bunda – algo que ele
nunca tentou –, eu posso aguentar. Eu sempre aguento.
— Eu não deveria estar aqui. — Ele alcança debaixo da minha saia.
Meu corpo está dormente, mas não dormente o suficiente. Eu sinto seus
dedos puxando minha calcinha. Eu sinto a gula que ele exala no meu rosto.
— Eu fiquei de castigo hoje. — Ele arrasta a roupa íntima pelas minhas
pernas e para fora do meu pé. — Por dois meses.
O nada ressoa no meu ouvido. Tudo está muito quieto, muito sem vida na
ausência do sr. Marceaux.
— Mas eu vou dar um jeito de me encontrar com você. — Ele me
empurra de costas.
Eu não posso fazer isso de novo. Não posso aguentar suas mãos, suas
estocadas, os sons do seu prazer. Essa coisa que ele faz comigo não é
estupro, mas ainda parece ser forçado, indesejado e pavoroso. Se eu disser
não para ele, ele forçará. Talvez eu possa lutar com ele dessa vez, mas o que
acontecerá com as minhas contas? Meu futuro?
Ele afasta meus joelhos e eu os empurro de volta.
— O que você está fazendo? — Ajoelhado sobre mim, ele empurra as
calças pelas coxas.
Os resultados das minhas escolhas são tão ilógicos. Se eu mantiver
minhas pernas fechadas, é possível que eu perca minha casa e me torne uma
viciada em cocaína como a minha mãe. Se eu deixar Prescott fazer o que ele
quer, eu tenho a chance de algo grande. Que baita confusão está a minha
vida.
Empurro minhas mãos contra ele, segurando-o distante.
— Eu não quero isso.
Mas eu quero. Eu quero isso de um jeito não pegajoso, não carente e de
dar e receber. Eu quero me conectar com um homem da forma como quero
que minha música se conecte com a plateia. Emocionalmente. Profundo. De
forma natural.
Eu quero isso com alguém que se importe.
Ele força seu quadril entre as minhas pernas e luta com meus braços
trêmulos.
— Qual é o seu problema?
— Isso. — Bato meu antebraço no peitoral dele. — Você.
Um ronco gutural soa à distância, ficando mais alto e mais perto,
vibrando pelo meu corpo.
Os pelos do meu braço se arrepiam e forço meus olhos na escuridão do
banco de trás, incapaz de ver.
— Isso é… — Pego os ombros de Prescott enquanto ele tentar montar em
mim. Tento empurrá-lo, um desperdício de esforço. — Isso é um GTO?
— O caralho se eu sei. — Ele guia seu pau, espreitando ao redor da
minha entrada. — Fique parada.
O barulho do carro está próximo. Próximo o suficiente para parar na rua.
Próximo o suficiente para que Prescott levante a cabeça para olhar através
da janela traseira.
— Merda — ele sussurra. — Alguém está aqui.
Meu sangue congela. Ele está procurando por mim? Procuro por ar e me
empurro contra o peitoral gelado de Prescott.
Ele não pode me ver assim. Ele não pode. Ele não pode.
Eu chuto e resisto, tentando arrumar a saia, incapaz de mover o peso de
Prescott.
— Mexa-se! — Deus, eu não consigo fechar minhas pernas.
A porta atrás dele abre e a súbita luz do teto machuca os meus olhos. Um
braço entra e em um piscar de olhos, Prescott é jogado para fora do carro,
voando de costas e desaparecendo na escuridão da noite.
Os sons de grunhidos de dor harmonizam com o ronronar da marcha
lenta do GTO. Eu luto com a saia, puxando-a pelas minhas pernas, meus
olhos bem abertos e presos na porta aberta.
Passos se aproximam, o ruído de botas no cascalho. Calça preta, colete e
então a gravata aparecem na estrutura da porta. Ele se curva para baixo e
quando seu rosto se abaixa para o campo de visão, tudo o que vejo são seus
olhos homicidas.
Eu não me movo. Não respiro. É isso. Ele pode muito bem me matar,
porque minha vida acaba agora.
Sem Le Moyne. Sem Leopold. Sem futuro.
Sem música com o sr. Marceaux.
Ele aponta um dedo na direção da rua e grita:
— Ponha a porra da sua bunda no meu carro!
22
Emeric
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
— Vá dormir.
Essa é a única resposta que Emeric dá as minhas infinitas perguntas sobre
Lorenzo. No final, as minhas preocupações se dissolvem com o peso do
cansaço.
Eu me aconchego mais perto da rígida parede do peitoral dele, protegida
pelo volume do seu braço e defendida pelo olhar vigilante. Caio
rapidamente no sono, perdida em um grande espaço atemporal onde para
sempre não é longo o suficiente.
Nunca me senti assim tão leve como se uma estranha sensação
atmosférica tivesse substituído meus ossos e peles, e não há mais nada além
da minha respiração. Sopros suaves e flutuantes de éter. Cada respiração
forma uma nuvem que junta as outras na deriva ao meu redor em um vasto
céu azul.
Estou sonhando. Tento agarrar o encantamento. É tão seguro e delicado
aqui que não quero ir embora. Não acorde.
Pisco contra os lampejos de safiras aureolados pela luz da lâmpada.
— Bom dia. — Os olhos azuis de Emeric preenchem meu horizonte,
muito profundos e imponentes, brilhando com todas as cores e estrelas do
céu.
Estico meus braços acima da cabeça, deleitando na maciez da cama dele.
— Estou sonhando.
Ele se ergue sobre mim, os bíceps amontoando enquanto ele planta as
palmas na borda do colchão.
— Ainda está sonhando?
— Bem, eu estava no paraíso. — Alcanço para acariciar a barba de
ontem na mandíbula dele. — Até o diabo aparecer.
Seus lábios se curvam em um sorriso territorial, seus traços mais rosados
que o normal. Sua pele está úmida sob meus dedos, o cabelo escuro
pingando na testa.
— Você já tomou banho? — Mudo minha atenção do rosto, passando
pela camisa molhada e paro no short de academia. — Ah, você malhou.
Que horas são?
Viro para o meu lado e encontro o relógio na mesa de cabeceira. 5:15 da
manhã. A escola não começa por duas horas.
Ele se endireita, mexendo os ombros.
— De quanto tempo você precisa para ficar pronta?
Eu me sento, o quarto girando ao meu redor enquanto me recordo da
nossa conversa inacabada de ontem à noite.
— Depende. Você não me contou como conhece Lorenzo.
— Ele não é mais preocupação sua. — Ele anda em direção ao banheiro.
— Você não pode só ir bater nele. — Deslizo para fora da cama e ajeito a
camisa nas minhas coxas. — Ele é um ex-Fuzileiro Naval, um bandido,
talvez até um criminoso. E você só é…
Ele me lança um olhar escaldante que murcha o resto das minhas
palavras na garganta. Os punhos dele se abrem e fecham nas laterais, suas
juntas dilaceradas brilham em vermelho. Está bem, talvez ele pudesse dar
alguns socos, mas…
— É muito arriscado. — Caio na borda do colchão, tremendo com ideia
de ele lutar com mais um dos meus monstros.
É raro as vezes que Lorenzo vem a minha casa sem Shane, então seriam
eles contra meu professor. Nada de bom viria disso.
Encontro seus olhos.
— A polícia pode ser chamada. Você pode ir para a prisão. Ou pior, se
você continuar batendo em coisas, pode quebrar suas mãos e perder sua
habilidade de tocar piano.
Ele caminha ao meu redor, sua expressão marmorizada com linhas
sombrias de intensidade.
— Apesar do que você viu, não costumo enfrentar meus problemas com
meus punhos. — Ele levanta um desses punhos e acaricia minha mandíbula.
— Prefiro um planejamento sútil e enganoso. Lorenzo Gandara nem vai me
ver chegar.
Ceeerto. Então ele vai… o quê? Atingi-lo em sua bunda como um ninja?
Ele retorna ao banheiro, sua voz um ruído sobre o ombro.
— Vou tomar um banho. Depois o banheiro é seu.
A porta se fecha atrás dele, seguido pelo clique oco da tranca.
Caio de volta na cama, a camisa subindo até a cintura e me expondo ao ar
frio. Eu não sei o que ele fez com a minha calcinha. Eu não me importo. Ele
já me viu pelada e colocou seus dedos dentro de mim. Mesmo assim tudo
que ele me deixou ver foi seu peitoral nu.
Por que ele trancou a porta? O que ele está escondendo? Meu pulso
acelera com as teorias ridículas que surgem na minha cabeça. O pau dele é
deformado? Ou ele não me quer perto enquanto o médico não me checar
para doenças?
Minhas emoções transbordam, mas o sentimento mais afiado é aquele
bem no fundo do núcleo. Só pensar nele pelado manda um tremor pelas
minhas coxas e uma descarga entre as minhas pernas.
Sensações que nunca estiveram ali antes surgiram como uma febre. Eu
me sinto quente e excitada pra caramba. Pelo meu professor.
É errado. Estar aqui é errado. Deslizar a mão pela minha boceta também
parece errado, mas eu faço de qualquer jeito, acariciando exatamente do
jeito que ele acariciou, mergulhou e circulou. Meus dedos são os dedos
dele, acariciando, dando e construindo aquela maravilha de energia dentro
de mim.
Logo, meu corpo assume o controle, minha mão mexendo do jeito que eu
quero que ela se mexa, provocando arrepios pela minha pele e produzindo
uma quantidade inacreditável de calor molhado sob meu toque.
Minhas pernas se abrem e minha cabeça vai para trás, meu pescoço
esticando enquanto acaricio meu clitóris e enfio dois dedos, para fora e para
cima, para baixo e de volta para dentro.
Ele está logo atrás daquela porta, esfregando sabão por todo seu pau, se
tocando e acariciando. Abençoado Deus, eu quero isso. Eu aposto que seu
corpo nu é uma visão lendária de se contemplar.
A pressão dentro de mim explode, cortando meu ar enquanto o prazer me
domina em uma corrente elétrica acolhedora. Eu estremeço e me inclino,
ofegando com gemidos guturais. Puta merda, talvez eu possa fazer isso de
novo. Depois de recuperar minha respiração. Quantos desses eu posso ter
consecutivos?
Guio meus dedos para minha entrada escorregadia. Talvez só mais uma
antes dele…
Está muito quieto. O chuveiro está desligado?
A porta do banheiro se abre e ele sai em uma névoa de vapor.
Puxo minha mão e deslizo a camisa para baixo.
Ele agarra a toalha na cintura enquanto seus olhos árticos prendem os
meus.
Nenhum de nós respira. Ou se mexe.
Ele sabe.
— Você se tocou.
Meu rosto esquenta à níveis nucleares.
Ele agarra o portal da porta, apertando com tanta força que a madeira
estala. Seus olhos nublados de dor e endurecidos com determinação, então
ele recua e fecha a porta entre nós.
Eu suspiro, envergonhada além do imaginável.
Um estrondo atinge a madeira do outro lado. O clique da tranca seguido
pelo som do chuveiro sendo ligado outra vez.
Que merda acabou de acontecer? O que eu deveria fazer? Assim que ele
sair, eu terei que encará-lo.
Merda, me recuso a ficar envergonhada por isso.
Ando rapidamente pelo quarto, bato na porta.
— Emeric?
— Cinco minutos! — Seu grito abafado soa muito perto para ele estar no
chuveiro.
— Você está bravo?
— Não, Ivory — ele resmunga.
— Então o quê?
Ele faz um barulho de grunhido profundo.
— Merda, você está me matando aqui.
Eu me afasto da porta e me sento na cama. Ele não tentou fazer sexo
comigo, mas todos aqueles beijos, toques e encaradas me diz que ele quer.
Dada à minha nojenta vida sexual, eu posso imaginar porque ele não quer.
Porém, uma coisa com a qual eu posso contar é a sua franqueza. Então,
em vez de ficar enjoada com suposições, ando em direção à loucura que
está seu armário.
Roupas e sapatos se alinham em uma parede três vezes a minha altura. A
qualidade dos tecidos e costuras são diferentes de tudo o que já toquei.
Abro as gavetas embutidas ao lado e encontro um monte de rendas, cetins, e
meu Deus, lingerie de couro. As etiquetas foram removidas, mas tudo
parece ser novo e exatamente do meu tamanho. Eu moldo os bojos de um
sutiã vermelho ao redor dos meus seios. Caimento perfeito. Merda, como
ele sabe o tamanho dos meus seios?
Cinco minutos depois, a porta do banheiro abre. Saio do closet, ainda
vestida com a camisa dele e volto até a cama para sentar na borda.
Seu cabelo preto está quase seco e a tensão de mais cedo em seus
músculos sumiu. Minha atenção se volta para a protuberância embaixo da
toalha. Eu aposto que ele se masturbou, mas por que com a porta fechada e
com o chuveiro ligado? Emeric Marceaux não fica envergonhado.
Ele se senta ao meu lado na cama, coloca a mão machucada em meu colo
e entrelaça nossos dedos.
— Para esclarecer minha reação mais cedo… de forma alguma, eu me
oponho a você se masturbar.
Só de ouvi-lo dizer aquela palavra atrevida, desperta um incêndio dentro
de mim.
— Isso é bom, porque sem dúvida farei de novo. — Levanto uma
sobrancelha ousada. — Queira você ou não.
— Você está me matando — ele sussurra.
— Por quê? — Por que não apenas me tocar em vez disso?
Ele puxa nossas mãos entrelaçadas para entre seus joelhos abertos e apoia
nossos cotovelos na toalha que cobre suas coxas.
— Eu amo que você queira se dar prazer. — Ele me lança um olhar
sensual. — Eu amo isso um pouquinho demais.
— Eu escuto um mas vindo aí.
— Mas… — Ele me lança outro sorriso de tirar o fôlego. — Eu não vou
mostrar o quanto eu realmente amo até que esteja pronta.
— Você quer dizer que não vai me mostrar sua ereção?
Ele fecha os olhos.
— Eu não sou um amante gentil, Ivory. — Ele olha para cima, seu olhar
parando nos meus lábios. — Estou confiante que com tempo você vai
perceber que não quer gentileza. Até lá, esperarei.
— Atrás de portas trancadas?
Ele concorda com a cabeça.
Belisco meu lábio.
— Com uma ereção?
O canto de sua boca se levanta.
Olho para o contorno do pau dele embaixo da toalha.
— Você se masturbou?
O poder do olhar dele me enlouquece, ele passa a mão sobre sua
mandíbula, esfregando, me encarando e esfregando com mais força.
Eu realmente não deveria atiçar a fera, mas… Respiro fundo. Voz dura.
— Na próxima vez que você se masturbar, quero assistir.
Sua respiração para antes que ele se jogue. Seu peitoral colide com o
meu, me jogado para trás no colchão. Um oomph escapa da minha boca,
mas a boca dele está ali, devorando minha voz, meu ar e minha sanidade.
O peso do corpo dele afunda o meu nos lençóis, sua força contraindo ao
meu redor ao mesmo tempo que sua mão desliza pela minha costela e tira a
camisa. Meus dedos se fecham no cabelo dele, enrolando nas mechas
úmidas enquanto ele me beija com lábios firmes e uma devastadora e
imperativa língua.
Presa pelo seu tamanho e minha boca controlada pela dele, apenas fecho
meus olhos e aproveito o carinho feroz. Ele pega meu mamilo e dá um
puxão dolorido. Quando arquejo, ele geme. Balanço meu quadril e ele
aperta o dele, me prendendo na cama e pressionando seu comprimento duro
no meu núcleo. Um pouco mais disso e a toalha dele cairia. Talvez eu
pudesse ajudar?
Alcanço atrás dele e deslizo uma mão pelos músculos das suas costas.
Quando meus dedos encontram a toalha, deslizo para debaixo e encontro o
aumento do músculo duro e firme. Meu Deus, como é possível que a bunda
de um homem seja tão irresistível? Eu quero sentir com as duas mãos, mas
seu corpo é muito comprido para agarrar direito. Estico meus braços
tentando alcançar…
Ele agarra meu pescoço e aperta. A força de seu aperto empurra meu
queixo para cima e minhas mãos perdem centímetros preciosos de suas
costas.
O ângulo da minha boca dá um acesso profundo para ele, sua língua
curvando ao redor da minha e sua respiração úmida esquentando meu rosto.
— Eu sou um maldito animal violento perto de você.
Quero dizer a ele para me usar seja qual for a maneira que alimente seu
desejo, mas quanto mais seus dedos se fecham ao redor do meu pescoço, é
demais. Meus pulmões queimam por oxigênio e pontos pretos invadem
minha visão. O pânico aumenta, minha mandíbula trabalhando contra ele.
Sem beijos. Lutando.
Não consigo respirar. Minhas mãos batem em suas costas, meu corpo
tentando escapar. Solta. Solta.
As mãos ao redor do meu pescoço desaparecem, seguidos pelo seu peso.
Agarro meu pescoço e ofego por ar enquanto medo congela meu sangue e
lágrimas borram minha visão.
Ele fica em pé ao lado da cama, ajeitando a toalha no comprimento duro
e saliente que ainda tenho que ver.
Mexendo no cabelo, ele olha para mim.
— Você não está pronta.
Solto o pescoço dolorido e me sento, balançando com um tremor no
corpo inteiro.
— Pronta para o quê? Sexo?
— Pra mim! — Ele caminha até a cômoda e pega meias xadrez e cueca
preta. — Mantenha isso em mente na próxima vez que pedir para ver eu me
masturbando.
Minha barriga afunda.
— Eu não entendo. Por que você me estrangulou? Para me assustar?
Se foi para isso, funcionou. Meu coração ainda está acelerado.
— Para mostrar a você. — Ele cruza o quarto, parando no pé da cama e
franzindo a testa para sua ereção embaixo da toalha. Então seu olhar penetra
o meu. — Eu tenho orgasmos vendo seu corpo se curvar em angústia,
sabendo que fui eu quem coloquei essas lágrimas em seus olhos. Porém, só
quando você me dá esse prazer livremente e com absoluta confiança.
Eu dei isso por espontaneidade? Eu ainda tinha uma escolha?
— Se você se importa comigo, porque não podemos fazer isso sem… as
lágrimas?
Seu cabelo preto desengonçado e cílios grossos dão a ele uma aparência
mais suave, mas o afiado de seus olhos azuis me lembram que se há alguma
gentileza dentro dele é facilmente sufocado pelo seu temperamento
meteórico.
Ele olha para o relógio antes de olhar de volta para mim.
— Eu tenho uma profunda necessidade sexual em pressionar as mulheres
para fora de suas zonas de conforto. Quando você estiver pronta para me
deixar levá-la lá, você lutará com cada instinto em seu corpo, mas eu
prometo… O resultado será muito mais satisfatório que um orgasmo.
O que poderia ser melhor que um orgasmo? É alguma coisa profunda
como aquela sensação quente que preenche meu peito quando sei que ele
está desfrutando de mim? Dar prazer a ele eleva o meu a níveis eufóricos.
Então, sim, talvez tenha mais da intimidade do que apenas me deitar de
costas enquanto ele fica em cima de mim. Mas eu não tenho ideia do que
poderia ser.
Engulo em seco. Não sei como me sinto em ser sufocada. Será que vai
além da minha zona de conforto? O que ele vai tentar depois?
— Por que você quer me pressionar assim?
— É a confiança extrema, e o poder nisso é incomparável.
Apesar do meu desconforto borbulhante, consigo manter minha voz
firme.
— Eu não quero que ninguém tenha poder sob…
— Não, Ivory. É você quem tem o poder. É você quem define os limites e
decide quando parar. — Ele franze a testa para mim enquanto uma
contração patina pelo seu peitoral sem pelos. — Você não usou sua palavra
de segurança.
Merda, eu esqueci.
— Eu não conseguia falar com sua mão…
— Besteira. Você nem tentou.
Ajeito a camisa nas coxas.
— Essa é a lição, não é?
— Sim. — Sem outra palavra, ele entra no closet e me deixa em um
amontoado de agitação.
Alguns minutos depois, ele emerge completamente vestido e me diz para
ir até a cozinha quando eu estiver pronta para sair.
O propósito dessa lição me consome enquanto tomo banho, penteio o
cabelo e escovo os dentes, e me visto sozinha no quarto. Eu sei que minhas
percepções sobre sexo e homens são distorcidas, mas a pressão de sua mão
no meu pescoço não foi nada se comparada aos últimos quatros anos de
medo e dor. Não faz dos métodos dele aceitáveis, mas a surpreendente
forma com que ele faz as coisas pode até ser eficaz.
Na próxima vez que ele me fizer desconfortável, tenho certeza que
estarei pensando na palavra de segurança. E ele vai me ouvir. Desde que o
conheço, ele não pegou uma única coisa que eu não estava disposta a dar
para ele. Meu Deus, tem poder nisso. Saber que ele vai parar quando eu
disser a palavra, me faz mais alta, mais firme… mais leve.
Desço as escadas com o couro macio dos sapatos novos. As adoráveis
sapatilhas têm pequenos espinhos prateados e malha preta ao redor dos
dedos. Elas adicionam um toque moderno ao vestido de malha vermelho.
As mangas três-quartos vão me manter aquecida nas noites de outono. A
bainha reta passa dos meus joelhos e o corpete tem essa faixa legal que
cruza de trás para frente e amarra na cintura.
A roupa toda faz eu me sentir elegante e… valorizada. Uma voz irritante
em minha cabeça me diz que eu não mereci essas roupas. Tirando que
Emeric deu elas a mim sob o entendimento claro que eu pertenço a ele e,
por sua vez, tudo o que ele tem pertence a mim. Difícil de fazer minha
mente aceitar isso. Mas, por enquanto, vestirei essas roupas porque os
presentes deles significam mais do que meu maldito orgulho.
Encontro Emeric sentado na ilha da cozinha, pegando do prato de pães
com ovos, queijos e bacon. Sua atenção pula para mim. Ele congela. Só os
seus olhos se mexem, esquentando por debaixo das sobrancelhas escuras ao
mesmo tempo que faz uma excursão despreocupada de cima a baixo pelo
meu corpo.
É obvio que ele comprou essas roupas porque meu atual guarda-roupa
está desprovido. Mas enquanto ele continua a olhar da cabeça aos pés,
percebo que ele foi às compras porque estava pensando em mim, talvez
imaginando como eu ficaria vestida em coisas como essas.
Na última olhada, suas expressões faciais duras como pedra suavizam
com satisfação. Alguma coisa dentro de mim pega e guarda. Eu ponho esse
olhar no rosto dele só de aceitar o presente. Eu não sei o que é, mas saber
que o agrado combina tão bem com todas as novas emoções que ele
desperta em mim.
Seus olhos encontram com os meus.
— O vestido mais sortudo do planeta.
Meu coração gira em uma cadência de batidas pesadas.
— Não acredito como ficou bom.
Ele olha para os meus lábios.
— Sente e coma.
A gravata marrom estampada, as abotoaduras brancas e a calça marrom
dele ficariam antiquadas em qualquer outro homem. Mas nele, é uma
afirmação do estilo metropolitano atraente. Inferno, ele poderia usar gola
levantada e shortinhos enfeitados, e mulheres abaixariam as calcinhas
enquanto ele caminha.
O sólido cheiro de café rodopia por mim enquanto sento ao lado dele.
— Sem colete hoje?
— Jaqueta.
Olho para a jaqueta de camurça marrom pendurada nas costas de sua
cadeira. As mangas compridas podem ajudar a esconder os cortes em seus
dedos.
Ele enche meu prato, serve suco e descansa uma mão na minha coxa. Eu
não tenho sido cuidada desse jeito desde que meu pai estava vivo. Sentada
aqui em roupas boas e colocando comida na minha barriga, estudo Emeric
como uma garota órfã faria com o seu protetor, como uma estudante com
seu professor, mas mais do que isso. Olho para ele como uma mulher que
abre seu coração para um homem.
Ele preenche tantos vazios em minha vida e meu desejo por ele só me
aproxima mais, perto de um mundo com o qual eu apenas sonhei. Um
mundo onde eu interajo com um homem porque eu quero, porque ele se
importa comigo tanto quanto eu me importo com ele.
Exceto que ele diz que eu não estou pronta.
Antes de conhecê-lo, gentileza era tudo o que eu queria, mas agora?
Quando comecei meus estudos formais em música, adquiri uma
apreciação apurada no uso dos contrapontos de Bach. Aqueles que não
sabem como escutar sua música, escutarão uma confusão de linhas
barulhentas. Mas o que ele compôs são múltiplas melodias com cada mão
tocando uma versão diferente da mesma música.
Emeric aplica o contraponto em tudo o que ele faz. Em uma mão, ele
toca com ternura e autocontrole ao mesmo tempo que com a outra mão bate
com intensidade e dominância. Seu método pode ser contraditório, mas ele
executa em uma perfeita harmonia.
Largo o garfo e aperto seus dedos na minha coxa.
— Quando vou saber se estou pronta?
Ele levanta minha mão e pressiona um beijo na palma.
— Eu saberei.
Investigo seu rosto, prologando em seus lábios esculpidos, a mandíbula
recém-barbeada e os olhos ultramarinos.
— Então o quê?
Promessas dançam como notas sombrias em seus olhos.
— Então você vai agradecer pela palavra de segurança.
Um arrepio sobe pela minha coluna e uma dor explode entre as minhas
pernas. Eu quero o que ele oferece assim como não quero. Ou talvez eu
queira não querer.
Esfrego a mão na nuca antes de atacar o café da manhã.
Ele termina tudo no prato antes de afastá-lo.
— Quando você não estiver na escola ou aqui, vai estar ao meu lado.
Eu me engasgo, murmurando com o queijo mordido.
— Como que isso funciona?
— Não fale com a boca cheia.
Mastigo rápido para engolir.
— Quando eu for para casa…
— Você mora comigo agora.
Enrijeço com suas palavras penetrando meus tímpanos. Eu as escuto, mas
seus significados não sincronizam com meu cérebro.
Ele bebe seu café encarando seu celular antes de olhar para mim como se
tivesse me falado para vir jantar, não para me mudar.
Eu o encaro com a boca aberta.
— Você está de sacanagem comigo.
Levando a caneca para seus lábios, ele me encara de volta, sem um sinal
de sorriso em seus olhos.
Ele está sério.
Eu perdi toda uma conversa em que ele me pede para vir morar aqui? Ah,
espera. Ele não pede por nada.
Relaxo as costas da cadeira.
— Isso é por causa de Lorenzo.
— É um motivo prático. — Ele reabastece sua caneca com a jarra na ilha
e volta ao celular.
Porra de regra eu não posso, porque eu quero gritar essas palavras várias
vezes.
— É contra a lei. Você é meu professor!
— Você é minha garota. — Ele desliza a tela do celular preguiçosamente.
— Essa é a única lei que você precisa se preocupar.
O quê? Minha cabeça martela.
— Você é maluco.
— Você é minha.
— E se alguém descobrir?
Ele desliza o e-mail, sem se importar com o mundo.
— Esse problema é meu.
— Mas Schubert…
Ele abaixa o celular e aperta seus lábios nos meus em um beijo que diz
cale a boca e confie em mim. Então ele se recosta e volta para o e-mail.
— Vamos buscar o gato depois da escola.
29
Emeric
Emeric
Ivory
Ivory
Na manhã seguinte, protejo meus olhos dos raios solares e ando em direção
a um carro estranho na entrada de Emeric.
— O que é aquilo?
Ele me segue para fora de casa e anda na minha frente.
— Um Porsche Cayenne.
— Tudo bem. Por que está aqui? — Pensei que ele fosse me levar para a
consulta médica no carro dele. — De onde que isso veio?
Suas pernas fortes o levam em direção ao SUV esportivo branco, sua
maravilhosa bunda flexionada no jeans de cintura baixa. Com o chiado da
chave, ele destranca o carro e abre a porta do motorista antes de se virar
para mim em uma postura ampla e braços cruzados em frente ao peitoral.
A camisa estica ao redor dos bíceps definidos e ombros formidáveis, e os
vincos do jeans delineiam a protuberância entre suas pernas. Eu encaro sem
arrependimento, um sorriso se abrindo em meu rosto ao me lembrar do jeito
que seu pau duro bateu na minha garganta na noite passada.
— Olhe para mim. — Reprovação endurece seu tom de voz. Levanto
meu olhar e ele diz: — Mandei que entregassem essa manhã.
Cerro os dentes. É bom que esse carro não seja para mim.
— Pensei que ia preferir americanos bebedores de gasolina e barulhentos.
O azul de seus olhos brilha magneticamente ao sol.
— Verdade. Mas essa é um dos SUVs mais seguros no mercado.
Aham, é para mim, porra. Outro presente que não preciso. Agora eu sei
por que ele me perguntou mais cedo nessa semana se eu tinha carteira de
motorista.
— Obrigada, mas não…
— Nós não estamos discutindo sobre isso.
— Hum, sim, nós estamos. Já é difícil o suficiente explicar meu guarda-
roupa na escola. Mas o carro? Impossível. — Coloco as mãos no quadril. —
Devolva.
— Não. — Ele joga a chave em minha direção.
Deixo-a cair na calçada aos meus pés e dou a ele meu melhor olhar.
Sua boca se estica em uma linha severa.
Ah, porra. Meu pulso acelera.
Ele junta as mãos atrás das costas e me espreita, devagar e
metodicamente, seus olhos penetrando os meus.
Dupla merda. Abaixo meus braços para as laterais e examino o quintal.
Estamos atrás da propriedade, escondidos da rua. Os carvalhos imponentes
formam uma parede viva de privacidade entre os lotes. Não que eu esteja
com medo de ficar sozinha com ele desse jeito. Ou talvez esteja, mas
qualquer medo que eu tenha é sufocado pela mistura inebriante de dar e
receber que nos funde de forma tão linda.
Contudo, não significa que eu tenha que aceitar um carro. Abaixo meu
olhar para a chave.
— Olhos em mim!
Minha atenção voa para os traços esculpidos em seu rosto e as veias
pulsantes em sua sobrancelha. Já se passaram alguns dias desde que eu o
irritei, mas eu conheço aquele olhar. Ao mesmo tempo que ele me circunda,
estou dançando e me encolhendo por dentro, antecipando uma mão
estrangulando minha garganta ou uma mão batendo forte na minha bunda.
Talvez ele finalmente faça sexo comigo, bem aqui em plena luz do dia. Eu
aceitaria qualquer um ou tudo isso. Eu estive em um estado tão elevado de
excitação desde que eu me mudei que eu poderia muito bem tirar minhas
roupas e tomar a decisão por ele.
Ele para atrás de mim sem me tocar, mas próximo o suficiente para
mexer meu cabelo com sua respiração.
— Eu já tive meus dedos dentro da sua boceta, meu pau na sua boca e o
seu sabor em meus lábios. Eu sou a única pessoa no planeta que sabe como
você fica linda quando goza. Todas aquelas sardas na sua coxa, os sons que
você faz quando dorme, a paixão que você invoca ao tocar piano, tudo
sobre você é precioso e insubstituível. Então, eu vou, sim, embrulhá-la nas
melhores coisas e protegê-la em um carro seguro. E você irá me agradecer
com esses deslumbrantes lábios ao redor do meu pau quando entrarmos em
casa.
Meu coração sobe e desce com cada palavra, minha respiração
gaguejando ruidosamente.
— Esse sou eu, Ivory, e você é a parte mais essencial e mais importante
em mim. — Ele se afasta. — Agora se incline.
Meus joelhos vacilam com suas palavras. Alcanço meu Chucks preto nos
pés e o jeans de grife chique que separa minhas coxas. A desvantagem do
jeans de cintura baixa? Ele está tendo uma visão perversa da minha bunda
agora mesmo.
Sua palma bate de encontro a minha bunda com uma força que rouba
minha respiração e me empurra para a frente. Contudo, ele passa seu braço
ao redor da cintura e a mão me mantém dobrada na posição. Doce Jesus,
minha nádega está pegando fogo. O calor se espalhando por fora e
circulando pelo meu sangue para se acumular entre as minhas pernas.
Ele esfrega o local, limitado pelo bolso fortemente costurado em meus
jeans.
— Pegue a chave.
Pendurada no braço dele, pego a chave do chão no piso de lajota.
Ele agarra meu bíceps e me leva até o carro.
— Eu deixaria sua bunda vermelha se você não fosse mostrá-la ao
médico. — Ele para na porta do motorista. — Mãos no teto.
Merda. E agora? Coloco a chave no assento e as palmas no teto branco
brilhante, manchando a pintura imaculada com suor.
Seus dedos vagueiam pelo meu quadril abrindo um botão do jeans. Meu
coração acelera em um calor febril crescente. Ele abre o zíper e, com um
empurrão, coloca tudo aos meus pés.
Ficar parada do lado de fora à luz do dia pelada da cintura para baixo… é
a primeira vez para mim. Não consigo decidir se estou tremendo com
emoção de alguém ver, do medo da dor inevitável ou da antecipação ardente
do toque dele em mim de novo. De certo, todas as opções acima.
— Abaixa e segura no assento.
Sigo seu comando com uma sensação de paz tomando conta de mim. O
que quer que ele faça a seguir, me fará sentir um pouco menos perdida.
Cada vez que ele me pega com a mão, ele abre uma porta que mostra mais
sobre mim. A pessoa que ele revela não está envergonhada ou fraca. Por
fim estou descobrindo o que quero.
Seu Dr. Martens se arrasta nos tijolos enquanto ele se abaixa atrás de
mim. Suas mãos envolvem minhas coxas e no segundo seguinte, ele enterra
o nariz na minha boceta.
Um estalo de vergonha cora meu rosto. Mas de forma rápida, transformo
em uma corrente de desejo ao mesmo tempo que a respiração dele roça
minha carne. Uma profunda respiração segue e seus dedos se apertam nas
minhas pernas.
Ele está me cheirando. Bem lá embaixo. Profundamente e várias vezes.
Eu nunca imaginei que ficaria tão excitada com isso, mas estou tremendo e
ofegante com a sensação estranha e incrível. Ele está tremendo também e…
Ah, puta que pariu, ele está me lambendo e beijando minha boceta do jeito
que ele beija minha boca. Outra – puta merda – primeira vez.
Mordo meu lábio em um choro silencioso enquanto ele enfia sua língua
entre as minhas pernas. Ele percorre minhas dobras com mordidas brutas na
pele sensível e arranhões com sua barba por fazer. É dor e prazer, soprano e
baixo, e cada oitava no meio. Vou gozar. Eu sinto o puxão e alcanço aquele
lugar maravilhoso, balançando minha boceta no seu rosto e cravando meus
dedos no assento de couro. Quase lá. Quase…
Ele se afasta.
Eu me endireito para me virar para ele e agarrá-lo, mas ele está bem ali,
me pegando no emaranhado de jeans com suas mãos no meu quadril e sua
língua na minha boca. Ele desliza seus lábios nos meus em movimentos
escorregadios, espalhando o sabor picante de minha excitação entre a gente.
Ele para o beijo e sobe a calcinha nas minhas pernas trêmulas.
Minhas entranhas pulsam, doendo para terminar o que ele começou.
— Eu não gozei.
— Eu sei. — Ele puxa meu jeans, fechando. Então ele agarra minha mão
e pressiona em sua ereção atrás do zíper. — Vou esperar por você.
— Você não vai na consulta comigo?
Arrependimento marca seu rosto e ele solta minha mão.
Lógico, ele não pode ir. Alguém pode nos ver juntos. Mentalmente me
bato.
— Foi por isso que me deu o carro.
Ele segura meu rosto e me beija.
— Me desculpa. — Eu me inclino para trás e olho para ele através dos
meus cílios. — Fui uma criança mimada sobre isso.
— A mais mimada.
— Por que não me contou?
Um sorriso se abre em seu maravilhoso rosto.
— Onde estaria a graça nisso?
Ele gosta quando eu não me comporto bem para que ele possa me
disciplinar? Lição de hoje: a pior punição é um orgasmo negado.
Quando estou sentada no assento do motorista, ele se inclina sobre a
janela aberta e me dá um olhar duro.
— Não discuta com o médico.
— Não irei.
— Faça o exame de sangue.
— Farei.
— E pegue o anticoncepcional que ele prescrever.
Meu pulso acelera.
— Com certeza.
Esses olhos duros suavizam em um olhar que eu nunca vi antes nele.
— Volte para mim.
Alcanço sua mandíbula sombreada para acariciar.
— Conte com isso.
33
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Depois do jantar, recosto no sofá e ajeito o cós da saia para aliviar minha
barriga dolorida. Eu não sei se é por causa do meu excesso de peru, purê de
batata e pão amanteigado ou se estou cheia dos velhos nervos por estar
sozinha com Laura Marceaux.
— Eu posso ver por que ele está tão apaixonado por você. — Ela me dá
um sorriso acolhedor e recosta na cadeira ao lado do sofá.
Meu olhar vagueia pela porta da cozinha e para na camiseta branca que
estica nas costas de Emeric. Sentado na mesa com seu pai, ele se monta nas
costas de uma cadeira, imerso na conversa. Não posso ver seu rosto ou
escutar o que fala, mas as notas graves em sua voz vibram por mim, me
acalmando como uma canção de ninar.
Ele não usa cueca debaixo dos jeans e, nesse momento, o jeans está
perigosamente abaixo de seus quadris, mal cobrindo os músculos duros de
sua bunda. Se ele se inclinar mais um pouquinho, minha visão ficará muito
mais distraída.
Pigarreio.
— Estou apaixonada por ele também.
Ela balança o vinho tinto na taça, me estudando com atenção. É tão
estranho ver os olhos azuis de Emeric em uma expressão suave. Ela é
intimidante de tão linda. Nem um fio cinza em seu cabelo preto na altura
dos ombros. Mas há décadas de sabedoria na maneira como ela olha para
mim, como se ela pudesse ler meus pensamentos e entendê-los.
Ela bebe o vinho.
— Vocês dois parecem felizes. Talvez um pouco no limite, mas felizes.
Vocês só têm morado juntos por o que… um mês?
— Cinco semanas.
Ela acha que isso é insuficiente? Que cinco semanas não são o suficiente
para medir a seriedade de um relacionamento?
Eu quero salientar que estivemos emocionalmente envolvidos em ambos
por três meses e que a parte do sexo mesmo só aconteceu três semanas
atrás, mas isso é informação demais. Além disso, no caminho para cá,
Emeric me proibiu de agir de forma estranha sobre nós. Sem vergonha. Seja
você mesma. Eles não nos julgarão.
Ao que parece, ele estava certo. Laura continua como se a coisa mais
importante em sua mente fossem as histórias sobre a infância rabugenta de
Emeric. Sua bondade acabou por me abrir o suficiente para compartilhar
histórias do meu pai. Evitamos falar sobre Leopold, um conflito de interesse
muito sensível. Mas não nos impede de estabelecer uma troca confortável
como se eu fosse apenas uma namorada normal, conhecendo a família.
Uma hora depois, estou completamente extasiada com ela. Sua
disposição é tão leve e refrescante. Seus olhos gentis e seu sorriso sincero
irradiam o tipo de serenidade que só vem de uma felicidade profunda.
Ela é a personificação do calor e afeto materno. Um contraste devastador
da minha própria mãe. Ela me faz sentir aceita, cultivada e… jovem, mas
apenas da melhor maneira.
Na cozinha, o dr. Marceaux se levanta da mesa, aperta o ombro de
Emeric e desaparece no final do corredor que leva ao interior da
propriedade.
— Se você não se importa… — Laura levanta da cadeira. — Vou ver
aonde Frank foi. — Ao passar pelo sofá, ela alcança e aperta minha mão. —
Foi tão bom finalmente conhecê-la, Ivory.
Deixo a ternura de suas palavras penetrar.
— Você também.
Emeric não se mexeu do seu assento na cozinha, seus antebraços
dobrados nas costas da cadeira.
Em pé, arrumo a sedutora saia no meio da coxa. Eu me sinto bonita, mas
não chamativa e minha blusa verde sem mangas está abotoada por cima de
uma camisola fina. Se eu fizesse minhas próprias compras, o conjunto é
algo que eu não teria escolhido.
Eu me aproximo das suas costas e observo a pele acima de seu jeans de
cintura baixa. Sem aparecer o cofrinho. Ele é legal demais para isso. Mas
uma sombra provoca o vale entre suas nádegas musculosas. É muito
convidativo para ignorar.
Mergulho um dedo embaixo do jeans e traço aquela fenda sedutora.
Ele puxa uma respiração longa e profunda, sua voz rouca.
— Ivory.
Acariciando o topo da sua fenda, coloco minha boca próxima de sua
orelha e sussurro:
— Eu amo o seu traseiro.
Seu quadril balança e a testa dele abaixa no braço dobrado.
— Meu traseiro também ama você.
Minha respiração vacila. Seu traseiro me ama ou ele me ama? Quero que
signifique ambos.
Coloco minhas palmas sobre os músculos magros ao longo das suas
costas e acaricio em círculos lentos. Ainda acho surpreendente que consigo
tocá-lo assim. Apenas caminhar até ele e mostrar carinho. Como é louco
que eu queira mesmo colocar minhas mãos nele?
As últimas cinco semanas mudou radicalmente minha percepção sobre
mim mesma e minha habilidade de fazer coisas normais com um homem.
Inclinando meu corpo, passo meus braços ao redor do seu pescoço e
pressiono a parte superior do meu corpo no dele.
Com a cabeça inclinada para baixo, ele envolve uma mão grande nos
meus pulsos, algemando-os no seu peito.
— Uma das coisas mais eróticas que uma mulher pode fazer é esfregar os
seios nas costas de um homem e Ivory, seus seios são pecaminosos.
Meu Deus, seus pais podem ouvi-lo. Tento me levantar para afastar meus
peitos, mas ele me segura com seu aperto nos meus braços. Minha atenção
volta para o corredor vazio.
— Ainda mais sensual, é que você nem está tentando me excitar. — Ele
vira a cabeça e morde meu bíceps.
Minha boca se abre em um arquejo silencioso, minha respiração presa em
antecipação. O que farei com esse homem travesso? Se ele me tocar em
maneiras mais provocativas, não vou me importar onde estamos e quem
está assistindo.
Ele desliza os lábios no meu braço e eu derreto em suas costas.
Sua mão livre flutua atrás de mim, agarrando a pele nua da minha coxa
embaixo da saia.
— Minha mãe lhe interrogou?
Beijo seu pescoço, saboreando seu cheiro quente.
— Me tornei imune aos métodos de interrogatório dos Marceaux.
— É mesmo?
A pressão de seus dedos na minha mão acelera meu pulso. Seu polegar
acaricia a parte interior do meu pulso e eu sei que ele pode sentir a agitação
da batida do meu coração.
Enterro meu nariz no seu cabelo macio atrás da orelha, respirando o
cheiro amadeirado do shampoo.
— O que você conversou com o seu pai?
— Sobre você. Nós.
Com o restringir de sua mão ao redor de seu pulso, ele me puxa para o
seu lado. Então ele levanta da cadeira, pega seu chapéu fedora de feltro
cinza e o coloca em sua cabeça com uma inclinação tão sútil que pode ser
acidental.
Não me engano. Tudo o que ele faz é insidiosamente calculado. Como
combinar seu jeans e a camiseta branca com seu chapéu fedora? Quase
inofensivo assim como se ele tivesse escolhido algo rápido. Mas caramba,
ele sabia que aquele olhar sensual me deixaria como uma espuma luxuosa.
Contudo, é o seu olhar fixo, os profundos oceanos de seus olhos sob a
aba do chapéu fedora que me faz nunca querer desviar o olhar.
O ambiente escurece até que eu só esteja ciente dele e as batidas
pulsantes entre nós. Afundo nas ondas sedutoras do desejo, naquele abismo
deliciosamente sombrio que anseia por seu aperto de castigo, a voz rouca e
os impulsos perversos.
Aqui não.
Com grandes esforços, me trago de volta à superfície e respiro fundo.
— O que você conversou com o seu pai sobre nós? O que ele disse?
Será que o pai dele não aprova nosso relacionamento? Será que Emeric
está tendo dúvidas?
Os dedos ao redor dos meus pulsos apertam e ele puxa meu braço pra trás
das costas. O movimento me empurra direto para sua ereção.
Seus olhos prendem nos meus.
— Ele queria ter certeza que eu tinha tudo sob controle e se eu ponderei
tudo. — Com meus braços presos atrás das costas, ele suporta meu rosto
com sua mão livre. — Estou trabalhando em algumas medidas de precaução
para nós manter seguros até que você se forme.
— Como o quê? — Eu odeio essa constante ameaça que paira sob nós, de
alguém querer nos machucar.
Ele esfrega seus lábios nos meus.
— Você confia em mim?
— Imensamente.
Seu lábio prende meu lábio inferior.
— Vamos para casa e cuidar do seu amontoado de pelos.
Sorrio no beijo.
— Schubert?
— Ele também.
Nos despedimos dos pais deles, subimos no carro e dirigimos até sua casa
sem agarramos um ao outro. Mas no segundo que a porta da garagem se
fecha atrás do GTO, ele me dá um olhar que dissolve todos os ossos do meu
corpo.
Em um movimento fluído, ele joga o chapéu, solta nossos cintos de
segurança e joga o assento para trás, para longe do volante.
Suas mãos voam para o zíper, puxando-o para baixo e liberando seu pau
duro.
— Me cavalgue.
Um rouco comando e estou molhada na hora.
Eu me lanço sobre ele, batendo um joelho no console ao mesmo tempo
que caio em seu colo. Ele puxa minhas pernas ao redor dele, minha bunda
batendo no volante e buzinando. Rimos com as nossas bocas moldadas uma
na outra, suas mãos debaixo da minha saia e meus dedos emaranhados em
seu cabelo sensual pra porra.
Puxando a costura da minha calcinha para o lado, ele coloca os dedos
dentro de mim.
— Pronta pra caralho.
Então, ele me enfia em seu pau.
Eu gemo com as sensações de explosão, apertando meus músculos
internos e arqueando minhas costas. Ele agarra meu traseiro com uma mão
e a parte de trás da minha cabeça com a outra, empurrando vigorosamente e
me segurando com tanta força que ele é a única saída que existe.
Ele bate embaixo de mim com golpes lancinantes enquanto a mão na
minha cabeça direciona o ângulo e aprofunda o beijo. Sua língua fode a
minha boca do mesmo jeito que seu pau enche minha boceta. Profundo,
urgente e completamente irrestrito.
Seus músculos tremem e se contraem. Seus gemidos roucos endurecem
meus mamilos e o mexer sensual e faminto de seu quadril me reduz a uma
poça trêmula de rendição.
Eu me dissolvo nas faixas de aço do seu braço enquanto ele me beija até
eu perder os sentidos, me arrastando para cima e para baixo do seu
comprimento e se masturbando no aperto do meu corpo.
Eu gozo, pesado e demorado, arranhando minhas unhas em seu couro
cabeludo e uivando seu nome com minha garganta. Ele empurra para dentro
de mim em um rangido implacável, abaixa a cabeça cair no meu ombro e
expulsa seu gozo com um gemido profundo e gutural.
Quando ele levanta a cabeça, nos encaramos, ofegantes, agarrados com
força, lábios tocando e nos liberando. Ele traça seu nariz no meu, seus olhos
tão perto e nunca desviando o olhar. Estou tão perdida nesse homem, tão
envolvida, coração aberto e alma tremendo.
Não somos apenas um professor e uma aluna, um dominador e uma
submissa, um homem e uma mulher.
— Nós somos um concerto infinito. — Beijo seu lábio. — Uma obra de
arte musical.
Ele arrasta seu lábio pela minha mandíbula, seu pau gozando dentro de
mim.
— Como a Missa Negra de Scriabin?
Muito desafinado.
Levanto meu pescoço para seus lábios.
— Eu estava pensando na linha de Ode à Alegria de Beethoven.
— Fraco. — Ele morde a pele embaixo da minha orelha. — Nós somos
mais para “Hot For Teacher” da Van Halen.
Meu Deus. Eu sufoco meu sorriso.
— Você está arruinando minha analogia. Isso não é nem uma peça.
— Nós iremos compor nossa própria peça. — Sua boca desliza pelo meu
pescoço, beijando e lambendo. — Uma música que nunca irá acabar.
Eu amo como isso soa.
40
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Ivory
Emeric
Na manhã do sábado, não voamos de Nova Orleans. Eu dirijo por uma hora
e meia para pegarmos o avião de Baton Rouge. Uma cidade onde não
conheço ninguém. Mas enquanto andamos pelo aeroporto – sem nos
tocarmos – desconfio pra caralho de cada pessoa que olha em nossa direção.
Eles me conhecem? Eles estão associados ao Le Moyne? Eu poderia
explicar nosso passeio para a escola, mas isso não impediu minha pele de se
arrepiar com a paranoia.
Quando saímos do avião no nosso destino final, eu finalmente me deixo
relaxar.
Ivory se senta ao meu lado na limosine, seus olhos percorrendo todos os
lugares, sua expressão uma representação hipnotizante de admiração. O
sorriso largo, os olhos brilhando e a hiperatividade saltitante estão
constantes desde que dei a ele passagem de primeira classe ontem à noite.
Ela nunca esteve fora de Nova Orleans. Nunca esteve em um avião ou em
uma limosine ou em um hotel.
Se manter esse sorriso no rosto dela, mostrarei cada canto do mundo.
Já se passaram dois meses desde que Schubert morreu e sua felicidade
não voltou totalmente. Até agora. Foda-se se isso não faz todo o meu
nervosismo de mais cedo valer a pena.
Pela primeira vez desde que saímos de Baton Rouge, toco nela, não como
um professor, mas como o homem que a ama. Na privacidade da limosine,
passo um braço em volta de suas costas e a puxo para o meu lado. Descanso
meus lábios em sua têmpora e acaricio a dobra de sua coxa e quadril.
Ele suspira, seu corpo derretendo no meu aperto.
— Uma limosine, Emeric. É… desnecessário, mas uau. — Ela se inclina
para a frente, seu olhar preso na janela a seu lado e sua boca aberta ao ver a
metrópole de vidro ao redor dos arranha-céus. — Eu não posso acreditar
que estou em Nova Iorque.
Seguro uma mecha do cabelo dela e puxo.
— Não pode?
Ela me dá um sorriso gostoso e joga uma perna em cima do meu colo,
montando-me, peito a peito.
Com sua mão em meu rosto, ela toca seu sorriso no meu.
— Eu não posso, eu não posso, eu não posso.
Eu a curvaria em meu colo e daria várias palmadas em seu traseiro
perfeito, mas estamos a cinco minutos de distância da nossa primeira
parada. Então, em vez disso, belisco o mamilo dela através do vestido e
seguro.
Ela agarra meu pulso e tenta recuar, mas o movimento aperta meus dedos
e alonga o seixo de carne.
Segurando minha gravata, ela puxa com força. Isso só faz com que
nossos lábios se aproximem. Tiro vantagem e a beijo com avidez enquanto
aperto seu mamilo com força.
Seu corpo se contorce, uma curva tortuosa de carne envolta da seda preta
enquanto ela solta respirações pesadas.
— Eu nunca mais direi eu não posso de novo. Só, por favor… meu
mamilo!
Sangue corre para o meu pau, fazendo-o crescer.
Solto ela.
— Boa garota.
Ela esfrega o seio.
— Tão malvado.
Vislumbro o sorriso através de seu beicinho.
— Você ama.
Ela sai de cima do meu colo, mas fica perto, apoiando-se nas minhas
coxas para espiar pela janela.
— Estamos indo para a Leopold primeiro?
Ruas e placas familiares passam. Estamos a um quarteirão de distância.
Ela acha que estamos arrumados para uma reserva de jantar elegante e
que o propósito desse passeio é abrir seus olhos para a vida no campus da
Leopold.
O que ela não sabe é que eu a trouxe aqui para abrir as portas.
Quando a limosine para, ela olha para a entrada do prédio e arqueja. Seu
cotovelo balança um centímetro do meu rosto em sua corrida pelo meu colo
para sair do lado mais próximo das portas brilhantes da frente.
Encontro os olhos do motorista.
— Vamos demorar duas horas.
Eu me junto a ela na calçada, o vento forte gelando minha nuca. Mas
quase não sinto no calor de seu sorriso ofuscante e ao olhar para o campus
onde passei cinco anos da minha vida, ganhando minha graduação e meu
mestrado.
— Puta que pariu. — Ela prende um braço ao redor do meu, segurando
apertado. — Isso está mesmo acontecendo. Estou aqui de verdade.
Por mais que eu deteste nosso segredo, forço um tom de advertência dos
meus lábios.
— Srta. Westbrook.
— Merda. — Ela deixa o braço cair, se afasta para uma distância
apropriada e olha para a frente. — Sinto muito. — O canto da sua boca se
contorce. — Sr. Marceaux.
Espertinha.
— Me siga. — Guio Ivory para dentro e pelos corredores.
Eu não venho aqui desde que me formei quatro anos atrás. Nostalgia
surge dentro de mim, mas não levo muito tempo para olhar ao redor. Nós
temos uma entrevista.
Ela anda rápido para acompanhar meus longos passos, seus saltos
batendo contra o chão de cimento.
— Você não é um bom guia turístico. Tenha calma.
— Iremos explorar depois. — Paro em frente a uma porta fechada no
Pavilhão Richard e me viro para ela.
Ela me estuda, olha para a porta e volta a olhar para mim. Suas mãos
esfregam a frente do vestido.
— O que estamos fazendo? — Ela estreita seus olhos, suspeita em seu
tom. — O que você fez?
— Você está aqui para uma audição.
Sua boca abre, tentando formar palavras.
— Agora? — Ela pega o pingente de sapo no bracelete, esfregando com
ansiedade seus dedos, sua voz um sussurro áspero. — Por que você não me
falou?
— Por causa disso. — Toco suas mãos inquietas e deixo meu braço cair.
— Sua empolgação com esse passeio seria arruinada pela ansiedade.
Ela balança a cabeça bruscamente, seus olhos arregalados e aterrorizados.
O corredor está vazio, mas não posso arriscar um beijo. Em vez disso,
deixo que ela veja meu profundo suporte e amor no meu olhar.
— Lembre-se, seu som é a primeira coisa que os membros do painel irão
julgá-la e eles farão isso nos primeiros trinta segundos.
— Ah, Deus. — Ela respira fundo. — Que peças devo tocar?
— Toque o que mais lhe identifica, o que você acha que toque bem e o
que combine com seu estilo e ambição. Deixe que vejam o excelente
coração de Ivory Westbrook.
Confiro meu relógio. Está na hora. Eu me viro e abro a porta.
A sala de aula no estilo estádio não mudou nada desde todos aqueles
semestres que passei tomando notas lá em cima, nas arquibancadas. O
mesmo piano de cauda Steinway fica na frente, perto da porta. É como
entrar no túnel do tempo.
Com Ivory ao meu lado, ando em direção a mulher de meia-idade e dois
homens velhos e esguios na primeira fileira. Eu nunca os conheci, mas
estive em contato com a mulher, Gail Gatlin, que fica em pé e cruza a sala
para nos receber.
Seus severos olhos cinzentos me observam por trás dos óculos de aros
dourados. Cabelos castanho-areia estão penteados para trás de uma tez que
provavelmente vê pouco ou nenhuma luz do sol. Sua altura é baixa e
rechonchuda, ainda sim irradia uma autoridade confiante.
Ela estende a mão, balançando a minha.
— Bem-vindo de volta, sr. Marceaux.
— Obrigado por nos receber hoje. — Aponto para Ivory. — Essa é minha
pupila, Ivory Westbrook.
— Eu sou a sra. Gatlin. — Gail balança a mão esticada de Ivory. — Você
deve ser alguém bastante extraordinário para que o sr. Marceaux a traga até
aqui ele mesmo. A avalição dele sobre seu talento foi convincente o
suficiente para reunir o painel de jurados em um sábado.
Em outras palavras, não desperdice nosso tempo. Eu não teria trazido ela
aqui se eu achasse que ela faria.
Gail aponta para os dois homens esperando na fileira da frente.
— Não costumamos interagir com os candidatos, mas como essa é uma
audição incomum, será um pouco livre. Comece quando estiver pronta. —
Ela indica o piano e toma seu lugar.
Ivory se acomoda atrás do Steinway, seus dedos esfregando o pingente de
sapo. Encontro uma cadeira na lateral que me dá uma visão direta do rosto
dela enquanto olha para o teclado.
Minha perna balança e fico tenso na quietude. O que ela irá tocar?
Neste exato momento, seu rosto me lembra “Silent Lucidity” do
Queensryche. O canto de seus lábios se ergue em autocontrole, os cantos
curvados arqueados em uma aptidão luminosa enquanto ela vê seu sonho
bem de frente. Um sonho que só começou.
Mas Queensryche não estará em seu repertório. Ele investigou Leopold
por anos e sabe que a audição requer peças padrões de concertos do século
XIX, movimentos contrastando de uma partita de Bach e arpejos em três
oitavas com dupla pausa.
O que quer que ela escolha tocar, ela pode arrasar de olhos fechados.
Curvando-se sobre as teclas, ela move seus dedos e balança devagar em
um prelúdio. Eu não reconheço a peça de imediato. Não é barroco ou
clássica… Minha respiração fica presa. É uma banda pop irlandesa.
Todo o meu corpo trava, minha mão flexionada ao redor do descanso de
braço. Que merda ela está fazendo?
Os acordes de desespero de “All I Want” de Kodaline preenchem a sala
com uma forte corrente de tristeza e positividade. As letras não ditas
passam pela minha cabeça e a mensagem que só pode ser interpretada é:
Acabou, mas eu irei encontrar alguém. A vida irá continuar.
É uma música de rompimento.
Meu coração para, afundando no poço da negação enquanto as notas do
piano batem em meu coração. Por que ela está tocando essa música? É uma
mensagem para mim?
Olhe para mim, Ivory.
Seus olhos piscam para os meus antes de voltar para o teclado, o
vislumbre rápido demais para ler. Eu anseio para que ela olhe para cima de
novo para que me dê algo que possa me tirar da porra dessa névoa.
Eu falei para ela que eu a seguiria a qualquer lugar. Eu a trouxe aqui
sabendo que ela entraria. Eu estou totalmente comprometido a voltar para
Nova Iorque com ela. Então que merda ela está tentando me dizer? E por
que ela está arruinando sua audição para fazer isso?
Os jurados se mexem desconfortáveis em seus assentos. A qualquer
segundo, eles irão interrompê-la.
Isso está indo completamente errado. Não, não errado. Tem tanta paixão
e profundidade na maneira como ela bate naquelas teclas. Sua execução é
perfeita. Mas a música não mostra os talentos técnicos dela. Com certeza
não atende aos requisitos da audição.
Gail levanta uma mão em um movimento de interrupção, irritação em sua
voz.
— Srta. Westbrook.
Ivory para, olhando para a mulher com expectativa.
Com um suspiro aborrecido, Gail gesticula para as paredes ao redor.
— Essa é a Leopold, não a Escola de Pop.
Devagar e sutil, os olhos de Ivory param em mim conectando-os com os
meus. Naquele fragmento de segundo, eu vejo o coração da mulher que
amo e está sorrindo para mim com uma determinação radiante. É apenas um
momento de contato visual, mas eu sinto como se ela estivesse aqui do meu
lado, me garantindo que está tudo bem no nosso mundo. Meu pulso acelera
nas veias.
Ela sabe exatamente o que ela quer e ela não só está me dizendo, ela está
me mostrando da forma mais impressionante possível. Na audição pelo seu
sonho. Através de uma música que ela mais se identifica.
Mantenho minha expressão de indiferença e com tranquilidade, junto
minhas mãos sob o colo. Mas por dentro, estou tremendo com choque de
compreensão. Ela não está terminando comigo. Ela está dizendo adeus para
a Leopold. O que eu não entendo é por quê? O que mudou?
Gail se reclina na cadeira.
— Por que você quer frequentar essa escola?
Ombros para trás e coluna reta, Ivory levanta o queixo.
— Para aprender com o melhor dos melhores.
— Posso ver. — Gail ajusta seus óculos. — O que você está procurando
em um professor?
Ivory sorri, seus olhos em chama.
— Conhecimento, é claro. Pulso firme para me pressionar. Uma mente
não tradicional para expandir minha própria mente. E disciplina. — Seu
olhar vem até mim e volta para os jurados. — Quando for necessário.
Sua resposta está direcionada para Gail, mas eu sei que suas palavras são
para mim. Incorporo cada característica que ela mencionou. Eu sou o
professor ideal dela.
A boca de Gail forma uma linha reta.
— Leopold é uma escola tradicional e os nossos treinamentos se
concentram em clássicos, barrocos…
Ivory se vira para o piano e toca a parte mais difícil de Islamey, Fantasia
Oriental do Balakirev.
Se ela não pretende estudar aqui, eu não sei o que ela está tentando
provar. Ainda assim, a intensidade da sua performance vibra pela sala com
entusiasmo. Não há erros de ritmo, notas e dinâmica. Cada som que ela
produz é impecável.
Todos os três jurados se inclinam para a frente de suas cadeiras, olhos
arregalados e bocas abertas. Sim, eles estão impressionados. Eles deveriam
estar mesmo. Eu aposto que eles nunca viram alguém tentar Islamey em
uma audição, muito menos conseguir fazer com uma habilidade imaculada.
Ivory para a peça e levanta uma sobrancelha para eles. Eu me sinto
orgulhoso até os dedos dos pés.
Gail descansa seus dedos na boca, em seguida, alisa o cabelo para trás.
— Muito bem, srta. Westbrook. Você tem a nossa atenção.
Com um sorriso reservado, Ivory se levanta ajeitando o vestido preto
antes de seguir em direção a eles.
— Eu passei toda a minha vida dizendo “Eu quero entrar na Leopold.” A
maior parte dos musicistas quer, sabe? Mas eu tenho me vendido baixo.
Tem alguns professores de pianos excelentes do lado de fora dessas paredes.
Eu posso passar felizmente os próximos anos aperfeiçoando minhas
habilidades sem me mudar para Nova Iorque.
Meu coração bate tão alto que me pergunto se eles podem escutar do
outro lado da sala. Fico de pé e dou um passo para o lado de Ivory, minhas
mãos fechadas juntas atrás das costas em um suporte silencioso.
Gail se levanta, sua expressão gravada em determinação.
— Eu preciso conversar com os meus colegas… — Quando os dois
homens acenam para ela, ela endurece a voz. — Ficaríamos honrados em
tê-la se juntando a nós.
Ivory balança a cabeça.
— Obrigada, mas eu fiz minha decisão.
Estendendo um braço, Gail entrega um cartão de visita a ela.
— É uma oferta aberta. Se você não encontrar o professor que você está
procurando, esse ano, ano que vem ou em qualquer momento no futuro, nós
teremos um assento para você.
Despedidas são trocadas e Ivory e eu andamos silenciosamente pelos
corredores, minha cabeça latejando com perguntas.
Quando chegamos a um pátio vazio do lado de fora, não consigo segurar
mais minha língua.
— Me fale por que você fez isso. Que merda fez você mudar de ideia?
Ela envolve sua cintura com braços e treme no ar frio.
— Eu não quero viver aqui. É tão frio.
Posso escutar o sorriso em sua voz e tiro minha jaqueta, colocando-o em
seus ombros.
Ela se enterra na lã, mantendo seus pés no ritmo dos meus.
— Quando me sentei atrás daquele piano, eu imaginei como seria
aprender de um professor, um tutor, que não fosse você. Então, eu toquei a
música que combinava comigo em vez da requisitada. Uma música que
expressa paixão e voz, algo que eu nunca senti nas obras dos livros
didáticos. Os jurados não aprovaram e foi quando eu soube. — Ela para e
pisca para mim. — Se eu me inscrevesse aqui, eu seria forçada a me
conformar com as instruções de alguém que não me conhece enquanto
praticava músicas que não me emocionavam.
Ondas de calor se espalham pelo meu peito, mas eu me pergunto se ela
considerou todas os pontos.
— Você não receberá um diploma sob a minha tutela. Se ainda está
buscando por aquele lugar na orquestra, não terá pedigree e prestígio para
colocar você lá.
Ela dá de ombros.
— Uma orquestra, um teatro, um estádio… O onde não é o importante.
Eu quero as luzes, a plateia e a música. Eu acho que eu tenho muito para
descobri ainda e se eu descobrir que eu preciso de um diploma, vou atrás de
conseguir. — Ela segura o cartão de visita e sorri.
— Foi por isso que você tocou Islamey.
— Planos Bs são sempre bons de se ter. Você nunca sabe. Meu atual
professor pode colocar os olhos em outra aluna. — Ela sorri. — Professores
de ensino médio têm um jeito de se apaixonar rápido e ignorantemente.
Minha mão se flexiona, queimando para bater contra a bunda dela.
— Você me impressiona.
Ela sorri.
— Eu tento.
Perambulamos no prédio ao lado e dou a ela um passeio adequado. Seu
interesse no campus se concentra onde eu gastava meu tempo e não de
como as instalações a ajudariam caso ela mudasse de ideia. Ela parece bem
e realmente em paz com sua decisão.
Já que é final de semana, os corredores estão escuros e vazios. Ainda
assim, mantenho uma distância profissional, andando lado a lado e
apontando para meus locais favoritos e compartilhando memórias sobre as
pessoas com quem eu saia.
— Eu não entendo. — Ela me segue até um corredor sem saída. — Eu
conheço você por oito meses e só escutei você tocando rock de velho no
piano.
— Rock de velho?
— Guns N’ Roses, Megadeth, AC/DC… quero dizer, isso é o que você
gosta, então como lidou com o treinamento de clássicos quando não estava
interessado?
— Eu estava prestes à mostrar para você.
No final do corredor vazio, balanço a maçaneta da última porta. Ela se
abre e eu a conduzo para dentro, fechando e trancando a porta atrás de mim.
Minhas mãos tocam o interruptor das luzes em uma memória reflexiva e
a lâmpada fluorescente no teto ganha vida.
A sala de ensaio espartana é à prova de som e grande o suficiente para
acomodar o piano vertical e duas pessoas. Ela olha ao redor e me dá um
olhar confuso.
Eu me inclino na vertical.
— Eu passei todos os dias aqui, praticando as músicas que eu gostava
sem as rígidas instruções dos meus tutores. Eu me sentava bem aqui com os
meus fones de ouvido e minha lista de músicas repetindo. Foi bem aqui que
me apaixonei por metal no piano.
Ela passa a mão pela tampa do teclado, avançando em minha direção.
— Todos os dias? Neste piano?
— Sim.
Tirando a jaqueta, ela coloca-o no banco.
— Sozinho?
— Claro.
Ela para ao alcance de um braço.
— Alguma vez você trouxe uma garota aqui?
— Só uma. — Meu pau se contorce. — A calcinha dela está em perigo
de ser arrancada.
— Eu não estou usando calcinha.
Merda, estou duro. Como que eu não percebi sua bunda nua quando ela
estava montada em mim na limosine?
Olho para a porta e me lembro que está trancada.
Um sorriso malicioso se abre em seus lábios.
— Você se masturbou aqui?
Tusso com um sorriso.
Ela anda para a minha frente e pega minha gravata.
— Você fez.
Eu realmente fiz.
Ela olha para o piano, mordendo o sorriso.
— Eu aposto que você gozou nas teclas. Eu me pergunto se ainda estão…
— Você quer me ver gozar? — Pego sua mão e seguro sua palma contra
minha ereção, desesperado por alívio. — Você pode ver pingar da sua
boceta.
Minha outra mão vai para o cabelo dela, emaranhando os fios grossos ao
mesmo tempo que a puxo para minha boca.
O beijo começa gentil e mergulha direto para carícias duras e agressivas.
Os dedos dela apertam minha calça, estimulando meus quadris em
movimentos e balançam nas mãos delas ao mesmo tempo que minha língua
chicoteia e lambe a boca dela. Eu mordo com força seu lábio inferior e puta
merda, suas unhas entram nas minhas bolas.
Giro ela na parede acarpetada, peito com peito e prendo os braços dela
acima da parede. Ela olha para mim, seus lábios carnudos, sensuais e
inchados com desejo. É aquele olhar sensual pra caralho que ela sempre dá
depois que eu a beijo até um transe. O tipo de beijo que faz o corpo todo
dela pesado e mole com desejo.
Balançando meu pau na boceta dela, traço minha língua pelo seu
pescoço.
— Você se lembra da primeira vez que estivemos nessa posição?
Ela estica o pescoço para minha boca.
— No corredor, no primeiro dia de aula. Não exatamente na mesma
posição.
— Eu queria conter você desse mesmo jeito e morder sua boca
inteligente. — Afundo meus dentes no lábio inferior dela, sem piedade, e
solto ela.
Sua respiração acelera.
— Você me assustou pra caralho naquele dia.
— E agora?
— Você me assusta de um jeito diferente. — Ela beija um lugar acima do
meu coração fazendo meu pulso acelerar. — Do melhor jeito.
Ela segue meu comando e eu inclino meu peso contra ela, restringindo-a
enquanto pego meu cinto, me atrapalhando para afrouxá-lo. Estou tremendo
com a necessidade de me enterrar nela e empurrar forte, rápido e sem
remorso. Eu nem me importo onde estamos.
Empurro minha calça e cueca para minhas coxas e seguro meu pau,
acariciando com uma mão enquanto puxo o vestido com a outra.
Meus dedos a encontram nua, macia e molhada. Graças a Deus, porque
eu já estou me alinhando e… Ahhh! Porra, essa primeira investida dentro
dela sempre me tira o ar. Ela é tão apertada, tão molhada e quente. Eu me
solto, sem me segurar enquanto bato nela, de novo e de novo, perdido no
confortável aperto de seu corpo.
Suas mãos ficam na parede e suas coxas tremem junto das minhas.
Eu a levanto, prendendo suas pernas ao redor da minha cintura e
mergulho meu quadril, fundo e feroz.
— Eu amo pra caralho sua boceta.
Com um gemido, ela curva as costas, tornozelos cruzados nas minhas
costas e aqueles olhos castanho-escuro dilatados, presos em mim.
Meu corpo endurece com meu desespero para gozar. Ela se sente bem pra
caralho, perfeita pra porra envolta do meu pau. Eu quero explodir.
Pego a parte de trás da cabeça dela e pressiono sua boca na minha. Sem
beijar. Eu estou muito desenfreado e desesperado para isso. Prendo nossos
lábios, nos segurando firmemente juntos, saboreado as respirações dela ao
mesmo tempo que solto um gemido e empurro para fodê-la até o clímax.
Seu peito arfa através de uma série de gemidos crescentes, suas mãos
deslizando para cima e para baixo na parede. No instante em que ela aperta
em torno de mim e seu corpo estremece em um orgasmo, eu gozo tão forte
que minha cabeça gira.
— Caaaaralho!
Eu coloco minha testa junto a dela, segurando-a na parede e beijando-a,
preguiçosamente e ofegando em vibrações persistentes de prazer.
Ela envolve seus braços envolta do meu pescoço, os lábios separados e
provocando os meus.
— Você é tudo o que preciso.
— Hum. Eu amo isso.
Eu me afasto do calor do corpo dela, sabendo que estarei de volta até o
final do dia.
— Só temos vinte e quatro horas. Hora de conhecer a cidade.
Por meio da limosine, dou a ela um passeio rápido pelo Central Park e a
Estátua da Liberdade. Andamos pelas ruas lotadas da Times Square e
jantamos em um restaurante chique que tive que reservar com dois meses
de antecedência. Não é o meu estilo, mas é algo que quero que ela
experimente.
Tarde da noite, deitamos pelados na cama da Suíte Presidencial no Hotel
Four Seasons. Eu estive dentro dela por tanto tempo que meu pau ficou
dormente. Mas em vinte minutos, estarei pronto para entrar de novo.
Ela me observa com os olhos pesados, os braços estendidos acima da
cabeça e os pulsos presos juntos pelo meu cinto. Ela não se importa de
mexê-los ou pedir para desamarrá-la. Eu não tenho certeza se ela tem
energia suficiente para falar.
Eu me abaixo pelas curvas dela e beijo seu quadril, mordendo o osso com
pressão o suficiente para fazê-la tremer.
— Como você entrou… — Ele contorce os pulsos na algema de cinto. —
Nisso?
Engatinhando para cima do corpo dela, eu desfaço as amarras e
massageio os braços dela.
— Quando eu tinha 15 anos, eu encontrei uns livros escondidos no
escritório do meu pai.
Seus olhos arregalam, acordando com alerta.
— Tipo livros de sexo selvagem.
Fecho meus dedos envolta dos seios dela, apertando-os para rolar minha
língua ao redor do mamilo.
— Livro de sadomasoquismo. Fetiche. Coisa de Mestre-Escravo. Eu
fiquei rapidamente… — Duro como a porra de uma pedra. — Intrigado.
Nos anos seguintes, eu pesquisei mais. Obcecado sobre isso. Mas eu não
tive bolas o suficiente para tentar nada até que eu fui para a universidade.
A veia na garganta dela pulsa.
— Com uma garota em Nova Iorque?
— Ninguém importante. — Eu nem lembro o nome dela.
Ela relaxa nos lençóis macios, seus dedos descuidados penteando meu
cabelo enquanto lambo, mordo e acaricio os seios dela. Ela é tão bonita que
não consigo manter minhas mãos longe dela.
Seus dedos ainda estão no meu cabelo.
— Quais foram os riscos que você correu hoje? Se eu tivesse aceitado o
lugar na Leopold, o que teria acontecido com seu trabalho e a diretora?
— Os riscos são nulos. Eu quero que você volte sua atenção para se
formar. — Dou um olhar de aço para ela. — Confie em mim.
— Está bem.
Trazê-la aqui não colocou a educação dela em risco. Eu sabia que os
jurados iriam aceitá-la. Se Beverly Rivard está jogando duplo por trás de
mim, não irá impedir Ivory de se formar no Le Moyne ou alcançar o futuro
que ela quer.
Faltam apenas três semanas de aulas e Beverly acredita que eu já
coloquei as inscrições de Prescott na pasta de processo de candidatura. Eu
não o fiz e não farei. Ele irá entrar em um conservatório. Só não será a
Leopold. No momento que Beverly descobrir isso, Ivory estará formada e
eu terei entregado minha demissão.
Refleti bastante pelos últimos meses. Ivory quer aprender e eu quero
ensinar. Iremos ter essas coisas um do outro. Depois?
Ela tem uma imagem muito específica do que é seu objetivo final… As
luzes, a plateia, a música. Minhas ambições não são muito diferentes.
Eu sei exatamente como vou fazer nosso sonho se alinhar.
46
Emeric
Ivory
Ivory
Sonata Nº 9 de Scriabin
“Toxicity” do System Of A Down
Islamey, Fantasia Oriental de Balakirev
“Patience” do Guns N’ Roses
“Nothing Else Matters” do Metallica
“Symphony of Destruction” do Megadeth
“Smells Like Teen Spirit” do Nirvana
“Comfortably Numb” do Pink Floyd
“I Will Follow You Into the Dark” do Death Cab for Cutie
“All I Want” do Kodaline
Sobre Pam Godwin