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AMANDA
Vou confessar. Mesmo já tendo mergulhado em mares famosos, ido a
praias que tiravam o fôlego de qualquer pessoa, não havia nada que me
deixasse mais forte e feliz do que um mergulho no mar do Porto da Barra.
Um santuário. E Deus! Quanta gente bonita e misturada. Cultura aflorando na
pele. Sensacional!
Ou talvez eu só estivesse com muita saudade.
Mergulhar na água fria e profunda do Porto da Barra me trouxe
recordações magníficas. Minha mãe costumava dizer que não havia psicólogo
com mais força do que aquela areia branca. Ela gostava de sentar em sua
cadeira de praia, enfiar os dedos bem fundo na areia e admirar o mar. Depois
voltava para casa com outro astral.
Mamãe fazia falta. Ela amaria retornar a Salvador e revisitar as antigas
vizinhas. Com certeza iria de porta em porta, satisfeita e orgulhosa. Contaria
a todas que me tornei comissária de bordo e viajava o mundo todo.
Quanta bobagem.
Eu trocaria tudo para tê-la de volta, mas minha mãe me deixou há
quatro anos, quando uma bactéria em seu pulmão fez um estrago irreversível.
Ela lutou e perdeu. Ou, como ela mesma dizia, venceu, pois teve uma vida
plena.
Sorri me impedindo de chorar e bati os pés do lado de fora do prédio
em frente ao mar da Ondina. Assim que passei pela portaria meu telefone
tocou. Eu havia enviado uma mensagem para Geovana um dia antes, sem
obter resposta. O nome dela brilhava na tela me causando uma nostalgia sem
fim.
— Geo?
— Ah, meu Deus! Não acredito que está aqui. Por que não avisou
antes?
— Ah, eu quis fazer uma surpresa. — Ri tímida. — Quando vamos nos
ver?
— Hoje! É o meu aniversário!
Sua animação quanto a festejar o próprio aniversário não havia
mudado em nada. Na infância, Geovana passava o ano organizando a sua
festa de forma a nunca ser menos do que impecável. Pelo visto, a
determinação de comemorar permanecia mesmo aos vinte e seis anos.
— Não me diga que esqueceu.
E claro, esquecer o seu grande dia virava motivo para desfazer a
amizade. Para Geo, seu nascimento se igualava a chegada do homem à lua,
ou… a invenção do fogo. Ninguém tinha permissão para não lembrar ou para
não comparecer, isso se fosse convidado.
— Como se fosse fácil alguém esquecer — murmurei.
— Foi exatamente o que Diogo disse — revelou, rindo.
— Quem?
— Diogo. Acabei de sair da casa dele. Você acredita que ele não
queria ir a minha festa? Não dá para acreditar, não é?
— É. Não dá mesmo — resmunguei mais atenta ao que ela falava. —
E… ele vai?
— Claro! Precisei inventar uma mentira. Ele está naquela situação de
autopiedade há tempo demais. A garota deu um pé na bunda dele, pelo amor
de Deus!
— Hum! Quem?
— Eduarda. Eu não contei que eles casaram?
— Hum! Não lembro. Casaram?
Abri a porta de casa me dando conta do meu interesse exagerado
naquela parte da conversa. Deixei a bolsa de praia no canto ao lado da porta
para não espalhar a areia, tirei as sandálias de dedo colocando-as junto a
bolsa e entrei em casa indo direto para o banheiro do fundo, onde conseguiria
lavar os pés sem emporcalhar todo o chão. Enquanto isso, Geovana
tagarelava sem parar sobre o casamento do irmão, no civil, com uma festa
magnânima realizada e a cerimônia realizada pelo responsável do centro
espírita o qual Eduarda frequentava. Também discorreu o quanto detestava a
cunhada e que agora ela havia cansado do Diogo.
— Mas eles já estavam juntos há um tempão, não é mesmo?
Eu juro que não pretendia deixar a curiosidade me dominar. Quer
dizer, a vida do Diogo pouco me importava, muito menos a da barata
descascada da Eduarda. É que fazia tanto tempo que eu e Geo não
conversávamos assim, com tanta animação, que não quis interrompê-la, ou
mudar de assunto como se o irmão dela e todo o seu sofrimento não fosse
relevante.
— Treze anos de sofrimento. Graças a Deus você não estava aqui para
acompanhar aqueles dois.
— Graças a Deus! — Repeti remoendo uma mágoa que sequer deveria
existir.
— Então eu disse a ele que Eduarda iria a festa, mas eu sequer a
convidei. De verdade eu queria que alguém legal aparecesse na vida do meu
irmão. Diogo é um cara legal. Juro pra você, Mandy!
Mandy! Havia tanto tempo que ninguém me chamava assim que tive
que sorrir. Há muito deixei a Mandy para trás e me tornei apenas a Amanda,
uma pessoa de quem eu gostava muito mais.
— Diogo mudou muito! Deixou de ser aquele cara imaturo, sabe? A
vida adulta acabou lapidando meu irmão. E ele merece mesmo uma garota
legal. E, meu Deus! Ele é tão lindo que as garotas babam por ele. A Eduarda
vivia reclamando do assédio.
— Imagino!
Lavei os pés enquanto ela discernia sobre a beleza do irmão, o seu
sucesso profissional, apontava os erros da antiga cunhada e não parava nunca
de falar.
— E será isso o que vou pedir quando assoprar a vela.
— Isso o quê? — Ela riu.
— Não prestou atenção no que eu disse?
— Acho que me perdi um pouco — admiti. — Você ainda acredita
nessas coisas? Ainda faz pedido quando assopra a vela do bolo de
aniversário?
— Claro! Você pode acreditar que dá certo.
Acabei rindo, não para ridicularizá-la e sim porque Geovana
continuava a mesma, o que, de certa forma, eu gostei de constatar.
— Onde será a festa?
— Na casa dos meus pais. No jardim. Você vai, não é?
— Vou sim, Geo. Pode aguardar por mim.
Desliguei com duas ideias na cabeça. A primeira, precisaria chegar
naquela festa arrasando. Não que me importasse com Diogo, contudo valia
muito a pena fazer o garoto bobo da minha infância encarar de frente o que
ele perdeu porque foi um babaca e estragou tudo. Ok! Isso soou mesmo como
uma mágoa, mas eu juro que não é. É só… orgulho. Pronto, orgulho ferido.
Eu só bastava ir até lá, desfilar para que todos pudessem ver a mulher que me
tornei e depois seguir para a primeira balada das minhas férias, a minha
segunda ideia. E Diogo seria um assunto total e irrevogavelmente apagado da
minha vida.
CAPÍTULO 3
AMANDA
DIOGO
Precisei tomar duas cervejas antes de sair de casa. Não deveria beber,
porém, diante das circunstâncias, achei melhor relaxar um pouco antes de
encontrar Eduarda. Depois da visita da minha irmã não consegui ficar em
paz, aliás, eu já não encontrava tal sentimento há algum tempo, desde que
minha esposa me deixou. Geovana só agravou a minha situação.
Acabei me machucando quando fiz a barba, descobri tarde demais que
deveria ter cortado o cabelo, a roupa não foi a melhor, afinal de contas,
algumas precisam ser passadas e eu não tinha qualquer aptidão doméstica.
Acabei escolhendo uma camisa qualquer, a mais nova dentre as que não
precisavam do ferro, e uma calça jeans que Eduarda costumava elogiar.
Saí de casa travando vários debates imaginários, onde convenceria a
minha ex-esposa de que não havia motivo para a separação. Tentaria ser leve,
claro. A garota ainda demonstrava mágoa. Seria gentil, não poderia em
hipótese alguma demonstrar ansiedade. Eu me obrigaria a ser compreensivo,
a demonstrar mais preocupação com ela. E só quando cheguei na casa dos
meus pais, dei por falta do perfume. Uma droga precisar de um dos que meu
pai usava.
Mas o tempo passou, as pessoas chegaram e Eduarda não aparecia.
Querendo acalmar meu corpo bebi uma cerveja, e depois mais uma, e quanto
mais ela demorava, mais eu bebia. Até chegar a hora em que minha irmã me
segurou pelo braço, apertando, é a verdade, e rosnou. Isso mesmo, Geovana
rosnou.
Quem acha que aquela garota com cara de anjo é só isso, está muito
enganado. Geovana era a típica pessoa que te alertava com um olhar, e eu
ignorei todos os que ela lançou em minha direção naquela noite. Então, como
não conseguiu efeito, ela partiu para o ataque.
— O que está fazendo?
— Nada. Não tem nada para fazer aqui mesmo — ironizei.
— É a minha festa de aniversário, Diogo! Dá para não beber até cair?
— Revirei os olhos.
— Não vou cair. Pode ficar despreocupada. Por que não vai conversar
com seus convidados?
— E por que você não faz isso? — Tirou a cerveja da minha mão
como se fosse a minha mãe.
— São seus convidados. Amigos seus, colegas de faculdade, do
trabalho… eu nem os conheço direito. — Tentei capturar a cerveja, sem
sucesso. — Não enche, Geovana!
— Se você ficar bêbado e me fizer passar vergonha eu vou me vingar.
— Que se vingar, garota? Quantos anos você tem?
— E você?
— Geo? — Uma garota se aproximou com um presente na mão e foi a
minha deixa.
Consegui me afastar, alcancei outra cerveja e fui para o fundão, a mesa
destinada aos primos e tios. Uma conversa chata, muitas piadas a respeito da
minha separação, política e tudo o que eu não queria conversar. O jeito foi
continuar bebendo.
— Manera aí, Diogão! — Lauro, meu primo mais próximo, filho do
irmão do meu pai, tio Lauro, falou sendo discreto.
— Lauro Junior — brinquei. — Se eu não conseguir levantar você me
leva para o quarto dos fundos e me deixa por lá. Geovana não vai se
preocupar com isso. — Ele riu balançando meu ombro.
— Você sabe que cerveja não afoga a mágoa, não é? No máximo te
deixa na merda.
— Daqui eu não passo.
— Tudo isso por causa da Eduarda?
Apesar de fazer questão de se manter discreto, eu pude constatar a sua
rejeição pela minha ex-esposa nas entrelinhas das suas palavras.
— Por minha causa. Eu estraguei tudo.
— Estragou nada! Ela…
— Diogo! — Geovana me chamou de longe, aquela tensão no seu
olhar me dizia tudo. — Vamos cantar os parabéns!
Ah, droga! Por que as pessoas ainda cantavam os parabéns? Levantei
com a cerveja cobrando o seu preço, mas me esforcei para não cambalear.
Geovana me mataria.
Cumpri todo o protocolo, aguentei as pessoas me olhando, suportei os
longos minutos de parabéns só para no final precisar me controlar para não
matar a minha irmã.
— Eu queria agradecer a todos vocês, meus amigos, por estarem aqui,
mais um ano comigo.
Ela começou tão doce que me fez aceitar que faria o mesmo de todos
os anos. Desejaria que toda a felicidade fosse repartida como aquele bolo e
que pudessem festejar juntos por muitos anos. Mas Geovana ainda era aquela
criança birrenta que sempre queria tudo do seu jeito.
— Meu pedido deste ano é especial. Quer dizer… especial para mim e
talvez…
Foi neste ponto que percebi. Eu podia fazer algo que nos remetesse a
nossa adolescência. Poderia enfiar a cabeça dela no bolo, fazê-la sufocar com
a massa e fugir dali enquanto podia. Pelo visto, a cerveja conseguia ser ainda
pior para mim. Não sei se permaneci ali pela minha incapacidade de reagir
devido ao nível de álcool no meu sangue ou se de fato começava a atingir
meus reflexos tornando-me incapaz.
— Bom… apesar de adorar a minha ex-cunhada, quero desejar que
meu irmão encontre uma garota legal. Pronto, falei!
Puta que pariu!
Puta que pariu!
Puta que pariu!
Fui impedido de matar a minha irmã. Lauro Junior me puxou pelo
braço tão logo as pessoas começaram a se aproximar e me conduziu para
longe. Não muito longe, afinal de contas era a casa dos meus pais, que apesar
de grande não se comparava a uma mansão. Então fui para o mais longe
possível daquela infeliz.
— Geovana não tem jeito — ele brincou para quebrar o clima.
— Laurinho, lembra do quarto que te falei? Estou indo para lá. Se
alguém perguntar por mim diga que fui embora. Já deu por esta noite.
— Não quer que eu te leve para casa?
— Para aquela maluca inventar mais coisas? Não. Vou preferir me
esconder. Curta a festa. Todo ano ela só fica boa depois dos parabéns.
Ele se despediu com um tapa amistoso nas costas e pude, enfim, me
refugiar no quarto que meus pais ainda mantinham nos fundos. Rezei para
que ninguém estivesse prestando atenção em mim. Não queria mais nada
daquela festa maluca, nem da minha irmã mais maluca ainda.
Abri a porta e com a mesma urgência fechei, me certificando de que
ninguém iria me atormentar. Aliviado, fechei o trinco, respirei fundo e
comecei a puxar o cinto da calça e tirar os sapatos ao mesmo tempo. Foi
quando a vi.
O quarto na penumbra, não o suficiente, graças as telhas que meus pais
escolheram e que nunca conseguiram que se alinhassem ao ponto de impedir
a claridade de adentrar, não me impediu de visualizar a figura a minha frente.
Não sei se foi a cerveja, ou se a agitação dentro de mim, ou até mesmo
se o ambiente colaborou, mas a garota parecia espectral. Ela me olhava com
atenção, sem expressar nada, um rosto lindo sem qualquer sentimento.
Percorri seu corpo com os olhos, conferindo a cintura fina definida pelo
vestido justo e curto. Quadris adequados para o biotipo, nem muito largo nem
muito fino. No ponto.
Pernas longas, nem finas nem grossas, evidenciando coxas lisas. Voltei
meu olhar para seu rosto outra vez conferindo no caminho os seios pequenos,
braços expostos e cabelo longo, escuro, descendo em volta do corpo.
Deliciosa!
Ok! Eu estava bêbado! Bêbado o suficiente para imaginar tudo aquilo.
Quem em sã consciência entraria naquele quarto com uma festa fervendo do
lado de fora?
— Ah… oi? — ela disse.
Voltei a analisar a mulher a minha frente esperando que a qualquer
momento ela evaporasse. Poderia ser um fantasma? Minha visão falhou e a
mente confundiu a realidade diante de mim. A tontura me fez procurar a
parede. Quando olhei outra vez em sua direção vi que ela se aproximou,
preocupada. Então era real. Havia mesmo uma mulher gostosa pra cacete
naquele quarto comigo.
— Desculpe! Não imaginei que alguém viria aqui.
— Você está bem? — Ela se aproximou um pouco mais.
Firmei minha atenção querendo reconhecê-la. Quem era ela? Amiga de
Geovana com toda certeza, mas qual? Nenhuma lembrança me alcançava e eu
jamais esqueceria uma mulher como aquela. Nem a voz me fazia reconhecê-
la.
— Bebi um pouco demais — revelei.
Ela sorriu. Tão perto que pude constatar uma fileira de dentes brancos
e alinhados com perfeição que completavam lábios fartos deliciosos. Como
eu nunca vi aquela garota?
— Quem é você?
Ela recuou. A maneira como desviou o olhar e torceu os dedos dava a
entender que minha pergunta não foi bem recebida.
— Desculpe! São tantas amigas da Geo. Nós já fomos apresentados?
— Não! — O abandono da sua voz correspondeu a maneira como
recuperou a postura espectral. Minha cabeça rodou mais uma vez, me
deixando enjoado.
— Você conhece minha irmã há pouco tempo? São amigas?
— Não.
Fixei minha atenção naquela mulher que havia se aproximado outra
vez, ela parecia dançar a minha frente. Falhando em algumas partes,
sobressaindo em outras, como uma imagem de computador, uma mulher
virtual.
— Putz! Eu bebi demais. — Ri sentando na cama. — Quem é você?
— Ninguém.
Ah merda! Era um fantasma mesmo. Ou então alguém que queria tirar
um sarro da minha cara.
— Ninguém?
— Ninguém. — Comecei a rir.
— Olha, você não é um espírito, é? — Ela deu de ombros e sorriu. Um
sorriso encantador. Cheio de malícia.
— Digamos que eu sou… — A garota se abaixou, o rosto muito
próximo ao meu. Apesar de tonto, desejei aqueles lábios. Puta que pariu! —
O pedido da sua irmã?
— O pedido da…
Ela me calou com um beijo. Não um beijo avassalador, mas a junção
dos nossos lábios. Fechei os olhos aceitando. Foi leve, saboroso e breve. E
quando abri os olhos, ela sumiu.
CAPÍTULO 4
AMANDA
DIOGO
A nova vizinha ouvia uma música alta e irritante, o que quase me fazia
sair e bater em sua porta para que ela, pelo menos, respeitasse o fato de
alguém morar ao lado. Minha cabeça ainda doía, prestes a enlouquecer de
vez, devido a presença da minha irmã.
— Só se eu morrer e você arrastar o meu corpo até lá.
Rebati Geovana, controlando a minha raiva. Primeiro a garota me fazia
pagar o pior de todos os micos, depois, quando eu conseguia fugir, ela
aparecia e exigia a minha presença na sua festa da piscina restrita as amigas
mais próximas. O que sempre acontecia um dia após a sua festa de
aniversário.
As vezes eu me perguntava se Geovana era normal. Porque não havia
explicação para alguém exaltar tanto o seu dia de nascimento. Em um planeta
com quase oito bilhões de pessoas, todas sem exceção, com uma data de
nascimento para festejar, se seguissem o padrão da minha irmã o mundo
viveria um eterno carnaval.
— Tenha paciência! Tudo tem limite!
E esta reclamação valia para as duas. A louca da minha irmã e a sem
noção da vizinha, que cantava junto como se eu fosse obrigado a ouvir
aquilo.
— Alugaram o apartamento outra vez? — Ela reclamou. — Nossa!
Deve ser alguma pessoa bem antiquada. Olha a música. Pelo amor de Deus!
Arranquei a camisa suada do corpo ignorando a minha irmã e lutando
para fazer o mesmo com os gritos agudos da maluca do apartamento ao lado.
Naquele dia, mesmo com ressaca, achei que era hora de voltar a me
cuidar e direcionar a minha vida para algo mais saudável. A noite anterior me
deixou assustado. A embriaguez me fez enxergar uma mulher dentro daquele
quarto onde ninguém se atrevia a entrar e ainda por cima, beijá-la só para
assisti-la evaporar.
Quer dizer… eu não podia afirmar que ela evaporou. Sequer me
certificava de tê-la beijado de verdade ou se ela, em algum minuto, esteve
naquele quarto junto comigo. Mas a verdade foi que, apavorado após
constatar que estive diante ou de um delírio ou de uma assombração, arrumei
minhas roupas, corri para fora e nem olhei para trás.
Laurinho garantiu que ninguém saiu do quartinho antes de mim, e tirou
sarro da minha cara salientando o meu nível de embriaguez. Por fim, achei
que foi fruto da minha imaginação, já que nem Geovana reconhecia a mulher,
e para minha irmã não reconhecer uma de suas convidadas era porque ela não
existia de fato.
Por fim, consciente de que havia passado dos limites, fui para a minha
casa e no dia seguinte tomei a decisão de recomeçar. Se bem que desistir da
Eduarda não estava em minha lista de recomeço. Só que um homem tem que
saber a hora de mudar de estratégia. Forçar minha vida a retornar aos trilhos,
manter uma aparência saudável e uma mente equilibrada mudaria a maneira
como ela me via. E eu podia iniciar arrumando aquelas roupas, ou…
colocando parte delas para lavar… argh! Melhor contratar uma diarista.
— Eduarda faz isso porque acredita que te tem nas mãos dela —
Geovana continuou. — Se eu fosse você me ouviria. Quando ela souber que
você participou da minha festa da piscina vai sentir medo.
— Se ela tivesse medo de me perder não teria ido embora. — estreitei
os olhos quando minha irmã revirou os dela como se falasse com uma pessoa
com problemas mentais.
— Acredite em mim. Eduarda só não voltou para casa porque acha que
pode fazer quando quiser.
— Como pode saber disso? Ela te disse alguma coisa?
— Não! — Geovana se exaltou. — Mas com quinze ligações por dia,
várias delas depois de estar bêbado, implorando, eu, como mulher, só posso
atestar que assim acontece.
Dei risada puxando a bermuda para baixo. Geovana não se intimidou.
Ela nunca se intimidava. Mal de irmã mais nova que se achava a mais
madura.
— Sinto informar, maninha, mas você nada sabe sobre
relacionamentos.
— E o seu julgamento é porque eu não casei com o meu namorado da
escola, não levei treze anos da minha vida presa a alguém e não me
embebedei implorando para reatar?
— Você é insuportável!
— E você um idiota! Não vê que Eduarda está adorando saber que
você está em casa lamentando enquanto ela decide se deve ou não voltar?
Rosnei, aborrecido, e fui para o banheiro decidido a tomar um banho
gelado e merecido.
— Não vou sair daqui se você não for — ela disse da porta do
banheiro.
— Tudo bem. Eu vou, mas não para conversar com as garotas burras
com quem você costuma se relacionar. Funcionaria se eu quisesse comer
qualquer uma delas, mas…
— Isso foi ridículo, machista e grosseiro!
— Mas, como eu dizia, não é o que pretendo. Tenho minhas próprias
regras.
— Que são?
— Nada de amigas da minha irmã em minha cama.
— Por quê? — Ela pareceu mais ofendida do que deveria depois do
seu discurso feminista.
— Porque elas são idiotas, burras e nada interessantes.
— Diogo…
— Vou por causa da comida da mamãe.
— Que seja! Anda logo!
Ela saiu do banheiro me deixando sozinho e grato. Nada como o
silêncio. Demorei o tempo que pude em parte porque irritar minha irmã
sempre seria divertido, e outra porque levei um bom tempo recordando a
garota. A tal garota fantasma que me assombrou na noite anterior. Que coisa
estranha! Eu podia jurar que ela era real. Cada detalhe, maravilhoso, diga-se
de passagem, e a sua voz… eu podia inventar uma voz tão… doce? Não. Não
só doce. Uma voz que era a mistura intrigante e exata de doce e segura.
Desliguei o chuveiro, alcancei a toalha ainda com o pensamento nela.
Gostava do cabelo, o comprimento, a cor, quer dizer… escuro, não loiro.
Aquele… fantasma que se autointitulou como o desejo da minha irmã para
aquela noite, não poderia se assemelhar em nada com Eduarda ou então
perderia toda a graça.
Saí do banheiro me perguntando se podia ser verdade tal imaginação
que vibrou em mim de forma tão real? Ou então… Ah, claro! Geovana!
Resmunguei sem acreditar que me permiti cair naquela pegadinha. Era lógico
que Geovana arrumaria alguma amiga para me ajudar a sair da fossa. Alguém
nunca visto antes por mim, que pudesse instigar minha atenção, meus
desejos.
E Geovana não errou em sua teoria. As certezas de Eduarda definiam
as suas ações. Meu sofrimento dava a ela o sabor da vitória e eu não poderia
facilitar assim. Não poderia, e... Porra, o que era aquilo?
Assim que virei, alheio a qualquer coisa dentro do meu apartamento,
entregue as lembranças, as constatações, tornando-me consciente do que
Geovana aprontava e Eduarda armava, eu a vi.
E aquela garota nunca antes me pareceu tão irreal.
Parada na minha sala, tão hesitante quanto na noite anterior, a mulher
me encarava. Eu podia repetir os gestos de antes, conferir seu corpo, me
embebedar em sua beleza, mas não consegui. Porque a luz do dia ela se
tornava ainda mais espectral. Seu cabelo longo e molhado voava, assim como
o vestido branco, de renda fina, com um decote generoso. Esvoaçante como
tudo nela.
Não pisquei. Tive medo de que ela desaparecesse outra vez. Ao mesmo
tempo, o temor fez meu corpo inteiro assumir a posição de defesa. O que era
aquilo, pelo amor de Deus?
— Você… — comecei, mas ela abriu a boca para falar, o que fez com
que eu me calasse de imediato.
— Desculpe! — Sua voz soou baixa demais para o meu gosto. — Eu
vim…
— Sim. Você veio — falei sem conseguir evitar. — O que é isso?
Quem é você afinal? — Avancei um passo e ela recuou dois. — Não vá! —
Implorei quando a vi olhar para a porta que só então me dei conta que estava
aberta. — Não suma outra vez. — Ela hesitou. — Quem é você?
Aos poucos, mesmo me encarando confusa, seu sorriso se abriu,
revelando certa satisfação.
— Não sabe quem eu sou?
— Não! Quer dizer… sei! Você é a garota de ontem, que estava no
quarto e logo depois… sumiu!
A última parte saiu quase como um sussurro, como se nem eu
admitisse que aquilo ocorreu mesmo. Seu sorriso apesar de ainda estar
presente, fez-se mais triste.
— Eu não sou ninguém, Diogo.
— Como sabe o meu nome? Já sei. Já sei! — Caminhei pelo pouco
espaço querendo organizar meus pensamentos. Ela se aproximou. Passos tão
leves que pareciam não tocar o chão. Não podia ser verdade.
— Isso é coisa da Geovana, não é? — Lentamente ela concordou. —
Eu sabia! Geovana mandou você, não foi? — Seus olhos ficaram estreitos,
analisando-me, ainda assim, concordou. — Puta que pariu! Que idiota eu
sou! Você é amiga da Geovana, não é? Uma que nunca vi antes, que não foi
apresentada e tal… ela queria que você me fizesse parar de pensar na
Eduarda.
Com uma careta de desagrado, ela se aproximou um pouco mais.
Quase dentro do meu quarto. Linda! E eu nu. Porra! Puxei a toalha para
ajustá-la na cintura.
— Olha, não sei o que…
Ela ergueu a mão, me calando. O dedo indicador em meus lábios. E,
por Deus, eu quis chupar aquele dedo. Aquilo ficava cada vez mais maluco.
— Você está muito confuso. — Sua voz baixa repercutiu em mim com
força.
Vamos aos fatos.
Eu amava a Eduarda. Lógico! Mas estava nu, sozinho em minha casa,
abandonado pela minha esposa e ao lado de uma mulher que parecia não ser
humana. Gostosa pra cacete! Como não permitir pensamentos obscenos com
ela, se tudo o que tive durante muito tempo foi… bom, dá para compreender.
Mas claro que nada disso significava que eu levaria a garota para a
cama. Não! Eu teria uma conversa séria com Geovana e a proibiria de se
intrometer em minha vida. E então… Ah Deus! Ela desceu o dedo pelo meu
peitoral até o limite da minha toalha. Que inferno!
— Posso ser interpretada como a concretização do pedido da sua irmã
ao assoprar a vela — disse com a voz calma e aveludada, ainda assim, segura
como o diabo.
— Isso não existe! — Ela arqueou a sobrancelha em desafio.
— Não é no que sua irmã acredita.
Precisei me encolher para não deixar a toalha cair e revelar a minha
ereção. Ela se aproximou ficando muito perto. Tão próxima que me fez
desejar tocá-la para me certificar de que era humana, real.
Aquilo não estava certo. Como eu podia me deixar seduzir por uma
mentira? Ou aquela garota era uma armação da minha irmã, o que justificaria
a porta aberta, ou ela era… não. Essas coisas sequer existiam.
— Olha, isso já está…
— O quê?
Precisei segurar em seus ombros para não deitar na cama, e com isso a
toalha caiu. A garota deu um sorriso que me fascinou. Uma mistura tão
perfeita entre o sagrado e profano que roubou meu ar, minha capacidade de
reagir, de me negar.
E foi assim, incapacitado diante de tanta beleza e ousadia, que não
impedi o beijo. Ela encostou os lábios nos meus daquela forma doce e
sensual que só o diabo conseguia fazer, colocando mel na minha boca, me
atiçando, ousando, me impelindo a arriscar tudo, a me deixar levar. E por que
não?
Mas foi quando seus lábios se abriram nos meus, quando sua língua
brincou na minha, que de fato perdi aquela batalha. Ela me beijou como se
me saboreasse. Como se meus lábios fossem o seu maior deleite, algo pelo
qual ela aguardou por anos, séculos, milênios.
E então eu me permiti.
CAPÍTULO 5
DIOGO
O gemido que escapou dos seus lábios, tão verdadeiro e excitante, fora
um chamado para mim. Ganhei atitude. Segurei sua cintura puxando-a na
direção da minha excitação, aprofundando o beijo, subindo as mãos para
mantê-la presa. Se era ou não uma armação da minha irmã, então a garota não
poderia reclamar. Caso não fosse… bom… Nunca antes ouvi alguém
comentar que transou com um fantasma.
Decidido a não pensar naquele mistério, fui mais ousado. Levei a mão
até a coxa da garota e puxei o vestido para cima, constatando músculos reais.
Os pelos, arrepiados, tão reais quanto os meus, uma coxa deliciosa tanto
quanto as das garotas com as quais já fui para a cama, e uma bunda que…
Santo Deus! Que bunda! Firme, redonda, no tamanho certo, protegida, ou
desprotegida, por uma calcinha minúscula, de renda, pelo que pude constatar.
Não havia como aquela garota ser uma assombração. Espíritos não
possuíam carne, ao menos não os que eu ouvia o povo falar. Se levássemos
para este lado ela desapareceria, se desintegraria. Minhas mãos passariam por
dentro dela, como se fosse feita de fumaça, e não apalpá-la, agarrá-la com
satisfação, como eu fazia.
A garota gemia com meus toques e suas mãos não se faziam de
rogadas, percorrendo meus braços, costas e até mesmo… Porra, ela gostava
tanto da minha bunda quanto eu gostava da dela.
Girei com pressa e caí com ela sobre a cama, por cima. Ela não gritou,
nem se surpreendeu, muito menos desapareceu. Mas me queimou com o
olhar mais sensual que já presenciei. A luz que adentrava o quarto pela
cortina parcialmente aberta, revelava o castanho das suas íris com um leve e
quase inexistente anel esverdeado, com pequenos respingos aqui e ali
atrapalhando a uniformidade da cor. Na claridade parecia mel derretido.
Linda! Linda demais!
Passei a mão no seu corpo sentindo os seios firmes sob o decote frágil.
Eu queria devorá-los, erguer suas pernas e me encaixar em seu centro com a
fome que se atreveu a despertar em mim. Sim, eu deveria me alimentar
daquela garota ousada que entrou na minha vida aceitando a brincadeira
perversa da minha irmã.
Mas quando desci meus lábios cheios de desejo pelo seu pescoço, cada
vez mais deliciado com seus gemidos de aprovação, tudo começou a dar
errado. Primeiro minha irmã esbravejou lá da porta, nos pegando
desprevenidos.
— Diogo! Porra, Diogo! Que demora do cacete!
Olhamos um para o outro. Por mais que a garota fosse armação da
minha irmã eu não podia deixar que Geovana nos flagrasse daquela forma. Se
bem que a impediria de me obrigar a ir naquele maldito encontro. Ainda
assim, eu não poderia pegar tão pesado. Levantei com pressa, capturando a
toalha porque jamais deixaria minha irmã me ver naquela situação. E na
verdade, eu estava com uma puta ereção. Como há muito tempo não
acontecia.
— Você ainda está de toalha? — ela disse se aproximando.
Não sei se entrei em pânico ou fiquei envergonhado, mas quando
pensei em impedir a minha irmã, a garota sumiu.
Outra vez a garota sumiu.
Ah, só podia ser sacanagem! Fantasmas não existiam, cacete!
Decidido a acabar com aquela farsa de vez, fui até o outro lado da
cama e nada. Nem um fio de cabelo da garota. Geovana chegou na porta do
quarto me seguindo com o olhar. Ignorei minha irmã passando por ela e
procurando pela garota no banheiro. Não havia ninguém.
— Qual o problema. Esqueceu a cueca? — provocou.
— Ela não pode ter passado por mim. Se eu estava de frente para a
porta e você de frente para mim…
— Do que você está falando? — declarou um pouco mais alto, as mãos
gesticulando e a cara carrancuda. — Andou bebendo?
— A garota que estava aqui. Aliás… — Eu me abaixei e olhei embaixo
da cama.
Nada além de algumas caixas velhas de sapatos e embalagens de
Doritos. Eu precisava mesmo de uma faxineira. Enfim… ali ela não havia se
escondido.
— Qual o problema, Diogo?
— Vou te explicar. A sua amiga, aquela garota bonitona, cabelo
escuro, longo, corpo… — regulei as palavras para não extrapolar os limites.
— Você sabe quem é ela! — explodi. — Ela estava aqui. Agora. Bem aqui!
— Apontei para a cama sem acreditar que a garota evaporou.
— Meu irmão… — Geovana se aproximou com cuidado. — Você está
se drogando?
— Para com isso, Geovana! Eu sei o que está tentando fazer atirando
aquela garota na minha cama. E quer saber? Não vai dar certo. Você não vai
conseguir me afastar da Eduarda. Pensei que vocês eram amigas?
— E eu sequer estou entendendo o que você está dizendo! — Ela me
deu as costas indo até a janela. A janela. Claro!
Corri até lá e puxei a cortina com força para revelar a garota escondida.
Geovana se afastou assustada, me olhando como se olha para um louco. O
tecido rodopiou no ar. Não havia ninguém atrás dele. Inconformado comecei
a abrir as portas do guarda-roupas até me dar conta de que minha irmã tinha
motivos para temer estarmos no mesmo quarto.
Respirei fundo olhando-a com convicção. Geovana recuou.
— Você a mandou aqui?
— Quem?
— Sua amiga?
— Que amiga, Diogo? Você fez uso de alguma droga? Não tem
ninguém aqui.
E não tinha mesmo. O que só confirmava uma coisa: eu estava
alucinando. Era mais fácil admitir que tive uma alucinação, algo tratável e
aceitável, dado ao nível de estresse dos últimos dias, ou então virar chacota
ao anunciar que quase transei com um fantasma.
— Diogo? — Geovana chamou com cuidado.
— Não usei drogas. Não uso drogas, merda!
— Então…
— Você quer ou não que eu vá para essa porcaria de festa da piscina?
— Quero, mas…
— Então deixe eu me arrumar, por favor! — Sinalizei a porta do
quarto para que ela saísse.
Geovana saiu do quarto ainda sem acreditar no meu surto. Nem eu
conseguia acreditar no meu surto. Aquilo era… era… inacreditável!
Em cinco minutos eu estava no banco do carona de Geovana,
aguentando a sua tagarelice sobre parar de beber e tentando agendar uma
consulta com um neurologista.
AMANDA
Ouvi o barulho da porta fechando e nem assim saí do meu esconderijo.
Pra dizer a verdade, não sei como consegui agir tão rápido, visualizar aquele
buraco onde me enfiei e não me mover nem para respirar.
Quando Diogo levantou, assustado devido a presença da sua irmã, meu
primeiro pensamento foi o de que eu deveria desaparecer. Ficar invisível de
verdade. O que Geovana diria caso me encontrasse na cama do irmão, no dia
seguinte ao seu aniversário que, na teoria, eu sequer compareci?
Tudo bem. Geovana poderia entrar na colocação de menor dos meus
problemas. Ela faria todo o seu drama, porém o fator principal seria Diogo
descobrir quem eu era. E claro, havia uma parte de mim que se vangloriaria
em olhá-lo saboreando a sua reação ao revelar que a menina gordinha de
óculos e aparelho nos dentes se transformou naquela mulher por quem ele
mantinha aquela ereção.
Seria até engraçado, se eu não tivesse acabado de convencê-lo de que
eu não existia. Ou seja, uma confusão sem volta. Mas eu não pensei nisso
naqueles parcos segundos em que Diogo levantou capturando a toalha
vermelha do chão. Eu precisava sumir e foi o que fiz. Pensei nisso tudo
depois que me enfiei entre o guarda-roupa e a parede ao lado da janela, me
valendo de uma caixa grande que me escondia não com muita facilidade.
O farfalhar da cortina quase me delatou. Por sorte, ou porque Deus
decidiu que eu pregasse aquela peça no homem que me fez sofrer tanto,
Diogo não olhou para os lados quando a puxou, e, por muito pouco, Geovana
não me viu. Ela veria se Diogo não parecesse tão desequilibrado e ganhasse
toda a sua atenção.
Eu quis rir. É verdade, sou essa pessoa. Diogo não havia conquistado a
minha piedade, então assistir um pouco da sua loucura me causou um prazer
indescritível.
Então, quando o silêncio imperou na casa, nem mesmo um mosquito
passeava pelo local. Com muito cuidado saí do meu esconderijo, a caixa caiu
e eu paralisei. Ninguém apareceu para verificar, o que me deixou aliviada.
Achando tudo muito engraçado fui até a sala decidida a seguir com o plano:
cinema, almoço e… puxei a maçaneta uma vez, a segunda e nada.
— Puta merda!
Olhei ao redor. Todas as pessoas de Salvador que se prezam tem
aqueles quadros pintadinhos com os anzóis embaixo para pendurar as chaves.
Onde inferno Diogo escondia o dele? Procurei nos lugares mais óbvios, sem
sucesso. Depois comecei a procurar nos lugares menos óbvios, como no
banheiro do quarto dos fundos, ou quarto de empregada, como as pessoas
costumavam chamar. Depois apelei para a minha própria loucura.
Eu não podia estar trancada no apartamento do Diogo. Não podia.
Comecei a vasculhar nos bolsos das bermudas e calças largadas pela casa,
depois no guarda roupa e então abri todos os potes e caixas da casa. Não era
possível que ele não tinha sequer uma chave reserva.
Meu Deus!
Sentei no sofá desesperada. Eu podia interfonar e pedir ajuda,
entretanto acabaria me entregando e, diante da situação, criaria uma confusão
maior, já que Diogo acreditava que eu sequer existia. Cheia de coragem fui
até a varanda. Tudo bem que estávamos no oitavo andar, mas não deveria ser
tão ruim atravessar bem rapidinho de uma varanda para outra.
Ok! Era horrível! Mas ao menos eu tinha uma ideia. Abri a janela da
varanda dele e quando tentei fazer o mesmo com a do apartamento ocupado
por mim, a janela estava trancada.
— Meleca! — gritei. — É nisso que dá trazer o Diogo de volta para a
minha vida. O cara me sacaneia até sem estar presente. Até mesmo sem a
intenção de me sacanear. Que meleca!
Sentei no sofá soltando todo o corpo de uma vez só. O que eu faria ali?
Não podia me esconder até ele voltar, entrar para o banho ou… sei lá, dormir,
para conseguir escapar. Aliás, Diogo poderia até mesmo chegar
acompanhado. Por que não? E o que eu faria? Meu Deus, o que eu faria?
Ouviria eles transarem?
Levantei do sofá com um pulo. Se ficaria ali aguardando por ele, sem
fazer ideia de quando voltaria, então precisava definir uma estratégia. Não
podia ficar visível, nem fazer nada suspeito, como deixar a janela da varanda
aberta. Pensando assim levantei correndo para desfazer aquela falha.
Eu morreria sufocada naquela casa. Ou de fome.
Fui até a cozinha, abri os armários e encontrei uma grande variedade
de salgadinhos. Não seria a melhor refeição, mas eu duvidava que Diogo
soubesse quantos pacotes haviam naquele armário. Retirei um, decidida a
esconder a embalagem embaixo da geladeira. Ele jamais conseguiria
questionar a sua responsabilidade, diante de tanta sujeira em um lugar só.
Aquele apartamento estava incrivelmente nojento. Como ele conseguia
viver ali? Revirei os olhos, sozinha, levando um punhado de salgadinho a
boca. Claro! Eduarda, a garota linda e certinha, organizava a casa. Sentei no
sofá com um sorriso divertido.
Como o mundo girava! Então a garota que parecia poder ter o mundo
aos seus pés, se tornou a responsável por lavar as cuecas do marido? Bendita
escrota praticante de Bullying que me fez pular essa fogueira. Comecei a rir.
Diogo era uma delícia! Vivia bem, afinal de contas a Ondina ainda se
mantinha como um bairro nobre, e ele tinha pegada, devo admitir. O cara
sabia como deixar uma mulher com desejo, mas… sejamos sinceros, nada
daquilo valia a pena se eu tivesse que lavar cuecas e retirar roupas sujas do
chão da casa.
Vai ver foi por este motivo que ela o abandonou.
Ele podia ser no máximo… o carinha com quem me divertiria por
trinta dias. Isso se limpasse aquele chiqueiro.
Eu sei que todo mundo que conhece a minha história diria neste
momento que ele não serviria nem para isso, mas, apesar de reconhecer esta
verdade, qualquer mulher só diria isso se nunca tivesse passado, nem que
fosse dois minutos, nos braços daquele homem.
Só podia ser macumba! O cara me tocava e eu esquentava de uma
forma que nem o frio do avião na sua altura máxima conseguiria me conter. E
eu só podia estar maluca. Maluca, com toda certeza. No entanto não deixaria
escapar a chance de dormir com Diogo. Não deixaria e pronto.
Eu era uma mulher muito bem resolvida com minha vida, para me
apegar a uma bobagem do passado. Quer dizer… haveria um prazer adicional
ao fato de verificar que ele engoliria cada ofensa, e precisava provar isso a
mim mesma. Não que esperasse um pedido de casamento logo em seguida.
Só… se arrependeria. Apenas isso.
Uma bobagem. Infantilidade, eu sei. Mas quem nunca se permitiu um
minuto de infantilidade? Ou… um mês?
DIOGO
Demorei mais do que deveria para voltar para casa. Geovana fez o que
pôde. Só faltou sentar as amigas em meu colo, uma por uma, para que eu
reagisse. E reagiria se não fosse um detalhe: o tal fantasma que resolveu me
atormentar.
Eu não podia estar louco, podia? Haveria alguma chance de minha
mente, fodida pelo excesso de bebida alcoólica diária, e sofrendo pelo
abandono da minha esposa, pudesse criar uma mulher com tamanha perfeição
de detalhes? Sim, porque eu beijei aquela mulher, toquei naquela mulher, e…
por Deus… eu quase transei com um ser imaginário.
Tinha que haver uma explicação.
Passei metade da tarde conversando com meus pais, tentando descobrir
se havia alguém, mesmo que distante, na nossa árvore genealógica, com
demência, ou qualquer coisa parecida. O assunto me deixou assustado de
verdade.
Enquanto eu acreditava que a garota era uma armação da minha irmã
não tive qualquer medo do que acontecia, mas não havia como ela existir e
sumir daquele jeito. Era humanamente impossível. Então eu tinha que encarar
a realidade e reconhecer que alguma coisa de errado acontecia comigo.
Consegui agendar um neurologista, um clínico e um psicólogo. A
separação de fato não me fez bem.
Antes de entrar em casa conferi o celular constatando não haver
qualquer mensagem da Eduarda. Suspirei. Aquele foi o primeiro dia, desde a
nossa separação, no qual não tentei me comunicar com ela. O que eu poderia
dizer? Contar que por causa dela comecei a ver coisas? Coisas essas tão reais
que me faziam parecer um louco?
Não. Eduarda seria a última pessoa envolvida naquela loucura. Se eu a
queria de volta não poderia apresentar um atestado de incapacidade mental
que conseguiria tal feito. Guardei o celular no bolso e abri a porta. O
apartamento estava um lixo.
Comecei a recolher as roupas largadas. Muitas. Eu só podia estar
enlouquecendo mesmo. Passei pela cozinha para juntar ao monte os panos de
prato que deixei jogados sobre a mesa. Eu precisava de um saco de lixo para
recolher as embalagens largadas sobre a bancada. No dia seguinte ligaria para
minha mãe e pediria o contato de alguma faxineira.
Fui para o quarto dos fundos, o que eu usava como escritório, mas
Eduarda insistia em manter uma cama para as emergências. Lá também
ficava o balde de roupas sujas. Abri a porta e como reflexo deixei tudo cair
no chão.
— Ah, não!
Gemi desgostoso quando captei a imagem que já começava a rezar
para não enxergar. A mulher. A tal mulher que não existia, mas que resolvera
me perseguir, parada no meio do quarto, me olhando como se eu fosse a
assombração.
— Diogo! — Ela arfou assustada.
— E quem mais seria? — respondi aborrecido.
Ela olhou para os lados, como se buscasse rotas de fuga e então me
encarou. Não pude deixar de notar que seus olhos continuavam lindos e tão…
verdadeiros. E seu rosto? Magro, porém com maçãs aparentes que deixavam
o olhar ainda mais expressivo. A boca grande e carnuda, o que não deveria
ser considerado como uma qualidade, entretanto nela parecia… adequado.
Ela aguardava. A respiração acelerada. Fechei os olhos, contei até dez
e abri outra vez. Ela estava lá.
— Puta que pariu! — Falei mais alto. Ela se assustou. — Você não é
real, não é? Eu estou te imaginando, não é isso?
Ela me encarou um tanto quanto sem entender, ponderando as minhas
palavras, analisando a situação e definindo o mais adequado a dizer. E então,
quando abriu a boca eu a impedi.
— Puta que pariu! — Andei para trás. — Eu enlouqueci! Merda! —
Fechei os olhos outra vez, agora com a ajuda das mãos e continuei andando
para trás até esbarrar na mesa do computador. — Merda! — Abri os olhos e
ela estava a minha frente, muito próxima para dizer a verdade. Um sorriso
debochado brincava em seus lábios. Deliciosos por sinal. — Eu enlouqueci?
Ela ergueu a mão e acariciou meu cabelo. Os dedos desalinhando meus
fios de uma forma muito carinhosa. A mulher mais baixa do que eu, apesar
de compensar com sandálias altas, ofuscava todo o ambiente com a sua
beleza singular!
— Por quê? — gemi as palavras.
— Não sei — ela sussurrou. — Talvez…
— Não! — Eu me afastei com medo de tudo. — Não me diga que você
é a realização do pedido da Geovana porque acreditar nisso é assinar meu
atestado de loucura.
— Eu ia dizer que talvez eu seja o seu desejo — ela disse.
E a maneira como disse, as palavras sussurradas, seguras,
acompanhadas daquele sorriso sensual e diabólico, mexeu comigo de uma
maneira que eu não deveria permitir.
— Olha, eu não sei o que é isso. Não sei porque minha mente projeta
você, porque… eu sequer te vi na vida! Como posso te imaginar? — Uma
leve mudança em seu olhar me fez calar. Tristeza? Ofensa? — Desculpa!
E eu não faço a mínima ideia do motivo para me desculpar.
— Tudo bem. Como fruto da sua imaginação, posso desaparecer…
agora.
— Não!
Porra! Eu sequer tinha noção do motivo para impedir que aquele
pesadelo acabasse de uma vez por todas.
— Não quis te ofender — revelei. Ela sorriu com certo deboche, o que
me deixou um pouco atormentado. — Qual a graça?
— As vezes ofender é tudo o que você sabe fazer.
Parei impactado com as suas palavras. Como ela podia dizer aquilo? O
que conhecia a meu respeito? E então me dei por vencido. Ela era fruto da
minha imaginação, logo conheceria qualquer coisa a meu respeito, sobretudo
as que me incomodavam e me perturbavam, como lembranças de um passado
infantil e injusto.
— Certo. Você é a criação da minha mente. Meu Deus, eu estou
falando com uma mulher que não existe!
— Agora, pelo visto, eu existo… para você — completou com pesar.
— Desculpe!
— Você já se desculpou demais, Diogo!
— É verdade. Eu devo estar…
Caminhei até a cama sentando como se dias tivessem passado
enquanto eu permanecia de pé, tentando encontrar uma resposta plausível
para aquilo tudo.
— Cansado.
— Sim. Você está cansado.
Ela se aproximou outra vez parando a minha frente. Precisei olhar para
cima para encará-la. O seu decote, mais proeminente daquele ângulo, fez meu
corpo reagir. Sim, aquela garota só podia ser fruto da minha imaginação, pois
só eu poderia criar uma mulher capaz de mexer com tanta força com minha
libido. Engoli com dificuldade quando ela passou a mão outra vez pelo meu
cabelo e sorriu sedutora.
— Por que não relaxa um pouco?
Empurrou meus ombros, me forçando a recuar, então, sem que eu
esperasse, sentou em meu colo, as pernas abertas me recebendo entre elas, de
joelhos no colchão da cama que Eduarda escolheu e bateu pé firme para
manter ali. Não reagi, encantado com aquela mulher que não existia e que
mesmo assim, me deixava sem palavras e doido de tesão.
Aquilo não podia ser normal, mas… porque não? Seria como um
sonho erótico e acordar ejaculando, ou, como se eu fechasse os meus olhos e
imaginasse alguma situação erótica só para me masturbar em seguida. Aquela
garota não existia e ainda assim estava sentada em meu colo, pronta para
mim, um convite aberto.
E ela era tão… real!
Passei as mãos em suas coxas me atrevendo a acariciá-la até que meus
dedos alcançassem suas ancas. Ela sorria minimamente, aprovando.
Eu só podia estar louco, pensei antes de me aproximar e beijar seus
lábios. Sim, eu estava louco, mas quem não era um pouco?
CAPÍTULO 6
AMANDA
DIOGO
Não havia como constatar a minha loucura ou qualquer coisa parecida
quando sentia aquela mulher em meus braços, reagindo às minhas investidas
e se entregando, apesar de sua resistência temporária.
Eu podia analisar as consequências depois, quando acordasse e me
desse conta de que não passou de um delírio, ou quando virasse para o lado e
ela não estivesse mais ali. Eu podia refletir sobre qualquer coisa, mas não ali,
não naquele momento. Porque aquela mulher misteriosa, fruto da minha
mente, possuía a capacidade de me impedir de pensar demais.
Jamais conseguiria negar o quanto a sua presença mexia comigo, e…
porra, na verdade uma mulher como aquela seria capaz de virar a cabeça de
qualquer homem, no entanto ela, justamente ela, parecia ter sido feita na
medida certa para mim, do meu jeito, meu gosto, meu número.
Era incrível, porque eu não precisava de nada além dos seus lábios
para me excitar, o que já não acontecia com minha ex-esposa há séculos. E
tudo isso me fazia atestar cada vez mais a possibilidade de ela não existir
mesmo. Porque aquela garota não podia ser tão perfeita para mim. Ela não
poderia existir. Ninguém tinha um apelo tamanho para outra pessoa. A não
ser em filmes e livros de romance.
E eu seria o primeiro a admitir que apelo era a palavra mais correta
para o que acontecia quando meus braços cercavam a cintura dela, quando a
puxava para perto sem encontrar resistência, quando captava o entreabrir dos
seus lábios, a maneira como ela suspirava e seu olhar se tornava languido no
segundo que antecedia o beijo.
E como posso descrever a sensação de ter aqueles lábios nos meus?
Indescritível! Algo se agitava dentro de mim, algo que eu podia ousar dizer
que ia além da excitação, que por si só já me deixava incapaz de refletir como
deveria. Havia algo naquela garota que me impelia a tocá-la, a querê-la ao
alcance das minhas mãos, embaixo de mim, ao meu redor.
Foi por isso que a beijei quando ela tentou me fazer parar. Foi por esse
desejo também, correspondido no ponto que eu precisava, que a ergui,
fazendo suas pernas cercarem minha cintura e pelo mesmo motivo girei
levando-a de volta para a cama, desta vez como intentei, ela embaixo de mim,
me aceitando.
Apesar do desejo latejando em mim, não tive pressa. Não havia
necessidade de aceitar que a urgência me atingisse. Eu sequer conseguia
cogitar a possibilidade da garota desaparecer. Já havíamos estabelecido um
padrão. Enquanto meus olhos se mantivessem nela, ela continuaria existindo.
O mesmo valia para os meus lábios e minhas mãos que tornavam suas curvas
reais e convidativas.
Rocei meus lábios em seu pescoço adorando a maneira como ela
gemeu baixinho e inclinou a cabeça me dando permissão para tomá-la. Ao
passo que minha mão subiu por seu tornozelo, alcançando a parte de trás dos
seus joelhos e me ajustando melhor entre suas pernas. O vestido havia cedido
na altura das suas ancas e eu me aproveitava disso, acariciando suas coxas
firmes e roliças.
Ela gemeu se movimentando embaixo de mim. Não como se estivesse
prestes a explodir, mas como se não tivesse qualquer noção do bailar lento da
sua cintura buscando meus quadris. Como se ela, possuída pela luxúria,
permitisse que cada parte do seu corpo agisse por conta própria.
Não pude evitar que meus pensamentos fossem além, que buscassem a
imagem daquela mulher sem roupa, se mexendo em consonância comigo,
unindo nossos corpos da maneira mais deliciosa possível. Eu me via
afundando nela e saboreando o mais delicioso dos nirvanas.
A garota gemeu mais uma vez quando meus dentes se fecharam em um
punhado de carne acima dos seios. Seu arfar mais evidente constatava seu
estado. E eu adorava assisti-la se excitar, sem pudor, sem receios ou medos.
Ela só me queria e esse era um ponto resolvido. Assim como eu a desejava,
mesmo ela sendo um ser que não existia.
Meus dedos se afundaram na dobra entre seu quadril e a coxa,
firmando meu corpo sobre o dela, permitindo-me roçar com mais firmeza e
arrancando dos seus lábios um gemido tão repleto de luxúria que senti o
desejo espetar meu sexo com força.
Ainda beijando sua pele quente e bronzeada, desci a alça do vestido e,
com o dente, terminei o serviço revelando um seio perfeito. A marca de
biquíni se tornou o seu ponto auge, e o bico endurecido de tesão, a cereja do
bolo. Deliciosa! Minha boca salivou na mínima imagem de tê-lo, sugá-lo sem
cuidado, porém minha mente me distraía. Era só o que ela fazia desde que
criou aquela mulher para mim.
Atento as suas reações, acariciei o seio deixando que meus dedos
brincassem com a pele sensível, as pontas roçando de leve por todo o seu
contorno e finalizando no bico tão intumescido que parecia implorar por
minha boca. Fiz isso tudo sem abandonar a atenção do rosto dela. Tão
fascinante! Seus olhos fechados, a cabeça inclinada para trás, o peito subindo
e descendo em um arfar inconstante, os dentes mordendo a ponta do lábio
inferior sem que ela tivesse qualquer noção do que fazia.
Às vezes seus lábios se entreabriam deixando uma lufada de ar
escapar, revelando o quanto ela gostava de ser acariciada, e então, quando
meus dedos se aventuravam um pouco mais, apertando a carne com um
pouco mais de pressão, ela murmurava um delicioso “ahhhh” que arrepiava a
minha pele e dava um nó em meus pensamentos, contudo atiçava minha
alma.
Eu queria mais, ir além, ter aquela garota de uma forma desesperadora,
ao mesmo tempo que me torturava com a necessidade de aproveitar tudo,
cada segundo, cada pedacinho dela. Ergui o corpo e puxei a outra alça
deixando o vestido logo abaixo dos seios firmes, marcados pelo biquíni,
bronzeados e adoráveis.
— Linda! — Sussurrei rendido.
Ela acariciou meu rosto com cuidado, usando a mesma delicadeza que
a minha. Não resisti, buscando seus lábios mais uma vez. O beijo repleto de
tesão, de uma necessidade latente, uma vontade que me impulsionava,
roubava meu ar e minha consciência.
E então, ela agiu. E essa foi a constatação da minha loucura.
Enquanto a garota se mantinha a minha disposição, recebendo minhas
carícias e se entregando ao prazer, eu conseguia controlar meus impulsos
mais primitivos. Permaneceria assim pelo tempo que eu precisasse, enquanto
continuasse com a vontade de assisti-la, de provocá-la. Com tudo em minhas
mãos, suportaria a tortura de não penetrá-la até que assistisse a sua entrega.
Mas a garota reagiu e eu me vi preso. Suas mãos buscaram minhas
costas, passando por dentro da camisa, as palmas quentes me tocando como
se quisesse decorar cada pedaço de mim. Seus dedos me buscavam, as unhas
arranhavam na medida certa. Suas coxas se firmaram, seus quadris se
ajustaram me recepcionando, seu corpo se friccionando no meu em um roçar
maravilhoso.
Não suportei a urgência e desci meus lábios em seu seio, e quando
minha boca encontrou aquele monte, um choque atingiu meu corpo. Não
havia como não ser real. A garota me fez aguar com seu gosto único, o cheiro
fantástico e a textura… como crer que ela não existia se sua carne cedia em
meus lábios? Se quando a sugava ela se contorcia de prazer? Se eu podia
sentir na ponta da minha língua aquele bico delicioso? Se quando eu fechava
meus dentes nele, ela estremecia?
Ela puxou minha camisa para cima, arrancando-a do meu corpo e então
me puxou para que nossos corpos se unissem, pele com pele. A sensação fez
com que um calafrio percorresse minha coluna. Eu já não suportava mais o
calor queimando meu corpo por dentro, exigindo, me impondo a ação.
Nossos lábios se juntaram mais uma vez naquela dança sôfrega,
enquanto os corpos colados se apertavam cada vez mais, roçando,
estimulando. Minhas mãos brincavam com sua pele, acariciando suas
costelas, deslizando por suas coxas, apalpando-a enquanto não conseguia
deixar de me esfregar naquela mulher inacreditável.
Ofegante, levantei o corpo na tentativa de acalmar os ânimos. Ainda
vestidos, eu me via como um adolescente prestes a gozar na roupa, e podia
jurar que aquela garota, com rosto vermelho, peito arfante e corpo que
serpenteava, desejava, mais do que tudo, um orgasmo.
E, porra, eu queria aquele orgasmo dela. Queria que fosse meu, por
mim, e só por mim. Porque pela lógica aquela garota me pertencia, não? Eu a
criei. Ela era a concretização de tudo o que desejei, uma falha muito bem
vinda da minha mente, feita exclusivamente para mim e por mim. Então, por
este motivo, eu queria tudo dela.
Queria o seu corpo quente, seus espasmos de prazer, cada gemido,
cada pedaço de carne exposta, cada arrepiar da sua pele… eu queria aquela
garota, porque ela era minha e de mais ninguém.
Foi com essa urgência que puxei seu vestido para baixo, praticamente
arrancando-o do seu corpo, deixando-a de calcinha. Branca, contrastando
com sua pele bronzeada, com uma renda fina na frente e apenas duas tiras do
lado. As ancas expostas, cada curva no seu devido lugar, nada faltando ou
sobrando. Linda!
Subi minhas mãos por suas coxas enquanto ela me fitava com aquele ar
de desejo e constrangimento. Uma junção que me fazia inflamar. E quando
ela mordia a ponta do lábio inferior, o tesão ganhava novas proporções. Eu
queria que ela fizesse aquilo quando eu estivesse dentro dela, quando seu
corpo se apertasse ao redor do meu. Deus! Eu estava louco!
Com os dedos entrelaçados na calcinha, comecei a puxar a peça. Foi
angustiante e lento, mas quando revelou a parte que faltava daquele corpo
perfeito, fiquei ainda mais excitado. A marca de bíquini ainda tão recente,
tornava-se a verdadeira perdição. Eu me rendi. Beijaria seus pés caso ela
quisesse, reverenciaria aquela mulher todos os dias.
Encantado demais para me conter, desci sobre seus quadris, beijei cada
lado das suas ancas, teci beijos pela pele que me levaria a perdição, desci
lambendo suas coxas que se abriram para mim como reflexo e por fim,
permiti que minha língua provasse o seu gosto mais íntimo.
Ela estremeceu abaixo de mim, molhada, quente, entregue demais para
me impedir. Suas mãos foram para meu cabelo em um agarro firme que dizia
muito mais do que sua boca era capaz de proferir. Sim, ela me queria ali,
daquele jeito, até que não suportasse mais e me desse seu prazer.
Passei a língua mais uma vez, duas, três e então deixei que meus lábios
a beijassem da forma correta. A garota gemeu alto e se contorceu embaixo de
mim, as mãos firmes em meu cabelo, os quadris se movendo bem lento na
minha boca. Deliciosa! Um sabor único, excitada ao ponto de estremecer
quando minha língua adentrava sua carne e todo o seu corpo vibrava quando
meus lábios se fechavam no seu pequeno ponto, tornando-o cativo.
A garota gemeu mais forte, uma mão indo para a cabeceira da cama, a
outra fechada com força em meu cabelo. Ela lutava, incerta se deveria se
entregar e se permitir ao prazer que a minha boca lhe ofertava, ou se deveria
aguentar firme e aguardar por tudo o que eu pretendia fazer com ela.
Só que a sua recusa não fazia parte do meu intuito. Eu não escolhi o
seu controle. Eu tencionava o seu prazer ali, naquele momento, em minha
língua, em meus lábios. Forcei a barra, ela estremeceu, o corpo todo tenso,
minha língua brincando com a sua carne, levando-a ao limite.
E então foi a minha vez de me render. Quando considerei que
dominava a garota e que arrancava dela o que planejei, ela sussurrou “Diogo”
de uma maneira tão quente e sedosa antes de gozar que me vi perdido,
encantado, recebendo o gozo daquela garota misteriosa, ao mesmo tempo que
me perdia no som delicioso do meu nome saindo da sua boca.
Foi minha perdição.
Se aquela garota, criada por mim, apareceu para me desequilibrar, eu
não tinha ciência, mas já podia afirmar que depois daquele pequeno instante,
eu não sabia mais como fazer para que ela nunca mais desaparecesse.
CAPÍTULO 7
AMANDA
DIOGO
Deitei de costas na cama e aguardei, refletindo sobre o quanto aquela
garota conseguia mexer comigo. E ela sequer era real.
E foi com este pensamento que levantei em um átimo, sentando na
cama, o corpo todo vibrando de adrenalina, medo e tesão. Uma mistura muito
louca pra ser sincero. Só que não havia como ignorar aquela sensação
estranha em meu estômago.
Naquela cama, embalados pelo desejo, tive consciência de que aquela
garota seria real enquanto meus olhos se mantivessem nela, por isso, ali,
sozinho naquele quarto, pude reconhecer o exato momento em que ela deixou
de existir. Um torpor, um vazio, um silêncio que incomodou.
Levantei com pressa. Mesmo com passos rápidos havia em mim a
certeza de que ela não estava mais lá. Desapareceu. Sumiu. E eu fiquei mais
uma vez entregue a loucura, a certeza irrefutável de que algo de muito errado
acontecia com o meu cérebro.
Passei pela sala procurando por ela, uma vil esperança que me
assustava. Ela não era real. O que acontecia comigo? Em um impulso lambi
os lábios. O gosto inconfundível me fez fechar os olhos relembrando. Como
eu podia criar aquilo?
Comecei a conferir os cômodos, agora já sem qualquer esperança de
que ela aparecesse. Minha mente já começava a percorrer por outro caminho.
O gatilho. Se aquela garota era fruto da minha imaginação e se minha
imaginação conseguia produzir algo tão poderoso quanto a sua textura e
sabor, ainda assim ela continuava desaparecendo, tinha que haver um gatilho.
Agitado, busquei em minhas lembranças toda a ação. Eu cheguei em
casa, conferi o celular, pensei em Eduarda, tentei encontrar uma lógica para
aquilo e então ela apareceu. Não. Eu precisava ir além. Geovana. Isso!
Geovana me fez passar vergonha, eu me tranquei no quarto e ela apareceu.
Então Geovana foi até a minha casa encher a minha paciência para
comparecer naquela festa ridícula, e então a garota estava lá mais uma vez.
Eu fui para a festa na piscina e quando voltei, a garota apareceu.
Era isso! Geovana era o meu gatilho! Então para que a garota
aparecesse eu precisava apenas da minha querida irmã caçula.
Corri de volta a sala e peguei meu celular sobre a mesa. Disquei para
Geovana com tanta ânsia que sequer me dei tempo para elaborar uma
justificativa para a ligação. Mas minha irmã não atendeu. Tentei mais três
vezes e não consegui um retorno. Desisti com a frustração vibrando em meu
corpo nada saciado.
— Puta que pariu! Você tinha que desaparecer sem concluir o serviço?
Meu pau, ainda duro, se negava a desistir. Quanto mais eu permitia que
aquele incômodo continuasse, mais puto ficava com a garota invisível. Ela
não existia e ainda assim ganhou um orgasmo de presente, enquanto eu…
Porra! se a garota era fruto da minha mente então deveria haver uma forma de
obrigá-la a ficar, afinal de contas ela era a projeção dos meus desejos.
E para que inferno servia enlouquecer se eu não tinha direito a sequer
um orgasmo com a mulher mais gostosa com quem já fui para a cama?
Sentado no sofá, com o celular na mão, me rendi ao que julgaria como
ridículo e absurdo. Fui pesquisar sobre projeções mentais, fantasmas
palpáveis, relações sexuais com espíritos. Putz! Aquilo sim era broxante.
Contudo, mal consegui completar a pesquisa, o telefone tocou me
deixando perplexo. Na tela o nome de Eduarda. Eduarda? Quando foi a
última vez que ela me ligou desde que resolveu sair de casa? Aliás, a última
vez que ela me telefonou foi justo para me dizer que estava indo embora.
A ligação encerrou antes que eu tivesse a iniciativa de atender.
Abalado, continuei encarando o celular, mas levantei por impulso e caminhei
até o quarto, como se precisasse do máximo de privacidade para retornar
aquela ligação. Ainda no meio do caminho ela ligou outra vez, o que me
deixou ainda mais confuso.
— Eduarda? — perguntei cheio de dúvidas e receios.
— Diogo. Como vai?
Pela maneira como falou, pude identificar que também havia receio da
parte dela, e eu podia jurar que aquele sentimento se ligava diretamente às
noites de bebedeiras em que terminavam com ligações constrangedoras.
— Bem. Aconteceu alguma coisa? — Ela suspirou.
— Você bebeu?
Olhei para a tela sem crer naquela pergunta. Primeiro: ela me ligou,
logo eu não fiz nada de errado ou constrangedor. Pelo menos não que ela
saiba, porque fazer sexo oral em uma mulher que não existia, com certeza
ficaria no topo da sua lista de coisas erradas e constrangedoras. Segundo:
desde quando ela precisava conferir o meu nível de álcool para iniciar uma
conversa comigo?
— Aconteceu alguma coisa? — repeti, notando o leve tom de
impaciência em minha voz, o que me alertou.
— Não — disse seca, cheia de autoridade e superioridade. — Quero
passar na casa dos seus pais para conversar com eles. Acho que já temos um
tempo relativamente bom para que eu possa ter esta conversa.
— Com meus pais?
— Sim, Diogo! Com seus pais. É o mínimo que posso fazer.
— Mas… por qual motivo? — Um bufar impaciente chegou ao meu
ouvido me fazendo estreitar os olhos.
Desde que iniciamos o nosso problema, e Eduarda começou a ameaçar
acabar com o casamento, aquele era o tom que ela adotava para me fazer
sentir infantil, imaturo e irresponsável.
— Você não precisa da minha permissão para visitar meus pais,
Eduarda.
— Eu sei disso. Mas quero deixar claro o teor desta visita. —
Ressaltou a palavra “teor”, o que me aborreceu um pouco.
— Você quer justificar para os meus pais a nossa separação? — Minha
voz saiu um pouco mais alto do que deveria.
— Não vamos começar a discutir outra vez, Diogo!
— Não estou discutindo! — Mas eu estava.
A verdade era que, desde que Eduarda fora embora, o clima entre nós
dois tornou-se insuportável. Ela não se conformava em não conseguir me
dobrar em minha decisão e foi embora como uma tentativa de me fazer
recuar. O problema era que a minha decisão era indiscutível. Não era uma
questão de ceder e sim de não haver como ceder.
Enquanto ela me punia com a sua falta, eu buscava uma maneira de
fazê-la considerar a minha posição. Até então não encontramos um equilíbrio,
uma resolução, nada que nos levasse de volta ao casamento. Agora ela
planejava levar aquele impasse para os meus pais? O que Eduarda pensava
que éramos?
— É impossível uma conversa civilizada com você! — disparou.
— Comigo? Você vai embora de casa porque não consegue
compreender que…
— Não sou obrigada a aceitar o seu egoísmo.
— Não acho que esteja em condições de medir egoísmo aqui.
— Eu sabia que não deveria ligar para você!
— E por que ligou então?
Nós dois paramos ao mesmo tempo. O silêncio oco se instalou entre
nós. Nunca antes fui tão grosseiro com Eduarda, e até então, nem pressupus
que esse dia chegaria, em especial enquanto ela mantivesse a decisão do
divórcio. O choque dela refletia o meu, e juro, não fazia ideia do que me
instigou a agir assim.
Aliás, fazia sim. A tal garota que não existia e a frustração do meu
corpo não atendido. Puta que pariu!
— Boa noite, Diogo!
— Duda…
Mas ela desligou na minha cara. Não havia o que questionar. Eu
mereci que desligasse, mesmo sob aquelas circunstâncias. Resignado,
abandonei o celular sobre a cama e fui para o banho. A confusão na minha
cabeça começava a me torturar. Se minha história com Eduarda já não seguia
em um bom caminho, depois daquela ligação começava a descer uma ladeira
inclinada e perigosa.
Tirei a roupa, deixando-a jogada sobre a cama, fui até o banheiro,
liguei o chuveiro para que a água começasse a ficar na temperatura ideal,
quando meu celular voltou a tocar. Contrariado fui em busca do aparelho,
sem me preocupar em cobrir o corpo.
Entretanto, quando saí do banheiro, antes de alcançar a cama, onde o
aparelho ficou, vi o que achei ser brincadeira demais do destino. A garota. A
tal garota que não existia, parada na minha sala, me encarando de uma forma
que muito rápido reacendeu o meu corpo.
Porra, meu juízo estava muito fodido para armar aquela brincadeira
comigo.
CAPÍTULO 8
AMANDA
Eu voltei para Diogo. Não! Espera. Eu voltei para a casa dele e não
para ele. Ao menos foi o que repeti mil vezes. Desejando me convencer de
que estar ali outra vez era uma necessidade pela qual nada dizia ao meu corpo
e sim a algo real, como precisar entrar em casa, comer, tomar banho, usar o
banheiro.
E lógico que se eu chamasse um chaveiro conseguiria tudo isso sem
precisar estar ali outra vez. Contudo, corria um sério risco de alertar Diogo da
minha permanência temporária como sua vizinha, o que, sejamos justos, não
seria recebida com um “seja bem-vinda de volta a Salvador”.
Diogo me mataria. Não, ele primeiro me olharia com repulsa, afinal de
contas havia acabado de… ter uma relação um tanto íntima, com a garota que
desprezou a vida inteira. De certo Diogo não me olharia com satisfação. Eu
forcei a minha entrada em sua vida com uma invenção um tanto quanto
maluca. Aliás, o rapaz achava-se com sérios problemas mentais para acreditar
em tudo aquilo e… enfim, eu não tinha qualquer esperança de sair daquilo
sem novas feridas.
Mesmo assim colei meu ouvido em sua porta, conferi o barulho do
lado de dentro e arrisquei a abrir a porta. Meu plano era simples e bem
traçado. Ao me certificar de que Diogo não notaria a minha presença,
buscaria pela chave do meu apartamento e depois sairia dali sem precisar me
anunciar.
Ou, quem sabe, eu deveria me anunciar e acabar de uma vez por todas
com aquela confusão. Para falar a verdade, nos poucos minutos que passei
caminhando pela orla sem enxergar o que deveria fazer, serviu para que me
sentisse horrível por sustentar aquela brincadeira. Não era eu a primeira a
defender que não deveríamos fazer com os outros o que não gostaríamos que
fizessem conosco?
E não fui eu que odiei Eduarda e Diogo por anos por não superar o
que, de verdade, mesmo com toda a maldade incutida, não passou de
brincadeira de criança? Como eu podia almejar paz de espírito quando
retribuía o mal que me fizeram? Diogo merecia? De certo que sim, mas
aquilo… aquilo passava de todos o limites…
Eu não era má. Não era sequer vingativa. Sim, lógico que havia um
certo prazer em descobrir que Eduarda se revelou uma megera ou até mesmo
que Diogo sofria por ela. Deveria ser o suficiente para me causa a sensação
de saciedade, e só. Entretanto, mantinha-me ali, tentando fugir da ideia de ser
a garota invisível, tudo do que fugi durante anos, e que naquele momento, era
no que eu ansiava por me agarrar.
Não! Eu não podia continuar sendo a garota invisível. Não podia!
Mas, seguindo o padrão estabelecido desde o meu retorno àquela
cidade, não seria como planejei. Por este motivo, assim que fechei a porta
atrás de mim e dei os meus primeiros passos, e talvez essa tenha sido a minha
desgraça, Diogo saiu do banheiro.
Nu. Gloriosamente nu. E… porra! Eu não tinha estrutura para isso.
Fechei os olhos no instante em que ele se virou em minha direção, ciente de
que aquele era o momento. Para qualquer que fosse a minha decisão, aquele
era o momento.
Mantive-os fechados com a determinação de quem entende que a vida
dependia daquela atitude. Vou ser franca, se assim o fosse, eu poderia ser
considerada uma possível suicida, porque bastou Diogo caminhar, seus
passos ecoando no assoalho, para que eu voltasse a olhá-lo.
Ok! Pela minha vontade diria que fui forte, decidida e determinada. Só
que isso não aconteceu. Eu seria a primeira a admitir que sua presença me
impactava de uma maneira pouco compreensível, ou até mesmo, pouco
louvável. Nu então… não havia como ser indiferente a Diogo nu,
caminhando em minha direção. Nem a mais forte das mulheres conseguiria.
Ele se aproximou com a determinação exalando em cada passo,
dominando o ambiente, me impedindo de reagir. E me alcançou muito
rápido. Mais do que deveria ser considerado correto, no entanto, não mais do
que desejei. Porque eu desejei. Não havia porque mentir.
Suas mãos foram para meu rosto, seus olhos nos meus e nenhum
desconforto pela sua falta de roupas. Diogo se encontrava em perfeita
segurança quanto ao seu físico e agia da mesma forma como o fazia quando
vestia algo. Desconcertante até mesmo para mim. Contudo, esse ponto virou
segundo plano quando ele colou os lábios nos meus.
Ele me beijou com urgência, desejo, ânsia, com… saudade? Meu Deus,
o que era aquilo? Minha cabeça girou, meu corpo enfraqueceu e eu já não
reconhecia mais a minha determinação quando voltei a aquele apartamento.
Tudo se resumia a aquele homem maravilhoso, com as mãos em meu rosto,
beijando meus lábios com um desejo avassalador. Porque compreendi que
tudo começava e terminava nele, como um ciclo sem fim.
— Onde esteve? — perguntou com um sussurro, quando nossos lábios
se afastaram. — Não faça mais isso — suplicou com certo abandono em sua
voz.
Foi isso, ou então a louca ali era eu. Mas, sua súplica fez com que o
tamborilar em meu peito perdesse uma batida, ameaçando parar, para em
seguida adquiriu força total. Ele não parou de me beijar quando falou, apenas
se afastava e voltava com os lábios, como se interromper o contato das nossas
bocas fosse um sacrifício além do que ele podia suportar.
Eu tentei, ao menos tentei, colocar as coisas na direção correta. Diogo
brincou com meus sentimentos um dia e foi por este motivo que decidi que
não brincaria com o seu.
— Diogo…
— Não! — sussurrou com determinação.
— Mas…
— Não! Já conversamos demais.
Ele me segurou pelas costas, colando nossos corpos, me impedindo de
continuar com qualquer assunto que pudesse impedi-lo de me tomar para si.
O beijo tornou-se mais profundo, urgente, enviando mensagens para todo o
meu corpo, em especial, para minhas partes mais íntimas.
Suas mãos me exploravam e eu me sentia perdida, sem ser capaz de
entender como manter o equilíbrio enquanto sua língua brincava com a
minha, meu corpo se moldava ao dele e minha pele formigava por onde seus
dedos passavam. Meu pulso respondeu ao seu apelo. E, sem que eu tivesse
noção do que aconteceria, fui içada, minhas pernas se enroscando em sua
cintura enquanto suas mãos me seguravam firmes pelas nádegas.
Sem deixar que o beijo acabasse, Diogo caminhou pela sala e me
deitou no sofá, depositando seu peso sobre meu corpo. Suas mãos invadiram
meu vestido e exploraram minhas coxas ao mesmo passo que seus lábios
desceram pelo meu pescoço indo em direção aos seios.
Meu corpo parecia queimar. Qualquer lugar onde ele me tocava
parecia ganhar vida. Uma ânsia forte, desenfreada, me obrigando a buscar por
mais. Toquei suas costas. Um leve arrepio, indicava de que Diogo gostava de
ser tocado, porém não me iludiria com a ideia de que poderia acrescentar a
frase um “por mim”. Nada ali estava ligado com exclusividade a minha
pessoa.
Alcancei seu cabelo, deixando que meus dedos entrassem nos fios
sedosos. A sensação era maravilhosa! Ele puxou meu vestido libertando meus
seios e sem qualquer receio abocanhou um, chupando-o com devassidão.
Gemi alto, arqueando o corpo, deliciada com a sensação doce de ter seus
lábios em mim. A pressão de sua mão, me apalpando, puxando meu seio para
cima, para melhor acomodá-lo na boca, parecia arrancar de mim um orgasmo
imediato. Como meu corpo se comportava daquela forma, eu jamais
conseguiria explicar.
Ele subia e descia as mãos em mim, tocando em todas as partes, me
confundindo. Seus lábios me exploravam com gosto, a língua atiçava, os
dentes incendiavam minha pele. Diogo percorreu meu ventre, deslizando a
mão pelo pequeno espaço entre nossos corpos e deixou que esta adentrasse a
calcinha.
Arfei quando seus dedos roçaram naquele ponto de prazer que me
levava a loucura. Minha mão se abarcou com força em seu braço, aprovando
sua investida, ou implorando por mais, eu não sabia dizer. Sequer conseguia
pensar direito.
Ele me acariciou desta forma por pouco tempo, logo seus dedos se
afundaram em mim. Gemi dengosa, constatando que aos poucos me rendia,
me colocando à beira do desequilíbrio. Nada em mim correspondia como
deveria. Uma loucura atípica cercava meus movimentos, dominando minhas
ações, me obrigando a agir como nunca antes ousei fazer.
Rocei o peito dos pés pela sua perna, prendendo-o com mais força em
mim. Arqueei as costas adorando o prazer que lambia meu íntimo em uma
carícia ousada. Ele gemeu esfregando ainda mais a mão, roubando de mim
toda a capacidade de controle. Eu me agarrei ao seu corpo, ele mordiscou
meu pescoço com um gemido gostoso, se movimentou sem pressa e logo suas
duas mãos recolhiam mais uma vez a minha calcinha.
Com calma, Diogo tirou a peça, deixando-a no chão, depois retirou o
vestido embolado da minha cintura, largando-o em algum lugar atrás de mim.
Ele me olhou, os olhos varrendo meu corpo, conferindo e aprovando o que
via. Ainda mantendo a ternura, se inclinou sobre mim, os lábios foram até
minhas coxas onde depositou um beijo cálido em cada uma. Estremeci como
se seus lábios estivessem em meu sexo.
Ele subiu os lábios, arrastando seu fogo pelo meu ventre. Às vezes a
ponta da língua tocava a minha pele, e quando acontecia, eu não conseguia
evitar o tremor que me cercava. Mas às vezes seus dentes roçavam minha
carne, e parecia que o carnaval havia se instalado em meu corpo, bagunçando
tudo por dentro.
Diogo se posicionou entre minhas pernas, seu membro em minha
entrada. Um segundo de hesitação, tempo suficiente para que nossas
respirações ficassem suspensas, ganhando o ritmo de câmera lenta, para que
tudo fosse sentido.
Apenas um segundo, porém, existia uma infinidade de tempo dentro
deste. E foi assim que nossos olhos se encontraram e se conectaram de uma
forma que me sugou e assustou na mesma medida. Sim, eu não sairia daquilo
sem novas feridas, mas quem poderia consentir que tal pensamento
dominasse a sua atitude, tendo um par de íris cinza mantendo-lhe preso em
um universo tão maravilhoso e particular que valia cada risco?
Diogo entrou em mim aos poucos, sem pressa, os olhos ainda presos
aos meus, exigindo de mim a mesma força, contudo, eu não era forte como
imaginei. Quando não suportei mais o peso do seu olhar, assim como a
certeza do quanto ele me atingia, fechei meus olhos e me entreguei, doando-
me, permitindo que a delícia do momento erguesse uma nuvem de fumaça a
minha frente, me impedindo de pensar.
O gemido que preencheu o silêncio foi cheio de satisfação. Diogo
parou quando adentrou em meu corpo por completo. O formigamento
familiar iniciando o seu percurso em meu ventre, se apossando de cada célula
aos poucos, se impondo. Soltei o ar preso em meus pulmões, como se
precisássemos deste marco para iniciarmos a nossa dança.
Com movimentos lentos, Diogo escorregava por cima de mim,
entrando e saindo com um rebolado incrível, delicioso. Acompanhei seus
passos, permitindo que minha entrega fosse verdadeira. Já não possuía
qualquer controle. Minhas mãos agarravam seu corpo, puxando-o para mim,
meus quadris se mexiam por vontade própria, colaborando, buscando,
aproveitando e tomando para si tudo o que Diogo se predispunha a dar.
Ele percorria as mãos por minha pele. Seus lábios buscavam os meus,
mas também desciam pelo meu torso, se demorando nos seios, tudo em
sincronia, mãos, boca, corpo, os movimentos dos seus quadris. Eu me
entregava, me contorcia com suas investidas, me espantava com tantos
sentimentos misturados, com tantas sensações maravilhosas.
No limite, reconhecendo a sensibilidade entre minhas pernas, o latejar
familiar, aquela ideia de que chamas se acumulavam em um ponto específico,
causando uma pressão que, eu tinha certeza, explodiria, me vi perdendo todo
e qualquer controle.
Então ele elevou o corpo, sustentando o próprio peso, pairando um
pouco acima de mim. Apesar de ter iniciado o movimento conferindo a
junção dos nossos corpos, Diogo ergueu o olhar e me encarou, o cinza de
suas íris me sugando mais uma vez. Mantive o contato, saboreando a sua
entrega, ciente de que ele também se encontrava no limite, aguardando por
mim. Um perfeito cavalheiro.
Minha pulsação acelerou a um ritmo considerável, meu ventre se
contraiu. Captei o vacilo de Diogo, o desfocar das sua íris, os músculos
rígidos, ainda assim, mantendo-se firme, até testemunhar a minha entrega. A
conexão nos enlaçando. Arfei, me obrigando a manter os olhos abertos, me
impedindo de perder aquele elo que nos unia, mesmo sem entendê-lo.
E foi assim que o orgasmo chegou, contraindo minhas células como se
quisesse arrancar delas o mais puro prazer. Limitando minha respiração,
acelerando meu coração, dissolvendo o mundo ao meu redor, tornando tudo
fluido, abstrato, uma nuvem de sensações que me levantava e me permitia
flutuar.
Entretanto, mesmo diante de toda a realidade distorcida, uma coisa
permaneceu intacta, os dois pontos cinzas que me olhavam com atenção,
derramando sobre mim o seu mais perfeito contentamento.
Então me dei conta de que estava total e completamente fodida.
***
DIOGO
Eu já começava a despertar quando a campainha tocou. Sem roupas e
descoberto, meu corpo cobrou alguma proteção e o sono acabou cedendo
para a necessidade de calor. Abri os olhos me dando conta da situação. A
casa quase toda acesa indicava que peguei no sono de forma rápida.
E foi só após me dar conta deste detalhe que as lembranças me
assolaram com força. A garota! Olhei outra vez para o sofá sem crer que ela
pudesse ter desaparecido. Fechei os olhos com determinação, respirei fundo
algumas vezes e quando os abri a cena era a mesma. Eu sozinho, nu, em uma
casa vazia e iluminada.
Não podia ser verdade.
A campainha tocou mais uma vez, me obrigando a conferir as horas.
Era tarde, então eu não conseguia adivinhar quem estaria naquele horário em
minha porta. Antes de abrir havia outra questão: a tal garota misteriosa.
Conferi no olho mágico quem tocava a minha campainha e vi Geovana
do outro lado, impaciente. O som estridente ecoou pela sala quando minha
irmã determinou que não desistiria de entrar.
— Só um minuto, Geo! — falei com pressa.
Antes de sair à procura de roupas, corri a casa inteira me certificando
de que a garota havia mesmo desaparecido. Confuso, caminhei até meu
quarto, escolhendo peças aleatórias para vestir. A mente buscando sem parar
por alguma explicação. A garota era real. Não havia como ser diferente. Eu
toquei nela, beijei, penetrei… por Deus! Eu penetrei a garota! Minha mente
não podia estar tão fodida para sentir músculos se contraindo em meu pau ao
ponto de me causar um orgasmo.
Ou estava?
A campainha tocou de novo me deixando irritado. Andei até a porta,
abrindo-a aborrecido. Geovana me encarou com uma sobrancelha erguida,
sem medo da cara feia que sustentei para reprová-la.
— Está escondendo alguma coisa? — falou ao entrar no apartamento.
— Um corpo, mas isso jamais seria da sua conta, já que estou em
minha casa.
Minha irmã pouco se importou com a minha rabugice e entrou sem me
dar importância. Seus olhos vasculharam a sala, buscando por algo, sem
encontrar nada do seu interesse.
— O que faz aqui?
— Não posso mais visitar o meu irmão? — Ela sentou no sofá,
deixando-me constrangido.
Se a tal garota não existia, então havia uma séria possibilidade de ter
algo meu grudado no tecido, afinal de contas, um corpo inexistente, não tem
como armazenar a minha ejaculação. Ou seja, eu havia gozado no sofá. E
minha linda irmã se acomodava onde pouco antes eu dava uns amassos em
uma mulher que sequer existia.
Porra, minha mente estava muito fodida!
— Você está estranho — ela resmungou.
— Peguei no sono e acabei deixando a hora passar. Vamos ficar na
cozinha? Estou com fome. Já jantou?
— Já. — Ela levantou, me deixando mais aliviado. — Mas posso lhe
fazer companhia.
Fomos até a cozinha, minha irmã sentou em uma das cadeiras que
compunham a mesa pequena, e aguardou por mim. Sem graça e sem qualquer
ideia do que deveria fazer, peguei o que existia de mais prático: miojo. Ela
me encarou com certa repulsa, mas desviou o olhar e fingiu não se importar
com meus novos hábitos alimentares.
Em silêncio, coloquei água na panela, iniciando o processo, mantendo-
me longe do olhar desaprovador da minha irmã, o qual, eu podia sentir,
atingia minhas costas em cheio. Geovana tentou se entreter com o que havia
sobre a mesa: uma cesta de pão vazia e embalagens de miojo que eu havia
esquecido de jogar fora.
— Então… — ela começou e eu quase me encolhi ao ouvir seu tom de
voz. — Nossos pais estão preocupados.
— Ah, é?
— Você andou fazendo perguntas estranhas.
Fiquei calado enquanto ela aguardava que eu falasse algo. Reconhecia
que meu silêncio aborreceria minha irmã, porém, nada fiz para modificar a
situação. recusava-me a falar sobre aquele assunto. Enquanto Geovana
investigava a minha vida eu vasculhava minha mente em todas as teorias
possíveis para o aparecimento e desaparecimento daquela mulher que havia
decidido me obsediar.
Se Geovana era o gatilho para que ela aparecesse, então como
aconteceu antes da minha irmã chegar? E se o gatilho não fosse Geo e sim
Eduarda? Não! Eduarda pouco contribuiu para aquela situação. Ou não? E se
o surgimento da mulher estivesse ligado ao meu problema com minha
esposa… ex-esposa?
— Você está me ouvindo? — Geo falou aborrecida.
— Não.
Tirei a massa da água depois de conferir a sua consistência, como eu
gostava, coloquei uma parte no prato e olhei para minha irmã como sugestão.
Ela fez cara de nojo e um gesto com a mão indicando que eu poderia ficar
com tudo sozinho. Melhor pra mim.
Temperei o macarrão com o sachê que vinha com a embalagem,
mesmo com todo mundo sempre falando que não fazia bem. Era como eu
gostava e, sinceramente, existem coisas piores, como acreditar em mulheres
invisíveis, por exemplo.
Sem muita paciência, me sentei à frente de Geovana ainda mexendo a
massa fumegante e levando um pouco a boca. Precisei me levantar, sob o
olhar atento da minha irmã, para pegar um pouco de refrigerante gelado na
geladeira. Quando voltei ela parecia mais assustada do que deveria.
— Você está malhando? — Olhei para meu peitoral nu, conferindo se
havia algo de revelador nele. — Porque comendo tanta porcaria vai engordar
com toda certeza. — Dei de ombros levando outra garfada a boca. — E
nenhuma garota vai te querer.
— Não estou preocupado com nenhuma garota — falei de boca cheia,
adorando sua cara de repulsa. E era mentira, porque, no final das contas, eu
me importava com Eduarda e nossa recente separação, além de não conseguir
parar de pensar na garota invisível.
— Nem mesmo com Eduarda? — Seu sorriso foi radiante, como se
minha irmã ficasse satisfeita em me ver longe da minha espo… ex-esposa.
— Eu estou malhando, certo? E você não me disse o que faz aqui.
— Só queria saber como estava. Você praticamente fugiu lá de casa. E
isso depois de passar a tarde fazendo nossos pais acreditarem que estava com
problemas mentais.
— Eles disseram isso?
— O que acha, Diogo? Você já foi mais inteligente.
Preferi ignorar a minha irmã e me concentrar na comida. Na verdade,
comi mais rápido do que deveria.
— O que está acontecendo? — ela questionou. — Por que não
conversa comigo?
— Porque você é irritante e… nunca acreditaria em mim. Aliás… eu
mesmo não acredito em mim.
Empurrei o prato para longe, captando o olhar de reprovação da minha
irmã. Nós dois entendíamos que empurrar o prato depois da refeição era
muita falta de educação. Minha mãe, com certeza, seria menos discreta do
que Geovana e falaria sem ressalvas, a sua opinião acerca do meu
comportamento.
— Por que não tenta? — ela instigou.
— Ah… deixa pra lá. Não é nada. Acho que essa loucura da separação
mexeu mais comigo do que acreditei ser capaz.
— Diogo, Eduarda deve ter um bom motivo para sair de casa.
Nenhuma mulher abre mão de tudo assim.
— De tudo?
Abri os braços indicando o que ele pensava como “tudo”. Não havia
nada que prendesse Eduarda àquele casamento que não fosse o seu amor por
mim. O apartamento era meu, comprado antes de morarmos juntos. O carro
era meu. Os móveis, mesmo com a ajuda dela na escolha, eram todos meus.
Só existia um motivo para Eduarda deixar aquela casa: chantagem emocional.
E constatar tal fato me irritava mais do que deveria.
— Ela não te contou nada?
— Não! — Minha irmã respondeu exasperada. — Olha, ela…
Mas o telefone dela tocou, impedindo-a de continuar. Geovana olhou o
visor, estreitou os olhos e deu um sorriso travesso. Em seguida levantou-se,
voltando a sala para sentar no sofá outra vez, antes de atender.
Suspirei, resignado. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. O sofá
não poderia ser interditado, e, àquela altura do campeonato, o que quer que
tenha ficado no tecido já havia secado.
Levei o prato até a pia e passei direto para o meu quarto dando
privacidade a minha irmã. Entrei no banheiro determinando que nada mais
me impediria de tomar aquele banho. Também não demorei mais do que
deveria, afinal de contas, com a cabeça tão cheia de questionamentos, os
minutos passavam como segundos.
Escolhi um short solto e continuei sem camisa. Quando voltei para a
sala, Geovana ainda falava ao telefone. Ela me olhou com ceticismo, o que
me fez me questionar se o banho havia sido rápido demais.
— Ainda no celular?
— É a Mandy! Acredita que ela está aqui em Salvador?
— Mandy?
— Amanda, Diogo! Minha amiga que…
Puta merda!
— Eu sei quem é — rebati rápido demais, entrando outra vez na
cozinha. Para meu azar, Geovana foi atrás de mim animada demais para o
meu gosto.
— Não é maravilhoso! — falou voltando a sentar na cadeira que antes
ocupava.
Recusando-me a entrar entrar naquele assunto, fiz a única coisa
possível: comecei a lavar os pratos.
— Ela veio de férias. Vai passar o mês inteiro aqui. Estamos
combinando de irmos à praia amanhã. Por que não vem com a gente? Vai ser
muito divertido!
Olhei por cima dos ombros só para me certificar se Geovana falava
mesmo comigo. E ela falava. Balancei a cabeça sem alcançar a maneira como
funcionava a mente da minha irmã. Ela sempre soube que Amanda me
detestava e que eu, confesso, sempre fui cruel com a menina. Então o que
diabos eu faria indo à praia com elas? De certo Amanda não faria qualquer
questão de me ver, e eu jamais a julgaria por isso.
— Eu trabalho — foi só o que consegui dizer.
— O que acha, Mandy?
Precisei olhar outra vez para minha irmã, confirmando se ainda falava
comigo, ela me encarava com intensidade, falando sem som e apontando para
o celular. Depois eu que era louco. Balancei a cabeça voltando minha atenção
para o prato em minha mão.
— Estou dizendo ao Diogo que seria incrível se ele fosse à praia com a
gente. Seria maravilhoso, não?
— Não! — falei mais alto, para que ela, enfim, entendesse.
Ah, Deus! Por que Geovana não esquecia aquela história?
— Eu sei que você tem trabalho, Diogo! — rebateu enérgica, como
sempre fazia quando contrariada. — Só estou dizendo que seria bom. E não
se faça de tolo porque sei que você falta quando quer.
Eu, definitivamente, odeio a minha irmã.
— Não tem problema. Vamos nós duas. Vai ser muito melhor — falou
cheia de pose, me encarando com desdém. Revirei os olhos, enxaguei o prato
e o deixei no escorredor.
— Não vá fugir outra vez!
Novamente encarei minha irmã, crendo que falava comigo, mas não.
Confuso, fui até o sofá, vasculhando o tecido para encontrar a prova da minha
loucura, sem identificar nada. Sentei no exato momento que Geovana entrou
na sala.
— Por que não quer encontrar a Amanda?
Ela não me deixaria em paz. Eu queria esganá-la.
— Eu não disse que não queria, apenas que preciso trabalhar. É uma
segunda-feira e as pessoas normais trabalham.
— Eu sou uma pessoa normal e agradeço por não precisar ficar
fechada em um escritório. Perderia a oportunidade de reencontrar minha
amiga.
Esfreguei o rosto com as mãos, desejando não continuar me sentindo
tão merda com aquela conversa. Contudo, um merda era tudo o que eu podia
me sentir quando o assunto era Amanda e a sua fuga devido as minhas
brincadeiras descabidas.
Se Geovana descobrisse que eu e Eduarda éramos o motivo de
Amanda ter deixado a Bahia, com certeza não tentaria me colocar no mesmo
ambiente que a amiga. Aliás, Geovana jamais me perdoaria caso descobrisse
que fui condescendente com Eduarda, permitindo que ela humilhasse
Amanda até que esta preferisse ir embora.
E… por Deus! Como poderia não me sentir péssimo se reconhecia o
que a menina sentia por mim e mesmo assim fui capaz de ridicularizá-la. Fui
além disso! Eu não aceitei que…
— Poderíamos nos encontrar no final da tarde. Ou poderíamos jantar.
O que acha?
— Geovana, para de tentar me arrumar uma namorada! — falei
irritado.
— Mas… — eu me levantei com o corpo todo eriçado.
— Mas nada, Geovana! Eu sou casado. Eduarda pode não estar aqui
agora, o que não anula o meu casamento.
— Mas…
— E eu não quero, e nem preciso, que você tente arrumar uma nova
namorada para mim. Estamos entendidos?
Seus olhos esbugalhados me encaravam em choque. Geovana tentou
balbuciar algo, porém acabou se levantando, ajustando a bolsa no ombro e,
sem me dizer nada, foi embora.
Eu me larguei no sofá, arrependido de ter sido tão brusco com minha
irmã. Ela não tinha culpa de nada e se tentava me empurrar as suas amigas
era porque se preocupava comigo. Geovana não tinha noção do quanto o
assunto “Amanda” me impactava. E foi só por isso, que preferi ir para a cama
ao invés de buscar o perdão de Geo. Teríamos tempo depois.
CAPÍTULO 10
AMANDA
DIOGO
— Fran, pede para alguém trazer a planta do Palazzo? — Pedi a minha
secretária.
— Torre A ou B?
— As duas.
Fechei a porta atrás de mim agradecendo pela pilha de trabalho que
aguardava por mim. Só assim minha cabeça pararia de ruminar bobagens e se
concentraria no necessário: o trabalho.
Peguei o primeiro arquivo e passei a estudar os relatórios enviados
pelos engenheiros sob minha supervisão. Um monte de pepino que eu
precisaria despachar o quanto antes, sem encarecer a obra.
A área de construção foi a mais afetada no país desde o início da crise,
e ela não deixaria de atingir a minha empresa. Precisamos reajustar, inserir
outros segmentos, inovar… enfim, com o novo setor de obras domésticas o
trabalho voltou a fluir e segurava a onda financeira, apesar da insatisfação
com o tipo de serviço que meu pessoal se via obrigado a fazer.
Fran entrou na sala com dois tubos telescópicos, deixando-os sobre
minha mesa, e me encarou com atenção. Tentei ignorá-la sem sucesso.
— O que foi, Fran? — Ela conferiu o relógio, e eu sabia que era para
ser irônica.
— Não vai almoçar hoje?
— Que horas são?
— Já passou do seu horário habitual. — Soltei o ar com força. —
Posso pedir o seu almoço?
Ela não me deixaria em paz se eu não comesse algo. Levaria o
problema para meu pai, o que eu menos ansiava. Já bastava a minha família
acreditando na minha insanidade mental. O que, de fato, acontecia. Mas daí
passarem a crer que eu tendia a depressão, passava de todos os limites.
— Pode sim. Feche a porta quando sair.
Encostei na cadeira, colocando as mãos atrás da cabeça assim que
minha secretária deixou minha sala. Por mais que quisesse anular todos os
pensamentos os quais me levavam à mulher misteriosa, eu não conseguia. Ela
voltava e voltava, deixando-me tonto. Foi bom? Foi incrível! Incrível demais
para ser encarado como um sonho ou uma mentira, uma travessura da minha
cabeça.
Havia algo de estranho naquela história e eu precisava descobrir o que
era. Peguei o celular para ligar para a minha irmã quando vi a mensagem de
Eduarda.
“Já almoçou?”
Ponderei. Por qual motivo Eduarda se interessava pelo meu almoço?
Só se… meus pais. Droga! Digitei rápido uma mensagem.
“Ainda não.”
“Vamos almoçar?”
O choque me impediu de responder mais rápido. Aquela atitude não
era, há muito, o nosso habitual.
“Aconteceu alguma coisa?” — digitei cheio de receio.
“Precisamos conversar.”
“Sobre você contar aos meus pais os seus motivos para ter ido
embora? Não!”
Aguardei, impaciente. Angustiado com aquela mensagem que parecia
demorar um século para ser digitada, e quando chegou me deixou
decepcionado.
“Sobre um assunto que só diz respeito a nós dois.” — Eduarda estava
aprontando alguma coisa. — “Posso te encontrar no lugar de sempre?”
Sem responder, me levantei e fui até a porta. Fran me olhou com
atenção como sempre fazia para não deixar passar nada do que eu dissesse.
— Cancele o almoço! — Virei rápido, retornando a sala para pegar
tudo o que eu precisava.
— Sr. Diogo?
— Vou sair, Fran. Tenho um… uma reunião importante.
— Uma reunião?
— Sim. Esqueci de avisar. Vou almoçar com um cliente. Não sei que
horas volto.
Andei com pressa até as escadas. Antes de alcançar o carro me dei
conta de que não havia respondido a mensagem dela.
“Precisa de carona?” — encaminhei enquanto destravava o alarme.
Assim que entrei ela respondeu.
“Não. Já estou bem perto.”
“Chego em poucos minutos.”
Dirigi com pressa e ansiedade, contudo, sem deixar de constatar aquela
sensação estranha, como se algo não estivesse em seu devido lugar. Procurei
as respostas que eu buscava, sem encontrá-las. Eu deveria estar animado,
afinal de contas, depois de tanto tempo Eduarda finalmente resolveu
conversar.
Mas eu não me encontrava neste estado de espírito, e não compreendia
como podia me sentir assim.
Estacionei o carro após o restaurante e logo vi minha ex-esposa
aguardando por mim na entrada. Caminhei sem pressa, mantendo os olhos
fixos nela, buscando a todo custo os sentimentos corretos para aquele
encontro.
Eduarda continuava a mesma. Linda, bem arrumada, exalando
superioridade. Eu sentia a falta dela, afinal de contas foram treze anos juntos,
e eu a amava. Não amava? Claro que sim! Não estaria ali se não a amasse.
Então porque não havia qualquer emoção de saudade em mim?
— Diogo — ela me cumprimentou com certa distância. Assumi a
mesma postura, analisando-a, testando suas barreiras.
— Como vai, Eduarda?
— Muito bem. — Desviou o olhar ao dizer essas palavras, indicando
que não era tão verdade quanto tentava fazer ser. Acabei sorrindo.
— Sobre o que vamos conversar?
— Não poderíamos entrar antes? — perguntou, irritada.
— Claro.
Indiquei o caminho, relembrando o motivo para não estar tão animado
com o encontro. Eduarda era linda, mas possuía um gênio horrível. A prova
disso fundamentava-se em nossa separação, e a maneira como ela fez
acontecer. Puxei o ar repetindo mentalmente que brigar não nos levaria a
lugar algum.
E assim que entramos, demos de cara com Geovana caminhando em
direção a saída.
— Geovana! — Eduarda falou com animação. Minha irmã olhou para
Eduarda, logo em seguida para mim, seus ombros caíram um pouco e então
ela forçou um sorriso. Que estranho!
— Ora ora! — disse enquanto beijava minha ex-esposa. — Que
novidade! — ela me acusou com os olhos.
— Almoçou sozinha? — Eduarda quis saber.
— Não. Estou com minha amiga, Amanda. Lembra dela?
— Amanda? Não.
No mesmo segundo fiquei incomodado. Havia esquecido que minha
irmã havia tirado o dia para passear com a amiga que passava férias em
Salvador. Assim como esqueci que determinei que não precisaria encontrar
Amanda. E agora estávamos ali, frente a frente, com tempo livre para todas as
acusações que ela, certamente, faria.
— Estudou comigo. Ela era…
— Gordinha, usava aparelho nos dentes e óculos. — Interrompi minha
irmã, nada satisfeito por ainda estarmos naquele assunto. — Você lembra
dela. Vivia agarrada na Geovana.
— Hum! Lembro sim. Acho que vi poucas vezes, mas lembro dela.
Onde ela está?
Eu não ansiava por saber onde a garota se meteu. Sequer almejava
encontrá-la. E era horrível agir assim, no entanto não me sentia preparado
para confrontar meus fantasmas. E… droga! A palavra fantasma me remetia
para outra questão, a qual não intencionava enfrentar no momento.
— Ela…
— Vou ao banheiro. — Eu me apressei a sair dali o quanto antes. —
Está de carro, Geo?
— Claro! Táxi é o meu carro. — Minha irmã revirou os olhos de
maneira teatral e mais uma vez me acusou com o olhar. Ignorei, só porque
não planejava perder tempo e acabar encontrando Amanda.
Subi as escadas, com pressa, remoendo a ideia de ter aquela garota
outra vez em minha vida.
Amanda! O que a garota fazia de volta a Salvador depois de tantos
anos? Por que não manteve-se no seu lugar, onde se encontrou e descobriu a
felicidade? Por que voltou para me atormentar e cobrar, quando tudo o que eu
mais desejava era esquecer o quanto fui babaca com ela e…
Virei para o espaço onde ficavam os banheiros e o improvável
aconteceu.
Ela. A mulher misteriosa. A garota que me atormentava e ocupava
cada vez mais os meus pensamentos.
Ela que sequer existia. Caminhava em minha direção com um vestido
florido curto e esvoaçante, o corpo todo desfilando em suas sandálias
rasteiras, o cabelo solto, brincando com o vento.
Ela. A garota que eu criei, que era tudo o que eu desejava em uma
mulher, que me deu momentos incríveis nos últimos dias e que, assim como
sempre acontecia, desapareceu.
Ela. A garota invisível.
CAPÍTULO 11
AMANDA
Geovana tinha uma vida social agitada. Durante todas as horas que
passamos juntas ela recebeu inúmeras ligações, mensagens e convites. A
garota sabia se relacionar, mas este detalhe não seria classificado como
novidade. Ainda nova minha amiga já se destacava em popularidade.
Bem diferente de mim, que sempre preferi ser discreta. No início por
sentir vergonha do que eu era, depois, por entender que podemos mais
quando ninguém está olhando. Eu me aventurava em dizer que o que vivi
com Diogo servia como a grande prova.
— A Nathalia vai dar uma festa amanhã — ela disse animada. —
Coisa pequena, só para alguns amigos.
— Festa na terça-feira? Nenhum dos seus amigos trabalham? — Seu
encarar cético quase me fez rir.
— Nathália não precisa trabalhar, Amanda! — revirou os olhos como
se fosse lógico o que dizia.
— Ah!
Preferi tomar o restante da minha Coca-Cola, porém fiquei me
perguntando de que forma Geovana conseguiu conhecer pessoas que não
precisavam trabalhar na vida. A nossa vida confortável, a dela mais do que a
minha, não poderia ser considerada como um abridor de portas. E Geo nunca
foi de selecionar os amigos pela condição financeira. É, as coisas, de fato,
mudaram.
— Tive uma ideia! Vamos pedir a conta e eu te levo lá em casa. Minha
mãe vai amar te ver, Mandy!
Meleca!
Engoli o último gole do refrigerante me obrigando a não engasgar.
Estudei minha amiga, deliberando. Eu deveria revelar toda a verdade.
Explicar para Geovana o que aconteceu, como uma brincadeira inocente
virou algo sem qualquer controle. Tudo poderia acontecer, mas, a julgar pelo
comportamento dela em relação a separação do irmão, eu poderia até mesmo
ganhar uma aliada para contar ao Diogo.
Puxei o ar sendo observada de perto por minha amiga, que ainda
aguardava uma resposta. Ok! Era a hora da verdade.
— Geo, aconteceu uma coisa no dia do seu aniversário…
— Ah, sim! O tal problema que fez com que você sumisse sem sequer
me dar um abraço.
— Isso.
— Foi um problema mesmo? Eu pensei que era mentira, ou, sei lá,
algo envolvendo algum carinha. — Piscou brincalhona e fez um gesto
chamando o garçom.
— Na verdade envolveu sim um carinha.
— Sério? Não acredito, Amanda! Você mal chegou em Salvador e já
tem um carinha na jogada?
— Foi meio que fora do previsto.
O garçom se aproximou já com a conta na mão. Geovana recebeu a
carteira e pegou um cartão de crédito para pagar.
— Geo, deixe comigo! Eu te convidei para esse encontro. — Tentei
pegar a conta de sua mão, mas minha amiga me impediu.
— Eu pago a conta e você vai lá em casa passar o restante da tarde
comigo.
Olhei para o garçom que fingia não estar fazendo um pré-julgamento
da nossa conversa. Sorri travessa e coloquei minha mão sobre a dela,
apertando seus dedos.
— Combinado. Eu queria mesmo aceitar esse convite. — Vi quando
um sorriso escroto surgiu no rosto do rapaz. Que babaca!
— Ótimo! — Ela colocou o cartão na carteira e entregou ao garçom.
— Débito, por favor! — O rapaz nos deu as costas e nós duas o
acompanhamos com os olhos enquanto Geo começava a rir. — Você não
presta, Mandy!
— Eu não presto? Ele é um preconceituoso.
— Achei que ele era mais curioso.
— Curioso? Você viu o sorriso que ele deu quando aceitei o seu
convite?
— Por isso mesmo. O cara deve ter ficado fascinado. — Ri sem muita
vontade. — Você sabe que todo homem sonha com duas mulheres juntas na
ação. Seria muito diferente se fossemos dois homens. Ele não sorriria daquela
forma. Aposto que ele está tentando conter a ereção.
— Que horrível, Geo!
Ela riu, tornando a olhar para onde o rapaz seguiu, e então, aconteceu.
— Meu Deus do céu! — Geo gritou.
— O que foi?
— Olha só para isso! — apontou para a entrada do restaurante.
Ah, meleca!
— Não acredito que ele mentiu para mim. Ele disse que não poderia
nos encontrar porque precisava trabalhar e agora está aqui com essa… essa…
essa vaca!
Eu não sabia se me escondia embaixo da mesa, saía correndo, esperava
para que as coisas se resolvessem sozinhas, ou começava a chorar.
Na entrada do restaurante estava Diogo junto com Eduarda. Eu não
deixaria de reconhecê-la nem mesmo se ela não estivesse tão bonita, tão
saudável e… superior. Eduarda continuava sendo a pedra no meu sapato. Não
importava quanto eu havia mudado, o quanto segura me tornei, avistar aquela
mulher destruía tudo em mim, porque bastou ela entrar em meu campo de
visão para que todos os meus medos voltassem com força.
Meu estômago revirou, minhas mãos ficaram suadas e eu jurava que
até mesmo o chão havia começado a tremer. Eu não podia estar ali. O
confronto com Diogo aconteceria, isso era inquestionável, mas não com ela,
não com Eduarda presente, me humilhando mais uma vez, desfazendo de
mim e daquela história.
Levantei sentindo as paredes se fecharem em mim, no exato instante
em que o garçom retornou com a máquina na mão.
— Vou ao banheiro. Espere por mim lá fora. Vá chamando o táxi.
— Mas…
Saí sem esperar por mais nada. Não olhei para o lado, evitei passar por
lugares os quais chamariam a atenção dele, subi correndo as escadas, e, quase
sufocando, entrei no banheiro feminino.
Meu Deus! O que acontecia comigo? Por que meu coração ficou tão
acelerado? E por que inferno não reagi como deveria? Só existia uma
resposta: Eduarda. Ela ainda me aterrorizava, limitava e… A porta do
banheiro abriu e uma mulher entrou ocupando uma das duas cabines.
Respirei fundo, fechei os olhos e molhei um pouco meu rosto. Depois,
convencida de que só lavar a face não me deixaria mais tranquila, comecei a
jogar a água gelada na nuca e então percebi que se continuasse daquela
forma, alguém acabaria chamando o gerente, deduzindo que eu estava
passando mal.
Soltei o ar com força e me encarei no espelho.
— Coragem! — sussurrei.
Levei mais alguns minutos sem conseguir sair do banheiro, e então,
tracei uma rota de fuga e decidi sair. Abri a porta com cuidado, olhei para os
dois lados, me certificando de que não havia ninguém ali, e, por fim, saí.
Mais aliviada caminhei recuperando a minha confiança, quando ele
apareceu.
Me-le-ca!
Parei no mesmo instante. Não havia como fugir, uma vez que ambos
estávamos no corredor o qual ligava os banheiros e apenas as escadas
serviam de fuga. Diogo parou chocado ao me ver. Meu sentimento passou,
com muita facilidade, do desespero para o pesaroso.
O coitado ficou pálido, confuso, como se estivesse vendo um fantasma.
Mas, a verdade era que, para ele, eu era mesmo uma alma penada, ou algo
parecido. A culpa desabou sobre mim com força.
Diogo experimentou alguns passos em minha direção, como se eu
pudesse desaparecer a qualquer segundo. Parou na minha frente. Os olhos
fixos em meu rosto, me encarando com obstinação e encanto. Porém, da
mesma forma que me senti acolhida naquele olhar, me senti perdida.
— Diogo! — sussurrei impactada.
Então suas duas mãos se fecharam em meus braços, um pouco abaixo
dos ombros, com força. Chocada, tentei me afastar. Ele me segurou com mais
força.
— Diogo!
— Quem é você? — disse com eloquência.
— Pare!
— Quem é você? — repetiu com mais energia.
A qualquer momento alguém passaria ali e tudo estaria perdido. O que
eu deveria fazer?
— Você existe. Eu sei que você existe! Não estou louco!
— Diogo, por favor!
— Quem é você? — Seu desespero aumentava.
— Fique calmo.
— Eu não te inventei. Não… — Seus olhos ficaram arregalados. —
Você já morreu? — Então suas mãos me soltaram como se minha pele
queimasse.
Era cômico demais, contudo, desesperador. Dei um passo para trás,
garantindo que conseguiria escapar dele.
— Você é um fantasma? — Ri sem vontade.
— Não sei se você conseguiria transar com um fantasma.
— Então…
— Diogo, eu sou…
Captei o primeiro lance de escadas e todo o desespero voltou. Eduarda
subia para os banheiros e em pouco tempo conseguiria nos ver. Eu não
queria. Não podia! Não assim, sem que ele soubesse a verdade.
— Sua esposa — falei com certo pânico.
— Eduarda? Você é a Eduarda? Como…
— Cala a boca! — rebati ofendida. Como ele podia? — Sua esposa
está subindo. Você quer que ela pense que está louco?
Ele olhou para o lado e para baixo, verificando que Eduarda subia as
escadas sem prestar atenção em nada além dos próprios passos. Foi a minha
deixa. Sem ter a atenção de Diogo em mim, dei dois passos para o lado e
assim que me senti segura, entrei no banheiro e me tranquei na primeira
cabine que encontrei.
Eu estava decidida a revelar a verdade a Diogo, no entanto, teria que
aguardar pela melhor oportunidade.
DIOGO
Olhei durante cinco segundos para Eduarda subindo as escadas. E
quando voltei minha atenção para a garota misteriosa outra vez, - parte de
mim querendo que Eduarda não pudesse mesmo enxergá-la, e a outra com
medo de que aquele detalhe se confirmasse - ela desapareceu.
Atordoado olhei em minha volta, procurando. Como ela conseguia?
Não! Eu não podia mais acreditar que ela era fruto da minha imaginação.
Desesperado, fiz o que confirmaria a minha loucura, andei até a porta do
banheiro feminino e abri com tudo.
Uma mulher soltou um grito ao se deparar comigo. Não me importei
com ela. Empurrei o primeiro reservado, constatando que não havia ninguém.
Com pressa, ciente de que a mulher havia corrido para fora, abri a outra porta
sem encontrar quem eu buscava.
Para onde ela podia ter ido?
— Diogo? — A voz chocada de Eduarda não foi o suficiente para me
fazer desistir.
— Você a viu?
— Quem? — perguntou alarmada, conferindo a porta o tempo todo. —
Você está no banheiro feminino! — falou com raiva.
— A garota.
— Que garota? A que saiu correndo quando você invadiu o banheiro
feminino?
Encarei Eduarda me dando conta de que havia assinado o meu atestado
de loucura. Então, por impulso, segurei em seu braço, puxando-a para fora.
Dois caras subiam as escadas com pressa. Eu não tinha mais tanto tempo.
— Havia uma garota comigo quando você subia as escadas.
— Uma garota? — Ela se afastou, recuando, preocupada. — Você
estava com uma garota aqui? Não consigo acreditar nisso, Diogo!
— Não! — Respirei fundo. — Não é como você está pensando.
— Claro que não! — desdenhou.
— Eduarda, a garota é…
A palavra manteve-se presa em minha garganta. Eu só podia estar
louco, não havia outra explicação. Eduarda me encarava aguardando uma
explicação, aborrecida por toda a cena, acreditando que eu estava ali com
outra mulher, o que não era exatamente uma mentira.
Os dois rapazes se aproximaram com caras nada amistosas.
— Por gentileza, senhor, nos acompanhe — pediu um deles.
— Ah…
Olhei para Eduarda que me fuzilava por ter lhe colocado naquela
situação. Ainda assim, eu precisava dela para me livrar daquela confusão.
— Creio que esteja havendo uma grande confusão aqui — comecei. —
Deixe-me explicar. — Os dois cruzaram os braços na frente do peito,
tentando me intimidar. — Essa é a minha esposa. Eu estava parado do lado
de fora, aguardando por ela quando ouvi um grito. Pensei que algo havia
acontecido, e, sem raciocinar no que fazia, invadi o banheiro feminino. —
Eles olharam para Eduarda, que mesmo irritava, acabou concordando.
— Havia um rato em uma das cabines — ela disse assumindo a sua
posição superior, transformando o que deveria ser ruim para o meu lado, em
algo ruim para o próprio restaurante.
— Um rato? — perguntou um dos rapazes. — A senhora tem certeza?
— Claro que tenho. Ou o senhor está insinuando que não havia um rato
no banheiro? Eu o vi. Ele quase subiu na minha perna. Viu? — Ergueu a
panturrilha demonstrando a pele sem qualquer prova, ainda assim eles
pareceram acreditar. — É inadmissível um rato em um restaurante como este.
— Sua voz ganhou um tom mais alto, mais arrogante, desfazendo a postura
deles quase de imediato.
— Não se preocupe, senhora. Vamos interditar o banheiro e chamar a
empresa de desratização. Posso garantir que nossa cozinha é bastante limpa,
caso a senhora queira, podemos demonstrar.
— Não será preciso. Sou cliente antiga da casa. Confio em vocês.
Agora quero sentar e esquecer este episódio.
— Claro, claro!
Com o jogo virado, descemos as escadas em direção às mesas. A cena
da garota desaparecendo me deixou arrasado. Como podia ser real? Minha
mente estava muito fodida. Muito fodida.
Eduarda nada disse até que estivéssemos devidamente acomodados e
com todos os cuidados especiais dos garçons, preocupados em não deixar
aquela conversa vazar. Eduarda se mantinha altiva, soberana, aceitando tudo
o que lhes ofereciam, inclusive a taça de vinho branco que ela tanto desejava.
Assim que nos vimos longe deles ela se voltou para mim com toda a
sua força.
— Espero que tenha uma ótima explicação para me obrigar a mentir.
Estreitei os olhos, me perguntando se ela mentiria mesmo por mim se
não soubesse que conseguiria muito mais do restaurante pelo seu falso
testemunho.
— Eu acho que… — protelei, sem saber como explicar. — Não sei.
Fiquei confuso. Achei que vi uma pessoa, mas, de repente, não havia
ninguém.
— Um espírito? — Seu sorriso desdenhoso não teve qualquer
vergonha de se apresentar.
— Não! Quer dizer… Não sei — admiti cansado. — Não foi nada. Só
uma confusão temporária.
— Você bebeu?
— Não! — rosnei. — Eu estava no trabalho. Você deveria…
— Esquecer? Acha mesmo que eu deveria esquecer as mais de dez
vezes que me ligou bêbado para brigar?
— Brigar? — Ri sem qualquer vontade. — Eu ligava porque te queria
de volta. E isso não é tão horrível quanto está fazendo parecer.
— Ah! — Virou o rosto para o lado, a perna balançando sem parar. —
Você sabe a minha condição.
— Eduarda…
— Eu sei o que tem a dizer e, de verdade, Diogo, deixa pra lá. Não
posso te obrigar a nada.
— Não — concordei analisando-a. Aguardando pela sua tacada final.
Contudo, depois daquele episódio, de ter a garota misteriosa outra vez
a minha frente e de me certificar de que ela não teria como surgir, como saber
onde eu estaria, o que só me levava a acreditar que a menina era mesmo uma
falha na minha mente, restava-me aceitar que os gatilhos seriam sempre
Eduarda e Geovana. Desta vez as duas estavam lá, e a garota apareceu, assim
como sumiu.
— Quero o divórcio, Diogo — falou com a voz calma, determinada.
— Divórcio?
— Sim. Já estamos separados. Não seguimos mais os mesmos
caminhos, não temos mais os mesmos objetivos, então… — deu de ombros.
Eu não queria ser levado por este caminho. Juro que em todas as cenas
que criei em minha mente, para convencer Eduarda a voltar, jamais
imaginaria que aceitaria o seu retorno como um ato de desespero. Como a
única forma de restabelecer a minha sanidade.
E a verdade era que, quando Eduarda estava em minha casa, quando
minha irmã não fazia tanta pressão para me ajudar a seguir em frente, não
havia fantasia com mulheres invisíveis, inexistente.
Minha vida com Eduarda não estava em seu melhor momento. Havia
um pouco de tudo, e, de fato, começamos a nos distanciar depois da minha
posição quanto aos seus desejos. Ainda assim, crescia em mim a ideia de que
se minha vida voltasse a sua rotina habitual, se Eduarda retornasse a nossa
casa, acabaria o mistério da garota que não existia.
Mas era isso o que eu queria? Apagá-la de vez. Fingir que nada
aconteceu?
De verdade eu não sabia, mas ansiava por ter minha vida de volta. E
foi por isso que coloquei minha mão sobre a da minha ex-esposa, percebendo
que ela já não usava mais a sua aliança de casamento. Ela me olhou com
atenção, tentando esconder a emoção.
— Eu não quero o divórcio — falei sem tanta certeza.
— E como podemos resolver isso?
— Não sei, Eduarda. Não estou preparado para aceitar a sua exigência.
Se me der uma chance, um tempo para ajustar a ideia e me conformar com
ela, quem sabe dê certo?
— Não sei, Diogo.
Sua voz já deixava claro que minhas palavras a impactaram. Apertei
meus dedos nos dela, voltando a perceber a sensação em meu peito, a ideia de
que aquilo seria mais um tiro no pé. Ainda assim, me mantive firme. Eu
precisava fazer qualquer coisa para voltar a me sentir normal. Mesmo que me
custasse voltar atrás na decisão que acarretou a nossa separação.
— Vou pensar, Diogo.
— Duda…
— Vou pensar.
— Tudo bem.
O garçom se aproximou e o assunto morreu.
CAPÍTULO 12
AMANDA
***
Algo não se encaixava naquele ambiente. Intuí assim que entrei na casa
dos meus pais, com o corpo doendo de um dia de trabalho exaustivo, e de
tantos questionamentos.
Como costumava fazer, passei pela varanda lateral e entrei pela
cozinha. Meu pai, sentado à mesa, analisando uns papéis que, captei, não
eram relacionados ao trabalho, foi a primeira figura que meu cérebro
identificou como fora do normal.
Naquele dia ele só ficou no escritório pela manhã e foi embora antes
do almoço, com a desculpa de que deveria se aposentar logo e deixar a
empresa só para mim. E ainda por cima, soltou uma piadinha que me deixou
ouriçado. Ele disse: afinal de contas agora serei avô, preciso de tempo para
brincar com meu neto, ou minha neta.
Neto? Neta?
Aquilo me deixou sem chão.
Todas as vezes que alguém tocava no assunto filhos, meu ar faltava.
Depois da conversa com Duda então… E ninguém poderia me recriminar por
ruminar aquelas palavras, eu tinha todos os motivos para atestar a veracidade
da minha condição de genitor daquela criança.
Amanda ressurgiu do nada, e sempre que eu pensava nisso, tinha
vontade de me esbofetear. Ela transou comigo sem camisinha… ok! Fui
alertado, mas… ainda assim, ela transou comigo, sabendo quem eu era, mas
sem me deixar saber quem ela era, e então, em pouco tempo tudo se
desenrolou, Amanda engravidou e eu seria pai.
Eu quis. Fiz de tudo para me convencer de que não havia motivo para
Amanda aplicar o golpe da barriga, ou me fazer assumir um filho sem que
este fosse meu. Entretanto, quando relembrava o mal que havia feito a garota,
me perguntava se essa tal vingança não seria mais do que justa.
Porém, nem isso, nem o reconhecimento dos meus péssimos atos
quanto a garota, me faria aceitar um filho assim, sem me certificar quanto a
veracidade dos fatos.
A mágoa de Eduarda se justificava por si só. Ela não suportava a
Amanda. Pudera, aquela noite quase destruiu o nosso recém estabelecido
namoro, quando tentei ir atrás da garota que deixou a cozinha chorando.
Depois, com a sua ida para São Paulo, levei anos me culpando, e culpando-a
por consequência.
Então… levando-se em consideração a sua situação, claro que eu
deveria desconsiderar a sua opinião, contudo, como fazer, se aquela ideia me
atormentava o juízo? Além do mais, Amanda poderia muito bem ter mantido
relações sexuais com alguém um dia antes de embarcar para Salvador,
engravidou, e sem qualquer ideia do ocorrido, acreditou que ser meu. Não
seria uma história impossível.
E só de cogitar Amanda nos braços de um outro cara, um piloto de
avião, por exemplo, o fetiche de todas as mulheres, uma sensação estranha
me dominava, e confesso, me impelia a ir atrás daquela história.
Se ela podia transar com qualquer um, podia engravidar de qualquer
um também.
Ah, droga! Seria ciúme? Não! Claro que não havia motivo para existir
ciúme da Amanda. Afinal de contas, a garota não fora nada além de sexo.
Mesmo assim, a imagem em minha mente de Amanda em um banheiro de
avião com um piloto, me enojava e irritava ao ponto de roubar a minha
concentração.
Então, no final do dia, fiz o que achei mais conveniente, fui até a casa
dos meus pais, conversar com eles sobre a possibilidade de haver um
equívoco naquela situação. Afinal de contas, eu precisaria de apoio para um
pedido como aquele, fazer o exame de DNA, quando todos estavam
convictos da minha paternidade quanto aquela gestação.
Meu pai ergueu as vistas, se surpreendendo com a minha chegada,
apesar do meu hábito quase rotineiro de passar na casa deles depois do
trabalho. Então ele olhou para minha mãe, que fazia um chá, levantando e
descendo o sachê com bastante cuidado.
Minha mãe detestava chá. Outro ponto incomum.
Olhei de um para o outro, buscando compreender a cena. Então me
aproximei de minha mãe, dei um beijo em sua testa. Ela parecia tensa. Meu
pai arrumou os papéis como se quisesse escondê-los de mim.
— Perdi alguma coisa? — Continuei encarando os dois, que se
entreolharam e não falaram. Ou não falaram no tempo que eu precisava. — O
que são esses papéis?
— Ah… — Meu pai olhou mais uma vez para minha mãe.
— Qual é o problema? — Fui mais enérgico.
— Amanda teve alta — minha mãe falou com firmeza, deixando o chá
de lado. Na verdade ela me encarou com a mão na cintura e me desafiando a
impedi-la.
Mas impedi-la de quê, inferno!
— Ah, foi? E está tudo bem com ela?
— Que bom que perguntou, já que estamos falando, mesmo que de
forma indireta, do seu filho — ela disparou. — Amanda está bem, obrigada!
E a criança está bem também, porém, Amanda precisa de repouso por mais
tempo.
— Hum! Que… bom?
Eu não sabia o que dizer, porque quando minha mãe falava daquele
jeito comigo eu me tornava outra vez o moleque de quinze anos que sempre
acabava de castigo em conversas como aquela.
— Trouxemos ela pra cá — ela disse de uma vez só, como se estivesse
disposta a me ver enlouquecer ali mesmo, na cozinha.
— Pra cá? — Levantei as mãos, cansado, sabendo que, para aquela
conversa, não adiantava qualquer argumento. Não havia mais nada que eu
pudesse fazer.
— Sim. Vou cuidar pessoalmente para que meu neto venha a este
mundo com todo carinho e amor. E não se preocupe, terei toda a vida para
jogar isso na sua cara, quando você estiver correndo atrás da criança como
um pai idiota.
— Ela vai ficar no seu antigo quarto — completou disposta a acabar
com toda a minha sanidade.
— No meu quarto?
— Seu antigo quarto — salientou.
— Por que ela não pode ficar no quartinho do fundo? — Minha mãe
me relanceou deixando clara a sua posição, e o quanto aquela discussão
pioraria as coisas para o meu lado. — Mãe… pai… — Desisti de tentar com
minha mãe, e parti para a pessoa mais sensata daquela casa. — Com Amanda
aqui, não terei mais liberdade.
— Que liberdade? Você já é adulto, Diogo, e não mora aqui há anos.
Vá para a sua casa e tenha a sua liberdade lá.
Perfeito! Os dois contra mim. Os dois! Eu estava muito ferrado.
DIOGO
Muito puto poderia ser a expressão perfeita para mim. E olha que há
mais ou menos três semanas eu dedicava meus dias a me embebedar e
lamentar por minha esposa ter me abandonado. Acreditava que nada poderia
ficar pior. Mas a vida escrota me deu dois tapas na cara e gritou: você é um
moleque! Pede pra sair!
Puta que pariu!
Passei dias questionando a minha saúde mental, interessado e
transando com uma garota que não existia, mas que, confesso, eu desejei que
fosse real, e aí está o erro dos desejos. Não deseje! Não jogue isso para o
universo. Eu era a prova de que ele atendia, mas com uma rasteira.
Então, em pouco tempo me vi na obrigação de ser pai, sem minha
esposa, sem a garota invisível, que se tornou real e passou a infernizar a
minha vida, e sem o apoio da família.
E o que eu podia fazer? Nada.
Amanda não me deixaria confirmar aquela paternidade antes do
nascimento. Nem depois. Pelo menos não de forma simples.
“Eu estou muito fodido!” pensei ao colocar a chave na porta de casa.
Teria que esperar nove meses. Nove meses com aquela angústia,
aquele desespero, aquela sensação de descontrole que parecia me sufocar.
Seria tão mais fácil se pudéssemos descobrir logo. Aí eu teria nove meses
para me adaptar a ideia, quem sabe, até aceitar.
Mas não. Ninguém colaborava comigo e…
— Eduarda? — falei espantado ao me deparar com minha ex-esposa na
minha sala.
Fechei a porta, ainda impactado e a encarei. Ela se manteve sentada no
sofá, os braços cruzados, como se aguardasse por alguma reação minha. E ela
teve, entretanto, não foi a das melhores.
— O que faz aqui?
— É a minha casa ainda, Diogo.
— Não desde que você foi embora! Aliás, isso precisa acabar. Já que
você não mora mais aqui, é melhor me devolver a chave — declarei, um
pouco irritado. Não dava para me manter amável depois do dia de cão que
tive.
— Mas… Diogo, eu… Quer dizer… Você me pediu para voltar,
então…
— Olha, Duda…
— Eu te perdoo, Diogo! — Ela me interrompeu. — Quero voltar para
casa e restabelecer o nosso casamento. Reconheço a minha parcela de culpa
nesta confusão. Fiquei obstinada com a ideia de engravidar, em formarmos
uma família, que acabei abrindo caminho para aquela… vigarista aparecer e
aprontar essa confusão. — Respirei fundo. Eu não queria descarregar nela as
minhas frustrações.
No final das contas minha mãe estava certa. Duda era a única vítima
daquela confusão, porque me recusei a lhe dar um filho, colocando um ponto
final em nosso casamento, e então, do nada, apareço com Amanda grávida.
Não havia como ignorar o lado da minha ex-mulher.
Mesmo assim, apesar das várias semanas bebendo e implorando para
que ela esquecesse aquela ideia de filhos e voltasse para mim, de ter desejado
o nosso casamento de volta, mesmo consciente de que havia muito mais
problemas além do seu desejo pela maternidade, não consegui me sentir feliz
com a sua decisão de findar a nossa separação.
Não que não a quisesse de volta. Ou talvez não a quisesse mesmo,
porém não tinha condições de formular uma ideia mais completa sobre tudo.
Foi com Eduarda que escolhi casar, e foi ela quem esteve ao meu lado desde
a adolescência. Além disso, tivemos muitos momentos maravilhosos para
recordar.
Foi nisso que me apeguei quando ela foi embora. Sustentei a ideia de
que seríamos capazes de recuperar o que ficou para trás, de reativar aquele
fogo que nos movia na mesma direção. Entretanto, depois que Amanda
entrou na minha vida, tudo ficou confuso. E quando eu dizia tudo, era de fato
tudo.
Não reconhecia mais dentro de mim o sentimento que acreditava nutrir
por Eduarda, e reconhecia que poderia enxergar aquela sensação como um
reflexo dos últimos acontecimentos. Na real? Eu tinha mais no que pensar, o
que por si só, gastava uma energia absurda, do que conseguir engatar
qualquer coisa naquele relacionamento outra vez.
— Eu estou de volta, Diogo! Nós vamos superar essa fase.
— Espere um pouco! — Precisei me afastar dela, colocando o
raciocínio no lugar. — Quando você diz que está de volta, você...
— Sim. — Ela sorriu vitoriosa. — Trouxe minhas coisas de volta.
— Sem me avisar? Sem perguntar se eu concordava?
Porra, minha cabeça ia explodir.
— Você me pediu para voltar, e essa casa também é minha! — rebateu
enfurecida.
— Essa casa não é sua, Eduarda! Eu comprei ela com meu dinheiro,
sem qualquer participação sua. — Seus olhos faiscaram.
— Pois se quer mesmo o divórcio esteja pronto para perdê-la. Casamos
com comunhão de bens. Não importa quem injetou dinheiro aqui. A casa é
minha!
— Inacreditável! Inacreditável!
— O que está acontecendo com você, Diogo? Primeiro me pede para
voltar, jura o seu amor. Então volto para casa e te encontro com uma
vagabunda em nosso apartamento. Depois me diz que ela está grávida, o que,
acredito, nem deveria te abalar, já que o filho pode ser de Deus sabe quantos
homens… Agora que eu volto, que te perdoo de todos os seus erros, que
passo por cima do meu orgulho, das minhas feridas, é assim que sou
recebida?
Fechei os olhos e respirei fundo várias vezes. Tinha que haver uma
saída para aquela loucura que se instalou em minha vida.
— Você precisava conversar comigo antes — falei tentando ficar
calmo. — Não é o melhor momento, Duda!
— Por que? Você vai ficar com ela, é isso? Vai ficar com aquela
piranha, vagabunda, marmita de piloto…
— Para, Duda! — gritei, assustando-a. — Só. Não é. Um bom.
Momento! — rosnei, prestes a enlouquecer de vez.
Ela cruzou os braços na frente do peito, o queixo empinado como
sempre fazia, a postura de quem nunca aceitaria perder.
— Pois eu estou de volta. Faça o que achar melhor com isso.
E se retirou da sala, batendo a porta do quarto. Do meu quarto.
Puta que pariu!
Andei pela sala sem saber o que deveria fazer. Eu queria um banho,
uma cerveja, um futebol na TV e deixar o mundo para trás. Só isso. Era pedir
muito? Não era. Mas parecia ser.
Então, ainda enraivecido, encarei aquela penca de chaves sobre a mesa,
reconhecendo-a de imediato. Não pensei duas vezes. Fui até a lavanderia,
alcancei uma camisa, cuecas, um short e uma calça jeans. Não perdi tempo
tentando encontrar uma sacola para colocar as peças. Embolei tudo no braço,
peguei a chave, meu notebook, o celular, a chave do carro e deixei o
apartamento.
E, quem diria, só precisei virar a direita, abrir a porta ao lado, e entrar
no apartamento da Amanda, vazio, exatamente como deixamos no dia em que
saímos de lá correndo para levá-la ao hospital.
Pelo menos ali eu teria paz.
Assim eu esperava.
CAPÍTULO 19
DIOGO
AMANDA
Eu estava agitada. Não era muito fácil, depois de longos anos sendo o
mais independente e ativa possível, trabalhando como aquela que seria a
responsável por conter o pânico de tantas outras pessoas, passar uma semana
deitada, dependendo de alguém até mesmo para conseguir fazer xixi.
Não, não era nada fácil.
E para piorar, Geovana estava decidida a fazer tudo como Dr. Fábio
determinava, ou seja, ela se tornou um cão de guarda que começava a me dar
nos nervos. Mesmo melhor, sem dor, sem sangramento, minha amiga insistia
que eu não podia levantar sequer para dar alguns passos até a varanda e
observar o dia.
Por isso, tudo o que eu conseguia era encarar o teto, as paredes, a TV,
que, convenhamos, não passava nada de interessante, e a cara de Geovana
sempre muito preocupada em relatar ao meu médico, cada passo que eu dava.
Por isso eu sempre escolhia as madrugadas para esticar as pernas e me
sentir um pouco melhor. E, claro, descer as escadas não era algo
aconselhável, já que subir me renderia longos minutos, para garantir o meu
mínimo esforço. Contudo, não suportava caminhar tão lenta pelo corredor, ou
ficar na varanda observando a rua escura e sem saída, sem qualquer atrativo
naquele horário.
Então desci, decidida a beber um copo com água gelada. Saí sem fazer
qualquer ruído, desci cada degrau com o máximo de cuidado, testando
minhas pernas e me certificando de que conseguiria, muito em breve, cuidar
de mim mesma sem o auxílio de ninguém.
Cheguei a cozinha me sentindo ótima. Abri a geladeira, me servi de um
copo d’água gelada e soltei um suspiro de satisfação quando dei o primeiro
gole.
E foi então que tudo aconteceu.
Assim que virei em direção a mesa, com a porta da geladeira ainda
aberta, e sendo esta a única luminosidade do local, vi o homem parado, à
porta da cozinha, me encarando como quem via um fantasma.
Ciente de que um grito acordaria a casa toda e me colocaria em uma
posição um tanto quanto complicada, tampei a boca, abafando meu gemido
de terror. Em seguida, a mão que ainda segurava o copo com água foi para a
barriga, e eu nem sei dizer o motivo para ter feito aquilo, já que a criança
estava muito bem protegida dentro de mim. Ainda assim, foi desta forma que
agi, e, talvez, tenha sido por este motivo para a reação do Diogo.
— Amanda?
A voz abafada chegou até mim antes mesmo de eu ter associado a
imagem a sua pessoa. Não tive tempo de reagir. Em menos de uma batida do
meu coração, Diogo me alcançou, me segurando com cuidado e me fazendo
sentar.
— Você está bem? Quer que eu faça algo? Ah, droga! Talvez seja
melhor te levar ao médico e…
— Eu estou bem — consegui dizer. Minha voz ainda fraca,
demonstrando meu susto. — Eu estou bem — repeti, levando o copo à boca e
bebendo toda a água de vez para conseguir me acalmar.
— Tem certeza? Não precisa de… talvez… e o…
Respirei fundo me controlando. Diogo não conseguia sequer
pronunciar o que aquela criança era. Aquilo me enfureceu.
— O meu filho? Está ótimo, obrigada! — rebati sem esconder a fúria.
— Certo. — Ele se afastou, entrando na escuridão da cozinha como se
precisasse manter-se o mais distante de mim possível. — O que faz aqui?
— Não te contaram? Estou presa a esta casa até que o Dr. Fábio se
convença de que posso cuidar de mim mesma.
— Bom… — ouvi sua voz vacilar.
Eu não podia vê-lo, mas podia apostar que ele estava com os olhos
esbugalhados e que suas mãos conferiam o cabelo a cada dez segundos.
— Eu quis dizer aqui na cozinha.
— Acredito que posso te fazer a mesma pergunta.
— Essa é a casa dos meus pais — grune, com mágoa, o que me
atingiu.
— Se quer algo para se apegar, eu não queria estar aqui.
— Minha mãe vai ficar feliz em saber disso.
— Quantos anos você tem? — me ouço dizer um pouco mais alto,
aborrecida a um nível incomum. — Porque às vezes acho que estou
conversando com o Diogo adolescente.
— Pelo menos em alguma coisa a gente concorda — ele rebateu. — Às
vezes penso que você ainda é uma criança. Pelo menos no que tange as suas
atitudes.
— Ah, claro! Eu fui chorar nos ombros dos meus pais porque descobri
que terei um filho.
— Eu não fiz isso! — disse indignado, disposto a ir até o final naquela
conversa. — E você não pode me acusar de nada. Você apareceu na minha
casa fingindo não saber quem eu era e se enfurnou na minha cama.
— E pedi para você transar comigo? — Ele ficou mudo. Era a minha
chance. — Pedi para você não usar a camisinha? Por favor, me ajude com
essa ideia, porque até onde eu me lembro, você não quis usar a camisinha.
— E você não reclamou.
— Porque você estava me seduzindo!
Precisei me controlar para não gritar. Meu quase descontrole deu a
Diogo pontos para usar contra mim. E, mesmo no escuro, eu podia jurar que
ele sorria, se achando o máximo por conseguir tirar a minha capacidade de
raciocinar.
— Você é um idiota, Diogo!
— E você é infantil, Amanda!
— Não sei onde estava com a cabeça quando me deixei levar por sua
loucura.
— Exato. Loucura. Eu estava louco. E você se aproveitou disso.
— Sim, eu fui lá e fiz você transar comigo! — rebati já cheia de raiva.
— Exatamente isso. Você foi lá e me fez desejá-la. Abusou da
minha… incapacidade momentânea.
— Seu cretino! Imbecil! idiota! Eu te odeio! Sempre te odiei e sempre
vou te odiar!
Diogo ficou em silêncio depois dessa. O clima na cozinha ficou
pesado. Agradeci a falta de luz para esconder as lágrimas que desceram pelo
meu rosto. Como fui burra! Burra! Burra! E por causa daquela burrice, estaria
ligada àquele idiota pelo resto da minha vida.
Levantei, decidida a ir embora. No dia seguinte Dr. Fábio me visitaria.
Teríamos uma conversa onde eu conseguiria a minha liberdade. Ele até podia
me impedir de entrar em um avião e sumir da vida daquele imbecil, mas não
podia me obrigar a ficar naquela casa nem mais um segundo.
Mas, assim que a cadeira arrastou, indicando que eu havia levantado,
Diogo já estava perto, me apoiando, me impedindo de fugir dele.
— Me deixe! Posso fazer tudo sozinha.
— Eu não te odeio, Amanda. — Sua voz baixa, como um pedido de
desculpas, ou o mais próximo disso que conseguia chegar, me impactou. —
Nunca te odiei e nem nunca vou te odiar.
Apesar do tom duro e ressentido, desprovido de qualquer carinho ou
sentimento confortador, eu me senti baqueada com suas palavras. E por causa
delas, não consegui fazer com que ele tirasse as mãos de mim.
— Vou te levar para cima — anunciou.
— Não precisa, eu…
— Não estou pedindo a sua autorização — rebateu, voltando a ser o
mesmo de segundos antes. — É meu filho que está em perigo. Não vou
deixar que você estrague tudo.
— Eu? Você…
Fui surpreendida com a sua atitude. Diogo me carregou em seus
braços, como se eu fosse uma criança, sem qualquer sacrifício.
— Diogo!
— Cala a boca, garota invisível!
Ele disse, enquanto me conduzia de volta para o quarto. O quarto dele.
A cama dele.
E meu coração acelerou.
CAPÍTULO 20
AMANDA
***
Eu ia beijar a Amanda?
Sim, eu ia beijar a Amanda.
Porra!
Desci as escadas com pressa, tentando formular uma desculpa
plausível, que convencesse a minha esposa de que o que ela viu, não foi bem
o que ela viu. Se bem que, sim, foi exatamente o que ela viu. Porra! Eu estava
prestes a beijar Amanda, mesmo sem compreender porque faria aquilo.
Entrei na sala com passos apressados, quase esbarrando na minha mãe
que, de alguma forma, continha Duda na cozinha.
— Ah, ótimo! Diogo chegou! — ela disse assim que desviou de mim.
A tensão óbvia dispensava qualquer comentário. Segurei Eduarda pelo
braço, fazendo-a sair da cozinha. Ainda ouvi minha mãe falando:
— Eu vou… bom… cuidar das coisas por aqui. Foi um prazer te rever,
Duda.
Minha esposa sequer se deu ao trabalho de se despedir da minha mãe.
Puxei Eduarda para a varanda em direção a garagem, e, assim que ela se deu
conta de que ninguém nos via, puxou o braço com raiva, parando para me
encarar.
— O que está fazendo aqui? — Minha voz aborrecida não foi contida.
— Como o que estou fazendo aqui? Uma semana, Diogo! Uma
semana! Eu voltei para casa, como me implorou pra fazer tantas vezes, e o
que você faz? Foge! — explodiu.
— Eu disse que precisava de um tempo.
— Um tempo pra quê? Para brincar de família feliz com aquela…
aquela… gorda!
— Ela não é gorda, Eduarda! E isso é tão…
— Não está gorda! — rebateu com raiva, andando sem parar de um
lado para o outro. — Porque tem tendência. Espere mais quatro meses para
que a garota fique igual a um balão. E as estrias? Ah, ela vai ficar mesmo
maternal com todas as estrias que cortam a pele da mulher e…
— Duda! — Segurei minha esposa pelos ombros, no momento em que
ela passou por mim. — Foi para isso que você veio? — Ela me encarou
assustada.
— O que está fazendo aqui, Diogo? Hein? O que ela faz aqui? —
Gritou.
— É a casa dos meus pais!
— Dos seus pais! Não dos pais dela.
Então, como se tivesse um ataque repentino de compreensão, Eduarda
se afastou horrorizada, os olhos imensos, levando as mãos a boca.
— Eles não… não, Diogo! Eu sou a sua esposa. Eu! Eles não
podiam…
— Para, Duda!
Sacudi Eduarda para que recuperasse a compostura. Tudo o que eu
menos queria era um escândalo na casa dos meus pais, por causa daquela
confusão que arrumei para a minha vida.
— Eles… você… vocês…
— Não! Quer dizer… — precisei me afastar para não me sentir tão
péssimo com todo o seu sofrimento. — A Amanda está aqui. Ela precisa de
cuidados e meus pais se sentem responsáveis por ela.
— Responsáveis? Meu Deus! Aquela pilantra está convencendo a
todos de que esse filho é seu?
— Droga, Eduarda! Dá um tempo! A Amanda quase perdeu o filho,
meus pais estão cuidando da amiga de infância da Geovana e eu…
— Você o quê? Hein? Seu… seu… seu cretino! Adúltero!
E me xingando de todos os nomes que conseguia encontrar, começou a
me atingir com tapas. Tentei me desvencilhar, disposto a não entrar naquela
briga, mas era impossível quando Eduarda se mantinha tão determinada a
descontar em alguém a sua frustração.
— Que merda! — gritei, conseguindo segurar suas duas mãos. — Para
com isso! Ficou louca?
— Fiquei! — gritou de volta, descontrolada. — Como você acha que
eu deveria reagir ao flagrar meu marido beijando a sua amante?
— Eu não beijei ninguém! E…
— Com licença!
Uma voz perturbadora me interrompeu de gritar para Eduarda que nós
estávamos separados. Não sei dizer se foi esse ponto que me aborreceu ou se
foi quando virei em direção a voz e avistei aquele doutorzinho no portão, nos
encarando com certo divertimento, adorando receber de primeira mão, a
fofoca de que o pai do filho da sua paciente, era casado com outra mulher.
Eu queria matar o desgraçado. No entanto, Deus sempre sabe o que
faz. No momento em que minha raiva foi transferida de alvo, Geovana
irrompeu na varanda, lançando em minha direção um olhar assassino.
— Bom dia, Dr. Fábio! — Falou um pouco mais alto. — Amanda já
aguarda o senhor no andar de cima.
— Hum! Esse “senhor” na frase faz com que eu me sinta muito velho.
— O filho da puta galanteador jogou charme para a minha irmã. — Podemos
agir sem as formalidades, não é mesmo? Afinal de contas essa é uma consulta
de cortesia. Fiquei mesmo preocupado com a Amanda e não queria deslocá-la
sem antes averiguar se ela estava mesmo pronta para isso.
— Deslocá-la? — Dei um passo na direção deles, sendo contido, de
forma ridícula, pela minha esposa.
— Ah.. — Ele olhou de mim para Duda e sorriu como se gostasse
daquilo. — Desculpe atrapalhar. Combinei com sua mãe que eu chegaria
cedo.
— Não tem problema, Dr. Fábio — Geovana assumiu a frente,
deixando claro que me mataria caso eu fizesse qualquer besteira. — Vamos
subir. Oi, Eduarda! — Falou assim, como se minha esposa não tivesse
qualquer nível de amizade com ela.
Minha irmã conduziu o médico para dentro da casa, o que me deixou
incomodado em um nível absurdo.
— O médico vem atendê-la aqui? — Eduarda esbravejou.
— Amanda quase perdeu a criança — reclamei, sem deixar de conferir
a porta convidativa. — É melhor você ir, Duda! Eu fiquei de colaborar com o
que for necessário.
— Era só o que me faltava! Você é meu marido, Diogo!
Ela começou a mesma ladainha, o que me fez gemer de desgosto. Tive
vontade de gritar, de me permitir um surto para tirá-la de lá à força. Aquele
filho da puta ia examinar a Amanda, e eu sabia como funcionava. Essa coisa
de atender em casa não me iludia. Todas as pessoas sabem o que os médicos
fazem nesses exames, e só de imaginar aqueles dois no quarto, sem
supervisão, já começava a roubar a minha paz.
Por que me sentia assim? Eu não fazia a mínima ideia. Ou fazia.
Amanda podia até ser livre, mas carregava um filho meu. Ela não podia fazer
isso se considerando solteira, não é mesmo? Quer dizer… a droga da criança
era minha, logo, nenhum espertinho se enfiaria no meio das suas pernas
enquanto meu filho estivesse com ela. E, talvez, quem sabe, nem depois
disso.
Ah, porra! O que acontecia comigo? Eu podia exigir algo do tipo?
Não! Lógico que não. Amanda era uma mulher livre, linda, gostosa pra
cacete… e tinha as suas próprias necessidades. Eu não podia exigir nada dela
quando eu mesmo precisava manter a minha esposa sob controle. Só se…
não! Mas…
— Entendeu? — Eduarda gritou um pouco mais alto, elevando a minha
irritação.
— Duda, por que não entra aqui para tomarmos um café? — Minha
mãe me salvou, ou salvou Eduarda.
— Ah, tia, eu não sei — choramingou.
— Venha, querida! Nós temos muito o que conversar. E Diogo
assumiu um compromisso hoje, então… — Ela conseguiu conduzir Eduarda
para dentro da cozinha, me deixando livre para agir.
Dei a volta na casa, abri a porta da sala, entrei com pressa, subi as
escadas, contudo, parei antes de invadir no quarto, respirando várias vezes
para não parecer desesperado demais.
— Hum! — O médico devasso murmurou, assim que entrei, ansioso
para conferir toda a cena.
Amanda, deitada em minha cama, com o vestido suspenso de forma a
dar uma ampla visão da sua barriga, e com um lençol cobrindo a sua
calcinha, o que me deixou um pouco mais relaxado, mantinha-se impassiva
enquanto esperava a posição do médico. Ela o encarou com tanta intensidade
que sequer percebeu a minha entrada.
O sujeito, o tal obstetra, se concentrava em sua barriga lisa, a cintura
bem delineada e o bronzeado provocador com aquela marca branca do
bíquini, quer dizer… ele trabalhava na barriga, mas eu podia apostar que
percebeu os outros detalhes, assim como eu. Fiquei muito puto da vida!
No canto, acompanhando tudo com ansiedade, Geovana. Segui para o
seu lado, mantendo minha postura séria, deixando claro para aquele médico
safado, que eu era o pai daquela criança.
E só por este simples pensamento, um forte calafrio atingiu a minha
espinha.
Porra! Meu aborrecimento se dava pelo fato de eu querer ser pai? Não!
Lógico que não. Aquela sensação inquietante me acometia porque eu não
queria que ele colocasse as mãos na Amanda, e já passava da hora de assumir
esta situação. Uma droga de situação, contudo, real. Mas, já que eu estava
fodido mesmo, então que jogasse todas as cartas na mesa.
Eu gostava dela. Não uma paixão. Não a ideia de que seríamos uma
família feliz. Gostava dela porque… Bom, eu nunca soube explicar. Todas as
vezes que refleti sobre o assunto, encontrei explicações diferentes e, depois
de um tempo, deixei de me questionar a respeito de desejar algo e ao mesmo
tempo, me proibir de tê-lo.
Mas eu gostava, e sentia a sua falta. Especialmente na cama. Tenho
que admitir. A química entre nós era perfeita. O desejo parecia pulsar nas
veias quando ela se aproximava, e eu, mesmo confuso, não me atrevi a
resistir a tal garota invisível. Então, depois que ela se tornou real, eu não
parava de me questionar se a forma como reagíamos um ao outro na cama,
permaneceria ou sumiria junto com a ideia de que ela não passasse de uma
ilusão.
Precisei me movimentar, incomodado com a ereção perturbadora após
encarar sua barriga exposta e me deixar levar pelos pensamentos. Porra, eu
era um merda! Amanda estava grávida, o que me apavorava, além disso,
encontrava-se doente, e para completar o quadro, Eduarda continuava contida
por minha mãe no andar de baixo. Uma péssima hora para uma ereção, ou
para ser bombardeado com lembranças deliciosas de como a sua cintura
mexia, dos movimentos que fazíamos, dos seus gemidos e…
— Diogo? — Geovana chamou, então me dei conta de que todos
olhavam para mim, aguardando por algo. — Você ouviu alguma coisa do que
dissemos?
— Ah… hum… —
Não havia como dizer que sim, levando-se em conta que Geovana não
deixaria passar a minha desatenção, muito menos dizer que não, e encarar o
sorriso debochado daquele sujeito.
— Como ela está?
— Aparentemente bem, mas preciso de um exame mais específico —
ele disse já levantando. — Quero ter certeza de que não há mais qualquer
problema no saco gestacional. Eu posso levá-las até o…
— Eu farei isso. — Tomei a frente, me aproximando de Amanda, que
não escondia os olhos úmidos. — Está tudo bem?
— Sim. — Havia doçura em sua voz, como há muito não ouvia. E
então sorriu, tímida. Linda! — Dr. Fábio acha que está tudo bem com o bebê
— revelou abrindo um sorriso iluminador, ofuscando tudo ao nosso redor.
Fiquei chocado, sem reação, sem conseguir expressar uma felicidade
genuína e isso não significava que eu queria que a criança morresse. Não! Por
Deus! Apenas não me preparei para o impacto daquele sorriso emocionado,
demonstrando tanto amor por um… que tamanho tinha um feto com tão
pouco tempo? E como ela podia amar com aquela intensidade algo que nem
formato humano tinha? De fato, a gestação era um mistério para mim.
Se bem que Amanda conseguia ser intensa em tudo. Sim, eu ainda
lembrava de como funcionávamos quando ela ainda era a tal garota
misteriosa, da maneira como nos comportávamos quando o fogo atiçava
nossos juízos. Dirigi meu olhar para aquela barriga linda, a qual eu queria
muito poder cercar de beijos e… Porra! Eu precisava mesmo daquela
punheta.
— E quando vamos? — desconversei, percebendo o desânimo no rosto
de Amanda.
— Agora mesmo, se quiserem — O médico patife demonstrou todo o
seu entusiasmo para levar Amanda dali. Canalha!
— Ótimo! — Eu não tinha tanta certeza. Sair naquele momento
significava encarar Duda e enfrentar mais um pouco da sua fúria. — A
documentação...
— Está aqui. — Geovana, lógico, já tinha tudo pronto.
— Então… vamos.
— Tem certeza, cara? — O tal médico perguntou. — Eu posso levá-la
sem qualquer problema. — Encarei o homem à minha frente, contendo a
raiva.
— Absoluta. Vamos!
Geovana ajudava Amanda a levantar. Tomei a garota nos braços,
deixando claro quem tinha permissão para segurá-la, e segui, sem tanta
coragem, em direção ao andar de baixo.
Descemos a escada com cuidado. Não precisávamos ser gênios para
assimilar que todos ali pensavam a mesma coisa: Eduarda no andar de baixo
assumia o papel de principal problema para os nossos planos. Ainda assim,
continuamos, e, à medida que seguíamos escada abaixo, a voz da minha
esposa ficava mais próxima.
Não permiti que meus braços deixassem a mulher que eu carregava,
pelo contrário. Estes se fecharam com mais força, como se quisessem
certificá-la de que não mais a abandonaria, o que me fez temer com tal
veracidade, ao mesmo passo que aqueceu algo dentro de mim.
Geovana, esperta como sempre, tomou o caminho da sala, decidida a
ignorar a dupla na cozinha, contudo, Deus não seria tão gentil comigo, me
permitindo escapar da fúria da minha esposa com tanta facilidade. Assim que
meus pés alcançaram o chão após o final da escada, elas apareceram na porta
da cozinha.
Primeiro Eduarda, chocada, abalada, horrorizada com a cena a sua
frente: eu, com Amanda em meus braços. Em seguida minha mãe, com
aquela cara de quem queria pedir desculpas e dizia que havia feito tudo o que
foi possível.
Eu não queria culpá-la, afinal de contas, o responsável por toda aquela
confusão fui eu e apenas eu. Em meus braços se mantinha a garota que me
abalava as estruturas, que mexia com meu corpo como nunca imaginei que
fosse possível, e que, para completar o quadro, esperava um filho meu. Filho
o qual eu sequer queria imaginar, mas que havia me emocionado apenas por
me apresentar a existência do som dos seus batimentos cardíacos. Porra, eu
não deveria ficar tão emotivo.
Por outro lado, parada a porta da cozinha, mordendo o lábio inferior
como se negasse a fazer uma cena na frente de todos, ao mesmo tempo que
não conseguia se impedir de me lançar toda a sua fúria apenas com o olhar,
estava a minha esposa. Sim, esposa. Apesar de estarmos há mais de um mês
separados de corpos, ainda não havíamos assinado o divórcio e Eduarda fora,
antes de Amanda retornar a minha vida, a minha obsessão. Onde se escondeu
todo aquele sentimento?
Eu não sabia, porém, assim que tal pergunta invadiu meus
pensamentos, meus braços se fecharam ainda mais em Amanda, como se nela
houvesse qualquer resposta, ou alguma saída.
— Vamos levar Amanda para o hospital — anunciei. Eduarda afiou o
olhar, odiando aquela situação.
— Vamos fazer o exame que vai nos dar uma ideia melhor sobre a
gestação. — Dr. Fábio se justificou, o que, pela primeira vez, não me deixou
aborrecido. Pelo menos um médico faria com que Eduarda mantivesse a
postura.
— Ótimo! — minha mãe falou tomando a frente, fingindo que
estávamos todos em uma situação normal. — Tenho certeza de que estará
tudo bem.
Certo de que continuar ali, com a Amanda em meu colo e sob a
acusação da minha esposa não era a melhor decisão, concordei com pressa e
dei as costas para seguirmos até o carro. Foi quando tudo desandou.
— Essa criança nem é sua — Eduarda disse, sua voz quebrando o
silêncio estipulado por todos em um acordo mudo.
A mão de Amanda se fechou em punho atrás do meu pescoço e sua
respiração ficou suspensa, seus olhos fechados, além do corpo tenso, me
alertaram quando parei no mesmo instante em que ouvi minha esposa falar.
— Você sabe muito bem que essa criança não é sua, Diogo. E mesmo
assim, está me humilhando com essa… oportunista…
— Duda!
— Uma golpista.
— Já chega, Eduarda! — alertei.
Não havia apenas a acusação antes já feita. Naquelas palavras minha
esposa conseguiu expor toda a sua dor e ira. Eu queria entendê-la, justificar
as suas atitudes e me desculpar por engravidar outra mulher, quando tudo o
que ela queria era que eu fizesse o mesmo por ela. No entanto, naquele
momento, nada disso me assolou.
Porque Amanda apareceu, como uma garota invisível, eu sei. Como
uma assombração cobrando por minhas ações do passado, por meu medo e
fraqueza. Eu não deveria, nem poderia desejá-la, diante de toda a nossa
situação caótica, entretanto, foi o que eu fiz. Desejei aquela menina, não
apenas porque ela não existia para mim, mas porque ela, sendo invisível,
puxou de dentro de mim quem eu era, me despertando daquele sono que me
obriguei a viver desde a sua partida.
Eu não percebi, ou me neguei a enxergar, que no fundo não havia mais
nada que me ligasse a Eduarda. Que eu, assim como muitos casais, me deixei
levar pela convivência, pelos anos juntos, pela familiaridade e a comodidade
de um relacionamento estável. Eu me neguei a ver que não havia mais amor,
que sequer combinávamos como pessoas, que tínhamos sonhos e ideias
diferentes, que até mesmo o desejo, algo que, confesso, nos embalou durante
anos, sendo, talvez, a única coisa que nos ligava, não possuía mais o mesmo
efeito.
Se Duda não tivesse ido embora, talvez eu nunca tivesse percebido
como nosso relacionamento descia ladeira abaixo, sem freio de mão. Se ela
não inventasse a história de termos um filho, eu continuaria acreditando que
seria daquela forma para sempre, mesmo sem a mesma emoção, sem o
mesmo sabor.
Mas eu tinha a Amanda, mesmo sem ter de fato, grávida, o que ainda
me aterrorizava, mas que, de forma estranha, não me parecia tão horrível
quanto se fosse um filho meu e de Duda, o que me deixou ainda mais
confuso. Por quê?
E então percebi que, mesmo se Duda nunca tivesse ido embora,
aconteceria. No momento em que eu colocasse meus olhos nela, como
Amanda, a Mandy que eu conhecia e adorava em silêncio, escondido, só para
mim. De alguma forma a certeza de que não havia como escapar dela me deu
paz, e foi com esta paz que encarei minha esposa.
— O filho é meu, Duda — me vi falando sem qualquer resquício de
insegurança ou dúvida. — Eu sei que isso tudo te machuca, porém esta é a
realidade agora. Amanda será mãe do meu filho. Todos nós precisamos
aceitar.
— Aceitar? — Sua voz arrastada e embargada demonstrava o quanto
lutava para não chorar. Eu não queria que ela chorasse. — Está me pedindo
para aceitar que uma vigarista está destruindo o meu casamento?
— Eu posso ir sozinha — Amanda determinou, se mexendo em meus
braços. Firmei meu aperto, não permitindo. — Diogo? — chamou raivosa.
Foi quando a olhei. Linda! O cabelo amarrado em um rabo de cavalo
frouxo, o rosto impecável com um leve batom nos lábios, o cheiro delicioso
de sabonete e lavanda. Uma emoção estranha fez um bolo em minha
garganta.
— Eu vou te levar — anunciei decidido. — Vá para casa, Duda! —
Dei as costas, decidido a encerrar de uma vez por todas com aquela briga. —
Mais tarde passo lá para conversarmos.
— Diogo? — ela disse horrorizada. — Diogo! — Depois mais alto,
inconformada, repetindo meu nome cada vez mais com raiva. Contida,
provavelmente por minha mãe, enquanto eu a ignorava e me afastava.
Coloquei Amanda no carro com todo cuidado, enquanto via minha
irmã ir em direção a saída com o médico. Ótimo! Teríamos tempo para
digerir aquela confusão.
Quando entrei no carro, Amanda me encarava com uma expressão
confusa, da qual eu gostei, confesso, e me fez sorrir, mesmo com o mundo
desabando do lado de fora. Dentro do carro, com os vidros fechados, éramos
apenas nós dois. Todos os fios que se enroscavam entre nós, nos puxando
com força, como se precisassem nos unir.
E eu gostei da sensação.
CAPÍTULO 22
AMANDA
Não tive vontade de voltar para casa. Dirigi para longe, cortei a Av.
Paralela flertando com o limite da velocidade e fui parar na Praia do
Flamengo sem saber ao certo para onde ir ou o que fazer.
Eu não queria encarar Amanda e relembrar como aquela confusão
começou, mas, principalmente, não queria que aquele novo fantasma me
atormentasse enquanto eu precisaria manter a aparência de que tudo
transcorria de forma correta.
A revelação de Eduarda me deixou sem chão, jogou por terra os meus
planos. Como poderia me aproximar de Amanda estando eu com mais aquele
problema? Aquilo nunca daria certo. Se Eduarda estivesse mesmo grávida, eu
já poderia me considerar no inferno. Não havia um lado que aliviasse o meu
tormento.
Ficar com Amanda e mantê-la em Salvador seria o mesmo que
sentenciá-la a danação eterna, pois Eduarda nunca nos daria sossego. Eu
conhecia a minha esposa o suficiente para me certificar de que ela cuidaria
para que todos os meus dias fossem ruins e complicados. Duda não
descansaria enquanto não me afastasse de Amanda. Aquela criança seria
eternamente a sua moeda de troca.
Se eu escolhesse o outro caminho, se resolvesse reatar meu casamento
com Eduarda… bom, eu não seria feliz, fato, entretanto, a pior parte nem
seria essa. Ficar com Eduarda significaria assistir Amanda partir, ir para
longe, levar junto o nosso filho. Nada me preparava para perdê-la. Não
quando havia acabado de descobri-la.
E isso levando-se em consideração que me adaptaria a vida de pai, o
que, de verdade, não seria algo em que eu confiaria. Se com um filho eu já
me sentia perdido, dois então... filhos de mulheres diferentes e rivais, seria a
minha ruína.
A minha vida seguia um curso estranho e errado, que fugia do meu
controle. Um dia a felicidade me cercava, o casamento parecia sólido, mesmo
eu aceitando a rotina e a mesmice, no outro o desespero me abatia, eu seria
pai de duas crianças, com duas mulheres que definitivamente, roubavam a
minha capacidade de raciocinar de forma coerente.
Deus havia brigado comigo. Não havia outra explicação. Ou então,
quem sabe, fiz algo de muito ruim. Algo pior do que rir da cara da Amanda
quando deveria protegê-la. Pior do que assisti-la partir sem impedi-la ou me
desculpar. Muito pior. Eu, com certeza, fui um dos caras que atormentou
Jesus, e agora ele se vingava de mim, inserindo aquelas duas em meu
caminho, e grávidas.
Não! Amanda estava grávida. Eduarda só tentava tornar o meu dia um
inferno, o que não seria nenhuma novidade, vindo da mulher que me
atormentava quando eu resolvia ir ao jogo do Bahia com os amigos.
Aquela era a Eduarda, então havia uma grande chance da história de
filho não passar de uma mentira.
O problema foi que eu levei o dia inteiro para me convencer de que
minha esposa mentia para mim. Só quando a noite se firmou, cheguei a esta
conclusão, então decidi voltar para casa. Eu ainda não queria conversar, não
queria encarar ninguém nem me explicar, então agradeci ao constatar quando
cheguei, que todos já estavam acomodados em seus quartos. Tomei um banho
e deitei, apagando logo em seguida.
***
Por ser um domingo, por si só, me faria levantar tarde, mas meu celular
tocou cedo, me obrigando a despertar de mais um sonho erótico com ela,
Amanda. Porra, eu não teria sossego até ter aquela garota embaixo de mim
outra vez. O beijo da noite anterior intensificou minhas fantasias, porque, não
havia como negar, foi diferente das vezes que a beijei acreditando que ela não
existia.
Beijar Amanda, não qualquer garota, não uma mulher estranha,
misteriosa, mas Amanda, fez com que meu cérebro começasse a funcionar de
forma diferente, acentuando a ideia e a necessidade mais latente. Eu a queria.
Não. Eu necessitava dela.
Pulei da cama vendo o nome “Lauro” na tela do celular. Conferi o
celular me certificando do horário. Cogitei ignorar, porém, voltar a deitar me
levaria a ela, e ficar de pau duro para não fazer nada me cansava. Por isso
atendi.
— Fala, Lauro!
— Porra, Diogo, ninguém mais tem notícias suas.
— São tempos difíceis — revelei espantando o sono. — O que manda?
— Bola, cerveja, praia e garotas.
— Bola? Cara, estou bem enferrujado — gemi sentindo meu corpo
protestar antes mesmo de aceitar a proposta.
— Você corre todos os dias, então não venha com essa.
— Você não está namorando?
— Namorando, não casado. E você, até onde estou atualizado das
fofocas da família, está se divorciando, então…
— Lauro, primo, a confusão é maior do que você pode imaginar.
— Mais um motivo para a gente sair. Vamos, eu pego você. Ainda está
na casa da sua mãe?
— Como você sabe disso, porra? — Ele riu, debochado.
— WhatsApp. Grupo da família. Aquilo ali é mais eficaz que o Jornal
Nacional, Facebook e Instagram juntos.
— Puta que pariu!
— Passo para te pegar em trinta minutos?
— Ah, não sei, Lauro. Deixa eu acordar aqui. Eu mando uma
mensagem.
— No grupo da família?
— Vá se foder! — Meu primo gargalhou.
— Se você não falar nada sua mãe faz esse trabalho.
— Porra! Falo com você depois.
Levantei aborrecido. Como minha mãe podia colaborar com aquela
arma de ataque em massa? Precisávamos ter uma conversa, eles podiam
fofocar sobre o que quiserem, mas sobre a minha vida… porra!
Passei direto para o banheiro, lavei o rosto, fiz a higiene matinal e saí
em busca daquela que se dizia minha mãe. No entanto, quem eu encontrei
roubou toda a minha atenção. Amanda, em pé, na bancada da cozinha,
segurando uma xícara de café. Linda! Cabelo solto, vestido florido, sandálias
de dedo. Simples e perfeita. No mesmo instante as lembranças da noite
anterior me atingiram com força. Seu beijo, seus lábios, seu corpo, sua pele…
suspirei. Que merda acontecia comigo?
— Bom dia, filho! — Minha mãe apareceu no meu campo de visão,
roubando o meu foco.
— Bom dia! — Aceitei a xícara de café que ela me ofertou sem
questionar, e, completamente esquecido da birra.
— Dormiu bem? — ela perguntou. Encarei Amanda enquanto levava a
xícara à boca. Ela fez o mesmo, escondendo um sorriso lindo.
— Não tanto quanto gostaria — respondi tarde demais. A garota corou
de uma maneira deliciosa. Eu queria arrumar uma maneira de ficar sozinho
com ela.
— Hum! Algum problema com o seu quarto? Seu pai me disse que
você tem levantado à noite. — Minha mãe prosseguiu.
— Nenhum problema, mãe. É só adaptação.
— Ótimo! Quais planos para hoje?
Engoli o café fervendo, me perguntando o que eu poderia fazer para
não sair de perto de Amanda, porém, sem parecer desesperado para colocar as
mãos nela.
— Até agora nada — menti. Lauro me mataria. — Por quê?
— Porque eu preciso ir à feira e Amanda quer buscar algumas coisas
no apartamento que alugou. Você pode buscar minha encomenda enquanto
vou com Amanda?
— Eu acho melhor a senhora ir à feira buscar a sua encomenda e eu
levo Amanda.
Minha mãe me lançou um olhar interessado, em seguida, fez o mesmo
com Amanda, que disfarçou virando em direção a pia para lavar a sua xícara.
— Eu não entendo nada de frutas e verduras maduras e frescas. Vou
acabar aceitando o que eles me entregarem. A senhora sabe disso. Nunca
consegui trazer nada certo do mercado. — Minha mãe suspirou, secou as
mãos e fingiu horror com a hipótese de me deixar fazer esta parte.
— Neste caso é melhor eu buscar a encomenda. Tudo bem para você
Amanda? Se quiser posso pedir a Geovana para…
— A Geo já saiu — ela disse com pressa. — Foi à praia.
— Essa menina é rápida — minha mãe resmungou. — Foi à praia com
quem?
— Até parece que Geovana daria qualquer satisfação a alguém —
brinquei.
— Ah, tudo bem! — minha mãe falou desistindo. — Vocês já são
todos maiores de idade, façam como quiserem.
Então ela saiu da cozinha, nos deixando sozinhos.
— Engraçado nos encontrarmos sempre aqui — tentei quebrar o clima,
afinal de contas, eu não podia caminhar até a garota e beijá-la sem mais nem
menos.
— Ah, não se preocupe comigo. Eu posso pegar um táxi e…
— De forma alguma — falei rápido. — Eu planejava dar uma volta na
Barra, ver o mar, essas coisas. Você já está pronta?
— Só preciso encontrar minha chave. Não sei onde ela foi parar.
— Ah… — olhei para os lados, sem saber como revelar. — Está
comigo.
— Com você?
— Na verdade… — dei um passo em sua direção e me contive. —
Fiquei com suas coisas quando você… quando descobrimos… você sabe.
— Ah! — Com seu olhar longe do meu, eu não tinha como confirmar
se minha atitude a aborreceu ou não. Amanda se fechava, me impedindo de
lê-la. — Neste caso, estou pronta. E você?
— Eu só preciso… — meu celular vibrou no bolso, me chamando de
volta para a realidade. — Enviar uma mensagem. E buscar sua chave. — Ela
concordou.
Voltei na direção do quarto, sacando o celular para ler a mensagem de
Lauro.
“Posso ir? O dia está lindo!”
Ele nem imaginava o quanto. Meu corpo vibrou de expectativa quando
me dei conta de que eu e Amanda ficaríamos sozinhos em seu apartamento.
Digitei uma mensagem rápida.
“Mudança de planos. Combinamos outra coisa depois.”
Coloquei o celular no bolso, entrei no quarto, peguei minha pasta do
trabalho e recuperei a chave do apartamento.
Quando voltei para a sala, Amanda já aguardava por mim. Dei uma
última olhada, aproveitando sua distração, me certificando de que aquela
garota havia mesmo me enfeitiçado, porque meu desejo pulsava nas veias.
— Vamos? — Ela se virou assustada quando irrompi na cozinha.
— Vamos.
Caminhamos lado a lado até chegarmos ao carro. Ela muito quieta,
cabeça baixa, mordendo os lábios e fazendo uma careta, da maneira exata
como fazia quando criança, mãos unidas nas costas, torcendo uma na outra.
Nada parecia fazer Amanda relaxar.
— Você está bem? — perguntei quando não aguentei mais o silêncio.
— Um pouco enjoada.
— Coisa de grávida então.
— Coisa de quem sabe que está brincando com fogo — revelou,
gemendo baixinho, como se tivesse falado mais do que deveria. A careta
ainda lá.
— Por causa do beijo? — fui direto ao ponto, assistindo-a se encolher
no banco do carro. — Qual o problema, Amanda? Não foi a primeira vez que
nos beijamos — muito embora, para mim, tenha surtido um efeito parecido.
— Mesmo assim. — O doloroso abandono em sua voz me deixou em
alerta. — Foi por isso que quis me trazer?
Volto minha atenção para ela, querendo sondar para onde aquela
conversa seguia, então voltei a encarar a pista.
— Minhas opções estavam um pouco limitadas — brinquei. Ela não
riu, nem relaxou. — Se você quer saber se eu dei um jeito de ficar a sós com
você, a resposta é sim.
— Ah, droga! — gemeu baixinho.
— Qual é o problema?
— Ontem foi um erro, Diogo.
Tudo bem que eu não imaginava que Amanda ansiava por estar outra
vez em meus braços, em especial, depois de tudo o que vivemos nos últimos
tempos, ou até mesmo, pelo nosso histórico, mas ouvi-la afirmar que o que
aconteceu na noite anterior na cozinha foi um erro, atingiu em cheio o meu
ego.
— Não foi o que pareceu — provoquei.
— Eu estava… sensível… mexida… sei lá…
— Hum! — Engoli um rugido. Eu estava possesso. — Então isso não é
coisa de grávida.
— Como assim?
— Porque das outras vezes você agiu do mesmo modo, sem estar
grávida, não é mesmo? Ou vai me dizer que também foi um erro todas as
vezes que transamos?
Pela visão periférica pude observar Amanda se agitar, provavelmente
pensando em algo para me dizer, qualquer coisa que me derrubasse naquele
embate, mas não havia argumentos contra os fatos, então ela teve que engolir
o próprio orgulho, já que feria o meu.
— Você sabe que seria melhor se não tivesse acontecido — insistiu
com a voz baixa, magoada.
— Ho ho! Fale por você!
— Isso destruiu o seu casamento!
— Amanda, vamos fazer um acordo? Do meu casamento cuido eu.
Você não estava aqui, tá legal? Não sabe como era. Não faz ideia do quanto
foi melhor acabar logo de uma vez. E não pense que você é o motivo do fim,
porque não é! Meu casamento já se encontrava falido. Acabaria uma hora ou
outra.
— Você queria que ela voltasse — sua voz soou um pouco mais alta e
forte, demonstrando o quanto de mágoa tinha.
— Eu não fazia ideia da merda que desejava.
— Ah, pelo amor de Deus! Eu não quero fazer parte disso!
— Disso o quê?
— Disso! — rebateu nervosa.
— Vai ter de ser mais específica. Porque até o momento não captei
onde você entra nesta história. Quando transamos, Eduarda já tinha ido
embora, estávamos separados, aliás, continuo separado, então o nosso beijo
ontem não foi um erro.
— Meleca! — Eu ri, porque quando Amanda agia como ela mesma,
me deixava mais confortável.
— Qual é o problema, Amanda? Converse comigo!
— Estou conversando!
— Não, você está resmungando e falando um monte de bobagens. E
não vou dizer que isso é coisa de grávida porque era exatamente o que você
fazia quando tinha doze anos.
— Não era, não! — Seu tom indignado me fez rir outra vez.
— Ah, era sim. E às vezes você engasgava, não conseguia falar.
— Não conseguia falar com você — rebateu aborrecida.
Parei o carro na entrada da garagem do prédio, virando em sua direção,
avançando o seu espaço, enquanto aguardava o portão abrir. Escrutinei seu
rosto, primeiro me deliciando com suas pupilas, reconhecendo o castanho tão
claro que permitia que um fino círculo verde se apresentasse. Depois, como
se um imã me puxasse na direção dos seus lábios, me vi encarando aquela
parte deliciosa do seu corpo, enquanto o desejo queimava em minhas veias.
— Eu sei.
Respondi apenas quando identifiquei a situação. Com o ar suspenso, os
lábios entreabertos e sem qualquer reação, Amanda esperava, colaborando
com a minha afirmação. E não consegui evitar meu sorriso de triunfo. Se
Amanda precisava relembrar da sua paixão por mim, era o que eu faria.
AMANDA
Ah, meleca!
Não suportava quando ele me fazia reavivar a garota de doze anos, que
não encontrava as palavras, que se perdia porque não conseguia olhá-lo sem
se deslumbrar e falar ao mesmo tempo.
Aquela noite foi um tormento. Retornar ao quarto depois de beijá-lo e
me obrigar a reconhecer que me entregaria se tio Adelson não tivesse
aparecido, roubou meu sono.
Eu não podia transar com Diogo. Não podia sequer beijá-lo depois de
tudo o que ele me fez passar. O que eu pensava? Que seríamos uma família
feliz? Onde eu estava com a cabeça?
No entanto, estávamos ali, dentro do carro dele, aquele espaço pequeno
demais para tudo o que me atormentava. A proximidade, depois de estar em
seus braços, de vivenciar seu toque, seus lábios, me deixava atordoada. Então
ele me provocava, me atiçava, me fazia falar até arrancar de mim tudo o que
queria.
Porque eu era uma idiota. Isso. Uma idiota! Uma tola apaixonada.
Capaz de esquecer do próprio nome se ele se aproximasse mais um pouco.
Foi por isso que, quando Diogo estacionou na vaga destinada ao seu
apartamento, desci do carro decidida a adiantar meus passos, me livrando do
problema o quanto antes. Só que, mais uma vez, subestimei o pai do meu
filho. Assim que abri levantei, dei de cara com o homem parado à minha
frente. Eu sequer o ouvi levantar ou até mesmo bater a porta do carro.
Eu só podia estar louca.
E estava.
Porque Diogo se aproximou de mim, me obrigando a encostar na
lataria do carro, os dois braços me cercando, limitando meu espaço sem me
tocar, e, ainda assim, eriçando minha pele, causando um frenesi em minhas
células. Aquilo devia ser proibido. Ele não podia causar um efeito tão forte
sobre mim.
Diogo me encarava com aquele cinza das suas íris que pareciam um
céu nublado, tão forte e decidido que me forçava a ceder. Mas ceder a quê,
meu Deus? O homem sequer encostou em mim, apenas me cercou, encarou e
me deixou sentir seu cheiro, o calor que exalava do seu corpo perfeito, a
segurança que ele assumia quando se permitia ser o que era, um predador.
Meleca! Aquilo não estava certo. E…
Ele se inclinou, o rosto se aproximando do meu. Então sorriu. Um
sorriso não debochado, nem sarcástico, como se quisesse demonstrar o poder
que tinha sobre mim. Foi um sorriso doce, gentil, que fez minhas pernas
amolecerem.
— Diogo...
— Não posso te beijar? — sua voz rouca fez meu raciocínio dar um
nó.
— É que… — tentei encontrar um motivo para me convencer a não
deixá-lo se aproximar quando tudo em mim implorava pelo beijo.
— Posso? — Ele se aproximou mais. Minhas pernas fraquejaram.
Aliás, tudo em mim foi afetado pelo seu cheiro, pelo hálito que alcançavam
com facilidade minha língua, antecipando a sensação gostosa de beijá-lo.
— Diogo…
— Mandy… — Diminuiu a distância entre nós dois, colando nossos
corpos, me firmando e roçando os lábios em meu queixo.
Fechei os olhos, aceitando, incapaz de impedi-lo. Então ouvimos a
porta do elevador bater, o barulho de pessoas conversando alto e crianças
brincando.
Diogo riu baixinho ao se afastar, mas fez uma promessa muda, selando
meus lábios com um beijo rápido, que agiu em mim como um furacão.
CAPÍTULO 25
AMANDA
***
Apesar de ter permitido a sua entrada, não tive coragem de conversar.
Assim que fechei a porta fui para o quarto, ignorando a possibilidade de
Eduarda fazer um escândalo. Diogo que desse conta da mulher louca que
escolheu. Eu precisaria de mim por inteiro para me manter firme enquanto
precisasse demonstrar superioridade.
Abri o guarda-roupa, separei algumas camisas com cuidado, respirando
fundo, sem me permitir chorar, sequer pensar no assunto. Doía demais.
Selecionei três shorts. O nó em minha garganta apertou quando me questionei
até quando eles caberiam em mim. Engoli com dificuldade, empurrando para
o fundo o desespero. Peguei dois vestidos, depois comecei a escolher as
calcinhas.
Foi quando notei Diogo no quarto, encostado na parede, os braços
cruzados, me observando, aguardando o melhor momento para iniciar a
conversa que eu não desejava ter.
Respirei fundo, decidida a ignorá-lo. Eu não tinha nenhuma mochila ou
bolsa que pudesse arrumar as roupas escolhidas. Só a imensa mala de
viagem, e não me encontrava disposta a fazer uma mudança completa para a
casa dos pais dele.
Eu não sabia o que fazer.
Derrotada, sentei na cama e escondi o rosto nas mãos, me mantendo
firme para não derrubar nenhuma lágrima na frente dele.
— Amanda, eu…
— Por favor, não diga que gosta de mim.
— Mas eu gosto de você.
— Você gosta de transar comigo, Diogo. Não confunda as coisas.
— Não! — rebateu ofendido, mas quando levantei o rosto para encará-
lo, ele recuou. — Bem… Isso deveria ser importante, não? — Um leve
sorriso, lindo, brincou em seus lábios. Ri, sendo sarcástica. — Eu gosto de
você, Amanda. Sempre gostei.
— Então deixa eu te dizer uma coisa sobre o que é gostar de alguém.
— Levantei da cama, enfurecida, deixando aquela história transbordar em
mim. — Quando você passava por mim, minhas palavras sumiam, meu ar
ficava mais pesado, meu mundo perdia o foco. Eu sabia o que sentia e não
havia nada que pudesse me dissuadir. Nada. Nem mesmo Geovana
mencionando os seus piores defeitos, nem quando você ria de mim com seus
amigos. Nada me impedia de perder longos minutos admirando a cor do seu
cabelo quando o sol te iluminava, nem mesmo de reconhecer o exato instante
em que seu sorriso se tornava tímido. Eu via quando seu olhar se perdia em
algo que você não contava para ninguém, e sabia quando a conversa não te
agradava. Eu não suportava o seu olhar sobre mim porque tinha consciência
de que era pouco demais para você, ainda assim... ainda assim, Diogo, me
permitia te observar quando ninguém prestava atenção. Isso é gostar, não o
que você afirma sentir, seu babaca!
— Mandy…
— Você riu de mim. Não uma vez. Muitas, muitas vezes. Tantas que
perdi as contas. E nem isso me fez deixar de gostar de você, mesmo doendo,
mesmo precisando me trancar no banheiro para chorar.
— Você acha que não me culpo? Que não me cobro por todas essas
merdas?
— Seria esperar pouco de Deus se ele não permitisse que a culpa te
abatesse. Era o mínimo que poderia sentir depois de tudo o que me fez.
— Tá legal! Eu fui um babaca. Reconheço. Mas quantos anos nós
tínhamos? Quinze? Dezesseis? Eu era uma criança, Amanda! As coisas
mudaram, eu mudei e você…
Coloquei as mãos na cintura, esperando que ele completasse a frase,
porque sabia a reação que teria se ele dissesse que eu havia mudado, como se
meu corpo fosse a única mudança que ele conseguia enxergar em mim.
— Olha… — disse, abdicando de continuar. — Eu pirei quando
descobri a verdade a seu respeito e quando… descobri sobre a… criança.
— Nosso filho.
— Nosso filho — falou mais decidido. — Exatamente isso, Amanda.
Um filho. Reconheci que um poder maior, que chamamos de Deus, me punia
pelo que fiz a você.
— Puta que pariu! — resmunguei sem acreditar naquelas palavras.
— Agora eu vejo como a minha redenção. Uma nova oportunidade
para resgatar a besteira que fiz.
— Besteira? Ter me desprezado, humilhado e ridicularizado por eu ser
gorda? É assim que você chama o bullying que fez comigo?
— A besteira de ter preferido ficar sem você do que enfrentar o meu
preconceito. Você era só uma menina, Amanda! Eu nem podia te desejar,
será que não entende? Você tinha doze anos! Porra! Era coisa demais para
lidar com tão pouca idade.
— E sendo fraco e influenciado — acrescentei com raiva, as lágrimas
se avolumando, um bolo na garganta arrastando minhas palavras como pó de
vidro em minhas veias.
— Isso. Fraco e influenciado. Tinha a garota mais bonita da escola
apaixonada por mim. Eduarda foi o caminho mais fácil e eu paguei o preço
por isso.
— Eu também.
Uma lágrima escapou, me deixando ainda mais aborrecida. Limpei
com força o rosto.
— Mandy, não podemos só esquecer? Somos adultos agora, vamos ter
um filho. Você era menina demais, eu um adolescente.
— Tem razão — concordei me afastando, magoada, ferida. — Eu era
menina demais. As coisas mudaram, Diogo. Hoje eu sou mulher demais para
você.
— Amanda…
— Acabou a conversa — determinei, saindo do quarto para buscar
qualquer sacola plástica que me ajudasse a tirar minhas coisas de lá.
Obrigando-me a aceitar que em pouco tempo estaria livre deles e minha vida
voltaria a ser como antes de aceitar Diogo de volta.
CAPÍTULO 26
DIOGO
***
***
Não encontrei com ele quando desci para o café da manhã, mas
Geovana estava lá, sorridente de uma forma diferente e misteriosa.
— Bom dia — falei sem muita animação.
— Bom dia, Amanda! — ela retrucou com o ânimo contrário ao meu,
o que chegava a ser um pouco irritante. — Por um acaso encontrei Diogo
saindo do seu quarto hoje.
Olhei na direção em que tia Mônica estava, percebendo que mesmo
fingindo não prestar atenção, a mulher se mantinha atenta. Suspirei sentando
ao lado da minha amiga.
— O quarto é do Diogo. — Não encontrei nada melhor a dizer sobre o
flagrante.
— Hum! Então ele pode dormir lá?
— Sabe, eu me sinto bem. Acho que já posso voltar para o meu
apartamento.
— Nem pensar! — Geovana protestou daquele jeito mandão, enquanto
Mônica se aproximou da mesa, depositando uma caneca a minha frente.
— Aconteceu alguma coisa? — Tia Mônica perguntou preocupada.
— Tirando o fato de Diogo chegar bêbado e se achar no com o direito
de dormir na minha cama, não. Está tudo ótimo, tia.
— Diogo foi te atormentar? — Sua irritação me fez recuar.
— Não. Ele só estava… — Cuidadoso? Apaixonado? — Bêbado.
— Preciso ter uma conversa com aquele menino — anunciou se
afastando.
— Na verdade… ele foi até legal — menti. A última coisa que eu
queria era voltar a ter problemas com o pai do meu filho.
— Foi? — Geovana perguntou animada. Olhei de relance para a mãe
dela, indicando que não queria conversar ali.
— E então? Parece que todo mundo resolveu aproveitar o domingo —
mudei de assunto, jogando a bola para a minha amiga, que recuou no mesmo
instante.
— Fui dar uma volta com umas amigas, depois da praia.
— E eu fiquei aqui de molho — provoquei, fazendo biquinho.
— Pensei que o Diogo se ocuparia de você, afinal de contas, por culpa
dele estamos nesta situação.
— Ah…
— Não, Mandy! Você não está incomodando. — Tratou de desfazer o
mal-entendido. — E eu gosto mesmo de te ter por perto, mas Diogo precisa
de espaço para ajustar as pendências com você, então, já que não há mais o
risco, resolvi deixar ele resolver a situação.
— Hum! — Levei a xícara com café a boca, evitando fazer maiores
comentários. — Como eu disse… acho que já posso me cuidar sozinha. Eu só
preciso devolver o apartamento que aluguei e arranjar uma pousada legal até
o final das minhas férias.
— Você não pode voltar! — Seu alarde ganhou a minha atenção.
— Por que não?
— Dr. Fábio ainda não te deu alta. E… quero acompanhar as
consultas, me certificar de que nada está errado…
Estudei seu rosto com atenção. Que Geovana se interessou pelo
médico que me acompanhava, disso eu não tinha qualquer dúvida, mas daí a
ficar desesperada… não parecia normal para quem ela era.
— Você pode me acompanhar, Geo. Isso não significa que eu tenha
que ficar aqui, dando trabalho a vocês.
— Não é trabalho nenhum, Amanda — Tia Mônica se manifestou ao
colocar um pão de tapioca, quentinho, na minha frente, que me fez salivar. —
Nada de enjoo hoje?
Não. Nada de enjoo. O que havia mudado?
— Estou me sentindo muito bem — revelei, estranhando a mudança.
— Isso é ótimo!
— Você fica aqui e a conversa está encerrada. Se quer devolver o
apartamento então significa que já solucionamos tudo. Além do mais,
sabemos que a Eduarda voltou para casa. — Geo revirou os olhos, ficando
assim ainda mais parecida com o irmão, e desdenhou da situação da cunhada.
Em qualquer outro momento eu me sentiria mal pela ex-mulher do
Diogo, mas depois de tudo o que ela me disse, não havia compaixão em mim.
E sim, eu não era tão espiritualizada, nem madura para almejar o melhor para
a mulher que fazia questão de ser meu pior pesadelo.
— Pois é. Vou devolver o apartamento logo.
— Não te culpo — Geo murmurou, já conferindo as mensagens no
celular.
— Não seja tão má com a Duda — Tia Mônica voltou a se intrometer
na conversa. — Não deve estar sendo fácil para ela.
— Ah, claro! Como se ela não tivesse iniciado essa confusão —
Geovana rebateu com certa rebeldia. Coloquei um pedaço grande do pão na
boca para me impedir de opinar. — Eduarda saiu de casa primeiro, mesmo
sob todos os protestos e declarações do Diogo. Foram dias tenebrosos e não
vamos fingir que esquecemos que ela fez questão de jogar toda a família
contra o meu irmão.
— Você julga muito, Geovana. Não devemos nos meter nos problemas
do seu irmão. Ele sempre soube se resolver com a esposa.
— Ex-esposa — falei sem querer. Quando vi, as palavras escaparam,
então me dei conta, sentindo meu rosto corar. — Ah… ontem ele me contou
que daria entrada no divórcio.
— Mesmo? — Geovana voltou a se animar.
— A Eduarda cuidou desta parte? — Tia Mônica perguntou, um pouco
mais contida do que a filha.
— Pelo visto a Eduarda voltou atrás e o Diogo deu um passo à frente
— continuei falando, sem saída.
— Isso é ótimo! — Geovana Exultou. — Quer dizer… — Parece
ótimo, não? — Aquela garota não era muito certa
— Parece — confessei, ainda alarmada, com medo de mais uma
explosão de ânimo.
O telefone dela tocou no mesmo instante em que o meu exibiu uma
chamada de um número desconhecido. Geovana levantou com um pulo e se
retirou da cozinha com tanta pressa que nem me deixou raciocinar sobre o
assunto. Atendi meio que no automático.
— Alô?
— Miss Piggy? — Ouvi a voz de Eduarda do outro lado da linha e
estremeci. — Sim, eu tenho o seu número, sua porca imunda! E só quero
deixar claro que você não ficará com ele, entendeu? Não vai haver um final
feliz. Você nunca vai me derrotar. Nem mesmo emagrecendo, ou tirado o
aparelho dos dentes. Nada disso te impedirá de continuar sendo a mesma
garota ridícula, um nada, uma porcaria de uma bactéria que…
— As bactérias fazem estragos — eu me ouvi dizendo. A voz baixa,
assustada, porém, segura. — Cuidado.
— Eu vou…
Desliguei sem deixá-la concluir. Encarei a mesa sem imaginar no nível
de loucura que Eduarda chegara. Aquilo precisava acabar. Eu tinha que
manter aquela mulher longe de mim.
— Está tudo bem? — Tia Mônica perguntou, me encarando com
preocupação.
— Está sim. Foi só uma brincadeira.
Engoli com dificuldade. O bolo se formando em minha garganta,
enquanto meu corpo inteiro se mantinha tenso, pronto para o ataque, ou para
fuga. Sem pensar duas vezes, bloqueei o número.
CAPÍTULO 28
DIOGO
***
AMANDA
Diogo me acompanhou até a porta do seu antigo quarto, o qual eu
ocupava desde que a sua família descobriu a gravidez, e todos os riscos que
corremos desde então. Ele não entrou, mas me beijou na porta, de forma
longa e lenta, como um namorado apaixonado.
Chegamos bem cedo em casa. Todos ainda dormiam. O silêncio me
incomodou até que ouvi os passos na escada. Aguardei, contei até duzentos e
levantei. Não suportava mais ficar deitada naquela cama, pensando na
maneira como eu ainda me deixava amedrontar por Eduarda. Não me parecia
nada justo temer aquela mulher, uma vez que durante anos me fortaleci para
que nenhuma outra me rebaixasse.
Talvez Diogo tivesse razão, Eduarda só latia, e ainda mais alto quando
se sentia ameaçada. Eu só precisava fingir não ouvir, até que meu cérebro
estivesse trabalhado de forma eficiente para ignorá-la. Entretanto, eu não
conseguia. Não ali, diante de tantas incertezas e inseguranças.
A noite anterior fora fantástica! Eu não queria que as lembranças boas
se perdessem com preocupações banais, coisas de infância. Na verdade meu
cérebro deveria catalogar Eduarda como uma pessoa bizarra ao ponto de não
levá-la em consideração. Tipo maluco de rua, sabe? Aqueles que ficam
gritando com carros e chutando o vento. Bem isso. Eu só precisava desviar,
atravessar a rua e seguir em frente. Esquecer.
Mas como?
Calcei as sandálias de dedo e desci com o estômago roncando. Tia
Mônica preparava o café e fritava alguns ovos, o que deixou me fez salivar.
— Bom dia! Não vimos vocês voltarem. Como foi a noite? — ela disse
assim que me aproximei. Fingi interesse na mesa e sentei, escondendo o rosto
no cabelo.
— Foi ótima, tia! Cheiro bom!
— Nada de enjoo outra vez?
— Ah! Não. Nadinha. — Ela sorriu, alisando meu ombro.
— E os outros?
— Seu tio e Diogo acabaram de sair. Parece que tinham uma reunião
importante. Geovana ainda não desceu. Deve ter chegado tarde também. —
Depositou a xícara na minha frente. — Fiz cuscuz! Você ainda gosta?
— Ai, tia! — gemi deliciada. — Eu adoro!
Ataquei sem dó o primeiro pedaço, com muita manteiga e ovos
mexidos. Quando me servi de mais um pouco, ela, que até então se dedicava
a sua comida, começou a falar.
— Como estão as coisas entre vocês? — Engoli o gole de café
fumegante enquanto me perguntava o que poderia responder.
— Sem planos. Acho melhor assim.
— Ele pediu mesmo o divórcio. — Fez uma careta estranha. — Tenho
a sensação de que será mais complicado do que meu filho acredita.
— Hum! Não vou tomar partido sobre isso, tia. Diogo está seguindo os
planos dele. Esse divórcio não é por mim, e nem por minha causa, então…
vou focar em minha vida. Tenho muitas coisas para resolver.
— É mesmo! — Tia Mônica sentou ao meu lado, servindo-se de mais
um pouco de café. — E o que decidiu? Dr. Fábio ainda não te liberou para
retornar ao trabalho. Já cuidamos de tudo em relação ao seu afastamento da
empresa.
— Sim, mas a minha vida é em São Paulo — declarei. Tia Mônica
deixou a xícara sobre a mesa e ficou mais atenta a nossa conversa. — Não sei
o que fazer quando puder voltar.
— Não quer ficar? — A pergunta soou cautelosa.
— Quero, tia! Quero muito! Só… não sei se devo arriscar tanto assim.
— Por causa do Diogo?
— Também. Principalmente — confessei com um sorriso apaixonado e
sem coragem de encará-la-la. — Não sei como vamos fazer funcionar e
Eduarda… ela é um problema.
— Um problema que não é seu, querida. — Sua mão foi para a minha,
me acolhendo com carinho. — Considere a Duda como alguém que perdeu e
não se conforma com isso.
— O problema dela não é perder, tia. O problema é que ela acha que
perdeu para mim.
— E no fundo foi isso mesmo. — Tentei negar, todavia sua mão
apertou um pouco a minha. — Diogo teria se separado da Eduarda com toda
certeza, Mandy. Todos nós sabíamos que esse dia chegaria. Você acelerou as
coisas.
Mordi o lábio me negando a crer naquilo. Minha gravidez com certeza
teve um certo peso naquela situação, mas não eu, não o que vivíamos. E eu
podia refletir sobre coisas o suficiente para me manter a manhã toda entretida
em meus próprios problemas, porém, Geovana entrou pela cozinha naquele
momento, com a mesma roupa que havia saído, uma maquiagem básica e
cabelo molhado.
— Bom dia! — disse de forma arrastada, demonstrando cansaço. —
Ah, senhor amado! Cuscuz! Mãe, a senhora merece um prêmio. Passa esse
café pra cá.
Sentou à mesa e agiu como se não fosse estranho voltar naquele
horário, depois de uma noite inteira na rua, de cabelo molhado e faminta.
— Posso saber onde a senhorita estava? — Tia Mônica perguntou,
calma, encarando a filha com certa curiosidade.
— Na casa de uma amiga — Geo respondeu com a boca cheia de
cuscuz e ovos mexidos, e quase se entalou, precisando beber um longo gole
do café.
— E não poderia avisar?
— Ah… é… o celular descarregou. Foi mal!
— Celular descarregou, Geovana? — Tia Mônica escarneceu, pegando
a minha amiga de surpresa. — Todo mundo sabe que você não sobrevive dois
minutos sem celular. Quer agora me dizer que seu celular descarregou? E as
postagens, heim? Não dá um passo sem postar, mas passou a noite na casa da
amiga e desde a hora que saiu não tem uma foto no seu Instagram. Quer
enganar a quem?
Geovana respirou fundo, abandonou a sua comida e espalmou as mãos
na mesa, encarando os dedos.
— A senhora por um acaso acredita que eu assassinei alguém e
precisei ocultar o cadáver durante a madrugada? — A serenidade empregada
em suas palavras me deixou chocada..
— Eu? Lógico que não!
— Então devo desconfiar de que acredite que estou usando drogas,
ou… vendendo-as? — Olhou para a mãe daquela forma que Geovana sempre
fazia quando queria desviar a atenção de si.
— Que ideia, Geovana!
— Então só me resta deduzir que vocês agora imaginem que sou uma
garota de programa.
— Geovana! — Tia Mônica levantou da mesa, levando os pratos,
completamente sem graça. — Essa menina… não sei não, viu?
Minha amiga olhou para mim, ergueu uma sobrancelha e me deu um
sorriso torto, descarado, e escroto. Em seguida levantou, portando o prato
cheio de ovos mexidos, e deixou a cozinha. Assim que Geo saiu, tia Mônica
se virou para mim e suspirou.
— Um dia essa menina ainda me mata.
CAPÍTULO 32
DIOGO
POSITIVO
***
DIOGO
Geovana me encarava com os olhos estreitos e uma expressão que
parecia me fazer encolher a cada segundo. Ainda dentro do carro, rodando a
cidade sem ir para ponto algum, eu havia revelado a gravidez de Eduarda e
pedido a minha irmã para me ajudar a esconder de Amanda até que a
novidade não pudesse arriscar ainda mais a vida do nosso filho. E, acho eu,
que este ponto foi o único que a fez ficar ao meu lado de forma
incondicional, o fato de eu ter dito “nosso filho” e não “a criança” ou “a
gravidez”.
Para mim pouco importava como nos referiríamos ao bebê, contanto
que nada colocasse em risco a sua vida, eu aceitava. O problema era que,
passado o choque, Geovana cruzou os braços e as pernas, com o pé
balançando convulsivamente, e me encarou como se eu fosse um… idiota.
— Olha, Geo, eu sequer consigo lembrar sobre o ocorrido — comecei
a me justificar. — Só que eu de fato bebia muito e ligava para ela
implorando. Algumas vezes Eduarda aparecia e… bom… transávamos
porque… mas… não, não dá para lembrar se usei ou não a camisinha. Essa
parte não posso ir contra porque eu não tinha condições de decidir nada.
— Você é um babaca!
— Certo! Eu sou um babaca! Mas Eduarda era minha esposa e a
Amanda sequer existia em minha vida. Nem mesmo como… hum… —
Evitei revelar aquela parte que me humilharia ainda mais. — Eduarda era
minha esposa, então transar com ela, com camisinha ou não, não pode ser
considerado um pecado.
— Você. É um. Babaca! — declarou pouco mais exasperada. Sua voz
tão febril quanto a ira deixava transparecer. Desisti de argumentar. Não
valeria a pena.
— Amanda não pode tomar conhecimento… ainda — acrescentei. —
Porque ela vai saber. Quando chegar a hora. Porra! Que merda eu me meti!
— Diogo? — Rosnou. — Como Eduarda está grávida há quase dois
meses e não percebeu?
— Ah… Bom… eu vi alguns casos em que…
— Casos em que a pessoa ou era atleta e a menstruação ficava
desregulada, ou era gorda e a barriga não aparecia com facilidade, ou tinha
mioma ou qualquer outra coisa que pudesse macular uma gravidez. No caso
de Eduarda é impossível!
— Não é impossível. Eu vi o exame. — Seus olhos ficaram ainda mais
estreitos.
— Eduarda foi embora porque queria um filho. Se vocês tivessem
transado sem camisinha ela teria feito este exame há muito tempo. Deixa de
ser burro! Santa mãe protetora dos homens imbecis, como você não enxergou
isso antes?
— Ela tem um exame! — vociferei, arremessando o envelope sobre as
coxas da minha irmã. Ela sequer o abriu.
— Amanhã, logo cedo, vou neste laboratório pedir uma cópia do
exame.
— Geovana, você… como Eduarda conseguiria falsificar um exame de
um laboratório tão conceituado? — Ela abriu um sorriso imenso.
— Posso te mostrar agora mesmo como fazer isso, querido irmão.
— Mas… Não é possível! Ela não mentiria assim. E quando o tempo
passasse e a barriga não crescesse.
— Eu sugeriria um aborto mentiroso, espontâneo, mas tratando-se da
Eduarda, posso cogitar até mesmo o sequestro de alguma criança.
— Que absurdo, Geo!
Estacionei na frente de casa, sem querer entrar na garagem e atrair a
atenção de Amanda antes de finalizar aquela conversa com Geovana. Quando
pensei em virar em sua direção para colocar um ponto final, minha irmã
pulou sobre mim, animada, suas íris brilhando e um sorriso de triunfo.
— Eu tive uma ideia — revelou animada. — Você vai pedir a Eduarda
para acompanhá-lá ao médico.
— Eu?
— Claro, idiota! Só você poderá fazer isso.
— Mas eu nem quero ser pai! Menos ainda do filho dela!
— Deixe de ser idiota, Diogo! Eduarda está fazendo isso para que você
escolha ela e não Amanda! E essa gravidez não existe. Ela terá duas opções,
voltar atrás e inventar uma história sobre não estar grávida, alegando um
terrível engano, ou entrar com você no consultório e passar a vergonha de ser
desmascarada.
— E se a médica disser que está tudo bem? Não é assim que funciona.
Ela terá que fazer aquele exame que a Amanda fez.
— Isso seria perfeito! — ela disse como se eu não conseguisse
assimilar a sua linha de raciocínio. — Porque não existe uma criança naquela
barriga seca.
— E se existir?
— Bom, meu querido irmão, só poderei lhe desejar boa sorte.
— Porra!
Eu ia começar a tentar arrumar outro plano, a fazer com que minha
irmã me encorajasse a acreditar que não seria daquela forma, quando um
carro familiar passou por nós e parou na entrada na nossa garagem. Eu vi
quem era, só não acreditei no tamanho da ousadia. Geovana foi mais rápida
do que eu.
— Fábio? — sobressaltou-se. Em seguida se corrigiu. — Dr. Fábio!
Mas...
E então nós vimos minha mãe sair do carro, pela porta traseira,
voltando-se para auxiliar quem eu de imediato reconheci. Amanda.
Abri a porta do carro e desci sem me preocupar com mais nada.
— O que aconteceu?
Fui direto para Amanda, examinando-a com atenção, alcançando com
muita facilidade o seu braço enfaixado.
— O que aconteceu? — falei mais alto, aproximando-me, tirando-a dos
braços da minha mãe.
— Fique calmo — ela disse. — Foi só uma luxação.
— Você caiu? — Geovana falou alarmada. — Ela caiu? — repetiu a
pergunta para o médico, que nos acompanhava sem nada dizer.
— É uma situação um pouco mais complicada — minha mãe falou. —
Vamos deixar Amanda entrar e descansar.
— Eu estou bem — Amanda declarou, aceitando meu braço em volta
da sua cintura para melhor lhe auxiliar.
— Você caiu? Como? — perguntei diretamente a ela, incapaz de
conter a necessidade de me certificar acerca da sua saúde, e... da saúde do
nosso filho.
— Está tudo bem — repetiu, com um sorriso tímido, o que aliviou um
pouco a tensão que enrijecia meus músculos. — Nós estamos bem. — E
assim o ar voltou a circular livremente em meu corpo.
Entramos em casa. Eu pajeando Amanda, minha mãe na frente fazendo
questão de deixar tudo ajustado para recebê-la, e Geovana e o médico em
uma conversa silenciosa, um pouco atrás, disfarçando alguma coisa. Fiquei
em alerta. E se alguma coisa mais grave estivesse acontecendo, mas Amanda
não sabia? E se o bebê estivesse em risco?
— É melhor Amanda deitar um pouco. Foi um grande susto — minha
mãe disse.
— Não, tia! Eu estou ótima! E Dr. Fábio disse que não houve qualquer
dano ao bebê, não foi mesmo?
Olhamos para trás, no entanto, nem o médico e nem Geovana haviam
entrado.
— O que eles estão fazendo lá fora? — perguntei. — Aliás, porque ele
trouxe vocês até aqui? Faz parte do serviço de médico agora?
— Deixa de ser grosseiro, Diogo! — minha mãe ralhou e Amanda riu.
— Dr. Fábio foi o nosso grande salvador.
— Como assim?
— A dona Amanda resolveu que deveria sair por aí sozinha e...
— Eu só fui até a esquina buscar um milkshake — ela se defendeu
rápido, o rosto corando e o medo estampado em suas feições.
— Não esperou que eu chegasse e foi sozinha. Dá para acreditar?
— E você caiu na rua? — perguntei abismado. Porque era estranho
uma pessoa jovem e saudável como Amanda, cair em uma rua estável, sem
buracos ou qualquer coisa que dificultasse a caminhada. Só se ela...
— Ela foi assaltada — minha mãe revelou. Relanceei Amanda no
mesmo segundo, indo direto para o seu braço enfaixado.
— Porra, Amanda!
— Não foi nada...
— Eles a empurraram no chão — minha mãe prosseguiu. Meu olhar
acusava a garota a minha frente.
— Eu caí no chão quando tentei segurar a bolsa.
— Você... você reagiu? — Precisei me esforçar para não gritar. —
Nunca ouviu falar para não reagir a assaltos?
— Eu não reagi! — exasperou-se. — Foi instantâneo. Eles seguraram a
bolsa e eu segurei de volta.
— Eles? Mais de um para assaltar uma mulher grávida? Puta que
pariu!
— Diogo! — minha mãe ralhou. — Levaram o celular dela.
— A identidade e o cartão de débito também — Amanda completou,
um pouco ressabiada.
— Que merda! — A garota, mesmo com aquele olhar afiado de quem
me enfrentaria até o último segundo, se encolheu. — Então você caiu?
Mesmo com todas as restrições por causa da gravidez, você saiu, foi assaltada
e caiu? O que vamos precisar fazer agora, Amanda? Amarrá-la na cama?
Minha mãe riu, mas Amanda detestou ser chamada atenção. Sua
postura defensiva e os braços cruzados diziam tudo. Era muita merda de uma
vez só para eu lidar.
— Eu estou bem. Não havia motivo para não poder dar um passeio
aqui na rua. Nada demais. E assalto sofremos em todos os lugares. Não
aconteceu porque eu resolvi buscar eu mesma um milkshake. Além do mais,
não preciso de babá!
Recuei diante da sua fúria. Mas nem assim desisti.
— E o que ele faz aqui? Porque foi o seu “grande salvador” —
desdenhei, enciumado, confesso.
— Bom... — Amanda disse, corando um pouco e desviando o olhar. —
Ele apareceu na hora.
— Apareceu? Do nada? Assim? O cara nem mora aqui! Essa é uma rua
fechada e o cara apareceu do nada? Tenha santa paciência!
— Qual é o problema, Diogo? — minha mãe se intrometeu. — Dr.
Fábio é o médico da Amanda.
— Há muitos anos médicos não visitam seus pacientes em casa. Salvo
em casos de vida ou morte, o que, presumo, não é o seu quadro.
— Ele disse que estava passando — Amanda admitiu, ainda mais
envergonhada.
— Passando por uma rua fechada?
— Não é da minha conta o que ele faz, Diogo! — rebateu aborrecida.
— Mas é da minha.
— Ah, é? — minha mãe perguntou com ironia. — Desde quando?
— Desde que ele começou a se interessar pela minha... — Parei a frase
no meio, sem saber como completá-la. As duas me encaravam com atenção,
aguardando. Porra! — Por Amanda — finalizei, assistindo o desapontamento
em seu semblante, ao mesmo passo em que me criticava abertamente.
— Acho que deveria lembrá-lo de que sou solteira, logo, não há
problema no interesse de qualquer homem por mim — atalhou, magoada e
com o orgulho ferido. — E também, fazê-lo compreender que isso não é da
sua conta.
— Você não...
Geovana e o médico entraram na casa, me interrompendo. Geovana
estava estranha, mas sorriu para mim com certa confiança.
— Mandy, você é muito azarada. Não sei como até hoje, atuando como
comissária de bordo, não derrubou nenhum avião.
— Eu atendo os passageiros, não conduzo a aeronave — Amanda
resmungou enfezada, diante da risada da minha irmã e do médico.
— Que seja! Nunca fui assaltada nesta rua. Você resolve tomar um
milkshake e os ladrões aparecem.
— É verdade — minha mãe contribuiu. — Essa rua sempre foi segura.
Quer dizer... não a parte da escadinha, ali sempre foi um problema, mas aqui,
próximo a escola? Não. De forma alguma. Vamos ter que arrumar um celular
para ela. — Ouvi Amanda gemer baixinho. Aborrecida.
— Ainda tenho o meu aparelho antigo. Vai servir até ela conseguir
comprar um melhor. — Geovana ofereceu.
— Eu faria isso, se eles não tivessem levado meu cartão de crédito. —
Ela fez uma caeta, e então se rendeu ao abatimento. — Tenho que solicitar
um novo cartão e comprar um chip virgem.
— Resolvemos isso depois — anunciei.
— Amanda é um imã para os desastres. — Geovana ironizou,
deixando Mandy ainda mais aborrecida. — Veja só, depois de Treza anos
resolve passar as férias em Salvador, reencontra Diogo, engravida e ainda
corre risco. Muito azar para uma garota só.
— Quer saber? — Mandy levantou de uma vez só. — Vou deitar um
pouco.
— Eu te ajudo — minha mãe se ofereceu.
— Eu estou bem, tia!
— Faço questão!
Elas subiram as escadas. Fiquei com o médico, cogitando o motivo da
sua permanência ali. Minha irmã sorria olhando para o homem como se ele
fosse um príncipe encantado, deixando aquele quadro mais abominável.
— Está tudo bem com a criança? — perguntei, ainda ressabiado.
— Sim. Não houve qualquer problema. O braço dela vai precisar ficar
imobilizado por pelo menos quinze dias. O ortopedista que a atendeu é um
amigo meu. Posso garantir que ele sabe o que está fazendo, apesar da pouca
idade.
Alguma coisa entre aquele sorriso irônico de canto dos lábios e o
brilho em seus olhos, me alertava. Aquele cara sabia das minhas ressalvas a
seu respeito e falava comigo como se eu fosse um idiota. O que havia e
errado com as mulheres da minha família que não conseguia segurar a língua
na boca?
— Hum! — resmunguei, olhando de um para o outro. — Certo.
Obrigado por... hum... estar por perto e ajudar.
— Tudo bem. É o meu trabalho.
— Aliás... — Eu ia questioná-lo sobre a sua presença justamente
quando ela precisou, mas minha irmã se adiantou e mudou de assunto.
— Fábio... digo, Dr. Fábio vai nos ajudar. — anunciou como se
estivesse me premiando. — Ele vai conseguir a confirmação sobre o exame
apresentado por Eduarda — confessou baixinho, evitando que mais alguém
ouvisse.
Recuei, desarmado. Então era isso que conversavam do lado de fora?
Olhei para o homem que me encarava sério.
— Não farei nada demais. Conheço uma pessoa que trabalha no
laboratório. Vou dizer que ela é minha paciente e solicitar uma verificação
quanto a contagem exata de dias. Assim fica mais fácil confirmar se ela fez
mesmo o exame ou se... — voltou as vistas para Geovana, inseguro sobre o
que faria.
— Ou se, caso esteja mesmo grávida, a contagem de dias conforme a
possibilidade de ser seu. Ou descarte, não é?
— O quê? Mas... — Balancei a cabeça confuso. — Duda nunca faria
isso. Ela não...
— Vocês estavam separados, ela aparece grávida... — minha irmã se
apressou a dizer, deixando a ideia subentendida.
— Porra!
— Ah... — o médico falou constrangido. — Eu só vou verificar a
veracidade do exame, tá bom? Não posso ir além disso.
— Não se preocupe. — Geovana pousou a mão em seu braço, com
muita intimidade, o que me deixou em alerta. — Será uma grande ajuda, Fá...
Dr. Fábio.
— E quanto a... — Verifiquei as escadas, confirmando que não
seríamos surpreendidos. — Contar ou não a Amanda.
— Eu sugiro que você aguarde a confirmação dos fatos — Geovana
falou.
— Fisicamente não há qualquer problema. Pode ser um abalo, e alerto
que toda gestação recente pode se interromper devido a situações como esta,
mas... no geral, não há problema. De qualquer forma, Geovana tem razão.
Não há porque submetê-la a algo do tipo antes de termos certeza.
— Hum! — Engoli com dificuldade. — Tudo bem. O exame está com
Geovana.
— Já está com ele — minha irmã me avisou.
— Certo. Obrigada! Eu vou... ficar um pouco com a Amanda.
Deixei os dois com uma sensação estranha por depender da ajuda de
alguém que demonstrava interesse pela mulher que eu queria para mim, mas
ao mesmo tempo, aliviado por poder obter algo mais concreto do que a
afirmação da Eduarda.
CAPÍTULO 34
DIOGO
— Tem certeza, Diogo? — Lauro perguntou pela quarta vez desde que
atendeu a minha ligação. — Ela já deve ter recebido a notificação.
— Eu preciso de tempo, Lauro. Não posso expulsar Eduarda de casa
sem conhecer a verdade. — Meu primo suspirou, demonstrando preocupação.
— Imagino a tensão que está passando. Não queria estar em seu lugar.
— Ninguém queria, essa é a verdade.
— Engravidar a esposa e a amante ao mesmo tempo… é como perder
toda a sua chance de ganhar na loteria, Diogão.
— Eu não… Amanda não é minha amante — rosnei.
— Se você ainda é casado com a Eduarda, o único termo adequado
para Amanda é de concubina.
— Isso é perversidade. E meu casamento só existe no papel. Eduarda
já estava fora do meu caminho muito antes.
— E como foi que ela engravidou? — pirraçou.
— Você é meu amigo ou não? — Lauro riu abertamente.
— Sou seu amigo, Diogão! Vou desenrolar essa porra pra você. Mas
faça como planejou. Tenha certeza de que Eduarda está mesmo grávida, e
depois disso… — hesitou. — Tenha certeza de que o filho é seu.
— Que porra é essa, Lauro? Duda nunca…
— Só mantenha a mente aberta. Você nunca quis enxergar isso, mas
Eduarda é capaz de qualquer coisa. Não deixe nenhuma possibilidade passar
em branco.
— Tá! — respondi sem paciência. Não poderia cogitar que Eduarda
faria algo do tipo. — Tenho que verificar como Amanda está.
— Tudo bem. Cuide dela. Conversamos amanhã.
Passei a mão no rosto querendo expulsar o cansaço. Eu me sentia mais
velho só pelos últimos acontecimentos. A sensação angustiante de que minha
vida dera um giro de 180 graus, parou de ponta cabeça e ameaçava me
derrubar a qualquer momento.
Naquele mesmo dia saí para providenciar o novo chip da Amanda, para
que ela pudesse solicitar os novos cartões. Deixei a garota se divertindo com
o antigo aparelho de celular de Geovana, recuperando os contatos e
organizando as redes sociais, para tratar daquele assunto com Lauro.
Enquanto não tivesse qualquer certeza quanto ao estado de Eduarda,
não podia expulsá-la do aparatamento. Mesmo com a sensação de que aquilo
me traria mais problemas.
E assim, depois do banho, peguei a bandeja que minha mãe levaria
para Amanda e tomei para mim a missão de cuidar dela naquela noite.
A porta aberta facilitou o meu acesso. Amanda, sentada na cama, com
dois travesseiros a suas costas, encarava o celular, emburrada. Quase ri do
seu mau-humor. Dona Mônica seguiu a risca o seu papel de protetora daquela
garota e insistiu que ela ficasse na cama pelo menos naquele dia, só para se
certificar de que nada aconteceria. Entretanto, diante de todos os problemas,
rir parecia uma atitude impossível para mim.
— Eu podia descer e jantar com todos os outros — ela resmungou.
— Tem razão, mas, por favor, me deixe te paparicar um pouco.
Surpresa com a minha postura, ela relaxou, permitindo que eu
colocasse a bandeja com um prato de sopa quente, sobre a mesa de cabeceira
ao seu lado. Havia um copo grande com água e dois comprimidos, receitados
para antes da refeição, e amplamente recomendado por minha mãe.
— Como está se sentindo? — Coloquei os comprimidos em sua mão
boa, enquanto a assistia corar um pouco. Linda!
— Bem. — Jogando os comprimidos na boca,e bebeu dois goles
grandes de água. — Eu consigo…
— Não consegue, não. — Fui firme ao ajustar a mesa para melhor lhe
dar a refeição. — Além do mais, é melhor que descanse hoje. — Mesmo
aborrecida, Amanda não me impediu, deixando o celular de lado.
— Conseguiu resolver o problema dos cartões? — Ela balançou a
cabeça concordando, enquanto engolia a sopa.
— Solange vai buscar os cartões em minha casa e enviar para cá. —
Ela corou um pouco e fingiu prestar atenção na comida. — Solange é uma
amiga. — Informou.
— Que bom. Mas vou deixar um pouco de dinheiro com você
enquanto débito não chega, certo?
— Não é preciso. Quase não gastei o que tirei antes de presa a esta
cama.
— Eu não me importo se você ficar mais um tempo na cama —
brinquei e ela corou de uma maneira deliciosa.
— E então, como foi o seu dia? — perguntou entre uma colherada e
outra. Estremeci.
— Estamos casados? — brinquei.
— Você já é casado. — Nem tive coragem de revidar. Seu tom
aborrecido deixava claro aonde aquela conversa iria.
— Meu dia foi chato e cansativo — arrisquei dizer, querendo que
mudássemos de assunto o quanto antes.
— Ainda assim foi mais interessante do que o meu.
— Bom… ninguém pode dizer que você não viveu grandes emoções.
— Amanda resfolegou, sem conter sua irritação. — É melhor do que brigar
contra orçamentos apertados e clientes exigentes.
— Você fala isso porque nunca precisou lidar com pessoas que se
acham ricas e superiores, dentro de um vôo de duas horas e meia. É cada
situação dentro de um avião que às vezes eu mesma não acredito. Uma vez
um senhor me acertou com um cajado. Acredita? — Dei risada e quase
derrubei a sopa.
— Eu não sabia que podia embarcar com um cajado.
— Esse foi o problema. Ele insistiu. Disse que não se separava do
cajado.
— E como resolveu?
— Hum! — Ela engoliu a sopa, demonstrando um pouco mais de
animação e sorriu. — Depois que ele me atingiu com o cajado, eu prometi
que o guardaria comigo e lhe entregaria de volta quando o vôo acabasse.
Então o acompanhei até o assento, com dois seguranças atrás, e quando ele
sentou, guardei o cajado no compartimento dos comissários. Quase fui
suspensa por causa disso. — Ela suspirou, abrindo um lindo sorriso, o olhar
distante e saudoso.
— Você gosta de ser aeromoça, não é mesmo?
— Comissária de bordo. E sim, eu amo o que faço.
Amanda comeu um tempo em silêncio, perdida nos próprios
pensamentos e deixando que eu mergulhasse um pouco nos meus. Quando a
sopa acabou, ofereci a água e ela aceitou, depois a ajudei a se acomodar
melhor nos travesseiros.
— Posso fazer uma pergunta? — Ela concordou, com certo receio. —
Como eles fazem com aero… Comissárias grávidas?
— Hum! Nenhum médico recomenda permanecer na função no início
da gestação, por causa da pressurização constante. Às vezes eu faço quatro
voos, quando comerciais. Não é sempre, mas acontece. Uma amiga foi
transferida para o atendimento e outra para o administrativo. Não é que não
possa, sabe? É só que…
— No seu caso é ainda mais arriscado — acrescentei.
— Sim. Acredito que sim. Acho que eles vão me remanejar tão logo eu
retorne.
— Entendo.
O silêncio se fez outra vez. Eu queria pedir para ela ficar em Salvador.
Ao mesmo tempo, o pânico me assolava. Como fazer tal pedido, estando eu
envolvido em uma situação tão calamitosa? Amanda sofreria demais. Não era
justo. Por isso me calei.
Ela se voltou para o livro, incomodada.
— Chega um pouco pra lá — falei já ajudando para que ela me desse
espaço.
— O que vai fazer? — Fui até a porta, trancando-a.
— Deitar um pouco com você.
— Diogo…
— É melhor eu ficar do outro lado.
Desfiz todo o processo, afastando-a. Apesar de encarar minha atitude
como estranha e de demonstrar receio, Amanda obedeceu meus comandos,
aceitando a minha ajuda para melhor acomodá-la. Deitei ao seu lado,
segurando em sua cintura, puxando seu corpo para que se encaixasse melhor
ao meu. Amanda enrijeceu quando encostei o rosto em seu pescoço para
capturar seu cheiro único.
— Sua mãe vai subir a qualquer instante — ela disse.
— A porta está trancada, e nós não estamos fazendo nada demais.
— Ainda assim. Você …
— Shiii… Eu só quero ficar um pouco com você e deletar o dia de
hoje. Pode ser?
— Foi tão ruim assim?
— Bom… — Sim, foi horrível. Provavelmente que eu a perderia a
qualquer momento, por isso, triste, abracei um pouco mais seu corpo e engoli
a vontade de desabafar. — Deixei você inteira quando saí, na volta te
encontro machucada e sobre os cuidados daquele médico tarado.
— Médico tarado? — ela riu, relaxando. — De onde tirou isso?
— Eu não deveria dizer nada, Mandy. Em especial, depois da sua
declaração de solteira, mais cedo, na cozinha, mas… ele está louco para se
aproveitar de você.
— De mim? — Amanda riu alto. — Como você é bobo, Diogo!
— E você é inocente.
— Ai meu Deus! — Continuou rindo e a sua risada levava paz ao meu
coração na mesma medida que causava dor.
Eu sentiria falta dela. Como suportaria? Porque se a gravidez de
Eduarda fosse confirmada, Amanda me odiaria, e faria o possível para me
evitar. Angustiado, busquei Amanda com mais vontade, fechando os olhos
para afugentar aquela sensação estranha. Ela se aconchegou, passando o
braço bom por baixo do meu pescoço e acariciando meu cabelo.
— Você está tenso — constatou.
— Deve ter sido o susto.
— Eu estou bem — sussurrou.
Ergui o corpo, me apoiando no cotovelo, para melhor contemplá-la.
Amanda era linda de tantas formas. Ali, deitada, sem maquiagem e relaxada,
ela parecia perfeita para mim. Ímpar. Inigualável. Como eu poderia perdê-la?
— O que foi? — Acariciou meu rosto com cuidado e carinho. Um
toque simples, que abalou minhas estruturas.
Beijei sua mão, sorvendo todas as informações que eu conseguia
catalogar daquela garota. Seu toque, sua temperatura, a textura da sua pele,
seu cheiro… Acometido pela tristeza, me entreguei àquela sensação horrível
de dor e derrota.
— Não quero te perder — revelei em profundo desalento.
Ela sorriu de forma singela e um brilho especial alcançou o brilho das
duas estrelas que carregava no rosto, e que, por vezes, me guiava.
— Não seja bobo. Eu estou bem aqui.
— Promete? — A garota piscou, ficando séria de repente.
— Prometer?
— Que estará sempre aqui. Que não vai fugir de mim outra vez.
— Diogo…
— Só prometa — supliquei.
— Eu prometo — sussurrou, séria, atenta. — Aconteceu alguma…
Fui covarde. Eu sei. Mas como eu poderia fixar meus olhos nos dela e
mentir? Como poderia enganá-la naquele momento? Eu sabia qual seria a sua
pergunta e não conseguiria dissimular que minha aflição se devia apenas por
causa da sua saúde. Não. Eu não podia. Por isso fiz o que imaginei ser o
correto. Tomei Amanda em um assalto que refletia o meu desassossego.
Meus lábios se moveram nos dela com tudo o que me angustiava, que me
afligia e que ameaçava explodir.
Beijei Amanda com o desejo vivo de nunca perdê-la, com a vontade
latente de fazer com que tudo fosse possível para nós dois. Tomei seus lábios,
mas a minha vontade era a de tomar a sua alma, as suas ações, os seus
pensamentos e assim, só assim, parar o tempo que se fechava sobre nós, o tic
tac incessante do relógio que me avisava não restar mais quase nada para
vivermos.
E foi com essa angústia, que mais parecia uma ferida aberta, com esse
desespero, que a seduzi, que fiz com que Amanda não contestasse o meu
desejo de possuí-la, que não questionasse a ânsia das minhas mãos em seu
corpo, muito menos o medo em meus lábios.
Tomei Amanda para mim, entregando a ela felicidade, mesmo que
temporária, de deixar aquele mundo que nos separaria, e adentrar um que
seria só nosso, onde nenhum mal nos alcançaria. O mundo perfeito, como
naquele romance que ela lia, e que fora esquecido e amassado pelos nossos
corpos, como se pudéssemos nos fundir a ele, à sua magia e aos seus
encantos.
E então depois de nos deixarmos abalar pelo amor, cansados e suados,
permiti que Amanda se acomodasse em meu braço, com cuidado para que seu
gesso não sofresse danos, e ela dormiu, recebendo minhas carícias, me
deixando com a certeza de que jamais haveria uma separação sem danos,
porque naquela noite Amanda ficou com uma parte de mim, eu me apossei de
uma dela, a qual eu não queria abrir mão. Nunca mais.
AMANDA
Não vi Diogo deixar o quarto. Quando acordei, com o dia em seu
processo, ele não estava mais lá. Não me abalei. Fora o correto a fazer, afinal
de contas, estávamos na casa dos seus pais e ele, mesmo dando entrada no
divórcio, ainda era um homem casado.
Então comecei a rir dos meus pensamentos retrógrados. Nós éramos
adultos e eu esperava um filho dele. Não choca
ríamos ninguém se fôssemos flagrados dormindo no mesmo quarto.
Foi com esse espírito de felicidade que levantei sem sacrifício,
chegando até mesmo a considerar aquela tala em meu braço uma bobagem.
Eu me sentia ótima. As lembranças da noite anterior salpicavam minha mente
de alegria e aliviavam meu corpo de qualquer dor. Diogo fora tão amável,
cuidadoso e amoroso que me comoveu. Não havia como duvidar da sua
vontade de estar comigo e fazer aquela loucura dar certo depois de ser
tomada com tanta ânsia e paixão.
Geovana entrou em meu quarto assim que deixei o banheiro, com uma
cara ótima!
— Já acordada? Pensei que dormiria a manhã toda.
— E por qual motivo eu faria isso? — Pirracei, retirando o travesseiro
para tentar esticar o lençol e ajustar a cama.
— Deixa que eu faço isso — puxou o tecido de minha mão. — Sente
um pouco.
— Eu estou ótima, Geo!
— Com toda certeza! — Revirou os olhos ao me dar um sorriso amplo.
— Diogo passou a noite aqui. Imaginei que seu humor estaria muito bom.
Cheguei a abrir a boca para rebater, ou para dizer qualquer coisa que
fizesse com que Geovana desacreditasse seus próprios pensamentos, então
desisti. Por que eu faria isso? Diogo de fato dormira comigo. Não havia
qualquer problema nisso. Então sorri com vontade enquanto sentava na
poltrona e aguardava que minha amiga cuidasse da cama.
— Esse sorriso indica que vocês estão bem — afirmou, fingindo não
estar tão atenta a mim.
— Estamos em um ótimo começo. Podemos dizer assim. E você?
Como está com o Dr. Fábio?
— Eu… o quê? — Geovana ficou vermelha, dissimulou, então
começou a alisar o lençol para esticá-lo mais. Em seguida desatou a tossir. —
Que ideia! De onde você tirou isso?
— Vai esconder de mim, Geo?
— Eu… não… é complicado! — Desistiu, sentando na cama.
— Ele é casado? — Ela negou com a cabeça. — Noivo? Namorado?
— Geovana continuou negando. — Ele é gay? — Ela riu e se deixou cair
sobre o colchão.
— Não. Ele não é gay, nem casado, nem noivo e não tem namorada,
apesar de muitas garotas almejarem ocupar este posto.
— Ah, é? — Ri da sua careta de desagrado. — E como você sabe
disso?
— Hum! Ele é gato, é médico e é gente boa. Precisa de mais alguma
coisa?
— Geo, você está insegura?
— Quem, eu? Não! — Minha amiga se endireitou na cama,
recuperando a sua pose de superioridade. — É que não combinamos muito.
— Em quais pontos?
— Em muitos pontos, Amanda. Agora me diga: quais são os seus
planos?
— Estou pensando em descer e descobrir o que sua mãe preparou para
o café da manhã.
— Santa mãe de Deus! — Ela gemeu, me fazendo rir.
— Não tenho planos, Geo. Ainda.
— Por que?
— Porque não sei como as coisas vão se desenrolar. Diogo está… —
Suspirei e não consegui evitar um sorriso apaixonado. — Tenho medo.
— Bom, você não tem mais tanto tempo assim para assimilar o
assunto, não é mesmo? Em breve esta barriga estará imensa. Sem contar que
seu lado profissional precisa de uma definição.
— Eu sei. O mais ajuizado seria pedir transferência. Ficar aqui em
Salvador, mas não morando com Diogo, sabe? Em casas separadas mesmo.
Nós precisamos de tempo, e Diogo precisa se adaptar a ideia de ser pai.
— Nem me fale — ela resmungou, ficando estranha. — Tem certeza
de que quer ficar aqui? Não que eu não queira que fique, lógico que você
sabe que quero muito que você fique e tal… é que… talvez um tempo em São
Paulo ajude a colocar cada coisa em seu lugar.
— Você está estranha — revelei. Ela empinou a coluna, me encarando
com preocupação.
— Estranha como?
— Antes você não queria nem que eu pensasse em voltar.
— É só uma ideia, Mandy — Jogou o cabelo para trás, desfazendo das
próprias palavras. — Uma ideia que pode ser legal, mas só uma ideia.
Meleca! Geovana estava mesmo estranha, o que me deixava inquieta.
O que eu havia feito de errado para que ela quisesse me ver longe daquela
casa? Será que ela também compartilhava das mesmas ideias do irmão a
respeito do Dr. Fábio?
— Deixa de bobagem! Vamos comer ou você vai acabar enjoada.
Levantei com cuidado, me sentindo estranha outra vez enquanto
acompanhava seus passos.
— E, é claro, se você escolhesse voltar para São Paulo, eu iria junto.
— Geo…
— Não posso perder nenhum passo dessa gravidez, Mandy.
Então ela sorriu, mas seu sorriso não alcançou os olhos.
CAPÍTULO 35
DIOGO
AMANDA
Meu braço coçava e incomodava. Eu não podia tomar remédios mais
fortes, por isso a dor não me deixava. Não uma dor absurda, impossível de
aguentar, porém, por ser constante, me deixava inquieta. Sem mencionar a
vigília da tia Mônica. Eu não podia sequer fingir que queria descansar um
pouco, que ela inventava o que fazer no quarto, dobrar roupas, arrumar o
guarda-roupas ou até mesmo, limpar o chão. Duas vezes ao dia.
Eu estava ao ponto de surtar.
— Tia, vamos fazer um bolo de milho verde? — sugeri. Pelo menos
assim ela me deixaria em paz um pouco. As íris da mulher brilharam.
— Está com desejo? — Precisei me esforçar para não demonstrar
frustração
— O seu bolo de de milho verde batido no liquidificador era o melhor
de todos.
— Nem sei se ainda tenho a receita, menina, mas… vamos ver o que
posso fazer.
Descemos para a cozinha. Claro que ela não me deixaria fazer nada,
nem mesmo untar a fôrma, ainda assim, seria melhor do que ficar assistindo-a
fazer coisas sem sentido só para me supervisionar.
— E a Geo? Será que vai demorar para voltar? — perguntei. Minha
amiga havia saído pela manhã logo após o desjejum e não voltara nem
mesmo para almoçar.
— Quem sabe daquela menina? Enviou uma mensagem avisando para
não aguardar por ela para o almoço, e foi só isso.
— Hum! Toda misteriosa a Geovana — resmunguei baixinho.
— Nem me fale. Desisti de tentar entendê-la. Passa o dia no celular ou
no computador. Tem umas conversas estranhas, como se coordenasse uma
equipe inteira e quando pergunto, ela fala que está ajudando uma amiga a
organizar um evento. É assim que diz que ganha dinheiro. Com bicos! — Fez
cara de desagrado. — Geovana deveria arrumar um emprego de verdade, e…
Tia mônica continuou tagarelando, mas eu me perdi em pensamentos
logo em seguida. Eu me interessava pela vida da minha amiga, no entanto,
minha mente se mantinha ocupada com as lembranças da noite anterior, na
maneira como Diogo me tomou e como demonstrou, mesmo sem palavras, o
quanto gostava de mim.
Parecia um sonho. E eu, apesar de ter ciência de que precisava acordar
o quanto antes, afinal de contas, logo precisaria organizar a minha vida, não
queria. Eu me agarrava àquela realidade e me obrigava a crer que ainda
tínhamos tempo, e que este, era nosso melhor amigo, nos favorecendo ao
alongar a minha estadia.
Mordi os lábios relembrando seus beijos, a maneira cuidadosa como se
portou, sempre evitando me machucar ainda mais, mantendo meu braço
intacto quando tudo o que eu queria cobrisse meu corpo com o dele e se
fundisse a mim. Diogo era incrível, o amante perfeito.
Ainda custava acreditar que aquele mesmo homem, que se perdia
quando pensava na ideia de ser pai, que se atrapalhava com o que desejava
para o futuro, era o mesmo que me seduzia com toques seguros, certos, com
beijos quentes e sensuais. O mesmo homem que sabia me envolver, me levar
a lugares nunca antes descobertos, sem pudores, sem limites.
Era fácil ceder a Diogo quando ele se portava como o amante, assim
como era fácil odiá-lo quando se apresentava como um idiota fraco.
— Deve ser ela — tia Mônica disse, lavando as mãos com pressa e
limpando-as na toalha de prato, enquanto tentava averiguar quem havia
aberto o portão que dava acesso a garagem.
E então, ela ficou tensa. No mesmo instante, quando seu olhar cruzou
com o meu, meu corpo enrijeceu.
O silêncio que perdurou poucos segundos, mas que parecia uma hora
inteira, só foi quebrado pelo barulho dos saltos no chão. Cada músculo meu
agia como se estivesse pronto para enfrentar uma guerra. Uma parte de mim
gritava que eu deveria subir para meu quarto e permanecer ali até que o
perigo tivesse acabado. Seria o mais sensato, visto que eu acabara de passar
por uma situação ruim, que abalava a gestação. Um embate com a ex-esposa
do meu… bom, eu não sabia o que ele era meu… não seria nada interessante.
Ainda assim, havia uma outra parte, a que rangia os dentes, se
agachava e rosnava. A que detestava Eduarda e que não desejava mais se
submeter. Eu não deixaria aquela cozinha como se fosse uma intrusa, alguém
menos do que ela. Não. Não mais. Então permaneci ali, sentada, as mãos
sobre a barriga ainda lisa e o os pêlos eriçados, como um gato que reconhece
a hora da luta.
Eduarda chegou à porta da cozinha com toda a sua presença sufocante.
Arrumada, maquiada demais, exibindo um sorriso triunfante. Com suas
roupas de grife e sua bolsa que deveria custar três meses de trabalho, ela
conseguia esconder a podridão que habitava dentro dela, mas que eu, ainda
assim, conseguia enxergar.
— Tia! Como vai? — Ela se aproximou de tia Mônica, que não
conseguia agir de forma correta, no entanto a abraçou e permitiu que ela
entrasse.
Eduarda parou quando me avistou, e um sorriso diabólico brincou em
seus lábios. O mesmo poder que emanava ao exibir a sua felicidade, me
atingiu como um raio de infelicidade, fazendo tudo em mim estremecer. Eu
não sabia. Não havia como adivinhar o que ela fazia ali, mas eu tinha a
certeza de que algo de muito ruim aconteceria e apenas esta constatação, fez
meu ventre enrijecer, com uma leve cólica.
— Ah, Amanda! Eu deveria supor que te encontraria aqui — ela disse,
tentando ser ocasional e falhando por completo.
— Diogo ainda não chegou — tia Mônica passou a frente, colocando-
se em um lugar na mesa que ficava exatamente entre nós duas, assim
impediria um confronto direto.
— Eu vim falar com a senhora, tia. Na verdade, com a família. Onde
está Geovana? Tenho uma coisa para contar. — Outra vez aquele sorriso
diabólico, fazendo com que meus pêlos ficassem ainda mais arrepiados.
— Ela não está. Saiu desde cedo. Mas sente. Estávamos fazendo um
bolo de milho verde. Amanda adora! — Eduarda me analisou de forma
afiada, como se desejasse se livrar de mim o quanto antes. — Não acha
melhor aguardar pelo Diogo, já que é algo que quer compartilhar com a
família?
Tia Mônica até disfarçou, tentou aparentar natural, no entanto sua
tensão não passou despercebida para ninguém. Ela queria que Eduarda não
falasse. O motivo? Eu não podia apostar com toda certeza, porém, sabia que
me atingiria talvez de forma mortal.
— Na verdade, tia… — Eduarda sorriu, querendo parecer mais feliz do
que estava de fato, e até fingiu uma certa timidez. — Eu vim contar que estou
grávida.
O mundo estacou neste exato momento. Eu sequer, piscava. Atenta a
Eduarda, estudando seus gestos e engolindo suas palavras. Acometida pelo
gelo que começava a subir pelas minhas pernas e se apossar do meu corpo
aos poucos, me congelando no lugar.
— É bom que Amanda esteja aqui, afinal de contas, seremos mães dos
filhos do Diogo. Quer dizer… o meu filho com certeza é do meu marido. —
Ressaltou esta última parte.
— Eduarda! — Ouvi tia Mônica dizer. Não havia qualquer emoção em
sua voz, nem mesmo felicidade pela descoberta. Havia ali apenas
preocupação e medo. — Diogo…
— Já sabe. — Ela sorriu ao voltar a encarar a sogra. — E está muito
feliz, tia — disse com emoção. — Afinal de contas, esse é o destino de todo
casal, não é mesmo? Tantos anos juntos e agora… — deslizou a mão sobre a
barriga, por cima do vestido solto.
— Mas…
— Quase dois meses. Eu não sabia. Não fazia ideia. Pode ter
acontecido até mesmo antes de eu ter feito a bobagem de sair de casa. — Ela
continuou. — Agora seremos uma família de verdade.
— Eduarda, eu acho melhor… — tia Mônica tentou, mas eu já estava
de pé. — Amanda, querida, não…
— Você está mentindo — acusei. Ela riu, como a ótima escrota que
era.
— Infelizmente não tenho como te entregar o exame. Diogo ficou com
ele. Aliás, tomamos café juntos hoje, enquanto combinávamos sobre que
médico vai me acompanhar e quais exames que devo fazer.
— Eduarda! — Tia Mônica se colocou na minha frente. — Esse não é
um assunto que você tenha que discutir agora, aqui, com a Amanda.
— Tia? É o seu neto! Seu verdadeiro neto! Não está feliz?
Vi tia Mônica titubear. Lógico que ela estaria feliz, afinal de contas,
Eduarda era a nora dela, a mulher que o filho venerava e que agora lhe daria
um filho. Eu era apenas… um acidente, um desvio no caminho. Nada mais do
que isso.
— Está fazendo isso para provocá-la — acusou com certo horror na
voz.
— E não foi o que ela fez comigo quando se enfiou na cama do meu
marido? Quando engravidou por vingança, roubando a minha história ao lado
do homem com quem escolhi passar a vida toda? Tia, ela é a amante dele, a
mulher que tentou me destruir, como pode protegê-la?
— Eduarda! — Tia Mônica falou horrorizada. — Como você…
— Eu estou grávida! Ouviu bem, Amanda? Eu estou grávida do filho
legítimo do Diogo e meu marido logo vai entender o erro que você foi na
vida dele, então porque não toma vergonha na cara e some de uma vez por
todas das nossas vidas?
— Amanda não…
— Vá embora e deixe a minha família em paz, sua vigarista!
Vagabunda!
Outra vez senti a pontada forte na barriga. Eu precisava sair dali. Não
havia motivos para ficar ouvindo todas aquelas loucuras. Diogo não estava lá
para se defender, para desmentir Eduarda. Minha permanência só pioraria as
coisas.
Foi o que pensei quando dei as costas e deixei a cozinha decidida a ir
embora daquela casa de uma vez por todas. No fundo tentei me convencer de
que apenas arrumaria um lugar onde pudesse ter paz, onde Eduarda não me
encontrasse e colocasse a vida do meu filho em risco. Mas a verdade era que
eu queria sumir. Esquecer tudo. Diogo, os planos, a felicidade que não mais
poderia ser real.
Eu quis me convencer de que era mentira, porém, por qual motivo ela
iria até a casa dos pais do Diogo para revelar uma gravidez falsa? Nem
Eduarda seria idiota a este ponto. Então… se era verdade… não havia mais
nada a fazer ali. Eu precisava partir. O quanto antes.
— Amanda? — Tia Mônica chegou na porta do quarto quando eu já
colocava minhas coisas na mochila e tentava fazer tudo caber ali, me
equilibrando com apenas um braço. — Amanda espere.
— Não tia! — limpei as lágrimas que teimavam em cair. — Eu só
preciso…
— Espere Diogo chegar, por favor!
— Pra quê? Para que ele confirme essa gravidez? Para que não consiga
olhar em meus olhos quando disser que Eduarda é a esposa dele e que ele tem
que ficar ao lado dela neste momento? Não! Eu tenho amor próprio demais
para aceitar passar por isso.
— Mas… para onde você vai?
— Não sei. Vou pegar minhas coisas e encontrar um hotel.
— E Diogo?
— Ah, tia! — Chorei um pouco mais, me controlando para que não
fosse invadida por uma torrente de soluços. — Não quero pensar nele agora,
tá bom? Eu só quero… só quero ficar o mais distante possível daquela
mulher. — Ela concordou, os olhos marejados, os braços em volta do próprio
corpo. — Eu… ligo para avisar onde ficarei hospedada.
Nós nos abraçamos, e choramos também. Evitei comentar que minha
barriga estava estranha, dura, tensa. Joguei a mochila nas costas e não quis
sequer aguardar o motorista do aplicativo. Deixei a casa dos pais de Diogo
sem fazer ideia de para onde eu poderia ir, mesmo assim, eu fui. Porque já
havia vivido demais para entender onde me cabia.
CAPÍTULO 36
DIOGO
AMANDA
Ok! Respire, Amanda! Inspire! Respire, inspire.
Repeti para mim um milhão de vezes enquanto entrava no táxi e me
acomodava com a mochila da melhor forma que pude, devido ao braço
imobilizado. Minha barriga dura, uma cólica aguda, mas não entraria em
pânico. Primeiro eu precisava chegar até o apartamento, depois telefonar para
Dr. Fábio e pedir ajuda. Ou talvez, eu precisasse só beber uma água, respirar
e inspirar até que meu corpo entendesse que era apenas tristeza.
Uma tristeza profunda, larga, ardida. Uma tristeza que me cercou sem
precisar ser cuidadosa. Ela chegou e me dominou. Eduarda estava grávida.
Diogo seria pai… outra vez.
Ri sozinha, chorando ao mesmo tempo, fazendo com que o motorista
me olhasse pelo espelho retrovisor.
Meleca!
Funguei ainda rindo.
Como a vida podia ser tão fodida? Não bastava que nós duas nos
odiássemos, tínhamos que engravidar do mesmo homem e ao mesmo tempo?
Aquilo sim poderia ser considerado um resgate cármico. Sim, não parecia
outra coisa. Aquele ódio não seria proveniente de uma única vida, não é
mesmo? Claro que não! Nossa história com certeza alcançava a dos Maias,
ela foi a mulher que me acertou com uma pedra na cabeça no dia do meu
casamento e conseguiu se casar com o meu noivo, sendo sacrificada logo em
seguida. Morremos todos. Ponto final.
E agora estávamos ali, juntos outra vez, grávidas, disputando não
apenas o amor, mas a atenção e a paternidade do mesmo homem. Como era
possível?
— A senhora está bem? — o motorista perguntou, me observando de
tempos em tempos pelo retrovisor.
— Estou — respondi puxando o que restava da minha dignidade, e em
seguida, explodindo de uma vez. — Não estou! — Chorei que nem criança,
assustando-o.
— Moça?
— Ela está grávida! — resmunguei e seu olhar ficou mais
complacente. Ah, ele entendia. Como não entender. — Como ela pode estar
grávida? Eu estou grávida! Eu!
E então ele deixou de compreender, me entregando uma caixinha de
papel e se calando, olhando sempre para a frente, com cara de assustado.
— Ele não podia ter feito isso comigo. Não! — gritei. — Ele não podia
ter feito isso comigo, não é mesmo? — O homem concordou, balançando a
cabeça com receio de me contrariar. — Ah, moço! Eu nem posso julgá-lo.
Eles são casados, sabe? — Suas órbitas oculares ficaram ainda maiores. —
Meleca! É uma situação tão fodida! Eles não são casados. Não mais. Mas
ela… ela engravidou… — Chorei com mais força e então parei. — Ou
então… então ela está mentindo. Sim, claro! Não seria tão assustador se
aquela… aquela…
— Moça?
— Se ela inventasse algo do tipo, sabe? Ela é má. Ela é uma pessoa
horrível! Sabe como ela me chama? — Ele negou, ainda assustado. — Miss
Piggy! — E então chorei sem conseguir evitar.
O homem estacionou o táxi na frente do prédio onde eu havia alugado
um apartamento. Eu não sabia quanto tempo tinha até que ela voltasse para
casa, mesmo assim quis arriscar. Era melhor entregar aquele apartamento de
uma vez por todas e nunca mais precisar ver a cara daquela mulher outra vez.
Paguei o táxi. O homem me auxiliou com a mochila, não apenas por
causa do braço, já que eu havia revelado a gravidez, e me deixou no elevador,
com cara de piedade ao me desejar boa sorte.
Sorte.
Eu não precisava de sorte. Precisava de paz. Precisava da minha casa,
do meu trabalho e da minha vida. Mas eu não podia, porque havia um ser, um
pequeno grão de feijão que mudava tudo. E eu o amava demais para esquecer
do que me levou até ele. No caso: Diogo.
Abri a porta do apartamento e comecei recolher tudo o que eu
encontrava. Não havia tanta coisa assim. A maioria se encontrava arrumada
no pequeno guarda-roupa, então só fiz jogar de volta na mala. Entrei no
banheiro, catando as poucas coisas que ainda estavam por ali, como o último
biquíni que usei e permanecia pendurado.
Fui até a cozinha e joguei quase tudo no lixo, especialmente o que já
fora aberto. As outras coisas enfiei na mala sem raciocinar se teriam alguma
utilidade. Então abri a porta do apartamento, respirei fundo e fechei, decidida
a não voltar mais ali.
E foi então que ela chegou.
Eduarda abriu a porta do elevador sem se dar conta da minha presença.
Ela olhava as chaves em sua mão e mantinha um sorriso vitorioso. Típico de
quem ela era. Não me movi. Não queria falar, nem olhá-la. Não queria ouvir
mais nada, só sair dali. No entanto ela me viu e ficou surpresa.
— Ora ora! Está recolhendo seus restos e voltando para o seu
mundinho? — pirraçou.
— Estou indo para bem longe de você — revelei. Ela sorriu ainda
mais.
— Você quer dizer da minha família, não é mesmo?
— Não. De você. Com Diogo eu me acerto depois.
— É isso o que você quer, Amanda? Ser a amante? A mulher que vai
infernizar a minha vida, tirar o pai do meu filho?
— O pai do meu filho também. E Diogo pediu o divórcio, não se
esqueça disso.
Passei por Eduarda, caminhando em direção às escadas. Arremessaria
as malas pelos degraus se isso me ajudasse a ficar longe dela o mais rápido
possível, já que a mulher ainda bloqueava a passagem do elevador.
— Ele é meu marido! — gritou. Eu ri, mas apenas porque sentia tanta
raiva que podia fazer algo pior.
— Diga isso a ele, não a mim.
— É comigo que Diogo vai ficar — continuou esbravejando, me
seguindo, fazendo um escândalo. — Vai ser comigo que ele vai construir essa
família.
— Isso… — Virei em sua direção, encarando-a com raiva. — Se
existir mesmo esse filho, não?
— Sua…
— Porque algo me diz que você é capaz disso, Eduarda. De inventar
um filho só para que Diogo sinta pena.
— Pena?
— Pena. Ou você acha que ele ficaria feliz em ter um filho com você?
Ela mordeu os lábios, a respiração ofegante, os olhos me fulminando,
como se quisesse me matar. E ela queria.
— Ele não quer você — dei a cartada final.
E este foi o meu grande erro.
— Mas ele não vai formar essa família com você, Miss piggy!
Eu não percebi que na posição em que me encontrava, ela só precisaria
erguer os braços e tudo estaria acabado. Olhei para trás, me dando conta, mas
foi tarde demais. Eduarda, em um único gesto, me empurrou, e eu cai pelas
escadas, sem qualquer capacidade de me defender, ou defender meu filho.
Eu simplesmente desci rolando, batendo todo o corpo em direção a
morte.
CAPÍTULO 37
DIOGO
AMANDA
Sessenta e três gotas por minuto.
O som não chegava aos meus ouvidos, mas meus olhos, secos,
conferiam o cair de cada gota do soro preso ao meu braço.
Desde que a notícia chegou, dois dias antes, fui puxada para aquela
direção e assim fiquei, me agarrando as gotas caídas, contando o tempo por
soros trocados.
Três mil setecentos e oitenta gotas por hora.
Diogo permanecia por lá. Ele nunca saía. Nos primeiros momentos
ouvi seu choro, depois suas palavras sussurradas me pedindo perdão,
geralmente à noite. Dois dias depois tudo o que ele fazia era segurar minha
mão e me pedir para reagir.
Meu corpo doía. Eu quase não me mexia, e não fazia ideia da
gravidade dos meus machucados. Pouco tempo depois colocaram a sonda. Eu
não reagia. Um estado catatônico, foi o que ouvi falarem. Mas a verdade era
que eu não sentia vontade. De nada. Nem mesmo de respirar.
“É o luto” tia Mônica disse baixinho. “Uma mãe já ama o filho mesmo
ainda dentro da barriga. Não importa quanto tempo teve de gestação.”
Eu não chorei. Não gritei, apesar de haver um grito preso em minha
garganta, me impedindo até mesmo de falar. Não lamentei. Não fiz nada
desde que me disseram que meu filho não estava mais lá. Tudo o que eu fiz
foi contar as gotas.
Trinta mil duzentos e quarenta gotas a cada nova sacola de soro.
“Ela é jovem”, Dr. Fábio disse em um dos muitos momentos em que
precisou estar ao meu lado, “Vai se recuperar logo. Em alguns meses poderá
até mesmo engravidar outra vez, se quiser”, acrescentou com certo cuidado.
Eu queria?
Não.
Estava tão certa de que não queria engravidar outra vez, quanto de que
junto com o meu filho, morria também a minha história com Diogo.
Eu não queria pensar nele, nem em nada que não fossem as gotas
caindo. Talvez este tenha sido o motivo para começar a contá-las. A dor de
ter um ventre vazio me sufocava, e eu não queria ser injusta com ninguém.
Mais uma vez.
Uma nova bolsa de soro a cada oito horas.
“Alguém precisa saber o que houve!” Geovana protestou no que
imaginei ser a minha primeira noite naquele quarto de hospital. Eu havia
cochilado, não sei em que momento. Provavelmente entre a gota de número
cinco mil e oitenta e dois, da segunda bolsa trocada desde o meu último
cochilo. Perdi a contagem. Precisaria recomeçar.
Um, dois, três…
“Ela precisa falar! Como Amanda caiu daquela escada, Diogo?” —
Geovana continuou.
Pisquei, perdendo a contagem outra vez. “Eu não caí” quis dizer, mas
as palavras se avolumaram em minha garganta e precisei engoli-las antes que
me sufocassem. “Eu não caí. Ela me empurrou” pensei com tristeza. Então
pisquei mais uma vez e reiniciei.
Um, dois três…
“Geovana?”, Dr. Fábio a chamou, não repreendendo-a e até mesmo
com certo carinho. “Agora não.” E ela, por fim se calou.
Onze, doze, treze…
DIOGO
— Amanda? — falei baixo, ao lado dela, que continuava encarando o
maldito soro.
Quatro dias se passaram. Seus machucados no rosto ganharam um tom
roxo assustador, no entanto começavam a amarelar nas extremidades.
Seu silêncio não me assustava mais. Ao menos não mais do que a
tristeza que parecia se aprofundar a cada dia em meu peito. Era estranho
sofrer por um filho pelo qual eu sequer cheguei a me acostumar? Entendia
que lamentava a perda de algo que construiríamos juntos, e que, diante de
tantos problemas, seria natural Amanda se retrair.
Ainda assim, mesmo ciente de tudo isso, pesava mais em minha
tristeza, a morte daquele filho. E sim, eu pensava como a morte de um filho, e
sofria como se precisasse enterrá-lo a qualquer momento. Sufocava. Doía.
Desesperava.
Talvez fosse a culpa. Amanda voltou àquele apartamento porque
escondi dela a verdade destruidora de que Eduarda também havia
engravidado. Quis protegê-la. Repeti mentalmente diversas vezes, tentando
me convencer. Se a mentira da minha ex-esposa não fosse uma novidade para
ela, talvez Amanda estivesse comigo, sentada no sofá da casa dos meus pais,
rindo de algum programa bobo, depois de passado o susto, e da revelação de
que Eduarda havia, em seu desespero, adulterado o resultado do exame.
Mas tudo aconteceu de forma contrária, não permitindo que Amanda
sequer esperasse até que conseguíssemos desmascarar Eduarda. Ela correu
para o apartamento e, em sua tentativa de fugir de mim, ou daquela realidade,
caiu da escada e perdeu nosso filho.
A culpa era minha.
Só minha.
— Dr. Fábio acredita que você deveria voltar para casa. — Ela piscou,
engoliu, e se manteve calada. — Você precisa se alimentar sozinha — minha
voz falhou. — Para que eles retirem as sondas. — Suas pálpebras se
fecharam, e assim permaneceram. — Fale comigo, por favor!
Novas lágrimas se formaram em meus olhos. Não conseguia acreditar
que eu chorava tanto e ela não derramava uma lágrima sequer. Aquela
situação me deixava atordoado.
— Por favor! Grite! Brigue comigo, chore, me xingue, diga que sou o
culpado de tudo, mas por favor, reaja!
Ela estava acordada. Eu sabia pelo seu engolir constante, como se
lutasse contra algo, e nem assim ela falou, ou fez algo diferente de dormir ou
encarar o soro.
— Amanda eu… não sei mais o que fazer. Não queria que fosse assim,
não desejei… eu não queria…
Sufocado, me afastei dela, caminhando até a janela, de onde eu podia
ver o movimento da rua. Encostei a cabeça no vidro gelado e suspirei.
— Não contei sobre a Eduarda porque desconfiei que era mentira logo
no primeiro momento. Geovana e Dr. Fábio ajudaram. Eles descobriram
tudo, mas… mas… eu acho que ela já sabia que não conseguiria me enganar
por muito tempo, por isso foi até você. Eu… perdão! — Gemi com as
lágrimas rolando.
Não sabia quantas vezes repeti aquela mesma história para Amanda,
sem nunca receber uma resposta de volta. Mesmo doendo a cada nova
repetição, eu me obrigava a continuar falando, até que ela me desse qualquer
indício de que havia entendido. E nada acontecia.
Até aquele dia.
— Eu quero… — Sua voz rouca, seca, ecoou no quarto silencioso.
Olhei para Amanda, com pressa, ansioso pela sua fala repentina. Ela
ainda mantinha os olhos fechados, a mão fora para a garganta, como se
sentisse dor.
— Eu quero… — ela repetiu. — Quero voltar para casa — falou por
fim.
Um sorriso se abriu em meus lábios, mesmo com as lágrimas recentes.
— Tudo bem. Vou te levar para casa.
Avancei até a sua cama, mas quando minha mão foi para seus dedos,
como costumava fazer, ela me rejeitou, arrastando a dela para cima do corpo.
Recuei de imediato. Com as pupilas ocultas, não consegui captar o que de
fato acontecia. Deveria estar preparado para aquela reação, afinal de contas,
por minha culpa aquela gravidez deu errado desde o início, ainda assim, a
decepção que me abateu fez meu pulso acelerar.
— Amanda? — Ela nada disse. — Fale comigo! — implorei.
A porta abriu e uma enfermeira entrou junto com o médico plantonista.
Limpei as lágrimas e me afastei.
— Ela falou — informei, reconhecendo as expressões surpresas em
seus rostos. — Disse que quer ir para casa.
— Que ótimo! — o médico disse, se aproximando do leito dela para
examiná-la. — Vamos retirar a sonda de alimentação, certo? — Amanda
concordou, sem nada dizer, mas acordada, desperta, demonstrando estar em
seu domínio.
Eu me afastei para que eles pudessem realizar todos os procedimentos.
Saí da sala, andei pelo corredor já familiar. Meu corpo parecia flutuar. Não de
uma forma boa, e sim estranha, como se a qualquer momento as bordas da
minha vida fossem começar a queimar, destruindo tudo e criando um cenário
fantasmagórico.
Na recepção, sentei em uma das cadeiras da sala de espera. Cobri o
rosto com as mãos me obrigando a refletir sobre assunto. Assustava enxergar
que a reação que eu esperava de Amanda estivesse se concretizando, mas, eu
esperava, não? Até preferia que ela me rejeitasse do que definhasse naquela
cama até não sobrar mais nada dela.
Então por que doía tanto?
— Filho?
Levantei a cabeça, observando minha mãe se aproximando com
cuidado, os sentimentos contidos em seus ombros rijos, como se esperasse
por uma notícia ruim. Soltei o ar com cuidado.
— Aconteceu alguma coisa?
Encarei minha mãe, controlando aquele impulso juvenil de me atirar
em seus braços e colocar tudo para fora. Eu queria dizer: mãe, a Amanda não
me quer mais. No entanto, tudo o que fiz foi dizer:
— Ela falou. Pediu para ir para casa.
Vi o exato instante em que os ombros da minha mãe relaxaram.
— Que bom!
Sim. Ótimo! Menos pelo fato de sua reação ter gerado outra, e esta me
empurrava para um abismo.
— Eles estão tirando a sonda — informei.
— Que bom! — ela repetiu.
Não falei mais nada, só abaixei a cabeça nas mãos e me senti solto em
um vazio horrível. Então seus braços alcançaram meus ombros e ela me
puxou para perto.
— Vai ficar tudo bem, filho. Nós vamos cuidar dela.
O tom de voz que ela utilizou, a maneira como seus braços me
cercaram, tudo serviu de incentivo para que eu me libertasse, meu corpo
inteiro entrou naquele transe que os filhos só encontram no colo das mães.
Entretanto, eu não era mais uma criança. Não havia mais espaço para voltar
correndo e chorando. A vida estava ali, à minha frente, me cobrando
amadurecimento para encarar os fatos.
E o fato único e verdadeiro era que eu causei aquilo tudo a Amanda.
AMANDA
Dois dias depois, recebi alta.
Noventa mil setecentas e vinte gotas por dia, e então, eu estava livre.
Observei Geovana me observar de forma desconfiada, enquanto
aguardava até que eu estivesse pronta para deixar o hospital. Diogo
permanecia próximo a mim. Ele exibia uma tensão pior do que a da irmã.
Pudera. Nesses dois dias em que reagi, falei pouco, ou nada, com o pai do
filho que eu perdi. Também não demonstrei qualquer entusiasmo com os
planos que eles traçavam para mim, já que os meus eram diferentes.
— Pegou toda a documentação? — Diogo perguntou a irmã, que fez
uma careta.
— Fábio… digo, Dr. Fábio, está conversando com o médico do plantão
para acompanhar o tratamento da Amanda fora do hospital.
— E daí, Geovana? — ele resmungou. — Nós precisamos que a
documentação esteja liberada para conseguir sair.
Minha amiga deu um pulinho, me lançou um olhar apreensivo, e então,
para meu total desespero, abriu a porta e saiu, me deixando sozinha com
Diogo.
Terminei de pentear o cabelo molhado, ainda sentindo as pontadas no
cotovelo que havia ficado imobilizado por alguns dias, mas, depois de muita
insistência, consegui remover a tala. Ajustei o vestido no corpo, conferi o
machucado sobre a mão direita, fruto do tempo que passei conectada ao soro,
mas não me olhei no espelho, o pequeno, que ficava no banheiro, nem por um
instante. Não queria me encarar, enxergar em meu rosto, as marcas do que
aquela brincadeira foi capaz de deixar.
Coloquei a escova de volta na pequena bolsa, a qual Geovana levara
logo cedo, quando soube que eu seria liberada, contendo tudo o que eu
precisava para sair dali com um aspecto menos assombroso. Ali havia um
pouco de tudo, roupa, perfume, sabonete e shampoo, até mesmo um batom de
cor clara, minha amiga providenciou, tudo para dar um pouco de vida a um
corpo morto.
Respirei fundo. Não choraria. Não na presença deles. De nenhum
deles.
— Está pronta? — Diogo falou logo atrás de mim, me sobressaltando.
Engoli com dificuldade, fechei a bolsa e concordei balançando a
cabeça, o que não o impediu de se aproximar.
— Amanda… — ele começou.
Durante todos os dias em que permanecemos no hospital, evitei Diogo
com toda a minha força. Doía olhá-lo, pensar nele, falar com ele. Doía
compreender que aquele filho que nos ligou, o único motivo para que ele
ficasse ao meu lado, para que finalmente me enxergasse, havia partido, e
pelas mãos de Eduarda, a mesma mulher com quem ele estava no dia em que
resolvi ir embora.
A sensação não era a mesma, mas se assemelhava. A tristeza, a dor, a
humilhação, o medo, tudo o que me fazia impelia a fugir outra vez e nunca
mais voltar.
— Amanda… — tentou outra vez. Talvez esperando que eu reagisse
de uma forma melhor. — Por favor! Fale comigo. Eu…
Encarei a porta. Poderia pronunciar as suas palavras sem errar
nenhuma delas, afinal de contas, Diogo as repetiu para mim mais de uma vez
por dia. Eu me sentia cansada até mesmo para os seus apelos. Cansada de
ficar calada, de remoer aquela mágoa, de me questionar sobre a culpa, sobre
os motivos, de tentar a todo custo, arrumar uma forma de contar a verdade
sem parecer uma mulher amargurada, infeliz e capaz de inventar histórias
horríveis.
— Não podemos ficar assim para sempre — continuou. — Precisamos
conversar, definir como faremos…
— Para o quê? — Eu o interrompi, pegando-o de surpresa. — Como
faremos para o quê, Diogo?
— Bom… — Ouvi seu engolir, sem ter coragem de encará-lo. —
Como faremos com… com… nós dois? — Ri sem qualquer vontade. — Você
sabe que Eduarda mentiu, não é mesmo?
— E você? O que você sabe? — Encarei Diogo sentindo todo o
impacto da sua presença.
— Eu? Eu… Amanda, o que você quer dizer? Está me confundindo.
— Você sabe por que meu filho morreu?
Precisei parar. Um bolo grosso e forte obstruiu a minha garganta e
lágrimas chegaram aos meus olhos no instante seguinte em que falei em voz
alta que meu filho havia morrido. Puxei o ar com força. Foi quando senti suas
mãos em meus ombros. Foi repentino e muito mais forte do que eu. No
segundo em que Diogo me tocou, fui dominada por uma raiva crescente,
prestes a explodir.
Empurrei suas mãos para longe de mim e me afastei o máximo que
pude. Andando mais rápido do que deveria, devido às circunstâncias.
— Amanda? — chamou, assustado.
— Ela me empurrou! — rebati, nervosa, angustiada, arrasada.
Durante dias nenhuma palavra conseguiu ganhar força para ser
pronunciada. Elas se petrificaram em meu peito e entupiram minha garganta,
nunca conseguindo ultrapassar a barreira do sofrimento. Porém, naquele
momento todas elas pareciam dispostas a sair de vez, atropelando umas as
outras, expelindo toda a dor que acumulei.
— Ela me empurrou. A sua esposa. Eduarda! — gritei, liberando,
finalmente, as lágrimas. — Ela. Me. Empurrou! Não foi acidente, não foi um
descuido meu!
— Amanda…
— Aquela desgraçada quis matar o meu filho. Ela me disse isso. Olhou
em meus olhos e disse que não te perderia para mim. Ela quis… ela quis…
— O ar começou a faltar. Abaixei a cabeça entre as mãos, me obrigando a
permanecer de pé. — Ela quis que eu morresse também. Ela quis…
Tudo escureceu a minha frente. Sem forças, me deixei cair, e a última
coisa que vi, foi o cinza dos seus olhos, me encarando com pavor.
CAPÍTULO 38
DIOGO
AMANDA
De volta ao quarto.
Geovana me encarava, aguardando que dissesse alguma coisa, mas eu
nada queria conversar. Depois do meu desmaio, demorei muito mais tempo
para que os médicos se convencessem que foi apenas por ter me levantado de
uma vez, somado a ansiedade para sair dali. Todos os exames que fizeram
não apontaram qualquer problema novo. Eu estava inteira.
Por fora.
Suspirei. Depois de chorar na frente de Diogo as lágrimas pareciam
não apresentar qualquer resistência para se apresentarem. Eu só queria que
Geo me deixasse sozinha para que eu pudesse, enfim, prantear a morte do
meu filho, sem precisar receber a sua pena.
— Diogo te disse alguma coisa? Foi por isso que desmaiou?
Meleca!
Engoli com dificuldade, o choro querendo escapar contra a minha
vontade. Sentei na cama, fixando o olhar na varanda. O sol brilhava como se
nada de errado tivesse ocorrido, como se a vida não parecesse injusta em
nenhum ponto. Eu podia sentir o amargo em minha língua como o gosto do
meu fracasso.
— Droga! O que ele fez? Amanda eu…
— Nada — falei por fim. — Aliás… não! Ele não fez nada, Geo.
Minha amiga acomodou-se ao meu lado, segurando minha mão entre
as dela. Não tive coragem de encará-la, mas sabia que ela me olhava com
intensidade.
— Essa vida é tão louca, não é mesmo? Quem poderia dizer que depois
de treze anos você voltaria e tantas coisas aconteceriam?
Suspirei com pesar.
Quem poderia dizer?
— Agora não preciso mais ficar, não é mesmo?
Levantei. Eu me sentia tão amargurada que começava a sufocar.
Aquela casa, de repente, não me deixava nada confortável.
O que eu tinha feito da minha vida?
Sim, eu tinha feito. Eu e apenas eu.
Porque não importava se Eduarda me empurrou ou não daquela escada.
Importava apenas todas as escolhas que fiz para chegarmos até ali.
Começando por ter deixado a cozinha, chorando, enquanto ela ria, quando eu
ainda tinha treze anos. Se eu tivesse encarado Eduarda naquela época, se
tivesse lhe respondido à altura, se tivesse dado a ela o que merecia, talvez,
quem sabe, nada daquilo teria acontecido.
Eu não teria ido embora, Diogo continuaria sendo uma paixonite de
pré-adolescência e eu, provavelmente, me divertiria rindo da cara dele todas
as vezes que o relacionamento frustrado fosse evidenciado.
Jamais teria me sentido tão nada, tão pouco, ao ponto de treze anos
depois voltar e me fazer passar por uma mulher inexistente, até porque, o
mais provável era que eu continuaria sendo a garota invisível, mas, quem se
importava? Eu não teria dormido com Diogo, não teria ativado o meu lado
idiota, não teria engravidado, nem me apaixonado, muito menos perdido
aquela criança.
Nada daquilo teria acontecido.
Eu não me sentiria tão vazia, incompleta, afundando no oceano com
uma pedra amarrada aos meus pés.
— Mandy? — Geovana tentou outra vez, mas Diogo chegou e toda a
atmosfera modificou.
Eu o estudei com cuidado, ao mesmo tempo que ele retribuía o olhar,
me avaliando, testando minha aceitação. Apesar de toda tensão, das feições
cansadas, da energia densa que nos cercava, Diogo continuava lindo. Não
lindo daquela forma que me fazia corar. Era uma beleza que me emudecia,
me impactava, me fazia relembrar de todos os motivos para estarmos ali. E
doía como se sua própria mão esmagasse o meu coração.
— Como está? — ele disse.
Atrás de Diogo, parado ainda na entrada do quarto, um rapaz me
observava com receio. Eu o reconheci depois de uma breve análise. Lauro,
primo de Geovana e Diogo. Nunca seria capaz de esquecer seu cabelo negro
e abundante, bagunçado toda a vida, indomável, mesmo em um corte
educado, além dos seus olhos expressivos, tão escuros quanto seus pelos, e
pareciam pintados, tamanho o destaque que possuíam naquele rosto bem
feito.
Lauro havia adquirido corpo, apesar de ainda exibir músculos enxutos,
e sua aparência, mesmo preocupada, engomada em um terno que indicava a
sua posição, havia melhorado bastante. Sorri sem muita vontade, todavia, não
querendo parecer injusta com uma pessoa que não tinha qualquer culpa no
ocorrido.
— Como vai, Lauro? — Ele retribuiu o sorriso, com cautela, e entrou
no quarto.
— Estou bem, e você? Como se sente? Diogo disse que não esteve
bem, hoje mais cedo. — Relanceei o homem parado um pouco mais a frente,
esperando que eu falasse com ele. Na verdade, parecia implorar por minha
atenção.
— Estou bem, obrigada! — me apressei a responder.
Eles se entreolharam, e em seguida, olharam para Geovana.
— Geo, você poderia nos dar licença? — Diogo pediu, mais como uma
ordem do que como um pedido educado.
— Por quê?
— Porque precisamos conversar sobre um assunto delicado, e eu não
sei… — Sua insegurança chegou até mim através de um olhar rápido. —
Preciso conversar com Amanda antes de passar a situação à diante.
Apertando os lábios um contra o outro, recuei alguns passos. Então era
isso? Diogo ainda tinha dúvidas a respeito do que lhe contei? Como fui burra
e ingênua! Claro que ele teria dúvidas! Eduarda era a sua esposa, e, mesmo
inventando uma gravidez, ele estaria com ela se eu não tivesse aparecido e
engravidado. Agora, sem filho, acabava tudo. Tudo!
— Só se Amanda me disser para sair — minha amiga rebateu,
cruzando os braços na frente do peito e fazendo birra, exatamente como fazia
quando criança..
Os três destinaram seus olhares para mim.
— Eu não vejo… — comecei a falar quando Diogo me interrompeu,
ao mesmo tempo que Lauro falava.
— Ela vai fazer um escândalo! — Diogo falou alto, sem paciência.
— Talvez seja melhor tratarmos essa primeira conversa… — Lauro
começou.
Estreitei os olhos na direção dos dois. O que eles queriam? Esconder
aquela história de todos? Pensavam em me convencer a não levantar
nenhuma acusação contra Eduarda sem ter como provar? Aquela situação não
era apenas humilhante, mas absurda, desrespeitosa e… e… e… minha visão
embaçou, devido as lágrimas.
Sentei na cama, derrotada. Não queria que Geovana fizesse um
escândalo, que fosse atrás de Eduarda e se colocasse em risco por mim. Além
do mais, Diogo não passava de um idiota por decidir proteger a esposa, só
que este detalhe não apagava a realidade. Eu não tinha como provar a minha
versão.
Naquele dia estávamos apenas nós duas na escada. Ela me empurrou e
sumiu em seguida, ou eu apaguei rápido demais para verificar o que a maluca
fez. Não importava. Acusar Eduarda me deixaria em uma posição
desconfortável. Seria a minha palavra contra a dela. Um advogado bem
treinado conseguiria me desacreditar com muita facilidade.
Meleca!
— Ah, tá bom! — Geovana falou sem paciência. — Façam como
quiserem! Eu tenho coisas para resolver.
Minha amiga levantou, deixando em um átimo, sem esconder o
aborrecimento, logo depois, ouvi a batida da porta e a movimentação. Lauro
puxou a poltrona para colocá-la a minha frente e Diogo sentou ao meu lado,
um pouco desconfortável com a proximidade, ainda assim, decidido a dar
continuidade ao seu plano.
— Amanda… — Lauro começou. — Diogo me contou sobre a sua
acusação.
— Olha, isso não importa! — o interrompi, com pressa, levantando da
cama para me afastar deles o máximo possível.
— Como assim não importa? Eduarda tentou te matar! E ela… — O
olhar de Diogo foi para a minha barriga, demorando-se ali, me machucando
mais do que eu esperava. Cerrei as pálpebras e virei o rosto, controlando
minha dor.
— Você precisa prestar queixa — Lauro prosseguiu com a voz calma.
— Não é a minha área, mas posso te acompanhar enquanto escolho um
colega competente…
Perdi toda a concentração em mim, na força para não chorar, na dor do
meu corpo, quando voltei a encarar Diogo, surpresa pelo desenrolar daquela
conversa. Ele não queria que eu abonasse a falta da esposa, e sim que eu a
acusasse. Um alívio estranho percorreu meu corpo. Algumas lágrimas
rolaram e um sorriso discreto brincou em meus lábios, o qual disfarcei com
sucesso.
Diogo não almejar encobrir o crime da esposa, acalmava meu peito,
porém, não era o suficiente. Nós não tínhamos nada. Nenhuma prova, nada
que fizesse com que a polícia acreditasse em mim e não na esposa traída e
abandonada.
— Contei para Lauro o que você me relatou. Ele precisa ouvir os
detalhes, se inteirar exatamente do que aconteceu — Diogo continuou,
aceitando meu silêncio como consentimento.
— Preciso dos laudos médicos. Temos muitas testemunhas. E estamos
aguardando uma resposta importante.
— Parem! — falei ao me sentir tonta. — Não vamos fazer isso.
— Claro que vamos! — Diogo rebateu, determinado.
— Não temos como provar. Será a minha palavra contra a dela.
— Por enquanto — afirmou, com confiança. — As provas vão surgir.
Os relatórios médicos, os testemunhos… vai ficar bem nítido para qualquer
um.
— Além do mais… — Lauro tomou a palavra. — Eduarda forjou um
exame de gravidez, o que é crime, tentou enganar Diogo e esteve aqui para te
contar sobre a falsa gravidez, sabendo que causaria o seu desespero.
— Não! — falei com um pouco mais de força. — O que o delegado vai
enxergar é a má intenção de uma amante após ter perdido o filho que garantia
o sucesso da sua armação.
— Mandy… — Diogo tentou, mas eu o impedi.
— Só o fato de Eduarda ter vindo aqui, já serve de prova contra mim
— continuei. — Não estão vendo? Ela fez tudo da forma certa. Nunca vamos
conseguir provar que ela me empurrou. O que vai acontecer é que eu serei
massacrada como a amante louca que fez de tudo para destruir o casamento
dela. Eu… não posso. Desculpe, não posso!
— Amanda… — Lauro falou após alguns minutos de silêncio
desconfortável. — Eu te entendo. Sei que pode acontecer desta forma, mas o
contrário também é possível. Não podemos confirmar nada ainda, e estamos
aguardando por uma resposta que será definitiva. Você só precisa prestar a
queixa.
— Não posso! Eduarda é ardilosa. Ela sabe o quanto essa história pode
me prejudicar. Se ela conseguir manipular as pessoas certas, logo teremos
toda a sociedade contra mim. E eu não posso arriscar. Não tenho mais nada,
só este emprego, que, certamente acabará caso essa história venha a vazar. As
amantes ainda ocupam o pior lugar na lista do ódio público — acrescentei
com um sorriso triste e envergonhado.
— Você não é minha amante, Amanda! — Diogo falou, baixinho,
assustado e até mesmo indignado. — Você sabe que não foi desta forma.
— Eu sei e você também, mas as pessoas… as pessoas que vão
analisar e julgar o meu caso, não vão levar em consideração se Eduarda saiu
de casa antes, elas irão me massacrar, pedir a minha cabeça. Tem ideia do
que é uma mulher, uma única mulher, se recusando a voar se eu estiver na
tripulação escalada, por julgar que eu sou uma aventureira, uma mulher em
busca de um homem casado? Não. Você não faz ideia do quanto isso seria
terrível para mim. Enfermeiras e Aeromoças são as maiores fantasias dos
homens, e os piores pesadelos das mulheres.
Ele riu baixinho. Não com alegria, nem mesmo com ironia. Diogo riu
porque entendeu a verdade das minhas palavras. E quando voltou a me
encarar, havia apenas tristeza em seu olhar.
— Não podemos deixar que Eduarda mate nosso filho e saia dessa
impune, Mandy — sussurrou.
Limpei as lágrimas do rosto, reconhecendo que muitas outras
continuariam caindo, funguei sem qualquer decência, sem deixar de encará-
lo. Havia emoção em mim por vê-lo determinado a não deixar a morte do
nosso filho impune, assim como havia por ele se referir ao bebê como nosso,
mas no fundo, o sentimento, que mais pesava era o de tristeza. Porque
independente do que faríamos, nada mudaria a nossa sorte.
— Desculpe, eu não posso.
E, sem voltar a olhá-los, fui para o banheiro e me tranquei lá, até que
nenhum barulho do lado de fora me alcançasse.
CAPÍTULO 39
DIOGO
AMANDA
— Essa ou essa?
Geovana levantou duas blusas para mim, quando entrei em seu quarto.
— Depende. Qual a ocasião?
Vi minha amiga ficar estranha, branca, depois corada, indecisa, desviar
o olhar e encarar o espelho de pé, onde conferia as peças na frente do corpo.
— Um encontro — revelou, sem entrar em detalhes.
— Com Dr. Fábio? — pirracei. Ela girou em minha direção com muita
pressa, como se tivesse sido pega no flagra, depois se recompôs e voltou a se
observar no espelho.
— Sim. Apenas como amigos.
Claro.
— Neste caso, qualquer uma fará o trabalho.
— Amanda!
— O que foi? Desde quando você se importa tanto com o que veste
para sair com um amigo?
— Eu me preocupo com o que visto até mesmo para ir ao mercadinho
da esquina.
— Ah… então, a rosa.
Ela voltou a se analisar no espelho, segurando a blusa rosa na frente do
corpo. Analisei suas feições, me segurando para não rir. Escolhi a rosa por
ser mais discreta, sem decote e sem grandes atrativos. E fiz isso porque este
detalhe que me entregaria a que pé se encontrava aquele relacionamento.
— Hum! Não. Ela não me valoriza.
Então Geovana jogou a blusa rosa sobre a cama, pegou a preta,
vestindo-a, conferindo o decote. Ponto para mim. Mordi o lábio inferior,
impedindo o riso de escapar, afinal de contas, era direito dela guardar aquela
história só para ela, não era mesmo? Todo mundo esconde alguma coisa do
restante do mundo. Seja um simples relacionamento com um carinha legal,
ou até mesmo o plano estudado e elaborado para ir embora.
Muito rápido a vontade de sorrir acabou. Foquei a atenção nas minhas
mãos sobre as coxas. Era o que eu queria? Talvez. Eu não conseguia definir.
Uma parte de mim gritava para que eu não esperasse nem mais um minuto.
Partir se tornou parte essencial da minha necessidade de recomeçar.
Mas havia em mim uma parte que chorava e pedia baixinho para que
eu ficasse, para que aceitasse Diogo e recomeçasse ao seu lado. Algo
impossível, no entanto, desejado com ímpeto. Porque aceitar estar ao lado
dele seria crer que conseguiríamos, e eu sabia que não tinha forças para tal
ato.
Apesar de tudo o que sentia por Diogo, e não negava mais, não valia a
pena arriscar. Porque nosso filho havia morrido, e, apesar de não culpá-lo por
isso, sem admitir, eu o culpava por várias outras coisas, e um dia, cairia sobre
seus ombros aquela acusação. A paixão morreria aos poucos e se
transformaria em algo pior. Eu lutava contra esta parte. Não queria odiá-lo,
não queria mais mágoas em minha vida. Já possuía o suficiente para remoer
pelos próximos cinquenta anos. Então, ficar com Diogo não poderia ser uma
opção.
— E você e Diogo? — Ela perguntou quando eu cogitava tocar no
assunto. Encarei Geovana sem ter noção do que poderia, ou deveria dizer.
— Não existe um “eu e Diogo”. — Ela me deu um olhar triste, depois
sentou ao meu lado.
— Mandy…
— Não comece... por favor! — acrescentei, baixinho. — Não existe eu
e Diogo, Geo. Esse é um assunto resolvido.
— Você deveria ao menos escutá-lo.
— Foi só o que eu fiz no hospital.
— Ele não tem culpa, Mandy.
— Eu sei. — Segurei sua mão entre as minhas, sentindo o choro se
acumular. — Eu sei, Geo. Só quero… — Puxei o ar com força. — Me
concentrar em mim, por enquanto. Preciso me refazer, retomar a minha vida e
olhar para a frente. Diogo está no meu passado. Eu nunca deveria tê-lo tirado
de lá.
— Não fale assim — implorou. — Vocês se gostam. É tão triste isso
tudo. E vocês tem 95%, como pode dar errado?
— 95%? Como assim?
— Nada! É só uma bobagem. Esqueça.
— Ah… tá legal.
— Você não vai embora, não é? — Alarmada, soltei a mão dela,
levantando para não entregar meu plano.
— Preciso. Eu moro em São Paulo. Minha vida é lá.
— Mandy!
— Não há muito o que eu possa fazer, Geo. Não tenho motivos para
ficar e, para ser sincera com você, não quero mais ficar. Não sei se consigo
seguir em frente estando por aqui. Quando eu lembro… — Precisei me calar
para que o choro não atrapalhasse. — Vamos deixar isso para depois. Você
tem um encontro, ainda que com um amigo. Por que não me conta o que vão
fazer?
Ela sorriu sem alegria, e se aproximou para me abraçar. Aceitei
Geovana em meus braços, entretanto, precisei de todo esforço do mundo para
não desabar ali. Eu era tão grata pela sua amizade, pelo amor daquela família,
que doía precisar me despedir.
— Converse com ele — sussurrou em súplica, ainda abraçada a mim.
— Diogo tem direito de saber dos seus planos.
Eu nada disse. Geovana se afastou, voltando aos seus preparativos.
Fiquei por ali, tentando colocar empolgação em tudo o que ela escolhia e
brincando com a sua amizade com alguém como Dr. Fábio.
Minha amiga saiu de casa um pouco antes do horário que Diogo
costumava chegar com o pai. Tia Mônica saiu junto com a filha para buscar
pão na padaria, e eu fiquei só. Com o pulsar vibrante em meus tímpanos, dei
início ao que precisava fazer. Uma parte da minha bagagem já estava pronta,
restava apenas o que eu ainda precisava manter pelo quarto para não levantar
questionamentos.
Subi sem muita vontade, peguei a mala e a mochila, arrumei minhas
coisas e desci para o táxi que havia agendado. Não olhei para trás. Não queria
ter a chance de desistir, mas antes de sair, coloquei sobre o lençol esticado da
cama que me acolheu durante tantos dias, uma carta de despedida,
implorando mentalmente para que eles me perdoassem por escolher fazer
dessa maneira.
DIOGO
A casa estava escura. A noite caiu e ninguém lembrou de acender as
luzes da área externa. Coloquei o carro na garagem, iluminei o lado de fora
da casa e entrei procurando por ela. Amanda.
Nem Geovana nem minha mãe se encontravam em casa, do contrário
esta não estaria na penumbra, mas Amanda não havia saído. Dona Mônica
não permitiria que ela se esforçasse além do necessário, nem que fosse para
um pequeno passeio. E se alguma coisa tivesse acontecido, elas já teriam me
telefonado.
Por isso entrei sem me preocupar. A alegria de ter conseguido a prova
e dado a queixa, me impulsionava a procurá-la para discutir a situação.
Amanda não poderia se negar a concordar em dar o seu depoimento, uma vez
que havíamos conseguido uma forma de incriminar Eduarda.
Subi as escadas, apressado, ansioso para conversar com ela, depois de
longos dias de silêncio. Bati na porta do seu quarto, porém não aguardei pela
permissão para entrar. Com a casa toda apagada eu só podia supor que
Amanda dormia.
Abri a porta me deparando com um quarto no escuro. Olhei na direção
do banheiro e da varanda, percebendo que não havia qualquer iluminação
nestas partes também. Então acendi a luz. No primeiro instante, quando
percebi a solidão do quarto, me perguntei se minha mãe cedeu a alguma
chantagem de Geovana, ou da própria Amanda.
Até que meus olhos alcançaram o quadrado sobre a cama, posicionado
no travesseiro, de forma a não deixar dúvida sobre a necessidade de ser
encontrado. Um envelope em um quarto vazio.
Meu coração acelerou.
Eu não precisava de uma carta para me certificar do acontecimento.
Não precisava. Ainda assim, sentei naquela cama e a peguei com as mãos
trêmulas. Tomei ar, abri o envelope, encontrando o papel sem pautas e a letra
de Amanda.
Vou começar pedindo perdão por escolher partir sem despedidas. Sei
que essa escolha me torna uma pessoa ingrata e egoísta, mas preferi assim a
assistir a tristeza de vocês e não poder fazer nada quanto a isso.
Sou grata de uma forma que não consigo explicar, por tudo o que
fizeram por mim, não apenas nesses tempos difíceis, mas em todos os
momentos da minha infância, por todas as vezes que me acolheram e me
defenderam. Minha gratidão me ajudará a mantê-los para sempre dentro do
meu coração. Só posso dizer que depois de anos, foi muito bom ter pais outra
vez.
Não quero que fiquem preocupados, estou apenas voltando para casa,
para a minha vida, que não pode mais esperar até que todos os
acontecimentos ruins deixem de me assolar. Eu preciso encarar os
problemas e reconhecer que quando nada mais pode ser feito, torna-se
necessário pôr um ponto final e seguir. É o que estou fazendo. Prometo que
ficarei bem. Vou cumprir todas as recomendações médicas e não me
colocarei em risco, pelo menos não mais do que a minha profissão exige.
Amo vocês! Obrigada!
Geovana,
Minha amiga linda e fiel, foram tantos anos longe e o que aconteceu?
Nada mudou. Você continuou sendo a melhor amiga que uma garota poderia
desejar. Obrigada por lutar tanto por mim, por me defender, por se doar de
todas as formas para me fazer crer nas coisas boas desta vida. Sem você eu
não teria sobrevivido a loucura, mesmo que tão breve, de estar grávida. Você
não duvidou de mim nem por um segundo. Não me questionou, nem pôs em
dúvida às minhas afirmações. Foi o que sempre foi: amiga.
Não sei como agradecer a este amor, nem sei como explicar uma
amizade que parecia não mais existir, ressurgir de uma forma tão plena e
poderosa, mas como duvidar de algo que vem de alguém como você?
Peço perdão por partir assim, mesmo depois da nossa conversa. Eu
não queria enxergar tristeza em seu olhar, por isso preferi me despedir com
o seu sorriso confiante, sua energia contagiante e sua força inigualável.
Manterei contato. Prometo!
Amo você!
Diogo,
Gostaria de dizer muitas coisas, mas não posso. Não posso te culpar
pelas coisas que nos aconteceram. A vida encontra inúmeras formas para nos
mostrar quando algo é bom, ou nosso, mas usa o mesmo artifício para deixar
claro quando não é.
Quando eu era criança, te amei de uma forma que não acreditei ser
possível superar. Nada de ruim que me fez, foi forte o suficiente para que eu
desistisse do sentimento. Acreditei durante anos que você passava uma
paixonite de infância, e assim me enganei, até mesmo quando, depois de treze
anos, escolhi Salvador para as minhas férias, quando poderia ter escolhido
qualquer lugar do mundo.
Por isso, Diogo, não posso te culpar de nada. Pelo contrário. A única
coisa que posso fazer hoje é me desculpar por toda esta confusão.
Quando te reencontrei, e percebi que, mesmo sem me reconhecer,
havia fascínio em seu olhar, não resisti a tentação de lhe provocar, até mesmo
de lhe causar o mesmo tipo de sofrimento que você me causou. Menti para
mim mesma, me fazendo crer não passar de uma brincadeira, que não teria
qualquer consequência, e que sobreviveríamos àquela pequena peça.
Enquanto isso, sem me dar conta, permiti que tudo o que estava
guardado dentro de mim, aflorasse. E não se engane, não foi apenas a paixão.
Esta sempre está acompanhada de outros sentimentos não tão nobres, como a
mágoa e o rancor.
Engravidar não fez parte dos meus planos. Piorou quando descobri que
nunca estaria nos seus se eu não tivesse sido tão infantil. Foi um erro,
causado por nós dois, e que descarrega a sua culpa em mim. Eu brinquei com
sua cabeça, me diverti com a sua confusão e me perdi nesses passos.
Não sei explicar os planos de Deus, e é provável que nunca os
compreenda, no entanto, perder esta criança foi a coisa certa. Provavelmente
Ele tenha interferido e ajustado nossos caminhos, me mostrando que eu
nunca deveria brincar com meus próprios sentimentos, quiçá os seus.
Só posso pedir que me perdoe, e que um dia, Ele permita que o perdão
seja parte das minhas lembranças.
Hoje, não posso conviver com isso. Não posso suportar saber que perdi
um filho porque escolhi me intrometer na sua vida e, por consequência, na
vida da Eduarda. Escolhi desafiar as suas escolhas, saborear o gosto da
vingança ao me satisfazer com o sofrimento da mulher que um dia, foi a
responsável pelo meu. Escolhi isso tudo e nos trouxe até aqui, nesta confusão,
onde não podemos sequer pedir justiça pela vida de um inocente, sem
arriscarmos as nossas próprias vidas.
Tá tudo errado, Diogo! E eu preciso consertar essa bagunça. Começo
por aqui, pela despedida.
Com crime ou sem crime, somos os culpados por termos deixado
chegar tão longe. Agora, o melhor a fazer, é seguirmos caminhos separados,
como sempre seguimos.
Nunca existiu força para ficarmos juntos, essa é a mais pura verdade.
Amanda.
Um mês.
Um mês inteiro sem qualquer notícia de Amanda.
Ao contrário do que prometeu a Geovana na sua carta de despedida,
Amanda não entrou em contato. De acordo com minha irmã, até mesmo suas
redes sociais foram desativadas.
Eu fiz de tudo. Tudo!
Assim que o choque daquela carta aliviou o meu desespero, me dei
conta de que perdia tempo ali, chorando como uma criança, enquanto poderia
correr atrás dela e desfazer aquela ideia. Amanda gostava de mim, eu gostava
dela, nada poderia soar tão perfeito quanto essa conta. Só precisava que ela
me ouvisse.
Por isso, com minha mãe na cozinha reclamando sobre a chuva, o pão,
a rua, larguei a carta de Amanda sobre a mesa, e fui embora.
Primeiro dirigi até o apartamento que ela havia alugado, mesmo
acreditando que Amanda não se atreveria a ir ali, o que constatei, de forma
frustrante, assim que cheguei ao local. Ela não estava lá, mas fora ao local,
deixar as chaves para serem entregues ao proprietário.
Então compreendi que se ela passou por lá para entregar a chave, só
tinha duas opções: aeroporto e hotéis da cidade. Aeroporto parecia a opção
que exigia uma reação mais rápida, afinal de contas, Amanda poderia
embarcar a qualquer momento. O problema era que o aeroporto de Salvador
ficava no limite da cidade. Longe. Muito longe para aquele momento tão
decisivo da minha vida.
Não dava para dirigir como um louco se a cada cem metros havia um
radar, sem contar o movimento da Avenida Paralela, com um fluxo carregado
da volta para casa daqueles que deixavam Lauro de Freitas para trabalhar em
Salvador. Não havia muito o que fazer além de seguir no limite da
velocidade, isso quando eu conseguia chegar a tal ponto.
Outra vez a frustração me assolou quando percorri a pequena área do
aeroporto, aguardei exata uma hora em frente ao portão de embarque, após
descobrir que três voos estavam confirmados para São Paulo. Ela não
apareceu. Então fiz uma loucura, porém, precisa ousar.
Fui até o primeiro guichê e comprei uma passagem com destino a
Cuiabá, por ser a que tinha o melhor horário para embarque, e consegui
passar pela segurança, procurando por ela na área mais reservada.
Amanda não apareceu.
O desânimo e a tristeza já apertavam meu peito com a ideia de que eu
não conseguiria encontrá-la. Ela podia ter embarcado antes da minha
chegada, ou até mesmo, estar escondida em algum lugar de Salvador,
aguardando que eu baixasse a guarda para que pudesse partir em paz, sem as
minhas súplicas.
Abatido, tentei uma última cartada, fui até a companhia aérea em que
ela trabalhava para descobrir alguma coisa, qualquer pequena informação
poderia reacender a chama da esperança. Entretanto, e eu já imaginava que
seria desta forma, ninguém conhecia Amanda, ou se conhecia, optou por não
colaborar com um estranho com cara de desesperado.
E assim voltei para casa, sem Amanda, sem qualquer oportunidade de
modificar aquela história, e, acima de tudo, sem esperança de encontrá-la. Ela
sabia que eu não aceitaria tão fácil, então planejou aquela fuga de forma a
não deixar qualquer brecha.
O pior de tudo era que, mesmo magoado e triste, não me deixei atingir
pela raiva. Entendia Amanda como nunca me achei capaz de compreender.
Não havia como se livrar do peso daquele relacionamento, e, apesar da
certeza do que eu sentia, compreendia o quanto parecia improvável o êxito
em fazer aquele romance dar certo. Pelo menos enquanto Eduarda fosse um
pesadelo na vida dela, e a pessoa que faria com que minha consciência
pesasse para o resto da vida.
Todavia, entendê-la não significava resignação. Eu podia compreender
o motivo para Amanda fugir, para enxergar nossa relação como algo ruim, ou
que não merecesse a atenção de Deus, mas aquele não era o meu pensamento.
Eu via Amanda como a minha redenção, a chance de fazer da forma certa, de
vivenciar algo que me impedi de viver por puro medo, preconceito e
infantilidade.
Por isso não podia desistir dela com tanta facilidade. Não podia sentar
e aguardar mais treze anos, pensando nela com nostalgia, me perguntando
como poderia ter sido. Eu simplesmente não podia. Amanda quebrou cada
pedaço da redoma que criei em minha vida, e enxergar a realidade de perto,
tornou-se delicioso demais para aceitar a derrota.
Eu a queria, a adorava, desejava aquela garota como nunca me
imaginei cobiçar alguém. Chegava a ser insano aquele sentimento tão
desesperador e ao mesmo tempo gostoso. Ela ocupava cada pensamento meu,
cada planejamento, se cercando do meu passado, meu presente e, desejei,
meu futuro.
Por isso não desisti de encontrá-la. Apenas voltei para casa com uma
batalha perdida, entretanto, ansiando pela guerra.
Na manhã seguinte Eduarda estava na porta da casa dos meus pais. Eu
pretendia percorrer os hotéis prováveis, investigar as redes sociais de
Amanda ou até mesmo, contratar um detetive particular. Qualquer coisa que
diminuísse a distância imposta. Talvez por isso não me abalei com a presença
da minha ex-esposa atrapalhando meus planos.
— O que faz aqui? — Fui ríspido. Não havia qualquer necessidade de
gentileza para com ela.
— Você deu uma queixa contra mim? Me acusou de tentativa de
homicídio e assassinato de incapaz?
Sua voz chorosa não me fez recuar. Segui fazendo o que pretendia,
organizando o carro, conferindo a água e o óleo para a longa distância que eu
pretendia percorrer.
— Qual a novidade? Não foi o que você fez?
— Diogo? Não acredito que você vai mesmo prosseguir com isso. Essa
garota revirou a sua cabeça e te colocou contra mim. — Ri com sarcasmo.
— Você é mesmo impossível, Eduarda. Vai ser com essa ladainha que
vai tentar convencer a polícia da sua inocência?
— Eu sou inocente!
— Hum! Vai precisar se esforçar mais. A polícia tem o vídeo do dia do
acidente. E não diga que não sabe de nada. Seu advogado já está agindo. O
que foi? Não vai conseguir nenhuma desculpa que justifique a sua saída da
escada, com pressa, depois de Empurrar Amanda e matr meu filho?
— Seu filho? — Ela riu se afastando. — Você vai destruir a minha
vida!
— Você já destruiu a minha — rebati. — Agora vá embora. Vou pedir
uma ordem de restrição na justiça. Não quero você perto de mim, nem da
minha família.
— Diogo! — falou alto, horrorizada. Avancei sobre ela, obrigando-a a
recuar.
— Você é uma assassina, Eduarda. Uma desequilibrada. Uma pessoa
de sangue frio, capaz de qualquer coisa para atingir seu objetivo. Não vou
mais tolerar sua presença. Não quero nem mesmo sentir o seu cheiro a cem
metros de mim. Você me enoja.
Ela levou a mão à boca, simulando um choro. Tão falsa! Nunca mais
me convenceria. Eduarda precisava de ajuda psicológica, ou até mesmo, de
intervenção.
— Vá embora ou serei obrigado a chamar a polícia.
— Você vai se arrepender — ameaçou.
— Não. Você vai.
Eduarda foi embora naquele momento. A culpa nunca me atingiu. Só
voltamos a nos ver no dia em que o delegado intimou as duas partes para
serem ouvida. Amanda continuava sem entrar em contato, o que me
preocupava, mas não o suficiente. Nesse tempo conseguimos, através de
Lauro, descobrir que ela havia retornado ao trabalho, uma vez que
precisamos notificá-la sobre a necessidade de prestar o depoimento.
Ela não compareceu no dia. Enviou um advogado, contratado por
telefone, com uma carta e uma procuração, que permitia que o mesmo falasse
pela sua cliente. Na carta Amanda narrava o ocorrido, não negando o fato de
ter sido empurrada da escada por Eduarda e que por este motivo, perdera o
filho que esperava.
Entretanto, negou-se a abrir um processo, apesar de não nos impedir de
ter acesso ao laudo médico que indicava as escoriações causadas pela queda.
Uma situação complicada. Ainda assim, seguimos com as acusações.
Eduarda alegou o que já prevíamos: instabilidade emocional, causada
pelo estresse do fim do casamento, descoberta da amante e da gravidez.
Despejou toda a sua força teatral para convencer a polícia de que não
pretendia empurrá-la, mas que revidou quando Amanda tentou agredi-la e,
sem intenção, acabou empurrando-a da escada quando tentou se defender. Foi
desta forma que o inquérito foi instaurado e o caso levado a processo.
Enquanto isso, articulei o meu plano para reconquistar Amanda. João
Carlos, o advogado que pegou minha causa, indicado por Lauro, que apenas
acompanhava o caso, uma vez que não era a sua especialidade, junto com o
advogado de Amanda, conseguiu uma medida protetiva contra a minha ex-
esposa.
Lauro continuou à frente do processo de divórcio, cuidando para que
Eduarda não conseguisse nada de mim.
Estávamos livres de todo e qualquer mal que Eduarda pudesse nos
fazer. Também conseguimos que tramitasse como segredo de justiça,
alegando que minha ex-esposa poderia tentar prejudicar Amanda em seu
trabalho com suas acusações falsas.
Então, apesar de Eduarda continuar em liberdade, tudo corria bem
demais. Eu me sentia animado e seguro para dar mais aquele passo. E, foi
com essa energia, que embarquei para São Paulo, em busca da mulher da
minha vida, um mês após a sua partida.
AMANDA
Às vezes eu ria quando relembrava de todo o meu malabarismo para
que Diogo não me encontrasse. Apesar da minha resolução quanto a deixar
aquele amor para trás, ainda lamentava a falta que ele me fazia. Em pouco
tempo Diogo ocupou um espaço imenso em minha alma, me limitando e
obrigando a reconhecer que aquele amor não me deixaria tão cedo.
Talvez nunca.
Passei alguns dias em Imbassaí, gastando o restante do que havia
economizado para aquelas férias, em um resort discreto e distante o suficiente
para que ele não me procurasse por lá. E chorei muitas vezes em frente à
praia, me sentindo sozinha como há anos não acontecia.
Lamentei aquele fim de todas as formas possíveis. Também me
amaldiçoei por me permitir sonhar, ou desejar tanto, ao ponto de me ver
afundando na tristeza, sem encontrar uma saída. Mas também me perguntava
onde eu estava com a cabeça quando acreditei que ter um filho, em especial
com Diogo, poderia ser fácil. Nada era fácil ao lado daquele garoto. Nada!
Uma semana após me trancafiar e não conseguir aproveitar nada no
resort, voltei ao Aeroporto e fui embora de Salvador. Achei que levantar vôo
e não olhar para trás, ou para baixo, me ajudaria a superar. Não foi o que
aconteceu. Retornar para São Paulo embrulhou meu estômago.
Chovia quando entrei no táxi para seguir em direção a minha casa.
Tive a sorte de não precisar parar para falar com ninguém, já que muitos
amigos trabalhavam por ali. Cheguei em meu apartamento em tempo recorde,
abri a porta, joguei a mala para dentro, deixei a mochila deslizar pelo meu
ombro, tranquei a porta e escorei nela, escorregando devagar até sentar no
chão. Então me entreguei ao choro.
Eu estava de volta para uma vida programada, pela qual lutei e da qual
eu gostava até antes daquela viagem. Depois, nada mais fazia sentido. Em
Salvador cometi um pecado imperdoável, deixei que a porta do desejo fosse
escancarada, e me vi em uma fantasia incapaz de ser esquecida.
Eram tantos “se” me atordoando que eu não conseguia dar nenhum
passo naquele ambiente. Se eu não tivesse me atrevido a beijar Diogo. Se o
tivesse impedido de me seduzir. Se tivesse desconfiado da Eduarda e
aguardado o Diogo para me explicar aquela gravidez. Se não tivesse perdido
o bebê… Se eu sequer tivesse voltado.
Não suportei o esmagar da solidão, as lembranças, os sonhos mortos
naquela queda. Passei a primeira noite do meu retorno, praticamente deitada
na porta da sala, incapaz de levantar, de encarar a vida, de aceitar seguir em
frente. No dia seguinte, me entreguei ao sorvete, as cobertas e aos filmes
bobos da TV. Nada de romances com finais felizes.
Em quatro dias eu já me sentia pronta. Após uma breve conversa com
minha coordenadora, fui escalada para o primeiro vôo após a tragédia das
minhas férias. Dois vôos curtos. São Paulo - Rio de Janeiro e a sua volta.
Nada que eu não me sentisse pronta para fazer.
E assim voltei a minha rotina. Todos os dias sorrisos forçados, a
educação polida que a atividade exigia, a naturalidade bem trabalhada, que
escondia as fortes emoções. A saudade que apertava meu peito, as novidades
que de tempos em tempos apareciam, como a solicitação para comparecer e
depor.
Eu não podia. Não conseguiria encará-lo. Não queria.
Porque, por mais que aquecesse meu coração saber que Diogo buscava
provas para incriminar Eduarda, e que, contra tudo o que defendeu de plano
de vida, lutava para que a morte do nosso filho não fosse em vão, eu não
podia apagar o passado, e nem me permitir ludibriar pelas suas promessas.
Aquele relacionamento estava fadado a morrer junto com a criança que nos
uniu.
Nunca daria certo. Porque eu amava Diogo da mesma forma que amei
quando precisei ir embora de Salvador pela primeira vez. Eu o amava com
todos os meus sonhos infantis, com todos os meus medos e receios. Eu o
amava e não mais mentiria ou tentaria me convencer do contrário. Sempre foi
amor. Nasceu na minha infância e perdurou por todos aqueles dias, todos
aqueles anos, sem nunca se deixar vencer.
Mas Diogo não me amava. Ele nunca amou. E não afirmo isso porque
nunca ouvi tais palavras dos seus lábios, e, de fato, elas nunca foram ditas.
Suas promessas se fundamentavam no desejo que sentíamos e na existência
daquele filho, que nos obrigava a tomar algumas atitudes. Não era amor
porque um sentimento tão nobre não se deixaria vencer pela vergonha, pelo
medo, por questões tão superficiais que me davam raiva só de pensar.
E depois… depois foi uma questão de química mesmo. O sexo era
bom, mesmo tendo experimentado poucas vezes. Existia uma espécie de
reconhecimento quando ele me tocava, que me deixava em êxtase. E era só.
Sexo fundamentava tudo o que eu era para ele. Não era amor. Nunca foi.
— Amanda! — Eric Caires, comandante, piloto responsável pelo vôo,
passou por mim na sala de embarque com aquele sorriso habitual.
— Bom dia, Comandante — respondi de forma polida. Ele parou, me
examinando com vontade.
— Acabou de voltar e já pediu para nos deixar?
— Não pedi para deixar a empresa — corrigi de forma discreta,
enquanto Elizabete e Sandro, meus colegas de vôo, fingiam não prestar
atenção. — Só para mudar de base.
— Uma base bem distante. França?
— Oui! — brinquei.
— Trabalhei lá por um ano. É… diferente. Os vôos comerciais são
pequenos, mas… é bom. Conheço o diretor da base de lá.
— Sim, eu sei.
— Não é muito fácil conseguir a transferência. Alguém lutando por
você?
E lá estávamos nós.
Eu sabia como as coisas funcionavam quando ninguém estava olhando.
Comissários e pilotos se envolviam sem qualquer pudor. Comissárias e
funcionários do alto escalão também, mesmo sendo algo que não condizia
com o livro de ética da empresa. Entretanto, era assim que funcionava. Os
que possuíam um “padrinho”, e nem sempre o “padrinho” tinha interesses
apenas profissionais, conseguiam com mais facilidade se encaixar da melhor
forma.
Eric abriu seu sorriso sedutor. Ele nem precisava pronunciar as
palavras. Estavam estampadas em seu rosto e nas pequenas letras daquela
conversa. E o apertar em meu estômago não se deu porque pensar em me
relacionar com um piloto fosse algo repulsivo. Claro que não. No final das
contas, sozinha, solteira e desimpedida, também vivi minhas aventuras nos
ares.
E Eric Caires era lindo, bem sucedido, bem visto por todos, educado e
atencioso com a sua equipe. Além disso, corria nos bastidores as histórias
mais picantes das suas conquistas.
O que revirou meu estômago foi compreender que aquele tipo de
aventura, por mais fugaz que fosse, mesmo sem qualquer comprometimento
amoroso, ou até mesmo em busca de satisfação sexual, me transportava até
Diogo com uma força que me incapacitava. Tentei sorrir e criar em minha
mente uma cena, a mais simples possível, um beijo cálido, vivido com o
comandante Caires, e entendi o quanto insuportável seria.
— Se ninguém interferiu em sua candidatura, eu posso…
— Sim, desculpe! — Com um passo, me afastei dele. — Suzana está a
frente. Ela fez a minha recomendação.
— Ah, claro! A Suzana também tem uma boa relação com o pessoal
responsável por esta transferência. Você está em boas mãos.
Então o co-piloto Soares apareceu e o comandante não prestou mais
atenção em mim.
— Poderia estar em melhores, não? — Sandro se aproximou de forma
afetada, levando uma mão ao rosto para se abanar. Depois, com um olhar
nada discreto, conferiu nosso comandante e riu. — Eu daria muito fácil.
— Não seja insensível, Sandro! — Elizabete o censurou. — Amanda
precisa de um tempo para se recuperar. — Então abriu um imenso sorriso. —
Mas que ele vale uma noite, amiga, vale! — Ri, ainda abatida, lutando para
me recuperar daquela descoberta.
— Não quero que minha saída da equipe seja marcada por mais essa
fofoca.
— Eu cairia de boca… — Sandro afirmou, relanceando as vistas
diretamente para Eric. — Na boca do povo, é claro!
Elizabete deu uma risada nada delicada e se atirou em cima de mim.
— Beth! Pelo amor de Deus!
— Vamos, garotas? — Eric chamou, dando seu sorriso sedutor para
nós três. — A Fabíola acabou de chegar.
Murchei ao ver a Fabíola, a quarta comissária daquele voo, pois ela
tinha a sua própria história com o comandante Caires, e isso não me
incentivava a continuar a brincadeira. Eu já tinha uma dose imensa e
horripilante, de envolvimento com homens que possuem ex possessivas. Não
que a Fabi fosse capaz de chegar ao extremo, ainda assim…
Então partimos para o nosso voo, rumo a Manaus. Quase quatro horas
de trabalho até alcançarmos o solo outra vez. Isso sem contar toda a
preparação. Eu precisaria rebolar para impedir que aquela conversa chegasse
aos ouvidos da minha companheira de vôo.
Um problema, que, ao menos, manteria meus pensamentos distantes
dele.
Eu precisava esquecer Diogo.
CAPÍTULO 41
DIOGO
A primeira coisa que fiz foi puxar conversa com a comissária de vôo
que primeiro abriu um sorriso para mim. Não foi algo difícil, confesso. Aliás,
a única mulher difícil na minha vida, foi a Amanda. Nem mesmo Eduarda,
em seu pior momento, conseguia manter-se longe, o que marcava as nossas
inúmeras recaídas.
Escolhi uma poltrona ao fundo. Na penúltima fila. Propositalmente.
Seria muito mais fácil puxar conversa se estivéssemos em um local mais
discreto. Aguardei até que o avião estivesse em seu curso, o sol se pondo no
horizonte. Uma linda cena romântica que me levou até ela. Amanda.
Por alguns segundos perdi o foco e me imaginei naquele vôo, sendo
atendido por ela, a garota da minha vida. Imaginei seu sorriso tímido, a
maneira como desviava o olhar e respirava fundo a fim de parecer mais
decidida, determinada. Pensei em seu cabelo preso, naquele chapéu ridículo
do uniforme, mas que nela, ficaria perfeito.
Amanda passaria por mim, tentaria não me encarar e falharia
descaradamente. Então ela empurraria o carrinho até parar próximo, me
olharia com cuidado, preocupada em não ser tão indiscreta e me perguntaria:
— Bebida, senhor? Refrigerante, suco, água, café... — A garota
perguntou, me aduzindo, parada ao meu lado, o olhar atentos a mim,
suplicante.
Não era Amanda, e eu estava de volta a realidade. A qual ela fugia de
mim e eu cortava o mundo em busca dela.
— Senhor?
A garota me encarou, confusa, enquanto eu devolvia o olhar no meio
da transição entre sonhar e me sentir em êxtase por estar com Amanda, e
aceitar a realidade, forçando uma paquera para enfim estar com Amanda.
— Ah, desculpe! Seus olhos são… — Com isso eu me senti patético.
O que eu estava fazendo? Paquerando uma pessoa estranha apenas para
conseguir alguma informação a respeito da mulher que eu lutava para
encontrar? Era correto? Era justo? Seria adequado? Não! Claro que não!
— Desculpe! Água, por favor!
Ela sorriu como se minha desistência fosse o seu ponto de largada, e
tratou de me servir o copo com água natural. Uma droga!
— Obrigado! — Tentei de organizar os pensamentos para mudar de
estratégia quando ouvi:
— Mais alguma coisa, senhor?
A sua colega deu uma risadinha discreta quando a voz da outra
assumiu um tom mais ousado. Olhei para a garota, linda, corpo bem
apresentado, um sorriso amplo e fácil. Em outro momento, um instante entre
Eduarda ter ido embora e Amanda aparecido, eu teria conseguido levar
aquela garota para o banheiro do avião. Não seria a primeira vez, no entanto,
eu nunca daria aquele passo. Por um motivo muito óbvio para mim: ela não
era Amanda.
— Não. Obrigado!
Tentei não observá-la quando a mesma puxou o carrinho e seguiu com
o seu trabalho. Bebi a água, assistindo os últimos raios do sol no horizonte.
Conferi o horário e descansei a cabeça no encosto ao perceber que ainda
faltava muito. Eu podia sequer encontrá-la.
Por isso quando a garota passou outra vez, devolvendo o carrinho e
flertando em um convite, contei três minutos e levantei para ir ao banheiro.
Ela estava lá, pronta para me atender.
— Posso ajudá-lo? — ofertou-se.
Estreitei as vistas, me perguntando desde quando uma comissária de
bordo perguntava se poderia ajudar um passageiro que queria apenas usar o
banheiro? Uma quebra imensa de protocolo, mas… Retirei a mão da porta e
me voltei para a garota, sacando o celular.
— Na verdade, eu acredito que pode sim.
Ela estranhou quando me aproximei com o celular na mão, mas não fez
nada para me impedir, o que me deixou bem aliviado. Ouvi o barulho da
cortina atrás da gente se fechando, o que só me fez continuar.
— Essa é a Amanda, ela trabalha nesta companhia, como comissária.
Eu sou… — Encarei a garota assustada, me olhando sem compreender nada.
Guardei o celular no bolso, começando a me arrepender de daquilo. — Eu
sou o cara por quem ela é apaixonada, mas não percebi isso a tempo, e ela foi
embora. Agora não sei mais o que fazer.
— Ah, desculpe, eu…
— Não! Eu tenho o endereço dela — me apressei em dizer antes que a
garota começasse a pedir ajuda. — Eu só queria… nem sei o que eu queria.
Eu estou tão…
A outra comissária, a que puxou a cortina atrás de nós e nos deu
privacidade, acabou se aproximando.
— Amanda, não é mesmo?
— Isso!
Ela me analisou com atenção, sem qualquer pudor. Então, cruzando os
braços, disse:
— Se você tem o endereço dela, imagino que vá procurá-la tão logo
desembarque.
— Sim, mas… não! Olha, eu não sou um louco, apesar de estar…
— Você é o Diogo? — Proferiu, me apanhando de surpresa.
— So-sou! Como sabe? — A garota me mediu, sem qualquer
constrangimento.
— Renata, preciso que verifique se alguém precisa de algo — falou
diretamente com a outra garota, a que eu paquerei para conseguir a
informação.
— Ninguém parece… — Ela se interrompe, faz cara de desagrado e
desiste. — Tudo bem!
Renata deixou o pequeno espaço logo em seguida, tomando o cuidado
de manter a cortina fechada.
— Você magoou minha amiga pra caramba! — acusou a outra garota,
Solange, como consegui captar no pequeno broche preso a sua farda.
— Eu… eu não… espere um pouco! Eu…
— Eu disse a ela que era bobagem desistir de você, mas Amanda é
cabeça dura e quando decide que vai fazer algo… Não vai ser fácil. —
avisou, exibindo um sorriso satisfeito.
— Não vai? Ela está…
— Puta da vida? Claro! Olha que cilada a garota se envolveu!
— Verdade. — Dei um passo para trás, ainda mais desanimado.
— A sua sorte é que você não é o único interessado no paradeiro da
Amanda — prosseguiu, ganhando a minha atenção.
— Não sou? Quer dizer… meu advogado…
— Parece absurdo, mas fui contactada pela administração da empresa
Amor Ideal, aquele aplicativo famoso de relacionamento.
Ah, droga!
A mulher abriu os lábios com divertimento, em um sorriso largo e
animado.
— Eles precisam contactar a Amanda, algo sobre uma surpresa com a
sua alma gêmea. — Piscou para mim. — Você está mesmo colocando todo
mundo atrás dela, heim?
— Na verdade…
— Vou ganhar uma cortesia imperdível se ajudar.
— Bom… isso não é… de que forma vai ajudá-los?
— Solicitei hoje para um amigo a escala da Amanda. Acredito que será
útil para você, já que ela não faz outra coisa que não seja trabalhar o tempo
todo. A escala dela está bem apertada.
— Isso é possível? Digo… Ela pode trabalhar tanto assim? — A
mulher ampliou seu sorriso.
— Talvez não, mas é muito fácil fechar os olhos quando um
funcionário está desesperado para trabalhar.
— Entendo.
E aquela informação me deixou apreensivo. Amanda tinha saúde para
estar em tantos voos? Afinal de contas, há um mês ela sofreu um acidente e
perdeu o bebê. Sacudi a cabeça expulsando aqueles pensamentos. Eu só
conseguia focar em uma coisa de cada vez, então minha prioridade seria
encontrá-la, depois convencê-la a me perdoar, e após isso, convencê-la a não
se matar de trabalhar.
— Você precisa retornar ao seu assento. Antes, me passe o seu número
de telefone.
Tateei o corpo em busca da carteira, onde encontrei um cartão de visita
e o entreguei a comissária.
— Ótimo! Se eu conseguir a escala, mando para você.
— Obrigado! Hum… vou… avisar ao pessoal do aplicativo que você
foi muito generosa em me ajudar.
— Isso me soa ótimo! — Sorri sem muita vontade, começando a me
encaminhar para meu lugar quando acrescentou: — Mas terei prazer em
castrá-lo caso magoe a minha amiga outra vez.
Abri a boca para responder, sem encontrar qualquer argumento. Eu, de
fato, merecia ser castrado se magoasse Amanda mais uma vez.
Assim, voltei ao meu assento, fazendo uma nota mental para descobrir
qual a ligação da minha querida irmã com aquele tal aplicativo sobre o qual
ela se apresentava como CEO.
***
AMANDA
A confusão toda, por si só, já fora um grande problema para mim.
Fui suspensa por abandonar o avião. Meu caso foi levado aos
superiores, que decidiriam o meu futuro. Assim já era ruim o suficiente, mas
piorou, e muito. Porque um engraçadinho filmou a tentativa do Diogo de me
reconquistar, e assim, o nosso caso ganhou uma proporção ainda maior.
Desde então eu não podia exercer a minha atividade de comissária de
bordo. Uma semana depois do ocorrido, fui chamada por Suzana, minha
coordenadora, para me informar que eu seria remanejada para exercer
trabalhos administrativos até que a poeira baixasse, afinal de contas, estar em
contato com o público não me ajudaria a superar.
E foi aquela conversa que começou a me fazer analisar o problema por
outro ângulo. Suzana, me recebeu em sua sala para tratarmos do caso, e,
cansada demais de sustentar o peso daquela confusão, sozinha, desabei.
— Não fique assim — ela disse ao me entregar um copo com água. —
Muitas emoções para tão poucos dias.
Suzana sentou na beirada da mesa e me analisou com cuidado,
aguardando que meu choro ficasse mais brando.
— Consegui a autorização para te transferir para a França —
comunicou, me apanhando de surpresa.
No primeiro momento a sensação foi de alívio. A transferência me
levaria para longe de tudo aquilo, e me daria uma nova vida, com novas
oportunidades, em um lugar onde ninguém teria interesse pela minha história.
Em seguida me senti abatida. Ela conseguiu a autorização, contudo, era muito
provável que eu não pudesse seguir com os planos, uma vez que estava
queimada na empresa, e grandes oportunidades eram dadas a grandes
profissionais. O que não era mais o meu caso.
E, mesmo diante de dois grandes sentimentos conflitantes, ainda
sobrou espaço e energia para mais um. A tristeza. Seguir para a França seria
dar um adeus definitivo a Diogo. Eu queria, mas meu coração não.
— Ainda deseja ir?
Encarei Suzana, tentando compreender o que ocorria ali. Seus braços
cruzados, além da postura séria, indicavam que ela não brincava.
— Ainda posso ir?
— Sem dúvida, Amanda. — Contornando a mesa, alcançou sua
cadeira, onde acomodou-se. — Porém, como alguém que acompanha a sua
trajetória desde o início, devo dizer que talvez você não devesse ir.
— Como assim?
— Vamos deixar de lado essa sua necessidade de fugir e refletir sobre
algo mais profundo do que isso.
— Não estou entendendo, Suzana. Eu realmente quero ir. Aliás, nada
me ajudaria mais. — Captei, com certa fragilidade, confesso, a ternura do seu
olhar, o que me desestabilizava. Um sorriso cheio de compaixão foi
apresentado.
— Você não quer ir, Amanda. Você ama esse rapaz. — Gemi
desgostosa, descendo o corpo na cadeira, de forma mais desleixada. — Nem
se eu te mandasse para a lua conseguiria abafar seus sentimentos.
— Eu não posso amá-lo, não entende?
— Não. De verdade eu não entendo. — Seu riso me afrontou. — Ele
tem uma ex-esposa louca? Ok! Ela tentou te matar e causou a morte do filho
que você esperava? Eu sei que essa parte é bem esdrúxula para deixar passar,
mas… a culpa está nela e não nele. Diogo, não é isso? — Concordei voltando
a chorar sem qualquer controle. — Ah, querida, eu sei. Foram tantos
problemas que você não enxerga uma forma de sobreviver, não é isso? —
Outra vez concordei, soluçando e fungando de forma desajeitada. — Mas
você o ama, e esse rapaz… ele foi muito corajoso. O comandante podia
decretar a prisão dele só por tumultuar o vôo.
— Acho que ele não pensou muito no assunto — confessei com uma
risada que não diminuía a minha dor.
— Porque ele te ama — ela afirmou, e a verdade foi como um dedo em
uma ferida aberta.
Sim, Diogo me amava e eu… a resposta fora estampada em minha
testa como uma tatuagem. Não havia como escondê-la. Ainda assim...
— Eu não posso — gemi.
— Pense bem, Amanda. Eu posso conseguir uma transferência para
Salvador.
— E o que vou fazer lá. Ficar a cada segundo com medo daquela…
louca!
— Ela tem uma ordem de restrição.
— E desde quando isso funciona no Brasil? — Sua boca se repuxou
para um lado, concordando comigo, em silêncio..
— Eu acho que você tem mais a perder se não for.
Suas palavras, ditas com cuidado, não anulava o perigo de volta.
Entretanto, também não descartava o quanto acreditava que aquela ainda era
a melhor opção.
— Esse medo não pode te impedir de ser feliz. Além do mais, com
toda a exposição, ela ficou em evidência. Seria arriscar demais e fornecer
provas contra ela mesma, tentar se aproximar. Olha, não quero que você
decida nada agora. Dá para esperar a sua resposta por mais algum tempo. Só
pense no assunto. Deixe esse primeiro momento de mágoa esvair, e só depois
disso, tome uma decisão.
Aceitei a sua proposta e deixei a sala com uma sensação estranha de
leveza. A qual me acompanhou e cresceu dia após dia, quando meu silêncio
era respeitado no trabalho e minha intimidade velada pela falta das redes
sociais. Mas a decisão mesmo só foi tomada dias depois, em um sábado em
que voltei cedo para casa, devido a minha nova posição temporária na
empresa, e encontrei Geovana do lado de fora, com cara de poucos amigos.
Minha primeira reação, após o impacto de encontrá-la ali, foi sorrir e
desejar abraçá-la para aplacar toda a saudade que eu sentia. E então me dei
conta de que ela não sorria, nem esperava por um abraço.
— Oi. — Minha voz quase não saiu. Fui abatida pela sua falta de
entusiasmo ao se levantar dos degraus da entrada do prédio.
— Podemos conversar?
— Claro! Vamos… — confusa, pensei em me sentar na escada,
refutando a ideia assim que percebi o quanto ridícula seria. — Vamos subir.
Sinalizei para o porteiro que liberou a nossa passagem se desculpando
por deixar Geovana do lado de fora por tanto tempo. Aguardamos o elevador.
Minha ansiedade martelando em meu peito, me obrigando a encarar minha
amiga a cada segundo.
— Geo, eu sei que não deveria …
— Você sumiu! — Explodiu, me obrigando a recuar até minhas costas
estarem coladas a parede do elevador. — Tem alguma ideia de como ficamos
preocupados? E quando Diogo nos contou sobre como… — Indicou minha
barriga, depois cerrou as pálpebras, com raiva. — E você sumiu! — repetiu,
como se isso justificasse todo o seu aborrecimento.
— Eu sei. Eu…
— Você prometeu que entraria em contato, mas se eu não tivesse
aparecido…
— Ah, Geo! Eu sei. Desculpe!
— E você tem alguma ideia do quanto gastei para conseguir colocar o
Diogo naquele avião? Tem alguma noção do quanto complicado é conseguir
uma passagem faltando menos de duas horas para o vôo? Tem alguma noção
do quanto corri, subornei, conversei e me coloquei em risco, para que o
tempo estivesse sincronizado da forma certa? E o que você fez? Você disse
não!
A porta do elevador abriu. Ela saiu sem me perguntar se aquele era o
andar, contudo, diante dos fatos, entendi que Geovana sabia muito mais do
que aparentava, ou dizia.
— Você é inacreditável, Amanda! Ama o Diogo desde pequenininha, e
agora que ele está rastejando aos seus pés, desiste? Por quê?
— Bom…
— E você nem faz ideia de como ele está! Meu Deus! — Olhou para o
teto, o que me fez sorrir um pouco. — O meu pedido era para que meu irmão
encontrasse alguém que o tirasse daquela situação com a Eduarda, e tudo o
que o Senhor me envia é uma garota que o colocou em uma tristeza maior?
— Bom… Eu… Você acredita mesmo em pedido soprado em uma
vela de aniversário?
— E como você explica a sua volta? — respondeu séria, me avaliando
como se minha pergunta fosse algo anormal.
Ponderei se deveria ou não lembrá-la de que minha chegada a Salvador
aconteceu antes do pedido dela, e decidi que era melhor não arriscar tanto.
— E e gastei meu único pedido do ano só para levar mais sofrimento
ao meu irmão.
— Hum… — Pigarreei. A garganta coçando com as palavras que
dançavam ansiosas para saírem. — Ele está mal?
— O que você acha? Diogo te ama! E fez papel de palhaço para o
mundo inteiro.
— Não foi algo tão abrangente assim. — Abri a porta de casa, me
obrigando a não ficar surpresa quando Geovana parou diante dela sabendo o
número do apartamento.
— Que seja! — Deu de ombros entrando sem necessidade de convite.
— Eu paguei um jantar bem caro para a sua colega, pela sua escala.
— Do que você está falando?
— Ah, deixa pra lá! Não é disso que vim falar.
— Pelo visto você tem muito a dizer então, já que não para de tagarelar
desde que eu cheguei.
Geovana me encarou sem acreditar em minhas palavras. Suas feições
passando rápido do choque para a indignação e então, com as mãos na
cintura, deu uma risada alta e divertida. Gargalhou até que lágrimas
brotassem em seus olhos, e eu, por incrível que pareça, depois de dias sem
saber o que era sorrir por vontade própria, ri junto com minha amiga.
— Meu Deus, Mandy! — disse limpando as lágrimas. — Essa situação
é muito fodida.
— É sim.
— Sinto a sua falta. Isso é estranho de dizer? Porque ficamos tantos
anos afastadas e agora… acho que fiz muitos planos.
— Eu também — admiti. — Seus pais devem me odiar, não é mesmo?
— Ah, nem tanto. — desdenhou. — Minha mãe ficou magoada quando
viu o vídeo, mas você sabe como ela é. Tratou de dizer ao Diogo que
exibições nunca trazem bons resultados e que ele tinha que esperar um
momento melhor para conversar.
— É verdade.
Geovana deu de ombros, conferindo a casa com curiosidade. Seus
dedos passando pelos pequenos bibelôs de todos os lugares do mundo.
— Isso aqui é muito brega. — Uma risada escrota preencheu a sala
sempre muito silenciosa.
— Meta-se com a sua vida — resmunguei, retirando a pequena boneca
havaiana que dança com o mínimo toque em sua saia. Geovana pareceu não
se importar.
— Diogo sempre foi reservado e tranquilo. Nunca imaginei que ele
faria aquela cena. — Continuou a falar como se a conversa não tivesse sido
interrompida em momento algum.
— Hum! Acho que fui um pouco culpada. Entrei em desespero quando
o vi.
— Porque você o ama.
— Sim, Geo, eu o amo, mas, e daí? Não muda nada. Eu perdi a
criança, Eduarda tentou me matar…
— E Diogo?
— O que tem ele?
— Qual o papel dele nessa história?
Pela segunda vez, ouvi aquela pergunta e, de verdade, nunca consegui
achar uma resposta para ela. Quando fui embora de Salvador, encontrei todos
os motivos para estar longe do Diogo, e acusá-lo de tudo o que havia me
acontecido. Entretanto, com os dias, após a revelação do seu amor, eu não
encontrava mais qualquer resposta que justificasse a minha decisão.
— Não sei.
— Mandy… — Ela avançou, segurando minha mão. — Diogo é um
idiota. Ele fez toda aquela bobagem quando nós éramos crianças e se deixou
convencer pela Eduarda, que nunca prestou.
— Você era amiga dela — acusei.
— Eu sou falsa. Às vezes — completou com aquele ar de menina má, e
me fez rir. — Isso não anula a cobra que Eduarda é. Que Deus conceda-nos o
prazer de vê-la encarcerada.
— Duvido muito que aconteça.
— Eu também, mas… ainda posso sonhar. Agora… Diogo te ama.
Está sofrendo demais com a sua recusa. Você o ama e está aqui, sozinha
nessa cidade… tá, aqui é legal, mas ainda prefiro Salvador.
— E o que eu posso fazer, Geo?
— Pode voltar comigo e lutar pelo amor de vocês dois.
— Geo…
— Sem mais, Amanda! Nosso vôo sai em menos de duas horas.
Aquele sorriso diabólico estava lá para me dizer que eu não tinha
alternativa. E eu fui, não porque acreditava que resolveria a minha vida com
Diogo, mas porque entendia que precisávamos daquela conversa.
E foi assim que eu voltei para Salvador, para aquele prédio assombrado
pelos meus fantasmas, para aquele apartamento onde tudo começou e para os
braços do homem que eu amava. Bom, não como contavam os grandes
romances que eu lia. Encontrei a porta aberta, Diogo bêbado e a ideia outra
vez de que eu não existia.
Ele dormiu em meus braços, declarando o seu amor para uma garota
invisível. No entanto, depois de dias entregue a tristeza, nada me deixou mais
feliz.
CAPÍTULO 44
AMANDA
Estava quente, o que não era normal para as manhãs em São Paulo. Por
isso, quando abri os olhos e percebi o sol iluminando o local, me perguntei se
era um sonho.
— Ah! — Gemi, voltando a fechar os olhos. Em seguida os abri,
alarmada.
Eu não estava em São Paulo. Um dia antes, em uma atitude impensada,
deixei que Geovana me levasse de volta a Salvador, e do aeroporto segui para
a casa do Diogo.
Diogo.
Soergui o corpo com pressa, recordando que adormeci no sofá,
agarrada a ele, depois de declararmos o nosso amor e Diogo outra vez se
convencer de que eu não existia. Ri baixinho, mas me dei conta de que ele
não estava ali, junto comigo. A urgência me abateu.
Agitada, sentei no sofá. Foi quando o vi.
Encostado na parede, em frente a mim, sentado em uma cadeira,
abraçado ao seu espaldar, Diogo me encarava com olhos maximizados, como
se aguardasse que eu virasse fumaça.
Depois de uns belos segundos apenas nos encarando, eu tive que rir.
Então eu gargalhei, e de repente não conseguia mais parar. Enfiei a cara na
almofada sobre o sofá e despejei toda a minha risada nela. Quando levantei o
rosto outra vez, notei um sorriso, ainda que pequeno, no rosto do Diogo.
— O que tem de tão engraçado?
Seu melancólico sussurro me fez cogitar se Diogo ainda esperava que
minha imagem se desfizesse, talvez com o tom da sua voz.
— Você está em dúvida se eu sou real ou não — acusei. Ele ampliou o
sorriso, um pouco tímido.
— E você é?
— Diogo, quando você vai aceitar que essas coisas não acontecem?
— Será? Tem gente que conversa com o vento o tempo todo. Quem
pode afirmar que ele não enxerga uma pessoa ali? — Mordi o lábio pensando
no assunto, depois ri mais um pouco, sem conseguir me controlar. — Você é
real? Porque ontem eu… eu estava bêbado, mas…
— Você não tem qualquer problema mental.
Ele ficou sério, as íris intensas em mim, me queimando, expulsando
para longe toda a minha resistência. Diogo ficava lindo quando acordava,
com o cabelo desgrenhado, o rosto amassado e a voz mais rouca do que o
normal. Sem contar que eu ainda lembrava da temperatura da sua pele logo
pela manhã. Era muita tentação.
— Então…
— Eu estou aqui. — Minha voz saiu baixa demais, sussurrada, como
um apelo, o que fez minhas bochechas esquentarem.
— Por quê?
— Isso importa?
Confuso, Diogo procurou em meu rosto a sua resposta. Eu podia
enxergar as marcas da tristeza no dele. A barba por fazer, a perda de peso e as
olheiras. O desassossego me desestabilizou enquanto eu aguardava que ele
dissesse algo.
— Eu acho que não — disse por fim. — Amanda eu…
— Eu te amo — me ouvi dizer, interrompendo-o.
Diogo emudeceu diante da minha confissão, me estudando, esperando
como se aguardasse o fim do sonho. E então sorriu, daquela forma que
sugava o meu ar e me fazia relembrar o motivo daquele amor perdurar desde
a minha infância. Sua mão foi para o cabelo e seu olhar me pareceu mais
leve.
— Eu sei — sussurrou com encanto. — E eu também te amo! —
completou trazendo de volta a nossa bolha, o algo só nosso, que nos separava
do mundo e nos colocava acima da posição de mortal.
Diogo levantou, sem pressa, cortando o curto espaço que nos separava
em mais tempo do que eu podia suportar, porém, antes que eu conseguisse
levantar para encontrá-lo, ele ajoelhou a minha frente, as mãos em minhas
coxas, como se quisesse me manter ali.
— Eu amo você, Amanda — repetiu, com a voz embargada. —
Desculpe por demorar tanto para entender.
Acariciei seu rosto, enquanto ele se posicionava entre minhas pernas e
alcançava meus lábios. E então, eu o beijei.
Sabe quando você está perdido no meio de um deserto, sem saber para
que lado seguir, nem aonde vai parar? Sabe quando a sua única alternativa é
andar mesmo que continuar andando signifique a sua morte? Se você sabe, se
entende o que eu digo, então saberá com exatidão o que senti quando meus
lábios tocaram os de Diogo.
A sensação de pertencimento, de finalmente encontrar a estrada certa,
de salvação, como se a morte não fosse algo tão certo e determinante. Beijar
Diogo renovava as minhas forças, me passava a ideia de que não importava o
caminho, enquanto ele estivesse comigo, seria o lugar mais perfeito do
mundo.
O beijo, apesar de toda a urgência que gritava em meu corpo, era lento.
Desfrutava cada segundo, saboreava cada detalhe, deixava um sabor especial.
E eu fervi, porque nada se comparava a estar nos braços do homem que eu
amava.
Agarrei seus fios de cabelo, intensificando o encontro dos nossos
lábios. Diogo me puxou para mais perto, suas mãos escorregando em minhas
coxas, indo até meus quadris e me tomando para si. Nossos corpos se
juntaram, atiçando minhas fantasias. Pude sentir em meus lábios, o sorriso
que Diogo não conseguia evitar exibir. Eu me sentia da mesma forma, feliz,
em paz.
Erguendo-se, Diogo sentou ao meu lado, puxando-me para o seu colo,
deixando-me de frente para si. Recomeçamos o beijo, desta vez mais ousado,
com uma finalidade estabelecida: aplacar o desejo que nos consumia, e
abrandar a saudade que nos castigava.
Sem conseguir me conter, deixei que meu corpo me guiasse e minhas
mãos buscassem acalento no corpo do homem que habitava meus sonhos.
Diogo gemeu em meus lábios quando não me contive e rebolei sobre sua
ereção. Suas mãos se fechando em meus quadris, me puxando com um pouco
mais de pressão, me obrigando a continuar.
O calor do ambiente aumentou, apesar da brisa que entrava pela
varanda, assoprando a cortina para dentro do apartamento. As mãos de Diogo
em minha pele, apertando, me puxando, ditando meus movimentos, em
conjunto com seus beijos sensuais, repletos de luxúria, encobriam minha
mente com uma névoa espessa, que me impedia de raciocinar direito. Tudo o
que eu queria vibrava em meu corpo, me impelindo a continuar com o leve
roçar dos nossos sexos, com a vontade de me fundir ao homem que me
tocava com um desejo latente.
Corri os dedos pelo seu peitoral, cobiçando a sua pele na minha. Diogo
entendeu o recado, arrancando a camisa com urgência. Quando se voltou para
mim, seus lábios desceram pelo meu pescoço, em direção a clavícula. Ao
mesmo passo, suas mãos subiram por meus braços, até os ombros, onde ele já
acariciava com a língua. Seus dedos brincaram com a alça fina do vestido,
despindo-me para melhor me desfrutar.
Enquanto isso, minhas mãos exploravam seu peitoral desenhado. O
corpo perfeito me distraía e me extasiava com a sensação deliciosa de poder
tocá-lo. Eu reagia a ele como se tudo em mim estivesse interligado, as
informações correndo a uma velocidade alucinante, do ponto por onde sua
língua brincava, até o local onde suas mãos me tocavam, viajando até a ponta
dos meus dedos e causando uma reação entre as minhas pernas.
Quando os beijos de Diogo alcançaram o alto dos meus seios, eu me
sentia tão pronta que a demora agia em mim como se quisesse me sufocar. A
urgência parecia levar fogo as minhas veias.Meu corpo queimava em um
desejo tão puro e provocante que arrancava gemidos carnais de mim,
enquanto aqueles lábios brincavam com minha carne e a língua pirraçava me
estimulando a ansiar por mais.
E eu queria. Queria tanto que me perdia, alucinava, buscava com
ansiedade, me entregava sem limites. Minhas mãos se apossavam dele,
acariciando seu abdômen, se aventurando até o limite do short solto, e sendo
instigada, pelo seu gemido de aprovação, a continuar até que meus dedos se
fechassem em sua ereção.
Diogo levou uma mão até meu seio, acariciando-o, enquanto a outra se
alojava em minha nuca, fechando os dedos nos fios soltos, puxando minha
cabeça para trás. Extasiada, o masturbei sem pressa, deslizando a mão por
toda a sua extensão, comprovando o seu limite.
Ele mordeu meu pescoço, rosnando, conduzindo a mão até minha
bunda, onde invadiu a calcinha sem qualquer pudor, tocando-me de forma
mais selvagem, permitindo que o desejo ditasse o seu ritmo. Arfei quando
seus dedos alcançaram minha entrada e brincaram com a excitação. Meus
quadris se movimentando, buscando o alívio.
Os lábios dele voltaram para meu seio sugando-o, mordiscando,
enquanto sua outra mão se juntava à tortura em meu sexo. Apertei sua ereção,
libertando-a do short. Uma angústia ameaçava explodir entre minhas pernas,
por isso ofeguei quando um calafrio desceu por minha espinha no exato
instante em que os dedos de Diogo puxaram a calcinha, não para o lado,
como imaginei que seria, mas, um pouco para baixo, o suficiente para que ele
conseguisse me penetrar e meus quadris tivessem facilidade no movimento
sobre o seu colo.
Soergui o corpo, pronta para ele, levando-o até minha entrada e
descendo sobre seu sexo, liberando um gemido de alívio que ecoou o dele.
Diogo me segurou pelos quadris, me ajudando a recebê-lo, e quando se
encontrava todo dentro de mim, nossos lábios se buscaram, ansiando pelo
beijo.
Os movimentos dos meus quadris correspondiam aos das nossas bocas,
não rápido, nem muito lento, seguindo o pulsar que a necessidade que
tínhamos um do outro, impelia em nossas veias. Com as mãos buscando
apoio em seu corpo, eu subia e descia, alojando-o dentro de mim, só para tirá-
lo outra vez, em uma provocação deliciosa, que perdurou de forma sensual
até que Diogo me puxasse com gosto, arranhando minha pele com seus
dentes, me limitando a acompanhar suas estocadas curtas e fundas.
Eu o sentia em cada ponto sensível, atiçando minhas terminações
nervosas. Seus gemidos acompanhados da respiração ofegante indicava o
esforço que fazia para aguardar por mim, e foi assim, com essa constatação,
que o prazer lambeu meu corpo com sua língua luxuriosa, iniciando a
explosão que em pouco tempo me dominou.
E, enquanto eu gozava, ele me assistia, me segurando com força em
seu corpo, me obrigando a movimentos curtos, decisivos e lentos. O esforço
me fez tremer, convulsionar e gritar a entrega que eu já conhecia, e que só
acontecia com ele. Só então, depois da minha satisfação, ele liberou o próprio
prazer, permitindo que eu o assistisse, tão lindo quanto tudo nele.
Eu me senti perdida, encarando-o enquanto os via perder o foco, os
lábios se separarem com gemidos lânguidos, as mãos me buscarem com mais
força, me puxando para baixo como se ele pudesse ir até o fundo da minha
alma.
O alívio veio logo em seguida, com um suspiro relaxado e o
acolhimento dos seus braços que me cercaram com gratidão. Enquanto nos
recuperávamos, seus lábios distribuíam beijos carinhosos pelos meus ombros
e suas mãos seguiam em uma carícia preguiçosa em minhas costas.
A realidade demorou para nos atingir. Continuamos naquela bolha o
máximo de tempo possível, até que ele me afastou um pouco, buscando meus
olhos com preocupação.
— Não usamos camisinha — avisou.
Senti meu ventre se contrair. A ameaça de entrarmos outra vez na
mesma espiral, envolvidos com algo que ele não queria para a sua vida. Um
filho. Diogo percebeu a minha apreensão, e acariciou meus braços com
cuidado.
— Você acabou de sofrer um aborto, Amanda. Não quero te expor ao
risco.
O alívio fez com que minha visão embaçasse. Ele sorriu, acariciando
meu rosto com o polegar, então, erguendo o corpo, depositou um beijo
demorado em meus lábios.
— Eu quero um filho — admitiu. — Quero uma família com você,
mas não desta forma, não arriscando a sua saúde.
Mordi o lábio contendo a emoção, aceitando seus beijos carinhosos.
— Tudo bem — concordei, entregue como uma submissa. Diogo me
desarmava com muita facilidade.
— Eu amo você — sussurrou, seu hálito soprando em meu rosto. —
Eu te vejo, Amanda. Sempre te vi. E nunca mais te perderei de vista.
Seus braços me tomaram em um abraço cheio de promessas, e eu sorri
com o rosto apoiado em seu ombro largo, aceitando me despedir da garota
invisível, sem qualquer tristeza ou medo. Eu não era mais ela. Ela já não mais
existia.
DOIS ANOS DEPOIS
AMANDA
Amanda transitou pela sala com algumas roupas nas mãos levando-as
para o nosso quarto. Linda! Ainda mais bonita do que quando a reencontrei.
Quando eu a admirava sem que percebesse, e me dava conta do quanto era
feliz ao seu lado, sentia aquele familiar calor que aquecia o meu coração e me
fazia agradecer.
Sustentando no rosto um óculos de armação vermelha, grande, mas que
a deixava com aquela cara de intelectual sexy, seguia arrumando as malas
para a nossa terceira viagem em família, enquanto eu assistia desenho com
Douglas, nosso filho.
— Hora de dormir — informou. — Vamos viajar muito cedo. Não
podemos perder a hora. — E seguiu o seu caminho.
Douglas me olhou com aquele apelo de toda noite. Só mais um pouco,
papai. Eu cedia sempre, e Amanda brigava sempre. Ela tinha razão, criança
precisa de disciplina, especialistas indicavam que a TV fosse desligada meia
hora antes de deitar, para estabelecer um sono mais proveitoso, e blá blá blá.
Só que eu não gostava de dizer não ao meu filho quando tudo o que ele
me pedia era um pouco mais de tempo ao meu lado.
Douglas fora a melhor coisa que aconteceu em minha vida.
Acompanhar a gestação de Amanda, viver aquela gravidez como eu deveria
ter feito quando geramos o nosso primeiro filho, aliviou a minha alma e
permitiu que eu me despisse da culpa. Então, quando Doug nasceu, eu me
senti completo, realizado, feliz como nunca me permiti ser antes.
Então, depois de seis meses, Amanda voltou a trabalhar, sem conseguir
estar sempre em casa, e eu me vi cada vez mais conectado ao nosso filho.
Com o tempo viramos companheiros, amigos, curtíamos as mesmas coisas,
conversávamos como se ele de fato entendesse tudo o que eu dizia.
Douglas era a criança mais perfeita que eu conhecia.
— Diogo! — Amanda resmungou lá do quarto, me fazendo suspirar.
— Cinco minutos — respondi, maravilhado com o sorriso que meu
filho abria, voltando a prestar atenção no desenho. — Mas só cinco minutos
mesmo, viu? — alertei baixinho. — Sua mãe tem razão. Vamos sair cedo
amanhã e quero você disposto para essa viagem.
— Eu estou ansioso — resmungou com a voz carregada de sono.
— Eu também. Vai ser a melhor férias de todas. E você vai terá que
descer comigo naquele grandão! — Ataquei meu filho, fazendo cosquinha em
sua barriga e me deliciando com a sua risada.
— Não, papai! — bradava enquanto ria sem conseguir resistir.
— Não sei quem é mais criança. — Amanda apareceu na entrada da
sala. — Vamos, Doug! Hora de dormir.
— Ah! — Douglas resmungou, fazendo muxoxo.
— Você vai sentir sono e não vai aproveitar o avião. — Amanda sabia
como despertar o interesse do nosso filho.
Assim como ela, Douglas era louco por avião, e contava com orgulho
que a mãe dele trabalhava nas nuvens.
— A senhora vai trabalhando? — perguntou ao se levantar para
acompanhar a mãe. Amanda riu.
— Não, querido! A mamãe tem que ficar do seu lado e curtir toda a
viagem.
— Ah!
— Mas você vai poder falar com o piloto e visitar a cabine.
— Obá!
Ela piscou para mim quando deixou a sala com Douglas.
Amanda era uma mãe incrível. Certa vez conseguiu encaixar Douglas
em uma de suas viagens, uma curta, Salvador - Aracaju, poucos minutos de
vôo, só para que ele pudesse ver como era o seu trabalho. E ele adorou! Ficou
ainda mais orgulhoso da mãe.
Troquei o canal aguardando que ela voltasse. Normalmente eu
colocava Doug para dormir. Uma rotina que estabeleci, já que nem todas as
noites Amanda estava em casa. Mas, quando ela o chamava para deitar eu já
sabia, era a vez dela, e eu não me atreveria a interromper seu momento com o
filho.
No dia seguinte Douglas faria cinco anos, e como sempre fazíamos,
depois de tentarmos festejar seus dois primeiros aniversários e ficarmos
horrorizados não só com o trabalho, mas com a despesa também, sem
salientar que festas infantis exigiam convidados que não faziam parte da vida
do nosso filho, decidimos que comemoraríamos viajando. Só nós três.
O destino da vez era Fortaleza. Douglas ia amar o Beach Park.
Depois de alguns minutos ela voltou. Linda! Sorridente. Exibindo o
corpo um pouco mais volumoso do que antes do nosso filho nascer, e que,
confesso, a deixou ainda mais deliciosa, vestindo um short curto e solto e
uma camiseta justa. Toda a minha atenção se voltou para aquela linda mulher
que me dava a honra de ser seu marido.
— Ele dormiu? — Ela concordou com a cabeça, sentando ao meu lado.
— Rápido.
— Porque não fico conversando ou inventando histórias que vão fazer
com que ele lute contra o sono.
— Você é uma pessoa melhor do que eu — brinquei, buscando seus
lábios.
Estava morto de saudade dela. Amanda havia finalizado uma escala
cansativa, com vôos que forçaram a sua ausência mais do que o de costume, e
então… férias! Graças a Deus!
Ela correspondeu ao meu beijo de forma manhosa, deixando claro que
concordava com a minha intenção, e se deixou ser puxada para o meu colo.
— Vamos para o quarto — sussurrou. — Ah, não! As malas! —
reclamou.
— Aqui está ótimo! — subi minhas mãos por suas coxas, alcançando
sua bunda com avidez.
— Doug pode acordar — ronronou, cheia dos seus encantos, com
aquele jeitinho sensual que me dominava.
— Ele estava cansado. — Puxei Amanda, forçando-a contra minha
ereção.
— Diogo! — Riu, tentando levantar. Eu a impedi.
— Ele disse o que queria de presente? — forçou o corpo para trás, para
conseguir me encarar. Eu adorava seu cabelo solto, bagunçado pelo fogo que
nos consumia. — Diogo!
Ri com leveza. Era sempre assim quando ficávamos sozinhos. Eu me
perdia nela e não conseguia pensar em mais nada. Nem mesmo na missão que
me deu antes de embarcar nos seus últimos dias em serviço. Descobrir o que
Douglas gostaria de ganhar no aniversário. Compraríamos o presente na
viagem, para que ele pudesse curtir mais.
— Diogo, eu pedi para você resolver isso!
— Eu perguntei — admiti.
— E então?
Admirei a mulher sentada em meu colo, pensando no pedido revelado
por Douglas na noite anterior, quando conversávamos sobre o céu e as
estrelas. A mesma emoção que senti quando ele me revelou o que gostaria de
ganhar de aniversário, me atingia ao escrutinar o rosto da mulher que eu
adorava.
— Diogo?
— Um irmão — sussurrei.
Amanda ficou em silêncio, devolvendo o meu olhar, digerindo o que
falei. Incapaz de me conter, ergui a mão e acariciei seu rosto, contornando
seus traços delicados. Adorando aquela mulher apaixonante.
— Ele quer um irmão, Mandy — insisti. — E eu ia adorar ter mais um
filho com você.
Ela mordeu o lábio, reprimindo um sorriso. Todas as vezes que
Amanda fazia aquela cara eu tinha vontade de tirar uma foto e carregar
comigo para onde eu fosse.
— Um filho? Tem certeza?
— Por que não?
— Eu fico tanto tempo longe de casa — gemeu, desaprovando.
— Eu dou conta.
Ela abriu um sorriso iluminado, daqueles que me faziam suspirar e me
perguntar como não segui aquela garota antes. Seu sorriso tinha o dom de me
tornar cativo, e me fazer atender a todos os seus desejos.
— Um filho — repetiu, admirada, se conformando com a ideia e
começando a curti-la. — Tudo bem.
— Tem certeza?
— Você dá conta — brincou.
— É. Eu dou. Então…
Com um movimento rápido, deitei Amanda sobre o sofá, me divertindo
com o seu gritinho espantado e me deitando entre suas pernas, que me
acolheram sem qualquer impedimento. Inclinei a cabeça, beijando-a, depois
desci os lábios por sua pele, alcançando o pescoço cheiroso e me deliciando
com o caminho até os seios.
— Precisamos começar a encomendar o presente. — Mandy gemeu,
deliciada, acariciando meu cabelo e me conduzindo para o lugar que eu sabia,
sempre precisava da minha atenção.
— Mas amanhã, de qualquer forma, vamos comprar um carrinho, tá
bom?
Eu ri, com os lábios em sua barriga e as mãos começando a puxar seu
short.
— Tá bom.
Depois disso, as palavras que falamos se misturaram aos gemidos,
grunhidos e algo mais desconexo. Nós nos encaixamos como só nossos
corpos conseguiam fazer, entregues ao amor que sentíamos e aos sonhos que
nos cercavam.
Só posso dizer que depois de Amanda, meu mundo virou de ponta
cabeça, e nunca foi tão delicioso viver.
AGRADECIMENTOS
Acho que nunca foi tão divertido escrever um livro como o A Garota
Invisível. Voltar a postar no Wattpad me levou de volta a época das fanfics e
eu me senti com a mesma energia de quando comecei, animada com cada
comentário e atenta ao que os meus leitores diziam. Agora, enfim, o livro está
pronto, e eu não podia me sentir menos orgulhosa.
Diogo e Amanda foram sensacionais! Encheram meu coração de
alegria e me fizeram relembrar o motivo pelo qual eu escrevia. Por isso só
tenho que agradecer.
Quero começar agradecendo aos meus leitores do Wattpad por
embarcarem nessa jornada comigo, compreendendo os problemas que
tivemos no caminho e nunca me abandonando. O carinho de vocês foi
fundamental nesta etapa da minha carreira. Obrigada!
Também preciso agradecer as betas que trabalharam neste livro, uma
equipe linda e empenhada em dar o seu melhor. Obrigada Sheila Pauer,
Thaisa Amaral, Gllauce Brandão, Kelly Fonseca, Winnie Wong e Marcira
Lima.
Agradeço com felicidade a minha amiga Patrícia Rammos,
@umabadarparacadadia, não só pelo apoio a todos os meus trabalhos, mas
também por topar embarcar comigo em busca da minha evolução, não apenas
como pessoa, mas principalmente, como escritora. Patrícia assumiu o papel
de caçar termos racistas em meus textos, uma maneira linda de respeitar os
meus leitores. Obrigada, Pati!
Por este livro ser independente neste primeiro momento, contei com a
ajuda incrível da professora e blogueira, Carolina Silva, ou @Carollivros que
mesmo com um tempo tão curto, aceitou ler o livro e me auxiliar na revisão.
Carol, gratidão eterna! Você é show!
Também tenho imensa gratidão, mais uma vez, pela Dra. Lívia
Guanabara, advogada, pela colaboração, deixando o texto mais fiel a
realidade.
Preciso agradecer aos parceiros, igs que se dedicam a divulgar a
literatura nacional. São eles: @UmAmoreUmLivro, @nalupeloslivros,
@Resenhas_delivros95, @Elismara_gomess, @Thalia_vieira15,
@almasliterarias06, @naovireapaginaoficial, @leituradajuliana,
@entrelivroseromances_, @divando_livros, @1408anabsilva2, @llresenhas,
@biblioteca_da_tati_chacon, @carol_siq2, @cantinho_erika. Tenho
profunda gratidão pelo trabalho de vocês.
Vou agradecer a minha terra linda, Salvador, por me presentear com
cenários maravilhosos, me dando maior substância para descrever as ruas
deste livro. Foi maravilhoso retratar uma cidade que eu amo tanto.
E finalizo agradecendo a vocês, meus leitores, que me acompanham,
que amam o que eu escrevo, ou que acabaram de me descobrir. Sou grata por
cada página virada e pelo amor que me impulsiona a continuar sempre
criando histórias lindas para vocês.
Obrigada! Obrigada! Obrigada!
MINHAS REDES SOCIAIS
@Tatianaamaraloficial
tatianaamaraloficial
www.tatianaamaral.com