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TOCANDO AS ESTRELAS

COPYRIGHT © 2023 by Iara Braga


Todos os direitos reservados

Capa: Luana Berle — @lbdesigneditorial


Revisão: Julia Pehlivanidis
Diagramação: L. Júpiter
Ilustração: @lobitchan_real
Betagem: Samantha Guimarães, Beatriz Maziero e
Giovanna Santana

Esta é uma obra literária de ficção.


Todos os personagens, estabelecimentos e
acontecimentos retratados são produto da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

É expressamente proibida a distribuição


ou reprodução de toda ou qualquer parte desta
obra por qualquer forma, meio eletrônico ou
mecânico sem a prévia permissão da autora.
Todos os direitos são reservados à autora.

Plágio é crime!
Essa obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico
Vem cá, é importante!
Oi, eu voltei!
Bom, talvez você não me conheça… Então, prazer, me chamo Iara.
Eu não vou fazer apresentações mais profundas porque eu te prometo que você vai me
conhecer ao longo da leitura. Pode parecer exagerado, ou clichê o que vou dizer, mas a verdade é
que tem tudo de mim nessa história.
Também posso te dizer que Íris e Órion são únicos. Eles tentam se encaixar nos clichês,
sabe? O bad-boy e a boa menina, e tudo mais que você possa imaginar, mas a verdade é que eles
são eles. Por isso que quando me perguntam em quem eu me inspirei, eu nunca sei o que dizer.
A única certeza que tenho é que eles são avassaladores e que são partes de mim.
Lembro que, um dia, eu ouvi a Íris. Ela sussurrou: "eu estou quebrada, e pela primeira
vez, não sei o que fazer". A Íris sempre esteve aqui, pertinho de mim. Foi ela quem me ajudou a
dormir nas noites difíceis, eu só não sabia disso. Era a voz dela que me acalmava, e quando ela
chorou em silêncio, eu implorei para que ela me contasse a sua verdade.
Ela contou e eu me rendi a ela.
Contamos nossas feridas e nos curamos juntas. E ainda estamos superando tantas outras
coisas, lado a lado.
O Órion foi o grito no silêncio da minha mente. Ele gritou, chutou as portas, apontou o
dedo na minha cara e escancarou todas as minhas dores. Ele não teve pena. Ele me mostrou
coisas que eu não sabia sobre mim…
Só ele sabia, ele sempre soube.
Eu revidei. Nós brigamos como gato e rato. Eu abri todas as suas feridas. Ele me desafiou
a cada segundo! Não foi bonito porque nós nos destruímos. Pode parecer exagerado, mas foi
crucial para minha cura. O Órion me guiou de volta pra mim mesma, e descobri-lo foi um dos
acontecimentos mais bonitos e intensos da minha vida.
Sei que estou falando muito, mas o que quero te contar é que os dois me ensinaram
muito, mas o principal é: dê um passo de cada vez. Aceite a sua intensidade, viva a sua dor, se
descubra e, então, se cure! É clichê, mas é a maior verdade da vida. Levante-se com coragem,
use a sua voz e grite! Deixe que te ouçam!
Nessas páginas, estou me entregando a você, dividida em dois. Eu precisei de coragem
para colocar tudo aqui.
Íris foi a minha coragem, e Órion a minha voz.
Íris é meu coração, Órion é a minha alma e todos os seus pedaços fragmentados.
Se, como eu, você precisar de uma mão pra se levantar, saiba que estaremos aqui. Você
pode voltar quando quiser, vou te receber de braços abertos.
Confie em si e nas estrelas. Faça seus pedidos com fé, elas irão te responder!
Boa leitura! Espero que eles toquem o seu coração, tanto quanto tocaram o meu!
Essa obra contém gatilhos emocionais de ansiedade; abandono e abuso parental;
abuso psicológico; cenas gráficas de crise de pânico; linguagem imprópria; uso de drogas
lícitas e cenas de sexo explícito, não recomendada para menores de 18 anos.
Caso seja sensível a algum desses temas, a leitura não é recomendada.

ATENÇÃO:
Alguns eventos, regras e termos foram alterados para se encaixarem no tempo e contexto
do livro. Todos os fatos ocorridos nesse livro são de origem fictícia e adaptada para a premissa
do romance.
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Eu nunca soube nada sobre as estrelas.
Não ia muito além de entender que são bolas de gás que formam desenhos no céu e
deixam a noite mais iluminada.
Mas eu sempre soube tudo sobre ginástica. Sempre tive o controle dos meus movimentos,
dos meus saltos e dos meus giros. Cada um dos meus passos eram perfeitamente calculados e foi
esse cuidado que me classificou para as Olimpíadas de Paris.
Eu não entendia nada sobre o universo até sentir o mundo caindo sob as minhas costas,
quando me lesionei, seis meses antes dos Jogos Olímpicos.
Eu estava completamente perdida até adentrar em uma galáxia caótica na qual eu jurei
manter a distância.
Eu não tive escolha. Não quando essa galáxia morava dentro dos olhos azuis do
fisioterapeuta da academia. A única pessoa capaz de me despertar ódio.
Ele virou a minha vida de cabeça para baixo, mas me resgatou do meu inferno.
Ele me incendiou e me arruinou, ao mesmo tempo que me fez voltar a saltar na direção
das estrelas.
Ele foi a minha única saída e da nossa colisão, novos corpos celestes surgiram.
Nossa dança cósmica foi um fenômeno épico e depois disso, o universo nunca mais foi o
mesmo.
Para Samantha, Giovanna, Beatriz e Julia.
Queria que soubessem de todos os dias em que me salvaram de mim mesma.
Estou aqui para salvá-las sempre.

Para quem se sente sufocado por algo ou alguém.


Tenha coragem e liberte-se. O mundo merece a sua verdade.
Grite e brilhe, as estrelas estão mais perto do que imagina.
Ela está em tal conjunção com minha alma e minha vida
Que, como uma estrela presa à sua órbita
Eu só sei me mover em torno dela
William Shakespeare — Hamlet
Era uma vez, alguns erros atrás
Eu estava na sua mira
Você me pegou sozinha
Você me encontrou
I Knew You Were Trouble — Taylor Swift

1 ano antes das Olimpíadas


Existem poucas coisas capazes de abraçar a alma.
Um flic-flac bem alinhado;
Um duplo twist carpado concluído com perfeição;
Um collant que não aperta;
E o sol de Miami.
É ele que me recebe quando desço do meu mini cooper na Brickell. A luz dourada do sol
ilumina a fachada roxa e dourada da Royal Gymnastic Academy. Os alunos juniores entram no
prédio com pressa, depois de se despedir de seus pais na entrada.
Um sorriso se estende em meus lábios.
Não há pessoa que não consiga sorrir nesse clima em Miami, onde o inverno é quente e
as praias estão cheias. Enquanto algumas cidades enfrentam o inverno rigoroso dos Estados
Unidos, os moradores de Miami precisam apenas lidar com o vento extremamente frio durante a
noite e os dias raramente chuvosos.
E é por isso que todos estão felizes. Todos.
Menos ele.
A única pessoa que parece indiferente a tudo o que acontece ao seu redor.
Quando ele chegou, achei novo demais para um fisioterapeuta. Ver um cara que está
próximo da minha idade, coberto por tatuagens e um mau humor inexplicável com um jaleco
dentro das salas da RGA não é comum.
Mas é costume vê-lo encostado em sua moto, na calçada contrária do ginásio, com um
cigarro entre os dedos e uma expressão neutra em seu rosto. Também é comum que eu sinta uma
imensa vontade de rolar os olhos todas as vezes que o vejo. Principalmente quando está fumando
ao redor.
É impossível deduzir que uma pessoa que cuida da saúde alheia é completamente
negligente com a própria.
Órion é o tipo de pessoa no qual eu sempre mantive distância. Está estampado em seu
rosto. Todas as suas ações mostram que ele é um poço de problemas.
Está escrito insuportável em sua testa e até mesmo eu, que sempre fui muito boa em fazer
amigos, me recuso a me aproximar dele.
Aperto a alça da minha bolsa antes de atravessar a rua e sinto a garganta queimar quando
a fumaça do cigarro atinge meu rosto. A risada nasalada que ele liberta me faz voltar.
— Qual o seu problema? — pergunto e ele ergue as sobrancelhas grossas e bem
preenchidas. — Você não deveria ser um exemplo para seus pacientes?
Órion curva os lábios num sorriso prepotente que faz meu bom humor matinal se
dissipar.
— O que quer dizer? — É a primeira vez que ouço sua voz tão de perto. É rouca,
preguiçosa e cínica. Ele nem mesmo me olha nos olhos, já que continua brincando com o cigarro
em seus dedos.
— Você não devia fumar, ou não deveria fumar aqui, pelo menos. — esbravejo. Ele
continua sorrindo e leva o cigarro aos lábios finos novamente. — Está acabando com a sua saúde
e incomodando quem passa com esse cheiro horrível.
— É sempre tão intrometida?
Cruzo os braços, sentindo minha paciência se esvair e ser levada no vento.
— É sempre tão mal educado? Deveria estar com essa porcaria acesa bem distante de
nós. — Ele revira os olhos e leva o cigarro aos lábios novamente.
Órion puxa a nicotina com elegância, fechando os olhos para mostrar que está se
deliciando com o ato. Ele é dissimulado e arrogante. O maldito abre os olhos, exibindo suas
orbes azuis brilhantes, e lentamente, tira o cigarro dos lábios, assoprando a fumaça em meu rosto
logo em seguida, me fazendo tossir e me afastar.
— Acabou, loirinha? — Ele sorri. De novo.
— Você não deveria saber o básico sobre saúde? Ou os boatos são verdadeiros e você só
está aqui por influência do papai?
Órion se levanta imediatamente, revelando sua altura e sua insatisfação. Preciso levantar
o queixo para encará-lo.
Seu sorriso se desfaz e antes de dar um passo na minha direção, ele joga o cigarro no
chão e o apaga, pisando com força. Seus olhos não se afastam dos meus e apesar de engolir em
seco, sustento a provocação.
Percebo que toquei em seu ponto fraco, já que seu sorriso fingido vira uma linha fina,
suas pupilas dilatam e os punhos se fecham, me fazendo inclinar o rosto para o lado para dar um
sorriso vitorioso.
— Você, por acaso, comanda alguma coisa por aqui? — Órion cruza os braços e mostra
um sorriso. — Então, finalmente está mostrando a sua face autoritária e prepotente? Desistiu de
esconder a sua soberba atrás da sua falsa simpatia?
A raiva consome cada centímetro do meu corpo. Preciso mentalizar diversos arco-íris
para não perder a cabeça. Apenas cruzo os braços para esconder as mãos trêmulas, mas antes que
eu consiga falar algo, ele se inclina na minha direção.
— É isso mesmo, Coleman. A mim você não engana. — ele sussurra, baixo o suficiente
para que eu seja a única a ouvir a sua maldita voz.
Ele atinge pontos adormecidos do meu ser com poucas palavras: os pontos que acordam
apenas quando preciso direcionar meu ódio a alguém. Por Deus, isso é tão raro.
— Não sabe nada sobre mim. Ficou mesmo tão abalado porque não preciso usar meu
nome para estar onde estou? — pergunto, irônica, sustentando a raiva nos olhos.
— Não fale como se eu fosse uma das suas amigas que concordam com tudo o que diz.
Eu conheço bem o seu tipo. Finge esse jeito simpático apenas para manipular os outros. Por isso
todos fazem o que você quer, e quando alguém debate, você tira a máscara. — Órion respira
fundo e eu me sinto tonta. — Não acredito em um sorriso seu. Parece que acertei em todas as
minhas suposições. Você é intrometida e esnobe, além de fingida e insuportável.
Sinto uma imensa vontade de mandá-lo para o inferno. Ignoro a vontade de fugir e dou
mais um passo, determinada a ganhar essa maldita guerra que tirou a minha paz.
— Você é muito grosseiro, Órion. É por isso que está sempre tão sozinho? — pergunto.
Estou tão perto que meus olhos conseguem analisar cada centímetro de seu rosto e essa
proximidade serve para que eu assista cada vestígio de ódio nas pintas de seus olhos. — É
realmente muito difícil estar na sua presença. Deve ser impossível sentir qualquer apreço por
você, já que está sempre empenhado em ser detestável.
Dou um longo suspiro, vendo-o morder o interior da bochecha. Faço um bico, fingindo
pena.
— Tudo fez sentido agora. Você se esconde atrás dessa pose de badboy, quando na
verdade é só um menino solitário.
Antes mesmo dele responder, volto a segurar na alça da minha bolsa, descontando toda a
minha raiva no tecido áspero, e volto a me direcionar para a entrada do ginásio.
Olho para trás uma última vez e ele permanece na mesma posição, com ódio exalando de
seu corpo.
Ponto para mim.
Lembro de uma análise que fizemos sobre uma frase de Aristóteles, durante uma aula de
Filosofia na universidade. A citação dizia que “No fundo de um buraco ou de um poço, acontece
descobrir-se as estrelas”. O sentido é simples, resumindo-se simplesmente ao fato de que nada é
impossível quando existe o desejo. Uma construção mental que faz estrelas surgirem em
qualquer lugar, apenas para que possamos nos agarrar à vontade de realizar ou conseguir algo.
Essas estrelas podem surgir no fundo de um poço, no fundo do mar, ou até mesmo num
copo d 'água. Hoje, o teto da RGA se torna meu céu e eu semicerro os olhos para enxergar
estrelas.
Há diversos desejos dentro de mim. Ganhar o ouro nos Jogos Olímpicos, ler todos os
livros da minha estante, passar mais tempo com meus pais.
Ter mais amigos, descansar mais do que trabalhar.
E nunca mais precisar trocar uma palavra sequer com Órion Sparks.
Fecho os meus olhos e consigo ver
Um mundo que está esperando por mim, e que eu chamo de meu
A Million Dreams — Ziv Zaifman, Hugh Jackman, Michelle Williams

6 meses antes das Olimpíadas


Tento focar a atenção no meu reflexo no espelho, mas, ainda assim, o que enxergo atrás
de mim é o meu quadro de medalhas. Como se eu conseguisse enxergar várias versões de uma
Íris que me deixa orgulhosa, mas que ainda está extremamente exausta. Cada uma com uma
idade diferente, diversos campeonatos. O mesmo sonho, mas a mesma rotina, com o tempo se
tornando cada vez mais escasso.
Depois de conferir a minha bolsa pela milésima vez, corro para fora e tranco a porta com
pressa.
Mais uma vez, me deparo com meu reflexo. O espelho do elevador não favorece a minha
imagem, a péssima iluminação parece realçar todo o meu cansaço. Mamãe dizia que eu ia
conseguir organizar toda a minha rotina quando saísse da universidade…
Por Deus, como eu queria que fosse assim.
— Bom dia, Senhorita Coleman! — O Sr. Johnson me recepciona com um sorriso assim
que as portas do elevador se abrem.
O senhor está sempre animado e seu “bom dia” é uma das minhas partes favoritas da
manhã.
— Bom dia, Sr. Johnson. — respondo, direcionando-me a ele para lhe dar um beijo na
bochecha.
— Já está indo pro ginásio? Cedo assim?
A pergunta é sempre a mesma, mas a indignação só aumenta. Uma hora ele irá se
acostumar com meus horários.
— Estou sim, o senhor sabe que não posso me acomodar, não é?
— Querida, ainda faltam seis meses para as Olimpíadas. Você já está dentro, não seja tão
dura consigo mesma! Descansar não é se acomodar. — ele grita conforme me afasto para a saída.
— Bom treino, filha!
Mando um beijo no ar e corro para o meu carro.
A voz do Sr. Johnson parece ecoar em minha mente e eu preciso fechar os olhos para
controlar os ânimos.
Ainda faltam seis meses para as Olimpíadas. Ainda. AINDA?
Já faltam seis meses para as Olimpíadas! Em junho, estarei entrando em um avião que
me levará direto para Paris. Sorrio, orgulhosa, ao mesmo tempo que minha cabeça lateja, me
lembrando de começar a dirigir na direção do ginásio.
Desde que acabei a faculdade de Literatura na Universidade Internacional da Flórida, não
me lembro de ter saído do ginásio. É óbvio que fazia parte da equipe da universidade, mesmo
que tenha sido uma grande luta para conseguir convencer Neil de me deixar defender a equipe
até o fim da minha graduação.
Eu ainda conseguia ir em algumas festas, treinar e até conseguia dormir.
Neil não se opôs a minha vida social movimentada quando estava na universidade. Por
outro lado, minha fisioterapeuta odiava cada detalhe da minha rotina e quando acabei a
faculdade, foi como um alívio para ela.
Foi assim com as minhas amigas, e desde então, não temos mais uma rotina comum de
qualquer jovem de 24 anos. Eu até escrevia em alguns momentos.
Continuo dirigindo na direção do ginásio, tentando ignorar a pressão que pesa meus
ombros.
É a pressão que tira meu sono desde que decidi transformar a ginástica na minha
profissão. São os gritos de Sarah e Neil que me acordaram durante a madrugada.
Mesmo que por vontade própria, estamos há quase quatro meses treinando sem descanso.
Nossas duas semanas de folga se transformaram em dois dias, que servem para que eu pegue
pesado na academia, para manter a forma.
Há um ano, finalmente conseguimos a classificação para os Jogos Olímpicos, depois de
anos tentando estar lá. Os Estados Unidos sempre está presente nas Olimpíadas, mas alguns
deslizes me deixaram fora.
Ser convocada para a equipe nacional já era difícil por si só. Já tinha conquistado o
Torneio de Inverno, várias vezes conseguimos as medalhas dos Torneios Regionais em Grupo,
até mesmo nos individuais. A U.S Classic, Taça Nastia Liukin estão penduradas em meu quadro,
além dos troféus que enfeitam as prateleiras da RGA.
Neil me dizia, todos os dias, que a medalha do Mundial era a minha obrigação. Era
impossível conseguir ganhar em todos os torneios e sempre fracassar nas etapas finais do
Mundial. Eu demorei, mas consegui no ano em que, por destino, fui convocada junto com as
minhas amigas da RGA. Fim de papo.
Estou dentro dos Jogos Olímpicos de Ginástica em Paris, e eu não sei porque acreditei
que deixariam de pegar no meu pé.
Dirijo o mais rápido que consigo até finalmente estacionar na frente do ginásio. O grande
relógio na frente da entrada indica que são oito da manhã e quando atravesso a porta, meus olhos
encontram Alya Parsons.
Minha melhor amiga abre um sorriso quando me vê.
— Bom dia! — Deixo a bolsa na arquibancada e apenas tiro o moletom, ficando apenas
com o collant de treino.
— Bom dia, amiga. O Neil ainda não chegou? Achei que estava atrasa…
— Você está atrasada. — A voz rouca de Neil me assusta, mas logo relaxo quando o
vejo saindo de uma das salas. O roxo brilhante do moletom da RGA contrasta em sua pele negra,
assim como o boné branco que usa.
Eu estaria mentindo se dissesse que Neil Peterson não é rígido conosco. Ele possui uma
voz firme e assustadora que sempre impõe silêncio absoluto no ginásio, mas é um grande bobo.
Toda sua grande estatura apenas esconde seu imenso coração.
Diferente de Sarah, que é nossa fisioterapeuta, mas consegue ser mais severa que ele.
Ainda que seu modo de agir nos incomode, entendemos suas preocupações e seguimos todas as
suas orientações. Mesmo quando ela tenta ir além do que Neil nos ordena, ou quando seus
sermões machucam.
A ginástica, o meio esportivo e toda essa pressão infinita me deixou impossibilitada de
pensar em chorar. Sempre que penso em ceder, meu corpo se recusa e eu me levanto com a
mesma rapidez em que caí.
Aprendi isso com as críticas, com as risadas vindas de rivais, com as lesões e até mesmo
com o desmerecimento. Minhas cicatrizes internas já não doem mais, a ginástica não me permite
abri-las, muito menos senti-las. Pelo menos, é disso que tento me convencer todos os dias.
Não existe espaço para a dor, a vida está tão corrida que disfarço a exaustão com um
sorriso.
— Não tem problema, está perdoada. Estão de parabéns pelos treinos dos últimos dias. —
ele diz, se apoiando em uma das traves de equilíbrio. — Inclusive, deveria dar algumas semanas
de descanso para vocês.
Nego desesperadamente, sentindo medo de perder o ritmo. Faltam apenas seis meses para
irmos para Paris, o tempo de nos dar folga já acabou.
— Não precisa, estamos bem. — Lya responde por mim.
Enrolo os fios do rabo de cavalo em um coque e me sento no chão para começar a me
equipar. Neil respira fundo e eu tento conter o nervosismo quando ele se aproxima e se senta ao
nosso lado, no tapete.
— Vocês não podem atingir a exaustão. Não chegarão a lugar nenhum assim.
— Não estou cansada. — respondo, enrolando os pulsos.
— Eu sou o treinador e decido quando irão parar. Preparem-se. Treinaremos nas barras
hoje.
Neil avisa e some no corredor que leva às salas e vestiários.
Me levanto e acompanho Alya. Paramos na frente da bancada de equipamentos e
passamos as mãos no pó de magnésio, espalhando-o pelos pés. Em seguida, esfregamos as mãos
no pó branco novamente e fazemos nosso toque especial, fazendo uma nuvem de fumaça.
Ainda em sintonia, fazemos nossos alongamentos e nos posicionamos nas barras.
— Atenção à série! — Neil volta, já dando ordens. Respiro fundo, olhando para a barra.
Do outro lado, em uma barra um pouco mais alta que a minha, Lya se prepara. — Dois giros,
troca. Dois giros, inverte cruzado, suspensão com pernas perfeitamente esticadas. Inverte
cruzado e finaliza.
Ouço atentamente cada palavra sua e alongo o pescoço, me preparando para começar.
Neil apita e eu corro na direção da barra e me impulsiono para cima, agarrando-a. Dou dois giros
antes de me lançar para a barra da frente, dando ínicio a mais uma sequência dupla de giros.
Antes de completar mais uma volta, firmo meus braços e seguro meu corpo ereto no ar, esticando
o máximo que consigo das minhas pernas.
Finalizo o giro e cruzo os braços, me direcionando para a saída e depois de mais um giro
completo, solto a barra em rotação carpada[1], até que meus pés fincam no tapete, em sincronia
perfeita com Lya ao meu lado.
Ergo as mãos após a aterrissagem, e ouço os aplausos de Neil.
— Perfeitas! — ele exclama. — Agora, mais uma vez.
Solto o ar, controlando a respiração ofegante, antes de revirar os olhos. Eu realmente
preciso de um descanso, mesmo que não admita em voz alta.
Não me importo se dói.
Eu pagarei meu peso com sangue para sentir meus nervos acordarem
Feel Something — Jaymes Young

O dia já se inicia extremamente cansativo e quando olho no relógio em meu pulso, noto
que estou atrasado. E eu odeio atrasos, assim como odeio o calor que sinto quando atravesso a
porta.
Bella, minha vira-lata, late freneticamente do lado de dentro, como se me chamasse para
retornar para o apartamento climatizado pelo ar condicionado.
O dia está insuportavelmente quente e isso já ativa o pior lado de mim.
Morar perto do meu trabalho é uma das poucas coisas que me deixam extremamente feliz
e confortável. Esse fato se une a ter Bella, minhas crianças e ao maço de cigarros em meu bolso.
Não necessariamente nessa ordem.
Minhas crianças estão sempre no topo da minha lista e eu percebo que essa lista está se
tornando cada vez mais extensa, já que surgem mais crianças a cada dia. Na RGA e no Hospital
Infantil de Miami, onde faço trabalho voluntário.
Solto o ar quando tiro o capacete, estacionando na frente do ginásio. As cores dourado e
roxo chamam a atenção de qualquer um, e até mesmo os turistas param para admirar os prédios.
Alguns até tiram algumas fotos.
Os atletas correm para dentro, as crianças se despedem de suas mães e eu acendo um
cigarro, aproveitando dos pouquíssimos minutos que ainda restam antes de eu estar
completamente atrasado.
Tracy e Gabriel acenam para mim do outro lado da rua, enquanto se despedem de sua
mãe. Os pequenos gêmeos são dois dos meus pacientes e sempre me recebem com um sorriso
simpático e abraços quentes. Retribuo o aceno e os assisto entrar na RGA.
Estar no esporte sempre foi um desejo e uni-lo à pediatria fez com que a vaga na RGA
fosse perfeita. Meu pai tentou fazer com que eu escolhesse alguma outra especialização na
Medicina, mas nunca me importei com as suas opiniões, mesmo que elas me machucassem.
Foi igual com a minha irmã e ela quase cedeu à pressão.
Hoje, minha irmã tem o quarto lotado de medalhas e eu sou o que ele considera a “classe
inferior dentro da medicina”.
Imbecil do caralho.
Ter seu nome na minha certidão de nascimento é algo que me causa espasmos e
contrações dolorosas nos músculos todos os dias. Ele tenta manter o brilhantismo em seu
sobrenome e agora, todos acreditam que só consegui a vaga na RGA por carregá-lo.
Claro que eu poderia ter me aproveitado da sua influência, mas meu currículo é bom o
suficiente para que eu durma com a consciência tranquila.
Apago o cigarro e corro para dentro. O relógio já apontava às nove horas e alguns dos
atletas — incluindo o grupo olímpico — já treinavam intensamente.
— Tio Órion! — A voz de Jasper me faz parar.
O menino me encara com os olhos brilhantes. O pó de magnésio mancha toda sua pele
negra, mas ele não se importa. Pelo contrário, me direciona um sorriso encantador e orgulhoso.
— Tudo bem?
— Olha o que sei fazer! — ele diz e corre para o tapete, impulsionando-se para frente até
dar dois giros mortais.
— Já disse que você é o melhor daqui. — grito. — Mas tome cuidado, não quero você de
volta na minha maca tão cedo, combinado?
O pequeno atleta de apenas 7 anos é visitante assíduo da enfermaria e da sala de
fisioterapia. Suas travessuras são sempre fora dos treinos, tentando acrobacias que copia dos
atletas mais velhos.
Os profissionais da equipe técnica e física já se organizam em seus espaços e eu logo
corro para acomodar as coisas em meu armário. Visto o uniforme, coloco o estetoscópio no
pequeno bolso e escondo algumas balas no bolso traseiro da calça.
A sala de preparação física é dividida em quatro. Uma ala para a equipe feminina; outra
para a equipe masculina; no meio ficam os competidores e no fim, ficam as crianças. O meu
lugar.
— E aí, Jeremy? Como estamos? — pergunto ao ortopedista.
— Olha quem voltou! — ele exclama, apontando para a cama onde a menina minúscula e
sorridente abre os braços e dá um gritinho ao me ver.
— Não acredito! — exclamo de volta, fingindo surpresa ao ver Alice ali.
Alice havia sofrido uma entorse e ficou distante por alguns dias. Demos uma semana de
descanso a ela, que jurava que estava doendo muito e que, provavelmente, morreria.
— Eu não morri! — ela grita, me fazendo gargalhar.
— Eu sabia, você é minha heroína!
Alice abre um imenso sorriso e balança os cabelos loiros.
— Como estamos?
— Sem dores, andando perfeitamente, pronta para sair saltitando por aí. — Jeremy diz
enquanto a menina assente, freneticamente.
— Eu preciso confirmar isso de perto. — falo, fingindo seriedade. Alice engole em seco,
nervosa. Toco seu tornozelo, virando-o levemente para a esquerda. — Dói? — ela nega. Repito o
ato para a direita. — E então?
— Nadinha de nada. — ela diz e sua voz doce atinge meu coração com força extrema.
Giro seu pequeno pé com cuidado e ela continua negando, me dando a certeza de que não
sentia mais dores. Olhei-a de relance antes de atacar seus pés com cócegas, arrancando-lhe
risadas que fizeram meu mau humor se dissipar.
— Eu disse, perfeita! — Jeremy diz, se afastando.
Me aproximo de Alice, indicando segredo e ela estende a mão, sabendo o que viria a
seguir. Tiro uma bala do bolso e coloco em sua mão. Alice fecha o punho rapidamente e salta da
maca.
— Bom treino, Alice!
Não demora para que Hillary, nossa nutricionista, apareça na porta, me fazendo revirar os
olhos.
— Pare de encher minhas crianças de doce.
Dou de ombros, indo na direção da minha pequena mesa no canto da sala. Ela continua a
me encarar, com os braços cruzados e expressão séria.
— Não seja tão amarga. — reclamo e ela sorri, irônica. — Quer uma?
— Cínico!
Tinha que ter altas, altas expectativas para viver.
Não sabia como, mas sempre tive uma sensação
de que eu seria aquela uma em um milhão
High Hopes — Panic! At The Disco

Pego o celular quando ele vibra. O som da notificação da contagem regressiva me faz
estremecer. Um dia mais próximo do mês das Olimpíadas.
Suspiro depois de colocar os shorts por cima do collant e o cubro com uma camisa da
RGA.
Sinto que os Jogos Olímpicos serão como alcançar os céus. A ginástica ainda não é
valorizada como merece, nossas competições não são transmitidas como futebol e basquete. O
evento é onde buscamos visibilidade e mostramos a magia da ginástica.
Saber que irei mostrar a minha magia em Paris me causa náuseas.
Ter acabado a graduação foi, definitivamente, uma bênção. Não sei o que seria de mim se
ainda tivesse que lidar com provas, leituras e aulas que sempre me levaram à exaustão.
Passo um pouco de gel nos cabelos, apenas para garantir que minha franja não caia sob
meus olhos e enrolo os fios num coque alto e seguro. Deixo o apartamento com a mesma pressa.
Descobri que morar sozinha talvez não tenha sido uma das melhores decisões que tomei,
não quando sou extremamente chata com limpeza e nunca tenho tempo para fazer uma faxina
decente no meu apartamento.
A voz de Neil, repetindo as falas sobre folgas e descanso me deixam pensativa e fazem
meu corpo relaxar, mas uma voz ainda mais alta, que mora dentro do meu subconsciente, grita
que a medalha olímpica é minha obrigação.
Por Deus, a voz é exatamente igual à de Sarah.
— Não é hora para descansar, Íris! — resmungo para mim mesma e dou partida no carro,
me lembrando do meu atraso.
Neil já havia avisado que hoje, o treino seria das séries em equipe e depois do atraso de
ontem, tenho absoluta certeza de que todas já estão lá, menos eu.
Sinto a sola dos pés doloridas no momento em que piso no asfalto para sair do carro. Meu
corpo implora por mais algumas horas de sono em minha cama extremamente macia, mas eu o
direciono para o prédio da RGA rapidamente.
Como o esperado, todas chegaram antes de mim. Ash e Jenni estão se equipando,
enquanto Vivian e Lya já estão prontas. Do outro lado, Neil me encara com os braços cruzados e
nenhum sorriso em seu rosto.
Suspiro antes de me aproximar e jogar minha bolsa no banco.
— Me perdoem pelo atraso, acho que dormi demais. — Direciono o olhar para Neil, que
rola os olhos.
— Semana que vem todas estão de folga. — ele diz e a reclamação é imediata.
— Nós não podemos parar, estamos indo tão bem! — Ash exclama, batendo as mãos no
pó e, consequentemente, sujando os cabelos com todo seu jeito atrapalhado.
— Exatamente por isso que vocês merecem um descanso, meninas. Faltam seis meses,
não seis dias. Vocês estão incríveis e precisam de um tempo para vocês.
— Neil está certo. — A voz firme de Sarah me assusta, mas não mais do que sua fala. —
Se o corpo de vocês cansar, nada mais vai funcionar. Nenhum giro, nenhum salto, nem uma
corridinha.
Ela surge com toda a sua imponência. Os olhos claros marcados por maquiagem e
seriedade, os lábios finos em uma linha — já que dificilmente ela esboça qualquer sinal de
alegria — e os cabelos castanhos soltos.
Sarah Nolan está na RGA desde que me lembro e sei que não é saudável dizer tal coisa,
mas me acostumei com seus gritos e, às vezes, consigo lidar com tudo isso. Mesmo que, em
alguns dias, se torne uma grande bola de neve que passa por cima de mim e me faz chorar até
dormir.
Esses dias são raros.
— Vira essa boca para lá, Sarah! — Lya se pronuncia e ela dá de ombros.
— Detesto admitir, mas vocês precisam descansar. Apesar de achar que duas semanas é
muito.
Reviro os olhos, apertando os protetores em meus dedos.
— Não acham que estão exagerando? — pergunto e ela ergue as sobrancelhas. Quase me
encolho, mas continuo falando. — Nosso tempo de ter folga já acabou, seis meses é pouco tempo
para quem precisa atingir a perfeição.
— Vocês têm tempo suficiente para viver uma vida normal e se dedicarem à ginástica. —
Neil me responde. — Quando foi a última vez que saíram para uma festa? Ou só ficaram em
casa, sem fazer absolutamente nada?
Meus músculos se pronunciam ao pensar na possibilidade de passar o dia inteiro deitada.
Por Deus, eles ficariam extremamente felizes.
— Quando foi a última vez que viram seus pais? — ele completa e eu sinto que ele tocou
no ponto fraco de todas nós.
Sinto o peito apertar de saudades dos meus pais. Às vezes parece que moramos em
cidades diferentes, quando na verdade eu preciso de pouco mais de vinte minutos para chegar em
casa. E tudo que consigo pensar é que poderia usar esses vinte minutos em um treino intensivo.
Que merda.
Às vezes, tudo o que queria era conseguir silenciar essa maldita voz dentro da minha
cabeça, que resume a minha existência à ginástica.
— Vamos combinar uma coisa… — Neil começa. — Vamos treinar hoje e amanhã. A
partir de quinta-feira, estarão de folga e eu espero vocês depois de duas semanas. E não haverão
discussões. Depois que saírem daqui amanhã, estão proibidas de entrar nesse ginásio até o fim da
folga.
— Vocês são tão dramáticos. — reclamo, me levantando do tapete para me livrar da
calça.
— Vocês são tão extremistas. — Sarah cantarola no mesmo tom. — Depois do treino,
quero todas na minha sala.
— Sarah… — Lya reclama.
— Bom treino.
Nossa fisioterapeuta some, nos deixando com Neil e seu olhar repreendedor.
— Não podemos parar, as Olimpíadas estão cada vez mais perto. — sussurro.
— Podemos treinar lá em casa. Tenho espaço. — Alya responde, mesmo que pareça que
não há certeza em sua fala.
— Mesmo? — Lya assente, receosa. — Alya, você tem certeza?
— Tenho, deixa de ser chata. — Ela reclama.
— Vão se alongar. Agora. — Neil grita e eu assinto, começando a alongar meus braços.
— Vamos treinar nas barras, na mesa e na trave — continuamos o alongamento em silêncio. —
Vivian e Ash nas barras, Lya e Jenny na mesa e Íris na trave. Depois trocaremos.
Sinto o olhar de Neil sobre mim enquanto me preparo com pó de magnésio.
— Saltos, Íris!
Fico na ponta dos meus pés e dou um salto espacate, seguido de um giro que me leva
para a outra ponta da trave. Repito o movimento e direciono o olhar para Neil, que sorri, e ao seu
lado, Celia — nossa coreógrafa — sorri satisfeita.
— Sem as mãos!
Suspiro antes de dar um mortal lateral sem usar as mãos para me apoiar. Meus pés doem
com o impacto da sola no couro, mas permaneço de pé. Repito mais alguns movimentos,
insistindo em saltos e suspensões que me causam mais dificuldade e quando meus joelhos
estalam, Neil avisa que devemos trocar de aparelho.
— Saída! Quero todas cravando! — ele avisa.
Me preparo para sair do aparelho, prendendo a respiração e rezando para que minhas
pernas se mantenham firmes. Corro para a ponta da trave, emendando um duplo mortal e cravo
meus pés no tapete. Estendemos as mãos em sintonia e comemoramos com os olhares.
Sabemos que ainda falta muito para atingir a perfeição.
Pelas longas noites e pelas luzes brilhantes
Não se preocupe porque tudo vai ficar bem
Be Alright — Justin Bieber

— Acabou o sermão? — pergunto quando Sarah entra na sala, depois de conseguir


convencer a equipe olímpica a tirar uma folga.
Sarah parece tão estressada quanto os dias anteriores. Talvez até mais, já que é
nitidamente contra dar descanso ao grupo, o que me deixa sempre indignado. Não me lembro de
elas terem mais do que um dia por semana para descansar.
E são quatro meses sem parar. Sarah consegue ser pior do que o treinador.
— Elas são difíceis… — ela reclama, se jogando na cadeira e esfregando o rosto.
Direciono o olhar para Peter. O menino de seis anos que é a personificação da teimosia,
ou esquecimento, já que nunca utiliza o pó de magnésio e está sempre com as mãos cortadas, ou
fazendo uma visita à fisioterapia, já que está sempre caindo.
Termino de enfaixar sua pequena mão e ele me encara com o mesmo olhar de sempre.
Arrependido, com medo de ouvir um sermão parecido com o que Sarah deu em seu grupo que
está sempre com crise de estrelismo.
Porém, ele sorri quando vê minha mão indo na direção do meu bolso. Ele sabe o que virá.
Eles sempre sabem.
Peter abre a pequena mão e fecha rapidamente quando deixo uma bala em sua palma.
— Obrigado, tio Órion! — ele diz, antes de saltar da maca e correr para fora.
— Use o magnésio, garoto! — grito, esperançoso dele ter me escutado.
— Um dia a Hillary vai acabar te matando.
— Eles merecem um agrado. — Dou de ombros. — E as suas garotas não são difíceis,
elas são mimadas, mas o fato de vocês não terem dado descanso durante todos esses meses de
treino com certeza ajudaram a deixá-las paranoicas.
— Sei o que estou fazendo, se não intensificarem o treino, não terão o ouro. — ela diz,
como se fosse óbvio. Como se não soubesse que terá um grande problema caso se machuquem.
— E elas não são só mimadas, a pressão é grande. Você não entende.
Sequer consigo imaginar o quão assustador deve ser estar prestes a competir nos Jogos
Olímpicos. O evento atrai gente de todo o mundo e a cobrança parece não ter fim, mas tudo isso
é um grande exagero, principalmente quando o próprio treinador está exigindo que parem por um
tempo.
— Não entendo mesmo, vocês já deviam ter expulsado essas garotas daqui há muito
tempo. — desabafo. — Sabe que a culpa será da academia se alguma delas se lesionar por
exaustão, não é? Principalmente sua.
— Sei disso, Órion, mas como eu disse, sei o que estou fazendo.
— Devia ter dado folgas no início, deixá-las tranquilas durante todo esse tempo e
intensificar os treinos nos últimos meses pré…
— Não se meta no meu trabalho, sei o que fazer com as minhas atletas.
Ergo as mãos em rendição, me levantando para sair.
— Não está mais aqui quem falou. Bom, preciso ir ao hospital ainda.
— Voluntariado? — Assinto. — Acho lindo o que você faz, ninguém imagina o que você
é de verdade, Órion. — Franzo as sobrancelhas. — Por baixo desse mau humor e todas essas
tatuagens, você esconde um bom coração.
Quase arregalo os olhos.
— Mesmo quando se mete onde não é chamado.
— Se não te conhecesse e não soubesse o quão chata é, diria que está dando em cima de
mim. — falo, indo na direção do vestiário.
— Cale a boca, Sparks. E me respeite, tenho idade para ser sua mãe. — Ela dá um tapa
no meu ombro e um pequeno sorriso surge em meus lábios.
Sarah é uma megera, às vezes, mas serve de inspiração para mim, já que é renomada no
meio esportivo.
— Não sei se prefiro quando está calado ou quando está sendo um completo irritante.
Corro para o vestiário e tiro o uniforme rapidamente. O ginásio está silencioso e eu me
surpreendo quando vejo que todos os atletas já haviam ido embora. Inclusive as estrelinhas
insuportáveis da Sarah, que são sempre as últimas a sair.
Dessa vez, apenas a equipe médica e técnica está no ginásio. Todos nitidamente
cansados, silenciosos e agindo rapidamente, ansiosos para ir embora. Assim como eu, que corro
para o lado de fora, arrancando a chave da moto do bolso.
Dou partida rapidamente, me afastando dali. O hospital onde também fiz minha
residência não fica muito distante da academia. O tempo que passei lá fez com que eu me
apaixonasse pela Fisioterapia Pediátrica, fugindo completamente do que meu pai esperava de
mim.
Bom, surpreendê-lo negativamente é o que faço de melhor. Por outro lado, minha mãe
adorou a ideia, já que é pediatra. Entendi o que ela falava sobre estar rodeada de crianças. Elas
parecem enxergar algo além em mim, algo que nem mesmo eu conheço e me fazem acreditar
que, em algum momento da vida, o ser humano ainda cultiva a pureza.
A mesma pureza que se dissipa quando descobrimos a maldade do mundo.
Saio do elevador e corro para o vestiário, me preparando para vestir o uniforme de
mangas longas. Segundo a chefe da pediatria, não é recomendado que as crianças vejam tantas
tatuagens, já que pode resultar numa má influência. Toda vez que ela repete essa frase, sinto que
vou cair na gargalhada — e isso é extremamente raro.
Ela teria um infarto se descobrisse que elas amam os desenhos em minha pele.
Coloco o carimbo em formato de urso no bolso e finalmente me direciono para a ala de
fisioterapia.
— Finalmente, Órion! — Newton exclama quando me vê no corredor.
— O que aconteceu?
— A Nina estava te esperando. — ele responde e eu respiro, aliviado.
Adentro a sala infantil. Há brinquedos e equipamentos interativos para todos os lados,
muitas cores e desenhos colados na parede. Algumas crianças ainda estão em tratamento e estão
espalhadas pela grande sala.
— Boa tarde, pessoal! — Cumprimento a todos, que retribuem com sorrisos.
— Tio, meu pé não dói mais! — Gabriel, um garoto de quase seis anos, anuncia, com um
enorme sorriso no rosto. Jenner sorri, enquanto o segura para continuar os exercícios.
— Parabéns, campeão! Logo, logo você estará correndo por aí!
— Você chegou! — Nina grita quando me vê e eu corro em sua direção antes que ela
avance rápido demais.
Nina é minúscula, está prestes a completar cinco anos e seu corpinho some todas as vezes
que ela me abraça com toda a força que consegue.
A menina é fixa no quadro de fisioterapia do Hospital Infantil de Miami, assim como na
cardiologia e pneumologia. Ela foi diagnosticada com Distrofia Muscular Congênita, o que
resulta em fraqueza de seus músculos em um grau extremo e que acaba prejudicando sua
respiração e coordenação.
Ainda assim, Nina é agitada e está sempre em movimento, mesmo que sinta dores e
fraquezas constantes.
— Você demorou, Órion!
Só tenho 26 anos, mas já estou ligeiramente acostumado a ouvir as crianças me
chamando de “tio”. De todas elas, a única que não usa a nomenclatura é Nina.
— Mil desculpas, eu estava super ocupado no ginásio! — falo, ajeitando seus cabelos
negros. — Mas, vamos começar!
Ela comemora, erguendo os bracinhos para que eu a pegue no colo e a ajude a deitar no
tapete cor-de-rosa. Nina sabe de toda a rotina e logo estende a perna para mim. Seguro em seu
tornozelo, apoiando-o em meu ombro, deixando seu joelho dobrado.
— Já aprendeu matemática na escola? — ela assente. — Já sabe contar?
— É óbvio, Órion! — ela responde, me fazendo sorrir.
— Então, empurra meu ombro, contando até 20.
Ela assente e eu sinto uma leve pressão em meu ombro quando ela tenta empurrá-lo,
contando em ritmo lento. Um número por vez, puxando o ar a cada movimento.
— Troca! — Cantarolo quando ela termina e repito o mesmo ato na outra perna.
Nina tenta me convencer a usar todos os aparelhos da fisioterapia, apenas para mostrar
que não sente dores, para que eu autorize a sua ida a uma excursão da escola.
Estou sempre me gabando, dizendo aos outros fisioterapeutas que sempre fui o favorito
de todos ali, e amo todos igualmente. Mas me lembro do dia em que Nina chegou no hospital,
com apenas dois anos e com imensas dificuldades para permanecer sentada.
Cuidei daquela menina com toda dedicação que cabia em mim. Em uma de suas crises, a
dor se tornou insuportável e ela pediu para que eu prometesse que jamais a abandonaria.
— Órion? — ela me chama enquanto sobe em uma trave de madeira que usamos para
treinar o equilíbrio.
Nina estende a mão e eu a seguro.
— Você acha que eu consigo ser como Lya um dia? — Sinto o peito apertar.
— Atleta? — Ela assente, se esforçando para manter-se de pé.
Pego-a no colo com rapidez, arrancando-lhe uma risada alta. Não demora para que sua
mãe, Kiara, apareça na porta, com um sorriso idêntico no rosto.
— Posso te contar um segredo? — pergunto a Nina e ela assente, mostrando-me sua
pequena orelha. Me aproximo com cuidado, enquanto Kiara nos observa com os olhos azuis
brilhantes. — Você pode ser o que você quiser.
É engraçado como a vida leva tempo sob seus dedos
Como a neve tira a vida das flores no inverno
Estamos todos passando rápido demais para demorar
Com tanto medo de morrer antes de começarmos
What Did I Do — Hayd

— Uau. — sussurro para mim mesma quando desço do carro. Confiro o endereço
diversas vezes, para ter certeza de que aquela é mesmo a casa de Alya.
Digito uma mensagem rápida, avisando que já estava a esperando e encosto no capô do
meu mini cooper para esperá-la. O endereço me levou para um lugar mais afastado de Miami,
mas cercado de casas imensas e incrivelmente lindas, que me deram a entender que Lya
realmente pertence a uma família com grandes posses.
Sempre soube que havia algo diferente em relação à vida financeira e familiar de Alya.
Não que minha condição fosse ruim, mas meus pais sacrificaram muitas coisas para manter uma
vida estável para nós.
Agora, com todos os patrocínios e parcerias que fecho pelas redes sociais, tenho algumas
roupas de marca em meu armário, alguns itens de maquiagem mais caras e uma grande
quantidade de tênis.
Tudo o que Lya já tinha antes de começar a receber dos patrocinadores. Eu só não
imaginei que fosse algo tão grandioso.
Lya abre a porta e quando repara em minha expressão impressionada, ela bufa e se joga
contra o batente.
— Não olhe assim… — ela choraminga e me chama para entrar com a mão.
A casa possui uma estrutura incrível, com estética tropical e minimalista, uma boa visão
para qualquer um, já que é resultado de um trabalho muito bem feito, com certeza.
— Por que? É muito bonita, amiga. — falo e atravesso a porta, me deparando com uma
imensa sala.
Consigo ver que, do outro lado, há uma grande piscina e um gramado extenso, rodeado
de palmeiras que protegem a área do sol quente de Miami.
— Não gosto de trazer ninguém aqui… — ela resmunga. — Isso tudo é apenas uma
ilusão. É bonito apenas na estrutura, por dentro é caótico.
Me aproximo de Lya. Seu semblante é triste, levemente frustrado. Ela encara os cantos
daquela imensa casa com um certo desgosto que me deixa intrigada.
Toco em seu ombro e forço um sorriso, na expectativa de ter alguma retribuição.
— Você nunca fala sobre isso… A hora chegou?
Minha melhor amiga respira tão fundo que seus ombros cedem quando ela solta o ar.
— Essa casa está sempre vazia. Mesmo quando estamos todos por aqui, o que é algo raro.
— ela diz, cruzando os braços, como se tentasse abraçar a si mesma. — Quando eu atravesso
aquela porta, eu tento fingir que nada disso existe. Tento não ser fria, como meu pai. Tento não
ser tão relapsa, como minha mãe… Tento não me revoltar, como meu irmão.
— Você tem um irmão? — pergunto e ela reluta em assentir. Apenas dou de ombros e
toco seu queixo para que ela me olhe. — Você não é fria, não é relapsa, e muito menos
revoltada. Você é doce, gentil e extremamente especial. Seja você aqui ou lá fora, e seja lá o que
tenha acontecido, não deixe que afete a pessoa que é.
Alya solta o ar e esboça um pequeno sorriso.
— Não se perca dentro de si mesma, ou dentro dessa casa. — Afago seus cabelos depois
de puxá-la para um abraço. — Mas saiba que, se você se perder, eu vou te achar. Se você quiser
conversar, eu estou aqui ou se quiser falar depois, eu também vou estar aqui. — Dou de ombros.
— E se quiser manter segredo, eu vou permanecer mesmo sem saber.
— Promete?
— Com certeza.
Alya se afasta e estende a mão, em busca do nosso toque secreto.
— Inclusive, se quiser ir para outro lugar, tudo bem.
— Não, não te chamei aqui para ficar enchendo sua cabeça com minhas mágoas… — ela
diz, me puxando para o outro lado da casa. O lado mais iluminado e bonito.
— Te chamei para a gente aproveitar esse espaço para treinar alguns saltos. Depois,
podemos fazer um café e assistir um filme, o que acha?
Bato palmas, animada.
— Que bom que eu vim preparada. — Mostro minha bolsa para Lya e ela volta a me
arrastar para fora.
Sabia que, em algum momento do dia, estaríamos treinando para os jogos. Secretamente,
para que Neil nem sonhe com nossos saltos, e eu acredito fielmente que ele consegue saber todas
as vezes que nós estamos fazendo algo contrário ao que ele ordenou.
Quando Lya me chamou, deixei minha bolsa preparada com meus protetores palmares,
uma roupa reserva e um top de treino por baixo da camisa.

Atravessamos a porta e eu me dou conta de que é ainda maior do que parecia, de longe. O
gramado é extenso, perfeito para saltos à distância, alongamentos e exercícios de suspensão. No
centro, uma piscina reluz para nós. O sol brilha forte através das folhas das palmeiras, mas elas
se movem com uma certa força, nos refrescando.
Deixo a bolsa no canto e arranco a camisa, enquanto Lya faz o mesmo e começa a se
alongar.
Improviso um coque no topo da cabeça e vou em sua direção, alongando os braços, para
prepará-los para receber meu peso. Depois, alongo os tornozelos e pés, costas e pescoço. Lya
coloca uma música baixa em seu celular e corre em minha direção, novamente.
— E então, o que está precisando?
— Exercícios de apoio, com certeza. — reclamo. — Neil está preparando uma série para
a trave onde exige muito do apoio dos meus braços, sinto que, às vezes, perco o equilíbrio. — ela
assente.
— Então, vamos começar com isso. Eu te ajudo.
Alongo um pouco os pulsos e fico em posição espacate no gramado. Forço minhas pernas
para cima, apoiando-me em meus pulsos e erguendo as pernas, até que meu corpo ficasse
perfeitamente alinhado.
Encaro o gramado, me concentrando em firmar o peso em meus pulsos e quando coloco
as pernas em posição paralela, Lya as segura com cuidado, para me manter.
— Mantém, amiga. — ela pede, e eu continuo. Prendo a respiração para não correr riscos
de deixar meu corpo se inclinar. — Abre e volta sem cair.
Abro as pernas, deixando que a esquerda ficasse completamente esticada, na horizontal e
jogo a direita para frente, até que a ponta do meu pé tocasse alguns fios do meu cabelo.
Jogo o corpo para trás e confio em meu equilíbrio para me manter de pé.
— Vou fazer mais algumas vezes. Meus pulsos estão um pouco doloridos, faz um certo
tempo que não faço esse exercício, preciso de costume.
— Enquanto isso, vou repetir alguns exercícios para o solo. — ela diz e sua voz
estremece. Alya está extremamente nervosa para seu solo e sequer consegue esconder isso.
— Você vai conseguir, amiga.
Começamos mais uma série de exercícios e invertemos algumas vezes. Depois, treinamos
alguns saltos que conseguimos fazer sem o conforto do tapete debaixo dos pés. Meus joelhos já
reclamam e meu rosto está ensopado de suor.
— O Neil vai nos matar. — Lya diz, se deitando no gramado.
— Só se ele descobrir. — Me jogo ao seu lado, tentando recuperar o fôlego.
— Ele sempre sabe.
— Nós precisamos mesmo de um descanso… — confesso e Lya se levanta para me
encarar. — Mas, quando penso em parar, todas as vozes invadem a minha mente, me lembrando
que trazer essa medalha é uma obrigação.
— E, quando paramos, logo em seguida chega a culpa… — ela completa e eu assinto. —
Às vezes fico perdida em tanta culpa e uma necessidade grande de conseguir tudo o que quero…
— Não precisa provar nada para ninguém, amiga, sabe que é uma atleta incrível. — falo
e ela dá de ombros.
— Às vezes sinto que preciso provar para meu pai que minha carreira é válida. — Lya
diz, quase como um sussurro, receosa sobre o que disse.
Lembro de ter visto seu pai poucas vezes na RGA, principalmente quando éramos mais
novas e ele a levava para o treino. Depois que entramos na universidade, ele sumiu
completamente.
Teria esquecido seu rosto se Lya não fosse tão parecida com ele. E me lembro de sua
expressão sempre séria, uma postura quase invejável, como se carregasse um rei em suas costas e
apesar disso, nem sempre era simpático.
A vida familiar de Alya é tão secreta que, depois de 20 anos de amizade, descobri que ela
tem um irmão. Um irmão que nunca vi, nem mesmo em fotos. Ela nunca nos convidou para sua
casa, as festas do pijama sempre ficavam por minha conta. Quando Jenni mencionava buscá-la
para dar caronas para a RGA, ela quase chorava.
Sua vida sempre foi uma incógnita, mas ainda assim, foi impossível não amá-la.
— Amiga, você é incrível, é a melhor da equipe. — digo, tocando seu ombro para
confortá-la. — Não consigo imaginar o que a faz se sentir dessa forma, mas posso te garantir que
seu futuro na ginástica é brilhante, e você não precisa de muito esforço para mostrar seu talento.
— Nem você. — ela diz, abraçando meus ombros.
E eles pesam, a tensão me rouba o ar. É claro que sei da minha capacidade, caso
contrário, não estaria nas Olimpíadas, mas me lembrar de tudo o que precisei ouvir para chegar
aqui, me deixa amedrontada, mesmo que eu me recuse a mostrar isso.
Lembro das festas que deixei de ir e das piadas que as meninas da minha turma faziam
pelo fato de eu “levar a ginástica à sério demais”. Também lembro dos garotos que tentaram se
aproximar de mim e me acusavam de arrogância quando percebiam meu empenho nas
competições. Sei que, às vezes, deixei muito da minha vida de lado, inclusive as pessoas, mas
sempre fui clara sobre isso.
A ginástica é e sempre vai ser minha prioridade.
Minha mente briga comigo quando penso nesse assunto, já que muitas vezes esqueço da
Íris e só me lembro da Coleman, a competidora que entra no ginásio com um único objetivo:
carregar o máximo de medalhas possíveis para a RGA.
É assim que Neil me vê, ainda que não deixe isso explícito e é assim que Sarah exige que
eu seja. É cansativo, estressante e me faz respirar fundo para voltar ao treino.
Já passa das duas da tarde, o sol está cada vez mais quente e nós não paramos um minuto
sequer, mas me levanto e me preparo para mais um exercício de apoio.
Repito o primeiro exercício, levantando-me em minhas mãos e sorrio quando sinto que
meus pulsos estão firmes. Solto o ar lentamente, à medida que abro as pernas e fecho novamente,
me preparando para voltar à posição de espacate. É ainda mais difícil do que ficar de pé.
E no momento em que me inclino para trás, o mundo parece girar mais devagar, apenas
para que eu sinta cada segundo do meu ato. Cada segundo da dor aguda que me deixa tonta e me
faz dar um grito que parece ter ecoado por todo o quarteirão.
Quando me abaixo para retornar à posição inicial, sinto o pulso falhar e meu pé colide
com extrema força no chão, fazendo com que todo peso atinja meu joelho direito, causando um
estalo alto e uma dor infernal, que faz meus olhos encherem de lágrimas no momento exato em
que caio sentada no gramado.
Pressiono os olhos e a dor parece aumentar. Imploro mentalmente para que esteja
dormindo, prestes a acordar de um dos pesadelos que me atormentam quase todas as noites, mas
quando abro os olhos e encaro Lya, me dou conta de que é mais do que real.
— Íris, o que aconteceu? — Lya grita e me ajuda a alinhar o corpo, enquanto sinto as
lágrimas se misturarem ao suor em minhas bochechas.
A dor impetuosa faz todos os meus músculos latejarem, contraindo em busca de alívio.
Meu coração parece trabalhar com ainda mais intensidade, já que suas pulsações deixam meu
peito dolorido.
Puxo meu joelho e a dor aumenta, me fazendo cair deitada no gramado.
Faltam seis meses para as Olimpíadas.
Um pouco mais de 180 dias.
Irei competir individualmente e em equipe. Em todos os aparelhos.
Há um número grande de medalhas para conquistar. As Olimpíadas é o lugar onde todo
atleta deseja estar, independente do esporte ou modalidade. É o lugar que recebe todos os
olhares do mundo, é onde esportes esquecidos se mostram vivos. É onde a mágica acontece.
Eu devo mostrar minha magia em Paris, mas neste momento, sinto que meu joelho não
está no lugar.
Meus pulmões me sufocam, como se não houvesse espaço para suas contrações em busca
de ar. Meu corpo parece ainda menor, pequeno demais para suportar tanta dor. Física, mental e
espiritual.
O medo me consome, sendo maior do que a dor que faz meu joelho inchar quase que
imediatamente.
— Órion! — Lya grita, desesperada, enquanto corre para dentro. Na mesma velocidade,
ela volta até mim e tenta me ajudar a levantar.
Minha mente se torna uma grande confusão, as lágrimas deixam minha visão embaçada,
meu choro é tão alto que sequer consigo entender o nome dito por Alya.
— Me ajuda, amiga! — imploro, me forçando para ficar de pé, mas Lya nega com a
cabeça e volta a me acomodar no chão.
— Não! Não se mexe! — ela diz, em desespero enquanto puxo meu joelho contra o
corpo, na tentativa de aliviar a dor que fecha minha garganta.
Já tive lesões. Se um atleta nunca se lesionou, algo está errado. Pequenos cortes, entorse
nos tornozelos, já quebrei um dedo e atingi o grau mais extremo da tendinite. Deixei de competir
em um campeonato regional quando tinha 20 anos.
Nenhuma dessas lesões me causou tanta dor, muito menos tamanho desespero.
— O que está acontecendo aq… Puta que me pariu! — Uma voz familiar me faz erguer o
olhar embaçado e apesar da tontura, consigo distinguir todas as tatuagens, o cabelo cortado e a
voz que me causa arrepios.
— Ela machucou o…
— Meu joelho! — exclamo, ainda puxando a perna. Não consigo entender o motivo de
Órion estar ali e não me importo, tudo o que eu queria era a confirmação de que é tudo um
devaneio meu e que meu joelho está inteiro e no seu devido lugar.
Mais uma vez, sou arrancada da esperança e trazida de volta à realidade, mas por Órion,
que se abaixa na minha direção e passa o braço por baixo dos meus joelhos, me levantando em
seu colo.
Finco as unhas em seus ombros quando o incômodo se torna maior pelo movimento.
A ansiedade se mistura à dor e eu tenho absoluta certeza de que vou desmaiar.
— Calma, vamos ver isso. — ele diz, me carregando para dentro. — Alya, pegue gelo!
Agora! — ele grita e eu consigo ver a minha melhor amiga se afastar.
Órion me acomoda no sofá com cuidado, enquanto enfio as unhas em minhas próprias
mãos, tentando me convencer de que tudo isso é uma simples torção e que, em dois dias, estarei
andando normalmente.
Enquanto isso, ele se abaixa na minha frente e segura minha perna direita.
Quando ele a estica, sinto o mundo girar tão rapidamente que quase caio para o lado. A
dor é tão potente que minha voz já não sai mais e minha garganta reclama.
— Olhe para mim, Íris. — ele pede e eu obedeço.
Sinto a visão mais nítida e finalmente me dou conta de que ele realmente está aqui. Todos
os desenhos estão aqui, em sua pele, os olhos azuis estão aqui, fixos em meu rosto e as suas mãos
tocam meu joelho com extremo cuidado.
Certo, mas que porra ele está fazendo aqui?
— O que faz aqui? — pergunto, em busca de uma resposta para todas as perguntas que
pairam em minha mente.
— Estou tentando te ajudar e essa é a única pergunta que tem a fazer? — ele me
questiona, me fazendo morder o lábio inferior ao apertar as laterais da minha perna. — Se eu não
fosse um bom profissional, teria deixado você gritando no quintal até perder a voz.
— Não seja idiota, foi uma simples pergunta. AI! — grito e mais uma lágrima escorre.
— Não posso ir além disso. — ele diz, e estende a mão para pegar a compressa de gelo.
Órion me ajuda a alinhar a perna no grande sofá e cruza os braços. — É provável que seja um
rompimento nos ligamentos do joelho, o que significa que deve ir ao hospital e suspender os
treinos por um bom tempo.
A dor se torna desesperadora e eu gargalho em confusão, negando com a cabeça.
— Parar de treinar está fora de cogitação. — falo, sentindo a firmeza em minha voz
voltar. Órion balança a cabeça, negativamente, e se abaixa na minha direção.
— Você deveria ter parado quando Neil falou. São duas semanas de folga, onde você
deveria estar cuidando do seu corpo, não sendo uma irresponsável.
Sua voz soa rouca, seu semblante é sério, autoritário e parece que é ainda pior quando ele
não está gritando.
— E agora? Feliz com o resultado? — Permaneço em silêncio, canalizando toda a minha
culpa na raiva que sinto dele. — E isso serve para você também! — ele diz, apontando para
Alya.
— Mas, eu estou bem. — Ela abaixa a cabeça e seu contentamento me faz franzir o
cenho.
— Agora, mas precisam entender que para manter o ritmo, precisam cuidar do corpo. O
que estão fazendo é maluquice, porra! — Sua voz se torna alta e, agora, ele está gritando.
Cada letra que forma as palavras que ele diz me fazem ficar ainda mais estressada e esse
sentimento se mistura à dor, tornando a sensação horrível.
— Eu não vou parar!
— Então, tente se levantar, Íris! Tente fazer qualquer coisa sem cair e chorar de dor! —
ele esbraveja e em seguida, se abaixa na minha direção. — Você irá ao médico e eu vou te levar.
Sua voz soa mais baixo, seus olhos estão grudados nos meus e eu descubro que, com
certeza, prefiro quando ele está gritando.
Ele está tão próximo que poderia me aproveitar desse momento para acertar-lhe um tapa,
que amenizaria a raiva que sinto por ele e toda a dor que faz meu joelho latejar.
— Quanto mais rápido for, mais rápida será a recuperação. Apenas deve deixar a dor
ceder, irão mover seu joelho no exame e será muito doloroso.
— Sou resistente à dor, faço o exame amanhã mesmo.
— Ser resistente à dor e completamente maluca são coisas diferentes. — ele rebate, me
fazendo rolar os olhos para não me render à loucura em minha mente.
— Você é babaca até mesmo quando está trabalhando?
Ele não irá acabar com o fio que restou de sanidade.
— Não estou trabalhando, você está arruinando a minha folga. — ele rebate, apertando o
gelo em meu joelho.
— Então, pode ir embora! Eu vou amanhã. Não posso perder tempo. — Órion bufa. —
Eu aguento.
— Deve ficar aqui para ter apoio. — Lya diz, se abaixando ao meu lado. — Cuidaremos
de você e amanhã a levaremos ao hospital.
— Sarah vai me matar. — choramingo e Órion ri.
— Ah, vai mesmo! — ele diz, se levantando. — Mas ela está de férias e pediu para que
eu ficasse em sua ausência caso uma de suas estrelinhas mimadas decidisse fazer merda.
Ele reclama, me fazendo franzir as sobrancelhas, com raiva.
— E estava nos espionando? — pergunto, confusa. — Por que está aqui?
— Porque essa é a porra da minha casa! — ele vocifera, enquanto sobe as escadas em
passos pesados.
Meus olhos encontram Alya, que está com uma expressão constrangida, misturada a
preocupação. Minha melhor amiga se senta no chão e posiciona a compressa de gelo com
cuidado, no lugar exato onde dói mais.
— Como assim? — pergunto e ela encolhe os ombros, sem olhar para mim.
— Órion é meu irmão.
Não há nada que você possa fazer
Para amortecer meu humor
Não há nada que você possa dizer
Eu não vou gostar de você
Greek God — Conan Gray

Minha cabeça lateja no momento em que o despertador toca, e quando eu encaro o teto,
sinto uma imensa vontade de sumir ao me lembrar do motivo de estar na minha antiga cama, na
casa dos meus pais.
Apesar disso, Bella salta na cama e lambe meu rosto para terminar de me acordar. Tê-la
aqui é uma das poucas coisas que ainda me deixa confortável nessa maldita casa, buscá-la no
apartamento foi um ato de desespero.
Não me lembrava quando tinha sido a última vez em que dormi nesse quarto.
Desde que consegui alugar meu apartamento na Brickell, só venho aqui em casos
extremos, como quando Lya pega pesado nos treinos e sente dores demais. Nunca por querer ou
por saudade. Os momentos em que vejo minha irmã no ginásio me deixam confortável.
Não sinto saudades dessa fortaleza falsa. Por fora, uma beleza indescritível, por dentro,
sequer parecemos uma família. Vincent sequer se lembra que tem filhos, minha mãe foi para
longe para não ter que lidar com ele sendo um grande otário. Noelle sofreu demais, ter saído de
casa foi a melhor decisão que tomou.
A única família que tenho é Lya. Trocamos mensagens todos os dias pela manhã e estou
sempre me certificando de que ela está bem.
E, ainda assim, não sou tão presente como antes, o que me faz pensar que, talvez, eu seja
ainda mais parecido com Vincent. Tão ausente quanto ele.
Não me lembro da última vez em que vi minha mãe ou consegui levar minha irmã em seu
restaurante italiano favorito. Às vezes isso me faz entender os motivos de Lya querer manter
segredo sobre nós. Ela utiliza de seu tempo fora de casa para fingir ter uma vida normal, sem
precisar explicar o porquê da minha adolescência conturbada e se isso conseguiu deixá-la
depressiva ou ainda mais esforçada em fugir da sua realidade.
Ela não precisa explicar porque não vemos nossa mãe há meses e nosso pai está sempre
fora de casa.
Meus planos eram outros, obviamente. Meu único objetivo aqui era buscar alguns artigos
antigos e voltar para meu apartamento.
Maldita hora em que eu ouvi meus instintos e decidi ficar. O treino de Íris e Alya não me
incomodou, elas fazem muito menos barulho do que as crianças no ginásio, mas vê-las saltando
irresponsavelmente no gramado fez com que eu me sentasse na minha antiga escrivaninha para
ler os papéis.
Quando Lya me contou que havia convidado Íris para uma “tarde das garotas” eu
desconfiei que o título certo deveria ser “tarde das ginastas teimosas que estão ansiosas para
sofrerem uma lesão”.
Desde a primeira vez que vi Íris, soube que a detestaria. Ela é o tipo de pessoa que força
um sorriso para tentar esconder sua vaidade e tenta fazer com que as pessoas enxerguem o copo
sempre meio cheio. Seu otimismo é tão exagerado que parece mentiroso, como quando ela tenta
forçar algo bom quando tudo parece estar desmoronando.
E certamente é assim com seu condicionamento físico, pois parece estar sentindo dores
além da lesão.
Ao mesmo tempo que enxergo uma imensa falsidade em suas risadas, sei que isso parece
funcionar para ela. Quando trocamos palavras pela primeira vez, eu tive certeza de tudo o que
sentia e, bom, eu a detesto.
Ela consegue me fazer lembrar de Apolo, irmão da minha melhor amiga e um grande
babaca. Apolo é a personificação do que chamo de “forçação de barra”. Está sempre com um
sorriso enjoativo no rosto, exibindo suas boas maneiras e lançando olhares sarcásticos para mim
e Victoria.
Ele nunca me enganou, sempre soube que, no fundo, ele apenas queria mostrar
superioridade.
Apolo tentava mostrar excelência até na hora de amarrar os sapatos, para ganhar elogios
dos seus pais. Além de estar sempre repetindo o quão satisfatório é seguir o caminho dos pais,
manter boas notas e fazer crescer ainda mais seu sobrenome.
Foda-se a porra do meu sobrenome, por mim eu nem mesmo o teria na certidão.
Por sorte, Victoria pensava o mesmo que eu, já que minha madrinha é tão rude como meu
pai.
Ao contrário do que pensavam, felizmente me consolidei na fisioterapia. Sarah nunca
confiou suas atletas a ninguém, e dessa vez, decidiu confiar em mim. E foi nesse momento que
duas das suas maiores estrelas decidiram fazer uma grande merda no quintal da minha casa.
Assim como todas elas, Íris está tentando agarrar seus sonhos com braços, pernas e alma,
e seu otimismo inabalável se tornou desespero.
E seu desespero caiu em meus ombros.
Merda.
Me levanto rapidamente e me arrasto até o banheiro, sentindo que vou desistir a qualquer
momento, para voltar para a cama. Depois, arrumo minhas coisas e deixo o quarto, com Bella
correndo entre minhas pernas. No andar de baixo, as duas já tagarelam e eu sinto minha cabeça
doer ainda mais.
— Bom dia. — Lya diz quando me vê.
Íris está no sofá com o joelho apoiado em uma almofada. Ela ergue o queixo e seu olhar
encontra o meu rapidamente, já que mesmo estando nitidamente apavorada, ela se recusa a me
encarar por muito tempo. Isso facilita muita coisa, seu semblante prepotente me tira do sério.
— Podemos ir?
— Bom dia, Sparks. — Sua voz é extremamente irritante e eu quase reviro os olhos. —
Bom dia, princesa! — ela cantarola para Bella, que se ergue no sofá e lambe seu rosto.
Desde que cheguei com Bella no fim da tarde, Íris se divertiu na presença dela, mesmo
sentada no sofá, quase imóvel, ela torna sua voz ainda mais irritante quando força para chamar a
atenção da minha cadela. É óbvio que a traidora adorou a atenção e dá saltinhos na direção da
loira e pede carinho quando a vê.
— Avisou aos seus pais? — Ela assente e se esforça para levantar, antes que eu me
aproxime para carregá-la.
Cruzo os braços, entediado, assistindo seu esforço desnecessário.
— Você vai se machucar ainda mais. — falo, me aproximando. — Não consegue
esperar?
— Não consegue ser minimamente educado? — Seus olhos escuros me encaram
fixamente.
Abusada.
Me abaixo e a levanto com cuidado, acomodando-a em meu colo. Seu perfume é doce,
extremamente enjoativo e eu me controlo para não reclamar.
Lya pega todas as bolsas e abre caminho para que eu a coloque no banco traseiro de sua
BMW.
— E o meu carro? — Íris pergunta, se acomodando.
— Depois levo para você, isso não importa agora. — respondo rapidamente e fecho a
porta, impedindo que ela continue falando. — Encontro vocês lá.
Aviso a Lya, indo em direção à minha moto. Se eu passar mais um minuto ouvindo Íris
sendo uma chata, eu vou infartar.
Espero minha irmã dar partida no carro e a sigo pelas ruas de Miami. O dia está
irritantemente quente, como de costume, mas tento manter a calma, já que, infelizmente estou
trabalhando. Passei a madrugada conversando com Sarah, que estava desesperada para saber o
estado de Íris, mas não queria acabar com a diversão do filho.
Pensar no pequeno Chris se divertindo me fez prometer a Sarah que cuidaria de Íris e que
a atualizaria a todo momento. Em um momento da madrugada, fui até o quarto de Lya para me
certificar de que elas estavam bem, e, antes mesmo de entrar, pude ouvir Íris chorando enquanto
falava ao telefone. Provavelmente, com Sarah, que é uma pessoa extremamente grosseira quando
deseja. Às vezes, consegue ser pior do que eu. E Lya considera isso quase impossível.
Cumpro com a minha promessa e estaciono ao lado do carro de Lya e abro a porta
traseira.
— Eu consigo andar. Posso apenas me apoiar em você? — ela pergunta quando
menciono carregá-la novamente. É óbvio que ela quer fazer o mais difícil, então assinto e a ajudo
a sair.
Seguro na cintura de Íris e ela agarra em meu braço, forçando-o até conseguir ficar em
pé. Assisto suas caretas quando ela tenta tocar o chão. Seu joelho está inchado e eu tenho plena
certeza de que a dor está insuportável. Os primeiros dias pós lesão nos ligamentos são, com
certeza, os piores.
— Íris! — Uma mulher, idêntica a ela, se aproxima, acompanhada de um homem. —
Minha filha, o que aconteceu?
— Bom dia, Órion! Muito obrigado pela ajuda que está dando. — O homem diz e estende
a mão para que eu a aperte. Retribuo o gesto. — É um prazer, Arnold.
— Sou Olivia. — A mulher que ainda acaricia o rosto de Íris complementa. — Oi,
querida. — ela diz para minha irmã e dá um beijo em sua testa.
— Não precisa agradecer, estou apenas fazendo meu trabalho. — respondo e aperto Íris
ainda mais, tentando mantê-la de pé. — É melhor entrarmos logo, Íris precisa se sentar.
— Falamos com o Dr. Wilkins antes de chegarem. Estamos aqui há um tempo. Íris nos
deixou nervosos.
— Ah, ela me deixou nervoso também. — respondo, tentando esconder a irritação em
minha voz. — Bastante.
Íris aproveita a mão em meu braço e finca as unhas curtas em minha pele, me fazendo
revirar os olhos.
Ajudo a loira a se sentar na cadeira de rodas oferecida por uma enfermeira e a empurro
pelos corredores extremamente brancos do Hospital Central de Miami. Íris olha para todos os
cantos do hospital, seus dedos enlaçam um nos outros freneticamente. Ela consegue mexer a
perna boa com rapidez. A garota está tão nervosa que sinto que consigo absorver tal sentimento
e, por um momento, sinto medo de ser algo mais sério.
— Então, você é a Senhorita Coleman?
O médico aparece antes mesmo de entrarmos na sala. Íris encolhe os ombros e assente.
— Vocês são os pais e você… — ele estende a mão para mim.
— Órion Sparks, fisioterapeuta da RGA. — respondo, apertando sua mão. Ele sorri e
aponta para a sala.
— E então, como isso aconteceu? — ele pergunta, enquanto ajudo Íris a subir na maca.
Seus pais se sentam nas cadeiras disponíveis, Lya permanece na porta, tão nervosa quanto a
amiga.
Paro ao lado da cama e cruzo os braços, revezando o olhar entre o médico e as reações
assustadas de Íris.
— Fiz um movimento costumeiro, estava sustentando meu corpo na vertical, em meus
dois braços. Na hora de retornar, meu pulso falhou e não consegui sustentar meu joelho e acho
que torceu. — Íris tenta dizer sem chorar. Sua voz está trêmula e ela continua movimentando os
dedos.
— Sente dores nos pulsos? — ela nega. — Você estava sentindo dores no joelho antes da
lesão? — ele pergunta, tocando o joelho lesionado de Íris. Ela ergue o olhar para mim e eu noto
que é a primeira vez que ela não me encara com raiva, e sim, com medo.
Por Deus, o que posso fazer?
Reviro os olhos, internamente, mas aceno com a cabeça, para que ela saiba que deve falar
a verdade.
— Apenas fraqueza, mas treino constantemente, acreditei que seria apenas cansaço.
— Os exames são recomendados depois que o inchaço diminui, teremos que mexer em
sua perna, a dor será extrema.
— Doutor, — ela diz, tocando a mão do médico — as Olimpíadas acontecerão em seis
meses, não posso perder um minuto sequer. Se a dor for o único motivo que me impede de fazer
esse exame, não me importo, eu aguento.
A fala de Íris me deixa ainda mais preocupado. O medo de sua lesão ser pior do que
pensei me assusta, já que não consigo mensurar o tamanho de sua reação. Não dou a mínima
para o que vai acontecer se for algo pior, mas será como a queda de uma bomba na RGA e com
certeza, vai cair no meu colo.
— Tem certeza, Srta. Coleman? — Ela assente. — Certo, faremos alguns testes e depois,
a ressonância.
Olho-a de novo. A pele branca de Íris está vermelha, os olhos castanhos estão opacos,
mas brilhantes de lágrimas. Dr. Wilkins a posiciona na cama e começa a analisar sua perna
esquerda, erguendo e dobrando o joelho, encarando Íris para saber suas reações.
Por outro lado, Íris está imóvel, sequer consigo saber se ela está respirando normalmente.
Os olhos estão fechados e os lábios pressionados.
— Tudo bem por aqui. — ele diz e se prepara para tocar a perna direita de Íris, que arfa,
antes mesmo dos dedos do médico se aproximarem de sua perna.
Ela abre os olhos e eles encontram meu rosto. Suas sobrancelhas se encolhem quando o
médico ergue seu joelho, lentamente. Íris pressiona os olhos e morde o lábio inferior, ao mesmo
tempo que uma lágrima escorre pelo seu rosto.
Sinto que vou explodir em agonia.
— Está mesmo solto. — Quando move de um lado para o outro, Íris aperta o lençol da
maca com força. De longe, consigo ver o tremor do seu corpo. — Respira.
Íris abre os olhos. As pupilas dilatadas estão embaçadas por lágrimas que escapam
rapidamente. Ela respira fundo, com o olhar fixo no teto, e solta o ar lentamente.
— Vamos descer, certo? — ela assente. — Você consegue.
Dr. Wilkins desce a perna de Íris lentamente e, de longe, consigo ver que sua perna cai
para frente, amolecida. Íris arqueia as costas à medida que seu joelho volta a tocar a maca, mas
não faz um barulho sequer, a garota sofre em silêncio.
Há uma marca de dentes em seus lábios, já que ela se esforçou ao máximo para não
deixar que nenhum som escapasse.
— Acredito mesmo que seja uma lesão no ligamento cruzado anterior. — Ele retorna a
sua postura e leva o olhar para nós.
— O que é isso, doutor? — Olivia pergunta. Sequer consigo prestar a atenção, já que não
consigo tirar o olhar de Íris, que tenta recuperar a respiração.
Seu peito sobe e desce, e aos poucos, as mãos libertam o estofado da maca. A
vermelhidão em sua pele está ainda mais nítida e o rosto encharcado de lágrimas.
E ela não diz uma única palavra em reclamação.
— O ligamento cruzado anterior é um dos estabilizadores do joelho. É como uma corda,
localizada no centro do joelho que vai do fêmur até a tíbia. Se for rompido, passa a sensação do
joelho frouxo, ele não se mantém firme mais. — Íris prende a respiração, novamente. — É uma
lesão extremamente comum entre atletas.
— Quanto tempo de recuperação, doutor? — Íris pergunta, ainda ofegante.
— Faremos a ressonância para descobrir a gravidade desse rompimento, Senhorita
Coleman. — ele a explica. Ela solta o ar e balança a cabeça, positivamente. — Iremos descobrir
se irá precisar de cirurgia ou não. O certo é que vai precisar de muitas consultas por aqui e
fisioterapia. — ele leva o olhar para mim. — Terá trabalho, Sr. Sparks.
Meu subconsciente gargalha alto. Tão alto que sinto um eco dentro da minha cabeça.
Íris leva o olhar para mim e, mais uma vez, enxergo algo totalmente diferente do
costume. O ódio que sente de mim foi substituído por desespero e tudo o que vejo é um pedido
de socorro estampado em suas orbes castanhas.
A risada em meu subconsciente cessa e ele atende ao seu pedido sem a minha permissão.
— Vamos levá-la para fazer o exame, certo?
— Posso acompanhar? — Olivia pergunta e Dr. Wilkins assente.
Não demora para que os enfermeiros a coloquem na cadeira de rodas e a tirem da sala.
Quando o silêncio retorna, Lya corre até mim e agarra minha cintura.
— Desculpe por ser tão teimosa. — ela sussurra e eu beijo o topo da sua cabeça.
— Tudo ficará bem, prometo. — sussurro de volta.
— Onde está Neil? — Lya pergunta.
— Está em Orlando, foi buscar materiais para a academia. Logo, estará aqui.
Ergo o olhar. Do outro lado da sala, o pai de Íris balança as pernas, nervoso e mexe os
dedos freneticamente, como Íris estava fazendo há minutos. Vejo de onde ela herdou o
nervosismo.
Me afasto da minha irmã e me sento ao seu lado.
— Tudo ficará bem. — repito para ele.
— Obrigado por ter cuidado dela essa noite.
— Não precisa agradecer, vamos manter o tratamento e logo ela estará treinando
normalmente. Não é uma lesão grave se cuidarmos direito.
Se Íris não for uma chata, se ela não continuar teimando comigo, se ela manter aqueles
olhos castanhos mandões distantes de mim. Se manter a porra da boca fechada.
Passam-se longos minutos e nós permanecemos no mesmo lugar, no mesmo silêncio.
Minha mente se divide em planos para sumir de Miami e planos de tratamentos e exercícios para
Íris. Faço o máximo de esforço para me agarrar ao Órion profissional e deixar de lado o Órion
infantil e impaciente que está implorando para ir embora.
Me levanto quando ouço vozes vindas do corredor. Íris está com os olhos ainda mais
vermelhos e Olivia está nitidamente apreensiva.
— Bom, vamos lá… O rompimento foi completo, então, vai precisar da cirurgia. — Íris
esconde o rosto nas mãos.
Me dou conta de que é a primeira vez que a vejo demonstrando fraqueza. Ela desaba, o
choro não é pela dor, é pelo pavor e, certamente, pela culpa.
— Não é o fim do mundo, Senhorita Coleman. Vou te explicar os procedimentos. — Ela
assente e volta a olhar para o Dr. Wilkins. — A inflamação deve ceder para que você entre no
centro cirúrgico. O inchaço deve diminuir ou sumir por completo, não podemos operá-la dessa
forma. Só podemos fazer quando você conseguir esticar sua perna sem sentir tanta dor. — ele diz
e ela o encara, atentamente. — Você fará alguns exercícios com seu fisioterapeuta e voltará para
realizarmos o exame novamente, e assim, faremos a cirurgia.
— Vai dar tempo, doutor?
— Íris, é normal que um atleta demore seis meses ou mais para voltar, mas isso varia
muito. Já vi casos de ser mais rápido. Tudo vai depender de você. Você deve se esforçar, mas
respeitando os limites de seu corpo.
Íris volta a chorar, me fazendo desviar o olhar dela, na tentativa de me desprender de
qualquer sentimento de pena que possa sentir. Ela continua soluçando e parece que meus ouvidos
dão total atenção a isso, já que as vozes de seus pais e do médico se tornam apenas ruídos e
apenas seu choro é nítido.
O som é infernal.
Me ajoelho na sua frente e ela arregala os olhos, fixando as orbes douradas em mim.
— Pare de chorar e preste atenção no que vou dizer. — Ela engole o choro e seus olhos
parecem mais vívidos. — É uma lesão normal entre atletas. O que você faz é considerado surreal,
Íris, voltar de uma lesão não. É comum e se você fizer tudo certo, isso vai acabar rápido.
Íris respira fundo e seca o rosto com o dorso da mão.
Não consigo enxergar uma gota de ódio ou repulsa em seus olhos. Pelo contrário, Íris
parece se agarrar em fios finos de esperança enquanto me olha, e por mais que tudo pareça
extremamente errado, não consigo desviar os olhos dos seus.
— Você me ajuda? — ela diz, quase como um sussurro, como se estivesse se
repreendendo por fazer tal pedido.
Analiso seu rosto com lentidão, preparando uma resposta que me ajude a fugir. Algo que
a convença de que Sarah logo estará de volta, ou que existem outros profissionais para isso.
— Ajudo. — respondo de imediato, desejando correr dali no exato momento que me dou
conta do que disse. — Você vai voltar aos treinos rápido e de forma saudável. Saudável,
Coleman! — Me levanto e ela bufa, voltando ao seu estado normal. — O que significa que você
não será irresponsável novamente. Não quando eu estiver cuidando da sua recuperação.
— Por Deus, você não consegue não ser insuportável em nenhum momento? — ela
esbraveja, secando o rosto.
— E por acaso eu falei alguma mentira?
Voltamos à estaca zero.
— Você é detestável. — ela rebate.
— Você não fica muito longe disso.
— Vocês conseguem se entender para fazer isso dar certo? — Dr. Wilkins se pronuncia.
— Sim. — respondemos em uníssono. Mesmo na cadeira de rodas, Íris tenta fazer birra e
cruza os braços, indicando sua raiva.
— Como eu disse, a inflamação deve diminuir. O que significa que ela não deve fazer
nenhum tipo de esforço e que os exercícios devem ser inseridos com extrema calma, apenas para
não deixar que ela perca o costume de movimentar a perna. Recomendo o uso do TENS[2].
— Ela deve ficar conosco. — Lya diz, me fazendo arregalar os olhos.
Eu estou, com certeza, pagando os meus pecados.
— Nós moramos longe… — Olivia diz. — E Íris não deve ficar sozinha.
— A Íris está aqui! — Ela ergue a mão. — Por que ninguém pergunta o que eu quero?
— O que você quer? — pergunto.
— Ficar em meu apartamento.
— É por isso que ninguém perguntou. Suas decisões geram desastres.
— Babaca. — ela resmunga. — Eu posso ficar lá e ter as sessões lá, não farei nenhum
esforço.
— Não confio em você. — digo e ela arregala os olhos. — Você disse a Neil que não iria
treinar e treinou.
— Não sou nenhuma criança.
— Está agindo como uma. — rebato. — Ela pode ficar conosco, irei garantir que ela
ficará em repouso absoluto.
Sarah e Neil iam me comer vivo se descobrissem que deixei Íris fazer o que quer.
— Jura, Órion? Não irá incomodá-lo? — Olivia pergunta e eu dou um pequeno sorriso
incontrolável.
Céus, irá incomodar ao extremo.
— E seus pais, o que acharão disso? — ela continua perguntando e eu sinto que vou
gargalhar, mas me contenho. Meus pais sequer saberão.
— Fique tranquila quanto a isso, Sra. Coleman. Não irá incomodar.
Eu preciso fumar.
Ultimamente seu rosto parece estar lentamente afundando, se desgastando
Desmanchando como bolos
E eles gritam
As piores coisas da vida vêm de graça para nós
The A Team — Ed Sheeran

Encaro o teto do quarto de Alya, secando a única lágrima que permito escorrer. Meus
olhos já não aguentam mais todo aquele choro e isso é, de longe, uma das coisas que mais
detesto.
O choro nunca foi parte de mim, sempre tentei lidar com os problemas com um sorriso no
rosto e paciência, mas agora, meus pulmões não suportam os soluços e todo o resto do meu
corpo implora por descanso.
Muitos sentimentos vieram à tona em pouquíssimo tempo.
Dormir tornou-se uma missão extremamente difícil, o que também é uma novidade, já
que eu sempre tive facilidade para pegar no sono, principalmente depois de treinos intensos.
Agora, todas as vezes em que fecho os olhos, lembro do rosto do Dr. Wilkins me dizendo que o
tempo comum de recuperação é de seis meses ou mais…
Já faz dois dias desde que todos concordaram que eu devia ficar na casa da Lya para me
recuperar, tendo Órion por perto para me auxiliar.
Neil prometeu nos visitar a cada dois dias, fez Lya jurar que não ia treinar até segunda
ordem, mantendo seu descanso para que não aconteça o mesmo. As meninas da equipe também
me visitaram e Sarah liga toda hora, brigando comigo a cada minuto das ligações.
As dores são constantes, mas estão cada dia mais leves, e agora consigo me levantar com
ajuda de muletas, e não preciso que Órion fique me carregando por todo lado.
A dor ameniza, mas a culpa parece pesar meu corpo a cada minuto que passa.
Quase nunca estou sozinha, e eu prefiro assim, já que percebi que a hora que mais odeio é
quando fico sozinha no banheiro, com aquele espelho me encarando. Me ver tem sido frustrante,
quase vergonhoso. Minha obsessão pelos Jogos me tornou irresponsável.
E como se não bastasse o meu subconsciente me culpando todos os dias, também sou
obrigada a aturar Órion fazendo o mesmo. Ele faz questão de lembrar que peguei pesado demais
todas as vezes que põe a mão no meu joelho para examiná-lo. Órion é um profissional incrível e
isso é inegável, podia jurar que tinha enxergado uma ponta de paciência em seu olhar, no
momento em que pedi para ele me ajudar.
Não sabia que me arrependeria com tanta rapidez. Ele é bom no que faz, mas é
insuportável na mesma medida. Não me lembro de ter visto esse homem sorrir alguma vez,
principalmente depois que decidi fingir que ele não existe. Nossa discussão fez com que eu
sequer o olhasse.
Claro que já havia reparado em como ele age com as crianças no ginásio. Órion vira outra
pessoa quando uma criança surge em sua frente. Elas somem e ele volta a ser intragável.
Sei que devo ficar uma semana aqui para que a inflamação passe com rapidez, já que
preciso fazer essa cirurgia com urgência. Tenho plena consciência que o papel de Órion está
sendo importantíssimo para que isso aconteça, mas se eu tiver que continuar a aturar seu mau
humor diário, eu vou explodir.
— Bom dia. — Alya vira para mim e resmunga. Estou dividindo essa cama enorme com
Lya, e talvez a presença da minha melhor amiga ali tenha ajudado a não ser tão ruim.
— Bom dia… — respondo.
Lya se apoia no cotovelo e coça os olhos. Seus olhos claros analisam meu rosto e logo ela
faz um bico. Sei que ela percebeu o que estava acontecendo quando seu polegar toca meu rosto e
ela acaricia minha pele, abaixo dos meus cílios inferiores.
— Estava chorando? — Nego, mas ela ergue as sobrancelhas, desacreditada. — Sei que
estava. Já te falei um milhão de vezes e vou falar mais um milhão se for necessário, certo? —
Assinto. — Você vai conseguir se recuperar e nós vamos disputar os jogos, prometo.
Encaro Alya com cuidado. Ela não se aprofundou nas suas questões pessoais, o que faz
eu me perguntar como ela conseguiu esconder o fato de ser irmã de Órion com tanta facilidade,
assim como ela esconde a mágoa que sente de seu pai e nunca demonstra isso para o mundo.
Me faz lembrar como eu também conseguia esconder minhas inseguranças; Escondi
todas as vezes em que Sarah me pressionava, deixando claro que se eu não ganhasse a medalha
dos jogos, seria um grande fracasso. Escondi todas as vezes em que Neil não me deixou respirar,
e todas as vezes em que ignorei as dores em meu corpo para alcançar a perfeição.
Escondi a raiva que senti de Anthony, meu ex-namorado, quando ele tentava tirar a
minha atenção dos treinos apenas para roubar todos os elogios dos treinadores para si. Além de
espalhar pela universidade que tudo o que eu fazia na RGA era me exibir para a equipe
masculina. Era constrangedor e eu quase vomitei diversas vezes.
Certamente isso não chega perto do que Alya sente, mas, ainda assim, tento descobrir
quando viramos especialistas em disfarçar dores.
— Posso te perguntar uma coisa? — Ela balança a cabeça positivamente e eu me esforço
para me sentar na cama. — Por que você não me contou que Órion é seu irmão?
Lya dá um longo suspiro, pesado e demorado, com os olhos fechados. Penso que, talvez,
não tenha sido apropriado, mas ela se senta ao meu lado, encolhe os joelhos e me olha.
— Vivemos uma vida complicada. Minha mãe é pediatra e meu pai é cardiologista, meus
avós também eram médicos… A clínica que Vincent trabalha começou com eles e com os
padrinhos do meu irmão.
— E sua mãe? Ela trabalha lá também? — Ela nega com a cabeça.
— Mamãe está em Gainesville, ela trabalha em um hospital infantil, é voluntária. — Um
pequeno sorriso surge em seus lábios, porém é quase invisível.
— Nossa, que incrível.
— Ela é, Órion herdou isso dela.
Seria impossível de acreditar se eu não tivesse visto como ele trata suas crianças.
— Enfim… Papai se dedicou ao máximo à medicina e depois que a mamãe engravidou
de Órion, ela decidiu que pararia de trabalhar para cuidar dele… Ele não ficou muito feliz e
raramente voltava pra casa.
Prendi a respiração quando a voz de Lya começou a tremer.
— Você já deve imaginar o que acontecia… Mas, ainda assim, eles mantinham uma vida
e dois anos depois. — Ela aponta para si mesma. — Além disso, ele era agressivo conosco, mas
não gosto de me lembrar dessa parte. Órion tentava me proteger, mas uma hora ele não suportou
mais. Sempre foi pior com o meu irmão.
— E você conseguiu esconder tudo isso…
— Bom, com certeza é uma especialidade dos Sparks. Fingir que tudo está bem… Meu
pai finge que tem filhos perfeitos e que tem autoridade sobre nós, minha mãe finge ter um
marido fiel. Órion e eu fingimos não ter família…. — Alya coça os olhos. — Meu irmão já era
recluso o suficiente, mas apesar disso, nós sempre fomos unidos. Só que, do lado de fora, sempre
fingimos ser outras pessoas, já era difícil demais aqui dentro.
Agora consigo entender a raiva que Órion sentiu quando mencionei seu pai em nossa
discussão, deixando-o muito irritado. Antes disso, os boatos já existiam e eu reparava que ele
lidava com silêncio, mas estava sempre desconfortável e irritado.
— Resumindo, Órion se revoltou com toda essa história e o tornou uma pessoa muito
difícil. E eu só queria poder apagar tudo isso e viver normalmente, até mesmo meu sobrenome eu
escondo. Parsons é o sobrenome da minha mãe, não uso o sobrenome do meu pai, sempre me
inscrevi nas competições apenas como Alya Parsons, e Neil respeitou isso. É óbvio que não
precisava esconder que Órion é meu irmão, ele é a minha família, a pessoa que mais amo nesse
universo… Mas, é difícil explicar, eu não queria ter que passar a minha vida inteira justificando
os motivos do meu irmão não ter seguido o padrão da família, por todas as tatuagens, pelo
cigarro, pela revolta… Eu só queria ser…
— Ser você. — Completo e ela assente. Faço um esforço para me virar em sua direção e
toco seu rosto.
Percebo como eles são parecidos. Os olhos possuem a mesma tonalidade, o mesmo
formato e, naquele momento, o mesmo vazio. A boca é parecida, a pele possui o mesmo tom.
Tão parecidos e tão diferentes simultaneamente.
Como eu nunca percebi?
— Desculpe por ter perguntado, só queria entender você. — Falo e ela dá um pequeno
sorriso. — Eu entendo e se você quiser continuar em segredo, eu concordo. Só quero que saiba
que estou do seu lado para sempre. Seja você e tudo ficará bem, ok?
— Obrigada, Íris.
— Não agradeça, só não esqueça que eu disse que não ia deixar você se perder dentro de
si mesma.
— E quando você vai se encontrar aí dentro? — Recuo um passo.
Merda.
— Sei que está se culpando, Íris… Se martirizando desde quando voltamos do hospital. E
você chora desde então, mesmo que as dores estejam diminuindo. Eu sei que está apavorada, mas
precisa ser forte.
— Eu estou fazendo o meu melhor, eu juro. — Choramingo e ela sorri.
— Eu sei, amiga…
— Íris, hora do seu remédio. — Órion abre a porta sem ao menos bater.
— Bom dia. — falo e ele revira os olhos. — Você não sabe bater na porta?
— Bom dia, Coleman. — Órion força simpatia e cruza os braços tatuados. — Está na
hora do seu remédio e você precisa comer.
— Eu sei, Sparks. Já estou indo.
Ele fecha a porta e eu me acomodo nos travesseiros, empurrando-me neles, na tentativa
falha de sumir.
— Ele é insuportável. — resmungo e Lya ri, se levantando para pegar minhas muletas.
— Eu sei disso…
Depois de me levantar com ajuda da Lya, me troco e faço o mínimo da minha higiene.
Acostumei rapidamente com as muletas, então só precisei de ajuda nas primeiras vezes e eu juro
que vi um sorriso orgulhoso bem no cantinho dos lábios de Órion quando caminhei sozinha com
elas.
Atravessamos o imenso corredor e com a ajuda de Lya, desço as escadas lentamente,
enquanto Órion mexe nos remédios e arruma as almofadas no sofá para que eu me sente. Não
demora para que Bella surja ao meu lado, pedindo carinho.
A única coisa boa de Órion é sua cadela, a coisa mais linda que já vi. Bella tem o pelo
completamente preto, os olhos escuros e está sempre com a língua de fora, num aspecto
brincalhão que me deixa encantada.
Totalmente o contrário do dono.
— Aqui. — Ele entrega uma bandeja com cereais e frutas.
— Sabe que não precisa ficar me servindo, não é?
— Eu não estou te servindo por querer, acredite. Você não quer se recuperar? — Assinto.
— Então, fará o mínimo esforço e irá se dedicar nos exercícios, até que…
— A inflamação ceda, eu sei… — Falo e ele revira os olhos.
— Então, pare de reclamar e coma.
— Não estou reclamando, só disse que não precisa me servir.
— Por Deus, Íris, coma. — ele diz, sumindo pelo corredor.
Órion é estranhamente caprichoso. Ele arruma a bandeja com cuidado, sem misturar as
frutas e colocando em potes com tamanhos exageradamente proporcionais, não sobra um
pequeno espaço sequer. Os talheres estão sempre alinhados e todos os cantos dos recipientes
estão sempre limpos.
Há dois dias que meu café da manhã tem sido frutas, cereais, biscoitinhos e uma caneca
de café quente com pouco açúcar. Eu sempre exagerei na quantidade de açúcar no café e
curiosamente, eu descobri que gosto do café que Órion prepara.
Não dá para ser 100% insuportável, não é?
Logo, ele volta com uma bolsa de gelo e eu torço o nariz. Definitivamente, essa é a parte
que eu mais odeio, depois dos comprimidos.
— Sem reclamações. — ele diz, tocando meu joelho. — Ainda dói muito? Uma nota?
— De zero a dez? — Órion assente. — Sete.
— Bom, só tem dois dias… — Órion diz e se ajoelha na frente do sofá, se aproximando
da minha perna. Ele massageia meu joelho com cuidado e me encara, tentando descobrir o nível
da dor que sinto.
Torço o nariz e aperto a bandeja quando ele toca o lado direito. Talvez tenha subido para
oito, mas ele massageia mais uma vez e alivia minimamente.
Ele continua me encarando e eu reparo em como seus olhos são azuis. Profundamente
azuis, em um brilho que os deixa praticamente transparentes, cristalinos como o mar da Praia de
Miami. Órion é incrivelmente bonito e isso é um dos fatos que me deixa extremamente irritada,
já que é muito difícil não reparar em seus detalhes nos momentos em que ele me encara dessa
forma.
— Certo. Tome seus remédios e logo começamos os exercícios.
— Vou poder treinar antes da cirurgia?
Órion força uma risada. O som é incrivelmente bom e eu fico curiosa para saber se sua
risada verdadeira é tão gostosa quanto a que ele força para me irritar.
— Você enlouqueceu e está tentando me enlouquecer também. — Órion se afasta,
tirando o maço de cigarros do bolso. Reviro os olhos. Ele percebe e acende o cigarro antes de
atravessar a porta que separa a sala da varanda.
Ele sabe como o cheiro me incomoda, e sei que cada ato seu, nesse momento, tem uma
única intenção: me irritar.
— Você devia parar de fumar.
— Você devia parar de ser uma chata intrometida.
E eu não te suporto
Parece que tudo que você faz me faz querer sorrir
Será que eu consigo não gostar de você por um momento?
Hate That I Love You — Rihanna (feat. Ne-Yo)

Reviro o corpo na cama pela terceira vez, ainda indignado pelo fato de estar encarando o
teto manchado pela ausência dos meus adesivos, e não a vista da cidade de Miami. Sei que não
sou um grande fã do calor que faz na cidade, mas a vista é incomparável. Além do silêncio do
meu apartamento e o privilégio da minha própria companhia.
A realidade me deixa irritado, já que ainda consigo contar o estrago feito pelos antigos
adesivos de estrelas que enfeitavam o teto do meu quarto. Lembro do dia em que me pendurei
em uma escada para arrancá-las. Meu único arrependimento é não ter feito Vincent engolir uma a
uma.
A astronomia sempre esteve presente na minha vida, por pura influência dos meus pais,
que diziam que se apaixonaram pelas estrelas que os assistiam. Eu acreditava nessa merda toda
até descobrir que Vincent é um babaca. É óbvio que minha mãe cultivou o amor pela astronomia
em mim e Lya e sempre nos contava histórias sobre o nascimento de estrelas, galáxias e tantos
outros elementos celestes que me deixavam fascinado.
Mas lembrar do dia em que Vincent colou as malditas estrelas que brilhavam no teto do
meu quarto me causou incômodo até o dia em que eu decidi arrancá-las. Não fez diferença, já
que a raiva era tanta que arranquei a tinta do teto e as marcas das estrelas ainda estão lá.
As estrelas me lembram do caos em nosso universo, e por mais que eu ame cada detalhe
do que minha mãe me ensinou, sinto ânsia ao me dar conta de que parece que cada defeito de
Vincent está grudado em mim.
Me fez querer ser diferente dele.
Me fez esquecer das estrelas.
Ou pelo menos tentar.
Estou contando os dias como quem conta o tempo em que está isolado em uma ilha. Falta
muito pouco para que eu comece a desenhar tracinhos na cabeceira da minha cama.
Somam-se cinco dias desde que Íris veio para cá, com expectativas de que a inflamação
de sua lesão seja controlada. Estamos tendo sucesso em vencer as dificuldades da lesão, mas
falho todos os dias em manter a paciência intacta quando ela está por perto.
A garota é extremamente teimosa, e eu achava que ninguém conseguiria superar Lya
nesse aspecto. Íris está andando com uma única muleta, já consegue dobrar o joelho sem fincar
as unhas em minha mão e deixá-la marcada, mas continua reclamando constantemente da
compressa de gelo e da quantidade de remédios que toma.
Para uma ginasta que faz coisas inexplicáveis, ela está se saindo uma paciente bem chata.
Apesar disso, ela insiste quando não consegue concluir um exercício, ignora todas as
dores que sente e, por incrível que pareça, está respeitando os limites do seu corpo.
Cada detalhe disso me faz lembrar da única coisa boa de todo esse tratamento: Ela se
recupera rápido e nós acabamos logo com isso.
Não dá para ser 100% teimosa o tempo todo, mesmo que eu acredite que boa parte das
baboseiras que fala seja com a intenção de me tirar a paciência.
Neil aparece aqui a cada dois dias, Sarah liga três vezes dentro das vinte quatro horas
exaustivas de Íris, e é claro que ela é obrigada a ouvir sobre como ela é teimosa e irresponsável.
Ela já ouviu tanto que tenho certeza de que já se conformou, e até mesmo eu, que vivia para
jogar esses fatos em sua cara, parei de falar. O incômodo é nítido, o sofrimento é ainda maior e
repetir isso todos os dias não irá ajudá-la em nada.
O medo de Íris é tão grande que se torna denso, quase palpável e eu consigo sentir a sua
angústia ao pensar em não competir nos malditos Jogos Olímpicos. Principalmente porque Sarah
está determinada em convencê-la de que a lesão é grave o suficiente para deixá-la longe de
competições por mais de um ano.
Risco mais um dia mentalmente e me levanto, me arrastando pelo quarto. Meu celular
desperta dez minutos antes do celular de Íris, para o caso dela ignorar o som e voltar a dormir.
Nunca aconteceu, confesso que ela tem sido responsável, mas faço tudo por garantia de que ela
terá os remédios em mãos às nove da manhã.
Me arrependo amargamente de ter aceitado a proposta de Sarah para cuidar de suas
estrelinhas, já que Íris decidiu que viraria uma estrela cadente e a bomba caiu diretamente na
minha cabeça.
Que merda, Órion. Quem manda ser um ótimo profissional?
Dou um sorriso para o espelho. Bella para ao meu lado e late na minha direção, como se
lesse meus pensamentos.
— O que foi? Sabe que estou certo.
Ela late de volta e corre para fora do quarto.
Depois de me trocar, deixo o quarto e arfo, surpreso, quando me deparo com Íris no
corredor. A garota já está sem seus pijamas, com os cabelos penteados e ela está agarrada em sua
muleta.
— Já posso largar essa muleta? — ela pergunta e eu reviro os olhos, indicando para ela ir
na direção das escadas.
— Onde está a sua educação, Coleman?
— Você nunca me dá bom dia, Órion. Achei que era comum. — ela diz em tom de
deboche. — Me ajuda.
Ela pede antes avançar. Íris franze as sobrancelhas, encarando os degraus, e ergue o pé,
tirando-o do chão o mais rápido possível. Ela está com muito medo. E isso é preocupante.
— Você não queria largar as muletas? Tente descer sem elas. — Ela nega com a cabeça
rapidamente e aperta a muleta com força. Levo minha mão até a sua, forçando para tirá-la dela.
— Olhe para mim.
Íris me encara com o maldito olhar que me faz esquecer o quanto ela é irritante. As
sobrancelhas encolhidas, os lábios entreabertos e os olhos castanhos brilhantes. Fodidamente
bonita e assustada.
— Eu vou estar aqui o tempo todo. Desça devagar e se você cair, eu te seguro. — Ela
assente e solta a muleta lentamente. — Segure no corrimão e coloque o pé no chão.
Íris segura o corrimão com rapidez e força, mas hesita em encostar o pé no chão. Me
aproximo dela, o suficiente para que ela sinta segurança e a porra do seu perfume doce me deixa
tonto. Enjoativo e bom.
— Faça o máximo para deixar a perna esticada. Se você não conseguir, não tem
problema. — falo e ela ergue o queixo.
Toco em seu ponto fraco: o desafio. Notei há dias que ao falar que não há problemas em
não concluir algo, ela se esforça em dobro para provar a sua excelência, e eu uso isso a seu favor.
Ela toca a ponta do pé e logo, ele está todo no chão. Ela falha quando tenta equilibrar seu
peso nas duas pernas, mas respira fundo e tenta novamente.
— Um degrau de cada vez. — falo e ela assente, descendo o primeiro.
Em ritmo lento, Íris desce um por um, enquanto eu apenas a acompanho para que ela
chegue ao último degrau em segurança. Bella late diversas vezes quando ela, finalmente, chega
no andar de baixo.
— Você está conseguindo. — Tento esconder a empolgação em minha voz. — Você
sente dor ao descer?
— Pouca… Mas sinto. — ela diz, sorrindo ao chegar ao último degrau. — A muleta, por
favor.
— Você evoluiu muito, Íris. O Dr. Wilkins disse que o prazo é duas semanas, mas se
continuar assim, em dois dias nós poderemos retornar para ver como está a situação.
— O que falta? — Íris choraminga, indo na direção da mesa de café da manhã.
— Você conseguir mover o joelho normalmente… Ou o melhor que puder. — Ela
suspira lentamente. — O inchaço diminuiu, Íris. Você já consegue descer as escadas sem
muletas.
— Com dificuldade…
— Mas consegue! Apenas continue e logo isso acaba. — Íris apenas assente, em silêncio.
— Agora, coma. Vou pegar seus remédios.
Me afasto, indo na direção da caixa de remédios que fica na mesa de centro da sala.
— Bom dia, irmãozinho.
— Dormiu mais que a cama, bobona. — falo e ela dá de ombros, com um sorriso
sonolento no rosto. Lya se aproxima e abraça minha cintura.
— Assistimos filmes até tarde ontem, não sei como Íris acordou mais cedo.
— Aparentemente, ela estava ansiosa para largar a muleta.
— E conseguiu?
— Ela desceu as escadas sem ela, mas cansou quando chegou embaixo.
Lya dá saltinhos, animada e me faz sorrir verdadeiramente. Os olhos de Lya brilham e eu
começo a entender o porquê dela ser tão grudada com Íris. Lya se sentia sozinha, Íris é a pessoa
que ela sempre quis ter por perto. Talvez a irmã que ela desejava ter quando eu comecei a fazer
merda por aí e a deixei sozinha.
De tudo o que eu fiz, a única coisa na qual me arrependo, foi não ter levado minha irmã
para morar comigo. Lya ficou sozinha nessa casa, sei que tinha poucos amigos na escola, já que
ainda que seja extremamente carinhosa, ela é tímida e demora para fazer amigos.
Íris é o tipo de pessoa que faz amigos com rapidez e que bom que ela foi até Alya.
Há uns dias, quando fui chamá-la no horário de sua medicação, ouvi Alya falando sobre
nossos pais e o porquê de ter escondido o fato de sermos irmãos. Lya passou sua juventude
tentando entender o que acontecia nessa família. Os motivos de eu ter ido embora de casa e que
levaram a mamãe para tão longe, mesmo tendo diversos trabalhos voluntários aqui mesmo em
Miami. Agora, Alya descobriu que Vincent não ama ninguém além dele mesmo.
Também passou muito tempo tentando convencê-los de deixá-la transformar a ginástica
em sua profissão e não manter como apenas um hobby. Lya sempre teve capacidade de ser a
melhor e sabia disso, mas a obsessão de nossos pais pela medicina fez com que ela pensasse em
abrir mão do seu sonho várias vezes.
Ainda que eu tenha saído de casa, nunca permiti que isso acontecesse. Sem Alya, Sarah
não teria sua estrela mais brilhante.
Dou um beijo na testa da minha irmã antes de voltar à cozinha, onde Íris ainda come.
— Abra a mão. — falo e ela obedece. Coloco os comprimidos na palma de sua pequena e
calejada mão, ela joga os comprimidos na boca e engole com o suco. A careta é imediata e eu
reviro os olhos. — Não tem gosto.
— Odeio tomar remédios.
— Ninguém gosta de tomar remédios.
— Eu não aguento mais.
— Pare de reclamar. — falo, quase em tom de súplica.
— Por Deus, vocês conseguem não discutir? — Lya exclama, indo na direção da
geladeira.
— Eu estava em silêncio antes dele voltar. — Ela aponta para mim.
— E eu só dei a porra do seu remédio.
— Não fale assim comigo. — ela exclama. — Eu só fiz um comentário, Órion. Eu não
aguento mais tomar remédios! Eu não aguento mais essas muletas, eu não aguento mais ser
tratada como criança, eu não aguento mais não estar treinando!
Íris fala rapidamente e sua voz estremece à medida que as palavras atrapalhadas escapam
de sua boca. Mais uma vez, Íris está demonstrando seu medo, expondo sua exaustão mental.
Mais uma vez ela está prestes a chorar na minha frente, e não demora para que ela enlace os
dedos uns nos outros, mexendo-os rapidamente.
Meus instintos falam mais alto e eu me aproximo, afastando suas mãos. Íris ergue o olhar
para mim e abre a boca para falar algo, mas sua voz falha e uma lágrima escorre.
— Descanse hoje, se distraia. Amanhã retomamos os exercícios.
— Mas eu não posso parar, Órion. — ela choraminga e eu me sento ao seu lado.
— Você pode e você deve. Não vamos conseguir nada se você estiver mentalmente
afetada. — Íris me encara com atenção e controla as mãos para que elas não voltem a se atacar.
— Sei que toda essa situação é difícil, mas você precisa estar minimamente estável para que tudo
dê certo. A mente cansa o corpo, Íris. Não vamos discutir isso de novo.
— Eu só estou apavorada…
— Eu sei, mas eu preciso que confie em mim quando digo que nós vamos conseguir fazer
com que você dispute os Jogos. — Ela respira fundo, lentamente. — Você confia em mim?
— Confio.
— Então, faça o que estou te pedindo, e que você já deveria ter feito há muito tempo. Se
dê um dia de folga, faça o que puder para se divertir com a minha irmã e amanhã ou depois,
retomamos os exercícios.
Íris assente.
— E depois da cirurgia, você irá fazer algumas visitas à Gabriella.
— A psicóloga? — ela pergunta, confusa e surpresa. — Não vejo necessidade.
— Você consegue não discutir com as minhas orientações?
— Acha que o hospital pode demorar para marcar a cirurgia? — Íris muda de assunto.
Está sendo ingênua demais se pensa que, mudando de assunto, eu vou esquecer que ela
deve tratar de sua mente também. Mas neste momento, cedo à sua fuga para responder a sua
pergunta.
— Esse hospital sempre tratou dos atletas da RGA, principalmente em época de torneio.
Sempre tem um atleta ou outro para fazer merda… — falo, encarando-a e ela abre um sorriso.
Não, porra! Não sorria, era pra você me xingar, Íris!
— Neil disse que eles estarão a postos para operá-la.
— Você estará lá?
— A todo momento.
Vou sorrir, eu sei como enganar esta cidade
Eu farei isto até o Sol se pôr, e através da noite toda
Eu te direi o que quer ouvir
Uso meus óculos de sol enquanto deixo uma lágrima cair
Nunca é a hora certa. Eu coloco minha armadura, te mostro o quão forte sou
Unstoppable — SIA

Encaro a muleta encostada na parede, determinada a abandoná-la. Depois de um dia


inteiro descansando e tentando controlar os demônios que insistem em me culpar, me sinto
minimamente confiante para avançar nos exercícios.
Órion repete a palavra “cirurgia” todos os dias, diversas vezes e eu sinto arrepios sempre
que ouço. Dou giros carpados, piruetas, estrelas e saltos inimagináveis, mas pensar em um centro
cirúrgico, anestesia e médicos ao meu redor me faz querer vomitar.
Meus pais aproveitaram para me visitar e eu vi o quão nervosa minha mãe está. Ela me
encara com medo, seus olhos estão fundos e ela deixou claro que não está conseguindo dormir,
preocupada com a cirurgia.
Agora, Alya dorme profundamente ao meu lado, já que assim como eu, está proibida de
treinar. Neil vem conferir se ela está cumprindo com o prometido e fez Órion jurar que contaria
caso tentássemos extrapolar. Depois do que aconteceu, prometi a todos e a mim mesma que
respeitaria meus limites.
Assim como prometi que pararia de chorar, mesmo que isso seja o maior dos desafios.
Me levanto com cuidado para não acordá-la e dou pequenos saltos até alcançar a muleta.
Sei que Lya colocou longe de mim apenas para eu conseguir pegá-la sem ajuda.
Ainda que esteja conseguindo fazer isso sem dor, ainda sinto receio em forçá-lo e o uso
das muletas quando não estou nas sessões de fisioterapia. Os exercícios que Órion passa ajudam
a andar sem dor, são relaxantes e me fazem evoluir rápido, por isso sei que ele fica irritado
quando nego em deixar as muletas de lado.
O medo não permite que eu faça tal coisa, mesmo sabendo da minha capacidade.
Hoje acordei disposta a voltar a ser quem era antes. A Íris que sempre ignorou as dores,
que engolia o choro quando a pressão era intensa e que atingia seu extremo para cumprir um
objetivo.
Mesmo que tenha sido essa Íris que me levou à lesão, será ela que vai me salvar.
Coloco roupas confortáveis e saio do quarto silenciosamente. Antes mesmo de fechar a
porta, me deparo com Órion saindo do cômodo à frente. Como sempre, ele está com todo seu
mau humor matinal estampado em seu rosto. Os olhos estão sonolentos e inchados, deixando
nítido que ele preferia estar em sua cama.
Ele cruza os braços, deixando-os mais definidos e expondo todas as suas tatuagens, já que
ele veste uma regata que deixa todos aqueles desenhos à mostra, desde seus braços, até seus
ombros e pescoço.
Ainda não descobri em que momento passei a reparar tanto nele, mas noto que meus
olhos parecem se perder nos seus detalhes. Detalhes caóticos e lindos.
— O quê? — pergunto, tentando entender o motivo de ele estar me encarando tanto, e
logo entendo quando seus olhos vão para a muleta em minha mão.
Ele rola os olhos e estende a mão.
— Me dá. — Nego. — Agora.
— E as escadas?
— Você, por acaso, pretende fazer todos aqueles saltos e giros agarrada a muleta? — ele
pergunta, em um tom sarcástico que me faz bufar. — Você já conseguiu por dois dias seguidos,
precisa largar essa merda.
Ele se aproxima rapidamente e arranca a muleta da minha mão, escondendo-a atrás do
corpo. Bella late ao seu lado, como se aprovasse o ato de seu dono.
Ignoro as contrações assustadas dos meus músculos, que parecem reagir na tentativa de
me proteger. Encosto o pé no chão com extremo cuidado e pressiono os olhos quando estico o
joelho. Espero pela dor e ela não vem, o que me faz sorrir e tirar a mão da parede.
Órion se aproxima lentamente, com os olhos fixos em mim. Por incrível que pareça, me
acostumei com os momentos em que ele se aproxima, me cercando com seus braços para que eu
não caia. Apenas não me acostumei com o cheiro de colônia masculina, que me deixa tonta todas
as vezes.
Ando na direção das escadas e, ainda que não tenha tanta firmeza, não sinto dores
intensas e consigo me manter de pé.
Levo o olhar para Órion, que acena para que eu continue e eu seguro o corrimão com
força.
— Um degrau de cada vez. — resmungo e ouço Órion falar em uníssono.
Quase paraliso quando sinto sua mão tocar minhas costas. A blusa fina que uso permite
que parte das minhas costas estejam à mostra, o exato lugar onde ele decidiu tocar.
De certo modo — e de um modo muito estranho —, seu toque, a presença e todo aquele
perfume, me deixam segura para continuar, até chegar no andar de baixo sem deixar que o joelho
fraqueje.
— Agora vá para a mesa. — ele pede, apontando para a cozinha. Assinto e caminho na
direção da mesa de café da manhã. — Você consegue caminhar normalmente, Íris. O que não
pode acontecer é pisar com força, ou fazer movimentos bruscos.
A sala está mergulhada em silêncio. Tudo o que consigo ouvir são nossos passos, nossas
respirações e meu coração acelerado.
Alinho minhas costas, distribuindo meu peso nos dois lados do corpo e ergo queixo, em
busca da confiança que escondi dentro de mim. Controlo minha respiração, antes ofegante e
continuo indo na direção indicada por ele.
— Ah, você conseguiu! — Ouço a voz de Lya vindo das escadas e me viro rapidamente,
com o susto que seu grito causou.
Giro tão rápido que meu joelho fraqueja, indo para frente rápido demais. Arregalo os
olhos quando estou prestes a cair, mas sinto as mãos firmes de Órion ao redor da minha cintura.
A proximidade é ainda mais perigosa, já que consigo sentir seu peito colado em minhas
costas. Ouço o suspiro demorado e assustado que libertou, fazendo com que o ar quente toque
meu pescoço.
— Peguei você. — ele diz, quase como um sussurro e sua voz parece mais rouca do que o
normal.
Devo estar ficando completamente maluca. Os pêlos do meu corpo se arrepiam
gradativamente.
— Ai, meu Deus! Desculpa! — Lya grita e corre em nossa direção, me ajudando a ficar
de pé.
— Está doendo, Íris?
Nego com a cabeça, tentando conter o tremor em meu corpo.
— Foi apenas um fraquejo, não está firme.
— E não vai ficar, só depois da cirurgia. Sem a operação, seu joelho não terá firmeza. —
ele diz, me ajudando a ir até a cadeira. — Vou buscar seus remédios. — Órion se afasta, mas me
olha por cima do ombro, sabendo que eu reclamaria, mas pressiono os lábios, contendo o riso e
permanecendo em silêncio.
Alya começa a posicionar as frutas e biscoitos na mesa, e eu me inclino para ajudar a
organizá-las, como Órion costuma fazer. Às vezes, quando não estamos discutindo, sinto que a
convivência entre nós não seria tão ruim, já que parecemos um trio que divide um lugar por
muito tempo.
Às vezes sinto que Órion está me conhecendo mais do que eu esperava e isso é
assustador.
E fica ainda mais nítido quando ele volta com as cartelas em sua mão e já me repreende,
sabendo que detesto esse momento. Depois de tomá-los com o máximo de desgosto, assisto ele
se sentar à minha frente e morder uma maçã.
— Liguei para o Dr. Wilkins ontem à noite. — ele diz, chamando a minha atenção e a de
Lya, que se senta ainda mais rápido. — Ele disse que se você estiver bem o suficiente amanhã, a
cirurgia acontecerá no dia seguinte.
— Amiga, você está bem! — Lya afirma e sinto que o mundo ao meu redor sumir.
Me dediquei ao tratamento com a intenção de passar por essa cirurgia com rapidez, saber
que pode estar mais perto do que eu imaginava faz com que o medo retorne ao meu organismo e
cause tremores e espasmos incontroláveis.
— Não precisa ficar com essa cara de quem vai passar por uma cirurgia de alto risco, Íris.
— Órion diz, entediado. Aquele maldito tom que ativa todos os meus pensamentos ruins e
maldosos, e que me faz lembrar que eu o odeio. — A cirurgia é feita por vídeo, então não é
invasiva, o pós-operatório é menos doloroso e você pode ter alta no dia seguinte. Não precisa
disso tudo.
— Eu tenho medo mesmo assim, sou humana e tenho esse direito. Ou não?
— Você só é dramática demais. — ele diz, se levantando e tirando o maço de cigarros do
bolso da calça de moletom.
— Como profissional de saúde deveria compreender seus pacientes, não ser um grande
otário. — rebato e ele bufa.
— Você não é minha paciente, é uma pedra no meu sapato. — ele responde e eu lhe
mostro o dedo do meio.
Órion esboça um sorriso quando o telefone de Lya toca e, no visor, o nome de Sarah
cintila.
— Boa sorte.
Sarah continua destacando a minha irresponsabilidade a cada ligação. Por Deus, tenho
plena consciência do meu erro, já o aceitei e não me culpo com tanta frequência. Ouvi-la
repetindo isso várias e várias vezes já se tornou chato, principalmente porque ela fala como se
tivesse sido proposital.
Nem mesmo Neil, que é um pé no saco, insiste nessas falas. Sei do erro que cometi, ouvir
meu subconsciente falando sobre isso na minha cabeça já é mais do que suficiente.
— Bom dia! — ela diz, do outro lado da tela. — Como estão?
— Bom dia, Sarah. Estamos bem. — Lya vira o celular para mim.
Sarah acena com a mão e eu forço um sorriso.
— Bom dia! — falo, tentando parecer minimamente animada em vê-la.
— Como está o joelho?
— Estou andando sem a muleta.
— Quando vai retornar ao Dr. Wilkins?
— Amanhã, Órion acredita que já estou bem o suficiente para a cirurgia. — Falo,
colocando mais um pedaço de morango na boca.
— Rápido assim? Tem apenas uma semana…
— O doutor disse que pode variar em uma ou duas semanas. — a interrompo. — Já não
estou sentindo dores, consigo pisar normalmente e estou andando. Não vejo necessidade de
esperar.
— Está fazendo os exercícios que fazemos na academia?
— O Dr. Wilkins disse que os exercícios devem ser inseridos com leveza, estou fazendo
o que Órion está sugerindo. — Dou de ombros. — E está funcionando.
Ela revira os olhos. Sarah sabe que não quero respondê-la. Sua insistência em jogar a
culpa em mim todos os dias me deixa exausta e mesmo que sempre tente parecer simpática e
feliz para todos, sinto que minha paciência se esgotou.
Não preciso de ninguém me culpando, preciso apenas voltar a treinar como antes.
— Estarei de volta depois de amanhã, quero vê-la o mais rápido possível.
— O Dr. Wilkins disse que se tudo estiver bem, a cirurgia será logo em seguida.
— E vocês não me avisam nada? — ela exclama, irritada e eu rolo os olhos.
— Ficamos sabendo disso agora, Sarah, não enche.
— Quando você ficou tão mal humorada, Íris? Não desconte as suas frustrações em mim.
— É isso! Comecei a ficar mal humorada quando você começou a insistir em dizer que a
culpa da lesão foi minha. Eu já sei que a culpa foi minha, mas eu não me machuquei de
propósito. Ainda não enlouqueci a esse ponto. — grito, sentindo o sangue borbulhar nas veias.
— Se for pra ficar me lembrando que não posso treinar, é melhor nem ligar de novo.
Me levanto rapidamente e vou na direção do quintal, sentindo o rosto queimar devido à
raiva. Sarah continuou falando com Lya e eu sequer entendi, minha mente está se esforçando
para focar em melhorar e não em me martirizar. Não dou mais importância para o que ela fala.
No lado de fora, Órion está apoiado em uma das grandes pilastras, observando Bella
correr atrás de uma borboleta. O cigarro em seus dedos está quase na metade, assim como a
maçã que ele segura com a outra mão.
Um sorriso debochado estampa seu rosto e seus olhos me percorrem com lentidão, me
fazendo recuar um passo. É um olhar diferente que me deixa perdida.
— O quê?
— Você está andando normalmente. E rápido até demais. — Ele aponta para mim e eu
dou um largo sorriso.
Estava tão irritada com Sarah que não percebi a rapidez que andei até o lado de fora, mas
aparentemente, Órion estava prestando atenção em tudo.
— Meu Deus, eu não percebi! — Exclamo, tentando conter a animação. Minhas pernas
se mexem involuntariamente e sinto que vou sair saltitando por aí.
— Não se atreva a sair dando seus saltinhos. — ele avisa, como se soubesse o que está
acontecendo dentro da minha cabeça. — Era isso que faltava? Te deixar com raiva? — Órion
pergunta, me fazendo franzir o cenho, confusa.
— Do que está falando? — pergunto, assistindo Órion levar o cigarro aos lábios e tragá-
lo.
Em seguida, ele ergue o queixo e solta a fumaça. Meus olhos acompanham cada um dos
seus atos e eu tenho a impressão de que o mundo passou a girar lentamente para que eu pudesse
admirar cada segundo daquela maldita cena.
É como se fosse proposital para me atormentar, e eu tento entender como ele consegue
transformar algo tão nojento em algo tão hipnotizante.
— Foi preciso a raiva para que você esquecesse da muleta e da dor. Você veio tão rápido
que não parece estar lesionada. — Ele balança os ombros e brinca com o cigarro nos dedos.
Ele leva o cigarro à boca, se aproximando. Nego com a cabeça, prestes a empurrá-lo.
— Se você fizer aquilo de novo, eu juro que te ma…
Órion se abaixa na minha direção e assopra a fumaça em meu rosto, como na primeira
vez em que nos falamos. Nem mesmo o cheiro incômodo me afastam, não impedem que eu me
perca em seus olhos, que se tornam levemente cinzas em contraste com a nuvem que se forma
entre nós.
É hipnotizante e faz uma grande bagunça na minha mente.
Ainda assim, mesmo hipnotizada pelo seu ato, a raiva me faz erguer a mão e ele desvia
do tapa que tento lhe dar.
— Se eu soubesse que seria tão fácil, tinha feito antes. Já me sinto especialista em deixá-
la irritada.
— Órion, vai se foder! — exclamo e ele gargalha, se afastando.
— Teria evitado muita coisa, Coleman! — ele continua falando enquanto vai na direção
da garagem. — Talvez você tivesse feito essa bendita cirurgia e eu já teria me livrado de você.
Tento me aproximar, apressando os passos e ele continua se afastando, como se estivesse
fazendo de propósito, apenas para que eu o seguisse. Órion está me testando e isso me faz parar.
— Você é um babaca!
— Procure outro apelido, esse está ficando enjoativo.
Fiquei acordado a noite toda, a noite toda treinando minhas falas
Mas é só a verdade
Fiquei acordado a noite toda
Não sei como dizer isso direito
Tenho muito a perder
Nunca estive tão indefeso
Defenceless — Louis Tomlinson

Em poucos anos de carreira, ainda não havia esbarrado em um paciente difícil. Minha
mãe sempre disse que, um dia, isso aconteceria. Lidei com crianças e até mesmo adolescentes,
que são uma grande dor de cabeça. Sempre mantive a calma e paciência para cuidar de todos que
passaram por mim.
Não imaginava que Coleman seria o meu desafio. Tê-la em minha rotina é como estar à
deriva no espaço, sem oxigênio. É como se eu estivesse sem ar, meu corpo estivesse inchando e
eu estivesse prestes a explodir em raiva a qualquer momento.
Íris lutou contra sua mente por dias, até aceitar que erros acontecem e que, agora, não há
nada a fazer além de consertá-los. Neil foi extremamente grosso quando a viu pela primeira vez,
mas logo voltou a ser maleável.
Por outro lado, Sarah se tornou o bicho papão de Íris. Toda vez que ela liga, Íris parece
estar prestes a fugir. Seria extremamente grato se ela fizesse isso, eu seria a primeira pessoa a
correr para trancar a porta, apenas para garantir que ela não voltaria mais, mas sou profissional o
suficiente para saber que o equilíbrio psicológico e mental é essencial para a recuperação.
Ouvi-la repetindo diversas vezes sobre culpa e irresponsabilidade foi cansativo até
mesmo para mim.
Íris virou a minha rotina de cabeça para baixo. Agora, acordo e me dedico somente a ela.
Controlo sua medicação, passo duas horas em sessão, examino seu joelho, dou mais remédios e a
forço a andar. Depois, corro para o ginásio e tento encontrar tempo para ir para o hospital para as
sessões voluntárias.
Ainda assim, assistir sua evolução é estranhamente satisfatório, mesmo que ela me deixe
extremamente irritado quase todos os dias.
E confesso… Também sou bom nisso, e a prova é o semblante irritado de Íris, enquanto
espera eu arrumar os tapetes no gramado. Ela passou dois dias insistindo em fazer as sessões no
quintal, já que é mais aconchegante e ensolarado. Me arrependo amargamente em ter cedido.
Existe algo no interior daquelas orbes castanhas que me fazem ceder aos seus pedidos.
— Vamos, está esperando o que? — pergunto, esperando que ela se deite.
— Estou esperando que me ajude, não é porque consigo andar que consigo me abaixar
com facilidade. — ela responde e eu reviro os olhos, esticando a mão para que ela se apoie.
Ela agarra minha mão com seus pequenos dedos e força seu peso, se abaixando
lentamente, até estar sentada no tapete, com as pernas esticadas. Me inclino ao seu lado e Íris
torce o nariz.
— Está com dor?
— Não, esse cheiro de cigarro é péssimo.
Reviro os olhos e em seguida encaro o céu. Se existe alguma força por aí, o que eu fiz de
tão errado para merecer isso?
— Posso te perguntar uma coisa? — Ela assente. — Você consegue não ser uma chata
por algumas horinhas? Eu juro que não aguento mais a sua voz.
— Posso te perguntar uma coisa também? — Assinto, já me arrependendo por isso.
— Por que você fuma?
— Porque eu quero.
— Não me convenceu.
— Problema seu, cale a boca. — rebato, segurando seu joelho para começar o exercício.
— Você fuma porque gosta ou porque quer bancar o rebelde, isso faz parte da sua pose?
Sei que não consigo esconder a raiva quando minhas sobrancelhas apertam. Preciso
morder o interior da bochecha para pensar no que dizer, se deixasse minha mente controlar meus
atos, teria a mandado se foder rapidamente.
— Você não sabe nada sobre mim, Íris. — respondo, esticando sua perna. — Dobre o
joelho até alcançar seu tronco.
— Isso faz mal para a sua saúde, devia saber disso. E o cheiro é péssimo.
— Dobre os joelhos, Íris. — repito, tentando manter a serenidade na minha voz. Ela
dobra os joelhos com tranquilidade, encarando o céu.
Existem dois momentos em que Íris não sente dor ou medo: quando está com raiva ou
quando está tentando tirar a minha paz.
— Sinceramente, não sei como consegue.
— Estica de novo. — peço, segurando seu pé para manter a sua perna alinhada.
Respiro fundo, descobrindo que estou atingindo o máximo da minha paciência. Íris está
realmente causando uma mudança em mim, já que, normalmente, eu teria largado ela no quintal.
— Não ignore o que eu falo.
— Então, pare de falar.
— Só estou tentando ajudar.
— Não tente, a paciente aqui é você, não eu.
— Ué, mudou de ideia? — ela pergunta, questionando sobre o que eu disse durante o
café.
— Não mudei de opinião, Coleman. Você é mesmo a porra de uma pedra no meu sapato.
Uma pedra enorme, do tamanho de um meteoro. — falo, fazendo-a se levantar.
Ela força o tronco para frente e me encara. As pupilas estão dilatadas, transformando seus
olhos dourados numa imensa escuridão brilhante. Impressionante e absurdamente lindo.
— Você é um grosseiro.
— E você é intrometida! — rebato, me aproximando ainda mais.
— Mal-educado!
Íris se senta e seu perfume me envolve em sua nuvem doce.
— Insuportável!
— Sabe que cada minuto aqui me ajuda a lembrar do porquê de eu te odiar tanto. — ela
resmunga. — Você é intragável! Por que se esforça tanto para ser assim?
— Por que você se esforça tanto em acabar com o resto de paciência que eu tenho? —
pergunto, me inclinando sob suas pernas. Ela sustenta o olhar e aperta os lábios. — Você se
intromete na minha vida, você me enche de perguntas, você é uma chata do caralho e eu não
aguento mais ouvir a sua voz.
— Se a nossa convivência está tão insuportável assim, por que ainda não pediu para que
trocassem de profissional? — ela me questiona, mantendo os olhos presos em meu rosto. É
desafiador e hipnotizante. — Não faltam fisioterapeutas que podem fazer um trabalho tão bom
quanto o seu… Acho que seu pensamento sobre mim está virando contra você. Você é
mentiroso, você finge que está satisfeito com tudo isso apenas para provar algo para os outros.
Quer se provar para quem, Sparks?
Ela se aproxima ainda mais e eu sinto que estou dentro de um vulcão prestes a entrar em
erupção.
— Então, vamos fazer o seguinte… Eu largo as suas sessões e chamo Sarah para te
lembrar a cada minuto de que você pode estar fora das Olimpíadas. Eu sigo a minha vida com
paz e tranquilidade e você fica com a porra da sua mente fodida. E na próxima vez em que me
pedir ajuda, eu juro que mando você ir…
— Ah, então você se importa comigo? — ela cantarola, me interrompendo.
Um sorriso irritante se forma em seus lábios. Ela está perto o suficiente para que
enxergue as pequenas e discretas sardas que enfeitam seu rosto fodidamente perfeito. Pequenos
pontinhos estelares dentro de um buraco negro, que me puxa com força — e eu sequer percebo.
— Responde. — ela pede, inclinando-se ainda mais.
Seu nariz quase toca o meu, seu perfume se torna mais intenso.
Cada uma das notas de sua fragrância se acomoda em meu organismo. É doce, levemente
frutal. Viciante a ponto de me deixar tonto.
Respiro fundo e me sento no gramado, ficando de costas para Íris. Apesar disso, consigo
ouvir sua respiração ofegante. Repasso todos os acontecimentos desde o dia em que Íris entrou
nessa maldita casa.
A tensão nunca foi tão densa. E isso é inexplicável.
— Levanta. Exercícios de pé. — falo e, em silêncio, ela obedece. — Dobre os joelhos.
Ande pelo gramado, mexa esse joelho.
— Certo.
— Com calma, Íris.
Ela assente e se afasta. A loira não olha para mim, ela faz os movimentos que pedi com
os olhos fixos no chão ou em algum ponto que faça com que seus olhos fiquem distantes de mim.
Descubro que é um completo erro continuar observando-a e me levanto.
— Onde vai? — ela para o que está fazendo e pergunta em um tom aflito.
Eu preciso dormir. Eu estou ficando completamente louco.
— Lugar nenhum, Íris. Estou bem aqui.
Ela suspira e volta a caminhar pelo gramado quando me apoio no pequeno muro, atrás
dela. Íris alinha a postura, mantendo a coluna ereta. A blusa apertada e fina permite que eu veja a
curva de sua cintura e como ela se move delicadamente, como uma coreografia lenta que me
deixa completamente atordoado.
Eu estou louco, é isso. É a única explicação plausível.
Depois de longos minutos e duas voltas ao redor da piscina, Íris para, ofegante.
— Posso parar?
— Pode. — respondo rapidamente e me aproximo. Íris recua um passo. — Você está
sentindo dores, Íris?
— Apenas cansaço.
— Tem certeza? Não minta. — peço. Íris bufa e cruza os braços. — Certo, então iremos
ao hospital amanhã cedo.
Íris dá um suspiro lento e seu olhar se distancia de mim, parecendo perdido.
Dou um perigoso passo em sua direção e num movimento impulsivo, toco seus ombros.
A diferença de altura entre nós faz com que ela precise erguer o queixo para me olhar.
— Prometo que tudo dará certo, ok?
— Você estará lá?
— Ora, não quer trocar de fisioterapeuta? — pergunto, recuando um passo e ela rola os
olhos.
— Você estará lá ou não?
— Antes, durante e depois.
— Depois também? — ela pergunta, com a voz carregada de uma expectativa que me
deixa intrigado.
— Com certeza, loirinha.
Íris sorri e eu finalmente me afasto, com os joelhos fracos e um espasmo estranho na
espinha que faz com que eu me distancie ainda mais.
— Preciso ir ao hospital. Não faça esforço, não corra, não dê saltinhos. Descanse e
apenas caminhe com cuidado. — falo, entrando com Bella ao meu encalço.
— Vai para o trabalho voluntário? — ela pergunta, me seguindo e eu apenas assinto. —
Não consigo acreditar que você faz coisas tão nobres.
— Por que, Íris? Não combina com minha pose rebelde? — pergunto. Íris cruza os braços
e dá um sorriso que deixa minha visão turva.
— Não mesmo, Órion.

Corro para o andar de cima em busca do meu chuveiro gelado. O sangue parece percorrer
minhas veias com rapidez e eu não consigo me lembrar em que momento da minha vida eu senti
algo parecido.
Arranco as roupas e tomo um banho rápido para sair de lá o quanto antes. Para apagar a
essência do perfume de Íris da minha mente, para esquecer que o tom da sua voz já não está mais
tão irritante, para fingir que não descobri o quanto seus olhos são brilhantes e incrivelmente
bonitos.
A casa está misteriosamente silenciosa, o que significa que Íris e Lya estão dormindo,
assistindo os filmes insuportáveis que gostam, ou fazendo merda em algum canto.
Torço para que tenham descartado a terceira opção e saio. Hoje é domingo, o que me
permite ir ao hospital mais cedo, mas, ainda assim, ir até lá se tornou mais cansativo, já que a
distância é muito maior e as sessões de Íris aniquilam a minha paciência.
Desvio dos carros, fugindo do trânsito levemente caótico de Miami e demoro um pouco
mais de quinze minutos para entrar no estacionamento do Hospital Infantil.
— Boa tarde, Órion! Chegou cedo! — a recepcionista exibe um sorriso quando a porta do
elevador se abre.
— Boa tarde, Tamy. Consegui uma brecha hoje.
— Ainda com a paciente difícil? — Assinto, sentindo o peso em meus ombros.
Está sendo mais difícil do que eu pensava…
Respiro aliviado por estar ali e me direciono para a sala depois de me preparar. Alguns
bottons com personagens de desenho enfeitam meu crachá, e no bolso ao lado, o carimbo de urso
escolhido por Nina.
— Tio Órion! — Alan corre até mim com dificuldade.
— Calma, campeão! — Me abaixo na sua direção e recebo seu abraço forte. — O que
aconteceu?
— Estou conseguindo andar sem as muletas, não percebeu?
— Você correu tão rápido que nem consegui notar, pareceu um raio! — exclamo e ele
sorri. — Sabe o que você merece?
Ele assente e olha ao redor. Sua fisioterapeuta desvia o olhar, fingindo distração.
Alan abre a pequena mão discretamente e eu coloco uma bala no centro de sua palma. Ele
a fecha rapidamente e esconde o doce no bolso.
— Obrigado, tio Órion!
Depois de circular pela sala e receber abraços e cumprimentos das crianças, passo o olhar
por ali mais uma vez, em busca de Nina.
— Newton! — chamo a atenção do médico e ele se aproxima rapidamente. — Cadê a
Nina?
— Mais um dia de crise, Sparks… — ele diz, desanimado e sinto um aperto no peito. —
Ela ficou sem ar, precisamos colocá-la no oxigênio. A pressão para respirar causou vômitos e
agora ela está no soro.
— Estável? — ele assente. — Está no quarto? — ele assente novamente e eu saio de
imediato, virando os corredores com pressa.
Antes mesmo de me aproximar, vejo Kiara encostada na parede, ao lado da porta do
quarto de Nina. Sua rotina é extremamente cansativa. Além das sessões de fisioterapia, lida com
as crises psicológicas de Nina que não consegue ter uma vida 100% normal na escola e as vezes
que a dor é tanta que a pequena menina não respira. Ou quando suas pernas doem tanto que ela
sequer consegue se levantar.
Ela força um pequeno sorriso quando me vê.
— Que bom que veio. — ela diz e eu a abraço rapidamente.
— Ela está acordada? — Kiara assente e dá espaço para que eu entre.
Nina está acomodada na cama com seu ursinho em seu colo. Os olhos atentos na
televisão e as mãozinhas acariciando a pelúcia. Seus olhos azuis tornam-se apertados quando me
vê, já que ela abre um grande sorriso que faz com que eu me aproxime ainda mais rápido.
— Achei que não viria! — ela exclama. Deixo um beijo na sua testa e me ajoelho ao seu
lado.
— Então, quer dizer que decidiu nos dar mais um susto?
— Doeu muito, Órion… — ela choraminga. — Você tinha prometido que eu seria igual
às outras meninas.
Lágrimas surgem em seus pequenos olhos e eu sinto que vou desmoronar.
— Você pode ser, meu amor, mas precisa ter paciência. Nós estamos cuidando de você
para que tudo isso passe…
— Vai demorar?
Nego com a cabeça.
— Promete?
— Claro que prometo.
Mostro o dedo mindinho e ela o enlaça com o seu.
— Por que você está demorando tanto pra chegar?
— Mas, eu cheguei cedo.
— Só hoje…
— Estou cuidando de uma paciente mais travessa que você.
Ela ri e me olha, interessada. Ah, não…
— Ela é pequena igual eu? — Assinto. — Ela faz ginástica?
— Faz sim, querida.
— Ela pode me ensinar?
— Eu acho que ela ia adorar te ensinar… — falo, afagando seus cabelos escuros. — A
Lya te ensina também, não prefere? Você já conhece ela.
— Mas, você disse que ela é pequena igual eu, ela é legal?
Não.
— É sim.
— Traz ela aqui amanhã!
— Ela vai precisar operar, mas prometo que assim que ela ficar boa, eu trago ela aqui.
— Ela vai mesmo me ensinar, Órion? — Assinto mesmo que Íris sequer saiba da
existência de Nina.
A menina se vira para a mesa de cabeceira, onde tinham diversos papéis e lápis de cor, e
daquele montinho, ela tira um papel com um imenso coração roxo.
Céus, que coincidência.
— Pode dar a ela? É para dar sorte.
— Claro, pequena. Roxo é sua cor favorita.
Um teste da minha paciência
Há coisas que nunca saberemos
Sua luz solar, sua sedução
Minha mão está em risco, eu desisto
Fine Line — Harry Styles

Chegou o dia do retorno ao Dr. Wilkins. Apesar de saber que a cirurgia é simples, a
garota faz um imenso esforço para transformar isso em algo semelhante ao fim do mundo.
E por Deus, sua aflição consegue me afetar.
A cada dia que passa, ainda que tente fingir, sei que seu desespero se torna maior.
Existem pouquíssimas coisas que admiro nela, uma delas é a capacidade de fingir que está tudo
bem.
É claro que sempre consegui tal coisa com maestria, mas meu método é bem diferente do
seu. Íris consegue fingir que não está em desespero completo no minuto em que coloca um
sorriso no rosto. Tão bonito que parece verdadeiro.
— Certo, estou indo! — exclamo para Bella, acariciando seus pêlos macios. A cadela late
mais uma vez e se deita no meio da cama quando me levanto. — Aproveite o espaço, folgada.
Ela late e se esparrama entre os lençóis.
Reviro os olhos, contendo um sorriso e tento me arrastar até o banheiro, mas sou
impedido pelo desenho acomodado em minha mesa, entre os exames de Íris e de outros atletas.
Nina já havia feito aquele desenho antes mesmo de eu citar a “outra paciente”, o que
torna a coincidência ainda maior, já que o grande coração desenhado de forma desajeitada está
pintado de roxo, cor principal da RGA.
Nina é uma menina preciosa. Sequer consigo listar a quantidade de crianças que já tratei
ou tive contato depois que comecei a trabalhar na RGA. O trabalho voluntário não exige que eu
tenha pacientes fixos, então todas as crianças podem ter algum tipo de auxílio meu. Todas elas
são especiais de alguma forma, com suas particularidades e falas completamente complexas para
um adulto entender.
Sempre enxerguei algo diferente nos olhos da minha mãe, e queria entender cada motivo
daquilo.
Noelle possuía um brilho diferente em seus olhos quando uma criança aparecia, um
sorriso inexplicável e uma dedicação incomparável. Descobri que queria sentir isso também e
entendi quando tive contato com meu primeiro paciente durante meu primeiro trabalho no
Hospital Infantil.
Meu primeiro paciente, Miles, perguntou se podia fazer um desenho para incluir em meu
braço. Eu concordei. Na sessão seguinte, voltei com o barquinho feito por ele desenhado entre
todas as outras que eu já tinha. Miles pediu para ver o resto.
Nenhuma das crianças se assustou, a grande maioria sequer notava, principalmente
porque me olhavam nos olhos e enxergavam a luz que eu achei que tinha perdido.
Nina é parte dessa luz, a menina contagia qualquer um que se aproxima e tenho plena
certeza de que isso aconteceria com Íris.
Encaro o desenho mais uma vez. Se eu entregá-lo, com certeza Íris vai pedir para
conhecer Nina e irá insistir até que eu perca totalmente a paciência. A loira é extremamente
intrometida e curiosa, o que significa que ela vai conseguir ultrapassar os limites.
Tê-la em minha vida além das sessões de fisioterapia é algo que eu definitivamente não
quero.
A porta do quarto de Lya está aberta, o que indica que elas já desceram e provavelmente
vão me julgar pelo atraso.
Lya está com os braços cruzados, mordendo o lábio inferior para aliviar o estresse.
No sofá, Íris fala compulsivamente, enquanto mexe os dedos na mesma rapidez, mas
quando me vê, ela para.
— Já comeu? — Ela assente. — Avisou aos seus pais? — Ela assente mais uma vez.
— Já falei com Neil e Sarah, ela volta amanhã. — falo, com um certo receio em dar essa
notícia para Íris, que bufa quando ouve. — Não faça isso, ela se preocupa com vocês.
— Se estivesse preocupada, não estaria tentando fazer com que eu me sinta ainda mais
culpada. Você mesmo disse que a mente enfraquece o corpo, ela também deve saber disso. —
Íris diz, começando a assumir seu estado impaciente. — Eu errei mesmo, mas não preciso de
ninguém para ficar repetindo isso todos os dias, principalmente alguém que deveria estar me
ajudando.
— Ela irá te ajudar depois da cirurgia, nas sessões de terapia da reabilitação.
— Você disse que estaria depois da cirurgia também. — Íris parece decepcionada. Lya se
distancia, com uma expressão desconfiada.
— Eu não sou seu fisioterapeuta, Coleman, mesmo que eu saiba que sou um ótimo
profissional e que você ama a minha companhia.
— Não seja ridículo… — Ela rola os olhos castanhos.
— Ela deve acompanhá-la, eu só fiz o papel do substituto.
Íris dá de ombros e sua expressão frustrada continua estampando seu rosto.
— Podemos ir então?
Assinto e indico para que ela vá para o lado de fora. Logo, Lya volta com uma maçã nas
mãos e joga para mim. Minha irmã abraça a minha cintura e nós saímos atrás de Íris, que
caminha mais rápido do que deveria.
— O que eu estou perdendo? — Franzo o cenho com a pergunta da minha irmã. — Ela te
odeia e está com raiva porque você não vai fazer as sessões de fisioterapia?
Empurro minha irmã levemente antes de ir na direção da minha moto. Íris já está sentada
no banco do carona do carro de Lya, com os braços cruzados e um bico do tamanho do mundo.
— Ela só quer fugir de Sarah, Alya. Não vê o inferno que ela tem feito na mente de Íris?
— Só por isso? Estamos acostumadas com Sarah, ela faz isso há anos. — Dou de
ombros. — Íris te odeia. E pelo que sei, você também não a suporta.
— Nada mudou, Alya! — digo, perdendo a paciência e os argumentos. — E se não
acredita, pergunte a ela o motivo! Não tenho nada a ver com isso.
Olivia e Arnold nos esperam na frente do hospital. Eles fizeram algumas visitas a Íris e
recebo diversas perguntas por mensagens desde o primeiro dia. Ambos são extremamente
simpáticos, acolhedores e atenciosos com a filha, e a preocupação é nítida em seus semblantes.
Ao lado deles, Neil nos espera com uma expressão nada paciente, porém, ele sorri
quando vê Íris saindo do carro e andando até ele. A garota não consegue correr ou andar mais
rápido, seus passos também não são firmes e ela ainda se apoia em uma das muletas, mas há uma
grande diferença do dia em que saiu daqui.
Estaciono a moto enquanto Íris e Lya recebem beijos e abraços deles, e me aproximo em
passos lentos. Sou surpreendido por um abraço de Olivia e quando se afasta, ela segura meu
rosto com suas mãos.
Íris é idêntica à mãe, a única diferença é que o abraço materno de Olivia é maravilhoso e
eu sequer consigo ouvir a voz de Íris sem querer fugir.
— Como está, querido?
— Acha mesmo que ela está pronta? — Arnold pergunta, estendendo a mão e eu a aperto.
— Tenho absoluta certeza. Fiquem tranquilos, é um procedimento simples.
— Sim, é comum para qualquer atleta, principalmente os que fazem coisas mirabolantes
sem supervisão. — Neil diz, encarando Íris, que sorri e encolhe os ombros. O treinador abraça a
loira e a minha irmã simultaneamente. — Podemos?
Adentramos o hospital, acompanhando os passos lentos de Íris. Tento não reparar em
suas reações, mas o fato dela não parar de mexer aqueles malditos dedos me deixa angustiado.
Neil avisa a recepcionista que estamos à espera do Dr. Wilkins e não demora para que ela
indique a sala do médico. A sala do ortopedista não é longe, mas o receio de Íris em chegar lá
torna o caminho longo e árduo. A loira dá um longo suspiro antes de atravessar a porta, como se
estivesse prestes a entrar em alguma espécie de julgamento ou câmara de tortura.
Dramática.
— Bom dia, Senhorita Coleman! — Dr. Wilkins exclama, indicando a cadeira para que
ela se sente. Seus pais sentam ao seu lado e Neil permanece próximo.
Me mantenho distante e me apoio na parede, cruzando os braços e focando a atenção no
médico.
— É ótimo vê-la andando, sua recuperação foi realmente rápida! — ele diz e Íris assente.
— Então, vocês trabalham bem juntos. — Dr. Wilkins brinca, apontando para mim.
Dou de ombros e forço um sorriso. O senhor não faz ideia…
— É bom tê-lo aqui, Órion. Se conseguirmos mesmo a cirurgia amanhã, quero lhe passar
o que deve ser feito em seguida. — Íris olha para trás, esperando a minha resposta.
— Não precisa se preocupar com isso, doutor. A fisioterapeuta da equipe retorna amanhã,
então pode passar as informações diretamente para ela. — Dr. Wilkins ergue as sobrancelhas,
parecendo surpreso.
Íris é mesmo boa em esconder seus sentimentos, mas dessa vez, ela não faz o menor
esforço e cerra os olhos para mim.
— Você não é o fisioterapeuta da Senhorita Coleman? — Nego com a cabeça. — Deveria
ser, já deve conhecer todas as fraquezas e pontos fortes para ajudar na recuperação.
A verdade é que eu não sei nada sobre Íris, além da sua força de vontade para conseguir o
que quer e a maldita mania de mexer os dedos quando está com medo.
Saber mais sobre ela pode ser algo perigoso, um risco no qual não estou disposto a correr.
Íris se levanta e é encaminhada para a maca, onde deita e se acomoda, nervosa. O Dr.
Wilkins toca seu joelho, massageando-o cuidadosamente e Íris não esboça reações, exceto pelas
vezes que ele aperta, propositalmente.
O médico segura seu tornozelo esquerdo e ergue o joelho, dobrando-o por completo,
ainda a analisando e retorna normalmente. Em seguida, faz o mesmo com a perna direita, mas
nota o desconforto de Íris quando seu joelho ainda cai para frente com facilidade.
— A articulação está mesmo instável, mas a inflamação cedeu. Vamos confirmar com a
ressonância, mas faremos a cirurgia. Tudo bem? — ele diz para Íris.
Seu olhar grita um não tão alto que me sufoca.
— Sim.
Pequena mentirosa…
— Fique tranquila, o procedimento é simples, não há riscos.
Íris olha para mim e eu dou um pequeno aceno com a cabeça, tentando passar um pouco
de segurança.
— Doutor, acha mesmo que pode demorar seis meses ou mais? — Ele assente e ela
engole a seco.
— Mas há diferenças para pacientes, Íris. Não podemos dizer um tempo exato, é apenas
um prazo comum. É óbvio que pode acontecer de você se recuperar mais rápido…
— Sarah disse que talvez ela não possa ir às Olimpíadas, mesmo com sessões diárias de
fisioterapia. Não seria arriscado entrar em uma competição tão intensa com pouco tempo de
recuperação?
Neil se pronuncia, fazendo Íris se mexer na maca, incomodada.
Enxergo em seus olhos uma imensa vontade de chorar, e ela deixa isso transparecer no
momento em que morde o interior da bochecha. Todos estão entretidos demais em dizer que
talvez ela não tenha tempo, e sequer percebem que ela está prestes a desabar novamente.
Isso fica extremamente nítido aos meus olhos e meu estômago revira.
— Ela pode ir às Olimpíadas depois de sessões intensas de fisioterapia. — interrompo
Neil, que tentou continuar falando sobre Sarah. — Com os exercícios certos e diários, testes
constantes e acompanhamento em Paris, é perfeitamente possível que ela consiga. Ela é dedicada
e persistente, não vejo motivos para tanto pessimismo.
Íris suspira, parecendo aliviada ao me ouvir.
— É assim que se fala! — Dr. Wilkins diz. — O prazo é esse, Íris, mas também
dependemos de você. Nada é impossível, certo?
Depois de analisar os dias em que assisti os treinos da minha irmã, encontrei diversas
contradições que me fizeram compreender minimamente a imprudência de Íris.
Ao mesmo tempo que Sarah e Neil cobravam descanso da equipe, deixavam claro que
essa é a oportunidade que elas não podem deixar passar de forma alguma, que devem fazer o
possível e o impossível para conquistar. Bom, Íris tentou fazer o impossível. Não só ela, como
todas da equipe.
A culpa não é única e exclusivamente dela.
Um treinador tem influência suprema sob um atleta, principalmente quando está há muito
tempo em sua vida. Neil conhece Íris desde que ela era apenas uma criança, é claro que sua
opinião sempre será levada em consideração.
O mesmo acontece com Sarah, que acompanha a equipe olímpica desde que chegaram na
RGA, e é a responsável por toda essa pressão, no qual elas se acostumaram.
— Faremos os exames, você já fica por aqui mesmo. Vamos contatar o anestesista, fazer
tudo o que é preciso. — Dr. Wilkins diz, enquanto ajuda Íris a se levantar. — Amanhã cedo a
levaremos para o centro cirúrgico. Dependendo da sua evolução, no dia seguinte você já terá alta.
— Me desejem sorte. — ela diz, forçando um sorriso.
Sorte. A voz de Nina ecoa em minha mente, quase me deixando tonto. Levo o olhar até
Íris novamente e me dou conta de que, talvez, ela precise mesmo de um amuleto da sorte.
Mesmo que seja apenas para tirar todo esse medo do coração, ou aliviar um pouco a pressão que
deixa seus ombros endurecidos.
Meu subconsciente me repreende, mas algo muito mais forte não consegue me deixar
esquecer do desenho que deixei em minha mesa.
Então, como posso dizer isso enquanto eu estava fora
Eu tinha tanto a esconder
Ei pessoal! Sou eu…
A maior decepção que vocês conhecem
Breathe — In The Heights

Minhas mãos já suam frio e os nós dos meus dedos já estão esbranquiçados. E ao meu
lado, mesmo que tente disfarçar, meu pai está ainda mais nervoso do que eu.
— Vou pegar um café, pequena. Já volto, ok? — Ele se levanta da poltrona e depois de
deixar um beijo na minha testa, ele sai e me deixa completamente sozinha.
Pressiono meus olhos, tentando excluir qualquer pensamento negativo que me faça ter
um ataque de pânico, mesmo que eu esteja me sentindo aprisionada nessa merda de cama de
hospital, com essa roupa ridícula que torna a minha imagem ainda mais deplorável.
Diversas cenas trágicas perambulam em minha mente.
Em algumas, não consigo me recuperar da lesão e sequer entro no avião. Em outras, meu
joelho falha no meio da competição e eu perco qualquer chance de me livrar da culpa de ter sido
uma grande irresponsável.
Irresponsável.
Foi a primeira palavra que Sarah direcionou a mim assim que atravessou a porta do
quarto 652, no qual estou considerando ser uma câmara de tortura. Desde que Órion decretou
que estou pronta para enfrentar essa cirurgia, no dia anterior, estou treinando minha mente para
facilitar as coisas para mim.
Passei uma longa semana me culpando, hoje seria o dia perfeito para meu otimismo
retornar para o meu corpo. Seria, se Sarah não estivesse preocupada em me jogar no buraco.
Ela chegou, determinada a repetir todas as palavras ditas na última semana, revezando
entre irresponsável, inconsequente e burra, já que estou deixando escapar a chance da minha
vida. Além de reforçar tudo o que fez por nós em todos esses anos e todas as vezes em que perdi
o mundial.
Eu já deveria estar imune contra os comentários nada agradáveis de Sarah, mas sinto que
cada minuto aqui me deixa mais vulnerável, já que a cama hospitalar e a dor em meu joelho não
permitem que eu fuja.
Ainda assim, me dou conta que a forma que lido com o modo de ser de Sarah é ainda pior
do que qualquer discussão. Eu concordo, abaixo a cabeça e finjo que nada aconteceu. Agora tudo
parece estar vindo à tona, em uma única vez, com o dobro da pressão. Ao invés de fingir que
nada aconteceu, ou sorrir, eu choro.
Por Deus, não me lembrava da última vez que chorei tanto.
Depois de ter deixado claro o quão decepcionada está, Sarah tentou me confortar com
suas palavras tortas, e quando tocou meu joelho para testá-lo, senti uma imensa vontade de
correr. Órion assistiu tudo, com semblante entediado, mas olhos atentos, e respondeu a todas as
perguntas feitas por Sarah. Em tom ameaçador, ela disse que teria uma longa conversa com o
médico, para pegar o meu prontuário.
Me dou conta de que o respeito que sentia por Sarah, há muito tempo, se tornou medo e
eu nem mesmo percebi. Meus 24 anos pesam meus ombros, me lembrando de que não sou mais
a menina que devia acatar todas as suas ordens.
Eu devia discutir. Devia mandá-la calar a boca no momento em que ela disse que eu
estava arruinando a minha carreira.
Eu devia, mas abaixei a cabeça e quis chorar ainda mais.
Covarde.
Eu devia saber da minha capacidade, mas agora percebo que depositei tudo na RGA e
esqueci de mim.
Covarde e fraca, e mais uma vez, prestes a chorar. Estou caindo e a gravidade suga meus
pulmões.
— Íris? — A voz de Órion me puxa de volta para a realidade e eu ergo a cabeça, tentando
não deixar as lágrimas caírem. — Está pronta?
— Quer que eu minta? — pergunto.
Órion ergue as mangas de sua camisa e se aproxima com rapidez, se sentando na beira da
cama, fazendo com que eu me force para o lado, para lhe dar mais espaço. Ele está
desconcertado, e isso é nítido, já que ele não consegue olhar diretamente para mim.
— Fale a verdade.
— Estou apavorada. — confesso. Minha garganta dói com o desespero.
— A cirurgia é simples, não é invasiva, e se você mantiver o que fizemos na semana
passada, vai conseguir se recuperar a tempo. Você sabe que a Sarah é uma fisioterapeuta incrí…
— Pode não falar da Sarah? Pelo menos, não agora?
Ele assente.
Foram poucos os momentos em que não me senti pressionada durante essa manhã, e
esses momentos foram quando Sarah estava do outro lado da porta.
— Não sei o que faço se ela repetir, mais uma vez, que sou irresponsável. — Desabafo e
um sorriso surge no canto dos lábios de Órion. O bolo que se formava em meu estômago se
desfaz quando ele sorri, discretamente.
— Ignore essas provocações, apenas mantenha o foco.
— Não é tão fácil quanto parece.
Seus olhos desviam do meu rosto e ele encara suas mãos, estranhamente agitadas. Noto a
quantidade de anéis que enfeitam seus dedos. Como nunca reparei?
Quando o silêncio inunda o quarto, consigo ouvir a sua respiração agitada e sinto meu
coração acelerar até franzir o cenho diante da sensação estranha que me percorre.
É ensurdecedor, mesmo que não haja som. É denso, é forte, tão intenso que me rouba o ar
e me deixa tonta, mas atenta a cada maldito ato.
Órion hesita, mas leva a mão ao bolso e tira um papel dobrado de lá.
— O que é isso? — pergunto, fazendo-o rolar os olhos.
— Por que você tem que ser tão curiosa?
— Porque você está tirando esse papel do bolso na minha frente, sentado na minha cama.
Se não fosse para eu saber, não faria isso aqui, não é?
— Estou começando a me arrepender… — ele sussurra, mas eu arranco o papel de sua
mão quando consigo forças para me inclinar em sua direção.
Órion respira tão pesadamente que me faz olhá-lo enquanto desdobro o papel. Seus olhos
acompanham cada movimento das minhas mãos e quando me deparo com um imenso e
desajeitado coração roxo, ele se aproxima cuidadosamente, como se desejasse contar um
segredo.
Arfo e lhe entrego toda a minha atenção.
— Eu cometi o erro de contar sobre sua lesão para uma das minhas pacientes do Hospital
Infantil… — ele diz. Sua voz está ainda mais rouca, e me atinge em lugares que fazem com que
meu corpo remexa na cama. — Ela já tinha feito esse desenho, e quando eu contei que faria uma
cirurgia, ela pediu para lhe dar, para dar sorte.
— Órion… Meu Deus. — falo, sentindo um arrepio na espinha.
Os traços levemente tortos indicam que foi feito por uma pequena criança, mas eles são
cuidadosos, o que também me conta que ela é bem talentosa e ágil. Além disso, o roxo que
preenche o desenho é semelhante ao meu uniforme na RGA.
Solto o ar, percebendo que estava segurando por tempo demais. Tanto tempo que
acumulou dores além da lesão. Nesse momento, sinto que o incômodo em meu joelho não se
aproxima do sufoco que meu coração está enfrentando.
Depois de tanto aprisioná-las, lágrimas escorrem pelo meu rosto e eu seco rapidamente,
para que não molhe o papel.
— Seu nome é Nina… Tem quase cinco anos e foi diagnosticada com Distrofia Muscular
Congênita…
— O que isso significa? — pergunto, ainda encarando o coração desenhado.
— Ela não tem resistência, seus músculos são frágeis. Isso afeta sua respiração, seu
desenvolvimento…
Levo a mão ao peito quando o sinto apertar.
— Ela é bem inteligente, o suficiente para saber dos seus limites… Mas ainda assim, tem
o sonho de ser ginasta desde que conheceu Alya, no meu primeiro ano de residência.
Me sinto presa às palavras que saem da boca de Órion. A paixão que sente pela sua
profissão é uma das poucas coisas que ele faz questão de exibir. E nesse momento, falando sobre
Nina, sinto que ele atingiu um dos auges de sua paixão.
— Eu relutei em te dar esse desenho. — ele confessa, claramente receoso, mas sua
sinceridade é tão grande que ele não consegue manter a provocação. — Mas acho que você
realmente precisa dele, para ver se volta a ser tão esperançosa quanto era antes.
— Obrigada, Órion. — falo, e quando tento me aproximar minimamente, ele recua, me
fazendo travar.
— Vou repetir e eu espero que seja a última vez. — ele diz e eu assinto. — Sua cirurgia é
simples e sua recuperação será ótima. Logo, você vai estar girando, saltando e fazendo todas
aquelas acrobacias novamente. — Órion suspira e meu olhar se torna seu novamente. — Nina
nunca vai conseguir nem mesmo completar um salto sem ficar sem ar ou desmaiar de vez.
Mais lágrimas descem pelo meu rosto e no momento que ele se levanta, um soluço
escapa.
— Não quero que se sinta culpada, acho que já estão fazendo muito isso. Quero que
saiba que, mesmo sem te conhecer, ela pensa que pode ser como você. Nina não perde a
esperança mesmo tendo consciência do seu diagnóstico.
Órion puxa o ar com força e fecha os olhos, relutante em continuar, mas volta a se
aproximar e se inclina sob a cama, ficando com o rosto tão próximo do meu que sinto que ele
roubou meu ar para si.
— Foi essa maldita esperança no impossível que faz com que me lembre de você quando
a vejo. Não me faça mudar de opinião.
O sorriso que escapa é inevitável. Acredito que ele se arrependeu do que disse no
momento em que se afasta e cruza os braços.
Engulo o choro e a vontade de falar mais sobre minhas dores.
Assumo o sorriso que ele arrancou de mim e ele franze as sobrancelhas.
— Então… Estava falando de mim para a sua paciente? — pergunto, tentando provocá-
lo.
Órion dá um sorriso tão incrivelmente lindo que faz minha mente vacilar.
— Me atrasei para atendê-la porque estava lidando com a sua chatice. — ele diz. —
Quando ela perguntou, tive que dizer que estava tratando de uma paciente ainda mais teimosa do
que ela.
— Posso conhecê-la?
— Era exatamente por isso que eu não queria te dar o desenho. — ele diz, ainda com os
braços tatuados cruzados. Seu sorriso some e eu descubro que ele fica ainda mais bonito quando
tenta permanecer sério.
Mesmo que isso me irrite, me causa arrepios.
— Qual o problema?
— Já é suficiente tê-la como paciente temporária, não quero que se intrometa mais.
— Não quero me intrometer em nada relacionado a você, Sparks. Quero conhecer a Nina.
O pouco que te conheço já é suficiente.
— Se recupere primeiro e eu penso nessa possibilidade.
— Eu vou me recuperar, Órion, e então, você vai me levar lá.
— Que bom que sabe que vai se recuperar. — ele sorri, mas logo volta a ser o Órion que
eu odeio. — Estará andando normalmente, se quiser te dou o endereço e você vai sozinha.
— Você irá morrer se me levar até lá? Ela é sua paciente!
— Ah, não tem noção do que a sua voz irritante causa em mim, Coleman! — ele
esbraveja, mas no seu tom rouco e baixo que me deixa vulnerável. Ele se aproxima à medida que
fala, e logo, ele está inclinado sob a cama de novo.
Seus braços estão apoiados na parede acima de mim, e eu me sinto encurralada e
pequena, mas, ainda assim, pressiono os lábios e sustento seu olhar.
— Sempre que você abre essa maldita boca, eu sinto uma vontade incontrolável de sumir
dentro de mim! — Ele me encara com os olhos ardendo, mas fixos em minha boca de forma que
me faz estremecer.
— Se fosse mesmo assim, você não estaria aqui me ouvindo. — respondo, no mesmo
tom. — Você vai me levar até lá, ou juro que te atormento até você realmente sumir.
Órion fecha os olhos e se afasta em meio a um suspiro demorado.
— Assunto encerrado. — Ele bufa antes de voltar a caminhar na direção da porta. — Boa
sorte na cirurgia. O anestesista já está chegando.
A saída de Órion fez com que a realidade adentrasse o quarto. Os poucos minutos falando
sobre Nina me fizeram esquecer da cirurgia. Me dei conta de que respirei em paz por alguns
minutos.
A saliva em minha boca percorre um caminho tão doloroso em minha garganta ardida
que eu pressiono os olhos para ignorar o incômodo.
Encaro o desenho em minhas mãos quando volto a ficar completamente sozinha. Não me
atrevo a erguer o olhar para não me deparar com todas aquelas paredes irritantemente brancas,
tento não focar minha audição no falatório que acontece do lado de fora.
Há um círculo, onde Neil, Sarah e meus pais tentam decidir como será minha vida depois
da cirurgia.
Faltam quase cinco meses para as Olimpíadas e eu sequer consigo correr. Os momentos
em que eu estive sozinha na casa de Lya serviram para eu ler tudo o que encontrei na internet
sobre rompimento dos ligamentos e tempo de recuperação. Ler cada uma daquelas palavras foi
como ter a certeza de que eu não vou conseguir estar 100% a tempo, assim como Neil teme.
Assim como Sarah tem tanta certeza.
Enquanto me forçava a fazer exercícios inúteis apenas para provar como está certa, ela
não deixou de repetir que a recuperação é lenta e que voltar a ter confiança é ainda mais difícil.
Por pouco, ela não disse para eu desistir das Olimpíadas, mesmo que seus olhos julgadores já
dissessem isso, com todas as palavras, ainda que silenciosas.
Sarah ainda fez o favor de deixar claro que ela precisa dar atenção às meninas que
realmente renderão frutos para a RGA.
Bom, eu já não estou mais inclusa nesse círculo.
O tempo que antes corria normalmente, parece estar tão rápido que faz meu coração
acelerar, assustado. A decepção nos olhos de Neil e Sarah volta para me atormentar e eu sinto
que, não importa o que Órion diga, o medo não irá me abandonar para dar lugar a confiança que
eu costumava ter.
Sinto que nunca mais vou ser como antes. Agora, o medo de estragar tudo e me tornar um
grande fracasso irá me perseguir, junto com os olhares dolorosos das pessoas que costumavam se
orgulhar de mim.
Me questiono se realmente tinha tanta confiança assim, talvez todos os meus sorrisos e
positividade sejam pura falsidade. Órion estava certo quando disse que sou uma farsa. Criei uma
grande mania de lidar com todos os meus demônios sorrindo e os ignorando, que nem mesmo
percebi que eles estavam me aprisionando dentro de mim, me manipulando e me preparando
para o dia em que tudo iria desmoronar.
O mundo desmoronou, meus ombros doem, minhas chances estão escapando.
E os demônios estão rindo de mim.
Não demora para que o anestesista chegue e faça todos os procedimentos que antecedem
a cirurgia. Ele explica todos os passos e promete, diversas vezes, que irá fazer um trabalho
impecável.
Não os questiono, mas minha mente me lembra, a cada segundo, de que posso estar fora
das Olimpíadas.
Minha mãe se aproxima rapidamente e sussurra um “eu te amo”, depois de deixar um
beijo na minha testa. Meu pai faz o mesmo, mas também beija o dorso da minha mão,
demoradamente e abre um sorriso quando entrego o desenho que eu segurava com tanta força.
— Pode prender na parede? Aqui do lado da cama? — pergunto ao meu pai, que apenas
assente, forçando um sorriso.
Neil e Sarah permanecem do lado de fora e parecem discutir sobre algo importante.
Lya me manda um beijo no ar. Seus olhos parecem tão desesperados quanto os meus,
certamente. Ao seu lado, Órion permanece com o mesmo semblante neutro e indiferente de que
me lembro. Talvez o único que ele tenha.
Desejo que as forças do universo acalmem minha mente tão angustiada e tirem um pouco
do aperto que incomoda meu peito. Me sinto sendo empurrada para fora do quarto e, de relance,
enxergo o coração roxo no fundo do quarto, agora vazio.
Nina, espero mesmo que você me dê sorte, pequena.
Essas paredes altas nunca destruíram a minha alma
E eu, eu vi todas elas desmoronando
Eu vi todas elas desmoronando por você
Walls — Louis Tomlinson

Encaro o relógio mais uma vez.


Já perdi as contas de quantas vezes conferi o visor do celular, o pequeno acessório em
meu pulso e o grande relógio na parede do hospital Os ponteiros avançam tão devagar que, por
um momento, acreditei estarem quebrados.
Ao meu lado, Alya balança a perna impaciente, também revezando o olhar entre o relógio
e o corredor. No outro lado da sala de espera, o Senhor e a Senhora Coleman também parecem
ansiosos, já que mesmo que não tenham se desfeito do abraço que deram desde o momento em
que Íris foi levada, ainda olham o relógio sem intervalos.
Estive tranquilizando Íris desde o primeiro momento. Meus anos na universidade me
deram confiança o suficiente para saber que uma cirurgia de restauração do ligamento cruzado
anterior não seria difícil e o Dr. Wilkins também deixou claro que, ainda que o rompimento
tenha sido completo, não seria difícil restaurá-lo e o condicionamento físico de Íris ajudaria em
sua recuperação.
No momento em que o relógio me alertou que o tempo de cirurgia ultrapassou quase
quarenta minutos, senti minhas pernas estremecerem, ainda que eu estivesse errado. Já tratei
pacientes que sofreram esse tipo de lesão e o máximo de cirurgia foi de uma hora, muitas vezes,
quarenta minutos eram suficientes.
Chegamos à oitenta minutos e tudo permanece em silêncio.
Balanço a cabeça quando percebo que Íris está ocupando a minha mente por muito tempo
e seco as mãos suadas na calça.
Me direciono para a saída, me esforçando para conseguir tirar o maço de cigarros do
bolso da calça, mas paro quando me deparo com Neil e Sarah próximos da grande porta de
entrada.
— Você sabe que cinco meses é pouco tempo para uma recuperação completa, Peterson!
Não seja teimoso! — Sarah exclama, me fazendo revirar os olhos. Continuo parado ali para ouvi-
la. — Não posso perder tempo com Íris! Temos reservas, atletas tão boas quanto ela. Deixe ela
repousando até que eu tenha tempo para dar atenção a ela. Preciso focar na equipe olímpica.
— Íris é parte da equipe olímpica! Não vou procurar substituta. Ela está precisando de
atenção. Se ela tiver força de vontade e determinação, ela consegue! É exatamente o que
precisamos para que ela se recupere a tempo! — Neil rebate.
— Talento e determinação não operam milagres. Mesmo que seja uma lesão comum, a
recuperação é complexa. Quem garante que ela não vai falhar nos primeiros saltos? Ela precisa
de testes… Esses testes serão em Paris? E se ela falhar, será uma vergonha para a RGA.
Por Deus, reconheço minha falta de demonstração de otimismo, mas no geral, confio na
capacidade dos meus pacientes, principalmente quando o desejo é maior que a dor. Tudo o que
eu vi nos olhos de Íris foi uma imensa vontade de voltar e cada passo seu foi uma prova de que a
dor que estava sentindo não foi nada perto do que ela pode vencer.
A falta de confiança de Sarah em Íris pode derrubá-la por completo e isso faz meu rosto
arder em raiva.
Dou algumas batidinhas no maço de cigarros, até conseguir pegar um e busco o isqueiro
no bolso para acendê-lo, no momento em que finalmente me aproximo deles.
— Ela não vai falhar. — falo, chamando a atenção dos dois, que parecem surpresos ao
me ver do lado de fora.
Puxo a nicotina, deixando que tranquilize meu corpo agitado.
— Escutando atrás da porta, Sparks?
— Vocês estão em um local público, falando sobre a minha paciente. — Tento não me
irritar quando Sarah ri.
— Sua paciente? Íris é da minha equipe.
— Não, você acabou de dizer que não pode perder tempo com ela. — respondo e ela
continua com o sorriso dissimulado nos lábios. — E ela é perfeitamente capaz de conseguir se
recuperar. Devia confiar mais nela.
— Estou sendo realista, não podemos prometer que ela estará nas Olimpíadas.
— Concordo com você, mas também não devemos deixá-la perder as esperanças. —
retruco e ela rola os olhos.
— Eu concordo com Sparks. — Neil diz, firme. — Íris é perfeitamente capaz, é óbvio
que precisamos ser realistas e ter em mente que existe a chance dela não ir…
— Sparks não conhece Íris. Sou fisioterapeuta daquela equipe desde que entraram na
RGA, Órion. Conheço cada uma delas, minuciosamente, e seus limites. — Reviro os olhos
quando Sarah aponta para meu rosto. Levo o cigarro aos lábios para manter o controle. — Não
estou entendendo toda essa preocupação, até ontem estava chamando as minhas meninas de
estrelinhas mimadas, sequer se importou quando Íris caiu. Sei que só concordou em cuidar dela
para não acabar com a diversão do meu filho.
— Ah, não vou negar que queria estar aproveitando meus dias de folga, mas sou
profissional o suficiente para me posicionar quanto a isso. Se você decidisse ficar fora por meses,
com seu filho ou não, eu seria responsável por Íris sem pestanejar. — respondo, apertando o
cigarro com toda força que consigo. — Continuo achando que são estrelinhas mimadas e mesmo
que eu não conheça Íris como você, sabe melhor do que eu que ela nunca teve uma lesão tão
séria. Ou estou errado?
— Não, no máximo torções…
— Exatamente! — exclamo. — Então, você não viu o que eu vi! Eu estive aqui quando
ela caiu e eu não estou julgando o tempo que tirou para descansar, mas sim a sua incapacidade de
reconhecer o esforço que Íris fez para estar nessa cirurgia o mais rápido que conseguiu.
— Mas…
— Você não viu o que ela fez para concluir o exame no dia seguinte à lesão e você sabe
que isso dói. Ela deu seu máximo para poder descobrir a gravidade da lesão e resolvê-la rápido!
Ela evoluiu em uma semana, o inchaço diminuiu e em seis dias, ela já estava andando sem as
muletas. Não pelo trabalho que eu fiz, mas porque ela quis!
Minha garganta arde à medida que cada palavra escapa e a indiferença nos olhos de Sarah
faz com que o sangue comece a correr mais rápido em minhas veias.
— Não podemos lhe dar falsas esperanças! Íris confia em mim, vai me ouvir e esquecer
toda essa baboseira. A força de vontade é importante, mas não podemos ir contra a realidade.
— Íris não é uma criança, Sarah, mesmo que você tente tratar todas as suas atletas dessa
forma. — esbravejo. — Ela sabe que existe a possibilidade de ficar fora das Olimpíadas, não
escondi isso dela.
— Mas nós também não podemos tirar as suas esperanças de conseguir! — Neil
completa. — Sabemos mais do que ninguém que a mente comanda o corpo. Se ela se convencer
de que não pode, sequer irá se esforçar para conseguir a tempo. Vamos decretar perda total e ela
não irá a essas Olimpíadas. E não é isso que queremos, certo?
Assinto e volto o olhar para Sarah, que permanece inconformada.
— Se conhecesse mesmo Íris, tão minuciosamente, saberia que ela tem coragem e
determinação o suficiente para se recuperar. Não podemos operar milagres com esse pensamento
merda que está tendo, mas ela com certeza pode!
— Não vou perder tempo com você e com uma coisa que nitidamente vai nos trazer
problemas. Você não está pensando direito, arriscá-la em Paris será um erro, para a carreira dela
e para o futuro da fisioterapia da RGA.
Forço uma gargalhada, esquecendo-me do cigarro queimando entre meus dedos.
— Ah, então essa é sua preocupação. O seu futuro na fisioterapia da RGA. — Tento
suavizar a voz, me aproximando dela.
Sarah sempre foi uma inspiração para mim, agora não enxergo nada além de uma grande
montanha de egoísmo e ambição.
— Ah, mais uma coisa… Estou preocupado porque, no momento em que Íris se
machucou no meu quintal, ela se tornou minha paciente. E Sarah, se ela fosse a minha paciente
desde o começo, eu teria pego o primeiro avião para socorrê-la.
Sarah franze as sobrancelhas e dá mais um passo na minha direção.
— O que está querendo dizer?
— Acabou, Órion! — Lya surge no meu campo de visão, com um sorriso no rosto, e seu
anúncio faz com que Sarah e Neil disparem na direção da sala de espera.
Permaneço imóvel, deixando a adrenalina estabilizar em meu corpo. O cigarro queima
entre meus dedos enquanto meu coração volta a bater em seu ritmo normal. A raiva sempre foi
um sentimento presente em minha vida, seja quando meus pais estavam brigando, ou quando
Vincent agia como se não tivesse filhos. Senti coisas parecidas em todas as vezes que meu pai
insistia em nos forçar a fazer Cardiologia, e quando minimizava a profissão de Alya.
A sensação foi semelhante ao encarar Sarah. A notícia de que a cirurgia havia chegado ao
fim me fez voltar a realidade.
— Irmão? — Lya chama a minha atenção. — Você está bem?
— Claro, por quê?
— Você parece tão preocupado. Está me escondendo alguma coisa? — Lya ergue uma de
suas sobrancelhas.
Expressão idêntica a da nossa mãe. Costumava vê-la quando Noelle estava tentando
descobrir a verdade no meio das minhas mentiras juvenis, como quando fiz minha primeira
tatuagem e insisti em esconder dela.
— Não estou escondendo nada, Alya. Que ideia é essa?
— Nunca o vi preocupado dessa forma, apenas com suas crianças.
— Acontece, ué! Íris foi minha paciente, quero que tudo dê certo, principalmente porque
também fiz parte do trabalho. — digo, atropelando as palavras e empurrando-a para dentro.
Alya é pequena, mas seu físico é forte e ela consegue forçar o corpo para trás, quando
ergue o queixo para voltar a me olhar.
— Está apenas preocupado com o resultado do seu trabalho?
— É óbvio, Alya. Entra logo, porra!
Minha irmã revira os olhos e avança na minha frente. Olivia abre um sorriso quando me
vê.
— E então?
— O Dr. Wilkins disse que correu tudo perfeitamente bem. — Arnold avisa e meus
músculos parecem relaxar. — Ela apenas demorou a reagir a anestesia, mas já está começando a
despertar.
— Perfeito, então, não irá demorar muito para que ela venha para o quarto. — Eles
assentem e se abraçam.
— Disseram que já irão trazê-la. — Neil completa e eu me sento para conter a fraqueza
nas pernas.
— Ela pediu para que pegássemos meias limpas. — Olivia avisa.
Esse foi o pedido de Íris antes de fazer uma cirurgia?
— Ela possui uma fixação por meias coloridas e não gosta de estar sem elas. É uma
mania que tem desde quando era uma menina. — ela brinca, fazendo Neil e Lya rirem.
Patética.
Sarah continua a me analisar com seus olhos irritados. Sempre espiei a forma com que ela
tratava da saúde física e de seus atletas e esperava conseguir ser da equipe olímpica.
— Será que conseguimos retornar antes dela acordar? — Arnold pergunta.
— Vão, caso ela acorde antes, aviso o motivo de não estarem aqui. — Olivia dá um
sorriso ao ouvir Lya e dá um beijo na testa da minha irmã.
— Voltaremos logo.
Eles saem o mais rápido que conseguem e não demora muito para que a maca que
transporta Íris atravesse o corredor até o quarto 652. Sarah e Neil sequer dão espaço para a
enfermagem, enchendo-os de perguntas enquanto ajeitam a loira desacordada na cama.
Meus olhos não saem de seu rosto pálido. Pelo menos, tiraram a touca transparente
ridícula para deixar seus cabelos dourados livres e espalhados pelo travesseiro.
Ah, merda… Esses cabelos estão nos meus pensamentos com mais frequência do que
deveria.
— Ela retornou da anestesia, não por completo, mas abriu os olhos e murmurou algumas
coisas. — um dos enfermeiros avisa. — Por isso, já decidimos trazê-la, não demorou para que
ela dormisse novamente. Isso é normal, o cansaço apesar da cirurgia…
— Quando ela despertar completamente, por favor, nos chamem para confirmarmos se
está tudo bem. — a enfermeira completa e nos deixa sozinhos com Íris antes mesmo de
respondermos.
Íris permanece imóvel. O corpo está parcialmente coberto, mas consigo enxergar suas
mãos, pequenas, mas levemente calejadas. As unhas curtas pintadas de roxo, no tom exato usado
no desenho de Nina, que está pregado na parede ao lado de sua cama.
Lya se aproxima de Íris, pegando sua mão em seguida. Minha irmã se abaixa em sua
direção e deposita um beijo demorado no dorso de sua mão, fazendo-a se mexer com extrema
dificuldade.
Íris resmunga e torce o rosto antes de abrir os olhos, parcialmente.
— Amiga? — Lya pergunta, com um sorriso nos lábios. Íris pisca diversas vezes, até
reconhecê-la.
— Lya? — ela sussurra e usa a mão livre para coçar os olhos. — Órion?
Arregalo os olhos quando meu nome escapa de sua fala frágil, mesmo que ela não tenha
enxergado o suficiente para me ver encostado no batente da porta.
Neil e Sarah direcionam o olhar para mim simultaneamente e eu tento ignorá-los,
avançando até a cama. Apoio no ombro de Lya que está distraída o suficiente para não perceber
que não consegui conter um sorriso ao vê-la com seus olhos grandes e castanhos direcionados
para mim.
Me torno uma grande bagunça.
A filha da puta consegue ser irritantemente linda mesmo depois de uma dose forte de
anestesia e uma cirurgia de mais de uma hora. Como isso é possível?
— Está tudo bem? — ela pergunta e nós assentimos.
— Como está se sentindo?
— Tão enjoada… — ela reclama.
— Isso é normal, querida. — Sarah se aproxima. Íris está tão exausta que não esboça
nenhuma reação. — Logo irá melhorar e nós podemos conversar sobre seu pós-operatório.
— Órion irá… — ela resmunga, voltando a fechar os olhos. Arregalo os olhos, tentando
organizar suas palavras retorcidas em algo que fizesse sentido.
Me dei conta de que, no momento em que a segurei em meu colo, me envolvi em uma
tremenda confusão. E isso aumentou quando enfrentei uma das maiores fisioterapeutas da
ginástica para defendê-la.
Íris só piorou ainda mais a situação.
— O quê? — Sarah pergunta, se aproximando para ouvi-la melhor.
— Órion prometeu que cuidaria de mim antes, durante e depois. — ela choraminga, mas
com mais clareza.
Clareza que me faz lembrar do momento exato em que fiz essa promessa.
Ainda que não esteja em seu juízo perfeito, Íris também se lembra.
Sarah lança um olhar repreendedor que me faz recuar um passo e erguer os ombros,
fingindo normalidade. Íris apenas esfrega o rosto e volta ao seu sono.
— Eu vou chamar os enfermeiros… — Alya cantarola e sai do quarto rapidamente.
A verdade cai sobre meus ombros quando os olhos de Íris voltam a minha memória. A
pergunta feita quando ela ainda sentia medo, quando ela tentava me convencer com aquele
maldito semblante que me deixava fodidamente desconcertado.
Nem mesmo minhas crianças conseguem algo com tanta facilidade. Como pude demorar
tanto para perceber isso?
Fiz uma promessa e percebi que ela pode ser o motivo da minha ruína.
Pode resultar em um grande problema, num grande caos. O universo irá colapsar a
qualquer momento.
Porra, eu preciso mesmo fumar.
Eu costumava flutuar, agora só caio
Eu costumava saber, mas agora não tenho certeza
Para que fui criada
Para que fui criada?
What Was I Made For — Billie Eilish

Cinco meses antes das Olimpíadas


Os efeitos da anestesia fizeram que o resto do dia anterior se tornasse um grande borrão.
Consigo me lembrar com clareza do momento em que abri os olhos e vi Órion e Lya, em
seguida, tenho absoluta certeza de ter adormecido novamente, já que quando voltei a acordar, o
relógio já marcava oito da noite.
Lembro do Dr. Wilkins falando do quanto eu estava dormindo e perguntando se eu estava
sentindo muitas dores. Respirar faz meu joelho doer, por isso evito movimentos bruscos na hora
de puxar o ar.
Meu treinador não me poupou de seus conselhos, nem mesmo quando eu estava caindo
de sono. Por outro lado, Sarah permaneceu em silêncio, ordenou que eu fizesse repouso absoluto
e disse que voltaria no dia seguinte.
É claro que faria repouso absoluto, ela esperava que eu saísse correndo para a academia
logo depois de voltar da cirurgia?
Respiro pesadamente, porque no fundo, era o que eu queria fazer. Mesmo depois de horas
dormindo, sinto que atingi o meu pico de exaustão e pensar que ficarei mais alguns dias de
repouso absoluto me faz querer chorar.
O ar se acumula em minha garganta e eu solto o peso do meu corpo na cama, que já está
se tornando extremamente desconfortável, mesmo que o intuito seja outro. Cada centímetro
desse quarto está se tornando desconfortável para meus olhos.
As janelas de vidro permitem que eu veja meus pais, Sarah e Neil no fim do corredor,
conversando. Evito me mover para não chamar a atenção deles, mas é inevitável erguer o olhar
para o desenho preso na parede, ao lado da minha cama. Queria poder agradecer a Nina por ter
me dado sorte.
Mesmo que a dor não seja incômoda, os sorrisos de meus pais me fazem perceber que,
afinal, o coração roxo feito pela menina foi um verdadeiro amuleto.
Tento esquecer a pressão em meus ombros quando percebo que Dr. Wilkins apontou para
mim e revelou que eu estou acordada. Alinho a coluna na cama, tentando me acomodar até estar
sentada.
Forço um sorriso antes mesmo deles atravessarem a porta.
— Bom dia, Senhorita Coleman! — O médico exclama, abrindo os braços. Ele é
extremamente simpático e sua presença é uma das poucas coisas que me deixa confortável nesse
hospital. — Como está se sentindo?
— Exausta… Faz sentido depois de ter dormido tanto? — pergunto e ele ri. Meus pais se
abraçam atrás dele, me olhando com uma admiração que me deixa desconcertada.
Os olhares de orgulho dos meus pais são algo que sempre tentei preservar com extremo
cuidado, mas às vezes, eles exageram.
— Claro que faz. A mente cansa o corpo, já te disseram isso?
Assinto, ainda mais exausta, lembrando das milhares de vezes que Órion repetiu isso para
mim.
— Logo você vai tomar seu café da manhã e durante a tarde, já terá alta.
— Já? — Uma ponta de esperança aquece meu coração.
— É claro, sua cirurgia foi um sucesso! Vamos examinar as cicatrizes e se tudo estiver
perfeito, você pode ir para casa e começar suas sessões de fisioterapia.
Engulo em seco, sabendo que Sarah já repetiu várias vezes que não será tão rápido,
porque precisa ficar de olho nas outras meninas. Ela me encara do outro lado do quarto, ainda
hesitante em entrar.
Me preparo para o momento em que vou pedir para trocar de fisioterapeuta, e sei que vou
precisar de muita coragem para isso.
Dr. Wilkins se inclina sob minha perna, começando a analisá-la. O toque de suas mãos
me faz arfar, com medo.
— Não se preocupe, a dor é normal. Agora, nas primeiras 24 horas, faremos apenas
crioterapia, por 15 minutos. — Franzo o cenho e ele sorri. — Compressa gelada, querida. Vai
ajudar a aliviar a dor. Recomendo que você mexa o tornozelo e os dedos do pé com cuidado, vai
ajudar na circulação e vai facilitar na hora de se levantar.
Tento não olhar para Sarah enquanto o médico me passa as orientações do que devo fazer
nos próximos dias. A fisioterapeuta parece ouvi-lo com atenção, mesmo que seu olhar já não
esteja tão profissional. Sarah está indiferente, parece estar aqui por obrigação.
— Tome os analgésicos e os anti-inflamatórios e volte depois de 5 dias para que eu
oriente seu fisioterapeuta. Faremos uma análise para saber se você já vai estar apta para voltar
com movimentos mais intensos.
— E quando eu posso me levantar?
— Se estiver pronta, logo que for embora. Com o uso de muletas, óbvio, acredito que já
tenha prática com elas. — Assinto, tentando conter o sorriso. — Mas, precisamos conversar…
Seu tom preocupado faz com que meus pais se aproximem. Neil, que ouvia as orientações
com atenção, franze o cenho e cruza os braços.
— A cirurgia foi realmente um sucesso, Íris, e você pode dar o seu máximo na
recuperação, mas respeite os seus limites. Faça tudo no seu tempo, não adiante as coisas.
Entende o que quero dizer?
— Entendo.
— Isso significa que, antes de ter as sessões de fisioterapia prescritas, ela deve fazer
repouso absoluto? — Minha mãe pergunta, me deixando com medo da resposta.
— Não precisa ficar 24 horas deitada em uma cama, até porque a movimentação é
importante para que seus membros não atrofiem. Por isso, recomendo o uso de muletas. O apoio
pode facilitar nas sessões e também reduz o inchaço com mais rapidez, mas apenas se você sentir
que aguenta. Não ultrapasse seus limites, Íris! Se a dor for demais, pare.
Me encolho na cama. Minha alma reclama do tempo que ficará sem saltos e giros, mas
agradece pelo descanso.
— Combinado? — Assinto. — Acredite, cinco meses é muito tempo.
Cinco meses até as Olimpíadas.
Sinto os ossos rangerem ao me lembrar desse fato. Repito que cinco meses é muito tempo
como um mantra, tentando me convencer disso.
Quando alguns enfermeiros se aproximam, Sarah resmunga algo e depois de dar um
sorriso forçado, ela pega a compressa gelada e se aproxima lentamente.
— Posso conversar com Íris a sós? — ela pergunta, me fazendo estremecer.
Todos assentem, incluindo o médico, que apenas diz que vai retornar logo, e em seguida,
estamos sozinhas.
O silêncio é tanto que consigo ouvir seus movimentos. Ela se senta com cuidado na cama
e posiciona a compressa com cuidado em meu joelho, me fazendo arfar com o contato na minha
pele.
— Logo você acostuma. — ela diz, tão baixo como um sussurro. — Sei que sou dura
com você, mas apenas falei a verdade.
— Eu sei, está tudo bem.
— Você é talentosa e capaz, Coleman, mas o tempo passa rápido e a RGA tem
prioridades.
Sinto meu corpo diminuir. Ela fala com os olhos fixos em meu joelho e no gelo que o
anestesia. Me sinto sozinha e fraca, mais do que nunca.
— Mas também sei que fui rude, posso ter piorado algumas coisas. — Suspiro.
Por Deus, como ela consegue mudar de face com tanta facilidade?
— Íris, eu tenho um filho pequeno e eu amo meu Chris com toda a minha alma, mas
vocês vieram primeiro. Também são minhas filhas, cuido de vocês da mesma forma que cuido
do meu menino. Se fui dura, foi apenas tentando consertar algo que deixei quebrar.
— Não deixou quebrar nada, Sarah. Sei que fui irresponsável.
— Sinto orgulho de você, Íris. — ela diz, tocando meu queixo. — E de Órion também,
afinal, ele foi crucial na última semana. Por isso, acho que deve continuar as sessões com ele.
Franzo o cenho. Órion parecia decidido demais quando disse que Sarah seguiria com o
tratamento e eu me acostumei com a ideia, mesmo acreditando que ela transformaria minha
recuperação num fardo.
— Acha?
— Claro. — ela diz, forçando um sorriso que me deixa confusa. Não parece nada
verdadeiro. — Ele vai poder te dar toda atenção e o devido tempo. A vida da equipe olímpica
será corrida, você merece algo mais exclusivo.
Céus, Neil já me descartou?
Permaneço imóvel enquanto gritos dolorosos ecoam dentro da minha mente.
— E é o que você quer, hum? Foi o que disse ontem.
Arregalo os olhos. Eu disse o que?
Mesmo tentando encontrar esse momento em minhas lembranças embaçadas, assinto,
ainda receosa.
— O resultado foi bom, mas somos um desastre um com o outro.
— De qualquer forma, depois que dormiu, nós conversamos e ele concordou.
A surpresa é ainda maior e Sarah certamente reparou, pois deu um sorriso discreto antes
de pegar minha mão e depositar um beijo no dorso.
Reparo na sua informalidade. Ela está com os cabelos castanhos e lisos soltos, roupas
mais confortáveis, até mesmo alguns anéis enfeitam seus dedos. Ela não estava ali para qualquer
tipo de tratamento, não mesmo. Sua intenção é terminar de destruir o que já está frágil, mas com
discrição.
— Ele e Lya foram em casa, acredito que retornarão no horário da tarde. Não sei se Órion
virá, mas Alya com certeza. — ela avisa, se levantando. Sarah se aproxima e me surpreende
quando beija minha testa. — Estarei sempre por perto, ok? Sabe onde me encontrar.
Sarah me deixa completamente sozinha antes mesmo de eu pensar em alguma resposta.
Minha mente se torna uma grande confusão a ponto de eu acreditar que perdi a fala, a capacidade
de formar alguma frase sem cair no choro. Percebo que toda a esperança não serviu de nada, já
que antes mesmo de eu começar a tentar, já fui descartada.
Saber que Órion concordou em fazer as sessões também ajuda a me deixar ainda mais
confusa, principalmente porque tudo o que queríamos era que a semana passasse mais rápido
para não precisar mais aturar um ao outro.
Dr. Wilkins já havia falado que a fisioterapia seria longa, principalmente com a
necessidade que tenho. Pensar em aturar o mau-humor de Órion por longos cinco meses é
frustrante. Sequer consigo imaginar vê-lo constantemente sem que estejamos discutindo ou
enfrentando aquele silêncio completamente desconfortável.
Os momentos em que ele se inclinava sobre mim para erguer minha perna era
insuportável. Todo aquele perfume me deixava enjoada, principalmente ao se misturar no cheiro
daquele maldito cigarro. Até mesmo sua completa atenção nos detalhes, sua concentração e os
termos técnicos que usa me deixa irritada.
Céus, em que momento eu disse que queria Órion como fisioterapeuta? E por que ele
simplesmente não pediu para que outro fisioterapeuta ficasse em seu lugar?
Em que momento Neil desistiu de mim?

Engulo o que restou do almoço à força. Sinto que, desde que retornei da cirurgia, meu
estômago ficou menor e não suporta tanta comida.
O café da manhã foi um tormento, e agora minha mãe me assiste engolir a comida com
lentidão. Deixo que meu estômago se acostume antes de encher a colher de mais um pouco de
sopa.
— Quando o Dr. Wilkins vai me dar alta?
Quando vou poder me esconder?
— Logo depois do horário de visita, querida.
— Mas se eu vou sair, por que tenho que ficar no horário de visitas? Todos estão aqui, e
se alguém quiser me visitar, pode ir até nossa casa. — respondo, sentindo meu corpo implorar
para ir embora.
O Dr. Wilkins já havia permitido minha troca de roupas. Já me livrei daquela roupa
horrorosa e me acomodei em um vestido azul, sentindo-me minimamente normal de novo.
Mamãe me ajudou a colocar minhas meias com bolinhas azuis para combinar.
— Enfim, quando começa o horário de visitas?
— Já começou.
Reviro os olhos, mas abro um sorriso quando vejo Lya se aproximar, seguida de Ashley,
Jennifer e Vivian, que acenam ao me ver. Elas vestem moletons da RGA, a não ser por Vivian,
que apenas usa um boné roxo em seus cabelos cacheados e longos.
— Ai, que bom ver vocês! — exclamo, sentindo o peito se expandir com uma felicidade
que não sentia desde que entrei nesse hospital.
Ash se aproxima com mais rapidez e logo me abraça, calorosamente.
— Como você tá, amiga? — Jenni pergunta, tocando minha mão.
Lya ainda exibe um sorriso quando se aproxima e beija minha testa.
— Quando você volta? — Vivian pergunta, apesar do seu semblante mais sério.
— Vai demorar, Vi. — respondo.
— Mas você vai para Paris, não? — Ash pergunta e meu estômago revira. Nego com a
cabeça.
— Sarah já disse que não vai dar tempo.
Todas, até mesmo Vivian, são tomadas por semblantes tristes e mesmo que eu esteja tão
decepcionada quanto, me sinto levemente acolhida.
— Ela vai te atormentar nas sessões…
— Ah, não vai ser ela… — Elas continuam me encarando, confusas. — Ela disse que
precisa de tempo para cuidar de vocês, então, vou seguir o tratamento com Órion.
Alya aperta meu ombro cuidadosamente, em alerta.
— Ah, o gostoso rabugento? — Ash pergunta, me fazendo revirar os olhos.
— Ele é um amor com as crianças, eu já reparei. — Jenni completa.
— Já?
Elas reparam em Órion?
Eu tentava não olhá-lo, não com tanta frequência…
Órion é extremamente bonito, e isso é inegável. Olhá-lo de perto nas sessões se torna
torturante, me sinto dividida em odiá-lo e estar completamente fascinada pelos seus olhos. As
pintas esverdeadas que moldam suas pupilas são incrivelmente artísticas.
Tudo nele é artístico, é irreal. É desconexo, mas é viciante. Desperta curiosidade em mim.
Até mesmo suas tatuagens despertam curiosidade. Sequer consigo imaginar até onde vão aqueles
desenhos. As regatas que usava deixavam à mostra os traços em seu pescoço e toda aquela
confusão em seus braços. Eles vão até seus ombros, certamente alcançam suas costas.
Há uma serpente em sua perna.
Eu já me vi completamente perdida no astronauta desenhado em seu antebraço, me
perguntando sobre quantos planetas existem dentro do universo gigante e confuso da sua cabeça.
Eu já reparei muito em Órion. E isso não é bom.
— Ele só é bom com as crianças, o cara não dá nem bom dia. — Vivian completa, me
fazendo dar de ombros, quase concordando.
— É um bom profissional, isso que importa. — Lya diz e eu preciso conter a risada,
vendo-a defender o irmão.
— Bom e gostoso.
— Cale a boca, Jennifer! O assunto é sobre mim! — falo, forçando o riso quando me dou
conta de que elas entristeceram novamente.
— Você não vai mesmo? — Ash pergunta.
— Ainda não falei diretamente com Neil, mas Sarah já deixou bem claro… — Engulo o
choro. — Várias vezes.
— Não podemos ir sem você. — Alya choraminga, me abraçando e eu sinto que vou me
despedaçar em seus braços.
— Não posso fazer muito se Neil já me descartar no comitê. — confesso e verbalizar isso
faz com que meus músculos contraiam em negação. — Sinto muito, meninas…
— Nós que sentimos muito. — Jenni diz e Vivian assente, relutando em se aproximar.
— Esqueçam isso, estarei no próximo ano. — falo, prestes a desmaiar, mas forço um
sorriso.
— Queria mesmo ser como você. — Jenni diz e eu franzo o cenho. — Você consegue
lidar muito bem com as coisas, eu estaria destruída se fosse você.
Se ela soube dos motivos que não me deixam desesperada, não diria tal coisa. Não estou
chorando pois não tenho mais forças, não estou implorando para ir porque não tenho mais
esperanças. Não estou me lamentando pois estou exausta.
Eu simplesmente desaprendi a reagir. O ar está se tornando escasso e eu estou prestes a
desaparecer por completo dentro de mim mesma.
— Esqueçam isso.
Depois de explicar um pouco sobre o pós-operatório e ser obrigada a aturar Jennifer
falando sobre Órion, sinto meus pulmões aliviados por estarem respirando livremente. A
presença das meninas fez com que eu me lembrasse que existem pessoas que torcem por mim,
verdadeiramente.
Nossos corações batem em sintonia. Mesmo que Jennifer e Ash sejam espalhafatosas ao
extremo, mesmo que Vivian não goste tanto de mim, ou que Lya esconda certas coisas de nossas
amigas. No fim, me sinto em casa quando elas estão comigo.
— Coleman? Podemos conversar? — Órion dá três batidas na porta, atraindo os olhares
para si.
Assinto e depois de receber beijos das minhas amigas, elas deixam o quarto e dão espaço
para ele. O perfume cítrico preenche todo o ambiente. Órion possui uma presença marcante,
quase densa, indo além de sua personalidade difícil.
Ele é notável.
Extremamente notável.
Jenni está certa, afinal.
— Então, você concordou em continuar com as sessões? — pergunto e ele dá de ombros.
— Você vai ficar cinco dias em repouso e depois vamos começar as sessões intens…
— Intensivas? — Franzo o cenho e ele assente, me deixando ainda mais confusa. — Por
quê?
— Como assim, por que?
— Sarah disse que estou fora. — Dou de ombros. — E que me deixou sob seus cuidados
porque a equipe olímpica precisa de atenção… Achei que já tinham me descartado.
Órion revira os olhos, impaciente e se aproxima, até estar de pé ao lado da minha cama.
— Neil não te descartou… Sarah ainda está tentada a convencê-lo a isso, mas não vai
acontecer.
Sinto a esperança me consumir novamente. Órion umedece o lábio e quando um sorriso
surge no canto de sua boca, me sinto ainda mais aliviada. Ele não está sendo um babaca, não é
mais uma das suas piadas idiotas e tentativas de me tirar do sério.
Ele está falando a verdade.
Como sempre, Órion parece não perceber a minha surpresa, já que não consigo esconder
o quão aliviada e feliz estou em saber que ainda tenho chances de ir para Paris.
— Como eu estava dizendo, vamos começar as sessões em cinco dias. Continue com a
compressa gelada para ajudar a diminuir o inchaço e a dor. E não se esqueça do horário dos
remédios.
— Eu sei, Órion, não sou uma criança.
— Não me faça sentir arrependimento em ter concordado.
— E por que concordou?
— Não acho justo que fique de fora das Olimpíadas apenas porque Sarah supôs que você
não consegue. — Ele dá de ombros e põe as mãos no bolso. — Ela acha que as sessões devem
ser lentas, concordei apenas para ela esquecer de tentar te desmotivar.
— Por que está fazendo isso?
— Por que você faz tantas perguntas? O importante é que suas sessões começarão logo e
em cinco meses irá voltar às competições. Mas primeiro tem que acabar com essa cara de choro,
não aguento mais, me dá enjoos.
— Experimente estar na minha pele, até mesmo você, que parece não ter sentimentos, irá
descobrir que têm um coração.
— Mais uma palavra e eu me arrependo.
— Ainda dá tempo de desistir. — o provoco, sabendo que ele não vai mudar de ideia.
— Não fale como se não estivesse sussurrando meu nome enquanto dormia.
Meu rosto arde, principalmente por não lembrar do momento em que isso aconteceu.
Meu coração bate tão forte que consigo senti-lo em todos os cantos do meu corpo. Nem mesmo
consigo olhá-lo, mas sei que ele permanece com o sorriso vitorioso nos lábios.
Filho da puta, como pode ser tão irritante?
Como eu pude ser tão idiota?
— Não se martirize tanto. — ele debocha. — Não é incomum ouvir meu nome sair da
boca de uma mulher naquele tom.
— Há quanto tempo está desejando isso? — pergunto, ignorando a raiva que faz minhas
veias pulsarem. — O motivo de me odiar é porque sou eu quem está nas suas fantasias?
— Não seja ridícula. O horário de visitas acabou. — ele avisa. — Você não vai precisar
de mim nos próximos dias, mas me deixe informado sobre sua evolução.
— Tchau, Órion.
— E não faça o que não deve, Íris. — ele completa, sem tirar o sorriso de seu rosto. Sinto
que vou explodir de raiva.
— Eu odeio você!
Eu sou imperturbável
No meu próprio mundo
É por isso que meu ombro está tão frio
Unfuckwitable — ZAYN

A saudade que eu sentia da minha cama me faz querer passar o resto do dia nela, e eu
resmungo na tentativa de fazer com que o relógio volte algumas horas, para que eu continue o
meu tão precioso sono.
— Mimada. — resmungo, indo na direção do banheiro. — Prepare-se para sair, preciso
arrumar essa cama.
Bella late e me faz rolar os olhos.
Ainda que filhote, ela era quieta, ignorava todos os seus irmãos e parecia sempre mal
humorada. Ah, ela chamou a minha atenção sem fazer muito, nossa relação se tornou intensa no
momento em que a tirei de lá. Ter um cachorro foi algo que eu planejava desde antes de sair de
casa, já que eu sempre desejei um e meu pai nunca permitiu, mesmo nunca estando em casa.
Quando Lya ousou em adotar um gato, ele fez questão de levá-lo de volta.
Sua personalidade não só refletiu a minha, como às vezes ela consegue ser ainda pior do
que eu.
Voltar a minha rotina é algo que me faz sorrir. Alimentar Bella durante a manhã, tomar
meu café enquanto admiro a vista de Miami pela janela. Arrumar minha cama com calma e tentar
convencê-la de que ela ficará sozinha apenas por algumas horas.
O visor do meu celular mostra que já se aproximavam das nove horas, o que significa que
eu chegaria um pouco atrasado, o que me faz correr para a minha moto.
Na RGA, os atletas já ocupam os tapetes e outros aparelhos, correm e gritam, assim como
seus treinadores. Até mesmo a equipe olímpica já tinha retornado, mesmo que para apenas
frequentar a academia. Na entrada da sala de musculação, as meninas conversam em sussurros e
quando Lya direciona o olhar para mim, dou uma piscadinha que a faz sorrir.
Na sala de fisioterapia, Sarah faz algumas anotações e ergue o olhar quando entro. A
reação faz com que os profissionais ao redor fiquem em silêncio e levem a atenção para nós, já
que o assunto na RGA se tornou a lesão de Íris e a ausência de Sarah.
A fisioterapeuta nunca foi de demonstrar sentimentos e afeto pelo outro, mas sempre me
direcionava um bom dia minimamente sorridente. Dessa vez, ela apenas suspira e volta a atenção
para o papel. Descobri que, uma das coisas que Sarah nitidamente mais detesta, é ser contrariada.
Descobri também o quão dissimulada ela consegue ser.
Quando saímos do quarto de Íris no hospital, Sarah utilizou da sua cara mais triste para
dizer que entende que Íris precisa de atenção e que ela não vai poder dar, já que tem muito a
fazer com a equipe olímpica. Apenas entrei em sua história e incentivei sua mentira.
Ela não só acredita que Íris não vai retornar, como parece estar disposta a não lhe dar
atenção apenas para provar que está certa.
Notei em seu olhar o quão frustrada e triste estava no momento em que pisei na entrada
de seu quarto. Íris estava fingindo sorrisos para as amigas, sua voz estava quase inaudível. O
tempo de convivência com a loira me fez aprender a distinguir seus falsos sorrisos e seus
verdadeiros.
E ela sorriu verdadeiramente quando eu disse que Neil não havia a descartado. Sarah
tentou arrancar as esperanças de Íris e por Deus, isso acabou com o que sobrou da minha
admiração por ela.
— Como foi a conversa com Íris? — ela pergunta, me surpreendendo ao ouvir sua voz.
— Normal, apenas falamos sobre começar as sessões em breve. — Dou de ombros e ela
remexe o corpo na cadeira. — E a sua conversa com ela?
— Fiz o que precisava, mas deixei claro que posso ajudá-la.
— Não vai precisar.. — respondo e ela se levanta.
— Sei que dá conta, Órion, mas você é tão jov…
— Por favor, nem termine. — a interrompo. — Sei que se preocupa com as suas atletas,
mas Íris não é mais sua paciente e se eu não fosse capaz, não estaria me responsabilizando. Não
precisa se preocupar mais.
Saio na direção do vestiário antes que o assunto se estenda. Ter que lidar com as
teimosias de Íris será estressante, mas tornou-se uma questão de honra fazer com que ela retorne
para esse ginásio o mais rápido possível.
Retorno para a sala depois de colocar o uniforme branco e esconder as balas em meu
bolso. A maca, que antes estava vazia, agora está ocupada por Luke, que já estava com as mãos e
pernas cobertas de pó de magnésio.
— E então? Como estamos? — pergunto. — Conseguiu concluir aquele salto depois das
argolas?
Luke relaxa os ombros e nega com a cabeça, frustrado. O pequeno menino ingressou na
academia no mesmo ano em que eu consegui a vaga. É perfeito nos solos e não encontra
nenhuma dificuldade em se equilibrar nos cavalos, mas têm uma dificuldade em finalizar nas
argolas.
É um assunto que está sempre em pauta quando ele vem até mim.
— Dores nas pernas?
— O treinador pediu para que eu viesse, tentei muitas vezes e estou com um pouco de
fraqueza. — ele reclama, limpando as mãos no uniforme roxo.
— Vamos fazer só uma massagem e depois colocar um pouco de gelo, certo? — Ele
assente e estica as duas pernas para que eu comece a sessão. — Onde dói?
— Tornozelo e coxa. — ele aponta, desviando o olhar para a parede.
— Lembra da nossa conversa sobre enfrentar as dificuldades?
— Mas, tio, já faz tempo que tô tentando…
— Não seja duro com você mesmo, ok? Luke, você tem tempo para aprender… Você é
ótimo nos saltos em solo, nos cavalos você é o melhor. — Ele dá um pequeno sorriso. —
Exercite um pouco mais os seus braços, irá ajudá-lo nas argolas… mas sua mente também! Não
vá além dos seus limites.
O garoto já está perto dos seus 12 anos e entende perfeitamente cada conselho dado,
inclusive pela psicóloga. Porém, a pressão imposta pelos treinadores faz com que ele esqueça um
pouco do que falamos.
Lembro de quando Alya era mais jovem e sempre ia além do seu limite quando o
treinador e a fisioterapeuta pegavam mais pesado. Minha irmã sempre foi sensível a gritos,
principalmente depois de ouvir as discussões dos nossos pais e eu sempre sabia quando alguém
havia passado do limite com ela.
— Está tudo bem errar de vez em quando, você tem bastante tempo para acertar. —
repito o que eu falava para Lya quando ela chegava frustrada.
Luke permanece em silêncio enquanto massageio suas pernas e às vezes torce o rosto
quando atinjo um ponto dolorido. Quando terminamos, preparo compressas geladas e coloco em
suas pernas, fazendo-o contraí-las.
Demorou para que sua respiração retornasse à normalidade, mas os olhos estão pesados e
cada minuto deitado parece importante. O menino está nitidamente exausto.
— Tio? — ele sussurra quando vou na direção da minha mesa. — Trouxe bala?
— Mas é claro… — respondo no mesmo tom e olho para os lados antes de tirar uma do
meu bolso. — Só se me prometer que não ficará mais triste, e nem irá desistir…
— Eu prometo.
— Confio em você, hein. — aviso e deixo a bala na palma de sua mão. Seu sorriso volta
ao seu rosto enquanto ele abre a embalagem do doce.
Eu ficava espumando de raiva quando isso acontecia com Alya, com uma vontade
extrema de defender minha irmã, mas quando ela retornava, com brilho nos olhos, saltitando
porque havia conseguido, eu deixava essa ideia de lado, não conseguia mover um dedo, fazer
qualquer movimento que pudesse estragar seu sonho.
Vejo isso no olhar de cada criança, as nuances, as frustrações e os sorrisos.
Depois de dispensar Luke, leio alguns prontuários e preparo duas banheiras de gelo para
as próximas crianças. O dia passa tão rápido que sequer consigo me lembrar de comer, mas
finalizo o que estava pendente e atendo todos os meus atletas.
Dou um suspiro aliviado quando a pilha de papéis está organizada. Minha coluna dói,
mas a satisfação é maior.
Me arrasto para o refeitório quando encontro uma brecha em meu horário e dou um
sorriso quando vejo minha irmã. Lya conversa animadamente com as amigas, mas suas
gargalhadas cessam quando uma delas pergunta sobre Íris, o que faz com que minha atenção
fique em seu círculo enquanto pego um pote com salada de frutas.
— Ela teve alta ontem? — Lya assente. — E tem notícias? No grupo ela disse que está
péssima.
— Está reclamando de muitas dores, e tédio. Imagina só, ficar deitada o dia todo… —
Minha irmã conta.
Sentir dor é algo normal após uma cirurgia, mas não com tanta intensidade, não fazendo
repouso absoluto. Foi recomendado compressas geladas, analgésicos e repouso, certamente
diminuiria o inchaço e aliviaria a dor.
Mesmo levando em consideração o drama que Íris costuma fazer, pego meu celular para
mandar uma mensagem para me certificar de seu exagero.

Órion: Como está se sentindo, Coleman? Alguma dor?

Levo o garfo a boca e me surpreendo com a rapidez da resposta, me dando conta de que
ela realmente está entediada.
Tortura diária: Estou bem.

Órion: Mentirosa
Órion: Ouvi Lya dizer que está com dor.

Tortura diária: Além de insuportável, você também é fofoqueiro?

Órion: Responda a pergunta. Tomou os analgésicos?

Tortura diária: Tomei, odeio esses remédios.


Tortura diária: E não aguento mais ficar deitada. Minha vontade é de sair correndo.

Órion: Faça, Coleman.


Órion: Quer ajuda?

Consigo imaginar Íris rolando os olhos castanhos ao ler a mensagem. Quando o símbolo
indica que ela está digitando, me preparo para insultos.

Tortura diária: Por que você leva tudo a sério?

Órion: Porque não duvido da sua capacidade de ser impulsiva.

Tortura diária: Sou impulsiva, não louca.

Órion: Se tratando de você, não vejo diferença.

Tortura diária: Vá para o inferno.

Atravesso o corredor do hospital depois de colocar o uniforme insuportavelmente quente.


Antes mesmo de entrar na sala, consigo ver as crianças nos aparelhos, nos tapetes e Newton as
organizando com a ajuda dos outros fisioterapeutas.
Nina ergue o olhar ao me ver e abre um grande sorriso. Meu coração se alivia de imediato
ao vê-la de volta. Seus cabelos estão soltos e balançam conforme ela avança lentamente até mim.
Me apresso para pegá-la no colo antes que ela tente correr.
— Como você está, pequena? — pergunto quando ela segura meu pescoço.
— Bem. — Ela dá de ombros. — Odeio o quarto. Queria nunca mais voltar.
Eu também queria, pequena…
— Vamos fazer o máximo pra isso não acontecer, certo? — pergunto, balançando-a
levemente em meu colo.
— Certo! — ela exclama, erguendo os braços.
— Mas vamos pegar leve hoje, ok? Apenas para exercitar a sua respiração. — Aproveito
para dar as orientações para Kiara, que ouve com atenção. — Tem tido alguma dificuldade?
— Algumas vezes, quando um certo alguém insiste em tentar andar rápido.
Nina desvia o olhar, fingindo que não estamos falando sobre ela.
— Vamos deitar, pequena. — falo, colocando-a no tapete.
— Vamos fazer juntos? — ela pergunta, animada.
Uma das dinâmicas favoritas de Nina é quando fazemos os exercícios juntos. Ela adora
sentir a independência, já que não estou sempre guiando seus movimentos, e ainda dá boas
risadas. Cedo ao seu sorriso com facilidade e me deito ao seu lado. Nina se ajeita e direciona os
grandes e brilhantes olhos azuis para mim.
— Vamos pressionar as pernas na barriga, consegue? — pergunto, puxando meus joelhos
contra o peito.
Ela assente e imita o movimento.
— Pode contar até dez pra mim?
— Um… — ela puxa o ar. — Dois, três, quatro, cinco, seis, dez!
Arregalo os olhos com a sua audácia, me controlando para não rir.
— Nina! Não acredito que você roubou! — reclamo, fazendo-a gargalhar. Sua risada
ecoa por todo o cômodo e minha mente foca apenas em seu rosto adorável e em como o som
acalenta meu peito.
— Você não sabe contar, Órion! Mas eu vou repetir pra você aprender, ‘tá?
Concordo com a cabeça e ela começa a contar, puxando a respiração pesada entre os
números. Ela logo estica as pernas e suspira.
Nina termina os exercícios com certa dificuldade, já que a última crise afetou sua
disposição e apenas alguns movimentos já a deixam ofegante. Repetimos o exercício algumas
vezes, revezando entre minutos de descanso que servem para ela me mostrar seus desenhos e me
contar sobre seus dias na escola.
Quando ela avisa que está pronta para o próximo, a posiciono sentada e pressiono sua
coluna com cuidado, mantendo sua postura ereta.
— Quando eu pressionar mais, você puxa o ar, conta até três e solta, combinado?
Espalmo a mão nas suas costas e ela atende ao meu pedido.
— Órion, e a sua paciente ginasta?
Ah, não…
Franzo o cenho, fingindo não entender e ela me olha com indignação.
— Eu dei meu desenho pra ela!
— Ela está ótima, querida. Seu desenho deu muita sorte pra ela, agora respire fundo de
novo.
— Qual o nome dela? — ela pergunta depois de fazer o que pedi.
O meteoro que mora no meu sapato e está me causando um baita incômodo.
— Íris.
— Ela vai voltar pra ginástica? — ela pergunta tão rápido que sequer consigo pensar em
mudar de assunto. Assinto e ela abre um sorriso.
— Eu posso conhecer ela?
Como encontrar uma saída diante de seus olhinhos azuis brilhantes? Suas orbes cintilam
como milhares de constelações e assim como Íris, ela vira meu universo de ponta cabeça, me
deixa em queda livre dentro de um buraco negro.
A gravidade é tão forte que me rouba o ar e eu apenas assinto quando ela junta as
mãozinhas e faz um bico que faz meu coração derreter no peito.
— Pode sim, pequena.
— Promete?
— Prometo. Assim que ela puder andar, trago ela aqui, combinado? Agora, vamos voltar
ao exercício.
Ela concorda e continua sorridente. Quando Lya veio visitá-la, ela pediu para que minha
irmã falasse tudo sobre ginástica. Seus olhos brilhavam e ela ouvia com atenção, sequer se
importava com os exercícios que estava fazendo.
Certamente não será diferente com Íris, o que me faz temer que ela queira voltar outras
vezes, intrometendo-se em tudo, enfiando seu maldito sorriso e a voz irritante em mais uma parte
da minha vida.
Quando você tenta o seu melhor, mas não tem sucesso
Quando você consegue o que quer, mas não o que precisa
Quando você se sente cansado, mas não consegue dormir
Preso em marcha ré
Fix You — Coldplay

Meu corpo pesa devido ao cansaço e implora por mais algumas tentativas de dormir por
mais um tempo, mas abro os olhos, desistindo de voltar a dormir e encaro o teto do meu antigo
quarto. Meus pais fizeram questão de manter a antiga decoração, mesmo quando me mudei para
meu apartamento. Tudo está no mesmo lugar, é como se eu nunca tivesse saído daqui, apesar dos
armários quase vazios.
O teto continua enfeitado com as estrelas que já não brilham mais quando está escuro,
algumas medalhas que ganhei na infância ainda estão penduradas no quadro improvisado feito
pelo meu pai. Fotos de competições estão coladas nas paredes, até mesmo os posters do Justin
Bieber e da One Direction permanecem ali, me lembrando da minha adolescência.
Tudo está exatamente igual, e eu me sinto de volta aos 15 anos. Como isso me sufoca.
Mamãe foi até meu apartamento para buscar alguns pertences necessários. Mesmo que eu
insista em dizer que meu tempo aqui será curto, ela e meu pai continuam agindo como se eu
fosse ficar para sempre.
Me esforço para me levantar, puxando a perna com extremo cuidado. O inchaço está bem
aparente, assim como uma cicatriz medonha que não me permite olhar muito. Não está grande,
na realidade, nem é tão visível assim, mas me faz lembrar dos cinco meses que vou precisar
enfrentar. Com dúvidas, inseguranças e incertezas que vão me atormentar até o dia que eu
finalmente conseguir concluir um salto.
Sarah ainda faz morada em meus pensamentos e, às vezes, sinto que posso ouvir sua voz
autoritária em meus ouvidos, gritando sobre tudo isso ser minha culpa. Todo esse tempo deitada
aqui me fez pensar em suas tentativas de me fazer desistir de tentar ir à Paris.
Sarah disfarçou com sua voz de preocupação e quando não funcionava, ela arrancava a
máscara para deixar claro que não podia perder tempo comigo. Como eu pude ter sido tão idiota
a ponto de não perceber o quão prejudicial era essa relação?
Lembro de Órion, me atormentando sobre remédios e me lembro que preciso do meu café
da manhã para tomar o primeiro comprimido do dia. Antes de conseguir alcançar as muletas,
mamãe abre a porta, revelando uma bandeja e um sorriso.
— Bom dia, princesa! — ela cantarola e indica com a cabeça para que eu volte para a
cama.
— Bom dia! Mamãe, eu preciso sair daqui. Não precisa trazer café da manhã todos os
dias.
Ela ignora o que eu disse e deixa um beijo na minha testa antes de acomodar a bandeja no
meu colo.
— O Dr. Wilkins deixou bem claro que são cinco dias de repouso absoluto.
— Mas também disse que preciso me movimentar para ajudar nas sessões. — respondo,
fazendo-a bufar. — Falo sério, mãe. Pelo menos as refeições eu posso fazer fora do quarto, não?
Mamãe suspira quando pego sua mão e beijo o dorso. Ela está nitidamente mais cansada
e mesmo que eu não esteja dando muito trabalho, seus olhos estão cada vez mais fundos e a pele
mais pálida. Quando pergunto se está tudo bem, ela apenas repete que está preocupada.
Saber que estou causando isso à minha mãe me deixa com ainda mais vontade de sumir.
— Certo, mas tome o seu café e os remédios.
— Obrigada, eu te amo! — falo, enquanto ela se afasta para sair do meu quarto.
Suspiro ao ver o comprimido ao lado do copo de suco de laranja. Tomar remédios sempre
foi algo que me dava pavor, desde quando tive anemia aos 10 anos e tomava diversos remédios e
vitaminas por dia.
As frutas cortadas e os pães cobertos de geleia fazem meu estômago roncar e me lembrar
que eu não como há muitas horas.
Dr. Wilkins avisou que a volta do apetite pode demorar por conta da anestesia e o dia
anterior não foi um dia comum na minha alimentação, mesmo que eu tenha comido muito mais
do que no hospital.
Enquanto como, aproveito para fazer um story no meu Instagram. Ser ativa na rede
também acabou se tornando um trabalho para mim e para as meninas, gerando ainda mais renda
para nós, individualmente. Esses dias de fisioterapia e cirurgia acabaram com a minha
constância, mesmo que eu tenha avisado que estava sofrendo uma lesão.
Nesse momento, me arrependo amargamente de ter me tornado uma espécie de
influenciadora no meio esportivo, já que minha caixa de mensagens está repleta de perguntas do
tipo: “E as Olimpíadas?” “Você vai para Paris?”
Sinto uma imensa vontade de gritar a minha incerteza para cada um que pergunta. Minha
mente faz questão de fazer isso comigo em cada segundo dos meus dias, mesmo que eu tente me
convencer de que posso me recuperar.
Ainda faço pesquisas sobre meu caso, leio que os atletas demoram entre seis e nove
meses para se recuperar, às vezes até mesmo um ano. Já encontrei relatos de atletas que tiveram
casos milagrosos e conseguiram se recuperar com rapidez, graças a força de vontade e
tratamentos intensos.
Me pergunto se vou conseguir ter essa mesma força de vontade. Se meu corpo vai
suportar, se minha mente não vai me convencer a desistir.
Se em algum momento, o medo vai ser menor.
Imaginar o meu retorno é o mesmo que estar presa em um pesadelo. Tenho visões
recorrentes do momento em que vou errar um salto, em um ginásio lotado em Paris. No fundo,
minhas amigas choram, meus pais me encaram decepcionados, Neil desiste de mim e Sarah
parece satisfeita por estar certa.
São essas imagens que me fazem me questionar sobre a Íris que fui. Se vou conseguir
cravar uma saída, ou concluir um giro. Ou se vou, ao menos, embarcar para Paris.
Sinto os ombros pesarem diante de tantas incertezas e vejo que o sonho de Paris está
escapando pelos meus dedos, segundo a segundo, lentamente e cada vez que meu joelho lateja
me deixando tonta, me lembro de que, talvez, nada do que idealizei para esse ano aconteça.
Mesmo que hajam outras Olimpíadas, não consigo imaginar ter a mesma confiança
novamente. Não tão rápido.
Tento encontrar respostas para as minhas perguntas e entender em qual momento eu me
perdi na ambição que sequer percebi que tinha.
Querer todas as medalhas, querer conquistar tudo o que posso, querer atingir a perfeição.
O querer me deixou cega, me fez perder o equilíbrio emocional e eu nem percebi. Passei a
considerar o doentio como algo normal e esqueci da promessa que fiz a minha mãe de nunca
colocar a ginástica antes do meu bem estar na minha lista de prioridades.
Minha mente está exausta, muito mais do que meu corpo. Se há alguns dias me perguntei
se Neil confiaria em mim, agora preciso me questionar sobre outra coisa: Quando eu vou
conseguir confiar em mim de novo? A culpa me assombra e eu finalmente me dou conta de que
são os gritos repreensivos do meu subconsciente que não me permitiram dormir bem na
madrugada, e provavelmente não irão me largar por um bom tempo.
Eu sou a culpada, eu tornei essa situação um fardo quando esqueci do que realmente
importa. Esqueci de mim e ainda não sei onde deixei meus últimos vestígios, nem mesmo
quando vou conseguir reencontrá-los para reconstruir tudo de novo.
Engulo o último pedaço de pão com ajuda do restante do suco e quando me viro para
deixar a bandeja de lado, me deparo com o imenso coração roxo colado na parede.
Fiz questão de deixá-lo ao lado da minha cama para me lembrar de Nina. Mesmo que não
saiba como ela é, qual a cor de seu cabelo, da sua pele, seus traços ou sua voz, imaginá-la
conforta meu coração de modo que eu sinta um pouco de confiança e coragem.
O coração roxo parece brilhar na minha direção, como um lembrete de algo que apenas
Nina pode me dizer.
Pego meu celular e deixo nas minhas tarefas urgentes. Conhecer Nina.
Abro minhas mensagens e no topo está o contato de Órion, a última mensagem que recebi
no dia anterior, quando ele me lembrou do meu remédio da noite. Como se eu fosse uma grande
irresponsável, capaz de me esquecer quando tudo o que quero é melhorar.
Meus dedos relutam em digitar, rejeitando o mínimo de contato com Sparks, mas mesmo
assim, envio uma mensagem rápida e bloqueio o celular, já que é hora de seus atendimentos na
RGA.
Franzo o cenho quando meu celular vibra, indicando sua resposta poucos minutos depois.

Íris: Quando vai me levar para conhecer a Nina?

Fisio babaca: Bom dia, Íris.

Íris: Bom dia, Sparks.


Íris: Quando vai me levar para conhecer a Nina?

Fisio babaca: Um dia vai aprender a ser paciente?

Reviro os olhos, me controlando para não xingá-lo. Por que esse otário não consegue
apenas responder a pergunta?

Íris: Apenas fiz uma pergunta. Sei que não posso ir hoje.
Fisio babaca: Então, pra que a pressa?

Íris: É só para ter certeza de que você não esqueceu.

Fisio babaca: Seria um sonho se isso acontecesse.


Fisio babaca: Mas você não me deixa em paz.

Íris: É só um lembrete.
Íris: Se não me levar, transformo sua vida em um inferno.

Fisio babaca: Você ainda não fez isso?


Fisio babaca: Tem como piorar?

Dou um sorriso, imaginando sua expressão irritada ao digitar cada palavra.

Íris: Me teste, Sparks.


Íris: Viro sua vida do avesso.

Fisio babaca: Essa guerra eu venço, Coleman.

Íris: Está me desafiando?

Fisio babaca: Não tem nada melhor pra fazer?

Íris: Não. Estou entediada.

Fisio babaca: Vá ler um livro, assista uma dessas séries


idiotas que vocês gostam.
Fisio babaca: MAS NÃO FAÇA ESFORÇO.
Fisio babaca: Nem encha a porra do meu saco.

Íris: Não estou fazendo esforço.


Íris: E não grite comigo.
Íris: Babaca.
Fisio babaca: Chata do caralho.

Órion desperta sintomas inexplicáveis em mim, que me tornam diferente do que


normalmente sou. Não precisa de muito, um pequeno sorriso dissimulado me tira do sério. Até
mesmo seus pequenos atos me levavam ao extremo da irritação. O tempo que passei na casa dos
Sparks foi como uma tortura que parecia não acabar.
Seu maldito mau-humor matinal e todas as justificativas que ele arrumava para me irritar.
Órion sempre acordava cedo, para garantir que eu tomaria meus remédios no horário
correto, além de tomar extremo cuidado para não chegar atrasado na RGA. Ele também tomava
uma imensa xícara de café sem açúcar — o que é quase desumano — e fumava um cigarro logo
depois.
O maldito fazia questão de deixar seus rastros logo após de se afundar naquela fumaça
nojenta. Sua presença só se tornava suportável por causa do seu perfume extremamente bom. E a
combinação com o cheiro ardente do cigarro me deixava desperta. É afrodisíaco e faz com que
eu me condene.
— Que cara é essa? — A voz do meu pai me desperta.
Sr. Coleman está com os braços cruzados, encostado no batente da porta e abre um
sorriso quando o olho.
— Deixa eu adivinhar… Aborrecida com Órion de novo. Acertei? — Reviro os olhos
antes de assentir.
— E estou entediada.
— Eu sei, mas os dias passarão rápido. Eu prometo. — Meu pai se senta na beira da cama
e pega minha mão. — Essas sessões darão certo?
— Acredito que sim, mesmo sem saber como conseguimos na outra semana.
— Não posso negar, vocês trabalham bem juntos. Talvez seja pela imensa vontade de se
livrar um do outro…
Tento conter um riso, mas é impossível. Papai está certo. A vontade de acabar logo com
as sessões me faz reagir para não ter que olhar para Órion por muito tempo.
— Ou…
— Ou o que? — pergunto e meu pai deixa uma expressão travessa estampada em seu
rosto.
— Nada, apenas uma possibilidade que veio à minha mente.
— Que possibilidade, pai? — Franzo o cenho.
— Ah, essa você vai ter que descobrir sozinha. É esperta o suficiente pra isso. — Meu pai
dá um beijo na minha testa e se levanta. — Virá pro almoço?
— Se mamãe deixar, sim.
Ele dá um sorriso e menciona se levantar, mas puxo seu pulso antes, atraindo seu olhar
novamente. Quando percebe minhas inseguranças, ele franze o cenho e se senta de novo.
— O senhor acha que consigo?
Ele se aproxima apenas para acariciar meus cabelos. Encontro nos olhos do meu pai um
pouco da segurança que eu precisava.
Meus pais sempre foram especialistas em me apoiar, mas mamãe sempre deixou claro o
seu medo de me libertar pro mundo e do que pode acontecer quando estou longe. Ela nunca
deixou de me dar suporte quando precisei e esteve comigo em cada competição, mas eu podia
ver o receio em seus olhos, em alguns momentos até teve dúvida sobre minha carreira.
E ainda insiste em me tratar como um bebê.
Em meu pai sempre enxerguei um melhor amigo, o empurrãozinho que faltava às vezes,
era dele que eu buscava palavras de coragem. Talvez ainda seja assim, e sinto que com ele, em
certos momentos, volto a ser criança apenas para encontrar um colo.
— Pequena, eu tenho absoluta certeza que você consegue.
Eu não quero isso
E eu não quero te querer
Mas em meus sonhos, eu pareço ser mais honesto
E devo admitir que você esteve em alguns
Halley’s Comet — Billie Eilish

O dia foi corrido o suficiente para que eu sinta minhas costas dorerem. Algumas crianças
com desconfortos além do normal, massagens pós-treino e o falatório sobre o tratamento de Íris
foram as causas para o meu cansaço antes mesmo do plantão terminar.
Me sinto aliviado ao ver as crianças se despedindo de seus treinadores. Meu bolso já está
completamente vazio, restando apenas uma bala para que eu tire o gosto amargo de estresse da
minha boca antes de fugir para meu cigarro.
A evolução de Íris nos últimos dois dias me faz pensar que começaremos as sessões aos
poucos, mesmo que o inchaço esteja invisível e as dores não a incomodem. Precisei de algumas
mensagens e discussões com a garota para saber sobre seu estado, já que ela não consegue
apenas responder às minhas perguntas sem ser uma grande insuportável.
Ergo o olhar quando Sarah se apoia no batente da porta. Ela me analisa rapidamente e
suspira, me fazendo franzir o cenho.
Trocamos poucas palavras durante a semana, mantendo a educação que ainda tenho e que
depende do meu nível de estresse. Nesse momento, minha cabeça e coluna latejam, a hora passa
rapidamente e eu estou estressado por estar sem cigarro há horas.
O que significa que estou prestes a atingir o meu ápice de irritação, e, ainda assim, ela me
encara sem abrir a boca.
— E então? — pergunto, impaciente.
— Como ela está?
— Não sei, pergunte a ela. — respondo, mesmo que tenha acabado de ter uma pequena
discussão com Íris.
— Como não sabe? Você é fisioterapeuta dela.
— Exatamente, a fisioterapia ainda não começou. Ela está de repouso e fará o retorno ao
Dr. Wilkins amanhã. Eu sei o que todos aqui sabem. — Dou de ombros. — Passei todas as
orientações para ela, que sabe exatamente o que fazer e onde me encontrar se precisar.
Começo a reunir meus materiais o mais rápido possível, tentando fugir do assunto, mas
ela dá um passo na minha direção e eu preciso me concentrar para não me descontrolar.
— Ela não seguiu as orientações uma vez, e olha no que deu. Pode facilmente não seguir
agora.
Sinto o pouco de paciência que restava se esvair no momento em que engulo o pequeno
pedaço de bala que ainda restava na minha boca.
Sarah me encara com toda a superioridade que carrega. Como estamos sozinhos, ela não
precisa forçar simpatia ou fingir que se importa. Agora, ela se agarra a toda a sua arrogância e
ergue o queixo.
— Sarah, Íris é uma adulta. Ela tem 24 anos, não 14. Ela vacilou uma vez e fim. Não é
louca.
É sim.
— Não entendo toda essa perturbação, não era você que não tinha tempo para ela?
— É apenas precaução.
— Sou fisioterapeuta, não babá. — completo e viro as costas para sair.
— Eu ficaria ao lado dela o tempo todo se estivesse no seu lugar.
Paraliso antes mesmo de chegar na porta. Um sorriso desacreditado surge em meus lábios
e o fio que me agarrava à sanidade se arrebenta.
— Onde estava quando ela se lesionou? — pergunto, voltando a olhá-la. — Mas
completando a sua fala, você não está no meu lugar.
Sarah engole em seco, mas não perde sua pose, ao menos se move.
— Então, fique tranquila. Quando preciso lidar com crianças, eu lido, mas o tratamento
será bem diferente com Íris. Ela não é uma das minhas crianças e eu sei o que estou fazendo.
— Espero mesmo, Órion. Talvez consiga provar que não está aqui por causa do seu pai.
Nesse momento, sinto o sangue em meu corpo percorrer minhas veias com extrema
rapidez, fazendo meu coração bater mais rápido. Me lembro dos rumores de quando entrei aqui,
poucos dias foram suficientes para saberem que não preciso do meu pai para absolutamente
nada.
Sarah tem malícia em seu olhar. Mesmo que não saiba de toda a situação da minha
família, ela sempre soube do quão irritado fico quando isso é mencionado. Cada ato seu nessa
sala foi perfeitamente calculado para me irritar, talvez até mesmo com intenção de me fazer
largar o caso de Íris.
Respiro fundo e limpo a garganta antes de respondê-la.
— Já provei isso há muito tempo, Sarah, mas já que você ainda duvida, pode esperar e
volte para me dar os parabéns quando Íris estiver embarcando para Paris para subir naquela porra
de pódio.
Saio da sala antes mesmo de ouvir sua resposta e me direciono para o vestiário, me
jogando em uma das cabines e fechando a porta com força. Meu rosto queima como o inferno,
meu estômago revira e os punhos cerrados doem.
Descobri com muito custo que não é preciso muito para me tirar do sério. Basta apenas
falar sobre meu pai, ou me comparar a ele.
Passei minha adolescência infernizando Vincent, fazendo o máximo para tornar cada
segundo dos seus dias um grande tormento, já que ele fez isso conosco durante toda a nossa
infância. Meu pai não gritava, sequer falava alto. Ele nos torturava psicologicamente, fazia as
piores das chantagens, ameaçando nos deixar para trás, nos abandonar, nos deixar sem nada.
Todas as vezes que apenas cobrávamos sua presença, ele virava a culpa para nós e deixava claro
que não queria estar ali.
Alya ouvia cada uma das palavras, e diferente de mim, não conseguia ignorá-las com
constância. Minha irmã chorava pelos cantos, principalmente quando dizia que sentia falta do
filho da puta e ele a ignorava. Vincent fingia ter uma família modelo, na frente de todos nos
obrigava a fingir felicidade. Caso contrário, não pagaria nossos estudos ou me mandaria para
longe apenas para deixar Lya sozinha.
Nunca soube se era blefe ou não porque nunca fomos além. Ele sussurrava para Lya que
a agrediria caso não tirasse notas altas na escola para continuar se exibindo com a inteligência
extraordinária de sua filha. Por outro lado, eu estava acostumando com seus cintos e era comum
ter marcas roxas no braço. Até mesmo ganhei uma bela de uma cicatriz em meu braço, causada
pelo seu maldito copo de whisky. Ele o quebrou, jogando-o na parede após me empurrar contra a
mesma, alguns cacos me atingiram.
Serviu para que eu fizesse minha primeira tatuagem, com a desculpa de precisar cobri-la.
Seus amigos conservadores comentavam a cada desenho que surgia em mim. E eu achava graça.
Agradeci aos céus quando ele parou de ir para casa, mas por outro lado, minha mãe vivia
cada vez mais infeliz. E assim como meu pai, ela deixou de ir para casa. Seus plantões
aumentaram, ela raramente dormia em casa.
Confesso que senti alívio por vê-la distante. Vincent parou de disfarçar e esconder suas
amantes de nós, era fiel a minha mãe apenas do lado de fora de casa. A distância a poupou de
tudo isso e quando sentíamos a sua falta, íamos até o hospital.
Não há um dia que eu não sinta falta da minha mãe, que a cada mês, parece se distanciar
ainda mais.
Não há um dia que eu não sinta ódio do meu pai.
Recupero os sentidos e troco minha roupa, mas antes de sair do vestiário pego o celular e
abro as mensagens da minha mãe.

Órion: Te amo, Senhora Parsons.

Guardo o celular e corro na direção da saída, indo até minha moto. Antes de colocar o
capacete, acendo um cigarro e puxo a nicotina com força, na tentativa de encontrar algum refúgio
no maldito vício.
Não espero por uma resposta da minha mãe, já que certamente está ocupada. Seus
plantões são intensos e nossas trocas de mensagens são sempre rápidas. Espero por um pouco de
calmaria no peito, que parece que irá explodir a qualquer momento. Cada lembrança parece me
atingir como tiros, me deixando fodidamente vulnerável.
Existe um acordo entre nós três de não falar sobre Vincent. Mamãe e Lya sequer usam
seu sobrenome. Fiquei com ele apenas para irritá-lo. Quando disse que não queria seu sobrenome
sendo utilizado para uma carreira qualquer, fiz questão de mantê-lo e deixar o “Sparks” em meu
diploma. Ele ficou aliviado quando contei que faria um curso da área da saúde, mas surtou
quando não falei que seria Cardiologia ou Neurologia.
Como se tudo o que fizéssemos nunca fosse suficiente.
Nunca foi, nem nunca será suficiente.
Termino o cigarro e dou partida na moto, desviando dos carros com rapidez, evitando os
semáforos para chegar em meu apartamento o mais rápido que consigo.
Depois de atravessar a Brickell, deixo minha moto no estacionamento e aperto os botões
do elevador com rapidez, na esperança de que isso fizesse com que eu chegasse em meu
apartamento mais rápido.
Arranco a jaqueta de couro antes mesmo de abrir a porta e a jogo na poltrona assim que
entro. Não demora para que meus tênis estejam largados pela sala e eu deitado no sofá. Bella se
aproxima, silenciosa, como se soubesse do meu estado.
Completamente exausto.
Com os nervos à flor da pele e a cabeça latejando, me sinto o antigo Órion. O que só se
preocupava em irritar Vincent, o que não sabia para onde iria. Me esqueço do momento em que
deixei de me importar com Vincent e sinto uma imensa vontade de ligar apenas para mandá-lo ir
para o inferno.
Desbloqueio o celular rapidamente, sentindo os dedos agitados para discar o número e
xingá-lo assim que sua voz soar do outro lado. Nem mesmo me lembro o tom de sua voz, mas a
raiva consome meu corpo e quando estou prestes a pressionar o botão verde para completar a
ligação, uma mensagem de Íris me faz parar.
Para me salvar ou me atormentar?

Tortura diária: Marcamos com o Dr. Wilkins às 9h.


Tortura diária: Estará livre? Se não, passo tudo pra você depois.

Órion: Vou estar livre.


Órion: Por que tão cedo?

Tortura diária: Quero começar as sessões o mais rápido possível.


Tortura diária: Por que? Vai atrapalhar seu sono da beleza?

Órion: Na verdade, vai sim.


Órion: Sorte sua que sou um ótimo profissional.

Tortura diária: Ainda tenho minhas dúvidas.

Órion: Se tivesse, não teria implorado por mim.

Dou uma gargalhada que ecoa por todo meu apartamento. Consigo visualizar
perfeitamente as bochechas de Íris ficando vermelhas e os olhos escuros raivosos. O semblante
irritado sempre me diverte.

Órion: Lembro perfeitamente de você gemendo meu nome enquanto dormia.

Íris começa a digitar e desiste diversas vezes. Imagino que ela esteja tentando formular
uma frase onde ela me ofende em cada palavra, ou esteja fazendo um imenso texto falando sobre
como me odeia.

Tortura diária: Ainda tendo fantasias sobre mim, Sparks?


Tortura diária: Guarde-os em sua mente. É tudo que vai ter,
já que não chegou nem perto de um tremorzinho.

O sorriso que estampava meus lábios se desfaz rapidamente. Porra, Íris consegue me tirar
do sério, e quando assume sua face mais ousada, me deixa completamente confuso.

Órion: Não me desafie, Coleman.


Tortura diária: Ou?

Órion: Ou eu acabo com você.

Engulo em seco quando ela começa a digitar. Um incômodo percorre toda a minha
coluna, até a espinha e me deixa agitado.
Tortura diária: Estou aguardando.

Pensamentos intrusivos me paralisam, ao mesmo tempo que sinto minha boca salivar.
Certamente não precisaria de muito para arrancar gemidos de Íris. Um breve toque em suas
costas lhe causou arrepios, mesmo que ela acredite que eu não reparei nisso.
Pelo contrário, a forma com que ela reagiu me deixou alerta.
Alerta ao extremo, perigosamente desperto.
Sua voz me irrita completamente, mas os gemidos devem ser deliciosos. Sonoros,
musicais. Seria um erro gigante, mas pensar em tê-la abaixo de mim, se deleitando em cada uma
das sensações que posso lhe proporcionar, me deixa tentado.
Ah, ela me sentiria por dias.
— Impossível! — Dou um grito comigo mesmo, fazendo Bella se assustar. Me levanto e
vou direto para o banheiro, em busca de um banho frio.
Impossível, Órion!
Nada para provar e eu sou à prova de balas e sei o que estou fazendo
O jeito que estamos nos mexendo
Como se estivéssemos sendo introduzidos a algo novo
Dangerous Woman — Ariana Grande

Apoio meu peso na muleta e engulo a seco quando meus olhos encontram Órion. Alguma
parte errada do meu cérebro está ativa o suficiente para que eu repare em todos os seus detalhes.
E como se o mundo tivesse virado do avesso, ele se tornou ainda mais atraente.
Ele apaga o cigarro com rapidez e assopra a fumaça para cima. Depois, ajeita a jaqueta de
couro no corpo e avança em nossa direção. É como se eu estivesse na porra de um filme, diante
do protagonista bad-boy.
— Bom dia, querido. — Minha mãe se aproxima e antes que ele consiga recuar, ela
segura em seu rosto e dá um beijo em sua bochecha.
Minha mãe sempre teve uma estranha mania de ter contato físico em excesso com quem
ela gosta e desde que Órion me ajudou no dia da lesão, ela não consegue parar de tratá-lo como
um super-herói.
Para minha surpresa, Órion não recua ao carinho da minha mãe. Ele abre um sorriso e a
olha com simpatia. Uma estranha simpatia que me deixa perdida.
— Bom dia, Sra. Coleman. Sr. Coleman. — ele diz, estendendo a mão para meu pai.
— Como está, rapaz?
— Perfeitamente bem.
— Onde está a sua educação, Íris? — Minha mãe me repreende e é suficiente para Órion
abrir um sorriso debochado e arquear as sobrancelhas.
O maldito detesta receber “bom dias”, principalmente quando acorda antes do esperado.
Agora, diante dos meus pais, ele age como o ser mais educado da terra e logo seu sorriso
dissimulado se transforma em um olhar falso e triste.
— Bom dia, Sparks. — falo, entredentes e seus lábios se estendem num sorriso.
Mentiroso do caralho.
— Bom dia, Coleman. Como está?
FALSO, FALSO, FALSO!
— Bem, na medida do possível. Podemos ir?
Eles assentem e quando meus pais avançam na frente, ele toca meu pulso e me encara
com sua pose vitoriosa. Seu perfume parece mais forte e me deixa tonta.
— Desde quando você é educado pela manhã? — pergunto e ele sorri.
— Sempre sou educado, Coleman. Até mesmo seus pais sabem disso.
— Um dia a ficha cai, e eles vão descobrir o quão babaca você é. — Minha voz soa como
um sussurro.
— Não saberão, essa face está disponível apenas para você, loirinha.
— Não me chame assim. — Ele ri quando reviro os olhos.
Observo-o esconder as mãos atrás do corpo e se inclinar. O mundo para quando seu rosto
se aproxima do meu, e a proximidade quase me faz desequilibrar.
— Guardei cada palavra dita por você ontem.
Seus olhos cintilam como se estivessem tomados por chamas e me torna incapaz de
encará-los, principalmente quando cada uma delas parece me queimar, lentamente.
— Qual o problema? Feri seu ego? — Dou de ombros. — Não falei nenhuma mentira.
— Me dê uma noite, Coleman. E você não só vai gemer o meu nome, como qualquer
pessoa ao redor vai poder ouvir seus gritos.
Fui completamente impulsiva com todas as minhas afirmações. Poucas palavras foram
suficientes para sentir minhas pernas falharem.
Ele alcança o meu pior, e esse lado sempre encontra um jeito de rebater suas
provocações, mesmo que isso me cause imensos problemas. Desafiá-lo nunca será uma boa
ideia.
Eu posso vencê-lo, mas vou sair arruinada.
— Ah, seria mesmo bonitinho vê-lo tentar. — cantarolo. — Não se desgaste tanto, Órion.
Guarde suas falácias para outra.
Me encho de coragem para me afastar.
Avanço na melhor velocidade que consigo, ouvindo apenas seus passos pesados atrás de
mim. Agradeço pela distração dos meus pais na recepção e quando os alcanço, tento controlar a
ofegância.
Órion surge logo em seguida, agindo como se nada tivesse acontecido.
Como se nada o abalasse.
Como se a sua mão quente tocando minhas costas fosse algo comum e não estivesse
enfraquecendo minhas pernas.
— Senhorita Coleman!
Abro um sorriso ao ver o Dr. Wilkins e me afasto o suficiente para não sentir a presença
de Órion atrás de mim.
O médico se aproxima com os braços abertos e com toda a sua simpatia estampada no
rosto.
— Estou feliz em vê-la! E muito bem, por sinal!
— Bom dia, Dr. Wilkins! Estou ótima, mas não vejo a hora disso acabar. — exclamo e
ele sorri ainda mais, indicando o caminho para nós.
— Vamos ver como está a sua evolução! Se tudo estiver como o planejado, pode começar
as sessões de fisioterapia imediatamente.
Sinto uma pontada de alívio, mas ao olhar para o lado, me lembro que as sessões serão
com Órion. Estou desde o dia em que acordei da cirurgia tentando encontrar em minha mente o
momento em que pedi para Órion ser meu fisioterapeuta.
É claro que eu não queria que fosse Sarah. Mesmo com seu falso pedido de desculpas, já
notei todas as suas intenções e, além de estar empenhada em me recuperar, também estou
decidida a deixar de ser idiota.
Ainda assim, jamais daria o braço a torcer a ponto de pedir por Órion. Deixaria que o
universo atuasse sozinho, ou que fosse outro profissional, mas nunca, em sã consciência, inflaria
o seu maldito ego dessa forma.
Dr. Wilkins me ajuda a subir na maca e quando estendo a perna, seu sorriso aumenta.
Alívio e orgulho me consomem.
— Fez os movimentos dos tornozelos? Compressa gelada? Se movimentou bastante com
as muletas?
Assinto para todas as suas perguntas e quando ela toca meu joelho e aperta levemente,
não sinto a mesma dor insuportável de antes.
— Muito bom! Já não está mais inchado e isso é perfeito! Depois de 15 dias podemos
tirar os pontos e se tudo estiver indo bem na fisioterapia, já pode largar as muletas. — ele diz,
intercalando o olhar entre mim e Órion. — Sente dores?
— Só se tento ficar em pé com o peso nessa perna. Fora isso, não!
— Perfeito! — ele exclama e me ajuda a descer. Me acomodo na cadeira e em seguida
Órion faz o mesmo. — Vamos lá, Sr. Sparks. Recomendo que sejam sessões diárias e intensivas,
já que temos urgência nessa recuperação. Faça exercícios de extensão e flexão nas primeiras
semanas, e Íris, mantenha o anti-inflamatório e analgésicos se sentir dor após as sessões. E não
se assuste, porque é normal, o músculo ainda está frágil. Caso precise, sinta-se livre para usar as
dependências de fisioterapia, mas acredito que a RGA seja bem equipada.
— Já podemos utilizar a corrente russa[3]?
— Com toda certeza, inclusive, está livre para ser utilizada hoje! — Órion assente ao
meu lado.
As orientações são passadas, com termos que embaralham minha mente. Órion assume
sua face mais atraente: a profissional. Ele permanece sério e atento na conversa com o médico,
os braços cruzados e olhos fixos. Nada seria capaz de distraí-lo e de certa forma, cada ato seu
nesse momento me deixa extremamente segura.
Minha mente parece desligar para o resto do mundo quando olho para ele. Nem mesmo
consigo me concentrar na voz do médico, ou ouvir o que ele mesmo fala. Volto para onde estava
apenas quando eles se levantam e o Dr. Wilkins o direciona para fora, me avisando que iríamos
começar uma sessão.
— Vamos, querida? — Minha mãe me ajuda a levantar.
Por sorte, vim com roupas confortáveis para começar. Tento me recuperar do transe
enquanto sigo minha mãe para fora da sala. Ela e meu pai estão nitidamente animados e felizes,
seus olhares orgulhosos acalmam meu coração dentro do peito.
Faltam cinco meses para as Olimpíadas, e mesmo com medo, consigo respirar tranquila.
Entro na sala e fico impressionada com a quantidade de materiais e equipamentos. Claro
que a RGA é preparada para cuidar de nossas lesões, mas é completamente diferente,
principalmente pela falta de cores e brilho que tem em cada canto da academia.
— Vamos esperar lá fora, amor. — Meu pai avisa e dá um beijo no topo da minha
cabeça. — Parece que Órion foi pôr o uniforme.
— Certo, até daqui a pouco. — falo enquanto eles se distanciam para sair.
Assinto e me sento, prendendo os cabelos em seguida. De frente pro espelho, consigo
enxergar meu estado por completo. Até mesmo a cicatriz em meu joelho parece mais visível,
assim como as olheiras e a palidez.
Estado esse que me sinto extremamente disposta a mudar.
— Pronta?
A voz dele parece ecoar pela sala vazia. O uniforme verde e hospitalar é totalmente
diferente do que ele usa na RGA. A camisa branca e calça roxa que usa diariamente não tem
nada a ver com sua personalidade. E mesmo que a roupa verde da clínica seja completamente
sem graça, nele ficou estranhamente atraente.
As mangas curtas permitem que eu veja todos os desenhos em seus braços e enquanto ele
se livra dos anéis em suas mãos, os movimentos de seus dedos me deixam atenta.
Me dou conta do tamanho do problema no qual me enfiei quando decidi enfrentá-lo. Ao
mesmo tempo que arranco suas palavras, ele arranca a minha sanidade. Minha fala se virou
contra mim e tudo o que imagino é Órion cumprindo com a sua palavra.
Ele certamente não se complicaria. Eu seria dele com mais facilidade do que imagino.
Quando foi que eu deixei que ele entrasse em minha mente?
— Pronta. — respondo e me ajeito no assento.
Estico a perna no estofado do equipamento e ele se abaixa ao lado, tocando em meu
joelho com cuidado. Órion aperta diversas vezes, mas em outras direções, me fazendo torcer o
rosto em certos momentos para controlar a pequena dor.
Ele permanece concentrado, sem desviar o olhar do que está fazendo.
— Deita de bruços. — Órion ordena e eu me viro, obedecendo-o. — Mais para baixo.
Merda.
Arfo no momento em que ele me puxa para baixo. Suas mãos atravessam minha camisa e
quando seus dedos tocam a minha pele, sinto correntes de energia aumentando o fluxo sanguíneo
pelo meu corpo. Escondo o rosto nos braços para evitar que ele veja o rubor que, com certeza,
está presente em minhas bochechas.
Assinto e faço o que ele pediu, por diversas vezes. Quando me sinto cansada, ergo o rosto
e cometo o grande erro de olhar para o espelho. Consigo ver seus olhos passeando pelas minhas
costas e se perdendo em meu corpo, Órion sequer disfarça, ou se lembra de disfarçar.
Cada segundo desse momento parece se tornar uma longa hora, onde eu não consigo
parar de olhá-lo e ele parece sentir o mesmo. Órion cruza os braços, tensionando os músculos e
os movimentos são suficientes para que eu tente sair daquela agonia.
Limpo a garganta, chamando a sua atenção e ele esfrega o rosto rapidamente.
— De novo. Já descansou? — Assinto e escondo o rosto no braço rapidamente.
Sinto que os minutos da sessão se arrastam como uma tartaruga e transformam o
tormento em uma eternidade. Fiz todos os exercícios evitando olhá-lo e tentando ignorar os
arrepios de quando ele tocava minha cintura ou em qualquer outro lugar em que seus dedos
contataram minha pele.
Órion parece se divertir com cada reação minha, mas logo depois, fica tão vulnerável
quanto eu e desvia o olhar de mim, permanecendo calado. Tão quieto que tudo o que consigo
ouvir são os sons dos equipamentos e nossas respirações.
Agora, ele monitora o aparelho ligado aos botões colados em meus joelhos. Os pequenos
choques me fazem arfar, mas a sensação que vem depois é agradável. Depois de explicar que
aquele aparelho se chama “corrente russa” e suas funcionalidades, ele continuou em silêncio e
com o olhar fixo no trabalho.
— Lya está na RGA? — pergunto, quebrando o silêncio que me angustiava. Ele assente e
olha para mim.
— Está se preparando para o Torneio de Inverno.
Órion parece receoso com a resposta que me deu.
Por um momento, quando entrei no hospital, me esqueci que minha equipe está prestes a
viajar para o Texas, em mais uma edição do Torneio de Inverno. A diferença é que, dessa vez, eu
sequer vou entrar no avião.
Vou permanecer aqui. Parada, limitada e extremamente exausta. Tentei driblar todos os
pensamentos que me levavam até elas, em certos momentos, até conseguia esquecer da
competição. Lembrar do que estou perdendo é como um tapa me lembrando o quão
inconsequente eu fui.
— Não fique com essa cara, você irá no próximo. — ele diz e dá de ombros, me fazendo
revirar os olhos.
— É fácil pra você falar. Não sabe o quão culpada estou me sentindo.
— Acho que já está na hora de parar de se martirizar, não? Já aconteceu, Íris, não tem o
que fazer, nada irá mudar. — ele começa, disparando as palavras. — Você fez a merda, agora
precisa consertar. Sorte sua que ainda pode voltar, tem muitos atletas que sofrem lesões piores
por muito menos. Considere-se sortuda!
— Sortuda? Posso até estar exagerando, mas sortuda? Estou há cinco meses da
competição da minha vida, poderia estar fazendo minhas malas para o torneio nesse exato
momento, mas estou aqui, ignorando a dor e morrendo de medo de não conseguir ir para Paris. E
mesmo que eu tente manter o otimismo, você também sabe que existe uma possibilidade de eu
não me recuperar a tempo. — Minha respiração se torna pesada enquanto atropelo as palavras.
— Sei que vou me recuperar e que existem outras Olimpíadas, mas é a minha primeira e jamais
existirá uma como essa. Posso estar exagerando no que sinto, mas não consigo ser fria como
você e fingir que está tudo bem.
— Não há o que fazer e não vai adiantar nada ficar se arrastando. Não seja tão dramática.
— E por acaso eu estou me arrastando, Sparks? Que merda eu estou fazendo aqui, além
de estar aturando sua indiferença?
— Indiferença? — Ergo as sobrancelhas, como se fosse óbvio. — Se eu fosse indiferente,
não estaria aqui.
Engulo em seco novamente, assistindo ele se afastar.
— Está na hora de largar o drama e focar no que realmente importa. Fim da sessão.
Ignoro a vontade de chorar quando fico completamente sozinha e depois de soltar os
cabelos, me seguro nas muletas e saio o mais rápido que consigo. Órion está certo quando diz
que preciso seguir em frente, mesmo com seu jeito torto que me deixa extremamente irritada.
Tenho habilidades para concluir saltos, giros e acrobacias quase inimagináveis, mas ainda
não descobri como ignorar ou lidar o turbilhão de sentimentos que estou sentindo e com toda a
intensidade que nem mesmo sabia que tinha.
Talvez seja um talento que eu nunca consiga desenvolver.
Você não precisa ficar em primeiro lugar
Segundo lugar está bom porque você nunca vai me vencer
Eu digo uma vez
Você diz duas vezes
Você sabe que eu gosto de uma competição de vez em quando
Competition — Little Mix

Coço os olhos, limpando minha visão e sentindo todos os palavrões acumularem em


minha garganta enquanto algum ser desocupado toca a campainha do meu apartamento sem
intervalos. Seja lá quem for, se não estiver morrendo, receberá todo o meu ódio.
— Bom dia, irmãozinho!
Se não fosse ela.
Ela exibe um sorriso assim que abro a porta. Lya está com a mochila nas costas e uma
mala na mão, e me abraça antes que eu consiga acordar por completo. Ela me aperta com toda
força que consegue, com o rosto escondido em meu peito. Acaricio seus cabelos, ainda tentando
assimilar o que está acontecendo.
Minha irmã me solta e corre na direção de Bella, que ainda late alto e pula entre nós.
— Oi, estressadinha! Bom dia, meu amor. — ela cantarola, apertando a cadela.
— O que faz aqui?
— Bom dia, Órion, porra! — ela esbraveja, acariciando os pêlos escuros de Bella. —
Vim me despedir, estou indo pro Texas mais tarde, esqueceu?
— Esqueci, me perdoa. — peço, puxando-a para meu abraço novamente.
Encosto o rosto no topo de sua cabeça, me controlando para não cochilar ali mesmo.
Quem foi que inventou que as coisas podem acontecer pela manhã?
— Acorda, praga! — Lya me empurra e larga as malas, se direcionando para a cozinha.
— Vou fazer café, quer?
— É claro. Você vai fazer na minha cozinha e pensou que não ia me dar?
Alya dá de ombros e começa a mexer em todas as gavetas, procurando coisas e
começando uma bagunça. É óbvio que ela está fazendo de propósito, já que sabe que odeio
bagunça. Ninguém consegue ser tão desorganizado assim naturalmente.
Inacreditável.
— E então, preparada? — pergunto, me jogando no sofá. Bella é rápida e se deita ao meu
lado, apoiando a cabeça em minha perna para pedir carinho.
— Sinceramente? Não. — Lya responde, ainda focada no que está fazendo. — Estou
nervosa, tenho medo de que essa pausa tenha afetado meu desempenho.
— Lya, vi você nos treinos nos últimos dias. E você está ótima, mesmo que não tenha
treinado os movimentos, você continuou indo a academia. Manteve o condicionamento, isso não
vai te prejudicar.
— Espero que esteja certo. — ela resmunga, pegando duas xícaras. — Consegui concluir
os saltos e tudo mais, mas não sinto confiança. Não é justo que Neil tenha nos obrigado a parar
perto do retorno dos torneios.
— Vocês não quiseram parar nas férias. Foram para a academia quase todos os dias,
preocupadas com a porra das Olimpíadas. Uma hora ia precisar parar, ou você queria estar
correndo risco como Íris?
Lya bufa e me entrega uma das xícaras. Quando se senta ao meu lado, ela aproveita o
espaço para pôr as pernas em cima da minha — que está livre da carência de Bella — e revira os
olhos.
— Por que você tem que ser tão grosso?
— Não sou grosso, sou realista. Falei alguma mentira?
— Não. — ela diz e dá um pequeno gole no café. — E Íris? Como está?
Irritante.
Insuportável.
Dramática.
Fodidamente gostosa.
Brigamos durante a sessão e antes disso ficamos num completo silêncio que me
atormentou. Todos os movimentos de seu corpo me atormentaram e quando ela começou a
vomitar todas as palavras desesperadamente, tudo o que consegui sentir foi uma imensa vontade
de calar aquela maldita boca.
Ela está in-su-por-tá-vel.
— Está bem. Evoluindo. — respondo rapidamente, ignorando os gritos da minha mente.
— Vou intensificar os treinos, estou confiante de que ela volta até a viagem para Paris…
— Mas?
— Te dou certeza de que ela não vai competir em nada antes disso. Nem regionais, nem
nacionais.
Lya dá um suspiro pesado e não tira os olhos da xícara em suas mãos. Minha irmã está
nitidamente abalada e mesmo que Íris seja irritante, ela é melhor amiga da minha irmã e eu vi as
duas sendo a base uma da outra por muito tempo.
Principalmente quando não fui o irmão que Lya precisava.
Culpo meu pai por tudo o que aconteceu na minha vida, mas a revolta me afastou de casa.
Me distanciou da minha mãe, o que me faz ter certeza de que sou mais parecido com Vincent do
que imagino. Mesmo que eu tente negar esse fato, o egoísmo de Vincent parece impregnar em
minhas veias e quando eu precisava estar ao lado das duas, eu fugi.
Egoísta e covarde.
Fui para a universidade mais distante que encontrei, falava com Lya apenas por
mensagens e quando eu pensava em voltar, a imagem do rosto nojento de Vincent me fazia
desistir.
Quando voltei e entrei na RGA, Lya já não mencionava que tinha um irmão e passou a
usar o sobrenome da minha mãe. Assim como eu, ela desejou apagar a existência do meu pai e
não a culpo por ter tentado apagar a minha também, mesmo que por trás, me enchesse de
mensagens
Quando eu não estive por perto, Íris esteve. Mesmo que não suporte a garota, consigo ser
grato por isso.
Me aproximo ainda mais de Lya e a puxo para meus braços, apertando-a até que ela
reclame.
— Não precisa ficar assustada. Você vai voltar do Texas com medalhas e Íris logo voltará
para a RGA. Prometo. — falo e dou um beijo no topo de seus cabelos pretos.
— Promete que vai cuidar da minha melhor amiga?
— É claro, se ela não testar minha paciência.
Lya dá uma gargalhada e um beijo no meu rosto, me fazendo sorrir.
— Primeiro, isso não é difícil. Até mesmo sua sombra te irrita. Segundo, Íris é
implacável, assim como você.
Névoa percorre minha mente enquanto eu tento organizar cada lembrança. Estamos
sempre competindo, tentando decidir quem vai terminar a discussão, e quem sairá vitorioso. A
forma com que ela se torna gigante — mesmo que não esteja nem perto de alcançar a minha
altura — me deixa tentado a provocá-la. Ouço todos os seus insultos com a porra de um sorriso
no rosto.
Íris instiga minha parte mais ambiciosa. Ela ativa todos os meus sentidos, ferve o sangue
em minhas veias. Cada minuto disso é insuportável, principalmente por perceber que, a cada
discussão, a cada vez que ela me desafia, eu sinto que estou perdendo.

— Órion, querido! Boa tarde! — Olivia exclama ao abrir a porta. Antes que eu possa
responder, ela me abraça.
O carinho materno de Olivia é sempre inesperado, e de certa forma, é sempre bem-vindo.
É caloroso, agradável, acalenta o peito. Diferente da expressão emburrada de Íris, que se levanta
e se apoia nas muletas.
— Filha, Órion chegou! — ela avisa e Íris revira os olhos. Olivia me puxa para dentro e
fecha a porta, enquanto isso, Íris já se direciona para o quintal.
— Como se fosse impossível perceber. — Íris resmunga e Olivia bufa.
— Hoje o dia está sendo difícil. A ida da equipe para o Texas deixou Íris desanimada e
irritada. — Arnold diz, enquanto se aproxima e estende a mão para eu apertá-la. — Antes de ir,
Neil deixou alguns materiais da academia de fisioterapia aqui. Acredito que serão úteis.
— Talvez consiga distraí-la um pouco também. — Olivia diz e até mesmo Arnold ri.
Será que ela foi a única que não se deu conta que Íris não suporta a minha presença?
Assim como eu não suporto a sua.
— Acredito que eu não seja a melhor pessoa para isso. — falo, seguindo-os para o
quintal. — Mas isso logo vai passar, ela vai se acostumar.
Arnold avança em nossa frente para ajudar Íris a organizar os equipamentos. Bolas,
elásticos, aparelhos, tapetes e uma maca profissional estão posicionados no centro do grande
quintal. Íris logo larga as muletas e se senta.
Hoje ela usa um short apertado que está coberto por uma camisa larga da RGA. Íris foi
preparada ontem, com uma calça de treino que marcou todas as suas curvas e me deixou
hipnotizado.
Tenho a impressão de que cada uma de suas ações são calculadas para me tirar do sério.
Incluindo os movimentos que faz para prender os cabelos no topo da cabeça e deixar o pescoço à
mostra.
Largo a mochila no chão e me abaixo para me preparar, ficando com a visão perfeita de
suas pernas torneadas e lisas, com certeza extremamente macias.
Pisco diversas vezes, afastando todos os pensamentos que me confundem e tiro todo o
material necessário, tentando organizar meus planos de exercícios em minha mente de novo.
— O que eu faço? — ela pergunta.
Fique com a boca fechada.
— Mexa seu tornozelo, faça o que o Dr. Wilkins te recomendou. — respondo.
— Sério? Só isso? — ela pergunta, entediada.
— Faça o que eu mandei, Coleman.
Ela dá de ombros e começa a mexer o tornozelo e os pés descalços.
— No tapete hoje. — falo e ela assente, jogando-se no tapete. — Levante a perna.
Pego a bola roxa no canto e posiciono embaixo do seu calcanhar. Ela prende a respiração
ao esticar o joelho e tenta não demonstrar a dor.
— Se doer, avisa. — Ela assente. — Dez repetições. Dobre e estique a perna.
Ela fecha os olhos e começa a se movimentar lentamente. O corpo perfeitamente
alinhado, os braços ao lado do corpo, mas as unhas pintadas de roxo apertam o tapete quando
dobra o joelho. Íris permanece de olhos fechados e respira fundo a cada intervalo.
Assisto atentamente cada uma de suas reações.
— Descanse. São três séries. — falo quando ela finaliza e solta o ar. — Está doendo
muito?
— Não está doendo.
— Você mente muito mal. — falo e ela rola os olhos escuros. — Está doendo muito?
— Um pouco, nada insuportável. — Íris responde, ríspida.
— Tome o analgésico depois da sessão.
Ela concorda e começa a outra série de repetições, ainda tentando disfarçar a dor que está
sentindo. Mesmo que não esteja sendo insuportável, tem algo dentro dela que está tornando tudo
pior. Íris está deixando que sua mente ansiosa comande seu corpo.
Quando finaliza a última série, ela empurra a bola com o pé bom e relaxa o corpo,
controlando sua respiração já ofegante.
— Consegue continuar? — Ela concorda. — É simples, só eleva a perna estendida.
O que acreditei que seria simples, se torna complicado para Íris. Ela joga a cabeça para
trás, como se estivesse sendo torturada e prende a respiração antes de começar.
— Deixa elevada por dois segundos. Dez repetições.
Ela faz exatamente o que pedi, mesmo com os olhos nitidamente sofridos e com uma
imensa vontade de não estar ali, ela conclui rapidamente e me faz engolir em seco. Ela está
irritada, está entediada, com certeza esgotada e, dessa vez, ela não esconde isso.
Talvez seja a primeira vez que eu não consigo enxergar um brilho sequer em seu rosto e
ela percebe que estou procurando por isso quando me olha.
— O que foi? Pare de me olhar com pena.
— Quem disse que estou com pena? — pergunto e ela levanta o tronco, ficando
perigosamente perto de mim.
— Seus olhos.
— Só estou estranhando todo esse silêncio e mau-humor.
— Desde quando você se importa?
— Não me importo. Na verdade, prefiro quando ficamos em silêncio.
— Ótimo, não preciso de mais um dia aturando suas grosserias disfarçadas de motivação.
— Olha, sei que fui indelicado, ok? — confesso, me sentando ao seu lado. — Só acho
que se você mudar quem você é, não vai conseguir atingir seu objetivo.
— Como assim?
— Você é a pessoa mais otimista que conheço. — falo e pela primeira vez, ela sorri,
mesmo que minimamente. — E isso é muito irritante, mas é a verdade. É isso que vai te levar
para Paris, seu otimismo e seu esforço.
— Estou me esforçando.
— O corpo sim, a mente não. Sei que queria estar indo pro Texas agora, mas já que não
consegue, faça o que deve ser feito.
Ela dá de ombros e se deita novamente, mas com os olhos fixos no céu e a respiração
controlada.
— Deite de lado e faça a mesma coisa. — Ela faz o que pedi e começa as repetições
lentamente. O silêncio entre nós já não é mais tão desagradável. — Se doer, avise, Coleman.
— Já entendi, Sparks.
Íris continua o exercício devagar e faz os próximos com mais empenho e paciência.
Mesmo em silêncio, mesmo que queira chorar algumas vezes. Quando peço para deitar de
bruços, ela revira os olhos e joga o corpo para baixo.
Ela ganha a minha atenção ao arfar quando toco seu joelho. Os cabelos já não estão mais
presos e os fios caem, alinhados para um lado de seu rosto.
A camisa está levemente erguida, permitindo que meus olhos se percam na pele nua de
sua cintura, seguida pela pressão feita pelo short em seus quadris.
— Alinhe as pernas e estenda com cuidado. — Oriento e ela se ajeita para fazer o que
pedi. — Repita dez vezes.
Íris começa o exercício e está nítido que a dor aumentou e a causa disso é que ela ainda
tenta erguer o quadril junto com a perna. Reviro os olhos e mesmo que relutante, toco seu
quadril, fazendo-a me olhar por cima do ombro.
Os olhos ainda estão brilhantes, o castanho se torna dourado diante do pôr do sol, os
cabelos se iluminam e quando acho que ela vai me olhar, assustada ou desconfiada, ela direciona
a mim sua face mais sedutora.
— Não erga o quadril. Apenas as pernas. — peço, ainda segurando-a e tentando ignorar o
fato de que ela fez minha voz falhar discretamente. Ela assente e volta a fazer o exercício.
— De tudo isso, o melhor foi que você assumiu que foi um grande babaca ontem. — ela
diz, me fazendo bufar.
Ela não aguenta ficar um minuto sem me irritar. Peço perdão às forças superiores, mas a
posição seria perfeita para eu estapear sua bunda, castigando-a por insistir em me levar ao
extremo do estresse.
— Falei que fui indelicado.
— Dá no mesmo.
— E ainda assim, não falei nada errado.
— Vai começar de novo, Sparks? Por Deus, você não me dá descanso. — ela reclama,
virando o corpo.
O fato de eu estar inclinado faz com que seu rosto esteja perto do meu quando ela se vira.
O perfume doce se torna ainda mais forte.
— Você que começou, o assunto já tinha encerrado. — Me afasto antes de cometer um
erro.
— Fiz apenas um comentário.
— Você é insuportável, essa é a verdade.
— Não fale como se não fizesse pior. — Íris reclama, se sentando no tapete.
Começo a organizar minhas coisas rapidamente, me apressando para sair o mais rápido
que consigo, e quando me abaixo para pegar a mochila, o maço de cigarros cai do meu bolso.
— Você está evoluindo, Órion. Primeiro admitiu que é um babaca, o próximo passo é
largar essa merda de cigarro.
Pego o maço antes de colocar a mochila nas costas. Ela ainda está sentada no tapete, os
cabelos jogados para o lado, os braços cruzados e uma expressão desafiadora no rosto, assim
como o sorriso no canto de seus lábios.
Meu sangue borbulha nas veias e meus pensamentos se tornam borrões. Eu posso beijá-la
aqui, agora mesmo, ou ir embora e torcer para isso acabar o quanto antes.
— Não vejo a hora desse tormento acabar. — ela resmunga, desviando o olhar e eu dou
de ombros.
— Finalmente concordamos em algo.
Olhe em seus olhos de anjo
Você vai pensar que está no paraíso
E um dia você descobrirá que ele usa um disfarce
Não olhe muito fundo naqueles olhos de anjo
Angeleyes — ABBA

Quatro meses para as Olimpíadas


A semana se arrasta de forma insuportável.
As sessões são produtivas, mas os dias são entediantes. Minha mãe ainda insiste em me
tratar como uma criança, meu pai continua tentando ter esperanças de que estarei bem em dois
meses. Neil me fez uma visita assim que chegou da viagem ao Texas, tinha um sorriso orgulhoso
no rosto, já que as meninas conquistaram o pódio em quase todas as modalidades.
O treino da equipe voltou mais forte que nunca.
E eu estou aqui. Paralisada, sufocada, com uma imensa vontade de esquecer tudo o que
aconteceu nos últimos anos e talvez voltar a escrever. Os comentários nas redes sociais mostram
total convicção de que a equipe da Royal Gymnastic Academy vai ter um desfalque importante
nas Olimpíadas de Paris. Alguns insistem em afirmar que talvez eu nem volte para os tablados.
Todos parecem ter muita certeza sobre a minha vida.
Eu não consigo pensar em como será o dia seguinte.
Os avanços são aparentes, já consigo andar com uma única muleta e fazer algumas
tarefas em casa para não me sentir uma completa inútil. Órion enche a minha paciência para que
eu tome cuidado, já que está sempre jogando na minha cara que meu equilíbrio termina quando
saio da RGA, porque não tenho muitas habilidades com a muleta.
A voz do meu fisioterapeuta ecoa em minha mente toda vez que me arrisco, ele está
sempre repetindo que o primeiro mês é essencial e que a fase inicial da fisioterapia é decisiva
para o que virá em seguida. Faço todos os exercícios com foco e consigo executá-los com
perfeição, ou quase isso. O cuidado excessivo de todos ao meu redor me deixa completamente
irritada, à beira de um colapso.

Íris: Por Deus, eu preciso voltar para o meu apartamento.

Lya: Aposto que seu dia irá ficar um pouco melhor hoje.

— Filha? — Tiro os olhos da tela do celular para olhar para minha mãe, parada no
batente da porta com um sorriso radiante no rosto. — Você tem visitas!
Levanto rapidamente, colocando o celular na bolsa e alcançando a minha muleta para sair
do quarto. As vozes vindas da sala já revelam que minhas amigas me esperam no outro cômodo e
eu preciso respirar fundo para que elas não percebam que estou morrendo de inveja por não ter
ido junto. Estou feliz pelas minhas amigas, mas frustrada por mim mesma.
Como eu pude ser tão burra e irresponsável?
— Íris! Amiga, que saudade! — Lya exclama, me abraçando com força. Retribuo o
carinho da minha amiga, sentindo conforto em seu aperto. — Como você está? Já largou uma das
muletas?
— Finalmente! Logo me livro dessa. — respondo, abraçando as outras meninas.
Vivian reluta a se aproximar, mas me abraça e não recua quando deixo um beijo em seu
rosto. Jenni se joga no sofá ao lado de Ash, extremamente confortáveis, e Vivian permanece de
pé.
— E então? Me contem tudo! — peço, mesmo sentindo meu coração pedir para não saber
de nada. Os sorrisos estampados nos rostos da minha equipe me deixam ainda mais culpada.
— Foi incrível! Acredita que fiquei em segundo nas assimétricas? Se não fosse aquela
sebosa de Los Angeles, eu teria conseguido. — Ash reclama, me fazendo rir.
— Mas é um avanço, amiga. Você estava empenhada. — Ela assente, orgulhosa. — E o
resto? Como foi em equipe?
— Falhei algumas vezes na trave. Parece que estou um pouco enferrujada. — Vivian
confessa, me surpreendendo pela sinceridade.
Seu cabelo está trançado e cai sobre seus ombros. A pele negra está maquiada levemente,
mas marca seus olhos, deixando-os mais bonitos. Vivian é excepcionalmente linda, é quase
irritante, mas seria ainda mais se não estivesse sempre emburrada.
— Já conversamos sobre isso, nós ganhamos, isso é o que importa. — Lya diz, me
fazendo erguer o olhar para ela. Minha melhor amiga transborda compreensão e Vivian assente,
ainda triste.
— Por fim, ficaram com o ouro? — pergunto, curiosa, mesmo sabendo da resposta.
— Ficamos, Íris. Nós ficamos. Você ainda está na equipe, não se esqueça disso. — Jenni
diz, fazendo com que um pouco de alívio aquecesse o peito.
Algumas vezes, tento esquecer que sou ginasta para não sentir tanta culpa ou raiva, mas
me lembrar de estar competindo ao lado das meninas e de tantos outros que admiro e gosto da
RGA me faz querer me recuperar logo e voltar para uma das poucas coisas que me faz feliz de
verdade.
Mesmo que tenha sido criada nesta casa e que ela seja aconchegante e cheia de memórias,
mesmo que eu ame meu apartamento e cada canto tocado por mim, não há lugar que me faça
sentir em casa. Não como a RGA, não como as minhas amigas. Cada célula do meu corpo sente
falta de estar lá. Não faz tanto tempo, mas sinto que cada minuto é uma eternidade.
— Não aguento mais estar presa aqui, sem poder fazer o que amo. Me sinto sufocada. —
confesso e Lya abraça meus ombros. Olho em volta para me certificar de que meus pais não
estão por perto. — Pretendo voltar para o meu apartamento ainda essa semana.
— Acha que consegue se virar sozinha? — Jenni pergunta, sussurrando.
— Eu consigo me virar, acho que com mais duas sessões e muito esforço, consigo largar
essa porra de muleta.
— Tem certeza? — Lya pergunta e por um minuto, enxergo Órion em seus olhos.
Ela franze as sobrancelhas e olha fundo em meus olhos. Exatamente igual ao irmão. Puta
que pariu, por que eles precisam ser tão parecidos?
— Tenho, sou uma adulta, esqueceu?
— Para nós, você é apenas um bebê. — Minha mãe surge com uma bandeja com copos
de suco de morango. Sua fala me faz revirar os olhos, mas seu sorriso me enche de carinho
mesmo sem contato físico. — Aliás, todas vocês. Lembro de vocês, pequenininhas na RGA, com
aquele uniforme fofo roxo.
É fato. Conheço as meninas desde os 4 anos, quando minha ex-professora de ballet da
escola, Laura, insistiu que meus pais deveriam me colocar numa academia especializada. Laura
Bennet foi um anjo na minha vida e esteve ao meu lado quando meus pais não podiam
comparecer por causa do trabalho.
Depois que entrei na faculdade, Laura se mudou para a Carolina do Norte, às vezes me
manda uma mensagem ou outra. Sinto que nunca vou ser capaz de agradecer por tudo.
Mesmo com nossas diferenças, sempre estivemos juntas, desde quando éramos alunas,
até sermos profissionais contratadas.
— Ah, tia, você é um amor! — Ash choraminga, se levantando para abraçar a minha
mãe.
— Vou deixar vocês em paz.
— Obrigada, tia!
— Te amo, Tia Olivia!
Agradecimentos e declarações caem sobre minha mãe enquanto ela sai da sala e logo
somem quando elas se aproximam para continuarmos os sussurros.
— E então? Você tem certeza que vai voltar? Aqui parece o paraíso. — Lya pergunta e
eu dou de ombros.

Prendo o cabelo no topo da cabeça enquanto meu pai afasta a muleta e termina de
espalhar os equipamentos pelo quintal. Nossa casa é relativamente grande, nada comparada a
casa dos Sparks, mas é aconchegante e espaçosa, e o quintal é meu lugar favorito. Me lembra da
minha infância brincando com meu pai ou dando estrelinhas pelo gramado.
São definitivamente minhas melhores lembranças.
Forço um sorriso quando Órion aparece no meu campo de visão. O inverno já está indo
embora, o que faz com que ele não use sua jaqueta de couro com tanta frequência.
É sempre inevitável não olhar para suas tatuagens. É quase um gibi humano, algo que
sempre achei estranho e agora acho fodidamente atraente. Mesmo que eu nunca, em hipótese
alguma, vá admitir isso.
— Boa tarde, Sr. Coleman. — ele cumprimenta meu pai, apertando sua mão.
— Boa tarde, garoto. Já falei que pode me chamar de Arnold. — Meu pai o repreende,
fazendo-o encolher os ombros.
Ah, Órion tímido é uma cena engraçada.
— Qualquer coisa, estarei na sala.
— Obrigada, papai.
Órion deixa a mochila no canto do quintal e se livra dos anéis. Esse ato é quase um
momento de entretenimento para mim.
— Já se alongou? — Assinto.
— O que faremos hoje?
— Vamos usar o thera-band. — Franzo o cenho. — Elástico, Íris.
A paciência de Órion é louvável e quando ele joga o elástico em cima de mim, lhe mostro
o dedo médio e ele dá um pequeno e discreto sorriso. Babaca.
— Então diga elástico da próxima vez. E me ajude a levantar. — peço e ele se aproxima,
estendendo a mão para me pôr de pé.
Aperto seus dedos, me impulsionando para cima e quando me ponho de pé, estou tão
perto de Órion que seu perfume parece ainda mais intenso do que me lembro, assim como o azul
dos seus olhos diabólicos. São tão brilhantes, tão bonitos e tão profundos, o sol ajuda a destacar
os detalhes que me deixam hipnotizada. Quando seu olhar cai em meus lábios, eu recuo.
Ele pigarreia e se afasta, pegando o elástico para prender no pé do balanço de ferro que
fica do outro lado do quintal.
— Estou sem a muleta. — falo, me recusando a segui-lo até longe sem apoio.
— Ué, você não quer se livrar da muleta? Então, tente andar até mim sem fraquejar.
— De novo isso? — Ele me olha com tédio e estende a mão.
— Venha logo, Íris. — ele diz, prestes a perder a paciência. — Sem exagero, venha com
calma.
O medo me impediu de não usar a outra muleta. Senti uma ponta de coragem para
guardar uma delas, mas o pavor de cair não me deixou ficar completamente liberta. Agora,
caminho lentamente e trêmula até Órion, sentindo uma pequena dor me incomodar, mas
facilidade para andar.
— Está doendo?
— Um pouco, nada insuportável.
— Ótimo, isso é um ótimo sinal. — ele diz, confiante, me passando ainda mais segurança
para continuar caminhando sem medo. — Agora venha, fique de costas.
Obedeço, sentindo-o prender o elástico em minha perna operada. Ele se aproxima e
quando segura em meu quadril, prendo a respiração. Sua altura é completamente diferente da
minha, e com a proximidade, tudo o que enxergo são seu peito e ombros, já que me recuso a
erguer o olhar e me deparar com seu rosto tão perto do meu.
— Fique parada, você vai mexer apenas a perna, certo? — Assinto. — Contraia a coxa e
estenda a perna, leve-a para frente com cuidado.
Faço o primeiro movimento e ele se afasta, assentindo para me indicar que estou fazendo
certo.
— Dez repetições, três séries. Pare apenas se doer.
Começo as repetições, já o condenando em minha mente. Sempre odiei esses elásticos,
até mesmo nos treinos da academia.
Fecho os olhos, ignorando o incômodo e continuo, focada no fato de que já faltam quatro
meses para embarcar para Paris.
No fim das séries, ele me dá alguns segundos para respirar, mas logo se aproxima
novamente. Ele está mais sério do que nunca, focado, concentrado e pensativo. O maxilar
travado, os olhos firmes em cada movimento meu, ele me analisa profissionalmente, mas quando
seus olhos queimam em meus quadris, sinto que vou desmaiar.
— Agora para trás.
— Sério? — Por Deus, é ainda pior.
— Faça, Íris. Só pare se doer.
Reviro os olhos e faço o exercício, sentindo a coxa pesar com a força do elástico e
quando termino, ele logo troca os exercícios, repetindo que usaremos apenas o elástico toda vez
que reclamo. Confesso, não gosto de reclamar com profissionais que me tratam, sejam
fisioterapeutas, ortopedistas, treinadores e preparadores. Mesmo que doa ou incomode, sempre
fiz meu máximo para não reclamar.
Porém, a expressão irritada de Órion me deixa tentada a resmungar hora ou outra, mesmo
que não esteja incomodando tanto assim.
Depois de várias variações, quando chegamos a dez, ergo a mão em rendição.
— Pode pegar minha garrafa de água, por favor? — peço e ele assente, indo na direção
que apontei.
Ele balança a cabeça, negativamente quando toca o veludo azul que enfeita a garrafa e ao
se virar, Órion se depara com minhas meias e esboça um sorriso que me faz bufar. Pronto, vai
começar.
— É sério, Coleman? — ele provoca, com um sorriso brincalhão nos lábios que me deixa
com uma imensa vontade de sorrir também. — Garrafa combinando com meia?
— Ah, deixa de ser implicante e me dá a garrafa. — reclamo, puxando a garrafa da mão
dele.
— As meias coloridas já são um horror, agora combinando com garrafa torna tudo pior.
— Órion não se desfaz do sorriso e suas palavras se atropelam, já que ele está quase
gargalhando.
— Eu tenho mais, ok? E casacos que combinam!
Ele gargalha, leva a mão à barriga e o mundo parece paralisar. É a primeira vez que ouço
uma risada sincera, sem deboche ou mentira. Ele está se divertindo, os olhos estão fechados e
com um sorriso que cobre seu rosto e o transforma. É inevitável não sorrir também.
Órion consegue ficar ainda mais bonito quando esquece o mau humor, e se fosse sempre
assim, seria uma ótima visão para se ter diariamente.
— Olha, você me surpreende a cada dia, Coleman.
Dou de ombros, considerando como um elogio.
Você também, Sparks. E não faz ideia do quanto.
Eu nem sequer gosto de você
Por que você quer me fazer sentir assim?
Eu não entendo o que aconteceu
Eu continuo dizendo coisas que nunca disse
Voodoo Doll — 5 Seconds of Summer

— E então? O que tem para me dizer? — pergunto, cruzando os braços.


Peter tenta fugir, desviando o olhar e fingindo que não estou falando com ele, mas logo se
rende e me encara com os olhos arrependidos.
— Desculpa, tio Órion! Eu esqueci!
Eu poderia dar um longo discurso, um sermão chato sobre quão visível está a bancada de
proteção e equipamentos e como aquilo poderia prejudicá-lo. Eu poderia, mas ele inclina o rosto
para o lado e desvia o olhar marejado de mim.
Crianças… Conseguem tudo de mim.
Tiro uma das balas do bolso e deixo em sua mão antes de me inclinar sobre sua pequena
perna para analisar o inchaço no tornozelo.
— Tudo bem, vamos resolver isso. — Toco o tornozelo inchado de Peter e ele torce o
rosto, sentindo dor. — Com certeza vai precisar de exames, então antes, precisa do ortopedista,
certo?
— Mas você já vai?
— Logo depois de descobrir o que aconteceu aí. Vamos ter sessões todos os dias, ok? —
Ele assente e eu estendo o punho para que ele toque o seu. — Fique aqui, vou chamar o Jeremy.
Ele balança a cabeça positivamente, ajeitando-se na maca e mastigando a bala que dei.
É um dia movimentado na RGA, já que a equipe olímpica acabou de retornar do Torneio
de Inverno com mais medalhas para o quadro e tantas novidades para compartilhar com os outros
atletas que me deixam tonto. Todos falam alto, gargalham e perambulam pelo ginásio, a não ser
pela equipe feminina, que segue Sarah para a sala de fisioterapia como um exército seguindo um
general.
Elas são as mais falantes de todo o ginásio. Estão sempre gritando e rindo tão alto que até
mesmo na academia é possível ouvir, mas hoje estão caladas e imperceptíveis. Lya sequer ergue
o olhar, apenas segue a fisioterapeuta com os braços cruzados e rosto sério.
Como se tivessem perdido em todas as categorias, quando na verdade ganharam todas e
trouxeram medalhas e mais prestígio.
Franzo o cenho e aproveito que Jeremy está próximo da sala para ir em sua direção. O
ortopedista abre um sorriso e toca meu ombro. Irritantemente simpático.
— E então, Órion? Como estamos?
— Peter esqueceu do magnésio, caiu e torceu o tornozelo. — falo, objetivo, tentando
olhar pelo vidro da sala de fisioterapia.
— Por Deus, esse menino nunca vai aprender? — Jeremy exclama.
— Parece que não… Está com inchaço, precisa de alguns exames e isso é com você.
Jogo a responsabilidade para ele enquanto tento buscar algo com o olhar. Sarah ainda está
com os braços cruzados, esperando que cada uma das meninas se acomodarem em algum
aparelho. Lya se deita no tapete, agarrando a bola roxa à sua frente.
— Vamos logo com isso porque não estou aguentando mais. — Sarah reclama e vai na
direção de Jennifer.
— Está tudo bem, Sarinha? — A garota pergunta e de longe, consigo ver Sarah rolar os
olhos, como se tivesse odiado o apelido.
Apelido que a garota usa para se referir a ela há anos. Que porra está acontecendo?
Cruzo os braços e foco minha atenção nelas.
— Está tudo ótimo, Jennifer. Não está vendo?
— O que faço, Sarah? — Vivian se pronuncia, hesitante. A garota parece sentir medo de
perguntar e engole em seco quando Sarah se aproxima.
— Fortaleça os punhos, caso contrário, nunca irá vencer nas assimétricas.
— Ela ganhou a prata! — Lya a defende e Sarah força um sorriso.
— Prata não é ouro, é? É por isso que estarão por um fio nas Olimpíadas.
Alya se encolhe e meu sangue borbulha.
— Você não é nossa treinadora para falar sobre nossas modalidades. Você é só a
fisioterapeuta.
Poderia ter ficado ofendido em vê-la menosprezar a minha profissão, mas Sarah mereceu.
Só não consigo entender em que momento Sarah decidiu mostrar o quão megera é. Ela sempre
foi rígida, mas tentava disfarçar quando dizia que elas são como filhas.
Se ela trata o pequeno Chris dessa forma, sinto pena do menino…
Volto para a sala infantil para terminar meu trabalho que já estava quase chegando ao
fim, tentando repassar os momentos antes da ida ao Texas. Desde que Íris se machucou, Sarah
está diferente. Estranhamente calada, mas eu fui arrogante o suficiente para acreditar que estava
sendo só comigo, quando aparentemente ela está descontando sua frustração em todos.
É claro que ela pode estar enfrentando algum problema fora da RGA, ao contrário do que
pensa, existe uma vida fora daqui, mas, ainda assim, é completamente fora de seu feitio ser
assim. Pelo menos é o que ela sempre mostrou, mesmo concordando silenciosamente com os
rumores que me tiraram do sério por muito tempo.
Os comentários sobre eu ter conseguido a vaga através de meu pai me deixaram abalado
por muito tempo. Mesmo que não soubessem que Lya também é filha de Vincent, minha irmã
não gostava de ouvir certas coisas e às vezes não conseguia disfarçar.
Vincent fez questão de esfregar na cara de todos que tinha um filho homem e que ele
trabalharia ao seu lado, seria herdeiro da clínica, assim como Victoria, filha dos meus padrinhos.
Seríamos o futuro da Sparks-Caldwell. Não tive como fugir do fardo de ser o filho prodígio de
Vincent e logo depois tornar sua maior decepção.
Meu padrinho não era tão duro com Victoria e minha madrinha só aliviou quando ela
cedeu. Ela seguiu a carreira de neurologista, mas decidiu nunca passar perto da clínica. O mais
novo, Apolo, também está na medicina, sempre tentando provar o quão bom é.
Apenas Vincent está frustrado com os filhos.
Ou estava, já que agora ele sequer se lembra da nossa existência.
Às vezes consigo me enganar com o sentimento de ficar feliz por não tê-lo. Por muito
tempo senti falta de ter um pai, uma pena que Vincent nunca tenha servido para isso.
Quando eu era criança, o maldito era meu herói, e eu queria ser como ele. Até o dia que
ele gritou com a minha mãe por estar grávida novamente, até ele segurar seu braço com mais
força, até ele começar a sumir. Até os gritos se tornarem sussurros ameaçadores, o vidro
colidindo em meu braço não foi nada perto de ouvi-lo dizer que preferia não ter um filho.
E depois de tudo, até na RGA todos sabem quem é o maldito Vincent Sparks, e para a
sorte de Lya, ninguém nunca percebeu a semelhança entre nós. Todo o fardo ficou sobre meus
ombros e em toda essa história, mesmo sem dar maiores comentários, Sarah estava sempre com
um sorriso presunçoso no rosto, eu demorei um tempo para perceber.
Se o fato de eu estar tratando Íris está a incomodando, quando a loira subir naquela porra
de pódio, ela irá se desfazer. Torço para que isso aconteça e que eu possa assistir.
Finalizo todo o meu trabalho e quando meu alarme indica que finalmente acabou, vou na
direção do vestiário, mas antes que eu pudesse entrar, alguém segura meu pulso e me puxa para o
escritório de Neil.
— Por que estava nos espionando? — Lya pergunta, cruzando os braços.
— Não estava espionando coisa nenhuma, eu estava ali falando com Jeremy. Só fiquei
porque achei que Sarah estava sendo muito desagradável com vocês. — Lya dá de ombros. — E
como você sabe que eu estava ali?
— Você não é nada discreto, Órion! — ela esbraveja, me fazendo sorrir. — Olhe só para
você.
— Muito obrigado, sei que chamo a atenção. — sussurro para a minha irmã, que dá um
tapa em meu braço. — E então, o que está acontecendo?
— Ainda não entendi… — ela resmunga, se apoiando na parede, pensativa. — Pode ter
acontecido algo pessoal, não sei, mas no Texas ela já estava meio distante. Parece que está
cansada de nós.
— Ela não deveria tratar vocês assim…
— Não se preocupe, irmão. — Ela toca meu rosto e pega o celular. Seus olhos lêem algo
rapidamente e ela ergue o lábio num sorriso discreto. — Deveria estar preocupado com Íris, que
está convicta de que vai voltar pro apartamento dela amanhã mesmo.
— Como assim? — esbravejo. Alya sorri.
É claro que se Íris não tivesse ninguém, ela teria que se virar, mas tendo pais tão
atenciosos, deveria aproveitar para fazer repouso pelo tempo necessário. Como pode ser tão
ingrata?
Íris já consegue caminhar lentamente sem as muletas, mas se algo acontecer, estará
completamente sozinha. E quando está com as muletas, é um horror. Está sempre escorregando e
se desequilibrando. Às vezes acho que seu corpo foi trocado e que não estou tratando uma das
maiores estrelas da RGA. Ela é organizada e concentrada na academia, mas um grande desastre
quando está fora dela.
Um grande desastre que sozinha pode causar um caos ainda maior, e que pode acabar
com o restinho da minha paz.
Lya levanta o celular e me mostra a mensagem de Íris dizendo que falta convencer sua
mãe. Ah… Senhora Coleman, se eu pudesse falar com ela agora, certamente a convenceria de
não deixar Íris ir a lugar nenhum.
— Lembra quando me fez prometer que cuidaria de sua melhor amiga? — Lya assente.
— Estou à beira da desistência.
— Não seja tão chato.
— Sou fisioterapeuta, Alya. Fi-si-o-te-ra-peu-ta. Não babá, já falei.
— Boa sorte, irmãozinho. — Lya bate em meu ombro antes de sair da sala.
Estou pagando todos os meus pecados.

Estaciono a moto na frente do Hospital Infantil e tiro o capacete, pendurando-o no


guidão. Antes mesmo de descer, acendo um cigarro, pego meu celular e torço para não me
arrepender de abrir a aba de mensagens de Íris.
Prometi a mim mesmo que teria mais paciência com a garota. Nunca fui tão
compreensivo, na verdade nunca tive muita paciência para dramas, mas diante da situação de
Íris, estou tentando ser o mais legal possível, até conselhos já dei para a maldita loira. E ela
continua a ser teimosa e inferniza a minha vida.
Respiro fundo antes de digitar.

Órion: De onde surgiu a brilhante ideia


de voltar para o apartamento?

Tortura diária: É de família ser fofoqueiro?


Tortura diária: Lya não consegue ficar calada.

Órion: Ah, você pretendia fazer sem me contar?


Órion: E vai fazer as sessões de fisioterapia com quem, porra?

Tortura diária: Seja mais educado, Sparks.


Tortura diária: Não aguento mais ficar aqui, estou sufocada.

Órion: E você acha que por estar no seu


apartamento você vai poder fazer o que quiser?

Tortura diária: Nunca disse isso, mas não aguento mais


os olhares de pena dos meus pais e a forma que me
tratam. Eu consigo viver, não aguento mais esse drama.

Órion: Oh, coitada. Falou a rainha do drama.

Tortura diária: Já estou conseguindo andar sem a muleta, uso


só para apoio quando sinto muita dor.
Tortura diária: E tem a academia do prédio, podemos fazer as
sessões lá.

Órion: Você mora longe, Íris. Se acontecer


alguma coisa, não terá ninguém pra te ajudar.

Tortura diária: Estou indo amanhã.


Órion: NÃO!

Guardo o celular antes mesmo de saber sua resposta e levo o cigarro à boca, tragando
forte até a nicotina atingir meu cérebro para me livrar do estresse. Um dia vou conseguir
entender o que leva alguém a ser tão teimosa, mas esse dia não será hoje. Não quando Nina e as
outras crianças estão me esperando.
Acabo o cigarro e pego uma bala em meu bolso para me livrar do cheiro. A partir do
momento em que entrar nesse hospital, Íris não existirá mais.
Pego o elevador e ao chegar no andar, cumprimento Tamy e corro para me trocar. De
longe, consigo ouvir o barulho das crianças na sala, gritos e risadas que aliviam o estresse.
Depois de guardar as balas e me certificar que o broche do Batman está em meu uniforme, saio
rapidamente e chego na sala de fisioterapia, que está estranhamente movimentada, cheia de
crianças extremamente animadas e falantes.
Newton acena, ajudando o pequeno Alan nos exercícios com a bola e quando me
aproximo, o pequeno levanta a mão para que eu o cumprimente.
— E aí, campeão? Como está?
— Quase posso correr, tio Órion! — ele exclama, empurrando a bola cuidadosamente.
— É isso aí, só não pode se distrair, lembra? — Newton alerta e Alan assente,
determinado, focando o olhar na bola em sua frente.
Me levanto e quando avisto Nina no fim da sala, ela acena rapidamente, me fazendo ir em
sua direção para abraçá-la.
— Trouxe bala?
— Oi, Nina! Tudo bem? — pergunto, irônico e ela revira os olhos.
— Onde está a sua educação, Nina? — Kiara a repreende, me fazendo rir.
— Não se preocupe, Kiara. Entendo Nina perfeitamente, somos mais parecidos do que
imagina. — falo, lhe dando uma bala, fazendo a pequena abrir um sorriso. Me levanto para ficar
na altura da mãe, que cruza os braços. — Como foram os últimos dias?
— Ela ainda está com um pouco de dificuldade para respirar, mas está evoluindo. Fiz
todos aqueles exercícios de respiração que indicou. O problema é que a teimosa tentou correr e
acabou caindo.
Nina desvia o olhar para a bala, mas atenta no que estamos falando.
— Nada grave, mas está com uma certa dificuldade para andar.
— Então, a senhorita está aprontando? — pergunto, me abaixando para tocar sua perna.
Há um pequeno machucado no joelho, mas nada preocupante. — Vamos começar? Continue
deitada, ok?
— Uhum! — ela acena com a cabeça, animada. Pego a bola e ela logo ergue as pernas,
posicionando o calcanhar.
— Dobre os joelhos com cuidado. — oriento, segurando em suas pequenas pernas para
ajudá-la — E agora estique. Vamos fazer dez vezes.
Ela começa o exercício silenciosamente, mas logo seu olhar começa a alternar entre mim
e a bola, e existe algo nos olhos de Nina: Curiosidade.
Me preparo para o que virá a seguir.
— Quando a Íris vem?
Sinto uma imensa vontade de gritar, mas respiro fundo e sorrio.
— Quando ela estiver melhor, princesa. — Nina assente, mas me olha de forma que me
mostra que suas perguntas não acabaram.
— Como ela é?
Oh, meu Deus… O que fiz para merecer isso?
— É loira… Baixinha como você, tem olhos grandes e curiosos como os seus, mas são
escuros.
Tem uma grande mania de cruzar os braços quando está com raiva, mexe os dedos
rapidamente quando está ansiosa, tem uma voz irritante e um perfume delicioso, mas são
informações que ficarão em minha mente, até que eu consiga me livrar de uma vez por todas.
— Ela é bonita?
Dou um longo suspiro e quando olho para Kiara, ela parece tão curiosa quanto Nina.
Limpo a garganta na esperança que minha voz não falhe. Eu poderia dar diversos adjetivos
grandiosos para descrever a beleza daquela desgraçada, mas me limito a um:
— É, sim.
— Posso dar mais um desenho pra ela? É pra ela melhorar logo pra poder me ver.
— Claro que pode, Nina.
Se depender de Nina, eu nunca mais vou me livrar de Íris.
Kiara retorna com um papel colorido e me entrega. Meus olhos dão toda a atenção para o
desenho em minhas mãos. Diversas estrelas roxas e amarelas, de diferentes formatos e tamanhos.
Pontinhos, estrelas desajeitadas e outras perfeitamente alinhadas.
Sem saber, Nina despertou sensações inéditas, e outras adormecidas em mim.
Eu amava admirar as estrelas no terraço da minha antiga casa, onde Vincent deixava o
nosso telescópio. O amor pela Astronomia ficou escondido no lugar mais profundo de mim, já
que tudo o que eu queria era esquecer tudo o que pudesse me lembrar de Vincent.
O maldito sabia muito sobre as estrelas e antes de odiá-lo, eu o ouvia como quem ouve
um deus.
O desenho de Nina me desperta saudade do que eu fui, mesmo que isso envolva lembrar
de quem meu pai era antes de me destruir.
As estrelas continuam brilhando acima de mim, o universo se movimenta na sua mais
perfeita ordem, enquanto minha galáxia se torna cada vez mais caótica. Explosões diárias
acontecem e eu apenas me acomodei no meio de tantos pedaços quebrados.
As estrelas pareciam não brilhar com tanta frequência, mas enquanto olho o desenho de
Nina, sinto que estou admirando o mais lindo dos céus.
— Não é para ficar pra você, Órion!
— Por que eu não ganho um desenho? Até Lya tem!
— Tá, tá! Eu prometo que faço um pra você, tá bom?
Assinto e olho mais uma vez para desenho em minhas mãos. Íris vai ficar encantada, o
que vai aumentar a sua vontade de conhecer Nina.
Íris vai adorar o maldito desenho. Ela vai esboçar aquele sorriso que costuma me deixar
com as pernas bambas, e que me lembram de que é impossível controlar essas reações.
Principalmente quando seus olhos se tornam menores e as sardas em suas bochechas se
assemelham às estrelas.
O mundo gira devagar para que minha queda seja mais dolorosa.
Minhas estrelas estavam apagadas, todas já haviam explodido e sumiram por completo,
dentro da minha escuridão. Agora, sinto que seguro todas elas em minhas mãos, como algo
precioso que busca um lugar de confiança.
Os olhos de Íris tomam conta da minha mente, me mostrando que, se há um universo
seguro, eles moram dentro das orbes castanhas da loira que me inferniza.
O céu está em minhas mãos, estou prestes a entregá-lo a ela e pronto para perder o chão.
E agora toda a minha semana, toda a minha semana está dourada
Você não me vê brilhando? É assim que eu me sinto
E eu não tenho medo de ceder às emoções
Porque eu sei que isso pode ser algo real
Touch (Acoustic) — Little Mix

Eu sou idêntica a Olivia.


Isso é fato, quem nos vê juntas, sabe que o grau de parentesco entre nós está em seu
maior nível. Não só fisicamente, existe algo que, certamente, herdei dela: o drama.
Minha mãe tem uma horrível mania de tratar tudo como se fosse o fim do mundo e sim,
sei que consigo fazer isso com extrema facilidade, mesmo que tenha aprendido a evitar, ou pelo
menos, disfarçar.
Mamãe passou horas chorando quando me lesionei, sequer me deixa sair do quarto e está
sempre me monitorando com as muletas.
Cada salto que dou é equivalente a um momento de angústia para ela.
Agora, enquanto encaro o teto estrelado do meu quarto, tento elaborar uma forma de
dizer que estou voltando ao meu apartamento, sem fazê-la surtar.
Alya estava certa quando disse que aqui é o paraíso. Estar com meus pais é como estar
nas nuvens, mas depois que consegui meu apartamento, me acostumei a estar sozinha e agora,
sinto que não ter ninguém por perto por tanto tempo, é algo que preciso. E muito.
Todo o exagero que rodeia a minha lesão está me levando ao extremo da exaustão.
Mamãe me trata como se eu nunca mais fosse voltar a competir, papai está sempre me dando
conselhos, mesmo quando não peço. Neil me olha com receio, um grande misto de pena e
incerteza.
Tantas suposições e ordens que se misturam às vozes que gritam dentro da minha mente,
me deixando ainda mais desesperada pelo meu espaço.
Passei a noite toda rodando pelo quarto, dando passos lentos e precisos, me equilibrando
nas duas pernas, para provar a todos de que consigo me virar sozinha. Ainda sinto o joelho fraco,
e algumas vezes, a dor se torna aguda, mas nada que impeça de tentar voltar a viver a minha vida
normalmente.
Mesmo que os treinos na RGA não estejam incluídos nisso.
Me levanto com cuidado e depois de fazer minha higiene, saio do quarto com apenas uma
das muletas, me esforçando para não cambalear. Meu pai ergue o olhar e dá uma piscadinha,
ciente do que irá acontecer.
Contei a ele que voltaria e ele tentou me fazer desistir, mas por fim, entendeu o meu
pedido e disse que estará com o telefone ligado a todo momento para caso eu precise de sua
ajuda.
— Bom dia, princesa. — minha mãe me cumprimenta, arrumando a mesa.
Seus passos estão ainda mais lentos que os meus e quando ela se senta, parece cansada.
— Já está conseguindo andar com apenas uma?
Assinto, assistindo-a respirar fundo. As tarefas da casa misturadas à sua rotina no
trabalho a deixam exausta. Minha presença aqui é algo que piora seu estado.
— Não senti dores ao andar. Dormi bem, finalmente.
Falo sobre a minha melhora sem esquecer de nenhum detalhe. Desde os momentos em
que estou sem as muletas, até os elogios tortos de Órion sobre a minha evolução. Minha mãe
ouve atentamente a cada palavra dita, enquanto se serve de pão e café.
— E então, a cicatriz está bem menor, só vou usar as duas muletas para caso eu sinta
cansaço. — completo e ela assente. — E isso significa que eu já posso voltar para o meu
apartamento! — finalizo toda a explicação, fazendo-a arregalar os olhos e quase se engasgar com
café. Meu pai tenta conter uma risada ao seu lado.
— De onde tirou isso, Íris?
— Mãe, eu já estou bem.
— Mas minha filha, é tão distante de nós, e você vai estar completamente sozinha. E se
algo acontecer? E se você se machucar?
Aproximo a cadeira da sua para pegar sua mão. Em seguida, deposito um beijo no dorso e
ela sorri.
— Mamãe, eu não vou me machucar. As sessões de fisioterapia serão na academia do
prédio, lá tem vários equipamentos e Órion já concordou.
Ele nem sabe ainda e quando souber, vai transformar minha vida em um pesadelo.
— E eu não vou ficar sozinha, Lya ficará comigo por um tempo.
Ainda não falei com Alya, mas eles também não precisam saber disso.
Ela dá um longo suspiro e repete meu ato, beijando o dorso da minha mão. Os cabelos
loiros parecem mais opacos, apesar de sua pele levemente pálida. Mamãe passou todo esse
tempo fazendo coisas para mim, se recusando a aceitar ajuda e nas primeiras noites, ia ao meu
quarto para se certificar de que não morri.
Um tempo sem mim também servirá para o seu descanso. Assim como eu, ela também
precisa.
— Promete que irá nos ligar todos os dias?
— É claro, mamãe. E eu ainda vou estar na cidade, vocês só precisam pegar o carro e ir
até mim.
— Eu sei… — Minha mãe se aproxima ainda mais e aperta meu rosto contra o seu. —
Vou sentir tanto a sua falta. De novo.
— Não fale assim, mamãe. Estou morando no centro da cidade, não é longe assim.
— E você não vai voltar para a RGA antes da liberação do Dr. Wilkins, certo?
Assinto, lhe mostrando o mindinho. Ela enlaça o dedo no meu e sorri.
— Eu prometo.
Depois do café e diversos comentários sobre minha ida, meus pais me ajudam a arrumar
minhas coisas e quando se distraem, aproveito para mandar uma mensagem para Lya,
perguntando se ela topa passar um tempo comigo.
Ninguém está isento de cair e sofrer um acidente, principalmente eu com essas muletas
que me deixam ainda mais desajeitada. Por isso, tive a brilhante ideia de tirar Lya de sua casa.
Ela não gosta de estar lá e eu não posso ficar sozinha. Juntaremos o útil ao agradável e ficaremos
felizes.
Como o esperado, não demora para que ela responda dizendo que topa e avisa que
chegará a noite. Com certeza, está na RGA nesse exato momento.
Guardo as roupas, meias e o desenho que estava colado na parede ao lado da minha cama.
Depois do almoço, meu pai me ajuda a guardar as coisas no carro e a entrar, acomodando a
muleta em meu colo, no banco de trás.
— Íris, você não pode ir à RGA, certo? — Minha mãe repete pela milésima vez quando
meu pai dá partida no carro.
Meu coração implora para que eu faça uma visita rápida, mas, ainda assim, sei que devo
fazer mais alguns dias de repouso e concordo com ela. Mesmo sentindo falta dos gritos dos
juniores, mesmo sentindo falta das ordens de Neil e Sarah. Até mesmo os desenhos nas paredes
me deixam com saudade, como se eu não fosse lá há anos.
A RGA se tornou minha vida. Minha rotina se resume a estar no ginásio desde sempre,
mas depois do fim da faculdade, eu nunca mais soube o que é estar muito tempo sem ir até lá.
Ver as fotos da equipe nas redes sociais, os vídeos dos treinos, as fotos no espelho, me deixam
ainda mais ansiosa para voltar.
— Fique tranquila, mãe. Prometo que não vou fazer nenhuma besteira.
— Confio em você, pequena.
Não moro de frente para nenhuma das praias de Miami, escolhi a Coral Way por estar em
um bom preço e por ser perto da Brickell, onde fica a RGA. Se os patrocínios me permitissem,
eu estaria morando na Brickell, quase do lado da Academia, mas minha condição financeira
ainda não permite esse luxo.
O dia está lindo, e mesmo que meu apartamento não seja na praia, é alto o suficiente para
ver o mar e assistir o sol descer no horizonte. A iluminação causada pelos fins de tarde em meu
apartamento é algo que me convenceu a escolher esse prédio para morar. As paredes sempre
ficam laranjadas ou rosadas no fim do dia, me deixando impressionada, apaixonada e
extremamente confortável.
Não volto aqui há um mês. Desde que me machuquei, fui proibida de ir até a minha
própria casa, nunca mais respirei sem alguém colado em minhas costas. Com o sol dourado
iluminando cada canto, meu apartamento me recebe de volta de braços abertos.
Enquanto meu pai acomoda as coisas no quarto, minha mãe me abraça e acaricia meus
cabelos. Mais aconchegante do que qualquer casa, estar nos braços de minha mãe é algo que me
faz feliz e me traz alívio, curando onde dói intensamente.
— Só preciso que se cuide, pequena. — ela sussurra, ainda acariciando meus cabelos.
— Eu vou ficar bem, mamãe. Eu prometo.
— Não exagere nas tarefas, permaneça quieta na maior parte do tempo e não se esqueça
do remédio! — ela repassa tudo de novo e eu assinto. — E se precisar de qualquer coisa, pode
nos ligar que chegaremos rápido.
— Mamãe, não se preocupe, ok? Tente dormir em paz.
Ela dá um sorriso e me abraça ainda mais forte, em seguida, dá um beijo estalado em meu
rosto. Meu pai corre até nós e se aproveita de seus grandes braços para nos envolver em um
ninho. Me sinto protegida, ao mesmo tempo que me sinto confiante e segura para enfrentar
qualquer medo.
Quando finalmente consigo me despedir, fecho a porta e giro a chave, respirando fundo
mais uma vez para inalar o cheiro gostoso do apartamento.
Aproveito do fato de estar sozinha e coloco o álbum Lover da Taylor Swift no volume
mais alto e deixo a muleta do lado de fora do banheiro, para tomar um bom banho.
Tiro a música apenas para dar play em Friends. Não farei absolutamente nada diferente,
mas a sensação de poder ver o sol se pôr e finalmente voltar a comandar a minha vida me deixa
aliviada. Depois de alguns episódios, meu estômago ronca, porém sinto tanto sono que estou
quase cochilando no sofá, mas batidas altas e rápidas em minha porta me fazem franzir o cenho e
despertar.
— Meu Deus, já estou indo! — grito, me levantando. — Alya, é você?
Toco o chão com delicadeza, colocando todo o meu peso na minha perna esquerda e
caminho na direção da porta, enquanto o barulho do ser apressado permanece. Não satisfeito em
bater na porta, também aperta a campainha e o som faz minha cabeça latejar.
Acreditei que teria um pouco de sossego em meu apartamento, mas aparentemente,
estava enganada.
— Quem é? — grito de novo, me apoiando no sofá.
Quando alcanço a parede, jogo o corpo contra a parede e agarro a maçaneta, girando a
chave para destrancar a porta.
— Se não for importante, eu juro que…
— Que porra você pensa que está fazendo?
Órion cruza os braços e me analisa da cabeça aos pés. Suas sobrancelhas estão franzidas e
o rosto avermelhado, o que indica que ele está muito irritado. O fato dele ter me feito correr para
atendê-lo me deixa com o dobro de sua raiva.
— Podia ter pelo menos avisado que era você, assim não teria corrido tanto! — exclamo,
apoiando todo o corpo na porta. — Ou nem teria atendido! O que você está fazendo aqui?
Ele não responde, apenas respira fundo e avança até mim, me puxando pela cintura.
Órion é um homem grande e forte, e eu consigo sentir sua irritação na força que usa para me
erguer.
Com o pé, ele empurra a porta, fechando-a atrás de si, ignorando todos os gritos que dou,
ordenando que me solte. Ainda que meu rosto queime de raiva, não consigo controlar o arrepio
causado pela sua mão em minha pele.
— Me solta, porra! Qual o seu problema? — pergunto, me forçando para sair de seu colo.
A raiva é tão grande que consigo sentir cada gota dela em meu sangue, percorrendo meu
corpo com rapidez, até chegar em meu rosto, que queima diante do seu atrevimento.
— Não, qual o seu problema? — ele grita. — Você acabou de fazer uma cirurgia, Íris!
Não devia estar sem as muletas, você não devia estar sozinha na porra desse apartamento!
Lembra que falei sobre repou…
— Eu estava fazendo a merda do repouso absoluto até você decidir me infernizar! —
grito de volta, equilibrando-me em minhas pernas. — Eu já consigo me virar, eu estou na minha
casa e não existe nada aqui que me coloque em risco!
— Você se coloca em risco, caralho! Se colocou em risco por todos esses meses, fez o
mesmo quando decidiu fazer aquela merda de treino na minha casa — ele esbraveja e a raiva se
torna ódio. Um ódio tão grande que minha garganta arranha. — e agora está fazendo tudo de
novo. Só tem uma semana da cirurgia, Íris, que porra você está pensando?
— Eu sei que sou capaz de ficar aqui, e tudo o que vou fazer é assistir a merda da
televisão, tomar um banho em silêncio e conseguir dormir sem ter gente falando na minha cabeça
sobre um futuro que eu nem sei se tenho. — Minha voz dobra de volume, num tom que eu
detesto, mas que transmite toda a raiva que sinto. — Eu só quero paz e silêncio, Órion! E você
está acabando com isso, como sempre!
— Você não quer ir para as Olimpíadas? Então, faça o dobro do que deve ser feito
normalmente! Você não quer ser o milagre que se recupera em menos de seis meses? Então, faça
as coisas direito! Se algo acontece aqui, quem iria te ajudar? Vai fazer seu pai se despencar da
puta que pariu de Miami até você por birra? — ele continua gritando e eu sinto que vou explodir
a qualquer momento.
Órion gesticula exageradamente e sua voz ecoa por todo apartamento.
— Não grite comigo! Agora é você que está exagerando! — Avanço até ele e a dor que
eu sentia ao pisar parece se dissipar. — Já disse para não me tratar como criança!
Espalmo as mãos em seu peito, na tentativa de empurrá-lo, mas ele é mais rápido e segura
meus pulsos com força.
Nesse momento, minha atenção é dos seus olhos e de sua boca, que liberta sua respiração
ofegante. Ah, merda, ele está perto.
— Você está sendo pior do que uma criança! — ele grita, apertando os dedos em meus
pulsos. Seu peito desce e sobe rapidamente, a respiração é tão intensa que consigo sentir seu
hálito de menta e cigarro contra meu rosto.
— Me solte! — Devolvo o grito, sustentando seu olhar quando ele avança um passo,
grudando o peito no meu. — Eu odeio você! — rosno e o aperto em minha pele aumenta.
— Eu odeio você. — ele repete, como uma merda de competição de quem se odeia mais.
Meus olhos se apertam, como se pudesse aniquilá-lo sem qualquer outra ação. — Não me olhe
desse jeito, Coleman! — ele exclama, mas sua voz volta ao seu tom habitual.
Rouco, baixo e intimidador. O motivo dos meus arrepios constantes.
— Ou o que?
Ergo o queixo para olhá-lo com mais afinco, ainda que meu subconsciente implore para
admirar aqueles malditos lábios rosados, e agora, umedecidos. Órion solta meus pulsos e agarra
minha cintura, arrancando meu ar e minha sanidade.
Agarro a camisa branca com força, ficando as unhas no tecido e, com uma das mãos, ele
agarra meus cabelos, puxando-os. Seus dedos enrolam os fios e ele suspira, como se esperasse
por isso há muito tempo.
O toque é firme e intenso, e por Deus, eu me derreto por completo.
— Merda, eu estou prestes a cometer um erro.
— Não seja covarde…
Ele sequer me deixa terminar a frase, já que pressiona a boca na minha, causando um
alívio quase inexplicável em todo meu corpo. Puxo sua camisa com força, na intenção de mantê-
lo grudado a mim enquanto sua boca me ataca até arrancar um gemido baixo da minha garganta.
Ele não esconde a sua raiva. Na verdade, deixa com que todo o ódio transpareça na
brutalidade do beijo que me tira o ar e a firmeza das pernas. Aproveito o momento para deixar
que tudo que senti por todo esse tempo saia pela minha boca e pela força das minhas unhas em
sua nuca.
Órion se afasta e franze as sobrancelhas, me dando um segundo para recuperar o ar.
— Não pode…
Agora que começou, vai terminar.
Mesmo que isso me destrua.
— Não se atreva! — o interrompo e me ponho na ponta dos pés para alcançá-lo
novamente.
Órion leva sua mão pelo meu quadril e quando chega em minha bunda, ele aperta com
força e eu amoleço. Consigo sentir seu sorriso contra a minha boca e mordo seu lábio inferior em
vingança.
Órion é o tipo de homem que prometi a mim mesma que jamais permitiria que me
tocasse. É como estar diante de um clichê adolescente. O bad-boy quebrado, odeia tudo e todos e
está sempre disposto a arranjar problemas.
Nunca entendi os motivos deles serem a preferência entre as garotas. Nunca vi graça em
me envolver em problemas.
Acontece que Órion me beija como se sua vida dependesse disso, seus dedos deixam
rastros de chamas que ardem a minha pele e me impedem de soltá-lo. Há uma complexidade
intrigante que me mantém por perto.
Órion me toca com força, mas há cuidado na ponta dos seus dedos. Ele me deixa
deliciosamente confusa, e eu já não sei mais como recuar. Como impedi-lo.
Ele me ajuda a sentar no sofá, e se ajoelha entre minhas pernas. Seus lábios continuam
grudados nos meus e eu esqueço todas as minhas tentativas de entender o que estou sentindo.
Apenas me desfaço de todas as promessas banais que um dia fiz e deixo que ele me toque.
Mesmo sabendo que estou cometendo um imenso e irreparável erro.
Sinto o impulso do seu corpo contra o meu quando ele aperta as minhas coxas. Suas mãos
sobem pelas laterais do meu corpo e adentram a minha blusa, tocando minha pele e arruinando a
porra da minha vida.
A forma com que ele me toca entrega que estou completamente perdida. Seus olhos azuis
tentaram me dizer isso no momento em que discutimos pela primeira vez.
Órion me salvou e agora, ele me empurra do precipício.
E eu o levarei comigo.
Meus dedos apertam ainda mais a sua camisa, quase rasgando-a com as pontas das unhas,
puxando-o para cima e sua mão escorrega da minha nuca, até meu pescoço, que ele envolve o
suficiente para me deixar aprisionada. Levo as mãos pelos seus ombros, apertando e arranhando
cada centímetro de pele que consigo alcançar.
Minha pele arde à medida que sua mão desce pelo meu quadril, até minha perna e quando
se encaixa entre minhas coxas, impulsiono o corpo para frente, fodidamente desesperada pela sua
mão. Órion resmunga contra minha boca quando sua palma toca minha intimidade por cima do
short.
Oh, merda, eu devia fazê-lo parar, mas meu corpo reage ao seu toque e ele morde meu
lábio, puxando-o com força. A dor causada pelos seus dentes me faz rebolar contra sua mão, que
me acaricia com brutalidade.
— Merda, Coleman… — ele resmunga contra a minha boca enquanto seus dedos me
tocam com afinco. — Que porra você quer de mim?
Sua outra mão vai até meus cabelos, apertando-os.
— Você. — respondo, sem me dar conta de que estou cedendo às vontades do meu corpo
para esquecer o quanto o odeio.
Seus dedos ágeis afastam o tecido do meu short e quando ele sente a umidade no tecido
fino da minha calcinha, ele rosna contra minha boca e volta a me beijar com força.
Meu corpo implora por ele, quero arrancar suas roupas e deixar que ele rasgue a minha,
mas quando puxo seus cabelos, ele abre os malditos olhos azuis.
E se afasta, jogando-se no chão.
Foi preciso que ele me encarasse para que eu percebesse que entrei em um caminho sem
retorno, e que ele parece tão abalado quanto eu.
— Desculpa. — Ele respira ofegante, e se levanta rapidamente. — Isso não deveria ter
acontecido.
— Não deveria… — repito, tentando me convencer disso. Fecho os olhos para não vê-lo
ir.
— Me ligue se precisar de algo. Qualquer coisa. — ele diz. Apenas assinto e solto o ar
quando ouço a porta fechar.
Um sorriso surge no canto da minha boca. Ainda consigo senti-lo contra mim.
Foi um erro, Órion. E foi o erro mais gostoso que cometi.
E no momento em que estou prestes a me afogar, ela me ressuscita
Ela me odeia pra caralho, e eu amo isso.
Love The Way You Lie — Rihanna (feat. Eminem)

Existe um fenômeno no universo, que acontece quando duas galáxias colidem entre si. O
efeito da gravidade entre elas é maior do que o efeito causado pela expansão do universo, e
assim, elas interagem gravitacionalmente entre si.
Galáxias grandes absorvem galáxias menores, mas duas galáxias semelhantes em
tamanho, formam uma galáxia elíptica gigante.
Esse fenômeno é nomeado popularmente entre os astrônomos como Dança Cósmica,
uma grande colisão de galáxias, semelhante ao que aconteceu no apartamento de Íris. Eu cometi
a porra de um erro, mas não há uma gota de arrependimento em meu corpo.
Pelo contrário, só existe ela.
Ela se fundiu a mim, e como os astrônomos afirmam, dessa dança cósmica, novas estrelas
se formam dentro da fusão das galáxias.
Há estrelas no teto do meu apartamento, mesmo que não consigam ser vistas a olho nu.
Íris é a minha melhor adversária. Eu a odeio. Por Deus, como eu a odeio, mas no fim,
somos iguais. E é por isso que sinto que ela ainda está presa em meu corpo. Merda, ainda
consigo sentir o toque dos seus lábios nos meus.
Me sento na cama e estremeço quando o vento frio vindo da janela colide com meu
corpo. Sequer me lembrei de fechar as janelas quando cheguei e, ao meu lado, Bella parece me
julgar. Se ela fosse uma pessoa, estaria com os braços cruzados e seu semblante repreendedor.
Seu latido se transformaria em um “eu te avisei”.
Merda, como eu pude ter sido tão idiota?
Desde que sai batendo a porta do apartamento de Íris e me enfiei no elevador, sigo
sentindo seu gosto em meus lábios e tento descobrir como faço para parar com todas as
sensações que parecem me atormentar. Quando tudo isso começou, eu percebi que Íris testaria a
minha paciência a todo custo. Talvez tenha sido um dos motivos que me fizeram odiá-la.
Ou me forçaram a odiá-la, apenas por medo de que ela me vencesse.
Lembro de cada palavra proferida por ela sobre meu pai no dia em que decidiu tirar
minha paz, ou o que ainda restava dela. Eu estava encostado em minha moto, tinha acabado de
ter uma pequena discussão com Lya sobre suas tentativas de me fazer falar com Vincent. Eu
estava no meu limite e ela decidiu me irritar.
Íris não se abalou, e se aconteceu, ela soube esconder muito bem. É uma das poucas
semelhanças entre nós: saber camuflar os sentimentos que nos destroem.
É assim desde que meu pai começou a tornar a minha vida um inferno, é assim com Íris
quando a pressão é grande demais e ela parece não aguentar. Tem sido assim desde que ela se
machucou e parece estar disposta a arruinar todos os meus planos.
Cada palavra dita por mim naquele dia parece não ter surtido nenhum efeito nela. Ela não
desabou, não se ofendeu, ou se importou, ela só passou a direcionar todo seu ódio a mim.
Eu retribui, achando que tudo ficaria da mesma forma, jamais imaginei que ela seria a
pessoa responsável pela confusão na minha cabeça.
Só agora me dei conta do quanto eu sempre reparei nela, e agora, ficar tão perto é como
uma tortura. Entendê-la, mesmo fingindo que não me importo. Eu tentei me convencer de que
poderia odiá-la até o fim, meu subconsciente já sabia que ela seria um risco.
Como fui idiota.
Íris consegue se esgueirar por lugares obscuros apenas para iluminá-los, e faz essa merda
sem ao menos perceber. Seus atos são tão espontâneos que me deixa impressionado. E o rancor
que me corrói todos os dias não permite que eu aceite toda a sua luminosidade. Seu brilho arde
minha pele, nós somos incompatíveis.
Mesmo que nossa incompatibilidade não me impeça de sentir suas mãos em mim, ainda
sinto o ardor das suas unhas em meu pescoço, da sua boca urgente contra a mim.
Meu coração está prestes a explodir dentro do meu peito e isso se intensifica todas as
vezes que lembro dos seus olhos desafiadores e flamejantes. Ela me encarou com desejo e ódio, e
eu aceitaria todas as gotas da sua vingança e do seu ódio. Eu seria seu alvo se ela me desse tudo
o que desejo.
Íris gritou comigo e eu rebati no tom mais alto da minha voz, mas o mundo ficou
silencioso quando meu subconsciente me obrigou a beijá-la.
O mundo parou para assistir a minha queda aos seus pés, mesmo que eu nunca consiga
admitir isso.
Foram todas essas sensações que me fizeram acabar com meu maço de cigarros.
Íris é mesmo uma filha da puta.
— Pare de me olhar assim! — exclamo para Bella, que ainda está sentada ao lado da
cama, me encarando em silêncio.
Minha cadela consegue ser assustadora de vez em quando.
Ela late e vai na direção da porta, empurrando-a com o focinho para me deixar sozinho.
Nem ela suporta mais toda essa situação.
Me forço a levantar e quando ligo o celular, vejo que dormi demais. Como em todos os
sábados, acordei extremamente tarde, mas muito mais exausto. Embaixo do relógio que marca
meio dia e meia, estão mensagens de Lya, avisando que vai passar alguns dias no apartamento de
Íris para não deixá-la sozinha e depois perguntando se brigamos, já que ela sequer consegue
ouvir meu nome.
Ora, então a loirinha está tão confusa quanto eu? Minha essência perversa e competitiva
fica satisfeita ao saber disso. A parte orgulhosa manda eu me preparar para a sessão que teremos.
Posso não tocar no assunto, posso dizer que não acontecerá de novo. Posso esperar para
ver suas reações, talvez ela mesma tente acabar com isso.
Posso fingir que nada aconteceu ou beijá-la até perder o ar.
— Que merda! — grito comigo mesmo e me enfio no chuveiro gelado.
Depois de tomar banho e procurar alguma coisa para comer, me sento no sofá e enxergo
o desenho acomodado na mesa de centro do meu apartamento. O céu estrelado feito por Nina e
que eu esqueci completamente de entregar a Íris. Me questiono se devo entregar. Talvez a
menina nunca me perdoe por não ter dado a Íris e fique com raiva de mim por não levá-la até ela.
As estrelas desenhadas por Nina parecem se tornar pontos de interrogação para o fim de
tantas perguntas que pairam em minha mente e me fazem largar o papel na mesa de centro e me
levantar em busca de outro maço de cigarros.
Depois de acabar com toda a sua ração, Bella pula no sofá posicionado na varanda do
apartamento e ao invés de se deitar para pedir carinho, como faz todos os dias, ela se senta para
assistir a minha confusão. Quando volto a me acomodar ao seu lado e acendo o cigarro, ela late.
— O que é? Agora o cigarro te incomoda também? — reclamo. — Onde você aprendeu
essa porra?
Ela late de volta e lambe meu rosto. Em seguida, se deita com a cabeça no meu colo e
ergue os olhos pidões na minha direção. O carinho feito em seus pêlos a acalmam tão rápido
quanto acabo meu cigarro.
Tão rápido quanto o dia passa.

Quando atravesso a porta, Sr. Johnson me recebe com o mesmo sorriso de antes.
Aparentemente, Íris ou seus pais já haviam informado que sou seu fisioterapeuta, então não foi
difícil convencê-lo a subir ontem sem avisar a Íris.
Ele estende a mão para eu apertá-la.
— Boa tarde, Sr. Johnson. Preciso ir até a academia.
— Subsolo, Sr. Sparks. Só aperte o botão vermelho do elevador. Acredito que a Senhorita
Coleman já esteja à sua espera. — Ele aponta o elevador e eu assinto, indo até lá e fazendo o que
ele orientou.
Sinto as mãos trêmulas e brigo com meu subconsciente por estar me submetendo a esse
tipo de sensação. A mochila em meus ombros parece mais pesada, a jaqueta de couro parece
mais quente, o elevador parece mais apertado e quando atravesso o corredor na direção da
academia, o tempo parece mais lento.
Repito para mim mesmo que o que aconteceu no dia anterior não foi importante, mas
quando vejo Íris através da parede de vidro da academia, tudo vem à tona tão rapidamente que
me sinto tonto.
Como ignorar aquela porra de short apertado em sua cintura e o moletom curto cinza que
deixa parte de sua pele à mostra? Ela prende os cabelos loiros em um rabo de cavalo e eu me
lembro o quão macios eles são.
Ela decidiu se tornar a rainha do meu inferno, está disposta a me fazer queimar a cada
minuto que a olho e reviver cada segundo do dia anterior.
Anseio por mais, em silêncio.
Ah, se eu a tocasse com mais afinco, eu certamente teria arruinado suas roupas. Eu
arrancaria dela tudo o que eu bem desejasse, ali no seu sofá. Íris certamente não recusaria, já que
se ofereceu para mim como um banquete.
Eu a devoraria, se o meu orgulho não tivesse me empurrado para fora da sua sala.
Desgraçada!
As meias brancas enfeitadas de borboletas vermelhas me forçam a sorrir.
Quando nota minha presença através do grande espelho, Íris engole em seco. Me agarrei
na esperança de Lya estar presente, mas Íris está completamente sozinha e nitidamente
desconfortável.
— Oi. — ela diz, trêmula e logo desvia o olhar de mim.
— Oi. — respondo e largo a mochila no canto, abrindo-a para guardar meus anéis.
Só assim consigo me lembrar do desenho de Nina dobrado dentro da mochila. Se eu
tivesse um diabinho e um anjinho em cada um dos ombros, os dois me fariam entregar o
desenho. O anjinho teria a única intenção de vê-la sorrir, o diabinho desejaria amolecer a garota
para conseguir levá-la para o quarto.
Os dois agindo contra a minha vontade de acabar com tudo que estou sentindo.
Desdobro o papel e me direciono a ela. Íris o olha, confusa, mas quando percebe que veio
de Nina, ela sorri. Sorri tão lindamente que preciso me afastar mais uma vez para não perder o
controle.
— É de Nina?
— É claro, de quem mais seria? — respondo, rápido e ela revira os olhos.
— É lindo. Amo olhar as estrelas, Nina parece ter adivinhado. — Íris fala baixo, como se
estivesse relutante em me contar.
Cale a porra da boca, Íris.
— Tá bom, podemos começar? — pergunto, com pressa de terminar logo e ela dá de
ombros, dobrando o papel para acomodá-lo com cuidado ao lado de sua garrafa colorida. — Está
fazendo a massagem na cicatriz?
— Estou. Achei que não fosse doer depois de tirar os pontos.
— Está sendo cuidadosa na hora de fazer, Íris?
— É claro, Órion. Não sou como você. — ela rebate, se levantando e alongando a perna
boa.
Íris já está andando normalmente, mesmo que devagar, não precisa mais das muletas para
se equilibrar. Isso me faz vibrar internamente, já que sua recuperação está sendo mais rápida do
que eu esperava.
— Como assim, como eu? — Cruzo os braços, assistindo ela se apoiar na parede para
esperar minhas orientações. Ela está perto o suficiente para que eu precise me inclinar para olhá-
la.
— Um verdadeiro brutamontes!
— Não parece ter te incomodado ontem, Coleman. — A fala escapa da minha boca, mas
antes que eu sinta arrependimento, a reação de Íris me deixa satisfeito.
— Vá se foder.
Íris se afasta rapidamente, com os braços cruzados e sobrancelhas franzidas. Seu
nervosismos faz um sorriso surgir em meus lábios, involuntariamente, mas vitorioso.
— Faz elevação do calcanhar. — falo, apontando para o pequeno degrau acomodado
entre outros aparelhos. — Dez elevações com descanso para não incomodar.
— Quantas séries?
— Três.
Ela assente e sobe no pequeno aparelho para começar. Íris tem um equilíbrio corporal
incrível e isso torna o exercício fácil, apesar da fragilidade em seu joelho. Porém, contrariando
minhas ordens, ela não descansa entre as elevações, parecendo estar com tanta pressa quanto eu
para sair de lá.
— Descanse entre as elevações, Íris. Essa rapidez pode te causar dor e cansaço
desnecessários.
Ela respira fundo, para ao descer da ponta dos pés e em seguida, faz mais lentamente.
Quando termina, ela me olha à espera de outro exercício. Seu aspecto contrariado a deixa ainda
mais atraente e mais determinada a executar o que faz com perfeição. Me irrita e me deixa
completamente preso a ela.
— Agachamentos agora. Encoste na parede para manter o equilíbrio.
Ela se direciona para o espelho, empurrando as costas contra ele e respira fundo antes de
começar. Como se nunca tivesse feito exercícios físicos na vida, ela curva levemente os ombros
e me força a me aproximar para ajustar sua postura.
Íris conclui todos os exercícios com perfeição e rapidez, na troca dos aparelhos, ela
consegue andar sem mancar ou torcer o rosto de dor, apesar de sentir o joelho fraquejar algumas
vezes.
— Vamos fazer exercícios isotônicos agora.
Ela franze o cenho. A mesma expressão que faz sempre que fica em dúvida de algo, é
adorável e irritante na mesma intensidade.
— São exercícios onde os músculos mantêm a mesma tensão. Contrai e alonga
constantemente e a carga continua a mesma. — Ela ouve atentamente e quando aponto para que
ela deite. Íris obedece ainda me olhando enquanto explico. — Vai te dar resistência, massa e
força muscular e óssea. Dobre a perna boa e estique a operada.
Íris deita de barriga para cima e dobra a perna direita.
— Você vai levantar a perna esquerda, completamente esticada. Tensiona os músculos
para travar e vai erguer devagar. Dez vezes para começar.
Ela assente e começa o exercício. No quinto movimento, ela pressiona os olhos e morde o
lábio inferior. A perna amolece e torna mais difícil mantê-la perfeitamente alinhada.
Seu olhar confiante se desfaz e tudo o que enxergo é dor.
Ela morde o interior da bochecha ao parar.
— Me ajuda? — Íris choraminga e eu amoleço.
Em um lugar extremamente profundo e obscuro de mim, eu sinto que, nesse momento, eu
faria absolutamente qualquer coisa por Íris.
Se meu corpo tivesse voz, eu não negaria
Tocar, fazer amor, te provar
Se meu corpo dissesse a verdade, amor, eu faria exatamente o que eu quisesse
Body Say — Demi Lovato

É a primeira lesão que me deixa tanto tempo longe da RGA e depois de Neil me fazer
jurar que apenas assistiria ao treino, consegui convencê-lo em me deixar matar a saudade de
casa.
As equipes juniores já treinam nos aparelhos, os gritos dos treinadores fazem eco, assim
como os sons dos pés nos tapetes. É impossível não estar sorrindo tanto em estar vendo tudo
isso. Nunca pensei que pudesse sentir tanta falta de algo com tão pouco tempo de ausência.
Lya continua abraçando meus ombros e só me solta quando Ash, Vivian e Jenni nos
vêem e correm em nossa direção. Elas já usam o collant de treino, os pés e mãos estão sujos de
pó de magnésio, mas elas não hesitam em me abraçar, uma a uma. Até mesmo Vivian.
— Você voltou para os treinos, Coleman? — Jenni pergunta e eu nego com a cabeça.
— Vim só assistir. E aproveitar a academia para as sessões de fisioterapia.
— Ah, sentimos tanto a sua falta. — Ash choraminga, me abraçando novamente.
— Sentimos mesmo, mas a senhorita já pode se sentar na arquibancada para assistir a sua
equipe. — Neil surge com um sorriso no rosto. As mãos cobertas de magnésio e uma camisa
amarela com a estrela da RGA, que destaca lindamente a sua pele negra retinta.
Abraço meu treinador e o acompanho até o primeiro nível da arquibancada. Ele se senta
ao meu lado e segura a minha mão, enlaçando nossos dedos.
— Estou feliz em vê-la voltando. — ele diz e eu encosto a cabeça em seu ombro.
— Espero voltar logo.
— Você está indo bem, Coleman. Já está sem as muletas, está começando com os
aparelhos de musculação.
— Eu sei, mas ainda me sinto lenta, e dói… — confesso. Neil aperta meus dedos com
leveza, me dando conforto.
— É comum, isso não significa que não está evoluindo. Já está chegando o segundo mês
de recuperação, nem todos conseguem isso. — Ele se aproxima como se fosse contar um
segredo. — Não só você, mas Órion também.
— É.
É a única coisa que consigo responder quando seu nome é citado. Minha voz parece
sumir e minha cabeça se torna um grande borrão ao lembrar desse maldito, e quando Neil se
levanta para começar o treino, me atrevo a olhar para as alas de preparação e a parede de vidro
permite que eu veja Órion com um dos atletas infantis.
Ele sorri e gargalha para o menino, e eu nem mesmo me lembro de, um dia, tê-lo visto rir
dessa forma. Tão fodidamente lindo. Um encanto exala de sua gargalhada e eu não consigo tirar
os olhos dele.
Órion parece fascinado toda vez que está entretido com seu trabalho, há algo diferente em
seus olhos quando olha para uma criança. E de certa forma, as crianças parecem cair nesse
encanto. Eles os olham como se estivessem diante de um mágico que pode mudar toda a sua vida
com uma simples bala, e arranca sorrisos fáceis e gargalhadas gostosas que, de certa forma,
aquecem meu coração.
Todas as tentativas de Órion em tentar parecer assustador ou minimamente rabugento
somem. Eles se divertem, o abraçam e cada segundo disso me deixa irritantemente admirada.
Continuo assistindo, como se fosse impossível desviar o olhar. Ele indica segredo para o garoto e
tira uma bala do bolso. O menino esconde a bala e abraça sua cintura antes de sair.
Órion continua sorrindo, vendo-o correr para fora da sala e quando seus olhos encontram
os meus, distantes e separados pelo vidro, seu sorriso se desfaz e ele pega o celular.
Faço o mesmo, mas mais rápido para superá-lo e evitar sermões desnecessários.

Íris: Eu só vim assistir o treino.


Íris: Antes que decida brigar comigo.

Fisio babaca: Por um minuto acreditei que


você tinha perdido todo o juízo.

Íris: Podemos aproveitar a academia


e adiantar a sessão?

Fisio babaca: Assim que acabar o treino


dos juniores, eu te aviso e você se prepara.
Fisio babaca: Não mova um centímetro
nesse ginásio, Coleman.

Íris: Insuportável.

— Coleman? — A voz de Sarah me faz guardar o celular rapidamente, como se estivesse


cometendo um crime.
Sinto vontade de me esconder.
Ela parece estranhamente surpresa em me ver, mas não há um mísero resquício de
felicidade em seus olhos, apenas indignação.
Sarah nem mesmo se preocupa em disfarçar o quão inconformada está em me ver, e eu
faço questão de me pôr de pé para que ela veja minha evolução. Seus olhos me analisam dos pés
à cabeça e ela cruza os braços.
— O que faz aqui? — ela pergunta e se atrapalha com as palavras. — Quero dizer, como
você está?
— Vim assistir aos treinos. — respondo, dando de ombros e forço um sorriso. — Estou
bem melhor.
E prestes a explodir.
A partir do momento em que comecei a observá-la com mais atenção, estudando suas
facetas, sinto que estou perto de algo que tira minhas forças. Mesmo quando tento me manter
firme, olhando-a com o máximo de naturalidade, preciso forçar o peso nas minhas duas pernas
para que eu não desabe, ou corra para chorar em algum canto.
Ah, não, ela não vai me fazer fraquejar.
— Estou vendo… — Ela continua me analisando, e o sorriso se desfaz aos poucos. — Já
está desapegando das muletas.
— Sim, só uso em caso de cansaço ou dor, mas já passo a maior parte do dia com apenas
uma. — Sarah balança a cabeça positivamente. — Estou me empenhando bastante e Órion está
fazendo um trabalho extraordinário.
Minha fala é suficiente para que ela não se preocupe mais em tentar parecer simpática.
Seus lábios se unem em uma linha fina e ela recua um passo, cruzando novamente os braços. No
seu rosto há uma insatisfação aparente e mais uma vez, percebo que a única coisa que ela quer de
nós é mérito para si.
— Bom, fico feliz em vê-la. Espero que volte logo.
Ela se afasta tão rapidamente que não consigo respondê-la. Sua presença me incomoda
ainda mais do que imaginei, náuseas fazem meu estômago revirar e só consigo respirar quando
ela finalmente some do meu campo de visão e Alya corre até mim.
— Está tudo bem por aqui? — pergunto, baixo.
— Sinceramente? Não sei. Ela está irritada, distante… — Lya aponta para a arquibancada
e nós nos sentamos. — Sabe o que acho? Ela está incomodada porque Órion está fazendo o seu
tratamento, não ela. E está mais irritada porque ele está se saindo bem e todos aqui estão falando
disso.
— Estão?
Ela assente.
— Neil está sempre falando como sua atleta está se saindo bem e como Órion está sendo
essencial para isso. Todos comentam que ele realmente é bom, e Sarah parece sempre irritada
com isso.
— Meu Deus…
— Mas Órion não sabe disso. — ela conta. — Ele viu Sarah sendo extremamente grossa
com a gente, mas acredito que já tenha esquecido isso.
— Sabe que ele não esqueceu, não é? Ainda mais se ela tiver sido grossa com você
também. — Lya dá de ombros.
— Preciso voltar. Te amo. — ela diz, apressada e corre depois de dar um beijo em minha
testa.

Me sento em um dos aparelhos da academia, depois de me trocar para a sessão. Fiz


questão de me apressar pelos corredores, me certificando que não encontraria com Sarah
novamente e acredito que, aqui, dentro da academia e com as portas fechadas, estou
minimamente segura o suficiente para respirar. É como se Sarah acertasse meus pulmões,
impedindo-me de respirar livremente.
Ela fez isso comigo por longos anos, e só agora eu me dei conta de como fui fraca e
ingênua. Nem mesmo consigo me olhar no espelho sem me condenar por ter permitido tal coisa.
Sarah sempre foi rígida, mas fingia compreensão. Na verdade, percebo que ela nunca nos
compreendia, mas usava de sua lábia para nos fazer concordar. Ela sempre foi exclusiva, a razão
sempre foi sua.
Opiniões alheias sempre foram desconsideradas, as nossas nem mesmo eram ouvidas.
Sarah sempre tinha a palavra final quando se tratava da nossa preparação física.
Perceber que me acostumei com o tratamento me deixa presa no limbo, me culpando por
não ter sido esperta o suficiente para fugir.
Escondo o rosto nas mãos para ocultar a vergonha, mas me assusto quando a porta se
abre, revelando Órion e sua expressão desconfiada.
— O que aconteceu? — ele pergunta e fecha a porta atrás de si, trancando-a.
— Nada. — minto e ele rola os olhos, nada convencido.
— Está com dor?
— Não.
— Já se alongou? — Assinto. — Então comece com a bicicleta.
Me direciono ao aparelho posicionado na frente do espelho. Consigo assistir a Órion
anotando coisas em sua prancheta roxa e, em seguida, parar ao meu lado. Ele se apoia na lateral
do aparelho e cruza os braços.
— O que está esperando, Coleman?
— Você me dizer quanto tempo fico aqui, Sparks. — respondo no mesmo tom.
— Comece, quando for para sair eu falo.
Começo a me mover e ele permanece ali. Percebo o quão rápido estamos indo, já que eu
tinha plena certeza de que eu ficaria mais tempo de muletas e agora, já estou andando e quase
não sinto dores. Órion é mesmo um profissional extremamente talentoso e explica muito da raiva
que ele sentia quando falavam que ele usava de seu nome para conseguir algo.
Quando eu falei…
É nítido que ele nunca precisou, não só pelas coisas que Alya me contou sobre seu pai,
mas também pelo seu profissionalismo impecável e pela paixão que tem pelo que faz. Com
certeza é um dos fatos que me fazem admirá-lo, mesmo que ele nunca vá ficar sabendo disso.
E também pode ser um fato que deixa Sarah desapontada.
Depois de alguns minutos pedalando devagar, Órion se aproxima novamente e sinaliza
para eu parar.
— Vamos exercitar a propriocepção agora, seu equilíbrio. — ele começa a explicar antes
mesmo de eu perguntar. — Vai te ajudar a manter o equilíbrio estando parada ou em movimento,
e evitar as quedas. Sabe quando você fica cambaleando do nada quando se movimenta muito?
Seu joelho falha um pouco.
Assinto, olhando-o dar suas explicações. Órion usa todos os termos técnicos com tanta
precisão que mesmo que eu não entenda muito, me sinto interessada em ouvi-lo falar.
Ele fica ainda mais atraente quando põe para fora toda a sua inteligência, mas é algo que
eu jamais vou deixar que ele saiba. Seria ainda mais insuportável.
— Agora, eu vou ficar atrás de você e você vai caminhar na ponta dos pés até o espelho.
— Tem certeza?
— É claro que tenho. — ele diz, me segurando pelos ombros para me virar, com a mesma
paciência de sempre. — Imagine que está na trave de equilíbrio.
Encaro nossos reflexos no espelho. A diferença de altura faz com que minha cabeça ainda
esteja na direção de seu peito, me deixando ver seu rosto perfeitamente.
— Faça.
Me ponho na ponta dos pés e quando me desequilibro um pouco, Órion estende os braços
ao meu redor.
Respiro fundo antes de tentar novamente e, quando consigo, começo a caminhar com
cuidado, mantendo os olhos fixos no espelho. Ele continua atento aos meus movimentos,
olhando como executo os exercícios e com os braços prontos para me segurarem caso eu caia.
Repetimos o exercício algumas vezes e quando ele me pede para deitar no tapete, meu
corpo cansado agradece. O descanso não dura mais do que cinco minutos, já que ele retorna com
a bola roxa nas mãos e a posiciona na parede à minha frente.
— Apoie o pé esquerdo na parede. — Obedeço. — Agora o direito na bola. Role-a para
baixo e para cima, sem deixar cair.
— Pelo amor de Deus…
— E sem reclamar também. 30 segundos.
Reviro os olhos e faço o que ele pediu, sentindo um leve desconforto começar em meu
joelho. Mesmo assim, mantenho o foco no que estou fazendo até o relógio em sua mão apitar,
avisando que os 30 segundos acabaram.
Me sento no tapete, prendendo os fios do meu cabelo que soltaram e quando Órion se
abaixa na minha direção, confesso:
— Acho que Sarah está com raiva da minha evolução.
— Acha? — ele pergunta, retoricamente e eu apenas assinto.
— Ela falou alguma coisa com você? — Órion nega com a cabeça e eu não enxergo um
pingo de verdade no seu ato, já que ele desvia o olhar de mim. Quando percebe minha
desconfiança, ele apenas franze as sobrancelhas.
— O que?
— Você é um mentiroso. — Ele dá de ombros. — Ela falou alguma coisa?
— Sarah duvidou desde o começo, você já sabe disso. Só que agora ela não se preocupa
em esconder o quão frustrada está em ver que estava errada.
— Ou apenas está com raiva de não levar o mérito da minha recuperação.
Ele assente e estende a mão para me ajudar a levantar.
— O mérito da sua recuperação é unicamente seu, independente do profissional que te
acompanhe. — ele diz, baixo o suficiente para que sua voz faça correntes energéticas tomarem
meu corpo.
A proximidade não dura, e ele se afasta rapidamente.
— E eu só consigo sentir pena. — ele completa, largando a prancheta em um banco
posicionado no canto.
— Infelizmente, nós trabalhamos bem juntos. — falo, quase como um sussurro. É
doloroso e difícil de admitir, já que não suporto mais um segundo de sua presença.
Cada uma das nossas discussões parecem repetir em minha mente, em um looping
infinito. Ao mesmo tempo que, agora, sou completamente invadida por lembranças de sua boca e
de suas mãos em mim.
Sinto vontade de fugir, mas ao mesmo tempo, poderia me sentar em seu colo e beijá-lo
até o ar sumir, principalmente quando ele sorri de canto ao me ouvir, e vira o rosto para me
olhar.
A camisa amarrada na minha cintura deixa parte do meu quadril à mostra, assim como o
short de academia que marca minha cintura e qualquer outra curva que possuo. Poderia dizer que
a escolha da roupa não foi proposital, mas me lembrar dos olhares obscenos de Órion sobre mim
me fazem assumir uma personalidade perversa que nem mesmo conhecia.
Órion atiça o meu lado mais quente. Tão quente quanto minha pele, que arde quando ele
olha da cabeça aos pés, sem se preocupar em, ao menos, disfarçar. Seus olhos sobem pelas
minhas pernas, até meus quadris e todo o tronco.
Ele me devora com os olhos, e quando alcança meu rosto, ele umedece os lábios.
— É verdade, isso funciona. — ele diz, apontando para nós.
Me inclino para pegar minha garrafa que, coincidentemente está acomodada ao seu lado e
sorrio quando ele recua um passo, Órion evita voltar a me olhar e sua respiração parece pesar
com a proximidade.
Eu poderia me vangloriar e dizer que ele está vulnerável na minha presença, mas cada
centímetro do meu corpo grita por ele. As lembranças do beijo me atingem com tanta força que
me fazem prender o ar.
Mas não aceito perder a oportunidade de provocá-lo.
— O que foi, Sparks? Parece que está com medo de mim. — falo, quando ele recua mais
um passo.
— Só estou evitando fazer uma besteira, Coleman. — Órion quase sussurra.
— Como se você fosse responsável.
Ele força uma risada e avança na minha direção, ficando perigosamente perto. O sorriso
que surge no canto de sua boca me faz estremecer, e eu esqueço todos os motivos que me fazem
odiá-lo pra poder admirar cada detalhe fodidamente lindo do seu rosto.
— Qual o problema, loirinha? Está tentando pedir por mais de mim e não está sabendo
encontrar as palavras certas? — ele pergunta como quem conta um segredo.
— Foi você quem fugiu. — falo, vendo seu maxilar se tornar ainda mais marcado. Seus
olhos azuis se tornam escuros como o céu estrelado.
— Estou entendendo suas atitudes como um desafio. — Órion se aproxima ainda mais e é
a minha vez de recuar, até que minhas costas colidem com a parede.
Ele me encurrala e seu rosto está tão próximo que qualquer movimento errado pode
resultar em uma catástrofe.
Ou na minha salvação.
— E eu já venci um deles. — Franzo as sobrancelhas. — Lembro perfeitamente dos sons
que saíram da sua boca quando toquei sua boceta, Coleman. — ele sussurra e eu sinto que vou
desmaiar. — Gemidos deliciosos e exclusivamente meus. Então, ponto para mim.
Ele toca meu rosto com o indicador, seus olhos acompanham o movimento de seu dedo e
quando ele para nos meus lábios, minhas pernas amolecem. Ainda assim, abro a boca o
suficiente para conseguir envolver seu dedo, fazendo-o arfar.
— Ah, Íris, se eu não te odiasse tanto, teria acabado com toda a vontade que estou de te
foder.
Imagens surgem em minha mente e eu preciso pressionar os olhos para tentar encontrar o
mínimo de controle. Quando suas mãos descem pela minha cintura, preciso segurar em sua
camisa com força para fazê-lo entender o quanto o quero. Meu ato o faz sorrir contra meu rosto.
— Está molhada de novo, Coleman? — ele pergunta e eu engulo em seco, pressionando
as coxas. — Você está sempre tão pronta para mim?
Oh, céus, estou pronta para ele, mas sequer consigo respondê-lo.
Ele beija a pele quente do meu pescoço e aperta minha cintura com força, me erguendo o
suficiente para pressionar nossos corpos. Um gemido baixo e arrastado escapa pela minha
garganta.
— Isso mesmo, loirinha. Prove que estou certo.
Empurro Órion com o pouco de força que me resta, unida com a raiva que me faz sentir
quando vejo seu sorriso satisfeito.
— Você é um idiota. Saia!
E ele obedece, me deixando sozinha com vontade de puxá-lo de volta para acabar com
essa vontade que me deixa angustiada.
Mas eu sinto isso tomar conta
Eu sinto você assumir o controle de quem eu sou e de tudo que eu já conheci
Amar você é o antídoto
Dourado
Golden — Harry Styles

Entro no ginásio depois de colocar uma bala de menta na boca, recebo um abraço de
Jasper, que logo corre de volta para seu treino. Aceno para Beatrice, que me dá um lindo sorriso
de volta. Tudo parece completamente normal, até direcionar o olhar para o grande tapete central,
onde a equipe olímpica costuma treinar.
Lya, Vivian e Jenni estão sentadas, se equipando com os protetores, Ashley se alonga de
pé. Todas dão sorrisos e gargalhadas tão felizes e tudo parece se explicar quando vejo que, fora
do tapete, Íris conta alguma coisa em um tom eufórico que me força a andar mais rápido.
Quanto mais me aproximo das salas, mais ela entra em meu campo de visão. Consigo vê-
la vestindo uma calça de treino apertada e roxa, os all-stars brancos decorados com estrelas
feitas de caneta colorida. Os cabelos soltos, bem penteados e insuportavelmente brilhantes.
Ela olha para mim, seu sorriso aumenta e o mundo desaba na minha cabeça.
Ando tão rápido que sinto que estou fugindo.
Todas as provocações me fizeram sair com um sorriso nos lábios e um sentimento de
vitória no peito, mas ao chegar em casa, me dei conta de que o feitiço virou contra mim e cada
reação de Íris aos meus toques me deixaram completamente desorientado. As lembranças dos
sons e expressões de seu rosto me atropelaram como um trem desgovernado e tudo o que senti
me fez ter dificuldade para dormir.
De relance, enquanto arrumo minha mesa, vejo Íris encolher os ombros e prender os
olhos no celular no momento exato em que Sarah passa por ela. Sua reação ganha todo o meu
foco e eu cruzo os braços para olhá-la.
Ela ergue o olhar quando a fisioterapeuta se afasta, e está estampado em seu rosto o quão
decepcionada está.
Jenni, que acaba de concluir um salto, faz uma careta maldosa quando Sarah dá as costas.
As outras tentam conter uma risada, e Lya apenas balança a cabeça, negativamente.
As meninas sempre a admiraram. Esse comportamento entre elas é triste, principalmente
quando a culpa é de quem deveria ser mais maduro.
Sarah é uma das mais experientes daqui. Ajudou na recuperação de vários atletas que
ganharam Olimpíadas e outros torneios importantes. Esteve sempre à frente de tudo, sempre foi a
melhor. Se algo assim a incomoda, ela não suporta estar perto de alguém que pode ser tão bom
quanto ela, vestígios de um narcisismo que assusta.
Antes mesmo de dar início ao meu trabalho, Jeremy avisa que um dos fisioterapeutas da
equipe masculina estava ausente e pediu para que eu fosse ajudá-lo. Me pergunto em que
momento não pensaram em chamar por Sarah, já que suas estrelinhas ainda estavam no treino,
mas não questiono e vou para a sala ao lado, sabendo que teria muito trabalho pela frente.
Os garotos conseguem ser ainda mais chatos do que as meninas da equipe de Lya. São
um grupo de meninos imaturos que se acham superiores e me irritaram ao extremo, a ponto de eu
desejar que aquilo acabasse o mais rápido possível. Quando eles entram nas banheiras
terapêuticas, saio da sala o mais rápido que consigo.
— É sempre assim? — pergunto a Nate, o segundo fisioterapeuta da equipe.
— Às vezes é pior. Vai se acostumando… — ele responde, dando tapinhas em meu
ombro.
Deixo a área e volto para a área infantil, onde Jeremy examina Peter e avisa que logo ele
estará de volta, já que foi apenas uma pequena torção sem qualquer gravidade que o afaste do
ginásio.
— E agora o que você vai fazer? — pergunto para o pequeno, que dá um sorriso tímido.
— Usar o pó de magnésio toda hora.
— Toda hora?
— Toda hora. — ele confirma, balançando a cabeça.
Estendo o punho fechado para que ele toque com o seu e aproveito para lhe dar uma bala,
fazendo Jeremy dar uma piscadinha pro garoto manter segredo.
Horas depois, meus bolsos já estão vazios, já que as crianças mais novas sempre me
convencem a dar mais de uma bala, mesmo que isso me custe alguns gritos de Hillary me
repreendendo.
Envio uma mensagem rápida para Íris, avisando que ela deve se preparar para a sessão e
a vejo levantar rapidamente e caminhar na direção da academia, prendendo os cabelos no topo da
cabeça e alongando os braços.
Respiro tão profundamente que é possível ver meu peito subir e descer. Fiz todo o meu
trabalho perfeitamente, e apesar de estar cansado, o resultado foi como eu esperava. Cada
tratamento possui sua dificuldade, e com as crianças, é sempre mais trabalhoso, mas mesmo
depois de tratar duas equipes inteiras, o que está me deixando mais tenso é ter que ficar naquela
academia com Íris, para uma sessão de quase duas horas.
Ainda assim, me direciono para lá e me surpreendo ao ver Alya, Vivian e Jennifer nos
aparelhos, além de Íris, que permanece sentada, me esperando. Seus olhos saem do celular e
quando me vê, ela alinha a postura.
— Já estamos acabando. — Vivian avisa.
— Não precisam ter pressa, não vão atrapalhar. — aviso e elas assentem. Lya dá um
pequeno sorriso através do espelho. — Já alongou? — Íris assente e se levanta, tirando moletom
que revela uma camisa curta roxa, que aperta seus seios, deixando-os tão evidentes que me
fazem umedecer os lábios.
Um sorriso travesso surge discretamente no canto de seus lábios quando nota meu olhar
através do espelho. É óbvio que essa demônia fez de propósito e nem mesmo esconde.
— Já pode usar mais aparelhos de musculação. Como estão as dores? — pergunto
enquanto assisto ela se alongar mais.
— Sinto mais a noite, mas nada insuportável. Tenho usado a muleta para não cansar
ainda mais.
— Ótimo, e a cicatriz? — Aponto para seu joelho e ela torce o rosto, mesma expressão
que faz sempre que olha para a pequena cicatriz em sua pele. — Sei que está feia, mas ainda dói?
— Não. Só quero que ela suma logo.
— Uma coisa de cada vez, Íris. Você vai fazer flexora e extensora primeiro.
Ela concorda, indo na direção da mesa flexora e se deita de bruços. Sua bunda fica
extremamente marcada nessa porra de calça e eu preciso desviar o olhar para não perder o
controle. Atrás de mim, Lya se despede com uma piscadinha e sai da academia, sobrando apenas
Vivian e Jennifer.
Não demora para que Vivian saia e quando Jenni me chama, franzo o cenho e vou na sua
direção. Deitada na leg press, ela me olha com malícia nos olhos, me deixando ainda mais
confuso.
Que porra essa garota quer?
— Pode ajustar o peso da máquina, por favor? — ela pede em um tom amolecido e eu
apenas assinto.
Eu poderia tê-la deixado para lá, mas na máquina ao lado, Íris revira os olhos e desvia o
olhar para a parede.
Ora, isso é novo.
Dou um sorriso e volto a atenção para Jennifer.
— Precisa de mais alguma coisa? — pergunto, fazendo a garota sorrir.
— Tenho sentido dores no tornozelo na hora de cravar o salto.
Mentirosa. Vi Jennifer cravar um salto com perfeição, sem sinal de dores ou torções.
— Sarah está sendo uma idiota, então não quis falar com ela.
Certo, isso pode ser verdade.
Quando Íris volta a olhar para nós, toco o tornozelo de Jennifer, que ainda está apoiado
no aparelho. O rosto de Íris ganha um tom avermelhado adorável e tão engraçado que preciso
pressionar os lábios para não rir.
Dois pontos para mim, Coleman.
— E então, Órion? Vou ficar aqui para sempre? — Íris pergunta, impaciente.
— Faça quinze na extensora. Vou levar Jenni na sala de fisioterapia e já volto.
Jennifer se levanta, sorridente e eu tento não mostrar toda a minha diversão vendo Íris
rolar os olhos mais uma vez, através do espelho. Ela joga a cabeça para trás, irritada, enquanto se
posiciona na máquina.
Quando atravessamos a porta e nos afastamos o suficiente, Jenni cruza os braços.
— Sabe que não tem dor nenhuma, não é?
— Sei.
— E por que está provocando a Coleman? — Arregalo os olhos. Jenni semicerra os
olhos, como se estivesse me julgando. — Acha que não percebi?
— Não te interessa.
— Interessa quando envolve a minha amiga. — Dou de ombros e ela aponta o dedo para
meu rosto. — Estou de olho em você, Sparks.
Depois de dar o seu aviso confuso e inesperado, tento entender o que acabou de acontecer
enquanto caminho de volta para a academia, mas paro quando vejo Sarah entrar primeiro. Eu
poderia ir mais rápido para saber o que vai acontecer ou esperar até que ela saia, mas minha
curiosidade é maior e eu caminho em passos lentos e silenciosos, até ficar atrás da porta e ouvir o
que estão falando.
— Por que está fazendo isso? — A voz de Íris soa triste e eu franzo o cenho.
— Elas são muito mais preparadas e infinitamente mais promissoras. Você sabe disso, já
que demoraram para ganhar o mundial por causa delas…
Merda, o ponto fraco de Coleman.
— Achei que gostasse de estar conosco. — A garota diz com a voz carregada de um
sentimento que faz meu estômago embrulhar.
— É, isso acabou quando Neil não me ouviu e decidiu mantê-la na equipe olímpica.
Não, ela não está fazendo essa merda.
Meus punhos se fecham involuntariamente.
— Todos sabem que você não vai se recuperar a tempo, precisa de muitos testes para
provar que consegue chegar em Paris sem nenhum risco de fracasso. — ela continua e o silêncio
de Íris me assusta. — Se posso te dar um conselho, não insista na competição.
— O que? Por que eu faria isso?
A voz de Íris se torna ainda mais trêmula e eu preciso de muito para conter a vontade de
invadir essa conversa.
— Estão enganando você por pressão, querida… — Sarah assume um tom falso e manso
que faz meu corpo arder como a porra do inferno.
— É mentira… — Íris quase choraminga, me fazendo fechar os olhos com força,
desejando que ela pudesse ouvir meus pensamentos.
Não deixe que ela te derrube, Coleman.
Mantenha-se firme, loirinha.
— Todos sabem que você era uma das melhores da equipe olímpica, querem seu rosto em
Paris por dinheiro, os patrocinadores cobram, Íris. E Órion… Órion está tentando provar algo
pros outros e só está te prejudicando.
Filha da puta! O ódio consome o que restou do meu corpo quando Íris suspira tão forte
que consigo ouvi-la.
NÃO DEIXE QUE ELA VEJA SUA FRAQUEZA, COLEMAN!
Grito em minha mente, sentindo que meu corpo deseja correr até lá para mantê-la de pé,
mas ela parece ouvir meu grito silencioso.
— Isso é mentira! E eu sei que consigo! Você só está falando tudo isso porque está
frustrada, Sarah! Você queria estar tendo o resultado que Órion está conseguindo e por não estar
em seu lugar, torce pelo nosso fracasso. Você não aguenta ver o sucesso alheio. — Íris rebate,
corajosa.
É a minha garota.
— Eu não preciso disso, Íris. E você sabe bem, estou nesse ramo há mais tempo que
Órion tem de vida. Pode achar o que quiser, mas tome cuidado! Se for para Paris nessa situação,
pode se machucar ainda mais. Será uma grande derrota e vergonha para a RGA, e para a sua
carreira, claro. — Sua voz se carrega de malícia. — E pode ser uma lesão fatal, grave a ponto de
você demorar para voltar…
— Chega! — Íris grita. — Vá para o inferno com as suas suposições. Já disse que sei da
minha capacidade e não vai ser você e sua opinião de merda que vão me fazer desistir. — ela
completa e um sorriso inevitável surge em meus lábios. — Eu posso até falhar, Sarah. Eu posso
não me recuperar, eu posso nem mesmo ir, mas saiba que eu vou lutar com unhas e dentes para
entrar naquele avião.
Prendo o ar, ouvindo a voz de Íris se tornar cada vez mais firme.
— E no momento que eu pisar naquele ginásio, na França, eu juro que nada vai tirar a
porra do ouro da minha mão. Não será a sua equipe ou qualquer outra, muito menos você.
Todos os pontos para você, Coleman.
— Eu poderia até fazer questão de esfregar isso na sua cara, mas eu não sou como você.
— Íris completa e eu sinto que posso correr até ela, mas dessa vez para gritar o quão orgulhoso
estou.
É isso, eu estou orgulhoso dela. Principalmente porque sei que ela está fazendo um
grande esforço para manter a firmeza em sua voz.
— Agora vá para o inferno, nós não precisamos mesmo de você! — Íris grita mais uma
vez e eu me afasto para que Sarah não perceba minha presença.
Ela foge em passos fortes e rápidos. Sinto uma imensa vontade de chamá-la para
completar tudo o que Íris disse, dizendo o quanto desejo que ela se foda em qualquer projeto que
pôr a mão. Poderia ir até Neil para dar detalhes do que aconteceu, ou poderia fazê-la passar a
maior das vergonhas, jogando em sua cara o que disse, ali mesmo, no centro do ginásio.
Estava pronto para ir, mas um soluço alto rouba a minha atenção e corro para a academia.
Íris abraça o próprio corpo enquanto chora, escondendo o rosto entre as pernas para
abafar seus sons. Encolhida em um dos tapetes, ela acaricia o joelho operado e sussurra palavras
que dizem que ela deseja que tudo isso acabe.
Meu coração bate em minha garganta, um misto de ódio e dor me faz bater a porta com
força para correr em sua direção. Me lanço no tapete, puxando-a sem qualquer hesitação. Não
existe nada nessa porra de universo que me faria sair do seu lado agora, nem acabaria com a
urgência que sinto quando abraço seu corpo, desejando acolher cada centímetro dela para acabar
com a dor que torna seu choro alto.
Ela pressiona os olhos com força e agarra em minha camiseta, molhando-a com suas
lágrimas. Seu corpo treme contra o meu e eu percebo que ela aguentou muito mais do que
imaginei. Foram anos de uma relação extremamente abusiva no qual ela nem sabia que estava.
A ficha caiu e ela deixa toda a sua dor em meu abraço.
— Se acalme, loirinha. Está tudo bem. — sussurro contra seus cabelos dourados.
— Você ouviu o que ela disse, Órion? — ela pergunta, entre soluços angustiantes.
— Tudo aquilo que ela falou é mentira. Você sabe que irá para as Olimpíadas, caso
contrário, eu jamais estaria aqui, mentindo para você.
— E se eu me machucar de novo? Órion, e se eu realmente falhar?
Íris está mesmo assustada, ela não deixou que Sarah percebesse, mas cada palavra dita a
afetou.
E ela me mostra. Íris me mostra sua face quebrada, me dá todas as suas lágrimas, despeja
todos os seus medos. Sua voz parece tocar minhas entranhas, fazendo-as contraírem. Na minha
frente, existe uma Íris que nunca vi. A que está com medo de fazer o que mais ama, a que não
está encontrando coragem. A Íris que parece ter medo de se aproximar dos aparelhos de
ginástica.
Ela não deixa que ninguém perceba sua fragilidade, sem saber que estou assistindo a cada
momento de hesitação, a cada tremor em seu corpo quando ouve falar sobre a competição.
— Íris, você não vai falhar! — Seguro ainda mais firme em suas bochechas e ela parece
engolir a vontade de continuar chorando. — Eu disse que ouvi tudo o que você disse para Sarah
e, porra, eu estou orgulhoso, Coleman. E preciso que você se agarre a cada palavra que disse. Se
você deixar de acreditar que pode trazer o ouro para essa porra de academia, eu juro que faço da
sua vida um inferno.
— Você ainda não fez? — ela pergunta, com um pequeno sorriso no canto da boca.
— Não, acredite que não. Você confia em mim?
Ela assente e meu coração se reconstrói, pedaço por pedaço.
— Ótimo, porque eu também confio em você. — Seu sorriso aumenta. — Poderia ser
qualquer fisioterapeuta, Íris. Com o talento e força que tem, você consegue qualquer coisa.
Um sorriso surge em seus lábios molhados de lágrimas e ela me abraça com ainda mais
força. A proximidade é tanta que suas pernas estão enlaçadas as minhas, o peito está colado ao
meu e as mãos ainda apertam minha roupa, desesperadamente, como se necessitasse do contato.
Me entrego aos meus desejos e levo as mãos aos seus cabelos, acariciando-os para acalmá-la.
Respiro tão fundo que sinto seu perfume adentrando todo o meu corpo, me sinto perdido,
mas encontro o caminho de volta quando ela se afasta e encosta a testa na minha.
— Órion… Eu… — ela sussurra, me fazendo acariciar seu rosto para tirar o que sobrou
das lágrimas.
— Eu também, loirinha… — respondo, no mesmo tom, sentindo minha voz falhar.
— Mas…
— Vai ficar tudo bem, eu prometo… — Tento controlar minha respiração, mas me
complico quando ela segura meu rosto. — Estou aqui.
— E vai ficar? — ela pergunta, nitidamente receosa com a resposta. Quando eu sorrio
com seu questionamento, ela retribui e eu beijo o canto dos seus lábios.
— Com toda certeza.
— Por favor… — ela choraminga e duas pequenas palavras parecem significar minha
salvação.
Atendo o seu pedido, puxando-a para mim e colando a sua boca na minha. Os
sentimentos colapsam dentro de mim, numa grande confusão, um estado de catarse nunca
sentido. O desejo colide com a felicidade, a raiva se desfaz para dar lugar ao alívio que sinto no
momento em que sua língua enlaça a minha.
Ela me envolve em sua dança cósmica e eu esqueço de tudo que já senti para deixar
nossas galáxias se tornarem uma.
Ela geme, impulsionando o corpo para cima e, em questão de segundos, ela está em meu
colo, com os dedos fincados em meus cabelos, as pernas ao redor da minha cintura e a porra da
minha vida em suas mãos.
Ela me deixa em uma situação que jamais me encontrei. Sem qualquer reação a não ser
deixá-la arrancar de mim o que bem entender.
Diferente do primeiro beijo que a dei, apesar da urgência em seu toque, apesar do aperto
que dou em sua cintura quando ela se move, existe algo completamente diferente nesse ato. Uma
espécie de calmaria que causa arrepios. Há certeza e pertencimento. Como se todo o caos que
nos aflige tivesse desaparecido para dar lugar a algo que jamais senti e não consigo nomear.
Mas é tão bom que não consigo parar.
— Órion… — ela sussurra, afastando-se, mas permanecendo em meu colo. Os olhos
vívidos, mas ainda com uma tristeza que eu desejo curar.
Ponho os fios soltos de seu cabelo atrás de sua orelha e deposito um beijo demorado e
terno em seus lábios. Ela arfa, mas sorri em seguida e por Deus, esqueço meu nome e o que fui
antes dela.
— Quero te levar em um lugar. — falo, levantando e a colocando de pé.
Estou tentando segurar minha respiração
Deixe isso ficar assim, não posso deixar esse momento acabar
Você colocou um sonho em mim
Está ficando mais alto agora, consegue ouvir isso ecoando?
Never Enough — Loren Allred

Ergo a cabeça para olhar o céu. As poucas estrelas que consigo enxergar parecem
cadentes, tornando-se pequenos borrões. O vento parece mais forte e eu me sinto mais viva. Uma
estranha sensação de liberdade me toma enquanto Órion avança rapidamente pelo trânsito da
Brickell. Meus braços enlaçam sua cintura com força e ele não parece se incomodar.
Encosto a cabeça em suas costas e apesar do capacete não permitir que eu o sinta, meu
corpo relaxa. Deixo que ele me leve para onde quiser, mesmo que eu não entenda em qual
momento eu comecei a confiar tanto nele.
No momento em que Sarah deixou a academia, senti que ela tinha levado consigo toda a
coragem que usei para enfrentá-la. Não consegui esperar nem mesmo um segundo, ela virou o
corredor e eu desabei em minhas próprias pernas. Nem mesmo o incômodo no joelho operado foi
doloroso como o que sufocava meu peito.
Sarah arrancou toda a minha confiança quando finalmente tirou o que restava da sua
máscara. Eu não sabia quem era aquela pessoa à minha frente, era uma Sarah que eu nunca tinha
visto, nem mesmo em seus mais rígidos momentos.
Foi um golpe certeiro e eu só me mantive de pé para que ela não notasse o quão ferida
estou. Não consegui disfarçar minhas dores em meu sorriso e por fim, Órion estava certo.
Eu sou uma farsa.
Tudo o que acreditava ser, por tantos anos, foi levado por Sarah. Céus, tão falsa quanto
eu.
Órion viu a minha verdadeira face, a mais frágil e que ninguém nunca viu. Senti afeto no
toque dos seus lábios, e mesmo que não signifique nada, meu coração parece acalentado.
Órion jogou o moletom em mim e me arrastou pela RGA, e quando perguntei onde
iríamos, ele disse que seria uma surpresa. Ele estava sorrindo como uma criança que acabou de
ter uma ideia genial e cada reação sua me causou arrepios e espasmos que eu jamais conseguiria
explicar verbalmente.
Tento deixar tudo para trás e seguro com mais força em sua jaqueta.
Quando ele estaciona, tiro o capacete e franzo as sobrancelhas, tentando reconhecer o
lugar. Órion me ajuda a descer de sua moto e eu ergo o olhar, lendo a fachada do imenso e
iluminado prédio à minha frente.

HOSPITAL INFANTIL DE MIAMI

Órion sorri quando o olho e tira o capacete da minha mão. Já impaciente, ele revira os
olhos enquanto ainda tento raciocinar para encontrar o motivo dele me trazer até aqui.
— Por Deus, você é mesmo muito lenta, Coleman! — ele reclama.
Reorganizo meus pensamentos na minha mente caótica e quando me dou conta do que
está acontecendo, arregalo os olhos e seu sorriso se expande.
— Nós vamos ver a Nina? — grito, sem qualquer timidez e Órion assente, animado.
Não me contenho e me lanço em seus braços, fazendo-o gargalhar enquanto me envolve
com força. É quente, confortável e estranhamente familiar, como se meu corpo estivesse
acostumado com o contato do seu e se recusa a se afastar.
— Desculpa. — Me afasto rapidamente, mas ele me puxa pelo cós da calça.
— Não precisa se desculpar, loirinha. — ele diz e enlaça nossos dedos. —
Aparentemente, você e sua equipe gostam de me tocar. Com exceção de Lya, claro.
Meus lábios se abrem, mas nenhuma palavra sai. Como pode ser tão babaca até mesmo
quando está sendo encantador?
— Um dia você vai conseguir não ser tão desagradável? — pergunto, rolando os olhos ao
me lembrar de Jenni e Órion flertando na academia.
— É o meu charme.
Ele me puxa para o elevador e eu cruzo os braços, me afastando.
— É impressão minha ou está com ciúmes? — ele diz, apertando um dos botões e em
seguida, direciona o olhar para mim.
— De você? — Órion se aproxima quando falo, me encurralando contra o espelho do
elevador. Preciso erguer o queixo para olhá-lo.
Minhas pernas amolecem diante do seu olhar pecaminoso.
— Nunca. — completo, apesar da fraqueza.
Órion brinca com alguns fios do meu cabelo que caem em meu rosto, mas não demora
em apertar meu corpo contra o seu. Sua mão envolve meu pescoço e quando seus dedos apertam
levemente, sinto que estou prestes a perder o controle.
— Mentirosa. — ele diz, em um tom quase inaudível.
— Respeite seu ambiente de trabalho, Sparks. — Empurro-o, mesmo desejando que ele
tire minhas roupas.
Preciso respirar fundo para me recuperar.
— Você respeitou seu ambiente de trabalho quando me agarrou na RGA, Coleman?
Gargalho com sua audácia e me sinto fascinada pela sua face travessa. Quando que ele se
deixou tomar pela raiva? Por que deixou que seu sorriso tão bonito se tornasse tão ausente?
Nesse momento, desejo saber tudo sobre ele e me culpo por isso.
— Eu te agarrei? Deixe de ser mentiroso.
— Eu sou a vítima nessa história! — Ele ergue as mãos e me puxa quando a porta se
abre.
É como todo hospital. Completamente branco e bem organizado, com o ar condicionado
ligado no máximo a ponto de me fazer encolher, mas é barulhento — no bom sentido. Não há
tanta seriedade nesse andar, brinquedos estão em alguns cantos, os corredores possuem desenhos
nas paredes, as salas estão movimentadas e tudo que ouço são risadas e cantoria.
Esfrego as mãos na calça, ansiosa para vê-la. Minhas pernas balançam enquanto Órion se
troca e eu espero do lado de fora, pensando no que falar para a menina. Quando ele volta,
contenho o riso. Ele está com o uniforme hospitalar verde, mas com um broche do Batman em
um lado e um carimbo em formato de ursinho no bolso.
— Não fale nada, Coleman. Apenas venha. — ele diz, quando percebe que vou zombar
dele e me puxa pelo corredor.
Órion sorri e me surpreende quando enlaça os dedos nos meus. Por que estou tão
nervosa?
— Pronta?
— Seria estranho dizer que estou nervosa.
— Tudo o que faz é estranho, Coleman, não se culpe tanto. — ele diz, me fazendo bufar.
— Não, não é estranho. Podemos ir?
Assinto e nós andamos mais um pouco, até chegarmos em uma sala que ainda não está
tão cheia.
Alguns fisioterapeutas já tratam suas crianças, que cumprimentam Órion e me deixam
encantada, mas no fundo da sala, uma pequena menina de cabelos pretos e pele clara acena para
Órion desesperadamente e me faz desconfiar de que seja o meu amuleto da sorte.
Ao seu lado, uma mulher que suponho que seja sua mãe, pelas semelhanças tão nítidas.
Ela avança um pouco, vindo ao nosso encontro com um imenso sorriso no rosto.
Encho o pulmão de ar e liberto cuidadosamente, admirando a pequena ainda acenando
para Órion.
— Kiara, tudo bem? Essa é…
— Suponho que seja a famosa Íris… — ela o interrompe, estendendo a mão para mim. —
Sou a mãe da Nina.
— É um prazer, Kiara. — falo, tentando não focar a minha atenção na pequena, que ainda
está focada em Órion.
Ela nem mesmo percebe outra presença ao redor e ele se aproxima rapidamente, a
impedindo de correr e envolvendo-a num abraço apertado. Há algo mágico e genuíno entre eles,
tão bonito que me deixa hipnotizada e me impede de dizer qualquer outra coisa.
Até que ela ergue o olhar e as orbes azuis brilhantes me encontram. Ela puxa Órion pela
camisa, puxando-o para sussurrar algo em seu ouvido, sem tirar os olhos de mim.
Não consigo reagir.
Ele balança a cabeça positivamente e um sorriso gigante surge no rosto da menina.
— ÍRIS!
Céus, eu vou desmaiar de amor.
Nina ergue os braços, tão feliz que sinto que ela já me conhece há muito tempo. Ela já
tem tudo de mim desde sempre.
— Você veio mesmo! — ela exclama mais uma vez e eu me sento no tapete para abraçá-
la.
Nina envolve meu pescoço com força e eu permito sentir tudo que ela tem para mim.
Fecho os olhos, sentindo seu perfume infantil e o carinho vindo de cada centímetro do seu
pequeno corpo. É puro, gentil e parece me curar, mesmo que lentamente.
Me afasto para olhá-la e meu coração se sente em casa. É como estar diante do
significado de esperança. Seus olhos profundamente azuis parecem adentrar a minha alma e
existe uma admiração que nunca vi em outra pessoa.
Pressiono os olhos ao sentir vontade de chorar e puxo a pequena para mais um abraço.
Quero que pense que, mesmo sem te conhecer, ela pensa que pode ser como você. Nina
não perde a esperança mesmo tendo consciência do seu diagnóstico. Foi essa maldita esperança
no impossível que faz com que me lembre de você quando a vejo. Não me faça mudar de opinião.
A voz de Órion parece ecoar em minha mente, me deixando despreparada para soltá-la.
— Você vai ficar? — ela pergunta, me fazendo olhar para Órion, que assente.
— Adivinha?
— Sim! — ela grita, me fazendo erguer os braços junto com ela.
— Então, vamos nos preparar para a sessão? — Órion toca seu ombro, fazendo a menina
assentir. Ela se senta no tapete e começa a alongar os tornozelos com calma.
Uma sensação extrema de tranquilidade e segurança me toma no momento em que fico
de pé diante de Órion. Sinto uma imensa vontade de beijá-lo e abraçá-lo, e agradecer milhares de
vezes por me permitir enxergar esperança novamente, nos olhos azuis e brilhantes de Nina, mas
me contenho e sussurro um “obrigada”.
Ele dá de ombros, convencido e ajuda Nina no alongamento.
— Órion, podemos fazer juntos? — ela pergunta e ele assente, olhando para Nina
completamente admirado. — Íris pode fazer também?
— O que?
— Os exercícios, Íris. Nós fazemos juntos, faz comigo? — ela pergunta e, meu Deus, eu
daria o mundo para essa menina se ela me pedisse dessa forma.
— Vem. — Órion estende a mão e me ajuda a deitar no tapete com Nina entre nós. —
Vamos fazer aquele exercício de dobrar os joelhos contra o tronco, certo, Nina?
— Certo! — ela exclama, animada.
Observo Órion ensinar o exercício e repito o que ele faz, ainda encantada com o ânimo da
pequena.
— Dez vezes, Nina. Conta para a gente? — ele pede e Nina assente, determinada.
— Um, dois, três, quatro, cinco, nove, dez! — ela conta, me fazendo gargalhar da
expressão indignada de Órion. — O que? — ela pergunta, desentendida.
— Você roubou de novo!
— Não roubei não, não é, Íris?
Paro de rir apenas para concordar com ela.
— Não mesmo, você que não sabe contar!
— São duas contra um, Órion. Você perdeu. — Kiara se pronuncia e Órion dá de ombros,
antes de olhar para mim de forma que me deixa hipnotizada e me faz sorrir.
— Parece que perdi mesmo.
Algo acende em mim, lentamente, a cada minuto que passo ao lado de Nina. Depois de
todos os exercícios feitos, minha barriga dói de tantas risadas que dei com a garota tentando
contrariar Órion. No fim, ele avisou que ia se trocar e me deixou sentada no tapete ao lado de
Nina.
Com olhos curiosos, ela se vira na minha direção e se aproxima, como se fosse contar um
segredo.
— O que aconteceu com você? — ela pergunta e eu engulo em seco. — Órion bem me
contou que você operou igual eu.
— Fui uma tremenda boba e fiz besteira. — conto, no mesmo tom. — Acabei caindo e
machucando o joelho.
— Você vai ficar boa, Íris? — Assinto e ela sorri. — Posso te pedir uma coisinha?
— O que quiser, meu amor.
— Será que você pode me ensinar ginástica? — ela pergunta, tão baixa que sua voz fica
guardadinha em minha mente.
Não consigo pensar em outra resposta, apenas balanço a cabeça positivamente.
— Não conta ‘pro Órion. — ela sussurra de volta e eu gargalho.
— É nosso segredo, ok? — respondo e ela mostra o mindinho.
— Você vai voltar?
— Prometo que sim.
Enlaço meu dedo no seu, selando nosso acordo.
— Posso fazer outro desenho pra você na próxima vez?
— Pode fazer quantos desenhos quiser, pequena. — falo e deixo um beijo em seus
cabelos.
— Vamos? — Órion surge, já arrumado e com a mochila nas costas. Nina revira os olhos
e bufa.
— Mas já?
— Sem essa carinha emburrada, princesa. Eu vou voltar logo, e Íris também, ok? — Ela
assente e puxa Órion pelo pescoço para abraçá-lo. Vejo ele fechar os olhos e apertá-la
delicadamente, curtindo cada segundo daquilo.
Me pergunto se ele encontrou em Nina o mesmo que eu. Paz.
Abraço a pequena mais uma vez e depois de nos despedirmos de Kiara, saímos na direção
do elevador.
— E então, mereço algo ou você ainda está estressadinha? — ele pergunta, tentando se
aproximar, mas eu recuo um passo.
— Eu estava bem, mas aí você me lembrou do motivo do meu estresse. — Dou de
ombros. É claro que já não sinto mais raiva, mas não posso perder a oportunidade de atormentá-
lo.
Saio do elevador, avançando na sua frente até sua moto e me surpreendo com a sua
rapidez quando ele me pressiona contra ela, inclinando-se sobre mim discretamente.
— Você ainda está com ciúmes, Coleman? Não acredito… — ele pergunta, tocando meu
nariz com o seu. Cedo a vontade e agarro em sua jaqueta. — Não sinta ciúmes, o que quero está
aqui.
— Mentiroso. — sussurro antes de pressionar minha boca na sua.
Órion deixa um beijo em meu pescoço, me fazendo agarrar em sua nuca. Um baixo
gemido de aprovação escapa da minha garganta e ele deixa uma leve mordida na minha pele.
As sensações são tão intensas que reclamo quando ele se afasta.
— Mais dois pontos para mim, você não resiste.
— Pontos de quê? Você me deu exatamente o que eu queria, Sparks. — Dou um beijo no
canto de sua boca e arranco o capacete de sua mão, dando a volta para subir na moto. — Então,
ponto para mim.
Órion sorri e sobe na moto, permitindo que me agarre mais uma vez em seu corpo.
Nesse momento, me dou conta de que não me sentia viva há muito tempo. Indo além da
sensação artística que tenho enquanto estou em competições, indo além dos treinos e dos
movimentos.
Agora, consigo sentir cada célula do meu corpo se movimentando em meu organismo.
Cada arrepio, a sensação das gargalhadas, do abraço de Nina, do beijo de Órion. Do vento que
colide com meu corpo quando ele avança com a sua moto.
Pode ser momentâneo, talvez seja só uma grande ilusão da minha cabeça. Merda, eu
posso me arrepender amargamente, mas me convenço de que algo real está acontecendo e me
permito sentir.
Apenas humano, menos você, você é uma deusa
Pra ser sincero, sempre minto pra você quando digo que estou mentindo
Quando vamos além da amizade, é difícil dizer que voltará tudo ao normal
Se eu não sou o cara certo, então sou o melhor erro que você já cometeu
Best Mistake — Ariana Grande, Big Sean

Três meses antes das Olimpíadas


Loirinha: Vá se foder, Sparks.
Loirinha: Nos resolvemos mais tarde

É o que vejo na tela do meu celular assim que pressiono o botão de ligar. Depois de ter
zombado das meias que mostrou no story do Instagram, era exatamente o que eu esperava.
Certo, as meias possuem estampa de ursinhos e a barra delas são em formato de orelhas, para
completar o desenho no tecido marrom.
É patético e extremamente fofo.

Órion: Ah, estou ansioso por isso.


Órion: Bom dia, estressadinha.

A forma com que Íris virou minha vida do avesso é igualmente patética. Desde que
saímos do Hospital Infantil e ela agarrou em minha jaqueta com força, me pergunto em que
momento permiti que ela tomasse conta de tudo. Tento entender quais motivos me fizeram não
resistir a sua proximidade.
Desde então, não há um dia em que eu não a arraste para o vestiário para beijá-la, ou que
ela não se aproveite das nossas sessões para me tirar do sério. Íris está há três meses
atormentando a minha vida, mas nas últimas duas semanas, ela trouxe uma estranha leveza.
Não me lembro de ter sentido isso.
Por muito tempo, vivi de raiva, inconsequência e rancor. Sempre que começava a sentir
qualquer tipo de interesse por alguém, eu tratava de jogar no lugar mais fundo e escuro da minha
vida.
Meu único relacionamento durou o tempo da minha graduação, e Vick era minha melhor
amiga antes e depois de decidirmos tentar algo. Fomos mais amigos do que namorados, já que
fomos criados juntos e depois de um tempo, vimos que o relacionamento que tentamos ter foi
uma grande perda de tempo.
Victoria me entende como ninguém, mas nascemos para ser melhores amigos, que
transam às vezes.
Por fim, consegui transformar tudo o que sentia em indiferença. Guardei tudo em
pequenos compartimentos secretos e os tranquei a sete chaves. Consegui mantê-las intactas e isso
me permitiu não me importar com que acontece ao meu redor.
Em duas semanas, Íris acabou com tudo o que eu planejei. Ao mesmo tempo que tento
esconder tudo, ela escancara minha vida e me leva ao meu extremo. Todo o esforço tem sido
cansativo. Toda vez que penso nessa situação, preciso me sentar e controlar os medos que me
fazem pensar em acabar com algo que nem sei o que é.
Nunca tive tempo para pensar em lidar com os sentimentos de alguém, já que, mesmo
sem ter consciência disso, meu pai me privou de sentir o que minha mãe sempre nomeou como
“a melhor sensação já sentida em toda humanidade”.
Era assim que ela descrevia o que sentia no início do namoro com meu pai. Quando meus
avós paternos e maternos eram amigos e levavam os dois para Salt Lake City em todos os
invernos. Mamãe conta que deram o primeiro beijo em uma colina sob as estrelas, numa noite
fria, mas ela se sentia tão nervosa e viva que o corpo parecia estar em chamas.
Conheci o lugar na infância, mamãe quis me mostrar o exato lugar onde escolheram meu
nome, já que foram lá que conseguiram ver a Constelação de Órion. Durante uma viagem para o
Chile, dois anos depois, mamãe estava grávida e escolheu o nome da minha irmã enquanto
admirava as estrelas com o grande telescópio de Vincent.
Eles eram viciados em clichês, até as responsabilidades se tornarem grandes demais. Até
meu pai virar um grande babaca. Minha mãe dizia que sentia borboletas no estômago, explosões
de sensações como as nebulosas nos céus. Eu gostava de ouvir essas histórias até perceber o
quão passageiras são.
Há muito tempo eu não sorria tanto, mas também não gastava tantos maços de cigarro
tentando acalmar a grande desordem que me tornei. E agora, eu fumo longe de Íris, já que ela
ainda detesta o cheiro. Que porra ela está fazendo comigo?
Engulo meu café da manhã rapidamente e depois de alimentar e me despedir de Bella,
deixo o apartamento e ligo minha moto, dando partida na direção da RGA. A primavera já
chegou e o sol parece ainda mais forte, como se fosse possível. O céu está ainda mais azul, o
vento parece mais quente e as praias começam a lotar mais.
Eu poderia dizer que tudo isso está me deixando bem irritado, mas ao estacionar minha
moto, tirar os capacetes e acender um cigarro, vejo Íris sair de seu mini cooper com Alya no
carona. As duas atravessam a rua para entrar na academia. O sol ilumina os cabelos dourados e
soltos de Íris, o sorriso é tão grande que parece rasgar o seu rosto.
Ela ainda não voltou para os treinos, apenas os assiste, mas carrega roupas de academia
na bolsa roxa pendurada em seu braço. O calor e o clima primaveril fizeram ela vestir um vestido
curto e florido.
De repente, o sol e o calor já não são mais tão insuportáveis assim.
Abano a cabeça, afastando qualquer reflexão que me deixe ainda mais confuso e termino
meu cigarro o mais rápido que consigo. Quando o relógio do celular já mostra que são nove
horas, coloco uma bala de menta na boca e caminho até lá.
O ambiente é naturalmente barulhento. As crianças e os treinadores estão sempre
gritando, os sons dos aparelhos são estranhamente altos, há sons de apitos e palmas de marcação
de tempo, mas dessa vez, quando entro só ouço burburinhos dentro de um silêncio incômodo.
A equipe olímpica está reunida num círculo apertado e a primeira a se afastar, com um
semblante preocupante, é Íris. Ela cruza os braços e some pelo corredor dos vestiários.
Franzo o cenho, tentando encontrar alguma resposta, mas me encaminho até as salas de
preparação, onde também está um clima estranho.
— Jeremy, o que aconteceu aqui? — pergunto ao ortopedista, acomodando a bolsa na
cadeira.
— Sarah se demitiu. — ele diz, se aproximando o suficiente para que eu ouça seu
sussurro. Arregalo os olhos, estranhamente surpreso.
Sarah está distante há tempo suficiente para que todos já tivessem percebido. Acredito
que, como eu, todos acreditaram que ela não seria capaz de algo assim.
— Ela foi contratada pela equipe japonesa.
— Espera, a GJA? — pergunto, sentindo um arrepio na espinha e ele assente.
— Parece que eles ofereceram uma grande quantia. E os atletas da equipe de lá são
promessas das Olimpíadas, você sabe…
As atletas da Golden Japanese Academy são incrivelmente boas.
Eu só estive, presencialmente, em uma edição do Torneio Mundial, que foi realizado aqui
em Miami, mas desde sempre, ouço burburinhos sobre a única equipe que pode derrubar a Royal
Gymnastic Academy. Foi por causa delas que a pressão para a equipe feminina ganhar o Mundial
aumentou drasticamente, deixando-as ainda mais exaustas. A rivalidade deixa todos à flor da
pele.
É por isso que Lya sequer gosta de ouvir sobre a competição, é por isso que Sarah decidiu
amedrontar Íris.
Talvez seja esse o motivo de tanta indignação em toda a academia.
— E agora? — pergunto para Jeremy, curioso sobre as decisões que serão tomadas por
Neil.
— Bom, Nate não vai dar conta das duas equipes.
Dou de ombros e pego meu uniforme, indo na direção do vestiário. Antes mesmo de
conseguir atravessar o corredor, sou surpreendido por Neil, que me encara com os braços
cruzados.
— Bom dia? — falo, em tom confuso que o faz revirar os olhos e sorrir em seguida.
— Bom dia, Sparks. Me acompanhe, por favor.
Assinto e o sigo para fora. Atravessamos todo o ginásio, e eu tento ignorar todos os
olhares que nos acompanham. Inclusive o de Lya, que parece confuso, mas logo, ela sussurra um
“te amo”. Na arquibancada, Íris ainda permanece com os braços cruzados, os olhos perdidos no
outro lado do ginásio.
Não tão surpresa, mas machucada. É nítido na forma como ela aperta o braço com os
dedos agitados e pressiona os lábios.
Desvio o olhar da loira e sigo Neil até sua sala, que fica do outro lado do ginásio, onde
estão os escritórios de administração e dos treinadores. Ele percorre todo o caminho em silêncio,
enquanto eu continuo agarrado ao uniforme, tentando descobrir que merda estou fazendo aqui.
Quando entramos, ele aponta a cadeira com a mão e se senta à frente.
— Já está sabendo sobre o pedido de demissão de Sarah, certo? — Assinto. — E você,
mais do que ninguém, sabe que Nate não vai dar conta das duas equipes sozinho.
— Sei, conheço uns amigos do Hospital Infan…
— Você vai assumir a equipe.
Tento disfarçar a surpresa, mas franzo o cenho e cruzo os braços, tentando entender o que
o fez tomar essa decisão.
— O quê? Por quê?
— Está fazendo um ótimo trabalho com Íris, todos sabemos disso. — Assinto, enquanto
ele escreve algumas coisas em sua prancheta. — Os outros podem não saber, mas eu sei que sabe
lidar muito bem com Alya também. — Ele dá uma piscadinha irônica para mim que me faz
assentir de novo. — Será questão de tempo até Vivian, Jennifer e Ashley se acostumarem
também.
— E as crianças? Não posso abandoná-las assim do nada.
— Sei o quanto gosta do trabalho infantil, Órion. E absolutamente nada irá impedi-lo de
tratá-las quando tiver tempo, elas continuarão aqui e você também, mas agora, está com a equipe
olímpica nas mãos.
Céus, agora consigo entender Alya e Íris. Nunca fui uma pessoa fácil de ser pressionada,
na realidade, sempre fui muito convicto do que queria, mas a forma com que Neil fala parece não
me dar outra escolha.
É realmente uma chance de ouro.
— E então? O que me diz?
— Certo, desde que ainda possa cuidar das minhas crianças, eu topo! — Concluo e ele
sorri, satisfeito.
— Perfeito! Vou preparar toda a papelada para você assinar, e bom, já pode começar
agora mesmo!
— Agora? — pergunto, ainda tentando me encontrar em meio a tanta informação.
Esse era o meu objetivo quando comecei a trabalhar no esporte. Chegar a uma grande
competição, ganhar prestígio dentro do ramo da fisioterapia, ser conhecido. Isso me faz inflar o
peito e mesmo que tenha sido pego de surpresa, em circunstâncias nada agradáveis, é impossível
não sentir uma pontinha de felicidade.
— É claro que é agora, faltam três meses para Paris, filho! — ele diz, batendo palmas
rápidas que me fazem levantar. Ele estende a mão e eu seguro para apertá-la. — Aproveite que
elas estão treinando e comece a sessão de Íris. Já tenho sua primeira ordem.
— Qual? — Neil ainda segura minha mão e me puxa com força.
— Faça Íris embarcar naquele avião para Paris. — Sua voz soa baixa, mas firme e eu
assinto.
— Considere feito.
Deixo a sala de Neil em passos rápidos e corro para o vestiário para me trocar, mas antes
mesmo de chegar lá, digito uma mensagem rápida para Íris, avisando que começaríamos mais
cedo e vejo de relance ela se levantar e ir na direção da academia.
Tento conter o nervosismo e a felicidade que fazem minhas mãos ficarem trêmulas, troco
a roupa rapidamente e corro na direção da academia, estranhamente ansioso para contar a
novidade para Íris.
— Por que começamos mais cedo? — ela pergunta, arrumando o short enquanto se olha
no espelho. Fecho a porta atrás de mim e cruzo os braços, admirando a linda visão à minha
frente. — Pare de me olhar assim.
— Sabia que estava sentindo a minha falta, queria acabar com isso o mais rápido
possível. — falo, fazendo-a esboçar um sorriso.
— Não seja tão convencido, Sparks.
Íris se aproxima e envolve minha cintura com seus pequenos braços. Ela suspira antes de
me olhar.
— Você está bem? — Ela apenas assente, mesmo que seus olhos digam o contrário. —
Pequena mentirosa… — sussurro, segurando seu rosto.
Ela rola os olhos e os lábios tremem.
— Certo, eu não estou bem. Satisfeito?
— Claro que não.
— Será estranho tudo isso, e será mais estranho ainda vê-la na GJA. — Íris esconde o
rosto em meu peito. — Sério, elas me assustam.
— Assustam por que, Íris? — Tento esconder a vontade de rir. — Não existem motivos
para temerem, já que são tão boas quanto elas.
Íris tem duas faces. A face adulta, forte, determinada e que desafia a tudo e a todos, e a
face frágil, delicada, a que ela demorou para expor a mim e que agora me deixa derretido a ponto
de abraçá-la e beijar seus cabelos dourados.
— Não deveria temer a isso.
— Sabe que, todas as vezes em que perdemos o Mundial, foi porque não conseguimos
superá-las?
Assinto e coloco um dos fios de seu cabelo atrás da orelha quando ela se afasta.
— Você conseguiu, não conseguiu? — Ela balança a cabeça, erguendo o rosto para me
olhar. — Então, pronto. Você conseguiu, você é capaz e está pronta para ganhar as Olimpíadas.
— Como estou pronta se ainda nem consigo correr?
— Exatamente. Ainda. Por isso, chega de falar e vamos começar o treino.
Ela concorda e começa a se alongar.
— O que Neil queria com você? — ela pergunta, alongando os braços.
— Quem é a fofoqueira agora?
— Fale, Sparks.
Pego a prancheta onde anoto toda a sua evolução e escrevo a data, enquanto ela ainda me
olha, curiosa.
— Ah, ele me pediu para substituir Sarah. — Ela arregala os olhos e para o exercício.
— E o que você disse?
— Que não, é claro! — Ela arregala os olhos, indignada. — Eu não te aguento mais,
Coleman. Imagina ter que continuar te aturando mesmo depois da sua recuperação.
Íris gargalha e me mostra o dedo médio. Ela se aproxima rapidamente para tentar bater
em meu braço, mas sou mais rápido e seguro seu pulso, puxando-a para mim.
— Você topou, não? — Assinto e ela sorri, beijando meu rosto em seguida.
Íris está confortável com todo esse contato e afeto, que ela faz o grande favor de
demonstrar constantemente, me deixando completamente sem reação a cada momento.
— Deve estar feliz, não é, Sparks? Já que agora vai tratar das meninas todos os dias.
— Deixe de ser ciumenta, Íris Coleman! — exclamo enquanto ela se afasta. — Nenhuma
delas consegue minha atenção, não tenho culpa de ter a delas. — Dou de ombros. — Menos Lya
e Vivian, claro.
— Vivian mudou de uma hora para outra… Sempre fomos próximas, e do nada, ela se
afastou. Às vezes, fico pensando se fiz algo errado.
Oh, meu Deus, como pode ser tão lenta?
— Você não fez nada.
— Como pode ter tanta certeza?
— Vai me dizer que nunca percebeu? Ou Alya nunca te contou?
Íris franze as sobrancelhas, em confusão.
— Contou o que, Sparks?
— Que ela e Vivian namoram há mais de seis meses. A Vivian se sente triste por não
poder demonstrar afeto pela namorada como você demonstra… Mesmo que sejam apenas
melhores amigas, Alya disse que ela queria ter essa liberdade.
Íris arregala os olhos, chocada de uma forma que nunca vi antes. Imagino os motivos de
Alya de nunca ter contado para Íris, já que minha irmã sente um imenso medo de revelar que é
lésbica. Até mesmo de mim ela escondeu, foi preciso que eu flagrasse as duas no estacionamento
para que ela finalmente abrisse o bico.
É claro que isso jamais afastaria Íris, mas entendo seu medo.
O que me surpreende é que, mesmo conhecendo minha irmã tão bem, ela não tenha
reparado isso sozinha, já que é tão nítido.
— É sério, Órion?
— Não, estou inventando. — Rolo os olhos. — É claro que é sério.
— Não acredito que ela nunca me contou.
— Ela tem medo, e seja delicada com a minha irmã. O assunto é complexo para ela. —
aviso, sério e ela ri.
— Não precisa me dar avisos sobre Alya, ela é minha melhor amiga. Jamais a julgaria
por isso.
— Eu sei, loirinha… — Me aproximo e seguro seu rosto. — Agora cale essa boca linda
— dou um beijo demorado em sua boca, sentindo-a sorrir contra meus lábios — e vá para o leg
press.
Me abaixo para beijá-la novamente, mas me afasto quando ouço a porta abrir. Íris prende
a respiração e recua um passo quando vê Alya na porta, com sua garrafa na mão e roupa de
treino.
— O quê? Já estão brigando? — ela pergunta, se preparando para começar. — Vocês são
impossíveis.

Apago o cigarro e chamo Bella para entrarmos. A noite está fria o suficiente para não
permitir que eu fique do lado de fora por muito tempo, e Bella também percebe, já que sobe e se
aconchega no sofá quente assim que fecho a porta que dá acesso à varanda.
Minhas costas reclamam de cansaço. Depois do treino de Íris, tive que enfrentar uma
breve apresentação de Neil sobre meu novo cargo — protocolo nada necessário, inclusive — e
fazer as sessões uma a uma, além de anotações sobre o condicionamento físico delas e
reclamações.
Também precisei discutir sobre a forma com que Íris iria abordar o assunto com Lya e
quando meus dedos doem de tanto digitar, finalmente me deito ao lado de Bella e ligo a televisão
para assistir Interestelar novamente, mas antes que eu consiga dar play, a campainha toca e me
faz bufar.
— Será que não tenho um minuto de descanso? — sussurro para mim mesmo antes de me
levantar.
Bella se levanta mais rápido do que eu e corre na direção da porta, latindo freneticamente
e abanando o rabo, o que me faz franzir o cenho antes de colocar a mão na maçaneta.
Só há quatro pessoas que a deixam assim: Minha mãe, Alya, Íris, ou…
— Vick? — pergunto quando abro a porta e me deparo com Victoria.
Desligo o celular depois de ler a última mensagem enviada por Órion. Lya tinha avisado
que vai chegar mais tarde, o que me faz desconfiar de que está com Vivian, e me dá mais tempo
para pensar se vou falar com ela ou não.
Algo dentro de mim me chama de intrometida e pede para eu calar a minha boca, a outra
parte diz que devo falar para que Lya saiba que pode confiar em mim — mesmo que eu tenha
falado um trilhão de vezes.
Saber sobre a sexualidade de Alya fez com que eu entendesse muitas coisas sobre a
minha amiga. O fato dela ter ignorado todos os garotos da equipe olímpica masculina, que
tentavam algo com ela. Alya é uma mulher extremamente bonita, é normal que atraia olhares,
mas ela nunca se importou com eles ou suas investidas. Até mesmo de outros atletas, quando
éramos mais jovens, ela ignorava.
Também nunca participava muito quando Ash e Jenni contavam sobre suas experiências
e nós dividimos confidências, ela e Vivian contavam histórias que sempre pareciam inventadas.
A verdade é que eu acreditava que Lya era igual a mim. Nunca me importei em ter um
relacionamento. É claro que já tive os meus momentos, principalmente quando saímos de Miami,
mas depois do meu breve namoro com Anthony, eu nunca mais quis saber de namorar.
Esse maldito, infelizmente, foi meu primeiro namorado. Nos conhecemos ainda crianças
e eu sempre nutri uma paixonite, um amor platônico que guardei só para mim. Quando fizemos
dezoito anos, nós começamos a namorar, mas durou muito pouco. Tenho muito orgulho do meu
período dos dezoito, já que foi quando ganhei mais medalhas e estive mais empenhada na
ginástica.
Já Anthony, sempre pensou o contrário. Ele está na equipe olímpica, mas decidiu
terminar comigo porque insistia que eu não dava a mínima para ele, era arrogante e só estava
preocupada com meu sucesso.
Bom, eu sempre estive ao seu lado, comemorando suas vitórias, mas também deixei claro
que a ginástica seria, sempre, a minha prioridade.
Alya insiste em dizer que ele tinha medo de ser ofuscado por mim.
Uma pena.
Enquanto isso, Alya permaneceu sozinha. Quando eu perguntava algo sobre o assunto,
ela desconversava e eu nunca procurei estender o assunto. Talvez eu pudesse ter sido mais
insistente, não sei se em algum momento, ela sentiu falta de ter alguém para conversar sobre
isso… Agora, quero ser essa pessoa, quero que ela saiba que estarei sempre aqui, independente
de qualquer situação.
Só não sei como começar o assunto.
— Boa noite, amiga. — Me assusto quando a voz de Lya ecoa por todo o apartamento.
Estava tão desligada que não percebi que ela havia chegado.
— Oi, amiga! Como foi o fim do treino?
— É-é… Foi bom, foi ótimo, na verdade. — ela começa, atropelando as palavras e eu
tenho certeza de que ela estava com Vivian. — Estive pensando sobre uma coisa, não sei se você
vai topar. O que acha de dividirmos o apê? Podemos dividir o aluguel e as contas, não aguento
mais aquela casa e…
— Precisamos conversar. — a interrompo, me agarrando no último fio de coragem que
tenho.
Lya franze o cenho, larga a bolsa no chão e se senta, preocupada com o que vai ouvir.
— O que aconteceu? Amiga, está tudo bem? — ela pergunta, segurando minhas mãos.
— Está, quero falar sobre você.
— Sobre mim?
— Promete que não vai ficar brava comigo? — Ela continua com a mesma expressão
confusa, mas assente e se aproxima mais um pouco. — Nem com Órion?
— O que esse otário fez?
— Ele me contou. — falo, rapidamente, esperando que ela entenda, mas seu semblante
não muda. — Sobre você… e Vivian.
Minha fala é suficiente para que ela solte minha mão e recue. Lya engole em seco e seu
semblante confuso se torna acuado, fazendo com que meu coração aperte no peito. Penso em
respeitar seu espaço, mas me aproximo e tomo suas mãos para mim novamente.
— Por que não me contou, Alya?
— Tive medo, amiga…
— De que? Sabe que estou do seu lado para sempre e só quero você feliz.
— Eu tive medo de reações desde que meu pai nos pegou juntas.
Levo as mãos à boca, prendendo o ar. Sei muito pouco sobre o pai de Lya, mas o que sei
é péssimo e pelo seu trauma, tenho certeza de que não foi nada fácil.
— Cometi o erro de levá-la para casa, achei que estivéssemos sozinhas, já que nunca tem
ninguém lá, mas nesse dia ele decidiu ir… E nos pegou no meu quarto. Íris, ele me olhou com
nojo.
— Meu amor, eu sinto muito. — A abraço com força e Lya dá um soluço baixo. Assim
como o irmão, Lya odeia demonstrar o que sente. Odeia chorar, mas naquele momento, mesmo
que em silêncio, ela chorou no meu abraço.
— Ele não falou nada, sabe? Meu pai nunca foi de gritar ou brigar quando sente desgosto
de nós. O jeito que ele nos olha é ainda mais doloroso do que palavras. Quando Órion nos viu, eu
fiquei desesperada, mas é o Órion…
Ele jamais ficaria contra a irmã por ela estar feliz. Órion pode ser um grande babaca e às
vezes ser insensível e grosseiro, mas precisaria de muito para brigar com sua irmãzinha.
— Ele jamais abandonaria você, assim como eu. — falo, afastando-a para secar suas
lágrimas. — Entendo seu receio em me contar, amiga, e não estou te julgando por isso. Só quero
que saiba que aqui você está segura, ok? E eu topo que venha morar comigo, eu acho que vai ser
incrível.
— Obrigada, Íris. Amiga, obrigada! — ela exclama e me abraça novamente, fazendo com
que uma lágrima caísse de meus olhos. — Agora, desde quando Órion te conta nossos segredos?
Ah, agora temos um problema.
— Ele não conta, eu falei que achava que Vivian não gostava de mim, e ele contou. Sabe
como seu irmão é, fez isso apenas para jogar na minha cara que não percebi o que estava bem na
minha cara.
E isso é verdade.
— E ele também sabe que eu jamais te deixaria, na verdade, eu só te amo ainda mais,
Alya Sparks Parsons. — falo, fazendo minha melhor amiga sorrir. — Sinto orgulho de você.
— E eu de você. Muito, muito, muito. — ela cantarola, me abraçando de novo. — Sabe
que não acreditei nem um pouco que esse foi o único motivo de Órion ter te contado, não é?
— Mas eu falei a verdade. — minto.
— O que está rolando?
— Nada.
— Eu senti algo diferente quando entrei na academia… mas ok, vou acreditar em você.
— ela diz, se levantando. — Mesmo assim, fique atenta. Amo meu irmãozinho, mas ele nunca
quis se envolver com ninguém… Se estivesse acontecendo alguma coisa, ele não faria nada com
você porque sabe que eu acabaria com ele, mas se você diz que é coisa da minha cabeça, eu
acredito.
— É-É, é coisa da sua cabeça. — falo, tentando disfarçar o tremor na minha voz.
— E é bom mesmo que vocês não tenham nada, ele me mandou mensagem falando que
sua ex-namorada está em Miami e eles saíram para jantar. Ele e Victoria não podem ficar juntos
que acabam na cama.
Engulo em seco, controlando a ardência que toma minha pele. Não, eu não tenho nada
com Órion, não posso sentir ciúmes.
— Se ele fizesse isso a você eu iria pessoalmente cortar o pau dele fora. — Alya diz,
ameaçadora, antes de ir na direção do quarto.
Eu ainda estou esperando alguém me dizer
Isso não vai durar para sempre, mas é um inferno para mim
Só para me lembrar que devo respirar
Devil On My Shoulder — Chelsea Cutler

Olho o celular mais uma vez antes de atravessar a entrada do ginásio. Órion respondeu
minha mensagem com apenas um “ok” e quando perguntei sobre o retorno ao Dr. Wilkins, ele
sequer respondeu.
Eu devia estar sendo mais madura e ignorando cada palavra dita por Alya sobre ele e sua
ex-namorada, já que não somos nada além de beijos escondidos.
O que temos é carnal e passageiro. Órion segue me odiando e meu sentimento por ele não
mudou. Eu preciso voltar a ser a Íris que não se importa com paixonites bobas para focar apenas
na minha recuperação.
Eu preciso voltar a ser a Íris antes da bagunça que Órion está fazendo na minha vida.
Porque nós não somos nada.
Guardo o celular na bolsa e saio do carro, me deparando com a moto de Órion
estacionada do outro lado da rua, indicando que ele chegou antes de mim.
Assim que piso no ginásio, Lya acena para mim, animada e retribuo com um sorriso.
Consigo ver Órion na ala infantil de relance, sorrindo para uma garotinha deitada na maca.
Agora, a camisa branca e estrelada da ala infantil foi substituída pelo uniforme roxo forte da
equipe olímpica e, meu Deus, ele fica tão bem em qualquer roupa. Fica ainda mais bonito
quando está atento e feliz com o que está fazendo.
São tantas sensações que me deixam irritada.
Que inferno, Sparks.
Deixo a bolsa na arquibancada e vou na direção das meninas, que conversam em tom
estranhamente baixo, enquanto olham no celular de Vivian.
— O que estão vendo aí? — pergunto e Jenni e Ash abrem um espaço para que eu me
encaixe.
— O anúncio de Sarah no perfil da GJA. — Vivian vira o celular na minha direção.
É normal que tenham anúncios quando os profissionais são renomados ou ocupam altos
cargos. O que é o caso da Sarah nos dois requisitos. Na foto, ela já usa o uniforme vermelho e
branco, posa com os braços cruzados e sorriso orgulhoso. Alguns comentários estão
parabenizando, outros estão questionando o porquê dela ter deixado a equipe americana.
Me pergunto qual será o próximo profissional que irá superá-la e que vai fazer ela trocar
de equipe novamente. Inacreditável.
— Deixem isso para lá, Sarah agora é passado. — Ash diz, empurrando levemente o
celular de Vivian.
— Eu concordo…
— Mas, vocês não acham que vai ser estranho sem ela?
— Amiga, nós dependemos mesmo é de Neil, que é nosso treinador. Sem menosprezar a
profissão, mas é 100% substituível. — Jenni diz. — E nós já temos um substituto que é tão bom
quanto.
Assinto, mesmo sem querer ouvir falar sobre Órion. Ele é extremamente competente, sua
inteligência chega a ser ofensiva. Ele usa tão bem as palavras que me deixa fascinada e irritada
na mesma proporção.
Há dois dias, ele decidiu me contar sobre a origem do seu nome e outros deuses do
Olimpo. Sei que ele ama mitologias e astronomia, mas meu coração insistiu em acreditar que ele
estava feliz em contar tudo aquilo para mim.
Pego o celular quando sinto vibrar em meu bolso e franzo as sobrancelhas quando vejo
uma mensagem do meu pai.

Papai: Querida, precisamos conversar.


Papai: Venha jantar conosco, por favor.

Íris: É claro, paizinho.


Íris: Está tudo bem?

Ele não me responde mais, me deixando preocupada e desconfiada sobre o assunto, mas
guardo o celular no bolso e faço o máximo para não ficar paranóica. Desde que comecei a
competir profissionalmente e quando fui morar sozinha, meus pais evitavam me contar quando
algo acontecia, para não me preocupar.
Quando papai quebrou o braço porque caiu de uma escada, eu só fiquei sabendo porque
decidi fazer uma visita surpresa.
Receber uma mensagem assim não é comum e me faz estremecer.
— Vamos começar, Coleman? — Me assusto quando ouço a voz rouca de Órion atrás de
mim. Quando me viro, encontro a mesma expressão que costumava ver nas primeiras sessões,
ainda em sua casa, mas com um ar de insegurança que me deixa pensativa.
Apenas assinto em resposta e sem esboçar qualquer outra reação, Órion vira as costas e
vai na direção da academia, anotando algo em seus papéis. Engulo em seco e vou em busca da
minha bolsa.
No vestiário, repasso todos os momentos da minha vida, me perguntando em que
momento simples beijos mexeram tanto comigo, e quando fui tão ciumenta. Principalmente com
alguém que não tem nenhum envolvimento sério comigo. Me encaro na frente do espelho,
escondendo a insatisfação em meu rosto para dar lugar a Íris que finge que absolutamente nada
aconteceu e que age normalmente diante das piores sensações.
Atravesso todo o ginásio, indo na direção da academia, agarrada na minha garrafa do
Mike, de Monstros S.A, preparada para as gracinhas de Órion relacionadas à combinação com
minhas meias.
Quando fecho a porta atrás de mim, ele sequer ergue o olhar.
— Falei com Lya. — anuncio, orgulhosa.
— E aí?
— Estamos bem, ela me contou um pouco sobre o pai de vocês. — respondo, me
sentando na bicicleta.
— Que bom que está tudo bem. Lya precisa de apoio. — Ele continua com os olhos em
seus papéis. — Faça o alongamento e depois pode começar na flexora.
— De novo? — reclamo e ele apenas assente.
Órion passa toda a sessão em silêncio, falando apenas o necessário para me orientar.
Quando as outras meninas começaram a entrar na academia, sua expressão não mudou, nem o
seu mau-humor.
Ele parecia relutante em me olhar e quando o flagrava me observando através do espelho,
ele desviava o olhar rapidamente, como se estivesse cometendo um crime.
Quando finalizamos o tempo na bicicleta, me levanto, esperando suas considerações.
— Estamos indo muito bem, sua evolução é aparente e eu acredito que a gente possa
aumentar a pressão, mas precisamos voltar ao Dr. Wilkins antes. — ele fala, escrevendo
rapidamente. — Vou deixar as banheiras terapêuticas de vocês preparadas. Até logo.
Órion sai tão rapidamente que não consigo responder, apenas fico ali, imóvel, tentando
entender o que está acontecendo e porque está com tanta pressa. Minha mente se torna uma
grande confusão que tenta descobrir o que há de errado com Órion e o motivo da urgência dos
meus pais.
Sem me dar tempo para pensar, Alya me empurra para fora, até a área de preparação
física, onde as banheiras ficam preparadas. Depois de longos minutos afundada no gelo, vou até
o vestiário para um banho e olho o celular enquanto me troco, na esperança do meu pai me dar
uma mísera pista sobre o que precisamos conversar, mas tudo o que ganho é silêncio.
Penteio meus cabelos molhados e me visto rapidamente, me aconchegando em um
moletom da universidade, já que as noites de primavera em Miami continuam frias. Antes
mesmo de sair, consigo ver a luz dourada se tornando cada vez mais laranja, indicando que o fim
da tarde está chegando.
Me despeço das meninas e atravesso a rua para chegar até meu carro, e tento não
paralisar quando meus olhos alcançam a moto de Órion, estacionada não tão distante de mim.
Consigo vê-lo com clareza, assim como a mulher à sua frente.
Ela é alta como ele, mas as botas pretas de salto ajudam a valorizar suas pernas. Os
cabelos são longos, cacheados e as roupas completamente pretas. Seus olhos estão escondidos
por óculos escuros, mas consigo ver como ela é incrivelmente linda.
A regata permite que eu veja seus dois braços repletos de traços que formam desenhos
indecifráveis em sua pele negra, e os dedos tomados de anéis, assim como Órion.
Ele aparece apressado, mas ela continua falando, apontando para o ginásio e antes de
finalmente dar a volta para subir na moto, ela o abraça rapidamente e beija o canto de sua boca,
demoradamente.
Meus olhos acompanham cada movimento e ele permanece imóvel, com as orbes azuis
direcionadas para mim.
Torço para que ele não esteja vendo a coloração vermelha que com certeza tomou conta
do meu rosto, que queima como o inferno e na mesma rapidez que ele coloca seu capacete, eu
abro a porta do carro e me jogo dentro dele.
Nós não temos nada.
Nós não temos nada.
Nós não temos nada.
Estou sendo uma menina mimada e dramática que morre de inveja da confiança e beleza
arrebatadora da mulher que subiu na moto de Órion?
Órion não é muito mais velho que eu, na verdade, apenas dois anos nos separam. Porém,
Órion é muito mais maduro, experiente e mais seguro. Enquanto eu me sinto uma pequena
menina que ainda tenta lidar com os problemas sem cair no choro. Evito olhar no espelho do
carro para não me deparar com a diferença vergonhosa.
Órion jamais abriria mão de algo por mim. Não quando tem alguém como aquela mulher
na garupa de sua moto e na sua cama.
Por Deus, ela é incrivelmente atraente, e as semelhanças nítidas me fazem pensar que
poderiam ter algum nível de parentesco. A única coisa distinta é o tom da pele, já que Órion está
ainda mais pálido do que o normal.. Porém, a postura é a mesma, as roupas são parecidas, a
quantidade de desenhos que os pintam e até mesmo sua pose confiante.
Talvez seja por isso que nunca daremos certo, somos dois extremos que não se encaixam.
Órion certamente enjoaria de mim. Pessoas como ele não investem sua segurança em
alguém como eu, mas sim, em alguém como Victória.
Engulo em seco e aperto o volante, repetindo mentalmente que nós não temos nada.
Engulo a raiva e dou partida no carro, conformada.

Engulo o último pedaço de carne, ouvindo minha mãe falar sobre a traição de Sarah. Sim,
ela considera uma baita de uma traição e está reclamando desde que mostrei a foto do seu
anúncio no Instagram.
— Mãe, deixe isso para lá.
— Mas estou feliz que Órion seja o substituto. Claro que você e sua força de vontade são
imbatíveis, mas ele está fazendo um ótimo trabalho. — Assinto depois de ouvir meu pai falar. —
Logo ele se adapta à nova rotina.
— Ele era fisioterapeuta infantil, não é? — mamãe pergunta e eu balanço a cabeça
positivamente de novo. Por que temos que falar sobre Órion? — Não faz muito o estilo dele…
— Na verdade, ele quem escolheu. As crianças amam ele, por incrível que pareça. —
conto, fazendo minha mãe se surpreender. — E faz trabalhos voluntários no Hospital Infantil.
— É sério? Nossa, percebi que ele é um rapaz bom, mas não esperava isso. — Meu pai
fala, surpreso e eu dou de ombros.
Muitas coisas sobre Órion me surpreenderam também.
— E então? Sobre o que querem conversar? Tenho certeza de que não me chamaram aqui
para falar de Sarah.
Minha mãe limpa a boca com cuidado e eu tenho a impressão de vê-la estremecer. Meu
pai, na ponta da mesa, pressiona os olhos. As reações aceleram meu coração.
— Gente, o que está acontecendo? — pergunto de novo e os dois se levantam.
— Vamos, venha para a sala.
— Vocês estão me assustando. — Sigo os dois até o outro cômodo.
Mamãe se senta na poltrona e papai no sofá, ao meu lado. Ela dá um longo suspiro e
apoia as mãos enlaçadas no colo. Meu pai tem os dedos agitados, indicando ansiedade.
Característica insuportável que herdei dele.
— Primeiro, peço que não se desespere. — Minha mãe começa e tudo o que sinto é
desespero. — Há um tempo, eu descobri um inchaço aqui — ela põe a mão abaixo de seu braço,
no lado esquerdo — e achei que fosse algum machucado, ou resultado do esforço que tenho
feito, demorei para me preocupar, confesso.
A voz da mamãe falha e meu pai se levanta rapidamente, sentando-se no braço da
poltrona para segurar sua mão. Meu corpo gela aos poucos e o ar se torna escasso, como se a
cada palavra dita por ela, meus demônios apertassem meu pescoço para me aniquilar.
— Fomos ao médico nas últimas semanas, sua mãe fez alguns exames…
— Eu estou com câncer, querida, em estágio avançado.
O mundo parece desabar em meus ombros enquanto balanço a cabeça em negação. A voz
da minha mãe se repete, palavra por palavra, até eu entender que estou dando início ao pior
pesadelo da minha vida. Segundos são suficientes para que eu sinta meu corpo em queda livre, as
vozes dos meus pais se tornam ruídos, mas tenho absoluta certeza de que eles pedem para que eu
me acalme, quando finalmente o choro rasga a minha garganta e meus pulmões doem.
Minhas têmporas latejam e quando eu abro os olhos, mais uma vez, a realidade me
estapeia e eu sinto que vou morrer. Minha mãe está aos prantos e eu me dou conta de que o
inferno está diante de mim.
Meu pai esconde o rosto em um choro silencioso e me chama com a outra mão.
— Venha aqui, minha pequena. — A voz trêmula da minha mãe clama por mim e eu me
jogo no chão para alcançar suas pernas. Agarro-me a ela, como se isso fosse suficiente para curá-
la. Busco qualquer contato que me faça ter certeza de que ela está aqui.
O pavor toma conta de mim quando ela toca meus cabelos, meu corpo adormece, me
fazendo acreditar que estou definhando, desaparecendo aos poucos, e que a dor está me
consumindo a ponto de se tornar maior do que eu.
— Isso vai acabar, não é, mamãe? Você vai melhorar? — pergunto, entre soluços e
lágrimas que molham todo o meu rosto.
Me sinto minúscula à medida que ela acaricia meus cabelos e arfa entre o choro.
Temendo a sua resposta, escondo o rosto em suas pernas e mordo o lábio para abafar os sons que
insistem em sair. Mais lágrimas, mais dor, mais sofrimento e, dessa vez, cada célula minha
acredita que não irá passar.
— Nós tentamos, querida. — meu pai diz, tocando minha mão agarrada ao vestido dela.
— Mas você sabe que o sistema de saúde aqui é caro. Nós não temos mais condições de arcar
com todas as etapas do tratamento. Só os exames acabaram com nossas econo…
— Não! — o interrompo, e me levanto, sentindo que minha voz soou muito mais alta do
que devia. — Não, eu recebo dos patrocinadores. Eu pago o que precisar, eu saio do
apartamento, eu procuro ajuda!
— Filha… — Minha mãe estende a mão e eu me dou conta do quão frágil ela está.
Meu coração se parte em mil pedaços e eu sinto meu corpo sucumbir. Meus joelhos
cedem, meus ombros doem e eu sinto cada músculo do meu corpo em negação.
— É muito dinheiro… Conseguiremos no início, mas será necessária uma cirurgia,
diversos exames, quimioterapia.
Cubro os ouvidos, implorando para que todo esse pesadelo acabe de uma vez, mas o
planeta parece se movimentar mais lentamente, intensificando toda a dor física e mental que
estou sentindo. Algo que nunca senti antes, uma sensação angustiante que eu nem mesmo sabia
que era possível sentir.
— Está tudo bem, minha florzinha. — Ela se levanta para me buscar para si, me
abraçando com tanta força que consigo sentir o agito em seu corpo.
Ela deixa os soluços escaparem e eu sinto que estou perdendo tudo o que existe em mim.
Ela está com medo e eu estou apavorada. Mil cenas atravessam a minha mente, fazendo meus
ossos doerem. Meu coração estraçalha meu peito, me reduzindo a um monte de ossos e carne
sem qualquer utilidade.
Sem qualquer reação, sem qualquer resquício de esperança.
— Mãe… — sussurro e quando seguro seu rosto, enxergo o fim de mim em seus olhos
tristes. — Mamãe, eu prometo que vou dar um jeito, tá bom?
Ela me abraça novamente, sentando-se no sofá e eu me acolho em seu colo quente, porém
estremecido. Agarro onde consigo, apertando sua pele contra meus dedos, para ter certeza de que
consigo impedi-la de me deixar. Respiro tão forte, torcendo para que meu ar ultrapasse as
barreiras da física e da biologia para adentrar seus pulmões.
Dou a ela o que restou da minha alma.
Repito a promessa diversas e diversas vezes como uma oração, uma súplica para que
alguém me ouça, para que alguma força acabe com essa angústia. Imploro para que alguém me
salve, para que eu consiga salvá-la. Tento me encontrar dentro de mim, mas tudo o que encontro
é pavor, é aflição e os meus demônios riem de mim, me lembrando de que a queda que começou
com uma simples lesão, pode terminar com a perda do maior amor que já senti.
Eles repetem que ela pode morrer e eu me forço a acreditar que consigo salvá-la.
Eles riem e meu subconsciente grita.
Cansada, eu me escondo, mas prometo a ela que vou cuidar de tudo. Que vou cuidar dela
e que tudo vai se acertar. Prometo a ela e tento me convencer disso, na tentativa falha de fazer o
medo diminuir.
Minha voz some quando ela acaricia meus cabelos, apenas meus lábios se movem.
Eu prometo, mamãe.
Eu prometo, mamãe.
Tudo o que quero de você é te ver amanhã
E em todos os amanhãs seguintes
Talvez você me empreste o seu coração
Not A Bad Thing — Justin Timberlake

— Mas você não me respondeu, Sparks. Está gostando de estar na equipe olímpica? —
Vick pergunta pela milésima vez, jogando os cabelos cacheados para trás.
Tento fugir do assunto, mas ela adentra meu apartamento e eu sei que não vou conseguir.
A equipe olímpica me lembra Íris e tudo o que vejo é seu olhar decepcionado.
Exatamente como eu temia porque eu fui o covarde que achei que seria.
— E Alya? — ela completa e eu reviro os olhos.
— Foi meu segundo dia, Caldwell. Não posso te responder isso ainda. E Alya nunca tem
nada a dizer, ela sequer diz que somos irmãos.
— Ainda? — ela rola os olhos e se joga no sofá.
— Sabe dos motivos de Lya, não a julgue.
— Não estou julgando. Apenas acho que está na hora de vocês superarem o babaca do
meu padrinho. — Ela acaricia os pêlos de Bella, que logo se deita ao seu colo, e menciona apoiar
os pés com as botas imensas na minha mesa de centro.
— Não se atreva. — aviso e ela tira. — Você superou a sua mãe?
Ela dá de ombros e arranca as botas dos pés.
Assim como meu pai, minha madrinha e mãe de Vick é rígida, agressiva e arrogante.
Sempre pressionou Vick a seguir carreira de neurologista ou oncologista, como meu padrinho,
Richard. Bom, Vick cedeu à pressão, mas é bem-sucedida em um dos melhores hospitais de
Nova York.
O problema é que a tia Emelie é ainda pior que Vincent, e algumas vezes agredia minha
melhor amiga. Vick chegava na escola com marcas roxas em seus braços, mas nunca quis dizer o
motivo. Eu e ela sempre estivemos em guerra, uma briga de personalidades difíceis e
machucadas, mas que se uniram na missão de infernizar nossos pais.
Na semana em que Vincent acertou meu braço com seu maldito copo, Vick apanhou por
ter sido pega com um garoto em seu quarto.
Fizemos nossas primeiras tatuagens juntos para cobrir os hematomas, mesmo que, em
Vick, eles não deixaram de aparecer, até que ela se mudou.
Mesmo brigando constantemente, Vick sempre foi minha melhor amiga, talvez porque
fosse a melhor pessoa para entender os motivos dos meus sumiços, dos meus surtos de raiva e
das minhas sessões demoradas na terapia — quando decidi fazer, anos depois e desisti na terceira
sessão. Quando a psicóloga disse que eu precisava perdoar meu pai, quase mandei a mesma se
foder.
Vick e eu namoramos durante a faculdade, mas não era um relacionamento apaixonado.
Tínhamos a mesma cumplicidade de sempre e um apego infinito, mas nenhuma ordem ou
compromisso além de sexo e mãos dadas pelo campus.
Mesmo sendo irritante e fodidamente parecida comigo, amo Victoria Caldwell. Talvez
ela seja a única pessoa que me conhece por inteiro, que viu todos os meus demônios por ser tão
aterrorizada quanto eu.
Dividimos os mesmos monstros, e foi com ela que aprendi a mandá-los para a puta que
pariu.
— Tento superar Emelie todos os dias. Por isso não julgo Alya. Eu também fingiria que
não tenho mãe se tivesse outro sobrenome. Ela faz questão de lembrar que é uma Caldwell.
— Bom, ela usa o sobrenome de batismo da minha mãe. Usa o segundo sobrenome do
meu tio. — Dou de ombros, me jogando ao seu lado.
— Washington? — ela pergunta, enojada. — Eca, é claro que não. Por que você acha que
ele omite essa porra e só usa o Caldwell?
— Ok, foda-se. Lya luta contra seus demônios da forma que consegue. Infelizmente, ela
não deu a sorte que Apolo deu. Nós somos os odiados — aponto para nós dois — e infelizmente
ela entrou no barco. Apolo é o único que eles amam. Até o otário do meu pai.
— É claro, Apolo é um otário, como eles.
Vick dá de ombros, falando do seu irmão.
— Inclusive, ele vai começar a residência…
— Na Sparks-Caldwell? — pergunto e ela assente. — Se antes eu já não pisava lá, não
existe nada no mundo que me faça chegar perto daquele lugar agora.
— Eu sei… — Ela bufa. — Amo meu irmão, mas o branquelo está ficando cada vez mais
parecido com Emelie. Arrogante, soberbo…
— Chato para caralho! — completo e ela assente, forçando uma risada.
— Quer ser meu irmão? — ela pergunta, como um sussurro.
— Irmãos não transam. — sussurro de volta e ela gargalha.
— Bom, nós não transamos há um tempo. — Ela dá de ombros. — E ontem…
— Cale a boca.
— Você não estava nessa galáxia, já que não funcionou. — Victoria começa, se
esforçando para não rir. — Onde sua cabeça estava, hein Sparks?
— Eu só não queria, ok? — Me levanto, irritado e ela ri de novo.
— Você? Isso é realmente surpreendente, é uma proposta que você nunca recusa. — Ela
se levanta, me seguindo e eu a empurro quando consigo. — Está gostando de alguém?
— Como está sendo em Nova York?
— Não muda de assunto! — ela grita. — Mas respondendo sua pergunta, está sendo
incrível. Mas estou surpresa por ter tido tempo, sentiu minha falta?
— Eu estava, passou quando você começou a encher a porra da minha paciência.
— Você ainda não me contou sobre a ascensão Sparks na RGA. O tratamento da
Coleman está sendo trabalhoso? — Nego com a cabeça, mas estremeço ao ouvir seu nome.
Minha relação com Victoria nunca mudou e sempre nos respeitamos quando inventamos
em tentar algum relacionamento. Acontece que eu sequer mencionei que beijei Íris, o que
resultou em Victoria me beijando em meu sofá por bastante tempo na noite passada.
Quando ela tentou me arrastar pro quarto, meu corpo se negou. Exatamente, meu corpo
não reagiu já que tudo o que via era Íris, e bom, ela é bem diferente de Victoria.
É claro que fui um covarde e ainda não contei, e também não tive coragem de olhar nos
olhos de Íris. O que não devia ser uma preocupação, já que não estou em um relacionamento
com a loirinha. O seu olhar decepcionado ao me ver beijando Victoria na frente da RGA não
devia ser uma preocupação.
O incômodo que senti ao não beijá-la hoje não devia estar presente, sufocando minha
garganta.
E é por isso que eu não consegui contar a Victoria. Por medo do que vou acabar
confessando, já que Vick sempre consegue arrancar tudo e qualquer sentimento de mim.
Não vou contar porque não há nada de especial para contar.
— Para onde a sua cabeça confusa foi, Sparks? — ela pergunta, pegando o maço de
cigarros e indo na direção da varanda. Vick acende um deles, apoiando-se no batente da porta.
— Você não devia fumar, é médica. — falo e ela me mostra o dedo do meio.
— Vai se foder, Órion!
Vick leva o cigarro aos lábios. No mesmo momento em que todo aquele borrão cinza
para de sair de sua boca, ela arregala os olhos e franze as sobrancelhas desenhadas.
Ela encara o teto, depois me olha e faz traços imaginários com os dedos.
— O que está rolando, Sparks? — ela pergunta, me fazendo franzir o cenho.
— O quê?
— Você travou quando falei da Coleman…
Puta que pariu.
— Não vai me dizer que você está se envolvendo com a sua paciente e melhor amiga da
sua irmã…
— De onde tirou isso, Caldwell? — a questiono, nervoso o suficiente para pegar um
cigarro.
— Você está! — ela grita, enquanto tento segurar o cigarro sem deixá-lo cair dos meus
dedos trêmulos. — Foi por isso que brochou!
— Vai se foder, Victoria! Eu posso só não querer transar, merda?
Victoria gargalha tão alto a ponto de me fazer rir também. Ok, eu brochei, porque quem
eu queria na minha cama estava do outro lado da avenida, não aqui, me atormentando.
— E você gosta dela!
— Ei, vai com calma! — esbravejo, ainda mais alto, e ela gargalha tão forte que os
cachos caem em seu rosto. — Ok, eu a beijei, mas nada demais.
— Você está nervoso, seu babaca! Então, é por isso que estava com pressa para sair da
RGA, hum?
Ignoro sua pergunta, me sentando na poltrona da varanda. Levo o cigarro até a boca,
tragando-o com força.
— Te conheço desde que nasci, Sparks. Não adianta tentar esconder de mim, sou sua
melhor amiga, esqueceu?
— Você não me deixa esquecer isso.
Permaneço em silêncio.
É claro que eu não queria que Íris nos visse juntos, e eu também não queria contar nada
para Victoria por medo de admitir que consigo sentir algo por Íris, mesmo com medo de magoá-
la, mesmo com medo de amá-la.
Íris me assusta. É como estar vendo, a olho nu, o nascimento de uma estrela. A única
dentro de uma grande nebulosa, que resulta em um brilho que pode cegar a quem chega perto
sem cuidado, e que, diferente das outras, explode em radiações de sentimentos diversas e
diversas vezes, todos os dias, gerando supernovas constantes que confundem e aprisionam
qualquer um.
Uma porra de encanto que não sei como reverter.
Cabe um universo dentro daqueles olhos castanhos e eu ainda não descobri como me
encontrar ali.
— Você é um otário, eu quase te beijei! Será que ela viu? — Assinto e Vick dá um tapa
na minha nuca. — Idiota do caralho!
Victoria dá a volta na varanda e depois de assoprar a fumaça de sua boca, ela se senta ao
meu lado e segura minha mão. Ali está a explicação para o meio planeta terra desenhado em meu
antebraço. Quando Vick cola o braço no meu, ele se torna completo. Minha outra metade está
desenhada nela.
Fizemos em mais um dia doloroso para ambos, já que parecia que Emelie e Vincent
combinavam um dia específico para nos atormentar. Encontramos um porto seguro um no outro,
e não importa quantas voltas o planeta dê, sempre estaremos conectados. Pela dor, ou pelo amor
que sentimos um pelo outro.
— Sabe que te entendo, não é? — Assinto. — Vejo que gosta dela, Órion. Você nunca
fica nervoso diante de uma garota, nunca foge. Você nunca foi assim… O amor nos deixa assim.
— Desde quando sabe sobre amor?
— Cala a boca, porra. Me deixa terminar. — Ela suspira e aperta meus dedos. — Você
tem medo de ser como o seu pai.
— Eu não…
— Tem sim! Você dizia que não queria ser como Vincent quando amasse alguém, e por
isso, nunca deixou que ninguém se aproximasse. Você jura que não quer ser como ele, mas tem
medo de não conseguir evitar.
Porra, ela está certa.
Meu pai sempre foi grosseiro com a minha mãe, pelo menos durante minha infância, era
o que eu via. Impaciente, rude, agressivo algumas vezes. Depois deixou de se preocupar em
esconder seus casos.
Minha mãe sofreu diante de mim e Lya. Jurei que nunca faria nada parecido.
— Se você está preocupado em magoá-la e está se afastando por isso, já é um sinal de
que você não é como Vincent. — Victoria atrai meu olhar e ergue os ombros, convencida de que
está certa. — A gente não quer magoar quem a gente ama, certo? É o que está fazendo com Íris,
você fugiu do seu trabalho com medo de que ela pudesse nos ver juntos, só que você também
está com medo de confessar para mim porque sabe que te conheço, mas você não é como seu pai,
Órion. Nunca foi, mesmo que tenha tentado.
— Eu tento não ser…
— Você não é. E se aquela garota nos viu juntos hoje, com certeza está magoada, seu
otário. Prove que não é como Vincent e resolva a porra do problema. Agora, se você não quer
nem mesmo tentar, pelo menos seja sincero com ela.
Dou um longo suspiro e ela encosta a cabeça em meu ombro.
— Gosto quando usa seu cabelo natural. Deveria deixá-lo assim mais vezes.
— Não se intrometa. — ela responde, mas sei que há um sorriso em seus lábios mesmo
sem poder ver.
Eles me disseram que todas as minhas jaulas eram mentais
Então eu me perdi, assim como todo o meu potencial
E minhas palavras atiram para matar quando estou brava
Eu me arrependo bastante disso
this is me trying — Taylor Swift

Foi só um pesadelo.
Foi só um pesadelo.
Até esboço um sorriso, ao me dar conta de que acordei do que, certamente, foi o pior
pesadelo que já tive. Respiro fundo, antes de finalmente abrir os olhos. Minha mente se organiza
para ir até a minha mãe para lhe dar um abraço.
Repito novamente que foi apenas um pesadelo, três vezes para dar sorte e torço para ver o
teto do meu apartamento. Solto o ar antes de finalmente abrir os olhos e sinto o peso do mundo
em meu corpo quando me deparo com o teto estrelado do meu quarto, na casa dos meus pais.
Uma lágrima escorre. Provavelmente estava aprisionada desde que finalmente adormeci,
depois de ter me afundado em um choro infinito.
A visão, que servia como um consolo nas noites difíceis, agora está servindo para me
lembrar da pior noite da minha vida. Me lembrar que, depois de ter chorado no colo da minha
mãe, meu pai me trouxe até o quarto, acariciou meus cabelos e cantou canções de ninar até
dormir.
A diferença é que, quando eu era criança, eu o admirava até pegar no sono. Ficava
olhando meu pai cantarolar com um sorriso doce nos lábios. Ontem, enquanto cantava, eu sequer
conseguia abrir os olhos, e ele tentava controlar o tremor em sua voz triste.
Me recusei a olhá-lo para não vê-lo chorar. Para não ver que o nosso mundo parece estar
desabando, que as paredes estão estremecidas, e que nós dois estamos perdidos em uma rua sem
saída.
E que do outro lado da porta, o amor de nossas vidas está adoecido.
Afundo o rosto no travesseiro e libero um grito que esquenta o tecido e dói a garganta.
Um grito que me sufocou durante toda a noite, que desejava sair entre os soluços baixos que
ecoaram por todo o quarto. Um grito que acreditei que aliviaria a dor insuportável que estou
sentindo.
Quando prometi a minha mãe que daria um jeito de pagar seu tratamento, não me dei
conta de tudo o que está acontecendo ao meu redor e quando a ficha finalmente caiu, me senti
caindo dentro de um buraco negro.
Os patrocinadores reduziram os investimentos, já que com a lesão, não estou competindo
nos torneios nacionais e regionais, o que significa que meu salário abaixou muito. Depois de
passar a madrugada com a tela no celular, pesquisando sobre o tratamento, percebi que minhas
economias não dariam para a primeira parte, já que elas nunca foram altas.
Além de pagar o apartamento e todos os custos, jamais imaginei que precisaria passar por
algo parecido. Não me preocupo nem mesmo com o meu tratamento, já que é todo por conta da
RGA, nunca tive o costume de exagerar nas compras, mas em hipótese alguma passou na minha
cabeça que, em algum momento, minha mãe estaria morrendo e eu poderia ficar completamente
perdida.
Essa é a realidade. Eu estou completamente perdida dentro de um vazio, estou gritando
no silêncio, e ninguém me ouve, ninguém me enxerga, sinto que não existem soluções, não
existem saídas.
Me sento na cama em busca de ar, apertando os lençóis para manter o corpo ereto, mas
quando minha mãe abre a porta do quarto, mil fagulhas adentram meu corpo e eu preciso
pressionar os olhos e cobrir o rosto para abafar os soluços do meu choro.
— Minha pequena, não fique assim… — Minha mãe se aproxima, com os braços abertos
para me capturar em seu colo.
Ela tenta ser otimista, me dizer que tudo vai ficar bem, mas quando sinto que estou a
perdendo lentamente, todos os momentos em que mantive esperanças sobre a vida se tornam
uma grande mentira.
— Filha, olhe para mim. — Olivia segura meu rosto, me forçando a olhá-la.
Meu Deus, como eu não percebi? Mamãe está pálida, os cabelos, antes brilhosos, estão
opacos. Os braços finos, as mãos amareladas.
O quão egoísta eu fui a ponto de não perceber? Ela já estava assim enquanto me dava
apoio durante uma cirurgia?
— Lembra que você disse que daremos um jeito? — Assinto. — Então, nós vamos dar
um jeito.
Mamãe passa os dedos finos em meu rosto, secando as lágrimas que o encharcam e beija
minha testa demoradamente.
— Não posso perder a senhora, mamãe. — choramingo e quando sinto que todo o choro
vai voltar, ela nega com a cabeça e segura minhas mãos.
— Não, sem choro. Você não vai me perder, eu prometo.
Pela primeira vez, sinto as palavras de minha mãe carregadas de mentiras.
— Agora, pare de chorar, você precisa ir para a RGA.
— Não! — Quase grito e ela me repreende com os olhos. — Não quero sair de perto da
senhora. — falo, em tom de súplica e ela continua balançando a cabeça, negativamente.
— E outra coisa, o Órion ligou para nós, já que não conseguiu falar com você.
Ignorei todas as mensagens e chamadas de Órion. Toda vez que seu nome aparecia no
visor do celular, meu rosto ardia e eu precisava controlar meus impulsos para não descontar toda
a minha raiva e tristeza nele.
— Ele conseguiu marcar o seu retorno com o Dr. Wilkins hoje, às 11h. Então, precisa se
levantar. — Nego com a cabeça e ela me puxa pela mão. — Tome um banho gelado, lave seus
lindos cabelos e venha que eu vou preparar seu café.
— Mas, mamãe…
Por Deus, eu deveria estar deixando o mundo aos seus pés e ela pensando em fazer meu
café.
— Sem discussões, se apresse. Estou te esperando na cozinha.
Minha mãe deixa mais um beijo em minha testa e sai do quarto, me deixando sozinha
com todas as minhas confusões, com todos os meus medos, com todos os monstros que
decidiram sair de baixo da minha cama.
Eu sempre corria para o quarto dos meus pais, apavorada pelos monstros que estavam nas
histórias dos meninos da minha classe. Mamãe sempre falava que a luz dos nossos corações
afasta todo e qualquer mal que possa nos afetar. Saber que posso perdê-la fez com que meus
últimos resquícios de luz se apagassem, aproximando todos os monstros e demônios que se
esconderam no meu quarto por anos.
Agora não sei como fugir deles.
Atendo ao pedido da minha mãe e me levanto, mas apenas coloco minhas roupas da
RGA, escovo meus dentes e prendo os cabelos num rabo de cavalo desastroso. Não há vontade
de cantar no banho, ou cuidar dos meus cabelos, não existe vontade de limpar meu rosto e
maquiá-lo, como faço toda manhã.
Não há vontade.
Porém, na cozinha, mamãe ainda exibe seu sorriso. Seu vestido rosa, florido, balança
conforme ela prepara minhas panquecas favoritas. Seus cabelos, mesmo levemente acinzentados,
balançam de um lado para o outro enquanto ela cantarola a música que vem do rádio.
Como ela consegue?
Escondo minhas mãos trêmulas no bolso do moletom e ela franze as sobrancelhas, me
repreendendo.
— Íris Coleman, você demora cerca de trinta minutos quando toma banho e lava seus
preciosos cabelos. Dez minutos jamais foram suficientes. — ela diz, colocando as panquecas no
prato, e em seguida, à minha frente.
— Estou bem assim, mamãe.
Não estou bem, mamãe. Não me deixe, por favor! Meu subconsciente grita, me deixando
tonta.
— Vou ficar aqui até você comer. Depois, você vai para a RGA e vai ter a sua sessão de
fisioterapia, certo? — Dou de ombros, me forçando a comer um pedaço da panqueca. —
Querida, quero que viva sua vida normalmente.
— Como, mamãe? — grito. — Como se a senhora está morrendo!
Verbalizar tal coisa é tão doloroso que minha garganta reclama no momento exato em
que as palavras saem dela. Dói ainda mais quando ela não nega o fato.
— Nós daremos um jeito, Íris! — ela diz, tão alto que eu. — Pode não ser hoje, mas nós
daremos. Pode vir aqui a hora que quiser, essa casa é sua, mas você não vai parar a sua vida!
— Eu não sei como será a vida sem a senhora. Se existirá vida. — confesso, engolindo
mais um pedaço da panqueca com todas as lágrimas que ela não me deixa libertar.
— Não pense assim. Não agora. — Sua voz suaviza e ela toca meu rosto. — Termine de
comer e vá. Depois, se quiser, volte.
— Eu vou voltar.

Aperto o volante com força quando estaciono na frente da clínica. Mais uma lágrima cai e
eu preciso secá-la rapidamente para impedir que outras a acompanhem. Sinto que até mesmo
desaprendi a andar, minhas pernas amolecem quando piso no chão, indo além do que senti
durante a lesão.
É medo, angústia. As forças se esvaem lentamente, não consigo agarrá-las com meus
dedos frágeis.
Do outro lado do estacionamento, Órion apaga seu cigarro e avança na minha direção.
Aproveito de seus passos lentos para engolir o choro e tentar disfarçar a minha vontade de gritar
pedidos de socorro.
— Coleman? Está tudo bem? — Assinto, fechando a porta.
Olhá-lo foi uma péssima decisão. Suas sobrancelhas desenhadas estão franzidas, as mãos
estão em seus bolsos e os olhos fixos em meu rosto, me analisando. Depois de receber as notícias
sobre minha mãe, esqueci dos motivos que me deixaram com raiva e me fizeram ignorar suas
mensagens.
A raiva se tornou banal e mesmo que eu não consiga olhá-lo sem ver a imagem da moça,
tudo o que sinto é uma imensa vontade de implorar para que ele me pegue no colo e me leve para
uma outra dimensão. Para uma das galáxias que ele fala, ou para dentro dos contos de mitologia
onde poderíamos lidar com tudo isso.
— Tem certeza? Está com dor? — Ele toca meu ombro e eu recuo.
Certo, talvez eu não tenha esquecido totalmente.
— Não, eu estou bem. Podemos ir logo? — pergunto, desesperada para voltar para casa e
ele assente, indicando o caminho.
Escondo as mãos nos bolsos, já que ele já havia reparado que minha ansiedade reflete no
movimento dos meus dedos.
Imaginei que não conseguiria voltar a um hospital, com traumas da cirurgia e de todo
tormento, mas agora, sentindo o cheiro horrível e o ar gelado, tudo o que sinto é pavor do que
pode acontecer a minha mãe. Meus medos anteriores se tornaram grãos de areia perto do que
sinto ao pensar nela.
Deixo que Órion fale com a recepcionista enquanto tento controlar as vozes em minha
mente, doutrinando-as para se calarem para que eu consiga fingir que está tudo bem. Eu achava
que era especialista nisso, de uns tempos para cá, tudo o que faço é demonstrar medo e dor.
Tudo o que eu sabia sobre mim se tornou uma mentira.
Não precisamos esperar muito, já que depois de passar todas as nossas informações,
somos chamados e eu o sigo até entrarmos no consultório do Dr. Wilkins. Órion parece me
observar a todo minuto e a expressão de incerteza não deixa seu rosto.
— Senhorita Coleman, Senhor Sparks, como é bom vê-los! E sem as muletas! — ele
exclama e eu forço o meu melhor sorriso, me sentando na cadeira à sua frente. — E então, como
estamos?
— Sem dores e andando. — respondo, rapidamente.
— Estou realmente impressionado.
— Como pediu, viemos para saber se Íris já pode retornar aos treinos. — Órion pergunta,
parecendo entusiasmado.
— Mas, é claro! Vou examiná-la, certo? — ele diz, apontando para a maca e eu assinto.
Me levanto e vou até ela rapidamente, me deitando. Do outro lado da sala, Órion se
levanta e cruza os braços, com os olhos fixos nas massagens feitas pelo médico em meu joelho.
Ele ordena que eu o movimente, passa breves exercícios e eu apenas obedeço, sentindo que cada
ato meu está em modo automático, meu cérebro não tenta entender as ordens, apenas as
obedecem.
Se meu joelho está frágil, eu sequer consigo sentir.
Vejo o médico passar as orientações para Órion, com um imenso sorriso no rosto, mas
sua voz parece inaudível, seus movimentos parecem estar em câmera lenta e eu sinto que vou
desmaiar a qualquer momento.
O único momento em que consigo entendê-lo, é quando ele segura minhas mãos e olha
fixo em meu rosto.
— Então, você pode retornar aos treinos, mas de forma leve, certo? — Assinto. — E
mantenha as sessões de fisioterapia por mais dois meses.
Seriam os últimos dois meses lidando com a confusão que Órion fez, mas agora, com ele
fixo na equipe, sinto que nunca mais vou me livrar dele e de seus olhos desconfiados.
— Muito obrigada, Doutor! — Agradeço, vendo-o anotar coisas rapidamente.
— Retorne no fim do segundo mês, ok? Preciso saber se devo ou não te liberar para ir a
Paris.
O Dr. Wilkins continua falando com Órion, enquanto eu me obrigo a manter os olhos
fixos em um único ponto. Desejo ignorar todo e qualquer objeto que me faça imaginar minha
mãe em um quarto de hospital, com máquinas e tubos. Ignoro tudo o que me faça pensar que
depois, posso nunca mais vê-la.
Tento esquecer do medo, mas meu peito parece que vai explodir.
Mesmo que nossa visita tenha sido proveitosa, e que Órion esteja guardando diversos
papéis em sua bolsa, me sinto uma completa inútil ali. Sinto que meu corpo está em órbita e que
meus sentidos não funcionam direito. Tudo o que vejo é minha mãe chorando, sua revelação
ecoa em minha mente várias vezes, como um disco arranhado que não posso me livrar.
Quando finalmente deixo o hospital e tento me esconder dentro do meu carro, Órion me
puxa pelo braço e me faz estar tão perto a ponto de quase implorar por um abraço.
— O que está acontecendo, Coleman? — ele pergunta, me fazendo bufar.
— Nada, eu preciso ir. Pode me soltar?
— Esperava que você fosse sair daqui pulando de alegria, agora parece que está em um
velório.
Velório. Quase dou um sorriso irônico.
— Por que não respondeu às minhas mensagens? — Dou de ombros.
— Porque eu estava ocupada.
— Mentirosa.
— Acredite no que quiser, não preciso te dar explicações. — Menciono me afastar, mas
ele me puxa novamente.
— Você não está bem. — ele resmunga, ainda me estudando, tentando encontrar algo.
Escondo meu medo atrás da raiva que senti dele. — Por que não me respondeu?
— Porque eu não quis, Sparks! E você? Por que não me respondeu? — Ele solta meu
braço e recua. Seu rosto se transforma em algo que não consigo decifrar. — Responda, Sparks!
— exijo, sentindo todos os meus sentimentos se tornarem fúria. — Por que não respondeu às
minhas mensagens? Por que não olhou na minha cara a porra do dia todo?
— Não grite comigo, Coleman!
— Por que fugiu da RGA ao invés de ser sincero comigo e dizer que tem outra pessoa?
Por que não adivinha que, ao invés de estar gritando com você, estou sofrendo e preciso
de você?
— Também não te devo explicações, então não tem direito de gritar dessa forma e me
cobrar algo que não foi além de alguns beijos!
Prendo a respiração.
— Foi exatamente por isso que não quis que essa merda acontecesse, porque sabia que
você ia misturar as coisas! — ele esbraveja, me fazendo recuar ainda mais, tornando a vontade
de chorar ainda mais difícil de conter.
— Então, por que está se achando no direito de me cobrar algo? De segurar meu braço
dessa forma e exigir que eu te responda? Se isso — aponto para nós — não é nada, por que ainda
está aqui me ouvindo?
— Está assim por ciúmes? — ele resmunga, me fazendo morder o interior da bochecha
para não desabar.
Estou assim porque minha mãe está morrendo e eu estou definhando.
— Olha, Sparks, nós não temos nada, mas eu tenho direito de sentir incômodo, depois de
passar a semana toda te beijando pelos cantos. Eu sou humana, Órion! Ou você esqueceu disso
porque não tem a porra de um coração?
Uma lágrima escorre e eu seco rapidamente.
— Está chorando, Coleman? — ele questiona, desacreditado. — Por isso?
Estou chorando porque minha vida está desmoronando, Sparks.
— Você é a porra de um egoísta arrogante que acha que o mundo gira ao seu redor! —
grito, e as lágrimas escorrem ainda mais. — Se em algum momento eu achei que teríamos algo,
já esqueci. Me lembrei que você não consegue enxergar além da barreira que você construiu por
covardia! — Seco meu rosto com pressa e suspiro para conseguir falar. — Essa conversa
terminou, Sparks. Agora, me deixe em paz!
Ela sempre disse a si mesma que ela poderia fazer isso
Que sem nenhuma ajuda ela se sairia muito bem
Mas quando ficou difícil ela perdeu seu foco
Então pegue minha mão e vai continuar bem
A Little Too Much — Shawn Mendes

Me apoio no cotovelo mais uma vez, observando Íris através da parede de vidro.
Minha versão egocêntrica tenta me convencer de que estou diante de uma menina
mimada que não sabe diferenciar simples beijos de um namoro. Por outro lado, a versão criada
por Íris me faz acreditar que ela é apenas intensa demais, ou que existe mais alguma coisa que
esteja a deixando tão dispersa.
Por mais sensível que seja, é quase inacreditável pensar que ela está tão desconcentrada e
desanimada apenas por minha causa. Ainda assim, a forma com que ela me enfrentou, gritou e
expressou sua raiva, ainda me deixa com dúvidas.
Íris ainda parece uma grande incógnita para mim, principalmente quando tudo que ela
mais desejava era voltar pros treinos, e agora ela sequer tenta concluir um salto.
Ela não tentou uma vez sequer, nem mesmo ontem. Íris se sentou na arquibancada
quando chegou, recebeu abraços apertados de Lya e assistiu ao treino. Quando chamei-as para a
sessão, Íris fez os exercícios em completo silêncio, com os olhos vagos, a respiração acelerada
antes mesmo de começar. Ela saiu no mesmo silêncio que entrou, e as meninas pareciam tão
confusas quanto eu.
Agora, ela se alonga lentamente. Tão lentamente que parece não querer estar aqui.
— Não tem nada para fazer? — A voz de Lya me faz dar um salto. Minha irmã se
aproxima e cruza os braços, levando o olhar para Íris.
A loira se livra do moletom, ficando com sua roupa de treino e se senta para se equipar.
Tão lentamente que dói.
— O que você tanto olha? — ela pergunta, franzindo as sobrancelhas.
O maldito olhar herdado de Noelle. O olhar que antecede a pergunta na qual ela já sabe a
resposta.
— Nada, só estou achando que a Coleman está estranha. Estou preocupado com seu
desempenho, ela sequer tentou, parece com medo. — confesso. Lya dá um longo e demorado
suspiro antes de se apoiar em seus cotovelos, ficando na minha direção.
— A mãe de Íris está doente. Muito doente.
Arregalo os olhos.
— Mas o que ela tem, Alya? — pergunto, deixando transparecer o desespero.
— Não sei ao certo, Íris não está bem o suficiente para dar detalhes. — Minha irmã diz,
mas seu semblante me diz que não é algo simples. — É câncer. Ela não consegue falar sem cair
no choro.
Rapidamente tudo o que aconteceu no dia anterior vem à tona, me deixando tonto. Íris já
estava desnorteada quando chegou, os cabelos não estavam penteados, a roupa era a mesma que
usava um dia antes. Parecia que ela ia chorar a qualquer momento.
Quando a puxei pelo braço, seus olhos pareciam querer me dizer algo que minha
arrogância não me permitia entender. Ao invés de ciúmes, seus olhos castanhos e avermelhados
indicavam um sofrimento que algo tão banal não seria capaz de causar. Não a ela.
Agora entendo como ela deixou a raiva crescer o suficiente para desabafar sobre o que
aconteceu. Íris sempre esconde o pior de si atrás de algo fútil, e dessa vez, ela escondeu suas
feridas atrás de um ciúmes que certamente, agora não significa mais nada.
Tudo o que falei e todas as suas reações se repetem em minha mente, num looping
infinito e torturante que faz a culpa pesar em meus ombros. O medo de me render e tentar me
redimir, me fez chegar ao ponto de eu não enxergar o quão magoada ela está.
Mesmo a odiando, sempre reparei na forma com que a vida parecia mais leve em suas
mãos. Ontem, não percebi quando seus olhos solares se afundaram em uma imensidão noturna,
um céu nublado, sem estrelas.
Tenebroso.
E é por isso que ela não consegue correr sem tropeçar nas próprias pernas e seus olhos
estão tão distantes. Com certeza, está em completo silêncio porque, se começar a falar, irá
chorar. Dessa vez, Íris está falhando em esconder que algo está errado, já que aparentemente,
todos perceberam.
— Mas em que estágio está? Ela está fazendo algum tratamento? E Íris? — pergunto, tão
desesperado que Alya me encara, desconfiada.
— Órion, qual parte do “Íris não está bem o suficiente para dar detalhes” você não
entendeu? Qual o motivo de tanto desespero?
— Gosto da Senhora Coleman. Esqueceu que consigo sentir o mínimo de consideração
por outra pessoa? — Lya apenas balança a cabeça negativamente.
— Às vezes esqueço.
Lya me deixa sozinho e eu me sento em minha cadeira, tentando encontrar uma brecha
que me faça convencer Íris a, pelo menos, me olhar. Por Deus, ela deve estar me odiando como
nunca.
Se em algum momento eu achei que teríamos algo, já esqueci. Me lembrei que você não
consegue enxergar além da barreira que você construiu por covardia!
Ela grita em minha mente. Por Deus, ela poderia ter me contado! Poderia ter me feito
calar a boca, poderia ter chorado e eu a pegaria no colo e tentaria dar um jeito de curar toda a sua
dor. Eu não teria sido o grande babaca que ajudou a quebrar seu coração já despedaçado.
Agora, diante da minha idiotice e de tudo o que Íris tenta esconder, percebo que o que
sinto por Íris está se tornando muito maior e mais intenso do que eu imaginava. Tão intenso que
me faz sentir que eu poderia arrancá-la dessa academia apenas para cuidar de suas feridas, e que
eu poderia virar o mundo de cabeça para baixo apenas para fazer com que ela volte a brilhar.
Ergo o olhar mais uma vez em busca dela e me surpreendo quando nossos olhares se
encontram. Ela paralisa, apenas seus ombros se mexem com a sua respiração agitada. Alguns
fios de seus cabelos loiros caem em seu rosto e ela os afasta rapidamente, antes de puxar o ar e
soltá-lo lentamente.
Íris alinha o corpo e ergue os braços, preparando-se para correr. Seus olhos estão fixos
em mim enquanto ela corre e seus primeiros saltos mortais são seguros, mas ao tentar dar um
giro duplo no ar, ela se desequilibra e cai sentada no tapete.
Seus cabelos se soltam e ela bufa, frustrada. Seu olhar se torna mais triste ao perceber que
ainda a assisto.
Ela definitivamente não é a mesma, e ainda que eu não tenha sido o motivo para toda a
sua dor, sinto que ela pode não me perdoar.
O rosto de Noelle invade minhas lembranças, assim como o céu estrelado de Salt Lake
City. Eu ainda era uma criança quando ela falava sobre as estrelas, eu era pequeno demais para
entender seus conselhos disfarçados de astronomia.
Mamãe me contou sobre a Alpha Orionis, uma das estrelas mais brilhantes da
Constelação de Órion, era mais um dia em que ela usava de toda a sua profundidade para me dar
belas aulas de astronomia. Às vezes eu acreditava que ela tratava as estrelas como humanos.
Naquele dia, ela me disse que a Alpha Orionis é uma supergigante vermelha, que pode
ser facilmente vista daqui de baixo e que, em breve, se tornaria uma supernova.
— Infelizmente, minha pequena constelação, todos nós estamos fadados à perda do que
amamos, é doloroso e causa uma grande explosão. Nem sempre é culpa nossa, às vezes, são
apenas ações do destino, mas diferente do gigante Órion lá em cima, podemos cuidar para que
não aconteça conosco. Devemos ser cuidadosos, atenciosos e manter o coração aberto para a
dor do outro. O cuidado é a maior prova de amor que existe. — Dessa vez, é a voz de Noelle
que me atormenta. — Já aquela constelação lá em cima está condenada a perder sua estrela
mais brilhante. Para sempre.
Olho através do vidro e, mais uma vez, me deparo com mais uma queda de Íris. Ela cobre
o rosto antes de se levantar e correr na direção de Neil, que abraça seus ombros e a leva para
longe.
Eu cresci e achava que essas analogias não faziam o menor sentido, já que nunca senti
que tivesse algo a perder a ponto de ampliar o vazio que já existia em mim. Não havia nada em
minha vida que deixasse o que sobrou da minha sanidade em risco.
Nada parecia me tirar o chão.
Agora, vendo Íris prestes a cair no choro, me dou conta que minha Alpha Orionis sempre
esteve aqui, bem na minha frente. Brilhante como uma supergigante, dourada e infinita. Tão
fascinante e quase intocável.
Ela está se perdendo dentro de si e cada centímetro do meu corpo dói ao assisti-la indo
embora.
Eu recuei por achar que não podia sentir e agora descubro que estou sentindo demais. Eu
tinha medo de tê-la e agora, assim como o Gigante Órion, sinto que estou destinado a perder a
minha estrela mais brilhante e que era a única que havia sobrevivido dentro da minha galáxia
caótica.
Arrisco mais uma vez.
— Continue apenas andando, Coleman. — Neil avisa. — Sem acrobacias, nada. Apenas
mantenha-se de pé.
Quase dou risada.
Nessa madrugada, acordei com meu pai indo na direção da cozinha. Fui discreta em ficar
atrás da porta e pude ouvir que minha mãe estava vomitando. Chorei em silêncio até que as luzes
se apagaram, mas não consegui pegar no sono. Sinto que a qualquer momento, as paredes da
minha vida irão desmoronar.
Já não consigo me manter de pé com tanta facilidade.
Chego na outra ponta da trave e giro no meu próprio eixo para fazer o caminho de volta,
mas antes mesmo de chegar na metade, perco o equilíbrio e caio do outro lado. Meus olhos se
enchem d’água em frustração.
Há alguns dias, imaginei que meu retorno fosse ser complicado, mas feliz. Eu estaria
totalmente focada em dar o meu melhor e não desistiria mesmo que ocorressem as quedas.
Sempre soube que não seria fácil, só não imaginei que nem mesmo conseguiria me concentrar
nos meus atos.
Estou a todo momento temendo a morte da minha mãe.
Pensar nisso me faz chorar e nesse momento, não consigo controlar, nem mesmo sou
capaz de me levantar para me esconder. Minhas pernas pesam, meus ombros se curvam e minha
visão se torna um grande borrão.
— Íris, querida, o que está acontecendo? — Neil pergunta e apenas com a proximidade
de sua voz em meu ouvido eu percebo que ele está me envolvendo em seus braços. — Venha,
venha comigo.
Ele me ajuda a levantar e em passos arrastados, nós atravessamos o ginásio. Meus ossos
parecem ranger, meus músculos reclamam de cada movimento. Estou à beira de um desmaio, ou
de uma explosão. Uma grande catástrofe que me fará perder tudo o que tenho.
Neil me ajuda a sentar na cadeira e se abaixa ao meu lado, secando minhas lágrimas.
— Querida, fale comigo. O que está acontecendo?
— Minha mãe está morrendo, Neil. — desabafo, fazendo-o arregalar os olhos e, no
momento seguinte, se levantar para me abraçar. — Minha mãe está com câncer e em estágio
avançado.
Meu treinador me aperta ainda mais contra si, afagando meus cabelos enquanto sussurra
para que eu me acalme. Mesmo que não encontre soluções, encontro um pouco de conforto aqui.
— Mas, não tem tratamento? Ela nem mesmo vai tentar? Fale comigo. — ele diz,
puxando a cadeira para se sentar. Neil não me solta nem mesmo por um segundo e quando está
de frente para mim, ele enlaça nossos dedos.
— É um tratamento caro, Neil. Os salários dos meus pais não são suficientes e eu
dependo das Olimpíadas para os meus patrocinadores pagarem mais. Já reduziram com a lesão, e
as minhas economias não são suficientes para manter um tratamento até o final. — conto tão
rapidamente que sinto medo de me enrolar com as letras e atropelar as palavras, mas ele parece
me entender.
— Querida, sei que essa situação é desesperadora, mas devia ter me contado, não precisa
guardar isso para você. Sabe que somos uma família. — ele diz, apertando levemente meus
dedos contra os seus.
— Eu preciso dar um jeito, Neil. Voltar a competir antes, não sei…
Ele nega com a cabeça.
— De jeito nenhum. De que adianta você tentar dar um jeito sem segurança nas pernas?
— Dou de ombros e seco as lágrimas. — Faz o seguinte, vá para casa. Para o seu apartamento.
Descanse, se cuide um pouco, ponha seus pensamentos em ordem.
— Mas…
— Sua mãe ficará bem, querida. Você confia em mim? — Faço um sim com a cabeça. —
Nós vamos te ajudar, a sua mãe vai ficar boa.
— Mas e o treino? E Paris? — pergunto, nervosa.
— Um dia não irá te fazer falta. Arrume suas coisas e vá para casa, descanse no fim de
semana. Segunda-feira eu já vou ter um plano. — Tento acalmar minha respiração, inspirando e
expirando lentamente enquanto ele acaricia o dorso da minha mão com o dedão. — Combinado?
Balanço a cabeça.
— Não ouvi nada. — ele diz, apontando para a orelha. Gesto que ele fazia quando nos
perguntava algo e nós não respondíamos quando éramos crianças.
— Combinado. — respondo e logo me jogo em seus braços, tentando fazer com que ele
sinta um pouco da gratidão que consome o peito.
— Agora, vá para casa.
Ele deixa um beijo na minha testa antes de voltar para os treinos.
Me levanto, alinho a postura e respiro fundo três vezes para não me desesperar,
principalmente quando sei que todos irão me olhar. Me dou conta de que perdi todo controle que
eu tinha sob meus sentimentos, já que nunca deixei que soubessem quando algo me afligia.
A diferença é que, se eu perder minha mãe, jamais vou conseguir ser o que sou agora,
serei apenas resquícios.
Abraço meu próprio corpo, mas logo mudo a postura ao me lembrar de um ensinamento
de Sarah.
Perdemos o Mundial diversas vezes para a equipe japonesa. Elas são impiedosas, não só
nos torneios, mas fora deles também. Sarah nunca deixou que saíssemos olhando pro chão,
sempre erguia nossos queixos, alinhava nossos ombros e nos liderava até a saída. Mesmo diante
das provocações e olhares frustrados da torcida.
Uma das poucas coisas boas que me restou de Sarah.
Faço exatamente o que ela falava e antes mesmo de chegar no vestiário, Lya, Ash, Vivian
e Jenni se aproximam. Em silêncio, elas apenas me abraçam forte, uma a uma. Não é preciso
dizer nada para que eu perceba que elas já sabem sobre o assunto, e que elas não me deixarão
sozinha.
Lya é a última. Ela me abraça com ainda mais força e deixa um beijo na minha testa.
— Vai para a casa dos seus pais? — Nego com a cabeça. — Certo, não vou demorar, ok?
Faremos pipoca e chocolate quente.
— Obrigada. — sussurro. — Te amo, Alya.
— Te amo ainda mais. Agora vá descansar.
Corro para o vestiário e me troco com pressa.
Ainda que o choro tenha cessado, minha cabeça ainda dói, meu corpo reclama e minha
alma implora por descanso, o que faz minha urgência para sair aumentar. Depois de vestir o
moletom e prender os cabelos, jogo a bolsa nas costas e corro para fora, me despedindo com
acenos.
Sinto que não pertenço a lugar nenhum.
Não estou pertencendo a mim, deixei que minha vida se perdesse dentro do caos que
minha mente se tornou e eu não consigo encontrar o mapa ou a bússola que vai me fazer
retornar.
— Coleman! — Olho para trás e quando vejo Órion, rolo os olhos e tento me afastar.
Dessa vez, ele é mais rápido e me segura pelo pulso, puxando-me para que eu o olhe.
— Me solta! Eu não quero falar com você, não agora.
— Por favor, me diz como você está, pelo menos. — ele diz, afrouxando o aperto em
minha pele. Recuo um passo e dou de ombros.
— Bem.
— Pequena mentirosa… — ele sussurra, tocando meu rosto, mas eu empurro sua mão.
Parte do meu corpo implora por um abraço, mas a outra me leva ao dia anterior, na frente
da clínica, quando ele vomitou que as duas semanas em que eu achei que estava sendo feliz,
foram um grande nada.
Uma grande invenção da minha mente infantil e iludida, que acreditou que Órion não era
tão ruim assim. Ele é exatamente como eu achei que fosse, eu só demorei demais para acreditar
nisso.
— Acredite no que quiser.
— Eu vi você chorando.
— Todos viram.
Ele assente e avança mais um passo.
— Esse é o problema, você jamais deixaria que vissem.
Merda, ele está certo.
— Não sabe nada sobre mim. — respondo e ele dá um pequeno sorriso.
— Sei mais do que imagina, Coleman.
— Não me importa, eu preciso ir. — Tento fugir, mas ele é mais rápido, de novo, mas
dessa vez, ele me puxa pela cintura. Meu peito colide com o seu e meu corpo esquenta,
confortável. — Me solta, podem nos ver.
— Eu não estou nem aí, Coleman. Quero me desculpar.
— Por que? Por ter sido um arrogante de merda que não pensa antes de magoar alguém?
Ele recua um passo, mas ainda permanece com a mão em minha cintura. Tento não olhá-
lo, já que tudo o que consigo sentir é raiva, mesmo que seus olhos me deixem encantada.
— Exatamente.
— Ok, agora me solta.
— Você devia ter me contado sobre sua mãe. — Bufo, já sabendo que Alya abriu a boca
para o irmão.
— Não te devo satisfações. — repito sua fala e ele rola os olhos.
— Eu quero aju…
— Não misture as coisas, Sparks… — Minha voz soa irônica, deixando-o irritado a ponto
de soltar minha cintura. — Bom, não é?
— Devia ter me falado, nunca teria dito aquilo!
Gargalho, irônica, batendo palmas diante da sua falsa honestidade.
— Ah, que bom, Sparks! Então, se eu tivesse te contado, se eu não fosse a coitadinha que
a mãe está morrendo, você ia continuar fingindo que está envolvido nessa merda? Até quando,
Órion? — o empurro e ele sequer reage. — Até quando?
— Não foi isso que quis dizer.
— Quer saber? Foda-se, eu não estou nem aí! Você disse que isso aqui não é nada, então
vou facilitar a sua vida e sua tentativa de ter um nada. Esqueça o que aconteceu. — grito e ele
prende o ar. — Finja que sou apenas uma ginasta imatura e irritante que você vai ter que aturar
nas sessões. E é só isso! Não me toque mais dessa forma, não me olhe com essa porra de olhos
arrependidos! Voltaremos a ser desconhecidos que se odeiam! — esbravejo, sentindo o sangue
ferver e as lágrimas ardem meus olhos. — Você não vai fazer com que eu me perca ainda mais,
eu já estou ferida o suficiente!
— Não é assim, eu te…
— Eu te odeio! — grito, interrompendo-o e me afasto o mais rápido que posso.
Assim que entro no carro, despejo toda a minha raiva no volante, batendo em seu
estofado até meus pulsos doerem. Sinto vontade de voltar e gritar na sua cara, sinto mais vontade
de voltar e beijá-lo.
Sinto uma vontade maior ainda de fugir para chorar e fingir que Órion foi apenas um
sonho. Eu só não devia ter dormido demais, não a ponto de me acostumar com seu perfume, com
seus beijos, com o carinho e com a falsa crença de que eu o teria se precisasse de aconchego.
No momento em que precisei, Órion me resumiu a nada. Um mísero resquício de poeira
estelar na sua galáxia confusa.
E se nós reescrevermos as estrelas?
Dizer que você foi feita pra ser minha
Nada poderia nos manter separados
Você seria aquela que eu deveria encontrar
Rewrite The Stars — Zac Efron, Zendaya

Os minutos do sábado parecem se arrastar. Sinto que tudo o que acontece é proposital,
para me castigar por algo que ainda não descobri que fiz. Talvez algum carma de outras vidas,
onde eu fiz alguém perder o seu próprio mundo.
Estou pagando por isso, e extremamente caro.
Minha mãe me proibiu de voltar lá até segunda-feira, disse que não posso mais chorar por
ela e que eu devia me esforçar para deixar minha vida no eixo. Como se eu não tivesse chorado
durante toda a noite, me lembrando do que pode estar acontecendo dentro dela.
Ela está sentindo dor? Enjoos? O câncer continua evoluindo?
Mesmo que eu tenha chorado bem menos do que há dois dias, é inevitável não entrar em
desespero quando me dou conta de que ela está gravemente doente, e eu, de mãos atadas.
Lya tentou me consolar, até mesmo dormiu comigo.
Nunca imaginei sentir algo tão doloroso.
Agora, a tarde cai tão lentamente que sinto que o sol nunca vai se pôr. Os ponteiros do
relógio se arrastam, o vento frio entra pela minha janela e faz com que eu me encolha ainda mais.
Recebi mensagens de apoio das minhas amigas e de Neil, que deixou claro que daremos um
jeito.
Alya acordou ao meu lado, preparou nosso café da manhã e repetiu diversas vezes que
estaria comigo para sempre. Quando notei sua vontade de sair para encontrar Vivian, quase a
forcei para fora do apartamento.
Confesso que não queria que ela tivesse ido. Não queria ficar sozinha. Não quando os
monstros que moram embaixo da minha cama decidiram me seguir e acabar com os vestígios da
vida adulta que estou tentando construir.
Abraço meus joelhos contra o tronco e afundo o rosto ali, me forçando a dormir para não
precisar enfrentar o resto do dia.
Meus olhos ardem, meu coração aperta e eu preciso soltar o ar para não sufocar. Nem
mesmo eu aguento todo esse choro, mas quando as cenas assustadoras invadem meus
pensamentos, sinto que perco o controle de mim. Minhas têmporas latejam e tudo o que quero é
chorar.
Como agora, quando meus olhos marejam, mas pisco diversas vezes para afastar as
lágrimas quando a campainha toca.
Escondo o rosto novamente, na esperança de que, seja lá quem for, vá embora. Lya tem a
chave, não precisa tocar a campainha.
Minhas esperanças somem quando toca de novo. Duas vezes seguidas.
Limpo o rosto antes de me render. A campainha toca mais uma vez e logo é seguida de
batidas na porta que me fazem andar mais rápido.
— Já estou indo! — grito e minha voz falha, embargada pelo choro que forço para
dentro.
Abrir a porta certamente foi um erro, já que me deparo com Órion apoiado no batente,
pronto para bater mais uma vez. Um arrepio percorre a espinha, e dessa vez é causada pela raiva
que me faz tentar fechar a porta, mas quando tento, ele a força para dentro, me impedindo.
— Íris…
— Saia!
— Não! — Ele empurra a porta mais uma vez, batendo-a atrás de si ao invadir o
apartamento. Minhas pernas bambeiam à medida que ele se aproxima. — Você vai me ouvir!
— Eu não quero ouvir nada! — Avanço até ele, batendo em seu peito para afastá-lo e
liberto toda a dor na força em dos meus punhos contra ele. — Vai embora!
Órion não reage, apenas deixa que eu desabafe e na medida que soco seu peito, o choro
me consome até que não consigo controlar mais. Ele segura meus punhos com cuidado e me
puxa para si.
— Íris, para! — ele pede, apertando meus pulsos, mas meu corpo se agita e a vontade de
fazê-lo sumir é ainda maior.
Ao mesmo tempo que, tudo o que quero, é a porra do seu abraço.
— Sai do meu apartamento! — grito, me desvencilhando das suas mãos para tentar
empurrá-lo. — Me deixa em paz, por favor. — O grito se torna choro, em tom de súplica e
desespero.
Tento empurrá-lo mais uma vez, mas ele é mais rápido em segurar meus braços com uma
única mão, me pressionando contra a parede. Seus olhos são tudo que enxergo, já que ele se
inclina o suficiente para que sua testa toque a minha.
— Íris Julianne Coleman, — Órion segura meu rosto, acariciando-o com os polegares —
eu vou ficar, vou cuidar de você e não há nada que você possa fazer. Nada vai me tirar daqui,
nem a sua teimosia. Entendeu?
Assinto. Os olhos de Órion brilham na direção da luz solar dourada, que ressalta todos os
traços esverdeados, como se desenhassem um caminho para mim.
— Você não precisa fugir, eu estou aqui para suportar isso com você, loirinha. — Engulo
em seco. — Não se esconda, não de mim.
Suas palavras são como o estopim para eu desabar. Acreditei ter libertado toda a dor em
dois dias de um choro incessante, acreditei que tudo o que eu sentia já não era mais segredo por
não conseguir disfarçar.
Quando olho para ele mais uma vez, uma válvula se abre para que eu me liberte da dor.
Medos que são muito maiores do que imaginei, dores ainda mais insuportáveis. O perfume e o
toque de Órion são os responsáveis por libertá-los, e talvez, por me salvar.
Ele ainda segura meus pulsos quando meus joelhos cedem e um grito dolorido escapa da
minha garganta. Pressiono os olhos com tanta força que minhas pálpebras doem, meu peito se
expande para acomodar mais ar e eu não consigo impedir que ele me pegue em seu colo.
Apenas me encolho em seu peito, soluçando tão alto que ouço o eco em meu
apartamento. Ele sussurra palavras de consolo enquanto me aperta e eu despejo todas as minhas
angústias.
Atropelo tudo o que tento dizer, desabafo mesmo que nem mesmo eu entenda. Órion fica
em silêncio, mas acaricia meus cabelos e me olha com atenção.
Em seu olhar azul, encontro uma forma de acalmar as vozes que me magoam.
Quando o choro cessa, ele acaricia meu rosto, secando-o com cuidado. Cada ato seu é
silencioso e lento, como se não pudesse falhar em seus movimentos. O som de sua respiração
intensa se mistura à ofegância da minha e ao vento que aumenta do lado de fora.
— Tudo bem? — ele pergunta, ajeitando meu corpo em seu colo. Ele ainda acaricia
minha perna com a mão livre.
Nego com a cabeça e ele beija a minha testa. Me sinto minúscula e permito que ele me
envolva por completo.
— Consegue me contar sobre sua mãe?
Assinto e suspiro, tentando encontrar minha voz.
— Ela está com câncer de mama, mas, aparentemente, já está se espalhando… — falo,
tentando não fraquejar.
Desde que mamãe me contou e que meu pai explicou a gravidade, não consegui
verbalizar, tentando evitar que a dor fosse ainda maior.
— Ela está começando a sentir falta de ar, muita fraqueza… Já tossiu sangue. — Respiro
fundo, buscando coragem para continuar falando. — Meu pai é contador, mas o salário não é tão
bom, porque a empresa não é tão grande… Minha mãe, óbvio, parou de trabalhar.
Órion me escuta com atenção, com os olhos fixos em meu rosto e depois de tanto tempo
ao seu lado, relatando minhas dores e meu estado físico, reconheço o olhar. O olhar de quem está
anotando cada palavra em sua memória.
— E você sabe, os patrocinadores diminuíram os investimentos por causa da minha lesão,
eu não estou competindo… — Dou de ombros, ignorando o quanto isso ainda me magoa. — Não
sei como iremos pagar tudo isso. Ela ainda precisa de alguns exames, precisa fazer a
quimioterapia, todo o tratamento, cirurgia… Órion, eu estou em desespero! — choramingo,
cobrindo o meu rosto, mas ele puxa minhas mãos e gruda sua testa na minha.
— Me deixa te ajudar? — Franzo o cenho.
— Eu queria poder fazer isso sozinha, mas não tenho escolha… Estou sem saída.
— Não tem mesmo, loirinha. Que bom que decidiu não ser teimosa, achei que teria que
discutir com você. — ele diz, esboçando um pequeno sorriso.
Dou um gritinho assustado quando ele me ergue em seu colo e com cuidado, me acomoda
no sofá. Quando Órion se abaixa e me beija rapidamente, me sinto segura.
— Pode esperar aqui?
— Por quê? — questiono e ele revira os olhos.
— Me espere. Aqui. Quieta. — ele explica, pausadamente, do seu jeito irritante que me
deixa feliz.
Assinto sob seu olhar repreendedor e ele dá um beijo em minha testa antes de ir na
direção da minha pequena varanda. Ele fecha a porta de vidro e pega o celular em seu bolso.
Milhares de possibilidades passam em minha mente e mesmo que as partículas do meu
corpo orgulhoso reclamem por estar deixando Órion se envolver, me sinto aliviada ao conseguir
enxergar um pingo de esperança em Órion e em suas promessas.
Meu corpo treme, ansioso com a sua demora. Longos e demorados minutos se passam e
ele anda de um lado pro outro e fala sem parar, me dando uma imensa vontade de me levantar e
mesmo fraca, correr até lá para entender o que está fazendo.
Me contenho quando ele desliga a ligação, mas bufo quando ele começa a digitar
rapidamente. Assisto cada movimento seu, a espera pelo que parece ser uma resposta, os dedos
agitados, o andar rápido e quando ele para e se apoia na grade da varanda, seu pé continua
batendo no chão, agitado. Nervoso, talvez.
Quando ele finalmente abre a porta, prendo a respiração e me ponho de joelhos no sofá.
Órion tem um sorriso nascendo em seus lábios e se aproxima forçando um suspense que
me deixa nervosa. Ainda em silêncio, ele se senta no sofá e pega minhas mãos, apoiando-as em
minha coxa.
— Fala logo, Órion! — Quase grito e seu sorriso se expande. Ele solta uma das minhas
mãos para colocar uma das mechas do meu cabelo atrás da orelha.
— Certo, eu falei com meu pai. — Franzo o cenho. — E com meu padrinho, que é
oncologista.
Meu coração acelera tão forte que sinto as pulsações em todos os cantos do meu corpo.
— Ele vai cuidar da sua mãe. Vamos até lá amanhã para levá-la até eles.
Órion irá até seu pai?
— Você jura, Órion?
— É claro, Coleman! Não brincaria com isso, é baixo até mesmo para mim. — Assinto,
concordando com ele e tentando esconder o sorriso. — Não precisa se preocupar com nada, ok?
Sei que sua cabecinha está trabalhando freneticamente agora.
E ele está certo. Tento pensar em formas de pagar tudo o que será feito, cada centavo,
cada minuto do tratamento, cada segundo da vida da minha mãe. Cada vez em que vou conseguir
respirar, um pouco mais aliviada.
— Meu pai precisa servir para alguma coisa, hum? — ele pergunta e sem conseguir
encontrar a resposta certa para tantas informações, apenas me lanço em seu abraço, apertando-o
com força.
Ele retribui imediatamente, envolvendo minhas costas.
— Obrigada, Órion! Meu Deus, obrigada, obrigada, obrigada! — repito diversas vezes
contra seu pescoço, agarrando sua camisa para que ele não escape. — Eu prometo que vou
ganhar as Olimpíadas e vou devolver cada centavo.
Órion me afasta do seu abraço e me ergue o suficiente para me acomodar em seu colo.
Minhas pernas envolvem seu quadril.
— Cale a boca, loirinha. — Ele leva o indicador aos meus lábios. — Você vai ganhar
porque é boa, mas vai ficar despreocupada. Vamos levá-la e tudo vai se resolver. O tratamento é
difícil, vai ser um caminho árduo, mas vai dar certo.
— Promete?
— É claro. Meu padrinho é um dos melhores do país. Logo, a Senhora Coleman vai estar
boa.
Sorrio, agarrando-me em sua esperança, até que isso se concretize. Órion também sorri,
satisfeito, orgulhoso e incrivelmente lindo.
— Preciso contar para el…
— Não! — ele me interrompe, prendendo o meu corpo contra o seu. — Vamos contar
amanhã.
— E por que?
— Eu quero estar presente, não posso? — ele pergunta, me fazendo cerrar os olhos,
fingindo desconfiança.
— Você quer que minha mãe caia no seu papinho, não é, Sparks? — pergunto e ele
tomba a cabeça para trás, gargalhando. Suas mãos tocam minha cintura e eu tento esquecer o
contato para não perder o foco.
— Pode até ser…
— Está fazendo isso para ganhar mais pontos… — cantarolo, provocando-o, mesmo
sabendo que ele está fazendo porque é bom.
Existe sinceridade em cada uma das suas ações e mesmo que eu não saiba como tudo isso
surgiu, me sinto satisfeita e não contesto. Apenas aceito.
— É claro que sim, quero todos os pontos para mim. — ele sussurra e beija minha mão.
— E ela deve se acostumar com a minha presença. — Ele me encara com todo azul profundo dos
seus olhos.
— Como assim? — Franzo o cenho e ele me puxa para perto, colando meu peito no seu.
Seu rosto está perigosamente perto.
Sinto o cheiro do seu perfume cítrico, do seu hálito de menta e sua respiração quente
colide com meu rosto.
— Não pretendo deixar que se afaste de mim de novo, loirinha. — ele sussurra contra
meus lábios antes de atacá-los, arrancando minhas palavras, meu ar e meu medo.
Tento empurrá-lo para respondê-lo, mas ele agarra em meus cabelos e o aperto faz com
que meu corpo se recuse a parar com o toque. Sinto espasmos e arrepios que acabam com meus
argumentos e me deixam em estado de êxtase. Cedo ao seu toque, fincando as unhas em seus
ombros cobertos pela camisa.
— Órion… — suspiro contra sua boca, empurrando-o ao me lembrar da moça que estava
na garupa da sua moto. Meu corpo arde, mas ignoro.
Ele resmunga em reprovação quando me afasto.
— E a…
— Victoria? — ele logo entende e eu assinto. Um sorriso presunçoso nasce em seus
lábios, me deixando ainda mais irritada, mas estranhamente trêmula. — Victoria é a minha
melhor amiga, nada além disso. Por favor, depois conversamos sobre isso… — ele reclama,
apertando os olhos.
— Mas…
— Coleman, — Órion segura firme em meu rosto, prendendo os olhos nos meus. — eu
só quero você. Pode calar a boca e voltar a me beijar?
Reviro os olhos, mas cedo ao seu pedido e o ataco com toda força que consigo,
prendendo-o entre minhas pernas e mordendo sua boca. Ele geme entre o beijo e aperta minha
cintura.
Suas mãos me exploram e eu deixo que ele me toque onde quiser, que morda meu lábio,
que aperte e puxe meus cabelos, e acabe com a minha aflição.
Meu quadril se move involuntariamente, mas logo repito o ato quando o sinto crescer
abaixo de mim. O short que uso por baixo da camisa permite que eu sinta o atrito dos tecidos
com afinco e a sensação faz escapar um gemido. Órion intensifica cada um dos seus atos.
Ele é veloz, suas mãos se movem tão rapidamente que sequer consigo acompanhá-lo, e
em movimentos ágeis, ele arranca a camisa de mim e me encara. Reúno o que restou das minhas
forças e do meu foco para agarrar em seus cabelos curtos, puxando-os até que seus olhos estejam
grudados nos meus.
Existe algo em Órion que o torna atraente de modo que o faz irresistível. Há magia em
seus olhos, feitiços estão disfarçados de palavras. Ele é hipnotizante. Há simetria em seu rosto,
até mesmo a cor de seus olhos parece única, como se a aquarela tivesse sido feita apenas para
colorir suas orbes.
Meus olhos caem em seus lábios, avermelhados, úmidos e inchados. Sem se mover, sem
proferir qualquer som, sinto-o me chamar.
Tudo se encaixa tão perfeitamente que sinto que poderia admirá-lo por horas, mas quando
sua boca se curva em sorriso perverso, perco os poucos vestígios de timidez que me restavam
para rebolar em seu colo mais uma vez. Seu sorriso se torna maior e ele fecha os olhos,
libertando um suspiro. O som atinge meu ventre, fazendo-o contrair.
A cena é tão obscena que deveria ser proibida.
Quando finalmente tiro sua camisa, arranho seu abdômen com força, acompanhando cada
movimento das minhas unhas pelas suas tatuagens. Órion geme, rouco e perverso, e me ergue
com facilidade, usando um braço para me sustentar.
Indico o caminho para o quarto, sentindo-o soltar meu sutiã com extrema facilidade.
Sempre tive dificuldades em lidar com a minha nudez, a timidez nunca me permitiu
concretizar qualquer ato sexual com todas as luzes acesas. Dessa vez, o desespero por alívio não
me permite impedi-lo de jogar o sutiã pela sala e pressionar as minhas costas contra o vidro da
janela.
Não me importo se, do outro lado, alguém consegue nos ver. Apenas deixo que ele me
tome, tudo o que quero é que ele continue. Que me toque, me arranque o que resta das minhas
roupas e que esteja em todos os lugares do meu corpo.
Todos os minutos em que o odiei somem da minha memória, dando lugar às lembranças
de todos os dias em que me senti irritantemente atraída por todos os seus atos. Por cada beijo que
me deu, por cada promessa que fez quando o provoquei.
Ele se abaixa o suficiente para ficar na altura dos meus seios, ainda sustentando meu
corpo com seus braços. Órion está tão perto que sua respiração quente faz minha pele arrepiar e
quando sinto sua língua contra minha pele sensível, me desfaço em seu colo, fazendo com que
ele precise me segurar com mais força.
Um gemido arrastado soa por todo o apartamento.
Sua língua se movimenta lentamente, e suga na mesma intensidade, provando o que
consegue da minha pele, me torturando deliciosamente. Ele ergue o olhar enquanto traça um
caminho lento pelo vão dos meus seios, me fazendo pressionar seu corpo contra o meu, em
desespero por mais contato.
Eu preciso de mais. Preciso que ele acabe com essa maldita tortura, que ele finalmente
acabe com meses de uma vontade que eu tentei negar. A verdade é que meu corpo sempre reagiu
a seus atos, e que não precisaria muito para que eu me rendesse.
Órion me encara com luxúria, os olhos flamejam na minha direção, mas existe algo a
mais que me desconcerta e faz com que eu o abrace para esconder o rosto em seu pescoço.
Seu perfume está ainda mais intenso do que consigo me lembrar. A urgência por ele faz
com que coisas comuns se tornem muito maiores, como o seu cheiro e o toque em minha bunda,
duro e impiedoso.
Deixo um beijo em seu pescoço enquanto ele me carrega para o meu quarto. Agarro-o
como se dependesse da proximidade, como se estivesse com todo um universo em minhas mãos.
Deixo que ele me arraste para sua imensidão escura enquanto ele me acomoda entre os
travesseiros, perdendo os resquícios de cuidado que ainda restava.
Ele se afasta apenas para me olhar, e assim como seus olhos memorizam meu corpo,
aproveito da distância para admirá-lo. Cada desenho cobrindo sua pele branca, as fases da lua
traçando uma linha pela sua barriga, os ramos em seu pescoço, a serpente em sua coxa se faz
presente quando ele finalmente abaixa sua calça. O deus Atlas contorna seu braço, assim como
todos os traços indecifráveis que formam uma única obra de arte. A arte mais bonita e
pecaminosa que admirei.
Me disponho a decifrar cada um dos seus pecados.
Seus olhos continuam presos em mim, causando um rubor nada tímido em minhas
bochechas quentes. Não é timidez, é um ardor inexplicável que me faz apertar as coxas.
Estou tão molhada que a calcinha se torna desconfortável.
Seus olhos traçam caminhos lentos pelo meu rosto, seios, barriga e quando alcançam o
short, ele morde o lábio e se inclina para beijar meu quadril.
É suficiente para que eu sinta arrepios em minha derme. Ele ateia fogo em minha pele
com as pontas dos dedos, à medida que deixa beijos na região sensível, e abaixa o short devagar,
me deixando ansiosa e trêmula. Órion arrasta minha calcinha pelas minhas pernas com tanta
lentidão que o tesão se mistura com a ansiedade, até se tornar uma raiva que me faz chutar o
tecido fino e pequeno para longe, causando um sorriso no maldito que se põe entre minhas
pernas.
Ele me deixa sem nada, ao mesmo tempo que me entrega tanto que sinto o peito expandir
para recebê-lo.
Sensações inexplicáveis tomam meu baixo ventre, o sorriso que Órion esboça antes de
finalmente se abaixar entre minhas pernas faz minhas células se agitarem. Partes quebradas se
reconstroem, seu olhar quebra a barreira de um sentimento carnal, evolui para algo que não
consigo nomear. Ele não verbaliza, mas me arrebata por completo.
— Você é tão linda, loirinha… — ele resmunga, fincando os dedos em minhas coxas
para abrir minhas pernas.
A ponta dos seus dedos toca meu sexo encharcado e eu me esfrego contra eles,
desesperada por mais contato. Órion fecha os olhos e morde o lábio, me sentindo escorrer em
seus dedos.
Órion distribui beijos lentos no interior das minhas coxas e, sem aviso, sinto seus dedos
me invadindo lentamente, o movimento é quase imperceptível e seus olhos me contam que ele
está dedicado em me torturar.
Os últimos e alaranjados raios de sol que entram iluminam sua pele, evidenciando as
estrelas tatuadas em suas costas, e os movimentos intensos dos seus músculos fortes. É
hipnotizante, artístico. Quase irreal. E faz com que eu me desfaça com mais facilidade.
Meus dedos enrolam no lençol quando sinto sua respiração quente na minha boceta. Ele
ergue o olhar — já que percebeu o que essas malditas orbes azuis podem me causar — e passa a
língua tão lentamente que meu corpo cede no colchão.
Seus olhos são o reflexo da obscenidade, da devassidão. É como estar diante de um deus
desenhado por Afrodite. Órion seria a personificação da sensualidade pelos olhos da deusa do
amor, ela deixou ali todo o seu encanto e a porra do feitiço que me faz amolecer a cada ato. E
que me faz ser dele. Apenas dele.
Um gemido se arrasta pela minha garganta, soando preguiçoso, demorado e se tornando
interminável à medida que ele beija e suga as dobras encharcadas.
Ele demora ali, lambendo e chupando o que consegue, devorando cada centímetro de
mim, me tomando em uma eternidade deliciosa. O lençol abaixo de mim se torna úmido, meus
pecados escorrem pelas minhas coxas e ele lambe cada resquício. Os gemidos se tornam orações
para que faça mais, para que ele seja rápido em me tomar por completo.
Seu nome escorre da minha boca em gemidos e súplicas que ecoam pelas paredes do meu
quarto. Ele atende cada um dos meus pedidos e faz meu corpo convulsionar quando seus dedos
voltam a me tocar, mas com mais força, mais afinco. A intensidade faz meu corpo se erguer no
colchão, pressionando-me contra sua boca. Seguro em seus cabelos em busca de mais, e ele
responde, puxando meus quadris e gemendo contra minha pele.
— Órion, por favor… — choramingo, puxando seu cabelo e ele empurra meu corpo no
colchão, me mantendo imóvel. Apenas minhas unhas apertam seus fios, impedindo-o de parar.
— Eu não aguento mais…
Cubro o rosto com as duas mãos para abafar os gemidos que se tornaram altos demais,
mas uma mordida exageradamente forte em minha coxa me faz gritar.
— Não cubra seus gemidos. — ele ordena, me repreendendo com os olhos. Minha
excitação escorre pela sua boca e isso me faz estremecer. — Quero ouvi-los, cada um deles. —
Órion acaricia minha boceta com dois dedos enquanto me provoca com o olhar.
Revido a mordida, apertando ainda mais forte em seus cabelos, fazendo-o reclamar.
— Então, cale a boca e continue com o que estava fazendo.
Órion obedece e minha força se esvai quando sua língua me invade. Já não é mais
cuidadoso, é bruto e deliciosamente doloroso. Seus dedos apertam minha pele com tanta força,
que certamente irá deixar marcas daqui a algumas horas.
Meu corpo treme no colchão. As reações do meu corpo são tão intensas que se tornam
incontroláveis, perco o domínio dos meus atos e me desmancho em um orgasmo avassalador.
Ele limpa os cantos da boca com a porra de um sorriso satisfeito nos lábios, enquanto eu
me esforço para alcançar a gaveta onde guardo os preservativos. Ele se diverte com a minha
fraqueza e se põe em cima de mim.
Aproveito da proximidade para beijá-lo, lentamente, fazendo seu corpo relaxar com meu
toque. Reúno o que restou das minhas forças para envolver sua cintura com as pernas, arrastando
a cueca para baixo, em um único movimento que o faz rir contra minha boca.
Sua risada se torna gemido quando ponho a mão no vão entre nossos corpos e tomo em
minha mão. Órion arfa e morde meu ombro.
Filho da puta.
Não hesito em movimentar a mão para cima e para baixo, sentindo a carne quente do seu
pau contra meus dedos, me deleitando com cada um dos seus gemidos abafados pelo meu
pescoço. Mesmo com o pequeno espaço entre nós, me dedico a tocá-lo apenas para assisti-lo
enfraquecer.
— Porra, chega, Íris... — ele resmunga, tentando puxar a minha mão, mas quando passo a
língua em seu lábio, ele cede e apenas sustenta seu peso acima do meu corpo. Seus dentes
prendem minha pele novamente.
— Você vai me deixar toda marcada. — sussurro contra seu ouvido e ele ergue a cabeça
para me olhar.
Em questão de segundos, minhas mãos estão unidas acima da minha cabeça, presas por
uma de suas mãos. Órion se inclina e captura meu lábio inferior com os dentes, me fazendo
gemer alto novamente. Desgraçado.
— Essa é a intenção, loirinha… Assim todos vão saber que você foi muito bem fodida.
E ele vence. Mais uma vez.
Não discuto ou faço qualquer coisa que o impeça de terminar o que começou. Apenas o
assisto alcançar a gaveta e tirar de lá um dos preservativos. Tão rápido quanto antes, ele abre a
embalagem e a coloca, se pondo entre minhas pernas novamente.
— Merda, eu preciso de você… — Deixo escapar e ele resmunga em aprovação,
enquanto me preenche lentamente, me fazendo apertar os olhos.
Ele geme em alívio e o som se torna único quando minha boca se abre para que mais de
mim se liberte. Órion toma tudo o que consegue, reivindica cada centímetro de mim e eu não me
oponho.
Seus olhos me dizem que ele sabe que preciso dele, indo além de algo sexual, e ele
responde a isso, mesmo que silenciosamente.
Forço meu corpo contra o seu e ele entende a minha necessidade. Seus olhos se tornam
ainda mais escuros e cintilantes, chamas envolvem o azul de suas orbes. Órion levanta o corpo
para segurar na cabeceira da cama com uma das mãos e intensifica os movimentos. É brutal,
animalesco, me arranca gritos e faz a madeira da cama colidir com a parede.
O suor faz meus cabelos grudarem em minha testa e ele os afasta apenas para me beijar.
Seus olhos exploram os meus em seguida, enquanto nossos corpos se tornam um.
Encontro uma imensidão de mistérios e me disponho a desvendar todos eles, e deixo que ele
enxergue tudo de mim.
— Órion… Oh, meu Deus… — Cada vez que seu nome atravessa meus lábios, sinto-o
mais fundo dentro de mim. E é por isso que repito tantas vezes que minha boca vicia em proferir
seu maldito nome.
— Olhe para mim, Coleman. — Ele manda e eu abro os olhos para enxergá-lo. Seus
lábios entreabertos libertam sons abafados e roucos, grunhidos que me fazem estremecer. Seus
olhos me alcançam até o lugar mais profundo de mim.
— Fique comigo… — suplico entre os gemidos, envolvendo sua cintura com as minhas
pernas. Órion segura meu corpo, me erguendo até colar meu peito contra o seu.
Seguro em seu pescoço e o beijo. Ele nos sustenta no centro da cama, os últimos raios
solares do dia se tornam tão quentes que minha pele arde. Quando meu corpo cede, Órion me
segura com toda força que consegue, me mantendo em seu corpo enquanto estoca dentro de mim
com força.
Ele desconta em mim todos os meses de tensão que pairava entre nós e alivia todas as
minhas angústias.
Quando ele segura firme em meus cabelos, meus olhos prendem nos seus.
— Eu estou aqui, loirinha… — ele geme e esconde o rosto em meu pescoço. — E não
vou a lugar nenhum. — ele diz, com a voz carregada de promessas nas quais me agarro antes de
finalmente alcançar meu extremo.
Contrações angustiantes estremecem minhas pernas e a força dos seus dedos em minha
pele me mostram que ele está tão perto quanto eu. Quando já não consigo mais me mover, ele me
segura com cuidado e me acomoda no colchão, levantando-se para se livrar do preservativo.
Tento encontrar o eixo que vai me despertar, mas meu corpo está tão amolecido que tudo que
consigo fazer é abraçar o travesseiro e me encolher na cama, à espera dele.
Órion cobre meu corpo e se deita ao meu lado. Ele beija meus lábios, minha bochecha e
enlaça as pernas nas minhas. Não há sinais de malícia, nossos corpos nus se tocam em cada
centímetro e o que sinto é segurança.
Devo agradecer pela ajuda, mas minha voz não sai. Devo dizer o que sinto, mas quando
tento, minha garganta dói. Ainda o admiro à minha frente, com os olhos fechados e os lábios
entreabertos para libertar a respiração que ainda está levemente ofegante.
Meu corpo exausto se move apenas para me aproximar ainda mais e quando minha testa
toca a sua, ele dá um pequeno sorriso.
— Ponto para mim, Coleman. — ele sussurra e eu reviro os olhos, mencionando me
afastar, mas ele me puxa com força e beija meus lábios com cuidado.
— Você é irritante, Sparks. Mesmo depois de me foder, você não consegue ser razoável.
— resmungo e ele ri.
— Ser irritante é a qualidade que me fez tirar suas roupas. — ele sussurra, ainda de olhos
fechados.
— Não, é porque você é gostoso. Se o único motivo fosse ser irritante, eu já teria jogado
você daqui de cima. — falo e ele finalmente abre os olhos.
— Então, você só quis se aproveitar do meu corpo? — Órion finge estar ofendido e
arregala os olhos quando assinto.
— E pretendo me aproveitar muito mais… — sussurro e o beijo rapidamente.
— Certo, eu aceito. — Ele balança os ombros e me abraça novamente. Meu corpo
exausto implora por alguns minutos de sono, mas quando fecho os olhos, ele balança meus
ombros. — Acorda.
— O quê?
— Precisamos conversar. — ele diz, me fazendo franzir o cenho. — Victoria estará na
clínica amanhã. Ela é filha do meu padrinho.
Solto o ar, tentando manter o equilíbrio.
— Você a beijou.
— Ela não sabia sobre nós, e eu fui um babaca.
— Finalmente admitiu. — Fecho os olhos de novo.
— Tudo bem?
— Você não vai conseguir acabar com a minha paz de espírito, Sparks. Mesmo que eu
esteja tentada a te matar. — resmungo, sentindo o sono ser maior do que suas tentativas de me
provocar. — Cale a boca, por favor.
— Estava apenas fazendo um teste para saber se ainda é a minha Íris.
Abro os olhos ao ouvi-lo falar.
— Acha que só porque transamos vou te deixar vencer nesse jogo? Pelo contrário, agora
nós começamos de verdade. — pergunto, sonolenta. — Depois me resolvo com você, agora cale
a porra da boca e me deixe dormir.
Órion beija meus cabelos e abraça minha cintura quando me viro de costas. Há dias que
não dormia, agora a cama parece mais quente e confortável, o medo já não parece tão grande.
Pelo menos não maior do que nós.
Venha comigo e não fique com medo
Eu só quero te libertar
Você e eu conseguimos ir para qualquer lugar
Por agora, podemos ficar aqui um pouco
Porque você sabe, quero ver seu sorriso
One Call Away — Charlie Puth

Existe uma definição por Platão chamada Amor Eros, está dentro dos conceitos e
definições de amor, e essa sempre foi a favorita da minha mãe. Esse é o conceito geral para
amor, como algo divino, sem necessidade de atração física. No mito de Eros e Psiquê, a moça se
apaixona pelo deus antes mesmo de ver sua verdadeira face.
Na mesma linha de pensamento, Freud definiu o amor platônico de Eros como o desejo
de viver e amar, indo além do desejo sexual. Noelle dizia que, segundo Platão, o Amor Eros
ajuda a alma a se lembrar da beleza em sua forma mais pura.
Depois de tantas coisas que enfrentamos, passei a acreditar que tal teoria, assim como
todas as outras, eram uma grande loucura, uma mentira, ou apenas uma coisa que pessoas como
nós, Sparks, jamais conseguiríamos sentir por completo. Não intensamente, não
verdadeiramente.
Agora, enquanto espero Íris descer, penso que falta mais uma definição para o Amor
Eros: Qualquer coisa ligada a essa porra de teoria pode virar a vida de uma pessoa de ponta
cabeça.
E isso fica ainda mais nítido quando Coleman atravessa a porta de ferro do seu prédio e
abre um sorriso ao me ver. Os cabelos estão presos num rabo de cavalo, deixando à mostra uma
pequena marca roxa.
Ah, a marca foi feita por mim. É heresia mas, graças a Deus por isso. Íris certamente não
viu e, bom, não serei eu quem irá mostrar.
O sol ilumina cada centímetro do seu rosto, como se a natureza estivesse agindo para
deixá-la incrivelmente linda, com uma única intenção: me deixar confuso.
— Oi. — ela diz, tímida. Parece não saber como agir, em dúvida se avança ou não. Ela
esconde as mãos atrás do corpo e as bochechas se tornam avermelhadas.
Céus, ela é adorável.
Quase suspiro, mas apenas agarro no cós da sua calça de moletom, puxando-a para mim e
arrancando um gritinho assustado que me faz rir.
Ontem, enquanto eu a beijava e tocava cada centímetro do seu corpo perfeito, ela me
encarava com malícia, com audácia e poder. Eu a toquei, senti cada pequeno lugar do seu corpo,
mas no fim, ela me teve em suas mãos. Ela implorava por mais e me arranhava para me alcançar
onde podia.
Agora, suas bochechas ruborizadas exibem o extremo da sua timidez.
Estou mesmo fodido.
— Oi, loirinha. — falo, antes de beijar seus lábios. Ela sorri contra a minha boca e
milhares de fogos de artifício explodem em meu peito, mesmo sem a minha permissão.
Merda, merda, merda.
— Pronta?
Ela assente, mostrando ânimo.
Depois de apagar completamente ao seu lado no dia anterior, acordei no meio da noite
com uma ligação de Victoria, perguntando se tudo tinha acontecido como o planejado.
Claro que a ideia de falar com meu padrinho foi minha, mas relutei muito antes de
finalmente tomar uma atitude. Falar com meu padrinho significa falar com meu pai, já que nada
na clínica acontece sem que ele saiba.
Victoria me ameaçou de todas as formas, como se fosse um bom jeito de me motivar a
finalmente fazer a ligação. Ela falou que jogaria meus maços de cigarro pela janela, disse que
levaria Bella com ela — isso jamais funcionaria, minha cadela nunca me deixaria, por isso não
me preocupei — e por fim, ela me lembrou de que Íris estava sofrendo. Descreveu toda a
situação que ela pode enfrentar.
A porra do meu orgulho me fez esquecer o que pode acontecer a Olivia. Até mesmo eu
ficaria arrasado. Senti como se tivesse indo para a forca enquanto discava o número de Vincent e
do outro lado do telefone, ele pareceu estranhamente surpreso.
Deve ter se lembrado que tem um filho.
Não fiquei surpreso pelo fato dele ter topado. Meu pai pode ser um grande otário com a
família, mas faz o possível para que a vida de alguém seja priorizada. Ele disse para eu passar o
caso para meu padrinho e eu desliguei sem deixar que ele se despedisse.
Teria um infarto se ouvisse mais um segundo da sua voz.
Enquanto Íris coloca o capacete e sobe na garupa da moto, tento entender que porra a
loira fez para que eu voltasse atrás na maior decisão da minha vida: Nunca mais falar com
Vincent.
Tento esconder o nervosismo em estar cara a cara com ele ainda essa tarde e quase
prendo a respiração quando Íris abraça minha cintura. Dou partida na moto e um pequeno sorriso
surge em meus lábios quando ela aperta ainda mais os braços ao meu redor.
Consigo imaginar Íris pressionando os olhos atrás do capacete à medida que aumento a
velocidade, rasgando o caminho pelos carros. Ao mesmo tempo que sei que ela sorriu ao passar
pela praia de Miami.
Eros, vá se foder.
Psiquê se apaixonou antes mesmo de ver seu rosto à luz da vela. Meu coração parece sair
pela boca ao imaginar cada reação de Íris. Sem ao menos conseguir vê-la, sinto o coração pulsar
na garganta.
Cada uma das batidas pertencentes a ela.
Ela não soltou o aperto em minha camisa até estacionarmos na frente da casa de seus
pais. Ouço a garota suspirar atrás de mim, os dedos ainda fincados no tecido e estremecidos,
mostrando sua ansiedade.
Apenas tiro o capacete, apoiando-o na moto e enlaço nossas mãos. Ela ainda me segura e
eu tento acalmar a sua ansiedade.
— Tudo bem?
Ela respira fundo e finalmente desce da moto, tirando o capacete e arrumando os fios
loiros soltos ao redor do seu rosto. Íris força um sorriso e assente.
Sigo a loira até a porta, tentando descobrir como justificar para Olivia toda a minha
ajuda. Ao meu lado, Íris parece tão nervosa quanto eu e me obriga a dar um pequeno tapa em
suas mãos, para que ela pare de mexer os dedos daquela forma.
— Se acalme, são notícias boas. — falo e ela dá de ombros.
— Eu sei, mas estou nervosa mesmo assim. Tem sido difícil vê-la sem cair no choro. —
ela confessa, hesitando em pôr a mão na maçaneta. — Mesmo sabendo que ela vai ser bem
cuidada, eu estou apavorada.
Antes que eu consiga respondê-la, ela abre a porta e me puxa para dentro, chamando por
seus pais. Quando Arnold aparece em seu campo de visão, ela solta meu pulso e arfa.
— Filha, oi! — Ele a abraça e abre um sorriso surpreso ao me ver. — Que surpresa em
vê-lo, Sparks.
Arnold estende a mão para mim e eu a aperto, estranhamente nervoso.
— Bom dia, Senhor Coleman.
— Papai, nós precisamos conversar. — Íris engole em seco antes de dizer. Arnold franze
o cenho, revezando o olhar entre nós dois. — Onde está a mamãe?
Não demora para que a Senhora Coleman surja e eu me pergunto como não reparei em
seu estado, mesmo a vendo constantemente durante as sessões de Íris. Ela está nitidamente mais
magra, os olhos fundos e o olhar lento, até mesmo sua pele está pálida, mas ainda assim, ela sorri
como de costume e abraça a filha.
Íris aperta sua mãe contra si e eu consigo vê-la fechar os olhos, parecendo aliviada por
estar dentro do abraço da mãe. Isso me conforta de uma forma que nunca imaginei.
— Que surpresa vocês por aqui! Ainda mais tão cedo. — ela diz, se afastando de Íris e se
aproximando de mim para tocar meu rosto.
Os dedos estão ainda mais finos, mas o toque permanece caloroso e me faz sorrir.
— Querido, como está? — Olivia pergunta, me abraçando antes que eu responda.
— Estou bem, Senhora Coleman.
— Quando vai largar a formalidade? Já falei para me chamar de Olivia.
— E então? O que é tão importante que traz vocês aqui antes das dez da manhã? —
Arnold aponta para o sofá, onde me sento ao lado de Íris, tentado a segurar sua mão.
— Mamãe, Órion irá nos ajudar. — Íris é objetiva e pronuncia cada palavra com ânimo.
Arnold, sentado no braço da poltrona, arregala os olhos e me encara, confuso. Ao seu
lado, acomodada na poltrona, Olivia apenas franze as sobrancelhas e empurra o corpo para
frente, curiosa.
— Como assim, filha?
Íris direciona o olhar desesperado para mim, pedindo ajuda silenciosamente.
— Então, Senhora… Olivia… — me corrijo quando ela semicerra os olhos — Minha
irmã e eu soubemos da situação, Íris contou para ela e logo, ela me contou.
Olivia assente, me ouvindo com atenção.
— E nosso pai é médico na Sparks-Caldwell. — Arnold parece prender a respiração. —
Na verdade, ele é o dono.
Dessa vez, Arnold arregala os olhos. Sempre a mesma reação.
— Meu padrinho é a parte Caldwell — dou um sorriso — e é oncologista. Nós nos
unimos para tomar todas as providências necessárias para seu tratamento.
Olivia leva as mãos à boca, tão surpresa quanto o seu marido, que abraça seus ombros
com um sorriso nos lábios.
— Sabemos que o tratamento é caro, e que nem mesmo os patrocínios de Íris seriam
suficientes, mas também temos grande apreço pela senhora e vocês são importantes para —
respiro fundo, hesitante — a minha irmã.
— Órion, céus, como podemos retribuir? Pagar por tudo isso? — Arnold pergunta,
ansioso.
— Não se preocupem com isso, certo? O mais importante é irmos na clínica hoje para dar
início ao tratamento o quanto antes.
— Como não nos preocupar, Órion? Sabemos que é muito dinheiro! — Olivia se levanta,
lentamente e eu a imito, me aproximando para pegar sua mão.
— Não se preocupe, garanto que isso não fará falta para meu padrinho, muito menos para
o meu pai. Todos concordaram de prontidão, Olivia! O que importa é que a senhora fique bem
agora.
Olivia me pega de surpresa, me apertando em seu abraço. Quente e acolhedor como todos
os outros, mas dessa vez, há gratidão e alívio no toque de seus braços, mesmo que eles estejam
nitidamente fracos. Retribuo o abraço, sentindo-a soluçar contra meu ombro.
— Não sei como agradecer, querido. — ela exclama, ainda abraçada a mim.
Abro os olhos, me deparando com Íris abraçada ao pai, com os olhos castanhos molhados
e os lábios pressionados.
— Obrigada. — Vejo seus lábios se moverem, em completo silêncio, mas de forma que
meu coração consegue ouvir com clareza e acelera tanto que o sinto em todo o meu corpo.

Estaciono na frente da Sparks-Caldwell Memorial, sentindo um nó na garganta em pensar


que prometi a mim mesmo que só entraria aqui se estivesse morrendo e sem direito de escolha.
Passei dois anos tentando esquecer do rosto do meu pai, de sua voz e tudo o que seja relacionado
a ele.
Agora estou aqui, esperando que Íris e sua família saiam do carro para encontrar Vincent
e Richard.
Lanço uma bala de menta na boca para tentar afastar o cheiro do cigarro e aliviar um
pouco da ansiedade que me faz suar frio. Enfrentar Vincent sempre resultou em crises de pânico.
Mãos suadas, corpo trêmulo, ar escasso, náuseas. Um grande misto de medo e raiva que deram
lugar a preocupação com a vida de Olivia.
Como eu pude deixar que isso acontecesse?
— Pronto? — Íris me arranca dos meus devaneios, como se pudesse responder a pergunta
que meu subconsciente gritou dentro da minha cabeça.
Merda, ela é a resposta. Ultimamente, Íris tem sido a resposta para todas as minhas
perguntas, e isso parece estar me matando.
Ao lado de Íris, Arnold segura o braço de Olivia gentilmente. Os dois sorriem na minha
direção.
— Ei, tudo bem? — A loira toca meu braço quando seus pais se afastam o suficiente para
não nos ouvir. Ela franze o cenho, preocupada, e me analisa em busca de respostas que não posso
dar. — Alya já me falou sobre a relação de vocês com seu pai… Tem cer…
— Não se preocupe, certo? — falo, tocando seu rosto.
Lya também nunca quis falar sobre nosso pai, não é à toa que nem usa seu sobrenome.
Me surpreende saber que Íris sabe sobre parte dos nossos problemas, ao mesmo tempo que me
faz entender o porquê o receio de enfrentar Vincent se torna menor quando ela está por perto. Ela
alivia a angustia, faz sumir o medo. Não sei como ela consegue essa porra, mas é tão bom que
me obriga a aceitá-la.
Guio os Colemans para dentro do hospital e arfo quando o rosto de meu padrinho é o que
vejo ao olhar para os lados. No corredor esquerdo, analisando alguma ficha dada pela
enfermeira, meu padrinho parece concentrado, mas ao me ver, ele abre um grande e
inconfundível sorriso. Idêntico ao que vejo no rosto de Victoria, que está logo atrás dele,
vestindo um jaleco, com os cabelos cacheados presos.
Eles são extremamente parecidos, apesar do tom da pele de Vick ser um pouco mais
claro. Vick também herdou a simpatia do meu padrinho. Por outro lado, Apolo herdou tudo o
que havia da minha madrinha. A pele branca, os olhos claros, a arrogância, a chatice.
— Órion, meu filho! — ele exclama, abrindo os braços. — Quase não acreditei quando
Vincent disse que viria.
— Oi, padrinho. — resmungo quando ele me abraça e dá tapinhas em minhas costas.
Sinto um pouco mais de segurança em meio ao caos.
— Como está, garoto? Não faz ideia do quanto sinto a sua falta! — Richard exclama,
ainda apertando meus ombros e me analisando.
Assim como meu pai, faz dois anos que não o encontro pessoalmente. Não existiu nada
além de breves trocas de mensagens, apenas para garantir que estou vivo. Meu padrinho é o
espelho de minha mãe, assim como Vincent e Emelie, minha madrinha, parecem ser a mesma
pessoa.
Frios, arrogantes e infernais.
— E vocês devem ser os Colemans! — Ele direciona o olhar para a família ao meu lado e
os três assentem, cumprimentando um a um com apertos de mão. — Eu sou Richard e essa é
minha filha, Victoria.
Minha melhor amiga expande os lábios em um sorriso. Assim como eu, Vick se
transforma quando está em seu ambiente de trabalho. Aquele sorriso é algo raro, mas tão sincero
que esquenta o peito.
— É um prazer, Doutor Caldwell. Sou Olivia, esse é meu marido Arnold e nossa filha
Íris.
Richard alterna o olhar entre eu e Íris, e dá um pequeno sorriso.
— Que bom que estão aqui! — Victoria exclama, animada e nitidamente orgulhosa.
— Sejam bem vindos! Podem me acompanhar, vamos esperar por Vincent no meu
consultório. — Richard toca as costas de Olivia, indicando o caminho para o casal.
— Fico feliz em te conhecer, Íris. — Vick estende a mão para Íris, que abre seu melhor
sorriso e aperta a mão da minha melhor amiga. — E espero mesmo que tudo dê certo para sua
mãe, a ideia de trazê-la até aqui foi minha. — ela sussurra para Íris, que sorri ainda mais e
assente.
Rolo os olhos.
— Ah, eu tinha certeza disso. — A loira responde e eu arregalo os olhos. — Também
estou feliz em te conhecer, Victoria.
— Me chame de Vick. — ela logo avisa e Íris assente. — Espero poder saber mais de
você em breve, mas agora preciso ir. Depois me contem as novidades.
Vick age como se conhecesse Íris há anos, que mesmo um pouco incomodada, retribui o
carinho e acena um tchau enquanto ela se afasta.
— Tudo bem?
— É claro, por que não estaria? — Sorrio diante da vermelhidão em suas bochechas
cobertas de pequenas e claras sardas.
— E a ideia foi minha. — Deixo claro e ela assente, nada convencida. — Falo sério.
— Eu sei, meu amor.
Sinto que vou desmaiar. Certo, isso soou bem demais vindo dos lábios de Íris.
— Você parece mais nervoso que eu. — ela sussurra e eu aproveito da distração dos
outros para empurrar seu rosto para o lado, levemente, fazendo-a rir. — Está tudo bem?
— Ande logo, Coleman! — Seguro em seus ombros, colocando-a na minha frente para
empurrá-la.
Entramos rapidamente no consultório do meu padrinho. Todas aquelas paredes brancas
fazem meu peito apertar, mesmo que eu tenha passado a maior parte da minha vida em um
hospital. As vozes dos Colemans e do meu padrinho parecem se tornar ruídos e no momento
exato em que Vincent aparece na porta. Estou prestes a vomitar.
Na cara dele.
Ele está exatamente como me lembro. O olhar dissimulado é o mesmo, a surpresa que ele
tenta exibir não me comove, só me deixa com o dobro da raiva. Principalmente quando ele me
analisa da cabeça aos pés. Recuo alguns passos torcendo para ser sugado pela parede. Sinto a
cicatriz quase invisível em meu braço latejar quando ele me toca, tão perto que enxergo os
detalhes de seu rosto.
É como me olhar no espelho. Todas as características encontradas em mim e Lya estão
ali, apesar de Lya ter herdado a cor dourada dos olhos da minha mãe. Encará-lo de perto me faz
lembrar de como me pareço com ele, mesmo tentando fazer com que isso mude todos os dias.
— Como está, filho? — Vincent pergunta, rouco e baixo.
— Vivo.
Meu padrinho parece tentar distrair os Colemans do clima denso que paira no ambiente
no momento em que ficamos cara a cara. Por outro lado, Íris nos olha discretamente.
Vincent continua me encarando, me analisando com cuidado. O desgosto carrega seus
olhos por todo o caminho, mas seu sorriso continua no seu rosto. A raiva consome o sangue em
minhas veias e a angústia parece me deixar sem ar.
— Estou feliz em vê-lo.
— Mentiroso. — rosno, tão impulsivo que até mesmo eu me surpreendo. Ele recua um
passo enquanto eu tento descobrir como respirar. — Estou aqui por eles. Apenas isso.
— Estou feliz mesmo assim.
Eu seria capaz de cuspir na sua cara agora mesmo.
— Está aqui por eles ou por ela? — ele sussurra e eu sinto náuseas. Vincent me força a
apertar a sua mão e me puxa para perto, de modo que meu ombro colide no seu com força. A
proximidade me deixa tonto e tão vulnerável que não me reconheço.
Me sinto minúsculo, fraco demais para reagir.
— Não finja intimidade, Vincent. — sussurro o que minha garganta permite. — Tire suas
mãos de mim e trate do que importa.
Aponto para os Colemans e ele vai na direção dos três, apresentando-se para eles.
— É um prazer, Senhor e Senhora Coleman… — ele diz, apertando as mãos deles.
Quando direciona o olhar e a mão para Íris, ela não esboça nenhuma reação.
— Íris. — ela resmunga seu nome, fazendo-o sorrir.
Cruzo os braços, tentando estar atento ao assunto que flui rapidamente. Olivia dá todos os
detalhes sobre seu estado e mostra os poucos exames feitos. Vincent e Richard analisam com
cuidado e atenção.
Ainda que eu tente memorizar cada uma das etapas ditas por eles, as vozes confundem
minha cabeça, assim como a imagem de Vincent, bem aqui, na minha frente. Não consigo tirar
os olhos dele e de seu maldito profissionalismo.
Tento me lembrar se, em algum momento, quis ser como ele. Em certos momentos da
minha vida, eu quis ser tão fodidamente inteligente e bem sucedido como meu pai.
Ele trata Olivia com gentileza, explica com detalhe e clareza sobre o que será feito. É
simpático com Arnold, fazendo parecer que são amigos há anos.
Ele é assim como todos os seus pacientes, sem exceção. Por um momento, penso que ele
deixa todo o seu coração no hospital, mas ao atravessar as portas de casa, ele se torna oco,
completamente vazio e frio.
Nunca sobrou nada para nós, nem um resquício de seu carinho.
Quando atingi uma certa idade, o que ele tinha para mim eram empurrões, ofensas e
alguns tapas, às vezes. Ele tentou agredir minha irmã uma única vez, e eu o impedi. Para ela,
restou a indiferença e alguns sermões.
— Pode nos acompanhar, Órion? — Olivia pergunta, me fazendo acordar e perceber que
todos estão de pé.
— Pro exame. — Íris me explica brevemente, notando que minha mente não estava no
mesmo lugar.
— É-é claro. Eu posso? — Meu padrinho assente e eu sigo para fora.
Por favor, não veja
Apenas um garoto preso em sonhos em fantasias
Por favor, me veja
Buscando por alguém que não consigo ver
Lost Stars — Adam Levine

Órion atravessa a porta do hospital com rapidez, como se estivesse fugindo de um


monstro. Ele passou a maior parte do tempo pálido, com os olhos distantes, inundado por
distração que me preocupou. Órion não se distrai em momentos como esse, e isso me faz
questionar se deveríamos mesmo ter vindo.
Vi um Órion diferente do que me acostumei no momento em que o Dr. Sparks atravessou
a porta do consultório. Sinto gratidão pelo sacrifício, mas suas reações me assustaram.
Marcamos todos os exames necessários, assim como as consultas. Enquanto nos
afastamos da recepção, ele sussurrou um “depois nos falamos” e quando perguntei se estava tudo
bem, ele apenas disse que sim.
A segurança que Órion sempre me transmitiu — mesmo quando o ódio era predominante
— se desfez e ele parecia um menino revoltado e assustado na mesma proporção.
Fico ali, assistindo-o subir na moto, pôr o capacete e dar partida tão rápido que poucos
segundos foram suficientes para que ele sumisse do meu campo de visão. Céus, como eu
desejava ter ido junto.
Na saída, meus pais ainda falam animadamente com o Dr. Caldwell.
— Ele vai ficar bem. — Me assusto ao ouvir uma voz feminina, e me viro para vê-la.
Victoria aperta o jaleco contra o corpo e cruza os braços. — Ele está fazendo um baita
sacrifício…
— Eu sei. Também sei que o incentivou mesmo a ir até mim, então, obrigada. — digo,
tentando transmitir toda a minha sinceridade, apesar do ciúme.
Quando Órion acordou no meio da noite, me sentei e perguntei se estava tudo bem.
Aproveitei para perguntar sobre Victoria e ele me contou brevemente sobre a relação que eles
têm desde crianças. Depois de me contar, começou a ficar sonolento enquanto eu acariciava seus
cabelos e deixou escapar que ela o incentivou a me procurar.
Sem dar detalhes, Órion também disse que ela enfrentou problemas semelhantes aos dele
com sua mãe, e isso explica o quão parecidos são. Ver o sorriso de Victoria ao meu lado me
deixa sem qualquer dúvida sobre o que ela fez, e sobre como está realmente feliz.
— Disponha. — Ela dá de ombros. — Apenas dê um tempo a ele, a relação com Vincent
é pavorosa.
— A mente dele deve estar uma grande confusão. — resmungo e ela assente. — Me sinto
um pouco culpada.
— Não se sinta assim. Órion faria isso, você querendo ou não. — Balanço a cabeça,
sabendo que é verdade. — Deve saber que, mesmo sendo um otário, ele é capaz de virar o
mundo do avesso pelas pessoas que ele ama.
Sinto o corpo gelar. AMOR?
— Mas fique tranquila, ele vai ficar bem. Nos falamos depois, loirinha. — ela fala meu
apelido, me fazendo sorrir. — Até!
Ela toca meu braço gentilmente e dá uma piscadinha antes de se afastar. Em seguida, seu
pai se despede e entra logo atrás.
Tento imaginar o que está se passando na cabeça de Órion e tudo o que enxergo são
perguntas. O quanto Vincent o magoou? Lya, certamente, não me contou tudo e pela reação de
seu irmão diante do pai, existe algo muito pior e mais doloroso, principalmente quando faz
alguém como Órion fraquejar tão facilmente.
Sigo meus pais até o carro e enlaço os dedos nos da minha mãe, que senta no banco de
trás ao meu lado. Seus dedos estão finos e pálidos, mas quentes e firmes. Minha mãe parece feliz
e ainda que eu esteja extremamente preocupada com Órion, não consigo esconder o quão
aliviada estou em saber que minha mãe será bem cuidada.
O alívio se tornou meu companheiro desde que eles começaram a examiná-la. Mesmo
com a nítida gravidade da doença, o Dr. Caldwell deixou claro que existe cura e mesmo que seja
demorada, não iremos desistir dela. Os exames de imagem foram feitos e já deixamos marcado o
retorno para analisar a possibilidade de uma cirurgia, caso não esteja em estado de metástase.
Chegamos em casa rapidamente e com sorrisos nos rostos. Minha mãe respira fundo com
um semblante satisfeito, como se a inspiração do oxigênio fosse a melhor coisa que ela já sentiu.
Meu pai parece ter entrado numa fortaleza que o protege de todos os medos e perigos do mundo.
E eu me sinto segura. Não há nada que possa descrever melhor do que segurança e uma
pequena certeza de que o anjo da minha vida vai continuar aqui, voando do meu ladinho.
Enxergo no rosto da minha mãe a esperança que eu precisava e beijo seus dedos para que ela
sinta o quanto a amo.
— O que está acontecendo entre você e Órion? — ela acaba com o silêncio, me fazendo
arregalar os olhos em susto.
De onde surgiu essa pergunta?
— Como assim, mãe? Não está acontecendo nada. — minto e ela ergue as sobrancelhas,
nada convencida da minha resposta. Ela se senta no sofá e me puxa junto.
— Íris Julianne Coleman. — Minha mãe profere meu nome com alerta e me puxa para
mais perto quando meu pai some pelas escadas. — Fale a verdade.
— Certo. Nós nos beijamos, mas não foi nada demais.
Meu ventre contrai, me fazendo lembrar da noite anterior, ainda consigo sentir suas mãos
em mim. Meu subconsciente sorri com a mentira.
— Sei… — ela responde, afastando um pouco meu cabelo para olhar meu pescoço. Seu
tom brincalhão me faz franzir as sobrancelhas.
— O quê? — Mamãe apenas balança a cabeça, negativamente.
— Sei que há algo demais nessa história. Órion não teria feito o que fez por nada. — Ela
dá de ombros. — Ok, ele pode gostar de mim, ter um certo apreço, mas há um sentimento muito
maior e não é por mim… — É a minha vez de erguer os ombros, fingindo confusão. — Vi o
desconforto dele com o pai.
— É, a relação dele e de Lya com o pai não é uma das melhores.
— Ele disse que não via o pai há dois anos. — ela diz, me fazendo arregalar os olhos.
Sabia que era muito tempo, mas saber com exatidão me deixa pensativa. — Ele deixou escapar
enquanto esperávamos o exame começar. Céus, ele estava péssimo, precisava desabafar. Órion
sacrificou seu orgulho. Tenho certeza que ele não faria isso se vocês não fossem nada demais. —
ela cantarola e beija minha testa.
— A senhora está me deixando confusa. — falo, forçando um riso enquanto tento
organizar essas informações e os olhares de Órion para mim.
Me lembro de encontrar seu rosto em todas as vezes que senti medo no hospital, ou antes
da cirurgia no joelho. Lembro de sentir segurança o suficiente para pedir socorro com os olhos.
Mesmo me odiando, ele me atendeu. Por obrigação ou não, ele me atendeu.
Hoje, vi em seus olhos azuis, aquele mesmo pedido de socorro, talvez ainda mais intenso.
Notei seu peito subindo e descendo rapidamente, seus dedos trêmulos. Notei tudo isso, meu
corpo parecia implorar pelo toque do seu, um abraço que pudesse aliviar sua aflição. Senti uma
vontade incontrolável de segurar a sua mão e arrancá-lo dali.
Por estar entre tantas outras pessoas, não consegui me mover.
— Como estão os treinos? — minha mãe me pergunta, me tirando dos meus pensamentos
desastrosos.
— Lentos, não sei se vou conseguir progredir… Agora, devo ficar aqui com a sen…
— De jeito nenhum! Você não pode deixar de treinar. — ela me interrompe e segura
minhas mãos. — Agora, vou ser bem cuidada, filha, você não precisa se preocupar tanto. Falta
pouco para as Olimpíadas e eu já estou sabendo que um certo fisioterapeuta vai acompanhar o
time… — ela cantarola, maliciosa e eu reviro os olhos, me levantando.
— Por Deus, mamãe! — exclamo, contendo um sorriso. — Esqueça isso.
Enquanto vou na direção do meu quarto, tiro o celular do bolso e digito uma mensagem
rápida para Órion, me surpreendendo com a resposta que veio logo em seguida, como se ele
estivesse esperando.

Íris: Você está bem, Sparks?


Constelação Favorita: Não.
Constelação Favorita: Mas vou ficar.

Íris: Tem algo que eu possa fazer?


Íris: Posso ir até você, se quiser.

Constelação Favorita: Exista, Coleman.


Constelação Favorita: Apenas exista.

Íris: Estarei bem aqui, amor.


Quando estou longe de você, sinto falta do seu toque
Você é a razão pela qual eu acredito no amor
Tem sido difícil para mim confiar
E eu tenho medo de estragar tudo
Stay — The Kid LAROI (feat. Justin Bieber)

Dois meses antes das Olimpíadas


Faz exatamente uma semana desde que o tratamento da minha mãe começou.
Uma semana desde que, por mensagem, eu implorei para que Órion me deixasse cuidar
dele também.
Continuamos nos agarrando pelos cantos. Todas as vezes em que ele estende nossa sessão
de fisioterapia, trancando a porta da academia, sinto arrepios e meu coração bate tão forte que
sinto que, em algum momento, ele irá sair do peito.
Esse é o meu novo normal.
Visitar minha mãe pelo menos três vezes na semana, intensificar os treinos para as
Olimpíadas, deixar que Órion me beije até ficar sem ar.
Bom, essa é a parte que me mantém viva. A outra parte, me deixa apavorada, já que devo
finalizar um salto carpado sem cair.
Faltam dois meses para as Olimpíadas e eu não consigo pensar em tentar um salto duplo,
já que os simples são suficientes para me aterrorizar, e são poucos os que consigo completar com
perfeição.
Me sento no tapete para recuperar o ar. O ginásio está completamente vazio e silencioso,
já que, nesse exato momento, está acontecendo um dos campeonatos regionais e todos foram até
lá para assistir, ou competir. Fiz questão de continuar tentando, minhas amigas precisarão mais
de mim em Paris.
Cada minuto que passa faz com que eu me arrependa dessa decisão, já que de todas as
tentativas, consigo contar nos dedos quantas concluí sem desabar. E eu já estou aqui há mais de
três horas.
As manchas do pó de magnésio se recusam a sair, meus pulmões imploram por um pouco
de descanso, meus pulsos reclamam do esforço. Sinto cada minuto aqui sendo desperdiçado,
completamente improdutivos.
Eu estava disposta a tentar até conseguir, impus para mim mesma que não deixaria o
ginásio até concluir um salto duplo, mas sinto que foram apenas blefes e que ainda vai demorar
para que eu consiga voltar ao meu normal.
Já tive outras lesões. Sempre tomei iniciativa em tentar voltar aos treinos e mesmo que
demorasse, eu conseguia tentar várias e várias vezes com a porra de um sorriso no rosto.
Agora, encarar as barras e pensar em ficar de pé na trave me assusta. Órion sempre fala
que tive uma lesão comum entre atletas, mas em muitos anos de Ginástica Artística, eu nunca
senti uma dor parecida, muito menos medo.
O ginásio nunca me assustou, agora eu estremeço a cada passo aqui.
Se antes eu já acreditava que eu demoraria para conseguir alcançar a perfeição, agora
parece quase impossível.
Eu era feita da ginástica, e agora, sem conseguir saltar, sinto que estou me desfazendo.
— Mais uma vez. — sussurro para mim mesma, me forçando a levantar, alongando os
tornozelos.
Me posiciono na ponta do colchão. Puxo o ar com toda força que consigo, fechando os
olhos para me concentrar, e o liberto lentamente, abrindo os olhos para encontrar meu ponto de
equilíbrio. Fixo o olhar na sala de fisioterapia vazia e escura antes de começar a correr, pisando
com firmeza a cada passo.
Lanço meu corpo para frente, emendando uma sequência de quatro flic-flacs[4], mas no
movimento seguinte, ao iniciar o salto carpado, o medo me puxa para baixo e eu caio de costas
no colchão.
A gravidade se torna ainda maior e eu sinto que o ar se esvai aos poucos.
— INFERNO! — grito, batendo os pés.
— Sabia que te encontraria aqui. — A voz de Órion me faz arfar, assustada e quando me
viro, me deparo com ele com os braços cruzados, encostado no batente da entrada do ginásio.
— Que susto, Sparks! — reclamo, levando as mãos ao peito. Ele sorri e finalmente
avança. — Há quanto tempo está aqui?
— Tempo suficiente para ver que você está com medo.
Desvio o olhar dele, mesmo sabendo que ele está certo. As cenas do dia em que meu
joelho falhou se repetem todas as vezes que tento. O medo de acontecer algo ainda pior me
impede de concluir um salto que, há um tempo atrás, era fácil para mim.
— Não estou não. — falo, fazendo-o dar uma risada nasalada que me irrita. Órion se
senta na ponta do colchão, me olhando de baixo com seu maldito olhar convencido. — Como
soube que estaria aqui?
— Todos estão no Ginásio Municipal, você não me mandou nada sobre a sua mãe…
Sumiu por mais de três horas. Imaginei que estaria aqui. Tentando.
— É, eu estou tentando. — Repito seu tom, quase me largando no tapete novamente em
desistência.
— Olha, eu entendo seu medo, mas você já evoluiu muito. Seus músculos estão se
fortalecendo cada dia mais, você não sente mais nenhuma dor — assinto — e nenhum dos
aparelhos da academia te incomodam. Até seu equilíbrio na trave já melhorou. O que falta para
você conseguir o salto?
— Coragem. — respondo, rapidamente e sem sentir vergonha de admitir. Pelo menos,
não para ele.
Órion tira os sapatos e sobe no colchão.
Sem se importar com o pó de magnésio em minhas mãos e braços, ele segura meus dedos
e enlaça nos seus.
— Você tem coragem o suficiente, Íris. Caso contrário não estaria aqui. — ele sussurra,
encarando meus olhos de forma que me faz acreditar em suas palavras. — Você já está pronta
para tentar saltos mais difíceis.
— Eu tenho medo de tudo aquilo acontecer de novo.
— Ah, então você admite que está com medo… — ele pergunta, sentindo-se superior por
estar certo. Rolo os olhos, mas sorrio quando ele me puxa pela cintura.
O decote do collant permite que eu sinta seus dedos pelas minhas costas.
— Certo, eu estou com medo. — admito mais uma vez, deixando que ele me abrace.
— Não esqueça que combinamos que você irá fazer algumas visitas à psicóloga… —
Reviro os olhos. Não tenho tempo, não agora.
Nem coragem para ouvir as verdades que ela vai me dizer.
— Não combinamos nada, você decretou isso.
— Dá no mesmo. — Órion dá de ombros, me fazendo rir.
— Depois das Olimpíadas.
— Não faz sentido, Íris. — Ele continua acariciando minhas costas. — Você precisa de
controle emocional para a competição, vai ajudar.
— Falamos sobre isso depois, ok?
Órion beija meus cabelos antes de me puxar pelo ginásio até as traves de equilíbrio.
— Vamos fazer o seguinte. Treinar seu equilíbrio, seus giros e um salto duplo na saída.
— Arregalo os olhos. — Sem reclamar, Coleman.
Órion bate palmas, me fazendo rir com sua falsa pose de treinador, mas quando ele tira a
jaqueta de couro, revelando a camisa preta e todos os desenhos em seus braços fortes, o sorriso
some, dando lugar a qualquer expressão que indique que estou completamente perdida em cada
detalhe seu.
— Vamos, chega de babar em mim! — ele grita, batendo palmas de novo, me fazendo
lhe mostrar o dedo do meio.
— Não haja como se não estivesse olhando para minha bunda esse tempo todo, Sparks.
— Me gabo, alongando os tornozelos e pulsos. Em seguida, impulsiono o corpo para cima, me
sentando na trave.
— Eu estava mesmo, não só para a sua bunda, mas para todo o resto. — ele responde, se
apoiando na trave. Sua voz se torna rouca e eu sinto um arrepio na espinha. — Mas isso nós
podemos resolver depois, quando eu puder arrancar esse collant de você.
— Você vai me ajudar ou apenas continuar com esse papo fraco para tentar me seduzir?
— pergunto, fazendo-o sorrir.
Não é nada fraco. Cada uma de suas palavras atingiram meu corpo em pontos muito
específicos com extrema facilidade. Eu deixaria que ele me arrastasse para seu apartamento e
tirasse minha roupa, deixaria que ele me beijasse de novo e arrancaria tudo dele.
Mas sustento a provocação e fico de pé na trave, me equilibrando na ponta dos pés.
— Flic. — ele indica e eu obedeço, mesmo sentindo um leve tremor nos pulsos. — Mais
uma vez. — Faço e prendo a respiração quando paro, equilibrada na trave. — Reversão,
consegue?
— Acho que sim. — respondo, ofegante. Lanço o corpo para trás, virando até que minhas
mãos alcancem a trave e consigo equilibrar o peso do meu corpo para completar o giro.
— Sem as mãos.
Ele está sendo pior que Neil.
— Faz, você consegue. — Engulo em seco. — Vai, Coleman!
Reajo ao seu grito, repetindo o movimento e sorrio quando consigo completar a
acrobacia. Dou uma volta na trave e repito os movimentos, concluindo-os com perfeição.
O suor desce pela minha testa, mas o sorriso rasga meu rosto em satisfação.
— Pronta para a saída?
Sinto o corpo arder com adrenalina. As batidas do meu coração estão em todos os cantos
do meu corpo, pulsando tão forte que me motiva a correr e saltar pelo ginásio.
Órion se posiciona após o colchão de aterrissagem, me olhando com ansiedade.
— Vem com flic-flac e sai com mortal duplo.
— Onde aprendeu todos esses termos? — pergunto, tentando arranjar tempo para me
preparar.
— Vem. — Ele ignora a minha pergunta e cruza os braços. — Encontre seu ponto de
equilíbrio, Íris! Foque nisso e saia dessa porra dessa trave. — Órion grita e eu puxo o ar. —
Agora!
Respiro fundo em busca do meu eixo. Meus olhos alcançam seu rosto, de imediato.
O ponto de equilíbrio serve para fixar a atenção, um ponto fixo que nos ajuda a não
desequilibrar durante os giros e acrobacias.
Seus olhos me prendem como nunca antes. Ele parece tão concentrado quanto eu.
Quando ele me chama com as mãos e minhas pernas tremem em ansiedade, me dou conta
de que estou diante do meu eixo. Meu ponto de equilíbrio está dentro dos seus olhos azuis
cintilantes, e como nunca, me sinto pronta para saltar.
Se ainda tivesse algum resquício de orgulho, ele se foi. Largo tudo para trás, e deixo que
Órion me salve, de uma vez por todas.
Preparo os braços enquanto corro para o fim da trave, emendando três sequências de flic-
flacs para frente e lanço o corpo para fora, sentindo meu corpo girar em torno de si mesmo em
dois saltos mortais perfeitos, que concluo cravando os dois pés alinhados no tapete.
— Isso! — ele grita, e abre os braços, me fazendo correr na sua direção.
Um sorriso faz minhas bochechas doerem após um esbravejo animado que faz meus
pulmões agradecerem. Uma sensação de poder que eu jamais deveria ter perdido, a liberdade que
apenas a ginástica pode me proporcionar.
Órion me captura em seu colo e entre risadas, me gira pelo ginásio, me fazendo gargalhar
e gritar. Ele sequer se importa com o magnésio manchando sua roupa preta e quando enlaço as
pernas em sua cintura, ele para e segura em minha bunda com força.
Seus olhos grudam nos meus quando uno nossas testas. O azul de suas orbes cintilam
como milhares de estrelas, estou tão perto que sinto que posso tocá-las.
— Eu disse que conseguia, minha estrela. — ele sussurra, prestes a grudar os lábios nos
meus. Seguro firme em sua camisa quando ele me empurra contra uma parede.
— Gosto do novo apelido. — respondo, fazendo-o sorrir. Acaricio seu rosto, deixando
uma mancha branca em sua bochecha. — Está sujo.
— Eu não estou nem aí.
Sua fala é suficiente para que abandone a hesitação para grudar sua boca na minha. Ele
retribui imediatamente, enlaçando a língua na minha e empurra o corpo contra o meu.
Seguro em seus cabelos curtos e deixo que um gemido quase inaudível escape quando ele
beija meu queixo e desce pelo pescoço. Sua respiração pesada atinge minha derme, me deixando
em estado de êxtase, completamente tonta em seu colo. Esqueço meu verdadeiro propósito nesse
ginásio e aperto ainda mais as pernas em seus quadris.
— É tentador, Íris… — ele diz, alternando os beijos em meu ombro e clavícula. — Te
deitar nesse tapete e te foder bem aqui… Tão forte que você ainda vai me sentir no seu corpo por
dias.
Por favor, sim, sim, sim!
Finco as unhas em sua nuca e ele arfa quando puxo seu rosto, grudando a boca na sua
com força e urgência. Minhas mãos atravessam sua camisa, distribuindo arranhões em sua pele
arrepiada.
— Sua coragem e determinação me fazem querer mais, Coleman. — ele sussurra contra
minha boca e, em seguida, segura meu rosto. — Mas não será aqui que vou te fazer minha de
novo.
— Você é um desgraçado, sabia? — pergunto, descendo de seu colo. Fico na ponta dos
pés para segurar seu rosto, apertando-o para forçá-lo a me olhar.
Dou um beijo demorado em seus lábios e com a outra mão, abraço sua cintura por baixo
da camisa, acariciando-o com a unha.
— Vamos ver até quando você aguenta. — sussurro e o beijo rápido.

Por que eu ainda estou aqui? Ou onde eu poderia ir?


Você é o único amor que eu conheci.
Mas eu te odeio, eu realmente te odeio
Tanto que acho que deve ser amor verdadeiro
True Love — Lily Allen (feat. P!nk)

Me levanto quando ouço a campainha tocar, olhando o relógio que sinaliza os dez
minutos de atraso.
Convidar Alya para qualquer coisa que seja depois de seu treino é um erro. É ainda pior
depois de um torneio. Ela nunca chega no horário e quando chega, está atropelando tudo com
pressa. 24 anos da minha irmã torrando minha paciência e eu ainda não aprendi.
E ela continua apertando a campainha.
— Qual a porra do seu problema? — grito enquanto me aproximo da porta e quando a
abro, Lya abre um sorriso e mostra as sacolas do nosso lugar favorito: McDonald’s. — Você está
atrasada.
— Não ganho um parabéns? — ela pergunta, exibindo a medalha dourada em seu
pescoço.
— Parabéns, irmãzinha. — respondo, dando um beijo em seus cabelos pretos. — Está
atrasada.
— Na próxima vez, você pede o lanche ou vai até lá comprar. — ela reclama, me
empurrando para entrar. Bella continua latindo e pulando entre as pernas da minha irmã,
implorando por atenção. — Eu fiquei mais de vinte minutos na fila só porque você queria a porra
do milkshake.
— Você é incrível, Lyazinha. — cantarolo, dando um beijo estalado em sua bochecha.
— Babaca. — Minha irmã tenta conter um sorriso enquanto acomoda as sacolas na mesa
de centro. — Oi, estressadinha! — ela canta, se abaixando para agarrar Bella, que lambe seu
rosto, fazendo-a gargalhar. — Humm, estou morrendo de fome.
Tiro o milkshake de chocolate da sacola, sentindo alívio e felicidade consumir o meu
coração. Logo depois, Lya tira os hambúrgueres, batatas e seu refrigerante, espalhando tudo pela
mesa de forma irritantemente bagunceira.
Por que é tão difícil fazer as coisas direito?
Abro a caixa do hambúrguer e dou a primeira mordida, ignorando o fato de que, enquanto
mastiga, minha irmã me encara com as sobrancelhas franzidas e olhos semicerrados. Alya está
prestes a me bombardear com perguntas e sermões. E dessa vez eu nem sei o motivo.
— Sua nutricionista sabe que você está tomando um copo imenso de refrigerante? —
pergunto, ainda mastigando e ela revira os olhos. Lya odeia que eu faça isso, e eu só faço por
esse motivo.
— Íris sabe que você só está a ajudando com a tia Olivia porque está apaixonado?
Quase cuspo o milkshake.
O único problema é que, se eu tivesse cuspido, seria no meu tapete, e não na cara da
minha irmã.
— Que porra você está falando, Alya? — pergunto, engolindo mais um pedaço de
hambúrguer, sentindo a pele gelar com a pergunta dela.
— Eu te conheço, Órion Sparks, há 24 fodidos anos. Sabia?
— Se me conhecesse, saberia que eu não ligo para essa porra. — falo, fingindo
tranquilidade ao beber mais do milkshake.
— O que sei é que você é muito bom em ignorar o que sente, mas dessa vez está sendo
difícil, não é, irmãozinho? — Seu tom irônico me faz franzir o cenho. Meu rosto arde, e nem é
de raiva. — Você está vermelho! — ela grita, com a boca suja de molho. Alya cobre o rosto
antes de cair na gargalhada.
Puta que me pariu, o que eu fiz para merecer isso?
Será que minha irmã não pode, simplesmente acreditar que eu sou uma alma boa
tentando ajudar a salvar a vida de alguém?
Ignoro todas as interrogações que pairam em minha mente, direcionando toda a minha
atenção ao meu hambúrguer. Ignoro todos os tremores causados pelo toque de Íris, todas as
vezes em que meu coração acelerou ao vê-la gargalhando e todas as noites em que eu desejei tê-
la em minha cama, para sentir o cheiro doce dos seus cabelos e tê-la agarrada a mim.
Faço apenas aquilo que eu faço de melhor: Ignoro.
Enquanto isso, Alya ainda tenta recuperar o ar depois de uma crise de risos.
— É ainda pior do que eu pensava. — ela diz, respirando fundo em seguida.
— Cale a boca, Alya. — Me limito a essa resposta, terminando o hambúrguer e
agarrando a caixinha de batatas fritas. — Estou apenas tentando ajudar, ou você preferia ver a
sua amiga sofrendo?
— É claro que não, Órion! E eu tive a mesma ideia, certo? Só que você foi mais rápido
que eu. — Ela dá de ombros. — Estranhamente mais rápido.
— Exato, fora dos tablados você é bem lenta.
— E você é um otário. — ela exclama, dando um tapa em minha nuca. Antes que eu a
ataque com cócegas, ela agarra meu pulso e semicerra os olhos novamente. — Ok, posso ser
lenta, mas não sou idiota. Há quanto tempo estão juntos?
— Quem está junto, Alya? Pelo amor de Deus.
Tento me fazer de desentendido, pensando na forma perfeita de dizer que não temos nada
sério, mas sem ofender Íris e parecer um babaca completo.
— Não se faça de cínico. Sei que estão se agarrando por aí. Eu não vi, mas vocês não
conseguem disfarçar.
— Não é nada demais.
— É muito demais! Muito mesmo! Principalmente quando meu irmão ranzinza e
insuportável anda estranhamente sorridente e empático.
— Eu sempre fui empático, Alya!
Ela gargalha novamente.
— É claro que sim, mas não com Íris.
— A mãe dela está doente! — rebato e ela sorri.
— E você ficou desesperado por isso! — ela grita de volta, e eu bufo, derrotado. — Eu
vi, Sparks! Acha mesmo que não reparei nos seus olhinhos assustados?
— Idiota. — Reviro os olhos. — Ok, eu quis ajudar, todos estão bem agora. Olivia está
fazendo o tratamento, Íris está saltitando por aí e fim. Mais alguma pergunta? — Atropelo as
palavras, me forçando a engolir mais batatas, como se isso pudesse me impedir de falar mais.
É inacreditável como Íris consegue acabar com meu autocontrole, mesmo sem estar
presente.
— Quando vai ser sincero e dizer o que sente de verdade?
Boa pergunta, irmãzinha.
— Seria mais fácil se eu entendesse. — resmungo e ela bufa.
— Você é quase um médico, — nego com a cabeça — é tão inteligente que me irrita, —
dessa vez, eu assinto — e não consegue distinguir os próprios sentimentos?
— Estou começando a me arrepender de ter te chamado. — resmungo, pegando os
pacotes para jogar no lixo. Lya agarra seu copo e me segue, me fazendo revirar os olhos. —
Chega de refrigerante pra você, mocinha. Não esqueça da dieta.
— Eu estou há meses sem um copinho sequer, sabe que eu amo. — ela choraminga. —
Me dê um desconto…
— Pode ser.
— Não fuja do assunto. Você gosta dela, Órion. — Nego com a cabeça, mesmo que meu
coração salte no peito, gritando MENTIROSO de forma ensurdecedora. — E não tem nada de
errado nisso, Íris é incrível. E ela gosta de você também, já que nunca foi a favor do que você
chama de “relacionamentos carnais”.
— Como assim?
— Íris não consegue estar com alguém casualmente. Ela leva tudo muito a sério, mas
você já percebeu isso. — Assinto. — Se ela não sentisse nada, não continuaria com isso.
— Certo, pode ser que eu sinta algo… — falo, sentindo a garganta arranhar em negação.
É fodidamente difícil admitir, mais do que imaginei. Principalmente quando jurei que
jamais trocaria uma palavra sequer com Íris, e depois, prometi que as sessões seriam os únicos
momentos em que estaria perto da garota.
Noto que a minha necessidade de afirmar que preciso estar longe sempre foi confirmação
de que Íris me atrai. Íris sempre me atraiu, como a porra de um ímã que destrói todos os meus
planos.
Meu pai magoou tanto a minha mãe que eu sempre tive medo de ser como ele, já que
todos ao nosso redor sempre repetiam que somos idênticos. Meu padrinho diz que até mesmo na
rebeldia, já que ele não era tão certinho quando tinha a minha idade. Devia ser um babaca, como
eu.
Minha mãe contou que sentiu o tão esperado amor verdadeiro quando Vincent a
apresentou para as estrelas, e foi assim comigo e com Alya, quando ela nos mostrava as
constelações e dizia, várias e várias vezes, que nos amava do tamanho da imensidão do universo.
Noelle acreditava que eu devia mostrar as estrelas para a pessoa que ganhasse meu
coração e enfeitou o teto do meu quarto com adesivos que brilhavam no escuro. Eu encarava
aquilo com medo, já que Vincent mostrou as estrelas para minha mãe e a abandonou sozinha na
galáxia, deixando-a ausente de qualquer constelação a qual poderia fazer parte.
Se o amor dele era tão intenso a ponto de compará-la às estrelas, por quê a deixou?
Arranquei todos os adesivos quando fiz doze anos. Todas as vezes em que parei para
olhar as estrelas, estava sozinho. Guardei-as para mim, como um segredo que jamais contaria a
ninguém. Reneguei tudo o que podia sentir, antes mesmo de ter alguém para despertar isso.
Não me permiti sentir por medo de ser tão grande e intenso, a ponto de não conseguir
evitar.
Estou começando a perceber que, na realidade, eu tinha medo de mim e do que poderia
me tornar, medo de que as lembranças do meu pai me fizessem ser como ele. Senti tanto medo
que escondi todo e qualquer sentimento, e antes de Íris, eu não sabia que podia sentir tantas
coisas ao mesmo tempo.
Achei que eu tinha medo de ser como meu pai, mas na verdade, eu tinha medo de sofrer
como Noelle.
Íris está há seis meses me tirando do escuro, destruindo toda a possibilidade de sentir
medo e me salvando de mim mesmo. E porra, eu nem percebi.
— Irmão? — Lya toca meu braço, me fazendo acordar. — Tudo bem?
Apenas assinto, sentindo a pulsação do meu coração em minha garganta.
— Sei que está uma confusão enorme aí dentro. — Ela aponta para minha cabeça, me
fazendo dar de ombros. — Foi difícil com Vivian também… Eu tinha medo de acabar como a
mamãe…
— Mas você superou.
— Não, eu estou superando. E você também, mesmo que não tenha se dado conta disso.
Seja sincero com você e com Íris, não seja um tonto.
Reviro os olhos quando ela acerta mais um tapa leve em minha nuca, só que dessa vez,
ela não escapa. Lya nota meu semblante e corre para a sala, se jogando no sofá em seguida. A
agitação faz Bella levantar, latindo.
— Eu acabei de comer, Órion! Encoste em mim e eu juro que vomito no seu tapete. —
ela diz, se protegendo com uma almofada. — E eu estou falando sério!
Me sento ao seu lado e ela acomoda as pernas em cima das minhas.
— Estou orgulhosa de você. — ela sussurra, encostando a cabeça em meu ombro. Enlaço
nossos dedos. — Você nunca vai ser como ele.
Beijo sua mão, fazendo-a rir.
— Vocês não precisam se esconder… Não de mim, ok? Eu te amo, e amo Íris. Vocês são
tudo o que tenho. — Lya desabafa e sua voz se torna trêmula.
— Eu devia ter te contado, desculpa.
— Não, está tudo bem, sei que está confuso, mas preciso de vocês inteiros, ok? Seja
sincero com ela, por favor, até mesmo se não quiser ir além disso. Não magoe a minha amiga e
não se magoe também, cuide do seu coração.
Assinto e depois de alguns segundos aconchegada em mim, ela se estica para pegar o
controle da televisão.
— Interestelar?
— Por favor! — exclamo, mas me levanto, fazendo-a franzir o cenho. — Eu já volto.
Corro na direção da cozinha, onde larguei o celular e o desbloqueio rapidamente,
clicando na primeira aba de mensagens que aparece quando abro o aplicativo.

Órion: Esteja pronta amanhã às oito, loirinha.


Órion: Sem aquele moletom enjoativo da RGA, ok?

Loirinha: O que devo vestir?


Órion: Não tenho o poder de escolher,
já que prefiro você sem nada.
Órion: Me surpreenda.
Loirinha: Canalha!
Loirinha: O que está pretendendo? Sei que
esse seu papo conquistador vai me levar para
a sua cama.

Órion: Isso é apenas o bônus, loirinha.


Órion: Até amanhã.
Há um entalhe no seu formato
Só comprei este vestido para que você pudesse tirá-lo
Fez sua marca em mim, tatuagem dourada
Só comprei este vestido para que você pudesse tirá-lo
Dress — Taylor Swift

Dou um passo para trás para me enxergar por completo.


Pela primeira vez, meus olhos desviam do quadro de medalhas para focar em mim.
Minha atenção pertence apenas ao meu reflexo e eu não consigo me lembrar quando foi a última
vez que isso aconteceu.
Alinho o vestido mais uma vez, preocupada em ter exagerado. Mesmo insistindo em
saber onde vamos, Órion me ignorou o dia inteiro, apenas dando piscadinhas irritantes e
respondendo minhas mensagens com emojis.
O brilho do vestido preto parece ser algo muito grandioso, a ponto de quase me fazer
trocar para algo mais básico, mas a visão à minha frente é satisfatória demais para que eu mude
de ideia. Até mesmo meu cabelo parece diferente, ainda que eu tenha cuidado extremo com ele.
Dei o dobro de atenção enquanto o secava, e deixei alguns cachos na ponta.
Viro o corpo e deixo que ele caia pelos meus ombros e admiro o grande decote traseiro,
que deixa minhas costas nuas, enfeitadas apenas por um fio brilhoso que liga os dois lados.
— Você está linda. — A voz de Lya me faz dar um salto, assustada, mas logo sorrio para
minha amiga. — Eu poderia fingir que não sei para onde está indo, mas preciso confessar que
tudo isso vai deixar o meu irmão tonto. Mesmo que ele já seja um idiota.
Arregalo os olhos no mesmo momento em que sinto meu rosto queimar. Sinto tanta
vergonha que seria capaz de me enfiar no espelho para sumir, mas ao contrário de mim, Lya
gargalha.
— Vocês são muito ingênuos em pensar que eu não ia descobrir. — ela diz, se
aproximando para pegar minhas mãos. — Estou feliz em vê-los felizes. São as duas pessoas que
mais amo em todo esse universo gigantesco.
— Mas, amiga…
— Sem mas, Íris. Eu sei que estão felizes, mas muito confusos. Espero que se resolvam
de uma vez por todas. No fundo, eu sabia que esse ódio todo não passava de puro amor
encubado.
Amor?
— Amor é uma palavra forte demais. — Tento me desvencilhar, mas ela aperta meus
dedos e sorri.
— É forte sim. É forte largar o orgulho para enfrentar a pessoa que mais odeia no mundo,
apenas por amar o outro. É forte ir além dos seus princípios de focar na carreira por não
conseguir ficar longe do outro. É forte encontrar suporte no outro e superar o que jurou ser um
ódio eterno. É muito forte, Íris. E é por isso que estão tão assustados.
Cada palavra me deixa tonta e faz com que eu sinta um grande choque de realidade que
acaba com as minhas palavras. Antes eu pensaria que tudo isso é um enorme exagero, mas todos
os acontecimentos dos últimos dias invadem a minha mente e me fazem recuar até apoiar as
mãos na penteadeira.
Por um minuto, perco o equilíbrio.
Órion esteve ao meu lado quando a pressão foi grande demais, e mesmo do seu jeito
torto, me fez criar coragem. Ele também enxuga minhas lágrimas quando, mesmo com o
tratamento, o medo de perder a minha mãe se torna insuportável.
Nem mesmo me lembrei do que prometi a mim mesma depois de terminar com Anthony.
Não me relacionaria com ninguém, até me consolidar na ginástica, até conquistar o ouro
olímpico. Ninguém tiraria meu foco.
Órion tira meu foco, mas me faz encontrar meu ponto de equilíbrio. Ele é meus dois
extremos e isso sempre esteve estampado na minha testa.
Eu sequer tive tempo de deixar que ele entrasse na minha vida. Ele me reivindicou,
derrubou a porta e me tomou para si. Merda, eu nem percebi.
Foi tão bom e tão seguro que não tive como contestar.
— Tudo bem, sei que o choque é grande. — Lya brinca, me fazendo franzir as
sobrancelhas, contrariada. — Ele já deve estar chegando, meu irmão odeia atrasos.
— Tá bom. — E é tudo o que eu consigo responder antes de Alya dar um beijo em minha
bochecha.
E para me trazer para realidade com o dobro da força, o celular vibra em cima da minha
penteadeira e quando o visor acende, o nome de Órion me faz estremecer. Na mensagem, ele
avisa que chegou e eu preciso respirar fundo para me controlar, antes de seguir para fora.
Enfio o celular na bolsa e me encaro no espelho do elevador. O vestido continua
perfeitamente alinhado, o cabelo extremamente brilhante. A maquiagem está leve, mas as
palavras ditas por Lya foram responsáveis pelo rubor em minhas bochechas. Assim como a
confusão que mora em meus olhos.
Órion me deixa completamente desnorteada mesmo sem estar presente.
Prendo a respiração no momento em que a porta se abre e a timidez aumenta quando o Sr.
Johnson sorri ao me ver.
— Senhorita Coleman, não me lembro da última vez em que a vi sem uniforme! Está
muito bonita.
— Obrigada, Sr. Johnson! — Dou um beijo em seu rosto, cuidando para não sujá-lo de
gloss.
Do outro lado da rua, Órion está encostado em sua moto e põe uma bala de menta na
boca, irritantemente lindo. Ele continua mexendo no celular com a mão livre, distraído, mas
quando passo pelo portão e atravesso a rua, ele ergue o olhar e engole em seco, alinhando a
postura.
Bom, Lya parece estar certa.
Dou um giro completo nos saltos, me sentindo orgulhosa em poder usá-los, já que meus
joelhos estão firmes de novo. Quando volto ao eixo, me encanto com o imenso sorriso que está
presente no rosto de Órion.
— E então? Exagerei? — pergunto, inclinando a cabeça para o lado, tentando ignorar as
sensações que seu olhar causa.
Suas orbes azuis sobem pelas minhas pernas e quando finalmente alcançam meu rosto,
ele sorri e me puxa pela mão, me fazendo dar um grito de surpresa. Ah, a maldita brutalidade
que deixa minhas pernas bambas.
— Nem um pouco, Coleman. — ele sussurra antes de colar a boca na minha. — Está
perfeita.
Seus beijos se tornaram costumeiros, já que quando estamos sozinhos, ele não perde a
oportunidade de me pôr contra uma parede para me beijar. Atos como esses já não me deixam
mais tão tímida, ao contrário da audácia que ele tem de descer a mão pelas minhas costas nuas e
brincar com o decote próximo da minha bunda.
— Comporte-se, Sparks.
— Essa porra de vestido está curto. — ele resmunga, me fazendo cruzar os braços.
— Não acredito que vai implicar com a minha roupa.
— Não ligo pro que você veste, Coleman, sempre vou preferir que não use nada. Apesar
de que essa roupa é um colírio para meus olhos. — Dou um tapa em seu braço, sentindo a
bochecha arder. — Eu só quero que me explique como vai subir na moto sem mostrar tudo.
Sim, eu não pensei nisso.
Em algum lugar da minha mente iludida, eu acreditei que Órion seria cavalheiro o
suficiente para não me levar nessa moto gigante, mas eu esqueci que estou me referindo a Órion
Sparks e sua forma de cavalheirismo é peculiar.
E ele prova isso quando tira a jaqueta de couro e joga em mim, impaciente. Visto
rapidamente e não me surpreendo pelo fato dela ultrapassar minhas coxas.
— Está lindo, mesmo com esse mau humor. — Ele rola os olhos quando toco sua
bochecha, mas não esconde o sorriso. — E então? Vai ficar me olhando a noite toda?
— Tenha certeza que não é isso que pretendo fazer pelo resto da noite, Coleman. —
Órion resmunga mais uma vez e eu sinto o ventre formigar, mas apenas pego o capacete quando
ele o estende para mim e tomo cuidado para não bagunçar meu cabelo.
Subo atrás dele, agarrando em sua camisa branca e ele dá partida, acelerando ao extremo
pelo trânsito, me arrancando a respiração. Pressiono as pernas contra seu corpo, sentindo o medo
se misturar a liberdade em uma sensação tão boa que não sabia que era possível sentir.
Fico dividida em uma imensa vontade de abrir os braços e gritar, e uma vontade ainda
maior de fazê-lo parar para poder beijá-lo.
Não demora para que eu note que estamos nos aproximando da Ponte Julia Tuttle, que faz
ligação com a Praia de Miami. Mesmo sem saber exatamente onde estamos indo, me sinto segura
e estranhamente animada.
Atravessamos a ponte com tanta rapidez que nem consigo perceber. Tudo o que sinto é o
vento frio contra minhas pernas e o calor do corpo de Órion contra meu peito.
O contraste perfeito para me deixar arrepiada.
Encaro o restaurante enquanto desço da moto. A praia está do outro lado da rua,
movimentada e barulhenta, mas apesar da grande quantidade de pessoas, ainda é possível ouvir o
som do mar.
Há diversos restaurantes, bares, boates e pedestres por todo lado. A brisa primaveril é
agradável o suficiente para deixar o lugar movimentado. O clima é acolhedor e feliz, e Órion
parece notar o quão impressionada estou.
É claro que já visitei a Praia de Miami, e já fui em algumas boates com amigas da
universidade, mas é raro atravessar a ponte para o lugar onde as pessoas têm fortunas.
— É meu restaurante favorito. — ele diz, tocando minhas costas para que eu o siga.
Entrego sua jaqueta sem tirar os olhos do lugar. — É maravilhoso.
Meus olhos gravam cada canto do lugar enquanto subimos. Como todo estabelecimento
de Miami, o restaurante está decorado com flores para entrar no clima da primavera. As luzes
roxas deixam o ambiente ainda mais encantador e eu não consigo não sorrir ao olhar para o lado
e me deparar com a praia.
— É lindo, Órion. Meu Deus… — exclamo e ele aponta para a cadeira, puxando-a para
que eu me sente. — Está estranhamente cortez hoje. Devo desconfiar de algo?
— Por Deus, se eu sou educado você reclama, se não…
— Não estou reclamando, Sparks. — o interrompo, acabando com a discussão antes que
ela se inicie. Órion me entrega uma cartela e eu me deparo com muitas opções de bebidas, com
nomes e ingredientes que eu nem sabia que combinavam.
Reconheço alguns drinks, mas fico confusa com os outros.
— Por que uma bebida se chama Pornstar Martini? — pergunto, fazendo Órion
gargalhar.
— Eu não faço ideia, mas é uma delícia.
— Não me surpreende você saber se é boa ou não. — Ele ri. Tão incrivelmente lindo e
contagiante.
— É vodka, baunilha e maracujá. Não tem erro.
— Certo, eu amo maracujá. — revelo e ele dá de ombros, voltando a atenção para a
cartela em sua mão. — Mas eu amo mojito.
— O meu favorito é o Bloody Mary. — Torço o nariz e ele franze as sobrancelhas. — Por
que essa cara, Coleman? É a mesma que faz quando precisa tomar um remédio.
— É suco de tomate, Sparks! — exclamo, fazendo-o rir. — O quê? Eu não gosto de
tomate, e eu não consigo acreditar que fica bom quando mistura com pimenta. Que mistura é
essa, Sparks?
— Você é muito fresca!
— Você é um chato!
— O que vai querer, Coleman? Por Deus…
— Fiquei curiosa com o de maracujá.
Órion ergue a mão e quando o garçom se aproxima, ele pede a estranha bebida com nome
de atriz pornô para mim, e a mistura bizarra de pimenta para ele. Quando torço o nariz
novamente, ele aperta meus dedos contra a mesa, me fazendo acertar um chute em seu joelho.
Atos que deveriam ser considerados estranhos, mas nos causam boas gargalhadas.
Risadas que nos fazem parecer ser um casal normal. Parecemos… Mesmo que eu não saiba o
que ele sente, mesmo que eu ainda não tenha entendido o que está acontecendo dentro de mim.
— E então? Você vai ou não me dizer o que significa tudo isso? — pergunto, me
inclinando para que ele me escute.
Órion parece prender a respiração e quando tenta recuar, seguro sua mão, mantendo-o na
mesma posição. Não permito que ele se afaste, mesmo que sua pele umedeça contra meus dedos.
Consigo ver que sua mente está trabalhando através do seu olhar confuso, tão perdido quanto eu.
Estou há alguns dias tentando nomear o que acontece entre nós. Cada uma das sensações
que beiram à loucura, todas as explosões que acontecem dentro de mim quando ele me toca.
Cada tremor, cada suspiro. Cada minuto em que me senti dentro do lugar mais seguro do mundo
quando ele me abraçou.
Até mesmo o carinho discreto que costuma fazer em meus cabelos durante um beijo
lento.
A falta de concentração na minha vida pessoal me privou de sentir algo parecido. As
paredes da RGA se tornaram minha visão constante, eu estava presa ali, como se eu fosse
resumida à ginástica. Tudo o que pensava era na conclusão de saltos e nas Olimpíadas.
Sempre a ginástica, nunca a Íris.
Órion sequer me deu escolha. Ele apenas me puxou para o mundo real, de sua forma nada
delicada, e me atropelou com um turbilhão de sentimentos desconhecidos que me deixam
perdida, mas com uma imensa vontade de ter mais.
— Ah, quer saber a verdade? — ele pergunta, soltando minha mão para largar o corpo na
cadeira e respirar fundo. Desconcertado, ele olha para os lados antes de se inclinar novamente.
— Eu não faço ideia do que estou sentindo, Coleman.
Gargalho e alcanço sua mão mais uma vez, mas dessa vez, enlaçando nossos dedos. Os
olhos de Órion acompanham o movimento atentamente, até estarem todos encaixados. Quando
ele volta a me olhar, um sorriso surge em seus lábios.
— Nem eu, Sparks.
Ele me puxa com cuidado, o suficiente para levar minha mão aos lábios para depositar
um beijo demorado nos nós dos meus dedos.
— O que eu sei é que…
— É, é bom. — Tento completar e ele apenas assente.
— Eu te trouxe aqui com a intenção de falar sobre nós e o que estamos sentindo, de
esclarecer as coisas, saber que rumo estamos tomando… — ele começa, nitidamente nervoso,
mas dessa vez, ele não solta minha mão. — Mas a verdade é que eu estou descobrindo o que está
acontecendo, como uma criança descobrindo o mundo, entende? — Assinto. — Eu poderia te
dizer tudo o que estou sentindo, mas eu com certeza iria parecer um grande idiota, por não saber
o que falar.
Balanço os ombros, como se fosse óbvio e seu sorriso se expande.
— Então, resumindo… Meu coração está aliviado, eu estou respirando em paz e essa
porra nunca aconteceu.
Espero que ele comece a rir, sigo procurando algum vestígio de piada ou sarcasmo em
seu semblante, esperando que, em algum momento, ele diga que é mentira, mas tudo o que
enxergo é uma imensidão misteriosa nos olhos azuis e intensos de Órion.
Ele sempre foi uma grande incógnita, e mesmo que ele seja um grande mistério a ser
desvendado, têm algo em seu rosto que me faz sorrir. Meu coração palpita e eu sinto que me
tornei gigante para que ele me entregue tudo, mesmo que seja sua grande confusão.
Vejo verdade em seus olhos e sinto uma imensa vontade de beijá-lo até perder o ar.
— A realidade é que, eu continuo te odiando, mas não quero que isso pare.
— Ah, então você ainda me odeia? — brinco e ele assente.
— Você não faz ideia, loirinha.
— Eu também não quero que isso acabe, Sparks. Torço para que, seja lá o que isso —
aponto para nós dois — seja, nós possamos descobrir juntos.
Ele engole em seco, mas sorri em seguida e fixa os olhos em mim.
— E você está com medo disso?
— Muito, mas nem isso me faria mudar de ideia.
Esta noite, leve-me para o outro lado
Faíscas voam como o 4 de Julho
Apenas leve-me para o outro lado
The Other Side — Jason Derulo

— Aquele brownie foi a melhor coisa que eu já comi, Sparks! — ela diz, pela milésima
vez. Cada uma das vezes encheu meu peito de algo que ainda não consigo nomear.
Íris está radiante. As luzes da rua fazem seu vestido preto se tornar ainda mais cintilante e
evidenciam o rubor em suas bochechas, seja pela animação ou pelo álcool.
Ela estava incrivelmente linda quando chegamos, mas agora, com o vestido levemente
amassado, os cabelos presos e os lábios manchados pela calda de morango que cobria a porra do
brownie, ela se tornou irresistível..
Ela gargalha quando a puxo pela cintura. O som me faz transcender. Me desfaço em
poeira estelar para que ela me reconstrua em um corpo celeste único, só seu.
— Lembre-se de não usar roupas assim quando for subir na minha moto. — digo,
entregando minha jaqueta.
O vestido é tão justo que irá subir completamente quando ela montar na moto, e mesmo
que a visão seja tentadora, e que a quantidade de Bloody Marys que tomei me façam criar
fantasias inimagináveis, deixo que ela se cubra com o couro.
Ela é tão pequena que a jaqueta vai além dos seus joelhos.
— Não sabia que terão próximas vezes. — ela diz, me observando enquanto pego os
capacetes.
— Suba, Coleman.
Suba, antes que eu faça uma besteira.
Íris se apoia em meu ombro para impulsionar o corpo e se acomoda atrás de mim,
agarrando-se em minha cintura. Seus braços pequenos me envolvem com força e quando dou
partida, sinto seu capacete contra minhas costas.
Aproveito o esconderijo para libertar o grande sorriso que estou tentando conter desde a
hora em que ela surgiu pelo portão de seu prédio, exibindo seu maldito vestido preto, me
arrancando a concentração e o ar.
Seguro firme na moto quando sinto suas mãos apertando minha camisa. A força que usa
já não é mais por medo de estar em minha moto, mas sim para tirar minha paz, já que ela
espalma as mãos e ultrapassa o tecido da camisa, tocando minha pele. Ela permanece encostada
em minhas costas, mas as mãos se movem lentamente em minha barriga, mostrando que os
drinks que bebeu estão fazendo efeito.
Sinto minha mente vacilar e preciso fazer um grande esforço para não perder a atenção
quando suas unhas riscam meu abdômen. Ela desce até o cós da minha calça com lentidão,
enlaça os dedos ali e volta a ficar imóvel.
Eu vou enlouquecer.
Minha cabeça se torna uma grande confusão e chegar até o fim da ponte se torna um
grande desafio. Desvio o caminho quando chegamos na Brickell, virando para a esquina que nos
levará até meu apartamento, já que irá demorar muito mais para chegar até o de Íris, e de brinde,
ainda teria que aturar a minha irmã.
Arranco o capacete quando estaciono na frente do prédio. Ela faz o mesmo, mas apoia as
mãos em minhas coxas, demonstrando todas as suas intenções: me atormentar.
— Lugar errado, Sparks.
— Lugar certo, Coleman. Desça.
Íris obedece silenciosamente e desce da moto. Seus cabelos continuam presos na altura de
sua nuca, o que significa que seu pescoço está no meu campo de visão e meus lábios imploram
pela sua pele, que é extremamente quente naquela região.
Aceno com a cabeça para ela entrar, e a maldita finge estar confusa, franzindo o cenho e
cruzando os braços. Seus olhos escuros e brilhantes me contam que ela sabe exatamente o que
está prestes a acontecer.
E que ela quer tanto quanto eu.
— O que está planejando, Sparks? — ela pergunta quando entramos no elevador. Íris fica
de costas para mim, admirando-se no reflexo do espelho.
Espero a porta se fechar para empurrá-la contra ele, e puxo seus cabelos para ter certeza
de que nossos olhos se encontraram no reflexo. Os capacetes caem no chão quando ela arfa e
espalma as mãos em busca de apoio. Consigo sentir seu corpo estremecer no momento em que
minha mão livre desce pela sua cintura.
Apesar da rendição, ela me encara em desafio e eu noto o quão poderosa ela se torna ao
me olhar assim. O maldito olhar que me irrita e me deixa duro simultaneamente.
Tudo acontece em questão de segundos, mas sinto que passo uma eternidade sentindo seu
perfume me consumir.
— Estou planejando levá-la para o meu quarto para tirar essa porra desse vestido de você.
— falo e Íris tenta me empurrar, pressionando a bunda contra meu pau já duro e dolorido.
Um sorriso diabólico se estende em seus lábios.
Me abaixo apenas para atacar seu pescoço, prendendo sua pele entre meus dentes e
depois chupando a região até senti-la amolecer. Ela tenta se desvencilhar mais uma vez, mas uso
do meu desespero para virar seu corpo e atacar seus lábios, prendendo-a contra o espelho com
mais força.
Um gemido escapa dos seus lábios e o que restava do meu auto controle se esvai. Como
se uma única gota de gasolina em um pequeno palito de fósforo conseguisse incendiar um
planeta inteiro.
Íris continua tentando me empurrar, mas quando seguro em seu pescoço, ela sorri.
Aperto-o com cuidado, mas com força suficiente para que sua respiração se limite. Desço a mão
pelo seu quadril, e quando meus dedos tocam sua coxa, ela morde o lábio inchado.
— Se você não colaborar, não só irei tirá-lo, como ficará em pedacinhos. E depois, eu
vou foder você, Coleman.
Ela abre a boca, deixando meu nome escorrer por ela, em um gemido arrastado e infernal.
Ela fica na ponta dos pés, em busca da minha boca.
— E mesmo que meu plano seja te foder até você implorar por descanso, ainda não vai
ser suficiente para matar a vontade que estou de você.
Suas mãos sobem pelos meus ombros, apertando-os.
— Você me quer, Órion? — ela pergunta, manhosa, com um sorriso que me diz que já
sabe a resposta. A jaqueta cai sob seus ombros, deixando-os nus para que eu o beije.
— Desde a primeira vez que você decidiu se intrometer na minha vida. — resmungo,
subindo a boca pelo seu pescoço. Íris leva as pequenas mãos a minha nuca e me puxa, mas eu a
obrigo a se afastar para me olhar.
Minha mão envolve seu pescoço novamente e seus olhos me encaram.
— Você arruinou todas as minhas tentativas de não deixar ninguém entrar na minha vida.
E agora eu vou fazer o mesmo com você, mas de uma forma deliciosa.
— Estou aguardando, Sparks. — ela diz e usa da sua força para me empurrar e sair do
elevador com pressa.
Guio Íris até a porta do meu apartamento, sentindo que vou perder o controle a qualquer
momento. Sua respiração ofegante é perfeitamente audível, apesar da distância e a tensão entre
nós se torna tensa e desesperada.
Abro a porta e quando estou prestes a agarrá-la de novo, Bella surge latindo e saltando
em seu colo.
— Oi, meu amor! — A loira exclama, se abaixando para abaixá-la. — Que saudade.
Deixo que ela se divirta enquanto tranco a porta e deixo as chaves na bancada da cozinha.
Ela continua beijando e abraçando a Bella, mas quando arranco a camisa pela cabeça e jogo no
sofá, volto a ter sua atenção.
— Sei o que está tentando fazer, Sparks. — Ela aponta para mim e se levanta, recuando
alguns passos.
— Deixei minhas intenções bem claras, Coleman. — Chuto a bolinha de Bella para longe
e arranco os sapatos com os pés.
Íris continua recuando à medida que me aproximo. Ela agarra a barra do vestido,
apertando-a e pressiona as pernas ao esbarrar na bancada da cozinha. Encurralo a loira contra o
mármore, deixando-a entre meus braços. Seu nariz toca o meu, o hálito de maracujá e chocolate
me deixa tonto.
— Está molhada, Íris? — pergunto, sabendo que sua resposta me tiraria o chão.
— Encharcada… — ela cantarola, esfregando a boca na minha. Arrepios percorrem a
minha pele e sua fala é suficiente para que eu a levantasse, jogando-a em meu ombro.
A jaqueta é o primeiro rastro que ela deixa, quando o couro cai no meio do corredor.
— Me solta, Órion! — ela grita, entre risadas, mas o som se torna extremamente erótico
quando acerto um tapa em sua bunda, já relativamente à mostra.
— Você gosta disso, hum? — pergunto, fechando a porta com o pé. Ela choraminga e eu
acerto outro tapa na região.
Jogo Íris no meio dos travesseiros. Seus cabelos se soltam e se espalham, um sorriso
atrevido enfeita seus lábios desenhados.
Me ponho entre suas pernas, atacando sua boca e ela abre espaço para minha língua
enlaçar a sua.
— Lembro de você ter dito algo parecido com tirar meu vestido. — ela geme quando
desço os beijos para seu pescoço.
Seguro em sua cintura e a levanto com facilidade, deixando-a de bruços. Uma risada
maliciosa escapa e ela cede, acomodando-se no colchão, mas me olhando por cima dos ombros.
As pupilas dilatadas tornam suas orbes ainda mais escuras e o sorriso a deixa irreconhecível.
Uma nova face que me deixa fraco.
Não me contenho e beijo cada pequena sarda das suas costas, deixando rastros por ela e
causando arrepios e gemidos que me deixam angustiado. Íris é receptiva a cada ato e pressiona as
coxas em busca de alívio, por isso reclama quando as afasto para tirar seus saltos.
Tiro lentamente, um de cada vez, torturando-a por segundos em espera por mais contato
em seu corpo. Ela revira os olhos, mas logo sua expressão se desfaz quando puxo sua cintura,
deixando-a de joelhos no colchão. Desço as alças finas do vestido e ele cai com imensa
facilidade. O vestido se torna um emaranhado de tecido brilhante em seu colo e ela se levanta
para que eu termine de tirá-lo, deixando-a apenas com uma calcinha minúscula, igualmente preta
e que contrasta perfeitamente com sua pele branca.
A calça se torna infinitamente desconfortável.
Encho minhas mãos com seus seios pequenos e quando os aperto, ela arfa e empurra as
costas contra meu peito, me deixando ainda mais duro contra a sua bunda. Meus lábios dão total
atenção para seu pescoço e ombro, mas sinto que atingi meu estado de perdição quando ela
segura uma das minhas mãos e desce pela sua barriga.
Íris está desesperada, mas será difícil fazê-la implorar. Seu maldito orgulho não cede
quando me recuso a obedecê-la, ela apenas resmunga enquanto ainda tenta forçar minha mão
para baixo e lança a cabeça contra meu ombro quando não obtém sucesso.
Ter minhas mãos em sua boceta molhada é tentador, mas vê-la em desespero por isso é
ainda mais excitante.
— O que quer, Coleman? — sussurro, brincando com o mamilo entre meus dedos. —
Peça e eu faço.
— Seus dedos.
— Onde está sua educação, amor? — pergunto, fazendo-a fincar as unhas em meu braço.
A dor me faz morder o lábio, mas, ainda assim, não consigo me desfazer do sorriso ao vê-la tão
perdida.
Suas bochechas se tornam ainda mais vermelhas quando brinco com a lateral da sua
calcinha.
— Deixe de ser insuportável e faça logo. — ela resmunga e aperta meu pulso quando
nego com a cabeça.
— Palavrinhas mágicas, Coleman.
— Vá. Se. Foder. — ela diz, pausadamente e ofegante. Íris força mais uma vez, mas rola
os olhos e joga o corpo no colchão.
Tenho a visão maravilhosa da sua bunda com a porra da calcinha, e sinto as pernas
tremerem quando ela a tira, virando-se para se exibir para mim.
É a primeira vez que ela arranca todas as minhas palavras e o ar se torna escasso quando
meus olhos encontram sua excitação.
— Já que você não faz — ela me empurra com o pé e a distração me faz cair sentado —
eu mesma faço. E você assiste.
Meus olhos acompanham sua mão descer pela barriga até seu sexo e quando ela molha os
dedos, meu coração salta até a garganta. Um espasmo na espinha me faz levantar para tirar a
calça.
Íris morde o lábio e arqueia o corpo enquanto se toca, se explora e se exibe. Ela morde o
lábio para abafar os gemidos manhosos. É como estar diante de uma deusa promíscua, obscena,
uma face de Íris que eu não conhecia, mas que com certeza está disposta a me destruir.
Merda, ela está conseguindo.
Ela abre ainda mais as pernas e choques atingem meu corpo quando ela enfia dois dedos
em seu sexo. Sua boca se escancara, mas seus olhos continuam em mim. Firmes, incendiários,
hipnotizantes. Perco segundos do meu tempo a admirando. Cada curva do seu pequeno corpo, as
sardas estelares que enfeitam sua pele, os músculos bem definidos se contorcendo enquanto ela
se derrete em meu colchão.
Eu poderia assisti-la para sempre, tê-la como um show particular que, certamente, me
deixaria muito satisfeito.
Ainda que seja tentador, cada centímetro meu implora pelo contato com seu corpo quente
e quando seguro em suas coxas para puxá-la para mim, um grito ecoa pelo quarto e se torna um
gemido arrastado quando a ataco com a minha boca, me pondo entre suas pernas para provar
cada gota.
Acaricio cada centímetro de sua pele sensível, me deliciando com seus gemidos que já
não são mais tão controlados. Ela agarra nos lençóis, fincando as unhas no tecido e fecha as
pernas contra a minha cabeça. Seu corpo relaxa logo em seguida. Tantas reações em tão poucos
segundos que me deixam ainda mais empenhado em arrancar tudo dela.
Seu gosto afrodisíaco fixa em minha língua, tornando viciante e a única coisa que me
impede de continuar é a força com que Íris me puxa pelo braço e a rapidez que ela envolve
minha cintura para inverter posições.
Merda de ginástica.
A visão não me deixa impedi-la de continuar. Ela se acomoda em meu corpo, com as
pernas rodeando minha cintura. Toda umidade é transferida para o tecido da cueca e ao perceber
o efeito que causa, ela se esfrega contra mim, apoiando a mão em meu peito e me forçando
contra o colchão enquanto me arrasta para a beira do abismo.
Ela joga os cabelos para o lado quando menciona se inclinar sobre meu corpo. O sorriso
não desgruda da sua boca e quando minha voz falha, seu olhar se torna ainda mais satisfeito. Os
olhos parecem consumidos por chamas, algo tão perverso que me faz ceder facilmente. Tudo o
que eu conhecia antes de Íris se torna pó, há algo em seus olhos e boca que eu nunca havia
experimentado em nenhuma outra mulher.
E é por isso que eu estou completamente de joelhos, rendido ao seu feitiço.
Ela deixa marcas de suas unhas em minha pele, junto com suas digitais e rastros
irreparáveis na minha vida.
— Onde est…
— Gaveta. — Aponto para o pequeno móvel ao lado da cama e antes que eu consiga
alcançá-la, Íris se inclina, abre a gaveta e tira uma embalagem de lá.
Ela brinca com a embalagem, mas não a abre. Deixo que ela faça o que bem entender
quando começa a descer pelas minhas pernas, tirando a última peça que ainda me cobre. Ela
lambe toda a extensão do meu pau, me fazendo arfar, surpreso com o toque da sua língua quente.
Tomo a péssima decisão de me erguer para olhá-la e encontro a visão do paraíso — ou do
inferno — quando ela abre a boca e me engole por completo, fazendo meus pulmões sufocarem.
Suas unhas arranham minhas coxas até a pele arder e eu posso vê-la esfregando-se contra
o lençol, enquanto me castiga com sua boca, sugando o que pode. Seguro em seus cabelos loiros,
empurrando o corpo contra sua boca e ela geme, apertando ainda mais as pernas. Íris se levanta e
o que restou de saliva em sua boca escorre pelo queixo.
Ela sorri enquanto o limpa, seus olhos estão tão satisfeitos que eu tenho certeza que estou
com uma expressão imbecil estampada em meu rosto. Cada ato meu entrega que estou
completamente dominado por ela. A diaba entre minhas pernas sabe disso e se aproveita de cada
segundo.
Íris rasga a embalagem com os dentes e finalmente coloca o látex e volta a se sentar em
mim, posicionando-se até que eu sinta cada centímetro da sua boceta me apertar com força e
rapidez. Mordo o lábio para conter o gemido, mas quando ela começa a mover a cintura, ainda
com as unhas fincadas em meu peito, esse ato se torna impossível.
Sons roucos se unem aos seus gemidos altos. Seus cabelos caem para o lado quando ela
se inclina sobre mim e me beija lentamente, no mesmo ritmo ditado pela sua cintura.
Sua língua enlaça a minha preguiçosamente, fazendo minhas pernas estremecerem à
medida que ela rebola e arranha meus ombros. Aperto sua cintura, forçando-a a se mover mais
rápido, mas ela nega e sorri contra a minha boca.
— Ponto para mim. — ela sussurra, vitoriosa, contra meu pescoço. Mesmo sem vê-la,
consigo senti-la sorrindo.
Seu ato é suficiente para que eu assuma o controle novamente, impulsionando seu corpo
para frente com força. Prendo-a contra o colchão e seguro firme em seus cabelos. Uso a mão
livre para agarrar a sua cintura e me afundar com força dentro dela, acertando um tapa estalado
em sua bunda que deixa sua pele avermelhada.
Meu peito gruda em suas costas.
— Merda. — ela resmunga, fechando os olhos e se segurando na beira da cama.
— Não se esqueça do que eu disse no elevador, Coleman. — digo, saindo de dentro dela
apenas para puxar seu quadril, deixando-a de quatro. — Agora eu quero ouvir você gritar,
entendeu? — Seguro firme em seu cabelo e ela balança a cabeça, desesperada. — Eu quero ouvir
você gritar enquanto arruino a sua boceta.
Íris geme alto e eu sorrio, vitorioso.
A visão é gloriosa. Me sinto a porra do dono do mundo em tê-la em minhas mãos. Passo
a língua pelas suas costas antes de voltar para dentro dela. Meu nome escapa repetidas vezes, o
que me motiva a aumentar as investidas, já que ouvi-la é, certamente, uma das melhores
sensações que já experimentei.
Íris me envolve e me aperta, seu corpo estremece contra o meu. Os atos bruscos fazem a
cama balançar com força e bater contra a parede e os gemidos de Íris atravessam as paredes dos
cômodos, apesar da porta fechada.
Deixo que ela tome tudo de mim, mesmo que meu corpo esteja se entregando
involuntariamente. Deixo que ela me receba, mesmo que sem proferir uma palavra que não seja
seu nome.
Não existe permissão para que meu coração se entregue, mas do mesmo modo, não existe
resistência. Não encontro caminho para a negação, principalmente quando ela me olha por cima
dos ombros e seus olhos encontram os meus. Não demora para que os pequenos tremores do seu
corpo se tornem excessivos e eu vire seu corpo, deixando-a de frente para mim.
Seguro firme em sua cintura, empurrando tudo o que consigo. Sua boceta me engole com
tanta intensidade que minhas pernas tremem. Ela inclina a cabeça para trás, fazendo seus cabelos
loiros caírem para fora da cama.
Os gemidos se tornam gritos quando me abaixo para tomar um dos seus seios na boca.
Suas unhas fincam em minhas costas com força e eu retribuo, mordendo sua pele. Ela puxa meu
cabelo e aperta meu ombro.
A briga deixa marcas em nossas peles e torna todas as sensações ainda maiores.
— Não pare, por favor… — ela implora, pressionando os olhos e eu obedeço. — Deus,
isso é tão bom… — ela exclama, agitando o corpo e apertando meus braços.
Quando seu corpo convulsiona em minhas mãos, o ápice me atinge quase que simultâneo
ao momento em que Íris relaxa o corpo no colchão. Ela fica em completo silêncio e prende meu
corpo contra o seu, enquanto tenta recuperar o ar.
Minhas pernas ainda tremem quando enlaço nas suas. Acaricio seus ombros,
cuidadosamente e a vejo estremecer quando toco o local onde deixei uma mordida
exageradamente forte. Eu poderia me sentir culpado, mas a ardência em diversos pontos do meu
corpo me deixam satisfeito em saber que existem marcas minhas nela também.
Ela toca meu rosto com delicadeza.
— Você é lindo. — ela sussurra, me fazendo sorrir enquanto tento recuperar o ar.
— Eu sei… — Íris revira os olhos, me fazendo gargalhar apesar do cansaço. Abraço-a
com mais força para que ela não fuja. — Precisamos de um banho.
Deixo que ela descanse e quando sua respiração volta ao normal, acomodo-a em meu
colo e a levo até o banheiro, enquanto ela resmunga sobre não ter roupas limpas para vestir. Ela
prende os cabelos e eu ignoro cada uma de suas falas, empurrando-a no chuveiro.
Ela reclama e me causa crises de risos.
Uma estranha sensação de conforto me preenche quando ela passa o sabão em minhas
costas. Depois de enxaguar, ela beija minha pele. Diferente do que aconteceu há minutos, os
toques são carinhosos e calmos. Há gentileza e delicadeza que fazem toda e qualquer disputa se
dissipar. Não existe um vencedor nessa guerra boba que acontece entre nós e mesmo que em
silêncio, sem avisá-la, deixo que ela me enxergue por completo.
Com todos os demônios, falhas e medos.
Ela me recebe e me abraça com força.
Se por algum acaso ainda existir alguma guerra, eu me rendo e dou a ela o posto de
vencedora. Medalhas, troféus e um imbecil que se encontra de joelhos por ela.
— Estou morrendo de fome. — ela reclama, cobrindo o corpo com uma das minhas
camisas que ultrapassa suas coxas.
— A cozinha é no outro cômodo, Coleman. — resmungo, tentando me jogar na cama,
mas ela me puxa pelo pulso.
— Me leva lá!
Empurro a loira até a cozinha e a assisto enquanto ela toma posse das minhas coisas e
prepara um sanduíche. Apesar de fazer tudo com agilidade, ela bagunça tudo o que toca.
Inclusive a mim. Íris concentra toda a sua atenção na tarefa, mesmo que sonolenta e sorri quando
finalmente acaba.
Me sento no sofá, onde Bella dorme profundamente e ela se acomoda ao meu lado, pondo
as pernas em cima da minha, enquanto devora o sanduíche e tenta se recusar a dividir comigo.
A porta aberta da varanda permite que eu enxergue as luzes da cidade, a movimentação
noturna de Miami e as poucas estrelas no céu.
Sinto uma imensa vontade de arrastá-la para a varanda e mostrar o que me deixa
fascinado lá em cima. Contar sobre os planetas, alinhamento das estrelas e tudo que ela está
causando dentro da minha galáxia. Cada turbulência, cada explosão, mas me contenho e apenas
seguro sua mão quando ela deixa o prato de lado.
— Aquele lugar é incrível. — ela resmunga. — E aquela bebida também. É maracujá,
deveria acalmar.
— É maracujá com vodka, não espere que faça algum sentido. — respondo e ela dá de
ombros, acomodando-se perto de Bella, que ainda dorme entre as almofadas.
As estrelas permanecem ali, mesmo que as luzes dos prédios e postes não permitam que
eu as veja como realmente são. O céu está tão limpo que consigo enxergar os vestígios das
poucas nuvens que insistem em tomar o espaço.
Antes eu me sentia perdido ao encarar o gigante azul acima de mim.
Quando me dou conta de que Íris adormeceu agarrada a Bella, um sorriso faz minhas
bochechas doerem e eu me levanto com cuidado. Fecho a porta da varanda, dando uma última
olhada no céu. Se antes eu me sentia perdido, eu olho para trás, vejo Íris e encontro respostas.
Mamãe falava sobre a infinidade infinita do universo. Quantos infinitos cabem dentro de
outros infinitos, de outros infinitos e por aí vai. Ela falava sobre como o amor faz com que o
peito se expanda a ponto da infinidade do universo se tornar mínima. As duas comparações
sempre pareceram tão distintas que passei a duvidar, até mesmo, do infinito do universo.
Seguro Íris em meu colo e quando ela agarra meu pescoço, meu peito se expande e eu
preciso engolir em seco. Deito seu corpo com cuidado e quando me acomodo ao seu lado, ela é
rápida em me abraçar. Seu corpo encaixa no meu vazio, preenchendo-o por completo.
Sensações, explosões, colisões, um brilho tão grande que me cega, ao mesmo tempo que
me indica um caminho desconhecido, que ativa a minha curiosidade e me deixa tentado a segui-
la.
Me dá uma sensação de felicidade que não me lembro de ter sentido um dia.
É assustador, intenso, mas estranhamente bom.
Tudo isso cabe no meu infinito confuso, mas que Íris está reorganizando sem ao menos
perceber.
Adentro seus cabelos com os dedos, acariciando-os até meu corpo atingir um
desconhecido estado de plena tranquilidade.
Seus fios abraçam meus dedos, seu corpo enlaça o meu e sua respiração tranquila acaricia
meus ouvidos.
Me sinto infinito.
Minha mente esquece de me lembrar que você é uma má ideia
Você me toca uma vez e isso é realmente algo
Você descobre que sou ainda melhor do que você imaginou que seria
Estou em alerta com o resto do mundo, menos com você
Sei que isso não é nada bom
E eu poderia esperar pacientemente, mas realmente quero que você
Sparks Fly (Taylor's Version) — Taylor Swift

Me torno uma adolescente idiota ao sentir um sorriso em meus lábios antes mesmo de
abrir os olhos, mas é inevitável. Principalmente quando o perfume masculino é a primeira coisa
que sinto ao acordar. E eu reconheço cada detalhe da fragrância cítrica se misturando ao cheiro
do sabonete.
O toque apertado em minha cintura é inconfundível e eu me sinto menor agarrada a ele.
Suas pernas estão enlaçadas nas minhas, os braços rodeiam meu corpo e apertam, como
se fosse uma forma de se certificar que eu ainda estou por perto. Meu rosto continua escondido
em seu peito nu e a proximidade permite que eu ouça as batidas calmas do seu coração, assim
como a sua respiração tranquila.
Me movo minuciosamente apenas para abraçar o que consigo do seu tronco e quando
meus dedos encostam na pele de suas costas, acariciando cuidadosamente, ele resmunga e me
aperta ainda mais — como se fosse possível.
O abraço de Órion me proporciona uma das sensações mais deliciosas que já senti em
toda a minha vida. Semelhante a concluir um salto, a adrenalina de subir aos céus e depois cravar
os pés no chão, após um voo pleno e livre, alcançar a calmaria da aterrissagem, enfrentar a
realidade.
Órion é meu voo. É cuidadoso e intenso na mesma proporção.
E me faz sorrir como ninguém nunca conseguiu antes.
Sinto Órion beijar o topo da minha cabeça e a porra do sorriso em meus lábios se
expande.
— Bom dia, Sparks. — sussurro e ele apenas murmura, em reprovação.
Me esqueci do mau humor matinal, característica marcante dos irmãos Sparks.
— Permaneça calada, Coleman. E continue esse carinho, ou eu juro que faço uma
loucura. — ele resmunga. A voz ainda mais rouca, sonolenta e arrastada.
— Não consegue acordar feliz nem mesmo depois da noite que tivemos?
— Estou feliz, mas estou com sono. Dito isso, continue a porra do carinho. — ele
reclama, me apertando ainda mais, até me deixar sem ar.
— Posso continuar se me deixar respirar.
Ele afrouxa o abraço e dá uma risada silenciosa que me obriga a erguer o olhar. É
definitivamente uma das cenas mais adoráveis que já vi. Ele sequer se esforça para abrir os
olhos, mas os lábios estão avermelhados, inchados e estendidos em um pequeno sorriso. Quando
percebe que o olho, ele finalmente exibe seus olhos azuis, brilhantes apesar de sonolentos.
— Oi. — sussurro e ele revira os olhos, voltando a lançar a cabeça no travesseiro.
— Não vai mesmo me deixar dormir, hum? — Nego com a cabeça, sem conter o sorriso
que ele me causa. — Certo!
Órion agarra minha cintura e me lança contra o colchão, posicionando-se em cima de
mim. O sono dá lugar a seu semblante travesso e provocador.
Ele acaricia meu rosto antes de finalmente me beijar e meu corpo agradece.
— Por Deus, vá escovar esses dentes! — esbravejo, fazendo-o trocar as carícias em
minha cintura por cócegas que me fazem gritar.
— Venha aqui, Coleman! — Ele me puxa pela cintura, me erguendo com uma facilidade
irritante e quando sou arrastada para fora da cama, me vejo em seu ombro em questão de
segundos.
— Me solte, seu idiota! — Bato em suas costas enquanto ele me carrega para o banheiro
com rapidez.
Quando Órion fica embaixo do chuveiro, dou um grito e acerto suas costas novamente.
— Não se atreva!
— Eu vou te jogar no chuveiro gelado de novo, quer ver?
— Faça isso e você não terá nada de mim por um longo tempo.
Órion acerta um tapa em minha bunda antes de finalmente me colocar no chão, e se
afasta para ir na direção da pia.
— Ponto para mim. — Brinco.
Assisto o movimento das suas costas à medida que ele anda. Finalmente consigo enxergar
mais detalhes do imenso desenho que cobre suas costas. Um mapa estelar, com o que parecem
ser coordenadas que jamais vou entender, estrelas maiores, outras menores, constelações
desenhadas com perfeição e uma mulher com asas centralizada ali.
Os desenhos se movimentam com a tensão de suas costas e quando nota que estou o
encarando, ele sorri através do reflexo do espelho.
— Sei que sou irresistível, mas pode se apressar?
Rolo os olhos e finalmente paro ao seu lado.
Sinto algo inexplicável dentro de mim enquanto vivo cada segundo dentro da nossa
bolha. Explosões gigantes em meu peito que abrem espaço para mais sentimentos. Todos novos,
algo desconhecido e incrivelmente bom.
Algo bom que é interrompido pelo toque do meu celular.
Encosto na parede, me recusando a sair dali enquanto escovo os dentes com a escova
nova que o mau humorado fez questão de jogar em cima de mim.
Ele se afasta, permitindo que eu assista mais das suas ações enquanto ele se espreguiça a
caminho do quarto.
— Coleman, é o seu pai! — Órion grita, me fazendo lavar a boca rapidamente e correr
até ele.
— Pai? — Atendo depois de alcançar o celular da mão de Órion.
— Filha, pode vir até a clínica? — ele diz e sua voz trêmula revela que algo está errado.
Seu tom me faz cair sentada na cama e a bolha em que eu estava estoura, me levando de volta
para a minha realidade caótica.
— A mamãe está bem? — pergunto, temendo a resposta. À minha frente, Órion paralisa e
me olha, atento.
Sinto meus ossos tremendo.
— Consegue chegar aqui bem rápido?
— Consigo. Chego logo.
Desligo e o celular cai da minha mão, devido ao tremor dos meus dedos. Milhares de
cenas passam pela minha mente, me deixando tonta e apavorada a ponto de não conseguir me
mover.
— Coleman? Está tudo bem? — Órion pergunta, se ajoelhando entre minhas pernas.
Minhas mãos se movem apenas para segurar as suas.
— Eu não sei. — Minha voz se recusa a sair. — Órion, eu não sei… Preciso ir para a
clínica. — Me levanto rapidamente, agarrando meu vestido.
— Se troque, chegaremos lá rápido.

Órion me guia pelos corredores da Sparks-Caldwell, segurando minha cintura para me


manter equilibrada, já que sinto que posso desabar a qualquer momento. Minha visão turva me
faz tropeçar em meus próprios pés, o medo do que vou encontrar me faz querer explodir em
lágrimas.
Encaro o número do quarto antes de entrar. O 53 indicado pela recepcionista e que eu
temia enquanto atravessava todos os anteriores, contando um por um, como se estivesse prestes a
me deparar com um pesadelo.
Órion segura meus ombros quando paraliso na entrada. Meus olhos encontram minha
mãe desacordada.
— Se acalme, Coleman. — Órion sussurra e eu sinto que não consigo andar.
Apenas algo que restou da minha mãe está ali, e me faz recuar. Só não consigo fugir
porque minhas costas batem contra o peito de Órion e ele me acolhe com toda força que
consegue, o suficiente para me manter de pé.
Meu pai, no outro canto do quarto relativamente escuro, se levanta.
— O que aconteceu com a minha mãe? — pergunto, sentindo a garganta se fechar.
— Um derrame no pericárdio. — Me viro, me deparando com o Dr. Caldwell. — Entre,
querida.
Me forço a entrar, mesmo temendo me aproximar para encarar mais da minha mãe. Órion
continua segurando meu braço com delicadeza enquanto tento encontrar algo que me lembre de
quem minha mãe era antes desse inferno.
Não consigo reconhecê-la e tenho medo de chegar mais perto.
— É uma inflamação causada pelas células do câncer. — O médico continua. Meu pai se
aproxima da minha mãe e acaricia seus cabelos finos e loiros. — O líquido se acumula ao redor
do pericárdio, uma membrana do coração. Colocamos um dreno em sua mãe, e felizmente
estamos tendo um bom resultado.
Engulo em seco, ainda encarando-a, tentando entender em que momento as forças do
universo decidiram que minha mãe — o ser humano mais incrível que já pisou nessa droga de
planeta — merece algo tão doloroso.
Solto o ar, sentindo o corpo ceder e as lágrimas escorrem rapidamente, em um misto de
alívio em saber que ela está reagindo, e pavor em pensar que algo pode piorar.
Órion envolve meu corpo com um único abraço e eu me viro para recebê-lo, escondendo
o rosto em seu peito, tentando encontrar algum conforto.
— Ela está bem, loirinha. — ele sussurra, grudando os lábios em meu ouvido enquanto
me abraça. — Ela vai ficar bem, amor.
— Logo ela vai acordar, Íris. E ficará bem, Vincent está a frente do caso também e assim
que ela estiver estável, começaremos a quimioterapia. Não vamos mais esperar. — Richard se
aproxima para segurar a minha mão.
Logo, é Vick que atrai minha atenção. Ela atravessa a porta e me surpreende quando toca
meu ombro.
— Vim assim que pude, como ela está? — ela pergunta, ainda segurando meu ombro,
mas levando a atenção para seu pai.
Eles são extremamente parecidos. Os traços bem marcados e bonitos, a atenção quando o
profissionalismo fala mais alto.
— Bem, foi preciso colocar o dreno, mas o líquido está sendo extraído e logo ela vai
acordar.
— Meu padrinho assumiu? — ela pergunta e Richard assente. Ao meu lado, consigo
sentir o corpo de Órion se tornar rígido ao ouvir falar de seu pai.
— Vai dar tudo certo, Íris. — ela diz e eu sinto sua mão acalentar meu braço. — Ela está
sob os cuidados dos melhores desse hospital.
— Obrigada, Vick. — digo e ela sorri, compreensiva e carinhosa. Não é preciso muito
para que eu sinta a verdade em suas palavras.
Volto a olhar para a cama e meu pai continua ali, olhando-a, como se não houvesse
ninguém no quarto. Minha mãe permanece imóvel, os olhos fechados e diversos fios ligados ao
seu corpo.
— Eu posso? — pergunto, receosa, mas aponto para minha mãe.
— É claro, querida. Ela está bem, está respirando e reagindo. — Dr. Caldwell toca meu
ombro e me guia até a cama.
— Oi, mamãe. — sussurro, me abaixando ao lado da cama. Há um fio em seu nariz, lhe
dando mais oxigênio, e o outro ligado ao coração, de onde está saindo todo o maldito líquido que
quase a arrancou de mim. — Estou bem aqui.
— Ela vai acordar logo, filha. — Meu pai sussurra, tocando a minha mão. — Está tudo
bem, pequena.
Permaneço ali por longos e dolorosos minutos, esperando pelo momento em que ela vai
abrir os olhos e sorrir para mim. Não demorou para que Richard guiasse Vick e Órion para fora
do quarto, logo depois que pedi para que avisasse a Neil que não iria ao treino.
O quarto silencioso me afunda num poço de pavor, deixando que as vozes em minha
mente se tornassem mais altas do que a árdua tentativa de não surtar. Me levanto apenas para me
sentar ao lado do meu pai e me acomodar em seu abraço, enquanto meus olhos continuam fixos
na cama.
— Que bom que veio, sua mãe vai ficar feliz em te ver quando acordar. — Meu pai diz,
chamando a minha atenção e me fazendo sorrir.
— Estou com tanto medo, pai…
— Eu sei. Eu também. — ele confessa e eu noto seu desconforto ao apertar meus ombros,
cuidadosamente. — Mas ela vai ficar bem, tenho certeza… E então? Estão namorando? — Meu
pai me faz despertar. — Fale a verdade.
— Não sei, pai.
— Mas estão juntos? — Dou de ombros.
— Acho que sim.
O sorriso que surge em seus lábios me faz retribuir. Ele analisa meu rosto em busca de
mais respostas, então apenas balanço os ombros e volto ao seu abraço.
— Gosta dele?
— Não faça perguntas tão difíceis.
— Pode ir ao treino, se quiser. — Nego com a cabeça. — Ou amanhã, se quiser descansar
por hoje.
— Não vou embora até que ela acorde.
— Estou ouvindo vocês. — Minha mãe sussurra, me fazendo abrir um sorriso tão grande
que minhas bochechas doem. — Então, estão juntos?
— Mamãe… — choramingo — Isso é assunto para outra hora. Como a senhora está se
sentindo?
— Exausta… mas bem.
— Eu te amo, mamãe. — soluço contra o dorso de sua mão gelada, e ela a abre para
espalmar em meu rosto.
Um pequeno sorriso surge em seu rosto e isso parece acariciar meu coração apavorado.
Cada segundo do seu peito subindo e descendo, indicando a sua respiração, me mantém segura.
Sua vida me mantém firme.
— Obrigada por ter vindo. — ela sussurra e eu me inclino cuidadosamente para beijar sua
testa.
— Nunca vou te deixar, mamãe.

— Feliz? — resmungo para Bella, que balança o rabo freneticamente enquanto nos
aproximamos do prédio de Íris.
Precisei sair do hospital para ir trabalhar e descobri o quão difícil foi deixá-la para trás.
Depois de diversas mensagens trocadas, perguntei se ela precisava de algo e que eu poderia ir até
ela depois do plantão.
Fui obrigado a lidar com Neil, desconfiado do fato de eu ter sido mais rápido que ele ao
ajudar Íris. Lya se intrometeu, dizendo que temos o mesmo pai e se gabando ao dizer que a
maravilhosa ideia foi dela.
Claro que ela não seria tão genial quanto eu, é bom saber que a ideia partiu de mim,
mesmo que Lya se aproveite do fato de termos o mesmo sangue de Vincent para ser a heroína do
século.
Mesmo assim, a recompensa me faz ignorar as provocações da minha irmã. O sorriso de
Coleman, irritante e extremamente apaixonante, e que está virando a porra da minha vida do
avesso, me fazendo atravessar a Brickell até a Coral Way andando, apenas porque ela insistiu
que trouxesse Bella comigo.
Na verdade, ela disse que eu não deveria aparecer sem Bella, e isso soou mais como uma
ameaça do que um pedido. Independente do tom, fiz sem hesitar.
— Vamos, garota.
O Sr. Johnson nos recebe com um grande sorriso e abre a grande porta de ferro.
— Boa noite, Sr. Sparks! Quem é a princesa?
— Bella. — respondo e ele se abaixa, fazendo com que a mimada fique quieta para
receber seu carinho. — Íris está me esperando.
— Pode subir!
Puxo Bella pela coleira rosa, até o elevador, tentando fazê-la se acalmar. A vira-lata fica
extremamente agitada durante os passeios, com uma felicidade quase irritante.
Atravesso o corredor e toco a campainha enquanto Bella se agita ao sentir o cheiro
familiar de quem nos espera do outro lado da porta. Talvez esteja confusa pela mistura de Lya e
Íris, mas ainda assim, está feliz.
— Por Deus, que demora! — reclamo, deixando a campainha de lado para bater na porta.
— Espera, porra! — Lya grita, fazendo Bella latir. Logo minha irmã abre a porta, fazendo
a cadela se soltar de mim para pular em seu colo. — Que surpresa! — ela exclama, se abaixando
para brincar.
Empurro Lya o suficiente para atravessar a sala e encontrar Íris jogada no sofá. A loira
ergue o olhar e sorri, mas a indisposição está nítida em seu semblante. Me aproximo para beijá-
la, esquecendo completamente da minha irmã atrás de mim.
— E então? Como ela está? — Me sento ao seu lado e ela logo acomoda as pernas em
meu colo.
— Está bem, vai ter alta amanhã. — Ela encosta a cabeça em meu ombro, aconchegando-
se mais perto.
— Ah, vocês são fofos. — Lya cantarola.
— Vá se foder! — respondemos em uníssono, fazendo-a gargalhar.
— Esqueçam o que eu disse.
Bella late e sobe no sofá, lambendo animadamente o rosto de Íris, que gargalha e a
abraça.
— Oi, meu amor! — A voz de Íris assume dois tons acima para brincar com Bella, que
recebe seus carinhos e retribui com mais lambidas em seu rosto.
— Vou sair para encontrar Vivian! — Lya avisa, vestindo uma jaqueta de couro. Bella
não perde tempo e corre até ela, transformando o ambiente em uma grande bagunça.
— Sossega, Bellatrix! — grito, puxando-a.
— Bellatrix? Como em Harry Potter? — Íris pergunta, animada e eu arregalo os olhos.
Sempre a maldita pergunta.
— Não. Definitivamente não.
— Péssima ideia. — Lya diz, apontando para Íris. — Vou embora antes que sobre para
mim. Até mais tarde.
Alya foge e ao meu lado, Íris franze as sobrancelhas.
— Bellatrix é uma estrela, Íris! Pelo amor de Deus! É a terceira estrela mais brilhante da
constelação de Órion, e a 27° mais brilhante do céu noturno. — explico e ela abre um sorriso,
apoiando a mão no queixo para me olhar com mais afinco. — O quê?
— Gosto quando é inteligente.
— Sou inteligente o tempo todo.
— E é a porra de um convencido. — Bella late e ela ri. — Viu? Ela concorda.
— Cale a boca, Coleman.
Puxo Íris para mim e ela geme em aprovação quando grudo sua boca na minha. Ela não
demora para subir em meu colo, explorando onde ela consegue com as mãos pequenas. Seu
corpo se encaixa perfeitamente acima do meu, permitindo que eu toque em todos os cantos e me
delicie com a maciez.
Seguro em seus cabelos, puxando-os para ela erguer o queixo e deixar seu pescoço livre
para mim. Inalo seu perfume e quando beijo sua pele macia, sinto espasmos na coluna e faíscas
nas pontas dos dedos enquanto a aperto em meu colo.
Íris é rápida ao agarrar minha camisa e arrancá-la com rapidez. Me preparo para me
levantar, mas sou impedido pelo som da porta se abrindo e Íris esconde o rosto em meu pescoço.
— Desculpa, esqueci as chaves! — Lya diz. — Por Deus, vocês são rápidos!
— SAI DAQUI! — grito, fazendo-a gargalhar antes de fugir de novo.
Íris se afasta com o rosto adoravelmente ruborizado e toca meu rosto com cuidado. Por
Deus, como uma pessoa consegue ser tão bonita?
Seus olhos brilham, os cabelos caem pelos ombros e cada detalhe disso me deixa
hipnotizado. Cada centímetro de Íris parece ter sido feito especialmente para me deixar confuso e
estranhamente fissurado.
— Amo as suas tatuagens. — ela diz, acariciando meus braços. — Elas têm significado?
— Significam algo para a humanidade, mas não para mim. — Ela franze o cenho. — Não
sou tão profundo assim, escolhi desenhos aleatórios, já que a maior parte delas foi feita apenas
para irritar meu pai.
— Ah, sério, Sparks?
— O quê? Eu era um idiota. — Dou de ombros, nos acomodando no sofá. Deixo Íris
deitada sobre mim.
Nossas pernas se entrelaçam e ela apoia as mãos em meu peito.
— Óbvio que escolhi desenhos que eu gosto, algo que tenha a ver comigo, mas poucas
têm um real significado.
— Quais têm?
Pego sua mão e levo até meu antebraço, no barquinho desenhado em traços finos. É
desajeitado, mas especial.
— Meu primeiro paciente desenhou esse barquinho e pediu para eu tatuar. — falo e ela
sorri. — Seu nome é Miles… Por algum motivo, ele gostou das minhas tatuagens.
— No fundo, você é amável.
— Cale a boca. — Toco seu lábio com o indicador e ela ri.
Em seguida, levo sua mão ao meu ombro, onde há uma constelação desenhada, com
todos os detalhes que consegui captar.
— Certo, deixa eu adivinhar! — Ela espalma as mãos no meu peito, olhando atentamente
para a tatuagem. — É a constelação de Órion.
Gargalho e dou um beijo estalado em sua bochecha.
— Não, não seria narcisista a esse ponto. É a constelação Serpentário. — Traço seu dedo
pelo desenho, por cada estrela desenhada e as linhas que as unem no desenho perfeito. — É uma
das constelação com a maior nuvem de estrelas. Representa um homem que segura uma serpente,
chamam esse cara aí de Ofiúco. — Ela ri. — Se identifica também como Asclépio, deus da
medicina e que era filho de Apolo, na mitologia grega, mas isso não vem ao caso agora.
Ela percorre as linhas com cuidado, arrastando a unha curta por cada uma delas. Seus
olhos permanecem atentos em minha pele, há um fascínio em seus olhos que me deixa
desconcertado.
— Aqui, é a cabeça da serpente… — Ela assente, enquanto guio sua mão pela tatuagem.
— E aqui, na cauda, é a estrela Alya.
Seu dedo para no maior dos pontinhos que simboliza as estrelas. Foi a primeira tatuagem
relacionada a astronomia que fiz. Alya tinha acabado de ingressar na equipe profissional da
RGA, nosso único contato era por mensagens.
Eu sentia uma imensa saudade da minha irmã, e evitava olhar para as estrelas, já que me
sentia culpado por estar tão longe e não poder encontrar constelações com ela, como fazíamos
quando éramos crianças.
Eu vivia um inferno interno, cada vez mais me dando conta de que estava fazendo
exatamente como Vincent.
Abandonando a minha irmã.
A tatuagem não minimizou a saudade, muito menos diminuiu a culpa, mas fazia com que
eu me sentisse mais próximo dela. Mesmo que eu pudesse visitá-la sempre, mas não ia por medo
de encontrar Vincent. Mesmo que eu tenha tido diversas oportunidades em ir em competições
para prestigiá-la.
Eu fui um covarde e tento me redimir a cada dia, desde que decidi me aproximar de novo.
Desperto quando meus olhos encontram as orbes de Íris. Ela abre um sorriso
incrivelmente lindo ao ouvir o nome da minha irmã. É lindo e brilhante e faz com que o mundo
desabe aos meus pés.
Ela brilha como a porra de uma constelação, sinto que estou tocando todas as estrelas da
Via-Láctea, já que é impossível resumi-la a uma mera estrela. Ela é todas as estrelas, todos os
planetas, tudo o que me faz sorrir e querer respirar.
Querer viver.
— Por que estrelas e constelações? — ela pergunta, deitando a cabeça em meu peito.
Ergo um pouco da sua camisa para tocar suas costas.
Bella se acomoda no chão e Íris estica o braço para acariciar seus pelos.
— Meus pais eram fascinados pelo universo, enquanto não estudavam medicina, ficavam
atrás de um telescópio. Eles se conheceram em Salt Lake City, viram as estrelas lá diversas
noites. Quando conseguiram ver a Constelação de Órion, decidiram que esse seria o nome do
primeiro filho. — conto, lembrando do brilho dos olhos da minha mãe ao contar essa história. —
Quando eu tinha dois anos, viajamos para o Chile, queriam ir ao Deserto do Atacama, dizem que
lá é um dos melhores lugares para ver as estrelas. Mamãe estava grávida.
— E viram a Constelação Serpentário? — Assinto.
— Estudaram a constelação e decidiram que seria Alya.
— Isso é lindo.
— É, era lindo. — Engulo em seco e sinto que Íris percebeu minha confusão. — Até meu
pai se tornar o maior dos otários.
— Sinto muito… — ela sussurra e ergue o rosto para deixar um beijo em meu queixo.
Todos os medos que sentia se reduzem a pó. Eu tinha medo de ser como eles, de sofrer
como Noelle ou causar sofrimento como Vincent. Acreditei que me privei de amar, ou que não
merecia algo tão intenso, mas descobri que estava guardando o melhor de mim para entregar para
Íris.
Só que, porra… ela demorou muito para chegar, tanto que eu havia desistido. Por sorte,
Íris é insistente demais. Mesmo que eu não soubesse que existia tanto em mim, tanto para
oferecer, tanto espaço para receber o que ela quiser me entregar.
Ela me faz querer viver, para ser dela e para assisti-la sendo ela. Se antes eu sentia medo,
agora tudo o que sinto é uma imensa coragem que me faz inflar o peito.
— Loirinha? — sussurro seu apelido e ela resmunga, se levantando novamente para me
olhar. Acaricio seus cabelos, pondo algumas mechas atrás de sua orelha. — Você venceu.
— Certo, eu aceito, mas venci o quê? — ela pergunta, com um sorriso vitorioso nos
lábios, mesmo sem saber que entreguei a ela todos os pontos da nossa guerra.
Os pontos e a porra do meu coração.
— Esse jogo. Você conseguiu.
Ela franze o cenho. O sorriso ainda está no canto dos seus lábios, e o brilho do universo
inteiro dentro dos olhos.
Eu sou dela.
Sempre fui. Perceber isso é como encontrar a minha salvação.
— Estou fodidamente apaixonado por você.
Me matando devagar, do lado de fora da janela
Eu estou sempre esperando que você esteja esperando lá embaixo
Demônios jogam os dados, anjos reviram os olhos
O que não me mata, me faz te querer mais
Cruel Summer — Taylor Swift

Sou arrebatada por uma sensação de déjà-vu.


Ele está no exato lugar onde estava quando tivemos nossa primeira discussão. Quando
impliquei com o fato de que ele estava fumando próximo da academia, quando ouvi sua risada
sarcástica. Quando jurei odiá-lo para sempre e desejei nunca mais precisar trocar uma palavra
sequer com ele.
A posição é a mesma. As roupas são igualmente pretas, o cigarro está entre os dedos.
Diferente da primeira vez, ele sorri ao me ver, e dá uma piscadinha na minha direção, que me faz
ruborizar. Antes, a maldita fumaça que sai dos seus lábios me causava ânsia, agora o cheiro já
não incomoda tanto e a visão é tão atraente que causa tremor nas minhas pernas.
Órion virou a minha vida de cabeça para baixo, mudou minhas convicções e desejos
apenas para se encaixar nos espaços vazios. Ele reivindicou seu lugar, fez um barulho
ensurdecedor na minha mente, e eu o recebi de bom grado.
Talvez isso seja a minha ruína ou a causa da minha salvação, e esse processo de
descoberta tem sido delicioso.
Eu me recusava a olhá-lo, agora tudo o que quero é correr até ele para beijá-lo da mesma
forma que fiz ontem, quando ele confessou estar apaixonado por mim. Da mesma forma que fiz
quando ele estava dentro de mim naquela madrugada, suando contra meu rosto, tocando onde
alcançava e tomando meu coração para si.
Repeti como uma oração o quanto estou apaixonada.
Ele cumpriu sua promessa, a que dizia que me arruinaria. Da forma que prometeu e de
tantas outras formas quase inimagináveis.
Por Deus, eu atravessaria a rua para beijá-lo mais. É quase como uma necessidade. No
entanto, me contento em mandar um beijo no ar e correr para dentro do ginásio.
— Vocês são nojentos. — Lya reclama, me puxando para dentro. Fiquei tão imersa na
confusão causada por Órion que me esqueci que minha melhor amiga ainda estava me esperando
para entrar.
Finalmente solto o ar ao cruzar a porta. Minhas amigas já estão reunidas e se alongando
para começar o treino, mas sussurram e não estão agitadas, como de costume.
Deixo a bolsa na arquibancada, me livro dos tênis e subo no tablado.
— Bom dia, meninas. O que aconteceu? — pergunto ao me aproximar. Lya cruza os
braços ao meu lado, tão curiosa quanto eu.
Vivian vira o celular para nós e eu engulo em seco ao ver a imagem de Sarah. No vídeo,
ela faz massagens e exercícios que costumava fazer conosco e, em seguida, começa uma pequena
entrevista onde ela conta como está feliz em estar lá. Entre uma fala e outra, vídeos das atletas
rolam para mostrar suas acrobacias e séries.
Os saltos são difíceis, os equipamentos são inovadores e cada segundo daquilo me faz
estremecer.
— Elas são boas… — Lya sussurra. Sua voz some a cada palavra.
— Boas? Elas são incríveis! — Ash diz antes de começar a se alongar.
Continuo encarando a tela. Os saltos que elas completam com perfeição me deixam
apavorada. Eles deviam ser normais para a Íris de quatro meses atrás, mas agora parecem um
pesadelo.
— Ainda não sei se vou concluir um salto desse até as Olimpíadas. — confesso e Jenni
abraça meus ombros.
— É claro que consegue, nós vamos te ajudar!
— É claro que vamos. — Ash completa, me fazendo sorrir.
— Seu problema é medo. — Vivian diz e eu franzo o cenho. — O quê? Eu já vi você
hesitando em saltar e desistindo no meio do caminho.
Dou de ombros.
— Enquanto sentir medo, não vai concluir nada. — ela diz, indo na direção da mesa para
se preparar.
É claro que ela está certa, mas estou descobrindo da pior forma que deixar o medo de
lado é extremamente difícil. Praticamente impossível.
Pensar nisso me faz realmente cogitar ir até a psicóloga da academia, mas o medo de
ouvir que estou sendo radical demais ao arriscar me faz dar alguns passos para trás.
Pensar em enfrentá-las sempre foi motivo de medo para mim. Mesmo quando eu
acreditava estar confiante, até mesmo quando eu ganhei. Duvidei da pontuação dos jurados
quando estava no primeiro lugar.
Talvez estivessem errados.
Antes eu sentia medo, agora sinto pavor. Delas, dos outros e principalmente de mim.
— Meu Deus, elas parecem estar cada vez melhores… — Lya diz, o medo está nítido em
sua voz.
— E elas estão.
— E vocês também. — Neil surge no meu campo de visão e me faz dar um pequeno
sorriso enquanto me preparo. — Desde quando a autoestima de vocês é tão baixa?
— Foi apenas um comentário. — Ash diz, balançando os ombros para fingir indiferença.
— Vocês são incríveis, atletas extremamente talentosas. Todas vocês. — ele diz,
direcionando o olhar para mim. — Ou a Liga está considerando vocês possíveis campeãs à toa?
— Elas, com certeza, pensam o mesmo sobre vocês. — Órion diz, cruzando os braços.
De onde ele saiu?
— Sinceramente, não vejo mais motivos para tanto drama. Elas são boas, mas vocês são
melhores. — ele completa. — Temos os melhores equipamentos, os melhores preparadores, uma
estrutura incrível e talento. O que falta para vocês desapegarem de Sarah e desse medo
desnecessário?
Suspiro, sem saber o que responder. Apenas abaixo a cabeça e permaneço em silêncio.
— Consigo contar nos dedos quantas vezes vocês erraram uma série, e você — Órion
aponta para mim e eu prendo o ar — já está mais do que preparada para tentar saltos mais
difíceis. Se recuperou mais rápido do que todos acreditavam. A única coisa que falta é vocês
tirarem da mente a ideia de que elas assustam, esquecer tudo o que Sarah falou, seja lá o que
tenha sido.
Meus olhos estão presos nele e minha mente está atenta a cada palavra que sai dos seus
lábios.
— Não falta nada, só confiança.
— Ele está certo. — Neil aponta para Órion, que permanece imóvel.
Não é o Órion que me beija, ou o Órion que me leva ao extremo do estresse, mas sim, o
Órion que me salvou e não deixou que eu desistisse quando tudo o que eu queria era fingir que a
ginástica nunca aconteceu.
Não consigo conter um sorriso, e sinto que me apaixonei mais uma vez.
— Se estão tão preocupadas, por que não estão treinando? — Neil bate palmas, indicando
os aparelhos e o som alto me faz levantar rapidamente.
Respiro fundo antes de tirar a camisa que cobria a roupa de treino e me alongo.
— É, ele é bom… — Ash sussurra, indicando Órion com o queixo.
Ele já está com a atenção fixa em sua prancheta, escrevendo sem parar. As sobrancelhas
franzidas indicam a concentração. Me perco em cada maldito detalhe dele.
— Ele é… — sussurro, tentando esconder um sorriso.
— Sarah estaria dizendo que deveríamos confiar nela, não em nós mesmas. — Jenni diz,
esfregando as mãos com magnésio.
— Chega de papo! — Neil grita, nos assustando. — Ashley e Vivian, barras! Alya pode
começar a treinar a última série do seu solo. Jennifer, começa na mesa e Coleman — ele aponta
para mim — trave. Treine a sua série. Chega de focar só em ficar andando de um lado para o
outro, quero acrobacias e saltos, siga a coreografia que Celia já passou um trilhão de vezes.
Assinto e depois de alongar, preparo minhas mãos e pés com magnésio, indo na direção
das traves de equilíbrio.
Encaro o aparelho antes de finalmente forçar meu corpo para cima. Quase recuso o risco,
mas me levanto e equilibro meu corpo nos pés. Já não sinto o corpo cambalear e sorrio por isso.
Alinho o tronco e dou a primeira estrela, enrijecendo as pernas ao voltar. Faço duas
sequências de reversão sem as mãos e sinto alívio quando consigo voltar sem cair. Meu joelho
não dói, já não me sinto tonta ou apavorada. Nenhum membro do meu corpo fraqueja.
Ignoro os gritos que Neil dá com as meninas, os sons de apito ou dos aparelhos sendo
impactados com os outros atletas. Foco no movimento dos meus pés e mãos e respiro fundo.
Faço dois flics para trás, seguidos de um mortal estendido e Neil bate palmas quando paro
de pé. Meu corpo balança para o lado, mas consigo manter.
Giro nas pontas dos pés, salto até a ponta esquerda da trave e me preparo para sair.
Faço uma sequência de flics e prendo a respiração ao me lançar para o salto duplo.
— Muito bom, Coleman! — Neil grita e quando abro os olhos, noto que meus pés
cravaram no tapete e meu corpo está perfeitamente alinhado. — Agora, faça de novo!
Órion dá uma última olhada no corredor antes de trancar a porta atrás de si. Só restamos
nós dois depois da sessão e ele aproveita disso para me pegar pela cintura e me erguer em seu
colo.
— Estou orgulhoso de você, Coleman! — ele diz, ainda me segurando com firmeza.
Enlaço as pernas em sua cintura e ele se senta em um dos aparelhos da academia. — Vi seus
saltos.
— Parece que estou melhorando.
— Parece não, você está. E no fim do mês, vamos ao Dr. Wilkins para pedir sua liberação
para Paris. — Dou um beijo em sua bochecha e ele tira alguns fios do meu cabelo que estavam
no caminho para que ele me beije. — Quer ir visitar a Nina? Ela não para de perguntar sobre
você.
— É claro que quero! — exclamo, sentindo uma imensa animação e ele me abraça com
força, abrindo um sorriso. — Você fica tão lindo com esse sorriso no rosto, Sparks.
— Fico lindo sempre, Coleman. — Dou um tapa em seu braço, tentando não rir.
— É sempre um babaca convencido também.
Tento empurrá-lo, mas ele é mais rápido ao segurar meus pulsos contra minha costas,
dando liberdade para que ele me beije. Com a outra mão, ele segura meu cabelo, puxando-o com
uma força que me faz arfar contra sua boca.
Minha cintura se move involuntariamente, reagindo a cada um de seus toques e sua
excitação em contato com a minha.
Acredito que, de certa forma, aprendi a lidar com Órion e nós finalmente nos
entendemos. Aprendi a lidar com seu mau humor, acabei com as suas grosserias — e agora tudo
não passa de provocações que me amolecem facilmente — e destruí todas as suas tentativas de
não ser bom. Só não aprendi a lidar com a forma que ele comanda meu corpo e meus atos
quando me beija.
Não aprendi a lidar com a forma que Órion me deixa completamente entregue apenas ao
me olhar. E sinceramente, nem sei se quero aprender.
Eu deixaria que ele fizesse o que bem entendesse, se não fossem os sons dos apitos
vindos do ginásio e das vozes dos atletas que ainda estão na RGA.
Me levanto rapidamente, antes que ele consiga me convencer do contrário e tento
recuperar o ar, evitando olhá-lo.
— Você vai ficar? Ou quer ir comigo até o hospital? — ele pergunta, tão ofegante quanto
eu.
— Vou tomar um banho e resolver uma coisas com Neil, pode ir na frente. — respondo,
me apoiando na parede.
Órion se aproxima e me dá um beijo rápido.
— Te vejo lá, loirinha.
E eu não quero que o mundo me veja
Porque eu não acho que eles entenderiam
Quando tudo é feito para ser quebrado
Eu só quero que você saiba quem sou
Iris — Gooo Goo Dolls

Atravesso o corredor, esticando as mangas da camisa e quando chego na sala, vejo que o
lugar de Nina está desocupado, mas que outras três crianças já estão se preparando para suas
sessões.
— Boa tarde, Sparks. — Newton para de fazer suas anotações para me cumprimentar. —
Temos um novo paciente, quero que me ajude com ele, pode ser?
— É claro. — respondo e o sigo até a outra sala.
Mesmo que o primeiro rosto que eu tenha visto seja o da mulher, relativamente jovem,
minha atenção agora pertence exclusivamente ao bebê em seu colo. Meu coração acelera em meu
peito e eu já me sinto desesperado para pegá-lo em meu colo. Seja qual for o tratamento, eu com
certeza vou aceitar.
— Amanda, esse é nosso fisioterapeuta, Órion Sparks. — ele diz, apontando para mim e
eu estendo a mão para cumprimentá-la. Ela aparenta estar antes dos seus trinta anos e tem um
semblante levemente preocupado. — Essa é a Senhora Brookes.
— É um prazer, Senhora Brookes. — respondo. — E como se chama o pequeno?
— É Jhonnan. — ela responde e eu me abaixo, ficando na altura do bebê. Quando toco
sua pequena mãozinha, ele agarra meu dedo e eu sinto que vou explodir de amor.
— Jhonnan é portador de síndrome de Down — Newton diz enquanto brinco com os
pequenos dedos do bebê e se torna cada vez mais difícil estar concentrado — e foi indicado que
ele começasse o treinamento de fisioterapia. Os exames estão feitos para que você analise, falta
apenas a evolução física.
— Certo, podemos começar agora? — pergunto, entretido com o sorriso do garoto, que
encontra o ursinho pendurado em meu bolso. — Posso? — Aponto para ele e sua mãe apenas
balança a cabeça positivamente, me dando permissão para pegá-lo.
Seu corpo é mais amolecido do que os outros bebês, o que me faz ter mais cuidado em
acomodá-lo, mas tenho uma grande ajuda quando ele envolve meu pescoço com o pequeno
bracinho e arranca o carimbo do bolso para brincar.
— Oi, pequeno! — sussurro para ele, tocando seu rosto com a outra mão. — Vamos
brincar um pouquinho? — o balanço em meu colo com cuidado, fazendo-o sorrir ainda mais. —
Ele consegue sentar? Quanto tempo ele tem? — pergunto enquanto Newton e Amanda me
acompanham para a sala ao lado.
— Ele senta, mas com muita dificuldade… — Amanda diz, com a voz trêmula. — Ele
tem oito meses.
— Vamos só fazer alguns exercícios básicos e começaremos as sessões fixas na semana
que vem. Newton, depois me dê os exames dele.
Ele assente, deixando os papéis em cima da mesa, no canto da sala. Acomodo Jhonnan de
barriga para baixo no grande tapete, ficando de frente para ele.
Agarro em um chocalho colorido, balançando a sua frente para chamar a sua atenção.
Ele se agita com o barulho, se esforçando para acompanhar o objeto em minha mão, o
que indica que seus sentidos estão bem desenvolvidos.
— Muito bom! — exclamo, fazendo mais vezes para testá-lo.
Depois, o viro de barriga para cima, brincando com seus pés, testando seus movimentos e
causando gargalhadas que me causam uma sensação de felicidade que só sinto quando estou
rodeado pelas minhas crianças.
Ele emite sons extremamente adoráveis e calorosos enquanto movimento suas pernas e
tenta alcançar minha mão quando me aproximo dos seus braços.
Depois de finalizar, o pego em meu colo e dou um sorriso ao me deparar com Íris parada
na porta da sala.
— Ele é muito simpático e muito esperto, não é, Jhonnan? — falo para Amanda,
apertando levemente a mão do menino, que se apressa em agarrar meu dedo e levá-lo até sua
boca. — Só precisamos ver como vai ser no mês que vem, Newton. Sabe que vou acompanhar o
time.
— Terá outro profissional para te substituir nesse tempo, fique tranquilo.
— Mas não se preocupe que, mesmo de longe, estarei de olho em você, certo? — falo
para Jhonnan, que não tem consciência de nenhuma palavra dita por mim, mas sorri quando o
balanço.
— Os exames estão na mesa. — Newton avisa enquanto passo o bebê para o colo da mãe.
Contra a minha vontade, é claro. — Nina está saindo da consulta com o nutricionista, não vai
demorar para chegar.
Acompanho-os até a porta, aproveitando para dar um beijo discreto na bochecha de Íris,
que ainda está sorridente.
— Que cara é essa, Coleman? — pergunto e ela cruza os braços.
— Amo a sua atenção com as crianças. — ela diz, me fazendo sentir uma timidez que
não sabia que tinha. — Atrás de toda essa pose, existe uma pessoa adorável.
— Ah, cale a boca! Entre, Nina já está chegando. — Indico o caminho e ela entra,
exibindo uma sacola roxa em sua mão. — O que é isso?
— Não te interessa!
Ela esconde a sacola e abre um sorriso travesso. Tão bonita que nem parece que acabou
de sair de um treino extremamente intenso e cansativo. Os cabelos estão molhados, o rosto
limpo, ressaltando o rubor de suas bochechas, que deixam as sardas ainda mais evidentes.
Linda o suficiente para me deixar sem chão.
— Íris! — A voz de Nina soa por toda a sala e Íris é rápida em ir até ela, impedindo-a de
correr.
— Oi, minha princesa! Que saudade! — Íris exclama, apertando-a em seu colo. As duas
estão radiantes e eu, completamente perdido. — Trouxe um presente para você!
— O que é?
Íris se senta no tapete, acomodando Nina em seu colo e entrega o embrulho em suas
mãos.
— Oi, Nina, eu ainda estou aqui, sabia? — falo e ela abre um sorriso, se esticando para
beijar meu rosto.
— Eu te vi, Órion! — ela avisa, voltando a atenção para a bolsa em suas mãos.
Ela abre, revelando um collant roxo e dourado, enfeitado de estrelas e linhas brilhantes,
idêntico ao que Íris usa nas competições, mas em um tamanho extremamente menor. Tento
entender como ela conseguiu um dos uniformes de competição da RGA, mas todas as dúvidas se
dissipam quando vejo seu sorriso e olhar satisfeito, diante da alegria de Nina, que olha para o
collant como se estivesse vendo seu brinquedo favorito.
— Mamãe, eu posso vestir? — Nina pergunta para Kiara, em expectativa e eu assinto
antes que ela diga que irá atrasar a sessão.
— Pode, venha. — ela responde, pegando a filha no colo e levando-a para fora.
— Como conseguiu isso, Coleman? — pergunto e ela encosta a cabeça em meu ombro.
— Peguei lá no armário dos juniores quando todos saíram. — Arregalo os olhos. — O
quê? Tem centenas, a maioria ainda embalado! Eles não vão sentir falta.
— Você é impossível… — sussurro contra seus cabelos antes de beijá-los.
— Eu sei! — ela diz, se levantando. — E é por isso que está apaixonado por mim!
— Voltei! — Nina exclama, me tirando qualquer chance de concordar com Íris em voz
alta.
Apenas as observo, tentando esconder tudo o que sinto atrás de um pequeno sorriso.
Nina se balança, vestindo o collant roxo que serviu perfeitamente.
— Órion disse que posso ser ginasta! — ela diz, fazendo meu coração apertar. Íris respira
fundo, mas a agarra em seu colo, enchendo seu rosto de beijos.
— É claro que pode, você pode ser o que quiser.
— Exatamente, e agora você é minha paciente. — Me levanto, arrancando-a do colo de
Íris. Nina gargalha com o semblante ciumento da loira, que corre atrás de nós para tentar
recuperá-la. — Saia! — Empurro seu rosto com a mão e a risada de Nina se torna ainda mais
alta. — E vai começar os exercícios, ou achou que você e seu collant bonito iam fugir?
— Você é um chato. — A pequena reclama, se lançando para o tapete, mas volta a sorrir
quando ataco sua barriga com cócegas.
— Eu sou seu favorito mesmo assim.
Depois de muito enrolar, começo os exercícios de Nina e no meio da sessão, ela já havia
conseguido convencer Íris a fazer junto. As duas fizeram o exercício nas bolas coloridas, Íris
imitou seus movimentos ao lado da pequena esteira e depois me forçaram a usar uma porra de
um arco com orelhas de urso.
Descobri da melhor forma que Íris e Nina conseguem o que quiserem de mim. Me dou
conta de que o que sinto por Íris é ainda maior do que eu imaginei e que os motivos para eu estar
apaixonado estão se tornando incontáveis.
Ao nosso redor, já não acontecem outras sessões. Apenas as risadas de Nina soam pelo
local, além das milhares formas que ela arruma de tentar burlar os exercícios.
— Última série, pequena. Vamos lá, você consegue. — aviso, segurando em suas costas.
Ela encara os pequenos degraus com exaustão, mas respira fundo e começa a subir mais uma
vez. — Prometo que depois vamos fazer compressas de gelo. — Ela assente, determinada.
O aparelho composto por dois degraus é o maior inimigo de Nina, já que ela sempre fica
exausta depois, mas, ainda assim, ela melhora a cada sessão e o pós já não é mais sofrido. Ao
finalizar a contagem, a pego no colo e a acomodo na maca.
— Tudo certo? — Nina apenas balança a cabeça, positivamente. — Posso tirar? —
Aponto para o arco em minha cabeça e ela finalmente sorri.
— Só se prometer que vai usar de novo. — ela diz, olhando diretamente para Íris, que
está sentada em um dos tapetes ao lado de Kiara.
— Vou pensar no seu caso.
— Ele vai usar. — Íris diz, dando uma piscadinha para Nina.
Depois de fazer a compressa e descansar enquanto fazia milhares de perguntas para Íris,
Nina convenceu a mãe a ir para casa usando o collant e se despediu de nós com abraços
apertados.
Íris não consegue se desfazer do sorriso e quando me abaixo entre suas pernas, ele parece
aumentar. Toco seu rosto, matando a saudade da maciez da sua pele.
— Não mereço você.
Acredito que seja a milésima vez que falo isso, desde que ela disse estar apaixonada por
mim. Sua voz repete a frase diversas vezes em minha mente, me fazendo temer as decisões que
vou tomar no futuro. Sinto que estou com seu coração nas mãos e elas nunca estiveram tão
trêmulas.
Íris revira os olhos.
— Você já disse isso um milhão de vezes. — ela reclama e eu dou de ombros. Meu
coração agradece quando ela acaricia meu rosto. — Estou apaixonada por você, Sparks. Pode me
contar sobre sua adolescência problemática, sobre seus medos com seu pai, pode continuar sendo
um brutamontes, pode até continuar com essa porra de cigarro.
Íris se inclina o suficiente para me beijar e eu, literalmente, caio de joelhos aos seus pés.
— Estamos nesse jogo há quase seis meses, Sparks. Ainda não percebeu que sou tão
teimosa quanto você?
— Percebi, Coleman. — Beijo a ponta do seu nariz.
E é um dos inúmeros motivos para eu sentir que está sendo impossível não amá-la.
Não conseguia acreditar ou ver com meus próprios olhos
Sei que sou impaciente, mas agora estou aqui me apaixonando
Congelada, lentamente descongelando, você me acertou em cheio
Eu não vou deixar você esperando
pov — Ariana Grande

Um mês para as Olimpíadas


Duas semanas passam tão rapidamente que nem percebo e estranho a movimentação
intensa no ginásio.
Largo a bolsa no banco do vestiário, franzindo o cenho e tentando entender o que eu
deixei passar. Talvez tenha esquecido que estão se preparando para alguma competição, ou um
evento.
O ambiente parece mais leve, já que agora, as meninas estão fazendo danças para câmera
do celular, gargalhando e se abraçando. Parecem ter esquecido de Sarah e do medo que nos
assombrava.
É claro que Sarah já não é mais uma peça importante, na verdade, tento esquecer que ela
um dia foi. Ainda assim, o medo ainda é meu companheiro diurno, noturno e inferniza meus
pesadelos.
Pesadelos que sempre envolvem as Olimpíadas e uma queda que me deixaria longe da
ginástica por muito tempo, além de uma grande vergonha para a RGA.
— Toma. — Lya joga o collant azul no meu colo. — Temos sessão de fotos hoje.
Divulgação das Olimpíadas.
Assinto e me levanto para me trocar, sentindo meu corpo funcionando no modo
automático. Estou tão focada em estar lá que acabei esquecendo de todos os processos que
preciso fazer antes. E isso inclui uma sessão de fotos e vídeos fazendo acrobacias e séries, que
servirão para a divulgação da equipe e precisam estar impecáveis.
O que significa que eu não posso errar nenhum passo.
Sinto o corpo arrepiar quando me encaro no espelho. Não estou habituada a outro collant
de competição e me ver com as cores dos Estados Unidos me faz querer sair saltitando de
orgulho, ao mesmo tempo que sei que posso sair correndo para me esconder.
Agora me dou conta de que não estou só à frente da RGA, mas sim, do país. Não serão
apenas equipes, serão nações se enfrentando por medalhas e por Deus, eu tenho a sorte de ter
todas as minha amigas ao meu lado. Acho que todos os componentes energéticos do universo se
uniram para fazer com que todas nós fossemos classificadas juntas.
— Pronta, querida? — Jocelyn chama a minha atenção, indicando a cadeira para que me
sente. — Não precisa temer, certo? — Assinto enquanto ela começa a arrumar os fios do meu
cabelo com perfeição. — Você consegue, Íris.
— Obrigada, Jocelyn. — sussurro e ela sorri para mim, através do espelho.
Fico ali por longos minutos. Jocelyn finaliza meu cabelo com calma e faz uma
maquiagem brilhante. Enquanto isso, consigo ouvir a movimentação vinda do lado de fora, a
preparação para cada take, para cada foto que será feita.
Por um minuto, me questiono sobre o fato de que Neil sequer cogitou me substituir, já
que a Liga não tirou meu nome da lista. Neil garantiu a todos que eu estaria nova em folha para
Paris.
A confiança dele me faz inflar o peito.
Quando termino a produção, as meninas já estão prontas e insistem que eu entre em suas
danças e fotos. Não demora para que a galeria do meu celular esteja lotada.
Elas me arrastam para fora e eu já nem me lembro dos motivos que me fazem temer o
que mais amo fazer. Não existem motivos, não quando me sinto viva. Meu joelho não dói, está
firme e aguenta a corrida que faço até o ginásio, que está repleto de equipamentos e profissionais
da Liga.
— Prontas, meninas? — Neil pergunta e elas assentem. Ele lança um olhar desafiador
para mim, como se estivesse me dando uma última chance.
Ele me dá o benefício da escolha com o olhar, mas seus olhos escuros me analisam em
busca de uma resposta positiva.
Balanço a cabeça positivamente e Neil abre um sorriso.
Do outro lado do ginásio, Órion nos assiste com os braços cruzados, em silêncio e com
um sorriso no canto dos lábios, quase invisível. Imperceptível aos olhos alheios, mas confortável
e extremamente apaixonante para mim.
Ele dá uma piscadinha antes de indicar que eu comece a série ordenada por Neil.
O treinador nos espalha pelo ginásio. Vivian e Lya ficam nas traves de equilíbrio, Jenni
começa o ensaio de fotos no cenário improvisado no pequeno estúdio ao lado e eu consigo ver pó
de magnésio voando para todos os cantos.
Ash é posicionada no meio do tatame apenas para fazer sua série e ser filmada em
grandes detalhes.
E eu encaro o único aparelho que ainda não me arrisquei a saltar. As barras assimétricas,
que devem ser consideradas a minha especialidade.
— Você consegue! — Neil sacode meus ombros levemente depois de sussurrar em meu
ouvido e me deixar com o fotógrafo.
— Vamos começar com um vídeo, pode ser, Íris? — ele pergunta e eu assinto. — Faça
uma série qualquer, não precisa ser exatamente o que fará em Paris. Apenas capriche nas
acrobacias.
— Precisamos que mostre o seu melhor. — O outro avisa, ajustando a luz e eu engulo em
seco.
De frente para as barras, Neil se posiciona ao lado de Gareth Young, um dos diretores da
Liga, que me encara com atenção, como se estivesse ali com um único intuito: me cortar das
Olimpíadas.
Seus olhos parecem me dizer que a possibilidade do erro é muito maior, mas eu ergo o
queixo e aceito o desafio.
Puxo o ar com força, acumulando-o em meus pulmões antes de liberá-lo com calma.
Encaro as barras, altas e em material branco. Elas me chamam para dançar. Há um tempo elas
eram minhas melhores amigas, agora não entendo o motivo de ter sentido medo algum dia.
Subo no trampolim, esquecendo tudo o que há ao meu redor. Esqueço de Neil, do diretor,
de Alya e até mesmo de Órion.
Esqueço que existe o mundo lá fora, criando um universo onde existo unicamente para
aquelas barras e elas foram feitas para mim.
Dou dois saltos, me impulsionando para cima e quando minhas mãos agarram as barras
geladas, seguro com força, como se minha vida dependesse daquele apoio. Forço o corpo para
frente, completando dois giros com o corpo perfeitamente alinhado e dou a largada para a barra
mais baixa, tendo sucesso no giro antes de agarrar o ferro.
O magnésio em minhas mãos permite que eu tenha firmeza ao segurá-lo. Meus pulmões
não sufocam, meu coração bate acelerado, mas não é de medo.
É de coragem e confiança. É ainda maior do que antes da lesão. É ainda mais intenso e
me faz abrir um sorriso entre os giros. Volto à barra maior, completando um passo cruzado para
mudar a direção.
Pensar que voltei a ser quem era antes é mentiroso. Nada parece igual. Tudo parece novo,
ainda que eu conheça cada centímetro do aparelho, que eu saiba tudo sobre os saltos que executo.
Uma sensação de renascimento me consome, sinto que estou me descobrindo.
Não sobre a ginástica, sobre aparelhos ou Paris.
Me descubro. Me encontro em cada salto, me conecto com uma força que não me
lembrava que tinha. Talvez estivesse escondida dentro de mim, esperando o momento certo para
sair. E o momento é quando largo as barras e completo um giro carpado, cravando os pés no
colchão.
Ergo os braços com elegância e abro um sorriso, encarando a câmera à minha frente.
Porra, eu estou mais do que pronta.
Respiro ofegante, mas não me sinto cansada, me sinto enérgica, pronta para mais, mas me
recomponho e alinho a postura quando o diretor se aproxima de mim.
— Então, posso considerá-la participante das Olimpíadas de Paris de 2024? — O diretor
se aproxima, com os braços cruzados e olhos escuros, desafiadores.
— Sou participante das Olimpíadas desde que ganhei o mundial, senhor. — respondo,
firme. — Nunca estive fora.
Ele finalmente sorri e estende a mão para que eu a aperte.
Permaneço confiante, mesmo que por dentro, eu esteja explodindo.
Continuamos os saltos, vídeos e fotos. Neil havia deixado claro que deveríamos
considerar como um treino e eu devo reconhecer, está sendo muito mais cansativo.
Jocelyn retoca a maquiagem mais uma vez, que já estava se desfazendo com o suor e
Gordon, o fotógrafo no qual demorei para memorizar o nome, me indica o caminho para o
estúdio.
A imensa cadeira que imita um trono me espera, o mesmo cenário que usamos para a
divulgação das competições nacionais, mas dessa vez, estão com estrelas azuis, vermelhas e
brancas.
A única coisa igual é a coroa posicionada no centro do estofado. Acessório padrão da
RGA, usado por todas as gerações das equipes femininas.
Todos me olham, já que Neil me deixou por último nesse ensaio e todos já haviam
finalizado suas tarefas. Mesmo que não estejam tão perto, todos me assistem e eu sinto frio na
barriga.
Jocelyn me posiciona na cadeira e coloca a coroa dourada com pedras roxas em minhas
mãos, indicando o começo do ensaio.
Fotos e vídeos são feitos e eu já não estou mais tão desconfortável, volto a me divertir
como antes, no ginásio que me assustava há alguns meses. Estou novamente em minha casa e eu
não me lembrava de como era sorrir dessa forma, enquanto Lya e Ash ditavam as poses.
Depois de finalizar as fotos, Neil nos indica o caminho para a sala de fisioterapia
enquanto os equipamentos são desmontados.
— Vocês foram incríveis, meninas! — ele diz, se apoiando no espelho. Nos espalhamos
pela academia em busca de descanso e eu sou a primeira a jogar o corpo no tapete, deitando no
chão.
Órion cruza os braços e senta em sua cadeira.
— Estou muito orgulhoso em ver a evolução de cada uma aqui e da confiança que estão
tendo. Espero que nunca mais esqueçam de que são as melhores, que nunca mais se lembrem do
sentimento de medo e insegurança que estavam sentindo. Não importa quem entre e saia daqui.
A verdade é que vocês não dependem de nenhum de nós. Nós dependemos de vocês, vocês
lideram. Sem vocês, sem seus saltos, sem seu brilho, não existiria RGA.
Meus olhos marejam, mas pisco diversas vezes para afastar as lágrimas. Uma sensação de
alívio faz meus ombros relaxarem.
— Ahhhh, quando ficou tão fofo? — Ash exclama, correndo até ele para abraçá-lo.
Me levanto para acompanhá-la e logo todas estão apertando o treinador.
Ele deixa um beijo em minha testa e seca uma lágrima.
— Estou orgulhoso, Coleman. — ele sussurra. — Sempre soube que conseguiria.
— Não conseguiria sem você. — respondo e ele beija minha testa. — Sem vocês.
Direciono o olhar para Órion, que ajeita o corpo, mas apenas dá de ombros na tentativa
de parecer o mais sério possível.
— É claro que não podemos esquecer do que Órion está fazendo por nós. Sempre soube
do profissional incrível que é, Sparks. Preciso agradecer por ter aceitado cuidar das minhas
meninas.
— Não precisa agradecer, apenas fiz o que é certo. — ele diz, objetivo.
— Você sorri, Órion? — Jenni se pronuncia, me fazendo cobrir a boca para não rir.
— Raramente. — ele responde e as meninas gargalham.
— Deixe de ser tão rabugento. — Lya se pronuncia e eu me surpreendo quando ela vai na
direção do irmão, abraçando-o.
Órion a recebe sem hesitar, mesmo que pareça surpreso, já que nitidamente não está
acostumado com demonstrações de afeto vindas de sua irmã, não publicamente. Não demora
para que todas as meninas estejam o abraçando e eu não consigo disfarçar o quão apaixonada
estou.
O tom avermelhado que cobre as bochechas de Órion indicam sua timidez e me deixa
derretida. Meus olhos se recusam a deixá-lo e quando todas se afastam, aproveito para abraçá-lo,
tentando apenas imitar minhas amigas, mas no momento em que seus braços envolvem minhas
costas e meu corpo se une ao seu, sinto que posso ficar aqui para sempre.
Deixo que ele sinta as batidas do meu coração contra o seu e fecho os olhos, me
aproveitando de cada milésimo de segundo do seu abraço.
Me afasto antes de fazer uma besteira e ele alinha a postura, ainda desconcertado. Ele se
senta novamente, com a costumeira expressão neutra.
Me sento no tapete novamente, pegando meu celular para lhe enviar uma mensagem.
Sorrio ao apertar o botão que acende o visor. A foto que foi tirada quando venci o mundial foi
substituída por Órion e Nina, quando a pequena insistiu que ele usasse um arco com orelhas de
urso.
Pedi permissão de Kiara para tirar uma foto da menina e ela não só permitiu, como tirou
uma onde nós três estamos juntos. Me sentei no chão, entre as pernas de Órion e quando o senti
abraçar meus ombros, não consegui evitar um sorriso que me fez fechar os olhos. Em cima, Nina
agarrou seu pescoço e deu um beijo estalado e demorado em sua bochecha.
A foto ficou tão adorável que faz meu coração soltar fogos de artifício no peito. Deixá-la
escondida na galeria seria um erro.
Finalmente desbloqueio o celular e busco pela aba de mensagens de Órion.

Íris: Você é incrível, Sparks.


Íris: Estou tão orgulhosa que acredito
que merece uma recompensa.

Constelação Favorita: Ah, eu concordo.


Constelação Favorita: Essa recompensa
pode envolver você sem esse uniforme?

Íris: Com toda certeza.

Constelação Favorita: Use aquela coroa, por favor.


Constelação Favorita: Eu realmente mereço algo
grandioso.

Íris: Não seja tão exigente.


Íris: Estava espionando o meu ensaio?

Constelação Favorita: É claro. Por pouco não


arranquei você de lá.

Ergo o olhar e Órion faz o mesmo. Os olhos incrivelmente azuis cintilam, parecem mais
brilhantes quando direcionados para mim, mais intensos e arrepiam cada centímetro do meu
corpo.

Relaxo os ombros enquanto encaro a fachada da Sparks-Caldwell. É incrivelmente


moderno e bonito, apesar de ser um hospital.
É grande, elegante e minimalista. O prédio é completamente acinzentado, enfeitado
apenas pelas letras grandes e azuis do nome da clínica. Há árvores para todos os lados, bancos de
espera antes do portão de entrada e vários médicos rodeando o lugar, talvez em algum momento
de folga do dia.
Todos parecem descansar a mente do que acontece lá dentro.
Eu me preparo para entrar e ver minha mãe parecendo cada dia mais fraca, apesar do
tratamento. Talvez a intensidade imposta a deixe cansada, e isso me preocupa, ainda que o Dr.
Caldwell me diga que tudo parece estar fluindo bem.
— Senhorita Coleman, boa tarde! — Tônia, a recepcionista, me recebe com um grande
sorriso assim que atravesso a porta.
Seus cabelos trançados em cores escuras estão presos em um coque bem alinhado, a pele
negra está bem maquiada e ela parece cada dia mais bonita, apesar do uniforme hospitalar da
clínica.
— Boa tarde, Tônia! Vim ver a minha mãe, a sessão começou? — Me apoio no balcão,
enquanto ela digita algo no computador.
— Já sim, mas sabe que não pode mais de um acompanhante, certo? O Sr. Coleman está
com a sua mãe.
— Posso, pelo menos, ir até a porta? — Quase choramingo e ela sorri.
— É claro, sabe onde encontrá-la.
Sigo pelo corredor direito com rapidez. Depois dos consultórios, até a sala de
quimioterapia, onde ela costuma estar durante quase toda a semana.
— Senhorita Coleman? — O chamado me faz virar. Atrás de mim, está Richard, Victoria
e um jovem no meio, com um sorriso brilhante e olhos azuis.
— Sim? Boa tarde, Dr. Caldwell. — respondo. — Oi, Vick, como vai?
Ela avança para me abraçar e eu retribuo de imediato.
— Perfeitamente bem, Coleman. — Ela sorri, ainda mais simpática. — Estou feliz em vê-
la. Soube que se saiu bem com a Liga.
Maldito fofoqueiro.
— Sim, acho que estou mesmo preparada para voltar.
Me acostumei com a presença de Vick, mesmo que ela tenha deixado claro que logo vai
voltar para Nova York. Ainda assim, tê-la por perto tem sido estranhamente bom. Principalmente
quando as sessões parecem me assustar e ela sempre surge para me confortar.
De uma forma bem Sparks, mas nada com que eu já não esteja habituada.
— Preciso te apresentar meu filho, Apolo, novo residente da Sparks-Caldwell e novo
auxiliar de Vincent. — ele diz, fazendo com que ao seu lado, seu filho infle o peito, orgulhoso
dos diversos títulos que possui.
Ele parece extremamente jovem, principalmente para ser residente de cardiologia.
Diferente do pai e da irmã, Apolo possui a pele extremamente branca e os cabelos são pretos,
mas não é apenas isso que o distingue de Vick.
Victoria é extremamente confiante, possui um sorriso sarcástico no canto dos lábios, uma
rebeldia notável, apesar de todo profissionalismo.
Seu irmão exala inteligência. Não que não seja assim com Vick, já que, como Órion, ela
faz questão de tentar esconder o quão extraordinária é. Por medo ou modéstia.
Ao contrário deles, Apolo não tenta esconder em seus olhos o quão orgulhoso está de
estar ali, alinhando a postura a cada segundo, fazendo questão de mostrar seu nome bordado no
jaleco branco. Cada gesto seu é feito para mostrar excelência, e não preciso de mais do que cinco
minutos para notar isso.
E meu Deus, ele é bonito.
— É um prazer, Senhorita Coleman. — ele diz, orgulhoso e estende a mão para que eu
aperte. — Quero que saiba que farei o máximo para ajudar na situação da sua mãe, que inclusive,
está reagindo muito bem.
— Muito obrigada, Dr. Caldwell. — falo, confusa sobre como chamá-lo, ele abre um
sorriso ainda maior e dá de ombros.
— Pode me chamar de Apolo.
— Certo. Agora, preciso ver minha mãe. — aviso e Richard toca meu ombro, indicando o
caminho.
Apolo e Vick ficam para trás e eu dou um sorriso surpreso ao vê-la dando um tapa na
nuca do seu irmão, que dá de ombros.
— Íris, sua mãe está bem fraca. — ele sussurra e meu sorriso se dissipa. — Não quero
desanimá-la, são apenas efeitos da quimioterapia. É apenas um aviso para que não se preocupe.
— Não devo mesmo me preocupar? Aquela última complicação me tirou o chão, Doutor.
— Eu sei, mas Richard fez um ótimo trabalho quanto a isso. Ela está segura, mas o
tratamento intensivo é cansativo, tem efeitos colaterais. Sabe disso. — Assinto. — Só pode um
acompanhante, devo pedir para que seu pai se retire por um tempo.
Ao nos ver, papai se levanta. De relance, vejo minha mãe quase adormecida na cadeira.
Fios estão ligados aos seus braços, sua pele está tão pálida que me assusta, mas ainda assim, ao
ver a movimentação do meu pai, ela abre os olhos e se esforça para sorrir para mim.
Meu coração amedrontado se acalma um pouco.
— Oi, pequena. — Ele dá um beijo em minha testa. — Que bom que veio.
— Oi, papai. Como ela está?
— Cansada, apenas. Vai lá, fique com ela enquanto tomo um café. — ele diz, acariciando
meu rosto.
Balanço a cabeça positivamente e entro na sala. Meus passos são lentos e trêmulos.
Antes, costumava correr para Olivia. Vê-la era como encontrar meu lugar de conforto, meu porto
seguro. Agora, tenho receio em me aproximar apenas por medo de ter que me despedir.
— Oi, princesa. — ela sussurra e eu me aproximo com mais rapidez, me sentando ao seu
lado. Toco sua mão gelada e beijo o dorso.
— Oi, mamãe. Como está se sentindo?
— Exausta, mas bem. O Dr. Sparks disse que a inflamação precisa ceder para fazermos a
cirurgia da retirada do tumor. — ela explica e cada palavra sua parece cada vez mais cansada. —
Devemos torcer para que o tumor não cresça.
Engulo em seco, mas me inclino cuidadosamente para ficar mais perto. O suficiente para
beijar seu rosto fino.
— Não vai crescer, mamãe. Nós vamos conseguir.
— E então? Como foi o treino? — Olivia abre ainda mais os olhos e vira a cabeça na
minha direção para me olhar.
— Foi ótimo. Consegui subir e concluir as séries nas barras, o diretor da liga estava lá. —
Suspiro vendo-a sorrir. — Estou dentro, mamãe.
— Eu sabia que conseguiria, pequena. Estou orgulhosa.
— E eu com medo… Posso falhar em Paris.
— Não vai acontecer, você é a melhor. A lesão foi apenas um contratempo e você
venceu. Vencer as Olimpíadas será a parte mais fácil.
Apesar da fraqueza nítida em seu rosto, a palidez de sua pele, da quantidade de fios loiros
que está perdendo e de tudo o que está acontecendo ao seu corpo, seus olhos continuam
brilhantes. Toda a sua essência continua viva em suas orbes e essa mesma essência parece me
abraçar toda vez que ela me olha.
— Eu te amo, sabia? — sussurro e seus lábios se estendem, preguiçosamente.
— Eu sabia. E eu te amo ainda mais… Amo vê-la feliz, realizada, forte… E apaixonada.
— Arregalo os olhos. — Ah, não se faça de surpresa. Sei que sempre foi apaixonada pela
ginástica. Toda a vida que leva, competições, medalhas, saltos. Você sempre amou o que fez,
mas preciso confessar que sempre quis vê-la amando alguém.
— Mamãe…
— Falo sério, Íris. Às vezes penso que você se deixou de lado por amar a ginástica. Você
se esqueceu de permitir que alguém entrasse na sua vida para te amar. É claro que nossa vida não
depende disso, mas certamente, é uma de suas dádivas.
— Como se sente sabendo que papai a ama mais que tudo?
— Sinto que posso fazer qualquer coisa. Não por falta de autoestima, mas por saber que
seu pai estará ao meu lado para me segurar se eu cair. Amor é confiança e segurança.
Minha garganta seca.
— Não sei se…
— Ele te ama. — ela me interrompe, objetiva, sabendo da minha dúvida.
Ainda que seja estranhamente próximo e aberto, mais sincero e expressivo, Órion
continua sendo um poço de dúvidas, ainda é difícil decifrá-lo por completo.
Quanto mais pergunto, mais tenho para conhecer. É fascinante, mas ao mesmo tempo
assusta. E pensar em dizer que o amo me faz temer a sua resposta.
Talvez seja por isso que sempre me calo e tento negar esse sentimento. Não me sinto
pronta para uma decepção tão grande a essa altura do campeonato. Prefiro deixá-la para depois.
— Ele estava lá quando caiu, lembra? — Ela me faz despertar.
— Contra a vontade dele. — respondo, óbvia. Ela balança a cabeça, negando.
— Ele escolheu ficar. Não importa qual seja o motivo, a decisão foi dele. Ele quis ser o
seu suporte, mesmo quando te odiava. — Suspiro tão pesadamente que meus pulmões doem. —
Ele não conseguiu fugir, e nem você.
— Eu sei…
— Ele não só te segurou e ficou, como te ajudou a levantar e agora te aplaude. Se você
acha que ele não te ama, precisa observá-lo mais. — Minha mãe toca meu rosto e seus olhos
parecem iluminar meus cantinhos mais assombrados. — Ele te ama desde o momento que você
entrou naquele centro cirúrgico. Era óbvio que, ao mesmo tempo que ele tentava te convencer da
simplicidade da lesão, ele também estava nervoso. Ele te ama desde aqueles minutos em que ele
passou encarando o relógio, e desde o momento em que você acordou da cirurgia e chamou por
ele. Não por mim, por seu pai ou por Alya. Você chamou por ele, e ele te atendeu sem
pestanejar. Ele te olhava como se quisesse te salvar do mundo, só era cedo demais para
perceber… E ele é cabeça dura demais para admitir.
Como se tivesse aberto uma grande janela, mamãe me fez enxergar com mais nitidez
cada passo dado por mim e Órion nesses meses. Cada vez em que ele esteve ao meu redor, me
segurando ou cuidando para que eu não caísse.
Órion foi meu suporte, foi o que eu precisava para voltar a saltar. Meu impulso para tocar
os céus e quando achei que eu voltaria a ser como era antes, Órion me fez ser ainda melhor.
E céus… Eu o amo tanto que meu peito quase explode a cada milésimo de segundo que
me dou conta desse fato.
— Olha só… Você o ama também. — ela completa, se movendo o suficiente para tocar
meu rosto. — Você se cobrou demais, filha. Pôs muita pressão em seus ombros, sei como essa
indústria funciona, sinto por terem sido cruéis com você.
— Não fizeram nada, mãe…
— Sempre fazem, mesmo que não tenham intenções de magoá-la. Todas as vezes em que
disseram que devia ir aos treinos, mesmo quando estava doente, mesmo quando estava em época
de provas na faculdade. Todas as coisas que abriu mão pelas competições. Sei que Paris é
prioridade e tenho total consciência de que você consegue, mas não se esqueça de você, certo?
Beijo o dorso de sua mão mais uma vez e ela a espalma em meu rosto, olhando tão
profundamente em meus olhos, que parece descobrir tudo que sinto, decifrando-os antes de mim.
— Vê-la assim é quase tão bonito quando vê-la saltar, minha loirinha.
Tão certo quanto as estrelas no céu
Preciso que você brilhe em minha vida
Não apenas por enquanto, por um longo, longo tempo
É melhor acreditar nisso
All That Matters — Justin Bieber

Me encaro no espelho, tentando me reconhecer.


Sinto que estou de frente pro Órion de 16 anos. Uma grande confusão de sentimentos,
sensações, medos e angústias. O mesmo Órion que ainda não sabe lidar com o que sente.
Dou um longo suspiro e pressiono o botão do celular mais uma vez. A foto de Bella
sendo esmagada por um abraço de Íris me faz sorrir como um grande imbecil.
Tirei no dia em que confessei estar apaixonado, depois de tê-la em sua cama e beijar cada
canto de seu corpo. Íris deixou marcas em minhas costas, mordidas em meus ombros. Seus
gemidos ainda soam em minha mente.
Ela deixou suas digitais na minha alma.
E depois insistiu em fazer pipoca para tentar assistir meu filme favorito e ficou
extremamente entretida com cada segundo de Interestelar. E pela primeira vez eu não prestei
atenção, já que enquanto seus olhos estavam fixos na televisão, os meus pertenciam a ela.
Íris também brincou com Bella por todo seu apartamento, e rolaram no chão da varanda,
me arrancando raras gargalhadas.
Tirei a foto no momento em que ela agarrou a minha vira-lata e sorriu.
Até mesmo Bella parece encantada por ela.
Essa porra de foto tira meu sono há pouco mais de duas semanas, me lembrando da
confusão que sou. Tenho lutado contra mim mesmo, e contra todos os meus medos para entender
o que está acontecendo e agora me sinto um menino idiota, perdido em meio a tantas perguntas.
Voltei à estaca zero.
Íris abriu um mar de “e se” e eu me encontro completamente perdido, à deriva.
Principalmente porque meu coração deseja ser tudo o que ela quiser, deseja aceitar todas
as transformações feitas por ela.
Minha mente tenta lutar contra isso e todo esse conflito me sufoca o suficiente para que
eu desbloqueie o celular. Disco o número com os dedos trêmulos e a cada toque, eu fico tentado
a desistir.
Ela demora para atender.
Acreditei que ela não fosse me responder. Sua rotina cansativa me deixa sem expectativas
e por pouco, eu desisto no caminho, mas alinho as costas quando ouço a respiração no outro
lado, como se ela pudesse me ver.
— Querido? — Apenas a voz dela é suficiente para tirar o peso dos meus ombros.
— Oi, mãe. — respondo, sentindo o alívio carregar minha voz.
— Está tudo bem, amor?
Não sei.
— Está.
— Por que meu coração diz que não devo acreditar em você?
— Porque a senhora é desconfiada demais.
— Ou porque você nunca me liga, só quando está doente, triste ou precisando de
conselhos. — Suspiro. Infelizmente, ela me conhece demais. — E acredito que não esteja com
nenhuma crise alérgica, sua voz está ótima. Está com todos os seus remédios, amor?
— Mãe… Por favor…
— Então, são conselhos, hum?
Esfrego o rosto, sentindo o arrependimento se aproximar. Agora, Noelle irá arrancar tudo
de mim sem fazer o menor esforço.
— Órion Sparks Parsons, o que aconteceu?
— Por que meu coração diz que não deveria ter ligado?
— Porque você é teimoso como uma mula. — Sorrio. — Aconteceu algo? É seu pai?
— Não, mamãe. Vincent parece ser o menor dos meus problemas agora.
— Qual o seu problema então?
— Coração.
— Seja mais específico, filho.
Pressiono os olhos e puxo todo o ar para dentro de mim, receoso sobre quais palavras
usar. Quais conselhos devo pedir? Como consigo descobrir o que estou sentindo? Será que essa
porra é mesmo amor?
Que porra Íris está fazendo comigo?
— Mãe, estou apaixonado pela Coleman.
Ouço sua respiração pesar. Ela fica em silêncio, mas eu tenho absoluta certeza de que ela
está sorrindo.
— Sua paciente e melhor amiga da sua irmã? Como tem certeza disso?
— Quero mostrar as estrelas a ela.
Minha garganta arde. Quero que ela veja tudo o que sou, desde as estrelas, até as
explosões. Até o lado mais caótico do meu universo.
— Oh… Então, é sério. E o que eu posso fazer por você?
— Eu não sei lidar com isso, mãe! — exclamo, me jogando no colchão. — Isso nunca
aconteceu e eu me sinto um idiota por estar precisando desse tipo de conselho aos 26 anos.
— Não se sinta assim, meu amor. É extremamente normal, principalmente você que
sempre acreditou que não merecia sentir amor. Seu pai o convenceu disso por não ter amor
dentro de si e a minha maior mágoa é saber que não consegui convencê-lo do contrário.
— Detesto admitir, mas estou morrendo de medo.
— De quê?
— De magoá-la, de me magoar. De fazer tudo errado, não sei. Não posso vacilar com ela.
— Minha pequena constelação, nós estamos fadados à mágoa. Somos humanos, estamos
sempre vacilando. Isso é inevitável. O que você não pode é quebrar o coração da menina, um
erro é algo involuntário, o erro nos faz humanos, o que importa é a forma que você vai lidar
com isso. Você deve ser cuidadoso, e se falhar, seja humilde, peça desculpas. Seja sincero com
ela do início ao fim. Se quiser continuar ou desistir. Não a deixe no escuro.
— Eu não sei o que quero.
— Não é difícil. A pergunta é a seguinte: consegue se imaginar sem ela?
Merda.
Perco o fôlego ao imaginar não poder tê-la em meus braços. Conseguir abraçar seu
pequeno corpo por completo e senti-la contra meu coração é uma das melhores coisas que já
senti em toda minha vida.
Mais do que tê-la entre meus lençóis, mais do que poder beijá-la, mais do que algo
sexual. Íris tomou conta da minha mente, do meu coração e da minha vida.
Puta merda, eu a odeio por isso, e a odeio ainda mais por transformar uma simples
atração em algo que jamais imaginei sentir.
— Pela demora, acredito que a resposta seja não.
— É, pode ser. — respondo, sentindo a garganta doer.
— Não tenha medo… Sabe se ela sente o mesmo?
— Não sei, mãe. Não sei nem o que eu sinto.
— Ora, isso é fácil. Você sente amor. E está tudo bem ser amado também.
— Eu a odiava, mãe. Que bizarro.
— Ah, essa forma de amor é a forma mais intensa. Você enxergou todos os defeitos de
Íris primeiro, odiou todos eles e ainda assim, não conseguiu fugir. Mesmo que ela acabe com a
paciência que você já não tem, você não se importa. Você fica. E talvez faça com que você a ame
ainda mais.
— É ainda mais chocante quando é verbalizado.
Minha mãe ri e pela primeira vez, rio também.
— Eu sei, mas estou feliz em saber que você tem sentimentos. E mais ainda por ter me
ligado.
— Sinto sua falta, mãe. — confesso, encolhendo o corpo.
— Eu também, minha constelação.
— A senhora não volta mais, não é?
— Consegue me perdoar por isso? — Sua voz estremece e eu sinto culpa por ter
perguntado.
— Não precisa do meu perdão, mãe. A senhora fez exatamente o que precisava e eu fico
feliz em saber que está longe do que te machuca.
— Você e Alya estão seguros? Temo que sua irmã minta para mim.
— Alya está ótima. Mês que vem estará em Paris ganhando todas as medalhas. Fique
tranquila, nós temos um ao outro.
— Morro de orgulho de vocês… Sinto muito se não demonstro o suficiente. Me perdoe
por estar longe.
— Está comigo onde quer que eu vá.
— Que bom que sabe, nossas estrelas são as mesmas. É só olhar pro céu quando sentir
falta e eu vou te sentir daqui.
— Eu te amo, mãe.
— Também te amo, meu amor. Me visite e traga a Coleman.
Desligo a ligação e, mais uma vez, encaro a foto, brilhando no visor do meu celular. Sinto
o peito expandir para dar lugar a sensações inimagináveis.
Uma simples conversa de poucos minutos serviu para arrancar a venda que cobria meus
olhos, soltou as amarras que me impediam de finalmente reconhecer o que Íris fez em minha
vida.
Ela me deixou completamente indefeso e confuso, me fez perder todas as chances que eu
tinha de rejeitar o amor que sinto. Ela arruinou meus planos e criou novos e mesmo que eu não
saiba o que fazer, decido apenas deixar com que ela faça o que bem entender.
Ela arruinou o antigo Órion e construiu um novo.
Sorrio, sentindo o ar faltar, enquanto meus olhos passam pela foto. Merda de sorriso e
inferno de mulher.
Não há mais nada que eu possa fazer. Pertenço a ela e não existem reversões.
Largo o celular na cama quando ouço a campainha. Bella desce do colchão e corre na
minha frente, indicando que alguma das meninas está do outro lado.
— Quem é, garota? — Acaricio seus pelos quando ela se levanta, apoiando as patas na
porta.
— Abre logo, Órion! — Lya reclama do outro lado e eu abro a porta rapidamente, me
deparando com a minha irmã e seu olhar triste que me preocupa.
— Algum problema? Que cara horrível é essa? — pergunto e ela choraminga, agarrando-
se em minha cintura. — O que houve, estrelinha?
— Preciso desabafar.
Alya se arrasta para dentro e se joga no sofá, cobrindo o rosto com o braço.
— Eu podia pedir um lanche, mas as Olimpíadas estão chegando. O que acha de salada
de frutas? — Lya tira o braço do rosto e abre um sorriso sofrido. — Sei que sou o melhor, não
precisa falar. Venha comigo.
Seguro em sua mão e a guio até a cozinha. Alya se senta na bancada enquanto pego as
frutas na geladeira.
— Estou com medo, irmão. — Franzo o cenho. — É a minha primeira Olimpíada, estou
apavorada.
— Mas não é a sua primeira competição.
— Sim, mas dessa vez o mundo inteiro vai estar nos assistindo. Não só o país inteiro, mas
o mundo! Meu Deus, e se eu vacilar? E se eu esquecer a série, Órion? — Lya começa a atropelar
as palavras, o tom de sua voz está cada vez mais alto e eu preciso segurar suas duas mãos para
que ela pare de falar.
— Irmãzinha, você está repetindo os mesmos passos há muito tempo. Você fica
rodopiando até quando está cozinhando. Suas séries são impecáveis, seus saltos não tem erros.
Seu medo é válido, mas você sabe que é perfeitamente capaz.
Ela suspira pesadamente e esconde o rosto em meu peito quando me aproximo mais. Seus
cabelos escuros caem em meus braços e quando ela volta a me olhar, seus olhos castanho-
dourados estão levemente vermelhos, indicando que ela está prestes a começar a chorar.
— Sem choro. Não precisa ter medo, já te falei um milhão de vezes que você é a melhor
dali. — falo e ela revira os olhos.
— Íris é a melhor.
— Vocês são as melhores, as cinco. Se não, não seriam as favoritas para ganhar isso.
— Está certo, mas temo mesmo assim. Depois do que Íris passou, sinto medo de uma
lesão todos os dias.
— O que aconteceu com Íris foi irresponsabilidade. — falo, voltando a atenção para as
frutas na minha frente. Alya bufa. — Nem adianta ficar assim, sabe que estou certo. Agora que
vocês estão se cuidando, é só respeitar os limites.
— Sem sermão, não vim para isso. Vim porque preciso do colo do meu irmão.
Dou um sorriso e me inclino para beijar sua testa.
Lembro de quando éramos pequenos e Lya insistia em invadir meu quarto depois de
assistir um filme de terror. É claro que eu sabia que ficaria assustada, mas seus gritos eram muito
engraçados.
Ela me odiava por isso, mas corria para dormir comigo.
— Falei com a mamãe. — falo e ela ergue o olhar. — Ela está com medo de que minta
para ela sobre seu estado.
— Não minto para ela. Na verdade, quase não nos falamos.
— Também não me lembrava quando tinha falado com ela além das mensagens. — Dou
de ombros e Lya franze o cenho.
— O que ela queria?
Ignoro a sua pergunta e começo a cortar os morangos com mais rapidez, acreditando
fielmente que isso faria com que ela esquecesse o que eu disse.
— Nada.
— Órion…
— O quê? Não quer a maldita salada?
Lya se inclina o suficiente para alcançar meu queixo e me fazer olhá-la.
— O que está escondendo? — Balanço a cabeça, negativamente. — Você ligou?
— Qual o problema? Ela é minha mãe também.
— Você nunca liga! — ela exclama, apontando o dedo na minha direção. Dou de ombros,
focando a minha atenção na faca em minhas mãos. — E você nem está doente.
— Mas que porra é essa de ligar quando estou doente?
— Você vira um bebezão quando está doente. — Lya gargalha, me fazendo lhe mostrar o
dedo do meio. — É patético.
— Cala a porra da boca.
— O que aconteceu?
— Eu falei… Sobre Íris.
Alya arregala os olhos, tão surpresa quanto eu quando decidi cometer essa burrada.
— Com a mamãe? — ela grita e eu desvio o olhar de seu rosto.
Lya acompanha meus atos com os olhos, a boca em formato de “o”, indicando sua
indignação. Tento ignorar seu olhar, mas quando termino de cortar as frutas, ela arranca a faca da
minha mão e a coloca no outro lado da cozinha.
O azul dos seus olhos arregalados cintilam. E porra, ela já sabe.
— Você. Ama. A. Íris.
— Cala a boca. — Um sorriso me força a erguer os lábios e ela gargalha, se lançando em
cima de mim em um abraço apertado.
— Meu Deus, meu irmão tem sentimentos!
— Sim, eu odeio você.
— Quando vai contar pra ela?
Me desvencilho do seu abraço de imediato e pego a tigela de frutas, indo para a sala e
deixando a minha irmã para trás.
Já é a segunda vez que ouço alguém falar que a amo. Todas as pessoas importantes da
minha vida perceberam antes de mim e eu nem mesmo sei formular uma frase que faça sentido.
Certamente daria tudo errado.
Íris virou a minha vida do avesso, arrancou até mesmo as minhas palavras e agora eu
preciso descobrir como lhe entregar meu coração sem que meus tormentos a assustem.
Então abra os olhos e veja
O modo como nossos horizontes se encontram
E todas as luzes vão te guiar
Pela noite comigo
E eu sei que essas cicatrizes irão sangrar
Mas os nossos corações acreditam
Todas essas estrelas vão nos guiar para casa
All Of The Stars — Ed Sheeran

Não consigo mais olhá-lo sem sentir que vou perder o fôlego. Já era algo difícil, agora se
tornou impossível. Desde a conversa com a minha mãe, sinto que desaprendi a fazer qualquer
coisa sem querer surtar. Quando me dei conta de que o que eu sinto vai muito além de uma
simples paixão.
Cada ato seu parece mais evidente. A contração dos músculos embaixo da camisa, o
movimento das mãos enquanto trabalha, o perfume parece infinitamente mais intenso, os olhos
estão mais azuis do que nunca.
E quando ele os direciona para mim, sinto que vou desmaiar.
— Coleman! — Neil grita meu nome, me fazendo despertar, no susto.
Como de costume, somos os últimos no ginásio e eu sou a última no tablado. O resto da
equipe já está a caminho da fisioterapia enquanto eu estou aqui, mais uma vez, de frente para as
barras assimétricas.
Neil me fez repetir a mesma série diversas vezes, ajustando o alinhamento dos meus giros
e a minha firmeza na aterrissagem. Além de estar empenhado em fazer com que o semblante
apavorado suma do meu rosto durante as acrobacias.
— Chega, Coleman! Por hoje já é suficiente. — Solto o ar, aliviada. — Segunda
voltaremos ao seu solo. Acha que está pronta?
— Tenho certeza. — respondo, mesmo que não seja totalmente verdade. Ele dá um
sorriso e me dispensa, balançando a mão para que eu saia.
Me desfaço do equipamento e corro na direção do vestiário em busca do chuveiro frio. A
primavera já está em seu ápice, o que significa que Miami está cada vez mais quente,
preparando-se para a chegada do verão. Mesmo que o ginásio seja climatizado, a correria e os
saltos me deixam encharcada de suor.
Aproveito para lavar os cabelos e desfrutar da sensação maravilhosa de um banho frio
para acabar com o calor e com toda a confusão que Órion causou na minha vida.
Tento consertar o estrago feito por ele nesses minutos, mas é impossível, já que não
consigo me desfazer de tudo que sinto em um banho. Pelo contrário, cada vez que penso nele,
tudo parece se tornar maior.
Me visto rapidamente depois de me secar, mas antes de conseguir passar a blusa pela
cabeça, sou surpreendida por ele, parado na entrada do vestiário. O susto me faz dar um salto, e
meu coração acelera ainda mais ao pensar na possibilidade de ter pensado alto o suficiente para
ele ouvir meus pensamentos e descobrir que o amo.
— Mas que inferno, Órion! — Levo a mão ao peito, tentando controlar as batidas
desesperadas que me deixam tonta.
— Demorou para a sessão, Coleman. — ele diz.
Sua voz parece se arrastar, se torna ainda mais rouca. Enquanto isso, na mesma
velocidade que suas palavras me atingem, seus olhos percorrem meu corpo, e só assim eu
percebo que ainda estou de sutiã.
— Que bom que eu vim.
— Deixe de ser canalha, Sparks!
Um sorriso travesso surge no cantinho dos seus lábios avermelhados, e ele trata de
umedecê-los à medida que se aproxima. Meu corpo se recusa a recuar quando ele avança até
mim e toca meu quadril.
— É o meu charme. — Órion se abaixa e deixa um beijo demorado em minha boca.
Quase reclamo quando ele se afasta, mas seria muito para seu ego. — Está dispensada da sessão
de hoje, quero te levar a um lugar.
— Que lugar? Não estou preparada para isso, não estou arrumada.
— Não se preocupe, estrela. Você está perfeita. — Ele me dá outro beijo e põe os fios
molhados do meu cabelo atrás da minha orelha. — Lya já levou seu carro e você não precisa se
preocupar com nada.
— Como assim? O que estão aprontando? — Semicerro os olhos e ele nega com a
cabeça, se afastando.
— Te encontro lá fora, não demore, loirinha!
Órion some antes que eu consiga responder, me deixando com tantas interrogações e uma
vontade quase incontrolável de gritar tudo o que sinto, mas me contenho com o silêncio e me
apresso para terminar.
Depois de finalmente vestir a blusa e pôr meus tênis, aproveito do único secador do
vestiário para secar o que consigo dos meus cabelos.
Me encaro no espelho e reviro os olhos. Estou um desastre.
Jogo a bolsa no ombro e corro para fora, abrindo-a e descobrindo que Lya tirou as chaves
do meu carro do bolso frontal. Reviro os olhos, mas sorrio ao vê-lo. Ele já está sem uniforme e
veste suas costumeiras roupas pretas, acompanhadas da jaqueta de couro. O céu já está perto de
estar totalmente escuro e o vento se torna mais frio, o que faz com que eu me encolha antes de
me aproximar.
— Você está linda, Coleman. — ele sussurra e beija minha testa.
— Onde vamos?
— Suba.
Órion apenas me entrega o capacete e eu faço o que pediu, colocando-o e subindo na
garupa. Ele acaricia minha mão antes de dar partida.
Meu corpo está tão colado ao seu que o vento se torna imperceptível e eu me sinto
levemente aquecida. A proximidade é tanta que temo que ele sinta as batidas do meu coração
contra suas costas. Estou trêmula como uma adolescente indo ao seu primeiro encontro.
Órion corta os carros, indo mais rápido do que o costume. Sequer consigo enxergar o
ambiente ao redor com clareza, já que tudo passa rapidamente ao meu redor. Os sinais vermelhos
não nos alcançam e ele não para nenhuma vez durante todo o caminho.
A única coisa que parece tão rápida quanto ele, é a noite, já que o céu se torna cada vez
mais escuro.
Franzo o cenho quando ele vira na rua da sua antiga casa. Aquele mesmo caminho que fiz
em meu mini cooper e depois, no carro de Lya, quando fomos ao hospital. O lugar no qual me
lesionei e que Órion nitidamente odeia.
Diferente do que imaginei, ele desce da moto com um sorriso no rosto.
— O que foi? — ele pergunta, notando minha confusão quando tiro o capacete.
— O que estamos fazendo aqui?
— Quero te mostrar uma coisa, vem.
Órion me puxa pelo pulso e anda tão rápido que quase preciso correr para alcançá-lo e
depois de finalmente abrir a porta, ele me puxa para dentro e nós entramos na sala escura.
A casa está completamente vazia e não há nenhuma luz acesa. Nem mesmo os refletores
que iluminam a piscina estão acesos e eu não consigo enxergar absolutamente nada. A única
coisa que consigo identificar é Órion largando os capacetes no chão e se livrando de sua jaqueta.
Em seguida, ele volta a segurar em meu pulso e me puxar pela imensa sala.
— Não estou vendo nada, Órion. — reclamo enquanto ele me puxa na direção da escada.
Tateio o corrimão para me segurar.
— Quanto mais escuro melhor, Coleman.
Franzo as sobrancelhas e tento enxergar algo que indique o que ele tanto quer mostrar.
Ele está nitidamente animado, mas a mão suada contra a minha revela que ele também está
ansioso. Continuo o seguindo pelo corredor, até alcançarmos a porta que fica no fim, e que dá
para mais um lance de escadas, até então, desconhecido por mim.
Foco os olhos no chão para não cair, e antes de chegar no último degrau, ele paralisa.
— Certo, será que já posso te enxergar? — pergunto, impaciente e ele segura minhas
duas mãos.
— Será que você consegue não ser uma grande chata por alguns minutos? — Seu tom de
súplica me faz rir e logo a minha risada se derrete, já que ele beija minhas mãos. — Feche os
olhos.
— Eu já não estou enxergando mesmo, qual a diferença?
Posso ouvi-lo bufar e mais um sorriso surge em meu rosto.
— Por favor, feche os olhos.
Faço o que ele pediu, apertando seus dedos com força para que ele não me deixe cair.
Subo o último degrau lentamente, sentindo os pêlos do meu corpo arrepiarem à medida que ele
me posiciona na frente do seu corpo.
Seu peito toca as minhas costas e ele abraça minha cintura com força. Me sinto tentada a
abrir os olhos, mas a sensação causada pelo beijo que ele deixa em meu pescoço faz com que eu
esqueça tudo e permaneça imóvel, sentindo-o.
— E então? — pergunto e ele me gira, fazendo com que eu agarre em sua camisa. — Fale
alguma coisa, Sparks!
Ele dá uma risada quase inaudível, e logo depois, noto como sua respiração se tornou
pesada, indicando que ele está mais nervoso do que eu imaginava. Consequentemente, me torno
ainda mais ansiosa e mordo o interior da bochecha, na tentativa de aliviar.
— Certo… — Ele suspira.
O silêncio que permanece depois de seu suspiro ativa meus sentidos. Consigo sentir a
brisa gelada, que indica que estamos do lado de fora da casa, o cheiro da grama recém cortada
está ainda mais intenso. Seu perfume cítrico está ainda mais forte.
Sinto-o tocar meu queixo para erguê-lo. Cada ato seu é delicado e cuidadoso, e eu me
permito sorrir quando seu dedo escorrega pela minha bochecha.
— Abra os olhos, loirinha.
Pisco diversas vezes até conseguir enxergar nitidamente e quando olho para o céu,
percebo que a escuridão intensa faz com que as estrelas pareçam estar mais perto.
É como se eu estivesse em um lugar completamente novo, ou algum lugar que parece ter
sido criado apenas para nós. Tão silencioso que consigo ouvir meu coração e os suspiros
nervosos de Órion. Até mesmo o vento parece cantar.
Nunca tinha visto o céu tão estrelado e isso me faz entender o motivo de toda a escuridão.
Os muros extremamente altos e as palmeiras no quintal fazem com que a luz da rua seja
completamente ocultada.
Não há nuvens para cobrir o universo acima de nós e eu preciso girar em torno de mim
para enxergar o que consigo daquele infinito.
Quando volto ao eixo, abaixo o olhar o suficiente para encontrar o rosto de Órion. Os
olhos brilham tanto quanto o céu noturno.
— Isso é… — Olho para cima mais uma vez, em busca de algum adjetivo que faça jus ao
que estou vendo — incrivelmente lindo.
— Vincent fez questão de escolher uma casa em algum lugar distante, para que as luzes
da cidade ficassem afastadas, e que o céu ficasse mais perto. Esse terraço servia como um
observatório. Vínhamos aqui quando eu era mais novo… — Órion olha para o céu e liberta o ar.
Vejo seus ombros cederem e me pergunto sobre o que está passando em sua cabeça. — Depois,
éramos só eu, mamãe e Lya… Mamãe foi embora e só restamos nós dois, até que Lya se recusou
a subir e eu fui embora.
Tento me aproximar, mas ele recua um passo, sem tirar os olhos do céu.
— Não sei se algum dia Lya voltou aqui, mas eu nunca mais subi. Continuei admirando
as estrelas, mas costumava fazer isso apenas na minha cabeça, com os mapas que eu memorizei.
As posições das constelações que eu já tinha em mente me fizeram parar de procurar por novas.
— Órion esconde as mãos trêmulas nos bolsos e eu engulo em seco, apenas ouvindo sua voz
estremecida. — Nós tínhamos a chave daqui — ele tira a mão do bolso e mostra o chaveiro com
estrelas na ponta — e eu jurava que tinha jogado fora, mas na verdade, eu me dei conta de que
guardei para você. Mesmo sem saber da sua existência, quando achei que tinha desistido das
estrelas.
Ele estende a mão, sem desviar os olhos das estrelas. Talvez esteja receoso de me olhar,
mas não questiono, apenas prendo a respiração e pego o chaveiro, encarando as quatro estrelas
que pendem abaixo da grande chave.
— Guarda. — ele manda e eu obedeço, colocando-o em meu bolso. — Eu vim aqui
ontem de madrugada. Lya foi embora do meu apartamento, eu fiquei ainda mais confuso do que
já estava e senti que se não viesse aqui, não encontraria as respostas que precisava.
— E encontrou? — Finalmente consigo falar e ele assente, exibindo um pequeno sorriso
no canto dos lábios. Ainda que esteja escuro, a lua acima de nós ilumina o suficiente para que eu
veja os traços de seu rosto.
— Eu encarei o céu por horas, até amanhecer e, porra, tudo o que via eram os seus olhos.
— Órion… — Seu nome soa como uma súplica, mas ele mostra o indicador, me
silenciando.
— Pelo amor de Deus, me deixe terminar. — ele pede e eu assinto, recuando um passo.
Órion esfrega o rosto e começa a andar pelo terraço, me deixando sem fôlego. — Quando eu era
mais novo, minha mãe dizia que amar é como entregar o universo para o outro, e ela entendeu
isso quando viu as estrelas com Vincent.
“É mais do que óbvio que deixei de acreditar nessa bobagem quando meu pai deixou de
ser a estrela da minha vida para se tornar a porra de uma bomba nuclear. Então, guardei esse
lugar só para mim. Memorizei as estrelas, até tatuei elas nas minhas costas… Memorizei cada
uma delas para não precisar revisitar um lugar que me deixasse apavorado. Chegou uma época
em que eu já não sentia mais tanta falta. Vincent acabou com todas as chances que eu tinha de
não temer o amor, porque se era aquilo que ele sentia pela minha mãe, eu queria distância. Tudo
o que vi foi que o amor é uma grande mentira que, no final, acaba em um grande estrago. Eu
acreditava na existência do sentimento, mas ver toda crueldade de Vincent e a dor da minha mãe
fez com que eu sentisse medo.”
Órion se afasta ainda mais, coçando a nuca e eu consigo sentir o quão difícil está sendo
para que cada palavra saia de sua boca. Por receio, pavor ou novidade.
— E, do nada, eu deixei de ser um idiota apavorado para ser um idiota apaixonado. —
Ele força uma risada e olha para cima, com um olhar irônico que me faz encolher os ombros. —
Eu até liguei para a minha mãe… — Órion avança tão rapidamente que eu volto a prender o ar.
— E eu finalmente entendi o que minha mãe disse. Eu sinto aqui dentro — ele agarra meu pulso
e espalma minha mão em seu peito. Consigo sentir seu coração batendo atrás de sua derme e do
tecido preto que cobre seu peito — que eu poderia ir até lá e deixar a porra do universo aos seus
pés se você pedisse.
Órion suspira tão profundamente que sinto sua respiração contra meu rosto. Quando ele
fecha os olhos, nitidamente exausto, eu me desfaço, mesmo que me force a permanecer de pé.
— Íris, eu vi meu pai se transformar de herói a monstro em questão de dias. Não entendi
como, nem os motivos, mas eu vi. Ele me destruiu dia após dia, e transformou minha vida em um
inferno. Ele magoou minha irmã e repetiu diversas vezes que desejava que eu não tivesse
nascido. — Ele aperta os olhos mais uma vez e tudo o que consigo fazer é apertar seus dedos
contra os meus. — Ele repetia, e repetia, e repetia. À medida que eu crescia, eu sentia que ele
desejava me substituir, e que se por algum acaso, ele tivesse a chance de ter um filho melhor, ele
faria sem pestanejar.
— Meu amor… — Minha garganta arranha e eu me apresso em secar as lágrimas.
— Mas ainda assim, eu conseguia fingir que nada daquilo estava acontecendo. O que me
destruía, era ver a minha mãe definhando todos os dias enquanto os boatos sobre amantes
cresciam, ou quando ele chegava tarde, com outro perfume na roupa. Ele parou de admirá-la e eu
vivia os dias com medo de perdê-la de vez. Todos os dias, mamãe dizia que meu pai a amava
mesmo assim e eu jurei para mim mesmo que nunca amaria alguém. Não queria ser um marido
como Vincent, não para machucar alguém, — Órion suspira — não queria ser o pai que Vincent
foi, por isso nunca idealizei uma família.
Minhas pernas tremem, mas eu permaneço imóvel enquanto ele profere cada palavra. E
quando ele finalmente se aproxima novamente, o ar se dissipa por um segundo, mas logo volta
aos meus pulmões, reafirmando a minha vida.
— Eu finalmente entendi o que Noelle tanto dizia quando falava que amar é entregar o
universo ao outro. Não o universo lá em cima, — ele aponta para o céu — mas o próprio
universo. Eu te daria as estrelas, a lua, os planetas, a Via-Láctea, o que fosse necessário, mas eu
estou aqui, me entregando a você. Estou te dando cada supernova do meu universo para que você
faça nascer novas estrelas. Cada um dos meus medos, cicatrizes, cada gota de um amor que eu
não sabia que poderia sentir. Se eu tinha medo de amar, porra, agora eu descobri que é uma das
melhores sensações já sentidas. — Órion avança ainda mais e segura meu rosto com as duas
mãos. — Mais do que as estrelas lá em cima, porque pela primeira vez, eu acho o céu pequeno
demais perto do que eu estou sentindo, e toda vez que você abre a porra de um sorriso
dissimulado, eu perco o chão, mas eu me sinto o homem mais feliz do mundo.
— Oh, meu Deus…
Lágrimas molham todo meu rosto e tudo que eu poderia falar some da minha mente. Eu
poderia gritar que o amo, poderia despejar cada um dos meus sentimentos, mas tudo o que
consigo é soluçar enquanto seguro a sua mão contra a minha bochecha.
— Está sendo muito difícil e eu nem sei se você está me entendendo porque tudo parece
tão novo, tão estranho, tão…
— Órion! — Seguro seu rosto e, pela primeira vez em minutos, ele se cala e finalmente
olha em meus olhos. O azul escuro das suas orbes brilham. — Eu te amo.
Ele solta o ar como quem sente alívio e acompanhado disso, um sorriso expande seu
rosto. Cada célula do meu corpo borbulha em minhas veias, ao mesmo tempo que sinto meu
coração tranquilo.
Minha respiração acalma enquanto encaro seus olhos.
Encontro paz dentro do nosso caos, traço um caminho dentro do nosso universo, e
quando o abraço, sinto que agarrei um mundo inteiro.
— Eu te amo, loirinha. — ele resmunga contra meu pescoço, acariciando o que consegue
do meu corpo, como se dependesse de todo esse contato. — Vem cá, quero te dar uma coisa.
Ele vira meu corpo e eu aproveito para olhar o céu mais uma vez, eu busca de algo que
me encoraje a dizer o quanto sou grata por ele ter me resgatado de mim mesma.
Órion beija meu ombro depois de colocar meus cabelos para o lado e minha atenção
permanece fixa no céu, tão impressionante e grande.
Meus ombros cedem em alívio a cada toque dele em minha pele e quando sinto algo
gelado tocar meu pescoço, abaixo o olhar para encontrar um pingente com uma estrela brilhante
que me faz sorrir.
— É uma das tantas representações da Polaris, a estrela mais brilhante da constelação
Ursa Menor, chamam de Estrela do Norte. Ela está praticamente fixa no céu, quase imóvel e
assim parece que todas as estrelas giram ao seu redor. — ele explica, fechando o colar em minha
nuca. Quando me viro, ele toca meu rosto e as batidas do meu coração se espalham pelo meu
corpo. — É usada como referência de orientação há séculos, está em mapas e bússolas. Estou te
dando a Polaris porque você é meu norte, Coleman. Eu giro ao seu redor para te admirar e
quando penso que estou me perdendo, só preciso olhar para você e eu encontro o caminho de
volta para o sossego. Volto para mim mesmo quando encontro você.
— Oh, meu Deus, Órion… — Suspiro, sentindo a garganta fechar em um quase choro.
Quando toco o pingente brilhoso, uma lágrima escorre e ele a seca. — Meu amor… — Me
coloco na ponta dos pés e ele se inclina para tocar a testa na minha. — Você me salvou, Órion.
Você é meu lugar seguro. E eu sinto muito por tudo isso, sinto tanto pelo que seu pai fez a vocês,
sinto muito por você não acreditar que o amor é bom. O amor é leve, o amor que eu sinto por
você me faz viver e eu juro que é a melhor sensação que já senti durante todo esse tempo. Indo
além da liberdade que eu sinto quando estou saltando ou girando pelos tablados, você me fez
lembrar que sou mais do que isso e eu amo a pessoa que sou depois que você decidiu transformar
a minha vida em um caos. — Deixo um beijo em sua bochecha e fecho os olhos novamente,
deixando seu perfume e seus braços me envolverem. — Nosso caos é o caos mais lindo já visto
em todo universo e eu prometo que vou tentar te salvar da sua dor, da mesma forma que você
transformou a minha em sorrisos e coragem.
— Íris… — Ele segura em meu queixo e eu abro os olhos para olhá-lo. — Você me
salvou no momento em que eu te peguei no colo pela primeira vez, lá embaixo, no quintal. Eu só
não tinha me dado conta disso.
Porque eu quero te tocar, amor
E quero te sentir também
Eu quero ver o Sol nascer sobre seus pecados
Só eu e você
…Mas você nunca estará sozinha
Eu estarei com você do anoitecer ao amanhecer
Dusk Till Dawn — ZAYN, Sia

As estrelas acima de nós já não parecem tão brilhantes. Não diante dela.
Tudo o que me sufocava saiu em um grande atropelo de palavras, em um tom
desesperado e tão assustado que apenas ela, tão assustada e confusa quanto eu, seria capaz de
entender.
Íris desperta diversos lados de mim. Ela despertou a raiva, medo e agora, uma paixão
quase inexplicável, que me torna corajoso o suficiente para fazer absolutamente qualquer coisa
por ela. Sentir tanto me assustava, e agora meu corpo parece leve.
Me sinto humano e tão vivo que consigo distinguir o funcionamento de cada parte do
meu corpo. Agarro Íris com toda força que consigo, a erguendo em único impulso, para que ela
sinta cada uma das reações causadas por ela.
Me sinto no topo do mundo no momento em que ela pressiona a boca na minha, ansiando
por um beijo que rouba meu ar. Ando rapidamente até a parede mais próxima, empurrando suas
costas contra o concreto, e quando puxo seu lábio inferior entre meus dentes, ela liberta um
gemido arrastado que amolece meu corpo.
Íris agarra a minha camisa com agilidade, a erguendo rapidamente até tirá-la por
completo, enquanto sustenta o próprio corpo, apertando minha cintura com suas pernas com mais
força. Repito seu ato, tirando sua blusa fina e quando finalmente alcanço mais de sua pele, me
abaixo para beijá-la.
Ela arqueia as costas e enterra as mãos nos meus cabelos, e aperta o quadril contra o meu,
me fazendo arfar. Os movimentos do seu corpo contra o meu fazem com que as alças de seu
sutiã caiam para os lados, deixando-o largo o suficiente para que eu consiga arrancá-lo, me
dando a visão perfeita dos seus seios pequenos.
Giro o corpo, encostando na parede e abaixo com cuidado, até estar sentado e tê-la em
meu colo. A luz da lua ilumina sua silhueta perfeita, e os detalhes da sua pele macia. Consigo ver
os lábios inchados, o rosto avermelhado e o peito subindo e descendo, ofegante.
As estrelas caem do céu e adentram seus olhos, todo o universo cabe nas suas orbes
incendiadas e eu me sinto hipnotizado.
Ela me envolve por completo, pondo as pernas ao redor da minha cintura e língua na
minha. Íris envolve a minha alma na sua e me reivindica, arranhando cada centímetro de pele que
alcança, deixando marcas entre minhas tatuagens. Ela esfrega o quadril contra o meu, me
fazendo alcançar seus cabelos para descontar cada segundo da tortura que é tê-la em cima de
mim, ainda coberta por malditas peças de roupa.
Eu queimaria tecido por tecido.
Eu queimaria a cidade, de ponta a ponta, se ela me pedisse.
Íris arqueia as costas, oferecendo seu corpo para a minha boca, que a recebe rapidamente.
Passo a língua lentamente em um dos mamilos entumecidos e ela geme. Suas unhas fincam em
meus ombros e ela empurra o próprio corpo contra a minha boca. Ainda que estivesse se
perdendo em meu toque e seus gemidos estivessem se tornando mais altos, ela me empurra e se
levanta.
Permaneço completamente imóvel, fissurado por cada ato seu. Acompanho seus
movimentos como um servo obediente, meu corpo se recusa a impedi-la de tirar o que restou da
sua roupa em uma coreografia que parece ter sido ensaiada especialmente para me levar à
loucura.
Ela parece atingir cada um dos seus objetivos quando desce a calça pelas pernas e, em
seguida, se livra da calcinha rosa.
Íris está completamente nua à luz da lua, e a imagem é tão poderosa que me encurrala.
Me sinto menor diante dela, mas no topo do mundo por ser o alvo do seu olhar excitado. Estou
vendo uma divindade que usa de todos os seus poderes para acabar com a minha sanidade. Me
sinto um mero mortal que se encontrou com uma das deusas do Olimpo e não suportou tanta luz.
Íris brilha. Os atos são tão hipnotizantes que sequer consigo me mover, tudo o que faço é
buscar formas de conseguir respirar normalmente enquanto a mais bonita das obras de arte se
exibe para mim.
Ela se abaixa novamente e fica de quatro entre minhas pernas esticadas.
— Merda, Íris… — É tudo o que consigo dizer quando, sem demorar, ela começa a tirar
a minha calça rapidamente.
Os olhos estão presos nos meus e seu nome escapa novamente como uma palavra
sagrada.
Nem mesmo consigo pensar em uma reação, Íris tira de mim até mesmo os meus
segundos. Ela faz o tempo passar mais devagar para me torturar, ela toma os minutos para si e
rouba minha voz enquanto se abaixa e segura meu pau.
Minha boca se escancara e um gemido rouco e baixo escapa no momento em que sinto
sua boca lambendo-o e sugando o que consegue.
Meu único movimento é para segurar os fios loiros de Íris e quando ela geme, meu corpo
estremece em aprovação.
A visão é divina e eu preciso de muito para não perder o que sobrou do meu controle. Ela
me castiga com a sua boca e leva a mão livre entre suas pernas, o que aumenta a intensidade dos
seus gemidos e me deixa tonto. Ela choraminga contra meu pau e quando empurro sua cabeça,
seus olhos lacrimejam e as unhas fincam na minha coxa.
Quando acho que Íris vai parar, ela intensifica os movimentos e o som dos seus dedos em
sua boceta certamente encharcada torna tudo mais difícil. Sinto que estou prestes a explodir, meu
corpo implora por mais dela, ao mesmo tempo que se recusa a se desfazer de sua boca.
O movimento dos seus quadris contra seus dedos me fazem ceder. Minhas pernas
amolecem e estremecem, e cada reação faz com que Íris apenas se delicie mais, me encarando
com seus malditos olhos felinos e vitoriosos.
— Puta que pariu, Coleman… — resmungo, quando sinto meu pau em sua garganta.
Uma pontada na coluna indica que estou prestes a jorrar tudo em sua boca e ao perceber
os arrepios em minha pele, Íris me engole com mais força, me guiando para um orgasmo
destruidor. Me desfaço em sua boca e assisti-la engolir cada gota me faz agarrar seus cabelos.
— Você é uma desgraçada, Coleman. — Íris sorri, se ponto de joelhos e limpando os
cantos de sua boca manchada pelo meu gozo.
A visão é a razão da minha destruição.
Ela alcança a minha mão e eu acompanho cada movimento com atenção.
Um sorriso satisfeito faz meus lábios se curvarem quando ela leva minha mão ao seu
pescoço. Seus olhos se arregalam quando aperto, pegando-a de surpresa com a força.
— Então, você gosta disso… — sussurro, puxando-a pelo pescoço, até que ela esteja em
cima de mim.
Sua boca se abre e seus olhos continuam presos no meu rosto, implorando por mais,
mesmo que em silêncio. Sua respiração se torna mais pesada.
— Gosta de quando eu acabo com você e com a sua boceta, não é, Coleman? —
pergunto, tirando minha mão do seu pescoço apenas para traçar uma linha pela sua garganta com
a minha língua, e em seguida, deixo uma mordida em seu queixo. — Então, preste atenção no
que vou dizer… — ela assente e suas pupilas dilatam. — Você vai se levantar e, como uma boa
menina, vai pôr a boceta na minha boca. E eu vou devorar você antes de te foder.
Íris levanta imediatamente e em questão de segundos, envolve meu rosto com as duas
pernas e sua umidade escorre para a minha boca. Um gemido aliviado rasga minha garganta.
Seu gosto é viciante e eu mato a saudade que estava sugando tudo o que consigo,
segurando firme em sua cintura. Íris espalma as mãos na parede e apoia uma das pernas em meu
ombro em busca de apoio.
Meus dedos afundam em sua pele enquanto tomo cada gota da sua excitação. Ela rebola
no meu rosto e eu me sinto pronto para ela de novo. Quando acerto um tapa forte e estalado em
sua bunda, ela liberta um gemido alto e agarra no meu cabelo, me fazendo sentir dor.
Íris retribui a cada uma das minhas investidas. Quando grito, ela grita mais alto. Quando
tento discutir, ela me enfrenta e me vence. Quando bato, ela me morde. Nossa guerra se torna
meu vício, Íris se tornou a minha maior obsessão. Cada segundo disso tudo fica ainda mais
delicioso.
Ao mesmo tempo que ela é a minha maior adversária, é minha aliada.
O mundo ao nosso redor parece incendiar, e só existem duas consequências nessa guerra:
amá-la até que isso me destrua, ou deixar que ela conserte o que já está destruído.
Independente de qual for o meu destino, ele está nas suas mãos.
— Órion, puta que pariu… — ela geme, apertando meu couro cabeludo e se afasta, me
fazendo acertar sua bunda mais uma vez. — Eu preciso de mais… — Íris se abaixa em meu colo
e eu não encontro forças para discutir.
Íris choraminga e eu sinto sua umidade escorrer pelo meu pau, enquanto ela se esfrega
em mim.
— Órion…
— Isso, amor, meu nome é tudo o que quero ouvir enquanto rebola no meu pau. — aviso.
Seus lábios úmidos e inchados se curvam num sorriso diabólico. — Mais rápido, Coleman… —
mando, mas ela continua se movimentando lentamente. — Não me provoque.
— Ou?
Agarro seus pulsos com uma mão e uso a outra para me encaixar dentro dela com força,
rapidez e sem qualquer preparo. Íris está tão molhada que entro com facilidade, ela me aperta e
grita deliciosamente.
A intensidade faz com que ela jogue o corpo para trás e liberte um gemido tão alto que
me faz sorrir. Eu poderia impedi-la para que os vizinhos, mesmo que distantes, não escutem, mas
é tão bom que não me importo.
O silêncio certamente amplifica seus gritos, deixando-os gravados em todas as paredes e
cantos dessa maldita casa.
Agarro seus cabelos loiros de novo e a forço a me olhar.
— Faça o que eu mandei ou você não vai gozar, Íris… — Aumento o aperto em sua nuca
e ela choraminga. — E de bônus irá aparecer naquela porra daquele treino com a marca da minha
mão na sua bunda.
Íris movimenta a cintura como ordeno, mas retribui a dor em sua nuca com uma mordida
em meu ombro e finca a unhas logo acima do hematoma deixado pelos seus dentes. A dor faz
meus olhos lacrimejar, mas o movimento da sua cintura me arranca as palavras.
Ela me obedece, mas me castiga. Me leva ao céu e ao inferno em questão de segundos, e
encara as estrelas enquanto forço seus quadris para frente e para trás. Sinto espasmos e tremores
tão intensos que fico tonto e preciso fechar os olhos para distinguir cada uma das milhares
sensações causadas por Íris.
A maldita consegue se soltar das minhas mãos e segura firme em meu rosto,
pressionando-o e me obrigando a encarar seus olhos.
Eles ardem na minha direção e cada uma das faíscas espalham cargas elétricas pelo meu
corpo. É um castigo delicioso e ela rebola ainda mais rápido quando me inclino e envolvo um
dos seus seios com a língua, deixando rastros molhados e chupando-o até ter a certeza de que
terão marcas ali no dia seguinte.
Sua boca se fecha apenas para que uma curva se forme, e ela exibe um sorriso travesso
que vira minha vida de ponta cabeça.
Seus olhos se abrem e eu me apaixono mais uma vez.
E descubro que a amo mais uma vez.
E de novo, e de novo e de novo. Eu caio do precipício e sou resgatado tantas vezes que
perco qualquer uma das chances de descobrir qual das sensações é mais gostosa: de despencar ao
seu lado ou de ser salvo por ela.
Nosso universo caótico é envolvido por uma grande nuvem de sensações que causam
explosões simultâneas e incontroláveis. Todos os corpos celestes e fenômenos estelares param
para nos assistir.
Seu corpo treme sobre o meu, que acompanha seu orgasmo e se desfaz dentro dela.
Eu estava no fim, e quando ela me olha com a porra de um sorriso nos lábios, descubro
que meu recomeço mora ali.

— E então? — Íris pergunta, se acomodando na bancada da cozinha.


A casa ainda está silenciosa e a única luz acesa é a de onde estamos. Sinto que, neste
momento, tenho um pouco de paz na casa onde vivi o inferno.
E o motivo disso está bem na minha frente, com os cabelos presos no topo da cabeça,
usando uma das minhas camisas e atacando o pote de sorvete que entreguei em sua mão, para
que parasse de me atormentar.
Eu estava prestes a dormir quando ela começou a reclamar de fome e desatou a falar,
determinada a me infernizar e me fazer levantar.
Arranquei todos os gemidos que pude de sua boca. Depois que saímos do terraço, no
corredor entre a escada e o meu quarto, debaixo do chuveiro e no meu colchão. Íris foi minha em
diversos cantos dessa casa, e quando o céu começou a dar sinais da manhã, eu esperava que ela
se calasse.
E é óbvio que ela fez o contrário e eu sabia que não teria paz até que fizesse o que ela
quer.
— O que somos? — ela pergunta e eu franzo o cenho.
— Como assim?
— O que nós somos, Sparks?
— O que você quer que eu seja?
— Ah, por favor, você pode facilitar as coisas? — ela reclama, enfiando a colher no pote
de sorvete.
— Facilita você. São quase cinco da manhã e eu estou com sono.
Íris larga o sorvete e cruza os braços. Apesar do sono, não consigo não sorrir e me
aproximo, me posicionando entre suas pernas.
— Sou seu namorado, seu melhor amigo, sou a porra que você quiser, Coleman. —
respondo, beijando sua boca gelada. — Eu sou inteiramente seu para ser exatamente o que você
quiser.
— Inteiramente? — ela pergunta, maliciosa e eu me afasto para conter um riso.
— Isso, agora para de encher o meu saco e coma essa maldito sorvete.
— Você consegue não ser um babaca? — Nego com a cabeça. — Não reclame, você já
disse que é inteiramente, e agora vai ter que me aturar por completo.
— Esqueci da parte que vou ter que aturar a sua chatice, posso voltar atrás? —
choramingo, fazendo-a se inclinar para bater em meu braço. — Maluca!
— Vai se foder.
— Precisamos contar para Neil. — falo e ela arregala os olhos. — Ou prefere manter em
segredo?
— Não… É que eu não tinha pensado nisso. Ele não é muito a favor de relacionamentos
dentro da RGA. — ela diz, quase como um sussurro e volta a atenção para o sorvete.
Volto para ela, tiro o pote de sua mão e beijo sua testa.
— Fique tranquila, faremos isso na segunda juntos. — Ela assente enquanto acaricio sua
bochecha.
— Gosto quando é assim.
— Como?
— Carinhoso. É raro, já que você é um ogro em tempo integral. — Íris diz e me faz
gargalhar antes de me inclinar para morder sua bochecha. — Ai, porra! Está vendo, eu estava
certa.
— E não reclamou enquanto estava embaixo de mim. — Ela dá de ombros. — Agora
coma, pelo amor de Deus.
Ela sorri antes de voltar ao seu sorvete. Meus olhos passeiam por ela e eu sinto o coração
acelerar de novo. Se isso é estar apaixonado… por Deus, que eu seja para sempre dela.
Sempre se lembre
Nós queimamos para melhorarmos
Eu juro que sempre serei sua
Porque sobrevivemos à Grande Guerra
The Great War — Taylor Swift

Abro a porta do meu apartamento sem conseguir tirar o sorriso dos lábios. Na verdade,
desde que Órion decidiu dizer tudo o que sente, já não consigo mais controlar o sorriso.
Órion realmente conseguiu me fazer amá-lo. Logo ele.
De todas as pessoas do mundo, a única pessoa que me fez sentir ódio, também foi a única
pessoa que me fez sentir o lado mais intenso do amor.
E porra, isso é incrivelmente bom.
Somos um do outro, na definição que quisermos. O importante é que pertenço a ele, e ele
a mim.
Ainda consigo senti-lo em cada centímetro do meu corpo. Ele deixou tatuagens invisíveis
em minha pele e eu vou precisar de muito para me livrar da sensação de tê-lo com as mãos
imensas em mim.
— Droga… — resmungo, indo na direção do meu quarto.
Atravesso o corredor estranhamente silencioso e fecho a porta atrás de mim, franzindo o
cenho ao ver uma caixa vermelha posicionada no centro da minha cama.
Alya certamente não está em casa, ou está dormindo tão profundamente que não emite
um som sequer. Órion esteve comigo durante todo o tempo, o que me deixa ainda mais confusa.
Ainda assim, largo a bolsa no chão e me sento na cama.
Hesito em pegar a caixa, temendo que Sarah tivesse enviado uma nova lesão de presente
para mim ou uma bomba que me impedisse de ir a Paris de vez, mas quando noto os adesivos
estrelados pela caixa, abro um sorriso e finalmente tiro a tampa.
— Não acredito…
O interior da caixa está repleto de meias, com cores e temas variados. Preciso cobrir a
boca para não gritar como uma adolescente e mordo o interior da bochecha, contendo a vontade
de chorar que toma a minha garganta. Certo, estou estranhamente sensível, e a grande quantidade
de meias, acompanhadas de um bilhete, me fazem sentir borboletas dançantes em meu estômago.

Se recebeu essa caixa, é porque deu tudo certo. Caso contrário, eu teria queimado todas
elas e espalhado as cinzas pelo seu apartamento lindamente limpo.
Ainda acho isso patético, Coleman, mas faço qualquer coisa pelo seu sorriso.
Te dou as estrelas, o meu coração e essa porra de coleção de meias.
Eu te amo, loirinha. Espero que se acostume com isso.

Sparks.

Me sinto uma idiota ao dar gritinhos e agitar os pés, animada. Ainda não aprendi a
controlar as emoções e reações causadas por Órion, principalmente quando me pegam
desprevenida.
Os pares estão enrolados com perfeição, com os rostos dos personagens para cima, em
uma organização impecável que me fez perceber que Órion se dedicou em cada detalhe. Nem o
melhor dos vendedores seria capaz de ser tão insuportavelmente caprichoso assim.
Aperto o colar contra meu pescoço, ainda admirada com o presente dado por Órion. Indo
além de meias e colares, ultrapassando a grandiosidade das estrelas e do céu. Ele se entregou
para mim, apesar do medo que deixava transparecer em cada palavra, eu o recebi e me entreguei
na mesma intensidade. Mesmo com medo do que podemos causar.
Será o caos mais intenso e lindo já visto.
Tiro o celular do bolso da calça e abro a câmera rapidamente, pondo a caixa ao lado do
meu rosto e sorrindo da forma mais sincera que consigo.
Há brilho em meus olhos e a essa altura, eu já desisti de tentar esconder o que ele me
causa. Envio a foto e dou uma gargalhada ao ver o que Órion fez com o próprio nome no contato
do celular.

Íris: Você não existe, Sparks.


Íris: E é um convencido também.

Amor da minha vida: Disse que faria


qualquer coisa por você.
Amor da minha vida: Até ir a uma loja infantil para comprar meias.

Íris: E como essa caixa chegou aqui?

Amor da minha vida: Pergunte a sua


melhor amiga.

Íris: Obrigada, Sparks.


Íris: Por cada segundo.

Amor da minha vida: Não me faça buscá-la.


Amor da minha vida: Juro que não te deixo
sair nunca mais.

Íris: Tente não sentir tanto


a minha falta.

Largo o celular no momento em que ouço a porta do quarto de Lya abrir, e corro para
fora, na intenção de abraçá-la com toda força que consigo.
— Alya Sparks Parsons! — grito, indo na direção da cozinha, mas paraliso quando vejo
Vivian.
Seus cabelos trançados, geralmente presos, estão soltos e só assim consigo ver o
comprimento do cabelo, que alcança o fim de suas costas. Ela veste apenas um moletom da RGA
e está agarrada a uma xícara de café, o que indica que ela dormiu aqui. Seus dedos estão tão
firmes na porcelana que parece que irá estourar a qualquer momento.
Seus olhos estão arregalados e ela recua um passo, nitidamente surpresa e prestes a fugir.
— Ah, oi. — Tento dizer e forçar um sorriso, mas ela permanece imóvel. — Vivian, está
tudo bem, não precisa me olhar assim.
— Lya disse que estava fora. É… Eu vim…
Me inclino o suficiente para alcançar a xícara e tirá-la de suas mãos.
— Não precisa se justificar. — falo e ela franze o cenho. Abro um sorriso na tentativa de
fazê-la retribuir, mas ela permanece me encarando com receio. — Lya já me contou tudo, está
tudo bem.
— Contou? — Assinto.
— Não fique com raiva dela. Na verdade, eu meio que descobri. — Encolho os ombros e
ela solta o ar.
— Lya não me disse nada…
— Ela deve ter ficado tão assustada quanto você, mas pode confiar em mim. Alya é
minha melhor amiga, Vivian, e você é minha amiga também… Nos conhecemos há muito
tempo, lembra? — Ela apenas assente, silenciosa. — Entendo o medo de vocês, acredito que seja
mesmo assustador não saber o que os outros vão pensar, mas vocês não devem se preocupar com
isso. Todos ao redor irão apoiá-las e não deixaremos vocês sozinhas. Só queria que os olhares
que direciona para mim mudassem.
— Desculpa, mas é difícil. Sei que são apenas amigas, mas não tenho a mesma
intimidade com Alya. Não ainda. O que me deixava incomodada era o fato de não me sentir
segura o suficiente para demonstrar algo em público, ter tanta intimidade com ela, como vocês
tem.
— Temos intimidade porque somos como irmãs. Em um relacionamento, esse sentimento
é desenvolvido com o tempo. E eu não acho justo que se escondam, vocês merecem viver um
relacionamento normal.
— Não é tão fácil quanto parece.
— Eu sei que não, mas aqui e entre as meninas no ginásio, vocês estão seguras.
Vivian respira fundo. O tremor de suas mãos já passou, seus olhos extremamente escuros
já estão mais serenos e quando um pequeno sorriso enfeita o canto de sua boca, sinto alívio em
pensar que, finalmente, Lya está feliz.
— Você a ama, certo? — pergunto e ela assente, ainda tímida. — Então, não precisa
esconder esse amor. Tem alguém que te oprime por isso?
— Meu pai, mas ele já deve ter ido pro inferno. Não o vejo há anos. — ela responde,
objetiva e eu tento não parecer surpresa.
— Melhor ainda, não precisa se esconder. E se precisarem de ajuda, sabem onde me
encontrar.
Seu sorriso aumenta e eu noto que é a primeira vez que ela não exibe seu semblante
ciumento e desconfiado para mim. O brilho nos olhos expõe toda a verdade de seu amor por Lya
e eu sinto orgulho me consumir.
Em um impulso, eu a abraço. Vivian arfa, mas logo cede e toca minhas costas, apesar do
receio.
— Estarei aqui por vocês, ok?
Vivian ri baixo, tímida e encolhe os ombros.
— Lya é como uma irmã para mim e eu preciso contar para vocês sobre quem eu acredito
que seja o meu namorado...
— Namorado?
Sinto as borboletas acordarem ao proferir a verdade. Vivian é a primeira pessoa que irá
saber sobre ele. Vivian arregala os olhos, surpresa.
— Órion. — completo e ela abre a boca, em choque.
— Eu sabia que ia dar certo! — Ouço a voz de Alya atrás de mim e me viro rapidamente
para alcançá-la em meu abraço. — Deu certo, não?
— Calma aí, o Órion… Fisioterapeuta? — Vivian pergunta, me fazendo voltar a olhá-la.
— Aquele pé no saco que por acaso é irmão de Alya?
— É, ele mesmo. — respondo, sem conseguir conter o tamanho do sorriso que faz
minhas bochechas doerem.
— E vocês estão…
— Estamos. — Alya dá um grito e me abraça novamente.
— Eu jurava que você o odiava.
Dou de ombros. Nem mesmo me lembro da sensação de odiá-lo, apenas de como esse
ódio virou amor, e como sentir tanto está me fazendo feliz. Sempre soube da minha maldita
mania de sentir tanto em todas as áreas da minha vida. Muita felicidade, muita tristeza, muita
euforia, muito orgulho.
Sempre fui especialista no muito e agora sinto que nada do que já senti no mais alto da
intensidade se aproximou de tudo o que Órion me faz sentir.
Ah… Ele foi mesmo um grande filho da puta quando me fez amá-lo.
— Mas, no fundo, eu sabia que tinha algo diferente naquelas sessões. — Franzo as
sobrancelhas ao ouvir Vivian. — O quê? Ele não tranca a porta quando a sessão é com todas nós.
Arregalo os olhos, sentindo o rosto arder em vergonha e ao meu lado, Alya gargalha alto.
— Meu Deus, que vergonha. — Cubro o rosto, fazendo as duas rirem. — Certo, eu me
rendo.
— Vocês não fizeram nada na academia, não é? Nós usamos aqueles aparelhos. — Lya
reclama e eu a empurro levemente.
— É claro que não! — respondo, mas rio quando ela se joga no sofá. — Mas fizemos aí.
— Ah, que nojo! — ela grita, se levantando e avança na minha direção. — Meu Deus, é a
estrela Polaris. — Alya paralisa quando vê o pingente em meu pescoço. — O que você fez com o
meu irmão?
— Fez ele deixar de ser um pé no saco? — Vivian pergunta, se aproximando para olhar o
pingente. — Ele deixou de se fazer de low-profile. Olhem só.
Vivian se aproxima com o celular e eu cubro a boca ao ver que ele postou a foto que
mandei, sorridente com as meias, com alguns emojis de estrela enfeitando a postagem. Quando
ela pressiona o lado esquerdo, voltando ao story anterior, arregalo ainda mais os olhos ao ver
uma foto do meu colo, mostrando apenas o pingente e alguns fios do meu cabelo.
Órion deve ter tirado enquanto eu dormia e nem mesmo se preocupou em me contar, ou
me mostrar a foto, já que havia ficado incrível, mesmo que tão simples.
— Meu Deus, substituíram o meu irmão. — Alya se afasta, com as mãos na testa,
fingindo preocupação, enquanto meus olhos ainda acompanham a tela do celular de Vivian.
Me deixa irritada, já que discutimos depois de eu ter postado uma foto das nossas mãos
em meu perfil, mas deixa o coração acalentado ao saber que sua implicância tem um único
intuito: me tirar do sério.
Órion conseguiu os maiores feitos em minha vida: Me fazer atingir o mais extremo nível
de raiva, confusão, excitação e paixão. Ele me fez odiá-lo mesmo quando tentei manter a calma
em meu coração e me fez amá-lo quando decidi não me envolver com mais ninguém.
Decidi não ter relacionamentos para não acabar com a concentração nas competições.
Depois de Anthony e das vezes em que ele tentou me distrair apenas para me ultrapassar, estava
determinada a não me entregar a nada antes de conseguir conquistar todos os meus objetivos
com a ginástica.
— Ele não só te segurou e ficou, como te ajudou a levantar e agora te aplaude.
A voz da minha mãe volta a ecoar em minha mente e mesmo que eu já soubesse que ela
estava certa, agora tudo parece tão claro na minha mente que faz com que flashbacks de todos os
meses anteriores me deixem tonta.
Órion me segurou quando caí, me deu a certeza de que tudo daria certo quando tudo o
que sentia era medo. Me ajudou a voltar a andar com rapidez, me deu a força de seus braços para
me manter de pé e quando eu estava prestes a desabar, encontrei abrigo em seus conselhos e
olhares discretos.
Seus olhos sempre me abraçaram.
Órion me deu asas quando eu estava em queda livre e me soltou como se eu fosse um
pássaro aprendendo a voar.
Órion me deu as estrelas, me deu a lua e todo o universo.
Mas me deu algo ainda mais precioso, que sinto pulsar em cada canto do meu corpo. Me
deu as batidas fortes do meu coração quando eu achava que nada mais me levaria ao ápice da
emoção.
Há uma luz em seus olhos, não posso negar
Então estou num barco naufragando
Ficando sem tempo
Sem você, nunca sairei vivo dessa
Mas eu sei, sim, eu sei que vou ficar bem
Ready To Run — One Direction

Encaro o cigarro entre meus dedos enquanto tento tomar coragem de entrar na Sparks-
Caldwell. O sol já esquenta minhas costas e me deixa irritado, mas nem isso é capaz de me fazer
sair da moto para, finalmente, ir encarar Olivia e as possibilidades de dar de cara com Vincent.
Depois de receber uma estranha ligação de Olivia, pedindo para que eu viesse sem Íris,
precisei largar meu orgulho para chegar até aqui, e agora preciso largar a covardia para entrar.
Apago o cigarro, ainda hesitante, e pego uma das balas de menta no meu bolso, jogando-a
em minha boca em seguida. Aperto os punhos na tentativa falha de controlar o tremor e o suor
em minhas mãos e depois de esfregá-las na minha jaqueta, finalmente me direciono para a
entrada da clínica.
— Órion?
Sinto que poderia me enfiar dentro de mim mesmo para sumir de vez. Poderia
desintegrar, virar pó, apenas para não ter que encará-lo. A voz de Vincent sempre me causou
arrepios e eu sinto uma imensa raiva de mim ao ver que ainda não consegui mudar isso.
Hesito em virar, mas quando ele toca meu ombro, eu me afasto e o encaro.
— O que faz aqui?
— Não interessa. — Dou de ombros e tento me afastar, mas ele puxa meu braço, me
causando náuseas.
— Estou tentando me aproximar e sendo educado.
— Eu não quero que se aproxime, Vincent. E dispenso a sua educação. — o interrompo.
— Vim até você por Olivia, e nada mais. Prefiro até mesmo que não dirija a palavra a mim outra
vez.
— Não seja tão injusto.
Gargalho, sentindo a cabeça latejar e o sangue ferver, borbulhar tão forte que minha pele
arde. Eu poderia aniquilá-lo apenas com os olhos.
— Injusto? Você sequer se lembra de nós. Quando foi a última vez que viu a minha irmã?
— Ele permanece em silêncio e leva as mãos ao bolso do jaleco. — Já disse que dispenso a sua
tentativa de reaproximação. Você se esqueceu do inferno que fez em nossas vidas antes de tentar
fingir que nunca teve uma família?
— Eu sei que errei, e estou tentando mudar as coisas. Veja como uma oportunidade,
filho. Você precisou vir até mim, e agora podemos nos reaproximar.
Gargalho mais uma vez e seco o suor do rosto. Estou prestes a explodir.
— Quero me reaproximar de você, da sua irmã, da sua m….
— Não ouse acabar com a paz da minha mãe. — Sua fala me encoraja a avançar um
passo para encará-lo.
Sinto o ódio adentrar em meu corpo ao ouvi-lo mencionar minha mãe.
— Cuidado como fala, Órion. Não se esqueça que eu sou seu pai e você me deve
respeito. — ele diz, dando um passo na minha direção. Engulo em seco e sinto os músculos
estremecerem, mas ergo o queixo e me mantenho imóvel. — E não se faça de santo, ou acha que
eu não sei que fez tudo isso apenas para conseguir algo com a filha dos Coleman?
Minha garganta se fecha à medida que cada palavra de Vincent é proferida e eu preciso
me agarrar ao único fio de sanidade que resta para não desferir um soco no rosto do meu
progenitor. Sei que, depois da porta da clínica, existe meu padrinho, minha melhor amiga e os
pais de Íris. E eu seria um grande babaca se causasse uma confusão.
Eu seria exatamente como Vincent e isso é o contrário do que quero.
Por isso, respiro fundo e deixo o canto da minha boca se erguer num sorriso falso.
— Não te devo nenhuma explicação, Vincent. Não estou aqui para justificar os meus
motivos de ser uma pessoa decente. Não estou tentando ser santo, só estou tentando não ser
como você, e a maior prova disso é que eu não sou um grande otário, a ponto de gerar uma briga
aqui, na entrada dessa porra de clínica. — digo, quase como um sussurro. Minha garganta
reclama a cada palavra que me forço a dizer. — Eu não tenho mais medo de você. Não vou ficar
encolhido como ficava quando você decidia tirar o cinto para descontar em mim as suas
frustrações. Nunca tive culpa de você ser um merda! A única coisa que importa é que não preciso
explicar nada sobre a minha vida, e que eu juro pelas estrelas na porra do céu que, se você falar
mais alguma coisa sobre Íris, por menor que seja, eu acabo com você
— Não me desafie, Órion.
— Não! — Corto sua fala, apontando para seu rosto. — Não me desafie, você! Não sou
mais um garoto, não te devo absolutamente nada.
— Não me deve nada? Você me deve tudo!
— A única coisa que me deu foi seu dinheiro, quando tudo o que eu queria era um pai. E
você decidiu esquecer que escolheu ter um filho. Mas, acabou, Vincent, eu não ligo mais…
Eu ligo, pai, e sinto falta de como me abraçava! — Minha mente grita e eu me forço a
silenciá-la.
— Você não me magoa mais.
Meus olhos queimam e eu preciso puxar o ar para controlar a porra da vontade de chorar.
Uma lágrima invalidaria tudo o que eu disse e faria com que ele percebesse o quanto ele ainda
me afeta, o quanto ele ainda me machuca, e que ainda existe um Órion imaturo e infantil que
sente falta do pai.
Merda, merda, merda.
— Enfie a porra do seu dinheiro dentro do rabo e faça o que faz de melhor: esqueça que
eu existo.
Me afasto antes que ele se estenda, antes que ele termine de quebrar o que estou tentando
reconstruir. Antes que eu desabe na sua frente e tudo o que eu disse, seja invalidado pela minha
fraqueza. E antes que ele perceba que, mesmo que enterrado no lugar mais profundo de mim,
ainda existe um Órion, de 16 anos, que ama o pai, mesmo que ele seja um grande filho da puta.
Engulo toda a dor enquanto atravesso o corredor. A angústia é tão grande que sequer me
lembrei de parar na recepção, e antes de atravessar a porta da sala de quimioterapia, sinto minhas
pernas me impedirem de entrar.
Tento recuperar o fôlego e fecho os olhos, tentando voltar ao eixo. Meu corpo parece
amolecer, mas me apoio na parede para recobrar a consciência. A voz de Vincent ainda ecoa
dentro da minha cabeça, como uma tortura que não parece ter fim.
Meu coração bate tão forte no peito que, por um minuto, o ar faltou. Pressiono os olhos
mais uma vez, e conto até três ao inspirar, como minha mãe me ensinou a fazer em momentos de
raiva. Expiro, controlando a tontura.
Me lembro de Lya e das inúmeras mensagens que me mandou falando sobre como está
feliz com Vivian, dos saltos da minha irmã e de todas as vezes em que ela me tirou do abismo
sem perceber. Me lembro de Nina tentando correr para meu colo e de seu abraço apertado, me
lembro de todas as crianças que me fizeram sorrir e acabaram com as minhas angústias.
Uma lágrima escorre. Não consigo me lembrar de quando havia chorado pela última vez.
Mas me lembro dos olhos castanhos de Íris. Do sorriso, da sua risada adorável e da sua
forma de tirar a minha paz e devolvê-la com rapidez. Lembro do toque dos seus lábios, do seu
abraço forte apesar do corpo pequeno. Me lembro de que ela salvou a minha vida sem ao menos
saber do tamanho do seu poder.
Penso na minha Estrela do Norte e recupero o equilíbrio. Não totalmente, mas o
suficiente para alinhar o corpo e entrar na sala.
E eu acreditava que meu dia não ficaria pior.
— Órion, que bom que chegou! — Olivia exclama, mas a minha atenção está no garoto
ao seu lado. — Arnold foi tomar um café, já deve estar retornando!
Apolo Caldwell termina de aprontar os medicamentos do tratamento e quando me vê,
franze o cenho. Está tão surpreso quanto eu.
Estou diante do maior dos insuportáveis. O filho mais novo do meu padrinho está há
apenas dois anos atrás de mim e Vick. Apolo nasceu alguns meses antes de Alya e desde criança
carrega um ar de superioridade que fazia com que eu aproveitasse qualquer oportunidade para
infernizá-lo.
Talvez por ser o mais novo, é extremamente mimado, e também por seguir os passos
ditados pela minha madrinha. Apolo sempre se viu no direito de ser arrogante, apenas por Vick e
eu nunca concordamos com o que tentavam nos impor.
E agora, vendo-o desfazer a confusão no rosto para assumir um sorriso presunçoso, sinto
uma imensa vontade de descontar toda a raiva que sinto de Vincent nele.
Mas ignoro a sua presença e sorrio para Olivia, me abaixando para dar um beijo em sua
testa.
— Precisando de mim? — pergunto a ela, me sentando ao seu lado.
— Que surpresa, Sparks. — Apolo diz, fazendo que eu precise me controlar para não
revirar os olhos. — Não sabia que conhecia a família de Íris.
Que porra de intimidade é essa?
— Claro que conheço, afinal, Íris é minha namorada.
Oh, é a primeira vez que digo em voz alta e posso afirmar que a sensação é adorável.
Ainda mais quando vejo o sorriso de Apolo se desfazer rapidamente.
— Ah, então estão namorando, finalmente? — Apesar da fraqueza, Olivia exclama,
animada e sorridente.
Desvio a atenção de Apolo para sorrir para Olivia, que bate palminhas, animada.
Exatamente como Íris costuma fazer quando está feliz com algo.
Nem mesmo percebo quando o maldito sai da sala.
— Estou tão feliz, meu filho. Sempre acreditei que algo aconteceria entre vocês. — ela
começa, pegando minha mão. — Todo aquele ódio só podia significar amor.
— É… Eu fui cabeça dura demais para não perceber. — Dou de ombros e ela ri. — E
então? O que precisava falar comigo?
Olivia dá um longo e pesado suspiro que me causa arrepios. Quando ela solta minha mão
e desvia o olhar do meu rosto, sinto um incômodo no estômago, causado unicamente pela
desesperança em seus olhos.
— Não sei como vou ficar nos próximos meses, Órion… — Engulo em seco e sinto as
mãos gelarem. — Dr. Caldwell diz que estou progredindo, mas eu sinto meu corpo enfraquecer
todos os dias.
— É a quimi…
— Me deixe terminar, querido. — Assinto. — Não sei se vou conseguir ver minha
pequena nas Olimpíadas. Nem mesmo sei se vou conseguir vê-la trazer a medalha para casa.
Olivia cobre a boca e logo diversas e incontroláveis lágrimas descem pelo seu rosto,
deixando meu rosto imóvel. Sinto minha garganta secar, me impedindo de respondê-la e um
aperto incômodo e sufocante no peito me faz ter dificuldade para respirar.
A pele de Olivia está cada vez mais pálida e fina, seus cabelos já estão menos volumosos,
seus olhos parecem opacos, até mesmo os lábios já não tem o tom avermelhado.
— Não sei se vou aguentar até o retorno de Íris, mas tenho absoluta certeza que não vou
conseguir acompanhá-la… Céus, não vou estar em um dos momentos mais importantes da vida
da minha filha… — Seus soluços quase me deixam tonto e pela primeira vez, não sei o que
dizer. Olivia me deixa sem palavras e sem chão. Não consigo esboçar qualquer tipo de reação
porque estou desnorteado. — Por isso te chamei, preciso te pedir uma coisa.
— O que quiser…
Digo, me inclinando para alcançar sua mão frágil. Olivia seca as lágrimas com a mão
livre e mesmo com o acesso ligado às suas veias, ela vira o corpo na minha direção. Os olhos
fixos em mim já estão carregados de súplicas.
— Dê todo o suporte necessário a Íris. Sei que, antes mesmo de se dar conta de que te
ama, ela já confiava em você. Íris é forte, minha menina é extremamente talentosa também, mas
ainda está frágil pela lesão. — Assinto. — Então, esteja ao lado dela.
— Não vou sair do lado de Íris, Olivia. Te garanto isso. — respondo e ela sorri.
— Grave todos os momentos em sua memória para me contar cada detalhe quando
retornarem. Cada salto, cada momento em que ela sorrir, cada giro. Não me faça perder nada,
Sparks.
— Te dou minha palavra.
— E cuide dela, por favor… — ela diz, implorando e eu sinto que vou desmaiar aos seus
pés. — Cuide dela agora, em Paris e quando voltarem. Cuide da minha menina quando eu não
estiver mais aqui.
E pela segunda vez nesse dia, sinto uma lágrima molhar meu rosto, mas dessa vez, não
luto contra e mais uma escorre em seguida.
— Estou confiante de que estará ao lado de Íris por muitos anos, Olivia. — respondo. —
Sei que está sendo cansativo, é realmente intenso e o corpo enfraquece, mas logo terá a cirurgia e
estará livre disso em alguns meses.
— Tento estar confiante todos os dias, filho, mas não poderia deixar de fazer esses
pedidos. Não perco a fé nem por um segundo. Por mim, por Arnold e por Íris.
— Sei que não estará em Paris e vou cumprir com nosso trato, mas também sei que Íris
estará nas próximas Olimpíadas e que você estará lá. — Sinto minha língua atrapalhar as
palavras conforme tento controlar o choro. Olivia dá um sorriso e toca meu rosto.
— Você a ama, não é, querido?
— Com todo meu coração, o mesmo que eu achei que não tinha.
— Todos temos amor para dar, só precisa esperar a pessoa certa. Íris também se privava
de amar, fico feliz que tenham se encontrado.
Me ajoelho na sua direção e seguro suas duas mãos com cuidado.
— Prometo que vou cumprir com nosso trato, Olivia. Vou te trazer as mais lindas
memórias de Íris, junto com a loirinha e medalhas de ouro. Ela estará segura comigo e, em breve,
você estará bem e voltará a acompanhá-la.
Beijo suas duas mãos e ela pressiona os olhos, deixando mais lágrimas caírem, mas em
seguida, ela os abre e sorri. Sorri verdadeiramente, de forma que esquenta meu coração e faz
minha alma selar nosso acordo.
— Confio em você, Sparks.
— Pode confiar. — Sorrio e me levanto para me sentar ao seu lado. Olivia suspira e seca
o que restou do seu choro.
— Agora, preciso perguntar, o que foi aquilo com o jovem Dr. Caldwell?
Arregalo os olhos e me jogo na poltrona ao seu lado.
Por Deus, as mulheres Coleman não deixam absolutamente nada passar.
Porque as páginas tinham sido viradas e decisões foram tomadas
Tudo que você perde é um passo que você dá
Então faça pulseiras da amizade, agarre o momento e saboreie
Você não tem motivos para ter medo
You’re On Your Own, Kid — Taylor Swift

O suor já gruda os fios do meu cabelo em minha testa. Há pó de magnésio em todos


cantos do meu rosto e minhas pernas latejam.
Talvez eu até esteja melhor do que antes, apesar de ainda fraquejar nas aterrissagens
algumas vezes, mas ainda há uma ponta de receio que me faz hesitar em continuar. A segurança
é substituída pelo medo toda vez que me lembro que falta pouco menos de um mês para Paris.
Os treinos estão cada vez mais intensos, nossa fase de descanso acabou e eu ainda
consigo sentir o ferro das barras em minhas mãos.
Me sento no tapete em busca de ar. O dia já está prestes a acabar, Ashley e Jennifer já
deixaram o ginásio, Vivian e Alya estão jogadas em um dos tapetes do ginásio, também
descansando depois de muitas sequências de treinos de salto na mesa.
A exaustão nos atinge em cheio. É nítido em nossos olhos e nas respirações ofegantes,
mas ainda assim, um sorriso satisfeito força meus lábios para cima. Me dou conta de que, sim, eu
consegui me recuperar. Estou treinando como antes. Exausta, mas pronta.
Apavorada, mas pronta.
A voz de Sarah ainda não sumiu completamente da minha mente, e essa talvez seja a
única razão para eu ainda não conseguir dormir 100% tranquila ao pensar em Paris. Descobri da
pior forma que o poder de manipulação de Sarah é muito grande e durou muito tempo. Eu perdi
o controle da minha vida quando Sarah decidiu nos transformar em máquinas, muito antes de
entrarmos para a equipe profissional.
Ainda não entendo como ninguém notou. Como eu não notei.
Escondo o rosto nas mãos, tentando encontrar uma resposta em minha mente e tudo se
torna uma grande confusão de novo. Órion avisou que vamos ao Dr. Wilkins amanhã. Neil
repete, todos os dias, que confia em mim e nas meninas para encher o quadro da RGA com
medalhas olímpicas. Sarah disse, mais vezes do que deveria, que eu posso me machucar em
Paris.
Me forço a reorganizar toda essa bagunça formada no meu subconsciente e me lembro de
Órion me fazendo prometer que faria terapia. Talvez esse seja o momento. O momento em que
eu posso aprender a silenciar todas as vozes que insistem em me amedrontar.
Mesmo que eu não tenha muito tempo e que eu precise de mais tempo de sessão do que o
normal.
Me levanto e me despeço de Vivian e Lya com acenos. As duas ainda buscam conforto
nos tapetes para descanso, até mesmo Neil parece exausto quando se senta na arquibancada e dá
um tchauzinho com a mão quando, apenas com o olhar, digo que meu treino acabou.
Ao passar pelo corredor de fisioterapia, ouço Órion, Ash e Jenni nas sessões de
fisioterapia para relaxamento muscular. Do outro lado, a equipe masculina também se prepara e
eu consigo ouvi-los falar sobre o quão estão nervosos para chegar lá, ainda assim, fazem piadas e
riem normalmente.
Todos parecem seguir a vida normalmente, enquanto eu vou em busca do chuveiro
gelado e tento formular minhas falas para Gabriella. Existe tanta coisa para contar, tanto para
dizer, tanta coisa que me sufoca. Talvez existam coisas que eu nem mesmo sei, e que Gabriella
pode arrancar de mim contra a minha vontade.
E agora, eu estou aqui, lavando os cabelos e tirando todos os rastros de magnésio do
corpo, me preparando para vomitar anos de angústias que devem ser curadas em menos de um
mês para que eu possa ir para Paris em paz.
Patético. É óbvio que vai dar tudo errado.
Ainda assim, penteio os cabelos rapidamente, troco de roupa e acomodo a bolsa em meu
ombro.
Encaro a placa da porta de madeira e dou um longo suspiro. Hesito, mas dou três batidas
na porta que são respondidas imediatamente com um “entre” tão simpático que o sinto antes
mesmo de abri-la.
— Oi. — resmungo e ela abre um sorriso.
Gabriella é uma mulher extremamente linda. Deve estar perto dos seus quarenta anos, a
pele negra é extremamente brilhante e lisa, a maquiagem leve realça os traços dos seus olhos
escuros. Os cabelos cacheados caem sobre os ombros e ela junta as mãos na mesa, enlaçando os
dedos enfeitados por unhas grandes e delicadas.
Ela é segura demais e isso me assusta, mas ainda assim, entro e fecho a porta atrás de
mim.
Gabriella também era atleta da RGA e se formou em psicologia na universidade. Não
sabemos o que a fez largar a ginástica, mas Neil diz que ela fez questão de continuar nos
ginásios, ajudando atletas que precisariam dela.
Bom, eu preciso dela. Sua segurança me assusta, mas talvez ela possa se tornar uma super
heroína.
— Você demorou, Íris.
Forço um sorriso e me sento na cadeira indicada por ela. Gabriella se levanta, dá a volta
pela sua mesa e se senta na cadeira estofada e grande à minha frente. Sem caneta ou papel, nem
mesmo um celular, mas com um sorriso confortante no rosto.
— Em que posso ajudá-la?
— Acredito que já saiba. — respondo, quase como um sussurro, enquanto acomodo a
bolsa no chão.
— Seja mais específica, querida.
— Preciso conversar. — falo e ela assente, inclinando o corpo para frente. — Não sei se
deveria agendar uma sessão ou algo assim, nunca fiz isso.
— Não precisa agendar nada. Já está aqui e parece apavorada. Ter vindo já é um ótimo
começo. — Gabriella responde, unindo suas mãos novamente. — Fale o que precisar e eu vou te
ajudar com o que estiver ao meu alcance, ok?
— Certo… Eu estou mesmo apavorada. — falo, depois de um suspiro tão pesado que
meus ombros cedem depois de libertar o ar. — Aconteceram tantas coisas nos últimos meses,
tudo desencadeado depois da minha lesão. Um turbilhão de coisas que caíram em meus ombros e
eu achei que estava lidando com tudo isso da melhor forma. Às vezes eu acredito que esqueci
tudo aquilo, mas quando eu penso em Paris, tudo vem à tona, como se fosse proposital, apenas
para me desestabilizar.
— Quer me falar sobre o que aconteceu? — ela diz e eu assinto. — Consegue dizer? —
Dessa vez, dou de ombros.
Como verbalizar que me dei conta de que minha fisioterapeuta usava as alunas para obter
sucesso, e que nos levava à exaustão sem que percebêssemos? Como explicar que a mesma
deixou claro que eu posso falhar? Será que consigo aceitar que posso causar uma imensa
vergonha para a academia que me acolheu?
— Posso resumir? — pergunto e ela concorda. — Antes da lesão, eu achava que se eu
parasse de treinar, tudo daria errado. Que eu não podia perder o ritmo e que uma simples falha
poderia me tirar qualquer chance de conseguir uma medalha em Paris. Foi assim que vencemos o
mundial… Treinando dia após dia, sem descanso, esquecendo de tudo para focar apenas na
ginástica. E eu achei que daria certo de novo, até me machucar.
“Eu achei que tinha perdido todas as minhas chances, principalmente porque trai a
confiança do meu treinador, que nos pediu para não treinar. Todas as vezes em que eu pensava
em descansar, surgia uma voz na minha cabeça que afirmava que eu não podia parar e que, se eu
parasse, poderia falhar, e que todos perderiam a confiança em mim, e eu perderia tudo o que
conquistei. Não seria mais a promessa da academia, minhas amigas não iam mais confiar em
mim, Neil me substituiria… E eu percebi que isso não era apenas comigo, já que Alya também
não suportava parar os treinos. E bom… deu tudo errado.”
Gabriella ouve tudo com atenção, analisa cada uma das feições do meu rosto com seus
olhos escuros e apenas balança a cabeça para que eu continue.
— A sensação foi ainda pior. Eu vi a tristeza nos olhos de Neil, Sarah não me olhava só
com decepção, mas com raiva. No final, eu decepcionei a todos de qualquer forma. Não havia
escolhas… Se eu perdesse o ritmo e me prejudicasse, eu perderia. Se eu continuasse lesionada,
também perderia. De todos os modos, eu perdi. Perdi a confiança, em alguns momentos, perdi a
vontade de voltar. Perdi o olhar orgulhoso de Neil, e perdi a minha fisioterapeuta, que me deixou
de lado na primeira oportunidade que teve. Antes mesmo de receber a proposta da outra
academia.
— Como assim?
— Antes do Sparks assumir as minhas sessões, Sarah disse que precisava dar atenção às
outras meninas e que dedicaria seu tempo para ajudar Neil a selecionar uma nova ginasta. Ela
não me deu o benefício da dúvida, ela não acreditou na minha recuperação. Pelo contrário, disse
que eu ficaria em outro plano. Nós somos todas promessas da ginástica, e eu perdi esse título
rápido demais. Se não fosse por Órion, minhas sessões de fisioterapia não teriam tanta
importância, talvez eu não estivesse prestes a ir para Paris. Eu me senti descartável. Sei que
ninguém é insubstituível, mas não sabia que eu seria deixada de lado tão rápido. — Sinto a
garganta doer, anunciando que eu cairia no choro a qualquer momento. Por isso decido me calar
e respiro fundo.
— Você disse que, em certos momentos, você achou que tinha lidado com isso. Por que
achou isso?
— Quando eu estava nas sessões de fisioterapia, eu percebi a diferença entre Órion e
Sarah. Até mesmo em Neil, depois que ela se foi. Sarah sempre deixava claro que ela era quem
cuidava mais de nós, que se algo desse errado, a imagem dela seria afetada, principalmente
quando envolvesse nosso condicionamento físico. Ao mesmo tempo que ela parecia mais focada
nas medalhas do que Neil, que é nosso treinador. Não sei o que ela ganha ou perde com nossas
vitórias e fracassos, mas isso sempre pareceu mais importante do que o profissionalismo. Eu
percebi que ela sempre foi assim, mas a ficha caiu rápido demais e as lembranças vieram à tona
de uma vez. Foram muitas informações para que eu percebesse o quão maluca Sarah é e como a
sua maluquice nos afetou. Eu achei que, descobrir tudo isso fosse a solução para resolver meus
medos, enfrentar todos eles, já que eu descobri a base de tudo. A base de tudo era o terror
psicológico feito por ela e descobrir seria a solução, mas eu também descobri que saber de tudo é
doloroso demais. Agora, eu me sinto uma idiota por nunca ter percebido, uma grande tola por ter
aceitado.
— Íris, acontece quando se vive um relacionamento abusivo. Isso não se encaixa só em
relacionamentos românticos, é assim com familiares, amigos, e na vida profissional também.
Nem sempre nós percebemos quando alguém está exercendo muita autoridade sobre nós, até que
isso se torne uma forma de abuso, principalmente quando se começa tão jovem. Sua mente se
forma baseada naquilo e pode demorar demais para perceber tal crueldade. Você não precisa se
culpar. — Engulo saliva quando sinto o gosto da bile em minha boca. A ânsia se torna intensa
quando Gabriella verbaliza o abuso psicológico feito por Sarah. — Deve se orgulhar por ter
percebido. A descoberta e aceitação fazem parte do processo de superação. Foi por isso que
demorou a vir?
— Eu demorei pra perceber que nem todos são como Sarah. Quando eu disse que tentaria
competir, ela rebateu, disse que eu estava sendo radical demais, que eu estava sendo
irresponsável. Até acusou Órion e Neil de estarem me usando, por conta dos patrocínios. —
Gabriella arregala os olhos levemente. — A verdade é que eu fiquei com medo de você dizer a
mesma coisa, já que minha mente me dizia, todo dia, que eu estava sendo imprudente em me
esforçar demais para voltar, e que eu deveria ir com calma.
— O que te fez pensar diferente?
Respiro fundo, repassando os seis últimos meses.
— Órion. — respondo de imediato. — Ele me motivou desde o primeiro minuto, sem me
deixar perder a disciplina. Lembro que, quando eu estava perto da exaustão, Sarah dizia que as
sessões de fisioterapia e as noites dormidas seriam meu descanso, e que no dia seguinte, eu
deveria estar pronta para os treinos. Quando eu senti que não aguentava mais, e minha mente
implorou por descanso, Órion me deu dias, mudou de assunto. Me fez esquecer da ginástica. Não
esquecer que sou ginasta, mas me fez lembrar que além disso, eu sou Íris. Além disso, percebi
que Neil também confiava em mim, e que talvez, eu deixasse a autoridade de Sarah sobrepôr a
dele. Eu abri os olhos e vi que existia a possibilidade de você pensar como eles também.
Gabriella respira fundo, lentamente. A seriedade dá a vez a um sorriso, ela se inclina e
pega minhas duas mãos.
— Íris, eu te acho muito corajosa. Por ter tentado, por ter enfrentado tudo, por ter vindo
até aqui. Você tem muita coragem, só aprisionaram ela. — Dou um sorriso e quando uma
lágrima escorre, seco rapidamente.
— Tenho medo de ser tarde demais. Falta tão pouco para as Olimpíadas… Eu me sinto
estável fisicamente, mas completamente perdida dentro da minha cabeça.
— Não é tarde, nunca é. — ela diz, objetiva. — Sinta-se à vontade para vir aqui quantas
vezes achar necessário antes da viagem, e fique tranquila, estarei lá também. Mas tenha em sua
mente que não depende de mim, ou do seu fisioterapeuta, ou do treinador. Depende apenas de
você, nós estamos aqui apenas para te dar apoio. E está tudo bem sentir tudo isso, não recuse
nenhum dos sentimentos que surgirem, vamos apenas aprender a lidar com eles, certo?
Assinto e depois de responder a perguntas mais específicas sobre um possível tratamento,
ela me dispensa com um sorriso e um breve abraço. Sinto os ombros mais leves ao abrir a porta e
o coração se enche ao me deparar com Órion no corredor.
Ele sorri lindamente e estende a mão para mim.
— Estou orgulhoso, loirinha. — Órion sussurra, envolvendo a minha cintura. — Como
foi?
— Acho que fui bem… Vou voltar mais vezes. — Fico na ponta dos pés para lhe dar um
beijo rápido. — Pode me dispensar de sessão? Estou exausta.
Órion gargalha e me abraça com mais força.
— De jeito nenhum! Depois de todo aquele treino, você precisa de cuidados. E só assim
será dispensada. — Reviro os olhos e ele me empurra contra a parede. — Neil te deu folga
amanhã. Iremos até Wilkins com mais calma, e depois, você terá o dia todo para descansar.
— Acha que ele vai me liberar? — pergunto, acariciando seus braços por cima do
uniforme.
— Não tem motivos para não liberar, você está pronta.
Sorrio antes de voltar a beijá-lo. As borboletas em meu estômago acordam rapidamente,
como se fosse a primeira vez que ele me toca.
— Eu estou ficando maluco? — A voz de Neil me faz empurrá-lo. Cubro a boca ao ver o
meu treinador cobrindo os olhos e dou um tapa em Órion quando vejo um sorriso em seu rosto.
Meu corpo gela e eu preciso de alguns segundos para recuperar a respiração.
— Estou ficando maluco e agora estou tendo alucinações. — ele afirma, ainda cobrindo
os olhos. Meu rosto arde.
— Neil…
Ele finalmente tira a mão do rosto e nos encara com indignação. Órion ainda tenta conter
um riso enquanto eu tento controlar a vontade de sumir. Meu rosto continua ardendo e eu tenho
certeza que essa será a causa da minha morte. Ou da crise de risos que está prestes a chegar caso
olhe para Órion mais uma vez.
— O que está acontecendo aqui? Vocês…
— Estamos namorando. — Órion diz, objetivo demais. Tão objetivo que me faz arregalar
os olhos e cobrir o rosto rapidamente.
Neil gargalha, incrédulo.
— Como isso… Vocês se odiavam… — ele começa a gesticular, fazendo eu me
encolher. — Ah, quer saber? Não me interessa. Eu não vou me estressar com vocês agora. —
Neil começa a falar, voltando a olhar para os papéis em suas mãos. — Eu tenho muita coisa para
resolver e vocês não vão me tirar do sério! Só não misturem as coisas, aqui vocês estão
trabalhando. — Assentimos de imediato. — Os dois!
— Amanhã…
— Amanhã você está de folga, Coleman. — ele me interrompe e eu fecho a boca para
não emitir nenhum som. Órion pressiona os lábios, à beira de uma explosão de risadas. — Vá à
clínica e só volte na quarta-feira com boas notícias. Vão embora, os dois!
— Mas…
— Sem mas… Só quero saber disso depois que tudo estiver mais do que certo para Paris.
Fora isso, vou fingir que não vi nada do que aconteceu para não surtar! — ele continua dizendo,
avançando pelo corredor. — Eu não sou pago para isso.
Neil continua resmungando conforme se afasta e eu cubro o rosto, tentando controlar
todo o rubor que, certamente, me transformou na cor mais vívida do vermelho. Quando ele,
finalmente, vira o corredor, Órion explode ao meu lado, em gargalhadas que me fazem avançar
até ele, para desferir tapas em seu braço.
— Para. De. Rir! — exclamo e ele continua. — Sparks!
— O quê? Pelo menos, ele já sabe. — Órion diz, entre risadas.
— Não era para ser assim.
— Claro que não, mas assim foi mais divertido.
Que sensação de estar bem aqui ao seu lado agora
Segurando você em meus braços
Quando o ar acabou, nós dois começamos a correr loucamente
O céu caiu
Mas você tem estrelas, elas estão em seus olhos
What A Feeling — One Direction

— Estamos fazendo um almoço para comemorar! — Minha mãe diz, se sentando


cuidadosamente em sua poltrona.
Ela insistiu em fazer isso logo depois que voltamos do hospital com a notícia de que o Dr.
Wilkins me liberou, oficialmente, para Paris.
Um lenço cobre seus cabelos ralos, ela ainda não tomou coragem para se desfazer dos
seus fios loiros, mas usa diversos tipos de lenços coloridos para cobrir as falhas que já estão
aparentes.
Ela está nitidamente mais magra, seu corpo parece menor. A pele está pálida e levemente
enrugada, sinto que minha mãe envelheceu muitos anos em alguns dias, mas ainda assim, ela está
radiante.
Olivia sorri como se não houvesse nada errado, e meu pai deixou claro que ela insistiu
em cozinhar, pois tinha certeza de que eu voltaria com boas notícias. Quando lhe mostrei o
papel, pude sentir vestígios do que era antes de descobrirmos a doença. Ela me abraçou tão forte
que, por um minuto, acreditei que ela havia se recuperado.
Tento disfarçar a pontada de tristeza ao enxergar detalhes do seu estado e dou um sorriso.
— Preciso ir trabalhar, Senhora Coleman… — Órion diz, apertando meus dedos. — A
única que está de folga é Íris…
Reviro os olhos ao sentir seu tom de implicância e dobro o aperto em seus dedos,
fazendo-o arfar, e me repreender com seus malditos olhos azuis.
— Por Deus, nem agora que estão namorando vocês irão parar de brigar?
Dou uma risada ao ouvir a minha mãe. Se ela soubesse das marcas que estão espalhadas
em lugares estratégicos do meu corpo, causadas por guerras que travamos na cama, teria um
surto completo.
— Fique apenas para comer, tenho certeza de que está faminto. — Meu pai diz, se
aproximando. — Querida, está quase pronto.
— Certo, vou dar mais uma olhada. — Minha mãe avisa, se levantando lentamente para
ir até a cozinha.
Assisto-os indo na direção da cozinha e me levanto, puxando Órion pela mão.
— Venha comigo. — resmungo e o arrasto pelas escadas.
Órion resmunga a cada degrau, querendo entender para onde eu o estava levando, e
quando empurro a porta do meu quarto, solto o ar.
— Se queria me arrastar para a sua cama, era só falar. — ele brinca, me fazendo mostrar
o dedo do meio. Me jogo no colchão e ele me acompanha, ocupando o pequeno espaço na ponta.
Minha cama pequena faz com que nossos corpos se apertem e eu me apresso em encostar
a cabeça em seu peito, tentando controlar o que resultaria em uma crise de ansiedade.
Órion acaricia meus cabelos e deixa um beijo em minha testa.
— Tudo bem?
— Ver minha mãe nesse estado me deixa angustiada. — confesso e ele me aperta ainda
mais. — Precisava de um tempo.
Órion suspira e eu encaro o teto.
— O tempo que precisar, loirinha.
— Não sei se um dia vou me acostumar com isso, Órion. — desabafo, me pondo de
bruços para ver seu rosto. — Aquela não é a minha mãe. Ela sempre foi saudável e tão linda, tão
viva, tão ativa… Isso é tão injusto. — choramingo. — Eu quero estar ao lado dela, mas me sinto
culpada porque ao me dar conta de que ela está nitidamente doente, eu só quero fugir.
— Não se sinta culpada, sei que não é algo fácil de ver. — ele diz, pondo os fios do meu
cabelo atrás da minha orelha. — E eu também estaria mentindo se dissesse que isso vai mudar
rápido, porque não vai. É uma consequência do tratamento.
— Mas, ela vai voltar ao normal? — Ele assente.
— O tratamento é agressivo, mas está tendo resultado. Meu padrinho disse que a cirurgia
será feita. Logo, ela estará bem.
— Tenho tanto medo, Sparks. — Escondo o rosto em seu peito, em busca de proteção
dos pensamentos destrutivos que sempre me atormentam. — Minha mãe não merece isso. Ela é
tão gentil, generosa… Tem o coração tão bom e cheio de coragem, isso não devia estar
acontecendo com ela.
— Eu sei, meu amor, mas como você disse, ela tem o coração cheio de coragem. Logo,
vai superar isso, eu prometo que nada ruim vai acontecer. — Me agarro em seu corpo e em sua
esperança.
Órion dá um longo suspiro enquanto encara o teto, o que me faz virar o corpo. As estrelas
coladas no teto já perderam a cor e não brilham mais, mas ainda assim, Órion continua olhando-
as como quem olha as estrelas no céu.
— Minha mãe colou estrelas idênticas no teto do meu quarto quando eu era mais novo.
— ele conta, sem tirar os olhos dos adesivos.
— Nunca me falou sobre a sua mãe.
Ele inspira e expira tão lentamente que posso contar os segundos, mas sorri enquanto
acaricia meu cabelo.
— Minha mãe é especial. Ela é carinhosa, atenciosa, inteligente… Muito inteligente. —
Ele sorri ainda mais e eu posso sentir o orgulho carregar suas palavras. — Minha mãe é intensa.
É dedicada, sabe? Quando eu ia na clínica e a via com as crianças, eu sentia que queria ser como
ela. Vincent é um bom médico, infelizmente é inegável, mas tinha algo nos olhos da minha mãe
que ia além de ser uma boa médica. Ela faz porque seu coração depende disso para continuar e
eu sentia que queria ser assim também. Ela não só cuidava da saúde física das crianças, ela
cuidava da mente delas, ela dava carinho, ela não deixava que as questões de saúde tirassem a
pureza das crianças. Ela deixava um caso grave, leve, só fazendo as crianças sorrirem. Ela
minimizava a dor sem deixar que elas acreditassem que tudo estava acabando, que tudo estava
dando errado. — Os olhos de Órion brilham e eu consigo sentir seu coração acelerado contra
minha mão espalmada em seu peito. — E ela fazia isso conosco. Ela cuidava de nós enquanto a
dor que ela sentia estava a matando. Por isso, fiquei feliz quando ela se mudou. Minha mãe
precisava se libertar, mesmo que ainda acredite que eu tenho raiva dela por isso.
— E não tem? — Ele nega com a cabeça.
— Eu admiro a coragem dela. Ela foi para longe, mas nunca nos deixou desamparados.
Ela faz falta todos os dias, mas nunca deixou de demonstrar que nos ama. Alya e eu nunca a
culpamos por isso. Por outro lado, Vincent estava no quarto ao lado e nem olhava para nós.
Me inclino para beijar seu rosto e ele pressiona os olhos.
— Ela parece ser mesmo incrível. Posso conhecê-la um dia?
O rosto de Órion se ilumina. Ele parece tão feliz que ergue o corpo para me enxergar
melhor.
— É claro, Coleman.
— Você herdou tudo isso da sua mãe. — resmungo, deitando-me em seu peito de novo.
— E é tão especial quanto ela.
Órion parece respirar aliviado. Tão aliviado que seu peito sobe e desce, e mesmo sem
olhá-lo, sei que ele está sorrindo.
Sinto o coração bater tão forte que as pulsações percorrem todo meu corpo. Cada traço de
felicidade no rosto de Órion me explicam todos os motivos que me fazem amá-lo. Porque ele é
gentil, porque ele é carinhoso e atencioso. Porque ele dedica cada segundo da sua vida para
cuidar das pessoas.
Porque ele minimiza dores.
Porque ele é intenso e me salva todos os dias.
Eu tentei escrever o seu nome na chuva
Mas a chuva nunca veio
Então, eu fiz isso com o Sol
A sombra sempre vem nos piores momentos
Daddy Issues — The Neighbourhood

— Um dia, você vai tirar esse collant e usar uma outra roupa para a sessão? — pergunto,
enquanto estendo as mãos para Nina ficar de pé, equilibrando-se na ponta de uma imensa barra
de madeira.
— É meu uniforme, Órion. — Nina me conta, sorridente. — É o uniforme de Íris e Lya?
— Assinto. — Então, é o meu também.
— Tá certo, pequena. — falo, ajudando-a a se locomover durante o exercício.
As crises de Nina diminuíram, mas as dificuldades respiratórias a deixam frequentemente
tonta, a ponto de terem prejudicado seu equilíbrio. Quando disse que seriam o foco do dia, ela
reclamou, mas consegui driblá-la ao dizer que Íris e Alya também fazem exercícios de equilíbrio
todos os dias.
Agora, ela faz cada um dos exercícios sem hesitar, e dá o seu melhor em cada um deles.
Se ela diz que está em um ginásio, treinando para uma competição, eu concordo e me deixo ser
seu treinador. Mergulho na sua fantasia para que ela permaneça sorrindo, e evolua de forma que
me deixa imensamente orgulhoso.
Pego a pequena no colo, acomodando-a na maca. A tarde já vira noite do outro lado da
janela e o relógio indica que nossa sessão está acabando.
Meu corpo reclama e implora por descanso. Depois de um dia corrido na RGA, dei início
às sessões de Jhonnan e não tive tempo para respirar, já que Nina invadiu a sala me dando
abraços apertados e animados.
A garotinha está igualmente cansada. Apesar de ter feito cada um dos exercícios com
maestria, sua respiração está levemente ofegante e os olhinhos azuis parecem sonolentos.
— Está com dores? — pergunto e ela assente, apontando para as pernas. — Vamos usar
um pouco do TENS, ok?
— Tá bom, Órion. — ela responde prontamente e me acompanha com os olhos enquanto
preparo o aparelho. — A Íris vai voltar quando?
— Acredito que só depois das Olimpíadas, pequena. Agora ela está muito ocupada.
— Você vai junto? — Assinto e ela faz bico.
— Preciso ir para cuidar dela e da Lya.
— Então, cuida delas direitinho que elas vão me ensinar ginástica.
— Você que manda. — respondo, contendo o riso enquanto posiciono os botões do
TENS em sua pequena perna.
— Mas vai demorar pra voltar? — Nego com a cabeça. — Quem vai cuidar de mim?
— O Newton e a Wendy.
— Gosto da tia Wendy. — ela diz, se referindo a outra fisioterapeuta.
— Mais do que de mim? — choramingo e ela ri, me puxando para um abraço com seus
pequenos bracinhos.
— Nunquinha!
Termino de equipá-la com o aparelho e Kiara acomoda papéis e lápis em seu colo, para
que ela se distraia nos trinta minutos de terapia. Alguns choques leves lhe causam incômodo e os
desenhos sempre ajudam para que ela não os perceba com tanta intensidade.
Toco o bolso quando sinto o celular vibrar e o tiro rapidamente, pedindo licença para
Kiara enquanto me afasto. Continuo vigiando Nina à medida que me afasto e Kiara se aproxima
para ficar mais atenta às suas reações enquanto aperto o botão para atender, distraído.
— Alô?
— Filho?
Sua voz me causa arrepios e por um longo minuto, penso em desligar o celular e me
esconder, mas lembro que ele trata da mãe de Íris e algo pode ter acontecido.
Merda.
— Fala.
— Como você está?
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, eu só… Só queria falar com v…
— Não tenho nada para falar, Vincent. — o interrompo, sentindo as mãos suadas. —
Tchau.
— Não! — ele grita do outro lado e sua firmeza me faz parar. Me sinto com doze anos de
novo, e me condeno por isso. — Me escute, por favor.
Permaneço em silêncio e posso ouvir sua respiração agitada do outro lado. Minha mente
se torna uma grande bagunça e eu sinto que, até mesmo, esqueci de onde estou. O ar se torna
escasso, mas não consigo sair do lugar ou desligar o celular para voltar a respirar. Apenas cruzo
os braços.
E espero.
— Eu quero mesmo me aproximar de você. Saber sobre você. — Engulo em seco e
quando meus olhos ardem, pisco diversas vezes para afastar a queimação. — Quero pedir
perdão.
— Vincent… Eu vou falar mais uma vez e será a última. — começo e busco um pouco de
coragem dentro de mim para continuar. — Não estou interessado no seu perdão ou muito menos
no que você deseja. Você não precisa saber nada sobre mim, o tempo que tinha para isso já
acabou, ou você esqueceu que tenho 26 anos?
— Eu só quero que você e sua irmã me perdoem.
— Talvez Alya ainda o ame. Minha irmã é boa demais, mas se tem uma coisa que herdei
de você, foi o rancor. Você sente rancor de mim por eu ter nascido, e eu sinto de você por ter
feito com que eu me odiasse por todo esse tempo.
Sinto a garganta queimar. Minhas cordas vocais se tornam uma grande confusão que me
impedem de continuar falando. Até mesmo a saliva me incomoda e eu sinto ânsia.
— Não fale assim…
— Ah, você quer que eu fale como, Vincent? — reclamo, sentindo que estou à beira do
precipício e que se ele proferir mais uma palavra, eu vou cair.
— Eu amo você, meu filho.
Eu vou vomitar.
— E sua irmã também.
Me afasto o suficiente para que ninguém me ouça. Minhas pernas bambas quase me
impedem de andar, mas assim o faço e me apoio na parede mais próxima. Sinto o suor escorrer
pela minha testa, minha pulsação acelera a ponto de eu acreditar que meu coração vai estourar
dentro da minha caixa torácica.
— Você é cruel, Vincent. — É o que respondo. — Você me machucou a vida inteira e no
final me fez acreditar que tudo era por amor. Você não me ama, ou ama Alya, você amava a
ideia de nos controlar. Quando perdeu esse poder, fez questão de esquecer que existimos. —
Minhas palavras saem com perfeição, letra por letra, mas sinto que vou atropelar tudo e perder o
controle a qualquer segundo. — Não precisamos de você. Nos deixe em paz.
— Eu só quero saber de vocês, Órion. Sobre sua vida, seu trabalho. Sobre sua irmã,
quero dizer que me orgulho de saber que ela vai para as Olimpíadas.
Gargalho e uma porra de uma lágrima traça meu rosto.
— Você nunca sentiu orgulho da minha irmã! Você sempre menosprezou a carreira dela,
e agora que ela vai ter o foco, você quer aparecer. Todos sabem que nós não temos pai, Vincent.
Deixe a minha irmã em paz! — Sinto o tom da minha voz subir e suspiro para controlar o
nervoso que me faz estar prestes a desmaiar. — Não tire o foco da Alya, se você a prejudicar, eu
torno a sua vida um verdadeiro inferno.
Desligo o telefone antes de saber sua resposta e quando solto o ar, mais uma lágrima
escorre e uma série de palavrões escapam dos meus lábios, em silêncio. Me sinto minúsculo e
fraco, prestes a me entregar aos sentimentos que Vincent desejou causar.
Angústia, raiva, descontrole e pânico.
Quando acreditei que ele já não me magoava tanto, ele fez questão de surgir apenas para
reafirmar o quão frágil eu sou, e o quão fraco ele me torna todos os dias.
Sinto meu ombro arder, no exato lugar onde ele me arrancou sangue pela primeira vez.
Minha bochecha arde, relembrando dos tapas, assim como todo o resto do meu corpo, quando ele
insistia em descontar suas frustrações em mim.
Seu pedido de perdão ecoa na minha mente e eu me sinto afundando no lugar mais
profundo e obscuro de mim. Mais perdido do que nunca.
Sinto que até mesmo esqueci meu nome.
— Órion!
Ergo o olhar ao me lembrar de Nina do outro lado da sala e esfrego o rosto antes de tentar
me reerguer. Me desequilibro em minhas próprias pernas, mas me esforço para não deixar
transparecer e forço um sorriso quando volto a enxergá-la.
— Eu fiz um desenho pra você, olha. — ela avisa e eu preciso respirar fundo para me
aproximar sem desabar.
Seus grandes olhos azuis me acompanham até que eu me aproximo da maca e encaro o
papel em sua mão.
— Olha, aqui é você — ela aponta para o boneco desleixado, com desenhos pelos braços
e uniforme hospitalar — e aqui sou eu. — Agora, ela aponta para a boneca pequena com collant
roxo desenhado ao lado, segurando a mão do outro. — E a gente tá nas Olimpídas’.
Sua língua enrola e um sorriso nasce em meu rosto, assim como uma ponta de luz e
esperança que me faz respirar, e me abaixar para beijar o topo de seus cabelos escuros.
— Quando eu for, você vai, não é? — Assinto. — Toma!
Agarro o papel e perco os segundos admirando cada detalhe dos traços cuidadosos e
infantis de Nina. Enxergo naquele desenho os tantos motivos que me fazem diferente de Vincent
e que me deixam aliviado a ponto de conseguir respirar em paz.
Nina me desenhou com um sorriso no rosto e quando olho para ela novamente, consigo
mantê-lo.
— Agora, toma aqui! Esse é da Íris, é pra dar sorte.
Pego o outro papel e meu coração se acalma ao ver o círculo desajeitado e amarelo que
forma uma medalha de ouro.
Queria que Nina soubesse que todos os desenhos são apenas símbolos, mas que, na
verdade, nosso amuleto da sorte, é apenas ela.
Eu segurei você perto de mim, senti seu batimento cardíaco
E eu pensei: Estou livre
Ah sim, e nós somos como um, no agora e além
Nada e ninguém pode quebrar esse vínculo
My Love, My Life — Amanda Seyfield, Lily James, Meryl Streep

Um frio na barriga me faz pressionar os lábios quando encaro todas as bolsas e roupas
espalhadas pelo meu quarto.
Faltam exatos dois dias para a viagem para Paris. A semana passou ainda mais rápido
desde que Neil finalmente comemorou o fato de que eu estou liberada para competir. O treino se
intensificou e a ansiedade aumentou a ponto de me tirar o sono.
Eu vou para as Olimpíadas.
Acreditei estar vivendo em uma montanha russa onde a descida não acabava nunca. Bom,
os trilhos mudaram seu rumo, a subida foi lenta, mas a vista é linda.
E meu coração continua pulsando com a mesma rapidez de quem está vivendo um
constante caos em um parque de diversões. Emoções diversas, nervos à flor da pele. Um misto
de confiança e medo que me deixa tonta.
Controlo todos os tremores e volto a dobrar todas as roupas que minha mãe ajudou a
separar. Meu pai disse que ela quase não o deixou dormir, insistindo que deveria fazer uma visita
ao meu apartamento, e bom, ela acertou. Eu estava mesmo precisando de ajuda.
Mesmo que nosso tempo em Paris não vá durar nem mesmo um mês inteiro, minha mãe
separou mais roupas do que eu imaginava, aproveitando o espaço que a falta dos nossos
uniformes — que ficaram todos por conta da Liga — deixou nas bolsas.
Não imaginava viver as Olimpíadas, nem nos meus melhores sonhos. Sempre me
contentei em apenas assistir e sonhar com momentos em que eu estaria nos tablados, que
mostraria tudo o que sei no momento em que toco as barras.
Sempre sonhei, nunca imaginei realizar.
— Querida? — A voz da minha mãe chama a minha atenção. Ela se aproxima em passos
lentos.
O dia seguinte da quimioterapia é quando ela tenta se recuperar dos danos causados pelo
tratamento. Até mesmo voltou a usar maquiagem, para manter o rubor em suas bochechas —
agora pálidas.
— Está terminando? — ela pergunta, tocando meu ombro e quando vê a grande bagunça,
abre um sorriso. — Vejo que não.
Minha mãe se senta na ponta da cama e dobra as poucas camisas que restaram, enquanto
tento organizá-las dentro da segunda mala que encontrei em meu armário.
— Não esquece. — Olivia chama a minha atenção ao estender o papel para mim.
A medalha grande e amarela faz meu coração acelerar. Há alguns dias, Órion me
entregou mais um dos desenhos de Nina e contou que era para dar sorte.
Sinto o peito quase explodir de saudades de Nina, que se tornou, facilmente, a minha
pessoa favorita. A rotina dos treinos me afastou completamente, mesmo que eu vá apenas para
assisti-la nas sessões com Órion, sinto falta do que ela me causa.
Esperança e coragem.
Dobro o desenho com extremo cuidado e guardo junto com o único collant que estará
comigo. Meu primeiro, tão pequeno que não ocupa tanto espaço na mala. Eu tinha quatro anos
quando o vesti, desde então, o levo para todas as competições, como amuleto da sorte.
Nada mais justo do que unir ao outro para que toda a sorte do mundo esteja ao nosso
lado. Pelo menos é o que eu espero que aconteça.
— A Nina parece ser mesmo um anjo. — Minha mãe diz e eu assinto. — Pelo que você
conta, ela lembra você quando era mais nova. Você, Alya… As meninas correndo pela RGA.
Deixo as roupas de lado e me sento no chão, apoiando a cabeça em suas pernas. Mamãe
sorri e toca meus cabelos.
— Vou sentir sua falta quando estiver lá. — confesso, sentindo o coração apertar.
Todos os meus atos me levam diretamente para Paris, mas pensar em deixar minha mãe,
em seu atual estado, me fez cogitar ficar várias vezes. Mesmo que eu soubesse que ela não
permitiria que isso acontecesse.
— Vou te ligar todos os dias, ok? — falo, mais uma vez e ouço uma risada baixa vindo
dela.
— Eu vou ficar bem, querida. E vou estar com você, independente da distância. — Sinto
os olhos arderem e preciso pressioná-los para evitar chorar. Ela toca meu queixo para que eu
volte a olhá-la e eu encontro tudo que me faz amá-la incondicionalmente.
Conforto, calmaria, uma certeza indestrutível de que tudo vai dar certo.
— A senhora promete que vai ficar bem mesmo? — Ela apenas assente. — Estou tão
preocupada, mãe. A quimioterapia só deixa a senhora mais fraca.
— O Dr. Caldwell avisou que isso poderia acontecer, filha. É normal do tratamento.
— Eu sei, Órion também disse isso e eu já tinha uma ideia, mas não imaginava que seria
tanto. — choramingo e pego sua mão, encaixando meu rosto em sua palma, para que ela acaricie
e me acalme. — Às vezes sinto que tem algo errado, a senhora nem parece a mesma. Tenho
medo de perdê-la.
— Sei disso, às vezes penso o mesmo. — Engulo em seco, tentando não desviar meus
olhos do seu rosto. — Mas, então, me lembro de toda essa vida. Quando conheci seu pai naquela
festa da faculdade. Quando decidimos nos casar seis meses depois e eu engravidei. Lembro de
todas as vezes em que seu pai foi meu refúgio, foi meu melhor amigo. — Seu polegar faz
círculos em minhas bochechas e captura a lágrima que escorre. — Ah, eu achei que seria o fim
do mundo, achei que não daria conta… mas então, você nasceu. Naquele verão, naquele dia
especialmente quente e ensolarado. Tão loirinha, pequenininha e tão feliz, sabe que não demorou
muito para você dar a sua primeira gargalhada?
Dou um sorriso que se mistura ao choro quando ela liberta uma risada nasalada.
— Você era tão minha… Tão parecida comigo, mas ao mesmo tempo tão mais forte.
Lembro de cada um dos dias em que você se esforçou para dar seus primeiros passos. Era um
bebê insistente, caía e se levantava… E quando você conseguiu, foi na minha direção. — Minha
mãe seca uma lágrima que desce pelo seu rosto e sua mão vai ao encontro dos meus cabelos. —
E quando eu peguei você, eu não quis soltar nunca mais. Seus primeiros passos significavam o
começo de uma liberdade que eu não estava pronta. E como sempre, como em tudo em sua vida,
você foi rápida. Você andou rápido, correu rápido. Eu pisquei e você se tornou campeã mundial,
Íris.
Minha mãe dá um pequeno soluço que aperta o peito, mas quando seus lábios se
expandem em um sorriso, encontro paz.
— As vezes, eu acho que estou mesmo me perdendo, mas então, eu vejo vocês. Lembro
de todos esses 25 anos com seu pai, me lembro de cada pequeno passo que você deu. De todas as
vezes em que meu coração quase explodiu quando você deu aqueles saltos tão difíceis. Mesmo
sabendo da sua coragem, tudo o que eu queria era fazer exatamente como fiz quando você andou
pela primeira vez… te pegar em meu colo. Quando você era apenas um bebê, eu me sentia uma
super heroína, e eu fazia de tudo, enfrentava o mundo para te proteger. Quando eu vi o tamanho
da sua potência, pensei que talvez você não precisasse de mim. Eu via você lá em cima, naquelas
barras, se equilibrando naquelas traves, e via que você era a super heroína.
Me levanto apenas para me sentar ao seu lado, ficando perto o suficiente para tocar seu
rosto e enxugar as lágrimas que molham sua pele.
— Mas a sua segurança me deixa segura. Sua firmeza, seu voo tão alto. Toda vez que me
lembro de cada segundo da sua vida, eu me encontro de novo. Me lembro de todas as vezes que
fomos à praia e você amou o mar, me lembro dos filmes de terror que seu pai colocava apenas
para você dormir conosco. Me lembro até da sua primeira meia do Mickey, e que você usou por
uma semana, sem intervalo. — Ela pega minha mão e enlaça nossos dedos, rindo. — Me lembro
de todas as vezes que me apaixonei de novo pelo seu pai. Todo santo dia, até hoje. Então, me
dou conta de que só estou cansada, e que esse cansaço vai passar. E logo, eu vou poder vê-la
voar novamente.
Tudo o que consigo fazer é choramingar um “mamãe” angustiado e me lançar em seus
braços para que ela me capture, para que ela me abrace e nesse abraço, eu tenha certeza de que
vou mesmo encontrá-la quando voltar.
— Eu vou precisar da senhora para sempre. — sussurro contra o seu abraço.
— Enquanto isso, quero que voe livre, minha filha. Que faça da sua visita a Paris o
momento mais lindo da sua vida, ok? — Ela diz enquanto me abraça, e beija meus cabelos. —
Curta suas amigas, dê o seu melhor na competição, viva o seu amor.
Me afasto para vê-la e, atrás do brilho das lágrimas, enxergo o seu brilho. O brilho que,
eu finalmente me dou conta de que ela nunca perdeu. Ele sempre esteve lá.
— E eu sei que você está com medo… — Assinto. — O pesadelo já acabou, querida.
Você não vai falhar, a lesão acabou. Você está pronta.
Mesmo sabendo de tudo isso, ouvir essas três palavras vindas da minha mãe fez com que
meu peito se inundasse de coragem. O pequeno collant da Íris de quatro anos vai além de me dar
sorte, me ajuda a lembrar os motivos de ser ginasta.
A paixão pelo voo livre. A expansão causada em meu peito em todas as vezes que corro
pelos tablados, a emoção que faz com que eu sinta cada uma das veias do meu corpo, cada gota
de sangue me dando vida.
Olho para minha mãe e me lembro dos motivos de ser eu.
Porque ela me fez Íris. Me deu coragem, me deixou voar quando o chão já não era mais
suficiente para mim.
— Esqueça tudo o que aconteceu, esqueça tudo o que Sarah disse. Seja apenas você e
você vai conseguir tudo o que quiser. — Minha mãe segura meu rosto com as duas mãos e beija
minha testa. — E eu juro que se Sarah disser um único “a” para você, eu vou caçar ela no Japão
quando essa quimioterapia acabar.
Gargalho entre lágrimas e recarrego minhas forças quando ela me abraça mais uma vez.
— Agora, chega de falar. Vamos acabar logo com isso.
Minha mãe seca suas lágrimas e se levanta, estendendo a mão para que eu a acompanhe.
Guardo as últimas peças e finalmente fecho a mala.
Eu estou pronta.
Você sabia que eu te amei
Ou que você não estava ciente?
Você é o sorriso no meu rosto
E eu não vou a lugar nenhum
Fall — Justin Bieber

Uma semana depois


ABERTURA DAS OLIMPÍADAS
Minha estrela: Eu vou vomitar de nervoso.
Minha estrela: Posso fugir?

Órion: Não seja tão dramática.


Órion: Vai dar tudo certo, loirinha.

Minha estrela: É muita gente, amor.


Minha estrela: E todo mundo vai estar
me olhando.

Órion: Se prepare que vão te dar


muito mais atenção nas competições.
Órion: Não pode vomitar no tapete.
Órion: E não se preocupe, você está linda.

Minha estrela: Sua forma de me acalmar


é muito peculiar, mas eu aceito.
Minha estrela: Até daqui a pouco, acho que
vai começar.

Órion: Estou te esperando na


linha de chegada, loirinha. Não surte.
Órion: Eu te amo.
Órion: Diz para Alya não vomitar também,
por Deus. Imaginem as notícias nos sites de fofoca…

Minha estrela: QUAL A MERDA DO SEU PROBLEMA?


Minha estrela: Eu te amo, Sparks. Não devia, mas te amo.

Dou mais um sorriso ao ver a última mensagem de Íris antes dos gritos ao meu redor se
tornarem mais altos. O fato de que a abertura desse ano irá atravessar todo o Rio Sena me
distanciou de Íris, já que os únicos que podem estar lá são os atletas. Então, estamos todos aqui,
apenas esperando.
Sinto os nervos à flor da pele.
A Torre Eiffel brilha ao meu lado e quando suas luzes se tornam mais cintilantes e
agitadas, sinto que Íris me influenciou o suficiente para que eu sinta vontade de vomitar. Merda,
eu estou explodindo de nervoso, e vou acompanhar a cerimônia pelos telões até que os barcos
finalmente cheguem até nós, no ponto final do trajeto pelo Rio Sena.
Guardo o celular no bolso e finalmente noto o quão nervoso Neil está.
Já estamos há uma semana em Paris para que as meninas se adaptem ao centro de
treinamento, à rotina corrida, ao fuso horário e ao nervosismo que rodeia a Vila Olímpica. Não
há um atleta que possua um semblante sereno.
Nem mesmo eu consigo dormir direito.
Ainda assim, os treinos se intensificaram e eu tenho a sensação de que elas estão cada vez
melhores. Neil deixa claro que não há margens para erros, e elas cumprem com a ordem. Nunca
erram.
O sol começa a se pôr de forma que as luzes de todo aquele cenário se tornam mais
brilhantes e chamam a minha atenção quando, finalmente, é anunciado que a cerimônia na Ponte
de Austerlitz vai começar.
Levo meu olhar para o telão. Ao meu lado, Neil estremece e cruza os braços.
— Vai vomitar também? — pergunto e ele franze o cenho. — Pergunte para as suas
atletas depois.
— Essas meninas estão acabando com a minha saúde. — ele resmunga. — Mas vai dar
tudo certo.
— É claro que vai, Neil. É só a abertura. Elas são como os pinguins de Madagascar, só
precisam sorrir e acenar.
Neil dá uma gargalhada.
— Elas conseguem complicar o mais simples, Órion. Já deveria saber disso.
A música anuncia o início do desfile, junto com todas as luzes que alcançam o céu
laranja, contrastando com o tom da luz do sol. O público grita ainda mais alto e o frio na barriga
me agita.
Confesso, poucas coisas me deixaram tão entretido na vida, e essa cerimônia é,
definitivamente, uma delas. Há explosões de fogos de artifícios, hologramas e drones, atletas
fazendo acrobacias por alguns cantos, outros apenas acenando nos barcos.
As delegações atravessam o rio entre os barcos que fazem o show. Feixes de luz
atravessam as equipes, iluminam seus trajes.
Quando um incontável grupo de drones se unem e formam uma grande e chamativa
ginasta, meu coração salta para a garganta. Um misto de ansiedade, orgulho, felicidade e medo
me acompanham e quando os barcos dos ginastas finalmente aparecem, um sorriso rasga meu
rosto e eu esfrego as mãos suadas na calça.
O moletom da delegação me incomoda e eu preciso tirá-lo para não me desfazer. Tudo
me deixa ainda mais ansioso. Diversas delegações passam e quando a equipe masculina surge no
campo de visão da câmera, Neil aponta para o telão, mostrando aos outros preparadores e
membros da equipe.
Ao contrário da equipe feminina, nem todos os atletas do masculino são da RGA. Apenas
dois atletas foram classificados, e os outros três são de outras academias dos Estados Unidos.
Mais uma vez, os drones se acendem diante da minha visão. Dessa vez, em uma posição
diferente, a ginasta assume a cor dourada e ao apagar, os barcos das equipes femininas se
aproximam e elas finalmente aparecem.
— Ai, meu Deus, olha elas! — Neil aponta, com os olhos brilhando de forma nunca vista
por mim antes. Ele sorri, orgulhoso e cobre a boca em seguida, ainda admirando-as como se
fossem todo o seu mundo.
Bom, a equipe pode mesmo ser o mundo dele.
Mas todo meu universo está ali, brilhando como nunca. Vestindo um collant vermelho,
azul e branco, os cabelos presos em um rabo de cavalo, dando todo o destaque merecido para seu
rosto maquiado e irritantemente lindo.
Ela corre para abraçar Alya, elas acenam para o público e se abraçam novamente. Encaro
aquela imagem, desejando que ela nunca mais suma da minha mente, e que se torne a única
memória que surja quando a vida se tornar pesada demais, ou quando eu apenas desejar lembrar
de algo que me levou ao mais alto ápice de felicidade.
Nunca vi minha irmã sorrir daquela forma. Já vi Alya ganhar medalhas, troféus, ser
destaque, ganhar milhares de felicitações, ser considerada a melhor. Ela acompanha cada detalhe
da cerimônia com os olhos brilhando e, mesmo que receosa, acena para quem a admira. Eu
atravessaria todo o rio Sena a pé, apenas para acompanhar cada segundo do seu sorriso.
Elas se preparam quando a música anuncia que estão chegando ao Louvre, ponto onde
está combinado uma pequena e simples coreografia — limitada pelo barco — apenas para
marcar a presença com toda elegância e leveza que elas possuem.
Por fim, elas fazem a pose final, erguendo os braços para cima, como se tivessem
acabado de finalizar um salto. Íris encara o céu com o mais bonito dos sorrisos que já deu.
E eu não sabia que um homem podia sentir tanta coisa.
Me sinto a porra de um imbecil, mas o sorriso não sai da minha cara.
Idiota.
A noite cai rapidamente, tornando os detalhes da cerimônia muito mais evidentes, e aos
poucos, as delegações vão começando a se aproximar do Trocadero, aos pés da Torre Eiffel.
— Elas já saíram? — Neil pergunta, olhando para os lados. Os barcos dão a volta pela
pequena arena, impossibilitando que eu consiga ver se elas já chegaram.
Minhas mãos suam dentro dos bolsos e quando sinto minha cintura ser envolvida pelos
pequenos braços de um corpinho saltitante, suspiro aliviado e me viro para abraçá-la. Sua risada
ecoa em meus ouvidos, tornando todo aquele barulho quase inaudível.
— Você foi perfeita, loirinha. — sussurro para ela e a beijo.
— Ai, meu Deus, eu vou desmaiar. — ela esbraveja, ainda agitada pela adrenalina, dando
pequenos saltinhos. Ao seu redor, as meninas estão exatamente iguais, as mesmas reações, o
mesmo nervosismo.
E eu preciso me conter para não cair na gargalhada.
— Vocês foram incríveis, meninas. — falo, e elas agradecem quase em uníssono. Alya
expande seu sorriso e dá uma piscadinha para mim.
Céus, como estou orgulhoso da minha irmã. Mesmo que ela tenha usado dessa semana e
da proximidade dos nossos quartos para me tirar do sério, mesmo que ela tenha transferido todo
seu nervosismo para mim.
— Venha, vamos terminar de assistir. O show vai começar. — aviso, puxando-a para
minha frente.
Íris assente, confortável e nitidamente feliz e se põe ao meu lado, abraçando a minha
cintura.
É uma das poucas vezes em que exibimos nosso relacionamento em público, e no geral,
não é muito confortável. Principalmente quando os perfis de fofoca nas redes sociais falam
apenas que um fisioterapeuta está namorando uma ginasta, e sempre acham que é alguém muito
mais velho, com alguém muito mais novo.
Demora para descobrirem que estão lidando com um lindo jovem de 26 anos. É
engraçado algumas vezes, mas no geral, incomoda. Porém, nesse momento, Íris não liga para
quem pode estar nos fotografando ou falando algo, e eu apenas me aproveito disso para abraçá-la
ainda mais e beijar seus cabelos.
Ignoro todo o nervosismo que sinto para o início das competições quando ela beija minha
mão enlaçada na sua e volta o olhar para o show. As luzes tornam seus olhos mais brilhantes e eu
poderia repetir um milhão de vezes que a amo.
Porque ninguém te conhece, amor
Do jeito que eu conheço
E ninguém te ama, amor
Do jeito que eu amo
Você deve ser à prova de fogo
Porque ninguém me salva, amor
Do jeito que você salva
Fireproof — One Direction

Sinto que foi injetada uma alta dose de energia em meu corpo, que não me permite ficar
parada. Ainda tenho a sensação de estar diante de todas aquelas luzes, mesmo no caminho de
volta para a Vila Olímpica, na van reservada para nossa equipe.
Acreditei que todos voltariam exaustos para o alojamento, talvez até dormindo durante o
caminho — mesmo que curto. Ao contrário, todos falam animadamente sobre tudo o que viram,
gritam ao lembrar de detalhes mais exagerados e comemoram por ter dado tudo certo.
Minhas veias se tornaram apertadas para a quantidade de sangue que bombeia com tanta
velocidade. Meu corpo parece ter dobrado de tamanho, apenas para suportar toda aquela
adrenalina. Sempre ouvi falar que viver as Olimpíadas é algo inexplicável para um atleta, a
maioria diz não ter encontrado uma boa definição que caiba esse sentimento.
Estamos há uma semana em Paris, treinando sem parar, e mesmo que ainda não tenham
começado as competições, eu já sinto que tudo valeu a pena.
Estou vivendo o maior e melhor momento da minha vida.
— Eu achei que ia errar a coreografia! — Jenni diz, soltando os cabelos escuros.
— Aquilo nem é uma coreografia, amiga. Não durou nem vinte segundos. — Ash diz. —
E eu também achei que ia errar.
Elas caem na gargalhada, e eu me sinto completa.
No fundo, eu também achei que ia errar.
Alya me puxa para o seu colo e em questão de segundos, estamos todas coladas em
apenas dois bancos da van, nos posicionando para uma foto. Me sinto em casa ao abraçar as
minhas melhores amigas.
— Ahh, eu amo vocês! — exclamo, aliviada e elas sorrirem.
— A gente te ama, boba. — Vivian diz, me pegando de surpresa. — Chegamos,
finalmente.
Descemos da van em uma fila indiana muito confusa e eu fecho o moletom da liga,
sentindo o vento frio arrepiar minha pele. Mesmo que estejamos vivendo o ápice do verão,
descobri que as noites parisienses são bem frias, apesar do calor que faz durante o dia. O que faz
meu corpo implorar por uma bebida quente.
— Podem ir na frente, vou parar no café para comprar algo quente. — aviso. Órion deixa
um beijo na minha mão antes de seguir Alya.
Certamente para aproveitarem um tempo sozinhos, já que Alya diz que precisa de um
tempo para pensar em contar que Órion é seu irmão. Acredito que não seja um segredo de
estado, mas que vá pegar todos de surpresa, já que Alya está na RGA desde os quatro anos.
Eles se afastam rapidamente enquanto eu sigo para o outro lado, a caminho do café da
Vila Olímpica, onde eu descobri que vende o melhor chocolate quente do mundo.
— Quando me disseram, eu não acreditei.
Paraliso antes mesmo de virar a esquina para alcançar o café.
Minha respiração se torna uma grande confusão. Minha mente se torna um grande caos e
eu não enxergo mais nada. Até mesmo evito virar o corpo para evitar o contato visual, mas ela
passa ao redor de mim e para na minha frente.
Encontro cinismo em todos os seus traços. Uma das sobrancelhas erguidas, um sorriso
falso no canto dos lábios. Os braços cruzados, o queixo erguido na sua tentativa de mostrar
confiança e superioridade. Tudo o que me faz perceber o quão manipuladora Sarah pode ser.
Em uma das minhas sessões com Gabriella, acabei desabafando sobre o medo constante
que eu tinha de discordar de Sarah. Notei que, na maioria das vezes em que eu aceitava suas
imposições ridículas, eu não discutia por medo.
Eu nunca tive coragem, e sinto que quanto mais verbalizo, mais eu sinto.
Quando digo que estou com raiva, esse sentimento se torna ódio. Quando digo que sinto
tristeza, sinto uma imensa vontade de chorar até dormir.
E agora, o que sinto é medo, e o medo se torna pavor.
— Por um momento, eu achei que você seria sábia o suficiente para evitar todo o
problema que isso vai te causar. — ela continua. — Infelizmente, ninguém da RGA vai poder te
ajudar.
Sinto o rosto ferver.
— Que porra você quer?
— É apenas uma coincidência, Íris. Vim apenas pegar um café. — Ela ergue as mãos,
como se eu tivesse a acusando de algo. — As garotas falaram sobre você durante a cerimônia, eu
não acreditei que viria. Seu joelho não dói mais?
— Você continua tão obcecada por nós a ponto de nos tornar pauta entre suas novas
atletas? — pergunto, sentindo uma ponta de coragem. — Ou isso acontece sempre e você decidiu
ir porque elas são tão obcecadas quanto você?
Sarah apenas gargalha e o som faz todos os músculos do meu corpo contraírem.
— E não, meu joelho não dói mais, mas não graças a você. — Respiro fundo antes de
avançar. — Boa noite.
— Foi apenas um conselho, Íris. Você não é fisioterapeuta ou médica, você não sabe a
gravidade dessa lesão. Falo porque, apesar de tudo, ainda me preocupo com você.
Sinto uma incontrolável vontade de rir. O desgosto arrasta a risada pela minha garganta,
ao mesmo tempo que faz meus olhos marejarem.
— Eu torço muito para que você não direcione esse seu veneno em forma de
“preocupação” para nenhuma outra atleta e que você não esteja fodendo com a cabeça de mais
ninguém por aí. — Meu sangue se torna lava e cada centímetro do meu corpo queima. —
Demorei muito para ver quem você é.
— E quem te convenceu disso tudo? O Órion?
— Deixe o Órion fora disso. Eu descobri, eu vi que você é uma megera quando você
tentou me tirar das Olimpíadas por medo de não conseguir fazer com que eu me recuperasse
rápido. Eu sei que sou uma das promessas da RGA, tanto quanto minhas amigas, e eu sei que se
soubessem que você estava nos levando à exaustão, e por isso me machuquei, a culpa ia cair em
seus ombros.
— Eu estava cuidando de você, sendo minimamente sensata enquanto Órion apenas quis
te usar para provar pro pai dele que ele é alguém.
Minha mão formiga, em busca de seu rosto. Eu poderia acertá-la, eu poderia gritar, eu
consigo sentir seus cabelos em minhas mãos enquanto os puxo, mas algo me paralisa e tudo o
que faço, é pôr as mãos nos bolsos traseiros da calça e dar um passo na sua direção.
— Quando seu joelho falhar na competição, por não aguentar a intensidade e a pressão,
lembre-se do meu aviso.
— Número um: Esqueça tudo o que aconteceu, toda a porra da minha vida em que você
esteve presente. Esqueça cada detalhe, cada vez que eu disse que você era minha segunda mãe.
Esqueça e agora, lembre-se que está lidando com uma mulher que decidiu tomar as rédeas da
própria vida.
Pisco diversas vezes para afastar a vontade de chorar. Sinto que meu corpo vai desabar,
mas me forço a permanecer de pé.
— Isso me leva ao número dois, que diz que você deve saber que estou tranquila por estar
aqui, e eu sei que perder o controle me custaria muita coisa. Sei que está tentando me fazer
perder o controle, mas você não vai me tirar mais nada, Sarah. — Minha voz quase soa como um
sussurro, minha garganta arranha e eu sinto que vou me desfazer a qualquer momento.
Torço para ela ir embora, antes que a minha coragem acabe.
— Você é ingrata! Você fala como se eu tivesse tirado todas as suas medalhas, como se
eu não tivesse treinado você a vida toda.
— Neil me treinou! — Quase grito, e limpo a garganta para evitar que me ouçam. —
Você apenas usa das atletas para exibir algo que nunca vai alcançar. Você quer o destaque a
custas dos outros porque nunca vai consegui-lo por conta própria.
— Sabe qual a verdade, Íris? Você não se suporta sozinha. Você põe o mérito em Neil,
você põe o mérito em Órion. Apenas porque sabe que sem ajuda, você não consegue nada. —
Ela dá mais um passo, está tão perto que sinto que ela está roubando meu ar, junto com a minha
paz. — E é óbvio que você não teria conseguido nada sem mim. Você tem talento, Íris, mas não
tem força.
Olho ao redor para me certificar de que não tem ninguém e prendo a respiração ao notar
que estamos completamente sozinhas. Não há atletas do lado de fora, todos estão em seus
alojamentos, ou jantando nos restaurantes. Todo o ânimo da abertura está dentro dos espaços da
Vila Olímpica. Do lado de fora, o caos acontece e eu sinto que estou no meu fim.
Quando uma lágrima escorre, seu sorriso se expande.
— Está vendo, você não aguenta a pressão. E é por isso que vai falhar. E é por isso que
irá correr para Órion… — Sarah suspira e cada músculo do meu corpo contrai. — Inclusive,
acho toda essa história muito estranha… Até um dia atrás você o odiava, e de uma hora para
outra, ficou choramingando dizendo que ele deveria ser seu fisioterapeuta. — O ar se torna
escasso quando seu tom se torna ainda mais debochado. — E agora estão em um
relacionamento… Não tinha uma forma mais fácil de ir para a cama com o fisioterapeu…
Perco o controle quando minha mão — finalmente — atinge o seu rosto. Ao mesmo
tempo que o choque me paralisa quando arregalo os olhos e cubro a boca.
Eu bati em Sarah.
E eu nunca agredi ninguém.
Eu nunca perdi o controle.
E isso aconteceu no dia que devia ser um dos mais importantes da minha vida.
— Ora, olha só quem está mostrando as garras… — ela cantarola, acariciando o próprio
rosto. — Fraca. — ela sussurra, aproximando o rosto do meu.
Sinto uma vontade incontrolável de me desculpar, mas a raiva não permite. Ao mesmo
tempo que a culpa pesa o suficiente para me fazer chorar e correr para longe.
Deixo que minhas pernas me guiem para dentro da sede e não me preocupo em olhar para
trás. Eu posso ser desclassificada ou punida, ela pode ter feito de propósito apenas para me tirar
de um possível pódio.
Tudo o que pensei em conquistar pode estar indo por água abaixo apenas porque Sarah
perdeu seus últimos resquícios de senso e decidiu que ia tornar os melhores dias da minha vida
em sessões de tortura no purgatório.
Encarar seu rosto foi como encarar o bicho-papão e ouvi-la dizer que foi minha
treinadora me fez entender muitas coisas em poucos segundos. Tantas coisas que me sinto tonta
enquanto viro no corredor para alcançar o quarto de Órion.
Busco conforto em meu namorado, que está atrás de algumas dessas portas desse imenso
corredor. Minha visão turva não me permite encontrar o número de seu quarto.
Me culpo até mesmo por estar procurando Órion para me consolar, me culpo por não
encontrar a solução dentro de mim.
Era óbvio que eu sabia que podia encontrar Sarah em algum momento, afinal, a Vila
Olímpica — apesar de grande — abriga apenas os atletas e suas equipes, e a sede do Japão não
fica tão distante assim.
E nós estaremos na mesma competição.
O problema é que eu me iludi o suficiente para achar que Sarah sequer falaria com a
gente, jamais imaginei que ela seria má a ponto se tentar me desestabilizar agora, um dia antes do
início da competição.
A verdade é que estava com medo de esbarrar com ela desde o dia em que embarquei
para Paris. Todos os dias em que ia dormir sem vê-la era um alívio, eu dormia mais tranquila. Eu
só não queria admitir isso.
Agora eu acredito que desaprendi a respirar.
Minha mão ainda arde com o impacto do rosto de Sarah.
Existem câmeras por toda a Vila Olímpica, o que me faz temer a todas as consequências
que posso sofrer.
Neil vai me odiar.
Eu vou me odiar.
Pisco diversas vezes em busca de clareza e bato com tanta força na porta que me assusto
com o barulho. Meu peito sobe e desce tão rapidamente que sinto que não vou conseguir respirar
mais, meu corpo está atingindo a exaustão. Minha mente virou uma grande confusão.
A porra da montanha russa voltou a apenas cair e a descida nunca foi tão assustadora.
Quando a porta finalmente abre, não dou tempo para Órion falar, apenas me lanço em seu
abraço e ele me envolve com rapidez e desespero.
Sei que ele pergunta diversas coisas e me ergue em seu colo, mas sua voz se tornam
apenas ruídos e eu não consigo entender uma única frase do que ele fala.
— Eu dei um tapa na Sarah. — É tudo o que consigo dizer antes do meu choro se tornar
grito e eu precisar esconder o rosto no peito de Órion para abafá-lo.
— Você o quê? — ele grita. — Loirinha, olhe para mim.
Uma imensa necessidade de fugir faz meu corpo se levantar e eu fico de joelhos na cama.
Sinto que se eu não correr para longe, não vou suportar mais um segundo.
Neil nunca vai me perdoar.
Levei minha mão ao rosto de Sarah, mas ela foi mais rápida e segurou em meu pescoço.
É como se ela o apertasse, segundo a segundo, cada vez mais forte, acabando com meu ar,
destruindo a minha vida. Ela me ergue com a sua maldade, sua gargalhada ainda ecoa em minha
mente, como um lembrete de que, sim, ela estava certa.
Estou arruinando a minha vida.
A RGA vai enfrentar seu maior escândalo e a culpada sou eu.
— Eu preciso ir embora. — Órion me agarra pela cintura e quando tento me
desvencilhar, ele me lança contra o colchão e se senta em meu corpo. — Não! — Minha
garganta arde com o grito que escapa e Órion é rápido em cobrir minha boca.
Tento me soltar de seu aperto mais uma vez, empurrando-o com os braços, quero gritar
para que ele me deixe em paz, gritar para que ele me solte, me deixe ir e nunca mais me veja.
Todo o meu corpo parece estar em chamas, cada centímetro meu parece se recusar a estar ali, e
viver o caos que Sarah me forçou a ser.
Fraca.
A vergonha me consome e eu queria ter a habilidade de sumir para dentro de mim
mesma. Viver minha destruição sozinha.
Sarah certamente vai contar para alguém. Eu vou ser desclassificada.
Minhas pernas se tornam um turbilhão de movimentos, tentando me soltar dele, mas ele
as aperta contra as suas, me deixando imóvel. Me sinto cada vez mais tonta, à medida que meus
pulmões já não conseguem trabalhar normalmente.
— Você não vai a lugar nenhum, Íris! Olhe para mim agora!
Finalmente olho para seu rosto. Órion está apavorado.
Estou diante de um olhar que nunca vi antes e então me questiono sobre o desastre que
me tornei em questão de minutos. Eu não devia estar aqui.
Órion não devia estar me vendo agora, ele não deveria ver o que escondo, não devia saber
o tamanho da minha fraqueza. Minha mão formiga novamente e eu mordo a palma na tentativa
falha de acabar com a angústia. Já nem sei o quão alto estou chorando.
Ele continua falando e minha mente já não trabalha o suficiente para entendê-lo. Travo
uma guerra interna, onde minha única inimiga sou eu mesma. Independente de qual lado eu
esteja, estou perdendo. Estou apanhando, me castigando, me machucando.
Mais lágrimas escorrem e eu me torno uma grande inundação. Lágrimas, caos e pavor.
— Amor, por favor, não faça isso… — ele choraminga, segurando minha mão e beija
onde a ardência me faz chorar.
Órion cobre meu corpo com o seu e enlaça nossas pernas. Seu calor me deixa desperta e
finalmente me cala. A sensação de sufoco é reduzida, apesar do peso de Órion, que é
exageradamente maior do que eu.
Ainda assim, não me incomoda. Faz com que o choro pare. Faz com que eu feche meus
olhos para finalmente entender o que ele está falando e me dou conta do que ele repete desde o
momento em que me abraçou.
— Eu te amo. — ele sussurra. O rosto escondido em meu pescoço. — Eu te amo. Eu te
amo.
Ele repete, dando intervalos apenas para conseguir respirar.
E repete mais uma vez, e outra vez, com as mãos acariciando meu rosto.
— É apenas uma crise de pânico, amor. Vai ficar tudo bem. — Sua voz é quase inaudível
e eu tenho a impressão de que sua fala foi direcionada a ele mesmo também.
Finalmente abro a mão e só assim percebo que me machuquei. Minhas unhas apertaram a
carne a ponto de queimar a palma e quando toco as costas de Órion, ele se levanta e me encara.
— Eu te amo. — ele repete mais uma vez, dessa vez seus olhos estão grudados aos meus.
Tento me reencontrar ali, mas meu peito está tão sufocado que não consigo organizar
minha mente.
— Quer que eu chame a Gabriella? — Nego com a cabeça. — Mesmo?
— Não me deixe sozinha, por favor. — imploro.
— Nunca, meu amor. Nunca vou te deixar sozinha, estou aqui.
Ele fala tão rapidamente, indicando estar tão nervoso quanto eu. Órion me puxa pelos
braços, até que eu me levante e esteja em seu colo, como uma pequena criança. Seu corpo está
trêmulo, mas ele ainda me acolhe e me balança lentamente em seu colo, acalmando cada célula
estremecida do meu corpo.
Evito fechar os olhos para não me lembrar do rosto de Sarah.
Puxo o ar lentamente, dando um pouco de alívio aos meus pulmões ao liberar o ar na
mesma velocidade. Meu peito dolorido relaxa.
Órion pega minha mão cuidadosamente e beija a palma diversas vezes, em cada pequeno
canto dolorido, apagando os vestígios do rosto de Sarah.
A culpa corrói meu peito, mas Órion acaricia cada mágoa, acalmando-as.
A verdade é que você é fraca. Você não se suporta sozinha.
A voz de Sarah quase me ensurdece e eu me encolho nos braços de Órion, mesmo
desejando fugir.
— Não chora, por favor… — ele sussurra, adentrando meus cabelos com a ponta dos
dedos. — Me conta o que aconteceu, amor.
Nego com a cabeça, desesperadamente, ao pensar em verbalizar cada palavra dita por
Sarah. O ar se acumula em minha garganta e ele segura meu rosto, me fazendo olhar
profundamente em seus olhos azuis.
— Não precisa contar, não importa o que aconteceu, não importa o que ela tenha dito,
você sabe que é tudo mentira. Ela está tentando desestabilizar você, não deixe que isso aconteça.
— Eu não consigo… — choro, tão fraca quanto Sarah disse que sou.
Destruída, perdida. Me afogo em cada gota de medo e insegurança que inunda meu corpo
dolorido. Os músculos enfraquecem, os pulmões doem, as batidas do meu coração estão tão
fortes que meu peito dói.
Tudo dói.
Minha alma dói.
— Amor, olha pra mim. — ele pede e eu abro os olhos novamente. — Você consegue
absolutamente tudo o que quiser, principalmente deixar Sarah de lado, porque você, mais do que
ninguém, sabe que ela é cruel. Ela quer te machucar com inverdades. Você não deve acreditar no
que ela diz. Ela não te conhece.
— Não, ela está certa, Órion. Eu sou fraca, eu não consigo nada sozinha. Se não fosse por
você, por Neil, pelas meninas, eu não teria conseguido nada. A fraqueza é maior.
Órion arregala os olhos, balançando a cabeça negativamente e se põe de joelhos, me
puxando consigo.
— Íris, eu vi você. Eu vi cada segundo, desde que a peguei em meu colo. Eu vi você
enfrentar a dor de uma forma que jamais imaginei que conseguiria, muitos pacientes se recusam
a fazer aquele exame inicial por medo da dor. Eu vi você suportar aquilo, e foi naquele dia que
eu vi que tinha algo diferente em você. Eu vi você evoluir dia após dia, tão rápido que até mesmo
eu me surpreendi. — Órion acaricia minha bochecha. — Eu sempre acreditei em você, mas vi
que você pode ir além do que eu imaginava. Quando Sarah disse que não podíamos operar
milagres e que a recuperação demoraria, eu tive a certeza que você, com toda a sua força, podia
conseguir. Você podia virar o jogo e, porra, você venceu. Você ganhou todos os pontos, loirinha.
Eu, Neil e qualquer pessoa ao seu redor fomos apenas sua plateia. O show foi todo seu, o mérito
é todo seu. Sem a sua força de vontade, seu foco e sua vontade de estar aqui, o tratamento não
teria avançado.
Órion dá um sorriso fraco ao me puxar para perto e notar que, finalmente, estou
respirando normalmente.
— Não adianta você negar, Íris. Principalmente porque foi essa potência que me fez cair
de joelhos por você.
Pela primeira vez em minutos, consigo sorrir.
— É isso mesmo, loirinha. Enquanto eu jurava que te odiava, eu estava me apaixonando a
cada segundo. Você é uma força da natureza, Íris. Foi você que fez com que eu me apaixonasse,
foi você que me trouxe até a equipe olímpica, foi você, apenas você.
Me movo apenas para me sentar em seu colo. Ele me recebe, acomodando meu corpo em
suas pernas. Me agarro nas palavras de Órion e em seus ombros para me manter firme ali.
— Sem você eu estaria completamente perdido, Coleman.
Órion encosta a testa na minha antes de me beijar com calma. Seus lábios tomam os meus
cuidadosamente e ao invés de roubar o meu ar, sinto que consigo respirar.
Deixo que ele segure em minha cintura com mais firmeza quando puxo seus ombros e
aprofundo o toque da minha boca na sua. Sua língua acaricia a minha, assim como seus dedos
que sobem minhas costas e alcançam meus cabelos.
O toque é delicado, mas intenso. Quando ele aperta os fios da minha nuca, sinto a derme
arrepiar e estremecer. Meus lábios se abrem para libertar um gemido.
A ausência da sua camisa faz com que minhas mãos sintam toda sua pele. Meus dedos
percorrem seus ombros e sua nuca enquanto ele me beija como nunca. É como se ele estivesse
matando uma vontade sufocada há muito tempo, e desejasse aproveitar cada segundo.
Deixo que ele faça o que deseja. Dou a ele cada segundo que exige em silêncio, enquanto
aperta a minha cintura.
— Íris… — ele sussurra e com dificuldade, se afasta. — Você tem certeza? Você está…
— Eu preciso de você, Sparks. — respondo, firme. Seus olhos se tornam escuros quando
encosto a testa na sua.
Ele enxerga a minha alma e eu entrego tudo de mim. Minha escuridão e as partes que ele
iluminou com todo o seu caos.
— Acaba com essa angústia, por favor… — imploro e ele me atende, voltando a me
beijar.
O toque é rápido e urgente, e só é interrompido para que ele tire o casaco que uso.
Agradeço mentalmente pelo incômodo causado pelo collant de apresentação, que me fez trocá-lo
por uma blusa qualquer, e que facilitou muito para que Órion tirasse minhas roupas com
facilidade.
Demoram breves segundos para que eu estivesse apenas com o sutiã roxo e a calça de
moletom. Órion ataca meu pescoço, inclinando meu corpo para trás, em busca de mais da minha
pele.
Sua boca suga e beija a região, fazendo com que eu precise morder o lábio para me
conter. Ele se desfaz do sutiã na mesma rapidez, me deixando exposta e pronta para ele.
Seu nome escorrega pela minha boca com lentidão e se arrasta pelo quarto. É um pedido
para que ele tire o que restou das minhas roupas, mas para que me salve do que me mata por
dentro.
Órion é bruto em cada um dos seus atos e eu aceito cada um deles, em uma punição
deliciosa. Suas mãos apertam meus quadris com tanta força que sinto suas digitais adentrando
minha pele. O desespero me faz jogá-lo no colchão antes que ele pudesse se aproximar
novamente. Para minha surpresa, Órion não se opõe e deixa que eu tire as últimas peças de roupa
que usa.
Ele me encara em expectativa enquanto me ponho de joelhos entre suas pernas, jogando o
cabelo para o lado, tirando-o do meu caminho. Meus olhos fixam em seu rosto quando seguro
seu pau com cuidado. Ele pulsa em minha mão e seu gemido rouco me deixa extasiada.
Preciso enxergar cada detalhe do seu rosto e não desvio o olhar ao lamber toda a
extensão, devagar. Assisto sua boca se abrir, libertando um gemido igualmente lento. Seus
braços tensionam a cada movimento e o movimento dos músculos evidenciam as tatuagens e
toda a sensualidade quase inexplicável.
É praticamente impossível definir o que cada uma de suas reações me causam, é a
obscenidade no sentido mais literal. É a personificação do pecado e eu aceito a penitência.
Seus olhos cintilam, deixando todo aquele azul ainda mais intenso, me causando mais
tremores, me deixando mais molhada e desesperada, a ponto de arrancar a calça de moletom
sem tirá-lo da minha boca. Seu gosto se torna vício, me deixa completamente inebriada e a
urgência me faz levar a mão até a calcinha encharcada para tentar minimizar toda a angústia que
faz meu ventre contrair.
Afasto o tecido e afundo os dedos na minha própria umidade.
— Oh, merda… — ele repete diversas vezes antes de segurar meus cabelos com força. —
Porra, Íris, se você continuar…
Engulo o que consigo do comprimento do seu pau ao ouvi-lo resmungar. Seus dedos
estão tão firmes em meu cabelo que sinto dor. Uma dor deliciosa que me faz pôr dois dedos em
minha intimidade inchada. A angústia me faz arrancar o tecido fino da calcinha, jogando-a para
longe.
— Puta que pariu, Coleman, eu não vou aguentar.
Um gemido escapa da minha boca quando ele me ergue com uma única mão. Minha nuca
dói, mas ainda assim, um sorriso surge no canto da minha boca. Com a mão livre, ele limpa a
saliva que suja meu queixo antes de segurar meu rosto com força, prendendo os olhos nos meus.
— Você é a porra do meu inferno, Coleman. — ele diz, tão lentamente que suas palavras
me atingem em diversos pontos do meu corpo. Me contorço em suas mãos. — E o meu céu. O
caos que você me causa é delicioso.
— Tudo o que me causa é delicioso, Sparks. — cantarolo, engatinhando sobre seu corpo,
até estar sentada em seu tronco. Ao sentir a umidade contra sua pele, ele arfa.
Me apoio em seu peito apenas para me impulsionar sobre ele. Minhas unhas marcam seu
peito e em questão de segundos, ele me preenche por completo, com extrema facilidade. Um
sorriso estampa meu rosto e ele revira os olhos.
— Diaba, filha da puta…
Os movimentos lentos dos meus quadris o fazem pressionar os olhos. Assisto todas as
suas ações, me movimentando na mesma velocidade para admirar a expressão excitada em seu
rosto. Os lábios abertos e inchados, as veias do pescoço saltadas, erguendo os desenhos que
contornam sua pele.
Cada pequeno ato faz minha excitação escorrer em seu pau, facilitando cada movimento,
intensificando o som dos gemidos que já não me importo em conter.
Deixo que minhas unhas capturem a sua pele. Os ramos tatuados nas laterais do seu
pescoço, as fases da lua traçando sua barriga definida. Memorizo cada desenho, gravo cada uma
de suas súplicas.
Me apaixono mais um milhão de vezes em poucos segundos.
Me inclino para beijá-lo e ele me aperta contra si, unindo meu peito ao seu, engolindo
meus gemidos e tirando toda a dor que me sufocava.
Órion me salva com seu toque e com tudo que ele deixa transparecer enquanto me agarra.
— Eu te amo. — falo contra seus lábios, impulsionando meu corpo.
Órion tenta responder, mas quando aumento a força em meu quadril, ele lança a cabeça
para trás e aperta a minha cintura. Sinto o ventre latejar, minhas pernas formigam enquanto o
suor desce pelas minhas têmporas.
Sua pele arrepia contra meus dedos e quando ele tenta inverter as posições, empurro seu
peito com tanta força que ele arregala os olhos.
— Merda, Íris! — ele protesta, mas eu cubro a sua boca, deixando meus quadris subirem
e descerem tão forte que ouço o impacto dos nossos corpos. A força da minha mão em seu rosto
marca sua pele por trás da barba feita.
— Cala a boca!
É tão forte que meus olhos lacrimejam e meus pulmões reclamam do esforço. Tão forte
que ele morde a palma da minha mão. Intensifico ainda mais os movimentos acima dele,
sentindo minhas coxas implorarem por descanso, enquanto minha garganta dói com os gemidos
que a rasgam.
A cama bate contra a parede, meus olhos ardem, a mão de Órion em minha cintura faz
minha pele queimar. Deixo que ele me marque e despejo cada gota do que me aflige em cima
dele, ele recebe cada uma das minhas dores, captura cada um dos meus demônios e os aniquila
em uma única vez.
Meu corpo vibra em cima do seu. Órion agarra em meu pescoço e seu rosto se torna
vermelho como o inferno. O aperto restringe o ar, mas não me faz parar.
Ele repete meu nome diversas vezes até que eu me desfaço em seu corpo. O ápice nos
atinge em cheio, nossos corpos estremecem em uníssono e não demora para que eu caia sobre
ele.
O silêncio paira no quarto, tudo o que ouço são as batidas do seu coração enquanto me
aninho em seu peito. Ele me abraça e acaricia minhas costas com as pontas dos dedos. Meu
corpo não parece o mesmo. Há vestígios de Órion em cada canto, suas estrelas estão tatuadas em
minha pele. Nesse momento, nada pode me assustar. O depois está trancado do lado de fora do
seu quarto e eu me esforço para esquecê-lo.
— Você está bem mesmo? — ele pergunta e eu assinto em silêncio, mesmo sem saber a
verdadeira resposta. — Me assustou.
— Eu sei, desculpa…
Órion me puxa para mais perto e beija minha testa com cuidado. Seus lábios demoram ali
e meus músculos relaxam. Deixo que ele me dê paz, não permito que Sarah me culpe por amá-lo.
— Posso ficar aqui? — pergunto, quase como um sussurro.
Ele envolve a minha cintura e eu entendo sua resposta. Com a mão livre, ele tira o cabelo
do meu rosto e me encara. Seus olhos demoram em meu rosto, me analisando até que a timidez
deixe meu rosto quente.
Até um sorriso travesso enfeitar sua boca.
— Então… me conte mais sobre o tapa.
O sorriso se torna ainda mais dissimulado e eu acerto seu braço, fazendo-o rir. A risada
ecoa por todo quarto. Seus olhos se tornam menores, as bochechas ruborizam. Seus atos me
abraçam e eu só consigo amá-lo ainda mais.
— Sem você eu estaria completamente perdida, Sparks.
Eu não deveria ser deixada por conta própria
Elas vêm com preços e vícios
Eu acabo em crise
É uma história tão antiga quanto o tempo
Anti-Hero — Taylor Swift

CLASSIFICATÓRIA EM EQUIPES
— Eu mereço uma recompensa por ter fingido que era você durante a noite. — Alya
sussurra ao aparecer atrás de mim, e me faz franzir o cenho. — Neil veio aqui a noite, fingimos
que eu estava no banheiro e você dormindo.
Dou uma risada baixa e me viro para abraçar a minha melhor amiga, buscando um pouco
de conforto. Alya bate em meus ombros ao sentir o aperto do meu abraço.
— Está tudo bem? — Assinto e me viro para me olhar no espelho.
Nem mesmo a maquiagem conseguiu esconder o inchaço dos meus olhos, que indicam o
quanto chorei. Órion dormiu depois de tanto tentar me fazer adormecer antes. Eu encarei o teto
por quase toda a madrugada e me esforcei para não acordá-lo com os soluços baixos.
— Não tem nada para me contar?
Nego com a cabeça.
— Perdeu a voz?
— Está tudo bem, amiga. — falo. É a primeira vez que ouço a minha voz desde que fugi
do quarto de Órion antes das seis da manhã.
E o som é medonho.
Meus olhos continuam presos em mim. Não há um pingo de motivação em meu olhar e é
o primeiro dia do resto da minha vida. A primeira etapa eliminatória começa em algumas horas e
eu estou prestes a sair correndo.
A voz de Sarah me atormentou durante toda a noite e nos intervalos dos meus pesadelos,
Órion me lembrava de que eu não deveria deixar que ela me apavorasse, muito menos tirasse a
minha concentração.
Se esse foi o objetivo dela, posso afirmar que ela conseguiu.
Toda vez que ouço o som da porta do quarto abrindo, temo ser Neil dizendo que
descobriram que agredi a preparadora de outra equipe, e irão anunciar a minha desclassificação.
— Vai dar tudo certo, Íris. — ela diz, me abraçando pela cintura e tocando o queixo em
meu ombro.
Olho para minha melhor amiga através do espelho e consigo sorrir. Encontro paz e
serenidade em seus olhos, apesar do nervosismo da competição.
— Espero mesmo que sim.
Ela dá um beijo na minha bochecha e sai do quarto, me deixando sozinha. Todas as
meninas já estão prontas e animadas para o primeiro dia. Fui a última a me trocar e maquiar, e
Jocelyn demorou mais do que esperado para prender os fios rebeldes do meu cabelo em um
coque alinhado e enfeitado por pedrinhas azuis e vermelhas.
A canoagem foi o esporte que abriu as Olimpíadas, bem cedo, às oito da manhã e a
ginástica será o segundo, às onze. Começaremos com a etapa classificatória em equipes, e logo
em seguida, será a vez da equipe masculina.
Os nervos estão à flor da pele para ambos. É possível ouvir as vozes dos meninos à
distância e todas as orientações dos preparadores dadas em alto e bom som.
Eu sinto que não sei mais como respirar ou andar. Se torna extremamente difícil sair da
frente desse maldito espelho para, finalmente, deixar o quarto. Puxo o ar para meus pulmões e
liberto lentamente, observando meus movimentos no reflexo decadente.
Forço um sorriso para mim mesma e saio do quarto.
Merda, eu sou uma farsa.
Desço as escadas em passos rápidos, sentindo minhas pernas trêmulas ao me esquecer
minimamente de Sarah para me lembrar de que estou a caminho da nossa estreia nas Olimpíadas.
Não há margem para erros ou deslizes, muito menos espaço para medo.
Escondo as mãos nos bolsos do casaco e aperto o tecido ao inflar o peito em busca de
coragem. Dou um sorriso ao encontrar a minha equipe no hall da sede da nossa delegação. Neil
abre os braços ao me ver e eu corro para completar o círculo da equipe.
Fico entre Ashley e Jenni, à minha frente, Vivian e Alya enlaçam os braços, e ao lado de
Neil, Órion me analisa minuciosamente. As sobrancelhas franzidas indicam a sua preocupação,
assim como seus olhos azuis estudando meu rosto.
Tento sorrir de novo, mas não consigo.
— Desculpem o atraso. — falo a única coisa que minha voz trêmula me permite dizer.
— Meninas, vamos lá… — Neil dá um longo suspiro. — Preciso que saibam que eu sou
o homem mais orgulhoso do mundo em estar olhando para cada uma de vocês agora, prestes a
dar início a essa competição. Sabem como é raro uma única academia se classificar para as
Olimpíadas? — Assentimos. — Vocês são raras. Raros talentos que eu tenho o privilégio de
assistir de perto e eu estou muito orgulhoso, de cada uma de vocês, por inúmeros motivos. Por
terem vencido seus obstáculos, seja lá quais tenham sido, por terem vencido a ansiedade, o medo
e por terem sido superiores a todos que tentaram fragilizar vocês.
Engulo em seco, tentando acreditar nas palavras de Neil.
— Eu digo e repito quantas vezes forem necessárias. A RGA não existiria se não fosse
vocês, se não fosse cada um dos pequenos juniores que entra todos os dias na nossa equipe.
Quero mesmo que, finalmente, acreditem no potencial de vocês. Que o medo seja o menor dos
pensamentos, que lembrem que, em vários lugares do mundo, existem meninas e meninos que
vão ver vocês hoje e querer ser ginasta um dia. É agora que vocês vão mostrar a magia de vocês
e fazer com que nasçam mais Ashleys, mais Alyas, mais Jennifers, mais Vivians e mais Íris… —
Pressiono os lábios para conter a insuportável vontade de cair no choro. — Eu tenho orgulho de
poder cuidar de vocês todos os dias. Estou me sentindo um pai prestes a entregar as filhas pro
mundo.
— Ô, meu Deus… — Jennifer choraminga e corre para abraçar Neil.
— A gente te ama, Neil. — Alya diz, se acomodando onde consegue no abraço coletivo.
A imagem de Sarah se dissipa e tudo o que vejo é o sorriso emocionado de Neil. Quando
encontro um espaço, me ponho na ponta dos pés e abraço sua cintura.
— Obrigada. — sussurro, baixo o suficiente apenas para que ele me ouça e me dê o
melhor dos seus sorrisos.
— E era isso. A partir de agora vocês são atletas olímpicas e quando chegarmos lá, quero
o máximo de foco. — Neil diz, assumindo sua face mais séria. — Desviem o olhar de tudo e
qualquer pessoa que possa tirar a concentração de vocês. Que sejam apenas vocês e o tablado,
nada mais.
Assinto, mas por saber exatamente o alvo do aviso de Neil, sinto o corpo estremecer.
Queria gritar que ela já destruiu todo o meu foco, minha concentração e minha vontade de estar
ali, mas permaneço em silêncio e tento me agarrar na única coisa que importa: meu sonho.
— Quando chegarmos lá, vou passar toda a sequência da equipe. Aproveitem o tempo
para repassar as séries de vocês, repassem um milhão de vezes se necessário. — Ele olha para
cada uma de nós com afinco, exigente como nunca vi antes. — O aquecimento é curto, usem do
tempo no vestiário para alongamento. Entendido? — Assentimos em sincronia. — Então, vamos.
Todas se agitam, animadas e seguem Neil para o lado de fora. Sou impedida de segui-lo
pela mão de Órion em meu pulso e quando encaro seu rosto, solto o ar que acumulava em minha
garganta e não conseguia sair.
— Oi… — consigo falar e ele esboça um pequeno sorriso.
— Você está bem, loirinha? — Assinto e ele segura meu rosto, em busca de algum
vestígio de mentira. — Esquece tudo o que aconteceu, não deixe que ela tenha o que quer. —
Órion sussurra, tocando a testa na minha.
Sinto uma imensa vontade de chorar, mas engulo e balanço a cabeça positivamente,
usando um pouco da coragem que restou para me erguer.
— Confio e me orgulho de você.
Me ponho na ponta dos pés para deixar um beijo rápido em seus lábios.
— Eu te amo. — murmuro e ele sorri. — Agora vamos, antes que Neil tenha um surto.
Órion enlaça nossos dedos e me guia para fora, com um sorriso debochado no rosto.
— Tenho a impressão de que ele vai desmaiar toda vez que nos vê juntos. — ele diz, e
aponta para Neil com o queixo. — Olha só.
Tento tirar minha mão da sua, mas Órion me impede e me puxa na direção da van, onde
Neil nos espera e arregala os olhos ao ver nossas mãos entrelaçadas.
Finalmente consigo sorrir verdadeiramente. As reações de Neil são sempre divertidas a
ponto de me arrancar gargalhadas. E é ainda melhor quando Órion o provoca, e se diverte
quando consegue deixá-lo indignado.
Olho para Órion e me deparar com seu sorriso faz com que eu me sinta minimamente
segura. Segura, feliz e infernalmente apaixonada.
— Deixa ele em paz, Órion. — o repreendo, me desvencilhando de sua mão e correndo
para dentro da van. Mando um beijo para Neil antes de ir para a última fila e ele rola os olhos,
me fazendo rir.
Me acomodo ao lado de Alya, mas logo todas já estão apertadas no fim da van, no trio de
cadeiras onde não deveriam acomodar cinco pessoas. Me concentro no calor do abraço das
minhas amigas para não surtar.
— E então? Vocês conseguiram dormir? — Ash sussurra e todas negam com a cabeça.
Queria poder contar o que aconteceu, queria confessar que não dormi porque chorei
muito, e quando conseguia pegar no sono, tinha pesadelos. Eu queria poder dizer que Sarah me
faz querer fugir, mas permaneço quieta e apenas balanço a cabeça negativamente, para que elas
achem que o nervosismo é o único sentimento que me incomoda.
— Eu estou com medo de esquecer a série. — Vivian diz e Alya encosta a cabeça em seu
ombro.
— E eu com medo do meu joelho falhar. — confesso.
— Não vai acontecer nada disso, nós vamos conseguir. — Alya diz, e eu noto em seu tom
que ela também está tentando aceitar isso.
— Vocês viram a Sarah? — Jenni pergunta e eu sinto que vou desmaiar.
Nego com a cabeça imediatamente.
— Graças a Deus, não. Imagina ver essa praga logo antes da competição começar. —
Ash esbraveja, se jogando em meu colo.
— Mas é inevitável. Competimos pelo mesmo esporte.
Reviro os olhos.
— Esqueçam a Sarah. — falo, na tentativa de fazer com que elas mudem de assunto para
que eu não caia no choro. — Não vamos concentrar nossa atenção nisso, temos coisas mais
importantes para pensar.
Tento me convencer disso também. Quando todas ficam em silêncio, aproveito para
tentar repassar a minha série, lembrar meus saltos e dos ensaios, dos treinos e de cada
movimento que devo fazer. Tento me lembrar dos gritos de Neil, de seu apito infernal, da
posição das barras.
Visualizo o ginásio da RGA em busca de conforto, uma lembrança de casa que me deixe
em paz. Os tons de roxo espalhados por todo lugar, os tapetes, as barras, os cavalos e traves.
Todo o pó de magnésio esvoaçante.
Os gritos dos atletas, as risadas das crianças. Os saltos concluídos com perfeição.
Pequenos meninos e pequenas meninas deixando a sala de fisioterapia com balas
escondidas em seus pequenos bolsos.
Tudo o que me faz feliz em único pensamento e que me lembra dos motivos que me
trouxeram até aqui.
Tiro o celular do bolso do casaco e sorrio ao ver a mensagem da minha mãe.

Mamãe: Estamos acompanhando cada segundo.


Mamãe: Fique tranquila, pequena. Respire e faça
o que faz de melhor. Foque apenas em você.
Mamãe: Temos muito orgulho de você. Ligue depois!

Lembrar das pessoas que importam faz meu coração desacelerar até atingir sua pulsação
normal. Me concentro em minhas obrigações como atleta e consigo, finalmente, esquecer de
Sarah e de toda sensação angustiante que me causou.
Olho para os lados antes de descer da van, me certificando silenciosamente de que não
existem sinais da equipe japonesa ao redor. Mesmo que seja inevitável, pensar em esbarrar em
Sarah pela Vila Olímpica, ou pelo ginásio, me faz sentir as veias beirando o estouro.
Meu sangue corre mais rápido pelo meu corpo desde o momento em que Íris entrou em
meu quarto, desesperada como nunca vi antes. Já vi Íris querer desistir, acompanhei cada
segundo dos seus momentos de dor, vi sua ansiedade, seu medo, mas nunca a vi daquela forma.
Não achei que Sarah seria suja a ponto de prejudicá-la, ou tentar fazer com que ela
perdesse o controle em plenas Olimpíadas. Não achei que seu caráter fosse nulo. Pelo contrário,
imaginei que ela sequer olharia para as meninas, e por Deus, como eu queria que fosse mesmo
assim.
Depois do que fez com Íris — seja lá o que tenha dito — passei a desconfiar a cada
segundo nessa cidade, temendo o que ela pode tentar com as outras meninas da equipe. Passei a
olhar mais atentamente para cada canto, tentando evitar encontros inesperados que me façam
perder totalmente a postura de vez.
Se não fosse por ela, Íris não estaria fingindo que está bem, quando na verdade está
apavorada e destruída. Ela diz que está bem, mas eu vejo no fundo dos seus olhos castanhos
como ela se perdeu. Seus sorrisos são forçados, sua voz está trêmula. Até mesmo seu andar está
hesitante.
Os fotógrafos e jornalistas na entrada me fazem apertar o ombro de Íris, cuidadosamente,
no momento em que ela desce o primeiro degrau da van. Vejo seu peito subir e descer
lentamente, indicando um suspiro, e logo, um sorriso surge em seus lábios.
Ela fica incrivelmente mais bonita quando sorri dessa forma. Minhas pernas falham.
Dou uma piscadinha na direção de Alya e ela retribui, seguindo para dentro do ginásio
com um sorriso brilhando em seu rosto.
As outras meninas vão logo atrás, seguidas por Neil e a equipe de preparação, e eu vou
logo depois, torcendo para que Sarah passe longe o suficiente delas.
A Bercy Arena é espetacular. As arquibancadas são extremamente altas, assim como o
teto completamente iluminado. Os refletores apontam diretamente para o centro da arena, onde
estão posicionados os tapetes, as barras e todos os aparelhos da ginástica. Ao lado de cada
aparelho, estão as bancadas dos jurados e, próximo das arquibancadas, os assentos para os atletas
e comissão técnica.
Aperto o casaco azul contra meu corpo, sentindo cada centímetro de pele arrepiar.
Minha irmã e minha namorada estão prestes a competir nas Olimpíadas e eu sinto cada
célula do meu corpo tremer.
Sigo a equipe até o vestiário, onde elas rapidamente colocam os uniformes dos Estados
Unidos, escondendo o collant atrás das calças e casacos de moletom azul e vermelho. Jocelyn
põe mais brilho no rosto de cada uma delas, me deixando incomodado apenas ao ver tudo aquilo
grudado na pele.
— Prontas? — pergunto, fazendo-as assentir. — Vamos alongar então, vocês vão ter um
minuto para aquecer em cada aparelho, façam o que podem aqui. — aviso e elas começam.
Alya se senta no chão, esticando as duas pernas e eu me abaixo entre elas, ajudando-as a
esticá-las ainda mais.
— Nervosa? — pergunto e ela assente, aproveitando-se da proximidade para tocar a
minha mão. Sinto sua pele fria e me controlo para não abraçá-la. — Fique tranquila, estrelinha.
Você é a mais brilhante daqui, lembra? — sussurro e seu sorriso aumenta suas bochechas. — Te
amo muito.
— Também te amo, constelação. — ela sussurra de volta e o apelido saindo de sua boca
me abraça.
Não me lembrava da última vez que Alya tinha me chamado assim, já que decidiu banir a
astronomia da sua vida. Ouvi-la faz meu coração esquentar.
— Íris está bem? — Alya pergunta e eu me dou conta de que Íris não contou o que
aconteceu. Ajudo Alya a tocar o trono nas pernas.
— Está… Eu espero. — sussurro em seu ouvido e ela suspira pesadamente. — Consegue
terminar? — Alya assente. — Boa sorte.
Me afasto de Alya e faço o mesmo com as outras atletas, acompanhado pela equipe de
preparação, ortopedistas e treinadores. Todos nitidamente confiantes sobre o condicionamento
físico delas.
Em silêncio, Íris se alonga lentamente, e fecha os olhos em busca de concentração. Ela
liberta um suspiro pesado e alcança seu pé com a mão, erguendo-o até que sua perna direita
esteja perfeitamente alinhada ao seu corpo. Sua elasticidade com certeza está em dia.
Ela faz o mesmo com a outra perna e, de olhos fechados, abre as duas pernas em
espacate. Quando todo seu corpo está no chão, ela inclina o tronco, deitando-o no chão.
Me abaixo ao seu lado, tocando suas costas e ela finalmente abre os olhos.
— Está pronta, loirinha?
— Espero que sim. — ela sussurra. — Estou dando meu máximo.
— Eu sei. Foque apenas nisso, esqueça todo o resto. Seja só você e a ginástica a partir de
agora, certo? — Ela se levanta e, de joelhos, assente.
— Você vai estar lá?
— Antes, durante e depois, loirinha. — repito a promessa que fiz quando ela se
machucou e precisava de mim. Íris nota e sorri lindamente.
Sorri de verdade, a ponto de deixar seus olhos pequenos e brilhantes, e as bochechas
vermelhas e protuberantes. A ponto de me deixar ainda mais apaixonado.
— Agora vai. Pelo amor de Deus, foco, Íris! — repito, sentindo desespero, e ela sorri.
— Tente não infartar, Sparks. — Íris pede e deixa um beijo rápido na minha bochecha.
— Vou fazer o meu melhor.
Neil bate palmas, chamando-as para o centro e esfrega as duas mãos enquanto elas se
unem em uma roda.
— Seguinte: Íris, Alya e Ashley começam nas barras. Em seguida, Vivian, Jennifer e
Alya, salto. — Minha irmã dá um longo suspiro e eu sinto as mãos suando. — Íris, Ashley e
Jennifer nas traves. Por fim, o solo que será Alya, Íris e Vivian.
Merda, Alya e Íris irão competir em três aparelhos. Três chances para eu desmaiar de
nervosismo.
— Vocês sabem como funciona a competição, mas não custa dizer. As notas de cada
aparelho vão ser somadas e as oito equipes com maior pontuação serão classificadas. Aproveitem
cada segundo do aquecimento, sintam os aparelhos. — Neil orienta e elas o encaram com
atenção.
Os olhos de Íris foram tomados por ambição. O castanho das orbes se tornou tão escuro
que posso ver o brilho de longe. Ela infla o peito, confiante e quando Neil aponta para fora, sua
postura se alinha.
A minha Íris.
Do lado de fora do ginásio, a competição já começou com França e Brasil, que já estão
finalizando as apresentações do solo, que fecha os aparelhos para que comecem as próximas
equipes.
Ao serem anunciadas, elas entram em fila indiana, andando em perfeita sincronia. Cada
passo do quinteto parece ter sido coreografado, mas eu sei que cada mísera ação é resultado de
uma conexão inexplicável.
Cada uma em sua função, os extremos que formam a constelação mais brilhante já vista.
Elas sobem no degrau que as deixam em destaque e nós esperamos do lado de fora,
enquanto são apresentadas para o público por um locutor. O público vibra a cada nome
anunciado, e elas acenam para os torcedores, animadamente.
Logo atrás de nós, são anunciadas as equipes do Japão e Austrália. Meus olhos percorrem
todo o ginásio em busca da comissão técnica japonesa, e do outro lado, onde estão posicionadas
as barras, Sarah encara a equipe no centro do ginásio com um semblante arrogante.
O queixo erguido, os olhos semicerrados. Uma crueldade sem tamanho por trás de cada
ato seu. Meu estômago embrulha.
As atletas japonesas são apresentadas uma a uma e meus olhos não saem de Íris. Ela está
nitidamente incomodada, não com as meninas que irão competir, mas com o fato delas serem
diretamente ligadas a Sarah.
Ela evita olhar para os lados. Seu foco está preso em algum ponto a sua frente que a faz
prender o ar. Ao seu lado, Alya apenas sorri. Em seguida, Ashley e Jennifer não escondem a
insatisfação e me fazem sorrir com suas expressões dissimuladas. Vivian permanece neutra e
firme, como se nada a abalasse.
Elas me deixam orgulhoso e me fazem bater palmas firmes quando a apresentação
termina e elas correm de volta para nós.
Neil dá todas as orientações necessárias quando o aviso de que as apresentações nas
barras irão começar é dado e ecoado por todo ginásio. Alya, Íris e Ashley tiram os casacos e as
calças, os collants branco e vermelho brilham com as luzes dos refletores, dando o efeito
desejado pelos costureiros que foram visitá-las na RGA. Os testes foram feitos minuciosamente
para que cada salto gerasse um efeito brilhoso diferente, conforme as luzes do estádio.
Depois do aquecimento, atravessamos todo o ginásio enquanto a competição nos outros
aparelhos começa. A equipe australiana toma conta das traves, enquanto as japonesas se
preparam para o salto.
— Íris Julianne Coleman, Estados Unidos da América. — o locutor grita e eu sinto o
coração subir pela garganta.
Toda a equipe permanece em silêncio. Alya esfrega as mãos cobertas de magnésio,
nervosa. Neil afunda os dedos no tapete, com os olhos fixos em Íris e em cada um dos seus
movimentos.
Eu não sinto as minhas pernas.
O queixo erguido na direção das barras, os lábios em uma linha fina e firme. Ela respira
fundo mais uma vez e seu sorriso surge em seu rosto. Ela está confiante e concentrada, isso me
faz respirar minimamente.
Ela ergue os braços, apresentando-se aos jurados e volta a atenção para o aparelho logo
em seguida, se desfazendo do sorriso e se concentrando profundamente. Não existe nada ao meu
redor, nada que me faça deixar de olhá-la.
Íris se põe embaixo da barra baixa e com um pequeno salto, a alcança quando o juiz avisa
que pode começar. Sua primeira acrobacia é feita com perfeição, ao ergue o corpo perfeitamente
alinhado para cima e descer em um giro perfeito. Íris faz uma reversão, preparando-se para voar
na direção da barra alta.
Minhas mãos estão tão trêmulas que preciso escondê-las nos bolsos do casaco.
Com uma pirueta, ela se lança para a barra alta e a segura com firmeza, girando o corpo
com as mãos ao alcançar o ar. Seus movimentos são precisos, mas seu corpo se move com
leveza, como se ela não precisasse de esforço para concluir cada um dos movimentos.
Enquanto isso, eu acredito que vou vomitar a qualquer momento.
Íris se movimenta entre as barras como um pássaro desviando das nuvens no céu. Ela
ganha pontos extras com o júri ao fazer sequências mais difíceis, girando em torno de si mesma,
fazendo saltos mortais e voltando à barra, sem qualquer menção de queda ou erro.
Íris dá um grande giro na barra mais alta, fazendo mais reversão com as mãos, até que eu
vejo Neil se abaixar contra o tapete. Alya leva as mãos à boca e eu aperto o tecido do casaco.
Um giro.
Dois.
Três.
O duplo mortal com pirueta parece acontecer em câmera lenta. Meus olhos captam cada
movimento dos braços e mãos de Íris girando no ar. Seu corpo parece flutuar, a capacidade
parece irreal.
Quando seus pés cravam o tapete, um grito uníssono soa atrás de mim, com a
comemoração da equipe. Íris não cambaleia ou fraqueja, não dá chances para perda de pontos.
Seu corpo se alinha com perfeição, o sorriso explode em seu rosto e de longe, posso ouvir o grito
de alívio que rasga sua garganta.
Ela comemora sem hesitar e corre para Neil, abraçando-o com força.
Sinto o corpo estremecer em alívio, palmas e gritos felizes escapam de mim de forma
espontânea. Como se estivesse envolvido por fogos de artifício. Íris sorri como se já estivesse
agarrada a medalha de ouro e eu sinto que ganhei o mundo ao assisti-la.
À nossa frente, os juízes encaram as telas e sussurram. Neil cobre a boca, ansioso e Íris se
balança, nervosa. Ela dá pequenos saltinhos e quando o júri de dificuldade anuncia a pontuação
de 7.200, ela se agita ainda mais.
Minha garganta seca enquanto os jurados de execução olham para as telas. Os sussurros
me apavoram, mas quando o 9.000 é anunciado, ela grita ainda mais alto e corre para mim.
Agarro Íris com força e me dou conta de que, sim, eu dependo dela e da porra do sorriso que faz
seu rosto brilhar.
— Eu te amo, eu te amo, eu te amo. — ela exclama antes de me soltar e correr para a
equipe.
O ar se torna escasso novamente quando vejo Alya estremecer depois de comemorar com
a amiga. É a vez da minha irmã e eu tenho absoluta certeza de que vou vomitar meus órgãos.
— Alya Sparks Parsons, Estados Unidos da América.
Seus olhos capturam os meus. Ignoro toda e qualquer reação que o sobrenome tenha
causado nas pessoas ao nosso redor. Meus olhos, minha atenção e meu coração pertencem a ela e
quando balanço a cabeça positivamente para ela, Alya sorri e se apresenta aos jurados.
Mordo o interior da bochecha quando ela salta para a barra menor. Seu pequeno corpo
gira com facilidade, as mãos escorregam pela barra, mas a alcança na volta, com firmeza.
A cada vôo para a barra maior, sinto um instinto estranho me fazer querer correr para não
deixá-la cair, mas solto o ar a cada vez que ela segura a barra e completa um giro sem qualquer
erro aparente. Seu corpo se movimenta em uma dança hipnotizante, é como assistir uma estrela
dançar no céu, com movimentos estelares brilhantes, deixando rastros iluminados pelos seus pés.
Ela gira duas vezes na barra e a solta, me fazendo prender a respiração. Cubro a boca para
não gritar e impeço o ar de sair.
Alya completa o salto mortal e crava os pés no colchão, cambaleando levemente para o
lado. Sem afetar em sua aterrissagem perfeita, ela sorri para cima, seus olhos estão pressionados
com força e um grito orgulhoso escapa de mim.
Queria abraçá-la e dizer que a amo e estou orgulhoso, queria pegá-la em meu colo e gritar
para as câmeras, para que a porra do mundo saiba que ela é minha irmã, mas me contenho em
vê-la comemorar.
A pontuação não demora para aparecer no telão. O júri de dificuldade anuncia 6.900 e,
logo em seguida, o 7.500 brilha na tela, certamente mais baixa pelo desequilíbrio quase
imperceptível na aterrissagem.
Filhos da puta.
Alya nitidamente não se importa, já que o 14.400 é uma excelente pontuação para a
equipe e comemora com gritos altos que fazem meu coração saltar no peito.

A competição se estende em ritmo frenético. O ginásio se agita com o fim dos solos, os
aparelhos já estão vazios depois de receber diversas atletas competindo simultaneamente. Minha
mente se tornou uma grande confusão quando Alya estava competindo nos saltos e Íris nas
traves, me dividi em dois e ainda não descobri como.
As pontuações altas me fizeram vibrar a ponto de sentir as cordas vocais doerem, e
precisei de um tempo de conversa com Vivian quando ela não cravou a saída do salto. O solo de
Íris foi impecável, mas algumas saídas do tapete durante a coreografia a fez perder pontos, mas
ainda assim, a nota foi alta e o final foi brilhante. Ashley e Jennifer também fizeram uma ótima
sequência nas traves, mas o leve desequilíbrio em alguns momentos reduziu a nota das duas.
Ainda assim, elas se divertiram e não deixaram transparecer descontentamento com suas
notas. Enquanto o solo da última competidora australiana é finalizado, elas terminam de se vestir
com os uniformes e para minha surpresa, Íris para ao meu lado e enlaça nossos dedos
discretamente.
Seu peito sobe e desce, esperando a pontuação que daria o resultado, se elas estarão
classificadas ou não para a final em equipes. Acaricio sua mão suada e trêmula com o polegar.
Todos esperam em silêncio enquanto o resultado é somado. Apenas a plateia se agita, já
que os atletas estão nervosos demais para esboçar qualquer reação.
Olho para o telão, nervoso e arregalo os olhos quando a tabela surge.
— Conseguimos! — Alya grita.

1. Japão
2. Brasil
3. Austrália
4. Estados Unidos da América
5. França
6. Itália
7. China
8. Colômbia
Você não pode escrever um livro de uma página só
Ponteiros de um relógio que só giram de um jeito
Corra muito rápido e você vai arriscar tudo
Não se pode ter medo de cair
Little Me — Little Mix

CLASSIFICATÓRIAS INDIVIDUAL GERAL


Sou acostumada com o ritmo das competições. Provas durante todo o dia, descansos
mínimos, dores nos tornozelos no fim do dia. É um cansaço delicioso, deitar na minha cama
depois de fazer o que amo.
O problema é que, agora, Sarah me encara do outro lado do ginásio com um sorriso
presunçoso no rosto, e eu sinto que o dia se arrasta preguiçosamente para me torturar.
Ela não direcionou uma única palavra a nós, mas depois que o Japão ficou em primeiro
lugar nas classificatórias em equipe, seus olhos nos julgam a cada segundo.
Apesar de ter ficado satisfeita com o resultado, já que o quarto lugar é suficiente para nos
levar à final, os olhares de Sarah me causam náuseas, e agora, prestes a começar as
classificatórias individuais, eu sinto que vou vomitar.
— Pare. Agora. — Órion entra na minha frente, cobrindo a minha visão. Tudo o que
enxergo é a camisa azul da delegação e seus braços tatuados cruzados.
Ergo o olhar e encontro a expressão repreendedora que me irrita. Eu odeio quando ele me
olha dessa forma, principalmente porque ele está certo na maior parte das vezes.
— Esqueça a Sarah, Coleman.
— É difícil com ela me olhando dessa forma. — sussurro, voltando a olhar para o
protetor palmar, enquanto o enrolo em meus punhos.
Órion segura meu rosto com as duas mãos, me fazendo olhá-lo de novo.
— Eu preciso que você volte a ser a minha Íris. — ele diz, no mesmo tom. Baixo o
suficiente para que somente eu escute, e que arrepios percorram minha pele. — A minha Íris não
se importa com nada além da ginástica. A minha Íris é focada, esforçada e é a melhor nessa porra
de Olimpíadas.
Dou um sorriso.
— Certo, eu vou conseguir o ouro.
Respiro fundo e meu peito infla. Todo o meu corpo acende quando Órion sorri e se afasta
para que meus olhos voltem para o ginásio. As arquibancadas continuam lotadas, mesmo que
estejam acontecendo outras competições de outras modalidades nesse exato momento. Durante
todo esse tempo, pude ver rostos infantis. Meninas e meninos que nos olham admirados,
apontam para nós e comemoram a cada acrobacia. Independente da delegação, eles admiram a
ginástica.
Isso me faz estalar o pescoço, os dedos e dar saltinhos para aquecer o corpo, o que não é
muito difícil, já que sinto que faíscas substituíram o meu sangue. Meu coração bate tão forte que
sinto as pulsações em todos os cantos do meu corpo.
A disputa pelo individual geral é, certamente, o mais cansativo, já que temos que
competir em todos os aparelhos, e é ainda mais caótico pois todos os aparelhos estão ocupados,
todos competem ao mesmo tempo e meu olhar se perde.
Finalmente recupero a concentração e me dou conta de que Vivian está prestes a sair das
barras. Neil continua com os olhos presos na minha amiga, Alya quase morde os dedos. Me
aproximo da equipe, sentindo o nervosismo me consumir. A cada etapa das minhas amigas, sinto
o coração na boca.
No terceiro giro, Vivian se prepara para aterrissar, mas seus pés não cravam no tapete.
Do outro lado, o sorriso de Sarah se expande.
É inacreditável!
— Vocês estão vendo isso? — Jenni murmura atrás de nós. A expressão nervosa de Alya
se torna raivosa, e eu abraço seus ombros.
— Eu juro que não estou aguentando mais olhar pra cara dessa demônia. — minha
melhor amiga diz e desvia de nós para abrir os braços para receber a namorada, nitidamente
decepcionada.
— Meu sonho é enfiar a mão na cara dela. Ou que alguém faça isso. — Ashley diz e,
atrás de mim, Órion gargalha sem timidez alguma.
Sinto o rosto queimar, ao mesmo tempo que sei que estou prestes a cair na gargalhada
também. Idiota.
— Ela estava certa. — Vivian choraminga ao se aproximar, ainda abraçada em Alya.
Nunca vi Vivian dessa forma, e eu sinto meu coração se partir em mil pedaços.
— Como assim, Vi? — Ash pergunta, pegando sua mão.
— Sarah sempre disse que eu não tinha força para barras e traves. — ela responde e eu
balanço a cabeça, negativamente. — Ela disse, vocês lembram.
— Pare com isso imediatamente. — peço, abraçando-a. — Você foi incrível, Vi! Foi
apenas um deslize no final, tenho certeza que não vão descontar tanto.
— Se acalmem. Vamos ver. — Neil pede e todas direcionamos o olhar para os juízes.
Permaneço abraçada a Vivian e Alya, Ash e Jenni se juntam a nós e uma onda de
conforto me consome. Nossa conexão, mais forte do que nunca, se faz presente e eu me sinto
indestrutível.
Quando as notas surgem, os ombros de Vivian cedem em nosso abraço e um suspiro de
alívio é simultâneo. O 6.900 dos juízes de dificuldade e 7.800 de execução garante uma boa nota
para Vivian e grandes chances de ir para as finais.
— Suas pontuações nos saltos estão altas, na trave também. Só precisa de uma boa soma
no solo e pronto! — Alya tranquiliza a namorada, dando um beijo em seu rosto em seguida.
— Loirinha, sua vez. — Órion toca meu ombro, me despertando.
Merda.
Respiro fundo, pesadamente e alongo os tornozelos antes de voltar ao tablado. Desde que
voltei de lesão, a trave é o aparelho que me assusta. A falta de equilíbrio me atormenta e eu sinto
as pernas tremerem enquanto caminho na direção dos jurados.
Lembro da sensação de ser outra Íris depois da lesão. Eu acreditava que era boa e jurei
para mim mesma que voltaria melhor. Eu seria outra Íris, com o dobro da coragem e da
determinação que eu achei que tinha perdido, mas recupero no momento em que toco a trave de
equilíbrio.
Ela era meu maior medo e agora será a razão da minha vitória.
Me apresento aos jurados, aproveitando dos segundos que tenho para firmar meus
tornozelos.
Respiro fundo antes de me impulsionar para cima, ficando em posição espacate nas
traves, antes mesmo de começar. Ouço um grito vindo da minha equipe e dou um sorriso ainda
maior quando giro na trave, sentando-me sobre uma perna e alinhando a outra para finalmente
dar início a minha série.
Me ponho de pé em um único movimento, e me inclino para frente, até que minhas mãos
alcançam a trave e minha perna direita sobe na direção do céu.
Volto sem cambalear e o sorriso se expande. Minhas bochechas doem.
Giro em um único pé, e o medo de cair se torna uma imensa vontade de saltar. Faço uma
boa sequência de reversões, seguidas de duas sem as mãos e repito os passos ensaiados com Neil
e Celia.
Faço dois saltos abertos e meus músculos contraem quando retorno a trave sem
desequilíbrio. Me sinto Íris novamente, meus olhos se tornam pequenos diante da felicidade que
rasga meu rosto. Faço dois flics cravados e as estrelas sem as mãos são executadas com sucesso,
a ponto de me fazer ouvir Neil gritando a meu favor.
Sigo a coreografia sem errar um passo sequer, apenas um pequeno deslize me faz prender
a respiração, mas não me impede de ficar de pé.
Esqueço tudo que um dia me amedrontou e foco em mim. Esqueço a ideia de voltar a ser
Íris e me determino a ser melhor, assim como fiz quando meu joelho ainda doía.
Eu vou ser melhor, e é por isso que vou levar a medalha para Miami.
Respiro fundo ao parar na ponta da trave. Me preparo para sair.
Ergo os braços antes de iniciar a corrida, emendo uma sequência de flic-flacs e lanço meu
corpo para fora da trave em um salto mortal duplo. A mesma sequência que fiz quando consegui
saltar pela primeira vez depois da lesão, na direção de Órion, ainda na RGA.
Meus pés cravam no tapete com força. Tão forte que sinto meus dedos doerem com o
impacto no estofado, mas ainda assim, um grito ardente rasga minha garganta quando levanto os
braços.
Estou tão viva que não perco muito tempo parada ali, e depois de completar a
apresentação, corro na direção de Neil que me espera com as duas mãos para cima.
Seguro-as, saltando em seu colo e ele me abraça com força.
— Estou orgulhoso de você, Coleman. Muito!
Ele me abraça de lado enquanto olhamos para os juízes, que sussurram com sorrisos nos
rostos. Minha respiração ofegante faz o peito doer, mas não me importo.
— Meu Deus! — grito e Neil me abraça com mais força.
7.500 do júri de dificuldade são somados aos 8.800 do júri de execução e a soma me
coloca em primeiro, ultrapassando duas da equipe japonesa.
— Meu Deus, meu Deus! — É tudo o que consigo dizer enquanto recebo os abraços das
minhas amigas.
No canto, encostado na arquibancada, Órion me encara com um sorriso divertido no
canto dos lábios e os olhos cintilantes. Talvez pelos refletores do ginásio, mesmo que seus passos
rápidos na minha direção me digam o contrário.
Órion me capta em seu abraço, me erguendo e me arrancando gargalhadas tão altas que
minhas cordas vocais doem.
— Minha Íris…
Ele sussurra antes de me pôr no chão novamente.
— Falta apenas o salto na mesa. — Alya sussurra, se aproximando de nós. — Ainda
estou em nono. Se continuar assim, não vou classificar.
— Se acalme, amiga. Você é perfeita nos saltos, vai conseguir. — falo, abraçando-a.
— Respire fundo, estrelinha. Você é a próxima.
Mas eu te prometo que sempre vou cuidar de você
É o que eu farei
Sei que eu estava errado
Não vou te decepcionar
É, eu vi faíscas
Sparks — Coldplay

CLASSIFICATÓRIAS INDIVIDUAIS POR APARELHOS


— Minha mãe ligou. — A voz de Alya me faz erguer a cabeça.
Ainda estamos no vestiário, as meninas estão se preparando para dar início às
classificatórias individuais por aparelhos, a última do dia, finalmente. A aproximação de Alya
me surpreende, tanto quanto seu imenso sorriso.
É claro que ela está feliz, já que se classificou em quarto lugar para as finais das
individuais gerais. Quase explodi em orgulho, precisei me conter para não abraçá-la, girá-la,
segurá-la em meu colo. E agora ela está diante de mim, com olhos marejados e um sorriso
adorável no rosto.
— E aí? — pergunto, me levantando.
— Ela está acompanhando a competição pela TV. Disse que está orgulhosa de mim. —
ela diz, quase como um choramingo. Alya se emociona facilmente com as demonstrações de
afeto da minha mãe, e agora, em um momento tão importante, a emoção é nitidamente maior.
— Ela sempre teve orgulho de você, pequena. — sussurro, me aproximando o suficiente
para que ninguém perceba. — E eu também.
— Eu… — Alya se agita e morde o lábio inferior como quem quer conter um grito.
É inevitável não sorrir diante dessa visão. Mais uma vez, entendo todos os motivos que
fazem Alya ser a minha pessoa favorita em todo o universo. Porque ela brilha. Ela sorri e brilha,
ela voa e me leva com ela. Mesmo com a distância, Alya não esqueceu de nós.
E por ela, eu não esqueci de quem eu era. Ainda restava um resquício do que fomos
quando éramos crianças e eu só guardei para ela. Quando eu tentava entender o meu caos, minha
irmã era a única coisa que fazia sentido.
— Ai, eu ´tô tão… — ela continua gaguejando e eu continuo sorrindo como um bobo.
Arfo quando ela abraça minha cintura. Seus braços me agarram com força, seu rosto se
enterra em minha camisa e eu experimento a mais intensa sensação de alívio. É o abraço que eu
espero há anos.
Alya nunca proferiu a decepção que sentiu quando eu fui para uma universidade distante
e a deixei sozinha, mas ela se afastou. Eu senti profundamente a sua falta, e ainda assim, quando
voltei, ela fingiu que tudo estava bem. Eu pedi perdão, e ela mudou de assunto.
Eu quebrei o coração da minha irmã quando a deixei sozinha com Vincent e me
martirizei todos os dias por isso. Tive medo de que ela me odiasse e vi meu mundo desabar
quando percebi que ela me apagou da sua vida, mudou o sobrenome e nunca mencionou um
irmão.
O alívio que percorre meu organismo me faz entender que, agora, diante de todos que nos
olham, Alya me perdoa. E eu sinto que vou desabar em lágrimas enquanto minha irmã suspira,
tranquilamente, em um abraço que eu ansiava por muito tempo.
Alya está finalmente me tirando do abismo em que eu neguei ser salvo.
Me abaixo o suficiente para abraçá-la de volta.
— Você me perdoa, estrelinha? — choramingo, afundando o rosto em seus cabelos
pretos.
O universo se expande quando ela assente e aperta ainda mais a minha cintura com seus
braços pequenos. Um pequeno soluço vindo dela me faz derramar uma lágrima que seca com o
contato com os fios de seu cabelo.
Consigo enxergar as estrelas do nosso céu. As estrelas que tatuei em minhas costas para
me lembrar dela, as estrelas da constelação que desenhei em meu ombro para lembrar que, minha
salvação sempre esteve com ela, guardada a sete chaves. Ela me entregou todas elas no momento
em que me abraçou.
Nunca me senti tão livre.
— Eu te amo, constelação. — ela sussurra contra minha camisa. Seguro em seu rosto
para fazê-la me olhar.
Nossos olhos se conectam, grudam uns nos outros como ímãs. Me reconheço dentro do
azul de suas orbes.
— Eu te amo, estrelinha. — sussurro de volta. — Eu nunca vou te abandonar, certo?
Nunca mais.
Anos doloridos saem dos meus ombros, o peso alivia, me sinto renovado por um único
abraço. Seguro em seu rosto para enchê-lo de beijos, como eu fazia depois de forçá-la a assistir
filmes de terror quando éramos mais novos.
Quando olho para o lado, finalmente me dou conta de que estamos no meio da equipe.
Perto de nós, Ashley nos encara com as sobrancelhas franzidas e braços cruzados.
— Certo, o que eu perdi? — ela pergunta e eu rolo os olhos.
Alya menciona se afastar, mas eu me recuso a passar mais um segundo sequer sem
abraçá-la. Puxo minha irmã de volta e ela se agarra na minha cintura.
Encostada em um dos armários, Íris nos olha com a boca coberta pelas mãos. Os olhos
castanhos estão arregalados e molhados.
Todos os olhares fazem meu rosto queimar. Merda, todos estão mesmo nos olhando.
— Nós somos irmãos, é isso. — falo, objetivo o suficiente para acabar com o assunto. Sei
que estou absurdamente vermelho pela expressão patética e adorável de Íris.
— Como assim? — Ashley grita.
— Alya Sparks Parsons… — Jennifer murmura e em seguida, vem o grito que me faz
encolher os ombros.
Escandalosas.
— Tudo faz sentido! — ela completa e Ashley franze o cenho.
— E Vivian é minha namorada. — Alya diz, me fazendo arregalar os olhos.
Vivian tem a mesma reação que eu. Por outro lado, Íris gargalha tão alto que um sorriso
surge em meus lábios.
— QUE PORRA VOCÊS ESTÃO FALANDO? — Neil grita, fazendo o silêncio inundar
o vestiário. — Por Deus, vocês estão prestes a entrar em mais uma etapa classificatória e estão
transformando tudo isso num caos. Como assim namorada?
— Na verdade, eu estou bem mais leve. — Alya se afasta, alongando o corpo. — Acho
que podemos ir.
— Lya está certa, quanto mais verdade, melhor. — Jenni se pronuncia. — Mais alguém
quer falar alguma coisa?
Vivian permanece encolhida, mas sorri quando Alya se aproxima e deixa um beijo em
sua bochecha.
Neil continua tão indignado quanto antes, mas rola os olhos e avança rapidamente para
fora.
E eu permaneço imóvel, ainda processando cada uma das minhas reações, tendo a certeza
de que estou sorrindo como um imbecil. Íris se aproxima e toca minha cintura.
— Você está bem? — Assinto. — Ei, — olho para Íris e, mais uma vez, caio aos seus pés
— eu amo vocês.
Alya para ao nosso lado, com a mesma expressão que estampa meu rosto. Ela olha para
Íris com admiração e quando seus olhos pairam em meu rosto, eu percebo o tamanho do que
estou sentindo.
Minha mãe sempre disse que nos amava — e eu nunca duvidei disso — mas ela se foi.
Eu a perdoo por isso, mas ela se foi. Jamais culparia Noelle por fugir do babaca que ela, um dia,
chamou de marido.
Íris nos entrega algo novo. Algo que nunca vi ou senti. Íris me dá a sensação de,
finalmente, ser amado. Ser amado além do que consideram um limite, a ponto de me deixar
minúsculo, como uma criança recebendo afeto pela primeira vez. Quando ela verbaliza o amor,
consigo senti-lo atravessar barreiras até chegar em mim.
Amar Alya me manteve respirando.
Amar Íris me mantém vivo.
E é por isso que eu capturo as duas em meus braços, apertando-as até que elas reclamem.
— Pelo amor de Deus, Órion. Eu preciso estar inteira. — Alya se desvencilha de mim,
alinhando o moletom da delegação.
— E quando isso finalmente acabar, iremos ao McDonald's mais próximo. — falo e Alya
bate palmas, animada, enquanto nos direcionamos para a saída.
Nunca senti tanta vontade de sorrir. Minhas bochechas doem e eu nem sabia que isso era
possível. Não sabia que era possível me sentir tão completo, não sabia que tinha a capacidade de
superar algo.
Eu vivi em modo automático e nem percebi.
Agora, sentindo tudo o que esteve preso dentro de mim, vejo que perdi longos anos.
Fazer o que amo era apenas questão de sobrevivência, talvez fosse o único fio que restava para
me manter são.
Vincent me fez acreditar que seria uma galáxia inabitável para sempre. Me reduziu a pó,
me deixou completamente perdido em uma órbita caótica que me deixava menor a cada dia. Ele
sequer me permitiu sentir dor, eu sumi tão rapidamente que descobri que, não sentir nada é ainda
pior.
Íris tirou a mão de Vincent do meu pescoço.
Ela acariciou minhas feridas, fechou cada uma delas. Beijou cada marca, fez nascer novas
estrelas.
Iluminou meu caos, me arrancou do buraco negro.
Eu achava que tinha feito ela voltar a saltar, guiei seus passos nas sessões até que ela
tivesse coragem para pisar com firmeza. Na verdade, Íris estava segurando minhas mãos para me
mostrar novas galáxias.
Íris foi meu primeiro suspiro. Não só de alívio, mas de vida.
Acompanho as duas para fora e Neil nos chama com a mão, antes de finalmente pisarmos
nos tablados.
— Nós estamos em todas, meninas. E agora tem mais uma chance de irmos para as finais.
— Neil sussurra dentro da roda formada no canto do ginásio. — Agora, eu preciso que vocês
estejam concentradas, esqueçam o mundo lá fora, foquem aqui. Já está acabando e eu prometo
que amanhã deixo vocês descansarem pelo tempo que quiserem.
As meninas murmuram em aprovação.
— Eu sei que a presença de Sarah está incomodando vocês. — falo e Neil prende a
respiração. — Sei que os olhares provocadores estão desconcertando vocês, ou deixando com
raiva. Por muito tempo, Sarah foi realmente importante para vocês, mas infelizmente acabou. Foi
um fim doloroso, ainda está machucando, mas precisa acabar. Vocês precisam ser maduras,
ignorar a existência dela. Não vençam para provocá-la, ou provar que ela estava errada, vençam
porque são boas e merecem, certo? Porque essa é a realidade. Vocês são as melhores,
independente das medalhas. — Direciono o olhar para Ash e Jenni. — Sei que a eliminação foi
dolorida, mas vocês ainda são as melhores e eu espero muito que saibam disso. E é por isso que
vocês devem subir ali tranquilas, vocês não precisam provar nada para ninguém, apenas façam o
que amam. Sintam cada segundo, não percam absolutamente nada. Agarrem o que puderem, mas
esqueçam Sarah, esqueçam a RGA, façam por vocês, certo?
— É por isso que você nunca fala, não é? — Jenni pergunta. — Quando fala, fala bonito.
— Exatamente, o melhor fica pro final. Por isso, Neil sempre é o primeiro a falar.
— Ah, pronto, não pode elogiar uma vez. — Alya reclama, se afastando.
O treinador revira os olhos e desfaz a roda, contendo um sorriso ao se afastar.
— Vamos logo com isso! — Neil bate palmas, satisfeito.
Antes de finalmente entrar em fila para serem apresentadas, — pela terceira vez em um
dia — Íris me abraça e eu deixo um beijo em seus cabelos penteados. As bochechas ainda estão
com todo aquele glitter grudado, mas me abaixo para beijá-la mesmo assim.
— Boa sorte, loirinha. — sussurro. — Vença essa porra e mais tarde eu cuido de você.
— É um ótimo incentivo. — Ela dá de ombros e se afasta, dando saltinhos.
Meu coração acelera no peito quando as luzes piscam e anunciam que elas devem entrar.
Lá vamos nós…
De novo.

— Eu vou surtar. — murmuro e, para meu azar, Neil escuta.


Ele se aproxima, mas sem tirar os olhos do centro do ginásio.
Elas estão lado a lado, na beira dos tablados. Perto o suficiente para vermos as duas com
perfeição.
As apresentações nos aparelhos começam simultaneamente, os únicos que são individuais
são os solos, que acontecem nos intervalos entre um aparelho e outro. Todos os solos já
acabaram, e agora só resta um aparelho para cada atleta no tablado. Duas japonesas, duas
americanas, divididas em dois aparelhos.
Íris e Alya.
Puta merda, eu vou desmaiar.
Ambas as colocações estão disputadas, por pequenos pontos que podem fazer uma atleta
do oitavo lugar subir para segundo. Pequenas diferenças que me fazem estremecer, pois da
mesma forma que elas podem atingir o topo, elas podem ser desclassificadas. Íris precisa se
classificar nas barras assimétricas, e Alya nas traves para que estejam juntas nas finais de ambos
aparelhos.
Vivian e Ash já estão classificadas para as finais do salto na mesa, Jennifer se classificou
em primeiro no solo. Agora, Íris e Alya estão cara a cara com os aparelhos.
Sinto o sistema nervoso se descontrolar quando anunciam que a apresentação irá
começar.
Nem mesmo sei para onde olhar.
Vejo Íris subir na barra menor e dar o primeiro giro. Do outro lado, Alya corre na direção
da trave e sobe com um único impulso.
O estômago revira. O gosto de bile me deixa incomodado.
Sentir demais nem sempre é bom. A sensação de nervosismo é péssima, principalmente
envolvendo duas pessoas que amo e seus sonhos.
Há um tempo, eu certamente estaria escondendo meus sentimentos, escondido atrás de
alguma pilastra ou no fundo do ginásio. Agora, assistindo as duas pessoas que mais amo no
mundo, sinto que nada seria capaz de minimizar o que sinto.
E eu sinto que estou prestes a explodir.
Dou alguns passos para trás, na tentativa falha de enxergar as duas ao mesmo tempo, mas
tudo que vejo é uma acrobacia extremamente perigosa de Alya, que gira rapidamente em cima da
trave sem cambalear uma única vez. Ao mesmo tempo que Íris voa para a barra maior em um
mortal, agarra a barra com força e faz uma reversão tão rápida que me deixa tonto.
— Eu acho que vou desmaiar de nervoso. — Jenni murmura entre nós.
Vivian sequer se move, seus olhos estão presos em Alya.
Neil não se atreve a olhar para o ginásio e cobre o rosto a todo momento.
Íris salta para a barra menor e faz diversos movimentos cruzados com os braços, trocando
de posição, mantendo o corpo perfeitamente alinhado em cada movimento. Do outro lado, Alya
faz saltos na trave e faz uma sequência perfeita de flic-flacs sem as mãos até chegar na ponta
esquerda da trave.
De alguma forma, os movimentos das duas parecem se encaixar. Elas estão em perfeita
sincronia, e é por isso que eu mordo a palma da mão quando os impulsos dos giros de Íris se
tornam maiores, quando Alya respira fundo e ergue os braços.
— Elas vão sair juntas. — Ashley choraminga e se encolhe no chão, olhando as amigas.
Íris dá um giro carpado perfeito, Alya salta pela trave e faz uma sequência de estrelas sem
as mãos até chegar ao fim, quando faz um flic alto e sobe, em um salto duplo carpado.
Elas caem em câmera lenta e eu sinto meus olhos arregalarem na mesma velocidade. O ar
em meus pulmões acaba.
As duas cravam o salto e os gritos são simultâneos. A pose final é idêntica, como duas
estrelas gêmeas.
Elas comemoram alto, sem esconder dos juízes que sabem que foram perfeitas, e antes de
correr para nós, elas correm uma para a outra. Íris e Alya se abraçam tão forte que posso senti-las
abraçar minha alma junto. A conexão é tão intensa que a aura salta para fora delas, em uma
explosão estelar vista a olho nu.
— Elas conseguiram? — Neil grita ao ouvir as comemorações das garotas. — Elas
conseguiram!
Íris e Alya correm até nós de mãos dadas, e o silêncio volta a pairar na equipe.
Preparadores, treinadores, acompanhantes. Todos ao nosso redor, vindos da RGA, estão
tremendo juntos. Os juízes de cada bancada levantam os resultados juntos, o que faz que todos
olhem, simultaneamente, para o telão de resultados, que exibe a soma final da classificação.
Minha namorada se esgueira discretamente até mim, e ainda abraçada a minha irmã, ela
esconde o rosto em meu tronco.
— Íris Julianne Coleman, 15.600 pontos.
— Alya Sparks Parsons, 15. 700 pontos.
Os quadros de classificação surgem simultaneamente e quando vejo os nomes das duas
subindo para o topo, não hesito em agarrá-las em meu abraço.
Íris terminou em segundo lugar nas barras assimétricas.
Alya terminou em primeiro lugar nas traves de equilíbrio.
— Estamos nas finais? — Íris pergunta, com os olhos marejados e olha para mim.
— Estão, meu amor. Vocês estão! — respondo, girando-a em meu abraço.
Depois de, finalmente, soltar Vivian, Alya corre até mim e em um único salto, ela está em
meu colo. Aperto a minha irmã com toda força que consigo, ouvindo-a soluçar contra meu
pescoço.
Giro para que ela gargalhe e quando atinjo meu objetivo, a coloco no chão e seguro seu
rosto.
— Como é bom te ver brilhar, Sparks! — falo e um sorriso rasga suas bochechas.
— Como é bom te ver, Sparks! Te ver é lindo e eu te amo! — ela diz, voltando a me
abraçar.
Apenas pare de chorar
Vai ficar tudo bem
Eles me disseram que o fim está próximo
Temos que sair daqui
Sign Of The Times — Harry Styles

Sinto o coração batendo cada vez mais forte à medida que encaro o celular, esperando
que alguém me atenda. A chamada de vídeo abre diretamente na minha câmera e encarar meu
semblante aflito me dá náuseas.
Aperto a estrela que enfeita meu colo, em busca de calmaria.
— Minha princesa! — A voz suave, mas animada, da minha mãe me faz soltar o ar,
aliviada. — Meu amor, como estou feliz!
— Oi, mamãe! — respondo, sem conseguir esconder o alívio que sinto ao vê-la abraçada
ao papai. Ambos com expressões emocionadas que me fazem feliz. — Oi, papai.
— Minha campeã!
— Pai, eu ainda não ganhei. — rio.
— Exatamente, ainda. Sua apresentação foi linda, filha! Eu quase desmaiei vendo você,
não me faça passar tanto nervoso!
Dou mais uma risada baixa. Não consigo me lembrar da competição ou dos motivos que
me deixaram nervosa, não lembro da final ou de tudo que senti. Só consigo me concentrar na paz
que me consome ao vê-la viva, e sorrindo.
Estar tão longe sempre me deixa aflita. Todas as ligações e todas as vezes que ela demora
a me atender me causam angústia.
— A senhora está bem, mãe?
— Estou, filha. Mais um dia de quimio, mais um dia cansativo, mas nada fora do comum.
— A senhora está linda, tia! — Jenni se joga ao meu lado, na cama e exclama ao ver a
minha mãe.
— Mais do que nunca! — Vivian completa ao se acomodar do outro lado. Fico entre as
duas, que sorriem para a minha mãe.
— Meninas, estamos orgulhosos de vocês! — meu pai diz e em questão de segundos,
todas estão acomodadas em cima de mim.
— É verdade! Vocês estão incríveis!
— Estamos sentindo falta de vocês aqui. — Alya choraminga.
Meus pais sempre marcaram presença em nossas competições, já que os pais de Jenni e
Ash não moram nos Estados Unidos e a mãe de Vivian é sempre muito ocupada. Bom, os pais de
Alya dispensam comentários.
As meninas se acostumaram em vê-los com faixas, roupas com as cores da academia e
discursos motivadores. Estar distante deles em momentos como esses é extremamente incomum
e me deixa com o dobro da saudade que já estou sentindo.
— Estamos aí com o coração, meus amores!
— Mãe, a senhora está se cuidando? Por favor, não se estresse tanto com a competição.
Minha mãe revira os olhos, fazendo as meninas rirem.
— Íris está certa, tia. Nos preocupamos. — Ash diz, fazendo sentir raízes de uma família
grudarem em mim conforme elas se amontoam em meu corpo pra enxergar a minha mãe na
câmera do celular.
— Agradeço a preocupação, meninas, mas estou bem. O nervoso é normal, minhas
meninas estão competindo, é impossível ficar tranquila diante de tudo isso.
Respiro fundo, ansiando por um abraço da loira do outro lado da tela.
— Estou cuidando dela, fiquem tranquilas. — Meu pai se pronuncia.
— Promete que terão biscoitos de chocolate quando voltarmos, tio? — Jenni choraminga
como uma criança e meu pai gargalha.
— Vocês são tão abusadas! — resmungo e elas me ignoram.
— Voltem com medalhas e conversaremos sobre o assunto. — Meu pai sussurra ao se
aproximar do celular. — Agora, aproveitem o dia de folga! Mandem fotos!
— Vou mandar! Se cuidem, por favor! — Quase imploro, sentindo que deixei meu
coração em Miami. — E qualquer coisa, me liguem imediatamente.
— Você está sendo mais chata que eu. — Minha mãe resmunga, me fazendo rir. —
Mande um beijo para o Órion! Amo vocês!
Minha mãe desliga antes de eu dizer que a amo, e sei que foi de propósito, já que
certamente não me aguenta mais perguntando se tudo está bem. Assim como o Dr. Caldwell e
Vick, que sempre recebem mensagens minhas para me certificar de que está tudo certo com a
minha mãe.
Vick avisou que ficaria em Miami até o fim das Olimpíadas para se certificar de que tudo
ficaria bem com a minha mãe, assim como Apolo que também disse que me avisaria se
precisasse de algo.
Neil nos deu folga depois das classificatórias, deixando bem claro que amanhã
voltaremos para os treinos das finais, que acontecerão logo depois. O tempo parece diferente
para quem compete.
Assistir pela televisão é bem diferente. Os Jogos parecem durar mais de um mês, o clima
é tão animado que parece que curtimos as Olimpíadas por muito tempo, nunca notei o quão
rápido o tempo passa.
As finais foram divididas em três dias, um para cada modalidade, e começam logo depois
de amanhã. Pensar nisso me faz sentir os nervos aflorarem. Meu coração acelera até que eu
consiga senti-lo na minha garganta.
— Nossa, ela está muito melhor, amiga! — Ash diz quando desligo o telefone. — E
você? Está mais calma com tudo isso?
— Estou tentando… Ela está mesmo evoluindo, mas o medo é constante. Tudo pode
mudar do dia pra noite. — falo, me encolhendo e Alya suspira.
— Nada vai mudar, ela vai continuar evoluindo.
— Exatamente, e que bom que você está mais tranquila. — Jenni completa.
— As sessões com a Gabriella ajudam muito. — confesso e percebo que chamo a atenção
de todas.
Nos ajeitamos no pequeno colchão até estarmos todas confortáveis e juntas. Existem
cinco camas e nós estamos sempre sufocadas em uma só. O enorme quarto da delegação permite
que a gente tenha o máximo de conforto.
Apoiada em mim, Ash ergue o olhar, curiosa.
— Estou cogitando começar terapia também. — ela diz.
— Eu acho ótimo, por pouco eu não fui. — confesso. Precisei de muitos dias com Órion
me atormentando para finalmente tomar coragem.
— Eu também preciso, estou tendo muitas crises de pânico. — Vivian murmura e Alya a
abraça como pode. — E eu quase tive outra quando achei que seria desclassificada nas barras.
— Acho que todas nós precisamos. — Jenni se pronuncia. — Não só pela competição,
que já é intensa e fode nosso psicológico o suficiente, mas por problemas internos também. Eu
ainda não aprendi a lidar com a falta do meu pai.
— Eu não aprendi a lidar com a existência do meu. — Alya diz, quase que em um
sussurro.
— Achei que vocês não se falavam. — Ash toca a mão da minha melhor amiga.
— Não nos falamos e isso dói. — ela confessa, fazendo Vivian retribuir o abraço. — É
destruidor saber que meu pai mora na mesma cidade que eu, trabalha num hospital próximo, está
sempre com um celular na mão e é incapaz de me ligar pra saber se ainda estou viva.
— Perdão, amiga, mas eu jurava que você preferia assim. — Jenni diz e eu assinto
discretamente.
Alya abaixa o olhar e seus dedos se agitam, indicando seu nervosismo.
— Agora eu prefiro, ele me machucou muito, mas às vezes sinto falta de ter um pai. Ele
costumava me amar, sabe?
Sinto o coração despedaçar e, em questão de segundos, todas estamos abraçando Alya.
— Sei que não é a mesma coisa, mas nós te amamos. — falo e com seus pequenos
braços, ela tenta abraçar a todas nós.
— Não é a mesma coisa, é muito melhor.
Permaneço colada em Alya e nas minhas amigas, me concentrando no calor familiar que
me cerca.
As sessões com Gabriella são realmente essenciais, mas ainda não descobri como vou
lidar com o pânico que sinto ao me lembrar que dei um tapa em Sarah, e com tudo que ela me
disse. Ainda não sei como vou explicar isso para Gabriella.
Não sei se ela vai me entender, ou se vai me julgar. Pode até mesmo contar para Neil e
ele pode me expulsar da academia.
Tanta coisa pode acontecer por conta da minha instabilidade emocional. Sarah me deixou
tão fraca, e reconhecer isso me faz ver que estou dando a ela tudo o que ela sempre quis:
controle.
Merda.
Os momentos de fraqueza duram muito mais do que as horas em que me sinto forte.
— Podemos fazer alguma coisa hoje? Explorar Paris, o que acham? — Alya pergunta, me
despertando.
Jenni faz uma dança desengonçada e se levanta rapidamente.
— Vou me arrumar! — ela cantarola, indo na direção das malas.
Risadas ecoam pelo quarto, meu coração se acalma minimamente.
Posso até ser fraca, mas os momentos em que me sinto amada são muito mais constantes
do que o pavor que Sarah tenta me fazer sentir.

— Esse é o melhor sorvete que eu já tomei. — Jenni resmunga, enchendo a boca com
mais sorvete.
— É gelatto, sua burra! — Ash exclama, engolindo mais sorvete e me fazendo rir.
Minhas pernas doem de tanto que andamos. Visitamos os pontos turísticos mais
próximos, todos os que vimos enquanto passávamos pelo Rio Sena durante a cerimônia de
abertura. Minha galeria do celular quase explodiu enquanto estávamos no Louvre e na Torre
Eiffel.
Assim como a de Órion, que recebeu mais da metade de todas as fotos que fiz.
Da mesma forma que minhas pernas doem, minhas bochechas também estão dormentes,
já que passamos a tarde gargalhando.
A exaustão deu espaço para um pouco de alívio e felicidade, e mesmo que esteja indo
para uma das etapas mais difíceis da minha vida, sinto que carreguei as forças e estou pronta.
Termino meu gelatto antes de finalmente atravessarmos a rua que nos leva até a Vila
Olímpica. O lugar foi perfeitamente equipado para os atletas, já que além dos dormitórios e
espaços de alimentação, também existem áreas específicas para treinamentos, como academias e
pequenos ginásios prontos para diversas modalidades dos Jogos.
A Vila Olímpica é gigante e eu sinto que vou me perder todas as vezes que piso no
terreno.
É um clima extremamente confuso, já que enquanto atletas comemoram classificação,
outros buscam silêncio por já estarem fora.
É caótico e lindamente emocionante.
— Ah, pronto, lá vem a doente. — Ash resmunga e quando ergo o olhar, me deparo com
Sarah.
Seu semblante presunçoso me faz estremecer.
Eu poderia até tentar ignorá-la e sair o mais rápido possível, mas a cada passo que ela dá
em nossa direção, eu me vejo sem saída.
Estou sufocando. De novo.
Agarro o pingente em meu pescoço com força, e as pontas da Polaris afundam em minha
mão.
— Eu ouvi o que disse, Ashley. — Sarah cruza os braços e eu recuo um passo, batendo
com as costas no braço de Alya.
— Ah, que bom, assim não preciso repetir.
Jenni segura um riso e eu tento me conter para não cair no choro.
Ou acertar esse maldito rosto mais uma vez.
— Quando se tornaram tão atrevidas?
— Gostava mais quando éramos imbecis submissas, não é? — Jenni cruza os braços,
imitando-a. Eu vou vomitar a qualquer momento.
— Não eram submissas, eram doutrinadas. E eram muito melhores quando eu estava na
equipe.
— Sarah, você sabe que nunca influenciou em nada no nosso treinamento, não é? — Me
encorajo para falar. — Neil é nosso treinador. Você era só a fisioterapeuta, você cuidava só do
nosso condicionamento físico. Você nunca influenciou em uma acrobacia sequer. Não sei de
onde tirou que dependemos de você pra alguma coisa.
— Então, você decidiu abrir a boca… — ela cantarola. — Sempre dependeram de mim,
se fosse por Neil, vocês seriam moles. Eu incentivava os treinos, eu não deixava que tivessem
folgas exageradas que tirariam o ritmo de vocês. Sem o condicionamento físico que estabeleci
pra vocês, não teria nenhuma acrobacia decente, ou se esqueceu disso?
— Isso aí qualquer fisioterapeuta faz, Sarah. Não é uma especialidade sua porque você
não é especial. Não tem nada em você além do básico. — Alya diz, enfrentando-a. — Sabe o que
você é? Uma maluca obcecada. Suas atletas estão no topo da classificação e você está se
preocupando conosco? Nós estamos muito bem sem você.
Sarah força uma gargalhada que me dá ânsia. Enquanto minhas amigas avançam para
enfrentá-la, no meio da Vila Olímpica, eu permaneço imóvel, completamente apavorada. Dando
razões para que ela diga, mais uma vez, que sou uma covarde.
Covarde, fraca e minúscula.
— Ah, eu vi como estão melhores sem mim. Vivian não consegue segurar a barra sem
falhar — minha amiga se encolhe — e por sorte não foi desclassificada. Alya não consegue
acertar o salto no fim do solo de jeito nenhum, sempre sai do tapete. E eu me lembro bem que
você acertava quando tinha minhas orientações sobre equilíbrio. Ashley, você é desequilibrada.
Já se viu na trave? Está sempre cambaleando. Jenni é tão instável na vida quanto em qualquer
aparelho. E Íris… Você é fraca, sua mente é fraca e isso transparece em todos os seus sal…
— Cala a porra da boca! — grito, sentindo o rosto queimar.
— O que está acontecendo aqui? — A voz de Neil faz minha garganta arder.
Atrás do meu treinador, Órion e Gabriella se aproximam às pressas. Sarah rola os olhos
ao vê-los e minhas amigas permanecem em completo silêncio.
Sinto todo meu corpo formigar. Cenas onde eu puxo seus cabelos e acerto seu rosto
diversas e diversas vezes me fazem piscar rapidamente para que eu desperte.
— Essa doente não nos deixa em paz! — Jenni exclama. Seu rosto está ruborizado, a
respiração acelerada e eu preciso segurar seus dedos para que ela não avance.
— Eu não falei nada além da verd…
— Tudo o que você considera verdade é maluquice. Invenção. Você é completamente
descontrolada, Sarah. — Órion diz, se aproximando.
— Eu sou a descontrolada? — Sarah ri. — Só estou fazendo o que sempre fiz, apontando
os erros para que elas consertem.
— Te faz uma grande intrometida e egoísta, por estar usando da sua sujeira para
desestabilizar cinco meninas no momento mais importante de suas vidas. Você tem noção do que
está fazendo? Do quanto isso é cruel? — Gabriella se pronuncia. — Como você consegue dormir
em paz? Você está sim, completamente descontrolada!
Uma lágrima corta meu rosto e eu largo a mão de Jenni para abraçar meu corpo cansado.
Esse tormento me acompanha em todos os segundos da minha vida e eu sinto que nunca mais
vou estar livre.
— Não sou a descontrolada da situação… — Engulo em seco, e ela direciona o olhar
para mim.
Merda, merda, merda.
— Coleman, por que não conta o que…
— Sabe o que pode acontecer se eu disser que você está perseguindo atletas de outra
delegação durante os Jogos, Sarah? — Órion a interrompe. O ar se acumula na minha garganta e
eu sinto que vou explodir a qualquer momento.
— Exatamente, o que está fazendo é perseguição. Ou você acha que eu não vejo você
encarando elas durante a competição? E que eu não vi você rondando a Íris? — Neil dá um passo
na sua direção. Os dois estão cara a cara e estou prestes a desmaiar, ou sumir para dentro de
mim. — Só vou te dar um aviso, Sarah. Deixe as minhas atletas em paz, ou eu não vou hesitar
em ir até o Comitê Olímpico para contar tudo o que está fazendo.
Evito olhar para os lados para não cair no choro, já que ouço um soluço vindo de Ashley
e consigo sentir o tremor no corpo de Alya. O suor escorre pela minha testa e eu já não tenho
mais controle da minha respiração. Tudo o que faço é permanecer imóvel, sem qualquer reação
que entregue a besteira que fiz — ou a que estou prestes a fazer.
— Não sou a única que tem queixas a fazer ao Comitê Olímpico, Neil… — Sarah
cantarola e balança os dedos em um “tchau” debochado. — Até as finais.
Ouço Jenni soltar o ar quando Sarah se afasta. Vivian liberta um gemido doloroso quando
Alya abraça a sua cintura. Ashley resmunga uma sequência de palavrões incompreensíveis.
Eu estou completamente perdida.
— Vocês estão bem? O que ela disse?
— Por favor, não me faça repetir tudo aquilo… — Vivian pede e Alya a abraça com mais
força.
Órion avança até mim rapidamente e seu perfume me envolve antes mesmo do seu
abraço. Quando o sinto apertar meus ombros, afundo o rosto em seu peito e abraço sua cintura.
— Eu não aguento mais. — sussurro e ele beija o topo da minha cabeça.
— É difícil, mas vocês não devem ligar pro que ela diz. — Gabriella se aproxima,
tocando meu ombro e puxando Vivian calmamente, para que ela levante os ombros. — Se vocês
fraquejarem por causa disso tudo, estarão dando exatamente o que ela quer.
— Ela usou dos nossos pontos fracos, Gabi… — choramingo.
— Estamos a dois dias da final, e eu me sinto completamente errada. — Jenni abraça o
próprio corpo e Neil é rápido em capturá-la em seus braços.
— Meninas, seja lá o que ela tenha dito, por favor, não deixe que isso afete vocês. Sarah
não é importante, muito menos o que ela diz. Ela sabe que é mentira, usa disso apenas para
distrair vocês. Ela usou os pontos fracos de vocês justamente para tirar o foco da competição. —
ele diz, tentando nos confortar.
— Vou ter uma conversa com os diretores da Liga assim que isso acabar. — Gabriella
avisa e eu me encolho, sabendo que Sarah vai dizer o que fiz. — Não vou fazer isso no meio das
Olimpíadas, para não prejudicar vocês, nem as meninas do Japão, elas não tem culpa. Mas com
certeza precisam saber que estão lidando com uma profissional abusiva e manipuladora.
Tento pedir para que Gabriella não faça isso, pois com certeza vou ser exposta, mas
Órion me impede ao sentir o tremor em meu corpo e me abraça com mais força.
— Precisam mesmo saber para que isso não aconteça com outras atletas. — Órion diz e
se aproxima de Lya para deixar um beijo em sua testa.
Não sou capaz de desgrudar do seu corpo. Não sou capaz de proferir qualquer palavra.
Nesse momento, sinto que sou incapaz de respirar.
— E agora, eu quero falar com todas vocês. — Gabriella avisa, apontando para nós. —
Uma de cada vez, na arquibancada do ginásio norte. Está vazio e eu quero ouvir tudo de vocês,
nem que isso nos deixe acordadas a noite toda. Ok?
Assentimos em sincronia.
Estou completamente destroçada e Sarah ri da minha desgraça.
As medalhas se afastam dos meus sonhos.
Porque eu tenho um coração negro
E tem um furacão por baixo disso
Tentando nos manter separados
Eu escrevo com uma caneta de veneno
Mas essas químicas se movendo entre nós são as razões para recomeçar
Jet Black Heart — 5 Seconds of Summer

FINAIS EM EQUIPES
Esfrego as mãos enquanto espero elas descerem.
Todo o time já espera na van, transbordando em ansiedade pela primeira das três finais
que estaremos. Além da ansiedade, o nervosismo me atormenta desde a maldita tarde em que
Sarah decidiu acabar com o restava da sanidade de todos nós. A competição, por si só, já é
estressante a ponto de me tirar o sono, agora tenho pesadelos onde Íris desiste e Alya se afunda
ainda mais.
Coleman mal fala desde o encontro. Depois que saiu da sessão emergencial com
Gabriella, ela apenas pediu para dormir em meu quarto e não proferiu uma palavra sequer,
mesmo que eu conseguisse ouvir todo o tormento que gritava em sua mente.
Minha irmã se recusou a falar. Ela sinalizou que ia para o quarto, pegou a mão de Vivian
e sumiu. Não consigo imaginar o que pode acontecer se elas não conseguirem, pelo menos, uma
medalha.
Estremeço só de pensar.
Por isso, abro um sorriso quando elas finalmente surgem em meu campo de visão. Íris
esconde as mãos nos bolsos e força um sorriso para mim.
— Oi, loirinha.
Dou alguns passos para alcançá-la, mas paraliso ao ver Alya arregalar os olhos. Minha
irmã não avança mais, ela trava e eu posso vê-la prender a respiração. É como se ela tivesse visto
uma assombração e quando Íris tem a mesma reação, viro o corpo na direção da entrada.
— Tira ela daqui. — ordeno para Íris, apontando para Alya, sem tirar os olhos do maldito
que eu enxergo ao me virar.
Um verdadeiro fantasma.
Ele nos encara com um sorriso falso nos lábios. As mãos estão cruzadas atrás do corpo.
Minhas pernas formigam, mas ainda assim, avanço na sua direção. Cada músculo do meu corpo
reclama da aproximação e eu sinto que vou perder o controle quando ele ergue as duas mãos.
— Que porra você está fazendo aqui? — pergunto, em um tom baixo o suficiente para
que apenas ele me escute. Ele continua com as mãos erguidas e encolhe os ombros.
Sua reação me faz desejar quebrar a sua cara.
— Eu vim ver os meus filhos.
— Vai embora. — rosno. Minha garganta dói. Vincent dá um sorriso de canto e acena
para Alya.
Minha irmã continua paralisada e Íris ainda tenta afastá-la. Sua pele — já branca — se
torna pálida. Não há qualquer reação no rosto da minha irmã e isso faz com que o chão se abra
abaixo dos meus pés. Quando Íris finalmente consegue arrastá-la para a outra saída da sede,
Vincent franze o cenho.
— Vai. Embora.
— Eu tenho o direito de estar aqui, eu comprei os ingressos. E Alya é minha filha.
— Você é um filho da puta! — quase grito e preciso engolir em seco para não me
descontrolar.
— Olha como fala, Órion.
— Minha irmã não precisa de você. Vá embora, não piore as coisas.
— E ela precisa de você? — Seus olhos azuis encontram os meus e nossas galáxias
entram em combustão. — Pelo que sei, Alya nunca precisou de você, caso contrário não estaria
onde está. Você diz que eu a abandonei, então você não fica muito atrás, hum?
A queda é ainda mais dolorosa do que eu pensei.
Arranca o ar, cega os olhos, deixa os órgãos incapazes de funcionar. Faz a mente se
tornar um grande caos.
A realidade me faz despencar ainda mais, e me dá choques para que a anestesia da
confusão passe. Eu mereço sentir cada segundo da dor, e o universo deixa isso claro quando faz
Vincent sorrir ao notar minha vulnerabilidade.
Se antes meu corpo me proibia de sentir cada uma das feridas causadas por ele, hoje a
culpa me obriga a sentir cada uma delas se abrindo. Rasgando minha pele, fazendo sangue jorrar
para todo lado. Meus demônios escapam, atacam a todos, me sufocam até que eu queira morrer.
Cada pequeno centímetro do meu corpo reclama, minha pele se lembra dos tapas de
Vincent e eu volto ao passado em um looping torturador. A cicatriz em meu ombro, coberta pelas
tatuagens, arde como o fogo do inferno.
Não há tatuagem que possa me salvar desse tormento.
— Não, Alya não precisa de ninguém. — finalmente respondo. — Não precisa de mim,
muito menos de você. Minha irmã precisa de paz e tranquilidade. Ela está vivendo o momento
mais importante da vida dela e você deveria saber que sua presença inesperada ia desestabilizar
ela.
— Foi apenas uma surpresa, logo ela supera. — Ele dá de ombros. — Quero falar com
ela, me desculpar e desejar sorte.
— Não se aproxime da minha irmã. — Dou um passo na sua direção. Estou cara a cara
com Vincent e ele rouba todo o meu ar. — Você viu o estado que ela ficou.
— Isso é drama.
— Drama o caralho! — esbravejo. — Você destruiu a nossa família, Vincent. Você
destruiu um por um. Nós somos restos tentando nos reconstruir e consertar a merda que você fez.
E a minha irmã está indo muito bem nessa tarefa, — puxo o ar mais uma vez e quase engasgo —
mas eu não ligo. Não ligo se você quer me quebrar de novo, não ligo se você quer me deixar em
frangalhos, se você quer apagar o que sobrou da minha alma, mas deixa a minha irmã em paz.
O tom da minha voz aumenta e minha garganta dói.
— Eu já disse que quero me aproximar e me desculpar, Órion! Sei de tudo o que fiz e do
quanto machuquei vocês, e agora eu quero me redimir.
Uma lágrima molha meu rosto e ele tenta se aproximar para secá-la, mas recuo um passo.
— Não encoste em mim. — Pressiono os olhos e sinto ânsia ao abri-los novamente e
ainda me deparar com a personificação dos pesadelos que me atormentam. — Você só está aqui
pelos holofotes, mas esses holofotes pertencem unicamente a Alya. Você não tem mérito, não
tem colaboração, não tem o mínimo de participação nas conquistas da minha irmã. Você não
merece estar aqui.
— Você merece tanto quanto eu, Órion. — ele sussurra e eu engulo em seco. — Vocês
deixaram a sua irmã de lado quando decidiram se rebelar contra mim. Ou você não se lembra de
que Noelle também abandonou os filhos?
Fecho os punhos ao ouvi-lo falar sobre minha mãe.
— Você foi embora, Noelle foi embora e eu fiquei com Alya. E ela sentiu sua falta todos
os dias, até ver que o irmãozinho perfeito dela é mais parecido com o pai do que imagina. A
diferença é que você tenta fingir ser bom, o que te torna ainda pior. Você é uma farsa. — Piscar
os olhos faz com que lágrimas caiam. — Você faz com que acreditem em você e depois as
abandona. Você é uma versão pior de mim, Órion.
O ar some dos meus pulmões, tento puxá-lo mas é completamente impossível.
— Isso mesmo, Vincent. Me dê o seu pior, eu já disse que não me importo. Eu me
acostumei a não ter um pai, me acostumei a ter um monstro. Os demônios que atormentavam
meus sonhos tinham a sua cara, a sua voz e a sua mão quando decidia me bater. Eu não me
importo, eu estou acostumado com a sua crueldade. Então, faça o que quiser. Fale o que quiser,
eu aguento.
Vincent rola os olhos.
— Mas deixe a minha irmã fora disso. Você pode falar tudo o que eu já sei sobre mim e
sobre você. Alya me perdoou e não há nada no mundo que vá me fazer desperdiçar esse perdão,
e isso envolve defendê-la com unhas e dentes da sua tentativa de se aproveitar do sucesso dela. O
que significa que, se por algum acaso, minha irmã perder alguma de suas medalhas por
nervosismo e desconcentração, eu juro que vou te caçar até no inferno. Não é blefe, muito menos
uma ameaça. Eu esqueço que você é meu pai e que um dia eu te amei. Eu esqueço toda a
covardia que fez eu deixar você me destruir, eu esqueço tudo e acabo com a sua vida. Você não
vai quebrar a única coisa que me restou.
Desde o último dia que me agrediu, essa é a primeira vez que permito que ele me veja
chorar. Meu autocontrole se esvaiu no momento em que vi pânico nos olhos da minha irmã.
E essa é, verdadeiramente, a pior versão de mim, e deixar que ele a veja me deixa ainda
mais enfraquecido.
— Sua pose de durão não me convence. Eu te conheço como a palma da minha mão, meu
filho. — Cubro a boca com o dorso da mão para abafar um soluço, e sou rápido para secar mais
lágrimas que insistem em descer. — E eu sei que, no fundo, você é o mesmo menino assustado e
fraco que implorava para que eu ficasse no quarto até conseguir dormir porque estava com medo
da porra do escuro.
Ele tem razão.
— Chega, Vincent! Suma daqui e deixe a minha irmã em paz. — repito.
— Eu vou, apenas porque não quero que a minha filha se prejudique com isso, mas avise
que irei procurá-la quando essa competição acabar. — Vincent põe as mãos nos bolsos e encolhe
os ombros, como se fosse a maldita vítima dessa história. — Espero que fique bem também, e se
dê conta de que todo esse estrago não foi causado apenas por mim.
Vincent se afasta antes que eu possa reforçar que torço para que ele vá para o inferno.
Engulo a vontade de chorar e corro na direção dos ginásios, para onde vi Íris levar a
minha irmã. Minhas pernas se movem em modo automático, já que não tenho força o suficiente
para ordenar que meu corpo faça algo. Não tenho forças para absolutamente nada, mas continuo
procurando pela minha irmã.
Tento reunir os pequenos pedaços despedaçados por Vincent, mas só deixo mais deles
para trás. Me vejo completamente destruído, como nunca estive antes. A voz do meu pai ganha
autofalantes e me deixam ensurdecido. Ele grita na minha mente, me magoa e me quebra. Suas
palavras são como facas, me esfaqueando, me esquartejando, me deixando sem chances de
reverter a situação.
Empurro as portas e quando finalmente chego no ginásio norte, o soluço vindo do fundo
das arquibancadas me faz correr. Alya grita ao me ver e abraça o próprio corpo como se estivesse
sentindo dor.
Minhas pernas fraquejam e eu caio ao seu lado. Antes que eu a puxe para mim, ela se
encolhe, juntando seu pequeno corpo contra o meu. Alya soluça tão alto que eu estremeço. Íris se
abaixa entre minhas pernas e acaricia os cabelos da minha irmã.
Estou tão perdido no choro de Alya que as palavras da minha namorada perdem o
sentido.
Aperto minha irmã contra mim, na tentativa de fazer com que tudo que ela está sentindo
seja transferido para mim.
Eu mereço, eu a abandonei.
Eu sou uma versão pior de Vincent.
— Ele foi embora? — ela pergunta, entre gemidos e soluços e eu assinto.
— Ele foi embora, meu amor. E não vai te fazer nenhum mal. — respondo, apertando-a.
Vejo Neil entrar no ginásio, vejo as meninas se assustarem, e nada me faz afastá-la, a
cada passo que dão, desejo poder protegê-la. Apenas percebo Vivian tentar se aproximar, mas ser
impedida por Íris, que também se afasta de nós.
— Eu quero ir embora, Órion. Eu não quero vê-lo nunca mais. — Alya levanta o rosto
para me olhar e seus olhos apavorados terminam de me aniquilar. — Eu não quero…
Ela tenta se encolher de novo, mas eu seguro seu rosto, mantendo suas orbes douradas em
mim.
— Olha para mim, Alya. Você não vai a lugar nenhum, certo? — Ela permanece em
silêncio, os soluços se tornam baixos e ela morde o lábio para contê-los. — Ele não vai chegar
perto de você, ele não vai falar com você, eu prometo. Você não vai desistir de tudo o que você
construiu por causa daquele otário, eu não vou deixar, entendeu?
Aperto suas bochechas e ela assente, trêmula.
— Vamos ficar aqui mais alguns minutos, e eu não vou sair do seu lado. Você vai se
acalmar, vai respirar fundo, vai se alongar e se concentrar. Eu sei que está tudo muito difícil, mas
você consegue esquecer. Ele não é importante.
— Ele devia ser importante. — ela resmunga e eu assinto.
— Devia, mas ele não se fez importante. Então não permita que ele destrua seu sonho.
Você vai se concentrar de novo, vai esquecer que aquele filho da puta esteve aqui e vai pro
ginásio competir, entendeu?
— Eu não consigo… — Alya chora, tentando se encolher novamente, mas eu aumento a
força em seu rosto.
— Você consegue. Eu prometo que depois que tudo acabar, você vai poder chorar por
horas, vai poder desabafar, vai poder até mesmo ir atrás dele para descontar toda a sua raiva, mas
agora você vai fingir que ele não existe. Você não pode deixar isso acontecer, e eu também não
vou permitir.
— Mas…
— Sem mas, vem cá. — Puxo minha irmã para meu abraço e acaricio suas costas. —
Respire fundo.
Ela me obedece e em passos lentos, Neil se aproxima.
— Vocês tem trinta minutos, vou deixar uma van para levá-los. Me ligue se precisar de
algo. — ele avisa e se aproxima para beijar a testa da minha irmã. — Estou te esperando, certo?
— Fique bem, por favor. — Íris implora, abraçando minha irmã e apertando o que
consegue do meu braço. — Fiquem bem. Eu não sou nada sem vocês.
— Vamos ficar, fica tranquila. — respondo e Alya fecha os olhos, tentando controlar a
respiração agitada.
— Qualquer coisa me liga e eu volto correndo. — Assinto e depois de deixar um beijo
em minha bochecha, Íris corre para fora.
O silêncio nos inunda. O ginásio parece menor, apertado demais para acomodar tudo o
que sentimos, e se torna ainda mais escuro com toda a dor que liberto quando aperto os olhos e
mais lágrimas escorrem, silenciosamente.
Os gritos internos são ensurdecedores. Minha alma dói, meus demônios brigam entre si.
Não consigo, nem mesmo, ouvir a respiração de Alya.
Ela está tão silenciosa quanto eu, tão quebrada quanto eu. Tento reconstruí-la enquanto
deixo minha alma se perder dentro de todo meu caos.

— Se concentre, por favor. — peço a Alya e ela assente.


Seus olhos estão perdidos, mas ela prometeu que se concentraria na competição. Minha
irmã não parece estar presente e faz tudo como um robô. Ela está aérea e perdida, e isso me
preocupa a ponto de vigiar cada um dos seus movimentos.
Nossa pontuação está alta, mas não nos tira do terceiro lugar. As japonesas continuam
atingindo seu máximo e as australianas não ficam atrás. Neil dividiu a equipe, deixando Alya em
apenas dois aparelhos, para poupá-la de muito esforço, enquanto Íris ficou sobrecarregada,
assumindo o lugar da minha irmã na competição do solo.
Ainda assim, todas estão conseguindo pontuações altas e apenas um pequeno deslize de
Alya nas traves fez com que ela perdesse alguns pontos. Apesar de estar indo bem, minha irmã
não comemora seu sucesso, nem mesmo a alta pontuação a fez sorrir como antes.
— Calma, ela vai conseguir… — Íris sussurra, segurando meu braço enquanto Alya
enche a mão de pó de magnésio.
Ela encara a mesa à sua frente e respira fundo. Sinto os olhos arderem, já que a encaro
sem conseguir piscar, para não ter chances de perder qualquer um dos seus movimentos.
Antes de receber o aviso de que pode começar, ela me olha e eu não a reconheço. O peito
aperta, mas ainda assim, assinto e sussurro um “eu te amo”. Alya força um sorriso e puxa o ar
lentamente, mais uma vez, voltando a encarar a mesa.
O mundo parece girar mais devagar, já que tudo parece acontecer em câmera lenta. Alya
ergue as mãos, alinha o corpo e começa a correr. Cada passo que dá pelo enorme tapete me faz
arfar, e eu sinto que só vou conseguir respirar em paz quando ela, finalmente, aterrissar.
Neil espera Alya do outro lado da mesa, esfregando as mãos em nervosismo.
O mundo volta ao normal e sua corrida se torna intensa, minutos se tornam segundos e
antes que eu consiga libertar o ar, ela salta no trampolim e vira de ponta cabeça até que suas
mãos toquem à mesa e a lance para fora.
O salto de Alya é tão alto que meu olhar sobe para acompanhá-la. Seu corpo gira com
perfeição em um salto carpado duplo impecável, alinhado e bem feito. Minha irmã aterrissa e
seus pés não fincam no tapete, mas o pequeno deslize não impede que ela caia de pé. A falta se
torna mínima diante de sua execução, e ela sorri.
Ela sorri, mas não é totalmente verdadeiro. Ela respira, aliviada, mas ainda não está ali.
Minha irmã comemora com Neil e corre na nossa direção.
Os gritos da nossa equipe parecem apenas ruídos, já que o mundo se reduz conforme ela
se aproxima de mim. Somos apenas nós dois e nossas peças quebradas.
Ao me ver, seu sorriso se expande e eu tento encontrá-la ali.
— Você foi perfeita! — Íris exclama enquanto ela me abraça com força. Envolvo o que
consigo do seu corpo e beijo seus cabelos.
— Estou orgulhoso, eu sabia que conseguiria. — sussurro e ela ergue o olhar para mim.
— Acho que vou perder pontos…
— Se perder, serão poucos. — Neil avisa, cruzando os braços para olhar para os
monitores. Meus olhos revezam entre as telas e a bancada de jurados.
Ao mesmo tempo que a nota de Alya é computada, uma atleta japonesa ganha uma nota
incrivelmente alta que não nos permite sair do lugar. As notas 9.600 e 8.900 de Alya apenas nos
garante a medalha de bronze.
Minha irmã suspira e eu a aperto ainda mais.
— Não fique assim, sua nota foi ótima, você foi maravilhosa.
— E ainda faltam os solos. — Neil completa e Íris estremece ao meu lado. — Pronta?
Alya se solta do meu abraço apenas para se agarrar em Íris. Vejo as duas colarem uma na
outra como siamesas, e minha irmã finalmente solta o ar e uma lágrima. Íris acaricia suas costas
e se afasta para segurar seu rosto.
— Boa sorte. — Alya sussurra e Íris deixa um beijo em sua testa. Quando seu olhar
retorna para mim, esboço um pequeno sorriso.
É o melhor que consigo.
— Boa sorte, loirinha.
Deixo um beijo no topo de seus cabelos loiros e ela se afasta, indo para o centro do
ginásio. O solo de Íris foi deixado por último, o que significa que todos os olhares e holofotes
estão sobre ela, mesmo que ela esteja apenas se aquecendo e preparando as mãos.
— Você está bem? — pergunto para Alya, que se encolhe ao meu lado.
— Vou ficar. E você?
— Vou ficar também.
Alya apenas balança a cabeça e volta a olhar para a minha namorada, que brilha no meio
do tablado. A loira se senta no chão, preparando-se em sua posição inicial e a música toma conta
dos cantos do ginásio.
A melodia é lenta e intensa, fazendo com que seu primeiro movimento seja suave, mas
majestoso. Íris se ergue em um único passo, e sem qualquer dificuldade, se põe de pé e abre um
sorriso. Ela gira em torno de si mesma diversas vezes, antes de concluir uma sequência de flic-
flacs que a leva até o outro lado do tablado.
Cada movimento de suas mãos e de seus pés acompanham perfeitamente a melodia da
música. O sorriso não abandona seu rosto, a leveza carrega cada uma de suas ações.
Íris é graciosa, mas me atinge como a porra de um furacão.
Me vejo completamente hipnotizado por todos os seus movimentos, por cada giro e cada
salto executado.
Enquanto todos ao redor vibram com o sucesso das suas acrobacias, eu não consigo me
mover. Permaneço imóvel, assistindo-a atingir seu ápice, tocar os céus, deixar todos ao seu redor
jogados aos seus pés.
Todos os planetas e corpos celestes giram ao seu redor nesse exato momento.
Íris toma tudo o que consegue a cada pequeno ato. Ela agarra minha alma, toma meu
coração, atinge cada mísero centímetro do meu corpo. Deixo que ela cole os meus pedaços
quebrados.
Arrepios percorrem minha pele e eu ignoro o fato de estar me sentindo o maior dos
idiotas quando a porra de uma lágrima molha meu rosto. Alya segura em meu braço ao perceber.
Íris está me salvando com sua dança cósmica e sequer percebe. Ela me resgata com seus
saltos e me faz respirar a cada giro.
Meu coração salta para a garganta quando ela acerta o último duplo twist carpado[5] sem
desequilibrar ou fraquejar. Gritos se tornam ensurdecedores enquanto ela gira lentamente,
acompanhando o ritmo da música, que diminui a cada segundo.
Ela cai de joelhos e se ergue em questão de segundos e à medida que o fim se aproxima,
ela mexe as mãos delicadamente, até que apenas uma delas esteja erguida. Íris para de frente para
mim. Seus olhos encontram os meus enquanto seus dedos se movimentam com graciosidade, até
pararem por completo.
Sinto o ar se tornar escasso quando ela sorri.
Só tiro os olhos dela quando Alya cutuca meu braço.
— Olha bem. — ela pede e eu volto a encarar Íris. Ela permanece parada até que a
música finalmente acabe. — É a constelação de Órion.
Arregalo os olhos ao notar sua posição final, levemente diferente do que ela normalmente
faz. Uma de suas mãos para frente, no que poderia significar o sinal de luta e a outra erguida, em
punho fechado, como indicam todos os desenhos que retratam o gigante Órion ao empunhar sua
espada.
Íris leva os olhos para o teto da arena e esbraveja ao perceber que terminou o solo sem
qualquer erro. Eu permaneço imóvel, sentindo as células do meu corpo estremecerem. Cubro a
boca com uma das mãos e Alya aperta meu braço, encostando a cabeça em mim para se apoiar.
Minha irmã se afasta apenas para dar lugar a Íris, que me encara com o sorriso no rosto e
me faz recuperar a concentração, para entender o que ela fala, para capturar tudo o que seus
olhos castanhos me contam em silêncio.
— E então? — ela pergunta, balançando-se em timidez.
— Eu te amo. — sussurro, me mexendo minuciosamente apenas para tocar seu rosto. —
Eu te amo, Coleman.
— Ah, eu amo muito mais, Sparks. — Ela se aproxima com cuidado e toca minhas mãos
por cima do seu rosto.
Não consigo formular uma frase sem sentir que vou gaguejar como um imbecil. Íris toma
até mesmo as minhas palavras, me deixa completamente estático. Qualquer movimento resultaria
em uma queda de joelhos para que eu possa entregar tudo o que sobrou de mim.
Não restou nada, hoje tudo é dela.
Me toque
Por que a gente não se mata devagar?
O que posso dizer? Meu bem, o que posso fazer?
O monstro em mim ama o monstro em você
Monster In Me — Little Mix

— Não olha. — Seguro nos ombros de Alya, desviando seu olhar da direção de Sarah.
O pódio está à nossa espera e por ter vencido o terceiro lugar, seremos as primeiras a
subir para receber nossas medalhas. Enquanto minhas amigas estão inconformadas, eu ainda
sinto os nervos à flor da pele. Poucos pontos diferenciam os três primeiros lugares, e por muito
pouco não subimos.
A disputa foi acirrada, ainda não consigo enxergar motivos para sentir decepção. Todas
fomos bem, pouquíssimos erros foram percebidos. A única coisa que me faz querer fugir do
pódio é saber que, entre as medalhistas de bronze e de prata — as australianas — , estão as
japonesas, que andam carregando toda a arrogância de Sarah.
O resultado foi suficiente para que a maldita erguesse o queixo, exibisse seu sorriso
presunçoso e nos lançasse olhares vitoriosos.
Precisamos segurar Jenni para que ela não cometesse uma loucura.
— Estou orgulhoso, meninas. — Neil diz, sorridente. — Não fiquem com essa cara, nós
começamos muito bem.
— Eu não estaria tão revoltada se aquela demônia não estivesse acima de nós. — Jenni
resmunga, cruzando os braços. — Sei que foi acirrado, mas elas merecem se fu…
— Jennifer! — Neil a repreende e, pela primeira vez naquele dia, vejo Alya sorrir.
— O quê? — ela esbraveja de volta, me fazendo rir ainda mais. — Eu sei que o terceiro
lugar é ótimo, não estou reclamando disso, só não queria dividir espaço com aquela filha da pu…
— Jennifer Tanner! — Neil grita mais uma vez e o sorriso de Alya se torna gargalhada.
— O que foi, Neil? Você não xinga nunca?
— Não em público, onde podem ouvir você dizendo o que não deve! — ele completa e
ela cruza os braços. — Agora tente não parecer tão inconformada, você não perdeu nada.
— Eu sei, deixe de ser chato. — Jenni resmunga, me fazendo cobrir a boca para conter
mais risos. Jenni rola os olhos e força um sorriso.
— Você está bem? — Vivian pergunta para Alya, abraçando seus ombros. Todos os
olhares vão para ela, que assente. — Mesmo?
— Com vocês aqui, sim. — Alya suspira. — Vamos, vai começar.
As luzes piscam, anunciando o início da cerimônia e nós nos alinhamos em fila. Respiro
fundo enquanto o locutor anuncia as pontuações e cumpre com o protocolo da cerimônia, antes
de nos anunciar.
— Estados Unidos da América. — ele grita. Palmas ecoam por todo ginásio, junto com
gritos e cantos que fazem meu coração saltar, desesperado.
Seguimos até o pódio lindamente montado, e subimos no menor degrau, parando lado a
lado. Me surpreendendo, Ash segura meus dedos e logo, nós cinco estamos de mãos dadas,
firmando com a nossa conexão inabalável.
Em seguida, o diretor da liga se aproxima, com as medalhas em mãos, pronto para nos
presentear. Me abaixo para que ele me alcance.
— Meus parabéns, Coleman! — ele diz, colocando a medalha em meu pescoço.
O peso do bronze faz minha nuca doer, mas seguro a medalha como se minha vida
dependesse dela. O símbolo olímpico lapidado no centro faz meus olhos marejarem.
Não demora para que todas as minhas amigas estejam com as suas medalhas. A
insatisfação por não ter vencido o ouro se torna emoção por estar no primeiro pódio da
competição, independente da pontuação ou posição, nós vencemos.
A pequena Íris, que entrou na RGA por diversão, jamais imaginaria que isso, um dia,
seria possível.
O peito infla de orgulho.
Lembro que, do outro lado das câmeras que nos capturam, meus pais me assistem. Minha
mãe certamente está aos prantos, meu pai deve estar sorrindo até as bochechas doerem. Aqui, ao
nosso lado, Neil cobre a boca para conter o choro — já que é um gigante sensível. Toda a nossa
equipe de preparação nos olha com orgulho e aplaude com toda força que seriam capazes de
abafar toda a comemoração de toda uma nação.
E no canto, com os braços cruzados, está Órion. Com a mesma expressão cínica de
sempre, o sorriso no canto dos seus lábios, os dedos tamborilando no braço tatuado. Tão lindo
como no dia em que o vi pela primeira vez e decretei ódio eterno a ele.
Dessa vez, ele permite que seu sorriso se expanda e seus olhos brilham. Quando olho
para seus lábios — mesmo de longe — consigo percebê-lo sussurrando um “eu te amo” enquanto
descruza os braços para nos aplaudir.
Toda a angústia que Sarah me fez sentir e cada minuto em que a insegurança me sufocou,
se reduzem a pó. Pequenos grãos de areia que não se aproximam da quantidade de estrelas que
vejo nesse momento. Tudo se torna menor quando vejo meu universo se expandir.
Me sinto infinita, gigantesca.
Se, um dia, eu ganhar o ouro, com certeza vou explodir.

Dou um abraço forte na minha melhor amiga antes dela entrar no nosso quarto,
acompanhada apenas de Vivian.
Ashley e Jennifer decidiram ir comemorar a vitória com alguns atletas que conheceram
da delegação brasileira e francesa, enquanto Alya pediu para ficar sozinha com Vivian.
Minha amiga parece anestesiada. Desde que seu pai surgiu, completamente de surpresa,
antes da sua primeira final, ela não parece a mesma. Alya está feliz por ter conquistado uma
medalha, mas é como se Vincent tivesse roubado toda a sua vontade de comemorar qualquer
coisa.
E por isso eu não discuti quando ela pediu para ficar sozinha com a sua namorada. Por
isso apenas disse que ela poderia me ligar, que eu viria correndo. Quando a abracei mais uma
vez, quase desisti e insisti para ficar, já que seus olhos encheram d’água.
— Eu amo vocês. — sussurro, tocando o queixo de Vivian em seguida. — Qualquer
coisa é só gritar que eu venho correndo, ok?
— Ok… — Alya resmunga e segura a minha mão. — Por favor, cuida do meu irmão.
Engulo a seco. Órion nos deu os parabéns, se despediu de mim com um beijo e sumiu
pelo corredor da sede. Sua porta está fechada desde então, e eu ainda não tive coragem de pedir
para entrar.
— Não posso perder meu irmão de novo, Íris. Não deixa ele se destruir mais uma vez. —
Alya choraminga e me abraça de novo, fazendo meu coração apertar, com medo do que vou
encontrar ao entrar no quarto de Órion.
Apenas assinto, silenciosamente e beijo sua bochecha antes de avançar para o corredor
dos quartos dos preparadores físicos.
O de Órion é o último, no fim do corredor. A porta permanece fechada e não há som do
outro lado. Hesito em bater, mas respiro fundo para tomar coragem. Mesmo com medo de ser
intrometida demais e de invadir seu espaço, dou três batidas na porta e me aproximo em busca de
alguma resposta.
E só recebo silêncio.
Mais uma vez, e nada.
— Órion? — falo contra a porta. — Sou eu, amor. Você está aí?
E nada.
Sinto o desespero fazer minha pele arrepiar. Encosto a testa na porta e o contato faz com
que ela abra.
Prendo a respiração antes de finalmente entrar e quando piso no cômodo, o cheiro de
cigarro adentra as minhas narinas, misturado a todo oxigênio que puxei para dentro. Volto a
respirar para me livrar do cheiro insuportável que faz meus pulmões arderem. Tranco a porta
antes de dar um passo.
— Sparks? — chamo por ele, mas continuo recebendo um silêncio ensurdecedor que me
apavora.
As luzes apagadas me deixam levemente confusa enquanto ando pelo cômodo. A fumaça
vinda do canto do quarto me faz parar. A sombra de Órion vinda do chão faz meu coração
acelerar e eu hesito em ir até ele.
O único movimento que identifico é o da fumaça subindo até o teto e se esvaindo no
vento que entra pela janela aberta. Avanço em passos lentos até encontrá-lo.
Suas feições estão completamente invisíveis, já que as luzes vindas da rua alcançam
apenas parte do seu corpo largado no chão, ao lado da cama. Sei que ele respira ofegante, pois
consigo ver o movimento do seu peito nu. Ele se move apenas para levar o cigarro até a boca, e
traga lentamente. Na mesma velocidade, ele liberta toda a fumaça e depois, um soluço, que
indica que ele está chorando.
Nunca o vi chorar e isso me faz perceber que a situação é ainda pior do que eu
imaginava.
Sinto que estou perdendo o controle das pernas e me sento ao seu lado. Ele continua
imóvel, com a cabeça encostada no colchão alto, as pernas encolhidas em seu peito e o cigarro
entre os dedos. A proximidade me permite ver as marcas molhadas em seu rosto.
Quando me aproximo para secá-las, ele arfa, mas não me impede.
— Quer fa…
— Não, eu não quero falar. — ele me interrompe. Sua voz soa rouca como nunca, quase
inaudível.
— Quer que eu faça algo?
— Quero que me ame. — ele pede. Sua fala soa como uma súplica e se arrasta até os
meus ouvidos, atingindo-os como facas.
Não é um pedido romântico, não há sinais de sensualidade. Apenas desespero e esse
desespero me destrói. Ele inclina a cabeça para o lado, finalmente me olhando. Seus olhos estão
vermelhos e encharcados, completamente perdidos. Nesse momento, não o reconheço.
Sua vulnerabilidade me assusta. Estou diante de um anjo caído e ferido. Ele me assusta,
mas eu me aproximo para tocar seu rosto.
O toque faz com que ele pressione os olhos.
Ele chora e eu me despedaço.
— Eu te amo, meu amor. — sussurro, puxando-o para mim. Órion se acomoda entre
minhas pernas, encostando a cabeça em meu peito. Tiro o cigarro de seus dedos e apago,
amassando-o no chão.
Seguro Órion com toda força que consigo, acariciando seus cabelos enquanto ele aperta
minha cintura. Seu corpo pesa, mas não tanto quanto seu choro faz pesar meus ombros. Apoio o
queixo no topo da sua cabeça, enquanto as lágrimas traçam meu rosto.
— Eu te amo com toda a minha vida, Sparks. Eu te amo com tudo o que você tem dentro
de você.
— Eu sou um poço de falhas e medos, Coleman. Não deveria estar aqui, eu sou
destrutivo. — ele resmunga contra meu peito, entre soluços.
— Então nós vamos nos destruir juntos. — Seguro em seu rosto e a luz vinda da janela
ilumina seus olhos azuis encharcados. — Eu te amo com todos os seus medos e todas as suas
falhas. Eu te amo com toda a sua destruição. Eu te prometi que ficaria, não foi?
Ele assente e tudo o que eu enxergo é um menino. Meu Órion por trás de um menino
assustado.
— Eu te amo, Órion Sparks. Não há nada que você possa fazer que me faça pensar
diferente. Eu sinto muito que Vincent tenha sido um merda com você e Alya, eu sinto muito que
você esteja sofrendo tanto e eu sinto mais ainda por não poder mudar isso. Eu já te disse isso e
vou dizer um milhão de vezes, se for preciso. Ser filho daquele otário não te faz igual a ele. Você
não tem nada dele, Sparks. Absolutamente nada. Você é bom e precisa aceitar isso. — Ele
suspira. — Se Vincent te disse ou te fez acreditar do contrário, eu vou dedicar todos os meus dias
para mudar isso.
— Eu preciso ficar sozinho.
Nego com a cabeça e ele assente.
— Eu devo ficar so…
— Cale a boca. — o interrompo e toco a testa na sua. — Você não vai ficar sozinho
nunca mais, não enquanto eu viver, não enquanto eu te amar com todo o meu coração. Você
pode implorar, gritar, tentar me expulsar da sua vida, mas eu não vou a lugar nenhum.
— Às vezes parece que não sentir nada é melhor. Eu estava anestesiado dos golpes de
Vincent, e eu descobri que dar abertura para sentimentos torna tudo pior. E é tão injusto… — ele
chora, afundando o rosto em meu peito novamente.
Abraço toda sua fragilidade, na esperança de amenizar toda a dor que ele, certamente,
está sentindo. Órion nunca demonstrou tanto, nunca me mostrou o que ele esconde atrás de todo
o silêncio e toda aquela fumaça.
Órion nunca me deixou ver as suas feridas, talvez por sentir medo delas me assustarem.
Elas me assustam, mas não me fazem querer fugir. Pelo contrário, seus monstros me enchem de
coragem para afastá-los, para fazê-los sumir por completo.
— Ele devia me amar, Íris, não me destruir. — ele continua desabafando, enquanto eu
apenas acaricio suas costas. Deixo que ele derrame sua dor, apenas secando cada gota dela. —
Ele devia ser o meu pai. Eu odeio sentir tudo isso, eu queria não sentir nada.
— Não sentir nada só piora a situação, apaga todas as sensações boas que você pode
sentir. Apagaria toda aquela felicidade que sente quando está com as crianças, acaba com aquela
sensação boa de nervosismo e orgulho quando sua irmã está competindo.
Ele suspira e se ergue para me olhar. Seus olhos cintilam de lágrimas, mas ele me ouve
com atenção.
— Sua intensidade é bonita demais para que você não se permita sentir. Você já se viu
quando está feliz, Sparks? Por Deus, é lindo! Às vezes, tudo se torna pesado e eu também queria
não sentir nada, sabe? — Acaricio a sua bochecha. — O problema de querer não sentir nada é
que eu não sentiria tudo isso que você me causa. Todas essas borboletas no estômago, todos os
arrepios, todos os sorrisos. Os melhores de todos os sentimentos que já senti vieram de você,
Sparks. Todas as dores se tornam minúsculas todas as vezes em que você me faz sentir viva.
Você, Órion. Apenas você.
— Merda, o que eu faria sem você, loirinha? — ele sussurra, voltando a grudar nossas
testas. Puxo-o mais para perto, enlaçando as pernas nas suas.
Seu hálito toca meu rosto e seu sorriso me causa alívio.
— Eu estou quebrado, Íris. — Órion confessa. — Eu achei que era forte o suficiente para
enfrentá-lo, mas não sou. Eu viro um covarde toda vez que ele está por perto e, mais uma vez, eu
deixei ele me destruir. Eu não revidei, eu não reagi, eu deixei.
— Um passo de cada vez, Sparks.
Repito o que ele me disse diversas vezes durante minha recuperação.
— Nós vamos colar todos os caquinhos que ele quebrou, eu prometo. — Beijo sua
bochecha. — E depois, nós vamos superar.
— Nós?
— É claro, nós vamos superar juntos. Eu vou estar do seu ladinho em todos os passos que
você der. Se você for até o inferno, terá que me levar junto.
— Mesmo?
Assinto e vejo seu sorriso se expandir. O amor transborda pelos meus dedos quando
acaricio suas costas.
— Antes, durante e depois, constelação. — sussurro contra a sua boca e ele me arranca o
ar ao me beijar com força.
Agarro-o com minhas pernas e abraço o que consigo do seu corpo, enquanto ele morde e
beija meus lábios. O beijo é urgente e eu me derreto em seus braços. Finco as unhas em suas
costas, em busca de mais contato e em questão de segundos, estamos de pé.
Órion me aperta contra seu corpo ao me erguer. Seus dedos me tocam com tanta força
que os sinto através do moletom. Meus pés tocam o chão e eu me agarro em seus ombros em
busca de sustento para meus joelhos trêmulos. Nem mesmo um dia inteiro de treinos intensos
deixam minhas pernas tão fracas.
Seus músculos contraem a cada movimento e gemidos roucos escapam de sua boca, para
dentro da minha. Capto um por um, desejo arrancar suas dores com as pontas dos dedos.
Acaricio seu rosto para terminar de secar as lágrimas que ainda molham sua pele.
Ele avança para me beijar novamente, mas eu o impeço, segurando-o pelos ombros. O
silêncio no quarto me faz ouvir sua respiração ofegante com clareza, as batidas do meu coração
parecem mais altas. Quase ensurdecedoras.
Órion fecha os olhos quando beijo seu ombro, onde a constelação de Serpentário está
estampada. Minhas unhas traçam linhas pelo desenho de Atlas em seu braço, enquanto rodeio
seu corpo, até estar de frente para as estrelas da sua pele.
Passo as mãos pela sua pele, tocando as estrelas que brilham na minha direção. O céu está
bem diante de mim e eu aproveito cada segundo dele. Me aproximo, beijando cada uma delas,
junto com as cicatrizes que ele tentou esconder. Memorizo cada uma das coordenadas que unem
as constelações que ele pôs ali.
Ele permanece quieto enquanto acaricio sua pele. Ele recebe cada uma das minhas
carícias em silêncio. As batidas do meu coração, antes fortes, se tornam descompassadas.
Aceleradas, altas, quase dolorosas.
Todas por ele.
Ele faz meu coração acelerar desde a primeira vez em que trocamos farpas. Naquele
mesmo dia, senti minha pele pegar fogo, meu sangue fervia. Eu jurei que o odiaria mesmo sem
saber que meu coração já havia se rendido aos encantos do seu sorriso cínico.
Eu já era dele mesmo quando tudo o que eu sentia era ódio.
Descobri da forma mais inesperada que amá-lo é ainda mais fácil.
É delicioso e revigorante. É meu fenômeno cósmico. A colisão mais linda e intensa já
vista em todas as galáxias.
— Eu te amo, Órion… — repito, encostando a testa em suas costas. Inalo seu perfume
cítrico e o cheiro do cigarro some. — Eu amo todas as suas estrelas, todas as suas nebulosas, —
beijo suas costas mais uma vez — todas as suas feridas e todos os seus sorrisos.
Envolvo sua cintura, colando meu peito em suas costas e subo as mãos pelo seu
abdômen, onde as fases da lua formam uma linha perfeita, na qual eu já memorizei e me
apaixonei por completo. Todas as fases de um amor que virou minha vida de cabeça para baixo,
e que depois, me trouxe de volta ao eixo.
Ele joga a cabeça para trás e no momento em que arranho sua pele, ele se vira e me
empurra contra o colchão.
Órion é rápido em se pôr entre minhas pernas e abrir o casaco, mas revira os olhos ao se
deparar com o meu uniforme.
— Você tem sorte de ter mais algumas finais para disputar, Coleman. — ele diz, tirando
o casaco e a calça de moletom que ainda me cobria. — Ou eu ia acabar com essa porra de
uniforme.
Estou somente de collant, esparramada em sua cama. Meu penteado já se desfez por
completo e o glitter que o enfeitava suja os lençóis, mas ele não se importa. Órion se põe sobre
meu corpo e acaricia meus cabelos, como se desejasse espalhar mais do brilho por toda parte.
Seus olhos se iluminam quando abaixo as alças do collant. Ele acompanha meus
movimentos silenciosamente e se afasta para ver melhor. Dou o que ele deseja, abaixando o
uniforme pelo meu tronco, as pedrinhas brilhantes cintilam em uma dança síncrona conforme a
luz dos postes invade o quarto, iluminando-as.
— Merda, você é tão linda, Coleman. — Órion resmunga, se abaixando em meu corpo
para terminar de tirá-lo. — Você brilha como a porra das estrelas.
— Você é uma constelação inteira, Sparks. Não existe brilho maior do que o seu, e você
não precisa escondê-lo mais. — falo, segurando sua nuca. Suas bochechas ruboriza e eu inverto
as posições, me sentando em seu colo.
Apenas a calcinha ainda está em meu corpo e não há um pingo de timidez em mim. Não
enquanto Órion me olha com uma devoção jamais vista.
Me inclino sob seu corpo para beijá-lo. Órion acaricia minhas costas, descendo as mãos
até encontrar as laterais da peça que me cobre. Quando movo o quadril contra o seu, ele arfa
contra minha boca e aperta a minha pele. Sinto sua ereção em atrito com a minha excitação e
amoleço gradativamente, até estar completamente entregue. Estou por cima, mas ele está no
controle.
— Sem enrolação hoje, Coleman. — ele diz, contra meus lábios e é suficiente para eu
ficar ainda mais úmida. — Eu quero você. Agora.
— Sou toda sua, Sparks.
A fala é o estopim para que ele me empurre na cama novamente. Sequer percebo quando
ele prende os meus pulsos acima da minha cabeça, minha concentração está direcionada apenas
para os beijos e mordidas distribuídas em meu pescoço.
Esqueço que posso aparecer em rede internacional com marcas de Órion em minha pele.
Esqueço de tudo e deixo que ele faça o que bem entender com suas mãos e boca. Não o
repreendo enquanto ele explora meu corpo. Órion se abaixa contra meus seios e suga o mamilo
com força, a ponto de fazer minhas costas arquearem, facilitando o caminho e lhe fazendo dar
um sorriso.
Sua língua trabalha com agilidade enquanto ele me mantém presa a ele, segurando minha
cintura com força. Seus dedos afundam em minha pele e a dor é deliciosa. O único movimento
que ele me permite fazer é abaixar sua calça e cueca com os pés. Ele ajuda, chutando-os para
longe.
Com a mesma rapidez, ele puxa a lateral da minha calcinha, transformando-as em
pedaços de tecido branco. A força que ele usou para rasgá-la fez minhas pernas estremecerem e o
sorriso que surge em seus lábios me diz que ele atingiu seu objetivo.
Órion se abaixa entre minhas coxas e traça caminhos molhados até chegar em meu sexo.
Suas mãos agarram minha cintura e viram meu corpo no colchão com tanta facilidade que me
assusta.
Em questão de segundos, estou de bruços na cama e um tapa forte em minha bunda me
faz sorrir, e o sorriso causa outro tapa que faz meus olhos lacrimejarem.
— O que estava falando sobre enrolação? — pergunto e ele puxa a minha cintura, me
deixando completamente empinada e exposta para ele. O impacto faz meu cabelo cair em meu
rosto.
Minhas pernas formigam.
— Cala a porra da boca, Coleman. — ele diz, antes de me acertar outro tapa, que dessa
vez me faz morder o lençol.
Tento discutir, mas sinto-o lamber todo o líquido que escorre da minha intimidade com
uma lentidão torturante. Órion agarra meu quadril com força enquanto sua boca me castiga. Ele
destrói todas as minhas chances de rebater, já que tudo o que sai da minha boca é seu nome e
súplicas para que ele não pare.
Órion atende os meus pedidos, devorando tudo o que consegue, me fazendo estremecer
contra o colchão. Sinto que ele desconta cada um dos seus sentimentos em minha pele,
arranhando, apertando e puxando o que consegue, deixando marcas e sensações doloridas.
Apesar disso, não o impeço e deixo que ele despeje tudo em mim.
— Você é tão gostosa, Coleman. — Órion se levanta e eu olho por cima dos ombros,
vendo-o limpar os cantos da boca inchada com os dedos.
A visão é um misto de paraíso e inferno que me deixa ainda mais excitada.
Órion acaricia minhas costas e quando alcança minha nuca, seus dedos enrolam meu
cabelo. Ele me guia como se segurasse em uma maldita coleira e quando estou de frente para a
cabeceira, ele agarra a minha cintura com a mão livre.
— Segure firme, loirinha. — ele avisa e eu agarro na cabeceira, buscando apoio quando
seu pau me invade com força.
Sinto o gosto de sangue em minha língua ao morder forte o lábio inferior, na tentativa
falha de conter os gritos. Seu corpo colide com o meu com força, tornando cada um dos seus
movimentos audíveis, assim como seus sussurros roucos e xingamentos incompreensíveis.
Meu corpo vibra a cada investida, meus músculos contraem com força. Minha garganta
arde e sufoca com os gemidos que ainda tento conter. Seus atos são animalescos, tão brutos que
meu corpo dói. As chamas que substituem o sangue que percorre meu corpo não me permitem
parar.
Os espasmos me fazem implorar por mais.
Minha nuca dói quando ele me puxa com mais força, grudando o peito em minhas costas
suadas. Meus joelhos reclamam, mas ainda assim sustento meu peso, segurando com ainda mais
firmeza na cabeceira para que ele continue.
Minhas unhas afundam na madeira quando ele me toma com força. Órion cobre minha
boca com a mão e eu mordo a palma.
— Ah, então você quer que todos ouçam enquanto eu te fodo, Íris? — ele pergunta,
afastando a mão do meu rosto para me empurrar contra a cama. — De frente para mim, eu quero
te ver. — Órion vira meu corpo em um único movimento e levanta minha perna até que ela
esteja em seu ombro.
O suor escorre pela minha testa, o esforço dos meus pulmões faz meu tórax arder, mas
nada é capaz de me fazer impedi-lo de continuar. Sinto seu pau atingir o mais fundo de mim,
com tanta força que meus olhos ardem e eu mordo a boca para não gritar.
— Não contenha seus gemidos, Íris. — ele manda, apertando minha coxa. — Todos irão
ouvir o quão forte estou te fodendo.
— Mas…
Ele se inclina sobre mim e aperta meu rosto, forçando os olhos flamejantes contra os
meus. As orbes incendiárias como o inferno queimam cada centímetro do meu corpo.
— Abra a porra da boca e geme pra mim, Coleman.
Obedeço e liberto os gritos que se acumulavam em minha garganta. Me seguro em seu
ombro, descontando cada sensação em sua pele, arranhando e marcando sua pele. Ele se move
com mais força e rapidez, jogando a cabeça para trás ao estremecer contra meu corpo.
Minha garganta se fecha, minha pele arrepia e eu convulsiono embaixo dele. Ele solta
minha perna para abraçar meu corpo, puxando-me para si. Meu peito cola ao seu e quando ele
me beija, meu corpo se desmancha em suas mãos.
Antes que eu consiga entregar tudo de mim, ele toma o que consegue. Ele reivindica, me
arranca tudo.
Sinto-o escorrer dentro de mim e minha boca se escancara contra a sua, para libertar um
gemido de alívio. Permaneço agarrada a ele enquanto tento recuperar o ritmo normal da minha
respiração, e ele continua apertando minha pele, com o rosto escondido em meu peito.
Sequer consigo me mover, apenas ouço sua respiração descompassada e tento me
recuperar.
— Você é o amor da minha vida, Sparks. — confesso e sorrio quando ele suspira.
Dizer em voz alta me causa arrepios. E é a mais pura verdade.
Órion é o amor da minha vida. Ele chutou as paredes que construí ao redor do meu
coração e o tomou para si. Não houve chances de discutir, as minhas tentativas de odiá-lo foram
completamente em vão.
— Eu não vou deixar você se perder, certo? Eu sempre vou te encontrar pelo caminho.
Órion ergue o olhar e beija a ponta do meu nariz. Seus olhos se tornam brandos e o
sorriso cansado que surge no canto da sua boca avermelhada acaricia meu coração.
Estava estampado na minha testa e eu demorei muito para perceber. Tudo o que eu
precisava estava nele.
— Eu já me encontrei, Coleman. — Órion acaricia minha bochecha, enlaçando nossas
pernas ao se deitar ao meu lado. — Eu me encontrei no momento em que você decidiu que faria
da minha vida um inferno.
— Um inferno? — Sorrio, levando a mão até sua bochecha. Órion assente e se aproxima
para beijar meu queixo.
— Você é o meu extremo, Coleman. Me leva ao inferno e ao céu em questão de segundos
e toda essa montanha russa me lembra de que eu estou vivo. — Me acomodo em seu abraço,
sentindo as batidas intensas do seu coração. — Quando desejo não sentir mais nada, me lembro
de tudo o que você me causa. Toda a dor que sinto se torna mínima se, no fim de tudo, você me
salvar.
Choramingo contra seu peito, apertando-o com tanta força para que ele sinta o quanto o
amo.
— Vale a pena, Coleman. — Órion respira fundo contra meu cabelo e acaricia o couro
cabeludo dolorido. — Por você, vale a pena. Você me faz perceber que toda essa intensidade é
uma dádiva, principalmente porque tudo o que sinto pertence a você.
Não quero decepcionar você
Mas meu destino é o inferno
Embora tudo isso seja para você
Não quero esconder a verdade
Demons — Imagine Dragons

FINAL INDIVIDUAL GERAL


Meu corpo reclama quando me mexo na cama. Acordar nunca foi tão difícil, e se torna
ainda pior quando jogo o braço para o lado e o espaço está vazio, indicando que Íris já havia
saído.
O dia demorou muito para clarear e quando pensei que, finalmente, tinha conseguido
pegar no sono, o despertador começou a me atormentar, me lembrando que eu deveria deixar
todos os meus problemas de lado para focar no meu trabalho.
E o meu trabalho acabou de se tornar muito, muito difícil, já que é preciso lidar com o
risco de me deparar com Vincent de novo. O maldito apenas sumiu, não sei se pegou o avião de
volta para Miami, se se escondeu por aí ou se morreu e foi direto para o inferno. O que sei é que
eu preciso tomar o dobro de cuidado para que nada faça minha irmã perder o controle.
Se é que restou algo nela.
Em mim, só restou pedaços. Apesar de Íris ter jurado que ia me salvar, e de ter me feito
esquecer a dor por muitas horas, quando o quarto mergulhou em silêncio e escuridão, a voz e as
imagens do rosto de Vincent voltaram a me atormentar, como um looping infinito.
Quando eu morrer e for direto pro inferno, a minha tortura certamente vai ser ouvi-lo
dizer que me odeia. Ele não precisa proferir com todas as palavras, seus olhos indicam desprezo,
e é por isso que não consigo acreditar em suas palavras.
Vincent não me olha como um pai olha para um filho, e depois de todo o pandemônio
que enfrentamos, eu não o olho como um pai.
Eu vejo um estranho que consegue, facilmente, me derrubar.
Me direciono para o banheiro, mas desvio o caminho quando ouço três batidas leves na
porta. Tão leves que parece que a pessoa do outro lado estava em dúvida se deveria estar ali ou
não. Visto a camisa e vou na direção da porta, tão hesitante quanto a pessoa que me chama.
— Órion?
A voz de Alya me faz abrir imediatamente.
Seu rosto está ruborizado, talvez tenha conseguido dormir bem, ou seja apenas toda a
maquiagem que já cobre sua pele. Os olhos estão ainda mais marcados, o cabelo preso por alguns
laços — característica dela — que agora são das cores do nosso país.
Minha irmã esconde as mãos nos bolsos do casaco da delegação e eu me afasto para que
ela entre.
Seus passos são lentos e eu tenho absoluta certeza de que ela quer fugir.
— Achei que estaria pronto. — ela diz, se sentando na beira da cama. Seus olhos não
saem de suas mãos, agora agitadas sobre o colo.
Me sento ao seu lado, sem ter coragem de olhá-la diretamente.
— Perdi a hora, mas vou me apressar. — respondo, objetivo para que ela não perceba o
tremor na minha voz. — Precisa de alguma coisa?
Ela assente e eu viro o corpo na sua direção. Ela faz o mesmo e meus músculos
estremecem ao me deparar com suas orbes brilhantes de lágrimas.
— Eu preciso do meu irmão.
Suas palavras me aniquilam e me fazem avançar para puxá-la para mim. Alya abraça meu
corpo com tanta força que sinto a ponta de suas unhas atravessarem o tecido grosso da minha
camisa.
Vincent volta à minha mente, me lembrando de que deixei Alya para trás. Eu poderia ter
ficado, eu poderia ter suportado tudo por ela.
Ou teria a levado comigo.
Fui desesperado e egoísta, e não me dei conta de que Alya viveria aquele inferno sozinha.
Mensagens não eram suficientes, já que, no fim do dia, ela não tinha ninguém.
— Alya, você me perdoa? — resmungo contra seus cabelos, cuidando para não bagunçá-
lo. — Eu não devia ter ido, me perdoa. Por favor.
Imploro e ela me aperta ainda mais, seu pequeno corpo se torna gigante e eu me sinto um
garoto indefeso.
— Não faz isso, Órion. — ela diz e libera um pequeno soluço. Me afasto para olhá-la e
seco seu rosto, cuidadosamente, impedindo que as lágrimas molhem suas bochechas. — Você
não precisa me pedir perdão.
— Eu preciso… E não acredito que nunca tomei coragem pra fazer isso. Eu fui um
imbecil, deixando você com aquele otário. Eu fui covarde e egoísta. — desabafo enquanto ela
balança a cabeça, negativamente. — Eu devia ter ficado, ou devia ter levado você comigo.
— Seria ilegal, irmão. — ela dá um pequeno sorriso. — Eu era menor de idade.
— Não me interessa, eu devia ter enfrentando a porra do mundo por você, Alya! —
esbravejo, me jogando no chão para me ajoelhar entre suas pernas. — Me perdoa.
Entrego cada pedaço quebrado da minha alma para a minha irmã, na esperança que seu
perdão me conserte.
Abraço a sua cintura para garantir que ela não fuja de mim. E é a vez dela de segurar o
meu rosto.
— Está tudo bem, Órion. Toda aquela merda acabou, nós não dependemos mais dele. Eu
entendo os seus motivos, da mesma forma que entendo os motivos da mamãe. — Puxo o ar com
força, em busca de um pouco de equilíbrio, mas fico tonto. — Você não podia permitir que
Vincent te machucasse ainda mais. Eu vi você definhando, Órion. Eu vi você virar outra pessoa.
Eu ouvia ele te bater.. — ela sussurra e eu engulo em seco. Minha visão fica cada vez mais
embaçada. — E naquele dia que ele cortou o seu braço, eu torci muito para você ir embora. Foi
melhor ter o meu irmão vivo, mas distante, do que estar por perto pra ver você se perder. Eu não
suportaria ver você se destruir.
Suspiro. Ela se abaixa o suficiente para tocar a testa na minha.
— Você pensa que me deixou, mas eu te senti todos os dias comigo.
— Eu torcia mesmo por isso, não teve um dia em que não pensei em você. Muito além
dos dias em que eu te ligava. Eu queria voltar, eu juro que queria.
— E que bom que não voltou. — Alya me interrompe. — Eu senti você, eu vi você.
Quando me contou da sua formatura, quando conseguiu o estágio. Eu vi tudo, Sparks.
— Eu também vi. Cada competição, cada medalha. — completo e ela sorri.
— Sempre estivemos juntos, nosso universo será, para sempre, o mesmo. — Quando uma
lágrima escorre pelo meu rosto, ela seca rapidamente. — Nunca mais me peça perdão. Nós
conseguimos vencer esse filho da puta, e é isso que importa.
Suspiro, limpando o rosto e rolo os olhos, fazendo Alya sorrir.
— Não me lembrava como era chorar. Desde ontem que essa merda não para.
— Olhe só, além de ter se tornado um bom fisioterapeuta, você também descobriu que
tem um coração. — ela brinca, secando os olhos com extremo cuidado para não borrar mais da
sua maquiagem.
— Você não consegue ser boazinha por muito tempo, não é?
— Não com você. — ela exclama, me empurrando contra o colchão para fazer cócegas
em minha barriga.
E ela sabe que eu odeio cócegas.
Ainda assim, as gargalhadas explodem em minha garganta e meu peito se expande para
receber mais ar, mesmo que eu esteja me contorcendo na cama, tentando me livrar das mãos
pequenas e irritantes da minha irmã.
— Para com essa porra, Alya! — grito, segurando seus pulsos e empurrando-a para fora
da cama. — Sorte sua que vai competir agora e eu não posso estragar seu penteado ridículo.
— Vá se foder, Sparks! — ela me empurra mais uma vez, mas sorri quando a puxo para
um abraço pelo pulso.
Alya se aninha em meu peito e eu sinto o coração aliviar.
— Eu te amo, sua otária.
— Pronto, voltou a ser o mesmo babaca de sempre. — ela reclama, se afastando. —
Tome um banho, você está fedendo a cigarro.
— Bom, agora seu uniforme também está, já que você não desgrudou de mim nos
últimos dez minutos. — respondo e ela esbraveja palavrões enquanto sai do quarto e me deixa
sozinho novamente.
O quarto está um caos.
Os lençóis caíram no chão, há restos de cigarros no canto, junto com o uniforme que usei
no dia anterior. Até a janela ficou aberta. Tudo está bagunçado e eu não sei por onde começar a
organizar.

— Isso, levante. — oriento Vivian, e ela dobra o joelho, levando-o até o peito.
Ao seu lado, Íris e Alya fazem o mesmo. As três estão em completo silêncio e eu posso
sentir a densidade do nervosismo à distância. Avanço até Alya apenas para corrigir o
alinhamento da sua perna, mas ao encostar nela, sinto o tremor.
— Por Deus, vocês vão surtar antes de entrar? — pergunto, fazendo-as me olhar em
sincronia. — A cada minuto que passa, vocês ficam mais trêmulas.
Íris rola os olhos.
— Experimenta estar no nosso lugar e você vai ver como é. — ela responde e, por
incrível que pareça, sinto vontade de sorrir.
A mesma Íris que discutiu comigo na frente da RGA, mas que agora me tem nas mãos.
— Entendo que seja difícil, mas você acha que vai conseguir se equilibrar em algum
aparelho tremendo desse jeito? — rebato e ela bufa, se jogando no tapete. — Vocês devem se
acalmar. As três estão indo bem, vocês fazem isso desde antes de começarem a falar!
— A pressão é muito maior. — Vivian reclama, cruzando os braços.
— Então, se acostumem. Ou vocês pretendem disputar apenas essa Olimpíada? Não vai
ser diferente nas próximas, e não vai ser diferente nas outras competições. — Dou um tapa leve
na coxa de Íris e com a mão livre, puxo Alya pelo pulso. — Andem, levantem. Agora. Não sejam
tão frescas.
— Às vezes eu esqueço que você é meu namorado e me lembro dos motivos que me
fizeram te odiar, sabia? — Íris resmunga, se levantando.
— Sabia. Agora cale a boca e se alonga. — A loira revira os olhos, mas faz o que pedi,
começando a alongar as pernas. — Falo sério, vocês precisam se concentrar. Não deixem o
nervosismo dominar vocês.
— Eu juro que estou tentando. — Alya diz e joga todo o corpo para frente, alongando a
coluna e os braços. — Eu achei que ficaria mais calma, por ser a segunda vez, mas parece que é
pior.
— E é. Vocês não dependem mais uma da outra, apesar de serem do mesmo país, só
dependem de si mesmas. Aprendam a lidar com essa pressão. Como eu disse, vocês fazem isso
desde sempre, tratem como algo comum.
— Comum? — Vivian exclama e eu assinto.
— Comum. — repito. — Vocês ganham medalhas desde os quatro anos de idade, vocês
comandam tudo naqueles aparelhos. Não devia ser assustador. — Dou de ombros. — Façam o
que fazem em todas as competições e nada vai deter vocês, já que são as melhores em tudo.
— E é assim que você me faz lembrar que te amo. — Íris cantarola, se aproximando para
beijar minha bochecha.
— Nojentos! — Alya reclama. — Já vai começar, acho que devemos ir.
— Devemos. — confirmo. — E quando tudo isso acabar, vocês só vão comemorar
amanhã ou mais tarde. Eu quero todas na sala de fisioterapia da sede. Vocês precisam de uma
sessão mais longa, depois de amanhã tem outra final.
Alya choraminga, saindo do vestiário, acompanhada de Vivian.
— Pelo amor de Deus, Órion! — Íris reclama, tirando a calça e ficando apenas de collant.
— Uma coisa de cada vez.
Diante dessa visão, não existe nada que me faça discutir com ela. Eu concordo com
absolutamente tudo que ela diz.
— Para de me olhar assim, pervertido! — Ela me empurra e eu olho para a porta antes de
puxá-la pela cintura.
— Acabe logo com isso, tenho muitos planos para esse collant hoje. — falo contra seus
lábios e ela sorri antes de me beijar.
— Por enquanto, isso é tudo o que vai ter, Sparks. — ela cantarola, se afastando e
rebolando a porra da cintura enquanto se afasta, jogando o cabelos preso em um rabo de cavalo.
Vai ficar perfeito enrolado na minha mão mais tarde, enquanto a fodo.
Demônia do caralho.
Preciso respirar fundo e pensar em milhares de coisas frustrantes para apagar a visão da
minha mente.
Finalmente saio do vestiário e elas já esperam em fila, enquanto outras atletas são
apresentadas. Alya esfrega as mãos, tentando controlar o nervosismo. Vivian ergue o queixo e
cruza os braços, exibindo toda a sua bravura.
E Íris continua paralisada. O único movimento que ela faz é mínimo, para que a ponta de
seus dedos toque o joelho. Reviro os olhos.
Paranóica.
Me aproximo e beijo seus cabelos rapidamente.
— Você não vai falhar. — sussurro e ela sorri. — Boa sorte.
Repito o ato com Alya, que respira fundo e logo eles são anunciadas. A voz do locutor
me causa arrepios e eu estremeço quando elas avançam para o centro do ginásio. Tentei deixá-las
tranquilas, mas o que elas não sabem é que eu estou à beira de um desmaio.
Um colapso.
Um infarto.
Qualquer coisa que signifique que meus nervos estão descontrolados.
E agora, acompanhando minha irmã de perto em cada uma de suas competições, e tendo
uma namorada que também está competindo, sinto que essa sensação vai ser comum. E pensar
nisso me faz querer fugir.
Onde estou me metendo, puta que pariu…
— Vivian Jannet Folks! — O locutor grita, me despertando. Vivian ergue os braços e
abre um sorriso.
Os gritos ecoam pelo ginásio e minha pele arrepia.
— Alya Parsons Sparks! — É a vez da minha irmã se apresentar e eu sinto náuseas.
Eu realmente vou desmaiar. Os gritos são ainda mais altos.
Ela está impecável e ainda nem começou a competir. Se algum otário não der notas altas
o suficiente para ela, sou capaz de cometer um crime.
E é nessas horas que eu vejo que deveria ser apenas um torcedor comum. Aceitar
qualquer perda de pontos delas é extremamente difícil, sendo da equipe é ainda pior, já que não
posso demonstrar muitas reações.
— Íris Julianne Coleman!
Alinho a postura na tentativa falha de disfarçar o pânico.
Íris ergue os braços, exibe seu sorriso mais lindo e arranca gritos e palmas
ensurdecedoras de todo o ginásio. A maldita conseguiu conquistar até mesmo pessoas de outros
países, é preciso apenas algumas entrevistas, alguns sorrisos, fotos e abraços, e pronto, todos se
rendem.
É fácil e eu sou a prova viva de que é impossível não se apaixonar por ela.
QUE.
INFERNO.
Quando acabam as apresentações, elas se direcionam para os aparelhos, utilizando de
cada momento dos 60 segundos para aquecer e se acostumar com o espaço. Depois de colocarem
os protetores e exagerarem no pó de magnésio, elas acenam para as amigas na arquibancada.
As duas usam camisas da RGA e gritam pelo trio. Toda essa baboseira pode ser
emocionante, mas cada segundo daquela preparação me deixa mais angustiado.
Estou tão ansioso que sinto todos os meus órgãos trabalhando, cada gota de sangue
correndo pelas minhas veias. Cada batida do meu coração.
O locutor logo grita novamente, anunciando o início da final nas barras assimétricas.
Assisto Vivian estremecer, mas fechar os olhos em busca de controle.
Ela encara as barras como se elas fossem suas inimigas. E eu sei que ela pensa dessa
forma, já que Sarah sempre disse que ela era pior no aparelho. Tento me comunicar por
pensamento com Vivian. Ao meu lado, Neil parece tentar fazer o mesmo, já que nem pisca ao
olhar para ela se preparar no trampolim.
Vivian salta direto para a barra maior e dá dois giros perfeitos antes de reverter as
posições e dar um mortal, que a direciona para a barra menor. Duas acrobacias obrigatórias são
feitas com sucesso e ela garante mais pontos.
Suas transferências e reversões são impecáveis, mas os movimentos básicos fazem Neil
se agitar, já que certamente tornarão sua nota de dificuldade mais baixa. Ainda assim, ela acerta
em tudo o que faz e as meninas vibram a cada feito dela.
Prendo a respiração quando a vejo impulsionar o corpo com mais intensidade enquanto
seu corpo gira ao redor da barra. Cubro a boca quando vejo seu corpo ser lançado para cima.
Vivian dá dois mortais impecáveis e cai de pé no tapete. Os pés grudados no estofado, os
braços alinhados à frente do corpo. A aterrissagem perfeita que faz a torcida americana explodir
em palmas.
E eu explodo em alívio.
Me lembrar que todas competem em todos aparelhos me faz estremecer, principalmente
quando vejo Alya dar pequenos saltinhos de aquecimento enquanto encara as barras assimétricas.
O dia vai ser mais longo do que eu pensava.
Minha irmã faz uma execução quase perfeita nas barras e se aproxima com expressão de
frustração, já que não cravou na hora de sair e certamente, perderá pontos. Por outro lado, Íris
conseguiu concluir todos os exercícios e finalizou a prova sem qualquer erro, garantindo uma
nota alta.
Os minutos se arrastam e as provas parecem não ter fim. Meus dedos já doem, já que não
tenho mais unhas para roer e a agonia me deixa agitado. A soma da execução nas barras
assimétricas e nos solos deixa Alya em sexto, Íris em quinto e ao cravar a aterrissagem do salto
na mesa, Vivian alcança o terceiro lugar.
Neil já tem os dedos avermelhados, de tanto apertar os tapetes enquanto assiste as
meninas e eu já perdi as contas de quantas vezes fui em busca da minha garrafa d’água, na
tentativa falha de me acalmar.
Neil e Celia atravessam o ginásio com Alya, preparando-a para o salto na mesa. Ela está
nitidamente nervosa e minhas mãos suam dentro dos bolsos do moletom.
Minha irmã respira fundo enquanto se direciona para o aparelho. Vejo seus ombros
subirem e descerem diversas vezes e ela fecha os olhos para atingir o foco. Seus olhos brilham
enquanto encara o caminho que deve percorrer até a mesa.
— Vai dar tudo certo. — Íris resmunga para mim e repete mais diversas vezes, tentando
se acalmar.
Alya ergue os braços para se apresentar e inspira mais uma vez. Quando solta o ar, ela
inicia a corrida que acelera meu coração. Sigo cada um dos seus passos e meus olhos arregalam
quando ela lança o corpo na direção da mesa. Ela conclui mais um dos seus giros carpados,
incrivelmente difíceis, mas ao cair no tapete, dá uma leve desequilibrada, que a faz dar mais um
saltinho para trás em busca de apoio.
Apesar da frustração nítida em seus olhos, ela sorri e corre para fora do tapete, na direção
de Neil, que a abraça com força. Alya encerra as apresentações do salto na mesa e a pontuação
que surge na tela mostra que ela sobe apenas para o quinto lugar.
— Você foi incrível. — Íris sussurra para Alya, abraçando-a.
— Não vou conseguir o pódio. — ela choraminga e Vivian a abraça. — Nem um milagre.
Só faltam as traves.
— Se acalma, amor. — Vivian abraça sua cintura.
— Estou conformada, é obrigação de vocês conseguir o pódio. — ela avisa, franzindo as
sobrancelhas e fazendo o olhar de Noelle que me deixa nervoso.
— Pode deixar. — Íris brinca, batendo continência para minha irmã, que a abraça.
— Espero mesmo que esteja confiante assim, Coleman. Você começa nas traves. — Neil
avisa, abraçando os ombros dela.
Tudo acontece tão rapidamente que não tenho chance de reagir com muita objetividade.
Apenas dou um beijo na testa da minha irmã e volto a olhar para o centro do ginásio, dessa vez,
na trave. Íris se direciona para o aparelho quando o locutor a anuncia e eu cubro o rosto, na
tentativa de esconder o pânico.
Íris exibe sua primeira acrobacia ao subir e ganha aplausos por não usar as mãos na hora
de equilibrar no aparelho. Seus passos são friamente calculados e executados com o máximo de
concentração.
Assisto seus giros e saltos com o coração saltando na garganta, torcendo para que os
minutos se tornem segundos, para que ela saia logo dali e acabe com essa tortura. Neil comemora
a cada estrela sem mãos que Íris conclui, as acrobacias são seguidas de passos coreografados,
giros impecáveis e quando ela se prepara para sair, todos ficam em silêncio.
Todos os olhares pertencem a ela e logo o ginásio é tomado por comemorações, porque
ela não falha em nenhum movimento. Ela corre sem desequilibrar, seu corpo continua alinhado,
o giro não possui erros e a aterrissagem é perfeita, como se um ímã puxasse seus pés para o
tapete e a impedisse de cair.
Ela corre e meu coração se derrete.
— Eu só aceito ficar de fora do pódio se for para uma de vocês. — Íris comenta, se
aproximando de nós com um sorriso no rosto e respiração ofegante.
Tudo parece acelerar, como se o mundo tivesse decidido girar mais rápido para antecipar
as coisas, e acabar com a angústia que é acompanhar todos aqueles saltos difíceis sem sentir
medo da falha.
Elas sequer olham para o outro lado do ginásio, onde está posicionada a equipe japonesa.
Os olhares de Sarah já não as afetam mais, e ela decide deixar as meninas de lado ao perceber
que não está recebendo atenção.
O orgulho que sinto delas transparece quando capturo as três em um abraço, quando as
apresentações finalmente terminam. Apesar de estar satisfeita com a apresentação, Alya não
alcança o quinto lugar, já que as pontuações estavam apertadas. Íris e Vivian estão em quarto e
quinto lugar, e com as pontuações da última apresentação, é possível que elas ultrapassem a
francesa e a coreana que encabeçam o pódio.
— Eu acho que vou vomitar. — Íris resmunga, encarando a tela. Belisco seu braço e ela
reclama.
— Se acalme.
A nota de Vivian é a primeira a aparecer na tela. O 5.300 somado com o 9.700 fazem
com que ela suba para o primeiro lugar. Em seguida, vejo o nome de Íris subir para segundo
quando somam o 5.200 e 8.700 da sua apresentação na trave.
Levamos duas medalhas. Ouro para Vivian e prata para Íris. Nossa equipe explode em
gritos, Vivian e Íris se abraçam com tanta força que me faz esquecer que, por um tempo, elas mal
se falavam. Alya se enfia entre elas, em busca de espaço e não demora para que todos estejam
agarrados, pulando pelo ginásio.
Um sorriso faz minhas bochechas doerem quando Íris salta em meu colo.
— Eu te amo, loirinha — falo, antes de beijar sua bochecha. Ela se põe na ponta dos pés
e envolve minha nuca.
— Não acredito que ganhamos mais uma. — ela diz, agitando os pequenos pés.
— Depois de amanhã será o seu ouro.
Ela suspira e eu beijo a ponta do seu nariz, fazendo a loira voltar a sorrir.
— Eu espero mesmo que sim. Amanhã é a última final… — Assinto, ouvindo seu tom se
alterar. Ela se distancia, respeitando o fato de estarmos em público, mas seus olhos me estudam
profundamente. — E vamos usar um outro uniforme…
— Eu sei…
— Lembro que disse que tinha planos para um certo collant… — ela cantarola e depois
de dar uma piscadinha na minha direção, ela corre para comemorar a vitória com o time.
Íris vira minha vida de ponta cabeça em questão de segundos, o caos que nos envolve é
tão intenso que me rouba o ar.
Com certeza preciso de um cigarro.
E a sessão de fisioterapia ficará para o dia seguinte.
Você não precisa ir
Há um longo caminho pela frente
Eu não acredito que o tempo vá mudar a sua mente
Em outras palavras
Eu sei que eles não vão mais te machucar, contanto que você os deixe ir
Matilda — Harry Styles

FINAL INDIVIDUAL POR APARELHOS


Viro para o lado, me deparando com as duas medalhas penduradas na minha mesa de
cabeceira.
Antes mesmo de me espreguiçar na cama, sou atingida por um turbilhão de lembranças,
desde o momento em que sai da competição pelo mundial, com cinco medalhas no pescoço e o
juramento de que as Olimpíadas seriam o meu momento. O lugar onde eu daria meu máximo e
mostraria ao mundo a verdadeira magia da ginástica artística.
Eu só não sabia que deveria ir ao inferno antes de tocar no solo do meu paraíso.
Não sabia que precisaria chegar ao extremo da pressão e do medo para finalmente me
sentir segura no esporte que me descobriu. Jamais imaginei que sentiria pavor ao pensar em fazer
o que mais amei na minha vida.
O medo se tornou coragem, e eu deixei de me reconhecer para dar lugar a uma Íris que se
sente imbatível. Mesmo que Sarah esteja do outro lado desejando que eu falhe, me encarando
como se seus olhos fossem capazes de me derrubar dos aparelhos. Mesmo que a outra Íris tente
me convencer de que devo ir embora.
Mesmo que a mordida que dei em minha mão em um momento de crise ainda lateje.
As dores ficarão do lado de fora e Sarah vai se tornar uma estranha.
Mesmo que meu coração tenha a amado um dia, mesmo que a culpa ainda tente me
deixar sem dormir.
— Bom dia! — A voz de Ashley me arranca dos meus pensamentos e me faz levantar.
Na cama ao lado, Alya reclama e cobre o rosto com o travesseiro.
Jennifer se espreguiça antes de abrir um sorriso preguiçoso.
Vivian sequer se mexe.
— Acordem! Nós temos uma final para competir hoje! — A loira grita mais uma vez e
meu corpo cai no colchão.
Certo, estou preparada e cheia de coragem, mas também estou exausta e queria mais
algumas horinhas de sono.
— Cale a boca, Ashley. Por favor… — Alya reclama contra o colchão e eu sorrio.
O mau humor matinal dos Sparks me contagia e me deixa tentada a irritá-los, sempre.
— Ashley está certa. — falo entre um bocejo e me levanto, puxando a coberta da minha
melhor amiga. — Acorda, Sparks! Vamos, Vi! — Acerto um tapa na coxa de Vivian, que
choraminga, mas se levanta, jogando as tranças longas para trás.
— Eu odeio seu bom humor matinal. — Alya rosna, se sentando no meio da cama.
— Nós estamos em Paris, vivendo as Olimpíadas e vocês querem dormir? — Jennifer
pergunta, se arrastando para o banheiro.
— Sim! — Alya responde, mas eu a puxo antes que ela deite de novo. — Por que não vai
atormentar seu namorado?
— Você sempre será a minha primeira opção… — cantarolo, abraçando seu tronco e ela
semicerra os olhos.
— Mentirosa do caralho. Você prefere o Órion. — ela resmunga e eu a aperto.
— E eu nem sei como consegue, ele é insuportável. — Vivian diz, pausadamente
enquanto pega seu uniforme.
— É verdade. — Jenni surge na porta, com a escova de dentes na boca.
— Não falem dele, ele não é tão ruim. — choramingo e Alya finalmente gargalha. — Ele
é seu irmão!
— Exatamente, eles são iguais! — Vivian brinca, puxando a namorada para um abraço.
Gargalho, abraçando as duas e logo nós cinco estamos envolvidas em um abraço
bagunçado e sujo da pasta de dente de Ashley e Jennifer.
Momentos como esse enchem minhas veias de motivação. Merecemos voltar para os
Estados Unidos com o máximo de medalhas que pudermos carregar. Minhas amigas foram meu
apoio durante todos esses anos, a conexão estabelecida desde que adentramos aquele ginásio, aos
quatro anos, nunca esteve tão forte.
Alya, Vivian, Ashley e Jennifer são quatro partes da minha alma. Uma única alma
dividida em cinco, partes que se encontrarão até o fim dos tempos.
Elas são a personificação de lar e conforto, de apoio e coragem. Eu sou o que sou porque
tive elas, porque antes de ser a ginasta Íris Coleman, eu fiz parte do melhor grupo de amigas já
visto na humanidade. Nós somos nós antes da ginástica e não existe feito histórico mais bonito
que esse.
O nascimento da constelação mais linda já vista. Sem elas, eu sou uma mera estrela
perdida.
Merda, desde quando eu penso tanto em constelações?
— Será que vocês podem se apressar? — O chamado do outro lado da porta me lembra
do motivo de pensar tanto em constelações. — Vocês estão atrasadas. De novo.
Alya abre a porta, revelando seu irmão — e meu namorado, graças a Deus — em seu
uniforme azul, da delegação americana.
Ele cruza os braços e encara a irmã.
— Não estamos atrasadas, você que é chato.
— Estão atrasadas, Jocelyn precisa enfeitar a cara inchada de vocês com toda aquela
maquiagem. — ele resmunga, apontando para nós. Os olhos inchados de sono indicam o motivo
do seu mau humor. — Sejam rápidas.
— Bom dia para você também. — falo e ele rola os olhos, sumindo pelo corredor. —
Idiota.
O ginásio parece maior do que eu me lembrava. As luzes parecem mais intensas e sinto
quase cegar meus olhos. O uniforme parece mais quente e eu me sinto suada embaixo do casaco
e da calça de moletom.
Neil nos guia para dentro do vestiário mais uma vez, onde Órion começa a dar suas
ordens de alongamento.
A coragem já não parece mais uma realidade.
Meu corpo todo treme e ao me ver, ele percebe. Ele não precisa me tocar ou chegar perto
a ponto de enxergar o tremor em minha pele. Órion percebe mesmo que do outro lado do
vestiário, mesmo que eu não diga uma única palavra.
Ele percebe e se aproxima com seu maldito olhar repreendedor que faz eu encolher os
ombros. Estico o corpo na maca de fisioterapia e ele se abaixa na direção da minha perna,
massageando-a.
— E então? — Ele chama a minha atenção. A voz rouca pelo tom baixo, para que
ninguém nos escute apesar da distância.
— O quê?
— Por que essa cara?
— Medo. — confesso e seguro a sua mão antes que ele comece o sermão. — Por favor,
sem frases motivacionais ou sermões que vão me irritar. Agora, eu só preciso do meu namorado.
— Infelizmente seu namorado está cheio de sermões feitos especialmente para te irritar.
— ele brinca e se senta ao meu lado. Levanto o tronco para alcançá-lo. — Vem cá.
Me aproximo o suficiente para que ele me abrace com força. Órion me envolve por
completo, indo além de abraçar meu corpo. Ele recarrega minha energia sem nem mesmo saber,
me faz respirar tranquila novamente.
Como tudo que ele faz, ele arranca meus temores à força, sem me dar a chance de
questionar ou negar que ele o faça. Ele abraça meu corpo, minha alma e meu coração agitado.
— Eu te disse que conseguiria, hum? — ele sussurra, acariciando minha nuca.
— Que bom que não desistiu de mim. — sussurro de volta e ele ri baixo, afastando-se
para me olhar. — Até que você também não é tão ruim…
Toco seu rosto e o sorriso que surge em seus lábios me faz viva.
Porra, ele deveria mesmo saber o quão encantador fica quanto está sorrindo.
— Então, você não me odeia mais, loirinha? — Seu tom dissimulado me faz rolar os
olhos.
— Depende do dia. — Ele gargalha e eu desmonto. Completamente entregue a ele. — É
sério, que bom que não desistiu.
— Lembro do dia em que você entrou naquela porra de centro cirúrgico. Alguma coisa
em mim dizia que não seria uma recuperação comum. — Órion suspira e enlaça nossos dedos. —
Não me lembro de ter sentido tanto nervosismo um dia. E eu ainda jurava para mim mesmo que
te odiava. Lembro que saí para fumar o décimo cigarro e Sarah estava lá, dizendo que Neil
deveria te descartar.
Meu corpo gela.
— Eu senti ódio, Íris. Eu quis ir lá te defender, quis ir lá dizer que todos estavam errados
em pensar que você não conseguia. Pode parecer bobo, mas naquele dia, que você fez aquele
exame enquanto morria de dor, eu descobri que ninguém, nunca seria capaz de te parar.
— E o que você fez?
— Eu fui lá, ué. — Ele dá de ombros, me fazendo rir. — Eu fui lá e fiz exatamente o que
eu queria. E foi por isso que Sarah passou a me odiar, porque eu sabia que você era capaz de
vencer essa merda de lesão. E eu juro que não é apenas porque eu sou um ótimo profissional, —
rolo os olhos — mas porque eu vi a força que você tem. E eu nunca vi isso em ninguém.
— Amor…
— Falo sério. Naquele momento em que eu enfrentei a Sarah, eu já te amava. Só não
tinha me dado conta disso. — Minha pele arrepia quando seu polegar acaricia o dorso da minha
mão. — Você e essa porra de mania de ter esperança em tudo, e não deixar nada te abalar, e lutar
contra todos que tentam te machucar. Porra, Íris, isso fez com que eu ficasse de joelhos por você
sem ao menos perceber, entende isso?
Encosto a cabeça em seu ombro para disfarçar a vontade de chorar e me contenho para
não beijá-lo, já que apesar da distância, meu time e toda a equipe técnica está do outro lado do
vestiário.
— Você me tirava do sério todo maldito dia, mas no fim, sempre me deixava fascinado.
Você me desafiou, Coleman. Desafiou meu coração, desafiou a minha mente. Até mesmo agora,
que eu tenho você, você continua me desafiando. Você continua me tornando uma grande
bagunça que só você consegue organizar. — ele sussurra, enquanto acaricia minhas costas.
O planeta e todo o universo se torna pequeno e paralisa apenas para nos observar.
— Você é meu maior feito. E não digo profissionalmente, mesmo que sua evolução tenha
me trazido até aqui. — Suspiro e me afasto apenas para encontrar seus olhos azuis.
As orbes que sempre carregaram o tom mais frio do azul, e que agora parecem incendiar
todo o meu mundo. Quente como nunca, vivo como nunca. Tudo parece funcionar, tudo está em
seu devido lugar.
— Você é o maior feito do meu coração. Ter largado o orgulho para me permitir te amar
será, para sempre, o maior fenômeno da minha vida. — Órion toca meu rosto e encosta a testa na
minha. Fecho os olhos mesmo sentindo a pele arder. — Eu te amo, Íris Julianne Coleman.
— Eu te amo, Órion Sparks Parsons. — respondo, sentindo sua respiração em contato
com meu rosto. — Você é um maldito, sabia? — ele assente. — Eu me repreendia a cada dia que
eu sentia você virando a minha vida do avesso, mas acho que eu precisava da sua intensidade
para viver. Precisava do seu caos junto ao meu. Agora, acho que o avesso é o lado certo. Eu tinha
medo de enfrentar o meu caos, eu enfrentava o mundo, mas nunca enfrentei a mim mesma. Você
me deu coragem, Sparks.
— Que bom que decidiu enfrentar a si mesma. — Ele beija minha bochecha. —
Descobriu como todas as suas faces, mesmo as mais quebradas, são lindas?
Sorrio, perdendo a capacidade de respondê-lo. Perco as palavras, o controle das pernas e
de todo o meu corpo. Perco a capacidade de controlar as batidas do meu coração, que só quer
rasgar meu peito para saltar em suas mãos.
— E agora, você vai acabar com essa vontade de chorar que não consegue disfarçar. —
ele diz, se levantando e voltando a massagear minha perna. Meus olhos continuam perdidos em
seu rosto. — Você vai parar de babar em mim e vai se concentrar.
— Vai se foder.
— Mal educada. — ele rebate, sem tirar os olhos do seu trabalho. — E vai estar no pódio.
— Como pode ter tanta certeza?
Órion se inclina sobre mim mais uma vez, mas dessa vez, deixa um beijo em meus lábios
que termina com um sorriso idiota que não deixa minha boca.
— Você é a única certeza que tenho na vida, Coleman.

Sinto cada centímetro do meu corpo em chamas.


O final da trave parece ser o meu fim, ao mesmo tempo que pode ser uma das maiores
realizações da minha vida.
Minha mente barulhenta briga com o silêncio do ginásio, onde todas as torcidas me
encaram. Alguns desejando que eu erre, outros torcendo para que eu seja impecável.
Puxo o ar com tanta força que, por um pequeno segundo, me sinto tonta. Ao recuperar o
equilíbrio mental, ergo os braços e inicio uma sequência de flic-flacs que pode significar a minha
ruína ou a minha vitória.
O mundo parece girar devagar para que eu sinta cada mísero movimento do meu corpo.
Os arrepios na pele, a pressão nos meus pulsos, o impacto dos meus pés na trave. Ainda assim,
tudo acontece em questão de segundos e, na velocidade da luz, concluo um duplo twist carpado e
cravo os pés no tapete.
Firme, impecável, sem qualquer margem para erros.
Um grito rasga a minha garganta. Escancara minhas cordas vocais, alcançam cada canto
do ginásio que grita junto comigo quando ergo os braços ao finalizar minha prova.
Seja lá qual for a nota, nada será capaz de acabar com o alívio que consome meu peito.
Eu consegui.
Encontro as mãos de Neil estendidas para mim e cumprimento meu treinador, que me
abraça com o maior dos seus sorrisos no rosto. Ele me levanta com rapidez, me tirando do tapete
em seu colo e quando alcanço o chão, minha única reação é correr na direção das minhas amigas.
O meu caminho de volta para casa.
O resumo de tudo que me trouxe até aqui.
Elas me recebem com força, lágrimas e gritos que me acolhem como se eu tivesse
ganhado o mundo.
— Você foi perfeita, Íris! Meu Deus! — Ashley grita, abraçada a minha cintura.
— Impecável! — Alya completa, beijando meu rosto. — Nós vamos estar juntas no
pódio, amiga!
— Vamos ver a nota antes que eu tenha um infarto. Vai acabar, amiga. — Vivian me
puxa pelo pulso.
Continuamos presas no mesmo abraço enquanto meu coração pulsa em meu peito. Tão
forte que sinto dor no tórax, e meus pulmões reclamam do grande esforço que fiz. Tento conter o
nervosismo, mas todo o meu corpo treme contra minhas amigas.
Preciso de poucos pontos para ultrapassar a atleta australiana e, pelo menos, alcançar o
terceiro lugar. Alya já está em primeiro lugar, garantindo seu lugar no pódio mais alto da
competição. Ficar por último na competição tem suas vantagens, restam alguns segundos para eu
descobrir se fiquei fora do pódio ou se alguma medalha voltará comigo para os Estados Unidos.
O suor vai além da agitação do meu corpo e eu sinto as gotas escorrerem pelas minhas
costas, através do collant apertado. Os minutos se tornam horas e eu sinto que vou desmaiar se
não obtiver resultados.
Meu coração implora por respostas e quando a classificação começa a se mover, eu fecho
os olhos.
Uma lágrima escorre mesmo antes de saber o final da competição nas traves. A
possibilidade de dividir o pódio com a pessoa que carrega metade do meu coração me causa
arrepios.
— Nós conseguimos! — Alya grita e mais lágrimas escorrem. Agora sem qualquer
controle, sem hesitação ou vergonha.
Quando meus olhos finalmente encaram a tela, encontro nossas pontuações quase
idênticas e que deixou Alya em primeiro e eu, em segundo.
Eu caio no choro nos braços da minha melhor amiga.
— Nós conseguimos, amiga! — ela chora ao me puxar pelo pescoço para abraçá-la. —
Eu sabia que você ia conseguir.
— Nós conseguimos? — pergunto, sentindo a garganta se fechar pelos soluços de alívio
que quero libertar. — Meu Deus, nós conseguimos.
É a única coisa que conseguimos dizer até que meu coração se acostume com o fato de
estar dividindo pódio com Alya.
Alya Sparks, que grudou em mim desde o primeiro dia e que eu nunca mais permiti que
me soltasse. A mesma que nunca deixou que eu me perdesse dentro de mim, e que sempre me
encontrou no meio da escuridão que eu renegava.
Alya Sparks Parsons, que me salvava mesmo quando eu não tinha coragem para pedir
ajuda. Ela me ouviu no meio do silêncio e me resgatou antes mesmo de eu desabar.
— Eu te amo, amiga. Meu Deus, eu te amo tanto! — exclamo contra sua pele, me
recusando a soltá-la enquanto os gritos nos rodeiam. — Obrigada por não desistir de mim.
— Eu nunca vou desistir de você, Coleman. Se você for até o fundo do poço, eu vou com
você. — ela diz, segurando meu rosto.
Depois de apertá-la em mais um abraço, finalmente recebo os parabéns das minhas
amigas e do meu treinador. Tantos abraços que me sufocam e me aliviam ao mesmo tempo, e
que me deixam ainda mais cansada, mas tomada por uma imensa felicidade que não consigo
esconder.
Tudo se torna menor quando olho para ele.
Quando ele nos olha com um brilho intenso nos olhos. Tão intenso que faz com que eu
tenha a certeza de que uma pessoa pode se apaixonar pela mesma pessoa um milhão de vezes.
Perdi as contas de quantas vezes me dei conta do quanto o amo.
Órion consegue nos alcançar em único abraço e por mais apertado que seja, me sinto
dentro de uma casa segura e tão bonita que o ar parece mais limpo. É puro e preenche as lacunas
vazias da minha vida.
O abraço é silencioso, mas tão cheio de sensações que me faz atingir o ápice da
felicidade. Ele não precisa dizer mais nada. Ela não precisa proferir um som sequer. Eles me
salvam apenas com os malditos olhos azuis que me atormentam desde sempre.
— Comemoramos depois, certo? — ele diz, se afastando e segurando em nossos ombros.
— Não acabou para vocês, ainda tem as barras.
Alya rola os olhos e suspira pesadamente.
— Você não consegue, não é? — ela pergunta, fingindo tédio e ele nega com a cabeça,
com a porra do sorriso presunçoso que me tira a paz desde o primeiro dia.
— Vão se aquecer.
As barras assimétricas são os últimos aparelhos da competição e o clima entre nós já não
está mais tão tenso. Não quando todas nós estamos no pódio dos aparelhos. Vivian não consegue
tirar o sorriso do rosto desde que ganhou o ouro na competição de salto na mesa, assim como
Ash, que ficou com o bronze.
Jenni repete a cada cinco minutos que é campeã olímpica no solo. E eu não podia estar
mais orgulhosa.
Depois de ganhar alguns minutos de comemoração e descanso, o locutor avisa que a
última modalidade irá começar e que, novamente, os EUA ficaria por último. Minha visão
pertence, unicamente, as atletas que começam a se aquecer na frente das barras. Do outro, Sarah
me encara, mesmo que as meninas se preparando sejam da sua equipe.
Não vou mentir, a frustração estampada em seu rosto enche meu peito de orgulho e
satisfação, mesmo que eu saiba dos riscos que corro, caso ela decida abrir a maldita boca.

FINAL INDIVIDUAL NAS BARRAS ASSIMÉTRICAS


— Boa sorte. — Órion sussurra enquanto tiro o moletom que me protege do frio do ar
condicionado.
Eu poderia justificar o tremor das minhas pernas dessa forma, mas seria uma completa
mentira. A verdade é que eu estou me desfazendo em nervosismo.
Mais uma vez, sou deixada por último na competição e eu preciso bater um recorde de
pontuação para atingir o primeiro lugar, já que disputar com o Japão e a Austrália se torna cada
vez mais difícil.
Ainda bem que está acabando.
É a última prova de ginástica artística feminino, a última chance que tenho de conseguir
uma medalha de ouro. Para mim, a disputa olímpica acaba no momento em que eu soltar aquelas
barras e a possibilidade de me tornar uma grande frustração me deixa hesitante enquanto
atravesso o ginásio.
Neil resmunga palavras de motivação e orientação que não consigo entender. Todo som
ao meu redor se tornou ruído para dar lugar a tentativas frustradas de me acalmar.
Eu sou medalhista nessa porra de aparelho, ele não tem o menor direito de me assustar.
— Pronta? — Neil pergunta. Respiro fundo para entendê-lo e respondo com um aceno de
cabeça. — Concentração, Coleman. Esse ouro já é seu.
Esfrego minhas mãos, espalhando o pó de magnésio pelos meus dedos. Repasso minha
série mais uma vez, e repito mentalmente até sentir minhas pernas firmes de novo.
Sinto o peito expandir para que meus pulmões recebam ar, meu subconsciente volta para
o seu devido lugar. Todas as vezes em que me considerei preparada, se tornam mínimas. Uma
grande mentira. Por um tempo, eu fui uma farsa.
Nada chegará perto da coragem que sinto se misturar ao sangue em minhas veias.
Eu fingia estar pronta.
Agora sinto que nada será capaz de me fazer parar.
Espero a liberação do juiz e me apresento aos jurados rapidamente. Meu corpo se torna
tão leve que um pequeno salto no trampolim me faz alcançar a barra menor. Giro tão facilmente
que me sinto nos céus, o vento causado pelos movimentos me fazem respirar.
Me dão vontade de voar.
Dou um mortal perfeito e alcanço a barra maior, fazendo uma reversão rápida, seguida de
acrobacias mais difíceis e elaboradas por Celia. Dois giros retos me impulsionam para a barra
menor novamente, com extrema facilidade.
A vontade se realiza e meu corpo voa pelas barras. Asas invisíveis me impedem de cair
enquanto faço reversões na barra, trocando as mãos, rodopiando e concluindo as acrobacias.
Competir nunca foi tão fácil.
Se acreditam que eu faço o impossível, hoje irei provar que estou próxima dele.
Transito entre as barras com rapidez e graciosidade. Tão suave que meu corpo agradece e
eu sorrio entre os movimentos, até chegar ao fim.
Me encontro, pela última vez, com a barra maior da Bercy Arena. Ponho um ponto final
na minha apresentação nas Olimpíadas de Paris.
Prendo a respiração e a magia assume o controle. A magia que Neil sempre pontuou.
A magia que eu devia mostrar nos Jogos Olímpicos.
A mesma magia que me faz completar o giro carpado e cair de pé no tapete. Ele me atrai
como um ímã e me mantém grudado a ele. A gravidade me puxa para baixo, mas a força das
minhas pernas não me permite cambalear.
Ergo todo o corpo, alinhando-o por completo e erguendo os braços. Descubro uma
sensação que ainda não consigo nomear, algo nunca sentido antes por nenhuma outra pessoa.
Algo feito especialmente para mim e para a ginástica.
Uma sensação que me faz ser eu, e que me faz gritar a plenos pulmões.
Corro na direção do meu treinador e tenho mais confirmações de que fiz um bom
trabalho. Minhas amigas pulam e gritam em comemoração, Órion vibra ao lado de Celia.
Neil me abraça com tanta força que me sinto pequena, e com sete anos novamente,
quando vi o gigante da ginástica e o coloquei como objetivo.
Eu seria treinada por ele. Só não sabia que ele me treinaria, mudaria minha vida e me
amaria tanto.
— Obrigada.
É a única coisa que consigo dizer e repito outras vezes enquanto ele me arrasta pelo
ginásio. Lágrimas tornam minha visão embaçada e eu sou arrebatada, mais uma vez, pelo abraço
das minhas amigas.
— Olha, a nota vai sair. — Jennifer aponta para a tela e meus olhos continuam presos nos
jurados, que murmuram e digitam nos seus teclados.
Meu estômago revira, minha derme estremece. Até mesmo meus ossos rangem. Pressiono
os olhos, tentando controlar minha respiração descompassada e o medo que insiste em retornar
para meu corpo.
— Olha, amiga. — Ashley me sacode e eu volto a encarar a tela.
Meu coração salta para a minha garganta e acelera tanto que sinto as pulsações em todo
meu corpo, até mesmo na sola dos meus pés agitados.
Gritos soam em meus ouvidos, minhas amigas me envolvem em abraços apertados e
emocionados e eu sequer consigo me mover.
Meus olhos continuam presos a tela e eu ainda não descobri como reagir. Não enquanto
meu nome está cintilando na tela, em primeiro lugar.

I. COLEMAN — 14.700

Elas me sacodem enquanto meus olhos continuam arregalados na direção da tela. Me


sinto anestesiada, em completo estado de choque em união ao êxtase que me desperta. Me faz
gritar, me faz chorar até soluçar.
Fogos de artifício explodem dentro de mim, fazem minha pele arrepiar e tremer, fazem
lágrimas molharem todo o meu rosto. Me fazem esquecer que todos me assistem quando abraço
meu próprio corpo, me sentindo viva. Me lembrando de quem eu fui, quem era e quem vou ser
depois daqui.
Reafirmando que nada tiraria o ouro de mim.
E que, porra, eu consegui.
Íris Coleman, campeã olímpica. Quatro medalhas.
A sensação de ter o céu nas minhas mãos, e de que nada, nunca, vai se comparar a essa
sensação.

O pódio parece alto demais, mas meu queixo continua erguido. As duas medalhas do dia,
prata e ouro, pesam em meu pescoço, mas continuo encarando o ponto mais alto do ginásio até o
fim do hino dos Estados Unidos.
Poso para mais uma foto e meu corpo implora para que esse dia nunca mais termine.
Me despeço das minhas adversárias com abraços e desvio o olhar de Sarah, que ainda me
encara com ódio. Nem mesmo ela seria capaz de acabar com tantas sensações boas que enchem
meu peito.
— Amiga, hora das entrevistas. — Alya me puxa pelo pulso. Meu peito ainda está
ofegante, mas a maquiagem está retocada, o cabelo coberto por glitter.
O uniforme da delegação continua insuportavelmente quente.
— Quando quiserem! — A entrevistadora avisa, arrumando a roupa impecável. Sua
postura é descontraída e profissional ao mesmo tempo, seu sorriso me deixa extremamente
confortável. — Só preciso esperar a minha parceira, só um minuto. — ela avisa, esgueirando o
olhar pela multidão que nos cerca.
Jennifer sorri, tentando disfarçar a timidez, enquanto Vivian franze o cenho, encarando o
homem ao lado da entrevistadora.
— Ayla[6], pelo amor de Deus! Onde você se meteu? — A entrevistadora pergunta,
arrumando mais uma vez o microfone com o símbolo da ESPN.
— Desculpa, o Héron estava me ajudando com o microfone. Ele decidiu parar, mas agora
está tudo certo. — A outra jornalista, extremamente deslumbrante, se aproxima enquanto ajeita
um pequeno microfone na mão.
— Eu sou Hope Poterfield.
— Eu sou Ayla Jones, me desculpe pelo transtorno. — ela avisa e eu sorrio para que ela
saiba que está tudo bem.
— Espera. Você é Kyle Williams? — Vivian finalmente se pronuncia. O homem ao lado
da jornalista assente, nitidamente tímido. Ele é enorme, a pele negra retinta contrasta com a
camisa azul dos Estados Unidos. — O jogador de baseball?
— Isso mesmo.
— Porra, eu sou muito sua fã! — ela exclama.
— Então, vocês são amantes de outros esportes também? — Hope pergunta antes de,
finalmente, ligar o microfone.
— Nem todas, mas Vivian ama baseball. — Alya diz, fazendo-as sorrir.
— Podemos tirar uma foto quando tudo isso acabar. — O jogador de baseball diz para
Vivian, que assente, animada. — Agora, eu sou um mero ajudante.
Rimos do seu comentário e quando a câmera vira na nossa direção, meu corpo enrijece.
— Estamos aqui, direto de Paris, na Bercy Arena, com as ginastas medalhistas da
delegação dos Estados Unidos. Alya Parsons, Vivian Folks, Jennifer Tanner, Íris Coleman e
Ashley Benner alcançaram um marco histórico para a história da Royal Gymnastic Academy e
para a Federação Americana de Ginástica. Todas levaram, pelo menos, uma medalha em todas as
modalidades dos Jogos Olímpicos e detalhe, queridos telespectadores, elas são integrantes da
mesma academia. Isso nunca havia acontecido! Como é saber que todos os olhares agora
pertencem a vocês e a RGA?
Ashley, a nossa correspondente oficial, se inclina sobre o microfone.
— É gratificante, entramos na RGA com apenas quatro anos de idade, todas juntas.
Algumas dificuldades tentaram nos afastar das Olimpíadas e finalmente conseguir esse marco é
uma honra. Devemos tudo aos nossos treinadores e preparadores, que nunca nos deixaram na
mão, e a nossa união, que com certeza pode nos levar mais longe.
— Íris, hoje você sai da Bercy Arena com duas medalhas. Há alguns meses, todos tinham
absoluta certeza de que você sequer estaria aqui competindo. O que mudou? O que te trouxe até
aqui? — É a vez da Ayla perguntar e quando ouço meu nome, engulo em seco.
Ela direciona o olhar, a câmera e o microfone para mim. O nervosismo me faz
estremecer, mas ainda assim, me preparo para respondê-la.
— Primeiro, elas me trouxeram até aqui. Se não fosse pelo apoio das minhas amigas, eu
não teria tanta força. Nos momentos em que eu deixei de confiar em mim, foram elas que me
levantaram. E também ao meu treinador, Neil Peterson, e ao meu fisioterapeuta, Órion Sparks,
que não me largaram um minuto sequer. Foram meses intensos, dolorosos, mas eu dei o meu
máximo para chegar aqui e defender o meu país. Não poderia estar mais realizada.
— Bom, fique tranquila em saber que suas apresentações foram brilhantes e você
conseguiu!
Ela continua entrevistando as minhas amigas, enquanto suas palavras ecoam em minha
mente.
Você conseguiu.
Você conseguiu.
Suspiro, aliviada e agarro as medalhas em meu peito com todo orgulho que já senti em
minha vida.
Orgulho de mim mesma.
Céus, nunca imaginei que essa sensação fosse realmente possível.
Parabéns, Íris Coleman. Você conseguiu mesmo.
Os monstros já não te assustam mais.
Amor, vamos falar sobre o amor
Ele é tudo que você esperava e mais um pouco?
Ou esse sentimento te assusta?
Eu sei que o sentimento te assusta
Esta pode ser a noite em que meus sonhos podem me mostrar que
Todas as estrelas estão mais próximas
All The Stars — Kendrick Lamar (feat. SZA)

Esfrego as mãos, sentindo calor apesar da noite fria de Paris. Os botões da porra da
camisa escolhida por Alya me sufocam e eu abro mais um deles para respirar.
Eu não devia estar tão nervoso, não quando já estou sendo atormentado por Íris há mais
de seis meses. Eu devia estar acostumado, mas agora percebo que nunca vou me acostumar a
estar apaixonado. Não como algo ruim, mas algo que me surpreende todos os dias.
E me deixam fodidamente ansioso.
Eu odeio Alya e essa merda de camisa. Abro o botão que prende meus pulsos, erguendo
as mangas que apertam meus braços. A corrente fina em meu pescoço se torna quente, arde na
pele. Principalmente quando ela surge no meu campo de visão.
Íris usando um vestido preto foi o motivo da minha perdição. Ela repete a cor para me
levar ao extremo, mas a vitória nas Olimpíadas e tudo o que acontece ao seu redor a deixam
ainda mais bonita.
Me deixa tentado a ajoelhar e entregar todo meu mundo a ela.
Ela atravessa o hall da sede da delegação americana com um sorriso tímido nos lábios. A
luz permite que eu veja o rubor em suas bochechas.
Tudo nela parece infinitamente mais encantador e eu me encontro em estado de hipnose.
Meus anéis são castigados e recebem toda a minha agonia, enquanto os giro em meus dedos,
ansioso para tê-la em minhas mãos.
As mangas cobrem seus braços por completo e ela puxa ainda mais, sentindo o vento frio
do verão parisiense. Apesar disso, ela gira e exibe o enorme decote traseiro que me tira o chão.
Mais uma vez. Agora, mais discreto pelo frio, mas perfeito para me deixar completamente
perdido. O cabelo parece mais loiro, mais brilhante, mais macio.
Eu me sinto mais dela.
Os saltos altos não são suficientes para que ela me alcance sem que eu me incline.
Tomo seus lábios e eles estão mais macios.
Puta que pariu.
— A Alya exagerou, eu sei. — ela diz, confessando que minha irmã também se
intrometeu nas suas roupas.
Balanço a cabeça negativamente.
— Você está… — Perco a capacidade de formular uma frase quando ela recua um passo.
Meus olhos caminham pelo seu corpo, gravo cada um dos detalhes em minha mente. — Porra,
Coleman. Você está perfeita.
O colar com o pingente da Polaris brilha em seu pescoço e parece mais evidente pelo
tecido preto do vestido.
— Te chamar de estrela já não é mais justo. Nenhuma delas chega perto de você. —
Toco sua cintura e ela se agita, dando um passo, suficiente para estar colada em mim.
— Mais uma tentativa de me arrastar para a sua cama? — ela pergunta, brincando com a
corrente em meu pescoço. Seus dedos se arrastam pela minha pele e eu estremeço, mesmo que
não deixe ela perceber isso. — Você está lindo, Sparks. Se a sua intenção não for me levar para a
sua cama, passe a considerar.
Toco a ponta do seu nariz com o meu. Seu perfume doce adentra no meu corpo, Íris está
em todos os lugares.
— Minha intenção sempre será te levar para a minha cama, Coleman. Fique tranquila
quanto a isso.
Seus olhos continuam no acessório que pende em meu pescoço, seu dedo enrosca no aço
e ela morde o lábio inferior. Diaba.
Íris larga a corrente e abre mais um botão da camisa. Prendo a respiração quando ela
ergue o olhar, as pupilas dilatadas e brilhantes leem minha alma confusa.
— Amo as suas tatuagens.
— Morda o lábio mais uma vez, continue me olhando assim e eu desisto desse jantar e te
arrasto para o meu quarto agora mesmo.
— Tentador, Sparks. — ela cantarola e se afasta, pegando minha mão. — Mas eu estou
faminta.
— Então, vamos, campeã. — Enlaço seus dedos nos meus e ela sorri ainda mais.
Suas bochechas se erguem, seus olhos se tornam menores e as estrelas caem aos seus pés.
Guio Íris para fora da Vila Olímpica. Escolhi um restaurante próximo o suficiente para
levá-la a pé, já que não para de falar sobre como ama andar em Paris. E como sempre, eu acertei.
Ela admira cada pequeno canto da cidade, agitada pelos jogos. As luzes parecem mais
intensas, há música por todos os cantos. Os dedos de Íris apertam os meus, mas ela anda com
leveza, os olhos brilham para tudo que vê.
Íris me arrasta pela rua e eu sequer sinto o tanto que andamos. Já ultrapassamos o
restaurante que ia levá-la, mas não tive coragem, nem voz para impedi-la. Apesar dos saltos, ela
anda rápido e aponta para tudo o que vê.
Graças aos Jogos Olímpicos, todos os cantos da cidade estão movimentados. Há fãs de
esportes e turistas por todos os lados e os pontos turísticos permanecem cheios, mesmo a noite.
— Isso aqui é lindo! — ela diz, apontando para a Fonte do Jardim do Trocadero, onde
esperei por ela depois da abertura dos jogos.
— Olha lá. — Viro seu corpo, segurando em seus ombros e as luzes agitadas da Torre
Eiffel deixam seus olhos cintilantes. Seu sorriso se expande e ela volta a me puxar pelo pulso.
Seus cabelos balançam em suas costas nuas enquanto ela caminha rapidamente e quando
finalmente chegamos na ponte que nos levará a torre, ela para e se senta no concreto.
— O que aconteceu? — pergunto, me sentando ao seu lado.
— É que… — Íris suspira, cruzando as pernas e unindo os próprios dedos. Puxo uma de
suas mãos antes que os malditos dedinhos pequenos comecem a se agitar. — Eu não esperava
viver isso. Não dessa forma.
— Que forma?
— Tão mágica. Não esperava ganhar tantas medalhas, não esperava merecer o orgulho de
Neil. — Íris puxa o ar e rola os olhos. — Não esperava ver Sarah quebrar a cara.
— Não esperava dar um tapa nessa mesma cara… — sussurro e ela acerta meu braço.
— Não faça piada com isso, idiota! Mas isso também… — Íris encara nossas mãos e leva
o dorso da minha até seus lábios, onde deposita um beijo que me surpreende.
Aquece meu peito, minha pele e minha alma quebrada. Une pedaço por pedaço, mesmo
que eu me desfaça com qualquer ato seu.
Repito seu ato, beijando sua mão e ela espalma os dedos em meu rosto. Ela está tão perto
que todos os detalhes do seu rosto se tornam a minha melhor memória. A personificação da
minha paz e do meu caos.
A porra da minha salvação.
— Não imaginava estar sentindo tanto por você. — ela diz, quase como um sussurro.
Seus dedos ainda acariciam meu rosto e eu me aproximo ainda mais, tocando sua coxa com a
mão livre. — Não imaginava ser capaz de amar alguém.
— Íris…
— Não, deixa eu falar, Sparks. — ela me interrompe e eu cedo a ela. — Eu achava que
nunca ia encontrar espaço para isso na minha vida. O tempo sempre foi escasso, a vontade de
fugir sempre foi maior e as frustrações amorosas também. Então, eu não estava mesmo disposta
a ter alguém.
Dou de ombros, convencido e ela rola os olhos, apertando meus dedos com mais força.
— É, a culpa é mesmo sua. — ela afirma e eu balanço os ombros mais uma vez. — Você
virou a porra da minha vida de cabeça para baixo, você me deixou confusa, você me deixou
completamente desnorteada. — ela começa a atropelar as palavras, sem tirar os olhos de mim.
Seu nervosismo me faz sorrir. — Você não me deu opção, Órion. Eu não tive escolhas a não ser
me apaixonar perdidamente por você, mesmo que você tenha me atingido como um furacão. Eu
não estava disposta a amar ninguém e fui me apaixonar logo por você. A única pessoa que tinha
total potencial para destruir a minha vida e quebrar meu coração, mas que na verdade me fez
respirar em paz de novo. Quando você me beijou pela primeira vez, eu sabia que você ia ser uma
montanha de problemas na minha vida, eu só não sabia que você seria a solução para todos eles
também.
— Merda, loirinha… — suspiro e ela se aproxima ainda mais, segurando meu rosto com
as duas mãos.
— Você é a minha constante, Órion. É a minha certeza, é a resposta para todas as minhas
dúvidas. — Íris encosta a testa na minha e rouba meu ar para si. — Eu sei que você já tem
consciência disso, mas entreguei meu coração para você, que foi a única pessoa que me encheu
de coragem. Promete que cuida dele?
— Eu prometo, meu amor. — respondo, fechando os olhos e inalando mais do seu
perfume. Meus dedos percorrem seu rosto, até tirar os fios loiros do caminho e segurá-los
delicadamente.
Ah, merda… Eu amo esse cabelo.
Amo esse perfume.
Amo o toque de suas mãos em minha pele.
Amo a forma que ela me resgata do abismo da minha mente e me enche de novas
chances, todos os dias.
— Você foi meu único acerto, Íris. E olha que eu errei pra caralho a vida toda. —
confesso e ela ri, puxando o ar e piscando diversas vezes, impedindo que lágrimas caiam. —
Você foi meu único e maior acerto. Você se tornou meu maior desafio, Coleman. Nossa briga foi
a mais árdua da minha vida porque, desde o início, eu já sabia que ia perder para você. Todos os
pontos são seus, todas as medalhas são suas, o pódio, a vitória, os jogos e a porra da minha vida.
Não preciso pedir para que você cuide do meu coração, porque você já faz isso desde o dia em
que decidiu implicar com o meu cigarro. Você me conserta desde aquele dia. Eu confiei em você
para superar a lesão e para consertar os pedaços quebrados da minha vida. Você fez isso antes
mesmo de eu me dar conta de que te amo. — Beijo sua mão mais uma vez e me levanto,
puxando-a cuidadosamente.
Íris me acompanha, levantando-se e envolvendo minha nuca. Os saltos ajudam para que
ela me alcance com um pouco mais de facilidade.
— Eu te amo. — ela confessa antes de me beijar. — E então? Vai largar o cigarro porque
impliquei com ele?
— É óbvio que não. — respondo e quando ela tenta se afastar, a puxo pelo pulso e seu
peito colide com o meu.
— Eu te amo mesmo assim, com fumaça, cicatrizes e tudo mais que você decidir me
mostrar.
As estrelas que memorizei — e que tatuei em minhas costas — para me lembrar de quem
eu era somem do meu pensamento.
As estrelas, nebulosas, cometas, planetas. A nova galáxia formada da nossa dança
cósmica se torna minha obsessão. Da colisão do meu caos com a sua luz. A galáxia que agora
mora nos olhos castanhos da loira que sorri enquanto se balança em meus braços. Acaricio seu
rosto, tocando as estrelas mais brilhantes que já pude ver. Agora, a olho nu, nas minhas mãos.
Nem mesmo sei a música que faz com que ela me guie. Minha atenção pertence a ela.
As estrelas que me apavoraram deram lugar às estrelas que voltaram a me fazer querer
olhar para o céu. Deixo que ela me envolva em sua dança, sigo a sua melodia. Giro ao redor da
minha estrela do norte.
Deixo que ela me leve de volta para casa.

FIM.
— Chego aí mais tarde, mãe! Fica tranquila. — Sorrio para a tela.
Desde que voltei para Miami, prometi que faria três visitas por semana à minha mãe,
mesmo que a minha folga prolongada permita que eu faça mais. Isso significa que eu não
desgrudei da Senhora Coleman desde que voltei, e ela não parou de me apertar desde então.
O tratamento está ficando mais intenso e ela cada vez mais cansada. A surpresa foi
retornar e me deparar com ela completamente careca. Quando mencionei começar a chorar, ela
não permitiu, já que seu sorriso radiante só me encheu de felicidade.
Não tive forças para me entristecer. Não quando pude voltar para seus braços.
— Tomem cuidado, certo? Órion ainda vai me matar do coração com aquela moto. —
ela repreende, pela milésima vez, me arrancando uma risada. — Te amo, princesa.
— Te amo, mamãe!
Desligo a chamada de vídeo e encaro o ginásio vazio. A RGA não recebe seus atletas
desde que voltamos de Paris. Neil e os diretores decidiram dar férias a todos, já que as
competições estarão suspensas até o ano que vem, para a recuperação dos atletas olímpicos.
Retornaremos em breve, depois de um bom descanso.
Por isso, foi um baita sacrifício conseguir que ele me desse as chaves do ginásio.
A saudade apertou quando abri os portões e acendi as luzes. Ainda assim, apenas me
livrei dos tênis e me sentei na arquibancada para esperar.
O tempo ali foi suficiente para ligar para minha mãe e mostrar o novo quadro da RGA,
onde está estampada a nossa foto no pódio das Olimpíadas de Paris. Eu poderia olhar aquela foto
por longas horas. Diversas memórias me atingiram em segundos, me fazendo reviver cada
segundo dos Jogos Olímpicos.
Foram os melhores dias da minha vida, lembrar me faz sorrir e querer chorar ao mesmo
tempo.
Toco meu joelho. A cicatriz já está basicamente invisível, há apenas uma linha fina que
vai me lembrar do ano em que minha vida mudou drasticamente.
O ano que fui ao inferno, vi pessoalmente, cada um dos meus demônios e lutei com cada
um deles — mesmo acreditando que não seria capaz.
E o ano em que o maldito homem — que acaba de entrar no ginásio — decidiu que me
resgataria desse inferno e me faria conhecer os céus.
Bom, ele fez. De diversas formas.
Me levanto antes dele se aproximar e corro em sua direção, envolvendo-o com força.
Órion ri e beija minha testa.
— Senti sua falta. — resmungo contra seu peito, ouvindo-o arfar. — Tudo bem?
— Claro. — ele responde, em um sussurro trêmulo e eu franzo o cenho. — O quê?
— Não acredito em você. Está tudo bem? — pergunto novamente e ele rola os olhos. —
O que aprontou, Sparks?
— Nossa, deixe de ser insuportável! — Órion reclama, jogando a bolsa na arquibancada.
— Certo, você não me deixa escolha…
— Que merda você fez?
— Merda nenhuma, cale a boca. — ele me repreende e segura minhas mãos. — Eu ia te
mostrar amanhã, já que é seu aniversário, mas você é uma maldita ansiosa.
— Ah, eu sou ansiosa? — rio e ele bufa. — O que é?
— Ok, eu não ia conseguir esperar mesmo. — Órion dá de ombros e eu me afasto quando
ele segura a barra da camisa para levantá-la.
— É melhor do que eu imaginava. — brinco e ele joga a camisa em meu rosto. — E
então? O que quer me mostrar que não pode ser de…
Arregalo os olhos quando finalmente tiro o tecido do rosto e me deparo com sua pele
tatuada.
Estou acostumada com todos os desenhos que pintam seu corpo. Na verdade, sou
loucamente apaixonada por cada um deles, que fazem Órion ser único. Já memorizei todas elas.
As fases da lua em sua barriga são definitivamente as minhas favoritas. Ao lado delas,
um frasco com uma caveira — que remete a um copo de veneno. Uma rosa espinhenta traça seu
peito, no lado direito e abaixo da constelação Serpentário, que molda seu ombro.
Os ramos de oliveira traçam seu pescoço.
A diferença que me faz recuar um passo é que, há dois dias, o lado esquerdo de seu peito
estava vazio. Não havia desenhos, as únicas marcas foram causadas pelas minhas unhas, e agora,
ele está coberto por uma enorme flor roxa. Do caule dessa mesma flor saem asas.
— Essa é…
— É. — ele responde e avança, segurando minhas mãos. Minha garganta queima antes
que eu consiga responder.
Ele pega minha mão e leva meus dedos até a tatuagem. O contato é tão intenso que sinto
seu coração pulsar.
— É a flor Íris. — Órion diz, respondendo a minha pergunta. Meus olhos continuam
presos à tatuagem.
O único desenho colorido de todos os outros.
— E as asas vem da deusa. A mensageira dos deuses do Olimpo.
Uma lágrima escorre e eu me apresso para secá-la. A pele avermelhada indica que é mais
recente do que penso.
— A deusa Íris.
— Órion, por Deus… — Me limito a falar para não cair no choro. — Você é
completamente louco.
— Eu sou, Coleman. — Órion segura meu rosto, erguendo meu queixo.
Encontro seus olhos azuis. Minha nova cor favorita, o azul único que pinta suas orbes.
Tão profundo e brilhante. Levemente acinzentado, com aquelas pequenas pintas verdes.
Memorizei cada detalhe de Órion, indo além de suas tatuagens. Memorizei o tom da sua
voz, a sua risada, o toque das suas mãos, as cicatrizes por trás das estrelas em suas costas e de
seu ombro. A cor dos seus olhos, o movimento dos seus músculos enquanto o tenho para mim.
Memorizei cada detalhe dele para me lembrar dos motivos que me fizeram me apaixonar
completamente. Enlouquecidamente. Os detalhes que me colocaram nesse caminho sem retorno,
onde o único ponto de chegada é ele.
— Eu sou completamente louco por você, loirinha. — ele diz, me encarando. Órion se
inclina para tocar minha testa e minha mão espalma em cima da flor roxa. — Você me faz querer
viver, Íris. Me faz querer ser melhor, me obriga a me consertar para não te quebrar. Me deixa
completamente perdido para que apenas você me encontre. Você é a única parte colorida da
minha vida.
— Obrigada por me levar às estrelas, meu amor. — respondo e ele aperta os olhos. Levo
as mãos ao seu rosto, acariciando sua pele. — Obrigada por ser todas as minhas estrelas.
Me afasto mais uma vez e sorrio ao encarar o desenho.
É inacreditável. Ele é mesmo completamente louco, e foi essa maldita loucura que me fez
entregar o meu coração, e que me deixou completamente viciada nele.
Até mesmo meus monstros se apaixonaram por Órion.
— A Nina deve estar chegando. — ele avisa e pega a camisa para vesti-la, mas antes que
ele consiga, eu corro para abraçá-lo.
A diferença de altura entre nós não permite que eu alcance a tatuagem sem ficar nas
pontas dos pés e quando o faço, beijo cuidadosamente a área frágil recém tatuada.
— Eu te amo, minha constelação.
Ergo o olhar e ele segura meu queixo, me puxando para um beijo que arranca meu ar.
Ele me arranca tudo. Arranca meu ar, meu coração, minha alma e trancado a sete chaves,
de modo que só ele pode tocar e cuidar.
— Eu te amo, loirinha. — ele sussurra contra a minha boca. — Vou buscá-las lá fora.
Espere aqui.
Assinto e ele corre para fora, me deixando com a respiração descompassada e meu
coração acelerado.
Eu nunca vou conseguir controlar tudo o que Órion me faz sentir. E essa sensação é
deliciosa.
Segundos são suficientes para que eu me contenha e me depare com ele carregando Nina
em seu colo.
Me aproximo, fazendo o máximo de silêncio que consigo, enquanto meu namorado se
aproxima com a pequena, cobrindo os olhos dela com sua mão grande. Atrás dele, Kiara admira
o ginásio, completamente admirada.
Como eu esperava, Nina veste o collant que dei de presente, — e que é idêntico ao meu
— já que Órion disse que faria uma sessão de fisioterapia externa e ela o veste em todas elas,
como um uniforme.
— E então? Preparada? — ele pergunta ao se aproximar. Toco seu braço, prendendo a
respiração para que ela não me ouça.
— Eu tô! O que é? — Nina se agita em seu colo.
— Surpresa! — grito quando Órion tira a mão do rosto de Nina e seu sorriso é tão grande
que me atinge, acelerando o coração.
— Íris! — ela exclama, se inclinando para que eu a pegue no colo. Logo, ela se dá conta
de onde está e seus olhos azuis brilham. — É aqui que você treina?
— É sim, pequena! E agora você vai poder conhecer tudo!
— E nós vamos poder ser ginastas juntas? — ela exclama, erguendo os braços. Olho de
relance para Órion, que balança a cabeça positivamente.
— Claro que vamos!
— Então, vamos!
Ela se balança para que eu a deixe no chão e eu a obedeço, colocando-a de pé,
cuidadosamente. Nina corre até a mãe, com os braços erguidos e o sorriso no rosto. Kiara segura
a mão da filha e eu aceno com a cabeça para que ela mostre o ginásio.
Órion beija a ponta do meu nariz, me causando formigamentos na barriga e um sorriso
idiota no rosto.
— Obrigada por isso.
— Obrigada por ter me dado esse anjo lindo. — respondo, indicando Nina com o queixo.
A pequena pede para que a mãe a coloque em cima de um dos tapetes.
Me afasto de Órion e tiro a calça de moletom que cobria o collant roxo.
— Pronta, Nina? — grito e ela se levanta, me imitando.
— Sim!
Seu grito ecoa pelo ginásio e eu sou, mais uma vez, atingida por golpes encantados que
me deixam rendida por ela.
Corro na sua direção, deixando Órion para trás.
Na ponta do ginásio, Kiara tira fotos e grava vídeos da filha.
— Primeiro a gente tem que se preparar com pó de magnésio. — falo, apontando para a
mesa coberta de pó branco. Nina assente e se inclina para esfregar a mão ali.
Não demora para que Órion esteja atrás de nós e pegue a menina nos braços. Aproveito
para esfregar minhas mãos também, sujando-a com o magnésio e quando volto a olhá-los, Nina
já esfrega as mãos brancas no rosto de Órion, me fazendo gargalhar.
— Isso não faz parte do processo de preparação. — ele resmunga e Nina ri.
— Faz sim.
— Então, vem cá! — ele exclama, sujando a mão e esfregando um pouco na pele branca
de Nina. Seus olhos se arregalam e risadas explodem pelo ginásio.
— Deixe a minha atleta em paz, Órion! — o repreendo, fazendo-o revirar os olhos. Em
seguida, ele a posiciona sentada na trave de equilíbrio e a segura com atenção.
— Essa aqui é a trave de equilíbrio. — Ela acaricia o aparelho e depois, volta a me olhar.
— Posso fazer alguma acobracia’ igual você? — ela pergunta, me fazendo rir e Órion
pressiona os lábios.
— As acrobacias são feitas para atletas mais velhas, igual a Íris. — Órion responde,
fazendo meu peito apertar ao lembrar da sua condição. — Mas você pode andar na trave, o que
acha?
— Eu quero! — ela se agita. — Mas antes, posso ver a Íris saltar?
Assinto de imediato.
Faço absolutamente tudo o que ela quiser.
Órion tira a menina da trave e eu subo rapidamente nela, me equilibrando com facilidade.
Alongo os dedos antes de correr por ela e fazer uma sequência de flic-flacs que arranca risadas de
Nina. Finalizo com um mortal para sair da trave e ela bate palmas.
— Íris, Íris! — Corro na sua direção e seguro suas mãos sujas de magnésio. — Um dia,
posso ser assim igual você?
Mais uma vez, tiro Nina do colo de Órion, guiando-a até a trave e sinalizo para Órion ir
até a minha bolsa. Ele assente em silêncio e se afasta.
— Você vai ser melhor do que eu, pequena. — respondo. Quando coloco Nina de pé na
trave, ela acena para Kiara, que nos assiste com lágrimas nos olhos.
Nina abre os braços e agarra a minha mão com força, dando um pequeno passo de cada
vez, com o corpo impecavelmente alinhado e os pés firmes no aparelho. Ela caminha com
precisão pela trave, de um lado para o outro.
Órion corre de volta para nós e para na frente da trave, nos chamando com a mão.
— Pronta para a saída? — pergunto e ela assente, respirando fundo a ponto de erguer os
ombros. Seus dedos apertam os meus e eu seguro em sua cintura com a mão livre.
Sinto que estou segurando a mim mesma. A Íris de quatro anos que sonhava em saltar
como uma profissional. Se eu pudesse, viraria o mundo de cabeça para baixo para fazer Nina
realizar o mesmo sonho.
Mesmo sabendo do seu diagnóstico, ela se permite sonhar. Ela acredita em si.
Nina surgiu para nós com um único intuito: salvação.
Seguro nosso pequeno anjo da guarda, acelerando seus passos com extremo cuidado e
quando ela dobra os joelhos para saltar, eu a seguro com força e Órion nos alcança, capturando-a
no ar. Ele a segura com firmeza, girando-a pelo ginásio e ela abre os braços, tendo a sensação do
voo livre de uma ginasta.
Corro atrás dele e arranco a medalha dourada do bolso de Órion. Ela pesa em minhas
mãos, mas ainda assim eu os alcanço e preparo para pôr no pescoço de Nina.
— E a campeã mundial de ginástica é… — grito, chamando a sua atenção e seus olhos se
iluminam ao ver a medalha em minhas mãos.
— Nina! — Órion grita, erguendo-a ainda mais.
Aplaudo e sou acompanhada por Kiara, que assobia e grita, vibrando a filha.
— Eu ganhei, Órion! — ela grita quando coloco a medalha em seu pescoço.
— Eu sei, princesa!
Ele corre com a pequena pelo tapete e eu paro para admirá-los.
Eu venci.
Mais do que as olimpíadas e as medalhas que trouxe para casa. Eu ganhei as gargalhadas
de Órion e Nina enquanto correm pela RGA, eu ganhei um amor avassalador que me lembra da
vida, todos os dias.
Eu ganhei algo tão precioso que sequer consegue ser calculado. É gigante e brilhante, é
um evento cósmico épico.
Tive a confirmação para a teoria de Aristóteles, de que as estrelas podem surgir em
qualquer lugar desde que haja o desejo de realizar algo. Dessa vez, as estrelas surgiram no lugar
mais inesperado possível e foi dentro dos olhos da pessoa que acreditei odiar, mas que na
verdade, foi o responsável pela minha capacidade de amar.
Há diversos desejos dentro de mim, e o maior deles é ter Órion Sparks para sempre.
Vick rola os olhos ao me ver, pela terceira vez em poucos minutos.
Do outro lado do hospital, Íris acompanha a mãe em mais uma sessão de quimioterapia,
enquanto eu tento descobrir onde Victoria esconde seu maço de cigarros, já que eu fui um grande
imbecil e esqueci o meu em casa.
Espero que ela se despeça do seu paciente na saída da Sparks-Caldwell e me aproximo.
— Você é chato para um caralho, Sparks. — ela resmunga.
— Eu preciso de um cigarro enquanto Íris espera Olivia. — Abraço seus ombros e ela se
desvencilha de mim, balançando as tranças loiras.
Já perdi as contas de quantas vezes ela mudou o cabelo.
— Todos aqui sabem que você é uma delinquente, Caldwell. Não precisa fingir que não
fuma. — sussurro, seguindo-a pelo corredor.
— Vai se foder. — ela responde, no mesmo tom e liberta um longo suspiro. — Certo,
está no meu consultório, na última gaveta. Toma a chave. — Vick me entrega o chaveiro e
quando eu sorrio, ela empurra meu ombro. — Está uma bagunça, cuidado com as minhas coisas.
— Tchau, Victoria.
Me afasto dela rapidamente, indo para o lado oposto, onde fica o consultório que ela
ficou nesse tempo. Vick está prestes a ir embora, já que minha madrinha decidiu voltar para
Miami de surpresa, deixando-a completamente desnorteada.
Victoria insiste em dizer que superou toda a merda que Emelie fez, mas o avermelhado
de seus olhos não me engana. Ela desabou em lágrimas no mesmo dia em que viu Emelie
atravessar a porta da clínica, e desde então, ela deixou de ser a minha melhor amiga para virar
um fantasma desesperado para sumir.
Conhecendo a minha melhor amiga, o consultório deve estar verdadeiramente bagunçado.
Ele era da minha madrinha e, na esperança de que ela não voltasse, Vick topou ficar lá. Agora,
Vick se apressou para tirar suas coisas e voltar para Nova York o mais rápido que consegue.
É frustrante e revoltante saber o quanto ela a desestabiliza, da mesma forma que Vincent
me destrói.
Não troco uma palavra com o demônio desde que ele sumiu de Paris. Desejei que ele
voltasse para o inferno, mas ele apenas voltou para Miami. E quando venho até a clínica com
Íris, faço o meu melhor para não esbarrar com ele.
Na maioria das vezes, me escondo no terraço do estacionamento, com meu maço de
cigarros.
O mesmo que eu esqueci hoje.
Encaixo a chave na porta e a abro rapidamente, e tenho a absoluta certeza de que abri as
portas do inferno, e não a do consultório de Victoria.
Meu pai sempre esteve decidido a foder com a minha vida. Ele acabou com a minha
sanidade, destruiu Alya, deixou a minha mãe definhando. Demoramos para nos erguer, mesmo
quando tudo o que sobrou eram restos.
Eu juntei cada um desses restos para tentar viver novamente e agora ele decidiu foder
com tudo, ao mesmo tempo que está prestes a foder com a minha madrinha.
A minha madrinha, que é casada com o melhor amigo do meu pai.
Meu padrinho.
Pai da minha melhor amiga.
Minha mente se resume a caos, enquanto os observo tentar se recompor.
A única parte do meu corpo que se move é o meu pé, que uso para fechar a porta atrás de
mim, impedindo os monstros de se esgueirar para fora.
Minha garganta se fecha e eu não consigo falar. A reação mais patética de um garoto
imbecil quebrado pelo pai.
A única reação possível: choro. Mas eu o engulo e cruzo os braços.
Milhares de interrogações surgem em minha mente. Há quanto tempo essa porra está
acontecendo? Quem sabe disso? A minha mãe sabe dessa merda?
E o meu padrinho?
Ele será mais uma pessoa destruída pelos dois?
Vincent se apressa em fechar os botões da camisa e capturar seu jaleco. Do outro lado,
minha madrinha apenas alinha o vestido e ergue o queixo, arrumando o cabelo.
Meu pai parece desesperado, minha madrinha — como sempre — está indiferente. É a
única diferença, já que, apesar de tudo, ambos me olham com desprezo e a superioridade que nos
quebrou.
Quando eu acho que ele parou, ele me mostra que pode ser pior do que eu imaginava. E
quando eu passo a ter fé em mim mesmo, ele me mostra que todo meu esforço não serviu para
nada.
Reúno forças e o pouco de coragem que restou.
— Que porra vocês pensam que estão fazendo?
Primeiro preciso agradecer àqueles que me mantêm de pé. Mãe Yansã, pai Xangô e todo
meu axé, obrigada por não me deixarem cair.
Agora, vamos lá. Todo o processo de escrita de TAE foi conturbado, principalmente
porque eles chegaram em um momento que não era deles. Eu precisei de muito para que eles se
calassem por um tempo. Eles estavam desesperados, a Íris precisava falar. O Órion não me
deixava dormir. Eu passei três meses com eles trancados a sete chaves, e quando eu finalmente
comecei, minha vida virou do avesso. Eles foram um enorme desafio e eu precisei de muito
apoio para concluir.
Não existe outra forma de começar esses agradecimentos. Eu preciso deixar aqui, o que
eu conseguir para expressar decentemente o quanto as minhas betas foram importantes em cada
página desse livro. O quanto nossas conversas me ajudaram a continuar, o quanto os puxões de
orelha me fizeram acordar pra vida.
Samantha, Beatriz e Giovanna, obrigada por aturarem meus surtos e os inúmeros dias em
que eu gritava, de madrugada, que queria apagar tudo. Obrigada por não permitirem isso.
Obrigada por acolherem meus projetos com tanto carinho, mas principalmente, obrigada por
acolherem o Órion e a Íris. Indo além do que foi mostrado aqui, vocês são parte disso, você
viram partes dos meus personagens e de mim mesma que só me permiti mostrar a vocês, e se eu
tive coragem para colocar tudo isso em palavras, aqui, a culpa é única e exclusivamente de
vocês, que demonstraram amor desde a primeira linha.
Eu nunca vou retribuir o suficiente, mas prometo tentar fazer isso todos os dias. Eu amo
muito vocês.
À Julia, minha alma gêmea. Minha melhor amiga, a outra metade do meu coração.
Obrigada por ter surgido na minha vida e me dado equilíbrio mesmo que você também não seja
nada equilibrada. Obrigada por ser a minha Alya. Pelo incentivo, por ter segurado a minha mão,
por ter suportado tanto comigo. Por ter me protegido, mesmo estando longe. Nossa conexão me
faz retornar ao eixo quando me perco. Obrigada por tanto, te amo!
Ao meu namorado, João Victor, minha maior fonte de inspiração. Obrigada por estar ao
meu lado em mais um lançamento. Pelas noites em claro, pelo incentivo, por todo café que fez
pra mim, por não me deixar desistir e por não desistir de mim. Todas as minhas estrelas serão
para sempre suas.
À minha família, meus pais, tia e irmão, meu caos na terra, mas os responsáveis por me
fazerem sonhar. Eu amo vocês, muito obrigada por entenderem as horas trancadas no quarto,
pelos sumiços, horas em que precisaram me aturar falando sozinha, e por não me abandonarem.
Em especial à minha mãe. Mãe, eu te amo. Obrigada por todos os sacrifícios e por estar
ao meu lado todos os dias, independente da situação, independente das minhas escolhas.
Obrigada por apoiar minhas loucuras e estar comigo em todas elas. (Espero que não tenha
desistido de mim, mesmo depois de ler algumas coisas que escrevi… sinceramente, espero que
pule direto pra cá, te amo!)
À minha afilhada, Laura Beatriz. Minha borboletinha. Mesmo que você ainda não
entenda isso e não saiba o quanto você me motiva, deixo aqui todo o meu amor a você. Sempre
será você. Minha primeira e única. Que um dia você leia isso aqui e descubra o tanto que eu te
amo!
À minha madrinha, Tatiana. Minha inspiração em tudo que faço. Saber que te deixo
orgulhosa me faz feliz e me motiva a ser sempre melhor. Se eu for metade do que você é, vou ser
a pessoa mais feliz e realizada já vista. Obrigada por me amar tanto e permitir que eu te ame
ainda mais.
Ao meu anjo da guarda, Laís (olha você aqui de novo, amor!). Obrigada por me salvar de
diversas formas, obrigada por ter me encontrado. Sou eternamente grata a tudo que fez por mim,
nunca vou conseguir agradecer o suficiente. Te amo, te amo e te amo!
À Thalita, um presente que ganhei na bienal e agora vou levar comigo até o fim. Meu
amor, obrigada pelas vezes em que eu gritei que queria desistir, e você gritou mais alto, dizendo
que não ia deixar. Você foi uma linda surpresa no meu caminho e eu não poderia estar mais
grata. Obrigada por todo apoio e por todo cuidado. Te amo do tamanho do universo!
À L. Júpiter (minha diagramadora) e Luana (minha designer), que contribuíram muito
para que esse projeto desse certo. Seja profissionalmente ou aturando meus surtos no Instagram.
Obrigada por tanto.
A todos que estavam nas redes sociais, antes mesmo do lançamento, torcendo por eles.
Vocês não tem ideia do quanto isso me motivou a continuar. Muito obrigada! Às minhas
parceiras, que contribuíram muito para o lançamento de TAE.
Agora, às duas metades que formaram um caos lindo. Órion e Íris, obrigada por terem me
escolhido. Obrigada por terem feito morada na minha mente até que eu os escutassem. Obrigada
por terem me feito eu. Vocês foram épicos! São o meu marco histórico.
Por fim, aos meus leitores. Os que já estavam aqui e os que chegaram agora. Espero que
eles tenham sido importantes pra vocês como foram pra mim. E obrigada por estarem aqui! Sem
vocês, absolutamente nada disso seria possível.
Até o segundo ato da dança cósmica!
Amor, Iara :)
NOTAS DA AUTORA
AVISO DE GATILHOS
PLAYLIST
SINOPSE
DEDICATÓRIA
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
1 ano antes das Olimpíadas
01
6 meses antes das Olimpíadas
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
Cinco meses antes das Olimpíadas
15
16
17
18
19
20
Quatro meses para as Olimpíadas
21
22
23
24
25
26
27
Três meses antes das Olimpíadas
28
29
30
31
32
33
34
35
Dois meses antes das Olimpíadas
36
37
38
39
40
41
42
Um mês para as Olimpíadas
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
Uma semana depois
ABERTURA DAS OLIMPÍADAS
53
54
CLASSIFICATÓRIA EM EQUIPES
55
CLASSIFICATÓRIAS INDIVIDUAL GERAL
56
CLASSIFICATÓRIAS INDIVIDUAIS POR APARELHOS
57
58
FINAIS EM EQUIPES
59
60
FINAL INDIVIDUAL GERAL
61
FINAL INDIVIDUAL POR APARELHOS
FINAL INDIVIDUAL NAS BARRAS ASSIMÉTRICAS
62
EPÍLOGO
BÔNUS
AGRADECIMENTOS

[1]
Quando as pernas estão estendidas e unidas com o tronco fletido sobre elas ou vice-versa
[2]
O TENS é um método de fisioterapia que utiliza impulsos elétricos para exercer ação analgésica no sistema nervoso,
ajudando no tratamento de dores crônicas e/ou agudas,
[3]
A corrente russa é utilizada principalmente na fisioterapia no processo de reabilitação de pessoas que não
conseguem contrair os músculos corretamente, mas também pode ser indicada para fins estéticos
[4]
É uma rotação de corpo completa ao redor de um eixo horizontal, com um apoio de mão intermediário invertido.
Ele é composto de dois voos, o primeiro saindo dos pés para as mãos, o segundo das mãos para os pés
[5]
É uma variação do salto twist seguido de um mortal duplo. Este movimento foi executado com perfeição pela
primeira vez pela ginasta brasileira Daiane dos Santos.
[6]
Ayla, Hope, Kyle e Héron são personagens da série Arts of Destiny, também do Iara verso (Don’t Forget About Us
— Livro 1)

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