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MÔNICA MEIRELLES

Minha quase irmã


BERNARDO
Irmãos Louzada – Livro II

2ª edição
Rio de Janeiro – RJ, 2019
Editor e Publisher
Mônica Meirelles
Revisão
Serviços Da Costa
Capa
Thaís Alves
Projeto gráfico e diagramação
Mônica Meirelles

Copyright © 2015 por Mônica Meirelles, 2019


Todos os direitos reservados.
Direitos reservados em língua portuguesa, no Brasil, por Mônica
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transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da
autora.
Índice

Domingo, 22 de fevereiro de 2015


Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Sábado, 28 de fevereiro de 2015
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Domingo, 01 de março de 2015
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Sábado, 07 de março de 2015
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Segunda-feira, 09 de março de 2015
Capítulo 19
Capítulo 20
Terça-feira, 10 de março de 2015
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Quarta-feira, 11 de março de 2015
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Quinta-feira, 12 de março de 2015
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Sexta-feira 13 de março de 2015
Capítulo 32
Capítulo 33
Capitulo 34
Capitulo 35
Domingo, 15 de março de 2015
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Domingo, 5 de abril de 2015
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Domingo, 14 de fevereiro de 2016
Epílogo
Agradecimentos
Playslist
Sobre a autora
Domingo, 22 de fevereiro de 2015

Eu tava certo de que o amor era pros outros, não era pra mim
Um cara esperto fechado no meu canto, eu só vivia assim
Entre uma boca e outra, uma dose e outra
Toda madrugada nessa vida louca
Nem passou pela cabeça me apaixonar

COMO É QUE A GENTE FICA – HENRIQUE E JULIANO


Capítulo 01

Ao acordar a primeira coisa que sempre fiz foi abrir os olhos,


mas ultimamente tem sido: esticar meu braço para o lado esquerdo
da cama e procurar por aquele corpo gostoso e cheiroso que tanto
gosto de abraçar. Mas tem dois meses que não o encontro mais e,
toda vez que isso acontece, meu coração se comprime em meu
peito, a ponto de me sufocar.
Minha cama é uma box de casal, cabia-a perfeitamente aqui.
Agora, ao acordar é um tédio total encarar o espaço vazio e as
paredes cinza do meu quarto me rodeando. Até meu amigo Bob
Marley sorrindo no pôster, atrás da minha cama, que antes me trazia
certa tranquilidade, tem me deixado angustiado.
É oficial! Sou um merda de um babaca apaixonado!
Depois que Laura voltou para Nova Iorque, tem sido difícil me
acostumar com sua ausência, principalmente quando acordo. É tão
estranho não tê-la ao meu lado. Parece que falta um pedaço de
mim. Sinto como se ela tivesse o levado junto a si, na mala.
Pode soar melancólico, mas a sensação é essa mesmo.
Não sabia que gostar de alguém pudesse ser uma merda tão
doída assim. Agora, mais do que nunca, não entendo como pode
alguém ver prazer em se apaixonar. É realmente uma merda!
Estico meu braço para pegar meu celular na mesa de
cabeceira e ver a hora. Oito da manhã. Está cedo ainda para um
domingo sem obrigações. Entro no aplicativo de mensagens para
ver se há alguma que não seja algum idiota me parabenizando. Não
que seja meu aniversário. Acontece que Mia saiu espalhando a
notícia da nossa gravidez por aí e, desde então, tenho recebido
muitas felicitações indesejadas.
Ingrid: E ai, geral sabendo que você será papai. Parabéns, Piu-
Piu! 😉
Não respondo. Rolo outras mensagens, desinteressado em
abrir ou respondê-las, visto que o assunto é o mesmo.
Posso parecer um idiota e agir como um por ter esse
pensamento, mas às vezes me pergunto se realmente sou o
responsável por essa gravidez.
Sempre usei camisinha, desde que peguei um trauma aos
meus dezessete anos.
Transei com uma guria gostosa no banheiro da minha escola,
desesperado e desprevenido. Raissa era tão gostosa e safada que
me fez explodir em dois minutos. Em compensação, me passou
uma DST, que no dia seguinte o que ela fez explodir foi minhas
bolas, mas não de maneira positiva. Sem falar no meu pau, que,
após o episódio, pareceu sofrer de faniquito.
Foi assustador. Não quero ter que passar por isso outra vez.
Agora, dificilmente me autorizo enfiar o grande Bê no meio das
pernas de alguma gostosa sem me proteger. Grande Bê é o nome
que dei ao meu pau. Já o chamaram de pau propriamente, e até de
Piu-Piu, mas queria que ele tivesse um nome exclusivo e, como as
garotas sempre se surpreendiam com sua grossura e tamanho, o
batizei de “o grande Bê”.
Só Laura sabe disso. Preciso de um pouco da confiança de
alguém para contar sobre minhas coisas mais íntimas, assim como
preciso para fazer sexo sem camisinha. Nesse caso, além de me
passar confiança, a garota também precisa ser, no mínimo, minha
namorada.
Então, como Mia e eu nunca fomos namorados de fato, não
transei com ela sem camisinha. Também nunca aconteceu dela
estourar. E agora, após descobrir que está grávida, insiste em
afirmar que rolou sexo desprotegido na nossa noite de
“reconciliação”, há quase três meses.
Lembro-me dessa noite. Foi no início de dezembro do ano
passado quando a procurei, bêbado, depois de uma tentativa infeliz
da minha mãe de iniciar uma conversa sobre meu pai. Tentava me
dizer que ele estava em coma, mas não conseguiu, porque eu não
permiti. Até então, era sombrio só de ouvir a palavra “Vitor”, mas
este não é um assunto que quero tratar agora.
Quando Mia e eu nos encontramos, tudo do que me lembro é
que estava bêbado e com vontade de desabafar e não de trepar (e
não me recordo de termos feito isso apesar de ela afirmar que sim).
Mal ou bem, antes de Laura voltar para minha vida, era com Mia
que eu me abria.
Conheci-a na escola. Estudei com ela todo o ensino médio,
mas foi apenas no último ano que transamos. Ela não me chamava
à atenção. Era uma garota normal como todas as outras: secava-me
com os olhos, puxava assunto nas horas vagas. Mas não me
interessava. Sabia que queria algo além de amizade, algo além de
prazer.
Além do mais, não tinha muitas curvas. Estava sempre trajada
em um uniforme babaca de mangas e uma calça jeans sem graça.
Então, seu corpo pequeno, magro e de poucas curvas, por vezes,
nunca me interessou. Quando me olhava e tentava se aproximar de
mim, tudo que eu via era uma garota carente, querendo minha
atenção, ou pior: se apaixonar. Eram nítidas suas intenções, era
nítido que achava que eu seria o príncipe que tanto sonhava.
Príncipe encantando, oras! Nunca curti papel de príncipe. Não
sou bom atuante interpretando-o. Sempre me identifiquei com o lobo
mau.
Nunca estive errado quanto a isso, mas quanto a Mia sim.
A primeira vez que a vi sem as roupas do uniforme foi no
aniversário do Marco, seu irmão e meu grande amigo, há três anos.
Foi em um bar da cidade, com música ao vivo e cheio de pessoas
descoladas e agitadas. Ela estava lá. Já sabia que eram irmãos. Na
época, ele já jogava futebol comigo. Comentou que tinha uma irmã
da minha idade que estudava na mesma escola que eu.
Diferente do que eu estava acostumado a ver na escola, Mia
estava sensacional. Ela trajava um vestido tomara que caia preto,
apertado, muito curto e cheio de lantejoulas, que fazia seu corpo
magro se destacar no meio da multidão.
Enquanto dançava e rebolava aquela bundinha mostrando a
calcinha, foi que me dei conta de que a garota de boas notas que eu
achava que era virgem parecia ser bastante experiente. Ela me
olhava com cara de desejo. Não tirava os olhos de mim. E vê-la me
olhar e dançar daquela forma foi o suficiente para que meu pau
desse o sinal de que naquela noite queria ela. Não importava o
Marco, Escobar (seu pai) ou qualquer outro babaca que tentasse
impedir. Ela estava a fim. Ele também estava.
Mia e eu ficamos naquela noite no meio de todos, com Marco
vez ou outra me olhando de espreita, ato que ignorei. Estava tão
envolvido nos beijos daquela garota que tudo que conseguia pensar
era no meu pau latejando contra minha calça, superinteressado em
pular para fora e se enfiar no meio das pernas de Mia que, em meu
ouvido, havia sussurrado que estava sem calcinha. Tinha tirado no
banheiro.
Não demorou muito e chamei-a para minha casa, mas ela
disse que não podia ir. Então, a levei para meu Toyota Etios, novo
na época, recém-comprado. Eu tinha acabado de tirar minha
habilitação e de completar meus dezoito anos. E, naquele dia, tive
minha primeira foda nele (uma foda, devo admitir, espetacular).
A garota de corpinho pequeno que, com uma mão só, eu
conseguia comandar sobre mim, cavalgou muito bem em meu pau,
enquanto eu mal me mexia. Com as mãos em formato de
travesseiro atrás da minha cabeça, fiquei parado, enquanto a via
fazer tudo sozinha.
Claro que foi um grande impacto descobrir que a menina
comum da minha sala era nada mais nada menos que uma maria-
chuteira gostosa. Então, após essa foda mágica, quis manter
contato com ela. Encontrávamo-nos vez ou outra nas festas do
futebol, onde ela passou a aparecer desde então.
No final da noite, sempre estávamos juntos. Na minha cama,
em um motel, no meu carro. Não importava onde, eu tinha
necessidade de comer aquela garota magrinha, safada e
apertadinha, pois isso me dava um prazer imediato. Nunca havia
experimentado coisa igual.
Aos poucos, acabamos nos envolvendo cada dia mais. Não
deixava de ficar com outras garotas, tampouco de lhes levar para
cama, mas Mia era meio que uma prioridade. Se ela estivesse numa
festa, era só com ela que eu ficava. Ou ao menos a esperava ir
embora para me encostar-se a outro rabo de saia.
Essa aproximação acabou causando certa amizade entre nós,
visto que, por ter tanta necessidade de falar de si, acabei
conhecendo muito dela. Sua vida já conhecia um pouco, já que era
bem próximo de Marco e seu pai era amigo do meu padrasto,
Daniel. Mas conhecer por ela mesma suas dores, angústias e
perdas foi o suficiente para que eu me sentisse tocado e com
vontade de protegê-la. A aproximação também me permitiu me abrir
com ela e falar dos meus problemas.
Principalmente do meu pai.
Então, Mia acabou se tornando alguém especial em minha
vida. Não é que eu me sentisse apaixonado. Era um carinho que
passei a nutrir por ela. Tratava-a como uma irmã, mas uma irmã que
eu podia foder quando sentisse vontade e que também podia
ignorar quando não estivesse a fim de uma conversa.
Acontece que isso a irritava.
De alguma forma, ela entendia que o que tínhamos era um
relacionamento. Mas, apesar de termos ficado juntos desde o final
da escola, eu não estava pronto para isso. Também não sentia
dentro do meu peito aquela vontade de assumi-la. Eu não gostava
dela. Não dessa forma. Até que um belo dia acabei sendo obrigado
a fazê-la minha namorada.
Foi há dois anos. Ela tinha me chamado para sua casa. O pai
não estava, nem o irmão. Até o início da noite tudo foi incrível. Era
sensacional ouvi-la gemer alto em meu ouvido enquanto eu entrava
e saía de sua entrada estreita. Gostava realmente daquela
sensação. E ali, no lugar onde ela dormia e passava o dia e que o
pai e o irmão nem podiam sonhar que eu estava, me dava mais
adrenalina ainda, mais vontade de enfiar com tudo nela.
Era o que fazia quando o pai, de roupas de dormir, abriu a
porta do quarto e me viu, de costas, dando uma última estocada na
filha, que, de quatro, gozava, gemendo meu nome.
Foi constrangedor, assustador e muito estranho.
Depois que ele mandou nos vestirmos, nos encontrou na sala.
Escobar já conhecia a mim e o meu jeito. E eu também o
conhecia. Sabia o que pensava de garotas como Mia, que eram
perdidas, vagabundas. Então, precisei inverter toda a história para
que ela não ficasse mal com o pai. Disse para ele que estávamos
namorando, e ele pareceu acreditar.
O problema foi que ela começou a gostar da brincadeirinha de
ser minha namorada e passou a levar isso a sério, ainda mais que
eu passei a ficar só com ela.
Acontece que, como Marco jogava comigo, estava sempre nas
mesmas festas e eventos que eu e achava que eu namorava a irmã,
ficando com outra, eu sairia como errado. E eu gozava junto a Mia
diariamente, seja por telefone, SMS ou pessoalmente, então eu
acabei perdendo a vontade de comer outra gostosa. Mas ainda
assim ela enlouquecia se eu olhasse para alguma garota bonita;
sentia ciúmes de tudo, até da minha sombra, e isso era um chute no
saco.
— Quero falar com você. — Minha mãe invade meu quarto
sem bater na porta, me acordando dos meus pensamentos.
Dona Anne, melhor dizendo, minha gracinha, é tão linda e
doce. Dizem que puxei a ela na aparência e no jeito de ser. Na
aparência, concordo. Ela tem os olhos tão verdes quanto os meus,
cabelos lisos e pretos. A diferença é que ela é baixinha, como minha
irmã. Já eu tenho a altura do meu pai: 1,85 m.
Na personalidade é que somos distintos: ela é muito amável,
dócil, tem um jeito meigo, um coração bom, perdoa com facilidade.
E eu guardo mágoas, além de ser um cavalo mal-humorado e
resmungão, mas meio bobo às vezes.
Agora mesmo sou o cavalo resmungão, visto que estou ciente
de que hoje é seu dia de mãe chata: ela quer conversar sobre a
gravidez de Mia, coisa que não tocamos no assunto ainda, por falta
de oportunidade, e esquivo meu, devo admitir.
Como os treinos do futebol retornaram, mal parei em casa e,
nos fins de semana, que é quando não tenho treino, mamãe
desaparece com Daniel, ainda mais depois que ele retornou da
viagem que fez a trabalho (esse é um assunto estranho de pensar e
falar, sei muito bem o que eles fazem quando somem).
— Eu já sei bem que tipo de conversa teremos — resmungo.
— Mas sinceramente não estou a fim disso agora. Laura acabou de
ir embora.
Ainda estou deitado em minha cama, encarando o teto. Desde
que Laura se foi, fico assim nos fins de semana, ao invés de sair
para festas e terminar o final de semana trepando com alguma
maria-chuteira. Minha rotina mudou depois dela. Devo admitir que
tudo mudou em mim, dentro de mim.
— Escobar vem conversar com você amanhã — ela continua.
— Só queria te avisar isso.
Sento-me na ponta da cama e coço a nuca, começando a me
sentir irritado com a notícia. Assim como não conversei com minha
família sobre este assunto, também não conversei com Escobar, o
cara que acha que ainda é meu sogro. E o velhote é tão chato e
ultrapassado que sei que vai insinuar que eu case com a filha.
— Ele não precisa vir conversar nada comigo — digo. — Não
agora.
— Você vai agir como uma criança, é isso mesmo? — Ela
cruza os braços sobre o peito, soltando uma lufada de ar pela boca.
— Fugindo de uma responsabilidade?
— Não estou fugindo de uma responsabilidade. Só ainda não
tenho certeza de que eu seja responsável por essa gravidez.
Minha mãe abre a boca em um “o”, incrédula.
— Eu não consigo acreditar que você pense isso da Mia, que
ela te traiu. Bernardo, precisamos nos conformar e nos acostumar
com essa ideia. Você será pai. Eu serei avó. Acha que não estou
assustada e com medo? Não estou pronta e nem esperava. Mas
não é por isso que vou fingir que nada está acontecendo e vou virar
as costas para você e para ela. Coitada da garota! Sabe o que o
Escobar veio me dizer? Que ela vive chorando. Acha que é fácil
enfrentar isso sozinha? Você tinha que estar lá.
Ai meu Deus! Isso é tão injusto!
Sinceramente, me sinto frustrado, porque é óbvio que ninguém
vai acreditar em mim. Ninguém vai acreditar que Mia não é santa e
que eu ainda tenho um pouco de juízo e me previno.
Tudo bem. Sei que camisinhas estouram e mulheres ficam
grávidas mesmo quando seguem algum método anticoncepcional.
Sei disso. Mas não me sinto responsável por essa gravidez, alguma
coisa me diz que não tenho culpa nisso.
Conheço Mia e sei que ela pode estar mentindo, sei que pode
não ter acontecido nada na noite de três meses atrás que se apagou
em minha mente. Sei disso porque sua vontade é ficar comigo. Mas
claro que, se eu for o responsável, assumirei essa criança.
— Mãe, ouça — começo. — Eu sinto que não é meu.
— Bernardo, me desculpe, mas não consigo acreditar em
você.
— Isso não é novidade para mim. — Dou de ombros. — Você
nunca acredita no que eu falo. — Faço cara de tédio no final. — Não
esqueci que vocês me pegaram para bode expiatório. Acharam que
eu estava fumando maconha porque eu chegava em casa com os
olhos vermelhos. — Rio, por lembrar.
Pois é, a situação foi um tanto injusta.
Tudo bem que bebo muito às vezes, a ponto de desmaiar. Já
fumei um baseado em algumas ocasiões, mas nunca tornei isso um
vício ou um prazer. Cigarro é horrível, é uma merda tão grande
quanto se apaixonar. Mas a questão aqui não é esta; a questão é
que eu não estava fumando, cheirando, seja lá o que for. Estava
sofrendo de constantes crises alérgicas, as quais fazem meus olhos
ficarem vermelhos e lacrimejados e meu nariz fungar.
O fato é que eu estou abrindo uma ONG com Marco, que em
breve será inaugurada. Sempre sonhamos com esse projeto. Dói
meu peito e minha alma ver crianças que, diferente de mim, nunca
tiveram a oportunidade de treinar futebol, seja por falta de grana ou
até mesmo de incentivo, quando esse é seu sonho. Sem falar que o
mundo oferece muitas coisas ruins de maneira gratuita. Por que,
tendo condições, eu não poderia oferecer algo positivo de graça?
Sendo assim, depois de um tempo planejando e juntando
grana, junto ao meu amigo, comprei uma casa velha na cidade,
onde há piscina, quatro cômodos e uma quadra esportiva bacana. O
local precisava e ainda precisa de alguns reparos, como lixar e
pintar, devido às infiltrações.
Por esse motivo, eu estava chegando em casa com a
aparência de um drogado, já que eu sou alérgico. Depois de saber
por Laura o que eles achavam de mim, resolvi contar para minha
mãe a minha verdade, e ela fez a mesma cara de agora e falou as
mesmas palavras "Eu queria muito acreditar nisso".
Ela só acreditou em mim quando eu disse que Laura já tinha
ido visitar a casa e mostrei-lhe fotos de lá. Isso doeu. Minha palavra
não valeu de nada e parece que isso nunca vai mudar.
— Você achou que eu estava me drogando, mãe — repito, já
que ela não reage. — Você sabe como eu me senti quando eu
soube disso?
Ela continua sem dizer nada, apenas me encara com um rosto
sem expressão. Ela sabe que errou e que me magoou.
— Desculpa, Bernardo. — Ela se senta na ponta da minha
cama, ao meu lado, deixando os ombros caírem, em sinal de
rendição. — É que eu vejo você fazendo tanta besteira. Bateu com
meu carro, bêbado, uma vez; trouxe uma garota pra cá e a Bia,
ainda com doze anos na época, viu a garota nua na sua cama. E
quando o Escobar pegou você e a Mia transando no quarto dela? —
Minha mãe parece que nunca vai esquecer-se disso. — Nos
afastamos, meu filho, desde que você se tornou esse rapaz rebelde,
cheio de raiva pelo pai.
Isso é verdade. Afastei-me mesmo dos diálogos com minha
mãe desde que me tornei esse cara rebelde, como ela diz. Acontece
que, desde aquela época, ela já duvidava de mim. Precisou ver o
estrago que meu pai fez comigo para poder me ouvir. Não gosto
nem de lembrar-me desse dia. Só não me esqueço de que
aparentemente o trauma não foi o bastante para que ela acredite
nas coisas que falo.
Foi a partir daí que me esquivei de suas conversas, me fechei.
Mais tarde, foi um dos motivos que contribuiu para que eu me
tornasse esse rebelde. Ainda mais quando comecei a ter minha
própria grana, meu próprio carro, minha própria vida.
A razão é óbvia: quando você cresce, ou pelo menos quando
você acha que cresceu, você quer tomar rédeas de sua vida sem
precisar da ajuda de seus pais, nem que seja com um conselho.
Mas a verdade é que você vai depender deles por um bom tempo
porque, enquanto você não for pai, você ainda é uma criança, e
crianças são totalmente dependentes.
Então, é claro que em muitos momentos precisei de um apoio
emocional da minha mãe, principalmente por saber que meu pai
andava bebendo por aí, sozinho, desamparado, com vadias
roubando seu dinheiro. Mas, por estar magoado, preferi ignorá-la. O
caminho que encontrei foi bebendo e pegando as marias-chuteiras,
repetindo as atitudes idiotas do meu pai.
O que importa é que agora não quero mais isso. Quero uma
vida com Laura, sair mais com ela, beijá-la mais, irritá-la mais. E
lembrar-me dela, me deixa feliz e triste ao mesmo tempo.
É meio paradoxal gostar dela. Eu gosto de relembrar dos
nossos momentos juntos, a recordação dela deixa meu coração
alegre. Mas, por outro lado, só de lembrar que não sei quando a
terei outra vez em meus braços, meu coração murcha.
— Eu e a Laura estamos namorando — admito, numa tentativa
suicida de me abrir com minha mãe. No segundo seguinte, já me
arrependo. Sempre que digo algo para minha mãe, me preparo para
ouvir algo negativo, uma descrença ou algo do tipo.
Ela dá um sorriso enorme, que eu interpreto como orgulhoso e
feliz. Ela adora a enteada.
Minha mãe nunca destratou a Mia, mas eu via que ela nunca
teve simpatia pela ex-nora. As duas nunca tiveram uma conversa
que durasse mais de cinco minutos, mesmo que minha ex-
namorada forçasse a barra às vezes. Na época, eu achava que era
ciúmes de mãe, mas, se assim fosse, ela também reagiria dessa
forma com Laura e não abriria um sorriso de contentamento como o
de agora.
Ai, minha Ursinha, que saudades de você! Do seu jeito meigo
e doce. Meu coração chega dar uma pontada de dor.
— Só vai ser bem difícil com essa distância toda — desabafo.
— Eu esperei quase um ano pelo Daniel. Eu também chorei
muito, quase todos os dias, ainda mais por estar presa a seu pai,
por acreditar que era com ele que eu tinha que ficar por causa de
você. Mas, sabe, esse tempo longe do Daniel, me ajudou a
amadurecer e descobrir o que eu queria. Bom, querer estar com ele,
isso eu já tinha certeza que queria, mesmo que o tempo que
tínhamos passado juntos fosse pouco, assim como aconteceu com
vocês.
Minha mãe e meu padrasto se conheceram quando ela
descobriu que estava comigo dentro de sua barriga adolescente.
Eles não chegaram a namorar, tampouco à distância, no entanto
ficaram separados, em primeiro lugar, porque moravam em estados
distintos, em segundo porque minha mãe acreditava que ficar com
meu pai era a escolha certa a ser feita por causa de mim. Mas,
depois de meses, comigo já em seus braços, ela voltou para Daniel.
Sorrio, fazendo a comparação entre o que vem acontecendo
entre Laura e eu. Foram só duas semanas de bons momentos,
enquanto, anteriormente, durante todos esses meus vinte e um
anos, era só desentendimento.
— Então, o que eu quero dizer é que vai doer a partir de agora,
mas quando vocês se reencontrarem, vai ser diferente. — Ela põe a
mão em meu rosto e me encara com admiração no olhar. — Olha
para você, meu filho. Duas semanas com a Laurinha te tornou esse
cara sensível chorando numa despedida de aeroporto na frente de
todos. — Ela sorri, orgulhosa. Deve ser algo positivo para uma mãe
tão sensível quanto a minha ver o filho chorando por sofrer de
saudades de uma mulher e não sendo escroto com uma. — É triste
devido ao contexto, mas é digno. Eu achei lindo.
Sorrio e acho que quero chorar de novo.
— O amor amadurece as pessoas, Bernardo. Ele vai te deixar
mais homem. Tenho certeza.
— Isso eu sempre fui — brinco, abrindo um sorriso de lado.
Ela gira os olhos, me desaprovando, mas não desfaz seu
sorriso.
— Dá um abraço na sua mamãe? — Ela abre os braços em
minha direção, e eu entro neles para receber esse carinho que há
anos me recusava a aceitar. — Eu amo você.
— Eu também te amo, dona Anne.
Minha mãe sorri. Ela adora esse apelido tanto quanto “minha
gracinha”, mas só eu a chamo assim. O Nicolas e a Beatriz também
a chamam de Dona Anne.
— Amanhã eu vou conversar com o Escobar — prometo. —
Agora só me deixa descansar um pouco.
— Você vive descansando nos fins de semana, meu filho.
Receio que isso não seja bom. Não vá ficar deprimido.
— Claro que não. Estou saudoso, com o coração doendo, mas
deprimido já é demais.
Ela faz que sim com a cabeça e se levanta. Vira as costas para
se retirar, enquanto me jogo na cama de barriga para cima. Olho
para meu lado esquerdo e vejo faltar alguém. Fecho meus olhos e
suspiro.
Ah, minha Ursinha, minha namorada... a saudade aumenta a
cada dia mais! Sinto que vou enlouquecer. Minha namorada... tenho
uma namorada. Como isso foi acontecer? Dou um sorriso bobo ao
lembrar em como ela é linda. Estou tão fodido com isso!
Coloco a mão debaixo do meu travesseiro e alcanço meu
celular. Digito uma mensagem para ela no mesmo instante.
Bernardo: Bom dia, minha Ursinha. Como vão as coisas? Não
se esqueça que eu te amo. :)
Ela não me responde na mesma hora como eu esperava,
como estou acostumado que as garotas façam. Ela sempre demora
uma vida, e isso também é uma merda. Receio que suma outra vez,
receio que me ignore por nove anos, como fez com o pai.
Capítulo 02

Enquanto desço as escadas para o café da manhã, fico


atualizando a conversa com Laura no meu smartphone. Nada de ela
me responder. Como é possível uma coisa dessa? Não tinha que
estar tagarelando comigo? Dizendo o quanto sente saudade e
gostaria de estar comigo agora? É isso que as garotas sempre
fazem. Mas não. Laura tem trocado comigo, no máximo, duas ou
três mensagens por dia.
Desço o último degrau da escada, passando por trás do sofá
branco da sala, bem como ela toda é. Levo meu olhar para o porta-
retratos dos três patetas rindo (vulgo eu, Nicolas e Bia na última
viagem à Gramado) que fica bem no meio de tantos no armário,
depois para o tapete indiano que cobre quase todo o chão branco e
sem graça.
Ao alcançar o corredor, olho para a tela do celular e não deixo
de ver outra vez se Laura me respondeu. E nada.
Que porra ela faz?
Passo pela cozinha de eletroeletrônicos cinzas e bem
equipados da minha mãe, encontrando minha família sentada à
mesa do café da manhã. Hum, Zélia fez bolo de chocolate. Por isso
a amo tanto. Não posso deixar de dar-lhe um beijo em sua
bochecha rechonchuda, em agradecimento. Sei que gosta quando a
beijo.
— Menino! — Ela bate em minha mão. — Não me aperte que
sinto cócegas!
— Sei que tipo de cócegas você está sentindo. — Tiro minhas
mãos de sua cintura cheia de curvas, mas antes não posso me
esquecer de apertá-la mais um pouquinho.
— Oxi, rapaz! Vou atender a porta. Vai tomar seu café da
manhã. Fico feliz que tenha acordado bem hoje. — Ela vira as
costas e desaparece pelo corredor.
— Bom dia, cambada! — Puxo uma cadeira e me sento à
mesa de vidro, abrindo meu sorriso de lado de sempre, o que as
garotas chamam de marca registrada. Todos respondem meu
cumprimento, exceto Beatriz, que tem um bico que ocupa quase
toda a mesa.
Deve ter brigado com o namoradinho.
— Achei que tivesse morrido — ela, que está sentada à minha
frente, faz questão de me provocar, enquanto enche o copo com seu
suco matinal de laranja. — Vive trancado no quarto. Parece
deprimido, irmãozinho. Deveria levá-lo ao psicólogo, mamãe.
— Bernardo está apaixonado, e isso não é doença — minha
mãe me defende, me lançando seu sorriso complacente. — Pelo
contrário, é uma coisa muito boa.
— Se fosse eu trancada no quarto sofrendo pelo Caio, a
senhora não estaria com esse sorriso feliz na cara. Estaria
reclamando nos meus ouvidos. Bernardo tem prioridade em tudo.
Por que isso? Só porque ele está sendo uma grande revelação no
futebol? Espera para ver, também serei, só que muito mais: serei
mundialmente reconhecida.
Desde o início do ano passado para cá, venho me destacando
nos jogos. Inclusive, o treinador está me cobrando cada vez mais,
visto que, segundo ele, soube por alto que o técnico do Sport Club
Internacional, o maior clube de futebol do Sul do Brasil, está de olho
em alguns dos seus jogadores, e acredita que eu seja um deles.
Minha família sabe disso. Claro que lhes contei. E, assim como eu,
estão felizes com a possibilidade de eu jogar em um clube maior,
com exceção de Beatriz, que não deixa a inveja de lado nunca.
Minha irmã acha que o mundo gira ao redor de seu umbigo e
que todas as coisas boas só podem acontecer para ela. Engraçado
que, quando uma pessoa bate os olhos nela, acha que se trata de
uma menina dócil e boazinha. Ela é a cara da mamãe, só que 25
anos mais nova: pele morena clara, cabelos pretos lisos e baixinha.
Seus olhos são tão verdes quanto os meus, e devo reconhecer que
eles têm um brilho especial.
Apesar de tudo, devo admitir que ela é uma gata. Não posso
negar um fato como esse. E se tem essa personalidade egoísta é
porque é a caçula e a única garota da casa, visto que Laura não foi
criada conosco, então foi mimada pra cacete por minha mãe e
Daniel. Por ter esse gênio, gosto tanto de provocá-la. Adoro quando
perde o controle.
E se tem uma coisa que a tira do controle é chamá-la de
pentelha, lembrar-lhe que é uma criança. Ela odeia ser tratada como
uma. Acha que é adulta.
— Estava muito melhor no meu quarto, longe de você,
pentelha. — Encaro minha irmã. — Que tal contar para seu pai as
surpresas que você teve nessa viagem?
Já que me provoca, que tal falar da suposta gravidez que
desconfiara?
Depois que soube por Laura desta notícia, não pude deixar de
chamar minha irmã para uma conversa. Disse que ela precisava
contar para os pais o que estava acontecendo, visto que ainda é
uma criança. Mas a pirralha não falou nada. Apenas ficou com os
olhos cheios de lágrimas, quase chorando. Só não sei se foi de
vergonha ou de medo de eu abrir minha boca e falar para eles que
ela já transa.
Ah, cacete! Bia já transa! Minha irmã de quinze anos transa.
Como saber disso é esquisito. Até ontem era uma pentelha chata,
que ficava batendo à porta do meu quarto de madrugada com medo
de assombração. Como pode agora transar? Ah, Caio, aquele
babaca filho de uma mãe, fica pegando irmãs alheias. Deixa só eu
ter uma oportunidade. Quebrarei seus dentes, sem dó.
— O que aconteceu que eu não sei? — Daniel quer saber,
parecendo enfim estar presente à mesa.
Beatriz para com seus olhos, que estão escurecidos, em mim,
e me vejo dando um sorriso aberto.
— Bernardo, dá para você calar a boca? — ela quase berra,
seu rosto chega a ficar vermelho. Ela leva o rosto para o pai, que
está ao seu lado. — Não aconteceu nada, papai.
Ele me olha de soslaio, a testa enrugada, e o que faço é dar de
ombros.
— Eu acho que você deveria contar — ainda completo,
fazendo-a me fuzilar com os olhos. Ah, quando digo que adoro irritar
garotas bobas não estou mentindo.
— Dona Anne. — Zélia reaparece à cozinha. — Seu Escobar
chegou com Mia.
O quê?
Olho por cima de seus ombros e vejo os dois fantasmas em
suas costas, fazendo desmanchar o sorriso que eu tinha.
Mas que caralho! Não era só amanhã que os dois viriam? Por
que a antecipação?
— Bom dia! — Minha mãe vira as costas para cumprimentá-los
com seu sorriso de pessoa simpática, que pela primeira vez em uma
vida inteira me irrita. — Junte-se a nós para o café.
Não acredito que ela disse isso.
Pai e filha se sentam à mesa, e eu me seguro na borda. Essa
é a forma que encontro de manter meu corpo onde está, pois, minha
vontade é me levantar daqui xingando um palavrão daqueles de
arregalar os olhos.
— A gravidez está me dando uma fome! — Mia comenta, ao
pegar um pedaço de bolo com as mãos e levar à boca. Agora ela já
está sentada à mesa, ao meu lado para ser mais específico.
— Ai, amiga! Você vai ficar gordinha pela primeira vez na vida!
— Bia diz, o que deixa Mia surpresa, já que as duas estavam sem
se falar. O motivo: Mia não aceitou o fato de Beatriz achar que
estava grávida. Ela queria estar, para me segurar. Essas foram as
palavras da minha irmã quando conversamos sobre o assunto.
Este é mais um motivo que me faz desconfiar de suas
“verdades”.
— Nem me fala. — Mia faz uma careta, depois leva mais um
pedaço do bolo à boca com a mão de maneira desesperada,
parecendo estar sem comer há dias.
Por um momento, me sinto feliz com essa gravidez lhe
causando fome. Era doloroso ver Mia passar por seu transtorno
alimentar, ela sofria de anorexia, mas agora, desde que se
descobriu grávida, de acordo com os boatos que eu soube, passou
a se alimentar direito. Até demais.
E digo boatos porque não tenho falado muito com ela. Sei dela
pelos outros ou por ela própria, que vive me mandando mensagens
que quase nunca respondo, ainda mais quando são lamentos por
“estar morrendo de saudades de mim”.
Hoje, é a primeira vez que a vejo após a viagem, e isso já tem
quase dois meses. Ela está com a barriga evidente, apontada para
frente, ainda mais por ter o corpo magro.
Nesse meio tempo, nas poucas vezes que entrei em contato
com ela foi para que fossemos ao médico fazer a ultrassonografia,
mas ela acabou por adiar, inventando mil e uma desculpas. Mas
disse ter feito exame de sangue, que estima o tempo de gravidez.
No entanto, perdeu-o, mas me garantiu que batia com o tempo que
transamos desprevenidos.
Não acredito em nada disso, assim como não acredito nas
mensagens que tem me mandado se lamentando por mim. Sem
falar nas ligações no meio da madrugada, aos prantos, o que me
irrita. Não acho que goste de mim e esteja sofrendo com isso.
Sei que Mia é falsa. Ela mesma já me disse isso, que cansou
de fingir estar doente para o pai lhe dar atenção. Fora outras
situações ridículas, que sempre a incentivei a evitar, mas ela não me
ouve. Segundo a mesma, uma pequena mentirinha ajuda a vencer.
Como irei acreditar nessa gravidez?
— Eu não me incomodei muito com essa situação toda —
Escobar comenta, trazendo seu olhar enrugado para mim. Ele está
sentado em uma cadeira ao lado de Daniel, à minha frente. — Se é
que você me entende. Vocês são jovens, tem desejos, às vezes
essas coisas acontecem mesmo. Só deveriam ter tomado cuidado.
Sinto meu rosto esquentar. Será que ele não conhece
expressões como “Bom dia”, “Como vão?”? Já chega na casa dos
outros puxando assuntos estressantes. Aliás, bem na hora do café
em um dia que ele nem me perguntou se poderia comparecer.
— Não acho que esse seja o lugar nem momento propício para
conversarmos sobre isso. — Deixo toda a irritação escapar entre
minhas palavras, o que acaba por irritar o velhote ranzinza e
rechonchudo que está em minha frente.
Mas quer saber? Estou pouco me lixando! Levanto-me da
mesa, virando as costas para sair da cozinha, mesmo sem ter
comido nada.
— Ele agindo dessa forma só me leva a acreditar que
realmente é um moleque! — Ouço-o resmungar assim que
atravesso a porta que dá acesso ao corredor, visto que há outra
para o quintal.
Assim que entro na sala, me jogo no sofá e suspiro com
minhas mãos entre meu rosto. Problemas me causam estresse,
irritação, vontade de xingar e encher a cara. É isso que sinto
vontade de fazer agora mesmo. Mas reconheço que não devo
continuar nessa. Não quero acabar como meu pai...
— Bernardo — Mia me chama com a voz manhosa.
Ah, não!
Sinto-a se jogar ao meu lado, me fazendo ver suas pernas
morenas até a altura da coxa, já que ainda estou com meu rosto
abaixado entre as mãos.
Mia tem pernas morenas bonitas, mesmo que pouco definidas,
ainda mais que sempre usa shorts jeans curtos. E, apesar de ter a
pele bronzeada de muita praia e piscina, seus cabelos são no tom
louro dourado, os olhos da cor de mel. Devo admitir que tem uma
aparência atraente.
Antes, vê-la assim era o suficiente para que meu pau latejasse
contra minha cueca, mas agora parece tão indiferente. A única
garota que tem feito meu pau latejar nesses últimos meses tem sido
Laura.
— Não é hora, Mia — resmungo.
— Eu não tenho culpa se isso está acontecendo. Não tem por
que ficar com raiva de mim.
— Não estou com raiva de você. — Levo meu rosto
visivelmente irritado para o seu de garota mimada.
— Sério? Porque não é o que parece.
— A merda toda é que você não quer admitir para o seu pai
que talvez você não esteja esperado um filho meu.
— Você me magoa falando assim. — Cruza os braços e joga a
cabeça no encosto do sofá. Pela expressão de seu rosto, parece
ofendida, mas sinceramente estou cagando para isso.
— Mia, olha para mim.
Ela vira o rosto e me olha fixamente com as sobrancelhas
erguidas e a boca curvada para frente, carregada de um brilho
labial, que antes me excitaria só de imaginá-la no meu pau. Mas
agora não. A única boca que quero aqui é da minha Ursinha.
— Você sabe que só dizíamos que éramos namorados para eu
dormir na tua casa contigo e a gente transar, né?
— Hum. Não era bem assim.
Reviro meus olhos, me sentindo ficar ainda mais impaciente.
— Okay. Acabamos levando a diante a mentira que
inventamos. Você virou minha ficante fixa e eu só ficava com você
desde daquele dia que teu pai nos flagrou em sua cama, você
lembra?
— Claro. — Ela sorri, parecendo achar divertida a recordação.
— Como vou esquecer? Meu pai me viu transando contigo. Foi
constrangedor, mas excitante. Foi um motivo a mais para que você
se sentisse muito mais atraído por mim. Ou será que estou
mentindo?
É verdade. Depois do flagra, toda vez que recordávamos o que
ocorrera, seja por telefone ou mensagem, passamos a sentir mais
tesão um pelo outro. Do nada, marcávamos um encontro e
transávamos como se o mundo fosse acabar no dia seguinte.
Mia era boa de cama, devo admitir. Não negava nada, tomava
as rédeas, me provocava nas preliminares. Já chegou a ponto de
me fazer gozar ao telefone, só falando, sem eu me tocar.
Realmente, era muito boa. Mas agora nada disso mais faz sentido.
Quando lembro, realmente não sinto saudades, sequer fico
excitado.
— É verdade. Não vou negar — admito, e vejo seu sorriso se
abrir. — Mas não é nisso que quero chegar. Você não era mais
virgem, mas me fez dizer para seu pai que eu fui seu primeiro. Você
ficou morrendo de vergonha da situação, lembra?
Ela faz que sim.
— E que só se entregou porque "estava apaixonada". — Faço
aspas com os dedos, e ela cruza os braços sobre o peito outra vez.
— Você não era virgem. Eu menti junto com você porque teu pai é
todo desse jeito aí. — Aponto para o lado da cozinha, onde Escobar
deve estar certamente falando mal de mim. — Antiquado. Já chegou
insinuando besteira. O que ele quer? Que eu bote aliança no teu
dedo agora, é isso?
— Esse era o plano dele. — Sua voz demonstra tédio, como
se casar comigo não fosse algo que ela desejasse.
— Mia, está vendo? Também não é isso que você quer.
Ela dá de ombros.
— Você não gosta de mim, Mia. Você só não se conforma com
o fato de eu não gostar de você. Ser rejeitada te destrói, e eu sinto
muito por te causar isso, mas eu não te amo. Não gosto de você.
Amo a Laura. É com ela que quero ficar. Não quero que você fique
mal, mas me desculpe. Essa é a verdade.
— O que você quer que eu faça? Quer que eu chore?
Não! Se ela começar a chorar aqui, será o suficiente para que
eu a puxe para meus braços e afague suas lágrimas, e não quero
essa aproximação. Ela pode entender da maneira errada. O que
quero é que ela admita que talvez eu possa não ser o pai. Quero
que pare de me mandar mensagens no meio da noite. Mesmo que
eu ignore, ela não para.
Okay, talvez eu seja um babaca por agir assim. Mas não estou
sabendo lidar com essa merda toda.
— Quero que me deixe em paz — começo. — Que pare de me
ligar, de me mandar mensagens. Tenta se controlar, parar de chorar
na frente do teu pai e do teu irmão dizendo que está sofrendo por
causa de mim. Sabemos que não é por isso.
— Eu te amo, Bernardo. — Ela me encara firmemente nos
olhos, e vejo que seus olhos estão carregados de lágrimas.
Não caio nessa.
Mia faz curso de teatro, além de faculdade de artes cênicas,
faz fotos publicitárias para uma loja de roupas local famosa, apesar
de sempre ter sonhado em ser modelo de passarela. Não pode
porque é baixinha demais. Assim como Beatriz, sua profissão é
atuar e fazer poses para fotos, então sei que tudo pode ser apenas
sua atuação barata, para me sensibilizar.
Muitas vezes me sensibilizou contando alguma coisa triste,
chorando, mas depois ria da minha cara dizendo que era só um
teste para ver se sua atuação era convincente. Diante desse
pensamento, ignoro sua confissão e dou continuidade às minhas
palavras:
— Quando seu pai nos flagrou e eu disse para ele que
estávamos namorando, fiz isso para você se sentir menos
envergonhada. Estava te poupando de ser humilhada por ele. Fora
outras vezes que também te ajudei. Nunca te virei as costas. Então,
o que quero é que você reconheça que fui teu amigo. Agora é hora
de ser minha amiga também.
— O quê? Criando um filho sozinha?
— Não. Falando a verdade para o teu pai, que você não tem
certeza de que é meu.
— Bernardo, você está me ofendendo.
— Ofendendo? — Eu rio. — Você acha que eu não sei que
você transou com outras pessoas? Nunca falamos sobre isso, mas
eu sei que você fica com outras caras.
Sempre soube que Mia fica com outros caras. Nunca
perguntei. Para ser sincero, pouco me interessa saber. Mas sei
disso porque entre os caras rolam esses assuntos, e eles acabam
me dizendo “comi sua mulher ontem”, mesmo conscientes de que
ela não é mais minha namorada. Engraçado que isso não me
incomoda. É a prova de que não gosto dela. Gostava do que tinha
no meio das pernas e do que fazia com ela.
A prova disso foi quando recebi uma ligação, no início de
dezembro passado, de Vinicius, um amigo do futebol, o mais
comedor de todos, dizendo que “comeu minha mulher” em um
churrasco, pois ela não parava de “jogar na cara dele”, expressão
que ele gosta de usar quando alguma maria-chuteira insiste em ir
pra cama com um de nós.
Vinny não é maluco de não usar camisinha, mas de acordo
com o desespero que tem por qualquer rabo de saia, não duvido
que não se previna quando não dá tempo, o que é horrível de
pensar, pois me leva a crer que talvez ela esteja grávida do meu
amigo. Melhor não pensar nisso. É... meio... estranho.
— Poxa, Mia — retomo minha fala. —, você se envergonha em
admitir para o seu pai que essa gravidez possa ser fruto de uma
transa de uma noite só, assim como se envergonhou em admitir
para ele que não era mais virgem quando ele nos flagrou, mas não
se envergonha em me obrigar a assumir uma paternidade que você
nem tem certeza que é minha.
— Olha, Bernardo, estou dizendo que acho que é sua porque
você foi o único que transou comigo sem camisinha. Foi mal aí se
você não lembra, já que estava tão chapado sofrendo com a
ausência do seu pai — ela zomba da minha dor, mas tento ignorar
seu jeito de garota mimada.
Não quero falar dos motivos que me fizeram ir até ela, mas sim
do que fizemos naquela noite. Ou do que não fizemos. Nunca bebi a
ponto de ter meu cérebro apagado no dia seguinte. Sempre me
recordo de tudo, e tudo que me lembro é de ter chegado bêbado,
tirado as roupas e dormido.
— E você está certo até certo ponto, okay? — ela continua. —
Só que não é assim. Pode ser teu filho ou não. Só quando eu fizer a
ultrassonografia que eu vou saber.
— Então é isso, você está me afirmando que talvez eu não
seja o pai?
— É, estou, mas ainda assim acho que seja seu.
— Quando você for fazer a ultra, farei questão de ir contigo.
Ela ri com deboche.
— Você acha que eu vou roubar um exame do meu pai, é?
— Não falei isso. — Mas pensei. Mia já falsificou atestado para
faltar aula no ensino médio. Lembro-me disso como se fosse ontem.
— Tá bom, Bernardo. — Ela se levanta e me encara, cruzando
os braços sobre o peito. — Quer saber o que eu e todos seus outros
amigos achamos? Que você se tornou um chato depois que a
Laurinha apareceu na tua vida. — Ela faz cara de nojo para mim.
Mas eu pouco me importo com suas atitudes infantis de garota
mimada. — Não sei como tem paciência para aturar aquela garota
sem graça.
— Tira a Laura dessa conversa. Ela não tem nada com isso.
Mia suspira.
— Sábado — ela diz.
— O quê?
— A ultra está marcada para sábado que vem, às nove. Foi o
único horário que consegui marcar.
— Tenho futebol. Não consegue marcar algum dia da semana
à noite? Depois das cinco?
— Não. Você sabe que tenho aula a semana toda... e sem
falar que estou participando de uma campanha publicitária. A última,
certamente. Agora grávida, quem vai me querer toda gorda assim
em fotos? — Ela se levanta e me encara por cima. — Mas, se quer
ir, dá teu jeito. — Vira as costas e sai da sala.
Bufo, passando minhas mãos pelos cabelos, e estico meu
tronco nas costas do sofá. Não quero um filho com Mia. Meu Deus!
E se for meu? Não quero que ele se sinta rejeitado por mim porque
não o desejo. Não quero ter que fazê-lo passar pelo que eu passei.
Pelo que Laura passou. Ela, menos ainda do que eu, deseja que eu
tenha um filho que não seja dela.
Levo minha mão ao bolso e pego meu celular para ver se ela
me respondeu. E nada. É uma tortura muito grande sua namorada
morar a treze horas de distância e você não ter a mínima ideia do
que ela faz que não pode te responder com a frequência que
gostaria.
Quando devolvo meu celular ao bolso, levanto o olhar e vejo
Escobar e Daniel se sentando no sofá de frente para o que eu
estou.
— E então, Bernardo, será que podemos ter nossa conversa
de homem para homem? — Escobar pergunta, me encarando com
uma espécie de desafio em suas feições de homem cansado.
— Claro. — Abro meu sorriso cínico.
— Certo. — Ele pigarreia. — Estive fora por três meses, a
trabalho.
Mentiroso. Estava viajando com a nova mulher que arrumou e
largou Mia sozinha em casa. Sei disso porque ela sempre reclamou
de sua ausência.
— E quando retorno, descubro que minha filha está grávida.
Essa semana tudo que fez foi chorar. Fiquei meio decepcionado,
entende? Tudo bem que vocês não queiram casar. Sei que ser mãe
solteira hoje em dia é absolutamente normal, então eu posso tentar
aceitar uma filha nessa situação. Não vou humilhá-la por isso e nem
virar as costas para ela. Queria que se casassem. Seria bom para a
imagem da minha filha. Não só na questão profissional, mas
também social. Será muito difícil ter que lidar com os olhares
acusativos de todos no trabalho, mas sei que os dois não querem
isso. Mia não se sente pronta para casar, apesar de gostar muito de
você. Se ela não quer, imagina você. Então não vou insistir, apesar
de ser minha vontade, mas assumir essa criança é o mínimo que eu
exijo que você faça.
— Eu jamais disse que não assumiria, mas eu só vou fazer
isso se eu for o pai.
O velhote aperta os olhos e me encara com uma espécie de
ódio em suas expressões. Mia não me poupou. Foda-se. Também
não vou poupá-la.
— Mia não é desse tipo de garota. Mas entendo que esteja
com raiva dela por ter engravidado, já que, daqui a alguns dias,
você terá coisas mais sérias para tratar: acompanha-la às consultas.
Depois, em alguns meses, trocar fraldas, fazer mamadeira. É,
entendo que esteja com raiva, ainda mais que está vivendo uma
aventura com sua irmãzinha, o que para mim é ridículo, além de
porco. É pura safadeza. Deveria se envergonhar.
O quê?
Sinto minha boca abrir-se em um “o”. Só que mais do que isso:
meu sangue ferve por minhas veias, que minha vontade é me
levantar e dar um baita soco nessa sua cara de velho idiota. Mas,
por respeito a Daniel, me contenho. Tudo que faço é truncar meu
maxilar e fechar os punhos. Quem sabe assim a vontade não passa.
— Ele não estava de safadeza com minha filha — Daniel se
mete. O rosto, pura indignação, mas, sobretudo chateado com a
insinuação do amigo. — Eles se gostam, Escobar. Você não precisa
ofender a minha filha, que não tem nada com isso, para resolver um
problema com Bernardo.
— Não estou a ofendendo. Só achei meio ridícula essa
situação toda. Bernardo está com minha filha, depois do nada pega
a tua. Qual foi, Daniel? Como pode se sujeitar e achar bonita uma
situação dessa? E ainda os dois sendo como se fossem irmãos?
Isso é nojento.
— Você não tem que achar nada. — Me levanto, dando fim ao
assunto antes que minha mão pare no meio do nariz desse babaca.
— Não terminamos.
Dou de ombros e me retiro.
— Acho melhor você ir embora. Irritou-me já. — Antes de pisar
no primeiro degrau da escada, ouço meu padrasto resmungar para
o amigo.
Fico feliz. Daniel está ao meu lado, como sempre. Quer dizer,
como quase sempre. De certa forma, é a pessoa que conheço que
mais me entende e que mais me conhece.
Capítulo 03

Sei que meu comportamento de garoto rebelde foi um divisor


de água para muitos momentos tensos no casamento da minha mãe
com Daniel. Minha postura, minha falta de diálogo e ausência aos
fins de semanas, por vezes, fez com que meu padrasto se irritasse e
isso causasse mal-estar entre os dois.
Ele é do tipo de pessoa que gosta de ver todos unidos, mas eu
nunca tive a menor paciência para isso. De certa forma, sentia raiva,
porque ali estava uma família completa: um casal que se ama com
dois filhos que fizeram juntos, e nesta história não cabia a mim
porque eu não era fruto daquele amor. Eu era uma sobra, algo que
minha mãe precisou colocar no meio por obrigação. Era assim que
muitas vezes me sentia.
Mas, por outro lado, apesar de muitas vezes ouvir Daniel
reclamar de mim para minha mãe, e até reclamar de mim para mim,
ele sempre fora a pessoa que mais me apoiou e me incentivou na
vida, principalmente quando lhe contei, aos seis anos de idade, que
queria ser jogador de futebol. Foi Daniel que não me permitiu
desistir disso, diferente da minha mãe, que sempre quis que eu
fizesse faculdade, como Nicolas.
Mentalmente, sempre tive certa preferência por Daniel do que
por minha mãe, mas espero que ela nunca saiba disso. Acho que a
preferência se explica por eu ser homem, e todo garoto quer ter um
exemplo a seguir, alguém para se espelhar. Nunca tive meu pai
como bom exemplo, até quando ele não era tão babaca como foi no
final da minha infância.
Também tinha e tenho meu avô, pai da minha mãe, mas ele
mora em outra cidade, a quatro horas de São Gabriel, que é onde
eu moro. Então, quase não nos vemos, exceto no seu aniversário e
da vovó, ou de alguém aqui de casa, Natal e festas de Ano Novo.
Mas não é suficiente para manter diálogos e trocar algumas ideias.
Meu avô é ótimo nisso, melhor conselheiro que já conheci, mas, por
ser de outra época, muitas das coisas que lhe contei sempre
pareceram absurdas para ele.
Então, tinha Daniel para tirar dúvidas, conversar, pedir
conselhos (como pôr uma camisinha no meu pênis pela primeira
vez, que fora a maior dúvida que tive na vida) e até para
comparecer aos eventos escolares de Dia dos Pais. Enchia meu
peito vê-lo lá, ele nunca faltou a nada. Era por isso que, de certa
forma, nutria uma raivinha por Laura. Ela não valorizava o pai
maravilhoso que tinha. Do contrário, o fazia chorar, ignorando-o,
evitando-o, desaparecendo por nove anos sem explicação.
Mas agora a entendo e não a julgo. Deve ter sido muito duro
para ela...
Daniel me ensinou muitos valores, me chamou muito a
atenção, quando fazia algo de errado, de negativo, mas nunca se
atreveu a gritar, a me bater. Nem com os outros filhos, os filhos de
verdade, ele fez isso alguma vez. Mas sabia que se preocupava
com todos nós e sei que deu o melhor que pode, assim como minha
mãe. Gostava de sua preocupação comigo. Queria que ele fosse
meu pai, e não Vitor.
Mas não posso mudar isso. E, se pudesse, não poderia ficar
com Laura. Aí sim seria nojento, como Escobar falou.
— Ai, cara, presta atenção — Nicolas chama minha atenção,
me fazendo acordar de meus pensamentos. — Poxa, Bernardo! Gol
contra para a Argentina!
Estamos sentados na cama dele, um ao lado do outro, jogando
FIFA 15, em um torneio de Copa do Mundo, em que o Brasil
enfrenta o Messi e seus companheiros nas quartas de final.
Quando olho para a tela LCD da televisão do meu irmão, vejo
que meu avatar do Neymar fez um gol contra e a favor da Argentina.
Tento manter o domínio de bola com Hernanes, que chuta
espontaneamente para Fred, mas até no jogo este cara parece
péssimo atacante. Sou tricolor carioca, apesar de ser gaúcho, mas
devo reconhecer que esse cara não joga nada.
Rio, de nervoso. Acho que acabo de ferrar com o campeonato
do meu irmão, e é fato que vamos ser eliminados nesse jogo, visto
que estamos nos dez minutos decisivos, com a Argentina levando
vantagem de um gol.
Acontece que estou enferrujado. Faz tempo que não paro para
jogar no X-Box, porque ao contrário do meu irmão, que prefere o
jogo virtual, eu pratico o jogo real a semana inteira. Por isso vivia em
bar, festas ou com garotas, e nunca em casa e muito menos
próximo ao Nicolas. Mas agora aqui estou eu, e espontaneamente.
Foi eu quem bati à sua porta e entrei, encontrando-o de cara
com a tela da TV, e me ofereci para jogar.
Mas agora acho que voltei a entender alguns macetes, de
tanto que joguei. Jogamos desde o almoço, e agora já é tarde da
noite. Sinto minha coluna doer e minha bunda ficar quadrada de
tanto tempo que estou sentado. Não sei como Nicolas aguenta.
— E aí, como ficou a situação com o Escobar? — ele quer
saber, enquanto vejo nossos adversários do jogo trocarem abraços
comemorativos.
— Pai é igual corno: sempre o último a saber.
— Como assim? — Ele me olha rapidamente de soslaio e volta
com sua atenção para o jogo, onde aparece Hulk chutando a bola
para Fred, que ainda sou eu quem comando.
— Ah, cara, é que tipo, o Escobar fica achando que a Mia é
santa. Eu não acho que ela esteja grávida de mim.
Ele rapidamente vira o rosto para o meu, e eu o encaro. Ele
parece horrorizado.
— Tem uns quatro meses que Vinicius transou com Mia. —
Volto com minha atenção para o jogo, e ele faz o mesmo. — E Vinny
é maluco. Vive caído pelos cantos de chapado, isso quando não
está enfiando o pau de qualquer jeito em qualquer garota. Já
engravidou uma guria no ano passado, que escolheu abortar.
— Não sabia dessa. Vocês são muito malucos, e essas
garotas mais ainda.
— O ruim é que essa história toda foi um trauma para ele.
Depois desta, ele se recusa a transar sem camisinha. Perde a
garota, mas não corre o risco. Imagina aquele maluco tendo que
trocar fraldas. E é isso que me desanima. Se não for dele, há mais
chances de ser meu.
— Vocês estavam juntos, quando Mia e ele...?
— Não. Tínhamos acabado de terminar. Só voltamos a ficar
algumas semanas antes do Natal, quando ela afirma que transamos
sem camisinha. No caso, comigo bêbado e de memória totalmente
apagada. Só me recordo de chegar lá, conversar, apagar em
seguida e no dia seguinte acordar sem roupas. Não me lembro de
ter feito nada com ela.
— Acha que Vinny é mais certo de ser o pai?
Dou de ombros.
— Prefiro pensar que sim.
— Que merda! — Nicolas coça a nuca com a mão livre. —
Escobar vai ficar uma fera se isso acontecer. Nenhum pai quer
saber que a filha está grávida de um cara que nem conhece, com
quem ela transou sem compromisso ou pior: em uma noite só.
Não mesmo. Se um irmão já não acha bom saber que a irmã
transa, imagina um pai saber que a filha transa com vários.
— Temos que ficar de olho na Beatriz — alerto-o.
— Certo que sim. Estou preocupadíssimo. Ela só tem quinze
anos. Com quinze anos, eu lambuzava minha mão, mas não
transava.
Nicolas sabe da suspeita de gravidez de nossa irmã.
Conversamos sobre isso depois da viagem. Os três. Meu irmão é
mais na dele. Muitas vezes, parece indiferente aos problemas que
ocorrem a sua volta, o que não é uma verdade, pois, basta sentar
para conversar com ele que ele te dará muitas palavras de apoio.
Só é um cara fechado, meio introspectivo. Dá-se melhor numa
conversa em dupla do que num falatório em grupo.
— E você e a Laura? — ele quer saber. Mas não tira os olhos
do Neymar na TV.
— Estamos namorando. — Dou um sorriso de satisfação. —
Tem sido divertido, apesar da distância.
— Sério? E nem comunica à família?
— Estou comunicando agora. — Faço uma careta brincalhona,
olhando para ele. — E está só no começo, se é que você me
entende.
— Claro. — Ele pausa o jogo, deixando o controle remoto
sobre a cama. Faço o mesmo. Depois, leva o olhar para o chão,
pensativo. — Meu pai pediu que ela ficasse, passasse uns meses
por aqui, mas ela não quis.
— Para a gente é fácil exigir que ela fique. Mas para ela é mais
complicado, afinal a vida dela é lá.
— É. — Ele suspira e sustenta o olhar para mim. — Eu sei. E
você, por que não tem saído?
— Desanimado, sabe. — Faço uma careta porque realmente
não estou a fim. Nicolas sorri e arqueia as sobrancelhas.
— Vamos ver até quando você aguenta — opina. — Eu não
acho que vai durar por muito tempo.
— Engano seu, irmão. No momento, tudo que quero é estar
com Laura, e não em uma boate enchendo a cara e com garotas se
esfregando em mim.
Minha Ursinha me ensinou tantas coisas boas, me incentivou
tanto a ser menos idiota, que não consigo voltar a ser o mesmo de
antes depois dela.
— Queria que a Laura estivesse aqui. Trocaria todos os
convites de festas por mais um dia com ela.
— Você, hein. — Meu irmão sorri de lado. — Quem diria!
— Ah, sai fora! — Dou-lhe um empurrão pelo peito, de
brincadeira, que o faz cair para trás em sua cama e deixa seus
óculos meios tortos no rosto. Ele se senta novamente, ajeitando-os.
Nicolas sempre usou óculos, desde a infância, estereotipando
mais ainda sua personalidade de garoto nerd.
Às vezes, me pego pensando se seu jeito é algum fetiche para
alguma gostosa. Certo que sim. Só não sei se meu irmão já o
realizou. Acredito que não. Apesar de saber que não é virgem, já
que eu, no início do ano passado, o levei para um prostíbulo, onde
perdeu a virgindade com uma mulher bem mais velha, acredito que
ele não tenha uma vida sexual ativa.
Não que sempre fossemos íntimos a tal ponto, mas, entre uma
conversa e outra, nas entrelinhas, saquei que estava desesperado
para experimentar uma gozada entre as pernas de uma mulher e
não em sua mão. Só não sei se, após o episódio, ele chegou a
realizar o ato outra vez. Creio que não. Ele mal sai desse quarto,
exceto para ir ao banheiro ou à cozinha comer.
Ah, e agora tem ido à Santa Maria algumas vezes, fazer
matrícula na faculdade que iniciará esse ano, conhecer o campus,
essas coisas. Pelo que estou sabendo, tem planos de começar a
trabalhar, comprar um carro e dar entrada no apartamento que
minha mãe viveu com meu pai no início de sua primeira gravidez.
No caso, a minha. E onde viveu com Daniel até engravidar de
Nicolas. O apartamento fica na cidade universitária, bem próximo à
UFSM.
Encaro-o de lado, que agora está tamborilando os dedos sobre
a perna. Ele não é daquele tipo de cara pintoso, não é musculoso. É
magro, seu tom de pele é mais moreno que o da Beatriz e da Laura,
quase no tom do meu. Ele lembra muito meu padrasto: tem cabelos
pretos, olhos pretos, sendo mais magro e mais novo, além de usar
óculos. Realmente, estereótipo de nerd.
Dou uma risada de lado, imaginando meu irmão vendo vídeos
pornôs na internet, com mulheres peitudas, loiras e safadas, antes
de dormir, debaixo do edredom, e gozando na mão. Com certeza é
o que faz. Ninguém vara dias e noites sem gozar por tanto tempo.
Eu, por exemplo, estou há dois meses sem trepar, o que para
mim parece uma eternidade, mas não deixei de gozar por isso. Dois
dias seriam uma eternidade nesse caso. Vez ou outra, antes ou
durante o banho transo com minha própria mão. Fecho os olhos e
imagino minha Ursinha dentro daquelas lingeries pretas e aí o sexo
solitário acontece. Não é a primeira vez que tenho que ser castigado
por Deus sem fazer sexo. Quando meu pênis sofreu de candidíase,
passei os seis meses me masturbando no banho. Acha mesmo que
fiquei aquele tempo todo sem me fazer umas carícias?
E do jeito que estou estressado é claro que preciso fazer sexo
ou, no mínimo, uma gozada junto a uma mulher, seja por telefone,
mensagem, vídeo. Se bem que, por que não fazer sexo virtual?
Será que Laura toparia?
Sinto minha cueca vibrar só de pensar.
Claro que ela não aceitará ficar pelada em vídeo. É muito
tímida.
— E a faculdade? — pergunto para meu irmão, forma que
encontro de cessar meus pensamentos e para parar de me sentir
excitado. E tenho interesse em uma real aproximação com meu
irmão, ainda mais agora que certamente ficarei mais em casa. —
Animado?
— Bastante. Consegui um emprego em uma empresa de
Engenharia. Vou trabalhar como técnico em segurança no trabalho.
Meu irmão se formou na referida profissão no ensino médio.
Sempre se preocupou com o futuro. Além do mais, diferente de
mim, sempre tirou notas boas, de oito a dez. Lembro-me bem dele
me ajudando no dever de casa, mesmo sendo duas séries abaixo
de mim. Era bom em matemática. Sempre fora.
Não posso deixar de lembrar que ele também ajudava Beatriz,
Caio, Carina.
Por falar na última, comecei a pensar em Nicolas com Carina
depois que Laura me disse que os enxergava como um casal
improvável, mas possível. No caso, nossa história invertida: o
nerdzinho com a safadinha. Seria divertido.
Não disse a Laura ainda, mas desde minha infância, sinto
certo sentimento da parte de Nicolas pela loira. Ele sempre gostou
de tê-la ao seu lado, seja quando brincávamos de super-heróis e ele
bancava o Superman, dizendo que Carina era sua Mulher
Maravilha, seja quando saíamos para o shopping e ele fazia questão
de sentar ao seu lado na poltrona do carro.
— E as garotas? — Tento iniciar o assunto. — Aliás, e Carina?
— Carina? — Ele arregala os olhos, como se fosse um
absurdo pensar nela como uma garota para ele. — Carina da tia
Lucy?
— É a única que conhecemos.
— O que tem ela?
— Ela é gostosa, ué. Dá para dar uns amassos.
— Ah, Bernardo, você sabe que não curto só dar uns
amassos, e a Carina não é o meu tipo. Ela é muito maluca. Ficou
com vários caras durante a viagem. — Ele faz uma careta. — E ela
precisa crescer. Só pensa em garotos.
[1]
— Bah ! Ela é gostosa. — Dou uma piscadela para o meu
irmão. — Dá para dar uma curtida. Custa?
— Não, não. Não quero me envolver com uma garota só por
uma noite. Quero algo sério, um compromisso, e não consigo
enxergá-la dessa maneira. E eu já estou saindo com uma garota
que eu conheci lá na cidade universitária, no dia que eu fui fazer a
matrícula. Ela não é de São Gabriel, mora lá em Santa Maria
mesmo.
— Ah, é? Qual o nome?
— Alicia.
— Hum. Nome de mulher gostosa. — Dou uma risada
provocativa.
— Vai à merda, Bernardo! — É a vez dele me empurrar,
fazendo com que eu caia de costas na cama.
— Espero que dê certo. — Me levanto da cama e fico de pé.
Alongo meu corpo. — Vou dormir, cara. Preciso pregar os olhos
para me manter tranquilo para o futebol de amanhã. — Trocamos
uma pancada na mão. — Foi um ótimo jogo, apesar de termos
perdido. — Aponto com o nariz para a tela da TV, e ele assente,
soltando a mão da minha.
Saio pela porta e vou direito para o meu quarto, que fica ao
lado do seu. Jogo-me na cama, de barriga para cima, e alcanço meu
celular no meu bolso. Dou uma olhada nas redes sociais,
principalmente no aplicativo de mensagens para ver se tem alguma
coisa de Laura.
A resposta é sim. Sorrio.
Ursinha: Oi, Bê! Desculpe pela demora! Dormi o dia todo,
acredita? Estou tão cansada! E com saudade! E aí, como vão as
coisas? E teu pai? Por favor, tente visitá-lo essa semana. Deixará
uma namorada muito feliz. Beijinho. Te amo!
Suspiro ao mesmo tempo que abro um sorriso largo.
Poxa, Laurinha, sei que fiz um acordo com você, mas
sinceramente não sei se estou pronto para visitar aquele homem
outra vez.
Bernardo: Se tudo der certo, eu irei visitá-lo essa semana. Eu
prometo. Também te amo. À princípio, parece que te amo cada vez
mais!
Espero por mais mensagens e nada.
Sempre trocamos mensagens rápidas e as ligações não duram
mais do que cinco minutos. Nosso tempo parece que não bate:
enquanto estou disponível aos fins de semana, esses parecem ser
os dias que ela está ocupada, vive passeando com a mãe, que
trabalha a semana toda. Aquela mulher que a fez se afastar de
todos nós, mentindo por tanto tempo.
Laura é tão boa. Como pode ainda querer viver com ela, ao
lado dela? Ou será que eu que sou horrível e não consigo perdoar?
Mal consigo falar do meu pai, sequer pensar, pois me causa raiva.
Meu rosto esquenta, sinto vontade de gritar, chutá-lo, como fez
comigo...
Tento esquecer essa dor. Prefiro pensar na dor da distância de
Laura. Queria mais dela, mais mensagens, mais assuntos, mais ela
aqui do meu lado, pois não estou aguentando de saudade. Se esses
primeiros meses tem sido assim, imagina como serão os outros. E o
pior: aparentemente, ela nem parece estar tão agoniada como eu,
senão estaria me respondendo o mais rápido possível.
Que saudade! Que aperto!
Fico apertando e "desapertando" o botão que liga e desliga a
tela do meu celular, fazendo com que uma hora a tela acenda, e, em
outra, apague. A saudade também deveria ser assim: um botão que
você aperta e "desaperta".
Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

É aí que o sentimento se aprofunda


Eu não quero sentir sua falta assim
Volte... Esteja aqui
Volte... Esteja aqui
Acho que você não está em Nova York hoje
Eu não quero precisar de você desse jeito
Volte... Esteja aqui
Volte... Esteja aqui
(...)
Isso é se apaixonar do jeito mais cruel
Isso é se apaixonar e você está a mundos de distância
COME BACK, BE HERE – TAYLOR SWIFT
Capítulo 04

Assustado, acordo no meio da madrugada com meu celular


tocando. Com certa dificuldade, abro meus olhos na tentativa de
encontrar o aparelho barulhento no escuro do meu quarto. Tateio
por debaixo do meu travesseiro até senti-lo e levá-lo de encontro ao
meu rosto para saber quem é o indivíduo que ousa me importunar a
uma hora dessa.
São duas da manhã.
É Laura. O que será que aconteceu?
— Oi, minha Ursinha — atendo com minha voz um pouco
rouca e com um sorriso bobo estampado no meu rosto. Ainda estou
deitado de barriga para cima e meus olhos estão semiabertos.
— Oi, Bê — ela responde do outro lado da linha,
aparentemente meio sem graça, certamente por ter se dado conta
que me acordou. — Te acordei, né?
— Urun. Mas não tem problema não. — Sorrio, afinal amei
aquela ligação dela no meio da noite. — Você demorou para me
responder. Pensei que não estivesse com saudade como eu estou
de você.
— Para com isso. É claro que eu estou. Nem cabe em mim a
minha saudade. Eu não respondi rápido porque dormi quando
cheguei do Central Park. Esquiei tanto no gelo que fiquei exausta.
Você sabe que meu fôlego acaba em segundos... e aí, quando
acordei, fui jantar com minha mãe. Ela passou a semana inteira
trabalhando, mal a via.
Depois que voltou para casa, Laura não me disse como foi a
conversa com a mãe sobre os nove anos de mentiras. Minha
Ursinha não gosta de tocar no assunto. Tudo que me diz é que acha
que a mãe não é feliz e não quer magoá-la ainda mais. Mas eu
sinceramente imagino-a com uma psicopata, na boa.
— Bê, você ainda está aí?
— Claro, minha Ursinha.
— Acho que vou desligar. Você está com voz de um namorado
que está prestes a apagar e que vai deixar uma namorada falando
sozinha ao telefone.
— Sabe que você tem razão? — Me levanto da cama e estico
meu corpo, depois acendo a luz do quarto e volto a me deitar na
cama. — Vamos conversar pelo Skype?
— Gostei.
Depois de desligar a ligação, conecto o celular no Skype e
deito de lado em minha cama, deixando meu smartphone apoiado
em um travesseiro que está na direção do meu rosto, para que eu
possa aparecer no vídeo para a Laura e para vê-la também.
A imagem da minha Ursinha começa a aparecer na tela do
meu celular. Ela está linda, os cabelos castanhos escuros estão
soltos, parece maquiada, o que faz seus olhos cinza-chumbo se
destacaram no rosto. Ela não gosta muito de maquiagem, mas usa-
a para sair. Também, não precisa. Até quando acorda é graciosa,
essa dorminhoca.
— Oi — ela diz daquele jeito tímido dela, mordendo o lábio no
final.
— Chega mais para trás. Quero ver você de corpo inteiro.
A imagem do celular dela dá uma balançada, como se ela
estivesse o apoiado em algum lugar, então, aos poucos, a imagem
da câmera vai ampliando e minha Ursinha vai surgindo do busto até
aparecer de corpo inteiro para mim. Ela usa um vestido vinho de
mangas compridas, já que é inverno em Nova Iorque. Ele molda seu
corpo de poucas curvas e acaba no meio de suas pernas. Está toda
linda e não é para mim.
Que ciúmes. Merda!
Tento não olhar muito para ela para não provocar esse
sentimento. Então, levo minha atenção aos detalhes de seu quarto.
As paredes e móveis são todos brancos, além de adulto demais
para minha surpresa. Não há nada de bonecas ou ursinhos, como
era de se esperar.
Não posso deixar de pensar em nós dois em seu quarto,
quando eu for visitá-la, assim que surgir a oportunidade. Sinto minha
ereção pinçar na minha cueca. Se Laura pedir que eu amplie a tela,
é certo que notará minha excitação, já que estou só de cueca. Só
durmo assim.
Que saudades do rostinho tímido da minha Ursinha se
controlando para não montar em mim na pousada, antes de dormir,
quando me via assim, pois sei que era o que queria, mas se
controlava. Ela acabou por admitir. Fui um otário evitando-a,
achando que a faria sofrer por causa de sexo.
Engano meu. Laura parece muito melhor do que eu. Parece
feliz, tranquila, enquanto eu sofro de saudades, não só de saudades
dela, mas de entrar no meio das pernas dela. Foi bom pra caramba
experimentar a sensação, mesmo que tenha sido poucas vezes. Só
tivemos algumas horas, graças a mim. Devo recordar. Poderíamos
ter feito várias coisas, tê-la ensinado várias posições.
Melhor esquecer. Estou ficando duro como uma rocha e, se
permanecer assim, minhas bolas vão doer se eu não gozar. E não
estou interessado em me tocar com as mãos na frente de Laura.
Mas é claro que, depois que encerrarmos a ligação, será a primeira
coisa que irei fazer.
Ela se aproxima do celular e parece estar com ele nas mãos
agora. Melhor assim. Não quero ficar olhando para seu corpo e
lembrar-me dele nu, apesar de achar que fico mais excitado por
lembrar-me dele dentro de lingeries pretas sexys.
— E aí? — ela pergunta.
— Você está linda demais. Estou morrendo de ciúmes.
Ela revira os olhos.
— Ciúmes de quem? Não conheço uma alma penada em Nova
Iorque. E os caras nem me olharam na rua, ainda mais toda coberta
de roupas de inverno.
— Duvido.
— Eu quem deveria me pôr em alerta quanto a você. Tem Mia,
Ingrid e um monte de outras marias-chuteiras feiosas com quem
você transou perto de você. E pior: superinteressadas em repetir
tudo que vocês fizeram. — Seu tom é de puro ciúmes.
Até que gosto de seus ciúmes às vezes. Ele a deixa fofa, como
agora. Mas, na maioria das vezes, fico irritado. É um saco surto de
ciúmes, isso sempre faz eu me sentir cobrado, questionado, e de
alguma forma injustiçado. Laura não precisa disso. Nunca tratei uma
garota como a trato. E é só com ela que quero ficar. Só com ela que
quero foder.
Ah, mas que porra! Estou parecendo um adolescente entrando
na puberdade quando me lembro da nossa noite. Só de lembrar
sinto vontade de repeti-la agora mesmo. Ah, merda! Preciso transar!
— Mas a única que sinto vontade de. — Ia dizer comer, mas
sei que não vai gostar. — De fazer amor é você.
Ela sorri, boba, fazendo que não. Sabe que expressão eu
usaria, e não aprova. Cansou de ler minhas mensagens dizendo
que sinto falta de comê-la. Respondia-me, resmungando que odeia
que fale assim com ela, que não a excita. Então, parei. Digo “fazer
amor”, mas francamente isso brocha a mim.
— Ainda mais nesse vestidinho — completo. — Estou louco
para saber o que veste por debaixo dele.
— Ah, Bê! Não me provoque. Estamos a muitos quilômetros de
distância. Se eu ficar com vontade de fazer sexo, como vou fazer?
— Usa as mãos. Vai dizer que nunca fez isso?
Laura cora como um pimentão, e eu sinto vontade de rir por
isso.
— Já — admite, dando de ombros, e eu sinto meu pau vibrar
só por pensar na cena da minha Ursinha se tocando. Mas não tem
problema. Agora está sendo uma crucificação, mas ainda terei essa
cena concretizada. Ah se terei! — Mas prefiro que você resolva esse
problema.
Pensando bem, acho que seria bem gostosinho ela tirar essa
roupa agora mesmo, fazer um strip e se tocar. Gozaria em um
minuto. Nem ia precisar acariciar meu pau.
— Por que você está com essa cara de safado?
Quando dou por mim, noto que estou mordendo meu lábio
inferior.
— Ah, Ursinha, estou te imaginando se tocando. Estou cheio
de tesão só por imaginar.
— Bê! — Ela volta a ficar vermelha. Por um momento, acho
que namoro um pimentão. Essa porra me excita.
— Vamos subir pelas paredes se continuarmos esperando o
outro resolver. Daqui em diante vamos ter que usar muito nossas
mãos. E, numa dessas, quero um vídeo seu. Hum, o que acha?
— Eu nunca fiz isso via vídeo. — Ela parece horrorizada.
— Estou brincando. — Claro que não estou, mas não quero
assustá-la.
— Ain, Bê. Estou com saudades! — Sua voz soa manhosa e,
somada ao fato de lágrimas brotarem em seus olhos, meu coração
aperta profundamente. Pode doer em mim, mas odeio saber que ela
também sofre. — Queria estar nos seus braços agora, beijando seu
peito, com você me apertando bem forte. — Ela funga. —
Saudades... tá doendo demais. Não posso chorar, poxa. Vai borrar
minha maquiagem! — Ela limpa os cantinhos dos olhos com o
polegar esquerdo.
— Você vai dormir já-já. Pode borrar a maquiagem à vontade.
Ela sorri abertamente, fazendo que sim.
— Te amo, Bê.
— Eu também te amo, minha Ursinha. Saudade da porra de
você. Dói que nem um punhal fincado em meu peito.
Ela sorri feito uma boba, e devo admitir que eu também.
— Mamãe quer te conhecer. — Agora tem o rosto mais sério,
porém ansioso por uma resposta minha. — Ela falou isso hoje.
Conhecer a mulher que a tirou de nós? Não sei se gosto da
ideia, mas não posso dizer isso para ela. Não quero magoá-la.
— Quer, é? — Sorrio fraco.
— É. Ela já foi dormir. Outro dia eu coloco você no vídeo para
falar com ela.
— Beleza. Estou ansioso para conhecer a sogra — minto. —
Nunca tive uma.
— Ué. — Ela parece que queria dizer alguma coisa, mas
desiste. — E a mãe da Mia?
— Ela morreu faz alguns anos.
— Ah, é. Mel me falou. Que triste. — Ela faz uma cara triste,
demonstrando se compadecer com a perda da mãe de sua hum...
rival? — E o bebê?
— Ah. Então, Mia tem uma consulta médica marcada às nove,
no sábado. Estou pensando em acompanhá-la.
— Para que, Bê? — Ela parece não gostar. Nunca vai superar
esses ciúmes bobos por Mia, o que é desnecessário, mas entendo.
Minha “ex” provoca e tenho um passado gostoso e intenso com ela.
Claro que incomodará Laura.
— Ela fará uma ultrassonografia que nos dirá quanto tempo
tem de gestação.
Laura suspira.
— Mas não sinto que eu seja responsável por essa gravidez.
Não sinto. Tem algo que me diz que... sei lá... algo me dizendo que
Mia está mentindo sobre a noite que se apagou na minha mente. Eu
acho que não aconteceu nada, Laura. Eu lembraria se tivesse
acontecido.
Já comentei sobe isso com Laura, mas repito. É como se fosse
um mantra para eu nunca me esquecer do que acredito.
— E o seu pai?
— É...
Ah, droga! Como tenho tido dias estressantes, não consigo
tocar nesse assunto. Só de pensar, sinto que irei enlouquecer. Mas
o problema é que prometi a Laura que não desistiria dele. E sou um
homem de palavra. Tenho que cumprir com minha promessa.
Quer dizer, cumpri uma parte do que prometi: disse a ela que
pediria a transferência dele, e isso eu fiz. Ele está desde o início do
ano internado no hospital em que meu padrasto trabalha. Como não
tem plano de saúde, sou eu quem estou pagando por todo o
tratamento e acompanhando, mesmo que de longe, o andamento do
seu caso.
— É...?
— Ah, Laura, não me pressiona. Eu vou visitá-lo. Tenha calma.
Só preciso me preparar psicologicamente. Muita coisa de uma vez
só.
Ela revira os olhos para mim.
— Por favor, Bê, vá visitá-lo. É o seu pai. Vá lá, diga coisas
bonitas, diga que você está com ele, para ele lutar pela vida, passe
energias boas para ele. Você sabe que a pessoa em coma ouve
tudo.
— Você acredita nisso, é?
— Sim, Bê, acredito. Fiz muitas pesquisas na internet e
parecem muito verdadeiras. — Ela abaixa o olhar e parece pensar
em algo triste, pois seu rosto escurece.
— O que foi?
— Tenho medo de você realmente ser o pai do filho da Mia.
Tenho medo de isso acontecer e você ficar como o seu pai.
— Eu não faria isso. Não mesmo. Eu não seria como ele.
Meu pai se tornou um alcoólatra infeliz porque nunca superou
a perda da minha mãe. Não amo Mia, nunca amei. Não faz sentido
algum Laura achar que posso acabar como meu pai, inclusive é até
meio ofensivo ela me dizer uma coisa dessa. Quando a vi surtar de
ciúmes de Mia, não disse que parecia a mãe, quem eu não
conheço, apesar de seus surtos terem feito eu imaginar essa
desconhecida.
Mas não vou falar isso. Não quero chateá-la.
Olho para a tela do celular e vejo-a se deitando na cama, de
frente para a tela do celular, mostrando apenas dos ombros até o
rosto. Ah, eu lá, deitado nessa cama com ela, arrancando essas
roupas com pressa...
— Faz um stripper para mim? — Claro que eu estou brincando
e claro que ela sabe disso.
— Você é maluco! — Ela dá uma gargalhada calorosa,
fazendo seus ombros balançarem.
— Você está toda gostosa hoje. — Coço minha testa, meio
nervoso. Já estou me animando de novo. — Tenho uma namorada
inteligente e muito gostosa. Sou muito sortudo!
— É mesmo! — Ela pisca. — Ó, botei a Bia e o Nicolas para te
vigiar. Qualquer coisa de errado que você fizer, eles me contarão.
— Tá certo. — Suspiro. — Pena eu não ter essa sorte. Acho
que vou contatar o FBI para te vigiar, sabe.
— Cala a boca.
— Só se for com um beijo seu.
— Fala isso não que só me deixa com mais saudades. — Ela
faz uma carinha triste, como a do gatinho do Shrek, partindo meu
coração.
— Ai, mulher, o que tu fez comigo?
— E você, Bê, o que foi isso que você fez em minha vida?
Bagunçou ela todinha. — Suspira. — Vontade de largar tudo e ficar
contigo.
— Faz isso.
— Você sabe que não é assim.
— Mas com essa distância toda, você sabe que vai ficar difícil
de dar certo.
— É, eu sei.
— Vou dar um jeito.
— Eu também.
Capítulo 05

— Filho da puta! Seu desgraçado! — ele berrava para mim


enquanto me chutava a barriga.
Eu estava jogado no chão de sua sala, com meu corpo em
forma de C, maneira que encontrei de proteger minha barriga, onde
ele havia chutado com tanta força que doía se eu esticasse meu
corpo. Ele parecia ter perdido o controle, e eu não fazia ideia dos
motivos.
Ele sempre ofendera minha mãe enquanto bebia e assistia a
pornografias na televisão. Eu a defendia, defendia também meu
padrasto. Mas naquele dia não fiz nada, não disse nada. Fiquei na
minha. Já tinha entendido que não podia falar. Só ouvir. Ouvir e
aceitar todas aquelas horríveis e nojentas palavras porque, caso
contrário, ele me batia.
— Como ousa defender aquela vagabunda? — Deu mais um
chute nas minhas costas e se afastou.
Achando que se tratava do último, levantei o rosto e o vi
cambalear em direção ao centro da sala, com a maldita garrafa de
bebida na mão, na qual ele deu um gole desesperado, esvaziando-a
em segundos. Jogou a garrafa para o lado e sorriu para a televisão,
onde aparecia uma mulher nua, de pernas abertas, deitada sobre
uma cama de lençóis brancos. Ela gemia enquanto esfregava com
as mãos o próprio sexo e um homem esfregava o pau em sua boca.
Meu pai lambeu os lábios e voltou com o rosto para trás.
Quando seus olhos se encontraram com os meus, sua visão
escureceu e seu sorriso sumiu. Como sabia que iria me bater de
novo, tentei me levantar, para correr até a rua e gritar por ajuda,
mas não consegui sair do lugar. Minha barriga doía com o
movimento. Algo não estava certo.
— Seu moleque! — Ele me deu um pontapé nas pernas, o que
me fez soltar o choro que estava preso em minha garganta, mas
nem isso o fez parar. Ao contrário, ele tirou o cinto da calça jeans e
começou a me bater pelas costas.
Eu gritava por socorro, enquanto chorava e urrava de dor.
Também pedia “por favor, pare. Você vai me matar”, mas ele não
parecia ouvir.
— Pai, para! Está doendo... Pai...
— Moleque! Desgraçado! — Ele me batia, com tanta força e
raiva, que nem dava para acreditar que eu era seu filho.
Depois disso, não consegui mais gritar. Congelei ali, convicto
que iria morrer. Fixei meus olhos no rosto de ódio do homem que
me destruía, enquanto um misto de dor física e emocional me
dominava.
— Infeliz! Ela é uma vagabunda! Toma mais essa para largar
de ser otário!
Então, eu fechei os olhos. Sentia as lágrimas quentes rolarem
pelo meu rosto. A dor se tornou tão comum que eu percebi que era
capaz de suportar. Mas aquela dor, uma dor angustiante no meu
coração, não controlei. Era por essa dor que eu chorava.
Ele era meu pai. Não podia estar fazendo isso comigo. Deveria
cuidar de mim, me dar amor. Não entendia seus motivos. Também
pudera, só tinha doze anos.
— Mas o que é isso? — Uma voz desconhecida berrou. Era
um senhor, tinha uns quarenta anos, eu acho. Olhei por cima dos
meus braços e o vi carregar meu pai para fora de casa, que se
debatia contra ele.
— Me larga! Ele é meu filho! Estou educando-o! Você não tem
o direito!
Abaixei o rosto e estremeci. Não conseguia mais olhar para
ele.
— Ele é uma criança. Você ficou maluco?
— Sai! Sai, seu desgraçado!
Suas vozes foram abafadas, e eu me vi sozinho, jogado no
chão, sem conseguir me levantar. Minha barriga ainda doía. Até que
senti uma sombra sobre mim. Então, me encolhi, mesmo que o
movimento me permitisse sentir mais dor. Era ele. Tinha voltado. O
homem não conseguiu levá-lo para longe.
— Não, não. Por favor, não me machuca mais — sussurrava
baixinho. — Não me bate. Eu sou seu filho. Por favor não me bate.
Mas ele não fez nada. Porque não era ele.
Era uma senhora, também na faixa dos quarenta anos, como o
senhor que apareceu para me salvar. Ela se agachou no chão, de
frente para mim e pôs as mãos na boca, segurando um choro. Seus
olhos brilhavam. Parecia que queria chorar.
— Minha barriga... — eu disse. Não sabia quem era, mas
sabia que queria me ajudar. Seus olhos acusavam isso. — Minha
barriga tá doendo. Por favor, me ajude.
Ela assentiu.
— Qual seu nome?
— Ber... — Um soluço me tomou a voz. — Nardo.
— Bernardo, meu nome é Valentina. Preciso que me diga o
nome da sua mãe e me dê o telefone dela. Vou te levar para o
hospital, tudo bem?
— Eu não quero ir para o hospital. Meu padrasto é médico. Me
leva pra casa. Fica a dez minutos daqui.
— Se levante — pediu.
— Eu não consigo me levantar. Minha barriga... — Toquei dois
palmos abaixo do meu peito e sentia que doía com o toque. — Acho
que ele machucou alguma coisa na minha barriga.
Então, outra pessoa apareceu, se agachando ao seu lado. Era
um rapaz. Deveria ter uns dezoito anos. Era magro, esguio, mas
com aparência de um trabalhador. Usava roupas de mecânico e
tinha as feições cansadas para uma pessoa tão jovem.
— Meu filho, você consegue levá-lo no colo? — a senhora
pediu ao rapaz, que assentiu. Ele me pôs entre seus braços e me
levantou do chão, o que me fez urrar de dor.
Doía, doía muito conforme ele me carregava para fora daquela
casa.
Eles me colocaram na caçamba de uma caminhonete. A
senhora ficou comigo, deitou minha cabeça em seu colo e fez
carinho nos meus cabelos. O rapaz deu a volta e entrou no carro,
sentando-se no banco da frente e batendo com a porta.
— Quem é ele? — ela me perguntou quando o rapaz ligou o
carro.
— Meu... meu... — Não conseguia completar, porque doía meu
coração lembrar o que ele era. Aquele título não deveria causar
dores como essa. — Meu...
— Já entendi. Qual o nome da sua mãe?
— É Anne.
— Tudo bem. Me fale o endereço. Vamos te levar até a Anne,
tudo bem? Ela é uma mãe boa, não é?
Assenti e abaixei o olhar.
— Não chore. Não chore, menino. Vai ficar tudo bem.
Quase caio da cama quando desperto. Meu coração bate forte
conta meu peito, minha boca está seca, meus punhos estão
fechados e meu corpo protesta para se levantar da cama. Mas o
obrigo. Cambaleio até o banheiro do meu quarto, sentindo meus
olhos entreabertos, e jogo uma água gelada no rosto. Encaro-me no
espelho e suspiro, segurando nas bordas do armário.
As batidas do meu coração começam a diminuir
gradativamente. Só foi um pesadelo, um pesadelo que já foi real um
dia, mas que não é mais e nunca mais será. Volto para meu quarto
e me jogo na cama de bruços. Levo meu braço para debaixo do
travesseiro e apalpo meu celular. Levo-o até o rosto.
Seis da manhã. Dormi nada. Tenho treino em três horas. Daqui
a pouco preciso tomar um banho e sair. Levanto-me outra vez,
ciente de que não dormirei de novo, nem quero. Não quero correr o
risco de sonhar com ele outra vez. Mas a dor ainda está agarrada a
mim, assim como as recordações.
Eu não consigo... não consigo superar, sequer esquecer, meu
Deus! Ainda dói.
Visto uma bermuda e saio do meu quarto. Desço as escadas,
descalço, sentindo o frio do piso sob meus pés.
— Sua mãe é uma piranha! — A recordação dele gritando para
mim surge em minha mente como um flash. — Uma vagabunda!
Eu só tinha doze anos.
Ele estava sentado no sofá velho da sua sala, com uma
garrafa de cerveja no meio das pernas, e eu estava de pé ao seu
lado. Tinha acabado de acordar e minha barriga roncava de fome.
Sempre que acordava, meu café da manhã estava posto à mesa,
mas naquele dia não.
— Sabe o que é piranha, meu filho? — continuou, e eu fiz que
sim com a cabeça.
Quando eu tinha nove anos e comecei a ouvir meu pai se
referir a minha mãe daquela forma, contei para o meu melhor amigo
da escola, Henrique, que meu pai a chamava assim. Ele ficou
horrorizado e me falou para procurar na internet por algumas
"piranhas”. Foi o que eu fiz.
Acontece que acabei adorando descobrir o que significava
aquela palavra. Até que chegou um dia, por volta dos meus doze
anos, que, assistindo as “piranhas” montadas em cima de homens,
começou a me dar uma sensação boa. Meu pau crescia e endurecia
em minha mão e, ao massageá-lo, via um líquido branco me
satisfazer no final.
Mas naquele dia não me sentia dessa forma quando pus os
olhos na TV. Não gostava de imaginar minha mãe daquela forma:
nua e com um homem, também nu, fazendo aquelas coisas
estranhas com ela.
— O que são piranhas, Bernardo? — perguntou com ar de
deboche.
— São mulheres nuas montadas em cima de um homem
fazendo coisas que me deixam muito animado e que eu adoro
sentir.
Ele riu por trás da garrafa de cerveja.
— Mas minha mãe não é uma piranha como você disse. — Me
sentei ao seu lado, encarando-o com certo receio, e ele riu de mim
outra vez.
— É, sim. Está vendo isso aí? — Ele apontou para TV, onde
passava uma mulher, nua, gemendo em cima de um homem. — Era
o que ela fazia comigo e agora faz com o doutorzinho de merda —
ele rosnou as últimas palavras.
O sangue ferveu da cabeça aos pés. Odiei ouvir meu pai se
referir à minha mãe daquela forma. Pior foi chegar em casa e dizer
isso para ela e ela duvidar de mim. Claro, eu não tinha credibilidade
para isso. Vivia aprontando, fazendo merda, na escola, em casa, por
onde quer que eu passasse.
— Se você continuar inventado histórias sobre seu pai, vou
deixá-lo de castigo por uma semana, sem brincar, preso em seu
quarto — ela falou.
— Acordou cedo. — Bia entra na cozinha, me acordando dos
meus pensamentos e me fazendo bater de costas na geladeira ao
dar um salto para trás. — O que houve? Deu formiga na cama?
— Nada. — Coço a nuca e me viro para a geladeira, me
servindo com um copo d’água. — Vou ver se chego mais cedo no
treino hoje. — Me viro para ela, engulo a água por garganta abaixo
em uma golada só e deixo o copo sobre a pia. — Você também
acordou cedo.
— Estou indo para a escola. E bem cedo, o que é
impressionante. Hoje é meu primeiro dia de aula. — Ela sorri
abertamente. — E é ótimo porque nunca tem aula de verdade. Ah,
você sabe.
— Bom dia. — Nicolas entra na cozinha, aparentemente de
banho tomado. Veste uma camisa social e carrega uma maleta
preta.
— Reunião de negócios? — zombo, e ele sorri. Senta-se à
mesa do café, que já está posta com bolo, pão e suco. Zélia é
demais!
— Primeiro dia de trabalho — responde. — Estava tão
ansioso que praticamente não dormi. Não consegui pregar os olhos.
— Nem eu.
— Estava falando com a Laura? — Beatriz se senta à mesa, e
eu a sigo.
— Também.
— Sempre falo com o Caio antes de dormir. Ficamos horas
conversando. É por isso que sempre perco a hora. Vou dormir
sempre muito tarde. É bom, não é?
— Na verdade, foi a primeira vez que nos falamos por um bom
tempo.
— Sério, Bernardo? — Nicolas leva um pedaço de bolo à boca.
— Alicia e eu mal começamos a namorar e nos falamos todos os
dias antes de dormir. Eu quem ligo.
— É, ela quem me ligou. — Enrugo o cenho. — Vai ver eu que
tenho que fazer isso, né?
— Com certeza, irmãozinho — Beatriz responde enquanto
digita alguma coisa em seu IPhone. — Caio que me liga sempre. Eu
só mando mensagens. — Ela se levanta, mesmo que mal tenha
iniciado sua refeição matinal, só tomou um copo de suco, e guarda o
celular no bolso da mochila. — Vou nessa. Pegarei carona com uma
amiga. Beijos. — Ela vira as costas enquanto Nicolas me encara
com aparente preocupação.
— O que foi? — ele pergunta, parecendo estudar o meu rosto.
— Está com uma cara péssima.
— Já sei que hoje será um dia do caralho lá no treino. Estou
exausto.
— Deveria ter ido dormir e não ter conversado com Laura.
Sorrio sem humor. Adoraria pôr a culpa em Laura, como antes
de nos apaixonarmos eu estava acostumado a fazer, mas a culpa
nunca foi dela. Sempre foi dele. Ele que ferrou com tudo e agora,
aparentemente, vai ferrar uma semana importante no futebol.
Capítulo 06

Desde que cheguei ao CT (Centro de Treinamento) do Limeira


Sport Club para treinar, estou desconcentrado e desanimado, mal
consigo dar alguma corrida em campo, sequer tocar na bola. Não é
a primeira vez que tenho que treinar com poucas horas de sono, já
aconteceu antes, mas por causa de uma noite de farra ou porque
estava acordado, gozando com alguma gostosa, e não porque tive
um pesadelo idiota.
Na verdade, acho que estou mal por falta de sexo. Sei que é.
Tem aquela regra: durante os campeonatos não podemos
transar. Nunca a cumpri. Realmente não dá para ficar sem dá uma
gozada numa gostosa. É a melhor forma que encontro de relaxar.
— Bernardo! — Rubens, o técnico do Limeira, meu clube, grita
do banco de reserva, me chamando a atenção.
Paro de correr e encaro os outros jogadores ao meu redor.
Estamos jogando uma partida fictícia, com metade dos
jogadores em campo, separados em dois “times”, em que o meu,
para variar, está perdendo de três a zero, visto que não consegui
fazer um gol. E olha que hoje ainda é segunda-feira. Normalmente
começo a diminuir o ritmo de sexta em diante.
Treino de segunda a sábado, de nove às cinco, com um
intervalo de uma hora para almoço, onde o cardápio não varia
muito.
Os únicos dias que não há treinos são durante algum
campeonato. Nesse período, há apenas concentração no CT:
relaxamos na piscina, alguns fazem oração, outros dormem. O
primeiro campeonato, o campeonato gaúcho, só começa em abril,
então ainda estamos treinando pesado. Durante a semana, tem sido
só treinos e academia. Nada de descansar.
Minha mãe acha que deveria dormir no CT, pois assim renderia
mais. Há jogadores que moram longe que dormem aqui, como era o
caso do Vinny, que treinou no Limeira até o final do ano passado.
Acho que ele não deveria ter desistido. Diferente de mim, não
veio de família rica, e o futebol muitas vezes transforma a vida de
muitos garotos pobres, como já aconteceu com grandes nomes do
futebol brasileiro. Mas tenho que entender que o meu sonho não é o
de todo mundo.
— Bernardo! — Rubens grita por meu nome outra vez. — O
que está acontecendo com você? Vou te colocar no banco ou te
mandar para academia.
Abro os braços, me rendendo e quase implorando pelo banco.
Não tenho desculpas para dar. Ele bufa pela boca e apita,
finalizando o jogo, o que me faz parar no meio do campo, ofegante.
Pedro, que para à minha frente, me encara com o cenho enrugado.
— O que tá pegando? — ele quer saber.
— Você sabe: Mia.
Enquanto andamos em direção ao banco, olho-o de lado e
vejo-o rir de nervoso. Uma gota de suor escorre por sua testa, até
alcançar sua bochecha. Ele leva o indicador para lá e joga o suor
para longe. Estou tão morto que nem uma gota de suor escorre em
mim. E olha que o sol racha meus miolos de tão quente que o dia
está. Ainda é uma da tarde. Hora do almoço.
— Sei que ser pai não deve ser uma coisa divertida, ainda
mais sem planejar — continua. — Mas deveria se concentrar,
Bernardo. Em três meses começa o campeonato gaúcho, e você
sabe que tem pessoas de olho na gente. — Ele gira os olhos ao
redor do campo, me fazendo acompanhá-lo.
O campo está pouco movimentado. Há uma pessoa ou outra
sentada à arquibancada pequena do clube, olhando para nós.
[2]
Ninguém parece algum olheiro ou o próprio Diego Aguirre , pois a
maioria é criança ou mulheres que estou acostumado a ver por aqui,
as marias-chuteiras gostosas. Aliás, estou vendo umas quatro que
já transei. Como Helena, uma japonesa que acaba de acenar para
mim. Na verdade, acho que ela acena para Pedro.
A festa de Ano Novo da viagem que fui com Laura foi na casa
dele. Helena estava lá, agarrada nos braços do negão. Fiquei
sabendo por meu amigo que ela gamou no sexo gostoso que
fizeram juntos e depois disso vive atrás dele. Disse que é graças à
superdotação de sua negritude.
Aliás, foi Helena quem apelidou “o grande Bê” de Piu-Piu.
Conheci-a na festa de lançamento de boas-vindas de um novo
patrocinador do clube, no início do ano passado. Era nova na
cidade. Morava em São Paulo, mas tinha acabado de chegar a São
Gabriel. Como passou no vestibular de Santa Maria e tinha parentes
na minha cidade, veio morar aqui.
Cismado que fiquei com garotas pequenas e magras, por
causa de Mia, fiquei doido para entrar no meio das pernas da garota
baixinha e de olhos puxados. Não rolou de imediato porque estava
“namorando” Mia, mas, assim que “terminamos”, a primeira coisa
que fiz foi levar Helena para o motel.
Foi após uma derrota do Limeira no meio do ano passado, o
que causou sua eliminação da divisão de acesso e deixou toda a
equipe aflita. Transar com ela foi gostosinho, me fez relaxar após o
estresse final do jogo. E ela, toda pequenininha da cabeça aos pés,
ficou chocada quando viu o grande Bê.
— Nossa, parece o Piu-Piu — ela disse com a boca quase
nele, olhando para mim cheia de malícia. — Bonitinho e
cabeçudinho. Só faltou ser amarelinho.
Se não fosse sua cara de safada e seu bumbum empinado
para cima, teria brochado. Sem contar que ela foi tão rápida
abocanhando o grande Bê que me esqueci do apelido idiota em
segundos, o que também me deixou tranquilo quanto ao jogo. E,
quando entrei nela, toda apertadinha, relaxei mais ainda ao gozar
gostoso. Repeti o ato umas cinco vezes, durante uma noite inteira.
Depois desse dia, na segunda feira quando cheguei ao CT,
não tive como não contar aos meus amigos sobre a noite, bem
como o apelido novo que meu pau recebeu, o que arrancou risadas
de toda a equipe no vestiário. É comum falarmos algumas
safadezas enquanto nos trocamos ou tomamos banho. Tem uns
caras que não curtem, mas não reclamam. Ficam na deles.
— Não desgruda — ele resmunga, me fazendo voltar com
minha atenção para ele. — A japonesa. Parece uma sanguessuga.
Como mando rodar? Ela é gostosa, você sabe, mas não dá, cara.
Odeio mulher em cima de mim.
— É, sei. Passa adiante. — Dou de ombros. — Liga para o
Vinny. — Rio de lado, melhorando meu humor por me recordar do
meu amigo. Era ótimo passar as marias-chuteiras que grudavam em
mim para ele, que, depois da trepada que conseguia, mandava-as
rodar com o argumento de que “mora longe”. — Saudade daquele
viado.
— Ingrid vai comemorar o aniversário dela no próximo sábado
na boate Singer. Vinícius comentou comigo que vem. Não vai
passar lá?
— Estou namorando. Não sei se é uma boa ideia sair...
— Qual foi, caralho? — Ele toca meu ombro com uma mão,
girando o corpo de frente para mim e me fazendo parar de andar.
Estamos a um palmo do banco de reservas, com o treinador Rubens
atrás dele com seus olhos atentos a mim. — Porra, Piu-Piu, você
era nosso parceiro de night. Vai amarelar agora por causa de uma
mulher?
— Não é uma mulher qualquer. — Tiro sua mão do meu
ombro. — É minha namorada.
Ele ri, com deboche, e balança a cabeça em negativo.
— Ela é gostosa? Sim, eu sei, porra — ele diz. — Tenho lindos
olhos, amigo. Vejo tudo. E entendo que tenha gamado. Ela mora em
outro país, não te enche o saco com mensagens, nem aparece de
surpresa aqui no clube, não é dramática nem carente, e ainda é
toda patricinha, daquele jeitinho que a gente se amarra. Acha que
eu não fiquei maluco?
O que ele insinua?
É comum comentarmos que queremos pegar uma garota ou
outra com quem o outro esteve na cama, mas não existe “a gente”
se tratando de Laura.
Tudo bem que ela já ficou com Marco, o que nem gosto de
lembrar porque esquenta o meu sangue. Mas meu amigo não é
idiota como Pedro. Nunca troquei mulher com ele. Aconteceu de ele
se encantar por Laura, e eu entendo. Minha Ursinha é adorável.
— Mas é uma mulher. — Ele abre os braços como o redentor.
— Tem um monte te querendo aqui. Se eu fosse você, cairia fora
antes que fique mais sério, ainda mais que é relacionamento à
distância. Como você vai transar de verdade, cara? Vai trocar essas
mulheres gostosas todas por sua mão? Porque do jeito que te
conheço, duvido que vá ficar com outra. Vai ficar cheio de
palhaçadinha igual ficava com a Mia, que nem era tua namorada e
dava para um monte. Mas nem vou me preocupar. — Ele começa a
andar para trás, feito um caranguejo. — Não vai durar muito mesmo.
Não acredito que Pedro está dizendo isso. Que idiota!
Amigos apoiam, entendem quando decidimos não ser mais da
zoeira. Nunca julguei os que se amarram em uma mina gostosa.
Respeito. Por que ele não pode fazer isso? Mas quer saber? Pouco
me importa. De Pedro, não poderia esperar mais do que uma atitude
lixo mesmo.
Cara babaca.
Sempre soube que ele não era meu amigo de verdade. Acho
que do futebol as únicas amizades verdadeiras são Henrique,
Vinícius e Marco. Pedro sempre foi meu amigo de curtição, apenas
de curtição. Nunca estive errado quanto a isso. É bom que continue
sendo um babaca mesmo para eu nunca esquecer o que ele é.
Dou as costas para ele, que desaparece entre os outros
jogadores que correm em direção ao refeitório do CT, e me sento no
banco reserva.
— Babaca — repito para mim mesmo, como um mantra, e me
sento no banco branco do campo.
— Falando sozinho? — Rubens faz sombra, ao aparecer em
pé, à minha frente, o que me faz levantar os olhos e encará-lo.
Rubens deve ter uns sessenta anos pelo menos. É branco,
quase albino, olhos azuis, o cabelo, que já foi loiro um dia, agora é
todo grisalho, tem mais ou menos a minha altura e é meio gordinho.
Usa óculos de grau, que sempre escorregam por seu nariz
grandinho, o maior do clube. Os caras vivem o zoando por isso e
ele, bobo e zombeteiro acha graça.
Adoro-o. É um dos melhores técnicos que o clube já teve.
Diferente dos outros, ele quer que os jogadores que treinam
cresçam e não que fiquem presos ao clube eternamente, esperando
o dia de o Limeira ser reconhecido.
Foi ele que me contou que há um olheiro do Internacional
interessado em mim. Não escondeu isso, mesmo podendo, visto
que me perder, para o time, não seria uma coisa positiva. Mas ele
quer que cresçamos, que seus jogadores vão para clubes maiores,
e é por coisas como essa que tenho tanta admiração por ele. Se for
técnico um dia, quando estiver bem velho, como ele, quero ter essa
consciência. E, se puder escolher, quero ser técnico do Limeira.
O clube, que é da segunda divisão gaúcha há cinco anos,
surgiu na cidade de São Gabriel há pouco mais de dez anos.
Quando eu entrei, assim que inaugurou, era um moleque ainda,
doze anos, mas cheio de vontade de aprender e praticar futebol
cada vez mais, o que contribuiu para que eu tivesse posição de
destaque: ponta ou ponteiro, como Neymar, chutando as bolas para
o gol.
Antes disso, treinava na escolinha do Esporte Clube São
Gabriel desde meus seis anos de idade, mas saí de lá depois do
que aconteceu com meu pai.
O CT do clube era próximo a sua casa, e eu não conseguia dar
continuidade ao futebol quando passava por aquela rua. Foi ótimo
sair do clube. Não que eu não gostasse de lá, mas, acontece que
nunca me senti em casa como me sinto com o técnico Rubens, sua
equipe e todos que jogam ou que já passaram por aqui, como
Marco, Lúcio, Henrique, Daniel, Felipe, Vinny... este é uma grande
amizade que fiz, acho que posso dizer que é o melhor de todos.
Realmente, me sinto meio viado por sentir saudades desse
cara.
— Então, rapaz, o que está acontecendo? — Rubens quer
saber, se sentando ao meu lado.
Giro meu rosto para o lado esquerdo e vejo suas expressões
preocupadas.
— Dormi mal.
— Ah, mas isso nunca foi problema para você.
— É, verdade. — Estalo a língua na boca, me sentindo
desanimado. — Será que falta de sexo atrapalha no andamento do
jogo?
Ele parece pensar.
— Talvez. É como se tirasse um hobby de uma pessoa. Ela
não vai trabalhar bem se a vida dela for só trabalho. Precisamos de
uma distração. O que tem feito nesses dois meses, que não seja
treinar?
— Dormi, comi, conversei com minha família.
— Tomou banho, escovou os dentes — ele zomba, abrindo um
sorriso. — É, eu também. Quero saber se está se divertindo. Se saiu
para fazer compras ou dançar, beber, fazer as coisas que gosta.
— Vivo no meu quarto.
— Isso não é positivo.
— Joguei videogame com meu irmão ontem. É positivo. —
Dou de ombros.
— FIFA?
Assinto, e ele ri.
— Deveria se divertir. Aliás, há alguma pendência em sua
vida?
— Como assim?
— Algo que você precisa resolver. Porque, às vezes, uma
coisa mal resolvida atrapalha na nossa vida pessoal. Soube que
está namorando. Será que não tem algo para resolver com sua
namorada? Será que o fato de ela morar longe não o esteja
incomodando porque é uma coisa que não pode resolver?
— Repito: sexo. É a única coisa que tenho mal resolvida com
ela.
— Ah, minha juventude... — Ele sorri, enrugando mais ainda
suas expressões de um homem bem-vivido. — Não era tão animada
assim como a de vocês. Eu era mais no estilo do Marco. Agora, me
casei e tenho uma família. É bom, é divertido. Tive uma infância
difícil, meus pais morreram cedo, e agora realizei o que não tive.
— Linda família o senhor tem. — Sorrio para ele, me
recordando de fotos que já vi em suas redes sociais. Tem uma filha
gostosa, que não é uma maria-chuteira, mas já deu muito mole para
mim. Só não peguei porque tive medo da reação do pai, caso
soubesse.
— Mas me fala de você. Mais alguma pendência com a
namorada que não seja sexo?
— Tem sim. — Faço uma careta de dor por lembrar. — Não
nos falamos todos os dias. Talvez eu precise falar.
— Então fale. É uma coisa que pode ser resolvida, certo? Na
minha época as coisas eram mais difíceis. Só tinha cartas, e
demorava uma eternidade para chegar. Hoje em dia tem e-mail,
mensagem, ligação, Skype. Tenho uma neta que vive fazendo
chamada em vídeo com as amigas. — Ele sorri. — Só tem treze
anos. Entende de tecnologia mais do que eu.
Sorrio, por imaginá-la.
Também quero ter uma família com Laura. Eu, ela e nossos
filhos. Meu coração fica ansioso só de imaginar. Mas a ansiedade é
trocada por angústia quando lembro que quem pode me dar um filho
em breve é Mia.
— Tenho outras pendências também — confesso.
... um filho que não sei é meu... um pai em coma, que não sei
se um dia irá acordar, quero completar, mas penso ser algo íntimo
demais para contar para alguém com quem nunca tive mais do que
dez minutos de conversa. Aliás, esta é a mais profunda dentre
tantas que tivemos, e acho que me faz gostar mais dele.
— Que pendências, meu filho?
— Deixa para lá. — Me levanto do banco. — Acho melhor não
falar sobre isso.
— Vamos almoçar? — Ele também se levanta, e eu assinto.
Andamos em direção ao refeitório do CT, em silêncio, até que
ele me para pelo ombro no meio do caminho. Mas diferente do
gesto de Pedro, o seu eu aceito. Sei que é bem-intencionado.
— Bernardo, escuta uma coisa.
— Claro.
— Te tenho como um filho. Me preocupo. Desculpe-me invadir
sua vida e sua privacidade com essas perguntas e tudo o mais.
— Ah, tudo bem.
— Não acabei.
Enrugo o cenho.
— É que, bem, você sai nos jornais da cidade. Você não lê?
— Raramente, devo admitir. Sou meio preguiçoso para leitura,
e às vezes saem umas coisas meio negativas sobre mim que
acabam atrapalhando no meu desempenho, então prefiro evitar.
Não saio nos jornais nacionais ou estaduais. Apareço nos
jornais de São Gabriel. Às vezes na capa quando o time se sai bem
em algum campeonato ou até quando se sai mal, me culpam. De
certa forma, é comigo que eles contam. Afinal, sou o ponta. Sou eu
quem chuto a bola para dentro da rede. Mas, para evitar me chatear,
uso minha mãe como filtro: ela lê as manchetes todas as manhãs e
me passa somente as coisas boas que falam de mim.
— Falaram algo de negativo sobre mim na manchete de hoje?
Nem tem tido jogos...
— Não, não. Fique tranquilo quanto ao seu desempenho. Os
jornais vivem dizendo que você é uma promessa. Que você um dia
ainda será reconhecido. Você tem consciência?
Balanço minha cabeça para um lado e para o outro, como se
quisesse expressar “mais ou menos”.
Não me sinto uma promessa quando muitos me bajulam.
Sinto-me um cara apaixonado pelo futebol, que é tão apaixonado
que quer ter um projeto de ONG que leve oportunidade a crianças
carentes. Só isso.
— Não precisa ser humilde — ele continua. — Você sabe que
você é bom, o melhor jogador do clube, sabe e tem consciência de
que você é uma promessa. E eu tenho consciência disso tudo
também, assim como tenho que vai ser uma grande perda para o
clube quando você sair. Porque sei que um dia você irá para um
clube maior. Aliás, acredito. — Ele toca o peito, na altura do brasão
[3]
do uniforme verde do Limeira, que é um tiarajudens com a sigla
LSC acima. — Que você vai aparecer na TV Globo com o Galvão
falando “Hulk toca para Bernardo”... Neymar será esquecido. Será
você o destaque na copa do mundo de 2018, daqui a três anos.
— Não, aí já é demais. — Sorrio, achando a expectativa um
tanto ilusória.
— Eu não duvido. Você sabe que é possível. É difícil, mas é
possível.
— Beleza. Agradeço muito os elogios, mas o que isso tem a
ver com você se meter em minha vida? Não me incomodo. Sabe
que tenho muito respeito pelo senhor e que tudo que me disser será
sempre muito bem aceito. Mas não estou entendendo...
— Os jornais, Bernardo. Eles falaram sobre uma suposta
gravidez. O Meia Hora São Gabriel estampou isso no noticiário de
hoje. Sua mãe não leu para você?
— É, não. — Coço a testa, me recordando que não tive uma
conversa matinal com minha mãe, visto que vim mais cedo para o
CT. — Acordei mais cedo e vim para cá.
— Entendo. Sei que deve estar sendo difícil, mas você precisa
aceitar se for real.
Ele aperta meus ombros, em sinal de amizade, e eu sorrio
fraco.
— E, Bernardo, na matéria também falava sobre seu pai. —
Ele me solta, mas não deixo de prestar atenção no que diz. — Mas
quem aqui no clube não sabe? Os caras comentam entre
eles. Alguns porque gostam de falar da vida alheia, outros porque se
preocupam. E eu me preocupo.
Abaixo o olhar. Não por me sentir triste, mas porque não sei se
quero falar disso. Dele... Não que me deixe com raiva como antes,
porque parece que a ira passou, mas porque eu não quero ter que
explicar que tenho um pai em coma e que não o visito... porque não
me importo.
— Em primeiro lugar — ele continua, e eu sustento meu olhar
para encará-lo com atenção. — Os jornais uma hora vão comentar
que o melhor jogador da cidade não tem visitado o pai no hospital.
Não entendo e não conheço os motivos, não sei o que passou ao
lado dele, mas olha, escute um conselho do fundo do meu coração:
você deveria se resolver quanto a isso, pois, fortalecerá sua
imagem; e o principal: quando você se sentir em paz, voltará a ser o
nosso Bernardo. Entende?
Assinto.
— Desculpa me meter em sua vida pessoal. Só nos
conhecemos há o quê? Hum, dois anos? Acho que isso. Estou aqui
com vocês nesse tempo e nunca falamos de vida pessoal, mas
saiba que realmente me preocupo com você, e também com o
resultado dos meus jogadores. Você. É. Uma. Promessa. Não deixe
os problemas, traumas ou seja lá o que for, mudarem isso.
Assinto outra vez.
— Obrigado, Rubens. Resolverei minhas pendências. Sábado
preciso de uma folga. Semana que vem voltarei intacto.
Ele sorri, fazendo que sim.
— Tudo bem. Se for para você voltar o mesmo Bernardo de
antes, te darei quantas folgas forem necessárias.
Sábado, 28 de fevereiro de 2015

Vai namorar comigo sim!


Vai por mim igual nós dois não tem
Se reclamar, cê vai casar também
Com comunhão de bens
Seu coração é meu, o seu é meu também
Vai namorar comigo sim!
VIDINHA DE BALADA – HENRIQUE E JULIANO
Capítulo 07

Desde que soube por Nicolas e Beatriz que eles mantêm


contato diário via telefone, antes de dormir, com seus namorados,
me convenci de que essa é a coisa certa a se fazer e, assim,
durante a semana inteira, Laura e eu, além de trocarmos algumas
mensagens sem muitos assuntos durante o dia, também trocamos
ligações antes de dormir.
Tem funcionado melhor assim.
E penso que não podemos perder o contato, não podemos
deixar isso acabar. Ela me prometeu que não deixaria. Mas, se
fraquejar, quem sou eu para questionar promessas quebradas? Se
eu mesmo lhe prometi que iria visitar meu pai, e ainda não o fiz. Mas
hoje, sábado, dia da folga que Rubens me deu, estou decidido a
passar no hospital e visitá-lo. Espero não desistir no meio do
caminho, como algumas vezes já aconteceu.
Farei isso depois de ir com Mia à clínica, onde ela fará a
ultrassonografia dentro de alguns minutos. Já estou no carro, a
caminho da casa dela, com meu celular nos para-brisas, com a
câmera frontal aberta para mim. Tento ligar para Laura via Skype, e
bem nesse momento ela me atende.
— Oi, Bê — ela diz, de modo que ajeita o celular em algum
lugar ao lado de sua cama grande.
Cabe o Bê perfeitamente ao seu lado. Mordo minha boca, me
sentindo ficar com as batidas mais aceleradas, de ansiedade. Claro
que, assim que os campeonatos terminarem, darei um jeito de tirar
nem que seja uma semana de férias para visitá-la.
Ela abre um sorriso, que estranhamente me deixa preocupado,
pois o julgo como forçado, e coloca uma mecha de seus cabelos
castanhos atrás da orelha. Parece estar deitada em sua cama. O
rosto está inchado como se tivesse acabado de acordar ou... como
se tivesse chorado.
— Está tudo bem? — Como um carro buzina ao passar por
mim, volto com minha atenção para o trânsito à minha frente.
— Sim. Você está no carro. Está indo levar a Mia à consulta?
Vai visitar seu pai como me disse ontem?
Assinto para as duas coisas. Depois, olho rapidamente para a
tela do celular, e agora ela se senta sobre a cama com as pernas
em formato de borboleta, ficando mais longe da câmera do celular, o
que me permite ver seu corpo. Ela usa um pijama divertido, ele é
azul e com estampas de estrelas amarelas, o qual a deixa mais fofa
que o habitual.
— Te acordei?
— É, sim. Aqui ainda são sete horas e você sabe que eu adoro
dormir. — Ela suspira, como se tivesse algo a atormentando por
dentro. Não sorri, como estou acostumado a ver. Seu rosto parece
abatido. O que está acontecendo?
Odeio não estar perto dela, não saber pelo que passa. Por isso
que penso que relacionamentos à distância não funcionam. Está aí
mais uma coisa que vou colocar na minha lista mental de “coisas
que estou certo de que são uma merda”, junto a se apaixonar,
cigarro e ficar sem transar.
— Nossos horários não batem. Essa coisa do fuso horário é
meio confusa.
— Estou torcendo para você não conseguir a aprovação em
Cambridge. — Minha voz soa amarga. Não consigo evitar. Tudo que
mais quero é ela perto de mim.
— Bernardo! — Ela me encara com reprovação.
— Seu pai também está torcendo. — Dou de ombros.
— Não fala isso.
— Você pode estudar aqui, oras. E com o currículo que você
tem, consegue um emprego fácil. Te garanto.
— Mas eu vou passar. Eu tenho certeza. — Ela abre um
sorriso, que parece sincero dessa vez, que inacreditavelmente faz
doer meu coração.
Amo vê-la sorrindo, mas não sorrindo porque vai para
Cambridge, ficar longe de mim. Não quero isso. Nosso namoro não
vai dar certo assim. Não sei por que ainda insiste. Mas, minha força
mental e do Daniel estão sendo tão negativas que tenho certeza de
que ela não passará, e aí ela ficará aqui no Brasil conosco... eu
acho.
— Mas e se você não passar? O que você vai fazer?
— Se eu não passar, ficarei por Nova Iorque com minha mãe.
O quê?
Sentindo minha boca se abrir em um “o”, olho para a tela do
celular, encontrando com seu olhar indecifrável sobre mim.
— Não concordo. Acho que é hora de você viver um pouco
com sua família daqui.
Ela suspira.
— É difícil para mim fazer essa escolha, Bê.
Quero rir.
Difícil? Ela quer continuar vivendo de mentiras com essa
mulher maluca que diz ser a mãe dela? Certamente essa mulher
está manipulando-a a se afastar de mim. Deve ser por isso que
Laura está evitando minhas chamadas no Skype.
Por falar na minha adorável sogra, resolvo perguntar a Laura
se conversou com a mãe:
— Você conversou com ela? Com sua mãe?
Fica um silêncio. Só ouço seu suspiro, já que não olho para a
tela do celular, visto que passo por uma avenida mais movimentada.
Como ela não me responde, desvio minha atenção do trânsito e levo
meu rosto para a tela do celular, onde ela aparece assentindo.
— E como foi? — quero saber e volto a me atentar ao trânsito
à minha frente.
— Foi tranquilo.
Enrugo o cenho.
“Tranquilo” isso é tudo que ela tem a falar? Ela sentou para
conversar com aquela mulher falsa, repugnante de tão mentirosa,
sobre nove anos de mentiras e tudo que ela tem para me falar é que
a conversa foi “tranquila”. Esperava que fosse dizer que brigaram,
que a mãe mandou-a escolher ela ou o pai, o que seria ótimo,
porque ela ia ter que escolher a nós. Não há outra opção.
— Tranquilo?
— É, ela me pediu desculpas. — Ela desvia o olhar, como se
sentisse desconfortável. Ou mentindo. — Agora preciso desligar. —
Ela traz o rosto para a tela outra vez.
— Laura, o que você está escondendo de mim?
— Não estou escondendo nada, Bê.
— Você me promete?
— Prometo. — Ela não me olha nos olhos, mas consigo ver
que os seus olhos estão carregados de lágrimas.
Fico sem entender. O que está acontecendo?
— Beijo. Te amo. — Então, ela estica o dedo em direção à tela
e encerra chamada, não me dando tempo de responder:
— Também te amo.
Desvio os olhos do celular e me concentro na rua à minha
frente. Por dentro, me sentindo frustrado, impotente.
Se Laura morasse, ao menos, em outro Estado, eu abriria mão
de todas as pendências que vim resolver hoje e iria atrás dela. Mas
com treze horas de voo não tem como fazer isso. É inviável.
Perderia as últimas semanas de treino... sem falar que não é tão
simples assim fazer uma viagem internacional. Eu nem tenho
passaporte ainda.
Namorar à distância é realmente uma merda, uma merda
muito maior do que se apaixonar. Não nasci para isso. Não sei se
conseguirei levar tudo isso a diante se Laura for para Cambridge.
Não sei. Meu Deus! Queria muito poder acreditar que sim, mas não
acredito. Posso ficar sem sexo, mas sem estar ao lado da mulher
que amo, sem saber pelo que ela passa, sente e faz, não dá.
Paro com o carro, pois noto que acabei de chegar à fachada
da casa de Mia que, de tão espelhada que é, reflete meu Toyota
branco.
Pego meu celular no bolso e digito uma mensagem para ela,
avisando-a:
Bernardo: Cheguei, Mia. 😊
Mia: OK. Descendo. Beijos
Rolo as conversas do aplicativo de mensagens e vejo várias
mensagens de convites para festas, tanto para ontem quanto para
hoje. No grupo da galera do futebol, às cinco da manhã, Vinícius
havia mandado uma foto dentro de um quarto de motel espelhado
com uma morena que dormia ao lado dele, de bruços, nua,
enquanto ele mandava beijinho.
Vinícius viado: Noite quente aqui em Torres!!
Vários comentários sujos dos nossos amigos também sujos
sobre a morena aparentemente gostosa. Dou uma risada de lado.
Já fiz isso também. Várias vezes. De alguma forma, me dava um
êxito maior para comer a garota quando ela acordava.
Sinceramente, até que sinto uma nostalgia gostosa por me
lembrar de tempos como esse. Adoraria estar em um motel com
uma gostosa agora mesmo, transando até sentir os joelhos
dobrarem de cansaço, mas nem tão cedo poderei realizar isso, visto
que a única gostosa que estou interessado em comer não
encontrarei nem tão cedo.
Por um momento, penso em alguém expondo Laura nua em
fotos, e sinto uma culpa horrível. Penso também em Beatriz, que já
transa, e meu rosto esquenta de irritação. Se algum idiota fizer isso
com ela, juro que estouro os miolos dele.
Balanço a cabeça em negação, tentando expulsar essa ideia
dos meus pensamentos, e rolo mais para baixo as mensagens do
aplicativo. Vejo a galera do futebol comentando sobre um encontro
que terá hoje na boate Singer, onde Ingrid comemorará seu
aniversário.
Pedrão: Vinny, tu vem, né viado?
Vinny viado: Claro. A prima arrancará minhas bolas se eu não
for.
Ingrid e Vinicius são primos, mesmo que já tenham se pegado
uma vez. Eu a conheci em uma festa, quando o viado me
apresentou a ela. Ela é quase do meu tamanho, cabelo grande
batendo na bunda grande... enfim, é toda grande e gostosa.
Meu celular apita, e eu desço o olhar para ler a mensagem.
Vinny viado: E eu estou dois dias sem trepar. Preciso comer
uma loira aí que está me dando mole.
Pedrão: Está falando da prima do Bernardo?
Vinny viado: Certo que sim.
Paulo: Gostosa pra caralho. Comi duas vezes na festa de
Torres, viado. Meu pau está duro só de lembrar.
Phelipe: Também já comi. Loira safada e só tem dezessete
aninhos. Imagina com 25 kkkk
Pedrão: kkkkkk
Bernardo: Vocês estão falando de Carina?
Vinny viado: Fala não, só o nome me arrepia. Gozei duas
vezes essa noite sonhando com ela.
Vinny viado: Caralho, meu pau está duro de novo.
[4]
Henrique: Eita guri guapo kkkk
Bernardo: Ela é menor de idade, caralho.
Phelipe: Ih, ala! Desde quando tu se importa com isso?
Pedrão: Estou falando. Está ficando chatão essa porra. Kkkk
Paulo: Gamou na americana, Piu-Piu?
Vinny viado: Foi mal aí, Bernardo, mas vou comer aquela
gostosa. Ela está jogando na minha cara. Acredita que conseguiu
meu número? Foi você quem deu?
Bernardo: Claro que não.
Vinny viado: Agora fica me mandando mensagem todo dia,
mensagem safada, me excitando.
Paulo: Viado, ela já me mandou uma nudes, mas sem mostrar
a cara.
Phelipe: Mostra a cara, piranha, senão não tem graça.
Bernardo: ...
Vinny viado: Desculpa, Piu-Piu, vou gozar na cara daquela
safada, mas eu ainda te amo ♥ ♥ ♥
Sorrio, vendo os coraçõezinhos. Saudade desse viado. Claro
que vou sair com esses caras hoje. Não perco esse encontro por
nada. Chamo Ingrid no individual e mando uma mensagem:
Bernardo: Pode colocar meu nome na lista, morena. ♥
No mesmo momento, Mia aparece batendo no vidro do carro,
com suas unhas grandes e bem pintadas. Então, destranco a porta
para que ela entre.
Quando Mia se senta ao meu lado, no carona, noto que está
trajada em um vestido florido solto no corpo. Nunca a vi de vestido
que não fosse apertado e cheio de brilho. Nem parece a mesma
garotinha que encontrava nas festas, usando vestidinhos
indecentes. Agora, essa Mia me lembra da Mia da época da escola.
Levo meu olhar para seu rosto e noto que ela parece bem.
Está com uma áurea boa, não sei explicar.
— Bom dia — cumprimento-a, já que ela não o faz.
— Bom dia. — Ela sorri pequeno, desviando a atenção de mim
para olhar a rua à sua frente.
Fico pensando se não está tranquila assim por estar ao meu
lado, indo a uma consulta, com a expectativa de que faremos esse
evento daqui em diante até essa criança se tornar independente de
nós.
Pensar nisso me causa um enjoo estranho. Claro que, se eu
for o pai, não quero ser ausente. Quero ser o melhor pai do mundo,
o melhor que posso ser, mas não quero ser um pai num momento
como esse, e nem pai de uma criança cuja mãe eu não amo.
Ligo o carro, e Mia não puxa assunto, o que é estranho, já que
sempre foi de falar bastante, principalmente sobre o pai. Sempre
reclamou dele, que começou a ficar ausente depois da morte da
mãe, há cinco anos. Deixava-a desabafar. Sabia que colocar para
fora ajudava no seu transtorno de anorexia nervosa, que surgiu
justamente após esses ocorridos.
Não conhecia Mia na época. Estávamos no 1º ano do ensino
médio e, apesar de estudarmos na mesma escola, na mesma sala,
ainda não tínhamos ficado e nem nos falávamos, apesar de sempre
trocarmos olhares. Mas, de acordo com o que ela e Marco falam, a
guerreira Andrea era uma mulher muito forte, que lutou muito na
vida e também pela vida. Sua morte foi repentina. Do nada,
descobriu que estava com câncer de estômago e dois meses depois
faleceu.
Mia nunca superou a perda da mãe e, por ser a caçula e muito
frágil, de lá para cá passou a ser muito mimada, no que se refere a
coisas materiais, pelo pai, e a ser superprotegida pelo irmão.
— Vai à comemoração do aniversário da Ingrid hoje? — Diante
do silêncio, puxo assunto.
Ela faz careta, mostrando desinteresse.
— Você sabe que ela não gosta de mim — responde. — E
nem eu gosto dela.
Dou de ombros. Sei que as duas não se gostam, mas isso
nunca foi problema para que não ficassem no mesmo lugar. Muito
pelo contrário. Pareciam ter prazer em se esbarrarem e trocarem
farpas. Marco diz que é por minha causa, e francamente preferiria
ser surdo a saber de uma coisa dessa.
Se for por minha causa, não há motivos. Nunca gostei de
nenhuma das duas. Passaram anos brigando, se desentendendo,
por nada.
— E eu estou numa fase muito caseira — completa. — Acho
que ser mãe muda tudo, Bernardo. Não quero ficar só pensando em
festas agora. Lá vai ter muita gente animada, que vai me empurrar,
e isso pode machucar o meu bebê. — Ela alisa a barriga por cima
do vestido, e eu sorrio, me sentindo feliz com sua preocupação. —
Você vai? — Ela gira o pescoço para mim.
Assinto.
— E a Laura deixou? — Seu tom não é de zombaria, mas de
curiosidade, me fazendo outra vez recordar da Mia da época da
escola, a Mia livre e tranquila que não se dizia apaixonada por mim
e nem competia com outra por esse mesmo motivo.
Giro meu rosto para ela, com o cenho enrugado, e a vejo me
encarar com expectativa.
— Não estou zombando — ela diz, diante do meu silêncio, e
eu levo meu rosto de volta para frente, ficando atento ao trânsito. —
Só fiquei curiosa.
Crente no que afirma, eu confesso:
— Ela não sabe ainda, mas eu vou falar.
Só não sei o que ela vai achar disso, quero completar, mas
não o faço. Não quero parecer bobo demais.
Capítulo 08

Mia está... diferente. Não parece a garota irritante que se


tornou desde que começou a ficar comigo. Estranhamente, durante
os dez minutos de distância até a clínica médica conversamos sobre
uma coisa boba ou outra, que o tempo passou voando e eu nem me
dei conta.
Agora, já estamos na clínica, um ao lado do outro, sentados no
banco branco e acolchoado de espera, com uma fileira de mulheres
grávidas nos rodeando, que vão desaparecendo do local, conforme,
de dez em dez minutos, uma recepcionista mulata e bonita chama-
as para o consultório.
Desde que chegamos, Mia permanece calada, e eu me sinto
aflito. Estou a minutos de saber se ela tem um filho meu ou não na
barriga. Não consigo não parar de implorar a Deus que minha
recordação da última vez que estivesse com ela esteja certa, que
não tenha rolado nada.
Não quero ser pai, meu Deus. Não quero. Não agora. Não com
ela.
— Mia? — Uma doutora aparentemente quase idosa, alta e de
corpo esguio olha para Mia, ao chamá-la da porta do consultório, me
deixando confuso, visto que ela não está sendo chamada pela
recepcionista. Sem falar que fomos os últimos a chegar e já
seremos atendidos.
Mas me levanto, e Mia também, e caminhamos juntos, feito
dois não-namorados até o consultório, que mais parece um quarto
de criança devido aos acessórios que há por ele: bonecas no
tamanho de um bebê com chupeta na boca, carrinhos, enfim
brinquedos. Sem falar nos pôsteres de mulheres grávidas ou de
casais com bebês no colo. É um incentivo à maternidade?
Se for, parece funcionar. Sinto-me tocado, admito.
— Sentem-se — a médica pede, apontando para um par de
cadeiras marrom e estofadas à nossa frente. Dá a volta na mesa de
vidro e se senta de frente para seu notebook, conforme Mia e eu
nos sentamos em nossos lugares. — Você é a Mia. — Encara-a,
digitando alguma coisa. Dá uma pausa e olha para mim. — E você,
mocinho? — Ela digita alguma coisa em seu notebook. — O nome
do papai.
Abaixo o olhar, me sentindo constrangido. “Nome do papai”,
isso é estranho. Quantas vezes mais serei chamado assim?
— Bernardo Louzada — digo simplesmente.
— Nossa! — Ela para de digitar e apoia as mãos sobre a
mesa, me encarando firmemente. — Sabia que te conhecia de
algum lugar. Jogador do Limeira, estou certa?
— Isso. — Sorrio, mas me sentindo ficar tímido. Ainda é
estranho lidar com esse tipo de situação. Há pouco tempo que as
pessoas de São Gabriel começaram a me reconhecer nas ruas, nos
restaurantes e, agora, nos consultórios médicos.
Não que eu seja famoso, mas o clube vem crescendo, saindo
nos jornais da cidade, e colocando fotos minhas junto a títulos na
matéria me vangloriando pelas conquistas, bem como pelas
derrotas.
— Adoro futebol. Meu marido é torcedor do clube. Ele te adora.
Depois me passa um autógrafo. — Ela sorri. — Mas vamos deixar
isso para depois porque agora. — Ela leva seu rosto para Mia. —
Vamos falar sobre a mamãe. Como está se sentindo?
— Ótima. — Mia sorri, parecendo sincera. Ela acaricia a
barriga sobre o vestido e encara a médica. — A gravidez está sendo
uma novidade, uma coisa estranha. Tenho sentido muito enjoo,
vomitei ontem.
— Entendo, Mia. Conheço seu pai, fui médica da sua mãe, vi
você nascer, você sabe, e fiquei surpresa também com essa
gravidez. — A médica sorri abertamente, transmitindo amor em suas
reações. — Essas coisas acontecem e não estou aqui para te julgar.
Na verdade, fiquei um pouco chateada porque fiquei sabendo que
você não fez nenhum exame até agora. Só teste de farmácia. Como
assim? É perigoso para o seu bebê. Precisamos saber se está tudo
bem com ele...
Ela não fez o exame de sangue? E por que essa parece ser a
primeira consulta de Mia?
— Fiz o teste de farmácia duas vezes, Simone — Mia afirma,
encarando nos olhos a mulher à sua frente. E por que Mia chama
pelo nome? Elas são tão íntimas assim?
— Deveria ter feito ao menos o de sangue.
— Queria fazer aqui na clínica, mas você não tinha hora para
me atender. Então, não fiz.
Opa, ela acaba de confirmar que não o fez. Eu sabia!
— E estava fazendo fotos da agência — ela continua. — Fiquei
completamente sem tempo.
— Entendo. Mas agora estamos aqui, certo? — A doutora se
levanta, dando a volta na mesa até alcançar Mia e parar ao seu
lado. — Podemos começar por uma ultrassonografia porque, do
tamanho que está sua barriga, não há dúvida que você terá um
bebê em breve. Vamos lá? — Ela aponta para suas costas, onde há
uma porta azul fechada com um ursinho bege pendurado.
Mia se levanta e eu permaneço parado, processando a
informação de que Mia não fez o exame de sangue. Sinto-me um
idiota no momento. Ela me enganou, ela me disse que fez o exame,
e o tempo de gravidez que ele apontou mostrava que ela deveria ter
engravidado bem na época em que transamos.
— E você, papai, não vem? — a médica pergunta, parada ao
lado da porta, que agora está aberta, por onde Mia passa.
Levanto-me da cadeira e ando até lá. Ela alisa minhas costas,
como incentivo, assim que passo por ela. Quando entro, vejo que
Mia está se deitando em uma cama forrada, ao lado de um
computador branco ligado que sei que na verdade se trata do
equipamento para fazer a ultrassom.
Simone caminha até Mia, cobre todo o membro inferior dela
com um lençol azul claro e levanta seu vestido até a altura dos
seios. Passa um gel em sua barriga, que aparentemente parece ter
crescido mais um pouquinho em uma semana, e puxa uma cadeira
ao lado da cama, me convidando para sentar. Obedeço e agradeço
com um aceno de cabeça.
— Está ansioso? — ela me pergunta com um sorriso.
— É. — Não sei o que responder porque ansiedade não é a
palavra mais apropriada para o que eu estou sentindo. Descreveria
o sentimento como medo, medo de ser pai. — Quem não estaria
numa situação como essa?
— Imagino. E olha que legal: devido ao tamanho dessa
barriguinha, é bem provável de sairmos hoje daqui não só com os
meses de gestação, mas também com o sexo. Mia deve ter umas
doze semanas, o que equivale a uns três meses.
Assinto, me sentindo ficar mais tranquilo.
Talvez ser pai de um garotão que adore futebol como eu não
será tão mal assim. Vou poder trocar passes de bolas com ele.
Sorrio, por pensar. E se for uma menina? Caramba, vou ter que ficar
com os olhos grudados nela para esses garotos safados não darem
em cima dela. Filha minha não será bagunça.
— Os papais estão prontos? — Simone quer saber, ainda com
um sorriso. — Vamos começar?
Mia e eu assentimos juntos e a médica sorridente começa a
passar um pequeno aparelhinho sobre o gel na barriga da Mia, e eu
vejo um coraçãozinho bater acelerado na tela do computador, além
de um corpinho quase formado: um bracinho e uma cabeça, o que
causa um frio na minha barriga.
Pode ser meu filho. Talvez eu serei pai... como será essa
merda?
— Olha o tamanho desse bebê, papais! — a médica
comemora, conforme mede o feto através do touchpad. — Também
podemos saber o peso...
Não consigo mais prestar atenção. Ela vai medir o feto e vai
me dizer o tempo de gestação. Sei que é assim que funciona.
As duas, que provavelmente são íntimas, o que se confirma
devido à troca de carinhos que fazem uma na mão da outra,
parecem perder a voz. Não ouço nada do que dizem, mas sei que
conversam, baixinho, pois suas bocas se mexem.
E o que a doutora diz faz com que Mia sorria abertamente ao
mesmo tempo em que mostre lágrimas nos olhos, mas sei que são
de alegria. Apesar de tudo, acho que ela está feliz por essa criança.
Será alguém para cuidar e amar, retribuir todo o carinho que sei que
a mãe lhe deu um dia.
Ela amava tanto aquela mãe. Sei que será tão boa mãe como
Andrea.
Vejo uma lágrima escorrer por seu rosto. Quando me dou
conta, percebo que estou passando minha mão por ele para
acalmá-la. Só que aquela lágrima não é de felicidade como a
primeira, pois Mia não sorri dessa vez. A doutora havia acabado de
lhe informar as semanas de gestação.
— Dezesseis semanas. — Ouço a doutora repetir.
— Dezesseis? — Mia se pergunta. Sua voz não soa feliz. Não
olho para ela, mas sei que não sorri, e se não olho é porque estou
concentrado em um nada no chão, processando a informação que
acabei de receber: dezesseis semanas. — Isso quer dizer que eu
tenho...
— Que você já está indo para o quarto mês de gestação, Mia.
Quatro meses.
Não consigo raciocinar. Estou nervoso. Acho que tremo, minha
barriga gela, parece que engoli uma pedra de gelo.
Não sou bom em matemática, mas fazendo uma conta mental
aqui concluo que “entre três e quatro meses de gestação” é igual a
sexo com Mia no início de novembro ou final de setembro... não
sei... quer dizer, sei. Só estou nervoso. Enfim, me sinto aliviado. Não
aconteceu sexo entre nós durante esse período. Ou seja, eu... eu...
eu não engravidei Mia. Eu não engravidei Mia, preciso repetir só
para ter certeza.
Sem querer, deixo escapar um sorriso grande, e no momento
seguinte sinto Mia apertando minha mão, que ela beija.
—Você está livre de mim. — ela diz com a voz embargada,
devido ao choro, o que acaba me causando vontade de chorar
também.
Quem será o pai? Quem será o maluco que engravidou Mia?
Será que ela sabe quem é, e tão horrível que a pessoa é, quis me
convencer de que era eu? Mas não sou. Pode parecer um imbecil
por ter esse pensamento, mas não queria isso. Não é hora.
— Desculpa, Mia — peço-lhe, me levantando da cadeira e
deixando um beijo em sua testa.
— Tudo bem. — Ela sorri e seus olhos enchem-se de mais
lágrimas. — Não precisa se desculpar.
Olho para o lado e vejo que a médica nos encara com o rosto
confuso, o cenho franzido, mas seu sorriso continua no rosto. Deve
ser anos de treino para mantê-lo ali, forma de agradar as pacientes,
ou deve amar mesmo o que faz. De toda forma, gostei dessa
mulher. Trarei Laura aqui quando ela tiver meu filho em sua barriga.
Porque nós um dia teremos um filho. Ou uma filha.
— É um garotão, Mia — ela avisa.
— Menino? — Mia soluça e vejo que ela sorri, os olhos
chegam a brilhar. — Ai, meu Deus!
— Quer que eu coloque o nome na ultra?
— Claro. Será André.
A médica assente, depois digita no computador o nome, forma
masculina, da mãe de Mia.
— Ela vai gostar dessa homenagem. — Simone puxa um
papel da porta-papel e toalha, com o qual ela limpa o gel na barriga
de Mia. Depois, o joga na lixeira. — Bem, o bebê está ótimo. Já
acabamos a ultra. Agora, vou deixar vocês a sós. — Ela sorri e dá
as costas, andando até a porta, por onde desaparece, batendo-a em
suas costas.
Levo meu rosto para Mia. Ela agora está sentada na cama, de
frente para mim, e tem as bochechas molhadas de tantas lágrimas
que escorrem por elas.
— Meu pai vai ficar com nojo de mim — ela comenta,
fungando. — E o Marco então...
— Eu não posso fazer nada, Mia. — Limpo as lágrimas que
escorrem por seu rosto, e ela assente. — Me desculpa.
— Já falei que não precisa se desculpar. — Ela tira minha mão
do seu rosto e deixa um beijo nela. — Eu quem te devo desculpas.
— Pelo quê? Você não fez nada. Eu que só fiz te maltratar
desses dois meses para cá.
— Fiz sim. Tentei interferir no seu relacionamento com a Laura.
Enchi a cabeça dela de coisas. Falei que você me achava boa de
cama. — Ela ri, achando graça.
— Você não mentiu.
— É. — Dá de ombros. — Mas ela não precisava saber disso.
Fiz de propósito para que ela se sentisse mal. Sabia que era virgem.
— Deixa isso para lá. — Franzo o nariz. — Já até esqueci-me
disso e ela também. Não guardamos mágoa, acredite.
— Fiz isso porque estava com raiva. Não queria perder você,
mas sei que gosta dela. Não adianta eu insistir no casal Mia e
Bernardo porque ninguém shippa mesmo. — Ela dá de ombros.
— Shippa? — Eu sei o que é shippar, porém acho engraçado
ela usar a expressão.
— Ah, você entendeu. — Ela sorri. — Ninguém apoia ou
aprova.
— A Bia sim. — Faço uma careta.
— Não mais. Ela me odeia agora.
— Não parecia durante o café de domingo.
— Depois daquilo, ela não falou mais nada comigo. Acho que
ela falou no impulso mesmo.
— Você é adulta, Mia, e a Bia que é uma criança ainda. Não
deveria ter se trocado por ela.
— Sua irmã não é nenhum pouco criança. Tem coisas que ela
safa melhor do que eu. A prova disso está aqui, ó. — Ela aponta
para a barriga.
— Só foi um descuido. Acontece.
— Descuido causado devido as minhas rebeldias sem motivos.
— Cada um tem os seus motivos. Eu lhe garanto.
Ela faz que sim.
— Me desculpa também por ter mentido. — Ela abaixa o olhar
e encara o chão. — Mentido duas vezes. Não aconteceu nada
naquela noite. Inventei essa história porque estava desconfiada da
gravidez e porque queria que fosse seu.
Sabia. Mas não importa. Estou tão tranquilo que nada mais
importa.
— Eu também menti quanto ao exame de sangue, que você já
deve saber, já que...
— Deixa isso para lá — corto-a.
— Não. Não deixo. — Ela me encara. — Eu não deveria ter
feito isso com você, ter deixado você aflito inventando uma história
como essa. Fiz isso porque, se fosse seu, resolveria tudo. Teríamos
uma família feliz, você ficaria comigo...
— Não é assim que se resolve as coisas. A gente não se
gosta. Seriamos infelizes se nos casássemos.
— Não queria me casar com você. Queria ter você do meu
lado.
— Pra quê? Que graça teria, se eu não... — Abaixo o olhar,
sem conseguir completar.
— Se você não gosta de mim? Você já falou isso para mim
umas mil vezes, por que não quer falar agora? Porque estou
chorando?
Encaro-a e ela me encara com firmeza.
— Eu não vou ficar mais triste por isso, Bernardo. Sempre
soube que não me amou, e isso sempre me matou, mas agora vou
seguir em frente. Mas queria que fosse o pai do meu filho porque
não queria deixar de estar do seu lado. Amei cada segundo do que
vivemos. — Ela suspira, a ponto de erguer os ombros. — Se você
soubesse como é gostoso estar ao seu lado, me entenderia.
— Que isso, Mia. Existem muitos caras bacanas por aí,
inclusive um que vai te amar de verdade.
— É, eu sei. — Ela abaixa o olhar, os olhos voltam a encher-se
de lágrimas. — Mas agora com um filho, tudo vai ficar mais difícil,
ainda mais um filho sem pai. — Ela levanta o rosto, o que me faz ver
que as lágrimas correm por suas bochechas. — Porque eu não sei
quem é o pai. Não faço ideia. — Sua voz é quase inaudível, pois ela
começa a chorar com tanta força que parece ter segurado essa dor
até agora.
Sei que não está atuando agora. Não daria tempo de ela pôr
tanto colírio nos olhos. Sem falar que seu choro me sensibiliza como
nunca antes, que chega ao ponto de tocar meu coração. De alguma
forma, me importo com ela, gosto dela, como uma amiga, e dói em
mim vê-la triste. Sei que será horrível ter um filho sozinha. Não
quero que sofra com isso. Não consigo ficar tranquilo pensando
nisso.
Diante desse pensamento, não consigo ficar parado. Puxo-a
para meus braços e acaricio seus cabelos em suas costas.
— Mia...
— Como falarei uma coisa dessa para meu pai? — Ela se solta
dos meus braços e me olha, fungando. — Ele não vai entender.
Ainda mais agora que ele está pior do que antes. Nunca está em
casa e, quando está, vive agarrado naquela mulher interesseira que
arrumou. Ele não conversa comigo, não parece se importar. Quando
soube da gravidez, ao invés de vir conversar, só ficou enchendo
minha cabeça de reclamação, botando a culpa em você... e você
não tinha nada com isso. — Ela suspira, cansada. — Marco também
não para em casa. Ele deveria ser mais presente. Mas ele tem a
vida dele, o futebol, o trabalho, agora a ONG. Eu vivo sozinha. Sinto
falta da minha mãe. Ela me ajudaria com certeza. — Ela funga,
passando as costas da mão no nariz. — Mas agora não tenho
ninguém. Estou sozinha.
— Não está não. — Seguro suas mãos, que estão sobre seu
colo, às minhas. — Vamos resolver isso juntos.
Ela desce a mão pausadamente, me encarando de maneira
indecifrável.
— Vamos? — questiona, soltando suas mãos da minha. —
Não existe mais “vamos” para a gente, Bernardo. Agora é Bernardo
e Laura, e Mia. — Ela acaricia a barriga. — E André. Ao menos,
terei uma companhia.
Capítulo 09

Após sair da clínica médica e deixar Mia em casa, vim para o


Hospital Central, onde meu pai está internado.
Há meia hora estou dentro do carro, parado no
estacionamento, que fica de frente para a fachada de entrada,
enquanto me pergunto se devo entrar ou não. A cada tentativa de
sair daqui, sinto meu corpo ficar rígido. As lembranças dele não me
assustam mais, porém não sei se consigo.
Abaixo o vidro do meu lado esquerdo, tiro meus óculos de sol
do rosto e fico olhando para pessoas entrando e saindo de lá de
dentro.
Uma criança alegre desce a rampa, que fica ao lado da
escada, correndo com o braço enfaixado e, o que parecem ser os
pais, vem atrás abraçados e sorrindo, diria que aliviados. No asfalto
do estacionamento, vejo um rapaz, que aparenta ter a minha idade,
ajudando um senhor, certamente o pai ou o avô, a se levantar de
uma cadeira de rodas.
O velhinho anda com certa dificuldade com a ajuda do rapaz e
de um enfermeiro até um carro que está parado próximo a eles. O
rapaz abre a porta da frente, coloca o velhinho sentado no banco do
carona, se despede do enfermeiro com um aperto de mão e uma
tapa nas costas, dá a volta do carro e entra nele, partindo ao lado
oposto ao qual eu estou parado.
Observo um rapaz e uma jovem garota descendo as escadas
de entrada. A garota tem um visível volume na altura da barriga,
porque provavelmente está grávida. Ela alisa a barriga com a mão
esquerda, enquanto a outra mão está ocupada com a mão esquerda
do rapaz, que no mesmo instante beija a garota no rosto. Tão jovens
e prestes a serem pais...
As três famílias se resumem a pais e filhos, uns dependentes
dos outros. Não conheço suas histórias, não sei o que veio antes
desse dia, mas, por alguma razão, estão juntos porque são uma
família. E é isso que família significa: zelo, cuidado, proteção. Apoio.
Fecho os olhos e suspiro. Estou decidido. Vou sair daqui e
conversar com ele, mesmo que esteja desacordado. Eu preciso
cumprir minha promessa.
Pego meu celular e mando uma mensagem para Laura.
Bernardo: Bom dia, Ursinha, tenho uma novidade. Adivinha? O
exame da Mia deu dezesseis semanas! Dezesseis semanas, amor.
Isso significa que... você sabe! Aguardo sua resposta comemorativa.
Eu te amo, Bê
Lembro-me de seu rosto abatido essa manhã e sinto meu peito
doer. O que tem de errado com essa garota?
Quando sair daqui, vou enchê-la de mensagem, vou ligar via
Skype, via a puta que pariu, mas vou falar com ela, ouvir sua voz, e
ela vai ter que me dizer o que está acontecendo. Não vou deixa-la
em paz enquanto não fizer isso.
Saio do carro, batendo com a porta em minhas costas, e
caminho até as escadas da fachada verde do hospital.
Assim que passo pelas portas de vidros da entrada, dou de
cara com o balcão de mármore preto da recepção movimentada.
Sento-me no banco de espera de frente para o balcão e aguardo
alguns minutos por atendimento.
Sinto-me estranho. Minhas mãos suam, e, por dentro, uma ira
me atormenta, mas eu tento não me sentir assim. Penso em Laura e
fico tranquilo. Ela é doce, calma, boa. Minha quase irmã é minha
inspiração. Ela me incentiva a perdoar e farei isso por ela, por mim,
por nós. E confesso: por ele também.
— Pode vir — uma recepcionista loira e simpática me chama.
Levanto-me e ando até ela.
— Boa tarde. Vim visitar um paciente. O nome dele é Vitor
Augusto Lemos. Está internado na CTI do primeiro andar.
— Claro. — Ela sorri com malícia, de modo que me olha
fixamente nos olhos, diria que flertando.
Levo minha mão ao bolso e puxo minha carteira, de onde tiro
meu documento de identidade e entrego para ela, mas a moça vira
a palma da mão para mim, como se recusasse a recebê-lo.
— Não precisa da identidade — ela diz. — Está na cara que
você é o Bernardo Louzada.
Enrugo o cenho. Nunca aconteceu de duas pessoas me
reconhecerem em uma manhã. Teria eu saído na capa de algum
jornal?
Ela leva as mãos finas e pequenas até o balcão, onde tira o
telefone do gancho e leva ao ouvido, mas sem tirar seus olhos de
mim.
Estou acostumado com mulheres flertando comigo e, de
acordo com a fama de comedor que tenho, parece que elas se
jogam mais ainda. E agora é estranho quando isso acontece e não
me sinto atraído, enquanto antes de Laura entrar no meu coração,
era só uma safada me olhar dessa forma que meu pau pinçava
dentro das minhas calças.
— Chamei uma enfermeira para te acompanhar — ela me
avisa, colocando o telefone de volta no gancho. — E como vão os
jogos?
Olho por cima do meu ombro e vejo que uma senhora olha
para mim com cara de tédio. Certamente espera por sua vez para
ser atendida, e eu aqui lhe atrasando porque sou muito irresistível e
até as recepcionistas de hospital fazem fila para ter um minuto da
minha atenção.
— Só começam em algumas semanas.
— Você quer meu telefone?
— Larissa. — Uma voz surge ao seu lado, fazendo com que
ela olhe e que eu entenda que esse é o seu nome.
Olho para a mesma direção que ela e vejo uma mulher vestida
de branco, quem acredito ser a enfermeira que irá me acompanhar.
Graças a Deus é uma senhora, na idade da minha mãe
aparentemente, morena, baixinha e gordinha, o que me poupa de
mais paquera nesse hospital.
— Me chamou?
— Sim, Maria. — A loira sorri. — Acompanhe o Bernardo
Louzada até o quarto do pai.
— Obrigado, Larissa. — Aceno com a cabeça, e ela sorri,
ainda me olhando firme. Faço que não e dou as costas,
acompanhando a enfermeira.
— Você é o filho, certo? — ela quer saber, virando o corpo
para mim, antes de alcançarmos o corredor que leva para a ala do
CTI.
Eu faço que sim com o rosto.
— O doutor Carlos está vindo para conversar com você.
— Conversar? — Congelo onde estou e sinto meu sorriso se
desmanchar.
Ela não ia me acompanhar até o quarto? Por que veio agora
com essa coisa de “conversar”? Será que meu pai... ele...? Será que
ele...? Não consigo completar, porque só de pensar me sinto
sufocado. Minha garganta fica seca e eu sinto como se o chão
desaparecesse dos meus pés.
Um homem grisalho aparece por trás da enfermeira no mesmo
instante.
— Com licença, Maria — ele diz ao passar por ela. Ao parar de
frente para mim, me encara e empurra a ponte dos óculos que
descia por seu nariz. — Doutor Carlos, neurocirurgião. — Ele estica
a mão para um cumprimento, que eu retribuo também esticando a
minha.
— Bernardo.
— Você é o filho do Vitor Augusto, estou certo?
Assinto e solto minha mão da dele.
— Bom, vou ser objetivo — começa. — O paciente veio do
Hospital Municipal, a seu pedido. Não sei se soube, mas um dia
depois da visita que você havia feito a ele lá, o paciente reagiu. Ele
mexeu o polegar esquerdo. Era significativo... mas depois que ele
foi transferido para cá, não evoluiu em mais nada.
— O que isso quer dizer? — corto sua fala, sentindo as batidas
do meu coração aumentarem e meu corpo ficar rígido. Essa
enrolação toda só pode ser para me avisar que meu pai....
Fecho os olhos e suspiro.
...que meu pai morreu.
— Que não há muitas esperanças de seu pai acordar,
Bernardo.
Relaxo meus ombros ao ouvir aquilo. Se meu pai não tem
alguma chance de acordar, isso significa que ele ainda não está
morto.
— O estado dele é o coma profundo, o que nos encaminha
para a morte cerebral, principalmente devido à falta de reação aos
estímulos. E, caso ele venha a ter morte cerebral, sinceramente,
nem os órgãos podemos salvar. Por causa da bebida, o fígado, por
exemplo, está completamente... enfim. — Dá de ombros, com um
suspiro. — No entanto, se isso acontecer, ele é um candidato ideal
para doar os rins a uma paciente, criança. Eles estão perfeitos. Mas,
para isso, recomendamos que um responsável assine uma
autorização para a permanência dos aparelhos até que o
procedimento seja feito.
— Isso quer dizer que eu seria essa pessoa?
— Sim, Bernardo. Você não precisa decidir isso agora. Mas.
— Ele dá de ombros. — Eu acredito que ele não irá acordar. Seu
pai bateu com a cabeça em uma pilastra de cimento e caiu
desmaiado no chão. E ele estava bêbado, então o álcool junto ao
traumatismo craniano que sofreu, está dificultando que ela reaja. E,
se ele vier a acordar, o sofrimento será para toda a família.
Toda a família? Sinto vontade de rir. Ele só tem a mim. O
sofrimento seria todo meu, sozinho.
— Porque ele provavelmente sofrerá alguma sequela — o
médico continua. — Na maioria dos casos, ao se recuperar de um
coma, o paciente apresenta algum prejuízo motor ou cognitivo, pois
passou por lesões graves. Ele pode perder a força de algum
membro ou pode ter esquecimentos frequentes e falta de atenção.
Geralmente leva dias ou meses para voltar a ter uma vida quase
normal, mas em alguns casos isso nem acontece. Devemos ser
otimistas quanto à recuperação, mas também realistas.
— Okay. — Suspiro com força, soltando ar pela boca. Passo
as mãos nos cabelos, tentando organizar meus pensamentos.
Se meu pai continuar não respondendo aos estímulos, o
médico pode definir a morte cerebral em breve, e isso quer dizer
que ele será considerado morto, já que a morte encefálica é
irreversível. O cérebro estará apagado, mas o corpo continuará de
maneira estranhamente viva pelos aparelhos, para que o que restar
nele ajude outras vidas.
Não sei... não sei se quero que morra, meu Deus!
E eu... eu... eu não fiz nada para incentivá-lo a acordar. Não
que eu acredite nisso porque não consigo ter fé de que ele esteja
ouvindo enquanto está em coma, como a Laura disse. Mas, e se ele
estiver? E se ele reagiu, mexeu um dedo, porque o visitei? E se
ouviu minha voz e isso o motivou porque quer manter a vida para ter
uma segunda chance comigo?
Eu deveria entrar e vê-lo, mesmo que seja uma despedida. É
isso. Preciso fazer isso.
— Eu gostaria de vê-lo — digo.
— Claro. — Ele olha para trás, provavelmente procurando a
enfermeira que antes estava ao seu lado. — Maria?
Ela surge por trás de seus ombros, parando entre nós dois.
— Poderia acompanhar o rapaz até o quarto?
— Claro, doutor. — Ela olha para mim. — Vamos?
Faço que sim e cumprimento o médico com um aceno de
cabeça.
A cada passo em direção ao reencontro com o cara que quase
me matou, sinto as batidas do meu peito acelerarem. Um suor
escorre por minha nuca, se misturando ao frio que passa por meus
braços.
— Você acredita em vida espiritual? — a enfermeira me
pergunta ao mesmo tempo que caminhamos pelo corredor.
— Sinceramente não.
— Eu sou espírita. — Ela para ao lado de uma porta verde-
escura, a qual eu acredito ser do quarto que ele está, me fazendo
parar também, e me encara, séria. — De acordo com as minhas
crenças, temos que ter cuidado com o que falamos perto da pessoa
em coma porque, mesmo nessa situação, o espírito está presente e
pode entrar em processo de desequilíbrio e não ajudar o organismo
a se recuperar. Você entende?
Faço que sim, apesar de não entender nada.
— Quando uma pessoa entra neste estado de saúde — ela
continua a falar: —, é como se ela estivesse em um sono profundo.
O espírito se desprende do organismo e fica preso a um cordão
fluídico, ou seja, ele pode visitar pessoas vivas, mortas ou ir a outros
lugares enquanto o corpo está imóvel na cama. — Ela me olha fixo,
e me sinto desconfortável com essa conversa maluca e não
solicitada. — Enquanto existir vida no corpo, o espírito está
sustentando aquele organismo. Por isso que quando os pacientes
acordam, eles têm várias lembranças.
Ainda não falo nada.
— Sei que é totalmente antiético eu te dizer essas coisas —
ela ressalva, mesmo na ausência de minha resposta. — Mas eu
consigo ver a aflição em seus olhos. Você é só um garoto e agora
tem uma responsabilidade muito grande: fazer seu pai lutar pela
vida. Se o quer vivo, Bernardo, diga coisas maravilhosas para ele,
deixe-o ter a segunda chance dele aqui na terra. Incentive o seu pai.
— Ela abre a porta do quarto para que eu possa entrar, com um
sorriso motivador estampado em seus lábios.
Entro no espaço, sentindo a porta sendo batida atrás de mim.
Levo meu olhar à cama à minha frente e sinto meu corpo
estremecer. Daqui, só vejo os pés dele e ouço o barulho dos
batimentos do seu coração misturados ao do aparelho respirador,
que trazem uma sonoridade esquisita, triste e dramática para o
ambiente.
Dou alguns passos em direção à cama e paro de frente a ele.
Observo seu rosto: ele se parece muito comigo, exceto pela
diferença de idade. 45 anos, eu acho, mas parece ter mais. Tem os
cabelos quase todos brancos, a barba a mesma coisa. Parece estar
há meses sem fazê-la. Sem falar na expressão de dor que é notável
em suas feições.
Meu coração se aperta em meu peito, e eu sinto que posso ser
capaz de chorar.
Desvio os olhos dele e desço o olhar para a bolsa de urina nos
pés da cama. Faço que não, desaprovando-o.
Não era para ser assim. Era para sermos uma família feliz, era
para estarmos juntos uma vez ao mês, assistindo ao tricolor carioca
ganhar do Flamengo ou do Botafogo, como gostávamos de fazer.
Ele torcia pelo Fluminense e me ensinou a torcer também, mas
depois que tudo mudou, deixamos de ter nosso momento de pai e
filho felizes.
A bebida o destruiu. O maldito vício.
Passo minha mão pelo rosto e fecho os olhos. Sei que deixei
escapar uma lágrima porque sinto meu dedo indicador molhado.
Tudo bem. Posso chorar. Não há nada de errado nisso, não é?
Sentindo minha visão ficar turva, levo meu rosto para o alto.
Encaro o teto branco do quarto e suspiro devagar. A agonia no peito
se desfaz por um momento, então eu desço meus olhos para
encontrar aquele homem quase morto à minha frente.
Meu pai.
Você sabe o que é isso? Você sabe o que é ver uma pessoa
que você sempre desejou que morresse, quase morta? Sabe o que
é?
Suspiro. Suspiro outra vez.
Dou alguns passos até alcançar a cama, puxo o banco de
couro de visitas, a qual eu sei que ninguém sentou para conversar
com ele. Lembro-me bem da enfermeira do outro hospital dizendo a
Laura que éramos os primeiros a visitá-lo depois de dois meses
internado. Agora, quatro. Quatro meses imóvel nessa cama, sem
poder levantar a mão e me dar uma surra. Que ironia!
Sempre quis me vingar da surra que deu em mim. Fazer a
mesma coisa com ele. Quebrar uma costela, ou quem sabe o nariz.
Mas agora, olhando-o assim inerte, sem poder se defender, não
sinto vontade de me vingar, de ser um covarde como ele foi comigo.
Ao contrário, quero passar uma borracha no que aconteceu e fazer
a minha parte para que ele possa sair dessa.
Apoio o meu antebraço sobre o joelho, bem como meu rosto
sobre a mão, e encaro o homem indefeso na cama.
— Oi — começo. — Sou eu, o Bernardo. Devo admitir que
estou bastante chocado com tudo isso. — Levanto meu rosto para o
alto, para as lágrimas não derramarem no meu rosto na frente dele,
e suspiro com toda força que consigo. Engulo o choro e volto com
minha atenção para ele. — Queria que soubesse que eu vou te
ajudar quando você sair dessa. Você pode acordar, porque quando
isso acontecer, vou fazer o que puder para te ajudar. Você não está
sozinho. — Reteso o maxilar, segurando o choro preso à minha
garganta, mas ainda assim uma lágrima rola por meu rosto. — Pai.
A enfermeira chega por trás de mim e aperta meus ombros,
como forma de incentivo.
Com o gesto, me sinto ficar mais sensível. Mordo meu lábio
inferior, para segurar mais choro acumulado que insiste em vir, um
choro acumulado por anos e que foi trocado por raiva e raiva.
Chorei por ele no dia em que estive no outro hospital com
Laura, mas não foi um choro de perdão nem de dor, foi de raiva. E
agora é diferente porque eu olho para ele e consigo sentir
compaixão, uma compaixão tão pura que me faz desejar que ele
acorde para que eu possa abraçá-lo e ser abraçado em troca.
Sim, desejo que sobreviva. E, se acontecer, lhe darei uma
segunda chance, assim como o ajudarei no que for necessário.
Afinal, ele só tem a mim e ele é meu pai.
— Eu não queria que você morresse. — Pego sua mão e
coloco entre as minhas. — Você consegue me sentir? Consegue
confiar em mim? — Um par de lágrimas escorre por meu rosto, e
dessa vez deixo que mais lágrimas escorram porque não me
importo.
Se choro não é de fragilidade. É a minha catarse, é a
libertação de todas as recordações ruins que me deixaram um
buraco escuro por tanto tempo.
— Lute, pai. Lute para ficar. Acorde e vamos fazer diferente
dessa vez. — Fungo, passando as costas da mão no meu nariz
molhado. — Por favor...
Meu peito dói tanto que acho que não consigo mais
permanecer aqui e olhá-lo assim. Acho que essa visita já basta,
esse contato é tudo por enquanto. Foi um grande primeiro passo
nesse nosso primeiro reencontro.
Suspiro com calma, solto minhas mãos das dele e me viro para
a enfermeira.
— Agora preciso ir. — Me levanto, e ela faz que sim.
Caminhamos em silêncio até a saída do hospital.
Conforme desço as escadas de acesso ao estacionamento,
sinto o sol quente de meio-dia tocar o meu rosto, mas o que se
destaca é a maneira que me sinto. Pareço estar bem, tranquilo. Diria
que... aliviado, com aquela sensação de dever cumprido.
Ando até o meu carro, o qual destranco e entro, batendo com a
porta. Pego meu celular no bolso e vejo uma mensagem de Laura.
Ursinha: Urull! Dezesseis semanas!!
Ursinha: E como ela ficou?
Respondo.
Bernardo: Ela estava meio que arrependida. A Mia é uma
garota boa, apesar de tudo.
Ursinha: Você está estranho. Além de todo frio, está puxando
saco da Mianhoca.
Bernardo: Eu que estou estranho? Você que estava estranha
de manhã. E o que é Mianhoca?
Ursinha: Apelido carinhoso que coloquei na Mia. hehe
Bernardo: Boba :P
Giro os olhos para o apelido, mas não posso deixar de sorrir.
Saudade dessa garota boba. Agora tudo que mais queria era dar um
abraço nela e agradecer por ter me ajudado a passar por cima
dessa dor que as recordações do meu pai me causavam. Mas não
posso. A droga da distância não permite.
Desisto de trocar mensagens e ligo para ela, que me atende
no mesmo momento.
— Oi, Bê.
— Oi, minha Ursinha gostosa.
— E aí, como você está? — Sua voz parece mais feliz do que
estava pela manhã.
— Acabei de visitar meu pai.
— Como foi? — Ela parece realmente animada.
Suspiro. Como falar sobre isso?
— Difícil, Laura.
— Imagino.
— Ele estava irreconhecível, sabe? E eu chorei, mas acho que
foi um choro de libertação, sabe?
— Entendo o que seja isso. — Sinto que sorri; acabo por sorri
também. — E como ele está? Alguma novidade? — Ela me
desperta dos pensamentos.
— O médico me falou que as chances de ele acordar são
quase nulas, e, se acordar, sofrerá sequelas, como por exemplo,
ficar com atrasos na fala ou paraplégico, essas coisas.
— São quatro meses em coma, Bê, quatro meses com
músculos, cérebro, tudo sem funcionar fisicamente.
— Eu sei...
— E como vai ser?
Como vai ser? Não faço ideia. Se ele sair dessa, a única
pessoa que ele terá serei eu. Claro que pagarei por uma enfermeira
para ajudá-lo nas dificuldades. Também pagarei pelos tratamentos e
os medicamentos que forem passados. Mas e o resto? E aquele
apoio familiar que ele certamente precisará? Como será essa
merda?
— Você sabe, só tem eu para cuidar dele. Ele acordando, eu
vou ter que tomar frente de tudo.
Ouço Laura suspirar, como um pesar.
— Você conversou com ele?
— Sim. Pedi que ele acordasse, falei para ele que ele pode
contar comigo.
— Continue fazendo isso, Bê. Visite-o com frequência, diga
essas coisas, estimule. Por favor.
— Eu vou fazer.
— Okay. Estou feliz que tenha o visitado. Sério, muito feliz. —
Imagino-a sorrindo, e isso me dá saudades de ver seu rosto de
perto.
O amor é uma doença, já que machuca tanto.
— Estou com saudade — ela diz. Sua voz está manhosa, me
deixando mais coração mole ainda.
— Eu também. Pra porra, sabe.
Ela dá uma gargalhada com meu jeito de falar.
— Podemos conversar mais assim todos os dias? — sugiro.
— Fico com o coração aquecido quando isso acontece, Bê,
mas depois, quando você desliga. — Ela soluça, iniciando um choro,
o que parte meu coração. — Eu fico chorando.
— Ah, minha Ursinha.
Ela funga.
— É muito difícil, Bê. Às vezes eu prefiro não falar com você.
Fico melhor assim, o que soa meio estranho de falar porque deveria
ser o contrário, mas essa é a verdade. Está insuportável.
— Bia faz aniversário em dois meses. Você poderia vir.
— Bê, eu não posso.
— Por quê?
Ela fica quieta, até que diz:
— Olha, vou desligar.
— Laura...
— Preciso, Bê. É muito sério, mas prometo que te ligarei à
noite, tá bom?
— Tá bom.
— Eu te amo.
— Eu também te amo.
Jogo meu celular no banco do carona e fico tamborilando
meus dedos no volante do carro. Não pode? Por que ela não pode?
Que história é essa? Tenho certeza que isso tudo é obra da mãe
dela. Deve estar colocando várias minhocas na cabeça frágil de
Laura. Certamente, deve dizer que a traio, já que tenho fama de
comedor, e minha Ursinha, boba, deve cair nessa.
Será que é por isso que ela chorava? Será que acredita que eu
possa estar traindo-a?
Meu telefone toca, me despertando. Atendo-o, sem me dar ao
trabalho de olhar quem é.
— E aí, viado — Vinny fala, como sempre animado, do outro
lado da linha. — Telefone ocupado. Estava conversando com
alguma gostosa?
— Com a minha gostosa.
— Pode crer. É gostosa mesmo, com todo respeito. Olhos
lindos, peitos lindos. Pequenos, mas aparentemente durinhos.
— Vem cá, você me ligou para falar dos peitos da minha
namorada?
— Quem dera se você compartilhasse com os amigos todos os
detalhes do corpo da sua namorada. — Ele ri. — Cai na pilha não.
Sabe que estou te zoando. Ela é maior gata mesmo, mas sou um
mero instrutor de parapente. Guria dessa não olha para mim não,
[5]
tchê . Liguei, na verdade, para avisar que estou chegando. Vou
comemorar o aniversário da Ingrid na Singer. Você vai, né?
— Sei lá. Disse que vou, mas estou desanimado.
— Ah, viado, você vive desanimado agora. Não precisa pegar
ninguém não. Só vamos conversar, olhar as gostosas, deixá-las se
[6]
esfregar em nosso pau enquanto dançamos um arrocha , ham? —
Ele ri outra vez, e eu não posso deixar de rir também, não para o
que sugere, mas por ser tão idiota. Sei que é tudo brincadeira. —
Vamos lá, sério. Vamos conversar, sem garotas enchendo o saco,
só bebendo, curtindo a noite tranquilo. E eu preciso que você vá
porque eu vou encher a cara e você será minha carona, aliás, vou
apagar aí depois.
— Para que você vai dormir lá em casa, maluco?
— Lá em casa? Você não está em casa? Soube que faltou ao
treino. Não vai dizer que está trepando com alguma gostosa?
— Claro que não, viado. Vim visitar meu pai. Depois
conversamos sobre isso. Mas agora fala por que vai apagar lá em
casa. Lá não tem mulher para você não.
— Ah, tem. Carina, meu amigo. Ela me falou que vai almoçar
com sua irmã no domingo e depois vai tomar banho na piscina. Ela
vai estar de biquíni, caralho. Porra, estou excitadão só de imaginar
aquela safada se esfregando em mim na piscina. Ela fez isso na
última vez que estive aí, mas com seu padrasto em casa, fiquei
intimidado, sei lá. Ah, se o Paulo não tivesse agarrado a ela aqui em
Torres na festa de Ano Novo, viado, certamente tinha enfiado meu
pau nela. Porra, ela estava esfregando na minha cara.
— Carina só tem dezessete anos. Vocês têm que parar com
essa porra. Me incomoda. Ela é como se fosse uma prima minha. A
mãe dela é muito amiga da minha mãe, você sabe, a conhece. É
meio estranho ouvir essas merdas de vocês. E, desculpa, mas nem
acho Carina tudo isso.
— Moleque, tu é cego. Como assim Carina não é “ tudo
isso”. — Ele imita meu jeito de falar. — A garota é maior gostosa e,
de brinde, é uma safada. Porra... você está meio doido, só pode.
— Acho que a vi crescer e me acostumei, sei lá, não curto
loiras, você sabe.
— Hum. Beleza. Bom que sobra mais loira gostosa para mim.
Mas então me pega na casa da prima?
— Pego sim.
— Então você vai?
— Vou.
É, eu vou sim Todos os amigos estarão reunidos lá. Até o
Vinny que mora a seis horas daqui, e preciso de uma noite para
esfriar minha cabeça depois de um dia tão agitado como o de hoje,
sem falar que também preciso amenizar o estresse de dois meses
sem sexo.
Capítulo 10

Quero ter um filho.


A ideia não sai da minha cabeça desde que me deparei com
aquelas imagens de famílias felizes nos pôsteres da clínica. Em um
pôster, tinha um pai de mãos dadas com o filho, sorrindo, com um
fundo de uma cachoeira atrás de ambos. Ao lado deste, havia outro
com um pai, uma mãe e um filho, todos sorrindo, uma bola de
futebol entre eles, um gramado verde e o sol brilhando no céu.
Meu futuro: eu, Laura, nosso filho e o futebol.
De certa forma, essa gravidez da Mia trouxe algo de positivo
para minha vida. Agora, mais do que nunca, desejo dar a Laura tudo
o que sempre sonhou: uma família completa, com casa, filhos,
reunião de pais, natação duas vezes na semana, porque meus filhos
têm que saber nadar. Além disso, a menina fará balé. Ou teatro. O
menino fará futebol, como o pai. Vai ser melhor jogador do que eu.
Tenho certeza.
É, acho que quero um filho com ela. Acho que vou providenciar
um assim que nos reencontrarmos. Será uma motivação para ela
ficar, não é? Tenho dinheiro para isso, pois meu salário no Limeira
dá e sobra para mim. Sem falar que tenho uma economia guardada,
posso comprar uma casa e bancar os três no caso (eu, ela e nosso
filho), e aí tudo se resolve e ela ficará comigo no Brasil.
Pensar nisso me traz uma sensação boa, que enche meu
coração.
Encaro meu reflexo no espelho e abro um sorriso. No
momento, estou no meu quarto, terminando de me arrumar para ir à
boate. Abro a porta do guarda-roupas e pego meu perfume, que
passo pelo meu pescoço e o coloco de volta no lugar.
Volto a atenção para meu reflexo e noto como estou gostoso.
O cabelo jogado para o lado, minha barba crescendo um pouco,
uma camisa social preta, dobrada até acima dos cotovelos e com o
colarinho aberto, mostrando minhas saboneteiras, e, para fechar o
look cara gostoso que vai à balada: uma calça jeans um pouco
justa, propositalmente meio desbotada.
— Para onde você pensa que está indo? — Ouço Beatriz
resmungar, bem como a porta do meu quarto emitir uma pancada,
me fazendo concluir que ela resolveu invadir meu quarto sem ser
convidada.
Vejo-a pelo reflexo do espelho. Está parada atrás de mim, com
os braços cruzados sobre o peito, me encarando com o rosto
fechado. Sei por que está aqui, por que age assim, e sinceramente
sinto vontade de rir, mas me controlo.
— O que foi, pentelha? — Viro-me para ela.
— Eu perguntei para onde você pensa que vai.
— Vou à boate com o pessoal do futebol. Aniversário da Ingrid.
— Aquela peituda que eu peguei nua na sua cama?
Foi com a peituda, como Beatriz e Laura chamam Ingrid, que
eu estava quando minha irmã caçula, uma criança curiosa de doze
anos na época, me pegou dormindo pelado em meu quarto. Foi a
primeira vez que transamos.
Com meus dezenove anos recém-completados, naquela noite
eu estava meio duro, no sentido literal e figurado, pois meu salário
no Limeira não era de cinco dígitos como o de agora, e sim de três,
e mal dava para bancar todos os motéis que eu visitava.
— É, essa mesmo. — Dou de ombros e volto com minha
atenção para o espelho, ajeitando o que não há para ajeitar no
colarinho da minha camisa. — Sabia que você poderia ter me
encontrado pelado outra vez? Eu acabei de me vestir.
— Não acredito que você está fazendo isso! — Ela bagunça
meu cabelo por trás, e eu me esquivo de sua atitude impensada, ao
virar de frente para ela e segurar seus braços finos.
Solto-os das minhas mãos e ajeito meu cabelo com as
mesmas.
— Isso o que, Beatriz?
— Isso, de sair, de ir pra boate e um monte de mulher se
esfregar em você, ainda mais aquela peituda oferecida.
— A Ingrid já está em outra. — Franzo o nariz. Não sei se ela
está em outra, mas já tem tanto tempo que Ingrid e eu ficamos pela
última vez que certamente ela deve estar em outra.
— Laura sabe? Ela sabe que você vai sair?
— Não, mas vou avisar.
— Caramba, Bernardo! — Ela suspira, enchendo as
bochechas de ar, e eu receio que ela exploda. Bate o pé no final,
agora com o rosto vermelho de irritação. — Você está namorando!
Não deveria sair!
— Por que você não vai tomar conta da sua vida, pirralha? —
Volto minha atenção para o espelho e ajeito algumas mechas do
meu cabelo que ficaram desgrenhadas, batendo nos meus olhos. —
Vai lá ligar para o teu namorado. É noite de sábado, cadê ele? Não
deveria estar com você?
— Ele foi para Porto Alegre, para casa da avó. — Sua voz soa
triste, e eu quase me sinto comovido por isso. No entanto, o
sentimento de comicidade é que se destaca.
Porto Alegre é a quase seis horas de São Gabriel, e o bonito
do meu cunhado está lá, sem a pirralha à tiracolo. Deve estar
sorrindo de orelha a orelha, por enfim conseguir um final de semana
para descansar desse grude.
Ah, que merda! Eles vivem grudados, porque já transam. Não
gosto da ideia de Beatriz transando. Deixa-me realmente furioso e
desconfortável.
Por outro lado, o que me deixa tranquilo é que minha irmã não
fica por aí transando com um e outro, como estou acostumado a ver
essas garotas fazerem. Ela só transa com aquele banana do
namorado. Já falei que acho Caio um banana? Ele é muito lerdo,
tem uma cara tão distraída que parece estar chapado 24h por dia.
Quero rir.
Banana.
Encaro a irmã mais bicuda que existe no universo e, por um
breve momento, sinto certa preocupação com o primeiro sábado à
noite sem o namorado, depois de anos de vida namorando só com
ele.
Eles são “namoradinhos” desde a infância e nunca ocorreu de
se separarem. E se me preocupo é porque, quando os caras
começam a se esquivar da guria aos fins de semana, é sinal de que
eles querem livrar-se dela. Se aquele babaca tiver pensando em
fazer isso com a Beatriz, juro que corto as bolas dele e frito como
ovo.
Beatriz não pode ficar solteira. Os caras vão cair como urubus
sobre carne morta fresca. Minha irmã está crescendo e ficando cada
vez mais gost... não, essa palavra não. Ela está ficando gatinha. É,
isso: gatinha.
— Por isso você está nervosinha assim? — pergunto, tentando
me mostrar indiferente.
Ela suspira e se joga na cama, bufando, da maneira dramática
de sempre.
— Mais ou menos. Tenho medo do Caio ter uma amante. Você
sabe de alguma coisa?
— Se eu sei?
Claro que Caio não pega ninguém. Já mencionei que ele é um
banana? Mas se me faço de sonso é porque é bom deixar uma
pirralha meio preocupada às vezes.
— Sim, seu cínico!
— Claro que aquele leso não pega ninguém. Não viaja. — Vou
até ela e lhe puxo pelo braço, arrastando-a em direção à porta. —
Agora sai do meu quarto que eu preciso de privacidade.
Ela se desvencilha de mim, se põe de pé cruzando os braços
sobre o peito e me analisa da cabeça aos pés.
— Você está muito bonito hoje — diz. — Vou falar para a
Laura.
— Pode falar. — Dou de ombros.
— Bernardo, pensa bem no você vai fazer. Se trair a Laura,
não sabe o que eu te faço.
— Pirralha, sai do meu quarto. — Puxo-a pelo braço outra vez
e a coloco para fora, batendo com a porta no final.
Até parece que tenho alguma intenção de trair Laura. Só quero
me divertir, mas não tenho que dar explicações para uma pirralha,
mas para minha Ursinha sim.
Com um sorriso se abrindo em meu rosto, ando até a cama,
onde me jogo de barriga para cima, pego meu celular na mesa de
cabeceira ao lado e bato uma foto do meu rosto. Envio para Laura e
em seguida digito uma mensagem para ela.

Bernardo: Hoje é dia do Ursão ir pra balada. 😉


Ursinha: Olha lá, hein, o que você vai aprontar.
Respondendo-me rápido? Que surpresa!
Bernardo: Comemorar o aniversário da Ingrid.
Ursinha: A peituda?
Bernardo: Hahahaha
Bernardo: Essa mesmo! Vai ficar chateada?
Ursinha: Confesso que estou com um pouquinho de raiva, mas
acho que precisamos de confiança mais do que tudo com essa
distância, não é? E você não tem que deixar de sair, de fazer as
coisas que gosta, por causa de mim.
Bernardo: Isso é verdade. Você também não deve mudar sua
rotina e seus planos por causa de mim.
O que eu disse? Não, não. Tudo bem que ela não precisa
mudar a rotina, mas os planos ela tem que mudar. Nada de
mestrado em Cambridge, pelo amor de Deus.
Bernardo: Quero ter um filho, tipo para ontem.
Ursinha: O quê?
Bernardo: Depois dessa gravidez da Mia, fiquei com muita
vontade de ser pai.
Ursinha: Olha, nem sei o que te dizer, mas acho que não
estamos sonhando o mesmo sonho.
Bernardo: Por quê? Não quer ser mãe?
Ursinha: Claro que quero, Bê, mas não agora. Só depois do
mestrado, quando estiver estabilizada, com um bom emprego.
Rio. Laura não precisará trabalhar quando morarmos juntos.
De acordo com o andamento das coisas, dentro de um ano, posso
poupar não só ela de trabalhar, mas minha mãe também.
Deixo a modéstia de lado e admito que posso estar em um
clube grande no futuro, que pague melhor, um salário de seis
dígitos, como o Botafogo carioca ou o Flamengo. Quem sabe o
Grêmio ou Internacional de Porto Alegre. Prefiro estar em um clube
estadual, para continuar juntinho à minha família.
Bernardo: Namorando um jogador de futebol, não precisará de
um emprego, Ursinha. Agora mesmo, posso botar um filho em você
e morarmos juntos. Tenho dinheiro para comprar uma casa, e posso
bancar nós três.
Ursinha: Você não pode estar falando sério.
O quê? Por que não? Resolveria tudo.
Ursinha: Olha, estou indo jantar fora com minha mãe. Vou ficar
off por um tempo também. Te amo muito!
Bernardo: Também te amo, minha gostosa.
Ursinha: ♥
Sentindo-me ficar desanimado, rolo as conversas no aplicativo
de mensagens, até parar em uma do Vinny.
Vinny: Me pega na casa do pai da Ingrid?
Bernardo: Beleza.
Inspiro e expiro. Levanto-me da cama, arrumando a gola da
minha camisa, conforme saio do quarto.
Depois que desço a escada e passo pela sala, onde todos da
minha família estão reunidos nos dois sofás, com exceção de
Nicolas, que se mudou para Santa Maria e só retorna amanhã, vejo
que todos os olhos pairam sobre mim, especialmente os do Daniel.
Mas ninguém fala nada.
— O que foi? — pergunto, parando entre os sofás, em que um
está ocupado apenas por minha mãe, à minha esquerda e à minha
direita por Daniel e Beatriz. — Viram um fantasma?
— É, vi — mamãe responde. Seu semblante acusa irritação. E
sinceramente não sei o porquê de tudo isso. — Um fantasma muito
bonito indo para a balada.
— Deveríamos trancar a porta do quarto para ele não sair,
mamãe — Beatriz resmunga, me olhando por cima de um livro de
princesas idiotas que lê. Ela vive repetindo essa leitura. Já até sei o
nome: “O diário da princesa”.
— Você não deveria estar em seu quarto lendo? — questiono.
— Como se concentra na sala? Ou será que está fingindo que lê?
— Acertou, irmãozinho. — Ela fecha o livro, emitindo um
barulho, e o deixa sobre o colo de um Daniel indiferente ao seu lado.
— Estava aqui esperando você descer as escadas e confirmar que
está saindo.
— Pelo amor de Deus, Beatriz! Deixa seu irmão em paz —
mamãe me defende. — Ele não é criança.
— Está vendo? Você sempre o defende. Quero ver se fosse
eu.
Minha mãe suspira com calma. Beatriz sempre teve prioridade
e foi a mais mimada dos três. Agora que consigo um pouco de...
hum... credibilidade? Ela age dessa maneira, resmungona e
insatisfeita. Tudo bem questionar sobre minha saída, agora reclamar
que sou protegido por minha mãe é um tanto injusto. Minha mãe me
compreender, me defender e me apoiar tem acontecido agora
depois de Laura, e dona Anne sabe que me deve essa credibilidade.
— E você, papai. — Ela gira o tronco para meu padrasto. —
Não vai dizer nada?
Daniel dá de ombros.
— Se divirta, Bernardo — ele diz, fazendo com que minha irmã
abra a boca em formato de um “o”.
— Pai! — ela resmunga, se levantando do sofá e ficando de pé
de frente a ele. — O que deu em você?
Rio, fazendo que não, e encaro meu relógio de pulso.
— Está na minha hora — aviso, virando as costas. — Vejo
vocês amanhã.
— Já é amanhã, irmãozinho. Meia noite!
Domingo, 01 de março de 2015

Pra que juízo?


Se eu já perdi o meu?
Eu tô querendo, esperando
Que você também perca o seu
PRA QUE JUIZO? – HENRIQUE E JULIANO
Capítulo 11

No caminho para a boate, no meu carro, Vinny, que está


sentado ao meu lado no banco carona, vez ou outra tamborila os
dedos sobre sua calça jeans, me distraindo. Ingrid, que está sentada
entre os bancos na parte de trás e tem os braços apoiados entre os
dois brancos da frente, vez ou outra me abraça pelo pescoço e me
dá um beijo na bochecha, me irritando.
— Você não me deu feliz aniversário hoje, amigo — ela
questiona, fazendo um biquinho, deixando seus lábios a la Angelina
[7]
Jolie ainda mais grossos.
Vejo pelo retrovisor do carro. Seu rosto está colado ao meu,
enquanto seus braços ainda estão ao redor do meu pescoço.
Ingrid quase toda parece uma estrela de cinema, de tão bonita
que é. Olhos pretos, pequenos e sexys, pele morena sempre com
marca de biquíni, peitos duros e grandes, pernas grossas. Seu
corpo nu é uma tentação. Desta forma, ela parece, na verdade,
aquelas garotas gostosas que saem nas capas de revistas
masculinas.
Em sua personalidade, ela não é como as garotas que estou
acostumado a pegar. Quer dizer, estava. Não fica com qualquer um,
não é de transa fácil. Não ficou com nenhum dos caras do futebol,
com exceção do primo, Vinícius, que afirma tê-la levado para a
cama com o intuito de tirar a virgindade dos dois, o que ela jura que
é mentira.
Foi difícil convencê-la a me dar uma chance. Juro que implorei
por meses para conseguir um beijo seu. Depois do beijo, após
nights e nights trocando mais algumas babas e algumas carícias
mais intensas, foi então que consumamos nossa trepada em minha
casa, há três anos.
Por um tempo, fiquei com ela e com Mia ao mesmo tempo,
mas dando prioridade à última, além de outras também. Mas Ingrid,
diferente das outras, não queria namorar comigo, de jeito nenhum.
Foge de relacionamentos como o diabo foge da cruz, o que era um
prazer a mais para nossa relação aberta e sem cobranças.
— Feliz aniversário, morena — resolvo dizer, tirando seus
braços ao redor do meu pescoço.
— Obrigada, gatinho.
Pelo retrovisor, vejo-a desencostar dos bancos da frente, para
aconchegar as costas no banco de trás, e piscar para mim, batendo
com seus cílios enormes. Toda bonita de gostosa, um mulherão.
Entendo por que dos ciúmes de Mia no passado e agora os de
Laura.
Sorrio ao me lembrar do pai ciumento dela, como a maioria
dos pais são.
Sempre que eu ia à casa dela buscá-la para sair, ele me
olhava de lado e me enchia de perguntas. Na época, eu ficava com
ela e o velho sabia disso. O mesmo ocorre com Vinícius quando
visita o tio.
Como ele mora em Torres, quando sai, sempre se arruma na
casa dela. Segundo meu amigo, o tio desconfia que os dois já
tenham ficado e, com isso, fica pegando no pé dele; não pode vê-lo
junto à prima em uma conversa inocente que coça a garganta,
interrompendo-os, mas Vinny jura que, após a primeira vez, nunca
mais ficaram. Por isso, se recusa a dormir lá e sempre dorme em
minha casa.
Olho para ele de lado, que está distraído olhando a noite
gaúcha pela janela do carona.
Meu amigo é moreno como a prima, deve ser um palmo mais
alto que eu, tem covinhas, dentes extremamente brancos e os
cabelos pretos encaracolados. Diz ele que é sua marca registrada,
que as meninas se amarram em enroscar os dedos neles enquanto
transam. ´
— E aí, como que foi se trocar na casa do pai ciumento da
morena? — pergunto a ele.
— Pô, chatão. — Ele traz os olhos cor de mel para mim. — O
tio ficou enchendo meu ouvido de perguntas. Acha que eu sou de
pegar prima. Fala sério!
— Cuspindo no prato que comeu. — Rio.
— Sabe que isso não é verdade, né, Bernardo? — Ingrid se
coloca entre os dois bancos outra vez.
— Sei de nada. Vocês que são primos que se entendam.
— Ah, Bernardo. Nem te falei — ela, como sempre,
propositalmente troca de assunto, fazendo Vinícius e eu trocarmos
um olhar de código. Ela sempre faz isso quando tocamos no
assunto. — Hoje tem show do Henrique e Juliano lá na boate.
Sinto abrir um sorriso em meus lábios. Esta é minha dupla
sertaneja favorita, e tem algum tempo que não vou a um show dos
caras.
— Relembrar os velhos tempos. — Ela pisca, voltando a
encostar as costas no seu devido banco.
Sei o que quer dizer com isso. Relembrar os velhos tempos
quando nos beijávamos nas festas ouvindo a dupla sertaneja.
A primeira vez que ficamos foi no primeiro show que a dupla
fez na cidade, e foi na mesma boate que estamos indo. Na hora,
tocava uma música desconhecida, que não chegou a fazer sucesso.
Já da última vez que ficamos, no início do ano passado, era Pra que
juízo.
E é claro que iremos relembrar ouvindo as músicas e
dançando, mas não ficando.
— Vou dormir lá na tua casa mesmo — Vinny comenta, me
lançando uma cara de tédio. — O tio está chato demais. Bem capaz
[8]
que durmo lá!
Assinto, concentrado no trânsito à minha frente, de modo que
faço a última curva para entrar na rua da boate, para estacionar.
— Acho que vou apagar lá na tua casa também — a morena
diz, mordendo os lábios carnudos dela, ação que vejo prelo
retrovisor. — Relembrar os velhos tempos. — Ela cruza as pernas
grossas e bronzeadas.
— Estou namorando, Ingrid.
Ela abre a boca em um “o”, apertando os olhos um pouco,
como se pensasse. Então, Vinny começa a rir, só não sei se é pelo
fora que nitidamente dei na prima ou se ri de mim, por duvidar da
minha honestidade. Acho que é de mim.
— Vamos ver até quando! — Ele abre um sorriso branco, que
tende a encantar as garotas de Torres a São Gabriel.
— A menina dos olhos cinzas? — Ingrid quer saber. — A tua
irmã?
— Ela não é minha irmã.
— Ah, sei lá. Tá certo. Isso aí. Seja fiel — Ela suspira,
mexendo nas pontas dos cabelos, conforme parece pensar em algo,
e não larga seu sorriso maldoso do rosto. — Até onde a bebida
permitir.
— Quando eu estou sério com alguém eu sou fiel, gatinha. —
Pisco para ela pelo retrovisor enquanto paro o carro na primeira
vaga.
— Vamos ver. — Ela me encara com firmeza através do
espelho retrovisor, abre a porta ao seu lado, põe as pernas morenas
para fora e sai do carro, enquanto Vinny põe-se a gargalhar, o que
me irrita um pouco.
— Desculpa, cara — ele pede, virando as costas para sair do
carro.
Acompanho-o, batendo com a porta, e aperto o alarme para
certificar de que ele está trancado, de modo que vejo a morena
andar em direção à fila grande da bilheteria.
— É que ela está jogando na sua cara — se explica. — e, pela
primeira vez em três anos, você ignora os flertes dela. Normalmente
não era ao contrário? — Ele enruga a testa.
Dou de ombros.
— Sei que a garota dos olhos cinza é gostosona. — Ele dá a
volta no carro, me abraça de lado e me arrasta em direção à prima.
— Vi com meus próprios olhos.
É, ele viu. Foi Vinny quem instruiu Laura e eu em nosso voo de
parapente que fizemos na viagem a Torres, no início do ano, e
também foi o próprio que deu em cima dela, descaradamente na
minha frente, e, no dia seguinte, mandou uma mensagem para o
grupo do futebol dando detalhes do corpo e da delicadeza de Laura.
Se não fosse ele, ninguém saberia que namoro uma gostosa.
Mas só eu posso chamá-la de gostosa, e não esses caras sujos.
— Cala sua boca. — Tiro seus braços de mim. — Não fala
assim da minha garota.
— Me deixa terminar, caralho.
— Fala. — Cruzo os braços sobre o peito, ficando de frente
para ele.
— Compreendo que ela seja gata, gostosa.
Aperto os olhos, e ele se corrige:
— Bonita, atraente. Gosta assim?
Assinto.
— Entendo que esteja apaixonado. Fico felizão, porra. Sou seu
amigo. Sua alma gêmea, viado. É o único que mando coraçãozinho
na mensagem.
— Você é muito viado. — É tudo que consigo dizer, deixando
uma risada vir.
— Calma. Fico feliz com sua evolução. Sabe que minha
vontade é de ter uma garota bacana como a sua, mas estou
preocupado. Com quem vou sair quando você parar com essa vida?
Quem vai me acompanhar para caçar? Como vou falar para você
sobre gostosas se você vai estar amarrado a alguém?
— Namoro não é prisão, Vinny.
— Espero. — Ele bate em meu ombro, me encarando com
firmeza nos olhos. — Quero continuar teu amigo. Vamos casar
nessa porra, ter filhos, a merda toda, mas continuaremos sendo
amigos. Coraçãozinho nas mensagens e pá. Nada disso vai mudar.
— Você é um idiota. — Empurro pelo peito, rindo, abraço-o de
lado e o puxo em direção à fila. — Nada disso vai mudar. Prometo.
Não demoramos muito para entrar na boate, já que a fila anda
mais rápido do que o esperado.
Assim que entramos, com certa dificuldade, passeamos pela
multidão de corpos agitados que, de frente para o palco, dançam
animados enquanto o DJ toca e mixa A gente nem ficou do Jorge &
Matheus; garotas balançam seus quadris cobertos por vestidos
bonitos, marcando bem suas curvas, enquanto rapazes as rodeiam,
luzes caleidoscópicas coloridas animam o ambiente, além da
bebida, que é servida por um bartender simpático e animado no bar.
O lugar conta com uma área vip, que fica rodeando o salão no
andar de cima. Lá, há mesas, cadeiras e menos corpos agitados. É
para onde subimos através de uma escada lateral.
Quando alcançamos a mesa com nossos amigos, Vinny e eu
cumprimentamos Henrique, que é nosso amigo do futebol e o
mesmo Henrique que estudou comigo na época da escola e que me
mostrou “piranhas” na internet. Ele é branco, barba no rosto, pernas
curtas, mais baixo entre todos os jogadores, e sempre o zoamos por
isso.
Cumprimentamos também um amigo dele que não faço ideia
de quem seja, mas que está ao seu lado. Enquanto isso, Ingrid
abraça três amigas gostosas, uma ruiva, uma mulata e outra loira.
— Realmente, meu amigo, Ingrid está esfregando na sua cara
— Vinny comenta em meu ouvido, olhando fixo para a prima, que no
momento me seca ao mesmo tempo em que canta e dança
Enquanto houver razões abraçada com a amiga loira.
— Estou namorando, cara. Não vou trair minha Ursinha. —
Quando dou por mim, percebo que disse “minha Ursinha” sem me
dar conta.
Serei zoado.
— Ursinha? — Meu amigo afasta a boca do meu ouvido para
me olhar nos olhos. Seus dentes brancos estão totalmente expostos
e sei que ele se segura para não gargalhar.
— Para, porra! — Empurro-o pelo ombro, e ele se recupera da
risada, levando a mão à barriga. A mão desocupada, ele mostra a
palma para mim, como se estivesse se rendendo.
Henrique se encosta ao meu lado e me oferece um copo de
bebida, que sei que é uísque. Dou um gole, e nesse momento Ingrid
surge por trás de mim, roçando os peitos duros em minhas costas e
deixando um beijo em meu pescoço. Devo admitir que os pelos dos
meus braços se arrepiam, mas não há qualquer sinal dentro das
minhas calças.
Ela me puxa pela mão e me arrasta para entre suas amigas,
onde coloca as mãos sobre meus ombros e começa a levar o corpo
para a direita e para a esquerda. Não me esquivo. Assim, nós
dançamos meio distantes até o final da música.
A música seguinte é um arrocha de Bruno e Barreto, Farra,
pinga e foguete, então exige uma certa aproximação e mais rapidez
nos passos. Conduzido pelo som, laço a morena pela cintura com
uma mão e, com a outra, seguro sua mão à minha. Ela leva sua
outra mão a meu pescoço, passeando com ela por ali, me
provocando arrepios.
Conforme conduzo-a de um lado para o outro e a rodopio no
espaço, é nítico o indício de interesse da parte dela. Cansamos de
dançar juntos, nas muitas vezes que a encontrei em baladas, depois
que me tornei “namorado” de Mia (Ingrid tem um gingado melhor
para dançar sertanejo do que a minha ex, que é mais parada e curte
mais funk), então dançarmos não significa que vamos transar. Ela
sabe disso.
Ela coloca uma perna entre minha virilha e suspira
profundamente próximo ao meu pescoço, aproximando em excesso
seu corpo do meu, que devo te dizer que está coberto por um
vestido branco muito colado, curto e com um decote gigante em V,
que permite que seus seios me digam oi. Depois, laça suas mãos
em meu pescoço e ameaça aproximar a boca da minha, mas me
afasto e tiro suas mãos de mim.
— Presente de aniversário. — Ela faz biquinho.
— Ingrid.
— Poxa, a americana nem vai saber. Ela está do outro lado do
continente.
Faço que não.
— Recusando a morena agora, Bernardo? É isso mesmo?
— É isso, Ingrid.
Ela faz que não, se dando por vencida, e se afasta, indo ao
encontro das amigas, que a recebem com abraços calorosos.
Pulam, comemoram. Agora, elas se concentram apenas no palco.
Demoro para entender o motivo: Henrique e Juliano estão prestes a
entrar, pois as luzes foram apagadas.
— Boa noite, gauchada! — Juliano vibra no microfone, e a
boate se transforma em aplausos e gritos. — Tudo bem com vocês?
— Vamos animar, Rio Grande do Sul!!! — Henrique, o cantor e
não meu amigo, fala no microfone, fazendo a mulherada gritar
coisas como "sim!!!", "gostoso!!!". — É um baita prazer estar aqui
mais uma vez!!!
As luzes acendem e a dupla aparece no palco. A mulherada
grita mais ainda, principalmente quando os caras interagem com
elas. Não presto muita atenção no que dizem, pois só fico pensando
se Laura gostaria de estar aqui ou se ela sabe dançar um arrocha,
que provavelmente não deve tocar em Nova Iorque ou em
Cambridge.
E minha Ursinha, apesar de inexperiente e desinteressada no
assunto, tem um gingado muito bom para dança, pois quando ela
esteve aqui na boate com o Marco, vi como os caras olhavam para
ela.
A ideia de Laura dançando comigo um arrocha vem à minha
mente, me fazendo abrir um sorriso grande. Pego meu celular e
mando uma mensagem para ela:
Bernardo: Adoraria que estivesse aqui dançando um arrocha
comigo. Pena que tenho que fazer isso com outras.
Como era de se esperar, ela não me responde.
Levanto meu rosto e me dou conta de que a dupla sertaneja já
começou a introdução da música Batimentos, minha preferida, e o
pessoal começa a cantar junto. Sigo o ritmo. Henrique me dá uma
bebida que ele traz na mão, na qual dou um gole, e, juntos,
começamos a cantar:
— Tem duas horas que eu tô me arrumando pra você,
escolhendo a roupa pra te agradar, elaborando tudo o que vou dizer.
Eu não quero correr riscos de errar...
Olho para a frente e vejo que Vinny beija a loira amiga da
prima. Henrique não fica com ninguém. Ele tem namorada, que
quase nunca o acompanha nas festas que vai, pois mora em outra
cidade. Ele não a trai, apesar da garota duvidar. Antes, eu o zoava
muito por isso, chamava-o de borracha fraca, capacho, daí para
baixo. Não o entendia, mas agora parece que o entendo.
Pedro se une ao grupo, agarrado a uma ruiva, e nos
cumprimenta.
— Fala aí, papai! — Ele bate em meus ombros. — Mia não
veio?
Dou de ombros, e a música cessa. A seguinte que a dupla
canta é Pra que juízo, a qual emite a entrada instrumental.
— Tomar juízo pra quê? — canto. — Se eu quero é você. Pra
que juízo? E não se pode negar, e nem tem como esconder que eu
tô louco, muito louco por um beijo seu.
Ingrid vem até mim e me abraça de frente, levando a boca até
meu ouvido, onde murmura:
— Pra que juízo, Bernardo? — Depois ela ri sozinha. Já está
muito chapada. — Se eu já perdi o meu?
Faço que não para ela, como se estivesse desaprovando-a, e
me afasto, voltando a ficar próximo aos meus amigos. Ela vai de
encontro com as amigas de novo. Vez ou outra ela me encara, cheia
de malícias. Outra garota bonita também me encara, na tentativa de
me fazer ir até ela, mas eu ignoro. Só fico rindo com as
malandragens do Vinny, que beija uma garota, descobre que ela
não dá de primeira e procura outra, até ter a garota da noite dele.
— Vou ali. Daqui a pouco eu volto — ele me avisa, agarrado a
uma morena que aparenta estar muito chapada. — Lembrando que
vou embora contigo. Não saia daqui.
Vejo os dois cambalearem em direção ao banheiro masculino e
sorrio. Sei bem o que eles farão lá. Vinny sempre foi pior que eu:
além de ter sexo como vício e comer um monte de gostosa, ainda
tem mania de transar em lugares inusitados, desde banheiro de
boates a ponto de ônibus. Pelo menos eu nunca transei em
banheiro ou em lugares públicos. Prefiro minha casa ou uma cama
de motel.
— Vinny é foda! — Henrique comenta, rindo sem parar, a
ponto de balançar seus ombros. — E você, está paradão por que,
cara? Ingrid não para de te secar.
— Estou namorando.
— Rarará! Para de graça, Bernardo.
— Dessa vez é sério. Estou apaixonado, amando mesmo,
sabe qual é?
— Se você está dizendo. — Ele dá de ombros.
Vinny retorna do banheiro com a morena chapada pendurada
em seus ombros e com um rosto decepcionado. Ao parar ao nosso
lado, ele faz um sinal com o polegar para baixo, como se não
tivesse rolado.
— Ela está muito chapada — comenta no meu ouvido. —
Como vou transar com a garota nessa situação? Pior que nem sei
onde deixá-la. Certamente um babaca vai querer tirar proveito dela.
Sorrio, orgulhoso da atitude gentil do meu amigo. Apesar de
ser um maníaco do sexo, não vê prazer em transar com gostosas
desacordadas. É um cara admirável. Por isso o amo tanto.
— Deixa ela aqui conosco — grito para ele, que assente.
— Nem sei se ela está acompanhada.
Cuida bem dela ecoa pela boate, fazendo o público
enlouquecer e Vinny abrir um sorriso animado em minha direção. A
música é o sucesso do momento, foi uma grande ajuda para os
caras conseguirem garotas no Carnaval.
Ele me puxa para um abraço de lado para cantar a música,
mas sem soltar a morena chapada do outro. Pedro, a ruiva e
Henrique se unem a nós e, assim, começamos a cantar a plenos
pulmões a canção.
O show segue e vez ou outra, quando a música é agitada,
puxo a ruiva do Pedro ou a morena do Vinny para uma dança.
Enquanto o faço, na minha cabeça só passa a imagem da minha
Laurinha soltinha comigo e no final da noite eu levando ela para
casa e você sabe o final.
Sonha, Bernardo. Sonha!
Capítulo 12

Acordo com meu celular tocando. Procuro por ele por debaixo
do travesseiro, até encontrá-lo e levá-lo de encontro ao meu rosto.
É Marco.
Minha cabeça lateja um pouco, meus olhos pesam, mas não
deixarei de atendê-lo. Há tanto tempo não nos falamos, desde a
confusão com Mia, que ele decidiu duvidar da minha palavra. E,
para estar me ligando, deve ser importante, provavelmente um
pedido de conversa de retaliação.
— Alô.
— Oi — ele responde. — Tudo bem?
— Tudo sim, cara. E você?
— Putz! É meio dia, mas, pela sua voz, parece que te acordei.
Estou certo?
— É, sim, mas sem problemas. Sabe que é uma honra ouvir
sua voz depois de tanto tempo. — Me sento na cama, dando de
cara com um Vinícius derrotado no chão. Claro que não coloquei um
viado para dormir ao meu lado.
Marco ri.
— Estava querendo falar contigo. Posso passar aí?
— Claro. Nem precisa pedir.
— Te vejo em dez minutos. — Ele encerra a ligação, e eu abro
as mensagens para ler sobre a boate de ontem.
Ingrid: Me desculpa por eu ter insistido muito ontem. Estou
morrendo de vergonha. :(
Bernardo: Está tudo bem. :)
O celular apita. É ela me respondendo no mesmo instante.
Ingrid: Fico feliz por sua evolução, amigo. Felicidades com a
americana! 😉
Bernardo: Valeu, morena.
Rolo as mensagens do aplicativo, até abrir a janela de
conversa com minha Ursinha. Ela me mandou uma mensagem às
dez da manhã no Brasil, que eu calculo que lá em Nova Iorque eram
oito.
Ursinha: Bê, eu fui pesquisar no YouTube o que era arrocha e
estou puta! Como você pode dançar essa porcaria com outra
mulher? Que raiva!
Bernardo: Quero dançar um arrocha contigo. Não vejo a hora.
Mordo meu lábio inferior ao pensar e envio a mensagem. Ela
não me responde instantaneamente, então jogo meu celular para o
lado e me levanto da cama. Tomo um banho rápido e desço para a
cozinha, onde minha mãe está, séria, sentada à mesa me
acompanhando com o olhar.
— O que foi? Não fiquei com ninguém, tá legal? — Já deixo
claro antes que o sermão comece.
Ela abre um sorriso, e eu me sinto confuso.
— Não ia perguntar sobre a night de ontem — ela diz. — Só te
comunicar que farei um almoço.
— Almoço? Almoço tem todo dia, oras.
— Não, engraçadinho. Vou receber a Luciana e a Carina.
Luciana, tia Lucy, é a melhor amiga da minha mãe desde a
infância, minha madrinha de batismo e mãe do Caio e da Carina.
— Por que só a tia Lucy e a Carina? — Enrugo o cenho,
achando aquela conversa estranha. — Por que o tio George e o
Caio não vêm?
— Ela e o George estão se separando.
O quê? Como assim?
Eles eram uma família tão feliz, nunca pareceram ter
problemas, exceto o comportamento da Carina com relação a festas
e garotos, o que sempre chateou tio George. Mas, fora isso, estava
tudo muito bem, pelo menos até o Ano Novo era o que parecia.
Como assim agora eles estão se separando?
— Uma pena. — Ela suspira. — Alguns casamentos não
duram para sempre.
— O que aconteceu para eles tomarem essa decisão?
— Seu tio estava traindo sua tia.
— Eu não acredito nisso.
Realmente não há como acreditar. Ele parecia um homem tão
honesto e fiel. Como pode agora resolver trair o grande amor da sua
vida? Como posso colocar minha fidelidade em prática se o homem
que tinha como meu maior exemplo no que se refere à traição, trai?
— Pois acredite. Acontecia há anos. Foi a Carina que contou.
— Está falando sério?
Ela assente.
— Sua tia está muito mal. Ela vai ficar aqui por um tempo. Sua
irmã está arrasada também porque, diferente da Carina, que vai
ficar com a mãe em São Gabriel, Caio quer morar com o pai em
Porto Alegre, a quase quatro horas daqui.
— Ah, entendi então por que do mau humor da Bia ontem —
relembro. — O Caio vai morar em outra cidade.
— Ou em outro país.
Enrugo o cenho.
— Como assim?
— Seu tio está decidido a se mudar para Nova Iorque, e o Caio
está decidido a ir junto.
— E a Beatriz?
— Disso ela ainda não sabe.
— Meu Deus! Ela vai surtar! — Passo a mão pelo rosto,
bufando. — Tem noção, mãe?
Ela faz que sim e fica em silêncio, me encarando como se
estivesse me analisando.
— E você, por que acordou assim hoje? — ela quer saber. —
Está com uma cara péssima. Dormiu de calça comprida?
— Engraçadinha. — Faço uma careta para ela. — Só acho que
bebi demais. Deveria ter me controlado porque vim dirigindo, mas
deu tudo certo.
— Hum. E a Laura?
— Não sei se ela bebeu.
Ela me encara como se eu fosse um maluco.
— Você entendeu, meu filho.
— Ah, mãe. Vai ficar pegando no meu pé só por que eu saí
ontem?
— Eu? Claro que não! Pelo contrário, acho que você fez o
certo. Tanto você quanto ela não deve deixar de fazer as coisas que
gostam de fazer só porque estão namorando. Em primeiro lugar,
vocês precisam ser sinceros um com o outro e não fazer nada
escondido. Se você gosta de sair, saia, mas respeite sua namorada
e deixe-a ciente das coisas que você fez. Sinceridade é fundamental
em um relacionamento, qualquer relacionamento. Em segundo
lugar, vocês precisam confiar um no outro. Isso é mais importante
que tudo. Se não houver confiança, não dará certo.
Acabo por soltar um sorriso aberto, feliz. Achei engraçado a
primeira tentativa de aproximação da minha mãe há uma semana, e
agora, veja só: ela está me dando um conselho como se fossemos
bons amigos. Gosto disso. Seria uma coisa maravilhosa tê-la como
amiga nesse momento de transformação que venho enfrentando, já
que as garotas que um dia eu achei que eram minhas amigas, só
querem meu corpo gostosinho na cama.
— E por onde você esteve ontem de manhã? — Ela tem uma
espécie de ansiedade emitida em seu sorriso e no olhar. — Não te vi
o dia inteiro, exceto quando estava saindo para a boate.
— Fui acompanhar a Mia na consulta.
— Disso eu já sei, Bernardo. — Ela sorri. — Aliás, como foi? O
Escobar ligou e falou que a Mia disse que não sabe quem é o pai.
Eu quero te desculpar por duvidar do que me disse... mais uma vez.
Não quero mais duvidar das coisas que me diz, meu filho.
— Tudo bem, mamãe. Acho que, na verdade, agora sim estou
me tornando homem, e, sendo assim, mereço suas considerações.
— Rio de lado, e ela faz que não, discordando.
— Você é tão humilde. — Ela sorri simplesmente, e fica me
admirando com amor no olhar. Até que dá um suspiro cansado e
abre a boca para dizer: — Sinceramente, fico aliviada. Também não
queria um filho da Mia com você. Prefiro que seja com a Laura. Mas
me preocupo com essa menina.
Abaixo o olhar e suspiro com força, me sentindo preocupado
com a situação da minha ex.
— Deve estar sendo uma barra para ela — reflito.
— Apesar de que o Escobar me disse que ela está bem.
Levanto o rosto e vejo um sorriso aberto em seus lábios.
— Ele que ficou meio nervoso, você sabe. Não é uma coisa
boa para um pai ficar sabendo que a filha não sabe de quem
engravidou. Se eu, que sou muito mais tranquila que o Daniel, ao
imaginar Beatriz nessa situação sinto que sou capaz de surtar,
imagina o Escobar, que é o pai mais cabeça dura que já conheci.
Ganha até do Daniel.
Pais... e o meu, como seria se não fosse um bêbedo e agora
quase um vegetal? Como seria esse pai que nunca tive?
— Eu visitei o Vitor ontem — confesso, olhando-a firme nos
olhos.
— O Vitor? Seu pai, né?
Reviro meus olhos, e ela continua a falar:
— Eu já sabia que você foi lá. Só estava esperando você me
contar. Fico feliz que tenha feito isso. — Ela sorri docemente. — E
como ele está?
— Do mesmo jeito de antes. O médico responsável pelo caso
falou que não tem esperança de ele acordar, falou para sermos
realistas e já me fez pensar em doação de órgãos, caso ele venha a
ter morte cerebral. Disse que o fígado não serve para doação, mas
os rins estão perfeitos. Tem outras coisas. Hoje a medicina avançou
e se faz transplante de pele, não é?
Ela assente.
— Eu sou o único parente que o Vitor tem — continuo. —,
então eu serei o responsável por isso. Por decidir se eu quero uma
parte dele em outra pessoa. O que você acha, mãe? Acha que ele
acorda? Acha que devo ter esperança? E se ele morrer, acha que
devo pensar em doação?
Fico esperando minha mãe me dizer algo, mas ela fica em
silêncio. Apenas segura minhas mãos por cima da mesa.
— Em primeiro lugar — ela começa. — Estou feliz por ouvir
essas coisas de você. É nítido que se preocupa com ele e que o
perdoa por todo o mal que ele te causou. Sei que seu pai não
merece, mas você merece seguir em frente, em paz. E perdoar é
importante, meu filho. Honra teu pai e tua mãe, para que se
prolonguem os teus dias na terra, lembra?
Assinto, me recordando dos ensinamentos bíblicos que tive
durante minha infância. Íamos à igreja, Nicolas, Beatriz, mamãe e
eu, por incentivo de Daniel, que entre todos é e sempre foi o mais
religioso. Agora, nos afastamos. Só vamos quando tem um
batizado, um casamento. Tornamo-nos católicos não praticantes,
com exceção do Nicolas que virou protestante desde a adolescência
e até hoje visita a igreja.
— Em segundo lugar — ela continua. —, por você ter tido a
iniciativa de ir lá e fazer sua parte.
Assinto, e minha mãe sorri.
— Mas não deixe de visitá-lo e não pense em doação por
enquanto. Esteja presente na vida dele, motive-o a acordar. Dizem
que os pacientes em coma ouvem.
— Pode deixar.
— Olha, seu pai era um grande amigo na época da escola.
Namoramos porque eu era loucamente apaixonada por ele, mas ele
me traiu e eu nunca mais consegui olhar para ele como antes. Eu o
perdoei, como você sabe que aconteceu, mas fui infeliz e ele
também, por não amá-lo mais e não fazê-lo feliz como antes. E
então ele terminou porque eu não tinha coragem de largá-lo com
você nos braços. Sempre quis que tivesse um pai presente.
Desculpa por...
— Mãe — corto-a, e ela se cala. Nunca falamos sobre isso.
Minha opinião é de que ela não deveria ter ficado com ele por causa
de mim. Isso não a faria feliz, talvez nem a mim. — Você não tinha
que ficar com ele por causa de mim. Imagina: se você fosse infeliz,
se ele também fosse, e eu ali no meio, acha mesmo que eu seria
feliz? E outra: Daniel foi um ótimo pai substituto. Ele me ensinou
muitas coisas boas. Tive uma vida perfeita. Não tenho do que
reclamar. Se você tivesse escolhido viver com o Vitor, tenho certeza
de que tudo seria pior. Então, não tem por que se desculpar, tá
bom?
Ela assente, os olhos cobertos por lágrimas. Estico meu corpo
sobre a mesa e deixo um beijo em sua bochecha, que é
interrompido por Marco, que surge à cozinha por trás da minha mãe.
— Desculpa — ele pede, aparentando estar sem graça. Tem
as mãos nos bolsos do jeans e os ombros caídos.
— Ah, que nada, meu filho. — Minha mãe se levanta da mesa
e vira o corpo para olhar para meu amigo. — Sente-se aqui. Vou à
rua com a Zélia comprar umas coisas. — Ela me encara com amor e
sibila um “eu te amo”.
— Também te amo, minha gracinha — devolvo, fazendo-a abrir
um sorriso grande. Depois, vira as costas, enquanto Marco vem até
mim e se senta na cadeira onde antes minha mãe estava.
Meu amigo é moreno claro, tem cabelos pretos em um topete
divertido para cima. É quatro anos mais velho que eu, mais
responsável, na dele. Ele é daquele tipo de cara que acredita que
necessita de todas aquelas formalidades antes da primeira noite de
sexo. Cinema, alguns beijinhos, uma cerveja, um bar. E isso às
vezes demora um mês. Ou dois. Depende da garota.
Nunca tive a menor paciência. Minhas necessidades nunca
foram dessas de andar de mãos dadas, abraçar e assistir um filme
num sábado à noite. Eu só queria enfiar meu pau em uma gostosa e
ouvi-la gemer o quanto o grande Bê a fazia feliz. Já era o suficiente
para mim e para ela.
Por isso que, quando soube do interesse de Marco por Laura,
por um momento, acreditei que ele seria melhor para ela do que eu,
mas só por um momento. Depois que vi os dois juntos, se agarrando
na boate, desisti dessa ideia porque me dei conta de que eu quem
deveria fazer essas coisas, mesmo que parecesse errado por causa
dessa questão do quase incesto e por causa do meu jeito.
— E aí? — ele me cumprimenta com um aperto de mão.
— Ah! — Minha mãe retorna para a cozinha, colocando o rosto
pelo vão da porta para olhar para ele. — Fique para o almoço! O
Vinícius está aí e a Carina está chegando.
Dona Anne sempre simpática com meus amigos. Adorável!
— Obrigado, tia. — Ele vira o tronco para ela, agradecendo.
Então, ela desaparece pela porta e meu amigo se vira para mim.
— A Mia me contou a verdade. — Ele desvia os olhos escuros
dos meus e encara a mesa. — Desculpa, Bernardo. Eu fiquei muito
chateado. — Ele levanta o olhar. — Porque achei que você estava
querendo fugir de uma responsabilidade, mas me enganei quanto a
isso. Sempre duvidam de você. Deve estar se sentindo péssimo.
— Nada. — Dou de ombros. — Está tudo bem.
Ele assente.
— Fiquei muito decepcionado com minha irmã — continua. —,
não só por ela ter dado esse mole, mas principalmente por ela ter
mentido. Mia é muito complicada, mimada pra caramba, imatura.
Culpa minha e do pai que nunca permitimos que ela sofresse com a
perda da mamãe.
— Agora ela vai andar com as próprias pernas e irá crescer.
Pena ser dessa forma.
Ele suspira, e eu me levanto e pego uma jarra transparente
com um suco rosa na geladeira, que coloco em cima da mesa, onde
eu me sento trazendo dois copos comigo.
— Conta comigo aí no que precisar — digo.
— Valeu, cara! Agora só muita paciência mesmo. Que bom
que, apesar de tudo, ela está feliz.
Vinícius surge na cozinha por trás de Marco. Está sem camisa
e com cara de sono. Ele beija o pescoço do segundo, que está de
costas para ele e que reage ficando meio puto com a brincadeira.
— Bom dia, amor — Vinny zomba, puxando uma cadeira ao
lado de Marco. — Resenha nessa porra? — Pega a jarra de suco e
enche um copo.
— Assuntos pessoais — Marco responde.
— Tô ligado. Mia grávida, né?
— Você falou para ele, Bernardo? — Marco me encara
aparentando estar meio chateado.
— Não! — E eu realmente não falei, mas, de toda forma, ele
precisa saber, afinal há chances de ele ser o pai.
— Foi o Pedrão mesmo que me falou ontem na boate. —
Vinícius dá um gole em seu suco e depois olha para mim. — Vou
ficar para o almoço. Sua mãe me chamou.
— Foda-se.
Ele faz que não, pega um pedaço de bolo de cenoura e coloca
sobre o prato.
— Aí, Marco. — Ele olha de lado para nosso amigo. — Nicolas
está te chamando. Falou para tu dar um pulo no quarto dele.
— Beleza. — Marco se levanta, virando as costas e
desaparecendo pela porta da cozinha.
— O que está pegando? — pergunto, estranhando o fato de
Nicolas estar se enturmando com Marco.
— Nada. Acho que é alguma dúvida sobre jogo. — Ele dá de
ombros e leva um pedaço de bolo à boca. — Foi uma mão na roda.
Preciso falar com você longe dele. Não sabia que ele vinha.
— O que você quer falar?
— Saber dessa história da gravidez da Mia. Você fez aquele
exame? Soube o tempo de gravidez, o sexo, essas porras?
Assinto.
— E aí?
— E aí que eu não sou o pai. Talvez seja você.
Ele ri.
— Claro que não é meu. Impossível.
— Impossível? Vocês transaram há quatro meses.
— Eu não transei com Mia naquele churrasco de quatro meses
atrás.
— Como?
— Eu menti.
— Você não está falando isso para fugir dessa...
— Claro que não, caralho. Pergunta a ela se duvida. Eu menti.
Esse churrasco de quatro meses atrás foi sua festa de
despedida do Limeira. Não fui porque a cidade que ele mora, Torres,
fica a seis horas de São Gabriel, e eu tinha que estar em casa
inteiro durante o dia, sem ressaca, pois era aniversário da tia Lucy.
Não estava lá para saber o que aconteceu com Mia de verdade.
E, se estava quase desmaiada, será que alguém se aproveitou
dela?
— Será que alguém se aproveitou dela nessa situação?
— Não, eu estava com ela o tempo todo. Dormimos juntos sim,
mas não rolou nada. Na verdade, não queria transar com ela.
Estava tentando protegê-la dos caras. Ela estava muito, muito
bêbada, assim como eu e todo o resto, estava quase pelada
conforme dançava com o vestido quase na cintura, mostrando a
calcinha. Todo mundo queria “comê-la”, então, quase desmaiada, a
levei para meu quarto e fingi que tínhamos transado. Menti para
você, menti para todo mundo. Gosto de contar vantagem, você
sabe. E eu jamais ficaria com uma mina sua. Já basta a Ingrid.
Ingrid? Quero rir. A morena nunca permitiu ser “mina” minha, e
nunca foi, assim como Mia. Somente Laura é minha.
— Porra! — Ele dá um soco na mesa, parecendo se dar conta
de uma coisa. — Ela sabe quem é pai?
— Ela não faz ideia.
— Que merda! — Ele suspira, com pesar.
Isso vai dar em merda.
Capítulo 13

Amigos, churrasco e uma cerveja gelada: combinação perfeita


para um domingo de sol na piscina da minha casa.
Nicolas, Beatriz, Carina, Vinícius, Marco e eu jogamos vôlei
dentro d’água, enquanto tia Luciana e minha mãe estão do lado de
fora, sentadas em um par de espreguiçadeiras brancas na grama,
de modo que conversam sobre algo que eu sei que é a traição do tio
George.
A partida de vôlei está acirrada; dois setes a um para o grupo
oposto. Está dividida em meninos contra meninas, em que no grupo
das meninas tem meu irmão para dar um equilíbrio, visto que é o
melhor jogador entre todos, e as meninas são as piores.
Beatriz mal sabe sacar uma bola. Totalmente errada para
atividades esportivas. Carina até que leva jeito, mas se distrai muito
rápido quando seus olhos esbarram em Vinícius, que não desgruda
os seus dos peitos ou do bumbum da loira. Outra pessoa que não
para de olhar para ela é meu irmão. Nitidamente vejo que os dois
estão loucos para levá-la para cama.
Claro, quem não sente vontade de fazer isso?
A loira só usa roupa decotada, nos fazendo admirar seus
peitos grandes e seu bumbum empinado. Quando toma banho de
piscina conosco, sempre usa fio dental, como hoje. Apesar da
[9]
aparência da loira do Tchan , ela tem lábios rosados, enormes
olhos azuis e o rosto meigo, contrastando com o restante.
Como costumo falar para Vinícius, ela tem aparência de anjo,
mas deve ser um capeta na cama.
Engraçado que, apesar de reconhecer que seja um mulherão
mesmo aos dezessete anos, nunca senti atração por ela, e meu pau
nunca deu o sinal de que queria entrar nela.
Acho que isso se explica devido ao fato de praticamente
termos sido criados juntos, como primos. Sem falar que ela ser loira
ajuda nesse meu desinteresse. Sempre preferi garotas de cabelos
escuros. A prova disso está em Ingrid, Mia (apesar desta ter feito
mechas loiras no final do ano passado) e Laura.
Olho para o lado e vejo Vinny andar na água com a bola nas
mãos, parando aproximadamente três passos atrás de mim. Ele
ameaça sacá-la quando Carina, colada à rede que divide a piscina
em duas, levanta os braços para o alto, esticando o corpo bonito,
me fazendo parar os olhos bem no meio da sua barriga, onde um
brilho se destaca.
Seria um piercing? Ela não tinha essa porra antes. Colocou
recentemente, completando sua aparência de garota gostosa.
Ouço Vinny emitir um grunhido e sinto vontade de rir.
— Estou ficando duro que nem uma pedra — ele resmunga
baixinho.
Viro meu rosto para trás e vejo que ele tem o rosto virado para
o céu. Os olhos estão fechados, e ele solta uma lufada de ar pela
boca, dando uma suspirada em seguida.
— Estou me concentrando legal para não passar vergonha —
diz baixinho, abrindo os olhos e me encarando. Dá dois passos até
mim, me fazendo virar totalmente de costas para os outros, leva a
boca ao meu ouvido e sussurra: — Vou comer essa safada hoje na
sua casa. Quero nem saber onde. Se eu não gozar nessa gostosa
hoje, vou passar a semana inteira me masturbando pensando nela.
— Não se esqueça de que ela só tem dezessete anos. É
pedofilia.
— Foda-se. Ela quer.
Faço que não, virando meu corpo de volta para a rede,
enquanto Vinny anda de costas na água, voltando para a posição
anterior.
— Vinny — Carina o chama, olhando com os olhos apertados,
devido ao sol, para ele. Depois, morde o lábio inferior, descendo a
mão e passando-a por cima do biquíni na altura dos seios, sem tirar
os olhos dele. — Joga para mim.
— Jogo tudo que quiser em você, em cima de você — ele diz
baixinho, no mesmo momento que ouço a pancada da bola sendo
sacada, que voa por cima da minha cabeça. — Jogo meu pau em
você também se quiser, safada.
Carina recebe a bola na rede, jogando-a de volta para nós.
Marco, que está grudado à rede do nosso lado, tenta devolvê-la
para o lado adversário, mas dá um passe errado que o faz cair de
barriga na água, ao meu lado.
Devido à dificuldade que é correr na água, não consigo
alcançar a bola, que cai na água debaixo do meu nariz junto a
Marco, jorrando um pouco de água para os lados. Então, as
meninas se abraçam, comemorando mais um ponto.
Acho que com Nicolas ao lado delas está facilitando demais o
jogo. Está aí a única atividade esportiva que meu irmão pratica, e
que ele é bom. Deve ser por isso que seus braços estão ficando
grandes e o peito mais duro. Ele vive com essa bola na água,
mesmo que sozinho.
— Vou entrar aí para desempatar — Daniel avisa, caindo na
água ao lado de Marco.
— Nada disso, pai! — Bia resmunga, batendo o pé e
colocando as mãos na cintura. — Uma vez na vida nós ganhamos e
você vem querer ajudar o Bernardo e o time dele.
— A disputa é só uma brincadeira, minha filha. Não precisa
levar a sério. Se quiser, até jogo no grupo de vocês. — Ele passa
por debaixo da rede, indo para o lado oposto do nosso, e puxa a
garota birrenta de lado, para um abraço e um beijo no rosto,
fazendo-a esmorecer em seus braços.
Pego a bola na água e saco para ele jogar.
— Vou começar sacando — avisa. Desgruda de Beatriz, pega
a bola e anda até a ponta da piscina, onde saca a bola, que voa
pela minha cabeça, depois pela de Vinny, passa pela grama e
desaparece no fundo do quintal.
— Eita, tio! Está comendo muito feijão, hein! — Carina zomba,
abrindo um sorriso.
— É o chimarrão, minha sobrinha — ele devolve.
Ela vira de costas, nos proporcionando a visão de seu
bumbum redondo dentro de uma calcinha rosa escuro que não
tampa quase nada, dá um impulso na borda da piscina e sai da
água.
Enquanto ela anda rebolando pelo gramado, indo em direção
ao lugar que a bola se escondeu, olho para trás e vejo que Vinny dá
uma mordida no lábio inferior, fechando os olhos.
Olho para meu outro lado e vejo que Nicolas também observa
a loira, mas, diferente do meu amigo, no seu olhar não há apenas
maldade. Parece preocupado com o comportamento desenfreado,
no que se refere a garotos, da loira. Meu irmão só pode ter uma
queda por ela, e isso me chateia. Sei que ela jamais se interessaria
por ele.
Carina é de fato uma maria-chuteira, e Nicolas é só um nerd,
um cara sério, fechado, na dele.
— Está vendo? — Daniel comenta, parando ao meu lado de
modo que cruza os braços sobre o peito. Preocupado com a vida
alheia como estava, nem vi que tinha atravessado a rede. —
Felicidade é o que não falta aqui. Não entendo por que a Laura não
larga tudo e vem morar conosco.
— Concordo.
— Se você a pedir em casamento, quem sabe.
Acho graça.
Ele pensou da mesma forma que eu, mas sei que, diferente de
mim, meu padrasto brinca, pois sorri.
Sei que posso estar sendo precipitado e desesperado, mas
abriria mão de qualquer coisa se Laura aceitasse morar comigo. No
entanto, como ela disse, não estamos sonhando o mesmo sonho,
então tudo que posso fazer é me lamentar e deixar que o destino
decida nossa vida.
— Ainda é cedo, Bernardo. Foi só uma brincadeira. Não
precisa ficar assustado.
— Não fiquei assustado. — Sorrio para ele. — Havia pensado
na ideia, juro. Até falei com ela.
— Você a pediu em casamento?
— É, praticamente sim. Não com essas palavras.
Ele enruga o cenho.
— Você não pode estar falando sério — diz, balançando a
cabeça para os lados. — E ela te deu um não, acertei?
Assinto, dando de ombros.
— Aí, Bernardo — Vinny me chama, me fazendo olhar para
ele. — Vou lá ver o que aconteceu para a Carina estar demorando.
Seu quintal é grande, sabe como é, ela pode ter se perdido.
Rio de suas desculpas e sinto que Daniel ri também. Vinny vira
as costas, dando um impulso na borda da piscina.
— Vocês sempre usam essa desculpa? — meu padrasto quer
saber, me encarando em desafio.
Enrugo o cenho.
— Para conseguir as garotas.
— Ah. — Dou de ombros. — Às vezes sim.
— E com a Laura também foi assim?
— Jura que você quer saber?
Agora, é sua vez de dar de ombros.
— Não teve nada disso — explico, sentindo um sorriso se abrir
em meu rosto por me recordar de como e quando tudo começou: na
nossa infância. Calcinha de ursinho, espiadas por detrás da porta,
primeiro beijo roubado, brigas, implicâncias. — Já nos gostávamos
desde novos, então não teve esse jogo de sedução que você pode
estar pensando. Foi. — Sinto que posso gaguejar. — Foi...
— Foi...?
É difícil de explicar.
Claro que tenho um tesão danado por minha Ursinha, mas
nossa história não é só isso. Parece meio casto, inocente, muito
mais do que qualquer outra coisa. É um sentimento que traz paz,
que me deixa em paz, tranquilo. É um sentimento...
— Puro — digo, abrindo um sorriso grande ao sentir meu
coração se encher. —, é isso.
Ele ri de lado, parecendo se orgulhar.
— Você sabe que é aniversário dela no próximo sábado, não
sabe? — pergunta.
— É, eu sei. — Sinto meu peito se apertar por me recordar que
passaremos uma data tão importante para ela separados. — Queria
poder visitá-la, mas tenho treino, e não posso faltar de novo.
Poderia ir no sábado após o treino, mas a inauguração da ONG será
no mesmo dia, à tarde. Poderia ir depois disso, mas não sei se daria
tempo de voltar até segunda-feira de manhã. São em média
quatorze horas de voo. Perderia um dia só de avião. É inviável. Ela
que poderia vir até nós, afinal está de férias da faculdade.
Ele aperta meus ombros com o rosto consolador.
— Fica tranquilo. Daqui a pouco ela estará aqui conosco —
garante. — Eu sinto que agora será diferente.
— Mas e se a mãe estiver manipulando-a e ela desaparecer
de novo? Tenho medo de isso acontecer. Sabe, às vezes ela
demora para responder minhas mensagens... é estranho. As
garotas normalmente respondem no minuto seguinte.
— Respondem?
— Respondiam — me corrijo.
— Mas você acredita nisso? — Ele vinca o cenho. O sol bate
em seus olhos. — Acha que a Laura ainda está sendo levada pelas
manipulações da Fernanda?
— Não sei. Às vezes penso que sim. Além de ela ter me
evitado, essa semana quando nos falamos pelo Skype, ela parecia
estar chorando. Perguntei se estava tudo bem, e ela me disse que
só estava triste por causa da distância. Mas não acredito. Tenho
certeza que a mãe está fazendo a cabeça dela para me esquecer.
Além de manipuladora, tenho a impressão de que essa mulher é
louca, descontrolada, egoísta. Deve querer a Laura só para ela. Não
sei do que ela pode ser capaz.
— Fica tranquilo. Ela não é uma pessoa horrível a tal ponto.
Bom, pelo menos não era quando éramos casados. — Dá de
ombros. — Acho que só se transformou em uma mulher
controladora e infeliz por não conseguir ser amada. Fazer o quê.
— Ela se casou quatro vezes — me recordo. — Isso já diz o
bastante.
— Está sendo precipitado, rapaz. Não a julgue pela quantidade
de relacionamentos. Eu juro. Fernanda não é tão horrível. Acho que
no fundo ainda é uma pessoa boa. Acho que agiu mal comigo
porque não consegue me perdoar pelo fim do nosso casamento e
nem pela minha negligência com Laura. Ela tirou proveito da história
— ele relembra. — e colocou Laura contra mim. Sempre foi um
tanto controladora, e Laura, por amá-la e tê-la como familiar mais
próximo, faz tudo que ela quer. Temos que mudar isso. Temos que
mostrar para Laura que aqui ela também é especial.
Assinto, confirmando.
Não há dúvidas do quanto ela é especial por aqui.
— E esses dois malucos que não aparecem, hein? — ele
questiona, olhando por cima dos meus ombros em direção ao
caminho em que a bola, Carina e Vinícius se perderam. — Logo
agora que eu entrei no jogo. Vou lá saber o que eles estão fazendo.
— Sexo que não é.
Eu acho, pois Vinícius não se controla e, bem, ele tem uma
mania muito estranha de transar com as garotas em lugares
inusitados. Minha casa pode ser um fetiche para ele.
— Espero. — Daniel arqueia as sobrancelhas, vira as costas e
se arrasta pela água até alcançar a borda. Acompanho-o.
Conforme andamos, nada de bola, Carina ou Vinicius pelo
quintal, mas vejo Nicolas, de costas para nós, com os braços
dobrados sobre a cintura e parado de frente para o quartinho, que é
um espaço que o caseiro guarda o material de limpeza da piscina e
outras bagunças da casa.
Não acredito que a bola tenha caído lá, pois ela teria que fazer
curva, e bolas não fazem curva, não sozinhas, sem paredes, pernas
e coisas do tipo.
— Ei, cara — falo para meu irmão, parando ao seu lado e
dando uma tapa em suas costas. — O que faz parado aqui?
Olho para seu rosto e noto que ele tem uma expressão de
espanto, os olhos estão arregalados e a boca aberta em um “o” de
modo que encara algo em sua frente, algo que parece incomodá-lo.
— Nicolas?
Daniel para ao meu lado.
— Mas que merda é essa? — Ouço meu padrasto resmungar
alto.
Olho em direção para o local que ambos encaram, o quartinho,
e aperto meus olhos para entender do que se trata.
Por uma fresta entreaberta da porta enferrujada do lugar, vejo
Carina de costas para nós, aparentemente nua, sentada e subindo e
descendo do colo do Vinny, que também está sentado e pelado, só
que de frente para nós, enquanto beija o pescoço da loira.
Engulo seco.
Sim, eles estão transando feito dois desesperados.
Quando eu era criança, sempre me escondia no quartinho nas
brincadeiras de pique-esconde com meus irmãos e até Laura, mas,
adulto, nunca fiz sexo, sequer pensei um dia fazer.
Vinny desce a boca e parece chupar um dos seios da loira e,
com uma mão, acelera os movimentos conduzindo-a pela cintura,
que arpeja.
Por que essa porra está deixando meu pau duro?
Ele leva sua boca para a da loira, conforme abre os olhos e
olha em direção à porta, se dando conta de que há três pessoas de
plateia, observando sua foda desesperada. Abre um sorriso de lado,
um sorriso que julgo ser de vitória, e engole a boca da loira,
agarrando os cabelos dela com certa violência, enquanto a mesma
rebola para os lados sobre ele, agarrando os cachos do meu amigo.
Bem que ele me disse que as garotas adoram brincar com
seus cachos enquanto trepam com ele.
Carina para e estremece enquanto suas pernas nuas
escorregam para o chão. Meu amigo aperta-a pelas costas e dá
uma última estocada para cima e abre a boca de maneira nada
excitante.
Sorrio, mas deixo meu sorriso se desmanchar ao me recordar
de duas pessoas ao meu lado, que aparentemente estão indignadas
com o que veem.
Daniel vira as costas, resmungando uma série de palavrões
conforme desaparece em direção à cozinha, enquanto meu irmão
vira de costas para o quartinho e leva o rosto ao alto, encarando o
céu.
— Está tudo bem? — pergunto-lhe, ficando ao seu lado, e ele
assente, descendo o rosto, mas não o vira para mim.
— Ela está estragando a vida dela. Parece uma vagabunda se
comportando assim. — A irritação em sua voz é nítida, o que
confirma que de alguma forma ele se importa com ela. Ele ainda
não me olha. — Chega de jogo por hoje. Acho que vou tomar um
banho e descansar para amanhã. Vou trabalhar cedo e tenho aula à
noite. Será um dia cheio. — Vira as costas e desaparece pelo
quintal, me deixando sozinho com minhas confirmações.
Ele gosta dela. Não há dúvidas.
Capítulo 14

Já é quase meia-noite, tentei dormir, mas como a cena da


trepada suja de Vinny e Carina não sai da minha cabeça, estou com
meu pau duro e latejante sobre minha mão enquanto me masturbo
recordando do ocorrido. Não me imagino com a loira nem com
Vinny, claro que não. Penso em Laura e eu no quartinho. Ela
rebolando, elogiando meu pau, beijando minha boca quando
consegue não gemer.
Quase lá.
Ainda não.
Agora vai.
Merda! Por que não está funcionando?
Abro os olhos, me sentindo ficar frustrado, e encaro meu amigo
Bob Marley sorrindo para mim, no pôster atrás da minha cama, o
que já é o suficiente para minha ereção ameaçar se desfazer por
inteira. Poderia ser Laura pelada em uma foto atrás de mim, mas
não é.
Viro as costas para o cara sorridente e fecho os olhos,
voltando a imaginar Laura e eu no quartinho, ela se esfregando em
mim de um lado para o outro e gemendo em meu ouvido, e começo
a fazer movimentos rápidos, o que faz meu coração acelerar com a
adrenalina e meu pau pulsar contra minha mão.
Quase lá.
— Amo seu pau — ela me diz, de modo que solta gemidos
baixinhos e ainda rebola de um lado para o outro. — Ele é tão...
ain... gostoso.
Não, não. Laura não diria essas coisas sobre meu pau, não é?
— Ain, Bê. — Esse gemido manhoso funciona legal. Essa é
minha garota.
Meu pau mela na ponta, minhas pernas bambeiam, meu
coração acelera cada vez mais com as estocadas. Sinto que vou
gozar. Quase lá. Calma ainda não.
Agora, ela laça as pernas ao redor da minha cintura, e a ponta
do meu pau entra mais fundo, pressionando-o mais. Minha nossa!
Ela é tão apertadinha! Entro e saio, ela geme. Sinto a ponta tocar
seu clitóris pulsante. Acelero mais, ela arranha minhas costas. Sinto
que vou...
Meu telefone começa a tocar, me despertando e me fazendo
abrir os olhos.
Mas que porra!
Minha excitação ameaça desfalecer, mas dou mais uma
estocada para que o grande Bê permaneça acordado, conforme me
arrasto até a cama e pego com a mão desocupada meu
Smartphone.
É Laura numa chamada via Skype.
Sorrio de lado, jogando meu cabelo, que cai sobre meus olhos,
também para o lado. Sinto meu pau ficar mais duro com uma ideia
que me vem à mente. Deixo o celular sobre a mesa de cabeceira
com a tela virada para mim, aperto o botão de atender e ando de
costas, conforme continuo me acariciando.
O rosto de Laura com os olhos arregalados logo surge na tela,
e ela aproxima o máximo que pode o celular de seu rosto, para que
quem quer que esteja ao seu lado não me veja.
— Estou me masturbando — digo o óbvio.
— Minha mãe estava aqui agora mesmo — ela diz, baixinho.
Ah, caralho.
— Ela só foi rapidinho ao banheiro.
— Manda a velha rodar. Estou quase gozando. — Solto meu
pau e ando até o celular, deixando aparecer somente meu rosto,
mas não paro de me tocar.
— Ela quer te “conhecer” — completa, e eu acho que vou
gozar.
— Não me diga uma coisa excitante dessa. Estava quase lá...
Mordo a boca, conforme sinto meu pênis emitir uma pulsação
e em seguida um jato me encher de alívio. Xingo um palavrão e
mordo minha boca. Não me importo com minha mão toda
lambuzada, então sorrio, livre.
— Nossa — Laura comenta, me fazendo olhar para ela. — Ver
meu namorado gozar foi... hum. — Ela morde o lábio inferior,
olhando para o lado. — Excitante?
— Sério que foi? Então se toca você. Fica peladinha e se dá
prazer, vai. Quero ver tudinho. Vou gozar sem me tocar. Sou muito
gozador. Gozo direto. Ainda mais com você. Porra, já estou duro de
novo, só de pensar. Duro e todo lambuzado, o que é uma coisa
estranha.
Ela gargalha, levantando um pouco o rosto, e eu me sinto ficar
com o coração feliz por vê-la sorrindo dessa vez e não chorando
como ocorreu naquela outra vez.
— Não vou gozar em vídeo para você — avisa, se
recuperando da risada e levando seus lindos olhos brilhantes para
mim. Ela limpa os cantos deles, que ficaram molhados de tanto que
riu. — Apesar de estar morrendo de vontade de ter... hum. — Ela
olha para o lado, desviando os olhos da tela, e o rosto fica vermelho.
Rio.
— Um orgasmo? — completo como uma pergunta, e ela
confirma com um aceno de cabeça, olhando para mim outra vez.
— Só terei... orgasmo quando te ver no final no ano.
— Gozando no Natal. Será um pecado e tanto. Parece nome
de filme de comédia, não parece?
Ela assente, rindo outra vez.
— Vou me limpar para falar com minha sogra — aviso.
Levanto-me da cama, sem soltar meu pau, e deixo o celular virado
para mim na mesa de cabeceira.
— Vou trancar a porta. — Laura parece caminhar pelo quarto,
e eu assinto, virando as costas.
Vou até o banheiro do meu quarto, onde pego papel e limpo
minha gozada. Jogo no lixo. Volto para o quarto, pego uma cueca
limpa na gaveta, uma bermuda qualquer e uma camisa básica sem
mangas. Tenho que estar um pouco apresentável para minha sogra
maluca.
— Desculpa, minha Ursinha, pelo constrangimento — peço,
ficando de frente para a tela, pois me sento na cama de pernas
cruzadas. —, mas agora estou aliviado. Você não sente essas
vontades?
— Claro que sinto, Bê. Às vezes eu também... enfim.
— Sério? Você também tem se masturbado?
Ela havia me contado que já havia feito o ato uma vez, mas
não consigo pensar que tem feito — certamente pensando em mim
— e ficar não ficar ansioso. E excitado.
— Claro, Bê, mas não em vídeo. Não sei se consigo e
sinceramente não sinto vontade. Tenho medo de ter um hacker me
vigiando.
— Tô nem aí. Se tiver um hacker vendo meu pau, é bom que
ele fica popular. — Rio, e ela também o faz. — Não sei como
aguentou esse tempo todo sem transar. Vinte quatro anos sem
saber o que é um sexo gostoso, o que é ter uma boca no meio das
suas pernas te fazendo gozar.
— Jura que você acha que só gozei com você?
— Que história é essa? Você já gozou para outras pessoas
antes?
— Bernardo, eu era virgem de penetração. Eu nunca te disse,
mas já tentei transar com um cara antes.
— Está falando sério? Você ficou pelada para ele?
Ela simplesmente assente, com o rosto aparentemente
arrependido.
— Ai, minha nossa! Por que você está me falando isso?
— Você quem perguntou.
— Então, ele te chupou lá?
— Sim, Bê. — Ela revira os olhos.
— E você já chupou um cara lá?
Ela assente outra vez.
— Mas então por que não me chupou?
— Não tivemos muito tempo. Só fizemos sexo duas vezes.
Fiquei meio dolorida, aí depois bateu um sono, dormimos,
acordamos, nos beijamos. Depois ficamos abraçadinhos e
choramos. Não deu tempo de lhe mostrar minhas habilidades.
Confesso: estava muito ansiosa para conhecer o grande Bê, só
pensava nisso que nem pensei no resto.
— Hum, sei. Você não... não... não fez essas coisas no Marco
não né?
— Não, Bê. Só foi um beijo. Marco gosta de corrigir meu
português errado, e isso me incomodava bastante. Acredita que no
primeiro dia que o conheci ele disse “não se diz chatura e sim
chatice porque o processo de formação de palavra exige que seja
assim”?
Deixo escapar uma risada por imaginar meu amigo certinho
corrigindo alguém tão certinha como Laura. Ela deve ter ficado
realmente uma fera.
— Ele não faz o meu tipo — completa. — Nosso
“relacionamento”. — Ela faz aspas. — Não duraria por muito tempo.
Detesto caras que me corrigem. Aliás, qualquer pessoa me
corrigindo me dá nos nervos.
Sorrio, encarando-a por um momento, enquanto ela também o
faz.
Queria abraçá-la agora. Queria estar na cama deitado com ela,
beijar o topo de sua cabeça enquanto ela joga as pernas nas
minhas e me envolve pela cintura em um abraço gostoso. Meu peito
dói por sentir saudades de uma coisa tão simples.
Sinto meus olhos umedecerem, mordo minha boca por dentro
e tento não parecer um cara fraco para minha namorada. Vejo uma
lágrima escorrer por seu rosto, e minha Ursinha a limpa, fungando.
— Bê — me chama.
— O que foi?
— Meu aniversário é no próximo sábado. Queria que estivesse
aqui.
— Também queria estar com você.
— O que me conforma é que estaremos juntos no Natal. Está
tudo acertado. O final do ano é nosso.
— Está longe. — Meu peito se aperta. — Muito longe.
Acabamos de sair de um Natal.
— É, eu sei. — Ela parece se movimentar, pois a câmera
balança. — Minha mãe está chamando na porta.
— Oi! — Uma moça muito parecida com Laura aparece no
vídeo. Só não digo que são gêmeas por causa da idade. São duas
décadas e meia de diferença. — Bernardo, né?
Faço que sim, forçando um sorriso. Não consigo olhar para
essa mulher com muita simpatia, apesar de seu jeito simpático
agradar-me.
— Sou Fernanda, mãe da Laura. — Ela sorri, e seu sorriso
também é o de Laura.
O que ela não tem exatamente como Laura são os olhos.
Fernanda tem os olhos acinzentados como Laura, mas, diferentes
dos da minha Ursinha, que possuem um brilho natural, os dela
parecem tristes. Sem falar que, debaixo deles, tem muitas olheiras.
Julgando-a pela aparência, ela parece uma pessoa boa, como
Daniel disse.
— O que você fez com minha filha, rapaz? Ela está muito pra
cima, carinhosa e atenciosa comigo. Aprovo esse namoro. Estou
ansiosa para te conhecer pessoalmente, viu! Aliás, você é bem
gatinho mesmo. Minha filha tem bom gosto! — Ela pisca para mim.
— Que nada.
Eu ia falar mais alguma coisa, mas Laura me interrompe.
— Mãe! — Ouço-a reclamar, puxando o celular para si. —
Gatinho foi demais. Por favor, né. Não tenho mais quinze anos.
O celular dá uma balançada e o rostinho maravilhoso da minha
namorada volta a aparecer nele.
— Que bobona! — Ouço a mãe falar para ela.
— Para com isso! — repreendo-a por se chatear por um
motivo tão bobo.
— Ain, Bê. — Ela tem a voz manhosa, que amolece meu
coração. Seus olhos se enchem de lágrima, e devo admitir que os
meus também. — Não aguento mais de saudade.
— Não preciso responder que também estou morrendo de
saudades, né?
— Não, Bê.
— Também não preciso repetir que te amo.
— Precisa sim.
— Então tá. Eu te amo, minha Ursinha.
— Eu te amo mais.
— Agora vou dormir que a amanhã é segunda. — Olho para
meu relógio de pulso. — São quase meia-noite, e tenho treino às
nove.
— Depois a dorminhoca sou eu. — Uma lágrima escorre por
seu rosto, e ela passa a mão para limpá-la. — Queria dormir agora e
acordar com você chegando aqui e me enchendo de beijos.
[10]
— Ai, Aladim e sua lâmpada! Por que o gênio não aparece
aqui e agora? Certamente esse seria o meu pedido.
Ela sorri.
— Boa noite, Bê.
— Boa noite, minha Ursinha.
Ela beija a palma da mão e a coloca sobre a tela do celular.
Arrasto-me na cama e pego o celular na mão. Toco com o indicador
no mesmo lugar que ela deixou o beijo e sorrio como um bobo, eu
sei.
Quando tiro minha mão, vejo-a sorrir, dando tchau com a mão,
e desliga.
Ainda com o celular na mão, ajusto o despertador para o dia
seguinte, às sete. Deixo-o na mesa de cabeceira, me jogo de costas
na cama, fecho meus olhos e suspiro profundamente, na intenção
de diminuir esse aperto dentro do meu coração causado por essa
saudade perturbadora que parece que nunca vai cessar.
Sábado, 07 de março de 2015

Ainda somos crianças, mas estamos tão apaixonados


Lutando contra todas as possibilidades
Eu sei que ficaremos bem desta vez
Querida, apenas segure minha mão
Seja minha garota, eu serei seu homem
Eu vejo meu futuro em seus olhos
(...)
Oh, eu nunca soube que era você quem estava esperando por mim

Porque éramos apenas crianças quando nos apaixonamos


Não sabíamos o que era

PERFECT – ED SHEERAN
Capítulo 15

Quando eu tinha doze anos, às vésperas do Natal, coloquei


uma aranha na cama do Nicolas, porque sabia que ele morria de
medo de insetos. Foi bem divertido, até a parte que ele saiu pela
casa gritando e chorando de desespero. Ruim foi ver que ele ficou
todo empolado, pois teve uma reação alérgica, como Daniel falou.
Não demorou muito e minha mãe descobriu a aranha dentro
de um pote de vidro no armário do meu quarto. Após a descoberta,
ela me colocou de castigo por uma semana, ao me proibir de viajar
com meu tio e padrinho Bryan, seu irmão, no Ano Novo.
Eu teria que ficar em casa aturando a chata da Laura, que
passaria as férias aqui em casa. Como morava nos Estados Unidos,
ela se achava um máximo por isso. Era tão metida... não me dava
ideia, vivia gritando comigo, era histérica, chatona, apesar de bem
bonitinha.
Mas eu, sinceramente, estava feliz com sua volta, pois tinha
um motivo para me divertir, como por exemplo, ao espiá-la por trás
da porta do seu quarto cantando e dançando só de calcinha e sutiã
de frente para o espelho.
Nesse mesmo dia, de manhã, quando ela tinha acabado de
chegar de Nova Iorque, eu tinha a fotografado com uma calcinha de
ursinho. Em compensação, recebi dela algumas tapas e um chute
no saco, mas valeu a pena, pois eu ficava rindo muito quando
olhava no meu celular.
Antes de dormir, fiz questão de espiá-la outra vez; ela vestia
uma calcinha com vários gatinhos idiotas estampados, enquanto
cantava de frente para o espelho com uma escova de cabelo na
mão a música da Branca de Neve.
— Um dia, um dia, eu serei feliz, sonhando, sonhando...
Segurei a risada por trás da minha mão para não fazer
barulho.
— Bê, o que você está fazendo aí? — Minha irmã caçula, Bia,
surgiu por trás de mim, me puxando pela ponta de minha camisa.
— Ah... — Virei-me para ela e soltei um suspiro, aliviado. Ufa!
Ainda bem que é a Bia. Ela é bem pequenininha. Não vai entender
nada mesmo! — Eu... estava... estava... ah... tentando matar um
mosquito! — Estiquei as mãos e matei um nada na altura da porta
do quarto.
Bia deu uma risada, me achando engraçado. Minha irmã
desde que começou a entender o mundo tinha uma admiração
excessiva por mim. Acho que por eu ser o mais velho. É claro que
ela também gostava do nosso irmão do meio, mas eu sentia que ela
tinha muito mais afinidade comigo.
O problema era quando Laura vinha para cá. Eu perdia a
atenção de todos, inclusive da minha mãe, que adorava ela. Nicolas
também, tudo para ele era Laura. Bia não era diferente: também
morria de paixão por ela, ainda mais pelo fato de as duas serem
meninas. Então, ela deixava de me defender, de ficar do meu lado
até quando eu estava certo (o que era muito difícil) para ficar do
lado da Lalá, como ela dizia, quando eu e minha Ursinha
brigávamos.
— Bê, vamos ver um filme com a Lalá? — Bia propôs, cheia de
entusiasmo.
Fiz uma careta e virei de costas para ela.
— Hoje eu quero jogar no meu quarto, sozinho — falei, ao
mesmo tempo em que caminhava em direção à porta do meu
quarto, mas acabei parando no meio do caminho, pois escutei
murmúrios vindos do quarto da minha mãe.
Olhei para trás e vi a Bia entrar no quarto da Laura. Cheguei
com meu rosto mais próximo à porta do quarto da minha mãe para
escutá-la melhor. Ah, eu era uma criança curiosa. Aliás, qual criança
não é curiosa? E eu tinha mesmo essa mania feia de ficar ouvindo
conversas dos adultos e espiar menininhas bobas só de calcinha
por trás das portas.
— E a Fernanda contou para ela? — minha mãe perguntou.
— Sim. E a Laura ficou com muita raiva de mim. Foi difícil
convencê-la vir para cá esse ano.
Laura? O que aconteceu para a Ursinha não querer mais vir
para cá?
— Vai dar tudo certo, meu amor — minha mãe disse ao Daniel.
Escutei mais um longo silêncio dominar o quarto e aproximei
ainda mais o meu rosto da porta, só que a porta se abriu, me
fazendo cair para trás, de bunda no chão.
Ferrou!
— O que você estava fazendo atrás da porta, Bernardo? —
minha mãe me perguntou, o cenho franzido. Ela me estendeu uma
mão e me ajudou a levantar do chão.
— Bê está matando mosquito, mamãe! — Bia gritou da porta
do quarto da Laura, que ela bateu atrás de si. Ela tinha uma boneca
toda despenteada na mão, a qual ela arrastou pelo chão até a porta
do quarto de nossa mãe.
Minha mãe me encarou com o semblante confuso, e depois
suspirou, pegando Beatriz no colo.
— Hora de vocês dormirem — ela ordenou, com autoridade,
mas com muito amor na voz. — Para o seu quarto, Bê.
— Boa noite, mãe — desejei.
Assim que entrei no meu quarto, peguei meu celular do bolso e
fiquei vendo a foto da Laura com calcinha de ursinho. Sentei-me na
cadeira giratória que ficava de frente para a mesa de meu
computador, o qual eu liguei e enviei a foto para um e-mail que eu
criei.
Suspirei, satisfeito.
Caso Laura conte para minha mãe ou para meu padrasto que
tirei uma foto dela, eles vão procurar a foto no meu celular e não vão
achar. Eu sou demais!
Desliguei o computador e fiquei girando em minha cadeira ao
mesmo tempo em que a conversa entre minha mãe e meu padrasto
também girava por minha cabeça.
— Bernardo — mamãe me chamou, entrando em meu quarto.
— Oi, mãe. — Virei a cadeira para ela.
— Me dá seu celular. — Ela virou a palma da mão para cima,
esperando que eu lhe desse meu celular.
Obedeci. Coloquei o celular onde ela exigiu e dei de ombros.
Levantei-me da cadeira e me deitei em minha cama.
— E só vou te devolver depois de eu olhar ele por completo,
estamos entendidos? — Seu tom era ríspido, e tinha as duas mãos
apoiadas na cintura.
Ih, está estressadinha!
— Boa noite, dona Anne! — Tapei meu rosto com um
travesseiro. — E, por favor, me cubra e apague a luz antes de bater
com a porta.
Minha mãe fez tudo que eu mandei e ainda me deu um beijo
no rosto. Depois, suspirou, cansada, e saiu do quarto, me deixando
no escuro, pensativo.
Foi nesse dia da confusão com Laura que me dei conta de que
gostava dela. A confirmação veio no dia seguinte quando a vi à
beira da piscina com os pés para dentro d’água. Aproximei-me dela,
sentei ao seu lado e de maneira espontânea lhe pedi desculpas pela
foto de calcinha.
Ela me desculpou, e eu lhe dei um beijo. Na boca. Seus lábios
se movendo dizendo que estava tudo bem me convidava para um
beijo, meu primeiro beijo. Foi automático, porém puro e inocente,
como o amor tem de ser...
Fico pensando em como resumir nossa história toda e publicar
no Facebook em homenagem a ela, já que hoje é seu aniversário.
Quer dizer, em Nova Iorque ainda não, pois faltam alguns minutos
para lá dar meia noite, mas no Brasil há quase duas horas atrás já
começou o dia sete de março.
Encaro a hora na tela do celular. Uma e cinquenta ainda.
Assim que der duas da manhã, ligarei para ela, via vídeo.
Estou pelado debaixo do edredom. Meu plano é ela me
atender e eu dizer “Surpresa! Feliz aniversário! Aqui está seu
grande presente!”. Não estou falando sério, apesar de estar louco
de saudade de fazer sexo com minha Ursinha. Mas, se eu pudesse,
a presentearia com muitos beijos, abraços e carinhos ao vivo.
Meu coração emite uma pontada de dor, só por me lembrar de
que isso não é possível. É aniversário dela, e eu nem posso lhe dar
um abraço apertado porque há muitos quilômetros de distância nos
separando.
Uma e cinquenta e cinco.
Minhas pálpebras se movem, ameaçando fecharem-se. Estou
cansado, pois a semana inteira tive treinos pesados. Sem falar que
mais tarde nem poderei descansar porque será o dia de
inauguração da ONG. Mas eu queria mesmo era largar tudo e ir a
Nova Iorque.
Bocejo.
Poderia ligar para ela no dia seguinte? Nada disso. Quero ser
o primeiro a parabenizá-la. Faço questão.
— Ei! — Beatriz invade meu quarto, sem bater. Maldita mania
que essa pirralha tem. Estou só de cueca, porra. — Por que você
está deitado aí? — Ela para de frente para minha cama e cruza os
braços sobre o peito.
— Eu quem te pergunto: sua mãe não te ensinou a bater à
porta antes de entrar no quarto dos outros, não é?
— Um. — Ela estica o dedo indicador para cima. — A minha
mãe é a mesma que a sua, então recebemos o mesmo tipo de
educação. Diante disso, sim. Ela me ensinou, assim como ensinou a
você a ser mais legal com sua namorada. Hoje é aniversário dela e,
ao invés de estar esperando dar meia noite lá no país dela para
parabenizá-la, você está recolhido na cama, quase dormindo. E
dois: portas de quartos devem ficar trancadas com chave caso o
dono do quarto não queira ser incomodado.
Rio com desdém.
— Minha nossa! — Tapo meu rosto com um travesseiro.
— Não se esqueça de que foi porque você tem essa mania
idiota de dormir de porta aberta que eu te vi transando com aquela
morena ridícula. E foi pelo mesmo motivo que papai viu você e
Laura juntos.
— Estávamos no quarto dela. — Tiro o travesseiro do rosto.
Ela dá de ombros.
— Dá para você sair do meu quarto?
— Não, amorzinho. Eu vim aqui para te convidar para a festa
que fizemos para a Laura.
— Mas que porra de festa? Ela nem está aqui.
— Fizemos assim mesmo. Tem um bolo lindo que a Zélia fez,
brigadeiros deliciosos feitos por mim. Ah! E tem até bola!
— Você não pode estar falando sério.
— Estou sim. É uma festa surpresa. — Ela arqueia as
sobrancelhas. — Vamos descer logo, porque queremos ligar para
ela por Skype antes que dê meia noite lá nos Estados Unidos. Não
queremos dar parabéns a Laura depois da mãe dela. Queremos ser
os primeiros.
Assinto. Nada mais justo.
— Só vou me vestir e já desço, tá pirralha?
— Okay. — Ela sorri e vira as costas, batendo com a porta.
Na verdade, queria estar sozinho, mas sei que é egoísmo da
minha parte. Dando-me por vencido, porém ainda insatisfeito, visto
uma bermuda e uma camisa rapidinho e calço um chinelo.
Saio do meu quarto e desço a escada.
Quando alcanço o último degrau, encontro com minha irmã,
Daniel e minha mãe no escuro da sala, iluminada apenas por um
abajur na mesinha ao lado do sofá, no qual eles estão sentados, de
frente para a tela do notebook de Beatriz, conforme aguardam Laura
atender a chamada via Skype que fazem a ela.
— Senta aqui, meu filho — minha mãe diz, apalpando o lugar
vazio ao seu lado, onde eu me sento em seguida.
Observo a arrumação na sala, que está enfeitada como um
carnaval fora de época: tem bola, bolo, brigadeiro e a porra toda. E
eu me pergunto por que diabos não me dei conta do movimento na
sala no início da noite; se bem que ouvi muitas vozes e alguns
estouros, que eu acredito que eram as bolas. Se tivesse me tocado
do que era ou caso tivessem me avisado antes, teria posto vários
pôsteres do meu pau para enfeitar essa sala rosa idiota.
Claro que não estou falando sério.
— Será que ela não está dormindo? Porque ela está
demorando muito para atender — Beatriz se pergunta.
— Calma, Beatriz — minha mãe a tranquiliza. — Em Nova
Iorque ainda são meia noite. Ninguém dorme a meia noite numa
sexta feira, né?
— O Nicolas dorme. — Minha irmã faz uma careta
reprovadora.
— Seu irmão é diferente.
— Você fala como se isso fosse um defeito — Daniel
questiona, como se o que minha mãe disse o fizesse se sentir
ofendido pelo filho.
[11]
E lá vamos nós para mais um Casos de família . Mamãe,
[12]
não deveria ter pisado no calcanhar de Aquiles .
— Não disse isso, amor.
— Seu tom disse. Nosso filho nunca foi um problema. Ele só
faz tudo da maneira correta. Deveríamos respeitá-lo e nos
espelharmos nele.
— Cruzes! — Beatriz faz o sinal da cruz. — Deus me livre ser
um mosca morta como o Nicolas!
— Também não é assim, minha filha.
— Ai, pai! Que saco! Vamos focar na Laura. Lau-ra! Esquece o
Nicolas. Ele nem está aqui. Está lá na cidadezinha dele vivendo o
grande sonho de ser independente. Esquece ele. Ele nem faz mais
parte dessa família.
— Beatriz! — mamãe repreende minha irmã, que em resposta
gira os olhos.
— Dá para vocês calarem a porra da boca? — Esse
obviamente sou eu.
— Ela atendeu! Ela atendeu! — Beatriz bate palmas, o sorriso
largo no rosto e os olhos brilhando.
Viro o rosto e encaro a tela do notebook se iluminar com o
rosto meigo da minha Ursinha. Acho que meu coração se enche
tanto que leva aos meus olhos lágrimas de emoção. Eu amo a porra
dessa mulher.
Por que, Deus? Por que a amo?
— Acende a luz, Beatriz — dona gracinha pede, e minha irmã
corre saltitante para acender a luz da sala.
A sala se ilumina e todos berramos “Surpresa!”. Beatriz retorna
correndo, trazendo consigo confetes que ela estoura pelo ar,
deixando o ambiente festivo e mais colorido. Enquanto isso, minha
mãe, Daniel e eu nos levantamos do sofá e começamos a cantar
alto, saltitantes e juntos para Laura:
— Parabéns pra você nessa data querida, muitas felicidades,
muitos anos de vida...
Do lado de cá, vejo que os olhos da minha Ursinha estão
cobertos por lágrimas. Sei que quer chorar. Como queria abraça-la
nesse momento, dar um beijo no topo de sua cabeça e dizer o
quanto a amo.
— É pique! É pique, pique, pique! É hora! É hora, hora, hora...
Enquanto isso, Beatriz, vez ou outra, grita algum salve
histérico como “Laura é tudo ou nada?!” e minha mãe, Daniel e eu
confirmamos o que ela diz: “Tudo!” e assim permanecemos por
alguns instantes, fazendo Laura cada vez mais perder o controle de
sua emoção.
Sim, ela chora. E isso acaba comigo, pois sei que esse choro
tem sentimentos paradoxais: é a felicidade de saber que é amada
somada a tristeza de estar tão longe.
Nos silenciamos e ficamos encarando o rosto emocionado de
Laura na tela.
— Isso não pode estar acontecendo — ela diz baixinho,
mordendo o lábio inferior no final.
— Amamos você — Daniel diz, conforme nós quatro voltamos
a nos sentarmos no sofá de frente para a tela do notebook. —
Nunca se esqueça disso.
— Queríamos você aqui. Você sabe — Beatriz afirma,
fungando. Era de se esperar que minha irmã chorona não
conseguiria segurar as lágrimas. — Papai disse que paga sua
passagem se você quiser vir amanhã mesmo. Aliás, a inauguração
da ONG do Bernardo será hoje. Você deveria estar aqui.
Laura sabe disso. Comentei com ela durante a semana. Não a
convidei para vir. Sabia que não viria.
— Parem de pressionar a garota — minha mãe intervém. —
Vamos comer bolo? Vou pegar a faca para cortar. — Ela se levanta
e desaparece pelo corredor, sendo seguida pelo meu pai.
— E eu o refrigerante. — Beatriz também se levanta e
desaparece, e eu passo minha mão pelo cabelo e suspiro fundo
com toda força. Fecho os olhos, abaixando o rosto.
Dói essa porra de distância. Você não poder estar lá, fazer o
que bem entende. Dói pra burro, como se tivessem arrancado meu
coração com as mãos, sem anestesia.
— Bê — Laura me chama, me fazendo levar os olhos para a
tela, a qual ela toca com os dedos. — Fala alguma coisa.
— Feliz aniversário? — É o que consigo dizer, abrindo um
sorriso de lado.
— É, serve. — Ela ri. — Meu aniversário mal começou e esse
está sendo o mais feliz que eu já tive. — Ela funga e passa as
costas da mão no nariz. — Eu amo você. Aliás, vocês. Tem bolo
para mim, caramba! Festa surpresa. Eu nunca tive uma festa. — Ela
aperta os olhos, como se analisasse a situação. — Quem dirá
surpresa.
— Nunca teve uma festa? — Enrugo o cenho.
— Quer dizer, não depois que meus pais se separaram. Tenho
fotos das minhas festas cheias de convidados, ornamentações, de
um a quatro anos, mas depois disso nunca mais comemorei. Então,
obrigada.
— Não me agradeça. Não tenho nada a ver com isso.
Ela parece se decepcionar.
— Sério?
— Estou sendo sincero. — Dou de ombros. — Mas saiba que
eu ia te ligar à meia noite em ponto. Estaria pelado no meu quarto.
Pelado só para você.
Ela abre um sorriso grande e faz que não. Sei que não está me
desaprovando. Ela gosta de ouvir minhas safadezas. Só é muito
pura ainda e, por isso, não se acostumou. Mas quando se
acostumar será sexo virtual todos os dias.
Mordo minha boca.
— Você não muda, Bê, mas ainda assim eu amo você.
Obrigada do mesmo jeito. Só por saber que já ganhei o melhor
presente de aniversário... olha, não preciso de mais nada.
— Teve? O que você ganhou?
— Você, oras!
— Mas foi no Natal, Ursinha.
— Você foi aquele tipo de presente que nossos pais dizem
que, por ser tão caro, vale do Natal, dia das crianças e aniversário.
— Nossa, isso foi um elogio e tanto. — Sorrio grande.
— É, foi sim. Obrigada por me dar o grande amor da minha
vida.
Só então, depois de tanto tempo, que me dou conta de que “o
grande amor da minha vida” sempre foi o grande sonho de Laura.
— E o primeiro pedaço de bolo vai para...? — Mamãe entra na
sala trazendo a pergunta que sempre estraga climas de festas de
aniversário, além de um pedaço de bolo de chocolate
aparentemente delicioso cortado no prato. Atrás dela vem meu
padrasto com o restante do bolo confeitado.
Ah, merda! Tem que ser para mim! Nada de pai, irmã,
madrasta. O primeiro pedaço de bolo tem que ser para o cara que
realizou seu grande sonho, oras!
— É claro que é para mim né, irmãzinha! — Bia para de frente
para a tela do computador, abrindo um sorriso pidão.
— Eu acho que deveria ser para o pai — Daniel opina, se
sentando ao meu lado no sofá. — Afinal, foi graças a mim que você
nasceu.
— Mas a ideia de fazer a festa foi minha — dona Anne
intervém, colocando uma mão dobrada na cintura. Com a outra, ela
continua a segurar o pedaço de bolo.
— Mas quem deu o maior presente para ela foi eu — afirmo,
abrindo um sorriso convencido e olhando para cada um dos três de
uma vez. Ao fim, olho para Laura, que boquiaberta nos encara.
— Eu vou ficar com o primeiro pedaço — ela diz
simplesmente, dando fim à confusão.
E assim nós iniciamos a nossa estranha festa de aniversário à
distância.
Capítulo 16

Estou sentado na mesa da cozinha, conforme tomo meu café


da manhã. Preparo-me para o grande dia, visto que dentro de
algumas horas tenho que sair de casa para a inauguração da ONG.
Marco não para de me mandar mensagem.
Marco: Não se atrasa.
Bernardo: Às duas estarei lá, sem atraso. Fica tranquilo. Confia
em mim.
O celular apita outra vez. Puta que pariu!
Mas agora é uma notificação no Facebook. Depois que postei
duas fotos minha e da Laura na mencionada rede social (uma
quando éramos crianças, eu com alguns meses e ela recém-curada
do câncer com uns quatro anos, e outra no ano passado quando
fomos à praia à noite), juntas a um texto de três páginas no Word
contando como nossa história de amor começou, meu celular não
para de receber notificação.
Claro, não falei sobre a história da calcinha de ursinho e nem
que ela gostava de brincar de boneca com quatorze anos quando
deveria estar pensando em me beijar, nem contei sobre sua mania
de cantar músicas de princesas. Mas falei sobre nosso primeiro
beijo, sobre a pureza que fora desde o início a nossa história.
O post está recheado de comentários e curtidas, como nunca
antes. Pessoas que já se dizem meus fãs me desejam felicidades,
Vinny fala que é meu amante, Marco fez um texto enorme contando
como se sente feliz com minha mudança.
Enquanto isso, meus amigos do futebol comentam a respeito
do assunto com várias putarias no nosso grupo pessoal. Coisas
como:
Cabeção: Não sou eu quem te ama, mas meu pau!!
Pedrão: Piu-Piu achou o Frajola!!!
Paulo: O grande Bê e a pequena Laura. kkkkk
Luís: Ela é pequena, Piu-Piu? Para ter gamado, deve ser
apertadinha.
Não respondo. Fico meio puto com esse tipo de falta de
respeito. São uns babacas. Engraçado que antes eu dizia as
mesmas putarias e agora me incomoda ver falarem isso da minha
namorada.
Henrique: Respeitem a namorada do cara. Vocês estão
passando dos limites.
Paulo: Sai daí, Romário. Você é outro apaixonado. kkkkk
Vinny: O papo é sério. Vocês estão passando dos limites.
Luís: E você está no grupo por que, viado?
Pedrão: Fala para gente como a loira goza, Vinny. Kkkkk
Paulo: Para mim não precisa. Já sei dos detalhes daquela
piranha.
Vinny saiu do grupo.
Luís: Otário.
Em seguida, uma mensagem de Vinícius é notificada:
Vinny: Caras babacas! Não sabem respeitar as mulheres dos
outros.
Bernardo: TMJ
Vinny: ♥
— Adorei seu post para Laura no Facebook. — Beatriz entra
na cozinha, como sempre, de supetão. Ela se senta à minha frente,
deixando a mochila rosa aos seus pés, mas não desgruda do celular
que tem à mão.
— Obrigado, pentelha. — Deixo o meu sobre a mesa.
— Estou fazendo um texto para ela. — Ela leva o olhar para o
celular e, com uma habilidade nunca antes percebida por mim, digita
rapidamente alguma coisa para a irmã.
Reparo em suas olheiras abaixo dos olhos, estes que estão
com os glóbulos vermelhos, como se ela tivesse saído de uma
sessão de choro. Pela primeira vez em quinze anos não vejo aquela
alegria natural na minha irmã.
— Você está bem? — quero saber. Dou um gole em meu café
e coloco a xícara sobre o pires.
— Urun. — Mas ela não me olha.
— Beatriz.
Agora ela para de digitar e me encara.
— Essa cara é por causa do Caio?
— O que você acha, Bernardo? — Ela deixa o celular sobre a
mesa. Morde o lábio, e seus olhos enchem-se de lágrimas.
Arrependo-me da pergunta. Sei que vai se derramar em
lágrimas. Minha irmã é a pessoa mais chorona que já vi na vida.
— Meu namorado acabou de dizer que vai para Porto Alegre,
talvez para Nova Iorque, e eu vou ficar aqui. E o pior: não vou nem
poder sofrer de amor à distância como você, porque ele não quer
isso.
As lágrimas escorrem por suas bochechas, que são
[13]
grandinhas, (chamava-a de Quico quando éramos crianças e ela
ficava tão irritada), fazendo o percurso até alcançar seu pescoço.
Ao invés de ficar comovido com sua situação, afinal esse
relacionamento era tudo para ela, me sinto ficar com raiva.
Aquele babaca do Caio não tinha que ter feito isso com ela,
ainda mais agora que eles transaram. E, se ele terminar, ela vai ficar
disponível para esses caras babacas que tratam mulheres como um
buraco para enfiar o pau e gozar.
Fui um desses, eu sei. Mas só foi ver as mulheres próximas a
mim e que amo sendo tratadas como um nada por aqueles babacas
do futebol que meus conceitos mudaram.
Entendo que gostem de sexo, também amo, e falar das nossas
safadezas é até divertido às vezes, mas tratar as garotas como
vadias porque estão também se satisfazendo aí já é demais.
As garotas não transam sem compromisso com quem bem
desejarem porque se desvalorizam, mas porque sentem vontade,
assim como os homens. Alguma tem umas atitudes que me fazem
entender como falta de amor próprio, como quando veem que o cara
está rejeitando-as e continuam insistindo. Mas dar uma gozadinha
libertadora, ter uns segundinhos de prazer, o que de mal há nisso?
— Eu fiz essa tatuagem. — Beatriz vira o pulso em minha
direção, me acordando de meus pensamentos. Há um desenho
preto em formato de infinito. — Tem um mês que eu fiz. Nós
combinamos que faríamos, que colocaríamos o nome um do outro
dentro, mas ele não fez, só eu. Ele desistiu do que acreditávamos
que era infinito: nosso namoro. — Ela funga, limpando com a palma
da mão uma última lágrima que passeia por sua bochecha.
Agora, não penso em trepada nem em dor. Como assim
Beatriz tem uma tatuagem? Desde quando ela pode sair se
tatuando sem o consentimento do pai e da mãe?
— Você fez uma tatuagem? — indago-a, não que eu tenha
dúvidas, porque estou vendo que é uma tatuagem real, e não
aquelas de hena que encontramos na praia. Ela não tem idade para
fazer essas coisas. — Seu pai sabe disso?
— Claro. Fiz com o meu dinheiro, o dinheiro que recebi do
último cash. Meu pai fez cara feia, mas não reclamou. Minha mãe
adorou. Está até pensando em fazer uma.
— Ninguém nessa casa tem tatuagem e a pirralha é a primeira
a fazer — resmungo mais para mim do que para ela.
— Olha, você tem que parar de me chamar de pirralha, tá
legal? Porque eu não sou. Eu cresci, Bernardo. Vou fazer dezesseis
anos no mês que vem!
— Para mim, será uma eterna pirralha.
— Você que é um pirralho idiota. Até um minuto atrás eu
estava falando da minha dor e agora você está me ofendendo.
Será que ela colocou um piercing como Carina?
— Você colocou piercing como a Carina?
— Não. Não curto. Mas fomos juntas, foi no mesmo dia que fiz
a tatoo. Ficou bonito, né? — Ela abre um sorriso grande, admirado.
— Ela ficou muito gostosa.
— É, ficou — afirmo, mas sinceramente estou indiferente se a
loira está ou não mais gostosa. Ainda penso sobre o assunto
“tatuagem”.
Deu-me uma vontade de fazer a porra de uma tribal nas costas
ou uma águia. Quem sabe também não deveria cortar o cabelo?
Perder essa franjinha de moleque? Acho que vou ficar mais
gostoso. Laura vai adorar.
Sorrio de lado.
— Fiquei sabendo que ela e o Vinny transaram. — Minha irmã
debruça os antebraços sobre a mesa, me encarando com
ansiedade. — Ela me contou. Disse que está molhada até agora. —
Ri com o que diz. — E que quer repetir a dose, e sabe que Carina
não é de repetir doses, né. Quer dizer, a não ser doses de tequila.
— Você não tinha que falar sobre essas coisas, nem pensar.
Sexo, bebida, nada disso deve fazer parte do seu vocabulário.
Ela gira os olhos e se levanta da mesa.
— Já vi que não dá para conversar com você como uma adulta
— resmunga, fechando a cara. — Já estou até com saudades do
mosca do Nicolas! — Ela pega seu celular sobre a mesa e a mochila
infantil no chão, vira as costas e desaparece pela porta.
Cruzo os braços sobre o peito e sorrio.
Também estou com saudades do mosca do meu irmão.
— Para onde ela vai daquele jeito apressado? — minha mãe
pergunta, entrando na cozinha.
— Se você que é mãe não sabe, imagina eu.
— Ela vai a um clube da cidade com as amigas — Daniel
responde, aparecendo por trás e dando um beijo na cabeça de dona
Anne. — Está muito tristinha por causa do Caio. Vou dar essa carta
branca para ela. — Puxa uma cadeira e se senta à minha frente. —
Bom dia, Bernardo.
— Bom dia.
— Mas ela vai à inauguração da ONG. Ela prometeu estar de
volta antes do almoço.
— Hum. — É tudo que digo.
— Chateado?
— Eu? Não. Só achei estranho Beatriz ter uma tatuagem.
— Ah, nem me fale. Eu não autorizei. Foi a Anne. — Ele faz
uma careta desaprovadora, apontando com o polegar para suas
costas, direção em que vejo minha mãe pegando alguma coisa na
geladeira. — Mas ela chorou.
— Dona gracinha chorou? Veja só...
— Não, bobão! — Ela se senta à minha frente, trazendo
consigo sua refeição matinal: o bolo de chocolate de ontem, o qual
ela coloca sobre a mesa. Ela se senta ao lado do marido. — Sua
irmã chorou rios de lágrimas fazendo a tatuagem.
De acordo com sua maturidade, era de se esperar que ela
fosse chorar fazendo uma tatuagem. E seguindo a mesma linha de
pensamento, não consigo acreditar que minha irmã pirralha vá a um
clube aquático com as amigas para afogar suas lágrimas.
— E vocês acham mesmo que ela vai a um clube?
— Acha mesmo que ela iria cometer um crime com aquela
mochila rosa? — Daniel zomba, rindo.
Ele está certo, mas ainda meu sexto sentido me põe em alerta.
Meu celular toca, me despertando. Não é notificação do
Facebook nem uma mensagem do Marco, é Laura via vídeo.
— Com licença — peço, me retirando da cozinha ao passo que
atendo a chamada. — Olá! Está linda hoje.
— Hum, elogios matinais? Assim que eu gosto.
— Por que está me ligando a essa hora?
— Acordei feliz. — Ela abre um sorriso grande com os olhos
brilhando, me dando o sinal de que realmente está sendo um dia
feliz para ela.
Sua felicidade reflete em mim, fazendo, sem precisar de
esforços, que um sorriso tão grande quanto o dela se espalhe em
meus lábios.
— Você acredita que quando eu acordei tinha outra festa
surpresa para mim?
Como?
Então, meu sorriso se desmancha.
— Assim, do nada, minha mãe chamou minhas amigas de
Cambridge, Bê! A Hanna e a Steph! Não as via há meses.
Então é isso?
Fernanda resolveu competir e nos copiar. Depois de anos sem
alegrar a filha com festas de aniversário, hoje ela enfim decidiu fazer
uma surpresa para a mesma. Cada dia que passa me dou conta de
que ela realmente é uma louca controladora.
— Mostrei para elas nossas fotos e nosso vídeo no parapente.
Elas te acharam um gato.
— Mas fala para elas tirarem o olho que eu só tenho olhos
para uma americana meio brasileira aí.
— Rarará! Depois eu aviso. Elas não estão entendendo nada
do que estamos conversando. Elas não sabem falar português.
— E como vou cumprimentá-las no dia do nosso casamento?
— Rarará! Você sabe falar Inglês, bobinho!
— É. Mas eu prefiro meu português.
— Fala com elas em inglês. — Ela vira a câmera para o lado
esquerdo, me proporcionando ver duas garotas muito bonitas, uma
loira e outra morena, sentadas na cama da minha Ursinha.
— Hi!
As duas garotas riem, dando com a mão para mim. Eu retribuo
com um aceno de mão.
— Só isso?
— Só, Ursinha. Estou ficando tímido, poxa.
— Elas são lindas, né? — Ela volta com a tela para seu rosto,
e eu suspiro aliviado.
— Sim, mas você é mais.
Ela revira os olhos. Fica pensativa, até que parece chegar a
una ideia, pois abre um sorriso bobo.
— Chama elas de vacas com um sorriso — ela pede.
— O quê?
— Chama!
— Não.
— Chama, Bê!
Ai meu Deus!
Ela vira a câmera para as amigas e as duas levantam seus
rostos risonhos para mim.
— Vacas! — digo, sorrindo, e as duas sorriem para mim como
se eu estivesse fazendo um elogio.
Laura volta com o celular para o rosto dela e fica rindo feito
uma boba.
Não posso deixar de observar em como ela está feliz por estar
perto da mãe, quem ela tanto ama. Mas isso não me deixa bem,
nem feliz. Queria ser menos egoísta e ficar feliz por sua felicidade,
mas não. Queria ela aqui comigo, para sempre, no meu presente e
no meu futuro, e não só no meu passado.
— Isso não é divertido? — ela diz sem parar de rir.
— Mais ou menos — afirmo meio sem graça, afinal eu ofendi
as amigas delas, por mais que as mesmas não tenham se dado
conta disso.
— Sempre sonhei em fazer isso — ela comemora.
— Você é tão boba. Parece uma criança levada assim.
Ela faz uma careta.
— E fica mais linda também — termino de falar. — Agora vou
desligar porque o Marco não para de me mandar mensagem.
— Queria estar aí para a inauguração.
— Também queria que estivesse. Não terá sentido sem você.
Na verdade, cada dia que passa, me dou conta de que nada
mais faz sentido sem ela.
Capítulo 17

Marco e eu tivemos uma discussão boba de meia hora. Ele


queria que eu falasse os objetivos e o significado do Espaço Saber,
nossa ONG. Acontece que eu não tive peito para me expressar
publicamente, ainda mais quando tem um batalhão de curiosos me
fotografando.
Vieram mais pessoas do que o esperado para o evento. Há ao
menos uma centena de pessoas na nossa casa-ONG, incluindo
jornalistas locais. Minha mãe é um deles, o que não faz o menor
sentido, visto que ela é redatora de um jornal infantil.
— Senhoras e senhores — Marco começa, puxando o
microfone para si. —, boa tarde a todos! Meu nome é Marco Aurélio,
sou um dos fundadores da ONG Espaço do Saber.
Ele me olha de lado, e eu assinto para ele, forma que encontro
de incentivá-lo a continuar a falar. Estamos no palanque
improvisado na quadra de futebol, com o nome da ONG em um
banner ao fundo. Estou ao seu lado, junto de nossos amigos
parceiros, tal como Mia.
— Em primeiro lugar, gostaria de apresentar a vocês os
objetivos da ONG — continua. — A Espaço do Saber, por meu
intermédio, partilha com satisfação a sua inauguração. Antes de
tudo, devo destacar que nos esforçaremos para fazer cumprir a
norma constitucional do direito ao lazer e a atividade física, que são
direitos de todos e um dever do Estado — enfatiza. — Mas que, por
vezes, não acontece, seja por problemas políticos ou qualquer
outro. Não vamos entrar nesse assunto. — Ele ri de lado.
Marco começa seu discurso sobre o significado da ONG por
alguns minutos, e porra! Ele nem olha no papel. Parece que decorou
o script.
Eu realmente não conseguiria dizer nada disso.
Até que ele folheia o papel à sua frente. Sinto um flash vindo
em nossa direção. Espero ter saído bem na foto. Certo que sim.
Estou de terno cinza, cortei meu cabelo, agora não tenho mais
aquela franjinha infantil, e minha barba está crescida. Estou sexy.
Sexy pra caralho. Transaria comigo agora mesmo.
Olha a loirinha da recepção do hospital ali no meio do povo
dando com a mão para mim.
Lindos peitos!
— Entre os objetivos da Espaço do Saber — Marco retorna a
falar, e eu balanço minha cabeça para os lados, tentando me
esquivar dos seios grandes da loira. — encontram-se o fomento da
mobilização de todos os segmentos da sociedade de São Gabriel na
busca de soluções para as questões da fome e da miséria, que
rondam crianças e adolescentes economicamente vulneráveis.
Desvia o olhar. Desvia, Bernardo.
Laura... Laura... apenas os peitos da Laura são lindos.
— A ONG prestará assistência a crianças e adolescentes
carentes de toda cidade de São Gabriel e distribuirá uma cesta
básica para cada família atendida e um kit nutricional suplementar
para complemento alimentar da criança ou do adolescente. A
equipe, que desde já agradeço pela constante parceria. — Marco
olha para cada um de nós, mas para o olhar em mim. — Conta com
advogado, enfermeiro, psicólogo, atletas do esporte e atores, um
grupo de pessoas talentosas e prestativas que só posso mesmo é
vislumbrar o efetivo sucesso desta Instituição. Bernardo Louzada, o
fundador desta instituição, a você o meu muito obrigado, e a você
passo as palavras.
O quê?
Merda! O que vou dizer?
Okay, okay. Qualquer coisa legal e inteligente.
Merda! Nada disso faz parte do meu cotidiano.
O público começa a aplaudir. Flashes e mais flashes surgem, e
todos olham para mim. Meu amigo estica o microfone para mim, e
eu no mesmo instante passo do gostosão do pedaço para o Pateta
da turma.
Pego o microfone e aceno para Marco, mas por dentro
fervilhando de raiva.
Eu quero te matar, seu traidor miserável!
— Não fica com raiva de mim — ele sussurra em meu ouvido e
dá uma tapa em minhas costas, que me esquenta o rosto. Eu
realmente estou chateado com isso. — Boa sorte!
Lanço-lhe meu olhar de ira e suspiro com toda força. Ando até
o espaço central do palanque e encaro o público, atento, à minha
frente. Vejo lindos olhos verdes brilhando em meio a tantos. É minha
mãe. Acho que ela quer chorar, não de tristeza, mas diria que de
orgulho. Isso de certa forma me tranquiliza.
— Bem, desculpem o nervosismo. — Coço a garganta, e a
maioria solta uma risada espontânea, em uníssono. — Não sou
muito bom para falar em público.
As pessoas riem mais um pouco.
Qual o motivo da graça? Isso aqui virou um stand up comedy?
— Obrigado. Foi de um grande incentivo — zombo.
E foi. A risada, somada aos olhos de admiração da minha mãe
sobre mim, é o suficiente para me tranquilizar por inteiro.
— A Espaço do Saber — continuo. — partilha da crença de
que “só a participação cidadã é capaz de mudar esse país”. Então,
sou muito grato pela presença de todos vocês nesse dia de
inauguração. Espero que possamos trabalhar juntos nos próximos
dias, seja por meio de doação ou do simples convívio no dia a dia.
Saibam: nossas portas estarão abertas a todos.
Sei, parece um discurso político. Isso está me enjoando. Vou
acabar com isso logo. Não tenho muito que dizer.
— Agora, chega de delongas! Vamos comer!
O público aplaude, flashes brotam em minha direção. Rostos
conhecidos começam a aparecer, e eu me sinto feliz por um em
específico. Não, não é ela. É Vinny quem está aqui. Perdeu um
sábado quente, no qual certamente ganharia uma nota na praia de
Torres fazendo seus voos de parapente, só para vir aqui e me
prestigiar.
— Estou orgulhoso de você, viado! — ele diz, me dando um
abraço apertado com duas pancadas nas minhas costas depois que
desço do palanque e me esquivo de pessoas que tentam me tocar
como se eu fosse um astro do rock. Ele me solta e me encara com o
cenho franzido, apertando meus ombros com as mãos. — Porra!
Cortou o cabelo de viadinho.
— Gostou? Estou gostoso? — Rio de lado, dando-lhe um soco
no peito.
— Ficou mais viado ainda. — Ele solta meus ombros fazendo
que não com o rosto. — Parabéns por essa conquista, caralho.
— Estou surpreso por ter vindo.
— Achou mesmo que eu iria perder essa inauguração?
Sei que ele jamais faltaria. Ele sempre esteve presente nos
bons e nos males momentos da na minha vida, bem como eu
sempre estive sempre aos seus. Só que então um gesto seu faz a
preocupação se instaurar em mim: seu sorriso se desmancha, o que
me faz questionar os motivos.
— O que foi?
— Nada. — Ele desvia o olhar. Sei que está mentindo.
— Fala, porra. Sabe que comigo não tem filtros. O que está
acontecendo que eu não sei?
— Depois conversamos. — Ele abre um sorriso, mas sei que
está se esforçando para mantê-lo em seu rosto. — Agora vai curtir
seu dia.
Vinny pode ser o cara mais safado do planeta no que se refere
a mulheres, mas com os amigos ele sabe ser honesto. Então, sei
que esconde algo de mim e está enlouquecendo com isso.
Aperto meus olhos, encarando meu amigo com firmeza, e
afirmo:
— Depois que eu cumprimentar todos, vamos conversar sobre
isso, okay? – Aperto seus ombros com minhas mãos e ele assente.
Deixo meu amigo e vou cumprimentar minha família, que está
toda reunida, de pé, em um canto do longo espaço do clube.
Conforme caminho até eles, ouço elogios, coisas como eu falei bem,
como eu mereço todo aquele reconhecimento e como eu sou bonito
pessoalmente.
— Uau! Eu abriria as pernas agora mesmo para você! — uma
voz feminina sussurra para mim quando passo.
Uau.
Laura não vai gostar disso.
Quando chego até minha família, minha mãe não para de falar
o quanto eu estou lindo, enquanto meu padrasto me lança sorrisos
que refletem puro orgulho. Sinto-me bem. Daniel é, de fato, um pai
para mim. Em momentos como o de hoje que sempre lembro que foi
graças a ele que a ausência do Vitor na minha vida não foi tão
dolorosa. Poderia ter sido pior, caso não houvesse uma presença
nos meus eventos no Limeira e até na escola. E Daniel sempre
esteve presente.
Meu irmão também está aqui. Como era de se esperar, veio de
outra cidade para me prestigiar. Só Bia que ainda não, e isso me
preocupa por um momento. Minha irmã pode ser a adolescente
mais desmiolada que eu já conheci, mas ela nunca foi ausente.
Vendo quase toda minha família reunida aqui, penso em Laura
e me sinto, pela primeira vez desde que o evento começou, triste.
Nos momentos importantes da nossa vida é difícil não ter a
pessoa amada ao nosso lado nos dando apoio. Antes era meu pai,
agora é Laura. Não gosto da comparação, mas não posso deixar de
fazê-la.
Tento esquecê-la, aproveitando cada segundo com os
presentes. Assim, o tempo vai passando sem eu perceber, conforme
algumas fotos são tiradas de mim, distraído, dou algumas
entrevistas, conheço algumas crianças da cidade, meninos
principalmente, presentes no evento com interesse em me conhecer
e já garantir suas vagas na escolinha de futebol. Eles pedem
autografo. Eu dou.
Vez ou outra, meus olhos esbarram em Vinny e a preocupação
latente em seu olhar me faz viajar em suposições nada boas. O que
está acontecendo que ele não está me contando? Então chega a
hora da verdade. Não posso mais deixar isso para depois.
Aproximo-me dele, que está conversando com uma morena de
belas pernas.
— Pode me dar um segundo? — peço, quando alcanço os
dois.
A morena faz um biquinho, mas acaba cedendo.
— Como posso dizer não para você? — Ela me encara firme
nos olhos, emitindo um nítido interesse sexual.
— Obrigado. — É tudo que digo, dando-lhe um sorriso amigo.
Quando a morena dá as costas, Vinny suspira com força, como
se tivesse algo impedindo seu coração de ficar tranquilo.
— O que você não está me contando? — Quero saber.
— Olha, eu não queria vir porque eu não ia conseguir olhar pra
sua cara e não falar o que eu sei. Mas, se eu falar, vai atrapalhar a
sua noite, mas queria estar aqui... ah, caramba! Melhor deixar esse
assunto para depois, Bernardo. Vamos comemorar.
— Não. Fala. Agora.
— Sério. É melhor deixar para depois.
Sinto uma veia do meu pescoço pulsar rapidamente. Ele está
me deixando muito aflito. O que pode ter acontecido? Será que foi
algo com a Ingrid? Ela não está por aqui. Porra, morena!
— Bernardo! — Alguém grita meu nome ao fundo, o som vindo
de trás de mim. Olho na direção e vejo que é minha mãe. — Foto!
— Vai lá — ele diz. — Depois conversamos.
— Só um minuto. — Faço um sinal com a mão para minha
mãe, insinuando que ela aguarde. Já foram tantas fotos... Desvio
meu olhar dela para encarar meu amigo com atenção. — Estou
preocupado. Fala o que aconteceu. É alguma coisa com sua mãe?
Com a morena?
— Não, a velha está ótima e a Ingrid viajou. Ela pediu
desculpas por não vir, mas disse estar muito feliz e que quer ajudar
de alguma forma. — Ele sorri, mas seus olhos, diferente do habitual,
não brilham. — É sobre a Mia que quero falar.
Franzo o cenho.
— Mia?
Ele assente e continua:
— Na noite do churrasco, ela chegou lá se esfregando em
todos os homens, lembra?
Assinto.
— Eu estava a fim, porra. Levei-a para o quarto.
Enrugo o cenho outra vez.
— Você me disse que não rolou nada, que você passou o
tempo todo do lado dela, na cama, mas que vocês não ficaram...
como que...
— E não ficamos — ele me corta, antes de eu completar o que
pensei. — Só que ela estava descontrolada, se esfregando em
mim... eu não me lembro direito... eu estava muito bêbado
também... se transasse com ela, brocharia. Eu tinha bebido muito.
Cerveja me faz brochar. — Ele dá de ombros, e por um momento,
em meio a um assunto sério como esse, acho que quero rir. —
Realmente não me lembro de muita coisa, mas o Pedrão me contou
o que aconteceu.... Segundo ele, eu sai do quarto por um segundo
e, quando voltei, o próprio estava com ela. Eles estavam pelados
já... e eu desmaiei do lado... eu não me lembrava de nada disso,
acho que nem a Mia lembra.
Porra, ele se aproveitou da Mia bêbada!
Sinto meu maxilar trincar. Quero socar o Pedro até ele
desmaiar. Se encontrasse com ele nesse momento, juro que o faria.
— Minha nossa! Caralho, Vinny! Eu... eu vou matar aquele filho
da puta!
— Eu estava preocupado, mas agora fico até mais tranquilo.
Se for dele, não tem como errar — ele analisa.
— Por quê? — Enrugo o cenho.
— Ele é negro. O filho não vai nascer branco, vai? E eu e você
somos da mesma cor. Facilita as coisas. Independentemente de
qualquer coisa, ela vai saber quem é o pai quando nascer. — Ele ri
de lado, e eu não consigo achar graça em sua brincadeira, sendo
que antes acharia.
— Isso não é engraçado.
— Desculpa.
— Vocês não tinham que ter feito isso com ela.
— Eu não fiz nada. Estava tão inconsciente quanto ela.
— Ela já sabe?
— Eu tive que contar. Não consegui olhar para a cara de
desespero dela e fingir que nada estava acontecendo. Não sou um
cara tão horrível assim. Tenho princípios, e esse tipo de situação me
deixa com muita ira. Sei que o Pedro vai me odiar pelo resto da
vida. Ele só me procurou e contou porque estava desesperado. De
certa forma, ele não se sente bem com o que fez. Na verdade, ele
se sente muito culpado.
— Não acredito que está defendendo ele.
— Não estou. É o que vejo. Ele vai ter um filho e, nossa, só ele
sabia disso.
— Ah, a preocupação dele então é essa?
Vinny abaixa o olhar, se dando por vencido.
Hoje mais do que nunca, posso concluir que Pedro é o cara
mais babaca que conheci.
— Ele ria de mim o tempo todo — me recordo —, me
chamando de papai, enquanto sabia que o filho poderia ser dele. —
Só de me lembrar de seu sorriso cínico meu sangue ferve,
esquentando meu rosto. — Agora entendo por que ele não veio à
inauguração. Ficou com medo de me encarar. Sabia que você me
contaria.
— Bernardo. — Vinny toca meu ombro com uma mão, me
encarando com firmeza nos olhos. — Deixa o Pedro para depois.
Conversa com a Mia agora. Ela pediu que eu não te contasse nada,
ela também não queria estragar seu dia com os problemas dela,
mas acho que ela já sabe que te contei, pois ela está olhando para
cá toda hora, completamente aflita. — Ele aponta com o queixo para
minhas costas. — Ela não ficou feliz com a notícia. Não acho que
esteja orgulhosa do que aconteceu. Sei que se sente culpada.
Giro a cabeça para o lado e olho por cima dos meus ombros,
encontrando com o olhar de súplica e tristeza da minha ex-
namorada sobre mim.
Caramba, Mia! Por que você deixou isso acontecer?
— Se eu a tivesse engravidado, eu cuidaria disso — Vinny
afirma, me fazendo levar o rosto para ele outra vez. — Pode ter
certeza. Não a deixaria na mão.
— Beleza. — Assinto para ele e aperto sua mão, como forma
de me despedir ou de dar um sinal de que encerrei o assunto. —
Vou conversar com ela agora. Obrigado por me contar a verdade.
Capítulo 18

Enquanto a maioria das pessoas sorri ao conversar e


comemorar a inauguração da ONG, Mia e eu parecemos estar em
um funeral. Ela chora, e eu tento fazê-la ficar calma abraçando-a e
dizendo que vai ficar tudo bem e que Pedro não é um cara tão mal
assim.
Quem eu estou querendo enganar? Que merda estou dizendo
para ela?
— Pelo menos agora sei quem pode ser o pai. — Ela funga,
saindo dos meus braços, e desvia o olhar. — Eu só estou com medo
de ele não querer assumir.
— Eu não vou o deixar fazer isso.
— O que você vai fazer?
O que eu poderia fazer, afinal?
— Quebrar o nariz dele? — Sorrio, brincalhão. Eu seria sim
capaz de ao menos ter uma conversa franca com ele. —
Brincadeira. Ele vai fazer o que tem que ser feito, a não ser que
você não queira, aí podemos deixar para lá.
Ela faz que sim.
— Posso te pedir uma coisa, Bernardo?
— Claro.
— Você promete que não vai contar nada para o meu irmão
sobre o Pedro? Sobre essa parte que eu estava inconsciente?
Eu não posso prometer, Mia. Preciso do Marco para me ajudar
a dar uma surra em conjunto naquele merda do Pedro, e tenho
certeza de que seu irmão topará quando souber o que o babaca fez
com você.
— Eu acho que é algo pessoal — digo. — Se tem alguém que
deve decidir quem vai saber a respeito, esse alguém é você. Mas
acho também que seu irmão só quer o seu bem, e ele merece estar
ciente de qualquer pessoa que tenha feito mal a você.
— O que vocês vão fazer com o Pedro?
— Eu não farei nada.
— Eu gosto dele. Por favor, não façam nada de mal a ele.
Enrugo o cenho.
— Minha obstetra falou que é normal se sentir carente, eu
disse para ela que me sentia muito sozinha e com uma necessidade
muito grande de ter alguém, e ela disse que era normal por causa
da gravidez. Mas eu gosto realmente do Pedro.
— Você gostava de mim até ontem, Mia. — Não que eu esteja
com ciúmes, mas ela não pode estar falando sério. Não se gosta e
desgosta assim da noite para o dia. Quer dizer, pelo menos para
mim não funciona assim.
— Eu nunca gostei de você. Eu não gostava do fato de você
não gostar de mim.
Sinto minha boca se abrir em um pequeno “o”.
— Isso soa um tanto egoísta.
— Eu nunca disse que eu não era egoísta. — Ela arqueia a
sobrancelha em minha direção.
— Você me dá medo — brinco, abrindo um sorriso. — Mas
você não pode gostar de um cara que não te respeita.
— Ele me respeita.
— Ele transou com você enquanto você estava inconsciente.
Caramba, eu já fui um babaca um dia, mas nunca teria sido
capaz de transar com uma garota desacordada. Não consigo pensar
em como poderia ser bom se ela não estivesse vendo, participando,
aprovando o ato. Será que ninguém consegue se dar conta de quão
errado isso é? Por que Mia não se importa?
— Estava todo mundo chapado, Bernardo.
E por que está todo mundo defendendo esse cara? Essa
defesa só me faz sentir cada vez mais vontade de amassar o crânio
daquele infeliz.
— Tudo bem, você está certa — minto, mas agora Mia não
parece mais interessada na conversa “Pedro babaca”, pois olha
para algo muito atrativo atrás de mim.
— Aquela não é a Bia? — Ela aponta a unha pintada de
vermelho para a direção em que tanto olha e no mesmo momento
reconheço a fala autoritária da minha irmã:
— Me solta, seu lixo! Me solta, seu pedaço de merda!
Giro o corpo para trás e vejo que Beatriz está sendo carregada
para fora do clube por dois seguranças duas vezes maiores do que
ela. Já que está sendo carregada pelos braços, suas pernas flutuam
no ar.
Olho para os lados, procurando por minha família, mas não
vejo ninguém.
— Puta que pariu! — rosno, levando meu rosto de volta para
Mia. — Que diabos essa garota arrumou?
— Ela parece... hum... — Mia torce o lábio. — Bêbada?
Bufo e viro as costas, me desviando do mar de gente para
chegar até minha irmã, que tem cada vez mais a voz gritante de
garota mimada que é. As pessoas param de falar, de beber, comer e
sorrir só para prestar atenção ao escândalo gratuito e inesperado da
caçula dos Louzada, enquanto alguns fotógrafos tiram fotos da
situação.
Eu só posso ter cagado na santa ceia, na moral!
— Eu sou irmã do Bernardo, seu babaca! Você acha que pode
encostar em mim assim? Eu posso te processar por isso, seu.... —
Ela levanta a cabeça e cospe no rosto de um dos seguranças, o
mais alto dos dois. — Lixo! Me solta! Lixo! Você não pode encostar
em mim! NÃO PODE! Eu sou uma Louzada!
— Eu a ensinei a ser assim... — Mia, que está sendo guiada
por mim, pronuncia baixinho em tom de culpa.
Está aí uma verdade vinda de Mia que preciso concordar:
minha irmã se tornou uma adolescente rebelde e malcriada graças a
minha ex, por quem sempre teve tanta admiração.
— Eu a tornei pior do que eu!
Alcanço Beatriz e os seguranças quando eles param em frente
ao portão grande de saída do clube e viram seus corpos para mim.
É quando Beatriz me nota.
— Bernardo! Manda esses lixos me soltarem! Bernardo! Eles
estão me expulsando do evento!
— Por favor, soltem-na — peço, com gentileza que me cabe.
Na verdade, acho que até soo um pouco autoritário, mas, na
verdade, é a irritação pelo fato de minha irmã está passando
vergonha em público e, para variar, bêbada.
Bêbada.
Porra, Beatriz só tem quinze anos! Já a vi dando goles em
alguns copos de bebida, mas bêbada? E ela saiu de casa com a
merda de uma mochila rosa dizendo que iria para um clube com
uma amiga. Como pode chegar aqui dessa maneira? E cadê a
mochila?
Os seguranças me obedecem soltando Bia, que, quando tem
os pés firmes no gramado, puxa sua regata branca para baixo
ajeitando a roupa no corpo. Agora noto que, ela, além de bêbada,
está suja e com um cheiro horrível.
— Fala para eles que sou sua irmã! — ela berra, apontando
para os brutamontes atrás de si com o polegar direito. — Fala para
esses merdas que eles não têm que tocar em mim dessa maneira!
Quem eles pensam que são?
— Por que estavam levando minha irmã para fora do evento?
— Achávamos que ela era uma invasora — o menor deles se
explica. — E ela estava causando problemas aos convidados.
Franzo o cenho.
— Só por que eu falei que a Michele Passos era uma
vagabunda?
Não posso deixar de escapar um leve sorriso.
Michele Passos é uma das socias da ONG, modelo, minha
amiga de infância, de quem Bia nunca gostou. Ela não gosta de
nenhuma garota que fiquei, com exceção de Mia e Laura, imagina
das garotas com quem seu namoradinho — digo, ex-namorado — já
ficou, e a Michele é uma das poucas, o que eu acredito que seja
muito pior do que ser várias. Isso a torna especial.
— Por que você a chamou de vagabunda, Beatriz?
— Porque ela riu de mim porque eu estou assim! — Ela aponta
para o próprio corpo. — Agora é isso? Só porque o Caio me deixou
eu me transformei em uma piad-aa? — A última sílaba se enrola
para sair de sua boca, e só então me dou conta da situação que
Beatriz enfrentará quando minha mãe e Daniel a virem nessa
situação. Principalmente Daniel. Ele não economiza nos castigos.
Já tive a idade de Beatriz. Não enchia a cara e arrumava
problemas porque sofria de amor, mas sim por causa do meu pai.
Pensando bem, de certa forma, também era por causa de amor, ou
melhor, a falta dele. Então, de certa forma a compreendo e, da
mesma forma que algumas vezes ela escondeu as minhas merdas
para que me poupasse dos sermões da minha mãe e de Daniel,
posso fazer isso por ela em retribuição.
Mas só dessa vez. Não quero ser o irmão que passa a mão na
cabeça da irmã que faz merdas, e se faço isso é também para
poupar a noite feliz que minha mãe e meu padrasto estão tendo.
— Mia — a chamo, virando meu corpo para ela e pegando a
chave do meu carro no meu bolso. — Você acha que consegue
levar Beatriz para casa?
— Claro. — Ela sorri, amigável, pegando a chave da minha
mão, e anda até a amiga, abraçando-a de lado em um gesto que
entendo como de proteção.
Mia será uma ótima mãe, posso ver isso agora. Isso me deixa
feliz. E se me preocupo com ela e fico feliz por vê-la bem não é
porque eu ainda gosto dela como um homem gosta de uma mulher,
é porque tivemos algo muito forte no passado. Éramos mais que
amantes, éramos ótimos amigos, dividindo nossas dores e
problemas pessoais, o que contribuiu para que minhas bebedeiras e
rebeldias juvenis cessassem, e eu sou grato a ela por isso.
— Você vai me mandar de volta para casa? — Beatriz
pergunta, fazendo bico.
Assinto simplesmente.
— Eu quero muito você comigo hoje, mas não assim. E não
acho que a mamãe e muito menos o Daniel ficarão contentes por te
ver assim. Sei que estou errado, mas estou te poupando de um
castigo, mas, na próxima, não te pouparei.
— Não vai ter próxima — Mia garante.
— Obrigado, Mia. — Aceno e ela me devolve outro em
resposta.
Mia vira de costas, carregando Beatriz para fora do clube
abraçada a ela. Posso ouvir o choramingado da minha irmã, isso
parte meu coração, mas não posso permitir que ela fique aqui nessa
situação, pois, além do fato de estragar a noite de seus pais, estou
poupando-a de arruinar a própria imagem.
Eu sou um cara que estou na mídia agora. Sinceramente,
gostaria de estar cagando para o que os jornais falam de mim. Eu
só quero jogar meu futebol e fazer gols pelo meu clube, mas
preservo minha imagem porque é importante para que eu tenha um
público.
Beatriz também precisa entender essa situação, ela precisa
entender que a imagem dela deve ser resguardada, afinal ela
também está entrando na mídia, é modelo fotográfica. Além do
mais, sei que ela surtará vendo os jornais e as revistas falando mal
dela, coisa que sei que amanhã cedo irá acontecer, mas acho que
ainda posso reverter essa situação.
Viro-me para o segurança mais alto.
— Você pode, por favor, deixar isso em sigilo?
— Sim, senhor.
— E avise a minha mãe que minha irmã esteve aqui e precisou
ir embora. Diga que... — penso em algum argumento qualquer, mas
nada vem. — que ela sentiu uma breve dor de barriga.
Ele concorda, assentindo, dá as costas, desaparecendo no
meio da multidão, que agora parece indiferente com o que acabara
de ocorrer.
— E você — chamo o outro, que me encara com o rosto duro,
sem expressão. — Pode dar um jeito naqueles dois fotógrafos que
tiraram fotos da minha irmã? — Aponto para os dois rostos
conhecidos na multidão.
— Claro, senhor. O que quer que eu faça?
— Diga que era uma intrusa, que aquela não era minha irmã.
Beatriz Louzada está em casa, estudando para uma prova
importante na segunda.
— Certo.
Uma coisa é fato: nesse meio midiático, precisamos preservar
a nossa imagem. Se não, nossos objetivos vão para o ralo.
Segunda-feira, 09 de março de 2015

Tenta me reconhecer no temporal


Me espera
Tenta não se acostumar
Eu volto já
Me espera
ME ESPERA – SANDY
Capítulo 19

A festa de inauguração da ONG foi um sucesso. No dia


seguinte, não tinha qualquer notícia negativa acerca do vexame da
minha irmã no evento. Os jornais locais noticiaram o sucesso da
inauguração, criaram expectativas sobre minha carreira em clubes
maiores e outras coisas afins.
A única notícia que não foi muito legal foi a de um jornal mais
voltado para fofoca, que supunha que eu estaria reatando com “a
modelo Mia Abreu” uma vez que fomos vistos juntos e já tivemos um
“caso no ano passado” como eles escreveram.
Não sei o que pensar sobre essa suposição. Que bom que
Laura não está aqui, assim não preciso me preocupar. Ela sente
muito ciúmes de Mia, e enlouqueceria vendo uma suposição como
essa. Aliás, sequer mencionaram o nome da minha real namorada
na notícia. Também, o que mais poderiam dizer? “Bernardo e Laura
conversam mais uma vez via Skype?” porque foi o que fizemos
depois que cheguei do evento.
Realmente não tem sido bom para nós essa situação. Para
mim, tem sido uma tortura essa distância que me impede de saber o
que realmente se passa na vida dela. Ela ainda anda estranha,
mesmo afirmando que está tudo bem, que só está ansiosa com a
resposta do mestrado em Cambridge, que ao que parece sai nessa
semana. Mas a desculpa não me convenceu. Sei que me esconde
algo, e não consigo imaginar o que possa estar lhe atormentando
tanto.
Às vezes penso que pode ser a doença que talvez tenha
retornado, mas, se assim fosse, ela me contaria. Não teria por que
esconder de mim, nem de sua família daqui. É algo que a aflige a
ponto de ela não querer me contar. Ou talvez não possa.
Fernanda.
Sinto cheiro da minha sogra envolvido nessa situação. Só
pode ser ela. Talvez ela esteja ameaçando Laura, talvez esteja
fazendo algum drama, uma pressão psicológica para que minha
Ursinha não fique comigo e sim com ela em Nova Iorque. Só pode
ser isso.
— Ei, em que tanto pensa? — Rubens para na minha frente no
banco de reservas, lugar em que estou sentado desde a hora em
que pisei no CT nessa segunda-feira quente.
Cheguei alguns minutinhos atrasado, mas posso ver que
Rubens preparou treino técnico para a primeira parte do
treinamento. Os boleiros estão trocando passes e dando chutes e os
laterais aprimoram seus passes, enquanto os reservas estão
fazendo musculação na academia. Como sou ponta direita, deveria
estar atuando como um dos atacantes pelos lados do campo, na
região do escanteio, mas estou aqui sentindo saudades da minha
namorada.
Se apaixonar é realmente uma grande merda. Coração deveria
ser de aço!
— Saudades da sua guria? — Ele se senta ao meu lado e olha
para o campo apertando os olhos devido ao sol de meio-dia. —
Saiba que isso não vai garantir sua vaga no Internacional.
O fato de eu não estar em campo não é só por Laura. Quer
dizer, a distância entre Laura e eu me deixa para baixo e, por vezes,
desanimado, mas o fato não atrapalha meu interesse em treinar
hoje, o que pela primeira vez acontece. Eu nunca cheguei ao CT e
fiquei sem treinar.
Quem atrapalha é Pedro. Ele está em campo e me encara vez
ou outra com um maldito sorriso que julgo como de deboche
estampado em seu rosto enquanto dá batidas fortes na bola contra
o pé de outro jogador, que gera um barulho que nunca me
incomodou antes.
Pac.
Fecho os olhos e suspiro com força.
Pac.
Meu sangue ferve cada vez que ele me encara. Juro que seria
capaz de me levantar daqui nesse minuto e interromper suas
batidas fortes contra a bola.
Pac.
— É meio-dia — digo, me levantando com pressa, mas sei
que, no fundo, queria invadir o campo e socar a cara daquele
babaca. — Acho que podemos almoçar e voltar a treinar dentro de
algum tempo.
— Bernardo. — Rubens se levanta e toca meu ombro, me
olhando nos olhos. — Você é meu melhor jogador, mas não quero
que se torne o pior por motivos pessoais. Preciso que esteja aqui
sempre pontualmente e treinando duramente como sempre fez.
Marco faltou ao treino hoje, o que não é nenhuma surpresa.
Cansei de ver colegas de treino fazendo corpo mole, Vinny era um,
e não havia essa preocupação. Se Rubens se preocupa é porque
ele se importa, é porque eu faço a diferença. Resolvo então que, se
não quero me prejudicar no clube, devo contar o que na verdade me
incomoda.
— Estou com um problema pessoal, isso é fato. Mas não é
com minha namorada, muito menos em casa. É aqui no clube.
Ele aperta os olhos e solta sua mão do meu ombro para cruzar
os braços sobre o peito. Encara-me, atento, esperando por uma
explicação.
— Isso é uma grande novidade para mim — afirma, me
lançando uma careta confusa. — Todos aqui são seus amigos. Te
respeitam e te admiram, e você faz o mesmo por eles. Você se dá
tão bem com todos. — Ele emite uma expressão firme, parecendo
ter concluído algo. — Inveja, é isso? — Quer saber. — Por sua
popularidade, pelo fato do Internacional estar de olho em você...
Dou de ombros.
— É, acho que é isso — afirmo. Claro que o meu problema
com Pedro não tem nada a ver com inveja, mas se confirmo é
porque quero mais do que tudo dar fim a essa conversa.
— Posso conversar com a pessoa.
— Deixa para lá, técnico.
— Sou seu amigo, Bernardo. Quero seu melhor. — Ele aperta
meu ombro outra vez e me olha firme nos olhos, mesmo que eu
desvie minha atenção para o campo. Para Pedro.
Dessa vez, o babaca não treina mais. Ele está parado e, por
cima dos ombros de Rubens, me encara firme nos olhos em sinal de
desafio, levantando rosto. Acho que retribuo o gesto, sentindo meu
peito se encher de ar, me fazendo ficar na posição de um galo de
briga. Pedro ri e faz que não, andando de costas até alcançar a
entrada para o vestiário, mas sem tirar os olhos de mim.
Rubens segue meu olhar e parece, então, se dar conta da
pessoa problema no CT.
— O Pedro? — Ele ri, fazendo que não. — Como pode levar
algo a sério vindo do Pedro?
— Não há nada de errado entre Pedro e eu — digo
simplesmente e viro as costas, logo correndo até a entrada que leva
ao vestiário.
Quando entro, encontro os caras em uma rodinha ao redor de
Pedro. Eles falam ao mesmo tempo, gerando uma confusão no
vestiário. Posso ouvir palavras como “gostosa”, “mulher”, “comi”,
“fodi”, “safada”.
Certamente assistem a alguma pornografia ou veem fotos de
alguma guria com quem dormiram. Eles sempre fazem isso quando
a garota dorme. É a prova de que “comeram”. Também já fiz isso.
Fui babaca, eu sei.
Mas agora imaginar isso e ouvir essas palavras gera em mim
muita irritação. Assim poderiam estar falando sobre Laura ou
Beatriz. E até minha mãe. Não gosto de pensar nisso. Mas por que
antes nunca pensei e me preocupei?
— Safada, olha isso — diz Phelipe, o cara mais forte e alto do
Limeira, o nosso goleiro titular. Depois, ele sai da rodinha, batendo
palmas, e me nota de pé atrás deles. — Já viu? Fotos da Carolina,
moleque. Peladinha. Feitas pelo Pedrão. — Ele aperta o ombro do
amigo e abre um sorriso malicioso. — Uma delicinha.
— Bernardo se juntou ao Henrique — Pedro zomba,
guardando o celular no bolso, fazendo com que os outros saiam de
cima dele e caminhem em direção ao chuveiro. Ele anda até mim,
me encarando cada vez mais firme, a cada passo que dá. — Agora
ele é um carinha apaixonado. Não pode se comprometer vendo
fotos de outras. É traição essa porra? — Ele ri em deboche. —
Vocês são tão otários! — Encara Henrique que, sozinho, está
tirando sua chuteira.
Henrique se mostra indiferente. Não emite sequer uma
expressão.
Ele é um cara tranquilo. Até quando estava solteiro, ele era.
Por mais que Pedro faça piadinhas ofensivas sobre sua fidelidade,
já ouvi o mesmo dizer que caga para o que Pedro fala, que acha o
amigo babaca e sem noção. Deveria eu compartilhar do mesmo
sentimento, mas agora mesmo estou louco para enfiar meu punho
em sua cara.
— Otário, eu? — pondero, dando dois passos até estar de cara
a cara com ele. — Ao menos, se eu dormisse com uma garota, eu
gostaria que ela estivesse sóbria e acordada. E você, o que tem a
dizer sobre isso?
Posso ver o medo estampado em seus olhos e a maneira
como ele engole seco. Sério que ele achou que Vinny não me
contaria?
Babaca.
Olho para os lados e vejo que todos nos encaram com
atenção. Phelipe está duro, parado na mesma posição que ficou ao
se dirigir a mim, Henrique parou as mãos nos cadarços de sua
chuteira e os caras que estavam prestes a entrar no chuveiro
pararam e nos encaram com atenção. Estaria eu agindo de uma
maneira muito desenfreada?
Caguei para isso.
Quero falar tudo que está entalado aqui. E seria bom que
todos ouvissem e que soubessem com quem estão lidando.
— Não vai falar nada? — continuo, devido ao silêncio, e Pedro
me encara. Suas narinas se abrem. Ele está nervoso. Não gosta de
ouvir a verdade? — Que tal começar falando que fetiche é esse que
você tem para você dormir com garotas desacordadas? Sente
prazer com isso?
Pedro não diz nada, mas não para de me encarar. O único
som que ouço é de alguém deixando cair algo no chão, talvez uma
tolha. Também não olho para o lado, mas posso sentir que Phelipe
gira o rosto levemente para encarar alguém ao seu lado, que pouco
me importa saber quem é.
— Fala, porra! — berro para Pedro, tocando seu peito duro e
nu com meu indicador, o que faz com ele dê dois passos para trás.
— Fala!
— Calma, Bernardo! — Posso ouvir a voz de Henrique e seus
braços me puxando para longe.
Não sei o que ocorre. Só sei que, do nada, tenho Pedro em
cima de mim, me lançando um soco em cheio no olho, que dói tanto,
mas não tanto a ponto de me fazer calar:
— Isso foi estupro! Estuprador! Isso que você é!
— Cala a porra da boca! Não fala o que você não sabe!
Não sei? Ainda tem a audácia de se defender?
Sendo guiado pela raiva acumulada gerada por seu deboche,
parto para cima de Pedro e o jogo sobre o banco oposto ao que
Henrique estava. O babaca cai de costas, emitindo um grunhido.
Em seguida, tudo fica escuro. Mas posso ouvir alguns gritos ao
passo que sinto minha mão, cerrada, indo em direção ao rosto de
Pedro diversas vezes. Não sei quantas. São muitas. A raiva me vem
de uma maneira que não sei explicar. Por um motivo que não
entendo, penso em Vitor e os flashes do dia em que ele me
espancou vêm à minha cabeça, e continuo repetindo o gesto em
Pedro.
Meus dedos doem, mas pouco importa. Quero que pare de
doer aqui, aqui dentro onde dói mais do que nunca. Dói tanto que
não sei o porquê disso.
Sinto alguém me puxar de cima de Pedro e só então permito
abrir meus olhos. É o técnico Rubens com a ajuda de Phelipe que
me arrasta para fora do vestiário. Henrique está agachado, dando
algumas tapinhas na cara de Pedro, que está desacordado. Os
outros só encaram a situação. Covardes. Babacas. Por que não
saíram em defesa do amigo estuprador?
— Que merda foi essa??? — Rubens berra, me jogando contra
o banco de reservas, o mesmo local que estávamos antes. — O que
deu em você?
Respiro com força, sinto meus ombros subirem e descerem.
Meu rosto quente, minha boca aparentemente trincada. Eu sinto
raiva, mas agora já não tenho certeza se é só de Pedro.
— Eu falei que poderíamos conversar, merda! — Ele bufa,
passando a mão pelo cabelo grisalho, que cai sobre sua testa
suada. — Porra!
— Parece que ele acordou — Phelipe grita da entrada da porta
do vestiário, fazendo sinal de positivo para alguém atrás de si. —
Foi o que me disseram.
— Você parecia um maluco! — Rubens não para de falar.
Nunca o vi assim. — Poderia ter tirado a vida do Pedro! Perdeu o
juízo? Inaceitável isso! Por que não conversou comigo? Não
precisava se abrir, mas, se soubesse que o problema entre vocês
era tão grande assim, te afastaria por alguns dias, poderia te dar
uma folga para esfriar essa sua cabeça oca!
— Eu sinto muito, Rubens. — Me sentindo começar a ficar
envergonhado, é tudo que consigo dizer.
— Olha para você! Olha seu rosto!
Só então me dou conta que meu rosto, a altura da minha
sobrancelha esquerda, dói. Passo a mão, e a dor aumenta. Desço-a
e vejo gotas de sangue na ponta dos meus dedos.
— Eu não aceito isso! Não aceito! — Bufa outra vez. — O que
eu vou fazer com vocês? Me diz! O que vou fazer?
— Realmente me desculpe.
— Você não é de brigas, nem o Pedro. É por causa de mulher?
Caralho, tem um monte por aí!
— Não é por causa de mulher, senhor.
— Eu vou dar uns dias! — Ele aponta o indicador em minha
direção. — Uns dias! Para vocês esfriarem essas cabeças ocas de
vocês.
O quê?
Posso sentir minha boca em um “o”.
Ele está me suspendendo, é isso?
— Estou sendo suspenso por causa disso?
— Você acha mesmo que foi pouca coisa? — Ele ri de lado,
fazendo que não. — Deveria cortá-los do próximo jogo, colocá-los
no banco. Mas infelizmente preciso dos dois. São os meus
melhores. Preciso dos dois nesse jogo importante, aliás, um jogo
que seria muito mais importante para você!
Fecho os olhos e lembro-me do porquê: é o primeiro jogo do
campeonato da segunda divisão, partida em que teria a presença da
comissão técnica do Internacional, cujos olhos estarão sobre mim.
Eu jamais poderia estar de fora dessa partida, ainda mais por um
motivo tão fútil, mas também não significa que perder alguns treinos
não seja importante.
O jogo é dentro de um mês.
— Eu não posso perder mais treinos — analiso.
— Deveria ter pensado nisso antes.
O quê? Agora o técnico Rubens acha que estamos no
colegial?
— Vocês às vezes se comportam feito moleques! — desabafa,
confirmando que sim, retornamos ao colegial. — Merda! Chega
dessa merda! Suspensão para os dois! Por uma semana! — Ele dá
as costas, sumindo pelo portão grande de entrada.
Fico sozinho com meus pensamentos.
Merda. Uma semana é muito tempo de treino perdido para
uma partida tão importante quanto a próxima, a partida mais
importante da minha vida.
Capítulo 20

Pedro teve sorte por Marco ter faltado ao treino, porque sei
que seriam dois contra ele. Não sei os motivos das faltas do meu
amigo, mas estou pouco me lixado para essa merda.
Sobre Pedro, depois da briga com o mesmo, não tivemos
contato. Mia me ligou dizendo que o babaca telefonou para ela
chamando-a conversar. Ela disse está mais aliviada, e isso me deixa
tranquilo. Por outro lado, ela não ficou satisfeita quando soube o que
fiz com ele. Mas tudo bem. Pelo menos, os socos serviram de
alguma coisa: Mia vai ter uma conversa com o cara que a
engravidou e eu aliviei a raiva que sentia.
Sinceramente, eu não consigo entender o que aconteceu
comigo, mas sei muito bem que a ira que senti enquanto socava
Pedro foi uma ira acumulada, porém não era dele que eu tinha tanta
raiva. O rosto que eu desejava socar não era só o dele.
Eu queria que fosse o rosto de Vitor.
No entanto, agora, por alguma razão que eu não compreendo,
pensar nesse homem já não me incomoda tanto, já não me faz
sentir tanta repulsa. Quando penso nele, sinto uma breve paz, é
como se liberar minhas angústias ontem tivesse me deixado leve.
Pensando pelo outro lado, não sei se isso é bom porque, se antes
descontava minhas frustrações em álcool e mulheres, agora deveria
eu descontar em rostos alheios?
E não posso deixar de comparar que agi como ele agiu
comigo, e isso é uma grande merda. Não quero ser como ele.
Meu telefone toca, me dispensando. Giro meu rosto para o
lado e o vejo, com a tela iluminada, na cabeceira da minha cama.
Estico o braço e encaro a tela. É Laura me ligando via Skype.
Devido ao meu olho machucado, cogitei não falar com ela por
vídeo hoje, mas não posso esconder as coisas dela. Para atrapalhar
nosso relacionamento basta a distância. Agora, mentiras? Por que
não evitar? Pena que ela não parece pensar o mesmo. Sei que
ainda me esconde alguma coisa. Espero que possa me contar em
algum momento.
Atendo a chamada, posicionando o celular em direção ao meu
rosto, conforme me ajeito no travesseiro encostado na cabeceira. O
rosto distraído de Laura se expande na tela que, ao me encarar,
muda para preocupação.
— Bê! Que olho roxo é esse?
— Eu briguei. — Faço uma careta preocupada. Como dizer
para ela que brigou por causa de outra? Aliás, por causa da minha
ex, quem ela abomina?
— Brigou? Com quem? Por quê?
— Pedro.
— Por causa da Mia? — Sei que brinca, seu tom demonstra
isso, mas me pergunto como ela pode acertar.
Laura não sabe sobre Mia e Pedro. Não contei ainda. Depois
que soube da notícia no dia da inauguração da ONG, nos falamos
via Skype, mas foi tão rápido que não deu tempo de conversar
sobre muita coisa.
Cada dia que passa odeio mais essa coisa de namoro à
distância.
— Não foi pela Mia, mas pelo que ele fez com a Mia.
— E o que ele fez?
— Eu não tive tempo de te contar. — Coço o topo da minha
cabeça. — Quer dizer, você parece estar sem tempo. Não queria
preocupá-la com meus problemas.
— Bê, você pode falar quando quiser comigo. O fato de eu não
estar 100% disponível não significa que eu não me importe.
Enrugo a testa. 100% disponível? Para onde — ou para quem
— está indo a outra parte dessa porcentagem?
— Agora me conte sobre Pedro e Mia, o que eu ainda não sei.
— Eles transaram. — Dou de ombros.
— Nossa, vocês realmente fazem isso? Trocam de namoradas
como alguém que troca figurinhas repetidas?
— Na verdade, sim. — Não me orgulho, mas é uma das
verdades que não quero esconder dela. — E eu não faço, eu fazia,
e não farei nunca mais.
— E por que está me contando isso agora? Que importância
isso tem para a gente?
— É que eu não sabia. Pelo visto, nem a Mia sabia.
— Perai. Não estou entendendo. — Ela fecha os olhos e
balança a cabeça para os lados, como se tentasse desembaralhar a
confusão em sua mente. — Você não está achando que o Pedro,
aquele cara maluco, foi quem engravidou a Mia, está?
— Pior que estou.
— Você não pode estar falando sério!
— Estou. Tenho quase certeza que é dele. E acho que ele
também.
— Meu Deus! Coitada da criança. Dois pais malucos.
— A Mia vai tomar jeito.
— Espero realmente que sim. Mas espera, Bê, você está
dizendo que ela não sabia que tinha transado com ele, isso quer
dizer que ela estava inconsciente quando aconteceu?
— Parece que sim.
— Meu Deus! Isso não seria estupro?
— É o que parece. Mas, olha, eu não sei, tá bom? Essas
festas que nós vamos... quer dizer, que eles vão e eu ia... nessas
festas rolam muitas bebidas e às vezes algumas drogas pesadas, e
todo mundo fica bem louco. Você viu lá na casa do Pedro. Eu não
sei o que pensar. Eu não estou defendendo ele, só não sei o que de
fato ocorreu porque a Mia não lembra... o Vinny não lembra... e o
Pedro parece que também não lembra direito...
— Isso deve ser tão horrível.
— As festas? Até que não.
— Não, engravidar assim. Sem saber quem é o pai. E aí tentar
ficar lembrando com quem você dormiu. Deve ser ruim.
— É, deve ser. — Dou de ombros, indiferente. Não que pensar
nisso não me interesse, mas o que me chateia é a situação com
Pedro. Por que debochava da minha suposta paternidade, estando
ciente de que talvez poderia ser ele o pai? — O cara estava me
zoando esse tempo todo. Até me chamava de “papai”. Ele sabia de
tudo e estava rindo da minha cara.
— E aí você está chateado pelo deboche dele e resolveu dar
um soco na cara dele e receber outro em troca? Ou será que foi o
contrário?
— Não, foi o contrário. Ele quem começou. E, na verdade,
brigamos pelo fato de ele ter feito o que fez com Mia e não por sua
reação comigo. O deboche só contribuiu para que eu o incentivasse
a partir para cima de mim.
— Bê, a Mia é...
— Olha — interrompo-a. —, sei que tem ciúmes dela e
entendo. Mas isso não se faz, Laura.
— Sei que não. Você está certo. Mas não acho que o Pedro
seja pior que a Mia.
— Você nem o conhece. Eu sim. Aos dois. Eu posso falar. E
ele sempre foi um babaca, disso tenho certeza, mas se aproveitar
de uma mulher desacordada, isso eu não esperava.
— Eu sinto muito, Bê, por ela. Sei que gosta dela... — Ela faz
um biquinho. —Como amiga. E isso me incomoda porque você já a
beijou e transou com ela. Mas eu realmente sinto por ela.
Meu coração enche-se de orgulho dessa namorada bondosa,
do coração generoso e doce, que tenho.
— Você é uma pessoa maravilhosa, sabia?
— Queria realmente ser. — Ela abaixa os olhos e suspira com
pesar.
Laura estaria sentindo... culpa? Pelo quê? Agora, mais do que
nunca, posso ter certeza que ela esconde algo de mim, algo que a
apavora e que a faz se sentir mal por isso.
— O que você não está me contando, Laura?
— Eu te conto tudo que tenho para contar.
— Eu espero que sim. — Abaixo os olhos e brinco com uma
linha que escapa da minha bermuda.
Eu amo Laura, mais que minha própria vida, e eu sinto tanta
falta dela que chega doer como nunca antes. Mas não sei se serei
capaz de suportar essa distância por mais tempo. E quando ela for
para Cambridge, como vai ser? Ela vai passar um ano, talvez dois,
lá na Inglaterra... eu vou enlouquecer de saudade.
E se ela demorar nove anos? Nove anos!
Minha garganta aperta. Então, engulo seco. Sentindo meus
olhos ficarem úmidos, levanto-os e a encaro.
— Ei, você não me parece bem.
— Estou sim. — Sorrio sem esperança.
A tristeza que até o segundo anterior eu sentia se vai. Apesar
de alguns fodidos problemas que enfrentei de sábado para cá,
tenho, enfim, uma coisa boa para realizar. Boa é pouco. É
excepcional!
— Tenho mais algumas coisas para te contar.
— São coisas ruins?
Balanço o rosto para os lados e abro um sorriso misterioso.
— Fala, Bê. — Ela morde o lábio inferior. — Está me deixando
ansiosa e apreensiva.
— Bem... a primeira coisa e talvez a menos importante é que
Beatriz teve seu primeiro porre.
— O quê?
— É, e fica de boca fechada porque só eu sei disso. Escondi
do Daniel e da minha mãe como retribuição a tudo que ela já
escondeu de mim também.
Resolvo esconder que Mia também sabe. Acho que é melhor
assim. Se Laura souber que tenho um segredo com minha ex que
ela tanto sente ciúmes, surtaria. Mas seria bom para ela pensar que,
se ela estivesse aqui, talvez ela fosse a pessoa a saber e não minha
ex-namorada.
— Meu pai ficaria uma fera! Certamente cortaria a mesada
dela! — Laura ri, chacoalhando o ombro para cima e para baixo.
Isso a deixa sexy pra caramba. Ah, merda! Quero tanto abraçar e
beijar minha Ursinha logo! — Ai, Bê! Que saudades estou de vocês!
Então, vamos ao momento excepcional.
— Quer matar a saudade? — Ansioso, mordo meu lábio
inferior, deixando escapar um leve sorriso de contentamento entre
meus lábios.
— Me diga como...
— A briga com o Pedro me causou uma suspensão de uma
semana.
— Bê... — Ela tem o rosto coberto de preocupação.
— Mas isso tem um lado bom. — Sorrio, e ela enruga o cenho,
sem entender.
— Ah, é? Me mostra qual porque eu sinceramente não estou
conseguindo ver.
— Eu vou te visitar, Laura.
Laura congela na tela. A boca está aberta, em espanto. Juro
que por um breve momento penso que ela não achou a novidade
uma coisa assim tão boa, e isso dói. Sua rejeição implícita dói.
O que está rolando, Laura?
— Vai? — Ela abre um sorriso tão grande ao passo que seus
olhos brilham, não sei se de felicidade ou porque ela quer chorar, e
isso alivia meu peito ansioso.
Que merda! Só posso estar ficando neurótico! Não há nada de
errado em Laura! Aí está minha garota.
— Estou de bobeira por uma semana. Isso significa que posso
ir a Nova Iorque e voltar no final de semana. E aí eu vou te ver,
minha Ursinha. Já estou até fazendo minhas malas e tenho as
passagens compradas.
— Você vem hoje? — Se olhos sorrissem, eu diria que os de
Laura o fazem nesse momento. — Hoje, Bê?
Faço que não.
— Amanhã. Agora está quase de noite e eu quero visitar meu
pai antes de ir. — Só então percebo que o chamei de pai, e isso me
assusta.... porque eu não forcei, foi natural. Laura está tão extasiada
com a notícia que nem se dá conta.
— Meu Deus! Dia dez de março será gravado como o dia mais
lindo do ano! — Ela abre um sorriso tão grande e bonito que faz
refletir outro em mim e me esquecer dele.
— Por quê? — Me faço de desentendido. Seu sorriso se
desmancha. O meu, também. — Laura?
— É porque é quando também sai o resultado de Cambridge.
Engulo seco. É... certo. Se dia dez de março ficará marcado
como o dia mais lindo do ano... não é só por mim. Ela realmente
parece ainda querer Cambridge. Não entendo... Será que essa
distância não dói nela como tem doido em mim?
— Você quer passar? — Quando me dou conta, as palavras,
amargas, escorregam pela minha boca.
— Bê, não vamos falar sobre isso agora. Deixa as coisas
acontecerem.
— Okay. Mas só me diz por que será o dia mais feliz do seu
ano. É por Cambridge ou por mim?
Então, abaixo o rosto e fecho meus olhos, quando ela me
responde:
— É pelos dois.
Terça-feira, 10 de março de 2015

Eu esbarrei no seu olhar


Tropecei no seu beijo
Colei no seu rosto
Eu queimei a língua
Foi na ponta do queixo, me acertou de jeito
Olha eu na sua vida
Pensa, explica, como é que a gente fica?
COMO É QUE A GENTE FICA – HENRIQUE E JULIANO
Capítulo 21

Venho visitar meu pai algumas horas antes de pegar o voo


para Nova Iorque. Eu não sei por que, mas senti tanta vontade de
fazer isso. É como se, de alguma forma, as coisas tivessem mudado
e eu sinta necessidade de ter uma aproximação com ele. E sem
contar que eu não sei se, quando eu voltar, ele estará vivo. Na maior
parte do tempo eu acredito que não, que logo ele irá... morrer.
Isso é... tão... fodido.
Caramba! Isso é uma verdadeira merda!
Quantas vezes desejei que ele morresse? E lá está ele atrás
da porta deitado em uma cama, praticamente morto, quase um
vegetal.
— Está tudo bem? — Maria, a enfermeira, me pergunta com o
rosto preocupado, me fazendo parar de frente para o quarto em que
meu...
Engulo seco.
Pai.
...a porta do quarto em que meu pai se encontra.
Ainda é difícil repetir a palavra, mesmo que em pensamento.
Será que algum dia isso irá mudar?
— Bernardo? — Maria me chama outra vez, agora ameaçando
abrir a porta do quarto. — Está tudo bem?
Assinto.
Mas não está. Quer dizer, estou bem melhor do que todas as
outras vezes que estive aqui, mas não estou completamente bem.
Porque dessa vez o que eu sinto não é mágoa. Sinto-me
preocupado. Agora, por alguma razão que eu não conheço, não
quero que ele morra.
Maria abre a porta do quarto e logo vejo o homem que arruinou
a minha infância da mesma maneira que da última vez que o visitei:
estagnado em uma cama, incapaz de mover uma mão contra mim,
como fizera anos antes.
Tudo bem. Mesmo que você não tenha me pedido perdão, eu
te perdoo por isso.
Sento-me em uma poltrona de couro marrom em frente à cama
que ele se encontra e o encaro com receio. Por um momento, me
pergunto se eu fui o último a me sentar aqui, há uma semana.
Certamente sim. Ele só tem a mim.
E o tempo que estarei por NY, quem o visitará? Que solidão,
que final triste para a sua vida. Não quero seu destino, pai. Não
quero estar em uma cama quase morto, sozinho. Quero chegar ao
fim dessa vida bem idoso, com Laura, nossos filhos, quem sabe
nossos netos. Sinto muito por você.
Minha garganta aperta por pensar nessa tristeza, e eu mordo a
boca porque sei que sou capaz de chorar.
Eu sinto muito.
Coloco sua mão entre as minhas e a aperto.
— Vou deixá-los à vontade — avisa Maria.
Viro meu rosto para ela e assinto. Ela caminha a passos leves
até a porta, que ela bate atrás de si, e sai do quarto. Volto com meu
rosto para meu pai e o observo. É a primeira vez que olho para ele
com calma, sem pressa, e com algum sentimento bom dentro de
mim.
Noto seus cabelos grisalhos batendo na testa em cima de uma
cicatriz, a barba branca por fazer e, em seu rosto, os sinais da
velhice que lhe alcançam. Observando-o bem, recordo que ele me
lembra de alguém.
Eu tenho seus traços, pai.
— Oi — chamo-o, apertando sua mão entre as minhas. — Sou
eu de novo, o Bernardo, seu. — Engulo seco. É difícil pronunciar a
palavra para ele, mesmo que ele não as ouça. — Seu filho. Lembra-
se de mim? Eu vim hoje aqui porque queria muito conversar com
você. Queria te contar uma história. Você quer ouvir?
Solto um riso de nervoso. Como ele responderia mesmo?
— Então, antigamente, eu era todo errado e mulherengo. Só
que eu conheci uma garota linda. Seu nome é Laura. Além de linda,
ela é perfeita. Os olhos dela são lindos, suas mãos são suaves,
leves e pequenas, e o sorriso que ela abre quando eu falo alguma
besteira é o mais lindo que eu já vi. O único defeito dela é morar
longe e ser um pouco chata. Pois é, ela é bem chatinha. Ela cismou
com Cambridge, quer porque quer estudar lá. Eu não quero que ela
vá. Mas o que eu posso fazer? Está sendo muito difícil para mim.
Imagina como é competir com o sonho da sua garota... é uma
merda! Mas o que importa é que agora eu vou visitá-la. — Suspiro
para que o choro agarrado em minha garganta não me sufoque de
vez. — E é por isso que eu vim aqui. Eu sumirei por uma semana.
Encaro-o e noto o mesmo rosto pálido e sem expressão que
ele apresentou todas as vezes que estive aqui.
Isso é loucura!
Mas quer saber? Que se dane! Quem garante que ele não está
me ouvindo? E se ele estiver, não é importante que saiba que não o
abandonei? Que só estarei ausente porque vou viajar?
— Então — continuo. —, desculpa se ninguém aparecer aqui
nos próximos dias. É, é hoje que eu viajo... É, eu vou encontrá-la. —
Encaro meu relógio de pulso, e meus olhos acompanham o curso
frenético e apressado dos ponteiros. — Em pouco menos de vinte
horas eu vou encontrá-la... são quinze horas de voo daqui para
Nova Iorque. Longe, né? Pois é, eu também achei. Olha, eu vou te
contar uma coisa. Na verdade, são duas. A primeira coisa é que eu
morro de medo de avião, mas isso todo mundo sabe. — Dou de
ombros, permitindo abrir um sorriso pequeno em meus lábios por
me recordar de tamanha infantilidade minha. — A segunda coisa é
algo que eu não contei para ninguém: sabe, eu quero trazê-la de
volta. E se eu conseguir isso, eu queria que você acordasse para
conhecê-la. Você vai ver como ela é linda.
Sinto que estou sorrindo, imaginando coisas que talvez nunca
aconteçam.
Eu queria tanto que ele a conhecesse. Queria que ele
acordasse, se tornasse outra pessoa e recomeçássemos. Queria
tanto isso! Mas sei que é querer demais. Ele não vai acordar. Essa é
a verdade. E, se acordar, nem sei se vai querer saber de mim.
Talvez volte a ser o mesmo bêbado agressivo de sempre.
Mas não importa. Eu quero que ele saiba que por mim está
tudo bem recomeçarmos e que eu o perdoo por tudo o que me fez.
— Pai, se me ouve, escuta: eu queria muito, muito mesmo!
Que você acordasse para abençoar meu casamento com ela. Não
que eu tenha a pedido em casamento ou que ela saiba que eu
pretendo pedir a mão dela algum dia, mas eu planejo sim para o
futuro, daqui a dois anos, quando ela acabar o tão sonhado
mestrado pela Cambridge. Acho que agora é muito cedo para
casarmos, e eu, francamente, tenho muito medo de ouvir um não
dela, visto que, aparentemente, os planos dela nesse momento não
incluem casar. Ela só pensa em estudar. Ela vive lendo,
pesquisando, se aventurando nos livros azucrinantes e idiotas dela.
— Encaro a parede branca à minha frente e firmo meus olhos nela,
me distraindo, pensando em Laura e no nosso futuro.
Hoje é dia dez de março, dia do resultado de Laura na
Cambridge. Não sei se ela passou, pois, na última vez que nos
falamos nessa manhã ela não falou nada, também não quis
perguntá-la. Tenho medo de sua resposta. Desde a noite de ontem
as palavras “pelos dois” vindas da boca dela me abismam.
Ela não pode estar falando sério sobre Cambridge, ela não
pode ainda estar pensando em estudar lá por dois anos! Esse pouco
tempo de distância já está me matando. Se ela for para Cambridge,
será muito pior para nós. Será que ela não pensa nisso? Não pensa
em nós? Será que ela...
Dói demais meu coração pensar nessa possibilidade!
Parece que ela não se importa, e pensar nisso me atormenta
mais ainda. Será que ela não está sofrendo como eu? Não está
sentindo saudade de mim? Vontade de ficar comigo? Para que ir
para Cambridge?
— E mesmo que ela passe para a Cambridge — continuo. — e
fique morando longe, sei que vou sofrer, mas não vou desistir dela,
da mesma forma que eu não desistirei de você. — Desço meu olhar
para seu rosto vejo um par de lágrimas deslizando por suas
bochechas até chegar a sua barba mal feita. Absorto, finalizo meu
discurso: — Pai.
Não consigo me mexer, não consigo fazer nada. Sei que quero
falar, quero que ele ouça tudo o que tenho para dizer, mas nada sai.
Só fico encarando-o e segurando sua mão às minhas, agora
trêmulas, com muita força, de modo que as batidas do meu coração
aceleram, e eu sinto meu corpo também estremecer.
— Ei. — Minha voz pende, de modo que engulo um aperto que
se forma em minha garganta. — Não chore — peço, com a voz
rouca, sentindo meus olhos umedecerem, enquanto mais lágrimas
escorrem por sua face.
Ele ouve. Se chora é porque me ouviu o tempo todo.
Não sei o que dá em mim. Quero me afastar e correr para
longe porque pensar que ele pode se levantar dessa cama e
estarmos frente a frente outra vez, me deixa irrequieto o suficiente
para correr para o mais longe possível.
Levanto-me da poltrona, soltando suas mãos, e corro para fora
do quarto, batendo com a porta atrás de mim. Escoro-me nela e
passo minha mão pelo rosto, chegando ao meu cabelo. Respiro
uma, duas vezes, lentamente.
As minhas batidas vão diminuindo. Eu vou me sentindo mais
calmo.
Isso foi demais.
Ele... ele me ouvia o tempo todo.
Deus, isso foi demais!
E... e... se ele acordar?
Capítulo 22

Meu pai me ouvia. O tempo todo me ouvia. Ele chorou. Eu


nunca ouvi casos de pessoas em coma chorando. Para falar a
verdade, o assunto nunca me interessou, e agora estou
enlouquecendo ao pensar nisso porque não sei se é bom ou se é
ruim.
Mandei uma mensagem para minha mãe e meu padrasto
falando a respeito, e eles ficaram estranhamente felizes, e disse que
é bom, que se o Vitor reagiu é porque ele pode vir a acordar. E
agora estou aqui sentindo minhas pernas bambas, inseguro do que
poderá acontecer conosco.
Eu quero que ele acorde. Sim, eu quero. Mas não sei se estou
pronto para lidar com isso, conversar com ele, olhar para seu rosto
de lembranças ruins e chamá-lo de pai depois de tudo o que ele me
fez.
Perdoar não é fácil. Mais difícil ainda é bater de frente com o
perdoado, quando, no fundo, você não perdoou. Então, mecham ali,
bem na ferida. E tudo volta.
Não quero pensar nisso, não quero, mas é sobre isso que
todos falam no momento por mensagem que me enviam, Laura
inclusive. Aproveitei para trocar mensagem com ela, já que estou
sentado no saguão do aeroporto esperando pelo meu voo que só
sairá em meia hora.
Ursinha: Seu pai vai sair dessa. Queria poder fazer algo, mas
não há nada que eu possa fazer a não ser orar por ele. Estou
pedindo em oração que ele fique bem. Quero vocês dois bem,
juntos. Sonho com isso.
Bernardo: Esquece esse assunto, por favor.
Sei que ela, assim como minha família, se preocupa comigo,
mas quero pensar em outras coisas, nas coisas certas. Se bem que
não há nada de certo na minha vida no momento. Está tudo uma
verdadeira confusão: Laura, meu pai, o futebol.
Ursinha: Só me diz se você está bem.
Bernardo: Eu estou. Mas, por favor, esquece isso. Pensa em
mim. Olha, faltam trinta minutos para o meu voo chegar. Estou
ansioso!
Ursinha: Me too (eu também)!
Bernardo: Ei, nem venha com essa história de falar em inglês.
Já falei que vou falar português e pronto. Problema de quem não
conseguir me entender.
Sorrio por lembrar. Ela cismou que eu devo falar inglês com ela
em Nova Iorque. Não domino nem a língua do meu país, quem dirá
a de outro.
Ursinha: Larga de ser chato! I love you so much, baby. (eu amo
você, bebê)
Bernardo: Fuck you (foda-se)
Ursinha: Idiot! (idiota)
Bernardo: Sorry, I wanted to say "I want to fuck you so much"
:P (desculpa, eu quis dizer "quero muito foder você")
Ursinha: I want to be fucked by you. So much! (quero ser
fodida por você. Muito!)
Bernardo: Soon! (em breve)
Ursinha: Anxious! (ansiosa)
Bernardo: Que saudade.
Bernardo: Sorry, I meant: I missing you (desculpa, quis dizer:
sinto sua falta)
Bernardo: E aí, onde eu vou dormir? Na sala?
Ursinha: Mamãe mandou arrumar o quarto de hóspedes para
você. L
Bernardo: Poxa, que pena! Chorando aqui. L
Bernardo: Sogra malvada!
Ursinha: Olha, Bê, não queria falar nada por mensagem, mas
acontece que ela ficou muito mal depois de uma conversinha que
tive com ela hoje. Eu descobri uma coisa recentemente, e isso está
me enlouquecendo.
Ursinha: Preciso te contar, mas tem que ser pessoalmente.
Preciso resolver isso, e eu gostaria que me ajudasse a decidir, a
fazer a melhor escolha.
Bernardo: Eu não faço ideia do que está falando, mas você
está me deixando preocupado.
Ursinha: Era por isso que precisava que fosse pessoalmente.
Fico aliviada que esteja vindo. Vai ser importante para mim ter essa
conversa. Na verdade não queria falar nada com você, mas acho
que você merece saber disso.
Bernardo: Eu nunca disse, mas fico extremamente ansioso
quando a pessoa começa a falar uma coisa e não termina, deixa no
ar. Pelo amor de Deus! Como vou passar doze horas pensando
nisso. Do que você está falando?
Mordo meu lábio, e a resposta não vem. Digito uma
mensagem apressadamente.
Bernardo: Estou preocupado!
Mais uma.
Bernardo: Laura?
Ursinha: Desculpa. O telefone daqui de casa tocou.
Ursinha: Então, é uma novidade, fiquei surpresa quando
soube.
Bernardo: Me conta!
Ursinha: Não posso falar agora, prefiro falar pessoalmente.
Quando eu falar, você vai entender.
Bernardo: É sobre o quê? É sobre Cambridge?
Ursinha: Não, Bê.
Ursinha: É sobre nós e mais alguém.
Bernardo: ???????
Ursinha: Só posso adiantar que dependendo do que
decidirmos vai nos favorecer, de certa forma.
Bernardo: Para com essa porra. Conta logo!
Ursinha: Não, amor, só quando você chegar!
Bernardo: Vou ficar pensando nessa porra por doze horas.
Um aviso ecoa pelo saguão do aeroporto dizendo que meu voo
está pronto. Digito uma mensagem rapidinha para Laura, chateado
por precisar encerrar o assunto. Sei que se continuasse insistindo,
uma hora ela contaria.
Bernardo: Meu voo chegou. Sabe que precisarei desligar o
celular. Infelizmente. Então, prepara meu ninho que eu estou
chegando. Um beijo! Eu amo você!
Ursinha: Beijo. Te amo! Estou ansiosa!
Bernardo: Estou ansioso também! Te amo!
Caminho para o portão de entrada refletindo sobre o que
acabara de acontecer. Não estou entendendo nada. Que novidade
seria essa? O que poderia nos favorecer dependendo do que
decidirmos? Por que a mãe dela ficou chateada? E por que
carambas ela não me conta logo? O que pode ser de tão fantástico
que ela não pode me contar?
Será que Laura decidiu voltar para o Brasil? E mais: ficar por
aqui? Tipo, para sempre? Conosco? Na casa do Daniel? Ou moraria
com a família da mãe no Rio de Janeiro?
Tanto faz. Só de pensar que talvez ela esteja vindo para o
Brasil já e logo eu fico sorrindo feito uma criança numa loja de vídeo
games.
Quando sento na minha poltrona, pego meu celular e coloco
no modo avião e volto a reler as mensagens: Então, é uma
novidade, fiquei surpresa quando soube. Não posso falar agora,
prefiro falar pessoalmente. Quando eu falar, você vai entender.
Sobre nós e mais alguém.
Então, é uma novidade, fiquei surpresa quando soube. Ela
ficou surpresa, ou seja, é algo que ela não planejou ou esperava.
Não posso falar agora, prefiro falar pessoalmente. Quando eu falar,
você vai entender. Não pode? Por que não pode? E por que eu
entenderei quando ela falar pessoalmente? Sobre nós e mais
alguém. Mas, quem seria esse mais alguém que ela se referiu que
vai favorecer a gente?
Mais alguém = outra pessoa entre nós...
Fernanda? Mas por que minha sogra estaria entre nós?
Não entendo...
Certo, eu sou um pouco difícil de compreender textos.
Português era a matéria que eu tirava as piores notas. Era bom em
Educação Física. Dez em todas as provas, inclusive as físicas. Era
bom também em exatas, Matemática, Física, Química...
Sorrio. Saudades do colegial.
Até que Português era legal. Até sinto falta da professora
Maristela falando sobre predicado verbal e nominal. Acho que pelo
menos isso eu aprendi. Mas, o que mais sinto saudades é das aulas
de Educação Sexual durante o primeiro ano do ensino médio.
Aquele professor estranho ensinando a usar camisinha numa
banana foi tão divertido. Imagina. A turma inteira rindo.
“Cuidado, meninos! Vocês não querem pegar uma DST,
querem?”
“Ei, você, está rindo tanto. Venha aqui praticar”.
Era comigo que ele falava, e eu fui.
“Quer ser papai antes da hora?” o velhote perguntava com o
bafo de cigarro no meu nariz. “Tem essa carinha de travesso.
Aposto que já está por aí fazendo o que não deve”. Ele estava certo,
mas, apesar de ter pego uma DST meses antes, eu tinha aprendido
com Daniel como usar o preservativo. Então, eu fiz com toda
habilidade que me coube.
“Muito bom! Quem será o próximo?”
Bons tempos...
Cacete! Como eu demorei tanto para entender isso?
Alguém entre nós! É isso! Laura só pode estar grávida!
Capítulo 23

Uma plaquinha com a palavra "Bê" escrita se destaca no meio


da multidão do saguão do Aeroporto Internacional de Nova Iorque.
Desço os olhos e vejo uma Laura distraída buscando com o olhar
alguém que sei que sou eu. Abro um sorriso presunçoso e, por
dentro, vibrando de alegria porque estou prestes a matar a saudade
que sinto da mulher que fisgou meu coração.
Ela circula o rosto de um lado para o outro, provavelmente
procurando por mim. Quando nossos olhos se encontram, nossos
sorrisos se abrem (o meu mais ainda). Na intenção de encurtar o
tempo e a distância que nos separa, eu e ela vamos andando a
passos rápidos entre o mar de gente que trafega pelo salão do
aeroporto.
Quando a alcanço, olho-a no fundo dos olhos e, por um breve
segundo, pergunto-me se realmente é real. Toco seu rosto
lentamente, cada parte dele, só para ter certeza de que é ela. E é.
Logo, selo nossos lábios, e lhe dou vários beijos rápidos, porém
verdadeiros, desesperados. Não a deixo falar nada, apenas a beijo
e a abraço, e a beijo de novo.
Porque, enfim, estamos juntos outra vez.
— Que saudade, Bê — profere, quando eu libero sua boca da
minha. Seus olhos brilham devido às lágrimas que insistem em
querer escorrer por seu rosto. Não demora muito e elas fazem o
trajeto de maneira silenciosa.
Encosto minha testa na sua, fechando meus olhos, e suspiro,
aliviado, por tê-la em meus braços depois de tantos meses sofrendo
de saudade. Abro minha boca para falar alguma coisa, mas estou
tão chocado com a novidade sobre a gravidez que não consigo falar
nada.
Uau.
Um filho. Quem diria. Eu, pai.
Nesse momento, mesmo que inoportuno, reflito sobre o motivo
de sua estranheza em algumas trocas de mensagem e ligações e só
então entendo que era pura preocupação, medo, talvez incerteza.
Limpo suas lágrimas e deixo um beijo terno em sua boca mais
uma vez.
— Fala alguma coisa, Bê.
— Eu também estava louco de saudade, minha Ursinha —
enfim, confesso, como se fosse necessário.
Laura sorri me abraçando mais uma vez. Inspiro
profundamente para sentir aquele cheiro doce e maravilhoso que só
ela tem e que eu estava morrendo de saudades, e solto o ar pela
boca deixando um beijo em seus cabelos. Soltamo-nos do abraço e
encaro suas íris acinzentadas girando em órbitas.
Sorrimos. Sorrimos.
Quando me recordo da novidade, agacho-me no meio do salão
do aeroporto e acaricio sua barriga. Levanto meu olhar para cima e
vejo uma Laura confusa me encarar de volta, mas não ligo. Ela deve
estar com medo. Deve ser difícil para ela largar tudo e pensar em
ser mãe agora. Mas eu não quero nem saber, não há o que
conversarmos ou decidirmos, só a quero comigo. É um sinal do céu
para que fiquemos juntos.
— Estou muito feliz com a novidade!
Laura não diz nada, o que faz com que, esporadicamente, meu
cenho vincar devido ao ceticismo que do nada vem à minha certeza.
Ela está grávida, não está?
— Do que você está falando?
— Você está grávida, não era essa a novidade? — respondo o
óbvio.
— De onde você tirou essa ideia maluca? — Laura dá uma
gargalhada silenciosa, que faz seus ombros sacudirem um pouco, e
eu me sinto corar, ainda mais por minha atual postura: no chão,
agachado, acariciando uma barriga vazia e oca. — Eu não estou
grávida, Bê.
— Não? — Levanto-me do chão, conforme seu olhar de
piedade me acompanha. Acho que, nesse momento, se pudesse,
Laura do nada se tornaria uma gestante só para me fazer feliz.
— Como que eu estaria grávida e esconderia esse tempo todo
de você? E você acha que eu estaria tranquila assim? Eu estaria
louca e desesperada. Sem falar que eu tenho outros planos, Bê,
você sabe.
É, eu sei, e eu os odeio!
— E você também — completa. — Eu não quero um filho
agora. Estragaria tudo.
"Estragaria tudo" essa me magoou. Não estragaria tudo. Pelo
contrário, ajeitaria as coisas, seria uma forma de ficarmos juntos;
afinal não seria esse o final ideal e clichê que nos aguarda?
Fico em silêncio. Estou me sentindo constrangido demais para
falar qualquer coisa.
— Vamos — Ela pega firme em minha mão e assim
caminhamos em silêncio em direção à saída do saguão do
aeroporto. — O Peter está nos aguardando.
— O Peter? Quem é Peter?
— O motorista da minha mãe.
— Motorista da sua mãe? Sua mãe tem um motorista?
— Tem.
Se a mãe da Laura tem um motorista, isso significa que ela
está em uma escala de rica a milionária, e se ela é muito rica,
namoro uma patricinha e não sabia disso.
— Você é uma patricinha — resmungo, sem pensar.
— Quê?
— Sua mãe é muito rica assim?
— Bê, eu nunca te falei que minha mãe casou com um
americano rico? Tipo, muito rico?
Faço que não, pois ela realmente nunca me falou.
Nós continuamos a caminhar, até pararmos no estacionamento
em frente a um carro preto muito foda. É uma Lamborghini
Aventador LP 700-4 Roadster, a qual eu nunca tinha visto ao vivo a
não ser em revistas automotivas, tampouco encostado um dedo,
como o faço agora.
— Você sabia que um brasileiro rico é igual a um americano
pobre? — pergunto, girando minha cabeça para minha Ursinha, que
me lança um olhar acusatório, como se me achasse um lunático.
Isso tudo está me deixando um pouco inseguro. Ou melhor, muito
inseguro. Ela é uma patricinha e tem um motorista.
— Urun.
— Eu estou com medo de conhecer sua família.
Ela começa a rir de uma maneira que eu ainda não conhecia.
— Você está muito engraçado!
Na verdade, devo estar parecendo um pateta. Nunca na minha
vida uma garota fez eu me sentir assim. Que peça o destino me
pregou! Agora quem o faz é logo ela, quem eu sempre impliquei e
provoquei.
Um cara sério usando um terno preto bem passado e uma
boina típica de filmes americanos sai de dentro do carro e acena
para mim. Correspondo. Ele pega as malas que estão em minhas
mãos e as deposita no porta-malas, sem pronunciar sequer uma
palavra. Abre a porta de trás para que eu e Laura possamos entrar
no carro. É o que fazemos; primeiro ela, depois eu. Depositamos
nossas roupas de frio no banco que está sobrando e ficamos com
nossas roupas normais.
É nesse momento que tenho a lucidez de lembrar que estamos
no final do inverno nova-iorquino e que neva lá fora e que o frio nem
se compara ao do sul brasileiro. Minhas mãos gelam, mesmo dentro
do carro, sem falar na ponta do meu nariz, que parece congelada.
— Esse é o Peter? — murmuro para ela quando o carro já está
em movimento. Laura faz que sim com a cabeça, indiferente.
— Você está assustado?
— Depois de tocar um carro que nem chegou ao Brasil? É,
estou sim.
Ela ri docemente, e eu pego sua mão que, diferente da minha,
está quentinha, e beijo-a.
— Nem acredito que isso está acontecendo! Estou feliz que
estejamos juntos, minha Ursinha. — Não que eu precise dizer isso,
porque certamente tenho um sorriso de bobo apaixonado no rosto
que comprovaria qualquer suspeita. — Eu te amo tanto, Laura. Você
não faz ideia de como tem sido difícil para mim.
— Eu também, Bê! — Ela deixa um beijo casto em minha boca
e encosta a cabeça no meu ombro, dando um suspiro de alívio. —
Eu também te amo muito e cada dia que passa dói tanto em meu
peito ficar longe de você... Você não tem ideia de quantas noites
passei chorando de saudades de você, Bê.
— Agora vamos resolver isso. Uma semana para eu ser
totalmente seu, só seu. — Mordo meu lábio inferior, em expectativa,
e passeio com minha mão gelada por dentro de sua camisa de
plush, alcançando sua barriga quentinha, o que a faz se encolher
com o choque térmico.
Como eu quero chegar a sua casa e acabar de vez com essa
saudade maldita que me tira o sossego!
— Você sabe que minha mãe e eu só moramos aqui por
causa do meu padrasto, não sabe? — ela lembra e levanta o rosto
para me encarar com atenção. Assinto. Ela abaixa a cabeça e
retorna ao assunto: — Ele pediu o divórcio e, com isso, ela vai voltar
para o Brasil. Essa era a novidade.
Ouvir a confissão faz com que eu pare com os movimentos de
carinho em sua barriga.
Ela? Só ela, minha sogra, que voltará para o Brasil?
— Não seria nós? — pergunto.
Laura levanta o rosto, mas dessa vez de maneira bruta e
apressada, e me encara com receio explícito em suas feições.
Morde o cantinho do lábio superior e olha para um nada ao seu lado
esquerdo, parecendo pensar. Até que abre a boca e fala:
— Eu ainda não decidi, Bê — murmura e me olha com ternura.
— sobre Cambridge, mas é certo que sempre estarei pelo Brasil nas
férias da faculdade, no recesso de final de ano. — Ela abre um
sorriso feliz, que não correspondo.
Até parece que uma ou duas visitas são o bastante para
fazermos nosso relacionamento dar certo, pois, se com alguns
meses já foi complicado o suficiente para me fazer pensar em
desistir, imagina um ano, dois, chorando no travesseiro como ela
mesma disse.
Giro meu rosto para a janela, vendo a linda Nova Iorque
coberta de neve passar apressadamente por minha visão, como se
o lugar não merecesse atenção, já que nesse momento minha
atenção está toda para ela. Laura. Mas infelizmente parece que não
estamos distribuindo atenção de maneira igualitária.
Ela ainda pensa em Cambridge. Não estou em primeiro plano
em sua vida, como ela está na minha.
— Você não gostou da novidade? — Ela desencosta a cabeça
do meu ombro e fica ereta no banco. Puxa meu rosto para si, unindo
as sobrancelhas e fazendo formar em seu rosto uma figura fofa e
piedosa como o Gato de Botas.
— Preferia que a novidade fosse você grávida. — Abro um
sorriso pequeno, triste. — Você falou que envolvia a nós dois e mais
alguém que eu achei. — Suspiro, e ela solta as mãos do meu rosto.
— Que fosse um filho, não sua mãe se divorciando.
Gosto nem de lembrar que em breve estarei cara a cara com
essa mulher que fez com que Laura ficasse afastada de todos nós
por tanto tempo, manipulando-a com mentiras. Como pode ainda
querer a mãe por perto? Não entendo.
— Pense pelo lado positivo: ao invés de nos vermos uma vez
ou duas ao ano, nos veremos três ou quatro — ela diz.
— Então você conseguiu o mestrado? O resultado sairia hoje,
não era?
Ela suspira.
— Ainda não saiu o resultado. Atrasou.
Agora é a minha vez de sorrir largo, pois penso que ainda há
esperanças. Se Laura não passar no mestrado, ela ficará no Brasil.
Só não sei se ela ficará no Rio de Janeiro com a mãe ou se ficará
no Rio Grande do Sul conosco. Mas pouco importa porque, caso ela
fique em outro Estado, eu poderei visitá-la de mês em mês, ou
quando meu time for para o Rio disputar algum campeonato.
— O que foi? — pergunta. — Está sorrindo como um bobo!
— Nada. — Dou de ombros e volto a colocar minhas mãos,
gélidas, por dentro de sua camisa, puxando-a para mais juntinho de
mim. — Estou imaginando como vai ser esses dias na sua casa,
você debaixo da coberta comigo e a gente, você sabe, aproveitando
o que a vida tem a oferecer de melhor.
— Bê, sabe que eu também senti muita falta disso? — Ela
abre um sorriso intencional, que se desmancha quando um
pensamento lhe vem à mente. — E o pior é que minha mãe está
dormindo toda noite no meu quarto. Anda meio triste com a
separação. Mas eu vou dar um jeito nisso.
— Sempre há um jeitinho, minha gatinha. Ainda mais para
essas coisas. E na situação que eu me encontro. — Aponto com o
queixo em direção ao meu colo, onde minha ereção empurra o zíper
do jeans. — Tem que haver um jeitinho.
Capítulo 24

Peter abre a porta do carro para nós.


Assim que saio, me deparo com uma casa igual àquelas que
eu vejo nos filmes americanos: sem muros, cercada de grama na
entrada e com telhados divertidos em formato de "V". Por fora, a
casa parece toda de madeira porque é num tom meio mogno com
janelas enormes e brancas.
Abraço Laura de lado e lhe dou um beijo na testa, que passa o
braço pela minha cintura, e assim vamos caminhando em direção à
porta, conforme Peter nos segue carregando minhas malas.
— Sua mãe não está em casa? — Quero saber.
— Não. Está trabalhando. Mais tarde ela chega.
— Ótimo então.
Mal entramos no espaço, que eu pouco me interesso em
conhecer, e minha boca se enrosca na de Laura. Ela me
corresponde com o mesmo desespero — caso não mais — que eu
ao alcançar meu peito, por debaixo da minha camisa, de modo que
me puxa para si. Sinto um alguém passar por nós, provavelmente
Peter, o que me faz parar de beijá-la e ela se soltar de mim.
— Pode levar as malas do Bernardo para o quarto de
hóspedes, Peter — ela pede, doce e gentil, ajeitando o cabelo
desgrenhado atrás da orelha, e o homem inexpressivo a obedece de
imediato, seguindo, com toda habilidade possível e carregando as
duas malas pretas, em direção à escada branca em formato de
caracol que tem no hall de entrada da casa.
Minha Ursinha me puxa pela mão em direção a um espaço que
julgo ser a sala, o que quebra minhas expectativas. Faremos um
tour pela casa da família ao invés de transarmos desesperadamente
feito dois coelhos?
A resposta é sim, pois ela me apresenta todos os aposentos,
começando pela sala, onde há uma lareira que se ergue no canto
esquerdo. Alguns sofás e poltronas se encontram ao redor, com
edredons logo atrás do apoio do sofá, proporcionando que se
houvesse um dia frio, pudessem todos ficar bem aquecidos.
Já na cozinha, a iluminação é feita por abajures e lustres,
dando um ar mais tranquilo para a casa. Sua saída, nos leva a um
corredor, de cor branca, realçada com alguns detalhes, como
esculturas em algumas partes e a parede detalhada de outra cor. O
local é bonito, parece novo ou recém-reformado.
Alcançamos o segundo andar e entramos em um cômodo à
primeira porta, branca. É um quarto todo branco,
desnecessariamente enorme e com uma cama de casal
acompanhada por abajures nas mesas de cabeceira, além de um
lustre bonito no teto e um closet branco de uma parede a outra.
— Esse aqui é o quarto que você vai ficar — Laura avisa. — O
Peter deixou sua mala ali. — Ela aponta à frente, onde, debaixo da
janela grande e toda de vidro, minhas malas estão. — Ah, tem um
banheiro aqui dentro só para você.
Enrugo minha testa, e me pergunto se não será solitário dormir
sozinho nessa quase suíte presidencial, que, sem sombra de
dúvidas, é muito melhor que todos os motéis que já frequentei.
Fazer a comparação me enche de expectativas e ansiedade. Quero
foder com minha garota agora mesmo.
— Acho que vou precisar de companhia para dormir nesse
quarto. — Pego-a pela cintura, mordendo meu lábio inferior, e ela
abre um sorriso doce. — Vou me sentir muito sozinho aqui.
— Não vou deixar que se sinta só. Fica tranquilo. — Laura se
joga em meus braços e laça as pernas ao redor da minha cintura.
Gruda sua boca à minha, enquanto eu caminho até a porta do
quarto, fecho-a e pressiono minha namorada contra.
Seus lábios macios tocam meu nariz, minha bochecha, meu
pescoço, enquanto uma de suas mãos trabalha em minha cintura,
apertando-a, e a outra acaricia o meu rosto, minha nuca, enquanto
as batidas aceleradas do meu coração entregam meu estado de
ansiedade.
E Laura parece ansiar mais do que eu por esse momento, pois
a forma como apressadamente me toca, me puxa e me beija... o
que corrobora para minha vontade de foder com minha garota. Ela
está em chamas.
Quando novamente seus lábios aveludados tocam os meus,
me sinto pisando em nuvens. Agora, nada mais no mundo importa
para mim. Para ela. Para nós. Além do entrosamento perfeito dos
nossos lábios e o roçar frenético de nossas línguas, do misto do
cheiro do seu perfume doce ao meu amadeirado e de suas mãos
me trazendo cada vez para perto dela.
— Eu te amo tanto, Bê! — Ela geme em meu ouvido, roçando
seu sexo sobre o meu por cima do meu jeans. Depois, morde meu
lábio inferior, a ponto de doer e fazer sangrar, mas gosto, é
prazeroso.
— Eu também. Tanto. — Beijo seu pescoço, fazendo com que
ela, de olhos fechados, arqueie para trás. — Tanto. Você não faz
ideia do quanto dói ficar longe de você, do seu corpo, do seu cheiro.
— Então, acaba com essa saudade logo. — Ela se coloca de
pé no chão e puxa a camisa de frio pela cabeça, fazendo saltarem
para fora seus seios redondos e enrijecidos: a visão do verdadeiro
paraíso. — Aproveita que estamos aqui. — Agora, desce a calça
jeans, ficando apenas coberta por uma calcinha preta e meias
brancas. — Sozinhos.
Laura pula novamente em meu colo laçando as pernas ao
redor da minha cintura; suga minha boca, onde ela começa um beijo
desesperado, feito uma gata selvagem, passeia uma mão por meu
cabelo e a outra acaricia meu pescoço, ao mesmo tempo em que
esfrega seus seios sobre o meu, e seu sexo, evidentemente úmido
por dentro de sua calcinha, no meu, fazendo-a emitir grunhidos.
Levo minhas mãos à cintura dela ajudando-a a se esfregar no
meu pau que está duro, apontando para o céu, mesmo coberto pela
calça jeans. Subo uma mão para apalpar seus seios, um de cada
vez, e, quando Laura libera minha boca, aproveito para chupar o
bico rígido de cada um deles.
— Bê, tira essa calça logo — choraminga. — Tira essa roupa.
Sorrio, orgulhoso, e obedeço. Enquanto o faço, Laura se
arrasta para a cama, onde tira as meias, mas não tira a calcinha. É
quando me vem uma ideia maldosa à mente.
— Que foi? — Ela me olha, confusa. — Algum problema?
Caminho até ela, massageando meu pau, de onde ela não tira
os olhos e morde a boca, jogando a cabeça para trás. Deito-me
sobre ela, que me puxa para si, unindo totalmente nossos corpos,
me fazendo sentir a rigidez de seus mamilos sob meu peito, e a
sensação de tê-la, enfim, nua diante de mim causa uma série de
arrepios que me faz latejar ainda mais forte.
Ah, se ela soubesse como me deixa, com certeza ficaria mais
esperta. Controle e Bernardo nunca caminharam juntos numa
mesma frase, ainda mais quando se trata de sexo.
— Se você escolher a Cambridge, tem certeza que você vai
querer ficar sem. — Tiro seu cabelo de seu ouvido e deixo uma
mordidinha no lóbulo de sua orelha, lhe fazendo contorcer na cama
de tesão. — Isso?
Ela me dá um sorriso maroto e instantaneamente sinto minha
dureza pinçar contra sua entrada.
— Eu acho que não. — Ela passa o dedo indicador por meu
lábio inferior e ameaça me beijar, mas eu esquivo o rosto, virando-o
para o lado oposto. Ela sorri, achando graça. — Para com isso e me
beija logo — implora.
— Não.
Ela ameaça falar mais alguma coisa, mas coloco meu dedo
entre seus lábios, como para silenciá-la, do mesmo jeito que ela
sempre faz comigo.
— Eu vou te mostrar que é comigo que você tem que ficar.
— Me judiando assim?
— Anram. — Laço suas pernas entre o meu quadril e roço meu
sexo no dela para lhe mostrar como estou por ela.
— Para, Bê. Estou esperando por isso desde a hora que eu
acordei.
— Calma. — Desço minha boca para seus seios, onde dou
mordidinhas leves e com a língua brinco com os bicos enrijecidos.
Primeiro um, depois o outro, deixando minha garota se contorcer
mais ainda de puro prazer. — E isso, consegue ficar sem? —
pronuncio ao mesmo tempo em que ainda brinco com aquela parte
do corpo dela.
— Nã-ão. — Ela mal consegue falar. — N-Não.
Lanço-lhe meu típico sorriso de lado e desço minha mão para
seu sexo, fazendo carinho na parte sensível dele por cima de sua
calcinha.
Porra!
Ela já está prontinha para mim.
— Tem certeza que vai aguentar meses sem mim? — Levo
minha boca para seu ouvido e murmuro, porém sem deixar de
massageá-la bem devagar, propositalmente. — Ham?
— Isso é... Ain... — geme. — Golpe baixo.
— Não é golpe baixo. É sua escolha. — Deslizo sua calcinha
por suas pernas e levo minha boca para o seu sexo fazendo Laura
se contorcer mais ainda de prazer, enquanto uma de suas mãos
passeia por minhas costas a outra faz carinho em meus cabelos, me
puxando para si.
Levanto meu rosto para encará-la, lhe puxo para meu colo, e,
desesperada, ela se encaixa em meu pau, mas sem tirar os olhos
dos meus. A visão que eu tenho de minha garota subindo e
descendo sobre ele com o rosto de nítido prazer é sensacional.
Como ela é... Linda!
E seu gemido... Me dá mais tesão ainda.
Nesse momento, lembro-me do motorista dela que pode por
acaso estar passando pelo corredor e nos ouvir, assim, levo a palma
de minha mão para sua boca, lhe fazendo ficar em silêncio.
— Eu acho que — ela fala, quase sem ar. — vou...
— Shi — interrompo sua fala. — Ainda não. — Seguro firme
em sua cintura, fazendo-a cessar os movimentos. — Deixa que eu
termino o que eu comecei. — Giro seu corpo na cama, fazendo-a
ficar de quatro e a penetro, o que faz minha garota soltar um gemido
gostoso o suficiente para que eu goze. Mas resisto. É a primeira vez
que transamos assim. Depois, começo a fazer movimentos rápidos
e desesperados, o que a faz gemer mais ainda. — E disso,
Laurinha? — Paro meus movimentos e dou um chupão em seu
pescoço. — Não vai sentir falta? — Giro-a na cama, pondo-a de
frente para mim, e volto a me movimentar dentro dela, não dando
oportunidade dela me responder.
— Oh, ah, Bê.
— Vai aguentar ficar sem? Ham?
— Não. — Ela arfa quase sem voz, pega minha mão e leva
para o seu sexo, onde ela comanda os movimentos que devo seguir.
Laura, mesmo se contorcendo, dita o ritmo, a pressão ideal, o
local onde sente mais prazer. E como o bom namorado que sou,
faço exatamente como ela gosta. E a resposta que tenho é catártica:
ela geme ainda mais alto e chama meu nome repetidas vezes.
Nossas bocas se enroscam, conforme dou estocadas
desesperadas, um vai e vem frenético somado ao prazer que é o
meu pau ser comprimido por sua entrada molhada e apertada, que
me leva a um estado de prazer que nunca senti antes. Em resposta,
Laura geme de olhos fechados, puxando meu lábio e lambendo
minha boca, se deliciando sem limitações. Ela chega ao ápice
rapidamente gritando por meu nome. Não demora muito e eu
também gozo.
Saio de dentro dela e fico de barriga pra cima, tentando
recuperar minha respiração.
— Essa só foi uma amostra do que você não vai ter se for para
Cambridge— digo, com ênfase, olhando de soslaio para ela que
está deitada de bruços ao meu lado.
— Golpe baixo.
Puxo-lhe para meus braços e faço carinho em seus cabelos.
— Também não sei se vou aguentar ficar sem isso. — Ela me
encara. — Sem seu carinho.
Suspiro e dou um beijo demorado em sua boca.
— E meus beijos, você vai aguentar ficar sem? — pergunto.
— Acho que sim. — Ela apresenta um tom brincalhão,
franzindo o nariz.
— Duvido!
— E fica tranquilo. Estou tomando pílula anticoncepcional há
mais de dois meses.
A brincadeira não me deixou vestir uma camisinha antes, e, de
tão prazeroso que estava, não deu tempo de tirar meu pau a tempo.
É a primeira vez que isso acontece, já que sempre usamos
camisinha. Mas que se foda. Estamos satisfeitos, isso que importa.
Quarta-feira, 11 de março de 2015

Eu prometo lhe dar


O que você quiser

Faz assim sou teu homem


E tu é minha mulher
Vem cá, vem cá, vem cá
Minha branca não vá
Não vá, não vá

Deixa eu te fazer sorrir


Tá esperando o que pra vir
Se joga no ato do amar
Igual a você não há

VEM CÁ – PELÉ MILFLOWS


Capítulo 25

Laura está sentada na cama, distraída, mexendo em seu


celular. Ando até ela, com uma toalha enrolada na cintura. Acabei de
sair de um banho, após acordar, sozinho, na cama. Ela levanta o
rosto para mim, onde noto resquícios de quem acabou de sair de
uma sessão de choro.
— Você estava chorando? — Sento-me na ponta da cama, a
seu lado, e levanto seu rosto para analisá-la. Um par de lágrimas
escorre por seu rosto, chegando até suas bochechas, que é onde eu
passo minha mão para limpá-las. — O que aconteceu?
Ela não fala nada, apenas me encara, séria.
— O resultado da Cambridge saiu? Você não conseguiu, é
isso?
Por mais que eu queira que ela seja reprovada em Cambridge,
para ficarmos juntos, por outro lado, quero que ela passe e que não
se frustre por não ter conseguido.
— Não saiu o resultado ainda. — Ela desvia o olhar para o
lado oposto ao que eu estou. — É que eu não sei. — Ela olha para
as próprias mãos que tem o celular desligado ali.
— Não sabe? — Eu franzo o cenho, confuso.
— Não sei o que fazer. — Agora, ela me encara. — Eu amo
muito você, Bê. E eu não quero sofrer mais três meses, muito
menos por dois anos. Só que se eu passar para o mestrado, mas
escolher ficar com você. — Suspira, e eu limpo mais uma lágrima
que escorre por seu rosto. — Eu tenho medo de me arrepender. De
não dar certo entre a gente, sabe?
"Eu tenho medo de me arrepender" mais uma para minha
coleção de "Palavras da Laura que magoam".
— Por que você acha que não vai dar certo? — pergunto, e o
que ela faz é dar de ombros.
— Talvez eu esteja me baseando na experiência amorosa da
minha mãe.
— O que isso quer dizer?
— Ela está se divorciando pela quinta vez. Eu nunca me
envolvi com alguém como me envolvi com você, e, se não der certo,
não quero acabar como ela: frustrada e infeliz.
— Eu não faria isso com você.
— Foi o que disseram para ela.
— Eu não sou nenhum de seus padrastos. Eu te amo. —
Seguro suas mãos e a olho nos olhos, só para que ela entenda. —
Esse sentimento não morrerá por nada nessa vida.
— Nem se eu ficar dois anos morando em outro país?
Solto suas mãos e suspiro com a assertiva.
Eu costumava ser um cara que vivia em baladas, bebendo e
pegando marias-chuteiras. Agora, sou um bobo apaixonado vivendo
por um amor à distância. No entanto, será que esse amor suportaria
mais dois anos dessa maneira? Com encontros anuais? Aliás,
algum relacionamento funciona, de fato, assim? Sem traições,
mentiras e ressentimentos? Eu não sei. Mas penso que não.
— Você sabe que tem mestrados, doutorados, ou o que você
quiser no Brasil — retomo o assunto que tanto me incomoda. —
Não precisa ir para a Inglaterra para fazer isso.
— Você não entende.
— Me explica então para eu entender.
— A Cambridge é uma das melhores universidades do mundo.
E eu sempre quis fazer minha graduação lá, e fiz. Quando eu
terminei, já estava nos meus planos eu continuar estudando lá, fazer
o mestrado, sabe. Mas aí você apareceu e....
E eu estraguei tudo.
— E eu estraguei tudo — completo.
— Não, Bê.
— Então? E o quê?
Ela fica paralisada, me encarando conforme bate os cílios
algumas vezes. Não tem uma resposta. Se apaixonar por mim
estragou seus planos. Agora, tenho que competir com eles, e não é
justo porque aparentemente eles têm um grau de importância muito
mais significativo, e não preciso repetir que essa competição maldita
fode comigo.
Eu, no lugar dela, me escolheria, aliás nos escolheria. Isso
para mim é o mais importante.
— A Cambridge é mais importante do que eu? — Jogo-a na
berlinda.
— Não, Bê.
— Então, o seu sonho é mais importante que nós?
— Não. Não tem como dizer o que é mais importante. Diga-me
você. Se aparecesse uma oportunidade de você jogar no Real
Madrid, um dos maiores clubes de futebol do mundo, o que você
faria, Bê? Recusaria por minha causa?
Realmente não sei o que faria. Não que o Real Madrid esteja
nos meus planos, mas seria foda jogar no clube. Muito foda. Mas,
ainda assim, dava para conciliar. Só levá-la comigo.
— Meu maior medo é largar tudo para ficar com você e não
dar certo — continua.
— Eu não vou fazer isso contigo, Laura. Nunca. Não vou
desistir de você, eu já falei.
— Bê, você sabe que isso pode acontecer. Podemos deixar de
nos gostar, ou pior: você enjoar de mim. Até porque você tem outras
experiências sexuais e eu não.
Reviro meus olhos, mas não posso deixar de sorrir. Sempre
insegura. Pelo visto, nada mudou por aqui.
— Minha Ursinha, entende uma coisa: isso nunca vai
acontecer. E eu nunca enjoaria de você. E o sexo com você é o
melhor de todos se você quer saber.
Ela dá um sorriso fraco, e eu acaricio seu rosto, admirando a
beleza natural dela, a qual me fez apaixonar.
— Que cara vai enjoar de você, me responde? Linda,
inteligente, engraçada, e toda gostosa? Faz um sexo maravilhoso.
Você não está entendendo. — Bufo com um suspiro. — Você é toda
jeitosa, sabe.
Meu pau já está latejando por debaixo da toalha só de lembrar-
me de nosso sexo há algumas horinhas atrás. Instintivamente,
mordo minha boca e tento me controlar. Para transarmos de novo, é
só eu puxá-la e coloca-la sobre mim, já que está só de vestido.
Balanço a cabeça para espantar esse pensamento inoportuno, afinal
minha Ursinha não está com jeito e nem ânimo de quem quer
transar agora.
— A Gisele Bündchen é a mulher mais linda do mundo e já foi
traída e abandonada, por que eu não seria?
— Fica tranquila, minha Ursinha. — Acaricio seu rosto mais
uma vez. —Eu nunca vou trair você, machucar você.
Ela faz que sim, amena.
— Era por isso que você parecia triste quando nos falávamos
por telefone ou até mesmo pelo Skype?
— Não só, mas também.
— O que mais está rolando, Laura?
— Eu vou te contar, mas antes quero que desça e conheça
minha mãe.
— Ela já chegou?
Ela assente, fazendo um frio perpassar por minha barriga,
porque eu, sinceramente, não sei se estou pronto para o que vem
pela frente.
Capítulo 26

Fernanda está sentada numa poltrona da sala de estar lendo


com muita atenção um livro. Devido ao barulho que meus passos e
os de Laura fazem sobre o piso de mármore, ela levanta o olhar e
[14]
fecha Ensaio sobre a cegueira , deixando-o de lado sobre a
poltrona do sofá. Abre um pequeno sorriso e se levanta para me
cumprimentar.
Estagno no lugar. Porra, é a mulher que ferrou com a saúde
mental da minha Ursinha, a mulher que afastou Laura de mim e de
minha família por nove anos! Acho que na verdade ainda manipula.
Não tenho certeza.
Quando termina de dar os últimos passos até estar diante de
mim e sua filha, ela estica a mão para um cumprimento abrindo
mais um sorriso simpático para dizer:
— Bem vindo à minha casa e a Nova Iorque, Bernardo. —
Aperta minha mão abaixo da sua, como quem quer mostrar
confiança. — E é um grande prazer ter a oportunidade de te
conhecer pessoalmente!
— Muito obrigado, dona Fernanda.
— Nada de dona. Só Fernanda! — Ela abre um sorriso tão
igual ao da minha Ursinha e, por um breve segundo, me pego
admirando-a. — Vamos jantar?
Nós três vamos até a copa da casa e nos sentamos para
começar a refeição. Fico me perguntando onde está o marido da
minha sogra, mas seria desagradável perguntar por ele já que eles
estão separando e eu nem tenho intimidade para isso. Até que ela,
sem pestanejar, me fala que o ex-marido não está ali porque não
mora mais na casa.
— Ele me largou e foi morar com uma garota vinte anos mais
nova do que ele. — Sua voz soa amarga. — Mantinham um caso
desde muitos anos. Tem uma filha de treze anos.
Laura olha para mim como quem diz “Só ouve, não diz nada”.
Só digo em pensamentos mesmo, uma vez que não posso
deixar de comparar a situação com a qual minha tia Lucy vem
passando: tio George também a trocou por uma mulher mais jovem,
com quem mantinha uma família escondida, há anos.
— Casamentos não duram para sempre mesmo — continua, a
voz ainda amarga, e me mantenho em silêncio. — Esse já era o
meu quinto casamento. — Ela revira os olhos. — Daqui a pouco eu
arrumo o sexto. — Ela abre um sorriso, mas ainda noto a amargura
em sua voz. — Conhece alguém que tenha se casado e se
divorciado assim tantas vezes?
— Não, dona... Digo, Fernanda.
— Sua mãe teve sorte. Daniel caiu de amores por ela! É Anne
o nome dela, estou certa?
Assinto com a cabeça, apesar de não gostar de ouvir
mencionar o nome da minha mãe. Não que haja algum tipo de rixa
entre as duas. Mas, de acordo com o que sei, me parece que para
Fernanda a grande culpada de sua infelicidade é minha mãe, que
“roubou” o grande amor de sua vida, o que não é verdade. Quando
Daniel a conheceu, Fernanda já havia pedido o divórcio e ela já
estava envolvida em outro relacionamento amoroso.
— Invejo-a. Quem me dera logo de primeira ter dado certo.
Quer dizer, não foi de primeira, não é verdade? Você é filho do
primeiro casamento dela.
— Na verdade, meu pai e minha mãe nunca foram casados.
Eles só namoravam quando aconteceu de ela engravidar.
— De toda forma, está com Daniel por todos esses anos, vinte
talvez. É muito tempo! E tem mais dois lindos filhos. A Laura me
mostrou fotos deles. Beatriz e Nicolas. Não sei se a Laura te falou,
mas Beatriz seria o nome dela, caso eu tivesse aceito. Daniel
sempre quis por esse nome na Laura. Eu quem não aceitei. Tive
uma amiga na época da faculdade que tinha esse nome. Ela era
muito desagradável. Roubou meu namorado. Não sei como seria
olhar para minha filha e me recordar desse nome. Então falei pare
ele “ou Laura ou Débora”. Ele não queria colocar Débora, não sei
porque, acho que provavelmente teve uma namorada com esse
nome. Bons tempos... Sinceramente, sinto saudades. De todos os
homens que casei, Daniel foi o mais generoso, apesar de todos os
problemas.
Ela fala tanto, como se precisasse ser ouvida, e isso me deixa
cético sobre quem é verdadeiramente a mãe de Laura. Agora
mesmo olhando para ela, não me parece uma mulher mal
intencionada, e sim uma pessoa mal compreendida e mal amada.
Não a culpo. Ninguém tem culpa do amor que recebe.
— E seu irmão, o Nicolas, como ele é? A Laura parece ter
gostado muito mais dele do que da Beatriz.
— Mãe! — Laura chama a atenção dela, como se fosse para
ela parar de falar.
— Mas não é verdade? Você me disse: “Beatriz não tem nada
em comum comigo, agora o Nicolas...”.
— Mas não precisa dizer que prefiro um a outro. Isso não é
legal. Só me identifiquei mais com o Nicolas. Não quer dizer que eu
o prefira.
— A Beatriz ficaria uma fera se soubesse — zombo,
provocando-a. — Acho, inclusive, que te deserdaria do planeta dos
irmãos.
Laura me lança uma careta como quem diz “Você é tão idiota!”,
mas dou de ombros. Estou feliz por voltar a irritá-la. Achei que
tivéssemos perdido o ritmo da coisa.
— Meu irmão é meu melhor amigo — digo, me direcionando à
Fernanda. — Ele é bem diferente de mim. Realmente se parece
mais com a Laura. Gosta de livros, é caseiro...
— Você gosta de festas! — ela me corta. — Você precisava
ver o desespero de Laura quando você foi para a balada pela
primeira vez. — A mãe abre um sorriso. Identifico-me com minha
sogra. Acho que gostamos de provocar a mesma pessoa. — Ela
nem dormiu. Passou a noite em claro. Pude ver como ela ficava
toda hora saindo do quarto, descia à cozinha, procurava algo para
comer. Fui até ela, que desabafou.
— Sério? — Giro meu rosto para Laura. — Pois não pareceu.
Ela parecia muito tranquila quanto às minhas atitudes.
— Para, mãe — Laura praticamente implora, o rosto vermelho
de vergonha.
Pergunto-me: por que à distância tudo parecia tão diferente?
— Desculpa. — Fernanda limpa a boca com o guardanapo,
suspira e dá um sorriso fraco para a filha. — Acho que tenho falado
demais. Talvez seja efeito do remédio. Meu psiquiatra me disse que
poderia ficar muito disposta, falante, sentiria pouco sono. Ele
acertou.
Sinto meu cenho vincar. Viro lentamente meu rosto para Laura
e sinto a pergunta ficar evidente em minha expressão. Por que a
mãe estaria consultando um psiquiatra e que medicação estaria
tomando? Por quê? O que Laura não está me contando?
— Vai dar tudo certo. — Laura pega em sua mão por cima da
mesa, mas me encara afirmando por meio do olhar que teríamos
uma conversa sobre aquilo.
— É. Eu sei. — Fernanda está com os olhos brilhando devido
às lágrimas que insistem em descer por seu rosto, mas as distrai
forçando um sorriso falso na boca.
Agora posso entender melhor o porquê da insegurança em
Laura. A mãe dela não parece alguém com equilíbrio emocional e
com realizações pessoais satisfeitas. Deve enchê-la com desabafos,
negatividades e tais falácias, fazendo minha Ursinha interrogar, em
pensamentos, minha relação com ela, como tantas outras.
— Vamos falar de assuntos legais, né? — Fernanda se dirige
para mim. — Você sabia que a Laura morre de medo de relâmpago?
— Mãe! — Laura reclama, vermelha, e eu seguro o riso por
baixo da minha mão.
— Pode rir, Bernardo. Não precisa se controlar. — Ela tem um
sorriso simpático e aparentemente real no rosto. — Ela é muito
menina ainda. Me ligava da Inglaterra todos os dias. Medo disso,
medo daquilo, parece uma criança.
— Realmente parece. É o que todos dizem.
— Mateus 19. Então disse Jesus: "Deixem vir a mim as
crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos
que são semelhantes a elas”. Você tem essa vantagem, minha filha.
— Parem vocês! — Laura exige, fazendo bico.
— Mimei muito essa garota. Por isso ela é assim.
— Praticamente filha única — analiso.
— Minha ela é única. — Fernanda pisca.
— Minha também. — Pisco para Fernanda, que me dá um
sorriso aprovador. Laura me dá um beijo no rosto, orgulhosa do que
eu falei, e depois faz o mesmo com a mãe. — Só queria que eu
também fosse único na vida dela. Não dividir ela com os estudos,
sabe.
— Eu concordo — Fernanda confirma, me fazendo dar pontos
mentais para minha sogra. Não sabia mesmo que concordaríamos
em tantas coisas.
Continuamos a sessão de constrangimento no que se refere à
Laura, onde Fernanda me faz revelações que não conhecia acerca
da filha. A todo momento, Laura ruboriza e Fernanda e eu trocamos
gargalhadas calorosas, trazendo à mesa do jantar um clima
descontraído e feliz, muito diferente do que eu poderia imaginar.
Como Daniel disse, Fernanda é uma pessoa boa. Não posso
negar. Infelizmente, só não teve a sorte de ser amada e, por puro
egoísmo ou qualquer outro motivo que não tive a oportunidade de
conhecer, manipulou Laura fazendo com que ela ficasse tanto
tempo longe de sua família brasileira. E quando penso nisso, me faz
voltar a odiá-la. Mas não vou desistir de entender minha sogra. Sei
que merece essa chance. Espero não estar enganado.
Capítulo 27

— Bê.
Abro parcialmente meus olhos e vejo Laura de frente para mim
brincando com meu cabelo. Sorrio largo e circundo sua cintura com
meu braço, arrastando-a para mais perto de mim. Tínhamos nos
deitado em camas distintas e quartos distintos antes de dormir
porque assim, segundo ela, a mãe quis. Mas aqui está ela se
encaixando entre meus braços
— Vamos dormir assim juntinhos para sempre? — sugiro, mas
mantenho meus olhos fechados.
— Abre os olhos direito.
Obedeço e, quando o faço, encontro com um anjo lindo no
escuro do quarto olhando para mim. Beijo sua boca docemente,
enroscando seus cabelos macios entre meus dedos.
— Não é só o Daniel que te trata feito uma bebezinha. — Faço
questão de lembrá-la sobre o fato de não estarmos dormindo no
mesmo quarto porque a mãe dela não permitiu que assim fosse.
— Não achei graça.
— Bebezinha da mamãe. — Dou-lhe um beijo rápido. — Vai
dormir aqui?
— Urun.
— E se você levar uma surra? — Seguro um riso, mas não
consigo, pois começo a gargalhar.
— Para, Bê! — resmunga com a voz manhosa e dá um soco
contra meus bíceps nus. — Fica me zoando.
— Fica mais linda irritadinha assim, me batendo. Gosto de
apanhar. Me dá um tesão danado — brinco, e ela sorri, mas um
sorriso que se desmancha no minuto seguinte. — O que houve?
— Vamos terminar nossa conversa agora. — Ela suspira com
força. — Estou meio chateada com essa história de separação. Isso
que está me dando tanto medo.
— Eu imaginei. Só que você é você e sua mãe é outra história.
— Não é isso. — Ela suspira. — Ela vai voltar para o Rio de
Janeiro. E ela tem falado muito sobre meu pai. Isso tem me
preocupado.
— Acha que ela pode fazer algo negativo contra nossa família?
— Não. Pelo contrário, acho que nossa família que pode fazer
isso.
Vinco o cenho.
— Como assim?
— Ela vai, de certa forma, ver todos bem e felizes. Sei que isso
a machucará. E ela está doente, Bê. Não é uma doença física, que
todos podem perceber. É interno. Depressão, crises de ansiedade.
Você a ouviu dizendo sobre o medicamento que tem tomado?
— Sim, ouvi. E confesso que fiquei preocupado. Ela não me
parece bem. O que há de errado com ela?
— Bê... o que vou te contar é muito sério. — Ela levanta
levemente o rosto e me encara por cima dos cílios. — Enquanto
estive no Brasil, mamãe tentou tirar a própria vida. Ela tomou umas
cinco pílulas da medicação que o psiquiatra receitou. Meu padrasto
quem me contou, ele já havia pedido o divórcio, o que, somado ao
fato de eu ter descoberto a respeito de sua manipulação, corroborou
para que ela entrasse em desespero. Entende como estou dividida?
— Ela encaixa o rosto no meu peito outra vez e abafa um suspiro.
— Cambridge: fujo de tudo. Rio de Janeiro: acompanho minha mãe
de perto. São Gabriel: a destruo mais ainda, vivendo com quem sei
que ela acredita que seja culpada pela infelicidade dela.
— Minha mãe — completo.
— Eu sinto muito.
— Tudo bem. Olha, sinceramente, eu gostei dela, me parece
uma boa pessoa.
— E é! Ela só precisa ser amada.
— Ninguém deve precisar.
— Mas ela precisa. Faz parte de quem ela é ser amada. Mas o
problema é que ela nunca consegue. Sempre se frustra.
— Talvez seja esse o problema. Desejar tanto esse amor para
si mesma. Será que ela o retribui?
— Sim, Bê. Ela o faz com total maestria. Minha mãe é a líder
no assunto amor. Ela é capaz de tudo para ter a pessoa que ama
por perto.
— Como ela fez com você? Afastando-lhe de todos nós?
Laura fica em silêncio. Embora esteja evidente que a magoei
com essa verdade, não pude deixar de lembrar-me desse feito. E,
apesar de ter gostado mais do que esperava da minha sogra, ainda
há um pouco de mágoa dela, em mim.
— Me desculpe — peço.
— Tudo bem.
— Sua mãe me parece uma ótima pessoa. Aparentemente,
sua personalidade não condiz com o que ela fez. Mas, olhando por
outro ângulo e deixando a afeição que senti por ela de lado, penso
que talvez tudo isso que ela te fez tenha muito mais a ver com
obsessão do que com amor porque, de acordo com o tenho sentido
nos últimos meses, amor vai além de possuir a pessoa. Amor tem a
ver com vê-la e fazê-la feliz. E sua mãe não te fez, Laura. Você sabe
que não.
Ela fica em silêncio.
— Desculpa por te magoar dizendo isso — continuo. — Mas
espero que, ao fazer sua escolha, você se lembre disso.
— Você quer dizer que eu deveria colocar numa balança todo
o bem que todos os que amo me fizeram?
— É o que sugiro. — Venceria essa fácil.
— Pois você também ficaria de lado. — Seu tom aparenta
brincadeira, mas me preocupo com a confissão. Que mal eu a fiz,
afinal, a não ser durante sua infância, perturbando-a com beijo
roubado e espionagens atrás da porta? — Você me tirou o sossego
de um coração tranquilo. Agora não sei mais se posso viver longe
de você enquanto realizo um sonho. E eu não sei se você realmente
seria capaz de me esperar.
Sinceramente, tem momentos que nem eu sei, mas deixo esse
pensamento de lado.
— Na maior parte do tempo imagino você desistindo.
— Eu não vou desistir de nós, minha Ursinha.
Ela levanta o rosto e me encara docemente, deixando um beijo
casto em meus lábios, antes de voltar à posição inicial.
— Eu tenho medo de ter um futuro como o dela — divaga. —
Quero que a gente fique junto para sempre.
— Só depende de você.
— Não jogue a culpa em mim. A questão é: será que devemos
abrir mão de tudo, por amor?
— Não é assim que acontece nos livros bobos que você lê?
— Não. As mocinhas sofrem muito até chegarem ao final feliz.
— E você, está sofrendo?
— O que acha, Bê?
Seu desespero por mim, seu olhar, os abraços apertados e os
beijos desesperados apontam para sim, que ela sofreu. No entanto,
aparentemente, à distância não pareceu o mesmo, o que gerou
dúvidas em mim, o que me faz pensar ainda mais que esse
relacionamento não daria certo por mais tempo da maneira que foi
esses meses.
— Não era o que parecia enquanto estávamos separados —
ressalto.
— Por mensagem, ligação, Skype, tudo é diferente. O cara a
cara transmite melhor a verdade.
— Por isso mesmo acho que namoros à distância não dão
certo. Eu achava que você estava escondendo algo de mim. Você
parecia estranha, se esquivava quando perguntava por sua mãe...
— Não queria falar sobre a conversa que tive com ela. Achava
que você não a entenderia se eu contasse que ela está doente e
pensou em se matar. Achei que a julgaria, pensaria que era
manipulação dela.
— Pensaria exatamente isso — concluo.
— E agora o que pensa sobre ela?
— Olhando-a nos olhos e conversando com ela, pude ver que,
no fundo, antes de qualquer coisa, existe uma mulher quebrada.
Mas ainda não confio 100% nela, me desculpe.
— Tudo bem.
— E o que ela disse quando você falou que sabia a verdade?
Laura fica em silêncio. Levanto seu rosto pelo queixo e estudo
suas expressões.
Ela tem o olhar abatido. É tudo o que consigo ver.
— O que ela disse?
— Ela não disse nada, Bê, além de que tudo “era verdade” e
que “até ela acreditava na própria história criada por ela”. Daí ela se
desculpou, chorou, e, desde então, acho que, de certa forma, ela
parece mais aliviada. Mas acho que ainda falta muito para se
resolver de verdade. — Ela dá um beijo na minha boca e se
aconchega em meus braços, mas dessa vez ficando de costas para
mim para que possamos dormir de conchinha.
— Sabe que essa posição não ajuda muito, né? — Aperto-a
contra mim e deixo uma mordida em seu ombro. Ela sorri.
— Não quero bancar a frígida, mas sem clima pra sexo.
— Frígida, você? — Rio, fazendo que não com o rosto.
— Sabe, Bê, nos livros, aparentemente, tudo parece mais
complicado, empecilhos aparecem para que o casal não fique junto,
mas no final tudo se resolve, enquanto isso, na vida real. — Ela
boceja. — O final feliz parece não existir... porque, pra gente, o fim é
a morte. E isso. — Ela suspira profundamente, como se lutasse uma
guerra contra o sono. — Faz lembrar–me. — Outro suspiro
profundo. — De Shakespeare. — E ela dorme. Sua respiração
acusa isso.
— Boa noite, minha Ursinha. — Beijo seu ombro e fecho os
olhos para dormir.
Em vão. Só consigo pensar na mulher que tenho nos braços e
no quanto quero que esse contato dure.
Quinta-feira, 12 de março de 2015

Porque você sabe, você sabe, você sabe

Que eu te amo
Eu te amei o tempo todo
E eu sinto sua falta
Estive tão longe por muito tempo
Eu continuo sonhando que você estará comigo
E você nunca irá embora
Paro de respirar se eu não te ver mais

FAR AWAY – NICKELBACK


Capítulo 28

Depois de acordar, deixo Laura no chuveiro e desço para


tomar alguma coisa na cozinha. Sento-me à mesa segurando um
copo d'água entre as mãos e Fernanda passa pelo vão de entrada
do espaço, trajando roupas elegantes para um dia de muito frio. Ela
abre um sorriso quando seus olhos esbarram nos meus.
— Bom te ver, querido. — Ela vira as costas e caminha em
direção à geladeira, que ela abre e pega uma garrafa de suco.
— Bom dia, Fernanda.
Ela se senta na cadeira em frente à minha, trazendo consigo a
jarra de suco e um copo, o qual ela preenche com o líquido da jarra.
É a primeira vez que ficamos sozinhos, então aproveito a
oportunidade para observá-la e assim estudá-la com atenção.
A primeira coisa que Fernanda faz é pegar uma pílula e engolir
junto ao suco, cujo copo, agora vazio, ela coloca sobre a mesa.
— Está tudo bem? — Ela para o rosto sobre mim, notando
minha atenção excessiva sobre a mesma.
Não falo nada, também não a encaro mais. Desvio meu olhar
para um nada no piso branco da cozinha e me sinto um pouco
intimidado pelo flagra. A verdade é que olhava para Fernanda e
tentava encontrar algum resquício de maldade, e não encontrei. Não
vejo maldade. Tudo que vejo é Laura daqui a trinta anos, e isso é
assustador. Não gosto de comparar minha Ursinha com a mãe.
— Eu sei que não confia totalmente em mim — ela solta, o que
me faz levantar o olhar para encará-la outra vez. Cruzo os braços
sobre o peito e a encaro com desafio, emitindo a minha melhor
expressão de um cara sério que de fato não sou. Ela cruza uma
mão sobre a outra em cima da mesa e solta uma lufada de ar pela
boca, fazendo que não com a cabeça. Por fim, franze levemente o
cenho e, me encarando, abre a boca para falar: — Não me orgulho
do que fiz. Por favor, me desculpa por todo mal que causei a você e
a sua família.
Não vejo aleivosia em suas expressões para fazer o pedido. O
que vejo é uma mulher arrependida e culpada temendo perder o
amor da família. Não consigo sentir raiva dela. Não consigo. Talvez
seja por isso que Laura nunca tenha duvidado da mesma e esteja
agora vivendo ao seu lado como se nada tivesse acontecido.
Confuso, descruzo meus braços e passo as mãos sobre meus
cabelos. Levo uma mão à mesa com o punho cerrado e a encaro
ainda com meu rosto sério, esperando que diga mais alguma coisa.
Fernanda segura minha mão com as suas e me encara,
transmitindo sinceridade no olhar, eu sinto.
— Não deveria ter escondido a verdade de Laura e ter enchido
a cabeça dela de coisas. Confesso que sofri muito vendo o
sofrimento dela durante esses anos, acreditando que o pai a
rejeitava, mas o que eu poderia fazer? Até eu acreditava nas minhas
próprias invenções... eu sempre tive medo de perdê-la para ele, e
eu não poderia permitir que isso acontecesse...
— A senhora sabe que é uma situação delicada. — Tiro minha
mão das suas e sinto-a guardar as suas debaixo da mesa com total
temor. — E eu não entendo como a Laura pode te perdoar por isso.
— Sinceramente, nem eu. Graças a Deus o amor que minha
filha sente por mim é incondicional. E acho que é tudo que eu
tenho. — Ela abre um sorriso tão triste que parte meu coração. — E
ela sabe disso. — Suspira com força. — Eu-eu... eu fiz isso porque
nunca perdoei Daniel por ter me magoado.
Não sei muito sobre a história de meu padrasto com a ex-
mulher, não comentamos sobre esse assunto na minha família, mas
o pouco que sei é que ele, durante o último ano de seu casamento
com ela, foi um pai ausente, chegando ao ponto de diagnosticar a
leucemia de Laura como uma simples anemia, sendo ele um médico
residente na época.
Os olhos de Fernanda enchem-se de lágrimas, me fazendo
levantar a hipótese de que talvez ela ainda o ame.
— Eu não o vi depois que ele pediu o divórcio e não sei como
seria esse reencontro. Guardo muita mágoa do seu padrasto. Mas
eu juro por Deus que, se conseguisse, me livraria desse sentimento,
pois ele não me deixa viver em paz e tudo que desejo é... ficar
bem... é tudo que mais desejo. Ficar bem por minha filha. Se não
desisti da vida foi por ela. Porque sei que ela vai sofrer muito se eu
desistir. Eu não quero que ela sofra. Se vivo, é por ela. Então, se um
dia perdoar Daniel também será por ela. Mas acho que já não há
mais tempo para perdões. São mais de vinte anos de mentiras...
— Nunca é tarde, digo por mim — aconselho-a, pensando no
meu pai.
Ela faz que sim com a cabeça e, com o polegar, seca uma
lágrima que teimava em sair de seus olhos.
Sim, ela o ama. E eu sinto muito por isso.
Não sei o que pensar. Gostar de alguém é confuso e
melancólico, e deve ser mais ainda quando não há correspondência.
E se Laura deixar de gostar de mim um dia? Se em Cambridge
encontrar outra pessoa, se apaixonar e casar? E eu continuar
amando-a? Frustrando-me em um relacionamento e outro, como
seria? Ou viveria o resto da minha vida descontando na bebida e em
outras mulheres, como fez meu pai? Acho que sou capaz de
entender Fernanda e até mesmo Vitor.
— Bom — ela fala, se recompondo, ao passar as costas das
mãos por seu rosto molhado. — Estou atrasada para o trabalho. —
Ela levanta da cadeira e dá a volta pela mesa, ficando atrás de mim,
e passa as mãos nos meus ombros, por trás, e os aperta. — Tchau,
querido.
Assinto com a cabeça, e ela sai da cozinha. Sinto certo peso
cair sobre minhas costas, mas tento encontrar alívio em um suspiro
profundo.
Olho para um jornal que está do outro lado da mesa e corro os
olhos para a manchete, que não me esforço muito para fazer a
tradução e compreender. Esticando o corpo, alcanço o jornal e o
abro na parte cultural, que obviamente também está toda em inglês,
o que me faz emitir uma careta espontânea. Há uma notícia sobre o
Central Park, um grande parque que fica na cidade de Nova Iorque
e que está localizado no distrito de Manhattan, o mesmo lugar em
que Laura mora. O jornal informa que os últimos dias para patinação
no gelo é essa semana que estamos, visto que a primavera está
prestes a chegar.
Logo, uma ideia me vem à mente: assim como mostrei na
cama, vou mostrar para Laura o que ela não vai ter de momentos
divertidos ao meu lado se escolher Cambridge, e o momento
divertido seria patinar comigo no gelo.
Sou um gênio!
Okay, sei que não sou tão gênio assim, mas é um bom
começo.
Laura entra na cozinha com o cabelo molhado e o sorriso mais
feliz que vi alguém carregar no rosto. Eu deixo o jornal sobre a mesa
e puxo minha garota pela cintura, fazendo-a se sentar em meu colo,
e beijo sua boca com todo amor que tenho dentro de mim.
— Bom dia, minha Ursinha preferida.
— Você tem outras Ursinhas, é? Porque, para eu ser sua
preferida, significa que existem outras além de mim e que não são
especiais.
Sei que brinca, o sorriso travesso que carrega nos lábios
demostra isso, então não me preocupo. Ela se desgruda de mim e
vai até a geladeira, enquanto eu fico pensando na tal patinação.
— Laura?
— Bernardo? — Ela me imita, brincalhona, e se vira para mim,
trazendo uma caixinha de leite na mão, a qual ela coloca sobre a
mesa.
— Quase não conheci nada de Nova Iorque. Só ficamos dentro
de casa. — Coço minha nuca.
— Mas você chegou ontem, Bê.
— É, eu sei, acho que estou ansioso. Mas, enfim, o que acha
de patinarmos no gelo hoje? Vi no jornal que o Central Park tem
uma pista enorme para isso. Só que o frio que deve estar fazendo lá
fora certamente congelará até minhas bolas. Sua mãe saiu toda
encasacada. — Faço uma careta.
— Só está fazendo cinco graus, Bê! Que exagero! — Ela revira
os olhos. — Mas gostei da ideia. O Central Park é tão romântico.
Lembro-me quando era criancinha e via vários casais namorando
por lá no inverno. Ficava sonhando com aquilo. — Ela me dá um
sorriso contente. — Ah. — Ela se encaixa em meu colo outra vez e
entra em meus braços. — E à noite poderíamos sair.
Sorrio, sugestivo. Está aí mais um momento que a mostrei que
ela não vai ter caso escolha Cambridge: jantares românticos.
— Jantar romântico. O que acha?
— Vou adorar. — Por cima, vejo que ela morde o lábio inferior,
mas fica em silêncio pensando em algo que a faz divagar por uns
segundo. Arqueio uma sobrancelha, me sentindo confuso.
— Algum problema?
— Não. É que eu nunca tive um jantar romântico e talvez não
tenha outro nem tão cedo.
— Está ai uma coisa que faremos pela primeira vez juntos.
Não penso muito na parte em que diz “e talvez não tenha outro
nem tão cedo” porque fico pensando que também nunca tive um
jantar romântico. Mal sei como é passear no shopping com uma
guria ou levá-la ao cinema, mas Laura não é uma guria qualquer,
não preciso repetir isso mentalmente para convencer nenhum sábio
disso. Acontece que a ideia de um jantar romântico me assombra,
mas o teremos porque meu maior objetivo aqui é arrumar uma
maneira de mostrá-la tudo o que ela não terá caso escolha
Cambridge.
Capítulo 29

Laura rodopia e desliza livre e alegremente pelo rinque,


deixando o chão de gelo completamente marcado pela força que
seus patins fazem sobre ele. Enquanto ela se diverte, estou parado,
encostado na mureta que separa a parte com o gelo para patinação
do restante do Central Park.
Só quero observá-la e mais nada, pois está sendo maravilhoso
demais ver minha garota feliz assim. Alguns minutos antes, quando
patinamos juntos, eu fingi cair de bunda no chão, duas vezes. A
desculpa que eu dei para Laura é que eu não sei mais patinar. Disse
para ela que eu deveria ter uns seis anos quando patinei pela última
vez, ou seja, há uns quinze anos atrás. E ela, como é muito ingênua
e nada perspicaz, acreditou.
Essa falta de maldade na Laura me gera sentimentos
conflitantes. Um, me faz gostar ainda mais dela porque sinto
vontade de protegê-la da maldade do mundo, e dois, tem hora que
sinto medo do que ela pode se tornar com as feridas que o mundo
pode lhe causar. Afinal, pessoas puras tendem a se tornar pessoas
horríveis quando se magoam ou se decepcionam. E eu tenho medo
de uma Laura assim.
Laura para ao meu lado um pouco ofegante devido ao cansaço
causado pela patinação. Ela olha para mim e depois sorri de um
jeito muito bobo.
— Ai, Bê! Eu não acredito que você me chamou para patinar
no gelo e não sabe mais como faz! — Ela me prende entre a grade
e os seus braços e fica brincando com os patins no chão.
— Vai lá se divertir. Estava adorando te admirar daqui.
— Nada disso. Quero você comigo. — Ela estica as mãos em
direção às minhas. — Vamos lá! Eu te ajudo.
— Tudo bem. — Finjo um suspiro e coloco minhas mãos em
suas mãos estendidas.
— Tente caminhar — aconselha, e eu obedeço. Não demora
muito, e eu finjo me desequilibrar. — É a prática, Bê. E você está se
desequilibrando. O equilíbrio é conseguido deixando sua cabeça
firme e seus olhos fixados em um ponto.
— Vou olhar para você então. — Eu lhe dou um sorriso de
lado. — Melhor ponto fixo para se olhar.
— Estou falando do chão, um ponto fixo no gelo, seu bobo!
— Então vou olhar para os seus pés. Digo, seus patins.
Ela revira os olhos e fala:
— Conselho: relaxe e tente manter suas pernas o mais firme
possível.
— Pernas firmes. Okay.
— Comece pelas bordas do rinque enquanto segura na
mureta.
— Okay, segurando nas muretas.
— Isso vai te ajudar a se acostumar com o gelo.
— Acostumado. Acostumado. Okay.
— Agora comece devagar. Vá com calma e mova-se com
fluência.
— Movido. Movido. — Eu solto a mureta e patino pelas bordas,
me fingindo de surpreso. Que divertido ser cínico às vezes!
— Mas calma — Ela visivelmente nota que estou indo rápido
demais, então me encosto à mureta. — Você não está competindo
nenhuma corrida! E seja leve. Finja que é um animal gracioso que
se move no seu habitat natural.
— Sou um leão. Aua! — Eu imito um grito gutural de um felino,
o que a faz sorrir.
— Bobo! Eu falei gracioso. Leões são asquerosos e me dão
medo. — Ela segura minhas mãos novamente e volta a me explicar
o restante do processo para patinar, enquanto eu fico admirado
vendo sua vontade de me ensinar.
Laura seria uma ótima professora, se desejasse seguir a
profissão, ainda mais que é formada em Literatura Inglesa. Será que
ela não poderia dar aulas no Brasil? Sei lá, de inglês mesmo, já que
lá não estudamos Literatura Inglesa e nas universidades ela ainda
não pode dar aulas, visto que ainda não tem o mestrado.
Sem falar que mulheres de óculos, salto e saia de giz me dão
um tesão da porra. Segurando um giz branco, mais ainda. Já posso
sentir meu pau vibrar contra minha cueca só por imaginar minha
Ursinha assim.
— Agora eu vou soltar suas mãos. — Noto que ela fala quando
acordo de meus pensamentos. — Quando eu soltar suas mãos,
você ergue seus braços quase na altura dos seus ombros, isso vai
deixar seu corpo equilibrado. Depois disso, tente não deixar o corpo
muito rígido. Deixe o corpo solto e relaxado, e você verá que é muito
mais fácil deslizar. — Ela me solta, e eu aproveito a deixa para fingir
um meio desequilíbrio e cair de bunda no chão.
Daqui, vejo que seus ombros dançam para cima e para baixo,
de tanto que ri. Depois de recuperar o fôlego das risadas, ela tenta
me puxar pelo braço, mas eu puxo seu corpo para o chão também,
o que lhe faz cair sobre o meu corpo.
— Bê!!!
— Você não me ensinou direito. — Passo meu braço por seu
pescoço e enrosco seus lábios nos meus, um beijo que ela
interrompe para falar:
— Está tão gostoso ficar assim com você, mas o chão está
frio! Podemos pegar uma gripe horrível.
Consinto. Sentamo-nos e rimos de nossa cena extraordinária.
— Falei que seria divertido — lembro, conforme me levanto e
lhe puxo pelo braço, fazendo seu corpo se erguer ao meu lado.
— Ué, cadê toda aquela insegurança? — Ela coloca uma das
mãos na cintura e me encara, emitindo uma expressão confusa.
Dou de ombros e solto minha mão que estava enlaçada na
dela. Em seguida, começo a deslizar pelo gelo.
— Adorei as aulas! — grito para ela, conforme me afasto
deslizando pelo rinque com toda habilidade que possuo. Modéstia a
parte, sou ótimo patinando. — Mas eu já sei patinar, minha Ursinha!
— Paro na frente dela, passo minha mão por sua cintura e dou um
beijo rápido em sua boca, deixando uma mordida no final.
— Seu cínico! Por que fez isso? — Ela coloca a mão sobre
meu ombro e me encara com um sorriso.
Dou de ombros.
— Mas saiba que você é uma ótima professora. — Pisco. —
Eu sempre tive fetiche com professoras. Só queria saber como você
se sairia numa.
— Você é muito bobo mesmo. — Ela me dá um empurrãozinho
no ombro, fazendo meu corpo cair um pouquinho para trás. Ignoro
sua ofensa e começo a rodeá-la como se tivesse alguma música e
dançássemos. Enquanto o fazemos, ela sorri o tempo todo
evidenciando a felicidade que sintonizamos quando estamos juntos.
Quando paro de rodá-la, ela se apoia com as mãos em meus
ombros para se equilibrar. Noto que tem um sorriso tão sincero no
rosto, refletindo pura felicidade que mais uma vez me leva a
questionar como ela pode ficar indecisa entre ficarmos juntos e ir
para Cambridge. Eu nos escolheria no lugar dela, claro que nos
escolheria, poxa. Damo-nos tão bem, temos certa dependência
gostosa um no outro, nos damos bem na cama, no rinque de gelo,
em tudo!
— Já pensou você dando aula lá no Brasil? Não seria melhor
do que continuar estudando na Cambridge? — pergunto-lhe, o que
faz seu sorriso se desmanchar.
— Bê — me repreende.
— Desculpa.
Ela sorri para mim sem mostrar os dentes e eu olho para o
chão me sentindo ficar sem graça por ainda insistir nisso. Fecho
meus olhos com um suspiro. Quando os abro de novo, vejo que
fizemos um pouco de "neve" no chão, resultado da raspada no gelo
enquanto patinávamos.
Com uma ideia que me vem à mente, desço minha mão para o
chão e junto um pouco da neve nela.
— Você quer brincar na neve, Laura? — proponho, levantando
a neve de gelo em sua direção.
— Não se atre... — Ela se afasta de mim andando de costas
com as palmas da mão em minha direção, mas, antes que termine
sua fala, eu jogo um pouco da neve na altura de sua coxa.
Em resposta, ela se agacha e junta um pouco de neve para
jogar em mim, mas agora como eu já sei patinar, corro na frente
dela, mas ainda assim ela consegue jogar, consecutivamente, duas
bolas de neve em minhas costas.
— Eu só joguei uma vez! — contesto ainda patinando na frente
dela.
— Não quero saber! — E ela patina atrás de mim, jogando
mais um bolo de neve em minhas costas.
Depois de uma sessão cansativa de tiros de gelo, nós
patinamos um em direção ao outro e paramos, ofegantes pela
corrida inesperada no gelo, até que do nada, começamos a rir da
brincadeira maluca e infantil nossa. Puxo-lhe pelas mãos para mais
perto de mim e a abraço. Nesse momento, começo a me sentir
arrependido por trazê-la aqui, pois me dou conta do quanto somos
mais felizes quando estamos ao lado de quem amamos.
E, de acordo com seus olhos que brilham tal como a estrela
mais bonita de uma noite de versão, sei que ela também pensou
nisso.
— Tudo com você é tão legal — comenta. — Antes eu vinha
para cá e era tão banal, mas não sei, com você está sendo
diferente.
— Então me aproveita. — É o que digo, colocando seu queixo
entre minhas mãos e levo sua boca de encontro à minha, onde eu
inicio um beijo longo, cheio de amor.
Ai, se eu pudesse congelá-la em meus braços para sempre,
como está toda Nova Iorque ao nosso redor. Ai, se eu pudesse! Só
para tê-la ali comigo para sempre em meus braços!
Capítulo 30

Depois que chegou do trabalho, minha sogra e eu trocamos


longas horas de conversa, na qual confessei que Laura e eu
sairíamos essa noite. Durante a conversa, a perguntei, como se não
quisesse nada, a respeito de lugares românticos pela cidade, e ela
me indicou alguns que costumava ir com o ex-marido. Não tocou
muito no assunto, o que foi certo alívio.
De fato, gosto de Fernanda. Consigo perceber o quanto se
arrepende do mal que fez a filha e como deseja recompensá-lo. Mas
esse é um assunto que não quero voltar a pensar agora. Penso no
meu jantar romântico, com roupas finas, smoking, gravata borboleta
e um terno bem passado. Nunca me vesti assim antes. Que
sensação eloquente!
Quem diria que eu, Bernardo Louzada, o furador de calcinhas
mais conhecido de toda Santa Maria fosse pensar em encontros
românticos e abrir mão de uma vida de luxúria com marias-chuteira,
sertanejo e uísque?
Ninguém diria, mas aqui estou eu, planado na sala de estar da
minha namorada encarando a lareira queimar um graveto e
transformá-lo em cinzas, enquanto aguardo minha Ursinha ficar
pronta.
Enquanto o relógio tique taca devagar, a ansiedade me
assume.
Não estaria com as mãos suando e o coração pulando de
insegurança, se não fosse um encontro que exigisse tanto de mim.
Afinal, ele não será só para tirar as roupas de Laura e proporcioná-
la horas de prazer. Lógico que esse será o fim da nossa noite, afinal
Nova Iorque é conhecida por ser a cidade que nunca dorme, então,
essa noite, também não dormiremos. No entanto, antes, no jantar,
quero aproveitar dar-lhe o momento mais romântico possível. E isso
que tem me tirado do sério porque sei que posso falhar. Não estou
habituado ao romantismo.
— Já podemos ir? — Ouço a voz doce de Laura ecoar pelo
espaço. Seguindo seu som, giro meu rosto para trás e o choque é
grande demais.
Deus! Ela está tão linda! Não é possível que alguém possa ser
tão linda assim, uma beleza doce, meiga e sofisticada que enchem
meu coração de pura ternura, mas que contrastam com uma
sensualidade de fazer explodirem minhas bolas.
Ela veste um vestido preto que vai até os pés, colado até a
cintura e solto do quadril para baixo, evidenciando as curvas bem
valorizadas do seu corpo.
Nesse momento, eu devo estar babando, eu sei.
Ao passo que me levanto do sofá e fico de frente para ela,
Laura caminha a passos leves até mim e passa as mãos por minha
nuca, circundando os braços sobre a altura dos meus ombros, o que
me faz automaticamente levar meu nariz para a volta do seu
pescoço, só para sentir seu cheiro doce e maravilhoso.
Laço sua cintura em meus braços e sinto a pele nua em suas
costas transmitirem choques elétricos aos meus dedos. Em
resposta, meu pau imediatamente dá sinal de vida.
Acalme-se, ainda não é hora, amigão.
— Ouviu o que eu disse? — me indaga, abrindo um sorriso
divertido. Depois, me dá um beijo rápido na boca e vira de costas
para mim indo em direção à porta de saída.
Ela está tão perfeita. Não posso deixar minha garota ir para
longe de mim. Imagina quantos urubus ficarão em cima dela!
Enlouqueço só de pensar.
— Vamos? — diz, após parar na porta e virar o tronco para
mim.
— Laura, deve estar frio. — Mordo meu lábio inferior e passo
minhas mãos por suas costas nuas, levando-a para o lado de fora
da sala, chegando ao hall de entrada.
— Bê, não precisa se preocupar. Eu vou levar um sobretudo.
— Claro. Ah! — Aponto o dedo para o alto, me recordando de
um feito. — Mas o Peter não vai levar a gente.
— Não? Iremos de táxi?
— Também não.
— Bê! O que você está aprontando? — Ela une as
sobrancelhas, levando as mãos, dobradas, para a cintura.
Pego-a delicadamente pela mão, acariciando sua pele macia
abaixo da minha, e a levo para ao lado de fora da casa, onde
encontramos com Peter, que está ao lado de um carro estacionado.
— Ei, esse carro não é do meu padrasto — Laura estranha.
— Será nosso essa noite. — Pisco para ela, que olha para
mim com uma expressão confusa.
— Nosso?
Não lhe respondo. O que faço é dar a volta no Jaguar Land
Rover preto que aluguei, que aparentemente sorri para mim, e abro
a porta do carona para que ela possa entrar como uma princesa.
Minha garota entra sem contestar, depois que aceno em
agradecimento ao Peter por ter providenciado o aluguel do carro.
Claro que a licença para dirigir nos EUA eu já havia tirado, então
isso não será um problema.
— Por que esse carro, Bê? E sem o Peter? — Laura me
pergunta assim que eu entro no carro batendo com a porta.
— Eu não pretendo voltar para sua casa hoje.
— Quê?
— Pretendo passar a noite com você gemendo em meus
ouvidos. — Passo minha mão por seu rosto e lhe dou um beijo
suave na boca. Quando abro meus olhos, vejo minha garota abrir
um sorriso grande ao mesmo tempo em que sua respiração vacila.
— Pensei que a noite fosse romântica. — Ela se finge de
ofendida, eu sei. — Não que eu esteja reclamando...
— Não disse que não seria. — Suspiro e ligo o carro, rumo a
nossa noite romântica e inesquecível.
Capítulo 31

A vista do restaurante é perfeita. Há a ponte do Brooklyn de


frente para o famoso rio Hudson, além de uma vista extraordinária
do horizonte de Manhattan, mais conhecido como Skyline, que é
aquele panorama extraordinário de Manhattan que sempre aparece
nos filmes ou que vem nos cartões postais.
Quanto ao ambiente do restaurante, posso dizer que ele é
quase todo amadeirado, iluminado por lamparinas, que mais
parecem copos brilhosos, extremamente requintados sobre a mesa,
o que junto à paisagem maravilhosa que temos de toda Nova Iorque
em uma noite fria, deixa o clima muito romântico.
Segundo o que minha sogra dissera, o lugar é ideal para
pedidos de casamento, para comemoração de bodas de casamento
ou para simplesmente beijar a pessoa que você ama e lhe dizer
como ela é importante para você.
Se eu pediria Laura em casamento numa noite como essa?
Claro que sim! E hoje seria incrível eu fazer isso. Só que na situação
em que nos encontramos seria como uma chantagem implícita. E
não sou um cara ruim a ponto de colocá-la assim na berlinda.
Balanço a cabeça em negativo para espantar essa ideia de
minha mente e me concentro no mulherão que tenho à minha frente,
me encarando com expectativa.
— E então? — Laura puxa assunto, quebrando o silêncio. —
Cardápio? — Ela aponta o livreto para mim, e eu pego.
— Vinho branco? — sugiro.
[15]
— Prefiro o tinto. Château de Haut-Brion .
— Olha, ela entende de vinho! — zombo.
— Não muito. Bebi poucas vezes na vida, você sabe.
... as quais nunca presenciei. Nunca bebemos juntos. Está aí
mais uma primeira vez para nós, além do jantar, é claro.
Um garçom se encosta à mesa, e logo faço o pedido de
nossos pratos e do vinho para bebermos enquanto a comida não
chega. Não demora muito e o rapaz feito um pinguim chega com a
garrafa deitada quase debaixo do braço, preenchendo em seguida a
taça da minha garota e depois a minha.
— Acho que precisamos falar alguma coisa — comento,
começando a me sentir constrangido devido ao silêncio. — Está
tudo tão estranho.
— É mesmo. — Ela abre um sorriso, esticando a taça ao ar. —
Um brinde?
— A nós!
— A nós! — Ela leva a taça à boca, dando um gole.
— Estou me sentindo adulto — brinco após de bebericar do
meu vinho.
— Devo admitir que eu também. — Ela sorri e leva mais uma
vez o vinho à boca, coloca a taça sobre a mesa e me encara com
um semblante indecifrável. Assim, ficamos em silêncio trocando
olhares até que uma música baixa começa a ecoar pelo restaurante.
— Frank Sinatra — observo ao reconhecer a letra da música
“New York”, onde o eu-lírico diz que Nova Iorque nunca dorme,
assim como eu pretendo fazer com a Laura hoje, não deixá-la
dormir. — Me identifiquei com a letra.
Laura sorri, e eu penso em puxá-la dançar. E é claro que eu
sei dançar soul music. Não danço apenas sertanejo e outras
músicas populares brasileiras como estou acostumado a dançar nas
festas que vou. Sou bom no arrocha assim como sou bom em
danças mais lentas.
Levanto-me da cadeira e me encurvo diante dela, como se a
convidasse para uma dança, e ela sorri, se pondo de pé.
Começamos a dançar ali ao lado da nossa mesa enquanto ela tem a
cabeça sobre meu ombro, acima do meu peito.
— Eu acho que ainda não disse que te amo hoje — Laura
murmura.
— Não disse. — Sorrio. — Só eu.
— Hum. Então, eu te amo, Bê. — Ela levanta o rosto para me
encarar, e eu vejo que ela tem lágrimas nos olhos. — Demais.
— Eu também te amo demais. — Beijo lentamente sua boca,
unindo nossas testas no final. Dou um suspiro, sentindo se formar
no meu peito um aperto tão profundo por pensar que não sei
“quando teremos outro momento como esse”, como Laura disse
ontem.
Mas não penso no depois. Esforço-me para o viver o agora,
aproveitando cada segundo ao lado da mulher que amo e que estou
convicto de que ao lado quero passar. O som de New York de
Sinatra nos embala, como se não precisássemos de esforços para
ditar o ritmo. A música age por si só. Parece magia: sentimentos,
Sinatra e Nova Iorque em um espaço só.
Por um momento, me pergunto se o gesto, o momento que
estamos vivendo, é ser romântico e concluo que sim. Pensando
nisso, indago-me em pensamento como que pude adiar tanto
permitir entrar uma coisa tão pura e mágica como o romantismo em
meu coração. Mas tenho a resposta: na verdade, nunca adiei. A
pessoa a quem ele, meu coração, se guardava esteve longe e, por
isso, não tinha como ele experimentar sentir.
E é por isso que não entendo... e não aceito... aquele maldito
lugar.
Cambridge.
Aperto a cintura de Laura e ela emite um grunhido, mas não
tira a cabeça do meu peito. Continuamos a nos embalarmos para lá
e para cá, lentamente e delicadamente... seguindo a música.
Não, não a quero longe nunca mais. Não sei se vou suportar.
Quero-a assim para sempre, comigo, vivendo momentos como
esse.
— Laura?
— Hum? — Ela levanta o rosto do meu peito e me olha firme,
mas não paramos de balançar para lá e para cá.
— Se, eu disse se, você voltar para o Brasil, você morará
comigo e seu pai em São Gabriel no Rio de Janeiro com sua mãe?
— Certamente escolheria viver com meu pai. Acho que esse é
o momento. E eu quero ficar perto de você, Bê.
Abro um sorriso orgulhoso.
— Obrigado — digo.
— E aí nós seremos felizes para sempre.
— Como nos filmes, Laura?
Ela assente lentamente com o rosto e sorri, feliz.
— Se importa se não formos parar num motel essa noite? —
pergunto, mas ela não me olha. Dá de ombros e diz, baixinho:
— Por quê?
— Você se lembra no seu último dia no Brasil?
Ela assente.
— Não dormimos porque queríamos aproveitar a noite toda.
Quero aproveitar o resto dessa noite, assim, coladinho em você, só
dançando e sentindo puramente isso que tenho dentro de mim.
— Que coisa mais linda que você disse, Bê. — Ela levanta o
rosto e me encara com os olhos lacrimejados. — “Sentindo
puramente isso que tenho dentro de mim”.
Sorrio, sem jeito. Foi natural. É como me sinto.
— Eu também me sinto puramente apaixonada nesse
momento com essa música lenta e as pessoas olhando para a gente
como se fossemos um exemplo a ser seguido.
Giro o rosto para os lados e vejo que ela tem razão: todos nos
encaram com rostos felizes e orgulhosos. Não é todo dia que tem
um casal dançando Frank Sinatra à beira da ponte Hudson. Não é
todo dia que esse casal é Bernardo e Laura Louzada.
— Não somos um exemplo? — questiono.
— Somos. — Ela sorri e bem nesse momento a música cessa,
dando inicio a outra do mesmo cantor.
É quando concluo que só estamos bem nesse momento,
tranquilos um com o outro, porque não há nada nos separando: um
futuro incerto, uma mãe maluca ou um pai ciumento. Vivemos o
agora, apenas, sem pensarmos nos contras. E isso que faz a vida
valer a pena e ser tão simples. O mesmo vale para o amor.
Laura encosta o rosto novamente em meu peito, e assim
voltamos a dançar. Tenho a sensação de que ficaremos assim a
noite toda. Tudo bem. Gostei do romantismo. Quero ser romântico
mais vezes, mas Laura precisa deixar ficando comigo no Brasil. E
sei que ela vai. Porque é nítido que ela me ama e quer ficar ao meu
lado. Só tem medo, e tudo bem. Eu também teria medo em suas
circunstâncias.
Sexta-feira 13 de março de 2015

Pegue minha mão, meu coração e alma


E eu só terei olhos pra você
E você sabe, tudo muda mas
Vamos virar estranhos se nós dois continuarmos desse jeito
Você pode ficar entre essas paredes e sangrar
Ou só ficar comigo
ONE – ED SHEERAN
Capítulo 32

Depois que acordei, levantei-me e, como já é de hábito, desci


para beber algo. Minha garganta aperta, de tão seca. Laura e eu
não dormimos fora, também não passamos a noite transando feito
coelhos. Foi um sexo rápido no quarto que estou hospedado e,
depois de tanto conversarmos e torcermos para cada segundo
demorar horas para passar, dormimos.
O que deu em mim? Por que não sou mais um cara que pensa
em sexo 24h por dia e só quer a mulher para isso?
Desço o último degrau da escada e paro no hall de entrada.
Noto que em um mezanino ao pé da escada, há diversas fotos de
Laura e da mãe, sorridentes, em momentos marcantes de suas
vidas, como em alguma viagem que fizeram. Há uma da minha
Ursinha montada em um elefante, a qual eu suponho que tenha sido
em uma viagem à África. Ela deveria ter uns doze anos, treze talvez.
E como seu sorriso está tão radiante em seu rosto! Tal
percepção me faz ficar cético acerca de sua relação com a mãe, já
que, de acordo com o que sempre ouvira da minha família, parecia
uma pessoa negativa. Não duvido que Fernanda tenha dado o seu
melhor, mesmo que de maneira egoísta e manipuladora.
Pessoas são complicadas. Estranhas. Contraditórias. Difíceis
de serem compreendidas. Se nossos amigos, familiares e parentes,
que são pessoas com quem lidamos e interagimos no dia a dia, vez
ou outra, deixam-nos confusos quanto as suas atitudes, imagina um
estranho como minha sogra?
Balanço a cabeça para os lados, tentando esquecer a
situação.
Entre tantas fotos, há uma em específico que me chama mais
a atenção, que está centralizada entre outras duas aleatórias. Pego-
a na mão e a observo. Laura e Fernanda estão de braços abertos
debaixo do Cristo Redentor, e minha Ursinha tem o sorriso mais
lindo que já vi.
De acordo com sua estatura e aparência nela, suponho que
essa viagem tenha acontecido há dois anos no máximo, o que me
leva a concluir que Laura esteve pelo Brasil no período de nove
anos que esteve afastada e que sequer pensou em nos visitar.
Essa não é uma coisa muito legal de se saber. Mesmo que ela
tenha se explicado, não sei, eu não me sinto bem. Algo dentro de
mim me atormenta. Essa relação com a mãe, suas atitudes de
esquivos, como se me escondesse algo... Meu Deus! Estou tão
confuso! Por que as coisas não podem ser mais simples?
— Bom dia, Bernardo! — Ouço Fernanda me cumprimentar,
me dispersando e me fazendo virar com o tronco em direção à sua
voz. Ela está passando pela porta de entrada da casa e bate-a em
seguida.
— Oi, Fernanda. — Coloco a foto de volta ao seu lugar sob os
olhos indecifráveis de Fernanda sobre a mesma.
— Tirei o dia de folga e já resolvi tudo quanto ao divórcio. —
Ela levanta as mãos para o céu em agradecimento e se aproxima.
— Já posso voltar para o Brasil quando eu quiser.
— Isso é ótimo! — Penso em Laura em algumas semanas
chegando ao Brasil e dou um sorriso.
— Não é ótimo! É divino! — Há tanta empolgação nela que
posso julgar que ela enfim parece bem, desde que coloquei os pés
nessa casa. Ela vira as costas e ameaça subir as escadas, mas
desiste e se vira para mim. — Bernardo. — Dá um suspiro e se
aproxima um pouco mais. — Laura dormiu com você, estou certa?
Coço minha nuca, me sentindo ruborizar. Não deveria me
sentir assim, afinal somos adultos. E por que ela pergunta? Por
Deus! Qual o problema de um casal de namorados, adultos,
dormirem juntos?
— Desculpa perguntar. — Ela levanta as palmas das mãos em
minha direção e as balança. — Besteira minha me preocupar com
essas coisas. Às vezes não me acostumo com a Laura crescida. —
Ela suspira com força colocando as mãos sobre a cintura. Depois,
me encara para dizer: — E eu torço por vocês, quero mesmo que
vocês fiquem juntos.
Assinto, em agradecimento.
— E essa ideia de ela ir para Cambridge, sabe, eu não
concordo. Já chega, não acha? Tanto tempo longe de todos, e isso
graças a mim, devo lembrar. Mas ela passou no mestrado e pelo
que eu entendi ela vai.
Então, com o que ouço, sinto como se o chão sumisse debaixo
dos meus pés, além do meu coração vacilar, entregando seu estado
de decepção fazer doer meu peito. Como assim ela passou? O
resultado saiu e ela não me contou?
— Passou no mestrado da Cambridge? — pergunto só para ter
certeza.
— Você não sabia? — Ela franze a testa, em sinal de
arrependimento. — Eu não deveria ter te falado nada. Achei que ela
tivesse te falado. Por que ela não contaria?
— Quando ela soube?
— No dia em que você chegou, pela tarde, assim que cheguei
do trabalho.
Então era por isso que ela estava chorando...
— Eu acho que talvez ela não queira que você interfira —
Fernanda conclui. — Você sabendo que ela passou, você poderá
influenciá-la a ir para o Brasil. E ela quer tomar essa decisão
sozinha.
— Mas isso não está certo. Ela não tem que decidir sozinha.
— Acho que você está certo. Ela construiu um sentimento com
você, aliás, algo muito bonito de se ver. Então, ela não tem que
pensar em "você" ou "nela" e sim no "vocês juntos". Ela tem que
pensar nisso.
Faço que sim.
— Eu quero muito que ela volte para o Brasil. Eu nem vou
exigir que ela fique comigo no Rio de Janeiro porque eu sei que ela
escolheria o Sul, por causa de você e por causa do próprio pai... —
Fernanda fala, mas já não ouço mais. Parece que serei engolido
pelo sufoco que tenho dentro do meu peito.
Não é possível que Laura tenha escondido isso de mim. Não
foi ela quem pediu para eu ser sincero e parar de esconder as
coisas dela? Certamente, não me contou porque decidiu ir para
Cambridge. Mas, se for assim, eu vou desistir dela e vou terminar
nosso namoro.
Ela está sendo egoísta.
Não é justo conosco.
— Não peça para a Laura escolher entre você e a Cambridge
— Fernanda me aconselha, após um silêncio. — Ela sabe que o
Tom, meu primeiro ex-marido traidor, fez a mesma coisa comigo. Ele
pediu que eu escolhesse entre minha vida no Brasil ou vir com ele
para cá. Eu o escolhi e não demorou muito e ele me largou.
Fico sem saber o que dizer, ainda mais que ela tem os olhos
brilhando devido às lágrimas que insistem em escorrer por seu
rosto. Ela realmente é tão igual à Laura! Eu vejo a mulher que eu
amo quase toda na minha frente, se não fosse a diferença de idade.
— Você sabe, não quero que minha filha vá para Cambridge.
Não a quero longe de mim, e nem de você. Sei que faz bem a ela, e
ela a você. Vocês merecem ficar juntos. Mas, se você realmente a
ama, espere por ela. Não há prova de amor maior que essa. — Ela
dá duas batidinhas no meu ombro e suspira. — Como dizem vocês
jovens, seria o meu sonho de princesa se alguém tivesse feito isso
por mim alguma vez na minha vida.
Minha sogra vira as costas e sobe as escadas de maneira
silenciosa, me deixando sozinho com meus pensamentos. Suspiro
com força, tentando amenizar do meu peito o incômodo que se
formou com o que acabei de saber.
Eu amo Laura, realmente a amo, mas não consigo aceitar que
a sua escolha seja a decisão mais coerente e precisa. Não é. Não
deu certo, à distância, em dois meses. Não tenho como acreditar
que em anos será diferente.
Capítulo 33

Entro no quarto.
Laura está acordada, deitada na cama, ainda enrolada nos
lençóis e lendo alguma coisa aparentemente muito atrativa em seu
Kindle, pois seus olhos estão fixos à tela. Não se mexe, não parece
notar minha presença. Em silêncio, me sento na ponta da cama,
ficando de costas para ela, olho fixo para o chão e suspiro. Não vou
contar que eu sei. Quero que ela faça isso. Ainda vou lhe dar essa
chance.
— Bom dia, amor — ela diz, notando minha presença, e me
abraça por trás laçando os braços em volta do meu pescoço. Por
seu vulto, vejo que ela deixa o aparelho de leitura sobre o colchão.
[16]
— Estava lendo um romance muito trise, Where Rainbows End.
— Ela encaixa o queixo sobre a curva do meu pescoço e suspira
como se algo a atormentasse. Segundo ela, a leitura causa
abundantes emoções, sejam elas positivas ou não, o que é o caso,
aparentemente. — É sobre um casal que nunca consegue ficar junto
por motivos diversos.
— Parece que você gosta de sofrer, não é? — solto, amargo.
Logo, ela solta seus braços de mim e se arrasta até estar ao
meu lado, sentada. Encara-me de soslaio. Estou de perfil, mas sei
que me olha assim. Sinto seus olhos sobre mim, me analisando.
— Por que está dizendo isso?
Eu não lhe respondo, sequer viro meu rosto para olhá-la.
— Está chateado comigo?
— Não. — Resolvo encará-la, só que rapidamente. Ela tem o
rosto em expectativa, mordendo o lábio inferior. — Só estou dizendo
isso porque poderia, sei lá, ler um livro em que o casal fica junto no
final, e não um que eles morrem ou vivem um relacionamento
insuportável à distância.
— Bê. Não vamos falar disso agora, por favor.
— Que seja.
— Você viu uma foto do Nicolas? — bruscamente, muda de
assunto, de modo que estica o tronco e pega seu celular sobre a
mesa de cabeceira. — Olha que lindo. — Ela digita alguma coisa,
fazendo a luz do aparelho acender, depois vira-o para mim, onde,
olhando de soslaio, vejo que há uma foto do Nicolas com Alicia, sua
namorada, abraçados na entrada do Jardim Botânico da UFSM. —
É o Nicolas e a namorada. Eu não sabia que ele estava namorando.
Você não me contou.
Não me lembro do motivo de não ter contado. Para falar a
verdade, nem eu sabia que Nicolas estava namorando. Tudo que
sei é que ele estava se envolvendo com uma guria de nome Alicia,
foi tudo que me disse na última vez que tivemos uma conversa
longa, quando jogamos vídeo game. Não digo isso à Laura, e ainda
não olho para ela. Fixo meus olhos em um nada no chão dando
atenção ao sentimento de perturbação que se agarra ao meu
coração.
— Bê? O que foi? — Ela deixa o celular sobre o colchão e
puxa meu rosto para si, mas permaneço com meus olhos
esquivados dela. Não consigo olhar para ela e me lembrar do que
sei. Sufoca-me, me mata. — O que você não está me contando?
— Nada. — Dou de ombros. Olho-a fixamente nos olhos para
dizer: — E você, aconteceu alguma coisa? Algo de novo. Sei lá.
Qualquer coisa.
Ela tem o cenho franzido, o rosto com uma expressão de
confusão. Até que remexe os olhos para lá e para cá, parecendo
pensar, mas no final fixa-os em mim e levemente faz que não com o
rosto.
— Que bom então. — Levanto-me e ando em direção à minha
mala, agachando-me de frente para ela.
Abrindo-a sem cerimônia, pego a primeira peça de roupa que
encontro para vestir após um banho. Iremos outra vez ao Central
Park, dessa vez para caminharmos pelo parque porque suponho
que não está tão frio como ontem.
Levanto-me e me dirijo para Laura:
— Vou tomar um banho.
— Depois de darmos uma volta pelo Central Park, à noite
poderíamos assistir a algum espetáculo da Broadway, o que acha?
— Seria divertido. — Dou de ombros, tentando me mostrar
indiferente, e viro as costas, indo em direção ao banheiro. Não
quero brincar de adivinha, mas simplesmente não consigo abrir a
boca e dizer que eu sei.
Agora, estou dentro do banheiro, sem camisa, prestes a
desabotoar minha calça, ouço sua voz ficar mais próxima:
— Bê! Bê, volta aqui!
Ela entra no banheiro, pois a porta se abre e vejo-a parar de
frente à mesma e cruzar os braços sobre o peito. Vejo a maneira
como ela engole em seco, e sua respiração vacila, quando seu olhar
de nítido prazer percorre sobre meu corpo, o que já é o suficiente
para que meu pau lateje contra minha cueca.
Calmaí, amigão. Agora não é hora!
— Minha mãe já deve ter ido trabalhar. — Laura anda a passos
lentos, até estar de frente para mim, seus olhos não desgrudam do
meu corpo. Ela passa a unha sobre a linha que divide meu peito, o
que quase me faz puxá-la para meus braços. Mas meu lado racional
me faz acordar do transe rapidamente. — O que você acha da
gente... sei lá... namorar? — Ela lambe os lábios e morde o inferior
no final.
— Acho que podemos fazer isso à noite. Agora eu não quero
me atrasar para nosso passeio. Você queria tanto isso, não é?
Sua expressão muda. Agora vejo uma Laura sem jeito me
encarar por cima dos cílios.
— Claro — diz. — Eu vou tomar banho também. — Ela aponta
para suas costas. — Te espero na sala.
Enquanto tomo banho, fico pensando. Esses três meses que
se passaram eu abri mão de muitas coisas por causa da Laura,
como deixar de sair com meus amigos. Se saí duas vezes, foi muito,
e se saí foi porque era aniversário de algum amigo muito próximo.
Por que, assim como eu, ela não pode abrir mão de algumas coisas
por mim?
Estaria eu sendo egoísta? Ou ela? Ou os dois?
Eu estou aqui em Nova Iorque com a garota que eu amo, que
aparentemente não está decidida a abrir mão de um sonho para
ficar comigo, e estou me sentindo perturbado com isso, por isso. Se
eu estivesse no Brasil, eu poderia simplesmente pegar o meu carro
e ir para um lugar tranquilo para pensar, só para ficar longe dela,
que é o meu "problema", assim como eu fazia quando alguma
notícia sobre meu pai chegava até mim. Mas eu estou na casa dela,
do outro lado do continente, um lugar que mal conheço, então que
lugar aqui, afinal, poderia ser meu refúgio se não nos seus braços?
Suspiro devagar e saio do banheiro. Quando entro no quarto,
tiro a toalha e visto a cueca, uma box branca tradicional. Como no
quarto e em toda extensão da casa da minha sogra tem aquecedor,
não costumamos usar muitas roupas dentro de casa.
Antes de eu começar a me vestir, Laura entra no quarto sem
bater. Olho para ela. Ela está vestindo calça jeans e um sobretudo
aparentemente bem quentinho e de cor bege. Nos pés, ela tem
coturnos pretos. Na cabeça, ela usa um gorro que a deixa uma
gracinha. Se estivesse feliz conosco, puxaria facilmente para um
abraço e lhe diria como eu a amo. Eu sou um bobo apaixonado. É,
eu sei!
Laura se aproxima de mim e tira o sobretudo, ficando só com
uma blusa de manga comprida que ela tem por baixo, uma blusa
que modela seu corpo perfeito.
— Vamos? — pergunta, esticando sua mão pequena em minha
direção.
Não retribuo o gesto. Não parecendo notar minha recusa, ela
olha para o meu pau e morde a boca. Meu pau lateja com tanta
força que sei que ela nota. Mas fecho os olhos e suspiro de novo.
Não vou transar com a Laura se eu estou chateado com ela. Assim,
pego minha calça jeans sobre a cama e começo a me vestir.
Ela se senta na cama, fazendo o colchão levantar e subir, sem
tirar os olhos de mim. Ficamos em silêncio nos encarando. Ela com
aparente desejo saindo por cada poro de seu corpo, e eu, de um
lado, o inconsciente, com meu pau enrijecendo por ela me olhar
daquela maneira, e o outro, o consciente, com meu coração doendo
contra meu peito.
Laura faz que não com o rosto e abre a boca para dizer:
— Bê, eu preciso que você me diga por que você está me
tratando assim porque eu não tenho como adivinhar.
Eu quero muito dizer para ela que eu sei que ela passou, só
que mais que isso: eu quero que saia da boca dela essa notícia
porque quero que ela seja sincera comigo, como ela me pediu para
ser e como eu estou sendo, até certo ponto. Agora, por exemplo, eu
também estou omitindo — ou mentindo, tanto faz! — e sei que isso
não ajuda em nada. Mas tem horas que o orgulho fala mais alto, o
que é o caso.
— Tá bom. Você não quer falar, tudo bem. — Ela suspira e se
levanta da cama, ficando de pé diante de mim. — Mas ficar me
dando gelo está me magoando.
Eu não falo nada. Quem ela pensa que é para falar sobre
magoar alguém? Eu também estou magoado. Visto minha camisa e
me sento na cama para me calçar.
— Ontem estava tudo tão bem entre a gente, aí do nada você
acorda assim — diz — Aconteceu alguma coisa com seu pai? Ou
você brigou com a Anne?
Termino de me calçar e pego meu perfume e passo pelo
pescoço.
— Minha mãe te falou alguma coisa que você não gostou?
Viro-me para ela e coloco o vidro de perfume sobre o
mezanino que tem ao lado da cama. Ela me encara séria por um
tempo e depois dá de ombros.
— Vamos? — pergunto, pegando meu celular e casaco sobre a
cama. Depois, saio do quarto, deixando-a para trás.
Capitulo 34

— Meu lugar preferido em toda cidade é o Centra Park —


Laura diz para mim, depois de tanto tempo calada, quando
começamos a caminhar pelo parque, um ao lado do outro, sem
darmos as mãos, sem nos abraçarmos. — Tem um significado
importante. — Ela para de caminhar, o que me faz parar também. —
Não sei. Parece que fico em paz aqui...
Não falo nada. Nem sequer consigo encará-la.
— Bê, você não me beijou desde que acordamos.
Suspiro. Quando a encaro, vejo que ela tem lágrimas nos
olhos, o que me faz perdoá-la em segundos. Não quero deixá-la
triste, não quero magoá-la, mas não consigo tratá-la de outra forma,
não consigo me recordar do que sei, do que ela esconde de mim, e
sentir algo além de mágoa, ressentimento.
Mas a amo. Amo-a tanto que me fere mais ainda vê-la dessa
maneira, ainda mais quando sou eu o causador.
— Desculpa, Laura — peço, tocando gentilmente com a ponta
dos meus dedos em seu rosto. — Acho que só estou um pouco
chateado.
— Comigo?
Faço que sim.
— Por quê?
— Você sabe por que.
Ficamos em silêncio nos encarando. Não é possível que ela
não saiba! Por que ela está fazendo esse papel todo? Porque, por
mais monstro que a mãe dela seja, não acredito que tenha
inventado mais essa mentira. É a felicidade da única pessoa que
Fernanda diz que a ama em jogo. Não acredito que inventaria algo
para me deixar mal com Laura.
Meu celular começa a tocar no meu bolso. Pego-o no mesmo
instante. Desvio meus olhos dos dela para ver, pela tela dele, se a
ligação merecia minha atenção.
Arregalo meus olhos.
É do hospital onde meu pai está internado.
— É do hospital — murmuro para Laura.
— Atende — ela me incentiva, abrindo um sorriso gentil.
Mas eu congelo no lugar, sem tomar qualquer iniciativa,
enquanto o aparelho vibra com intensidade, acendendo a luz da
tela, sobre a palma da minha mão.
Por que me ligariam do hospital? Será que ele acordou? Deus!
Será que ele...
— Laura, será que meu pai... — Não consigo completar tais
palavras tão tortuosas. — Será que ele...?
— Não, Bê. — Ela aperta minhas mãos sobre as suas, me
encarando com amor no olhar, o celular sobre nossas mãos
voltando a tocar. — Tenho certeza que não.
É quando o celular para de tocar, trazendo ao ambiente que
estamos um silêncio impossível.
— Retorna, Bê.
Lentamente, balanço a cabeça para os lados, fazendo que
não.
Laura gentilmente pega o celular da minha mão, digita alguma
coisa e o coloca sobre sua orelha.
— Bom dia — pronuncia. Uma pausa. — Sim, é do telefone do
Bernardo, filho do Vitor. Eu sou nora dele, Laura Louzada. — Laura
fecha os olhos e suspira. — Certo. — Afasta-se de mim, ficando de
costas, conforme dá alguns passos até sentar-se em um banco a
poucos metros de distância. Ainda com o celular, ela me encara com
precaução.
— Laura, o que aconteceu? — Sento-me ao seu lado.
— Sei. — Ela se vira para mim e me encara com os olhos
marejados. — Certo. Muito obrigada. Até logo. — Ela desliga o
telefone e me encara.
— O que foi, Laura?
— Seu pai acordou.
Com a notícia que recebo, sinto-me ficar mais tranquilo, sinto,
sobretudo, que agora posso respirar. Deus! Ele... acordou. Meu pai
está acordado e vivo.
— Bê...
Viro meu rosto para ela, que me encara séria com aquele rosto
de quem não tem uma boa notícia para dar. E, com isso, um
pequeno sorriso que ameaçava se abrir em meu rosto rapidamente
se desmancha.
— O que foi, Laura?
— Seu pai está desesperado. Ele não para de chorar. E ele
chama por você.
— O quê? O que isso quer dizer?
— Os médicos precisaram dar alguns sedativos e me parece
que ele quer te ver... com urgência. — Ela pisca, e lágrimas
escorrem por seu rosto. Não me dou ao trabalho de limpar seu rosto
e nem de envolvê-la em meus braços para protegê-la. Estou
magoado. Muito magoado com ela. — Você vai voltar para o Brasil
por isso, não é?
Eu a encaro e me faço a mesma pergunta.
— Eu não sei. Eu preciso pensar — respondo. — Sozinho.
...assim como você tem tomado suas decisões sem mim,
Laura, quero completar.
— Mas, Bê, eu...
— Vamos para casa. — Levanto do banco e ando na frente,
deixando–a para trás. Eu sei que estou sendo escroto, eu sei!
Só sou um cara que ama, que evoluiu, que mudou por amor e
que abriu mãos de muitas coisas que gostava de fazer por respeito
a uma garota que, no momento, tem um capricho bobo de estudar
fora por dois anos, capricho esse que com certeza irá nos
prejudicar, porque eu não acredito que essa história de namoro à
distância vai funcionar. A prova disso está nesses três meses que se
passaram, nos quais nós sofremos muito separados, nos deixando
apenas um aperitivo do que vai ser se ela for estudar em outro país.
E eu não quero repetir o que passamos, não quero assisti-la
chorando todos os dias pelo Skype e sentir meu coração se
comprimir contra meu peito por isso. Então, se ela escolher
Cambridge, mesmo que eu a ame muito, eu irei terminar.
Julguem-me.
Capitulo 35

A verdade deve ser assumida: estar com Laura me traz a


sensação de estar pisando em ovos; aquela foto no Brasil há
poucos anos atrás, sua atitude distante enquanto estivemos
afastados e agora sua omissão acerca de Cambridge. Eu não posso
estar ficando louco. É meio óbvia sua indiferença. Preferiria ser um
[17]
jogador pé murcho a perceber essa sua apatia por mim, por
nossa família e por nosso relacionamento.
Meu celular toca no meu bolso. Sei que é minha mãe. De fato,
a primeira coisa que faria depois que soubesse que meu pai
acordou, seria ligar para mim. Bato com a porta do quarto em
minhas costas e atendo o celular de modo que me jogo na cama.
— Mãe...
— Meu filho! Você já sabe?
— Me ligaram do hospital.
— E como você está se sentindo?
— Eu estou bem. — Sinto um sorriso se abrir de maneira
espontânea em minha boca. Acho que fico feliz por saber que ele
acordou. No fundo, claro que isso era o que eu mais desejava. —
Para falar a verdade, estou muito feliz!
— Eu fico feliz por isso. Será um recomeço para vocês. Ou, no
mínimo, uma maneira de você seguir em frente, em paz.
— Fico com o recomeço.
— Eu escutei isso?
— Escutou sim, dona Anne.
Ela suspira, fazendo emitir um ruído desagradável no telefone.
— O que foi, dona Anne? O que a atormenta?
— Bernardo. — Pelo tom de sua voz, suponho que ela tenha
algo nada bom para me dizer. — Ele não sente as pernas.
Fecho meus olhos e consinto. Já era de se esperar que isso
fosse acontecer, pois em uma das visitas que eu fiz a ele, o médico
havia me avisado que a parte do cérebro dele que comandava os
movimentos do corpo havia sido afetada devido ao traumatismo
craniano que sofreu.
— Mas ele está totalmente consciente. Recorda-se dos últimos
dias que esteve lúcido, sem. — Ela hesita, como se não quisesse
completar, mas completa sua fala: — A bebida, você sabe, lembra-
se de você, e ele quer te ver, meu filho. Acho que o ideal seria você
arrumar suas coisas e vir.
— É o que eu pretendo fazer.
— Fico feliz. E Laura, como ela está? Ela passou para a
faculdade?
— Eu ainda não sei. — Se minto é porque é como se
realmente eu não soubesse. — Ela não me contou.
— Mande um beijo para ela e diga que já estamos com
saudades. Ah! Beatriz está te mandando um beijo.
— Mande outro para ela, mãe.
— Ela disse que é para você voltar para casa logo porque não
aguenta de saudades.
— Estou fora há três dias só, mãe. — Reviro meus olhos.
Beatriz, como sempre, sendo tão exagerada.
— Ela disse para você dar um jeito e convencer a Laura a vir
para cá com você.
Suspiro. Que incômodo no meu peito! Se minha mãe soubesse
o quanto isso parece difícil... Acho que seria mais fácil o Brasil
conseguir o hexa em Copa do Mundo.
— E ficar para sempre, ela disse. — Minha mãe dá uma
risada.
— Eu adoraria, mãe. Mas isso só depende dela. Mas o lado
bom é que, independentemente de Cambridge, ela e a mãe voltarão
para o Brasil. Fernanda se separou do marido.
Minha mãe fica por silêncio por um tempo. Não sei se pelo fato
de a mulher que desgraçou com a vida de sua enteada voltará para
perto de nós ou se porque se surpreende com mais um divórcio da
mesma. Acho que pelos dois.
— Isso é bom! — mamãe comemora, aparentando animação.
— Digo, quanto à Laura. E sinto muito pela Fernanda.
— É, eu também sinto por ela. Aliás, ela não me parece uma
pessoa ruim. Daniel estava certo quanto a isso. Ela está doente, é
meio óbvio isso, ela quase se matou tomando alguns comprimidos.
Ela precisa de muita ajuda. Agora entendo por que, depois do que
soube, Laura não deixou a mãe sozinha. Laura é tudo que Fernanda
tem.
— Espero que ela saiba que nós a perdoamos.
— Queria ser boa como você, mãe, e perdoar tão facilmente,
mas ainda tenho um pouco de mágoa e receio com essa mulher.
— Você é muito melhor do que eu, Bernardo.
— Se fosse, não ficaria com tanta raiva de Cambridge —
reflito.
— Você a ama, a quer por perto.
— Mas não basta só eu querer.
— Isso não me parece verdade. Tenho certeza de que Laura
também te quer ao lado dela, mas imagino que a negatividade da
mãe, toda essa troca constante de relacionamento, deve refletir em
Laura, essa menina deve se questionar tanto... deve sentir medo de
ter um futuro como o da mãe. E outra coisa, pare para pensar, meu
filho: acha mesmo justo que Laura volte para o Brasil e veja você
realizando todos os seus sonhos enquanto ela tem de colocar os
dela no bolso? Por que não você larga tudo e vai para Cambridge
com ela, hum? Vivemos num mundo moderno. Mulher inteligente
alguma vive em prol de um homem. Você é jovem, não eu. Deveria
ser você a me mostrar isso.
Apesar de ainda odiar Cambridge, escolho o silêncio. Não
tenho palavras. Não sei o que debater. Minha mãe está certa.
Fernanda também está certa sobre a força que o amor tem a ponto
de nos fazer esperar. Mas não justifica a omissão de Laura.
— Tenha uma conversa agradável com ela. Quem sabe ela
não vem com você agora, pelo menos para passar alguns dias.
— É, eu vou fazer isso. — Mas é claro que eu não vou ter
conversa agradável nenhuma, pois ela quem deveria se oferecer a ir
comigo, mesmo que para passar alguns dias como minha mãe
disse, mas agora, depois de ter escondido a verdade sobre a
Cambridge, não sei mais o que esperar dela.
— Preciso desligar, Bernardo. A Zélia está ansiosa para
preparar um nhoque.
— Nhoque? Mãe! Por que me disse isso? Eu amo nhoque,
caramba!
— Sinto muito — ela zomba com ar brincalhão. Sei que me
provoca para que eu volte logo. Dona Gracinha é aquele tipo de
mãe que, mesmo no décimo filho, ainda é coruja; ela não aguenta
muito tempo longe de seus bebês, como disse. Confesso que
também já estou com saudades. — Beijo, meu amor. Até logo.
— Beijo. — Desligo e encaro o celular, como se fosse possível
ele me ajudar nessa questão de largar Laura aqui e voltar às
pressas para o Brasil.
Suspiro. E suspiro. Depois, fecho meus olhos. Não há motivos
para dúvida. É claro que eu tenho que voltar correndo para o Brasil.
É meu pai, caramba!
Pego meu celular e acesso o site da companhia aérea, para
alterar o dia do meu voo. O único dia que encontro é para depois de
amanhã, então eu teria mais um tempo com Laura e suas mentiras.
Observo pelo site que há passagens disponíveis. Se ela se
dispusesse a ir... Não vou pedir isso a ela, não mesmo.
Pego minha mala no canto da parede e começo a arrumar
minhas coisas logo de hoje. Já está quase de noite e o voo está
marcado para sábado de madrugada.
— Bê — Laura me chama ao entrar no quarto. Não lhe
respondo. Sei que pareço um babaca infantil com tal atitude, mas se
começar a falar, sei que falarei coisas que a magoará. Ela se senta
na ponta da cama e fica me encarando colocar as roupas que
estavam do lado de fora para dentro da mala. — Você vai voltar?
— O que você acha? — Deixo uma camisa mal dobrada sobre
a cama e encaro Laura de lado. Sei que há raiva expressa em meu
olhar. Pensando nisso, rapidamente desvio meus olhos dos dela,
voltando minha atenção para o que antes eu fazia. Pego a camisa e
a coloco dentro da mala com os olhos da minha namorada, atentos,
sobre mim.
De costas, por seu vulto, vejo que ela se levanta da cama. Ela
segura minha mão, fazendo cessar meus movimentos. Mas não a
olho. Viro meu tronco para ela, deixo meu corpo rígido e engulo um
caroço que se prega em minha garganta. Encaro-a, e ela me
devolve o encaro com afronta, como nunca vi antes.
— Fala comigo — diz. — O que está acontecendo, Bê?
Tiro minha mão da dela e lhe dou as costas indo para o
banheiro, onde há coisas minhas que eu deixei e recolho. Quando
retorno para o quarto, Laura está da mesma forma de antes, mas
dessa vez encara um ponto fixo no chão, os olhos girando, como se
ela refletisse.
— Por favor, vamos falar sobre isso — pede, notando minha
presença, e olha para mim. — Assim não está dando. — Ela se joga
na cama, voltando à posição inicial.
Suspiro e me sento ao lado dela na cama. Ok, realmente
assim não está dando, realmente precisamos conversar. E eu
espero que ela me diga a verdade. E se ela não fizer isso, eu vou
ficar mais decepcionado do que eu já estou, mas vou tratar de lhe
dizer do que já estou sabendo, porque não sou criança para ficar
nesse joguinho idiota de capricho com ela.
— Você já sabe que eu passei? É por isso que você está
assim?
Lentamente, faço que sim com o rosto. Ela se aproxima um
pouquinho mais de mim, fazendo enroscar seu braço no meu.
— Foi minha mãe quem te contou?
Dou de ombros. E ela respira profundamente, fazendo que
não.
— Acha que ela fez de propósito? — penso alto, mas acho que
acabo falando.
— Não, Bê. Não pedi segredo.
— Por que não me contou?
— Porque estou com medo.
— Medo?
— Da sua reação, de de repente me influenciar ou coisa do
tipo. Só era medo do que fazer com essa informação sem magoar
você.
Levo as palmas da mão ao alto, sem entender.
— Não deveria ter escondido nada de você. Eu sou muito
burra por fazer isso.
— Se você fosse burra você não passaria no mestrado
da Cambridge — pronuncio com desdém o nome daquela faculdade
que eu tanto odeio.
Laura sorri do meu jeito de falar, e, mesmo que não entenda
totalmente sua justificativa, instantaneamente lhe puxo para meus
braços, lugar esse que ela deve ficar para sempre, lugar que Deus
fez sobre medida para ela, pois minha garota se encaixa
perfeitamente neles. Beijo o topo de sua cabeça e sinto que ela dá
um suspiro aliviado. Eu também estou aliviado, muita coisa. Para
nos entendermos era tão simples e fazemos esse estardalhaço
todo.
— Somos um casal, Laura, um casal de verdade. Não
podemos esconder nada um do outro. Não é assim. Não é só eu ou
só você. Somos nós.
— Estou aprendendo ainda, Bê. — Ela levanta o rosto para me
olhar e vejo que um par de lágrimas desce por seu rosto, e
instantaneamente as limpo com a palma das minhas mãos.
— Eu sei. Eu também estou aprendendo.
— Desculpe por não contar para você. Sei que foi um grande
erro.
— Tudo bem. E eu errei também te dando esse gelo. Isso não
se faz com quem a gente ama.
Ela faz que sim.
— Doeu muito, Bê. Por favor, não faz mais isso comigo.
— Desculpe. Eu não vou mais fazer. É que eu fiquei com muita
raiva. Mas pode ter certeza que doeu muito em mim a sua omissão.
Eu me senti péssimo por isso.
— Eu também me senti muito mal por esconder a verdade de
você. Só que, na verdade, eu não estava escondendo, eu só estava
esperando o momento certo para te falar.
... falar-me que ela tomou a decisão de ir, eu penso.
Suspiro.
— Me falar...? — pergunto, de modo a incentivá-la a confirmar
com a própria boca o que venho adiando confessar que sei. — Me
falar que você vai, Laura, é isso?
— É, Bê. Você entende?
— Para falar a verdade, não.
Mas eu honestamente gostaria de entender. Ela já estudou na
Cambridge, o mestrado ela pode fazer em qualquer universidade do
Brasil. Estou errado?
— Por favor, volte comigo para o Brasil. — Seguro seu rosto
entre minhas mãos. — Eu imploro, Laura. Eu nunca implorei nada a
ninguém, mas a você eu imploro! Volte comigo e fique comigo e com
o seu pai. Esse é o momento.
— Por que você fala isso agora, Bê? Você sempre soube que
eu iria para Cambridge.
— Acontece que os meus sentimentos por você aumentam a
cada dia, e eu não sei se aguentarei um namoro à distância. A gente
vai sofrer muito... de novo... e eu vou acabar de... — Solto seu rosto
de minhas mãos e abaixo o olhar, encarando o chão. Não consigo
completar.
— Desistindo? Você vai desistir de mim? — Ela levanta meu
rosto, me fazendo encará-la. Não falo nada. — Você falou que não
iria desistir, lembra?
É, eu lembro. Mas não digo usar a boca para afirmar.
— Mas agora você vai desistir, Bê?
— Sim, Laura. Não vai dar. Vai ser difícil. Vamos sofrer. Vai ser
horrível! Mas eu te amo, minha Ursinha. E eu não queria nunca
deixar de sentir isso por você porque esse sentimento me faz bem,
me ajuda a ser melhor e me completa. Mas namoro a distância. —
Balanço a cabeça para os lados; não posso deixar de observar seus
olhos pesando devido a mais lágrimas que com urgência insistem
em serem derramadas. — Não dá. Mas quando a gente se
reencontrar, quem sabe não podemos tentar de novo.
— Você não pode estar falando sério, Bê. — Quando seus
cílios se batem, um par de lágrimas escorre de maneira dramática
por seu rosto, até alcançar a curva do seu pescoço. Quero abraçá-
la, beijá-la bem ali e me desculpar por fazê-la sofrer. — Isso não é
motivo, Bê, para você desistir. Amar alguém não tem a ver com
estar junto, tem a ver com ficar feliz pelo fato da pessoa que você
ama estar feliz. — Ela funga, limpando o rosto com as costas das
mãos. — Realizando sonhos e objetivos. Foi você quem me disse
isso.
— O que você está dizendo?
— Que se você me amasse, você me esperaria. — Ela se
levanta da cama e me encara por cima. — Você pode até me amar,
Bê, mas não me ama o suficiente. — Sua boca treme e seu peito
sobe e desce, devido a sua respiração descontrolada.
— Eu amo você, minha Ursinha. É claro que eu amo. —
Levanto-me, ficando diante dela. Seguro seu rosto entre minhas
mãos, na altura de suas orelhas, e abraço-a tão apertado para que
ela entenda. — Mas amo tanto você que não aguento tê-la longe de
mim, sem saber pelo que passa e o que faz. E você, me ama até
que ponto?
— Eu te amo a ponto desse sentimento não caber mais em
mim, Bê. A ponto de sonhar e delirar com nosso futuro, juntos. —
Ela funga, sai dos meus braços, guarda uma mexa de cabelo atrás
da orelha e suspira. — Só que, quando eu penso no Brasil, eu
penso em você, no meu pai, nos meus irmãos e na Anne, mas, Bê,
e a minha vida pessoal? Minha profissão, meus estudos? Eu tenho
planos em Cambridge, tenho pessoas lá esperando por mim, livros,
roupas, pesquisas iniciadas e paradas pela metade, professores que
me ligam e perguntam como anda o planejamento de meu projeto.
Eu tenho um futuro em Cambridge, uma vida, que só foi pausada
porque entrei de férias, e agora ter que pensar em largar tudo e ficar
no Brasil, entenda, não é tão simples.
— Você pode ter um futuro comigo no Brasil.
— Como? Tendo filhos agora? Você acha que é o momento
ideal? Você se agachou diante de mim no aeroporto e acariciou
minha barriga. Bê, eu me senti tão triste e ao mesmo tempo
preocupada porque eu vi o quanto você desejava
desesperadamente aquilo. E não, não é isso que eu quero agora.
Claro que quero ter um futuro com você, vários bebezinhos com o
seu rosto bonito. — Ela passa a mão por meu rosto, o que me faz
fechar os olhos. Quando os abro, ela beija docemente minha boca.
— Mas quem sabe daqui a dois anos ou três? Porque antes quero
casar numa igreja, de branco, com Christina Perri cantando A
Thousand years. — Ela ri, e eu também o faço, pois entendo a
referência.
[1]
— Isso foi uma referência a Edward e Bela ?
Ela dá de ombros.
— Você não perde essa mania de filmes e livros — digo,
achando-a engraçada.
— Eu gosto das coisas certas, você sabe. Quero que seja
dessa forma: estudos, profissão, casamento e, no final, filhos. E sei
que quando estivermos casados, nós vamos viver brigando porque
você vai deixar suas meias sujas pela casa. — Ela aponta com o
rosto para algo em minhas costas. Sigo seu gesto e percebo que há
algumas peças de roupas minhas jogadas em um canto do quarto.
Entre elas, uma meia. — Você vai ensinar nosso filho a jogar bola,
mesmo que ele mal saiba andar, e vocês vão assistir ao jogo de
domingo juntos.
— Seria lindo.
— Calma. Não acabei .— Ela toca meus lábios com o indicar,
como sempre fez, como forma de me silenciar. Saudades desse
gesto. Fazia um tempo que ela não o praticava. Acho que a mesma
percebeu, pois abre um sorriso pequeno, e então desce o dedo e
retorna a falar: — Enquanto vocês assistem ao futebol, você vai
deixar a mamadeira dele ao lado do seu copo de cerveja, que estará
sobre a mesa de centro, molhando a madeira, e quando eu entrar
na sala e vê, vou ficar com tanta raiva porque vai estar manchada!
Gargalho, imaginando a provável cena.
— Mas, apesar de tudo, sinto meu coração tão feliz por pensar
nisso — diz. — Você não imagina o quanto quero isso. Só que
antes, preciso organizar minha vida lá, em Cambridge, por favor,
entenda. Dessa vez, será diferente. Nos veremos uma vez no mês
ou, no máximo, de dois em dois meses. Você pode ir para lá e eu
posso te visitar no Brasil.
— Mas, Laura, se é por falta de um futuro profissional no
Brasil, por que você não dá aulas? De inglês mesmo. Você seria
uma ótima professora. Aquela aula de patinação que me deu é a
prova disso.
— Já se perguntou se é isso que eu quero? — ela pergunta,
me fazendo acordar das minhas expectativas.
— Não — admito. — Nunca pensei.
— Se me ama, Bê, pensa no que eu quero, no que me faria
feliz. Você disse que se fosse jogar no Real Madrid, que me levaria
junto a você, como se só suas realizações pessoais importassem.
Você precisa entender que eu também tenho meus objetivos.
...como minha mãe falou, como Fernanda de certa forma
também insinuou.
Estou sendo tão babaca com ela, pensando só em mim, só no
que eu quero. Laura está certa. Devo pensar nas suas vontades,
pensar se ela ficará feliz fazendo algo ou não. Até porque quero sua
felicidade. Não há coisa mais linda nessa vida do que ver seu
sorriso se expandir em seu rosto e seu olhar brilhar de satisfação.
Quero vê-la assim. Sempre.
— Desculpa, Laura.
— Se realmente me ama, vai me esperar. Não há prova de
amor maior que essa.
— Olha, esquece o que eu disse. Eu não vou desistir — digo,
porque realmente não vou. — Mas vai ser doloroso e só de pensar...
meu Deus! Só de pensar dói tanto!
— Eu sei que dói, Bê. Dói em mim também. — Ela se
aconchega em meus braços e suspira com pesar, enquanto eu beijo
o topo de sua cabeça. — E, Bê...
— Hum?
Ela levanta a cabeça e me olha com amor.
— Eu vou com você para o Brasil.
O quê?
— Você vai?
— Vou sim. Estou morrendo de saudade de todo mundo. Só
que vou ter que viajar de novo no mês que vem.
— Por quê?
— Porque ainda falta fazer a entrevista do mestrado, que só
vai acontecer na primeira semana de abril.
Assinto, conformado.
— Eu te amo muito, Bê. Eu nem sei o que é isso que eu estou
sentindo. Mas me dá medo. Eu sinto como se não fosse possível
mais viver sem você, como se eu tivesse que largar tudo e viver só
de amor, e isso me assusta.
— Eu também, Laura. Também te amo muito e não sei como
lidar com isso.
— Só sinto vontade de ficar eternamente assim. — Ela se
aconchega em meus braços, colocando o rosto sobre meu peito.
Aliso seus cabelos macios. — Nos seus braços. E não fazer mais
nada. Mas sabemos que, se o que sentimos for realmente real, nada
vai nos separar, você concorda? — Ela levanta o rosto e me encara.
E eu, assinto.
Não há certeza sobre o amor maior do que essa.
Domingo, 15 de março de 2015

Pegue um pedaço do meu coração


E torne-o todo seu
Assim, quando estivermos separados
Você nunca estará só
Nunca estará só

Você nunca estará só


Quando sentir minha falta, feche os olhos
Posso estar longe, mas nunca fui embora
Quando você cair no sono hoje à noite
Só se lembre que nos deitamos sob as mesmas estrelas

NEVER BE ALONE – SHAW MENDES


Capítulo 36

Laura e eu estamos no Brasil há apenas um dia. Daniel, minha


mãe e meus irmãos ficaram muito felizes com o retorno dela, e há
uma expectativa muito grande neles de ela ficar por aqui para
sempre.
Mas eu desacredito nisso.
Ela realmente quer a Cambridge, o que ainda me magoa um
pouco, mas, dessa vez, não é por sua escolha, que agora consigo
compreender, mas pela distância que enfrentaremos. Por outro lado,
estou extremamente feliz por ter conseguido passar no mestrado e
especialmente por tê-la ao meu lado mais uma vez.
— Não acha que você está bem crescidinho para ter esse
pôster no seu quarto? — comenta ela, encarando o retrato do meu
amigo Bob Marley atrás da minha cama. Coloca as mãos na cintura,
dobradas, e me encara com um sorriso bonito que ela vem
carregando desde que retornou para cá.
Caminho até ela, agarro-a pela cintura e dou um beijo rápido
em seus lábios macios, porém um beijo cheio de malícias. Ela passa
os braços ao redor do meu pescoço, sobe a mão e acaricia a parte
dos cabelos da minha nuca e me encara com o mesmo sorriso
anterior, as íris acinzentadas tem um brilho especial.
— Feliz por estar de volta — admite. — Pena que aqui não
podemos. — Ela desce o olhar para meu abdome e morde o lábio
inferior. — Fazer amor.
A tensão sexual entre Laura e eu, aqui dentro dessa casa,
cada minuto juntos aumenta mais, uma vez que toda hora Daniel
surge como uma sombra. A situação está me dando nos nervos.
— Seu pai sabe que transamos. — Levanto um pouco sua
blusa de seda e passo meu polegar em sua barriga, acariciando
uma parte descoberta dela. Só o toque faz Laura emitir um
grunhido. — Tem que parar com isso.
— Parece que quanto mais ele nos cerca, mais eu quero
montar em você e fazer amor até o dia clarear. Amor não, sexo.
Trepar. Parece que amor soa muito sem graça. Não fico excitada
quando falo amor. — Ela sorri e morde o lábio inferior. — Quero a
liberdade de uma noite de sexo com meu namorado, sem limitações
de posições, tempo e gemidos.
Meu pau momentaneamente dá o sinal de que é isso que ele
também quer ao ficar rijo como uma pedra a ponto de encontrar,
mesmo com a interrupção dos panos das nossas roupas, na parte
do corpo da minha namorada que ele mais está interessado de ter
um encontro. Ainda mais que Laura usa uma saia de tecido fino.
— Prometo que essa noite, após visitar o meu pai. — Desço
minha mão até alcançar o lado externo de sua coxa. — Levarei você
a um lugar muito interessante.
Depois que meu pai acordou do coma, minha mãe o visitou no
hospital, onde teve uma conversa com ele, que pediu desculpas a
ela e ao Daniel, disse querer mudar a vida dele e que estava
disposto a me reconquistar, se fosse o caso. Assim, pediu que eu o
visitasse em sua casa, para onde retornou esta manhã e onde devo
ir no final da tarde de hoje.
A ideia me assusta. Acho que estou pronto para encará-lo, no
entanto, a última vez que tivemos um contato físico foi dentro
daquela casa, e ele estava me socando.
— Quer lugar é esse, Bê? — Laura quer saber, me fazendo
voltar com minha atenção à garota com um sorriso espoleto no
rosto.
— Lugar onde casalzinhos trepam feito coelhos a noite toda.
Ela morde o lábio inferior, em expectativa.
— Então, já vou pensar no lingerie.
— Quero uma surpresa bem safada. — Levo minha mão para
sua bunda, que eu aperto. Ando um pouquinho com minha mão e
sinto a parte úmida da calcinha da minha garota, onde dou um
belisco, o que faz com que Laura cambaleie para trás.
— Bê... — ela geme, fechando os olhos.
Com o polegar, afasto a calcinha para o lado e enfio dois
dedos em sua entrada estreita, fazendo-a gemer mais uma vez.
Subo o polegar e acaricio a fenda encharcada de umidade. Laura
abre as pernas, me dando espaço para terminar o trabalho.
É quando uma batida à porta nos interfere.
— Bernardo? — Daniel chama dando mais duas batidas.
Levanto o seu rosto e vejo pela primeira vez minha Ursinha
sibilar um palavrão.
— Aprendeu comigo — observo, abrindo um sorriso orgulhoso.
— Isso não é justo. — Ela bufa pela boca, se jogando na
cama. — Quando tivermos nossos filhos, faz o favor de não ser
assim? E caso eu seja, me lembre do que eu te pedi.
Debruço-me sobre ela na cama e deixo um beijo em sua boca.
— Meus filhos serão bem safados, como o papai — deixo
claro. — Aliás, vou criar um quarto do sexo na nossa casa, onde vou
deixá-los transar à vontade, não vou interromper não, nada de
Bernardo pai chato empata foda. Fala sério! Que mal há nisso?
Maior criação divina e as pessoas tratam como tabu.
— Faz o favor de atender o meu pai? Porque se ficar só eu e
você aqui, vou pular em você e transar sem me importar que atrás
de nós há um número significante de pessoas escutando meus
gemidos. Ai, Bê! Que merda! — Ela joga a cabeça para trás e bufa
em frustação.
Diante da cena, o grande Bê dá uma latejada contra a minha
bermuda, gritando para pular para fora e se por dentro da minha
garota. Aperto-o, como forma de não passar vergonha diante do
meu sogro e murmuro um palavrão por tamanha dor que sinto.
Quando ele esmaece, me esquivo outra vez sobre Laura e
deixo um beijo casto em sua boca. Ando até a porta, abrindo-a em
seguida, o que me proporciona encontrar com os olhos atentos do
meu pai-sogro sobre mim, que logo correm para algo atrás de
minhas costas que o faz ter uma expressão cautelosa.
Sigo seu olhar e encontro com sua filha apresentando o rosto
em chamas, mas não tesão, veja só: de vergonha. Minha Ursinha
está intimidada pelo fato de o pai por pouco flagrá-la com cara de
quem quer trepar, como disse.
Seguro uma risada com a mão. Quero muito rir da situação.
Será que sou muito babaca?
— Então, no que posso ser útil, senhor? — pergunto a Daniel,
que me lança um olhar de insatisfação.
— Você é tão divertido — ele ironiza. — Ao menos, temos de
volta o Bernardo de antes. — Ele leva o olhar para a filha. —
Agradeço a você, minha filha.
Laura faz um gesto, que sei que é um levantar de ombros.
— Só queria avisar que temos visita.
Enrugo o cenho ao mesmo tempo em que sinto Laura se
colocar de pé ao meu lado.
— E seria interessante que os dois pombinhos descessem
para dar um oi.
Assinto e bato a porta do meu quarto em nossas costas, com
minha outra mão puxando a de Laura junto a minha. Descemos as
escadas, os três, em silêncio, talvez constrangidos demais. A cada
degrau alcançado faz com que um rosto conhecido sentado no sofá
da sala de visitas alcance meu campo de visão.
— Mãe? O que você está fazendo aqui? — Laura diz, soltando
sua mão da minha, para pular os últimos degraus com pressa até
estar completamente no primeiro andar.
Daniel e eu paramos no degrau que por último pisamos e,
daqui, ficamos observando Fernanda se levantar e ficar de pé diante
da filha.
Não estou surpresa por vê-la, afinal minha sogra viajou
conosco para o Brasil. No entanto, não esperava que fosse aparecer
em minha casa de surpresa. Por um momento, me preocupo, ao me
perguntar os motivos que a determinou a vir até aqui.
Espero que não tenha uma arma no bolso.
O que estou pensando? Ela não é uma assassina, eu acho.
— Antes que pergunte — meu padrasto começa. Agora, vejo
que minha mãe está ao lado da minha sogra, abrindo um sorriso
complacente, ao passo que a primeira retribui o gesto, parecendo
sincera. — Não, ela não veio para brigar ou qualquer coisa do tipo.
— O que ela quer?
— Ela veio se desculpar.
Nossa, isso é... uau!
Apesar de tanta manipulação e anos de mentiras, não consigo
duvidar do arrependimento em Fernanda, pois se chegou ao ponto
de vir até a casa do ex-marido e pedir perdão e ficar ao lado da
minha mãe com tanta bonança, de fato, acho que agora ela vá
seguir em frente.
— Obrigado por ir até ela — ele continua, sincero. — Se não
fosse por você, não sei se ela teria essa coragem.
— Mas eu não fiz nada.
— Fez sim. — Ele dá duas tapas no meu ombro, assentindo.
— Diferente de mim, você teve compaixão. Foi o suficiente para ela.
Sorrio pequeno.
— De nada então. — Não sei se é bem isso o que quero dizer,
mas é o que sai. — E então, vai convidá-la para almoçar?
— Acho que é forçar demais e. — Ele coça o queixo. — De
toda forma, ela não aceitaria. Tem um voo para o Rio de Janeiro
dentro de algumas horas.
Após os trâmites da separação, Fernanda decidiu ficar com a
mãe no Rio de Janeiro, quem tem precisado muito da filha. Espero
que tudo dê certo para ela e que assim enfim encontre o amor
verdadeiro que tanto sonha.
— E você acredita nessa mudança nela? — pergunto a Daniel.
Ele dá de ombros, levando as mãos aos bolsos.
— Estou fazendo a minha parte. Espero que ela também
esteja fazendo a dela. — Ela suspira com pesar. — Mas que isso é
muito louco, ah isso é! Há mais de vinte anos que não a via... é
muito louco reencontrá-la assim.
Olho-o de lado. Ele tem o rosto preocupado, o que me leva a
pensar que não acredita totalmente na redenção da ex-esposa.
— Mas vamos nessa, vamos lá dar um oi a sua sogra.
É o faço. Pulo os últimos degraus e me ponho diante da minha
sogra, que abre um sorriso tão feliz quando me vê.
Eu não sei se sua atitude é honesta, mas pelo clima que se
forma entre nós, julgo que sim. E eu prefiro acreditar na bondade e
no arrependimento das pessoas, no entanto isso não quer dizer que
vou colocar uma peneira nos olhos e tentar tapar o sol. Quero estar
sempre de olhos bem abertos, atentos, a proteger as pessoas que
amo.
Minha teoria inclui principalmente Laura, que é tão ingênua e
nada perspicaz. Por isso, Cambridge ainda me abisma, apesar de
agora ser em uma escala menor.
Como poderia eu, de longe, saber que tem alguém se
aproximando de Laura de maneira mal intencionada, manipulando-
a, machucando-a, como a mãe fez por tantos anos sem minha
Ursinha se dar conta?
Como?
Capítulo 37

Laura aperta minha mão, que está debaixo da sua.


Olho-a de lado e sorrio, em agradecimento pelo apoio que vem
me dando. Estamos parados em frente ao portão da casa do meu
pai, a casa de lembranças ruins, onde estive pela última vez para
ser espancado por ele e que volto hoje buscando por sua retaliação.
Francamente, ainda tenho muito receio do que ele pode falar
ou fazer comigo e minha família, mas sou tudo que ele tem. Sendo
assim, consigo pensar que tem a mim, para o que precisar. A paz
que há no meu coração demonstra que perdoo-o, apesar de não
fazer ideia se um dia vou apagar da minha memória as lembranças
ruins que ele me deixou.
Lembro-me da última vez que pisei aqui, e a recordação faz
com que um frio atravesse minha barriga, e eu encontro alívio
sabotador em um suspiro profundo que solto pela boca.
— Quer voltar outro dia? — Laura pergunta, preocupada.
— Não. — Estou certo de que é isso que quero. Olhá-lo e
deixar meu coração decidir se realmente o perdoei e se sou capaz
de tentarmos uma reaproximação.
Aperto a companhia, decidido, e no tempo seguinte a portão é
aberto por uma senhora de branco, que julgo ser enfermeira que
vem cuidando dele.
Conforme os médicos conjeturaram, meu pai ficou paraplégico,
não tendo sequer qualquer possibilidade de tê-las funcionando
algum dia. Assim, agora ele usa cadeiras de rodas, e, como não
teria como fazer tudo sozinho, Daniel contratou uma enfermeira para
ajudá-lo em suas necessidades básicas.
— Suponho que você seja o Bernardo? — ela deduz.
— Sim, sou eu — respondo, abrindo um sorriso incerto.
— São Gabriel inteira conhece você. — Ela abre um sorriso
gentil. — Como eu poderia ter dúvidas? Entre. — Ela abre espaço
ao seu lado, assim como escancara a porta até que a fechadura
encoste à parede, fazendo barulho.
Assim que adentramos a sala da casa, vejo meu pai, de costas
para a porta, concentrado na televisão. E não, dessa vez não é
filmes pornôs como ele costumava assistir na minha frente quando
eu era uma criança. Como é final de domingo, ele assiste os últimos
minutos do segundo tempo de um jogo de futebol do Campeonato
Carioca.
Meu pai é gaúcho, mas ele torce pelo Fluminense, um dos
maiores clubes de futebol do Rio de Janeiro. Lembro bem quando
eu era criança e ele me dava camisas, canecas e até chaveiros do
clube, o que acabou por me influenciar a me tornar tricolor também.
Acredito que essa foi uma das poucas influências positivas boas do
meu pai em minha vida.
— Oi, pai — murmuro me aproximando dele, que vira
lentamente a cadeira de rodas para mim.
Pela expressão de surpresa estampada em seu rosto, suponho
que não esperava por uma visita minha hoje. E ele não diz nada,
fica me encarando com o semblante em vislumbre. Ou seria de
culpa? Talvez as duas coisas, não sei dizer. Como forma dar um fim
ao silêncio esquisito que se forma, digo qualquer coisa:
— Eu acho que ainda dá tempo do Fluminense desempatar. —
Aponto com o indicador para a tevê, onde o nosso time perde de um
a zero para o Botafogo. Mas seus olhos estão atentos a mim. — O
[18]
Jefferson está no reserva, estou errado? Ele é uma grande
ameaça para nosso time. — Solto uma risada nervosa.
Concentro-me no meu pai e foco no que vim fazer aqui. Mas
não posso deixar de me lembrar de quando eu era um moleque e
meu pai e eu assistíamos, juntos, a alguma partida de futebol na
televisão; ele não dava à mínima para o que eu falava a respeito da
partida ou dos jogadores.
É claro que eu adorava assistir aos jogos, mas mais do que
isso, eu era uma criança na casa de um pai problemático e que,
como qualquer criança, simplesmente queria atenção do mesmo.
Tento apagar meus pensamentos, pois parece que toda vez
que penso no nosso passado só há coisas ruins, e volto com minha
atenção para ele, que ainda está concentrado em mim de modo que
me encara com tanto desespero por perdão.
— Bernardo. — Ele vira totalmente a cadeira para mim abrindo
um sorriso pequeno, mas o qual eu consigo perceber um brilho de
alegria que nunca antes enxerguei em suas expressões.
No instante seguinte, Laura solta minhas mãos para colocar no
rosto, eu sei, vejo sua sombra no chão. Sei que chora ou se segura
para não fazê-lo. Viro-me para ela e confirmo que sim. Ela balbucia
um perdão com os lábios, e eu balanço o rosto para os lados, como
forma de lhe mostrar que tudo bem ela se emocionar. Eu também
estou emocionado. Posso sentir meus olhos umedecerem.
Abraço-a de lado e beijo sua bochecha molhada, mas sem tirar
os olhos dele, que estão presos a mim.
— Desculpa, Bê — diz, baixinho.
— Tudo bem. — Aliso seu braço, acalmando-a.
— Deveria ser eu a te acalmar e não o contrário — murmura.
— Quan... — meu pai tenta falar, me fazendo tirar a atenção
de Laura e voltá-la para ele, mas sinto a dificuldade que tem ao
fazer o ato tão simples. Não é só pelo nervosismo. O coma causou
dificuldades na fala, uma vez que esteve por tanto tempo
desacordado. — Quan-to tempo.
— Eu cresci. — Dou de ombros e sorrio de lado.
— Ve-jo que se tornou... um homem... estou feliz por vê-lo...
de-pois de tanto tempo. E essa, quem é? — Ele inclina a cabeça em
direção à Laura, que no momento aperta firme a mão que tem
enlaçada à minha.
Eu contei para meu pai sobre ela quando ele estava no coma,
mas, como a Maria já havia me alertado, era certo que quando ele
acordasse fosse esquecer tudo o que conversamos.
— Essa é a Laura, minha namorada.
— Namorada? — Ele sorri pequeno, com admiração, e, após
um segundo de silêncio, arrasta a cadeira até a Laura e estica a
mão em sua direção para um cumprimento. Ela, olhando-me de lado
com receio, solta sua mão da minha e aperta a mão de Vitor. —
Você é a filha do Daniel? — Os dois desgrudam as mãos.
Laura olha para mim, como se perguntasse com os olhos, se
deveria afirmar. A verdade seria a prova do tudo ou nada, pois
assim eu saberia se ele realmente está pronto para conviver
comigo, já que essa convivência traria de fato todo o seu passado, o
que de fato foi o estopim para o seu fracasso.
Afinal, meu pai, no fundo, nunca esqueceu minha mãe, nunca
superou a rejeição da mesma, suas atitudes sempre mostraram
isso, e na bebida, como é de praxes para muitos, foi onde ele
encontrou refúgio e apoio, por ser sozinho, por não tem com quem
contar. Agora, não se encontra de maneira diferenciada. Quer dizer,
agora ele tem a mim, e isso é tudo.
— Sim, pai. Ela é. — Quando pronuncio pai, ele tira os olhos
de admiração sobre minha Ursinha e os traz para mim, me
encarando de maneira diferente.
— Você me chamou de pai?
Na verdade, é a segunda vez que o chamo assim, mas parece
que na primeira vez ele não pareceu ouvir. Estava abismado demais
para isso. Penso eu.
— Não é isso que somos, pai e filho? — Abro um sorriso
agradável.
— É, sim. E fico fe-liz por ouvir essa pala-vra de você... meu
filho, depois de tan-to tempo. — Ele sorri, gentil, para mim e volta
sua atenção para Laura. — Sua namorada é muito bonita. Estou
orgulhoso de você.
— Obrigada. — Laura agradece timidamente.
Nesse momento, fico sem saber o que dizer. Dessa forma,
mais uma vez, um silêncio estranho se prolonga entre nós, até que
Laura o quebra:
— Bom, acho que vocês precisam conversar a sós, certo?
Olho de soslaio para ela e consinto. Laura solta sua mão
enlaçada da minha, segura meu rosto entre as mãos, deixando um
beijo casto sobre meus lábios, e se retira da sala com os olhos
indecifráveis do meu pai sobre ela.
— Que tal começarmos por um abraço? — Meu pai sugere
assim que ficamos sozinhos. Ele abre os braços em minha direção.
Agacho em sua frente para que pudéssemos enfim quebrar a
distância que existe entre nós dois. Quando nos soltamos, sinto que
tenho lágrimas escorrendo por meu rosto e vejo que ele também
tem.
— Me perdoa, por favor. — Ele segura meu rosto com as duas
mãos para que eu olhe para ele enquanto me diz isso.
Um embrulho se forma em meu estomago, e sei que falta
pouco para eu vomitar. Sei que é medo, nervosismo. Assim, ignoro
os sentimentos refletidos em meu corpo e abro a boca para falar,
com toda sinceridade que me cabe:
— Eu te perdoo, mas, com sinceridade, saiba que ainda não
esqueci. Assim que pus os pés nessa casa, pude perceber que não
tenho boas lembranças suas. Muito pelo contrário.
Ele assente com a cabeça.
— No entanto, podemos começar do zero — continuo. — e
esquecer tudo.
Ele solta meu rosto de suas mãos, pega as minhas, que estão
apoiadas sobre os braços de sua cadeira de rodas e leva-as para
sua boca onde ele as beija.
— Eu fui tão ruim com — ele ameaça falar, mas eu lhe corto
fazendo que não com o rosto. Mas ele ainda tenta: — Você está um
homem. Eu me arrependo tanto por tudo que te deixei passar.
— Vamos esquecer isso. Por favor. O que importa é o agora.
Ele mais uma vez consente. Levanto-me do chão para me
sentar em um sofá marrom e de couro que tem próximo, de frente
para a tevê, onde o Galvão Bueno volta a narrar o jogo, que agora
se encontra nos minutos inicias do último tempo. Meu pai traz a
cadeira para mais perto, ficando ao meu lado.
— Vejo que poucas coisas mudaram por aqui — comento, ao
girar o rosto, observando a aparência pouco diferenciada de sua
casa.
Tirando o fato de o sofá e a tevê serem novos, bem como o
ambiente carregado de antes agora trazer certa calmaria devido à
pintura nova, os móveis permanecem os mesmos, o que faz com
que eu me recorde novamente da última vez que estive aqui para ter
minha costela quebrada pelo meu próprio pai.
— Seu pai não teve animação para mudar qualquer coisa —
confessa. — Foram... dias obscuros, nos quais a bebida era meu
único refúgio. Acho que posso sentir meu corpo implorar por ela,
ainda.
Meu pai é alcoólatra, não posso negar. O fato de ele ter ficado
no ápice da embriaguez, ter caído, batido a cabeça e ficado em
coma, não basta para que alguém controle o vício, porque não é tão
simples assim.
Nesse momento, concluo que, se ele não quiser voltar a ser o
mesmo bebum babaca de antes, a solução mais precisa será
procurar por ajuda nos Alcoólicos Anônimos, como forma de
controlar a dependência química e aprender a lidar com a doença.
Porque o alcoolismo é, de fato, uma doença, e doenças precisam
ser tratadas.
Além do mais, as pessoas também precisam tratar álcool como
droga, porque, assim como a maconha e outras drogas mais
pesadas, a bebida tira você do caminho, daquilo que você realmente
é, te despersonaliza, e por isso acho que é a pior droga.
— O senhor vencerá essa. — Engulo seco. — Essa doença. —
Levo meu braço em direção a sua cadeira e aperto sua mão, que
está sobre o braço da mesma, debaixo da minha. — Existem
distrações melhores! — Aponto com o queixo para a tevê, e ele leva
seu rosto para lá.
— Acredito. — Ele ia falar algo, mas a televisão atrapalha sua
fala quando Galvão anuncia um gol do Fluminense. — Há!!! Eu
sabia que ia virar!!! — Ele comemora dando uma bordoada com a
mão livre na cadeira de rodas. — Grande Fred!
Aperto novamente sua mão abaixo da minha. Encaramo-nos e
trocamos alguns sorrisos, comemorando o início para a vitória de
nosso time. Meu coração vibra por essa realização, e sei que o seu
também o faz.
— Não quer ficar para o jantar? — ele me pergunta, se
remexendo na cadeira, demonstrando o desconforto que sente
preso a ela. Recolho minha mão. — Temos nhoque. — Ele dá um
sorriso presunçoso, e eu lhe retribuo com outro. — Não me esqueci
de que esse era sua comida favorita quando era garoto. Ou você
prefere outra coisa?
Sorrio, no fundo, me sentindo feliz por saber que ele se
recorda.
— Parece que não — confesso.
— Não tinha certeza que viria, mas pedi a Maria para fazer.
— Maria?
— Uma enfermeira que cuidou de mim durante o tempo que
estive em coma. Além da Claudia, tenho ela como enfermeira. O
turno dela acabou essa manhã, e ela deu lugar a Claudia. Gosto da
Maria. Apesar de termos nos conhecido há poucos dias, sinto como
se já a conhecesse de outra vida.
Sorrindo, me recordo da preocupação da enfermeira no
hospital, no seu envolvimento e interesse para que eu incentivasse
meu pai a acordar, como a mesma falou, colocando em jogo sua
ética devido as suas crenças. Fico feliz por saber que ele tem
alguém que se importe com ele. Espero que não seja babaca com
ela, no final das contas, como sempre acabava sendo com as
pessoas que o cercava. Mas posso sentir que dessa vez tudo será
diferente. Acredito nisso.
— Ela parece gostar muito do senhor — confesso.
— Eu também gosto muito dela. — Ele sorri de lado, da
mesma maneira que eu faço, quando flerto, me fazendo encontrar
em nós mais alguma coisa em comum. — Mas e aí, vai dizer não ao
convite para jantar?
Não penso muito. A resposta vem no segundo seguinte:
— Eu aceito o convite.
Capítulo 38

O jantar me garante boas gargalhadas, além de me fazer


conhecer um lado do meu pai que eu desconhecia: ele é uma
pessoa muito para cima, ri de tudo e faz piada a qualquer hora, o
que mais uma vez me faz compará-lo a mim.
Através de algumas conversas leves que tivemos, penso que
talvez ele tenha superado o amor mal resolvido que nutria por minha
mãe, ao contrário do que todos nós costumávamos pensar. Acho
que ele não superou foi o que viveu com ela, pois nunca morou com
uma mulher que não foi ela. E, de acordo com as coisas que
conversamos, o que ele mais almeja para a vida dele é encontrar
alguém para efetivamente viver ao seu lado. Bom, eu espero que
um dia ele encontre essa pessoa. Eu torço por sua felicidade.
Olho para Maria, a enfermeira, que estranhamente veio jantar
conosco, segundo ela, a pedido dele, e vejo como o rosto dela está
vermelho de vergonha. Mentalmente, pergunto-me se não tem algo
rolando entre os dois, mas deixo a desconfiança de lado quando me
recordo que só tem dois dias que ele acordou e, sendo assim, acho
que seria estranho demais os dois se envolverem, diante das
circunstâncias.
Mas não posso deixar de observar que, nesse momento, as
atenções do meu pai estão todas sobre ela, uma vez que é o alvo
das piadas dele.
— Pelo que pude notar — comenta meu pai, me fazendo
levantar o rosto e olhar para ele. Limpo o canto da boca com o
guardanapo de pano. —, Maria é muito situada em assuntos
bizarros, como magia, zodíaco e espiritismo. Eu acho tudo isso uma
grande bobagem.
Olho para Maria. Ela tem a boca aberta, insatisfeita com o que
acabou de ouvir. E então começa uma briga. Ele opina sobre o
assunto e ela acha um absurdo e inicia uma discussão ainda
tentando convencê-lo desse "dogma" dela. E digo dogma porque é
isso que ele chama essas coisas que ela acredita.
Apesar do divertido desentendimento, Maria parece gostar
dele como uma mulher gosta de um homem porque tem tanto
cuidado por ele. Antes de iniciarem o assunto sobre misticismo, ela
reclamou do fato de ele fazer pouco caso da fisioterapia e dos
medicamentos que atrasadamente toma, ele respondeu dizendo que
vai procurar uma enfermeira mais nova e mais bonita para cuidar
dele e ela pareceu um pouco magoada.
Não que a Maria seja feia. Ela é mais jovem que meu pai, tem
trinta anos, ao passo que ele tem quarenta e três. Ela só tem a
aparência de pessoa sofrida, então parece ter a idade dele ou mais.
De acordo com o pouco que nos contou essa noite, ela veio do
nordeste quando criança para estudar e trabalhar aqui visto que as
condições de vida de lá na época eram difíceis. Mas hoje posso ver
que ela tem uma beleza escondida por trás de toda aquela roupa de
enfermeira, do cabelo mal cortado e do rosto acabado pelo
sofrimento.
Mas que diferença a aparência faz? Aparentemente, ela é
maravilhosa, boa pessoa, guerreira, forte e o melhor de tudo: muito
divertida. Estar com a Maria é certo de ter momentos leves e
engraçados.
— Conte-me seu signo, Laura — ele se dirige a minha Ursinha,
que morde a boca segurando a gargalhada. — Aposto que Maria faz
seu mapa astral em alguns minutos.
— Vou adorar — Laura responde, entrando na brincadeira.
— Então, logo após o jantar farei. — Maria sorri, complacente,
para minha garota. — E você, Bernardo. — Ela se dirige a mim. —
Também quer seu mapa astral? Ou você é igual a seu pai? Também
não acredita em astrologia e misticismo?
Abro a boca para dizer que eu também não, mas me recordo
de seus incentivos a fazê-lo acordar, dele chorando e agora
acordado, como resultado, e penso que talvez eu e ele estejamos
equivocados. Mas deixo a conclusão de lado, uma vez que Laura a
interrompe roçando sua perna de calça jeans à minha.
Como está ao meu lado, olho-a de soslaio e vejo suas
sobrancelhas erguidas em minha direção; ela tem um gesto
sugestivo. Sei bem o que ela insinua. A briguinha dos dois também
faz com que eu me lembre da minha história com ela.
De fato, Maria e meu pai são uma graça juntos.
Sorrio para minha garota, apoiando-a em mais um de seus
surtos de “cupido”, e ela, satisfeita, volta a apreciar o delicioso
nhoque preparado pela enfermeira do meu pai. Faço o mesmo.
— Meu filho, você não quer passar uns dias comigo? — meu
pai me pergunta. Nem havia me dado conta de que estávamos em
silêncio, comendo. — Pode chamar sua garota. Tem o seu quarto
para vocês ficarem.
Engulo seco.
Sinto que o clima de diversão mudou. Pelo menos, para mim
mudou. Como poderia eu passar uma noite no meu quarto antigo e
recordar-me da minha infância ao seu lado?
— Eu vou pensar — digo, porque eu realmente vou pensar.
— Ficarei muito feliz se aceitar o convite. Não precisa ser de
imediato. Pode ser nas suas férias do ano que vem, não importa. —
Ele abre um sorriso que sei que reflete insegurança. — Só quero
essa chance.
Sorrio pequeno.
— Prometo que vou pensar.
— E dormirem essa noite aqui, o que acham? Hoje é domingo,
as ruas estão desertas, a cidade está cada vez mais perigosa. —
Ele encara o relógio, ansioso. — E já é tarde. Posso pedir que a
Claudia prepare um quarto para vocês.
Laura, que está ao meu lado, dá um pequeno chute na minha
perna, me fazendo olhar para ela de soslaio outra vez. Ela tem o
rosto coberto de más intenções.
Como ficamos para o jantar, nosso plano de passar algumas
horas num motel escorreram pelo ralo, porque está tarde e volto aos
treinos amanhã, e até porque ainda é estranho para nós nos
ausentarmos de nossa casa e fazer seu pai pensar que estamos em
um local transando.
Quer dizer, eu estou pouco me lixando, mas sei que ela se
importa. E como bom namorado que venho tentando ser, quero
fazer o que for melhor para ela, sem constrangê-la ou coisa do tipo.
Ficar na casa do meu pai e avisar nossa família que ficaremos por
aqui não é a mesma coisa que avisarmos que não voltaremos para
casa porque vamos transar.
— Ficaremos, senhor Vitor — ela diz encarando-o, sem
esperar por minha decisão. — Tudo bem, Bê? — cochicha para
mim, mas não respondo, pois me distraio com os olhos ansiosos e
atentos do meu pai sobre mim.
Mas acabo assentindo, aceitando o convite.
É só preocupação. Sei que a partir de hoje tudo será diferente
entre nós.
Capítulo 39

Não é como se eu tivesse doze anos outra vez e meu pai


estivesse chutando minhas costelas, segurando uma garrafa de
cerveja. Ou assistindo pornografias na sala e me chamando para
descer e ver minha mãe na tevê. Não é como se fosse dessa
maneira, mas ainda assim estar dentro desse quarto me sufoca.
Mas não tanto. Muita coisa mudou por aqui. Não poderia
esperar que, assim como o restante da casa, o espaço poderia ter
sofrido alguma reforma. Meu pai não teria feito-a de dois para cá e,
a julgar pela tinta seca e os móveis seminovos, penso que a reforma
tenha sido feita antes de ele ter caído bêbado.
O arremate me leva a pensar, ainda, que talvez antes de tudo
isso acontecer ele queria se aproximar de mim. As insistências da
minha mãe para voltar a ter contato com ele, que sei que antes
partiram do mesmo, não foram à toa. Ele não estava mentido.
Queria-me de volta na vida dele, queria recomeçar.
Isso é assustador, apesar de consolador e me motivar a fazer
o que tenho feito: dar-lhe essa chance.
— Você está bem? — Laura quer saber, ao me notar, de pé,
escorando na porta fechada, posição essa que me encontro há não
sei quanto tempo. — Desculpa. Eu não deveria ter aceitado que
ficássemos. Eu não sabia que poderia ser tão ruim para você...
— Não. — Olho para ela, que tem os olhos de preocupação. —
Está tudo bem. Não se preocupe. Se quero esquecer isso, preciso
passar por cima de toda lembrança ruim.
— Esse quarto não me parece uma lembrança ruim. Não me
parece um lugar feio e sujo. Do contrário, esquecendo-se dos
problemas de violência que você teve com seu pai, esse quarto
provaria a qualquer juiz de guarda que ele era um ótimo pai.
— Esse quarto não era assim, Laura.
— Não? — Ela dá dois passos até mim, ficando abaixo do meu
nariz.
— Não. Era mal pintado, sujo e. — Engulo seco. — Fedia a
bebida. A casa toda fedia a bebida.
Pela expressão de conclusão de seu rosto, penso que talvez
ela tenha concluído a mesma ideia que eu.
— Não fede mais — ela pontua. — Você acha que ele já tinha
se redimido antes de cair bêbado? Por isso está tudo tão... limpo?
Simplesmente assinto com o rosto.
— Eu espero que estejamos certos. — Ela se abraça e morde
o lábio, abaixando o olhar. — Sobre eles.
Levanto o olhar e a encaro com atenção. Sei que se refere à
mãe.
— Bê... você acha que estou sendo muito ruim por me sentir
aliviada pelo fato de minha mãe ir morar longe de mim?
Enrugo o cenho, sem entender.
— Você se sente assim?
Ela faz que sim, o rosto coberto de culpa.
— Eu a perdoo, no entanto, eu gostaria de viver mais um
tempo longe dela. Foi difícil estar em Nova Iorque e tê-la todos os
dias debaixo da minha coberta à noite, de dia, quando não estava
trabalhando, tagarelando no meu ouvido. — Ela suspira com força.
— Eu não conseguia dizer para você que minha mãe me
incomodava porque, carambas, ela é a minha mãe. Mas era assim
que me sentia: queria espaço, queria ficar longe dela, longe de todo
mundo, sozinha e respirar.
— E aí é por isso que, quando eu ligava ou te enviava uma
mensagem, você me ignorava?
— Claro que não. Eu só me isolava, ficava trancada no quarto,
sem celular, sem nada, só com meus pensamentos, e não via as
horas passando, e eu já te disse que por mensagem as coisas
parecem diferentes.
E é por isso mesmo que não consigo aceitar totalmente essa
droga de relacionamento à distância, quero concluir, mas prefiro
guardar a língua na boca, porque afinal não é justo com ela lhe jogar
esse peso. Ela também merece realizar seus sonhos, assim como
eu.
— Você não me sufoca, de jeito nenhum. Ela me sufocava. Na
verdade, me sufoca ainda — se corrige. — E parece que só me dei
conta disso ao estar aqui, um pouco longe dela. Aqui eu me sinto
em paz. Eu quero continuar me sentindo assim. Mas quando a vi
hoje, era como se todo aquele incomodo, aquele sufoco, tivesse
voltado.
— Eu me sinto em paz perto do meu pai — reflito. — Você não
acredita no arrependimento dela?
— Eu acredito sim. Mas... o que estou querendo dizer é que
acho que ela deve ter uma vida e me permitir ter uma também. E eu
terei, seja aqui ou em Cambridge. Espero que ela tenha uma no Rio,
com a vovó. As duas se dão bem, são tão iguais. — Ela ri de lado,
mas é um sorriso que se desmancha no minuto seguinte. — O nome
disso, disso que ela me fez passar, se chama alienação parental. E,
sabe, toda a manipulação dela, tudo o que causou à minha vida, as
retiradas principalmente, eu não posso recuperar. E isso é o que
mais me perturba.
— Eu também não posso recuperar o que ele me tirou, Laura,
mas temos que seguir em frente.
Ela dá o último passo até estar completamente diante de mim
e me dá um beijo rápido, laçando os braços ao redor do meu
pescoço. Encosta o rosto no meu peito e solta um suspiro aliviado.
— Eu amo você — ela diz, como se fosse necessário.
— Eu também te amo. — Laço sua cintura em meus braços e
coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha; fico admirando a
mulher que eu amo. É clichê, mas é maravilhoso esse gesto. —
Prometo que, quando tivermos nossos bebezinhos. — Beijo o topo
de sua cabeça, onde faço carinho depois. — Serei o melhor pai do
mundo para eles. Não vai dar errado pra gente, como deu para
nossos pais, mas, se der, nunca vamos permitir que nosso
sofrimento torne o sofrimento deles, entendido?
Ela levanta o rosto para mim e assente. Depois, beija
docemente meus lábios e se afasta um pouco de mim, não para ir
para longe, pois o faz para puxar a blusa pela cabeça, o que faz
saltar para fora seus seios lindos cobertos por um lingerie vermelho.
Vermelho. Adoro vermelho. É sexy, excitante, perturbador.
Sorrio de lado, orgulhoso da minha garota, que fez a escolha
certa, e dou os últimos passos até tê-la em meus braços outra vez.
— Eu acho que. — Inspiro em seu pescoço. — Vou acabar
fazendo um filho em você. — Beijo sua boca, colando minha testa
na dela. — Quem sabe assim você não fica de vez no Brasil.
— Teríamos filhos lindos. — Ela morde a boca, parecendo
imaginar.
— Certamente. — Dou o melhor sorriso orgulhoso por pensar.
Um filho menino, espoleto como o pai, ou uma menina doce como a
mãe? Acho que quero os dois.
— E eu adoraria que você fizesse um filho em mim.
— O que você quer dizer com isso? Você quer um filho
comigo?
— Eu quero ter bebês com você, Bê, mas não agora. Já
conversamos sobre isso. Mas quem sabe daqui a dois anos ou um.
— Ela arqueia a sobrancelha. — Quando nós enfim ficarmos juntos
e quando tivermos com nossas vidas bem resolvidas, digo tanto no
sentido profissional quanto no conjugal, entende?
— Claro que entendo. É tudo que mais quero, Laura.
Ela se perde em algum pensamento, pois me encara com o
olhar tão sereno que enche meu coração de um sentimento tão
genuíno e inexplicável.
— Mas. — Ela fica quieta por um tempo trocando olhares
comigo. Até que suspira com toda força. — Uma coisa me faria ficar
e mudar de ideia.
— Dá para ser direta?
— Deixa pra lá. — Ela balança a cabeça em negativo como se
tivesse se arrependido do que disse. — Não sou eu quem deve te
fazer esse pedido.
Pedido? Do que ela está falando?
— Do que você está falando? — pergunto, porque realmente
não sei.
— Que eu quero ser amada por você pelo resto da vida, Bê,
até não poder mais. Então. — Ela toca meus lábios com o indicador
pintado de rosa. — Que tal começar por hoje?
Assinto, abrindo um sorriso, decidido a aproveitar a deixa para
explorá-la como há dias almejo.
Lentamente, viro-lhe de costas e coloco seu cabelo sobre seu
ombro como forma de facilitar a retirada de seu sutiã, que eu abro o
fecho e jogo-o para longe. Se bem que não sei se é uma boa ideia
removê-lo. Ela estava tão linda vestida de lingerie vermelho que
acho que só ficar olhando-a assim já bastava para eu passar a noite
satisfeito.
Com ela ainda de costas, beijo seu ombro bonito, depois seu
pescoço, fazendo minha garota, a cada encontro dos meus lábios
com sua pele macia, arquear para trás.
Enquanto nos amamos, penso em cada detalhe em Laura. Ela
se priva do medo e isso a deixa pura, sem experiências que a faça
sentir o mundo e sofrer nele para amadurecer. Deve ser por isso
que ela é assim desse jeitinho, feito uma garota e não uma mulher.
E é por isso que quero tanto ela comigo.
Talvez, quando se torne mãe, ela virará uma mulher forte, mais
do que ela já é porque, ela pode ser boba desse jeito, mas ela é
forte. Tem foco, objetivo de vida e colocou-os na frente de nosso
relacionamento. Que mulher fraca pensa assim?
E eu sei. Falta muito pouco para nosso final feliz, pois comigo
em meus braços aqui no Brasil eu já tenho.
Domingo, 5 de abril de 2015

A tela fria desse celular, só ver sua foto não vai me esquentar
Amar você de longe é tão ruim
Te quero ao vivo e a cores aqui, aqui
AO VIVO E A CORES – MATHEUS E KAUAN
Capítulo 40

Quase um mês se passou.


Nesse momento, acontece o primeiro jogo da segunda divisão
do Campeonato Gaúcho. Desde o início do jogo, o Limeira sofre
com certa dificuldade de entendimento, visto que Marco torceu o pé
ontem à noite e o técnico Rubens junto à sua equipe técnica
precisou colocar de última hora Paulo, que é reserva, no lugar dele.
Estamos empatados, no um a um, nos acréscimos do último
tempo.
Como eu sou ponta, na primeira tentativa de aproximação do
espaço do time adversário, vejo muita marcação dos meus
oponentes sobre mim. Uso do esquema que eu sempre fazia com
Marco com Paulo, que acaba trabalhando bem melhor que meu
outro amigo. Paulo é foda, digo isso sem qualquer dificuldade. Mal
começou o jogo, e ele se destaca nessa partida, mais do que Marco
em outras que disputamos juntos, mas espero que meu amigo não
saiba. Não quero desapontá-lo.
De fato, com Paulo dando seu melhor como visivelmente sei
que está dando, sei que conseguiremos uma oportunidade de
mirarmos mais uma bola nesse gol antes dos minutos finais.
No intervalo, tinha conseguido algum tempo para respirar e
trocar umas palavras com Rubens, que propôs a mim e a Paulo
trabalhar na lateral esquerda, que é onde o time adversário está
apresentando uma grande falha. Tudo bem que estamos com o
posse de bola e o São Gabriel Futebol Clube, nosso adversário,
parece recear, mas aprendi que, no futebol, quando a maré está ao
seu favor, se você se acomoda, a onda te leva.
Tudo bem que não estamos falando de surf, mas afirmo que a
metáfora cabe ao meio futebolístico com total convicção.
O juiz apita, marcando falta em Pedro, que desde o inicio do
jogo parece estar querendo jogar nosso time no buraco. Não
entendo como Rubens ainda não o tenha tirado de campo, mas não
reclamo.
O sol queima em minha cabeça. Levanto o rosto e seco um
suor que desliza por minha testa. Como o estádio não é tão grande
e também não está tão cheio, consigo ver Laura e toda minha
família olhando para mim da arquibancada, além de Maria, que
nesse momento olha para meu pai com ternura nas suas
expressões. Já entendi o que está acontecendo ali. A suposição me
faz abrir um sorriso largo.
Laura, Bia e minha mãe acenam para mim assim que notam
que olho para elas. Devolvo com outro aceno de mão.
Mia, Carina e Caio também estão com eles. Há algum tempo
não via minha ex-namorada, acho que desde antes da minha
viagem, na inauguração da ONG, e ela tem uma barriga tão grande
que parece ter engolido uma melancia da noite para o dia.
Só falta Nicolas aqui, mas meu irmão, de um tempo para cá,
desde que começou a namorar uma guria guapa de Santa Maria,
tem sido um pouco ausente na família. Acontece que o pai dela
parece ser um mala. Achei que Daniel levava o título. Estava
engando.
O juiz apita me tirando de meus pensamentos, e o jogo
retorna.
Paulo e eu voltamos a trabalhar na lateral esquerda, mesmo
com os oponentes tentando nos derrubar e correndo risco de sofrer
faltas, desesperados por um empate. Dou o meu melhor,
trabalhando, mesmo que completamente marcado, da melhor
maneira possível toda vez que quase consigo um encontro da bola
com meus pés.
Só um encontro, e eu a chutaria para a rede. Seria gol. Sei que
seria.
É quando ocorre a chance. Nosso atacante, Henrique,
[19]
consegue roubar a bola de Willian Favoni ; o filho da puta do meu
amigo está o maior ladrão de bolas nessa porra.
Então, Henrique trabalha em meio de campo com Paulo, até a
bola cravar no meu pé. Estou de frente para o gol.
Paulo pula lentamente, sendo jogado para o lado por um
jogador adversário que agora corre em minha direção. Cerro os
olhos e sinto como se tudo tivesse em câmera lenta. O sol ainda
queima em minha cabeça. Olho para o alto e vejo minha família
vibrar, além de alguns torcedores. Ou seria Beatriz berrando? Não
sei bem.
Suspiro com força e encaro o relógio marcando apenas um
minuto para fim do segundo tempo. Encaro o gol. A bola no meu pé,
cravada a minha chuteira da Nike. Dou um passo para trás, sinto
alguém puxar minha camisa, me desequilibrando, mas consigo
alcançar a bola e chutar para o gol.
Meio sem jeito, desorientada, a bola caminha vagamente pelo
gramado. Um jogador adversário tenta impedi-la, mas chega
atrasado demais, caindo de bunda na grama. Pedro está parado, na
frente do gol, na mira da bola. Ele me encara, não sei se em
desafio, mas nesse momento sei que seria incapaz de atrapalhar
minha jogada. Limeira e desentendimentos pessoais nunca foram
um problema para o time. Ele salta no ar e a bola desliza sem
qualquer cerimônia em direção ao gol.
O goleiro corre em sua direção, o relógio mostra os segundos
finais para o final da partida. E a torcida vibra. Caio de joelhos,
admirando a bola alcançar a rede e tocá-la como se o trajeto até a
mesma tivesse sido tão simples.
E não foi.
O juiz apita, finalizando a partida, me fazendo acordar, e o
tempo parecer voltar ao normal. Agora, escuto gritos da torcida,
pessoas pulando, se abraçando, e chamando pelo meu nome.
Olho um rosto conhecido no meio da multidão. É Diego
Aguirre, junto a sua comissão técnica me aplaudindo, de pé,
conforme bate palmas com um sorriso no rosto. E nesse momento,
sinto corpos caindo sobre mim, me jogando no chão e misturando
nossos suores.
É coisa de viado, mas a sensação, não só de vitória, mas um
de trabalho bem feito em equipe nos faz reagir assim, comemorar
assim.
Como é de praxes, alguns caras batem em mim, dizem que
sou foda. Entre eles, Pedro. Sem querer me gabar, mas o primeiro
gol também foi meu. Mas devo isso a Paulo, admito. Não posso
deixar de agradecê-lo, e é o que nesse momento faço, dando um
aperto em sua mão calejada, com a qual ele me ergue do chão. De
tantos corpos que estavam jogados sobre mim, eu me encontro
deitado de costas na grama.
— Você é foda — digo para ele, abraçando-o de lado quando
já estou de pé. — Jogando ao seu lado, senti como se fossemos
Bebeto e Romário.
— Prefiro dizer como Nivaldo e Cafu. — Ele abre um sorriso
verdadeiro.
— Foda-se.
Levantamos as mãos e acompanhamos os aplausos da
torcida, também batendo palmas, conforme saímos do campo e
corremos para o banheiro, onde os caras trocam socos pelo corpo e
conversas idiotas, como sempre fazem. Entro no meio e faço o
mesmo.
— Caralho, preciso comer uma gostosa! — um deles diz. E sei
que é Phelipe, nosso goleiro. — Fiquei essa semana sem distrações
só para agarrar todas aquelas bolas. Minhas bolas também
merecem ser agarradas. Vocês me devem essa. — Ele me encara e
sorri. — Quero uma loira safada, saca, Bernardo?
Dou de ombros, cagando para esta merda de sempre.
Não demoro no banho e saio do vestiário. Logo, o técnico
Rubens me chama para uma sala reservada, onde teríamos uma
reunião com o técnico do Internacional.
— Diego Aguirre — ele me cumprimenta, se levantando do
outro lado da mesa e estendendo a mão. Retribuo o gesto, abrindo
um sorriso gentil. Sento-me do outro lado da mesa.
— É um prazer.
— Belo jogo, Bernardo.
Sorrio largo. E Aguirre coça a garganta ajeitando a gola de sua
camisa polo com o escudo vermelho do Internacional para onde
meus olhos viajam, e sei que eles brilham ao encarar as letras SC
Internacional bordadas em branco.
— Bom, em primeiro lugar, gostaria de avisar que você
precisará de um empresário.
Aperto os olhos, encarando Rubens de soslaio, que está ao
meu lado com um sorriso de mistério.
— Cara, já te vendi para outro clube. — Ele abre as palmas
das mãos em minha direção. — Não que você não vá fazer falta.
Você sabe que vai. Mas sei que, sobretudo, merece um clube maior.
Abro a boca, sem acreditar.
— Obrigado pelo tempo que defendeu o Limeira. — Ele puxa
uma prancheta sobre a mesa com alguns papeis fixos a ela, tendo
na boca um sorriso feliz. — Como disse, você já está vendido. Só
falta assinar. — Ele bate com a caneta na folha.
— Não que eu esteja reclamando — começo. —, mas não
teremos uma conversa antes?
— Eu não tenho duvida da minha decisão, meu caro — Aguirre
diz sem pestanejar. — E, como forma de economizar nosso tempo
porque sei que sua família te espera em casa para comer aquela
picanha com chimarrão, quero te adiantar muitas coisas
importantes. Um: como você sabe, o Sport Club Internacional fica
em Porto Alegre. Eu, na visão de técnico, não acho uma boa ideia
você treinar em uma cidade e morar em outra. Ainda mais que Porto
Alegre fica há quatro horas daqui. Seria muito cansativa para um
jogador essa viagem diária. É certo que você precise se mudar para
lá. Imagino que você ainda não tenha o seu jatinho particular. — Ele
dá uma risada divertida, e eu sorrio junto.
Eu realmente não tenho um jatinho e também não cogito
comprar um tão cedo.
— O que eu estou querendo dizer é que eu acredito que não
será de grande valia ficar com um jogador que faça essa viagem
diária. Dessa forma, você não vai render.
Consinto, entendendo.
Ele está certo. Somando ida e volta, dão oito horas por dia.
Fica inviável. Eu só não pensei nisso antes, então preciso planejar
tudo na maior correria possível. Seria difícil, mas não impossível. E
eu poderia voltar nos fins de semana para casa e durante os
recessos de final e de meio de ano.
— Certo — respondo. — Por mim, está tudo certo quanto a
ficar em Porto Alegre.
— Okay. — Aguirre risca alguma coisa sobre um papel que
tem na mesa. — Agora, vamos falar sobre valores?
Sorrio, dando de ombros.
— Vamos nessa.
E assim iniciamos a parte dessa conversa que mais me
surpreende. Não que eu não esteja prestando atenção ao que meu
novo técnico me diz, mas não paro de pensar nas mudanças que
minha vida sofrerá a partir de então, e meus planos, como era de se
imaginar, incluem Laura.
Caralho! Não paro de sorrir nessa porra. Minha boca parece
sofrer de câimbra!
Capítulo 41

Mesmo dirigindo, passo o trajeto em direção à casa da minha


mãe pensando em tudo que está por vir. Eu iria me mudar para
Porto Alegre, mas antes precisaria comprar uma casa, na qual eu
moraria sozinho. Além disso, viajaria por muitos Estados,
participando de vários campeonatos nacionais, além dos estaduais,
os quais eu já participava só que no grupo de acesso.
Mas, além destes campeonatos, teriam os Sul-Americanos e
os Mundiais, os quais o Internacional, sendo um grande time
brasileiro, me daria à chance de disputar.
Outras coisas mais estranhas aconteceriam também: eu seria
conhecido nacionalmente e daria muitas entrevistas, se bem que
isso nunca foi difícil, pois minha mãe é jornalista e já havia feito uma
entrevista comigo para enviar para uma amiga que trabalha em um
jornal; dona Anne trabalha em uma revista infantil. Além da fama,
tem a parte financeira. Meu salário seria dez vezes maior que o
atual. Não que eu seja ambicioso, mas eu tenho muitos planos com
a ONG e com Laura.
Sorrio o tempo todo, completamente satisfeito com o rumo que
minha vida tomou. Meu pai, minha carreira e Laura.
Nós dois.
E como seríamos nós dois agora? Viremo-nos com menos
frequência ainda. E quando ela for para a Inglaterra? Será
complicado.
De duas semanas para cá, decidi passar um tempo com meu
pai em sua casa e, por esse motivo, só tenho visto minha Ursinha
nos fins de semana. Só que agora, indo para Porto Alegre,
enfrentaríamos mais distância ainda porque a cidade fica a quatro
horas de São Gabriel, o que resulta em oito horas de trânsito
somando ida e volta, ou seja, quase a metade de um dia. Seria
muito tempo perdido, o qual eu poderia estar aproveitando com
Laura.
Quando dou por mim, já cheguei à casa da minha mãe.
Estaciono o carro e desço.
Quando alcanço o grande quintal, encontro todos da minha
família reunidos e comemorando ao redor da churrasqueira ou da
piscina, conforme havíamos combinado, estávamos convencidos de
que a conversa com o técnico do Internacional seria algo além de
um aperto de mão.
Olha só, até Maria, meu pai, Mia, Marco e seu pai estão por
aqui. Vinny, Carina e Caio e a mãe dos dois últimos também.
Estranho não ver tio George, mas devo me acostumar.
Estão todos, mas falta Laura. Por um momento, estranho.
— Bernardo! — minha mãe fala assim que eu entro na cozinha
e a encontro cozinhando alguma coisa muito cheirosa com Zélia. —
Ainda bem que vocês chegaram. Demoraram, hein!
Franzo o cenho. Vocês? Eu não trouxe nenhum convidado.
— De quem — ia perguntar a quem ela se refere, mas minha
mãe está tão animada que não me permite responder.
— E aí como foi com o bonitão lá? — ela me corta, colocando
a mão na cintura, cheia de expectativa.
— Bonitão? — Daniel diz assim que entra na cozinha
carregando alguns corpos empilhados e sujos de cerveja.
Dona gracinha dá um sorriso e meu padrasto lhe olha com o
rosto de expressão reprovadora.
— Vamos parar com isso, seu bobo — ela diz e depois dá um
beijo rápido nele.
Admiro-os muito e sempre admirei o amor e a cumplicidade
entre meu padrasto e minha mãe. Eles brincam nos seus limites e
se respeitam antes de tudo. Acho que isso que faz durar.
— E então, meu filho, como foi?
— Está tudo certo. Assim que terminar o campeonato, eu
começo a treinar no Sport Club Internacional.
Minha mãe solta um gritinho histérico, como nunca a vi soltar,
e me abraça com tanta força que eu chego a me sentir sufocado.
Facilmente posso ser partido ao meio. Mas tudo bem. A reação é o
reflexo de uma mãe cheia de amor misturado com orgulho. Por mim.
Caramba! Estou dando orgulho à dona Gracinha!
— Ai, meu filho! Estou tão orgulhosa de você!
— Parabéns, Bernardo. — Daniel aperta minha mão assim que
minha mãe me solta. — Você se esforçou desde pequeno. Merece
cada passo que deu.
Dou meu sorriso de lado como forma de agradecimento pelo
elogio, mas sei que tenho que agradecer a ele também, afinal foi
quem sempre me motivou a seguir com a carreira do futebol. Ele foi
a pessoa que mais sonhou comigo.
— Te devo essa, Daniel, você sabe.
Ele dá de ombros.
— Mas o esforço foi todo seu. Valeu a pena o investimento
emocional. — Ele sorri, amigável. — E a minha filha?
— Ela ainda não sabe — respondo o óbvio, dando de ombros.
Mas contar para ela é tudo que mais quero fazer.
— Não? Ela não está com você? — Daniel questiona,
franzindo o cenho.
— Por quê? Ela não está aqui?
Minha mãe faz que não.
— Achamos que ela estivesse com você — fala, enquanto meu
padrasto bufa.
— Ligamos para ela e ela não atendeu — ele comenta, com
total preocupação expressa em seu rosto, o que me passa
preocupação também.
— Como assim?
— Achei que você e ela — ele insinua. Meu sogro deve
imaginar que estou há uma semana sem sexo com minha
namorada, pois ele sabe que eu e ela não pudemos ter nada ontem
devido aquela coisa de antes do jogo não poder trepar, nem beber,
nem isso nem aquilo.
Mas eu não sou maníaco por sexo como meu pai-sogro pensa.
Não sequestraria Laura por esse motivo. Ele e minha mãe seriam
assim? Esse seria o motivo de seus sumiços de sábado e também
pelo fato de eles terem tido três filhos e só não foi mais porque ela
fez esterilização voluntária definitiva?
Balanço a cabeça em negativo para não pensar nessas coisas
num momento como o de agora. Minha namorada sumiu!
Caralho! Laura sumiu? Somos muito estranhos por nos
preocuparmos com o desaparecimento de vinte minutos — ou uma
hora, não sei — de uma pessoa adulta e psicologicamente
saudável?
Não, não somos, se levarmos em conta que ela tem uma mãe
com problemas emocionais vagando pelo Brasil. Ainda não consigo
confiar totalmente em Fernanda, e sei que minha namorada também
não, mesmo que ela nunca tenha aberto a boca para falar.
No intuito de não causar espanto com a notícia do sumiço de
Laura, ficamos na cozinha trocando os três nossas preocupações,
conforme ligamos para ela, que não entende. Tento transparecer
tranquilidade, mas por dentro sou puro desespero, pois penso em
várias coisas que podem ter acontecido. E dentre essas coisas, de
alguma forma, sempre penso em Fernanda.
Conhecendo seu atual estado mental descontrolado, só
consigo imaginar que ela, de alguma forma, levou Laura.
Capítulo 42

Não disse para ninguém sobre minhas acusações mentais,


mas, assim como ligo para Laura, faço o mesmo com Fernanda
diversas vezes. A primeira tem o celular ou fora da área de
cobertura ou desligado, ao passo que a segunda, de fato, não me
atende, aumentando minhas suspeitas.
Enquanto o faço, tenho, ao tempo todo, os olhos acusativos
com um misto de preocupação de Daniel sobre mim. Ele se
encostando ao meu lado, colocando as mãos no bolso, e pergunta
baixinho:
— Para quem você tanto liga? Você acha que ela levou Laura?
Guardo o celular no bolso e suspiro com calma. Não preciso
abrir a boca para ele entender o que temo.
— Ela não faria isso, Daniel, você acha ela faria?
— Eu acho que não, mas já não conheço mais... ela escondeu
Laura de todos por tantos anos...
— O que ela pode ter feito?
Ele dá de ombros.
— Mas sei que Laura — digo, convicto. — Dessa vez não será
manipulada por ela. Ela conhece a nós e a nosso amor. Não seria
capaz de duvidar. Sei que não.
— Eu sei.
— Ela não anda bem.
Daniel franze o cenho.
— Fernanda — esclareço. — Laura me disse que ela tentou se
matar. Agora, está fazendo terapia e tomando medicação
controlada. Eu penso: ou ela vai enlouquecer de vez ou nos deixará
em paz para sempre.
Ela abre a boca para falar alguma coisa, mas Bia entra na
cozinha, acompanhada de Laura.
— Encontramos Nemo — a pirralha zomba, sendo ignorada,
uma vez que não há clima para brincadeiras.
— Por que procurando Nemo? — Laura quer saber, enrugando
a testa, como se nada tivesse acontecido. — O que aconteceu?
— Nós quem deveríamos te fazer essa pergunta, não acha,
mocinha? — Daniel começa, impaciente. — Por onde você esteve,
Laura? Por que assustou a todos sumindo assim.
Escuto Beatriz emitir uma risada debochada.
— Pai, pelo amor de Deus! — ela diz. — Vocês estão
passando do limite. Eu, no lugar da Laura, estaria muito estressada
com tanta proteção.
— Você fica quieta. — Ele aponta o dedo para minha irmã
caçula. — Isso é conversa de adulto.
— Eu não sou criança. — Ela cruza os braços sobre o peito,
fazendo bico.
— É sim. Enquanto não faz dezoito e não sai debaixo do meu
tento, é criança sim e deve seguir minhas ordens.
Beatriz tem os olhos umedecidos. Ela vira as costas e sai da
cozinha. Agora, já não me sinto mais preocupado ou coisa do tipo.
Acho que quero rir da situação: uma pirralha que se acha adulta.
Caralho! Bia transa! Ela não é pirralha coisa nenhuma!
— E você Laura. — Meu padrasto se dirige para minha
Ursinha. — Nos preocupou. Não sabíamos com quem estava. Era
com sua mãe?
— Minha mãe está no Rio de Janeiro, pai. Como estaria com
ela? E pelo amor de Deus! Eu sou adulta! Será que a vida inteira
será assim?
— Você poderia ao menos ter avisado. Você nunca fez isso.
— Vocês estão exagerando! — A voz de Laura aumenta de
tom, me fazendo perceber que tal superproteção realmente está
irritando-a tanto a ponto de perder sua serenidade natural. Ela cruza
os braços sobre o peito. — Acho que o fato de eu ter tido uma
doença quando eu era criança faz com que vocês sempre me
superprotejam, e eu realmente estou me cansando disso!
— Você disse que viria embora com Bernardo e ele não
chegou com você aqui — o pai questiona. — Não é por você ter sido
uma criança doente, é pela situação.
Também estranho a situação, já que não combinamos de voltar
juntos, mas sei que Laura irá nos contar o que aconteceu.
— Gente, vamos esquecer isso? — interrompo. — Laura está
bem. Estamos todos bem. Vamos comer e comemorar. Aliás, vocês
compraram cerveja? — Viro-me para trás e vejo Vinny passando
pela porta e trazendo duas latinhas na mão. Logo, ele me joga uma.
— Te amo, viado — ele fala. — Aliás! Parabéns pela
contratação! Mas faz o favor de não esquecer que antes da
Laurinha chegar, eu já era tua mulher. — Ele passa o braço ao redor
do meu pescoço e deixa um beijo indesejado na minha bochecha,
que eu limpo com a mão, o empurrando para longe.
— Você é tão viado!
— Sei que gosta assim. — Pisca e sai da cozinha, fazendo
todos rirem e deixando o clima mais ameno.
— Depois vamos conversar. — Ouço Daniel falar para Laura
antes de sair da cozinha, acompanhado de minha mãe, que revira
os olhos ao ouvir isso dele.
Todos que estavam saem da cozinha e sobra eu, Laura e
Zélia, que, em silêncio, prepara alguma coisa no fogão.
— E aí, como foi lá? — Laura vem até mim e passa os braços
ao redor do meu pescoço.
— Antes, quero saber por onde você esteve.
— É uma longa história.
— Lembra que prometemos não escondermos nada um do
outro?
— Eu não estou escondendo nada de você, Bê. — Ela suspira
e cruza os braços. — Eu só conheci uma pessoa no estádio.
— Mulher?
— Um homem, um senhor, na verdade.
— O que ele queria?
— Depois falamos sobre isso. — Ela me puxa pela mão para
fora da cozinha em direção aos fundos da casa. — Já conheceu a
namorada do Nicolas? Ela é tão fofa, Bê, uma graça. Já até ficamos
amigas.
Fico feliz por saber que Nicolas veio para a comemoração,
mas nesse momento não quero saber dele, nem de sua namorada,
pois só quero saber quem é esse homem que passou esse tempo
todo sozinho com minha Ursinha.
Capítulo 43

A namorada de Nicolas me faz lembrar um pouco Laura: ela é


meio retacada, parece tímida, pois está totalmente desconfortável
em meio à quantidade de pessoas falantes que traz um barulho que
para ela julgo ser incomodativo somado ao som estridente do
sertanejo universitário que no momento toca.
A diferença entre Alicia e Laura é que a primeira não parece
garota para sexo; ela não tem um corpo atrativo. Não que eu tenha
reparado, mas ela tem menos curvas que Mia. Mas é simpática, tem
um sorriso bonito. Eu só...
Balanço a cabeça para os lados, tentando espantar da mesma
meus julgamentos.
A verdade é que eu não consigo ver uma química real entre
meu irmão e ela. Não sei explicar, mas existe essa coisa de você
olhar um casal e dizer: “Nossa, que gracinha, vocês ficam lindinhos
juntos, parecem feitos uma para o outro”, e eu não sinto isso.
Meu irmão que me perdoe. Ele disse amá-la, que está feliz e
ela faz bem a ele. Espero que seja real, que dure e que dê
realmente certo. É sua primeira namorada. Nicolas nunca namorou
antes. Não sei por que, nunca perguntei, nunca fomos próximos a
tal ponto.
Surpreendeu-me quando uma vez bateu à porta do meu quarto
e falou sobre seu desespero por sexo. Mas isso foi há mais de um
ano atrás. No dia seguinte, levei-o a um prostibulo, e, depois desta
vez, ele dizia que queria outra ir vez. Não sei se foi. Como disse,
não tínhamos muita proximidade. Mas é fato que meu irmão parece
mais desesperado que eu no que se refere a sexo. Espero que a
namorada resolva esse problema.
Sento numa das cadeiras de praia que ficam à beira da
piscina, me juntando a Vinicius e Marco, que no momento, enquanto
bebem cerveja, conversam sobre alguma coisa que sei que envolve
mulheres, pois o primeiro tem seu sorriso safado no rosto. Se bem
que esse babaquinha está sempre com esse sorriso estampado na
cara.
Presto atenção na conversa deles.
Marco, com o pé engessado esticado sobre um puff vermelho
de Beatriz, comenta alguma coisa sobre a ONG, que ao que parece
ficará no comando dele, visto que eu estarei longe, em outra cidade.
— E você — ele diz para mim, notando minha presença
silenciosa, levantando a garrafa de cerveja long neck em minha
direção. — vai continuar conosco nessa, mesmo que de longe.
— Não vou desistir da ONG, caralho — respondo, pegando
uma cerveja no balde de gelo para mim e abrindo a tapa com o
polegar, que voa e cai dentro da água da piscina. — Só não vai ser
como antes. — Dou um gole nela.
— Eu acho que quero namorar — Vinicius fala, do nada,
deitando-se sobre a espreguiçadeira e colocando os braços atrás da
cabeça. Ela olha para algo atrás de mim. Acompanho seu olhar e
vejo Carina e Ingrid bebendo um drink de alguma coisa. — Está
todo mundo namorando nessa porra. Não vai ser eu que vou ficar
sozinho não.
— Todo mundo? — Encaro Marco. — Esqueceu-se de me
contar alguma coisa?
— Conheci uma guria. — Ele dá de ombros.
Diferente de Vinny, Marco é sério e romântico, como Nicolas.
Se ele conheceu alguém, significa que, no mínimo, vai rolar uma
situação séria de pelo menos alguns meses.
— Ela é bem interessante. Formada, inteligente. É advogada.
— É gostosa?— Vinny lhe dá uma tapinha nas costas.
Marco encara Vinicius como se ele fosse um demente.
— Que diferença faz isso para você? — Marco joga, e Vinicius
se recolhe na cadeira.
— Vou fingir que não estou aqui — diz. — Aliás, por que não
convidou umas gostosas, Bernardo?
— Você falou que ia fingir que não estava aqui — lembro-lhe.
— E Ingrid está por aí. — Aponto o queixo em direção à morena,
que no momento ri de alguma coisa junto à Carina. — Sei que gosta
de primas.
— Acho que prefiro as suas. — Ele aperta os olhos e morde a
boca, se levantando da cadeira. — Aliás, acho que vou começar a
repetir doses. Você sabe, não curto repeteco, mas a loirinha é minha
exceção. — Ele dá as costas, andando em direção as duas, que o
recebem com bastante animação, o que me faz pensar em orgia.
Sei que Vinny e as duas seriam capazes e, de acordo com os
rostos intencionais dos três, sei que o final dessa festa dará nisso.
— E você e a Laura, quando sai o casamento? — Marco
pergunta, me fazendo girar a cabeça para ele.
Dou um gole em minha cerveja e deixo a lata na beira da
piscina, dando uma risada.
— Casamento não. Está cedo.
— Cedo? Pelo que a Mel tem me falado, não acho que a Laura
ache cedo.
— A Mel e você tem... — insinuo.
Eles se pegavam tempos atrás, mas como agora meu amigo
tem uma garota que parece que ele quer levar a sério, achei meio
estranho. Afinal, ele estaria com duas? Não era do feitio do Marco.
Se fosse o Vinny.
Encaro o viado abraçando Carina de um lado e Ingrid de outro.
— Não. Claro que não. Somos amigos agora e temos
conversado muito, mais do que antes quando nos pegávamos. Ela
quem me apresentou a Renata.
— Você e a Mel são bem estranhos. Vocês se pegam e ela te
apresenta uma garota?
— Nunca rolou sentimento. — Ele dá de ombros.
— Certo. Agora me fale sobre o que a Mel e a Laura tem
conversado.
— Não é nada de mais. — Marco dá de ombros. — Mel viaja
demais, acha que um casamento vai resolver tudo. Mas está cedo
demais. Vocês estão há quanto tempo juntos, quatro meses?
— Por aí.
— Se bem que, quando a gente gosta, não há tempo. Eu
mesmo, acabei de conhecer a Renata e já penso em termos uma
vida juntos. — Ele sorri. — Mas como vai ser, agora que você vai
para Porto Alegre? Quando Laura voltar de férias de Cambridge, vai
ficar dividida entre escolher um final de semana com você em Porto
Alegre ou com o pai em São Gabriel, e ainda tem a mãe no Rio.
— Sinceramente, às vezes eu penso que ela desistiu de
Cambridge. Desde que pisou os pés no Brasil, ela não toca mais no
assunto. Só que ela ainda não tem um objetivo aqui que não seja eu
e a família dela. Falei de várias universidades que tem programas
de mestrado e ela não quer. O que eu posso fazer? A escolha é
dela, e tenho que respeitar. Não posso simplesmente permitir que
ela esqueça seus próprios planos e realize os meus. — Dou um
último gole na minha cerveja, deixando a garrafa vazia, enquanto
meu amigo olha para um ponto atrás de mim.
— Eu espero que dê certo. E se vocês forem se casar, me
chama para ser o padrinho.
— A Mel e você certamente serão os primeiros. Meu melhor
amigo e a melhor amiga da minha namorada.
— E só de pensar que eu. — Sei que ele ia dizer sobre ele e
Laura, mas eu o corto ao fazer um gesto com a mão para que ele
pare, até que o telefone dele toca. — Aí. Minha advogada me
ligando. — Ele aperta o botão de atender e leva o celular ao ouvido
ao mesmo tempo em que se levanta da beira da piscina, indo para
um lugar menos barulhento.
Olho para o lado e vejo Vinícius ainda abraçado à loira e à
morena. Se algum amigo nosso do futebol estivesse aqui, sei que o
[20]
chamariam de Compadre Washington . Balanço a cabeça em
negativo e vou para perto de Daniel que bebe com meu avô.
— Olha o garotão aí! — Meu avô brinca comigo e me abraça
de lado.
Sorrio e lhe dou um beijo na sua testa em um gesto de
respeito. Nunca quero perder esse homem. É como um segundo pai
para mim porque o Daniel é o primeiro. Infelizmente, Vitor fica em
terceiro lugar.
Mais uns pouco à esquerda, sentados na beira das
espreguiçadeiras, estão Bia e Mel conversando sobre qualquer
coisa que as fazem rir o tempo todo. Para a direita, praticamente de
frente para a porta de acesso à cozinha, vejo a Laura passando a
mão na barriga da Mia, que sorri para minha Ursinha.
Elas começaram a se entender de umas semanas para cá.
Parece que se encontraram por acaso na clínica de Daniel e ficaram
alguns minutinhos conversando. Isso me deixou e me deixa tão
bem. É um alívio de certa forma. É a prova de que Mia nunca mais
irá nos incomodar e de que se convenceu que não gosta de mim
como achava. Ela está aprendendo aos poucos, assim como eu,
Laura e todos nós nesse mundo.
— Acho que agora está tudo bem, meu filho — meu avô
murmura para mim. — E não se preocupe, ela vai ficar. Tenho
certeza. É fácil ficar quando tem amor. — Ele me dá uma tapinha
nas costas e volta para seu grupo de pessoas mais velhas.
Fico de costas para eles para ficar admirando minha Ursinha
que no mesmo instante olha para mim e sorri. Ela me chama com a
mão, e eu vou até ela.
— Mia e eu estávamos conversando sobre a origem do nome
André — Laura diz abrindo um sorriso amigável.
— É grego, origina-se do nome Andreas — Mia explica. —
Praticamente o nome da minha mãe. Fiquei na dúvida de qual nome
colocar. Aí o Pedro tem insistindo em colocar Pedro Andreas. Só pra
chamarmos de Juninho. Acho tão fofo.
Olho para ela, sentindo meu cenho vincar.
— Por que o Pedro vai decidir o nome da criança?
— Porque ele é o pai! — Ela abre um sorriso feliz. — Ele
também deve participar disso, não acha?
— Você tem mantido contato com Pedro?
— Ele é o pai do meu filho! — Mia me encara com firmeza, o
rosto sério.
— Você... você vai ficar com ele? Mia! Ele abusou de você!
— Você quer falar mais alto para todo mundo ouvir? — Ela
olha para Laura e engole seco.
Não contei para Marco sobre o que aconteceu com a irmã e
me sinto um traidor, mas Laura sabe. Só que Mia não sabia disso.
Ela me pediu segredo.
— Olha, eu vou deixar vocês a sós — Laura diz, virando as
costas.
— Você não sabe do que você está falando, Bernardo! E eu
exijo que você pare de falar isso para as pessoas. É uma coisa
minha.
— Você vai estragar sua vida, Mia.
— Que bom que ela é minha, não é? Quem decide sou eu, e
você não pode fazer nada a respeito. — Ela alisa a barriga, os olhos
cobertos de lágrimas, e dá as costas.
Bufo, passando a mão pelo cabelo.
Será que estou tão errado assim?
— Deixa ela, Bê — Laura me aconselha, tocando no meu
ombro. Olho para trás e a vejo me olhar com compaixão.
— Eu não acredito que ela fez isso. Estou errado? Fala para
mim. Você acha que estou errado, Laura?
— Não, Bê.
— Então...
— Você não está errado, mas como ela disse, a vida é dela...
talvez ela não queira que muitas pessoas saibam. Respeita isso.
Deve ser ruim ser exposta assim.
— Mas ficar com ele?
— Você não pode fazer nada. A escolha é dela.
— E se ele estiver ameaçando-a, acha mesmo que não devo
deixar o Marco consciente de tudo?
— Como sempre te digo, a Mia é adulta. Ela deve fazer as
próprias escolhas. — Ela passa os braços ao redor do meu
pescoço. — Esquece a Mia. Nós temos muitas coisas para
conversar.
— Também tenho algumas coisas. — Penso em Porto Alegre e
a distância que de fato enfrentaremos.
— Ruins?
— Depende do seu ponto de vista. E as suas?
— Acho que são boas.
— Podemos conversar agora?
— Desgruda aí que eu quero falar com minha irmã — Bia
comenta, cruzando os braços de modo que para diante de nós.
— Mais tarde conversaremos — digo para minha Ursinha. —
Sem pentelhas nos interrompendo. — Viro-me para Beatriz, que me
dá o dedo do meio, e beijo minha namorada na boca.
Antes de sair de perto das duas, aperto as bochechas da Bia
que me empurra com as mãos.
— Não sou criança — reclama.
Dou de ombros e saio de perto, andando em direção à
cozinha, onde pego mais uma cerveja e no mesmo instante Daniel
aparece pegando duas taças no armário.
— Você precisa certificar a Laura de que aqui é o melhor lugar
pra ela — ele afirma.
— Eu? Por que eu e não você ou a mãe dela?
— Porque ela tem um sonho maior que a Cambridge, só que
para realizá-lo ela depende de você.
— O quê?
Ele bufa impaciente e suspira.
— Bernardo, às vezes acho que você finge que não entende
para não precisar fazer. — Ele suspira e me encara firme. — Eu sei
que você já levou minha filha para cama, e isso eu não posso
mudar, infelizmente. Só que eu não sou um tipo de pai que vai
aceitar que a minha filha todo final de semana vá dormir na casa do
namorado. Não vou. Dá seu jeito. — Ele me encara sério, suspira e
vira as costas, saindo da cozinha.
Será que ele está falando de casamento? Eu devo pedir a mão
da Laura agora? Ficarmos noivos, é isso? Não preciso repetir que
tudo que eu mais quero é viver com Laura, ter um filho com ela, um
não, uns vinte, um time de futebol inteiro. Só que eu não sei fazer
isso, não sei como pedir a mão de alguém, ainda me sinto inseguro
no quesito romantismo. E sem contar que tem Cambridge. Como
vou pedir a mão de Laura, quando ela pode estar em breve
passando dois anos longe de mim?
Capítulo 44

Já passam de duas da manhã e o churrasco na casa da minha


mãe continua animado. Apesar de amanhã ser segunda-feira, todos
estaremos de folga, então não temos por que nos preocuparmos
com a hora de ir embora ou de dormir.
Nesse momento, como de costume, Daniel canta Tim Maia no
karaokê enquanto eu e os rapazes conversamos em um canto da
piscina e as mulheres mimam a Mia e seu bebê em sua barriga.
Diferente do meu sogro, me esforço para ser social, mas não
consigo. Não paro de pensar com quem Laura esteve essa manhã
quando sumiu.
Ela, percebendo que não paro de encará-la com meu rosto de
interrogação que sei que estou no momento, sai do grupinho de
mulheres e entra em casa. Eu me levanto da beira da piscina e a
sigo.
Primeiro, ela passa pela cozinha, sai no corredor, vai andando
até o hall, onde ela sobe as escadas e alcança a maçaneta da porta
do quarto dela. Antes de ela entrar totalmente no cômodo, eu a
pego pela cintura e invado o espaço, batendo a porta atrás de mim e
trancando-a.
Laura se esquiva de mim e senta na cama, de frente, ao passo
que eu cruzo os braços para perguntar:
— Agora, me fala: qual é o mistério?
— Bê, você sabia que você já é conhecido por algumas
pessoas?
Sento-me ao seu lado na cama e ajeito alguns fios de seus
cabelos que estão bagunçados.
— Conhecido? Como assim? — pergunto, um pouco confuso.
— Bom, para começar, a minha intenção era te encontrar após
o jogo. Queria ser a primeira a te dar um abraço, mas aí acabei
esbarrando em um senhor que começou a puxar assunto como se
me conhecesse. O nome dele é Josué de Lima, um professor muito
famoso. Eu não sei se você conhece.
Eu faço que não com o rosto, pois realmente não recordo de
nenhum professor Josué de Lima. Não que eu me lembre dos
nomes dos meus professores porque eu não era uma criança nem
um adolescente muito estudioso, como meu irmão, apesar de tirar
boas notas, então nunca tive muita amizade ou proximidade com
meus professores a ponto de nunca mais esquecer os seus nomes.
Até porque não é algo que me interessa e, o que não me
interessa, esqueço rápido. Então, eu realmente não me lembro de
nenhum Josué de Lima, porém é certo que, se ele já foi meu
professor, o meu nome ele nunca esqueceu. E nem esquecerá.
Mas, o que tem a ver um professor famoso com minha
popularidade a qual Laura se refere?
— O que tem a ver esse professor comigo?
— Bom, ele é fanático por futebol e ele torce pelo Limeira,
além de ser o seu fã.
— Aí ele quer me encontrar para bater um papo, é isso? Ou
quer um autógrafo?
Ela faz que não com o rosto.
— Então...?
— Bê, ele é tão fã seu que vive procurando notícias suas na
internet e nos jornais. Ele sabe tudo a seu respeito, inclusive que
você era o rei das baladas sertanejas e que agora me namora. Ele
também sabe que somos. — Ela revira os olhos. — Quase irmãos.
E ele ficou tão curioso para saber quem eu era que ele acabou
descobrindo tudo a meu respeito. Que estudei na Cambridge, que
moro com minha mãe em Nova Iorque, que sou de peixes, que tive
leucemia quando eu era criança e que eu era. — Ela suspira e mais
uma vez revira os olhos. — Virgem.
Resumindo: ela passou uma tarde conversando com um
psicopata.
— Laura, isso é muito grave! Você passou uma tarde
conversando com uma pessoa que você nem conhece e que sabe
tudo a nosso respeito! Esse homem só pode ser um louco! Um
psicopata! — Acho que estou berrando de tão nervoso que estou
por imaginar isso. — Para que ele quer saber tudo isso a respeito de
nós?
— Fãs fazem isso, Bê. Eu era fã da Avril Lavigne na minha
adolescência. Eu sei tudo a respeito dela porque eu vivia em busca
de informações e notícias. Você sabia que ela já tem 30 anos? E ela
parece ter 18.
— Você ainda é fã dela! — julgo, pois vi uma coleção de CDs e
DVDs da loirinha quando Laura desfez as malas e guardou suas
coisas no armário do seu quarto.
— Não! Não mesmo!
— E aqueles CDs?
— Eu não vou jogar fora. Por isso ainda estão comigo. — Ela
dá de ombros.
— Qual o problema em admitir?
— Bê, eu não sou!
Sei que ela está mentindo. Ela está com vergonha de afirmar
que com 25 anos ainda curte uma guria que canta músicas para um
público que tem a metade da idade dela.
— Bê, eu quero terminar de falar sobre o professor Josué de
Lima.
— Tá. Mas depois voltaremos ao assunto da Avril Lavigne.
Ela revira os olhos e me encara sem paciência.
— Ele não é um sociopata, nem psicopata, ou filosopata — ela
fala. Epa, filosopata não existe, eu acho, mas entendo que Laura
ainda tenha dificuldade em pronunciar algumas palavras de língua
portuguesa. Aliás, é uma graça assim. — Ele é um professor de
nome, Bê. Ele dá aulas na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, a UFRGS. Eu já li alguns artigos e livros dele. Ele tem um grupo
[21]
de pesquisa sobre o Senhor Darcy .
— Como? Quem é esse homem?
[22]
— É uma das personagens de Orgulho e preconceito .
Franzo o cenho porque continuo não sabendo do que ela está
falando e aonde ela quer chegar com isso.
— O mais famoso livro da Jane Austen.
— Não sei quem é essa mulher.
— Esquece. O professor Josué de Lima já me "conhecia" antes
de descobrir que eu era sua namorada. — Ela faz aspas com os
dedos. — Ele leu um artigo meu sobre a influência da personalidade
do Senhor Darcy na literatura contemporânea. Eu fiz esse artigo há
pouco mais de um ano.
— Isso é bom?
— Bê!!! É ótimo!!! — Ela está tão empolgada que eu até me
assusto e me esquivo para trás, só não consigo entender o porquê
de tanta alegria. — Ele quer que entre no grupo de pesquisa dele. E
eu fiquei mega-animada! Eu quero entrar na pesquisa! Aliás,
eu já estou nela!
— Peraí... Você... Você... — Não consigo falar, porque afinal,
se ela está dizendo que está em uma pesquisa com o tal Josué de
Lima, significa que ela vai estudar aqui. Significa que ela... — Você
está. — Solto um sorriso idiota no rosto. Eu não estou vendo o meu
sorriso, mas sei que ele é idiota.
— Que eu vou ficar!
— Laura! — Eu a abraço tão bruscamente e tão apertado que
acho que estou lhe impedindo de respirar ou talvez eu a parta ao
meio. Agora entendo o abraço tão apertado de dona Gracinha. Ver
quem amamos realizando sonhos gera muito mais sentimentos de
satisfação do que nós mesmo realizando-os. Não sei por que, mas é
um fato. — Não estou acreditando!
— Nem eu, Bê. — Ouço-a murmurar entre meus braços. Ela
se solta deles e me encara com os olhos marejados. Ela quer
chorar. Já é tradição isso acontecer. — O grupo de pesquisa
acontece dois dias na semana, terças e quintas. E ele me
apresentou o mestrado de lá. Explicou-me tudo. Eu tinha um
preconceito quanto a estudar no Brasil, mas eu quero entrar no
mestrado e ter aulas com ele. Sabe, eu fiquei encantada com sua
paixão por Orgulho e preconceito! Só que eu passando, precisarei
ficar de segunda a sexta em Porto Alegre porque a faculdade fica lá.
Mas você não precisa se preocupar porque nos fins de semanas eu
virei para casa.
— Porto Alegre?
— É.
— Eu vou morar lá — murmuro para mim mesmo me
recordando desse fato.
— Vai? — Ela parece decepcionada. — Como você vai se
mudar e não me fala nada?
— Eu soube hoje. E eu ia te falar, mas com essa correria toda
nem deu tempo.
— Tá, mas explica isso.
— O Sport Club Internacional fica em Porto Alegre. Como a
cidade fica a quatro horas daqui e o técnico não acha uma boa ideia
eu fazer essa viagem diária para treinar, ele acredita que ficarei
muito cansado. E, claro, ele está certo. Por isso, eu precisarei me
mudar para lá. Precisarei ver uma casa ou um apartamento porque
quando acabar o campeonato da segunda divisão, eu estarei
treinando no Inter.
— Quanto tempo?
— Três meses.
— Bê... é o tempo de eu passar para o mestrado! Eu nem
acredito! Nós vamos ficar juntos! — Ela me agarra pela cintura, me
aperta forte contra si, como que para eu não fugir. Até parece que é
necessário! Levanta o rosto e me dá um beijo doce na boca. Seguro
seu rosto pequeno e sinto meus dedos ficarem úmidos, sei que ela
já chora.
— Viu? Quando as pessoas tem que ficar juntas, o destino
arruma um jeito para que isso aconteça. — Faço carinho com as
costas das minhas mãos em suas bochechas molhadas pelas
lágrimas. — Vai dar tudo certo para gente agora.
— Vai sim, Bê.
— Mas você tem certeza que é isso que você quer? Tem
certeza que você vai desistir da Cambridge para ficar aqui e fazer
essa pesquisa com esse professor?
— Sim, Bê! Mesmo que não tivesse aparecido essa
oportunidade, eu ficaria porque eu te amo, porque não é só a
Cambridge que é um dos meus sonhos, viver um grande amor é um
sonho ainda maior! Eu só estava dividida porque eu não queria me
desgrudar do meu segundo amor, o Senhor Darcy!
— Porra! Eu vou quebrar a cara desse tal de Darcy!
Ela revira os olhos.
— Ué, você fica falando de outro homem na minha frente —
me defendo.
— É um homem imaginário. Não precisa ter ciúmes.
— Não quero saber!
— Fala sério! — Ela sorri largo, e eu acabo sorrindo também,
deixando o quarto em silêncio por alguns instantes. — Bê. Eu
deveria me apresentar na Cambridge amanhã.
— Quê? Por que você não me falou nada?
— Porque eu queria estar com você nesse momento
importante de sua vida: a sua contratação no futebol, você se
reconciliando com seu pai... Tudo se acertando, sabe? E se eu
tivesse que me apresentar amanhã, eu deveria pegar o avião hoje e
perder esse momento. Estaria todo mundo aqui, menos eu.
Fico sem palavras.
— Eu tive que desistir, Bê. Mas foi a melhor desistência da
minha vida. Você é o melhor lugar para eu ficar. Eu sempre soube
disso. Eu só tinha medo. Medo de ser como minha mãe para você,
para nossos filhos, medo de não dar certo entre a gente e me
frustrar e principalmente medo de você deixar de gostar de mim. Na
verdade, ainda tenho. Mas eu prefiro que você deixe de amar eu
estando perto do que eu estando longe.
— Você não precisa ter medo, Laura, porque você é a melhor
pessoa para estar ao meu lado. Faz-me sentir vontade de ser um
homem melhor, me ensina a amar, a perdoar. Tenho certeza que,
desde que eu nasci, Deus já havia preparado você para mim. Pena
que só descobri depois de tantos anos. Obrigado mais uma vez por
me permitir te amar tanto. Eu amo você demais. — Dou-lhe um beijo
casto, suave. — Demais.
— Mais do que eu, eu duvido. — Ela passa as mãos ao redor
do meu pescoço e me puxa para um beijo demorado, cheio de amor,
até colarmos nossas testas e suspiramos, aliviados. — Bê?
— Oi?
— Se você tivesse feito uma coisa teria adiantado minha
decisão. Minha decisão foi nos quarenta e cinco minutos do
segundo tempo. Mas eu entendo você. Ainda é cedo para termos o
que eu quero.
A coisa que ela queria que eu tivesse feito para ela ficar: pedi-
la em casamento. O que ela quer: casar.
E eu, se eu quero? Sim, quero! Já falei isso, não já? Mas não é
cedo demais? E eu estou pronto? Para viver com ela sim, já
fazemos isso. Mas entrar numa igreja vestido de pinguim é um
desafio e tanto. Porém, um desafio que estou totalmente disposto a
encarar. Estar com Laura, passar minha vida ao seu lado, fazendo
parte de sua vida, sempre foi tudo que desejei para mim, até mesmo
quando éramos crianças e eu ficava me aproximando dela, só para
irritá-la.
Então, me agacho diante dela, segurando suas mãos, e coço a
garganta, e sei que nesse momento sou capaz de ter um colapso
nervoso. Mas sigo com meu objetivo:
— Laura... eu... hum... eu quero te fazer um pedido.
— Um pedido? — Ela solta um sorriso mais bobo e lindo que
eu já presenciei em toda minha vida.
— Você quer. — Coço minha garganta mais uma vez. — Tipo.
— Sim, estou gaguejando. — Não sei... é... hum... unir-se a mim?
— Unir-se? — Ela parece decepcionada, mas o que destaca
em seu rosto é o sorriso mais bonito que já vi.
— Estou falando de casar, sabe, botar aliança, padre,
madrinhas, padrinhos. — Coço minha testa e suspiro, na
expectativa de não escutar nada que eu não queira, tipo um não por
um pedido tão chulo, pois falta aliança e formalidades e minha
namorada é bem exigente com isso.
— Eu entendi, Bê. Você está me pedindo em casamento. —
Outra vez, ela está com os olhos perdidos em lágrimas.
Assinto, tentando expressar o rosto mais dócil que sou capaz
de expressar.
— Mas não precisa se ajoelhar. Se levanta do chão.
Mas isso não é ser romântico? Mas como ela pede, é o que
faço: levanto-me do chão, me sentindo corar. Não solto suas mãos
das minhas.
— E então — questiono, olhando-a no fundo dos olhos. Aperto
suas mãos. —, você aceita, mesmo sem anéis e essas besteiras
todas?
— Eu aceito, claro que aceito, Bê! — Agora, é ela quem aperta
minhas mãos. — É tudo que mais quero. — E me abraça tão forte,
me retribuindo o abraço parte corpos aos meio que lhe dei. Suspiro,
aliviado por ter feito o pedido que achei que fosse capaz de me
fazer ter o tal colapso, quando ela me solta de seus braços.
— Então, era só isso? Estamos noivos?
— Sim, estamos, apesar de faltar formalizar.
— Uma festinha amanhã com nossos amigos e familiares?
Ela assente, abrindo o sorriso mais lindo que alguém já deu
em toda existência humana, e abre a boca para dizer:
— E você não é mais meu quase irmão, agora você é meu
quase marido, Bê.
— Sim, eu sou. Só que agora. — Pego-a pela cintura e tomo
seus lábios nos meus, com uma das minhas mãos segurando sua
nuca e com a outra trazendo-a para mais perto. — O grande Bê e
eu estamos pensando em outras coisas.
— Mas aqui, Bê? — Laura ofega. — Com todo mundo lá
baixo?
— Estamos noivos e eu quero comemorar. — Beijo levemente
seus lábios, segurando seu rosto com ambas as mãos. — E, além
do mais, quero te mostrar no que sou bom, no que realmente sou
bom.
Tomo sua boca com a minha, perdendo-me no gosto dos seus
lábios e engolindo todos os seus suspiros baixos e todos os seus
gemidos de contentamento. O grande Bê dá sinal de vida, e dessa
vez não o impeço de sentir o que bem desejar.
E mostro para ela no que realmente sou bom, mas mostro
principalmente que enquanto estiver ao meu lado eu serei bom em
muitas outras coisas, afinal foi graças a esse sentimento que ela
trouxe para dentro do meu coração que eu mudei e me transformei
nesse homem que chora em despedidas de aeroporto e até acredita
no romantismo.
Quem diria... logo eu.
Mas aqui estou eu entregue a ela, a minha quase irmã.
Agora, minha quase esposa.
Domingo, 14 de fevereiro de 2016

Eu sosseguei
Ontem foi a despedida da balada
Dessa vida de solteiro
Eu sosseguei
Mudei a rota e meus planos
O que eu tava procurando
Eu achei, em você

(...)

Se quer cinema eu sou o par perfeito


Quer curtir balada já tem seu parceiro
Ou ficar em casa amando o dia inteiro
E dividir comigo o seu brigadeiro

E nessa vida agora somos dois, três, quatro


Quantos você quiser
A partir de hoje, eu sou um homem de uma só mulher

SOSSEGUEI – JORGE E MATEUS


Epílogo

Nove meses depois...


Hoje é o primeiro jogo do Internacional no Campeonato
Gaúcho, e meu clube enfrenta o Aimoré. Enquanto eu e meia dúzia
dos jogadores nos aquecemos para o início do segundo tempo
fazendo alongamento no gramado, alguns boleiros trocam passes e
outros chutam a bola para o gol.
Olho para o alto, com o sol me impedindo de manter os olhos
abertos, e a primeira pessoa que meus olhos encontram é Mia, que
está com o pequeno André no seu colo. Ela e Pedro, que não veio
ao Beira Rio prestigiar a partida, como de costume minha família e
amigos mais próximos tem feito, estão morando juntos. Eu nunca
contei para Marco sobre o ocorrido com a irmã. Espero que, se
souber algum dia, me perdoe. No entanto, não me sinto tão mal com
a situação, uma vez que Pedro tem sido bom para ela. Bom, pelo
menos é isso que as fotos do Facebook de ambos demonstram:
André dando um sorriso, André dando os primeiros resmungo,
André sentando pela primeira vez... e papai e mamãe sorrindo nas
fotos, um de cada lado do rostinho feliz da criança.
Não consigo pensar que pode ser mentira. Não tenho como
aceitar o que Pedro fez, e por isso mesmo nossa amizade, nunca
mais foi a mesma, no entanto posso notar como mudou. De acordo
com Henrique, aquele meu amigo do Limeira, Pedro já não fala mais
besteira sobre mulheres ou coisa do tipo. Do contrário, se juntou aos
caras casados do clube, fala sobre mamadeiras, preço das fraldas e
das noites de sonos mal dormidas.
Levo meu olhar à esquerda de Mia e vejo que Marco está de
mãos dadas com sua noiva, Renata, aquela que ele disse estar
apaixonado. Meu amigo tomou frente da ONG, está trabalhando
duro nisso e saiu do futebol. Na verdade, ele nunca viu o futebol
como carreira, era mais uma diversão, sem contar que ele está um
pouco acima da idade. Eu é que tive sorte e, modéstia à parte, um
pouco de talento.
Ao lado dele, está Vinny olhando para os peitos gigantes de
uma loira que está sentada no banco à sua frente. Mudou em nada
esse cara! Ingrid está em sua companhia, trocando mensagem com
alguém muito interessante em seu celular. Estranho, pois não é de
seu hábito agir assim.
Mais à direita da arquibancada, acima dos meus amigos, está
minha prima Mel, que no momento tem um celular no ouvido. Ela
vive recebendo ligações. Há um ano resolveu abrir um ateliê para
noivas e isso tem a deixado bastante ocupada, já que o
estabelecimento tem tido muitas procuras. Até a Gretchen alugou
um vestido lá.
Ao seu lado, estão meu pai e a Maria. Nesse momento estão
discutindo, como sempre fazem. Abro um leve sorriso, fazendo que
não. Meu pai e eu estamos bem, ele entrou para os alcoólicos
anônimos, e desde que começou o tratamento, não parece mais o
Vitor que me dava socos na infância. Por outro lado, ele ainda não
se recuperou da paralisia e continua usando cadeiras de rodas.
Ao lado deles, está minha ilustre mãe, que suspira de amores
nos braços do meu sogro-padrasto, que nesse momento tem suas
atenções voltadas para Beatriz, a bola da vez. Atualmente, ela está
fazendo uma novela em uma pequena emissora brasileira e no
papel principal de uma pseudo-ninfeta. A personagem não está
fazendo tanto sucesso, mas ocasionou em muitos comentários
maldosos na internet e nas revistas, além de fotos dela seminua, e
toda essa situação está causando muito estresse em um pai
superprotetor.
Mas uma hora ele acostuma.
Minha irmã e Caio não voltaram depois que terminaram. Ele
inclusive está morando em Nova Iorque a trabalho, só não sei com o
quê. Dizem que ele virou modelo. Outros, que na verdade é
prostituto. Não sei o que pensar, nem tenho como supor ou julgar, já
que nunca fui tão próximo dele e ele vivia agarrado à minha irmã, o
que sinceramente nunca achei saudável para os dois. De certa
forma, acho que Beatriz está melhor sem ele, apesar de vez ou
outra minha mãe dizer vê-la chorando.
Mas acho que ela se acostumará com a ausência do banana.
Ninguém sofre eternamente devido a um coração partido. Na
maioria das vezes, ele se cura. Pode até levar algum tempo, se
estivermos inconformados com a perda, mas se não colocarmos na
cabeça o fim, o sentimento irá se alastrar por longa data e aí
viveremos sofrendo, infelizes. Não sei por que sei disso, se nunca
tive um coração partido, mas acho que estar junto a uma mulher tão
experiente no assunto romantismo, devido aos livros que não para
de ler, me fez conhecer experiências nunca vividas.
E por falar em coração partido, minha sogra, que sofreu por
mais de vinte anos por meu padrasto, dessa vez, parece ter seguido
em frente. Costumava pular de um relacionamento para outro, mas
agora está há quase um ano sozinha, cuidando da mãe no Rio. Às
vezes, nos visita, e eu gosto de rir junto a ela recordando das
peculiaridades da minha Ursinha, que fica irritada.
Nicolas também está aqui, sozinho. Por causa de um pai
extremamente ciumento, a ponto de ganhar de Daniel, a noiva
quase não vem a São Gabriel visitar nossa família assim como
nunca vem assistir a algum jogo com ele, e digo noiva porque
incrivelmente, em menos de um ano, assim como eu, meu irmão
perfeitinho engatou de um relacionamento de pouco tempo para um
com troca de alianças nos dedos, que ocorreu esse mês. Sei que
está feliz, ainda mais agora que, além de uma noiva, tem um
apartamento em Santa Maria, onde pretende viver com Alicia, e isso
me deixa bem.
Gosto de pensar que em breve daremos bebês a dona Anne.
Encher sua casa de netos, o que ela já pede.
Mas Carina está ao seu lado, ocupando o lugar vazio de Alicia.
Não gosto de fazer a analogia, no entanto, é o que acontece.
Soube, inclusive, que a loirinha deve dividir o apartamento com meu
irmão, uma vez que passou no vestibular e não tem onde ficar na
cidade. Não é que eu me preocupe, eu só acho... perigoso. Sei que
Nicolas sente algo por ela, mesmo que nem ele mesmo saiba. Sei
porque, da mesma forma que eu gostava de olhar para Laura, ele
faz esse momento ao olhar para ela com expressões de
encantamento. Ela sequer parece notar a admiração do meu irmão
sobre a mesma.
É tão distraída... coisa que os caras acham sexy pra cacete
nela.
Espero que meu irmão não se complique se for dividir o
apartamento com ela, mas sei que vai se complicar se isso
acontecer. O suspiro que ele dá nesse momento confirma isso.
Porra, Nicolas!
Olho mais adiante, e vejo ao lado de Carina, minha
maravilhosa Ursinha olhando para mim com tanto amor. E como eu
a amo! Sinto que nunca vou parar de amá-la!
Estamos casados há oito meses, dividindo uma casa que fica
próxima ao Parque Redenção, onde sempre que dá visitamos e nos
recordamos do Central Park, apesar de os lugares serem tão
diferentes um do outro. Laura está indo para o segundo semestre do
mestrado, enquanto eu estou aqui fazendo gols pelo meu clube.
Acordo dos meus pensamentos com o apito do juiz, indicando
que o jogo já havia começado.
E, caramba, mal passa os primeiros minutos e estou com
muita marcação pelos nossos oponentes. Assim, o jogo acontece
com muita dificuldade. O que nos salva é nosso goleiro, Alisson
[23]
Backer . O cara agarra muito, o que evita algumas tentativas de
gols. Não é à toa que já está escalado entre os jogadores da
Seleção Brasileira e sei que certamente disputará a Copa de 2018,
ajudando-nos a trazer o tão almejado hexa, agarrando as bolas dos
nossos oponentes.
E digo ajudando-nos não é porque também estou entre os
jogadores da Seleção. É um sonho, claro que é, que mais faz ansiar
meu coração toda vez que ouço alguém dizer que o novo técnico da
[24]
Seleção, o grande Tite , está de olho em mim. Por falar em
técnico, Aguirre não comanda mais o Internacional. Desde meado
do ano passado, quando mal tinha me adaptado ao clube, recebi a
[25]
notícia de que Argel Fucks e sua comissão técnica treinariam a
mim e aos jogadores.
A experiência tem sido positiva. Hoje em dia, já me sinto em
casa. O Internacional é minha casa, mas o Limeira também nunca
deixará de ser. Por isso, quando dá, visito o clube, troco palavras
com Rubens, que agora pensa em se aposentar, e mato saudades
dos meus amigos. Alguns deles também migraram para outros
clubes, novos rostos jovens entraram, e isso me deixa em paz, pois
sei que um dia ainda esbararei com eles em uma final do grupo
especial do Campeonato Gaúcho. É tudo que mais quero.
Então é isso: de fato, nada certo sobre jogar na próxima Copa,
mas a esperança é tremenda. Quero dar o meu melhor e ajudar o
Brasil inteiro a esquecer-se da goleada que sofreu pela Alemanha
nas quartas de finais de 2014 por 7x1, o que de fato ocorreu porque
o time estava desestruturado e desequilibrado pelo acidente, sem
dúvidas proposital, ocorrido com Neymar.
Tá certo. Eu jogo futebol para mudar isso. Um dia entrarei para
a Seleção Brasileira e levarei o título mundial depois de tantas
derrotas em Copas do Mundo, mesmo que não seja no próximo
mundial, daqui a dois anos. Pode acreditar no que eu falo.
Quando olho para a tela de anúncio, vejo que houve sete
minutos de acréscimo. Pode não parecer nada, mas no futebol cada
minuto significa muito. E agora já se passaram quatro minutos, mais
três e o juiz apitaria, finalizando a partida no zero a zero, o que não
seria um problema, uma vez que ainda estamos nas eliminatórias e
não no mata-mata, mas começaríamos mal para um primeiro jogo.
Então, farei o meu melhor trabalho como ponta direita junto ao
nosso lateral-esquerda para fazer rolar a bola até o gol.
E ela caminha com toda graça em direção ao meu pé,
cravando bem na ponta da minha chuteira quando estou, sozinho,
com o gol de perfil para mim e o goleiro do time adversário pronta
para recebê-la.
Encaro o painel. Um minuto.
Dois jogadores do time oponente correm em minha direção,
mas sou rápido. Estudo o melhor ângulo, mesmo que esteja de perfil
para o gol, e chuto a bola com meu pé direito, que faz curva no céu
até alcançar a lateral esquerda da rede, fazer um encontro com as
pontas dos dedos do goleiro e parar bem no alto, marcando gol.
O juiz apita, e sei que nesse momento o narrador do jogo
deve, outra vez, estar recordando da minha fama de jogador de
personalidade típica brasileira, aquele que deixa tudo para o final:
“Aquele gol brasileirinho de nosso ponta-direita, Bernardo Louzada”.
[26]
Pois é, assim como Thiago Neves do Cruzeiro, também tenho
como característica ser um jogador decisivo, apesar de maneira
diferenciada.
Rio, por lembrar, erguendo meus braços ao alto, permitindo
que o estádio do Beira Rio aplauda nosso clube. Alguns caras me
agarram por trás, e sinto meu corpo se desequilibrar e cair um
pouco para frente. Um bolo de corpos se mistura ao meu em meio a
tanta emoção misturada à gratidão pela força que o público sempre
nos dá, lotando estádios e nos incentivando, e eu já sei nem sei
quem me abraça, quem se joga em minhas costas. Mas tudo bem.
Como sempre, não demoro muito durante o banho no vestiário,
bem como no jantar com minha família e amigos. Sempre
comemoramos, de alguma forma, após os jogos mais importantes
que se tornou hábito. Tenho me sentido satisfeito com o que
construímos, gosto de ficar junto a eles.
Gratidão.
No entanto, a chegada ao meu lar sempre é o momento que
mais anseio. Gosto de me deitar ao lado da mulher da minha vida e
me sentir realizado pelo rumo que nossa vida tomou, juntos.
Estamos bem, felizes e satisfeitos com nossas escolhas. Não há
dúvida. Laura sempre me diz que sabe que teria se arrependido se
escolhesse Cambridge e que ficar comigo é sim o lugar que nunca
deveria ter duvidado que era o mais certo e preciso.
Amadurecemos, por dentro, é fato. Não somos mais aquelas
crianças bobas que guardavam segredos, atrapalhando na nossa
relação. Ao contrário, compartilhamos nossas decisões e na maioria
das vezes nos entendemos nas nossas escolhas. Claro que um
desentendimento daqui ou dali surge, porém nada que nos faça mal.
De alguma forma, no final das contas, sempre nos resolvemos e
caímos na cama, rindo por nada.
No entanto, onde mais mudamos foi por fora. Ela sai terças e
quintas pela manhã para a UFRGS trajando roupas de mulher
adulta: salto, calça skinny e uma blusa de botão, além da típica
malinha de pesquisadora com seu notebook dentro. Me excita. Fico
contando as horas para chegar em casa e aproveitar de cada parte
da minha esposa.
Já eu, não uso mais aquele cabelo caído no rosto e fiz uma
tatuagem. Na verdade, foram duas: um dragão nas minhas costas,
que, de acordo com o que pesquisei antes de fazê-la, significa força
e vigor. Além disso, carrega também a figura de um guardião e de
um protetor, que ora pode ser bom, ora pode ser maléfico. Fico com
os dois. A outra foi a palavra família acima do meu peito esquerdo,
para guardar próximo ao meu coração: meus pais, Daniel, meus
irmãos e ela. Principalmente ela. Minha nova família.
Laura Louzada.
Ela nota que não tiro os olhos dela, que, agora deitada com as
costas pendidas à cabeceira da nossa king size bem aproveitada, lê
algum livro, que sei que vai me contar a história toda depois. Dessa
vez, espero que não seja sobre um casal que não pode ficar junto
porque o cara escolhe acometer a eutanásia pelo fato de ter perdido
os movimentos do corpo do pescoço para baixo.
Ela chorou me contando essa história.
— História triste outra vez? — pergunto, me sentando na ponta
da cama aos seus pés.
— Não. — Ela me olha por cima dos óculos de graus,
deixando ao livro na mesa de cabeceira e se arrastando até estar ao
meu lado. — Dessa vez, é um de literatura brasileira, sobre alguns
caras libertinos que passam uma noite numa Taverna, bêbados,
acompanhados de prostitutas.
— Hum, safada — provoco-a e mordo meu lábio inferior,
colocando uma mecha de seu cabelo, que cai sobre sua boca, atrás
de sua orelha.
Ela revira os olhos, fazendo que não.
— Na verdade, é um suspense, seu bobo, é literatura gótica.
— Queria te levar a uma taverna, ficarmos bêbados, e foder
bem gostosinho no escuro com você.
— Será que você só pensa nisso? — Ela me reprova,
balançando o rosto para um lado e para o outro, mas sei que está
brincando. — Mas eu te amo muito exatamente por isso.
— Está querendo me dizer que só ama a minha parte sensual,
ou seja, o meu corpinho gostoso?
Ela assente, segurando um riso na boca, de modo que segura
os lábios com uma mordida profunda.
— Posso te contar por que eu amo você? — digo.
— Não. — Ela franze o nariz, se fazendo de esnobe.
— Vou contar mesmo assim. — Dou de ombros. — Sabe por
que eu amo você? Porque você é essa garota pura e boa, mas amo
você principalmente porque me fez ser uma pessoa melhor, porque
se não fosse seus incentivos... eu não teria perdoado meu pai e
fugido da sombra que era não saber lidar com sua existência por
causa das memórias que tinha dele.
Hoje em dia, após nove meses de reaproximação com meu
pai, as memórias obscuras ficaram de lado. Quando penso nele, as
únicas memórias que vem à mente são aquelas dele comigo, em um
churrasco com minha família após o final de alguma partida do
Internacional, mesmo que não seja uma partida de vitória. Ou
memórias nossa assistindo ao tricolor carioca na tevê de sua casa,
e ainda tem as memórias de algum evento na casa da minha mãe,
como no ano passado, no meu aniversário. Ele estava lá, pela
primeira vez, não alcoolizado, consciente e ao meu lado.
Toda essa resolução me traz paz. E tal paz devo a Laura, pois
foi a partir de seus incentivos, conhecendo sua história, também de
dor, com seu pai, que eu puder abrir meus olhos e dar uma chance
ao meu.
— Laura. — Seguro suas mãos, olhando-a nos olhos. E, como
é de costume, seus olhos já brilham, a ponto de transbordar para
fora o amor que sei que carrega por mim no peito. — Você me
ensina a ser bom, e eu te devo isso, porque foi graças a esse
ensinamento que minha vida sofreu tantas modificações boas com
meu pai, com minha mãe, e até mesmo com meus irmãos, me
deixando mais próximo deles, sendo amigo deles.
— Acho que você aprendeu a ser romântico — ela observa,
abrindo um sorriso gentil.
Sim, muitas vezes me esforcei para ser romântico, e não deu
muito certo, seja comprando flores ou levando-a para um
restaurante que toque músicas de Sinatra. Aquele feito em Nova
Iorque foi uma exceção. Mas tudo bem. É esse Bernardo fofo,
porém não romântico, como mesmo ela diz, que ela se apaixonou...
— Bê, eu passei nove anos da minha vida longe da minha
família, longe das pessoas que me amavam e me amam, perdendo
memórias que sei que seriam boas. Quando olhei para você
naquela situação com seu pai, antes de começarmos a nos
relacionarmos, mesmo que ainda não te amasse na época como te
amo hoje, não queria que não tivesse as suas com seu pai porque
eu sei como dói não tê-las.
Assinto, confirmando, pois qualquer leigo sobre Bernardo e
Laura poderia pensar que suas atitudes de me incentivar a me
reaproximar do meu pai eram pura hipocrisia, uma vez que ela
mesma se afastou do seu por tanto tempo. Mas ninguém tem o
direito de julgar nossas decisões, já que não está em nossa pele
para saber como é ter nossos sentimentos.
— Bê. — Ela se levanta da cama, ficando de pé diante de mim.
Sua respiração vacila, denunciando como está nervosa. — Eu tomei
uma decisão.
Já que faz suspense, não dizendo logo de supetão, tento
decifrá-la ao apertar os olhos em sua direção, analisando-a, mas
não consigo pensar em nada. Então, por fim, enrugo o cenho,
confuso e convicto de que preciso que ela desenhe para eu
compreender, como sempre.
— Eu quero fazer um bebê — ela diz.
E da mesma forma que sempre reajo diante de uma notícia
inesperada, fico boquiaberto, encarando-a, sem pronunciar uma
palavra. Acho que nem pisco.
Ela.
Quer.
Um.
Bebê.
Nosso.
Uau.
Eu nem pensava mais nisso por causa do mestrado e... dos
métodos contraceptivos dela, o que sempre me levou a acreditar
que talvez fosse demorar um ano ou dois, conforme me disse na
época em que estava indecisa sobre Cambridge e o Brasil e só
temos oito meses de casados.
— Fala alguma coisa, Bê.
Solto uma lufada de ar pela boca, rápida, que chega a emitir
um estalo no ar. Fico de pé diante dela, olhando em seus olhos
acinzentados nada típicos, e acho que abro um sorriso muito
grande, não sei, não tenho certeza. Sei que meu coração acelera
rápido e eu já imagino o rostinho do meu garotão ou da minha
princesinha nos braços da mamãe no hospital.
Laura toca meus braços, alisa o as letras bem desenhadas da
palavra “família” em meu peito e suspira com amor, deixando os
seus braços sobre meus ombros.
E eu percebo que estou com meu rosto molhando.
Porque eu estou chorando.
Merda.
Fungo.
— Okay — acho que digo. — Uh! Vamos esse bebê então. —
Sorrio, e minha Ursinha corresponde com um sorriso ainda maior. —
Vamos fazer agora mesmo. Mas e as pílulas anticoncepcionais?
— Eu joguei no vaso hoje e dei descarga.
— Certo, então vamos começar a preparar o garotão mais
safado que essas mulheradas irão ver ou quem sabe a garotinha
mais meiga de todas no mundo. Mas, antes, dança arrocha comigo?
— Arrocha? — Ela enruga o cenho. — Aquela dança feia que
você disse ter dançado com a peituda na balada?
— Essa mesmo. Sempre foi meu sonho te fazer dançá-la.
— Ai, Bê! Eu sou péssima com isso. — Ela tapa o rosto com
as mãos, e eu faço que não, tirando sua mão do rosto e envolve-la
em um abraço para dançar junto a mim, e então sussurro a letra da
canção em seu ouvido, conforme somos embalados pelo som
imaginário da música em nossas cabeças:
— Se quer cinema, eu sou par perfeito. Quer curtir balada, já
tem seu parceiro. Ou ficar em casa amando o dia inteiro. Dividir
comigo o seu brigadeiro... e nessa vida, agora somos dois, três,
quatro, quantos você quiser... a partir de hoje eu sou um homem de
uma só mulher...
Eu sosseguei.
Agradecimentos

Escrever um livro que tivesse futebol como fundo não foi nada
fácil, pois, como não sou muito entendida de esportes, precisei
pesquisar MUITO. Além disso, tive a ajuda dos meus sobrinhos,
Miguel e Pedro Henrique. Sei que sem eles jamais teria conseguido
falar um pouquinho sobre as posições dos jogadores, bem como as
datas que ocorrem os campeonatos e os nomes dos jogadores dos
clubes mencionados, da maneira que fiz: com segurança. Então,
obrigada, meus anjinhos!
Sei que hoje não lerão isso, mas quem sabe no futuro, não é
mesmo?
Também quero agradecer às minhas betas Marielle Reis
(pessoa experiente em leitura que me deu muitas dicas), Kelly (com
suas palavras, me enchendo de autoestima), Babi Xavier (ótima em
perceber contradições), Flávia Mayara (me corrigindo em alguns
equívocos sobre futebol) e Maiara (leitora que se tornou beta e que
tem me ajudado a não desistir de mim) pela ajuda no
desenvolvimento desse livro. Se não fosse a paciência de vocês e o
carinho que vocês têm por Bê e Laura, eu não sei se conseguiria
chegar até o final. Vocês sabem que muitas vezes quis jogar tudo
pro alto...
Quero agradecer também à Gabi do blog Gabi e um livro, que
fiz uma leitura crítica (em primeira mão) desse livro, cobrindo-o de
elogios. Obrigada, de coração!
Um agradecimento em especial a Deus, quem mais me apoia,
me guia e me ouve pedir que essa família Louzada ganhe o coração
de mais e mais leitores e quem sabe de uma editora também, para
assim eu enfim ter meus livros físicos para cheirá-los e fotografá-los.
E vocês também!
Um agradecimento em especial para Dayane, minha leitora
número um, que está sempre me incentivando a escrever mais e
mais e a nunca desistir do meu sonho, que é continuar contando
história para vocês. Obrigada!
E obrigada a todas as leitoras e leitores maravilhosos que me
acompanham e também a você que talvez tenha conhecido a mim e
a meu trabalho com esse livro. Obrigada pela confiança! Espero
vocês em Minha mania de você – NICOLAS. Ainda temos muito
mais da família Louzada e toda galera pela frente.
Playslist
Confira a playlist do livro no Spotify!

Vem Cá – Pelé Milflows


Me espera – Sandy
Sosseguei – Jorge e Mateus
Pra que juízo? – Henrique e Juliano
Vidinha de balada – Henrique e Juliano
Como é que a gente fica? – Henrique e Juliano
Ao vivo e a cores – Matheus e Kauan
Come Back... Be Here – Taylor Swift
Far away – Nickelback
Perfect – Ed Sheeran
One – Ed Sheeran
Never be alone – Shaw Mendes
Sobre a autora

Mônica Meirelles é autora independente desde 2015, quando


conheceu a plataforma digital Wattpad, apesar de escrever para si
mesma desde que tinha 12 anos. Seus livros tem uma marca de 1
milhão de leituras na plataforma, onde conta com mais de 27 mil
seguidores.
Desde criança, sabia que queria ser escritora. Mônica se
formou em Letras/Português e Literatura pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e atualmente dá aulas e escreve para a
Amazon.
Se quiser saber mais sobre seus outros trabalhos, você pode
encontrá-la nas redes sociais:
Facebook: /autoramonicameirelles
Instagram: @monicameirelleslivros

[1]
Interjeição gaúcha, que significa surpresa, admiração.
[2]
Técnico do Internacional Sport Club durante o Campeonato Gaúcho da Série A no ano
de 2015.
[3]
Animal pré-histórico semelhante a um hipopótamo, que existiu na cidade de São Gabriel
(RS) durante o período Permiano médio.
[4]
Expressão gaúcha, que significa “valentão”.
[5]
Expressão gaúcha, que equivale a “cara”, “amigo”.
[6]
Estilo musical dançante surgido na Bahia, que foi adaptado ao sertanejo às músicas
menos românticas.

[7]
Atriz americana famosa, que é conhecida por sua aparência sensual, sendo
considerada por muitos a mulher mais bonita da televisão. Tem cabelos pretos, é morena e
lindos lábios grossos.
[8]
Gíria gaúcha que significa “nem morto” ou “você está viajando”.
[9]
Integrante loira que fazia parte da banda de música de axé É o Tchan.
[10]
Personagem fictício de conto infantil, que encontra uma lâmpada que tem escondida
dentro dela um gênio capaz de realizar desejos.
[11]
Programa de televisão brasileiro exibido pelo SBT que apresenta temas do cotidiano
que vão ressaltar as emoções dos participantes presentes no palco, da plateia convidada e
dos telespectadores.
[12]
Expressão popular que significa o ponto fraco de alguém.
[13]
Personagem da série Chaves. É um garoto metido e mimado pela mãe que tem
bochechas grandes e se veste como um pequeno marinheiro.
[14]
Romance do escritor português Fernando Pessoa.
[15]
Haut-Brion é uma das mais antigas vinícolas de Bordeaux, com as primeiras
referências datando de 1423.
[16]
Primeira versão de Como eu era antes de você, de Cecelia Aherm.
[17]
Jogador ruim, que joga mal.
[18]
Jogador titular do Botafogo e da Seleção Brasileira em 2015.
[19]
No ano de 2015 foi jogador do São Gabriel – RS.
[20]
Vocalista da banda baiana É o tchan.
[21]
Protagonista do livro Orgulho e preconceito.
[22]
Romance de Jane Austen, 1813.
[23]
No ano de 2016, era goleiro do Sport Club Internacional.
[24]
No ano de 2016, era técnico da Seleção Brasileira.
[25]
No ano de 2016, era técnico do Sport Club Internacional.
[26]
Meio de campo do Cruzeiro.

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