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2ª edição
Rio de Janeiro – RJ, 2019
Editor e Publisher
Mônica Meirelles
Revisão
Serviços Da Costa
Capa
Thaís Alves
Projeto gráfico e diagramação
Mônica Meirelles
Eu tava certo de que o amor era pros outros, não era pra mim
Um cara esperto fechado no meu canto, eu só vivia assim
Entre uma boca e outra, uma dose e outra
Toda madrugada nessa vida louca
Nem passou pela cabeça me apaixonar
Acordo com meu celular tocando. Procuro por ele por debaixo
do travesseiro, até encontrá-lo e levá-lo de encontro ao meu rosto.
É Marco.
Minha cabeça lateja um pouco, meus olhos pesam, mas não
deixarei de atendê-lo. Há tanto tempo não nos falamos, desde a
confusão com Mia, que ele decidiu duvidar da minha palavra. E,
para estar me ligando, deve ser importante, provavelmente um
pedido de conversa de retaliação.
— Alô.
— Oi — ele responde. — Tudo bem?
— Tudo sim, cara. E você?
— Putz! É meio dia, mas, pela sua voz, parece que te acordei.
Estou certo?
— É, sim, mas sem problemas. Sabe que é uma honra ouvir
sua voz depois de tanto tempo. — Me sento na cama, dando de
cara com um Vinícius derrotado no chão. Claro que não coloquei um
viado para dormir ao meu lado.
Marco ri.
— Estava querendo falar contigo. Posso passar aí?
— Claro. Nem precisa pedir.
— Te vejo em dez minutos. — Ele encerra a ligação, e eu abro
as mensagens para ler sobre a boate de ontem.
Ingrid: Me desculpa por eu ter insistido muito ontem. Estou
morrendo de vergonha. :(
Bernardo: Está tudo bem. :)
O celular apita. É ela me respondendo no mesmo instante.
Ingrid: Fico feliz por sua evolução, amigo. Felicidades com a
americana! 😉
Bernardo: Valeu, morena.
Rolo as mensagens do aplicativo, até abrir a janela de
conversa com minha Ursinha. Ela me mandou uma mensagem às
dez da manhã no Brasil, que eu calculo que lá em Nova Iorque eram
oito.
Ursinha: Bê, eu fui pesquisar no YouTube o que era arrocha e
estou puta! Como você pode dançar essa porcaria com outra
mulher? Que raiva!
Bernardo: Quero dançar um arrocha contigo. Não vejo a hora.
Mordo meu lábio inferior ao pensar e envio a mensagem. Ela
não me responde instantaneamente, então jogo meu celular para o
lado e me levanto da cama. Tomo um banho rápido e desço para a
cozinha, onde minha mãe está, séria, sentada à mesa me
acompanhando com o olhar.
— O que foi? Não fiquei com ninguém, tá legal? — Já deixo
claro antes que o sermão comece.
Ela abre um sorriso, e eu me sinto confuso.
— Não ia perguntar sobre a night de ontem — ela diz. — Só te
comunicar que farei um almoço.
— Almoço? Almoço tem todo dia, oras.
— Não, engraçadinho. Vou receber a Luciana e a Carina.
Luciana, tia Lucy, é a melhor amiga da minha mãe desde a
infância, minha madrinha de batismo e mãe do Caio e da Carina.
— Por que só a tia Lucy e a Carina? — Enrugo o cenho,
achando aquela conversa estranha. — Por que o tio George e o
Caio não vêm?
— Ela e o George estão se separando.
O quê? Como assim?
Eles eram uma família tão feliz, nunca pareceram ter
problemas, exceto o comportamento da Carina com relação a festas
e garotos, o que sempre chateou tio George. Mas, fora isso, estava
tudo muito bem, pelo menos até o Ano Novo era o que parecia.
Como assim agora eles estão se separando?
— Uma pena. — Ela suspira. — Alguns casamentos não
duram para sempre.
— O que aconteceu para eles tomarem essa decisão?
— Seu tio estava traindo sua tia.
— Eu não acredito nisso.
Realmente não há como acreditar. Ele parecia um homem tão
honesto e fiel. Como pode agora resolver trair o grande amor da sua
vida? Como posso colocar minha fidelidade em prática se o homem
que tinha como meu maior exemplo no que se refere à traição, trai?
— Pois acredite. Acontecia há anos. Foi a Carina que contou.
— Está falando sério?
Ela assente.
— Sua tia está muito mal. Ela vai ficar aqui por um tempo. Sua
irmã está arrasada também porque, diferente da Carina, que vai
ficar com a mãe em São Gabriel, Caio quer morar com o pai em
Porto Alegre, a quase quatro horas daqui.
— Ah, entendi então por que do mau humor da Bia ontem —
relembro. — O Caio vai morar em outra cidade.
— Ou em outro país.
Enrugo o cenho.
— Como assim?
— Seu tio está decidido a se mudar para Nova Iorque, e o Caio
está decidido a ir junto.
— E a Beatriz?
— Disso ela ainda não sabe.
— Meu Deus! Ela vai surtar! — Passo a mão pelo rosto,
bufando. — Tem noção, mãe?
Ela faz que sim e fica em silêncio, me encarando como se
estivesse me analisando.
— E você, por que acordou assim hoje? — ela quer saber. —
Está com uma cara péssima. Dormiu de calça comprida?
— Engraçadinha. — Faço uma careta para ela. — Só acho que
bebi demais. Deveria ter me controlado porque vim dirigindo, mas
deu tudo certo.
— Hum. E a Laura?
— Não sei se ela bebeu.
Ela me encara como se eu fosse um maluco.
— Você entendeu, meu filho.
— Ah, mãe. Vai ficar pegando no meu pé só por que eu saí
ontem?
— Eu? Claro que não! Pelo contrário, acho que você fez o
certo. Tanto você quanto ela não deve deixar de fazer as coisas que
gostam de fazer só porque estão namorando. Em primeiro lugar,
vocês precisam ser sinceros um com o outro e não fazer nada
escondido. Se você gosta de sair, saia, mas respeite sua namorada
e deixe-a ciente das coisas que você fez. Sinceridade é fundamental
em um relacionamento, qualquer relacionamento. Em segundo
lugar, vocês precisam confiar um no outro. Isso é mais importante
que tudo. Se não houver confiança, não dará certo.
Acabo por soltar um sorriso aberto, feliz. Achei engraçado a
primeira tentativa de aproximação da minha mãe há uma semana, e
agora, veja só: ela está me dando um conselho como se fossemos
bons amigos. Gosto disso. Seria uma coisa maravilhosa tê-la como
amiga nesse momento de transformação que venho enfrentando, já
que as garotas que um dia eu achei que eram minhas amigas, só
querem meu corpo gostosinho na cama.
— E por onde você esteve ontem de manhã? — Ela tem uma
espécie de ansiedade emitida em seu sorriso e no olhar. — Não te vi
o dia inteiro, exceto quando estava saindo para a boate.
— Fui acompanhar a Mia na consulta.
— Disso eu já sei, Bernardo. — Ela sorri. — Aliás, como foi? O
Escobar ligou e falou que a Mia disse que não sabe quem é o pai.
Eu quero te desculpar por duvidar do que me disse... mais uma vez.
Não quero mais duvidar das coisas que me diz, meu filho.
— Tudo bem, mamãe. Acho que, na verdade, agora sim estou
me tornando homem, e, sendo assim, mereço suas considerações.
— Rio de lado, e ela faz que não, discordando.
— Você é tão humilde. — Ela sorri simplesmente, e fica me
admirando com amor no olhar. Até que dá um suspiro cansado e
abre a boca para dizer: — Sinceramente, fico aliviada. Também não
queria um filho da Mia com você. Prefiro que seja com a Laura. Mas
me preocupo com essa menina.
Abaixo o olhar e suspiro com força, me sentindo preocupado
com a situação da minha ex.
— Deve estar sendo uma barra para ela — reflito.
— Apesar de que o Escobar me disse que ela está bem.
Levanto o rosto e vejo um sorriso aberto em seus lábios.
— Ele que ficou meio nervoso, você sabe. Não é uma coisa
boa para um pai ficar sabendo que a filha não sabe de quem
engravidou. Se eu, que sou muito mais tranquila que o Daniel, ao
imaginar Beatriz nessa situação sinto que sou capaz de surtar,
imagina o Escobar, que é o pai mais cabeça dura que já conheci.
Ganha até do Daniel.
Pais... e o meu, como seria se não fosse um bêbedo e agora
quase um vegetal? Como seria esse pai que nunca tive?
— Eu visitei o Vitor ontem — confesso, olhando-a firme nos
olhos.
— O Vitor? Seu pai, né?
Reviro meus olhos, e ela continua a falar:
— Eu já sabia que você foi lá. Só estava esperando você me
contar. Fico feliz que tenha feito isso. — Ela sorri docemente. — E
como ele está?
— Do mesmo jeito de antes. O médico responsável pelo caso
falou que não tem esperança de ele acordar, falou para sermos
realistas e já me fez pensar em doação de órgãos, caso ele venha a
ter morte cerebral. Disse que o fígado não serve para doação, mas
os rins estão perfeitos. Tem outras coisas. Hoje a medicina avançou
e se faz transplante de pele, não é?
Ela assente.
— Eu sou o único parente que o Vitor tem — continuo. —,
então eu serei o responsável por isso. Por decidir se eu quero uma
parte dele em outra pessoa. O que você acha, mãe? Acha que ele
acorda? Acha que devo ter esperança? E se ele morrer, acha que
devo pensar em doação?
Fico esperando minha mãe me dizer algo, mas ela fica em
silêncio. Apenas segura minhas mãos por cima da mesa.
— Em primeiro lugar — ela começa. — Estou feliz por ouvir
essas coisas de você. É nítido que se preocupa com ele e que o
perdoa por todo o mal que ele te causou. Sei que seu pai não
merece, mas você merece seguir em frente, em paz. E perdoar é
importante, meu filho. Honra teu pai e tua mãe, para que se
prolonguem os teus dias na terra, lembra?
Assinto, me recordando dos ensinamentos bíblicos que tive
durante minha infância. Íamos à igreja, Nicolas, Beatriz, mamãe e
eu, por incentivo de Daniel, que entre todos é e sempre foi o mais
religioso. Agora, nos afastamos. Só vamos quando tem um
batizado, um casamento. Tornamo-nos católicos não praticantes,
com exceção do Nicolas que virou protestante desde a adolescência
e até hoje visita a igreja.
— Em segundo lugar — ela continua. —, por você ter tido a
iniciativa de ir lá e fazer sua parte.
Assinto, e minha mãe sorri.
— Mas não deixe de visitá-lo e não pense em doação por
enquanto. Esteja presente na vida dele, motive-o a acordar. Dizem
que os pacientes em coma ouvem.
— Pode deixar.
— Olha, seu pai era um grande amigo na época da escola.
Namoramos porque eu era loucamente apaixonada por ele, mas ele
me traiu e eu nunca mais consegui olhar para ele como antes. Eu o
perdoei, como você sabe que aconteceu, mas fui infeliz e ele
também, por não amá-lo mais e não fazê-lo feliz como antes. E
então ele terminou porque eu não tinha coragem de largá-lo com
você nos braços. Sempre quis que tivesse um pai presente.
Desculpa por...
— Mãe — corto-a, e ela se cala. Nunca falamos sobre isso.
Minha opinião é de que ela não deveria ter ficado com ele por causa
de mim. Isso não a faria feliz, talvez nem a mim. — Você não tinha
que ficar com ele por causa de mim. Imagina: se você fosse infeliz,
se ele também fosse, e eu ali no meio, acha mesmo que eu seria
feliz? E outra: Daniel foi um ótimo pai substituto. Ele me ensinou
muitas coisas boas. Tive uma vida perfeita. Não tenho do que
reclamar. Se você tivesse escolhido viver com o Vitor, tenho certeza
de que tudo seria pior. Então, não tem por que se desculpar, tá
bom?
Ela assente, os olhos cobertos por lágrimas. Estico meu corpo
sobre a mesa e deixo um beijo em sua bochecha, que é
interrompido por Marco, que surge à cozinha por trás da minha mãe.
— Desculpa — ele pede, aparentando estar sem graça. Tem
as mãos nos bolsos do jeans e os ombros caídos.
— Ah, que nada, meu filho. — Minha mãe se levanta da mesa
e vira o corpo para olhar para meu amigo. — Sente-se aqui. Vou à
rua com a Zélia comprar umas coisas. — Ela me encara com amor e
sibila um “eu te amo”.
— Também te amo, minha gracinha — devolvo, fazendo-a abrir
um sorriso grande. Depois, vira as costas, enquanto Marco vem até
mim e se senta na cadeira onde antes minha mãe estava.
Meu amigo é moreno claro, tem cabelos pretos em um topete
divertido para cima. É quatro anos mais velho que eu, mais
responsável, na dele. Ele é daquele tipo de cara que acredita que
necessita de todas aquelas formalidades antes da primeira noite de
sexo. Cinema, alguns beijinhos, uma cerveja, um bar. E isso às
vezes demora um mês. Ou dois. Depende da garota.
Nunca tive a menor paciência. Minhas necessidades nunca
foram dessas de andar de mãos dadas, abraçar e assistir um filme
num sábado à noite. Eu só queria enfiar meu pau em uma gostosa e
ouvi-la gemer o quanto o grande Bê a fazia feliz. Já era o suficiente
para mim e para ela.
Por isso que, quando soube do interesse de Marco por Laura,
por um momento, acreditei que ele seria melhor para ela do que eu,
mas só por um momento. Depois que vi os dois juntos, se agarrando
na boate, desisti dessa ideia porque me dei conta de que eu quem
deveria fazer essas coisas, mesmo que parecesse errado por causa
dessa questão do quase incesto e por causa do meu jeito.
— E aí? — ele me cumprimenta com um aperto de mão.
— Ah! — Minha mãe retorna para a cozinha, colocando o rosto
pelo vão da porta para olhar para ele. — Fique para o almoço! O
Vinícius está aí e a Carina está chegando.
Dona Anne sempre simpática com meus amigos. Adorável!
— Obrigado, tia. — Ele vira o tronco para ela, agradecendo.
Então, ela desaparece pela porta e meu amigo se vira para mim.
— A Mia me contou a verdade. — Ele desvia os olhos escuros
dos meus e encara a mesa. — Desculpa, Bernardo. Eu fiquei muito
chateado. — Ele levanta o olhar. — Porque achei que você estava
querendo fugir de uma responsabilidade, mas me enganei quanto a
isso. Sempre duvidam de você. Deve estar se sentindo péssimo.
— Nada. — Dou de ombros. — Está tudo bem.
Ele assente.
— Fiquei muito decepcionado com minha irmã — continua. —,
não só por ela ter dado esse mole, mas principalmente por ela ter
mentido. Mia é muito complicada, mimada pra caramba, imatura.
Culpa minha e do pai que nunca permitimos que ela sofresse com a
perda da mamãe.
— Agora ela vai andar com as próprias pernas e irá crescer.
Pena ser dessa forma.
Ele suspira, e eu me levanto e pego uma jarra transparente
com um suco rosa na geladeira, que coloco em cima da mesa, onde
eu me sento trazendo dois copos comigo.
— Conta comigo aí no que precisar — digo.
— Valeu, cara! Agora só muita paciência mesmo. Que bom
que, apesar de tudo, ela está feliz.
Vinícius surge na cozinha por trás de Marco. Está sem camisa
e com cara de sono. Ele beija o pescoço do segundo, que está de
costas para ele e que reage ficando meio puto com a brincadeira.
— Bom dia, amor — Vinny zomba, puxando uma cadeira ao
lado de Marco. — Resenha nessa porra? — Pega a jarra de suco e
enche um copo.
— Assuntos pessoais — Marco responde.
— Tô ligado. Mia grávida, né?
— Você falou para ele, Bernardo? — Marco me encara
aparentando estar meio chateado.
— Não! — E eu realmente não falei, mas, de toda forma, ele
precisa saber, afinal há chances de ele ser o pai.
— Foi o Pedrão mesmo que me falou ontem na boate. —
Vinícius dá um gole em seu suco e depois olha para mim. — Vou
ficar para o almoço. Sua mãe me chamou.
— Foda-se.
Ele faz que não, pega um pedaço de bolo de cenoura e coloca
sobre o prato.
— Aí, Marco. — Ele olha de lado para nosso amigo. — Nicolas
está te chamando. Falou para tu dar um pulo no quarto dele.
— Beleza. — Marco se levanta, virando as costas e
desaparecendo pela porta da cozinha.
— O que está pegando? — pergunto, estranhando o fato de
Nicolas estar se enturmando com Marco.
— Nada. Acho que é alguma dúvida sobre jogo. — Ele dá de
ombros e leva um pedaço de bolo à boca. — Foi uma mão na roda.
Preciso falar com você longe dele. Não sabia que ele vinha.
— O que você quer falar?
— Saber dessa história da gravidez da Mia. Você fez aquele
exame? Soube o tempo de gravidez, o sexo, essas porras?
Assinto.
— E aí?
— E aí que eu não sou o pai. Talvez seja você.
Ele ri.
— Claro que não é meu. Impossível.
— Impossível? Vocês transaram há quatro meses.
— Eu não transei com Mia naquele churrasco de quatro meses
atrás.
— Como?
— Eu menti.
— Você não está falando isso para fugir dessa...
— Claro que não, caralho. Pergunta a ela se duvida. Eu menti.
Esse churrasco de quatro meses atrás foi sua festa de
despedida do Limeira. Não fui porque a cidade que ele mora, Torres,
fica a seis horas de São Gabriel, e eu tinha que estar em casa
inteiro durante o dia, sem ressaca, pois era aniversário da tia Lucy.
Não estava lá para saber o que aconteceu com Mia de verdade.
E, se estava quase desmaiada, será que alguém se aproveitou
dela?
— Será que alguém se aproveitou dela nessa situação?
— Não, eu estava com ela o tempo todo. Dormimos juntos sim,
mas não rolou nada. Na verdade, não queria transar com ela.
Estava tentando protegê-la dos caras. Ela estava muito, muito
bêbada, assim como eu e todo o resto, estava quase pelada
conforme dançava com o vestido quase na cintura, mostrando a
calcinha. Todo mundo queria “comê-la”, então, quase desmaiada, a
levei para meu quarto e fingi que tínhamos transado. Menti para
você, menti para todo mundo. Gosto de contar vantagem, você
sabe. E eu jamais ficaria com uma mina sua. Já basta a Ingrid.
Ingrid? Quero rir. A morena nunca permitiu ser “mina” minha, e
nunca foi, assim como Mia. Somente Laura é minha.
— Porra! — Ele dá um soco na mesa, parecendo se dar conta
de uma coisa. — Ela sabe quem é pai?
— Ela não faz ideia.
— Que merda! — Ele suspira, com pesar.
Isso vai dar em merda.
Capítulo 13
PERFECT – ED SHEERAN
Capítulo 15
Pedro teve sorte por Marco ter faltado ao treino, porque sei
que seriam dois contra ele. Não sei os motivos das faltas do meu
amigo, mas estou pouco me lixado para essa merda.
Sobre Pedro, depois da briga com o mesmo, não tivemos
contato. Mia me ligou dizendo que o babaca telefonou para ela
chamando-a conversar. Ela disse está mais aliviada, e isso me deixa
tranquilo. Por outro lado, ela não ficou satisfeita quando soube o que
fiz com ele. Mas tudo bem. Pelo menos, os socos serviram de
alguma coisa: Mia vai ter uma conversa com o cara que a
engravidou e eu aliviei a raiva que sentia.
Sinceramente, eu não consigo entender o que aconteceu
comigo, mas sei muito bem que a ira que senti enquanto socava
Pedro foi uma ira acumulada, porém não era dele que eu tinha tanta
raiva. O rosto que eu desejava socar não era só o dele.
Eu queria que fosse o rosto de Vitor.
No entanto, agora, por alguma razão que eu não compreendo,
pensar nesse homem já não me incomoda tanto, já não me faz
sentir tanta repulsa. Quando penso nele, sinto uma breve paz, é
como se liberar minhas angústias ontem tivesse me deixado leve.
Pensando pelo outro lado, não sei se isso é bom porque, se antes
descontava minhas frustrações em álcool e mulheres, agora deveria
eu descontar em rostos alheios?
E não posso deixar de comparar que agi como ele agiu
comigo, e isso é uma grande merda. Não quero ser como ele.
Meu telefone toca, me dispensando. Giro meu rosto para o
lado e o vejo, com a tela iluminada, na cabeceira da minha cama.
Estico o braço e encaro a tela. É Laura me ligando via Skype.
Devido ao meu olho machucado, cogitei não falar com ela por
vídeo hoje, mas não posso esconder as coisas dela. Para atrapalhar
nosso relacionamento basta a distância. Agora, mentiras? Por que
não evitar? Pena que ela não parece pensar o mesmo. Sei que
ainda me esconde alguma coisa. Espero que possa me contar em
algum momento.
Atendo a chamada, posicionando o celular em direção ao meu
rosto, conforme me ajeito no travesseiro encostado na cabeceira. O
rosto distraído de Laura se expande na tela que, ao me encarar,
muda para preocupação.
— Bê! Que olho roxo é esse?
— Eu briguei. — Faço uma careta preocupada. Como dizer
para ela que brigou por causa de outra? Aliás, por causa da minha
ex, quem ela abomina?
— Brigou? Com quem? Por quê?
— Pedro.
— Por causa da Mia? — Sei que brinca, seu tom demonstra
isso, mas me pergunto como ela pode acertar.
Laura não sabe sobre Mia e Pedro. Não contei ainda. Depois
que soube da notícia no dia da inauguração da ONG, nos falamos
via Skype, mas foi tão rápido que não deu tempo de conversar
sobre muita coisa.
Cada dia que passa odeio mais essa coisa de namoro à
distância.
— Não foi pela Mia, mas pelo que ele fez com a Mia.
— E o que ele fez?
— Eu não tive tempo de te contar. — Coço o topo da minha
cabeça. — Quer dizer, você parece estar sem tempo. Não queria
preocupá-la com meus problemas.
— Bê, você pode falar quando quiser comigo. O fato de eu não
estar 100% disponível não significa que eu não me importe.
Enrugo a testa. 100% disponível? Para onde — ou para quem
— está indo a outra parte dessa porcentagem?
— Agora me conte sobre Pedro e Mia, o que eu ainda não sei.
— Eles transaram. — Dou de ombros.
— Nossa, vocês realmente fazem isso? Trocam de namoradas
como alguém que troca figurinhas repetidas?
— Na verdade, sim. — Não me orgulho, mas é uma das
verdades que não quero esconder dela. — E eu não faço, eu fazia,
e não farei nunca mais.
— E por que está me contando isso agora? Que importância
isso tem para a gente?
— É que eu não sabia. Pelo visto, nem a Mia sabia.
— Perai. Não estou entendendo. — Ela fecha os olhos e
balança a cabeça para os lados, como se tentasse desembaralhar a
confusão em sua mente. — Você não está achando que o Pedro,
aquele cara maluco, foi quem engravidou a Mia, está?
— Pior que estou.
— Você não pode estar falando sério!
— Estou. Tenho quase certeza que é dele. E acho que ele
também.
— Meu Deus! Coitada da criança. Dois pais malucos.
— A Mia vai tomar jeito.
— Espero realmente que sim. Mas espera, Bê, você está
dizendo que ela não sabia que tinha transado com ele, isso quer
dizer que ela estava inconsciente quando aconteceu?
— Parece que sim.
— Meu Deus! Isso não seria estupro?
— É o que parece. Mas, olha, eu não sei, tá bom? Essas
festas que nós vamos... quer dizer, que eles vão e eu ia... nessas
festas rolam muitas bebidas e às vezes algumas drogas pesadas, e
todo mundo fica bem louco. Você viu lá na casa do Pedro. Eu não
sei o que pensar. Eu não estou defendendo ele, só não sei o que de
fato ocorreu porque a Mia não lembra... o Vinny não lembra... e o
Pedro parece que também não lembra direito...
— Isso deve ser tão horrível.
— As festas? Até que não.
— Não, engravidar assim. Sem saber quem é o pai. E aí tentar
ficar lembrando com quem você dormiu. Deve ser ruim.
— É, deve ser. — Dou de ombros, indiferente. Não que pensar
nisso não me interesse, mas o que me chateia é a situação com
Pedro. Por que debochava da minha suposta paternidade, estando
ciente de que talvez poderia ser ele o pai? — O cara estava me
zoando esse tempo todo. Até me chamava de “papai”. Ele sabia de
tudo e estava rindo da minha cara.
— E aí você está chateado pelo deboche dele e resolveu dar
um soco na cara dele e receber outro em troca? Ou será que foi o
contrário?
— Não, foi o contrário. Ele quem começou. E, na verdade,
brigamos pelo fato de ele ter feito o que fez com Mia e não por sua
reação comigo. O deboche só contribuiu para que eu o incentivasse
a partir para cima de mim.
— Bê, a Mia é...
— Olha — interrompo-a. —, sei que tem ciúmes dela e
entendo. Mas isso não se faz, Laura.
— Sei que não. Você está certo. Mas não acho que o Pedro
seja pior que a Mia.
— Você nem o conhece. Eu sim. Aos dois. Eu posso falar. E
ele sempre foi um babaca, disso tenho certeza, mas se aproveitar
de uma mulher desacordada, isso eu não esperava.
— Eu sinto muito, Bê, por ela. Sei que gosta dela... — Ela faz
um biquinho. —Como amiga. E isso me incomoda porque você já a
beijou e transou com ela. Mas eu realmente sinto por ela.
Meu coração enche-se de orgulho dessa namorada bondosa,
do coração generoso e doce, que tenho.
— Você é uma pessoa maravilhosa, sabia?
— Queria realmente ser. — Ela abaixa os olhos e suspira com
pesar.
Laura estaria sentindo... culpa? Pelo quê? Agora, mais do que
nunca, posso ter certeza que ela esconde algo de mim, algo que a
apavora e que a faz se sentir mal por isso.
— O que você não está me contando, Laura?
— Eu te conto tudo que tenho para contar.
— Eu espero que sim. — Abaixo os olhos e brinco com uma
linha que escapa da minha bermuda.
Eu amo Laura, mais que minha própria vida, e eu sinto tanta
falta dela que chega doer como nunca antes. Mas não sei se serei
capaz de suportar essa distância por mais tempo. E quando ela for
para Cambridge, como vai ser? Ela vai passar um ano, talvez dois,
lá na Inglaterra... eu vou enlouquecer de saudade.
E se ela demorar nove anos? Nove anos!
Minha garganta aperta. Então, engulo seco. Sentindo meus
olhos ficarem úmidos, levanto-os e a encaro.
— Ei, você não me parece bem.
— Estou sim. — Sorrio sem esperança.
A tristeza que até o segundo anterior eu sentia se vai. Apesar
de alguns fodidos problemas que enfrentei de sábado para cá,
tenho, enfim, uma coisa boa para realizar. Boa é pouco. É
excepcional!
— Tenho mais algumas coisas para te contar.
— São coisas ruins?
Balanço o rosto para os lados e abro um sorriso misterioso.
— Fala, Bê. — Ela morde o lábio inferior. — Está me deixando
ansiosa e apreensiva.
— Bem... a primeira coisa e talvez a menos importante é que
Beatriz teve seu primeiro porre.
— O quê?
— É, e fica de boca fechada porque só eu sei disso. Escondi
do Daniel e da minha mãe como retribuição a tudo que ela já
escondeu de mim também.
Resolvo esconder que Mia também sabe. Acho que é melhor
assim. Se Laura souber que tenho um segredo com minha ex que
ela tanto sente ciúmes, surtaria. Mas seria bom para ela pensar que,
se ela estivesse aqui, talvez ela fosse a pessoa a saber e não minha
ex-namorada.
— Meu pai ficaria uma fera! Certamente cortaria a mesada
dela! — Laura ri, chacoalhando o ombro para cima e para baixo.
Isso a deixa sexy pra caramba. Ah, merda! Quero tanto abraçar e
beijar minha Ursinha logo! — Ai, Bê! Que saudades estou de vocês!
Então, vamos ao momento excepcional.
— Quer matar a saudade? — Ansioso, mordo meu lábio
inferior, deixando escapar um leve sorriso de contentamento entre
meus lábios.
— Me diga como...
— A briga com o Pedro me causou uma suspensão de uma
semana.
— Bê... — Ela tem o rosto coberto de preocupação.
— Mas isso tem um lado bom. — Sorrio, e ela enruga o cenho,
sem entender.
— Ah, é? Me mostra qual porque eu sinceramente não estou
conseguindo ver.
— Eu vou te visitar, Laura.
Laura congela na tela. A boca está aberta, em espanto. Juro
que por um breve momento penso que ela não achou a novidade
uma coisa assim tão boa, e isso dói. Sua rejeição implícita dói.
O que está rolando, Laura?
— Vai? — Ela abre um sorriso tão grande ao passo que seus
olhos brilham, não sei se de felicidade ou porque ela quer chorar, e
isso alivia meu peito ansioso.
Que merda! Só posso estar ficando neurótico! Não há nada de
errado em Laura! Aí está minha garota.
— Estou de bobeira por uma semana. Isso significa que posso
ir a Nova Iorque e voltar no final de semana. E aí eu vou te ver,
minha Ursinha. Já estou até fazendo minhas malas e tenho as
passagens compradas.
— Você vem hoje? — Se olhos sorrissem, eu diria que os de
Laura o fazem nesse momento. — Hoje, Bê?
Faço que não.
— Amanhã. Agora está quase de noite e eu quero visitar meu
pai antes de ir. — Só então percebo que o chamei de pai, e isso me
assusta.... porque eu não forcei, foi natural. Laura está tão extasiada
com a notícia que nem se dá conta.
— Meu Deus! Dia dez de março será gravado como o dia mais
lindo do ano! — Ela abre um sorriso tão grande e bonito que faz
refletir outro em mim e me esquecer dele.
— Por quê? — Me faço de desentendido. Seu sorriso se
desmancha. O meu, também. — Laura?
— É porque é quando também sai o resultado de Cambridge.
Engulo seco. É... certo. Se dia dez de março ficará marcado
como o dia mais lindo do ano... não é só por mim. Ela realmente
parece ainda querer Cambridge. Não entendo... Será que essa
distância não dói nela como tem doido em mim?
— Você quer passar? — Quando me dou conta, as palavras,
amargas, escorregam pela minha boca.
— Bê, não vamos falar sobre isso agora. Deixa as coisas
acontecerem.
— Okay. Mas só me diz por que será o dia mais feliz do seu
ano. É por Cambridge ou por mim?
Então, abaixo o rosto e fecho meus olhos, quando ela me
responde:
— É pelos dois.
Terça-feira, 10 de março de 2015
— Bê.
Abro parcialmente meus olhos e vejo Laura de frente para mim
brincando com meu cabelo. Sorrio largo e circundo sua cintura com
meu braço, arrastando-a para mais perto de mim. Tínhamos nos
deitado em camas distintas e quartos distintos antes de dormir
porque assim, segundo ela, a mãe quis. Mas aqui está ela se
encaixando entre meus braços
— Vamos dormir assim juntinhos para sempre? — sugiro, mas
mantenho meus olhos fechados.
— Abre os olhos direito.
Obedeço e, quando o faço, encontro com um anjo lindo no
escuro do quarto olhando para mim. Beijo sua boca docemente,
enroscando seus cabelos macios entre meus dedos.
— Não é só o Daniel que te trata feito uma bebezinha. — Faço
questão de lembrá-la sobre o fato de não estarmos dormindo no
mesmo quarto porque a mãe dela não permitiu que assim fosse.
— Não achei graça.
— Bebezinha da mamãe. — Dou-lhe um beijo rápido. — Vai
dormir aqui?
— Urun.
— E se você levar uma surra? — Seguro um riso, mas não
consigo, pois começo a gargalhar.
— Para, Bê! — resmunga com a voz manhosa e dá um soco
contra meus bíceps nus. — Fica me zoando.
— Fica mais linda irritadinha assim, me batendo. Gosto de
apanhar. Me dá um tesão danado — brinco, e ela sorri, mas um
sorriso que se desmancha no minuto seguinte. — O que houve?
— Vamos terminar nossa conversa agora. — Ela suspira com
força. — Estou meio chateada com essa história de separação. Isso
que está me dando tanto medo.
— Eu imaginei. Só que você é você e sua mãe é outra história.
— Não é isso. — Ela suspira. — Ela vai voltar para o Rio de
Janeiro. E ela tem falado muito sobre meu pai. Isso tem me
preocupado.
— Acha que ela pode fazer algo negativo contra nossa família?
— Não. Pelo contrário, acho que nossa família que pode fazer
isso.
Vinco o cenho.
— Como assim?
— Ela vai, de certa forma, ver todos bem e felizes. Sei que isso
a machucará. E ela está doente, Bê. Não é uma doença física, que
todos podem perceber. É interno. Depressão, crises de ansiedade.
Você a ouviu dizendo sobre o medicamento que tem tomado?
— Sim, ouvi. E confesso que fiquei preocupado. Ela não me
parece bem. O que há de errado com ela?
— Bê... o que vou te contar é muito sério. — Ela levanta
levemente o rosto e me encara por cima dos cílios. — Enquanto
estive no Brasil, mamãe tentou tirar a própria vida. Ela tomou umas
cinco pílulas da medicação que o psiquiatra receitou. Meu padrasto
quem me contou, ele já havia pedido o divórcio, o que, somado ao
fato de eu ter descoberto a respeito de sua manipulação, corroborou
para que ela entrasse em desespero. Entende como estou dividida?
— Ela encaixa o rosto no meu peito outra vez e abafa um suspiro.
— Cambridge: fujo de tudo. Rio de Janeiro: acompanho minha mãe
de perto. São Gabriel: a destruo mais ainda, vivendo com quem sei
que ela acredita que seja culpada pela infelicidade dela.
— Minha mãe — completo.
— Eu sinto muito.
— Tudo bem. Olha, sinceramente, eu gostei dela, me parece
uma boa pessoa.
— E é! Ela só precisa ser amada.
— Ninguém deve precisar.
— Mas ela precisa. Faz parte de quem ela é ser amada. Mas o
problema é que ela nunca consegue. Sempre se frustra.
— Talvez seja esse o problema. Desejar tanto esse amor para
si mesma. Será que ela o retribui?
— Sim, Bê. Ela o faz com total maestria. Minha mãe é a líder
no assunto amor. Ela é capaz de tudo para ter a pessoa que ama
por perto.
— Como ela fez com você? Afastando-lhe de todos nós?
Laura fica em silêncio. Embora esteja evidente que a magoei
com essa verdade, não pude deixar de lembrar-me desse feito. E,
apesar de ter gostado mais do que esperava da minha sogra, ainda
há um pouco de mágoa dela, em mim.
— Me desculpe — peço.
— Tudo bem.
— Sua mãe me parece uma ótima pessoa. Aparentemente,
sua personalidade não condiz com o que ela fez. Mas, olhando por
outro ângulo e deixando a afeição que senti por ela de lado, penso
que talvez tudo isso que ela te fez tenha muito mais a ver com
obsessão do que com amor porque, de acordo com o tenho sentido
nos últimos meses, amor vai além de possuir a pessoa. Amor tem a
ver com vê-la e fazê-la feliz. E sua mãe não te fez, Laura. Você sabe
que não.
Ela fica em silêncio.
— Desculpa por te magoar dizendo isso — continuo. — Mas
espero que, ao fazer sua escolha, você se lembre disso.
— Você quer dizer que eu deveria colocar numa balança todo
o bem que todos os que amo me fizeram?
— É o que sugiro. — Venceria essa fácil.
— Pois você também ficaria de lado. — Seu tom aparenta
brincadeira, mas me preocupo com a confissão. Que mal eu a fiz,
afinal, a não ser durante sua infância, perturbando-a com beijo
roubado e espionagens atrás da porta? — Você me tirou o sossego
de um coração tranquilo. Agora não sei mais se posso viver longe
de você enquanto realizo um sonho. E eu não sei se você realmente
seria capaz de me esperar.
Sinceramente, tem momentos que nem eu sei, mas deixo esse
pensamento de lado.
— Na maior parte do tempo imagino você desistindo.
— Eu não vou desistir de nós, minha Ursinha.
Ela levanta o rosto e me encara docemente, deixando um beijo
casto em meus lábios, antes de voltar à posição inicial.
— Eu tenho medo de ter um futuro como o dela — divaga. —
Quero que a gente fique junto para sempre.
— Só depende de você.
— Não jogue a culpa em mim. A questão é: será que devemos
abrir mão de tudo, por amor?
— Não é assim que acontece nos livros bobos que você lê?
— Não. As mocinhas sofrem muito até chegarem ao final feliz.
— E você, está sofrendo?
— O que acha, Bê?
Seu desespero por mim, seu olhar, os abraços apertados e os
beijos desesperados apontam para sim, que ela sofreu. No entanto,
aparentemente, à distância não pareceu o mesmo, o que gerou
dúvidas em mim, o que me faz pensar ainda mais que esse
relacionamento não daria certo por mais tempo da maneira que foi
esses meses.
— Não era o que parecia enquanto estávamos separados —
ressalto.
— Por mensagem, ligação, Skype, tudo é diferente. O cara a
cara transmite melhor a verdade.
— Por isso mesmo acho que namoros à distância não dão
certo. Eu achava que você estava escondendo algo de mim. Você
parecia estranha, se esquivava quando perguntava por sua mãe...
— Não queria falar sobre a conversa que tive com ela. Achava
que você não a entenderia se eu contasse que ela está doente e
pensou em se matar. Achei que a julgaria, pensaria que era
manipulação dela.
— Pensaria exatamente isso — concluo.
— E agora o que pensa sobre ela?
— Olhando-a nos olhos e conversando com ela, pude ver que,
no fundo, antes de qualquer coisa, existe uma mulher quebrada.
Mas ainda não confio 100% nela, me desculpe.
— Tudo bem.
— E o que ela disse quando você falou que sabia a verdade?
Laura fica em silêncio. Levanto seu rosto pelo queixo e estudo
suas expressões.
Ela tem o olhar abatido. É tudo o que consigo ver.
— O que ela disse?
— Ela não disse nada, Bê, além de que tudo “era verdade” e
que “até ela acreditava na própria história criada por ela”. Daí ela se
desculpou, chorou, e, desde então, acho que, de certa forma, ela
parece mais aliviada. Mas acho que ainda falta muito para se
resolver de verdade. — Ela dá um beijo na minha boca e se
aconchega em meus braços, mas dessa vez ficando de costas para
mim para que possamos dormir de conchinha.
— Sabe que essa posição não ajuda muito, né? — Aperto-a
contra mim e deixo uma mordida em seu ombro. Ela sorri.
— Não quero bancar a frígida, mas sem clima pra sexo.
— Frígida, você? — Rio, fazendo que não com o rosto.
— Sabe, Bê, nos livros, aparentemente, tudo parece mais
complicado, empecilhos aparecem para que o casal não fique junto,
mas no final tudo se resolve, enquanto isso, na vida real. — Ela
boceja. — O final feliz parece não existir... porque, pra gente, o fim é
a morte. E isso. — Ela suspira profundamente, como se lutasse uma
guerra contra o sono. — Faz lembrar–me. — Outro suspiro
profundo. — De Shakespeare. — E ela dorme. Sua respiração
acusa isso.
— Boa noite, minha Ursinha. — Beijo seu ombro e fecho os
olhos para dormir.
Em vão. Só consigo pensar na mulher que tenho nos braços e
no quanto quero que esse contato dure.
Quinta-feira, 12 de março de 2015
Que eu te amo
Eu te amei o tempo todo
E eu sinto sua falta
Estive tão longe por muito tempo
Eu continuo sonhando que você estará comigo
E você nunca irá embora
Paro de respirar se eu não te ver mais
Entro no quarto.
Laura está acordada, deitada na cama, ainda enrolada nos
lençóis e lendo alguma coisa aparentemente muito atrativa em seu
Kindle, pois seus olhos estão fixos à tela. Não se mexe, não parece
notar minha presença. Em silêncio, me sento na ponta da cama,
ficando de costas para ela, olho fixo para o chão e suspiro. Não vou
contar que eu sei. Quero que ela faça isso. Ainda vou lhe dar essa
chance.
— Bom dia, amor — ela diz, notando minha presença, e me
abraça por trás laçando os braços em volta do meu pescoço. Por
seu vulto, vejo que ela deixa o aparelho de leitura sobre o colchão.
[16]
— Estava lendo um romance muito trise, Where Rainbows End.
— Ela encaixa o queixo sobre a curva do meu pescoço e suspira
como se algo a atormentasse. Segundo ela, a leitura causa
abundantes emoções, sejam elas positivas ou não, o que é o caso,
aparentemente. — É sobre um casal que nunca consegue ficar junto
por motivos diversos.
— Parece que você gosta de sofrer, não é? — solto, amargo.
Logo, ela solta seus braços de mim e se arrasta até estar ao
meu lado, sentada. Encara-me de soslaio. Estou de perfil, mas sei
que me olha assim. Sinto seus olhos sobre mim, me analisando.
— Por que está dizendo isso?
Eu não lhe respondo, sequer viro meu rosto para olhá-la.
— Está chateado comigo?
— Não. — Resolvo encará-la, só que rapidamente. Ela tem o
rosto em expectativa, mordendo o lábio inferior. — Só estou dizendo
isso porque poderia, sei lá, ler um livro em que o casal fica junto no
final, e não um que eles morrem ou vivem um relacionamento
insuportável à distância.
— Bê. Não vamos falar disso agora, por favor.
— Que seja.
— Você viu uma foto do Nicolas? — bruscamente, muda de
assunto, de modo que estica o tronco e pega seu celular sobre a
mesa de cabeceira. — Olha que lindo. — Ela digita alguma coisa,
fazendo a luz do aparelho acender, depois vira-o para mim, onde,
olhando de soslaio, vejo que há uma foto do Nicolas com Alicia, sua
namorada, abraçados na entrada do Jardim Botânico da UFSM. —
É o Nicolas e a namorada. Eu não sabia que ele estava namorando.
Você não me contou.
Não me lembro do motivo de não ter contado. Para falar a
verdade, nem eu sabia que Nicolas estava namorando. Tudo que
sei é que ele estava se envolvendo com uma guria de nome Alicia,
foi tudo que me disse na última vez que tivemos uma conversa
longa, quando jogamos vídeo game. Não digo isso à Laura, e ainda
não olho para ela. Fixo meus olhos em um nada no chão dando
atenção ao sentimento de perturbação que se agarra ao meu
coração.
— Bê? O que foi? — Ela deixa o celular sobre o colchão e
puxa meu rosto para si, mas permaneço com meus olhos
esquivados dela. Não consigo olhar para ela e me lembrar do que
sei. Sufoca-me, me mata. — O que você não está me contando?
— Nada. — Dou de ombros. Olho-a fixamente nos olhos para
dizer: — E você, aconteceu alguma coisa? Algo de novo. Sei lá.
Qualquer coisa.
Ela tem o cenho franzido, o rosto com uma expressão de
confusão. Até que remexe os olhos para lá e para cá, parecendo
pensar, mas no final fixa-os em mim e levemente faz que não com o
rosto.
— Que bom então. — Levanto-me e ando em direção à minha
mala, agachando-me de frente para ela.
Abrindo-a sem cerimônia, pego a primeira peça de roupa que
encontro para vestir após um banho. Iremos outra vez ao Central
Park, dessa vez para caminharmos pelo parque porque suponho
que não está tão frio como ontem.
Levanto-me e me dirijo para Laura:
— Vou tomar um banho.
— Depois de darmos uma volta pelo Central Park, à noite
poderíamos assistir a algum espetáculo da Broadway, o que acha?
— Seria divertido. — Dou de ombros, tentando me mostrar
indiferente, e viro as costas, indo em direção ao banheiro. Não
quero brincar de adivinha, mas simplesmente não consigo abrir a
boca e dizer que eu sei.
Agora, estou dentro do banheiro, sem camisa, prestes a
desabotoar minha calça, ouço sua voz ficar mais próxima:
— Bê! Bê, volta aqui!
Ela entra no banheiro, pois a porta se abre e vejo-a parar de
frente à mesma e cruzar os braços sobre o peito. Vejo a maneira
como ela engole em seco, e sua respiração vacila, quando seu olhar
de nítido prazer percorre sobre meu corpo, o que já é o suficiente
para que meu pau lateje contra minha cueca.
Calmaí, amigão. Agora não é hora!
— Minha mãe já deve ter ido trabalhar. — Laura anda a passos
lentos, até estar de frente para mim, seus olhos não desgrudam do
meu corpo. Ela passa a unha sobre a linha que divide meu peito, o
que quase me faz puxá-la para meus braços. Mas meu lado racional
me faz acordar do transe rapidamente. — O que você acha da
gente... sei lá... namorar? — Ela lambe os lábios e morde o inferior
no final.
— Acho que podemos fazer isso à noite. Agora eu não quero
me atrasar para nosso passeio. Você queria tanto isso, não é?
Sua expressão muda. Agora vejo uma Laura sem jeito me
encarar por cima dos cílios.
— Claro — diz. — Eu vou tomar banho também. — Ela aponta
para suas costas. — Te espero na sala.
Enquanto tomo banho, fico pensando. Esses três meses que
se passaram eu abri mão de muitas coisas por causa da Laura,
como deixar de sair com meus amigos. Se saí duas vezes, foi muito,
e se saí foi porque era aniversário de algum amigo muito próximo.
Por que, assim como eu, ela não pode abrir mão de algumas coisas
por mim?
Estaria eu sendo egoísta? Ou ela? Ou os dois?
Eu estou aqui em Nova Iorque com a garota que eu amo, que
aparentemente não está decidida a abrir mão de um sonho para
ficar comigo, e estou me sentindo perturbado com isso, por isso. Se
eu estivesse no Brasil, eu poderia simplesmente pegar o meu carro
e ir para um lugar tranquilo para pensar, só para ficar longe dela,
que é o meu "problema", assim como eu fazia quando alguma
notícia sobre meu pai chegava até mim. Mas eu estou na casa dela,
do outro lado do continente, um lugar que mal conheço, então que
lugar aqui, afinal, poderia ser meu refúgio se não nos seus braços?
Suspiro devagar e saio do banheiro. Quando entro no quarto,
tiro a toalha e visto a cueca, uma box branca tradicional. Como no
quarto e em toda extensão da casa da minha sogra tem aquecedor,
não costumamos usar muitas roupas dentro de casa.
Antes de eu começar a me vestir, Laura entra no quarto sem
bater. Olho para ela. Ela está vestindo calça jeans e um sobretudo
aparentemente bem quentinho e de cor bege. Nos pés, ela tem
coturnos pretos. Na cabeça, ela usa um gorro que a deixa uma
gracinha. Se estivesse feliz conosco, puxaria facilmente para um
abraço e lhe diria como eu a amo. Eu sou um bobo apaixonado. É,
eu sei!
Laura se aproxima de mim e tira o sobretudo, ficando só com
uma blusa de manga comprida que ela tem por baixo, uma blusa
que modela seu corpo perfeito.
— Vamos? — pergunta, esticando sua mão pequena em minha
direção.
Não retribuo o gesto. Não parecendo notar minha recusa, ela
olha para o meu pau e morde a boca. Meu pau lateja com tanta
força que sei que ela nota. Mas fecho os olhos e suspiro de novo.
Não vou transar com a Laura se eu estou chateado com ela. Assim,
pego minha calça jeans sobre a cama e começo a me vestir.
Ela se senta na cama, fazendo o colchão levantar e subir, sem
tirar os olhos de mim. Ficamos em silêncio nos encarando. Ela com
aparente desejo saindo por cada poro de seu corpo, e eu, de um
lado, o inconsciente, com meu pau enrijecendo por ela me olhar
daquela maneira, e o outro, o consciente, com meu coração doendo
contra meu peito.
Laura faz que não com o rosto e abre a boca para dizer:
— Bê, eu preciso que você me diga por que você está me
tratando assim porque eu não tenho como adivinhar.
Eu quero muito dizer para ela que eu sei que ela passou, só
que mais que isso: eu quero que saia da boca dela essa notícia
porque quero que ela seja sincera comigo, como ela me pediu para
ser e como eu estou sendo, até certo ponto. Agora, por exemplo, eu
também estou omitindo — ou mentindo, tanto faz! — e sei que isso
não ajuda em nada. Mas tem horas que o orgulho fala mais alto, o
que é o caso.
— Tá bom. Você não quer falar, tudo bem. — Ela suspira e se
levanta da cama, ficando de pé diante de mim. — Mas ficar me
dando gelo está me magoando.
Eu não falo nada. Quem ela pensa que é para falar sobre
magoar alguém? Eu também estou magoado. Visto minha camisa e
me sento na cama para me calçar.
— Ontem estava tudo tão bem entre a gente, aí do nada você
acorda assim — diz — Aconteceu alguma coisa com seu pai? Ou
você brigou com a Anne?
Termino de me calçar e pego meu perfume e passo pelo
pescoço.
— Minha mãe te falou alguma coisa que você não gostou?
Viro-me para ela e coloco o vidro de perfume sobre o
mezanino que tem ao lado da cama. Ela me encara séria por um
tempo e depois dá de ombros.
— Vamos? — pergunto, pegando meu celular e casaco sobre a
cama. Depois, saio do quarto, deixando-a para trás.
Capitulo 34
A tela fria desse celular, só ver sua foto não vai me esquentar
Amar você de longe é tão ruim
Te quero ao vivo e a cores aqui, aqui
AO VIVO E A CORES – MATHEUS E KAUAN
Capítulo 40
Eu sosseguei
Ontem foi a despedida da balada
Dessa vida de solteiro
Eu sosseguei
Mudei a rota e meus planos
O que eu tava procurando
Eu achei, em você
(...)
Escrever um livro que tivesse futebol como fundo não foi nada
fácil, pois, como não sou muito entendida de esportes, precisei
pesquisar MUITO. Além disso, tive a ajuda dos meus sobrinhos,
Miguel e Pedro Henrique. Sei que sem eles jamais teria conseguido
falar um pouquinho sobre as posições dos jogadores, bem como as
datas que ocorrem os campeonatos e os nomes dos jogadores dos
clubes mencionados, da maneira que fiz: com segurança. Então,
obrigada, meus anjinhos!
Sei que hoje não lerão isso, mas quem sabe no futuro, não é
mesmo?
Também quero agradecer às minhas betas Marielle Reis
(pessoa experiente em leitura que me deu muitas dicas), Kelly (com
suas palavras, me enchendo de autoestima), Babi Xavier (ótima em
perceber contradições), Flávia Mayara (me corrigindo em alguns
equívocos sobre futebol) e Maiara (leitora que se tornou beta e que
tem me ajudado a não desistir de mim) pela ajuda no
desenvolvimento desse livro. Se não fosse a paciência de vocês e o
carinho que vocês têm por Bê e Laura, eu não sei se conseguiria
chegar até o final. Vocês sabem que muitas vezes quis jogar tudo
pro alto...
Quero agradecer também à Gabi do blog Gabi e um livro, que
fiz uma leitura crítica (em primeira mão) desse livro, cobrindo-o de
elogios. Obrigada, de coração!
Um agradecimento em especial a Deus, quem mais me apoia,
me guia e me ouve pedir que essa família Louzada ganhe o coração
de mais e mais leitores e quem sabe de uma editora também, para
assim eu enfim ter meus livros físicos para cheirá-los e fotografá-los.
E vocês também!
Um agradecimento em especial para Dayane, minha leitora
número um, que está sempre me incentivando a escrever mais e
mais e a nunca desistir do meu sonho, que é continuar contando
história para vocês. Obrigada!
E obrigada a todas as leitoras e leitores maravilhosos que me
acompanham e também a você que talvez tenha conhecido a mim e
a meu trabalho com esse livro. Obrigada pela confiança! Espero
vocês em Minha mania de você – NICOLAS. Ainda temos muito
mais da família Louzada e toda galera pela frente.
Playslist
Confira a playlist do livro no Spotify!
[1]
Interjeição gaúcha, que significa surpresa, admiração.
[2]
Técnico do Internacional Sport Club durante o Campeonato Gaúcho da Série A no ano
de 2015.
[3]
Animal pré-histórico semelhante a um hipopótamo, que existiu na cidade de São Gabriel
(RS) durante o período Permiano médio.
[4]
Expressão gaúcha, que significa “valentão”.
[5]
Expressão gaúcha, que equivale a “cara”, “amigo”.
[6]
Estilo musical dançante surgido na Bahia, que foi adaptado ao sertanejo às músicas
menos românticas.
[7]
Atriz americana famosa, que é conhecida por sua aparência sensual, sendo
considerada por muitos a mulher mais bonita da televisão. Tem cabelos pretos, é morena e
lindos lábios grossos.
[8]
Gíria gaúcha que significa “nem morto” ou “você está viajando”.
[9]
Integrante loira que fazia parte da banda de música de axé É o Tchan.
[10]
Personagem fictício de conto infantil, que encontra uma lâmpada que tem escondida
dentro dela um gênio capaz de realizar desejos.
[11]
Programa de televisão brasileiro exibido pelo SBT que apresenta temas do cotidiano
que vão ressaltar as emoções dos participantes presentes no palco, da plateia convidada e
dos telespectadores.
[12]
Expressão popular que significa o ponto fraco de alguém.
[13]
Personagem da série Chaves. É um garoto metido e mimado pela mãe que tem
bochechas grandes e se veste como um pequeno marinheiro.
[14]
Romance do escritor português Fernando Pessoa.
[15]
Haut-Brion é uma das mais antigas vinícolas de Bordeaux, com as primeiras
referências datando de 1423.
[16]
Primeira versão de Como eu era antes de você, de Cecelia Aherm.
[17]
Jogador ruim, que joga mal.
[18]
Jogador titular do Botafogo e da Seleção Brasileira em 2015.
[19]
No ano de 2015 foi jogador do São Gabriel – RS.
[20]
Vocalista da banda baiana É o tchan.
[21]
Protagonista do livro Orgulho e preconceito.
[22]
Romance de Jane Austen, 1813.
[23]
No ano de 2016, era goleiro do Sport Club Internacional.
[24]
No ano de 2016, era técnico da Seleção Brasileira.
[25]
No ano de 2016, era técnico do Sport Club Internacional.
[26]
Meio de campo do Cruzeiro.