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Esta é uma obra de ficção.

Qualquer semelhança com nomes, datas


ou acontecimentos reais é mera coincidência.

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A violação autoral é crime, previsto na lei nº 9.610/98, com


aplicação legal pelo artigo 184 do Código Penal.

Editora: Waldinéia de Oliveira


Autora: Wanessa Silva
Capa: Heloísa Batistini
Diagramação: The Books
Selo: Magia Books
Dedicatória

Para todos os meus leitores, que deram visibilidade para a história


de Isabella, mostrando que o assunto tratado aqui não merece ser
colocado para baixo do pano. Vocês são demais!
Em especial, Mércia, Gaby e Andreza.
Para a minha família em geral.
Para Heloísa e Mirela, que reconheceram o meu trabalho e
tornaram um sonho realidade.
E por último... para mim. Que finalmente escrevo aqui, nesse conto,
palavras que vão me libertar de certa forma. Lembro-me que uma
vez, perguntei para a minha mãe; ‘‘se eu não me chamasse
Wanessa, qual nome eu teria?’’ e ela respondeu-me: Rebeca. Eu
queria muito ter tido a coragem que Rebeca teve fora das linhas que
aqui escrevo.
O futuro pode ser algo doloroso para quem sofre com a
ansiedade. A gente não sabe o que nos aguarda, e com isso,
sofremos com a incerteza e a curiosidade do amanhã. Às vezes,
questiono-me, o nosso futuro está escrito? Ou as ações do cotidiano
que determinam o nosso futuro? Como o tal efeito borboleta. Não
dizendo que eu tive que ser vítima de violência sexual para merecer
tudo o que tenho hoje. Mas, paro e penso. Como seria a minha vida
se naquele fático dia, eu colocasse um fim em toda a minha dor e no
meu sofrimento? Como seria a minha vida caso eu o denunciasse?
Como seria a minha vida se eu resolvesse abortar o meu filho? Eu
teria um futuro diferente?
Ou será que toda a nossa vida está escrita num livro, e
apenas vamos vivendo os capítulos? De qualquer forma, eu acredito
que nenhum sofrimento é eterno. Deus é misericordioso com todos
nós. E eu acreditei durante anos, que estava destinada ao
sofrimento, mas Ele mostrou-me que escreve certo por linhas tortas.
Eu venci.
Mas quantas mulheres resolvem colocar um ponto final em
suas histórias, sem esperar o ato de misericórdia? Cansadas de
ouvir o som do trovão? De ter seu corpo molhado por gotas grossas
e gélida da grande tempestade? Cansadas do julgamento antes do
trânsito em julgado. Quantas mulheres?
Machucadas. Amarradas. Enterradas.
Um verdadeiro ponto final.
Uma dessas mulheres, poderia ter sido eu.
Eu fui amarrada e jogada num poço escuro e inacabável.
Durante um tempo, acreditei que aquele era o meu fim. Eu não
conseguia mais abrir os meus olhos e enxergar a luz no fim do túnel.
Eu não conseguia mais ouvir o som do canto dos pássaros e
tampouco enxergar um sol através das nuvens carregadas da
constante tempestade. Eu só queria desistir de tudo.
Não. Uma violência sexual não é algo que se esquece em um
mês. Não é mimimi. Não é um exagero. É algo doloroso e que deixa
cicatrizes profundas. Nem todo mundo consegue superar um trauma
e seguir em frente. Porque você sempre irá se lembrar. Quando um
desconhecido oferece um abraço, e você recua porque não gosta de
toques estranhos pelo seu corpo. Quando você está andando na rua
sozinha e olha um homem caminhando em sua direção.
Quando você se sente bem ao usar uma roupa, mas resolve tirar
para não chamar atenção. Quando você deixa de sair e se divertir
porque ainda sente medo. São pequenas coisas que ainda estão lá.
Porque o trauma ainda está lá. É como um osso quebrado... ele
nunca mais voltará a ser o mesmo.
Mas, em toda a minha trajetória, eu descobri que não
devemos aceitar o ‘‘fundo do poço’’, mas sim escalar tijolinho por
tijolinho até alcançar o jardim ensolarado que nos espera lá fora.
Eles adoram quando a gente desiste... mas tenho algo mais
interessante para dizer.
Resistir é bem melhor que desistir.
— Mamãe? — escuto a voz baixinha e manhosa. Abro as
minhas pálpebras lentamente e enxergo Maria Rita em minha frente.
Ela está dentro de um vestido vermelho, rodado e cheio de
purpurina. Na cabeça, ela usa um gorro de Natal. Observo um
sorriso travesso em seus lábios e concluo que ela andou
aprontando.
— Oi, meu amor — respondo e ergo meus braços, para a
pegar no colo. Ela está exalando um cheiro delicioso de bebê, e não
me limito em beijar suas bochechas gordinhas.
— Posso comer sovete com o Lucas?
— Mas, amor... é sete horas da manhã.
— Mas é Natal, mamãe — ela responde e eu ergo as
sobrancelhas. — Você não disse que seria boazinha com a Maria
Rita?
— Mas a Maria Rita é um bebezinho e não pode comer
sorvete no café da manhã. E não adianta seu irmão tentar colocar
minhocas na sua cabecinha, está bom?
Ela cruza os braços e faz beicinho. O mesmo gênio forte de
Sebastian. A garotinha de cabelos castanhos, e olhos azuis pula do
meu colo, abraçando Sebastian que está dormindo ao meu lado.
— Papai? — ela abraça o pai, da mesma forma que fez
comigo minutos atrás. É uma forma quase infalível de tentar me
subornar.
— Oi, minha princesa — ele abre um sorriso bobo e desliza
os dedos pela bochecha de Maria, que está sorrindo com seus
dentinhos curtos. Suas bochechas estão vermelhas e eu adoro
apertar, morder e beijar muito.
— Posso comer sovete?
— Claro que pode — diz bobo e a aperta nos braços.
Sim. Sebastian não consegue dizer ‘‘não’’. Nem parece que
um dia fez uma cartilha e descreveu a alimentação dos três filhos
mais velhos. Hoje em dia, ele faz todos os gostos das crianças e eu
sempre fico como a chata da história. Mas já conversamos sobre
frear os pedidos, até porque eu não quero que os nossos filhos
fiquem mimados.
— Eba! — ela pula em cima de Sebastian e o beija no rosto.
— Por isso que eu amo você, papaizinho.
— E a minha palavra não vale de nada? — pergunto com o
semblante fechado.
— É Natal! — eles dizem juntos.
Eu ergo os braços e me rendo ao tal espírito natalino. É o dia
do ‘‘sim’’ por aqui, então, as crianças vão aproveitar para pedir tudo
para Sebastian. Na verdade, esse é o primeiro Natal que vamos
passar juntos, em família, sem compromissos de última hora. Os
cinco últimos sempre tiveram um imprevisto. Sebastian viajando, eu
de plantão no hospital, Sebastian preso em alguma audiência de
emergência ou qualquer outro compromisso que fez do nosso dia
um verdadeiro desafio.
Eu sigo para o banheiro e escovo os dentes, olhando o meu
reflexo no espelho e relembrando da noite especial que tive ontem
com Sebastian. E acabo sorrindo sozinha. Sempre é especial. Eu
nunca imaginei que encontraria o amor da minha vida em um
homem. Mas ele é perfeito. Carinhoso, amoroso e prestativo. Um
excelente pai. E um excelente juiz. O meu meritíssimo.
— Bom dia, dra. Guimarães — ele desliza suas mãos por
minha cintura e beija suavemente o meu rosto. — Acordei sentindo
algumas dores e gostaria de ser examinado outra vez. Eu acho que
preciso de um retorno.
— É mesmo, excelentíssimo juiz? — viro-me e o envolvo num
abraço. — E eu gostaria de saber qual será a minha pena por ter
sido uma doutora muito má ontem.
— A sua sentença será permanecer todos os dias dentro do
meu coração. É uma prisão perpétua. Para sempre.
Eu abro um sorriso e beijo os lábios dele suavemente. Ele
puxa a minha blusa pela cabeça e desliza seus lábios para o meu
pescoço. Eu arfo e fecho as minhas pálpebras.
— Nós temos dez minutos antes que as crianças comecem a
gritar por nós — ele diz em meu ouvido e me guia para o box do
banheiro. — E antes de Clarisse colocar fogo na casa ao tentar
preparar outros biscoitos de chocolate.
Eu abro um sorrisinho de lado e observo o meu marido em
minha frente. Seus olhos azuis, sua barba por fazer e seu semblante
tão expressivo. Repleto de felicidade e realização. É o mesmo
semblante que carrego em meu rosto. Realizada e feliz.
A minha família é perfeita.
Ainda bem que eu não desisti.
Eu resisti.
Após o banho, eu coloco uma calça jeans, uma blusa básica
e ajeito a minha bolsa para trabalhar. Com todos os meus
acessórios. Jaleco, máscara, estetoscópio, aparelho de pressão, de
glicemia e alguns pirulitos para os meus pacientes bem-
comportados. Falta apenas um ano para a minha formatura e estou
completamente ansiosa. Comecei o internato e fico na pediatria,
mas, como é um ‘‘estágio’’, acabo tendo contato com todas as áreas
do hospital. Helder diz que é uma forma de saber se é realmente
essa área que quero seguir para a residência médica.
Sebastian está logo atrás, vestindo um dos seus ternos, e
separando a sua toga com alguns papéis num canto. Eu paro
durante alguns minutos e o observo. Ele também me observa em
silêncio. E logo se aproxima, buscando algo no bolso da calça
social.
— Leve isso com você — ele me entrega uma caixinha de
band-aid.
— A caixinha de band-aid? — ergo a sobrancelha.
— Algo me diz que você pode precisar curar a ferida de
alguém.
Ele despeja um beijo em meus lábios e segura em minhas
mãos, guiando-me até a sala de jantar. De longe, escuto um barulho
gigantesco e percebo que Jéssica está por aqui. Como sempre,
vestida em alguma fantasia típica. Desde que se tornou mãe, ela
entregou-se de vez à maternidade. Então, sempre se fantasia em
datas festivas.
Carnaval, ela fantasiou-se de fofão. Dia do Trabalhador, ela
escolheu uma fantasia de flanelinha. Dia da Independência, ela
fantasiou-se com a bandeira do Brasil. Páscoa, ela fantasiou-se de
ovo. E bom, Natal, ela está fantasiada de... peru?
— O peruzão de Natal chegou — ela diz animada e começa a
dançar. As crianças a acompanham. Lucas está fantasiado de
boneco de neve. Eric está fantasiado de Papai Noel e os três filhos
deles estão fantasiados de enfeites da árvore de Natal. — Sou um
peru assado e delicioso. Ho-ho-ho. Peruzão de Natal!
Eu tento segurar o sorriso, mas começo a gargalhar.
— Jéssica... é oito horas da manhã — reclamo. — Que
bagunça é essa?
— É Véspera de Natal — ela explica.
— Esse peru ficará estragado de um dia para o outro —
Sebastian debocha e segura Maria Rita nos braços, que está toda
suja de sorvete. —Você comeu quanto de sorvete?
— Só o potinho, papai.
— Dois litros de sorvete, Maria Rita? — brando zangada e ela
abre um sorrisinho. — Você está toda suja.
— Mamãe, deixa de ser chata — Lucas corre para os meus
braços e me beija no rosto. — Foi só um potinho de sorvete.
— Não acoberta ela, mocinho — o abraço forte e ele vai pular
nos braços de Sebastian.
Não demora para os filhos de Jéssica também passarem
correndo por mim, em direção de Sebastian, que se tornou o
queridinho das crianças. E eu adoro ver a evolução dele como ser
humano. De alguém frio e calculista, ele se tornou uma pessoa
maleável e amorosa com todos ao redor. Alguém que procura
entender e conversar antes de julgar. Até mesmo com os trigêmeos.
Ele vive dizendo que eu fui o motivo de mudança dele, mas não é
verdade.
Sebastian sempre foi um ótimo homem, mas esteve com os
olhos cobertos durante algum tempo, descontando a causa da
cegueira em pessoas inocentes. E mesmo arrependido atualmente,
ele busca se redimir constantemente.
— Cadê os trigêmeos? — pergunto para Jéssica que está
sambando no meio da sala de jantar.
— Clarisse está na cozinha, preparando biscoitos de
chocolate para você — ela diz e come uma uva. — Clara está no
celular e Christian ainda está dormindo. Ele ficou jogando até tarde
no vídeo game.
— Sorte que Sebastian estava ocupado demais, ou então,
teria jogado esse vídeo game na piscina — pisco e também pego
uma uva.
— Ocupado demais sussurrando as súmulas do STF no seu
ouvidinho, safada? — ela abre um sorriso sínico e me dá um
beliscão. — Quando você vai ter outro bebê?
— Outro bebê? — olho ao redor e vejo que tudo está um
caos. Os três filhos de Jéssica são param quietos, e tudo piora
quando eles se juntam com Lucas e Maria Rita. — Não acha que já
está bom? Temos oito crianças aqui.
— Eu não sou mais criança, mãe — Clara chega toda
dengosa e me envolve num abraço apertado. — Você está bem?
A minha garotinha agora é adolescente. E eu pude
acompanhar todas as novas descobertas de pertinho. A primeira
menstruação, o primeiro sutiã, as cólicas, as crises de TPM, o
primeiro beijo e todos os segredos adolescentes que as minhas
filhas fazem questão de compartilhar comigo. E ela continua meiga,
o contrário de Clarisse, que é alguém explosiva e difícil de lidar. Mas
eu consigo contornar bem a situação.
— Estou bem, meu amor — toco os cabelos dourados e
macios dela. Seus olhos brilham ao me ver e ela expressa tanto
amor comigo, que chega a ser indescritível. Christian é mais
apegado com Sebastian, até porque ele é homem, e de acordo com
ele, não pode conversar assuntos masculinos comigo, somente com
o pai. Mas eu sempre converso com ele sobre diversos assuntos e o
mimo bastante. — Você está melhor da TPM?
— Eu sim, mas Clarisse está sofrendo bastante — ela diz e
nega com a cabeça. — Além de estar sentindo muita cólica, também
está com raiva porque não acerta fazer biscoitos de chocolate para
você.
— Para mim?
— Lembra da vez que você falou que comia biscoitos de
chocolate no Natal quando era criança? — eu concordo com a
cabeça. — Ela quer reproduzir algumas receitas que lembrem a sua
infância.
Eu abro um sorriso largo e Jéssica também. Clarisse faz o
possível para me agradar sempre. Ela é uma filha excelente, assim
como os irmãos. Entretanto, dos cinco, ela é a mais apegada
comigo. Lucas, Maria Rita e Christian são mais apegados com
Sebastian.
— Você ainda é uma criança sim — digo para Clara que
revira os olhos. — E não adianta revirar os olhos. Deixa o seu pai
saber que você está cheia dos contatinhos.
— Clarinha?! — Jéssica está atônita. — Cadê aquela
princesa linda que adorava vestidos de princesa?
— Ah, tia — as bochechas dela ficam vermelhas. — A gente
cresce e começa a arranjar uns três namoradinhos de uma vez, né?
— Só três? — Jéssica balança a cabeça negativamente. —
Você precisa de no mínimo sete. Teoria da Branca de Neve.
Clara gargalha e eu também. Deixo as duas conversando e
sigo para a cozinha. Um cheiro de queimado está tomando conta do
ambiente e de longe observo a frustação no semblante de Clarisse.
Eu me aproximo com cuidado e apoio os meus cotovelos no
balcão de mármore da cozinha, observando seus cabelos dourados
enrolados num coque e o avental todo sujo de trigo.
— Você está bem? — eu pergunto e a pego de surpresa. Seu
rosto está vermelho, assim como os seus olhos azuis.
— Não estou — ela diz num tom amargo e joga a bandeja
com biscoitos em cima do balcão. — Quebrou. Eu não sou boa em
nada que faço.
— Claro que você é boa, Clarisse — a conforto. — Tudo é
treinamento. Você é ótima tocando piando, é ótima atirando no
stand com o seu pai, é uma ótima aluna e uma ótima filha. Você é o
meu orgulho.
Ela larga a bandeja com biscoitos e me envolve num abraço
apertado, deixando que suas lágrimas molhem a minha blusa. Eu
afago os seus cabelos e deslizo minha mão por suas costas. Porque
ela é a minha filha e nunca estarei indisponível para a consolar e a
motivar em tudo que ela faz.
— Obrigada, mamãe — ela funga e me aperta em seus
braços. Ouvir essa palavra de seus lábios é algo raro e tornou-se
um gesto muito especial para mim. — Eu só queria fazer algo de
bom para você. É o primeiro Natal que vamos passar juntas e quero
ser uma boa filha. Eu não posso falhar.
— Você é uma ótima filha e não pode se cobrar tanto. Olha, o
que acha de a gente cozinhar juntas amanhã? Eu te ajudo com a
receita dos biscoitos de chocolate.
— Tudo bem — ela concorda com a cabeça e se afasta,
limpando as lágrimas com o dorso da mão.
Clarisse é uma adolescente que sofre diariamente com a
mudança repentina de humor. Ela não se considera suficiente e
procura sempre ser a melhor em tudo que faz. Ela vive se cobrando
e isso é algo péssimo. Eu converso muito com ela e Sebastian
também, inclusive, ela começou a frequentar o psicólogo. Eu sei que
a fase adolescente é a mais difícil de todas, mas não abandonarei a
minha pequena em um desses obstáculos da vida dela. É comum
ter depressão, ansiedade ou cobranças excessivas. Vivemos numa
época em que as pessoas têm um ‘‘modelo’’ para seguir. A
sociedade exige a perfeição.
— Não ficou tão ruim — Sebastian surge do nada e coloca
um biscoito dentro da boca. Maria Rita também pega um e não
mede esforços para comer.
— Pai! — ela cruza os braços e fica emburrada. — Eles estão
feios.
— Estão feios, realmente — Sebastian é sincero e eu sento
uma cotovelada nele. — Mas são biscoitos feios e gostosos.
Clarisse desaba no choro e eu a consolo num outro abraço,
praguejando por Sebastian ser tão inconveniente. Ele dá de ombros
e eu movimento os lábios dizendo que ela está de TPM.
— Mulheres são difíceis de lidar — ele sussurra no ouvido de
Maria Rita que concorda. — Por isso que você é um macaquinho
ambulante, não é?
— Sou um macaquinho — Maria Rita diz e imita um macaco
com a boca. Ela acaba arrancando um sorriso de Clarisse, que
desfaz o nosso abraço e vai apertar as bochechas da irmã.
— Vamos acordar o macaquinho mais velho da casa — digo
e as meninas concordam. Então seguimos para o quarto de
Christian. Quando abro a porta, Clarisse e Maria pulam em cima do
irmão, que resmunga e tenta empurrar as duas. Sebastian vai fazer
cócegas nos pés de Christian enquanto eu faço cócegas na barriga
dele. As meninas o seguram na cama e não demora para ele
começar a gargalhar.
— Eu estou pelado! — ele grita e gargalha ao mesmo tempo.
— Para de fazer cócegas... minha asma vai atacar.
— Que desculpa velha, hein? — Clarisse coloca as mãos na
cintura. — E todo mundo já viu a minhoquinha e sua bunda pálida.
— Dedinho de anão! — Maria diz após Clarisse sussurrar em
seu ouvido.
— Clarisse! — Christian protesta com raiva e puxa o cobertor.
— Não puxou para mim — Sebastian sussurra e eu arregalo
os olhos. Percebo que as crianças não escutaram e fico mais
aliviada. Eu estreito o olhar para Sebastian que encolhe os ombros
e vai saindo de fininho do quarto de Christian. Ele tornou-se
desbocado e insensível.
— Vamos deixar o irmão de vocês tomar banho e descer para
o café da manhã em família — decreto e as meninas concordam. —
Quero você lá embaixo em dez minutos, Christian.
— Mas mãe... — ele protesta.
— Mas nada! É Véspera de Natal e nós vamos tomar café da
manhã em família, inclusive, Jéssica está vestida de peru lá
embaixo e não vai embora até que a gente faça o desjejum juntos.
— Não se esqueça de colocar sua fantasia de gnomo —
Clarisse o lembra, e ele revira os olhos, bufando em seguida. —
Você sabe que a Jéssica é paranoica e tenho certeza de que não
quer a ouvir resmungar durante toda a manhã, não é?
Ele se joga na cama e eu acabo soltando uma risadinha.
Desço com as meninas e vejo que todos já estão reunidos
para tomar o café da manhã. Inclusive, Luísa e TJ também ocupam
seus respectivos lugares na mesa. Raquel está de férias, então
aproveitou para viajar até o Rio Grande do Sul, visitando seus avós.
— É bom que Sebastian aproveite seus últimos dias com o
título de melhor juiz do país — Jéssica diz. — Logo eu ocuparei
esse lugar.
Ela pisca e Sebastian faz uma careta. Em pensar que um dia
Jéssica temeu Sebastian de uma forma indescritível. Eu também já
o temi muito, mas percebi que ele é alguém muito divertido por trás
da máscara de homem sério e impassível. Fora de casa, ele é um
homem totalmente diferente. É alguém que não admite brincadeiras
e que faz jus ao título que conquistou ao passar do tempo. Um dos
melhores juízes do Brasil, reconhecido, aclamado e respeitado.
— Esse peru já está estragado — ele comenta em meu
ouvido e eu abro um sorriso. — Que delírio.
Nós esperamos Christian descer e só então realizamos o
desjejum em família. O banquete está maravilhoso e farto. E eu me
sinto extremamente grata e feliz. Nunca imaginei ter uma família
assim. Não é perfeita, mas é minha, e eu conquistei sozinha.
Lucas também está feliz como nunca, porque Deus colocou
um pai amoroso em sua vida, e irmãos que o adoram. Hoje em dia,
é uma dádiva ter uma família unida e um lar edificado. Sebastian e
eu trabalhamos diariamente para manter a nossa família assim...
unida e feliz. Passamos por diversas dificuldades juntos, mas não
desistimos, porque lutamos por algo em comum.
Não é verdade quando dizem que uma vítima de violência
sexual é incapaz de formar uma família. Que somos pessoas
incapazes de ser amadas. É difícil, mas não é impossível. Nós só
vivemos uma vez e devemos aproveitar o máximo possível e colocar
as inquietações internas para fora. O sofrimento eterno não é um
veredito a ser aceito.
Depois do café da manhã, eu beijo e abraço os meus filhos e
sigo para a garagem com Sebastian, seguindo assim até o hospital.
TJ quem está dirigindo e eu aproveito para observar a paisagem
janela afora. O Rio de Janeiro está lindo como sempre e o sol que
aquece a minha pele me faz perceber que estou mais viva que
nunca.
Nós chegamos rápido até o destino. Durante o caminho,
fiquei admirada com a decoração de Natal de alguns prédios e lojas
do Rio de Janeiro. Todos estão ansiosos e felizes pela data. Eu
também estou, mas ao mesmo tempo, sinto-me triste pelas diversas
mulheres que estão convivendo com algum trauma. Só consigo me
lembrar das datas comemorativas que se passaram após Wagner
me marcar. E de como minha maior vontade era morrer. Enquanto
ele estava bem, feliz e comemorando. Então, não penso no Natal
com boas recordações. Mas prometi que iria jogar todas essas
lembranças no lixo e criar lembranças saudáveis. Com a minha
família, com os meus filhos e com todo o amor diário que eu recebo.
Estou perdida em meus pensamentos e não percebo quando
TJ estaciona na garagem do hospital. Sebastian aperta a minha
coxa com delicadeza e só assim saio do transe.
— Bom serviço, amor — Sebastian sussurra e despeja um
beijo casto em meus lábios. Eu abro um sorriso e deslizo meus
dedos por sua barba. — Eu te amo.
— Eu também amo você, Bash — digo e pego a minha bolsa,
despedindo-me de TJ e saindo do carro.
Eu entro no hospital e sigo direto para a ala de internos.
Cumprimento alguns amigos, inclusive, amigos homens, e percebo
que a minha aversão ao contato masculino melhorou bastante.
Foram anos e anos de terapia para conseguir abraçar uma presença
masculina sem surtar. Agora, sinto-me feliz ao finalmente entender
que nem todo homem irá me machucar.
Visto o meu jaleco e sigo até a sala de reuniões, onde alguns
internos e residentes estão reunidos, aguardando o aval do
coordenador. Fico cabisbaixa ao ver que não fui recrutada para a
pediatria.
— Isabella Guimarães, você ficará com o dr. Pedro de
Alencar na ala feminina — o coordenador do internato diz e eu
concordo com a cabeça, mesmo que contragosto.
Dr. Pedro de Alencar é clínico geral e obstetra. Fiquei alguns
dias ao lado dele, mas foi apenas no acompanhamento, e hoje,
colocarei meus conhecimentos em prática. Ele é um bom homem.
Sessenta anos, muito inteligente e um ótimo profissional.
Eu caminho ao lado dele até a ala feminina, enquanto a gente
conversa sobre qualquer assunto. E durante a manhã eu atendo
algumas mulheres, realizando o pré-natal e consultas de rotina,
sempre com o acompanhamento do Dr. Pedro. Durante o almoço,
converso um pouco com as crianças e com Sebastian, e com alguns
amigos da faculdade. E volto as quinze para continuar com os
atendimentos. O estágio é até às dezessete horas e eu aproveito o
tempo livre de atendimento para fazer alguns relatórios.
O computador apita bem na hora que eu termino o segundo
relatório de atendimento, indicando que há uma nova paciente.
Então a chamo até o consultório, preparando o receituário e a ficha
de triagem.
Espero por tudo. Por uma mulher grávida de nove meses, por
uma mulher reclamando de fortes dores de cólica e até mesmo por
uma mulher desejando encaminhamentos para fazer alguns exames
de rotina.
Mas não espero pelo o que está por vir.
Pela porta, atravessa uma menina baixa, de olhos
assustados e cabelos desgrenhados. Ela veste um moletom folgado
e uma calça jeans também folgada, fazendo o possível para cobrir o
seu corpo. Arisca, com medo e transbordando pavor através do
olhar. A mesma figura que eu vislumbrei no espelho do meu quarto
anos atrás. Logo após a violência sexual que sofri.
Olho na ficha... quatorze anos. A idade das minhas filhas. E
olhando para o seu rosto magro e pálido, só consigo pensar no pior.
Porque uma vítima é plenamente capaz de reconhecer outra.
— Boa noite — eu cumprimento com um sorriso. — Rebeca
Silva?
Ela continua em pé, olhando fixamente para o dr. Pedro de
Alencar, que está entretido com um livro de Stephen King. E eu
reconheço bem esse olhar. O pavor de estar numa presença
masculina num lugar tão minúsculo e abafado. A vejo esfregar as
mãos de um jeito nervoso e intercalar seu olhar entre a figura
rechonchuda do doutor e a minha figura. Eu comprimo os lábios e
engulo o seco.
— Tem... tem como ele sair da sala? — ela pergunta
baixinho, de um jeito ingênuo e receoso. Sua voz é doce, como a
voz de uma criança. Afinal de contas, ela é uma criança. — Por
favor.
Eu concordo com a cabeça, percebendo que o dr. Pedro está
sorrindo demais ao ler o livro, completamente alheio à paciente em
sua frente. Eu o cutuco no braço e ele ergue seu olhar gentil para
mim. Tento dizer alguma coisa através do olhar, mas parece que
isso só funciona com Sebastian. Ele sempre consegue decifrar o
que quero dizer através do olhar.
— Pode buscar alguns receituários, dr. Pedro? — indago e
ele balança a cabeça. — Só tenho dois aqui, e também preciso de
papel carbono.
— Claro, dra. Guimarães — ele se põe de pé e vejo que
Rebeca se encolhe no canto da sala. — Preciso mesmo tomar um
café.
O dr. Pedro deixa-me sozinha com Rebeca, e só então a
garota parece esvaziar seus pulmões. Ela puxa a cadeira e se senta
em minha frente, observando a pequena sala ao redor. Ainda não
sei como abordá-la, porque é a primeira vez que recebo uma
paciente do tipo. Evito o máximo possível a ala feminina, porque é o
meu maior pesadelo lidar com vítimas de violência sexual. Eu não
sei se tenho psicológico para isso.
Mas vamos lá. Eu sobrevivi e também posso fazer outra
pessoa sobreviver. É a minha profissão e eu preciso ajudar e salvar
vidas. Não posso amarelar agora.
— Isso é um bip? — ela pergunta tímida, apontando para um
oxímetro digital.
— Bip? De Grey’s Anatomy, né? Minha filha Clara adora essa
série — abro um sorriso de lado. — Mas não, Rebeca, esse é um
oxímetro digital e serve para medir seus batimentos cardíacos.
Eu ergo minha mão e ela me oferece seu dedo indicador.
— Viu? Ele está medindo seus batimentos cardíacos — ela
abre um sorriso e fica encantada com o objeto. — Que estão ótimos,
por sinal.
— É... estão sim — ela diz tímida e recolhe sua mão, a
colocando dentro do bolso do moletom. — Você já tem filhos?
— Ah, tenho sim. Três meninas e dois meninos. Tenho
gêmeas da sua idade. A Clarisse e a Clara. A menorzinha é a Maria
Rita, que tem quase cinco anos.
— Você parece ser uma boa mãe — ela diz e abaixa a
cabeça.
— Rebeca, como eu posso te ajudar? — pergunto calma e
percebo que ela fica trêmula de repente. Seus olhos se enchem de
lágrimas e ela desliza os dedos pelos olhos, limpando as lágrimas
que teimam cair. — Ei, está tudo bem. Eu estou aqui para te ajudar.
Só me conta o que está acontecendo, Rebeca.
Ela solta um soluço doído, tremendo os lábios e desce seu
olhar para o chão.
— Promete guardar segredo? — ela pergunta com a voz
embargada e eu balanço a cabeça. Por dentro, o meu coração está
batendo forte e minhas mãos estão geladas como nunca. — Eu
acho que estou grávida.
É o ápice para mim. Eu encosto minhas costas na cadeira e
solto um suspiro pesado, relembrando de coisas que prometi
esquecer para sempre. Lembranças dolorosas de uma Isabella
machucada, cheia de cicatrizes e perdida. Logo após descobrir que
eu carregava um fruto de uma violência em meu ventre.
Quatorze anos. Violentada. Grávida.
E por um momento, minha maior vontade é de sair correndo
dessa sala de consulta, porém, não posso abandonar a minha
paciente. Eu preciso ser profissional nesse momento. Eu preciso
resistir e ajudar essa garotinha.
Preciso ajudá-la da forma que eu não fui ajudada.
— E por que você acha que está grávida?
— Estou sentindo ânsia de vômito e comprei dois testes de
farmácia... acabou que deu positivo. E... eu não sei o que fazer —
ela começa a chorar de forma copiosa e eu seguro firme em sua
mão. — Eu moro com a minha irmã e ela não pode saber disso de
forma alguma. Ela não vai acreditar em mim. Ela não vai acreditar
em mim.
— Ela vai acreditar sim, Rebeca — garanto. — Você não está
sozinha.
Relembro das vezes que vomitei no banheiro da escola. Do
teste de farmácia que fiz num banheiro sujo de um barzinho. Da
minha barriga aparecendo. Do medo. Do pavor. De se sentir
sozinha. De quando contei para mamãe e fui taxada de vadia.
Relembro de tudo. Medo. Medo. Medo. Os mesmos sentimentos
que Rebeca está sentindo. E eu só queria que alguém me
abraçasse e sussurrasse em meu ouvido que tudo acabaria bem. Eu
só queria me sentir acolhida por alguém. Mas não. Fui marcada,
violentada, ferida e abandonada com o meu filho. Empurrada pela
minha própria família no fundo do poço. Mas consegui me reerguer.
Sozinha.
— Tudo começou quando eu tinha treze anos... ele... ele é
um amigo da família — ela sussurra olhando para os próprios
dedos. — Tem trinta e sete anos, duas filhas e uma esposa. Ele
parece alguém tão inofensivo. Mas... ele fez isso comigo.
Meus olhos se enchem de lágrimas, mas engulo o choro que
está instalado em minha garganta, ainda segurando firme nas mãos
de Rebeca.
— Ele quem tirou a minha virgindade, e eu juro para você que
não quis nada disso, mas, ele me drogou e eu só lembro-me de
pedir para ele parar diversas vezes, mas ele não me escutou, foi em
vão — ela conta e eu só consigo sentir ódio. — Por que ele fez isso
comigo, Isabella?
Ela ergue seu olhar e só consigo enxergar tristeza e angústia.
Um olhar repleto de dor. Um olhar tão familiar para mim. E sem mais
delongas, levanto da cadeira e me agacho ao lado de Rebeca,
segurando em suas mãos e olhando firme dentro dos seus olhos.
Quatorze anos apenas. Cheia de feridas e quebrada como nunca.
Quantas crianças, adolescentes e adultas precisam passar por esse
inferno? Quantas mulheres precisam morrer? Por que ninguém fala
sobre a violência sexual?
E mais um questionamento... por que a culpa sempre é da
vítima?
— Eu sei pelo que você está passando, Rebeca — digo
firme. Mas por dentro, estou desmoronando. Só consigo pensar em
minhas filhas e no perigo que nos cerca nessa maldita sociedade.
— Não... você não sabe — ela diz num tom alto e começa a
chorar. — Minha irmã não vai acreditar em mim. A culpa sempre
será minha. Não sei o que fiz de errado, mas está doendo tanto. Dói
muito, Isabella.
— Sshh... eu também sou uma vítima, Rebeca — digo
baixinho e ela ergue seus olhos para mim. — Anos atrás. Dezessete
anos. No banco de trás de uma viatura. Por um policial. Hoje o meu
filho tem nove anos.
Ela para e me observa de forma atônita. Como se fosse algo
raro nesse mundo. Mas não, Rebeca, eu sou mais comum do que
você imagina. É a triste realidade de nós, mulheres, e infelizmente,
não há nada que a gente possa fazer a respeito. Até porque,
sempre terá alguém para nos culpar por algo que não fizemos.
— E o que eu faço agora? — ela pergunta um pouco mais
calma, olhando dentro dos meus olhos. Seu olhar é tão doloroso
que me machuca. Mas eu resisto firme, porque eu vou ajudar
Rebeca. Vou ajudar da mesma forma que eu quis ser ajudada há
anos atrás.
— Você vai denunciar — digo firme.
— Eu não posso... ninguém acreditará em mim — ela eleva o
tom de voz e começa a entrar em desespero. — Todos vão achar
que estou mentindo. E minha irmã irá me crucificar para sempre por
essa atitude. Será um caos em minha família, Isabella.
— Às vezes, nós precisamos bancar a heroína para salvar
outras pessoas em apuros, por mais que isso nos traga riscos e
feridas. Ele pode estar fazendo outras vítimas, Rebeca. Até mesmo
as filhas dele podem ser vítimas. E você pode denunciar e o deter
de uma vez por todas. E irei repetir... você não está sozinha.
— E como vou provar que ele fez isso comigo?
— Qual foi a última vez que ele fez isso com você?
— Ontem — ela diz espremendo os olhos, tentando reprimir
uma lembrança dolorosa. — E hoje, eu precisei buscar ajuda. Eu
não aguento mais.
— Temos provas o suficiente. Agora, eu irei contatar a polícia
e nós vamos colocar esse cafajeste atrás das grades, está bom?
Você veio sozinha?
— Sim, estou sozinha. Mas eu não quero ir sozinha até a
delegacia, eu não quero ter uma presença masculina perto de mim.
Me ajuda, Isabella, por favor.
Ser a esposa de um juiz influente tem seus privilégios.
— Eu vou com você — digo certa. — Não vou soltar a sua
mão em momento algum. Eu estou aqui. E vou ajudar com tudo que
for preciso, Rebeca. Inclusive, eu e o meu marido temos uma ONG
para vítimas de violência sexual, com uma advogada incrível,
assistência médica e psicológica. Você tem um lugar para te
acolher.
Ela solta um soluço e concorda com a cabeça.
— Fique aqui um tempinho enquanto eu chamo a polícia.
— T-tudo bem.
Eu saio da sala de consulta e pego o meu celular, ligando
para a polícia e fazendo o possível para não desabar. Por dentro, o
meu castelo está cheio de rachaduras, porque é a primeira vez que
tenho contato com uma vítima de violência sexual, e relembrar todas
as dificuldades que passei para conseguir me reerguer é doloroso
demais.
Após ligar para a polícia, eu peço que uma enfermeira vá
ficar com Rebeca e sigo para o banheiro feminino, me sentando em
cima da tampa de um vaso sanitário e chorando como um bebê. Eu
choro e soluço. Véspera de Natal e, eu estou com uma paciente de
quatorze anos, grávida e vítima de violência sexual. Onde está a
merda da magia natalina?
Como se fosse um farejador telepático dos meus
pensamentos, vejo na tela do celular que Sebastian está me
ligando.
— Oi, Bash — fungo e limpo as lágrimas do meu rosto com o
dorso da minha mão. — Você já está em casa?
— Oi, amor... acabei de chegar em casa. Está tudo bem?
— Aconteceu, amor — digo e solto um suspiro pesado. — E
ela tem a idade das meninas. Só quatorze anos, Bash. Ela está
grávida. Toda machucada. Merda.
Ele fica em silêncio durante alguns segundos.
— E você agarrou essa oportunidade da vida?
— Oportunidade?
— De ajudar alguém da forma que você gostaria de ter sido
ajudada, Isabella.
— Sim — digo de forma inaudível.
— Então dê o seu melhor, amor.
— Por que isso acontece, Bash? Por que tantas mulheres
são machucadas?
— Eu sempre tenho respostas para tudo, amor. Mas não
tenho respostas para isso. Só... acontece. Infelizmente, existem
muitas mentes doentes por aí, e não podemos fazer nada para
impedir que casos como esses aconteçam, mas podemos ajudar.
Segurar na mão dessas mulheres e apoiá-las. Ajudando no
processo de reconstrução. Você conseguiu, então elas também
podem conseguir.
— Você é incrível, Sebastian Guimarães — digo e solto um
soluço.
— Você também é.
— Como as crianças estão?
— Bagunçando com a tia Jéssica. Clarisse está pesquisando
receitas de biscoitos de chocolate na internet, Clara está terminando
de montar a árvore de Natal com Christian, e Lucas está comendo
besteiras com Maria Rita e os três porquinhos.
Sebastian chama os filhos de Jéssica de ‘‘os três
porquinhos’’, porque eles são elétricos e sempre estão juntos. O
mais velho é o Enzo, que tem sete anos, seguido por Caio, que tem
seis anos e Lavínia, de quatro anos. É quase impossível conversar
com eles, porque estão sempre bagunçando e correndo para cima e
para baixo sem parar.
— Amanhã eu irei cozinhar com Clarisse. Hoje, vendo essa
menina, só consegui pensar nas nossas filhas. Você sabe que elas
correm perigo, né? Nenhuma mulher está a salvo do perigo nesse
mundo.
— E por isso nós estamos aqui. E não só as meninas,
Isabella. Os meninos também são alvo desse tipo de violência.
Estamos aqui para proteger e conversar sempre com os nossos
filhos.
Eu solto um suspiro e deslizo os dedos por minha testa, que
está banhada em suor. Toda essa situação me deixou nervosa
demais, mas, conversando com Sebastian, consigo ficar mais
calma.
— Uma merda de Véspera de Natal, né?
— Não diga isso. O Papai Noel não é o culpado. Você não
pode perder a sua Fé, Isabella. Já fomos testados diversas vezes e
tudo deu certo no final. Lembra? Nenhum sofrimento é eterno.
— É só uma tempestade passageira — concluo.
— Isso — escuto uma gargalhada no fundo. — Diz ‘‘oi,
mamãe’’.
— Oi, mamãe — Maria diz e eu abro um sorriso. — Eu te
amo, mamãe.
— A mamãe também ama você, abelhinha linda. Ama você e
os seus irmãos. Vocês foram o melhor presente que Deus pôde me
dar nessa vida.
— E eu? — Sebastian pergunta indignado. — Não fui um
presente?
— Você foi o ato de misericórdia, Bash.
— Eu te amo, Isabella — ele diz. — Muito. Você é perfeita.
Agora eu quero que você lute pela sua paciente e faça o possível
para ajudar ela.
— Eu vou fazer, Sebastian. Preciso desligar.
— Beijos. Vou cuidar dos nossos monstrinhos.
E então desligo.
Sigo para a pia do banheiro, lavo o meu rosto e prendo os
meus cabelos num rabo de cavalo. Olho o meu reflexo no espelho e
abro um sorriso. Eu consegui. Eu resisti, persistir e venci. O
caminho é árduo, doloroso e cheio de obstáculos, mas não é o fim.
Vítimas de violência sexual percorrem por uma maratona até a
vitória. Mas eu digo, como uma vítima, que a violência sexual não é
o fim de tudo.
Estamos propensas a sofrer algo do tipo, e ninguém está
imune. Não podemos ser livres e tampouco ser quem somos de
verdade. Sempre andar com cautela, usar roupas compridas, não
passar em becos escuros de madrugada, não aceitar carona de
desconhecidos, não aceitar bebidas em festas, não beber demais e
andar sempre com medo e receio. Essa é a realidade que poucos
conseguem enxergar.
Meu celular apita e recebo uma fotografia.
Toda a minha família unida. Meus filhos, meus sobrinhos,
minha irmã, meu cunhado, Luísa e até mesmo TJ, além do meu
meritíssimo. Todos segurando uma placa bem grande escrito: ‘‘Bella,
você consegue! Nós amamos você. ’’
Sim, eu consigo!

Eu volto para a sala de consulta após um tempo e logo


recebo a informação que a polícia está aguardando Rebeca na
saída da ala feminina. Ela segura firme em minha mão e leva uma
surpresa ao ver que todos as funcionárias do hospital estão paradas
no corredor. Todas as mulheres. Enfermeiras, médicas, maqueiras,
farmacêuticas, técnicas e até mesmo as mulheres responsáveis
pela limpeza. Cerca de quarenta mulheres. Altas, baixas, magras,
gordas, negras, brancas, morenas, loiras, ruivas. Mulheres. Porque
juntas, nós somos indestrutíveis.
— Elas vieram emanar boas energias e dizer que você não
está sozinha — digo baixinho no ouvido dela e ela abre um sorriso,
segurando firme a minha mão. Vejo lágrimas caindo pelo semblante
sereno dela.
— Obrigada — ela sussurra.
E lá na entrada, duas agentes da polícia civil estão nos
aguardando. Sem homens. Sem qualquer presença que vá
incomodar Rebeca. Por enquanto, ela está traumatizada, mas logo
ela irá superar esse trauma. Eu faço questão de ajudá-la.
— Eu me chamo Mara, e essa ao meu lado é a Sandra — as
agentes se apresentam solícitas. — Vamos levar você até a
delegacia. A delegada está esperando por nós.
— Só mulheres? — ela pergunta meio receosa.
— Expulsamos todos os homens da delegacia só para
receber você, Rebeca — Mara diz sorrindo e Rebeca também sorri.
Ela está mais calma e visivelmente mais confortável, então
seguimos para a delegacia numa conversa animada sobre séries,
filmes e músicas. Como tenho três adolescentes em casa, eu soube
contornar uma boa conversa com Rebeca. Conversei com ela como
se ela fosse a minha filha, e no final, deu tudo certo.
Fico ao lado dela durante todo o processo, como ela é menor,
a irmã dela foi contatada e uma assistente social também. A irmã
ficou incrédula no começo, mas logo desmoronou, desculpando-se
com Rebeca por negligenciar ela durante um ano. Sei que ela não
fez por mal, mas acontece em algumas famílias. Às vezes, uma
vítima está ao nosso lado, mas não somos capazes de identificar e
perceber os gestos e atitudes.
Rebeca prestou depoimento e fez o exame de corpo de
delito.
Quatorze anos e grávida de dois meses do agressor.
E depois, ficou reservada numa sala, aguardando o resultado
de outros exames de sangue. Enquanto a irmã resolve a parte
burocrática, eu me sento ao lado da garota e fico em silêncio. Ela
analisa os exames da ultrassonografia, observando as imagens
embaçadas com certa curiosidade.
— O que eu faço com ele? — ela pergunta e mostra-me os
exames.
Lembro-me dos mesmos exames que fiz quando descobri
que um bebezinho habitava o meu ventre. Tão miúdo, mas tão
guerreiro. Eu lembro de sentir medo, angústia e aflição, mas
também senti amor por aquele pequeno ser. Porque ele nunca teve
culpa de absolutamente nada e eu escolhi amá-lo. Foi a minha
escola. Destarte, a escolha de cada um é singular e não posso
comparar a minha dor com a dor da pessoa ao meu lado.
— Você quer ter esse bebê?
— Eu não sei — ela diz num tom melancólico. — E se eu não
for capaz de amá-lo? Deve ser difícil criar um filho sozinha. Como
você conseguiu amar o seu filho?
— Ele nunca foi filho do meu agressor, porque pessoas ruins
não são capazes de colocar anjos no mundo. Deus o enviou para
mim. E toda vez que eu me sentia sozinha, eu gostava de acariciar
a minha barriga e sentir o meu bebê chutar. Mas são escolhas,
Rebeca. Você tem uma escolha. Provavelmente, por você ser
jovem, eles vão aconselhar que você faça o aborto, mas saiba que
você tem uma escolha. E ela deve ser respeitada.
— Eu não quero ter o fruto de uma agressão dentro de mim.
— Só você compreende a sua dor. Mas pensa bem, para
você não se arrepender mais na frente, tudo bem?
— Eu vou pensar — ela diz e enrola os cabelos num rabo de
cavalo. — Obrigada por tudo. Apesar de estar cheia de feridas, você
conseguiu cicatrizar algumas.
Eu então me lembro de algo que está guardado dentro do
meu bolso e busco a caixinha com cuidado. A caixinha mágica de
band-aid de Sebastian.
Pego um band-aid, abro e coloco de forma delicada no braço
de Rebeca, que abre um sorriso contagiante.
— Fique com a caixinha para você — entrego. — Sempre
que doer, coloque um em qualquer lugar do seu corpo. De acordo
com o meu esposo, esses band-aid podem curar de fora para
dentro. E aqui está o meu cartão da ONG, para você me ligar
sempre que precisar.
— Obrigada — ela diz gentilmente.
— Fique bem, Rebeca — digo, quando a assistente social
adentra na sala junto da irmã mais velha de Rebeca. — Preciso ir
agora.
Em seus olhos, enxergo gratidão e percebo que é tudo que
preciso para sentir a espírito natalino em meu coração. Olhos ainda
dolorosos, mas esperançosos. Nunca será demais fazer o bem para
alguém.
O meu marido me busca no hospital às dezenove horas. Ele
está dentro de roupas casuais, com os cabelos bem penteados e
exalando o seu perfume delicioso. Seus olhos azuis brilham ao me
ver e ele mal consegue controlar o sorriso largo em seus lábios.
Sem mais delongas, eu corro e busco abrigo dentro dos seus braços
quentes e fortes. Um dos meus lugares preferidos. Eu deslizo meus
dedos por seu pescoço, alcançando a sua nuca, e despejo um beijo
casto em seus lábios. Não satisfeito, Sebastian segura firme em
minha cintura e ataca a minha boca com um beijo feroz e repleto de
desejo.
Tudo entre nós dois é intenso. Do beijo ao sexo. É como se a
nossa alma estivesse conectada sempre. E eu adoro isso. Adoro
saber que tenho alguém ao meu lado que me valoriza, me ama e faz
o possível para que eu seja a mulher mais feliz do mundo.
— Como você está? — ele indaga, deslizando seus dedos
pelo meu rosto até alcançar os meus lábios.
— Melhor.
— Eu soube através de alguns contatos que o agressor da
sua paciente foi detido agora pouco numa prisão em flagrante. O
rapaz já foi preso antes por violência sexual e assédio. Parece que
foram dez vítimas até então.
— Todas menores?
— Sim — Sebastian diz e entrelaça os nossos dedos,
guiando-me até o banco do passageiro da sua BMW x6. — Todas
elas menores de quinze anos, inclusive, ele aliciava as próprias
filhas. Alguns exames estão sendo feitos, mas o importante agora é
que ele está preso.
Eu fico em silêncio, porque o assunto é forte demais para que
eu possa digerir. É como levar um soco forte no estômago. Dói. Eu
engulo o choro e cruzo os braços, lembrando-me das várias vidas
que Wagner tirou precocemente. Eu tento por um momento
entender e compreender a mente de alguém assim.
— Está tudo bem, Bella? — ele pergunta e eu concordo com
a cabeça. — Só achei que quisesse saber a respeito.
— Fez bem em falar.
Meu estômago dói e tudo que mais desejo é dormir e
esquecer esse dia terrível. E mesmo péssima, com dor de cabeça e
um mal-estar, eu faço o possível para afastar esses sentimentos
pelo bem dos meus filhos. Então, coloco um sorriso nos lábios e
busco engolir o seco.
Não consigo ficar feliz em saber que diversas pessoas estão
passando por problemas do tipo nesse exato momento. Não consigo
sentir a magia natalina sabendo que Rebeca passará o Natal com
sequelas gravíssimas de um abuso sexual. Não consigo ficar quieta
em saber que a justiça do país é falha, principalmente conosco,
mulheres.
Quando chegamos em casa, sou recebida por diversos
abraços e beijos dos meus filhos e dos meus sobrinhos. É o
bastante para que a dor se afaste um pouco. Mas, ao ver minhas
meninas, só consigo pensar em Rebeca.
— Você está bem, mamãe? — Lucas indaga no momento
que deixo meu jaleco na área da lavanderia. Ele veio atrás de mim,
com o olhar preocupado e os ombros encolhidos. Meu filho conhece
as minhas dores melhor que ninguém, porque ele também foi uma
vítima de Wagner.
Observo o meu garoto e sinto os meus olhos cheios de
lágrimas; seus cabelos castanhos, seus olhos curiosos e sua
personalidade formada. Alguém íntegro, bondoso e amoroso.
Completamente diferente do homem que um dia me concedeu o
maior bem eu já tive em minha vida. Lucas é um presente de Deus,
e escolher tê-lo foi a melhor decisão que já tomei em minha vida.
Sem mais delongas, abraço o meu pequeno e deixo que
algumas lágrimas deslizem pelo meu rosto. Minha mente está
sobrecarregada e todo o episódio de hoje me abalou
psicologicamente.
— Está tudo bem, filho — fungo.
— A senhora pode conversar comigo sempre... — ele
envolve seus braços em minha cintura e me abraça forte. — Eu amo
a senhora, mamãe.
— Também amo muito você — digo com a voz embargada.
— Vem ver a nossa ceia — ele me puxa pelo braço. — Está
tudo muito lindo. A tia Jéssica fez pudim, o seu doce preferido, e eu
ajudei o papai a fazer uma torta de bacalhau.
Lucas me guia até a sala de jantar e fico maravilhada ao ver
o banquete disposto em nossa mesa. Há uma variedade de comidas
e nós fizemos questão de chamar os funcionários da mansão para a
ceia. Alguns não têm família, então combinei com Sebastian de
fazer desse dia especial para todos.
— Eu adorei — digo com um sorriso nos lábios.
Pego Lavínia — filha mais nova de Jéssica — nos braços e
sigo até a sala de estar, onde todos estão arrumados e eufóricos
para abrir os presentes. Maria Rita está brincando com algumas
bonecas e eu não me limito em despejar um beijinho em suas
bochechas gordinhas. Estou esgotada, cansada e estressada, mas
preciso ser forte e colocar um sorriso no rosto.
Porque quando se é mãe... torna-se necessário blindar a
mente e ser forte quase sempre. Eu não quero que os meus filhos
me enxerguem como alguém fraca e frágil.
— Mãe, pode me ajudar com os biscoitos agora? — Clarisse
surge com um sorriso e eu balanço a cabeça positivamente.
— Só preciso tomar um banho — beijo sua testa e sigo para
o quarto.
Eu retiro a minha roupa, abro o registro e deixo a água morna
cair sobre os meus ombros. Por um momento fico aérea,
relembrando do dia de hoje e pensando em como Rebeca está.
Oras, hoje é véspera de Natal e com certeza ela passará a noite no
hospital, fazendo alguns exames e em observação.
Por que ela não pode ter um Natal descente em família?
Por que esse mostrou precisou tocar nela?
Sem perceber, começo a trazer acontecimentos do passado
para o presente e relembro do dia em que Wagner foi preso. Mas e
se ele não estivesse sido preso? Quantas mulheres seriam vítimas
dele até então?
Trinta e três mulheres.
Wagner estuprou e matou trinta e três mulheres.
— Isabella? — ouço a voz de Sebastian e saio dos meus
devaneios.
— Oi? — viro-me o pego parado na porta do banheiro.
— Vai demorar muito ainda?
Desligo o registro e pego o roupão.
— O que aconteceu? — Sebastian pega uma toalha para
enxugar os meus cabelos no momento que envolvo o roupão em
meu corpo molhado. — Você está bem?
— Essa situação de hoje mexeu um pouco comigo — solto
um suspiro.
— É mais comum do que você imagina, Isabella — Sebastian
também solta um suspiro. — A violência contra a mulher acontece
em todo o mundo e a cada segundo. Existem várias Rebecas por aí
e algumas não têm a coragem que a sua paciente teve. No fórum,
nós temos que lidar com diversos casos do tipo e beira o absurdo o
quão nojento isso pode ser. Revoltante e angustiante.
— Como você quer que eu fique feliz nesse Natal sabendo
dessa informação? Sabendo que uma mulher como eu pode estar
sozinha lá fora após sofrer um abuso sexual, ou em cárcere, ou até
mesmo sofrendo violência doméstica pelas mãos do marido —
começo a chorar. — Não tem como ficar feliz.
Sebastian abraça o meu tronco e despeja um beijo casto em
meu rosto. Ele não diz nada, mas consigo captar diversas coisas
através do seu olhar.
Eu demoro para me recompor, mas quando consigo, termino
de enxugar o meu corpo e coloco uma roupa qualquer. Desanimada
e triste, apesar de ter tudo que sempre almejei em minha vida; a
minha família, os meus filhos, o meu marido e o meu emprego.
Mesmo com tudo, ainda há um vazio aqui dentro. Saio do quarto e
sou recebida com diversos abraços dos meus filhos, beijo cada um
deles e abraço os filhos de Jéssica.
Ela está feliz.
Por um momento, questiono-me como Jéssica consegue ser
tão feliz e radiante mesmo após passar por algo traumatizante e que
marca para sempre. Como ela consegue ser feliz ao saber que o
que aconteceu com ela também acontece lá fora? Às vezes, diante
dos nossos olhos.
Eu sigo para a cozinha, onde Clarisse me espera e lavo as
minhas mãos para que a gente possa assar os biscoitos de
chocolate. Reservo os ingredientes e a observo pegar os recipientes
para fazer a massa.
Clarisse dosa os ingredientes na batedeira enquanto eu corto
os pedaços de chocolate. Enquanto a gente cozinha juntas,
conversamos sobre coisas aleatórias e só então percebo o brilho
que minha filha guarda dentro de si. O mesmo brilho que eu
guardava em meu interior antes de Wagner surgir em minha vida.
Alegre, bondosa e ingênua. E durante uns minutos, olhando para a
minha filha, fiz uma promessa interna de jamais deixar alguém
machucá-la. Sei que é algo um pouco impossível, porque Clarisse é
uma adolescente e eu nunca vou prendê-la dentro de uma gaiola
como um passarinho.
Ela, como qualquer outra garota, viverá suas diversas fases
intensamente. Irá chorar por um garoto, irá ficar surpresa com as
mudanças em seu corpo, irá ficar nervosa com a sua aparência, irá
ficar quieta por contas das dores de cólicas e também passará por
coisas ruins que toda garota passa; como o assédio, a sexualização
precoce e o machismo.
E quando se é mãe de menina, nossa mente vira um
turbilhão e a preocupação é constante tratando-se do bem-estar da
minha filha. Eu não quero que Clarisse, Clara ou Maria Rita passem
pelo mesmo que eu passei. Eu não quero ser uma péssima mãe –
como a minha foi – para as minhas filhas.
Então, prometo proteger a minha garotinha, da forma que
estiver ao meu alcance. Sei que Sebastian também fará o possível e
impossível por nossos filhos, porque a nossa família é tão
importante para ele quanto para mim.
— O que foi, mamãe? — ela me olha com seus olhos
brilhantes e curiosos. — Faz quase meia hora que você está me
olhando.
— Nada — aproximo e a envolvo num abraço caloroso. — Eu
só quero dizer que eu sempre estarei aqui para você e seus irmãos,
ok? Eu não tive uma boa mãe e às vezes tinha receio de contar
alguns assuntos femininos e a minha mãe brigar comigo. Eu não
sou esse tipo de mãe, Clarisse. Tudo que você quiser conversar...
saiba que eu serei sua melhor amiga para te ouvir. Promete nunca
esconder nada da sua mãe?
— Prometo — ela abre um sorriso e meu coração se
esquenta.
O forno apita e nós vamos retirar os nossos biscoitos de
chocolate.
— Que cheirinho gostoso — Clarinha chega com Maria nos
braços.
— Não quebrou dessa vez — Clarisse diz animada.
— Estão parecidos com o que eu comia quando era criança,
filha — olho para Clarisse e abro um sorriso. — Obrigada.
Ela abre um sorriso satisfeito e me ajuda a levar os biscoitos
de chocolate para a nossa mesa. Através do relógio de parede, vejo
que são quase dez horas da noite. Sebastian, Eric, TJ, Luísa e
Jéssica estão tomando vinho e conversando num canto, enquanto
as crianças estão brincando na sala de jogos.
Clara e Clarisse seguem para a sala de jogos e eu pego a
minha gorduchinha nos braços, também pegando uma taça de vinho
e conversando com a minha família.
Meia noite, nós observamos alguns fogos em Copacabana e
seguimos para a nossa ceia. As crianças estavam reclamando de
fome e mal conseguiram esperar a oração. Nós convidamos o
restante dos funcionários e todos nós jantamos juntos. Maria Rita
comeu o pudim todo e Clarisse foi elogiada pelos biscoitos de
chocolate. Eu fiquei feliz e orgulhei-me da família que conquistei até
aqui. Dinheiro, status e emprego não chegam perto da sensação de
ter um porto seguro em casa. Um lugar que você pode voltar após
um dia turbulento. E eu sei que encontrei o meu lugar.
Foi difícil, mas eu encontrei o meu porto seguro.
Nós abrimos os presentes, ficamos juntinhos e lá pelas duas
da manhã cada qual foi para o seu canto. As crianças estão
capotadas e eu estou extremamente cansada, tanto
psicologicamente como fisicamente.
Rodei na cama por horas até conseguir pegar no sono.
E quando peguei, acabei sonhando com Wagner.
O dia em que ele fez mais uma vítima, anos atrás, no banco
traseiro de uma viatura da polícia militar de São Paulo. E após anos,
eu revivi aquele dia em minha memória. Seu toque, seus olhos e o
meu desespero em tentar sair de suas mãos. A dor, o sufoco e o
meu corpo suado. Eu revivi tudo em minha mente.
Acordei com o corpo suado e a respiração ofegante, peguei
em meus pulsos e suspirei em alívio ao ver que estou livre das
algemas. Eu começo a chorar sem perceber e levanto-me da cama
para não acordar Sebastian.
Pego um livro velho e sigo para a sala de estar. O sol está
nascendo lá fora e ilumina o jardim da mansão com seus pequenos
e fracos raios solares. Encho meu copo com café e sigo até a
varanda, sentando-me em uma cadeira e olhando em silêncio o
nascer do sol.
Abro o livro velho e retiro de lá a única fotografia que me
restou de Wagner. Depois do ocorrido, diversas fotografias e vídeos
foram expostos na internet para ganhar repercussão, mas Sebastian
solicitou que o rosto de Wagner fosse tarjado de todas as notícias.
Passaram-se anos e muita gente já se esqueceu do assassino em
série que matou mais de trinta mulheres em São Paulo.
Mas eu não me esqueci dele.
Seus cabelos escuros, seus olhos inexpressivos e a
expressão maldosa em seu semblante. Sempre que tenho algum
pesadelo com ele, seu rosto fica embaçado e às vezes não consigo
lembrar bem da sua feição. Eu busco essa fotografia e o observo
durante alguns minutos.
Eu tento adivinhar o que se passa pela cabeça de um homem
como ele. Mas infelizmente não consigo. É tanta maldade e
perversão que me dá náuseas.
Sou interrompida dos meus desvaneios com a chegada de
Jéssica. Seu rosto está amassado e seus cachos nas alturas. Ela
está envolta por um cobertor e também segura uma xícara de café
nas mãos.
— Também não consegue dormir? — eu pergunto e ela
assente.
— Está vendo essa fotografia outra vez? — ela puxa a foto
da minha mão e faz uma careta. — Bicho feio... virou churrasquinho
do capeta.
— Jéssica! — a repreendo.
— Joga isso no lixo... você está fazendo a mesma coisa que
eu fiz durante anos — ela balança os cachos e olha para o
horizonte. — Se apegando a memórias ruins para poder se
martirizar.
— Não estou fazendo isso.
— E por que você quer relembrar dele, Isabella?
Eu olho para a fotografia e abro um sorriso fraco.
— Só quero relembrar que ele fez o possível para me destruir
e não conseguiu. Wagner me faz pensar no quão forte eu fui e
continuo sendo. Ele me faz relembrar que apesar das dificuldades,
há sempre como continuar seguindo em frente.
— Você é como sol — ela aponta para os raios solares
fraquinhos. — Pode ser fraca em determinado momento, mas é
poderoso, grandioso e capaz de ficar forte em questão de segundos.
Jogue a fotografia no lixo.
Eu concordo com a cabeça e amasso a fotografia de Wagner
em minhas mãos. Jéssica me envolve em um abraço e ri satisfeita.
— Vamos pegar um sol? — ela pede manhosa e eu
concordo.
Umas dez horas da manhã, nós arrumamos as crianças e
seguimos para a praia em frente à mansão. Lá é deserto e os
seguranças vão ficar por perto. Sebastian, Eric e TJ optaram por ir
depois, porque estavam jogando bola no campinho com os meninos.
Então, buscando fazer uma manhã das meninas, seguiu para a
praia somente eu, Jéssica, Luísa, Clara, Clarisse, Maria Rita e
Lavínia. O sol está maravilhoso e eu coloquei um biquíni confortável.
Ainda sinto receio de usar biquíni, mas já melhorei bastante a minha
timidez e medo.
Nós levamos água, refrigerante e Jéssica não se esqueceu
das suas cervejas. As meninas foram correndo para a água do mar
e eu aproveitei para ajudar Maria com seus castelos de areia. Retirei
apenas a minha blusa e enchi todo mundo de protetor solar.
— Mamãe, bota protetor solar no meu castelinho também —
Maria diz após eu encher suas bochechas de protetor.
— Engraçadinha — aperto seu nariz e busco meu celular
dentro da bolsa. Acabo vendo que há uma mensagem nova de um
número desconhecido.
XXX — Eu decidi ter o bebê.
E mesmo sem querer... abro um sorriso feliz ao saber da
decisão dela.

Estou pegando um sol no momento que alguém me cutuca.


Eu retiro meus óculos escuros do rosto e viro-me para encarar a
segurança me observando com um sorriso. Dalila, a minha
companheira de todos os momentos. Sebastian contratou mais
mulheres após ver que eu me sinto mais confortável na presença de
mulheres.
— Sra. Guimarães? — busco a minha blusa e visto pela
cabeça. — Uma senhora e um homem desejam vê-la. Eles estão na
calçada e a mulher afirmou que só vai embora se falar com a
senhora. Devo chamar reforços?
Estico o meu pescoço e enxergo por cima do ombro a avó
paterna de Lucas para no calçadão. Sim, a mãe de Wagner faz
questão de participar da vida de Lucas até então. Ela sempre o
visita, manda presentes e gostar de acompanhar o crescimento do
neto. E sendo sincera, não vou impedir qualquer contato ou carinho
por parte dela.
Dona Jaciara não tem culpa do monstro que Wagner se
transformou.
Esqueci completamente que ela está no Rio de Janeiro e
pediu para visitar Lucas. Agora que ele está grandinho, eu expliquei
que dona Jaciara é uma amiga minha que me ajudou a criá-lo
quando ele ainda era um bebê, assim como a vovó Amália. Ele
compreendeu e se aproximou bastante de dona Jaciara ao ponto de
chamá-la de vovó. Ele mesmo diz que tem várias ‘‘avós’’.
Chegando lá, sinto meu corpo arrepiado ao ver Lorenzo ao
lado de dona Jaciara. Faz anos que não o vejo e só soube das
notícias que ele está empenhado em seu serviço como investigador
na polícia civil. Ele já prendeu diversos estupradores e está
investigando diversos casos do tipo da delegacia da mulher. Ele
também se arrependeu, mas suas características físicas iguais às
de Wagner me assombram de certa forma.
— Oi, dona Jaciara — a cumprimento com um aperto de
mão. Seus olhos estão cansados e ela está tão abatida. —
Desculpa deixar a senhora esperando, sei que combinamos de a
senhora ver o Lucas hoje, mas acabei esquecendo.
— Tudo bem — ela diz baixinho. — Trouxe o presente de
Natal dele. Esse aqui é Lorenzo. Ele é irmão do... você sabe. O meu
marido está muito doente e não pôde vir visitar o neto.
— Sem problemas — abro um sorriso fraco. — Olá, Lorenzo.
Eu sou Isabella, mãe do Lucas.
— Sei quem você é — ele diz e estende sua mão. Fico
receosa, mas aperto sua mão e cruzo os meus braços. — Bom ver
você, sra. Guimarães.
— Veio conhecer o seu sobrinho? — busco as chaves da
mansão dentro do bolso do meu short. — Ele está enorme... e tão
inteligente.
— Finalmente vim o conhecer... espero que não seja um
problema.
— Não é — viro-me para Dalila. — Só vou avisar Jéssica e
nós vamos para a mansão. Lucas está jogando futebol com o pai e
vai adorar ver vocês.
Eles me aguardam enquanto eu aviso Jéssica e logo nós
seguimos para a mansão com a companhia de dois seguranças. Fui
conversando com dona Jaciara e contando as novidades, enquanto
Lorenzo continuou em silêncio e apenas me escutou. Assim como
Wagner, ele é calado e enigmático.
Mas sei que são diferentes.
Lorenzo ajudou na investigação de Wagner e através dele
nós conseguimos localizar a cabana em que Wagner escondeu
diversos corpos. Ele entregou o celular de Wagner e também
prestou depoimento.
Quando nós chegamos em casa, guiei os dois até o
campinho de futebol e Lucas veio correndo para os braços de dona
Jaciara. Ela deu os presentes dele e os dois ficaram conversando
por minutos próximo da piscina.
Lorenzo também conversou com o sobrinho e Lucas ficou
feliz ao saber que ganhou um novo tio. Ele adora qualquer pessoa
que surge em sua frente, assim como eu, Lucas é uma criança
amorosa e acolhedora.
— Oi, Lorenzo — Sebastian o cumprimenta com um aperto
de mão. — Está gostando do clima quente do Rio de Janeiro?
— Estou — Lorenzo aperta a mão de Sebastian. — O garoto
é enorme.
— E muito esperto — Sebastian me abraça por trás.
— Ele é um bom rapaz e consequentemente será um bom
homem.
— Nós estamos trabalhando para que isso aconteça — eu
digo. — Independente do que aconteceu, saiba que você e sua
madrasta, são bem-vindos em minha casa. Lucas ainda é neto dela
e também é o seu sobrinho.
— Eu sei — ele diz com um olhar triste. — Quero me
desculpar com você, Isabella. Sei que já se passaram anos e anos,
mas eu nunca tive coragem de confrontá-la e me desculpar. Eu
tenho uma parcela de culpa, sempre passei a mão na cabeça do
meu irmão e procurei o proteger de tudo.
— Você não tem culpa, Lorenzo — aperto as mãos de
Sebastian. — O único culpado foi Wagner. Ele desenhou e seguiu o
próprio destino. Você apenas fez o seu papel de irmão e o protegeu.
— Estou tentando reverter isso — ele diz em um tom baixo.
— E está fazendo um ótimo trabalho — Sebastian intervém.
— Prendeu diversos criminosos e está trabalhando com ótimas
operações em São Paulo. Você está dando a justiça que mulheres
como Isabella merecem, e honrado a imagem do seu sobrinho.
— Mas ainda assim eu gostaria de me redimir de alguma
outra forma com vocês — ele diz e coloca as mãos dentro do bolso
da calça jeans. — O que posso fazer por você Isabella?
Eu pondero alguns segundos e uma luz se acende dentro da
minha cabeça. Lembro-me de Rebeca e acredito que o seu bebê irá
precisar de algum suporte durante algum tempo. Ela é adolescente,
não trabalha e precisa de alguém para ajudá-la da mesma forma
que eu precisei.
E Lorenzo pode ser a ‘‘Jéssica’’ na vida de Rebeca.
— Sei de algo que você pode fazer — digo com um sorriso.
MESES DEPOIS...

— Eu me chamo Rebeca, tenho quinze anos e estou grávida


de nove meses — ela diz e solta um suspiro. — E meu Deus... como
esse bebê pesa, hein?
Algumas meninas da roda de conversa gargalham e eu volto
a observar o seu rostinho de menina. Seus olhos continuam
brilhando, ela está bem cuidada e sua barriga está enorme. Nem
parece que ela entrou em meu consultório meses atrás com um
semblante triste, abatido e aparentemente perdida. Mas agora, vejo
que Rebeca conquistou algo que nem toda vítima de violência
sexual consegue conquistar; paz de espírito. Ela está em paz.
— Fui vítima de violência sexual durante algum tempo e
acabei engravidando aos quatorzes anos do meu agressor. Ele está
preso e a polícia descobriu que ele molestou e estuprou algumas
outras meninas. Fiquei triste ao saber que duas delas cometeram
suicídio — Rebeca comenta e desliza a mão pela barriga. — Nem
todo mundo consegue aguentar essa dor, né? Eu cheguei à beira de
acabar com o meu sofrimento, mas Isabella surgiu em minha vida.
Ela foi o meu último suspiro quando eu pensei que estava morrendo
afogada. Se hoje eu estou aqui... é por causa dela. Eu só quero
dizer que, sei lá, às vezes acontece coisas ruins com pessoas boas
e às vezes parece que essa dor é insuportável... mas passa.
Acreditem se quiser, mas uma dor não dura para sempre e nós
precisamos lutar e trabalhar para que essa dor diminua ou cesse de
vez. Não adianta se isolar, ficar triste ou chorar. Seja o próprio
dentista da sua vida e arranque esse dente dolorido de dentro de
você.
Eu abro um sorriso cheio de orgulho e sinto meus olhos
cheios de lágrimas. Olho para as mulheres ao redor do círculo e
percebo que a violência não escolhe uma pessoa específica para se
propagar. Altas, baixas, magras, gordinhas, idosas, crianças, negras
e brancas. Todas nós somos vítimas todos os dias dessa violência.
— O nome da minha filha será Isabella — Rebeca diz ao
deslizar a mão pela barriga outra vez. — Quero que ela seja forte da
mesma forma que Isabella foi e da mesma forma que todas nós
temos que ser todos os dias. Não podemos deixar a violência
vencer, não podemos abaixar a cabeça e ser pisadas por nossos
agressores. É isso que eles querem, eles querem tirar o nosso brilho
e destruir a nossa vida. Vocês vão acatar as ordens de um monstro?
— Não — uma senhora diz. — Não podemos abaixar a
cabeça.
— Lutar — outra diz.
— E persistir na luta — eu digo por fim.
— E acima de tudo... viver — Rebeca ergue seus olhos para
mim e abre um sorriso. — É só um túnel... logo você enxergará uma
luz lá no final, e acreditem se quiser, o que nos espera do lado de
fora é lindo demais!
Todas batem palmas para Rebeca e eu não me limito em
chorar.
Orgulhosa e feliz em saber que diversas mulheres estão
lutando.
E persistindo.
Da mesma forma que eu persisti.
Na saída do bate-papo da ONG para vítimas de violência
sexual, eu observei Lorenzo e Rebeca conversando. Ele está sendo
um bom amigo e ajudou emocionalmente e financeiramente
Rebeca. Como a família Ribeiro tem algumas casas no Rio de
Janeiro, Lorenzo conseguiu uma casa para Rebeca e a bebê. Nada
sentimental ou sexual, ele prometeu-me que ajudaria ela e que seria
apenas um bom amigo e está cumprindo com a sua promessa.
Ele está ajudando uma vítima.
— Rebeca está com a barriga imensa — Bash comenta
quando adentro no carro e despejo um beijo em seus lábios. — Ela
já escolheu o nome?
— Isabella — respondo com um sorriso.
— Hmmm — ele geme e puxa a minha nuca para intensificar
o nosso beijo. — Poderia ser você com uma barriga de nove meses,
né?
— Que nojo, papai — ouço a voz de Maria Rita e viro-me
para enxergar a minha garotinha no bebê conforto. — Não pode
beijar não!
— Por que não? — toco a sua mãozinha.
— Fica doente se beijar — Maria explica. — O papai disse
isso.
Eu viro para Sebastian e estreito o meu olhar.
— Eu ainda não engoli o fato que Clara está namorando —
roda a chave da ignição. — Então decretei que Maria Rita não irá
namorar.
— Sebastian... —toco sua mão e ele encolhe os ombros. — É
uma fase e você não pode privar a sua filha de conhecer novas
coisas. Nossos filhos todos vão crescer e passar por todas essas
fases. É divertido, não é?
— Não é divertido ver um marmanjo beijando a minha filha,
Isabella — ele bufa e fecha o semblante. — Mas prometo não
enforcar o garoto.
— Meu meritíssimo... — curvo-me e despejo um beijinho em
seu rosto. — Você não pode julgar o garoto sem conhecê-lo.
— Desculpe — murmura. — A minha intuição não falha.
— Sua intuição nunca irá falhar tratando-se das suas filhas.
— Pois é.
— Eu te amo, Bash — digo e olho pelo retrovisor para Maria,
que está entretida com um desenho no tablet. — Obrigada por tudo.
— Obrigado você, Bella — ele abre um sorriso e traz seus
olhos azuis para os meus. Mesmo após anos, sinto um emaranhado
de emoções e diversas borboletas no estômago. É surreal quando
você encontra sua alma gêmea em alguém. — Por não ter desistido
de mim, da nossa família e por ter me ensinado que o amor é capaz
de curar qualquer ferida. Eu amo você.
E essa é a minha história.
Essa é a forma que eu tenho para dizer que você consegue.
E que vale a pena resistir.

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