Você está na página 1de 3

REALIDADE – A REVISTA QUE MUDOU A IMPRENSA BRASILEIRA

CONTEXTO HISTÓRICO EM 1966, ANO DE LANÇAMENTO DE REALIDADE:


• População brasileira: 84 milhões de habitantes.
• Aparelhos de telefone: um milhão e meio de aparelhos em todo o país. Não havia DDD. Uma ligação
interurbana poderia demorar de seis a oito horas para ser completada. A tecnologia de discagem direta a
distância surgiu em 1970.
• As TVs transmitiam precariamente em Preto e Branco. A TV colorida foi inaugurada em 1972.
• Jornal Nacional surgiu em 1969 e a revista VEJA em 1968.

REALIDADE era mensal e contava com uma equipe de 17 jornalistas comandada pelo diretor Paulo Patarra e
Sérgio Souza como editor de texto. A proposta editorial:
• Investigação aprofundada
• Texto inovador e temas polêmicos abusados para a época.
• Ensaios fotográficos inéditos
• Recebeu oito Prêmios Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro

DESTAQUES
• A primeira capa se referia à Copa do Mundo da Inglaterra, na qual o Brasil tentaria o tricampeonato
mundial. A revista publicou um texto antecipando o triunfo da seleção brasileira, o que acabou não
acontecendo. Ao posar para a foto da capa Pelé sorriu 92 vezes para câmera. Esta primeira edição de
Realidade esgotou-se em três dias.

• O primeiro Prêmio Esso foi já na edição de estréia com a reportagem Brasileiros Go Home, a primeira
reportagem internacional de Realidade. O repórter Luis Fernando Mercadante e o fotógrafo Walter
Firmam foram para a República Dominicana, na América Central acompanhar o cotidiano de 1100
soldados da Força Armada Interamericana do Brasil. A guerra civil no país estava controlada, mas
tropas americanas e da América latina estavam presentes prá garantir a paz. O problema é que o povo
hostilizava as tropas estrangeiras, consideradas invasoras do país daí o título da matéria. Um dos
personagens destacados por Mercadante foi o cabo Damião: “um preto desempenado, saído de Niterói,
com seu metro e 80 de altura e os seus 21 anos, disposto a voltar falando inglês e por isso passava as
horas livres, ouvindo a rádio das Forças armadas americanas”.

• Ainda na primeira edição a revista mostrou um ensaio fotográfico sobre a origem do homem que
espantou os leitores. As imagens de um fotógrafo sueco que levou sete anos fotografando em cinco
hospitais de Estocolmo várias etapas de pré-natais, um trabalho totalmente inédito pra época. O
fotógrafo usou uma objetiva especial superangular e um flash microscópico, montados na ponta de um
histeroscópio, aparelho médico usado para examinar o útero.

• O Teatro Record , em São Paulo lotava toda a semana para o programa Jovem Guarda comandado pelo
cantor Roberto Carlos, símbolo da rebeldia dos anos 60. Com 23 anos, ele era tudo que um jovem da
época gostaria de ser. Dirigia carros velozes, andava com roupas caras, badalava em boates, vivia a vida
em ritmo de aventura. O repórter Narciso Kalili registrou assim a histeria do público. “As meninas
aplaudem gritam, os rapazes assobiam. Uma jovem de 14 anos chora, enrolando nos dedos
nervosamente um lenço branco amarrotado”. Para entender o fascínio da Jovem Guarda o repórter ouviu
também psicólogos e sociólogos para concluir assim a matéria: “Roberto Carlos não mostra o mínimo
de interesse pelo Che chama de problemas de adultos. Nunca ouviu falar em Roberto Campos. Sua
leitura exclusiva são as revistas infantis. Não tem a mínima idéia do que seja o Vietnã e do Brasil
conhece muito pouco”. O economista Roberto Campos era o Ministro do Planejamento da época.

• O repórter Roberto Freire passou 15 dias acompanhando de perto a vida de Pelé, então com 26 anos.
Mais do que um mito a reportagem descreveu Pelé como um negro que havia superado o preconceito
com seu talento, mas que sentia falta de andar tranqüilamente por uma calçada, olhando as gentes e as
coisas, de tomar um banho de mar sossegado e de fazer compras como um qualquer. “Vivo perseguido,
me escondendo, não tenho liberdade para nada. Não posso fazer o que todo mundo faz”.
• Outra matéria do repórter Narciso Kalili foi com um grupo de jovens que se propunha fazer uma
revolução na música brasileira. Entre eles Chico Buarque, Nara Leão, Gilberto Gil, Maria Bethânia e
Caetano Veloso... O grupo juntou a Bossa Nova com as tradições musicais vindas das favelas e do
subúrbio carioca para criar a chamada Moderna Música Popular Brasileira. O compositor Chico
Buarque então com 23 anos definiu o trabalho dele de seus colegas: “A música popular brasileira volta
hoje às suas raízes, como se os primeiros que fizeram a bossa-nova tivessem esquecido alguma coisa
que cabe a nós ir buscar.”

• Outra reportagem marcante analisou por meio de pesquisa feita com 1200 mulheres em todo o país que
pudessem falar em nome de cerca de 20 milhões de mulheres adultas da época. Temas como sexo,
casamento e aborto foram abordados. Alguns resultados: 67% consideravam importante casar-se
virgem; 25% já haviam feito aborto e 84% consideram homossexualismo uma doença. Além da
pesquisa a reportagem destacou o trabalho de uma parteira na cidade gaúcha de Bento Gonçalves. A
fotógrafa Cláudia Anujar clicou todo o nascimento de uma criança. Três juízes de menores em SP e no
Rio consideraram a reportagem obscena e apreenderam a edição de Realidade, dois dias depois dela
chegar às bancas. Houve uma disputa jurídica pela liberação da edição, mas a questão foi decidida quase
dois anos depois. Ms aí os 200 mil exemplares apreendidos já haviam sido destruídos.

• A questão racial no Brasil e nos Estados Unidos foi o principal assunto desta edição de Realidade. Dois
repórteres da revista, um branco Narciso Kalili e o outro negro Odacir Matos visitaram seis capitais
brasileiras, Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Kalili acompanhado de
uma moça negra e Odacir com uma moça branca. As fotos registradas de longe mostraram a reação das
pessoas e constataram o preconceito velado que ocorre no Brasil. A equipe mostrou também a diferença
do tratamento dado a um negro na hora de matricular filhos em escolas particulares, frequentar
restaurantes e boates, nas compras e em hotéis. Os dois repórteres viveram as mesmas situações para
Odacir muitas vezes não havia vagas nos hotéis e escolas, restaurantes e boates exigiam reserva ou
cobravam mais caro.

• Havia 4 anos que os EUA participavam da guerra entre o Vietnã do Norte e o do Sul. Pelo menos 54 mil
soldados combatem os comunistas norte-vetnamitas. 13 jornalistas morreram no conflito e outros 130
ficaram feridos, entre eles José Hamilton Ribeiro enviado especial de Realidade à guerra. Ele pisou em
uma mina terrestre durante um patrulhamento com uma tropa americana e perdeu parte da perna
esquerda. Era o último dia dele no país.

• Reportagem de José Carlos Marão sobre o movimento estudantil brasileiro contra a ditadura militar. O
Ato Institucional número 5 ainda não tinha sido baixado assim esta matéria pode ser publicada. O
repórter acompanhou uma reunião do Conselho Nacional de Estudantes, ligado à UNE, em Salvador na
Bahia. Descreveu o clima de clandestinidade assim. “Ninguém entra sem a senha, ninguém sai,nem com
senha. Foram determinados plantões para toda a noite. Quatro pessoas de cada vez, cada um com
lanterna de pilhas, trocando sinais de quinze em quinze minutos”. A foto de Édison Jansen feita na
Universidade do Paraná confirmava o espírito de resistência dos estudantes.

• Jornalista Fernando Horácio da Matta escreveu sobre as possibilidades da seleção na copa do mundo de
1970 a partir do perfil dos jogadores que formavam o meio campo da época. Um trio de jogadores
canhotos Gérson, Tostão e Rivelino. Destaque para o título da matéria um tanto quanto maroto em
tempos de AI 5.

• Realidade mostrou as conseqüências trágicas da luta de Biafra para se tornar independente da Nigéria
por meio de um ensaio fotográfico com imagens do Sunday Times, jornal britânico. O texto destacava
que como sempre quem mais sofre é a população, indefesa e completamente submersa na miséria.

• Edição especial de Realidade sobre a Amazônia cuja tiragem de 250 mil exemplares esgotou-se nas
bancas. Para produzir 320 páginas enviou 16 jornalistas para a região. Um retrato sobre a gente, os
problemas e as expectativas que cercavam a Amazônia. A revista constatou que a colonização da área
estimulada pelo governo federal através da construção de rodovias como a Transamazônica estava
promovendo o massacre da fauna. Realidade ganhou dois prêmios ESSO em 1972 com esta edição.

• A revista Realidade circulou durante 10 anos. Foram 120 edições. Os primeiros 3 anos foram os mais
marcantes. A partir do AI 5 com o controle das pautas e censura aos textos os jornalistas foram se
demitindo, até que a equipe se desmanchou.

• A revista continuou circulando até 1976 com equipe renovada mas sem a mística que envolveu a
primeira fase. Os tempos eram outros, já havia a concorrência da revista Veja e a própria televisão era
um meio de destaque no país. Realidade já havia cumprido seu papel.

Você também pode gostar