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Capa

Vic Designer
 
Diagramação
Katherine Salles (Crédito especial: Pixabay)
 
Revisão e Preparação de Texto
Ana Roen
 
Livro Digital
1ª Edição
Aline Damasceno
 
Todos os direitos reservados © Aline Damasceno.
É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte
desta obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou intangível,
incluindo fotocópia – sem autorização por escrito do autor.
Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas, acontecimentos e
locais que existam ou que tenham verdadeiramente existido em algum
período da história foram usados para ambientar o enredo. Qualquer
semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.

 
Índice

Sinopse
Agradecimentos
Nota
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Bônus Um
Bônus Dois
Leia também
Sobre a autora

 
Sinopse
Reencontro + grumpy x sunshine invertido + casal gato e rato

Milionário gostoso e com um sorriso safado de deixar as pernas


bambas, Derek Sommerfeld, o novo vizinho de Iandra, era e tinha tudo o

que uma mulher poderia querer em um homem. Pena que ele era o babaca,
cachorro, arruaceiro que implicava com ela na época da escola, chamando-a
pelo apelido que mais detestava: Laranjinha.

Apesar de ele dizer que agora é um homem sério, que deixou de ser
aquele playboy, para Iandra o tempo não mudou o milionário em nada, pois,
embora mais velho e sexy — algo que ela nunca admitiria em voz alta —,
ele continuava a provocá-la com seus comentários maliciosos e,

principalmente, com os seus olhares ardentes.


O ex-bad boy a desejou assim que a reencontrou e queria provar a

ela que era um cara diferente. Iandra, uma mocinha ferida em outros

relacionamentos, só desejava nunca mais olhar para a cara dele. Mas esses
dois opostos nem imaginavam que acabariam unidos pelas travessuras de

um cupido-diabinho de quatro patas.


Agradecimentos
Acho que nunca tive tanta dificuldade em começar a escrever um
agradecimento. Pensei em não o redigir, mas aqui estou eu, com um nó na

garganta. É doloroso constatar que mais um livro foi escrito e você não está

aqui para lê-lo, mãe. Tenho certeza de que você iria amar cada travessura do
Charlie, iria achar o Derek “excitante”, e iria adorar a Laranjinha. Mãe,

você faz tanta falta em tudo! Queria muito que você estivesse aqui. Tenho

saudades do seu abraço, do seu cheiro, da sua risada, dos seus comentários.
O tempo não tornou mais fácil, pelo contrário, parece que a cada dia fica

mais difícil encarar essa dura realidade. Eu te amo, mãe! Nosso amor será

eterno e vive em mim.


Amanda, você sabe que eu não estaria aqui hoje sem você, sem o seu

apoio, seus abraços de consolo, sem o seu amor. Obrigada por tirar um

tempo na sua vida corrida para betar a minha história, ouvir meus desabafos

sobre o processo de escrita, e dizer que, no fim, ficará tudo bem. Eu te amo,

irmã.
Fadinha Ana, eu não tenho palavras para agradecer por mais uma vez

você “cuidar” da minha obra com tanto amor. Você e o Pedro são um

grande presente que a vida me deu. Obrigada demais por estarem no meu
cotidiano, mesmo estando do outro lado da cidade. Ana, nossa conexão é
profunda, de almas. Te amo, amiga.

Agradeço a cada uma das minhas leitoras do meu grupo de WhatsApp

que acompanham a difícil jornada que está sendo tudo, que sempre têm uma

palavra de motivação para me dar, e que se tornaram minhas amigas. Vocês

não sabem o quanto a proximidade que tenho com vocês é importante para

mim. Um beijo especial para: Danny, Patrícia, Valdete, Iandra, Gisele,


Edna, Fernanda, Nedja, Débora, Cristina, Ionara, Glei, Yslai, Ju, Leila,

Thaty, Wilzanete, Helenir, Helineh, Tatiane, Rosi, Eryka, Mari, Roseane,

Elisângela, Dri, Vânia, Thais A., Jennifer, Ellen, Caroline C., Mônia,

Athina, Adriana, Larissa, Patrícia, Abigail, Michelly, Caroline, Regina, Jéh,

Nalu, Rosana, Naiane, Cris, Danusa, Maria, Juscelina, Lauryen, Laís,

Natália, Luciana (Nana), Amanda, Márcia, Isabella, Kelliane, Bárbara,

Karol, Roseane, Nay, Rose, Adriana, Edi, Beeh, Sirleni, Kaká, Jéssica
Luiza, Vanessa, Paulinha, Fabi, Elisangêla, Juhh, Thamy, Sueli, Lizzi,

Cami, Kelly, Naiane, Vera, Isis, Ariane, Naira, Ariane, Fátima, Fernanda e

Eliaci.

Mas meu maior agradecimento é a você, leitora, que sempre

acompanha o meu trabalho, que deixa seus comentários nos meus posts ou

no meu privado, ou que está me conhecendo pela primeira vez através do


Derek. É com muito carinho que escrevo cada linha.
Beijos,
Nota
 
Apesar desse livro ter um casal que gosta de trocar farpas, O

Cachorro do Meu Vizinho não é uma história “enemies to lovers”, mas, sim,

o velho “cão e gato”.


 

 
Columbus – Ohio
Quinze anos atrás

Dessa vez Derek Sommerfeld tinha ido longe demais!

Que o playboy, um dos principais herdeiros da maior indústria de


produtos plásticos de Ohio, era metido, arrogante e galinha, eu não tinha

dúvidas. Que ele gostava de algazarra, festas e que era extremamente

irritante, também.

Nos três anos que estudávamos na mesma sala, já que Derek havia

reprovado uma vez, sem razão alguma, além do seu próprio prazer

maquiavélico, o idiota adorava pegar no meu pé com suas brincadeiras sem

graça. Infelizmente, em algum momento, o garoto mais popular e descolado


da escola havia me escolhido como um dos seus alvos.

Não sei se me sentia aliviada pelo fato dos seus colegas, igualmente

babacas, que participavam daquela “fraternidade” idiota que haviam criado,

não mexerem comigo. Acreditava que Derek já bastava para infernizar

dúzias de mim.

— Idiota — bufei, zangada, guardando um caderno e pegando outro


de dentro do meu armário, segurando-o debaixo do braço.

Coloquei uma mecha ruiva que tinha caído sobre o meu rosto e estava

me incomodando, atrás da orelha, e o xinguei novamente.


Era tudo por culpa dele! Além de ter ficado puxando meus cabelos de

um em um minuto, atrapalhando a minha concentração, o cretino teve que


pedir em um tom mais alto do que deveria que eu levantasse minha prova

para que ele pudesse ver as respostas.


Era óbvio que a professora iria perceber, ainda mais que ela era a
mais carrasca de todas, mas o que me deixava indignada era que a mulher

nem mesmo havia deixado eu dizer uma única palavra para me defender
daquele absurdo todo e ter tomado minha prova junto com a dele.

Transformar o meu possível A+ no meu primeiro F[1] com suas gracinhas


durante a prova foi demais até para ele!

— Droga! — disse mais alto do que gostaria.


Bati a porta do meu armário com mais força do que devia e a risada

daquele infame alcançou meus ouvidos, indicando que ele estava próximo
de mim.
Cerrei os dentes, sentindo dor pela intensidade da minha mordida.

— Laranjinha — falou em um tom divertido, e eu fiquei incrédula


pela audácia dele de voltar a dirigir uma única palavra para mim.

Virei-me em sua direção e coloquei as duas mãos na cintura, batendo


o pé, deixando evidente o meu descontentamento. Estava furiosa, raiva que

aumentou proporcionalmente ao escutar aquele apelido. Sabia que ele


poderia me chamar de coisa pior, como ferrugem, sardenta, algo que já
tinha ouvido durante o “elementary school”[2] e também no “middle

school”[3], porém Laranjinha me parecia tão desdenhoso quanto.

— O que você quer? — Fui ríspida.


— Alguém já te disse que você fica bonitinha quando fica bravinha?
— Seu tom era jocoso, a diversão chegando aos seus olhos escuros.

Encostou a lateral do corpo contra o móvel de ferro e cruzou os


braços sobre o peito, em uma pose relaxada.

Vendo-o assim, usando os cabelos negros arrepiados, bem como um


moletom de marca, com um sorriso que poderia ser considerado chamativo

nos lábios, com toda a atenção focada em mim, era compreensível porque
todas as meninas da escola pareciam sonhar acordadas com ele, querendo
uma chance ou um beijo de Derek.

O que não era o meu caso, claro, mas, mesmo que eu o detestasse
com todas as minhas forças, não podia negar que ele era bonito.

Muito lindo! E um grande imbecil; tinha que me lembrar sempre


disso.

— Ninguém merece. — Meu tom aumentou alguns decibéis e voltei a


emitir um som colérico em delay, revirando os olhos.
Não iria cair naquele papinho. Eu seria a garota mais burra da Terra

se me deixasse levar por aquelas palavras bajuladoras.


Gargalhou outra vez, como se eu fosse uma piada.
— Vá a merda, Derek!
Dei as costas para ele, já que não tínhamos mais nada para falar um
para o outro, e saí pisando duro, indo para o prédio em que eu teria aula de

matemática.
— Calma, Laranjinha — segurou-me por um dos ombros, me virando

na sua direção, gesto que fez com que o caderno que eu segurava caísse ao
chão —, não precisa ficar com tanta raiva de mim assim.
Olhei para a mão dele, que ainda permanecia sobre mim, com

desgosto.
— Me solte, Derek! — ordenei. — Não te dei permissão para

encostar um dedo em mim.


— Tudo bem, Laranjinha…

Hesitou por alguns segundos, mas fez o que pedi, surpreendendo-me,


já que às vezes o gênio dele fazia com que ele fosse rebelde; nem sempre
acatava ordens.

Ah, ele era um bad boy valentão nas horas vagas. Desprezível!
Ergueu as mãos em um gesto como se pedisse paz, o que era tarde

demais para nós dois.


— O que você quer? — Sei que iria me arrepender de fazer aquela
pergunta e dar ainda mais corda para ele. — Ter feito com que eu tirasse

nota baixa não é o suficiente para uma vida?


Passou a mão pelo cabelo cheio de gel.
— Me desculpe por isso. — Deu-me um sorriso torto, que eu
apostava uma nota de dez dólares que faria todas desmaiarem. — Eu estava

precisando de alguns pontos nessa matéria e estava encurralado.


— Se estava tão desesperado assim, era melhor ter estudado. —

Olhei-o de cima a baixo, contendo-me para não soltar uma série de


impropérios, o que definitivamente ele merecia. — Agora preciso ir para a
minha próxima aula.

Girando, peguei o meu caderno, esquecido temporariamente no chão,

e voltei a caminhar. Mas a voz dele fez com que a idiota que eu era parasse:
— Laranjinha?

Respirei fundo.

— Diga logo o que quer!

— Terá uma festa na casa do Chad e gostaria de te convidar para ir


comigo.

Virei-me para ele e, jogando a cabeça para trás, não contive a risada

alta que brotou na minha garganta. Senti pequenas lágrimas se formarem


em meus olhos. Eu não conseguia parar de rir descontroladamente por mais

que tentasse. E ver a sua expressão de desagrado fez com que eu

gargalhasse ainda mais. Algumas pessoas que passavam nos olhavam com
curiosidade, cochichando entre si, tentando compreender o motivo pelo qual

eu não conseguia me controlar. Apenas as ignorei.


— Essa foi a piada mais engraçada que escutei até hoje, Derek —

consegui dizer em meio a outra crise de riso.

Ele passou a mão pelos cabelos outra vez.


— Estou falando sério, Laranjinha. — Fez uma pausa, como se

procurasse argumentos para me convencer. — Terá a brincadeira da roleta

com garrafa.

Balancei a cabeça em negativa, fazendo com que uma mecha do meu


cabelo liso voltasse a cair sobre a minha face. Dessa vez, não a tirei, não

iria correr o risco de ele pensar que eu estava fazendo charminho.

Derek era muito tolo em achar que eu iria a uma festa onde rolaria
bebidas e sabe-se lá mais o quê. Se me chamassem de careta, que seja…

— Posso passar na sua casa para te buscar com meu carro. Se não

quiser ir na festa, podemos ir ao cinema algum dia.


Não iria dar sermão sobre a merda que ele estava fazendo em dirigir

sem carteira, por mais que uma partezinha de mim o quisesse.

— Sem chances, Derek. — Com o indicador, apontei para o peito

dele para enfatizar a minha fala. — Depois de hoje, você é o último garoto
com quem eu sairia, independente para onde for.
Escutei alguém murmurar um: “Ela é louca por rejeitá-lo”, seguido de

“Se ela não quer, eu quero”.

— Que pena. Íamos nos divertir muito.


Deu um sorriso triste e ficou cabisbaixo, como se realmente sentisse

muito pela minha recusa, o que eu tinha certeza de que era puro fingimento.

Derek era manipulador, fazia de tudo para conseguir o que queria, a prova

viva disso era a sua lábia para não ser reprovado em algumas matérias.
Dei de ombros. Além de que abrigava sérias dúvidas que poderíamos

nos divertir juntos.

— Mas se você mudar de ideia, é só me falar, Laranjinha. — Piscou


para mim.

Uma menina que passou por nós suspirou.

Antes mesmo que pudesse virar, fomos cercados pelos amigos deles,

que riam.
Não sei o porquê, mas me senti acuada, porém tentei me manter

firme, como se nada me incomodasse.

— E aí, cara…
Chad cumprimentou-o com um gesto das mãos, sendo seguido pelos

outros, que ainda riam e conversavam entre si.

— Ela disse sim? — Um dos amigos dele apontou para mim.

Derek balançou a cabeça em negativa.


— Infelizmente não, cara! — Falou em tom de desalento.

Alguém murmurou um palavrão.


— Você me deve vinte dólares!

Chad gargalhou chamando ainda mais a atenção das pessoas para nós,

em especial para mim. Quis que um buraco se abrisse sobre meus pés e me
tragasse.

— Nunca foi tão fácil tirar dinheiro de você, cara.

Todos riram e eu me voltei para Derek, vendo-o tirar uma nota do

bolso e entregar ao amigo.


— Deve a mim também — disse outro.

Demorou alguns minutos para que um raio de consciência me

atingisse. Derek tinha apostado que eu sairia com ele?


A raiva que senti daquele garoto aumentou ainda mais, bem como a

certeza de que eu fiz mais do que o certo em dizer não para aquele idiota.

— Eu sabia que você era um babaca, mas não imaginei que fosse

tanto! — Com a mão que não segurava o caderno, empurrei-o, mesmo


sabendo que estava me comportando de modo ridículo, já que ele não se

moveu nenhum centímetro, mas minha irritação com ele não conhecia

limites. — Vê se cresce, seu imbecil!


As pessoas riram ainda mais e os idiotas dos colegas dele começaram

a fazer piadinhas sem graça que acabavam respingando sobre mim.


— Laranjinha… — Ia começar a se defender, mas eu voltei a

empurrar os seus ombros, interrompendo-o com um rosnar furioso.

— Nunca mais fale comigo, seu crianção! — sentenciei, fazendo com

que Chad aumentasse ainda mais as provocações, enquanto algumas


pessoas me chamavam de tola.

Desvencilhei-me de Derek e empurrei os amigos dele com os ombros,

dando mais motivos para risada. Saí dali furiosamente, amaldiçoando


aquele imbecil, xingando-o mentalmente de diferentes nomes. Torcia para

que nunca mais o encontrasse na minha frente, senão, era capaz de

estrangulá-lo.

Quando cheguei em casa no fim daquele dia, foi com certo alívio e
alegria que recebi a notícia de que o meu pai tinha sido transferido para

outra cidade e que teríamos que nos mudar rapidamente. Só lamentei

mesmo quando tive que me despedir dos meus amigos que tanto amava!
Capítulo

— Tem certeza que não estou te atrapalhando, filha? — Ruth, uma


senhorinha de sessenta e seis anos, perguntou em um tom doce, carregado

de sotaque germânico, ao abrir a porta para mim.

— Claro que não, querida. — Cumprimentei-a com um abraço e dois


beijinhos, um em cada bochecha, enquanto equilibrava minha maleta de

maquiagem, e ela retribuiu. — Não perderia nunca a oportunidade de ajudá-

la para ir em um encontro com o Max.


E era verdade. Por mais que o dia de trabalho tenha sido cansativo,

que meus músculos estivessem moídos pela tensão e minha cabeça

explodindo de dor de cabeça pela noite insone, nunca poderia deixar de


ajudá-la, ainda mais quando sabia que aquele encontro não era apenas a

oportunidade de ela tentar recomeçar depois de sofrer anos com a viuvez


por um homem que eu desconfiava que tinha sido abusivo com ela. Fora

que fazia meses que o senhorzinho simpático e extrovertido vinha a

“cortejando”, já que, todos os dias, Max dava a ela uma rosa que colhia do
seu jardim. Eu achava o gesto extremamente fofo e romântico, então torcia

fortemente pelos dois.

Além de que, era aquela mulher baixinha que limpava as minhas


lágrimas quando a saudade do meu pai apertava o meu coração. Ela merecia

ser mais do que feliz!

— Está bem. — Seus olhos azuis cintilavam ainda mais. — Eu não


sei como te agradecer por isso, Iandra.

— Me agradeça se divertindo essa noite. — Sorri e apontei para


dentro da casa dela. — Vamos entrar?

Levou a mão à testa, dando uma batidinha nela.

— Estou completamente atordoada hoje. — As bochechas dela

coraram adoravelmente. — Sabe como é...

Fez um gesto para que eu entrasse e não hesitei em fazê-lo.

— Sei, sim — falei, divertida, embora fizesse muito tempo que não
me sentia daquela forma. Mas não estava ali para ficar refletindo sobre a
minha vida amorosa, mas, sim, a dela. — Uma expectativa que deixa um
friozinho delicioso na barriga — completei.

— Ou um vendaval que deixa tudo revirado. — Deu uma risada e eu

não consegui conter a minha gargalhada pelo comentário.

— Tenho que te dar razão — falei entre o riso.

Pisquei para ela.

— Você quer se arrumar aqui mesmo? — Mudei de assunto, focando


naquilo que importava. — A iluminação é boa o suficiente para que eu não

erre a mão e acabe estragando a maquiagem.

— Pode ser no meu quarto? — Demonstrou certo constrangimento

por me pedir tal coisa. — Tenho uma penteadeira que quase não uso lá.

— Okay.

— Obrigada. — Começou a andar em direção ao cômodo.

— Não por isso. — A segui e pedi assim que me aproximei da porta:


— Com licença.

Assentiu e, assim que eu entrei, tentei não reparar muito na decoração

para não ser invasiva.

— Pode colocar isso em cima da penteadeira — apontou para um

móvel antigo —, deve estar pesado.

— Meus braços que não estão prestando para nada — comentei, rindo
do meu próprio comentário, seguindo a instrução dela.
Deu uma risadinha, mas depois fez uma careta para mim.

— Eu que estou velha e é o seu corpo que está cansado. — Balançou


a cabeça em negativa e sua feição pareceu preocupada. — Você anda

trabalhando demais, Iandra. Você tem apenas vinte e sete anos, era para
estar se divertindo, saindo com os amigos, não na frente do seu laptop o dia
inteiro.

Coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha ao ouvir a


repreensão sutil dela.

Ruth estava certa, mas eu desejava aquela promoção e o aumento


mais do que tudo. Há meses eu trabalhava por isso. Se fosse honesta, queria

mesmo era provar para os meus colegas, principalmente Alec, que sempre
cochichou pelas minhas costas de que eu não era apta o suficiente para estar
à frente de grandes projetos publicitários, que sou capaz. A campanha que

estava desenvolvendo no momento era fundamental para alavancar a minha


carreira.

— Você sabe que eu…


— Eu sei, querida — interrompeu-me e tocou o meu rosto de maneira

maternal, de uma forma que fez com que eu sentisse falta da minha avó
paterna, que sempre tinha um carinho gostoso para oferecer —, mas, ainda
assim, sinto que você precisa cuidar melhor de si mesma. O trabalho é um

bom refúgio, mas você não pode se esconder nele para sempre.
— Verdade. — Respirei fundo e dei um meio sorriso. — Mas vamos

ao que interessa, não quero que você faça Max esperar. Já escolheu a roupa
que vai usar?

— Ainda não. — Soltou um som muxoxo e caminhou até o armário,


tirando algumas peças de dentro dele. — Estou em dúvida entre esse

macacão preto e o vestido.


Levei a mão ao queixo, completamente em dúvida também.
— Por que não prova os dois para eu ver qual fica melhor em você?

— Sentei-me na cadeira da penteadeira. — Podemos fazer um minidesfile.


— Assim? — Girou o corpo e fez uma pose que era digna de

passarelas.
Sorri ainda mais.
— Perfeita! — Incentivei-a.

Ruborizando outra vez, pegou as duas peças e correu para o banheiro


da suíte para se trocar.

Não me recordava de quanto tempo eu não ria de algo tão banal, mas
entre as gracinhas minhas e dela, que fazia um monte de poses, nunca havia

me divertido tanto. Acabamos optando por um outro vestido, um estilo


envelope, que ressaltava sua cintura fina e valorizava as pernas dela ao
alongá-las.
— Feche os olhos — pedi, depois de passar a base para esconder
algumas manchinhas, corretivo e finalizar o contorno, afinando o nariz dela.
Fez o que solicitei, então comecei a aplicar o fixador da sombra.

— Você ficou sabendo? — perguntou depois de vários minutos em


um tom que não deixava dúvidas de que ela iria contar alguma fofoca.

Apesar de Columbus ser considerada uma cidade grande, havia um


grande senso de comunidade no bairro germânico histórico em que
morávamos, então era inevitável acabarmos ficando sabendo de algum

mexerico.
— Do quê?

— De que a casa geminada à sua foi vendida?


Balancei a cabeça em negativa, mesmo que ela não pudesse ver por

estar de olhos fechados, e continuei a trabalhar na maquiagem dela


enquanto digeria a novidade. Não que o fato fosse mudar a minha vida,
porque, provavelmente, o contato seria mínimo. Eu só ficava em casa

durante as noites e nos fins de semana.


— Vi que removeram a placa de venda da frente, mas pensei que era

por terem desistido de negociá-la — falei —, afinal faz meses que estava
disponível para compra e não se teve uma proposta sequer.
— Isso é verdade. — Suspirou.
— Tomara que não sejam muito barulhentos — refleti em voz alta,
tempos depois, encontrando um único ponto negativo disso tudo.
Tinha pessoas que não conseguiam respeitar o próximo de maneira

nenhuma, e morar em uma casa geminada, exigia cumprir algumas regras.


Só me cabia torcer para que fossem pessoas com bom-senso.

— Mary, a corretora, me disse que ele é… um homem jovem e


bastante “gostoso”. — Frisou o gostoso, parecendo encabulada por proferir
aquela palavra, que na verdade não tinha nada demais, mas que talvez ela

achasse inapropriada para sua idade, o que era uma grande bobagem. Não é

porque ela tinha passado dos sessenta que não poderia achar alguém
atraente.

— Mesmo? — Mostrei o desinteresse que sentia pela informação

sobre aquele homem.

Ruth abriu os olhos e me fitou. As duas safiras cintilavam, repletas de


malícia e também esperança por mim.

— E é solteiro também — falou em um tom que parecia mais uma

conspiração e piscou para mim.


Não respondi.

— Parece que a ex-namorada dele quebrou seu coração. —

Demonstrou certa tristeza e não pude deixar de sentir alguma compaixão


por ele.
De corações partidos eu, melhor do que ninguém, compreendia.

Tentei voltar à racionalidade.


— Como você sabe disso? — Arqueei uma sobrancelha quando o

pensamento de que talvez fosse um exagero me invadiu.

— Mary que me disse.


— Você não deveria acreditar em tudo o que ela fala — chamei a sua

atenção suavemente —, sabe que Mary tem uma imaginação fértil.

Relembrei da vez que ela disse que um dos nossos vizinhos tinha

brigado com a esposa, mas ele apenas estava viajando.


— Mas porque ela inventaria isso?

— Sei lá.

— O que importa é que ele deve ser um partidão.


— Com certeza deve ser…

Dei de ombros, pouco disposta a continuar discutindo a veracidade

daquelas informações. A senhorinha alemã era muito cabeça dura quando


queria.

— Como pude me esquecer! — falou dramaticamente e eu realmente

pensei que era algo importante.

— Do quê? — Realmente fiquei preocupada.


— Mary disse que tinha lido isso em uma revista de fofocas!

Franzi o cenho.
— Ele é tão badalado assim?

— Acho que sim. Ela me disse que ele é quase um galã.

— Entendo. — Não estendi a conversa.


Rico ou pobre, famoso o suficiente para sair em tabloides ou não,

definitivamente, não me importava.

— Agora feche os olhos novamente, Ru — pedi.

Ela emitiu um som de reprovação, mas fez o que mandei.


— Você deveria tentar conhecê-lo, com certeza vocês poderiam se

“dar” bem. — Não escondeu a sua empolgação.

— Ruth! — dei um gritinho que a calou.


— Que mal tem isso, Iandra? — Abriu os olhos novamente. — Pelo

que eu sei, você também está solteira, ou não está?

Fitou-me intensamente e vi um pinguinho de mágoa nela ao pensar

que eu poderia ter escondido dela tal coisa, já que consideramos uma à
outra como confidentes, tanto de coisas boas quanto de ruins.

— Claro que estou sozinha — falei suavemente e o olhar dela se

abrandou. — Nunca esconderia isso de você, querida. Nem mesmo os


ficantes, que foram poucos, deixei de te contar!

— Jura?

— Sim.

Deu um suspiro de alívio cômico e eu não segurei uma risada.


— Então por que nem cogita a possibilidade de…

— Você nem sabe se ele irá com a minha cara, Ruth — a interrompi
novamente, não verbalizando o que realmente pensava, que se ele fosse

famosinho mesmo, haveria milhares de mulheres mais do que dispostas a

ficar com ele.


Sem dúvidas haveria opções muito melhores do que eu.

— Bobagem, filha. Ele seria um idiota se não quisesse uma mulher

inteligente, gentil e linda como você.

— Obrigada, mas sua percepção não conta, florzinha — brinquei com


ela —, você me ama demais para não ver os meus defeitos.

— Tolice. — Fez um bico de descontentamento. — Você é a neta que

nunca tive, mas, ainda assim, sei todos os seus defeitos.


— Então diga um — provoquei-a.

— Você é muito teimosa quando quer, Iandra! E está sendo nesse

momento.

Foi a minha vez de fazer uma careta para ela. Gargalhamos.


— E então?

— O então é que a senhorita está atrapalhando o meu trabalho. —

Bati as cerdas macias do pincel na ponta do nariz dela. — Deixa eu


terminar essa sombra logo, para que eu possa passar o batom.

— Tá, mas você não escapará dessa, Iandra.


Assenti em resignação. Sabia que em um momento ou outro ela

acabaria voltando naquele assunto.

— Pronto — disse vários minutos depois, terminando de passar o

gloss nos lábios finos, que pareceram mais avolumados pelo batom.
Acomodando-se melhor na cadeira da penteadeira, abriu os olhos e

ficou olhando para si mesma por vários minutos, como se não se

reconhecesse.
Sorri, satisfeita.

Ela não precisava proferir uma única palavra para eu saber que havia

amado. O seu rosto corado estava todo iluminado e o sorriso que tinha era

indicativo disso.
Ruth não parecia uma mulher frágil, mas, sim, uma “loba” no ápice

da vida e da sensualidade.

— Como estou?
— Sabe que está mais do que maravilhosa.

Deixei um beijinho no topo da sua cabeça.

— Se Max não achar, ele é um verdadeiro tolo — repeti suas

palavras.
Rimos.

— Eu não ficaria esse arraso sem você — falou depois que

conseguimos nos conter.


— Para isso que servem as amigas. — Sorri ainda mais. — Agora vou

recolher minhas coisas. Ficará feio se o seu pretendente chegar e eu ainda


estiver aqui.

— Tudo bem, filha, se você acha isso mesmo...

Enquanto guardava tudo, tentei acalmá-la, já que o nervosismo e a

expectativa começaram a corroê-la, bem como a insegurança, o que era


natural. Fazia mais de anos que ela não ia a um encontro, e Ruth queria

agradá-lo.

— Dará tudo certo — repeti pela milésima vez em um tom suave,


apertando a mão suada dela com a minha livre.

— Acho que sim… — suspirou baixinho.

— Se estiver desagradável ou se sentir desconfortável, você pode me


ligar que eu te busco de táxi — ofereci.

— Acho que não chegará a tanto, filha.

— Tenho certeza de que não — deixei um beijo em sua bochecha —,

mas, qualquer coisa, sabe que pode contar comigo.


Assentiu.

— Agora vou nessa, preciso loucamente de um banho.

— Okay. — Ela dizendo essa palavra carregada de sotaque ficava


uma verdadeira gracinha.
— Depois vou querer saber de tudo. — Pisquei. — Vou ficar
esperando sua ligação.

— Devo chegar tarde.

— Sabe que ficarei acordada até tarde, Ru.


— Menina… — disse em tom de aviso.

— Vou me cuidar.

Dei outro beijo nela e a abracei. Ela fez um gesto de negação com a
cabeça, provavelmente se dando por vencida.

— Boa noite, querida — falou.

Quando dei as costas para ela, a mulher soltou um suspiro audível e

cheio de melodrama.
Rindo, dando um último tchauzinho, caminhei em direção a minha

casa.

Quando alcancei o sobrado geminado, foi impossível não olhar para a


porta ao lado e pensar no homem que a ocuparia no futuro, se ele realmente

era bonito ou não, mas principalmente se ele era bacana, extrovertido, gentil
e verdadeiro.
Foi a minha vez de emitir um som baixinho ao colocar a chave na

fechadura e girar a maçaneta, mas não sem antes culpar Ruth por ter
incitado a minha curiosidade, algo que faria de tudo para não me deixar
levar.
 

— Chegou bem, querida? — Foi a primeira coisa que perguntei para


Ruth ao atender a ligação.
Era pouco mais de dez e meia da noite e, embora não estivesse de fato

preocupada com ela, tínhamos a mania de sempre perguntar primeiro se


estávamos bem.
— Sim, estou maravilhosamente bem — sua voz soou animada.

Sorri, sentindo meu coração quentinho por ela.


— Me alegro e muito por você. — Fiz uma pausa — Como foi?
— Ele me levou para um restaurante chique, menina. — Deu uma

risadinha e eu ri também, contagiada pela alegria que havia nela. — Nós


dançamos também.
— Hmm....

Batuquei meus dedos sobre a mesa, esperando ela me contar mais


detalhes, pois sentia que havia algo mais que ela não tinha me dito.

Suspirou fundo e disse a queima roupa: — Ele me beijou!


Gargalhei com o tom surpreso e envergonhado que Ruth usou.
— Mesmo?

— Sim — falou em meio a um arfar.


— Isso é bom! Gostou? — Minha voz soou maliciosa.
— Iandra!
— Não é crime gostar, pelo contrário. — Sabia que ela deveria estar

completamente corada. — Estudos dizem que é bom para a saúde.


— Então você deveria aproveitar sua juventude e beijar mais —

retrucou em um tom doce que eu sabia que não era nada inocente.
Fiz uma careta.
— É… — Inconscientemente, toquei uma mecha do meu cabelo.

Realmente, desde que terminei meu relacionamento, há seis meses, eu


não sabia o que era me envolver com alguém. E, se fosse honesta, a maior
culpada era eu mesma. Ao mesmo tempo em que sentia que não estava mais

na fase de apenas curtição, tinha medo de que me ferissem outra vez.


— Foi uma noite ótima! — Não continuou naquele assunto que me
incomodava e voltou a falar do seu encontro: — Não esperava que iria me

divertir tanto. Max é tão engraçado, charmoso…


Suspirou, como se fosse uma adolescente apaixonada. Apostava que
naquele momento ela deveria estar sentindo borboletas no estômago. Se

fosse possível, fiquei ainda mais feliz por Ruth.


— Um partidão — repeti as palavras que usou mais cedo. — Se eu

fosse você, não bobeava.


Deu uma risadinha e emitiu um bocejo.
— Não, não posso. Mas vou tomar um banho e dormir, filha. Posso
ter me divertido muito, mas meu corpo não é mais lá essas coisas,

infelizmente. Mas é a vida, não é mesmo?


— Bobagem, você é mais ativa do que eu. — Tentei animá-la
novamente.

Suspirou outra vez.


— Você também deveria ir dormir — ordenou em tom maternal.

— Daqui a pouco eu vou.


Bufou.
— Não minta para mim, mocinha — ralhou. — Te conheço.

— Ok, Ru.
— Não fique até tarde.
— Tentarei. — Fui honesta.

— Boa noite, Iandra. Eu te amo como a filha que nunca tive e me


preocupo com você.
Senti que algumas lágrimas começaram a se formar em meus olhos

com a demonstração de afeto dela.


— Também te amo, querida. — Minha voz soou embargada.
— Iandra? — chamou-me, antes que pudesse desligar a chamada. —

Como faço para tirar tudo isso da cara?


Rindo, falei que tinha deixado um produto em cima da penteadeira e

que era só passar com um algodão que tudo sairia sem muito esforço da
parte dela. Nos despedimos outra vez, e eu fiquei olhando para a tela do
aparelho sem de fato a enxergar. Só sai daquele transe quando o badalar dos

sinos da Igreja de Saint Mary ecoaram onze vezes, indicando as horas.


Massageando as minhas costas doloridas pela posição, ergui-me da minha
cadeira e caminhei para fora do meu escritório. Tudo o que eu precisava era

de uma boa caneca de café.


Capítulo

— Não acredito que Ruth acabou me convencendo disso — murmurei


para mim mesma, abrindo o forno e conferindo se os meus “famosos” não
tão “famosos” cookies de confeitos estavam prontos.

Ciente de que estava no ponto perfeito e que provavelmente o

chocolate derreteria na boca, coloquei uma luva e tirei o tabuleiro lá de


dentro. Pousando a forma em cima da bancada de mármore, para deixar os
biscoitos esfriarem um pouco, fechei a porta do eletrodoméstico. Sentindo a
minha boca salivar mesmo que estivessem quentes, não resisti em pegar um,

o que foi um erro, pois queimou as pontas dos meus dedos. Infelizmente
quem disse que “Os tolos vão aonde os anjos temem ir[4]” tinha razão até

mesmo naquele caso.


Larguei o cookie e sentei-me na banqueta para esperar uns instantes,
pensando pela milésima vez se presentear meu vizinho misterioso com
biscoitos não seria um erro. Apesar de ser um gesto de boas-vindas mais do

que corriqueiro, estava duvidando da minha sanidade. Por quê? Não tinha
ideia.
Fazia alguns dias que ele havia se mudado e nunca o tinha visto
pessoalmente, para decepção de Ruth, que parecia louca para saber mais
sobre ele, embora nesse curto espaço de tempo não duvidasse de que Mary

tinha contado várias fofocas. Talvez a Ru até tenha me contado algumas,


mas ultimamente eu estava avoada demais. Ela inclusive deve ter dito o
nome dele, porém não gravei.
A única coisa que sabia era que meu vizinho tinha um cachorro. Era
impossível ignorar os latidos doces do cachorrinho, principalmente pelas
paredes serem bastante finas. Não que me importasse com isso, afinal era
melhor um bichinho fazendo barulho, brincando, do que prostrado. Também

tinha o visto perambulando pela área comum compartilhada pelas duas


casas, correndo de um lado para o outro. Tinha que admitir que o corpinho
todo branco e o rostinho marrom salpicado por pelinhos também brancos na
região do focinho tornavam o cachorrinho uma verdadeira fofura.
Gostava bastante de animais e não compreendia porque eu não tinha

um. Talvez eu estivesse usando outra vez o trabalho como desculpa, era
muito mais fácil.
Suspirei, olhando para o meu computador em cima da bancada,
pensando no trabalho que tinha que fazer ainda hoje.
— Mais tarde — falei para mim mesma.
Não usaria minha profissão mais uma vez como justificativa para não
ir conhecer meu novo vizinho. O que de ruim poderia acontecer? Descobrir
que ele não passava de um mal-educado?
— Tola!

Ri da minha cara, me chamando de infantil e covarde.


Balançando a cabeça, estiquei a mão, tentando pegar outra vez o
cookie. Dessa vez, estava menos quente. Partindo-o ao meio, levei um
pedaço à boca e mastiguei devagar, sentindo o chocolate explodir em minha
língua.
— Hmmm. — Gemi e me senti mais do que tentada a comer toda a
travessa, mas logo me recriminei: — Pare com isso, Iandra!
Suspirando e munindo-me de coragem, coloquei os cookies em um
pote e fiz um lacinho, como se fosse um presente. Antes que saísse pela

porta, parei em frente ao espelho do closet de entrada, conferindo se eu


estava minimamente apresentável. Novamente, culpei a senhorinha por ter
colocado minhocas na minha cabeça. Não era porque Ruth estava feliz em
seu envolvimento com um dos nossos vizinhos que eu teria o meu final feliz
com o homem que morava na porta ao lado, mas, ainda assim, me pegava
desejando aparentar o mais bonita possível. Porém a calça legging, a regata e
a ausência de maquiagem, que deixava à mostra todas as sardas que aprendi
ao longo dos anos a aceitar, não contribuíam muito. Não que eu me achasse
feia, muito pelo contrário, mas a minha autoestima andava bem próxima ao
dedão do pé ultimamente.
— Paciência!
Balancei a cabeça, fazendo os fios do meu cabelo ricochetearem no
meu rosto, me desarrumando ainda mais.
Com o estômago embrulhado por um nervosismo infundado, abri a
minha porta e, com três passos, alcancei a dele. Toquei a campainha e, em
meio a latidos, escutei a voz masculina grossa que fez com que eu sentisse

os pelinhos da minha nuca arrepiarem.


— Um momento, por favor.
— Claro.
Não sabia dizer quanto tempo precisei esperar, talvez tenha sido
apenas um minuto ou dois, pois tudo o que estava ciente era dos latidos e do
meu coração batendo forte no peito, tão alto quanto os sons que o pequeno
emitia. Fiquei então ali observando os tijolos vermelhos, o que era
praticamente uma marca arquitetônica do bairro histórico em que
morávamos, já que quase todos os prédios eram feitos daquele material.
A primeira coisa que vi quando a porta foi aberta não foi o meu
vizinho, mas, sim, o cachorro, que me recepcionou vindo trançar nas minhas
pernas antes de começar a me cheirar freneticamente.
— Charlie, não. — O homem soltou um grito, porém o animal não o
obedeceu, e deu a volta para cheirar a minha bunda.
— Aí não, garoto! — Me virei, ficando de costas para meu vizinho.
Com a mão livre, acariciei o topo da cabeça do cachorrinho, que logo
perdeu o interesse em mim ao ver um gato passando, correndo atrás dele,
mas o outro animal era mais esperto, e subiu em cima do telhado.
— Desculpe-me por isso, Laranjinha — murmurou o homem. —
Charlie não costuma ser tão travesso, acho que ele deve estar estranhando a
nova vizinhança.

Não mais prestei atenção no que ele falava, pois fiquei presa no
apelido sem graça que pensei que nunca mais iria escutar alguém
pronunciando. Deveria estar tendo um sonho, ou melhor, um pesadelo,
acordada. Mas a razão da minha mente ter evocado Derek depois de tantos
anos me era uma incógnita. Dizendo a mim mesma que eu estava
imaginando coisas e que eu devia ter escutado errado, aprumei-me, girei em
direção a porta e encarei o meu vizinho.
Segurei a vasilha cheia de cookies com mais força do que era
necessário ao contemplar os cabelos pretos cortados em um penteado
moderno, em que o topo era mais comprido do que as laterais, os olhos
negros emoldurados por sobrancelhas grossas, o bigode e a barba que o
deixavam ainda mais másculo.
Sexy!
Mas era o maldito sorriso de canto que tinha em seus lábios que não
me deixava nenhuma dúvida de que, por mais que eu quisesse, eu não estava
imaginando coisas.
Meu novo vizinho era o Derek Sommerfeld!
Gemi baixinho, completamente incrédula. Por que de dentre tantos
homens que existiam no mundo, tinha que ser justamente ele? Ou era carma,
ou eu que era a pessoa mais azarada do mundo.

— Está tudo bem, Laranjinha?


Perdi a fala quando flexionou seus músculos, que já eram bastante
evidenciados pela blusa de malha justo ao corpo; sem dúvidas seria bastante
firme ao tato.
Foi impossível não me deixar levar pela curiosidade e contemplar o
restante do corpo dele. Era musculoso. Imaginava que o abdômen dele teria
mais gominhos do que o recomendado para qualquer um.
Duvidava que eu ainda tivesse bom-senso, que tinha um pouco de
juízo, já que não parava de fitá-lo.
Droga! O tempo tinha sido bastante generoso com aquele babaca. E
podia apostar com qualquer um que esse cachorro usava seus “dotes” para
sair pegando todas que via pela frente; conhecia bem aquele tipinho.
Como ele não obteve nenhuma resposta da minha parte, riu baixinho,
um som rouco que poderia ser sedutor em qualquer outro homem, mas não
em Derek. Instantaneamente, senti meu corpo inteiro ficar rígido.

— Laranjinha? — insistiu.
— Por que não estaria? — devolvi a pergunta em tom defensivo.

Se antes eu tentei colocar na minha cabeça que os meus temores em


conhecer o meu novo vizinho eram infundados, agora estava ciente de que

deveria ouvir mais a minha intuição. Eu deveria ter passado longe daquela
porta. Com certeza teria evitado problemas. Sem dúvidas, Derek seria um

problema: um dos grandes!


Blasfemei mentalmente. Não acreditava em misticismo nem era adepta

a superstições.
— Ainda continua linda quando fica brava, Laranjinha. — A voz

grossa soou aveludada, aduladora, mas não era nada se comparada ao olhar
de Derek.
Ele analisou cada pedaço do meu corpo, lenta e maliciosamente, e, de
uma maneira não tão boa, percebi que ele aprovava o que via.

Canalha! Se ele achava que assim iria conseguir algo de mim, estava

completamente errado.
A cada segundo daquele escrutínio, eu ficava com mais raiva.

Então por que diante daquela olhada de Derek minhas pernas ficaram
levemente bambas e meu coração bateu mais forte no peito? Ignorei aquela

sensação desconcertante que não deveria estar sentido.


— Mas o que você está fazendo aqui? — Mudou de assunto

bruscamente.
Ele arqueou a sobrancelha negra e, colocando-se sobre os calcanhares,

começou a acariciar Charlie, que pareceu cansado de explorar tudo e se


contorcia sob o toque do seu dono, emitindo sons de apreciação.

Aproveitei para me recompor e controlar as emoções confusas que ele


tinha despertado em mim.

— Moro na casa geminada à sua. — Congratulei-me pela minha voz


ter saído mais firme.

Derek afastou a atenção do cachorro sapeca e me encarou fixamente;


os olhos negros tinham um brilho indecifrável. Desviei o olhar quando

comecei a sentir um calor se espalhar pelo meu corpo.


Que raios estava acontecendo comigo? Deveria ser carência, só pode!
— Mesmo? — Outra vez aquele sorriso provocante, que de forma

alguma mexia comigo, apareceu. — Fico feliz em saber disso, Laranjinha.


Soprei, exasperada, alguns fios caindo sobre meus olhos.

— Pena que não posso dizer o mesmo.

Riu, som que ecoou em meus ouvidos junto com o barulho do rabo do
cachorro sapeca batendo contra a madeira do assoalho enquanto continuava

a receber carinho do seu dono desagradável.


— O que que eu fiz para que você ainda me odeie desse jeito, mesmo

depois de terem se passado tantos anos?


— Preciso mesmo listar, Derek?

Balançou a cabeça em negativa.


— Não, não é necessário.

Seu sorriso pareceu ficar maior e também mais caloroso.


— Bons tempos que não voltam — falou em um tom baixo, quase

saudosista, e eu tive certeza de que ele falava mais para si mesmo.


Fiz uma careta em discordância.

— Mas para a minha defesa — continuou a linha de raciocínio anterior


—, eu era um idiota naquela época.

Foi a minha vez de arquear a sobrancelha para ele.


— Fico surpresa que admitiu.

Deu de ombros e se ergueu.


Derek parecia um gigante se comparado a mim, se bobear, minha
cabeça batia na altura do seu peito. E todos aqueles músculos me faziam

sentir pequena, ainda que não fosse baixa com os meus um metro e setenta.

Charlie grunhiu e, parecendo se sentir rejeitado, voltou a esfregar seu


corpinho nas minhas pernas.

Fitei meu vizinho, e ele pareceu sério ao dizer: — As pessoas mudam,


Laranjinha, e eu mudei… — Quase acreditei nele, mas o apelido odioso me

impediu.
— Que bom para você. — Fui sarcástica.

— Vejo que sua personalidade continua a mesma… — Voltou a sorrir


daquele jeito irritante. — Briguenta!

Não respondi sua provocação, e um silêncio caiu pesado entre nós, um


bom indicativo de que não tínhamos nada a ver um com o outro.

— Isso é para mim? — Apontou para a vasilha de biscoitos que eu


segurava.

Poderia dizer que não, porém seria ainda mais infantil do que Derek ao
negar.

— Fiz cookies de chocolate. — Estendi a embalagem para ele. — Não


deve ser o primeiro presente de boas-vindas que você recebe.

Seus dedos roçaram nos meus ao pegar o pote e eu senti um pequeno


choque com aquele simples roçar inocente, outra tolice da minha parte.
— Não, não foi — admitiu em um tom divertido. — Acho que foi a

terceira, ou a quarta, perdi as contas.

Cachorro safado! Não sei por que estava perdendo meu tempo com
ele.

— Posso ver que odiou. — Fui ácida.


— Se quer mesmo saber a verdade, Laranjinha — voltou a ficar sério

—, hoje não sou muito fã de ser assediado dessa forma. Para ser sincero,
abomino.

Ri e ele franziu o cenho.


Dificilmente acreditaria nele. Poderia ser uma generalização errônea

da minha parte, mas não podia acreditar que um homem bonito como Derek,
para não dizer outras palavras que realmente faziam jus a ele, mas que nunca

ousaria pensar ou pronunciar, não gostava de ter uma fila de mulheres


querendo dar as boas-vindas e agradá-lo com presentinhos.

— Qual é a graça, Laranjinha?


Antes que pudesse responder, Charlie exigiu minha atenção com o

focinho e as patinhas. Aproveitando a distração mais do que bem-vinda,


agachei-me, colocando todo meu peso sobre os calcanhares, deixando que o

cachorro me cheirasse e desse pequenas lambidas que me faziam rir, ainda


mais quando os bigodinhos roçavam minha pele.
— Charlie parece ter gostado muito de você — Derek comentou
tempos depois em um tom suave.

— Verdade, não é, querido? — Deu-me uma cabeçada em resposta e

eu gargalhei.
— Me surpreende bastante porque ele tem medo de desconhecidos.

— Entendo…
— Deve ter sofrido maus tratos antes de ser adotado…

— Sinto muito por isso, pequenino. — Não hesitei em dizer.


Enquanto acariciava os pelos macios, dei um beijinho no focinho

molhado. Entrando na brincadeira, Charlie, que ainda me dava pequenas


lambidas pelo rosto, pegando-me desprevenida, sem querer, em sua

inocência, deixou uma beijoca em meus lábios antes que pudesse afastá-lo.
— Cachorro safado — falei, rindo, ao mesmo tempo que balançava a

cabeça, fazendo com que meus cabelos ficassem mais em desordem. — Mas
eu te perdoo por isso.

Deixando um último beijo no seu rostinho fofo, ergui-me e reparei que


Derek me encarava fixamente, com uma expressão estranha no rosto.

— Bom, vou indo nessa, Derek — comecei a me despedir, ficando


sem jeito outra vez diante dele. E acalorada.

Merda! O homem que Derek havia se tornado era mil vezes mais

sedutor do que aquele garoto que conheci, de um jeito que eu sequer poderia
imaginar. Esse pensamento é um completo absurdo, eu sei, mas o mais

ridículo era sentir um pinguinho de atração por aquele imbecil.

A partir de hoje, estava determinada a evitá-lo o máximo possível. Não


era porque morávamos lado a lado que precisávamos manter contato.

Tirando Ruth e as vezes Max, eu pouco conversava com os outros vizinhos.


— Não quer entrar, Laranjinha? — perguntou, provavelmente, por

educação. — Posso fazer um café para nós.


— Não, eu preciso trabalhar. — Era verdade.

— Tudo bem. — Pareceu um pouco decepcionado, mas eu sabia que


ele era bom em dissimular. — Quem sabe numa próxima?

— Sim, quem sabe — menti. Não haveria oportunidade.


Lançando um último olhar para o rosto dele, virei as costas e caminhei

os poucos passos que separavam nossas casas. Foi só quando fechei a porta
atrás de mim, girando a chave na tranca, que me senti mais segura e deixei

as emoções atordoadas do meu reencontro com Derek me dominarem.


Não compreendi a decepção que me invadiu e não sei se gostaria de
entendê-la. Era melhor assim.
Capítulo

Quando ela deu as costas para mim, foi instintivo olhar para a bunda
da Laranjinha, bem como sentir a boca secar com o desejo que me acometeu.
Era redonda, grande em proporção ao corpo pequeno e delgado, e

deliciosamente empinada, tão atrevida quanto a sua dona de narizinho em pé

com pequenas sardinhas, decorado com um piercing delicado. Não havia


dúvidas que minha cara estava abobada.
Soltei um suspiro longo, lamentando que a distância entre nossas casas
fosse curta demais, o que me impediu de continuar contemplando-a.

Iandra sempre foi uma menina linda na minha visão, apesar de que na
época da escola ela era um pouco magricela, quase sem nenhuma curva. Mas
crescida, ela estava gostosa pra caralho!
E as sardas que a Laranjinha tinha, porra, sempre tinham despertado a
minha curiosidade, morria de vontade de descobrir se elas cobriam todo o

seu corpo ou se concentravam apenas no seu rosto. Ver que as manchinhas se


espalhavam pelos ombros de aparência macia e também por todo o topo dos
seios firmes, expostos pelo decote da regata, havia atiçado a minha vontade
de tocá-las com a minha boca.
Não me recordava da última vez que me senti tão atraído por uma

mulher como estava agora.


Torci meus lábios, fazendo uma careta, ao pensar que a Laranjinha
ainda guardava rancor de mim pelo que eu tinha aprontado com ela no
passado. O fato dela aproveitar a primeira oportunidade para sair correndo,

dizendo que tinha trabalho para fazer, me dizia muito.


Não que eu realmente a culpasse. Fui um adolescente extremamente
idiota e ainda fiz milhares de coisas que me arrependo amargamente e que
não gostava de sequer lembrar. Eu odiava o Derek do passado, mas eu sabia
que os erros dele me tornaram o homem que eu era hoje.
Hoje, sou um homem centrado, sério, longe de ser o imbecil
mulherengo e cachorro que um dia fui, mas, ao que parecia, Iandra não iria

acreditar nisso.
Maneei a cabeça quando o latido de Charlie me fez sair do transe que

estava. Fitei o cachorro, que me encarava com a língua para fora, como se
estivesse com sede, e que sacudia a cauda vigorosamente.
— Vamos para dentro, amigão — estalei os dedos da minha mão livre,
o chamando para entrar —, antes que eu continue passando mais vergonha
ficando parado na porta feito um idiota, babando.
Virei as costas e Charlie me seguiu, trotando para dentro de casa,
batendo o rabo. Fechei a porta atrás de nós.
— Seu cachorro safado — falei com Charlie ao recordar da interação
da Laranjinha com o cachorro.

Ele parou de andar e virou-se ao ouvir o som da minha voz. Sentando


no lugar onde estava, tombou a cabeça como se estivesse curioso ou
entendesse aquilo que eu estava dizendo a ele, embora soubesse que isso não
era possível.
— Eu te invejo, sabia? — Começou a bater cauda contra o chão
enquanto a língua estava para fora. — Queria ter sido eu a beijar aqueles
lábios volumosos, amigão.
O cachorro latiu para mim.
— Aquelas sardas próximas a boca dela, porra, serão a minha

perdição. Pena que a dona delas não parece muito disposta a ter seus lábios
deslizando contra os meus...
Fiz uma careta quando o cachorro emitiu um som estranho, parecendo
rir de mim.
— Pelo contrário, Laranjinha parece mais do que propensa a usar sua
boca para falar mal de mim. Ou me xingar. — Olhei para o animal. — Você
ri de mim, né, seu meliante?
Um choramingar saiu pela boquinha de Charlie e eu acariciei o topo da
sua cabeça, grato pela lealdade masculina que compartilhávamos.
— Quem sabe um dia… — Dei de ombros. — Nunca se sabe, não é
mesmo?
Ele ergueu uma patinha para mim, um gesto raro da parte dele, e eu a
segurei, como se fechássemos um negócio.
— O que me resta é saborear o presente de “boas-vindas” que ganhei
daquela fujona…
Balancei a vasilha, atraindo a atenção do cachorro, que pelo visto tinha

a esperança de ganhar um dos cookies, o que não aconteceria. Teria que


suborná-lo com algum biscoito canino.
Charlie correu na minha frente, indo em direção a cozinha, e eu
suspirei. Em poucos passos, alcancei o cômodo recém-reformado e deixei o
pote em cima do balcão. Lavei as minhas mãos, coloquei um pouco de leite
para ferver e tirei a caixa de biscoitos caninos do armário.
— Infelizmente, você não pode com chocolate, amigão — falei
quando cuspiu o petisco que lhe dei —, então terá que se contentar com esse.
Grunhiu. Então, como o trouxa que eu era por não conseguir resistir
àquela carinha pidona dele, peguei outra guloseima que estava mais do que
ciente de que ele iria querer. Dito e feito, pois antes mesmo que eu jogasse o
ossinho, Charlie começou a sapatear e lamber os lábios. Pegou o snack
natural, que era maior do que a boca dele, e levou-o para sua caminha todo
contente.
Tirei a chaleira do fogo, separei os ingredientes, e logo o meu
chocolate quente ficou pronto. Dei um gole e acabei queimando um pouco
os meus lábios. Abri a tampa da vasilha em que estavam os biscoitos e
peguei um. Gemi quando o sabor explodiu em minha boca, e eu salivava a
cada mordida que eu dava. Ela havia caprichado na quantidade de chocolate
e aquilo para mim era o paraíso, já que eu era viciado em doces, mesmo que

meu corpo malhado dissesse o contrário.


— Caralho, Laranjinha — falei para mim mesmo —, suas mãos são de
fada.
Peguei mais um cookie. Quando estava prestes a enfiar na boca, para o
meu desgosto, meu telefone começou a tocar. Queria muito ignorá-lo, mas a
insistência fez com que eu colocasse o meu biscoito sobre a pia. Irritado,
puxei meu celular do bolso e atendi, sem nem olhar o nome no visor.
— Derek Sommerfeld, boa tarde.
— Para que tanta formalidade, mano?
— Marshall — bufei o nome do meu irmão mais velho.
— Que humor azedo do caralho… — Ele fez uma pausa. — O que eu
interrompo de tão importante? — perguntou maliciosamente.
Emiti um som exasperado.
— De comer meus cookies.
Gargalhou tão estridentemente que feriu meus ouvidos.
— Pensei que era uma garota…
— Você sabe que não, Shall.
— Sei…
O filho da puta sempre gostava de me provocar naquele assunto,
principalmente pelo meu passado mais do que condenável, em que eu era um

verdadeiro cachorro, conduta que agora abominava e odiava recordar, mas


sabia que o meu irmão só queria que eu encontrasse o que ele tinha achado
em Sybill, uma companheira que me apoiasse nos altos e baixos da vida, que
fosse fiel e que me amasse loucamente ao ponto de relevar meus defeitos. Eu
até pensei que tinha conseguido encontrar essa pessoa, mas acabei me
enganando, porém isso não me impedia de acreditar que um dia eu
encontraria a minha metade.
Não podia negar que o invejava um pouquinho...
— Mas não é para falar da minha vida que você me ligou, não é? Se
bem que…
— O quê? — Pareceu curioso.
— Você não acredita quem é a minha vizinha de porta…
— A vadia da sua ex? — cuspiu, com raiva.
Fazia vários meses que não a via, e dava graças por isso.
— Não, felizmente não. — Ouvi o suspiro do outro lado da linha,
cheio de alívio. — Isso seria um inferno.

— Com certeza! — Fez uma pausa. — Quem é a mulher?


— A Laranjinha…

— Aquela garota que você implicava na escola?


— Ela mesmo.

Não sei por que, mas minha voz soou mais animada do que deveria, e
eu sabia que o meu irmão não era tolo para não perceber.

— Caramba, Derek, e você ainda fica feliz por isso? Ela te detestava!
— E ainda parece me detestar — confessei. — Mas você sabe que não

sou mais aquele idiota de antes.


— Não, não é, mas parece que você não mudou em um aspecto…—

disse —, você ainda é caidinho por ela.


Franzi o cenho mesmo que meu irmão não pudesse ver.
— Nem a conheço mais! — Me defendi. — Só a encontrei uma única
vez e não faz nem uma hora.

— Hmmm. Mas se tiver chance, tenho certeza que irá querer saber

mais sobre essa menina.


— Mulher — o corrigi.

Não iria me dar o trabalho de negar sua afirmação, porque não podia
mentir e dizer que não fiquei atraído, até demais para o meu gosto, pelo

corpo dela, pela sua boca, pela sua voz e pelos seus cabelos alaranjados
como o pôr do sol. E eu sempre me senti atraído pelo seu jeito briguento e

também ácido. Ela era um contraste à minha personalidade. Talvez fosse isso
que me impelia a ela.

— Você sempre foi fissurado nela, Derek. Só era babaca demais e não
sabia lidar com a rejeição.

Bufei. Provavelmente Marshall tinha uma pontinha de razão, aquela


implicância toda que tinha com ela deveria vir de algum lugar, mas nunca a

analisei detidamente. Porém, nesse momento, não poderia dizer que era uma
obsessão, era só a curiosidade de um homem perante uma mulher gostosa

pra cacete. Posso não ser o cachorro de outrora, mas tinha dois olhos que
viam muito bem, além de um pau que, apesar de há muito tempo não ser

utilizado, ganhava vida só ao pensar no corpo dela e em todo o prazer que


poderia obter ao me afogar no calor úmido dela.
Me ajeitei no assento e olhei para minha pelve com o cenho franzido,

ao ver que começava a ficar animado.


Porra! Bastava a mera ideia de ter aquela mulher gemendo enquanto

eu me afundava nela para me incendiar.

Balancei a cabeça em negativa, achando o indício de ereção absurdo;


não era hora, nem lugar, muito menos enquanto estava ao telefone com o

meu irmão.
— Pelo menos ela é solteira, mano? — Marshall tirou-me do transe

com aquela pergunta que me soou irritante.


Pensando com a cabeça de baixo, não me passou pela cabeça que a

Laranjinha poderia ser comprometida, o que era bastante provável. Fechei a


cara com o banho de água fria que levei.

— Não sei. — Fui sincero.


— Caramba, Derek.

— Não posso dizer que nós dois tivemos uma conversa de verdade,
não ainda.

— Entendo. — Inspirou fundo. — Só posso te desejar sorte, porque


acho que você está fodido mesmo que ela seja solteira.

— É.
Passei a mão pelos meus cabelos lisos, consciente que provavelmente

estaria ferrado se eu me interessasse de verdade por aquela vizinha que me


detestava.
— Já terminou de arrumar todas as suas coisas? — Mudou de assunto.

— Faltam só algumas caixas com objetos pessoais, o restante foi feito

pela equipe de mudança e pelos decoradores. Afinal de contas, ainda sou um


Sommerfeld. — Brinquei com Shall, relembrando-o de uma matéria que saiu

na época em que éramos adolescentes e fomos chamados nas entrelinhas de


vagabundos. Éramos, mas não mais.

Marshall era hoje um CEO sério e respeitado e eu, bem, era


considerado por muitos como um homem maçante e desinteressante.

Ele bufou.
— Mas por que me ligou? — questionei depois que ficamos em

silêncio. — Você está atrapalhando a minha degustação dos cookies.


— Sei que você deve estar ocupado se preparando para o início das

aulas, mas na terça teremos uma reunião em que sua participação será
necessária.

Como eu não era muito bom com números, parte do patrimônio que eu
havia herdado era administrado pelo meu irmão, que não apenas fiscalizava,

mas também o multiplicava, fazendo com que ganhasse ainda mais dinheiro,
e eu dava graças por isso. Ele era muito bom no que fazia e eu confiava

cegamente no tino dele.


— Compreendo. Do que se trata?
— Lembra do negócio que eu disse que estava interessado?

— Sim, Shall. — Recordei-me da vez que ele tinha me explicado que

ele vinha sondando a compra de uma empresa de entretenimento para


crianças que, apesar de ter um bom público, era mal administrado.

— Enviei os contratos de aquisição para você dar uma olhada e iremos


discutir os termos nessa reunião.

— Okay, depois checarei meu e-mail.


Ele continuou a dar uma série de explicações e, enquanto ele falava e

eu apenas escutava, aproveitei para comer um dos biscoitos.


Porra, eu poderia ficar viciado naqueles cookies. O difícil seria

convencer a mulher que os preparou a fazer mais para mim. Talvez eu


devesse pedir a receita e prepará-los eu mesmo.

Marshal tagarelou por alguns minutos, agora contando sua impotência


ao ver minha cunhada sofrendo com dores na região lombar por conta da

barriga que se tornava cada vez mais pesada, com os pés e mãos inchadas, e
como ele não poderia estar mais ansioso para a chegada de Devon. Confesso

que eu também mal podia esperar para segurar o meu sobrinho nos braços.
Seria o titio mais babão do planeta, tanto que sorri abobado enquanto Shall

falava sobre o quanto o menininho chutava na barriga da mãe.


— Vamos almoçar juntos na terça?

— Claro.
— Preciso desligar, mano. Boa tarde e até mais.
— Para você também — respondi, antes de encerrar a ligação.

Colocando o aparelho em cima do balcão, peguei o que infelizmente

era o último cookie e o mordi. Enquanto mastigava, foi impossível não


pensar na Laranjinha e no sorriso que ela tinha dado para Charlie,

pensamentos que foram maculados pela possibilidade de ela ter um


namorado ou até mesmo ser casada. Disse a mim mesmo que nada impediria

que fôssemos pelo menos amigos.


O cachorro, que até então estava comendo o seu petisco, se aproximou

de mim e ficou me encarando.


— Estou mesmo encrencado, não é, Charlie?

Ele latiu e mostrou a língua para mim, parecendo animado,


principalmente quando seu rabo voltou a bater com força, o som ecoando em

meus ouvidos.
Eu deveria estar completamente maluco para tomar a empolgação do

meu cachorro como um bom presságio para mim e a minha vizinha, mulher
que tinha milhares de razões para nunca mais olhar para a minha cara.
Capítulo

— Perfeito — disse para o meu reflexo no espelho, movendo os lábios


para fixar melhor o batom nude em meus lábios.
Colocando a maquiagem em cima da pia, conferi se minha aparência

estava impecável. Felizmente a base e o corretivo escondiam as enormes

olheiras que tinha por causa de mais uma madrugada insone.


Apressadamente deixei o banheiro, caminhando em meus saltos pelo quarto
como se eu fosse um vendaval.
Estava ciente de que se demorasse alguns minutos a mais eu acabaria

chegando atrasada para uma reunião importante com um cliente, o que seria
imperdoável se eu quisesse conseguir a minha promoção.
Joguei o celular de qualquer jeito dentro da bolsa e a coloquei sobre
meus ombros. Saí e tranquei a porta atrás de mim. Mal havia dado três
passos no pequeno jardim frontal da minha casa quando escutei o som de

latidos frenéticos vindo em minha direção.


— Charlie, não! — Ouvi o grito abafado pela distância que Derek se
encontrava. Repreendia o cachorro, porém ele não obedeceu ao seu
comando.
Antes que pudesse me desviar do animalzinho, senti duas patas

batendo na minha calça, e em seguida ele parou para sentar à minha frente.
Incrédula, olhei para baixo e não vi apenas as marcas deixadas na camurça,
mas duas manchas de uma substância que parecia terra. Notei que o focinho
do cachorro também estava coberto com a mesma cor avermelhada. Lama!

Não restava dúvidas que era proveniente da mini-horta que eu tinha.


Fechei os olhos e suspirei fundo ao imaginar o desastre que estariam
os meus temperos e hortaliças.
— Bom dia, Laranjinha. — Derek não poderia ter escolhido momento
mais impróprio para dirigir a palavra a mim.
Charlie latiu e foi xeretar um arbusto que ficava mais ao canto.
Com um movimento súbito, sentindo a raiva fluir pelas minhas veias,

fúria que era direcionada apenas para o homem, já que nunca iria culpar o
cachorro por aquela bagunça, virei-me na sua direção e o encarei.
Para minha maior desgraça, antes que eu olhasse diretamente para o

rosto dele, que tinha aquele sorriso cretino que eu detestava, deixei que meu
olhar percorresse seu corpo definido, principalmente os braços fortes. Era
impressão minha ou ele estava mais bonito do que há três dias?
Os olhos escuros de Derek brilharam, revelando que tinha gostado e
muito do meu deslize.
Cretino convencido! Como se eu estivesse desesperada o suficiente
para querer algo com um babaca como ele. Fora que nunca iria para cama
com um cara que não conheço, e não começaria com aquele em específico.
— Pareço estar tendo um bom dia para você? — Cuspi a pergunta,

apegando-me à raiva que sentia por ele, e apontei para a minha calça suja
pelo cachorro.
— Eu estava dando banho nele e Charlie saiu correndo — justificou-
se.
— Banho na terra? — Apontei para os pelos antes brancos e agora
avermelhados do cachorro, que tinha uma carinha inocente. — A terra da
minha horta?
Sabia que não deveria estar perdendo meu tempo discutindo com
aquele imbecil, principalmente quando precisava trocar de roupa, porém

parecia ser mais forte do que eu.


— Bem... — Levou a mão à nuca, acariciando-a, como se estivesse
sem graça. — Para a minha defesa, eu nem cheguei a conseguir ligar a
mangueira.
— Deveria ter usado a banheira. — Olhei para o cachorrinho, que
trançava entre as pernas do seu dono, e ver isso, de alguma forma, fez a raiva
que sentia pelo meu vizinho se abrandar. — Ou o ter levado para tomar
banho num pet shop. Tem um profissional excelente em Willow Street.
— Obrigado pela dica.
Assenti.
— Também tenho que agradecer pelos cookies… — Sua voz era
suave. — Estavam deliciosos.
Dei de ombros, como se não fosse nada.
— Eu os amei — continuou quando eu não disse nada. — Se puder,
me passe a receita, Laranjinha.

Minha sobrancelha se ergueu automaticamente, em descrença.


— Você cozinha? — A pergunta escapou pelos meus lábios antes que
pudesse contê-la.
— Para quem eu gosto, sim, e às vezes para mim mesmo, não é,
meninão? — pediu confirmação para o cachorro, acariciando-o atrás da
orelha.
— Entendi…
Ignorei o pequeno incômodo que senti ao pensar em Derek cozinhando
para uma mulher em específico. Mesmo que Ruth tenha dito inúmeras vezes
que meu vizinho era solteiro, o que ela supostamente confirmou nas revistas
de fofoca nada confiáveis, duvidava muito que ele não tivesse inúmeros
casos, talvez ele só tenha aprendido a ser discreto. Porém não seria infantil,
negando uma receita tola que tirei da internet só porque ele iria fazer cookies
para uma qualquer.
— Depois deixo debaixo da sua porta.
— Agradeço, Laranjinha.
— Preciso trocar essa calça antes de ir, Derek — olhei para o relógio
de pulso e fiz uma careta. — Estou mais do que atrasada.
Virei-me em direção a minha porta, porém, antes que eu pegasse a
chave dentro da bolsa, Derek me impediu, segurando-me pelo braço. Com o
contato, todos os pelinhos da minha nuca se arrepiaram e obriguei-me a não

estremecer.
— Laranjinha?
— Sim, Derek? — Minha voz saiu rouca, para minha consternação.
Tentando aparentar uma calma que contradizia o reboliço ridículo em
meu interior, voltei para ele, dando-me conta que o rosto dele estava muito
próximo do meu, embora não tanto para definir a proximidade como uma
invasão do meu espaço pessoal.
— Posso te levar, se quiser, Iandra — disse depois de vários segundos
após eu ter feito a pergunta.
— Não quero te dar trabalho. — A ideia de ficar confinada em um
carro com Derek, mesmo que por meia hora, me deixava nervosa de formas
inexplicáveis.
Ele fez uma careta.
— Então deixe-me pagar um táxi para você — sua voz não escondeu a
pontinha de ressentimento com a minha primeira recusa.
Achei um pouco de graça. Era eu quem deveria me ressentir por tudo
que ele havia me causado no passado, o que incluía a calça que eu mais
gostava e que ele estragou ao pregar um chiclete na cadeira que eu usava.
— Não é necessário, obrigada. — Forcei-me a adotar um tom gentil.
Poderia falar que eu tinha dinheiro para tal, ser grossa, porém me contive.

Não compensava desgastar-me ainda mais logo de manhã. Tinha


certeza que eu teria mais um dia estressante e cansativo no trabalho.
— Por favor. — Deu um meio sorriso para mim. — Será como um
pedido de desculpa de Charlie.
Olhei para o cachorro. Ele tinha uma carinha tão fofa, que eu
mecanicamente assenti.
— Tudo bem, Derek. — Abri minha bolsa para pegar a chave. — Pelo
Charlie.
O sorriso dele ficou maior.
— Enquanto se troca, vou chamar um carro, Laranjinha.
— Okay. Obrigada.
Sem esperar uma resposta, abri a porta e a fechei atrás de mim.
Perdendo um tempo precioso, colei meu corpo na superfície de madeira,
tentando assimilar o que havia ocorrido naqueles últimos minutos,
principalmente tentando compreender por que eu tinha me abrandado com
Derek, mas acabei não conseguindo entender foi nada, nem tentaria mais.
Capítulo

— Você está péssima, filha! — Foi a primeira coisa que Ruth disse em
um tom preocupado quando a garçonete se afastou para pegar nossos
pedidos.

Pelo menos uma vez a cada dez dias, eu e a senhorinha nos

encontrávamos na cafeteria do bairro para conversar e também apreciar o


melhor chá de pêssego de Columbus e uns pãezinhos doces feitos com leite
conhecidos como milchbrötchen, que eram tão macios que me deixavam
salivando por comê-los, ainda mais com geleia de cereja.

— Você deveria me escutar mais — ralhou, encarando meu rosto


fixamente. — Isso não está certo, Iandra. Olhe só para você, uma menina tão
linda, mas parecendo tão envelhecida por causa da exaustão.
Como eu não tinha passado maquiagem, as minhas olheiras, bem
como os vincos de cansaço, devem ter chamado a atenção dela.

— A culpa é do Derek. — Emiti um suspiro fatigado, passando a mão


pelo meu rosto.
Fez uma careta para mim.
— Não sei por que seria, Iandra — falou em um tom protetor. — Você
não pode culpá-lo por trabalhar demais.

— Não, disso não. — Dei um meio sorriso para Ruth.


— Ele é… — Não deu tempo de completar sua defesa apaixonada,
pois a garçonete trouxe nossos pedidos e, tão ansiosa como eu, ela atacou
um dos pãezinhos.

Mas ela não precisava concluir sua fala. Desde que a minha amiga
havia conhecido meu vizinho há cinco dias em um mercado, ela não parava
de falar as inúmeras qualidades dele, principalmente quando Derek havia
sido gentil com ela ao ajudá-la, pegando alguns itens na prateleira mais alta.
Desde então, todos os dias Ruth dissertava sobre quão lindo e charmoso ele
era, e que, se ela tivesse minha idade, não hesitaria em dar em cima dele.
Mesmo que eu tenha contado a ela o quanto aquele imbecil tinha aprontado

comigo, a única coisa que ela tinha dito era que passado era passado e que
todos mudavam.
— Nem minha avó fazia milchbrötchens tão gostosos quando esses da

Valesca, isso que os da minha querida eram os melhores da Baviera —


repetiu a mesma coisa que sempre dizia ao comer um pedaço do pão.
Sorri e, sem perder tempo, também peguei um deles da bandeja,
experimentando a massa pincelada com leite e bebericando o meu chá —
Muito bom — falei em meio a um suspiro de deleite. — Acho que não há
combinação mais deliciosa do que essa.
— Sou obrigada a concordar. — A mulher balançou a cabeça e levou a
própria xícara aos lábios. — Deveríamos pedir mais, seis é muito pouco,
como sempre.

Demos uma risada e eu fiz um gesto para chamar a garçonete depois


que ela atendeu outro cliente.
— Sim, Iandra? — Como éramos frequentadoras assíduas, não existia
mais formalidade entre nós.
— Mais desses, por favor — falei, apontando para o prato.
— E creme de avelã para mim — Ruth pediu.
Arqueei a sobrancelha para ela.
— Que foi? — Fez uma cara inocente, mas logo soou maliciosa: — Só
melhor que milchbrötchens com chá é milchbrötchens com creme de avelã.

Gargalhamos.
— Pode pedir sua geleia que tanto quer, Iandra, não irei te julgar.
— Um pote da sua melhor geleia para mim, Lana. — Não tinha porque
fingir que não queria.
— Pode deixar.
Piscou para nós e se virou, fazendo com que nós duas ríssemos.
— E então? — A senhorinha questionou depois de tomar mais um
gole do seu chá.
— O quê? — Tinha perdido o fio da meada enquanto comia um pouco
mais do pãozinho.
— O que Derek fez para que você o culpe outra vez? — Fez uma
pausa e provocou-me, lembrando da vez que ele me pagou o táxi, e que
também havia arrumado a bagunça que o cachorrinho tinha feito na minha
horta. — Foi um cavalheiro outra vez?
Balancei a cabeça em negativa, fazendo com que meus cabelos presos
em um rabo de cavalo balançassem, e agradeci a Lana quando ela pousou

tudo o que pedimos em cima da mesa.


— Hoje, colocou música alta e nem eram oito da manhã — bufei,
indignada, voltando ao nosso assunto. — Sabe que dormir até a uma no
domingo é sagrado. Pelo amor, quem em sã consciência acorda tão cedo
num domingo?
— Muitas pessoas… —Ergueu a xícara para beber e completou: —
Inclusive eu.
Emiti um som de muxoxo quando ela riu de mim. Pegando a faca,
cortei o pão e passei uma camada generosa da geleia. Eu merecia e muito
aquele pequeno mimo.
— Tenho certeza de que você não acorda seus vizinhos no processo —
argumentei fracamente.
— Bem, não. — As sobrancelhas grisalhas se uniram. — Pelo menos,
ninguém reclamou até então.
— Fora que Charlie, várias vezes nessa semana, quando eu estava
quase pegando no sono, começou a latir. — Emiti um suspiro longo. — Mas
não posso culpar um cachorro por fazer algo que é próprio deles, nem
mesmo implicar por isso.
Sem resistir mais, finquei meus dentes no pãozinho e me senti nas
nuvens ao sentir o gosto da groselha. Era dos deuses, sem dúvidas compraria
um pote para comer mais tarde.

— Seria ridículo da sua parte, querida — concordou.


— Sim, mas já sobre Derek… — Dei de ombros e fiz uma careta. —
Ele pensa, mas parece que prefere ser irracional, como sempre…
Ruth engasgou com um pedaço do seu pão com creme de avelã,
começando a tossir. Levantei-me enquanto a assistia tomar um longo gole da
sua bebida.
— Está tudo bem? — Dei uns tapinhas nas suas costas.
— Agora, sim, obrigada — respondeu depois de uns instantes,
parecendo mesmo melhor. — Pode se sentar de novo, querida.
Assenti e voltei para o meu lugar.
— Aonde estávamos? Ah, sim! — Os olhos dela brilharam,
maliciosos. — Pela sua implicância com o rapaz, parece que você está
desdenhando porque quer comprar…
Outra vez bufei, só que dessa vez mais alto, mostrando a minha
indignação.
— Você me insulta, Ruth, principalmente a minha inteligência ao dizer
esse absurdo. — Me defendi.
Ela não respondeu, apenas terminou o seu pãozinho, mas sua
expressão continuava ardilosa.
— Nunca me envolveria com um babaca como ele — continuei o meu

monólogo.
— Sei — disse a palavra arrastadamente, cheia de sotaque. — Falando
nisso, ele está vindo na nossa direção.
Não precisei de confirmação, pois a expressão contente da minha
amiga confirmava que era mesmo quem eu menos queria ver. Ainda assim,
estava consciente que o meu coração se acelerava.
— Senhora Ludwig… — Ele cumprimentou Ruth, e vi que o rosto
dela ficava corado.
— Ruth, por favor.
— Só se você me chamar de Derek — falou em um tom que muitos
poderiam considerar charmoso, e eu não precisava ser adivinha para saber
que ele tinha aquele sorriso cretino nos lábios. Com certeza se achava mais
do que irresistível.
— Claro, Derek. — Ruth deu uma risadinha.
— Laranjinha — sussurrou o apelido odioso.
— Boa tarde, Derek. — Cumprimentei-o educadamente e me virei

para ele, com uma cara de paisagem, erguendo um pouco o meu rosto para
encará-lo.

Não me enganei quando supus que ele tinha um sorriso cachorro no


rosto, porém não fiz caso, pois toda a minha atenção permaneceu nos olhos

negros, que me fitavam com uma intensidade de roubar o meu fôlego, ou, se
ele fosse outra pessoa, de molhar a minha calcinha.

— Está tudo bem com você, Laranjinha?


— Sim, por que não estaria? — Senti que a minha boca secava perante

aquele escrutínio que não me deixava.


Escutei a senhorinha emitir um som que era uma espécie de repreensão

pelos meus maus modos.


— Você parece cansada, só isso. — Levou a mão à nuca e eu me senti

mal pelo meu tom grosseiro.


Dei um meio sorriso.
— Muito trabalho, sabe como é. — Tentei ser mais gentil.

— Infelizmente, sim.

— Essa menina precisa sair mais. — Ruth entrou na conversa e eu


finalmente consegui sair do magnetismo de Derek, embora o comentário

dela não fosse dos melhores.


— Entendi… — ele falou educadamente.

— Arrumar um namorado… Beijar…


— Ruth! — Minha voz saiu ofegante pelo constrangimento.

Não queria que ela falasse da minha vida amorosa que, por problemas
de confiança, estava praticamente morta, pelo menos não com aquele

homem, que provavelmente zombaria de mim e das minhas inseguranças.


Mas não conseguia sentir raiva da mulher por falar demais, porque, no

fundo, ela conhecia minha vontade de encontrar uma pessoa bacana, sincera,
alguém com quem eu possa formar uma família sem me ver presa em um

grande limbo emocional.


— Você sabe que estou focada em outras coisas — emendei.
Com o canto do olho fitei meu algoz, que mantinha a mesma expressão no
rosto, me dando ainda mais certeza de que ele era um insensível, porém seus
olhos pareceram brilhar com algo que me foi indecifrável. Um pequeno
calafrio percorreu toda a minha coluna, no entanto eu ignorei a sensação
mais do que desconcertante. Meu corpo reagir a aquele homem era um
grande absurdo.
— Mas… — A velhinha começou.
— Eu te entendo, Laranjinha — Derek interrompeu a mulher que não

pareceu incomodada com o fato. — Você está certa em ter outros projetos e
objetivos. Eu mesmo tenho os meus…

Tenho que confessar que senti uma leve curiosidade para saber mais

sobre aquele homem e os planos que havia feito para si mesmo, porém as
palavras a seguir fizeram com que eu sufocasse todo o interesse que poderia

ter nele: — Mas isso não a impede de ter outros tipos de prazeres,
Laranjinha. — Seu tom foi malicioso, cheio de provocação, embora fosse

baixo, muito baixo, como se quisesse que apenas eu ouvisse. — Vários


outros…

Cachorro filho da mãe!


Ao mesmo tempo em que uma onda de calor me invadiu, bufei

indignada, mas não sei se com Derek ou comigo mesma, provavelmente


pelos dois.

Desviando a minha atenção periférica de Derek, deixei que meu olhar


recaísse na mulher cujas bochechas estavam completamente vermelhas de

vergonha. Mas eu não deixaria isso barato. Contrariando o meu caos interior,
peguei a minha xícara e tomei um longo gole do meu chá frio.

— Quer se sentar com a gente? É sempre bom ter a companhia de um


homem bonito como você… — Ruth ofereceu em um tom doce ardiloso e

foi a minha vez de engasgar com o líquido.


A tosse fez com que pequenas lágrimas surgissem em meus olhos.
— Laranjinha?

— Está tudo bem, filha? — A mulher pareceu preocupada.

— Si-m — eu disse entre a tosse —, não se pre-o-cu-o-pe.


Demorou poucos segundos para que eu me recompusesse.

— Quer que peça uma água, Iandra? — Meu vizinho falou em um tom
que era uma mistura de preocupação e ternura.

Franzi o cenho e encarei Derek, que tinha uma expressão que eu


realmente poderia jurar que se preocupava com meu bem-estar.

— Não é necessário, obrigada — respondi, mais recomposta. — Só


bebi o chá rápido demais.

— Sei… — O homem fingiu acreditar.


Ele suspirou e o vi passar a mão sobre os pelos que cobriam o queixo e

o maxilar.
— Não quer se sentar, Derek? — Ruth, que nos encarava com

curiosidade, insistiu.
Definitivamente, não queria que ele se juntasse a nós. Primeiro, porque

era algo só nosso. Segundo, e o mais importante, era o fato da proximidade


dele me deixar nervosa e consciente dele e do seu charme barato, muito mais

do que era sensato.


— Não, Ruth — disse em um tom suave, mas algo na sua linguagem

corporal me dizia que aquele canalha tinha ciência de que ele mexia comigo.

— Infelizmente, não posso demorar muito, tenho um artigo para finalizar e o


prazo final de submissão é daqui algumas horas. Só vim comprar um

pumpernickel[5], mas como vi a Laranjinha, resolvi dar um oi.


— Que pena. — Fez um som de muxoxo, como se fosse o fim do

mundo.
— Agradeço o convite, Ruth. — Piscou para a mulher e ela deu uma

risadinha. — Quem sabe uma próxima vez?


— Assim espero.

— Então vou nessa. Prazer revê-la, gracinha. — Pegou a mão que ela
estendeu para ele e deixou um beijo no dorso, fazendo minha melhor amiga

dar outra risada de deleite.


Derek virou-se para mim.

— Te vejo qualquer hora dessas, Laranjinha? — Pareceu expectante.


— Claro, por que não? — falei casualmente.

Assentiu com a cabeça e, após nos desejar uma boa tarde, se


aproximou do balcão. Não me passou despercebido que algumas mulheres o

comiam com os olhos. Não demorou muito e Derek saiu da cafeteria

carregando um saco de papel, mas não sem antes dar um tchau para mim e
para Ruth.
— Você deveria ser mais doce com ele, Iandra — ralhou comigo. —
Ele é um amor de rapaz.

Dei de ombros.

— E parece caidinho por você — sussurrou, maliciosa, e começou a se


abanar com a mão. — O olhar que ele te lançou foi capaz de roubar até o

meu fôlego.
— Bobagem! — Peguei o último pãozinho e tive que me conter para

não o passar no pote de geleia. — Não duvido nada que aquele safado
desnuda com os olhos qualquer uma, conheço esse tipo.

— Não me pareceu. Na verdade, não o vi olhar para nenhuma outra


dessa forma. Menina, ele te quer.

— Não irei para cama com ele, por mais que você ache que eu precise
“sair mais”, “namorar” ou “beijar”... — briguei suavemente com ela,

tentando me convencer disso no processo.


Ruth deu de ombros.

— Falando em beijar e namorar… — provoquei-a.


Foi instantâneo as bochechas dela ficarem vermelhas. Ótimo!

— Isso não é assunto para falarmos aqui, filha — sussurrou.


Arquei uma sobrancelha para ela, pressionando-a. Se podemos falar da

minha vida nada amorosa na frente daquele babaca, podíamos muito bem

falar da dela.
— Você não me dará escolha, não é mesmo? — Deu um suspiro de

resignação.

— Acho que não. — Sorri.


Falou uma palavra em alemão, que provavelmente era um palavrão.

Não contive uma risada estridente, chamando a atenção para nós. Se fosse
possível, Ruth ficou ainda mais vermelha.

— E então?
— Nós nos “envolvemos” — falou tão baixo que quase não a escutei.

Mas não iria ser tão baixa de pressioná-la.


— Hm.

— Foi muito bom. — Deu outro suspiro, só que, dessa vez, era
sonhador. — Não tinha ideia de que poderia ser tão prazeroso. Com o meu

marido, sempre torci para acabar logo.


Estendi meu braço na direção dela e segurei sua mão, apertando seus

dedos suavemente, enquanto sentia meu coração se apertar por ela não ter
conhecido isso antes. Era uma realidade amarga de muitas mulheres da
geração dela, onde o egoísmo reinava. Apesar que, se pensar bem, homens

que só pensavam em si mesmo não era algo tão raro assim, já tive algumas
experiências bem ruins nesse sentido.
— E eu quero mais — confessou. — Desejo sentir aquele calor

novamente.
Sorri.
— Fico feliz por você, querida.

— Sei que sim, filha. Mas temo que tenha sido ruim para ele…
— Por que diz isso? Ele fez alguma coisa que deu a entender isso?
Balançou a cabeça em negativa.
— Não, não, Max não poderia ter sido mais perfeito comigo, mais

doce. — Fez uma pausa e pareceu tristonha. — Acho que é mais coisa da
minha cabeça. É impossível não me sentir insegura comigo mesma, com o
meu desempenho.
— Você é uma mulher linda, Ruth. Tem um corpo maravilhoso para a

sua idade. É ágil e bem… é muito gostosona — frisei a última palavra.


— Pare com isso, Iandra — falou timidamente.
— É a verdade.
Antes que ela pudesse falar alguma coisa, o toque estridente do celular

dela ecoou nos nossos ouvidos.


— Deve ser ele. — Não escondeu a animação e procurou o celular na
bolsa freneticamente. Demorou alguns toques para atender. — Alô.
Não prestei atenção na conversa dela, mas nem precisava, o brilho que

havia em suas feições me indicava que era Max.


— O que ele queria? — questionei assim que ela guardou o aparelho
de volta na bolsa.
— Me convidar para passar alguns dias na fazenda dele em
Winchester. — Pareceu esbaforida. — Ele disse que passará lá em casa
daqui uma hora. Deus, tenho pouco tempo. Ainda bem que moro a apenas

uma quadra daqui.


— Tenho certeza de que ele te esperará, Ruth. Por que não vai? Eu
pago a conta.
Assentiu.

— Obrigada, querida — disse ao se levantar e, antes mesmo que eu


pudesse reagir, jogando beijos no ar, deixou o café como se fosse um
furacão.
Rindo da minha amiga, fiz um gesto para Lana.

— Em que posso ajudar, Iandra?


— A conta, por favor.
— Mais alguma coisa?
— O de sempre. — Não precisava especificar que estava falando das

geleias.
— Claro. — Sorriu, antes de ir atender outra mesa.
Enquanto esperava, olhei para fora e foi inevitável não contemplar um
casal de mais ou menos a minha idade que passeava de mãos dadas em

frente a cafeteria, rindo de algo que um deles dizia.


Emiti um suspiro profundo diante da cena romântica.
Talvez Ruth estivesse certa e eu devesse sair mais para tentar conhecer

outra pessoa, afinal fazia mais de seis meses do meu término e meu ex
Pinóquio parecia estar mais do que feliz com outra mulher — coitada dela
que deveria estar sendo enganada. Porém, de alguma forma, a perspectiva de

me entregar emocionalmente outra vez a outra pessoa me assustava. E


também tinha muito medo também de ser machucada pelas mentiras outra
vez. Confiar era tão difícil...
Balancei a cabeça em negativa e tentei afastar esses pensamentos, no

entanto acabei descobrindo que era melhor pensar na minha vida amorosa
fracassada, pois minha mente ridícula não parava de pensar em Derek e no
seu olhar ardente, que era capaz de deixar qualquer uma de pernas bambas e
ofegante. Infelizmente, até mesmo eu.
Capítulo

— Ainda no escritório, Iandra? — A voz arrogante de uma das minhas


chefes ecoou nos meus ouvidos e eu tomei um pequeno susto, pulando na
minha cadeira.

Não esperava que ela estivesse ali, afinal, todos — ou quase todos —

já haviam ido embora naquela tarde de sábado.


— Sim, senhora James — respondi o óbvio ao desviar a minha atenção
da tela do computador para fitar a mulher loira e elegante que avançava em
seus saltos na minha direção.

— Não deveria estar aqui, Iandra…


Sua sobrancelha bem-feita, cuja micropigmentação dava inveja em
qualquer uma, arqueou-se para mim.
— Queria terminar as mudanças que o senhor Bradley me pediu para

fazer na campanha da American Enterprise — justifiquei-me. — Estou


quase terminando, já, já estou indo para casa.
— Sabe que isso não fará com que você ganhe a promoção, certo,
Iandra? — disse em um tom de voz malévolo. — Ficar até mais tarde,
mostrar tanta iniciativa, não mudará nada.

Senti alguns pelinhos dos meus braços se arrepiando, bem como um


pressentimento ruim tomando o meu peito.
Engoli em seco.
Não era uma novidade para mim saber que a senhora James tinha

Alec, meu principal concorrente, como seu queridinho, porém nunca pareceu
tão agressiva.
— Claro, senhora — forcei-me a respondê-la —, mas, ainda assim,
sempre buscarei fazer o meu melhor. — Sorri amarelo.
— Sei… — Não escondeu sem desdém. — Não irei te atrapalhar mais.
— Não o fez, asseguro — menti.
— Claro.

Se virou, e eu olhei para ela atônita. A observei caminhando e


rebolando, indo em direção ao escritório que ficava próximo a minha estação
de trabalho, que pertencia a um dos diretores, entrando dentro dele. Ignorei o

gemido que veio lá de dentro minutos depois, que deixava mais do que claro
que eles eram amantes. Tive pena da esposa do homem.
Balancei a cabeça em negativa e tentei colocar toda a minha atenção
no projeto à minha frente.
Quando os barulhos ficaram constrangedores demais, sentindo a
irritação me invadindo, decidi salvar meus arquivos na nuvem e desliguei o
computador. Peguei minha bolsa e me ergui, indo em direção ao elevador.
Tinha cansado de ouvir a transa repugnante dos dois.

— Finalmente! — falei para mim mesma ao avistar ao longe a minha


casa. — Não aguento mais esses bicos finos.
Apressei o passo e emiti um som de alívio ao chegar em frente à
minha porta. Não esperando mais nem um segundo, apoiei uma mão na
parede e comecei a remover os sapatos ali mesmo.
— Como estava precisando disso… — ronronei ao mexer os dedinhos

dos pés ao senti-los completamente livres.


Busquei a chave dentro da bolsa.
— Agora tudo que preciso é de um bom banho de sais e uma bela taça
de vinho.
Mesmo que tivesse muito a ser feito, decidi me mimar um pouco, o
que deixaria Ruth orgulhosa de mim. Tinha sido um dia cansativo, e ainda
estava irritada com o showzinho de sons no ambiente de trabalho.
Animada com a perspectiva, destranquei a porta e, depois de pegar
meus scarpins, entrei em casa. Mas, assim que alcancei a minha sala, deixei
meus sapatos e bolsa caírem no chão, e o barulho fez com que um serzinho,
que até então parecia cochilar tranquilamente em cima do meu sofá,
acordasse e me fitasse com uma carinha sapeca que em outras circunstâncias
faria com que meu coração ficasse completamente derretido. Ele era
extremamente fofo, porém as patas marrons contra o couro branco não eram.
Meus olhos não podiam acreditar naquilo que via, mas, naquele
momento, estava consternada demais para sentir raiva.

Todo o meu piso — que graças a Deus não era carpete — estava sujo
de terra, provavelmente proveniente da minha horta. Também estava tomado
por pedaços de papel higiênico, que formava praticamente uma linha-guia
em direção ao meu lavabo, e por penas e espumas das minhas almofadas,
que foram completamente destruídas. Tudo estava uma zona.
Instantaneamente, minhas mãos foram à cintura e eu fechei os olhos,
soltando um gemido, ao mesmo que torcia para que tudo não passasse de um
pesadelo, porém sabia que não era.
Respirei fundo, pedindo aos céus por paciência, embora já há muito
ela estivesse esgotada. Eu não merecia mais essa, não quando minutos atrás
estava sonhando acordada com meu banho.
Abrindo as minhas pálpebras, voltei a encarar o cachorro branco com
rosto caramelo, cujo focinho estava imundo. Charlie latiu para mim, antes de
mostrar a língua e abanar o rabo, como se eu estivesse brincando com ele.
Várias penas voaram com a lufada de ar.
— Como você entrou aqui, mocinho? — questionei, não fazendo a
mínima ideia de como ele havia conseguido essa façanha.
Me aproximei daquele meliante canino, que deitou com a barriga para
cima, esperando que eu fizesse carinho nele, mas não faria. Parei de frente
para ele.
— Eu não vou limpar essa bagunça, Charlie — falei para o cãozinho,

que grunhiu, colocando uma patinha contra o focinho.


Fiquei estacada no lugar e olhei para o meu sofá novinho por minutos
a fio, sentindo a raiva começar a banhar as minhas veias, não pelo cachorro,
mas, sim, pelo dono dele. Seria irracional da minha parte jogar a culpa em
um animal, porém bastante plausível sobre aquele que tinha o dever de
mantê-lo em seu espaço. Não era porque morávamos em casas geminadas
que isso dava o direito a ele de deixar o seu cão solto. Além de babaca, ele
era um grande folgado.
— Derek me paga! — bufei e Charlie latiu alto.
Sem pensar muito, peguei o cachorro pequeno no colo, não me
importando com a sujeira que havia nele. Para a minha consternação, ele
pareceu gostar e muito, pois abanava a cauda, que ricocheteava no meu
braço. Sei que era impressão minha, mas, enquanto caminhava, o cão parecia
sorrir para mim.
Devo estar completamente louca, a raiva me fazendo enxergar coisas
que não existiam.
Segurando-o com um braço, abri a porta e, em três passos, parei em
frente a fachada da casa ao lado. Não hesitei em apertar a campainha com
toda força, como se isso fosse fazer com que o meu vizinho — se é que ele

estava em casa — atendesse mais depressa. Estava sendo ignorante, infantil,


eu sei, mas não estava pensando coerentemente.
Bati o pé, como uma garota birrenta, quando ele não me atendeu.
Soquei então a superfície de madeira e Charlie me ajudou, latindo
freneticamente, mas nada.
Sentindo ainda mais raiva daquele cretino, já ia começar a esmurrar
novamente a porta quando subitamente ela foi aberta e eu parei com a mão
fechada, quase tocando-o.
Ergui o rosto para encarar meu vizinho. Não queria cometer o engano
de tirar uma casquinha e admirar os seus músculos definidos, porém os
cabelos negros molhados, pingando água sobre a face, como se tivesse
acabado de sair do banho, deixava aquele diabo ainda mais bonito.
Merda! Por que aquele babaca tinha que ser tão sexy?
Quis fazer uma careta para mim mesma ao pensar em Derek e sexy na
mesma frase.
— Laranjinha… — disse em um tom surpreso, porém sua face o traía,

revelando que se divertia.


Derek, sem dúvida nenhuma, achava que eu estava fazendo papel de

palhaça, batendo na porta como uma louca.


Como se fosse possível, a minha fúria aumentou ainda mais. Usei a

mão livre para apoiar melhor Charlie, que balançava o rabo animadamente.
— A que devo a honra da sua presença? — Seu tom tornou-se

malicioso. — E a de Charlie?
Não consegui responder perante aquele sorriso cretino, que fazia com

que pequenos arrepios percorressem o meu corpo. Respirei fundo, e uma


fragrância que me remetia a maresia impregnou minhas narinas. Era de bom

gosto e bastante delicioso.


Merda! Aquele idiota era cheiroso pra caralho, tanto que tive que

conter a minha vontade de inspirar fundo outra vez para sentir o perfume que
exalava dele.
Como se fosse consciente daquilo que causava em mim, mesmo que

eu tentasse esconder, escorou-se no batente da porta enquanto me prendia ao

seu olhar repleto de uma luxúria desconcertante.


Irritada, dessa vez ciente de que era comigo mesma, desviei minha

vista de seu rosto, mas, para minha indignação e também descontrole, fiz o
que não devia: olhei para seu peitoral, que eu já sabia ser definido e forte,

encontrando-o desnudo, e acompanhei uma gotinha que caiu sobre a pele


morena e deslizou pelo tórax, que subia e descia rapidamente —

provavelmente na mesma cadência da minha respiração acelerada —, pelo


abdômen trincado, com tantos gominhos que acabei perdendo as contas e

que, insanamente, tive vontade de tocar com as pontas dos dedos, até
alcançar a região da pelve e…

Arfei ao ver a toalha displicentemente enrolada na cintura, ao passo


que sentia que meu coração batia feito um louco contra o peito. Minha boca

secou, e o revoltante disso tudo era que não tive forças para desviar o meu
olhar daquela indecência.

Quem atendia uma porta estando seminu? Mas deveria ter esperado
algo assim daquele cachorro desavergonhado. Além de idiota, Derek era um

exibicionista.
Continuei encarando aquela região, esquecendo de tudo e de todos,

percebendo que o volume no meio das suas pernas crescia sob o meu
escrutínio. Isso era ultrajante!

— Gosta do que vê, Laranjinha? — falou com a voz rouca.

Pega em flagrante, dei um saltinho para trás, e isso assustou Charlie,


que se contorceu no meu colo, emitindo sons baixos. Não o soltei.

— Perdeu a capacidade de falar, Iandra? — insistiu no mesmo tom


rouco.

Parando de comportar-me de modo ridículo, encarei o rosto de Derek,


não sem antes lançar um último olhar pelo seu corpo semidespido.

— Claro que não, seu… — Forcei a minha voz a sair.


— Seu... o quê?

Arreganhou os dentes, como se fosse um predador. Deslizou a mão


que não estava apoiada no batente no seu torso e, malditamente, eu

acompanhei o seu movimento. Tola!


Desviei o olhar e tentei me recompor novamente, porém aquele

maldito sorriso e o modo como me fitava, uma mistura de desejo e


divertimento, mexiam com os meus brios.

— Viril? — continuou em voz pastosa, seus olhos brilhando. — Sexy?


Gostoso?
— Seu cachorro safado, arrogante e exibicionista — cuspi, furiosa,
infelizmente aumentando o volume da minha voz mais decibéis do que

gostaria.

Derek jogou a cabeça para trás e riu alto, e Charlie voltou a se


contorcer nos meus braços, latindo, sua cauda abanando freneticamente e eu

o pousei no chão.
— Assim está melhor, Laranjinha — falou em meio a risada, mas logo

ele se recompôs, ficando sério. — Gosto quando coloca sua língua ferina em
ação. Pergunto se algum dia terei o prazer de escutar algo bom sobre mim

vindo dos seus lábios.


— Te garanto que não, Derek — ataquei-o, não dando importância

para as suas palavras dúbias, que pareciam repletas de primeiras, segundas,


ou até terceiras intenções. —Você deveria ter vergonha!

— Do quê? — A sobrancelha direita dele se ergueu.


— De atender a porta assim. — Apontei para a toalha, em específico a

parte que ainda parecia rígida. Controlei-me para não ficar olhando ali para
baixo, porém parecia demais para os meus nervos dominados pela raiva. —

E se fosse uma criança, Derek?


— É para isso que existe olho mágico. — Fez uma pausa, antes de

completar em um tom cheio de diversão: — Não iria atender se fosse outra


pessoa.
Piscou, achando graça, e eu o encarei, incrédula, enquanto

automaticamente cruzava meus braços na frente do corpo.

— Você é inacreditável!
Deu de ombros e outra vez acompanhei a linha dos seus gestos.

— Eu estava no banho e você foi mais do que insistente, Laranjinha —


falou suavemente. — Tive que vir o mais rápido que pude.

— Grrr… — Bufei, relevando a vontade que eu tive de retrucar.


— E então? — disse, depois de segundos em silêncio. — Você não

veio até aqui para se convidar para o meu banho, não é mesmo? Ainda mais
tendo Charlie no colo. — Apontou para o cachorro, que, ao ouvir seu nome,

latiu.
Que audácia!

— Tem razão, já que é o último para quem faria tal sugestão. —


Deixei que a raiva me dominasse e não me passou despercebida a careta que

ele fez. — Estou aqui pelo que ele fez. Ou melhor, pelo que você deixou ele
fazer.

— Que seria...? — Pareceu confuso, sua mão forte acariciando os


pelos curtos da barba.

— Esse focinho sujo não te diz alguma coisa? — Mostrei a sujeira. —


E essas patinhas?
Charlie emitiu um chorinho e passou uma pata pelo seu focinho, como
se estivesse com vergonha, porém a cauda batendo no chão rapidamente

parecia indicar outra coisa.

— Ah, foi para a horta novamente. — Suspirou ao balançar a cabeça


em resignação, e eu vi algumas gotinhas escorrerem pela pele morena dele,

deslizando pelo seu tronco e…


Afastei a vista outra vez.

— Antes fosse! — Busquei meu autocontrole e comecei a enumerar:


— Não sei como, mas ele entrou na minha casa, sujou meu sofá com essas

patas imundas, rasgou minhas almofadas e, para terminar, brincou com os


meus rolos de papel higiênico. E isso tudo é sua culpa, por não o manter

dentro de casa.
— Hey, calma aí, Laranjinha. — Ergueu as mãos em defesa. — Até

então, para mim, ele estava dormindo na caminha dele aqui dentro de casa.
O cachorro latiu e a respiração de Charlie pareceu ficar ofegante, sua

língua movendo-se na boquinha.


— Não importa, Derek, de forma alguma eu irei culpar o cachorro. —

Derek sorriu e eu segurei a vontade de apontar um dedo para o seu peitoral e


cutucá-lo. — Isso não muda o fato de que cheguei cansada, depois de ter um

dia péssimo no trabalho, e estava louca para tomar um banho longo de


banheira quando me deparei com minha sala toda bagunçada. Não serei eu

que irá limpar tudo.

Respirei para tomar fôlego.


— Claro que não, nada mais justo que eu mesmo vá limpar essa

bagunça, não é, amigão? — Falou com o cachorro, acariciando as orelhas


dele.

Estava claro que ele estava incentivando o mau comportamento do


pequeno. Não que achasse que brigar com ele fosse resolver alguma coisa,

mas não tive tempo de falar nada, nem mesmo de alfinetar o meu vizinho.
Nem sabia se conseguiria.

Estava completamente indignada, pois, descolando-se do batente da


porta, ajeitando a toalha no lugar, chamando a minha atenção novamente

para o volume excitado, começou a caminhar em direção a porta, com um


Charlie animado seguindo atrás dele.
Capítulo

— Com licença — pedi, antes de entrar na casa da Laranjinha.


— O que você pensa que está fazendo? — Estaquei ao ouvir a voz
ofegante dela soar atrás de mim e me virei em sua direção.

Foi natural para mim deixar que o meu olhar percorresse

demoradamente cada curva sutil do seu corpo esbelto, que parecia despertar
não apenas um desejo avassalador em mim, o que fazia meu coração bater
descompassado e meu sangue ferver, mas também o pior em meu ser.
Eu estava me comportando como um grande babaca, provocando-a,

dizendo coisas que não deveria escapar pelos meus lábios. Ter atendido a
campainha seminu foi algo repugnante da minha parte. Não tinha intimidade
para tal, não ainda. Desse jeito, toda a minha tentativa de me aproximar, de
conhecê-la de verdade, de explorar a atração que sentia por ela, que ainda
era somente física, estava indo para o ralo.

Iandra tinha toda a razão para me chamar de cachorro e achar que eu


era o mesmo idiota do tempo da escola, o que estava longe de ser.
Merda! Aquele Derek foi enterrado quando eu completei vinte e um
anos.
Mas, para a minha defesa, Iandra também tinha tido a sua parcela de

culpa, a minha meia-ereção era a prova viva disso. Ela poderia dizer que era
indiferente a mim, mas o modo como seus olhos percorreram cada
centímetro da minha pele nua e a linguagem corporal dela me disseram que
ela gostou e muito do que viu. Laranjinha não tinha conseguido disfarçar o

desejo em seu olhar, muito menos quando umedeceu os lábios ao olhar para
o meu pau, assim como não conseguia esconder agora.
— Você não vai dizer nada? — bufou.
Cruzou os braços na frente do corpo, ressaltando ainda mais o busto
dela, e bateu os pés no chão, impaciente. Tive que segurar a minha vontade
de apertar aquele narizinho empinado arrogantemente, da mesma maneira
que senti de beijar aqueles lábios atrevidos curvados em uma careta.

Dei de ombros.
— Não queria que eu limpasse a bagunça que Charlie fez? — Apontei

para o cachorro, que latiu ao ouvir o seu nome. Deixaria para pensar sobre o
comportamento estranho dele depois. — É isso que eu farei.
— Vestido desse jeito? — cuspiu.
Balançou a cabeça em negativa vigorosamente, e eu vi os olhos verdes
dela cintilarem com fúria.
— Assim como, Laranjinha? — Provoquei-a, fazendo-me de
desentendido.
De alguma forma, senti um prazer perverso em fazê-la dizer em voz
alta que eu estava praticamente pelado.

Conscientemente, rocei minha palma no meu abdômen e tudo em mim


se regozijou quando a Laranjinha seguiu meu movimento, ficando muda.
Senti a excitação borbulhar em meu interior, meu corpo ficando rígido
apenas com aquela apreciação disfarçada.
— Dessa maneira vulgar, só com a toalha enrolada na cintura…—
Revirou os olhos e fez um som, o que arrancou de Charlie latidos e outros
barulhos caninos.
O safado, abanando a cauda, aproximou-se da mulher e lambeu os
dedos da mão dela. Como imaginava, Iandra não o recusou, ao contrário, se

agachou para acariciá-lo. Pela segunda vez naquele dia, senti inveja do meu
cachorro. Ele aprontava, mas mesmo assim ganhava os afagos daquela
deusa. A vida era injusta.
— Sabia que é um look bastante impróprio para se ir na casa de
alguém? Não que você seja bem-vindo, é claro, porque está longe de ser. —
Seu tom foi ácido.
— Consigo pensar em várias circunstâncias bem razoáveis para visitar
alguém assim. — Minha voz soou rouca.
Imaginei Iandra me convidando para a casa dela, no meio da noite,
completamente sedenta por mim, e eu a saciaria com o maior prazer, a noite
e a madrugada inteira.
Ela grunhiu, desgostosa.
— Tem medo que eu deixe a toalha cair, Laranjinha? Que ela
escorregue sem querer? — Ignorei seu temperamento e a aticei. — Ou no
fundo, no fundo, está com medo de gostar do meu… Você sabe… — Fiz um

gesto com a mão, apontando para a minha pelve —,... do meu pacote.
Para minha surpresa, Iandra jogou a cabeça para trás e riu. Gargalhou
tão alto que feriu os meus ouvidos. Charlie se agitou, provavelmente ficando
curioso. Latiu e deu patadas no ar.
Não sei quanto tempo ela permaneceu rindo, mas foi tempo suficiente
para machucar o meu ego. Não via graça nenhuma na risada dela.
— O que foi? — perguntei, ressabiado.
— Você é o último homem pela qual eu teria interesse na face da
Terra, Derek — falou em meio à risada.
Escutar aquilo pela segunda vez doeu, doeu muito, ainda mais quando
ela era a única mulher que havia despertado meu interesse nos últimos
meses.
— Que pena. — Emiti um muxoxo falso.
Engoli minha vontade de dizer que eu não apostava muito nisso e me
muni de autoconfiança. Meu lado malévolo estava mais do que tentado a
provar que ela estava errada.
— Se já cansou de ser ridículo — mostrou a porta —, saia.
— Me mandando embora? — Sorri de orelha a orelha.
— Você não vai se livrar tão fácil assim, Derek — disse, aproximando-
se de mim. Apontou um dedo em minha direção e começou a me cutucar.
Achei graça dela parecer tão irritadiça, porém minha diversão morreu

quando o calor de pele contra pele começou a se espalhar por todo o meu
peitoral, mexendo comigo de maneiras inimagináveis. Os pelos dos meus
braços se arrepiaram e minhas pernas ficaram ligeiramente bambas quando
ela ergueu o rosto e me fitou com seus olhos verdes arregalados. Meu
coração ficou acelerado e a respiração, ofegante.
Nada mais pareceu existir enquanto nós nos encarávamos fixamente,
com a ponta do dedo dela no meu peito, nem mesmo o cachorro, que
trançava entre nós, dando cabeçadas, querendo atenção. Não sei como não
encurtei ainda mais a distância entre nós e segurei o seu rosto, puxando-o em
direção ao meu. Como não toquei seus lábios entreabertos, sedutores, com a
minha boca, degustando-a, confirmando se ela era tão gostosa quanto
parecia. Como não acariciei a sua pele sedosa… Talvez o modo como me
fitava já fosse o suficiente para me embriagar.
Porém aquele momento intenso e visceral foi curto demais, logo
Iandra pareceu recobrar a razão e se afastou de mim, dando alguns passos
para trás.
O Derek que tinha sido impelido a provocá-la foi esquecido e
substituído por aquele considerado monótono, careta.
— Por favor, vista-se e venha limpar essa bagunça — disse com a voz
sóbria. — Creio que você terá que ajudar o Charlie.

— Tudo bem, Laranjinha. — Passei a mão nos cabelos da nuca, em


um gesto que era quase uma mania, e dei um meio-sorriso. — Posso vir
daqui uma hora? Sei que você queria tomar banho e provavelmente irá
querer comer algo também.
— Sim, obrigada. — Colocou uma mecha atrás da orelha, parecendo
sem graça.
— Não deixarei de arrumar a bagunça do Charlie — prometi.
Assentiu e voltamos a nos fitar por alguns segundos até que,
balançando a cabeça, fiz um gesto com as mãos chamando Charlie, que
passou trotando na minha frente e eu o segui.
Estaquei no lugar assim que a porta se fechou atrás de mim e escutei o
choramingar do cachorrinho, que também havia parado e me encarava com a
cabeça inclinada.
— É, amigão — passei a mão na barba —, por que a Laranjinha tem
que ser tão complicada?

O bichinho lamuriou.
— Mas fui eu quem piorou tudo, não é mesmo, Charlie?

Ele balançou o rabo, parecendo concordar.


— Que filho da puta eu sou!— Suspirei e franzi o cenho ao olhar as

patas sujas do meu cachorro. — E você, amigão? O que está acontecendo


para aprontar tanto? Você ter cavado a horta uma vez é aceitável, porém pela

segunda vez e, para piorar, entrar na casa dela e fazer aquela bagunça,
estragando as coisas?

Charlie continuou a me encarar.


— Vai se complicar com ela também — continuei. — Duvido muito

que você vá continuar a ganhar afagos e beijinhos se continuar assim.


Ele latiu, como se estivesse pesaroso.
— É, tome cuidado, Charlie — adverti em um tom brincalhão. — Mas
agora vamos, antes que alguém nos veja nesse estado.

Sabendo que seria seguido, cruzei a distância das duas casas e entrei

na minha, Charlie disparando na minha frente. Franzi o cenho ao ver as


marcas de lama no meu chão.

Balancei a cabeça, resignado. Seria um dia longo e ainda teria que


encarar a mulher cujo humor eu não fazia a mínima ideia de como estaria.
Capítulo

Abrindo o registro do chuveiro, fechei os olhos e deixei que a água


molhasse os meus cabelos e escorresse por todo o meu corpo, como se o
banho pudesse lavar as sensações que Derek havia despertado em mim

somente com o olhar. A vontade de relaxar na banheira e tomar vinho tinha

evaporado.
Foi um grande erro tocá-lo, porém, furiosa por ele tentar fugir da
tarefa de limpar a sujeira, suas palavras irritantes fazendo com que a minha
pele esquentasse, eu não tinha pensado em mais nada então o cutuquei. Mas

agora eu sabia que não deveria ter me deixado levar pela irracionalidade,
nem pelos desejos do meu subconsciente. Tinha que admitir que desejava
tocar a pele nua de Derek, não que eu pudesse considerar um cutucão como
uma carícia. Ainda assim, foi uma falha, devia ter me controlado, porque a
sensação eletrizante parecia ter ficado impregnada em mim.

Inspirando e expirando fundo, abri os olhos e peguei o xampu do


suporte, colocando uma dose generosa nas mãos, e comecei a massagear o
meu couro cabeludo. Tomei um banho demorado e me dei o luxo de passar
vários minutos secando os meus cabelos com o secador. Era terapêutico.
Sorri para mim mesma enquanto vestia uma calça e uma blusa, e, me

senti mais no controle para enfrentar Derek. Ouvi a minha barriga roncar
com fome, então desci as escadas rapidamente e fui preparar no micro-ondas
alguma das quiches de legumes e queijo que Ruth havia preparado e me
dado. Quando ia dar a primeira mordida, a campainha tocou.

Derek!
Um pequeno rebuliço agitou o meu interior e eu larguei o garfo sobre
o balcão. Respirando fundo, buscando controlar aquele redemoinho
descabido, caminhei até a porta e a abri. Meu coração deu um salto. Ele
poderia não estar seminu, porém estava igualmente bonito e sedutor.
— Você voltou mesmo — murmurei algo extremamente besta e
também insultante.

— Realmente achou que eu não iria cumprir minha palavra,


Laranjinha? — falou suavemente, mas pude ver em seus olhos negros que
ele se sentiu ofendido, e não sem razão.

Derek poderia não ser o melhor dos cavalheiros, tendo me levado ao


limite, principalmente no passado, porém não tinha o direito de duvidar da
integridade dele.
Engoli em seco.
— Eu…
— Pode não acreditar em mim, Iandra, mas não sou mais aquele
garoto de dezesseis anos.
Assenti com a cabeça, a vergonha me invadindo. Mesmo que eu
tivesse a pior opinião possível sobre ele, estava sendo rude.

— Posso entrar? Tenho um trabalho a fazer — falou jocosamente e


sorriu daquele modo devastador.
Agradeci mentalmente por ele ter tentado diminuir meu
constrangimento.
— Claro.
Escancarei a porta para ele e, sem cerimônia, meu vizinho entrou.
— Por onde começo, Laranjinha? — mais brincadeira. — Ainda não
olhei a horta, mas, pelo que vi mais cedo o que ele fez na sala, já prevejo
muito trabalho. Amanhã de manhã, vou ver o tamanho do estrago lá.

— Entre. — Fiz um gesto com a mão no automático, abrindo mais a


porta.
— Caramba! — Emitiu um assobio ao contemplar a minha sala e se
virou na minha direção. — Você foi generosa em chamar isso de bagunça.
Nunca imaginei que Charlie fosse capaz de provocar tamanho desastre,
ainda mais sendo tão pequeno.
Fez uma careta e eu não contive uma gargalhada.
— Tamanho não é sinônimo de nada. — Falei por falar, mas vi um
brilho estranho cintilar em seus olhos, e só então que me dei conta da
impropriedade do meu comentário, ele podia achar que me referia ao
tamanho do seu ‘pacote’.
Merda! Mil vezes merda!
— Não, não é — sussurrou.
— Vou pegar tudo o que acho que você vai precisar — desconversei.
— Okay, Laranjinha.
Dando um sorriso fraco, virei-me para ir buscar o material de limpeza

porém um latido fez com que eu me interrompesse. Demorou menos de


trinta segundos para que eu visse um Charlie com as patinhas branquinhas,
língua para fora, no meu campo de visão.
— Como...? — Arfei e o cachorro trotou em minha direção.
— Deve ter uma portinha na entrada de trás — meu vizinho falou
suavemente, e eu voltei a fitá-lo, não escondendo a minha surpresa.
— Ah! — Acariciei o pequeno automaticamente. — Para ser sincera,
moro aqui há quase dois anos e nunca reparei nesse detalhe.
— Eu só descobri por causa dele. — Apontou para o cachorro.
— Compreendo — disse, mas ainda confusa.
— Digamos que ele teve algumas dificuldades para passar por ela. —
Franziu o cenho e deu um sorriso torto antes de emitir uma risada baixa,
porém gostosa de se ouvir. Meu corpo todo pareceu reagir àquela vibração.
— O que não entendo é porque ele continua a usar, correndo o risco de ficar
entalado outra vez.
— Deve ser divertido para ele, não é, querido? — falei suavemente
Dei um beijo no focinho dele. O sentimento negativo que nutri por aquele
malandrinho havia se dissipado completamente. Era impossível ficar furiosa
com um animalzinho tão lindinho que me fitava com aqueles olhos enormes
e expressivos, cheios de ternura. Em troca, recebi lambidas no meu rosto.

— Eu imagino. — Concluiu Derek.


Sorrindo para o animal, continuei a acariciá-lo, e acabei sentada no
chão, com o cachorro no meu colo, até que um pigarrear de Derek me tirou
daquele torpor.
— Laranjinha?
— Oi? — Ergui meu rosto, mirando seu olhar intenso, como se
aprovasse o que via.
— As coisas para que eu comece a limpar.
— Oh, desculpe-me. — Levantei-me.
— Não por isso.
Charlie latiu para Derek, como se o detestasse pela interrupção, e meu
vizinho fez uma careta para o animal.
Caminhei até a despensa, seguida pelo cachorrinho, que parecia
apaixonado por mim, e peguei o material o que o dono dele poderia precisar,
inclusive um aspirador para remover toda aquela pena e espuma espalhada.
Entreguei tudo para ele e indiquei uma tomada que ele poderia utilizar.
— Obrigado. — Pareceu pensativo. — Você quer que eu leve Charlie
de volta para casa? Afinal, foi ele o causador disso tudo.
Assim que meu vizinho falou isso, o cachorro choramingou baixinho e
passou a patinha no rosto.

— Você vai se comportar, não é mesmo, Charlie?


Ele latiu e abanou o rabo.
— Ele está prometendo que ficará bonzinho e não tentará ser um bom
ajudante. — Derek auxiliou o cachorrinho no seu intento.
Não contive uma risada e escutei a de Derek em meio a minha
enquanto ele começava a varrer os pedaços de papel picado.
— Tudo bem — concordei, e não disse mais nada.
Sentindo meu estômago revirar de fome, voltei a me sentar na bancada
da cozinha. De lá, tinha visão de Derek, já que o andar era em conceito
aberto. Charlie deitou nos meus pés e fez um barulhinho de quem iria
dormir.
— Hm… — Não contive um suspiro ao levar um pedaço da quiche a
boca, sentindo a explosão de temperos, que era quase que uma marca
registrada de Ruth.
— Pelo cheiro, realmente parece estar delicioso — Derek me

provocou e soube que tinha gemido alto demais.


Droga! Foi impossível não olhar o homem que tinha parado de limpar

a sala e me encarava de volta. Um choque elétrico me percorreu de cima a


baixo e, outra vez, senti meu coração acelerar. Minha mente duelou com

meu corpo, não queria sentir nenhuma centelha de desejo por ele.
— Aceita? — Tentei retratar minha falta de educação por não ter

oferecido um pedaço antes de voltar a comer, usando isso mais como uma
barreira de segurança. — Foi Ruth quem fez. Ela tem uma mão maravilhosa

para salgados.
— No momento não, agradeço — falou suavemente antes de voltar a

fazer as tarefas domésticas.


Foi impossível não admirar a flexão dos músculos evidenciados pela

blusa justa enquanto ele trabalhava. Comi um pouco mais.


— Tenho algumas congeladas no freezer se você quiser levar para
fazer mais tarde — ofereci, mesmo que ele não merecesse. — Ruth me

mataria se soubesse que você não chegou a provar uma de suas quiches.

— Vocês são bastante amigas, não é mesmo? — Não falou se queria


ou não, e então apenas dei de ombros.

— Pode parecer estranho ou esquisito, considerando a idade dela, mas


Ruth é, e creio que sempre será, a minha melhor amiga. — Foi impossível

não adotar um tom terno ao falar sobre a mulher que tinha me acolhido tão
bem no pior momento da minha vida.

Ruth havia enxugado minhas lágrimas, me dado colo, me protegeu de


mim mesma e dos meus pensamentos negativos. E a recíproca era

verdadeira. Estive ao lado dela quando havia ficado doente, e quando ela
estava em pedaços com a morte de uma irmã.

— Não acho estranho, Laranjinha, pelo contrário. — Voltou a me olhar


e pensei ter ouvido certa melancolia no seu tom. — Idade é apenas um

número, e conexões verdadeiras estão cada vez mais raras. A maioria das
relações costumam ser unilaterais.

— Infelizmente — concordei, sentindo certa tristeza ao recordar do


quanto eu tinha me doado por inteiro a algumas amizades, e de alguma

forma acabei quebrando a cara.


Isso valendo também em relação aos homens.
— Principalmente na vida a dois — disse baixinho, para si mesmo.

O olhar dele ficou ainda mais intenso, e, outra vez, fui tomada por
várias sensações.

Suspirei, aliviada, quando ele voltou a trabalhar. Afundei-me na

quiche.
— Mas quem sou eu para julgar. — Seu tom era de pura diversão ao

catar a sujeira reunida em um montinho e colocar no saco de lixo. — Meu


segundo melhor amigo é um cão.

Rimos, principalmente quando Charlie, que até então parecia apagado,


disparou a latir, como se concordasse com o seu dono.

— Você não pode estar falando sério — falei depois de beber um gole
do meu suco até então esquecido. — Se me lembro bem, não havia ninguém

mais popular do que Derek Sommerfeld na escola.


— Dinheiro sempre atrai pessoas. — Foi evasivo. — E convenhamos,

eu sempre tive muito.


— Nem um pouco convencido — zombei dele.

— Faz parte do meu charme.


— Se você diz, quem sou eu para discordar — falei em um tom de

indiferença.
— Sua língua ferina destrói o meu ego, Laranjinha.

— Tenho certeza que tem muito de sobra ainda.


— Talvez… — Foi misterioso.
Um silêncio caiu sobre nós, quebrado somente pelos barulhos emitidos

por Charlie, aqueles feitos por Derek ao varrer o chão e pelo meu mastigar.

Terminei de comer e liguei o meu notebook, logando na nuvem.


— Você se importa se eu começar a trabalhar, Derek, e não te dar

atenção? — perguntei mais por educação do que por qualquer outra coisa.
Ele não era uma visita e não tinha obrigação de fazer sala para ele.

— E se eu disser que sim, Laranjinha? — falou em um tom neutro e


voltamos a nos encarar. — Afinal — continuou em um tom rouco —, um

homem como eu sempre gosta da atenção de uma mulher atraente.


Deu-me um sorriso malicioso, completamente irritante, e voltou a

trabalhar. Eu bufei com a zombaria, detestando-o ainda mais, tomando sua


fala como algo negativo.

Charlie, que ainda estava nos meus pés, choramingou.


Por que Derek tinha que acabar com a trégua momentânea que

havíamos estabelecido entre nós dois?


— Ruth está certa, Laranjinha — voltou a falar —, você precisa

relaxar mais.
Minha sobrancelha se elevou.

— Está me chamando de estressada? — Soei irritada. — Você não me


conhece para julgar o que faço da minha vida, Derek.
— Não, não conheço — falou baixinho e outra vez pude ver a

melancolia nele. — Assim como você sabe muito pouco sobre o meu caráter,

mas não hesita em pensar o pior de mim.


Traguei a resposta ferina, de que ele não tinha mostrado nada que me

fizesse pensar ao contrário, pois essa discussão não iria levar nenhum de nós
dois a lugar nenhum.

— Fique à vontade para trabalhar, Iandra — disse depois de ficarmos


em silêncio por uns instantes. — Não se preocupe comigo, nem com Charlie.

Já atrapalhamos demais a sua vida, não é, amigão?


— Okay.

O cachorro fez um barulho que se assemelhava ao choro. Não gostei


de ouvir esse lamento, talvez por ele ser um serzinho doce e inocente.

— Não é bem assim — falei impulsivamente, mas consciente de que


dizia a verdade.

Apesar da desordem, Derek estava arrumando tudo e a presença dos


dois, estranhamente, não me incomodava. E no fundo, estava consciente de

que eu estava despejando nele toda minha frustração e meu cansaço.


Ele não respondeu. Eu suspirei antes de focar no trabalho, porém não

tive sucesso em me concentrar. De alguma forma, o silêncio dele, e até


mesmo o de Charlie, estava me perturbando.
— Terminei, Iandra. — Sua voz saiu séria e me senti inquieta por ele
não usar o apelido mais do que odioso. — Pelo menos, o que consigo limpar

por hoje. O seu sofá é melhor que uma empresa especializada use os

produtos certos para não manchar. Só removi o excesso. Pedirei que alguém
venha cuidar disso amanhã.

— Agradeço, Derek.
Não havia necessidade de apontar que ele pagaria muito caro por isso,

pois, para ele, o valor provavelmente era irrisório. Ainda que ele morasse
naquele bairro, que estava longe de ser um dos preferidos até mesmo da

classe média alta, acreditava que o meu vizinho tinha muito mais recursos do
que as revistas falavam.

Olhei para a sala ao levantar-me, percebendo que o homem havia


limpado até mais do que deveria. Fui seguida por Charlie.

— Fez um belo trabalho, Derek — falei. — Não esperava que você


fosse tão caprichoso.

— Por que, Iandra? — questionou, aproximando-se de onde eu estava,


parando próximo a mim, tão perto que apenas a distância de uma mão nos

separava. Derek nunca me pareceu tão sério e grave. — Por que sou um
milionário mimado e playboy, que sempre teve dúzias de empregados para

fazer o trabalho para mim?

— Não — fiz que não com a cabeça, para reforçar.


— Então por que o comentário, Iandra? — pressionou.

— Se quer mesmo sinceridade — dei um sorriso involuntário a ele —,

não falo em tom de crítica, mas, sim, de admiração. Essa parte da minha casa
nunca esteve tão limpa.

— Compreendo. — A tensão parecia ter o deixado e o lado pícaro dele


pareceu falar mais alto. — Podemos negociar meus serviços se você quiser,

Laranjinha.
— Tenho certeza que você tem coisas mais importantes para fazer do

que executar trabalhos domésticos.


Deu de ombros.

— Talvez… — Novamente usou aquele tom que faria qualquer uma


ficar com as pernas bambas, me lançando um olhar atrevido que me fez

queimar.
Sorriu de canto, de uma forma devassa.

Fiquei paralisada outra vez, presa no magnetismo dele. Minha


respiração começou a ficar ofegante, meu corpo todo começando a reagir ao
do meu vizinho, tanto que minhas mãos pareciam querer criar vida própria;

estive muito perto de tocá-lo, de acariciar o queixo másculo, traçar a barba


bem-feita, que combinava muito bem com ele. Fui salva, se é que eu podia
considerar isso como uma forma de salvação, quando Charlie latiu.
— Vou pegar as quiches que prometi para você. — Coloquei uma
mecha do meu cabelo atrás da orelha, sem jeito.

— Tudo bem, Laranjinha. — Respirou fundo e pude ver que ele


parecia um pouco decepcionado. — Eu preciso ir. Tenho que terminar de ler
um livro para uma aula que darei na segunda.
— Okay. Não demoro. — Sem esperar uma resposta, virei-me e fui até

a cozinha.
Enquanto eu pegava as tortas no freezer, escutei Derek conversar
baixinho com Charlie, e não contive um sorriso.
— Aqui está. — Estendi para ele uma vasilha, e minhas mãos

tremeram levemente quando seus dedos roçaram na minha pele ao pegar o


invólucro. — Eu e Ruth esperamos que você goste.
— Tenho certeza que amarei. — Foi gentil.
— Não esqueça de contar a ela o que achou, minha amiga vai adorar

saber — disse quando o levei até a porta.


— Eu imagino. Amanhã vou arrumar a horta, okay?
— Certo.
Ele levou a mão à nuca e suspirou.

— Então é isso… — falou.


— Sim…
Abri a porta para ele, que saiu com Charlie ao seu lado.
— Boa noite, Iandra.
— Boa noite, Derek.
Deu as costas para mim, e imaginei que ele fosse embora de imediato,

porém ele ficou parado no mesmo lugar. Aproveitei e observei os contornos


dos seus músculos definidos.
— Laranjinha? — Chamou-me e virou-se na minha direção.
— Sim?

— Quer jantar comigo e com Charlie no próximo sábado?


— Faz esse convite para todas, Derek? — Meu pensamento saiu em
voz alta, impulsivamente, e os olhos dele faiscaram, mas permanecendo
indecifráveis.

Por mais que tivesse minhas desconfianças de que ele era um galinha
“discreto”, não tinha o direito de questioná-lo, porém tinha sido mais forte
do que eu. Estranhamente, algo dentro de mim desejou que a resposta fosse
negativa, ainda que provavelmente eu não fosse acreditar nela.

— Faz diferença para você?


— Não — menti.
— Mentirosa — falou em um tom divertido, o que alimentou a minha
parte defensiva. Meu sangue queimou nas veias de raiva.

— Não sei por que perco meu tempo com você, cachorro… — cuspi.
— A resposta é não, Laranjinha — proferiu suavemente. — Digamos

que é um convite quase que exclusivo.


Piscou um olho.
— Difícil de acreditar. — Cruzei os braços na frente do corpo.

— É um pedido de desculpas meu e de Charlie. — Estranhamente,


pareceu sincero, e isso pareceu quebrar um pouco a minha autodefesa. — Eu
não deveria ter agido como um babaca hoje mais cedo, forçando uma
intimidade que não existe ainda.

— Eu não sei se é uma boa ideia, Derek — sussurrei. — Nós não


conseguimos agir como adultos um perto do outro.
Era verdade, e tinha que admitir que eu também tinha uma parcela de
culpa. Me comportava como uma adolescente, não uma mulher adulta,

quando estávamos juntos.


Mas a principal razão pela qual eu me sentia mais do que propensa a
recusar era não saber lidar com tudo aquilo que aquele homem suscitava em
mim apenas com um olhar. Não gostava de maneira alguma desses

sentimentos confusos que iam da raiva ao desejo.


— Sei que começamos com o pé esquerdo, mas não precisamos ser
inimigos, Laranjinha. — Fez uma pausa. — Nunca o fomos, de verdade.

Não sabia se podia concordar com Derek. A implicância dele sempre


foi absurda e sem razão alguma. Será que agora podemos ser bons vizinhos
ou até mesmo amigos? Duvidava muito disso.

— Não sei... — repeti.


— Se não por mim, por Charlie… — murmurou. — Ele ficará feliz em
ter você como convidada.
Até então esquecido, o cachorro começou a latir e pousou as duas

patinhas da frente nas minhas pernas, e olhou-me com aqueles olhos pidões
e enormes.
— E então?
— Vocês jogam sujo. — Soprei alguns fios de cabelo que caíram sobre

meus olhos.
— Somos uma boa dupla — comentou, vitorioso.
— Muito, por sinal — bufei.
— Temos um jantar sábado?

Assenti em confirmação.
— Obrigado, Laranjinha. — Pareceu animado, mais do que imaginei
ser prudente. Deveria desconfiar desse entusiasmo todo.
— Se é só isso, tenho trabalho a fazer — esquivei-me.

— Claro, tenha uma boa noite, Iandra.


— Boa noite, Derek.
Sem aguardar que se afastasse, virei-me e entrei dentro de casa, como

se fosse um animal fujão, e fechei a porta atrás de mim. Encostei meu corpo
contra a superfície de madeira e fechei os olhos ao passo que um suspiro
escapava pelos meus lábios.

Torcia muito para que eu não me arrependesse de ter aceitado esse


convite, que agora podia muito bem encarar como uma espécie de provação.
Capítulo

— Ansioso, amigão? — perguntei para Charlie.


Virei-me para ele, que estava deitado na sua caminha e parecia um
pouco ofegante, já que estava com a língua para fora, enquanto balançava a

cauda rapidamente, e ele latiu.

— Eu também estou — confessei, antes de voltar a picar as maçãs


para a salada. — Não me recordo da última vez que me senti tão nervoso e
impaciente. Acho que foi quando decidi surpreender Mery.
Fiz uma careta e Charlie rosnou.

Ele nunca havia gostado da minha ex-namorada e a recíproca era


verdadeira. Ela odiava que o cachorro se aproximasse, a cheirasse ou a
lambesse, o que muito raramente ocorria, pois o animal tendia a ficar mais
arisco.
Disso tudo havia aprendido uma lição: deveria ter confiado no

julgamento do meu amigo de quatro patas sobre o caráter dela, teria me


poupado os chifres e a dor de cabeça que havia me dado com seus jogos
emocionais.
Balancei a cabeça, afastando Mery dos meus pensamentos. Isso havia
ocorrido há quase um ano e não me doía mais, de maneira alguma. Pelo que

eu soube, ela estava feliz com um homem quarenta anos mais velho, que a
bancava da maneira que queria.
— Você gosta da Iandra, não é mesmo? — sussurrei a pergunta.
Charlie latiu e, girando o meu pescoço, percebi um arremedo de

sorriso estilo canino na face dele.


— Eu também gosto, mas tenho que tentar ser menos imbecil e
mostrar mais o Derek atual. Seu tio Marsh está certo quando jogou na minha
cara que estou indo depressa demais e que eu pareço um cara que só quer
transar com ela — falei, enquanto colocava as maçãs picadas em um
recipiente e jogava um pouco de caldo de limão em cima.
— Auau. — latiu, e tomei aquilo como uma resposta.

— Sim — continuei aquele diálogo absurdo indo até a pia para lavar a
faca e também os aipos e comecei a cortá-los. — Não é porque eu a acho
interessante e sexy, e que parece que ela sente certa atração por mim, que

isso significa que iremos ter alguma coisa, não é verdade?


Dessa vez ele não latiu e eu apenas escutei o som do rabo dele batendo
contra a caminha. Tentei não pensar muito na decepção que me invadiu
perante a ideia de ser apenas um bom vizinho para aquela mulher. Estava
agindo como um emocionado, igualmente infantil. Havia muito o que
precisava conhecer sobre ela para ansiar por algo a mais do que apenas uma
amizade de vizinhos. Nem mesmo sabia com o que ela trabalhava, nem seus
gostos. Também uma coisa que queria descobrir era sobre seu passado.
Diferente do garoto que tinha sido, não era um homem que saía transando

por aí sem conhecer a pessoa.


— Droga! — resmunguei quando a faca quase resvalou no meu dedo.
— Preste mais atenção naquilo que está fazendo, cara!
Tentando me concentrar na comida, o que parecia bastante impossível
com a ansiedade revirando meu estômago, piquei tudo o que era necessário,
mas antes que eu pudesse preparar o molho, a campainha tocou, o que fez
Charlie começar a latir freneticamente e meu coração se acelerar no peito.
O barulho de patas raspando no piso laminado me indicava que o
animalzinho disparou para recepcionar a sua visita. Meio abobado, lavei

minhas mãos, enxugando-as em um pano de prato, e cruzei a distância até a


porta rapidamente; não queria deixá-la esperando, pois secretamente temia
que ela desistisse e fosse embora.
Charlie já a esperava, arranhando a superfície de madeira.
— Calma, amigão — falei com ele, sentindo minhas mãos ficarem um
pouco úmidas.
Antes que pudesse abrir a porta por completo, Charlie passou pela
fresta e foi cumprimentar nossa visitante.
— Oi, querido — Iandra disse para o animal, se agachando para
acariciá-lo atrás da orelha. — Que fofo da sua parte parecer tão animado
pela minha presença.
Latiu para ela e lambeu sua bochecha. Cachorro esperto!
Como sempre, deixei que meu olhar a percorresse da cabeça aos pés,
porém acabei me fixando no decote pronunciado, mas ainda comportado,
que deixava eu ver as inúmeras sardinhas que salpicavam a pele cremosa.

Senti minha boca secar com a visão, que era muito mais fascinante do
que esperava. E, mesmo que não devesse e tivesse dito a mim mesmo que eu
deveria ir com calma, foi impossível não me imaginar explorando cada
manchinha encantadora com os meus lábios e língua. Inspirei fundo e um
cheiro suave de frutas cítricas invadiu minhas narinas. Combinava e muito
com a Laranjinha, e para ser mais perfeito, só faltava ser de laranja.
— Boa noite, Derek — disse em um tom reprovador e se ergueu.
Pego em flagrante, fitei o seu rosto, percebendo a sobrancelha
arqueada para mim. Não me passou despercebido que ela usava uma leve
maquiagem e que seus lábios cheios brilhavam pelo gloss. O pensamento de
que ela havia se arrumado para mim me assolou, mas logo descartei a ideia.
Era sonhar demais. Mas isso não me impediu de sentir-me abobado. Ela
estava linda.
— Boa noite, Laranjinha. — Minha voz soou rouca. — Fico feliz que
tenha vindo.
— Vim pelo “Charlie” — falou.
— Imagino que sim. — Dei um sorriso para ela, ignorando a pontada
que suas palavras me fizeram sentir. Era esperar demais que dissesse que
tinha vindo por mim. — Entre, por favor.
Charlie latiu, reforçando o convite, e eu dei um passo para o lado,
fazendo um gesto cavalheiresco para que ela passasse pela porta.

— Obrigada. Posso me sentar ali para tirar os sapatos? — Apontou


para um banco.
— Claro, mas nem precisava pedir, Laranjinha, sinta-se como se
estivesse em casa — falei suavemente.
Ela franziu o cenho de leve, porém não respondeu, apenas caminhou
até o local, pousando a garrafa sobre o banco antes de se sentar. Era
perseguida por Charlie, que latia e fazia suas gracinhas. Observei o cachorro
pular para ficar do lado dela e subir em cima de Laranjinha, que acariciou
seus pelos.
Meu olhar foi atraído novamente para ela e só então reparei que usava
uma bermuda que mostrava parte das pernas, incrivelmente deliciosas.
— Há algo de errado comigo, Derek? — Ergueu o rosto, flagrando-me
pela segunda vez. Os olhos dela estavam sérios.
— Por que teria?
— Você não para de me analisar. — Apontou para si mesma e
continuou, em um tom ácido. — Esperava que eu me vestisse como se
estivesse indo a um encontro, o que definitivamente não é o caso?
Tirando Charlie do seu colo e colocando em cima do banco, começou
a remover as sapatilhas.
— Claro que não, Laranjinha. — Minha voz soou aveludada. — E na

minha visão, você está mais do que perfeita, não poderia estar mais linda.
Duvido que não fique bonita usando qualquer coisa.
“Até mesmo sem nada.” — completei em pensamentos, ao passo que
me xingava também.
Droga! Temia não conseguir dissimular o desejo que ela me fazia
sentir apenas por estar na minha frente.
— Até parece. — Bufou, mas me surpreendeu quando usou um tom de
brincadeira ao continuar: — Isso que você não me viu usando meus
moletons relaxados. E nunca verá, seria dar material demais ao inimigo.
Riu baixinho ao se erguer e uma gargalhada saiu pelos meus lábios.
Charlie latiu animadamente.
Colocou os sapatos na estante da entrada.
— Bem, trouxe vinho para nós — comentou o óbvio e estendeu a
garrafa para mim —, não gosto de chegar de mãos vazias.
— Não era necessário. — Forcei a minha voz sair neutra, não
demonstrando a ela o quanto tudo em mim reagia àquele mero roçar de

dedos.
Deu de ombros, mas não me passou despercebido que a Laranjinha

pareceu tensa ao morder os lábios. Ela mal sabia o quanto ficava provocante
assim.

Engoli em seco.
— Provavelmente deve estar longe dos seus padrões de qualidade —

comentou.
— Pode não parecer, Laranjinha, mas não sou tão esnobe. — Sorri. —

Tenho certeza que é excelente.


Mostrou descrença, o que era de se esperar.

— Vamos até a cozinha? — sugeri e comecei a caminhar. Escutei os


passos dela me seguindo junto aos de Charlie, que provavelmente estava

trançando entre as pernas dela. — Tenho que admitir que estou um pouco
atrasado com os preparativos do jantar. Na verdade, perdi um pouco a hora
porque estava lendo. Mas irei preparar uma tábua de frios para nós como

entrada.

— Não se preocupe com isso, Derek.


— Será um prazer, Laranjinha.

— Uau! Que cômodo mais lindo! — Virei-me para ela assim que
pronunciou essas palavras e a expressão maravilhada dela roubou parte do

meu fôlego. — Parece ter saído de uma revista chique.


— Talvez porque tenha mesmo saído de uma. — Provoquei-a e

apontei para os bancos altos depois de pousar a garrafa sobre a bancada. —


Sente-se.

— Mesmo? — Fez o que eu instruí, mas seus olhos percorriam cada


detalhe do aposento. Charlie aproveitou para pedir carinho, ronronando, e

mecanicamente ela o tocava.


— Provavelmente. — Abri a geladeira e peguei alguns queijos,

presuntos e outras coisas que ela poderia gostar. — Não sei nada sobre
decoração, só de funcionalidade. E como estava com pressa para me mudar,

contratei uma equipe que a minha cunhada sugeriu.


Comecei a andar pela cozinha, pegando algumas coisas, e escutei uma

risada em meio a sons caninos.


— Praticidade o define, então? — Havia uma pitada de curiosidade

nela.
Sorri de orelha a orelha com o interesse dela em mim.

— Infelizmente, sim. — Abri a garrafa de vinho.

— Sendo sincera, considero isso mais uma virtude do que um defeito


— comentou e segurou a taça para que eu a servisse.

— Fico feliz em ouvir isso, Laranjinha. — Acompanhei o movimento


dela ao levar o cálice aos lábios e beber o líquido. — Me sinto lisonjeado.

Riu outra vez.


— É um fato que a vida adulta exige praticidade. — Apesar do tom ter

aquela acidez dela, soube que não era destinado a mim, pois ela sorria... para
mim.

Porra, o sorriso dela me foi como um coice e meu sangue se agitou nas
veias. E, sem nenhuma dúvida, eu deveria estar com uma expressão bobona

na face, mas era inevitável.


Servi uma taça para mim e, não me atendo às etapas de degustação do

vinho, que faria com que ela me considerasse esnobe, tomei um gole do
líquido espesso e algumas notas de cranberry impregnaram meu paladar.

— Gostou? — perguntou em um tom baixinho.


— É excelente.

— Hum. Vou fingir que acredito — falou em um tom brincalhão.


— E você, Laranjinha? — questionei depois de conferir minhas
asinhas de frango no forno e a torta de maçã, porém estavam muito longe de

estarem prontas.

Comecei a picar os queijos.


— O quê?

— Sua principal qualidade…


— Determinação, talvez? — Fez uma pausa, tomando mais um gole da

sua taça. — Acho que, no momento, não há palavra melhor para me definir.
— Por conta do seu emprego? — Seus lábios se entreabriram de

surpresa.
— Como?

— Não precisa ser um adivinho, ainda mais quando depois de um dia


horrível na empresa, assim que chegou em casa, uma das primeiras coisas

que você fez foi trabalhar mais.


Fez uma careta.

— Estou buscando por uma promoção há alguns meses na agência de


marketing em que trabalho, Derek. — Colocou uma mecha atrás da orelha,

gesto que parecia algo habitual dela. — Se eu conseguir, poderei elaborar a


publicidade das maiores empresas de Ohio. No momento, não há nada que

eu queira mais, e lutarei por isso.


Sorri para ela.
— Posso te entender. — Pegando uma bandeja, comecei a arrumar

todos os petiscos nela. — Não descansei enquanto não obtive o meu título de

mestre e o doutoramento em sociologia.


— Derek Sommerfeld um acadêmico? — Sua sobrancelha formou um

arco. — Não vou mentir, mas estou surpresa.


Dei de ombros e tomei outro gole do meu vinho.

— Eu sei que deve ser difícil você acreditar, com as lembranças de


como eu era na escola. Assumo que agi como um idiota com você…

— Bastante por sinal. — Concordou e eu emiti um som de muxoxo.


Charlie latiu.

— Mas juro para você que fui o primeiro da turma. — Fiz uma pausa
dramática e sua sobrancelha se arqueou no automático. — E com honras.

Hoje, sou considerado um dos professores mais exigentes e chatos. Os


alunos temem a minha matéria.

— Sério? Vou fingir que acredito, Derek. — Seu tom era cheio de
diversão.

Levou a taça aos lábios e eu dei um sorriso de canto, repleto de


malícia.

— É um bom começo para mim.


— Se você acha…
Tomei mais um gole do vinho e coloquei a tábua com os aperitivos
próximo a ela, que não hesitou em pegar um pouco do queijo.

— Ainda irá acreditar completamente em mim, Iandra.

— Veremos… — disse com ceticismo.


Era uma palavra que revelava descrença, porém foi recebida por mim

como uma espécie de incentivo, já que me dava uma chance de conhecê-la


melhor.

Sorri ainda mais.


— É sempre assim tão ácida como um limão, Laranjinha?

— E você tem sempre sorrisos lascivos para distribuir a todas? —


retrucou, a sobrancelha dela naturalmente se arqueando.

— Não precisa fingir, sei que na época da escola você bem que
gostava de recebê-los — respondi sua pergunta com uma provocação —, e

que tinha uma “paixonite” por mim.


— Para ser sincera, Derek, não. — Encarei o seu rosto, percebendo um

brilho malicioso em seus olhos. — Apesar de ser outro idiota, sempre fui a
fim do Jason.

Fiz uma cara de choque e levei a mão ao peito, como se ela tivesse me
causado dor, e Charlie, fiel, foi ao meu socorro.

— Essa me machucou, Iandra — dissimulei.


Jogou a cabeça para trás e riu tanto que pequenas lágrimas se

formaram em seus olhos. O cachorro, atento aos sons, começou a latir, suas

unhas arranhando o piso enquanto se movia de um lado para o outro. Ri


também, contagiado por aquele som cristalino e delicioso, porém, o cheiro

de queimado proveniente do meu forno fez com que eu me aprumasse e


fosse verificar o que aconteceu rapidamente, Charlie indo atrás de mim.

Seria ridículo deixar algo estragar. Diminuí a temperatura e percebi que


estava tudo certo, apenas um pouco da massa que tinha caído e eu não havia

limpado. Ainda demoraria uns vinte minutos para ficar pronto. Tinha que
correr para fazer a salada.

— Precisa de ajuda, Derek? — questionou ao parar de rir.


— Está tudo sob controle, Laranjinha. — Pisquei para ela e peguei

minha taça, voltando-me para a pia. — Hoje eu sou o chefe.


— Okay!

Lavando as mãos, finalmente comecei a preparar o molho feito de


maionese, limão, açúcar e sal.
— Soube que ele se divorciou da esposa — comentei em um tom

conspirador.
— Mesmo?
— É a sua oportunidade de ouro, Laranjinha. — Adotei uma voz falsa

e virei meu pescoço para observar sua reação.


A careta dela era impagável e voltei a rir. Charlie latiu, parecendo me
acompanhar.

— É passado. — Deu de ombros e usou o mesmo tom do que eu: —


Falando nisso, sua queridinha Marcelle está tão solteira quanto ele. E ainda
continua gostosona. Pelo que li, ela é modelo, rica, bem o seu tipo.
Virei-me para ela e franzi o cenho.

— Meu tipo?
Fitei o rosto de Iandra e balancei a cabeça em negativa, me
aproximando da ilha. Nossos olhares ficaram presos um no outro.
— Está enganada, Laranjinha. — Minha voz era rouca, ao mesmo

tempo séria. — Somente uma mulher me interessa no momento.


Abriu a boca para falar algo, porém nenhum som pareceu sair dela.
Tomou um longo gole de vinho e, automaticamente, enchi sua taça quando
ela voltou a pousá-la sobre a superfície.

— Desculpe-me por isso, Iandra…


Dei um sorriso fraco ao ver seu constrangimento enquanto acariciava o
cachorro, que exigiu dela sua atenção. Definitivamente, não queria estragar a
nossa noite que estava bastante agradável. Também temia que ela se

levantasse e fosse embora.


— Não sei por que disse isso.
— Eu tenho que pedir desculpas a você, Derek.
— Não por isso, Laranjinha. — Pisquei para ela, tentando amenizar o
clima estranho. — Agora deixa eu terminar essa salada, que parece que não
ficará pronta nunca.

Riu e eu relaxei.
— Esqueci de perguntar, você tem alguma alergia, a nozes por
exemplo?
— Não, felizmente não, do contrário minha vida teria sido terrível sem

os schenecken[6] que Ruth prepara. Por quê?


— Estou preparando uma salada Waldorf para nós e leva maçã, aipo e
principalmente nozes, por isso a pergunta. — Virei-me novamente para o
balcão.

— Só de pensar, minha boca enche d’água.


— Me alegro em saber.
Ficamos alguns minutos em um silêncio confortável enquanto eu
trabalhava. Finalmente coloquei a salada no refrigerador ultrarrápido, e o

silêncio era apenas quebrado por Charlie, que latia, andava de um lado para
o outro e emitia barulhos parecendo de deleite com as carícias realizadas por
Iandra.

— Posso te fazer uma pergunta pessoal, Derek?


— Claro, Laranjinha. — Guardei o pensamento de que não havia nada
que eu gostaria mais do que ela querendo saber algo sobre mim.
— Por que decidiu voltar a morar por aqui? Ruth me contou que você

residia em uma cobertura em Manhattan.


— Sinceramente, Laranjinha? Me cansei da vida agitada e frenética de
lá. — Não era necessário dizer que eu também havia decidido me mudar

porque só tinha fixado residência em Nova York por causa da minha ex. —
Não que eu possa dizer que eu era um “animal festeiro”. E, de alguma
forma, senti falta de ficar próximo do meu irmão. Shall vai ser papai, sabia
disso?

— Não, não sabia. — Relanceei um olhar para ela, que tinha um


sorriso nos lábios. — Parabéns aos dois.
— Um motivo a mais para voltar — confessei. — Quero estar presente
para ajudá-los naquilo que precisarem. Por mais que tenhamos dinheiro para

contratar auxiliares, quero ser a rede de apoio deles.


— Fico feliz em ouvir isso, Derek. De verdade.
— Eles são a minha família e os amo. — Quando disse isso, senti
imediatamente falta da mulher que havia me criado. Melhor não pensar nisso

agora. — Junto com Charlie, é claro.


— Óbvio — falou risonha.
— Agora, sobre o bairro — continuei —, não posso negar que eu

gostei bastante do senso de comunidade que há por aqui. O único defeito


dessa casa é ter as paredes finas demais.
— Nem me fale, você e esse pequeno meliante muitas vezes não me

deixam dormir ou me acordam cedo demais para um domingo. — Bufou,


como se estivesse completamente irritada comigo, mas seu tom a desmentia.
— Não imagina o quanto meus ouvidos e os de Charlie ficam feridos
depois de escutar o show de cantoria que você dá durante o banho — falei,

cheio de malícia.
Meu cachorro grunhiu e pude imaginar que ele havia passado a pata no
focinho, pois Iandra voltou a soltar um resmungo.
— Sou uma cantora profissional de karaokê, sabia?

Joguei a cabeça para trás e gargalhei.


— Tenho dó da plateia.
— Sou muito elogiada, para a sua informação — retrucou.
— Só se for na sua imaginação — zombei.

Mostrou a ponta da língua para mim em um ato completamente


infantil, porém o gesto teve efeito contrário em mim, pois senti um desejo
insano de deslizar a minha língua pela dela, em um beijo sôfrego que
significaria a minha redenção. Ou a dela.

Pigarreei, tentando controlar o fogo que ardeu dentro de mim.


— Me lembre algum dia desses de fazer um dueto com você,
Laranjinha — brinquei, um pouco mais no domínio de mim mesmo.
— Só se for alguma música da Britney Spears. — Tentou me dissuadir
ao citar a cantora pop, e eu contive uma careta, já que estava longe de ser o

meu ritmo musical favorito.


— Com direito a coreografia? — Fiz uns passos estranhos que
recordava de um videoclipe e comecei a cantar desafinadamente um trecho
qualquer.

Charlie se assustou, começando a latir furiosamente, em posição


defensiva, enquanto Iandra gargalhava da minha gracinha.
— Oh, Meu Deus! — falou em meio ao riso, tapando as orelhas —
Não! Você é um desastre!

O cachorro concordou com latidos e rabadas.


— Estou mandando bem pra caralho! — Continuei a me movimentar.
— Você estragaria minha apresentação!
Balancei a cabeça em negativa e parei de dançar.

— Sem Britney Spears, então? — Soei ofegante.


— Fechado! — Concordou com um aceno.
Tomei outro gole do meu vinho e escutei ainda por um bom tempo a
risada de Iandra, que parecia divertir-se às minhas custas. Não resisti e

contemplei o seu rosto corado pela risada e também pela bebida alcóolica,
completamente admirado pelo brilho que havia em seus olhos. Ela estava
relaxada e, se fosse honesto comigo mesmo, ainda mais linda na minha
visão. Ela cintilava. Suas sardinhas ficaram ainda mais ressaltadas, tornando-
as fascinantes.
Meu coração bateu mais forte por pensar que tinha sido eu quem a

tinha feito ficar leve daquela forma.


Continuamos a trocar trivialidades, rindo, bebendo, até que tive que ir
abrir o forno. Depois de ver que tudo estava no ponto que eu queria,
coloquei um par de luvas e retirei o tabuleiro e a assadeira.

— Está com um cheiro maravilhoso — murmurou.


— Vou só colocar a mesa para nós, pelo jeito, com a ajuda de Charlie.
— Apontei para o cachorro, que trançava de um lado para o outro, animado,
latindo.

Ela riu e eu sorri.


Não demorou muito e nós dois estávamos sentados um de frente para o
outro na mesa pequena e íntima. Meu estômago revirava com a proximidade
dela, e eu detestei o cheiro pungente da comida que me impedia de sentir o

perfume dela.
— Maravilhoso — murmurou, levando mais uma garfada de salada
aos lábios, mastigando lentamente.

— Te agradeço por reconhecer minhas habilidades, que foram


adquiridas assistindo programas de competição culinárias, mademoiselle —
fui cortês, como se eu fosse um chef renomado, antes de enfiar o garfo em
um pedaço de maçã.
— Gosta de assistir esses programas, Derek? — questionou, surpresa.
— É uma boa forma para passar o tempo. — Servi um pouco mais de

vinho para mim e para ela; teria que abrir outra garrafa muito em breve. —
Infelizmente, não consigo mais tirar um tempo para maratonar todas que eu
gostaria. Fora que tento conciliar meu tempo de lazer com outras coisas,
como ler meus romances policiais, ter umas partidas de golfe com o meu

irmão…
Fez uma cara engraçada enquanto mastigava.
— Que foi, Laranjinha?
— Estou apenas surpresa que você joga algo tão…

— Chato? — Não escondi minha diversão, dando uma risada baixa,


que fez com que Charlie, que dormia nos nossos pés, emitisse um som
canino. — Monótono?
Deu um sorriso amarelo como se temesse me ofender.

— Ou de pessoas esnobes? — Ergui o nariz como se fosse um ricaço


metido, o que não podia negar que a maioria que gostava do esporte o era.
— Eu não disse isso — seu tom foi defensivo, tornando a ficar ácida.

Sorri com o pensamento de que eu poderia conviver e me acostumar


com aquele temperamento mordaz dela, por mais difícil que parecesse aos
olhos do mundo. Gostava disso em Iandra, mesmo que fosse completamente

diferente do meu gênio.


— Não precisa ficar irritada, Iandra…
Inconscientemente, estiquei o meu braço e toquei o dorso da mão dela,
acariciando-a. Rapidamente, o calor da pele dela pareceu se infiltrar em mim

e um tremor me varreu de cima abaixo, deixando-me quente e excitado de


diferentes formas. Nossos olhares se prenderam um no outro, e outra vez tive
a sensação de que o tempo pareceu suspenso e apenas respirávamos. Os
lábios dela se entreabriram com a surpresa, mas não emitiu nenhum som. Era

quase que um convite para tombar meu corpo sobre a mesa e cruzar a
distância que separavam nossas bocas, deixando-nos levar pelo desejo que
era latente, mesmo que ela negasse, porém não o fiz, pelo contrário, removi
minha mão, sentindo a perda imediata do calor dela. Lutei contra a vontade

de tocá-la outra vez, então segurei o garfo e comi um pouco mais da salada.
— Estou apenas brincando com você, Laranjinha — minha voz soou
extremamente rouca quando terminei de mastigar —, mas não posso negar
que as pessoas que frequentam o nosso clube em sua maioria são arrogantes

e prepotentes. Apesar dos projetos sociais realizados por eles tentarem


incluir algumas crianças carentes, ainda assim é um esporte excludente.
— Posso imaginar.
Tomou um longo gole de vinho, mas notei que seus olhos brilhavam
de desejo.

— Onde aprendeu a jogar golfe, Derek? — falou ao pousar a taça


sobre a mesa e, com a ponta do indicador, traçou a borda do cristal.
Não respondi de imediato, pois o movimento lento era hipnótico; foi
impossível para mim não a imaginar usando esse mesmo dedo para acariciar

a minha glande com círculos morosos, que acabariam por espalhar meu
líquido por toda a minha ponta.
A imagem era tão forte, sexy, que senti meu pênis endurecer, da
mesma forma que tinha ficado ereto perante o escrutínio dela.

Droga, não tinha controle nenhum sobre mim mesmo.


Fiquei mais do que feliz pela existência da mesa, que impedia ela visse
o meu estado. Provavelmente Iandra me consideraria um pervertido, um
doente, por excitar-me apenas com seu gesto displicente.

— Derek? — chamou-me e me movimentei na minha cadeira,


sentindo-me um pouco desconfortável.
Engoli um gemido.

— Quando criança, com a minha avó paterna — foquei em dar uma


resposta à sua pergunta sobre golfe. E pensar na mulher doce e amorosa que
era minha avó fez com que o fogo que me percorria morresse. Minha meia-
ereção broxou enquanto a falta que sentia dela preenchia cada pedaço do
meu peito. — Ela era superfã da Kathy Whitworth[7]. Foi inspirada nela que
aprendeu a jogar, mesmo que fosse considerada velha demais para aprender.
Tenho várias lembranças dela nos levando para os campos e comemorando a

cada hole in one[8] nosso. Então, uma vez ao mês, eu e meu irmão tentamos
mostrar as nossas habilidades em homenagem à vovó.
Sorriu e, para minha surpresa, foi a vez dela de tocar a minha mão,
acariciando o meu dorso suavemente. Vi compreensão em seus olhos e

também uma ternura que fez meu coração se acelerar.


— Sente falta dela, não é mesmo?
Assenti com a cabeça.
— Muita, Laranjinha, mais do que você pode ser capaz de imaginar —

confessei em um tom baixo, sentindo minha garganta se apertar. — Não


posso pensar nela sem sentir meus olhos lacrimejarem.
Como se para confirmar, senti lágrimas se formando, e uma delas

escorreu pela minha face. Sequei com o dorso da mão.


— Deve me achar ridículo por chorar.
— Pelo contrário, te acho mais homem e menos idiota por não bancar
o machão que tem medo de demonstrar o que sente.

— Bom saber. — Consegui sorrir e ela moveu a mão. — Eu costumo


ser bem emotivo.
— Jura?
Fiz que sim com a cabeça.
— Por isso evito completamente filmes com cachorros — continuei e
comecei a servir as asinhas assadas para nós dois, começando pelas damas
—, eu fico acabado.

Charlie latiu debaixo da mesa enquanto Iandra ria da minha cena para
lá de teatral, em que fingi chorar, levando a mão no peito como se eu
estivesse sentindo dor.
— Quem não — falou em meio à gargalhada. — Tanto que faz anos

que não assisto um. Da última vez, recordo-me que passei a madrugada
inteira chorando enquanto me afundava em um pote de sorvete… Se
importa?
— Do quê? — Franzi o cenho.

— Que eu use as mãos para comer as asinhas. — Apontou para o


próprio prato. — Fica difícil com garfo e faca.
— Claro que não, Laranjinha. — Meus lábios se ergueram. — Não há
forma melhor de devorá-las.

Como se para mostrar o que dizia, sem fazer-me de rogado, peguei


uma com os dedos, sujando-os com o molho, e a abocanhei. O gosto da
pimenta fez com que minha boca salivasse e não consegui reprimir um

gemido.
Iandra suspirou baixinho antes de pegar mais uma. Não escondi minha

diversão, somente o desejo que sentia ao escutar seus sons baixinhos e vê-la
lamber os dedos sem nenhuma cerimônia. Respirei fundo, buscando
controlar aqueles sentimentos voláteis, dizendo a mim mesmo que tinha que
parar de ficar tendo pensamentos eróticos com qualquer movimento daquela

mulher.
— Nunca comi uma torta tão saborosa, Derek — falou depois de
morder um último pedaço da sobremesa. Eu não vi o tempo passar enquanto
ríamos e conversávamos sobre filmes e assuntos banais. — Essa massa é dos

deuses.
— Encontrei a receita nas coisas da minha avó. — Fiz uma pausa. —
Como é receita de família, não posso passar.
— Que pena — fez um som de muxoxo —, estava prestes a pedir.

— Mas nada impede que eu a prepare para você novamente. —


Pisquei e adotei um tom malicioso. — Será sempre bem-vinda aqui.
— Seu cachorro safado! — sussurrou, cheia de exasperação, e eu tive

que segurar o riso ao encarar sua expressão, que era um arremedo de careta.
— Essa é a sua tática de conquista?
— Não custa nada tentar conquistá-la pelo estômago. — Arreganhei os
dentes, como se fosse um predador e ela emitiu uma risadinha. — Quer mais

um pedaço?
— Não, obrigada — fez um gesto com a mão —, não aguento mais
nenhuma garfada sequer.

Assenti e comecei a recolher a louça, para tirar o excesso, e coloquei


na pia, antes de levar para a máquina.
— Quer ajuda, Derek? — Questionou ao pousar a mão sobre o meu
ombro, chamando a minha atenção.

— Não é necessário, Laranjinha.


— Okay.
Com o canto do olho, a vi voltar para a mesa e dar atenção a Charlie,
que parecia desperto e que dava a ela beijos e afagos. Enquanto sufocava o
cachorro com o seu carinho, fez-me várias perguntas sobre o animalzinho,
lembrando-se da vez que eu tinha dito a ela que o cachorro tinha sido

adotado.
— Nossa, já está tarde — falou ao olhar no relógio de pulso e se
erguer. — Perdi completamente a noção de tempo.
Aproximou-se de mim, parando na minha frente.
— Eu também — sussurrei.
— Acho que vou nessa — murmurou e eu senti uma onda de decepção
me invadindo. — Você deve estar cansado depois de preparar esse banquete.

— Pelo contrário, nunca me senti tão bem na vida, Laranjinha — disse


uma verdade.
Fazia muito tempo que não me divertia tanto assim e apreciava a
companhia de alguém, sem levar em consideração Shall e Sybill, que me
amavam e eram a minha família.
Outra vez seus lábios se entreabriram e eu contive a vontade de não
apenas beijá-la, mas também tocar uma mecha que caía sobre a face dela e

emoldurava o seu rosto.


— Ainda assim, acho melhor eu ir embora agora.
— Tudo bem, Iandra. — Não insisti, por mais que minha vontade
fosse pedir, ou até mesmo implorar para que ela ficasse. Sabia que havia
avançado demais com ela para um único dia. — Eu e Charlie te levamos até
a porta.
— Obrigada.
Balançando a cabeça e engolindo a tristeza, acompanhei-a, sendo

seguido por um cachorro que parecia cabisbaixo, e ao chegarmos no closet


de entrada, a vi rapidamente calçar suas sapatilhas.
— Agradeço pelo jantar, Derek, estava realmente delicioso — falou
assim que girei a maçaneta, abrindo uma fresta para que ela passasse.
— Eu que fico feliz por você ter aceitado o convite, Laranjinha. Sério,
falo a verdade quando disse que amei cada segundo na sua companhia.
Pareceu sem jeito, mas não disse nada.
— Podemos combinar algum dia desses de assistir juntos algum filme
de faroeste que você gosta, por mais que John Wayne não seja o meu
favorito — provoquei-a.
— Não posso fazer nada que você prefere o Audie Murphy — apoiou
a mão no meu peito e tentou me empurrar, sem muito sucesso.
— Talvez devêssemos procurar um meio termo.

— Quem sabe — foi evasiva e deu de ombros.


Senti como se tivesse voltado à estaca zero.
— Boa noite, Charlie — curvou-se para dar um beijinho no topo da
cabeça do cachorro, que choramingou com a despedida, e voltou a me fitar.
— Boa noite, Derek.
Impulsivo, sem pensar muito, correndo o risco de foder com tudo,
curvei-me na direção dela e deixei um beijo amigável na sua bochecha.
Percebi que ela estremeceu suavemente com o toque dos meus lábios, que

formigaram com o contato.


— Boa noite, Laranjinha — sussurrei próximo a orelha dela.
Reuni toda a minha força de vontade para dar um passo para trás e me
afastar daquela mulher, que era capaz de mexer bastante comigo, mesmo que
tenhamos nos reencontrado há pouco tempo. Ela fazia meu coração bater
acelerado, meu corpo queimar de desejo e, sem nenhuma dúvida, me
deixaria insone com a lembrança de ter a sua pele contra os meus lábios. A
distância me dilacerou, bem como o fato de ela se virar e cruzar a pequena
distância que separava as nossas residências sem me dizer uma única
palavra.
Coloquei as mãos nos bolsos e a observei entrando em casa, antes de
fitar o céu repleto de estrelas.
— É, amigão, acho que fiz besteira. — Emiti um suspiro cansado ao
olhar para Charlie, que me fitava com uma carinha triste, e fui dominado

pela sensação de que eu havia estragado tudo com ela, outra vez.
Capítulo

Encostei o meu corpo na superfície de madeira buscando alguma


sustentação assim que tranquei a porta. Minhas pernas estavam
completamente bambas e minha respiração ofegante. Havia sido apenas um

beijo no rosto, um cumprimento informal, mas, ainda assim, minha pele

parecia arder onde Derek tinha pousado seus lábios.


Fechei os olhos, me agarrando ainda mais a porta, quando um arrepio
percorreu toda a linha da minha coluna ao imaginar aquela boca quente
fazendo uma trilha bem mais indecente do que aquele beijinho, alcançando a

curva do meu pescoço ou o topo dos meus seios enquanto suas mãos grandes
e fortes me tocavam indecorosamente.
Balancei a cabeça, forçando-me a não me deixar levar por essas
fantasias mais do que absurdas de se ter com o meu vizinho, porém a
recordação dos vários momentos de tensão sexual durante aquele jantar, dos

olhares lascivos de Derek sobre mim, tornava ainda mais difícil de mitigar
aqueles pensamentos impróprios e de afastar as sensações perturbadoras que
se espalhavam pelo meu corpo.
— Droga, Iandra — falei baixinho para mim mesma —, você é mais
forte do que isso.

A recordação dele me dizendo que estava interessado apenas em uma


mulher, fitando-me como se eu fosse ela, me dava a certeza de que, pelo
contrário, eu era fraca, uma tola por acreditar nesse papinho furado que,
provavelmente, deve ter usado com muitas, fazendo-as se sentir especial.

Sou uma idiota por desejá-lo, mesmo que Derek estivesse com certeza
mentindo descaradamente, mil vezes burra por não ter aprendido a minha
lição duramente ministrada por ex-namorados e ficantes igualmente
cachorros.
No entanto, mesmo estando ciente do meu papel de palhaça, aqui
estava eu com as pernas ainda bambas e prestes a emitir um suspiro por
causa de Derek Sommerfeld, o que era mais patético.

Respirando fundo, abri os olhos e, lutando contra mim mesma, removi


minhas sapatilhas de qualquer jeito, deixando-as na entrada, e tomei a
direção da cozinha. Apesar de não aguentar comer mais nada, eu sabia que

precisava de pelos menos uma caneca fumegante de café, o que faria com
que eu encarasse o trabalho que havia pela frente.
Atingir o meu objetivo na empresa deveria ser o meu foco, não o fato
de imaginar qual seria a sensação de ter os lábios de Derek sobre algumas
partes do meu corpo.
Depois de colocar a cápsula na máquina, sentei-me na ilha e batuquei
meus dedos no tampo enquanto aguardava, e esse tempo ocioso fez com que
vários flashes da noite surgissem diante dos meus olhos, porém nada podia
fazer, parecia inevitável. Ignorei o sentimento de que estava me

comportando como uma adolescente empolgada depois de um encontro, o


que eu não era o caso aqui.
Dei um saltinho na minha cadeira quando o som de uma mensagem
apitou no meu celular e levei a mão ao peito.
— Deus, Iandra!
Rindo de mim mesma, puxei meu aparelho do bolso da bermuda e o
destravei. Deveria ter imaginado que seria minha melhor amiga.

Ruth Boa noite espero que esteja bom Divita-se.


vou dormi. Estou cansada e com Quero sabe tudo Beijo

 
Sorri ao ler as palavras erradas e frases incompletas, faltando algo, e
rapidamente respondi com um “Já estou em casa”. Sabia que ela não
hesitaria em me ligar, e assim ela o fez.
— Mas já? — falou em um tom de voz muxoxo e eu não contive uma
risada baixa, imaginando que ela fazia uma careta.
Tinha me esquecido o quanto a senhorinha estava mais ansiosa do que
eu pelo jantar. Se fosse honesta comigo mesma, até algumas horas atrás, eu
estava hesitante se deveria ou não ter ido, porém ela me azucrinou tanto que
acabei cedendo. Sem dúvidas, uma partezinha de mim tinha que agradecer a
ela por insistir, dizendo que seria muito feio eu inventar uma desculpa de
última hora. Na verdade, Ruth havia me ameaçado, dizendo que não iria
falar comigo por uma semana se eu não fosse aquele jantar.
— Não são nem onze horas da noite — continuou naquele timbre
decepcionado.

— Ainda assim, está bastante tarde, Ruth — falei suavemente.


— Não para dois jovens como vocês. — Pude imaginar que ela fazia
beicinho.
— Eu precisava…
— Já sei o que você vai falar, filha — cortou-me e emitiu um suspiro
longo e cansado —, trabalhar, trabalhar, trabalhar.
— Bem — dei um sorriso amarelo, mesmo que ela não pudesse ver —,
sou bastante previsível.
— Demais. Mas você sabe o que penso disso — continuou.
— Sim, eu sei. — Não precisava de um sermão naquela hora da noite,
apontando que eu estava me escondendo atrás do trabalho, esquecendo de
viver.
— E então? — questionou depois de ficarmos uns instantes em
silêncio, cedendo à curiosidade. — Por favor, não me diga que você foi rude
ou ignorante com um rapaz tão gentil.
— Hey — chiei, ficando na defensiva, e peguei o meu café quando vi
que ele estava pronto —, por que acha que eu faria algo assim?
Era incrível o fato de ela, mesmo tendo-o conhecido há pouco tempo,
sempre buscar defendê-lo ou tentar ressaltar suas qualidades. Sem dúvida,
Derek havia ganhado uma grande admiradora na minha melhor amiga.

Sufoquei o pensamento de que deveria ser uma de muitas.


— Você não vem sendo a pessoa mais doce do mundo com ele —
ralhou. — E duvido muito que tenha procurado controlar sua língua.
— Touché! — Brinquei com ela.
— Iandra! — gritou do outro lado da linha e, rindo
descontroladamente, eu afastei o telefone da orelha. — Não pode estar
falando sério.
Não respondi, deixando-a em suspense. Tomei um gole da minha
bebida, e suspirei ao sentir o gosto de chocolate em meio ao café.
— Eu deveria puxar sua orelha por isso, menina. — Mostrou
indignação.
Tolamente, voltei a rir, e ela falou algumas palavras em alemão, que
sem nenhuma dúvida, eram palavrões.
— Estou brincando, Ru!
— Não achei engraçado, filha.
— Por isso mesmo que estou te provocando.
Dei uma risada e ela bufou.
— Agora me conte como foi. E sem mais gracinha, mocinha! —
pressionou.
Beberiquei o líquido, inutilmente ganhando tempo, tamborilando os

dedos sobre a bancada de pedra.


— Iandra…
— Foi ótimo, mais do que poderia imaginar, Ruth — admiti. — A
comida estava deliciosa, e não vou negar que conversamos bastante, tanto
que perdi a noção da hora. Satisfeita?
A risadinha dela foi a minha resposta, a velhinha estava mais do que
contente.
— Eu te falei que seria ótimo e que você se arrependeria de não ir. —
Seu tom era de pura satisfação, e, pela agitação do outro lado, pude imaginar
que minha amiga dava pulinhos de alegria. — Ele é um rapaz maravilhoso,
educado, simpático, não o canalha que você apontava…
Franzi o cenho diante das inúmeras virtudes listadas pela minha
melhor amiga, porém não disse nada, principalmente por saber que ela viria
em defesa dele.
— Quero saber todos os detalhes, filha — tirou-me do transe de

pensamentos.
Como sabia que ela não descansaria enquanto não contasse o que

queria saber, fiz um resumo para ela.


— Deveria preparar um jantar para ele em retribuição — sussurrou e

eu sabia que ela estava deixando-se levar pela sua imaginação romântica,
confirmado pelas suas palavras seguintes: — Quem sabe…

— Ruth! — dei um gritinho, exasperada.


— Divertir-se com ele não fará mal nenhum, Iandra…

— E desde quando você é adepta a “diversão”?


— Desde nunca.

Gargalhamos.
— Isso não significa que você não possa ser…
— Passei dessa fase há muito tempo, Ruth — falei em tom divertido.
— Se fosse na época da faculdade...

Rimos ainda mais.

— Mas isso não impede de vocês aproveitarem a companhia um do


outro — disse em meio a um suspiro.

— Serei uma boa vizinha. — Foi a única coisa que prometi a ela.
Tinha que ser racional por nós duas e cortar qualquer esperança que ela

poderia vir a nutrir.


Bufou outra vez, não gostando da minha resposta.

— Por que você tem que ser tão sem graça?


— Para contrastar com o seu bom-humor e otimismo. — Fiz uma

pausa e tomei um gole do meu café, que rapidamente tinha esfriado. —


Formamos uma boa dupla por isso.

— Só você mesmo. — Revelou sua consternação através de uma


respiração profunda. — Não irei te convencer a mudar de ideia, não é

mesmo?
— Não.

— Uma pena…— Suspirou. — Tomara que ele tenha mais sorte do


que eu — murmurou tão baixo, para dentro, que eu quase não a escutei. —

Fico feliz que tenha se divertido, Iandra, mas vou desligar, estou morrendo
de dor de cabeça, embora tenha me esquecido disso por alguns momentos.
Achei graça do seu esquecimento.

— Boa noite, querida — desejei. — Melhoras para a sua dor de


cabeça.

— Obrigada e boa noite.

— Eu te amo, Ruth — falei em um impulso.


— Também te amo, filha, por isso que eu quero o seu bem e a sua

felicidade… — disse em um tom emocionado antes de desligar.


Sei que deveria ter contado mais detalhes da noite para Ruth, mas

acabei escondendo dela os vários momentos de tensão sexual que havia


crepitado entre mim e Derek. Disse a mim mesma que havia suprimido essas

partes para não fazer com que a senhorinha romântica imaginasse coisas que
não ocorreriam entre nós. Não estava em um livro para viver um romance

com o meu vizinho gostoso, e eu não seria mais uma na lista de mulheres
que ele levou para a cama, lista que Derek Sommerfeld começou ainda na

época da escola com todas as garotas que havia beijado. Asqueroso!


Me recusava a ser um número para ele. Sabia lidar com os meus

desejos, e não cederia aos impulsos do meu corpo que, de alguma forma
insana, parecia atraído pelo dele.

Ignorei a vozinha da minha cabeça, que me chamava de mentirosa,


pois, no momento, só de pensar outra vez nos olhares ardentes dele e no
beijo no rosto, minha pele parecia arder e meu sexo se contraía suavemente,
principalmente quando a lembrança dele seminu me bombardeou.

Quis bufar. Definitivamente, estava agindo pior do que uma

adolescente. Nem mesmo quando eu tinha quinze anos eu reagia dessa


maneira ao Derek, como uma verdadeira bobona.

Colocando esses pensamentos de lado, olhei para a fotografia do meu


descanso de tela no meu laptop, em que eu e Ruth estávamos abraçadas no

nosso café favorito, e não contive um sorriso, nem mesmo as minhas


emoções. De fato, atualmente não havia pessoa no mundo que mais desejava

o melhor para mim do que aquela doce senhorinha.


Fiquei encarando a imagem por minutos a fio até que minha caixa de

e-mail acusou uma nova mensagem, a qual percorri rapidamente com os


olhos.

Levantando-me, joguei o café frio fora e, depois de lavar o caneco e


fazer uma bebida nova, caminhei em direção ao meu escritório. Tinha uma

madrugada inteira de trabalho pela frente, mas, para o meu desespero, toda a
minha concentração foi roubada por um par de olhos negros brilhantes, um

sorriso lascivo, e lábios quentes contra a minha bochecha.


Capítulo

— Dizem que finalmente decidiram quem serão os escolhidos para


chefiar as campanhas dos maiores clientes da empresa. — Continuei a mexer
no computador, ignorando a voz pastosa e venenosa de Alec, tal como o

cheiro nauseante do seu perfume caro. — Pelo que fiquei sabendo, nenhuma

das duas vagas será sua.


— Mesmo?
Finalmente o encarei, e o sorriso debochado fez com que meu
estômago embrulhasse. Não que eu devesse acreditar naquilo que essa cobra

dizia, porém havia algo em seu olhar que fez com que eu temesse que ele
estivesse certo.
— Sim. — Seu sorriso ficou maior. — E adivinha quem estará à frente
da campanha da Lemon?
Gargalhou ao citar a principal empresa agenciada por nós. Eu tinha

que admitir que ser a responsável por pensar a divulgação do novo produto
deles — que ainda era um segredo para todos — seria um sonho para mim e
alavancaria ainda mais a minha carreira.
— Você? — Forcei-me a perguntar, ainda que soubesse a resposta.
Assentiu.

— E pelo que fiquei sabendo, algumas cabeças irão rolar também.


Um pressentimento ruim invadiu o meu peito, porém fiz de tudo para
sufocá-lo, afinal, ele poderia estar errado. E o fato de que haveria algumas
demissões — o que eu achava estranho, já que a agência de marketing estava

em plena expansão — não significava que eu ficaria desempregada. Eu era


uma boa profissional e apeguei-me a isso, apesar que seria um balde de água
fria não conseguir a promoção que eu tanto sonhava depois de dar o meu
máximo para consegui-la.
— Como sabe disso, Alec? — Minha pergunta soou neutra, fruto de
todo o meu autocontrole, que agora, no entanto, parecia bastante frágil.
Por mais que tentasse disfarçar, ele havia deixado os meus nervos em

frangalhos.
— Importa?
— Não, de fato, não.

Sorri fracamente para ele, suspeitando de quem seria sua fonte de


informação: a senhora James, o que, definitivamente, não era nada bom. Um
calafrio ruim me percorreu de cima a baixo, e minhas mãos, que estavam
sobre o teclado, estremeceram levemente, para o meu desgosto.
— Se era apenas isso que você tinha para me dizer — minha voz saiu
áspera, descontrolada, e o homem riu cinicamente —, me dê licença, Alec,
preciso terminar esse relatório.
Virei-me para o computador, fingindo que ele não existia e que eu não
estava temerosa.

— Vagabunda arrogante — murmurou. — Duvido muito que manterá


essa pose de rainha por muito tempo.
Franzi o cenho com os adjetivos nada lisonjeiros, engolindo a vontade
de devolver o insulto, o que estava na ponta da língua, mas não me
rebaixaria ao nível dele.
Ouvi os passos dele se afastando e, conferindo com a visão periférica
que ele não estava mais próximo, levei as duas mãos ao rosto, cedendo ao
medo, enquanto lágrimas, que não derramaria, se formavam em meus olhos.
— Não pode ser! — Movi meus lábios sem emitir nenhum som,

enquanto fazia uma prece para que fosse mentira, mas algo dentro de mim
sabia que, infelizmente, não era um pesadelo.
Não conseguiria minha sonhada promoção e veria aquele babaca se
dando bem.

Bati palmas mecanicamente, embora a minha vontade fosse cair no


choro no meio da sala de reunião — o que seria completamente
constrangedor, principalmente quando todos os chefes estavam presentes,
apesar que a minha expressão de derrota devia ter deixado mais do que claro
o quão abalada eu estava.
Olhei para Alec, que recebia o cumprimento da senhora James, e,
como se soubesse que era observado, virou-se para mim e deu-me um
sorriso irritante. Quis me encolher na cadeira, porém não o fiz. Era difícil
perder a promoção para aquele idiota, embora uma partezinha de mim tinha
que admitir que ele havia alcançado resultados espetaculares na campanha
de uma rede de salões de beleza, porém era mil vezes pior saber que você
não seria promovida, depois de tanto trabalho duro, porque a diretoria
decidiu que o sobrinho de um deles, que era recém-formado, seria mais do
que perfeito para estar à frente de grandes projetos. Talvez fosse inveja da
minha parte, ou despeito, já que não conhecia as habilidades dele, porém,
ainda assim, me era inevitável.
Não sei quanto tempo havia se passado, a única coisa que estava ciente
era que cada minuto ali parecia-me um verdadeiro inferno, ainda que
estivesse assistindo tudo como um telespectador distante. Só sei que, quando
vi que algumas pessoas começaram a se retirar da sala, inclusive os
promovidos, ergui-me para fazer o mesmo, porém a voz fria da senhora
James me impediu.
— Sente-se, Iandra, nós precisamos conversar.
— Claro, senhora. — Concordei, voltando a me sentar. De qualquer
modo, não sabia se minhas pernas me sustentariam, não quando era
consciente de que toda a atenção da diretoria estava voltada para mim.
Meu corpo inteiro passou a suar frio, mesmo que o aquecedor deixasse
a sala sufocante. O mau agouro de Alec sobre as demissões parecia uma

guilhotina pendendo sobre a minha cabeça, que a qualquer momento poderia


rolar.
Segurei a caneta com os meus dedos trêmulos e abri meu caderno de
anotações, como se estivesse me preparando para tomar notas do que iriam
me pedir para fazer.
— O que desejam falar comigo? — Minha voz soou mais hesitante do
que eu gostaria, e um silêncio sepulcral tomou a sala.
Alguém pigarreou, e outro tamborilou os dedos na mesa, fazendo um
som que nunca me pareceu mais irritante.
— Você sabe que é uma excelente profissional, Iandra, inteligente…
— um deles começou a dizer, e eu me senti ainda mais gelada, meu coração
errando algumas batidas de maneira ruim. Não, não, não. O mau presságio se
tornou maior —, e que a sua colaboração tem sido inestimável para a
Marketing Columbus...
— Obrigada — forcei-me a dizer, embora meu desejo fosse, outra vez,
cair aos prantos.
— Sendo honesto, não me recordo se alguma vez tivemos uma
colaboradora com tanto potencial como você…
Escutei um bufar e meu olhar recaiu na senhora James.
— Vamos direto ao ponto — as unhas vermelhas da mulher

pareceram-me garras —, estamos te desligando do nosso quadro de


funcionários. Você não trabalha mais para a MC.
Meu mundo ruiu em uma fração de segundos.
Fechei os olhos com força, abrindo-os devagar, como se estivesse
acabando de acordar de um pesadelo e que aquela reunião era apenas um
sonho ruim. Mas não era. As pessoas sentadas à minha frente só
confirmavam isso.
— Como? Por quê? — Minha voz saiu baixa, repleta de dor.
A mulher me lançou um olhar repleto de ironia.
— Não leve para o lado pessoal, Iandra, mas não necessitamos
justificar uma decisão tomada pela empresa a um funcionário, como deve
saber. — Seu tom era venenoso.
Engoli em seco, e acabei concordando fracamente com a cabeça.
— Agradecemos a sua colaboração e, em nome da empresa, desejamos
sorte a você em sua carreira que, sem dúvidas, será brilhante — continuou e
eu escutei outras pessoas repetindo as palavras dela, porém não prestei

atenção.
Estava ferida e magoada demais por nem ao menos saber o porquê de

eu estar sendo demitida daquela maneira tão fria, depois de quase dois anos
dedicados à empresa. Estava prestes a chorar.

— Peço que você passe no RH para acertar as pendências, e também


aproveite para assinar a papelada do seguro-desemprego.

— Okay — murmurei. — Isso é tudo?


— Sim, novamente agradecemos a você. — Deu um sorriso falso para

mim. — Agora, se puder nos dar licença...


Assenti e, com os meus dedos trêmulos, reuni todas as minhas coisas,

guardando tudo na bolsa desajeitadamente. Me ergui, deixando a sala.


Eu mal havia saído da sala, quando uma risada ecoou em meus

ouvidos.
— Não te falei? — Alec gracejou, gargalhando.
Eu apenas passei por ele, esbarrando em seus ombros, como se fosse

um furacão, mesmo que minhas pernas estivessem completamente bambas,

prestes a cair do meu salto.


Assim que alcancei o banheiro, me tranquei em uma cabine e deixei-

me cair ao chão, finalmente cedendo às lágrimas dolorosas. Não tinha ideia


do que seria da minha vida a partir de agora, sem o meu porto-seguro, sem

aquele objetivo, e isso fez com que eu chorasse ainda mais. Me sentia vazia,
sem perspectiva.
Capítulo

— Vai ficar só na água, cara? — Um dos meus colegas da


universidade em que trabalho falou, vencendo o som da música alta, embora
até estivesse num volume baixo, mas que me incomodava do mesmo jeito.

— Sim — respondi, dando de ombros. — Eu estou de carro.

Apesar de ter praticamente a mesma idade dos homens sentados


naquela mesa, me sentia velho demais para aquele ambiente. O Derek de
hoje não combinava em nada com o bar lotado; para ser honesto, abominava
esse tipo de lugar. Eu não tinha a mínima ideia do porquê tinha vindo parar

nesse local cheio de calouros se embebedando e se esfregando na pista de


dança, em que reconheci um ou dois como alunos da disciplina que eu
ministrava. Só sei que me arrependia completamente por ter aceitado o
convite apenas para socializar. Preferia estar em casa, lendo algum livro ou
finalizando a escrita de algum artigo.

— Não imaginava que até aqui você iria ser tão careta, Derek —
Frederick zombou ao tomar um longo gole da sua cerveja e os outros
gargalharam, porém não dei a mínima por ser o alvo dos gracejos dele. —
Até parece o meu avô.
— Se eu me recordo, ele é muito mais animado do que esse daí — um

outro professor falou e apontou para mim. — Não é ele que está pegando
uma novinha?
— Ele mesmo — cuspiu Frederick e os caras riram novamente, mas,
dessa vez, não contive a minha risada, por mais que soubesse que estava

sendo escroto. — Homem de sorte.


— E cheio da grana para mantê-la ao seu lado — outro comentou. —
Mundo injusto.
— Demais. — Fred tomou outro gole da cerveja enquanto ria. —
Falando nisso, o Derek deveria pagar a conta, já que ele é bastante
afortunado.
Franzi o cenho.

— Foi só por isso que me convidaram? — Adotei um tom brincalhão.


— É uma boa razão, uma que nem mesmo você poderá dizer que não.

— Ganhei uns tapinhas nos ombros de consolação.


— Então nada feito — sentenciei, levando a minha garrafa de água aos
lábios.
— Não custava tentar — falou em um tom pastoso que se assomou à
risada.
Maneei a cabeça e eles continuaram a zombar.
— Boa sorte — desejamos em uníssono quando um dos meus colegas
se levantou para tentar abordar uma das universitárias que bebia com
algumas amigas, e rimos ainda mais quando ele voltou depois de tomar um

fora.
— Quem sabe da próxima — falou ao se sentar, convencido,
apontando para o próprio peito. — Ninguém resiste ao Brad aqui.
Mais risadas. Pelo menos ele não era um filho da puta por insistir.
— Porra, essa é gostosa — Fred sussurrou tempos depois, e vi que
praticamente todos os caras se voltaram na mesma direção.
— Demais.
— Acho que vou tentar minha sorte — Brad disse em um tom lascivo.
Mesmo que não estivesse interessado na tal mulher, já que eu estava

completamente obcecado por alguém de cabelos ruivos longos, olhos verdes,


cheia de sardinhas e com a língua mais ferina que eu conhecia, ao ponto de
nenhuma outra atrair meu olhar por mais que alguns segundos, cedendo à
curiosidade, acompanhei o olhar dos caras que babavam e meu coração deu
um salto ao ver que a “gostosa” em questão era bem conhecida para mim. E
diferentemente das outras vezes, mesmo em suas roupas formais, ela parecia
solta demais ao dançar sensualmente. Suas mãos traçavam as curvas, que eu
desejei tocar não apenas com os meus dedos, mas também com a minha
boca, e seus quadris se moviam lentamente em meio ao ritmo.
— Caralho! — O palavrão escapou pela minha boca quando a
Laranjinha desceu em direção ao chão, rebolando provocativamente, e não
escutei nada que os meus colegas diziam entre si.
Instantaneamente meu corpo ficou rígido com os movimentos
sensuais, porém senti meu sangue esfriar, cedendo lugar ao instinto de
proteção, que me era visceral, ao dar-me conta de que havia alguma coisa de
errado com ela.

Merda! Ela estava bêbada, e muito bêbada, já que quase caiu ao dar
um giro, esbarrando em um pirralho no processo, que aproveitou o contato
para ajudá-la a ficar de pé. Sorte do homem que ele não se aproveitou dela,
pois eu era capaz de arrebentar a cara dele. Sem pensar muito, erguendo-me
em um salto, peguei minha carteira e joguei algumas notas de cem dólares
em cima da mesa.
— Que isso, cara? — Fred segurou o meu braço. — Estava só
brincando em relação a conta.
— E eu falei que ia chegar nela primeiro — Brad resmungou.
Me desfazendo do toque de Frederik, não respondi nenhum dos dois,
apesar que estava ciente de que seria questionado por isso depois, e apenas
caminhei em direção a Iandra, que continuava a rebolar, jogando a cabeça
para trás, ao passo que sentia a minha tensão aumentar a cada passo que eu
dava.
Não tinha ideia de como ela iria reagir a minha presença, ainda mais
quando estava determinado a levá-la embora dali. Provavelmente ela não me
seguiria de boa vontade, pois conhecendo-a, ela me xingaria até que minha
orelha ardesse, mas minha consciência não me deixaria em paz se eu fosse
embora sem ela, deixando-a naquele estado, que eu tinha quase certeza de
que Iandra se lamentaria depois. Nunca a deixaria sozinha e vulnerável onde

qualquer um poderia se aproveitar.


— Laranjinha, precisamos ir para casa — sussurrei na orelha dela.
Ignorou-me, continuando a dançar, e eu fui ao inferno quando, sendo
pego desprevenido, Laranjinha colou-se a mim e a sua bunda arrebitada
rebolou contra a minha pelve, fazendo com que instantaneamente eu sentisse
meu pau começar a endurecer.
Dei um passo para trás o mais rápido que pude, com meu cérebro com
problemas para raciocinar direito perante o calor que irradiava dela para o
meu corpo, e quando ela me acompanhou, emiti um suspiro profundo.
Porra! Eu estava fodido.
Segurei a cintura dela com uma mão, impedindo-a de continuar a se
mover contra mim, e relancei um olhar para a mesa, aflito. Ver os caras
debochando e rindo de mim não ajudou em nada. Praguejei, entre dentes.
— Laranjinha, pare, agora — falei asperamente quando Iandra
provavelmente achou que eu a “agarrava” para ajudá-la a se movimentar ao
ritmo das batidas da música.
Meu intento pareceu fazer algum efeito, pois ela se virou tão rápido
que tive que firmá-la para que não caísse no chão. Estacando no lugar, não
disse nada por alguns segundos enquanto seus olhos verdes, avermelhados,

se arregalavam com a surpresa, me fitando de cima a baixo, como se eu


fosse um espectro e não acreditasse que eu estava parado na sua frente.
— O quê? Você? — Demonstrou confusão e seus lábios formaram um
‘O’ que em outras circunstâncias teria sido adorável e me deixaria tentado a
beijá-la até que ficássemos completamente sem fôlego. — Como me
encontrou? Você me perseguiu?
— Longe disso, Laranjinha, encontramo-nos por acaso. — Minha voz
soou séria. — Agora vamos.
Porém, antes que eu pegasse a sua mão para arrastá-la para fora dali,
surpreendendo-me, enlaçou o meu pescoço com os braços, e eu praguejei
outra vez ao sentir os seios pequenos roçarem no meu torso.
— Que pena — falou em uma voz sedutora ao fazer beicinho. Senti
seus dedos infiltraram-se nos meus cabelos curtos, puxando-os levemente
em uma carícia que, se fosse possível, me deixou ainda mais ferrado. —
Teria adorado que você me perseguisse.
Arqueei uma sobrancelha para ela. Se eu precisava de provas de que

ela não estava em seu juízo perfeito, essa frase me deu a certeza. Para a
minha decepção, a Laranjinha ácida que eu conhecia nunca diria algo assim

para mim espontaneamente, por mais que eu fosse adorar vê-la implorar pelo
meu corpo, pelo meu toque e pelos meus beijos.

Afastando essa linha de pensamento da mente, removi as mãos dela do


meu cabelo e pescoço, baixando-as, e um som de muxoxo escapou pelos

seus lábios. Porém, para o meu desespero, ela segurou-me pelos quadris e
trouxe-me de encontro à sua pelve. Trinquei os dentes.

— Vamos dançar — pediu em um tom rouco, que lamentavelmente


reverberava em meu íntimo.

Não esperou uma resposta. Contradizendo-se, ficando nas pontas dos


pés, aproximou seu rosto do meu, porém, prevendo seus movimentos, antes
que ela encostasse sua boca na minha, virei o rosto, recebendo um beijo na
bochecha.

Tentar ser um cavalheiro com ela foi um erro, pois a mulher me

encarou e pude ver lágrimas se formando em seus olhos e logo escorrerem


pelas suas bochechas.

Foi a minha vez de demonstrar confusão e, automaticamente, acariciei


as suas costas quando se aninhou em mim, chorando de maneira convulsa no

meio da pista de dança.


— Por que está chorando, Laranjinha? — murmurei no seu ouvido.

Esqueci-me completamente das pessoas no nosso entorno, toda a


minha atenção era para Iandra, que agarrou a gola da minha camisa com

força, enquanto molhava minha camisa com suas lágrimas.


— Hein? — insisti, traçando círculos lentos em suas costas, como se

ela fosse um bebê.


— Pensei que você me quisesse — falou, chorosa, e eu quase não a

escutei em meio a música — que me desejava…


Ergueu o rosto e me encarou com os olhos marejados, que foi como

uma facada no meu peito.


— Por que você não me quer mais, Derek?

— Caralho, Iandra — deixei um beijo carinhoso na sua testa —, é


claro que eu te desejo.
— Então por que não me deixou te beijar?

Outra vez, sem esperar resposta, tentou roçar sua boca na minha,
porém a impedi, colocando um dedo sobre os seus lábios.

— Está vendo? — choramingou, e uma nova leva de lágrimas banhou

a sua face. — Você não me quer.


Caramba!

— Isso não é verdade, Laranjinha…


Suspirei, controlando a vontade de passar as mãos pelos meus cabelos,

enquanto tentava desesperadamente buscar uma forma de convencê-la de


que a desejava, sim, mas sem beijá-la. Eu a queria, e muito, mas precisava

que ela estivesse sóbria e quisesse realmente o meu beijo tanto quanto eu
queria o dela.

— Não parece. — Tentou me empurrar, porém não conseguiu, então


apenas bateu os pés no chão, como uma criança birrenta.

— Estou com mau-hálito — menti, dando um sorriso sem graça —, é


isso.

— Oh!
Deu uma risadinha e seus olhos brilharam, antes de levar a mão à

boca, como se estivesse conferindo o seu próprio cheiro.


— Eu também estou. — Franziu levemente o cenho, acentuando

algumas sardas, deixando-a ainda mais bonitinha. — Um terrível, por sinal.


Álcool, muito álcool.
Contive um “por que será?” quando ela jogou a cabeça para trás e riu,

como se tivesse contado uma piada engraçada.

— Então não há razão pela qual nós não podemos nos beijar, Derek…
— disse com uma voz pastosa, e fitou os meus lábios com cobiça. Aquilo

teria acabado com a minha sanidade e relutância se não fosse a maldita


bebida…

Aproveitando meus segundos de distração, voltou a me agarrar e eu


gemi baixo, exasperado ao sentir o corpo dela contra o meu.

— Não, querida, infelizmente eu sou tímido e não beijo em público. —


Pisquei ao dizer outra mentira.

Eu não daria a mínima sobre o local quando, conscientes, nos


beijássemos pela primeira vez. Poderia ser no bar, no meu quarto, ou até

mesmo dentro da igreja ou no inferno, tudo o que me importaria seria ter


aqueles lábios com sardinhas nos meus.

— Você?
Cruzou os braços na frente do corpo, ressaltando seu busto pequeno.

Desviei minha atenção dos seus seios para o seu rosto, a tempo de vê-la
soprar uma mecha de cabelo que caía sobre o rosto.

— O playboy mais safado da escola? Conta outra.


Balançou a cabeça e a segurei pelo braço quando pareceu que iria cair

outra vez.

— O problema é comigo… — sussurrou e as lágrimas que tinham


parado de cair voltaram a rolar pelo rosto dela.

— Não, querida — sequei algumas delas com o polegar —, juro que


não é você.

— Jura? — Pareceu esperançosa.


— Sim, Laranjinha. — Deixei outro beijo em sua testa. — Agora

vamos para casa, ok?


— Você me beijará lá? — Tocou o meu rosto e eu baixei sua mão,

impedindo-a de me tocar antes que ela começasse a acariciar a minha barba.


Deus, aquela mulher me deixaria doido!

— Claro. — Outro engodo. — Vamos?


Balançou a cabeça em concordância, parecendo mais aliviada, e

cambaleou com o seu movimento. Tomando uma liberdade que não deveria,
envolvi seus quadris para firmá-la para que ela não corresse o risco de ir ao

chão. Laranjinha aproveitou para agarrar-se a mim, e seus seios, a cada vez
que desequilibrava, roçavam no meu peitoral. Ignorando as sensações

indevidas que aquele mero raspar produzia em mim, que definitivamente me


fazia sentir um porco por ver meu coração acelerar, o desejo se espalhando
por cada grama do meu corpo, aproximei-me do caixa para pagar a conta
dela.

— Onde está sua comanda, Laranjinha? — questionei e ela ergueu o

rosto para me encarar, suas feições demonstrando confusão.


— O quê?

— O papel que anotaram tudo o que você consumiu — insisti.


— Ah! — Franziu o cenho de leve e começou a procurar nos bolsos,

fazendo um muxoxo um instante depois. — Acho que perdi.


Volúvel como estava, em um piscar de olhos, do biquinho passou as

lágrimas outra vez.


— Está tudo bem, Laranjinha — murmurei, afagando-a, e virei-me

para a atendente, que tinha uma expressão desgostosa. Peguei-me fechando a


cara para ela também em resposta. Era uma atitude infantil, mas ninguém

repreenderia a Laranjinha na minha frente por algo tão banal e que poderia
acontecer com qualquer um. — Ela perdeu a comanda. Que podemos fazer

nesse caso?
— A casa cobra uma taxa para cobrir eventuais despesas, senhor —

disse com desdém.


— Okay — concordei.

Não prestei atenção no valor colocado na máquina, apenas aproximei o

meu cartão e paguei.


— Vamos, querida — murmurei para Iandra, que ainda chorava, dessa

vez, baixinho, forçando-a voltar a andar. — Já resolvi o problema, não

precisa chorar mais.


— Você não me odeia por isso? — perguntou em um fio de voz.

— Claro que não, Laranjinha — respondi suavemente. — Sabia que


isso me aconteceu uma vez?

— Verdade? — Seus lábios se curvaram em um sorriso, o que fez com


que eu perdesse momentaneamente o fôlego.

— Sim. Tinha guardado um ticket de estacionamento no bolso da


calça, mas não percebi que estava descosturado, então acabou caindo e o

perdi.
— Entendi. — Pareceu mais conformada.

Mesmo com alguns tropeções da parte de Iandra, conseguimos


alcançar a minha SUV. Destravei o veículo, soltando-a um instante para

poder abrir a porta para ela. De alguma forma, me senti aliviado com o fato
dela não relutar em entrar. Inclinei-me sobre ela, para passar o cinto de
segurança pelo seu corpo, e por alguns segundos nos fitamos, nossos rostos

ficando próximos um do outro, tanto que pude sentir sua respiração quente
sobre a minha pele. Aprumei-me rápido antes que fizéssemos algo que nos
arrependêssemos.
— Você deveria me deixar dirigir esse carro algum dia, Derek. Acho
que nunca estive em um veículo tão luxuoso. — Comentou quando dei

partida. Com o canto do olho, a vi deslizar um dedo sobre o painel, mas logo
voltei total atenção ao trânsito. Ainda que a via OH-315S não estivesse
carregada devido o horário, todo cuidado era pouco.
— Só me pedir, doçura — falei ternamente.

— Hm… — emitiu um gemido baixinho e continuou, em um tom


pastoso: — ele é formidável, tanto quanto você.
Quase engasguei com a sua fala. Surpreso, apertei o volante com força
com a ânsia que me percorreu de cima a baixo. Iandra precisava apenas fazer

um elogio, mesmo que talvez não quisesse ter dito, para tirar-me do eixo e
fazer com que um sorriso babaca e arrogante surgisse em meus lábios.
Merda! Isso me excitou.
— Mesmo? — Minha voz soou rouca depois de alguns instantes em

silêncio, em que fiquei malditamente escutando apenas o som da minha


respiração ofegante.
— Gostoso... — sussurrou. — Você é mesmo gostoso!
— Porra, Laranjinha — murmurei entredentes e, voltando a minha

atenção para frente, passei a marcha no automático.


Como ela não disse mais nada, me distraí por alguns segundos com o
trânsito a minha frente. Quando olhei para o banco do carona, encontrei-a
dormindo, sua cabeça apoiada contra o vidro.
Sorri, sentindo uma onda de ternura me invadir, e voltei a olhar para
frente.

Demorou pouco mais de cinco minutos para que eu estacionasse o


veículo na garagem coberta. Removendo o meu cinto, encarei a mulher ao
meu lado, que ainda cochilava. Tomando cuidado para fazer o mínimo de
barulho possível, saí do carro e fui destrancar minha casa. Em seguida, abri a

porta do passageiro e, aproveitando que sua cabeça tombou para frente,


inclinei-me sobre Laranjinha para desafivelar seu cinto, passei um braço
atrás das suas costas e um nas suas pernas e a ergui.
— Hm? — Ela abriu os olhos lentamente quando a acomodei melhor

em meu colo, aninhando-a contra o meu peito.


Foi impossível conter a sensação de que ela ficava perfeita em meus
braços, de que ali era o lugar dela.
— Volte a dormir — falei baixinho e Iandra fechou os olhos.

Empurrando a porta com o pé, a abri e usei a lateral do meu corpo para
escancará-la ainda mais. Um latido ecoou nos meus ouvidos e isso foi o
suficiente para que a mulher no meu colo voltasse a falar comigo: — O quê?
— Parecia aturdida, e enlaçou o meu pescoço com um braço, como se

estivesse com medo de que eu a deixasse cair.


— Charlie, lembra?
Mais barulhos caninos se fizeram ouvir, e eu senti o corpinho do

cachorro roçando na minha perna antes de ter as suas patas sobre mim; sem
dúvidas estava curioso com a situação toda.
— Eu gosto de Charlie — murmurou.

— Que bom, pois ele gosta muito de você também. — Como se o


animalzinho concordasse, emitiu uma sinfonia de latidos, animado.
A mulher riu suavemente.
— Não, meninão — ralhei com o bichano quando tentei caminhar e

ele me impediu, trançando freneticamente entre minhas pernas, dando-me


patadas e rabadas. — Você está me atrapalhando.
Ganiu, parecendo indignado, fazendo a minha bebadazinha gargalhar.
Charlie saiu trotando na minha frente, sacudindo o rabo. Balançando a

cabeça, firmando a mulher em meus braços, caminhei até o meu quarto e


sentei-a suavemente sobre o colchão. O cachorro, todo esperto, pulou em
cima da minha cama, e não se fez de rogado, pedindo com a patinha por
carinho. O animal não estava dando a mínima para o cheiro forte de álcool

que emanava dela.


— Você é lindo igual ao seu dono — falou em meio a um bocejo,
apertando a bochecha do cachorro.

Inevitavelmente, meus dentes se arreganharam com o elogio dela e a


presunção me invadiu.
— Fico feliz que me acha bonito, Laranjinha. — Agachei-me para

começar a remover as sandálias dela.


— Você me acha sexy também, Derek? — Outro abrir de boca
enquanto acariciava Charlie.
Quando não respondi, moveu o pezinho livre do sapato de uma

maneira insinuante e eu peguei-me fascinado por aquela parte anatômica do


seu corpo, principalmente pelos dedinhos pintados com esmalte claro. Sorri,
contendo a vontade súbita de deixar beijinhos naquela região do seu corpo.
— Derek? — chamou-me, sonolenta, seus dedos enterrados nos pelos

do animal que emitia sons de contentamento.


— Claro que sim, Laranjinha. — Minha voz saiu rouca. Mesmo
consciente de que não deveria estar falando essas coisas, e eu me ergui e
acrescentei: — Você é a mulher mais sexy e gostosa que já conheci.

Ela deu uma risadinha e mordeu os lábios de maneira provocante,


confirmando para mim que realmente não havia nenhuma outra que fosse tão
sedutora quanto ela.
Merda! Eu já disse que estava fodido?

— Você vai dizer isso amanhã? — Moveu-se na cama, ficando


encostada contra a cabeceira, e Charlie a acompanhou.
— Quer que eu diga?

Assentiu, bocejando outra vez.


— Falarei quantas vezes você quiser ouvir, Laranjinha…
“Principalmente sóbria — continuei em pensamentos. — Pena que

você não irá me pedir na manhã seguinte e nem dia nenhum…”


— Hum. — Parecendo satisfeita com a minha resposta, colocando um
sorriso nos lábios, deitou-se, seus cabelos formando um verdadeiro pôr-do-
sol contra a colcha escura.

Meu coração se acelerou. Como um obcecado, gravei essa imagem


gloriosa na minha memória, ao passo que desejei que essa visão se tornasse
recorrente. Estava sendo um maldito carente emocionado, mas, porra, ela era
tão linda e eu me sentia atraído pela sua personalidade forte e ácida. Não

tinha desejo de dominá-la, mas ser dominado por ela.


Sorri ao ver o safado do meu cachorro aproveitar para lamber o rosto
dela, fazendo com que ela se virasse. Depois de um latido, aninhou-se contra
ela.

— Você não vai se juntar a mim? — Tinha um quê de malícia em seu


tom, porém o efeito era arruinado pelo abrir e fechar da boca em um bocejar
e também pela presença do cachorro.
Fiz que não com a cabeça. Sentia que me deitar ao lado dela seria uma

forma de invadir o espaço da Laranjinha, mesmo que eu não fosse fazer


nada.
— Por favor, Derek — sussurrou, fazendo um biquinho, e as malditas
lágrimas voltaram aos seus olhos. — Você disse…
Inconscientemente, passei a mão pela minha barba e, como o frouxo

que era perante aquela mulher, que estava a ponto de chorar de novo, acabei
concordando, mesmo que tivesse certeza que a minha consciência me
martirizaria depois. De alguma forma, tinha que dar graças por Iandra não
cobrar o beijo que tinha prometido a ela.

— Por que não? — falei baixinho.


Me sentei na cama, para remover os meus sapatos e meias, e logo
estava deitado de lado, de frente para a mulher, que me encarava por entre
piscadas cada vez mais lentas, nossos corpos separados apenas pelo

cachorro. Ignorei o cheiro forte que impregnava as minhas narinas e me


incomodava, apesar de que eu também não deveria ser a pessoa mais
cheirosa do mundo no momento, tinha ido direto da universidade para o bar.
Foquei na mulher que eu desejava, e não me passou despercebido a

intimidade de estarmos na mesma cama, como um casal, encarando um ao


outro, em um silêncio confortável, mas também cheio de significados.
Estiquei a mão e toquei uma mecha que caía sobre o rosto suave, sentindo a

textura macia, sedosa e igualmente fascinante.


O que em Laranjinha não era deslumbrante? Quis rir perante a
pergunta mental, embriagado por ela.
— Me abraça, Derek? — pediu.
Engoli em seco, sentindo a tensão me invadir, apesar do pedido não ter
nenhum cunho sexual. Meu estômago revirou.
Sem pensar muito no que estava fazendo, fiquei mais próximo dela,

apenas algumas centímetros nos separando, o que chamou a atenção de


Charlie, que me encarou curioso antes de voltar a pousar o rostinho sobre
suas patas. Envolvi-a em um meio abraço, desajeitado, e ela pousou a cabeça
no meu antebraço, como se tivesse encontrado um abrigo no meu corpo.

Suspirei e fiquei a encarando até que os olhos dela finalmente se


fechassem, entregue ao sono. Não tive coragem de me movimentar, muito
menos de me levantar, para não quebrar aquela intimidade doce, que me
emocionava e provocava inúmeras sensações em mim. Acabei relaxando e

dormi também.
Capítulo

— Hm — gemi ao sentir minha cabeça pulsar dolorosamente, mas


ainda assim não abri meus olhos, pelo contrário, apertei ainda mais as

minhas pálpebras.
Queria desesperadamente voltar a aquele torpor gostoso que havia me

dominado enquanto dormia, em que não havia aquele latejar incessante e

incômodo, o estômago embrulhado, muito menos aquela sensação horrível


que parecia tomar todo o meu corpo. Outro gemido escapou pelos meus

lábios e eu escutei sons que, embora fossem baixos, eram absorvidos como
gritos pela minha mente.
Recebi uma patada e logo senti algo subindo em cima de mim e

alguma coisa úmida tocando a minha bochecha, nariz e lábios. Lambidas?


— O quê? — Minha voz saiu rouca e percebi que minha garganta

estava seca.

Abri os olhos instantaneamente e deparei-me com um par de olhos


caramelos me encarando, enquanto a língua rosada e babada deslizava pela

minha face.

Charlie. Franzi o cenho. O que ele estava fazendo em cima de mim?


Atordoada pela presença do animal, tentei ter algum pensamento

coerente do porquê ele estava em cima de mim. Sentindo meus movimentos

meio amortecidos, languidamente, sentei-me na cama com o cachorro a


tiracolo, fechando os olhos quando senti um pouco de vertigem e enjoo.

Charlie latiu para mim, dando-me cabeçadas, e automaticamente


acariciei seus pelinhos.

— Bom dia, Laranjinha. — Escutei a voz do meu vizinho. Fiquei

ainda mais confusa ao ouvi-lo. — Dormiu bem?

Não respondi.

Abri os olhos outra vez, tentando me situar, e procurei pelos móveis

familiares que me dariam a sensação de que pelo menos uma coisa não
estava fora de lugar, porém não reconheci as paredes pintadas de cinza
chumbo, muito menos o local. Uma onda de pânico me invadiu e eu
finalmente pousei os olhos sobre Derek.

Sentado em uma cadeira num canto com um livro na mão, ele tinha

um sorriso no rosto, que faria qualquer uma se derreter, e naquele fatídico

momento senti que minha pulsação acelerava por vê-lo assim, porém acabei

franzindo o cenho ao olhá-lo melhor.

— Você usa óculos? — Não escondi a surpresa, e acabei perguntando


o óbvio, mas logo levei a minha mão livre a têmpora, acariciando o ponto

que voltou a latejar com toda a sua força.

Caralho! Minha cabeça doía pra caramba. Não me recordava se

alguma vez tive uma dor tão intensa quanto essa, misturada com tontura.

— Para descanso, apenas — falou suavemente e fechou o livro que

estava lendo, colocando-o sobre a mesinha. — Por que a pergunta? — Fez

uma pausa, seu sorriso cachorro ficando ainda maior. — Acha que fiquei
sexy com eles? Gostoso?

Era uma provocação, e o brilho nos olhos dele revelava que ele não

esperava uma resposta, porém quase deixei que um “demais” escapasse

pelos meus lábios, ainda mais quando me encarava com uma expressão

safada por trás dos óculos que davam a ele uma aparência mais séria. Derek

era a própria fantasia de professor sexy e devasso, e precisei ignorar o


desejo de ser a sua “aluna”, mesmo que eu estivesse longe de ser uma

virgem inocente. Mas sempre havia o que aprender e…


— Não. — Obriguei-me a voltar a razão e menti, mas notei que os

olhos dele cintilaram. — É porque nunca o tinha visto usando antes.


— Que pena que mudou de discurso, Laranjinha — sua voz soou
baixa, parecendo fingir decepção.

O encarei, confusa.
— Do que está falando?

Fitei o cachorro, que se divertia no meu colo, continuando a emitir


sons que me incomodavam por conta do meu mal-estar, além de me dar

cabeçadas, lambidas e também rabadas.


O olhar de Derek estava me deixando encabulada, pois fazia a minha
pele esquentar e meu corpo formigar de desejo, algo que ele não deveria

suscitar em mim, mas tinha problemas maiores no momento: náusea e dor


de cabeça horríveis.

— Digamos que você admitiu sua atração por mim, não só com
palavras, mas também com atitudes. — Fez um gesto tirando importância

da sua fala, e sua expressão ficou momentaneamente séria. — Se fosse


outra pessoa, sem nenhuma dúvida, eu entraria com queixa de assédio.
Fiquei em silêncio, enquanto vários flashes da noite passada se

atropelavam na minha mente, deixando-me zonza. Eram lembranças que


iam da demissão à minha decisão de tomar um shot de tequila para afogar

as mágoas, que foi seguido de vários outros, porém foi a recordação borrada
de eu tentar beijá-lo e agarrá-lo que fez com que eu quisesse que o chão me

tragasse, fazendo com que eu sumisse. Não tinha direito de fazer o que
tinha feito, agindo de maneira mais do que abominável com Derek, mesmo

que eu estivesse embriagada.


Apesar do assédio contra homens, em sua maioria, ser relevado pela
sociedade, que ainda era regida por princípios tóxicos, ele existia e era algo

bastante grave. Me odiei por colocá-lo nessa situação degradante.


Um miado de gato se fez ouvir e Charlie, que até então estava mais do

que grudado em mim, começou a latir freneticamente, aumentando a minha


dor. Ele desceu do colchão e fez um estardalhaço, saindo do quarto
rapidamente. Eu merecia e muito os incômodos resultantes da ressaca, isso

era para eu aprender a não ultrapassar limites, não só do meu próprio corpo,
mas também o do espaço dos outros.

— Lamento pelo meu comportamento, Derek — murmurei,


envergonhada, dobrando os meus joelhos, encolhendo-me em cima da

cama. — Não há nenhuma desculpa para tal conduta.


— Sem problema, Laranjinha…
Removendo os óculos, os pousou junto ao livro em uma mesinha e se

ergueu, caminhando até a cama. Logo senti o colchão se afundar com o


peso dele. Virei meu rosto em sua direção e encontrei-o a poucas polegadas
de mim, me encarando com uma ternura que me fez sentir ainda pior. De
maneira alguma merecia sua compaixão e carinho.

— Não precisa ficar tão mal por isso, Laranjinha… — Deu-me um


sorriso concedente.

Balancei a cabeça em negativa, discordando dele. Precisava, sim, me


lamentar pelo ocorrido.
Encarei seus lábios, que estavam tão próximos que eu já podia senti-

los contra os meus. Ele continuou a falar, dessa vez, em um tom rouco,
aproximando mais seu rosto do meu, enquanto seus olhos escuros

brilhavam cheios de fome.


— Se for honesto, se fosse em outras circunstâncias, adoraria que

você me pedisse um beijo, que me agarrasse, que fizesse o que quisesse do


meu corpo. Eu retribuiria cada um dos seus beijos, dos seus toques, eu
mergulharia dentro de você até que nós dois estivéssemos satisfeitos. E eu

começaria tudo de novo e de novo, até não ter mais forças.


Por mais absurdo que fosse e que lutasse contra o que sentia, meu

corpo todo reagiu às palavras dele. Esqueci-me temporariamente do pulsar


frenético na minha cabeça, da náusea e dos outros sintomas da ressaca.
Estava presa ao Derek, consciente da sua proximidade, do calor que parecia

emanar dele, do fogo que começou a crescer em meu interior.


— Minhas ideias do que quero fazer com você não são inocentes,
Laranjinha, e meu desejo é insano. — Apertou suavemente o meu nariz. —
Então estamos quites, doçura.

Ofeguei e, antes que pudesse responder, ele se ergueu, se pondo de pé


novamente, bem mais composto, enquanto minhas pernas pareciam moles,

meu coração saltava pela boca, e as chamas me incineravam.


Senti inveja pelo controle dele. Estava lutando contra a decepção que
me invadiu pelo meu vizinho não ter me beijado.

— Farei um chá para a sua ressaca e trarei alguns analgésicos para a

dor de cabeça.
Piscou para mim antes de virar as coisas e me deixar sozinha no

quarto, tentando lidar com o desejo inesperado e também indesejado.

Suspirei fundo, só então me dando conta de que eu fedia mais do que um

gambá, o que me incomodou ainda mais e me fez pensar que Derek só


podia estar louco de dizer que me queria, ainda mais quando meu cheiro era

insuportável, porém, não tive forças para me levantar.

Evitando ceder a curiosidade para vasculhar a intimidade daquele


homem — apesar que não me passou despercebido que a decoração era

bastante sóbria para um homem de trinta anos como ele — voltei a cabeça

para a janela, percebendo que deveria passar do meio-dia, horário que eu


deveria estar no trabalho.
A realidade amarga do modo como eu fui dispensada fez minhas

vísceras se revirarem e o desânimo, que tanto quis sufocar, caiu sobre mim
com toda a sua força. A tristeza só foi mitigada um pouco quando escutei o

som de unhas arranhando no piso e vi o cachorrinho trotando na minha

direção, pulando com agilidade sobre a cama para depois parar no meu
colo.

— Você é um amor — murmurei, encostando o meu rosto no do

cãozinho, que de alguma forma parecia entender a tristeza que eu sentia. —

Bagunceiro, mas um amor — continuei, recordando das inúmeras vezes que


esse animal, que parecia mais uma fuinha, havia feito buracos na minha

horta.

Charlie fez um grunhido e eu plantei um beijinho no seu focinho,


sentindo os bigodinhos fazerem cócegas em mim.

— Obrigada, Charlie, mas mesmo com seu apoio, é impossível não

me sentir na merda — comentei com o cachorro que soltou outro som.


Voltei a suspirar. Não sei quantos minutos se passaram até que ouvi os

passos de Derek. Meu olhar foi direto para a porta, expectante. Meu coração

bateu mais forte ao ver o homem entrar carregando uma bandeja, que não

só continha o chá e os remédios, mas várias outras coisas. Ruth, sem dúvida
nenhuma, acharia extremamente romântico aquele gesto de cuidado e

carinho de Derek de me trazer um verdadeiro banquete na cama. Uma onda


de culpa me assolou ao pensar que minha melhor amiga deveria estar mais

do que preocupada comigo, por eu não ter mandado uma mensagem de boa

noite, falando que eu estava bem.


— Vejo que estão fazendo uma festa sem mim — comentou em um

tom divertido, tão contraditório ao seu tom sedutor que, por um momento,

fez com que eu duvidasse da minha própria sanidade, questionando se os

resquícios de álcool ainda não circulavam pelas minhas veias, porém o


olhar dele me dizia que não. Mas o que poderia esperar desse vizinho

charmoso? Ele não precisa de muito para conquistar uma mulher, ao

contrário dos outros pobres mortais.


Não contive uma risada, principalmente quando ele fez uma careta, o

que prejudicou ainda mais a minha dor.

Ele colocou a bandeja em cima da cama.

— Obrigada, Derek — disse ao pegar os comprimidos que ele havia


me estendido e engoli-os a seco mesmo. — Não precisava se dar ao

trabalho, ainda mais quando eu já exigi tanto. Eu acho que ainda não

agradeci por me trazer para casa, ou melhor, para a sua, que é um lugar mil
vezes mais seguro do que o bar.

— É um prazer ajudar uma vizinha, Laranjinha. — Deu de ombros e

abriu um sorriso suave. — Pode não parecer, mas, assim como o Charlie,

também sou um cavalheiro disposto a resgatar donzelas em perigo…


Dei um sorriso torto e não pude negar que eu havia me exposto ao

risco quando fiquei tão bêbada. Havia muitos que aproveitariam de uma
pessoa em estado vulnerável para cometer maldades e, tendo em vista o

quanto eu não tinha nenhum controle sobre mim mesma e das minhas

ações, não havia dúvidas de que eu teria terminado a madrugada transando


com qualquer um. E teria me arrependido amargamente disso,

principalmente por provavelmente esquecer de pedir que o cara usasse

camisinha, poderia até ser induzida a não a usar, o que seria imperdoável

para mim. Tremi só de pensar nisso e que poderia ter acontecido algo até
pior.

— Acho que foi a primeira vez que me coloquei nesse tipo de

situação — murmurei, sentindo-me chateada comigo mesma.


— Todos temos algo que nos arrependemos profundamente de ter

feito — falou seriamente.

Pude perceber pela expressão triste e distante dele que Derek também

se incluiu nessa fala, e eu suprimi a curiosidade que ardeu em meu interior.


Não cabia a mim interrogá-lo naquele momento, não quando ele havia sido

tão gentil, tão doce. Mas, estranhamente, mesmo que eu não conhecesse

seus motivos e razões, a compaixão me dominou. De alguma forma, não


quis que a minha falha o fizesse se lembrar das dele.
— O que importa é aprender com os nossos erros — murmurou,

emitindo um suspiro profundo, antes de voltar a sorrir. — Acredito que

você aprendeu a sua lição.

— Bem, sim. — Coloquei uma mecha atrás da minha orelha, sem


jeito, como se eu fosse uma criança repreendida pelo pai, apesar que o

homem à minha frente na verdade não estava ralhando comigo. — A

lembrança da náusea e da dor de cabeça que estou sentindo nesse momento


será sempre um alerta antes de eu voltar a colocar um gole de álcool na

boca outra vez.

Deu uma risada baixa, mas subitamente parou; devo ter feito uma

careta de dor.
— Beba, te fará bem. — Apontou para o caneco com um líquido que

parecia fumegante. — E coloque algo no seu estômago também.

— Só irei ao banheiro lavar as minhas mãos. — Fiz uma pausa


quando senti a minha bexiga pressionar meu ventre. — E xixi também.

Estranhamente, não me senti corar ao ter deixado escapar em voz alta

o meu desespero por fazer minhas necessidades fisiológicas, talvez porque

Derek também falou com naturalidade sobre o tema.


— Não sei como você não foi antes. — Fez uma careta. — Das vezes

em que eu tomei todas, não saía do vaso.


Foi a minha vez de dar uma risadinha e rolei no colchão, sentindo a

vontade apertar.
— Onde é o banheiro? — questionei, um pouco aflita.

— Pode usar o da minha suíte, fica mais próximo. — Não escondeu a

diversão, apontando para a porta.

Não esperei mais nenhum segundo sequer e disparei para o cômodo, e


o cachorro, achando que eu estava brincando de pega-pega, correu atrás de

mim, latindo.

— Charlie, fica, amigão. — Meu vizinho deu o comando quando ele


estava quase passando na fresta da porta que eu estava fechando.

Para minha surpresa, o animalzinho parou, obediente, e eu me

tranquei dentro do banheiro, lavando as minhas mãos desesperada antes de


sentar no vaso. Enquanto contemplava o espaço que, embora o tamanho

fosse uma cópia do meu, era completamente diferente em termo de gosto e

estilo. Igual ao quarto, era austero e elegante. Senti uma onda de alívio me

invadir ao sentir a minha bexiga esvaziar, eu suspirei por não ter feito ainda
mais merda como urinar nas calças.

O xixi não parecia acabar nunca! Assim que terminei, fechei a minha

calça e, após dar descarga, me voltei novamente para a pia. Fiz uma careta
ao olhar para os meus cabelos desgrenhados, as enormes bolsas roxas sob

meus olhos, o rosto inchado pela bebida, e a maquiagem completamente


borrada, o que fez com que eu me comparasse a um palhaço. Senti aversão
por mim mesma. Lavei minhas mãos com um pouco mais de rudeza, como

se o ato pudesse me deixar mais composta e me dar a sensação de estar

mais limpa, mas sabia que só um banho demorado de banheira com vários
sais e óleos me ajudaria.

Não contive outra vez pensamento de que Derek deveria estar

realmente louco por sentir atração por isso, e ainda dizer palavras altamente
eróticas para aquele trapo de mulher. E eu mil vezes mais fora do meu juízo

por voltar a sentir um calorzinho no meu corpo, que irradiava diretamente

para o meu centro. E, quanto mais eu me deixava levar por elas, mais calor

eu sentia.
Droga!

— Laranjinha? — Como se soubesse que estava pensando nele e que

estava começando a fantasiar, a voz de Derek soou abafada pela barreira da


porta.

— Oi? — Respirei fundo e balancei a cabeça, tentando me livrar


daquele torpor sensual.
— Tem escova de dentes nova no armário de baixo e creme dental e

enxaguante na pia, se você quiser usar. — E completou divertido: — Para


tirar o bafo.
Bufei, fingindo uma indignação que na verdade não sentia.
Novamente, imagens confusas de horas atrás impregnaram a minha mente,
e recordei-me de como Derek tinha usado o mau-hálito como uma desculpa

para evitar os meus avanços.


Merda!
Não tinha ideia de como iria conseguir encará-lo. A mortificação fez

com que eu quisesse sair correndo e nunca mais ficasse frente a frente com
ele. Talvez realmente fizesse isso. Mas obriguei-me a não fugir e resolvi
escovar meus dentes. Joguei uma água na cara também, buscando aparentar

estar mais recomposta, o que, na minha opinião, falhei miseravelmente,


pois eu ainda me sentia horrível e incomodada. Voltei para o quarto,
encontrando Charlie me esperando no mesmo local, com sua cauda

balançando e a linguinha para fora.


— Que coisa mais fofa. — Mandei um beijinho para o cachorro, que
latiu para mim, antes de sair da sua posição e andar por todo o quarto.

— Se sente melhor? — Derek perguntou.


— É impossível nessas circunstâncias, só uma banheira para resolver

o meu caso — brinquei com ele. Automaticamente, meu olhar recaiu sobre
o homem, que se encontrava confortavelmente sentado na sua poltrona,
como se fosse um sultão esperando que sua concubina o servisse. Senti-me
mortificada ao pensar em mim naquele papel e apenas completei: — E um
chá também.
Sob o olhar avaliativo de Derek, que me percorria de cima a baixo,

aproximei-me da cama e sentei-me nela, consciente da impropriedade da


situação. Charlie pulou no colchão, vindo para o meu colo, e como viu que

não ia dar atenção a ele, deitou-se sobre o travesseiro com a barriga e as


patinhas para cima, como se quisesse me mostrar aquilo que eu estava
perdendo. E estava, já que a barriguinha dele era uma graça.

— Compreendo — anuiu. — Quer que eu faça uma nova caneca de


chá? Esse deve ter esfriado.
— Não é necessário, obrigada, está ótimo assim. Prefiro muito mais

chá gelado. Os quentes sempre me deixaram com a sensação de estar


doente. — Sorri, pegando a caneca na bandeja sobre a cama com os meus
dedos trêmulos. Levei a xícara próximo às minhas narinas, inalando o

perfume, mas não reconheci o cheiro. — Do que é?


— Gengibre — murmurou. — É bom para ressaca.
— Entendi. — Tomei um gole da bebida, que para mim parecia

amarga demais.
— Tem mel e açúcar na bandeja para adoçar. Já que não sabia das

suas preferências, Laranjinha, trouxe essas opções. — Fez uma pausa. —


Coloquei algumas coisas para você comer também.
— Eu vi — não agradeci novamente, para não ser taxada de tola
repetitiva, e comecei a me servir. — Não vai se juntar a mim?

Fez que não com a cabeça.


— Tomei café mais cedo.
Assenti, engolindo a pontada de decepção. Que merda que estava

acontecendo comigo?
— E então? — indagou, parecendo sério, depois de permanecermos

em um silêncio que só era quebrado pelos sons de Charlie. — Não vai me


contar a razão por você ter enchido a cara? Duvido muito que você se
embriagaria apenas por prazer e diversão.

Uma dor me invadiu ao lembrar que tudo aquilo que fiz, que toda a
minha dedicação, todas as minhas noites insones tinham sido em vão, e que
teria que recomeçar tudo outra vez. Teria que encontrar forças para tal.

— Não, não o faria por diversão, gosto muito de estar no controle


sobre mim mesma e minhas ações. — Minha voz era melancólica.
Tomei mais um gole do chá frio, o mel não tendo ajudado em nada a

melhorar o sabor, e resolvi abrir o jogo com o meu vizinho, ele merecia
isso. Fora que era uma pergunta completamente inocente para se recusar a
responder, além da preocupação evidente em seus olhos escuros.

— Você deve se lembrar que eu disse que não havia nada mais que eu
desejava no mundo do que a minha promoção — comecei, sentindo as
lágrimas se formar em meus olhos.

— Sim, Laranjinha…
— Ela não veio, pelo contrário, eu fui demitida, Derek. — Uma
risada estridente, escapou pelos meus lábios, o que aumentou a minha dor.

— Pior, fui substituída por um parente de um dos diretores e depois


mandada embora, sem nenhuma explicação, já que eles poderiam ter me
mantido no meu cargo atual.

— Sinto muito, Iandra — falou suavemente e o vi se erguer,


caminhando na direção da cama, se sentando ao meu lado. — De verdade.

Suspirei ao sentir seu braço forte envolver-me em um meio abraço de


conforto. Sem pensar muito, pousei minha cabeça em seu ombro, não
contendo o choro.

— Sei que pode parecer que estou sendo exagerada e dramática —


funguei —, mas me sinto perdida, sem nenhuma perspectiva. Vazia. Burra.
— Isso não é verdade, Laranjinha. — Pousou seus lábios no topo da

minha cabeça, plantando um beijo nos meus cabelos. — Você é uma das
pessoas mais inteligentes que conheci. Com o passar do tempo, eles vão
perceber que perderam uma excelente profissional.

Escutei o latido de Charlie, como se concordasse com o dono. Ergui


meu rosto e encontrei Derek me encarando com seriedade, deixando claro
que ele não dizia só por dizer, que ele realmente acreditava que eu era
competente.
— Muito gentil da sua parte dizer isso, Derek. — Não tinha porquê

contradizê-lo, embora a vontade de me automachucar fosse grande. Nesse


momento, me sentia descartável e não conseguia me ver sob aquela ótica
otimista.

— É somente a verdade.
Seu braço puxou-me mais de encontro a ele, colando a lateral dos
nossos corpos ainda mais, porém não protestei, apenas respirei fundo,

sentindo o cheiro bom do perfume que emanava dele, aproveitando aquela


proximidade, mesmo que achasse que não devesse.
— Será tão difícil começar do zero — confessei em meio a um

suspiro depois de ficarmos vários minutos em silêncio.


— Não acho que estará partindo do princípio, Laranjinha.

— Apesar de Columbus não ser uma cidade tão pequena assim, não
posso dizer que é cheio de oportunidades na minha área. — Fui sensata. —
Talvez eu tenha que me mudar daqui.

Escutei um som estrangulado vindo dele em meio a um uivo do


cachorro, e o abraço de Derek ficou ainda mais forte. Encarei o homem,
percebendo que ele fazia uma careta para mim.

— O que foi? — Franzi o cenho.


— Mal cheguei e você já está pensando em fugir de mim? —
questionou em um tom rouco. Os olhos dele ficaram insondáveis, tanto que

não soube se ele estava brincando ou não.


Um calafrio me percorreu e eu abri e fechei a boca, sem saber o que
responder.

— Estou tentando ser prática. — Mal reconheci minha própria voz


quando consegui dizer algo. — De jeito nenhum, a perspectiva de ir morar
em outra cidade, ou até mesmo em outro estado, me agrada. Ficar longe de

Ruth seria horrível, mas o seguro-desemprego e minhas economias não


durarão para sempre.
— Imagino que não, Laranjinha.

Emitiu um suspiro longo e sua careta transformou-se em uma


expressão pensativa.
— Não acho que você irá precisar se mudar se não quiser.

Meu coração se acelerou ao ver um enorme sorriso surgir lentamente


em seus lábios. Achava que Derek estava louco.

— Você não escutou o que eu disse? — cuspi, ácida.


Era uma atitude infantil, mas senti certa decepção por ele não ter
prestado atenção em mim.

Saí do meio abraço e ele deixou escapar um som de desagrado.


— Sim, eu ouvi, Laranjinha. — Seu olhar era intenso.
— Então você sabe que dificilmente não terei que me mudar.
Deu de ombros e acariciou Charlie, que tinha se aproximado de nós.

— Não vejo o porquê. — Fez uma pausa. — Cheguei a te contar que


eu e Marshall compramos um novo empreendimento, que estava indo a

pique e que tem muito potencial para gerar vários milhões?


Fiz que não com a cabeça, não escondendo minha confusão.
O que os investimentos financeiros dele tinham a ver comigo?

— Para ser mais exato, a Playing. — Não escondeu o orgulho ao falar


da sua aquisição.
— Aqueles locais de entretenimento infantil que têm várias unidades

espalhadas pelo país?


— Isso mesmo.
— Hum, bacana, mas não sei por que está me contando isso, Derek.

Não te vejo falando dos seus negócios somente para se gabar. Tanto você
quanto seu irmão parecem ser bem discretos sobre os seus investimentos,
empresas e fortunas. — Fui sincera, recordando-me de que, apesar da mídia

gostar dos irmãos e apontá-los como ricaços, nunca se soube exatamente


quanto era o patrimônio deles.

— Tem razão, Laranjinha, não falamos disso com qualquer um,


somente com quem realmente confiamos. — Os olhos dele cintilavam.
Senti uma pontada de felicidade por ele confiar em mim, por ele não me
achar interesseira, mesmo me conhecendo muito pouco. — Mas vamos

direto ao ponto. Além da reestruturação administrativa e da necessidade de


investir em novas atrações mais modernas e seguras, precisaremos pensar
em um marketing que atraia não só as crianças, mas também os pais, que

venda a Playing como um ambiente para toda a família. E também


necessitamos de algo voltado aos nossos colaboradores e parceiros.

— Entendo.
Mil ideias passaram pela minha cabeça, principalmente ao recordar o
quão a empresa pouco explorou o seu potencial em termos de publicidade.

Murchei com o pensamento de quem era eu para dar os meus palpites.


Eu nem mesmo consegui manter o meu emprego, e isso por que eu me
achava muito boa no que fazia.

— E quero que a pessoa que esteja a frente dessas ações seja você. —
Seu tom tinha um quê de empolgação e expectativa, o que fez com que eu
parasse instantaneamente com a minha mutilação mental.

Não acreditei naquilo que tinha ouvido.


— Não compreendo… — Estava meio abobada.
— Quero que você seja a diretora de marketing da Playing.

Não respondi de imediato. Eu era puro choque.


— Não sei o que dizer… — murmurei.
— Que tal sim? — Sorriu ainda mais.
— Agradeço, mas não posso aceitar. — Balancei a cabeça, negando.
— Por que não, Laranjinha? — Pareceu decepcionado.
— Eu estaria sendo hipócrita. — Estranhamente, me doeu falar isso.

— Não era eu quem estava chorando e que enchi a cara por ter sido
substituída por um parente?
— É difer…— interrompi-o, colocando um dedo em seus lábios, não

pensando no quanto o gesto era íntimo demais.


— Não, não é, Derek. — Baixei a mão quando a ponta do meu dedo
formigou com o contato. — Sei que é gentil da sua parte me oferecer uma

oportunidade dessas, que sem dúvida nenhuma seria um sonho, mas não
seria honesto. Você não conhece o meu trabalho, meu currículo. Me

contratar seria dar um tiro no escuro, ainda mais para um cargo que nem
mesmo sabe se estou apta. Fora que deve ter alguém…
— Não, não conheço ninguém que se destaque a esse ponto, Iandra.

— Passou a mão pelos cabelos, parecendo não apenas desapontado, mas


também frustrado. — Mas posso compreender suas razões de não aceitar.
— Obrigada por entender. — Sorri, sem jeito.

— Mas isso não impede de você se candidatar à vaga — falou com


animação.
— Derek! — Minha voz saiu mais alta do que deveria, arrancando de

Charlie um latido, e minha cabeça pulsou.


— O que que tem, Laranjinha?
— Você dará um jeito de me beneficiar!

— Se for o que você realmente quer, juro que não mexerei nenhum
pauzinho. — Arqueei uma sobrancelha e ele ergueu as mãos em um gesto
de redenção. — Nem eu e nem Marshall participaremos do processo de

seleção.
— Mesmo?
— Sim, Senhorita Difícil.

— Pensarei na proposta, de verdade.


— Fico contente por ouvir isso — falou em um tom de voz suave.
Não disse mais nada. Peguei, então, a caneca esquecida, tomando

todo seu conteúdo amargo. Comi algumas torradas também, descobrindo


que estava com mais fome do que imaginava, apesar do meu estômago

ainda estar sofrendo as consequências da bebedeira.


— Não vai comer mais nada? — Ele apontou para a bandeja.
— Agradeço a gentileza de ter preparado esse banquete, mas não

quero esperar nem mais um minuto para tomar banho. Não sei se consigo
aguentar mais esse cheiro horroroso.
— É, está difícil mesmo.

Levou a mão ao nariz, fazendo uma cara engraçada, e eu não


consegui não rir. Derek gargalhou e Charlie, que achava tudo uma festa,
começou a latir e a rodar em cima do colchão. Meu vizinho teve que pegá-

lo no colo para que o animal não derrubasse as coisas da bandeja.


— Acho que isso é uma forma gentil de mandar-me embora —
provoquei-o.

— Hey, não fiz isso! — defendeu-se. — Nem Charlie.


Outro latido.
— Sei que não, estava só brincando, mas, ainda assim, já incomodei

vocês demais e está mesmo na hora de voltar para a minha casa — falei, me
erguendo da cama.
— Não irei insistir para que fique mais, Laranjinha. — Ignorei o tom

decepcionado da sua voz, que possuía um quê de persuasão, e o vi se


levantar.
Em silêncio, calcei meus sapatos, que ele havia pegado para mim, e

Derek e o cachorro me levaram até a porta.


— Sua bolsa. — Esticou-me a peça de couro, e eu a peguei, me

sentindo uma tonta.


— Estava me esquecendo dela, obrigada.
Piscou de um olho só de modo devasso ao parar com os braços

cruzados em frente ao corpo, em uma postura que achava que ele fazia só
para se exibir. E conseguia, pois saí e fiquei parada ali na entrada da casa,
observando as linhas que delineavam sua força, perdendo o ar com a
lembrança de que eles estiveram me abraçando. Peguei-me imaginando

como seria sua pegada; dele envolvendo os meus quadris e puxando-me de


encontro ao seu corpo excitado e…

— Então é isso, Laranjinha — sussurrou de uma maneira que me


pareceu sedutora e eu rapidamente voltei minha atenção para o seu rosto,
encontrando aquele olhar quente, que fazia com que minhas pernas

ficassem instantaneamente bambas e deixava meu corpo ardendo.


— Sim. — Fiquei sem graça por ser pega em flagrante. — Obrigada
por tudo, Derek, de verdade.

Descruzando os braços, deu de ombros, como se não fosse nada.


— Te vejo depois, Iandra?
— Claro, por que não? — Sufoquei a ânsia que me percorreu de cima

a baixo, fingindo que ele não me afetava.


— Sim, por que não? — murmurou. E como se estivesse virando um
hábito, aproximou-se de mim e deixou um beijo na minha bochecha. — Até

mais, Laranjinha.
— Eu…
— Diga tchau para Iandra, Charlie. — Interrompeu-me, mas o mais

incrível de tudo é que o cachorro obedeceu, latindo, como se estivesse


mesmo se despedindo.
Fiquei estacada no lugar, completamente sem reação, e assisti meu
vizinho dar as costas para mim e entrar dentro de casa.
Acabei deixando o meu olhar recair na bunda dele, que, apesar de ser

um pouco achatada, tinha carne para pegar. Corri em direção a minha casa,
como se estivesse fugindo de um demônio, quando a imagem das minhas

mãos apalpando aquela parte do corpo dele me invadiu.


Se uma hora atrás achava que Derek estava louco, agora tinha certeza

de que quem havia perdido o juízo era eu.

— Você me matou de preocupação, filha! — Foi a primeira coisa que

ouvi assim que Ruth abriu a porta da sua casa para mim.
Era uma repetição, já que a minha melhor amiga havia falado a
mesma coisa por telefone, porém estava ciente de que por muito tempo
ainda a ouviria bater na mesma tecla, mas não me importava. Estava grata
demais por ela ter tanto carinho por mim ao ponto de ralhar mil vezes
comigo, me perguntando o que eu tinha na cabeça para me embebedar

daquele jeito, e também por perder o sono por minha causa pela
preocupação, como se fosse minha mãe.
— Te liguei várias vezes, mandei mensagem...
Suspirou profundamente.
— Eu sei, me desculpe — reiterei baixinho, ao ver a sua expressão

cansada e ainda preocupada, sentindo um pequeno aperto no coração. —


Prometo que nunca mais irei deixar você sem saber notícias minhas.
— Bom mesmo! — Fungou.
Cravou seus olhos analíticos sobre mim por uma fração de segundos
antes de abrir os braços e me envolver neles, me dando um abraço apertado.
Nunca um carinho me pareceu tão gostoso, excetuando os que recebia de

meus pais. Emotiva, senti meus olhos lacrimejarem.


— Você está péssima, Iandra — murmurou, sua voz cheia de dor.
— Eu sei. — Apesar do banho ter me livrado do cheiro horrível, as
olheiras ainda estavam ali, bem como o inchaço no rosto.
— Tudo vai passar, querida. Nós duas já enfrentamos coisas piores
juntas — continuou. Erguendo o rosto, olhou para mim com uma expressão

maternal enquanto sua mão acariciava o meu rosto.


— Eu te amo, sabia? — Minha voz soou embargada e eu plantei um
beijinho na sua testa enrugada. — Muito.
— Eu sei, e eu também te amo muito, filha. — Voltou a suspirar e
desfez o nosso abraço. — Agora entre, comprei bolinhos e geleias para te
animar. Também farei aquele cafuné que sei que adora enquanto vemos uma
comédia romântica docinha.
— Eu que deveria estar te mimando pela preocupação que dei a você,
Ruth, não o contrário.
— Bobagem. — Fez um gesto com as mãos, tirando a importância do

fato. — Você sabe que gosto muito desses momentos “mãe e filha”.
Não contive um sorriso para ela.
— Assim está melhor. — Apertou a minha bochecha. — Mas não
pense que irá me enrolar. Quero saber cada detalhe de como você foi parar
na cama de Derek e o quão doce ele foi.
Suspirou, apaixonada, e eu apenas maneei a cabeça, conformada. Era

óbvio que Ruth não iria se contentar com o resumo que fiz por telefone. E
eu contei tudo enquanto comíamos bolinhos e maratonávamos alguns
filmes. Acabei saindo de lá bem tarde da noite, com a ameaça de que se eu
não enviasse meu currículo para a empresa de Derek, a doce senhorinha
ficaria dois meses sem olhar na minha cara. E esse era um risco que ela
sabia que eu não iria querer correr.
Capítulo

— O que foi aquilo no bar, cara? Quem era ela? — Mal entrei no meu
gabinete, Fred apareceu, começando a me interrogar.

— Do que você está falando? — Fingi-me de desentendido,


massageando as têmporas, enquanto olhava para o homem que passava pela

porta.

Porra! Era pedir demais que eles não me questionassem sobre aquilo?
O rosto curioso de Frederik dizia que sim.

— Da gostosona de corpo escultural que estava dançando na pista.


Contive a vontade de socar a mesa e aquela cara de pau com força ao

ouvi-lo falar de Iandra daquela maneira. Não que a Laranjinha não fosse
gostosa, ela era e muito, mas ouvir da boca de outro homem o quanto ela

era sexy e que o corpo dela era lindo fez com que eu enxergasse tudo
vermelho. Continuei calado, mas ele insistiu.

— Cara, quem era aquela mulher que você saiu arrastando da pista

como se fosse um homem das cavernas? — continuou, alheio a minha


irritação.

— Eu não fiz isso! — retruquei.

Estava sendo hipócrita, pois, naquele exato momento, eu me sentia


como um maldito possessivo, um real troglodita, desejando gritar que ela

era minha, mas na verdade ela não era. Ainda não, uma voz malévola

sussurrou no meu ouvido, e de alguma forma, essas palavras amaciaram o


meu ego.

— Todo mundo viu, cara. — Não escondeu a diversão e eu bufei,


irritado. — Ainda mais quando ela quis te beijar e você negou. Sortudo de

merda!

— Laranjinha estava bêbada — murmurei, entrando em modo

defensivo, ignorando a cutucada sobre eu “supostamente” ter me

comportado de maneira abominável, o que estava longe de ser verdade.

Eu tinha me controlado ao máximo para não a tocar mais do que era


apropriado. Meu estado de espírito de agora, deliberadamente provocado
pelo homem a minha a frente, nada tinha a ver com o que ocorreu naquela
noite.

— Você acha mesmo que me aproveitaria de uma mulher nessas

condições? — continuei no mesmo tom.

— Claro que não. — Pareceu envergonhado. — Eu também nunca

faria isso.

— Que bom! — disse de forma rude.


Me daria um tremendo desgosto saber que meu amigo seria esse tipo

de homem que não respeita uma mulher visivelmente vulnerável. Se

dissesse o contrário, teria que expulsá-lo aos pontapés da minha sala e

nunca mais olharia na cara dele.

Sentei-me atrás da minha mesa e liguei meu computador. Tinha muito

o que fazer para ficar perdendo o meu tempo fofocando sobre a minha vida.

— Laranjinha, é? — insistiu, depois de alguns minutos em silêncio.


Respirei fundo, pedindo paciência.

— Não vai me deixar em paz, né?

— Você deixaria se fosse o contrário? — Seu tom era jocoso.

— Sim.

— Mentiroso!

— Tá. — Passei a mão na minha barba rala. — Ela é minha vizinha.


Nos conhecemos na adolescência.
— Que mais?

— Nada.
— O modo como você…

— Eu sou a fim dela, satisfeito? — interrompi a provocação dele,


cansado daquilo.
Fred parecia um papagaio de pirata.

— Deu para ver. — Riu, o que me fez ficar ainda mais irritado com
ele.

— Não tem uma aula para preparar, não? — Fui sarcástico. — Uma
pesquisa para fazer, algum trabalho para corrigir?

— Calma, cara. — Deu um sorriso malicioso. — Ela te rejeitou


quando estava sóbria?
— Não é da sua conta.

— Agora sei que sim. — Ele gargalhou alto, ferindo meus ouvidos.
— Te garanto que minha noite foi melhor que a sua. — Fiz uma

pausa, devolvendo sua gracinha com palavras mordazes. — Nesse pouco


tempo que te conheço, a chance de você ter terminado sua madrugada com

a cara na privada é grande.


Fez uma careta.
— Pegou pesado, Derek — murmurou. — Não precisava dessa.

— Será?
— Tá. — Ergueu as duas mãos e deu passos para trás, indo em

direção a porta. — Vou deixar você em paz, mano. Está com um mau
humor terrível.

Não o agradeci por ir embora, apenas fiz uma expressão irônica.


— Mas só por enquanto — completou, rindo da minha cara, mas

antes que eu pudesse pegar meu porta-canetas e jogar nele, de tão irritado
que me deixou, ele saiu do meu gabinete, fechando a porta atrás de si.
É, o dia prometia ser longo, muito longo…
Capítulo

— Muito obrigada pela oportunidade, senhora Merkel. — Apertei a


mão que a mulher havia estendido para mim. — Darei o meu melhor para

atingir todas as expectativas da Playing.


— Tenho certeza que sim. — Sorriu. — Gostamos bastante da

campanha-teste que você desenvolveu para uma das nossas atrações,

senhorita Donovan. De acordo com os senhores Sommerfelds, suas ideias


se destacaram das demais. Não tenho dúvidas de que será uma ótima

coordenadora e motivará toda a equipe.


— Agradeço. — Sorri, deixando a euforia me dominar.
Era impossível não sentir certo prazer em ter uma amostra do meu

trabalho reconhecido, ainda mais pelos donos. E o que me deixou ainda


mais contente foi saber que eu não fui favorecida em nenhuma etapa, pois

as informações de cada candidato tinham sido mantidas em sigilo. Foram

duas semanas bastante intensas de análise de currículo, entrevistas e


dinâmica em grupo do tipo brainstorm, porém não poderia estar me

sentindo mais satisfeita. Minha autoestima estava nas alturas.

— Seus documentos foram encaminhados para o setor de recursos


humanos e a formalização da sua contratação está em andamento. — Fez

uma pausa. —, Me pediram que eu te passasse algumas instruções e

informações gerais.
— Compreendo.

Abri o meu bloco de anotações e peguei uma caneta, para registrar os


pontos mais importantes que seriam falados pela recrutadora.

— Alguma dúvida até aqui, senhorita Donovan? — perguntou, depois

de terminar de me passar as orientações.

— Não, acredito que não.

— Em todo caso, se surgir alguma questão, não hesite em perguntar

aos nossos colaboradores — disse gentilmente. — Gostaria de conhecer a


equipe a qual irá coordenar?
— Claro. — Tentei soar animada, apesar de sentir uma pontinha de
insegurança me invadir, pois não sabia se iria encontrar um ambiente hostil,

principalmente por eu ser nova na empresa e já chegar alçando uma posição

de destaque.

Ela se levantou e eu fiz o mesmo.

— Me siga, por favor — pediu e, respirando fundo, criando coragem,

eu assenti antes de segui-la.


Meu receio se dissolveu assim que pude conversar com cada um

deles. O grupo, em sua maioria, era composto por estagiários e alguns

recém-formados, que, infelizmente, em uma conversa inicial, pude perceber

que nenhum deles pôde, na gestão anterior, expressar suas opiniões, exercer

um pouco da sua liberdade criativa, tendo acesso aos resultados das

campanhas e feedbacks, o que era um grande erro. Eu mal podia contar os

minutos para colocar a mão na massa e começar a colocar minhas ideias em


prática.

Parei em frente a porta do meu vizinho, sentindo certo nervosismo na

boca do meu estômago. Sabia que era um sentimento irracional, ainda mais
quando eu não faria nada além de compartilhar a notícia com Derek de que

eu havia conseguido a vaga de emprego, que eu seria sua funcionária,


porém parecia inevitável me sentir assim.

Ruth tinha sido a primeira a saber da minha conquista. Minha melhor


amiga ficou superfeliz por mim, tanto que deu vários gritinhos de
empolgação no telefone, dizendo que mal via a hora de me abraçar.

Combinamos de nos encontrar e comemorar mais tarde, indo na steakhouse


que se tornou a favorita dela depois que Max a levou lá.

Claro que o “namoradinho” dela iria conosco, e ela acabou sugerindo


que eu convidasse meu vizinho também, já que havia sido ele quem havia

falado sobre a vaga e que havia me incentivado a me inscrever no processo


seletivo. Uma parte de mim concordava que Ruth estava certa e que, por
toda a gentileza de Derek, eu deveria, por educação, chamá-lo para jantar

conosco.
Mentirosa! Não convidará apenas por educação! E algo dentro de

você espera que ele não recuse seu convite. Esse pensamento ecoou na
minha cabeça e eu o empurrei para o fundo da minha mente. Estava ciente

de que havia um grande fundo de verdade nisso, e que meu nervosismo, em


partes, era devido ao medo de que ele não aceitasse sair com a gente.
Pare de tolices, Iandra. Bufei, sentindo uma leve irritação comigo

mesma, e deixei que a alegria me invadisse novamente.


Toquei a campainha e aguardei. Sorri ao escutar os latidos frenéticos

que me eram tão conhecidos, e que, nesses quase dois meses em que ele
morava ali com o seu dono, de alguma forma estava aprendendo a amar. Ele

poderia não ser o meu mascote, mas foram várias as vezes que o cachorro
adentrou a minha casa pela portinha que havia nos fundos, pedindo por

carinho e atenção, o que eu não conseguia negar. Todas as travessuras e


bagunças — que não foram poucas e terminava comigo ralhando com o
Derek — eram esquecidas assim que ele me encarava com aqueles olhos

grandes e caramelos e quando me enchia de lambidas.


— Sou eu, Charlie — falei quando escutei o animal arranhar a porta.

— Não precisa estragar a porta do papai, menino levado.


O cachorro começou a sinfonia de latidos, enquanto, desobediente,
continuava a deslizar a unha contra a superfície de madeira.

— Mais tarde eu volto, mas você sabe como me encontrar — falei,


mesmo sabendo que o cachorro não iria compreender. Já ia dar as costas

para a casa do meu vizinho quando uma fresta da porta se abriu, e um


cachorrinho doce e bagunceiro enfiou duas patas em mim.

Automaticamente, fiquei sobre os calcanhares para cumprimentar o


meu amiguinho peludo com um beijo.
— Só podia ser você para ele fazer esse estardalhaço todo. — Escutei

a voz brincalhona de Derek. — Acho que ele nunca fez tanta festa desse
jeito para alguém que não fosse você.
— Por que nos amamos, não é mesmo, querido? — Puxei as
bochechinhas dele suavemente, formando um sorriso.

Charlie balançou a cauda vigorosamente e deu uma patada na minha


coxa.

— Ele deve achar que você é a mamãe dele. — Falou em um tom


rouco, e meu coração deu um salto com a implicação das suas palavras.
Encarei o seu rosto para ver se ele brincava, mas não sem antes olhar

longamente para o torso dele, que estava desnudo, o que não era uma
novidade, já que ele gostava de ficar sem camisa em casa. Pela expressão

do meu vizinho, soube que ele não tinha falado aquilo para me provocar.
Derek parecia considerar a ideia absurdamente atraente.

— Claro que não — murmurei, sentindo minha boca e garganta


secarem.
Não conseguia apartar a vista de seu rosto.

— Será, Laranjinha? — falou meu apelido de maneira pastosa.


Sorriu e deu de ombros, chamando a minha atenção para aquela

região bem delineada. Minha imaginação fértil logo passou a imaginar


como seria deslizar a ponta dos meus dedos em sua pele. Pior, como seria
cravar meus dentes ali, enquanto Derek me proporcionaria um prazer

indescritível ao cumprir as promessas lascivas que via em seus olhos.


Lutei contra mim mesma para me recompor e, deixando um beijinho
no focinho do animal, ergui-me nos meus saltos e procurei afastar aquelas
imagens impróprias da minha cabeça.

— E então? — Mudou de assunto e ver a expectativa em seu tom e


expressão foi tocante. — Marshall me disse que hoje era a entrevista final.

— Eu consegui, Derek! — Minha voz soou animada demais, o que


acabou assustando Charlie, que latiu. Abri um sorriso enorme.
— Fico feliz em ouvir isso, Laranjinha. — Seu timbre soou vários

decibéis mais alto, cheio de felicidade. Dominada pela euforia do momento,

sem pensar muito, o abracei.


Emitindo um suspiro, seus braços fortes automaticamente também me

envolveram. Um som baixinho de contentamento escapou pelos meus

lábios ao sentir o calor do corpo dele se infiltrando no meu, conseguindo

passar pelo tecido da blusa de mangas longas que eu vestia. Quando o


cheiro de Derek impregnou as minhas narinas, só então me dei conta da

impropriedade do meu ato. Então, dei um passo para trás, totalmente

atordoada pela minha audácia. Sufoquei a sensação de perda que havia me


invadido, mas uma vozinha dizia que eu havia mais do que gostado daquele

abraço, e meu corpo todo concordava, pois ficou consciente do dele,

começando a reagir de forma intensa.


— Desculpe-me, Derek — murmurei, olhando para Charlie que,

curioso, cheirava uma planta. O animalzinho era um terreno muito mais


seguro para mim do que o homem à minha frente.

— Não por isso, Iandra. — A voz de Derek soou rouca e ele segurou

o meu queixo, fazendo com que eu o encarasse. — Gosto que você me


abrace espontaneamente e que não tenha medo de me tocar. No futuro, não

quero que você se sinta desconfortável com o meu toque, com as minhas

carícias, com o meu corpo…

Os olhos negros brilharam, apesar da sua expressão estar séria.


Outra vez, com poucas palavras, ele havia me deixado em chamas e

feito meu coração disparar no peito, porém não cometeria a burrice de dar

vazão aos meus pensamentos eróticos, que pareciam me bombardear por


todos os lados, jogando na minha cara que fazia muito tempo que não fazia

um sexo bom.

— Não tinha nenhuma dúvida de que você iria conseguir a vaga —


voltou ao assunto, muito mais confortável, depois de permanecermos um

tempo em silêncio, em que, por mais que eu tentasse negar, a tensão sexual

vibrava entre nós dois.

Mas ele tinha que destruir o clima ameno, me dando uma piscadela de
um olho só e abrindo aquele sorriso que era capaz de fazer a minha

estrutura estremecer.
Cachorro safado!

— Você não poderia ter essa certeza toda, Derek — forcei-me a dizer.

— Mas eu tinha. — Mostrou-se convencido. Percebi nesse instante


que, mesmo que ele vivesse uma vida simples morando nesse condomínio,

meu vizinho tinha um quê de arrogância inerente a quem tem dinheiro. —

Deveria ter confiado em mim e nos meus instintos logo de cara, Laranjinha.

Nunca falho!
Arqueei a sobrancelha, mas não insisti naquele assunto, que não nos

levaria a lugar algum.

— De toda forma, Derek, agradeço por você ter me falado sobre essa
oportunidade. — Voltei a usar um tom animado. — Eu estou

superempolgada para começar. Será desafiador, mas, ainda assim, minhas

expectativas estão altas.

— Não precisa me agradecer, Laranjinha — falou suavemente,


passando a mão pelos cabelos. — Eu preciso mais de você... ou melhor, a

Playing precisa, do que o contrário.

— Obrigada. — Uma onda de prazer me envolveu e eu sorri para ele,


colocando uma mecha atrás da orelha.

— Mas se quer mesmo me agradecer… — falou em um tom

malicioso, rouco, depois de me olhar de cima a baixo, o que deixou meus


pelinhos arrepiados. Engoli em seco. — Podemos tomar uma taça de vinho

essa noite, já que não tenho nenhuma aula mais tarde.


— Tão cedo quero ver uma gota de álcool — brinquei, estremecendo,

e meu vizinho fez uma cara de muxoxo, cruzando os braços na altura do

peito.
Ri, fazendo com que ele gargalhasse também e o animalzinho, que até

então estava desinteressado em nós dois, se aproximou, esfregando seu

corpinho nas nossas pernas, querendo atenção.

— Suco então? — não perdeu a esperança de me convencer.


— Combinei com Ruth de jantarmos juntas em comemoração.

— Que pena.

— Mas você pode ir jantar conosco, se quiser — remediei a situação.


— Será muito bem-vindo a nossa “pequena” festa.

— Será um prazer. — Sorriu — Que horas?

— Ficamos de ir a um restaurante que fica no E Campus View Blvd.

— Coloquei novamente a mecha atrás da orelha. — Ela falou tanto da


comida desse lugar, que me sinto salivar só de pensar em experimentar o

“ribeye”[9] deles.

— Hm, parece interessante. Um bom filé me cairia muito bem hoje,


não é, Charlie? — perguntou ao cachorro que, batendo com as patinhas e

balançando o rabinho, pedia por colo.


Ele abaixou-se e o pegou, segurando-o com um único braço. Era um

contraste interessante observar o animal pequeno contra o corpo definido de

Derek. E não podia negar que era igualmente fofo, principalmente quando

meu vizinho beijou o topo da cabecinha dele e as bochechas, fazendo com


que o animalzinho parecesse supercontente com o afago. Suspirei, e, para o

meu horror, soou bem apaixonado aos meus ouvidos. Usando de tato, ele

não teceu nenhum comentário, porém seus olhos revelavam que não passou
despercebido e que tinha gostado de saber que eu não era imune a ele.

— Você e Ruth vão juntas? Posso dar uma carona para as duas. —

Fez uma pausa, mas nem me dando tempo de responder, continuou em um

tom de diversão: — Juro que sou um bom motorista.


Piscou outra vez.

— Bom — dei um sorriso torto —, eu cheguei viva e em segurança

da última vez.
Jogou a cabeça para trás e gargalhou, fazendo com que eu risse

também. O cachorro pediu para descer com latidos e Derek pousou-o no

chão. Charlie foi para dentro de casa trotando.

— Touché, Laranjinha — disse meio rindo. — Sua acidez não


conhece limites.

Dei de ombros.

— Voltando à pergunta, Ruth vai com o namorado dela.


— Ela está namorando? — Seu tom era de pura decepção.

Fiz que sim com a cabeça.


— Perdeu a sua oportunidade, Derek. Foram várias as vezes que Ruth

me disse que você tinha chance com ela. — Foi a minha vez de piscar.

— Que otário que eu fui!

— Muito. — Fiz uma pausa dramática. — Melhor partido você não


encontraria.

— Quem sabe ela tem uma amiga solteira. — Coçou a barba rala,

olhando fixamente para mim, deixando claras suas intenções, mas não iria
cair no jogo dele.

— Hm… — Bati um dedo sobre o meu queixo. — Se eu não me

engano, Ruth me disse que a Mariele está solteira. Acho que ela só tem
oitenta anos.

Fez uma careta de desgosto e passou uma mão pelo peitoral desnudo.

Inevitavelmente, meu olhar acompanhou o gesto, e eu fui mais além,

contando mentalmente os gominhos do abdômen.


— Mas eu agradeceria a carona, Derek. — Tentei retomar o controle

de mim mesma, chegando à conclusão que não havia por que recusar a

oferta.
— Então podemos sair daqui sete e meia, o que acha?

— Claro.
Antes que pudéssemos dizer qualquer outra coisa, tomamos um susto
quando Charlie apareceu carregando na boca a panelinha dele de comida, a

batendo na porta.

— Acho que alguém está com fome.


Levei a mão à boca, rindo do animalzinho, que soltou a vasilha aos

pés do dono, sentando-se com várias polegadas de língua para fora.

Derek bufou, indignado, olhando para o cão com uma carranca.


Agachei-me para acariciá-lo.

— Não pode deixar esse querido de barriguinha vazia.

Charlie latiu, parecendo concordar.

— Ele está sempre com fome. — Derek fez um muxoxo. — Faz nem
uma hora que ele comeu biscoitos.

— Hm. Assim vai ficar gordinho. — Deixei um beijo no focinho dele.

— Mas a tia ama cachorros gordinhos.


Rindo, me ergui.

— Não vamos deixá-lo esperando mais. Vou indo, eu estou doida para
remover esses sapatos. — Apontei para os bicos finos.
O olhar dele recaiu nos meus pés por alguns segundos, antes de voltar

a encarar meu rosto.


— Okay — parecendo contrariado, abaixou para pegar o potinho do
chão. — Até mais tarde, então — Sim. — Assenti.
Ficamos nos fitando por alguns instantes em silêncio, até que,
acenando, cruzei a curta distância entre as nossas casas. Quando fechei a
porta, foi impossível não conter um friozinho na barriga, sensação bem

diferente daquela que havia me invadido uns minutos atrás.


Capítulo

— Me deseje sorte, Charlie — falei para o cachorro antes de ajeitar


meu cabelo em frente ao espelho e aplicar um pouco de perfume —, papai

vai precisar.
Fez um barulhinho e eu encarei o animal através do espelho, o

encontrando passando a pata pelo focinho.

— Tá… Não é um encontro, mas, sim, um jantar entre amigos —


murmurei e meu meninão continuou a fazer o mesmo gesto. — Você não

está sendo nada bacana ao não me incentivar.


Charlie me ignorou e, depois de conferir se não havia nada o

incomodando, o deixei deitado na minha cama. Peguei a chave do carro e,


colocando a minha carteira no bolso do jeans, desci os degraus de dois em

dois, rapidamente alcançando a entrada. Meu coração batia com tanta força
e minhas mãos estavam tão suadas que eu quis rir da minha cara. Abri a

porta e um vento fresco me recebeu, imprimindo a dose de confiança que eu

necessitava.
Escutando o barulho na casa ao lado, todo o meu foco se voltou

automaticamente para a mulher que saía de lá.

Fiquei paralisado. As únicas coisas que eu era capaz de fazer no


momento era respirar e comer a Laranjinha com os olhos.

Com os cabelos longos e alaranjados completamente soltos e

indomáveis, as botas de cano e salto altos pretas, que alcançavam as coxas,


a saia curta, que deixava ver parte da pele, e uma blusa de mangas três

quartos colada ao corpo, Iandra estava sexy pra caralho!


Ela foi capaz de roubar meu ar por completo ao me encarar com

aqueles olhos verdes, ressaltados por algo que não tinha capacidade de

lembrar o nome, mas que a deixavam com a aparência de um felino. Ela

parecia exótica, sedutora, e os lábios pintados de vermelho só a tornavam

ainda mais gostosa. E eu tive a certeza que um dia teria que beijar a boca

daquela mulher, mesmo que fosse a última coisa que fizesse na vida.
— Boa noite, Derek — falou ao se aproximar.
Porra! Eu deveria estar babando, pois ela ergueu uma sobrancelha
para mim e eu fiquei sem jeito por ser pego em flagrante.

— Boa noite, Laranjinha — mal reconheci a minha própria voz.

Em um gesto que se tornava cada vez mais recorrente, deixei um

beijinho de cumprimento no rosto dela. Com a fragrância cítrica invadindo

as minhas narinas, sentime tentado a escorregar a minha boca e esmagar a

dela em um beijo de língua, porém, antes que eu pudesse tomar a iniciativa,


automaticamente, ela recuou.

— Você está linda — continuei a dizer roucamente. — Apesar que

não sei se esse comentário realmente faz jus a você.

— Isso é uma cantada? — falou em um tom divertido, quebrando o

clima.

— Talvez. — Entrei na brincadeira, mas que tinha um grande fundo

de verdade.
Eu não parava de olhar abobado para aquela mulher, de sorrir quando

falava dela. Marshall tinha me dito que já era para mim, mesmo que

tivéssemos nos reencontrado há pouco tempo. E, sem dúvidas, ele estava

certo.

Estava completamente rendido a ela. Meus quatro pneus estavam

arriados.
— Uma cantada bem ruim, diga-se de passagem. — Enrugou

levemente o nariz. — E clichê.


— É porque não estou muito acostumado a fazer isso — retruquei,

defendendo-me.
O arquear de sobrancelha demonstrava descrença.
— Vamos? Ruth disse que eles já estão lá nos aguardando.

Fiz sinal para que fosse na frente, então começou a andar em direção
a garagem. Educadamente, eu a segui, mas olhando de modo nada

respeitoso a bunda emoldurada pela saia justa.


Caralho, Laranjinha! A visão, sem nenhuma dúvida, faria parte das

minhas fantasias com aquela mulher, que já não eram poucas e me faziam
correr direto para o banheiro, onde eu ligava o chuveiro para abafar os sons
que escapavam pelos meus lábios quando eu rodeava meu pau e me

masturbava pensando nela e em tudo que eu desejava fazer com ela.


Afastei aqueles pensamentos, que acabariam me deixando com uma

ereção. Não que seria uma novidade para mim se isso acontecesse, já que
Iandra me deixava em constante estado de excitação simplesmente pelo fato

de existir, e a presença dela só acentuava essa sensação de euforia.


— Mas não estamos atrasados, certo? — Não conseguindo disfarçar
meu desejo, minha voz saiu rouca. Quando nos aproximamos do meu carro,

me antecipei e abri a porta do carona para ela.


— Obrigada, Derek.

Se acomodou no banco e eu bati a porta, dando a volta no veículo,


entrando para assumir o volante.

— Eles acharam que iriam pegar trânsito, porém as ruas estavam


tranquilas — disse enquanto eu colocava o cinto. Programei o GPS, liguei o

carro e pisei no acelerador. — Mas falei que eles não precisavam nos
esperar, para já podiam pedir os aperitivos.
— Entendi.

Tentei prestar atenção na direção e não no perfume cítrico que invadia


as minhas narinas e me deixava ainda mais em alerta sobre a presença dela.

— Você pode colocar uma música? — pediu, depois de emitir um


suspiro longo.
Olhei para ela através do retrovisor, percebendo que mordiscava os

lábios, como se estivesse nervosa. Apertei o volante com força, sentindo o


fluxo sanguíneo se acumulando na minha pelve. Algo dentro de mim vibrou

outra vez ao saber que Iandra não era imune a mim, que a atração era
recíproca. Presunçosamente, eu sabia que essa tensão só terminaria de uma

única maneira: na cama, com os nossos corpos nus entrelaçados. Eu só teria


que convencê-la de que isso era mais do que certo.
— Derek?

— O quê? Ah, sim...— Demorei a responder.


Esticando a mão, conectei a minha playlist no sistema de bordo e All
For Love ecoou baixinho.
— Michael Bolton, Derek? — Demonstrou surpresa.

Sorri com a descrença dela, algo mais do que esperado.


— Sim, não gosta? — Olhei para ela ao parar no semáforo, a

encontrando a me observar com curiosidade, o que consegui notar mesmo


que estivéssemos na penumbra. — Posso trocar, se você quiser.
— Não é isso. — Soltou outro suspiro. — Para ser sincera, fazia

muito tempo que não escutava uma música dele.


— Não posso dizer o mesmo — falei suavemente, ao pensar que

praticamente escutava aquela canção quase todos os dias. — É uma das


minhas favoritas, junto com a Back To One, do Brian Mcknight.

— Sério?
— Por que a surpresa, Laranjinha? — provoquei-a.
— Imaginava que seu estilo fosse outro. Rock ou música eletrônica.

Fiz uma careta.


— Eletrônica? Sério, Iandra? — Fiz uma pausa e não resisti em

continuar a brincar com ela, voltando a encarar o trânsito enquanto passava


a marcha: — Realmente achei que me conhecesse melhor...
— Bom… — Não soube o que dizer.
— As aparências podem enganar, Laranjinha. — Gargalhei. — Não
há playlist mais romântica do que a minha.
Como se para provar isso, outra música naquele mesmo estilo

começou a tocar e eu cantarolei baixinho o refrão.


— Tá bom, eu peço desculpas pelo meu pré-julgamento cheio de

preconceitos. — Riu baixinho e uma emoção desconhecida me invadiu


quando senti sua mão pousando suavemente na minha coxa.
Durou nem mesmo dez segundos, mas, ainda assim, fez com que

todos os pelos da minha nuca se arrepiassem, e um desejo insano me

percorresse, mesmo que a intenção não tenha sido com cunho sexual. No
entanto, havia uma intimidade imensa naquele ato, que infelizmente foi

breve demais para o meu gosto.

Respirei fundo, agarrando a direção com toda a força, ao ponto dos

nós dos meus dedos ficarem brancos, lutando contra mim mesmo para não
parar o carro e trazer de volta a sua mão para o meu corpo. Sem medo, sem

receios, sendo algo natural.

Estava agindo como um homem emocionado, porém tinha certeza que


eu queria uma relação que extrapolava o sexual. Eu desejava uma ligação

emocional.

— E você? — Obriguei-me a manter uma conversa, tentando quebrar


um pouco aqueles sentimentos avassaladores que me percorriam.
— O quê? — perguntou. Relanceei outro olhar em sua direção,

percebendo que ela tinha seu rosto voltado para a janela.


— Seu estilo musical favorito.

— Eletrônica — falou suavemente.

Engasguei com o ar.


— Tá falando sério? — perguntei em meio a tosse.

Merda! Eu não poderia ter pisado tanto na bola assim.

A risada alta dela ecoou por todo o carro e eu soube que era uma

pilhéria.
— Você precisava ver a sua expressão.

— Posso imaginar. — Torci meus lábios em uma careta.

— Mas se eu for me definir, acho que sou eclética. — Bateu a ponta


dos dedos contra o painel. — Depende muito do meu humor.

— Não sabia que existia música para pessoas mal-humoradas —

aticei-a.
Bufou, e foi a minha vez de rir.

— Cachorro exasperante — murmurou.

Gargalhei ainda mais. Achava engraçado ela sempre me chamar de

“cachorro”, talvez por conta do meu passado. Esse adjetivo,


definitivamente, há anos não me definia mais, mas se ela gostava de um
homem mais “cachorro” na cama, iria me prestar a esse papel com bastante

prazer.

Arreganhei os dentes, feliz com a perspectiva, e girei o volante para


fazer uma curva.

— Essa você precisa aumentar — disse animadamente, cantarolando

o refrão com a sua voz desafinada, que doía nos ouvidos. Concluí que feria

mais do que quando ela cantava no banho.


Assenti e, obedientemente, fiz o que ela pediu. Laranjinha parecia

relaxar a cada música, e eu emiti um muxoxo quando chegamos. Estacionei

o carro próximo ao restaurante, que parecia lotado.


Não tive tempo de ser cavalheiro novamente, pois, para minha

decepção, ela desceu do carro sem esperar minha ajuda. Resignado, a

acompanhei. Abri e fechei a mão, controlando-me para não a pousar

possessivamente na sua lombar ou quadris, ou até mesmo entrelaçar os


nossos dedos, como se fôssemos um casal. Achava que meu toque não seria

bem-vindo, nem mesmo o meu súbito desejo por intimidade.

— Nossa! Aqui é lindo — sussurrou assim que pisamos no ambiente


decorado com os tijolinhos típicos da arquitetura de Columbus, madeira

envernizada, pedras e tons térreos.

Parou e se virou para mim. Seus olhos verdes, marcados pela

maquiagem, brilhavam e revelavam o seu encantamento. Não prestei mais


atenção na rusticidade do lugar, mas, sim, naquela mulher, que era muito

mais linda do que qualquer coisa que eu havia visto. E debaixo da


iluminação suave, ela parecia irradiar. E eu agradeci por ela não ter passado

algo para cobrir as sardinhas, porque a tornavam ainda mais irresistível.

— Agora sei porque aqui virou um dos lugares favoritos de Ruth —


continuou —, é bastante romântico. Max tem bom gosto.

— Sou obrigado a concordar — admiti, desejando intimamente que

estivéssemos a jantar a sós. — Vamos?

Assentiu e nos aproximamos do maitre que gerenciava o restaurante.


Depois de uma troca de palavras padrão, ele nos encaminhou até a mesa no

pátio onde Ruth estava sentada, acompanhada de um homem alto, que me

pareceu familiar. Eles estavam imersos um no outro.


— Finalmente chegaram! — A senhorinha foi a primeira a perceber a

nossa presença, e não escondeu a animação de ver a minha vizinha. —

Venha cá me dar um abraço, filha.

Rapidamente se levantou, e, cruzando a pequena distância, abraçou


Iandra, usando uma força que achei divertida. Era mais do que visível o

amor que havia entre as duas.

— Estou tão feliz por você, filha!


— Eu também querida — murmurou.
— Boa noite, senhor. — Tentando me recordar de onde o conhecia,

cumprimentei o homem, que havia se levantado também. Aproveitando que

as mulheres continuavam a conversar entre si, estendo a mão para ele, que a

pegou.
— Você parece muito diferente, Derek. — Sorriu. — Menos rebelde.

— Maximilian! — Finalmente recordei de onde o conhecia. Ele

trabalhou por vários anos como diretor de produção na fábrica de plásticos


que pertencia a minha família.— Quanto tempo.

Com o reconhecimento, me abraçou, dando tapinhas nas minhas

costas.

— Sempre estive por aqui, meu filho, você que sumiu. —


Desvencilhou-se do abraço. — Apesar de ter me aposentado, vez ou outra

passo na Sommerfeld para relembrar os bons tempos, mas nunca mais te vi

por lá.
— Depois da faculdade, morei um tempo em Nova York. Faz dois

meses que estou de volta.

— Isso é muito bom. — Deu outro tapinha no meu ombro. — Feliz

por você estar de volta. Você e Marshall são muito queridos para mim.
Agora deixe-me cumprimentar essa menina linda, a razão dessa pequena

comemoração.
Sorrindo, Iandra cumprimentou Max com um beijo no rosto e

agradeceu a parabenização. Senti uma pontinha de inveja dele.


— Então você e Max já se conhecem? — Ruth perguntou, olhando-

me curiosa.

— Sim, Gracinha, ele trabalhou na empresa da minha família. —

Sorri, antes de pegar a mão que ela estendeu, deixando um beijinho no


dorso.

Deu uma risadinha com o galanteio e Max ajudou-a a voltar a se

sentar.
Tomando a iniciativa, puxei a cadeira para a Laranjinha se acomodar

e ela me agradeceu com um sorriso. Tomando o meu assento, acabei

roçando no braço de Iandra, e aquele pequeno contato foi como atear fogo
em mim. Quando se movimentou, voltou a encostar em mim. Nos

encaramos brevemente, conscientes de que a mesa parecia pequena demais

e que seria a noite inteira assim.

Escutando um suspiro baixinho que ela soltou, resignado, peguei o


cardápio que o garçom estendeu para mim e a vi fazer o mesmo.

— Então é você o bonitão que tem feito a Ruth suspirar por aí? —

Max comentou em um tom divertido, assim que todos nós fizemos os


nossos pedidos.
— É… — Sorri, piscando para Ruth, vendo as bochechas dela
ficarem vermelhas de vergonha enquanto dava uma risadinha. — Mas,

infelizmente para o meu pobre coração, me disseram que não tenho mais

nenhuma chance.
Max gargalhou, levando na esportiva.

— Para sorte minha — segurando os dedos de Ruth, ergueu-os,

deixando beijos nas pontas.


A mulher corou ainda mais diante do gesto romântico.

— Para a nossa — a velhinha retrucou.

— E eu não poderia estar mais nas nuvens pela minha amiga —

Iandra disse, emitindo um som baixinho em seguida. Com o canto do olho,


percebi que ela sorria, parecendo emocionada.

— Todos nós estamos — murmurei, tomando um gole de água ao

sentir minha garganta ficar seca.


Vendo aquele belo casal, eu desejei um relacionamento tão saudável

quanto o deles parecia ser. Mesmo que o meu último namoro tenha me
ferido, e de certa forma tenha sido desleal e abusivo, não havia perdido as
esperanças.

— Mas felizmente, Iandra me disse que você tem uma amiga para me
apresentar e que está disponível para um encontro — continuei a
brincadeira.
— Mesmo? — Os olhos da mulher mais velha cintilaram, animados.
— Posso saber quem?
— Derek — a Laranjinha disse em um tom de aviso.

— A Mariele! — Não escondi a minha diversão, principalmente


quando levei uma cotovelada na região das costelas.
— Iandra! — Os olhos de Ruth se arregalaram e a boca dela formou

um ‘O’ perfeito, parecendo chocada.


Max riu.
— Não sabia que você era tão fofoqueiro, Derek — Iandra disse

entredentes.
Virei-me para ela, que tinha o cenho franzido de desgosto.
Movimentando meus ombros, dei um sorriso lascivo.

— Tenho que começar de algum lugar, Laranjinha, e o primeiro passo


é garantir uma apresentação. — Afunilou os olhos ao ponto de se tornarem
quase uma linha. — Está com ciúmes?

— Sabe que não.


— Que pena. — Contive a vontade de chamá-la de mentirosa. — E

então, Ruth, vai me ajudar?


— De jeito nenhum, filho! — Fingiu um horror, e todos nós
gargalhamos. Em seguida, adotou um tom malicioso: — Mas, se você

insistir, temo não ter outra escolha.


Não tivemos tempo para dizer mais nada, pois logo o garçom chegou
com nossas entradas, pousando uma porção de lulas fritas sobre a mesa e
outra de ostras. Em seguida, encheu as taças com suco natural de laranja

que havíamos pedido. Ninguém beberia vinho ou outra bebida alcoólica


naquela noite.

— Quero fazer um brinde a você, Iandra. — Ergui o cristal. — Ao


seu novo recomeço, que tenho certeza que será brilhante.
— Um brinde. — Max e Ruth repetiram animados, fazendo o mesmo

gesto.
— Obrigada a vocês — Laranjinha falou suavemente e as nossas
quatros taças começaram a bater umas contra as outras. — Eu realmente

espero que eu consiga me superar.


— Você ainda dúvida? — A senhorinha disse em um tom maternal.
— Não tenho nenhuma.

Iandra sorriu genuinamente e, naquele momento, ela nunca me


pareceu tão linda.
— Timtim — Maxmilian falou ao brindar e tocou a taça na de Ruth.

— Um brinde também a essa mulher maravilhosa e doce ao meu lado.


Quando terminou de saudar, levou a bebida aos lábios e nós fizemos o

mesmo.
— Realmente a comida daqui é divina — Laranjinha comentou
tempos depois. Nossos braços se encostaram novamente quando fomos nos

servir ao mesmo tempo. — Essas ostras estão maravilhosas.


— Sabia que você iria gostar — Ruth estava entusiasmada.
— Provavelmente voltarei várias vezes aqui — complementei, depois

de provar um pouco do fruto do mar que pedi passado no molho

remoulade[10] — A lula frita é uma das melhores que já comi.

— Acredita que nunca experimentei? — Iandra falou. — Sempre tive


medo de ser muito borrachuda.
— Por que não prova um pouco, Laranjinha? O ponto está perfeito.

Sem raciocinar muito, como se não houvesse mais ninguém na mesa,


peguei um anel com o garfo, virei-me em sua direção, e o levei aos lábios
dela, como se já tivéssemos alguma intimidade para que eu fizesse tal gesto.

Ela me encarou por uma fração de segundos, espantada, mas,


surpreendendo-me, ela abriu a boca e mordeu a comida que eu ofereci.
Observei seus movimentos, e o pequeno deslizar da ponta da língua pelos

lábios foi a imagem mais erótica que presenciei.


— Realmente é muito bom — disse, voltando-se para a frente,
jogando-me de volta para a realidade de que não estávamos sozinhos.

— Fique à vontade para pegar mais, Laranjinha — peguei minha taça


e bebi um grande gole do meu suco.
Não se fez de rogada e atacou o meu prato.

Olhei para o casal, que não escondia a curiosidade e a diversão. Ruth


deu uma piscadela para mim, maliciosa, e eu sorri, por encontrar nela uma
aliada.

— E vocês também — em delay ofereci, colocando a porção mais no


centro da mesa para que todos pudessem pegar.
— Obrigado, filho, mas não posso. — Ele explica a recusa. — Eu sou

alérgico. Eu ficaria tão inchado como um baiacu.


Inflou as bochechas e imitou o peixe, arrancando risadas.

— Você e suas analogias com peixes. — Ruth fez uma careta,


batendo suavemente na mão dele. — Deveria ser mais criativo, querido.
Max deu de ombros.

— Não vai dizer que não gosta de ser chamada de sereia? — Iandra
provocou a amiga, que ficou extremamente vermelha.
Temi que Ruth estivesse tendo um ataque na mesa.

— Não vou negar — respondeu baixinho, parecendo se regozijar por


dentro, e Max entrelaçou seus dedos nos dela.
— E você sempre será minha sereia, que me enfeitiçou com seus

encantos.
Ela deu uma risadinha. Com o canto do olho, percebi que Iandra
olhava carinhosamente para os dois, parecendo emocionada.
— Te entendo, Ruth — falei ao terminar de mastigar, tentando
quebrar um pouco do clima que havia ficado no ar.
— Mesmo? — Ela demonstrou curiosidade.

— Ultimamente venho gostando de ser chamado de cachorro. —


Imprimi diversão ao meu tom de voz.
Recebi outra cotovelada de Iandra, desta vez, com mais força.

— Essa doeu, Laranjinha. — Levei a mão nas costelas, fazendo


drama.
— Que bom. — Foi ácida. Enquanto passava um camarão no molho,

completou: — Era para machucar mesmo.


— Iandra! — Minha amiga me repreendeu.
— Que foi? Não fiz nada demais.

Ruth suspirou e balançou a cabeça.


— Esses dois são sempre assim? — Max não escondeu a diversão.

— A culpa não é minha. — Iandra fez-se de inocente e, virando-se na


minha direção, apontou para mim, com os olhos verdes brilhando. — É toda
desse “cachorro” que gosta de me provocar.

— De fato. — Ri, e todos gargalharam junto comigo.


Logo os steaks, o prato principal da noite e a razão pela qual
estávamos ali, chegaram e, em meio a provocações, risadas, assuntos sérios,

não vimos o tempo passar. Não pude negar que me divertia bastante,
principalmente diante dos comentários ácidos e inteligentes de Laranjinha.
Porra, estava cada vez mais fascinado por essa mulher, tanto que não queria

que aquela noite acabasse, pois poderia ficar várias horas ali conversando,
rindo, provocando a todos, e ela principalmente a mim.
Com Iandra, me descobria livre para ser eu mesmo, sem rótulos.

Apesar das cotoveladas e suas respostas ácidas, Iandra não chegava a ser
tóxica, ou abusiva, nem mesmo manipuladora. Como no nosso primeiro
jantar, percebia que havia uma mulher doce, carinhosa, amiga e leal por

detrás da fachada durona. E, mais do que nunca, a desejei.


Pena que aquela pequena comemoração passou rápido demais e,
quando vi, estava saboreando a última colherada do meu bolo de cenoura.

Definitivamente, não queria que essa noite acabasse.


— A conta, por favor — Max pediu assim que o garçom se
aproximou da nossa mesa para recolher os pratos.

— Claro, senhor — assentiu, se afastando.


— Deixe que eu pago, Ruth — Maxmilian falou quando ela começou

a vasculhar a bolsa em busca da carteira. — Vale para você também, Iandra.


— Não é necessário, Max. — Sorriu.
— Bobagem, filha. Hoje o dia é seu. Seria injusto você pagar pela sua

própria comemoração.
Era um pensamento conservador, mas claramente ele tinha sido
moldado em uma outra época. Não que muitos dos seus contemporâneos

seguissem esses princípios à risca, já que muitos eram afundados em


machismo. E eu não podia negar que, de alguma forma, também gostava de

bancar o “cavalheiro”.
— Ficará muito caro, Max. — Iandra fez um gesto negativo. — Não
posso aceitar tal coisa.

— Eu e Max podemos dividir a conta — sugeri, piscando para o


senhorzinho agradável. — Cada um paga a despesa da sua dama.
— Estou completamente de acordo — Ruth disse em meio a uma

risadinha.
— Não sou a sua dama, Derek — Laranjinha retrucou, franzindo o
cenho para mim.

Ainda, pensei comigo mesmo.


— Mas sou o seu novo chefe, e você não faria a descortesia de
recusar minha gentileza. — Sabia que estava jogando sujo, e a cara dela me

dava essa certeza, porém queria agradá-la. Mimá-la.


— Tudo bem — disse a contragosto. Depois sua voz se suavizou ao

falar: — Mas da próxima, eu faço questão de pagar.


Uma euforia preencheu o meu peito ao pensar que teríamos um outro
jantar ou, quem sabe, um encontro de casal.
— Claro. — Forcei um tom neutro, escondendo a minha empolgação,

mas a risadinha de Ruth me indicava que talvez não tenha sido tão bem-
sucedido assim.
Laranjinha não teceu mais nenhum comentário e, a pedido de Ruth,

acompanhou-a até o banheiro enquanto eu e Max passávamos nossos


cartões para pagar a despesa. Tive que me controlar para não fazer uma

carranca ao perceber que muitos homens viraram para olhá-la, e percebi que
admiravam principalmente a bunda tentadora. Não tínhamos nenhum
envolvimento, mas, ainda assim, eu senti um ciúme irritante. Assustou-me

perceber o nível de possessividade que nutria por ela, ainda mais quando eu
sempre fui bastante tranquilo em relação a esse aspecto de um
relacionamento. Mas, como dizem por aí, tudo tem uma primeira vez.

— Difícil a moça, hein? — Max falou, tirando-me do transe.


— Tive minha parcela de culpa nisso tudo. — Abri um meio sorriso,
aproximando minha carteira da máquina e depois tirando algumas notas

para dar de gorjeta. — Não fui muito gentil com ela no passado.
— Sei. — Foi a vez de Max pagar e agradecer ao garçom. — Você
realmente foi um adolescente problemático, lembro bem disso.

— Sim. — Minha voz soou séria.


— Me alegra saber que mudou, Derek. — Fez uma pausa. — Em
poucas horas, pude perceber que se tornou um homem mais sério, mais
centrado. Fora que faz tempo que não leio um escândalo envolvendo seu
nome.
Arqueei a sobrancelha.

— Lê revistas de fofocas?
— É um bom passatempo para um velho como eu, assim como a
pescaria. Temos que combinar de irmos pescar algum dia.

— Durante o período letivo é complicado, mas quem sabe em um


feriado ou nas férias de verão…
— Saio por um minuto e você já está falando de pescaria com o

menino? — Ruth fingiu-se de brava ao escutar minha resposta.


Max deu um pulinho no assento.

— É mais forte do que eu, amor. — Sentiu-se repreendido como se


fosse um menininho, mas logo abriu um sorriso. — Sabe como é…
— Sim, eu sei. — Suspirou. — Podemos ir?

— Claro, amor — Max respondeu, se levantando.


— Obrigada.
Assisti o senhorzinho, que não perdeu tempo, e enlaçou a cintura da

mulher. Começaram a andar em direção ao hall do restaurante.


— Vamos? — Laranjinha me tirou do transe, quando fiquei os
observando.

— Okay.
Ergui-me e a segui. Outra vez, a comi com os olhos, e quis rosnar
para os homens que faziam o mesmo.

— Vai querer uma carona, Gracinha? — questionei Ruth quando


saímos para a noite, alcançando o estacionamento.
Não me passou despercebido que Iandra estava bem próxima a mim.

O perfume, que tinha me atormentado o jantar inteiro, me deixava bem


ciente de que apenas algumas polegadas nos separavam.
— Não é necessário — disse. — Como ainda é cedo, vamos caminhar

um pouco no Schiller Park, para ver as estrelas…


— Dar uns beijinhos... — Iandra continuou por ela.
— Bem… — Ela foi reticente, apenas para adotar um tom cheio de

malícia logo em seguida: — Se vocês quiserem ir com a gente, para dar


uns…

— Não, obrigada — Iandra a cortou depressa, parecendo corar.


Eu segurei a risada pelo feitiço ter virado contra a minha vizinha, ao
mesmo tempo que quis soltar um som exasperado pela rejeição implícita na

sua recusa. Não via nada de ruim na ideia de andar de mãos dadas com ela
em um lugar apenas iluminado pelas estrelas e uns poucos postes,
principalmente gostei muito da parte de darmos uns “beijinhos”. Seria

bastante divertido. E gostoso.


— Não queremos atrapalhar vocês, não é mesmo, Derek? — Me

cutucou.
— Claro que não — concordei com ela, mas podíamos pegar um
caminho diferente, o que não seria constrangedor para ninguém.

— Então nos despedimos aqui? — Max parecia ansioso e dei uma


risada abafada.
Entendia-o muito bem. Se a mulher ao meu lado me quisesse, eu a

pegaria no colo e sairia correndo para levá-la no primeiro lugar que


encontrasse em que pudéssemos ficar sozinhos.
— Que falta de educação, homem, apressá-los assim…

— Desculpe, Ru.
— Está tudo bem. — Laranjinha interveio. — Se divirta, querida.
Despedimo-nos com abraços, beijos e apertos de mão e, tomando a

direção contrária deles, caminhamos até o meu carro.


— Laranjinha? — chamei, destravando o veículo.

— Oi?
— Quer dirigir? — Joguei a chave para ela, que a pegou por reflexo.
Olhou-me atônita.

— Por que eu faria uma coisa dessas?


— Você chegou a me pedir para dirigir meu carro na outra noite e
achei que iria gostar da oportunidade.
Franziu o cenho e devolveu-me a chave, a qual capturei no ar.

— Eu estava bêbada. — Fez uma pausa e, ao abrir a porta do carona,


adotou um tom de conspiração: — E eu nem mesmo tenho carteira.

— Deus! — murmurei, antes de entrar no veículo também.


Definitivamente, aquela mulher era uma caixinha de surpresas. E eu
queria muito desvendar cada um dos seus mistérios.
Capítulo

— Obrigada, Derek — agradeci assim que o carro foi estacionado na


garagem. Soltei-me do cinto. Foi automático nos encararmos quando a luz

interna se acendeu. — A noite foi ótima. Melhor, maravilhosa.


Era verdade. Apesar das trocas de farpas e alfinetadas, a presença dele

havia deixado o jantar ainda mais divertido. Ele tinha uma personalidade

que era completamente oposta à minha, porém peguei-me admirando-o em


vários momentos, rindo e principalmente apreciando o roçar suave do braço

musculoso no meu enquanto nos movimentávamos na mesa, porém


morreria sem admitir essa última parte.
— Pensei que me diria que estraguei tudo, Laranjinha. — Os olhos

negros brilharam, cheios de diversão.


— Dessa vez é você quem está fazendo mal juízo de mim — me

defendi, voltando o olhar em direção a janela.

— Desculpe-me por isso — murmurou e segurou o meu rosto,


fazendo com que eu olhasse para ele novamente. A pressão dos seus dedos

no meu queixo provocou pequenos calafrios em mim, que aumentaram de

proporção quando ele se inclinou na minha direção, roçando seu peitoral no


meu braço. — Não quis irritar você, longe disso.

— Tudo bem, Derek — sussurrei enquanto meu coração acelerava,

deixando a minha respiração ofegante, mas não me afastei do toque, por


mais que o meu lado racional dissesse que deveria fazer isso. — Acho que

estamos destinados a importunar um ao outro, sempre.


— Apesar de ser um tempero a mais, você está errada, Iandra… — O

olhar dele ficou ainda mais intenso, sua expressão séria. Respirei fundo, e o

maldito perfume de notas marinhas invadiu as minhas narinas, me deixando

embriagada. — Não precisa ser assim. Não precisamos viver trocando

farpas. Somos pessoas civilizadas e maduras, certo?

— Sim, eu acho — disse, mas parecia ter perdido toda a minha


capacidade de raciocinar coerentemente.
— Embora eu não me sinta nada civilizado nesse momento — seu
tom soou ofegante. — Ou melhor, em nenhum minuto dessa noite.

Soltei uma exclamação, que saiu completamente abafada, porque,

puxando meu rosto em direção ao seu, os lábios de Derek cobriram a minha

boca em um selinho. Era um toque suave, mas que foi capaz de me deixar

completamente arrepiada e fazer com que um choque de prazer mexesse

com todas as minhas terminações nervosas.


Meu raciocínio, que já estava confuso, tornou-se um grande caos.

Minhas forças pareciam não existirem mais.

Com um gemido baixo, meu vizinho começou a deslizar suavemente

seus lábios nos meus, moldando-os, testando o nosso encaixe, que parecia

perfeito, enquanto diminuía a pressão dos seus dedos no meu queixo,

passando a acariciar o meu rosto lentamente. Os pelos da sua barba me

arranhavam a cada movimento, intensificando as sensações e os arrepios


que me percorriam.

Para o meu desassossego, com um som baixinho, peguei-me

retribuindo o beijo moroso de reconhecimento, meus dedos

automaticamente enterrando-se nos fios curtos que tocavam nuca, e os

puxei suavemente, incentivando-o a continuar. E, sem hesitar, ele

prosseguiu com a sua exploração. Sem aprofundar o contato, deslizou a


língua pelos meus lábios, provocando uma onda aterradora de desejo que
incidiu diretamente no meu sexo, para depois mordiscá-los. Era uma carícia

delicada e terna, quase inocente, porém muito gostosa.


Derek era muito bom naquilo que estava fazendo e eu me senti

derreter contra o assento de couro. Como eu agradecia por não estar de pé...
Se aqueles selinhos provocavam aquelas fagulhas, meu corpo todo já
antecipava o que sentiria no momento em que sua língua mergulhasse em

mim, com meus lábios se abrindo para recebê-lo em um convite.


Traguei a sua risada com os meus lábios e puxei novamente os fios

curtos com um pouco mais de força quando, depois de deixar pequenas


mordidas, sua língua adentrou a minha boca, tocando cada recanto,

degustando-me lentamente, antes de imprimir intensidade aos seus


movimentos. Nossas línguas deslizavam uma contra a outra; as bocas se
moviam em uma sincronia faminta.

Aquele beijo urgente, que roubava o nosso fôlego, não parecia aplacar
o fogo irracional que nos consumia. Acariciei o seu couro cabeludo e o

provoquei ao lamber o céu da sua boca. Derek grunhiu, um som que me fez
estremecer, ao passo que o calor se tornava cada vez mais intenso. Seus

lábios passaram a esmagar os meus, e não contive vários gemidos ao sentir


seus dedos roçarem na curva do meu pescoço, como se fosse uma pluma.
Presa na espiral de desejo, ansiei que fosse a sua barba a roçar em mim
naquele lugar sensível enquanto seus lábios mordiscavam e deixavam um

rastro úmido pela minha pele.


Porém, quando a mão tocou a curva de um seio, a realidade daquilo

que estávamos fazendo, daquilo que eu estava permitindo, caiu como um


raio sobre mim e eu interrompi o beijo, fazendo com que o meu vizinho

emitisse um som baixo de desagradado pela interrupção; os olhos negros


não escondiam o questionamento. Me desvencilhei do seu contato, e baixei
a mão dele, que estava no meu mamilo, sentindo de imediato a perda do

calor que tinha irradiado através da blusa e da renda do sutiã.


Olhei para frente.

— Por que você fez isso, Derek? — perguntei com a voz


entrecortada.
— Isso o quê, Iandra? — Seu tom era rouco.

Usou a ponta dos dedos para fazer com que eu o encarasse. Deveria
me afastar outra vez, porém eu havia perdido as minhas forças. Notei que o

desejo que antes estava refletido em seus olhos se apagou, transformando-se


em seriedade.

— Hein? — insistiu quando não disse nada.


— Por que você me beijou?
— Por que eu te beijei? — Fitou-me atônito, para logo franzir o

cenho.
— Sim — falei baixo.
— Por desejar fazer isso há muito tempo. — Começou a acariciar
meus lábios com o polegar, que formigaram, ansiando por sentir sua calidez

outra vez. — Desde que a reencontrei. Sabia que querer provar o gosto da
sua boca foi algo que me manteve acordado em algumas noites?

— Derek… — falei o nome dele em meio a um arfar.


Definitivamente, não sabia o que dizer perante as palavras dele, se é
que havia algo a ser dito.

— E agora, eu descobri que cada minuto de espera valeu muito a pena


— continuou. Outra vez ficou sério. — Você não pode negar que me deseja

também. Que retribuiu. Que estava gostando tanto quanto eu.


— Não, não posso mentir, nem mesmo esconder que me deixei levar

pelas sensações que você produziu em mim — sussurrei, tentando manter a


racionalidade enquanto ele continuava a traçar meu lábio superior,
contornando-o com seu dedo —, mas isso não significa que deveríamos ter

nos beijado.
Interrompeu o contato imediatamente ao ouvir as minhas palavras,

sua mão caindo sobre as coxas.


— E por que não deveríamos, Laranjinha? — Tragou o ar com força.
— Somos solteiros, desimpedidos, e o mais importante, queremos.
Neguei com a cabeça. Senti uma pontada de dor no peito ao me
recordar do quanto fui machucada pelos homens por conta de mentiras e
traições. O quanto fui feita de idiota e, o pior, com o meu consentimento.

Me abracei, em um gesto de autoproteção, apesar de saber que de


nada adiantaria.

— O problema sou eu, Derek. — Forcei-me a falar, apesar de um nó


ter se formado na minha garganta. — Não consigo confiar tão facilmente
nas pessoas, principalmente com relação a assuntos amorosos. Você não

sabe o quanto fui machucada. Deus, foram tantas mentiras…

Uma gargalhada amarga, sem querer, escapou pela minha garganta, e


eu me assustei com o som, bem com as lágrimas que se formaram nos meus

olhos.

— Para ter uma ideia — comecei a tagarelar pelos cotovelos, porque

precisava fazê-lo compreender porque nós não podíamos ter nada um com o
outro —, meu último namorado teve a cara de pau de esconder de mim, em

quase um ano de namoro, que ele tinha um filho. Que tipo de mau-caráter é

capaz de ocultar a existência de uma criança? Me recuso a chamar esse ser


de homem.

— Não a julgo. — A voz dele era suave e cheia de ternura. — Isso é

atitude típica de um covarde.


— Sim, e desconfio que houve muito mais coisas que escondeu de

mim, mentiras ...— Não disfarcei o meu rancor. — Isso foi a pedra que
sacramentou a minha desconfiança. Tenho tentado lidar com esses

sentimentos na terapia, mas, infelizmente, não é tão simples e leva tempo.

— Laranjinha… — Interrompi-o, colocando um dedo sobre os seus


lábios.

— Estou ciente de que você não está prometendo nada além de

prazer, Derek — continuei. — Posso parecer louca, mas as minhas

experiências passadas me mostraram que não sou muito boa em separar as


coisas. E, por mais que Ruth diga que eu deva sair, conhecer outras pessoas,

beijar, tenho medo das consequências. De criar expectativas e ser

decepcionada. De acabar me envolvendo e o sentimento ser unilateral.


— Não sou mais o garoto sem responsabilidade emocional que você

conheceu, Iandra. Não sou mais o galinha ou cachorro, chame como quiser,

que posso ver que você imagina que ainda sou. Tento não brincar com os
sentimentos do outro, nem mesmo enganar — disse seriamente. — Há anos

eu passei da fase de ter casos de uma noite. — Fez uma pausa, parecendo

escolher suas palavras. — Sou um cara que sempre procura por um

relacionamento sério.
Não respondi, porque uma vozinha sussurrava na minha cabeça que o

fato de Derek dizer que ele estava em uma vibe mais “sossegada” era
apenas uma artimanha para me levar para cama.

Infelizmente, já tinha sido ludibriada por um papinho similar vindo de

um cara aparentemente gentil, que dizia gostar de mim, que queria me


namorar, mas que, no final das contas, tinha uma lista imensa de

contatinhos. Tinha sido apenas mais uma.

Emiti um suspiro cansado. Sentia-me bastante patética,

principalmente por ser uma mulher moderna, independente


financeiramente, mas que me comportava de maneira infantil em relação ao

sexo. Deveria me jogar sem pensar muito, me divertir, porém tentei uma

vez, mas não consegui.


— Talvez essa ânsia por relacionamento sério seja algo vindo da crise

dos trinta — murmurou, divertido, afastando-me da melancolia que

começava a ser opressora.

Foi natural para mim emitir uma gargalhada. Tinha que agradecer a
ele por dar leveza a um assunto difícil e espinhoso para mim.

— Vejo o que meu irmão tem com a Sybill — prosseguiu em um tom

grave, voltando a ser o homem sério —, eu quero um relacionamento assim


como o deles, estável, saudável, com diálogo, algo bem diferente do que

tive no meu último envolvimento.

Recordei-me do que Ruth, uma leitora ávida de colunas de fofocas,

havia me contado, mesmo que não quisesse saber. Me disse que ele havia
sido traído e que tinha sido bastante magoado pela ex. Porém, isso não

impedia que alguém que foi ferido não acabasse machucando outra pessoa.
Talvez um pedaço de mim ainda o julgava pelo que tinha acontecido no

passado. Tinha visto Derek decepcionar várias garotas, usando-as, até

mesmo destruindo algumas amizades no processo. E embora tenha


percebido algumas mudanças nele nesse pouco tempo de convivência, ainda

era cedo. Cedo demais para ter certeza de que ele não me magoaria. Cedo

demais para confiar plenamente, para me permitir mergulhar de cabeça e

também entregar o meu corpo, para que, no fim, eu não me arrependa até
mesmo de deixá-lo me beijar, de me tocar…

— Pode não parecer, mas eu compreendo suas inseguranças,

Laranjinha — sussurrou.
Seus dedos procuraram os meus. Permiti que ele os entrelaçasse e os

apertasse suavemente.

— Droga, posso parecer um louco por querer planejar um futuro,

ainda mais quando nós nos reencontramos há menos de dois meses, mas me
parece inevitável. Sei que não acredita em mim, já que algumas vezes me

comportei como um babaca, lançando piadinhas e palavras cheias de

conotação sexual que só causaram uma má impressão...


— Só algumas vezes? — Minha sobrancelha se arqueou.
— A maior parte das vezes — admitiu, dando-me aquele meio-sorriso

cachorro que fazia com que eu me sentisse mole. — Eu admiro sua

personalidade, sua força e obstinação, seu humor ácido que eu bem mereci.

Outra risada brotou na minha garganta.


— Fico feliz que reconheça isso — provoquei-o e Derek piscou para

mim.

— Não posso negar que me sinto atraído pelo seu corpo, que eu quero
tocá-lo, beijá-lo, que eu quero fazer amor com você. — Seu tom soou

rouco, repleto de desejo, ânsia que refletiu em seus olhos. Instantaneamente

fui tragada por uma onda de calor que tornava a minha respiração mais

ofegante. — Porra, sendo honesto, nesse exato momento, me sinto louco


para beijar sua boca outra vez, para sentir a suavidade dos seus lábios nos

meus, mas sou homem o suficiente para me controlar, para não te

pressionar.
— Derek… — murmurei.

— Eu gosto de você, Iandra. — Tragou o ar com força. — E é por

isso que respeito o fato de você precisar de um tempo para assimilar tudo.

Que precisamos de mais dias para nos conhecermos melhor, para que você
aceite meus beijos e meu corpo sem nenhum arrependimento.

Apertou a minha mão suavemente, tentando me transmitir segurança.


— Tudo o que peço é que me dê uma chance de mostrar que não sou

mais aquele idiota, que não irei mentir para você como os outros fizeram —
pediu quando eu não disse nada. — Quero que você entenda que pode

confiar em mim e no meu desejo de ter algo sério com você, e que saiba que

não te tocarei ou beijarei se você não quiser.

— Eu não sei, Derek — hesitei, depois de refletir por alguns


segundos.

— Por favor, Laranjinha. — Engoliu em seco. — Podemos ter um

primeiro encontro, o que acha?


— Primeiro encontro? — repeti, abobada.

— Sim. — Uma centelha de esperança cruzou as suas feições. —

Ainda não tivemos um, o jantar de desculpas não conta.


Não respondi de imediato. Com o medo me dominando, minha mente

trabalhava contra mim, emitindo vários sinais vermelhos. Tentei buscar nos

olhos do meu vizinho se estava brincando comigo, mas a única coisa que

pude ver foi expectativa.


— Por que não? — Concordei ao perceber que ninguém além de mim

poderia lidar melhor com a minha desconfiança.

Era clichê, mas verdade. Infelizmente.


Ele soltou o ar que segurava, parecendo aliviado.

— Você não irá se arrepender, Iandra.


— Espero que não. — A frase escapou dos meus lábios antes que
pudesse contê-la.

Derek riu, batendo a cabeça contra o encosto do banco. Sorri por ele

não ter levado a mal a minha sinceridade. Surpreendendo-me, levou as


nossas mãos entrelaçadas aos lábios, repetindo o gesto que ele sempre fazia

com Ruth. O calor dos seus lábios úmidos se espalhou pela minha pele.

— Conquistador — murmurei.
— Cavalheiro. — A comissura dos seus lábios se ergueu, cheias de

diversão. — É diferente.

— Hum… — Dei de ombros, sentindo-os menos tensos.

— Obrigado pela chance. Me fez um homem muito feliz hoje.


— Duvido que você falará isso no futuro.

— Mal posso esperar para falar de novo...

Soltou os meus dedos e eu pousei a mão sobre o meu colo.


Um silêncio caiu sobre nós e ficamos nos encarando.

— Você quer tomar uma taça de vinho comigo, Laranjinha? Charlie


irá adorar uma visita de última hora.
Gargalhei.

— Era isso que você tinha em mente quando falou em termos um


primeiro encontro, Derek? — perguntei em tom de provocação, franzindo o
cenho para ele.
— Não, claro que não!
— Bom saber. — Sorri provocativamente e abri a porta do carro,
sentindo uma brisa fria tocar-me. — Mas acho que eu preciso de um tempo

sozinha essa noite, para refletir sobre tudo, e também pensar na minha
carreira.
— Tudo bem. — Não escondeu a decepção. — Outra noite então?

— Conto com isso. — Pisquei para ele, tentando não o desmotivar


demais, e vi o brilho de satisfação, e até mesmo um pouco de presunção, em
suas feições.

— Te levo até a sua porta.


Assenti, e, pegando a bolsa que estava no chão do carro, deixei o
veículo. Bastou alguns passos e alcançamos a porta da frente da minha casa.

Escutei alguns latidos abafados de Charlie, ele deve ter nos ouvido.
— Então é isso. — Colocou as mãos no bolso e ficou me encarando.
— Parabéns por ter conseguido a vaga e obrigado por ter me incluído na

pequena comemoração.
— Imagina, eu que tenho que te agradecer. Tenha uma boa noite,

Derek.
— Você também. Nos falamos por mensagem?
Concordei com a cabeça. Peguei minha chave dentro da bolsa para

abrir a porta.
— Laranjinha?
— Sim? — Virei-me com rapidez.
— Posso?

Eu não entendi o que ele queria, porém acabei concordando com um


sim dito em voz baixa. Não pensei muito no fato de estar sendo incoerente.

Curvando-se, deixou um beijo doce na minha face, o que me deixou


atônita.
— Até mais.

Fiquei paralisada até que, recobrando os sentidos, entrei em casa e


fechei a porta atrás de mim, trancando-a em seguida.
Foi inevitável não pedir aos céus para que Derek não me machucasse,

pois as chances de me deixar levar por aqueles gestos carinhosos do meu


vizinho eram muito, muito, altas.
Capítulo

— Caralho! Pensei que essa reunião não iria terminar nunca! —


Marshall bufou, removendo o blazer do terno com uma careta, o ajeitando

sobre o encosto antes de se sentar na cadeira presidencial. — Morgan fala


demais.

Ri da cara do meu irmão enquanto esparramava-me no assento em

frente ao dele. Era um gesto displicente, mas como estávamos a sós no


escritório, não me importei. Tinham sido quase duas horas e meia de

negociação e, depois de ter dado uma aula pela manhã, eu estava exausto.
Não que fosse algo comum a minha participação nesses encontros, mas, vez

ou outra, Shall me intimava, já que alguns clientes ou até mesmo


fornecedores achavam que eu era mais flexível do que o meu irmão, o que

em partes era verdade.


Marshall era aquilo que chamavam de tubarão corporativo, e eu o

agradecia por isso.

Meu irmão era o responsável por elevar a U.S.A. Plastic ao patamar


que ela tinha hoje e que estava em plena expansão.

— Você, o grande Marshall Sommerfeld, reclamando depois de

fechar um contrato milionário? O que aconteceu com o meu irmão? —


disse para irritá-lo.

Grunhiu, caindo na minha pilhéria.

— O pobre coitado do seu irmão tem outra reunião daqui a pouco. —


Foi irônico e emitiu um som cansado. — E está doido para beijar a linda

esposa, que está há mais de oito horas sem tocar.


— Posso compreender a razão de você estar tão irritado. — Me

compadeci dele.

— Porra, é um inferno! — Afrouxou a gravata como se a peça o

sufocasse.

— Por que não desmarca e vai para casa? — sugeri.

— Infelizmente é um compromisso que não posso mais adiar. — Fez


uma pausa e vi os olhos escuros dele brilharem, um sorriso de provocação
transformando suas feições cansadas. — Sua presença será mais do que
bem-vinda, sabia?

Estremeci.

— Infelizmente, tenho planos para a noite e não poderei…

Automaticamente, sorri ao recordar que, depois de terem se passado

quase duas semanas em que conversamos sobre nós dentro do meu carro,

finalmente eu teria o meu primeiro encontro com a Laranjinha.


Infelizmente, por conta do trabalho, não conseguíamos conciliar

nossas agendas, ou simplesmente estávamos cansados demais para sair.

Durante esse tempo, trocamos mensagens, fizemos algumas refeições

juntos, assistimos filmes com o crush cinematográfico dela, ou apenas

ficamos conversando sobre assuntos aleatórios, mesmo assim, ainda havia

muito mais para sabermos um do outro. Mas tinha que confessar que não

estávamos exatamente a sós, pois sempre havia um animalzinho se


colocando entre nós. Para o meu desgosto, Charlie parecia ter preferência

pela Iandra, talvez porque ela o adulava, enchendo-o de carinhos, afagos e

beijinhos, além de encher a barriga dele de petiscos. Foram várias as vezes

que ela me chamou de invejoso e implicante, argumentando que o

cachorrinho somente deixava o ambiente mais descontraído. Não podia

negar que aquele diabinho a fazia rir com suas lambidas, patadas e latidos
fora de hora.
Um friozinho surgiu no meu estômago, melhor, parecia que várias

borboletas estavam batendo suas asas dentro de mim, com a expectativa de


sermos só nós dois essa noite. Incrível!

— Maldito sortudo! — Seu tom era divertido e me trouxe de volta


para a realidade. — Você nem mesmo consegue disfarçar qual tipo de
compromisso você terá.

— Não, não consigo. — Falei suavemente — Iremos a um concerto


de música que acontecerá no parque próximo a nossa casa. Mas não

acontecerá nada, pelo menos não o que você imagina.


— Ainda não a beijou novamente? — Encarou-me com curiosidade.

Balancei a cabeça em negativa.


— Prometi a ela que iria devagar, e eu irei, Shall. — Emiti um
suspiro, passando a mão pelos meus cabelos curtos, e o desabafo saiu pelos

meus lábios: — Por mais que tenha sido bastante difícil para mim não a
tocar, nem beijar sua boca, não passar os meus dedos naqueles fios macios,

não poder inspirar o perfume diretamente da sua pele... Porra, Marshall, não
sabe o quanto estou ficando insano com isso.

— Posso imaginar, Derek. — Foi a vez de ele ser solidário a mim. —


Se não se lembra, ter Sybill para mim foi tão complicado quanto.
Recordei o quão tinha sido difícil para o meu irmão convencer o pai

dela, um iraniano conservador, que veio com a sua família para tentar uma
vida melhor nos Estados Unidos há décadas atrás, a aceitar que um homem

ocidental cortejasse a sua filha e se casasse com ela.


— Não me arrependo de ter esperado, por mais angustiante que tenha

sido — murmurou ternamente, e seus olhos brilharam. Eu vi neles o amor


que sentia pela sua esposa.

Sorri.
— Eu também não me arrependo — sussurrei. — A cada dia que
passa, eu fico mais apaixonado pela Laranjinha, pela mulher fantástica e

incrível que ela é.


— Fico feliz que esteja se apaixonando outra vez, Derek. — Deu um

sorriso torto. — Estou na torcida para que ela seja a pessoa certa para você.
— De alguma forma, sinto que ela é. — Provavelmente eu tinha uma
expressão abobalhada na face. — Caralho, se eu fosse Laranjinha teria

medo das minhas intenções.


Arranquei uma risada do meu irmão com essa fala, e acabei caindo na

gargalhada também.
— O sonho da vovó era ver nós dois casados — Shall falou em um

tom sério, saudoso.


Eu senti aquela pontada de dor que sempre me invadia quando eu
pensava nela e no quanto ela dizia que queria bisnetos. E eu queria, de

verdade, realizar a vontade dela, por que o novo Derek, aquele que precisou
se tornar homem de uma hora para a outra, que largou a vida de playboy,
deixando de jogar a vida fora com bebidas e más companhias, passou a
desejar se assentar e compartilhar a vida com alguém. Porém, não foi

possível, não tivemos tempo. Ela não viu nenhum de nós casando, tendo
filhos... Charlie não contava para ela.

— Sim, era — murmurei em delay.


— Vovó teria adorado a doçura da minha Sybill e a personalidade
forte da sua Iandra — emitiu um som baixo, melancólico.

— Laranjinha não é minha — retruquei.


Os lábios de Shall se curvaram para cima, tornando sua expressão

antes triste, em algo diabólico.


— Mas ela será — soou convicto —, afinal, você é um Sommerfeld.

Arqueei a sobrancelha para ele, em mudo questionamento.


— Não somos nós conhecidos pela nossa obstinação? Por conseguir o
que desejamos? — Foi irônico.

— Quanto cinismo! — Fiz um som de desdém. — Deixe só a sua


esposa te escutar falando assim.

— Conto com o seu silêncio, Derek.


Estremeceu, como se estivesse dominado pelo pavor, e gargalhamos.
Estávamos tão distraídos que nós dois tomamos um susto com o ramal dele

tocando.
— Não vai atender? — Apontei para o aparelho.
— Certo. — Pareceu contrariado, mas tirou o telefone do gancho. —
Sim?

Ficou em silêncio, apenas ouvindo, e o cenho dele se franziu; ficou


claramente irritado.

— Peça para ele me aguardar na linha por dois minutos — pediu e


apertou o botão de mute.
— Algum problema grave?

— Não muito, mas ainda me dará uma bela dor de cabeça. — Sua voz

soou fria. Nesse momento, ele não era mais o meu irmão, mas, sim, o
empresário. — Mas não é nada com que você deva se preocupar. Não é

sobre nenhuma das empresas que pertencem ao rol dos seus investimentos.

— Fico aliviado — falei e me ergui. — Vou indo nessa, mano. Não

irei te atrapalhar mais.


— Obrigado por entender, cara.

Deixou sua cadeira e veio me dar um meio abraço. Dei vários tapas

nas suas costas.


— Você deveria tentar flores, Derek — disse ao voltar a se sentar.

Arqueei a sobrancelha perante o conselho amoroso de Shall, algo que

não havia pedido.


— Não vejo a Laranjinha gostando de receber flores.
— Perguntou a ela se gosta ou não? — Foi arrogante.

— Não, mas…
— Só sugeri porque funcionou para mim. — Suavizou o tom. —

Nunca se sabe, não é mesmo?

— Verdade.
Não tive tempo para falar mais nada, pois toda a sua atenção estava

novamente voltada para o telefonema que tinha recebido.

Acenei em despedida para ele, mas acho que não viu, então tomei o

rumo do elevador particular que ele tinha no escritório. Quando as portas se


fecharam atrás de mim, deixei-me envolver pelos meus próprios assuntos, e

aquelas borboletas que haviam surgido na boca do meu estômago

retornaram com força.


Outra vez, achei incrível o fato daquela mulher ser capaz de produzir

essas sensações em mim, algo que nunca havia sentido antes e que, apesar

de ser uma experiência nova, não era desagradável. Fiquei ainda mais
determinado em aproveitá-la ao máximo.
Capítulo

— São lindas, Derek — disse. Parecia ofegante, como se tivesse


caminhado depressa, e levou o buquê, com rosas brancas, cravos rosas e
lírios também rosas, ao nariz, inspirando o perfume, e abriu um sorriso que

me pareceu o mais belo de todos. Ou talvez, seja o meu lado apaixonado

falando.
— Não sabe o quanto me alivia saber que não odiou. — Segurando a
alça da cesta, deixei um beijo em seu rosto, que automaticamente ela tinha
virado para mim, como se já esperasse.

Algo dentro de mim vibrou, considerando aquele gesto como um


pequeno avanço.
Não sabia o que tinha dado na minha cabeça para seguir a sugestão do
meu irmão, mas, em um impulso, acabei passando em uma floricultura. Da
escolha das flores até mesmo a expectativa para saber o que Iandra acharia,

eu era puro nervosismo.


— Por que não gostaria? — Era uma pergunta sincera. — São as
primeiras flores que recebo de alguém.
— Sério?
— Acho que devem me julgar ácida demais para receber um presente

tão delicado e até mesmo romântico. — Voltou a cheirar o ramalhete. Me


senti sem graça por ter tido essa ideia errônea. — Então, eu amei.
Uma risada baixa, sensual, ecoou na noite, e o som rivalizou com a
música romântica do concerto. Como sempre acontecia, senti vontade de

tragar sua gargalhada para mim, beijando aqueles lábios sorridentes.


— Acho que Ruth morreria de inveja de mim pelo tamanho desse
buquê, dessas rosas — continuou, risonha.
Acabei sorrindo perante a empolgação dela.
— Vamos, Derek? — segurou o seu presente com um só braço. —
Estamos perdendo o show e não sabe o quanto estou me sentindo mal por ter
me atrasado tanto no primeiro encontro.

— Hey, não precisa se sentir assim, Laranjinha — toquei seu rosto


com a minha mão livre e a acariciei, contendo um gemido ao sentir a maciez
da sua pele contra a minha —, acontece com qualquer um.

Não cabia a mim julgá-la por continuar trabalhando em excesso. Eu


não era parâmetro, já que, muitas vezes, precisava dedicar-me muito mais do
que a minha carga horária semanal para preparar minhas aulas e produzir
artigos, pareceres e participar de outras atividades extracurriculares.
— Acho que velhos hábitos são difíceis de mudar — espelhou os meus
pensamentos, mordendo os lábios de um jeito que me pareceu extremamente
provocante.
— Mas não é impossível…
Dei um sorriso torto.

— Quem sabe... — retribuiu. — Vamos andando, Derek. Além de


querer saber o que tem de gostoso nessa cesta, realmente não quero chegar
no fim da apresentação.
Surpreendendo-me, segurou a minha mão e começou a andar. E nesse
instante eu tive a certeza de que queria caminhar assim com ela para sempre,
como se fôssemos um casal.
Um suspiro escapou pelos meus lábios, mas não temi em como seria
interpretado por ela. Não esconderia meus sentimentos, nem mesmo o modo
como ela me afetava.

— Ainda está só no começo, Laranjinha, não se atrasou tanto assim.


— Fiz uma pausa dramática e usei um tom arrogante: — E mesmo que
estivesse no fim, pagaria para que eles se apresentassem novamente. Se
quiser, posso conseguir que eles fiquem a madrugada inteira tocando para
nós.
Ela estacou.
— Não faria uma coisa dessas — sua voz soou estridente; ela parecia
incrédula.
Dei de ombros.
— Talvez não por tantas horas assim, já que não seria tão desumano a
esse ponto — falei com mais suavidade. — Mas estender um pouco mais,
não creio que seria um problema.
Voltamos a caminhar e, rapidamente, encontramos um lugar para nós
debaixo de uma árvore, que era próximo o suficiente de um poste, o que nos
deixava à meia-luz, mas também um pouco afastado de alguns casais e
famílias que se divertiam por ali, principalmente de umas crianças que

corriam no gramado.
— Não será necessário chegar a esse ponto — disse ela enquanto eu
abria a cesta para tirar uma toalha lá de dentro. — Seria um exagero. Daqui a
pouco você vem com a ideia de fechar o parque inteiro para nós.
— Não é que gostei disso? — provoquei-a, estendendo o tecido sobre
a grama. — Pena que não pensei nisso antes. Seria bem romântico e
impressionável.
— Derek! — repreendeu-me, crispando os lábios.
Gargalhei.
— Não tenho culpa de ter gostado e muito da sua sugestão — meu tom
era empolgado —, eu me tornaria o homem do ano pelo meu romantismo.
A careta dela foi cômica. Ela se sentou, colocando o buquê ao lado.
Inconscientemente, acariciou as pétalas. Engoli um gemido baixinho ao
imaginá-la usando a ponta do dedo para acariciar-me. Droga.
— No futuro, me lembre de guardar minhas ideias só para mim —
falou acidamente.
Emiti um muxoxo, e comecei a remover as coisas de dentro da cesta.
— Lembrarei — murmurei. — Ou não.
— Derek! — Deu outro gritinho de indignação.
Abri a garrafa de vinho com o abridor eletrônico.
— Me acompanha? — Servi uma taça e estiquei para ela.

— Obrigada. — Bebericou o líquido e eu coloquei três dedos para


mim. — Como sempre, de muito bom gosto.
Tomando cuidado com a comida espalhada em cima da toalha,
encontrei um lugarzinho para mim ao lado dela, e sorri como um bobalhão
quando ela tombou a cabeça sobre o meu ombro e olhou para o palco onde
uma banda tocava uma melodia romântica.
Passei um braço em torno dela e a puxei mais de encontro a mim,
aninhando-a em meus braços. Um suspiro de contentamento escapou pelos
lábios provocantes; a mesma satisfação que ela parecia sentir me dominou.
Levei a taça aos lábios e tomei um gole, fazendo uma careta.
— Se você gosta de vinho meio quente — falei em delay.
Ela riu.
— Quente ou gelado, não existe vinho ruim, Derek.
Ergueu o rosto e eu baixei o meu. Nossos lábios ficaram tão próximos,
que senti uma gotinha de suor deslizar pelas minhas costas mesmo que a
brisa estivesse fresca, pelo esforço que fiz para não a beijar.
Cacete. Estava ficando cada vez mais difícil cumprir a minha
promessa. O desejo visceral que sentia pela Laranjinha minava toda a minha
determinação em me manter “comportado” perto dela, e sentia que estava

perdendo a pouca força que ainda me restava para resistir e não colocar tudo
a perder.
Abracei-a com mais força e fechei os olhos para não cometer uma
besteira.
— Sou obrigado a discordar. — Minha voz saiu rouca e fiz uma careta
de zombaria quando finalmente retruquei. — Duvido muito que você diria
isso depois de provar o “vinho” que eu e Shall tentamos fazer uma vez.
— Vocês eram crianças?
— Pré-adolescentes... melhor, eu era, já que meu irmão é quatro anos
mais velho. Mas imagine uma bebida horrível pra caramba. Não sei como
vovó não passou mal depois de tomar um cálice.
— Era tão ruim assim? — Ela parecia risonha.
— Além de aguado. Parecia que estávamos bebendo vinagre.
— Eca. — O narizinho dela se franziu. — Até perdi a vontade de
beber esse.
Contrariando a fala, levou a sua taça à boca e tomou um gole

generoso.
Suprimi uma risada. Fincando um palito em uma fatia de salame, levei

aos lábios dela, que não hesitou em morder um pedaço, então comi o
restante.

Em meio a várias músicas mais do que românticas, perguntamos como


foi o dia um do outro, e descobri que o motivo do atraso dela era uma ideia

que teve de última hora, o que exigiu que ela fizesse várias modificações na
pesquisa de público que seria feita com algumas crianças em breve.

Continuamos conversando sobre bobagens, bebemos, comemos.


Vez ou outra, me pegava admirando Laranjinha por minutos a fio,

incansavelmente, gravando a imagem dela na minha memória,


principalmente a alegria simples dela em poder remover os sapatos e pisar na

grama, mesmo que os pés tivessem ficado completamente sujos.


Quem me olhasse, não teria dúvidas de que eu estava apaixonado.
Não me julgava por estar indo depressa, somente saboreava o fato de

me sentir assim novamente, suspirando, com o coração acelerado e

totalmente enfeitiçado.
Estava tão envolvido naquele encontro, que não tinha muito de

convencional, que a decepção me invadiu ao saber que eram as últimas


músicas que a banda tocaria. A noite tinha passado depressa demais e não

queria que ela acabasse.


Ergui-me e estiquei o braço na direção dela, em um pedido silencioso.

— Derek? — Colocou a mão sobre a minha e eu a ajudei a se levantar.


Trouxe-a em direção a mim e colei nossos corpos, então ela espalmou

as mãos em meus ombros. Baixei a cabeça e vi que Laranjinha me observava


com curiosidade. Mesmo que ela fosse mais alta que a maioria das mulheres,

Iandra ainda era muito frágil se comparada a mim, mas perfeita para se
encaixar em meus braços.

— Não podemos terminar a noite sem dançarmos nenhuma música,


Laranjinha — murmurei.

— Eu já te disse que sou uma péssima dançarina? Provavelmente,


acabarei machucando os seus pés.

— Posso sobreviver a esse massacre, Laranjinha — não escondi a


minha diversão e ela bufou.
Não dissemos mais nada, então comecei a me mover com pequenos

movimentos quando uma nova melodia lenta e bem romântica ecoou. Ela
pousou o topo da cabeça debaixo do meu queixo, abraçando-me de volta.

Éramos, de fato, um desastre dançando, porém nenhum de nós pareceu se

importar, não quando estávamos tão próximos, que podíamos sentir o calor
um do outro, com as estrelas lançando sua luz sobre nossas cabeças e nossos

corações batendo num mesmo ritmo. Em algum momento, paramos de dar


passos de um lado para o outro, para trás e para frente, e encaramos um ao

outro. Não havia nada além daquela conexão que crepitava entre nós, bem
como a percepção do que causávamos um no outro.

— Derek?
Seus lábios se entreabriram, convidando-me a prová-los outra vez.

— Posso? — pedi, não conseguindo mais me controlar.


Gemi quando a resposta dela foi ficar nas pontas dos pés e roçar sua

boca na minha, me provocando. Um arrepio percorreu toda a minha coluna,


e eu estremeci com aquele contato.

Com o fio que me prendia a racionalidade se rompendo,


possessivamente apliquei mais pressão na sua lombar, querendo que nos

fundíssemos mesmo que estivéssemos vestidos. Um som gutural saiu de


mim ao sentir os seios macios ficarem achatados contra o meu peitoral
rígido, e eu esmaguei seus lábios em um beijo sôfrego, extravasando o
desejo reprimido há muito guardado.

Eu tinha pressa em meus movimentos, necessitando senti-la, embora

tentasse não aprofundar muito o beijo. Ainda não.


Eu ofegava, gemia, a tocava sem cerimônia, minhas mãos passeando

por toda a linha da coluna, pelas curvas suaves do seu quadril e cintura.
Sentia a excitação correr velozmente pelas minhas veias, e só o fato de estar

em um espaço público me fazia tentar controlar a ereção que queria


despontar com apenas um beijo. Meu corpo estava tenso, meu abdômen

retraído contra o dela que, inconscientemente, se arqueava contra o meu,


parecendo que estávamos na mesma sintonia, e isso alimentou ainda mais o

meu desejo por ela. Não me recordava se alguma vez nos últimos tempos já
tinha tido tanta dificuldade assim para lidar com os impulsos do meu corpo.

Ou talvez fosse apenas aquela mulher de cabelos ruivos, como o fogo, que
despertava aquele desespero em mim. Ela me queimava, me incinerava, me

marcava com o seu beijo abrasador e com o calor das suas palmas tocando
os músculos dos meus braços.

Apertei-a ainda mais, e quando meus lábios deslizaram pelos dela, ela
enlaçou o meu pescoço e me puxou, aproximando nossos corpos ainda mais.

Suspirou e tomou a iniciativa, usando a ponta da língua para fazer com que
eu abrisse mais meus lábios para ela. Faminto pela minha Laranjinha, deixei
que ela mergulhasse na minha boca, tocasse cada cantinho, explorando-me

com calma enquanto tomava cuidado para que nossos dentes não se

chocassem. Com outro grunhido, infiltrei meus dedos nos seus cabelos soltos
e, segurando-a pela nuca, ajudei-a com o nosso encaixe, deliciando-me ao

sentir os fios macios sob meu tato.


Quando perdemos o fôlego, ela deixou uma série de selinhos enquanto

tragava ar e, não querendo me afastar por muito tempo, voltei a beijá-la,


dessa vez imprimindo um ritmo muito mais voraz, enquanto o gosto dela,

misturado ao vinho que havia tomado, embriagava os meus sentidos.


Não hesitava em demonstrar com a minha boca o quanto eu a queria, o

quanto estava louco por ela, mas a salva de palmas, indicando o fim da
apresentação, me trouxe para a realidade de onde estávamos e que, um

pouco mais, cruzaríamos a barreira do que era apropriado. Confesso que


também tive uma pontinha de receio dela se arrepender se “chocássemos” as

pessoas ao nosso redor.


Adotei um ritmo mais lento e, depois de deixar vários beijinhos nos

lábios entreabertos, plantei um beijo na sua testa, fazendo com que ela
olhasse para mim. Mesmo na penumbra, não vi arrependimento na sua

expressão, o que me deu algum alívio, um conforto que nem sabia que
precisava.

— Foi bom… — falei, ofegante.


Segurei o rosto dela em concha, usando a ponta dos dedos para
acariciar as bochechas dela, que sem dúvida estavam coradas.

— Sim.

Sorri com sua fala.


— Com a prática, ficará ainda melhor, Laranjinha — provoquei-a.

— Seu cachorro safado!


Bateu no meu peito, fingindo-se de brava, e cedi a gargalhada. Estava

eufórico demais; a energia do beijo ainda fluía por todas as minhas


extremidades. Tive que me segurar para não a deitar sobre a grama e rolar

com ela, até que seu corpo ficasse debaixo do meu, e eu capturasse
novamente seus lábios em um beijo exigente que nos deixasse bambos e

ofegantes.
A abracei, prendendo-a com força contra mim, meus braços parecendo

duas barras de ferro.


— Vai me dizer que é completamente avessa ao meu lado sem-

vergonha? — sussurrei a pergunta na orelha dela e respirei fundo, inalando


seu perfume cítrico e também o cheiro suave do seu xampu.

Gargalhei roucamente ao sentir que ela estremecia contra mim e


contive o desejo de tomar o lóbulo pequeno entre os meus dentes. Eu estava

curioso para descobrir todas as suas reações a mim, porém apenas deslizei

minha palma pelos seus braços, acariciando-a, esperando uma resposta.


— Hein? — Sorri quando outro calafrio a percorreu.

— Não — falou baixinho, e foi a minha vez de tremer quando ela usou

o indicador para traçar a linha do meu pescoço. Meu pomo de Adão subiu e
desceu com o engolir em seco. — Desde que você seja apenas safado e

cachorro comigo, Derek…


Meu corpo vibrou com a ânsia que se apoderava de cada centímetro do

meu corpo.
— Eu tenho toda a intenção de ser safado e cachorro, Laranjinha —

imprimi o máximo de segurança possível a minha voz, querendo que ela


acreditasse em minhas palavras —, somente com você, e com nenhuma

outra.
Encarou-me por um bom tempo e, mesmo na penumbra, pude perceber

que ainda havia hesitação e desconfiança. Apesar da pontada de dor que me


causava ver a dúvida nela, sabia que duas semanas era pouco tempo para

construir algo mais sólido. Sabia que apenas desejo não conseguia sustentar
uma relação, mas estava certo de que queria algo mais sério com ela.
— Acho que daqui alguns minutos o parque está fechando —

comentou, continuando a me acarinhar, afastando aquele assunto espinhoso.


Emiti muxoxo e tracei círculos lentos pelas suas costas.
— Não queria que a noite acabasse. — Inspirei fundo e adotei uma

expressão pensativa, para logo sorrir. — Será que, com algumas ligações, eu
consigo fazer com que mantenham o parque aberto?
— Deus, isso de novo, Derek? Não! — Bufou, exasperada.

Desfazendo-se do meu abraço, tentou me empurrar, mas não conseguiu me


mover um centímetro sequer. — Só se você quiser ficar sozinho.
— Não precisa chegar a tanto, Laranjinha. — Puxei-a pelo braço e
deixei um selinho em seus lábios, para depois dar uma batidinha no pequeno

aro que enfeitava o narizinho arrebitado. — Estou apenas brincando, menos


na parte de que queria que o tempo não tivesse passado tão depressa.
Sorriu. Coloquei uma mecha do cabelo dela que caiu sobre o rosto
atrás da sua orelha.

— Acho que eu tenho que te convidar para um primeiro encontro —


murmurei.
Franziu levemente o cenho.
— Estamos tendo o nosso primeiro encontro agora — retrucou,

continuando a passar o dedo sobre a minha pele.


— Acho que, para mim, todos serão primeiros, pois todos eles serão
diferentes um do outro e tão mágicos como esse.
— Tirou essa ideia do último filme que assistimos? Confesso que não

sou muito fã daquele filme, nem do humor, e muito menos do mocinho, que
está longe de fazer com que a gente suspire, apesar que, tenho que
reconhecer, as atitudes dele não são de todas ruins.
Fiz uma careta.
— Eu não preciso copiar nada. É apenas o que sinto.
— Que brega, Derek. — Fez uma pausa, infiltrando seus dedos nos

meus cabelos curtos. Supunha que seus olhos verdes brilhavam. — Mas eu
gosto desse seu lado cheio de breguice.
— Acho que já te falei que você ainda não viu nada?
— Hm.

Me puxou para um beijo lento, em que nossas bocas voltaram a


explorar uma à outra antes que nossas línguas se encontrassem em um bailar
sensual e moroso, que arrancava de nós gemidos e suspiros. Tudo para mim
ficava mais intenso por saber que tinha sido ela quem tinha tomado a

iniciativa pela segunda vez, mesmo que ainda estivesse insegura em relação
a nós dois.
— Temos que ir. — Ela estava ofegante.
— Tá. — Soltei-a a contragosto e começamos a recolher as coisas,

guardando tudo na cesta.


— Você sabe que a nossa noite não precisa terminar aqui, não é
mesmo?
Estaquei, quase deixando a taça em minha mão cair, e um sorriso lento

e perverso surgiu em meus lábios, ao passo que várias imagens lascivas que
envolviam beijos, toques e corpos nus invadiam a minha mente.
— Hey, calma lá, cachorro. — Fez um som de reprovação. — Estava

apenas pensando em vermos um filme juntos.


— Ah! — Novo muxoxo escapou de meus lábios. — Para mim parece
ótimo, desde que eu escolha o que vamos assistir.

— Que seria?
— Titanic, versão estendida. Que tal?
— Deus! — soltou — Vamos logo, antes que eu desista.
Gargalhando, apressei-me em dobrar a toalha, melhor, embolei-a de

qualquer jeito e a joguei dentro da cesta. Conhecendo Iandra, sabia que, se


demorasse, ela poderia voltar atrás, e eu não podia correr o risco de perder a
chance de passar as mais de três horas e quatorze minutos, duração do filme
que escolhi, ao lado dela.

— Essa é a minha parte favorita — sussurrei, malicioso, quando a


cena do Jack pintando Rose nua apareceu na tela.
Não obtive nenhuma resposta, nem de Charlie, que dormia em uma

poltrona, nem mesmo da mulher que estava alojada em meus braços, sua
cabeça apoiada no meu peito. Olhei para a face delicada, admirando as
sardinhas que salpicavam sua pele, encontrando os olhos dela fechados e

seus lábios, um pouco mais vermelhos do que o normal pelos beijos que
havíamos trocados não só durante a nossa volta mas também naquele mesmo
sofá, entreabertos.
Engoli uma risada enquanto a contemplava. Ela havia dormido. De

tédio, sem dúvidas.


Deixei um beijo no topo da sua cabeça e, aninhando-a ainda mais em
mim, não prestei mais atenção no Titanic. Olhar para aquela mulher
dormindo em meus braços pela segunda vez me era muito mais irresistível.

E foi com aquela visão dela que, mesmo sem jeito, acabei pegando no sono
também.
Capítulo

Olhei para o buraco a alguns metros de distância, tentando calcular a


força que eu deveria usar para atingi-lo com uma única tacada, porém, por
mais que tentasse, eu não conseguia me concentrar, nem mesmo me animar

com a perspectiva de percorrer mais três buracos.

A dor da ausência era como uma faca cravada no meu peito e, mesmo
que tenha se passado três anos, saber que minha vovó não estava mais aqui
para comemorar outro ano de vida jogando golfe me dilacerava. Por mais
que eu e Shall tentássemos ressignificar essa data, mantendo aquela tradição,

que havia sido quebrada pelos vários tratamentos seguidos contra o câncer,
era extremamente difícil não desabar, não me fechar dentro de mim mesmo.
Posicionando os meus pés corretamente, balancei o meu braço e,
imprimindo mais força do que necessário, fiz com que a cabeça do taco

batesse no tee[11], derrubando-o juntamente com a bola.


— Acho que é melhor pararmos por hoje, Derek. — Senti a mão do
meu irmão pousar sobre o meu ombro, e encarei seu rosto, também

transfigurado pela dor. — Eu não estou a fim de jogar também. Nós dois
estamos envergonhando a vovó a cada tacada.
Anui em concordância, guardando o taco na bolsa enquanto o Shall
pegava a bola e o tee.
— Será que um dia irá parar de doer tanto? — murmurei, olhando para

o gramado verde bem aparado, que evocava várias lembranças,


principalmente pela cor ser bem parecida com a dos olhos dela, olhos que
sempre apresentavam animação, mesmo quando ela parecia estar perdendo
as forças para continuar lutando. Custei a conter as lágrimas ao pensar no
quanto aquela mulher tinha sido forte até o seu último suspiro.
— Não sei. — Sua voz era baixa, melancólica. Com a visão periférica,
vi que meu irmão olhava para a mesma direção que eu. — Ela era nossa avó,

mas Mathy fez o papel de mãe. Vovó era a nossa mãe no sentido completo
da palavra, então acho que será uma ferida que nunca se fechará.
Não respondi, apenas respirei fundo, sentindo uma onda de aflição,
angústia e vazio me invadir. Eu não conseguia lidar com aquela dor
pungente, que tinha a capacidade de adormecer por algum tempo,

permitindo-nos tentar alcançar um grau de felicidade e estabilidade, apenas


para voltar com toda fúria, tendo como gatilho uma pequena coisa ou
lembranças, até mesmo por ações do cotidiano. Apesar que eu intuía que o
torpor da dor não passava de uma sensação, já que ela sempre estaria ali, em
menor ou maior proporção.
Outro som de aflição escapou pela minha garganta. Em silêncio,
caminhamos até o carrinho e, depois de colocar nossas coisas na parte de
trás, Shall assumiu o volante.
O trajeto, que muitas vezes me era agradável, não o foi. Meu estômago

revirava com o trepidar do veículo.


— Vamos para a minha casa, mano? — Shall perguntou em tom baixo
quando estacionou o carrinho.
Por mais apertada que a agenda do meu irmão fosse, nessa data,
Marshall cancelava todos os seus compromissos e não pisava no escritório
até a manhã seguinte.
Diferentemente de mim, o dia dele era todo dedicado a Mathy. E vovó
adorava ser paparicada pelo seu neto mais velho. Não que eu não tivesse a
adulado também, mas, vez ou outra, não podia remarcar reuniões, aulas,

provas e trabalhos.
— Não precisa passar o dia sozinho, sofrendo em silêncio, como nos
últimos dois anos. — continuou quando não respondi, e eu observei sua
expressão pensativa. — Sabe que não é culpa sua, não é?
Dei um sorriso amargo em resposta. Já havíamos tido essa conversa
antes e ela não levava a lugar nenhum. Poderia não ter sido minha culpa,
mas poderia ter agido de outra maneira. Tinha sido um grande filho da puta,
um revoltadinho, e não dei o apoio inicial que ela precisava. Talvez fosse por
isso que eu sentia aquela dor enorme, pois junto com ela vinha a culpa e o
remorso.
Meu irmão balançou a cabeça, parecendo ficar frustrado consigo
mesmo, e voltou a tocar o meu ombro, deixando tapinhas.
— Temos um ao outro — não insistiu no assunto, indo por outro
caminho. — E Sybill disse que você tem a amizade dela também.
Realmente agradeci por Shall não dizer o velho clichê “ela não

gostaria que você se culpasse”, pois estava mais do que ciente de que se
estivesse viva, Mathy teria me dado uns puxões de orelha. Quis rir com o
pensamento.
— Eu sei que tenho vocês dois e que são a minha família —
murmurei, saindo do carrinho.
Coloquei a bolsa com os tacos nas minhas costas, e vi meu irmão
deixar o veículo também, pegando suas coisas.
— E sou bastante grato por ter vocês.
— O contrário também é verdadeiro, principalmente para minha
esposa — falou baixo, suspirando profundamente, quando parou na minha
frente. — E então? Vamos?
— Infelizmente não posso, mano…
Balancei a cabeça em negativa, sentindo-me desanimado com o dia
que tinha pela frente. Tudo o que eu desejava era que o tempo passasse
rápido, como se isso pudesse mitigar a tristeza e a angústia.
— Tenho duas aulas para dar no final da tarde e uma pilha de resenhas
críticas para corrigir e lançar no diário de notas — completei. — Só irei
tomar uma ducha rápida no vestiário e vou direto para a faculdade.
Shall fez uma careta.
— Uma pena.
— Infelizmente, faz parte da vida adulta. — Dei um sorriso sem graça,

dando tapinhas em seu ombro.


— Sim. — Seu tom era de resignação. — Vou indo nessa então. Sibyll
está me esperando e, porra, quero passar o dia inteiro abraçado a ela e ao
meu bebê.
Em meio aos sentimentos conflituosos e dolorosos, uma fisgada de
inveja me pegou, principalmente quando a vontade de largar tudo e ir
abraçar a Laranjinha, ficar o dia inteiro com ela me fazendo cafuné, me
massacrou. Mas não podia e, também, ela estava ocupada com uma série de
compromissos de trabalho.
— Vai lá, mano — incentivei-o com várias batidas nos ombros.
Ele não respondeu, apenas me abraçou com força, e as lágrimas
voltaram a se acumular com força. Apliquei a mesma intensidade em
resposta.
— Eu te amo, irmão. — Seu tom era melancólico.
— Também te amo, Shall — respondi.
Não tínhamos medo de dizer em voz alta nossos sentimentos.
— Você ficará bem? — Encarou-me com seriedade.
Assenti, mas não tendo essa certeza.
— Te vejo no final de semana?
— Provavelmente. — Dei de ombros, sentindo-os tensos.

— Tudo bem.
Foi a vez de ele concordar e, com uma última despedida, se afastou de
mim. Eu fiquei parado no lugar, observando-o, até que ele sumisse do campo
da minha visão. Suspirei dolorosamente, pela milésima vez no dia, e passei
uma mão pelos cabelos curtos enquanto meus dedos automaticamente
buscavam meu aparelho celular no bolso da calça e abria uma foto minha
com Charlie e Laranjinha, que parecia exalar alegria.
Suprimindo a vontade de ser afagado por ela, encontrando consolo em
seus braços, caminhei para o vestiário. Minha vontade não prevaleceria.

— Realizem a leitura do capítulo “O costureiro e sua grife”.[12] —


Ouvi alguém emitir um gemido. — Teremos um debate avaliativo na

próxima aula.
Mais burburinho, porém não dei importância se meus alunos gostavam

ou não.

Estava esgotado demais e tudo o que mais queria era ir para casa, ou
melhor, para casa da Laranjinha, e abraçá-la com força, tentando fazer com

que a pressão dolorosa que eu sentia durante aquelas horas infindáveis


diminuísse.

— Quem ainda não enviou a resenha crítica, lembre-se que o prazo é


até meia-noite de hoje. — Olhei para os meus alunos e completei: — Estão

dispensados.
Alguns mais do que depressa deixaram a sala sem dizer uma palavra

enquanto eu desligava o projetor, outros, mais amigáveis, se aproximaram


para tirar algumas dúvidas que ficaram pendentes e que eu tive prazer em
responder, ainda que só postergasse aquilo que eu mais queria.

— Derek? — Escutei a voz de Frederick me chamando. Terminei de

guardar minhas coisas na pasta e olhei para o meu colega, que entrou na sala
agora vazia.

Uma lamentação escapou pelos meus lábios e eu apertei a ponte do


nariz.

— Sim?
— Está péssimo, cara. — Fez uma careta ao se aproximar de mim.

— Mesmo?
— E azedo.

— Só não estou tendo um bom dia. — Não estava com vontade de


estender conversa. — Precisa de alguma coisa?

— Queria conversar sobre uma possível parceria de pesquisa.


— Pode ser amanhã? — Passei a mão pelo queixo, sentindo os pelos

da barba mais compridos do que usava normalmente e, sem perceber, fui


mais grosso do que devia: — Não estou com cabeça para discutir detalhes

hoje.
— Claro. — Fez uma pausa. — Quer tomar uma cerveja? Jogar

conversa fora? Vamos eu e os meninos para um bar.


— Não, obrigado. — Dei uns tapas nos ombros dele. — Dessa vez, eu

passo.
— Okay. — Ergueu as duas mãos. — Vou te deixar em paz.

— Valeu! — murmurei.

Com um aceno, deixou a sala. Rapidamente, terminei de ajeitar tudo e


fui para o estacionamento; queria chegar logo em casa.

Nunca um trajeto de menos de vinte minutos me pareceu tão longo.


Capítulo

— Deve ser o seu papai que veio para te buscar, Charlie — tagarelei
com o animalzinho, que trançava nas minhas pernas enquanto eu caminhava
em direção a porta. —Convenhamos, você passa mais tempo aqui do que na

sua própria casa.

Dei uma risada com o comentário mais do que real. Quase tropeçando
no animalzinho, alcancei a porta, sentindo um pequeno formigamento de
antecipação por vê-lo, mesmo que tivéssemos almoçado juntos ontem em
um restaurante próximo do meu trabalho. Não podia mentir que também

estava ansiosa pelo beijo, que agora ele sempre me dava. Ainda não
tínhamos feito sexo, mas só em fantasiar deixava minhas pernas bambas. O
pensamento fez com que os meus membros automaticamente amolecessem.
Minha alegria, bem como o desejo, morreu ao ver a expressão

devastada dele.
Não tive tempo de questioná-lo, pois seus braços, como duas barras de
ferro, me envolveram em um abraço forte em que pude sentir sua dor e
aflição. O gesto rápido dele fez com que Charlie latisse, provavelmente
assustado com a reação do dono. Sentindo meu coração doer por Derek,

acarinhei seu couro cabeludo, enquanto ele aumentava a pressão do aperto.


Pequenas gotas molharam os meus ombros. Saber que meu vizinho chorava
partiu meu coração e me deixou apreensiva.
Será que aconteceu alguma coisa com o irmão dele ou com a cunhada

que ele tanto parecia amar?


— Derek? — Não escondi minha urgência e preocupação.
Charlie também parecia, em sua percepção canina, aflito, latindo,
tentando se colocar entre nós.
— Eu sinto tanta falta dela, Laranjinha... — Sua voz estava
embargada.
— Dela quem?

— Da minha avó. — Ergueu um pouco o rosto, afrouxando o abraço, e


foi inevitável para mim não acariciar suas bochechas molhadas; a dor da
ausência eu conhecia muito bem. — Ela faria setenta e três anos hoje. Ela

tinha tanto o que viver, o que ver. E Mathy queria tanto...


— Sinto muito, querido.
Foi a minha vez de aninhá-lo em meus braços, apesar de que, por ser
muito mais alto e forte, era difícil para mim. Derek havia me falado sobre a
avó, dito inúmeras coisas boas sobre ela, mas, naquele tempo em que
estávamos nos conhecendo, em nenhum momento tinha me contado sobre os
inúmeros tratamentos de câncer que ela havia feito — Ruth havia me
fofocado sobre isso também — e o quanto isso afetou a ele e o irmão. Era
como se ele evitasse o sofrimento deixando de falar daquele momento.

Mas eu o entendia. Foi difícil para mim comentar sobre o acidente de


trabalho que vitimou o meu pai e tirou de mim aquele quem eu mais amava.
E Derek tinha tido compaixão pela minha perda.
— Queria dizer que passará, mas não posso, não quando eu sei que a
dor sempre estará aí.
Ele não me respondeu e, em meio aos sons e latidos de Charlie, que
ainda parecia confuso, permanecemos abraçados, em silêncio. Eu continuei a
acariciar os cabelos dele, as costas, deixando que ele chorasse e murmurasse
palavras sem sentido. Doeu ouvi-lo falar de uma espécie de culpa.

— Desculpe-me ter chegado dessa maneira, Laranjinha.


— Não por isso, Derek. — Deixei um beijo na sua bochecha e senti o
gosto de sal em meus lábios. — Você quer conversar sobre a sua dor?
Assentiu.
— Podemos fazer isso depois de você tomar um banho. — Achei que
ele poderia estar doido por um, já que acabou de chegar do trabalho. —
Enquanto te espero, posso preparar um sanduíche para nós.
Pareceu hesitar, mas concordou.
— Okay — murmurou. Desfazendo-se do meu abraço, deu finalmente
atenção para o animalzinho, pegando-o no colo.
Um som apaixonado escapou dos meus lábios ao ver o homem grande
e musculoso em contraste com o pequeno e a troca de carinho dos dois.
Charlie deixou uma série de lambidas no rosto do dono, como se quisesse
consolá-lo e, ao seu modo, pareceu conseguir, quando meu vizinho deu um
sorriso para ele.

— Obrigado, amigão.
Charlie latiu, parecendo responder.
— Você me espera? — questionou-me, parecendo outra vez inseguro.
Meu coração se apertou por ele achar que eu iria virar as costas
quando tudo nele pedia silenciosamente por carinho, abraços e afagos, mas
não iria criticá-lo por isso.
— Claro — falei suavemente e, ficando nas pontas dos pés, deixei um
selinho nos lábios dele, o único lugar do rosto que não tinha sido atacado
pelo cachorro.
Suspirou pesadamente e, com um bichinho doce balançando a cauda
em seu colo, seguiu para sua casa.

— Sinto muito, Derek.


Apertei a mão dele com mais força, tentando transmitir meu apoio
enquanto as lágrimas deslizavam copiosamente pelo meu rosto ao ouvi-lo
falar de que como, inicialmente, todos achavam que a diminuição do apetite
seria apenas algo comum de acontecer na velhice, mas que logo outros
sintomas foram aparecendo, como azia, náuseas, até descobrirem que se
tratava de câncer de estômago.
— Meu mundo desabou quando Shall me ligou do consultório para me
dar a notícia — falou com a voz embargada, chorando também. — Eu não
conseguia acreditar naquilo que meus ouvidos ouviam.
— Quantos anos você tinha, Derek?
— Vinte — disse baixinho. Percebi, no entanto, pelo seu tom, que
parecia ter raiva de si mesmo. — Eu já era um homem, mas me comportava
como um maldito adolescente, um playboy que só queria saber de bebidas,
festas e, infelizmente, sexo desenfreado. Não estava errada quando me
chamava de cachorro. Eu fui um.
— Compreendo. — Fiz uma pausa, apertando a mão dele com mais
força, e encarei seu rosto retorcido pela tristeza e pela culpa. — Mas o
importante é que você esteve lá por ela.
— Queria dizer que sempre estive a apoiando desde o início,
Laranjinha. — Outra vez sua voz exprimia rancor. — Não estive. Continuei
a minha vida desregrada.
Confesso que fiquei um pouco chocada com a sua afirmação, porém
tentei não o julgar pelas suas atitudes do passado, pelo menos não naquele

momento, mas minha expressão deve ter deixado evidente meu desconcerto,
pois ele deu um sorriso amargo, repleto de dor.
— Você deve estar enojada de mim por ter virado as costas para ela —
disse com amargura.
— Eu… — Ia retrucar, mas ele me silenciou, pousando um dedo sobre
os meus lábios.
— Sou um grande bosta. — Respirou fundo e passou a mão livre pelos
cabelos. — Não precisa me dizer nada, Iandra, estou completamente ciente
disso.
Abracei a lateral do seu corpo, querendo oferecer algum conforto a ele.
Derek não me rejeitou, apenas se colou em mim ainda mais.
— O que fez você mudar? — Fiz a pergunta quando o silêncio, apenas
quebrado pelos roncos de Charlie, que dormia na sua poltrona favorita,
pareceu me sufocar.
— O fato de Chad, meu melhor amigo desde os tempos da escola,
dirigir bêbado e quase matar uma pessoa no processo. — Torceu os lábios,

parecendo desgostoso consigo mesmo.


Engoli em seco. Meu coração sangrou por Derek.

— Porra! — disse com raiva, assustando Charlie, que latiu e desceu da


poltrona, caminhando em nossa direção. — Só naquele momento consegui

perceber o que estava fazendo com a minha vida. Eu teria que ter aprendido
uma lição e amadurecido quando soube que minha avó estava doente, não

diante da perspectiva de matar alguém!


— Lamento, Derek — não sabia o que mais dizer.

— Eu também. — Pegou o cachorro quando, com as patinhas da


frente, o animalzinho pediu por conforto. — Não sabe o quanto.

Ficamos em silêncio.
— Pelo menos, você enxergou enquanto não era tarde demais. —

Tentei animá-lo, recordando-me que Ruth tinha me contado que a luta da


avó de Derek contra o câncer perdurou mais de quatro anos, superando a
expectativa de vida estipulada pelos médicos.

Ele assentiu.

— Ainda assim, não me parece suficiente, Laranjinha — confessou. —


Sinto que falhei com ela.

— Não, não fracassou. — Fui sincera com ele, dizendo coisas que,
talvez fossem dolorosas de escutar, mas eram a verdade: — Não que eu não

ache que poderia ter feito as coisas de maneira diferente, não eximo você
disso, mas poderia ter ignorado seus erros e continuado a ser o playboy

inconsequente que era, vivendo a vida desregradamente, porém você


escolheu mudar. Pode ter sido tarde, mas você esteve ao lado dela depois

disso e, creio, nos momentos mais difíceis.


— Estive — murmurou, e eu percebi que aquilo não parecia suficiente

para ele.
Me encarando com os olhos ainda tomados pelas lágrimas, pousou a

cabeça em meus ombros e chorou por minutos a fio. Charlie se acomodou no


colo dele.

— Você a amava. Muito. — Consolei-o, acariciando os fios negros. —


Mathy sabia disso.

— Eu teria trocado a minha vida pela dela. — Ergueu o rosto para me


encarar.
— Eu sei, querido. — Deixei um beijo na sua testa. — Também teria

dado a minha pela do meu pai, mas ele não iria querer isso. Por mais
doloroso que seja, eles desejariam que seguíssemos em frente e, de algum

modo, estamos fazendo isso.

— Sim — concordou, e respirou fundo.


— Agora me conte mais sobre o quanto ela te humilhava no golfe —

pedi, tentando adotar um tom de diversão, mas minha voz saiu fraca.
Sentia que ele já havia falado demais e não queria aumentar a sua dor,

não naquele dia difícil. Sabia que algum dia ele acabaria falando sobre como
foi o tratamento, que sem dúvida, seria ainda mais doloroso de se escutar.

— Posso dormir com você, Laranjinha? — pediu, mas sem nenhuma


malícia na voz, depois de bocejar, parecia sonolento depois de contar sobre

as façanhas da avó. — Não quero ficar sozinho, mesmo que já seja outro dia.
Vi que ele estava inseguro, como se ainda houvesse a possibilidade de

eu rejeitá-lo por conta do seu passado, e também com certo medo de voltar à
estaca zero comigo. De alguma forma, a preocupação dele era tocante, mas

tinha fundamento. Mal ele sabia que, ao falar dessa forma, nossa conexão
pareceu-me ainda mais forte. Era um voto de confiança enorme e igualmente

precioso para mim.


Derek, sem saber, me provava, mais uma vez, o quanto ele era

diferente do meu ex, que mentia e escondia coisas.


— Por que não? — disse suavemente, sorrindo enquanto me erguia do
sofá. — Na minha cama ou na sua?

— Tanto faz — sua voz era baixa —, desde que você esteja comigo.

Levantou-se e, com um braço, envolveu Charlie, que mostrava a


linguinha e balançava o rabo, parecendo animado com a perspectiva de

dormir conosco.
— Então vamos.

Estendi a mão para ele que a pegou, entrelaçando os dedos nos meus, e
levei-o até o meu quarto. Mesmo que não fôssemos fazer nada além de

dormir juntinhos, já que nenhum de nós dois estava no clima para isso, um
calor se formou em meu ventre, simplesmente com a perspectiva de dormir e

acordar com ele em uma cama que, agora que eu pensava, era pequena
demais para nós dois e que nos deixaria em uma posição ainda mais íntima.

Uma tolice pensar assim, já que os beijos e toques que já havíamos trocado
eram quentes e abrasadores, algo muito mais íntimos.

Suspirei enquanto ele pousava Charlie sobre a cama que,


demonstrando sua típica alegria canina, começou a girar, tentando morder o

próprio rabo. Ri, sentando-me no colchão, tentando não pensar muito no fato
de que as roupas que estava vestindo eram desconfortáveis para dormir e que

eu deveria trocá-las por uma camisola. Repassei na mente as peças que havia
na minha gaveta e todas ou pareciam transparentes demais ou cavadas
demais. Amaldiçoei-me por não ter pensado em adquirir uma peça de

algodão ou um pijama de mangas e calça comprida.

— Posso? — Ele chamou a minha atenção ao segurar a barra da sua


camisa.

Meu coração deu um salto no peito e, ficando sem fala, apenas


concordei com a cabeça.

Não que ver Derek seminu fosse uma novidade para mim, na verdade,
perdi as contas de quantas vezes ele havia ficado com o tórax desnudo na

minha frente, porém, ainda assim, sempre ficava nervosa.


Hipnotizada, assisti Derek remover a peça, dobrá-la e a colocar sobre

uma mesa. Eu então pude ver os músculos bem talhados parecerem tensos,
não com desejo, mas, sim, pelo cansaço físico e mental que sentia. A

pontada de desejo transformou-se em compaixão. Não pensei em mais nada


além de dar conforto e carinho para ele.

Deitei-me na cama e esperei que ele fizesse o mesmo.


— Me abraça, Laranjinha?

— Se Charlie deixar... — murmurei, observando o cachorro, que havia


se colocado entre nós dois e parecia não ter nenhuma intenção de sair do

meio. Dei um sorriso.


Movi-me, tentando ficar mais próximo a ele, porém a única coisa que

consegui foi que nossas pernas ficassem entrelaçadas enquanto eu esticava o


braço para dedilhar o seu bíceps, acariciando-o.
Derek me olhou profundamente e gemeu baixinho.

— Às vezes esse cachorro é terrível — falou com a voz rouca. — Mas

não o trocaria por nada.


— Eu sei que não…

— Hm. — Continuou a ronronar, aprovando as minhas carícias. —


Obrigado por me deixar ficar.

— Não por isso, Derek, você faria a mesma coisa por mim — disse
uma verdade que, de alguma forma, me assustou, pois era real mesmo que eu

tivesse relutado em admitir.


— Sim, faria.

Enrolou uma mecha do meu cabelo, que tinha se espalhado pelo


travesseiro, entre os dedos e a tocou com suavidade. Não disse mais nada,

pois o cansaço o venceu. Logo não mais havia o homem perturbado pela dor,
mas apenas o Derek de sempre, o Derek que eu estava aprendendo a amar.
Capítulo

— Até a próxima semana, senhor Sommerfeld.


— Tenha uma boa tarde — desejei ao meu orientando do capstone

project[13] antes de fechar a aba da videochamada.

Ergui-me e movimentei as pernas, que estavam dormentes por ficar


sentado quase duas horas na mesma posição. Caminhei em direção a

cozinha, sentindo a fome apertar. Assim que parei em frente a geladeira para
pegar os ingredientes para preparar um sanduíche, franzi o cenho, ao escutar
um som estranho.
Girei o pescoço e encontrei Charlie segurando algo em sua boca e se
contorcendo, as duas patas dianteiras arranhando a madeira, tentando passar
seu corpinho pela portinha. Claramente ele estava agarrado, a passagem, que
já era pequena para ele, parecia ainda mais estreita, já que ele vinha
engordando de tanto comer biscoitos caninos. Me questionei, por alguns

segundos, como Charlie havia conseguido sair sem encontrar problemas.


Tinha que providenciar uma entrada maior.
— Calma, amigão, irei te ajudar. — Saí do transe e, em passos
apressados, alcancei o animal e me coloquei de joelhos.
Soltou o quer que fosse que carregava, mas não dei atenção, não

quando ele continuava a se mover freneticamente e passou a choramingar


baixinho. Empurrei as patas por onde ele tinha entrado, depois o pescocinho
e a cabeça, deixando-o do lado de fora. Antes que ele tentasse entrar por ali
novamente e ficasse mais uma vez entalado, ergui-me e destranquei a porta,

abrindo-a para que ele passasse.


— Foi só um susto, amigo, e papai vai providenciar algo mais
adequado — falei, mas como se nada houvesse acontecido, trotou para
dentro da casa, chacoalhando a cauda vigorosamente.
Balançando a cabeça em negativa diante do comportamento do
bichinho, usei os ombros para empurrar a superfície de madeira quando um
pano branco chamou a minha atenção.

— Agora você deu para roubar roupas, Charlie? — questionei o


animal e ele, girando seu corpinho, me encarou com aqueles olhos
caramelos, que bem poderiam estar debochando de mim. Dessa vez, não

latiu. — Iandra vai parar de te dar biscoitos se souber que você anda
pegando as roupas dela, ainda mais se você estragou a peça.
Passou a pata sobre o focinho, soltando um som baixinho.
— É bom que esteja envergonhado mesmo, amigão — continuei no
mesmo tom —, e que você não faça mais isso!
Ainda mantendo contato visual com o meliante, curvei-me para pegar
a peça embolada, amarrotada e também um pouco babada. Estiquei-a para
ver se os dentes não tinham deixado nenhum furo e senti que meu coração
disparou furiosamente no peito, bombeando sangue para o meu pau,

enquanto eu era atingido por uma onda de calor. Não era uma blusa, mas
uma camisola, angelical pela cor, mas extremamente devassa pelo decote
cavado e rendado, bem como pela saia, que provavelmente deixaria metade
da bunda redonda dela de fora.
Fechei os olhos e fui bombardeado por imagens dela usando aquela
peça sexy pra caralho enquanto me olhava com aqueles olhos verdes
repletos de luxúria, mordiscando os lábios em um convite que eu não
hesitaria em aceitar.
Gemi alto, sentindo minha ereção pressionar o tecido da calça de

moletom.
Quis cheirar a peça que provavelmente tinha estado no seu corpo,
porém não o fiz, já que não sabia por onde Charlie havia passado com ele.
Falando nele, abri os olhos e encarei meu algoz.
— Você é um grande amigo, hein? — cuspi.
Ele tombou a cabeça, parecendo confuso.
— Isso — estiquei a camisola na direção dele —, vai me foder ainda
mais. Como se eu precisasse de mais um incentivo para desejá-la.
Bufei.
— Porra! — Forcei-me a caminhar e coloquei a peça sobre o balcão da
cozinha. Charlie me seguiu.
Olhei o meu amigo traidor de quatro patas.
— Você merece ficar sem seus petiscos por uma semana — fingi-me
de bravo.
Ele latiu a menção de ficar seus biscoitinhos. Essa era uma palavra que

ele conhecia muito bem.


— Te perdoo porque sei que você não fez por mal. — Emiti um som
de resignação e imaginei que estava ficando completamente doido por
desabafar com um cachorro. — Eu é que não consigo mais ficar sem ter
aquela mulher.
Abri um armário, peguei um snack e joguei para ele.
— Isso está me matando, Charlie.
Lavei as mãos na pia e novamente fui até a geladeira.
— Mas a espera valerá a pena — disse, buscando convencer a mim
mesmo.
A única certeza que tinha era que, mais tarde, eu usaria minhas mãos
para afagar meu pau dolorido enquanto pensava em como seria retirar aquela
camisola fodidamente quente do corpo dela, sentindo-a estremecer contra o
calor da minha palma, me pedindo com os olhos que eu mergulhasse nela e
acabasse de vez com aquela doce tortura.
Estava ficando cada vez mais difícil me controlar, lutar contra os meus
sentimentos e a minha ânsia, principalmente para não dar um passo maior
que a minha própria perna.
Não queria nem imaginar como seria uma vida sem ela.
É, eu me apaixonei de maneira vertiginosa, e algo dentro de mim me
dizia que esse sentimento era irreversível.
Capítulo

Comprimi os lábios suavemente para espalhar melhor o batom pelos


meus lábios e sorri satisfeita com o vermelho vivo, que deixava minha boca
mais volumosa.

Eu me sentia muito sexy, principalmente com aquela camisola verde-

escura, que deixava a lateral do meu corpo completamente exposta e


contrastava com a cor do meu cabelo solto.
Esperava que Derek também achasse o mesmo e, por que não, ficasse
louco por mim. Queria seduzi-lo, compensá-lo pela sua paciência em esperar

que eu estivesse segura o suficiente para fazermos sexo; por compreender


minhas razões, mesmo que para muitos pudesse parecer que eu estava
fazendo charme. Era grata por ele não me pressionar nem avançar, mesmo
que eu soubesse que várias vezes eu o tinha deixado excitado, por ele usar de
todo o seu autocontrole para não ir além dos beijos. E a conversa que tive

com Ruth mais cedo só me ajudou a clarificar ainda mais os meus


sentimentos com relação a Derek, principalmente quando acabei
confessando a ela que estava gostando e muito do meu vizinho.
Várias vezes, tinha sido eu quem havia oferecido “conselhos
amorosos” para Ruth, incentivando-a para que ela se arriscasse e não

temesse ser feliz, conselho que eu não tinha seguido. Minha melhor amiga
me fez ver que esse medo estava me paralisando, e que, no final das contas,
a insegurança sempre estaria ali, mesmo que Derek nunca tenha me dado
razão para tal.

Eu precisava dar aquele passo por mim mesma, e, se ele me quisesse,


seria naquela noite.
Não mais me impediria de mergulhar de cabeça naquilo que tínhamos
e, porque não, no corpo de Derek. Sorri com o pensamento.
E também, se algo acontecesse e eu acabasse desiludida com aquele
relacionamento, que por enquanto era um grande mar de rosas, eu me
recuperaria, ainda que levasse tempo e eu caísse no choro várias vezes e

buscasse consolo no cafuné maternal da senhorinha. Tínhamos jurado uma à


outra que sempre enxugaríamos as lágrimas uma da outra e nos apoiaríamos.
Sentindo uma onda de antecipação percorrer meu corpo, bem como

um friozinho na barriga, lancei um último olhar para a imagem no espelho e,


outra vez aprovando o que via, caminhei até o meu quarto.
Fui até a cômoda, ainda pensando se eu iria colocar ou não uma
calcinha combinando, mas estaquei no lugar ao ouvir um som proveniente da
casa ao lado. Balancei a cabeça em negativa ao escutar novamente o barulho,
mas quando os gemidos se tornaram mais altos, não pude mais ignorar. Meu
corpo todo, que estava quente com a perspectiva de ser acariciado por Derek,
esfriou.
Lágrimas se formaram em meus olhos e a decepção fez com que o

meu peito se apertasse com a dor da traição. Um gosto amargo invadiu a


minha boca, a ansiedade, transformando-se em ácido corrosivo no meu
estômago.
Eu deveria saber que, mais cedo ou mais tarde, Derek se cansaria de
me esperar e. agindo como um maldito cretino mentiroso, ele não perderia
tempo e encontraria alguém mais disposto a satisfazer os seus desejos.
Cada gemido que ouvia me dava uma punhalada no peito. Sentime
partir ao meio ao pensar que a intenção daquele babaca era que eu o ouvisse
tendo o prazer que eu tinha negado a ele.

Em meio a tristeza, a fúria começou a crescer em meu interior e uma


risada assustadora ecoou pelo quarto, vencendo o “barulho” do meu vizinho.
Prometi a mim mesma que seria a última vez que me deixaria levar por
palavras macias. E Derek pagaria por brincar comigo daquela forma, como
se meus sentimentos e todos os momentos que passamos juntos, o
companheirismo, as risadas, as conversas não valessem nada. Era ele que
não valia nada e eu deixaria isso bem claro.
Fiquei ainda mais furiosa ao lembrar das palavras falsas sobre
“responsabilidade emocional”. Não que pudéssemos falar que éramos
namorados, longe disso, mas ele me iludiu, me levando a crer que teríamos
um futuro juntos. Como eu pude ser tão tola!
Com os gemidos dele jogando na minha cara a minha própria burrice,
sem nenhum escrúpulo, depois de limpar o rastro de lágrimas — por sorte
não tinha passado rímel — com passos largos, nem pensando em vestir algo
mais apropriado ou que algum vizinho pudesse me ver, desci as escadas e,
saindo da minha casa, parei em frente a porta dele. Não hesitei em apertar a

campainha, pouco me fodendo se estava atrapalhando o “ato” dele. Toquei


várias vezes até que a porta se abriu em um rompante.
— Laranjinha — falou em um tom ofegante.
Meu coração voltou a ficar apertado ao escutar meu apelido saindo por
aqueles lábios que haviam me beijado ternamente, a mesma boca que havia
me contado uma série de mentiras. Uma dor surda me dilacerou ao fitar o
corpo suado, praticamente nu, já que ele usava apenas uma boxer preta que
revelava o quanto estava excitado.
As lágrimas que imaginei ter contido voltaram a deslizar pelas minhas
bochechas.
— Como você pôde, Derek? — questionei em um fio de voz,
amaldiçoando-me por não conseguir disfarçar a minha dor. — Como você
pôde me trair dessa forma?
— Caralho! — disse um palavrão, seguido de vários outros, e segurou
o meu braço firme o suficiente, mas não para me machucar, apenas para me
puxar para dentro.
— Me solte, Derek! — Meu tom não passou de um sussurro enquanto
eu chorava ainda mais.
Eu não tinha forças para me desvencilhar dele por conta própria, e
pensar que ele queria que eu olhasse para o “local do crime” doeu ainda

mais.
Ao fundo, escutei o latido de Charlie, mas, dessa vez, ele não foi até
mim.
Derek não me obedeceu e me levou para um tour por todos os
cômodos. Logo, entrávamos no seu quarto, depois no banheiro da suíte,
voltando em seguida para o quarto, então ele me soltou. Em meio a visão
nublada pelas lágrimas, vi sua expressão tomada por uma espécie de tristeza.
— Você viu alguma mulher aqui, Iandra? — perguntou em um tom
ferido.
Fiz que não com a cabeça e, passando a mão pelo rosto, dei alguns
passos para trás, até que o meu corpo ficasse colado à porta do quarto,
finalmente reagindo, colocando uma distância entre nós.
Porém, ele não parecia concordar com isso e, com duas passadas,
aproximou-se de mim, nossos corpos ficando a apenas algumas polegadas de
distância, tão próximos, que senti a respiração dele no meu pescoço quando
se curvou para me encarar.
Traguei em seco ao olhar para os olhos negros, que não escondiam o
quanto ele parecia ferido.
— Acha mesmo que sou tão sem caráter para transar com outra mulher
enquanto me envolvia emocionalmente com você? — Insistiu naquele

mesmo tom desgostoso. — Que, mesmo conhecendo a dor de uma traição


física e emocional, eu faria isso com você? Deus, Iandra, eu te contei
quantas feridas meu relacionamento deixou, o quanto que, nas pequenas
coisas, até mesmo em termos de sexo, eu era minado.
Ele realmente havia contado. Me senti uma grande tola.
Envergonhada pela minha cena, por ter pensado o pior, ignorando que
Derek tinha passado por um relacionamento instável em que sofreu com
várias chantagens, inclusive bem pesadas, abaixei a cabeça.
— O que eu tenho que fazer para você confiar em mim? — perguntou,
parecendo desesperado.
O desalento dele era como receber mil navalhas no peito. Me odiei por
machucá-lo daquela forma, por ter me deixado levar pelas minhas
inseguranças. Se bem que, não foram tão infundadas…
— Eu ouvi gemidos.
— Sim, eu sei — respirou fundo —, eram meus. Tinha toda a intenção
que você escutasse, mas agora vejo que foi um erro.

— Não entendi… — Poderia não compreender, entretanto meu corpo


parecia captar aquilo que a minha mente embotada parecia não processar.

— Deus, mulher — disse asperamente, uma mistura de desejo e


ressentimento —, eu estava me masturbando pensando em você usando a

maldita camisola branca…


— O quê? — Estremeci, e uma onda de desejo varreu-me de cima a

baixo, principalmente quando os quadris dele roçaram instintivamente nos


meus, sentindo seu pau excitado.

— Charlie me trouxe um “presente” essa tarde — murmurou em meu


ouvido e, como se fosse possível, o hálito quente fez com que minhas pernas

já bambas ficassem ainda mais.


Apoiei minhas mãos na superfície de madeira para não buscar apoio

em Derek, mas meu corpo se rebelou contra mim, pois queria tocá-lo, ainda
que não fosse uma boa ideia, já que ele parecia tão selvagem, como se
estivesse prestes a me devorar.

Derek, para o meu deleite, segurou o meu rosto, fazendo com que eu o

encarasse, enquanto esticava o outro braço e espalmava sua mão contra a


porta, sua pele praticamente ficando colada a minha.

Fiquei excitada de ter pele contra pele, o seu calor irradiando pelo meu
corpo.

— Merda! — A carícia da mão dele no meu rosto fez meus lábios se


entreabrirem automaticamente. — Pensei que era forte, que eu conseguiria

controlar o desejo que sinto por você, mas não sou. Na verdade, acho que
nunca fui, Laranjinha…

Balançou a cabeça em negativa.


— Não sabe quantas noites passei insone, imaginando como seria ter

você. Levava minha mão ao meu pau, me masturbando em busca de um


pouco de alívio, que vinha, mas desaparecia minutos depois quando novas

imagens eróticas voltavam a surgir.


Seus quadris encontraram o meu novamente e eu senti a ereção dele

pressionar o meu sexo, deixando-me em chamas. Meus pensamentos


começaram a ficar incoerentes perante o desejo.

— Porra, estou louco por você, Laranjinha. — Sua voz estava rouca.
— Eu preciso do seu toque, anseio pelos seus beijos, queimo pelo seu corpo
e por te ter todos os dias, todas as horas, a cada minuto e segundo. Eu sonho

em te beijar inteira, desejo conhecer com os meus lábios todas as sardinhas


espalhadas pela sua pele, mas preciso que você me queira da mesma forma

que eu te quero. Que você me faça amor.

— Derek! — Arfei o nome dele baixinho. Meu coração batia como se


fosse um instrumento de percussão, ecoando nos meus ouvidos.

— Eu desejo tanto você, Iandra, que estou disposto a passar por cima
da sua desconfiança, das inseguranças e dos medos que me machucam,

porque… — respirando pesadamente contra o meu rosto, sentia o ar quente


como uma carícia. Vi em seus olhos desespero, paixão e uma verdade tão

crua, que me fez sentir uma tola. — Deus, mulher, estou completamente
apaixonado por você. Intensamente, de maneira visceral.

Ergueu a outra mão, agora cada palma estava plantada em minhas


bochechas. Seu rosto se aproximou ainda mais do meu.

— Não tenho mais forças para resistir a você — voltou a sussurrar.


Seus lábios mornos roçaram nos meus e eu senti minha boca formigar,

quase que implorando pelo beijo dele.


— Então, por favor, me mande parar se não quiser o mesmo que eu,

Laranjinha — ofegou —, porque quando eu começar, não conseguirei me


controlar mais.
Tive pouco mais de trinta segundos para dar a ele uma resposta antes
da sua boca tomar a minha em um beijo que nada tinha de gentil, pelo

contrário, era um beijo urgente, faminto, que exigia a minha entrega de

maneira irreversível. Suas mãos seguravam-me com mais pressão,


controlando-me, demonstrando posse, que eu deveria ser submissa ao seu

contato.
Eu não costumava ser tão passiva, mas deixei que ele me dominasse

daquela vez.
Com um gemido abafado, abri minha boca para ele, e sua língua

enroscou na minha sem nenhum comedimento enquanto seus lábios se


moviam furiosos sobre os meus. O gosto natural dele misturado à menta,

sabor que não podia negar que estava ficando cada vez mais viciada e que
também me atormentava todos os dias, impregnava a minha boca e sentidos.

Sua barba arranhava-me, me excitando, fazendo com que meus


pensamentos virassem de vez uma papa. Por uma fração de segundos,

consegui imaginar como seria ter os pelos dele raspando no interior das
minhas coxas enquanto seus lábios devoravam o meu sexo.

Ofegante, retribuí o beijo dele movida pelo mais puro instinto e


também por prazer. Selvagemente, eu me tornava a sua mulher enquanto eu

fazia dele o meu homem.


Pude ver nos olhos negros, que não deixavam de me fitar mesmo em

meio ao encontro de bocas e que pareciam ainda mais escuros com o prazer,

que Derek se considerava meu. E estar consciente de que a posse era


recíproca fez com que eu sentisse um fluxo de regozijo me envolver, fazendo

com que eu brincasse com o céu da sua boca ao passar a ponta da língua pela
região.

Minha provocação teve consequências e, sensualmente, Derek


intensificou ainda mais o beijo, lambendo, mordiscando meus lábios,

deslizando a língua pelos meus dentes, me devorando, enquanto, com uma


pegada mais forte, seu corpo prensava o meu com força contra a porta.

Nunca fiquei tão consciente de um homem e, ao sentir seu peitoral


musculoso contra os meus mamilos, meus bicos ficaram duros com o roçar

suave, ao mesmo tempo que eu sentia minha vagina ficar úmida,


antecipando o momento que ele me preencheria com a sua carne rígida.

— Porra — falou um palavrão em meio a um ofegar, quando, sem


mais comedimento, abandonando a segurança da porta, minhas mãos

passaram a percorrer a pele nua e suada das costas dele.


Sentindo os músculos tensos bem-feitos, explorei Derek de uma

maneira que eu nunca tinha feito antes, impressionada com a força da sua
musculatura. Sorri em meio ao beijo quando o meu homem estremeceu
contra mim ao sentir meus dedos deslizarem pela sua lombar até infiltrar-se
para dentro da boxer.

— Gostoso demais! — murmurei ao apertar as nádegas firmes,

fazendo com que Derek gargalhasse roucamente, parecendo eufórico com o


elogio, antes dos seus lábios voltarem a atacar os meus.

Trouxe-o mais para mim, colando mais nossos corpos, aproveitando


para roçar meu monte no pênis dele, tendo a sensação de que o tecido da sua

cueca estava úmido, como se um simples roçar fosse capaz de fazê-lo gozar.
Gememos juntos quando sua boca quente e gostosa deslizou dos meus lábios

pelo meu queixo, iniciando um rastro úmido de beijos, mordidas e lambidas


pela minha pele; a barba curta friccionando em minha carne era um

afrodisíaco a mais. Incentivei-o, agarrando os fios curtos com uma mão,


rebolando contra a superfície de madeira ao sentir a barba dele no meu

pescoço, e Derek não hesitou em deixar vários beijos ali.


A língua deslizando lentamente por toda a minha garganta deixou

todos os meus pelinhos arrepiados e eu estremeci, jogando a cabeça para


trás, batendo na madeira, dando-lhe mais acesso. Enquanto sua boca

trabalhava em mim, suas mãos, que antes acariciavam meu rosto, desceram e
foram deslizando pela lateral do meu corpo, acariciando meus mamilos,

tornando-os mais sensíveis, até alcançarem as minhas coxas.


— Derek — choraminguei por ele ter parado de me beijar e me

apalpar.

Ergueu o rosto e me fitou, parecendo surpreso. Com suas duas mãos


grandes, voltou a subir até alcançar os meus seios, para logo depois baixá-las

outra vez. Um sorriso lento, cafajeste, começou a surgir em seus lábios e os


olhos dele brilharam de luxúria.

— Porra, eu gosto do que sinto — falou maliciosamente.


— Mesmo? — Forcei a minha voz a sair.

— Tanto que não consigo acreditar... — arfou e vi sua expressão se


transformar em posse. — Aonde você ia sem calcinha, Laranjinha?

Enlacei seu pescoço, pressionando os meus seios no seu peitoral.


— Na casa do meu vizinho. — Fiz-me de inocente e ele segurou meus

quadris com uma pressão deliciosa.


Deixou um beijo na minha clavícula e eu estremeci para logo depois

chiar, voltando a apoiar minhas mãos na porta quando ele deu dois passos
para trás. Sem cerimônia, seus olhos passearam lentamente pelo decote da
minha camisola, pelos meus mamilos, até alcançar as minhas coxas

desnudas. Retribuí o gesto, pois eu também não hesitei em deixar que meu
olhar percorresse o peitoral que subia e descia com a respiração acelerada, o
abdômen trincado, a boxer, cujo volume me deixou com a boca seca, e as

coxas grossas, fortes, de dar inveja em qualquer um.


Aquele homem era delicioso e senti minha vagina contrair ao pensar
que ele era meu. Todo meu.

— Vizinho de sorte — falou, me tirando do transe. Voltou a se


aproximar de mim como um chacal faminto, passando a língua pelos lábios.
Derek roubou todo o ar dos meus pulmões quando suas duas mãos se
infiltraram em minha camisola e seguraram as minhas nádegas com uma

pegada bruta, o que fez com que eu mordesse os lábios com força. Não
esperava que Derek fosse tão selvagem, tão másculo, e constatar isso me fez
querer explorar o seu lado irracional e rude. Estremeci ao pensar nas
inúmeras possibilidades de extravasarmos essa selvageria, com o seu corpo

estocando o meu rápido, com força, enquanto ele me marcava.


Como se soubesse o que eu estava pensando, sorriu em meio a
respiração curta.
Com seus dedos cravando na minha pele, o que provavelmente

deixaria marcas, ergueu-me facilmente, fazendo com que a parte da frente da


minha roupa subisse, e uniu sua ereção ao meu sexo, arrancando de nós um
gemido. Ronronei quando aquele ponto duro encostou diretamente na minha
vagina, e eu enlacei minhas pernas no tronco musculoso, querendo mais

contato. Sua pelve arqueou-se contra mim, em um espasmo, como se fosse


me penetrar, e eu finquei minhas unhas nos ombros dele, uma espiral de
desejo me deixando zonza. Sentia que poderia gozar a qualquer instante,
somente com o seu pau esfregando na minha feminilidade.
Não tive tempo de pensar, pois logo sua boca estava na minha

novamente, arrancando suspiros e sons guturais, enquanto, segurando-me


firmemente, ele dava vários passos para trás, indo em direção a cama. Sem
nos descolar, girou quando alcançou a beirada da cama e, suavemente, me
pousou no colchão, meus cabelos se espalhando pelo travesseiro como se

fossem uma cascata.


Deslizando minha língua pelos lábios úmidos pelos nossos beijos,
aprofundei o contato, envolvendo-nos em uma dança lenta, enquanto um
prazer indescritível por sentir o peso do corpo dele todo apoiado sobre o meu

me dominava.
Suas palmas quentes passando pela minha pele nua faziam com que eu
me contorcesse embaixo dele, afoita por sentir seus dedos estimulando
aquele ponto dolorido que pulsava por alívio, porém Derek não tinha pressa

nos seus toques de reconhecimento. Eu podia ver claramente em seus olhos


que ele me faria esperar, até que a tensão se acumulasse ao ponto de me
fazer implorar.
Querendo explorar seu corpo da mesma maneira que ele parecia

experimentar o meu, minhas mãos passaram a acarinhá-lo em frenesi,


mapeando os músculos das costas e dos braços. Cada parte dele me era
acessível, e ia descobrindo os pontos que faziam com que ele me beijasse

com mais intensidade, os locais que o faziam estremecer e gemer. Usei os


pés para acariciar suas pernas, e Derek me brindou com um beijo mais
sôfrego, soltando um som tão excitado que me fez fechar os olhos com o

desejo.
— Como eu quis ter você assim — disse com a voz rouca ao
aproximar o nariz do meu pescoço e inspirar fundo. — Caralho, essa
sardinha aqui é tão linda!

Pousou a boca no meu externo.


— Essa daqui também — murmurou, antes de deixar um beijinho ali.
Completamente excitada com aquelas carícias, com os pelinhos dele
me arranhando suavemente, não contive uma gargalhada quando os lábios

do meu vizinho pareciam em toda a parte de mim.


— O que é engraçado, Laranjinha? — Parecendo sem fôlego,
flexionou os joelhos no colchão e se acomodou contra os meus quadris.
Minha resposta foi em forma de um lamento por ter parado. — Você merece

ser punida.
Arqueei a sobrancelha para ele, desafiando-o, e, com um rugido,
passando um braço pelas minhas costas, ergueu o meu tronco. Com a mão

livre, começou a remover a minha camisola. A perspectiva de ficar nua na


frente dele, somado ao roçar do tecido pelo meu ventre, fazia com que meu
abdômen se contraísse, bem como todos meus músculos excitados.

Suspirando, o ajudei, passando meus antebraços pelas alças finas.


— Derek — sussurrei o nome dele quando, sem mais nada me
cobrindo, ele lançou um olhar ardente pelo meu corpo, que era pura
apreciação.

— Perfeita!
Baixou um pouco a cabeça indo em direção ao bico do meu seio, e eu
pensei que iria convulsionar quando senti seus lábios roçarem suavemente
naquele pontinho, plantando um beijo.

— Essa daqui é maravilhosa — ronronou antes de voltar a beijar o


mesmo lugar.
Não pensando em mais nada, fechei os olhos, deixando que as
sensações prazerosas me invadissem, me levando ainda mais alto.

Gemi, me sentindo cada vez mais mole.


Imersa no calor da sua boca sobre o meu mamilo, em um primeiro
momento, não estranhei o fato dele segurar os meus pulsos, porém, quando
senti algo macio deslizar por eles e imaginei o que pretendia fazer, fitei o

homem que estava me levando próximo ao orgasmo.


— O que você… — Franzi o cenho, principalmente quando ele ergueu
os meus braços sobre a cabeça e deu-me aquele sorriso de canto malicioso.
— Não estava brincando quando disse que queria explorar todas as
suas sardinhas. — Voltou a beijar o meu ombro, onde havia um conjunto de

sardas que sempre achei feio, mas que pelo jeito o fascinou. — Não quero
que você me atrapalhe.
Ele me amarrou a cabeceira da cama, me deixando em uma posição
vulnerável. Ainda assim, parecendo ter vida própria, meu corpo arqueou

contra ele em oferecimento.


— Eu…
— Podemos pensar em uma palavra de segurança, caso não se sinta
confortável — sua língua percorreu o meu pescoço —, mas não está tão

apertado assim.
Movi-me, constatando que ele falava a verdade. Se quisesse, não seria
difícil me soltar.
— Não sabia que era um dominador, nem mesmo um praticante de

bondage — minha voz saiu rouca.


Ele fez que não com a cabeça.
— Não sou — seus olhos brilharam —, mas não quero que você me
apresse.

— Hm. — Contorci-me ao sentir os pelos da sua barba contra a minha


pele.
— Isso é um sim, Laranjinha?
— Desde que você continue a me beijar e tocar — arfei.
Gargalhando, ergueu-se um pouco para deixar um beijo em um dos
meus pulsos, que foi seguido de vários outros pelo meu antebraço. Foi

subindo e descendo com calma, passando a alternar beijinhos, mordidas,


lambidas, depois fez o mesmo com o outro. Fiquei completamente surpresa
por descobrir que algumas partes do meu braço eram tão sensíveis e
erógenas sob a língua de Derek, ao ponto de arrancar de mim suspiros e

choramingos, por querer também tocá-lo. Senti meu canal retraindo com a
espiral de desejo que me consumia. Quis chorar com a ternura presente em
cada beijo que ele deixava em minha têmpora, bochecha e nariz. Eu via o
carinho em seus olhos, sentia o amor naquele pousar suave de sua boca em

mim, principalmente quando, usando o dorso da mão, ele fazia carinho no


meu rosto.
Entreabri os lábios em um convite mudo para que Derek mergulhasse
dentro de mim e, com sutileza, a língua dele novamente encontrou a minha,

se movimentando de forma lenta, parecia me degustar. Seus dedos traçavam


a curva dos meus seios, as gemas de seus polegares estimulavam meus bicos
com círculos tão suaves e delicados, que um nó se formou na minha

garganta. Ele me fazia sentir preciosa, uma mulher sexy, mas também doce e
apaixonante. Deixando a minha boca, Derek fez o que prometeu,
percorrendo cada centímetro de pele, me permitindo enxergar minhas sardas
de uma outra forma, como algo bonito. Me peguei movendo meus pulsos,
querendo livrá-los para tocá-lo da mesma maneira que ele me tocava, mas
seus olhos me pediam que eu continuasse a sua mercê.
A carícia feita pelos dentes, boca e barba se tornava mais ousada à

medida que seu corpo ia deslizando para baixo. Fechando os olhos, eu elevei
meu tronco quando seus lábios se fecharam com força no meu seio. Ouvindo
o meu suspiro, começou a sugar aquele ponto rígido, alternando o ritmo da
sucção na mesma medida que seus dedos apertavam o outro mamilo,

massageando-o com pressão, brincando com as correntes de prazer que


perpassavam o meu corpo. Quis fechar as pernas, buscando um pouco de
alívio, quando deslizou a boca para o meu ventre, provocando o meu
umbigo, mas foi impossível, já que sua coxa as mantinha separadas.

Riu de mim. Era um som gutural, cheio de excitação. Quando baixou


ainda mais a cabeça, a expectativa do que ele iria fazer me invadiu, se
espalhando por cada pedaço do meu corpo. Convidando-o a me dar mais
prazer, ergui meus quadris em direção a sua boca. Derek não precisaria de

muito para me levar ao orgasmo, meu corpo estava tenso, quente e


sensível…
— Derek! — Meu tom tinha um quê de indignação.

Melhor, era mais uma súplica, já que, depois de deixar alguns


beijinhos no interior das minhas coxas, arranhando-as suavemente com a
barba, aumentou as contrações no meu canal. Derek deliberadamente

ignorou o meu sexo, que pulsava afoito, querendo receber seus lábios e
língua em meu clitóris, e foi dar atenção para os meus pés, os beijando e
massageando.
Com alguns pequenos puxões, livrei-me da amarra frágil, que descobri

que foi feita com a minha camisola, provando que ele era péssimo na arte da
dominação.
— Que foi? — Beijando os meus dedinhos dos pés enquanto sua mão
pressionava com pressão o meu calcanhar, fitou-me com os olhos divertidos.

— Não está gostando, Laranjinha?


— Sim — gemi quando ele tocou em um ponto que provocou um
pequeno choque de desejo, meus pensamentos voltando a ficar incoerentes
—, mas...

Continuou a me acariciar.
— Hm. — Deixou outros beijos ali. — E o que você quer que eu faça,
gostosa?
Sem esperar uma resposta, que eu não me sentia capaz de dar,

começou a subir lentamente, deixando uma trilha de lambidas e mordidas


pelas minhas coxas, enquanto suas mãos passeavam pelo meu corpo. Dobrou
minha perna, para ganhar acesso à parte traseira do meu joelho, brincando

com aquela zona erógena.


A expectativa voltou a me consumir, principalmente quando alcançou
novamente as minhas coxas, e, ondulando o meu corpo, remexendo contra o

colchão, fechei os olhos, aproveitando aquelas sensações de lábios, barba e


respiração, enquanto meus dedos seguravam sua cabeça, para que ele
continuasse a me afagar. Suas mãos grandes, pesadas, traçavam o meu
ventre, cariciavam minhas costelas, até alcançar os meus seios, que pareciam

mais pesados com o seu toque.


Suspirei quando as gemas do polegar e do indicador roçaram os bicos,
começando a pinçá-los, minha coluna arqueou-se instintivamente.
Emitindo um som baixo, sentime estilhaçar ao meio, meus músculos

se apertarem, quando, acariciando a lateral das minhas nádegas com


delicadeza, erguendo os meus quadris para ele, finalmente Derek deixou um
beijo no meu sexo. Meu corpo todo estremeceu e eu sentime fraca, ao
mesmo tempo incrédula, porque nunca havia tido a experiência de ter um

orgasmo sem penetração, e a experiência foi indescritível. Como ele havia


conseguido isso, eu não sabia explicar, mas com certeza me marcaria para
sempre.

Enlevada, encarei o meu parceiro, que continuava a deixar beijos na


parte externa da minha vagina e alternava com pequenas mordidas nas
minhas coxas, mas toda a minha visão estava fora de foco. A única coisa que
estava ciente era que ele me fitava a todo o momento, e parecia sorrir,
satisfeito com a sua proeza.
Cerrei as pálpebras, tendo apenas forças restando para acariciar os

cabelos de Derek, enquanto ele ainda me estimulava. Lentamente, o torpor


do êxtase foi me abandonando, transformando-se em nova tensão e também
em insatisfação.
— Deus — blasfemei baixinho ao sentir seu indicador explorar meus

pequenos e grandes lábios, deslizando com facilidade pela minha umidade.


Gemi ao sentir a ponta do dedo roçando em meu clitóris, estimulando-
o suavemente, e soltei um som frustrado quando ele deixou de me tocar.
Forcei-me a abrir os olhos e vi Derek levar o indicador molhado com o meu

líquido aos lábios e lambê-lo. A cena completamente erótica fez com que
tudo em mim contraísse e o desejo voltasse a se acumular com mais força no
meu baixo-ventre.
— Deliciosa! — murmurou em um tom rouco, que provocou calafrios

em mim, me deixando ainda mais quente, em chamas.


Começou a se erguer, até que seu peitoral achatasse os meus seios, e
voltou a me beijar. Senti seu pau completamente ereto pulsando na cueca.

Com as nossas bocas se movendo em sincronia, nossas línguas


entrelaçadas uma na outra em um beijo urgente, voltei a acariciar Derek,
deliciando-me com a rigidez dos seus músculos, traçando toda a linha da
coluna, até alcançar a boxer. Não resisti em apertar sua bunda e ele riu.
Segurando o elástico da cueca, deslizei a peça e, sem deixar de me beijar, ele
me ajudou a despi-lo em meio a um ofegar.
— Caralho, Laranjinha — disse entre dentes quando acariciei toda a

extensão do pênis babado pelo pré-gozo. — Isso, continua.


Fechou os olhos e, sentindo-me poderosa por dar prazer a ele,
continuei a afagá-lo, seus gemidos ecoando nos meus ouvidos era delicioso.
Rodeando seu membro entre os meus dedos, comecei a masturbá-lo

lentamente, aumentando aos poucos a intensidade da pressão que eu exercia,


e o pau dele latejou e cresceu ainda mais em minha mão. Soltando um som
incoerente, seus lábios desceram novamente sobre os meus, sua língua
imitando os movimentos de penetração, fazendo com que meu ventre

tencionasse, ansioso por senti-lo me preencher.


A excitação dele aumentou a minha, fazendo com que meu sangue
agitasse nas veias, me deixando mais úmida para recebê-lo, tanto que,
enquanto o fazia gemer e arremeter contra os meus dedos, me peguei

esfregando-me nele com selvageria, sons roucos escapando pela minha


garganta, que, somados aos dele, pareciam produzir uma sinfonia, abafada
pelas nossas bocas que faziam amor de maneira selvagem.

— Camisinha? — perguntei em voz entrecortada, segurando o rosto


dele, torcendo para que ele tivesse alguma à mão, já que não tinha nem
pensado sobre isso.

Odiaria não terminar o que começamos por nenhum de nós ter


lembrado de comprar preservativos. Eu queria que ele estivesse dentro de
mim quando eu chegasse ao orgasmo outra vez.
Derek me fitou por alguns segundos e, abrindo um sorriso malicioso,

esticou a mão na direção da cabeceira e meu olhar o acompanhou. Vi um


pote cheio delas. Ele rapidamente pegou um pacote metálico de dentro dele.
Arqueei a sobrancelha para ele, surpresa.
— Prevenido, hein? — falei em um tom de diversão.

— E tem mais na gaveta. — Estremeci com a sua fala. Ele me


estendeu o pacotinho e pediu: — Faz as honras?
Assenti e peguei o invólucro da mão dele. Quis rir quando senti
minhas mãos ficarem trêmulas só com a perspectiva de tê-lo dentro de mim.

— E eu pretendo usá-las o mais rápido possível — continuou.


Meu sexo contraiu com a perspectiva.
— Mesmo? — Mal reconheci minha voz. Apertando a pontinha da

camisinha para não dar ar, a deslizei pelo seu pênis até alcançar a base. —
Isso exigirá um bom tempo na cama, no sofá, no banheiro… na cozinha,
contra a parede… — Fiz uma pausa e apontei para um móvel atrás dele — ...
na mesinha onde você trabalha.
Chamas arderam em seus olhos com as minhas sugestões e o sorriso
cachorro dele ficou ainda maior.

— Um tempo que não tenho dúvidas de que vou adorar passar — disse
em um tom faminto, cheio de promessas que, com certeza, eu iria cobrar.
Não tive mais tempo de pensar, pois, usando uma coxa para abrir-me
para ele, enquanto suas mãos se ajeitavam entre a minha nádega e o colchão,

enterrando seus dedos nas polpas com pressão, Derek ajustou seu pênis na
minha fenda e, erguendo-me para ele, fez com que eu o recebesse dentro de
mim, mas com uma lentidão que me deixou consciente de todos os meus
músculos se esticando para acomodá-lo, bem como da grossura de seu
membro.
Nos encaramos, aumentando a intimidade do ato. O contentamento

presente nos olhos escuros provavelmente espelhava os meus. Retirou-se,


mas logo começou a me preencher outra vez e eu senti seu pau pulsar dentro
de mim.
Gememos juntos quando acompanhei seus movimentos, minhas
paredes se fechando nele em um espasmo.
— Porra! — chiou quando novamente meu sexo se contraiu contra ele.
Foi automático cravar minhas unhas nos ombros dele quando chegou

fundo no meu canal e, pegando impulso, saiu de dentro de mim, voltando a


me penetrar com um tranco mais firme, o que fez com que me sentisse
deliciosamente tensa com sua invasão. Segurei o queixo dele com uma mão
e puxei seu rosto em direção ao meu, sentindo a respiração quente e ofegante
contra a minha pele.
Deslizei minha língua pelos lábios entreabertos dele antes de beijá-lo
morosamente, tragando seu suspiro no momento que ele se retirava e, outra

vez, repetisse os movimentos bem calculados que me torturavam, parecendo


sem nenhuma pressa de construir o momento em que explodiríamos juntos.
Eu sentia certa urgência. Gotas de suor escorriam, molhando os lençóis,
meus músculos oferecendo cada vez mais resistência, porém deixei que ele
ditasse os ritmos das investidas, que me fizesse amor da forma que bem
entendesse.
Da minha bunda, suas mãos foram para as minhas costas, e, sem
deixar de entrar e sair no meu canal, roçando seu pênis no meu clitóris e em

vários outros pontos, me proporcionando um arrebatamento indescritível,


meu vizinho me abraçou com força, fundindo-nos em um só. Entrelacei as
minhas pernas nele, usando os pés para acariciá-lo, arrancando sons guturais
dele. Não queria ficar uma polegada sequer separada de Derek.
Nossos corpos ondulavam em uma mesma sintonia; nossas bocas e
línguas se correspondiam na mesma medida; nossas respirações eram uma
só; nossos corações pareciam bater ritmados. A cada deslizar do seu pau, eu

me sentia completa. Uma emoção diferente de tudo o que senti antes me


dominou, intensificando as sensações prazerosas que fazer sexo com ele me
proporcionava.
Me entreguei a Derek e a aqueles sentimentos sem nenhuma hesitação,
de maneira que nunca fiz antes. E pude ver em seus olhos, que não deixaram
os meus por nenhum minuto, que ele sabia que eu me doava a ele,
entregando-lhe tudo o que tinha, deixando-me levar cada vez mais próximo

ao vórtice que me levaria ao orgasmo.


Um arfar longo e profundo escapou da minha garganta no momento
em que ele começou a me estocar com mais força, compensando-me pela
minha rendição, seus beijos tornando-se tão urgentes quanto os seus
movimentos. Nossos corpos cobertos pelo suor deslizavam um contra o
outro. O som do chocar de pelve em meio a gemidos, murmurares roucos, e
também das respirações curtas e aceleradas, ecoavam pelo quarto e
provavelmente espalhava-se pela noite, porém me não importava. Eu apenas

o acompanhava, impulsionando os meus quadris para frente e para trás,


sentindo-me cada vez mais perdida, agindo pelo instinto.
Em algum momento, fomos apenas guiados pela necessidade. Nossos
quadris batiam um contra o outro a cada penetração. Nos tocávamos com
desespero, sem nenhuma sutileza, eu o arranhava, enquanto ele mordia meu
pescoço e ombros, roçando a sua barba na minha pele apenas querendo fazer
com que o outro chegasse ao ápice. Estávamos completamente tensos,
afoitos.
E, em meio ao caos de sensações que atordoavam a minha percepção,
capturei o momento em que ele se deixava levar pelo próprio êxtase,
bombeando com mais força, atingindo o fundo da minha vagina, que
contraiu com o estímulo. Eu o apertei, querendo mantê-lo ali. A expressão
de enlevo e o gemido baixo enquanto esvaía na camisinha fizeram com que

o meu corpo entrasse em combustão e que eu perdesse o ar.


Continuando a subir e descer minha pelve, oferecendo atrito, uma
onda quente e poderosa me engolfou e eu gritei o nome dele quando atingi
outra vez o meu próprio clímax. Enquanto ele usava o restante das forças
para continuar me penetrando, senti que eu também esguichava um líquido
que nada tinha a ver com a minha lubrificação natural. Diante da constatação
que eu acabara de ter um squirting, precisou que Derek me estocasse mais
umas duas ou três vezes para que eu caísse contra o colchão, trêmula, meu

peito subindo e descendo enquanto eu lutava por ar, sentindo os espasmos de


mais um orgasmo.
Presa ao torpor, a única coisa que tinha consciência era do corpo dele
prensando o meu contra o colchão, enquanto ele murmurava algo que não
consegui captar, deixando beijos pela minha face, orelha e pescoço…
Capítulo

— Perfeita e minha — sussurrei mesmo que ela parecesse distante e


pudesse não entender. Deixando um beijinho na ponta do nariz dela,
sentindo o metal frio do piercing contra os meus lábios, coloquei uma mecha

de seu cabelo, que grudou no rosto dela com o suor, para o lado.

Eu me sentia trêmulo da cabeça aos pés. Estava ofegante, exausto,


meu coração ainda batendo acelerado, embora as últimas ondas estivessem
deixando o meu corpo, mas tive a certeza de que nunca me senti tão bem
comigo mesmo junto com outra pessoa. A conexão que tivemos, para mim,

pareceu extrapolar as barreiras físicas dos corpos e do ato sexual, indo mais
além. Era emocional, de alma. Mesmo agora, enquanto estávamos nos
recuperando do torpor, eu sentia várias emoções percorrerem o meu peito,
que iam desde a euforia, a ternura e completude.
Também era algo repleto de carinho, paixão e, de alguma forma, amor,

sentimento que não tinha dúvidas de que iria crescer com força e
extrapolaria quem eu era. Não havia mentido quando disse que estava
loucamente apaixonado pela mulher que estava debaixo de mim.
Acariciei seu rosto, deixando vários beijinhos nas sardinhas,
acentuadas pelo corar do esforço, e enterrei meu rosto nos seus cabelos,

respirando fundo, sentindo a fragrância dela misturada ao dos nossos fluidos


corporais que se espalharam pelo quarto. Era um cheiro pungente, forte,
porém eu gostei de senti-lo.
Apesar de estar agindo como um homem impulsivo, o que poderia

assustá-la, tentaria todos os dias da minha vida demonstrar a Laranjinha o


quanto meus sentimentos por ela eram reais, e que ela era tudo o que sempre
quis em alguém. Mostraria que eu desejava que ela fosse minha amiga,
minha companheira, minha mulher e minha amante, até que nossos cabelos
ficassem brancos e nossas peles, enrugadas. Mas, por enquanto, me
contentaria se ela quisesse ser minha namorada.
Deixando um beijinho em cada um dos lábios entreabertos, tirei meu

pau de dentro dela e rolei para o lado, o que arrancou um resmungo dela, o
que me fez gargalhar, novamente dominado pela excitação. Removendo
rapidamente a camisinha, dando um nó nela, coloquei-a sobre o móvel de

cabeceira para jogá-la fora depois, e, apaixonado, tomado pela sensação de


que ficamos tempo demais separados, deitei-me de lado, esticando os meus
braços para puxá-la na minha direção.
— Melhor assim, Laranjinha — murmurei, abraçando-a, colando os
mamilos pequenos ao meu peitoral.
Pousando a sua cabeça no meu antebraço, deslizei uma mão pelas suas
costas, afagando-a, adorando a sensação de sentir a pele nua contra minha
palma.
— Sim, bem melhor — seu tom soou baixo e rouco, enquanto, usando

as pontas dos dedos, começou a traçar círculos lentos pelo meu peitoral, uma
carícia fodidamente maravilhosa.
Perdi completamente o fôlego ao fitar os lábios cheios, que sorriam
provocantemente para mim, e também os olhos verdes, que pareciam ficar
uma tonalidade mais clara quando satisfeitos. Suspirei uma, duas, três,
acabei perdendo as contas, diante do toque lento e também sensual,
relembrando o que tinha sentido durante a nossa primeira vez.
Gargalhei alto ao pensar que era algo que logo iria remediar e,
eufórico, cruzei a distância que separavam nossas bocas. A puxei para mais

perto de mim com a mão espalmada na sua lombar, então capturei seus
lábios em um beijo mais romântico e apaixonado, moldando-os, usando a
língua para devotá-la da maneira que ela merecia ser tratada.
— Hum — deixou vários selinhos em minha boca e eu emiti um
muxoxo quando colocou uma distância entre nós, mas logo senti meu corpo
voltar a estremecer por Laranjinha retomar as carícias, dessa vez, descendo
pelo meu abdômen, parecendo contando os gominhos. — Por que estava
rindo?
— Estava imaginando como será a nossa próxima vez — confessei,
abrindo um sorriso lento para ela, que arqueou a sobrancelha para mim.
— Quem disse que teremos uma próxima, Derek?
Seus dedos voltaram a subir pelo meu corpo, e ela excitou a pequena
protuberância do meu mamilo, dificultando a minha capacidade de
raciocínio.
— Pensei que tinha me superado quando fiz você gritar meu nome —

fiz uma careta, desgostosa.


— Eu não gritei! — Pareceu horrorizada.
— Todos os vizinhos devem ter te escutado, doçura — falei
maliciosamente e segurei o narizinho atrevido, brincando com ela.
Bufou, parecendo indignada, mas logo pude ver em seus olhos um
pouco de incerteza.
— Eu gritei tão alto assim? — Escondeu seu rosto na curva do meu
pescoço. — Nunca fui escandalosa, mas sempre tem uma primeira vez.
— Nem tanto, amor — murmurei e voltei a cheirar os seus cabelos —
estava apenas brincando com você.
Voltou a me encarar. Havia uma emoção nas suas feições que nunca
tinha visto antes, que fez com que meu coração errasse algumas batidas.
— Amor? — perguntou baixinho.
Toquei o seu rosto, passando a gema do polegar sobre seus lábios
abertos, sua respiração contra a minha pele fazendo os pelos do meu braço
arrepiarem.
— Sim, amor — minha voz soou rouca.
— Eu… — Interrompi-a com um beijo.
— Você quer ser minha, Laranjinha? — Fiz a pergunta, mesmo que
uma partezinha de mim alertasse que deveria ter guardado por um tempo,

principalmente por ela ter as suas dúvidas e inseguranças, mas, ainda assim,
não consegui me conter. Me martirizaria, noite e dia, se mantivesse trancado
aquele anseio, aquele desejo que consumia minha alma e meu coração. —
Quer ser a minha namorada?
Seus olhos se arregalaram, sua respiração ficou mais acelerada e,
mesmo em meio a hesitação da sua expressão, eu percebi que ela analisava o
meu pedido.
— Afinal, você tem que fazer de mim um homem decente, Laranjinha.
— Adotei um tom de brincadeira. — Não vá achando que pode usar o meu
corpo quando bem entender e quando desejar. Eu estou velho, sou careta e
também um viciado em compromissos sérios. — Fiz uma pausa dramática,
levando a mão ao meu peito. — Fora que, o que os meus vizinhos pensarão
de mim ao ver uma mulher invadindo a minha casa todas as manhãs, tardes e
noites?
— Deus! — Deu um tapinha nos meus ombros, rindo. — Eles não
pensarão nada!
— Não posso correr o risco. — Fiz outra pausa. — Eu já te disse que
sou um cara viciado em dormir de conchinha?
— Não precisamos estar namorando para dormimos de conchinha,
Derek — falou, maliciosa, provocando-me.

— Mas fica melhor se estivermos — insisti, usando um argumento tão


horrível, tão ruim, que tanto eu quanto ela rimos.
— Hm… — passou o dedo pelo meu pescoço e eu engoli em seco com
a carícia suave, deliciado quando ela se aproximou ainda mais de mim. —
Acho que estou disposta a testar essa sua teoria.
A alegria fluiu por todo o meu corpo e, por alguns minutos, abobado,
eu pensei que não tinha ouvido direito.
— Isso é um sim?
— Sim, Derek. — Sua mão aproximou-se da minha e ela entrelaçou os
nossos dedos. — Eu aceito ser sua namorada. Pode não parecer, mas estou
me apaixonando por você também. Tem certeza de que me quer, com todas
as minhas desconfianças do mundo?
— Eu não tenho dúvidas de que irei destruir cada uma delas, amor. —
Soei arrogante, mas estava embriagado demais com o fato dela dizer que
estava se apaixonando por mim para me importar.
Com o coração martelando furiosamente contra minha caixa torácica,

voltei a beijá-la, mas dessa vez sem nenhum comedimento, exigindo da


minha mulher a mesma entrega que eu imprimia ao deslizar minha boca e

língua na dela. Enterrando os dedos nos meus cabelos, Laranjinha me


presenteou, retribuindo o beijo com uma intensidade ainda maior, colando o

seu corpo bem-feito ao meu, levando-me outra vez aos meus próprios
limites.

Me perdi naquela mulher, nas sensações que Iandra me despertava


com seus beijos e toques, com seus gemidos de aflição, com o ondular do

seu corpo contra o meu, com o seu calor. E, sem demora, eu tinha Laranjinha
embaixo de mim como uma hora atrás, e estava pronto para fazer amor com

ela novamente, me certificando de que eu demonstraria em cada ato e em


cada carícia que ela não se arrependeria nem por um minuto sequer de ter

tomado aquela decisão de tornar-se minha.


Capítulo

— Ele é tão fofo! — Minha melhor amiga emitiu um suspiro, olhando


o anel no meu dedo. — Esmeraldas para combinar com a cor dos seus olhos!
Olhei para as pedrinhas que adornavam o aro prateado e sorri,

abobada, porque não dizer apaixonada. Fazia pouco mais de uma semana

que tinha aceitado o seu pedido, e eu não poderia estar mais contente por ter
concordado em ser sua mulher. Derek vinha se provando tão carinhoso,
gentil, meloso, e eu estava adorando ser paparicada por ele, bem como
dormir quase todos os dias de conchinha com ele após cairmos exaustos no

colchão. Tudo no corpo um do outro era uma novidade, e nós não nos
cansávamos de explorar os pontos que nos davam prazer. Quis rir do fato de
que alguns dias atrás eu tive que passar várias camadas de corretivo e base
para disfarçar as olheiras pela noite insone, a qual passei em cima e também
embaixo do corpo de Derek.

— Sim, são lindas — falei baixinho, depois de ter se passado um


minuto.
Se fosse honesta, eu ainda não conseguia acreditar na surpresa que o
meu namorado havia preparado para mim. Na noite anterior, Derek tinha me
levado para dançar, mesmo ainda lembrando da nossa tentativa furada no

parque, o que se provou bastante divertido, apesar de algumas pisadas nos


pés. Jantamos fora, à luz de velas, e, durante a sobremesa, ele tinha me dado
a caixinha com o anel, joia que simbolizava o nosso namoro.
Surpreendentemente, ele também agora ostentava uma meia aliança no

anelar direito.
— Não sabia que se usava anel durante o namoro. — Ela voltou a
suspirar, e eu desviei o meu olhar para o rosto dela.
Os olhos azuis brilhavam, risonhos. E mesmo que esperado, uma
emoção me dominou ao perceber que Ruth parecia extremamente contente
por mim, faltando só dar pulinhos de alegria.
— Nem eu, Ru — confessei. — É a primeira vez que ganho um

desses.
— O que torna esse menino ainda mais maravilhoso — continuou, e

eu soube que ela iria começar a listar as inúmeras qualidades de Derek, o


que antes sempre me deixava irritada, porque, no fundo, não queria admitir
que meu vizinho cachorro tinha várias coisas boas a serem numeradas, mas
não mais. Era apenas uma implicância minha pelas coisas que me fez no
passado. — Você conquistou o melhor partido de Columbus!
— Acho que está exagerando, Ruth — brinquei com ela em meio a
uma risadinha, deixando claro que fiquei na defensiva.
Dito e feito. Minha melhor amiga fechou a cara para mim, cruzando os
braços em uma tentativa de parecer com raiva. Minha gargalhada se tornou

mais alta.
— Deixe só Max ouvir que você está falando que ele não é o melhor
partido da região — a provoquei.
Ela teve a decência de corar.
— O segundo melhor, então — falou baixinho.
— Talvez — comentei. Inconscientemente, brinquei com o anel,
girando-o em meu dedo. — Quem diria que acabaria me apaixonando por
aquele playboy irritante que implicava comigo por tudo…
— Te garanto que não foi por ele, filha. — Foi a vez de ela dar uma

risada gostosa. — Aquele, você teria matado.


Voltei a rir.
— Nunca esteve mais coberta de razão, Ru. Sem nenhum pingo de
dúvidas, aquele eu teria estrangulado. Apesar que, no início, não me faltou
vontade de esganá-lo.
— Tenho que agradecer por você não ter feito isso. — Estremeceu. —
Teria odiado te visitar no presídio feminino.
Fiz uma careta e me remexi no meu assento.
— Não quero nem pensar nisso — murmurei. — É algo muito
desagradável e eu me sinto tão feliz agora...
Pegou as minhas mãos e as segurou, apertando-as com suavidade. Não
me passou despercebido o contraste entre a pele enrugada e cheia de
manchinhas dela e a minha, lisa. Éramos de duas gerações distintas, mas,
ainda assim, estávamos ligadas por um laço forte e poderoso.
Compartilhávamos nesse momento a alegria mútua por termos encontrado
homens bons que nos respeitam e nos faziam nos sentir amadas.

— Eu também estou feliz, por nós duas — confirmou em voz alta


aquilo que acabei de pensar.
— Quer que eu prepare um chá para nós? — indaguei, após ficarmos
uns instantes em um silêncio confortável. — Que bela anfitriã eu sou por
sequer ter oferecido algo para beber.
— Não é necessário, filha. — Deu algumas batidinhas nas minhas
mãos. — Só estava caminhando por essa rua e decidi dar uma passadinha
para te ver. Felizmente te encontrei em casa, estava curiosa para ver o seu
anel.
Riu deliciada.
— Fora que, daqui a pouco, Derek deve estar chegando para te levar
para conhecer o irmão e a esposa dele, não é? — continuou em tom
animado, e eu senti um friozinho na barriga ao pensar que em pouco menos
de uma hora iria me encontrar com as outras duas pessoas que meu
namorado mais amava no mundo.
Tentei me manter calma, dizendo a mim mesma que se eles não
gostassem de mim, não havia nada que eu pudesse fazer.
— Falando nele... — Ruth falou em um tom malicioso e eu olhei para
ela, confusa. — A campainha, Iandra.
— Oh, claro — falei abobada. Saindo do transe que estava, me
levantei.

Senti a ansiedade por ver Derek substituir o medo do que iriam pensar
de mim, e, com borboletas no estômago e o coração descompassado,
sorrindo como uma tola, fui atender a porta. Mal a abri e senti seus braços
fortes me envolverem em um abraço quente, colando-nos.
— Senti falta de você, amor.
Minha resposta saiu estrangulada quando os lábios macios cobriram os
meus em um beijo que era pura sofreguidão, cheio de desejo e impaciência,
como se fizesse vários dias, não apenas algumas horas, que ele não me
beijava, e sentindo as mãos dele deslizarem pelas minhas costas até alcançar
a minha bunda, apertando a polpa, eu descobri que estava tão afoita quanto
Derek. Deixando mordidinhas no lábio superior, segurando-o pela nuca,
aprofundei nosso contato com a língua, sentindo-me derreter contra sua
boca. Suspiramos em uníssono quando nossos sexos se friccionaram, o jeans
oferecendo ainda mais atrito.
— Temos tempo — falou com a voz ofegante contra o meu ouvido,
antes de tomar o lóbulo entre os dentes e puxar-me mais de encontro ao seu
pênis, que começava a crescer.
— Infelizmente, não. —Ele ergueu o rosto para me fitar.
— Não?
— Ruth está aqui.

Sorri com o olhar de pena que ele me lançou e dei uns tapinhas no seu
rosto, procurando animá-lo.
— À noite, serei toda sua, Derek — ronronei, deslizando um dedo pelo
seu pescoço. — Para o que você quiser.
Os olhos negros cintilaram, não escondendo seu desejo, nem mesmo a
antecipação que corria pelas suas veias. A ânsia que havia nele tornou-se
minha, pois eu não tive nenhuma dúvida de que Derek iria fazer o que
quisesse do meu corpo, o que me daria muito prazer. Ele era um homem
criativo na cama, embora nem todas as “nossas” tentativas funcionassem e
terminavam com nós dois rindo.
— Vamos entrar? — O tom dele era rouco. — Tenho que
cumprimentar minha maior fã e também minha segunda maior aliada.
Enquanto ria com a lembrança dele concluindo que tanto Ruth quanto
Charlie haviam o ajudado a me conquistar, agindo como grandes cupidos,
Derek me virou, dando um tapa estalado na minha bunda para me apressar.
Fechou a porta. Dei uma reboladinha para provocá-lo e o palavrão que saiu

abafado atrás de mim me indicou que eu havia conseguido.


Dois braços envolveram a minha cintura, prendendo-me contra o

peitoral rígido, e ele me ergueu no alto, impedindo-me de caminhar por mim


mesma. A cena, quase que de filme, fez com que a “fã” dele, mais do que

romântica, suspirasse e desse uma risadinha, deliciada.


Teria que preparar meus ouvidos para a nova onda de adjetivos que

muito em breve Ruth listaria.


Capítulo

— Hey, Laranjinha. — Pousou a mão na minha coxa, apertando-a


suavemente. — Não precisa ficar nervosa, amor. São só o Shall e a Sybill.
— Só? — Questionei em um tom que tinha um pouco de ironia.

Infelizmente, nem sempre eu conseguia dominar o meu sarcasmo.

Ele riu e eu o encarei, de cenho franzido.


— Bem, tem o Devon na barriga da mamãe também — disse em um
tom divertido, mas mantendo toda a sua atenção no trânsito movimentado da
Interestadual 71.

Sorri perante a tentativa dele de me fazer relaxar. Talvez ele tenha


conseguido um pouco, mas somente um pouco.
— E você já conhece Shall. — Recordou-me da reunião que tive com
o irmão dele para apresentar uma das campanhas da Playing, que inclusive
já se encontrava em veiculação. — Ele te acha brilhante, o que não é

nenhuma novidade para mim.


Um pingo de vaidade me invadiu por ter o meu trabalho reconhecido
pelos meus chefes.
— Agora é diferente, Derek. — Suspirei e senti falta da mão dele em
mim, que agora passava a marcha. — Sou a sua namorada, não uma

funcionária que ele pode demitir se estiver fazendo um péssimo trabalho.


— Bobagem…
Fiz que não com a cabeça e olhei pela janela.
— Eu sei o quanto você os ama, e que nos darmos bem é algo

importante até mesmo para mim.


— Eles vão adorar você, Laranjinha.
— Com a minha acidez? — Senti-me insegura, maus hábitos eram
difíceis de se dissociar.
Gargalhou.
— Principalmente por isso, doçura. — Fez uma pausa e eu vi o sorriso
dele. — Esse é o seu charme e o que fez me apaixonar por você.

Sua mão voltou a minha coxa. Ficou me acariciando.


— Hm. — Sorri, abobada.
— Você pode ser considerada cítrica, mas, por dentro, é docinha —

continuou naquele mesmo tom suave.


— Sério, Derek? — Comecei a rir descontroladamente, ao ponto de
sentir dor na barriga e lágrimas nos olhos. — Realmente usou uma laranja
para fazer uma analogia a mim?
— Mandei bem, não acha?
— Foi péssima! — Falei, ainda rindo. — Vou ficar muito surpresa se
souber que você conseguiu ganhar alguém com elogios assim.
— Já disse que sou ruim com essas coisas. Bom que não preciso
conquistar mais ninguém. — Soou arrogante. — A única mulher que eu

desejo já é a minha namorada.


Arqueei a sobrancelha para ele.
— Isso não quer dizer que você não tem que melhorar o seu repertório
para mantê-la ao seu lado, Derek — gracejei, acariciando o dorso da mão
dele.
— Tentarei me lembrar disso, mas acho difícil, já que nunca fui muito
bom nisso — disse com a voz séria.
Dando a seta, parou o carro no acostamento.
— O que houve? — Fiquei confusa.

— Mas com relação à boca... — Soltou-se do cinto e se inclinou na


minha direção. — Sou muito bom em usá-la, não é mesmo, Laranjinha?
Me fitou maliciosamente e logo vi aquele sorriso safado, de canto, se
abrir lentamente.
Minha respiração ficou ofegante. Senti todo o meu corpo se contrair
com a lembrança dele estimulando o meu clítoris com os seus lábios, línguas
e dentes, até que eu pedisse em voz rouca que ele me fizesse gozar. E Derek
tinha me levado ao êxtase ao aumentar a pressão das suas carícias, não uma,
mas várias vezes. Sim, não podia negar. Ele era muito habilidoso. E, olhando
para os olhos escuros dele, soube que Derek estava muito ciente dessa sua
“qualidade”.
— E com os dedos também… — Seu tom era rouco, cheio de luxúria,
e meu namorado desafivelou meu cinto.
— Derek! — Dei um gritinho abafado quando os dedos dele
começaram a acariciar lentamente a região da minha virilha, me deixando
instantaneamente tensa.

Sem deixar de fitar meus olhos, continuou a me estimular por cima do


jeans, friccionando o tecido contra minha calcinha, e um gemido alto ecoou
no carro. Mordendo os lábios, tentando conter os sons que escapavam pelos
meus lábios, foi instintivo esfregar as minhas coxas uma na outra, querendo
aplacar aquele pulsar incessante que ele havia produzido em mim com
aqueles toques sutis, mas que não tinham nada de inocentes.
— O que está fazendo? — perguntei, ofegante. Estava perdendo a
capacidade de ter um raciocínio coerente com ele me tocando daquela forma,
a única certeza que tinha era que Derek não deveria estar fazendo isso, não
no meio da estrada, onde alguém poderia ver, e a caminho da casa do irmão
dele.
Sua resposta foi me dar aquele sorriso malicioso enquanto,
competentemente, Derek começou a abrir o cós da minha calça, abaixando o
zíper lentamente.
Finquei a unha no assento de couro, controlando-me para não rebolar
no lugar, ao sentir seu dedo roçando, de cima a baixo, meu sexo protegido
pelo tecido fino da calcinha. Porém, eu perdia cada vez mais o controle
sobre mim, principalmente quando o meu homem me tocava e me olhava
daquela maneira, dando e sentindo prazer ao me estimular.
Outro som incoerente escapou de mim quando a mão enorme tocou

minha vagina possessivamente, e o calor da sua palma quente transpassou a


renda, fazendo com que os meus músculos se contraíssem com o espasmo,
querendo ser preenchido. Contorcendo-me no lugar, afoita, coloquei-me de
lado e busquei os lábios dele, que estavam entreabertos devido a respiração
acelerada, e o beijei, engolindo seu grunhido excitado, que irradiou por todo
o meu corpo e aumentou as sensações provocadas pelo contato e também
pelo encontro das nossas bocas, que se moviam lentamente.
Caralho, eu amava o beijo daquele homem, tanto que nunca me
cansava de sentir a calidez, a pressão e o gosto da sua boca. Segurei sua
nuca, puxando-o mais para mim enquanto minha língua abria passagem
pelos seus lábios. No momento em que nossos músculos deslizaram um
contra o outro, tornando o beijo mais urgente, Derek infiltrou sua mão pela
minha calcinha e, com as pontas dos dedos, percorreu suavemente os meus
grandes e pequenos lábios, arrancando não apenas gemidos de mim, mas me
fazendo rebolar contra ele, ansiosa pela penetração e pelo estímulo que não
me negaria.
— Fodidamente gostosa, Laranjinha — murmurou ao inserir os dedos
médio e o indicador em mim, deslizando com facilidade pelo meu interior
úmido. — E sempre pronta para mim com a menor carícia.
Continuou a dizer palavras sujas, enquanto entrava e saía de dentro de

mim, mas sem me dar aquilo que meu corpo passara a ansiar, e eu voltei a
calá-lo com a minha boca, dominada pela urgência que Derek me suscitava.
Mordi os lábios dele, selvagemente, no momento em que seus dedos fizeram
movimentos delicados próximos a entrada da minha vagina, em um ponto
que fazia com que minha mente ficasse em branco e eu fosse guiada apenas
pelo desejo.
Sentindo minhas paredes internas se contraírem, meu clitóris pulsar
pela insatisfação de não ter sido estimulado ainda, meu corpo inteiro ficando
mole contra o banco, passei a arquear os quadris contra os dedos de Derek,
que alternava entre carícias circulares no meu ponto G, penetrações e
movimentos com as pontas dos dois dedos, estimulando vários músculos e
locais sensíveis, que ele já conhecia das nossas últimas experiências.
— Deus! — Blasfemei baixinho quando um terceiro dedo dele me
invadiu com força. Derek começou a entrar e sair pelo meu canal, que se
contraía ainda mais a cada investida, ficando cada vez mais tensos.
Meu namorado riu, aumentando a intensidade dos seus movimentos.

Segurando em seus ombros, eu fechei meus olhos, deixando-me levar pelo


prazer que se espalhava em ondas por todo o meu corpo, me fazendo perder

a noção de tempo e espaço, do meu próprio pudor. Eu rebolava contra o


assento, movendo minha pelve, exigindo que ele chegasse mais fundo, me

estocasse ainda mais rápido, que seus dedos me proporcionassem o alívio


que o meu sexo exigia.

Quando meu namorado encontrou o meu clitóris e começou a acariciá-


lo lentamente, esfregando-o, senti que algo dentro de mim começava a se

quebrar, sensação que se tornou ainda mais forte quando Derek imprimiu
mais pressão aos seus movimentos.

— Me beije, doçura — ordenou com a voz rouca ao voltar a alterar


seus estímulos, com roçares, penetração e pinçares suaves, que faziam com

que eu remexesse ainda mais, erguendo a minha pelve para encontrá-lo.


— Hm. — Meu cérebro não raciocinou, presa naquele torpor
delicioso.

— Iandra… — Meu nome soou mais alto, ainda mais imperativo.

Gemi e me forcei a abrir os olhos para encarar o homem que, às vezes,


tinha uma veia mais dominadora, mais possessiva, mas antes que pudesse

obedecê-lo, enquanto seus dedos se agitavam em meu interior, com um


grunhido gutural, sua boca desceu sobre a minha em um beijo nada gentil,

que não tinha ideia como retribuí.


Seus lábios eram firmes, sua língua exigente, seus toques no meu

ponto de prazer tornando-se ainda mais precisos, rápidos, fazendo com que
eu fechasse minhas pernas, prendendo a sua mão naquele ponto. Ele seguiu

com aquele ritmo alucinante até que eu sentisse minha vista embaçar, meu
coração acelerar, quase saindo pela boca, e meu corpo todo convulsionou

com o orgasmo que roubou o restante das minhas forças. Com a boca ainda
na minha, ele tragava todos os sons que eu emitia em meio ao êxtase.

Mole, completamente relaxada, lutando para encher meus pulmões de


ar, deixei-me cair contra o assento, ao passo que Derek prosseguia com suas

carícias, que prolongaram aquele torpor até que um suspiro baixo, satisfeito,
escapasse dos meus lábios.

Deixou um selinho nos meus lábios. Choraminguei quando removeu


os dedos de dentro de mim, queria mantê-los ali para que começasse com as
suas provocações tudo outra vez, e ele emitiu uma risada baixa. Encarei seu

rosto e percebi seus olhos negros arderem de satisfação.


— Maravilhosa, como sempre — sussurrou, dando-me um sorriso

cretino.

Sem fôlego, não respondi. O vi abrir o porta-luvas com a sua mão


limpa, para pegar um lenço e remover meu líquido dos seus dedos.

— Caralho, mulher, você me deixa insano. — Pareceu contente por


isso, o que, ainda presa ao torpor, achei um pouco estranho. — Eu já te disse

que você é tudo o que eu queria em uma pessoa, Laranjinha?


— Acho que sim. — Encontrei a minha voz, não o meu raciocínio.

Arqueou uma sobrancelha, parecendo cético.


Mergulhando a mão nos meus cabelos, trouxe-me para outro beijo,

mas dessa vez, apaixonado e cheio de ternura. Uma buzina fez com que eu
interrompesse o contato das línguas, dando-me conta de onde estávamos. A

adrenalina baixou. Eu devia estar mais vermelha que um tomate maduro


perante a vergonha por ter cometido um atentado ao pudor. Emitindo um

som de desagrado ao ouvir o som, Derek me soltou e voltou a se acomodar


no seu banco, colocando o seu cinto.

— Temos que repetir isso outras vezes — pareceu pensar em voz alta.
— Derek!
— Que foi? — Encarou-me e fitou a minha calça aberta. Fechei as
minhas pernas instintivamente perante o seu olhar predador. — Foi bom. —

Batucou os dedos no volante. — Muito bom, na verdade.

— É. — Concordei, fechando o zíper e ele fez um muxoxo. — Mas


agora não faço a mínima ideia de como vou chegar nesse estado tão

deplorável na casa do seu irmão.


— Você está linda, Laranjinha. — Deixou um beijo no meu nariz, que

provavelmente estava franzido.


— Sua opinião não conta, é muito bajulador. — Baixei o quebra-sol

para me fitar no espelho e o que vi me deixou assustada.


Eu estava descabelada, minha pele avermelhada, o batom borrado.

Encarei o homem que tinha falado que eu estava “linda”, achando que se ele
não era louco, provavelmente precisava dos seus óculos em outras ocasiões

que não fossem apenas para descanso.


— Droga, estou horrível. Não posso encontrar a sua cunhada assim.

— Não vejo por que não.


— Parecendo uma selvagem, para não dizer coisa pior? Não, obrigada.

— Coloquei o cinto e disse em tom de ordem: — Dê meia volta agora,


Derek.

Deu uma risada, o que me deixou irritada, irritação que ficou maior ao
ver que ele parecia quase impecável. Só a camisa levemente amarrotada o
denunciava.

Arrancou o veículo e seguiu em frente, perdendo a entrada para fazer o

retorno.
— Derek, você não viu a placa?

— Eu vi.
— E então? — Bufei.

— Relaxa, Laranjinha. — Deu um sorriso, sua palma voltando a


pousar sobre a minha coxa. — Podemos parar em um centro comercial em

Lewis Center e achar algum lugar para você se trocar, ou tomar banho.
— Okay.

— Eu nunca permitiria que você se sentisse desconfortável, não


quando eu posso evitar — falou sério e eu suspirei, encantada pela sua

declaração.
— Obrigada, amor.

— Amor? — murmurou baixinho, puxando a palavra, como se a


saboreasse. — Gosto de ser chamado por essa palavra, Iandra.

— Bobo!
— Você sabe que eu sou um bobão.

— Sei… — respondi, segundos depois.


— Essa doeu, Laranjinha. — Fez uma careta. — Era para você falar

que não sou. Me defender.


Dei de ombros, sorrindo.
— Me lembrarei disso da próxima vez…

Continuamos a nos provocar, como dois adolescentes, até que meu

namorado parasse o carro em um centro comercial da cidade que era menor


que Columbus.

Dando a mão para ele, senti-me agradecida por Derek ter me feito
relaxar, fazendo com que eu me esquecesse das minhas inseguranças. Me

apaixonei ainda mais por ele.


Capítulo

— Peço desculpas por não te receber na entrada, Iandra…


A voz doce e calma fez com que eu desviasse a minha atenção da
decoração colorida em tons de um vermelho vivo, dourado e também rosa-

choque, que enchiam os olhos, e encarasse a mulher miúda sentada em um

sofá creme, cujo rosto estava emoldurado por um hijab[14] esmeralda que

ressaltava a pele morena.


— Hoje as minhas costas decidiram me martirizar — falou em um tom
jocoso, dando uma risada suave, e eu sorri para a mulher que, mesmo que
dizia sentir dor, parecia irradiar alegria. Fitei a barriga de final de gravidez
que sem dúvida nenhuma deveria deixar a coluna dolorida.
— Não se preocupe, Sybill. — disse gentil. — Essa deve ser uma das
piores partes da gravidez.
— Isso e o enjoo. — Voltou a gargalhar e não contive a minha própria

risada quando ela fez uma careta de desagrado, para logo depois tocar o
ventre abaulado com uma ternura que só uma mãe que ama muito o seu bebê
poderia ter. — Mas, no fim, todos os incômodos valerão a pena quando eu
puder olhar o rostinho de Devon e tê-lo em meus braços.
— Será a melhor mãe que eu conheço, querida — Marshall falou,

parecendo tocado pela emoção demonstrada pela sua esposa.


Era uma cena linda de se contemplar, e me senti emotiva.
Apertei a mão de Derek, e ele levou meus dedos aos lábios, deixando
um beijo nas minhas falanges.

— Você não conta. — Ela mostrou diversão, dando um tapinha na mão


do marido. — Ajude-me a levantar, querido, para cumprimentá-los direito.
— Claro, amor.
Suspirei baixinho quando o homem, depois de deixar um beijo na testa
da esposa, ajudou-a a se erguer. Fazia nem cinco minutos que eu estava na
frente deles, mas o modo como Marshall fitava a esposa deixava qualquer
um suspirando e com uma pontada de inveja. Claramente ele a amava e tinha

uma devoção extrema por ela. E a recíproca era verdadeira, pois Sybill tinha
aquele mesmo olhar apaixonado para ele.
Encabulada, desviei meu olhar e fitei meu namorado, percebendo que

Derek me encarava fixamente. Um calafrio percorreu a minha coluna e eu


perdi o ar ao ver nos olhos escuros de Derek sentimentos parecidos com
aqueles que o irmão dele nutria pela esposa. Me senti desconcertada perante
a intensidade daquele homem e, ao mesmo tempo, nas nuvens. E mesmo em
meio a minha descrença exacerbada, senti o amor dele por mim. Sorri para
ele.
— Seja bem-vinda a minha casa — voltei minha atenção para a
mulher, que parecia deliciada com a minha interação com meu namorado,
principalmente quando ele deu um beijo estalado na minha bochecha. —

Não sabe o quanto estava curiosa para te conhecer, Iandra, ainda mais depois
de Derek ter falado tanto sobre você.
— Obrigada, Sybill. — Coloquei uma mecha atrás da orelha e olhei
para meu homem, que ainda continuava a me olhar. Não resisti em deixar
um comentário ácido, cheio de malícia: — Espero que tenha falado muito
bem de mim, senão serei obrigada a tomar providências severas.
— Claro que sim, doçura, por quem me tomas? — Derek fez uma
careta engraçada e nós três rimos da sua cara. — Eu só tenho coisas boas
para falar de você.

— Duvido — provoquei-o e dei de ombros, fazendo com que, dessa


vez, ele risse enquanto os olhos negros brilhavam, cheios de diversão.
Segurou o meu nariz e o apertou de uma maneira que eu detestava,
arrancando de mim um bufar nada elegante.
Envolvendo a minha cintura, puxou-me de encontro ao seu corpo,
cheio de possessividade, plantando outro beijo estalado no meu rosto.
— Mulher desconfiada — murmurou na minha orelha antes de
aumentar seu tom: — Syll está de prova que só falei bem de você.
— Juro que sim — ela concordou, dando um sorriso. E acariciando a
barriga suavemente, concluiu: — Nunca ouvi nenhuma palavra negativa
vindo dele a seu respeito.
— Hm. — Mordi os lábios.
— Agora, pare de ser monopolizador, Derek, e deixe que eu a
cumprimente direito— ralhou, fazendo com que as mãos dele deixassem o
meu corpo.
Pegou-me de surpresa com o abraço, desajeitado por conta da barriga

volumosa, já que a cultura à qual ela pertencia não tinha por hábito
cumprimentar pessoas desconhecidas com toques, abraços, ou beijos.
Retribuí, abraçando-a de volta, e ela deixou um beijo em cada lado da minha
face.
— Somos irmãs agora, então não precisa ter medo de me abraçar ou
tocar — falou em um tom doce, me encarando com os olhos amendoados
extremamente gentis. Devo ter transmitido meu assombro a ela.
Assenti, concordando.
— E espero que sejamos irmãs por muito tempo — continuou. Foi
impossível conter a minha própria emoção por ser tão bem-recebida por ela.
Me sentia tola, mas meus olhos lacrimejaram.
— Eu também. — Sorri.
— Acho que nos daremos bem. — Piscou para mim, dando um passo
para trás. Depois de ser cumprimentada por Derek com um beijo na testa, foi
abraçada pelo marido, que pousou as duas mãos na sua barriga,
protetoramente. — Ainda mais se você for mesma ácida, como Derek disse
que você é.
— Derek! — Bati o pé no chão e, ouvindo as gargalhadas, me virei
para ele. — Não acredito que você disse isso! Eu queria causar uma boa
impressão!
— Acho que você acabou de falhar, Laranjinha — soou divertido,

voltando a me puxar para ele novamente. Deixei socos no seu peitoral. —


Essa é a minha verdade. E não poderia estar mais feliz com ela.
Ele sabia como me fazer sentir encantada.
— Muito doce da sua parte.
— Será? — Seu tom era sério, mas, nas entrelinhas, soube que ele iria
“exigir” uma recompensa.
Compensação que envolveria prazer e entrega. Cachorro safado!
— Por que não tomamos um refresco na varanda? Shall irá pedir que
sirvam um suco para nós — disse a anfitriã ao se desvencilhar do marido,
que assentiu. Voltou-se novamente para mim. — Tenho certeza que você
adorará a vista que temos do lago Alum Creek.
Antes mesmo que eu concordasse, a mulher baixinha enganchou seu
braço no meu e, ignorando os irmãos, começou a caminhar com passos
lentos em direção ao deque, tagarelando animadamente sobre a sua gravidez,
seus receios e empolgação, como uma mãe de primeira viagem faria.
Quando o suco gelado chegou, antes mesmo de Derek e Marshall se
juntarem a nós, eu e Syll — já a chamava pelo apelido — estávamos rindo,
trocando comentários ácidos sobre vários assuntos com naturalidade,
principalmente sobre um caso de xenofobia que ocorreu em Cleveland.
Parecíamos velhas conhecidas. Eu estava boquiaberta com o fato dela

ser versada em vários assuntos e ser tão humana ao ajudar várias ONGs que
prestavam apoio a estrangeiros na América. Sentime uma tola por ter tido
receio dela não gostar de mim, ainda mais ao descobrir que sua
personalidade, apesar da rigidez com que foi criada, era tão forte quanto a
minha. O casamento com Marshall permitiu que, em partes, ela se soltasse
das amarras severas impostas pelo pai, permitindo que ela fosse mais livre,
que ela falasse com um homem de igual para igual, não um ser subserviente,
embora ela continuasse a seguir fielmente suas crenças.
Nossos homens nos encontraram rindo, quando nós duas concluímos
que os irmãos Sommerfelds pareciam atraídos por mulheres impossíveis e,
principalmente, difíceis.
Capítulo

— Bom dia, amor — Derek falou assim que atendi a videochamada,


sem nem olhar as horas.
Diferentemente de mim, que ainda estava debaixo dos edredons,

acabando de acordar, cheio de remela nos olhos, ele parecia pronto para

começar o dia, vestido com uma roupa social justa, que o deixava sexy,
principalmente quando usava seus óculos.
Caralho, aquele homem faria qualquer mulher querer despi-lo. Senti
uma onda de ciúmes com o pensamento, porém logo o sentimento se

abrandou ao lembrar que a recíproca era verdadeira, que Derek era tão
ciumento e até mesmo mais possessivo quanto eu, mas não ao ponto de me
sufocar.
— Estou sentindo falta de você — continuou.

— Eu também. — Fiz um biquinho. Fazia menos de dois dias que não


o via por conta de um congresso que ele estava participando em Nova York,
mas, ainda assim, estava sentindo a ausência dele. — Principalmente em
acordar com você.
Os olhos dele brilharam.

— Só acordar, Laranjinha? — Sua voz era rouca.


Sorriu lascivamente para mim, fazendo com que uma onda de desejo
se acumulasse no centro do meu sexo.
Movi-me contra os lençóis macios como se fosse uma gatinha.

— Sim — menti.
Gargalhou baixinho.
— Descarada. — Seu tom era malicioso. — Você é safada demais para
que eu acredite nisso.
Mordi os lábios, provocativamente, e Derek gemeu.
— Não tenho como negar, amor — sussurrei a última palavra,
consciente de que ele gostava de ser chamado assim.

— Porra, mulher! — disse em meio a um gemido. — Você está me


deixando ereto.
Foi a minha vez de rir perante aos impropérios que ele emitia, mesmo

que eu também estivesse extremamente excitada, desejosa por sentir sua


ereção me preenchendo com estocadas fortes e rápidas.
Escutei um som baixo e ofegante sair da minha garganta.
— Caralho! — Sua voz era grossa, ríspida, mas seus olhos brilhavam,
como se gostasse do que via e ouvia. — Pena que não tenho tempo para
fazermos uma brincadeira “interessante”.
Meu corpo inteiro pareceu ficar em chamas. Fechei as pernas com
força e escutei o som ruidoso da minha respiração.
— E qual seria? — Minha mente estava embotada.

— Comandar cada movimento seu enquanto se dá prazer. — Sua


expressão parecia a de um predador, apesar do seu tom ter sido neutro. —
Talvez, só talvez, eu deixasse você usar o “Mike”.
— Você pegou pesado agora, Derek — murmurei, ao recordar das
vezes que usamos juntos o vibrador clitoriano que eu havia adquirido duas
semanas atrás. — Me sinto tentada a…
— Não! — ordenou, o comando me deixando arrepiada. — Mas quem
sabe à noite...
Emiti um som frustrado, para logo depois sorrir, sentindo tudo em mim

vibrar com a antecipação.


— Dormiu bem? — mudou de assunto.
— Até que sim, e você?
— Podia ter dormido mais. — Coçou a barba e eu vi certo cansaço
nele, além de preocupação. — E Charlie, como vai? Mais animado?
— Depois que você foi dormir ontem, tentei dar a ele os petiscos
favoritos dele, mas ele cheirou e ignorou, como fez com a ração mais cedo.
— Franzi o cenho ao pensar no comportamento estranho do cachorro, que
estava sob meus cuidados e que nunca negou biscoitos. — E não dormiu
comigo também.
— Ele deve estar sentindo minha falta. — Pareceu pensativo. —
Recordo que, nas vezes que ficamos separados, a dona do hotelzinho me
disse que ele tinha ficado sem apetite. Tentou dar frango desfiado para ele?
Fiz que não com a cabeça.
— Tentarei.
— Em todo caso, depois de amanhã estou de volta. — Suspirou,

passando a mão nos cabelos. — Preciso desligar, e acho que você também
tem que levantar, senão vai acabar se atrasando.
Olhei para o relógio na mesa de cabeceira, percebendo que era o
tempo de tomar um banho, cuidar de Charlie e comer alguma coisa.
Outro som frustrado me deixou. Queria poder continuar conversando
com ele vários minutos a mais.
— Bom dia, doçura. — Piscou para mim.
— Boa apresentação, amor. — Mandei beijos para a câmera e ele
sorriu.
— Obrigado.
— Até mais tarde, então?
— Sim, com toda a certeza do mundo, Laranjinha. — Mandou vários
beijos antes de desligar.
Suspirei, abobada, e me ergui da cama, indo direto para o chuveiro. A
água morna fez com que meus músculos relaxassem e o restante da
sonolência se dissipasse. Coloquei um terninho e apliquei uma fina camada
de maquiagem antes de deixar meu quarto.
— Charlie? — Comecei a chamá-lo enquanto descia as escadas,
esperando que ele me encontrasse no meio do caminho, porém o cachorro
nem ao menos latiu.
Sentindo que havia algo de errado com o animalzinho, desci correndo

com o coração na boca. Com a pressa urgindo em minhas veias, acabei


tropeçando em um degrau, quase indo ao chão. Antes mesmo que alcançasse
a poltrona que ele gostava de se aconchegar, vi pequenas poças de vômito,
com vestígios do alimento que ele havia consumido no dia anterior, o que
me deixou ainda mais em pânico. Definitivamente, algo não estava certo.
Encontrei o cãozinho deitado no tapete, parecendo prostrado. Os
ganidos baixinhos, como sentisse dor, eram-me recebidos como pequenas
facas, dilacerando a minha alma. Ergueu o rostinho lentamente, mais um
indício do seu mal-estar, e me encarou com os olhos caramelos parecendo
opacos, sem o brilho costumeiro, antes de voltar a se deitar. Meu coração se
apertou por ele, e a culpa me invadiu.
Há dois dias, ele estava sapeca, fazendo arte, pulando em cima de mim
e de Derek, e agora ele parecia mal sob meus cuidados. Deus, se algo
acontecesse com ele, meu namorado não me perdoaria. Muito menos eu.
Amava aquele animalzinho como se fosse meu próprio filho.
— O que aconteceu, meu amor? — ajoelhei-me na frente dele e
acariciei o topo da sua cabecinha.
Toquei seu focinho, encontrando-o quente. Ele ganiu, e, abrindo sua
boquinha, percebi que havia excesso de salivação.
Meu movimento fez com que ele golfasse, colocando um pouco de

líquido e mucosa para fora, sujando-me e também as suas patinhas e


rostinho.
Apreensiva, com os pensamentos a mil, como uma barata tonta sem
saber o que fazer, me limpei no lavabo e peguei uma caixa de lenços para
higienizá-lo.
— Vamos ao veterinário, okay? — Passei o papel nas patas e na boca.
Coloquei-o em cima da poltrona e corri para a despensa, para pegar o
rodo e um balde para limpar as poças, então encontrei a porta aberta e vi
pedaços de cápsulas de sabão em pó, que eu guardava na prateleira de baixo,
mastigadas. Isso só fez com que a minha culpa aumentasse ainda mais, não
havia dúvidas de que Charlie tinha comido algumas; os dentinhos no plástico
eram a prova viva disso.
Meus olhos lacrimejaram, turvando a minha visão. Senti raiva de mim
mesma por não ter fechado a porta direito, dando acesso a ele a uma área que
claramente gritava “proibido animais”!
Coloquei um invólucro no bolso da minha calça e tirei uma foto dos

componentes do sabão. Desistindo de limpar o vômito, com a urgência


fazendo meu coração palpitar, corri de um lado para o outro para pegar uma

toalha e voltar logo para a sala. Encontrei Charlie parado no mesmo lugar. O
enrolei no tecido felpudo, e o som que ele soltou quando o peguei no colo

doeu no fundo da minha alma. Segurando-o com um braço, catei minha


bolsa e abri a porta da frente. Só lembrei de trancar a casa antes de correr

para a clínica veterinária, que ficava a dois quarteirões da minha casa.


E a cada passo que dava, sentia um bolo se formar na minha garganta.

Eu torcia para que o pequeno, que choramingava no meu colo, ficasse bem e
que voltasse a ser o animal serelepe de sempre.

Foi só quando cheguei na veterinária que a realidade amarga caiu


sobre mim. Não tinha ideia de como contaria a Derek que, por culpa minha,

o seu filho de quatro patas havia ficado doente. Quis sucumbir ao desespero.
Enquanto fazia o cadastro do animalzinho, duelei comigo mesma se deveria
ou não mandar uma mensagem para ele agora, interrompendo sua

apresentação. Acabei concluindo que seria egoísmo e que era melhor

esperar, ainda mais por ele não poder fazer nada no momento.
Fiquei com a sensação amarga na boca de que tinha tomado o caminho

mais fácil. Era uma verdadeira covarde!

— Paciente Charlie? — a veterinária chamou e eu soltei um suspiro de

alívio. Os minutos, que não deveriam ter sido nem quinze, pareceram horas
na minha percepção, ainda mais quando ele voltou a vomitar.

— Vamos, querido? — Deixei um beijo no seu focinho quente.

Ouvindo seu choramingar baixinho, tomando cuidado para não o


incomodar ainda mais, ergui-me do assento e segui a plantonista até um

consultório.
— O que está acontecendo com o pequeno? — questionou suavemente

quando eu pousei o animal em cima da mesa de exame. Acariciou os pelos


do cãozinho para ganhar a confiança dele.
Em um tom embargado e nervoso, fiz um relato o mais detalhado

possível. Falei do desânimo por ficar longe do seu dono, das cápsulas
mastigadas, e a forma que eu o encontrei hoje. Vez ou outra, tive que parar

para ordenar meus pensamentos. Ela escutava com atenção, digitando algo

no computador. Quando começou a avaliá-lo, apertando a região do


abdômen, um som de dor cortou o ar. As lágrimas foram instantâneas, e

rolaram pelo meu rosto.


— Você trouxe algo que ajude a identificar o que ele ingeriu?

Fiz que sim, tirando a amostra do bolso e entregando a ela.


— Algum rótulo, ou caixa?

— Ah, tirei uma foto. — Puxei meu celular do bolso da calça e


mostrei para a médica.

Fez-me mais algumas, e coletou algumas amostras de sangue.


— E então, doutora? — Toquei a pata do animalzinho.

— O vômito, a perda de apetite e o desânimo podem ter sido causados


pela ingestão dos componentes presentes no sabão líquido, o que acabou

desencadeando uma irritação na mucosa gástrica dele, mas ainda precisamos


confirmar se é mesmo gastrite aguda ou outra descompensação. Teremos

uma resposta com os resultados da ultrassonografia e também dos exames de


sangue.

— Compreendo. — Não sei se de fato compreendia.


— Em todo caso, ele precisará ficar internado, para acompanhamento
do quadro dele e também para ficar na fluidoterapia, já que, pela mucosa da

boca, Charlie apresenta uma leve desidratação.

— Deus! — murmurei, sentindo uma nova onda de lágrimas. — Ele


ficará bem?

— Sim, não é, bonitão? — Brincou com o animal, e eu senti uma


pontinha de alívio.

Voltou para o computador, digitando algo no prontuário de Charlie.


— Enquanto o levamos para a internação, você pode levar esse papel

na recepção? Eles explicarão tudo o que você precisa saber, e também


passarão os horários de visita.

— Okay.
— Quer se despedir dele?

Assenti.
— Fique bem, querido, por favor.— Deixei um beijo no focinho. — Te

visitarei logo, viu?


Com o coração partido, hesitando, deixei mais um beijinho nele e fui

até a recepção.
Uma bigorna pesada se instaurou em meus ombros no momento em

que deixei a clínica, e, por todo o caminho, chorei.


Capítulo

Amor: Precisamos conversar.


Me liga quando puder.

Meu sorriso morreu ao ler a mensagem. Por um instante, quando vi


que recebi algo da Laranjinha, imaginei que pudesse ser alguma sacanagem

fora de hora, brincadeira que estávamos acostumados a trocar, provocando e


atormentando um ao outro durante o período que estávamos longe. Porém,
senti o “tom” de urgência, notando a ausência de emoticons de
coraçãozinho, e isso fez com que a apreensão me invadisse. Sem pensar
muito, não me preocupar se chamei atenção ao erguer-me rápido, peguei a
minha pasta e, pedindo desculpas para a pessoa ao lado, deixei rapidamente
o auditório em que assistia uma palestra. Mil coisas passaram pela minha
cabeça. O medo de que algo grave tivesse acontecido corroeu as minhas

vísceras.
— Derek? — Atendeu com a voz baixa, o que aumentou a minha
aflição.
Começou a chorar.
— Você está me deixando nervoso, amor. — Sei que não deveria estar

a apressando, mas o medo que ela tenha sofrido um acidente ou estivesse


machucada era grande. — Me conte o que está acontecendo…
— É Charlie — murmurou entre soluços. — Ele… A culpa é toda
minha, Derek.

Um calafrio varreu a minha espinha. Não consegui falar, a perspectiva


era dolorosa demais. Apoiei-me na parede, sentindo as minhas pernas
ficarem bambas e o coração se apertar. Pelo que Iandra tinha falado, ele
estava desanimado e cabisbaixo, algo comum, já que o meu cachorro era
bastante apegado a mim, apesar de estar bastante apaixonado pela minha
namorada, mas parece que não era só isso. Eu não sabia o que eu faria se o
perdesse.

— Iandra, o que aconteceu? — Minha voz era urgente.


— Ele está internado, Derek — choramingou.
— Deus! — Passei a mão pelos cabelos, sentindo um pouco do aperto

no peito diminuir, mas não tanto, já que o fato dele precisar de cuidados
médicos não pressagiar algo bom.
— E a culpa é minha — repetiu tão baixo, que quase não a escutei.
— Não entendi, amor — sussurrei, externando a minha confusão.
Não era porque ela havia ficado responsável por cuidar do
animalzinho que isso faria dela a causadora do que quer que fosse que tinha
levado Charlie ao veterinário.
— Sem querer, deixei a porta da despensa aberta — continuou naquele
mesmo tom baixo, soluçando, o que me partia a alma. — E Charlie acabou

comendo algumas cápsulas de sabão líquido.


— Caralho — soltei um palavrão, balançando a cabeça em negativa.
Não sabia se ria ou chorava com a travessura do meu cachorro. Nunca
ele havia roubado coisas, nem sequer uma meia, mas, quando nos mudamos,
começou a fazer isso, pegando inclusive a camisola da minha vizinha.
Iandra emitiu lamurio quando eu disse outro palavrão.
Pude imaginar Laranjinha se encolhendo ou se abraçando, e soube que
havia sido insensível, já que ela se achava responsável pelo mal-estar de
Charlie, o que estava longe de ser verdade. Merda!

— Foi um acidente, doçura — imprimi um tom suave, querendo


consolá-la. — Você não é culpada por ele ter mexido onde não devia…
— Não, Derek. — Sua voz saiu mais veemente. — Ele é como uma
criança pequena que exige atenção. Ter deixado a porta aberta com materiais
de limpeza na prateleira de baixo é uma falha grave.
— Acont…
— Não, não deveria… Agora… — Respirou fundo, como se buscasse
autocontrole, mas não tive dúvidas de que ela queria cair no choro outra vez.
— Você deve me odiar por isso, Derek.
Soltei um não em meio a um resmungo. Como queria estar lá para
abraçá-la, olhar em seus olhos e dizer que ela não deveria se culpar, muito
menos deixar que pensasse que a detestava por isso. Mas, conhecendo-a,
sabia que por telefone eu não conseguiria acalmá-la, ou fazê-la entender que
aquilo poderia ocorrer com qualquer um, por mais cuidadosa que a pessoa
fosse. Laranjinha era rígida demais consigo mesma, mais do que era
saudável.

Sem me importar, deixei-me deslizar contra a parede, até que eu


estivesse sentado no chão.
— É muito grave? — Fiz a pergunta que já deveria ter feito logo no
início daquela ligação. Outra vez passei a mão nos cabelos.
Não era um homem religioso, mas, fechando os olhos, pedi aos céus
para que não fosse sério. Perder Charlie seria um baque muito duro. Para
mim e para ela. Pensar nisso fez com que lágrimas se acumulassem em meus
olhos.
— A veterinária disse que pode ser gastrite por conta do consumo de
substância estranha, mas precisará de mais exames para confirmar se pode
ser algo mais grave — murmurou.
— Compreendo. — Fiz uma pausa. — Ele está muito mal?
— A doutora disse que ele ficará bem — suspirou. Eu me senti
aliviado por um momento. — Estou aguardando a ligação dela com notícias.
— Tenho certeza que daqui a pouco ele estará implorando por
biscoitos, Laranjinha. — Tentei imprimir otimismo a minha voz. — Charlie
é um cachorro forte. E não foi a primeira vez que ele teve que ser
internado…
— Mesmo? — murmurou.
— Sim. Quando eu o adotei, ele precisou ficar alguns dias internado

por conta de anemia e outras doenças. Ele estava muito doente e magro.
— Sinto ouvir isso.
— Eu sei que sente, doçura. — Fui doce. — Por isso acredito que no
fim tudo não passará de um susto.
— Assim eu espero. — Respirou fundo e ficou alguns segundos em
silêncio. —Vou deixar você voltar para o seu evento. Desculpa, sei o quanto
estava empolgado com a palestra desta tarde. Te ligo mais tarde, ok?
Também preciso ir trabalhar.
— Não tem problema, amor — sussurrei.
Era uma verdade, nada além do bem-estar dela e de Charlie me
importavam.
Eu a amo. Essa constatação fez com que eu respondesse mecanicamente sua
despedida, e a última coisa que escutei antes dela desligar foi um “me
desculpe” que não deu tempo para que eu respondesse. Suspirei fundo.
Eu amava aquela mulher com todas as minhas forças. O sentimento
poderia ter se dado rapidamente, em menos de seis meses — estávamos a
quase dois juntos —, porém era algo profundo, vindo do fundo da minha
alma.
Intenso e visceral eram palavras fortes, mas que não conseguiriam

descrever esse amor que nutria por ela, que era sentido e vivido
incondicionalmente, diariamente, a cada pulsar do meu coração, que estava
presente na ânsia que eu sentia pelos seus beijos, pelo seu sorriso, pelo seu
corpo, por acordar todos os dias e querer que a primeira coisa que eu olhasse
fosse ela. Pelo desespero em ouvir sua voz e, principalmente nesse
momento, poder abraçá-la e consolá-la, arrancando a dor e a culpa que
sentia.
Olhei para a foto que era o descanso de tela do meu celular: eu dando
um beijo na bochecha de uma Laranjinha sorridente, que estava com os
olhos fechados, enquanto Charlie deixava uma lambida no outro lado da face
dela. E eu soube o que tinha que fazer.

 
Capítulo

Fechei a tampa do computador, consciente de que não conseguiria


focar no trabalho, não com os olhos ardendo pelo choro convulsivo e
também pela minha cabeça estar distante dos meus compromissos. Eu só

pensava em Charlie. Estava esperando receber o boletim noturno para,

principalmente, ter notícias do ultrassom. Havia ligado para a clínica, mas o


médico plantonista ainda não havia passado as notícias para a recepção.
Queria saber se algum resultado havia saído, se ele tinha vomitado
outra vez. Tinha ido visitá-lo na parte da tarde, e vê-lo ainda abatido, ligado

ao soro, alheio a minha presença, sem balançar o rabinho para mim, partiu
ainda mais meu coração. Infelizmente, havia ocorrido um episódio de
vômito, apesar de estar medicado.
Esperar era uma verdadeira tortura.

Apoiei minha testa sobre a mesa e lutei com a minha tendência para a
negatividade. Deveria acreditar nas palavras da médica e até mesmo nas de
Derek, apesar de ter certeza que o conhecimento dele era praticamente nulo
sobre o assunto. Ele poderia não me culpar, ter sido bastante amável, porém
eu não seria complacente comigo mesma.

Só queria poder voltar no tempo.


Provavelmente, estava “fazendo uma tempestade em “copo d’água”,
porém era impossível não me sentir angustiada. Era ciente que a sensação só
me deixaria quando eu soubesse que ele estava bem, que fosse para casa,

voltando a comer e brincar.


Bati minha cabeça na superfície de madeira algumas vezes, e deixei-
me ficar ali.
A campainha tocando fez com que eu desse um salto na minha cadeira,
assustada.
Balancei a cabeça em negativa enquanto me erguia. Colocando o
celular no bolso da calça, fui atender a pessoa insistente.

Não acreditava que Ruth tinha pegado a estrada, já que ela estava na
fazenda de Max somente para me abraçar, mesmo eu falando que não havia
necessidade. Isso seria típico dela, mas não podia negar, eu precisava

daquele abraço mesmo que eu tivesse dito que não.


— Já vai — falei mais alto do que gostaria ao escutar a pessoa agora
batendo na superfície de madeira.
Quando abri a porta, pensei que o homem ofegante à minha frente
fosse uma miragem.
— Derek? — Arfei baixinho, meus olhos tomados pelas lágrimas.
Tive a certeza que a presença dele não era apenas fruto da minha
imaginação quando seus braços me envolveram em um abraço apertado e o
cheiro da pele dele invadiu as minhas narinas. Meu corpo inteiro estremeceu

contra o dele; nunca um abraço me pareceu tão reconfortante, tão precioso,


ainda mais quando ele traçou círculos lentos nas minhas costas e me apertou
com mais força.
— Me desculpe, Derek — murmurei, mesmo sendo repetitiva. — Me
sinto tão mal.
— Xiu. — Deixou um beijo na minha testa, fitando-me de maneira
séria enquanto suas duas mãos seguravam o meu rosto em concha. — Já
disse que não precisa se culpar assim, Laranjinha. Deus, o que faço para tirar
essa culpa e o peso da responsabilidade dos seus ombros?

Ia abrir a boca para me autodepreciar, mas seus lábios roçaram nos


meus suavemente, me calando. Era um beijo suave, cheio de ternura, mas
que, ainda assim, era capaz de me deixar consciente de cada pedaço de
Derek. Vários sentimentos percorriam o meu interior ao mesmo tempo:
culpa, tristeza, ternura, desejo.... Euforia e também aflição estavam na lista.
— Ajudaria dizer que eu amo você, Laranjinha? — Seu tom era
embargado.
Deixou um beijinho na ponta do meu nariz, então olhei para os olhos
escuros, buscando a verdade, sentindo o meu coração bater acelerado.
— Derek? — Uma parte de mim não tinha certeza se eu havia ouvido
corretamente; outro pedaço parecia prestes a explodir de alegria.
— Eu amo você, Iandra — repetiu, e eu senti as lágrimas deslizarem
pela face. — Te amo com minha alma, com cada grama do meu corpo. Foi
abrupto, mas, ainda assim, inevitável. Te amar é tão simples, tão fácil…
Deus, é tão certo, mesmo que, às vezes, você seja tão complicada.
Gargalhou.

— Só às vezes?
Os olhos dele cintilaram.
— Bem, acho que sim — murmurou.
Foi a minha vez de rir em meio ao choro.
— Eu amo a mulher que você se tornou — continuou em voz suave,
cheia de carinho, ternura e principalmente amor. — Amo sua personalidade,
seu sorriso, sua risada, seus olhos, sua pele, seu cheiro, seus olhos, o calor da
sua pele, a sensação do seu toque... E amo muito suas sardinhas…
Gargalhei outra vez. Derek parecia um pouco trêmulo, tanto que se
apoiou nos meus ombros para se firmar. De alguma forma, isso fez com que
sentisse que as minhas pernas parecessem ser feitas de gelatina. Não me
recordava se alguma vez um homem tinha ficado tão bambo e emocionado
ao se declarar para mim.
— Porra, eu te amo com força, Laranjinha. Sinto que essas palavras
não são boas o suficiente para expressar aquilo que pouco a pouco você
construiu dentro de mim. Droga, não foi assim que pensei em me declarar…
Sorri com os palavrões e por ele ter pensado em fazer um discurso.
Acariciei os cabelos dele, incentivando-o a prosseguir. Estava nas nuvens,
abobada. Suspirando também.
— E é por te amar demais, que me incomoda muito ver você

sofrendo… — Antes que ele pudesse continuar, um som ecoou nos meus
ouvidos, porém eu queria continuar escutando suas palavras, doces que
enchiam meu coração de alegria. — Não vai atender?
— Deve ser da clínica. — A razão me voltou e, sentindo a urgência me
invadir, bem como a pontada de medo, peguei o aparelho do bolso da calça.
— Okay — Derek pareceu um pouco tenso, mas se controlou.
— Boa noite, falo com a senhorita Iandra? — perguntou uma voz
masculina do outro lado da linha.
— Sim, é ela — minha voz soou trêmula.
— Aqui é o médico plantonista da Animal, estou ligando para informar
sobre o estado clínico do paciente Charlie. Você está ocupada?
— Não, pode falar. — Derek me olhava fixamente, observando cada
reação minha.
— Depois da sua visita à tarde, o paciente não apresentou mais
nenhuma ocorrência de vômito e ele está estável, embora ainda prostrado.
Meu suspiro de alívio foi audível; Derek sorriu.
— Os resultados da ultrassonografia veterinária confirmou uma
pequena inflamação no estomagozinho. Não foram detectadas verminoses, o
nível de cortisol no sangue dele não demonstrou nenhuma alteração e

nenhuma outra doença metabólica. Provavelmente, a ingestão do sabão


líquido foi que causou a irritação na mucosa. A ureia e a creatinina estão
levemente alteradas pelo problema gástrico, mas, como iniciamos a
medicação de imediato, existe a possibilidade de não se tornar uma doença
renal.
— Entendi. — disse, embora os termos técnicos fossem uma confusão
para mim.
Continuou a falar mais algumas coisas, e, assim que terminou, eu o
agradeci, pedindo que me ligasse se o cachorro voltasse a vomitar, então
encerrei a ligação.
— E então, amor? — Derek perguntou quando guardei o celular no
bolso.
— Ele disse que Charlie está com gastrite aguda e que deve ter sido
causada por ele ter comido coisa que não deveria.
— Graças a Deus… — Suspirou, voltando a me abraçar.

Deixei-me aninhar em seus braços e ele beijou o topo da minha


cabeça.

— Falei que ficaria tudo bem, Laranjinha — murmurou. — Ele é um


cachorrinho forte e valente.

— O veterinário disse que ainda não tem previsão de alta.


— Ele está sendo bem-cuidado, doçura, isso é o mais importante para

mim. E não tenho dúvidas de que irá voltar para nós — disse, convicto —,
para o seu papai apaixonado e para a mamãe que é o amor da vida do pai

dele.
— Amor da sua vida? — Sorrindo, ergui meu rosto em direção ao

dele.
— Sim, eu amo você, Iandra — falou baixinho, seus olhos voltando a

brilhar com amor, desejo e ternura. — Não peço que você diga em voz alta
que me ama também, mas o homem louco por você, que quer estar cada
minuto do seu dia com você, o apaixonado que existe dentro de mim, torce

para que você um dia venha me amar tanto quanto eu a amo.

Antes que eu pudesse falar alguma coisa, seus lábios baixaram sob os
meus e eu abri minha boca para receber sua língua em meu interior, em um

beijo que celebrava aquele amor. Era terno e doce, e fez com que eu chorasse
de novo.

— Porque está chorando, Laranjinha? — Segurou o meu rosto, me


fitando com um sorriso travesso em seus lábios enquanto com o polegar

limpava as lágrimas. — É tão ruim assim a perspectiva de ser amada por


mim?

Dei nele um empurrão, porém não se moveu do lugar.


— Seu cachorro bobo! Claro que não!

— Hm.
Seus braços eram como barras de ferro prendendo minha cintura.

— Então por que está chorando, Laranjinha? — Seu tom foi sério
dessa vez.

— Estou emotiva — forcei-me a dizer — com a sua declaração de


amor, com o seu carinho. E com o estado de Charlie.

Beijou a minha testa.


— E sinto que não mereço um namorado como você, Derek, que me

ame assim — falei baixinho.


— Hey, que bobagem é essa? — chamou a minha atenção. — Claro

que merece.

Dei um sorriso para ele, sem jeito.


Ficamos por um tempo abraçados, nossos corações batendo em

uníssono.
— Será que você conseguirá um dia me amar, Laranjinha? —

perguntou em um sussurro. — Ou terei que amar por nós dois?


— Te amo nesse momento, Derek — confessei, mesmo que parecesse

precipitado demais.
— Deus, mulher!

Vi o desejo, a euforia e a excitação tomarem as suas feições antes dele


me puxar para outro beijo, dessa vez intenso. Seus lábios se moveram sobre

os meus, sua língua enroscou na minha, até que nós dois ficássemos sem
fôlego, nossa testa colada uma à outra para recuperarmos o ar.

— Amo você, doçura. — Deu-me um selinho doce. — E vou mostrar


isso mimando e cuidando de você hoje.

Pegou-me no colo e me levou para dentro da minha casa, fechando a


porta com um pontapé. Foi bom ser acarinhada e confortada pelo meu

namorado, bem como ouvir várias vezes o quanto ele me amava.


Dormi dentro dos braços fortes e acolhedores, mas não sem antes fazer
uma prece para que, em poucos dias, nosso “filho” de quatro patas viesse

para casa e que pudéssemos voltar a ser uma “família” feliz. Derek virava e

mexia falava que eu era a “mamãe” de Charlie, mas quando tinha falado pela
primeira vez, meses atrás, eu achava que era uma provocação para me irritar,

mas descobri que para meu namorado não era brincadeira, agora entendi
disso.

— Você nos deu um baita susto, amigão — Derek falou em um tom

animado ao puxar a bochechinha do cachorro, que balançava a cauda bem


alegrinho, embora ainda estivesse se recuperando.

Ele havia emagrecido por ter ficado quase três dias apenas no soro.
Pelo menos os olhos caramelos estavam mais vivos, brilhantes.

— Nunca mais faça isso, querido — ralhei com ele ao acariciar a


patinha raspada, onde havia recebido o acesso do soro, e ganhei uma

lambida que me arrancou um suspiro.


Uma onda de ternura por Charlie me invadiu.
— Sim, Charlie, nada de comer sabão em pó e outras coisas do tipo —

Derek insistiu, mesmo que com certeza o cachorro não compreendesse.

Charlie tombou a sua cabecinha, curioso, fazendo um barulhinho. Meu


namorado deu um beijo no focinho dele.

Felizmente, depois de cinco dias de internação, o animalzinho


começou a comer por conta própria e não apresentou mais nenhum sintoma

além de uma leve prostração, o que não o impediu de passear. E, se os


exames dele estivessem certos, poderíamos levá-lo para fazer o resto do

tratamento em casa.
— E então, doutora? — perguntei, continuando a receber lambidas do

animalzinho, depois da veterinária ficar vários minutos olhando para os


exames na tela do computador.

Estava mais ansiosa do que tudo.


— Ainda existem algumas alterações nos exames dele, o que é normal,

já que estamos tratando de uma infecção.


— Entendo. — Olhei para o meu namorado e percebi que ele parecia

um pouco decepcionado.
— Mas como ele já voltou a comer normalmente, acredito que ele

possa ir para casa.


Fez algumas recomendações, que eu anotei mentalmente, mesmo que

fosse Derek quem cuidaria de fato do animalzinho.


Ela entregou uma receita para mim.
— Também recomendarei que vocês passem com ele em uma

nutricionista, pois, apesar da gastrite dele não ser crônica, serão necessárias

algumas mudanças na alimentação dele.


— Okay. Aqui na clínica tem algum especialista?

— Infelizmente, não, mas posso indicar alguns colegas se quiser,


senhor Somerfield.

— Agradeço. — Fez carinho atrás da orelha do bichinho.


Derek anotou alguns contatos e pegou o pedido de encaminhamento.

— Charlie terá que repetir os exames daqui alguns dias. Já podem


deixar marcado na recepção a coleta de sangue, urina e o ultrassom, e

também a consulta de retorno dele para a semana que vem. Mas se ele
apresentar qualquer um dos sintomas que listei, tragam-no o mais rápido

possível para nova avaliação. — Fez uma pausa. — Alguma dúvida?


Fiz que não com a cabeça, Derek também negou.

— As despesas desse lindinho já foram passadas para a recepcionista.


Podem acertar com ela, por gentileza — acariciou Charlie, sorrindo.

— Claro. Eu pagarei. — Sorri de volta para ela e escutei Derek bufar.


Tínhamos discutido sobre quem pagaria o tratamento, mas até então

não havíamos entrado em acordo sobre aquele detalhe.


Por mais que ele tivesse dinheiro de sobra, não achava justo ele arcar

com a conta.

— Você pode segurar o Charlie? — meu namorado pediu.


Olhei para ele, erguendo uma sobrancelha, reconhecendo a sua tática.

Com as mãos ocupadas, não teria como eu pegar minha carteira.


— Não irá fugir disso, Derek — fui firme.

Com delicadeza e certo receio de machucá-lo, por não saber se Charlie


ainda estava com dores abdominais, peguei-o no colo, recebendo uma rabada

de presente. Meu namorado sorriu, como se tivesse saído vitorioso. Tolo.


Em minutos, depois de Derek acertar tudo, com Charlie animado por

passear no colinho, balançando o rabinho, percorremos os dois quarteirões


que separavam a clínica de nossas casas.

Briguei com o animalzinho quando a primeira coisa que Charlie fez,


quando o pousei no chão da minha sala, foi trotar em direção a maldita

despensa. Derek riu de mim, antes de pegá-lo no colo, impedindo-o de


prosseguir.
Como dois bobos, completamente felizes pelo cachorro parecer

“ativo”, eu e meu namorado passamos a tarde toda de sábado mimando-o


com carícias, assistindo filme com ele no nosso colo, sorrindo e gargalhando
quando recebíamos lambidas e patadas em troca.
Capítulo

Lutando contra a vontade de me espreguiçar como uma gatinha no


colchão, abri meus olhos, porém a remela fez com que eu enxergasse tudo
embaçado. Engoli um suspiro profundo ao pensar que aquilo não era nada

sexy para o meu intento naquela manhã e pisquei os olhos tentando pelo

menos conseguir ver o meu alvo direito. Poderia me erguer para ir ao


banheiro e me colocar mais composta, mas Derek tinha uma habilidade
irritante de abrir os olhos justamente quando estava prestes a sair da cama.
Era como se ele previsse que eu o deixaria para fazer alguma coisa. Ele não

me dava tempo, sempre me puxando para os seus braços, e recebia um beijo


arrebatador de “bom dia”.
Quando ele tinha me falado sobre a fantasia dele de acordar recebendo
sexo oral, não podia negar que me senti um pouco hesitante. Querendo ou
não, era tocar alguém que não estava plenamente consciente das suas ações.

E, por mais que essa pessoa fosse seu namorado, isso não dava o direito de
você tocá-lo assim, e vice e versa. Porém, tivemos uma conversa séria sobre
isso, e ele me fez compreender que, no nosso caso, eu teria o consentimento
dele em qualquer circunstância, já que eu realizaria seu “fetiche”. Porém,
Derek nunca de fato deixou-me acordá-lo da maneira que sonhava, pois

sempre que eu pensava em realizar seus desejos, ele abria os olhos antes.
Confirmando que tinha tempo no relógio na mesinha de cabeceira, fitei
meu namorado, que parecia um anjo dormindo, apesar que ele não tinha
nada de angelical, estava mais para um devasso, o meu “devasso”, que

parecia tão insaciável quanto eu. Ele parecia estar em um sono profundo,
provavelmente pelo cansaço de ficar até meia-noite lançando notas dos
trabalhos dos alunos dele no sistema, e também por ter me feito gozar duas
ou três vezes depois disso. Senti uma leve ardência no meu sexo com as
lembranças da madrugada. Tinha pedido para que ele fosse um pouco mais
forte e ele tinha me atendido.
Me movimentei com cuidado no colchão, e aproximei-me mais dele

para ver se Derek iria acabar com a “brincadeira”. Não acordou. Ótimo.
Contendo a vontade de acariciar o peitoral rígido, que subia em uma

cadência lenta, deixei que meu olhar o devorasse até pousar no seu pênis
que, apesar de não estar tão rígido, não poderia falar que estava mole.
Voltando a olhar para seu rosto, lentamente, deslizei pelo colchão até que
meu rosto ficasse próximo a pelve dele. Antes de dar a Derek o que tanto
queria, apesar de achar que naquele momento ele não deveria querer nada,
senti o coração começar a ficar acelerado e a boca secar com a expectativa
de envolver seu membro com a minha boca. Com a ponta do dedo, comecei
a trilhar suavemente toda a extensão do seu pênis, percorrendo da glande até
a base. Observei a reação dele. Não acordou.

Encorajada, comecei a deslizar meus dedos pelo seu comprimento, de


cima a baixo, em uma cadência lenta, apreciando a textura aveludada da pele
sensível e os pelos ásperos e curtos. Sentir que inconscientemente ele
enrijecia ao meu toque, me fazia sentir poderosa. Acariciei-o, sem
comedimento, traçando círculos lentos na glande, estimulando-o, enquanto
que, com a mão livre, toquei suas bolas, tomando-as suavemente entre meus
dedos, brincando com elas. Apertei uma e depois a outra, e ele emitiu um
som baixo, uma espécie de suspiro. Meu coração deu um salto, achando que
a graça já havia acabado, e ergui meu rosto em direção ao dele. Mas meu

namorado continuou com os olhos fechados, ainda parecendo adormecido.


Rodeando o pênis, ainda hesitante, comecei a masturbá-lo,
percorrendo todo seu pau, que foi ficando mais rígido com as minhas
carícias que se tornavam mais ousadas, adotando um ritmo que eu sabia que
poderia levá-lo a gozar entre meus dedos.
E a cada deslizar, eu sentia meu corpo reagir a aquilo que eu
provocava nele, minha vagina pulsava com o desejo.
Sorri, maliciosamente. A antecipação por saber que eu o levaria ao
êxtase alimentava o meu próprio prazer.
Uma fina camada de suor começava a se formar na minha pele; minha
respiração se acelerava e minha boca ficava cheia de saliva. Queria sentir o
gosto levemente adocicado do meu homem, o cheiro da sua excitação. Uma
sensação primitiva tomava conta dos meus sentidos.
Quando uma gota do pré-gozo escapou pela fenda, não mais
resistindo, sucumbindo ao meu próprio desejo, mas sem deixar de fitar o

rosto de Derek, querendo registrar o momento em que ele acordaria com o


meu oral, capturei a gotinha com a língua, o sabor pungente impregnando a
minha boca, antes de firmá-lo e passar a cabeça pelos meus lábios, tomando-
o por inteiro.
Capítulo

Ouvi um som rouco, abafado, até mesmo distante, porém o ignorei por
completo, não queria acordar daquele sonho erótico e vívido que deixava a
minha carne rígida, pulsante. Estava completamente preso nas sensações

provocadas pela pressão suave exercida pelos dedos finos, habilidosos, que

pareciam conhecer bem os pontos que faziam com que eu ficasse mais ereto.
Depois de sentir a ponta de um dedo brincando com a minha glande, recebi
um pequeno aperto nas minhas bolas, o que fez com que uma corrente de
prazer percorresse o meu corpo, então me movimentei.

Continuei a desfrutar das carícias que me deixavam malditamente


insano, apreciando a cadência dos movimentos, que ganhavam cada vez
mais velocidade e pressão. Escutei um gemido ofegante quando algo tocou a
fenda do meu pênis, estimulando-o. Senti-me no paraíso quando algo morno
e úmido envolveu o meu membro, polegada a polegada, mas parei no inferno

quando, ao alcançar a base, começou a retirá-lo dali. Preso a névoa de prazer


indescritível, arqueei minha pelve em direção aquela fonte deliciosa de
ardor, pedindo silenciosamente que voltasse a me tomar.
Mas não o fez. Ao contrário do que eu desejava, para a minha
perdição, voltou a lamber a minha glande, traçando círculos lentos por toda a

cabeça do meu pênis, e eu senti um espasmo percorrer cada uma das minhas
extremidades. Outro gemido se fez escutar, dessa vez mais alto, gutural.
Soube que não estava sonhando quando, ainda dominado pelo torpor
sensual e da sonolência, abrindo os olhos, olhei para baixo e vi minha

mulher percorrendo toda a extensão do meu pau com a ponta da língua


enquanto olhava diretamente para o meu rosto.
Não me restou dúvidas de quem eram os sons ofegantes e sensuais.
Eram todos meus.
Por um momento, eu fiquei atordoado, porém logo o meu corpo todo
vibrou com o desejo por saber que ela estava realizando a minha fantasia. Eu
era pura expectativa do que ela faria.

— Bom dia, amor — murmurou com uma voz malditamente sexy, que
arrancou de mim um chiado baixo, principalmente quando voltou a deslizar
sua língua por todo meu comprimento.

Sem deixar de me fitar, com os olhos verdes repletos de malícia,


agarrando minhas nádegas, Laranjinha voltou a me levar em direção a sua
boca, mas sem me envolver por completo, sua língua brincando com a minha
fenda e prepúcio.
Uma gota de suor deslizou pela minha coluna e eu senti meus
músculos ficarem tensos com a carícia provocante. Meu corpo reagia a ela,
arqueando-se contra a sua boca, querendo que ela continuasse.
Tateei a cama em busca do lençol e o segurei com força entre os
dedos, ao passo que, com a outra mão, buscava reunir os fios macios de seus

cabelos espalhados pelo colchão. Minha mulher começou a sugar meu pau
lentamente, em um ritmo que deixou a minha mente em branco com o
desejo.
— Caralho! — sussurrei entre dentes, puxando os fios com um pouco
mais de força no momento que ela aumentou a pressão exercida.
Grunhi, agitado, quando ela diminuiu a cadência, brincando com a
minha excitação, deixando cada terminação nervosa do meu corpo agitada.
O sangue parecia correr como um rio em minhas veias, acumulando na parte
que ela estimulava, parecendo tornar tudo mais sensível.

— Hm — gemeu antes de alternar a sucção com lambidas


provocantes; seus dedos intensificando o oral que ela fazia.
Mas eu queria mais dela, da sua língua, da sua boca. Eu queria me
afundar nela, sentir a sua saliva por todo o meu pau.
Em sintonia, como se percebesse a ânsia em meus olhos, inseriu-me
todo em sua boca, meu membro deslizando com facilidade até que a ponta
alcançasse sua garganta.
Inspirei fundo quando ela me manteve ali por alguns segundos, mas,
sabendo que poderia ser desconfortável para ela, empurrei meus quadris para
trás, porém, surpreendendo-me, com o auxílio das mãos, engoliu-me
novamente, e eu senti que ela havia me levado o mais fundo que podia.
— Gostosa! — chiei com a onda de excitação que me engolfou ao
sentir seus dedos deslizando de cima para baixo, chupando, sorvendo.
O prazer que havia nos olhos dela em me envolver com sua língua e
lábios, os sons baixos que ela emitia, que se misturavam aos meus gemidos e
aos barulhos que o sexo produzia, faziam com que eu me sentisse cada vez

mais próximo de explodir no orgasmo. Não aguentaria por muito mais


tempo.
Insanamente, enrolando uma mecha de cabelo dela nos dedos, dizendo
palavras de incentivo que eu mesmo não conseguia compreender, com
pequenos puxões, que não a machucaria, controlei os movimentos dela ao
passo que impulsionava minha pelve para trás e para frente, perdendo-me
cada vez mais naquela boca gostosa.
Gemi, e ela também gemeu em resposta, o som abafado pelo meu
pênis em sua boca.
Laranjinha não me ajudava, pois, controlando a própria respiração, ela
continuava a me engolir por boa parte da passagem estreita da garganta.
Eu era todo suor. O torpor do sono há muito tempo havia me
abandonado. Meu pré-gozo misturava-se à saliva dela, tornando-se uma
coisa só. Minha pelve e a boca dela moviam-se em sincronia.
Caralho! Nenhuma fantasia poderia superar a realidade da minha
mulher me chupando daquela forma pela manhã. Ela acabou por criar um
monstro que, sem nenhuma dúvida, iria querer acordar várias vezes assim.
Puxei o seu cabelo, retirando-me de sua boca só para penetrá-la outra
vez.
Como se quisesse que eu chegasse logo ao ápice, voltou a acariciar
meu saco, seu polegar roçando-me de baixo acima e, com o estímulo extra,

bastou mais algumas arremetidas contra seus lábios cheios e maravilhosos,


para que eu me perdesse no orgasmo. Meu último ato racional foi tentar sair
de dentro dela, porém, cravando suas unhas nas minhas nádegas, me
empurrou de volta, enterrando-me em sua boca, fazendo com que sem mais
nenhuma força, eu gozasse. Um urro baixo e seco saiu da minha garganta e
ecoou por todo o quarto.
Vê-la sorver o meu líquido me deixou trêmulo e, querendo compensá-
la, acariciei os fios empapados por suor. Não sei quanto tempo fiquei ali,
com as forças exauridas até mesmo para fazer qualquer pequeno movimento,
então apenas a olhei subir o corpo até que o seu rosto ficasse rente ao meu.
Seus lábios estavam entreabertos, os seios desnudos subiam e desciam
depressa, uma visão mais do que arrebatadora.
Não tive tempo de degustar da imagem, pois, exigindo que nossos
olhos se fitassem, ela me puxou pelo queixo com uma mão e me beijou. Sua
língua aproveitou meus lábios entreabertos e saqueou a minha boca,
deixando-me sentir o meu gosto adocicado que impregnava cada pedaço
dela. Grunhi, excitado, entrelaçando as minhas pernas nas dela, segurando-a
pela nuca, querendo mais.
E a vontade de proporcionar o mesmo prazer à minha mulher fez com

que eu recuperasse as minhas forças. Fiz com que ela se deitasse na cama e
montei em cima dela.
Iandra deu uma risada baixa, sexy, ao se mover debaixo de mim,
roçando meu pau meio-mole na sua vagina. Segurando meu rosto com as
duas mãos, deixou um selinho na minha boca.
— Bom dia, Derek — repetiu.
— Estou tendo mais do que um bom dia. — Beijei a ponta do seu
nariz.
— Mesmo?
— Muito mesmo. — Minha voz estava rouca. — E estou disposto a
continuar tendo.
Dando um sorriso lascivo e demonstrando o quanto eu estava
“disposto”, passei uma mão entre nossos corpos e comecei a acariciar o
ventre dela, deslizando até alcançar os pelos úmidos, prova da sua excitação,
e tocá-la.
— Preciso ir tomar banho. — Deixou uns tapinhas nos meus ombros.

— Vou me atrasar pro trabalho senão for agora. Se é que já não estou
atrasada.

— Hum. — Deslizei minha boca pelo seu rosto e disse: — O único


trabalho que você tem que se preocupar é esse aqui na minha cama,

senhorita Donovan.
Arqueou a sobrancelha, em uma indagação muda.

— Que foi? — Meu sorriso ficou maior, e eu não escondi a minha


arrogância. — Metade da empresa é minha.

— Derek! — Deu outros tapinhas em mim.


Não saí de cima dela, mas antes que eu pudesse capturar seus lábios,

Charlie começou a arranhar a porta querendo entrar.


— Agora não, amigão — falei alto.

Ele latiu, continuando a enfiar suas unhas na madeira.


Bufei.
— Acho que está na hora da comida dele.

— Droga — resmunguei, saindo de cima da minha mulher, rolando

para o lado.
Ela aproveitou para se levantar, e eu fiquei olhando para as nádegas

empinadas quando deu as costas para mim. Senti meu pênis crescer com a
ideia de ter a bunda dela batendo contra a minha pelve, enquanto ela usava o

vibrador para estimular seu sexo.


O latido do meu cachorro fez com que eu soltasse outro impróprio.

Resignado, vesti uma cueca e abri a porta, deixando o quarto. Charlie


saiu trotando atrás de mim, atacando a comida saudável, que fazia parte da

sua nova alimentação desde que ele teve gastrite, que coloquei na sua
vasilha. Quando Iandra apareceu, infelizmente, ela estava muito vestida para

o meu gosto, mas não me deixou levá-la para o quarto novamente e despi-la.
Capítulo

— Cara, você apaixonado é um nojo. — Frederik fez uma careta ao


levar a xícara aos lábios, bebericando o líquido escuro. — Não faço a
mínima ideia do porquê ainda aceito tomar café com você. Não tem outro

assunto, não?

— Não. — Dei de ombros e mostrei um sorriso abobado. — Gosto de


falar da minha Laranjinha.
— Caralho! — Estremeceu. — Tenho medo disso ser contagioso.
— Até parece. — Tomei um gole do meu capuccino, que era péssimo.

Eu que não sabia por que ainda pedia aquilo. — Eu e ela estamos juntos há
um bom tempo e você ainda continua solteirão.
— Talvez eu esteja esperando para resgatar a “minha donzela bêbada”
— disse em tom de brincadeira.
— Torço para isso acontecer logo. — Roguei a praga, não escondendo

a minha diversão ao ver o cenho dele franzido.


— Credo, cara! Para com isso.
Gargalhei.
— Estou falando sério — continuei. — Será divertido ver você pagar a
língua.

— Tenho certeza que isso não vai rolar.


Voltei a rir.
— Você é uma porra de amigo, Derek.
— E você está com uma boca suja do caralho…

Fiz uma pausa ao vê-lo desviar o olhar e pousá-lo em uma das alunas
dele. Se não me engano, era uma das cheerleaders mais populares da
universidade. Frederik começou a sorrir, porém se conteve.
Estranhei a reação dele, e sendo mais forte do que eu, comecei a
provocá-lo, mesmo sabendo que, por questões éticas, ele não deveria estar de
olho em uma aluna.
— O assunto “relacionamento” está te colocando nervoso?

— Claro que não. — Passou a mãos pelos cabelos, bebendo o restante


do café. — De onde tirou essa merda?
Arqueei a sobrancelha.

— Não sei… — Antes que pudesse continuar a provocação, meu


celular tocou. Puxei o aparelho do bolso, olhando o nome de Shall no visor.
— Me dê uns instantes, é o Marshall.
— Claro. — Pareceu aliviado.
Dando de ombros para o comportamento esquisito de Fred, atendi a
ligação do meu irmão antes que caísse na caixa postal.
— Está em aula? — A voz dele soou urgente, perguntando antes
mesmo que eu pudesse dizer oi.
— Não, pode falar. — Meu tom estava trêmulo, o pânico dele se

tornando o meu. — Sybill…


— Ela entrou em trabalho de parto. — Ouvi a respiração funda dele no
outro lado da linha. — Meu Devon vai nascer!
— Que coisa maravilhosa! — falei, eufórico, e sorri. Estava louco para
conhecer o meu sobrinho, que eu já amava mesmo ainda estando na barriga
da mamãe.
— Meu coração está quase saindo pela boca e estou prestes a ter uma
síncope. — Escutei um gritinho de dor ao fundo.
— Onde vocês estão? — Poderia provocá-lo, dizendo que não era ele

quem estava em trabalho de parto, mas, no lugar do meu irmão, acredito que
estaria tão perturbado quanto, ainda mais que era o primeiro filho.
— A caminho do Riverside Methodist — murmurou.
— Eu encontro vocês lá, Shall.
— Obrigado, mano. — Desligou a ligação.
Fiquei olhando para a tela do celular meio aparvalhado, até que,
reagindo, escrevi uma mensagem rápida para Laranjinha, contando a
novidade e passando o endereço, já que, nessa hora, ela devia estar em
reunião e não me atenderia.
Guardando o aparelho no bolso, voltei para onde Fred estava. Ele
mexia no seu celular.
— Está tudo bem, cara? Você está parecendo exaltado.
— Meu sobrinho. — sorri de orelha a orelha. — Ele está a caminho.
— Que notícia boa, Derek!
— Estou indo para o hospital. — Peguei as minhas coisas.
— E a prova que você ia aplicar?

— Faz esse favor para mim? — Apontei para o pacote de folhas. —


Sei que você não tem nenhuma aula nesse horário.
— Me deve uma. — Estendeu-me a mão, e a apertei com força. — E
eu irei cobrar.
— Obrigado.
Não esperei mais e deixei rapidamente o campus universitário. Estava
contando os segundos para ter o meu sobrinho nos braços.
 

— Boa tarde, senhor.— A voz da Laranjinha cumprimentando o pai de


Sybill infiltrou-se nos meus ouvidos e escutei a resposta abafada dele.
Desviei a minha atenção da revista antiga que eu folheava, para olhar
para a mulher que, curiosamente, tinha visto uma foto sua estampada numa
das páginas do tabloide que eu segurava. Não posso negar que achei

engraçada a manchete que falava sobre a mulher misteriosa que estava aos
beijos com o ricaço Derek Sommerfeld. Iandra não iria gostar nada quando
visse isso.
Fechei a revista e coloquei-a junto com as outras em uma mesinha na
sala de espera privativa, que meu irmão havia alugado para a família, já que,
além da mãe de Syll, somente Shall assistiria o parto, o que gerou um
pequeno desentendimento com o iraniano por ele entender que o parto era
um momento exclusivamente feminino. Admirei a diplomacia do meu irmão
em lidar com o sogro, mesmo em meio a ansiedade e nervosismo.
Ergui-me e fui abraçar a minha namorada, que carregava alguns balões
e um buquê com pequenas margaridinhas e rosas. Não havia pensado nisso,
não trouxe nenhum presente.
— Vim o mais rápido que pude. — Deu um sorriso fraco, parecendo
sem graça. — Nunca fiquei tanto tempo longe do meu celular, mas, hoje, as
coisas estavam bastante corridas. Só vi a mensagem praticamente agora.
— Não se preocupe. — Deixei um beijo em sua testa. — O importante
é que você veio para dar o seu apoio.
Os olhos verdes brilharam.
— Ela já está na sala de parto? — questionou suavemente. — Essas
coisas demoram por conta da dilatação — Syll foi levada para a sala há
alguns minutos. — Respirei fundo .— Para desespero de Shall, ela só
informou a ele quando as contrações estavam com intervalos muito curtos.
— Entendi.
Sentou-se.
— Quer que eu pegue algo para você comer ou beber, amor? —

ofereci.
— Não precisa, Derek, obrigada.
— Hm.
Colocando os presentes na mesinha do lado do sofá, sentei próximo a
minha mulher e automaticamente nossos dedos se entrelaçaram.
— Você um dia se imagina, assim? — murmurou a pergunta depois de
permanecermos em silêncio por vários minutos, a ausência de som sendo
apenas quebrada pelas sirenes de ambulâncias chegando e saindo.
— Assim como? — Encarei o rosto dela, que estava voltado para mim.
Ela tinha um ar sonhador, ao mesmo tempo que parecia emocionada.
— Filhos, Derek. — Brincou com a minha mão.
Eu confesso que fiquei surpreso com a pergunta. Ainda não tínhamos,
em nenhum momento, falado sobre essa possibilidade. Acho que, no fundo,
temíamos assustar um ao outro, pois ter uma criança era dar um outro passo,
mesmo que fosse em um futuro longínquo. Meu coração começou a acelerar.
— Um dia você gostaria de ser pai?

— Sim — respondi na lata, mesmo que uma pontada de receio dela


não querer o mesmo do que eu me invadisse.

Alguns relacionamentos acabavam por objetivos incompatíveis. Ainda


que eu estivesse disposto a abrir mão do meu desejo de ser pai para ficar

com ela, Laranjinha acabaria considerando isso um peso e um empecilho


para a nossa felicidade.

Os olhos dela cintilaram, misteriosos, antes de abrir um sorriso


provocativo.

— Pode não parecer, mas gosto de crianças. — Não contive uma


risada baixa pela acidez. — Eu quero ter um bebezinho um dia.

— Só um? — Fiz bico.


— Talvez dois ou três…
— Estava pensando em pelo menos três meninões fortes que nem o
papai e três menininhas ruivinhas e cheias de sardinhas igual a mãe delas —

comentei, sonhador.

— Derek! — Deu um gritinho, parecendo indignada. O sogro de


Marshall pigarreou, como se estivéssemos fazendo algo de errado. Talvez

estivéssemos, mas não me importei. — Eu não vou parir tantos filhos assim!
— Então já aceitou ser a mãe dos meus filhos? — Soei malicioso,

dando um sorriso cretino a ela.


Iandra fez uma careta.

— Não, longe disso.


Fiz muxoxo.

— Não importa quanto filhos vamos ter, se for um ou dois, ou cinco,


eu irei amar todos… — sussurrei, e ela apertou minha mão com força.

— Não tenho dúvidas que iremos amar todos eles — ergueu a minha
mão, deixando um beijo suave no meu dorso.

E a perspectiva de ser pai dos filhos da mulher que eu amava deixou


aquela espera ainda mais doce.
Capítulo

— Ele é tão bonitinho — falei baixinho ao olhar o bebezinho, que


parecia tranquilo nos braços do seu titio.
Devon era tão pequenino. Mesmo que os papais corujas tenham dito

que ele era grande, não concordava. Confesso que fiquei com medo de pegar

no colo.
Tinha sido uma longa espera até que Devon viesse ao mundo, mas a
alegria silenciosa que havia no quarto, presente na face de uma mãe exausta,
que tinha uma longa recuperação do puerpério pela frente, e na do pai que

acariciava o rosto da esposa, era contagiante. Até mesmo o avô, que parecia
um homem emburrado, soltou um grito de alegria ao saber que o neto tinha

nascido e já passado pela polêmica “circuncisão[15]”.


— Acho que nunca vi um menino mais lindo do que ele… — Derek
comentou.
Ergueu o rosto para me fitar. Mesmo que o filho não fosse dele, eu

percebi o amor em suas feições. Sorria, apaixonadamente, e seus olhos


estavam marejados. Era nítido que ele se continha para não o beijar.
O tema “crianças” poderia ter surgido apenas hoje entre nós dois.
Muitas coisas precisavam ainda ser discutidas, porém não tinha dúvidas de
que Derek teria aquele mesmo olhar ao encarar o próprio filho e que ele seria

um pai amoroso, dedicado e babão. E eu adoraria contemplar a imagem do


homem que amava com o seu bebê nos braços.
Foi impossível não suspirar, apaixonada, para depois sorrir.
E enquanto meu namorado o levava de volta para a sua mamãe,
sentindo um friozinho na barriga, torci, secretamente, para que eu não
apenas pudesse participar da vida do Devon, mas, também, que um dia eu
tivesse a minha família. Eu, Derek, nossos filhos e o doce e pequeno Charlie.
 
Epílogo
Iandra
Quatro meses depois
Antes mesmo que eu inserisse a chave na fechadura, escutei os sons de

latido e patas arranhando a minha porta pela parte de dentro, algo que não
era nenhuma surpresa, embora devesse temer o fato de o animalzinho ter
aprontado alguma. De vez em quando, ele deixava um rastro de papel picado
e terra no meu chão. Até mesmo já encontrei uma lagartixa morta, o que fez
com que eu gritasse e muito.
— Já vai, menino sapeca — murmurei.
Abrindo a porta, não contive um sorriso quando Charlie ficou em pé
nas duas patas, balançando o rabo freneticamente, como se me ver fosse a
melhor coisa que ele já tinha visto.

Latiu.
— Obrigada pela recepção. — Abaixei-me para deixar um beijo no
focinho dele depois de colocar minha bolsa e chave sobre o aparador. — Eu
também senti sua falta, querido.
Acariciando os pelos macios e bastante cheirosos, pelo banho que
Derek havia dado nele ontem, gargalhei quando o animalzinho lambeu o
meu rosto, principalmente o nariz, fazendo cócegas.
— Agora chega, Charlie — disse depois de brincar com ele por uns
instantes. — Estou morrendo de fome.

Como se entendesse que eu ia para a cozinha e que, com isso, ele


ganharia algum petisco, o cachorro disparou pelo corredor, trotando
animadamente.
Erguendo-me, removi os sapatos de bico fino, que estavam
incomodando as pontas do meu pé. Suspirei, sentindo uma onda de alívio ao
mover os meus dedinhos. Soltando meus cabelos do coque, fiz o mesmo
caminho que o animal tinha feito.
— Surpresa! — Um coro soou nos meus ouvidos assim que eu
alcancei a cozinha.
Assustada, dei um passo para trás, levando a mão ao peito, enquanto
encarava as pessoas ali reunidas, que eram meu namorado, Ruth e seu então
noivo, Max, Marshall e Sybill que, sentada em uma cadeira, tinha Devon em
seus braços. Não sei como ele não havia acordado com o grito. Registrei
também os enormes balões coloridos que enfeitavam o cômodo, bem como a
enorme faixa escrito “feliz aniversário”.
— O que é isso? — murmurei, ainda incrédula. Mas o torpor do susto

logo se transformou em uma emoção que deixou a minha pulsação


acelerada.
Charlie latiu.
Olhei para o rosto do meu namorado, vendo que ele tinha um sorriso
enorme. Não tive dúvidas de quem havia pensado naquela festa-surpresa, e
isso me emocionou ainda mais, mesmo que eu não gostasse muito de ficar
no escuro e muito menos de ser enganada. Como era terça-feira, início de
semana, nós dois tínhamos combinado de comemorarmos a data comendo
uma pizza. Seria algo simples, bobo, apenas para não passar em branco, mas
deveria ter esperado algo do tipo dele, principalmente quando tinha me
enchido de presentes e também me trazido o café na cama.
— Feliz aniversário, filha! — Ru se aproximou de mim, tirando-me do
torpor me abraçando forte e dizendo palavras doces.
— Obrigada, querida. — Senti meus olhos lacrimejarem.
Cumprimentei Sybill, Devon e Marshall.
— Isso é para você — Max, parecendo acanhado, estendeu-me uma
caixinha com um grande laço vermelho. — Espero que goste. Eu e Ruth
escolhemos juntos.
— Não precisava, Max. — Sorri e o abracei também com força.
Empolgada, apoiando o presente na bancada, puxei a fita, começando
a desembrulhá-lo. Removi a camada de papel seda e suspirei ao ver o colar

delicado com um pingente em formato de uma laranjinha.


— É lindo, Max. — Minha voz estava embargada. — Obrigada vocês
dois.
Dei um abraço nos dois ao mesmo tempo.
— Quisemos brincar com o seu “apelido” — minha melhor amiga
disse, risonha. — Você se ofendeu?
— Claro que não! — Franzi o nariz. — Por que eu ficaria ofendida?
— Digamos que até pouco tempo atrás você não gostava muito de ser
chamada de “Laranjinha” — ela provocou.
— Bem… — Coloquei uma mecha atrás da orelha, sem jeito. — Não
posso negar.
Rimos baixinho para não acordar Devon.
— Quer ajuda para colocar? — Derek disse contra a minha orelha ao
me abraçar por trás.
A respiração quente contra minha pele fez com que, automaticamente,
o meu corpo estremecesse contra o dele.
— Claro. — Modulei meu tom para que não soasse rouco e
inapropriado.
Engoli um gemido quando enrolou os meus cabelos em uma mão,
puxando-os levemente, me fazendo recordar das vezes nada inocentes em

que Derek havia segurado as mechas desse jeito. Fiquei levemente irritada
pelo meu namorado parecer imune a nossa proximidade. Colocando os fios
de lado, pegou o colar dos meus dedos e deslizou a correntinha contra o meu
pescoço. Os pelos da minha nuca se arrepiaram ao sentir seus dedos tocarem
a região sensível enquanto encaixava o fecho, demorando mais do que era
necessário na minha opinião. Não havia dúvidas que eu estava ruborizada,
ainda mais por ele me provocar na frente dos nossos convidados. Ele iria se
ver comigo mais tarde.
— Pronto, Laranjinha — falou em um tom divertido e eu bufei.
Com uma risada baixa, irritando-me mais ainda, virou-me em seus
braços com agilidade e deu um selinho em meus lábios. Seus olhos negros
eram pura diversão.
— Feliz aniversário, amor. — Acariciou a minha face. — Gostou da
surpresa?
Pareceu um pouco inseguro, e isso fez com que minha leve irritação se
dissipasse.

— Você sabe que sim. — Sorri para ele.


— Sei? — A sobrancelha dele se arqueou.

— Bobo!
Deixei alguns tapas no seu ombro.

— E ainda tem mais uma surpresa. — Sua voz era séria, o que não
combinava muito com o clima comemorativo.

Meu cenho se franziu quando, abruptamente, o meu namorado pareceu


nervoso, aflição que se tornou minha quando todos fizeram silêncio. Até

mesmo Charlie tinha ficado quieto, fazendo com que uma fina camada de
suor frio cobrisse a minha pele.

Jurava que os únicos sons que ouvia eram das respirações e do meu
coração, que parecia que a qualquer momento iria sair pela boca.

— Mesmo? — Forcei-me a perguntar.


Olhei para Ruth e Max, que estavam abraçados e pareciam
expectantes, depois me voltei para Sybill, que tinha seus olhos escuros fixos

em mim.

— Sim — falou. Minha atenção recaiu novamente sobre meu


namorado a tempo de vê-lo começar a se ajoelhar.

Apoiei minha mão sobre a bancada de granito ao sentir minhas pernas


bambearem e levei a outra mão aos lábios, sem acreditar naquilo que via.

— Derek? — Minha voz saiu abafada pelos meus dedos.


Gotas grossas começaram a se acumular em meus olhos ao ver uma

caixinha de veludo em sua mão, o que não me fez mais ter dúvidas daquilo
que ele estava prestes a fazer.

— Sei que estamos juntos há menos de um ano e que, para muitos,


esse passo pode ser muito grande para se dar tão depressa — começou a

dizer, e mesmo com a minha vista embaçada, vi que ele se emocionava


também —, mas você sabe o quanto eu sou um homem que gosta de pular

etapas…
Escutei a risada grossa de Marshall sendo seguida de um aí, Sybill

deve tê-lo cutucado com o cotovelo.


— É amor o que sinto por você, que é proveniente do fundo do meu

ser, da minha alma, e isso faz com que eu queira ainda mais apressar as
coisas. — Seu tom rouco me tocou e não consegui segurar mais o choro. —
Sei que, por morarmos a dois passos de distância, já compartilhamos vários

aspectos do cotidiano, da vida, porém esse cara careta, que adora um


relacionamento sério e que é completamente louco por você e pelas suas

sardas, precisa formalizar as coisas, fazer as coisas de forma certa…

Deu um sorriso travesso e eu ri em meio ao pranto, não conseguindo


controlar o tom, que provavelmente iria acordar o bebezinho, tamanha

euforia que me dominava. Dito e feito, Devon começou a chorar e Charlie a


latir.

— Quer se casar comigo, Laranjinha? — sussurrou, abrindo a caixinha


com os dedos trêmulos, revelando um anel dourado com pequenos

diamantes encravados nele. — Quer se casar com um homem que será sua
cadelinha, ou melhor, seu cachorro, até o último suspiro?

— Deus, essa foi péssima, Derek. — Minha voz saiu esganiçada, mas,
ainda assim, as lágrimas tornaram-se mais intensas diante das suas palavras.

— Quer ser a esposa de um homem que fará você sorrir todos os dias
com suas cantadas horríveis e piadas ainda piores? — insistiu.

— Sim, Derek, eu aceito. — Passei a mão pelo meu rosto, limpando a


trilha molhada. — Eu não consigo mais imaginar viver sem seus elogios

“excêntricos”.
— Obrigado, amor. — Gargalhou também, mas logo desabou em

lágrimas. Visivelmente emocionado, pegou a minha mão direita com seus


dedos trêmulos. — Você não sabe o quanto me fez feliz hoje, Iandra…
Colocou a meia-aliança no meu dedo, deixando um beijo nela. Ouvi

um fungar em meio à barulheira de sons, mas não precisei olhar para saber

quem era. Ruth provavelmente estava tão mergulhada em lágrimas quanto


eu.

— Eu prometo não apenas minha fidelidade e devoção, mas eu juro


que, a cada segundo do meu dia, vou te amar.

— Também te amarei, querido — murmurei.


— Eu sei — falou, convencido, e se ergueu.

Enlaçou a minha cintura, colando nossos corpos em um abraço.


— É tão autoconfiante, assim? — Arqueei a sobrancelha para ele,

envolvendo seu pescoço com os braços.


— Digamos que sim.

— Deus, no que fui me… — antes que eu completasse a frase, calou-


me com a boca, seus lábios se moldando aos meus em um beijo doce, que se

tornou exigente quando ele me apertou contra si, sua língua devorando a
minha.

— E você? — perguntei, arfante, quando interrompemos o beijo. —


Tem certeza que quer ser o marido de uma mulher às vezes mal-humorada,

mas que te ama muito?


— Nem por um momento tive dúvidas disso. — A comissura do lábio

dele se ergueu antes de me beijar outra vez.

Depois de finalmente nos desgrudar — palavras de Ruth —,


recebemos várias felicitações, beijos e pedidos para que mostrasse o anel. O

que mais me tocou foi o “bem-vinda a família, irmã” dito por Syll em meio a
um abraço apertado.

Não havia ganhado apenas um noivo, mas também uma família.


O homem que eu amava havia me proporcionado o melhor aniversário

do mundo.
Bônus

Um ano e meio depois


— Espero que dê positivo — murmurei para mim mesma, para que

Derek não escutasse do quarto. Estava no banheiro, seguindo o passo a passo


das instruções do teste de gravidez.

Apesar de que, duvidava muito que ele me ouviria, já que as ondas do


mar caribenho produziam um som forte ao se chocar contra a estrutura do
bangalô de madeira em que estávamos.
Embora tivéssemos nos casados em uma praia privativa nas Bahamas

pouco tempo depois de ficarmos noivos, conversamos bastante a respeito de


quando teríamos filhos, e eu e Derek decidimos esperar alguns meses para
tentar ter o nosso primeiro bebê sem ser de quatro patas. Todo o meu foco
esteve em gerenciar a equipe de marketing da Playing naqueles últimos
meses, um trabalho árduo que se provou bastante frutífero, pois a empresa de
entretenimento infantil tem se tornado uma das maiores da região centro-

leste da América, principalmente com a parceria que fechamos com a


produtora do desenho mais assistido das plataformas de streamings. Nesse
meio tempo, Derek se inscreveu em um curso de curta duração que sempre
quis fazer e nunca teve oportunidade.
Porém, passada a correria das nossas carreiras, tanto eu quanto meu

marido estávamos cada vez mais ansiosos em dar um irmãozinho para


Charlie, concretizando ainda mais o nosso amor.
A expectativa por saber se estava realmente grávida, fazia com que
meu estômago revirasse e meus dedos estavam trêmulos. Não sei como

consegui esconder de Derek durante todo o voo até aqui a possibilidade de


que eu já estivesse carregando um pequeno Sommerfeld em meu ventre.
Talvez não quisesse que ele criasse expectativas e elas não acabassem se
concretizando, como da última vez, o amor fazia com que quiséssemos
poupar o outro de decepções, tristezas, por menores que fossem. Costumava
ter atrasos de alguns dias para a menstruação descer, mas não tanto, o que
me dava esperanças de que dessa vez era pra valer.

— Por favor — pedi aos céus enquanto tirava a tampa do teste e


colocava a ponta dele no potinho de urina, retirando rapidamente.
Andei de um lado para o outro, como um animal enjaulado, torcendo

silenciosamente para que as duas risquinhas aparecessem. Os três minutos de


espera eram insuportáveis. Olhei pela janela, contemplando a imagem do sol
forte batendo contra as águas claras, porém ela não me atraiu minha atenção
tanto quanto o exame.
Aproximei-me novamente da bancada e fiquei encarando o teste até
que o resultado apareceu.
Segurei-me na superfície de pedra, completamente mole, e minha
única reação foi emitir um grito, tomada pela felicidade.
— O que foi, amor? — Um Derek esbaforido entrou no banheiro

rapidamente e, ao som da sua voz, virei-me para ele.


— Eu estou grávida, Derek — minha voz saiu tão alta, que poderia
machucar nossos ouvidos.
— O quê? — Os olhos dele brilharam.
— Você vai ser papai!
— Tem certeza? — Soou ofegante.
Assenti e apontei para o exame. Seu olhar seguiu a direção e pareceu
hipnotizado olhando o resultado. Percebi que os olhos dele encheram de
água.

— Deus!
Começou a gargalhar alto e, tomado pela exaltação, felicidade e amor,
abraçou-me com força, quase que me esmagando, porém eu ria tanto que
chegava a doer, pela reação linda dele. Seu rosto molhava os meus ombros
enquanto chorava, soluçando. Acariciei seus cabelos, deixando-me levar
pelas minhas emoções.
— Não acredito que vou ser pai, Laranjinha — disse com voz
embargada pelo choro. — Diz para mim que não é mentira.
— Trouxe outro teste para confirmar se não é um falso-positivo, mas
acho difícil, pois não estou tomando nenhum remédio.
Derek voltou a rir e, deslocando o braço para baixo, na região das
minhas nádegas, ergueu-me no alto. Segurei seus ombros.
— Derek! — Dei um gritinho quando ele começou a me girar.
Não sei quantas voltas meu marido havia dado, só sei que uma onda de
enjoo me invadiu.

— Me coloque no chão — falei em meio à risada —, estou ficando


tonta.
Fez o que eu pedi, deslizando meu corpo contra o seu, porém não me
soltou.
— Desculpe-me, Laranjinha — pareceu sem graça —, estou tão
empolgado que…
— Não por isso, querido. — Enlacei seu pescoço, deixando um
selinho em seus lábios.
— Eu já agradeci ao Charlie por ter te colocado na minha vida?
— Um monte de vezes. — Não escondi minha diversão.
Voltou a olhar o teste atrás de mim, a euforia se transformando
novamente em lágrimas.
— Mas eu sou mais grato a você, Iandra, não apenas por me amar, mas
também por estar realizando um sonho meu que descobri com você que tinha
— murmurou, encarando-me fixamente.
— Nosso sonho que não sabíamos que tínhamos — o corrigi.
— Eu amo você, Laranjinha. Amo você e o nosso bebê. — Colocou
uma mão no meu ventre liso, começando a acariciá-lo.
— Eu também amo vocês, Derek.
Pousei minha palma sobre o dorso dele, enquanto meus lábios

encostavam nos dele, selando aquele amor, que havia se multiplicado na


forma de uma linda sementinha.
Bônus

Cinco anos depois


— Mais devagar para não se machucar, Brad — pedi para o meu filho

de quatro anos, que subia as escadas do escorregador rapidamente, enquanto


ajudava minha pequena Loren, de quase três aninhos, nossa menininha não

planejada, a descer pelo brinquedo, para deleite de Charlie que, apesar de


idosinho, ainda tinha alguma energia para acompanhar as crianças.
— Tá bom, papai — respondeu animadamente.
Ainda mal conseguia acreditar como o tempo tinha passado tão rápido.

Recordo como se fosse ontem as “primeiras vezes” que segurei Brad e


Loren. Eles eram tão lindos, com as suas peles enrugadinhas e mãozinhas tão
pequenininhas que só de lembrar eu sentia o amor preenchendo meu peito.
Cada etapa das duas gestações tinha sido mágica, desde o primeiro
ultrassom, ouvir os coraçõezinhos, a descoberta dos sexos e os primeiros
chutes — apesar que desconfie que minha Laranjinha não concordaria

comigo, pois os enjoos e o inchaço tinham sido terríveis para ela. Porém,
olhar para os rostinhos chorosos quando eles nasceram foram as imagens
mais lindas que eu tinha visto.
Sim, eu tinha desgramado a chorar durante os dois partos, tanto que,
para a minha vergonha, minha esposa precisou me consolar e acalmar, e não

o contrário.
— Espera seu primo subir antes de ir, Devon — alertei.
Não escutei a resposta do meu sobrinho, pois o gritinho da minha filha
ecoou no ar. Em meio a risada dela, ouvi os latidos de Charlie quando seus

pezinhos tocaram o chão.


— É para escutar o seu tio, filho — meu irmão gritou do bar onde
estava sentado, conversando com Max, então marido de Ruth. Ela estava na
cozinha preparando uma das suas receitas alemãs, já que adorava mimar as
três crianças com as suas guloseimas, principalmente com doces.
As três mulheres quando juntas tagarelavam sem parar, rindo que nem
hienas com as fofocas da mulher mais velha, que parecia sempre saber as

novidades sobre o antigo bairro em que morávamos e também dos famosos.


— Di novu, papai! — Loren bateu palminhas, tirando-me do transe,

fazendo com que o cachorro se aproximasse para cheirá-la.


— Espere a sua vez, querida. — Peguei a pequena no colo, recebendo
umas patadas na perna, para tirá-la do caminho para que acidentes não
acontecessem.
— Tá.
A menina ruivinha, cheia de sardinhas, era uma cópia da mãe,
principalmente quando ficava brava com o irmão e batia seus pezinhos no
chão. Ela deixou um beijo babado na minha face assim que a segurei. Sorri,
abobado.

O carinho dos meus filhos e do meu sobrinho sempre me deixavam


assim, pateta. Eu os amava com força e faria de tudo por eles, tanto que, às
vezes, me pegava sendo mole demais quando precisava educá-los. Não que
batêssemos neles ou algo do tipo, já que tanto eu quanto Laranjinha
acreditávamos no diálogo, mas, ainda assim, era difícil ser firme.
Deixei um beijo nos cabelos alaranjados que tinham um cheiro
delicioso de morango.
— Devon! — Levantando-se, meu irmão voltou a chamar atenção do
garotinho em um tom firme, porém sem ser ignorante. Charlie latiu. O

menino arteiro queria deslizar pelo escorregador de costas.


Em poucos passos, Shall se aproximou do playground.
— Não pode descer dessa maneira, filho. — Tocou o rosto dele
gentilmente, fazendo com que o garotinho o olhasse. — Você pode se
machucar.
— Ah!
— Nada de ah, mocinho…
— Tá.
Meu irmão soltou-o e Devon se sentou direitinho, descendo o
escorregador sob o olhar atento de Shall, que suspirou.
— Papai! — Minha princesinha se agitou no meu colo e eu soube que
estava na vez dela.
Fui em direção do brinquedo de plástico, sentei a bundinha dela na
esteira e fiz com que ela escorregasse. Desceu batendo as perninhas e
emitindo gritinhos.
— Vamu nu balançu? — Brad chamou Devon.

Sem esperar resposta, o meu filho correu pela grama e o priminho dele
o seguiu, junto com Charlie, que trotou atrás deles, latindo e balançando o
rabo, achando que estavam brincando com ele.
— Cuidado com Charlie — avisei ao pegar Loren no colo. Eu e
Marshall fomos atrás deles.
As crianças soltarem um “Tá bom”, porém não foi necessário, pois o
cachorro, esperto, colocou-se a uma distância segura, deitando-se no chão
com a língua para fora.
Logo os dois estavam pegando impulso no brinquedo e riam. Coloquei
minha menina no balancinho do canto, passando a trava de segurança, e
empurrei-a suavemente.
— Temos sorte, não é mesmo? — Meu irmão fez uma pergunta que
parecia retórica, que quase não escutei em meio a gritos, risadas e as
conversas das crianças.
— Sim, somos — concordei.
Usei as duas mãos para aparar o balanço e voltar a empurrar. Loren fez
um som alto de deleite.
— Conseguimos construir famílias lindas, Shall — fiz uma pausa,
apenas para adotar um tom malicioso: — ou melhor, estamos construindo…
Gargalhou, eufórico, com a recordação de que em breve ele seria pai
de gêmeos e eu teria mais um filho. Acabei rindo também.

— Mathy estaria orgulhosa de nós, não estaria? — questionou e, com


o canto do olho, vi que ele tinha um semblante melancólico, pensativo,
enquanto olhava os dois meninos, mas logo sorriu.
— Muito, tanto que, onde ela estiver, posso imaginar vovó sorrindo.
— Minha voz soou embargada pela emoção. Continuei a fazer o movimento
mecânico de empurrar o balanço.
Marshall deu dois tapinhas no meu ombro.
— Por incrível que pareça, eu também consigo — murmurou. —
Como também consigo imaginá-la cobrindo as crianças de presente se
estivesse aqui.
— Eles ficariam insuportáveis de tão mimados — comentei, fazendo
com que eu e meu irmão gargalhássemos alto.
— E nós dois que ficaríamos como os chatos por repreendê-la —
falou, continuando a rir.
— Sim…
— Criançada, o lanche está pronto — Laranjinha gritou da janela da
cozinha, interrompendo aquele momento meio nostálgico.
— EEEEE! — Um coro de crianças se fez ouvir e os meninos
largaram o balanço e saírem correndo, o que fez com que Charlie latisse e os
seguisse.

— Sem correr. — Marshall foi atrás deles, pois sabia que com a
perspectiva de comer suas guloseimas, eles não iriam obedecer.

Devon e Brad eram dois “Cookie Monsters[16]”.


Minha princesinha começou a abrir um berreiro porque os dois
meninos foram na frente e ela ainda estava no balanço.
— Não precisa chorar, doçura — consolei-a, e rapidamente, a tirei do
balanço. Dei a mão para ela, que agarrou um dos meus dedos, mas continuou
a chorar.
Ser pai poderia ter momentos difíceis como aquele, mas eu não
trocaria a paternidade por nada nesse mundo.
Quando entramos dentro de casa, uma Iandra com o ventre bastante
redondo pegou a menininha no colo, deixando um monte de beijos pelo seu
rosto úmido. Tive a certeza nesse instante que a mulher com quem eu queria
passar o restante da minha vida também não se arrependia nem por um
segundo sequer da maternidade, por mais desafiadora que fosse.
Deixei um selinho em seus lábios antes que ela levasse a pequena para

a mesa.
Enquanto eu seguia as duas, mais uma vez, sem cansar de ser

repetitivo, agradeci mentalmente Charlie por aproximar aquela mulher de


mim, e também pela minha Laranjinha me amar mesmo com meus defeitos e

cantadas ruins que, infelizmente, não conseguiram melhorar em nada com o


tempo.
Leia também

Um bebê por encomenda

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por-encomenda/

 
Sinopse: Solteirão convicto e CEO da maior companhia do ramo de

alimentos do país, Jefferson Richelme tinha apenas um objetivo de vida:


tornar-se ainda mais poderoso e rico; o que não incluía formar uma família,

para o desgosto do seu avô, Estebán.

Nascido em berço de ouro, o milionário sempre teve tudo o que


desejava. Depois de descobrir que o próprio pai desviava dinheiro da

empresa do avô, ele queria mais do que nunca que Estebán tirasse o seu

genitor da presidência, rebaixando-o de cargo e assim, salvando o negócio


da família. Mas convencer o velhinho a fazê-lo não seria nada fácil, pois o

avô só daria ao empresário o que tanto almejava se ele lhe desse um outro

herdeiro.
Um filho, definitivamente, não estava em seus planos.

Encurralado e não querendo se envolver com uma desconhecida e


ficar amarrado a ela para sempre, o magnata, se sentia cada vez mais

pressionado a ter um bebê. Mas um plano surge em sua mente ao ouvir que

a menina que viu crescer, a sua melhor amiga de infância, desejava ser mãe.

Não havia mulher mais perfeita para gerar o seu filho, já que Sofia era

adorada pelo avô.

Um CEO precisando de um herdeiro, uma mocinha traída, uma


proposta indecente e uma gravidez! Uma comédia romântica doce que

deixará o seu coração quentinho.


Sobre a autora
Mineira, se apaixonou por romances há alguns anos, quando
comprou e devorou um romance de banca que adquiriu em um
supermercado. Após aquela leitura, não parou mais de comprar livros e ler.
Encontrou no mundo da literatura um lugar de prazer e refúgio. E agora se
aventura em escrever suas próprias histórias.
 

Siga Aline no Instagram:

https://www.instagram.com/autoraalinedamasceno/

[1] No Brasil, equivalente de 10 a 0.


[2] Nível de ensino nos Estados Unidos ministrado a crianças de cinco a doze anos de

idade que é equivalente ao primeiro e sexto ano no Brasil.


[3] Equivalente ao sétimo ao nono ano no Brasil.
[4] Em inglês: Fools rush in where angels fear to tread. Provérbio equivalente “O

apressado come cru”.


[5] Pão de centeio cozido em banho-maria.
[6] Massa folhada, coberta por glacê de açúcar comumente recheada com nozes, avelã

e amêndoas em formato de caracol.


[7] Jogadora profissional de golfe durante o período de 1962 a 1987, Kathy, ao longo

da sua carreira, venceu oitenta e oito torneios criados pela LPGA - Ladies Professional
Golf Association —, além de outros dez títulos. Considerada a jogadora da década pela
Golf Magazine, em 1988.
[8] Acertar o buraco em uma única tacada.
[9] Corte proveniente da costela de Angus (de animais com até 18 meses) que é

preparado depois de ser maturado por vinte um dias e cozinhado em fogo alto para
torná-lo mais suculento. É um clássico da culinária argentina e também bastante
popular nos Estados Unidos.
[10] Molho de origem francesa feito de maionese, anchovas, especiarias, mostarda,

picles e outros ingredientes batidos suavemente para manter a consistência mais


cremosa.
[11] Usada na área de saída, tee é o pedestal onde se coloca a bola, evitando que a

tacada encoste no chão.


[12] Texto do sociólogo francês Pierre Bourdieu que, através da análise social da esfera

da alta costura, discute a noção de “capital cultural”, que é o conhecimento de um


indivíduo que o torna capaz de entender algo, seja uma obra de arte, ou alguma
determinada matéria, noção que está ligada à dominação de classes e também à
questão escolar.
[13] Equivalente ao TCC (trabalho de conclusão de curso).
[14] Véu mulçumano que cobre os cabelos e pescoço e deixa o rosto à mostra.
[15] Tradicional na cultura muçulmana, a circuncisão é uma cirurgia que
retira o prepúcio — pele que cobre a cabeça do pênis — dos recém-
nascidos masculinos.
[16] Personagem de Vila Sésamo conhecido no Brasil como Come-Come e que não

pode ver biscoitos, que os devora.

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