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Chicago Stars 7

Sedutor Nato

Não era todo dia que um cara vê um castor sem cabeça andando à margem da estrada, nem mesmo
no mundo de Dean Robillard. Era definitivamente uma garota castor, porque a cabeça do castor estava fal-
tando, revelando ali um cabelo escuro suado e puxado em desalinho em um rabo de cavalo. Ele poderia es-
tar rezando por uma distração da própria depressiva companhia. Então, ele abriu a porta e saiu para o
acostamento da Estrada do Colorado... A inesquecível história de amor entre um garoto de ouro que pode
estar perdendo seu brilho e uma espirituosa mulher que aprendeu a nunca depender de ninguém, a não ser
de si mesma.
Capítulo Um

Não era todo dia que um cara vê um castor sem cabeça andando à margem da estrada, nem mesmo
no mundo de Dean Robillard.
— Filho da... — Dean pisou nos freios de seu novo Aston Martin Vanquish e parou em frente a ela.
O castor marchava à sua direita, com sua grande cauda arrastando no cascalho, e era ela. Nariz afila-
do e pequeno, erguido no ar. Caminhava de forma determinada. A castor parecia muito chateada.
Ela era definitivamente uma garota castor, porque a cabeça do castor estava faltando, revelando ali
um cabelo escuro suado e puxado em desalinho em um rabo de cavalo. Ele poderia estar rezando por uma
distração da própria companhia depressiva. Então ele abriu a porta e saiu para o acostamento da Estrada do
Colorado. Seu mais recente par de botas Dolce & Gabbana surgiu primeiro, seguido pelo resto de seu corpo.
Um metro e noventa e dois centímetros de músculos de aço, reflexos afiados e deslumbramento inigualá-
vel... Ou pelo menos isso é o que sua assessoria de imprensa gostava de dizer. Ainda assim, era bem verda-
de, embora Dean não fosse uma pessoa muito vaidosa, apesar de deixar as pessoas acreditarem nisso. Mas,
enfatizar essa superficialidade era uma boa maneira de manter as pessoas não muito perto de si, na medida
em que queria.
— Uh, minha senhora... Você precisa de ajuda?
Os passos dela não diminuíram o ritmo.
— Você tem uma arma?
— Não comigo.
— Então você não tem serventia. — Ela falou e continuou marchando.
Dean sorriu e partiu atrás dela. Com suas pernas extra longas demorou apenas alguns passos para al-
cançar as pernas curtas e peludas da castor.
— Bom dia, — disse ele. — Um pouco mais quente do que estou acostumado para Maio, mas não
vou reclamar.
Ela o atingiu com um par de olhos violetas, uma das poucas coisas curvilíneas sobre ela. A maioria
do resto de seu rosto veio em ângulos agudos e pontos delicados, desde de maçãs do rosto frágeis, até um
nariz pequeno e arrebitado, um queixo afiado o suficiente para cortar o vidro. Mas depois disso, a coisa fi-
cou feia. Um arco marcou o centro de um grande e surpreendente gordo lábio superior. Seu lábio inferior era
ainda mais completo.
— Um ator, — disse ela com o vestígio de um sorriso de escárnio. — Que sorte a minha.
— O que a faz pensar que sou um ator?
— Você é mais bonito do que as minhas amigas.
— É uma maldição.
— Você não está nem envergonhado?
— Algumas coisas você tem que aceitar sobre si mesmo.
— Irmão... — Ela deu um gemido de desgosto.
— O nome é Heath, — disse ele enquanto ela pegava o ritmo. — Champion Heath.
— Soa falso.
Era, mas não da maneira que ela queria dizer.
— Por que precisa de uma arma? — Perguntou Dean.
— Assassinar um velho amante.
— Ele é o cara que escolheu seu guarda-roupa?
Sua grande cauda bateu-lhe na perna quando ela girou para ele.
— Dá o fora, ok?
— E perder toda a diversão?
Ela olhou para trás para o carro esporte dele, um letal preto meia-noite Aston Martin Vanquish S com
um motor V-12. A máquina custou-lhe um par de centenas de milhares, mas nem isso fez muito estrago em
seu patrimônio líquido. Ser o quarterback do Chicago Stars era muito parecido com possuir um banco.
Ela quase furou o olho enquanto tirava uma mecha do cabelo suado do rosto com a pata, que não pa-
recia poder se separar da roupa.
— Eu poderia dar um passeio.
— Você vai roer meu estofamento?
— Não mexa comigo.
— Desculpe. — Pela primeira vez durante todo o dia, ele estava contente por tomar outro caminho e
sair da interestadual. Inclinou a cabeça na direção do carro.
— Pule para dentro.
Mesmo isso sendo ideia dela, a mulher hesitou. Finalmente, ela arrastou atrás dele. Dean deveria tê-
la ajudado quando abriu a porta, mas ele apenas se afastou para assistir a diversão.
O maior problema era a cauda. Aquela merda era basicamente feita de mola, e quando ela tentou en-
fiar-se no assento de couro de passageiros, manteve batendo na cabeça dela. Ela ficou tão frustrada que ten-
tou arrancá-la, e quando isso não funcionou, ela pisou nela.
Ele coçou o queixo.
— Você não está sendo um pouco dura com o castor?
— É isso! — Ela começou sair e pegar seu caminho na rodovia novamente.
Ele sorriu e chamou atrás dela.
— Peço desculpas. Comentários como esse são exatamente o porquê das mulheres terem perdido o
respeito pelos homens. Tenho vergonha de mim mesmo. Aqui, deixe-me ajudá-la.
Viu-a lutar entre o orgulho e a necessidade e não se surpreendeu ao ver a vitória da necessidade.
Quando ela voltou para o seu lado, ela o deixou ajudar dobrando a cauda. Agarrando a cauda contra o peito,
ele a guiou para dentro. Ela teve de se sentar só sobre uma banda de seu traseiro e para ver o para-brisas ti-
nha que espreitar ao redor da cauda. Ele subiu ao volante. A castor emitia um odor almiscarado que lembrou
de um vestiário escolar. Ele abriu a janela um par de centímetros, quando voltou para a estrada.
— Então, onde estamos indo?
— Quase dois quilômetros à frente. Vire à direita na Igreja Bíblica Vida Eterna.
Ela estava suando como um linebacker sob toda aquele pele de castor fedida, e ele ligou o ar condi-
cionado a pleno vapor.
— Há muitas oportunidades de trabalho na carreira de castor?
Seu olhar zombeteiro disse-lhe que ela sabia exatamente o quanto de entretenimento ele estava tendo
às custas dela.
— Eu estava fazendo uma promoção para o Depósito de Madeiras Grande Castor do Ben, ok?
— Quando você diz promoção...
— O negócio de Ben tem estado fraco ultimamente... Ou assim me disseram. Só estou na cidade há
nove dias. — Ela assentiu com a cabeça para a frente. — Esta estrada leva à Rawlins Creek e à serraria de
Ben. Aquela rodovia ali de quatro pistas leva à Home Depot.
— Estou começando a ter uma ideia disso.
— Certo. Todo fim de semana, Ben tenta contratar alguém para permanecer na estrada com uma pla-
ca para chamar alguns compradores para seu comércio. Eu fui seu mais recente bode expiatório.
— Ser a nova garota na cidade.
— É difícil encontrar alguém desesperado o suficiente para fazer este trabalho dois finais de semana
seguidos.
— Onde está a placa? Esqueça. Você a deixou com a cabeça.
— Eu mal podia caminhar de volta para a cidade vestindo uma cabeça de castor.
Ela apontou isso como se fosse de raciocínio lento. Ele suspeitava que ela não teria caminhando de
volta para a cidade vestindo o traje de castor também, se ela tivesse vestindo alguma coisa por baixo dele.
— Eu não vi um carro estacionado lá atrás, disse ele. — Como você chegou até aqui, em primeiro
lugar?
— A esposa do proprietário me deixou, depois que meu Camaro não pegou esta manhã. Ela deveria
ter voltado há uma hora para me pegar, mas não apareceu. Estava tentando descobrir o que fazer quando vi
um certo sanguessuga passar em um Ford Focus que ajudei a pagar.
— O namorado?
— Ex-namorado.
— O que você está planejando assassinar.
— Continue achando que estou brincando. — Ela olhou ao redor da cauda. — Ali, a igreja. Vire à di-
reita.
— Se levá-la ao local do crime, isso faz de mim um cúmplice?
— Você quer ser?
— Claro. Por que não?
Dean virou para uma rua esburacada, semi residencial, onde algumas casas estilo rancho foram cons-
truídas em lotes pequenos. Embora a cidade de Rawlins Creek estivesse a cerca de 50 quilômetros a leste de
Denver, não parecia estar em grande perigo de se tornar uma popular comunidade-dormitório.
— É a casa verde com o sinal no quintal, — disse ela.
Ele parou em frente a um rancho de estuque onde um cervo de metal montava guarda ao longo de
uma fila de girassóis e uma placa onde se lia QUARTOS PARA ALUGAR. Salvo que algum comediante
havia desenhado uma grande I entre TO e LET1. O Focus prata sujo estacionou com o motor em marcha len-
ta na garagem. Próximo a ele, uma morena de pernas altas apoiava os quadris contra a porta do passageiro e
fumava um cigarro. Quando ela viu o carro de Dean, ela se endireitou.
— Essa deve ser Sally, — a Castor assobiou. — A última perdedora de Monty. Sou sua antecessora.
Sally era jovem, magra, com grandes seios e muita maquiagem, que deixava a Castor com seus cabe-
los suados em clara desvantagem, apesar de que, aparecer em um esportivo Aston Martin com ele ao volante
pode ter nivelado o campo de jogo. Através do para-brisa, Dean viu um cara de cabelos compridos, com
aparência artística, de pequenos óculos de aro de metal sair da casa. Só poderia ser Monty. Ele usava calças
cargo, juntamente com uma camisa de tecido que parecia que tinha sido feita à mão por um grupo de revolu-
cionários sul-americanos. Ele era mais velho do que a Castor, talvez uns trinta e definitivamente mais do que
Sally, que não poderia ter mais de dezenove anos.
Monty chegou ao ponto morto quando viu o Vanquish. Sally apagou o cigarro com a ponta de uma
sandália rosa brilhante e olhou. Dean levou o seu tempo saindo e fazendo o seu caminho em torno do capô
para abrir a porta do passageiro para que a Castor pudesse começar a matança. Infelizmente, quando ela ten-
tou colocar as pernas no chão, a cauda ficou no caminho. Ela tentou outro ângulo, só para ter a cauda desdo-
brada e acertando em seu queixo. Isso a irritou tanto que ela deu um soco nele, o que a desequilibrou, e ela
caiu de cara no chão a seus pés, aquela grande cauda marrom acenando ao léu sobre o seu bumbum.
Monty olhou para ela.
— Blue?
— Ela é Blue? — Disse Sally. — Ela é um palhaço ou algo assim?
— Não na última vez que a vi. — Monty tirou sua atenção da Castor, que tentava se levantar e se di-
rigiu a Dean. — Quem é você?
O cara tinha um desses falsos acentos da alta sociedade que fizeram Dean querer cuspir tabaco e falar
grosso. — Um homem de mistérios, — ele falou. — Amado por alguns. Temido por muitos.
Monty pareceu intrigado, mas quando a Castor finalmente se levantou, sua expressão mudou para
hostilidade.
— O que é isso, Blue? O que você fez com isso?
— Seu mentiroso, hipócrita, idiota poeta de merda! — Ela percorreu o caminho de cascalho, suor
brilhando em seu rosto afiado, assassinato em seus olhos.
— Eu não menti. — Ele falou de uma forma condescendente que despertou a raiva de Dean. Ele só
podia imaginar como a Castor estava se sentindo nesse momento. — Nunca menti para você, — ele conti-
nuou. — Expliquei tudo na minha carta.
— A que não entendi até ter me livrado de três clientes e conduzido mais de dois mil quilômetros pe-
lo país. E o que eu encontrei quando cheguei aqui? Encontrei o homem que passou os últimos dois meses me
implorando para deixar Seattle e vir para cá? Encontrei o homem que chorou como um bebê no telefone,
falando em se matar, dizendo que eu era a melhor amiga que já teve e a única mulher que ele já confiou?
Não, não encontrei. O que encontrei foi uma carta me dizendo que o homem que jurou que eu era a única
coisa que o mantinha vivo, não precisa de mim por mais tempo porque tinha se apaixonado por uma garota
de dezenove anos de idade. A carta também me dizia que eu não deveria deixar esse chute afetar os meus
problemas de abandono. Você nem sequer teve a coragem de falar comigo em pessoa!
Sally deu um passo adiante, com a expressão séria.
— É porque você é uma lunática, Blue.
— Você nem sequer me conhece!
— Monty me contou tudo. E não estou dizendo isso para ser uma cadela, mas você poderia se bene-
ficiar de terapia. Isso vai ajudá-la a parar de se sentir tão ameaçada pelo sucesso de outras pessoas. Especi-
almente Monty.
As bochechas da Castor ficaram vermelhas brilhantes.

1
Quartos para alugar = Room to let. Colocando um “i” entre to e let, temos TOILET, que seria banheiro, privada.
— Monty ganha a vida viajando pela poesia e fazendo trabalhos para jovens universitários que estão
com preguiça de escrever a sua própria.
Expressão de culpa no rosto de Sally fez Dean suspeitar que esta era exatamente a maneira como ela
o conheceu. Mas ela não se deixou ser jogada para fora do curso por muito tempo.
— Você está certo, Monty. Ela é venenosa.
A Castor apertou sua mandíbula e começou a avançar sobre Monty novamente.
— Você disse a ela que eu era venenosa?
— Não exatamente venenosa, — disse Monty, arrogante a beça. — Só para o meu processo criativo.
— Ele deslizou os óculos pela ponte de seu nariz. — Agora me diga onde está o CD do Dylan. Eu sei que
você encontrou.
— Se sou tão venenosa, por que você não conseguiu escrever um único poema desde que deixou Se-
attle? Por que você disse que eu era sua inspiração?
— Isso foi antes de me conhecer, — Sally interrompeu. — Antes de nos apaixonarmos. Agora eu sou
sua inspiração.
— Foi há duas semanas!
Sally puxou a alça de seu sutiã.
— O coração sabe quando encontra sua alma gêmea.
— Alma de lixo é com que ele mais se parece, — a Castor respondeu.
— Isso é cruel, Blue, e muito agressivo, — disse Sally. — Você sabe que a vulnerabilidade de Monty
é o que faz dele um grande poeta. E é exatamente por isso que você está atacando. Porque você está com
ciúmes de sua criatividade.
Sally estava mesmo dando nos nervos de Dean, então ele não se surpreendeu quando a Castor curvou
para cima dela.
— Se você disser mais uma palavra, vou socar você. Entendeu? Isso é entre Monty e eu.
Sally abriu a boca, mas algo na expressão da castor deve ter lhe dado uma pausa, porque ela fechou
novamente. Muito ruim. Ele teria gostado de ver a castor surrá-la. Embora parecesse a Sally que ela tinha
acabado de fazer isso.
— Eu sei que você está chateada, — disse Monty, — mas um dia você vai ficar feliz por mim.
Esse cara se formou no topo da classe dos estúpidos. Dean observou a Castor se elevar na ponta das
patas.
— Feliz?
— Não vou brigar com você, — disse Monty apressadamente. — Você sempre quer transformar tudo
em luta.
Sally assentiu.
— Você faz, Blue.
— Você está tão certo! — Com nenhum outro alerta além desse, a Castor se arremessou pelo ar, e
Monty caiu com um baque.
— O que você está fazendo? Pare com isso! Fique longe de mim!
Ele estava gritando como uma menina e Sally se apressou para ajudar.
— Saia de cima dele!
Dean se inclinou contra o Vanquish para apreciar o show.
— Meus óculos! — Monty uivou. — Cuidado com os meus óculos!
Ele tentou enrolar-se em uma bola quando a Castor conseguiu bater em um lado de sua cabeça.
— Paguei por esses óculos!
— Pare com isso! Saia de cima dele! — Sally agarrou a cauda da Castor e a puxou com toda a força
que tinha.
Monty estava dividido entre proteger as joias da família e seus preciosos óculos.
— Você ficou completamente louca!
— Sua influência! — A Castor tentou esbofeteá-lo, mas não conseguiu muito bem. Muitas patas.
Sally tinha uns bons bíceps e começou a fazer progresso puxando a cauda, mas a Castor tinha o jogo,
e ela não planejava desistir até ver sangue. Dean não tinha visto um amontoado de gente brigando tão diver-
tido desde os trinta segundos finais na última temporada do jogo dos Giants.
— Você quebrou meus óculos! — Monty gemeu, apertando as mãos ao rosto.
— Primeiro seus óculos. Agora sua cabeça! — A Castor tomou outra rodada.
Dean fez uma careta, mas Monty finalmente se lembrou que tinha um cromossomo Y e, com a ajuda
de Sally, conseguiu empurrar a Castor e se esforçou para ficar em pé.
— Vou mandar prendê-la, — ele gritou como um covarde. — Vou apresentar queixa.
Dean não aguentava mais, e se encaminhou para a confusão. Ao longo dos anos, vira filmes suficien-
tes de si mesmo para saber a impressão que tinha quando caminhava, a forma de seu físico exibido era a
vantagem. Ele também suspeitava que o sol da tarde podia estar desencadeando alguma pirotecnia bastante
inspiradora em seu cabelo loiro escuro. Até os vinte e oito anos ostentou um par de brincos de diamante,
mas aquilo tinha sido um exagero juvenil, agora usava apenas um relógio.
Mesmo com os óculos quebrados, Monty o viu chegando e empalideceu.
— Você é uma testemunha, — o menino poeta choramingou. — Você viu o que ela fez.
— Tudo o que eu vi... — Dean demorou — ...foi mais um motivo para não estarmos te convidando
para nosso casamento. — Ele caminhou até chegar ao lado da Castor, passou o braço em volta dos ombros
dela e olhou com carinho para seus assustados olhos violeta. — Peço desculpas, querida. Deveria ter acredi-
tado em você quando disse que ‘William Shakespeare’ aqui não merecia o fechamento de seu relacionamen-
to. Mas eu tinha que ir e incentivá-la a vir falar com o pobre filho da puta. Da próxima vez, lembre-me de
confiar em seu julgamento. Mas você tem que admitir que deveria ter trocado de roupa primeiro, como te
disse. Nossa vida sexual não é da conta de ninguém.
A Castor não parecia o tipo de mulher que poderia facilmente ser pega de surpresa, mas parecia que
ele tinha feito isso, e para um homem que ganhava a vida com palavras, o bem letrado Monty tinha ficado
sem palavras. Pobre Sally, mal conseguia um coaxar.
— Você vai se casar com Blue?
— Não poderia estar mais surpreso. — Dean deu de ombros modesto. — Quem imaginou que ela
fosse me querer?
E, realmente, o que mais eles poderiam dizer depois disso?
Quando Monty finalmente recuperou o fôlego, começou a se lamentar novamente sobre Blue ter feito
algo com “aquilo”, que Dean finalmente descobriu ser um CD aparentemente valioso com a impressão ori-
ginal do sangue de Bob Dylan nas faixas, que Monty tinha acidentalmente deixado para trás na pensão.
— Há apenas mil no mercado, — ele gritou.
— Novecentos e noventa e nove, — a Castor replicou. — Sua cópia se juntou ao lixo na hora que eu
terminei de ler a sua carta.
Monty se tornou nada mais do que um homem arrasado depois disso, mas Dean não conseguiu resis-
tir em torcer a faca. Quando deixaram o homem poeta e Sally e voltavam para o carro, Dean se voltou para a
Castor e falou alto o suficiente para as suas palavras correrem ao vento em direção deles.
— Vamos lá, docinho. Vamos para a cidade comprar aquele diamantes de dois quilates para pendurar
em seu pescoço e repousar sobre seu coração.
Ele jurou que ouviu Monty gemer.
O triunfo da Castor foi de curta duração. O Focus quase não conseguiu sair da garagem antes que a
porta da frente da casa da fazenda se abriu e uma mulher corpulenta com o cabelo tingido de preto, sobran-
celhas pintadas e um rosto pastoso arrastasse para a varanda.
— O que está acontecendo aqui?
A Castor olhou para a nuvem de poeira na estrada, seus ombros caindo levemente.
— Briga doméstica.
A mulher cruzou os braços sobre seu amplo peito.
— Eu sabia que você era um problema na hora que te vi. Nunca deveria ter deixado você ficar aqui.
Ela começou criticando a Castor, o que deu a Dean informações suficientes para reconstituir alguns
fatos por si só. Parecia que Monty estava vivendo na pensão até 10 dias atrás, quando tinha saído com Sally.
A Castor havia chegado um dia depois, encontrou sua carta de despedida e decidiu ficar até descobrir o que
fazer a seguir.
Gotas de suor eclodiu na testa da senhoria.
— Não quero você na minha casa.
A Castor não conseguia recuperar seu espírito de luta.
— Vou sair daqui na primeira hora amanhã.
— É melhor você ter os oitenta e dois dólares que me deve.
— Claro que tenho, — a cabeça da Castor disparou. Com um juramento murmurado, ela passou por
sua senhoria e correu para dentro.
A mulher voltou sua atenção para Dean e, em seguida, para o seu carro. Em geral, toda a população
da América do Norte fazia fila para beijar a bunda dele, mas ela não parecia ver um monte de futebol.
— É um traficante de drogas? Se você tem drogas no carro, vou chamar o xerife.
— Algum Tylenol extra forte. — Além disso, algumas garrafas de analgésicos prescritos, ele decidiu
não falar.
— Você é um cara sábio. — A dona da casa lançou-lhe um olhar sombrio e voltou para dentro. Dean
considerou seu desaparecimento com pesar. Aparentemente, a diversão acabou.
Ele não parecia ansioso para voltar a pegar a estrada, apesar de estar fazendo esta viagem para resol-
ver algumas coisas. Principalmente no final de uma série inquebrável de boa sorte. Sofreu sua parcela de
solavancos e contusões jogando futebol, mas nada grave. Oito anos na NFL e nunca tinha quebrado o torno-
zelo, ou tido um ligamento do joelho rasgado, ou um tendão de Aquiles desfiado. Não tanto como um dedo
quebrado.
Mas isso tinha terminado há três meses, no quarto trimestre dos playoffs contra os Steelers. Dean
deslocou o ombro e sofreu uma grave lesão. A cirurgia foi bem sucedida. Seu ombro lhe serviria por mais
algumas temporadas, mas nunca seria tão bom como se fosse novo, e esse era o problema. Tinha acostuma-
do a pensar em si mesmo como invencível. Lesões aconteciam com outros jogadores, não com ele, não até
agora.
Sua vida encantada havia chegado ao fim de outras maneiras. Dean começou a passar muito tempo
nos clubes. Em pouco tempo, caras que ele mal conhecia estavam se movendo em seus quartos, e as mulhe-
res nuas foram passando em sua banheira. Ele finalmente decidiu decolar em uma viagem solo, mas conclu-
iu que Sin City não era o melhor lugar para endireitar a cabeça, razão pela qual estava passando pelo leste do
Estado do Colorado.
Infelizmente, ele não contou com a solidão também. Em vez de começar alguma perspectiva, só aca-
bou mais deprimido. As aventuras da Castor haviam sido uma grande distração que tinha, infelizmente, che-
gado ao fim.
Quando voltava para o carro, os sons estridentes de uma voz feminina estouraram. A próxima coisa
que ele sabia era que a porta de tela se abriu e uma mala veio navegando para fora. Ela caiu no quintal, onde
se abriu, espalhando seu conteúdo: jeans e tops, um sutiã roxo, e algumas calcinhas cor de laranja. Em se-
guida veio uma mochila azul-marinho. E então a Castor.
— Caloteira! — A dona da casa gritou pouco antes de bater a porta.
A Castor teve que se agarrar em um poste de ferro para não cair da varanda. Uma vez que encontrou
o equilíbrio de volta, ela não parecia saber o que fazer, então se sentou no degrau mais alto e baixou a cabe-
ça em suas patas.
Ela disse que seu carro não estava funcionando, o que lhe deu uma boa desculpa para adiar a suportar
mais de sua própria companhia ruim.
— Precisa de uma carona? — Ele chamou.
Quando ela levantou a cabeça, olhou surpresa ao ver que ele ainda estava por perto. O fato de que
uma mulher havia esquecido a sua existência era incomum, o que chamou ainda mais o seu interesse. Ela
hesitou, então levantou sem jeito sobre seus pés.
— Tudo bem.
Ele a ajudou a recolher suas coisas, principalmente manipulando os objetos delicados que exigiam
destreza manual. Como calcinha. Como um conhecedor, julgou que as dela seriam mais do Wal-Mart, mas
ela ainda tinha uma bela coleção de biquínis em cores brilhantes e estampas ousadas. Sem tangas, no entan-
to. E, mais desconcertante, sem rendas.
— A julgar pela atitude da sua ex-senhoria, — ele disse enquanto carregava sua mala e mochila no
porta-malas do Vanquish, — suponho que você está devendo 'oitenta e dois dólares’ de aluguel.
— Mais do que isso. Eu tinha duzentos dólares escondido naquele quarto.
— Você tem uma série de má sorte passando por você.
— Estou acostumada com isso. Não que isso tudo seja apenas má sorte. Algumas delas são simples-
mente estupidez. — Ela olhou para a casa. — Eu sabia que Monty voltaria aqui assim que descobri o CD do
Dylan debaixo da cama. Mas ao invés de esconder o meu dinheiro no carro, coloquei-o dentro da nova edi-
ção da People. Monty odeia a People. Ele diz que apenas cretinos a leem, então eu tinha certeza que o di-
nheiro estaria seguro.
Dean não era um leitor da People regular, mas ele tinha uma certa fidelidade. Durante a sessão de fo-
tos, a equipe não poderia ter sido melhor.
— Suponho que você queira ir para o Depósito de Madeiras Grande Castor do Ben, — disse ele de-
pois que a ajudou a entrar. — A menos que esteja querendo criar uma tendência de moda.
— Você vai parar com isso? — A Castor havia tomado uma poderosa aversão por ele, o que era mais
do que um pouco desconcertante, já que ela era uma mulher e ele era ... bem ... Dean Robillard. Ela viu o
mapa que ele jogou para baixo. — Tennessee?
— Tenho um lugar de férias não muito longe de Nashville. — Na semana passada, Dean gostou do
som dessas palavras. Agora não tinha tanta certeza. Ele poderia viver em Chicago, mas era um completo
menino da Califórnia, então por que comprou uma fazenda no Tennessee?
— Você é um cantor country?
Ele pensou sobre isso.
— Não. Você estava quase certa da primeira vez. Eu sou uma estrela de cinema.
— Nunca ouvi falar de você.
— Você viu o novo filme de Reese Witherspoon?
— Sim.
— Eu estava em um logo antes desse.
— Claro que estava. — Ela deu um longo suspiro e descansou a cabeça contra o encosto do assento.
— Você tem um carro incrível. Roupas caras. Minha vida fica cada vez pior. Eu caí com um traficante de
drogas.
— Não sou um traficante de drogas, — ele respondeu com veemência.
— Você não é uma estrela de cinema.
— Não esfregue isso na minha cara. A verdade é que sou um modelo masculino semi famoso com
ambições de ser uma estrela de cinema.
— Você é gay. — Ela fez uma afirmação, não uma pergunta, o que teria chateado um monte de atle-
tas, mas ele tinha uma grande base de fãs gays, e ele não acreditava em desrespeitar as pessoas que o apoia-
ram.
— Sim, mas estou totalmente no armário.
Ser gay pode ter algumas vantagens, Dean decidiu. Não na realidade, ele não podia sequer pensar so-
bre isso, mas sair com mulheres interessantes sem se preocupar em levá-las adiante. Nos últimos 15 anos,
ele gastou muita energia convencendo algumas mulheres muito bonitas que não seriam a mãe de seus filhos,
mas com gays nunca teve esse problema. Eles poderiam relaxar e ser apenas amigos. Dean olhou para ela.
— Se souberem a minha preferência sexual, vai arruinar minha carreira, então aprecio se você man-
tiver a informação para si mesma.
Ela levantou uma sobrancelha úmida.
— Como se fosse um grande segredo. Eu sabia que você era gay cinco segundos depois que te co-
nheci.
Ela tinha que estar brincando.
Ela começou a morder o lábio inferior com os dentes.
— Você se importa se eu for junto com você por um tempo, hoje?
— Vai deixar seu carro para trás?
— Não vale a pena reparar. Ben pode tê-lo rebocado. Com a cabeça de castor faltando e tudo mais,
aposto que não vou ser paga, então ele me deve.
Dean pensou nisso. Sally estava certa. A Castor era uma louca, o tipo menos favorito do sexo femi-
nino. Mas também era divertida.
— Vamos experimentar por um par de horas, — disse ele, — mas não estou prometendo mais do que
isso.
Eles pararam em frente de um edifício de metal pintado em um tom infeliz de turquesa. Era domingo
à tarde, e no estacionamento de cascalho no Depósito de Madeiras Grande Castor do Ben estavam apenas
dois veículos, um enferrujado Camaro azul e uma caminhonete último modelo. Uma placa FECHADO presa
por um par de ventosas na porta, que ainda estava aberta para pegar a brisa. Sempre cavalheiro, ele saiu para
ajudá-la.
— Cuidado com o rabo lá.
Ela lhe deu um olhar fulminante, conseguiu uma saída um pouco mais graciosa, e arrastou para a
porta da serraria. Quando ela abriu, ele vislumbrou um homem de peito de empilhamento em um display.
Ela desapareceu no interior.
Ele tinha acabado de fazer um levantamento do cenário, uma inexpressiva coleção de lixeiras e al-
gumas linhas de energia, quando ela pisou de volta, tinha uma trouxa de roupas em seus braços.
— A esposa do Ben cortou a mão e ele teve que levá-la para a emergência. É por isso que não foi me
pegar. Infelizmente, não posso sair dessa coisa sozinha. Ela lançou um olhar descontente para o cara na loja.
— E eu me recuso a deixar um desviante profissional do sexo ajudar a tirar isso aqui de mim.
Dean sorriu. Quem sabia que havia tantas vantagens para um estilo de vida alternativo?
— Ficarei feliz em ajudar.
Seguiu-a ao redor do lado do prédio onde aparecia uma porta de metal descascada somente com a si-
lhueta de um castor usando um arco de cabelo. O banheiro era para uma pessoa, não exatamente limpo, mas
marginalmente aceitável, paredes de blocos de concreto e um espelho preso em cima da pia. Quando ela
olhou em torno de um lugar limpo para definir sua trouxa de roupas, ele abaixou a tampa do assento do toa-
lete e no respeito pelos seus irmãos gays cobriu-a com um par de toalhas de papel.
Ela colocou as roupas para baixo e virou as costas para ele.
— Tem um zíper aí.
Em quartos sem ventilação a roupa fedia mais do que um armário de ginásio, mas como um veterano
de práticas mais duras do que ele poderia contar, ele já cheirou pior. Algumas mechas de seu cabelo escuro
úmido haviam escapado daquela triste desculpa para um rabo de cavalo, e ele empurrou-o para longe da nu-
ca, que era leite branco, exceto pelo menor traço de uma veia azul pálido. Ele remexia no traje sarnento até
que encontrou o zíper. Dean era muito bom em despir as mulheres, mas ele mal tinha abaixado alguns cen-
tímetros quando prendeu o fecho no traje. Conseguiu o zíper livre, mas depois de mais alguns centímetros,
ele pegou novamente.
Foi por esse caminho, pare e anda, que o traje de Castor foi abrindo e revelando uma fatia cada vez
maior de pele leitosa, e quanto mais tempo Dean levava para abrir, menos gay se sentia. Ele tentou se distra-
ir com a conversa.
— Então, como descobriu? Como você sabia que eu não era hetero?
— Tem certeza que você não vai ficar ofendido? — Ela perguntou com solicitude falsa.
— A verdade deve me libertar.
— Bem, você está totalmente chique, mas esses músculos são bem definidos. Você não conseguiu
um peito como esse com trabalho pesado.
— Muitos homens vão para a academia. — Ele resistiu ao impulso de soprar em sua pele úmida.
— Sim, mas um cara hetero não tem uma cicatriz em algum lugar do queixo ou um nariz quebrado?
Seu perfil é mais esculpido do que o Monte Rushmore.
Era verdade. O rosto de Dean tinha permanecido notavelmente ileso. Seu ombro, no entanto, era ou-
tra história.
— Então aí está o seu cabelo. Espesso, brilhante, loiro. Quantos produtos você usou nele esta manhã?
Não importa. Só vai me fazer sentir inferior.
A única coisa que ele tinha usado em seu cabelo naquela manhã era xampu. Bom xampu, é verdade,
mas, ainda assim, xampu.
— É tudo por conta do corte, — disse ele, seu corte foi administrado pelo hairstylist da Oprah.
— Essa calça jeans não veio da Gap.
Correto.
— E você está usando botas de gays.
— Estas não são botas gays! Paguei mil e duzentos dólares nelas.
— Exatamente, — disse ela triunfante. — O homem hetero iria pagar mil e duzentos dólares por bo-
tas?
Nem mesmo a avaliação sobre seu calçado conseguiu esfria-lo porque ele tinha chegado a sua cintu-
ra, e, como tinha imaginado, ela não usava sutiã. Os nós frágeis de sua espinha desapareceram no V peludo
do seu traje, como se um colar de pérolas delicado fosse engolido por um Pé-grande. Levou toda a sua con-
siderável força de vontade para não escorregar as mãos dentro, desliza-las ao redor, e explorar exatamente o
que a Castor havia escondido por si mesma.
— O que está demorando tanto? — Ela perguntou.
— O zíper está prendendo toda hora, isso sim. — Dean parecia aborrecido, mas sua calça jeans não
havia sido projetada para acomodar o que agora precisava acomodar. — Se você acha que pode fazer isso
mais rápido, você é bem-vinda para tentar.
— Está quente aqui.
— Nem me fale. — Com um último puxão, Dean chegou ao final do zíper, que era uns bons seis cen-
tímetros abaixo da cintura dela. Ele pegou na curva de seu quadril, juntamente com uma estreita faixa de
elástico vermelho brilhante.
Ela se afastou e quando se virou para ele, Blue cruzou as mãos sobre o peito para segurar o traje no
lugar.
— Consigo me virar agora.
— Oh, por favor. Como se você tivesse alguma coisa que eu estaria interessado em ver.
O canto da boca se esticou, mas se foi de diversão ou aborrecimento, ele não poderia dizer.
— Fora.
Oh, bem ... Ele tentou.
Antes de sair, ela passou as chaves de seu carro para ele e pediu, não muito educadamente, para que
pegasse suas coisas no carro dela. Dentro do porta-malas amassado, ele encontrou um par de caixas de plás-
tico recheado com material de arte, algumas caixas de ferramentas salpicadas de tinta e uma grande sacola.
Ele tinha acabado de colocar o material em seu carro quando o cara que estava trabalhando dentro da loja
saiu para inspecionar o Vanquish. Ele tinha o cabelo oleoso e uma barriga de cerveja. Algo disse a Dean que
era o suposto desvio sexual que tinha ganhado a ira da Castor.
— Cara, isso é uma máquina doce. Eu vi um desses no filme de James Bond. — E então, quando ele
deu uma boa olhada em Dean, — Puta merda! Você é Dean Robillard. O que você está fazendo aqui?
— Só de passagem.
O cara começou a pulverização catódica.
— Maldição! Ben devia ter feito Sheryl conduzir sua própria bunda grande para o hospital. Espere
até eu contar que Boo esteve aqui.
Colegas de faculdade de Dean tinham dado a ele o apelido por causa da quantidade de tempo que ele
passou na praia de Malibu, que foi apelidada de “The Boo” pelos moradores.
— Eu vi a pancada que você tomou no jogo Steelers. Como está seu ombro?
— Indo, — Dean respondeu. Iria ficar muito melhor se ele parasse de conduzir por todo o país sen-
tindo pena de si mesmo e começasse a fazer sua fisioterapia.
O cara se apresentou como Glenn, em seguida, lançou-se em uma revisão de toda a temporada do
Stars. Dean assentiu automaticamente, o tempo todo desejando que a Castor se apressasse. Mas uns bons dez
minutos se passaram antes que ela surgisse. Ele olhou para suas roupas.
Isso estava errado.
Ela foi sequestrada por uma gangue de motoqueiros. Em vez de um vestido fofo, gorro rosa e cajado
de pastor2, ela adornava uma camisa preta desbotada, jeans largos, e grandes botas de trabalho velhas que
tinha visto no banheiro, mas felizmente esquecido. Pequena e delicada, talvez tivesse cinquenta e quatro qui-
los, tão magra quanto imaginou, até o peito, que era definitivamente de uma fêmea, mas dificilmente memo-
rável. Aparentemente, ela passou a maior parte de seu tempo no banheiro se lavando, pois quando ela se
aproximou, ele sentiu o cheiro de sabão em vez de peles e de mofo. Seu cabelo úmido, escuro estava plano
contra a cabeça dela como tinta derramada. Ela não usava maquiagem, não que ela precisasse muito, com
essa pele cremosa. Ainda assim, um pouco de batom e um pouco de rímel não a teriam machucado.
Ela praticamente lançou sua roupa de castor em Glenn.
— A cabeça está no sinal na interseção. Coloquei atrás da caixa.
— O que você quer que eu faça sobre isto? — Glenn replicou.
— Estou certa que pensará em algo.
Dean bateu a porta do carro antes que ela decidisse lançar outro soco. Quando ela entrou, Glenn en-
fiou a mão livre em Dean.
— Foi ótimo falar com você. Espere até eu contar a Ben que Dean Robillard esteve aqui.
— Dê a ele o meu melhor.
— Você me disse que seu nome era Heath, — disse a Castor enquanto saiam do estacionamento.
— Heath Champion é o meu nome artístico. Meu verdadeiro nome é Dean.
— Como é que Glenn sabe o seu nome real?
— Nós nos conhecemos no ano passado em um bar gay em Reno. Ele usava um óculos Prada estilo
aviador com lentes verdes e molduras de bronze.
— Glenn é gay?
— Não finja que você não sabia.
2
Assemelhando-a a Bo Beep, um personagem de canção de ninar.
A risada rouca da Castor tinha uma vantagem desconcertantemente verdadeira, como se ela estivesse
gostando de sua própria piada particular. Mas então, quando ela se virou para olhar pela janela, seu riso de-
sapareceu e apreensão escureceu seus doces olhos violeta. Isso o fez se perguntar se a Castor não tinha al-
guns segredos de seu próprio esconderijo por trás desse exterior mal-humorado.

Capítulo Dois

Blue se concentrava em contar suas respirações, esperando se acalmar, mas o pânico continuou ten-
tando ressurgir. Deu um olhar de lado para o Garoto Bonito. Ele honestamente esperava que ela acreditasse
que ele era gay? É verdade, as botas estavam em ótimo aspecto, parecendo de gays. Mas, mesmo assim, ele
era bastante heterossexual com mega-potência para iluminar toda a população feminina. O que, sem dúvida,
vinha a fazer desde que ele saiu do canal de nascimento, vislumbrou seu reflexo nos óculos e deu ao mundo
uma saudação.
Aqui ela pensou que a traição de Monty era o desastre final na catástrofe em que rapidamente havia
se tornado sua vida, mas agora ela estava à mercê de Dean Robillard. Blue não entraria no carro se não sou-
besse que era o jogador de futebol profissional que havia reconhecido. Os cartazes de publicidade da End
Zone estampavam seu corpo quase nu, e incrivelmente brilhoso, em uma linha de roupa íntima masculina
com o slogan memorável “Coloque sua bunda na Zone.” Mais recentemente, viu sua foto na People na edi-
ção “Os 50 mais bonitos”. Ele estava andando descalço em uma praia e vestindo um smoking com os pu-
nhos enrolados. Embora não lembrasse em qual time Dean jogava, Blue sabia que ele era o tipo de homem
que devia evitar a todo custo, não que homens como ele tivessem o hábito de surgir em sua vida. Mas agora
ele era tudo o que havia entre ela, um abrigo e uma placa “FAÇO PINTURA POR COMIDA”.
Três dias atrás, Blue descobriu que tanto sua conta poupança, com o seu pecúlio de oito mil dólares,
e sua conta corrente haviam sido esvaziadas. Agora Monty havia roubado suas duas centenas de dólares de
segurança. Tudo o que tinha no mundo estava em sua carteira, dezoito dólares. Nem sequer tinha cartão de
crédito, um enorme erro de cálculo por parte dela. Ela passou sua vida adulta querendo ter certeza de que
nunca seria impotente, ainda assim, aqui estava.
— O que você estava fazendo dirigindo por Rawlins Creek?
Blue tentou soar como se estivesse conversando ao invés de acumular informações que possam aju-
dá-la a sentir o seu caminho com ele.
— Procurando pelo Taco Bell mais próximo, — ele disse — mas seu amante me fez perder o apetite.
— Ex-amante. Ex qualquer coisa.
— Aqui está o que eu não entendo. A hora que vi o cara, eu sabia que ele era um perdedor. Nenhum
de seus amigos em Seattle se deu ao trabalho de apontar isso?
— Eu me mudo muito.
— O inferno, você poderia ter ido até um desconhecido em um posto de combustível.
— Entendi isso só depois.
Dean olhou para ela.
— Você vai começar a chorar a qualquer momento, não é?
Levou um momento para descobrir o que ele queria dizer.
— Estou sendo corajosa, — disse ela, com apenas uma pitada de sarcasmo.
— Você não tem que fingir comigo. Vá em frente e deixe sair. É a maneira mais rápida de curar um
coração partido.
Monty não tinha quebrado seu coração. Ele a deixou furiosa. Ainda assim, ele não era o único que ti-
nha esvaziado suas contas bancárias, e Blue sabia que tinha exagerado quando o atacou. Ela e Monty foram
amantes por 2 semanas antes que ela soubesse que preferia tê-lo como um amigo e o expulsou de sua cama.
Eles tinham interesses comuns, e apesar de seu egocentrismo, Blue geralmente gostava de sua companhia.
Eles saíam juntos, iam ao cinema e galerias, apoiavam o trabalho um do outro. Ela sabia que ele poderia ser
excessivamente dramático, mas suas insistentes ligações de Denver a alarmaram.
— Nunca fui apaixonada por ele, — disse ela. — Não o amava. Mas vimos um ao outro, e ele pare-
cia mais nervoso cada vez que ligava. Comecei a preocupar-me que ele realmente fosse se matar. Amigos
são importantes para mim. Não podia virar as costas para ele.
— Os amigos são importantes para mim também, mas se um dos meus estivesse em apuros, subiria
em um avião, em vez de fazer as malas e me mudar.
Blue puxou um elástico do bolso e prendeu o cabelo para trás em seu rabo de cavalo despenteado.
— Planejava deixar Seattle de qualquer maneira. Embora não para Rawlins Creek.
Eles passaram por um sinal de propaganda para a venda. Ela mentalmente classificou através de seus
amigos mais próximos, tentando encontrar alguém a quem pudesse pedir um empréstimo, mas todos eles
tinham duas coisas em comum. Corações quentes e miséria. O filho recém-nascido de Brinia teve problemas
médicos assustadores, Sr. Grey mal podia raspar em sua Previdência Social, Mai não tinha se recuperado do
incêndio que havia dizimado seu estúdio, e Tonya foi caminhar no Nepal. Que a deixou dependente de um
estranho. Era como a sua infância todo de novo, e ela odiava o medo muito familiar que sentiu se construin-
do dentro dela.
— Então, Castor, me fale sobre você.
— Sou Blue.
— Querida, se eu tivesse seu gosto duvidoso para homens, não estaria feliz também3.
— Meu nome é Blue. Blue Bayle.
— Soa falso.
— Minha mãe estava um pouco deprimida no dia em que registrou meu nome na certidão de nasci-
mento. Deveria me chamar Harmony, mas uma revolta surgiu inesperadamente na África do Sul, e a Angola
estava uma bagunça... — ela encolheu os ombros. — Não era um bom dia para ser Harmony.
— Sua mãe deve ter bastante consciência social.
Blue deu uma risada triste.
— Pode-se dizer que sim. — A consciência social de sua mãe levou Blue a um saldo negativo em sua
conta bancária.
Dean balançou sua cabeça em direção à traseira do carro. Ela notou um buraco minúsculo em seu ló-
bulo da orelha.
— Aqueles materiais de arte que guardei no porta malas... — ele disse. — Um passatempo ou uma
ocupação?
— Ocupação. Eu faço retratos de crianças e animais domésticos. Também alguns murais.
— Não é difícil fazer clientes com você se mudando constantemente?
— Para falar a verdade não. Coloco nas caixas de correios amostras de meus trabalhos nos bairros de
classe alta. Geralmente faz o truque, embora não em uma cidade como Rawlins Creek onde não existe um
bairro de luxo.
— O que explica a fantasia de castor. Quantos anos você tem, afinal?
— Trinta. E, não, eu não estou mentindo. Não posso evitar o modo que eu pareço.
— Safe Net.
Blue saltou quando uma voz feminina entoou no interior do carro.
— Verificando se podemos ajudar, — a voz ronronou.
Dean diminuiu o movimento.
— Elaine?
— É Claire. Elaine não está hoje.
A voz vinha dos auto falantes do carro.
— Ei, Claire. Não falo com você por um tempo.
— Eu tive que visitar minha mãe. Então como a estrada está tratando você?
— Nenhuma reclamação.
— A caminho de Chicago, por que você não para em St. Louis? Eu tenho uns bifes em meu congela-
dor com seu nome neles.
Dean ajustou a viseira de sol.
— Você é muito boa para mim, querida.
— Muito bom é nada para meu cliente favorito do Safe Net.
Quando ele finalmente desconectou, Blue revirou os olhos.
— Você as tem alinhadas com os números, não é? Que desperdício.
Ele recusou jogar seu jogo.
— Você não tem vontade de se estabelecer em um lugar? Ou o programa de proteção à testemunha
mantém você em movimento?
— Há mundo demais para ver para me acomodar. Acho que vou começar a pensar nisso quando che-
gar aos quarenta anos. Sua amiga mencionou Chicago. Eu pensei que você estava indo para Tennessee.
3 Duplo sentido. “Sou Blue”, do original “I’m Blue”, que em inglês, também pode ser entendido como “estou triste” ou algo similar.
— Estou. Mas minha casa é Chicago.
Agora Blue se lembrava. Dean jogava no Chicago Stars. Olhou ansiosamente para o impressionante
painel de instrumentos do carro esporte.
— Terei muito prazer em assumir a direção.
— Seria muito confuso para você dirigir um carro que não emite fumaça.
Ele aumentou o rádio de satélite, uma combinação de rocks antigos e músicas mais recentes.
Pelos próximos quilômetros, Blue escutou música e tentou apreciar a paisagem, mas estava muito
preocupada. Ela precisava de uma distração, considerou erguer suas pernas perguntando a Dean o que ele
achava mais atraente em um homem, mas a vantagem de manter a ficção que Dean era gay era de Blue, e ela
não queria pressionar muito. Ainda assim, ela não conseguiu resistir perguntando se ele preferia não encon-
trar uma estação que tocava Streisand.
— Eu não quero ser rude, — ele respondeu com dignidade engomada — mas alguns de nós na co-
munidade gay ficamos um pouco cansados dos velhos estereótipos.
Blue fez o seu melhor para parecer arrependida.
— Eu peço desculpas.
— Desculpas aceitas.
U2 veio no rádio, então Nirvana. Blue se forçou a balançar um pouco a cabeça, para que ele não sus-
peitasse quão desesperada se sentia. Dean acompanhou Nickelback com um barítono suave e bastante im-
pressionante, em seguida, se juntou ao Coldplay em “Speed of Sound”. Mas quando Jack Patriot começou
em “Why Not Smile?” Dean mudou a estação.
— Ponha isso de volta, — disse ela. — “Why Not Smile?” me faz pensar no meu último ano do en-
sino médio. Eu amo Jack Patriot.
— Eu não.
— É como não gostar de ... Deus.
— Cada um com o seu próprio.
O charme fácil tinha desaparecido. Dean parecia distante e formidável, não mais a despreocupada es-
trela de futebol fingindo ser um modelo gay com sonhos de estrelato em um filme de Hollywood. Blue sus-
peitava que tinha conseguido o primeiro vislumbre do verdadeiro homem por trás da fachada brilhante, e ela
não gostou. Preferia pensar nele como mudo e egocêntrico, mas apenas o último era verdade.
— Estou ficando com fome. — Dean apertou um interruptor mental e voltou a ser a pessoa que ele
queria que ela visse. — Espero que você não se importe de passar por um drive-in. Caso contrário, tenho que
encontrar alguém para vigiar meu carro.
— Você tem que encontrar pessoas para vigiar o seu carro?
— A chave de ignição computadorizada é codificada, para que ninguém possa roubá-lo, mas ele atrai
uma grande quantidade de atenção, o que o torna um alvo grande para o vandalismo.
— Você não acha que a vida é complicada o suficiente sem ter que contratar uma babá para o seu
carro?
— Viver em um estilo de vida elegante é trabalho duro. — Ele apertou um botão no painel e Missy
lhe informou as direções para um lugar onde pudessem lanchar sossegados.
— Do que ela o chamou? — Blue perguntou depois que a conversa terminou.
— Boo. Abreviação de Malibu. Eu cresci no sul da Califórnia e passei muito tempo na praia. Alguns
amigos me chamavam assim.
“Boo” era seu apelido no futebol. Isso explicava por que a revista People o fotografou andando na
praia. Ela apontou o dedo em direção ao alto-falante do carro.
— Todas essas mulheres apaixonadas... Você não se sente culpado em ser desonesto com elas?
— Tento compensar isso sendo um bom amigo.
Ele não compensava nada. Blue virou a cabeça e fingiu estudar a vista. Dean não tinha dito nada ain-
da sobre chuta-la para fora do carro, mas ele faria isso. A menos que ela fizesse valer a pena mantê-la por
perto.
Dean pagou o fast food com um par de notas de vinte dólares e disse ao garoto na janela para fica
com o troco. Blue mal podia se conter de pular do carro e pegar o dinheiro de volta. Tendo trabalhado no
setor de alimentação mais do que algumas vezes ela mesma, acreditava em boas gorjetas, mas não tão boas.
Encontraram uma área na estrada alguns quilômetros a frente, poucas mesas sob algumas daquelas
árvores frondosas. A temperatura começou a cair, e Blue procurou em sua mochila um moletom enquanto
Dean cuidava da comida. Ela não tinha comido desde a noite passada, e o cheiro da batata frita fez água na
boca.
— Hora do rango, — Dean disse enquanto ela se aproximava.
Blue pegou os alimentos mais baratos que podia encontrar e colocou dois dólares e trinta e cinco cen-
tavos em uma pilha de moeda na frente dele.
— Isso deve cobrir a minha parte.
Dean olhou com desgosto à pilha de moedas.
— Por minha conta.
— Eu sempre pago meu próprio alimento, — disse Blue teimosamente.
— Não desta vez. — Ele deslizou a pilha de volta para ela. — Você pode fazer um desenho para
mim no lugar.
— Meus desenhos valem muito mais do que dois dólares e trinta e cinco centavos.
— Não se esqueça da gasolina.
Talvez ela pudesse fazer este trabalho depois de tudo. Enquanto os carros voavam na estrada, ela sa-
boreou cada frita gordurosa e mordida de hambúrguer. Dean pôs de lado seu hambúrguer meio comido e pe-
gou seu Black Berry. Ele franziu o cenho para a tela pequena quando checou seu e-mail.
— Antigo namorado te incomodando? — Ela perguntou.
Por um momento, Dean olhou em branco, então balançou a cabeça.
— Minha nova governanta no Tennessee. Ela envia e-mails com atualizações regulares e detalhadas,
mas não importa a hora que eu ligue, tudo que encontro é o correio de voz. Já se passaram dois meses, e eu
ainda não falei com ela pessoalmente. Algo não está certo.
Blue não podia imaginar ter uma casa, muito menos ter uma governanta.
— Meu agente imobiliário jura que a Sra. O'Hara é ótima, mas estou ficando cansado de fazer tudo
eletronicamente. Apenas uma vez, gostaria que a mulher pegasse o maldito telefone. Ele começou a percor-
rer as suas mensagens.
Blue precisava descobrir mais sobre ele.
— Se você é de Chicago, como é que você acaba de comprar uma casa no Tennessee?
— Eu estava lá com alguns amigos no verão passado. Estava procurando um lugar na Costa Oeste,
mas aí vi a fazenda e comprei. — Ele colocou o Black Berry sobre a mesa. — O lugar fica no meio do mais
belo vale que você já viu. Tem uma lagoa. Muita privacidade. Acomodações para cavalos, que é algo que eu
sempre quis. A casa precisava de um bom trato, por isso o meu agente imobiliário encontrou e contratou a
senhora O'Hara para supervisionar tudo.
— Se eu tivesse uma casa, gostaria de consertá-la eu mesma.
— Ela envia suas fotos digitais, amostras de tinta. Ela tem muito bom gosto e veio com suas próprias
ideias. Ela trabalha bem.
— Ainda assim ... Isso não é o mesmo que estar lá.
— Exatamente, por isso que decidi surpreendê-la com uma visita. — Dean abriu um outro email,
franziu a testa, e sacou seu celular. Alguns momentos depois, ele teve sua presa na linha. — Heathcliff, vi
seu email, e não enlouqueci pela propaganda desse perfume. Após a End Zone, esperava fugir desse tipo de
coisa. — Ele se levantou do banco e deu alguns passos para longe da mesa. — Estava pensando que talvez
uma bebida esportiva ou... — Ele parou. Segundos depois, sua boca se curvou em um sorriso lento. — Tudo
isso? Droga. Meu rosto bonito é tão bom quanto uma caixa registradora aberta.
O que quer que a outra pessoa respondeu fez Dean rir, um grande som e completamente masculino.
Ele apoiou sua bota em um toco de árvore.
— Tenho que ir. Meu cabeleireiro odeia quando me atraso, e nós vamos fazer luzes. Dê aos Anjinhos
minhas lembranças. E diga a sua esposa que ela está convidada para uma festa do pijama na minha casa as-
sim que eu voltar para a cidade. Apenas Annabelle e eu. — Com uma risada astuta, ele desligou seu telefone
e colocou no bolso. — Meu agente.
— Gostaria de ter um agente, — disse Blue. — Mas acho que não sou o tipo de pessoa que tem agen-
te.
— Tenho certeza que você tem outras boas qualidades.
— Toneladas, — disse ela tristemente.
Dean pegou a interestadual, logo que voltou para a estrada. Blue percebeu que estava mordendo a
unha do polegar e rapidamente cruzou as mãos no colo. Ele dirigia rápido, mas manteve a mão firme no vo-
lante, exatamente do jeito que ela gostava de dirigir.
— Então, onde você quer que eu te deixe? — ele perguntou.
A pergunta que Blue temia. Ela fingiu pensar sobre isso.
— Infelizmente, não há nenhuma grande cidade entre Denver e Kansas. Acho que Kansas seria óti-
mo.
Dean lançou-lhe um olhar quem-você-pensa-que-está-enganando.
— Eu estava pensando mais na linha da próxima parada de caminhões de tamanho decente.
Ela engoliu em seco.
— Mas você é uma pessoa que precisa de gente ao redor, vai ficar entediado sem companhia. Vou
mantê-lo entretido.
Dean pousou os olhos em seus seios.
— Exatamente como você pretende fazer isso?
— Jogos de carros, — disse Blue rapidamente. — Conheço dezenas. — Ele bufou e ela se apressou.
— Também sou uma excelente pessoa para se conversar e posso te socorrer com seus fãs. Vou manter afas-
tadas todas aquelas mulheres nojentas que se atiram em você.
Os olhos azul acinzentados de Dean cintilaram, mas se de irritação ou diversão, Blue não sabia.
— Vou pensar sobre isso, — disse ele.
Para surpresa de Dean, a Castor ainda estava em seu carro naquela noite, ele saiu da interestadual em
algum lugar ao oeste do Kansas e dirigiu em direção a uma placa de Hotel. Blue se mexeu quando ele entrou
no estacionamento. Enquanto ela dormia, ele teve mais do que tempo suficiente para estudar a ascensão e
queda de seus seios sob a blusa máscula. A maioria das mulheres com quem ele passou um tempo haviam
aumentado até quatro vezes o seu tamanho normal, mas não a Castor. Dean sabia que alguns caras gostavam
de seios siliconados, ele tentou gostar deles, mas Annabelle Granger Champion há muito tempo tinha estra-
gado a sua diversão.
— Toda vez que um homem como você cobiça uma mulher com seios artificiais, acaba incentivando
uma garota inocente com os seios perfeitamente agradáveis a ir para faca. As mulheres deviam se concentrar
em expandir os seus horizontes e não os seus peitos.
Ela o fez se sentir pessoalmente responsável pelos males do aumento dos peitos, mas Annabelle era
assim. Ela tinha um monte de opiniões fortes e não amenizava seus socos. Annabelle era a sua única e ver-
dadeira amiga do sexo feminino, mas entre seu casamento com Heath, seu agente sugador de sangue, e o
nascimento de seu segundo filho, Annabelle não tinha muito mais tempo para sair.
Dean estava pensando muito em Annabelle hoje, talvez porque a Castor também tinha opiniões fortes
e não parecia interessada em impressioná-lo. Era estranho estar com uma mulher que não estava chegando
nele. Claro, tinha dito a ela que era gay, mas Blue descobriu que era mentira, pelo menos, cento e cinquenta
quilômetros atrás. Ainda assim, ela continuou tentando brincar com ele, apesar de não estar colando mais.
Blue congelou em um bocejo quando viu o bem iluminado hotel de três andares. Mesmo o provocan-
do inúmeras vezes durante o dia, Dean ainda não estava pronto para lhe entregar um par de cem dólares e
coloca-la para fora. Por um lado, ele queria que Blue pedisse o dinheiro. Por outro, ela foi uma boa compa-
nhia hoje. E então houve o tesão que o havia assolado nos últimos cento e cinquenta quilômetros.
Dean virou-se para o estacionamento.
— Esses locais devem aceitar qualquer cartão de crédito. — Ele devia estar parecendo com alguém
que faz bullyng, mas ela estava tão cheia de fala dura e arrogância que ele não pareceu.
Os lábios dela comprimiram.
— Infelizmente, não tenho um cartão de crédito.
Não é grande surpresa.
— Abusei desse privilégio poucos anos atrás, — ela continuou, — e não confio mais desde então. —
Ela estudou o Hotel. — O que você vai fazer com seu carro?
— Pagar um cara da segurança para cuidar dele.
— Quanto?
— Por que você se importa?
— Sou uma artista. Estou interessada no comportamento humano.
Dean colocou o carro no estacionamento.
— Cinquenta dólares agora, eu acho. Outros cinquenta de manhã.
— Excelente. — Ela estendeu a mão. — Você me tem no negócio.
— Você não vai cuidar do meu carro hoje à noite.
Os músculos de sua garganta trabalhavam quando ela engoliu.
— Claro que vou. Não se preocupe. Tenho sono leve. Acordo a qualquer minuto se alguém chegar
muito perto.
— Você não vai dormir nele também.
— Não me diga que você é um desses idiotas machistas que pensam que uma mulher não pode traba-
lhar como um homem.
— O que eu acho é que você não pode pagar um quarto. — Ele saiu do carro. — Vou pagar para vo-
cê.
Blue levantou seu pequeno nariz afilado no ar e o seguiu.
— Não preciso de ninguém me bancando.
— Sério?
— O que eu preciso é que você me deixe cuidar do seu carro.
— Não vai acontecer.
Dean podia vê-la tentando encontrar um caminho ao redor dele, e ele não estava completamente sur-
preso quando ela começou a desfiar a lista de preços para os seus retratos.
— Mesmo tendo o custo de um quarto de hotel e algumas refeições, — disse ela quando terminou —
Você tem que concordar que está recebendo o melhor ao fim do negócio. Vou começar a desenha-lo amanhã
no café da manhã.
A última coisa que ele precisava era de um outro retrato de si mesmo. O que ele realmente precisava
era ...
— Você pode começar hoje à noite.
Ele abriu o porta-malas.
— Hoje à noite? É ... muito tarde.
— Apenas nove horas. — Esta equipe só podia ter um quarterback, e era ele.
Blue murmurou para si mesma e começou a se contorcer. Ele pegou sua mala e sua mochila azul ma-
rinho. Ela chegou a passar por ele para abocanhar uma das caixas de ferramentas que continham os materiais
de arte e, ainda resmungando, seguiu até a entrada. Dean negociou com o único mensageiro do hotel para
cuidar de seu carro e dirigiu-se à recepção. A Castor ficou ao seu lado. A julgar pela música ao vivo que vi-
nha do bar e os moradores circulando no lobby, esse ar festivo era o sábado à noite local da pequena cidade
quente. Ele observou as cabeças girarem em sua direção. Às vezes, ele poderia ir por um par de dias sem ser
reconhecido, mas não esta noite. Algumas pessoas na multidão olhavam abertamente. Esses malditos comer-
ciais da End Zone. Dean colocou as malas na recepção do hotel.
O funcionário, um cara estudioso com aparência do Oriente Médio em seus vinte anos, cumprimen-
tou-o educadamente, mas sem reconhecimento. A Castor espetou-lhe as costelas e inclinou a cabeça em di-
reção ao bar.
— Seus fãs, — disse ela, como se ele já não tivesse notado os dois caras que tinham se destacado da
multidão e estavam a caminho. Ambos eram de meia-idade e com sobrepeso. Um deles usava uma camisa
havaiana que amontoava sobre a sua barriga. O outro tinha um bigode e botas de cowboy.
— Tempo de começar a trabalhar, — disse a Castor arrogantemente. — Eu vou cuidar disso.
— Não, você não vai. Eu vou.
***
— Ei, aí. — Disse o de camisa havaiana. — Espero que você não se importe com a interrupção, mas
eu e meu amigo Bowman temos uma aposta de que você é Dean Robillard. — Ele estendeu a mão.
Antes que Dean pudesse responder, a Castor bloqueou o braço do homem com seu pequeno corpo, e
a próxima coisa que ele sabia, é que ela estava se dirigindo a ele com um sotaque estrangeiro que parecia um
cruzamento entre o servo-croata e iídiche.
— Acht, este Dean Roam... Ele é um homem muito famoso na América, não é? Meu pobre marido,
— ela fechou os dedos em torno do braço de Dean. — Seu ingleis ser muito muito ruim, e ele não entender
isso. Mas o meu ingleis ser muito muito bom, não ser? E em todos os lugares que vamos, essas pessoas co-
mo vocês, eles vêm até ele e dizer que eles pensam que ele é esse homem, esse Dean Roam.... Mas eu digo,
não, meu marido não é famoso na América, mas muito famoso em nosso país. Ele é um famoso muito famo-
so, como que você diz? Por-no-grá-fico.
Ele quase engasgou com o espeto.
Ela franziu a testa.
— Sim? Disse certo? Ele fazer os filmes suujoos.
Dean estava mudando de identidade tão rápido que estava perdendo o controle. Ainda assim, a Cas-
tor merecia seu apoio por seu esforço, por mais que fosse equivocado, então ele sorriu e tentou parecer como
se não falasse Inglês.
Blue tinha jogado um ‘perdido’ nos coroas, e eles não souberam como lidar com isso.
— Estamos, uh ... bem ... Desculpe, não. Pensamos ...
— Está tudo bem — disse ela com firmeza. — Acontece o tempo todo.
Tropeçando em seus pés, eles fizeram sua fuga.
A Castor olhou para ele com ar satisfeito.
— Sou muito jovem para ser tão talentosa. Agora, você não está feliz de decidir ficar comigo hoje?
Dean lhe deu notas altas pela criatividade, mas desde que estava no processo de passar seu cartão Vi-
sa para o funcionário, seus esforços para manter a sua identidade secreta eram praticamente desperdiçados.
— Vou ficar com sua melhor suíte, — disse ele. — E uma pequena sala ao lado do elevador para a
minha companheira louca. Se isso é um problema, coloque-a ao lado de qualquer máquina de gelo velha.
O Hotel tinha feito um grande trabalho treinando seus funcionários, e o recepcionista mal piscava.
— Infelizmente estamos lotados hoje, senhor. Nossa suíte já está ocupada.
— Sem suíte? — A Castor falou de forma arrastada. — Será que o horror nunca acaba?
O funcionário estudou a tela de seu computador, infeliz.
— Temo que só temos dois quartos à esquerda. Um acredito que você vai encontrar bastante satisfa-
tório, mas no outro está previsto uma reforma.
— Ah, inferno, a mulher não se importa de ficar lá. Tenho certeza que você tem todas as marcas de
sangue fora do tapete. Além disso, estrelas pornôs podem dormir em qualquer lugar. E eu quero dizer em
qualquer lugar.
Dean estava se divertindo, mas o atendente foi muito bem treinado para sorrir.
— Nós vamos, é claro, dar-lhe um desconto.
Blue inclinou-se sobre o balcão.
— Cobre dele o dobro. Caso contrário, ele ficará ofendido.
Uma vez que ele respondeu a esse pedaço de bobagem, eles se dirigiram para o elevador. Quando as
portas fecharam, a Castor olhou para ele, seus olhos da cor de um pirulito de uva redondos com inocência.
— Esses caras que vieram até você sabiam seu nome real. Eu não tinha ideia de que haviam tantos
gays no mundo.
Dean apertou o botão do elevador.
— A verdade é que eu jogo um pouco de futebol profissional com o meu nome real. Apenas em tem-
po parcial, no entanto, até que minha carreira no cinema decole.
A Castor fingiu parecer impressionada.
— Uau. Não sabia que você podia jogar futebol em tempo parcial.
— Sem ofensa, mas você não parece saber muito sobre o esporte.
— Ainda assim ... Um homem gay jogando futebol. Difícil imaginar.
— Oh, lá tem um monte de gente assim. Provavelmente um bom terço da NFL. — Ele esperou para
ver se ela finalmente falaria sobre sua mentira, mas ela não estava com pressa para terminar o jogo.
— E as pessoas pensando que atletas não são sensíveis, — disse ela.
— Só querem ver o jogo.
— Observei que suas orelhas estão furadas.
— Eu era jovem.
— E você queria mostrar o seu dinheiro, certo?
— Dois quilates em cada orelha.
— Me diga que você não usa mais.
— Só se eu estiver tendo um dia cheio.
As portas do elevador se abriram. Eles seguiram pelo corredor até seus quartos. A Castor tinha um
longo passo para alguém tão pequeno. Ele não estava acostumado a mulheres combativas, mas depois, ela
era mesmo pouco feminina, apesar daqueles seios, pequenas curvas e seu bumbum duro...
Os quartos estavam um ao lado do outro. Ele abriu a primeira porta. Limpo, mas um pouco esfuma-
çado, definitivamente inferior.
Ela passou por ele.
— Normalmente, eu sugiro jogar uma moeda, mas já que você está pagando a conta, isso não parece
justo.
— Bem, se você insiste.
Ela tirou a mochila e mais uma vez tentou segurá-lo.
— Faço melhor meu trabalho na luz do dia. Vamos esperar até amanhã.
— Se eu não estivesse enganado, acharia que você está com medo de ficar sozinha comigo.
— Ok, você me pegou. E se eu inadvertidamente passar entre você e um espelho? Você pode se tor-
nar violento?
Ele sorriu.
— Vejo você em meia hora.
Quando chegou ao seu quarto, Dean ligou a TV na última metade do jogo dos Bulls, tirou as botas e
descompactou suas coisas. Ele já tinha mais desenhos, pinturas e fotos de si mesmo do que sabia o que fazer
com eles, mas esse não era o ponto. Pegou uma cerveja no bar, junto com uma lata de amendoins. Annabelle
já havia sugerido que ele enviasse algumas imagens glamourosas que pessoas tinham feito dele ao longo dos
anos à sua mãe, mas ele tinha lhe dito para se meter em seus próprios assuntos. Ele nunca deixou ninguém
fuçar aquela relação torcida.
Estendeu-se na cama em seu jeans e camisa de botões branca da Marc Jacobs que a People PR desig-
ner havia enviado um par de semanas atrás. Os Bulls chamaram um timeout. Outra noite, outro quarto de
hotel. Ele era dono de dois apartamentos em Chicago, um não muito longe do lago e outro no subúrbio perto
da sede do Stars, caso ele não tivesse vontade de enfrentar o tráfego de volta para a cidade. Mas desde que
ele tinha crescido em dormitórios de internatos, não tinha um lugar realmente que se sentisse em casa. Obri-
gado, mãe.
A fazenda Tennessee tinha história e as raízes que cresceram profundas, tudo o que faltava. Ainda
assim, Dean não era geralmente tão impulsivo, e ele estava tendo dúvidas sobre a compra de um lugar sem
um oceano nas proximidades. Uma casa com uma centena de hectares de terra em torno dele sinalizava uma
permanência que ele nunca tinha experimentado e podia não estar pronto para isso. Ainda assim, era apenas
uma casa de férias. Se não gostasse, sempre podia vendê-la.
Ouviu a água correndo no quarto ao lado. Um anúncio entrou no lugar de uma futura história sobre a
morte por afogamento da cantora Marli Moffatt de um país ocidental. Eles brilharam notícias de doze anos
atrás, cenas de Marli e Jack Patriot saindo de uma capela para casamentos em Reno. Ele apertou o botão
mudo.
Estava ansioso para ver a Castor nua essa noite. O fato de que ele nunca tinha tido alguém como ela
fez a perspectiva ainda mais interessante. Dean derrubou um punhado de amendoins na boca e lembrou-se
que ele tinha parado de ter casos de uma noite anos atrás. A ideia de que ele poderia estar se transformando
em sua mãe, uma mulher que tinha estado tão ocupada cheirando cocaína e batendo cabeça até que tivesse
esquecido que tinha um filho ficando muito deprimido, fez com que se limitasse à namoradas de curto prazo,
as relações duravam de algumas semanas a alguns meses. No entanto, aqui estava ele prestes a violar uma
política de décadas contra conexões casuais e não se sentiu um pouco mal com isso. A Castor não era uma
tiete, ele riu. Mesmo que só estivessem juntos por um dia e apesar de todas as maneiras que o deixavam irri-
tado, eles tinham um relacionamento real, forjado por uma conversa interessante, refeições compartilhadas e
gosto semelhante na música. Mais importante, a Castor havia se provado um desafio para suas histórias de
mentirinha.
O último tempo do jogo do Bulls começou quando uma batida soou em sua porta. Ele precisava co-
meçar a noite deixando-a saber quem estava no banco do motorista.
— Estou nu, — ele gritou.
— Isso é ótimo. Há tempos não faço um nu de adultos. Preciso da prática.
Ela não estava mordendo. Sorriu para si mesmo e espalmou o controle remoto.
— Não tome isso pessoalmente, mas a ideia de ficar nu na frente de uma mulher é simplesmente re-
pugnante.
— Sou uma profissional. Assim como um médico. Você pode cobrir suas partes íntimas se estiver
desconfortável.
Ele sorriu. Partes íntimas?
— Melhor ainda, vamos esperar até amanhã, quando você tiver a chance de se ajustar com a ideia.
Fim de jogo. Dean tomou um gole de cerveja.
— Tudo bem. Vou vestir algumas roupas.
Ele desabotoou os primeiros botões de sua camisa e viu que o Bulls perdeu um lance de falta antes de
desligar a TV e atravessar a sala para abrir a porta.
Capítulo Três

O desprezo da Castor com moda era demonstrado claramente por sua roupa de dormir. Ela usava
uma camiseta de homem marrom e um par de calças pretas desbotadas que pendiam em torno de seus pe-
quenos tornozelos. Nada remotamente sexy sobre qualquer uma dessas peças, exceto o mistério do que esta-
va coberto. Ele se afastou para deixá-la entrar. Ela cheirava a sabão em vez de uma fábrica de perfume.
Dirigiu-se para o frigobar.
— Deixe-me pegar uma bebida.
Blue gritou.
— Oh meu Deus, você realmente não vai usar essa coisa, vai?
Dean não conseguiu evitar. Ele olhou para sua virilha.
Blue, no entanto, estava de olho no frigobar. Ela deixou cair o bloco de desenho, disparou na frente
dele e pegou a lista de preços.
— Olhe para isto. Dois e cinquenta por uma pequena garrafa de água. Três dólares por uma barra de
Snickers. Uma barra de chocolate!
— Você está pagando mais do que o doce, — ressaltou. — Você está pagando pela conveniência de
ter o doce exatamente quando você quer.
Mas ela viu seu amendoim aberto na cama e ele não conseguia acalmá-la.
— Sete dólares. Sete dólares! Como você pôde?
— Você precisa de um saco de papel para respirar?
— Você devia apenas entregar sua carteira.
— Normalmente não falaria isso, — disse ele — mas sou rico. — E, salvo o colapso total da econo-
mia dos EUA, sempre seria. Quando criança, o dinheiro vinha de pagamentos substanciais de apoio à crian-
ça. Quando adulto, ele veio de algo infinitamente muito melhor. Seu próprio trabalho duro.
— Não me importo o quão rico você é. Sete dólares por uma lata de amendoins é extorsão.
A Castor, Dean percebeu, tinha sérios problemas com dinheiro, mas isso não significava que ele ti-
nha que concordar com eles.
— Vinho ou cerveja, pode escolher. Ou escolho para você, porque, de uma forma ou de outra, uma
garrafa vai ser aberta aqui.
Blue ainda tinha o nariz enterrado na lista de preços.
— Você poderia me dar os seis dólares e eu fingir que vou beber a cerveja?
Ele pegou-a pelos ombros e a colocou de lado para que ele pudesse chegar ao frigobar.
— Não olhe, se isso é muito doloroso para você.
Ela pegou seu bloco de desenho e retirou-se para a cadeira do outro lado da sala.
— Há pessoas famintas no mundo.
— Não seja uma má perdedora.
Blue relutantemente aceitou a cerveja. Felizmente, o quarto tinha apenas uma cadeira, o que lhe deu
a desculpa perfeita para se esticar na cama.
— Pose da maneira que quiser.
Dean esperava que ela sugerisse a coisa nua novamente, mas ela não fez.
— No entanto, você está confortável.
Blue colocou a cerveja no tapete, cruzou o tornozelo sobre seu estilo durão e o joelho equilibrando o
bloco de desenho em suas surradas calças pretas. Apesar de sua postura agressiva, ela parecia nervosa. Tão
longe, tão bom.
***
Dean se apoiou em um cotovelo e terminou de desabotoar sua camisa. Já tinha feito bastante foto pa-
ra a End Zone e sabia o que as mulheres gostavam, mas ele ainda não entendia completamente como elas
poderiam preferir algo assim parado invés de um lance dele jogando uma espiral perfeita. Isso era as mulhe-
res para você.
Uma mecha de cabelo escuro com tinta tinha escapado livre do rabo de cavalo perpetuamente desor-
ganizado da Castor, e caiu em uma de suas maçãs do rosto quando ela voltou sua atenção para o bloco de
desenho. Ele deixou cair a camisa aberta o suficiente para revelar os músculos que ele tinha desenvolvido ao
longo de mais de uma década de trabalho duro, mas não o suficiente para revelar seus novos ombros cicatri-
zados.
—Não sou ... — disse ele, — ... gay, na verdade.
— Oh, querido, você não precisa fingir comigo.
— A verdade é... — Deslizando o dedo no cós da calça, ele os puxou abaixo. — Às vezes, quando
saio em público, as exigências da fama começam a ser demais para mim, então eu recorro à medidas extre-
mas para esconder minha identidade. Embora, para ser justo comigo mesmo, nunca perdi a minha dignidade.
Não iria, por exemplo, tão longe vestindo um traje animal. Você tem luz suficiente aí?
O lápis atravessou o bloco de desenho.
— Aposto que se você encontrar o homem certo, sua negação vai passar. O verdadeiro amor é pode-
roso.
Blue ainda queria brincar. Divertido, ele mudou temporariamente de tática.
— É isso que você pensou que tinha com velho Monty?
— O verdadeiro amor, não. Tenho um cromossomo em falta. Mas uma verdadeira amizade, sim. Vo-
cê se importaria de se voltar para o outro lado?
Assim, ele ficaria de frente para a parede? De jeito nenhum.
— Quadril machucado. — Ele dobrou o joelho. — Todas essas coisas que o Monty estava dizendo
sobre questões de confiança e abandono... era porcaria?
— Olha, Dr. Phil, estou tentando me concentrar.
— Então não era porcaria. — Ela não estava olhando para ele.
— Eu me apaixonei meia dúzia de vezes. Todas antes dos dezesseis anos, mas ainda assim...
— Certamente houve alguém desde então.
— Bem, aí você me pegou. — O fato de que ele nunca havia se apaixonado deixava Annabelle louca.
Ela destacou que, mesmo seu marido, Heath, um caso difícil, se é que já houve um, tinha amado uma vez,
antes que a conhecesse.
A mão da Castor varreu o papel.
— Por que se acalmar quando o mundo é seu playground, certo?
— Estou tendo uma cãibra, — disse ele. — Se importa se eu esticar? — Ele não esperou por uma
resposta, mas deixou suas pernas caírem sobre a borda da cama. Ele tomou seu tempo em pé, em seguida, se
esticou um pouco, o que enviou seu jeans baixo o suficiente para revelar o topo de sua cueca boxer cinza da
Zone.
A Castor manteve os olhos colados ao seu bloco de desenho.
Talvez Dean tivesse cometido um erro tático falando sobre Monty, mas ele não conseguia entender
alguém com a força de caráter da Castor sendo atraída por um babaca. Ele colocou as mãos nos quadris, em-
purrando deliberadamente a camisa para fora do caminho para que ele pudesse exibir seu peitoral. Ele estava
começando a se sentir como uma stripper, mas ela finalmente olhou para cima. A calça jeans escorregou um
centímetro mais baixo, e seu bloco de desenho escorregou para o chão. Blue se inclinou para pegá-lo e bateu
o queixo no braço da cadeira. Claramente, ela precisava de um pouco de tempo para se ajustar à ideia de
deixá-lo explorar suas partes castor.
— Vou tomar um banho rápido, — disse ele. — Lavar a poeira da estrada.
Blue puxou o bloco de desenho de volta em seu colo com uma mão e mandou-o embora com a outra.
A porta do banheiro se fechou. Blue gemeu e baixou os pés no tapete. Ela deveria ter fingido que ti-
nha uma enxaqueca... Ou hanseníase, qualquer coisa para evitar sair de seu quarto hoje à noite. Por que não
poderia um belo casal de aposentados ter parado para ajudá-la hoje? Ou um daqueles doces caras artísticos
com quem ela ficava tão confortável?
O chuveiro foi ligado. Ela imaginou que a água escorria sobre o corpo outdoor. Ele o usou como uma
arma, e, uma vez que não havia mais ninguém por perto, ele a tinha em sua mira. Mas homens como ele es-
tavam destinados a serem cobiçados ao longo de uma distância segura.
Blue tomou um gole de sua garrafa de cerveja. Ela lembrou que a Blue Bailey não corria. Nem sem-
pre. Ela parecia delicada, como se uma leve rajada de vento pudesse sopra-la, mas ela era forte, onde conta-
va mais. Internamente. Foi assim que ela tinha sobrevivido à sua infância itinerante.
O que significa a felicidade de uma menina, não importa o quão amada, contra a vida de milhares de
meninas ameaçadas por bombas, soldados, e minas terrestres? Tinha sido um dia miserável, e memórias an-
tigas se desenrolaram dentro dela.
— Blue, Tom e eu queremos falar com você.
Blue ainda se lembrava da maciez do sofá de Olivia e o apertado apartamento de Tom em San Fran-
cisco, a forma como Olivia deu um tapinha na almofada ao lado dela. Blue era pequena, oito anos, mas não
pequena o suficiente para ainda sentar no colo de Olivia, então ela tinha se aninhado junto a ela em seu lu-
gar. Tom sentou-se em seu outro lado e esfregou o joelho de Blue. Blue o amava mais do que qualquer pes-
soa no mundo, incluindo a mãe, que ela não tinha visto em quase um ano. Blue vivia com Olivia e Tom des-
de que tinha sete anos, e ela estava indo viver com eles para sempre. Eles haviam prometido.
Olivia usava os cabelos castanho-claro em uma trança pelas costas. Ela cheirava a caril em pó e
patchouli, e ela sempre deu a Blue barro para brincar, enquanto ela fazia potes. Tom escrevia artigos para
um jornal clandestino. Ele levou Blue para o Golden Gate Park e a deixou passear em seus ombros quando
saíam na rua. Se ela tivesse um pesadelo, ela subia em sua cama e dormia com o rosto contra o ombro quen-
te de Tom e seus dedos entrelaçados no cabelo longo de Olivia.
— Você se lembra, Punkin, — Olivia disse, — quando nós lhe dissemos sobre o bebê crescendo em
meu útero?
Blue lembrava. Eles haviam mostrado suas fotos em livros.
— O bebê vai nascer em breve, — Olivia continuou. — Isso significa que muitas coisas serão dife-
rentes agora.
Blue não queria que fossem diferentes. Ela queria que eles ficassem exatamente o mesmo.
— Será que o bebê vai dormir no meu quarto? Blue finalmente teve seu próprio quarto, e ela não
queria compartilhá-lo.
Tom e Olivia se entreolharam antes de Olivia dizer:
— Não, Punkin. Algo melhor. Você se lembra de Norris, a senhora que nos visitou no mês passado, a
tecelã que começou Artistas para a Paz? Ela contou-lhe tudo sobre sua casa em Albuquerque e seu menino,
Kyle? Nós mostramos onde o Novo México ficava no mapa. Você se lembra o quanto você gostou de Nor-
ris?
Blue balançou a cabeça em feliz ignorância.
— Bem, adivinhe? — Disse Olivia. — Sua mãe, Tom e eu arranjamos para você ir morar com Norris
agora.
Blue não entendia. Ela olhou para seu grande sorriso falso. Tom esfregou seu peito através da camisa
de flanela e piscou os olhos como se fosse chorar.
— Olivia e eu vamos sentir muito sua falta, mas você vai ter um quintal para brincar.
Foi quando ela pegou. Ela começou a vomitar.
— Não! Não quero um quintal. Quero ficar aqui! Você prometeu. Você disse que eu poderia viver
aqui para sempre!
Olivia levou imediatamente ao banheiro e segurou a cabeça dela enquanto ela vomitou. Tom sentou à
beira da velha banheira lascada.
— Nós queríamos que você ficasse, mas ... isso foi antes de nós sabermos sobre o bebê. As coisas fi-
caram complicadas com o dinheiro e tudo mais. Na casa de Norris, haverá outra criança para brincar. Não
vai ser divertido?
— Vou ter um filho para brincar aqui! — Blue soluçou. —Vou ter o bebê. Não me faça ir. Por favor!
Vou ser boa. Vou ser tão boa que não vou incomodá-los nunca.
Todos eles tinham começado a chorar, mas no final, Olivia e Tom levaram-na para Albuquerque em
sua van enferrujada azul e foram embora sem dizer adeus.
Norris era fácil e mostrou a Blue como tecer. Kyle que tinha nove anos ensinou seus jogos de cartas e
jogou Star Wars com ela. Um mês caiu em outro. Gradualmente, Blue parou de pensar tanto sobre Tom e
Olivia e começou a amar Norris e Kyle. Kyle era seu irmão secreto, Norris sua mãe em segredo, e ela ia fi-
car com eles para sempre.
Então Virginia Bailey, sua mãe verdadeira, voltou da América Central e levou-a embora. Elas foram
para o Texas, onde ficaram com um grupo de freiras ativistas e passaram cada minuto livre juntas. Ela e sua
mãe liam, faziam projetos de arte, praticavam espanhol, e tiveram longas conversas sobre tudo. Um dia in-
teiro passaria sem Blue pensar sobre Norris e Kyle. Blue caiu de amores por sua mãe gentil e ficou inconso-
lável quando Virginia a deixou.
Norris tinha se casado de novo, então Blue não poderia voltar para Albuquerque. As freiras a manti-
veram até o ano letivo terminar, e Blue transferiu seu amor à irmã Carolyn. Irmã Carolyn levou Blue para
Oregon, onde Virginia tinha arranjado para ela ficar com um agricultor orgânico chamado Blossom. Blue
agarrou desesperadamente a irmã Carolyn quando ela tentou sair e Blossom teve que puxá-la para fora.
O ciclo começou todo de novo, só que desta vez Blue se retraiu um pouco em volta de Blossom e
quando teve que ir embora, descobriu que não foi tão doloroso quanto antes. A partir de então, ela era mais
cuidadosa. Com cada jogada subsequente, distanciava-se mais das pessoas que ficaram até que, finalmente,
todos deixassem de feri-la.
Blue olhou em direção a cama do quarto do hotel. Dean Robillard estava com tesão, e ele esperava
que ela pudesse acomodá-lo, mas ele não sabia o quão profunda era sua aversão por conexões casuais. Na
faculdade, ela tinha visto as amigas, no alto de Sex and the City, dormirem com quem quisessem, sempre
que tivessem satisfeito. Mas, em vez de senti-se habilitada, a maioria delas acabavam se deprimido. Blue
sofrera com relacionamentos de curto prazo suficiente durante a sua infância e ela não estava acrescentando
à lista. Se ela não contasse Monty, o que ela não contava, só teve dois amantes, homens artísticos, egocêntri-
cos, felizes em deixá-la no controle. Funcionava melhor assim.
A maçaneta da porta do banheiro girou. Ela tinha que ter cuidado e, como lidaria com Dean por me-
do de que ele saísse amanhã de manhã sem ela. Infelizmente, o tato não era o seu forte.
Dean saiu do banheiro, uma toalha enrolada baixo em torno de seus quadris. Ele parecia um deus
romano tomando um respiro no meio de uma orgia, enquanto esperava pela próxima virgem do templo que
seria enviada ao seu caminho. Mas quando a luz bateu nele, os dedos contraíram em torno do seu caderno de
desenho. Isso não era uma impecável divindade romana de mármore esculpido. Ele tinha um corpo altamen-
te funcional, poderosamente construído e pronto para a batalha de um guerreiro.
Ele a viu observando o trio de cicatrizes finas em seu ombro.
— Marido puto.
Ela não acreditava nisso nem por um minuto.
— Os perigos do pecado.
— Falando em pecado... — Seu sorriso preguiçoso escorria sedução. — Estive pensando... Tarde da
noite... Dois estranhos solitários ... Uma cama confortável ... Não posso chegar a uma melhor forma de nos
entreter do que fazendo uso dela.
Dean abandonou a sutileza de fazer um traço para a linha do gol. Seu lindo rosto e fama atlética lhe
deu um senso de direito quando se tratava de mulheres. Ela entendeu isso. Mas não era esta mulher. Dean se
aproximou. Ele cheirava a sabão e sexo. Blue considerou trazer a coisa gay de novo, mas, neste momento,
para quê? Poderia alegar uma dor de cabeça e fugir do quarto... Ou poderia fazer o que sempre fez e enfren-
tar o desafio. Ela se desenrolou da cadeira.
— Aqui está a forma como vai ser, Boo. Você não se importa se eu chamá-lo de “Boo”, não é?
— Por uma questão de fato...
— Você é lindo, sexy, e rasgado. Você tem mais sedução do que qualquer homem deve ter. Tem
ótimo gosto musical, e de bônus é enormemente rico e enorme lá. Você também é muito inteligente. Não
pense que eu não tenha notado. Mas a coisa é, você não me excita.
Suas sobrancelhas bateram juntas.
— Eu... não te excito?
Ela tentou um olhar de desculpas.
— Não é você. Sou eu.
Dean piscou os olhos, mais do que um pouco atordoado. Blue não podia culpá-lo. Ele, sem dúvida,
usava o “Não é você. Sou eu” umas mil vezes, e deve ser desconcertante ter isso jogado de volta em seu ros-
to.
— Você está brincando comigo, não é?
— A verdade nua e crua é que estou mais confortável com perdedores como Monty, não tenho a in-
tenção de cometer o mesmo erro novamente. Se eu fosse para a cama com você, e tenho pensado muito so-
bre isso...
— Nós só nos conhecemos há oito horas.
— Não tenho peitos e não sou bonita. Eu sei que você estava me usando, porque sou tudo o que está
disponível, o que me faria sentir como um lixo, o que seria o início de mais uma das minhas descidas em
espirais e, francamente, passei tempo suficiente em instituições para doentes mentais.
O sorriso dele tinha uma vantagem de cálculo. — Mais alguma coisa?
Ela recolheu seu bloco de desenho, junto com a cerveja.
— Você é um homem que vive para ser adorado, e eu não faço adoração.
— Quem disse que você não é bonita?
— Oh, isso não me incomoda. Tenho tanta personalidade que a adição de beleza nesse mix seria ga-
nancioso. Sinceramente, até hoje, não foi um problema. Bem, exceto por Jason Stanhope, mas isso foi na
sétima série.
— Eu vejo. — Ele continuou a parecer divertido.
Tão casualmente quanto possível, ela fez seu caminho para a porta de ligação e abriu-a.
— Você deve se sentir como se tivesse se esquivado de uma bala.
— O que eu principalmente sinto é tesão.
— É por isso que os quartos de hotel oferecem pornografia. — Ela rapidamente fechou a porta e pu-
xou a primeira respiração limpa. O truque para ficar meio passo na frente de Dean Robillard era mantê-lo
fora de equilíbrio, mas se ela conseguisse fazer isso até chegar em Kansas seria um problema que teria que
resolver quando chegasse lá.
A Castor deve ter ficado acordada até tarde, porque ela tinha o desenho pronto na manhã seguinte.
Blue esperou até terem parado por um tempo em um centro de caminhão em Kansas antes de colocar o tra-
balho na frente dele. Dean olhou para o produto acabado. Não é à toa que ela estava quebrada.
A Castor reprimiu um bocejo.
— Se eu tivesse mais tempo, poderia ter feito em tons pastéis.
Considerando-se o quanto de dano que ela conseguiu fazer com o lápis, provavelmente só isso estava
bem. Ela tinha desenhado o rosto, tudo bem, mas com as feições seriamente fora de proporção: olhos muito
juntos, a sua linha fina recuava uns bons dois centímetros, e um par de quilos extras, dando-lhe bochechas.
Mais prejudicial, ela reduziu o tamanho de seu nariz apenas o suficiente para torná-lo esmagado no rosto.
Ele raramente ficava sem saber o que falar, mas a imagem que ela tinha desenhado o deixou sem palavras.
Blue deu uma mordida no seu donut de chocolate.
— Fascinante não é, a facilidade com que tudo poderia ter dado errado para você?
Foi quando Dean percebeu que ela tinha feito isso deliberadamente. Mas Blue parecia mais pensativa
do que presunçosa.
— Dificilmente teria essa experiência, — disse ela. — Você foi o tema perfeito.
— Fico feliz em ser útil, — disse ele secamente.
— Naturalmente, fiz um outro. Blue puxou um segundo desenho da pasta que tinha levado para a pa-
rada de caminhão e jogou com desdém na mesa para ele, onde pousou ao lado de seus restos de muffin. O
desenho mostrava ele descansando na cama, joelhos levantados, camisa caindo aberta sobre o peito, exata-
mente como ele tinha arranjado a si mesmo para ela. — Previsivelmente lindo, — disse ela, — mas chato,
não acha?
Não só chato, mas um pouco desprezível também, sua pose muito calculada, sua expressão demasia-
da arrogante. Blue viu através dele e ele não gostou. Dean ainda achava difícil acreditar que ela deu o fora
nele ontem à noite. Seria possível que ele tivesse perdido o seu toque? Ou talvez ele nunca teve um. Uma
vez que as mulheres tendem a cair em seu colo, ele não tem um monte de experiência em ser o agressor se-
xual. Precisava corrigir isso.
Mais uma vez, Dean estudou o primeiro desenho, e quando olhou seu rosto alterado, começou a pen-
sar em todas as maneiras que a sua vida teria sido diferente se ele tivesse nascido com a cara que a Castor
lhe dera. Sem dinheiro da End Zone, isso era certo. Mesmo quando era criança, sua aparência lhe tinha dado
um monte de passes livres. Ele entendeu isso teoricamente, mas seu desenho tornou concreto.
O rosto da Castor endureceu.
— Você odeia, não é? Deveria entender que você não ia entender, mas pensei que... Deixa para lá. —
Ela estendeu a mão para o papel.
Dean pegou-o de volta antes que ela pudesse tocá-lo.
— Pegou-me desprevenido, isso é tudo. Provavelmente não vou pendurá-lo sobre a minha lareira,
mas não odiei. É ... instigante. Até que gostei. Gostei muito.
Blue estudou-o tentando descobrir se ele falava sinceramente. Quanto mais tempo Dean gastava ana-
lisado o retrato, mais a sua curiosidade aumentava.
— Você não me disse muito sobre si mesma, — disse ele. — Onde você cresceu?
Ela parou de mastigar seu donut.
— Aqui e ali.
— Vamos lá, Castor. Você nunca vai me ver depois disso. Derrame seus segredos.
— Meu nome é Blue. E se você quiser segredos, você tem que falar em primeiro lugar.
— Eu vou dar a você em poucas palavras. Muito dinheiro. Muita fama. Muito boa aparência. A vida
é uma vadia.
Dean tinha a intenção de fazê-la sorrir. Em vez disso, Blue estudou-o tão intensamente que ele ficou
desconfortável.
— Sua vez, — ele disse rapidamente.
Blue levou o seu tempo polindo seu donut por fora. Ele suspeitava que ela decidia o quanto queria
dizer a ele.
— Minha mãe é Virginia Bailey, — disse ela. — Você provavelmente nunca ouviu falar dela, mas
ela é famosa nos círculos de paz.
— Círculos de xixi4?
— Círculos de paz. Ela é uma ativista.
— Você não quer saber o que eu estava imaginando.
— Ela liderou manifestações em todo o mundo, foi presa mais vezes do que posso contar, e teve duas
passagens em uma prisão de segurança máxima federal por invasão à uma bases de mísseis nucleares.
— Uau.
— Essa não é a metade. Ela quase morreu durante os anos oitenta, quando iniciou uma greve de fome
para protestar contra a política dos EUA na Nicarágua. Mais tarde, ignorou as sanções da ONU ao mandar
remédios para o Iraque. — A Castor esfregou um pouco de açúcar entre os dedos, com uma expressão dis-
tante. — Quando os soldados americanos entraram em Bagdá, em 2003, ela já estava lá com um grupo de
paz internacional. Em uma das mãos, ela segurava uma placa de protesto. Com a outra, ela distribuiu garra-
fas de água para os soldados. Pelo que me lembro, ela deliberadamente manteve sua renda abaixo de 30-100
dólares para evitar o pagamento de imposto de renda.
— Dando um tiro no próprio pé, não é?
— Ela não pode suportar a ideia de que seu dinheiro esteja sendo utilizado em bombas. Não concor-
do com ela sobre um monte de coisas, mas acho que o governo federal deveria deixar os contribuintes deci-
dir para onde vai o dinheiro dos impostos. Não gostaria de se certificar de que todos os milhões que você dá
ao Tio Sam fossem para escolas e hospitais em vez de ogivas nucleares?
Sim, ele gostaria. Playgrounds para crianças grandes, programas pré-escolares para os mais peque-
nos. Ele pousou a caneca de café.
— Ela parece uma personagem real.
— Como uma maluca, você quer dizer.
Ele era educado demais para acenar.
— Ela não é, no entanto. Mãe é real, para melhor ou para pior. Ela foi indicada duas vezes para o
Prêmio Nobel da Paz.
— Ok, agora estou impressionado. — Ele se recostou na cadeira. — E o seu pai?
Blue mergulhou parte de seu guardanapo de papel no copo de água e limpou o açúcar da rosquinha
de seus dedos.
— Ele morreu um mês antes de eu nascer. A mina em El Salvador que ele estava dentro, cavando,
desabou. Eles não eram casados.
Só mais uma coisa que ele e a Castor tinham em comum.
Até agora, ela deu-lhe um monte de fatos sem revelar muito do que era pessoal. Ele esticou as per-
nas.
— Quem cuidou de você, enquanto sua mãe estava fora salvando o mundo?
— Uma variedade de pessoas bem-intencionadas.
— Isso não pode ser bom.
— Não era terrível. Eram em sua maioria hippies-artistas, um professor universitário, alguns assis-
tentes sociais. Ninguém me bateu ou abusou de mim. Quando eu tinha treze anos, vivi com um traficante de
drogas em Houston, mas em defesa de minha mãe, ela não tinha ideia de que Luisa ainda estava no negócio
e, com exceção do ocasional tiroteio, gostava de estar com ela.
Dean esperava que Blue estivesse brincando.
— Vivi em Minnesota durante seis meses com um pastor luterano, mas minha mãe é uma católica
devota, por isso passei muito tempo com várias freiras ativistas.
Ela teve uma infância muito menos estável do que a sua própria. Difícil de acreditar.
— Felizmente, os amigos de mamãe tendem a ser benevolentes. Também aprendi um monte de habi-
lidades que a maioria das pessoas não têm.
— Como...
— Bem... Leio em latim, um pouco de grego. Posso colocar drywall, planto um inferno de uma horta
orgânica, uso ferramentas e sou uma cozinheira incrível. Aposto que você não pode corresponder.
4
Trocadilho entre ‘peace circles’ (círculos de paz) e ‘pee circles’ (circulos de xixi)
Dean falava muito bem em espanhol e gostava de usar suas próprias ferramentas, mas não queria es-
tragar sua diversão.
— Joguei quatro passes de touchdown contra Ohio State no Rose Bowl.
— E ganhou aqueles corações rosa das princesas esvoaçantes.
A Castor amava formar imagens dele, mas ela fazia com um prazer tão aberto que nunca parecia uma
megera. Estranho. Bebeu seu café.
— Com tanta coisa se movendo, a escola deve ter sido um desafio.
— Quando você é constantemente a garota nova, você desenvolve várias e sofisticadas habilidades
com as pessoas.
— Não duvido. — Ele estava começando a ver de onde sua atitude de confronto vinha. — Qualquer
faculdade?
— Uma pequena escola de artes liberais. Tinha uma bolsa de estudos integral, mas parei no início do
meu primeiro ano. Ainda assim, foi o tempo mais longo que fiquei em um só lugar.
— Por que largou?
— Desejo de viajar. Eu nasci para andar, querido.
Dean duvidou disso. A Castor não era um osso duro de roer natural. Se fosse criada de forma diferen-
te, ela estaria casada agora, provavelmente ensinando no jardim de infância e com filhos.
Ele jogou uma nota de vinte sobre a mesa e quando não esperou por troco, ela reagiu com uma indig-
nação previsível.
— Duas xícaras de café, uma donnut e um muffin!
— Supere isso.
Blue pegou o resto do muffin dele. Enquanto se dirigiam para o estacionamento, ele estudou os dese-
nhos que ela tinha feito dele e percebeu que ele tinha conseguido o melhor pelo acordo que fizeram. Pelo
preço de um par de refeições e uma noite de alojamento, ele recebeu algum coisa para refletir. Quantas vezes
isso aconteceu?
À medida em que o dia avançava, Dean percebeu a Castor cada vez mais inquieta. Quando ele parou
para abastecer, Blue partiu para o banheiro e deixou sua bolsa de lona preta suja para trás. Ele tampou o tan-
que, pensou sobre isso por um segundo, em seguida, entrou em uma missão exploratória. Ignorando seu tele-
fone celular e um par de almofadas de esboço, ele tirou sua carteira. Ela continha uma licença de motorista
do Arizona, ela realmente tinha trinta, cartões de biblioteca de Seattle e San Francisco, um cartão Multiban-
co, dezoito dólares em dinheiro, e uma fotografia de uma mulher de meia-idade, de aparência delicada em pé
com algumas crianças de rua na frente de um prédio queimado. Embora o cabelo da mulher fosse pálido, ela
tinha as mesmas características pequenas e afiadas da Castor. Esta deveria ser Virgínia Bailey. Ele cavou
mais fundo em sua bolsa e descobriu tanto um talão de cheques e uma conta de caderneta de poupança emi-
tido por um banco de Dallas. Catorze centenas de dólares, no primeiro e muito mais no segundo. Ele franziu
a testa. A Castor tinha um bom pecúlio, então por que ela estava agindo como se estivesse quebrada?
Blue voltou para o carro. Dean colocou tudo de volta na bolsa, fechou-a e entregou-a.
— Eu estava procurando por balas de hortelã.
— Na minha carteira?
— Por que não teria balas de menta em sua carteira?
— Você estava bisbilhotando na minha bolsa! — Sua expressão indicava que bisbilhotava, em geral,
não a incomodava, só quando era dirigido contra ela. Um lembrete para manter a sua própria carteira perto
de seu corpo.
— Prada faz bolsas, — disse ele quando se afastou do posto de gasolina e voltou para a interestadual.
— Gucci faz bolsas. Essa coisa parece que veio com um conjunto de chaves de caixa e um calendário femi-
nino.
Ela se irritou com indignação.
— Não posso acreditar que você estava bisbilhotando.
— Não posso acreditar que você me bateu por um quarto de hotel na noite passada. Você não está
exatamente na miséria.
Ele foi recebido com silêncio. Ela se virou para olhar pela janela. Sua pequena estatura, os ombros
estreitos, os cotovelos delicados emergentes debaixo das mangas de sua camiseta ridiculamente grande pre-
ta, todos esses sinais de fragilidade deveria ter despertado seus instintos protetores. Não despertaram.
— Alguém esvaziou minhas contas bancárias há três dias, — disse ela sem rodeios. — Estou tempo-
rariamente sem dinheiro.
— Deixe-me adivinhar. Monty, a serpente.
Blue puxou distraidamente em seu ouvido.
— Sim, isso é certo. Monty, a serpente.
Blue estava derrubada. Não disse uma palavra sobre contas bancárias, quando ela lançou seu ataque
contra Monty ontem. Mas sua expressão sombria testemunhou que alguém havia roubado dela. A Castor
precisava de mais do que um passeio. Ela precisava de dinheiro.
Orgulhava-se de ser o cara mais generoso do mundo. Ele tratava as mulheres com quem saia como
rainhas e enviava presentes pródigos quando as relações terminavam. Ele nunca saia com duas ao mesmo
tempo, e ele era um condenado amante egoísta. Mas a forma como Blue continuava resistindo, ele pondera-
va sua inclinação natural para abrir sua carteira. Ele olhou seu cabelo desgrenhado e sua roupa gasta. Ela não
estava nem perto de ser um nocaute, e em circunstâncias normais, ele nunca a notaria. Mas na noite passada,
ela se pendurou uma grande placa vermelha, e o jogo começara.
— Então o que você vai fazer? — Ele perguntou.
— Bem ... — Ela mordeu o lábio inferior. — Realmente não conheço ninguém em Kansas, mas te-
nho um antigo colega de faculdade que vive em Nashville. Desde que você está indo bem por lá...
— Você quer uma carona para Nashville? — Ele fazia isso soar como a lua.
— Se você não se importar.
Dean não se importava mesmo.
— Não sei. Nashville é uma estirada longa fora do meu caminho, e eu teria que pagar por todas as
suas refeições, mais um outro quarto de hotel. A menos que ...
— Não vou dormir com você!
Dean deu-lhe um sorriso preguiçoso.
— O sexo é tudo o que você pensa? Não quero ferir seus sentimentos, mas, francamente, isso faz vo-
cê parecer um pouco desesperada.
Foi isca de otário e Blue se recusou a morder. Em vez disso, ela bateu em um par de óculos de avia-
dor barato que a fazia parecer prestes a assumir o comando de um F-18.
— Basta dirigir como o Sr. Maravilha, — disse ela. — Não há necessidade de tributar o seu cérebro
por falar.
Ela tinha mais coragem do que qualquer mulher que Dean já conheceu.
— A coisa é, Blue, não sou só um rostinho bonito, também sou um homem de negócios, o que signi-
fica que espero um retorno do meu investimento. — Ele deveria se sentir tão bajulador quanto parecia, mas
ele estava se divertindo muito.
— Você está ficando com o caro retrato feito por Blue Bailey, — disse ela. — Você também está re-
cebendo um guarda de segurança para o seu carro e um guarda-costas para afastar os seus fãs. Honestamen-
te, eu deveria cobrar. Acho que vou. Duzentos dólares entre aqui e Nashville.
Antes que ele pudesse dizer-lhe o que ele achava da ideia, Safe Net interrompeu.
— Oi, Boo, é Steph.
Blue inclinou-se para o alto-falante.
— Boo, você é mau. O que fez com a minha calcinha?
Um longo silêncio se seguiu. Ele franziu o cenho para ela.
— Não posso falar agora, Steph. Estou ouvindo um audiobook, e alguém está prestes a ser esfaquea-
do até a morte.
A Castor puxou os óculos aviadores para baixo em seu nariz quando ele desconectou e olhou para ele
por cima.
— Sinto muito. Estava entediada.
Dean levantou uma sobrancelha para ela. Ela estava à sua mercê, mas ela se recusou a ceder uma po-
legada. Intrigante.
Ele ligou o rádio, mas Blue, no entanto, ficou perdida em seu próprio mundo. Ela nem sequer comen-
tou quando ele mudou a estação após Jack Patriot vir novamente com “Why Not Smile?”
Blue mal ouviu o rádio tocando no fundo. Ela estava tão fora de seu elemento com Dean Robillard
que ele poderia ter sido de um universo paralelo. O truque não foi deixá-lo perceber que ela sabia disso. Ela
se perguntava se ele tinha comprado sua mentira sobre as contas bancárias e Monty. Ele não foi muito longe,
por isso era difícil de dizer, mas ela não podia suportar tê-lo sabendo que a sua própria mãe era a vilã.
Virginia era mãe de Blue apenas de maneira relativa, de modo que tinha sido natural para ela ser a fi-
adora de todas as contas de Blue. Sua mãe era a última pessoa a roubar de ninguém. Virginia era feliz em
comprar suas roupas em brechós do Exército de Salvação e dormia em sofás de amigos quando ela estava
nos Estados Unidos. Só uma crise humanitária de proporções épicas poderia ter feito com que roubasse seu
dinheiro.
Blue descobriu o roubo na sexta-feira, três dias atrás, quando ela tentou usar o seu cartão Multibanco.
Virginia deixou uma mensagem em seu celular.
“Só tenho alguns minutos, querida. Entrei em suas contas bancárias hoje.
Vou escrever assim que eu puder para explicar tudo.”
Sua mãe raramente perdia o controle, mas a suave voz de Virginia, doce, tinha quebrado.
“Perdoe-me, meu amor. Estou na Colômbia. Um grupo de meninas com quem eu tenho tra-
balhado foi sequestrado ontem por um desses bandos armados de saqueadores. Elas vão
ser... estupradas, forçadas a se tornar assassinas de si mesmas. Não posso deixar isso acon-
tecer. Posso comprar sua liberdade com o seu dinheiro. Eu sei que você vai ver isso como
uma violação imperdoável de confiança, minha querida, mas você é forte e os outros não
são. Por favor, perdoe-me e só lembre-se do quanto eu te amo. “
Blue olhou cegamente a paisagem plana Kansas. Ela não se sentia tão impotente desde que era crian-
ça. O ninho de ovos que lhe dera a única segurança que tinha conhecido havia se tornado dinheiro de resga-
te. Como começaria de novo, com apenas dezoito dólares? Que nem sequer pagavam novos folhetos publici-
tários. Ela se sentiria um pouco melhor se pudesse chamar Virginia e gritar com ela, mas sua mãe não possu-
ía um telefone. Se ela precisava de um, ela simplesmente pegava emprestado.
“Você é forte e os outros não são.”
Blue tinha crescido ouvindo essas palavras.
“Você não tem que viver com medo. Você pode fazer seu próprio caminho. Você não precisa
se preocupar com soldados invadindo sua casa e arrastá-la para a prisão.”
Blue também não precisava se preocupar com os soldados que faziam muito pior.
Ela tentou não pensar sobre o que sua mãe havia sofrido uma vez em uma prisão da América Central.
Sua doce, amável mãe tinha sido vítima do indizível, mas ela recusou-se a segurar o ódio. Toda noite ela
orava pelas almas dos homens que a estupraram.
Blue olhou através do banco do passageiro para Dean Robillard, um homem que era irresistível e de
quem precisava resistir. Ela precisava dele agora, e talvez o fato de que não tinha caído a seus pés, deu-lhe
uma arma, embora admita que uma arma frágil. Tudo o que tinha a fazer era mantê-lo interessado, e comple-
tamente vestida, até que chegasse a Nashville.
Em um descanso no início da noite pararam a oeste de St. Louis, Dean observava Blue em pé em
uma mesa de piquenique com seu celular. Ela disse a ele que estava chamando seu antigo companheiro de
quarto em Nashville para fazer arranjos para um local de encontro amanhã, mas acabou de chutar um gre-
lhador a carvão e bateu o telefone de volta na bolsa. A irritação dele cresceu. Não era mais um jogo no final
das contas.
Poucas horas antes, ele tinha cometido o erro de ligar para Ronde Frazier, um velho companheiro que
tinha se aposentado em St. Louis. Ronde insistiu em ficarem juntos aquela noite, com alguns outros jogado-
res na área. Desde que Ronde havia protegido a bunda de Dean por cinco temporadas, ele não poderia cair
fora, embora ferrassem seus planos para a noite com Blue. Mas não parecia que as coisas estavam funcio-
nando do jeito que ela queria. Ele viu sua expressão descontente e a observava mancar de volta para ele.
— Problemas? — Disse.
— Não. Não tem problema. — Ela estendeu a mão para a maçaneta da porta, em seguida, deixou cair
o braço. — Bem, talvez, um pequeno. Nada que eu não possa lidar.
— Como você está fazendo um bom trabalho em lidar com as coisas até agora?
— Você pode ter sido um ponto de apoio. — Ela empurrou a porta e olhou para ele sobre o teto do
carro. — O telefone foi desligado. Aparentemente, ele se mudou sem que eu soubesse.
A vida tinha acabado de lhe entregar uma caneca de cerveja gelada. Surpreendente como o satisfez
ter uma mulher como Blue Bailey em sua misericórdia.
— Sinto muito em ouvir isso, — disse ele com todos os tipos de sinceridade. — O que você vai fazer
agora?
— Vou pensar em alguma coisa.
Quando Dean se afastou indo em direção à interestadual, decidiu que era muito ruim a senhora O'Ha-
ra não atender o telefone. Ele poderia ter dito a ela que estava a caminho da fazenda... E levando sua primei-
ra convidada para passar a noite.
— Estive pensando em suas dificuldades atuais, Blue. — Ele começou a falar, passando por um con-
versível vermelho. — Aqui está o que vou sugerir...

Capítulo Quatro

April Robillard fechou seu e-mail. O que Dean diria se soubesse a verdadeira identidade de sua go-
vernanta? Ela não podia suportar pensar nisso.
— Você quer o fogão ligado, certo, Susan?
Não, cara, vamos semear um gerânio nele e fazer uma plantação. — Sim, ligue-o assim que puder.
Ela passou por cima dos restos rasgados do papel de parede com chaleiras de cobre que os pintores
tinham retirado das paredes da cozinha. Cody, que era mais jovem que seu filho, não era o único trabalhador
que inventava desculpas para falar com ela. Ela podia ter 52 anos de idade, mas os meninos não sabiam dis-
so, e eles continuaram fervilhando. Era como se eles ainda pudessem sentir o cheiro de sexo nela. Pobres
Bebês. Ela não dava guloseimas tão facilmente.
Agarrou seu iPod para que pudesse abafar o ruído com um pouco de rock vintage, mas antes que ela
prendesse os fones de ouvido, Sam, o carpinteiro chefe, enfiou a cabeça pela porta da cozinha.
— Susan, confira os banheiros no andar de cima. Eu quero ter certeza de que está tudo bem com os
exaustores.
Ela tinha verificado os exaustores mais cedo naquela manhã com ele, mas o seguiu para o corredor,
manobrou em torno de um compressor e uma pilha de panos para chegar lá. A casa havia sido construída no
início do século XIX e reabilitada durante os anos setenta, quando o encanamento e a energia elétrica tinham
sido revitalizados e o ar condicionado instalado. Infelizmente, essa modernização também incluiu um banho
de verde abacate na decoração da cozinha, painéis baratos, e pisos de vinil de ouro envelhecido sujo e racha-
do pelo uso. Pelos últimos dois meses, ela se dedicou a apagar os erros e restaurar o lugar para o que deveria
ser, uma casa de fazenda tradicional, luxuosamente atualizada.
A luz do sol, no início da tarde, fluía através das novas laterais, capturando partículas de poeira flutu-
antes, mas o pior da bagunça da construção havia terminado. Suas sandálias com suas joias em tiras clica-
vam no piso de madeira do corredor. As pulseiras em seus pulsos tilintavam. Mesmo em meio a toda a sujei-
ra e desordem, ela se vestia para agradar a si mesma.
A sala de jantar que tinha sido um salão aberto para fora à sua direita, agora era uma área de estar re-
centemente alargada, parte de uma adição posterior, à sua esquerda. A estrutura da casa de pedra foi constru-
ída em um estilo de arquitetura clássica, mas as várias adições a tinham transformado em uma mistura, e ela
tirou as paredes para tornar o espaço mais habitável.
— Se você for tomar banhos longos, quer um bom exaustor para que o vapor não se acumule, — dis-
se Sam.
Dean gostava de seus banhos longos e quentes, pelo que se lembrava de grande parte da sua adoles-
cência, por tudo que sabia. Ele poderia ter se tornado um dos homens que tomam banhos curtos e se vestem
em cinco minutos. Doloroso saber tão pouco sobre o seu único filho, embora ela deveria saber disso agora.
Várias horas mais tarde, April conseguiu escapar de todo o barulho. Quando saiu pela porta lateral,
ela sentiu o cheiro do final de maio à tarde. O cheiro distante de estrume de uma fazenda vizinha derivou seu
caminho, junto com a fragrância da madressilva crescendo em um passeio feliz em torno da fundação de pe-
dra da casa da fazenda. Ele lutava por espaço com lírios do mato, pequenos discos de arbustos de peônia, e
um emaranhado de longos caules de arbusto natural, que subia plantado por esposas de fazenda muito ocu-
padas com o plantio de grãos e milhos que abasteceriam suas famílias durante o inverno para se incomoda-
rem em mexer com plantas ornamentais exigentes.
Ela parou por um momento para examinar o jardim cheio de ervas daninhas que cresceram décadas
antes no canteiro comum das famílias rurais. Apenas para além dela, uma laje recém concretada se estendia
desde a parte de trás da casa, onde os carpinteiros logo começariam a montagem da varanda. No canto mais
distante, ela gravou suas iniciais AR em letras minúsculas, para que pudesse deixar algo permanente. Um
dos pintores que trabalhavam no andar de cima olhou para ela da janela. Ela empurrou a mecha de longos
cabelos loiros do rosto para trás e correu passando a bomba de ferro envelhecido antes que alguém tentasse
impedi-la com perguntas desnecessárias.
A antiga fazenda Callaway assentava-se em um vale cercado por suaves colinas. Foi um haras prós-
pero, mas agora os únicos animais que circulavam em seus setenta e cinco hectares eram veados, esquilos,
guaxinins e coiotes. A propriedade tinha pasto, prado e mata e tinha também um celeiro, uma casa de em-
pregados em ruínas, e um lago abastecido na primavera. Um velho caramanchão, coberto com tudo o mais
ficava no final de um caminho de pedra quebrada. O banco de madeira branca resistia, sugerindo que Wilma
Callaway, a última ocupante da fazenda, poderia ter relaxado ali, quando terminava seu trabalho. Wilma ti-
nha morrido no ano passado, aos noventa e um anos. Dean tinha comprado a fazenda de um parente distante.
April manteve-se informada sobre seu filho através de uma elaborada rede de conexões. Foi assim
que ela soube que ele pretendia contratar alguém para supervisionar e reorganizar a casa. Imediatamente,
sabia o que fazer. Depois de todos esses anos, ela finalmente iria fazer uma casa para seu filho. Deixar o tra-
balho para trás em LA foi complicado, mas fazer o trabalho aqui era surpreendentemente fácil. Ela criou al-
gumas referências, comprou uma saia e uma suéter na Talbots, encontrou um prendedor de cabelos para pu-
xar seu agitado cabelo para trás de seu rosto e inventou uma história que explicava a sua presença no Ten-
nessee. O agente imobiliário de Dean a contratou com dez minutos de entrevista.
April teve um relacionamento de amor e ódio com a mulher conservadora que ela tinha criado para
manter sua identidade anônima. Ela imaginou Susan O'Hara como uma viúva que agora estava sozinha. Po-
bre, mas valente, Susan não tinha habilidades para o mercado de trabalho, além daquelas que ganhou ao cri-
ar uma família, que incluía lidar com contas domésticas, ensinar na escola dominical e ajudar seu amado,
falecido marido, nas casas de reabilitação.
O gosto conservador de Susan em roupas, no entanto, teve que ir. No primeiro dia de April em Garri-
son, ela declarou a viúva uma nova mulher e voltou para o seu próprio guarda-roupa. April amava a mistura
do vintage com moda de vanguarda, combinando peças de design com brechó que encontrava. Na semana
passada, ela tinha ido para a cidade usando um bustiê Gaultier com Banana Republic. Hoje, vestiu-se em
uma camiseta da Janis Joplin customizada marrom escura, gengibre era a cor das calças cortadas e suas san-
dálias com joias de bijus.
Ela tomou o caminho que levava para a floresta. Violetas brancas estavam começando a florescer,
juntamente com o laço da rainha Anne. Em pouco tempo, ela poderia ver a superfície da lagoa salpicada de
sol através de um anel de louro e azaleia da montanha. Encontrou seu lugar favorito no banco e tirou suas
sandálias. Do outro lado da lagoa, apenas fora de vista, estava a casa do caseiro em ruínas que vivia.
Ela puxou os joelhos contra o peito. Mais cedo ou mais tarde, Dean descobriria sua encenação e isso
seria o fim de tudo. Ele não gritaria com ela. Não era do seu feitio gritar. Mas seu desprezo silencioso era
mais forte que gritos zangados ou palavras cruéis. Se ela pudesse terminar sua casa antes que ele descobrisse
a farsa. Talvez quando ele se mudasse para casa, ele sentiria pelo menos um pouco do que ela queria deixar
para trás, seu amor e arrependimento.
Infelizmente, Dean não era um grande crente em redenção. Ela pediu seu perdão mais de dez anos
atrás, mas as cicatrizes dele eram muito profundas para perdoar. As cicatrizes que ela tinha colocado lá.
April Robillard, a rainha das tietes... A menina que sabia tudo sobre se divertir, mas nada sobre ser mãe.
— Pare de falar sobre si mesma assim, — sua amiga Charli dizia sempre que discutiam os maus ve-
lhos tempos. — Você nunca foi e não é uma tiete, April. Você foi uma maldita musa.
Isso é o que todos diziam a si mesmos. Talvez, para alguns deles, tenha sido verdade. Tantas mulhe-
res fabulosas: Anita Pallenberg, Marianne Faithfull, Angie Bowie, Bebe Buell, Lori Maddox... e April Ro-
billard. Anita e Marianne foram as namoradas de Keith e Mick, Angie foi casada por um tempo com David
Bowie; BeBe estava envolvida com Steven Tyler, Lori com Jimmy Page. E por mais de um ano, April tinha
sido amante de Jack Patriot. Todas as mulheres eram inteligentes e bonitas, mais do que capazes de forjar
seu próprio caminho no mundo. Mas amavam demais os homens. Os homens e as músicas que faziam. As
mulheres ofereciam conselhos e companheirismo. Elas acariciavam seus egos, sobrancelhas suavizadas, in-
fidelidades negligenciadas e os divertiam com sexo. Rock and Roll.
— Você não era tiete, April. Olhe quantos você recusou.
April era seletiva, recusava os homens que não lhe atraíam, não importando a posição de seu álbum
nas paradas. Mas perseguiu aqueles que queria, disposta a se livrar das drogas, das raivas, de outras mulhe-
res.
— Você era a musa deles...
Exceto que uma musa possuía força. Uma musa não perde anos de sua vida com o álcool, maconha,
Methaqualone, mescalina5 e, finalmente, cocaína. Acima de tudo, uma musa não tinha tanto medo de cor-
romper seu menino que praticamente abandonou.

5
Substâncias que causam alucinações
Era tarde demais para corrigir o que April fez com ela mesma e com Dean, mas pelo menos ela pode-
ria fazer isso. Poderia fazer um lar e em seguida, mais uma vez, desaparecer de sua vida.
April descansou a cabeça sobre os joelhos e deixou a música levá-la.
“Você se lembra quando éramos jovens,
E cada sonho se parecia como o primeiro?
Baby, por que não sorrir?”
***
A fazenda ficava no vale. Dean e Blue chegaram ao pôr do sol, com as nuvens alaranjadas surgindo,
as colinas envoltas de tons arroxeados. A curva da estrada esburacada levava para a casa. Quando Blue a
avistou, seus problemas atuais fugiram de sua mente.
A casa grande, sem luxo, castigada pelo tempo, remetia às raízes da América: do plantio e da colhei-
ta, perus de Ação de Graças, limonadas em Quatro de Julho, esposas dos trabalhadores da fazenda fazendo
feijão em panelas de esmalte branco lascadas e homens esforçados pisando na lama com suas botas na porta
dos fundos. A parte mais antiga e maior da casa era construída em pedra, com um alpendre profundo e jane-
las duplas suspensas. A parte de madeira, uma adição mais recente, estava à direita. O telhado de baixa es-
trutura formava um caminho de beirados, chaminés e cumeeiras. Ela não tinha sido nenhuma fazenda de ve-
raneio, parecia mais uma empresa outrora próspera.
Blue apreciou as árvores, o pátio coberto, o celeiro, os campos e as pastagens. Ela não podia imagi-
nar um lugar mais improvável para uma celebridade da cidade grande como Dean. Observou-o ir em direção
ao celeiro com uma graça fácil de um homem que estava em sua casa, e, em seguida, ela voltou sua atenção
para a casa.
Desejou ter ido para lá em circunstâncias diferentes, de modo que pudesse desfrutar dali, mas o iso-
lamento da fazenda fazia sua situação mais difícil. Talvez ela pudesse ser contratada por uma das equipes
que trabalhavam na casa dele. Ou podia encontrar algo na cidade vizinha, embora fosse apenas um ponto no
mapa. Ainda assim, ela só precisava de algumas centenas de dólares. Uma vez com dinheiro, partiria para
Nashville, alugaria um quarto barato, imprimiria novos flyers e começaria tudo de novo. O truque era con-
seguir Dean deixar com que ficasse ali sem pagar aluguel enquanto ela colocava sua vida de volta aos eixos.
Blue não tinha ilusões sobre o porquê Dean a trouxe para a fazenda. Por não tirar suas roupas para
ele naquela primeira noite, ela se tornou um desafio para ele, um desafio que Dean iria esquecer no instante
em que as belezas locais do sul chamassem sua atenção. Isso significava que ela precisava encontrar outra
maneira de se fazer útil para ele.
Só então, a porta da frente se abriu e uma das criaturas mais incríveis que Blue já tinha visto saiu.
Amazona, alta e magra, ela tinha um rosto quadrado corajoso e longas mechas irregulares de cabelos loiros,
entremeadas. Blue se lembrou de fotos que tinha visto de grandes modelos de moda do passado, mulheres
dos anos sessenta e setenta, como Verushka, Jean Shrimpton e Fleur Savagar. Essa mulher tinha a mesma
presença. Olhos azuis enfumaçados olhavam de um dramático rosto de queixo quadrado, quase masculino
em sua força. Quando a mulher chegou ao degrau da frente, Blue viu um fraco conjunto de linhas da idade
ao redor de sua boca cheia e sensual, percebendo que ela não era tão jovem quanto pensava inicialmente,
talvez em seus quarenta e poucos anos.
Estreitas calças jeans penduradas em seus ossos do quadril. Os rasgos estrategicamente colocados nas
coxas e nos joelhos não tinham sido colocados lá por desgaste, mas pelo olho calculado de um designer. Fios
metálicos subiam as alças de camurça de sua camisa de malha melão-colorido. Flores de couro cobre flores-
ciam nas laterais de sua sandália. Sua aparência era ao mesmo tempo divertida e vintage. Ela era uma mode-
lo? Uma atriz? Provavelmente, uma das namoradas de Dean. Com tanta beleza dramática, alguns anos de
diferença de idade dificilmente significavam alguma coisa. Embora Blue não se preocupasse com moda, ela
de repente estava consciente de suas próprias calças jeans largas, disformes camisetas e cabelos despentea-
dos, que precisavam drasticamente de um corte decente.
A mulher olhou o Vanquish e sua larga boca carmesim se curvou em um sorriso.
— Perdida?
Blue levou algum tempo para responder.
— Bem... Sei onde estou geograficamente, mas francamente, minha vida está uma espécie de bagun-
ça agora.
A mulher riu, um som baixo e rouco. Havia algo familiar sobre ela.
— Sei tudo sobre isso. — Ela desceu os degraus e sensação de familiaridade de Blue cresceu.
— Sou Susan O'Hara.
Esta criatura sexy e exótica era a misteriosa governanta de Dean? De jeito nenhum.
— Sou Blue.
— Droga. Espero que seja temporário.
Então Blue soube. Puta merda. Esse queixo quadrado, esses olhos azul-acinzentados, mente rápida...
Caramba, puta merda.
— Blue Bailey, — ela conseguiu dizer. — Foi um... uh... dia ruim em Angola.
A mulher olhou para ela com interesse.
Blue fez um gesto sem sentido vago com a mão.
— Inclusive na África do Sul.
Barulho de botas sobre o cascalho se fizeram entoar.
Quando a mulher se voltou, a luz desaparecendo escolheu longos fios de loiro e castanho em seu ca-
belo. Seus lábios vermelhos se abriram e as linhas delicadas de tensão nos cantos dos olhos se apertaram. O
caminhar sobre o cascalho parou abruptamente e Dean ficou em silhueta contra o celeiro, as pernas apoia-
das, braços tensos ao seu lado. A mulher poderia ser a sua irmã. Mas ela não era. Nem sua namorada tam-
bém. A mulher com os olhos azuis do oceano era a mãe que ele tinha tão bruscamente dispensado comentá-
rios naquela manhã, quando Blue perguntou sobre sua família.
Dean parou por um momento e então suas botas comeram o chão. Ignorando o caminho de tijolos
com suas bordas irregulares, com dentes cerrados, ele caminhou pelo gramado coberto.
— Sra. O'Hara uma merda.
Blue estremeceu. Não podia imaginar explodir com sua mãe com a palavra “m”, não importava o
quanto estivesse com raiva. Mas, em seguida, sua mãe era imune à ataques verbais.
Esta mulher não era. As pulseiras escorregaram em seu pulso e um trio de delicados anéis de prata
chamou a luz quando lhe tocou a garganta. Longos segundos se passaram. Ela se virou e entrou sem dizer
uma palavra.
O deslumbrante encanto que Dean empregava com tanta habilidade sumiu. Ele parecia impassível e
distante. Blue entendeu a necessidade de se retirar, mas agora não era o momento para isso.
— Se fosse lésbica, — disse ela para quebrar a tensão, — eu com certeza daria em cima dela.
O olhar fechado desapareceu e indignação tomou seu lugar.
— Obrigado por nada.
— Estou apenas sendo honesta. E eu que pensei que a minha mãe chamava muita atenção.
— Como você sabe que ela é minha mãe? Será que ela te disse?
— Não, mas a semelhança é difícil de perder, embora ela deve ter tido doze anos quando o teve.
— A semelhança é superficial, certeza absoluta.
Ele subiu os degraus e se dirigiu para a porta da frente.
— Dean...
Mas ele já tinha ido embora.
Blue não compartilhava a intolerância que sua mãe tinha para com a violência – testemunha disso foi
seu recente contratempo com Monty – mas a ideia da criatura exótica e com os olhos feridos ser vítima dele
a incomodava, e ela o seguiu para dentro da casa.
Evidências da reforma estavam em todos os lugares. Uma escada com corrimão inacabado à direita,
juntamente com uma ampla abertura, plástico drapeado que devia levar à sala principal da casa. Em sua es-
querda, além de um par de cavaletes, estava a sala de jantar. O cheiro de tinta fresca e madeira nova perme-
ava tudo, mas Dean tinha a intenção também de encontrar sua mãe para verificar as alterações.
— Acredite em mim, — Blue disse, — entendo o que é ter problemas maternos graves, mas você não
está no melhor estado de espírito para lidar com isso. Talvez devêssemos conversar sobre isso primeiro?
— Não vamos.
Empurrando de lado o plástico, Dean olhou para a sala só para ouvir passos ecoando lá de cima. Ele
se dirigiu para as escadas.
Blue tinha problemas mais do que suficientes por conta própria, mas em vez de deixá-lo ir, ela ficou
em seus calcanhares.
— Só estou dizendo que acho que você precisa dar um pouco de tempo para se refrescar antes de
confrontá-la.
— Cai fora.
Dean já alcançava o topo das escadas com Blue apenas alguns passos para trás. O cheiro de tinta era
mais forte ali. Ela olhou em torno de suas costas largas para o grande corredor, de forma irregular. Todas as
portas estavam faltando, mas ao contrário do andar de baixo, esta área estava pintada, novas tomadas elétri-
cas aguardando as arandelas e os pisos de madeira velha brilhavam. Ao passar a visão na altura do ombro de
Dean, Blue vislumbrou um banheiro cuidadosamente restaurado, com azulejo branco, masculinamente re-
cém pintado com um armário de remédios antigos e utensílios de estanho.
Sua mãe saiu de uma curva no corredor com uma bolsa desleixada metálica na mão, recheada com
papéis.
— Não sinto muito. — Ela encontrou seus olhos desafiadoramente. — Tenho trabalhado mais do que
qualquer dona de casa.
— Quero você fora daqui, — disse Dean em uma voz fria de aço fazendo Blue recuar.
— Assim que tiver tudo organizado.
— Agora. — Ele se moveu mais profundamente no corredor. — Isso é besteira, até mesmo para vo-
cê.
— Eu fiz um bom trabalho.
— Arrume suas coisas.
— Não posso ir agora. Amanhã, os homens virão com as bancadas da cozinha. Os eletricistas e pin-
tores aparecerão. Nada vai ser feito corretamente se eu não estiver aqui.
— Eu vou arriscar, — ele retrucou.
— Dean, não seja estúpido. Vou ficar na casa do caseiro. Você nem vai saber que estou por perto.
— Você não consegue ser invisível nem se tentasse. Agora junte seu lixo e dê o fora daqui.
Dean passou por Blue e desceu as escadas.
A mulher olhou para as costas dele em retirada. Levantou a cabeça, os ombros e se endireitou, mas
em seguida seu peso parecia demais para ela. A bolsa caiu de seus dedos. April abaixou-se para pegá-la, em
seguida, sentou-se no chão em vez disso, sua coluna pressionada contra a parede. Não fez nada de tão dra-
mático como explodir em lágrimas, mas parecia tão triste que o coração de Blue se condoeu com ela.
April dobrou os joelhos e colocou os braços ao seu redor, os anéis de prata mostrando seus dedos fi-
nos.
— Queria... dar um lar para ele. Apenas uma vez.
A própria mãe de Blue nunca teria pensado em algo parecido. Virginia Bailey entendia de tratados,
de desarmamento nuclear e acordos comerciais internacionais, mas não sabia nada sobre montar uma casa.
— Você não acha que ele é um pouco velho? — Blue disse suavemente.
— Sim. Muito velho. — As longas extremidades sem corte de seu cabelo caíram sobre os turbilhões
de crochê de sua camisa. — Não sou uma pessoa horrível. Não mais.
— Você não parece horrível.
— Você provavelmente acha que eu não deveria ter feito isso, mas, como você pode ver, não tinha
nada a perder.
— Ainda assim, esconder sua identidade, provavelmente não era a melhor maneira de gerenciar uma
reconciliação. Se é isso que está procurando.
A mulher levantou os joelhos mais perto de seu peito.
— É tarde demais para isso. Só queria arrumar esse lugar para ele, em seguida, fugir antes que ele
descobrisse que eu era a Senhora O'Hara. — Com uma risada autoconsciente, ela levantou a cabeça. — Sou
April Robillard. Nem sequer me apresentei. Isto deve ser embaraçoso para você.
— Não tanto quanto deveria ser. Tenho uma curiosidade doentia sobre a vida de outras pessoas. —
Blue percebeu um pouco de cor voltando ao rosto pálido de April, de modo que continuou falando. — Eu
realmente não compro tabloides, mas se eu entrar em uma lavanderia e ver um por lá, vou mergulhar ali até
minha roupa ficar limpa.
April deu uma risada trêmula.
— Há um certo fascínio em ler sobre as merdas das outras pessoas, não é?
Blue sorriu.
— Você gostaria de alguma coisa? Uma xícara de chá? Bebida?
— Será que você... Apenas se sentaria comigo por um minuto? Sinto falta de estar em torno de mu-
lheres. Os homens que trabalham aqui são legais, mas são homens.
Blue tinha a sensação de que April não pedia ajuda facilmente. Ela entendia tudo sobre isso. O cheiro
de madeira fresca subia as escadas quando se sentou no chão em frente a April e procurou um tema neutro.
— Gosto do que você tem feito.
— Tentei fazer as renovações encaixarem no esqueleto da casa. Ele é tão inquieto. Queria que ele
fosse capaz de relaxar aqui. — Ela deu uma risada abafada. — Acho que esta noite não foi a melhor maneira
de começar isso.
— Ele parece ser uma pessoa muito difícil.
— Ele pegou isso mim.
Blue passou a mão sobre o chão polido. Na luz do sol, brilhava como mel.
— Você é muito habilidosa.
— Adoro fazer isso. Devia ter visto como a casa estava quando cheguei aqui.
— Conte-me sobre isso, — disse Blue.
April descreveu o que encontrou quando chegou e as mudanças que fez. Enquanto falava, o seu amor
pela casa transparecia.
— Estamos mais avançados aqui do que lá embaixo. Todas as camas já estão postas em seus lugares,
mas não há muito mais. Eu estava planejando assistir a algumas vendas de móveis em breve para completar
o mobiliário que ele já pediu.
— Onde estão as portas?
— Na fase do acabamento. Não podia suportar a ideia de colocar do jeito que chegaram.
Lá embaixo, a porta da frente abriu. A expressão de April escureceu e ela rapidamente se levantou.
Blue deveria deixá-los sozinhos, então levantou-se, também.
— Tenho que chamar o empreiteiro, — April disse enquanto Dean subia as escadas.
— Não se incomode. Vou dar o meu jeito.
A mandíbula de April se apertou.
— Falou como alguém que nunca reformou uma casa.
— Acho que posso lidar com isso, — disse ele com firmeza. — Se eu tiver alguma dúvida, vou me
certificar de lhe enviar um e-mail.
— Preciso de pelo menos uma semana para organizar tudo antes de ir embora.
— Esqueça isso. Quero você fora daqui amanhã. — Dean apoiou o pé no degrau mais alto, bloque-
ando a via de escape de Blue. Ele olhou friamente para sua mãe. — Fiz uma reserva para você no Hermitage
em Nashville. Se quiser ficar por lá mais uns dias, coloque na minha conta.
— Não posso ir embora tão rápido. Há muita coisa acontecendo.
— Você vai ter hoje à noite para se organizar. — Ele deliberadamente virou as costas para ela para
que pudesse inspecionar o banheiro.
O primeiro sinal de súplica veio na voz de April.
— Não posso largar esse trabalho, Dean. Não quando tenho investido tanto nele.
— Ei, você é boa em curta distância. Lembra-se de como era? Os Stones chegaram nos Estados Uni-
dos. Você ia embora. Van Halen no Madison Square Garden. Olá, Big Apple. Saia daqui até amanhã à noite.
Blue assistiu April levantar o queixo. Ela era uma mulher alta. Mesmo assim, ela tinha que elevar a
cabeça para olhar para ele.
— Não gosto de dirigir à noite.
— Você costumava me dizer que a noite era o melhor momento para pegar a estrada.
— Sim, mas estava drogada.
Sua resposta foi tão direta que Blue não poderia deixar de sentir pelo menos um pouco de admiração.
— Os bons velhos tempos. — Um canto da boca de Dean enrolou de forma desagradável e ele voltou
a descer os degraus.
April o seguiu e falou dirigindo-se à parte de trás de seu pescoço, sua amostra de rebelião desapare-
cendo.
— Uma semana, Dean. Isso é pedir muito?
— Nós não pedimos coisas um do outro, se lembra? Merda, é claro que você se lembra. Você foi a
única que me ensinou isso.
— Apenas... deixe-me terminar aqui.
Blue assistiu do topo das escadas quando April alcançou o braço dele, só para se retrair antes que o
tocasse. O fato de ela não poder tocar em seu próprio filho atingiu Blue fortemente, mais do que as palavras
proferidas.
— A casa do caseiro está fora da vista da casa. — April entrou na frente dele, forçando-o a encará-la.
— Estarei com os trabalhadores durante o dia. Vou ficar fora do seu caminho. Por favor. — Seu queixo veio
à tona novamente. — Isso... significa muito para mim.
Dean não se comoveu com suas explicações.
— Se você precisa de dinheiro, faço um cheque.
As narinas de April queimaram.
— Você sabe que eu não preciso de dinheiro.
— Então eu acho que não temos mais nada a dizer um ao outro.
April finalmente percebeu que tinha sido escorraçada e empurrou as mãos trêmulas para dentro dos
bolsos de sua calça jeans.
— Claro. Aproveite o lugar.
Blue não podia suportar assistir a tentativa comovente de April de manter a sua dignidade. Mesmo
quando dizia a si mesma que não era da sua conta, as palavras imprudentes não planejadas saíram de sua bo-
ca.
— Dean, sua mãe está morrendo.

Capítulo Cinco

Os lábios de April separaram em choque. Dean enrijeceu.


— O que você está falando?
Blue falava figurativamente, queria dizer que April estava morrendo por dentro, mas Dean não pare-
ceu compreender sua mente figurativa. Ela nunca devia ter falado. Mas sinceramente, teria como piorar?
Ela desceu lentamente as escadas.
— Sua mãe... Ah... Uh, os médicos. — Ela tentou explicar. — Há um buraco em seu coração. Sua
mãe está morrendo, mas ela não queria que você soubesse.
Os olhos azul-acinzentados de April se arregalaram.
Blue fechou os dedos ao redor do corrimão. Ok, talvez tenha ido um pouco longe demais, mas quan-
do se tratava de relações maternais, fazia qualquer asneira.
Dean empalideceu. Olhou para sua mãe.
— Isso é verdade?
Os lábios de April se moveram, mas nenhum som saiu. Blue apertou o corrimão da escada. Final-
mente, os músculos da garganta de April começaram a trabalhar e ela engoliu em seco.
— É... Pode não ser fatal.
— Mas os médicos não estão fazendo nenhuma promessa, — Blue disse rapidamente.
Dean olhou para Blue de forma fria.
— Como você sabe sobre isso?
Como, de fato?
— Não acho que sua mãe quis me dizer, mas ela teve uma espécie de... pequeno colapso agora pou-
co.
April se ofendeu.
— Não tive um colapso. Pequeno ou não. Só... caiu minhas defesas por um segundo.
Blue olhou para ela com tristeza.
— É tão corajosa.
April lançou-lhe um olhar letal.
— Não quero falar sobre isso e agradeceria se você não falar sobre isso, também.
— Peço desculpas por quebrar sua confiança, mas parecia cruel não dizer a ele.
— Não é o seu problema, — April atirou de volta.
Se Blue nutria alguma esperança de que Dean tomasse imediatamente a mãe em seus braços e lhe
dissesse que havia chegado o tempo para resolverem suas diferenças, ela rapidamente ficou desiludida
quando ele caminhou em direção da porta. Enquanto o eco dos passos desapareceu, Blue fixou uma expres-
são jovial em seu rosto.
— Acho que fui bem, não é? Levando-se tudo em consideração.
— Você é uma louca!
Blue deu um passo para trás rapidamente.
— Mas você ainda está aqui.
April ergueu as mãos, pulseiras tilintando, anéis de piscar.
— Você piorou tudo.
— Francamente, não parece que as coisas poderiam ficar piores. Mas então, não sou eu quem tem re-
serva de hotel em Nashville amanhã à noite, para que possa estar faltando alguma coisa.
O motor do Vanquish rugiu para vida e os pneus giraram no cascalho. Um pouco de exasperação
deixou April.
— Ele vai sair para comemorar. Bebidas grátis para todos no bar.
— E eu pensei que tinha uma relação distorcida com a minha mãe.
Os olhos de April estreitaram.
— Quem é você, afinal?
Blue odiava perguntas como esta. Virginia teria respondido que ela era uma criança de Deus, mas
duvidava que o Todo Poderoso estivesse mais que ansioso para reivindicar a filha de Virginia agora. E ex-
plicar sobre Monty, o traje castor não era exatamente a melhor forma. Felizmente, April tinha vindo com a
sua própria explicação.
— Não importa. O efeito do meu filho sobre as mulheres é lendário.
— Sou uma pintora.
Seus olhos varreram do rabo de cavalo desarrumado da Blue às suas botas de motociclista preto arra-
nhadas.
— Você não é o tipo mais comum de namorada.
— Mais uma vez, o meu QI de três dígitos me separa da embalagem.
April afundou na penúltima parte.
— Que diabos vou fazer agora?
— Talvez você poderia tentar se reconciliar com seu filho enquanto espera os resultados de sua últi-
ma rodada de testes laboratoriais. Considerando os incríveis avanços médicos existentes no tratamento de
doenças do coração, estou bastante confiante de que você terá uma boa notícia.
— Foi uma pergunta retórica, — April disse secamente.
— Só uma sugestão.
***
April partiu para a casa do caseiro pouco depois, e Blue vagou pelos quartos tranquilos e empoeira-
dos. Mesmo a cozinha renovada da casa não conseguia animá-la. Não importa o quão pura fosse sua motiva-
ção, ela não tinha nada que ceder a sua fada madrinha de fantasia quando fossem problemas familiares de
outras pessoas.
Ao cair da noite, Dean ainda não tinha retornado. Enquanto a escuridão se estabelecia em torno da
casa, Blue teve a desagradável notícia que só a cozinha e os banheiros tinham luminárias. Esperava sincera-
mente que Dean voltasse logo, porque a casa tão aconchegante algumas horas antes, tinha ficado assustado-
ra. O plástico que pairava sobre as portas estalava como ossos secos. Os pisos antigos rangiam. Como não
haviam portas, ela não teve a opção de se trancar em um quarto, e sem carro, não conseguiria nem dirigir até
a cidade e sair para uma loja de conveniência. Estava presa. Não havia nada a fazer a não ser ir dormir.
Desejou ter feito a cama enquanto ainda podia ver. Se atrapalhou no escuro, sentindo o seu caminho
ao longo da sala de jantar para chegar à luz deixada pelos carpinteiros. Sombras sinistras apareceram nas
paredes da sala de jantar quando ela a acendeu. Ela desligou e rastejou ao andar de cima, segurando-se ao
corrimão.
Cinco quartos se abriam nos cantos e recantos do corredor, mas apenas um tinha banheiro privado
com uma luminária de trabalho. No momento em que ela chegou, estava tão nervosa por causa das sombras
grotescas que apareciam nas paredes que não poderia ir mais longe. Na verdade, apenas alguns fios tênues
de iluminação derramavam do banheiro, mas era melhor do que nada. Ela apoiou a luz em um canto e des-
compactou as roupas empilhadas no colchão. A nova cama queen size tinha uma cabeceira cereja curva, mas
sem estribo. A cama, junto com uma cômoda tripla, eram as únicas peças de mobiliário. Seis janelas nuas
pareciam olhá-la com olhos estarrecidos transformando a lareira de pedra em uma boca escancarada.
Ela colocou a escada que o pintor tinha deixado no corredor em frente à porta, para Dean saber que
esse quarto já estava ocupado essa noite. A escada dificilmente iria detê-lo se ele decidisse entrar, mas por
que deveria? Após a notícia avassaladora que ele recebeu sobre sua mãe, ele quase não estava no clima para
a sedução.
Blue carregou a luz até o pequeno banheiro e lavou o rosto. Uma vez que Dean não tinha trazido suas
coisas ainda no carro, teve que escovar os dentes com o dedo. Ela tirou seu sutiã por meio da cava da cami-
seta e arrancou as botas, permanecendo vestida com o resto das roupas, no caso de precisar fugir da casa gri-
tando. Ela não era uma pessoa nervosa quando se tratava de lidar com bichos papões urbanos, mas Blue es-
tava fora de seu elemento ali. Ela manteve a luz acesa enquanto deslizou na cama. Só depois de deitada que
a desligou e a colocou debaixo das cobertas, onde poderia pegar rapidamente.
Um ramo foi esfregado ao lado da casa. Algo sussurrava na chaminé. Imaginou morcegos sobrevo-
ando casa. Onde estava o Dean? E por que esse lugar não poderia ter algumas portas?
Blue desejou ter ido com April, mas não foi convidada. Talvez Blue tivesse forçado a barra, mas pelo
menos conseguiu um tempo para a mãe de Dean, o que era mais do que April tinha sido capaz de fazer por si
mesma. O desamparo da beleza natural.
Blue tentou se culpar, mas não era boa em mentir para si mesma. Interferiu em algo que não deveria
ter se metido. Vendo pelo lado positivo, lidar com os problemas das outras pessoas fazia com que se distra-
ísse de se preocupar com os próprios problemas.
Um assoalho rangeu. A chaminé gemeu. Ela fechou os dedos em torno da lanterna e olhou para a
porta aberta.
Minutos se passaram.
Pouco a pouco, os dedos relaxaram, e ela caiu em um sono inquieto.
***
Um assoalho rangendo ameaçadoramente acordou Blue. Seus olhos se abriram para ver uma forma
ameaçadora pairar sobre ela. Sua mão foi em direção a lanterna. Ela a puxou debaixo das cobertas e sacudiu.
— Merda! — Um familiar resmungo masculino perfurou a noite tranquila.
Seus dedos encontraram o botão da lanterna que, milagrosamente não tinha sido quebrado por ela, e a
dura luz inundou o quarto. Um quarterback multimilionário muito irritado pairava sobre ela. Ele estava sem
camisa, furioso, e esfregando o braço acima do cotovelo.
— Que diabos você pensa que está fazendo?
Ela sentou recostando-se nos travesseiros, a luz da lanterna oscilou um pouco.
— Eu? Você entrou aqui.
— É a minha casa. Juro por Deus, se você ferrou com meu braço de passe...
— Eu bloqueei a porta! Como você pode invadir meu quarto desse jeito?
— Invadir? Você tinha esse lugar iluminado como uma maldita árvore de Natal.
Ela não era estúpida o suficiente para mencionar as sombras aparecendo e as janelas olhando.
— Só duas míseras luzes no banheiro.
— E ainda pegou as da cozinha. — Ele chicoteou a luz problemática de suas mãos. — Dê-me isso e
deixe de ser uma covarde.
— Fácil para você dizer. Você não foi atacado quando estava dormindo.
— Eu não te ataquei. — Ele apagou a luz, mergulhando a sala na escuridão. O idiota insensível se-
quer tinha desligado a luz do banheiro.
Ela ouviu o barulho de zíper correr quando ele tirou sua calça jeans. Blue ficou de joelhos sobre a
cama.
— Você não vai dormir aqui.
— É o meu quarto, e essa é a única cama com lençóis.
— Eu arrumei a cama e já estou ocupando-a.
— E agora você tem companhia. — Ele se arrastou para cima da cama.
Blue respirou fundo e se lembrou que ele tinha um ego muito grande para atacá-la. Se saísse no escu-
ro buscando outro lugar para dormir, iria parecer uma covarde. Não queria mostrar nenhuma fraqueza.
— Você fica do seu lado, — alertou ela, — ou não vai gostar das consequências.
— Vai me bater com seu banquinho, Muffet6?
Ela não tinha ideia do que ele estava falando.
O cheiro de pasta de dentes, pele, e estofado de couro de um carro muito caro flutuou em direção a
ela. Ele deveria cheirar a bebida alcoólica. Um homem agoniado chegando em casa às duas horas da manhã
devia estar bêbado. Sua perna nua roçou sua coxa. Ela endureceu.
— Por que está de jeans?
— Porque a minha bagagem estava em seu carro.
— Ah, tá. Você os manteve porque estava com medo do bicho-papão vir te pegar. Que covarde.
— Paus e pedras7.

6
Fazendo referência a outra canção de ninar, em que a Srta Muffet é uma jovem com lacinho na cabeça e sentada em um banquinho, bem feminina e frágil.
7
É uma cantiga infantil: “Stick and Stones may break my bones, but names can never hurt me” – Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca
podem me atingir.
— Que adulta.
— Como se você não parecesse estar na sétima série, — ela respondeu.
— Pelo menos não tenho que dormir com as luzes acesas.
— Você pode ter dúvidas sobre isso quando os morcegos começarem a voar ao redor da chaminé.
— Morcegos. — Ele falou um pouco mais alto.
— Uma colônia.
— Você é uma especialista em morcego?
— Eu os ouvi sobrevoando ao redor. Fazendo barulhos de morcego.
— Não acredito em você. — Ele tinha o hábito de dormir na cama transversalmente, e seu joelho
atingiu a panturrilha dela. Inexplicavelmente, ela começou a relaxar.
— Poderia muito bem dormir com uma múmia maldita, — ele resmungou.
— Minhas roupas estão ficando.
— Não pense que eu não poderia tirá-las se me determinasse a isso. Trinta segundos no máximo, e
elas teriam ido embora. Infelizmente para você, estou fora de jogo hoje à noite.
Ele não devia estar pensando em sexo quando sua mãe estava morrendo. Sua opinião sobre ele des-
pencou.
— Cale a boca e vá dormir.
— Que pena para você.
O vento uivava lá fora. Um ramo bateu na janela. À medida em que sua respiração ficou profunda e
regular, lascas de luar penetraram através dos antigos pisos de madeira, e a chaminé deu um suspiro de satis-
fação. Ele ficou no lado dele da cama. Ela ficou no dela.
Por um tempo...
***
Em uma casa quase sem portas, uma porta bateu. Blue abriu rapidamente os olhos, atrapalhando o
mais delicioso sonho erótico. Fios de luz cinzenta surgiam no quarto e ela deixou os olhos se fecharem no-
vamente, tentando recuperar a sensação de dedos longos enrolando-se em torno de seu peito... Uma mão
acariciando dentro de sua calça jeans ....
Outra porta bateu. Algo duro pressionava contra seu quadril. Seus olhos se abriram. Uma voz grave
perto da orelha dela murmurava uma obscenidade, uma mão que não pertencia a ela segurava seu peito e
outra pressionava dentro de seus jeans. Um alarme que a deixou completamente desperta. Isto não era um
sonho.
— Os carpinteiros estão aqui, — veio o som de uma mulher próximo a ela. — Se você não quer
companhia, é melhor se levantar.
Blue empurrou o braço de Dean, mas ele levou o seu tempo para se desembaraçar das roupas dela.
— Que horas são?
— Sete. — April respondeu.
Blue puxou a camisa para baixo e enterrou o rosto no travesseiro. Isso não fazia parte do seu plano
para ficar à frente dele.
— Isso é o meio da noite, — ele protestou.
— Não para uma equipe de construção, — April respondeu. — Bom dia, Blue. Tem café e donuts lá
embaixo.
Blue virou e assentiu fracamente. April acenou de volta e desapareceu.
— Que droga, — ele murmurou. E então bocejou. Blue não gostava disso. O mínimo que ele poderia
fazer era expressar um pouco de frustração sexual.
Ela percebeu que não tinha inteiramente sacudido as sequelas de seu sonho.
— Pervertido.
Ela se atirou para fora da cama. Ela absolutamente não podia se deixar ser ativada por este homem,
nem mesmo em seu sono.
— Você é uma mentirosa, — disse ele atrás dela.
Ela olhou para trás.
— O que você está falando?
As cobertas escorregaram de sua cintura quando Dean sentou, e a luz do sol das janelas nuas brilha-
ram em seus bíceps, dourando o cabelo em seu peito. Ele esfregou o ombro ruim.
— Você me disse que era, abre aspas, “sem peitos”. Acontece que está completamente errada sobre
isso.
Blue não estava acordada o suficiente para uma resposta, então olhou para ele e caminhou até o ba-
nheiro, onde abriu as duas torneiras, para ter um pouco de privacidade. Quando saiu, Blue encontrou-o para-
do na frente de uma mala cara que pusera na cama. Ele estava vestindo apenas um par de boxers azul mari-
nho com listras brancas. Ela tropeçou, amaldiçoou a si mesma, em seguida, fingiu que tinha feito isso de
propósito.
— Pelo amor de Deus, me avise da próxima vez. Acho que estou tendo um ataque cardíaco.
Dean olhou por cima do ombro, olhando-a com toda a sua barba por fazer, em sua glória amarrotada.
— Por quê?
— Você parece um anúncio de pornografia gay.
— Você parece um desastre nacional.
— Exatamente por isso que tenho direito de ir primeiro ao chuveiro. — Ela se dirigiu para a sua mo-
chila suja, que Dean trouxe e deixou em um canto. Abriu e procurou por roupas limpas. — Suponho que vo-
cê não queria ficar de guarda no corredor enquanto me troco, certo?
— Por que não posso simplesmente ir lá e te fazer companhia? — Soou mais como uma ameaça do
que um encorajamento.
— Maravilha, — disse ela. — Super estrelas como você gostam de ajudar as pessoas pequenas.
— Sim, bem, esse sou eu.
— Esqueça isso. — Ela pegou suas roupas, uma toalha, e alguns produtos de higiene pessoal e se di-
rigiu para o banheiro. Uma vez que estava absolutamente certa de que Dean não iria tentar se juntar a ela,
Blue lavou os cabelos e depilou suas pernas. Dean não sabia que sua mãe não estava morrendo, mas ele pa-
recia mais beligerante do que triste. Ela não se importava com o que April tinha feito para ele. A atitude dele
foi fria.
Vestiu-se com um par limpo e surrado de short ciclista preto, uma larga camiseta camuflada e chine-
los. Depois de secar rapidamente os cabelos, ela os puxou com um elástico vermelho em um rabo de cavalo.
Os cabelos mais curtos se recusavam a cooperar e caiam pelo pescoço. Pelo amor de April, ela teria acres-
centado gloss e rímel, se não tivessem desaparecido há três dias.
Quando Blue desceu, viu um eletricista em cima da escada na sala de jantar cuidando da fiação de
um lustre antigo. O plástico foi retirado da porta da sala de estar, e Dean estava ali conversando com o car-
pinteiro. Dean devia ter tomado banho no outro banheiro porque seu cabelo estava úmido e começava a en-
rolar. Ele vestia jeans e uma camiseta que combinava com seus olhos.
A sala de estar estendia à profundidade da casa e tinha uma lareira de pedra maior do que a do quarto
principal. Um novo conjunto de portas francesas se abriam para o que parecia ser uma laje de concreto re-
cém derramada que se projetava para fora da parte de trás da casa. Ela se dirigiu para a cozinha.
Na noite passada, Blue estava muito nervosa para apreciar tudo o que April fez ali, mas agora ela pa-
rou na porta para olhar. Os aparelhos antigos, juntamente com armários de quadros brancos nostálgicos com
puxadores de cerâmica vermelho, a fizeram sentir como se voltasse aos anos quarenta. Imaginou uma mu-
lher em um vestido de algodão recém-passado, cabelo enrolado ordenadamente na nuca de seu pescoço, des-
cascando batatas em cima da pia, enquanto os Andrews Sisters tocavam na rádio: “Don’t Sit Under the Ap-
ple Tree”.
O refrigerador branco com bordas arredondadas provavelmente era uma reprodução, mas não o fogão
a gás vintage de esmalte branco que tinha fornos duplos e uma superficial prateleira de metal embutida aci-
ma para segurar saleiros, pimenteiros, latas e talvez um jarro recheado com flores silvestres. As bancadas
ainda não haviam sido instaladas para que ela pudesse ver que os armários não eram originais, mas reprodu-
ções bonitas. O piso quadriculado preto-e-branco também era novo. A amostra da pintura na parede anunci-
ou o esquema da última coloração: paredes amarelas ensolaradas, armários brancos, tons vermelhos brilhan-
tes.
Don’t Sit Under the Apple Tree...
A luz inundava o espaço de duas maneiras: por uma grande janela em cima da pia e por janelas maio-
res que haviam sido adicionadas à copa por fora que ainda tinha adesivos do fabricante. Uma confusão de
caixas de donuts, abandonados copos de isopor e papéis estava em cima de uma mesa de cozinha cromada
com um tampo de fórmica vermelho cereja.
April estava com uma mão apoiada graciosamente na parte de trás de uma cadeira bentwood, a outra
enrolada em torno de um telefone. Ela usava os mesmos jeans rasgados de ontem com um top granada, brin-
cos de prata e pingentes encantadores de serpentes.
— Você deveria estar aqui às sete, Sanjay. — Ela assentiu com a cabeça a Blue e fez um gesto em
direção à cafeteira. — Então você vai ter que arranjar outro caminhão. Estas bancadas precisam ser instala-
das até o final do dia para que os pintores possam entrar aqui.
Dean entrou. Sua expressão não revelava nada enquanto caminhava em direção a caixa de rosqui-
nha, mas quando ele chegou à mesa, o raio de sol dançando pelos cabelos presos de April, Blue foi atingida
com a ideia maluca de que Deus havia criado um foco especial apenas para seguir essas duas criaturas dou-
radas.
— Nós não vamos atrasar a instalação, — disse April. — É melhor estar aqui em uma hora. — Ela
mudou para outra chamada, transferindo o telefone de sua orelha direita para a esquerda. — Oh, oi. — Ela
baixou a voz e se afastou deles. — Vou chamá-lo de volta em dez minutos. Onde você está?
Dean se desviou para as janelas no recanto e olhou para fora no quintal. Blue encontrou-se na espe-
rança de que ele estava tentando entrar em acordo com a morte iminente de April.
April fez outra chamada.
— Dave, é Susan O'Hara. Sanjay vai chegar tarde.
O eletricista que cuidava da fiação do lustre da sala de jantar entrou.
— Susan, venha olhar para isso.
Ela fez um gesto de espere um minuto, terminou a conversa, em seguida, desligou o telefone.
— O que está acontecendo?
— Verifiquei a fiação antiga na sala de jantar. — Os olhos do eletricista estavam todos em cima dela.
— Vai ter que ser substituído.
— Deixe-me ver. — Ela o seguiu.
Blue despejou uma colher de chá de açúcar em seu café e dirigiu-se para examinar o fogão.
— Você estaria tão ferrado agora se ela não estivesse aqui.
— É, provavelmente você está certa. — Dean deixou de lado os donuts açucarados e pegou o único
donut deixado na caixa, exatamente o que ela queria.
A furadeira gritou.
— Esta cozinha é incrível, — disse ela.
— Está boa, eu acho.
— Boa? — Ela passou o polegar em toda a palavras O'Keefe & Merritt no painel frontal do fogão e
jogou a isca. — Eu poderia passar o dia inteiro aqui cozinhando. Pão caseiro, um bolo de frutas...
— Você realmente sabe cozinhar?
— Claro que sei cozinhar. — O fogão de esmalte branco era um passaporte para uma outra era. Tal-
vez ele também poderia ser seu passaporte para a segurança temporária.
Mas ele perdeu o interesse em comida.
— Você não tem nada rosa para vestir?
Blue olhou para seus shorts e camiseta de camuflagem.
— O que há de errado com isso?
— Nada, se você está planejando invadir Cuba.
Ela encolheu os ombros.
— Não estou por dentro da moda.
— Agora há uma surpresa.
Ela fingiu pensar sobre isso.
— Se você realmente quer me ver na cor rosa, acho que poderia pedir emprestado algo de você.
Seu sorriso não era tão amigável, mas se ela não continuasse desafiando, ele ia começar confundin-
do-a com uma de suas escravas sexuais.
April voltou para a cozinha e se dirigiu a Dean com formalidade.
— O motorista está a caminho com o trailer. Por que não dá uma olhada lá fora para decidir onde
quer colocar?
— Tenho certeza que você tem uma sugestão.
— É sua casa.
Dean falou grosseiramente.
— Dê-me uma sugestão.
— O trailer não tem banheiro ou água corrente, então não coloque em um lugar que não tenha isto
também. — Ela chamou no corredor acima de seu ombro. — Cody, é o caminhão do encanador lá fora já?
Tenho que conversar com ele.
— Acabou de parar, — Cody respondeu de volta.
— Que tipo de trailer? — Blue perguntou enquanto April desaparecia.
— Algo que a Sra. O 'Hara me convenceu em um de seus muitos e-mails.
Dean agarrou seu café e a rosquinha e foi para fora. Blue pegou uma rosquinha açucarada e o seguiu
por uma lavanderia renovada pela porta lateral.
Quando eles alcançaram a varanda, ela estendeu a rosquinha que tinha.
— Troco pela sua.
Dean deu uma grande mordida antes de entregar a ela, pegando em seguida a rosquinha dela.
— Certo.
Ela olhou abaixo.
— Uma vez mais, sou forçada a viver com as sobras de outras pessoas.
— Agora você está me fazendo sentir como uma péssima pessoa. — Ele afundou seus dentes na ros-
quinha fresca.
Caminharam na parte de trás da casa. Blue estudou o jardim enorme com olhos de artista, imaginan-
do bancos com cores vivas, talvez um jardim de ervas na antiquada bomba de ferro, malvas contra o lado da
casa, uma corda com roupa estendida para secar que se balançava com a brisa morna. Tomando uma jornada
sentimental...
Dean inspecionou uma área com sombras além do jardim. Blue juntou-se a ele.
— Um trailer tipo uma carroça coberta? — Ela perguntou. — Uma carroça coberta motorizada?
— Acho que você verá.
— Nem você mesmo sabe, não é?
— Algo assim.
— Mostre-me o celeiro, — ela disse. — A menos que existam ratos.
— Ratos? Inferno, não. Este é o único celeiro no universo conhecido sem eles.
— Você tem sido muito sarcástico a manhã toda.
— Nossa, eu sinto muito.
Talvez ele encobria seu pesar. Pela sua alma, ela se achou tendo esperanças.
Um caminhão surgiu puxando o que parecia ser um pequeno trailer fortemente envolto em plástico
preto. Blue ficou onde estava enquanto Dean se aproximou para falar com o motorista. Pouco tempo depois,
o homem estava batendo-lhe no ombro ferido e chamando-o de “Boo.” Finalmente eles chegaram ao que
interessa. Com a direção de Dean, o motorista começou a descarregar o trailer. Uma vez que o colocaram na
posição, começou a tirar o plástico preto.
O trailer de madeira era vermelho de rodas roxo brilhante com padrões dourados sobre os raios, co-
mo os de um circo Calliope. Pintado com fusos decorados nas laterais, cada superfície exibia flores em bri-
lhante azul anil, amarelo amanteigado e laranja ensolarado. Na parte da frente do trailer, um unicórnio dou-
rado dançava em uma porta azul royal. A parte superior inclinada do trailer formava um pequeno beiral ama-
relo limão e suportes de gengibre, além de uma pequena janela com miniaturas reais de persianas azuis.
Blue prendeu a respiração. Seu coração batia. Aquilo era um trailer cigano. Uma casa para andari-
lhos.
— Vi primeiro. — ela disse suavemente.

Capítulo Seis

Quando o motorista se afastou, Dean enfiou os polegares nos bolsos de trás e circulou o trailer como
se fosse um carro novo. Ela não esperou por ele, puxando para baixo um degrau articulado e subindo para
abrir a porta.
O interior vermelho escuro era tão mágico quanto o exterior. Cada superfície, as vigas curvas no teto
curvado, com as vigas de madeira nas paredes, os painéis entre as vigas tinham sido pintados com as mesma
dança de unicórnios, vinham andando entre flores fantasiosas como as do exterior. Em toda a parte traseira
da carroça, uma cortina de seda cortada em franjas malucas tinha sido presa de um lado, revelando uma ca-
ma que lembrou a Blue um berço de navio. Outra cama formando um beliche superior do lado esquerdo,
com um armário pintado com porta dupla em baixo. Pequenas peças de mobiliário tinham sido erguidos para
transporte e embrulhados em papel pardo.
O trailer tinha duas janelas em miniatura, uma no centro da parede lateral acima da mesa, e uma ou-
tra sobre o leito traseiro. Ambos tinham cortinas de renda branca tipo casa de bonecas presas na lateral com
laços de malha roxa. Perto do rodapé de um lado, um coelho marrom pintado mastigava um tufo saboroso do
trevo. Era tão acolhedor, tão absolutamente perfeito, que Blue queria chorar. Se ela não tivesse se esquecido
de como fazer isso.
Dean veio por trás dela e olhou em volta.
— Inacreditável.
— Isso deve ter custado uma fortuna.
— Ela tinha uma ideia.
Nenhuma pergunta de quem ela era.
Apenas o centro do trailer era alto o suficiente para ele ficar em pé. Dean começou a desembrulhar o
papel protetor de uma mesa de madeira.
— Tem um cara em Nashville, que é especialista em restauração dessas caravanas. Assim é como
eles chamam. Algum magnata desistiu desse aqui depois de ter encomendado.
Caravana. Ela gostou da palavra. Insinuava algo exótico.
— Como é que April fez você comprá-lo?
— Ela me disse que seria um bom lugar para acomodar convidados bêbados. Além disso, alguns dos
meus amigos têm filhos, e eu pensei que seria divertido para eles.
— Além disso, você decidiu que seria uma coisa legal de possuir. A única caravana cigana no bairro
e tudo isso.
Ele não negou.
Blue passou a mão sobre as paredes.
— Muito disso foi estampado, mas há algum trabalho manual. É um bom trabalho.
Dean começou a andar ao redor, abrindo o armário, retirando as gavetas embutidas, e investigou um
candeeiro de parede em ferro forjado em forma de cavalo-marinho.
— Estes são ligados por eletricidade, por isso vou precisar de ter alguma energia aqui. É melhor eu
falar com o eletricista.
Blue não estava pronta para sair, mas Dean manteve a porta aberta para ela, então ela o seguiu para o
quintal. O eletricista agachou na frente de uma caixa de junção, o rádio ao seu lado tocando a velha canção
“The Five for Fighting”. April estava a poucos metros de distância, segurando um notebook e estudando a
laje de concreto que se projetava na parte traseira da casa. Dean ainda não tinha mencionado nada hoje sobre
sua saída. A canção “The Five for Fighting” chegou ao fim e seguiu para os acordes iniciais de “Farewell,
So Long”, uma das baladas de Jack Patriot. A marcha de Dean vacilou, a mudança de ritmo foi tão leve que
Blue duvidava que ela teria notado se a cabeça de April não tivesse levantado ao mesmo tempo. Ela agarrou
o notebook fechando-o.
— Desliga isso, Pete.
O eletricista olhou para ela, mas não se mexeu imediatamente.
— Esqueça.
April colocou o notebook debaixo do braço e se dirigiu para dentro. Ao mesmo tempo, Dean partiu
para o quintal da frente, sua missão de falar com o eletricista abandonada.
Blue ficou em torno do jardim cheio de mato. Em vez de descobrir como ir até a cidade para procurar
um emprego, pensou sobre o que ela tinha acabado de presenciar. “Farewell, So Long” chegou ao fim e
“Gilded Lives” das Irmãs Moffatt começou a tocar. Mesmo algumas das estações de adulto contemporâneo
estavam tocando alguns dos hits dos Moffatts desde a morte de Marli, geralmente emparelhando com músi-
cas como “Farewell, So Long”, de Jack Patriot que Blue achou um pouco grosseiro, uma vez que tinham se
divorciado há anos. Ela misturou tudo em sua mente enquanto se dirigia para dentro.
Três homens falando uma língua que ela não entendia estavam na cozinha instalando bancadas em
pedra-sabão de cor carvão. April sentou-se no canto da sala de jantar, franzindo a testa em uma página do
caderno.
— Você é uma artista, — disse ela quando Blue entrou. — Ajude-me com isso. Estou muito bem
com roupas, mas não tão bem com os desenhos e detalhes arquitetônicos, especialmente quando não tenho
certeza do que eu quero.
Blue tinha esperança de pegar outro donut, mas a caixa continha apenas uma camada de açúcar de
confeiteiro e um par de manchas de geleia.
— É uma varanda coberta, — disse April.
Blue sentou ao lado dela e pegou o desenho na página do notebook. Enquanto os homens conversa-
vam ao fundo, April explicou o que imaginou.
— Não quero que essa varanda pareça pertencente a uma cabana de pesca arruinada. Vejo janelas es-
tupidamente grandes ao redor da varanda para deixar entrar muita luz, emolduradas para quebrar toda a altu-
ra, mas não tenho certeza de que tipo.
Blue pensou e começou a esboçar algumas guarnições simples.
— Gosto desse, — disse April. — Você pode desenhar a parede final para mim? Com as janelas?
Blue esboçou cada parede que April descrevia. Elas fizeram alguns ajustes e chegaram a um arranjo
mais equilibrado.
— Você é boa nisso, — April disse quando os trabalhadores foram para fora fumar um cigarro. —
Você se importaria de fazer alguns esboços de interiores para mim? Mas talvez eu esteja supondo demais.
Não sei exatamente por quanto tempo você vai ficar ou qual é a sua relação com Dean.
— Blue e eu estamos noivos, — disse Dean da porta.
Nenhuma delas o tinha ouvido se aproximar. Dean colocou sua xícara de café vazia ao lado do fogão
e se aproximou para pegar os esboços de Blue.
— Ela vai ficar o tempo que eu estiver aqui.
— Noiva? — Disse April.
Ele não olhou para cima a partir do esboço.
— Isso.
Blue mal podia resistir revirando os olhos. Esta era uma pegadinha óbvia da parte dele. Ele queria
lembrar a sua mãe o quão pouco ela significava para ele, para mostrar que ele não a havia considerado im-
portante o suficiente para deixá-la saber que estava se casando. O que uma coisa totalmente de merda de se
fazer para alguém em seu leito de morte.
— Parabéns. — April pousou o lápis. — Há quanto tempo vocês se conhecem?
— O suficiente, — disse ele.
Blue não poderia continuar fingindo que o que tinha testemunhado April poucas horas atrás, não ti-
nha acontecido.
— A noite passada foi uma aberração. Só para você saber, eu estava completamente vestida quando
fui para a cama.
A sobrancelha de April formou um arco cético.
Blue tentou parecer recatada.
— Fiz um voto de virgindade quando tinha treze anos.
— O quê? — Perguntou April.
Dean suspirou.
— Ela não fez um voto de virgindade.
Por uma questão de fato, Blue tinha feito exatamente isso, embora até mesmo aos treze tivesse suas
dúvidas sobre mantê-lo. Mas há muito tempo fez as pazes com Deus, se não a Irmã Lucas teria a coagido
para a coisa toda.
— Dean não concorda, mas acho que a noite de núpcias deve significar alguma coisa. É por isso que
estou indo para a caravana esta noite.
Ele bufou. April olhou para Blue por um longo tempo, então para ele.
— Ela é adorável...
— Está tudo bem. — Ele colocou o esboço. — Você pode dizer o que realmente pensa. Acredite em
mim, eu já disse muito pior.
— Hey!
— A primeira vez que a vi foi em um carnaval de rua. Ele se aproximou para inspecionar as banca-
das. — Ela tinha o rosto preso através de um desses recortes de madeira, então naturalmente ela chamou mi-
nha atenção. — Você tem que admitir que o rosto dela é uma coisa. No momento em que vi o resto dela, já
era tarde demais.
— Estou sentada aqui, — Blue lembrou.
— Não há nada exatamente de errado com ela. — A declaração de April não tinha muita convicção.
— Ela tem um monte de outras qualidades maravilhosas. — Ele inspecionou as dobradiças de uma
porta do armário. — Tento fechar os olhos.
Blue tinha uma boa ideia de onde a conversa estava indo, então ela passou o dedo sobre o açúcar no
fundo da caixa de donut.
— Nem todo mundo está na moda, Dean. Não é um grande pecado. — Falado por uma mulher que
poderia ter pulado para cima da mesa, exatamente naquele momento e dançado até a pista.
— Uma vez que nos casarmos, ela prometeu que vai me deixar comprar suas roupas, — disse ele.
O olhar de Blue vagueou para a geladeira.
— Há alguns ovos lá dentro? Um pouco de queijo para uma omelete?
Os brincos de prata de April prenderam em uma fita de cabelo sem corte.
— Você vai ter que viver com isso, Blue. Quando ele tinha três anos de idade, ele teria um ataque se
suas cuecas não fossem uma combinação perfeita. No terceiro grau tudo tinha que ser Ocean Pacífic, e ele
passou a maior parte do ginásio em Ralph Lauren. Juro que ele aprendeu a ler por sondar etiquetas das rou-
pas.
A viagem de April pelo passado foi um erro. Os lábios de Dean se comprimiram.
— Estou surpreso que você se lembre de tantos detalhes do passado. — Ele voltou para Blue e de
maneira possessiva, ele fechou os dedos em torno de seu ombro o que a fez se perguntar se seu ardil de noi-
vado também pode ser projetado para enviar a mensagem em silêncio que ele tinha alguém, indiscutivelmen-
te, no seu canto. Ele não percebeu que tinha caído no Benedict Arnold8.
— No caso de Dean não ter chegado a partilhar, — April disse, — eu era uma drogada.
Blue não tinha ideia de como responder a isso.
— E uma groupie, — April acrescentou sem rodeios. — Dean passou a infância ou com babás ou em
colégio interno para que eu pudesse seguir o meu sonho de ficar alta e conquistar tantas estrelas do rock
quanto possível.
Blue realmente não tinha ideia de como responder a isso. Dean tirou a mão do ombro e se afastou.
— Uh... há quanto tempo você está limpa? — Perguntou Blue.
— Um pouco mais de dez anos. Respeitavelmente empreguei mais deles. Trabalho para mim os úl-
timos sete.
— O que você faz?
— Sou uma estilista de moda em L.A.
— Uma estilista? Uau. O que exatamente isso envolve?
— Pelo amor de Deus, Blue... — Dean pegou sua xícara de café vazia e levou-a para a pia.
— Eu trabalho com atrizes de Hollywood, mulheres com mais dinheiro do que gosto. — disse April.
— Parece glamouroso.
— É principalmente o trabalho de um diplomata.
Blue conseguia entender isso.
— Convencer uma estrela de novela com cinquenta anos de idade a desistir de seus curtos?
— Cuidado, Blue. — Disse Dean. — Isto está ficando pessoal. April tem cinquenta e dois, mas você
pode apostar que ela tem um armário cheio de minis em todas as cores.
Blue olhou para as pernas interminavelmente longas de sua mãe.
— E aposto que cada um destes vestidos devem ficar fantásticos.
Ele se afastou da pia.
— Vamos para a cidade. Tenho algumas coisas que preciso arranjar para começar.
— Compre alimentos, enquanto estiver lá, — disse April. — Eu tenho comida na casa de campo,
mas não há quase nada aqui.
— Sim, vamos fazer isso. — Com Blue a tiracolo, ele se dirigiu para a porta.
Blue quebrou o silêncio espesso quando Dean disparou para a estrada.
— Não vou mentir para ela. Se ela perguntar a cor dos vestidos das nossas damas de honra, vou dizer
a verdade.
— Não há damas de honra, então não há problema, — disse ele sarcasticamente. — Nós estamos fu-
gindo para Las Vegas.
— Qualquer um que me conhece sabe que eu nunca fugiria para Vegas.
— Ela não te conhece.
— Provavelmente a você sim, e casar seria como admitir para o mundo que você está muito desorga-
nizado para chegar a um plano melhor. Tenho mais orgulho que isso.
Ele ligou o rádio para impedi-la de falar. Blue odiava julgar mal as pessoas, especialmente os ho-
mens, e ela não poderia deixar passar a sua insensibilidade perante a doença fatal de sua mãe. Ela virou o
volume de volta para puni-lo.
8
Jogo virtual.
— Eu sempre quis ir para o Havaí, mas até agora, não podia pagar. Acho que vamos nos casar lá. Na
praia de algum resort luxuoso ao pôr do sol. Estou tão feliz que eu encontrei um marido rico.
— Nós não vamos nos casar!
— Exatamente, — ela atirou de volta. — É por isso que não quero mentir para sua mãe.
— Você está na minha folha de pagamento, ou não?
Ela endireitou-se.
— Eu estou? Vamos falar sobre isso.
— Agora não. — Ele parecia tão irritado que temporariamente ficou em silêncio.
Passaram por um moinho de algodão abandonado quase engolido pela vegetação rasteira, em segui-
da, uma casa móvel em um parque bem cuidado, seguido por um campo de golfe que anunciava karaokê na
noite de sexta. Aqui e ali, um arado velho ou uma roda de carroça erguia uma caixa de correio. Blue decidiu
fazer um ataque furtivo na falsa vida privada do noivo.
— Uma vez que estamos envolvidos, você não acha que é hora de você me contar sobre o seu pai?
Dean apertou os dedos ligeiramente sobre o volante.
— Não.
— Sou muito boa em ligar os pontos.
— Não os conecte.
— É difícil. Uma vez que coloco uma ideia em minha cabeça...
Dean lançou-lhe um olhar assassino.
— Não falo sobre meu pai. Nem com você. Nem com ninguém.
Blue argumentou consigo mesma por um momento antes de falar.
— Se você realmente quer manter sua identidade em segredo, deveria parar de ser todo impassivo
cada vez que Jack Patriot canta no rádio.
Dean desenrolou os dedos e colocou-os sobre a parte superior do volante, um gesto pouco casual.
— Você está exagerando. Meu pai foi um baterista na banda de Patriot por um tempo. Isso é tudo o
que existe.
— Anthony Willis é o único baterista que a banda já teve. E como ele é negro...
— Verifique a história do rock, bebê. Willis ficou de fora a maior parte da turnê Omens Universal
com um braço quebrado.
Dean podia estar dizendo a verdade, mas de alguma forma Blue não pensava assim. April era aberta
sobre o seu passado de rock and roll e Blue viu a maneira que eles congelaram quando “Farewell, So Long”
veio no rádio. A possibilidade de Dean ser o filho de Jack Patriot fez sua cabeça girar. Ela tinha uma queda
pelo astro do rock desde os dez anos. Não importava onde morava, Blue mantinha suas fitas empilhadas ao
lado da cama e fotos de revistas dele coladas dentro de seus cadernos escolares. Suas letras a faziam se sentir
menos sozinha.
Um sinal dos limites da cidade anunciou que tinha alcançado Garrison. Um segundo sinal logo abai-
xo informava que a cidade estava à venda e que qualquer pessoa interessada em comprá-la deveria entrar em
contato Nita Garrison. Blue se retorceu em seu assento quando eles rapidamente passaram.
— Você viu isso? Como alguém pode vender uma cidade?
— Eles venderam uma no eBay um tempo atrás, — disse ele.
— Está certo. Lembra-se quando Kim Basinger comprou aquela pequena cidade na Georgia? Sempre
me esqueço que aqui é o sul. Todos os tipos de lixo estranho acontecem aqui que não poderiam acontecer
em qualquer outro lugar.
— Um sentimento que deveria guardar para si mesma, — disse ele.
Eles passaram por uma funerária grega Revival e uma igreja. A maioria dos edifícios de arenito
bronze no centro da cidade de três blocos pareciam ter sido construídos no início do século XX. A ampla rua
principal tinha estacionamento diagonal em ambos os lados. Blue avistou um restaurante, uma farmácia,
uma loja de revenda, e uma padaria. Um cervo de pelúcia com um sinal aberto montava guarda junto à porta
de uma loja de antiguidades chamada Sótão da Tia Myrtle. Do outro lado da rua, árvores antigas sombrea-
vam um parque com um relógio de quatro faces e postes de ferro preto coberto com globos brancos. Dean
parou em um espaço de estacionamento em frente à farmácia.
Blue não acreditou muito no comentário de Dean sobre ela estar em sua folha de pagamento, e se
perguntou se poderia encontrar um emprego em uma cidade tão pequena.
— Você percebeu alguma coisa estranha? — Blue perguntou enquanto ele desligou a ignição.
— Além de você?
— Sem lanchonetes. — Ela olhou para a pobre, mas pitoresca, rua principal. — Não vi nenhuma ca-
deia de restaurantes na estrada, qualquer uma. Este lugar não é grande, mas é grande o suficiente para uma
loja de Auto Peças NAPA ou a Blockbuster. Onde eles estão? Se você tirar os carros e ignorar as roupas das
pessoas, seria difícil descobrir que ano é.
— Interessante você mencionar roupas. — Ele estudou seus shorts ciclista preta e camiseta camufla-
da. — Acho que você não recebeu o memorando sobre o código de vestimenta que vem com seu novo em-
prego.
— Aquele pedaço de merda? Joguei fora.
O rosto de uma mulher apareceu na janela de Barb Tresses e Day Spa ao lado da farmácia. Na agên-
cia de seguros do outro lado, um homem careca olhou para fora atrás de um cartaz de venda remexer na
igreja. Imaginou cabeças semelhantes surgindo em toda a rua.
Em uma cidade tão pequena, a notícia da chegada do famoso vizinho se espalharia rapidamente.
Blue seguiu Dean na farmácia, mantendo-se três passos atrás, o que mais o incomodava. Ele desapa-
receu ao fundo da loja, enquanto ela falava com o caixa e descobriu que não havia vagas. Duas mulheres
correram. O homem da agência de seguros entrou, seguido por uma mulher mais velha com o cabelo molha-
do. Em seguida, veio um cara magro com um crachá de plástico que o identificava como Steve.
— Lá está ele, — o homem de seguros disse para os outros.
Todos eles esticavam o pescoço para olhar para Dean. Uma mulher em um terno rosa brilhante veio
em cobrança, seus escarpins clicando no chão de ladrilhos. Ela aparentava ter a mesma idade de Blue, muito
jovem para o seu cabelo ficar tão rigidamente aplicado, apesar de que Blue não tinha como criticar o pentea-
do de ninguém. Teria cortado seu cabelo se não tivesse deixado Seattle de forma tão abrupta. Seguiu rumo a
saída assim quando a mulher gritou para Dean, proferindo seu nome em um suspiro longo e adorado.
— Dean... Ouvi que você apareceu na fazenda. Estava em meu caminho para recebê-lo.
Blue olhou ao redor do rímel a tempo de assistir a expressão vazia de Dean ao reconhecimento.
— Monica. Prazer em vê-la. — Ele segurou cortadores de unha, uma atadura e um pacote do que pa-
reciam ser palmilhas de gel. Sem preservativos.
— Meu Deus, a cidade está em polvorosa, — disse Monica. — Todos estavam esperando você apa-
recer. Susan O'Hara não é incrível? Você não ama o que ela fez em sua casa?
— Maravilhoso, verdade.
Monica bebeu-o como um copo gelado de chá doce.
— Espero que fique por um tempo.
— Não tenho certeza. Depende de algumas coisas.
— Você não pode sair até que tenha a oportunidade de conhecer todos os mandachuvas da cidade.
Ficarei feliz de promover um coquetel e apresentá-lo a todos. — Ela fechou os dedos em torno de seu braço.
— Você vai amar aqui.
Dean estava acostumado a ter seu espaço pessoal invadido, e ele não se afastou, mas inclinou a cabe-
ça na direção do corredor de cosméticos.
— Tenho alguém que quero que você conheça. Blue, venha aqui para que eu possa apresentá-la à
minha agente imobiliária.
Blue verificou seu impulso para ir além da porta de saída. Talvez essa mulher pudesse ajudá-la a en-
contrar um emprego. Abriu um sorriso amigável e voltou. Dean se afastou de sua agente imobiliária e tomou
o braço de Blue de forma excessivamente possessiva.
— Blue, esta é Monica Doyle. Monica, minha noiva, Blue Bailey.
Agora, ele estava apenas sendo preguiçoso.
— Vamos nos casar no Havaí, — disse ele. — Na praia ao pôr do sol. Blue queria ir para Las Vegas,
mas estou muito bem organizado para isso.
Dean era perfeitamente capaz de dar o fora nas mulheres sem recorrer a uma noiva imaginária, mas,
aparentemente, não queria ter de lidar com todas as calcinhas jogadas para ele. Blue teve que admitir sua
surpresa.
O rosto de Monica caiu, mas ela fez o seu melhor para esconder sua decepção atrás de algumas rápi-
das piscadas e uma rápida avaliação de Blue. A agente imobiliária avaliou a camiseta camuflada que Blue
pegou na lavanderia de seu apartamento, após ter colocado no quadro de avisos por um mês.
— Você é a coisa mais bonita agora, não é?
— Dean acha que sim, — Blue disse modestamente. — Ainda não sei como ele conseguiu superar
minha aversão ao envelhecimento dos meninos de fraternidade.
Seu aperto de advertência a fez se aproximar de suas axilas, que cheiravam deliciosamente com um
desses desodorantes masculinos caros que vinham embalados em garrafas de vidro em forma fálica estam-
padas com logos de grife. Ela ficou lá algumas batidas muito tempo antes de enfiou a cabeça para fora.
— Notei a placa de venda quando viemos para a cidade. O que é isso tudo?
Monica apertou seu lápis e encobriu os lábios.
— Nita Garrison sendo odiosamente normal, isso é tudo. Algumas pessoas não valem a pena falar.
Nós fazemos o nosso melhor para não dar-lhe ideia.
— É verdade? — perguntou Blue. — A cidade está realmente à venda?
— Suponho que isso depende de como você define a cidade.
Blue começou a se perguntar como eles definiram o presente, mas Monica já estava chamando as
pessoas à espreita nos corredores para que pudesse apresentá-los.
Dez minutos depois, eles finalmente escaparam.
— Vou terminar esse noivado, — Blue resmungou enquanto seguia Dean para o carro. — Você dá
muito trabalho.
— Agora, querida, com certeza o nosso amor é forte o suficiente para sobreviver a alguns solavancos
na estrada da vida. — Ele parou em uma máquina de venda automática de jornais.
— Apresentar-me como sua noiva fez você parecer ridículo, não eu, — disse ela. — Essas pessoas
não são cegas. Nós parecemos bizarro juntos.
— Você tem sérios problemas de autoestima. — Ele enfiou a mão no bolso para moedas.
— Eu? Tente novamente. Ninguém vai acreditar que uma espertinha como Blue Bailey se apaixona-
ria por um cabeça de vento, como você. — Ele a ignorou e tirou um jornal. Ela deu um passo em frente. —
Antes de ir para o supermercado, preciso fazer perguntas para achar um emprego. Por que você não almoça
enquanto olho em volta?
Dean enfiou o jornal debaixo do braço.
— Já lhe disse. Você está trabalhando para mim.
— Fazendo o quê? — Ela olhou para ele. — E quanto você está pagando?
— Não se preocupe com isso.
Dean foi irritante com Blue durante toda a manhã e ela não gostou. Não era sua culpa que sua mãe
estava morrendo. Tudo bem, isso era culpa dela, mas Dean não sabia disso, e não deveria puni-la pela tragé-
dia médica de April.
Quando chegaram ao supermercado, as apresentações começaram novamente enquanto uma pessoa
após a outra o recebia na cidade. Ele era cordial com todos, desde o funcionário de espinha na cara até um
homem velho aleijado. As crianças mais velhas estavam na escola, mas ele esfregou cabeças de bebês, sacu-
dindo seu punho de forma piegas, e se envolveu em uma conversa animada com uma criança de três anos de
idade, chamado Reggie, adorável, que não queria usar um penico. Dean era a mais estranha combinação de
ego e decência que Blue já chegou a conhecer em alguém, apesar da decência dele parar de funcionar com
ela.
Enquanto ele lidava com as pessoas, Blue escapuliu para fazer as compras de supermercado. A loja
não era uma grande seleção, mas encontrou o básico. Dean encontrou-se com ela na fila do caixa, onde ela
teve que ficar em silêncio quando ele sacou seu cartão Visa. Isso não podia continuar. Ela tinha que fazer
algum dinheiro.
***
Dean descarregou os mantimentos e deixou a Blue a tarefa de decidir onde colocá-los, enquanto vol-
tou a sair para mover o carro para o celeiro. Mesmo Annabelle não sabia a identidade de seu verdadeiro pai,
mas Blue decifrou-o depois de passar apenas quatro dias com ele. Ela era a pessoa mais intuitiva que ele já
conheceu, para não mencionar a mais tortuosa, e ele teve que jogar um jogo inteligente.
Depois que limpou um espaço no celeiro para seu carro, Dean remexia no galpão por uma pá e enxa-
da e começou a atacar as ervas daninhas que cresciam perto da fundação da casa. Quando inalou o cheiro de
madressilva, lembrou-se exatamente do motivo de ter comprado aquele lugar em vez da casa de praia na Ca-
lifórnia do Sul, que sempre imaginou. Porque estar ali o fazia se sentir bem. Ele amava as casas antigas, a
forma como as colinas abrigavam a fazenda. Adorava saber que aquela terra tinha sido parte de algo mais
duradouro do que um jogo de futebol. Mas acima de tudo, amava a privacidade. A lotada praia do sul da Ca-
lifórnia não poderia dar isso a ele, e quando precisasse de sua parcela de oceano, sempre poderia voar para a
costa.
Dean mal sabia o que sentia com a privacidade. Em primeiro lugar, crescendo em internatos, em se-
guida, embarcando em uma carreira atlética de faculdade que lhe trouxe reconhecimento imediato. Depois
disso, ele se tornou profissional. Finalmente, com os malditos anúncios End Zone, mesmo as pessoas que
não eram fãs de futebol o reconheciam. Ele endureceu quando ouviu o barulho das pulseiras. Amargura coa-
lhava seu estômago. Ela estava tentando arruinar isso como sempre tentou arruinar tudo.
— Estava planejando contratar uma equipe de paisagista, — disse sua mãe.
Dean espetou a pá em uma moita de mato.
— Vou lidar com isso quando estiver pronto. — Ele não se importava com o tempo em que ela esta-
va sóbria. Toda vez que olhava para ela, lembrava-se das lágrimas desfazendo sua maquiagem, da fala arras-
tada, e do peso de seus braços arrastando no pescoço durante seus apelos bêbados, drogados por seu perdão.
— Você sempre foi mais feliz lá fora. — Ela chegou mais perto. — Não sei muito sobre plantas, mas
acho que você está tentando tirar um arbusto de peônia.
Considerando a vida que levou, sua mãe deveria se parecer com Keith Richards, mas não era assim.
Seu corpo estava tonificado, um pouco de sua mandíbula muito suave para ser totalmente natural. Mesmo os
cabelos compridos estavam errados. Tinha cinquenta e dois anos, pelo amor de Deus. Tempo para cortá-los.
Quando adolescente, ele tinha sido forçado a mais do que algumas lutas quando um de seus colegas davam
uma descrição muito detalhada de sua bunda ou qualquer outra parte do corpo que ela tinha escolhido mos-
trar em um dos raros dias em que ela o visitava na escola. Com a ponta do sapato, ela descobriu uma possí-
vel lata achatada.
— Não estou morrendo.
— Sim, percebi isso na noite passada. — E Blue ia pagar pela mentira.
— Nem mesmo doente. Lá se vai a sua grande festa.
— Talvez no próximo ano.
April não vacilou.
— Blue tem um grande coração. Ela é uma pessoa interessante. Diferente do que eu esperava.
Ela estava querendo pescar alguma coisa, mas não ia conseguir nada.
— É por isso que pedi para ela se casar comigo.
— Ela tem grandes olhos inocentes, mas há algo sexy sobre ela, também.
Uma personagem de histórias infantis...
— Ela não é linda, — April continuou, — mas ela é... algo melhor. Não sei. Seja o que for, ela não
parece ter conhecimento sobre isso.
— Ela é um desastre. — Tarde demais, ele lembrou que deveria estar ferido. — Só porque estou
apaixonado não significa que sou cego. É o fato de ela ter uma personalidade própria que me atrai.
— Sim, posso ver isso.
Ele pegou a enxada e começou a cortar algumas ervas daninhas em torno de uma roseira. Dean sabia
que era uma roseira, porque tinha um par de flores.
— Você ouviu sobre Marli Moffatt, — disse ela.
A enxada atingiu uma rocha.
— Difícil de evitar. É tudo que se fala nos noticiários.
— Acho que a filha dela vai viver com a irmã de Marli. Deus sabe que Jack não vai fazer nada além
de um cheque.
Atirou-se a enxada e pegou a pá novamente.
April brincava com um de seus braceletes.
— Espero que você tenha descoberto até agora que me chutar para fora não é uma boa ideia, se você
não quiser viver aqui desconfortavelmente neste verão. Estarei fora de sua vida permanentemente em três ou
quatro semanas.
— Isso é o que você disse em novembro, quando apareceu no jogo dos Chargers.
— Isso não vai acontecer novamente.
Dean esfaqueou a pá na terra, em seguida, trabalhou gratuitamente. Ela tinha dado conta de tudo ho-
je. Era difícil conciliar eficiência com uma mulher drogada que havia perdido seu filho regularmente.
— Por que eu deveria acreditar em você agora?
— Porque estou cansada de viver com a culpa. Você nunca vai me perdoar e não vou pedir isso no-
vamente. Uma vez que a casa estiver pronta, vou embora.
— Por que está fazendo isso? Por que a porra da charada?
April deu de ombros, parecendo aborrecida, a última mulher no bar após a diversão ter terminado.
— Pensei que seria um pontapé inicial, isso é tudo.
— Hey, Susan! — O fodido senhor eletricista enfiou a cabeça ao virar da esquina. — Você pode vir
aqui um minuto?
Dean desenterrou outra pedra enquanto ela se afastava. Agora que ele viu com quantas tarefas ela vi-
nha fazendo malabarismo, sabia que estaria prejudicando a si mesmo mais do que a ela se a fizesse sair. Ele
sempre podia voltar para Chicago, mas a ideia de ter que ir embora por causa dela o fazia ficar. Ele não fu-
gia de ninguém, especialmente de sua mãe. Mas ele também não podia suportar a ideia de ficar sozinho com
ela, mesmo em cem hectares de propriedade. Foi por isso que manter Blue ao redor se tornou uma necessi-
dade, e não apenas um impulso. Ela seria seu escape.
Dean imaginou a cabeça de Blue e a guilhotina como um golpe limpo. Sua mentira sobre April pas-
sou por cima de todos os limites possíveis. Embora ele tivesse encontrado um monte de mulheres manipula-
doras, nunca tinha conhecido uma com mais ousadia. Mas antes de confrontá-la, pretendia deixá-la balançar
com a brisa.
No momento em que os carpinteiros terminaram o trabalho do dia, ele limpou a pior das ervas dani-
nhas desde a fundação sem fazer muito dano ao que ele finalmente descobriu serem arbustos de peônia. Seu
ombro doía a beça, mas estava sem fazer exercício por muito tempo, e não se importou. Sentiu-se bem com
o seu corpo novamente.
Quando saiu do barracão, percebeu o cheiro de algo salgado vindo da janela da cozinha aberta. Blue
decidiu cozinhar, mas ele não tinha intenção de se sentar através de um jantar aconchegante, que incluía sua
mãe, e não duvidou nem por um momento que Blue fosse convidá-la.
Em seu caminho para a casa, seus pensamentos abruptamente voltaram para a morte de Marli Moffatt
e a filha que restou. Sua meia-irmã de onze anos. A ideia era irreal. Ele sabia qual era a sensação de ser um
órfão, e uma coisa era malditamente certa. É melhor que aquela pobre garota fosse capaz de cuidar de si
mesma, porque Jack Patriot não faria isso por ela.

Capítulo Sete

Riley Patriot vivia em Nashville, Tennessee, em uma casa de tijolos brancos com seis colunas bran-
cas, piso de mármore branco e uma Mercedes-Benz branca reluzente na garagem. Na sala de estar, um piano
de cauda branco ficava perto de um par de sofás brancos-marfim e um tapete todo branco. Riley não podia
entrar na sala desde que tinha derrubado suco de uva aos seis anos de idade.
Mesmo agora, com onze anos, sua mãe nunca a perdoou ou esqueceu o fato, não apenas o suco uva,
mas um monte de coisas, e agora era tarde demais. Dez dias atrás, um monte de gente tinha visto sua mãe,
Marli Moffatt, cair através de uma grade quebrada no rio Cumberland do deck superior do Old Glory. Ela
bateu a cabeça em alguma coisa quando caiu na água, já era noite, e eles não a encontraram até que fosse
tarde demais. Ava, sua milionésima babá acordou Riley para dar a notícia.
Agora, uma semana e meia mais tarde, Riley estava na corrida para encontrar seu irmão.
Embora só tenha andado um quarteirão de sua casa, a camiseta já estava furando sua pele, o que a fez
abrir o zíper de sua jaqueta rosa acolchoada. Suas calças lavanda eram um tamanho doze, mas ainda estavam
muito apertadas. Sua prima Trinity era tamanho oito, mas apenas os ossos de Riley, sem qualquer pele, ca-
beria em dois tamanhos menores. Riley trocou sua mochila pesada para o outro braço. Sua carga teria sido
muito mais leve se tivesse deixado para trás seu caderno, mas não poderia fazer isso.
As casas na rua de Riley estavam bem atrás da estrada, algumas atrás de portões, por isso não haviam
calçadas, mas não havia iluminação pública, e Riley as evitou da melhor maneira possível. Não que alguém
viria procurá-la. Suas pernas começaram a coçar, e ela tentou arranhar através do veludo cotelê, mas isso só
fez a coceira pior. Foi quando ela viu parado o carro vermelho de Sal no final do próximo bloco, eles esta-
vam ansiosos para partir.
Ele tinha estacionado sob um poste de luz, como um idiota, e estava fumando um cigarro em rápidas,
baforadas bruscas. Quando ele a viu, começou a olhar ao redor, como se pensasse que a polícia pudesse apa-
recer a qualquer momento.
— Dê-me o dinheiro, — disse ele quando ela chegou ao carro.
Riley não gostou, em pé sob a luz onde qualquer um que estivesse dirigindo pudesse vê-los discutir
levaria mais tempo do que lhe dar o dinheiro. Riley odiava Sal. Ele trabalhava para o pai dela quando não
estava na escola, que foi como Riley o conheceu, mas não era por isso que ela o odiava. Ela o odiava porque
ele esfregava em si mesmo quando achava que ninguém estava olhando e cuspia, e dizia coisas desagradá-
veis. Mas ele tinha dezesseis anos, e como tinha sua licença para dirigir há quatro meses, Riley estava pa-
gando-o para levá-la. Ele era um péssimo motorista, mas até que Riley tivesse ela mesma dezesseis anos,
não tinha muitas opções.
Tirou o dinheiro do bolso da frente da mochila verde.
— Cem dólares agora. Vou te dar o resto depois de chegar na fazenda.
Riley já vira vários filmes antigos, ela sabia tudo sobre como deveria dividir o dinheiro.
Parecia que ele queria pegar sua mochila, mas não teria feito a ele qualquer bem, porque ela escon-
deu o resto do dinheiro na meia. Sal contou as notas, o que Riley pensou ser rude, uma vez que estava bem
na frente dele, e era como se a chamasse de trapaceira. Finalmente, ele enfiou o dinheiro no bolso da calça
jeans.
— Se meu pai descobrir, ele vai acabar comigo.
— Ele não vai saber de mim. Você é o único linguarudo.
— O que você fez com Ava?
— Peter vai ficar com ela. Ava não vai notar.
A babá de Riley veio de Hamburgo, da Alemanha, há dois meses. Peter era o namorado de Ava, e tu-
do que faziam era sair. Quando a mãe de Riley era viva, Ava não tinha autorização de ter Peter em casa, mas
com a mãe morta, ele estava dormindo todas as noites. Seria somente no café da manhã que Ava descobriria
a fuga de Riley e talvez nem mesmo então, porque não teria aula na manhã seguinte, por causa das confe-
rências de fim de ano dos professores. Riley deixou um Post-it na sua porta dizendo que estava com dor de
estômago e não era para acordá-la. Sal ainda não tinha entrado no carro.
— Quero 25 dólares. Esqueci da gasolina.
Riley puxou a porta do carro, mas ele tinha bloqueado. Ela arranhou as pernas.
— Vou dar-lhe vinte dólares extras.
— Você é rica. Não precisa ser tão mesquinha.
— Vinte e cinco dólares e isso é tudo. Não quero tão desesperadamente assim, Sal.
Uma grande mentira. Se Riley não chegasse até a fazenda de seu irmão, se trancaria na garagem com
a Mercedes Benz de sua mãe, se trancaria, ela sabia como, e sentaria no carro até que se sufocasse até a mor-
te. Ninguém a faria sair, não Ava, ou sua tia Gayle, ou até mesmo seu pai, como se ele se importasse se ela
morresse.
Sal deve ter acreditado nela, porque finalmente abriu as portas do carro. Ela largou a mochila no
chão do banco da frente, em seguida, entrou e apertou o cinto de segurança. O interior do carro cheirava a
cigarros e hambúrgueres obsoletos. Ela puxou o roteiro que conseguiu na internet do bolso com zíper de sua
mochila. Ele saiu do meio-fio, sem sequer olhar para ver se tinha um carro vindo.
— Cuidado!
— Relaxe. É meia-noite. Não há ninguém por perto.
Ele tinha o cabelo castanho pegajoso, e alguns fios de cabelo em seu queixo que ele pensou que o fa-
zia parecer legal.
— Você deve ir para a Interestadual Quarenta, — disse ela.
— Como se eu não soubesse. — Ele jogou o cigarro pela janela aberta. — Eles estão tocando o CD
das Irmãs Moffatt no rádio o tempo todo. Aposto que você vai fazer cerca de um milhão de dólares.
Tudo o que Sal falava era sobre dinheiro ou coisas de sexo, e Riley definitivamente não queria ele
para falar sobre as coisas do sexo, então ela fingiu estudar o roteiro, mesmo já tendo memorizado tudo.
— Você é tão sortuda, — Sal continuou. — Não tem que trabalhar ou qualquer coisa, já terá todo es-
se dinheiro.
— Não posso gastá-lo. Ele vai ficar no meu fundo de garantia.
— Você pode gastar o dinheiro que seu pai lhe dá. — Ele só estava dirigindo com uma mão, mas se
ela dissesse alguma coisa sobre isso, ele acabaria ficando bravo. — Eu vi o seu pai quando ele estava aqui
para o funeral. Até falou comigo. Ele é muito melhor do que sua mãe. Sério. Algum dia eu vou ter roupas de
frio como ele e andar por aí em uma limusine.
Riley não gostava quando as pessoas falavam sobre seu pai, sempre achavam que ela iria apresentá-
los ou algo assim, quando ela quase nunca o via. Agora que sua mãe estava morta, ele planejava transferir
Riley para a Chatsworth de meninas, que era um internato onde todo mundo iria odiá-la porque ela era gorda
e ninguém iria querer ser sua amiga, exceto para chegar perto de seu pai. Ela ia para Kimble agora, que não
era um internato, mesmo estar nas mesmas classes com sua prima Trinity era melhor do que um internato.
Riley implorou a seu pai para que a deixasse ficar em Kimble e viver com Ava em um apartamento ou algo
assim, mas ele disse que não ia dar certo.
Era por isso que ela tinha que encontrar seu irmão.
Ele era realmente seu meio-irmão, e era um segredo. Apenas algumas pessoas sabiam que Riley e
Dean eram parentes, e até mesmo Riley não sabia que seu pai tinha esse outro filho até muito, muito tempo
atrás, se não tivesse ouvido o antigo namorado de sua mãe falar sobre isso. Sua mãe era uma das Irmãs Mof-
fatt, junto com a tia Gayle, a mãe de Trinity. Elas se apresentavam juntas desde os quinze anos, mas não ti-
nham um hit nas paradas country há seis anos, e seu novo CD Rainbows Everlasting não vinha fazendo mui-
to bem, motivo pelo qual tinham ido àquele lugar naquela noite, para fazer uma promoção para um monte de
pessoas que visitavam a rádio Nashville em uma conferência. Agora, com toda a publicidade sobre a mãe
dela morta por afogamento, o CD estava no topo das paradas. Riley pensou que sua mãe ficaria feliz com
isso, mas ela não tinha certeza.
Sua mãe morreu aos trinta e oito anos, dois anos mais velha do que a tia Gayle. Ambas eram magras,
com cabelos loiros e seios grandes, e um par de semanas antes do acidente, a mãe de Riley tinha ido ao mé-
dico para colocar botox e ficou com os seus lábios grandes e inchados. Riley pensou que ela parecia um pei-
xe, mas a mãe dela tinha dito a Riley para manter suas opiniões estúpidas para si mesma. Se Riley soubesse
do fim trágico de sua mãe, nunca teria dito nada.
O canto do caderno apontou o tornozelo através de sua mochila. Ela desejou que ela pudesse tirá-lo e
olhar para as imagens. Isso sempre a fazia se sentir melhor. Ela agarrou o painel.
— Cuidado com onde você está indo, ok? Isso é uma luz vermelha.
— E daí? Sem carros chegando.
— Se você se envolver em um acidente, vai perder a sua licença.
— Não vou me envolver em nenhum acidente. — Ele ligou o rádio mas, em seguida, virou-se nova-
mente. — Aposto que seu pai transou com cerca de dez mil meninas.
— Será que não vai calar a boca! — Riley desejou poder fechar os olhos e fingir estar em outro lu-
gar, mas se não acompanhasse a condução do Sal, ele provavelmente iria destruí-los.
Pela milionésima vez, se perguntou se seu irmão sabia sobre ela. No ano passado, quando descobriu
sobre ele, foi a coisa mais emocionante que já aconteceu com ela. Ela começou seu caderno de recortes se-
creto de imediato, colando artigos da Internet, além de fotos dele que ela encontrou em revistas e jornais. Ele
sempre parecia feliz em seus quadros, como se ele nunca pensasse em coisas desagradáveis sobre as pessoas,
e como se pudesse apreciar a todos, mesmo não sendo magros ou bonitos ou de onze anos de idade.
No inverno passado, Riley enviou uma carta para a sede do Chicago Stars. Nunca obteve um retorno,
mas ela sabia que pessoas como seu pai e seu irmão recebiam tantas cartas que não liam eles mesmos.
Quando o Chicago Stars veio para Nashville jogar contra os Titans, ela fez esse plano para encontrá-lo. Iria
fugir e encontrar um táxi para levá-la ao estádio. Quando chegasse lá, ela descobriria qual porta os jogadores
sairiam e esperaria por ele. Ela imaginou chamando seu nome e como ele olharia para ela, e ela dizia: “Oi,
sou Riley. Eu sou sua irmã.” E todo o seu rosto ficaria feliz, e uma vez que a conhecesse, diria a ela para vir
morar com ele ou até mesmo ficar com ele nas férias escolares, para que ela não precisasse ficar com a tia
Gayle e Trinity como agora.
Mas, em vez de ir ao jogo de futebol dos Titans, ela tinha ficado com dor de garganta e teve de pas-
sar uma semana inteira na cama. Desde então, ela chamou a sede do Stars um monte de vezes, mas não im-
portava o que ela dissesse ao operador, eles nunca deram-lhe o seu número de telefone.
Eles chegaram do lado de fora de Nashville, Sal ligou o rádio para o volume alto e Riley vibrou. Ela
gostava de música alta também, mas não esta noite, quando estava tão nervosa. Ela descobriu sobre a fazen-
da de seu irmão, um dia depois do funeral, quando ouviu seu pai falar com alguém sobre isso no telefone.
Quando ela percebeu a cidade que ele mencionou e viu que era no Leste do Tennessee, se animou tanto que
ficou tonta. Mas o pai dela não disse exatamente onde a fazenda era, só que estava perto de Garrison, e co-
mo não podia lhe perguntar, usou suas habilidades de detetive.
Riley sabia que as pessoas compravam casas e fazendas de agentes imobiliários, porque isso é o que
o antigo namorado de sua mãe era, então ela procurou por todas as empresas do mercado imobiliário em tor-
no de Garrison na Internet. Então começou a chamá-los e dizer que tinha quatorze anos e tinha que fazer este
relatório para a escola sobre as pessoas que tiveram que vender suas propriedades.
A maioria das pessoas das imobiliárias foram muito agradáveis e disseram-lhe todos os tipos de his-
tória sobre algumas das fazendas, mas desde que eles ainda estavam à venda, ela sabia que não eram de seu
irmão. Dois dias atrás, porém, ela chegou a uma senhora que era a secretária, e ela disse a Riley sobre a fa-
zenda Callaway e como um atleta famoso tinha acabado de comprar, mas ela não tinha a liberdade para dizer
quem. A senhora disse-lhe onde era a fazenda, mas quando Riley perguntou se o atleta famoso estava lá ago-
ra, ela começou a ficar desconfiada e disse que ela tinha que ir. Isso levou Riley a achar que era ele. Pelo
menos ela esperava que sim. Porque se não fosse, ela não sabia o que faria.
Sal não estava dirigindo tão ruim pela primeira vez, talvez porque a interestadual fosse bastante sim-
ples. Ele apontou o polegar em direção a mochila dela e gritou por cima da música.
— Você tem alguma coisa para comer?
Riley não queria compartilhar seus lanches, mas não queria que ele parasse, também. Ele só ia fazê-
la pagar, mas a viagem seria mais longa, de modo que ela cavou em sua mochila e entregou-lhe alguns chips
de queijo.
— O que você disse a seu pai, Sal?
Ele rasgou o pacote com os dentes.
— Ele acha que vou passar a noite na casa de Joey.
Riley viu Joey uma vez, e o achou melhor que Sal. Ela informou a Sal o número da saída que ele de-
via pegar, apesar de faltar muito para chegar lá ainda. Mas ela estava com medo de adormecer, e ele passar
direto, porque quanto mais ela olhava para as linhas brancas na estrada, mais difícil era manter os olhos
abertos...
A próxima coisa que ela sabia, era ser sacudida e acordar quando o carro derrapou e começou a girar.
Seu ombro bateu contra a porta, e seu cinto de segurança agarrou o peito. No rádio, 50 Cent estava gritando,
e este outdoor foi vindo direto para eles. Ela gritou sobre a música, e tudo o que podia pensar era que agora
ela nunca mais veria seu irmão ou possuiria uma fazenda com cachorro quando ela crescesse.
Pouco antes de atingirem o outdoor, Sal manobrou o volante e o carro balançou a uma parada. Ela
viu seu rosto na luz do painel. Seus lábios estavam abertos e os olhos grandes e assustados. Ela não queria
morrer, não importa o que pensasse sobre o carro na garagem de sua mãe.
Lá fora, tranquilidade reinava em torno do carro. No interior, 50 Cent estava fazendo rap, mas Riley
estava fazendo esses sons de choro e Sal uma espécie de engolir para respirar. A rampa interestadual estava
atrás deles e a estrada estava escura, exceto por uma grande luz brilhando em um outdoor para o Mercado do
Capitão G. ISCA. CERVEJA. REFRI. SANDUÍCHE. Por mais que ela quisesse encontrar seu irmão, Riley
desejou estar em casa na sua cama. O relógio no painel mostrava 2:05.
— Pare de agir como um bebê! — Sal explodiu. — Basta ler as indicações estúpidas.
Ele virou o carro no meio da estrada escura, Riley disse que tinha girado para a direção oposta. Ela
transpirava, seu cabelo estava úmido contra o couro cabeludo. Suas mãos tremiam enquanto alisava o mapa.
Ele desligou o rádio sem ela pedir, e ela leu o que tinha que fazer, ir mais dez quilômetros e pegar a Estrada
Hollow Smoky e em seguida, virar à direita na Estrada Callaway por mais três quilômetros, que era onde a
fazenda deveria estar.
Sal a fez abrir outro pacote de chips de queijo. Riley comeu também, em seguida, devorou alguns Ri-
ce Krispies Treats, estava assustada, ansiosa. Tinha que fazer xixi, nada bom, mas não podia dizer a Sal, en-
tão juntou e apertou suas pernas esperando chegar logo. Sal não estava dirigindo rápido como antes. Depois
de quase bater, manteve as duas mãos no volante, e o rádio mudo. Eles perderam a Estrada Hollow Road
Smoky porque estava muito escuro para ver a placa e precisaram voltar atrás.
— Por que você está se apertando toda? — Sal ainda soava realmente louco, como se fosse culpa de-
la não ter abrandado quando saiu da interestadual.
Riley não podia dizer que precisava fazer xixi.
— Porque estou contente que nós estamos quase lá.
Procurava significativamente o quanto podia por uma placa de Callaway na Estrada quando o celular
de Sal tocou. Eles pularam.
— Merda. Ele bateu com o cotovelo na porta tentando conseguir o telefone do bolso do casaco. Pare-
cia muito assustado, quando respondeu, seu tipo de voz chiou. — Olá?
De onde estava Riley pôde ouvir seu pai gritando, perguntando a Sal onde diabos estava e dizendo-
lhe que se ele não chegasse em casa naquela hora, iria chamar a polícia. Sal estava com medo de seu pai,
parecia que ia chorar. Quando seu pai finalmente desligou, Sal parou o carro no meio da estrada e começou
a gritar com Riley.
— Dê-me o resto do dinheiro! Agora!
Parecia que ele estava tendo uma espécie acesso de loucura. Riley encolheu-se contra a porta.
— Assim que chegarmos lá.
Ele a pegou pelo casaco e a sacudiu. Uma pequena bolha de baba bateu no canto de sua boca.
— Dê-me ou você vai se arrepender.
Riley se afastou, mas ele a assustou tanto que ela começou a mexer em seu sapato.
— Tenho o dinheiro aqui.
— Apresse-se. Dê-me!
— Leve-me para a fazenda em primeiro lugar.
— Se você não me der agora, vou bater em você.
Riley sabia que ele faria, então agarrou sua meia e tirou as notas.
— Eu vou dar isso para você quando chegarmos lá.
— Dê-me agora! — Ele torceu o pulso.
Ele cheirava a chips de Queijo em seu hálito, além de algo azedo.
— Vamos lá!
Sal abriu os dedos de Riley e pegou o dinheiro. Então, ele puxou o cinto livre, estendeu a mão, e
abriu a porta do carro.
— Saia!
Ela estava tão assustada que começou a chorar.
— Vamos para a fazenda primeiro. Não faça isso. Por favor.
— Saia agora mesmo! — Ele empurrou-a com força. Riley tentou se agarrar a porta, mas não conse-
guiu e caiu na estrada. — Não diga a ninguém, — ele gritou. — Se você disser a alguém, vai se arrepender.
Ele jogou a mochila para fora, fechou a porta e arrancou.
Ela estava deitada no meio da estrada até que o som do motor desapareceu. Tudo o que podia ouvir
era seu choro. Estava tão escuro, a noite mais escura em toda a sua vida. Não havia nenhum poste como em
Nashville, e não podia nem ver a lua, só este lugar cinza nas nuvens, onde a lua deve estar por trás. Ouviu
barulhos e lembrou-se de um filme onde um cara pulava fora das madeiras, sequestrava a garota e a levava
de volta para sua casa e a cortava toda. Isso a assustou tanto que ela pegou sua mochila e correu pela estrada
para onde o campo era.
Seu cotovelo latejava onde bateu quando caiu, sua perna doía, e ela tinha tanto que fazer xixi que ela
molhou um pouco as calças. Mordendo o lábio, se atrapalhou com o zíper em suas cordas. Porque estavam
tão apertados, ela demorou em puxá-los para baixo. Ela manteve seu olhar sobre a floresta e em toda a estra-
da, enquanto fazia xixi. No momento em que terminou e encontrou um lenço de papel, ela podia ver um
pouco melhor no escuro, e ninguém tinha saído das árvores, mas seus dentes batiam.
Lembrou-se das direções do mapa. A estrada para Callaway não poderia ser muito mais longe, e
quando encontrasse, tudo o que tinha de fazer era andar três quilômetros para chegar à fazenda; três quilô-
metros não era muito longe. Só que ela não se lembrava de qual direção eles estavam indo.
Ela bateu em seu nariz com a manga de seu casaco. De alguma forma, quando Sal tinha empurrado
para fora do carro, ela se enrolou um pouco e ficou confusa. Ela olhou para uma placa através da escuridão,
mas porque a estrada estava indo para cima, tudo o que ela podia ver era escuridão. Talvez um carro viria?
Mas e se um sequestrador estivesse dirigindo? Ou um serial killer?
Riley pensou que talvez tivessem em direção da subida quando o pai de Sal ligou. Mesmo não tendo
certeza, pegou sua mochila e começou a andar, porque não podia ficar aqui. A noite era muito mais alta do
que ela jamais imaginou. Uma coruja piou assustadoramente, vento rachando nas árvores, e as coisas faziam
ruídos escorregadios que ela esperava não fossem cobras, uma vez que tinha pavor de cobras. Não importava
o quão duro tentasse segurar, seu choro se mantinha.
Começou a pensar em sua mãe. Quando Ava lhe deu a notícia, Riley vomitou no cesto de lixo. Pri-
meiro, tudo o que podia pensar era em si mesma e o que iria acontecer com ela. Mas então pensou em como
sua mãe costumava cantar músicas bobas para ela. Foi quando Riley era uma garota bonita, antes de ficar
gorda e sua mãe parar de gostar dela. Durante o funeral, Riley continuou imaginando quão assustada sua
mãe deve ter ficado quando sentiu seus pulmões enchendo-se de água, então começou a chorar tanto que
Ava teve que levá-la para fora da igreja. Depois, seu pai disse que não estava autorizada a ir para o cemitério
para o enterro, ele e tia Gayle tiveram uma grande briga sobre isso, mas o pai dela não tinha medo da tia
Gayle como todo mundo, então Ava levou Riley para casa e deixou-a comer todos os cereais que ela queria,
e a colocou na cama.
O vento açoitava o cabelo de Riley, que era castanho espesso, não loiro brilhante como sua mãe e tia
de Gayle.
É uma cor bonita, Riley. Como o de uma estrela de cinema.
Isso é o que Riley imaginou seu irmão mais velho dizendo sobre seu cabelo. Ele seria como seu me-
lhor amigo.
Quanto mais ela seguia pela colina, mais difícil era para respirar, e quanto mais batia o vento, mais se
sentia empurrada de volta. Ela se perguntava se sua mãe estava lá em cima no céu, olhando para ela agora e
talvez tentando descobrir como ajudá-la. Mas se sua mãe estava no céu, estaria falando com as amigas no
telefone e fumando.
As pernas de Riley estavam queimando no local onde tinha coçado, e seu peito doía, e se estivesse
indo na direção certa, teria visto alguma placa. Sua mochila ficou tão pesada que teve de arrastá-la. Se mor-
resse aqui, Riley se perguntava se um lobo comeria seu rosto antes que alguém a encontrasse, e então talvez
ninguém saberia que era Riley Patriot.
Ela ainda não tinha alcançado o topo do morro, quando viu uma placa de metal dobrada. ESTRADA
CALLAWAY. Outra pista de subida. O asfalto estava desmoronando nas laterais e ela tropeçou. Seu cadar-
ço arrebentou e começou a chorar, mas se obrigou a levantar. Essa estrada não era reta como a outra, mas
tinha curvas que a amedrontavam, porque ela não sabia o que estava do outro lado.
Riley quase não se importava se morresse agora, mas não queria um lobo comendo seu rosto, então
continuou. Finalmente, chegou ao topo da colina. Tentou olhar para baixo e, talvez, ver a fazenda, mas esta-
va muito escuro. Os dedos dos pés se espremiam contra a frente de seu tênis quando começou a descer. Fi-
nalmente, a floresta se abriu um pouco, e ela viu essa cerca de arame. O vento soprava frio contra suas bo-
chechas, mas ela estava suada sob o casaco rosa acolchoado. Parecia que já tinha caminhado centenas de
quilômetros. E se passou pela fazenda e nem percebeu?
Na base do morro, ela viu uma forma. Um lobo! Seu coração batia. Ela esperou. Parecia que devia
ser de manhã, mas não era. A forma não se mexeu. Ela deu um passo cauteloso para a frente e depois outro,
cada vez mais perto, até que viu ser uma caixa velha. Algo poderia estar escrito na lateral, mas estava escuro
demais para ler, e provavelmente não seria o nome de seu irmão, de qualquer maneira, uma vez que pessoas
como seu irmão e seu pai tentavam não deixar que todos soubessem onde viviam. Ainda assim, tinha que ser
sua fazenda, então ela entrou.
A estrada foi o pior de tudo, cascalho sem asfalto e árvores de grande porte, tornando ainda mais
sombrio. Ela caiu de novo, e as palmas das mãos ardiam do cascalho. Finalmente, entrou em uma curva, on-
de as árvores pararam e viu uma casa, mas não havia luzes acesas. Nem mesmo uma. Sua casa em Nashville
tinha luzes com detectores de movimento, por isso, se um assaltante se aproximasse à noite elas iriam acen-
der. Riley desejou que aquela casa tivesse detectores de movimento, mas não achava que tivessem ali.
Riley ergueu a mochila e caminhou mais perto. Viu mais construções. A forma de um estábulo. Ela
devia ter pensado sobre o que faria, se ninguém estivesse acordado. Sua mãe odiava acordar muito cedo.
Talvez seu irmão também. Pior de tudo, e se seu irmão não estivesse ali? E se estivesse em Chicago? Essa
foi a única coisa que tentava não pensar.
Precisava de um local para descansar até que amanhecesse. Estava com medo de ir para o celeiro, en-
tão olhou em direção à casa. Lentamente, fez seu caminho até a varanda.

Capítulo Oito

Os mais fracos fios de luz da manhã penetravam através das cortinas de renda na pequena janela
acima da cabeça de Blue. Era muito cedo para levantar, mas ela bebeu um copo grande de água antes de ir
para a cama, e o trailer cigano, apesar de todos seus acolhedores encantos, não tinha banheiro. Blue nunca
tinha dormido em um lugar mais maravilhoso. Foi como adormecer no centro de um conto de fadas que veio
completo com um selvagem príncipe cigano loiro que tinha dançado com ela ao redor da fogueira.
Ela não podia acreditar que tinha sonhado com ele. É verdade, Dean era exatamente o tipo de homem
para inspirar ultrajantes fantasias do sexo feminino, mas não de uma realista, como ela. Desde a manhã ante-
rior, tinha sido muito consciente sobre ele de todas as formas erradas e precisava sair dessa.
Colocou os pés no piso de madeira do trailer. Dormiu com uma camiseta laranja com dizeres COR-
PO DE CERVEJA e um par de meias roxas de yoga que nunca tinha visto uma aula de yoga, mas era super
confortável. Depois de calçar seu chinelo, saiu para o frio. Só o canto dos pássaros no amanhecer quebrava o
silêncio, sem barulho de latas de lixo, grito de sirenes ou avisos penetrantes de caminhões chegando. Ela se
dirigiu para a casa e entrou pela porta lateral. Na luz do dia, os armários da cozinha brancos e seus botões
vermelhos brilhantes brilhavam contra os novos balcões de pedra-sabão.
Don’t Sit Under the Apple Tree...
Dean tinha pendurado plástico preto sobre todas as portas dos banheiros antes de sair na noite anteri-
or e ela foi para o quarto no andar de baixo parcialmente debaixo da escada. Como tudo na casa, o banheiro
foi projetado para ele, com uma alta pia e um teto parcialmente levantado para acomodar sua altura. Blue se
perguntou se Dean havia notado o quanto sua mãe fez tudo personalizado. Ou talvez ela tivesse feito sim-
plesmente como ele pediu.
Enquanto o café era feito, procurava a xícara pelas caixas da nova cozinha esperando serem desem-
pacotadas depois de pintada. Os pratos limpos na bancada nova lembraram do jantar que ela compartilhou
com April na noite passada. Dean saiu dizendo que tinha coisas para fazer. Blue apostava que essas coisas
incluíam uma loira, morena e ruiva. Ela abriu a porta da geladeira para pegar leite e viu que ele tinha feito
um grande prato com as sobras do camarão crioulo. A julgar do quão pouco sobrou, tudo o que o sexo fez
foi aumentar o apetite.
Espirrou água na pia para lavar alguns pratos para o café da manhã. As bacias brancas tinham listras
vermelhas ao redor da borda, e as canecas foram impressas com um conjunto de cerejas vermelhas brilhan-
tes. Derramou o seu café, acrescentou um respingo de leite, e caminhou em direção à frente da casa. Quando
chegou à sala de jantar, parou na porta. Na noite anterior, April disse que estava pensando em colocar alguns
murais pintados de paisagem ali e perguntou se Blue fazia este tipo de coisa. Blue dissera que não, o que não
era exatamente verdade. Ela fez uma boa quantidade de murais de animais nas paredes da Rec Room, logo-
tipos de escritórios, versículos bíblicos ocasionais em paredes de cozinha, mas ela se recusava a pintar pai-
sagens. Seus professores universitários lhe tinham dado muito pesar sobre os que havia feito para as aulas e
ela odiava qualquer coisa que a fazia se sentir incompetente.
Saiu pela porta da frente. Bebericando seu café, caminhou na direção dos pastos e gostou da névoa
rodopiando nos buracos. Quando se virou para assistir a um pelotão de aves de poleiro no telhado do celeiro,
ela recuou e com o movimento deixou cair café em seu pulso. Uma criança estava encolhida em um canto da
varanda, dormindo.
A menina parecia ter mais ou menos treze anos, embora não aparentava ter perdido sua fisionomia de
bebê gordinha. Ela usava um casaco rosa sujo com um logotipo Juicy e calças cor de lavanda barrentas que
tinham uma lágrima em forma de V na altura do joelho. Blue colocou o pulso na boca para lamber o café.
Selvagem, os cabelos castanhos cacheados da criança caiam sobre um rosado rosto sujo. Ela tinha adorme-
cido sem jeito, de costas, entalada contra a mochila verde-escuro que empurrou para o canto da varanda. Ela
tinha a pele oliva clara, sobrancelhas escuras, um nariz reto que ainda não tinha crescido bastante. Suas
unhas polidas pareciam ter sido roídas. Mas apesar de sua sujeira, suas roupas pareciam caras, assim como
os tênis. Esta garota aparentava ser da cidade grande, o que significava que uma outra andarilha tinha apare-
cido na fazenda do Dean.
Blue pousou a caneca e fez o seu caminho para o lado da criança. Agachando-se, tocou suavemente
no braço dela.
— Ei, você, — ela murmurou.
A menina pulou e seus olhos abriram rapidamente. Eles eram de um marrom quentinho vindo do
açúcar caramelizado.
— Tudo bem, — Blue disse, tentando acalmar o medo que viu lá. — Bom dia.
A criança se esforçou para se sentar e um coaxar matinal aprofundaram seu sotaque sulista macio.
— Eu... eu não estraguei nada.
— Não tem muito o que estragar aqui fora.
Ela tentou empurrar o cabelo da frente dos olhos.
— Eu não deveria... Deveria adormecer.
— Você não escolheu uma cama muito confortável. — Parecia muito arisca para Blue interrogar ain-
da. — Gostaria de um café?
Os dentes da criança afundaram em seu lábio inferior. Eles eram retos, mas ainda um pouco grandes
para o rosto dela.
— Sim, senhora. Se estiver tudo bem?
— Estava esperando por alguém aparecer para me fazer companhia. Meu nome é Blue.
A criança lutou para ficar em pé e pegar a mochila.
— Sou Riley. Você é a ajudante?
Evidentemente, ela veio de um fundo privilegiado.
— Ajudo ou atrapalho, — Blue respondeu. — Depende do meu humor.
Riley era muito jovem para entender o sarcasmo de um adulto.
— É... como todos aqui?
— Sou. — Blue abriu a porta e fez um gesto para Riley entrar.
Riley olhou ao redor enquanto entrava. A voz dela tremeu com a decepção.
— Isso não está certo. Não há nenhuma mobília.
— Um pouco. A cozinha está quase terminada.
— Então... ninguém está vivendo aqui agora?
Blue decidiu desviar a questão até que descobrisse o que a garota estava fazendo.
— Estou com fome. E você? O que prefere, ovos ou cereais?
— Cereal, por favor. — Arrastando seus calcanhares, Riley a seguiu pelo corredor até a cozinha.
— O banheiro é logo ali. Não tem porta ainda, mas os pintores não estarão aqui durante algum tem-
po, então se você quiser se lavar ninguém vai te incomodar.
A menina olhou ao redor, olhando para a sala de jantar e, em seguida, as escadas antes que ela e sua
mochila se dirigissem para o banheiro.
Blue tinha deixado todos os mantimentos não perecíveis em sacos até os pintores terminarem. Foi pa-
ra a despensa e cavou algumas caixas de cereais. No momento em que Riley retornou, arrastando a mochila
e a jaqueta atrás dela Blue tinha tudo definido na mesa, incluindo um jarro pequeno cheio de leite.
— Escolha o seu veneno.
Riley encheu a tigela com Honey Nut Cheerios e três colheres de chá de açúcar. Ela lavou as mãos e
o rosto, e alguns de seus cachos ficaram presos na testa. Suas calças lavanda não cabiam muito bem, assim
como a camiseta branca, que tinha FOXY escrito através dela em letras roxas brilhantes. Blue não poderia
imaginar uma palavra mais apropriada para descrever essa criança séria.
Fritou um ovo para si, fez um pedaço de pão, e levou seu prato para a mesa. Esperou até que a crian-
ça estivesse satisfeita antes de começar a perguntar.
— Tenho trinta. Quantos anos você tem?
— Onze.
— É um pouco jovem para ficar sozinha.
Riley pousou a colher.
— Estou procurando... Alguém. Tipo um parente. Não, não como um irmão ou qualquer coisa, disse
ela rapidamente. — Apenas... Como talvez um primo. Eu... Eu pensei que ele poderia estar aqui.
Logo em seguida, a porta traseira abriu, pulseiras tilintavam e April entrou.
— Temos companhia, — disse Blue. — Olha quem encontrei dormindo na varanda nesta manhã.
Minha amiga Riley.
April inclinou a cabeça, e um grande aro de prata espiou através de seu cabelo.
— Na varanda?
Blue abandonou seu brinde.
— Ela está tentando encontrar um de seus parentes.
— Os carpinteiros devem estar aqui em breve. — April sorriu para Riley. — Ou é parente dos pinto-
res?
— Meu, meu parente não trabalha aqui. — Riley resmungou. — Ele é... Ele deveria viver aqui.
Os joelhos de Blue bateram no pé da mesa. O sorriso de April desapareceu.
— Viver aqui?
A menina balançou a cabeça.
— Riley? — Os dedos de April se apertaram ao redor da borda do balcão. — Diga-me o seu sobre-
nome.
Riley abaixou a cabeça sobre a bacia de cereal.
— Não quero te dizer.
A pele de April perdeu sua cor.
— Você é a filha de Jack, não é? A filha de Jack e Marli.
Blue quase engasgou. Uma coisa era suspeitar da ligação de Dean com Jack Patriot, mas outra coisa
era ter certeza. Riley era filha de Jack Patriot, e apesar de sua desastrada tentativa de escondê-lo, o parente
que estava procurando só poderia ser Dean.
Riley puxou uma mecha de seus cabelos, puxando-a sobre o rosto enquanto ela olhava para sua tigela
de cereais.
— Você sabe sobre mim?
— Eu... Sim. — Disse April. — Como você chegou aqui? Você vive em Nashville.
— Eu meio que peguei uma carona. Com este amigo da minha mãe. Ele tem trinta anos.
April não ligou para ela em sua mentira óbvia.
— Sinto muito por sua mãe. Seu pai sabe que você... — A expressão de April endureceu. — É claro
que ele não sabe. Ele não tem a menor ideia, não é?
— Não. Mas ele é muito bom.
— Ótimo... — April esfregou a testa. — Quem deveria estar cuidando de você?
— Eu tenho uma babá.
April foi para o notebook que havia deixado no balcão na noite passada.
— Dê-me o seu número para que eu possa ligar para ela.
— Não acho que ela vai estar acordada ainda.
April fechou os olhos.
— Tenho certeza que ela não vai se importar se eu acordá-la.
Riley olhou para longe.
— Você poderia me dizer... Tem alguém... É como talvez o meu primo... que vive aqui? Porque é
muito importante para mim, encontrá-lo!
— Por quê? — April perguntou firmemente. — Por que você precisa encontrá-lo?
— Porque... — Riley engoliu. — Porque eu preciso dizer-lhe sobre mim.
April respirou fundo. Ela olhou para o notebook.
— Isso não vai funcionar do jeito que você quer.
Riley olhou para ela.
— Você sabe onde ele está, não é?
— Não. Não, não sei. — April disse rapidamente.
Ela olhou para Blue que ainda estava tentando absorver o que estava ouvindo. Dean não tinha ne-
nhuma semelhança com Jack Patriot, mas Riley sim. Eles tinham o mesmo tom de pele oliva, cabelos casta-
nhos cor de mogno, nariz reto. Esses sombriamente aros nos olhos cor de açúcar caramelizado olhou para
ela de inúmeras capas de álbuns.
— Enquanto eu falo com Riley. — April disse a Blue. — Você cuida do assunto lá em cima?
Blue recebeu a mensagem. Deveria manter Dean fora. Quando criança, sentia a dor de segredos man-
tidos. Ela não acreditava em manter as crianças longe da verdade, mas isso não era da sua conta para se me-
ter. Ela se preparou para levantar, mas antes que pudesse fazer isso, um conjunto de passos firmes chegavam
a partir do hall.
April agarrou a mão de Riley.
— Vamos sair e conversar.
Era tarde demais.
— Sinto o cheiro de café. — Dean entrou, de banho tomado, barba por fazer, um anúncio de revista
com um estilo super casual de bermudas azuis, uma camisa amarelo pálido com logo da Nike, e tênis verdes
de alta tecnologia tão aerodinâmicos como carros de corrida. Ele viu Riley e sorriu. — Bom dia.
Riley sentou paralisada, bebendo-o com os olhos. April levou a mão à cintura, como se seu estômago
doesse. Os lábios de Riley abriram levemente. Finalmente, ela encontrou sua língua.
— Sou Riley.
Sua voz saiu em um coaxar.
— Olá, Riley. Eu sou Dean.
— Eu sei. — Disse ela. — Eu... eu tenho um caderno de recortes.
— Você tem? Que tipo de recortes?
— S... sobre você.
— Sério? — Dirigiu-se para a cafeteira. — Então você é uma fã de futebol.
— Sou uma espécie de... — Ela lambeu os lábios secos. — Eu sou meio que... Talvez sua prima ou
algo assim.
A cabeça de Dean levantou.
— Eu não tenho um...
— Riley é a filha de Marli Moffatt. — April disse friamente.
Riley manteve seu foco totalmente colado nele.
— Jack Patriot é... tipo meu pai, também.
Dean olhou para ela estarrecido.
O rosto de Riley foi tomado pela agitação.
— Não quis dizer isso! — Ela gritou. — Nunca contei a ninguém sobre você. Eu juro.
Dean ficou congelado. April não conseguia se mover. Os olhos de Riley se encheram de lágrimas.
Blue não pôde suportar testemunhar tanta dor se levantou da cadeira.
— Dean apenas se levantou agora da cama, Riley. Vamos dar-lhe alguns minutos para acordar.
Dean desviou o olhar para sua mãe.
— O que ela está fazendo aqui?
April recuou em relação ao fogão.
— Tentando encontrar você, eu acho.
Blue pôde ver que esta reunião não estava acontecendo como Riley havia imaginado. Lágrimas cra-
varam nos cílios da criança.
— Sinto muito. Nunca vou dizer nada de novo.
Dean era o adulto e precisava tomar conta das coisas, mas ele ficou em silêncio e rígido. Blue se mo-
veu ao redor da mesa para Riley.
— Alguém não tomou seu café ainda e isso fez dele um urso rabugento. Enquanto Dean acorda, vou
lhe mostrar onde dormi na noite passada. Você não vai acreditar.
Blue aos onze anos, desafiava quem tentasse mantê-la fora da conversa, mas Riley estava acostuma-
da a obediência cega. Ela abaixou a cabeça e relutantemente pegou sua mochila. A garota era pura aflição, e
o coração de Blue se simpatizou com ela. Blue passou o braço em volta dos ombros de Riley e conduziu-a
em direção à porta lateral.
— Primeiro, você tem que me dizer o que sabe sobre os ciganos.
— Eu não sei nada, — Riley murmurou.
— Felizmente, eu sei.
***
Dean esperou a porta se fechar. Em menos de 24 horas, duas pessoas o confrontaram com um segre-
do que ele foi capaz de manter por tantos anos. Ele olhou para April.
— O que diabos está acontecendo? Será que você sabe sobre isso?
— Claro que eu não sabia, — April respondeu. — Blue a encontrou dormindo na varanda. Ela deve
ter fugido de casa. Aparentemente, ela só tem uma babá para cuidar dela.
— Você está me dizendo que o filho da puta egoísta a deixou sozinha menos de duas semanas de-
pois que sua mãe morreu?
— Como posso saber? Há trinta anos não converso com ele pessoalmente.
— Merda. Inacreditável. — Ele apontou o dedo para ela. — Você vai encontrá-lo agora e dizer para
ele mandar seus empregados aqui esta manhã para buscá-la.
April não gostou de ser mandada e tencionou a mandíbula. Muito ruim. Ele se dirigiu para a porta.
— Vou falar com ela.
— Não! — Sua intensidade o deteve. — Você viu o jeito que ela olhava para você. É fácil ver o que
ela quer. Fique longe, Dean. É cruel aumentar suas esperanças. Blue e eu vamos lidar com isso. Não faça
nada para que ela se apegue a menos que você esteja querendo mais com isso.
Dean não conseguia esconder sua amargura.
— A escola April Robillard de educação infantil. Como eu poderia ter esquecido?
Sua mãe poderia ser um verdadeiro osso duro de roer quando queria, e seu queixo disparou.
— Você acabou ficando bem.
Dean lançou um olhar de nojo e saiu pela porta lateral. Mas do outro lado do quintal, desacelerou.
April estava certa. Os olhos carentes de Riley diziam o que queria com ele, tudo o que sabia que não iria re-
ceber de seu pai. O fato de que Jack tinha abandonado a criança logo após o funeral de sua mãe enunciava
seu futuro em letras grandes, uma internato particular caro e férias com uma série de babás glorificadas.
Ela ainda teria mais do que ele. Suas férias tinham tido lugar em moradias de luxo, hotéis, ou apar-
tamentos decadentes, dependendo de onde April estava com os homens e os seus vícios. Com o tempo, era
oferecido de tudo à ele, desde maconha, bebida, prostitutas e, geralmente, aceitava tudo. Com toda a fran-
queza, April não conhecia muito sobre ele, mas devia conhecer. Ela deveria saber sobre um monte de coisas.
Agora Riley tinha vindo atrás dele, e a menos que ele grosseiramente descaracterizasse o anseio em
seu rosto, ela queria que ele fosse a sua família. Mas Dean não podia fazer isso. Ele manteve sua ligação
com Jack Patriot em segredo por muito tempo para tê-lo aberto agora. Sim, sentiu pena dela, e esperava co-
mo o inferno que as coisas melhorassem, mas isso acabava aqui. Ela era problema de Jack, não dele.
Ele entrou no trailer. Blue e Riley estavam sentadas na cama desarrumada na parte de trás. Blue era o
seu desastre fashion habitual, seu rosto pontudo em desacordo com um par de meia calças roxas que tinha
que ser a ideia de alguém para uma piada, e uma camiseta laranja grande o suficiente para abrigar um circo.
A garota olhou para ele, um mundo de miséria inscrito em seu rostinho redondo. Suas roupas eram muito
apertadas, muito exigentes, e a escrita em sua camiseta, FOXY, parecia obsceno sobre as papilas inocentes
de seus seios. Ela não acreditaria se ele tentasse convencê-la que estava errada sobre a sua conexão com
Jack.
Ver tanta necessidade desesperada na expressão de Riley trouxe de volta muitas lembranças ruins, e
ele falou mais duramente do que pretendia.
— Como é que você descobriu sobre mim?
Riley olhou para Blue, com medo de revelar mais do que já tinha. Blue deu um tapinha no joelho de
Riley.
— Está tudo bem.
A garota enfiou as mãos na suas calças de veludo cotelê.
— O namorado de minha mãe contou a ela sobre você no ano passado. Eu meio que ouvi a conversa.
Ele costumava trabalhar para o meu pai. Mas ele a fez jurar não contar a ninguém, nem mesmo a tia Gayle.
Ele apoiou a mão sobre a parede do trailer.
— Estou surpreso por sua mãe saber sobre a fazenda.
— Não acho que ela sabia. Eu ouvi meu pai falando com alguém no telefone sobre isso.
Riley parecia ouvir um monte de coisas. Dean se perguntou como seu pai havia descoberto sobre a
fazenda.
— Dê-me seu número de telefone, — disse ele, — para que eu possa ligar para sua casa e dizer que
está tudo bem com você.
— Há apenas Ava e ela não gosta quando o telefone a acorda muito cedo. Deixa o Peter louco. — Ri-
ley pegou na unha polonês azul em seu polegar. — O namorado de Ava é o Peter.
— Então, Ava deve ser sua babá? — Ele Disse. Bom trabalho, Jack.
Riley assentiu.
— Ela é muito legal.
— E incrivelmente competente, — Blue murmurou.
— Não contei a ninguém sobre, você sabe. — Disse ela a sério. — Eu sei que é um grande segredo.
E não acho que mamãe contou também.
Segredos. Dean passou seus primeiros anos da infância acreditando que Bruce Springsteen era seu
pai. April ainda havia inventado uma história elaborada sobre Bruce escrever “Candy´s Room” sobre ela.
Mas tudo tinha sido uma ilusão. Quando Dean tinha treze anos e April estava embriagada e drogada, desco-
briu, ela deixou escapar a verdade, e seu mundo já caótico virou de cabeça para baixo.
Eventualmente, ele descobriu o nome do advogado de Jack nas coisas de April, junto com uma cole-
ção de fotos de April e Jack juntos, mais evidências do dinheiro de apoio que Jack estava dando. Ele chamou
o advogado sem dizer a April. O cara tentou desviar a atenção, mas Dean foi teimoso, tanto como era agora,
e finalmente, Jack havia ligado. Foi uma breve conversa desconfortável. Quando April descobriu, passou
uma semana bêbada.
Dean e Jack tiveram seu primeiro encontro cara a cara, uma secreta reunião estranha em um bangalô
no Chateau Marmont, durante a turnê LA do Mud and Madness. Jack tentou agir como o melhor amigo de
Dean, mas Dean não tinha comprado. Depois disso, Jack insistiu em vê-lo um par de vezes por ano, e cada
visita secreta era mais miserável do que a última. Aos dezesseis anos, Dean se rebelou.
Jack o deixou sozinho até o segundo ano da faculdade, quando seu rosto começou a aparecer na
Sports Illustrated. Jack começou a procura-lo de novo, mas Dean tinha cortado relações. Ainda assim, Jack,
ocasionalmente, o ligava e Dean as vezes ouvia dizer que Jack Patriot tinha sido visto em um jogo do Chica-
go Stars.
Ele foi direto ao assunto.
— Preciso de um número de telefone, Riley.
— Eu... tipo esqueci.
— Você esqueceu o seu próprio número de telefone?
Ela assentiu com um puxão rápido de sua cabeça.
— Você parece ser uma garota muito inteligente.
— Eu sou... mas... — Ela engoliu em seco. — Eu sei muito sobre futebol. No ano passado, você
completou 346 passes, e só foi dispensado doze vezes, e você jogou dezessete interceptações.
Dean geralmente solicitava que as pessoas não usassem a palavra com “i” em torno dele, mas ele não
queria agita-la mais do que o necessário.
— Estou impressionado. É interessante você poder se lembrar de tudo isso e não se lembrar do seu
número de telefone.
Ela puxou a mochila em seu colo.
— Eu tenho algo para você. Eu fiz isso.
Riley abriu o zíper e tirou um álbum azul. A boca do estômago se contraiu enquanto ele olhava para
a tampa, que havia sido cuidadosamente decorada à mão. Usando tinta relevo e marcação com canetas, ela
tinha desenhado o emblema do Stars e o logotipo de ouro e um elaborado 10, seu número de camisa. Cora-
ções com asas e banners que diziam “O Boo” decorando a borda. Ele ficou agradecido por Blue falar, por-
que não conseguia pensar em absolutamente nada a dizer.
— Isso é um ótimo trabalho.
— O da Trinity é melhor, — Riley respondeu. — Ela é organizada.
— O capricho nem sempre conta muito na arte, — disse Blue.
— Minha mãe diz que organização é importante. Ou... ela costumava dizer isso.
— Eu sinto muito sobre sua mãe. — Blue disse calmamente. — Está sendo um momento muito difí-
cil para você, não é?
Riley esfregou um dos corações em relevo na capa do caderno.
— Trinity é a minha prima. Tem onze anos também, e ela é muito bonita. Tia Gayle é a mãe dela.
— Aposto que Trinity vai ficar preocupada quando descobrir que você sumiu, — disse ele.
— Oh, não, — respondeu ela. — Trinity vai ficar muito feliz. Ela me odeia. Ela pensa que eu sou
uma pessoa estranha.
— Você é? — Perguntou Blue.
Ele não entendeu o porquê de insistir nesse assunto, mas Blue ignorou o olhar pesado dele.
— Eu acho. — Disse Riley.
Blue ficou radiante.
— Eu também. Isso não é selvagem? Esquisitos são as únicas pessoas realmente interessantes, não
acha? Todo mundo é tão chato. Trinity, por exemplo. Ela pode ser bonita, mas é chata, não é?
Riley piscou.
— Ela é. Tudo o que ela quer falar é sobre os meninos.
— Eca. — Blue demonstrou asco em sua expressão muito mais do que necessário.
— Ou a roupa.
— Eca duplo.
— Olha quem está falando. — Dean murmurou.
Mas Riley estava totalmente em sintonia com a Blue.
— Ou vomitando, assim você não engorda.
— Você tem que estar brincando comigo. — Blue franziu o nariz afilado pequeno. — Como é que
ela sabe sobre isso?
— Vomitar é muito importante para tia Gayle.
— Entendi. — Blue deu a Dean um olhar rápido. — Então, estou supondo que a tia Gayle é muito
chata, também.
— Totalmente. Ela sempre diz: 'Huggy Huggy' quando ela me vê e me deixa beijá-la, mas é falso.
Ela pensa que eu sou uma pessoa estranha e gorda também.
Riley puxou a bainha de camiseta tentando cobrir a gordurinha que aparecia acima da cintura de suas
calças.
— Sinto pena de pessoas assim. — Blue disse sinceramente. — As pessoas que estão sempre julgan-
do. Minha mãe, que é uma mulher muito, muito poderosa, me ensinou que você não pode fazer coisas extra-
ordinárias no mundo, se você está gastando seu tempo criticando os outros, porque eles não se parecem ou
se comportam da maneira que você acha que deve.
— E a sua mãe... está viva?
— Sim. Ela está na América do Sul, ajudando a proteger algumas meninas de se machucar.
A expressão de Blue ficou sombria.
— Isso não soa chato, — disse Riley.
— Ela é uma grande mulher.
Uma grande mulher, Dean pensou, aquela que abandonou sua única filha para ser criada por estra-
nhos. Mas pelo menos Virginia Bailey não tinha passado as noites ficando com grandes estrelas da porra do
rock.
Blue levantou-se e deu a volta nele para recuperar o celular da mesa.
— Eu preciso que você faça algo para mim, Riley. Eu posso ver que você não quer dar a Dean seu
número de telefone, e é um ponto bem acima da privacidade. Mas você tem que ligar para Ava e dizer a ela
que você está bem. Ela estendeu seu telefone.
Riley olhou para ele, mas não o pegou.
— Faça isso.
Blue podia parecer uma fugitiva do Magic Kingdom, mas podia ser um sargento quando queria, e
Dean não ficou surpreso ao ver Riley pegar o telefone e socar os números.
Blue sentou-se ao lado dela. Alguns segundos se passaram.
— Oi, Ava, sou eu. Riley. Eu estou bem. Estou com adultos, então você não tem que se preocupar
comigo. Diga oi para Peter. Ela desligou e devolveu o telefone a Blue. Seus olhos, eram piscinas sem fundo
de necessidade, voltou a Dean.
— Você... gostaria de ver o meu caderno?
Dean não queria machucar a frágil garota levantando falsas esperanças.
— Talvez mais tarde, — disse ele bruscamente. — Tenho algum trabalho a fazer. — Ele olhou para
Blue. — Me dá um abraço antes de eu ir, querida.
Ela se levantou, de acordo, pela primeira vez desde que ele a conheceu. A aparição de Riley tinha co-
locado um friso em seu plano de lidar com a sua mentira sobre April, mas apenas temporariamente. Mudou-
se para o meio da caravana para que ele não batesse com a cabeça. Ela colocou os braços ao redor da cintura
dele. Ele considerou uma sensação, mas ela deve ter lido sua mente, porque ela beliscou-o com força através
de sua camiseta.
— Ouch.
Blue sorriu para ele enquanto se afastava.
— Sinta minha falta, príncipe encantado.
Dean olhou para ela, esfregou seu lado, e deixou a caravana.
Assim que estava fora de vista, Dean enfiou a mão no bolso e tirou o celular que ela tinha transferido
para ele. Ele folheou as ligações remarcando a última chamada, e encontrou o correio de voz de uma empre-
sa de seguro de Chattanooga.
A garota não era boba.
Enquanto estava com o telefone de Blue, ele o folheou até encontrar a data que queria. Viu seu cor-
reio de voz e digitou a senha que ele a tinha visto usar um par de dias antes. Ela não tinha limpado sua caixa
de entrada, então ele ouviu com interesse, a mensagem que a mãe dela tinha deixado.
***
Dentro do trailer, Blue viu Riley lentamente guardar seu caderno na mochila.
— Não sabia que ele era seu namorado, — disse ela. — Pensei que você fosse uma faxineira ou algo
assim.
Blue suspirou. Mesmo com onze anos, esta criança sabia que tipos como Blue Bailey no mundo não
estavam na mesma liga com Dean Robillard.
— Ele gosta muito de você, — Riley disse melancolicamente.
— Ele está apenas entediado.
April enfiou a cabeça dentro dali.
— Esqueci algumas coisas na casa de campo. Será que vocês gostariam de vir comigo? É um passeio
agradável.
Blue ainda não tinha tomado banho, mas manter Riley longe de Dean por um tempo parecia uma boa
ideia, e suspeitava que essa era a intenção de April. Além disso, ela queria ver esta casa.
— Claro. Nós esquisitos amamos novas aventuras.
April levantou uma sobrancelha.
— Esquisitos?
— Não se preocupe, — Riley disse educadamente. — Você é muito bonita para ser uma pessoa es-
tranha.
— Pare aí, — disse Blue. — Não podemos ter preconceito contra as pessoas só porque elas são boni-
tas. Ser um esquisitão é um estado de espírito. April tem muita imaginação. Ela é meio esquisita também.
— Sinto-me honrada. — April disse secamente. E então ela deu a Riley um sorriso. — Você quer ver
a minha lagoa secreta?
— Você tem uma lagoa secreta?
— Vou te mostrar.
Riley agarrou sua mochila e as duas seguiram April.

Capítulo Nove

Uma cerca em ruínas protegia a pequena e desgastada casa. As folhas do pinheiro espanavam o te-
lhado de zinco, e quatro finos castiçais estavam pendurados na varanda. A tinta, agora cinza, já fora uma vez
branca, e as venezianas esverdeadas.
— Você mora aqui sozinha? — Perguntou Riley.
— Só nos últimos dois meses, — April respondeu. — Tenho um apartamento em L.A.
Quando Blue viu o Saab prata com placa da Califórnia estacionados à sombra ao lado da casa, achou
que o negócio de estilista de moda era promissor.
— Não tem medo à noite? — Indagou Riley. — Como um sequestrador ou serial killer tentar te pe-
gar?
April seguiu para a varanda de madeira que rangia.
— Há coisas bastante reais na vida para se preocupar. As chances de um assassino em série vir até
aqui são bastante pequenas.
A tranca da porta tinha se soltado e April não havia trocado. Caminharam para a área de estar, com
piso de madeira e duas janelas cobertas com cortinas de renda surradas. Remendos retangulares brilhantes
azuis na cortina e papel de parede rosa onde quadros estavam pendurados. A sala tinha poucos móveis: um
sofá estofado coberto com uma colcha, um baú com três gavetas pintadas, e uma mesa segurando uma lâm-
pada de mesa antiga de bronze, uma garrafa de água vazia, um livro e uma pilha de revistas de moda.
— O último locatário morou aqui até cerca de seis meses atrás, — disse April. — Eu me mudei, as-
sim limpei tudo. — Ela se dirigiu para a cozinha, apenas visível na parte de trás. — Sintam-se livres para
olhar ao redor enquanto procuro o meu notebook.
Não havia muito para ver, mas Blue e Riley espiaram os dois quartos. O maior deles tinha uma cama
encantadora, com uma cabeceira de ferro com arabesco coberto de tinta branca lascada. Um par de abajures
boudoir rosa de vidro à moda antiga estavam em mesas incompatíveis. April havia enfeitado a cama com
uma variedade de almofadas e uma colcha de lavanda que combinava com os ramalhetes salpicados sobre o
papel de parede água pálido. Com um tapete e mais alguns móveis, o quarto poderia ter sido um esquema de
revista para um chique mercado de pulgas.
O banheiro com o seu mar de luminárias verdes não era tão encantador, nem a cozinha, que tinha
contadores usados e falso linóleo vermelho-tijolo. Ainda assim, uma cesta de vime com peras e o vaso de
barro com flores na mesa de aço tipo açougueiro fora de moda, proporcionavam um toque caseiro.
April entrou na cozinha por trás delas.
— Não consigo encontrar meu notebook em nenhum lugar. Devo ter deixado na casa depois de tudo.
Riley, há um cobertor no armário do quarto. Traga-o para fora, sim? Também podemos apreciar a lagoa an-
tes de voltarmos. Vou fazer um pouco de chá gelado.
Riley obedientemente buscou o cobertor enquanto April serviu chá gelado em três copos azuis. Leva-
ram para fora. Atrás da casa, a lagoa brilhava ao sol, e os salgueiros que revestiam os bancos arrastaram sua
orla arborizada na água. Libélulas zumbiam através das taboas, e uma família de patos com seus patinhos
nadavam perto de uma árvore caída que formou um cais natural. April seguiu para duas cadeiras de gramado
de metal vermelho com costas recortadas que enfrentaram a água. Riley estudou a lagoa com cautela.
— Há cobras?
— Eu vi um par tomando sol naquela árvore que caiu na água. — April sentou-se em uma cadeira,
enquanto Blue tomava a outra. — Elas parecem bastante gente boa. Sabia que as cobras são macias?
— Você tocou nelas?
— Não naquelas cobras exatamente.
— Eu nunca tocaria uma cobra. — Riley deixou cair a mochila e o cobertor ao lado das cadeiras. —
Eu gosto de cães. Quando crescer, vou ter uma fazenda com cachorro.
April sorriu.
— Isso parece ser bom.
Parecia bom para Blue, também. Imaginou céu azul, nuvens brancas e um prado cheio de filhotes ga-
lopantes.
Riley começou a se espalhar para fora do cobertor. Sem olhar para cima, ela disse:
— Você é a mãe de Dean, não é?
O copo de chá parou na mão de April.
— Como você sabe disso?
— Eu sei que o nome de sua mãe é April. E é o como Blue te chama.
April tomou um gole antes de responder.
— Sim, eu sou a mãe dele. — Não tentou mentir para Riley, mas simplesmente afirmou que ela e
Dean tinham um relacionamento difícil e explicou brevemente a história da Susan O'Hara. Riley entendia
das questões de privacidade das celebridades e parecia satisfeita.
Todos esses segredos, Blue pensava. Ela puxou a camiseta com a frase CORPO DE CERVEJA.
— Não troquei de roupa ainda. Embora você não verá muita diferença depois que faça. Não me im-
porto com a roupa.
— Você se importa do seu jeito, — disse April.
— O que quer dizer?
— As roupas são sua grande camuflagem.
— Comigo, não é muito camuflagem e sim conforto. — Não era exatamente verdade, mas não estava
disposta a revelar muito.
O celular de April tocou. Ela olhou para a tela e se desculpou. Riley estava deitada no cobertor e des-
cansou a cabeça em sua mochila. Blue assistia a um casal de pássaros à procura de comida.
— Gostaria de ter trazido meu bloco de desenho, — disse enquanto April retornava. — É tão bonito
aqui.
— Você terminou o curso na faculdade?
— Sim e não. — Blue descreveu resumidamente sua carreira acadêmica e os destaques de sua expe-
riência pouco satisfatória com o departamento de arte da faculdade. Um som sibilante suave derivou seu
caminho. Riley tinha adormecido no cobertor.
— Falei com o empresário do pai dela, — disse April. — Ele prometeu que alguém estaria aqui até o
final do dia para buscá-la.
Blue não podia acreditar que estava sentada com uma pessoa que sabia como chegar até o empresário
de Jack Patriot. April cutucou um dente de leão com a ponta de sua sandália de ráfia.
— Você e Dean marcaram uma data?
Blue não iria perpetuar a mentira de Dean, mas também não tinha a intenção de desfazê-la.
— Ele não chegou ainda a esse ponto.
— Até onde eu sei, você é a única mulher que ele já pediu em casamento.
— Dean está apenas atraído por mim porque sou diferente. Quando deixar de ser novidade, vai en-
contrar uma maneira de cair fora.
— Você acredita nisso?
— Quase não sei nada sobre ele, — disse ela com sinceridade. — Eu nem sabia ao certo quem era
seu pai até hoje.
— Dean odeia falar sobre a sua infância, ou pelo menos as partes que envolvem eu e Jack. Não o
culpo. Vivi uma vida totalmente irresponsável.
Riley suspirou em seu sono. Blue inclinou a cabeça.
— Foi realmente tão ruim?
— Sim, foi. Nunca me chamei de groupie, porque eu não admitia para todos. Mas agi de forma igual,
e há tantos roqueiros que você pode ter antes de passar dos limites.
Blue amaria perguntar que roqueiros tinham sido. Felizmente, ainda tinha um pouco de autoconten-
ção. Mas o que foi dito por April a incomodou.
— Como é que ninguém abana o dedo para os roqueiros que faziam as groupies? Por que é sempre as
mulheres?
— Porque essa é a maneira como o mundo é feito. Algumas mulheres abraçam seu passado groupie.
Pamela Des Barres escreveu livros sobre o assunto. Mas era errado para mim. Eu deixei eles usarem meu
corpo como uma lata de lixo. Eu deixei. Ninguém me obrigou. Eu não me respeitava e isso é o que me en-
vergonhou. — Ela inclinou o rosto para o sol. — Alimentava o estilo de vida. A música, os homens, as dro-
gas. Deixei ele me aprisionar. Adorava dançar nos clubes durante toda a noite, em seguida, seguia com meu
trabalho de modelagem no dia seguinte ao subir em um avião privado e voar em todo o país, esquecendo
convenientemente. Eu também prometia visitar o meu filho na escola. — Ela olhou para Blue. — Você de-
via ver o rosto de Dean, quando mantive uma das minhas promessas. Ele me arrastava de um amigo para o
outro, me mostrando a todos, falando tão rápido que ficava com o rosto vermelho. Era como se ele tivesse
que provar para os amigos que eu realmente existia. Aquilo parou em torno dos treze anos. A criança perdoa
sua mãe praticamente por qualquer coisa, mas uma vez que ela fica mais velha, você praticamente perde sua
chance de redenção.
Blue pensou em sua própria mãe.
— Você endireitou sua vida fora. Tem que se sentir bem com isso.
— Foi uma longa jornada.
— Acho que seria bom para Dean perdoá-la.
— Não, Blue. Você não pode imaginar o que eu fiz ele carregar.
Blue podia imaginar. Talvez não da maneira que April dizia, mas sabia o que ela mesmo sentia. Não
poder contar com os pais.
— Ainda assim... Em algum momento ele tem que ver que você não é a mesma pessoa. Ele deveria,
pelo menos, dar-lhe uma chance.
— Fique fora disso. Sei que tem boas intenções, mas Dean tem todos os motivos para se sentir desse
jeito. Se ele não tivesse descoberto uma forma de se proteger, nunca teria se tornado o homem que é agora.
— Ela olhou para o relógio, então se levantou da cadeira. — Eu preciso falar com os pintores.
Blue olhou para Riley, que estava enrolada sobre o cobertor.
— Vamos deixá-la dormir. Vou ficar.
— Você não se importa?
— Vou desenhar por um tempo, se você tiver algum papel.
— Claro. Eu vou buscá-lo para você.
— E talvez usar seu banheiro enquanto estou aqui. Se você não se importar.
— Pegue o que precisar no armário. Desodorante, pasta de dente. Ela fez uma pausa. — Maquiagem.
Blue sorriu.
April sorriu de volta.
— Vou deixar algumas roupas para você se trocar.
Blue não poderia imaginar nada projetado para o corpo esbelto de April para ela, mas apreciava a
oferta.
— Minhas chaves do carro estão no balcão, — disse April. — Há vinte dólares na gaveta ao lado da
minha cama. Quando Riley acordar, se importaria de conduzir até a cidade para vocês almoçarem?
— Não vou pegar seu dinheiro.
— Vou cobrar de Dean. Por favor, Blue. Quero mantê-la longe dele até que o pessoal de Jack chegar
aqui.
Blue não tinha certeza de que manter uma garota de onze anos de idade longe era a melhor coisa para
Riley ou Dean, mas já decidira não se intrometer, relutantemente concordou.
— Tudo bem.
April colocou uma blusa rosa delicada e uma saia rendada. Ela rapidamente tinha modificado as rou-
pas com algum tipo de fita dupla face para torná-los menores. Blue sabia que iria parecer adorável nelas.
Muito adorável. A fofa que usasse essas roupas poderia estar muito bem vestindo uma placa de USE-ME.
Esse era o problema que Blue sempre enfrentava quando encarava qualquer coisa que a fizesse se sentir me-
lhor, se desfazia dela.
Em vez das roupas em cima da cama, Blue se apropriou de uma camiseta azul-marinho. Ficando um
pouco melhor com as meias roxas de yoga, mas até ela não podia tolerar aparecer em público com sua cami-
seta de pijama CORPO DE CERVEJA. Consciente de sua cara feia, ela mergulhou na maquiagem de April,
um furto de tonalidade rosa suave em seu rosto, um pouco de cor nos lábios, e rímel o suficiente para tornar
bem aparente seus cílios. Apenas uma vez, ela queria que Dean a visse perfeitamente capaz de parecer de-
cente. Ela simplesmente não se importava.
— Você está bonita com maquiagem, — Riley disse, sentada no banco do passageiro no carro de
April. Ela e Blue dirigiam para a cidade.
— Não está tão pálida.
— Você passou muito tempo em torno dessa Trinity terrível.
— Você é a única pessoa que pensa que ela é horrível. Todo mundo a ama.
— Não, eles não amam. Ok, provavelmente a mãe dela. O resto está apenas fingindo.
Riley deu um sorriso culpado pálido.
— Gosto quando você fala mal da Trinity.
Blue riu.
Como em Garrison não tinha Pizza Hut, escolheram Josie, o restaurante em frente à farmácia. Josie
tinha um pouco charme, a comida era péssima e não tinham ofertas de emprego. Blue perguntou sobre traba-
lho, mas Riley gostou.
— Nunca comi em qualquer lugar como esse. É diferente.
— Definitivamente tem caráter. — Blue tinha resolvido por um sanduíche de Bacon, alface e tomate,
que acabou por ser mais Bacon do que alface ou tomate.
Riley puxou um pedaço translúcido de tomate fora de seu hambúrguer.
— O que significa isso?
— Isso significa que ele só gosta de si mesmo.
Riley pensou sobre isso.
— Mais ou menos como você.
— Obrigada. Você também.
Riley encheu a boca com batata frita.
— Prefiro ser bonita.
Riley continuava com sua camiseta FOXY, mas trocou as calças por um par de shorts jeans que aper-
tavam seu estômago. Tinham sentado em uma cabine de vinil marrom rachada que proporcionava uma boa
visão da má coleção de arte ocidental em paisagens exibidas nas nauseantes paredes azuis pasteis, juntamen-
te com algumas figurinhas de bailarina empoeiradas descansando em caixas sombrias. Um par de ventilado-
res de teto de madeira espalhava o cheiro de frituras.
A porta se abriu e o barulho das pessoas no restaurante acalmou quando uma mulher mais velha com
aparência formidavelmente limpa, apoiando-se em uma bengala entrou. Ela estava acima do peso, e agasa-
lhada com brilhantes calças rosa melancia e uma túnica similar. Várias correntes de ouro mergulhavam em
seu decote em V, e as pedras em seus brincos pareciam verdadeiros diamantes. Ela, provavelmente, uma vez
foi bonita, mas não envelheceu graciosamente. A massa de cabelo platinado enrolado voava em torno de seu
rosto, tinha que ser uma peruca. Ela tinha desenhado suas sobrancelhas com um lápis marrom claro, mas
abandonou a contenção com rímel preto grosso e uma fosca sombra azul no olho. Um sinal, que no passado
poderia ser sedutor, caia no canto dos lábios rosa brilhante. Sapatos ortopédicos apoiavam tornozelos incha-
dos. Eram a única concessão que tinha feito para a sua idade.
Ninguém no local parecia feliz em vê-la, mas Blue olhou para ela com interesse. A mulher examinou
o restaurante lotado, seu olhar desdenhoso passou pelos frequentadores, depois de se estabelecer em Blue e
Riley. Segundos se passaram enquanto ela abertamente as estudava. Finalmente, ela se rendeu, sua moldada
túnica cor de rosa a um conjunto formidável de seios erguidos por um excelente sutiã.
— Quem, — disse ela, quando chegou a sua mesa, — é você?
— Sou Blue Bailey. E esta é minha amiga Riley.
— O que estão fazendo aqui? — O menor traço de Brooklyn coloriu seu discurso.
— Estamos aproveitando um pouco o almoço. E você?
— Tenho um quadril ruim, no caso de você não ter notado. Você estava planejando me pedir para
sentar?
Sua maneira imperiosa divertiu Blue.
— Claro.
A expressão de pânico em Riley sugeriu que ela não queria a mulher perto, então Blue deslizou para
abrir um lugar ao seu lado na cabine. Mas a mulher enxotou Riley de lado com os dedos.
— Mexa-se.
Ela colocou uma bolsa grande de palha sobre a mesa e abaixou-se lentamente para dentro da cabine.
Riley pegou a mochila e colocou contra seu corpo, deslizando tão longe quanto podia.
A garçonete apareceu com talheres e um copo de chá gelado.
— Seu pedido já está vindo.
A mulher ignorou-a e concentrou-se em Blue.
— Quando perguntei o que estava fazendo aqui, me referia nesta cidade.
— Estamos de visita, — Blue respondeu.
— De onde é você?
— Bem, eu sou basicamente uma cidadã do mundo. Riley é de Nashville. — Ela inclinou a cabeça.
— Nós já nos apresentamos, mas estamos em desvantagem.
— Todo mundo sabe quem eu sou, — respondeu a mulher tom queixoso.
— Nós não sabemos. — Embora Blue suspeitava.
— Sou Nita Garrison, é claro. — Dona dessa cidade.
— Isso é ótimo. Tinha vontade de perguntar a alguém sobre isso.
A garçonete apareceu com um prato segurando uma colher de queijo cottage e uma pera enlatada
cortada descansando em desfiado alface.
— Aqui está, Senhora Garrison. — Sua voz melosa desmentiu a antipatia em seus olhos. — Algo
mais que possa fazer por você?
— Um drink de vinte anos de idade, — a velha disse.
— Sim, senhora. — A garçonete correu.
A Sra. Garrison inspecionou o garfo, em seguida, cutucou a pera enlatada, como se estivesse olhando
para um verme se escondendo sob ela.
— Como é que você é dona da cidade exatamente? — Perguntou Blue.
— Herdei de meu marido. Você é muito esquisita.
— Vou tomar isso como um elogio.
— Você dança?
— Sempre que tenho chance.
— Costumava ser uma excelente dançarina. Ensinei no estúdio Arthur Murray em Manhattan durante
os anos cinquenta. E conheci o Sr. Murray uma vez. Ele tinha um programa de televisão, mas você não se
lembra. — Sua maneira arrogante sugeriu que a culpa disso era devido a estupidez de Blue e não de sua ida-
de.
— Não, minha senhora, — Blue respondeu. — Então... quando você herdou esta cidade do seu mari-
do, seria a cidade inteira?
— Todas as partes que contam. — Ela mergulhou o garfo no queijo cottage. — Você vai ficar com
aquele jogador de futebol estúpido, não é? A pessoa que comprou a fazenda Callaway.
— Ele não é estúpido! — Exclamou Riley. — Ele é o melhor quarterback nos Estados Unidos.
— Não estava falando com você, — a Sra. Garrison estalou. — Você é muito rude.
Riley murchou e a prepotência de Nita Garrison não divertia mais Blue.
— Riley tem muito boas maneiras. E ela está certa. Dean tem seus defeitos, mas a estupidez não é
uma delas.
A expressão atordoada de Riley indicou que ela não estava acostumada a qualquer pessoa que a pro-
tegesse, o que deixou Blue triste. Ela percebeu que os outros clientes ouviam abertamente.
Em vez de recuar, Nita Garrison inchou como um gato bravo.
— Você é uma daquelas pessoas que permite que as crianças se comportem como querem, não é?
Permite-lhes dizer o que quiserem. Bem, não está fazendo nenhum favor a ela. Basta olhar para ela. Ela é
gorda, mas você a deixa se sentar e devorar batatas fritas.
O rosto de Riley ficou vermelho. Mortificada, ela abaixou a cabeça e olhou para a mesa. Blue tinha
ouvido falar mais do que suficiente.
— Riley é perfeita, — Blue falou a Sra. Garrison e depois disse em voz baixa. — E os modos dela
são muito melhores que o seu. Agora eu gostaria que você procurasse outra mesa. Gostaríamos de terminar o
nosso almoço sozinhas.
— Não vou a lugar nenhum. Sou dona deste lugar.
Mesmo não tendo terminado de comer, Blue não teve escolha senão levantar-se.
— Tudo bem, então. Vamos, Riley.
Infelizmente, Riley estava presa na cabine e Sra. Garrison não estava se movendo. Ela zombou, reve-
lando dentes manchados de batom.
— Você é tão desrespeitosa como ela.
Agora Blue queimava. Apontou o dedo em direção ao chão.
— Vamos, Riley. Agora.
Riley entendeu o recado e conseguiu se espremer debaixo da mesa com sua mochila. Os olhos de Ni-
ta Garrison diminuíram em traços irados.
— Ninguém anda para longe de mim. Você vai se arrepender.
— Uau, estou com medo. Não me importo quantos anos você tem, Sra. Garrison, ou quão rica você
é. Você só é obviamente uma pessoa ruim.
— Você vai se arrepender.
— Não, realmente não vou. — Ela jogou os vinte dólares de April, o que a matou, já que o almoço só
tinha custado 12,50 dólares e colocou o braço em volta dos ombros de Riley, levando-a do restaurante agora
em silêncio e saindo para a calçada.
— Você acha que poderíamos voltar para a fazenda agora? — Riley sussurrou quando empurravam a
porta.
Blue tinha a esperança de fazer mais algumas consultas de empregos, mas isso teria que esperar. Ela
abraçou Riley.
— Claro que podemos. Não deixe aquela velha incomodá-la. Ela se alimenta do que fala. Você pode
ver isso em seus olhos.
— Eu acho.
Blue continuou tentando acalmá-la quando chegaram no carro, indo para a rua principal. Riley sinali-
zava todas as respostas certas, mas Blue sabia que as palavras pejorativas a tinham atingido.
Elas tinham quase chegado ao sinal no limite da cidade quando ouviu a sirene. Ela olhou para o espe-
lho retrovisor e viu uma viatura da polícia atrás dela. Ela não estava em alta velocidade e não tinha ultrapas-
sado o sinal vermelho, por isso levou um tempo para descobrir porque o policial foi atrás dela.
Uma hora depois, ela estava na cadeia.

Capítulo Dez

April e Dean vieram à cidade para buscá-la. April entregou a carteira de motorista a Blue e reivindi-
cou o carro. Dean pagou a fiança de Blue e berrava com ela.
— Deixo você sozinha por um par de horas, e o que você faz? Você consegue ir para a cadeia! Sinto
que estou vivendo em uma reprise de “I Love Lucy”.
— Armaram para mim! — Blue bateu o ombro contra a porta do carro dele enquanto Dean fazia uma
curva muito rápido. Ela estava com tanta raiva que queria bater em alguma coisa, a começar com ele por não
estar tão indignado quanto ela. — Desde quando você ouviu falar de alguém que foi para a prisão por dirigir
sem licença? Especialmente alguém que tem uma licença perfeitamente válida.
— A que você não tinha naquele momento.
— Mas teria conseguido se tivessem me dado uma chance.
A polícia não questionou a declaração de Blue de que Riley era uma amiga da família visitando a fa-
zenda e enquanto Blue fervia de raiva em sua cela, Riley tomava uma Coca-Cola e assistia Jerry Springer na
televisão na sala de espera. Ainda assim, foi uma das experiências mais assustadoras para uma menina de
onze anos de idade e April a levou de volta para a fazenda, logo que a polícia entregou as chaves do carro.
— Essa coisa toda foi totalmente armada, falsa. — Blue olhou através do banco de passageiro para
Dean, cujos olhos azul-cinza viraram a cor exata de uma tempestade oceânica.
Ele virou outra curva.
— Você não tinha licença, e se estivesse dirigindo um carro de outra pessoa na interestadual? Como
é que seria a armação?
— Eu juro por Deus, todas essas revistas de moda devem ter destruído seu cérebro. Pense nisso. Dez
minutos depois de eu enfrentar Nita Garrison, a polícia me parou com uma desculpa esfarrapada sobre veri-
ficações aleatórias de cinto de segurança. Como você explica isso?
Dean mudou de raiva para condescendência.
— Então você está dizendo que brigou com uma senhora de idade que, em seguida, forçou a polícia a
prendê-la?
— Você não a conheceu, — ela respondeu. — Nita Garrison é o cão chupando manga e tem a cidade
em seu bolso.
— Você é uma catástrofe ambulante. Desde quando te dei uma carona.
— Pare de fazer tempestade com isso. Você é um jogador de futebol profissional. Deve ter passado
algum tempo na cadeia.
Dean se mostrou indignado.
— Nunca fui para cadeia.
— Cara. A NFL não vai te deixar ir para o campo se você não tiver sido preso pelo menos duas vezes
por agressão ou roubo de baterias, dois pontos se você bater em uma mulher ou namorada.
— Você não é nem mesmo levemente divertida.
Provavelmente não, mas aquilo a fez sentir-se melhor.
— Comece pelo começo, — disse ele, — e me diga exatamente o que aconteceu com a senhora.
Blue descreveu seu encontro em detalhes. Quando terminou, Dean ficou em silêncio por alguns ins-
tantes antes de falar.
— Nita Garrison ultrapassou os limites, mas não acha que poderia ser um pouco mais discreta?
Blue irritou-se.
— Não. Riley não tem gente para cuidar dela. Era hora de corrigir isso.
Esperou por Dean concordar e dizer que estava certa, mas em vez disso, ele se virou para o historia-
dor da maldita cidade.
— Conversei com os pintores sobre Garrison colocar à venda a cidade e consegui toda a história. —
Poucas horas antes, Blue estava ansiosa para ouvir isso, mas não quando ele ainda não tinha dito que ela es-
tava certa.
Dean desviou de um Dodge Neon, que tinha decidido imprudentemente sair do acostamento na frente
dele.
— Um aventureiro chamado Hiram Garrison comprou um par de milhares de hectares de terra por
aqui depois da Guerra Civil para construir um moinho. Seu filho ampliou os prédios de tijolos abandonados
que passamos na estrada e montou a cidade, tudo sem a venda de um acre. Se as pessoas quisessem construir
casas ou empresas, tinham que arrendar a terra dele, até mesmo as igrejas. Eventualmente, ele passou tudo
para o seu filho Marshall. O marido de sua Sra. Garrison.
— Pobre homem.
— Ele a conheceu um par de décadas atrás, em uma viagem a Nova York. Ele tinha cinquenta e, no
momento, ela parecia ser quente.
— Deixa eu dizer que esses dias acabaram. — Sua aula de educação cívica tinha começado a fazê-la
cautelosa. Tinha a sensação de que ele estava comprando tempo. Mas para quê?
— Marshall aparentemente compartilhava a aversão de seus antepassados em vender um acre sequer.
E já que eles não tinham filhos, ela herdou tudo isso. Quando ele morreu, a terra da cidade tinha sido cons-
truída sobre seu território. Pelo menos, sobre a maioria dele.
— Essa é a maneira de dar muito poder para uma mulher maldosa. — Ela soltou seu rabo de cavalo
para prendê-lo mais apertado. — Será que você sabe quanto ela está pedindo pela cidade?
— Vinte milhões de dólares.
— Isso me exclui. — Ela olhou para ele de lado. — Isso te exclui também?
— Não, se eu vender minha coleção de cartões de beisebol.
Blue realmente não esperava que Dean divulgasse seu patrimônio líquido. Ainda assim, ele não pre-
cisava ser tão sarcástico sobre isso.
A fazenda de gado leiteiro passava quando ele se aproveitou da estrada lisa.
— O leste do Tennessee é uma área em crescimento. Popular com os aposentados. Ela recebeu uma
oferta de quinze milhões de um grupo de empresários de Memphis, mas recusou. Pessoas suspeitam que ela
realmente não quer vender. — O carro quase derrapou quando ele tomou a virada para a Estrada Callaway.
— Sem quaisquer franquias nacionais, Garrison é praticamente uma cápsula do tempo, singular, mas desgas-
tada nas bordas. Os líderes empresariais locais querem capitalizar sobre essa singularidade, enfeitar tudo e
torná-la um destino turístico, mas Nita se recusa a cooperar.
Enquanto ele corria e passava pelo caminho que os guiava a fazenda, ela se endireitou.
— Hey! Onde você está indo?
— Para algum lugar privado. — A estrada se transformou em uma rua de terra. Sua mandíbula tensa.
— Onde podemos conversar.
Seus batimentos cardíacos aumentaram.
— Nós já conversamos. Não quero falar mais.
— Tarde demais. — A rua esburacada terminou abruptamente em uma cerca de arame farpado enfer-
rujada que rodeava um pasto cheio de mato. Dean desligou o carro e a olhou com aqueles olhos de tempes-
tade sobre o oceano. — Tópico número um da nossa lista. A morte iminente de April...
Blue engoliu em seco.
— Trágico.
Dean esperou. Seu encanto havia desaparecido, deixando para trás o homem que ganhava a vida por
ser mais rápido, mais inteligente e mais forte do que todos os outros. Ela deveria ter visto isso chegando e ter
se preparado melhor.
— Desculpe, — disse ela.
— Oh, nós dois sabemos que você pode fazer melhor que isso.
Blue tentou abrir a porta para fazer entrar um pouco de ar e descobriu que estava trancada. A velha
sensação de impotência enviou uma descarga de adrenalina através dela, mas assim que seus instintos de
combate afloraram, a fechadura se abriu. Ela saiu e ele também. Afastou-se dele em direção à cerca enferru-
jada.
— Sei que não deveria ter me intrometido, — disse com cuidado. — Não era da minha conta. Mas
ela parecia tão triste e eu perco totalmente a cabeça quando se trata de relações maternais.
Dean veio por trás dela, pegou-a pelos ombros e a virou. Suas feições austeras presas no que parecia
uma contagem regressiva.
— Nunca minta para mim. Se isso acontecer novamente, você está fora daqui. Entendeu?
— Isso não é justo. Gosto de mentir para você. Isso diverte a minha vida.
— Insisto no que eu disse. Você ultrapassou os limites.
Blue desistiu.
— Eu sei. Peço desculpas. Realmente.
Ela sentiu um desejo estranho de empurrar os cantos pecaminosos da boca dele até que conseguisse o
encantador sorriso que já estava acostumada.
— Não culpo você por estar bravo. Você tem todo o direito. — Ela não pôde resistir a perguntar. —
Quando foi que descobriu?
Dean soltou os ombros, mas ficou onde estava, pairando sobre ela.
— Cerca de meia hora depois de eu ter saído de casa na noite passada.
— April sabe que você sabe?
— Sim.
Blue desejou que April tivesse compartilhado essa informação com ela.
— Pelo menos há uma coisa boa sobre a minha mãe... — Ele a estudou atentamente. — Não preciso
me preocupar em April esvaziar minhas contas bancárias.
Um corvo gritou à distância. Ela deu um passo para trás dele.
— Como você sabe sobre isso?
— Dois podem jogar o jogo da intromissão. Fique fora da minha vida privada, Blue, e talvez eu fique
fora da sua.
Dean deve ter ouvido seu correio de voz quando ela tinha dado a ele seu telefone. Blue mal podia
protestar, não importa o quanto odiava saber sobre Virginia. Ele finalmente se afastou dela rumo ao pasto.
Um bando de pássaros gritou quando voou acima da grama longa.
— Então o que vai fazer sobre Riley? — Disse ela.
Dean se virou.
— Não acredito! Nós não acabamos de falar sobre sua intromissão?
— Riley não é sua vida privada. Fui eu quem a encontrei, lembra-se?
— Não vou fazer nada, — declarou ele. — April contatou um dos empregados de Jack, um par de
horas atrás. Alguém está vindo pegar Riley.
— Assim como pegar lixo. — Blue começou a caminhar de volta para o carro.
— Essa é a maneira com que ele funciona, — disse atrás dela. — Sua responsabilidade em preencher
cheques e contratar pessoas para fazerem o trabalho sujo.
Blue se virou. Dean não se moveu para longe da cerca.
— Você vai... falar com ela? — Perguntou.
— E dizer o quê? Que vou cuidar dela? — Dean deu um chute certeiro na madeira apodrecida. —
Não posso fazer isso.
— Acho que ajudaria se você fizesse pelo menos a promessa de ficar em contato com ela.
— Ela quer muito mais de mim do que isso. — Ele veio em sua direção. — Não me dê mais proble-
mas, ok? Já te socorri na cadeia e paguei sua multa de trânsito.
Só isso e Dean foi para o ataque novamente. Blue teve que apertar os olhos contra o sol para olhá-lo.
— Vou pagar assim que puder.
— Estamos trocando favores, lembra?
— Lembre-me de como isso funciona?
Em vez disso, ele a avaliou criticamente.
— Você já pensou em deixar um profissional cuidar do seu cabelo, em vez de um aluno do jardim de
infância com um conjunto de tesouras de plástico?
— Muito ocupada.
— Pare de ser tão durona. — Sua mão curvou em torno de seu ombro e ele olhou para ela com um
olhar esfumaçado, um olhar que fez seus joelhos ficarem fracos. Ela sabia que ele tinha dado o mesmo olhar
a milhares de mulheres, mas o longo dia tinha feito suas defesas ficarem meio lentas. Seus olhares se pren-
deram, o dele tão escuro como o mar. Ela entendeu o perigo. Ele tinha um senso inato de reivindicação e um
arsenal de sexualidade letal. Mas ela ainda não se moveu. Nem um centímetro.
Ele abaixou a cabeça, suas bocas se enredaram, e os sons de pássaros e a brisa desapareceram. Seus
lábios se separaram por conta própria. Ele tocou-lhe com a língua. Fios de seda de prazer desenrolaram den-
tro dela. O beijo se aprofundou, e cores deslumbrantes começaram a rodar em sua cabeça. Ela se virou para
ele, assim como todas as outras. Ela tinha sido varrida.
Ter consciência disso a fez gelar. Sonhar com um príncipe cigano era uma coisa, mas estar realmente
com ele era algo completamente diferente. Blue se afastou, piscou os olhos e recuou balançando.
— Isso foi um desastre. Jesus, me desculpe. Se soubesse a verdade, nunca brincaria contigo sobre a
coisa gay.
Os cantos da boca dele se levantaram e seus olhos preguiçosos correram sobre ela tão intimamente
como a mão de um amante.
— Continue lutando, Bluebell. Você só vai tornar a vitória mais doce.
Blue queria despejar um balde de água fria sobre a cabeça. Em vez disso, ela acenou-lhe um gesto
obsceno e se dirigiu para a faixa de terra que os levava para casa.
— Estou voltando a pé. Preciso ficar sozinha para que possa ter uma conversa longa e dura comigo
mesma por ser tão insensível.
— Boa ideia. Preciso ficar sozinho para poder imaginá-la nua.
Blue corou e pegou o ritmo. Felizmente a fazenda estava a menos de um quilômetro de distância.
Atrás dela, o carro rugiu para a vida. Ouviu-o dar a ré e virar. Pouco tempo depois, o carro parou ao lado
dela e a janela do motorista deslizou para baixo.
— Hey, Bluebell... esqueci uma coisa.
— Sim, o quê?
Ele colocou os óculos escuros e sorriu.
— Esqueci de lhe agradecer por defender Riley contra a senhora.
E então ele se foi.
***
Riley mal tocara no jantar que Blue fez.
— Provavelmente vai ser Frankie a vir me pegar, — disse ela, afastando o figo que Blue colocou no
frango e bolinhos. — Ele é o guarda-costas favorito do meu pai.
April atingiu outro lado da mesa e apertou a mão sobre a de Riley.
— Sinto muito por dizer que você estava aqui.
Riley baixou a cabeça. Mais uma decepção em sua jovem vida. Mais cedo, Blue tentou distraí-la com
um convite para assar brownies, mas não ajudou quando Dean entrou e se recusou bruscamente ao apelo an-
sioso de Riley para olhar seu caderno de recortes. Ele pensou que estava fazendo a coisa certa, mas Riley era
de sua carne e sangue, e Blue desejou ter sobrado um pequeno canto de sua vida para ela. Ela sabia o que ele
diria se ela o pressionasse. Ele diria que Riley queria mais do que um pequeno canto e estaria certo.
Dean logo saiu. Agora, ela tinha espaço para recuperar o equilíbrio e endireitar suas prioridades. Sua
vida era bastante complicada agora, sem precisar se colocar em mais de uma desvantagem, tornando-se ou-
tra das conquistas fáceis de Dean Robillard.
Riley pegou o prato de brownies que Blue acabou fazendo sozinha, então se conteve.
— Aquela mulher estava certa, — disse ela em voz baixa. — Sou gorda.
April pousou o garfo com um tilintar.
— As pessoas precisam se concentrar no que está certo sobre si mesmas. Se você só pensar sobre o
que está errado, ou sobre todos os erros que fez, fica paralisada. Você vai encher sua cabeça com lixo, tudo o
que não gosta em si mesma, ou vai ter orgulho de quem é?
A intensidade de April fez os lábios Riley tremerem.
— Tenho apenas onze anos, — disse em uma voz pequena.
April se pôs a dobrar o guardanapo.
— Isso é verdade. Sinto muito. Estava pensando em outra pessoa. — Deu um sorriso excessivamente
brilhante para Blue. — Riley e eu vamos limpar enquanto você descansa.
Elas acabaram trabalhando juntas. April tentou distrair Riley com a conversa de roupas e estrelas de
cinema. Uma das observações improvisadas de Riley revelou que Marli havia deliberadamente comprado as
roupas de Riley muito pequenas, com a esperança de envergonhá-la e fazê-la perder peso. Logo depois,
April pediu licença para ir para a casa de campo. Ela tentou convencer Riley para ir com ela até que o assis-
tente de seu pai chegasse, mas Riley ainda estava esperando que Dean voltasse.
Blue colocou Riley na mesa da cozinha com um conjunto de aquarelas. Riley estudou o papel em
branco.
— Você pode desenhar alguns cães para mim para que eu possa pintá-los?
— Não gostaria de fazer você mesmo?
— Não acho que tenho tempo suficiente para isso.
Blue apertou-lhe o braço e desenhou quatro cães diferentes. Quando Riley começou a pintar, Blue
pegou algumas de suas roupas lá em cima e as levou para o trailer. No seu caminho de volta, parou na sala
de jantar e olhou para as quatro paredes em branco. Imaginou-as cobertas com paisagens sonhadoras, o tipo
de trabalho que seus professores de arte tão diplomaticamente a criticavam por pintar.
— Sem muita criatividade, não acha, Blue?
— Você precisa começar a se aventurar. Empurrar os limites.
— Tenho certeza que um decorador de interiores adoraria o que você fez, — sua única professora
mulher disse, sem rodeios. — Mas pinturas de sofás não fazem uma boa arte. Esta não é uma verdadeira
afirmação. É bobagem sentimental, uma garota insegura procurando um mundo romantizado para se escon-
der.
Suas palavras fizeram Blue se sentir como se tivesse sido despida. Ela tinha desistido de suas paisa-
gens de sonho e começou a produzir peças ousadas usando óleo de motor e acrílico, látex e garrafas de cer-
veja quebradas, cera quente e até mesmo seu próprio cabelo. Seus professores ficaram felizes, mas Blue sa-
bia que o trabalho era falso, e ela deixou a escola no início de seu primeiro ano.
Agora, as paredes da sala de jantar em branco a atraíam de volta a esses lugares de sonho, onde a vi-
da era simples, onde as pessoas estiveram no local, onde só coisas boas aconteciam, e onde ela finalmente se
sentia segura. Desgostosa consigo, Blue saiu para sentar nos degraus da varanda e ver o pôr do sol. Talvez
pintar retratos infantis não a inspirasse, mas era boa nisso, e poderia construir um negócio respeitável em
qualquer das cidades onde vivesse. No entanto, nunca fez. Mais cedo ou mais tarde, ela começaria a sentir
pânico, e saberia que havia chegado a hora de se mudar.
O pilar da varanda estava quente contra seu rosto. O sol lembrava de um globo de cobre cintilante
pendurado sobre as colinas. Ela pensou sobre Dean e seu beijo. Se o tempo fosse diferente... Se ela tivesse
um emprego, um apartamento, dinheiro no banco... Se ele fosse mais comum... Mas nada disso era verdade,
e ela passou muitos anos vivendo à mercê de outras pessoas para se colocar sob o controle de qualquer outra.
Enquanto resistisse, tinha poder. Se cedesse, não teria nada.
O ruído de um motor se intrometeu em seus pensamentos. Protegendo os olhos, ela viu dois carros se
aproximando pela pista. Nenhum deles era o de Dean.

Capítulo Onze

Dois carros grandes com vidros escuros pararam em frente à casa da fazenda. A porta traseira do veí-
culo da frente se abriu e um homem todo vestido de preto saiu.
Seu cabelo era escuro e desgrenhado com mechas acinzentadas, com o rosto castigado pelo tempo e
rugas de muitas noites longas montando a trilha para a glória. Quando ele se afastou do carro, os braços de
seu coldre pendiam ao lado do corpo pronto para desenhar, não um revólver de seis tiros, mas a ardente gui-
tarra personalizada que ele usou para conquistar o mundo. Se Blue não estivesse sentada, seus joelhos a teri-
am derrubado. Como estava, não podia tragar uma única partícula de ar em seus pulmões.
Jack Patriot.
As portas do carro de trás se abriram e os homens em óculos de sol saíram, junto com uma mulher de
cabelos longos carregando uma bolsa de designer e uma garrafa de água. Eles ficaram próximos aos carros.
Suas botas batiam o pé no tijolo e Blue se transformou em todos os fãs gritando que tinha atado os dedos
através de uma cerca de arame, pressionando seu corpo contra uma barreira policial, perseguindo uma limu-
sine, ou fazendo vigília do lado de fora de um hotel cinco estrelas, orando por um vislumbre de seu ídolo do
rock. Só que, em vez de gritar, ela não conseguia fazer um som.
Ele parou a menos de oito metros de distância. Pequenos crânios de prata adornavam suas orelhas.
Sob o punho de sua camisa preta aberta no pescoço, viu uma pulseira de couro com uma luva de prata bati-
da. Ele acenou com a cabeça.
— Estou procurando por Riley.
Oh meu Deus! Jack Patriot estava bem na frente dela. Jack Patriot estava falando com ela! Blue ficou
em pé. Arquejou em busca de ar, se engasgou com nada e começou a tossir. Ele esperou pacientemente, os
crânios de prata transformando a ferrugem no por do sol. Seus olhos começaram a lacrimejar. Ela pressionou
os dedos na garganta, tentando limpar a passagem de ar.
Estrela e lendas do rock conheciam fêmeas exageradas e ele relevou enquanto esperava. Blue fechou
a mão em um punho e golpeou seu peito. Ele finalmente voltou a falar na voz de fumo e cascalho familiar
que ainda tinha restos de sua terra natal, Dakota do Norte.
— Você poderia trazer Riley para mim?
Enquanto lutava para se recompor, a porta se abriu, e Riley saiu.
— Oi, — murmurou.
Apenas os lábios dele se moveram.
— O que foi tudo isso?
Riley olhou em direção à comitiva silenciosa reunida em torno da SUV.
— Eu não sei.
Ele puxou o lóbulo da orelha, o crânio de prata desaparecendo entre os dedos.
— Você tem alguma ideia de como todo mundo está preocupado?
Riley levantou a cabeça ligeiramente.
— Quem?
— Todo mundo. Eu.
Ela estudou as pontas de seus tênis. Riley não estava acreditando nisso.
— Quem mais está aqui? — Perguntou ele, examinando a casa.
— Ninguém. Dean saiu e April foi para a casa de campo.
— April... — Jack falou o nome dela, como se estivesse evocando uma memória não muito agradá-
vel. — Junte suas coisas. Vamos embora.
— Não quero ir.
— Sinto muito por isso, — disse ele sem rodeios.
— Deixei meu casaco na casa de campo.
— Vá buscá-lo.
— Não posso. É escuro. Estou com muito medo.
Ele hesitou, em seguida, esfregou a mão sobre o queixo.
— Onde é esta casa?
Riley falou sobre o caminho através dos bosques. Ele se virou para Blue.
— Posso dirigir até lá?
Sim, com certeza você pode. Pegue a pista de volta para a estrada, mas antes de você chegar lá, verá
uma estrada indo para a sua esquerda. Não é muito mais do que uma estreita faixa de terra, na verdade, e fá-
cil de perder, de modo que é preciso manter os olhos abertos. Mas nada disso saiu de sua boca, e ele olhou
para Riley, que deu de ombros.
— Eu não sei. Acho.
Blue tinha que dizer alguma coisa. Nada. Mas não podia ajustar a ter o homem por quem foi apaixo-
nada desde os dez anos, em pé na frente dela. Mais tarde, iria refletir sobre o fato de que ele não tinha beija-
do ou abraçado sua filha, mas por enquanto, ela se concentrou em abrir a boca.
Era tarde demais. Ele sinalizou para que Riley e sua comitiva ficassem onde estavam e se dirigiu para
o caminho que sua filha tinha apontado. Blue esperou até ele desaparecer, em seguida, deixou-se cair no de-
grau mais alto.
— Eu sou uma idiota.
Riley sentou-se ao lado dela.
— Não se preocupe. Ele está acostumado a isso.
***
Enquanto o crepúsculo surgia, April terminou seu último telefonema, colocou o celular no bolso de
sua calça jeans e caminhou até a beira da lagoa. Ela adorava aqui à noite, o colo suave da água, o coaxar de
um sapo gutural impressionante, a nota grave contra um coro de críquete. A lagoa parecia diferente à noite,
como algo selvagem.
— Olá, April.
Ela se virou.
O homem que destruiu seu mundo estava na sua frente.
Há três décadas que o tinha visto em pessoa, mas mesmo sob a luz sombria, todos os recursos nesse
angulo, o rosto com excesso de linhas era tão familiar quanto o seu próprio: o longo nariz aquilino, os olhos
profundos, preto nas bordas, mas com marrom dourado na íris, sua pele morena e uma fina mandíbula. Prata
entremeava o cabelo escuro que costumava voar em uma nuvem de tempestade da meia-noite ao redor de
sua cabeça. Estava mais curto, agora um pouco acima do colarinho, mas ainda grosso. Não estava surpresa
por ele não fazer nenhum esforço para cobrir os fios de cinza. Ele tinha pouca vaidade. Embora sempre foi
alto para um roqueiro, agora parecia ainda mais alto, porque ele estava tão magro. As maçãs do rosto esta-
vam mais profundas do que se lembrava, os sulcos nos cantos dos olhos de forma mais acentuada. Ele pare-
cia cada um de seus 54 anos.
— Ei, menina. Sua mãe está por perto?
Sua voz era de cascalho encharcada de uísque. Por um breve momento, ela sentiu a velha falta de ar
reclamá-la. Este homem tinha sido seu mundo. Ela voou pelo oceano para estar com ele. Londres, Tóquio,
Berlim Ocidental. Não importava onde. Noite após noite, ele vinha do palco, ela tirava a apertada roupa en-
charcada de suor de seu corpo, alisava seu cabelo comprido e úmido com os dedos, abria os lábios e suas
coxas, o fazia se sentir como um deus.
Mas no final, foi apenas rock and roll.
Tinham se visto pela última vez quando lhe disse que estava grávida. A partir de então, tudo foi tra-
tado por um intermediário, incluindo o exame de sangue depois de Dean nascer. Como ela se ressentia
amargamente de Jack por isso.
Ela voltou para o presente.
— Só eu e as rãs. Como tem passado?
— Perdi um pouco da minha audição. Caso contrário...
Ela só acreditou na primeira parte.
— Jogue fora o álcool, cigarros e adolescentes. Você ficará surpreso com o quão bom você vai se
sentir. — Ela não precisou mencionar drogas. Jack se livrou de seus anos de droga antes mesmo de ela ser
capaz de fazer.
A pulseira de couro e prata escorregou em seu pulso quando Jack caminhou para a frente.
— Não há mais adolescentes, April. Cigarros, também. Não fumo há um par de anos. E essa missão
não tem sido mais que um inferno? Quanto à bebida... — Ele encolheu os ombros.
— Acho que por você ser um coroa do rock é necessário pelo menos um vício.
— Tenho mais alguns além desse. E você?
— Recebi uma multa indo para o estudo da Bíblia há alguns meses, mas isso é tudo.
— Mentira. Você mudou, mas não isso tudo.
Jack não tinha sido sempre capaz de ver através dela tão facilmente, mas agora era mais velho e, pre-
sumivelmente, mais sábio. April afastou os cabelos do rosto.
— Não tenho mais tanto interesse em vício. Muito ocupada ganhando a vida.
— Você está ótima, April. Realmente.
Melhor do que ele. Durante a última década que ela trabalhou duro para reparar os danos que tinha
feito para si mesma, desintoxicando-se com infindáveis xícaras de chá verde, horas de yoga.
Ele puxou um brinco pequeno de crânio.
— Se lembra de como costumávamos rir da ideia de uma cadeira de balanço com mais de quarenta?
— Nós costumávamos rir da ideia de que alguém já atingindo quarenta.
Enfiou a mão no bolso.
— Uma revista feita para saúde dos idosos quer que eu pose para sua capa de merda.
— Malditos corações sombrios.
Seu sorriso torto não havia mudado, mas ela não ia passear pela estrada da memória com ele.
— Você viu Riley?
— Um par de minutos atrás.
— Ela é uma criança doce. Blue e eu passamos bons momentos com ela.
— Blue?
— A noiva de Dean.
Ele tirou a mão do bolso.
— Riley veio aqui para vê-lo, não é?
April concordou.
— Dean tentou ficar longe, mas ela é persistente.
— Não contei a Marli sobre ele. Ela teve um caso com meu ex-gerente de negócios ano passado e ele
passou a informação. Até que recebi seu recado, não sabia da descoberta de Riley.
— Este é um período difícil para ela.
— Eu sei. Tinha algumas coisas que precisava cuidar. A irmã de Marli deveria estar tomando conta
dela. — Olhou para a casa de campo. — Riley disse que esqueceu o casaco.
— Não. Ela não usava jaqueta quando chegou aqui.
— Ela estava protelando, então. — Ele enfiou a mão no bolso da camisa, como se ele fosse pegar os
cigarros. — Poderia tomar uma cerveja.
— Temo que esteja sem sorte. Estou sem beber a algum tempo.
— Você não está falando sério.
— Perdi a vontade de morrer.
— Nada ruim, eu acho. — Jack tinha uma maneira de olhar para as pessoas como se realmente as
visse. Ele olhou para ela com intensidade. — Ouvi que você fez bem para si mesma.
— Sem queixas. — Ela construiu sua carreira um cliente por vez, sem ninguém para confiar só a si
mesma, e se orgulhava disso. — E o louco Jack? Agora que você já ganhou a guerra do rock, o que você faz
para um bis?
— A guerra do rock não pode jamais ser vencida. Você sabe disso. Há sempre um outro álbum, um
outro hit no topo das paradas, e, se isso não acontecer, a inevitável reinvenção. — Ele caminhou até a borda
da lagoa, pegou uma pedra e atirou-a longe na lagoa, onde fez um respingo tranquilo. — Gostaria de ver De-
an antes de ir embora.
— Assim, você pode relembrar os bons tempos? Muita sorte para você. Ele te odeia quase tanto
quanto me odeia.
— Então o que você está fazendo aqui?
— É uma longa história. — Outra coisa que ela não iria contar para ele.
Jack se voltou para ela.
— Uma grande família feliz, não somos?
Antes que pudesse responder, a luz da lanterna ricocheteou em direção a eles, e Blue surgiu.
— Riley se foi!
Para manter a postura novamente, Blue fingiu que Jack Patriot não existia e focou apenas em April.
— Procurei na casa, no trailer, no celeiro. — Ela estremeceu. — Ela não pode ter ido muito longe.
— Há quanto tempo que está perdida? — Perguntou April.
— Talvez há meia hora. Ela disse que queria terminar a sua pintura antes que de ir embora. Eu saí
para queimar o lixo que você me mostrou e quando voltei, ela tinha desaparecido. Entreguei lanternas para
os homens que vieram com o... — Sr. Patriot soava ridículo e Jack, muito familiar — com o pai de Riley.
Estão a procurando agora.
— Como ela pôde fazer isso? — Jack disse. — Ela é sempre tão tranquila. Nunca causou qualquer
problema.
— Ela está com medo. — April respondeu. — Pegue meu carro e dê uma olhada ao longo da pista.
Jack concordou. Depois que ele partiu, Blue e April procuraram pela casa, em seguida, foram para a
casa da fazenda, onde encontraram a comitiva de Jack procurando sem resultados pelos arredores do jardim,
enquanto a mulher solitária tinha se sentado no último degrau, fumando um cigarro e falando no celular. —
Há uma centena de lugares que Riley poderia se esconder, — disse April. — Assumindo que ela ainda está
em algum lugar da propriedade.
— Onde mais poderia ir?
April revistou a casa novamente, enquanto Blue olhava o trailer e o quarto de ferramentas. Elas se
encontraram na varanda da frente.
— Nada.
— Ela pegou sua mochila, — disse April.
Jack estacionou e saiu do carro de April. Blue recuou para as sombras, para ela não se envergonhar
na frente dele novamente. Dean deveria lidar com isso, não ela.
— Nenhum sinal de Riley, — disse Jack enquanto se aproximava do alpendre.
— Aposto que ela está vigiando a casa, — April disse baixinho. — À espera de você ir para ela sair.
Ele enfiou a mão pelo cabelo, então olhou para seus guarda-costas que emergiram do celeiro.
— Nós vamos sair. Então eu vou voltar a pé.
Somente depois dos carros se afastarem, Blue emergiu da esquina.
— Onde quer que esteja, estou certa de que ela está assustada.
April esfregou as têmporas.
— Você acha que devemos chamar a polícia... O xerife... alguém?
— Não acho. Riley se escondeu, ela não foi raptada, e se ela vê um carro da polícia parar...
— É isso que me preocupa.
Blue olhou para a escuridão.
— Vamos dar a ela algum tempo para pensar nisso.
Dean desacelerou quando os faróis iluminaram um homem caminhando ao lado da pista em direção à
fazenda. Ele acendeu seus faróis altos. O homem se virou e protegeu os olhos. Dean olhou mais de perto.
Jack Patriot...
Não podia acreditar que o próprio Jack tinha vindo pegar Riley, mas lá estava ele. Dean não falava
com ele há um par de anos, e com certeza não queria falar com ele agora. Lutou contra seu instinto de pisar
no acelerador e disparar para longe. Anos atrás, ele determinou uma estratégia para lidar com o seu pai e não
viu nenhuma razão para mudar. Parou e abaixou a janela do carro. Mantendo sua expressão cuidadosamente
neutra, apoiou o cotovelo na armação.
— Jack.
O filho da puta assentiu.
— Dean. Tem sido um longo tempo.
Dean acenou de volta. Sem mais comentários ou piadas. Indiferença total.
Jack apoiou o calcanhar de sua mão no teto do carro.
— Vim para pegar Riley, mas ela fugiu depois de me ver.
— Sério? — Ele não explicou inteiramente por que estava aqui andando sozinho, mas Dean não per-
guntaria.
— Suponho que você não a viu.
— Não.
O silêncio entre eles se prolongou. Se Dean não se oferecesse para levá-lo para casa, ele estaria mos-
trando ao filho da puta exatamente o quanto ele o odiava. Ainda assim, teve que forçar as palavras.
— Precisa de uma carona?
Jack afastou-se do carro.
— Não quero que ela me veja. Eu vou a pé.
— Fique à vontade. — Ele deslizou a janela e puxou lentamente. Nenhum pneus girando ou cascalho
voando. Nada de mostrar a profundidade de sua raiva. Quando chegou na casa, dirigiu-se para dentro. O ele-
tricista tinha terminado de instalar a maioria dos aparelhos atuais, e eles finalmente tinham alguma luz de-
cente. Ouviu passos no andar de cima.
— Blue?
— Aqui em cima.
Apenas o som de sua voz o fazia se sentir melhor. Ela o distraía de sua preocupação com Riley, de
sua tensão com Jack. O fazia sorrir, transformava-o em louco. Precisava mantê-la ali.
Dean a encontrou no quarto, o segundo maior, que teve uma nova camada de pintura de luz, uma no-
va cama e cômoda, mas não muito. Sem tapetes, sem cortinas, sem cadeiras, apesar de Blue ter encontrado
uma mesa respingada de tinta, uma lâmpada em algum lugar e colocou-a sobre a cômoda. Ela estava alisan-
do um cobertor sobre os lençóis que tinha apenas dobrado. Sua camisa caia vagamente para longe de seu
corpo enquanto ela se inclinava para frente, e mechas de cabelo haviam escapado de seu rabo de cavalo e
caíam no pescoço como tinta derramada.
Blue olhou para cima com linhas de preocupação entre as sobrancelhas.
— Riley fugiu.
— Eu ouvi. Encontrei Jack na estrada.
— Como foi isso?
— Correu tudo bem. Nada demais. Ele não significa nada para mim.
— Certo. — Ela não acreditava nele, mas não ia desafiá-lo, também.
— Você não acha que alguém deve sair procurando por ela? — Disse.
— Nós procuramos em todos os lugares. Ela vai voltar quando estiver pronta.
— Você tem certeza disso?
— Razoavelmente otimista. O plano B envolve chamar o xerife, algo que iria assustá-la muito.
Ele se obrigou a considerar algo que estava relutante em enfrentar.
— E se ela saiu da rodovia e pegou uma carona?
— Riley não é estúpida. Ela tem um medo altamente desenvolvido de estranhos de todos os filmes
que ela não deveria ter visto. Além disso, April e eu não achamos que ela tenha desistido de você completa-
mente.
Dean tentou esconder sua culpa, caminhando até a janela. Estava escuro demais para uma menina de
onze anos de idade estar lá sozinha.
— Você poderia fazer outra varredura no quintal? Há uma lanterna na cozinha. Ela pode sair se te
vir. — Blue considerou o quarto com insatisfação. — Eu gostaria que houvesse pelo menos um tapete aqui.
Tenho certeza de que ele não está acostumado a tudo espartano.
— Ele? — Cabeça de Dean voltou bruscamente. — Esqueça isso. Jack não vai dormir aqui.
Ele andou no corredor.
Blue veio depois dele.
— Qual é a alternativa? Está ficando tarde, e sua comitiva foi expulsa. Não existe hotel em Garrison,
e ele não vai a lugar nenhum até que Riley seja encontrada.
— Não apostaria nisso. — Dean queria que tudo isso fosse embora.
O celular de Blue tocou. Arrancou-a do bolso de seu jeans. Ele esperou.
— Você a encontrou? — Perguntou. — Onde ela estava? — Ele respirou fundo e encostou-se no ba-
tente da porta.
— Mas nós olhamos lá. — Blue vagou de volta para o quarto e sentou-se ao lado da cama. — Sim.
Tudo bem. Sim, vou fazer isso. — Fechou o telefone e olhou para ele. — April a encontrou dormindo na
parte de trás do seu armário. Olhamos lá, então ela deve ter esperado até que saíssemos para ir para dentro.
A porta da frente se abriu embaixo, e passos pesados medidos soaram na entrada. A cabeça de Blue
disparou. Ela saltou a seus pés e falou rápido.
— April disse para dizer ao pai de Riley que ela vai manter Riley na casa de campo por esta noite, e
ele pode ficar aqui na casa e esperar até de manhã para falar com ela.
— Diga a ele.
— Não acho que... A coisa é...
Mais passos de baixo.
— Alguém aqui? — Jack chamou.
— Eu não posso, — ela sussurrou.
— Por que não?
— Eu só... não posso.
A voz de Jack aumentou ao subir os degraus.
— April?
— Droga. — As mãos de Blue voaram para o próprio rosto, e ela correu para fora, mas em vez de
descer, correu para o quarto principal. Apenas segundos depois, um tempo muito curto para que ela se des-
pisse, ele ouviu o chuveiro. Foi quando ele percebeu que a Castor destemida tinha ido se esconder. E não era
dele.
***
Blue ficou o quanto pôde no banheiro, escovou os dentes e lavou o rosto, então saiu furtivamente pa-
ra pegar suas calças de ioga e a camiseta da cerveja. Finalmente ela conseguiu rastejar para fora sem ser de-
tectada. Amanhã de manhã, se Jack ainda estivesse aqui, esta idiotice teria chegado ao fim e ela se compor-
taria como uma mulher adulta. Pelo menos a aparição de Jack Patriot tinha sido um desvio do seu verdadeiro
problema. Ela entrou no trailer e parou. Seu problema real tinha vindo para uma visita.
Um príncipe cigano ranzinza estava deitado sobre a cama, a lamparina de óleo em cima da mesa lan-
çando um brilho dourado sobre ele. Ele apoiou os ombros contra a lateral da carroça, levantou um joelho, e
balançou o outro para o lado da cama. Quando ele levantou a garrafa de cerveja aos lábios, sua camiseta su-
biu para revelar um dos músculo acima do jeans de cintura baixa.
— Você, de todas as pessoas, — disse ele com um sorriso depreciativo.
Fingir ignorância seria um esforço desperdiçado. Como alguém que a tinha conhecido por apenas al-
guns dias podia ver através dela tão rapidamente? Ela ergueu o queixo.
— Preciso de um pouco de tempo para me adaptar, isso é tudo.
— Eu juro por Deus, se você pedir um autógrafo...
— Tenho que falar com ele para que isso aconteça. Até agora, isto não foi possível.
Ele bufou e tomou um gole de cerveja.
— Amanhã vou estar melhor. — Blue empurrou a cadeira para trás da mesa pintada. — Você chegou
aqui muito rápido. Falou com ele?
— Disse a ele sobre Riley, apontei na direção do quarto e, em seguida, educadamente me desculpei
para sair e encontrar minha noiva.
Ela o olhou com cautela.
— Você não vai dormir aqui.
— Nem você. Serei amaldiçoado se eu lhe dar a satisfação de me colocar para fora da minha própria
casa.
— E ainda assim, você está aqui.
— Eu vim para te pegar. Caso você tenha esquecido, os quartos não têm todas as portas, e não há ne-
nhuma maneira de deixá-lo ver que minha amada não dorme comigo.
— Caso você tenha esquecido, não sou sua noiva.
— Por enquanto, você é.
— Mais uma vez, meu voto de virgindade parece ter sumido da sua mente.
— Foda-se o seu voto virgindade. Você está trabalhando para mim ou não?
— Sou sua cozinheira. E não finja que você não está comendo. Eu vi o que você fez com as sobras
na noite passada.
— Sim, bem, não preciso de um cozinheiro. O que eu preciso é de alguém para dormir comigo esta
noite. — Dean olhou para ela por cima da borda da garrafa de cerveja. — Vou te pagar.
Blue piscou.
— Você quer me pagar para dormir com você?
— Ninguém nunca me acusou de ser barato, também.
Blue pressionou a palma da mão contra o peito.
— Espere um pouco. Este é um momento tão orgulhoso que quero saboreá-lo.
— Qual é o seu problema? — Perguntou Dean com toda a inocência.
— Um homem que cheguei a respeitar um dia está me oferecendo dinheiro para dormir com ele.
Vamos começar com isso.
— Dormir, Castor. Limpe sua mente suja.
— Certo. Como dormimos na última vez?
— Eu não sei o que você está falando.
— Você estava em cima de mim, — disse ela.
— Se você diz.
— Você estava com suas mãos nas minhas calças jeans.
— A imaginação superaquecida de uma mulher sedenta de sexo.
Blue não iria deixá-lo manipulá-la.
— Você está dormindo sozinho.
Dean colocou a garrafa de cerveja no chão, apoiou o peso no quadril, e tirou sua carteira. Sem dizer
uma palavra, mostrou duas notas nas mãos.
Um par de cinquenta.
Capítulo Doze

Meia dúzia de respostas indignadas passaram pela mente de Blue antes que chegasse à conclusão ób-
via. Ela poderia ser comprada. Sim, ela estaria se colocando no caminho do perigo, mas em qual momento
desse jogo ela não tinha se colocado? Finalmente, ter dinheiro na carteira justifica o risco. Além disso, lhe
dava oportunidade de mostrar exatamente como era imune aos seus encantos.
Blue pegou as notas.
— Tudo bem seu bastardo, você ganhou. — Ela colocou o dinheiro em seu bolso traseiro. — Mas só
estou aceitando porque sou gananciosa e desesperada. E porque não há nenhuma porta naquele quarto, o que
impede você de ficar muito brincalhão.
— Justo.
— Estou falando sério, Dean. Se você tentar alguma coisa...
— Eu? E quanto a você? — Seus olhos deslizaram sobre ela como gelo em um pedaço de bolo api-
mentado. — Que tal isso? O dobro ou nada.
— O que você está falando?
— Se você me toca primeiro, eu fico com os cem. Se eu tocar em você primeiro, você fica com du-
zentos. Se ninguém tocar em ninguém, o negócio fica como está.
Blue pensou, mas não enxergou outra coisa além desse trato. Ela poderia muito bem lidar com isso.
— Fechado.
— Em primeiro lugar, embora... — Ela não ia gastar mais tempo naquele quarto com ele do que já
tinha, então roubou sua cerveja e se apoiou no extremo oposto da cama. — Você está muito amargo sobre
seus pais. Estou começando a pensar que a sua infância foi tão retorcida quanto a minha.
Dean passou o dedo contra o oco abaixo de seu osso do tornozelo.
— A diferença é que eu já me recuperei, e você ainda está perdida.
Ela moveu o pé.
— No entanto, de todas as mulheres do planeta, você me escolheu para casar.
— Aí está. — Ele aliviou e suspendeu o quadril para enfiar a carteira de volta no bolso. — Antes que
eu me esqueça... Aparentemente, você decidiu que vamos a Paris em vez do Havaí para casarmos.
— E por que disso?
— Ei, não posso saber o que passa pela cabeça dela.
— Pobre Dean. Alimentar todas as mulheres que estavam ao seu redor hoje a noite no bar é trabalho
em tempo integral, não é? — A panturrilha de Dean estava próxima de sua perna. — Só por curiosidade, por
que você as rechaçou?
— Não estou interessado.
Ou seja, elas eram casadas ou velhas.
— Então, como foi crescer do jeito que você fez?
Com certeza, ela tinha alterado seu humor, porque ele franziu a testa.
— Foi muito bom. Tive uma série de babás cuidando de mim até que embarquei para uma escola
muito boa. Você vai ficar decepcionada ao saber que não fui espancado ou passei fome lá, e também aprendi
a jogar bola.
— Você o viu alguma vez?
Dean pegou sua cerveja de volta e distanciou a perna.
— Eu realmente não quero falar sobre isso.
Ela não ia deixar de tentar um pouco de manipulação sutil.
— Se é muito doloroso...
— Dificilmente. Nem percebi que ele era meu pai até os treze anos. Antes disso, pensava que The
Boss tinha feito o trabalho.
— Você pensou que Bruce Springsteen era o seu pai?
— A fantasia de April bêbada. Pena que não era verdade. — Ele esvaziou a garrafa e colocou-a no
chão com um tinido.
— Não consigo imaginá-la bêbada. Ela está tão controlada agora. Será que Jack sabia sobre você
desde o início?
— Oh, sim.
— Que merda. Se April era viciada, ele não deveria se preocupar um pouco com a gravidez?
— Ela ficou sóbria durante a gravidez. Provavelmente esperando que ele se casasse com ela. Sem
chance de isso acontecer. — Dean se levantou e calçou seus sapatos. — Pare de empatar. Vamos.
Blue se levantou com relutância.
— Estou falando sério, Dean. Nenhum contato.
— Estou começando a ficar ofendido.
— Não, você não está. Você só quer me dar uma dura.
— Falando em dura... — Ele colocou a mão na pequena curva das suas costas, exatamente onde era
mais sensível.
Blue deu um passo para longe e olhou para a janela do quarto da frente.
— A luz está apagada.
— Jack na cama à meia-noite. Isso tem que ser a primeira vez.
Suas pantufas guincharam na grama úmida.
— Você não parece em nada com ele.
— Obrigado pelo elogio, mas fizeram exames de sangue.
— Não estava insinuando...
— Podemos falar de outra coisa? — Ele abriu a porta do lado dela. — Por que você tem tanto medo
de sexo, por exemplo?
— Só com você. Tenho uma alergia ao seu creme de beleza.
Sua risada rouca se estendeu pela noite quente do Tennessee.
***
No momento em que Dean saiu do banheiro, Blue se encontrava deitada. Tirou os olhos da protube-
rância visível em suas boxers End Zone, mas só chegou até seu abdômen firme com uma seta de cabelo dou-
rado apontando o caminho para o Armageddon, antes que ele reparasse na enorme parede de travesseiros
que ela dispôs no meio da cama.
— Você não acha que é um pouco infantil?
Blue arrastou o olhar para longe de seu Jardim das Delícias.
— Fique do seu lado da cama, e vou pedir desculpas pela manhã.
— Se você acha que vou deixá-lo ver quão jovem você é, está errada.
Dean falou em um sussurro baixo para evitar acordar o seu hóspede indesejado.
— Vou acordar cedo e derrubá-lo, — disse ela, pensando nos cem dólares.
— Como você fez ontem de manhã?
Foi ontem pela manhã que ele estava com a mão embaixo de seu jeans? Ele apagou a luz do abajur
que April trouxe da casa de campo. Luar penetrou no quarto, pintando seu corpo em luz e sombra. Quando
ele se aproximou da cama, ela se lembrou que ele era um jogador, e isso era um jogo para ele. Ao dizer não,
ela acenou com uma bandeira verde.
— Você não é tão irresistível. — Ele afastou o lençol e se deitou. — Sabe o que eu acho? — Ele se
apoiou em um cotovelo e olhou para ela por cima do muro do travesseiro. — Acho que você tem medo de si
mesma. Você está com medo de não ser capaz de manter suas mãos longe de mim.
Ele queria guerra. Mas esse ataque parecia preliminares e Blue se segurou para não responder com o
que veio à mente.
Dean se deitou... e se levantou novamente.
— Não tenho que aturar isso! — Com um movimento de seu braço, travesseiros voaram para o chão
e a parede dela se desfez.
— Espere!
Blue tentou se sentar só para ter o seu peso pressionado de volta contra o colchão. Se preparou para
um ataque, mas deveria ter adivinhado. A boca dele acariciou suavemente a dela e pela segunda vez naquele
dia, ele começou a provocar seus lábios.
Blue decidiu deixar ele beijá-la por um tempo, era tão bom no que fazia, mas apenas por alguns mi-
nutos.
Sua mão deslizou sob sua camiseta e seu polegar encontrou seu mamilo. Blue sentiu o sabor do cre-
me dental e do pecado. Calor começou a se espalhar por seu corpo. Sua ereção pressionada contra sua perna.
Um jogo. Isto era apenas um jogo.
Dean baixou a cabeça e começou a mamar seus mamilos através de sua camiseta. Enquanto ela man-
tinha suas roupas... Ele brincou com ela e a camisa de algodão ficou quente e úmida, em seguida, apertou a
mão entre as coxas, contra o tecido da calça. Seus joelhos lentamente se abriram. Ele brincou e flertou, pen-
sando que tinha todo o tempo do mundo. Mas não demorou muito. Sua cabeça caiu para trás. A luz da lua
brilhava e depois estilhaçava em mil lascas de prata. Através de seu grito quase abafado, ela ouviu um suave
gemido e sentiu-o estremecer junto com ela. Só quando voltou a si mesma tornou-se consciente de algo
úmido em sua perna.
Com uma maldição, Dean rolou de cima dela, atirou-se para fora da cama, e desapareceu no banhei-
ro. Ela ficou lá, saciada, irritada, autodestrutiva. Tanto para a sua força de vontade.
Eventualmente, ele saiu do banheiro. Nu. Seu grunhido suave percorreu a sala.
— Não diga uma palavra. Estou falando sério. Isso foi a coisa mais constrangedora que aconteceu
comigo desde que eu tinha quinze anos.
Blue esperou até que ele se acomodasse antes que ela apoiasse a cabeça em seu cotovelo e olhasse
para ele
— Hey, Speed Racer... — Ela se inclinou e roçou os lábios dele com um beijo rápido e casual que
lhe disse que o encontro não significava nada para ela. — Você me deve mais cem dólares.
***
As aves a acordaram na manhã seguinte. Blue dormiu tão longe dele quanto podia para se proteger
contra qualquer ataque pela noite, e balançando sua perna sobre a borda, saiu da cama sem acordá-lo. Sua
pele parecia de ouro contra os lençóis brancos, um pedaço de cabelo pálido crescia em seu peito entre os
gominhos formidáveis que tinha. Ela pegou no pequeno buraco em seu lóbulo da orelha e lembrou os crâ-
nios de prata que Jack usava. Não teve nenhuma dificuldade em imaginar Dean fazendo o mesmo. Seu olhar
se moveu mais abaixo e foi parar no monte elevado sob o lençol. Tudo o que poderia ser dela... Se ela só
deixasse seu cérebro para trás.
Dean não se mexeu enquanto se dirigia para o chuveiro. Ela virou o rosto para a ducha para limpar a
cabeça. Esse era um novo dia, e enquanto ela não desse muita importância ao evento relativamente inocente
de ontem à noite, ele não acumularia pontos no placar que carregava em sua cabeça. Era verdade que ela
ainda não tinha emprego, mas tinha uma moeda de troca temporária, até que conseguisse um trabalho. Dean
a queria aqui na fazenda, em pé entre ele e as pessoas que tinham invadido seu mundo.
Enquanto se secava, ouviu barulho de água no banheiro do corredor. Quando saiu, a cama estava va-
zia. Pegou rapidamente uma camiseta preta sem mangas de sua mochila e um par de jeans que tinha cortado
no meio da coxa. Ela sentiu um volume no bolso e descobriu onde estava o rímel e o brilho labial que pen-
sou ter pedido. Fez uso de ambos, mas apenas porque havia uma boa chance de que veria Jack Patriot antes
de partir para Nashville.
Em seu caminho para baixo, sentiu cheiro de café, e quando entrou na cozinha, viu Jack sentado à
mesa, bebendo em uma das canecas de porcelana branca decorada com cerejas. A mesma sensação de cabe-
ça leve, quando o conheceu na noite passada atacou novamente.
Ele usava as mesmas roupas. As manchas de cinza em seu cabelo só o deixavam mais sexy. Jack ob-
servou-a com os olhos de pálpebras pesadas familiares, que havia memorizado a partir de uma dúzia de ca-
pas de álbuns.
— Bom dia.
De alguma forma ela conseguiu espremer um ofegante:
— Di...dia.
— Você é Blue.
— B-Bailey. B-Blue Bailey.
— Parece uma velha canção.
Blue sabia o que ele queria dizer, mas seu rosto tinha congelado, por isso ele esclareceu.
— Você não vai voltar para casa, Bill Bailey? Você é provavelmente muito jovem.
— April me diz que você e Dean vão se casar. — Ele não chegou a esconder sua curiosidade. Ela se
perguntava se ele os viu dormindo ou se Dean tinha perdido duzentos dólares. — Já escolheu uma data? —
ele perguntou.
— Ainda não. — Ela guinchou como Minnie Mouse.
Sua investigação continuou.
— Como se conheceram?
— Eu estava, uh, fazendo algum... trabalho promocional de uma empresa de madeira.
Segundos se passaram. Quando ela percebeu que estava olhando, tropeçou na direção dos sacos de
supermercado na despensa.
— Eu vou assar panquecas. Fazer! Vou fazer panquecas.
— Tudo bem.
Blue tinha fantasias sexuais adolescentes sobre este homem. Enquanto seus colegas discutiram coisas
frívolas, ela imaginava perder a virgindade com o pai de Dean. Ew. Ick.
Ainda assim...
Blue deu outro olhar para ele quando saiu da despensa com a mistura de panqueca. Apesar de sua pe-
le cor de oliva, ele estava pálido, como se não tivesse passado tempo suficiente sob o sol, recentemente.
Mesmo assim, irradiava o mesmo tipo de magnetismo sexual que o seu filho, mas o fascínio que tinha por
Jack era muito mais seguro. Quando ela abriu a caixa, ela se lembrou de fazer Dean passar por um momento
difícil hoje.
Concentrou-se em misturar os ingredientes sem estragar as medições. Normalmente, fazia panquecas
sozinha, mas este não era o dia para tentar fazê-lo. Jack teve pena dela e não fez mais perguntas. Quando
derramou o primeiro lote na chapa, Dean apareceu, todo estilo desalinhado, sua barba de atleta tão robusta
quanto a que seu pai apresentava. Talvez fosse genética. O número ideal de rugas enrugando sua camiseta e
seus shorts cáqui caia sobre seus quadris exatamente no ponto certo. Ele não olhou para Jack. Em vez disso,
ele a olhou dos pés à cabeça antes de olhar para o seu rosto.
— Maquiagem? O que aconteceu? Você parece quase feminina.
— Obrigada. Você parece quase macho.
Atrás deles, Jack riu. Oh meu Deus, ela fez Jack Patriot dar risada.
Dean se inclinou e a beijou longamente, legal, e assim premeditando que ela mal se deixou ficar ex-
citada com isso. Este foi o seu movimento de abertura no outro jogo, o que ele brincava com os pais que ele
odiava. Ele estava marcando-a como sua companheira de equipe para que Jack soubesse que eram agora
dois contra um.
Só depois que Dean se afastou, reconheceu a presença de seu pai com um breve aceno de cabeça.
Jack acenou com a cabeça para trás e inclinou a cabeça em direção às janelas no nicho de jantar.
— Este é um lugar agradável. Eu nunca imaginei você como um fazendeiro.
Como Dean não se importou em responder, Blue quebrou o silêncio tenso.
— Primeiro lote de panquecas saindo. Dean, procure xarope naquelas caixas da dispensa. E traga
manteiga, sim?
— É claro, querida.
Deu um beijo estratégico na testa. Enquanto Blue pegava os pratos, se perguntou se sua vida poderia
ficar mais estranha. Suas economias foram entregues a um grupo de guerrilheiros da América do Sul, ela
tinha um falso noivado com um jogador de futebol famoso, era sem-teto e desempregada, e estava fazendo
café da manhã para Jack Patriot.
Quando Dean saiu da despensa, Jack fez um gesto em direção a Blue.
— Onde está o anel de noivado?
— Ela odiou o primeiro que dei, — disse Dean. — As pedras eram pequenas demais. — Ele teve a
coragem de ajustar o queixo. — Nada mais que o melhor para a minha namorada.
Blue cantarolava a música tema Speed Racer.
Evitando olhar para Jack, ela conseguiu entregar suas panquecas sem encaixá-las no colo. Dean co-
meu as suas em pé, quadril encostado no balcão. Ele conversou com ela enquanto comia, mas certo de diri-
gir uns comentários ocasionais a Jack, para não ser suspeito de ignorá-lo. Ela praticou a estratégia muitas
vezes para não reconhecê-la. Não deixe ninguém ver a dor. Ela não gostava de como o entendia.
Desde que não conseguia se imaginar comendo panquecas na mesa junto com Jack Patriot, comeu
em pé, também. A porta se abriu e April apareceu. Usava calça cáqui, um top coral com um laço de fita, e
suas sandálias arco-íris. Riley seguiu, seu cabelo castanho úmido repartido ao meio e puxado para trás de
sua testa com uma série de clipes iridescentes azuis que April deve ter arranjado. Com os cachos de Riley
um pouco domados, seus lindos olhos açúcar torrado eram mais visíveis. Ela tinha trocado a camiseta Foxy
de ontem por uma preta tão apertada com beicinho de uma mulher de lábios carmim na frente. Dean virou-se
para fazer uma viagem para a despensa. Quando Riley viu seu pai, parou onde estava.
Jack levantou-se mas, uma vez que ele estava em pé, não parecia saber o que fazer a seguir. Instalou-
se no óbvio.
— Aí está você.
Riley pegou em uma remanescente unha polida.
— Eu fiz panquecas. — Blue disse brilhantemente.
April evitou olhar tanto para Jack ou seu filho.
— Nós comemos cereais na casa de campo.
— Espero que tenha agradecido a April. — Disse o homem que uma vez tinha chutado uma bateria
no palco e disse a um policial para se foder.
Dean saiu da despensa, um frasco desnecessário de manteiga de amendoim em sua mão. Esta poderia
ser a primeira vez que ele tinha estado na mesma sala com ambos os pais. Ele ficou de pedra e em silêncio.
Embora ele não precisasse de proteção de ninguém, ela foi para o seu lado de qualquer maneira e passou o
braço em volta da cintura.
Jack enfiou a mão no bolso.
— Vou ligar para Frankie para nos pegar.
— Eu não quero ir, — Riley resmungou. E então, quando ele puxou seu celular. — E... eu não vou.
Ele levantou os olhos do celular.
— O que você está falando? Você já perdeu uma semana de aula. Você tem que voltar.
Seu queixo veio à tona.
— As férias de verão começam na próxima semana, e eu terminei o meu trabalho. Ava também.
Ele obviamente esqueceu, mas tentou encobrir.
— Tia Gayle está esperando por você. Ela providenciou para você e sua prima irem ao acampamento
em duas semanas.
— Não quero ir para o acampamento! É estúpido, e Trinity vai ficar com todo mundo tirando sarro
de mim. — Ela deixou cair a jaqueta rosa e mochila. Manchas vermelhas surgiram em suas bochechas. —
Se você tentar me levar eu vou... vou fugir novamente. E eu sei como fazer isso.
A demonstração de rebelião de Riley assustou Jack, mas Blue não ficou surpresa. Esta era a mesma
garota que conseguiu fugir de Nashville para a fazenda de seu meio-irmão, na calada da noite. Os músculos
de Dean ficaram rígidos sob sua camiseta. Blue esfregou a suas costas com a ponta dos dedos.
Jack espalmou o telefone.
— Olha, Riley, eu entendo que tem sido muito difícil para você, mas as coisas vão melhorar.
— Como?
Jack estava fora de seu elemento, mas colocou um bom esforço.
— Com o tempo irá ficar melhor. Depois de um tempo não vai doer tanto. Eu sei que você amava sua
mãe, e...
— Eu não a amava! — Riley gritou. — Ela me achava feia e estúpida, e a única pessoa que ela gos-
tava era Trinity!
— Isso não é verdade, — disse Jack. — Ela te amava muito.
— Como você sabe?
Jack vacilou.
— Eu... eu sei, isso é tudo. Agora não quero ouvir mais nada. Você já causou muitos problemas, e
vai fazer o que eu digo.
— Não, eu não vou. — Com os olhos secos e furiosos, ela cruzou as mãos em punhos. — Eu vou me
matar se você me fizer voltar! Eu vou! Eu sei como. Eu posso encontrar comprimidos de mamãe. E a tia
Gayle, tem um monte. Vou engolir todos eles. E vou me cortar como a irmã mais velha do Mackenzie. E
então vou morrer!
Jack estava claramente abalado. Dean estava pálido e April puxou em seus anéis de prata. Riley co-
meçou a chorar e correu em direção a ela.
— Por favor, April! Por favor, deixe-me ficar com você.
Os braços de April, instintivamente, enrolaram em volta dela.
— April não pode cuidar de você, — Jack disse bruscamente. — Ela tem coisas para fazer.
Lágrimas rolavam pelo rosto de Riley. Ela estava olhando para o laço de fita em cima de April, mas
conversava com seu pai.
— Então você fica. Você fica e cuida de mim.
— Eu não posso fazer isso.
— Por que não? Você poderia ficar por umas duas semanas. — Em uma exibição de coragem juve-
nil, ela olhava para April com olhos suplicantes. — Isso seria bom, não seria, April? Se ele ficasse por duas
semanas? — Riley deu um passo hesitante em direção a seu pai. — Você não tem nenhum show ou qualquer
coisa até setembro. Eu ouvi dizer que você precisa ficar em algum lugar para que possa trabalhar em algu-
mas músicas novas. Você poderia ficar aqui. Ou na casa de campo. A cabana de April é muito, muito tran-
quila. Você pode escrever suas novas músicas lá.
— Não é a minha casa de campo, Riley, — April disse gentilmente. — É de Dean. Assim como esta
casa.
O queixo de Riley tremeu. Ela arrastou seu olhar de April e focou no peito de Dean. Blue sentiu sua
pele queimando através de sua camiseta.
— Eu sei que sou gorda e tudo mais, — Riley disse em voz baixa. — E sei que você não gosta de
mim, mas vou ficar quieta e o meu pai ficará também. — Ela levantou os olhos comoventes e olhou direta-
mente para Dean. — Ele não presta atenção a ninguém quando está escrevendo músicas. Ele não iria inco-
modá-lo ou qualquer coisa. E eu poderia até mesmo ajudar. Tipo, eu poderia, poderia varrer o quintal e lavar
os pratos, talvez. — Dean ficou congelado enquanto as lágrimas de Riley turvaram suas próximas palavras.
— Ou... se você... se você precisar de alguém para jogar futebol, de forma a praticar e tudo mais, talvez eu
pudesse tentar.
Dean fechou os olhos. Ele mal parecia estar respirando. Jack abriu seu celular.
— Eu não quero ouvir mais nada. Você está vindo comigo.
— Não, eu não vou!
Dean se afastou de Blue e sua voz se quebrou como um rompimento da barragem de gelo.
— Você não pode dar a garota duas semanas de sua grande programação ocupada?
Riley ficou imóvel. A cabeça de April levantou lentamente. Jack não se mexeu.
— A mãe dela acabou de morrer, pelo amor de Deus! Ela precisa de você. Ou vai fugir dela, tam-
bém? — Dean percebeu o que ele disse e caminhou em direção a porta. A janela sobre a pia sacudiu quando
ele bateu a porta atrás de si.
Um músculo minúsculo assinalou no canto da mandíbula de Jack. Ele limpou a garganta, mudou seu
peso.
— Tudo bem, Riley, você tem uma semana. Uma, não duas.
Os olhos de Riley se arregalaram.
— Sério? Eu posso ficar? Você vai ficar aqui comigo?
— Primeiro, vamos voltar para Nashville para fazer as malas. E você tem que me prometer que não
vai tentar fugir de novo.
— Eu prometo!
— Vamos voltar na segunda-feira. E é melhor você manter essa promessa, porque se tentar algo as-
sim novamente, vou mandá-la para a escola na Europa, um lugar onde não vai ser tão fácil de fugir. Estou
falando sério, Riley.
— Eu não vou tentar! Eu prometo.
Jack enfiou o celular de volta no bolso. Riley olhou ao redor da cozinha, como se estivesse vendo pe-
la primeira vez. April caiu para o lado de Blue.
— Veja se ele está bem, — disse ela em voz baixa.

Capítulo Treze

Blue finalmente localizou Dean no matagal atrás do celeiro. Com as mãos nos quadris, ele olhava pa-
ra o quadro enferrujado de uma caminhonete vermelha. Através do buraco onde uma vez fora a porta do
passageiro, ela podia ver molas do que restava do estofamento. Um par de libélulas esvoaçavam sobre a ma-
deira apodrecida, pneus carecas, coisas não identificáveis e peças de máquinas agrícolas que cobriam a cama
do caminhão. Blue seguiu o caminho que Dean fez através das ervas daninhas. Quando se aproximou, viu os
restos do ninho de um pássaro na coluna do volante.
— Sei que é tentador trocar o seu carro, agora que viu esse, — disse ela, — mas eu sou contra.
Suas mãos caíram de seus quadris. Seus olhos eram sombrios.
— Isso só fica melhor e melhor, não é?
— Não há nada como um pouco de drama para ter adrenalina. — Ela resistiu ao impulso de colocar o
braço em torno dele novamente. — Jack disse a Riley que vai ficar por uma semana, — disse ela em voz
baixa. — Mas a está levando para Nashville durante o fim de semana. Vamos ver se ele volta.
Seu rosto se contorceu.
— Como é que essa porra aconteceu? Todos esses anos eu tenho mantido ele longe de mim, e agora,
em poucos segundos, a coisa toda explode.
— Eu pensei que você foi maravilhoso, — disse ela. — E isso está vindo de alguém que ama encon-
trar falhas em você.
Blue não podia suprir até mesmo o vestígio de um sorriso. Dean chutou o para-choque enferrujado.
— Você acha que eu fiz um favor ali a Riley?
— Eu acho. Você a defendeu.
— Eu só lhe causei mais problemas. Jack não se preocupa com nada além de sua carreira, e tudo que
fiz por Riley foi criar outra decepção.
— Ela passou muito mais tempo com ele do que você, então provavelmente o conhece muito bem.
Eu duvido que suas expectativas sejam muito altas.
Dean pegou um pedaço de madeira podre e arremessou-a no caminhão.
— É melhor o filho da puta ficar fora de vista. Não quero qualquer ligação entre nós.
— Tenho certeza que a última coisa que ele vai fazer é anunciar sua presença. — Ela hesitou, tentan-
do descobrir como colocar isso, mas Dean já estava lá.
— Não diga isso. Você acha que ainda não descobri que sou a verdadeira razão de ela querer ficar
aqui? Ela desistiu de Jack há muito tempo. Eu deveria ter me mandado na hora que vi April sair por aquela
porta da frente.
Blue não o queria lembrando do papel que ela desempenhou para manter a mãe dele aqui. Ela olhou
em uma mancha de ferrugem.
— Vamos olhar para o lado positivo.
— Oh, tudo bem. Vamos nos apressar em fazer isso.
— Esta é a primeira vez que você teve seus pais reunidos. Isso é monumental.
— Você não está pensando que vai ser uma grande reconciliação, não é?
— Não. Mas talvez você possa colocar alguns fantasmas para descansar. A verdade brutal é que eles
são sua família, para melhor ou pior.
— Você está tão errada. — Ele começou a recolher algum do lixo que havia caído na floresta e jogá-
lo em uma pilha. — O time é a minha família. É assim desde quando comecei a jogar bola. Se eu pegar o
telefone e disser uma palavra, sei que uma dúzia de caras vai subir em um avião, sem perguntas. Quantas
pessoas podem dizer isso de seus parentes?
— Você não vai jogar futebol para sempre. O que acontece então?
— Isso não importa. Eles ainda estarão lá. — Ele chutou no eixo do caminhão. — Além disso, ainda
falta tempo para me aposentar.
Nem tanto, Blue pensou. Nos anos de futebol, Dean estava em seu caminho para aposentadoria.
Um cão começou a latir, um som de ganido agudo. Ela olhou por cima do ombro a tempo de ver uma
bola de pelo branco sujo pular fora das ervas daninhas. A criatura parou em seu caminho, uma vez que os
viu. Suas pequenas orelhas recuaram e seu ganido cresceu mais feroz. Pelo emaranhado pairava sobre a face
do pequeno cachorro e espinhos agarravam-se em seus pés. Para o olho treinado de Blue, parecia uma espé-
cie de mistura de maltês, o tipo de cão que deve ser nomeado Bombom e ter um laço rosa no seu topete. Mas
este bicho pequeno não tinha sido mimado há muito tempo.
Dean caiu sobre um joelho.
— De onde você veio, garotão?
O ganido parou e o cão o olhou desconfiado. Dean estendeu a mão com a palma para cima.
— É um milagre que não tenha sido comido por um coiote.
O cão levantou a cabeça, em seguida, veio para a frente com cautela para farejá-lo.
— Não é exatamente um cão típico de fazenda, — disse Blue.
— Aposto que alguém o abandonou. Jogou-o para fora do carro e foi embora. — Ele remexia na pele
encardida. — Sem coleira. Foi isso que aconteceu? — Ele passou a mão ao lado do cão. — Suas costelas
estão visíveis. Quanto tempo faz que você comeu? Eu gostaria de cinco minutos em um beco com quem jo-
gou você fora.
A criatura rolou ficando com a barriga para cima com as patas estendidas.
Blue olhou para o pequeno vagabundo.
— Pelo menos faça-o trabalhar para você.
— Ignore Bo Peep. Ela é carente de sexo e isso a faz amarga. — Dean acariciou o animal, com a bar-
riga coberta de sujeira. — Vamos lá, gigante. Vamos pegar algo para comer. — Com um tapinha passado,
ele se levantou.
Blue partiu após os dois.
— Uma vez que você alimentar o cachorro, ele passará a ser seu.
— Então o quê? Fazendas precisam de cães.
— Pastor alemão e border collies. Ele não é um cão para fazenda.
— Por favor, o fazendeiro Dean acredita que todos merecem uma chance.
— Uma palavra de advertência, — ela gritou para as costas. — Isso é cachorro de homem gay, por
isso, se você quiser ficar no armário...
— Estou devolvendo-a para a polícia.
Pelo menos o pequeno cão irritante e sarnento distraiu a mente de Dean e Blue manteve a distração
por brigar com ele até chegar ao jardim da frente.
Os caminhões que deveriam estar obstruindo a pista não estavam à vista. Sem barulho de martelos ou
vozes de carpinteiros perturbavam o som dos pássaros. Ele franziu a testa.
— Eu me pergunto o que está acontecendo.
April saiu da casa, seu celular na mão. O cão a saudou com gritos furiosos.
— Silêncio! — Dean disse. O animal reconhecida a liderança e ficou em silêncio. Dean examinou o
quintal. — Onde estão todos?
April saiu do alpendre.
— Parece que caíram misteriosamente doentes.
— Todos eles?
— Aparentemente.
Blue começou a juntar as peças e não gostou do que viu.
— Não é porque... Não, eu tenho certeza que não.
— Fomos boicotados. — April levantou uma mão. — Como você deixou essa mulher tão louca?
— Blue fez o que precisava, — disse Dean bruscamente.
Riley voou pela varanda.
— Ouço o latido de um cachorro! — O vira-lata ficou maluco com a visão dela. Ela desceu correndo
os degraus, mas abrandou quando se aproximou. Ajoelhando-se, estendeu a mão, assim como Dean tinha
feito. — Hey, cachorrinho.
A bola de pelo sujo olhou suspeitamente, mas condescendeu em ser acariciado. Riley olhou para De-
an, sua linha de preocupação perpétua ficava mais profunda em sua testa.
— É seu?
Dean pensou por um momento.
— Por que não? Haverá um guarda por perto quando não estiver por aqui.
— Qual é seu nome?
— É vira lata. Não tem nome.
— Posso gostar... de chamá-lo... — Ela estudou o cão. —Talvez Puffy?
— Eu, uh, estava pensando em algo tipo Assassino, Gigante.
Riley estudou o cão.
— Se parece mais com um Puffy.
Blue não podia endurecer o seu coração contra a rua um momento mais.
— Vamos encontrar para Puffy algo para comer.
— Ligue para o empreiteiro, — disse Dean a April. — Eu quero falar com ele.
— Tenho tentado. Ele não está atendendo.
— Então, talvez é melhor eu fazer-lhe uma visita pessoal.
April queria que Puffy fosse avaliado por um veterinário, e de alguma forma convenceu Jack em le-
var o cachorro com ele, quando ele e Riley partissem para Nashville. Blue secretamente duvidava que ter o
cão em casa já, seria um problema. Independentemente do que Jack tinha prometido, Blue não acreditava
que ele iria manter sua palavra e trazer Riley de volta. Ela tinha onze anos de idade, um abraço extra antes
que ela os deixou.
— Não tome qualquer porcaria de ninguém, ok?
— Eu vou tentar? — Riley respondeu com um ponto de interrogação.
Blue pretendia pegar carona até a cidade e procurar um emprego, mas April precisava de ajuda, então
passou o resto do dia tentando ganhar seu sustento limpando armários de cozinha, organizando os pratos e
fazendo um armário de linho. Dean avisou a April que o empreiteiro havia desaparecido. Uma “emergência
de família”, de acordo com um vizinho.
No final da tarde, April fez uma pausa e Blue saiu para explorar. Ela vagou pela floresta e seguiu o
riacho que levava à lagoa, ficou fora mais tempo do que tinha planejado. Quando voltou, encontrou uma no-
ta de Dean à sua espera no balcão da cozinha.
Querida,
Estarei de volta na noite de domingo. Mantenha a cama quente para mim.
Seu Amado Noivo
Obs: Por que você deixou Jack levar meu cão?
Ela jogou o bilhete no lixo. Mais uma pessoa com quem tinha começado a se preocupar foi embora
sem aviso prévio. Mas e daí? Ela não se importava muito.
Era só sexta-feira. Onde ele foi? Ela teve um pressentimento sinistro. Blue correu para cima, pegou
sua bolsa e tirou sua carteira. Com certeza, os cem dólares que lhe dera na noite anterior tinham desapareci-
do.
Seu noivo amoroso queria ter certeza de que ela ficasse onde estava.
***
Annabelle Granger olhou para Dean em toda a sala de estar da casa espaçosa contemporânea em Lin-
coln Park, Chicago, que ela dividia com o marido e dois filhos. Dean ainda estava esparramado no chão por
conta de um ataque anterior de luta caseira com Trevor, filho dela de três anos de idade, que agora cochila-
va.
— Há algo que você não está me dizendo, — Annabelle disse de seu assento no sofá espaçoso.
— Há muita coisa que eu não estou dizendo para você, — ele respondeu. — e pretendo manter as-
sim.
— Eu sou uma casamenteira profissional. Eu já ouvi de tudo.
— Bom. Então você não precisa ouvir mais nada. — Ele se levantou e caminhou em direção a janela
que dava para a rua. Ele tinha um voo noturno de volta a Nashville e tinha a intenção de estar nele. Ele não
ia ser expulso de sua própria casa, e enquanto ele mantivesse Blue no lugar como sua proteção, poderia fazer
funcionar.
Mas Blue era mais do que o seu porto seguro. Ela era sua... Ele não sabia o que era. Não era exata-
mente uma amiga, embora o entendesse melhor do que as pessoas que ele conhecia há anos, e o entretinha
tanto quanto qualquer um deles, talvez mais. Além disso, Dean não queria transar com seus amigos, e ele
definitivamente queria transar com ela.
Sim, ele era um garanhão de verdade, tudo bem. Memórias de seu desempenho humilhante na quinta-
feira à noite o fizeram estremecer. Estava brincando com ela, deixando-os quentes, mas então ele ouviu os
gemidos guturais, sentiu-a convulsionar e ele se perdeu. Literalmente. Blue deixou-o fora de passo desde o
momento em que se conheceram. Speed Racer, de fato. Próxima chance que tivesse a faria comer essas pa-
lavras.
Annabelle estava olhando para ele.
— Há algo acontecendo com você, — ela disse. — E se trata de uma mulher. Fui sentindo toda a tar-
de. Algo mais do que outra de suas escapadas sexuais sem sentido. Você tem estado muito distraído.
Dean arqueou uma sobrancelha para ela.
— De repente, você é uma grande vidente?
— Casamenteiras precisam ser videntes. — Ela virou-se para o marido. — Heath, vá embora. Ele
não vai me dizer nada enquanto você estiver por perto. — Annabelle havia conhecido o agente de Dean não
muito tempo depois que ela tinha tomado o negócio de encontros de sua avó, quando Heath acidentalmente a
contratou para encontrar-lhe uma bonita e sofisticada esposa da sociedade. Annabelle não era exatamente
nenhuma dessas coisas. Mas seus grandes olhos, a personalidade mal-humorada e o choque de cabelo ver-
melho encaracolado tinham o cativado, e eles tiveram um dos melhores casamentos que Dean já tinha visto.
Heath, que foi apelidado de Python por o seu hábito de consumir seus inimigos inteiros, encolheu a
boca em um sorriso de cobra. Ele era um cara de boa aparência, tinha a altura de Dean.
— O Boo me conta tudo, Annabelle. Tirando você, ele é meu melhor amigo.
Dean bufou.
— A profundidade de sua amizade, Heathcliff, é puramente baseada em quanta receita eu possa gerar
para Champion Sports Management.
— Ele está com você aí, Heath, — Annabelle disse alegremente. — Dean, você vai deixá-lo louco.
Você é muito imprevisível.
Heath colocou sua bebê para dormir na curva do pescoço dele.
— Agora, agora, Annabelle, nenhuma conversa de travesseiro na frente de meus clientes grosseira-
mente inseguros.
Dean amava esses dois. Bem, ele amava Annabelle, mas também sabia que sua vida profissional não
poderia estar em melhores mãos do que nas de Heath.
Annabelle era como um cão de caça, quando sentia que estava no caminho de algo interessante.
— Você nunca está distraído, Dean. Eu já perdi cinco quilos, e você nem percebeu. O que há de er-
rado? Quem é ela?
— Nada está errado. Se você quer atormentar alguém, implique com seu marido. Você sabe que ele
está planejando fazer quinze por cento de propaganda de Colônia?
— Eu quero um carro novo, — disse ela. — Agora, pare de se esquivar. Você conheceu alguém.
— Annabelle, deixei Chicago a menos de duas semanas atrás, e até chegar a fazenda, passei a maior
parte do meu tempo no carro. Como eu poderia ter encontrado alguém?
— Eu não sei, mas acho que conheceu. — Annabelle baixou os pés descalços no chão. — Isso não
deveria estar acontecendo, quando não estou por perto para supervisionar. Você é muito influenciado pelas
aparências. Eu não estou dizendo que você é superficial, porque você não é. É exatamente por isso que você
está sempre atraído pela superficialidade e, em seguida, fica decepcionado quando as mulheres não corres-
pondem às suas expectativas. Apesar de eu ter feito vários encontros excelentes de seus refugos.
Dean podia ver exatamente onde essa discussão estava levando, e tentou cair fora.
— Então, Heath, tem Phoebe assinando Gary Candliss ainda? Quando falei com Kevin, parecia um
negócio feito.
Mas Annabelle foi ganhando força.
— Então, quando eu coloca-lo com alguém que é perfeito para você, não vai lhe dar uma chance.
Olha o que aconteceu com Julie Sherwin.
— Aqui vamos nós, — Heath murmurou.
Annabelle ignorou.
— Julie era inteligente, bem sucedida, bonita, uma das mulheres mais doces que eu já conheci, mas
você a deixou após dois encontros!
— Deixei porque ela levou tudo o que eu disse literalmente. Você tem que admitir, Annabelle, que é
apenas desconcertante. Eu a deixei tão nervosa que ela não conseguia comer, não que comesse muito de
qualquer maneira. Foi um ato de misericórdia.
— Você faz isso com as mulheres. Eu sei que você não tenta, mas ainda acontece. É sua aparência.
Com exceção de Heath, você é meu cliente mais exigente.
— Eu não sou seu cliente, Annabelle, — respondeu. — Eu não vou pagar um centavo.
— Pro bono, — ela cantarolou, parecendo tão satisfeita com ela que tanto Dean e Heath riram.
Dean pegou as chaves do carro de aluguel da mesa do café.
— Olha, Annabelle. Voltei à cidade para o fim de semana para que eu pudesse arrumar algumas coi-
sas para enviar para a fazenda e acertar todos os negócios que seu marido estava negociando para mim. Não
há nada acontecendo na minha vida.
Agora era uma mentira.
Enquanto dirigia para o aeroporto, Dean pensou em Blue. Esvaziar a carteira dela não era garantia de
que ela ficasse no lugar. Se ela colocasse na cabeça que ia deixar a fazenda, faria isso, mesmo que signifi-
casse dormir em um banco do parque. Ela só tinha ficado em torno dele todo esse tempo, porque muita coisa
estava acontecendo. Esperava que April fosse capaz de arrastá-la para as vendas de imóveis em Knoxville
no fim de semana, porque ele não queria pensar em voltar para a fazenda e encontrar Blue desaparecida.
***
Blue sentou-se no degrau da varanda, embalando uma segunda xícara de café da manhã e tentando
parecer relaxada enquanto observava Dean andando em direção a ela, da pista. Ela viu as chaves do carro no
balcão da cozinha, quando levantou esta manhã, mas ele não tinha vindo para o trailer, e esta foi a primeira
vez que o viu desde sexta-feira.
Dean estava andando com uma bicicleta high tech de bronze que poderia ter levado Lance Armstrong
até o Champs-Élysées. Ele parecia magnífico, quase futurista, como se ele pertencesse a um grande filme
sci-fi. A luz do sol ricocheteava no capacete prata aerodinâmico, e os músculos das pernas poderosas ondu-
lavam sob um par de justos calções de ciclista azul elétrico. Seus próprios músculos da perna sentiram-se
vacilantes apenas assistindo, e uma pontada de saudade inaceitável perfurou seu coração.
Ele pedalou até o fim do velho pé de tijolos. Era quase oito horas, mas a julgar pelo suor brilhando
em seu pescoço e a umidade agarrando a camisa de malha verde ao peito incrível, ele estava fazendo alguns
passeios a sério. Blue obrigou a começar um aperto. Ela assentiu com a cabeça em direção à bicicleta.
— Legal. Há quanto tempo tirou as rodinhas?
— Fala alguém que parece viver em uma caixinha de brinquedos. — Ele passou a perna em cima da
armação e foi com a bicicleta em direção a ela. — Eu decidi que era hora de parar de brincar e começar a
voltar em forma.
Ela não podia deixar de ficar boquiaberta.
— Você estava fora de forma?
— Vamos apenas dizer que reduzi a velocidade mais do que deveria depois que a temporada termi-
nou. — Ele tirou o capacete e pendurou-o em cima do guidão. — Estou transformando aquele quarto em
uma sala de musculação. Não acredito em me exibir no campo de treinamento flácido e com excesso de pe-
so.
— Não se preocupe.
Ele sorriu e passou seus dedos através de seu suado cabelo achatado, que reorganizou-se instantane-
amente em um desgrenhado sexy.
— April me mandou por e-mail fotos das pinturas e antiguidades que vocês duas encontraram em
Knoxville neste fim de semana. Obrigado por ir com ela. As peças vão ficar bem com o novo mobiliário que
eu pedi.
Blue tinha considerado seriamente deixar seu orgulho de lado e pedir a April um pequeno emprésti-
mo. Com grandes bairros de toda a Knoxville, ela não teria qualquer dificuldade em encontrar clientes, e po-
deria reembolsar April em qualquer momento. Mas não pediu. Assim como uma criança brincando com fós-
foros, ela voltou. Tinha que ver o que iria acontecer a seguir.
— Então, como foi seu fim de semana? — Blue conseguiu deixar de lado a xícara de café sem qual-
quer pingo.
— Cheio de álcool e sexo desenfreado. O seu?
— Praticamente o mesmo.
Ele sorriu novamente.
— Eu voei para Chicago. Tinha alguns negócios para cuidar. E Annabelle era a única mulher que
passou algum tempo comigo enquanto eu estava lá, no caso de você estar interessada.
Ela estava muito interessada. Enrolou o lábio.
— Como se eu me importasse.
Dean puxou uma garrafa de água da bicicleta e inclinou a cabeça em direção ao celeiro.
— Pedi para a loja entregar duas bicicletas. A segunda é uma híbrido menor. Use-a sempre que qui-
ser.
Blue levantou-se para que pudesse dar-lhe seu melhor olhar osso duro de roer.
— Eu agradeço por isso, mas a minha gratidão acabou quando descobri que o meu dinheiro de prosti-
tuta está faltando na minha carteira. Você não saberia me dizer alguma coisa sobre isso, não é?
— Sim, me desculpe. — Ele apoiou o pé no degrau e tomou um gole da garrafa. — Eu precisava de
alguns trocados.
— Notas de cinquenta dólares não são trocados.
— Eles são em meu mundo. — Ele tirou a tampa.
— Você é tão irritante! Eu deveria ter ficado em Knoxville.
— Por que não ficou?
Blue desceu as escadas despretensiosamente, ou pelo menos esperava que assim tivesse aparentado.
— Porque estou rezando para Jack voltar. É uma oportunidade única pela vida toda. Tenho quase
certeza de que vou ser capaz de trabalhar minha coragem e pedir-lhe um autógrafo.
— Temo que você vai estar muito ocupada para isso. — Ele deu-lhe um longo olhar preguiçoso. —
Manter-me satisfeito na cama vai ser um trabalho em tempo integral.
A imagem que passou pela sua mente foi tão escaldante que ele e sua bike estavam a meio caminho
para o celeiro antes que ela respondesse de volta.
— Ei, Dean.
Ele olhou por cima de seu ombro. Ela protegeu os olhos do sol.
— Se você fala sério sobre tê-lo novamente, não se esqueça de avisar com antecedência, para que eu
possa pegar a minha agenda de compromissos e separar uns três minutos.
Ele não riu. Não que Blue esperasse. Mas não esperava ver a maneira como ele olhou para ela, como
se o hino nacional tivesse acabado de terminar e eles estavam começando um novo jogo.
Um pouco mais tarde, enquanto Blue limpava a cozinha, ouviu Dean sair. April chegou vestida com
roupas velhas e carregando uma pilha de panos.
— Aparentemente, Dean não conseguiu arranjar alguém na sexta-feira, — disse ela, — porque nin-
guém apareceu esta manhã, e eu não estou sentada o dia todo esperando por eles para terminar esta cozinha.
Tenho a tinta. Quer ajudar?
— Claro.
April desapareceu para dar mais um de seus telefonemas misteriosos e quando voltou, colocou Gwen
Stefani, e no momento em que Gwen cantou “Hollaback Girl”, tornou-se evidente que as habilidades de
dança de April superavam sua experiência de pintura, de modo que Blue dirigiu o trabalho.
Quando terminaram o trabalho de preparação, ouviram um carro, e poucos minutos depois, Jack Pa-
triot surgia vestindo jeans desgastados e uma camiseta apertada de sua última turnê. Blue não esperava que
ele voltasse, e tropeçou em nada. Ele agarrou-a quando ela estava prestes a entrar na bandeja do rolo. April,
que estava dançando “Baby Got Back”, parou imediatamente. Jack colocou Blue em seus pés.
— Alguma ideia do tempo que pode levar para você passar por isso? — Disse.
— Eu... Sim... Eu...Oh, meu Deus ... — Ela corou de suas raízes para baixo. — Sinto muito. Tenho
certeza que um monte de gente diz ser seu fã número um, mas eu realmente sou. — Ela apertou a mão em
seu próprio rosto quente. — Eu... Bem... Tive uma espécie de infância itinerante, mas suas canções estavam
sempre lá, não importa onde eu estava ou com quem estava vivendo. — Agora que ela começou, não podia
se deter, por mais que ele tivesse se desviado e ido para a cafeteira. — Tenho todos os álbuns. Todos eles,
mesmo Outta My Way, que sei que os críticos mandaram para lixeira. Mas eles estão errados porque é ma-
ravilhoso e 'Shouts’ é uma das minhas músicas favoritas, como se eu tivesse vendo direito no meu coração o
jeito que eu era. Então, oh merda, sei que estou balbuciando como uma idiota, mas no mundo real, Jack Pa-
triot não era apenas um artista pop em minha vida. Quero dizer, como é que alguém deveria se preparar para
isso?
Ele colocou açúcar em seu café e começou a mexer.
— Talvez eu pudesse autografar seu braço.
— Sério?
Ele riu.
— Não, não realmente. Eu não acho que Dean iria gostar muito.
— Ah. — Ela lambeu os lábios. — Eu acho que não.
Ele inclinou a cabeça na direção de April.
— Ajude-nos aqui fora.
April jogou o cabelo.
— Durma com ele, Blue. Isso vai trazê-la para a terra muito rápido. Ele é uma grande decepção.
Um sorriso lento curvou o canto da boca dele.
— Eu fico com a parte “uma grande”...
April baixou os olhos para sua virilha.
— Há algumas coisas que um homem não pode comprar, não importa o quão rico ele seja.
Jack apoiou um ombro contra o batente da porta e deixou seus olhos desempenharem uma lambida
quente abaixo do corpo dela.
— Eu ainda me inspiro em mulheres de língua afiada. Pegue um pedaço de papel para mim, April.
Sinto uma canção chegando.
Bolhas de sexo instalaram-se no ar entre eles. Eles podiam estar na casa dos cinquenta, mas surgiu
uma luxuria adolescente naquela cozinha. Blue meio que esperava as paredes começarem a suar e ela come-
çou a rumar fora da sala, apenas para tropeçar no pano.
O movimento quebrou o feitiço e April se virou. Jack inspecionou o teto onde Blue estava pintando.
— Deixe-me ter meu material descarregado e eu vou ajudar.
— Você sabe como pintar? — Perguntou Blue.
— Meu pai era um carpinteiro. Eu fiz um monte de trabalhos de construção, quando eu era criança.
— Vou ver Riley. — April passou por ele e dirigiu-se para a porta lateral.
Blue engoliu em seco. Ela estava se preparando para pintar a cozinha com Jack Patriot. Sua vida fi-
cava mais bizarra a cada minuto.
Capítulo Quatorze

Quando Dean voltou naquela tarde, viu Jack e April pintando silenciosamente as paredes opostas de
sua cozinha enquanto Coldplay tocava ao fundo. A tinta amarela brilhante salpicava April da cabeça aos pés,
mas Jack tinha apenas algumas manchas em suas mãos. Até ontem, Dean nunca tinha visto os dois juntos.
Agora eles estavam pintando a porra da cozinha.
Se afastou para encontrar Blue. No caminho, pegou seu Black Berry para verificar suas mensagens.
April havia enviado nos últimos dez minutos.
Nós só temos um galão de tinta amarela restando. Vou comprar mais.
Encontrou Blue na sala de jantar, trabalhando no teto. Ela parecia uma miniatura Bo Peep com um
rolo de pintura na mão. Sua camiseta verde salpicada larga quase até os quadris, cobrindo o corpo que estava
determinada a esconder dele. Não por muito tempo, no entanto. Ele apontou o polegar em direção à cozinha.
— O que está acontecendo lá dentro?
— Exatamente o que parece. — O pano de plástico rangeu sob seus pés enquanto ela se movia al-
guns passos para o lado. — Felizmente, Jack sabe o que faz, mas tive que ficar de olho em April.
— Por que você não os deteve?
— Até que o anel de casamento esteja no meu dedo, não tenho qualquer autoridade real aqui. — Ela
largou o rolo e estudou a parede mais longa. — April quer que eu faça uma pintura de mural.
Ela não parecia feliz com isso, mas Dean gostou da ideia de Blue pintar um mural. Gostava muito
mais dessa ideia do que ter seus pais pintando sua cozinha. Também seria uma maneira de mantê-la ali por
mais algum tempo.
— Vou enviar-lhe uma dúzia de minhas melhores cenas de ação, — disse ele. — Você pode escolher
a que mais gostar.
Ela sorriu como ele esperava, mas, em seguida, o sulco entre as sobrancelhas penetrou mais fundo.
— Eu não faço mais paisagens.
— É uma pena. — Ele abriu a carteira e tirou duzentos dólares em dinheiro. — Aqui estão os cem
dólares que peguei emprestado mais os outros cem da aposta imprudente. Acredito em pagar minhas dívidas.
Como esperava, ela não saltou para pegar o dinheiro, mas estudou-o em seu lugar.
— Um acordo é um acordo, — disse ele com toda a inocência. — Você ganhou.
Como Blue não pegou, Dean colocou as notas no bolso de sua camiseta, demorando apenas um mo-
mento mais do que o necessário. Ela podia não ter muita coisa lá, mas tinha o suficiente para ele. Agora, tu-
do o que ele precisava era de acesso ilimitado.
— Um pacto com o diabo, — disse ela tristemente. Dean escondeu o seu triunfo quando Blue pegou
o dinheiro, olhou para ele por um momento e depois devolveu, empurrando-o no bolso dele, infelizmente,
sem se demorar. — Dê a uma instituição de caridade que mantém as mulheres fora das ruas.
Pobre Castor. Ele poderia ter dito a ela quando fez a aposta que seus escrúpulos iriam impedi-la de
manter o dinheiro, mas ele não tinha feito isso porque não era estúpido.
— Bem, se você tem certeza.
Blue se virou para examinar as paredes.
— Se você acha que eu posso revelar alguma visão artística inovadora aqui, está errado. Minhas pai-
sagens são apenas comuns.
— Contanto que você não pinte nada muito feminino, ficaria feliz. Sem bailarinas ou senhoras velhas
carregando guarda-chuvas. E nada com coelhos mortos deitados em placas.
— Não se preocupe. Bailarinas e coelhos mortos seriam muito inovadores até para mim. — Ela se vi-
rou. — A vida é muito curta. Não estou fazendo isso.
Agora que ela plantou a ideia na cabeça, ele não estava pronto para deixa-la de lado, mas ia esperar
um pouco antes de pressionar.
— Onde está o meu cachorro?
Blue massageou o ombro, trabalhando uma torção.
— Acredito que o seu companheiro viril Puffy está em um piquenique no quintal com Riley.
Dean fingiu não ligar mas se virou antes de chegar ao corredor.
— Deveria ter lembrado de dizer isso, especialmente quando sei que você está ansiosa para que todas
as portas sejam definitivamente colocadas. Antes de sair para Chicago, visitei um homem que faz retoque.
Ele vive no município mais próximo, fora do alcance do boicote. Então fui capaz de convencê-lo a acelerar
as coisas. O que vai ser feito a qualquer momento.
Seus olhos brilharam.
— Você o subornou.
— Apenas um bônus de incentivo.
— A vida com certeza é mais fácil quando você é rico.
— E um sedutor nato. Não se esqueça dessa parte.
— Como eu poderia? — Ela respondeu. — É a única coisa que temos em comum.
Dean sorriu.
***
No momento em que Dean voltava de sua corrida, estava tudo bem. A casa estava em silêncio, exce-
to pelo jantar na copa, a cozinha tinha uma nova camada de tinta amarela. O SUV preto de Jack não estava,
ele e Riley devem ter ido jantar. Até agora, hoje, Dean tinha conseguido evitar todos eles, e tinha a intenção
de manter assim. Ele respirou o cheiro de tinta fresca e madeira nova. Imaginou-se possuir uma casa com
palmeiras e vista para o Pacífico, mas amava esta quinta com os seus cem acres. Tão logo se livrasse de seus
visitantes, seria perfeito. Exceto por Blue. Ele sentiu sua falta este fim de semana, e ele ainda não estava
pronto para ela ir embora.
Quando entrou na cozinha pintada, ouviu o barulho do chuveiro. Pegou os pacotes que deixou em seu
carro e subiu as escadas, onde colocou os sacos no chão com suas malas e olhou na direção da porta do ba-
nheiro. Roupas salpicadas de tinta azul estavam em uma poça no chão. Só um pervertido real empurraria
para trás o plástico que ela insistiu que ficasse pendurado na porta, e nunca ninguém o tinha acusado de ser
um pervertido. Em vez disso, ele deixaria o plástico onde estava e esperaria aqui como o cavalheiro que era,
ela sair.
Esperemos que nua.
A água parou de correr. Ele tirou a camisa e jogou para o lado, um movimento brega, mas ela gosta-
va de seu peito. Ele olhou para o plástico que vibrou e disse a si mesmo para não ter muitas esperanças. Ha-
via uma possibilidade real de ela sair com suas botas de combate e roupas camufladas.
Dean estava com sorte. Blue vestia apenas uma toalha branca presa sob os braços. Não era tão bom
quanto o nu, mas pelo menos ele podia ver suas pernas. Seu olhar seguiu um fio de água descendo o interior
de uma coxa.
— Fora! — Parecendo uma ninfa d’água provocadora, ela apontou o dedo na direção do corredor.
— Meu quarto, — disse ele.
— Eu tenho meus direitos.
— Como você sabe?
— Propriedade. Artigo nono da lei. Para fora.
— Preciso de um banho.
Blue fez um gesto em direção à porta do banheiro.
— Eu prometo não te incomodar.
Dean caminhou mais perto.
— Estou seriamente começando a me preocupar com você. — Quando chegou ao lado dela, sentiu o
cheiro do seu xampu favorito. Cheirava melhor nela. Seu cabelo estava molhado contra sua cabeça, e a cinti-
lação em seus olhos lhe disse que ele a estava deixando nervosa. Excelente. Deu-lhe uma lenta volta ao seu
redor. — Blue, estou seriamente começando a acreditar que você pode ser frígida.
— Sério?
Rodeou-a, percebendo a nuca macia e úmida de seu pescoço onde seu cabelo era repartido, a curva
suave de seus ombros estreitos.
— Eu não sei ... Você já pensou em ver um terapeuta sexual? Inferno, nós poderíamos ir juntos.
Blue sorriu.
— Não tive um menino tentando entrar em minha calcinha, dizendo-me que eu era frígida desde que
tinha quinze anos. Eu me sinto como uma criança novamente. Não, espere. Você que é assim.
— Você está certa. — Ele tocou-lhe o ombro com a ponta do dedo indicador e teve a satisfação de
vê-la arrepiar a pele. — Por que ir a um terapeuta quando podemos consertar essa disfunção aqui e agora?
— A lacuna. Você continua se esquecendo dessa lacuna que temos. Lembra-se? Você, lindo e inútil?
Eu, inteligente e trabalhadora?
— É chamado de química.
Seu pequeno bufo disse que ele tinha feito isso de novo. Em vez de manter seu foco na linha do gol,
ele não poderia resistir a brigar com ela. Foi um erro tático que ele nunca teria feito se ele tivesse alguma
prática em seduzir mulheres. Inferno. Até agora, apenas dizendo “Olá” tinha sido bom o suficiente. Ele fran-
ziu a testa.
— Que tal você parar de ser espertinha e se prepar para o nosso encontro?
— Nós temos um encontro?
Ele apontou para os sacos.
— Pegue qualquer coisa velha para vestir.
— Você me comprou roupas?
— Você não acha que eu deixaria você fazer compras para si mesma.
Ela revirou os olhos.
— Você pode querer fazer uma grande argumentação sobre isso, mas já passou muito do tempo de
lembrá-la quem está no comando. — Ele deixou cair as mãos até o cós da cueca. — Ou talvez você gostaria
de espreitar no chuveiro e ver por si mesma. Ele abriu a torneira.
Os olhos dela foram direto ao ponto. A parte superior do zíper. Ela parecia ter dificuldade em levan-
tar a cabeça, e quando ela finalmente levantou, ele deu o mesmo sorriso condescendente que usava com no-
vatos que não podiam fazer backup de suas conversas fiada. Em seguida, entrou no banheiro.
Blue viu o plástico se fechar atrás dele. O homem era um demônio. Seus dedos se contraíram. Ela
queria jogar fora a toalha, marchar até lá e conseguir o que queria. Dean era sua chance, uma-vez-na-vida
para jogar com profissionais e, se sua mãe não tivesse escolhido este momento em particular para esvaziar
suas contas bancárias, Blue poderia ter sido capaz de superar sua aversão ao sexo sem sentido e encarar a
viagem de uma hora para o vestiário.
Ela chutou de lado os sacos, resistindo à tentação de espreita-los e ver o que ele tinha comprado. Em
vez disso, vestiu calça jeans limpas e sua camisa de musculação preta recém-lavadas. Secou parcialmente
seu cabelo no banheiro do corredor, amarrou-o em um rabo de cavalo, pensou por um momento e depois
passou um pouco de rímel e brilho labial.
Desceu as escadas para esperar por ele na varanda da frente. Se eles fossem um casal real, ela poderia
ter se sentado na cama e observado-o se vestir. E que visão gloriosa teria sido. Com um suspiro de pesar,
olhou em direção ao pasto cheio de mato. Por esta altura, no próximo ano, os cavalos estariam pastando lá, e
ela não estaria por perto para vê-los.
Dean ficou pronto em tempo recorde, mas quando saiu na varanda, Blue avistou um top lavanda
transparente pendurado em seus dedos. Passou a roupa de um lado para o outro, sem dizer uma palavra, dei-
xando-a falar por si. O sol da tarde pegou uma pitada de pequenos grânulos de prata, como bolhas em uma
espuma do mar lavanda. O tecido oscilou de seus dedos, como o relógio de um hipnotizador.
— A coisa é, — ele finalmente disse. — você provavelmente não tem o sutiã certo. Já vi meninas em
clubes com tops como este, e que usam um sutiã com alças rendadas. Talvez uma cor contrastante. Estou
pensando que rosa seria bom. — Ele balançou a cabeça. — Ah, diabos, tenho vergonha por nós dois. — Sem
parecer nem um pouco constrangido, ele balançou a confecção de lavanda alguns centímetros mais perto. —
Eu tentei comprar alguma coisa com tiras e couro, mas juro que, se há uma loja de S&M por aqui, com cer-
teza não pude encontrá-la.
Ela entrou no Jardim do Éden, só que desta vez Adam estava segurando a maçã traiçoeira.
— Vá embora.
— Se você tem medo de afirmar sua feminilidade, eu entendo.
Blue estava cansada, com fome, e sentindo mais do que um pouco de pena de si mesma ou ela não o
teria deixado lançar a isca para ela.
— Tudo bem! — Ela agarrou a tentação de lavanda. — Mas você desistiu do cromossomo Y para fa-
zer isso!
Quando chegou lá em cima, ela arrancou sua camisa e colocou o vestuário de Satanás sobre sua ca-
beça. O plissado teve um caimento suave, onde ficava o cinto de sua calça jeans. Delicados laços de fita en-
rolada sobre seus ombros. Suas alças de sutiã mostravam que ele estava certo. É claro que estava certo. Ele
era um especialista em roupas íntimas femininas. Felizmente, o seu próprio sutiã era azul claro, e embora as
alças não fossem de rendas, eles não eram brancos também, e até ela sabia que teria sido uma forma imper-
doável de gafe ao Sr. Vogue Magazine lá embaixo.
— Há uma saia em uma daquelas sacolas, — ele disse ao subir as escadas. — apenas no caso de você
estar interessada em se livrar daqueles jeans.
Ignorando-o, ela tirou as sandálias, calçou as botas de motociclista pretas arranhadas, e desceu as es-
cadas.
— Isso é infantilidade, — ele disse enquanto olhava para seu calçado.
— Você está pronto para ir ou não?
— Não acho que já tenha conhecido uma mulher com mais medo de ser mulher. Quando você vê que
encolhe...
— Não comece. É a minha vez de dirigir.
Ela estendeu a mão com a palma para cima, e quase se engasgou quando ele passou as chaves sem
discutir.
— Eu entendo, — disse ele. — É preciso afirmar sua masculinidade.
Dean marcou a forma com muitos acertos verbais hoje, mas ela estava tão extasiada com a ideia de
dirigir o Vanquish que deixou isso passar.
O carro dirigia como em um sonho. Ela observou-o manobrar os remos na transmissão, e ele só fez
uma careta um par de vezes antes que ela pegasse o jeito de passar as marchas.
— Primeiro para a cidade, — disse ele quando chegaram à estrada. — Antes de comer, quero fazer
uma visita hostil a Nita Garrison.
— Agora?
— Você não acredita seriamente que vou deixar ela se safar dessa? Não é o meu estilo, Bluebell.
— Eu poderia falar alguma coisa, mas não acho que sou exatamente a melhor pessoa para ir ver Nita
Garrison com você.
— É por isso que você vai esperar no carro enquanto encanto o velho morcego.
Sem aviso, ele se aproximou e começou a brincar com o lóbulo de sua orelha. Suas orelhas eram in-
crivelmente sensíveis e ela quase saiu da estrada. Assim que ela abriu a boca para dizer-lhe para manter suas
mãos para si mesmo, ele colocou algo no pequeno buraco. Ela olhou para o espelho retrovisor. Um pingo
roxo piscou para ela.
— É tudo questão de acessórios, — disse ele. — Vou colocar o outro quando parar.
— Você comprou brincos para mim?
— Sim. Estava com medo de você aparecer usando porcas.
De repente, Blue tinha seu próprio estilista, e não era April. Ela se perguntou se ele viu a conexão.
Suas contradições adicionadas ao seu fascínio. Um homem com tal masculinidade não deveria amar as coi-
sas tão belas. Ele só deveria amar as coisas suadas. Blue odiava quando as pessoas se recusavam a caber nos
escaninhos. Ele tornou a vida obscura.
— Infelizmente, essas não são pedras de verdade, — disse ele. — Minhas opções de compras eram
limitadas.
De verdade ou não, ela as amou.
A casa senhorial de Nita Garrison ficava em uma rua de sombra à duas quadras do centro da cidade.
Construída com a mesma pedra bronze do banco e da Igreja Católica, tinha um telhado baixo e uma formi-
dável fachada italiana. Frontões de pedra cobertos de nove grandes janelas duplas, quatro no piso térreo e
cinco acima, com uma no meio mais ampla do que as demais. Os terrenos eram quase demasiadamente bem
conservados, com grama severamente delineada de arbustos impiedosamente cortados.
Blue parou em frente.
— Aconchegante como uma penitenciária.
— Eu parei aqui antes, mas ela não estava em casa.
O braço de Dean roçou a parte de trás do pescoço Blue e seu polegar oposto roçou seu rosto enquan-
to ele deslizava o outro brinco em seu lóbulo. Ela estremeceu. Parecia mais íntimo do que sexo. Obrigou-se
a quebrar o feitiço.
— Empresto se você quiser usá-los a noite.
Em vez de responder, Dean esfregou o brinco e seu lobo suavemente entre os dedos.
— Muito bom.
Blue estava prestes a expirar luxúria, quando ele a deixou. Dean abriu a porta e saiu, depois inclinou-
se para olhar para trás para ela.
— É melhor estar no seu assento quando eu sair.
Ela puxou o brinco roxo.
— Não ia seguir você. Apenas um giro rápido em torno do quarteirão para não ficar entediada.
— Ou não. — Ele atirou-lhe com o velho dedo pistola.
Blue recostou-se no assento confortável e assistiu-o andar para a porta da frente. A cortina se agitou
em uma janela de canto. Ele apertou a campainha e esperou. Quando ninguém respondeu, apertou novamen-
te. Ainda nada. Dean bateu na porta com os nós dos dedos. Ela franziu a testa. Nita Garrison não aceitaria
bem a isso. Se ele tivesse esquecido a prisão de Blue há quatro dias?
Dean desceu os degraus da frente, mas o alívio durou pouco, porque, em vez de desistir, ele andou
todo o lado da casa. Só porque Nita era idosa e mulher, ele pensou que poderia não tê-lo escutado. Ela pro-
vavelmente já chamou a polícia. Garrison não era Chicago. Garrison era a essência dos pesadelos Yankee,
uma pequena cidade do sul com seu próprio conjunto de normas. Dean iria acabar na cadeia, e Blue nunca
iria conseguir seu jantar. Ela foi atingida por um pensamento igualmente alarmante. Eles confiscariam seu
belo carro.
Blue saltou. Se não o impedisse, o Vanquish iria acabar em um desses leilões da polícia. Ele estava
tão acostumado com seu famoso nome abrindo todas as portas que se achava invencível. Dean subestimava
completamente a autoridade desta mulher.
Ela seguiu um caminho de tijolos ao redor da lateral da casa e encontrou-o olhando em uma janela.
— Não faça isso!
— Ela está lá, — disse ele. — Eu posso sentir o cheiro de enxofre.
— Claramente, ela não quer falar com você.
— Difícil. Eu quero falar com ela. — Ele olhou ao virar da esquina. Rangendo os dentes, ela foi atrás
dele.
Um pátio de grama bem cuidada e uma fileira de arbustos rigidamente cortados crescia na frente da
garagem, que foi feita da mesma pedra bronze como a casa. Nenhuma flor à vista, apenas concreto vazio.
Ignorando seus protestos, ele aproximou-se da porta dos fundos, que ficava sob uma pequena saliência su-
portada pelos mesmos suportes esculpidos que ornamentaram as beiradas. Quando girou a maçaneta e abriu
a porta, Blue começou sibilando como um gato molhado.
— Nita Garrison vai chamar a polícia! Dê-me sua carteira antes que vá preso.
Ele olhou por cima de seu ombro.
— O que você quer com a minha carteira?
— Jantar.
— Isso é frio, mesmo para você. — Ele enfiou a cabeça dentro da casa. Um cão deu um baixo chiado
rouco, então veio o silêncio. — Sra. Garrison! É Dean Robillard. Você deixou sua porta aberta. E foi entran-
do.
Blue olhou para a porta, em seguida, deixou-se cair um passo para trás. Nem mesmo o Departamento
de Polícia de Garrison poderia prendê-la se ela não entrasse, poderiam? Ela apoiou os cotovelos sobre os
joelhos, pronta para esperar por ele.
Uma voz feminina quebrou a noite tranquila.
— O que você pensa que está fazendo? Saia daqui!
— Eu sei que isto é uma pequena cidade, Sra. Garrison, — Dean disse lá de dentro, — mas você de-
ve realmente manter suas portas trancadas.
Em vez de recuar, sua voz ficou mais alta e estridente. Mais uma vez, Blue detectou um vestígio de
Brooklyn.
— Você me ouviu. Sai fora!
— Logo depois que conversarmos.
— Não vou conversar com você. O que você está fazendo aí, garota?
Blue virou para ver a Sra. Garrison pairar sobre ela na porta. Ela usava maquiagem completa, uma
grande peruca platina, calças azuis e uma túnica combinando, além dos acessórios com pingentes de ouro.
Esta noite, os tornozelos pesados se derramavam sobre um par de chinelos magenta desgastados.
Blue foi direto ao ponto.
— O que eu não estou fazendo é entrar.
— Ela está com medo de você, — disse Dean de algum lugar no interior. — Eu não estou.
Sra. Garrison apoiou as duas mãos sobre sua bengala e considerou Blue como se fosse uma barata.
Blue relutantemente levantou.
— Eu não tenho medo de você, — ela disse. — mas não tenho comido desde o café da manhã e tudo
o que vi na prisão foi uma máquina de café automática.
Sra. Garrison deu um bufo desdenhoso e se arrastou em direção a Dean.
— Você cometeu um grande erro, Sr. “Hotshot”
Blue espiou para dentro.
— Não é culpa sua. Ele levou muitos golpes na cabeça. — Cedendo a curiosidade, ela cruzou o limi-
ar.
Ao contrário do aspecto forte do exterior, o interior da casa estava confuso e bagunçado. Pilhas de
jornais se viam pela porta dos fundos, e os pisos cerâmicos salpicados de ouro poderiam precisar de uma boa
lavagem. Cartas jaziam espalhadas pela mesa provincial francesa, que também tinha uma tigela vazia de ce-
real, uma caneca de café e uma casca de banana. Embora a casa não fosse assustadoramente imunda, tinha
um cheiro de mofo e um olhar azedo. Um velho labrador preto, superalimentado com um focinho grisalho
jazia estatelado no canto, onde algumas das costuras no papel de parede com listras douradas começavam a
enrolar. As cadeiras da cozinha douradas e o pequeno lustre de cristal deu à cozinha um berrante ambiente
Las Vegas.
Nita levantou a bengala.
— Vou chamar a polícia.
Blue não aguentava mais.
— Uma palavra de advertência, Sra. Garrison. Dean parece ser um cara legal na superfície, mas a
verdade brutal é, não há um jogador na NFL que não seja metade animal. Ele apenas esconde-o melhor do
que a maioria.
— Você realmente acha que pode me assustar? — Nita zombou. — Eu cresci nas ruas, querida.
— Estou apenas apontando a realidade da situação. Você o perturbou, e isso não é bom.
— Esta é a minha cidade. Ele não pode me fazer qualquer coisa.
— Isso é o que você pensa. — Blue passou por Dean, que tinha se agachado para acariciar o velho
labrador preto. — Os jogadores de futebol fazem suas próprias leis. Eu sei que você está acostumada a ter a
força policial local em seu bolso traseiro, e que foi um truque sujo o que você fez na semana passada, mas
no minuto em que Dean começar a dar autógrafos e distribuir um punhado de ingressos para o jogo, os poli-
ciais não vão se lembrar do seu nome.
Blue teve que entregá-lo ao velho morcego. Em vez de recuar, ela sorriu para Dean.
— Você acha que isso vai funcionar, não é?
Dean deu de ombros e se levantou.
— Eu gosto de policiais, posso dar uma parada na estação para visitar. Mas, francamente, estou mais
interessado no que o meu advogado diz sobre este pequeno boicote seu.
— Os advogados. — Ela cuspiu a palavra, em seguida, começou a falar com Blue novamente, o que
era além do injusto, pois Blue tentava mediar. — Você está pronta para pedir desculpas pelo jeito que falou
comigo na semana passada?
— Você está pronta para se desculpar com Riley?
— Por dizer a verdade? Eu não acredito em crianças mimadas. Pessoas como você querem resolver
cada pequeno problema para eles para que nunca aprendam a cuidar de si mesmos.
— Essa criança em especial acaba de perder sua mãe, — disse Dean com suavidade enganosa.
— Desde quando que a vida é justa? — Ela estreitou os olhos, enrugando ainda mais sua sombra de
olho azul fosca. — É melhor que eles entendam como são as coisas quando são jovens. Quando eu tinha sua
idade, passei minhas noites dormindo na escada de incêndio para fugir do meu padrasto. — Ela bateu na me-
sa com seu quadril, e a caneca de café rolou para o chão, seguido por uma pilha de lixo eletrônico. Nita fez
um gesto vago na direção da bagunça. — Ninguém nesta cidade está disposto a fazer tarefas domésticas.
Agora todas as meninas negras vão para a faculdade.
Dean esfregou sua orelha.
— Aquele maldito Abe Lincoln.
Blue freou um sorriso.
Nita olhou de cima a baixo.
— Você é um cara sábio de verdade, não é?
— Sim, senhora.
A forma pratica que ela o levou, sugeriu que ela tinha avaliado mais do que seu quinhão de homens
de boa aparência. Ao mesmo tempo, não havia nada coquete em sua maneira.
— Você dança?
— Eu não acho que estamos chegando a nos dar bem o suficiente para isso.
Seus lábios se apertaram.
— Ensinei na Arthur Murray em Manhattan por muitos anos. Dança de salão. Eu era muito bonita.
— Ela olhou para Blue com desgosto, deixando claro que Blue não era. — Você está desperdiçando seu
tempo com ele. Você é muito simples.
Dean levantou uma sobrancelha.
— Ela não é...
— Isso é o que ele gosta em mim, — disse Blue. — Eu não roubo o centro das atenções.
Dean suspirou.
— Você é uma idiota, — Nita zombou. — Conheço homens como ele toda a minha vida. No final,
eles sempre escolhem as mulheres do jeito que eu costumava ser. Seios grandes, cabelos loiros e pernas lon-
gas.
Nita tinha batido o prego na cabeça dela, mas Blue não iria desistir sem lutar.
— A menos que eles sejam cross-dressing. Então, é tudo sobre a mulher com a lingerie mais bonita.
— Você vai me avisar quando acabar? — Dean disse.
— Quem é você, afinal? — A velha arremessou a pergunta para Blue como uma bomba de fedor.
— Sou uma pintora de retratos. Cães e crianças.
— Sério? — Seus olhos brilharam com interesse. — Bem, então talvez eu a contrate para pintar Tan-
go. — Ela inclinou a cabeça em direção ao cão velhinho. — Sim, acho que vou. Você pode começar ama-
nhã.
— Ela já tem um emprego, Sra. Garrison, — disse Dean. — Ela trabalha para mim.
— Você está dizendo a todos na cidade que ela é sua noiva.
— Ela é. E sei que ela vai ser a primeira a dizer que sou um trabalho em tempo integral.
— Bobagem. Você está apenas mantendo-a para que ela continue dormindo com você. O minuto que
você se cansar, vai despejá-la.
Dean não gostava disso.
— Por respeito a sua idade, Sra. Garrison, vou deixar isso passar. Agora você tem 24 horas para can-
celar seu boicote.
Ignorando-o, ela virou-se para Blue.
— Eu quero você aqui à uma da tarde de amanhã para começar a pintar o retrato de Tango. Uma vez
que você aparecer, vou dizer aos homens para voltar ao trabalho.
— Chantagem geralmente é um pouco mais sutil, — disse Blue.
— Estou velha demais para ser sutil. Eu sei o que quero, e tenho certeza que entende.
— Você não entende, Sra. Garrison, — disse Dean. — O que você vai conseguir é um monte de pro-
blemas para si mesma. — Ele agarrou o cotovelo de Blue e conduziu-a para fora da porta.
***
Quando eles voltaram para o carro, Dean não disse muito além de mandar Blue nunca mais chegar
perto da Sra. Garrison novamente. Já que Blue odiava ordens, ficou tentada a discutir com ele em princípio,
mas não tinha a intenção de deixar a velha infligir mais perturbação. Além disso, queria aproveitar a noite.
Eles pararam em frente a uma construção térrea com telhado azul e com uma placa amarela sobre a
entrada que dizia Barn Grill.
— Eu pensei que este lugar fosse um celeiro real, — disse ela, enquanto caminhavam em direção à
porta.
— Era, a primeira vez que vim aqui. Então descobri que foi ideia do atual proprietário.
O som de Tim McGraw cantando “Don´t Take a Girl” flutuou através da porta quando entraram em
uma área de entrada com paredes de treliça castanho escura e um aquário que tinha um castelo laranja Day-
Glo fixado em uma cama de pedras azuis fluorescentes. O espaçoso restaurante foi dividido em duas seções,
com um bar na frente. Sob um par falso de abajures Tiffany, um barman que parecia Chris Rock preenchia
um par de canecas de cerveja. Ele saudou Dean quando o viu. Os clientes do bar viraram em suas mesas e
imediatamente ganharam vida.
— Hey, Boo, onde você esteve todo fim de semana?
— Essa é uma camisa fabulosa.
— Nós estivemos falando sobre a próxima temporada, e...
— Charlie acha que você deve ir para o corra e atire.
Eles agiram como se o tivesse conhecido desde sempre, apesar de Dean ter dito a ela que só tinha
comido ali umas duas vezes. A intimidade instantânea que as pessoas demonstravam a ele a fez se alegrar
por não ser famosa.
— Normalmente, eu adoraria falar de esportes com vocês, rapazes, mas esta noite eu prometi a mi-
nha noiva que não faria. — Dean passou o braço em volta dos ombros. — É o nosso aniversário, e vocês sa-
bem como são sentimentais as senhoras.
— Aniversário? — Perguntou o sósia do Chris Rock.
— Seis meses completos desde a minha pequena querida aparecer com meu pedido de farmácia em
casa.
Os homens riram. Dean dirigiu-se a parte traseira do restaurante.
— Farmácia em casa? — Disse ela. — Desde quando você desistiu de sua cidadania Yankee?
— Desde que me tornei um proprietário de terras do sul. Automaticamente me fez bilíngue.
A meia parede coberta com treliças marrom, uma fileira de palha Chiante e garrafas dividiram o res-
taurante do bar. Ele guiou-a para uma mesa vaga e puxou uma cadeira.
— Esses senhores e rapazes no bar? Um é um juiz do condado, o grande homem é o diretor da esco-
la, e o careca é um cabeleireiro gay. Eu amo o Sul.
— É um bom lugar para ser um excêntrico, admito isso. — Ela esticou o braço sobre a toalha de vinil
vermelho para a cesta de biscoitos e pegou um pacote de salgadinhos. — Estou surpresa que vão atendê-lo.
Nita Garrison deve ter mexido seus pauzinhos.
— Estamos fora dos limites da cidade, e esta é uma propriedade que ela não possui. Há também um
general. O que ela não sabe não a machuca.
— Você realmente foi ao seu advogado?
— A boa notícia é que vou ganhar. A má notícia é que ele vai levar meses.
— Eu não vou pintar Tango.
— Droga, certo, você não vai.
Ela descartou o saltine obsoleto. Três quartos das mesas estavam completos e a maioria dos ocupan-
tes estavam estudando-a. Não foi difícil descobrir o porquê.
— Parece muita gente para uma noite de segunda-feira.
— Nenhum outro lugar para ir. Nas noites de segunda-feira ou é o Barn Grill ou o estudo da Bíblia
no Second Baptist. Ou talvez terça-feira seja o Second Baptist. O cronograma de estudo da Bíblia na cidade
é mais complicado do que ofensivas acrobacias em linha estelar.
— Você gosta daqui, não é? Não apenas a fazenda. Vida da cidade pequena.
— É diferente.
A garçonete apareceu com os menus. Seu rosto magro e azedo imediatamente torceu em um sorriso
simplesmente ignorado por Dean.
— Meu nome é Marie e serei sua atendente esta noite.
— Que bom conhecê-la, Marie, — Dean demorou. — O que tem de bom hoje à noite?
Marie ignorou Blue e recitou os especiais só para ele. Dean ficou com o churrasco de frango com sa-
lada. Blue escolheu um prato frito, juntamente com uma coisa chamada “batata suja”, que provou ser uma
mistura de purê de batatas, creme de leite e cogumelos em calda. Enquanto ela o lambia, Dean comeu seu
frango sem a pele, acrescentou apenas uma pequena porção de manteiga em sua batata cozida e recusou a
sobremesa, o tempo todo conversando amigavelmente com as pessoas da cidade que interrompiam sua refei-
ção. Ele a apresentou a todos como sua noiva. Quando eles finalmente tiveram um momento a sós, ela se
dirigiu a ele enquanto comia um grande e gosmento pedaço de torta.
— Como é que você vai explicar o rompimento do nosso noivado depois que eu for embora?
— Não vou. Na medida em que esta cidade está preocupada, vou ficar comprometido até que haja
uma boa razão para eu não ser contratado.
Ele olhou para ela e para a sobremesa.
— Onde você está colocando toda essa comida?
— Não tenho comido desde o café da manhã. Sem espertezas, Dean. Falo sério. Você pode romper o
noivado, dando-me uma doença fatal ou dizendo que você me pegou com outro homem. Ou mulher —
Acrescentou ela rapidamente. — Prometa-me.
— Só por curiosidade puramente lasciva, você já esteve com uma mulher?
— Pare de brincar. Eu quero a sua palavra.
— Ok, vou dizer que você me deixou.
— Como alguém vai acreditar nisso. — Ela pegou outro pedaço de torta. — Então foi isso que acon-
teceu com você?
— O quê? Ser dispensado? Claro.
— Quando?
— Em algum momento. Não me lembro exatamente.
— Nunca. Aposto que você nunca já foi dispensado.
— Claro que sim. Tenho certeza. — Ele tomou um gole de cerveja e pensou sobre isso. — Eu me
lembro. Annabelle me deixou.
— A esposa do seu agente? Eu pensei que você disse que nunca saiu com ela.
— Eu não saí. Ela disse que eu era imaturo, que eu admito ser verdade na época, e ela se recusou a
namorar comigo.
— Eu não vejo como isso constitui ser dispensado.
— Hey, divida alguma coisa comigo aqui.
Blue sorriu e ele sorriu de volta, e algo dentro dela derreteu, junto com o último pedaço de torta. Ela
rapidamente se desculpou e se dirigiu para o banheiro.
Foi quando o problema começou.

Capítulo Quinze

Blue notou a mulher anteriormente magra, feição amarga, com maquiagem dura e cabelos tingidos de
preto. A mulher e o homem peludo que compartilhavam uma mesa, beberam durante toda a noite. Ao con-
trário de tantos outros clientes do restaurante, nenhum deles se aproximou de Dean. Em vez disso a mulher
encarava Blue. Quando Blue passou pela mesa, a mulher a chamou em uma voz embriagada:
— Venha aqui para que eu possa falar com você, Pee Wee.
Blue ignorou e entrou no banheiro. Tinha acabado de fechar a porta do box no banheiro, quando a
porta de fora se abriu e a mesma voz beligerante se intrometeu.
— Qual é o problema, Pee Wee9? Você se acha boa demais para falar comigo?
Blue começou a dizer à mulher que ela não falava com bêbados quando uma voz masculina conheci-
da intrometeu.
— Deixe-a em paz. — Dean o encantador tinha sido substituído pelo general de campo, que exigia
obediência imediata.
— Você me toca, imbecil, e eu grito estupro, — a mulher rosnou.
— Oh, não, você não vai. — Blue abriu sua porta. — Qual é o seu problema?
A mulher estava sob a luz amarela dos sumidouros, com a grande estrutura de Dean, de ombros lar-
gos, enchendo a porta aberta à sua esquerda. Seu sorriso de escárnio, a saliência de seu quadril, a bobina de
seu cabelo morto e tingido, tudo sinalizava alguém amargurado com o mundo e determinado a fixar suas fa-
lhas em Blue.
— Você passou por mim, esse é o meu problema.
Blue bateu a mão em seu quadril.
— Senhora, você está bêbada.
— Então o quê? Durante toda a noite você estava sentada ali, parecendo como se fosse melhor do
que todas as mulheres aqui, só porque está fodendo com o merda do Sr. Quente.
Blue se atirou para a frente só para ter Dean enrolando seu braço ao redor da cintura dela e puxá-la
de volta.
— Não faça isso. Ela não vale a pena.
Blue não tinha a intenção de lutar contra ela, mas apenas esclarecê-la.
— Deixe-me ir, Dean.
— Escondendo-se atrás de seu grande mau namorado? — A mulher escorneou quando Dean dirigiu
Blue em direção à porta.
— Eu não tenho que me esconder atrás de ninguém. — Blue plantou seus pés e empurrou-o pelo bra-
ço. Ele não se moveu.
O urso grisalho com quem a mulher estava sentada assomou à porta. Ele lembrava um barril, com
uma mandíbula quadrada e bíceps que pareciam tatuados com barris de cerveja. A mulher estava muito fo-
cada em Blue para perceber.
— Seu grande, rico namorado quer ter certeza de que você não fique muito confusa para ele foder es-
ta noite.
9
Ator e Cantor do Pee Wee playhouse e Hermann Show.
Dean fez uma careta no espelho.
— Senhora, você é uma boca-suja, o que não é desculpa para um ser humano.
O urso grisalho se inclinou para olha-la.
— O que você está fazendo aí, Karen Ann?
— Eu vou te dizer o que ela está fazendo, — Blue replicou. — Ela está tentando comprar uma briga
comigo porque errou na vida dela, e quer fixar toda a sua miséria em outra pessoa.
A mulher agarrou a borda da pia para se sustentar.
— Eu trabalho para ganhar a vida, cadela. Eu não levo desaforo de ninguém. Quantas vezes você tem
que explodir o figurão até que ele pague seu jantar?
Dean deixou cair o braço.
— Vai Blue.
— Ãh?
Karen Ann balançou para a frente. Ela era uma cabeça mais alta e pelo menos trinta quilos mais pe-
sada do que Blue, mas estava incrivelmente bêbada.
— Vamos lá, Pee Wee, — zombou. — Vamos ver se você luta tão bem quanto chupa um pau.
— Não ouse! — Blue não sabia por que Karen Ann havia declarado guerra contra ela, e não se im-
portava. Atravessou o chão de ladrilhos. — Eu recomendo fortemente que você peça desculpas, minha se-
nhora.
— Foda-se. — Curvando os dedos em garras, Karen Ann tentou agarrar o cabelo de Blue.
Blue se abaixou e deu-lhe uma ombrada.
Com um clamor de dor, a mulher perdeu o equilíbrio e caiu no chão.
— Porra, Karen Ann! Levante-se! — O urso grisalho se projetou para a frente só para ter Dean blo-
queando seu caminho.
— Fique fora disso.
— Quem é que vai me impedir?
A boca de Dean curvou em um sorriso letal.
— Você não acha seriamente que vai passar por mim, não é? Não é o suficiente que Pee Wee tenha
chutado a bunda da sua namorada?
Isso não era exatamente verdade. “Pee Wee” tinha apenas dado a mulher que estava embriagada um
empurrão, mas que tinha sido excepcionalmente bem colocado, batendo em Karen Ann bem no plexo solar.
Agora Karen Ann estava enrolada em uma vírgula e respirava ofegante por ar.
— Você está pedindo por isso, idiota. — O urso grisalho balançou.
Dean bloqueou o soco, mesmo sem mover os pés. A multidão vaiou, inclusive Blue, o homem, se-
gundo Dean, era juiz do condado. Grisalho cambaleou e bateu no batente da porta. Seus olhos se estreitaram
e ele tentou novamente. Dean se esquivou, o que enviou Grisalho ao dispensador de toalha. Endireitou-se e
veio a Dean novamente. Desta vez, ele teve sorte e trombou com o ombro machucado de Dean, o que Dean
não gostou nem um pouco. Blue pulou para fora do caminho quando seu falso noivo parou de brincar e ficou
sério.
Uma alegria horrível rastejou através dela quando assistiu seu contra-ataque cirurgicamente eficiente.
Poucas coisas na vida são tão preto e branco como esta, e justiça sendo feita tão rapidamente encheu-a de
orgulho. Se apenas Dean, com sua grande força, reflexos rápidos, e cavalheirismo estranho, pudesse endirei-
tar todos os males do mundo, então Virginia Bailey não teria que fazê-lo.
Quando o grisalho estava deitado no chão, o grande homem careca que Dean tinha apontado anteri-
ormente como o diretor da escola surgiu da multidão.
— Ronnie Archer, você ainda tem o cérebro de uma pulga. Controle-se e dê o fora daqui.
Grisalho tentou rolar para suas costas, mas não conseguiu muita coisa. Karen Ann, entretanto, se ar-
rastou para ficar em pé.
O cabeleireiro e o barman puxaram Grisalho a seus pés. A julgar por suas expressões, ele não era o
cara mais popular da cidade. Um dos homens colocou uma toalha de papel para ele para estancar o sangue,
enquanto o outro levou-o para fora da porta. Blue foi até Dean, mas se não por um cotovelo ralado e alguma
sujeira em seus jeans, ele não parecia que sofreu qualquer desgaste.
— Isso foi divertido. — Ele contornou-a conferindo algum dano. — Você está bem?
Sua luta tinha acabado antes de ter começado, mas ela apreciava sua preocupação.
— Eu estou bem.
O som de vomitar finalmente parou. O dono do lugar saiu com uma Karen Ann com cara de pastel
balançando ao seu lado.
— Nós não gostamos desses dois fazendo isso, parecemos como um bando de caipiras bêbados na
frente de estranhos. — Ele a levou no meio da multidão. — Gastar o resto de sua vida escolhendo brigas
com toda mulher pequena que lembra a você de sua irmã?
Blue e Dean se entreolharam.
Após os bêbados serem expulsos, o juiz do condado, Gary o cabeleireiro, o Chefe, e uma mulher que
todos chamavam de Syl, que acabou por comprar a loja de revenda local, insistiu em pagar a Dean e Blue
uma bebida. Eles aprenderam rapidamente que Ronnie era um idiota, mas não mau. Que Karen Ann era
simplesmente como sua aparência e cabelos mau tingidos diziam, mesmo antes de sua bonita e delicada irmã
mais nova Lyla fugir com o marido de Karen Ann e o mais condenável, com o vermelho Trans Am10 de Ka-
ren Ann.
— Ela com certeza amava aquele carro, — disse o juiz Pete Haskins.
— A irmã de Lyla, quando saiu, tinha apenas o tamanho de Blue e o cabelo escuro, embora o dela ti-
nha um pouco mais de forma, — Gary apontou.
— Não me diga, — Dean murmurou.
— Karen Ann arranjou confusão com Margo Gilbert um par de semanas atrás, — Syl apontou, — e
ela não parece tanto com Lyla como Blue.
Pouco antes de Blue e Dean saírem, o bartender, sósia de Chris Rock, cujo nome verdadeiro era Jas-
on, concordou em não servir Ronnie ou Karen Ann mais de uma bebida a noite, nem mesmo durante as
quartas-feiras quando se pode comer um buffet italiano, que era o favorito de Ronnie.
***
O cheiro do scotch fazia cócegas nas narinas de April quando sentou-se no bar. Precisava de uma be-
bida e um cigarro, exatamente nessa ordem.
Só por hoje.
— Soda clube com um toque, —disse ao jovem barman bonitão quando ela tragou no fumo passivo.
— Emocione-me e sirva em um copo de Martini.
Ele sorriu e deixou seus olhos vagarem.
— É isso aí.
Não muito mais, pensou. Olhou para sua rasteira salmão da Marc Jacobs. Estava ficando com joane-
te. Minha vida nos sapatos, pensou. Plataformas de cinco polegadas, botas de todos os tamanhos e forma;
estiletes, estiletes, mais estiletes. E agora, rasteirinhas.
Precisava ficar longe da fazenda esta noite, longe do desdém de Dean, mas, principalmente, longe de
Jack. Foi para a cidade mais próxima a fim de encontrar a solidão naquela churrascaria chique. Embora não
planejasse parar no bar meio vazio antes de comer, velhos hábitos tinham direcionado-a a entrar.
Todos os dias, pareciam como um suéter sendo desabotoado pouco a pouco. Não tinha imaginado
que nada poderia ser mais difícil do que o temperamento de Dean, mas passar horas pintando a cozinha com
Jack hoje tinha despertado muitas emoções feias que lutavam para romper a superfície de sua serenidade su-
adamente conquistada. Felizmente, Jack não estava mais ansioso para falar do que ela, e tinha mantido a
música alta o suficiente para fazer a conversa impossível.
Todo homem no bar havia notado sua chegada. Tão ruim quanto a música de elevador, dois empresá-
rios japoneses a estudaram. Desculpe, pessoal. Eu não trabalho mais em pares. Um homem na casa dos qua-
renta anos com mais dinheiro do que gosto olhou para ela. Não era o seu dia de sorte.
E se, depois de todo o seu trabalho duro, toda a cura que ela tinha feito, Jack Patriot, mais uma vez
conseguisse lançar seu feitiço sobre ela? Ele foi sua loucura, sua insanidade, o início de sua ruína. E se isso
acontecesse de novo? Mas não podia. Ela controlava os homens hoje. Eles não a controlavam.
— Tem certeza que não quer um duplo? — Disse o garçom bonitão.
— Não. Estou dirigindo.
Ele sorriu e acrescentou uma dose fresca de club soda.
— Se você precisar de mais alguma coisa, me avise.
— Eu vou fazer isso.
Os bares e clubes eram onde tinha perdido sua vida, e às vezes ela precisava voltar para que pudesse
se lembrar que a menina ansiosa que se tornou uma cadela drogada por rebaixar-se com qualquer homem
que chamava sua atenção já não existia. Ainda assim, era uma prática perigosa. As luzes se apagam, o tilin-
10
Como chamam os carro modificados tipo os nossos bugres.
tar de cubos de gelo, o cheiro sedutor de licor. Felizmente, isso não era muito como um bar, e uma versão
brega instrumental de “Start Me Up” começou a tocar tão mal que não ficou tentada a permanecer ali. Quem
fazia aquilo devia ser jogado na cadeia.
Seu celular vibrou no bolso. Verificou o identificador de chamadas e respondeu rapidamente.
— Mark!
— Deus April, preciso tanto de você....
April voltou para a casa um pouco antes da meia-noite. Nos velhos tempos, a noite teria apenas co-
meçado. Agora, tudo o que queria fazer era dormir. Mas, quando saiu do carro, ouviu a música vinda do
quintal. Um solo de violão e som familiar de um rouco barítono.
“Quando você está sozinha à noite,
Você pensa em mim, querida,
Como eu penso em você?”
A terra tinha mais cascalho agora, e ele segurou as palavras mais para trás na garganta, como se ele
não pudesse suportar deixá-las ir. April entrou na casa e largou a bolsa. Por um momento, ficou onde estava,
com os olhos fechados, ouvindo, tentando manter-se para trás. Em seguida, fez o que sempre fazia, e seguiu
a música.
Jack estava sentado de frente para a lagoa escura. Em vez de uma cadeira de gramado com seus bra-
ços de metal, ele arrastou uma cadeira da cozinha sem braços. Uma vela robusta estava em um pires na gra-
ma não muito longe de seus pés para que ele pudesse ver e anotar uma letra no bloco de papel deitado ao
lado dela.
“Baby, se você soubesse
A mágoa que me fez passar,
Você iria chorar,
Chorar como eu. “
Os anos passaram, mas ele se enrolava sobre seu violão como ela lembrava, acariciando, persuadin-
do, inflamando. A luz da vela cintilou em um par de óculos de leitura deitado em cima de seu bloco de ano-
tações. O selvagem, de cabelos compridos, rock-and-roll rebelde de sua juventude tinha se transformado em
um estadista. Ela poderia ter, deveria ter voltado para dentro, mas a música era muito doce.
“Você já desejou parar a chuva
Para que então não se sentisse sozinha de novo?
Você já desejou que o sol se fosse?”
Jack a viu mas não parou. Em vez disso, tocou para ela como costumava fazer, e a música ondulava
sobre sua pele como óleo quente. Quando o último acorde finalmente derivou na escuridão, ele deixou sua
mão cair para o joelho.
— O que você acha?
A menina selvagem que ela tinha sido teria se enrolado a seus pés e pedido para tocar novamente.
Ela teria dito a ele que precisava limpar a mudança de acorde no final do primeiro verso e que ela podia ou-
vir um órgão Hammond B3 varrendo no coro. A mulher adulta deu de ombros, indiferente.
— Patriot Vintage.
Foi a coisa mais cruel que poderia ter dito. A obsessão de Jack com a exploração de novos caminhos
musicais era tão lendária quanto seu desprezo pelos ídolos de rock preguiçosos que só repetem velhos tru-
ques.
— Você acha?
— É uma boa música, Jack. Você sabe disso.
Ele se inclinou para colocar seu violão de volta na caixa. A luz da vela salientou seu nariz afilado.
— Você se lembra de como costumava ser? — Disse. — Você ouvia uma música uma vez e sabia se
era boa ou ruim. Você entendia a minha música melhor do que eu.
April colocou os braços em volta de si e olhou para o lago.
— Eu não posso mais ouvir essas músicas. Elas me fazem lembrar de muitas coisas que deixei para
trás.
Sua voz flutuou em direção a ela, como fumaça de cigarro.
— Toda aquela selvageria se foi, April?
— Cada pedaço dela. Sou uma chata mulher de carreira em L.A.
— Você não pode ser chata nem se tentasse, — disse ele.
Um profundo cansaço venceu-a.
— Por que você não está em casa?
— Eu gosto de escrever perto água.
— Não é exatamente a Côte d'Azur. Ouvi dizer que você tem um lugar lá.
— Entre outros.
April não podia fazer isso. Ela soltou os braços.
— Vá embora, Jack. Não quero você aqui. Não quero você perto de mim.
— Eu sou o único que deveria estar dizendo isso.
— Você pode cuidar de si mesmo. — A velha amargura veio à tona. — É tão irônico. Todas as vezes
que eu precisava falar com você, não me retornava uma única chamada. Agora, quando você é a última pes-
soa no mundo que eu quero...
— Eu não podia, April. Eu não podia falar com você. Você era venenosa para mim.
— Tão venenosa que você escreveu sua melhor música quando estávamos juntos?
— Escrevi a minha pior também. — Ele se levantou. — Lembra daqueles dias? Eu tomava pílulas
com vodka.
— Você já se drogava antes de me conhecer.
— Eu não estou te culpando. Só estou dizendo que viver em um frenesi de ciúmes foi pior. Não im-
portava quem eu era, mesmo com a minha banda, ficava imaginando se você tinha ido a eles primeiro.
Seus punhos enrolaram em seus lados.
— Eu te amei!
— Você amava todos eles, April. Enquanto eles abalassem seu mundo.
Não é verdade. Ele era o único que ela realmente amara, mas não iria ser arrastada para defender os
antigos sentimentos perdidos. Ela também não iria deixá-lo envergonhá-la. Sua contagem de corpos sexual
era tão alta quanto a dela.
— Estava lutando com meus próprios demônios, — disse ele. — Não poderia lutar com os seus tam-
bém. Lembra das brigas feias? Não apenas as nossas. Eu estava perfurando fãs, fotógrafos. Eu estava quei-
mando.
E a levava com ele.
Jack vagou por ela em direção à borda da lagoa. Só na maneira como ele se movimentou, com a
mesma graça ágil, de pernas longas como seu filho, qualquer um poderia ter imaginado que eles estavam
relacionados. Eles não se parecem. Dean era como seus ancestrais loiros nórdicos. Jack era noite, escuro
como o pecado. Ela engoliu em seco e disse baixinho:
— Nós tivemos um filho juntos. Eu precisava falar com você sobre ele.
— Eu sei. Mas a minha sobrevivência dependia de ficar longe.
— Talvez em um primeiro momento, mas o que dizer mais tarde? Que tal, então?
Ele encontrou seu olhar em cheio.
— Enquanto eu estava assinando os cheques? Me dê um tempo.
— Eu nunca te perdoei pelo exame de sangue.
Ele deu uma afiada risada.
— Quantas mentiras tive de você? Você era selvagem, fora de controle.
— E Dean foi o único que pagou.
— Sim, ele foi o único.
April esfregou os braços. Estava tão cansada de ter seu passado tomando forma no presente. Era hora
de seguir seu próprio conselho.
— Onde está Riley?
— Dormindo.
Ela olhou para as janelas de casa de campo.
— Lá dentro?
— Não. Na fazenda.
— Pensei que Dean e Blue tivessem saído.
— Eles saíram. Dean a carregou da cadeira da cozinha para dentro.
— Você deixou Riley sozinha?
Jack se dirigiu para a porta dos fundos.
— Eu disse a você. Ela estava dormindo.
— E se ela acordar?
Ele pegou o seu passo.
— Ela não vai.
— Você não tem como saber disso. — Ela foi atrás dele. — Jack, não pode deixar uma menina de
onze anos sozinha em uma casa grande como aquela durante a noite.
Ele nunca gostou de ser colocado na defensiva, e colocou a cadeira com força na grama.
— Nada vai acontecer. Ela está mais segura lá do que na cidade.
— Ela não se sente assim.
— Eu acho que sou melhor juiz da minha própria filha que você.
— Você não tem ideia do que fazer com ela.
— Eu vou descobrir isso, — disse ele.
— Descubra rápido. Ela pode ter apenas onze anos, mas confie em mim quando digo que o tempo es-
tá se esgotando.
— Agora você é a grande especialista em maternidade?
Uma onda de raiva enviou outra rachadura na paisagem rochosa de sua serenidade.
— Sim, Jack, eu sou. Ninguém é um especialista melhor do que alguém que fez todos os erros do li-
vro.
— Você está certa sobre isso. — Ele pegou a cadeira e caminhou para dentro.
A rachadura dividiu em um abismo. Só uma pessoa tinha o direito de condená-la e era Dean. Ela dis-
parou atrás dele.
— Não se atreva a me julgar. Você, de todas as pessoas.
Ele não iria recuar.
— Eu não preciso de você me dizendo como cuidar da minha filha.
— Você só pensa que não. — Riley tinha tocado alguma coisa dentro dela, e ela não podia deixar is-
so para lá, e não quando o futuro da menina estava em jogo, e não quando Jack não entendia claramente que
ele estava errado. — A vida não entrega um lote de segundas chances, mas você tem uma com ela. Só que
vai estragar tudo. Eu já posso ver. Senhor Estrela do rock, de 54 anos e ainda muito autoindulgente para dei-
xar sua vida ser perturbada por uma criança carente.
— Não tente me pintar com o pincel de seus pecados. — Suas palavras foram duras, mas a falta de
convicção em sua voz disse a ela que atingiu um nervo. Ele empurrou a cadeira embaixo da mesa e passou
por ela. A porta bateu. Ela olhou pela janela quando ele pegou seu violão e se inclinou sobre a chama da ve-
la. Segundos depois, o quintal caiu na escuridão.
***
Dean gostava de ver Blue aproveitar o Vanquish. Ela ainda estava ao volante enquanto dirigia até a
casa da fazenda.
— Explique-me mais uma vez, — disse ela. — Explique como você sabia que eu não iria acabar
sendo permanentemente paralisada por uma mulher psicótica que era dois metros mais alta do que eu e 50
quilos mais pesada.
— Pare de exagerar, — disse ele. — Ela era mais alta que você talvez uns vinte centímetros e mais
gorda uns quinze quilos. E eu te vi lutar. Além disso, ela não era psicótica. Estava tão bêbada que mal con-
seguia andar.
— Ainda assim...
— Alguém tinha que lhe ensinar boas maneiras. Eu não poderia fazer isso. E isso é o que o trabalho
em equipe faz. — Ele sorriu. — Você tem que admitir que gostou.
— Eu odeio isso.
— Você não pode negar, Blue. Você é uma malvada nata.
Ele podia ver que ela apreciou o elogio.
Dean saiu para abrir a porta do celeiro para ela estacionar o Vanquish. Ele estava começando a en-
tender seu estranho funcionamento interno. Crescer com ninguém em especial a fez crescer ferozmente in-
dependente, razão pela qual não podia tolerar estar em dívida com ele. Suas antigas namoradas tiveram jan-
tares em restaurantes de luxo e presentes caros que ele concedeu. Mas mesmo esses brincos baratos conquis-
taram Blue. Ele a tinha visto roubar mais do que alguns olhares para si mesma no espelho retrovisor, então
ele soube que ela gostou, mas também sabia que ela teria os devolvido em um instante se soubesse como
fazer isso e manter sua dignidade. Ele não tinha ideia de como lidar com uma mulher que queria tão pouco
dele, especialmente quando ele queria muito dela.
Blue estacionou o Vanquish e saiu. Hoje ele tinha levado embora várias cargas de carrinho de mão de
velhos sacos de ração e outros detritos do celeiro para dar espaço ao carro. Ele não podia fazer muito sobre
os pombos empoleirados nas vigas, exceto manter o carro coberto, mas uma vez que ele construísse uma ga-
ragem, isso não seria um problema.
Fechou o celeiro. Blue surgiu ao lado dele, os brincos de vidro roxos balançando nas orelhas. Ele
queria escorregá-la em seu bolso, entre outras coisas.
— Você está acostumado com isso, não é? — Disse ela. — Não só a luta, mas estranhos lhe compra-
rem bebidas e todo mundo tentando ser o seu melhor amigo. Você não precisa nem parecer ressentido.
— Considerando a quantidade obscena de dinheiro que me pagam para basicamente não fazer nada,
não tenho direito.
Ele esperava que ela concordasse, mas ela não fez. Em vez disso, Blue estudou-o tão firmemente que
Dean teve a sensação de que ela sabia exatamente o quanto da dor entorpecente ele suportou. Mesmo no pe-
ríodo de entressafra, ele assistia os jogos filmados e sonhava que jogava.
— Esportes profissionais é entretenimento, — disse. — Qualquer pessoa que perde isso de vista, está
se enganando.
— Mas tem que ser um empecilho às vezes.
E era.
— Você não vai me ouvir reclamando.
— Uma das coisas que gosto de você.
Ela apertou seu braço, de um amigo para outro, que cerrou os dentes na borda.
— Ele tem muito mais pontos positivos do que negativos, — disse ele um pouco demasiado belige-
rante. — As pessoas sabem quem você é. É difícil estar sozinho quando você é até mesmo famoso medíocre.
Ela retirou a mão.
— Porque você não é um pacifista. Você não sabe o que sente, não é? — O rosto dela caiu. — Sinto
muito. A maneira como você cresceu...
— É claro que você faz. — Isso foi uma coisa de baixa qualidade para dizer. Ela esfregou sua boche-
cha. — É porque eu estou morta em meus pés. Vejo você pela manhã.
— Espere, eu...
Mas Blue foi para o trailer, os grânulos em seu top piscavam um brilhante lavanda no escuro como
pequenas estrelas.
Dean queria gritar que não precisava da simpatia de ninguém. Mas nunca perseguiu uma mulher em
sua vida, e nem mesmo Blue Bailey poderia fazê-lo começar. Ele caminhou para dentro.
A casa estava em silêncio. Dean entrou na sala de estar, em seguida, saiu pelas portas francesas para
a laje de concreto que seria sua varanda de tela quando os carpinteiros voltassem. Uma pilha de madeira es-
perava por eles. Ele tentou apreciar as estrelas, mas seu coração não estava nele. Supunha-se que a fazenda
era o seu refúgio, o lugar onde pudesse relaxar e descansar, mas agora Mad Jack e Riley estavam dormindo
no andar de cima, e ele só tinha Blue para proteger seu lado cego. Tudo em sua vida tinha ido fora de equilí-
brio, e ele não sabia como endireitá-lo.
Dean não estava acostumado a sentir-se inseguro de si mesmo, então voltou para dentro e se dirigiu
para as escadas.
O que viu no topo o deixou paralisado.

Capítulo Dezesseis

No topo da escada, Riley encontrava-se sentada e encolhida, segurando uma faca de açougueiro e
Puffy ao seu lado. A faca não podia parecer mais fora de lugar com seus pijama cor de rosa, de doces cora-
ções e o rosto redondo da criança. Ele não queria lidar com isso. Por que Blue não estava aqui? Ela saberia
exatamente como lidar com Riley. Diria a coisa certa.
Dean teve que forçar-se a subir as escadas. Quando chegou ao topo, acenou com a cabeça em direção
à faca.
— O que você pretende fazer com isso?
— Eu... eu ouvi barulhos. — Ela puxou os joelhos com mais força contra o peito. — Eu pensei que
poderia haver... como... talvez um assassino ou algo assim.
— Era só eu. — Ele se inclinou e tomou a faca dela. Seu rosto inchado, parecendo consideravelmen-
te mais limpo e melhor alimentado do que na sexta-feira, deu um suspiro ofegante e fechou os olhos.
— Ouvi ruídos antes de você entrar. — Ela olhou para a maldita faca como se pensasse que ele pode-
ria usá-la nela. — Era 10:32. Ava usou meu despertador.
— Você está sentada aqui por duas horas?
— Eu acho que acordei quando papai saiu.
— Ele não está aqui?
— Acho que foi ver April.
Não era preciso muita imaginação para descobrir o que o velho Mad Jack e a querida mamãe esta-
vam fazendo. Dean caminhou pelo corredor até o quarto de Jack e lançou a faca em sua cama. Deixe-o des-
cobrir quando retornasse.
Quando voltou, Riley estava exatamente onde a deixou, ainda se debruçava sobre os joelhos. Mesmo
o cão a tinha abandonado.
— Depois que o papai saiu, ouvi ranger de sons, — disse ela. — Como se alguém tentasse entrar, e
talvez tivesse uma arma ou algo assim.
— Esta é uma casa velha. Tudo aqui range. Como você pegou a faca?
— Levei para o meu quarto antes de ir dormir. Mi... minha casa tem alarmes de segurança, mas eu
não acho que há qualquer alarme aqui.
Riley estava sentada aqui armada com uma faca de açougueiro por duas horas? A ideia o deixava
louco.
— Vá dormir, — disse ele mais duramente do que pretendia. — Estou aqui agora.
Ela assentiu com a cabeça, mas não se moveu.
— O que há de errado?
Riley roeu sua unha.
— Nada.
Dean tinha a encontrado com uma faca de açougueiro, e ele estava com raiva de Blue, e odiava saber
que April estava com Mad Jack, então descontou na criança.
— Diga, Riley. Eu não posso ler sua mente.
— Eu não tenho nada a dizer.
Mas ela não se moveu. Por que ela não se levanta e vai para a cama? Ele tinha uma paciência infinita
com o rookie mais trapalhão, mas agora sentia-se perdendo-a.
— Sim, você faz. Fale.
— Eu não quero nada, — disse ela rapidamente.
— Tudo bem. — Em seguida, sentou-se ali.
— Ok. — Sua cabeça caiu mais baixa, seu emaranhado de cabelo encaracolado pairava ainda sobre o
rosto, e seu desamparo era uma corda arrastando-o de volta para os cantos mais escuros de sua infância.
Seus pulmões comprimidos. — Você sabe, não sabe, que não pode contar com Jack para nada, só para o di-
nheiro. Ele não vai estar lá para você. Se quiser algo, você tem que cuidar disso, porque ele não estará por
perto para lutar suas batalhas. Se não se levantar por si mesma, o mundo vai rolar por cima de você.
Miséria abafava sua resposta rápida.
— Ok, eu vou.
Sexta de manhã na cozinha ela conseguiu se defender muito bem. Ao contrário dele, ela inclinou seu
pai à vontade dela, mas agora, vendo-a assim fez dele um louco.
— Você só está dizendo o que acha que eu quero ouvir.
— Eu sinto muito.
— Não se desculpe. Apenas me diga o que diabos você quer!
Seus pequenos ombros tremiam, e as palavras saíram com pressa.
— Eu quero que você veja se o assassino está escondido no meu quarto!
Dean prendeu a respiração.
Uma lágrima caiu sobre a perna de seu pijama, ao lado de um coração doce que dizia ME BEIJE ES-
TÚPIDO.
Ele era o maior babaca que já tinha vivido, e não poderia fazer isso por mais tempo. Ele não podia vi-
rar-se contra ela só porque era uma inconveniência. Sentou-se no degrau ao lado dela. O cão veio trotando
para fora de seu quarto e com o nariz entre eles.
Toda a sua vida adulta, ele manteve sua bagagem de infância longe de arrastá-lo para baixo. Só no
campo de futebol que deixava que o caldeirão escuro de emoções entrasse em erupção dentro dele. Mas ago-
ra permitiu que sua raiva se espalhasse para a pessoa que menos merecia. Ele puniu esta sensível criança in-
defesa por atraí-lo de volta para aquele lugar de desamparo.
— Eu sou um idiota, — disse em voz baixa. — Eu não devia ter gritado com você.
— Está tudo bem.
— Não, não está tudo bem. Eu não estava com raiva de você. Estava com raiva de mim mesmo. Mad
Jack. Você não fez uma coisa errada. — Ele podia senti-la absorver as palavras, executá-las através do cére-
bro complexo dela, provavelmente procurando uma maneira que ela ainda podia culpar a si mesma. Ele não
podia suportar.
— Vá em frente e me dê um soco, — disse.
O queixo de Riley se aproximou, e seus olhos cheios de lágrimas se arregalaram em choque.
— Eu não poderia fazer isso.
— Claro que poderia. É... o que as irmãs fazem quando seus irmãos agem como idiotas. — Não foi
fácil para ele dizer as palavras, mas precisava parar de agir como um idiota egocêntrico.
Seus lábios se separaram em estado de choque que ele pudesse finalmente estar disposto a reclamá-
la. Esperança acendeu em seus olhos úmidos. Ela queria que ele vivesse até suas ilusões.
— Você não é um idiota.
Dean tinha que fazer isso direito, ou não poderia viver consigo mesmo. Passou o braço em torno do
ombro dela. As costas dela se enrijeceram, como se temesse se mover por medo que ele se afastaria. Riley já
começava a contar com ele. Com um sentimento de resignação, ele puxou-a para mais perto.
— Eu não sei como ser um irmão mais velho, Riley. Eu sou praticamente uma criança no coração.
— Então eu sou, — disse ela com sinceridade. — Eu sou uma criança no coração, também.
— Eu não queria gritar com você. Eu só estava... preocupado. Eu sei muito sobre o que você está
passando. — Ele não podia dizer mais nada, não agora, então levantou-se e puxou-a. — Vamos verificar o
seu espaço pelos assassinos para que você possa conseguir dormir.
— Me sinto melhor agora. Realmente não acho que há qualquer assassinos lá dentro.
— Nem eu, mas é melhor verificar de qualquer maneira. — Uma ideia veio a ele, uma maneira estú-
pida para começar a aliviar um pouco da dor que lhe causou. — Eu tenho que avisá-la... Os irmãos mais ve-
lhos que conheço são muito podres para suas irmãs.
— O que você quer dizer?
— Bem... Eles podem abrir o armário de sua irmã e gritar como ss realmente tivessem visto um
monstro lá dentro, só para assustá-la.
Um sorriso começou nos olhos de Riley e jogava com o canto da boca.
— Você não faria isso.
Dean sentiu ele mesmo sorrindo de volta.
— Eu poderia. A menos que você bata em mim.
E ela fez. Riley correu à frente dele no quarto, gritando a distância toda. Dean tinha uma irmã, qui-
sesse ou não.
Puffy juntou-se ao corpo a corpo, e, no tumulto, Dean perdeu o som de pés correndo. A próxima coi-
sa que ele sabia, algo bateu-lhe nas costas, ele perdeu o equilíbrio e caiu. Quando ele se virou, ele viu Jack
pairando acima dele, com o rosto contorcido de raiva.
— Deixa ela em paz!
Jack pegou Riley, que agora estava gritando de verdade, enquanto o cachorro correu em estridentes
círculos, ganindo em torno deles. Jack puxou-a para seu peito.
— Está tudo bem. Eu não vou deixar ele chegar perto de você novamente. Eu prometo. — Ele acari-
ciou seus cabelos emaranhados. — Vamos sair daqui. Agora.
Um mix pesado de raiva, ressentimento e desgosto agitou dentro de Dean. Este caos é o que atual-
mente passou por sua vida. Ele levantou. Riley agarrou a camisa de Jack, engolindo o ar e tentando falar,
mas muito histérica para enquadrar as palavras. A repulsa no rosto de Jack deu a Dean uma espécie estranha
de satisfação. Isso é certo. Está tudo em aberto agora.
— Saia daqui, — disse Jack.
Dean queria dar um soco nele, mas Riley ainda tinha um aperto de morte na camisa de Jack. Ela fi-
nalmente encontrou sua voz.
— Não... era.... Não... É tudo minha culpa! Dean viu a faca.
Jack prendeu a cabeça em suas mãos.
— O que, faca?
— Eu peguei... na cozinha. — Ela soluçou.
— O que você estava fazendo com uma faca? — Jack levantou a sua voz sobre o barulho do cachor-
ro latindo.
— Eu estava... Fo...
— Ela estava com medo. — Dean queria que as palavras o apodrecessem mas Riley deixou tudo cair
fora.
— Eu acordei e não havia ninguém na casa, e estava com medo...
Dean não ficou para ouvir, mas dirigiu-se para seu quarto. Seu ombro já doía de sua luta com Ron-
nie, e tinha acabado cair sobre ele novamente. Duas lutas em uma noite. Brilhante. Os latidos pararam quan-
do ele tomou um par de Tylenol. Ele tirou suas roupas, entrou no chuveiro e ligou a água quente tanto quan-
to podia tolerar.
Jack estava esperando no quarto quando Dean saiu. A casa estava em silêncio. Riley e Puffy esta-
vam, presumivelmente dormindo. Jack inclinou a cabeça em direção ao hall.
— Quero falar com você. No andar de baixo. — Sem esperar por uma resposta, ele saiu.
Dean jogou a toalha e puxou um par de jeans sobre as pernas úmidas. Foi muito tempo passado para
ter isso.
Encontrou Jack na sala vazia, os dedos enfiadas nos bolsos traseiros.
— Ouvi os gritos dela, — disse ele, olhando para fora da janela. — Parecia ruim.
— Porra, estou feliz por você finalmente conseguir lembrar de ter deixado ela sozinha. Bom trabalho,
Jack.
— Eu sei quando me ferro. — Jack virou-se, com as mãos caindo para os lados. — Estou sentindo o
meu caminho com ela, e às vezes entendo errado, como esta noite. Quando isso acontece, faço o meu melhor
para corrigi-lo.
— Admirável. Muito admirável. Estou humilhado.
— Você nunca fez nada de errado em sua vida?
— O inferno, sim. Eu joguei dezessete interceptações na temporada passada.
— Você sabe o que quero dizer.
Dean enganchou seu polegar no cós da calça jeans.
— Bem, tenho um mau hábito de pegar multas por velocidade, e posso ser um filho da puta sarcásti-
co, mas não deixei nenhuma namorada antiga grávida, se é isso onde você quer chegar. Sem filhos bastardos
correndo por aí. Eu tenho vergonha de dizer isso, Jack, mas não parecem estar em sua liga. — Jack se enco-
lheu, mas Dean queria aniquilá-lo, e ele precisava de mais. — Só para ter certeza de que entenda ... A única
razão que vou deixar você ficar aqui é por causa de Riley. Você não passa de um doador de esperma para
mim, amigo, mantenha-se fora do meu caminho.
Jack não iria recuar.
— Não tem problema. Eu sou bom nisso. — Ele se aproximou. — Eu só vou dizer isto uma vez. Vo-
cê tem um negócio cru, e estou mais triste sobre isso do que você jamais poderia imaginar. Quando April me
disse que estava grávida, eu corri tão rápido e tão longe quanto podia. Se fosse por mim, você nunca teria
nascido, então esse é um fator que deve saber na próxima vez que você deixe que ela saiba o quanto a odeia.
Dean sentiu-se mal, mas se recusou a desviar o olhar, e Jack zombou.
— Eu tinha vinte e três anos, um homem. Muito jovem para ter responsabilidade. Tudo o que impor-
tava era a música, dinheiro e posição. Meu advogado foi o cara que cuidou de você quando April não podia.
Ele foi o único que garantiu uma babá de plantão para o caso de sua mãe perder a linha ou esquecer de voltar
para casa depois de passar a noite entretendo algum roqueiro de calças douradas. Meu advogado foi o único
que manteve o controle de suas notas. Ele foi o único a ir a escola quando você ficava doente. Eu estava
muito ocupado esquecendo que você existia.
Dean não conseguia se mover. Os lábios de Jack se juntaram.
— Mas você tem a sua retribuição, amigo. Eu começo a passar o resto da minha vida vendo o ho-
mem que você se tornou e sabendo que se fosse por mim você nunca teria desenhado sua primeira respira-
ção. Como isso é legal?
Dean não poderia lidar com mais nada, se virou, mas Jack tinha um último míssil para atirar em suas
costas.
— Te prometo uma coisa. Nunca vou pedir para você me perdoar. Eu posso pelo menos fazer isso.
Dean correu para o hall de entrada e saiu pela porta da frente. Antes que percebesse, tinha chegado
no trailer.
***
Blue tinha acabado de dormir quando a porta de seu pacífico “quarto” abriu de forma explosiva. Ela
se atrapalhou com a lanterna e finalmente conseguiu ligar. Dean estava sem camisa, e seus olhos brilhavam
como a meia-noite de gelo.
— Nem uma palavra, — disse ele, batendo a porta com tanta força que o trailer balançou. — Nem
uma palavra.
Em outras circunstâncias, ela teria tido problema, mas Dean parecia tão torturado, tão magnífico, que
estava temporariamente sem fala. Blue aliviou-se nos travesseiros, seu refúgio confortável não sendo mais
tão seguro. Algo tinha profundamente chateado ele, e pela primeira vez, não achava que era ela. Dean bateu
a cabeça no telhado curvo do trailer. A blasfêmia dividiu o ar seguido por uma rajada de vento que sacudiu a
carroça.
Ela lambeu os lábios.
— Uhm... provavelmente não é certo lançar o nome do Senhor em vão, até que o tempo é um pouco
mais calmo.
— Você está nua? — Ele exigiu.
— Não neste exato momento.
— Ficará, entregue as roupas. Qualquer que seja a parte feia de merda que você está vestindo. — As
lascas de luar que entravam pela janela esculpia seu rosto em planos contundentes e sombras enigmáticas.
— O jogo está indo longe demais. Dê-me.
— Só isso?
— Só isso, — disse ele sem rodeios. — Tire ou eu mesmo farei.
Se outro homem tivesse falado com Blue assim, ela teria gritado, mas Dean não era outro homem.
Alguma coisa tinha quebrado sua fachada brilhante, e ele estava sofrendo. Mesmo Blue estando sem empre-
go, sem dinheiro e sem casa, Dean era o necessitado. Não que ele admitisse isso. Nenhum deles jogava o
jogo dessa forma.
— Você está tomando pílula. — Na semana passada, ele deu início a uma discussão extrema sobre
exames de sangue e de saúde sexual, e ele já sabia disso.
— Sim, mas...
Mais uma vez, Blue não admitiu que tomava mais por sua aparência do que para a sua vida sexual.
Nesse meio tempo, ele caminhou até o armário, abriu uma gaveta embutida na parte inferior, e tirou um pa-
cote de preservativos que ela não tinha colocado lá. Ela não gostava de sua premeditação. Ao mesmo tempo,
apreciava o seu bom senso.
— Dê-me isso. — Ele puxou a lanterna de seus dedos, jogou os preservativos para baixo, e chicoteou
o lençol que a cobria. O feixe de luz atingiu seu corpo vestido com a camisa da cerveja. — Você acha que
até agora eu teria baixado as minhas expectativas, mas continuo esperando.
— Apresente uma queixa junto à polícia da moda.
— Que tal se eu tomar a lei em minhas próprias mãos?
Ela se preparou... esperou? Algum corpete rasgando, mas ele decepcionando arrastou o feixe de luz
ao longo de suas pernas nuas em seu lugar.
— Muito bom, Blue. Você deve mostrar estas de fora com mais frequência.
— Elas são curtas.
— E doce. Elas fazem o trabalho muito bem. — Ele empurrou a bainha de sua camiseta. Só mais al-
guns centímetros. Apenas o suficiente para expor a única peça de vestuário que ela usava, algumas sem ima-
ginação, da cor nude, calcinhas básicas.
— Eu vou comprar uma calcinha fio dental, — disse ele. — Vermelha.
— Que você nunca vai ver.
— Como você sabe? — Ele mudou o feixe através das calcinhas a partir de um osso do quadril para
o outro, depois de volta à base.
— Se eu fizer isso certo.
— Oh, você está fazendo tudo certo.
— Se eu fizer isso, — disse ela, — é um negócio de uma vez. E eu estou no topo.
— Topo, de quatro, de cabeça para baixo. Vou dobrar-lhe em mais maneiras do que você pode ima-
ginar.
Um raio erótico zumbiu através dela. Os dedos dos pés enrolaram.
— Mas primeiro... — Ele colocou o cabo da lanterna para a virilha da calcinha, esfregou o tecido por
alguns segundos tentadores, em seguida, usou para empurrar para cima a bainha de sua camiseta. O plástico
frio veio descansar na pele logo abaixo os seios, e enviou uma brisa fraca através de sua caixa torácica nua.
Ele segurou um dos seios através do algodão. — Eu não posso esperar para provar.
Blue quase gemeu. Sua libido não combinava com sua política sexual.
— Qual é a parte de você que vou desembrulhar primeiro? — O feixe de luz dançou sobre ela. Ela
olhou como se estivesse hipnotizada, esperando para ver onde o feixe iria pousar. Ele jogou sobre os seios
cobertos, seu umbigo à mostra, a virilha da calcinha. Em seguida, bateu com a luz nos olhos. Ela apertou os
olhos, o colchão afundou, e o quadril dele roçou seu próprio quando ele largou a lanterna sobre a cama.
— Vamos começar aqui. — Suas palavras caíram em seu rosto, enquanto sua boca caiu para encon-
trar a dela, e ela se perdeu no beijo mais louco que já experimentou, suave um segundo, duro no outro. Dean
brincou e atormentou, exigiu e seduziu. Ela estendeu a mão para envolver os braços em volta de seu pesco-
ço, mas ele se afastou. — Não faça isso de novo, — disse ele com um suspiro áspero. — Eu vejo através dos
seus truques.
Ela tinha truques?
— Você está determinada a me distrair, mas não vai funcionar. — Ele puxou a camiseta sobre a ca-
beça e jogou para o lado, deixando-a apenas de calcinha. Instigou a lanterna e iluminou em seus seios. Ser
menor que um D nem sempre era uma coisa ruim, ela decidiu. Manteria-se firme e pronta para o que estava
por vir.
Que foi a sua boca.
Seu peito nu esfregou contra as costelas quando ele a chupava, e seus dedos cavaram no colchão. Ele
tomou seu tempo, usando os lábios, a língua. A raspagem cuidadosa de seus dentes estimulando até que ela
não podia suportar mais. Ela empurrou a cabeça.
— Você não vai sair tão fácil, — sussurrou, sua respiração provocando a carne quente e úmida. Ele
enfiou os polegares na calcinha e puxou-as para baixo, em seguida, jogou-as de lado e se levantou. A lanter-
na abandonada descansou sob o lençol, para que ela não pudesse ver o que estava sob os jeans. Ela começou
a chegar para a luz, então se conteve. Ele sempre foi o objeto de desejo, aquele perseguido e ministrado.
Deixe que ele a atenda em seu lugar.
Blue deslizou sua mão para trás debaixo das cobertas e desligou o interruptor, mergulhando o trailer
na escuridão. A novidade da continuação deste jogo erótico deixou-a desossada com suas carícias, mas a es-
curidão também significava que ela precisava para ter certeza de que ele se lembrava que estava lidando
com Blue Bailey, não uma mulher sem rosto.
— Boa sorte, — ela conseguiu dizer. — Sou difícil de satisfazer, com menos de uma equipe de dois
homens.
— Em seus sonhos sujos. — Sua calça jeans bateu no chão com um assobio suave. — Agora, onde
está a lanterna? Sua mão roçou o lado dela enquanto ele procurava. Passando rapidamente o interruptor no-
vamente, ele puxou de sob o lençol, então deixe o feixe pingou sobre seu corpo nu, a partir de seus seios, sua
barriga, e abaixo. Ele parou. — Abra-se, querida, — ele disse suavemente. — Deixe-me ver.
Era demais, Blue quase quebrou ali mesmo. Dean abriu as coxas sem resistência, e o plástico frio da
lanterna refrigerou a inclinação interior de sua pele.
— Perfeito, — ele sussurrou, olhando para o seu preenchimento.
Depois disso, foram só sensações. Dedos faziam seu reconhecimento. Lábios que procuraram. Suas
próprias mãos explorando tudo o que ela estava querendo tocar e quase teve um acidente vascular cerebral
por esperar tanto tempo.
Seu corpo pequeno recebeu sua resistência perfeita. Almíscar suave e veludo a envolveram. Move-
ram-se juntos. A lanterna caiu no chão. Ele pressionou dentro dela, retirou-se, e novamente pressionou. Ela
arqueou, exigiu, duelou com ele... e, finalmente, aceitou.
***
Fazer amor sem água encanada não era tão romântico quanto parecia.
— Como os pioneiros lidavam com isso? — Ela reclamou. — Preciso de um banho.
— Nós vamos usar a sua camiseta. Você pode queimá-la amanhã. Por favor, Deus.
— Se você disser mais uma palavra sobre a minha camiseta...
— Me dê aqui.
— Ei, cuidado onde você vai... — Ela prendeu a respiração quando ele colocou sua camiseta para um
uso mais criativo.
Ela não fez isso em cima no segundo tempo, também. Pela terceira vez, no entanto, conseguiu inver-
ter a estrutura de poder. Ou, já que ela tinha a posse da lanterna, pelo menos pensou que inverteu. Mas a
verdade era que ela ficou um pouco nebulosa sobre quem estava atendendo a quem e exatamente o que as
ramificações políticas eram. Uma coisa era certa. Ela poderia nunca mais ameaçá-lo com “Speed Racer”.
Eles cochilaram. Seu pequeno cais na parte de trás do trailer não foi tempo suficiente para seu quadro
de altura, mas ele ficou lá de qualquer maneira, com um braço em volta dos ombros.
Blue acordou muito cedo e se arrastou sobre ele tão cuidadosamente quanto podia. Uma onda de ter-
nura afirmou sobre ela enquanto permaneceu por um momento olhando para Dean. A luz da manhã brilhava
em suas costas, esculpia a curva do músculo e do tendão alto. Toda sua vida ela teve que se contentar com o
segundo melhor. Mas não na noite passada.
Ela pegou suas roupas e se dirigiu para a casa, onde tomou o banho mais rápido do mundo, vestiu je-
ans e uma camiseta e transferiu algumas necessidades em seus bolsos. No seu caminho de volta para fora,
olhou para o trailer sob as árvores. Ele tinha sido o altruísta, amante audacioso que ela sempre sonhou. Ela
não se arrependeu um minuto sobre ontem à noite, mas agora o sonho tinha acabado.
Ela levou a bicicleta com rodas menores para fora do celeiro e pedalou para a rodovia. Cada colina
parecia com uma montanha, e seus pulmões começaram a queimar muito antes de chegar à cidade. No mo-
mento em que ela atravessava o cume final e iniciava a descida em Garrison, suas pernas se transformaram
em espaguete cozido.
***
Nita Garrison, como aconteceu, também era uma madrugadora. Blue ficou em sua cozinha desorde-
nada e olhava fixamente um waffle na torradeira.
— Cobro quatrocentos dólares para uma tela de três por três metros, — Blue disse, — com um depó-
sito de duzentos dólares, hoje. É pegar ou largar.
— Estúpida mudança, — disse Nita. — Estava preparada para pagar muito mais.
— Você também tem que fornecer hospedagem e alimentação enquanto estou trabalhando. — Blue
afastou as lembranças do trailer. — Preciso conhecer Tango melhor para capturar sua verdadeira personali-
dade.
Tango abriu uma tampa caída e olhou para ela através de um dos olhos ramelentos.
Nita virou a cabeça tão rápido que Blue temeu deixar a peruca para trás.
— Você quer ficar aqui? Em minha casa?
Era a última coisa que Blue queria, mas era inevitável depois do que tinha acontecido.
— É a melhor maneira para eu produzir uma pintura de qualidade.
Um anel de diamante e rubi brilhava no dedo nodoso da Nita enquanto apontava na direção do fogão.
— Não pense que você pode deixar sua bagunça por toda a cozinha.
— Pode-se seguramente assumir que sua cozinha vai ser melhor comigo aqui.
Nita deu-lhe um olhar calculado que não augurava nada de bom.
— Vai pegar minha camisola rosa. Está na minha cama no andar de cima. E fique longe da minha
joia. Se você tocar em qualquer coisa, vou saber.
Blue levou uma faca mental para o coração negro de Nita e pisou pela velha e excessivamente deco-
rada sala de estar para chegar ao segundo andar. Ela poderia fazer o retrato e estar na estrada em uma sema-
na. Ela sobreviveu muito pior do que passar alguns dias com Nita Garrison. Esta era a sua passagem mais
rápida para fora da cidade.
Todas, com exceção de uma das portas, haviam sido fechadas no andar de cima, deixando o corredor
marginalmente mais puro do que os quartos abaixo, embora o carpete de pelúcia rosa necessitava aspiração e
uma coleção de insetos mortos nublava o fundo das luminárias de vidro no teto. A sala de Nita, com o seu
papel de parede rosa e ouro, móveis brancos e longas janelas elaboradamente altas com cortinas rosa, lem-
brou Blue de uma casa de funeral em Las Vegas. Ela pegou a camisola rosa de uma cadeira de veludo ouro e
levou-a para baixo através do branco e dourado da sala de estar, que tinha uma chaise de veludo, lâmpadas
penduradas em prismas de cristal, e de parede a parede carpete rosa.
Nita se arrastou para a porta, com os tornozelos inchados derramados sobre seus oxfords ortopédicos,
e estendeu a um conjunto de chaves para Blue.
— Antes de começar a trabalhar, você precisa me levar para o...
— Por favor, não diga que o Piggly Wiggly.
Aparentemente Nita nunca tinha visto Conduzindo Miss Daisy porque ela perdeu a alusão.
— Nós não temos uma Piggly Wiggly em Garrison. Eu não deixo qualquer uma das cadeias se mudar
para cá. Se você quer seu dinheiro, você tem que me levar para o banco.
— Antes de eu levá-la em qualquer lugar, — Blue disse, — libere seus peões. Diga-lhes para voltar a
trabalhar na casa de Dean.
— Mais tarde.
— Agora. E vou ajudá-la a olhar para os números de telefone.
Nita se surpreendeu com Blue por apenas colocando-se em uma luta, apesar de ter levado uma hora
para ela fazer as chamadas, durante as quais ela ordenou a Blue esvaziar todas as lixeiras da casa, encontrar
Maalox, e ter uma pilha de caixas para dentro do assustador porão. Finalmente, Blue estava ao volante de
um esportivo, de três anos de idade, vermelho Corvette Roadster.
— Você estava esperando um Town Car, não é? — Nita cheirou a partir do assento do passageiro. —
Ou um Crown Victoria. Carro de uma velha senhora.
— Eu estava esperando um cabo de vassoura, — Blue murmurou, batendo no painel empoeirado. —
Quanto tempo faz que esta coisa está fora da garagem?
— Eu não posso mais dirigir com meu quadril, mas o deixo ligado uma vez por semana para que a
bateria não morra.
— É melhor manter a porta da garagem para baixo, enquanto você está fazendo isso. Uns bons 30
minutos deve tomar cuidado com isso.
Nita chupava os dentes, como se estivesse desenhando veneno.
— Assim, como você sai de casa? — perguntou Blue.
— Aquele idiota do Chauncey Crole. Ele dirige o que passa por um táxi da cidade. Mas está sempre
a cuspir para fora da janela, o que vira o meu estômago. Sua esposa costumava passar Clube das Mulheres
na associação. Todos eles me odiavam, desde o início.
— Grande surpresa. — Blue saiu para a rua principal da cidade.
— Eu penso o mesmo.
— Diga-me que você não comeu seus filhos.
— Você tem uma piada para tudo, não é? Pare na farmácia.
Blue desejou ter mantido uma coleira em sua língua. Ouvir mais sobre o relacionamento de Nita com
as boas mulheres da associação teria sido uma boa distração.
— Pensei que estava indo para o banco.
— Primeiro, preciso de você para pegar a minha receita.
— Eu sou um artista, não a sua menina de recados.
— Eu preciso da minha medicação. Ou buscar a medicação de uma velhinha é demais para você?
O humor de Blue afundou de desânimo para a miséria.
Depois de parar na farmácia, que tinha uma placa FAZEMOS ENTREGA visível na janela da frente,
Nita fez correr para o supermercado para comida de cachorro e All-Bran, em seguida, parar na padaria para
um muffin de banana. Finalmente, Blue teve de esperar enquanto Nita fazia manicure na Barb Tresses e Day
Spa. Blue usou o tempo para comprar seu próprio muffin de banana e uma xícara de café, que gastou três de
seus últimos doze dólares.
Abria o copo de café enquanto esperava a Dodge Ram prata passar para que pudesse atravessar a rua
e chegar no carro. Mas a Dodge Ram não passou. Em vez disso, parou, em seguida, estacionou em frente a
um hidrante. A porta se abriu e um par de botas familiares surgiu, seguido de um conjunto igualmente fami-
liar de pernas magras, em velhos jeans.
Blue sucumbiu a um momento ridículo de vertigem antes de franzir a testa para a brilhante caminho-
nete.
— Não me diga.
Capítulo Dezessete

— Onde infernos você estava? — Dean usava um chapéu de cowboy e um par de óculos de metal es-
covado com lentes amarelas. Poucas horas antes, ele tinha sido seu amante, e que o fez andar, falando do
perigo da estrada, bloqueando a estrada que compunha sua vida. Desde o início, Blue lhe deu pequenos pe-
daços de si mesma, mas ontem à noite entregou um grande pedaço, e agora pretendia recuperá-lo.
Dean bateu a porta.
— Se quisesse fazer um passeio de bicicleta esta manhã, deveria ter me acordado. Eu estava plane-
jando andar de qualquer maneira.
— Essa caminhonete é sua, não é?
— Você não pode ter uma fazenda sem uma caminhonete. — Cabeças começaram a surgir nas vitri-
nes. Dean agarrou seu braço e puxou-a contra o painel lateral. — O que está fazendo aqui, Blue? Não me
deixou nenhum recado. Estava preocupado.
Blue levantou-se a seus pés e deu um beijo rápido no lado da mandíbula beligerante.
— Precisava vir à cidade para começar no meu novo emprego, e as minhas formas de transporte
eram limitadas, por isso pedi emprestado a bicicleta. Você vai levá-la de volta.
Ele arrancou os óculos escuros.
— Novo trabalho? — Seus olhos se estreitaram. — Não me diga.
Ela apontou com seu copo de café para o Corvette estacionado no outro lado da rua.
— Não é só más notícias. Ela possui um grande carro.
— Você não vai pintar o cachorro da velha senhora.
— Meu atual patrimônio líquido não é suficiente para cobrir uma das suas dicas no McDonald's.
— Nunca conheci alguém tão obcecada com o dinheiro. — Ele empurrou seus óculos de volta. —
Supere isso, Blue. Você está dando ao dinheiro poder demais em sua vida.
— Sim, bem, assim que me tornar uma atleta multimilionária, vou parar de fazer isso.
Dean puxou a carteira, tirou um maço de notas, e enfiou-os nos bolsos laterais da calça jeans.
— Seu patrimônio líquido apenas deu uma guinada para melhor. Agora, onde está a bicicleta? Nós
temos coisas para fazer.
Ela retirou o dinheiro. Uma pilha de cinquenta. Seu rosto invejoso olhou para ela de suas lentes ama-
relas.
— O que exatamente é isso?
— O que quer dizer, o que é isso? É para você.
— Juntei isso, mas o que eu fiz para merecer isso?
Dean sabia exatamente para onde ela estava indo, mas ele era um especialista em atirar passes de
touchdown com o pé errado, e deixou um voar.
— Você passou o fim de semana em Knoxville escolhendo meus móveis.
— Ajudei April a escolher o seu mobiliário. Estava mais do que pago com aquelas grandes refeições,
um hotel de primeira classe, e uma massagem. Obrigada por isso, a propósito. Foi fantástico.
— Você é minha cozinheira.
— Até agora você só comeu três panquecas e alguns restos.
— E você pintou minha cozinha!
— Eu pintei parte de sua cozinha e seu teto na sala de jantar.
— Aqui está.
— Você tem me alimentado, alojado, transportado por mais de uma semana, — disse ela. — Isso nos
faz quase quites.
— Você está mantendo um livro? E aquele mural que está pintando na minha sala de jantar? Os mu-
rais. Eu quero quatro deles, um para cada parede. E vou chamar Heath para elaborar o maldito contrato hoje.
Blue empurrou as notas no bolso da frente.
— Pare de tentar me manipular. Você não se importa nada sobre murais. Essa foi a ideia de April.
— Eu me importo. Gostei da ideia desde o início, e gosto ainda mais agora. Também é uma solução
perfeita para este problema que você criou. Mas por alguma razão, você está com medo de ir em frente com
ela. Explique isso para mim. Explique por que você está chateada com a ideia de pintar alguns murais para
um homem com quem você está em dívida.
— Porque eu não quero.
— Estou oferecendo um emprego legítimo. Tem que trabalhar para o velho morcego louco?
— Poupe seu fôlego, ok? Até agora, o único serviço real que tenho desde o que aconteceu ontem à
noite, e até mesmo um idiota como você tem que ver que não posso aceitar seu dinheiro depois disso.
Dean teve a coragem de zombar.
— Estávamos na mesma cama? Porque, do jeito que me lembro, eu era a pessoa que prestou o servi-
ço maldito. Você quer reduzir tudo ao comércio? Ótimo. Então você deve me pagar. Por uma questão de fa-
to, estou te dando o preço. Por mil dólares! Isso é certo. Você me deve um grande. Pelos serviços prestados.
— Mil dólares? Como se eu não tivesse que fantasiar sobre meus ex-namorados só para ficar anima-
da.
Não era bem o golpe na discussão interminável que ela esperava, porque ele riu. Não uma risada mé-
dia, que teria levantado seus espíritos, mas uma risada muito divertida.
— Garota!
Blue estremeceu quando Nita escolheu aquele momento para sair da Barb Tresses e Day Spa, suas
recém pintadas garras vermelhas ondulando em torno de sua bengala.
— Garota! Venha me ajudar a atravessar a rua.
Dean deu a Nita um sorriso irritantemente alegre.
— Bom dia, Sra. Garrison.
— Bom dia, Deke.
— É Dean, minha senhora.
— Eu não penso assim. — Ela colocou a bolsa em direção a Blue. — Leve isto menina. É pesado. E
cuidado com minhas unhas. É melhor não ter gasto minha gasolina, enquanto eu estava lá dentro.
Dean enganchou seu polegar em seu bolso da calça jeans.
— Eu me sinto um monte melhor agora que vejo o quão bem vocês duas estão se dando.
Nita agarrou Blue pelo braço e conduziu-a para a rua.
— Seu carro está estacionado aqui.
— Eu tenho olhos.
— Eu vou passar pela casa e pegar a bicicleta no meu caminho de volta para a fazenda, — Dean
chamou. — Espero que você tenha um bom dia.
Blue fingiu não ouvir.
— Leve-me para casa, — Nita disse a ela enquanto se ajustava no assento do passageiro.
— E sobre o banco?
— Estou cansada. Vou fazer-lhe um cheque.
Apenas três dias, Blue disse a si mesma quando olhou furtivamente para trás em direção à caminho-
nete.
Dean ficou com um pé apoiado sobre o hidrante e uma das belezas locais pendurada no braço.
Quando voltaram para casa, Nita insistiu para Blue levar Tango para uma caminhada, para que pu-
dessem se conhecer. Desde que Tango era coxo e com mil anos de idade, Blue deixou-o adormecer sob a
hortênsia enquanto se sentou na calçada fora da vista da casa e tentou não pensar no futuro.
Nita manobrou-a para fazer o almoço, mas primeiro Blue teve que limpar a cozinha. Quando secou a
última das panelas, a Dogde Ram prata parou no beco atrás da casa. Ela observou Dean sair e recuperar a
bicicleta que tinha deixado pela porta dos fundos. Ele jogou-o na parte de trás do caminhão, em seguida, vi-
rou-se para a janela onde ela estava em pé e tirou o chapéu de cowboy.
***
Primeiro Jack ouviu a música e, em seguida, viu April. Estava escuro, apenas após dez horas, e ela
sentou-se no alpendre da casa debaixo de uma luminária de metal curvada pintando as unhas dos pés. Os
anos evaporaram. Em seus shorts e top rosa e preto justos, ela parecia ter vinte anos de idade, ele se lembrou
que se esqueceu de prestar atenção para onde estava indo e tropeçou em uma raiz de árvore dentro da cerca
de piquete quebrado.
April olhou para cima. E imediatamente olhou para baixo novamente. Ele tinha sido podre para ela
ontem à noite, e ela não tinha esquecido.
Todos os dias ele testemunhou sua eficiência implacável ao dirigir os pintores molengas, discutir
com um encanador, supervisionar a entrega dos móveis, e incisivamente o evitava. Apenas os olhares dos
homens após ela passar eram familiares.
Ele parou no pé da escada de madeira e inclinou a cabeça para a música estridente. Ela tinha pousado
em uma cadeira Adirondack velha com o pé apoiado no assento.
— O que você está ouvindo?
— Skullhead Julie. — Ela manteve sua atenção firmemente fixada na ponta dos pés.
— Quem é esse?
— Um grupo de alternativo de LA. — Seu cabelo longo, irregular caiu sobre seu rosto quando ela
chegou de volta a abaixar o volume. A maioria das mulheres de sua idade tinha cortado o cabelo, mas April
nunca seguiu tendências. Quando todos tinham usado o corte de Farrah, April havia adotado um corte geo-
métrico brutal que evidenciava aqueles olhos azuis incríveis e fez dela o centro das atenções.
— Você sempre foi a primeira a detectar novos talentos, — disse ele.
— Eu realmente não faço mais.
— Duvido disso.
April tocou na ponta dos pés, outra desculpa para congelá-lo para fora.
— Se você veio para pegar Riley, está cerca de uma hora tarde demais. Ela se cansou e adormeceu
no segundo quarto.
Ele mal tinha visto Riley hoje. Durante toda a manhã, ela seguiu em torno de April, e na parte da tar-
de, tinha ido embora com Dean em uma bicicleta roxa que ele puxou da traseira de sua nova caminhonete.
Quando retornaram, Riley estava com o rosto vermelho e suado, mas também feliz. Ele deveria ter sido o
único a comprar-lhe uma bicicleta, mas não pensou nisso.
April empurrou o pincel dentro do frasco.
— Estou surpresa por demorar tanto tempo para chegar aqui. Eu poderia ter esquecido de dar o seu
leite ou ter enchido sua cabeça com histórias de seu passado decadente.
— Agora você está sendo petulante. — Ele apoiou o pé no primeiro degrau. — Fui um idiota de ver-
dade na noite passada. Vim pedir desculpas.
— Vá em frente.
— Pensei que foi isso que acabei de fazer.
— Pense de novo.
Jack merecia tudo o que ela estava jogando fora e muito mais, mas não conseguiu conter um sorriso
quando ele se aproximou da borda da varanda.
— Você quer me humilhar?
— Para começar.
— Eu gostaria, mas não sei como. Muitos anos tendo todo mundo beijando minha bunda.
— Experimente.
— Que tal se eu começar por admitir que você estava certa, — disse ele. — Eu não tenho ideia do
que estou fazendo com ela. Isso me faz sentir estúpido e culpado, e desde que não sei como lidar com qual-
quer um, eu tirei de você.
— Promissor. Agora diga o resto.
— Dê-me uma dica.
— Você está com medo de sua mente, e você precisa da minha ajuda esta semana.
— Sim, isso também. — Apesar de sua combatividade, ele sabia que tinha a machucado. Ultimamen-
te ele parecia fazer sofrer um monte de gente. Ele olhou para fora em direção ao bosque, onde os vaga-lumes
estavam começando a aparecer. Um pedaço de pintura raspada no cotovelo quando ele se inclinou contra um
dos castiçais da varanda. — Daria qualquer coisa por um cigarro agora.
April deixou cair um pé e puxou o outro para cima.
— Não sinto tanta falta do cigarro. Ou drogas, para essa matéria. Para mim, é o álcool. Assustador
pensar sobre viver o resto de sua vida sem um copo de vinho ou uma margarita.
— Talvez você pudesse lidar com isso agora.
— Sou uma viciada, — disse ela com uma honestidade que o perturbou. — Não posso nunca beber
de novo.
De dentro da casa, seu celular tocou. Tampou rapidamente o frasco de esmalte e correu para atender.
Quando a porta de tela bateu atrás dela, Jack enfiou as mãos nos bolsos. Hoje ele tinha encontrado um con-
junto de projetos, para a varanda de tela. Seu pai tinha sido um carpinteiro, e Jack tinha crescido com mode-
los e ferramentas em torno, mas ele não conseguia se lembrar da última vez que tinha segurado um martelo
em suas mãos.
Ele olhou através da tela para a sala vazia e ouviu o som abafado da voz de April. Ao inferno com
ela. Ele entrou. Ela estava de costas para ele e sua testa descansando sobre o braço que tinha encostado em
um dos armários da cozinha.
— Você sabe o quanto me importo, — disse ela em voz tão baixa que ele mal conseguia entender as
palavras. — Ligue de manhã, tudo bem?
Muitas décadas se passaram para ele sentir estes velhos golpes de ciúme, por isso ele se concentrou
no folheto sobre o balcão. Quando pegou, April fechou o telefone e fez um gesto com ele para o folheto.
— É um grupo em que sou voluntária.
— Galeria Coração? Eu nunca ouvi falar disso.
— É composta por fotógrafos profissionais que oferecem seu tempo para tirar esses retratos incríveis
de crianças adotáveis no sistema de assistência social. Nós exibimos em galerias locais. Eles são mais pesso-
ais do que as canecas que os serviços sociais fazem, e um monte de crianças conseguiram as famílias através
das exposições.
— Há quanto tempo você vem fazendo isso?
— Cerca de cinco anos. — Ela caminhou de volta para a varanda. — Comecei a modelar as sessões
para um fotógrafo que conhecia, colocando as crianças em roupas que refletiam suas personalidades, che-
gando com adereços, ajudando-as a se sentirem confortáveis. Agora estou fazendo alguns dos retratos por
mim mesma. Ou pelo menos estava até que vim para cá. Você ficaria chocado com o quanto amo isso.
Jack guardou o folheto e seguiu para a varanda. Ele queria perguntar sobre o cara no telefone, mas
não o fez.
— Estou surpreso que você nunca se casou.
April pegou o esmalte e retomou ao seu lugar na cadeira Adirondack.
— Até o momento em que eu estava sã o suficiente para o casamento, tinha perdido o interesse.
— Eu não posso imaginar você sem um homem.
— Pare de pescar.
— Não é exatamente pesca. Só estou tentando descobrir quem você é agora.
— Você quer me definir com uma contagem de cabeça, — disse ela sem rodeios.
— Eu acho.
— Você quer saber se ainda sou a menina má, única responsável pela queda de inúmeros homens de
bem, fracos demais para manter suas calças fechadas.
— Colocando assim...
April soprou em seu dedão do pé.
— Quem era a morena que vi na semana passada viajando com sua comitiva? Sua camareira?
— Uma assistente muito eficiente que nunca vi nua. Então, você está falando sério sobre qualquer
um agora?
— Muito sério. Sobre mim.
— Isso é bom.
April limpou uma mancha.
— Conte-me sobre você e Marli. Você foi casado por quanto tempo? Cinco minutos?
— Um ano e meio. História antiga. Já estava com quarenta e dois anos e achei que era hora de sosse-
gar. Ela era jovem, bonita e doce, pelo menos eu pensava assim na época. Amei sua voz. Eu ainda amo. Os
demônios não apareceram até depois de nos casarmos e descobrir que um odiava tudo sobre o outro. Estou
aqui para dizer-lhe que a mulher não gostava de sarcasmo. Mas não foi de todo ruim. Eu tenho Riley.
Após Marli, ele teve dois relacionamentos de longo prazo que foram bem cobertos pela imprensa.
Embora ele se importava muito sobre as mulheres, algo fundamental estava ausente, e com um casamento
fracassado atrás dele, Jack não estava ansioso para entrar em outro.
April terminou os dedos dos pés, fechou o esmalte, e desdobrou as pernas interminavelmente longas.
— Não mande Riley para longe, Jack. Nem para o acampamento de verão, e nem com a irmã de
Marli e, especialmente, não para embarcar em escola no outono. Mantenha-a com você.
— Eu não posso fazer isso. Tenho uma turnê chegando. O que devo fazer? Trancá-la em um quarto
de hotel?
— Você vai descobrir como.
— Você tem muita fé em mim. — Jack olhou para a triste desculpa de uma cerca. — Será que Riley
lhe disse sobre a noite passada? Com Dean.
Sua cabeça disparou como uma mãe leoa farejando o ar para o perigo de seu filhote.
— O quê?
Jack sentou-se no degrau mais alto e disse-lhe exatamente o que tinha acontecido.
— Não estou tentando dar desculpas, — disse ele quando terminou, — mas Riley estava gritando, e
ele foi atrás dela.
April saiu de sua cadeira.
— Ele nunca faria nada para machucá-la. Eu não posso acreditar que você o atacou. Você tem sorte
de Dean não quebrar o seu pescoço estúpido.
Ela estava certa. Apesar de estar em forma para manter seus shows de alta qualidade, que eram sua
marca registrada, Jack não era páreo para um atleta profissional de trinta e um anos de idade.
— Isso não é tudo. — Levantou-se. — Mais tarde, Dean e eu tivemos uma conversa, ou pelo menos
eu falei. Eu falei todos os meus pecados. Conclua honestidade. Ele estava emocionado.
— Deixe ele em paz, Jack, — disse April cansada. — Ele já teve merda suficiente de nós dois.
— Yeah. — Ele olhou para a porta. — Prefiro não acordar Riley. Está tudo bem se ela dormir aqui
esta noite?
— Claro.
Ela virou-se para voltar para dentro, e ele quase a fez descer os degraus. Quase, mas não completa-
mente.
— Você não está nem um pouco curiosa? — Disse Jack olhando para ela. — Não quer saber como
seria para nós agora?
Sua mão parou na maçaneta da porta de tela. Por um momento April não disse nada, mas quando fi-
nalmente falou, sua voz era uma fita de aço.
— Nem um pouco.
***
Riley não podia ouvir o que April e seu pai falavam, mas suas vozes a acordaram. Ela se sentiu con-
fortável deitada na cama dentro da casa, sabendo que eles estavam falando um com o outro. Eles fizeram
Dean juntos, então devem ter se amado algum dia.
Coçou sua panturrilha com o dedão do pé. Se divertiu muito hoje, se esqueceu de sua tristeza. April
atribuiu alguns serviços legais para fazer, como a procura de flores para fazer um buquê e conseguir bebidas
para os pintores. Esta tarde, fez um passeio de bicicleta com Dean. Pedalar no cascalho foi difícil, mas Dean
não a chamou de lenta ou qualquer coisa, e disse ainda que iriam jogar bola amanhã para que ele pudesse
entrar em forma. Só de pensar nisso a deixava nervosa, mas animada também. Ela sentiu falta de Blue, mas
quando perguntou a Dean sobre ela, ele começou a falar sobre outra coisa. Riley esperava que eles não ter-
minassem. Sua mãe sempre terminava.
Ouviu April movendo-se, de modo que puxou o lençol até o queixo e ficou imóvel no caso de April
decidir verificá-la. Riley já tinha notado que ela fazia esse tipo de coisa.
***
Com o passar dos dias, Blue disse a si mesma que era uma coisa boa Dean ficar longe, porque ela
precisava de toda a sua inteligência para lidar com Nita. Ainda assim, sentiu falta. Ela queria acreditar que
ele tinha sentido sua falta tanto ou mais, mas por que deveria? Ele tinha conseguido o que queria.
Um bom exemplo antiquado de solidão caiu sobre ela. Nita decidiu que queria estar no retrato com
Tango, mas também queria Blue a pintasse como ela foi, e não como era agora. Isto envolveu uma busca
através de pilhas de álbuns de fotos, com a unha carmesim longa da Nita esfaqueando em uma página após a
outra, apontando as falhas de todos que ela tinha sido fotografada, com um companheiro instrutor de dança,
um companheiro de quarto de sacanagem, uma longa série de homens que tinha feito seu erro.
— Você gosta de alguém? — Perguntou Blue com frustração no sábado de manhã quando se senta-
ram no sofá de veludo branco da sala cercadas por álbuns de fotos descartadas.
Nita apontou a página com o dedo retorcido.
— Eu gostava de todos eles na época. Eu era ingênua sobre a natureza humana.
Apesar da frustração de Blue por não ser capaz de começar a fazer a pintura, ela encontrou um certo
fascínio em ver a vida de Nita desenrolar desde sua adolescência crescida no Brooklyn durante a guerra, pa-
ra o tão mencionado anos cinquenta e início dos anos sessenta, quando ela tinha ensinado dança de salão.
Ela teve um casamento de curta duração com um ator que ela rotulou como “bebedor”, vendeu cosméticos,
trabalhou como modelo em feiras, e foi a garota da sala de chapéus em vários restaurantes de Nova York.
No início dos anos setenta, Nita conheceu e se casou com Marshall Garrison. Sua fotografia de ca-
samento mostrava uma loira voluptuosa platina com uma colmeia, maquiagem pesada nos olhos, e os lábios
pálidos foscos, olhando com adoração a um homem mais velho de aparência distinta, em um terno branco.
Seu quadril era magro, com as pernas longas, sua pele firme e sem rugas, exatamente o tipo de mulher que
virou cabeças masculinas.
— Ele pensou que eu tinha trinta e dois, — disse Nita. — Ele tinha cinquenta e entrei em parafuso
me preocupando com o que ele faria quando descobrisse que eu tinha realmente quarenta. Mas ele era louco
por mim, e não se importava.
— Você parece tão feliz aqui. O que aconteceu?
— Eu vim para Garrison.
Virando as páginas do álbum, Blue assistiu como o, antigamente tão ansioso para agradar, sorriso de
Nita gradualmente voltando-se para a amargura.
— Quando foi tirada?
— Nossa festa de Natal pelo segundo ano que nos casamos. Quando perdi a ilusão de que poderia fa-
zer todo mundo gostar de mim.
As expressões ressentidas dos clientes do sexo feminino mostraram exatamente como se sentiam so-
bre a intrusa do Brooklyn, ousada em seus grandes brincos e a muito curta saia, que tinha roubado o cidadão
mais importante da cidade. Em outra página, Blue estudou uma foto de Nita em pé sozinha na festa de quin-
tal de alguém, um sorriso tenso estampado em seu rosto. Blue virou e viu uma imagem de Marshall.
— Seu marido era muito bonito.
— Ele sabia também.
— Você nem sequer gostava dele?
— Eu pensei que ele tinha uma espinha dorsal quando me casei.
— Você provavelmente sugou para fora dele, enquanto estava bebendo seu sangue.
O lábio inferior de Nita enrolou, e ela deu um puxão em seus dentes, sua maneira favorita de expres-
sar desaprovação. Blue tinha ouvido o som da sucção desagradável mais vezes do que podia contar.
— Traga-me minha lupa, — Nita exigiu. — Quero ver se a toupeira de Bertie Johnson aparece nesta
foto. A mulher mais caseira que já conheci, mas ela teve a ousadia de criticar minhas roupas. Ela disse a to-
dos que eu era ostensiva. Fixei-a.
— Faca ou arma?
Sugar. Sugar.
— Quando o marido perdeu o emprego, contratei-a para limpar minha casa. Sras. High and Mighty
não gostaram nada disso, especialmente porque sempre a fiz limpar as casas de banho duas vezes.
Blue não teve dificuldade em imaginar Nita dominando sobre a infeliz Bertie Johnson. Nita estava
fazendo exatamente o mesmo com Blue nos últimos quatro dias. Ela exigiu biscoitos caseiros, ordenou a
Blue limpar Tango, e tinha até colocado-a no comando da contratação de uma nova faxineira, uma tarefa
difícil, já que ninguém queria trabalhar para ela. Blue agarrou o álbum fechado.
— Eu já vi mais do que suficiente para começar a trabalhar. Meus esboços terminaram, e se você me
deixar em paz por um tempo, esta tarde, posso fazer alguma coisa.
Não só tinha Nita declarado que queria estar na pintura, mas ela também decidiu que queria feito em
uma escala muito maior, para que ela pudesse pendurá-la no hall de entrada. Blue encomendou uma tela es-
pecial e aumentou o preço em conformidade. Ela tem dinheiro mais que suficiente para começar em uma
nova cidade... se ela só pudesse sair de Garrison, algo que Nita estava fazendo seu melhor para evitar.
— Como é que você vai pintar alguma coisa decente quando você está sonhando acordada com o jo-
gador de futebol o tempo todo?
— Eu não estou. — Blue não teve um vislumbre dele desde que ela o viu terça-feira na rua, e quando
esteve de volta na fazenda para conseguir suas coisas, ele tinha ido embora.
Nita pegou sua bengala.
— Enfrente-o Srta. “Grande Conversa”. Essa demora em ligar já está muito longa. Um homem como
ele quer muito mais em uma mulher do que você tem.
— Como você continua a me lembrar.
Nita considerou-a presunçosamente.
— Tudo que você tem a fazer é se olhar no espelho.
— Você nunca vai morrer?
O lábio inferior de Nita enrolou, e ela deu um puxão ruidoso em seus dentes da frente.
— Ele quebrou o seu coração, e você não vai admitir isso.
— Ele não quebrou meu coração. Para sua informação, eu uso os homens. Eu não deixo eles me usa-
rem.
— Oh, sim, você é uma verdadeira Mata Hari, tudo bem.
Blue agarrou dois dos álbuns.
— Estou indo para o meu quarto para começar a trabalhar. Não me interrompa.
— Você não vai a lugar nenhum até que faça o meu almoço. Eu quero um sanduíche de queijo gre-
lhado. Use Velveeta, não essa porcaria que você comprou.
— É chamado de cheddar.
— Eu não gosto disso.
Blue suspirou e se dirigiu para a cozinha. Assim que abriu a geladeira, ela ouviu uma batida na porta
dos fundos. O coração dela disparou. Correu e viu que eram April e Riley. Tão contente quanto ela estava
em vê-las, não podia deixar de estar apenas um pouco decepcionada.
— Entrem, senti falta de vocês.
— Nós sentimos sua falta, também. — April acariciou sua bochecha. — Especialmente da sua comi-
da. Gostaríamos de ter parado ontem, mas fiquei presa em casa.
Blue abraçou Riley.
— Você está linda.
O cabelo emaranhado e disforme de Riley foi substituído por um curto corte encaracolado que apre-
sentou o formato oval do rosto. Em vez de suas roupas apertadas, muito desconfortáveis, ela usava um par
de shorts cáqui que se encaixam confortavelmente, junto com um top verde simples que realçou os olhos e
complementava sua pele cor de oliva, que já havia perdido o seu aspecto pastoso.
— Quem está aí? — A velha materializou-se na porta da cozinha e deu a April um olhar depreciati-
vo. — Quem é você?
Blue fez uma careta.
— Sou a única que ouve um caldeirão fervente?
April puxou em seu sorriso.
— Sou a governanta de Dean Robillard.
— Blue ainda está sonhando acordada sobre o seu chefe, — disse Nita em autorretidão. — Ele não
chegou a vê-la uma vez, mas ela não vai admitir que isso acabou.
— Eu não estou sonhando acordada. Eu...
— Ela vive na terra de conto de fadas, pensando que um Príncipe Encantado vai resgatá-la de sua vi-
da patética. — Nita puxou um de seus três colares e novo com onze anos de idade. — Qual é o seu nome?
Algo estranho.
— Riley.
— Parece o nome de um menino.
Antes que Blue colocasse Nita em seu lugar, Riley disse:
— Talvez. Mas é muito melhor do que Trinity.
— Na sua opinião. Se tivesse uma filha, a chamaria de Jennifer. — Ela apontou a bengala em direção
à porta. — Vamos para a sala de estar comigo. Eu preciso de um novo conjunto de olhos para ler meu ho-
róscopo. Alguém não podia ser incomodada. — Ela olhou para Blue.
— Riley veio me visitar, — Blue disse, — e ela vai ficar bem aqui.
— Você está mimando-a novamente. — Ela considerava Riley com desaprovação. — Ela te trata
como um bebê.
Riley olhou para suas sandálias.
— Não exatamente.
— Bem? — Nita disse imperiosamente. — Você vem comigo ou não?
Riley mordiscou o lábio.
— Eu acho que sim.
— Espere. — Blue enrolou o braço em volta dos ombros de Riley. — Você vai ficar aqui comigo.
Para sua surpresa, Riley se afastou depois de hesitar um só momento.
— Eu não tenho medo dela.
As narinas de Nita queimaram.
— Por que você teria medo de mim? Eu gosto de crianças.
— Para o jantar, — Blue replicou.
Nita chupou os dentes, então disse a Riley, — não fique aí parada.
— Pare onde está, — Blue disse, Riley começou a seguir Nita para a sala de estar. — Você é minha
convidada, Riley, não dela.
— Eu sei, mas acho que tenho que ir com ela, — Riley disse com um tom de resignação.
Blue trocou um olhar com April, que deu um aceno de cabeça quase imperceptível. Blue plantou uma
mão na cintura e apontou para Nita.
— Eu juro, se você disser alguma coisa a ela, vou deixar sua cama em chamas depois de adormecer à
noite. Eu quero dizer isso. Riley, me fale se ela fizer algo.
Riley esfregou o braço nervosamente.
— Uh ... Ok.
Nita franziu os lábios em April.
— Você viu o jeito que ela fala comigo? Você é uma testemunha. Se alguma coisa me acontecer,
chame a polícia. — Ela olhou para Riley. — Espero que você não cuspa enquanto lê. Eu não posso suportar
isso.
— Não, minha senhora.
— Fala-se. E endireite os ombros. Você precisa aprender a andar.
Blue esperou Riley apresentar aquele olhar derrotado, mas a menina respirou fundo, empurrou os
ombros para trás e entrou na sala de estar.
— Não preste atenção a tudo o que ela diz, — Blue falou atrás dela. — Ela é média para o osso.
A sucção finalmente desapareceu.
Blue olhou para April.
— Por que ela está indo com ela?
— Ela está testando a si mesma. Ontem à noite, ela levou Puffy fora depois de escurecer para um
passeio desnecessário, e esta manhã, quando viu uma cobra pela lagoa, obrigou-se a caminhar ao redor da
borda para que pudesse dar uma olhada mais de perto, mesmo estando pálida como um folha. — Ela tomou
a que Blue indicou. — É frustrante. Ela teve a coragem de fugir de Nashville, a história por trás que vai en-
rolar o cabelo e ela levantou-se a seu pai, mas ela vê a si mesma como tendo medo de tudo.
— Ela é uma grande garota. — Blue olhou para a sala para tranquilizar-se de que Riley ainda estava
viva, então puxou a lata de biscoitos do armário e a levou até a mesa da cozinha.
— Como você pode estar vivendo com aquela mulher? — April levou um dos cookies oferecidos por
Blue.
— Sou bastante adaptável. — Blue pegou um cookie e sentou-se na cadeira dourada. — Riley é uma
garota incrível.
— Eu suspeito que Dean é a razão por trás de todos esses testes que está fazendo. Eu ouvi ele falando
com ela sobre resistência mental.
Um elefante de cabelos dourados tinha viajado para a cozinha.
— Ele está, finalmente, reconhecendo ela?
April acenou com a cabeça e atualizou Blue sobre o que tinha acontecido na noite passada de terça-
feira, a mesma em que Dean tinha aparecido na caravana e eles fizeram amor. Blue sabia que Dean estava
mal, e agora entendia o que causou isso. Ela parou na beira do cookie e mudou de assunto.
— Como estão as coisas em casa?
April esticou o corpo felino.
— Os pintores terminaram, e os móveis começaram a chegar. Mas os caras que deveriam construir a
varanda pegaram outro emprego durante o boicote da Nita e não podem voltar por duas semanas. Acredite
ou não, Jack é quem está fazendo. Ele começou a enquadrar o pórtico na quarta-feira.
— Jack?
— Sempre que ele precisa de um par extra de mãos, ele late para Dean ir ajudá-lo. Hoje eles traba-
lharam durante toda a tarde e mal disseram uma palavra um ao outro. — Ela estendeu a mão para um segun-
do cookie e gemeu. — Deus, esses são bons. Eu não sei o porque você e Dean estão brigando, mas queria
que você voltasse para que possa voltar e cozinhar. Riley e eu estamos ficando cansadas de cereais e sanduí-
ches.
Se fosse assim tão simples.
— Depois que eu terminar este retrato, estou deixando Garrison.
April pareceu desapontada, o que era bom.
— Portanto, seu noivado está oficialmente acabado?
— Nós nunca fomos noivos. Dean me pegou há duas semanas na estrada fora de Denver. — Blue
contou a ela sobre Monty e o traje castor.
April não parecia tão surpresa.
— Você vive uma vida interessante.
***
Na sala de estar, Riley terminava a leitura do horóscopo da Sra. Garrison. Dizia que o romance esta-
va no quadro, o que fez Riley tão envergonhada que queria fazer outra coisa, mas ela não conseguia pensar
em nada. Riley queria estar na cozinha com April e Blue, mas Dean disse que ela tinha que parar de deixar
as pessoas saberem o quanto a assustavam. Dean disse que ela deveria ver como Blue tomou conta de si
mesma e fazer a mesma coisa, só que sem bater em ninguém, a menos que absolutamente necessário.
Sra. Garrison pegou o jornal, como se fosse roubá-lo.
— Aquela mulher na cozinha. Eu pensei que seu nome era Susan. Isso é o que eu ouvi na cidade.
Ninguém, exceto Blue sabia que April era a mãe de Dean.
— Eu acho que April é seu nome do meio.
— Você é parente dela? O que você está fazendo na fazenda?
Riley cutucou o braço do sofá. Ela desejou que ela pudesse dizer a Sra. Garrison que Dean Robillard
era seu irmão.
— April é uma amiga da família. Ela é uma espécie de... como... minha madrasta.
— Uma ova. — Sra. Garrison olhou para ela. — Você está melhor hoje do que na semana passada.
Ela quis dizer o cabelo de Riley. April a tinha levado para cortar, também compraram roupas novas.
Mesmo que tivesse sido apenas uma semana, a barriga de Riley não parecia ficar fora até agora, talvez por-
que ela não tem muito tempo para ficar entediada e comer.
Sempre que queria ir para a casa de campo de April, tinha que andar, e tinha que cuidar de Puffy. O
andar de bicicleta era difícil com as colinas, e depois Dean a fez jogar o futebol ao redor. Às vezes, ela dese-
java que os dois pudessem apenas sentar e conversar, mas ele gostava de fazer coisas o tempo todo. Ela co-
meçou a pensar que talvez ele tivesse TDAH como Benny Phaler, ou talvez fosse apenas porque ele era um
menino e um jogador de futebol.
— Fiz um novo corte de cabelo, — disse ela. — Além disso, não há muita comida lixo por lá, e te-
nho andado em minha bicicleta muito.
Os lábios da Sra. Garrison estavam todo enrugados, e Riley viu que seu batom rosa tinha corrido para
os vincos.
— Blue ficou desagradável naquele dia no Josie só porque eu disse que você era gorda.
Riley torceu as mãos no colo e lembrou que Dean disse que ela tinha que se manter em pé por si
mesma.
— Eu sei que sou. Mas o que você disse feriu meus sentimentos.
— Então você tem que parar de ser tão sensível quando é óbvio que alguém está tendo um dia ruim.
Além disso, você não parece tão gorda agora. É bom que você está fazendo algo sobre isso.
— Nem de propósito.
— Isso não importa. Você deve estudar dança para que possa mover-se melhor. Eu costumava ensi-
nar dança de salão.
— Eu fui ao balé por um tempo, mas não era boa, então saí.
— Você deveria ter ficado com ele. Balé constrói a confiança.
— O professor disse à minha acompanhante que eu estava perdida.
— E você a deixou fazê-la fugir da dança? Onde estava seu orgulho?
— Eu não acho que tenho muito.
— É hora de você conseguir alguma coisa. Pegue aquele livro lá, coloque-o em sua cabeça, e ande.
Riley não queria, mas atravessou a sala em direção a prateleira cisne de ouro e colocou o livro em
cima de sua cabeça. Ele caiu imediatamente. Riley o pegou e tentou de novo com mais sucesso.
— Mude seus polegares então eles estarão apontando para a frente, — Sra. Garrison ordenava. —
Vai abrir seu peito e puxar os ombros para trás.
Riley tentou fazê-lo e se sentiu maior, alta.
— Não há. Você finalmente parece com alguém que tem uma boa opinião de si mesma. Eu quero que
você ande assim de agora em diante, entendeu?
— Sim, senhora.
April enfiou a cabeça dentro.
— Hora de ir, Riley.
O livro escorregou da cabeça de Riley, e ela inclinou-se para pegá-lo. Os olhos da Sra. Garrison, es-
premeram em pequenas fendas, como se estivesse se preparando para dizer algo realmente sobre Riley ser
gorda e desajeitada, mas ela não fez.
— Você quer um emprego, garota?
— Um trabalho?
— Tire a cera dos seus ouvidos. Volte na próxima semana e você pode andar com Tango para mim.
Blue é inútil. Ela diz que ele está andando, mas tudo o que ela faz é levá-lo ao virar da esquina e deixá-lo
dormir.
— Porque ele é velho demais para andar, — Blue gritou da cozinha.
Rugas dobraram entre as sobrancelhas da Sra. Garrison como ela pode estar pensando que estava fi-
cando muito velho para andar também. De alguma forma ela fez com que Riley tivesse menos medo dela.
Ela meio que gostou do que a Sra. Garrison tinha dito sobre como Riley finalmente parecia alguém com uma
boa opinião de si mesma. April, Dean, e seu pai estavam sempre dizendo coisas boas para ela, mas eles esta-
vam apenas tentando construir sua autoestima, e Riley não acreditava neles. Sra. Garrison não se preocupava
com coisas como autoestima, por isso, se ela disse algo de bom, provavelmente era verdade. Riley decidiu
praticar mais com o livro, quando voltasse para a fazenda.
— Blue, traga-me a minha bolsa!
— Existe uma arma lá? — Blue falou de volta.
Riley não podia acreditar na conversa de Blue com a Sra. Garrison. Senhora Garrison deve realmente
precisar dela ou ela dispensaria Blue. Ela se perguntava se Blue não descobriu isso ainda.
Quando a Sra. Garrison pegou sua bolsa, tirou uma nota de cinco dólares e segurou-a para Riley.
— Não compre doces com isto ou qualquer coisa que engorda.
O pai de Riley sempre dava vinte dólares, e não precisava de mais dinheiro, mas seria indelicado re-
cusar.
— Obrigada, Sra. Garrison.
— Basta lembrar o que eu disse a você sobre a sua postura. — Ela agarrou a bolsa fechada. — Blue
irá conduzir até a fazenda para levá-la na próxima semana
— Eu não tenho certeza se estarei ainda aqui, — disse Riley. Seu pai não lhe dissera que dia eles iri-
am embora, e ela tinha medo de perguntar a ele, porque, mais do que tudo, ela queria ficar na fazenda para o
resto de sua vida.
***
No caminho para casa, April estendeu a mão e acariciou a perna de Riley. Ela não disse nada. Só deu
um tapinha. Ela também abraçou muito e tocou o cabelo de Riley e Riley fez dança com ela. Às vezes April
agia como uma mãe, exceto que ela não estava sempre falando sobre calorias e namorados. Além disso, a
mãe de Riley nunca disse as maldições que April falava. Principalmente, Riley gostava da maneira que April
cheirava, como madeira, flores e papel de caderno espiral. Ela nunca diria isso em voz alta, mas às vezes
estar com April era ainda melhor do que estar com Dean, porque Riley não tem que correr atrás de uma bola
de futebol o tempo todo.
Riley começou a sorrir, mesmo tendo uma tonelada de coisas para se preocupar. Não podia esperar
para contar a Dean que ficou sozinha com a Sra. Garrison, e mal se assustou.

Capítulo Dezoito

O quarto de Blue poderia ser o menor no segundo andar, mas também era o mais distante de sua pa-
troa, tinha uma pequena varanda com vista para o quintal. Ela se sentou de pernas cruzadas no tapete rosa,
com as costas contra a colcha floral enquanto analisava o desenho acabado. Os olhos de Nita pareciam de
um furão. Ela teria que corrigir isso. Ou talvez não.
O relógio de cabeceira dourada apontou meia-noite. Blue colocou o caderno de lado, bocejou e fe-
chou os olhos. Em sua mente, viu o trailer aninhado sob as árvores. Imaginou uma luz piscando na janela,
chamando-a de casa. Mas o trailer não era sua casa, e ela suportaria perdê-lo da mesma maneira que superou
todos os outros lugares deixados para trás. Todas as outras pessoas deixadas para trás.
Algo bateu na porta da varanda, e ela pulou. Quando Blue se virou, viu um vulto se aproximando.
Seu coração deu uma guinada. A confusão de emoções, expectativa, medo, raiva atingiram todo o seu corpo
ao mesmo tempo. Se levantou do tapete, caminhou até a porta e abriu-a.
— O que você pensa que está fazendo? Eu quase tive um ataque cardíaco.
— Eu faço isso com as mulheres. — Dean entrou. Ele cheirava picante e exótico, enquanto ela chei-
rava à batatas fritas. Ele a pegou em sua camiseta de propaganda da Goodyear enrugada com manchas de
tinta. Não lavara o cabelo naquela manhã, Nita ficou batendo com sua bengala na porta do banheiro exigin-
do café da manhã. Ainda assim, ele parecia muito mais crítico do quarto de rosa em rosa do que dela.
— Onde você guarda suas Barbies?
— Você poderia ter chamado, — ela respondeu. — Ou, melhor ainda, continuar a me ignorar.
Blue parecia uma ex-namorada mal-humorada, mas doía que ele ficou de fora, apesar de ser o que ela
queria que ele fizesse.
— Agora, onde está a diversão em chamar?
Dean usava calça jeans desbotada com botões e uma camisa preta equipada com uma frente-smoking
plissado. Quem poderia pensar em usar algo assim? E fazê-lo com tanta perfeição.
— Como você sabia que este era o meu quarto?
Ele deslizou seu dedo sob a manga de sua camiseta e endireitou-a.
— O único quarto que a luz continua acesa.
Se não fosse tão tarde, se Nita não tivesse testado a última gota de sua paciência, se Blue não tivesse
sentido tanto a falta dele, ela teria feito um melhor trabalho de esconder seus sentimentos. Como era, ela pe-
gou o braço de distância.
— Você me ignorou durante toda a semana, e agora você decide aparecer no meio da noite.
— Eu sabia que você ia sentir minha falta se te desse a oportunidade.
— Vá embora.
Ele olhou para ela com aqueles olhos azul-acinzentados sonhadores e roçou sua bochecha com o po-
legar.
— Você está desgastada. Teve, finalmente, o suficiente?
Blue puxou os olhos da pele bronzeada que aparecia no V da camiseta de Dean.
— Mais do que o suficiente.
— Bom. Eu vou deixar você voltar.
Ela não podia evitar. Trincou os dentes.
Seus lábios se curvaram.
— Você vai ser a teimosa normal, não é?
— Eu não sei como ser mais ninguém. — Ela pegou uma pilha de roupa limpa e enfiou-a na cômoda.
— Vá embora. Eu não te convidei para vir aqui, e não me sinto bem para brigar com você.
— Essa é a primeira vez. — Ele dobrou-se na cadeira boudoir rosa de babados. Deveria parecer bo-
bo, mas a cadeira só o fez parecer mais masculino. — Aqui está a coisa, Blue. Eu não estou dizendo que é
egoísta, mas acho que você poderia considerar alguém diferente de si mesma de vez em quando. — Ele es-
tendeu as pernas e cruzou os tornozelos. — Como Riley, por exemplo. Ela não teve uma refeição decente
desde que você a deixou.
— Contrate um cozinheiro. — Blue se ajoelhou para pegar seus esboços do tapete.
— Você sabe que não posso fazer isso enquanto Mad Jack está por perto. Ele decidiu que quer cons-
truir aquele maldito alpendre. Até o momento, os trabalhadores não o reconheceram, mas isso é só porque
ele se mantém para si, e ninguém espera ver uma estrela de rock em pé em uma escada com um martelo na
mão. — Longas pernas sob jeans se estendiam em frente ela. — Mas a contratação de ajuda da família é pe-
dir para ter problemas.
Ela pegou um lápis de desenho sob o calcanhar.
— Jack está saindo em breve, assim como Riley. Seus problemas estão acabando.
— Não estou tão certo sobre isso. — Dean puxou a perna. — Eu não peço favores facilmente, mas
poderíamos usar um pouco de ajuda.
Blue pegou o último de seus desenhos e se levantou.
— Já tenho um emprego.
— E ele está fazendo você miserável. — Ele se levantou da cadeira.
Quando Blue olhou para ele, o pequeno quarto pareceu ficar ainda menor. Havia uma maneira de ti-
rá-lo daqui.
— Quanto você vai me pagar?
Blue esperou Dean começar a puxar notas de cem dólares de seus bolsos para chutá-lo do quarto. Em
vez disso, ele esfregou o polegar sobre um curativo no pulso.
— Nada. Eu estou pedindo para você fazer isso como um favor. Um jantar caseiro no domingo.
Só assim, ele teria arrancado sua superioridade moral.
— Eu sei que é pedir muito, — disse — mas todos nós realmente apreciamos sua comida. Se você
me der uma lista, posso pegar o que você precisa.
Blue acreditava que ele lhe ofereceria dinheiro, o que teria dado a ela uma desculpa perfeita para lan-
çar o seu jantar de domingo de volta em seu rosto, mas ele a tinha manobrado, e agora ficava grosseiro se
recusasse. Blue colocou os esboços em cima da cama e pensou sobre o quanto sentiu falta da fazenda. Que-
ria falar com Riley. Queria ver como ficou o novo mobiliário, ver Puffy e envergonhar-se na frente de Jack.
Ela queria fazer parte de tudo isso novamente. Sua velha fraqueza, tentando pertencer onde não pertencia.
— Todo mundo vai estar lá?
Sua boca se apertou.
— Você quer outra chance de agir como uma idiota na frente de Mad Jack, não é?
— Estou mais madura agora.
— Claro que está. — Ele pegou seus esboços da cama. — Sim, estarão todos lá. Diga-me o que você
precisa.
Enquanto ela ficasse com o grupo, ela poderia ir. Só dessa vez. Ela mentalmente revisou o conteúdo
da despensa e deu-lhe uma lista curta, que ele não se preocupou em anotar. Ele levantou seu esboço final.
— Isso é ótimo, mas pensei que você estivesse pintando seu cão.
— Nita decidiu que ela tem que estar no retrato, também. — Nita se preocupava mais em manter
Blue por perto e fazê-la trabalhar como escrava do que com a pintura. — Você está pronto para ir para casa?
Seu olhar vagou para a cama.
— Definitivamente, não.
Ela colocou a mão em seu quadril.
— Eu tenho que tirar a roupa só porque você se cansou e decidiu pular por cima dos trilhos doeu bal-
cão esta noite? Eu não penso assim.
Suas sobrancelhas se juntaram.
— Realmente incomoda, não é mesmo, que eu fiquei fora. — Ele apontou o dedo na direção de seu
rosto. — Você não é a única que tem permissão para ficar chateada.
— Eu não fiz nada com você! Precisava de um emprego, e não me diga que tinha um com você, por-
que eu não tinha.
— Estava contando com você, e virou as costas para mim. Obviamente, você não se importava em
como eu me sentia.
Dean olhava com raiva, mas Blue não acreditava nele.
— Você é mais do que privilegiado, exagerado, e perfeitamente capaz de manter a si próprio com to-
dos eles. O que realmente te incomoda é que não está recebendo o seu caminho. — Blue marchou para a
porta da varanda querendo jogá-lo para fora, mas, ao imaginar seu corpo estatelado no chão com as pernas
enroladas debaixo dele, ela se afastou.
— O que realmente me incomoda, — disse ele por trás dela, — é acreditar que você era alguém com
quem podia contar.
Uma pontada de culpa atravessou a sala.
— Você vai sair pela porta da frente. Não faça nenhum barulho, ou nunca vou ouvir o fim de tudo.
Dean lançou-lhe um olhar duro, deu um passo em frente dela, e abriu a porta ele mesmo. Blue o se-
guiu pelo corredor com tapetes rosas, passaram por uma pintura terrivelmente feia de um canal veneziano, e
desceram os degraus, para ela fechar a porta atrás de si. Logo após, Dean parou e se virou. Blue estava em
um degrau mais alto, e seus olhos se encontraram. À luz do candelabro de cristal empoeirado, seu rosto era
familiar e misterioso. Ela fingia estar entediada, mas como poderia? Dean era das estrelas e ela era da boa
terra sólida.
Blue ficou sem se mexer quando Dean levantou os braços e mexeu em seu cabelo. O elástico frouxo
que havia estado mal segurando seu rabo de cavalo cedeu quando entrelaçou os dedos em seus cabelos.
Seu beijo foi duro e emocionante. Blue esqueceu tudo o que sabia sobre si mesma e colocou os bra-
ços ao redor do pescoço dele. Inclinando a cabeça abriu a boca. Dean segurou seu traseiro e apertou. Ela
apertou mais perto, e esfregou seu quadril contra ele.
Ele se afastou tão de repente que ela cambaleou e teve de agarrar o corrimão. Claro, ele notou. Ela
jogou o cabelo, enviando o elástico pendurado em um voo.
— Você está tão aborrecido consigo mesmo.
— Eu não me sinto entediado. — Sua voz baixa, áspera, raspou sua pele como uma lixa. — O que eu
sinto... — Ele fechou a mão em torno de sua coxa nua, logo abaixo da barra do short dela. — O que eu sin-
to... é um pequeno corpo fodidamente quente...
Faíscas irromperam dentro dela. Blue lambeu os lábios e provou-o.
— Sinto muito. Agora que tive você, minha curiosidade está satisfeita, e não estou interessada. Sem
ofensa.
Seu olhar se manteve estável. Dean deliberadamente roçou os dedos em seu peito.
— Nenhuma.
Como sua pele arrepiou, deu-lhe menos de um sorriso amigável, virou-se, e saiu da casa.
***
Blue ficou de ressaca na manhã seguinte, quando saiu para a calçada para pegar o jornal de domingo
para Nita. Ontem à noite, Dean tinha tentado mudar as regras sobre ela. Ele não tinha o direito de estar com
raiva só porque ela não iria adorar e cortejá-lo como todo o resto. Hoje, quando fosse para a fazenda, preci-
sava dar-lhe tanto trabalho quanto possível.
Quando se abaixou para pegar o jornal, Blue ouviu um assobio vindo do outro lado da cerca. Ela
olhou para cima e viu Syl, a dona da loja de revenda local, espiando-a pelos arbustos através de um par de
óculos vermelhos de olho de gato. Syl tinha o cabelo curto e lábios finos que tinha ampliado com delineador
de lábios vermelho escuro. Blue conheceu seu senso de humor quando se conheceram no Barn Grill depois
da grande luta, mas era toda a Syl negócios agora, sibilando como uma mangueira de jardim e gesticulando
para Blue se aproximar.
— Venha aqui. Precisamos falar com você.
Blue colocou o jornal debaixo do braço e seguiu Syl ao virar da esquina. Um Impala dourado estaci-
onado no lado oposto da rua, e duas mulheres saíram: a agente imobiliária de Dean, Monica Doyle, e uma
magra, mulher de meia-idade, Syl uma afro americana rapidamente apresentou Winters, a proprietária do
“Sótão da tia Myrtle”, loja de antiguidades da cidade.
— Estamos tentando encontrá-la sozinha durante toda a semana, — disse Syl enquanto as mulheres
se reuniam. — Mas sempre que aparece na cidade, ela está por perto, então decidimos arriscar de fora da
casa antes de irmos para a igreja.
— Todo mundo sabe que Nita tem um ritual, se ela não tirá-la do papel de domingo, como a primeira
coisa. — Monica puxou um lenço de papel da bolsa Vera Bradley marinha e amarela que combinava com
seu vistoso terno azul. — Você é a nossa última esperança, Blue. Você tem que usar sua influência com ela.
— Eu não tenho nenhuma influência, — disse Blue. — Ela não me suporta.
Penny tocou a cruz de ouro no pescoço de seu vestido vermelho.
— Se isso fosse verdade, ela teria se livrado de você agora como ela fez com todos os outros.
— Foram apenas quatro dias, — Blue respondeu.
— Um recorde. — Monica assoou o nariz de forma delicada. — Você não tem ideia de como ela
funciona sobre todos.
Isso não era tão verdadeiro.
— Você tem que convencer Nita a fazer Garrison crescer. — Syl empurrou os óculos olho de gato
acima em seu nariz. — É a única maneira de salvar essa cidade.
Garrison crescer, Blue rapidamente aprendeu, era o plano dos líderes da cidade que tinham se reuni-
do para revitalizar a cidade.
— Os turistas dirigem por aqui o tempo todo em seu caminho para os enfumaçados, — Monica disse,
— mas não há nenhum restaurante decente, nem alojamento, dificilmente alguma loja, e eles nunca param.
Se Nita nos deixasse ir em frente com Garrison crescendo, podemos mudar tudo isso.
Penny puxou o pequeno botão preto entre os seios.
— Sem franquias nacionais aqui, podemos tirar proveito do fator nostalgia e tornar este lugar pareci-
do com a memória de toda a gente mais do que pequenas cidades americanas eram antes que KFC entrasse.
Monica enfiou a bolsa no ombro.
— Naturalmente, Nita se recusa a cooperar.
— Seria tão fácil de atrair turistas, só vamos fazer algumas melhorias, — disse Syl. — Nita não teria
que pagar um centavo.
— Syl está tentando abrir uma verdadeira loja de presentes ao lado de sua loja de revenda, — Penny
disse, — mas Nita odiava sua mãe e não vai alugar o espaço.
Quando os sinos da igreja tocaram, as mulheres começaram a delinear outras partes do Plano Garri-
son Cresce, que incluía uma pousada, convertendo Josie em um restaurante decente, e deixar alguém cha-
mado Andy Berillo adicionar um café na padaria.
— Nita diz que cafés são apenas para os comunistas, — Syl disse indignada. — Agora, o que iria fa-
zer um comunista em Leste do Tennessee?
Monica cruzou os braços sobre o peito.
— E quem se preocupa com os comunistas de qualquer maneira hoje em dia?
— Ela só quer ter certeza que todo mundo na cidade sabe como ela se sente sobre nós, — disse
Penny. — Eu não gosto de falar mal de ninguém, mas ela está deixando esta cidade morrer por despeito.
Blue lembrou da expressão ansiosa de Nita nas fotografias de Garrison no início e se perguntou como
as coisas poderiam ter sido diferentes se as mulheres locais houvessem a recebido quando ela tinha chegado
ao invés de ignora-la. Não importa o que Nita disse, Blue não acreditava que ela tinha a intenção de vender a
cidade. Ela pode odiar Garrison, mas não tinha outro lugar para ir.
Syl apertou o braço de Blue.
— Você é a única pessoa que ela tem por perto agora. Convencê-la dessas melhorias significa dinhei-
ro no bolso. Ela gosta de dinheiro.
— Eu ajudaria se pudesse, — Blue disse, — mas a única razão pela qual ela está me mantendo por
perto é para me torturar. Ela não escuta nada do que eu digo.
— Apenas tente, — disse Penny. — Isso é tudo o que pedimos.
— Tente bastante, — Monica disse com mais firmeza.
Nita armou um escândalo naquela tarde quando Blue anunciou sua partida, mas Blue não caiu na sua
lábia e, por volta das quatro horas, em meio a ameaças de chamar a polícia, ela partiu para a fazenda no Ro-
adster. Desde a sua última visita, os pastos foram ceifados e o muro circundante tinha sido reparado. Ela es-
tacionou perto do celeiro, ao lado do SUV de Jack. O vento quente puxou seu rabo de cavalo, enquanto atra-
vessava o pátio.
Riley saiu correndo. O sorriso bobo esticado em seu rosto a fazia parecer uma criança diferente da
pequena triste, que Blue havia encontrado dormindo na varanda pouco mais de uma semana atrás.
— Adivinha, Blue? — Ela gritou. — Nós não vamos para casa amanhã! O papai diz que vai ficar
mais alguns dias por causa do trabalho na varanda.
— Oh, Riley! Isso é ótimo. Estou muito feliz.
Riley puxou em direção à porta da frente.
— April quer que você vá, para que ela possa mostrar tudo lá fora. E adivinha o que mais? April deu
para Puffy um pouco de queijo, e Puffy fez puns fedidos, mas Dean continuou culpando a mim, e eu não iria
fazer isso.
— Sim, certo. — Blue sorriu. — A culpa é do cão.
— Não, realmente. Eu nem gosto de queijo.
Blue riu e a abraçou.
April e Puffy encontraram com elas na porta da frente. No interior, o hall de entrada brilhava com o
sol da tarde e a pintura da casca do ovo fresca. Um tapete modelado com redemoinhos em tons de terra cor-
ria pelo corredor. April gesticulou em direção ao quadro abstrato que Blue vira em uma galeria de Knoxvil-
le.
— Veja como grande a pintura parece? Você estava certa sobre a mistura de arte contemporânea com
as antiguidades.
O baú abaixo tinha uma bandeja de madeira e bronze, que já detinha a carteira de Dean e um conjun-
to de chaves, junto com uma foto na primeira infância emoldurada dele vestindo shorts e um capacete de
futebol tão grande que repousava em sua clavícula. Junto ao peito, um cabide de ferro encaracolado esperou
por uma de suas jaquetas, e uma cesta rústica acomodava um par de tênis e uma bola de futebol. A cadeira
de mogno robusto, com uma volta esculpida oferecia um local conveniente para calçar os tênis de corrida ou
olhar o correio.
— Você planejou tudo ao seu redor. Será que ele percebeu como personalizado é isso?
— Duvido.
Blue olhou em um espelho de parede oval com uma moldura de madeira entalhada.
— Tudo o que você precisa é de uma prateleira para seu hidratante e curvex.
— Comporte-se. Você já reparou que ele quase nunca olha para si mesmo?
— Tenho notado. Eu só não escolhi deixá-lo saber que eu tenho notado.
Blue amou o resto da casa, principalmente na sala de estar, que tinha sido transformada com uma pá-
lida pintura amanteigada e um grande tapete oriental. A paisagem vintage que Blue havia descoberto na par-
te de trás de uma loja de antiguidades estava ótima com o negrito da lona contemporânea que April tinha
pendurado sobre a lareira. As cadeiras de couro desgastado que April encontrou estavam no local, juntamen-
te com um armário de nogueira para manter equipamentos de som e uma mesa de café enorme com gavetas
para controles remotos e filmes de jogos. Mais fotos arrumadas em cima, algumas tiradas dele com amigos
de infância, outros de sua adolescência e anos de faculdade. De alguma forma Blue não achou que as fotos
eram a sua ideia.
***
Dean inconscientemente martelava no ritmo da música do Black Eyed Peas vindo da cozinha. Ele e
Jack estavam trabalhando na varanda a maior parte do dia. As paredes exteriores foram para cima, e amanhã
eles começariam no telhado. Ele olhou na direção da janela da cozinha. Blue tinha acenado para ele quando
chegou, mas ela não saiu para dizer olá, e ele não foi para dentro Ele estava irritado consigo mesmo por per-
der-se com ela ontem à noite na escada, mas pelo menos ele a tinha em seu território agora, e nada é melhor
que uma vantagem de jogar em casa. Blue amava a fazenda, e se ela era teimosa demais para voltar, ele po-
deria pelo menos lembrá-la do que ela estava abrindo mão. De uma forma ou de outra, ele estava determina-
do a conseguir o que queria, o que tanto merecia.
Lá dentro, alguém acompanhou a música. April e Riley deveriam estar ajudando com jantar, mas
April não gostava de cozinhar, e ele podia vê-la arrastando Riley longe de descascar batatas para dançar. Ele
observou Blue colocar de lado uma tigela e juntar-se a elas. Ela pulava como uma fada da árvore, braços
acenando, balançando seu rabo de cavalo. Se ela estivesse sozinha, ele poderia ter ido para dançar com ela,
mas não com April e Jack por perto.
— Eu pensei que você e Blue terminaram. — A voz de Jack momentaneamente o assustou. À exce-
ção de um pedido para passar sobre uma ferramenta ou segurar uma placa no lugar, não haviam falado, du-
rante toda a tarde.
— Não exatamente. — Dean dirigiu outro prego. Ele estava exercitando seu ombro, e ele finalmente
foi se soltando. — Estamos em um ponto de transição, isso é tudo.
— A transição para o quê?
— Estamos tentando descobrir isso.
— Mentira. — Jack limpou o rosto com a manga. — Você não está falando sério sobre ela. Ela é
apenas uma diversão para você.
Blue tinha dito a mesma coisa praticamente desde o dia em que se conheceram, e Dean teve que ad-
mitir que havia alguma verdade nisso. Se ele a tivesse visto na rua ou em um clube, nunca a notaria, mas só
porque ela não teria chegado a ele. Com tantas mulheres bonitas que tentam chamar sua atenção, como ele
deveria perceber as que não eram?
— Tenha cuidado com ela, — Jack continuou. — Ela age duro, mas aqueles olhos a entregam.
Dean limpou a testa com a manga da camiseta.
— Não confunda realidade com suas letras de música, Jack. Blue sabe exatamente o que a pontuação
é.
Jack encolheu os ombros.
— Eu acho que você a conhece melhor do que eu.
Essa foi a última coisa que eles disseram um ao outro até que Dean entrou para tomar um banho.
Enquanto observava Dean desaparecer, Jack limpou uma gota de suor da testa. Embora tivesse ape-
nas a intenção de permanecer na fazenda por uma semana, ele não ia a lugar nenhum por enquanto. April
teve seu método de expiação, e ele tinha a sua construção, desta varanda com Dean. Crescendo, Jack teve
verões em que trabalhava com seu pai, e agora ele e Dean estavam fazendo o mesmo. Não que Dean desse a
mínima para qualquer tipo de ritual pai e filho, mas Jack sim.
Ele gostou da forma como a varanda foi se configurando. Tudo estava sólido. Seu velho teria ficado
orgulhoso.
Blue dobrou para abrir a janela da cozinha. Através do vidro, ele assistiu os ágeis movimentos sensu-
ais de April e as mechas de longos cabelos voando ao redor da cabeça como facas.
— Ninguém com mais de trinta anos de idade deve ser capaz de dançar como você, —ele ouviu Blue
dizer quando a música terminou.
Riley saltou, sem fôlego de tentar seguir April.
— Papai tem cinquenta e quatro anos, e ele dança muito bem. No palco de qualquer maneira. Eu não
acho que ele dança em qualquer outro lugar.
— Ele costumava fazer. — April passou as mãos pelos cabelos para varrê-lo do rosto. — Depois de
seus shows, quando iria encontrar alguns clubes fora de mão, nós dançávamos até o local fechar. Muitas ve-
zes eles ficavam abertos apenas para ele. De todas as pessoas, com quem mais dancei foi com ele. — Ela
parou, depois deu de ombros e se inclinou para acariciar o cão. Um momento depois, o celular dela tocou e
ela saiu da cozinha para atender.
Ontem, ele ouviu seu discurso com um de seus interlocutores chamado Marcos. Antes disso, tinha
sido Brad. Boa e velha April. Mesmo assim, ele queria fazer amor com ela novamente. Ele queria escavar
suas camadas e descobrir de onde sua força vinha.
Ele tinha reuniões em Nova York e pretendia convidá-la para acompanhar Riley por alguns dias en-
quanto estava fora. Confiou-a com seu filho. A pessoa que ele não confiava nela era com ele mesmo.
Alguém começou a bater na porta, Dean voltou para baixo de seu chuveiro. Ele abriu-a e viu Nita
Garrison ali. Atrás dela, um sedan preto empoeirado afastou-se. Ele virou-se para a cozinha.
— Blue, você tem visita.
Nita bateu-lhe no joelho com sua bengala, e ele automaticamente se afastou, o que abriu um buraco
grande o suficiente para ela passar. Blue saiu da cozinha, seguida por um rastro de grandes cheiros de cozi-
nha.
— Oh, Deus, não, — gemeu quando viu Nita.
— Você deixou seus sapatos na escada, — disse Nita em um tom acusador. — Eu tropecei e cai so-
bre eles todo o caminho até o fundo. Tenho sorte de não quebrar meu pescoço.
— Eu não deixo meus sapatos na escada, e você não caiu. Como você chegou aqui?
— Aquele idiota do Chauncey Crole. Ele cuspiu para fora da janela durante todo o caminho. — Ela
cheirou o ar. — Sinto cheiro de frango frito. Você nunca fez frango frito para mim.
— Isso é porque eu não consigo encontrar um lugar para esconder o vidro moído.
Nita chupava os dentes, em seguida, bateu-lhe na canela de novo para rir.
— Eu preciso sentar. Eu tenho hematomas por toda parte dessa queda.
Riley surgiu da cozinha, Puffy trotando atrás dela.
— Olá, Sra. Garrison. Eu pratiquei com o livro hoje.
— Vá buscá-lo e deixe-me ver. Mas, primeiro, encontre-me uma cadeira confortável. Levei uma
queda terrível hoje.
— Há uma na sala de estar. Eu vou te mostrar. — Riley levou-a para longe.
Blue esfregou as costas da mão sobre um pouco de farinha no rosto. Ela não chegou a olhar para ele.
— É melhor eu falar para April colocar outro lugar na mesa.
— Essa mulher não vai jantar com a gente, — disse ele.
— Então descubra como se livrar dela. Acredite em mim, é mais difícil do que você pensa.
Dean seguiu para a cozinha, protestando por todo o caminho, mas Blue acenou para ele. Ele olhou na
sala de jantar e viu que sua mesa antiga Phyfe Duncan tinha sido adornada com franjas e tapetes amarelos,
os pratos azuis e brancos à moda antiga, uma tigela de pedras brilhantes que Riley havia coletado, e um vaso
de flores amarelas. Todo o espaço necessário para ser completo foram os murais azul que se recusaram a
pintar. April ignorou quando ela começou a encher copos com chá gelado. Ele tentou ajudar Blue, mas aca-
bou ficando em seu caminho. Jack apareceu fresco de seu chuveiro. Blue deixou cair a colher de pau.
— É bom ver você, Blue. — Ele enfiou a mão na geladeira por uma cerveja.
— Uh ... oi. — Ela derrubou o saco de farinha quando se atrapalhou para pegar a colher.
Dean pegou algumas toalhas de papel.
— Temos companhia inesperada na sala de estar, Jack, então você tem que sumir. — Ele inclinou a
cabeça na direção de Blue. — Tenho certeza que a sua fã número um ali vai guardar algum jantar.
Os olhos de Jack seguiam April, mas ela não pareceu notar.
— Eu só posso esconder por tanto tempo, — disse ele. — Propriedade privada a sua fazenda. Mesmo
que as pessoas descubram que estou aqui, elas não serão capazes de chegar até mim.
Mas Dean tinha passado 20 anos evitando qualquer coisa que pudesse ligá-lo à Jack Patriot, e ele não
queria Nita Garrison tagarelando com todo mundo que Jack estava hospedado aqui.
— Papai entrou na loja de cerveja hoje, — Riley disse da porta. — Ele estava em suas roupas de tra-
balho, e não estava usando brincos, para que ninguém o reconhecesse.
— Reconhecesse quem? — Nita apareceu atrás dela. — Esse jogador de futebol? Todo mundo sabe
que ele está aqui. — Ela avistou Jack. — Quem é você?
— Esse é o meu pai, — Riley disse rapidamente. — O nome dele é ... Sr. Weasley. Sr. Ron Weasley.
— O que ele está fazendo aqui?
— Ele é ... Ele é o namorado de April.
Os olhos de April estalaram quando ela fez um gesto em direção à sala de jantar.
— Eu espero que você esteja se juntando a nós para o jantar.
Blue bufou.
— Como se você pudesse mantê-la longe.
— Eu não me importo se faço. Dê-me o braço, Riley, para que eu não caia novamente.
— Sra. Garrison pensa que Riley é estúpida, — Riley anunciou a ninguém em particular.
— Eu não acho que você é estúpida, — Nita disse, — Só o seu nome, e isso não é culpa sua, agora, é
dele. — Ela apontou um olhar acusador para Jack.
— Foi ideia de sua mãe, — disse ele. — Eu queria chamá-la de Rachel.
— Jennifer é melhor. — Nita empurrou Riley à sua frente na sala de jantar.
Jack virou-se para Blue.
— Quem diabos é essa?
— Alguns a chamam de Satanás. Outros Belzebu. Ela atende por muitos nomes.
Dean sorriu.
— Ela é a patroa de Blue.
— Ela não é minha patroa. — Blue bateu uma baqueta no prato.
— Sorte sua, — disse Jack.
Blue puxou uma panela de aspargos assados do forno. Todos eles começaram a levar os pratos de
servir. Olhos azuis estreitaram quando viu que Nita havia se posicionado na cabeceira da mesa. Riley sentou
à sua esquerda imediata. Dean rapidamente colocou a cesta de biscoitos e pegou uma cadeira lateral do lado
oposto, o mais longe a velha senhora como ele poderia obter. Jack se livrou da tigela de salada de batata
morna quase tão rapidamente e correu para se sentar ao lado de Riley no lugar através de Dean. April e Blue
perceberam, ao mesmo tempo que apenas duas cadeiras vazias permaneceram, uma no pé da mesa e uma
diretamente à direita de Nita. Ambas fizeram uma corrida para o pé da mesa. April teve um bom começo,
mas Blue jogou sujo e esbarrou nela. April perdeu o ritmo, Blue se jogou na cadeira.
— Touchdown ...
— Você me traiu, — April assobiou baixinho.
— Crianças ... — disse Jack.
April jogou o cabelo e marchou para tomar seu lugar ao lado de Nita, que estava reclamando para Ri-
ley sobre a prepotência do azul e perdeu a coisa toda. April agora sentou-se para a esquerda imediata do De-
an. Eles começaram a passar os alimentos. Depois de April encher seu prato, Dean ficou surpreso ao vê-la
curvar a cabeça sobre sua refeição por alguns momentos. Quando isso aconteceu?
— Apenas um biscoito, — Nita disse a Riley, tendo dois para si. — Qualquer coisa a mais vai fazer
você engordar novamente.
Blue abriu a boca para saltar em defesa de Riley, mas Riley lidou com isso sozinha.
— Eu sei. Eu não tenho fome como costumava ter.
Quando Dean olhou ao redor da mesa, viu uma caricatura da família americana. Era como Norman
Rockwell em crack. A avó, que não era uma avó. Os pais que não eram pais. Blue, que não se encaixava em
qualquer papel definido, exceto como puxa-saco de Mad Jack. Ela fez com que Jack tivesse o maior pedaço
de frango e correu para buscar um garfo limpo quando ele acidentalmente deixou cair o dele. Dean se lem-
brou sentado em mesas de jantar de seus amigos, enquanto ele estava crescendo e ansiando por uma família
própria. Ele deveria ter sido mais cuidadoso com o que ele desejava.
Todo mundo elogiou o jantar de Blue, exceto Nita, que se queixou de que os aspargos precisavam de
mais manteiga. O frango estava crocante e úmido. A crise do salgado de bacon esfarelado no topo da salada
de batata quente, que tinha um molho picante. Blue não estava feliz com os biscoitos, mas o resto deles ti-
nham vários.
— Sra. Garrison ensinava dança de salão, — Riley anunciou.
— Nós sabemos, — Dean e Blue disseram em uníssono.
Nita olhou para Jack.
— Você parece familiar.
— Eu? — Jack limpou a boca com o guardanapo.
— Qual é o seu nome?
— Ron Weasley, — Riley disse em seu copo de leite.
Ela estava desenvolvendo alguma boa malandragem e Dean deu uma piscadela sub-reptícia. Ele só
esperava que Nita não estivesse muito familiarizada com Harry Potter.
Ele esperou por Nita para retomar seu interrogatório, mas ela não fez.
— Ombros, — disse ela, e Riley imediatamente sentou-se ereta na cadeira. Nita passou os olhos en-
tre April e Dean. — Vocês dois são parecidos.
— Você acha? — April serviu-se de outra lança de aspargos assados.
— Você é parente, não é?
Dean sentiu-se tenso, mas sua irmã tinha se auto nomeado a guardiã dos segredos da família.
— Sra. Garrison está me dando aulas de postura, — disse ela. — Estou ficando muito boa em andar
com um livro.
Nita apontou o seu terceiro biscoito em Blue.
— Alguém poderia usar lições de postura.
Blue encarou e arremessou os cotovelos sobre a mesa.
Nita deu um sorriso triunfante.
— Veja como ela é infantil.
Dean sorriu. Blue estava definitivamente sendo infantil, mas ela parecia tão bonita, uma mancha de
farinha em uma bochecha, uma mecha de cabelo escuro arrastando pelo pescoço, com uma expressão teimo-
sa. Como uma mulher que era uma bagunça poderia ser tão atraente?
Nita voltou sua atenção para Dean.
— Os jogadores de futebol fazem um monte de dinheiro para não fazer nada.
— Muito bonito monte, — disse Dean.
Blue saiu em sua defesa.
— Dean trabalha muito duro no que ele faz. Sendo um quarterback não é apenas fisicamente exigido.
É muito difícil mentalmente também.
Riley pulou como backup de Blue.
— Dean é jogador no Pro Bowl já em três anos seguidos.
— Eu aposto que sou mais rica do que você, — disse Nita.
— Pode ser. — Dean olhou-a sobre uma asa de frango. — Quanto você tem?
Nita soltou um bufo indignado.
— Não vou falar isso.
Dean sorriu.
— Então, nós nunca saberemos, não é?
Jack, que poderia comprar e vender os dois, deu um suspiro de diversão. Sra. Garrison chupou um
pedaço de alimentos de seus dentes da frente e acabou com ele.
— E o que você faz?
— Agora, estou construindo a varanda de Dean.
— Dê uma olhada nos batentes da minha casa na próxima semana. A madeira está apodrecendo.
— Desculpe, — brincou Jack. — Eu não faço janelas.
April sorriu para ele, e Jack sorriu de volta. Uma intimidade que se passou entre eles fechando todos
os outros fora. Durou apenas um momento, mas ninguém à mesa perdeu.

Capítulo Dezenove

Depois do jantar, Nita anunciou que iria aguardar na sala Blue terminar de limpar a cozinha para le-
vá-la para casa. April imediatamente se levantou.
— Eu vou limpar. Vá em frente, Blue.
Mas Dean não estava pronto para deixar Blue ir. Até agora, todo o jantar serviu para mostrar e lem-
brá-lo o quanto ele sentia falta de tê-la por perto durante o dia e afundar na noite. Precisava corrigir isso.
— Eu deveria queimar o lixo, — disse ele. — Que tal me ajudar a fazer isso primeiro?
Riley fez o seu melhor para perturbar seus planos.
— Eu vou ajudar.
— Não tão rápido. — April começou a recolher os pratos. — Quando eu disse que iria limpar a cozi-
nha, quis dizer que todos vão ajudar, exceto Blue.
— Espere um minuto, — disse Jack. — Estamos trabalhando na varanda durante todo o dia. Nós me-
recemos um pouco de relaxamento.
De repente, ele e Jack eram uma equipe? Nem em um milhão de anos. Dean pegou o prato de frango
vazio.
— Claro.
Riley pulou.
— Posso carregar a máquina de lavar louça.
— Você está escolhendo a música, — disse April. — E é melhor que seja rock.
Blue respondeu, — Eu não estou escolhendo só a música. Eu consigo ajudar, também.
Riley escoltou Nita até a sala, enquanto o resto deles limpava a mesa. Ela voltou com o seu iPod e li-
gou na docking station de April.
— É melhor eu não ouvir chiclete saindo de lá, — disse Jack. — Radiohead estaria bem, ou talvez
Wilco.
April olhou para cima da pia.
— Ou Bon Jovi. — Jack olhou para ela. Ela encolheu os ombros. — Culpada! Um dos meus praze-
res, e não vou pedir desculpas.
— Meu prazer, é Ricky Martin, — disse Blue
Eles olharam para Dean, mas ele recusou-se a participar desta família acolhedora confessional, Blue
decidiu para ele.
— Clay Aiken, certo?
Nita não gostou de ser deixada de fora, e ela arrastou da sala de estar.
— Sempre gostei de Bobby Vinton. E Fabian. Eles eram quentes.
Ela se acomodou na mesa da cozinha.
Riley mudou-se para a máquina de lavar louça aberta.
— Eu meio que vou de Patsy Cline, mamãe tinha todas as coisas dela, mas as crianças tiravam sarro
de mim porque eles não sabem quem ela é.
— O bom gosto da sua parte, — disse Jack.
— Então, o que acontece com você? — April perguntou Jack. — Quem é o seu prazer culpado?
— Isso é fácil, — Dean se ouviu dizer. — April é o seu prazer culpado. Certo, Jack?
O incômodo silêncio que caiu sobre a cozinha fez Dean se sentir grosseiro. Ele estava acostumado a
ser a vida da partida, e não o fim de tudo.
— Com licença, — disse Blue. — Dean e eu temos lixo para queimar.
— Antes de ir a qualquer lugar, com o Sr. Jogador de Futebol, — Nita disse, — quero saber exata-
mente quais são suas intenções com minha Blue.
Blue gemeu.
— Alguém por favor me dê um tiro.
— Minha relação com a Blue é particular Sra. Garrison. — Ele puxou o lixo de debaixo da pia.
— Eu tenho certeza que você gostaria de pensar que sim, — ela respondeu.
April e Jack pararam para assistir, mais do que felizes em deixar Nita fazer o seu trabalho sujo. Dean
cutucou Blue em direção à porta lateral.
— Desculpe-nos.
Mas Nita não iria deixá-lo ir tão facilmente.
— Eu sei que você não está ainda envolvido. Eu não acho que você nunca teve qualquer intenção de
se casar com ela. Você só quer tirar o que pode para começar. Essa é a forma como os homens são, Riley.
Cada um deles.
— Sim, senhora.
— Não é a forma como todos os homens são, — Jack disse a sua filha. — Mas a Sra. Garrison tem
um ponto.
Dean fechou a mão livre ao redor do braço de Blue.
— Blue pode cuidar de si mesma.
— A menina é um desastre ambulante, — Nita retrucou. — Alguém tem que olhar por ela.
Isso foi demais para o Blue.
— Você não se importa qualquer coisa sobre olhar por mim. Você só quer criar problemas.
— Escute a boca fresca.
— O nosso compromisso ainda está em pé Sra. Garrison, — disse ele. — Vamos Blue.
Riley pulou para a frente.
— Será que eu poderia ser talvez a dama de honra ou algo assim?
— Nós não estamos realmente noivos, — Blue sentiu o dever de informá-la. — Dean só se diverte.
O noivado falso era muito conveniente para deixá-la estragar tudo.
— Estamos noivos, — disse ele. — Blue está apenas de mau humor.
Nita bateu com a bengala no chão.
— Vamos para a sala de estar comigo, Riley. Longe de certas pessoas. Eu vou te mostrar alguns
exercícios para fortalecer os músculos das pernas para que possa voltar ao balé novamente.
— Eu não quero voltar ao balé, — Riley resmungou. — Eu quero ter aulas de violão.
Jack colocou a panela que estava secando.
— Você quer?
— Minha mãe sempre disse que ia me ensinar, mas ela nunca o fez.
— Mas ela mostrou-lhe alguns acordes básicos, não é?
— Não. Ela não gostava que eu tocasse seus violões.
A expressão de Jack cresceu sombria.
— Meu violão acústico está na casa de campo. Vamos buscá-lo.
— Sério? Você vai me deixar tocar seu violão?
— Eu vou dar-lhe a maldita coisa.
Riley olhou como se tivesse caído uma tiara de diamantes na cabeça. Jack jogou de lado o pano de
prato. Dean levou Blue para lado de fora, não se sentindo em tudo culpado por ter deixado April à miseri-
córdia de Nita.
— Eu não vou magoa-la, — Blue disse quando saiu da varanda lateral. — Você não deveria ter dito
isso. E não é justo aumentar as esperanças de Riley sobre ser uma dama de honra.
— Ela vai sobreviver muito bem. — Ele andou em direção ao tambor de óleo onde queimavam lixo.
Ele estava cheio. Riscou um fósforo na caixa que April mantinha em um saco plástico e jogou-a dentro —
Por que eles não vão todos embora? Jack ainda está por aí. April não vai até Riley ir. Aquela velha bruxa é a
última gota. Eu quero todos eles fora daqui! Todo mundo, menos você.
— Só que não é assim tão fácil, não é?
Não, não era assim tão fácil. Quando o fogo pegou, ele voltou a sentar-se na grama para ver as cha-
mas. Na semana passada, ele tinha visto a confiança de Riley crescer. Sua palidez interior havia desapareci-
do, e as novas roupas que April tinha comprado já estavam ficando soltas. Ele gostava de trabalhar na va-
randa, também, mesmo se tivesse que fazê-lo com Jack. Toda vez que ele levou um prego ele sentiu como se
estivesse colocando sua própria marca nesta antiga fazenda. Em seguida, houve Blue.
Ela mudou-se atrás dele. Ele pegou um invólucro de celofane que tinha caído na grama e atirou-o pa-
ra o fogo.
Blue observou o celofane amassado aterrar na base do tambor, mas Dean não parecia se importar que
ele tinha perdido o lançamento. Seu perfil estava na silhueta perfeita contra o crepúsculo. Ela caminhou até
sentar-se na grama ao lado dele. Outro curativo tinha aparecido em sua mão, este através de seus dedos. Ela
tocou.
— Acidente de construção?
Ele apoiou o cotovelo no joelho.
— Eu tenho um caroço do tamanho justo na minha cabeça também.
— Como você está se dando com o seu colega de trabalho?
— Ele não fala comigo, e eu não falo com ele.
Ela cruzou as pernas e olhou para o fogo.
— Ele deveria pelo menos reconhecer o que é com você.
— Ele fez. — Ele virou a cabeça na direção dela. — Então você já teve essa conversa em particular
com sua própria mãe?
Ela arrancou uma folha de grama.
— É diferente com ela. — O fogo estourou. — Ela é uma espécie de Jesus. Será que a filha de Jesus
tem o direito de reclamar que ele tenha arruinado sua infância, porque estava sempre correndo para salvar as
almas das pessoas?
— Sua mãe não é Jesus, e se a pessoa tem filhos, deveria ficar aqui para criá-los ou colocá-los para
adoção.
Blue se perguntou se ele pretendia estar em torno para criar seus filhos, mas a ideia dele em casa com
sua família, enquanto ela estava fora itinerante deprimiu-a.
Dean passou o braço em volta dos ombros dela, e Blue não disse nada sobre isso. As chamas salta-
ram mais alto. O sangue dela cantarolou. Ela estava doente de se contentar com o segundo melhor. Apenas
uma vez em sua vida, Blue queria entrar em uma perigosa extravagância. O vento da noite levantou seus ca-
belos. Blue levantou-se e beijou-o. Mais tarde, colocaria Dean em seu lugar. Por enquanto, queria viver o
momento.
Dean não precisava de nenhum incentivo para beijá-la de volta, e em pouco tempo, eles estavam tro-
peçando atrás do celeiro para a grama alta fora da vista da casa.
***
Dean não sabia por qual motivo Blue havia mudado de ideia, mas desde que ela tinha os dedos den-
tro de sua cintura, ele não ia perguntar.
— Eu não quero fazer isso, — disse ela, enquanto puxava para abrir o fecho de sua calça jeans.
— Às vezes você tem que tomar uma decisão para a equipe. — Ele chicoteou seu short e calcinha até
os tornozelos, caiu de joelhos, e esfregou-a. Ela era doce, picante, uma poção inebriante para os sentidos.
Muito antes de que ele tinha o suficiente, ela se desfez. Ele a pegou e puxou-a para baixo, mantendo-a em
cima para protegê-la das ervas daninhas que foram espetando-o na bunda. Era um pequeno sacrifício para a
recompensa de finalmente afundar em seu corpo contorcendo-se quente.
Ela agarrou a cabeça entre as mãos, cerrou os dentes e disse ferozmente.
— Não se atreva a me apressar!
Ele compreendeu seu ponto de vista, mas ela estava tão apertada, tão molhada, e ele foi empurrado
longe demais ... Ele afundou os dedos no quadril dela, puxou-a com força, e deixou-se ir.
Depois, ele tinha medo de ela dar um soco nele, puxou-a em cima dele e enganchou uma das pernas
sobre seu quadril. Beijando-a profundamente, ele alcançou entre seus corpos. Ela arqueou e estremeceu.
Uma onda de protecionismo apoderou-se dele. Ele moveu a mão e libertou-a.
Quando terminaram, Dean acariciava seus cabelos, que tinham saído de seu rabo de cavalo maltrapi-
lho.
— Só para refrescar sua memória ... — Ele traçou a baixa de suas costas sob a sua camiseta. — Você
disse que eu não a excitava mais.
Blue cravou os dentes em sua clavícula.
— Você não me excita, não a parte racional de mim de qualquer maneira. Infelizmente, eu também
tenho partes que amam sacanagem. Aquelas que você definitivamente excita.
Ele não estava quase feito com ela, e começou a tocar as partes de sacanagem tudo de novo, mas ela
saiu dele no mato.
— Nós não podemos ficar aqui e fornicar a noite toda.
Ele sorriu. Fornicar, de fato.
Blue ainda usava a camiseta, mas o resto estava nu. Pegou sua calcinha, o que lhe deu uma excelente
vista para o traseiro enquanto ela falava.
— Riley é a única pessoa que não descobriu o que estamos fazendo. — Ela colocou a calcinha, le-
vantou-se, e teve a ousadia de zombar dele. — Aqui está a forma como isso vai ser, Boo. Eu decidi que você
e eu vamos ter um caso curto e desagradável. Eu vou usar você, puro e simples, por isso não vá todo meloso
em mim. Eu não me importo com o que você está pensando. Eu não me importo com os seus sentimentos.
Tudo que me importa é o seu corpo. Agora você está bem com isso ou não?
Ela era a mulher mais estranha que ele já conheceu. Ele pegou sua bermuda antes que ela pudesse
pegá-la.
— O que estou obtendo em troca da humilhação de ser usado?
O desprezo reapareceu.
— Você está ficando comigo. O objeto de seu desejo.
Dean fingiu pensar sobre o assunto.
— Adicione mais alguns jantares como o de hoje, e estou dentro. — Ele serpenteou um dedo sob o
buraco da perna de sua calcinha. — Em todo o caminho.
***
Jack empurrou sua cadeira para trás da mesa da cozinha da casa e começou a afinar o seu velho Mar-
tin. Ele gravou “Born in Sin” com ele, e agora desejava que não tivesse sido tão impulsivo sobre dá-lo. Essas
mossas e riscos representavam os últimos vinte e cinco anos de sua vida. Mas descobrir que Marli não dei-
xara Riley perto de qualquer um de seus violões o deixava louco. Ele deveria saber de algo tão importante,
mas manteve-se na ignorância deliberadamente.
Riley puxou uma cadeira, sentada tão perto que seus joelhos quase se tocaram. Seus olhos se enche-
ram de admiração quando ela olhou para o instrumento.
— É realmente meu?
Seu pesar evaporado.
— É seu.
— Este é o melhor presente que eu já recebi.
Sua expressão sonhadora fez sua garganta apertar.
— Você deveria ter me dito que queria um violão. Eu teria enviado um.
Ela murmurou algo que ele não poderia fazer.
— O quê?
— Eu disse a você, — disse ela. — Mas você estava na estrada, e não deve ter me ouvido falar.
Jack não se lembrava de nenhuma conversa mencionar algo sobre violão, mas ele raramente dera as
suas conversas telefônicas tensas toda a sua atenção. Embora frequentemente enviou a Riley presentes,
computadores, jogos, livros e CDs, mas ele nunca escolheu qualquer um deles sozinho.
— Sinto muito, Riley. Eu acho que eu esqueci.
— Está tudo bem.
Riley tinha o hábito de dizer que as coisas estavam bem quando elas não estavam, uma prática que
Jack notou nos últimos dez dias. Ele não tinha percebido muita coisa sobre ela que ele deveria saber. En-
quanto pagasse suas contas e a mandasse para uma boa escola, achava que fazia sua parte. Jack não queria
olhar para além disso, porque cada vez mais envolvido teria interferido com sua vida.
— Eu sei a maioria dos acordes abertos, — disse ela. — F é difícil de tocar. — Ela observou atenta-
mente enquanto ele ligava, absorvendo tudo o que ele fez. — Estudei alguma coisa pela internet e, por um
tempo, Trinity me deixou praticar com seu violão. Mas, então, ela pegou de volta.
— Trinity tem um violão?
— Um Larrivee. Teve só cinco aulas antes de desistir. Ela acha que violão é chato. Mas eu aposto
que a tia Gayle vai fazê-la começar novamente. Agora que a mamãe está morta, a tia Gayle precisa de uma
nova parceira, e ela disse a Trinity que elas poderiam ser como os Judds um dia, exceto que mais bonitas.
Ele tinha visto Trinity no funeral de Marli. Mesmo quando bebê era irresistível, um querubim de fa-
ces rosadas, com cachos loiros e grandes olhos azuis. A maneira como ele se lembrava, ela raramente chora-
va, dormia quando devia, e manteve a fórmula de bebê em sua barriga, em vez de transformá-lo em um pro-
jétil o que Riley sempre fazia. Quando Riley estava com um mês de idade, Jack tinha saído em turnê, feliz
por ter uma desculpa para ficar longe de uma cara de lua, gritando como bebê que ele não sabia como conso-
lar e um casamento que já tinha descoberto que foi um grande erro. Ao longo dos anos, ele às vezes pensava
que ele teria sido um pai melhor se a ele tivesse sido dado uma sedutora como Trinity, mas nos últimos 10
dias ele havia se iluminado.
— Foi legal da parte dela lhe emprestar seu violão, — disse ele, — mas eu aposto que sua coopera-
ção não veio de graça.
— Nós fizemos um acordo.
— Vamos ouvi-lo.
— Eu não quero te dizer.
— Diga-me de qualquer maneira.
— Será que eu tenho que fazer?
— Depende se você quer que eu lhe mostre uma maneira mais fácil de tocar o acorde F...
Riley olhou para o local sob o som no buraco onde seus dedos tinham desaparecido no acabamento.
— Eu disse a tia Gayle que Trinity estava comigo quando ela estava realmente com o namorado. E
eu tinha que comprar-lhes cigarros.
— Ela tem onze anos!
— Mas o namorado dela tem quatorze anos, e Trinity é muito madura para sua idade.
— Oh, sim, ela é madura, tudo bem. Gayle precisa bloquear o garoto, e eu vou dizer isso a ela.
— Você não pode. Trinity vai me odiar ainda mais.
— Bom. Então ela vai ficar longe de você. — Desde que Jack não tinha ainda analisado profunda-
mente os detalhes, parou de falar a Riley, e ela não veria muito mais a princesa Trinity. Agora que sabia que
não podia colocar Riley sob a supervisão duvidosa de Gayle. Riley não gostaria de ir para um colégio inter-
no, mas ele planejava como parte de sua agenda de viagens ao redor dela nas férias em datas que podia e ela
não se sentiria abandonada. — Como você conseguiu os cigarros? — Perguntou.
— Esse cara que trabalhava na casa. Ele comprou para mim.
Riley aprendeu a transformar suborno em uma técnica de sobrevivência. Fazia-o envergonhado.
— Alguém já cuidou de você?
— Eu sei cuidar de mim mesma.
— Você não deveria ter que fazer isso. — Jack não podia acreditar que ele e Marli negaram algo tão
básico como seu próprio violão. — Você disse a sua mãe o quanto você queria tocar?
— Eu tentei.
Da mesma forma desastrosa que ela tentou dizer a ele. Como Jack podia culpar Marli por não prestar
mais atenção quando ele mesmo foi ainda pior?
— Você poderia me mostrar como faz o acorde F agora? — Disse ela.
Ele demonstrou como barrar apenas os dois fios, o que era mais fácil para as mãos pequenas. Final-
mente, ele lhe ofereceu o violão. Riley limpou as mãos nas calças.
— É realmente meu, não é?
— Esse realmente é, e eu não poderia ter encontrado uma pessoa melhor para dar. De repente, ele
quis dizer cada palavra.
Riley embalou o violão contra seu corpo. Ele estendeu a palheta.
— Vá em frente. Experimente.
Jack sorriu quando ela escorregou a palheta entre os lábios, assim como ele faz, enquanto ela reposi-
cionou o instrumento. Quando ela estava satisfeita, ela puxou a palheta de sua boca e, olhando fixamente
para a mão esquerda, colidiu com um F do jeito que ele tinha mostrado a ela. Ela o pegou imediatamente,
em seguida, jogou os outros acordes abertos.
— Você está fazendo isso muito bem, — disse ele.
Ela sorriu.
— Eu tenho praticado.
— Como? Pensei que tinha devolvido o violão a Trinity.
— Eu devolvi. Mas fiz um molde de papelão para que eu pudesse trabalhar em minhas posições dos
dedos.
Seus pulmões contraíram. Ele empurrou-se para fora da cadeira.
— Volto em um minuto.
Quando chegou ao banheiro, ele sentou-se na borda da banheira e colocou a cabeça entre as mãos.
Ele tinha dinheiro, carros, casas, salas cheias de discos de platina. Ele tinha tudo isso, e sua filha tinha sido
forçada a praticar em um violão de papelão.
Jack queria falar sobre isso com April. A mulher que uma vez o levara louco agora parecia ser a úni-
ca pessoa que ele poderia ligar para ajudar.

Capítulo Vinte

Junho, com todo o seu calor e umidade, começou a desenrolar sobre o leste do Tennessee. Todas as
noites, Blue deixava Dean entrar pela sua varanda para seus encontros secretos, às vezes aparecendo apenas
alguns minutos depois que ele educadamente acompanhou-a até a porta da frente vindo do jantar no Barn
Grill. Resistir a ele provou ser impossível, mesmo sabendo que estava brincando com fogo. Mas agora que
não era dependente de Dean para um trabalho, dinheiro e um teto sobre sua cabeça, Blue decidiu correr o
risco. Afinal, iria embora em poucas semanas. Ela olhou para ele sentado nu contra os travesseiros amontoa-
dos.
— Parece que você está se preparando para voltar a falar.
— Eu estava prestes a dizer...
— Sem falar, lembra? Tudo o que eu quero de você é o sexo. — Ela rolou para o lado dela, tomando
o lençol com ela. — Sou o sonho de todo homem.
— Você é um pesadelo de proporções míticas. — Com um movimento limpo, ele puxou o lençol de
ambos, puxou-a de bruços em seu colo, e deu-lhe uma palmada. — Você continua esquecendo que sou mai-
or e mais forte do que você. — Outra palmada, seguida por uma carícia prolongada. — E que como as me-
ninas como você no café da manhã.
Ela olhou por cima do ombro.
— Café da manhã não vai ser servido em pelo menos, oito horas.
Ele virou-a de costas.
— Então, que tal um lanche de fim de noite?
***
— É melhor pensar duas vezes antes de passar por mim, senhorita Blue Bailey. — Nita disse alguns
dias depois, quando Blue anunciou que pretendia trabalhar em terminar o retrato em vez de assar o bolo de
chocolate Bundt que sua patroa exigia. — Esse que vocês dizem ser carpinteiro? Acha que sou idiota? Sabia
quem ele era na hora que coloquei meus olhos em cima dele. Jack Patriot, é ele. Quanto à governanta de De-
an... Qualquer idiota pode ver que ela é sua mãe. Se você não quer me ver chamar meus amigos na impren-
sa, sugiro que você entre nessa cozinha e comece a fazer o meu bolo de Bundt.
— Você não tem amigos na imprensa, — Blue disse — ou em qualquer outro lugar, com exceção de
Riley, e só Deus sabe do que se trata. Chantagem funciona de duas maneiras. Se você não calar a boca, eu
vou contar para todo mundo sobre os papéis que tropecei quando você me fez limpar sua mesa.
— Que papéis você está falando?
— Registros do dinheiro anônimo que enviou à família Olson depois de terem perdido tudo no in-
cêndio, o carro novo que apareceu misteriosamente na garagem de uma mulher quando seu marido morreu e
ela teve que suportar todas essas crianças, as contas de remédios que estão misteriosamente sendo pagas,
para pelo menos, uma dúzia de famílias carentes. Eu poderia continuar, mas não vou. Você realmente quer
que todos saibam que a bruxa má de Garrison, Tennessee, tem o coração de um marshmallow queimado?
— Eu não tenho ideia do que está falando. — Nita saiu da sala, a bengala punindo o chão a cada pas-
so.
Blue venceu mais uma batalha com o velho morcego, mas fez o bolo de qualquer maneira. De todas
as mulheres que Blue conheceu com o passar dos anos, Nita foi a primeira pessoa que queria mantê-la por
perto.
***
Naquela noite, Dean sentou-se de pernas cruzadas na parte inferior da cama de Blue, sua panturrilha
caída sobre sua coxa nua. Enquanto se recuperava de uma rodada particularmente bizarra de fazer amor, ele
massageava o seu pé, que estava saindo de debaixo do lençol que ela puxou. Ela gemeu quando ele esfregou
o peito do pé.
Ele parou.
— Você não vai vomitar de novo, não é?
— Isso foi há três dias. — Ela mexeu o pé, incentivando-o a voltar ao trabalho. — Eu sabia que ha-
via algo de errado com camarão de Josie, mas Nita continuou insistindo que era bom.
Ele empurrou seu polegar em seu peito do pé um pouco demais.
— E você acabou de passar a noite alternando entre pendurando sua cabeça sobre o vaso sanitário e
rastejando pelo corredor para cuidar daquela velha bruxa. Apenas uma vez, eu gostaria de vê-la pegar o tele-
fone e pedir-me ajuda.
Blue não reconheceu a mordida que ela ouviu por trás de suas palavras.
— Eu tinha tudo sob controle. Não precisava se incomodar.
— Está com medo de que terá que desistir da sua jockstrap11 se você pedir ajuda? Ele cavou a bola
de seu pé. — A vida não precisa ser um esporte individual, Blue. Às vezes você tem que confiar na equipe.
Não em sua vida. Esse foi um jogo solo do começo ao fim. Ela lutou uma mistura desconfortável de
mau agouro, desespero e pânico. Fazia quase um mês desde que ela e Dean se conheceram, que era hora de
seguir em frente. A pintura de Nita estava quase terminada, e não era como se Blue fosse deixá-la desampa-
rada. Há poucos dias, ela contratou uma ótima empregada, uma mulher que criou seis filhos e era imune até
mesmo para os insultos mais flagrantes. Blue não tinha nenhuma razão para ficar em Garrison muito mais
tempo, só que ela não estava pronta para deixar Dean. Ele era o amante de seus sonhos: criativo, generoso,
vigoroso. Ela não conseguia o suficiente dele, e para esta noite, fechou tudo o mais.
Blue olhou para suas negras cuecas End Zone.
11
Protetor frontal para jogadores
— Por que você colocou essa coisa? Eu gosto de você nu.
— Tenho notado. — Seu toque cresceu mais leve quando ele descobriu um lugar mágico no canto
sensível atrás de seu joelho. — Você é uma mulher selvagem. Esta é a única maneira para que eu possa me
recuperar.
Ela baixou os olhos para a cueca.
— Obviamente, Thor, o Deus do Trovão, está totalmente recuperado.
— O intervalo definitivamente acabou. — Ele puxou o lençol. — E estou ligando para o próximo jo-
go.
***
Jack puxou a mala durante a noite da parte de trás do seu carro, que ele tinha estacionado perto do
celeiro. Tinha sido um longo tempo desde que ele tinha que carregar sua própria bagagem, mas estava fa-
zendo isso pelo o último par de semanas, sempre deixou a fazenda para uma viagem rápida para Nova York
ou uma mais longa para a Costa Oeste. A turnê foi se configurando. Ontem havia aprovado os planos de
marketing, e hoje fez publicidades de pré-lançamento de seu novo álbum. Felizmente, o aeroporto do conda-
do era grande o suficiente para acomodar um jato particular, para que ele pudesse entrar e sair facilmente.
Com seu piloto como interferência, ele ainda conseguiu chegar e sair de seu carro sem ser reconhecido.
Dean concordou em deixar Riley permanecer na fazenda até que ele partisse para o acampamento de
treinamento do Stars em um mês a partir de agora. Isso significava que April estava adiando seu retorno à
LA, algo que ele sabia que Dean não estava feliz. Todos eles, ao que parece, estavam fazendo sacrifícios por
sua filha.
Era quase sete horas, e os trabalhadores tinham terminado o trabalho do dia. Jack colocou sua mala
durante a noite pela porta lateral e andou para trás para ver se o eletricista tinha completado a fiação para os
ventiladores de teto da varanda. As paredes eram de cima, o telhado, e o cheiro de madeira nova o acolheu.
Do nada, ele ouviu uma voz feminina fraca, tão inocente, tão doce, tão perfeitamente campal, que por um
momento, ele pensou que estava imaginando.
“Você se lembra quando éramos jovens,
E nós tínhamos acordado só para ver o sol?
Baby, por que não sorrir?
Ele se esqueceu de respirar.
Eu sei que a vida é cruel.
Você sabe disso melhor do que eu.”
Ela tinha a voz de um anjo, tingida de inocência orvalhada com a desilusão. Imaginou imaculadas
penas das asas brancas agredidas nas pontas, um halo inclinado sempre tão ligeiramente fora do centro. Ela
improvisou com o coro final, subindo uma oitava, atingindo o coração de cada nota, seu raio de ação superi-
or barítono de sua cadeira de balanço bruto. Ele seguiu a música em torno da volta da varanda.
Ela sentou-se encostada à fundação, as pernas cruzadas, seu velho Martin embalado em seu colo, o
cachorro enrolado ao seu lado. Sua gordura bebê estava derretendo, e uma brilhante marrom onda roçou sua
bochecha. Como ele, ela bronzeava facilmente, e apesar do protetor solar que April a fazia usar, sua pele ti-
nha virado quase tão marrom quanto a dele. Ela fixava toda a sua concentração em acertar os acordes corre-
tos para que seu sublime canto parecesse quase como uma reflexão tardia.
Os acordes finais de “Why Not Smile?” Sumindo. Ainda sem vê-lo, ela falou para o cão.
— Ok, o que você quer que eu toque agora?
Puffy bocejou.
— Eu amo isso! — Ela mudou para os acordes de “Down and Dirty”, um dos maiores sucessos do
Moffatts. Mas nas mãos de Riley, a música country boba tinha um sulco nervoso. Ele ouviu os traços de ron-
ronar suave de Marli e de seu sotaque, mas a voz de Riley pertencia somente a ela. Ela tomou as melhores
qualidades de cada um deles e os fez sozinha. Puffy finalmente conseguiu cumprimentá-lo com um trio
obrigatório de latidos. As mãos de Riley caíram do violão, e viu sua consternação. Seus instintos avisaram
para ter cuidado.
— Parece que a prática está dando resultado. — Ele deu um passo em torno de uma pilha de pedaços
de madeira que ninguém tinha chegado a limpar.
Riley abraçou o violão contra o peito, como se ela ainda temesse que ele iria levá-lo para longe.
— Pensei que você chegaria só à noite.
— Eu senti sua falta, então eu voltei mais cedo.
Riley não acreditou, mas era verdade. Jack sentiu falta de April também, mais do que queria. De al-
guma forma perversa, sentiu falta de ver Dean jogando com Riley, rindo com Blue, ou mesmo brigando com
a velha senhora. Se sentou no chão ao lado de sua filha, a menina que ele estava caindo tão inepto apaixona-
do.
— Como está indo com o acorde F?
— Ok.
Ele pegou um prego que havia caído na grama.
— Você tem uma voz completa. Sabe disso, não é? — Ela encolheu os ombros.
Do nada, as palavras de Marli voltaram para ele a partir de uma de suas conversas telefônicas breves
ano passado.
A professora diz que ela tem uma voz maravilhosa, mas eu nunca ouvi nada. E você sabe como todo
mundo quer aproveitar quando se é uma celebridade. Eles vão mesmo usar a sua filha para conseguir ficar
por perto.
Mais um erro da sua parte. Jack assumiu cegamente que seria melhor Riley ficar com sua ex-esposa
do que com ele, mesmo sabendo exatamente quão egocêntrica Marli era. Ele rolou o prego entre os dedos.
— Riley, fale comigo.
— Sobre o quê?
— O canto.
— Eu não tenho nada a dizer.
— Não me venha com essa. Você tem uma voz incrível, mas quando eu lhe pedi para cantar comigo,
você me disse que não podia. Você não acha que eu estaria interessado?
— Eu ainda sou eu, ela murmurou.
— O que você quer dizer?
— Só porque posso cantar não me faz alguém diferente.
— Não entendo o que você quer dizer. — Jogou o prego em direção à pilha de sucata. — Riley, eu
não entendo. Diga-me o que você está pensando.
— Nada.
— Eu sou seu pai. Eu te amo. Você pode falar comigo.
Ceticismo nu e cru nublaram aqueles olhos que pareciam tão parecidos com os seus próprios. As pa-
lavras não estavam indo para convencê-la de como ele se sentia. Segurando o violão perto, ela pulou. Os
shorts que April comprou caíram nos quadris.
— Eu tenho que alimentar Puffy.
Quando Riley saiu em disparada, ele se inclinou contra a fundação da varanda. Ela não acreditava
que ele a amava. E por que deveria?
Poucos minutos depois, April surgiu da floresta correndo com um top esportivo vermelho e de con-
formação do corpo calções de treino pretos. Ela estava apenas confortável com ele, se outras pessoas esti-
vessem ao redor, e o ritmo de seus passos vacilaram. Ele pensou que ela poderia continuar, mas ela diminuiu
e veio em sua direção. A força de seu corpo, a maneira que a barriga nua dela brilhou, fez correr seu sangue.
— Não esperava vê-lo até mais tarde, — disse ela, tentando recuperar o fôlego.
Um de seus joelhos estalaram quando ele chegou aos seus pés.
— Você costumava dizer que o exercício era para os perdedores que não têm formas mais criativas
de perder tempo.
— Eu costumava dizer um monte de porcaria.
Ele arrastou os olhos da gota de suor deslizando para o vale entre os seios.
— Não detenha sua corrida por mim.
— Estava terminando.
— Eu vou com você.
Jack partiu ao seu lado. April perguntou sobre a turnê. Nos velhos tempos, ela iria querer saber quais
as mulheres que iriam viajar com a banda e onde ficariam. Agora, April fazia perguntas de empresária sobre
a venda de ingressos gerais e antecedência. Eles andaram na direção da cerca de madeira branca recém pin-
tada em torno do pasto cortado.
— Ouvi Dean falar com Riley sobre a compra de alguns cavalos na próxima primavera.
— Ele sempre os amou, — disse ela.
Jack apoiou o pé no trilho inferior.
— Você sabia que Riley canta?
— Você só está descobrindo, não é?
Jack estava ficando cansado dos outros apontando suas falhas, quando ele mesmo estava mais do que
ciente.
— O que você acha?
April recebeu um passe em ir para sua jugular.
— A ouvi na semana passada, pela primeira vez. — Ela apoiou os braços em cima do muro. — Riley
estava se escondendo atrás do caramanchão. Eu tive arrepios.
— Você falou com ela sobre isso?
— Ela não me deu uma chance. O segundo que ela me viu, parou de cantar e me implorou para não
contar. É difícil imaginar uma voz como aquela vindo de alguém tão jovem.
Jack não entendeu.
— Por que ela está tentando esconder isso de mim?
— Eu não sei. Talvez ela explicou seus motivos para Dean.
— Pergunte a ele por mim, está bem?
— Faça seu próprio trabalho sujo.
— Você sabe que ele não vai falar comigo, — disse. — O inferno, nós construímos esse maldito al-
pendre sem trocar mais de vinte frases.
— Meu Black Berry está na cozinha. Mande um e-mail para ele.
Jack largou o pé da cerca.
— Isso só fica mais e mais patético, não é?
— Você está tentando, Jack. Isso é o que importa.
Jack queria mais do que isso. Ele queria mais de Dean. Mais de Riley. Mais de April. Ele queria o
que ela costumava dar-lhe tão livremente, e ele escovou as costas dos seus dedos sobre sua bochecha macia.
— April...
Ela balançou a cabeça e se afastou.
***
Dean não viu o e-mail sobre o canto de Riley até mais tarde naquele dia, e ele levou um momento pa-
ra perceber que veio de Jack, em vez de April. Ele leu rapidamente, em seguida, deu um soco em sua respos-
ta.
Descubra por si mesmo.
Enquanto se dirigia do lado de fora, pensou em Blue, algo que vinha fazendo com frequência cada
vez maior. Tantas mulheres acreditavam que tinham para agir como estrelas pornô para segurá-lo, e tudo era
tão falso. Mas Blue parecia não ver um monte de pornografia. Ela era desajeitada, terna, impulsiva, emocio-
nante, e sempre tão imprevisível na cama quanto era fora. Mas ele não confiava nela, e ele com certeza não
podia depender dela.
A escada descansava contra o lado da varanda. Seu ombro não protestou quando ele mudou-se para
verificar o telhado. Com o acampamento de treinamento apenas um mês de distância, ele nunca tinha tido
nada mais do que um caso de curto prazo em mente. Uma coisa boa, porque Blue era fundamentalmente
uma solitária. Dean deveria levá-la a cavalo na próxima semana, mas quem poderia prever se ela ainda esta-
ria por aí? Uma noite, ele iria entrar pela sua varanda e Blue teria ido embora.
Quando ele prendeu o cinto de ferramentas e subiu a escada, sabia de uma coisa. Ela pode estar lhe
dando seu corpo, mas estava retendo tudo, e ele não gostou.
***
Duas noites mais tarde, Jack viu April dançando descalça à beira da lagoa, e os cabelos na parte de
trás do seu pescoço se levantaram. Apenas o farfalhar das canas e grosa de grilos acompanhavam. Seus bra-
ços ondulavam no ar, os cabelos voavam em filamentos de ouro em torno de sua cabeça, e seus quadris, os
quadris sedutores, mandou para fora um telegrama sexual ... Dê-me, babe ... Dê-me, babe ...
Sangue disparou em linha reta para sua virilha. A ausência de música a fazia parecer enfeitiçada, tan-
to estranhamente bela e mais que um pouco louca. April, com os olhos da deusa e lota do gatinho... A meni-
na que tinha passado os anos setenta ao redor dos deuses do rock and roll... Ele sabia que esta dança pertur-
badora na beira da lagoa virava-o até a medula dos ossos. Seus excessos, suas demandas selvagens, sua im-
prudência sexual tinha sido tóxicas para um garoto de vinte e três. Um garoto que tinha deixado para trás há
muito tempo. Agora, ele não podia imaginá-la dobrar à vontade de qualquer um, além da sua própria.
Conforme ela se balançava ao ritmo imaginário, a luz derramava da porta traseira da casa e pegou o
cabo de um fone de ouvido. A música não era imaginária, afinal. Ela estava dançando uma música vinda de
seu iPod. Ela não era nada mais do que uma mulher de meia-idade, chutando os calcanhares. Mas sabendo
que não quebrava o feitiço.
Seus quadris mostraram o final de uma tatuagem. O cabelo dela brilhava uma última vez, e então
seus braços caíram para os lados. Ela tirou os fones de ouvido. Jack andou de volta para a floresta.

Capítulo Vinte e um

Blue olhava para o retrato finalizado antes de sair da casa. Nita vestia um vestido de baile azul em
uma exposição de dança nos anos cinquenta e sessenta ostentando brincos de diamante que Marshall lhe de-
ra como presente de casamento nos anos setenta. Ela era magra e glamourosa. A pele era impecável, a ma-
quiagem dramática. Blue a pintou em uma grande escadaria imaginária com Tango a seus pés. Nita fez sua
pintura a Tango.
— Não é tão ruim quanto eu esperava, — dissera Nita na primeira vez que viu o retrato pendurado na
parede do hall de entrada.
Blue interpretou o que Nita queria dizer, ela amava o retrato e, apesar de seu brilho excessivo, Blue
ficou feliz com a forma perfeita que captou a visão de Nita de si mesma: faiscava o sexo do gatinho nos
olhos, o sorriso sedutor em seus lábios rosados foscos, e o tom perfeito de platina. Mais de uma vez, encon-
trou Nita no foyer analisando o retrato com uma expressão de anseio nos olhos envelhecidos.
Blue tinha dinheiro na carteira agora. Podia deixar Garrison a qualquer momento.
Nita apareceu atrás dela, e partiu para o jantar de domingo na fazenda. Dean e Riley fizeram ham-
búrgueres grelhados e Blue fez feijão acompanhado por uma salada de melancia aromatizado com hortelã
fresco e suco de limão. Quando Dean começou a comer seu hambúrguer, começou a provocá-la sobre não
fazer os murais, acusando-a de ingratidão, a covardia artística e alta traição, tudo isso fácil de ignorar. Até
que April falou.
— Eu sei o quanto você ama esta casa Blue. Estou surpresa por você não querer deixar sua marca ne-
la.
Um arrepio eclodiu nos braços de Blue, e pelo tempo que o resto deles estavam chegando para se-
gunda escolhas, ela sabia que tinha que pintar os murais, para não deixar a sua marca na casa como April
disse, mas para deixar sua marca em Dean. Os murais iriam durar anos. Sempre que Dean entrasse na sala,
ele seria forçado a se lembrar dela. Ele poderia esquecer de que cor eram seus olhos, até mesmo esquecer
seu nome, mas enquanto os murais estivessem nas paredes, Dean nunca seria capaz de esquecê-la. Ela em-
purrou a comida no prato, seu apetite desapareceu.
— Tudo bem. Eu vou fazê-los.
Um pedaço de melancia caiu fora garfo de April.
— Sério? Você não vai mudar de ideia?
— Não, mas lembre-se do que avisei. Minhas paisagens são...
— Peças moles de porcaria. — Dean sorriu. — Nós sabemos. Bom para você, Bluebell.
Nita olhou por cima de seus grãos de churrasco. Para o choque de Blue, ela não protestou.
— Conquanto você faça meu café da manhã e esteja de volta a tempo para fazer o meu jantar, não
me importo com o que você faz.
— Blue vai ficar no trailer agora, — disse Dean sem problemas. — Será mais conveniente para ela.
— Mais conveniente para você, quer dizer? — Nita retrucou. — Blue é burra, mas não é estúpida.
Blue poderia ter argumentado o ponto. Ela era burra e estúpida. Quanto mais tempo ficasse, mais di-
fícil seria para sair. Sabia disso, por experiência própria. Ainda assim, tinha os olhos bem abertos. Teria sau-
dades de Dean desesperadamente quando partisse, mas tinha prática em sua vida de dizer adeus às pessoas
que amava, e não iria demorar muito tempo para passar por cima dele.
***
— Não há uma única razão para você continuar vivendo nesse mausoléu, — disse Dean na noite se-
guinte, durante o jantar no Barn Grill, — não quando você vai trabalhar todos os dias na fazenda. Eu sei o
quanto gosta de ficar na área de camping. Vou até colocar um Porta Potti para você lá fora.
Blue queria. Queria ouvir o toque de chuva de verão no teto do trailer enquanto adormecia, afundar
os pés descalços na grama molhada quando saísse pela manhã, passar uma noite inteira enrolada com Dean.
Blue queria tudo o que voltaria a torturá-la quando partisse.
Largou sua caneca de cerveja sem tomar um gole.
— De jeito nenhum estou deixando a visão de Romeu escalando meus trilhos do balcão à noite para
chegar às guloseimas.
— Eu vou quebrar meu pescoço.
Não é provável. Sem o conhecimento de Romeu, ela teve Chauncey Crole, que era como o faz-tudo
da cidade, reforçando a grade.
Syl apareceu na mesa para verificar se Blue conseguira algum progresso com Nita sobre melhoria da
cidade. Mais uma vez, Blue tentou fazê-la entender o quão desesperada era.
— Se eu disser que é de manhã, ela diz que é noite. Toda vez que tento falar com ela sobre isso, pio-
ro as coisas.
Syl pegou uma das batatas fritas de Blue e mexeu o seu espólio como Trace Adkins lançou em
“Honkytonk Badonkadonk.”
— Você precisa de uma atitude positiva. Diga a ela, Dean. Diga-lhe que ninguém realiza nada sem
uma atitude positiva.
Dean deu um longo olhar firme a Blue.
— Isso é verdade, Syl. Uma atitude positiva é a chave para o sucesso.
Blue pensou nos murais. Pintá-los seria como derramar uma camada de pele, e não em um bom ca-
minho, como depois de uma queimadura peeling, mas de uma maneira ruim, enquanto a pele ainda estava
viva.
— Você não pode desistir, — disse Syl. — Não quando a cidade inteira está dependendo de você.
Você é a nossa última esperança.
Quando Syl se afastou, Dean transferiu um pedaço de frango grelhado de seu prato para Blue.
— A boa notícia é que as pessoas estão tão ocupadas te incomodando que pararam de prestar muita
atenção em mim, — disse ele. — Eu finalmente posso comer minhas refeições em paz.
Não muito tempo depois que Karen Ann encurralou Blue no banheiro The Barn Grill não estava mais
servindo álcool, mas que tinha apenas marginalmente melhorado sua personalidade.
— O Senhor Quente de Merda está fodendo com toda a cidade pelas suas costas, Blue. Espero que
saiba disso.
— Claro que eu sei. Assim como espero que você saiba que estou fodendo com Ronnie pelas suas
costas.
— Imbecil.
— Tente manter o foco, Karen Ann. — Blue puxou uma toalha de papel do distribuidor. — Sua irmã
roubou seu marido, não eu. Eu só chutei sua bunda, lembra?
— Só porque eu estava bêbada. — Ela apoiou uma mão em seu quadril esquelético. — Agora você
vai falar com aquela velha vadia em investir nesta cidade ou não? Eu e Ronnie queremos abrir uma loja de
isca.
— Eu não posso fazer nada. Ela me odeia!
— Então o quê? Eu odeio você, também. Mas isso não significa que você não deve subir acima dela
para ajudar outras pessoas.
Blue empurrou papel toalha nas mãos de Karen Ann e voltou para a mesa.
***
No último dia de junho, Blue carregou seu material de pintura no porta malas do Vanquish de Dean,
apoiou-o na garagem de Nita, e dirigiu-se para a fazenda. Em vez de deixar Garrison, ela estava começando
a trabalhar os murais da sala de jantar. Estava tão nervosa que não conseguira tomar café da manhã e, com o
estômago enjoado, levou tudo dentro. Basta olhar para as paredes em branco faziam suas mãos úmidas.
Todos, exceto Dean, enfiaram a cabeça na sala enquanto Blue trabalhava. Até mesmo Jack apareceu.
Blue o vira uma meia dúzia de vezes nas últimas semanas, mas ainda tropeçava na escada.
— Desculpe, — disse ele. — Eu pensei que você me ouviu chegando.
Ela suspirou.
— Não teria feito nenhum bem. Eu estou destinada a me mortificar, onde você está em causa.
Ele sorriu e abraçou-a.
— Ótimo, — ela resmungou. — Agora nunca mais vou lavar essa camiseta de novo, e é minha favo-
rita.
Quando ele saiu, ela gravou até seus desenhos para que pudesse se referir a eles quando trabalhava.
Com o lápis aquarela cinza, começou a esboçar as linhas gerais sobre as paredes: colinas e bosques, a lagoa,
uma varredura de pastagem cortada. Quando marcou em um trecho de cerca, ouviu um carro chegando e
olhou para fora.
— Querido Deus no céu.
Blue correu pela varanda e viu Nita dirigir seu Corvette vermelho. April deve ter ouvido o carro tam-
bém, porque ela apareceu por trás do ombro de Blue e suavemente proferiu a F-bomba.
— O que você está fazendo? — Blue chamou. — Pensei que você não pudesse dirigir.
— É claro que posso dirigir, — Nita retrucou. — Por que iria ter um carro se não pudesse dirigir? —
Ela apontou a bengala em direção à calçada de tijolos. — O que há de errado com bom concreto? Alguém
vai quebrar seu pescoço. Onde está Riley? Ela deveria estar me ajudando.
— Aqui estou eu, Sra. Garrison. — Riley correu para fora, sem seu violão a tiracolo pela primeira
vez. — Blue não me disse que estava vindo.
— Blue não sabe tudo. Ela só acha que sabe.
— Eu estou amaldiçoada, — Blue murmurou. — O que fiz para merecer isso?
Riley ajudou Nita a entrar e levou-a para a mesa da cozinha, conforme indicado.
— Eu trouxe o meu próprio almoço. — Nita puxou da bolsa o sanduíche que Blue havia feito. — Eu
não quero ser um incômodo.
— Você não é um incômodo, — disse Riley. — Depois de comer, vou ler o seu horóscopo e tocar
meu violão para você.
— Você precisa praticar o balé.
— Eu vou. Depois que tocar meu violão para você.
— Harrumph.
Blue cerrou os dentes.
— O que você está fazendo aqui?
— Riley, você sabe se há alguma Miracle Whip? Só porque Blue não gosta de Miracle Whip, ela
acha que ninguém mais gosta. Mas isso é Blue para você. — Riley foi buscar a bebida na geladeira. Nita se
entupia de chá gelado enquanto falava com April. — Nenhuma dessas coisas instantâneas. Têm muito açú-
car. — Ela estendeu metade seu sanduíche para Riley.
— Não, obrigada. Eu não gosto de Miracle Whip também.
— Você está se transformando em uma pessoa exigente.
— April diz que não acredita em comer coisas que ela não gosta.
— Isso é bom para ela, mas olhe para você. Só porque você costumava ser gorda não significa que
você deve se transformar em uma espécie de anoréxica.
— Deixe ela em paz, Sra. Garrison, — April disse com firmeza. — Riley não está se transformando
em uma anoréxica. Ela só está prestando atenção ao que come.
Nita pigarreou, mas quando se tratava de April, ela pegou seus argumentos.
Blue voltou para a sala de jantar com a nítida sensação de que hoje não seria o único dia que Nita es-
colheu para aparecer.
***
Naquela tarde, Dean entrou, sujo e suado do trabalho na varanda. Blue decidiu que havia uma grande
diferença entre um macho suado que não toma banho regularmente e um suado que tomou uma chuveirada
apenas naquela manhã. O primeiro era repugnante, o segundo... não era. Enquanto ela não quer exatamente
se enroscar em seu peito úmido, ela não exatamente não quer qualquer um.
— Sua sombra está tirando uma soneca na sala de estar, — disse, sem saber o efeito que ele e sua
camiseta úmida estavam tendo sobre ela. — Essa mulher tem mais bolas do que você.
— É por isso que ela e eu nos damos tão caramba-enervantemente bem.
Ele examinou os esboços que tinha colado na porta e janelas, e depois voltou sua atenção para a pa-
rede longa, onde ela tinha começado a trabalhar no céu.
— Este é um grande projeto. Como você sabe por onde começar?
— De cima para baixo, claro e escuro, fundo para o primeiro plano, bordas suaves para o centro. —
Ela foi descendo a escada. — O fato de eu entender a técnica não significa que você não vai se arrepender de
me empurrar para isso. Minhas paisagens são...
— Porcaria e pobre. Eu sei. Gostaria que parasse de se preocupar tanto. — Ele entregou-lhe o rolo de
fita adesiva caída no chão e estudou as latas dispostas em seu carrinho de metal. — Parte disso é a tinta látex
regular.
— Eu também trabalho com esmalte e tintas à óleo, porque elas secam mais rápido, mesmo para fora
do tubo, se eu quiser uma cor mais intensa.
— Esse saco de areia para gatos que eu carregava no do carro...
— É a melhor maneira de se livrar da terebintina e limpar meus pincéis dos aglomerados, e então eu
posso...
Riley correu do quarto com seu violão.
— Sra. Garrison me disse que seu aniversário é em duas semanas! E ela nunca em toda a sua vida te-
ve uma festa de aniversário. Marshall apenas deu-lhe joias. Podemos fazer uma festa surpresa para ela aqui,
Dean? Por favor, Blue. Você poderia fazer um bolo e fazer alguns cachorros-quentes e outras coisas.
— Não!
— Não!
Sua testa enrugou em censura.
— Vocês não acham que estão sendo um pouco maldosos?
— Sim, — Dean disse, — e eu não me importo. Não vou dar uma festa para ela.
— Então você faz isso, Blue, — disse Riley. — Na casa dela.
— Ela não iria apreciar. Valorização não faz parte do seu vocabulário. Blue pegou a tinta que derra-
mou no copo de plástico e subiu a escada.
— Talvez, se as pessoas não fossem tão malvadas com ela o tempo todo, ela não seria tão cruel. —
Riley saiu.
Blue olhou atrás dela.
— Nossa menina está começando a agir como uma garota travessa normal.
— Eu sei. Não é ótimo?
Foi muito bom.
Dean finalmente deixou de olhar para alguns cavalos. Blue colocou o pincel sobre a tinta branca, e
Riley vagou de volta, ainda carregando seu violão.
— Eu aposto que ninguém ainda enviou um cartão de aniversário para ela.
— Eu vou mandar um cartão. Vou fazer-lhe um bolo. Vamos fazer uma festa nós mesmos.
— Seria melhor se mais pessoas viessem.
Quando Riley voltou para junto de Nita, uma ideia interessante atingiu Blue, uma distração bem-
vinda alem de se preocupar com o que estava ou não tomando forma nas paredes. Ela pensou sobre isso por
um tempo e finalmente chamou Syl na loja de revenda.
— Você quer que a cidade faça uma festa de aniversário surpresa para Nita? — Syl disse depois que
Blue explicou. — E nós temos que fazer isso em duas semanas?
— Fazer isso é o menor dos nossos problemas. Conseguir alguém apareça é o desafio.
— Você acha mesmo que fazer uma festa vai amolecê-la o suficiente para ajudar com o plano da ci-
dade?
— Provavelmente não, — disse Blue. — Mas ninguém teve uma ideia melhor, e milagres acontecem,
então acho que devemos arriscar.
— Eu não sei. Deixe-me falar com Penny e Monica.
Meia hora mais tarde, Syl ligou de volta.
— Nós vamos fazer isso, — disse ela com uma acentuada falta de entusiasmo. — Você certifique-se
que ela estará lá. Seria exatamente como ela ficar sabendo disso e se recusar a aparecer.
— Ela vai estar lá mesmo que eu tenha que matá-la primeiro e arrastar o corpo.
Depois de meia dúzia de mais interrupções, várias de Nita, Blue pairava sobre duas portas da sala de
jantar, alguns dos plásticos azuis pesados que os construtores tinham deixado. Quando estava segura, ela
acrescentou a frase PROIBIDA A ENTRADA, SOB PENA DE MORTE. Ela estava nervosa o suficiente
sem tê-los olhando por cima do ombro o tempo todo em que trabalhava.
No final do dia, ela fez todos na casa jurar sob seus iPods, violões, Tango, Puffy, e um certo par de
botas Dolce & Gabbana que ficariam fora da sala de jantar até que os murais estivessem terminados.
***
Naquela noite, Blue apareceu no quarto de Nita, no momento em que a velha senhora retirava sua pe-
ruca, revelando uma tampa plana de cabelo cinza fino.
— Recebi um telefonema interessante hoje, — Blue disse enquanto se sentava ao lado da cama. —
Não ia dizer nada, mas você vai de alguma maneira saber dele e então você vai começar a reclamar de mim
por manter as coisas de você.
Nita penteava os cabelos. Ela não tinha prendido seu quimono e Blue viu que ela estava usando a
camisola de cetim vermelha favorito.
— Que tipo de telefonema?
Blue ergueu as mãos.
— Um bando de idiotas estavam planejando dar-lhe uma festa de aniversário surpresa. Mas não se
preocupe. Eu coloquei um ponto final nisso. — Ela pegou a última edição do Estrela no pé da cama e fingiu
folhea-la. — Eu acho que algumas das pessoas mais jovens na cidade ouviram as histórias antigas e decidi-
ram que você tinha um negócio cru quando chegou aqui. Eles queriam fazer por ela, como que poderia acon-
tecer, com uma festa no parque, um grande bolo, balões, e alguns discursos estúpidos feitos por pessoas que
você odeia. Eu fiz isso mais do que claro. Nenhuma festa.
Pela primeira vez, Nita parecia ter sido atingida sem palavras. Blue percorreu as páginas inocente-
mente. Nita largou a escova e puxou o cinto de seu quimono.
— Pode ser... interessante.
Blue escondeu um sorriso.
— Seria assustador, e você não vai querer isso. — Ela jogou para baixo a revista. — Só porque eles
finalmente descobriram que os tratou como lixo, não significa que você não pode continuar a ignorá-los.
— Eu pensei que você estivesse do seu lado, — Nita retrucou. — Você está sempre me dizendo
quantas pessoas estou fazendo sofrer. Eu tenho que deixá-los adicionar lojas onde ninguém vai comprar.
Abrir uma hospedaria, onde ninguém nunca vai ficar.
— Isso é apenas um bom negócio, mas você é, obviamente, muito velha para entender a economia
moderna.
Nita deu um longo chupar nos dentes, então virou na direção de Blue.
— Chame-os de volta agora e diga-lhes para fazer sua grande festa. Quanto maior, melhor! Eu mere-
ço, e já era tempo para que eles percebessem isso.
— Eu não posso fazer isso agora. É suposto ser uma festa surpresa.
— Você acha que não posso agir surpresa?
Blue pisou em torno de um tempo discutindo, e quanto mais ela argumentou, mais Nita cavado den-
tro. Tudo em tudo, um trabalho bem feito.
Seu trabalho nos murais, no entanto, era outra questão. Como um dia deu lugar para o outro, ela des-
viou mais e mais de seus desenhos até que ela finalmente rasgou-os fora das paredes.
***
Dean sugeriu que os dois comemorassem o quatro de julho através de caminhadas nos enfumaçados.
Com suas longas pernas e resistência infinita, ele tinha que continuar dobrando para trás na trilha extenuante
para esperar, mas nunca tentou apressá-la. Em vez disso, ele disse que gostava do ritmo mais lento, pois o
impedia de transpirar através de seu gel de cabelo. Ela não podia ver até mesmo um pouco de gel naquele
cabelo quebradiço, mas ele estava sendo muito bom para ela para falar sobre isso. Blue odiava quando ele
era bom, por isso, enquanto eles comeram o almoço na trilha, tentou comprar uma briga. Dean arrastou-a
para uma área de sombra perto de uma cachoeira e beijou-a até que ela não tinha muito fôlego para pensar
direito. Em seguida, ele se aproveitou cruelmente.
— Você, — ele disse rispidamente. — Contra a árvore.
As lentes prateadas de seu último par de óculos de sol de um zilhão de dólares a impediam de ver
seus olhos, mas o conjunto deliciosamente ameaçador de sua boca a fez estremecer.
— O que você está falando?
— Você me empurrou para longe o suficiente, senhora. É hora de jogar um jogo bizarro de Prison
Break.
Ela lambeu os lábios.
— É, uh, parece assustador.
— Oh, e é. Para você, de qualquer maneira. E você não vai gostar do que acontece se tentar executar.
Agora vire-se e enfrente a árvore.
Sentiu-se tentada a correr só para testá-lo, mas a ideia da árvore era muito sedutora. Eles estavam jo-
gando várias formas de dominação e submissão desde o início. Ele manteve as coisas leves, do jeito que ela
queria.
— Que árvore?
— A escolha do Prisioneiro. Sua última opção antes de eu assumir.
Ela demorou muito tempo admirando as ondas dos músculos sob sua camiseta. Ele cruzou os braços
sobre o peito.
— Não me faça repetir.
— Eu quero ligar para o meu advogado.
— Aqui fora eu sou a lei.
Ele ainda conseguiu surpreendê-la. Blue estava sozinha com um metro e oitenta e tantos quilos de
macho alfa, e ela nunca se sentiu mais segura ou mais excitada.
— Não me machuque.
Dean tirou os óculos escuros e lentamente fechou-os.
— Isso depende do quanto você é boa em seguir ordens.
Vacilante pela sobrecarga sexual, ela se mudou para um bordo vermelho resistente rodeado por um
tapete de musgo. Mesmo o respingo da cachoeira nas proximidades não poderia esfriá-la. Quando isso aca-
basse, ela teria que pagar a ele em espécie, mas por agora, simplesmente desfrutaria.
Dean deixou de lado os óculos escuros e deu-lhe uma cutucada que ela estava de frente para a árvore.
— Coloque suas mãos no tronco e não solte a menos que eu diga para você.
Blue lentamente estendeu os braços sobre a cabeça. A raspagem da casca áspera contra sua pele au-
mentou a sensação de perigo erótico.
— Uh... o que é tudo isso, senhor?
— A fuga da prisão recente no presídio feminino de segurança máxima no outro lado do cume.
— Oh, isso. — Como pode um atleta estrela ter tanta imaginação? — Mas eu não sou nada mais do
que uma andarilha inocente.
— Então não vai se importar se eu revistar você.
— Bem... só para provar o quão inocente sou.
— Sensata. Agora abra as pernas.
Blue abriu suas pernas nuas. Dean ajoelhou-se atrás dela e empurrou-as afastadas. Sua mandíbula ar-
ranhou a coxa dela quando ele empurrou para baixo suas meias e os tornozelos com os dedos. Ele esfregou o
dedo no buraco logo abaixo do tornozelo, acendendo uma zona erógena que ela nem sabia existir. Dean to-
mou seu tempo passando as mãos por suas pernas nuas e ao longo das costas de suas coxas. Sua pele irrom-
peu em arrepios. Ela esperou por ele para chegar à bainha de suas calças curtas, apenas para ficar desaponta-
da quando ele contornou aquelas aberturas de pernas convenientes e empurrou a parte de trás de sua camise-
ta em seu lugar.
— A tatuagem de prisão, — ele rosnou. — Assim como eu pensava.
— Eu fiquei bêbada em um piquenique da escola dominical, e quando acordei...
Seus dedos se instalaram na curva suave de sua coluna vertebral, logo acima do cós de sua bermuda.
— Guarde seu fôlego. Você sabe o que isso significa, não é?
— Não há mais piqueniques da escola dominical?
— A busca do tira.
— Oh, por favor, não é isso.
— Não lute comigo ou vou ter que ficar difícil. — Ele deslizou as mãos sob a camiseta, empurrou até
a frente de seu sutiã, e arrastou os polegares sobre os mamilos. Ela gemeu e seus braços caíram.
Ele beliscou seus mamilos.
— Eu disse que você podia abaixar os braços?
— S-sinto muito. — Ela ia morrer de êxtase sexual. De alguma forma, ela conseguiu os braços de
borracha de volta à sua posição anterior. Ele puxou para baixo o zíper e empurrou seu short e calcinha até os
tornozelos. O ar frio roçou sua pele nua. Blue apertou seu rosto contra a casca áspera da árvore enquanto
Dean brincava com sua parte inferior, amassando, deslizando os polegares, testando para ver até onde ela
iria deixá-lo ir com este jogo perverso.
Muito longe, como se viu.
Finalmente, quando Blue estava tão louca com sua necessidade, mal conseguindo ficar em pé, ela
ouviu o deslize de seu zíper.
— Um último lugar para procurar, — disse ele com voz rouca.
E então Dean virou para encará-la, chutando a calcinha e shorts. Seus olhos estavam semicerrados,
opacos, com desejo. Como se ela não pesasse nada, ele a pegou e colocou a coluna contra o tronco da árvo-
re. Colocando suas pernas ao seu redor, ele entrou entre elas. Ela envolveu suas pernas ao redor do quadril
dele e entrelaçou os braços ao redor da forte coluna de seu pescoço. Ele abriu-a com os dedos, testou sua
excitação e, finalmente, alegou que era, naquele momento, indiscutivelmente dele.
Dean era tão forte que, mesmo enquanto dirigia dentro dela, fez questão que a casca áspera não des-
gastasse sua pele. Ela escondeu o rosto na curva do pescoço dele, respirou ele, e gozou muito antes do que
queria. Esperava mais dela. Depois de deixá-la descansar por um momento, ele começou a se mover dentro
dela novamente, enchendo-a, atraindo-a, ordenando-lhe para se juntar a ele.
A cachoeira corria ao lado deles. Sua cristalina água jorrando, misturada com sua respiração áspera,
com seus comando e carinhos roucos. Suas bocas se fundiram, engolindo as palavras. Ele cavou seus dedos
em seu traseiro. Uma onda... uma corrida... e eles também juntaram-se ao dilúvio.
Depois eles não disseram nada. Enquanto voltavam pela trilha, ele mudou-se à frente dela, e ela cho-
cou-se, começando a chorar. Aqueles velhos sentimentos de querer pertencer uma vez mais enraizando den-
tro dela.
Dean caminhava mais rapidamente, aumentando a distância entre eles. Ela entendia muito bem. Ele
deslizou dentro e fora de relacionamentos como outras pessoas trocavam de roupa. Amigos, amantes... Era
tudo tão fácil. Quando esse relacionamento terminasse, ele teria uma longa fila de pessoas esperando para
preencher o vazio.
Dean virou-se e a chamou de volta, alguma coisa sobre ter trabalhado um outro apetite. Ela fingiu
uma risada, mas seu prazer em seu encontro tinha ido embora. O que começou como nada mais do que um
jogo bobo de sexo tinha deixado seu sentimento tão frágil e indefeso como a criança que ela foi uma vez.
***
A carta de Virginia, enviada para Seattle chegou no dia seguinte. Quando Blue abriu, uma foto saiu.
Seis alunas vestindo roupas sujas e sorrisos cheios de lágrimas posavam em frente a um edifício de madeira
simples na selva. Sua mãe estava no meio, parecendo exausta e triunfante. Na parte inferior, Virginia tinha
escrito uma mensagem simples.
Elas estão seguras. Obrigada.
Blue olhou para a imagem por muito tempo. Quando ela viu que no rosto de cada menina tinha guar-
dado o dinheiro dela, ela soltou seu ressentimento.
Na quinta-feira à tarde, quatro dias após a caminhada nos enfumaçados e dois dias antes da festa de
Nita, Blue fora dar os últimos retoques nas paredes. Os murais não eram nem mais do que uma semelhança
superficial com os desenhos originais, nem se assemelham às paisagens pegajosas de seus anos de faculda-
de. Eles eram algo totalmente diferente, tudo errado, mas ela não podia se obrigar a corrigi-los.
Todo mundo tinha honrado seu pedido para ficar fora da sala de jantar, e ela agendou a grande reve-
lação para amanhã de manhã. Blue limpou uma gota de suor da testa. O ar-condicionado na casa da fazenda
havia quebrado naquela manhã, e mesmo com um ventilador portátil, janelas abertas, sentiu-se quente, nau-
seada e, mais do que um pouco em pânico. E se... mas ela não iria pensar sobre isso até depois da festa de
Nita. Ela puxou a úmida camiseta longe de seu corpo e se afastou para observar o desastroso e equivocado
trabalho. Blue nunca tinha feito nada que amasse mais.
Ela terminou a parte esfumaçada usando um pedaço de gaze para misturar algumas sombras para
uma borda mais suave e começou a limpeza, quando ouviu os carros se aproximando. Espiando através da
janela aberta, Blue viu duas limusines brancas chegando. As portas se abriram e uma variedade de pessoas
lindas desceram. Os homens eram todos enormes, com grandes pescoço, bíceps protuberantes e troncos ma-
ciços. Apesar das diferenças na cor da pele e os penteados das mulheres, elas poderiam ter vindo de uma fá-
brica de clonagem para a jovem e sedutora. Óculos de sol caros empoleirados sobre suas cabeças, bolsas de
grife pendiam de seus pulsos e roupas reveladoras envoltas de seus corpos ágeis. A vida real de Dean Robil-
lard tinha acabado de chegar.
Dean tinha ido novamente fora para o haras vizinho, April e Riley estavam correndo recados, Jack
estava escondido na casa de campo trabalhando em uma música, e Nita tinha ficado em casa pela primeira
vez. Blue tirou o que restava de seu rabo de cavalo, penteou seu cabelo suado com os dedos, e se ajeitou em
um arranjo um pouco mais limpo. Quando afastou o plástico e saiu para o hall de entrada, ela ouviu vozes
das mulheres à deriva através da tela.
— Eu não achei que seria assim... rural.
— Há um celeiro e tudo mais.
— Cuidado por onde anda, namorada. Eu não vejo nenhuma vaca, mas isso não significa que elas
não estão andando por aí em algum lugar.
— O Boo sabe viver, — um dos homens disse. — Eu deveria arranjar um lugar como este.
Quando Blue saiu na varanda, as mulheres observaram sua aparência suja: camiseta suja, shorts sur-
rados e pintura salpicada nas botas de trabalho. Um homem com um tronco de árvore como pescoço e om-
bros com quilômetros de largura se aproximou.
— Dean volta?
— Ele está cavalgando, mas deve estar de volta dentro de uma hora ou assim. — Ela enxugou as
mãos sujas em seus calções. — Receio que o ar condicionado está temporariamente quebrado, mas vocês
podem sentar-se na varanda lá trás e esperar por ele.
Eles seguiram pela casa. A varanda, com o seu novo piso de ardósia cinza, paredes brancas pintadas
e teto alto, sentia-se fresca e espaçosa, após a sala de jantar quente. Três janelas palacianas graciosas fixadas
nas paredes acima do rastreio enviava, luz à sombra salpicada sobre as chaises de vime e a mesa de ferro
forjado preto que havia chegado poucos dias antes. Almofadas macias coloridas em verdes com preto em-
prestavam elegância ao espaço acolhedor.
Havia quatro homens, mas cinco mulheres. Nenhum deles se preocupou com as apresentações, mas
ela pegou um nome aqui e ali: Larry, Tyrell, Tamika... e Courtney, um homem alto, muito impressionante,
moreno que não parecia ser com qualquer um dos outros. Blue rapidamente descobriu o porquê.
— Assim como o acampamento de treinamento é longo, vou fazer Dean me levar para San Francisco
para o fim de semana, — disse Courtney, com um movimento de seu cabelo brilhando. — Nós tivemos um
grande momento lá no último Dia dos Namorados, e mereço um pouco de diversão antes de ter que enfrentar
uma outra classe de alunos da quarta série.
Grande. Courtney não era mesmo uma tiete.
As mulheres começaram a reclamar do calor, apesar da brisa agitada pelos ventiladores de teto recém
instalados. Todos eles assumiram que Blue era empregada e começaram a pedir cerveja, chá gelado, refrige-
rante diet, e garrafas de água fria. Em pouco tempo, Blue estava fazendo cachorros-quentes, cortando queijo,
estabelecendo frios junto com cada lanche na casa. Um dos homens queria a programação da televisão, outro
procurava por Tylenol. Ela deu a notícia a uma ruiva linda que comida tailandesa ainda não havia chegado a
Garrison.
April chamou enquanto Blue olhava a despensa tentando encontrar algumas batatas fritas.
— Vi que Dean tem companhia, então desviei para o chalé. Riley está comigo. Nós vamos ficar aqui
até que a barra esteja limpa.
— Não é certo você se esconder, — Blue respondeu.
— É a realidade. Além disso, Jack quer que eu ouça sua música nova.
Blue desejou que ela pudesse estar na casa e ouvir uma música nova de Jack Patriot em vez de espe-
rar com os amigos de Dean.
Quando Dean finalmente apareceu, todo mundo na varanda saltou para cumprimentá-lo. Mesmo que
ele cheirava a cavalo e suor, Courtney, que estava reclamando sobre o fraco cheiro de estrume, atirou-se ne-
le.
— Dean, baby! Surpresa! Nós pensamos que você nunca chegaria aqui.
— Hey, Boo. Lugar agradável que você tem.
Dean nem sequer olhou na direção de Blue. Ela retirou-se para a cozinha, onde começou a arrumar
os produtos perecíveis na geladeira. Poucos minutos depois, ele apareceu.
— Ei, obrigado por ajudar. Eu vou tomar um banho rápido e volto logo.
Quando ele desapareceu, Blue se perguntou se ele quis dizer que ela deveria continuar esperando
com seus amigos, ou que ele esperava que ela se juntasse à festa. Fechou a geladeira. Estragara tudo. Ia vol-
tar ao trabalho.
Mas antes que pudesse fugir, Roshaun apareceu na porta pedindo para tomar sorvete. Ela foi buscar
mais pratos e limpou os outros para longe. Quando ela carregou a máquina de lavar louça, um Dean recém
banhado passou por ela.
— Obrigado mais uma vez, Blue. Você é a melhor. — Momentos depois, ouviu-o na varanda, rindo
com os amigos.
Blue ficou ali, na cozinha que tanto amava. Era isso, então. Não era? Ela tinha que ter certeza. Com
as mãos trêmulas colocou um par de latas de refrigerante diet quente em uma bandeja, acrescentou a última
garrafa de cerveja gelada, e levou tudo para a varanda.
Courtney estava ao lado de Dean, com o braço enrolado em torno de sua cintura, uma mecha de seu
cabelo brilhante preso na manga de sua camisa polo cinza. Em seus calcanhares calçado, ela estava quase na
sua altura.
— Mas, Boo, você tem que voltar a tempo para Andy e o partido de Sherilyn. Eu prometi que estaria
lá.
Ele é meu! Blue queria dizer. Mas ele não era. Ninguém pertencia a ela, e ninguém jamais pertenceu.
Ela levou a bandeja para ele. Seus olhos se encontraram, os olhos azuis familiares que haviam rido em seu
próprio tantas vezes. Ela começou a dizer que tinha salvado a última cerveja gelada para ele, mas antes que
pudesse abrir a boca, ele desviou o olhar, como se ela fosse invisível.
Um caroço gigante cresceu em sua garganta. Blue colocou a bandeja com cuidado sobre a mesa, en-
trou, e cegamente fez seu caminho de volta para a sala de jantar.
Mais risos derivavam seu caminho. Blue pegou seus pincéis e começou a limpá-los. Trabalhava me-
canicamente, apertando as pálpebras na pintura, armazenar suas ferramentas, dobrar os panos, determinada a
limpar tudo para que não tivesse que voltar ali. O plástico sobre a porta rangeu e Courtney enfiou a cabeça
na sala de jantar. Para todas as suas pretensões de ser uma professora, ela aparentemente não conseguiu ler
um sinal de PROIBIDA A ENTRADA.
— Tenho uma pequena emergência, — disse ela, sem sequer olhar para os murais. — Nossos moto-
ristas foram almoçar, e está surgindo uma espinha gigante em mim. Estou sem meu corretivo comigo. Você
se importaria de dirigir até a cidade e comprar algum corretivo ou algo assim? E talvez pegar um pouco de
água mineral, enquanto esteja aí? — Courtney se virou. — Deixe-me ver se os outros querem algo.
Blue empurrou a pintura no carrinho para fora do caminho dela e disse a si mesma para dar a ele uma
chance. Mas foi Courtney que voltou, uma nota de cem dólares pressionado entre os dedos.
— Corretivo em bastão, água mineral, e três sacos de Cheetos. Fique com o troco. — Ela empurrou o
dinheiro na mão de Blue. — Obrigada, querida.
Uma dúzia de cenários passou pela cabeça de Blue. Ela escolheu aquele que deixava manter sua dig-
nidade.
Uma hora depois, Blue voltou para uma casa vazia e deixou cair o cosmético, água mineral, Cheetos,
e mudança no balcão da cozinha. Seu peito sentiu como se alguém tivesse pedras empilhadas em cima dela.
Ela terminou de varrer a sala de jantar, colocar as cadeiras de volta no lugar, carregou tudo até o carro de
Nita, e rasgou o plástico das portas. Não houve tempo como o presente para pôr fim a algo que nunca deve-
ria ter começado.
Quando terminou, Blue deu uma última olhada nas pinturas murais e viu o que elas eram. Baboseira
sentimental.

Capítulo Vinte e dois

Dean estava à beira do caminho. Eles estavam dançando. Todos os três deles. Atrás da casa de cam-
po, sob as estrelas, com música estridente de um aparelho de som sentado nos degraus de volta. Enquanto
ele observava seu pai, ele viu a fonte genética de sua própria capacidade atlética. Ele tinha visto Jack dançar
em vídeos, bem como em um show ao vivo que ele tinha sido forçado a comparecer com seus companheiros
de faculdade. Mas, observou-o como se isso fosse diferente. Lembrou-se de algum crítico imbecil compa-
rando a dança de Jack com Mick Jagger, mas Jack não tinha nada como o escapulir andrógino. Ele era todo
o poder.
Riley, que deveria estar na cama, circulava Jack, seus movimentos desajeitados, mas cheios de uma
energia de cachorro que teria feito Dean sorrir se ele não tivesse sido tão infeliz.
April dançava descalça. A saia transparente longa em seus quadris. Ela arqueou sua coluna e levan-
tou seu cabelo. Como seus lábios formaram um pout sensual, viu a mãe negligente, autodestrutiva de sua
infância, escravizada pelos deuses do rock and roll.
Riley ficou sem fôlego e caiu na grama ao lado do cão. Jack e April fecharam os olhos. Ele respon-
deu-lhe dançando com alguma rotina industrial. A luz da varanda ricocheteou seus braceletes. Eles chuta-
ram, movendo-se como se estivessem dançando juntos por anos. April desfilava, os lábios formando peque-
nos travesseiros úmidos. Jack deu-lhe o sorriso de escárnio do roqueiro.
Dean não teria vindo aqui esta noite se April não tivesse parado de responder seus e-mails de alguns
dias atrás. Agora, ele estava observando as pessoas que o conceberam, bem diante de seus olhos. O que era
um final perfeito para um dia de merda. Courtney tinha sido uma dor pegajosa na bunda, e ele estava feliz
quando as mulheres tinham arrastado de volta para Nashville para fazer compras. Os caras tinham pendura-
do por um tempo. Por muito tempo. Dean precisava chegar até Blue, mas pelo tempo que ele chegou à casa
de Nita Garrison, as janelas estavam escuras. Ele escalou a varanda de qualquer maneira, mas as portas esta-
vam trancadas, e cama de Blue estava vazia do outro lado das vidraças. Ele sentiu uma pontada lancinante
de dor antes da sanidade voltar. Ela não iria sair até depois da festa de Nita, no sábado. Amanhã ele acertaria
as coisas, ou tão certo como elas poderiam ser.
Nada tinha sido o mesmo desde a sua caminhada no quatro de julho. Algo estava errado nesse jogo
pouco pateta de sexo que tinham jogado. No início, tudo tinha sido divertido e sexy, observando as tentati-
vas cômicas de Blue fingindo ser uma mulher aterrorizada. Mas no final, quando eles se abraçaram, um poço
de ternura tinha crescido dentro dele, e algo havia mudado. Algo que ele não estava pronto para olhar muito
de perto.
Riley pegou fôlego e entrou na dança novamente. Dean estava fora da piscina de luz. Separado deles.
Do jeito que ele queria.
Jack se aproximou de Riley, e ela começou mostrando para ele, lançando todo o seu repertório de an-
siosos, movimentos desajeitados. April sorriu e dançou à distância. Sua saia rodou. Ela inclinou a cabeça.
Fiadas. E foi então que ela viu Dean.
Com perder uma batida, ela estendeu a mão.
Ele ficou imóvel. Ela dançou mais perto, movendo o braço, atraindo-o para o seu círculo.
Sentia-se congelado, tonto, um prisioneiro de seu DNA. A música, a dança o levaram para um lugar
que ele não queria estar. Esses filamentos helicoidais duplos de material genético embutido dentro dele esta-
vam em um pacote hereditário canalizado para esportes, mas agora essas estruturas queriam atraí-lo de volta
para a fonte. Para a dança.
O jazz de seu pai.
Sua mãe chamava.
Ele virou-se de ambos e se afastou.
***
Jack riu quando April de repente parou de dançar.
— Olha, Riley. Nós somos demais para ela.
Jack não tinha visto Dean. April obrigou-se a sorrir. Jack e Riley estavam aprendendo a se divertir
juntos, e ela não iria desperdiçá-lo com a sua própria tristeza.
— Estou com sede, — disse ela. — Vou pegar algo para beber.
Quando chegou à cozinha, ela fechou os olhos. Foi dor que viu no rosto de Dean, não desprezo. Ele
queria se juntar a eles, ela podia senti-lo, mas ele não tinha sido capaz de dar o primeiro passo.
Ela se ocupou derramando suco de laranja para ela e Riley. Ela não conseguia controlar os sentimen-
tos de Dean, só dela. Deixar ir e deixar, Deus. Serviu um chá gelado para Jack. Ele queria cerveja, mas esta-
va sem sorte. April não esperava que ele aparecesse ali esta noite. Ela e Riley estavam sentadas no quintal
falando de meninos e ouvindo um álbum antigo de Prince, quando ele apareceu. Antes que ela percebesse,
eles estavam todos dançando.
Ela e Jack sempre foram uma partida perfeita. Eles tinham o mesmo estilo e energia. Sob o feitiço da
música, ela não tinha que pensar sobre a loucura de ter 52 anos de idade e ainda ser fascinada com Jack Pa-
triot. A música mudou para uma balada. Ela levou as bebidas para fora e parou nos degraus quando Jack ten-
tou puxar Riley em uma dança lenta.
— Mas eu não sei como, — ela protestou.
— Fique em meus pés.
— Eu não posso fazer isso! Eu sou muito grande. Vou esmagar os dedos dos seus pés.
— Uma galinha magricela como você? Meus pés vão ficar bem. Vamos. Suba. — Ele puxou-a em
seus braços, e ela cuidadosamente colocou os pés descalços em cima de seus tênis. Riley parecia tão peque-
na ao seu lado. Tão bonita com o cabelo encaracolado, olhos brilhantes e pele dourada. April tinha se apai-
xonado por ela.
Sentou-se nos degraus e assistiu. Quando ela era criança, viu uma menina fazer essa dança com seu
pai. O próprio pai de April a tinha tratado como uma inconveniência, e ela lembrou de se trancar em um ba-
nheiro para que ninguém a visse chorar. Mas ela ficou ainda com ele quando ela era mais velha. Encontrou
todos os tipos de meninos para lhe dar o amor que ele tinha negado. Um deles tinha sido Jack Patriot.
Riley tinha um bom senso de ritmo e, finalmente, sentiu-se confiante o suficiente para sair de seus
pés e tentar os passos por conta própria. Jack manteve simples. No final, ele a girou e disse que ela era uma
campeã, deixando Riley olhando atordoada e orgulhosa. April serviu as bebidas. Quando terminaram, Jack
anunciou que tinha passado da hora de Riley dormir e levou-a de volta para a casa da fazenda. April estava
muito agitada para ir para dentro, então ela trouxe um cobertor e deitou-se para observar as estrelas. Blue
planejava ir em quatro dias, Dean em uma semana e meia, e ela voltaria para Los Angeles logo depois.
Quando chegasse lá, iria se enterrar no trabalho e tirar força de saber que ela finalmente aprendeu a manter
sua alma intacta.
— Dean está na casa com Riley, — disse a voz de uísque e cascalho tão familiar. — Eu não iria
abandoná-la.
April olhou para cima e viu Jack vindo em sua direção pela grama.
— Achei que você tivesse terminado a noite.
— Eu não sou tão velho assim. — Ele foi para a caixa e olhou através dos CDs ao lado dele. Lucinda
Williams começou a cantar “Like a Rose”. Ele voltou para o cobertor e estendeu a mão para ela. — Dance
comigo.
— Má ideia, Jack.
— Tivemos alguns dos nossos melhores momentos com ideias ruins. Pare de ser uma velhinha.
Ela odiava que ele sabia o que faria e ela chegou a seus pés.
— Se você tentar me sentir...
Seus dentes brilharam no sorriso de um pirata, e ele a puxou para seus braços.
— Mad Jack só se sente se elas tem menos de trinta anos. Embora, já está escuro ...
— Cale a boca e dance.
Jack costumava cheirar sexo e cigarros. Agora, ele cheirava a carvalho, bergamota, e noite. Seu cor-
po, também, parecia diferente do menino magro que lembrava. Ele ainda era magro, mas, mais musculoso.
Também tinha perdido o olhar magro que tinha escavado suas bochechas quando ele chegou pela primeira
vez. As letras de Lucinda envolveu-os. Eles se aproximaram até que apenas uma fita de ar separava seus
corpos. Logo, mesmo se foi. Ela enrolou os braços ao redor do pescoço dele. Ele colocou os dele em volta
de sua cintura. Deixou-se descansar contra ele. Ele tinha tesão, mas estava simplesmente lá. Imponente, mas
não exigindo nada dela.
Deixou-se flutuar com a música. Ela estava muito excitada, flutuando em um mar escorregadio. Ele
afastou o cabelo de seu pescoço e enterrou seus lábios no oco sob sua orelha. Ela virou a cabeça e deixou-o
beijá-la. Foi um beijo profundo e doce, muito mais excitante do que os seus de muito tempo atrás, bêbados.
Quando eles finalmente se separaram, a pergunta em seus olhos cortou seu estado de sonho. Ela balançou a
cabeça.
— Por quê? — Ele sussurrou, acariciando seus cabelos.
— Eu não faço uma noite mais.
— Eu prometo que vou ser mais do que uma noite. — Ele acariciou sua testa com o polegar. — Você
tem que querer saber o que seria.
Mais do que ele poderia imaginar.
— Gostaria de saber sobre um monte de coisas que não são boas para mim.
— Você tem certeza? Nós não somos crianças.
April se afastou.
— Eu não me coloco para fora atrás de roqueiros de boa aparência mais.
— April...
Seu celular tocou e deu passo para trás. Obrigada, Deus. Ela mudou-se para atendê-lo.
— Você não está realmente indo atender, não é? — Disse.
— Eu tenho. — Quando ela cruzou para o degrau, pressionou o dorso da mão nos lábios, mas não
sabia se estava limpando o beijo ou selando-o dentro.
— Olá?
— April, é Ed.
— Ed. Estive esperando por você me chamar. — Ela moveu-se rapidamente para dentro.
Meia hora antes do decorrido ela arrancou o telefone. Voltou para trazer suas coisas e ficou surpresa
ao ver que Jack ainda está lá, deitado sobre o cobertor, olhando para as estrelas. Ele estava com um joelho
dobrado e um braço dobrado atrás da cabeça. E April estava muito feliz em ver que ele tinha ficado.
Jack falou sem olhar para ela.
— Conte-me sobre ele.
April ouviu a rigidez em sua voz e lembrou suas antigas erupções ciumentas. Se não tivesse desistido
de jogar, teria dito a ele para ir para o inferno, mas ela sentou-se no cobertor e deixou a saia leve em torno
dos joelhos.
— Eles.
— Quantos?
— Agora? Três.
April reparou quando ele rolou para enfrentá-la. Mas Jack não atacou.
— Eles não são amantes, então.
Era uma afirmação, não uma pergunta.
— Como você sabe disso?
— Porque eu sei.
— Eu tenho os homens me chamando a qualquer hora.
— Por que isso?
Viu só, curiosidade. Ou ele não se importava com quem ela mantinha negócios, ou ele tinha começa-
do a compreender a mulher que ela se tornou. April deitou-se sobre o cobertor.
— Sou uma viciada em drogas em recuperação e alcoólatra. Estive no AA durante anos. Estou patro-
cinando três homens e uma mulher agora, tudo em LA. Não é fácil estar lá para eles de longa distância, mas
eles não querem mudar de patrocinadores.
— Eu posso entender o porquê. Tenho certeza de que você é muito boa no que faz. — Jack se apoiou
em seu cotovelo e olhava diretamente para ela. — Eu nunca superei completamente você. Você sabe disso,
não sabe?
April tinha que chamá-lo do jeito que ela viu, não do jeito que ela queria que fosse.
— Não é que você não pode me superar. É sua culpa por Dean.
— Eu sei a diferença, e você é a única mulher que nunca fui capaz de esquecer.
Quando ela olhou em seus olhos, ele abaixou a cabeça e beijou-a novamente. Sua boca ficou macia e
entregue sob a dele. Mas quando ela sentiu o deslizamento da mão entre as pernas dela, April lembrou que
os sentimentos de Jack por ela sempre começavam e terminavam em suas calças. Ela rolou para fora de de-
baixo dele e se levantou.
— Eu quis dizer o que disse. Eu não faço isso.
— Você espera que eu acredite que você desistiu de sexo?
— Somente com os roqueiros. — Ela caminhou até o degrau para desligar a música e recolher suas
coisas. — Tive três relacionamentos de longo prazo desde que estive sóbria. Um policial, um produtor de
televisão, e o fotógrafo que me envolveu com a Galeria Coração. Todos grandes homens, e nenhum deles
cantou uma nota. Nem mesmo karaokê.
Através da escuridão, ela viu seu sorriso zombeteiro suavemente quando ele se levantou.
— Pobre April. Privando-se do amor de um roqueiro quente.
— Respeitando a mim mesma. Provavelmente mais do que você está fazendo.
— Eu sei que isso vai decepcioná-la, April, mas deixei de ser o jogador de anos atrás. Me acostumei
a ter relacionamentos reais. — Ele pegou o cobertor e levou-a até ela. — Essa é a única coisa que você e eu
nunca tentamos. Talvez seja a hora de tentarmos.
April estava tão atordoada que simplesmente olhou para ele. Jack apertou o cobertor em suas mãos,
roçou seu rosto com um beijo, e deixou-a sozinha.
***
Às sete da manhã seguinte, Dean parou atrás da casa de Nita. Odiava saber que tinha machucado
Blue ontem. A única razão que fechou-a para fora era por que ele não teria que lidar com as perguntas de
todos. Como poderia explicar ela para seus amigos quando não podia explicar para si mesmo? Ele sabia co-
mo se relacionar com as mulheres como amigos ou como amantes, mas não ambos.
Uma pomba voou de Icy até Nita quando caminhou até a porta traseira. Abriu sem bater. Nita sentou
na mesa da cozinha em sua grande peruca loira e um vestido floral berrante.
— Eu vou chamar a polícia, — disse ela, com mais aborrecimento do que raiva. — Vou manda-lo
prender por invasão de domicílio.
Dean se inclinou para arranhar a Tango atrás das orelhas.
— Posso ter um pouco de café em primeiro lugar?
— Ainda nem são sete horas. Você deveria ter batido.
— Não sinto como devesse. Assim como você não sente que devesse quando vem à minha casa.
— Mentiroso. Eu sempre bato. E Blue ainda está dormindo, então vá embora e não a incomode.
Ele encheu duas canecas com café escuro da Nita.
— O que ela está fazendo na cama a esta hora?
— Tenho certeza que isso não é da sua conta. — Sua indignação finalmente à tona, e ela esfaqueou
seu dedo indicador na direção dele, uma bala magenta pintados à cabeça. — Você está partindo o coração
dela. E você não se importa.
— Blue está louca, não com o coração partido. — Ele evitou Tango. — Deixe-nos em paz por um
tempo.
Sua cadeira rangeu quando ela empurrou de volta da mesa.
— Uma palavra de conselho, Sr. Hotshot. Se eu fosse você, daria uma olhada no que ela está man-
tendo sob sua pia do banheiro.
Ignorando-a, ele subiu as escadas.
***
Blue não estava totalmente surpresa ao ouvir Dean conversando com Nita embaixo. O sol entrava pe-
las portas da varanda quando terminou de fechar seus jeans. Não foi capaz de lidar com ele surgindo pela
varanda, assim dormira no quarto ao lado da Nita. Agora, ele pretende usar seu charme em seu caminho de
volta em suas boas graças. Muita sorte.
Quando sentou-se na beira da cama para puxar suas sandálias, ele apareceu na porta. Louro, bonitão,
irresistível. Ela puxou a correia das sandálias.
— Eu tenho um milhão de coisas para fazer antes da festa de amanhã de Nita, e não quero fazer isso
agora.
Dean colocou uma caneca em sua mesa de cabeceira.
— Eu sei que você está chateada.
Puta era apenas uma parte dela, a parte que não estava escondendo segredos.
— Mais tarde, Dean. Homens reais evitam esses tipos de discussões.
— Pare com isso. — A voz de seu comandante de campo sempre levou sua surpresa. — Ontem não
era pessoal. Não da maneira que você pensa.
— Com certeza senti que era pessoal.
— Você acha que eu tinha vergonha de apresentá-la aos meus amigos por causa de suas roupas de
baixa qualidade e disposição geralmente de merda, mas não poderia estar mais longe da verdade.
Blue atirou-se do lado da cama.
— Não desperdice o seu fôlego. Não sou o tipo de mulher que os teus amigos esperam para sair com
o Malibu, e você não quer colocar em campo todas as perguntas.
— Você realmente acha que eu sou tão mesquinho?
— Não. Eu acho que você é basicamente um cavalheiro, e você não quer deixar claro que sou apenas
uma amiga com privilégios para dormir.
— Você é mais do que uma amiga, Blue. Você é uma das melhores amigas que tenho.
— O que me faz o que? Que tal... uma amiga!
Dean enfiou a mão pelo cabelo.
— Eu não tive a intenção de te machucar. Só quero que o que há entre nós fique privado.
— Como todas as outras coisas em sua vida que você quer que fique privado. Você não está come-
çando a perder o controle?
— Você não tem ideia de como é ser uma pessoa pública, — ele disparou de volta. — Eu tenho que
ser cuidadoso.
Blue pegou a caneca de café e a bolsa do pé da sua cama.
— Traduzindo, isso significa que me tornei mais um dos seus pequenos segredos sujos.
— Isso é uma coisa podre a se dizer.
Ela não podia lidar com isso agora, e não com um segredo dela própria.
— Vou fazer isso fácil. Hoje é sexta-feira. A festa da Nita é amanhã. Eu tenho algumas pontas soltas
para amarrar aqui no domingo, mas na segunda-feira de manhã estou saindo permanentemente para lugares
desconhecidos.
Sua expressão tornou-se ensurdecedora.
— É melhor que seja mais uma das suas merdas.
— Por quê? Porque estou terminando em vez de você? — Todas as emoções que ela não queria que
ele visse, tristeza, medo, dor, tentaram romper sua arrogância de garota durona, mas os venceu de volta. —
A vida é boa, Boo. Eu tenho uma grande quantidade em um carro alugado, e comprei um novo mapa de es-
trada. Você foi uma distração engraçada, mas é hora de seguir em frente.
Blue chamou um jogo que ele não estava esperando e suas mãos enrolaram em seus lados.
— Parece que você precisa de algum tempo para crescer. — Suas palavras eram tão frias que ela
meio que esperava uma nuvem de vapor formar ao redor da boca. — Nós vamos resolver isso na festa de
Nita amanhã. Talvez até lá você seja capaz de pensar como um ser humano racional. — Ele saiu da sala.
Blue sentou-se na cama, tolamente desejando que ele a tivesse tomado em seus braços e implorado
seu perdão. Desejava, no mínimo, que ele tivesse dito algo sobre os murais, antes de sair correndo. Ele tinha
visto até agora. Ontem, ela encontrou um envelope entregue em mão na caixa de entrada de Nita com um
cheque que April tinha feito. Era isso. Sem nota pessoal. April e Dean tinham um gosto impecável. Eles odi-
aram. Ela sabia que odiariam. Mas de alguma forma esperava que não.
Dean marchava pelo corredor acarpetado rosa. Enquanto isso se concentrou em torcer o pescoço de
Blue, não teria que pensar sobre o quão idiota estava sendo. Odiava saber que a tinha machucado. Blue
acreditava realmente que ele estava com vergonha de apresentá-la a seus amigos, mas não era vergonha. Se
os caras falassem com ela ontem, ao invés de tratá-la como uma empregada doméstica, teriam se apaixonado
por ela. Mas Dean não queria que ninguém, especialmente seus companheiros soubessem sobre algo tão
pessoal como seu caso com Blue quando ainda era muito novo. Inferno, ele ainda não tinha conhecido ela
por dois meses.
E agora ela estava planejando deixá-lo. Dean percebeu o tempo todo que não podia contar com ela.
Mas, depois da forma como a tratou ontem, não era tão simples de transferir a culpa.
Chegou ao patamar quando se lembrou do que havia dito Nita. A velha gostava de criar problemas,
mas ela também se preocupava com Blue de sua própria maneira distorcida. Ele virou-se e voltou para cima.
O banheiro de Blue tinha paredes rosa, azulejos cor de rosa, e uma cortina de chuveiro impressa com
garrafas de champanhe de dança. A toalha ainda úmida de seu chuveiro, pendurada torta na barra. Ele se
ajoelhou na frente da pia, abriu a porta do armário e olhou para a caixa embrulhada em papel celofane na
frente.
Ele ouviu passos rápidos atrás dele.
— O que você está fazendo? — Disse ela em uma voz agitada.
Quando seu cérebro registrou o que viu, o sangue correu de sua cabeça. Ele pegou a caixa e de algu-
ma forma ficou em seus pés.
— Deixe isso aí! — Ela gritou.
— Você disse que estava tomando pílula.
— Eu estou.
Eles estavam usando camisinha também. Com exceção de um par de vezes... Ele olhou para ela. Blue
olhou para trás, todos os olhos grandes e pele pálida. Ele levantou o kit de teste de gravidez.
— Suponho que isto não pertence a Nita.
Blue tentou dar-lhe seu olhar teimoso, mas não conseguiu executá-lo. Seus cílios varreram seu rosto
enquanto ela olhou para baixo.
— Algumas semanas atrás, quando eu tive intoxicação alimentar de camarão de Josie... Eu vomitei
minha pílula. Eu não acho nada sobre isso.
Um trem de carga rugiu em linha reta em direção a ele.
— Você está dizendo que vomitar uma pílula você poderia ficar grávida?
— É possível, acho. Meu período era na semana passada, e eu não conseguia entender por que não
estava vindo. Então me lembrei do que tinha acontecido com a pílula.
Dean torceu a caixa nas mãos. O trem gritou através dos ossos de seu crânio.
— Você ainda não abriu.
— Amanhã. Preciso passar a festa de Nita em primeiro lugar.
— Não. Não, você não vai. Ele a puxou o resto do caminho até o banheiro e fechou a porta com a
palma da sua mão. Seus dedos estavam dormentes. — Hoje. Agora. Ele rasgou a caixa.
Blue o conhecia bem, e não demorou muito para ver que esta luta não podia ganhar.
— Espere na sala, — disse ela.
— Não nessa vida. — Ele rasgou a caixa.
— Eu já fui.
— Vá novamente. — Suas mãos, geralmente de modo ágil, atrapalharam-se com as direções enquan-
to ele tentava desdobra-los.
— Vire-se, — disse ela.
— Pare com isso, Blue. Nós estamos começando logo com isso, agora.
Sem dizer nada, ela pegou a caixa. Ele ficou lá olhando para ela. Espera. Finalmente, ela começou a
fazer o trabalho.
As especificações diziam para esperar três minutos. Ele marcou o tempo de folga com seu Rolex. Ti-
nha três mostradores, um deles um tacômetro, mas tudo o que importava era a varredura lenta da segunda
mão. À medida que avançou o seu caminho ao redor, uma dúzia de pensamentos que ele não podia resolver,
não queria resolver, passaram em sua cabeça.
— Ainda não é o tempo? — Ela finalmente disse.
Estava suando. Ele piscou e assentiu.
— Você parece... — ela sussurrou.
Dean pegou o bastão com as mãos úmidas e estudou. Finalmente, ele levantou os olhos e encontrou o
dela.
— Você não está grávida.
Ela assentiu, sem expressão.
— Bom. Agora vá embora.
***
Dean dirigiu em torno por um par de horas e acabou em uma estrada de volta. Ele puxou a caminho-
nete para o lado do asfalto e saiu. Não eram nem dez horas. Hoje seria um dia muito quente. Ele ouviu o
som da água em movimento e seguiu para a floresta, onde chegou a um riacho. Um tambor de óleo enferru-
jado estava do seu lado na água, juntamente com alguns pneus velhos, molas de cama, um pilão quebrado, e
algumas outras porcarias. Não parecia certo, as pessoas despejando sua merda assim.
Ele entrou na água e começou a arrastá-los para fora. Em pouco tempo, os tênis estavam encharca-
dos, e ele estava coberto de lama e graxa. Ele escorregou em algumas rochas cobertas de musgo e teve o cal-
ção molhado, mas a água fria se sentia bem. Desejou montanhas de lixo que entupia o riacho para que pu-
desse passar o dia todo ali, mas em pouco tempo, a água corria livre novamente.
Seu mundo tinha desabado, quando subiu de volta em sua caminhonete, ele não poderia ter uma res-
piração profunda. Ele teve uma longa caminhada quando chegou à fazenda e endireitou a cabeça. Mas não
foi tão longe. Em vez disso, ele encontrou-se virando no caminho estreito que levava para a casa.
O som do violão derivava em direção a ele quando saiu da caminhonete. Jack sentou-se em uma ca-
deira da cozinha na varanda, seus tornozelos nus cruzados sobre o parapeito, e o violão embalado contra seu
peito. Ele estava com barba de três dias, uma camiseta Virgin Records, e shorts pretos. As meias enlameadas
de Dean tinham desmoronado em torno de seus tornozelos e os pés espremidos em seus tênis quando ele se
aproximou da varanda. A cautela familiarizada sombreava os olhos de Jack, mas ele continuou tocando.
— Parece que você perdeu um concurso de agarre o porco.
— Alguém mais aqui?
Jack dedilhou alguns acordes menores.
— Riley está andando de bicicleta, e April foi correr. Elas devem estar de volta em breve.
Dean não tinha vindo para vê-las. Ele parou no fundo das escadas.
— Blue e eu não estamos noivos. Encontrei com ela em Denver, há dois meses.
— April me disse. Muito ruim. Eu gosto muito dela. Ela me faz rir.
Dean esfregou um pouco de lama endurecida por entre seus dedos.
— Eu vi o Blue esta manhã. Um par de horas atrás. — Agora seu estômago estava dando problemas,
e tentou sugar um pouco mais de ar. — Ela pensou que poderia estar grávida.
Jack parou de tocar.
— Ela está?
Um pássaro piou para fora do telhado de zinco. Dean balançou a cabeça.
— Não.
— Parabéns.
Ele enfiou as mãos nos bolsos úmidos em seguida, puxou-os novamente.
— Estes testes de gravidez que as pessoas compram... Você tem to... Talvez você já sabe disso. Você
tem que esperar três minutos para obter os resultados.
— Ok.
— A coisa é... que nesses três minutos, enquanto estava esperando... eu tinha, tinha todos esses pen-
samentos correndo pela minha cabeça.
— Eu acho que é compreensível.
Os passos rangeram quando Dean surgiu na borda da varanda.
— Coisas como eu iria fazer sobre a criação de assistência médica para Blue. Se confiaria em meu
advogado para tratar do apoio à criança ou se deveria ter o meu agente fazendo-o. Como mantê-lo fora dos
jornais. Você sabe o que fazer.
Jack levantou-se e inclinou-se para colocar o violão contra a cadeira.
— A reação de pânico. Lembro-me dos sintomas.
— Sim, bem, quando você teve sua reação de pânico, tinha o quê? Vinte e quatro? Tenho trinta e um.
— Eu tinha vinte e três anos, mas o resultado final é o mesmo. Se você não estivesse planejando se
casar com Blue, você tinha que vir para cima com um plano.
— Não é a mesma coisa. April foi uma loucura. Blue não é. Ela é uma das pessoas mais sãs que co-
nheço. — Ele queria parar lá, mas não conseguiu. — Ela disse que o que tivemos a transformou em mais um
dos meus pequenos segredos sujos.
— As pessoas que não viveram sob os holofotes não entendem.
— Isso foi o que disse. — Ele esfregou o estômago, onde estava queimando. — Mas aqueles três mi-
nutos... tudo o que eu estava pensando. O plano que estava chegando... O advogado, a criança, a pensão.
— Todos os tipos de merda atravessa sua cabeça em um momento como esse. Esqueça isso.
— Como vou dizer isso? Tal pai, tal filho, não é?
Dean sentiu como se tivesse rasgado ao se abrir, mas Jack zombou.
— Não se traga para o meu nível. Eu vi você com Riley. Se Blue estivesse grávida não há nenhuma
maneira que você teria virado as costas para seu filho. Você estaria lá para ele enquanto estivesse crescendo.
Dean deveria deixá-lo ir, mas seus joelhos dobraram e ele se viu sentado no degrau.
— Por que você fez isso, Jack?
— Por que diabos você acha? — Jack irritou com escárnio. — Eu poderia revestir de doçura para vo-
cê, mas a linha de fundo é que eu não sabia como lidar com April, e não queria ser incomodado com você.
Eu era uma estrela do rock. Um ícone americano. Muito ocupado dando entrevistas e deixando todo mundo
beijar minha bunda. Eu teria que crescer para ser um pai, e onde estava a diversão nisso?
Dean deixou cair as mãos entre os joelhos e pegou a descamação da pintura no degrau.
— Mas isso mudou, não é?
— Nunca mais.
Ele chegou a seus pés.
— Não me venha com tretas. Eu me lembro daquelas confraternizações pai e filho quando eu tinha
quatorze anos, quinze anos. Você estava tentando descobrir como compensar todos aqueles anos perdidos e
me cuspir no seu olho.
Jack pegou o violão.
— Olha, eu estou trabalhando em uma música aqui. Só porque você finalmente decidiu que quer de-
senterrar lixo velho não significa que tenho que pegar uma pá, também.
— Apenas me diga isso. Se você tivesse que fazer tudo de novo...
— Eu não posso fazê-lo mais, melhor deixá-lo ir.
— Mas se você pudesse...
— Se eu tivesse que fazer de novo, teria te levado para longe dela, — ele disse ferozmente. — Como
é isso? E uma vez que tivesse você, descobriria como ser um pai. Felizmente para você, isso não aconteceu
porque, de onde vejo, você saiu muito bem em seu próprio país. Qualquer homem ficaria orgulhoso de tê-lo
como filho. Agora, você está satisfeito ou temos que dar a porra do abraço?
Os nós no estômago do Dean finalmente relaxaram. Ele poderia voltar a respirar.
Jack largou o violão para o seu lado.
— Você não pode fazer as pazes comigo até você fazer as pazes com sua mãe. Ela merece isso.
Dean arrancou o dedo do pé enlameado do tênis contra o piso da escada.
— Não é assim tão fácil.
— É mais fácil do que segurar tanta dor.
Dean virou-se e voltou para sua caminhonete.
***
Ele deixou seus tênis enlameados e meias na varanda. Como de costume, ninguém se lembrara de
trancar a porta da frente. No interior, a casa estava fresca e silenciosa. Uma cesta no foyer tinha seus sapa-
tos. Suas capas penduradas no cabide. Junto à bandeja de latão onde ele jogou as chaves tinha uma fotogra-
fia de quando ele tinha oito ou nove. O peito nu magro, joelhos ossudos saindo de sua bermuda, um capacete
de futebol envolvendo sua cabeça pequena. April tinha tirado em um verão, quando eles tinham vivido em
Venice Beach. Suas fotografias de infância tinha aparecido por toda a casa, fotos que ele nem se lembrava.
Ontem à noite, Riley tentou arrastá-lo para ver os murais de Blue, mas ele queria vê-los pela primeira
vez com Blue, e se recusou. Agora, se afastou da sala de jantar sem olhar para dentro e entrou na sala de es-
tar. Os sofás profundos eram um ajuste perfeito para o seu longo quadro, e a televisão tinha sido posicionada
para que pudesse assistir os filmes dos jogos sem luz refletindo na tela. As chapas de vidro cortadas preci-
samente protegiam a mesa de centro de madeira. Gavetas guardavam tudo o que ele poderia precisar: livros,
controles remotos, cortadores de unha. No andar de cima, nenhuma das camas tinha pedaleiras, e os conta-
dores de banho eram maiores do que o normal. Os chuveiros eram espaçosos e os toalheiros extra longos
tinham toalhas de banho de grandes dimensões, que ele preferia. April tinha feito tudo.
Os ecos de seus soluços bêbados sussurrou em seus ouvidos.
Não fique com raiva de mim, baby. Vai ficar melhor. Eu prometo. Diga-me que você me ama, baby.
Se você me disser que me ama, prometo que não vou beber mais.
A mulher que tinha tentado sufocá-lo com a sua torcida, amor errático nunca poderia ter criado este
oásis que se tornou sua casa.
Hoje tinha sido demais. Ele precisava de tempo para chegar a um acordo com todos esses sentimen-
tos confusos, exceto que ele teve anos, e que bem se tivesse feito? Através das portas francesas, viu April
entrar no patamar da tela do lado de fora. Ele e Jack que haviam construído a varanda, mas ela planejou o
teto alto, as janelas em arco, o piso de ardósia que era legal, mesmo nos dias mais quentes.
April apoiou os calcanhares das mãos em suas costas para arrefecer a partir de seu treinamento. Seu
corpo brilhava com o suor. Ela usava shorts pretos, um top para corrida azul brilhante, puxou o cabelo em
um rabo de cavalo trançado muito mais elegante do que o arranjo aleatório de Blue.
Dean precisava entrar no chuveiro. Precisava ficar sozinho. Precisava contar para Blue que entendeu
tudo. Em vez disso, ele empurrou a alça sobre as portas francesas e calmamente saiu para a varanda.
A temperatura já havia atingido uns vinte e seis graus, mas as telhas eram legais contra os seus pés
descalços. April estava de costas para ele. Dean moveu as cadeiras na noite passada quando ele regada a va-
randa, e ela estava empurrando-as para debaixo da mesa novamente. Ele caminhou até o leitor de CD que
estava em um rack de ferro forjado preto. Dean não se preocupou em verificar qual dos álbuns de April esta-
va no tocador. Se ele pertencia a sua mãe, estaria certo. Ele apertou o botão.
April girou quando a música soou do aparelho. Seus lábios se separaram em surpresa. Ela pegou em
sua aparência barrenta e começou a dizer algo, mas ele falou primeiro.
— Você quer dançar?
Ela olhou para ele. Segundos agonizantes passavam. Ele não conseguia pensar em mais nada para di-
zer, então ele começou a mover-se para a batida. Seus pés, quadril, ombros. Ela ficou congelada. Ele esten-
deu a mão, mas sua mãe, uma mulher que viveu a dançar quando o comum dos mortais só poderiam andar,
sua mãe tinha esquecido como se mover.
— Você pode fazer isso, — ele sussurrou.
April deu uma respiração instável, o som em algum lugar entre um soluço e uma risada. Em seguida,
ela arqueou sua coluna, levantou os braços e entregou-se à música.
Eles dançaram até que o suor escorria de seus corpos. Do rock ao hip-hop, eles mostraram seus mo-
vimentos, cada um tentando superar o outro. Fios de cabelo preso ao pescoço de April, e faixas lamacentas
escorriam de suas pernas nuas sobre as telhas. Enquanto dançavam, ele lembrou que não foi a primeira vez.
Eles dançaram quando ele era criança. Ela puxava-o para longe de jogos de vídeo ou da televisão, às vezes
até mesmo de seu café da manhã se ela tivesse chegado tarde. Tinha esquecido que havia bons momentos
também.
Mesmo no meio de uma música, ela abruptamente parou. Um corvo gritou no silêncio. Eles se volta-
ram para ver uma Riley em pé irritadiça pelo leitor de CD em silêncio, com as mãos no quadril.
— É muito alto!
— Hey, coloque isso de volta, — disse April.
— O que vocês estão fazendo? É hora do almoço, não é hora de dança.
— Qualquer tempo é tempo de dançar, — disse Dean. — O que você acha, April? Devemos deixar a
irmãzinha dançar com a gente?
April enfiou o nariz no ar.
— Eu duvido que ela poderia manter-se.
— Eu posso manter-me, — disse Riley. — Mas quero almoçar. E vocês fedem.
Dean deu April um encolher de ombros.
— Ela não pode manter-se.
Riley franziu a testa em indignação.
— Quem disse?
Dean e April olharam para ela. Riley encarou de volta. Então ela colocou a música de volta, e todos
eles dançaram juntos.

Capítulo Vinte e três

Blue passou o blush destacando suas maçãs do rosto. O rosa suave complementava seu novo batom
brilhante e rímel escuro. Usou um pouco de Kohl esfumado nos olhos. Estava linda.
Grande coisa. Isso era questão de orgulho, não de beleza. Tinha algo a provar a Dean antes de deixar
Garrison.
Quando saiu do banheiro, viu o kit de teste de gravidez vazio no lixo desde a manhã de ontem, de-
pois que Dean a deixou. Ela não estava grávida. Excelente. Muito, muito excelente. Ela não podia ser res-
ponsável por uma criança, não com seu estilo de vida vagabundo. Provavelmente nunca teria um bebê, o que
estava bom. Pelo menos nunca faria uma criança passar por aquilo que ela tinha experimentado. Ainda as-
sim, sentia um novo vazio dentro dela. Só mais uma coisa que tinha que superar.
Se dirigiu para a sala de Nita. A bainha do vestido que tinha comprado para a festa raspando os joe-
lhos. Era amarelo sol com uma bainha de babados e um top corset que fez a maior parte de seu busto. Suas
novas sandálias roxas tinham fitas de cetim amarradas no tornozelo em arcos delicados. Os acentos roxos
brilhantes das sandálias e os brincos de ametista que Dean lhe dera combinavam com a borda alegre e ultra-
feminina do vestido.
Nita estava fazendo uma maquiagem de última hora na frente do espelho. Com sua grande peruca
loira, brincos de diamante chandelier, e túnica pastel, ela parecia um carro alegórico patrocinado por um
bordel sênior dos cidadãos, mas de alguma forma ela conseguiu executá-lo.
— Vamos, Luz do Sol, — Blue disse da porta. — E lembre-se de agir surpresa.
— Tudo o que tenho a fazer é olhar para você, — Nita disse ao olhar Blue da cabeça aos pés.
— Já era tempo, isso é tudo.
— O tempo passou. — Quando Blue se aproximou, Nita estendeu a mão e ajeitou uma mecha do ca-
belo de Blue. — Se você tivesse me escutado, teria deixado Gary cortá-lo assim há muito tempo.
— Se tivesse escutado você, estaria loira.
Nita cheirou.
— Apenas uma sugestão.
Gary estava ansioso para colocar as mãos no cabelo de Blue desde a noite em que se conheceram no
Barn Grill. Uma vez que ele a tinha em sua cadeira, encurtou drasticamente o cumprimento apenas após suas
orelhas, cortou um conjunto de franja que destacava os olhos e cortou um tumulto de camadas curtas, desta
maneira em torno de seu rosto. O corte era muito bonito para o conforto de Blue, mas é necessário a mesma
coisa.
— Você deveria ter se ajeitado para o jogador de futebol desde o início, — disse Nita. — Então, ele
poderia ter levado os dois a sério.
— Ele me leva a sério.
— Você sabe exatamente o que estou falando. Ele poderia se apaixonar por você também. Da mesma
forma que você se apaixonou por ele.
— Eu sou louca por ele, mas não estou apaixonada. Há uma grande diferença. Não me apaixono.
Nita não entendia. Isto era sobre Blue saindo com a cabeça erguida. Ela tinha que ter certeza que De-
an nunca olhou para ela, mesmo com o mais leve toque de piedade.
Blue empurrou a velha para fora. Nita verificou o batom no visor quando Blue saiu da garagem.
— Você deveria ter vergonha de si mesma por deixar que um jogador de futebol a mande para fora
da cidade. Você pertence aqui em Garrison, não em outro lugar.
— Eu não posso fazer uma vida em Garrison.
— Eu já te disse que eu te pago para ficar. Muito mais do que você pode fazer pintando suas imagens
pouco estúpidas.
— Eu gosto de pintar minhas estúpidas pequenas fotos. O que não gosto é viver na servidão.
— Eu sou aquela que vive na servidão, — Nita rebateu, — do jeito que você me manda. Você é tão
teimosa que não vê que está virando as costas para uma oportunidade de ouro. Eu não vou viver para sem-
pre, e você sabe que não tenho ninguém para deixar o meu dinheiro.
— Você é um dos mortos-vivos. Você vai sobreviver a todos nós.
— Faça todas as piadas que quiser, mas tenho uns vale milhões, e cada um deles pode ser seu um dia.
— Eu não quero seus milhões. Se você tivesse um pingo de decência, deixaria tudo para a cidade. O
que quero é ficar longe de Garrison. — Ela freou no sinal vermelho e acabou na Church Street. Estava na
hora certa. — Lembre-se, — disse ela. — Seja gentil.
— Eu trabalhei na Arthur Murray. Eu sei como ser gentil.
— Pensando bem, basta mover os lábios e deixar-me fazer a fala. É mais seguro assim.
Bufo da Nita soou quase como uma risada, e Blue percebeu o quanto ia sentir falta da velha. Com
Nita, Blue podia ser seu próprio mal-humorado.
Assim como era quando estava com Dean.
***
Um balão enfeitava a bandeira arqueando em Church Street. Lia-se “Feliz 73o. aniversário”. Dean
sabia que Nita estava com setenta e seis anos, e ele não tinha nenhuma dúvida Blue estava por trás da fraude.
Cerca de uma centena de pessoas se reuniram obedientemente no parque. Mais balões acenaram com
a brisa, junto com o vermelho, branco e azul que sobraram da celebração da semana passada do quatro de
julho. Um grupo desorganizado de adolescentes em camisetas pretas e delineador em correspondência ter-
minava de tocar uma versão punk rock de “Parabéns”. Riley havia dito a Dean que era a banda de garagem
do sobrinho de Syl, os únicos músicos que concordaram em tocar.
Para a frente do parque, perto de um pequeno jardim de rosas, Nita já tinha começado cortando um
bolo de aniversário do tamanho de um campo verde. Dean tinha perdido os discursos comemorativos, mas a
julgar pela expressão de todos, eles não tinham sido memoráveis. Mais mesas compridas segurando jarros de
soco e chá gelado. Ele viu April e Riley em pé perto da mesa do bolo, conversando com uma mulher em um
vestido amarelo. Alguns dos moradores locais o chamou e ele acenou, mas o tempo todo procurava por
Blue.
Ontem foi um dos piores dias de sua vida. Primeiro o triste encontro com Blue, então sua dolorosa e
libertadora conversa com Jack, e, finalmente, a dança com April. Ele e Abril não tinham falado muito de-
pois, e não havia nenhum “porra do abraço”, como Jack tinha colocado, mas ambas as coisas compreendidas
tinham mudado. Ele não sabia exatamente o que seu novo relacionamento seria, apenas que era hora de
crescer e se familiarizar com a mulher que sua mãe tinha se tornado.
Mais uma vez, ele examinou o parque, mas ainda nada de Blue, o que queria. De alguma forma, tinha
que fazer as coisas direito. Nita levou uma placa para uma cadeira reservada só para ela enquanto Syl e
Penny Winters assumiram a divisão do bolo para a multidão. Nita começou lançar dardos no vocalista da
banda de garagem, que estava fazendo um demente Paul McCartney: “Você diz que é seu aniversário.” Tan-
to Riley e a mulher de vestido amarelo estavam de costas para ele. April apontou para a banda, e Riley fugiu
com ela para chegar mais perto.
Syl o viu quando deixou cair um quadrado de bolo em um prato de papel.
— Venha, Dean. Vamos mais rápido. Blue, arraste-o por aqui. Tenho um pedaço com o nome dele.
Ele olhou ao redor, mas não viu Blue em nenhum lugar. Em seguida, a pequena mulher de vestido
amarelo virou, e ele conseguiu seu primeiro saque da temporada.
— Blue?
Por um momento, ela parecia tão vulnerável quanto a criança que ele a acusou de ser. Em seguida, o
queixo veio à tona.
— Eu sei. Eu sou bonita como o inferno. Faça-me um favor e não vamos falar sobre isso.
Ela era mais do que bonita. April tinha virado Muffet em uma placa de forma. O vestido cabia-lhe
perfeitamente. Era exatamente o comprimento certo e tinha o caimento ideal para a pequena estrutura de
Blue. O corpete agarrava-se a suas curvas, e as sandálias roxas enfatizavam os tornozelos, como acabamen-
to. Imaginou-a assim. E o corte de cabelo fez a maior parte de sua estrutura óssea delicada. Sua maquiagem
era lisonjeira e ultrafeminina. Dean sabia que não iria demorar muito para fazê-la parecer incrível. E ela fez.
Bonita, elegante, sexy. Praticamente indistinguível de todas as outras belas mulheres, elegantes, sensuais que
ele conhecia. Odiava essa sua nova aparência. Queria sua Blue de volta. Quando finalmente conseguiu falar,
a coisa saiu errada.
— Por quê?
— Eu cansei de todo mundo dizendo que você é o mais bonito.
Ele não podia sequer fingir um sorriso. Ele queria enchê-la de volta em suas roupas com buraco de
rato, arremessar as sandálias pouco frágeis para o lixo. Blue era Blue, uma em um milhão. Ela não precisava
de tudo isso. Mas ela se acha que ficou louco, ele deixou escapar que estava, então correu seu polegar ao
longo de sua alça no ombro estreito.
— April sabe das coisas.
— Engraçado. Isso foi o que ela disse quando você me viu. Pensou em juntar nós dois.
— Você fez sozinha?
— Sou uma artista, Boo. Isto é uma outra tela para mim, e não muito interessante. Agora vá bajular
Nita. Até agora, ela evitou esfaquear alguém, mas a noite ainda é uma criança.
— Primeiro, você e eu precisamos conversar. Sobre ontem.
Blue endureceu.
— Eu não posso deixá-la sozinha. Você sabe como ela é.
— Uma hora, e então eu vou pegar você.
Mas Blue já estava se afastando.
April acenou para ele sobre a cabeça de Riley. O tronco familiar de seus antigos ressentimentos se
abriu, mas quando olhou para dentro, só viu poeira. Se ele quisesse, poderia andar até sua mãe apenas para
filmar o touro. Que era exatamente o que ele fez.
April tinha escolhido usar jeans para a celebração, junto com um chapéu de cowboy da palha e um
top abraçando seu corpo que parecia vintage Pucci. Ela assentiu com a cabeça em direção à banda.
— Com muita prática, o baixista pode ser medíocre.
Riley começou a falar ao seu lado.
— Você viu Blue? No começo eu não sabia que era ela. Ela se parece com uma verdadeira adulta e
tudo mais.
— Uma ilusão, — Dean respondeu com firmeza.
— Não, de onde eu estou. — April olhou para ele sob a borda de seu chapéu de cowboy. — E duvido
que os homens que estão tentando chamar sua atenção concordariam. Ela parece alheia, mas nada passa por
nossa Blue.
— Minha Blue, — ouviu-se dizer.
April o olhou com interessante.
— Sua Blue? A mesma mulher que está se preparando para deixar a cidade em dois dias?
— Ela não vai a lugar nenhum.
April parecia preocupada.
— Então você tem seu trabalho cortado a fazer.
Um homem se aproximou com um boné puxado baixo em sua cabeça e óculos aviadores grandes pra-
ta protegendo os olhos. Riley deu um pequeno salto.
— Pai! Pensei que você não viria.
— Eu disse que viria.
— Eu sei, mas...
— Mas eu te decepcionei tantas vezes que você não acreditou em mim. — Ele tinha deixado seus
brincos e pulseiras para trás e vestido discretamente uma camisa verde oliva pálida e short jeans, mas nada
poderia disfarçar esse perfil famoso e uma mulher com um bebê nos braços olhou com curiosidade.
April desenvolveu um súbito interesse na banda. A cabeça de Dean não estava parafusada no lugar o
suficiente agora para descobrir o que estava acontecendo entre eles.
— Não vejo Blue vindo em nossa direção, — perguntou Jack.
— Ela não está incrível? — Riley disse sinceramente. — Ela é a melhor artista. Sabia que Dean não
viu ainda suas pinturas na sala de jantar? Diga a ele, pai. Diga-lhe como elas são lindas.
— Elas são... diferentes.
Blue apareceu antes que Dean pudesse perguntar o que ele queria dizer.
— Uau, disse Jack. — Você é uma mulher.
Blue se atrapalhou do jeito que sempre fazia quando Jack se dirigia a ela diretamente.
— É temporário. Muito incômodo. — Jack sorriu, e Blue virou-se para Riley. — Lamento ser a por-
tadora de más notícias, mas Nita quer você. — Através de um buraco no meio da multidão, Dean viu Nita
acenando furiosamente de sua cadeira. Blue fez uma careta. — Ela vai ter um ataque cardíaco se não se
acalmar. Eu voto que não se apresse com a RCP.
— Blue sempre diz coisas como essa, — confidenciou Riley para o resto deles — mas ela ama a Sra.
Garrison.
— Você andou bebendo outra vez, mocinha? Eu pensei que nós conversamos sobre isso. — Blue
agarrou o braço de Riley e saiu com ela.
— Parece que você está recebendo um comboio, — disse Jack. — É melhor eu sumir.
Quando saiu, o juiz Haskins e Tim Taylor, o diretor da escola, vieram até Dean.
— Hey, Boo. — O juiz não conseguia tirar os olhos de April. — É bom ver você aqui realizando sua
responsabilidade cívica.
— Por mais desagradável que seja, — Tim disse. — Eu tive que desistir do meu quarteto de sábado
de manhã. — Os dois homens olharam para April. Quando ninguém disse nada, Tim estendeu a mão. —
Tim Taylor.
Dean deveria ter visto isso chegando. Desde que April ficou fora de locais como o Barn Grill, não
conhecia nenhum deles. Ela estendeu a mão.
— Oi. Sou Susan...
— Esta é a minha mãe, — disse Dean. — April Robillard.
Os dedos de April contraíram. Ela apertou as mãos de homens, mas por baixo da aba do seu chapéu
de cowboy, seus olhos começaram a encher de lágrimas.
— Sinto muito. Ela acenou com os dedos na frente do rosto. — As alergias sazonais.
A mão de Dean envolveu seu ombro. Ele não tinha planejado fazer isso, não tinha pensado muito à
frente, mas ele sentiu como se tivesse acabado de ganhar o jogo mais importante da temporada.
— Minha mãe está fazendo um trabalho secreto para mim, usando o nome de Susan O'Hara.
Que exigia algumas explicações, as quais Dean criou no local, enquanto April piscava os olhos e fin-
gia uma tosse alérgica. Quando os homens finalmente saíram April virou para ele.
— Não diga uma única coisa sentimental para mim ou vou perdê-lo completamente.
— Tudo bem, — ele disparou de volta. — Vamos pegar um pedaço de bolo.
Obtendo bolo, ele decidiu, evitaria que ele tivesse de fingir sua própria tosse alérgica.
***
April finalmente conseguiu separar-se da multidão. Ela encontrou um local abrigado atrás de uma fi-
leira de arbustos no canto mais distante do parque, sentou-se na grama contra o muro, e deixou-se ter um
bom choro. Tinha seu filho de volta. Eles precisam testar as águas por um tempo, mas ambos eram teimosos,
e tinha fé que ia trabalhar com isso.
À distância, o vocalista da banda de garagem começou um rap de menino branco doloroso. Jack veio
ao virar da esquina do matagal no seu santuário sombrio.
— Faça esse garoto parar, prejudica as crianças inocentes. — Ele fingiu não notar seus olhos verme-
lhos quando ele se sentou ao lado dela.
— Prometa-me que você nunca vai cantar rap, — disse ela.
— Só no chuveiro. Embora...
— Prometa-me!
— Tudo bem. — Ele pegou a mão dela, e ela não tentou tirar fora. — Eu vi você com Dean.
Seus olhos começaram a rasgar tudo de novo.
— Ele me apresentou como sua mãe. Isto foi... muito maravilhoso.
Jack sorriu.
— Será que ele está agora? Estou feliz.
— Espero que algum dia talvez vocês dois...
— Nós estamos trabalhando nisso. — Ele acariciou o centro da palma da mão com o polegar. — Es-
tive pensando sobre sua aversão à encontros de uma noite. Linha de fundo, nós vamos ter encontros como
adultos normais.
— Você quer namorar?
— Eu te disse ontem à noite que me acostumei com relações reais. Preciso de uma base permanente
agora que eu tenho Riley, e que poderia muito bem ser LA. — Ele a tocou com os dedos, enchendo-a com
uma doce dor de tensão. — No entanto, estou contando isso como nosso primeiro encontro. Isso me dá uma
melhor chance de marcar na próxima vez que sair.
— Sutil. — Ela não deve ter sorrido.
— Eu não poderia ser sutil com você, e tentei. — A diversão desapareceu de seus olhos. — Eu quero
você, April. Cada centímetro de você. Eu quero vê-la e tocá-la. Quero provar você. Quero estar dentro de
você. Quero tudo.
Ela finalmente retirou a mão.
— E depois?
— Nós fazemos tudo de novo.
— É por isso que Deus fez groupies, Jack. Pessoalmente, eu gosto um pouco mais de estrutura.
— April...
Ela levantou-se e dirigiu-se para encontrar Riley.
***
Dean finalmente conseguiu achar Blue no meio da multidão e puxá-la ao virar da esquina em um an-
tigo cemitério ao lado da Igreja Batista. Ele a puxou para a sombra do mais impressionante monumento do
cemitério, um pedestal de granito preto lustroso pertencente à Marshall Garrison. Ele podia ver que ela esta-
va nervosa, mas tentando escondê-lo.
— Como todo mundo descobriu que April é sua mãe? — Perguntou. — A cidade inteira está cheia.
— Não vamos falar sobre April. Vamos conversar sobre o que aconteceu ontem.
Blue desviou o olhar.
— Sim, o que é um alívio, não é? Você pode me imaginar com um bebê?
Curiosamente, ele poderia. Blue seria uma ótima mãe, uma protetora feroz como uma parceira cam-
peã. Ele empurrou a imagem de lado.
— Estou falando sobre o seu plano estúpido de deixar a cidade na segunda-feira.
— Por que é estúpido? Ninguém pensa que é estúpido você sair para o acampamento de treinamento
na próxima sexta-feira. Por que é bom para você ir, mas não para mim?
Dean parecia muito com um adulto. Ele queria Muffet de volta.
— Porque nós não terminamos, é por isso, — ele disse, — e não há nenhuma razão para apressar o
fim de algo que nós dois estamos desfrutando.
— Estamos totalmente terminados. Sou uma garota viajante, e é hora de seguir em frente.
— Tudo bem. Você pode me acompanhar quando eu voltar para Chicago. Você vai gostar de lá.
Blue passou a mão sobre o canto do monumento de Marshall.
— Muito frio no outono.
— Não tem problema. Ambos os meus lugares têm lareiras e fornos que funcionam muito bem. Você
pode mudar-se.
Dean não sabia qual deles estava mais surpreso por suas palavras. Blue ficou completamente imóvel,
e, em seguida, seus brincos de vidro roxo empurraram em seus cachos escuros.
— Você quer que eu more com você?
— Por que não?
— Você quer que vivamos juntos?
Dean nunca quis viver com uma mulher, mas o pensamento de compartilhar seu espaço com Blue o
fez sentir-se muito bem.
— Claro. Qual é o problema?
— Dois dias atrás você não me apresentou aos seus amigos. Agora você quer que vivamos juntos?
Blue não parecia tão difícil como sempre. Talvez fosse o vestido ou os cachos suaves emoldurando
seu rosto. Ou poderia ser a angústia que vislumbrou em seus olhos. Ele colocou uma mecha de cabelo atrás
da orelha.
— Dois dias atrás estava confuso. Agora não estou mais.
Ela se afastou.
— Entendo. Finalmente pareço respeitável o suficiente para você me mostrar em público.
Dean se mostrou indignado.
— Como é que você parece não tem nada a ver com isso.
— Apenas uma coincidência? — Ela o olhou diretamente nos olhos. — Isso é um pouco difícil de
acreditar.
— Que tipo de idiota você acha que sou? — Dean falou rapidamente antes de deixa-la responder. —
Quero te apresentar Chicago, isso é tudo. E quero uma chance de pensar sobre onde estamos, sem um reló-
gio.
— Espere um pouco. Eu sou a pensadora, lembra? Você é o único que está em corredores de lojas de
departamento e as mãos para amostras de perfume.
— Pare com isso! Pare de tentar desviar tudo que é importante com uma piada.
— Olha quem está falando.
Suas táticas atuais não estavam ajudando, Dean sentia que estava perdendo a calma, então ele cha-
mou um audível.
— Nós também temos alguns negócios para cuidar. Eu paguei por esses murais, mas não aprovei
ainda.
Blue esfregou sua têmpora.
— Eu sabia que ia odiar. Eu te avisei.
— Como eu poderia odiá-los? Eu não os vi.
Ela piscou.
— Tirei o plástico das portas há dois dias.
— Eu não olhei. Você deveria me mostrar, lembra? Isso foi parte do nosso negócio. Pois o que eu te-
nho investido nessas paredes, eu mereço vê-los pela primeira vez com a artista que os pintou.
— Você está tentando me manipular.
— Negócios são negócios, Blue. Aprenda a distinguir.
— Tudo bem, — ela retrucou. — Vou deixar para amanhã.
— Hoje à noite. Eu esperei por muito tempo.
— Você precisa vê-los à luz do dia.
— Por quê? — Perguntou. — Vou usar a sala durante a noite, sobretudo no jantar.
Afastou-se do monumento, a partir dele, e se dirigiu para o portão.
— Tenho que levar Nita para casa. Não tenho tempo para isso.
— Vou buscá-la às oito.
—Vou dirigindo. — Seus babados chicotearam os joelhos quando ela deixou o cemitério.
Ele ficou em torno das lápides por um tempo, tentando juntar os pensamentos. Dean ofereceu algo
que nunca ofereceu a outra mulher, e ela não quis, como se não significasse nada. Ela continuou tentando
jogar como um quarterback, mas ela era uma líder ruim. Não só ela não sabia como olhar para a equipe, ela
não conseguia nem olhar para si mesma. De alguma forma, Dean tinha que mudar isso, e não tinha muito
tempo.
***
Riley despejou uma carga de pratos de papel no lixo e voltou a sentar-se ao lado da Sra. Garrison.
Um monte de pessoas estavam indo embora, mas tinha sido um bom tempo, e a Sra. Garrison tinha sido
muito educada com todos. Riley sabia que ela estava feliz que tantas pessoas tinham aparecido, e falou:
— Você notou quão bom todos tem sido para você hoje? — Disse ela, só para ter certeza.
— Eles sabem onde aperta seus calos.
Sra. Garrison tinha batom nos dentes, mas Riley tinha algo em sua mente, e não contou a ela sobre
isso.
— Blue explicou-me sobre o que está acontecendo na cidade. Esta é a América, e eu acho que você
deveria deixar as pessoas fazerem o que quiserem com suas lojas e tudo mais. — Fez uma pausa. — Eu
também acho que você deveria começar a dar aulas de balé grátis para as crianças que não podem pagar.
— Lições de balé? Quem vem? Todas as crianças só se preocupam hoje em dia com hip-hop.
— Algumas delas gostam de balé também. — Ela conheceu duas meninas do ensino médio hoje que
eram legais, e que tinham lhe dado a ideia.
— Você tem um monte de opiniões sobre o que deveria fazer, mas o que sobre o que eu quero que
você faça? É meu aniversário, e eu só pedi uma coisa.
Riley desejou que ela nunca tocasse no assunto.
— Eu não posso cantar em público, — disse ela. — Meu violão não é bom o suficiente.
— Bobagem. Eu te dei todas as aulas de balé, e você não vai fazer uma pequena coisa para mim.
— Não é pouco!
— Você canta melhor do que qualquer um desses nessa banda. Eu nunca ouvi tanto barulho em toda
a minha vida.
— Eu vou cantar para você de volta em sua casa. Apenas nós duas.
— Você acha que eu não estava com medo a primeira vez que dancei em público? Eu estava tão as-
sustada que quase desmaiei. Mas não deixei isso me parar.
— Eu não tenho meu violão.
— Eles têm guitarras. Ela apontou a bengala para a banda.
— Elas são elétricas.
— Uma não é.
Riley pensou que Nita não havia notado o violão acústico do líder da banda quando tentaram cantar
do Green Day “Time of Your Life”.
— Eu não posso emprestar o violão de outra pessoa. Eles não me deixarão.
— Nós vamos ver isso.
Para horror de Riley, Nita empurrou-se do banco e arrastou para a banda. Menos da metade da multi-
dão foi embora, principalmente as famílias deixando seus filhos brincar e alguns adolescentes. Dean entrou
pela entrada lateral do parque, e ela correu pela grama para chegar até ele.
— Sra. Garrison está tentando me fazer cantar. Ela diz que é o seu presente de aniversário.
Dean não fez como a Sra. Garrison, e ela esperou que ele ficasse bravo, mas ele parecia estar pen-
sando em outra coisa.
— Você vai fazer isso?
— Não! Você sabe que eu não posso. Muitas pessoas ainda estão por aí.
Dean olhou por cima da cabeça, como se estivesse tentando encontrar alguém.
— Não muitas.
— Eu não posso cantar na frente das pessoas.
— Você canta para mim e para a Sra. Garrison.
— Isso é diferente. Isso era privado. Eu não posso cantar na frente de estranhos.
Finalmente, ele parecia estar prestando atenção nela.
— Você não pode cantar na frente de estranhos, ou não vai cantar na frente de Jack?
Quando ela explicou como se sentia, o fez prometer nunca mais dizer nada sobre isso. Agora ele es-
tava usando contra ela.
— Você não entende.
— Eu entendo. — Ele passou o braço em volta dos ombros. — Desculpe, Riley. Você vai ter que
descobrir isso por si mesma.
— Se tivesse a minha idade, você não iria cantar.
— Eu não posso cantar como você.
— Você canta muito bem.
— Jack tentou, — disse ele. — Se você cantar, isso não vai mudar a maneira como ele se sente sobre
você.
— Você não sabe disso.
— Nem você. Talvez seja a hora de descobrir com certeza.
— Eu já sei com certeza.
Seu sorriso parecia um pouco falso, e ela pensou que poderia ser uma espécie de decepção com ela.
— Tudo bem, — disse ele. — Deixe-me ver se eu posso pegar a bruxa velha para deixá-la sozinha.
Enquanto se dirigia para falar com a Sra. Garrison, Riley começou a sentir tonturas. Nos velhos tem-
pos, antes de vir para a fazenda, sempre tinha que manter-se por si mesma, mas agora Dean estava indo por
ela, assim como ele tinha quando seu pai queria levá-la de volta para Nashville. E ele não era o único. April
e Blue levantaram-se para ela em torno da Sra. Garrison, mesmo que não precisasse delas. E o pai dela tinha
corrido por ela na noite em que tinha pensado que Dean foi atrás dela.
Sra. Garrison estava conversando com o guitarrista quando Dean chegou a seu lado. Riley mordeu a
unha. Seu pai estava em pé ao lado da cerca, mas ela tinha visto um casal de pessoas olhá-lo engraçado.
April foi ajudar a limpar, e Blue tinha acabado de terminar de guardar uma sobra do bolo de aniversário para
a Sra. Garrison levar para casa. Sra. Garrison disse que se as pessoas continuassem a comandar sua luz, a
vela se apagaria, e Riley iria murchar em um ninguém se ela não começasse a ser fiel a si mesma.
Suas axilas estavam molhadas, e ela sentiu vontade de vomitar. E se ela começasse a cantar, e fosse
uma porcaria totalmente? Ela olhou para o pai dela. Pior ainda, e se ela não for ruim, afinal?
Jack endireitou-se quando viu sua filha caminhar em direção microfone da banda, um violão em seus
braços. Mesmo do outro lado do parque, ele podia ver como Riley estava assustada. Ela iria realmente can-
tar?
— Meu nome é Riley, — sussurrou ao microfone.
Riley parecia pequena e indefesa. Jack não sabia por que ela estava fazendo isso, só não iria deixá-la
se machucar. Ele começou a se mover, mas ela já tinha começado a tocar. Ninguém se preocupou em ligar o
acústico em um amplificador e, em um primeiro momento, a multidão ignorou. Mas Jack podia ouvir, e
mesmo que a introdução era quase inaudível, ele reconheceu “Why Not Smile?” O boca do estômago con-
traiu quando Riley começou a cantar.
“Você se lembra quando éramos jovens,
E cada sonho parecia como o primeiro?”

Jack não se importava com seu disfarce. Tinha que chegar até Riley. Esta não era uma canção para
uma garota de onze anos de idade, e ele não a deixaria envergonhada.
“Eu não espero que você entenda
Com tudo o que você já viu.
Eu não estou pedindo por isso.”

Sua voz eram suave e melodiosa, um contraste tão marcante quando plugaram a chave da banda e a
multidão começou a cair em silêncio. Ela seria esmagada se eles rissem. Apressou seus passos só para ter
April aparecendo ao seu lado e estendendo a mão para detê-lo.
— Ouça, Jack. Ouça.
Ele fez.
“Eu sei que a vida é cruel.
Você sabe disso melhor do que eu.”

Riley errou uma mudança de acorde, mas sua voz não vacilou.
“Baby, por que não sorrir?
Baby, por que não sorrir?
Baby, por que não sorrir?”

A multidão tinha ficado em silêncio, e a zomba adolescente dos membros da banda desapareceu. Ou-
vir uma menina cantar essas palavras adultas deveria ser engraçado, mas ninguém riu. Quando Jack cantava
“Why Not Smile?”, Ele transformava-o em uma raiva, uma agressão, um confronto. Riley era um gosto vo-
cal puro.
Riley terminou a música com acorde em F ao invés de C. Estava tão concentrada nas mudanças de
acordes que não tinha feito contato visual com a multidão, e parecia assustada quando eles começaram a
aplaudir. Ele esperou que ela fugisse. Em vez disso, ela se aproximou do microfone e disse baixinho:
— Essa música é para minha amiga, a Sra. Garrison.
Pessoas na plateia começaram a gritar por mais. Dean sorriu, e assim o fez Blue. Riley prendeu a pa-
lheta entre os lábios e voltou. Sem se importar com direitos autorais ou o sigilo que sempre acompanhou o
lançamento de uma nova música Patriot, Riley entrou em “Cry Like I Do”, uma das músicas que ele estava
trabalhando na casa de campo. Ele não poderia ter estado mais orgulhoso. No final, a multidão aplaudiu, e
ela foi para as Moffatts “Down and Dirty”. Ele percebeu que suas escolhas de músicas foram baseadas mais
em se ela pensou que poderia controlar as mudanças de acordes do que a música em si. Desta vez, quando
ela terminou, ela disse um simples obrigada e entregou o violão, ignorando a demanda do público para um
bis. Como qualquer grande artista, ela era inteligente o suficiente para sair, enquanto eles queriam mais.
Dean chegou a ela primeiro e prendeu-a em seu lado quando as pessoas se reuniram para cumprimen-
tá-la. Riley esperava por alguma demonstração de crítica. Sra. Garrison parecia tão presunçosa, como se ti-
vesse sido a única a fazê-la cantar. Blue não conseguia parar de rir tão radiante e April continuou rindo.
Riley não olhava para ele. Lembrou-se do e-mail que ele enviou a Dean, quando ele estava tentando
entender por que ela era tão sigilosa sobre seu canto.
Descubra por si mesmo, Dean tinha dito.
Na época, Jack pensou que Riley temesse que ele não a amaria se ela não cantasse bem o suficiente,
mas entendia sua filha melhor agora. Ela sabia exatamente o quão boa era em cantar, e ela queria algo total-
mente diferente.
À medida em que a multidão começou a se afastar, mais pessoas abertamente olharam para ele. Al-
guém tirou uma foto dele. Uma mulher de meia-idade, olhou com arestas para ele.
— E, desculpe-me, mas... Você não é Jack Patriot?
Dean tinha visto isso se desdobrando, e ele imediatamente apareceu ao seu lado.
— Que tal lhe dar uma pausa?
A mulher corou.
— Não posso acreditar que é ele. Aqui em Garrison. O que você está fazendo aqui, Sr. Patriot?
— É uma cidade agradável. Ele olhou além dela para ver Nita e Blue cuidando de Riley.
— Jack é um amigo meu. Ele está hospedado na minha fazenda, — disse Dean. — Eu sei que a coisa
que ele mais gosta em Garrison é ter um pouco de privacidade.
— Claro, eu entendo.
De alguma forma, Dean conseguiu manter o resto dos curiosos longe. Blue e April conduziram Nita
para seu carro. Dean cutucou Riley para seu pai e depois desapareceu, deixando-a sem escolha a não ser se
aproximar. Ela parecia tão ansiosa que o coração de Jack doía. E se estivesse errado sobre isso? Mas ele não
tinha tempo para a adivinhar. Deu-lhe um rápido beijo no topo de sua cabeça. Ela cheirava a bolo de aniver-
sário.
— Você estava ótima lá em cima, — disse ele. — Mas eu quero uma filha, não um astro do rock ado-
lescente.
Sua cabeça disparou. Ele prendeu a respiração. Os olhos dela se transformaram em poças de descren-
ça.
— Sério? — Disse ela em uma única exalação longa.
Jack tinha chegado tão longe com ela neste verão, e o menor passo em falso poderia acabar com tudo
isso.
— Não estou dizendo que não quero que cante, que é inteiramente com você, mas você precisa man-
ter a cabeça clara sobre isso. Você tem uma voz incrível, mas seus verdadeiros amigos são as pessoas que te
amariam mesmo se não pudesse cantar uma nota. — Ele fez uma pausa. — Como eu.
Seus olhos castanhos escuros, tão parecidos com os dele, se arregalaram.
— Dean e April também, — disse ele. — E Blue. Até mesmo Sra. Garrison. — Ele estava colocan-
do-o em espessura, mas ele precisava para ter certeza que ela entendia. — Você não tem que cantar para ga-
nhar a amizade de ninguém. Ou seu amor.
— Você sabe, — ela sussurrou.
Jack fingiu entender mal.
— Estive no negócio de um monte de anos. Eu praticamente vi tudo.
Agora ela estava ficando preocupada.
— Mas ainda posso cantar para as pessoas, não posso? Depois que eu não for tão ruim no violão.
— Só se você quiser. E somente se você não deixar de ser quem é apenas por que julgam a sua voz.
— Eu prometo.
Ele colocou seu braço ao redor dela e a puxou para perto.
— Eu amo você, Riley.
Seu rosto caiu contra seu peito.
— Eu também te amo, papai.
Foi a primeira vez que ela disse as palavras.
Eles caminharam em direção ao carro com os braços em torno de si. Pouco antes de chegarem lá, ela
disse, — Nós poderíamos falar sobre o meu futuro? Não é o canto, mas a escola e onde vou viver e tudo is-
so.
Logo em seguida, ele sabia exatamente como estava indo lidar com isso.
— Tarde demais, — disse ele. — Já decidi sobre isso.
O velho olhar cauteloso surgiu em Riley.
— Isso não é justo.
— Eu sou o pai, e tomo as decisões. Odeio ser o único a quebrar a má notícia, estrela bebê, mas você
não está indo em qualquer lugar perto de tia Gayle e Trinity, não importa o quanto queira.
— Sério? — A palavra saiu como um suspiro suave.
— Eu não tenho os detalhes trabalhados, mas estamos indo para Los Angeles juntos. Nós vamos en-
contrar uma boa escola para você lá. Não um internato, também. Eu quero você por perto onde possa manter
o meu olho em você. Vamos contratar uma empregada para nós, assim você vai ter alguém para lhe fazer
companhia quando eu tiver que viajar. Você vai começar a ver April às vezes, ainda estou trabalhando nessa
parte. O que você acha?
— Eu acho, acho que é a melhor coisa do mundo!
— Assim como eu.
Quando ele subiu no carro dele, sorriu para si mesmo. O rock and roll pode mantê-lo jovem, mas ha-
via algo a ser dito por finalmente crescer.

Capítulo Vinte e quatro

Blue chegou à fazenda uma hora atrasada. Trocara o vestido amarelo desta tarde por uma regata
branca e shorts cáqui, sendo que ambos realmente se encaixavam nela. Dean esperava que Jack e Riley fi-
cassem longe como deveriam.
— Eu não quero fazer isso, — Blue disse ao entrar no foyer.
Dean resistiu a beija-la e fechou a porta frontal.
— Meu conselho é para acabar com isso rápido. Vá para a sala de jantar na minha frente e ligue to-
das as luzes assim eu conseguiu o efeito em cheio logo que entrar.
Ele não conseguia até mesmo a sombra de um sorriso dela. Era estranho ver Blue tão desfeita.
— Você está certo. — Ela e suas novas sandálias roxas passaram por ele na sala de jantar. Ele queria
lançar os sapatos no lixo e fazê-la usar aquelas feias botas de motociclista preta. As luzes da sala de jantar
prosseguiram. — Você vai odiá-los, — disse ao entrar.
— Eu acho que você mencionou isso antes. — Ele sorriu. — Talvez devesse ficar bêbado pela pri-
meira vez. — Ele andou em torno do canto e na sala de jantar. Seu sorriso desapareceu.
Dean estava preparado para um monte de coisas, mas não para o que viu. Blue criara uma clareira na
floresta de neblina e fantasia. Palhas de luz creme pálidas espiavam através das folhas das árvores diáfanas.
Um balanço feito de trepadeiras floridas balançava de um ramo curvo. Flores nunca vistas na natureza cres-
ceram em um tapete brilhante em torno de uma caravana cigana empoleirada ao lado de uma lagoa de fanta-
sia. Ele não conseguia pensar em uma coisa a dizer. Exceto a coisa errada.
— Isso é uma fada?
— A... Apenas uma pequena. — Ela observou a pequena criatura olhando para baixo, para eles de
cima da janela da frente. Em seguida, escondeu o rosto entre as mãos. — Eu sei! É horrível! Eu nunca deve-
ria ter feito isso, mas meu pincel tomou conta de mim. Eu não deveria tê-la pintado. E... os outros também.
— Há mais?
— É preciso algum tempo para vê-los todos. — Ela caiu em uma cadeira entre as janelas e falou com
uma voz pequena e aflita. — Eu sinto muito. Não tive a intenção de fazê-lo. Esta é uma sala de jantar. Estes
murais pertencem a um quarto de criança ou de um pré-adolescente. Mas as paredes eram tão perfeitas, e a
luz era excelente, e eu não sabia o quanto queria pintar assim.
Dean não conseguia levá-la dentro, onde quer que olhasse via algo novo. Um pássaro com uma cesta
em seu bico voava através do céu. Um arco-íris arqueado perto do batente da porta, e uma nuvem com o ros-
to de uma velha com bochechas de maçã olhava para baixo sobre a caravana cigana. Na parede mais longa,
um unicórnio mergulhava o focinho na água na borda da lagoa. Não é à toa Riley amava esses murais tanto.
E não admirava April parecer preocupada quando ele perguntou a ela sobre o mural. Como poderia sua difí-
cil Blue língua de navalha ter criado algo tão suave, tão mágico?
Porque ela não era difícil em tudo. A resistência de Blue era apenas a armadura que ela tinha feito em
torno de si para protegê-la ao longo da vida. Lá dentro, ela era tão frágil como as gotas de orvalho que tinha
pintado em um pulverizador de sinos florais.
Seus dedos mexiam em seus cachos quando ela deixou cair a testa nas mãos.
— Eles são terríveis. Eu sabia que estavam errados enquanto estava pintando, mas não conseguia pa-
rar. Era como se algo se soltasse dentro de mim, e tudo isso criasse vida própria. Vou devolver o cheque, e
se você me der alguns meses, eu vou reembolsá-lo para o que custar para ter o quarto repintado.
Dean se ajoelhou na frente dela e tirou as mãos do rosto.
— Ninguém vai repintar nada, — disse ele olhando-a nos olhos. — Eu amei.
E eu te amo.
O conhecimento passou por Dean tão facilmente como uma lufada de ar. Ele tinha encontrado o seu
destino quando parou naquela estrada fora de Denver. Blue o desafiou, fascinando-o, ela nunca o adulou. Ela
também o entendeu, e ele a entendia. Estes murais o deixaram ver a sonhadora dentro dela, a mulher que es-
tava determinada a fugir dele na segunda-feira de manhã.
— Você não tem que fingir, — disse ela. — Eu já lhe disse o quanto odeio quando você é legal. Se
os seus amigos virem este...
— Quando os meus amigos virem não vou ter que me preocupar com quaisquer atrasos na conversa
do jantar, isso é certo.
— Eles vão pensar que você perdeu sua mente.
Não depois de conhecê-la.
Olhando tão grave como ele já tinha visto, ela enfiou a mão em seu cabelo.
— Você tem um senso de estilo impecável, Dean. Esta casa é masculina. Tudo nela é. Você sabe o
quão errado esses murais são.
— Eles estão completamente errados. E incrivelmente bonitos. Assim como você. Eu já te disse o
quão incrível você é?
Blue procurou seu rosto. Ela sempre foi capaz de ver através dele, e sua expressão gradualmente vol-
tou-se para perguntar.
— Você realmente gosta deles, não é? Você não está apenas dizendo isso para ser gentil.
— Eu nunca mentiria para você sobre algo importante. Eles são maravilhosos. Você é maravilhosa.
Ele começou a beijar-lhe os cantos dos olhos, a curva de sua bochecha, a curva na parte superior do
lábio. A sala lançava um feitiço sobre eles, e logo ela estava em seus braços. Ele pegou-a e levou-a para fo-
ra, passando de um mundo mágico para outro, o paraíso da caravana cigana. De acordo com as vinhas e flo-
res pintadas fantasiosas, eles fizeram amor. Silenciosamente. Ternamente. Perfeitamente. Blue foi finalmen-
te sua.
***
O travesseiro vazio ao lado dele na manhã seguinte era sua própria culpa por não ficar em torno de
ordenar um banheiro portátil. Ele vestiu sua bermuda e camiseta. Seria melhor ela estar tomando café. Ele
pretendia sentar-se na varanda com ela, beber o pote inteiro e falar sobre o resto de suas vidas. Mas quando
atravessou o pátio, viu que o Corvette vermelho não estava mais lá. Dean correu para dentro e foi recebido
por um telefone tocando.
— Venha aqui agora! — Nita exclamou quando ele respondeu. — Blue está indo embora.
— O que você está falando?
— Ela nos enganou dizendo que estava indo na segunda-feira. Todo o tempo, ela planejava escapar
hoje. Chauncey Crole foi com ela pegar o carro alugado, e ela está indo em direção à garagem agora para
carregá-lo. Eu sabia que algo não estava certo. Ela foi...
Dean não esperou para ouvir o resto.
Quinze minutos depois, ele chegou ao beco atrás da casa de Nita e derrapou até parar ao lado das la-
tas de lixo. Blue ficou ao lado do porta-malas aberto de um Corolla último modelo. Apesar do calor, usava
uma camisa preta, jeans e botas de motociclista. Ele não teria sido surpreendido ao ver um colar de couro
cravado em seu pescoço. A única coisa suave sobre ela era aquele corte de cabelo fofo. Ele saltou para fora
do caminhão.
— Obrigado por nada.
Blue deixou cair uma caixa de suprimentos de pintura para dentro. O banco de trás já estava carrega-
do.
— Já tive minha cota de despedidas quando era criança, — disse ela friamente. — Não me coloco
nisso. Aliás, vai ficar feliz em saber que estou no meu período.
Dean nunca machucaria uma mulher em sua vida, mas ele queria sacudi-la até que seus dentes bates-
sem.
— Você é louca, sabia disso? — Ele andou até ela. — Eu te amo!
— Sim, sim, eu também te amo. — Ela jogou sua mochila.
— Eu quero dizer isso, Blue. Nós pertencemos um ao outro. Eu deveria ter lhe contado como me
sentia ontem à noite, mas você é tão malditamente arisca que queria trabalhar até que não te assustasse tanto.
Blue plantou uma mão no quadril, tentando parecer espertona, mas não o convencendo.
— Caia na real. Você não me ama.
— É tão difícil de acreditar?
— Sim. Você é Dean Robillard, e eu sou Blue Bailey. Você usa grifes, e eu sou feliz com as roupas
da Wal-Mart. Sou uma vagabunda, e você tem uma carreira que ilumina o céu. Você precisa ouvir mais? —
Ela bateu a tampa da mala fechada.
— Isso é uma porcaria superficial.
— Dificilmente. — Ela puxou um par de óculos escuros baratos da bolsa e colocou. Sua arrogância
desapareceu, e seu lábio inferior tremeu. — Você teve sua vida virada do avesso neste verão, Boo, e fui a
menina que veio ajudá-lo a passar por isso. Eu amei cada minuto destas últimas sete semanas, mas não era
vida real. Estive vivendo como Alice em seu País das Maravilhas.
Dean odiava se sentir impotente e partiu para o ataque.
— Acredite em mim, eu sei a diferença entre realidade e fantasia melhor do que você, a julgar pela
minha sala de jantar. Você ainda não descobriu quão malditamente talentosa você é!
— Obrigada.
— Você me ama, Blue.
Seu queixo se projetava para a frente.
— Eu sou louca por você, mas não apaixonada.
— Sim, você é apaixonada. Mas você não tem coragem de vê-lo. A verdade é que Blue Bailey per-
deu a coragem de anos atrás.
Dean esperou pelo contra-ataque, mas Blue abaixou a cabeça e esfregou a ponta da bota no cascalho.
— Sou realista. Um dia você vai me agradecer.
Toda a sua insolência e arrogância haviam desaparecido. Sua força tinha sido um ato. Ela estava den-
tro de um falso estado macio, cheia de dor e medo. Ele se esforçou para obter a calma de volta, mas não
conseguiu.
— Eu não posso fazer isso por você, Blue. Você quer ter a coragem de assumir um risco ou não.
— Eu sinto muito.
— Se você me deixar, eu não vou atrás de você.
— Eu entendo.
Dean não podia acreditar que ela estava fazendo isso. Mesmo enquanto a observava subir no carro,
ele esperou por ela encontrar sua coragem. Mas o motor virou. Um cachorro latiu à distância. Blue se afas-
tou para o beco. Uma abelha zumbia por ele em direção a um posto de malvas, e ela se afastou. Dean espe-
rou que ela parasse. virasse. Ela não fez.
A porta dos fundos bateu e Nita desceu os degraus, sua túnica batendo aberta sobre uma camisola
vermelha. Dean pulou em seu caminhão antes que ela pudesse chegar até ele. Algo impensável puxou as
bordas de seu cérebro. Ele tentou afastá-lo, mas quando correu para o beco, só ganhou força. E se Blue lhe
dissera a verdade? E se só ele fosse quem se apaixonou?
***
Seria verdade? Blue perguntou-se enquanto dirigia através da Church Street pela última vez. Ela era
uma covarde? Ela tirou os óculos e enxugou os olhos com as costas da mão. Dean acreditava que a amava,
ou ele nunca teria dito as palavras. Mas as pessoas tinham dito que a amavam antes, e cada um deles a aban-
donou. Dean não seria diferente. Homens como ele não foram feitos para mulheres como ela.
Sabia desde o início deste caso que iria colocar-se em perigo, mas mesmo se tivesse lutado para man-
ter suas emoções sob controle, ela havia lhe dado seu coração. Talvez um dia, suas palavras de amor seriam
uma doce memória, mas agora elas eram uma faca enferrujada torcendo em seu coração.
As lágrimas rolaram em suas bochechas. Ela não conseguia sacudir as suas palavras pejorativas. A
verdade é que Blue Bailey perdeu a coragem de anos atrás.
Ele não entendia. Independentemente do quanto Blue tentasse, nunca ninguém a amava o suficiente
para mantê-la por perto. Ninguém.
Blue prendeu a respiração. A placa demarcando o limite de cidade brilhou. Remexeu em sua bolsa
por um lenço de papel. Quando assoou o nariz, deu uma olhada profunda dentro de si e viu uma mulher que
estava deixando o medo ditar o rumo de sua vida.
Pisou no acelerador. Não podia deixar a cidade desse jeito. Dean não era um tolo. Ele nunca deu seu
coração a ninguém. Ela estava realmente machucada demais para reconhecer o amor, ou era simplesmente
realista?
Procurou na estrada um lugar para virar, mas antes que pudesse encontrar um, ouviu a sirene.
Uma hora depois, Blue estava na delegacia conversando com o chefe de polícia, Byron Wesley.
— Eu não roubei seu colar de diamantes, — disse ela pelo o que parecia ser a centésima vez. — Nita
o colocou na minha bolsa.
O chefe virou a cabeça para a televisão, que foi ajustada para Meet the Press.
— Agora, por que ela faria isso?
— Para me manter em Garrison. Eu te disse. — Ela bateu com o punho na mesa. — Eu quero um ad-
vogado.
O chefe puxou o palito da boca.
— Hal Cates joga golfe aos domingos de manhã, mas você pode deixar uma mensagem.
— Hal Cates é advogado de Nita.
— Ele é o único na cidade.
O que significava que Blue teria que chamar April.
Mas April não respondeu à chamada, e Blue não tinha o número de Jack. Foi Nita quem fez a denún-
cia e mandou prendê-la, era pouco provável que iria socorrê-la. Restava Dean.
— Me prenda, — disse ao oficial. — Preciso pensar.
***
—Você vai buscar Blue hoje?
Jack perguntou na segunda-feira à tarde, um dia após a prisão de Blue, enquanto ele e Dean estavam
lado a lado nas suas escadas passando um nova camada de tinta branca no celeiro. Dean limpou o suor de
seus olhos.
— Não.
April olhou para ele do chão, onde pintava a janela da guarnição. O lenço vermelho que tinha torcido
em torno de seu cabelo já estava salpicado de branco.
— Tem certeza que sabe o que está fazendo?
— Eu tenho certeza. E não quero falar sobre isso.
Dean não tinha certeza de nada. Só sabia que Blue não era forte o suficiente para permanecer no jo-
go. Se Nita não a tivesse parado, ela estaria do outro lado do país agora. Quando Dean se levantou esta ma-
nhã, decidiu que poderia ou ficar bêbado e ficar desse jeito, ou se ocupar com a pintura do maldito celeiro
até que estivesse cansado demais para sentir a dor.
— Eu sinto falta dela, — disse Jack.
Dean aniquilou uma teia de aranha com o seu pano de pintura. Apesar de tudo o que ele disse a ela,
ela se afastou dele.
Riley saltou do chão.
— Eu não acho que Blue e Dean são os únicos que tiveram uma briga. Eu acho que você e April
também tiveram, papai.
Jack manteve os olhos sobre a área que ele estava pintando.
— April e eu não brigamos.
— Eu acho que você brigou, — disse Riley. — Vocês quase não se falaram durante a dança de on-
tem.
— Estamos pintando, — disse April. — Você não pode dançar o tempo todo.
Riley foi direto ao assunto.
— Eu acho que vocês dois devem se casar.
— Riley! — April, que nunca deixava nada embaraçá-la, ficou vermelha. Jack era mais difícil de ler.
Riley insistiu.
— Se vocês se casassem, Dean não seria um... Você sabe. — Ela sussurrou — Um bastardo.
— Seu pai é o filho da puta, — April estalou. — Não Dean.
— Isso não é muito agradável. — Riley pegou Puffy.
— April tem raiva de mim, — disse Jack, mergulhando o rolo no balde ligado à sua escada. — Ape-
sar de tudo o que fiz foi dizer a ela que acho que deveríamos começar a namorar.
Dean forçou a colocar sua própria miséria de lado. Ele olhou para Riley.
— Cai fora.
— Eu não quero.
— Eu preciso falar com eles, — disse ele. — Coisas de adulto. Vou lhe contar tudo depois. Eu pro-
meto.
Riley pensou por um momento, e então ela e Puffy fizeram o seu caminho para a casa.
— Eu não quero sair com ele, — April assobiou quando Riley desapareceu. — Isso não é nada mais
do que sua tentativa mal disfarçada de me levar para cama. Não que eu me considere tão irresistível nos dias
de hoje, mas tente convencê-lo.
Dean fez uma careta.
— Por favor. Não estão na frente da criança.
April apontou o pincel a Jack, e uma gota de tinta escorria pelo braço.
— Você gosta de um desafio, e não vou coloca-lo para você. Isso faz de mim uma novidade.
Quão repulsivo como era ouvir sobre a vida ou a aparente falta de sexo dos pais, ele teve uma parti-
cipação nesta conversa, e se obrigou a ficar parado.
— O que faz de você uma novidade, — Jack disse, — é a maneira que você não consegue se livrar
do passado.
Eles começaram a jogar em torno de insultos, ambos tão empenhados em autoproteção que não viam
a dor que estavam infligindo, mas Dean viu. Ele desceu a escada. Só porque sua vida estava uma bagunça
não queria dizer que não estava claro o que outras pessoas precisavam fazer.
— Significaria muito para mim se vocês dois realmente gostassem um do outro, — disse ele, — mas
acho que esse é o meu problema. Eu sei que vocês não querem me fazer sentir como um erro, e colocando-se
a frente quando estou por perto tem de estar ficando velho.
“Isca de otário” e Blue teria visto, mas ela estava atualmente presa na cadeia da cidade por ter rouba-
do um colar que Nita plantou em sua bolsa, e estes dois estavam inundados de culpa.
— Um erro? — Exclamou April livrando-se de seu pincel. — Nunca achei que fosse um erro.
Jack desceu a escada e foi para o lado dela, os dois de repente uma única unidade.
— Você foi um milagre, e não um erro.
Dean esfregou um pouco de tinta da mão.
— Eu não sei, Jack. Quando seus pais, basicamente, odeiam um ao outro...
— Nós não nos odiamos, — disse ele bruscamente. — Mesmo quando estávamos em nosso pior,
nunca nos odiamos.
— Isso era então, e isso é agora. — Dean molhou o pincel no balde de tinta. — De onde estou... Não
importa. Eu não deveria deixar isso me incomodar. Vou ficar satisfeito com o que tenho. Quando forem aos
meus jogos, vou conseguir ingressos com assentos distantes para não ter problemas de vocês ficarem próxi-
mos.
Blue teria revirado os olhos, mas April apertou a mão ao peito, deixando uma mancha de tinta para
trás.
— Oh, Dean... Você não tem de nos separar. Não é assim.
Dean fingiu um olhar perplexo.
— Como é que é, então? Talvez você fale melhor, porque estou confuso. Eu tenho uma família ou
não?
April arrancou sua bandana.
— Eu amo o seu pai, tão estúpido como isso possa ser. Amei, e o amo ainda. Mas isso não significa
que ele pode aparecer e desaparecer da minha vida, sempre que lhe convenha.
Ela estava parecendo mais conflituosa do que amando, e ele não estava totalmente surpreso quando
Jack se ofendeu.
— Se você me ama, por que diabos você está me dando um tempo tão difícil?
O velho não estava lidando com isso tão bem como deveria, então Dean passou o braço em volta dos
ombros de sua mãe.
— Por que ela acabou com as relações de uma noite, e isso é praticamente tudo o que você está ofe-
recendo. Não é verdade, April? — Ele se virou para o pai. — Você vai levá-la para jantar algumas vezes e,
em seguida, esquecer que ela existe.
— Isso é mentira, — Jack atirou de volta. — E de que lado você está de qualquer maneira?
Dean pensou sobre isso.
— Dela.
— Muito obrigado. — O brinco de Jack soou quando ele sacudiu a cabeça em direção à casa. — Saia
você, também. Sua mãe e eu temos algumas coisas para resolver.
— Sim, senhor. — Dean pegou uma garrafa de água e desapareceu. Ele queria ficar sozinho mesmo.
***
Jack agarrou April pelo braço e arrastou-a para dentro do celeiro, onde eles poderiam ter um pouco
de privacidade. Ele estava queimando, e não apenas a partir do calor do meio-dia. Ele estava queimando
com a culpa, o medo, a luxúria e a esperança. O celeiro empoeirado ainda segurava o fraco cheiro de feno e
estrume. Apoiou April contra uma parede.
— Nunca mais diga que tudo o que quero é sexo de você. Está me ouvindo? — Ele deu-lhe uma pe-
quena sacudida. — Eu te amo. Como poderia não amar você? Somos quase a mesma pessoa. Quero um futu-
ro com você. E acho que você deveria ter me deixado descobrir isso por conta própria, sem tentar convencer
nosso filho, que sou um vulgar.
April não podia ser intimidada.
— Exatamente quando você percebeu que me amava?
— Imediatamente. — Ele viu o ceticismo em seus olhos. — Talvez não na primeira noite. Talvez não
exatamente de imediato.
— Como sobre ontem?
Ele queria mentir, mas não podia.
— Meu coração sabia disso, mas minha cabeça não estava completamente certa. — Ele roçou seu
rosto com os dedos. — Você é mais corajosa do que eu. No momento em que disse essas palavras lá fora,
era como se um grande ovo se abrisse e pude finalmente ver o que havia dentro.
— O que foi?
— Um coração cheio de amor por você. Minha doce April.
Sua voz estava embargada pela emoção, mas era difícil, e ela o olhou diretamente nos olhos.
— Conte-me mais.
— Eu vou te escrever uma canção.
— Você já fez isso. Quem poderia esquecer a letra da canção memorável sobre “A beleza loira em
um saco”?
Jack sorriu e deixou uma mecha de seu cabelo escorregar por entre os dedos.
— Desta vez vou te escrever uma canção agradável. Eu te amo April. Você me deu de volta a minha
filha e meu filho. Até estes últimos meses, estive vivendo em um mundo onde todas as cores tinham se mis-
turado até que estavam enlameadas, mas quando eu te vi, tudo começou a brilhar. Você é um presente ines-
perado e mágico, e não acho que poderia sobreviver se esse dom desaparecesse.
Ele esperou ela dar-lhe mais problemas. Em vez disso, um sorriso apareceu gradualmente nos cantos
de sua boca macia, e suas mãos caíram para o cós de sua bermuda.
— Okay. Vou colocar para fora. Tire suas roupas
Ele deu uma gargalhada e puxou-a mais para o fundo do celeiro. Eles encontraram um cobertor velho
sarnento, tiraram suas roupas suadas, com tinta salpicadas. Seus corpos tinham perdido a firmeza da juven-
tude, mas seus contornos suaves lhe agradavam, e ela bebeu-o como se ele ainda tivesse vinte e três anos.
Jack não podia desapontá-la. Ele estava deitado de costas no cobertor onde eles se beijaram por uma
eternidade. Ele explorou suas curvas e reentrâncias, enquanto as madeiras da parede do celeiro filtravam a
luz que caia em finas cordas douradas sobre seus corpos como cordas de escravidão.
Quando não podiam mais tolerar o tormento, ele abaixou-se suavemente sobre ela. April abriu as
pernas. Deixou-o entrar. Ela estava molhada, apertada. O chão duro seria um teste para seus corpos, amanhã
eles pagariam mas, por enquanto, nenhum dos dois se importou. Ele começou a se mover. Este foi o amor
missionário. Simples, o amor inspirado, puro. Sem o tesão da juventude, que teve tempo de olhar nos olhos
um do outro sem proteção. Tempo para falar de mensagens sem palavras e fazer promessas não ditas. Move-
ram-se juntos. Balançando juntos. Aumentaram. E, quando tudo acabou, alegraram-se no milagre do que
tinha acontecido com eles.
— Você me fez sentir como uma virgem, — disse ela.
— Você me fez sentir como um super-herói, — disse ele.
Envolvida por cheiros de terra, do sexo e da poeira, do suor e animais de fazenda há muito esqueci-
dos, eles se abraçaram. Suas articulações doíam do chão duro. Seus corações pulsavam. Seu cabelo longo
bonito deslizou sobre seu corpo quando ela aliviou-se sobre o cotovelo e beijou-lhe o peito. Ele acariciou as
contas de sua coluna vertebral.
— O que vamos fazer agora, meu amor?
Ela sorriu para ele através da nuvem de ouro de seu cabelo.
— Um dia de cada vez, meu amor. Vamos levá-lo um dia de cada vez.
***
Estar presa não era o pesadelo que Blue imaginava.
— Eu gosto dos girassóis, — Carl Dawks disse esfregando seu curto cabelo afro. — E as libélulas
são muito bonitas.
Blue limpava o pincel e foi para o final do corredor para verificar as proporções nas asas.
— Eu gosto de pintar insetos. Vou adicionar uma aranha, também.
— Eu não sei. As pessoas são engraçadas sobre aranhas.
— Eles vão gostar desta. A teia de aranha vai parecer como se fosse feita de lantejoulas.
— Você tem certeza, tenho algumas ideias, Blue. — Carl estudou o mural de um novo ângulo. — O
chefe Wesley acha que você deve pintar uma caveira e ossos cruzados no átrio como um aviso para obedecer
a lei, mas eu disse a ele que você não pinta esse tipo de coisa.
— Você disse que ele estava certo.
Sua estadia na prisão tinha sido estranhamente pacífica, desde que ela não se permitiu pensar em De-
an. Agora que começou a pintar o que queria, as ideias estavam inundando o cérebro dela tão rápido que não
poderia manter-se com elas.
Carl foi para o escritório. Era quinta-feira de manhã. Blue fora presa no domingo, e trabalhou no mu-
ral no corredor da prisão desde segunda-feira à tarde. Fez também lasanha para a equipe na cozinha da co-
munidade e atendeu o telefone por um par de horas ontem, quando Lorraine, a funcionária, tinha pego uma
infecção na bexiga. Até agora, April e Syl a tinham visitado, junto com Penny Winters, Gary o cabeleireiro,
Monica a agente imobiliária, e Jason, o bartender no Barn Grill. Todos eles eram simpáticos, mas com exce-
ção de April, ninguém estava ansioso para ela sair da cadeia até que Nita tivesse assinado os papéis finais
concordando com o projeto de melhoria da cidade. Essa foi a moeda de troca que Nita tinha jogado para aci-
onar a prisão de Blue. Blue estava furiosa com ela... e tocou além das palavras.
A pessoa que não a tinha visitado era Dean. Ele avisou que não viria atrás dela, e não era um homem
de ameaças vãs.
Chefe Wesley colocou a cabeça para o corredor.
— Blue, eu só tenho a palavra de que Lamont Daily vai parar aqui por uma xícara de café.
— Quem é ele?
— O xerife do condado.
— Peguei. — Ela largou o pincel, limpou as mãos e voltou para o seu celular desbloqueado. Ela era
atualmente a única prisioneira da prisão, apesar de que Ronnie Archer tinha estado aqui por um par de horas
depois que Carl o pegou por dirigir com a carteira suspensa. Karen Ann tinha afiançado o seu amante, ao
contrário de Dean. Mas, então, a fiança de Carl era apenas duzentos dólares.
Sua cela tinha provado ser um bom lugar para pensar sobre sua vida e melhor que vários buracos
alugados por ela. Syl tinha enviado mais de uma poltrona e uma luminária de bronze. Monica tinha trazido
um par de livros e algumas revistas. Os Bishops, o casal que agora seria capaz de transformar a sua casa vi-
toriana em uma pousada, tinham fornecido a uma roupa de cama decente e toalhas felpudas. Mas Blue não
poderia desfrutar de nada. Na manhã seguinte, Dean partiria para o local de treinamento. Era hora de uma
pausa da prisão.
***
A lua brilhava como uma unha perfeita do céu da meia-noite na quinta escura. Blue estacionou perto
do celeiro, que tinha uma nova camada de tinta branca, e se dirigiu para a porta lateral, apenas para descobrir
que estava trancada. Assim, foi para frente. A sensação arrepiante de medo escorria por ela. E se Dean já
tivesse ido embora? Mas quando chegou ao quintal, ela ouviu um guincho planador na varanda, e podia ver
uma forma de ombros largos, sentada ali. A porta de tela estava destrancada. Blue deu um passo para dentro.
O tilintar dos cubos de gelo flutuou em sua direção. Ele a viu, mas não disse uma palavra.
Ela torceu as mãos na frente dela.
— Eu não roubei o colar da Nita.
O planador guinchou novamente.
— Nunca pensei que você roubou.
— Nem qualquer outra pessoa, incluindo Nita.
Dean manteve seu braço sobre as costas das almofadas.
— Perdi a noção de quantos de seus direitos constitucionais foram violados. Você deve processá-la.
— Nita sabe que não vou. — Ela se mudou para a pequena mesa de ferro no final do planador.
— Eu com certeza o faria.
— Isso é porque você não se sente tão perto da comunidade como eu.
As bordas lascadas.
— Se você se sente tão perto, por que está correndo?
— Porque...
— Ponto feito. — Ele colocou o copo sobre a mesa com um baque pesado. — Você foge de tudo o
que gosta.
Blue não conseguia trabalhar a energia para se defender.
— Eu realmente sou uma covarde. — Ela odiava se sentir tão exposta, mas este era Dean, e ela o
machucou. — A coisa é, um monte de pessoas muito boas que se preocupava comigo ao longo dos anos...
— E todos lhe deram. Sim, eu sei. — Sua expressão disse que não se importava. Ela pegou seu copo,
tomou um grande gole e engasgou. Dean nunca bebeu nada mais forte do que cerveja, mas este era uísque.
Dean levantou-se e acendeu a nova luminária de chão da varanda, como se não quisesse ficar sozinho
com ela no escuro. Sua barba tinha crescido bastante, além do ponto da moda, seu cabelo era liso de um la-
do, e ele tinha uma mancha de tinta no braço dele, mas ainda poderia posar para o anúncio da End Zone.
— Estou surpreso por te soltarem, — disse ele. — Ouvi dizer que não era para acontecer até Nita as-
sinar o projeto da cidade na próxima semana.
— Eles não exatamente me soltaram. Eu meio que fugi.
Aquilo chamou sua atenção.
— O que significa isso?
— Contanto que eu devolva o carro antes que o chefe Wesley volte de sua folga, duvido que ele vai
perceber. Cá entre nós, ele executa uma operação bastante frouxa.
Dean pegou o copo dela.
— Você fugiu da prisão e roubou uma viatura?
— Não sou tão estúpida. É o carro pessoal do chefe. A Buick Lucerne. E só peguei emprestado.
— Sem contar a ele.
Dean tomou um gole.
— Tenho certeza que ele não vai se importar. — Seu sentido de ser mal utilizada subiu para a super-
fície. Ela arremessou-se na cadeira de vime em frente ao planador. — Obrigada por correr para socorrer-me.
— Sua fiança foi fixada em cinquenta mil dólares, — disse ele sem rodeios.
— Você paga quase isso em produtos de cabelo.
— Sim, bem, você é muito bem a definição exata de um risco de fuga. — Ele retomou sua antiga se-
de.
— Você ia decolar para Chicago amanhã sem me ver, não é? Me deixaria apodrecer aqui.
— Você dificilmente está apodrecendo. — Ele se acomodou nas almofadas. — A palavra é que em-
prestei o Golden Ages ao Chefe Wesley ontem de manhã para uma exposição de pintura a óleo.
— É o seu programa de trabalho de libertação. — Ela apertou as mãos no colo. — Você está feliz por
eu estar presa, não é?
Dean tomou outro gole lento, como se estivesse pensando sobre isso.
— Em última análise, isso não quer dizer muita coisa, não é? Se Nita não tivesse feito tudo isso, você
estaria desaparecida agora.
— Eu queria que você tivesse pelo menos... vindo me ver.
— Você fez seus sentimentos mais do que visíveis a última vez que nos falamos.
— E você deixou uma coisa pequena como isso te parar? — A voz de Blue alterou.
— Por que está aqui, Blue? — Ele parecia cansado. — Quer enfiar a faca um pouco mais fundo?
— É isso que você pensa de mim?
— Acho que você fez o que tinha que fazer. Agora estou fazendo o mesmo.
Blue puxou as pernas apertadas.
— É surpreendente que eu tenho alguns problemas de confiança menores.
— Você tem problemas de confiança. Questões artísticas. Questões de falsa resistência. Depois, há as
questões de moda. — Seus lábios se curvaram. — Não, espere, isso é parte da coisa da falsa resistência.
— Eu estava me preparando para virar quando Chefe Wesley me parou, — ela exclamou.
— Claro que estava.
— É verdade. — Não lhe ocorreu que ele poderia não acreditar nela. — Você está certo. O que você
disse no beco. Ela respirou fundo. — Eu te amo.
— Uh-huh. — Cubos de gelo tilintaram quando ele esvaziou o copo.
— Eu amo você. Realmente.
— Então por que soa como se estivesse pronta para vomitar?
— Preciso ainda de uma espécie de tempo para me acostumar com a ideia. — Ela amava Dean Ro-
billard, e sabia que tinha de aproveitar e este era um salto terrível. — Já tive muito tempo para pensar ulti-
mamente, e... — Sua boca estava tão seca que ela teve que empurrar as palavras. — Eu vou para Chicago
com você. Vamos viver juntos por um tempo. Ver como as coisas funcionam.
Silêncio sepulcral seguiu. Blue começou a ficar nervosa.
— Esse negócio não está mais em cima da mesa, — ele disse calmamente.
— Foram apenas quatro dias!
— Você não é o única que teve tempo para pensar.
— Eu sabia que isso ia acontecer! É exatamente o que eu disse o tempo todo. — Ela chegou a seus
pés. — Eu não fui nada mais para você do que uma novidade.
— Você acabou provando meu ponto. Exatamente por isso que não confio em você.
Ela queria tomar um balanço para ele.
— Como é que você não confia em mim? Eu sou a pessoa mais confiável do mundo! Basta perguntar
a meus amigos.
— Os amigos que só falam ao telefone, porque você nunca fica na mesma cidade com eles por mais
de alguns meses?
— Acabei de dizer que vou para Chicago com você, não foi?
— Você não é a única que precisa de segurança. Esperei muito tempo para me apaixonar. Por que ti-
nha que ser por você, eu não sei. Grande piada de Deus, eu acho. Mas vou te dizer isso. Eu não vou acordar
todas as manhãs pensando se você ainda está por perto.
Blue sentiu-se mal.
— Então o quê?
Dean olhou para ela com teimosia.
— Você me diz.
— Já disse. Começamos com Chicago.
— Você gostaria disso, não é? — Ele praticamente zombou dela. — Você prosperar em novos luga-
res. Estar crescendo raízes que lhe dá problema.
Dean havia pregado nela.
Ele se levantou.
— Dizemos que vamos a Chicago. Te apresento aos meus amigos. Nós temos um grande momento.
Nós rimos. Nós argumentamos. Nós fazemos amor. Um mês passa. Outro. E então... — Ele encolheu os
ombros.
— E então você acorda um dia, e eu vou embora.
— Estou muito longe durante a temporada. Imagine como que vai ser para você. E as mulheres. Elas
se jogam em qualquer pessoa com um uniforme. O que você vai fazer, quando encontrar batom na gola da
minha camisa?
— Contanto que não esteja em suas cuecas End Zone, acho que posso lidar com isso.
Ele não quebrou em um sorriso.
— Você não entendeu, Blue. As mulheres estão atrás de mim o tempo todo, e isso não é da minha
natureza dispensa-las, sem ao menos dar-lhes um sorriso e dizer-lhes “Eu gosto de seu cabelo” ou os olhos
ou alguma outra merda de coisa legal sobre elas, porque as faz sentir bem, o que me faz sentir bem, e esse é
o jeito que sou feito.
Um sedutor nato. Ela amava esse homem.
— Eu nunca teria uma corrente ao redor de você. — Ele olhou para ela. — Essa também é a maneira
que eu sou feita. Mas como você pode acreditar, quando você vai estar esperando por uma prova de que não
te amo, que sou como todos os outros que você rejeitou? Eu não consigo assistir a tudo o que faço, censurar
cada palavra que digo, porque tenho medo que você vá embora. Você não é a única a levar algumas cicatri-
zes ao redor.
Sua lógica irrefutável assustava.
— Eu tenho que ganhar um lugar na equipe Robillard? É isso?
Ela esperava que se afastasse, mas ele não fez.
— Sim, eu acho que é isso.
Blue passou a infância tentando provar-se digna do amor de outras pessoas, e ela sempre falhou.
Agora ele estava pedindo-lhe para fazer a mesma coisa. Ressentimento a sufocou. Ela queria dizer-lhe para
ir para o inferno, mas algo em sua expressão a deteve. Um osso de profundidade vulnerabilidade de um ho-
mem que tinha tudo. Nesse momento, ela entendeu o que precisava fazer. Talvez ele iria trabalhar, ou talvez
não. Talvez ela estava prestes a dar desgosto para um nível totalmente novo.
— Eu vou ficar aqui.
Dean inclinou a cabeça, como se não tivesse ouvido direito.
— Equipe Bailey fica aqui, — disse ela. — Na fazenda. Sozinha. — Seus pensamentos corriam. —
Você não precisa nem começar a visitar. Nós não vamos ver um ao outro, até que... — ela procurou algum
ponto significativo no tempo — até Ação de Graças. Se eu ainda estiver por perto. Se você ainda me quiser.
— Ela engoliu em seco. — Eu vou assistir a mudança na cor das árvores, vou pintar, e definitivamente vou
torturar Nita pelo o que ela fez para mim. Eu poderia ajudar Syl a configurar sua nova loja de presentes, ou...
— Sua voz quebrou. — Vamos ser honestos ... Eu posso entrar em pânico e sair de carro.
— Você vai ficar na fazenda?
Ela iria? Blue conseguiu um aceno espasmódico. Ela tinha que fazer isso para eles, mas, principal-
mente, tinha que fazer isso por si mesma. Ela estava cansada de sua falta de rumo, com medo da pessoa que
pode se tornar, se continuasse assim, uma mulher com uma vida tão pequena que poderia caber no porta-
malas de um carro.
— Eu vou tentar.
— Tentar? — Sua voz cortou a dela.
— O que você quer de mim? — Ela gritou.
O homem de aço estendeu sua mandíbula.
— Eu quero que você seja tão difícil como você finge ser.
— Você acha que isso não vai ser difícil?
Sua boca se apertou. Um pressentimento sinistro rastejou através dela.
— Não difícil o suficiente, — disse ele. — Vamos aumentar as apostas. — Ele apareceu em cima de-
la. — Equipe Robillard não vai visitar a fazenda, mas a Equipe Robillard também não vai chamá-la, não vai
nem mesmo enviar um maldito e-mail. Equipe Bailey vai ter que viver cada dia na fé. — Ele cavou no mais
profundo, desafiando-a a dobrar. — Você não vai saber onde estou ou com quem estou. Você não vai saber
se estou sentindo falta de você, ou de brincar com você, ou tentando descobrir como quebrá-la. — Por um
momento, ele ficou em silêncio. Quando ele falou de novo, sua agressividade se tinha desvanecido, e as suas
palavras roçaram sua pele. — Vai se sentir como se estivesse andando para longe de você, assim como todos
os outros.
Blue ouviu sua ternura, mas ela era muito frágil para aceitá-la.
— Eu tenho que voltar para a cadeia. — Ela virou-se.
— Blue... — Ele tocou em seu ombro.
Ela correu para a porta e saiu para a noite. Então, começou a correr, tropeçando através da grama até
que chegou ao carro do chefe. Dean queria tudo dela, e ele estava lhe dando nada em troca. Nada, exceto seu
coração, que era tão frágil como o dela.

Capítulo Vinte e cinco

Primeiro Blue pintou uma série de caravanas ciganas, algumas paradas em enseadas secretas, outras
viajando por estradas rurais em direção à matrizes distantes de minaretes e cúpulas douradas. Em seguida,
ela mudou-se para vistas panorâmicas de aldeias mágicas com ruas sinuosas, empinando cavalos brancos, e
uma fada ocasional no topo de uma chaminé. Ela pintou como uma louca, mal terminando uma tela antes de
começar outra. Ela parou de dormir, mal comia. Quando ela completou cada peça, colocou-as para fora.
— Você está escondendo a sua luz debaixo do alqueire, — assim como Riley estava fazendo, Nita
declarou a Blue sobre o barulho no Barn Grill em uma manhã de domingo, em meados de setembro, dois
meses depois que Dean tinha ido de volta para Chicago. — Até que tenha coragem de deixar as pessoas ve-
rem o seu trabalho, você perdeu o meu respeito.
— Isso vai me acompanhar durante a noite, — Blue replicou. — E não aja como se ninguém tivesse
visto. Eu sei que você enviou à Dean cópias dessas fotos digitais que você me fez levar.
— Eu ainda não posso acreditar que ele e os pais tenham vendido sua história privada para um ta-
bloide sujo. Eu quase tive um ataque do coração quando vi esse título. “Estrela de futebol é filho de Jack Pa-
triot”. Eles deveriam ter tido mais dignidade.
— Esse tabloide sujo foi o lance mais alto, — Blue apontou. — E você se inscreveu para isso há
anos.
— Não importa. — Nita cheirou.
A história havia sido publicada na segunda semana de agosto, quando Dean e Jack deram uma entre-
vista exclusiva na televisão e não muito tempo depois April. April contou a Blue que Dean havia decidido
desistir de seus segredos no dia da festa de aniversário de Nita. Jack tinha ficado tão emocionado que mal
tinha sido capaz de falar. Eles decidiram vender a história para o maior lance, usando o dinheiro que recebeu
para criar uma fundação familiar para apoiar organizações que ajudam crianças que estão no sistema para
encontrar famílias permanentes. Riley só havia protestado. Ela queria dar o dinheiro para filhotes.
Blue conversou com todos eles ao telefone, todos exceto Dean. April não ofereceu muita informação
sobre ele, e Blue não poderia pedir.
Nita puxou um brinco de rubi.
— O mundo inteiro ficou louco, se você me perguntar. Havia quatro SUVs monopolizando os espa-
ços de estacionamento na frente da nova livraria ontem. A próxima coisa que você sabe, nós vamos ter um
McDonalds em cada esquina. E por que você disse que o Clube das Mulheres de Garrison poderiam se reu-
nir em minha casa a partir de agora, eu nunca vou saber.
— E eu nunca vou saber por que você e a terrível Gladys Prader, uma mulher que você costumava
odiar, estão em uma amizade. Embora alguns possam chamá-lo de um clã.
Nita chupava seus dentes tão duro que Blue tinha medo que ela engolisse um incisivo.
Tim Taylor apareceu ao lado delas.
— O jogo está começando. Vamos ver se os Stars vão finalmente puxar para fora. — Ele apontou pa-
ra a TV de tela grande que o Barn Grill tinha adicionado para que todos pudessem acompanhar os Stars nas
tardes de domingo. — Desta vez, tente parar de fechar os olhos toda vez que Dean é empurrado Blue. Está
parecendo uma mocinha.
— Você mantenha sua mente em seu próprio negócio, — Nita atirou de volta.
Blue suspirou e deixou cair a cabeça no ombro de Nita. Ela ficou assim por um tempo. Finalmente,
ela disse, então só Nita podia ouvir — Eu não posso fazer isso por muito mais tempo.
Nita afagou-lhe a mão, roçou a bochecha com um dedo nodoso, em seguida, cutucou-a nas costelas.
— Sente-se direito ou você vai ter uma corcunda.
***
Em outubro, o jogo de Dean tinha melhorado, mas não o seu humor. Os trechos de informação que
ele recebia de Nita não eram tranquilizadores. Blue ainda estava em Garrison, mas ninguém sabia por quanto
tempo, e as brilhantes pinturas mágicas de caravanas ciganas e lugares distantes que tinha visto nas fotos que
Nita encaminhou não eram animadoras.
A tempestade inicial de publicidade sobre o relacionamento de Jack e Dean tinha começado a dimi-
nuir. Pelo menos um membro da sua família assistira a cada jogo, dependendo de seu trabalho e os horários
escolares. Ainda assim, tanto quanto ele amava a todos, o buraco dentro dele continuou crescendo. Cada dia
Blue parecia estar mais longe dele. Uma dúzia de vezes ele pegou o telefone para ligar para ela, mas sempre
colocava-o de volta para baixo. Blue tinha o número dele, e ela era a única com algo a provar, não ele. Ela
tinha que fazer isso por conta própria.
E então, em uma chuvosa manhã de segunda, no final de outubro, ele abriu o Chicago Sun-Times, e
todo o sangue drenou de sua cabeça. Uma fotografia grande colorida dele no Waterworld, o seu clube de
dança favorito, com uma modelo que ele tinha saído no ano passado. Ele tinha uma garrafa de cerveja em
uma mão e outra enrolada em volta da cintura como se eles se agarrassem em um beijo íntimo.
Dean Robillard e sua ex-namorada, a modelo Ally Tree Arco, ficaram aconchegados sema-
na passada no Waterworld. Agora que eles estão de volta juntos, será que o quarterback do
Stars finalmente está pronto para desistir de seu título de solteiro mais cobiçado de Chica-
go?
Dean ouviu um rugido em seus ouvidos. Isto era exatamente o que Blue estava esperando. Ele derru-
bou seu café da manhã para pegar o telefone, todas as suas resoluções para dar-lhe espaço esquecidas. Mas
Blue não respondeu. Ele começou a deixar mensagens. Ainda sem resposta. Chamou Nita. Ela assinava to-
dos os jornais de Chicago, então ele sabia que Blue iria ver a foto, mas Nita não respondeu, também. Devia
comparecer na sede do Stars em uma hora para o encontro de segunda de manhã. Dean pulou em seu carro e
foi para O'Hare. No caminho, ele finalmente enfrentou a verdade sobre si mesmo.
Blue não era a única pessoa ferrada nessa parceria. Enquanto ela usou sua combatividade para manter
as pessoas à distância, ele usou a sua amabilidade com a mesma eficácia. Ele disse que não confiava nela,
mas agora sentia que era conversa fiada. Ele pode ser destemido no campo de futebol, mas era um covarde
na vida real. Ele sempre se retia, tanto medo de sair um perdedor que ele voluntariamente colocava-se no
banco ao invés de jogar o jogo até o fim. Ele deveria tê-la trazido para Chicago. É melhor correr o risco de
ter tudo desmoronando do que se policiar do jeito que ele fez. Passou muito tempo e ele cresceu.
Uma tempestade de gelo no Tennessee cancelou seu voo original, e pelo tempo que ele chegou a
Nashville, já era um fim de tarde, frio e chuvoso. Ele alugou um carro e partiu para Garrison. No caminho,
viu galhos de árvores caídos e caminhões utilitários de reparação das linhas de energia derrubadas. Final-
mente, se voltou para a pista enlameada, que levava para a fazenda. Apesar das árvores nuas, pastagens mar-
rom molhadas, e seu estômago revolto, ele sentiu como se estivesse voltando para casa. Quando Dean viu a
luz que brilhava através das janelas da sala, ele teve seu primeiro sopro limpo desde que abriu o jornal da
manhã.
Dean deixou o carro perto do celeiro e fez um traço no meio da chuva para a porta lateral. Ela estava
trancada, e ele teve que abri-la com a sua chave.
— Blue.
Ele tirou os sapatos molhados, mas manteve o casaco quando se moveu pela casa fria.
Sem pratos sujos na pia, sem caixas de biscoito aberta. Tudo estava impecável. Um frio escorria por
ele. A casa estava vazia.
— Blue.
Dean se dirigiu para a sala de estar, mas a luz que tinha visto através das janelas veio de uma lâmpa-
da conectada a um temporizador.
— Blue.
Ele subiu as escadas de dois em dois, mas antes mesmo que chegasse ao seu quarto, ele sabia o que ia
ver.
Ela tinha ido embora. Suas roupas foram tiradas de seu armário. As gavetas onde ela armazenava su-
as calcinhas e camisetas estavam vazias. Um sabonete, ainda em sua embalagem, estava na prateleira em seu
chuveiro, não utilizado, e os únicos produtos de higiene pessoal no armário de medicina lhe pertenciam. Su-
as pernas estavam pesadas quando ele entrou antigo quarto de Jack. Nita tinha mencionado que Blue traba-
lhou aqui para aproveitar a luz que vinga através das janelas do canto, mas nem mesmo um tubo de tinta
permaneceu.
Dean desceu as escadas. Em sua pressa para sair, ela tinha esquecido sua camisola, e tinha deixado
um livro na sala de estar, mas mesmo o iogurte de cereja que ela sempre mantinha na geladeira havia desa-
parecido. Ele acabou na sala, olhando para a luz bruxuleante da televisão, mas não vendo nada. Ele tinha
jogado os dados e perdido.
Seu celular tocou. Ele não tinha chegado a cerca de tirar o casaco, e puxou o telefone do bolso. Era
April, chamando para verificar sobre ele, e quando ele ouviu a preocupação em sua voz, deixou cair a testa
na mão dele.
— Ela não está aqui, mãe, — ele disse hesitante. — Ela fugiu.
Eventualmente, Dean dormiu no sofá com o zumbido da TV ao fundo. Acordou tarde na manhã se-
guinte com torcicolo e um estômago ácido. A casa ainda estava fria, chuva batia no telhado. Cambaleou até
a cozinha e fez um bule de café. Queimou todo o caminho.
O resto de sua vida se estendia à sua frente. Dean temia a volta para o aeroporto. Todos esses quilô-
metros sem nada para fazer, mas contar os erros que tinha feito. Os Stars estavam jogando nos Steelers no
domingo. Tinha um filme para estudar, uma estratégia para planejar, e não se importava com nada disso.
Forçou-se para o chuveiro, mas não podia convocar a vontade de fazer a barba. Seus olhos vazios o
olharam no espelho. Neste verão, Dean encontrou a sua família mas agora perdeu sua alma gêmea. Enrolou
a toalha ao redor da cintura e se afastou cegamente para o quarto.
Blue estava sentada de pernas cruzadas no meio de sua cama.
Dean vacilou.
— Ei, você estranho, — ela disse suavemente.
Seus joelhos ficaram fracos. Fazia muito tempo desde a última vez que a viu e havia se esquecido de
como ela era bonita. Alguns desses cachos curtos, uns fracos e escuros traços escovavam os cantos de seus
olhos cor de uva. Ela usava um suéter verde pequeno que a envolvia e calça jeans perfeitamente moldados
que abraçaram seu quadril pequeno. Um par de sapatilhas verde escuro estavam no tapete ao lado da cama.
Em vez de parecer devastada, ela parecia estar bebendo-o, e seu sorriso era quase tímido. Ela o atingiu como
um raio. Depois de toda a agonia em que ele colocou-se completamente, ela não tinha visto a foto! Talvez a
tempestade de gelo tivesse danificado a entrega de jornais. Mas então, por que ela mudou?
— Será que você deixou-me saber que estava vindo? — Disse ela.
— Eu... Eu... deixei um par de mensagens. Cerca de uma dúzia.
— Esqueci meu celular. — Ela olhou-o penetrante.
Dean queria beijá-la até que nenhum dos dois conseguisse respirar, mas ele não podia fazer isso.
Ainda não. Talvez nunca.
— Onde estão suas coisas?
Ela inclinou a cabeça.
— O que você quer dizer?
— Onde estão suas roupas? Suas tintas? — Ele ergueu a voz sem querer. — Onde está aquela loção
que você usa? Seu maldito iogurte? Onde estão?
Blue olhou para Dean como se ele fosse louco.
— Em todo o lugar.
— Não, não estão!
Blue descruzou as pernas, o movimento o estranhou.
— Eu tenho pintado na casa de campo. Estou trabalhando com óleos agora, em vez de acrílicos. Se
eu pintar por lá, não tenho que dormir com o cheiro.
— Por que você não me contou? — Oh, Deus, ele estava gritando. Ele tentou se acalmar. — Não há
comida aqui!
— Eu como na casa de campo, então não tenho que correr de volta toda vez que fico com fome.
Dean puxou um pouco de ar para obter a sua adrenalina sob controle.
— E as suas roupas? Elas não estão aqui.
— Não, elas não estão, — ela respondeu, ainda parecendo confusa. — Eu mudei minhas coisas para
o quarto de Riley. Eu odiava dormir aqui sem você. Vá em frente e ria.
Dean aliviou as mãos de seus quadris.
— Confie em mim. Eu não tenho um riso em qualquer lugar em mim agora. — Ele precisava ter cer-
teza. — Você desistiu de tomar banho, também? Você não está usando o meu chuveiro.
Blue deixou cair as pernas sobre a borda da cama, com a testa franzida.
— O outro banheiro está mais perto. Você está se sentindo bem? Você está começando a me assus-
tar.
Não lhe tinha ocorrido verificar os outros banheiros ou ir até a casa de campo. Ele deixou-se ver ape-
nas o que ele esperava encontrar, uma mulher que não podia confiar. Mas ele tinha sido pouco confiável,
não estava disposto a colocar seu coração na linha. Ele tentou reagrupar-se.
— Onde você estava?
— Eu dirigi para Atlanta. Nita continuou me incomodando sobre minhas pinturas, e então há este
concessionário incrível lá que... — Ela parou a si mesma. — Eu vou te dizer mais tarde. Eles te colocaram
no banco de reservas? É disso do que se trata? — Sua indignação queimava. — Como poderiam? Assim
como se você não estivesse em seu jogo em setembro? Você já jogou brilhantemente desde então.
— Eles não me colocaram no banco. — Ele empurrou a mão pelo cabelo úmido. O quarto estava frio
como o inferno, e ele tinha arrepios em todos os lugares, e nada foi resolvido. — Preciso falar sobre uma
coisa, e você tem que prometer me ouvir antes de ficar louca.
Blue engasgou.
— Oh, Deus, você tem um tumor no cérebro! Todo esse tempo, enquanto eu estive escondida aqui...
— Eu não tenho um tumor no cérebro! — Ele mergulhou dentro — Houve uma foto minha no jornal
de ontem. Bebendo em um jantar beneficente para a pesquisa do câncer que fui na semana passada.
Blue assentiu com a cabeça.
— Nita me mostrou quando parei para ver como ela está.
— Você já viu?
— Sim. — Blue continuou olhando para ele como se ele estivesse louco.
Ele se aproximou.
— Você viu a foto no Sun-Times de ontem? Aquela em que eu estou beijando outra mulher?
Sua expressão finalmente nublada.
— Quem era, afinal? Eu deveria chutar sua bunda.
Talvez ele tivesse sofrido uma concussão porque sentiu-se tonto e teve que sentar-se na borda da ca-
ma.
— Nita teve um chilique, acredite em mim. — Blue acenou com a mão e começou a andar. — Ape-
sar do fato de que ela começou a gostar de você, ela ainda acredita que todos os homens são a escória.
— E você não?
— Nem todos os homens, mas não me fale sobre Monty, o perdedor. Você sabe que ele teve a cora-
gem de me chamar e ....
— Eu não me importo com Monty! — Ele pulou de volta. — Eu quero falar sobre essa foto!
Blue parecia vagamente irritada.
— Vá em frente, então.
Dean não entendeu isso. Não era Blue a mulher que acordava todas as manhãs com medo de ser
abandonada? Ele apertou o nó em sua toalha, que estava em perigo de cair.
— Estava no bar, quando ela veio até mim. Nós ficamos um par de vezes no ano passado, mas nunca
foi nada. Ela estava bêbada e se jogou em mim. Literalmente. Agarrei-a para que não caísse.
— Você deveria tê-la deixado cair. As pessoas não têm o suficiente respeito por seus limites pesso-
ais.
Agora a atitude dela estava começando a irritá-lo.
— Eu deixei ela me beijar. Eu não a afastei.
— Eu entendo. Você não queria envergonhá-la. Havia pessoas que estavam ao redor, e...
— Exatamente. Seus amigos, meus amigos, um bando de estranhos, e o fotógrafo maldito. Mas as-
sim que eu tive os meus lábios desbloqueados, a puxei para o lado, e tivemos uma conversa privada sobre a
nossa falta de relacionamento. Eu não pensei mais nada sobre isso até que vi o jornal de ontem. Tentei ligar
para você, mas ...
Blue olhou-o penetrante e sua expressão era dura.
— Você não fez isso de finalmente voar até aqui porque pensou que eu ia fugir por conta de algo as-
sim, não é?
— Eu estava beijando outra mulher!
— Você pensou que eu fugiria! Foi isso que você fez! Durante esse quadro estúpido. Depois de tudo
que eu já passei por provar a mim mesma! — Seus olhos brilharam raios uva com sabor. — Você é um idio-
ta! — Ela saiu do quarto.
Dean não podia acreditar nisso. Se ele tivesse visto uma foto de Blue beijando outro homem, ele teria
rasgado o mundo à parte. Ele correu para o corredor atrás dela, a toalha úmida esfriando a cada minuto.
— Está me dizendo que não estava preocupada, nem por um minuto que estivesse brincando com
você?
— Não! — Ela começou a descer as escadas, e, em seguida, virou-se. — Você realmente espera que
eu desmorone cada vez que uma outra mulher se joga em você? Porque, se é assim, vou estar uma pilha de
nervos antes da lua de mel acabar. Embora, se elas fizerem isso na minha frente...
Ele ficou imóvel.
— Você acabou de propor a mim?
Blue arrepiou.
— Tem algum problema com isso?
O placar se iluminou, e ele deu ao mundo um high five.
— Deus, eu te amo.
— Eu não estou impressionada. — Ela pisou o resto do caminho até as escadas. — Por que eu tenho
fé em você, mas, depois de tudo que já passei por mudar toda a minha vida por você, ainda não tem nenhu-
ma fé em mim?
A prudência sugeriu que este não era o melhor momento para trazer sua história passada. Além disso,
ela tinha um ponto. Um ponto muito bom, e ele tinha que dizer a ela o que tinha aprendido sobre si mesmo,
mas não agora. Ele foi atrás dela.
— Porque... eu sou um idiota inseguro bonito demais para o meu próprio bem?
— Bingo. — Ela parou ao lado do cabide. — Eu dei-lhe muito poder nessa relação. Obviamente, é
hora de eu assumir.
— Você poderia começar por ficar nua? — Suas sobrancelhas juntas. Ela não estava deixando-o sair
do assunto tão facilmente, e ele rapidamente perguntou. — De onde é que essas roupas vieram?
— Encomendas de April tudo para mim. Ela sabe que eu não posso ser incomodada. — Seus cachos
balançavam. — E eu estou muito louca, muito furiosa! Para ficar nua.
— Eu entendo. Você tem que aturar um monte de mim. — Uma sensação de paz absoluta se instalou
através dele, perturbada apenas pela potente ereção que mesmo sua toalha fria não tinha sido capaz de desa-
nimar. — Conte-me sobre Atlanta, querida.
Uma jogada inteligente da parte dele, porque Blue temporariamente esqueceu que Dean era um inse-
guro, idiota apaixonado.
— Oh, Dean, foi maravilhoso. Ele é o representante de maior prestígio no sul do país. Nita não se ca-
lava sobre as pinturas, e ela me deixou tão louca que eu finalmente enviei algumas fotos. Ele me ligou no dia
seguinte e pediu para ver tudo.
— E você não pode pegar um telefone e me falar sobre algo tão importante?
— Você tem o suficiente para pensar agora. Honestamente, Dean, se a sua linha ofensiva não lhe der
uma melhor proteção, eu...
— Blue... — Ele chegou ao fim da sua paciência.
— De qualquer forma, ele amou tudo! — Disse ela. — Vai me dar minha própria amostra. E você
não acreditaria nos preços que ele vai cobrar.
Já era o suficiente.
— Nós vamos trabalhar o casamento em torno dela. — Ele fechou a distância entre eles em dois pas-
sos, puxou-a em seus braços, e beijou-a exatamente como ele tinha sonhado fazer durante meses. Ela o bei-
jou de volta, também. Droga direito que ela fez. — Definitivamente vai acontecer um casamento, Blue. No
minuto em que a temporada acabar.
— Ok.
— Só isso?
Blue sorriu e acariciou sua mandíbula.
— Você é um homem firme, Dean Robillard. Quanto mais eu pintei, mais se tornou claro para mim.
E você sabe o que tornou-se tão claro? Ela passou o dedo sobre o lábio inferior. — Eu sou uma mulher fir-
me. Fiel a uma falha, e tão resistente como vêm. — Ele a puxou contra ele. Ela descansou sua bochecha con-
tra seu peito. — Você me disse que eu precisava crescer raízes, e estava certo. Era tão fácil ser feliz quando
estávamos juntos. Eu precisava torná-lo difícil. Sabendo que tenho uma família permanente ajudou muito.
É... me fez parar de estar com tanto medo.
— Eu estou contente. April é...
— Oh, não de April. — Ela inclinou o rosto para ele. — April é uma das minhas mais queridas ami-
gas, mas vamos enfrentá-la, você vai sempre vir em primeiro lugar com ela. — Blue pareceu ligeiramente
apologética. — A verdade é que, Nita me ama para melhor ou para pior. E, acredite em mim, ela não vai a
lugar nenhum até que alguém leva uma estaca em seu coração. — O sorriso dela cresceu em um ponto de
interrogação. — Estaria tudo bem se pedirmos a April para planejar o casamento? Francamente, eu prefiro
pintar.
— Você não quer planejar seu próprio casamento?
— Não muito. Casamentos não me interessam. — Ela olhou para ele com os olhos sonhadores, mais
ternos que ele já tinha imaginado. — Por outro lado, ser casada com o homem que eu amo... me interessa
muito.
Dean beijou-a com mais força até que ela suspirou e empurrou-o.
— Eu não aguento mais. Espere aqui.
Blue correu para cima, e apesar do fato de que estava se aproximando de hipotermia, ele estava mais
do que disposto a esperar para sair. Ele se moveu ao redor para se aquecer e viu que mais criaturas mágicas
tinham aparecido em suas paredes da sala de jantar, incluindo um dragão benevolente para o futuro. Ele
também notou que a porta da caravana foi pintada aberta e duas figuras minúsculas tinham a silhueta na ja-
nela.
Seus passos soara atrás dele. Ele virou-se. Se descontadas as botas de motociclista preto, ela usava
apenas um sutiã rosa de renda e pequenas calcinhas combinando. Sua Blue em rosa. Ele mal podia levá-la
dentro. Ela encontrou a coragem de usar roupas leves e pintar quadros suaves.
— Ganho de você!
Com um sorriso maroto, ela disparou na frente dele na cozinha e saiu pela porta lateral, suas peque-
nas nádegas espiando por debaixo da calcinha como pêssegos cortados ao meio. Ele perdeu alguns segundos
apreciando a vista, mas ainda assim conseguiu alcançá-la do outro lado do quintal. A chuva voltou a cair no-
vamente, e ele tinha perdido a sua toalha, que o deixou totalmente nu, descalço, e congelando até a morte.
Ela avançou novamente para que chegasse no trailer primeiro. Blue riu tão perniciosa como qualquer
um dos diabinhos que ela pintou. Gotas geladas brilhavam em seu cabelo, e as sombras de seus mamilos
aparecia através dos copos molhados de seu sutiã de seda. Ele a seguiu para dentro.
O trailer estava frio. Blue tirou os botas de motociclista. Dean tirou sua calcinha rosa úmida. Puxan-
do-a debaixo dele, que caiu na cama fria. Ele elaborou o edredom para que cobrisse os corpos trêmulos mo-
lhados, em seguida, puxou-o sobre suas cabeças. Em sua caverna escura, que aqueceu o outro com suas
mãos, seus beijos, seus corpos, e as promessas que eles precisavam fazer.
O granizo batia no telhado, tamborilava na pequena janela, e na porta azul. Eles deitaram juntos, per-
feitamente protegidos.

Epílogo

Fraques devem ter sido inventados para ser usados apenas por Dean Robillard, pensou Blue ao lado
dele no altar. Dean era tão deslumbrante que tinha de despi-lo mentalmente para não se sentir intimidada,
embora ela mesma parecesse incrível, graças ao vestido de noiva da estilista Vera Wang que April comprou
para ela. Colocar este casamento nas mãos de April foi a segunda decisão mais inteligente de Blue, a primei-
ra era se casar com este homem, que acabou por ter tantas inseguranças quanto ela.
Centenas de orquídeas brancas enfeitavam todo o santuário. Cristais costurados à mão brilhavam nas
curvas azuis pálidas dos bancos e pedestais florais. Mais cristais anunciavam a noiva e as iniciais dos noivos
no corredor. A igreja estava cheia de amigos e companheiros de Dean, que voaram para a cerimônia em fe-
vereiro, além dos novos amigos fizeram em Garrison. Graças a Dean, os Stars só perderam um pequeno jogo
do Campeonato AFC, um feito incrível, considerando seu início lento.
Jack estava ao lado de Dean como seu padrinho. Seu fraque era imaculadamente equipado como seu
filho, mas Jack tinha complementado com brincos de prata. Como dama de honra de Blue, April escolheu
um vestido longo azul, mais formal do que o vestido que escolheu para seu casamento no Havaí. O casamen-
to seria reservado somente para a família, embora de April e Jack deixaram Riley trazer sua melhor amiga
da escola, para ter alguém de sua idade. Dean já tinha dado a seus pais a terra ao redor da lagoa como seu
presente de casamento, e eles construiriam em breve sua própria casa.
— Quem dá esta mulher para se casar com este homem?
Nita ressuscitou no banco da frente. Estava majestosa em um cafetã azul de fluxo.
— Eu entrego, — disse ela em uma voz que não deixava espaço para debate. Nita havia andado pelo
corredor com Blue, que parecia perfeito para os dois. Virginia ainda estava na Colômbia, levantando-se para
aqueles sem voz. Dean tinha enviado a ela um telefone celular descartável, e ela e Blue se falavam com mais
frequência, mas Blue sabia que o telefone iria acabar logo em um orfanato ou ajudar um trabalhador que
precisava de cuidados médicos.
Riley levantou-se do banco da frente. Ela estava linda e feliz em seu vestido azul pastel com botões
de rosas brancas em seu cabelo escuro. Jack pegou sua guitarra para acompanhá-la na balada que escreve-
ram juntos para a cerimônia. A incrível voz de Riley encheu a igreja, e quando Jack se juntou a ela no refrão,
tecidos sussurrava em toda parte.
Era hora de falar seus votos. Dean olhou para ela, seus olhos brilhando com ternura, assim como
Blue suspeitava que o seus também estavam. Tudo bonito cercando eles: a luz de velas, as orquídeas, sua
família e amigos. Blue facilitou a ponta dos pés.
— Graças a April, — ela sussurrou — você tem o casamento que você sonhou desde que era uma
menina.
Boom da risada de Dean era mais uma razão pela qual ela amava esse homem com todo o seu cora-
ção.
***
Eles passaram a noite de núpcias sozinhos na fazenda. Na manhã seguinte voariam no jato de Jack
para a lua de mel em sua casa no sul da França, mas por esta noite eles estavam satisfeitos em estarem nus e
saciados na cama de edredons que fizeram na frente da lareira da sala.
Blue colocou seu joelho entre as coxas de Dean.
— Por dois caras que fazem o divertimento de homens abraçados, você e Jack certeza fizeram a sua
parte hoje.
Dean apertou os lábios contra seu cabelo.
— Pelo menos não tivemos que quase começar uma briga, o que é mais do que posso dizer.
— Não é minha culpa. Como eu saberia que Karen Ann iria decidir estragar nossa recepção?
— Aposto que ela nunca vai ameaçar outro bolo de casamento. Você mergulhou mais de dois line-
backers para chegar até ela.
Blue sorriu.
— Minha parte favorita foi quando April começou a gritar: Não, Blue! Você está vestindo Vera
Wang!
Ele riu.
— Minha parte favorita foi quando Annabelle saltou para ajudá-la.
Eles começaram acariciando o outro. Uma coisa levou a outra, e passou algum tempo antes de reto-
mar a conversa.
— Eu ainda estou tentando me ajustar a ter uma esposa rica, — disse ele.
— Mal. — Ainda assim, suas pinturas estavam vendendo como louco. Pessoas comuns, que não sa-
biam nada sobre a grande arte, mas sabiam o que gostavam, foram comprando-os tão rapidamente quanto ela
poderia acabar com eles. Seu trabalho também tinha dado a Dean a futura direção que ele estava procurando.
Ele e April entraram no negócio em conjunto, comercializando uma linha lunática de roupas baseadas nas
pinturas de Blue. April iria dar o pontapé inicial no próximo ano com alguns itens básicos. No momento em
que Dean se aposentasse, esperavam estar prontos para expandir em móveis e decoração da casa. Conside-
rando seu olho impecável para o estilo e visão para negócios de Dean, Blue não tinha dúvida de que seriam
bem-sucedidos.
Dean olhou para a enorme tela que dominava a maior parede da sala de estar, a razão pela qual eles
estavam comemorando sua lua de mel aqui em vez de lá em cima no seu quarto. Acariciou-lhe o ombro.
— Acho que nenhum noivo teve um melhor presente de casamento do que eu.
— Eu vi em um sonho. — Blue enfiou a cabeça na curva do pescoço dele. — Exatamente como ele
ia ser para nós. Quase não dormi enquanto trabalhava nele.
Blue pintou a fazenda, mas como todo o resto de suas criações, este era um mundo mágico de verão e
inverno, primavera e outono. Ela abriu as paredes da casa da fazenda para mostrar tudo o que acontece lá
dentro. Em uma sala, todos se sentaram ao redor de uma árvore de Natal. Em outra, eles cercaram uma velha
soprar as velas de aniversário. Filhotes brincavam na cozinha. A festa da vitória do Super Bowl acontecia no
quintal, e a celebração de quatro de julho enchia o pátio lateral. Na varanda da frente, uma pequena figura
em uma fantasia de castor, menos a cabeça, sentava em uma abóbora de Halloween. Um caminho bem trata-
do levou da fazenda para a lagoa, onde um pai e uma filha jogaram suas guitarras ao lado da água e uma mu-
lher com longos cabelos loiros levantava os braços para o céu. Cavalos pastavam. Aves fantasiosas se empo-
leiravam no telhado do celeiro. E logo acima da quina, um balão de ar quente descia com um par de sorri-
dentes bebês espiando por cima da cesta, sedutores natos cada um.
O anel de casamento de Dean brilhava nas chamas, enquanto apontava para o lado esquerdo da tela.
— O balão de ar quente é a parte que eu mais gosto.
Blue não teve qualquer dificuldade para descobrir o que ele queria dizer.
— De alguma forma eu sabia que você iria se sentir assim.
O trailer estava sob um dossel de árvores. Trepadeiras grossas ao redor das rodas, prendendo o trailer
firmemente no lugar. Ela e Dean estavam perto, e as pessoas que amavam dançavam ao seu redor.
FIM

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