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Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
“A cada dia,
Cada palavra que você falar,
Cada jogo que você jogar,
Cada noite que você ficar,
Eu estarei observando você.
Oh, você não consegue ver
Que pertence a mim?
Como meu pobre coração dói,
A cada passo seu?”
(The Police)
“Sonhei que estava me casando e acordei no desespero.
Vida de casado é boa, só perde para de solteiro.”
(Wesley Safadão)
Ele não pode ter feito isso comigo. Foi a única coisa que pedi.
E em uma semana ele quebrou essa promessa também? Já estava
com outra e a trouxe para casa, comigo aqui? Me senti tão
humilhada!
Me ajuda, Deus, eu preciso de uma solução para minha vida.
Vó, tu me abandonou também? Não olha mais por mim, daí do céu?
Eu preciso de ajuda, preciso de um lugar, preciso ir embora.
Estava tão desesperada e sem saída.
Por que tu fez isso comigo, pai? Por que me deixou? Eu teria
sim, limpado todas as tuas barras, eu sempre limpei. Eu disse que
não faria mais, mas sabemos que é mentira. Por que, pai, por quê?
Minhas pernas já não aguentavam mais sustentar o peso que
estava sobre os meus ombros. Sentei-me no chão do box e deixei a
água morna do chuveiro se misturar às lágrimas e aos soluços que
saíam do meu peito. Estou cansada de sofrer e não achar uma
solução. Cansei mesmo, de tudo.
Não ouvi ele entrar. Não ouvi me chamar, sequer abrir a porta
do banheiro e se aproximar. Mas senti a mão que segurou meu
ombro e me assustou. Dei um pulo e me virei. Rodrigo entrou no
box, de roupa e tudo, e agarrou meu corpo nu, apertando contra o
dele.
— Me perdoa — ele repetia — me perdoa! Eu não podia ter te
abandonado também, me perdoa. Eu te amo, Antônia, senti tua
falta, me perdoa.
Ouvir aquilo doeu ainda mais. Fez cada ferida sangrar. Ele fez
tudo de propósito, me deixou sozinha de propósito, esteve com
outra mulher de propósito, ele tentou me esquecer e me feriu ainda
mais. Mas não consegui resistir a ele. Devia, mas estava ferida
demais para negar ajuda. Eu necessitava urgente de socorro,
estava me afogando e alguém precisava segurar minha mão. Aceitei
a dele.
Rodrigo se sentou no chão e me trouxe para o seu colo.
Misturei-me a ele, como sempre fiz. Mergulhei meus dedos em seu
cabelo e o nariz em seu pescoço, que tem o cheiro que eu mais
amo neste mundo. Deus, é tão difícil amá-lo e não o ter.
Não sei quanto tempo ficamos assim, apenas abraçados e
chorando, Rodrigo também chorou. Então, toda a dor se esgotou,
cansei de chorar também. Não sei o que acontece. Em algum
momento, a gente para.
— Preciso ir embora, Rodrigo. Eu não aguento mais.
— Não — ele tirou os fios de cabelo do meu rosto — Me
desculpa por esta semana, não farei mais isso, eu juro.
— Não promete. Tu não cumpre. Eu te pedi só uma coisa e tu
não fez.
— A Vitória não está comigo, princesa. Ela é só uma amiga.
Eu pensei que teria tempo de te explicar ao chegar, não queria que
tivesse sido assim.
— Eu também sou só uma amiga, não é?
— Não assim, Antônia. Não tenho nada com a Vitória, eu e o
Felipe achamos que o Marcondes está interessado nela. Eles são
vizinhos. E ela é a fotógrafa da nova campanha da 4Ty.
Custei um pouco a absorver tudo aquilo, a entender. Fiquei
em silêncio, procurando naqueles olhos, da cor do infinito, o que era
verdadeiro.
— Por que tu me deixou sozinha todos esses dias?
— Porque estava doendo em mim também. Fui um idiota.
— O que tu fez? Por que voltava tão tarde?
— Eu fui no Marcondes domingo, depois no meu irmão.
Segunda, jantamos todos juntos, terça jantei com a Vitória — nossa,
meu peito amassou ali. Ele me deixou sozinha para jantar com ela.
— Quarta fomos na 4Ty e ontem eu e o Felipe jantamos no
Marcondes.
— Foi uma boa semana.
— Não foi. Senti tua falta, desesperadamente, todos os dias e
estive sentado diante da tua porta, todas as noites, antes de dormir.
Custou muito te evitar. Custou muito, princesa. E a tua?
— Uma merda. Me senti sozinha, como nunca tinha me
sentido na vida. Me senti intrusa aqui, tirando teu espaço e tua
privacidade, pois sentia que tu evitava estar comigo, de propósito —
minhas lágrimas voltaram e vi as dele correrem também — Me senti
encurralada e sem saída, pois não consigo um lugar para ficar e não
quero mais depender de ti. Mas o pior foi hoje. Me senti muito mal
naquela piscina, ao notar que tu estava feliz, conversando e rindo
com outra mulher.
— Só uma amiga, meu amor. Me perdoa, por favor.
— Ainda assim, tu riu e te divertiu com ela, enquanto eu jantei
sozinha e passei as noites sozinha, enquanto tu de divertia com os
amigos, teus verdadeiros amigos. Tu tem tudo, Rodrigo. Não precisa
de mim.
Rodrigo me observou por alguns instantes. Pensei que fosse
falar algo, argumentar, se defender, mas ele apenas se moveu.
— Vem, vamos sair dessa água — ele mudou de assunto e
me fez levantar.
Obedeci. Rodrigo me estendeu a toalha e tirou a roupa
molhada. Até suspirei, ao ver aquele corpo em que eu amava
brincar. Ele me olhou, com um sorriso triste, e passou a toalha pela
cintura.
— Também não estava fácil para mim, te ver sem roupa. Vem
— estendeu a mão e eu peguei, como sempre. Parou no meio do
quarto e me soltou —Todos que virão aqui hoje são teus amigos
também. Te arruma e desce, vamos comer um churrasco e
esquecer esta semana.
— Não estou no clima, Rodrigo…
— Eu sei. Mas vai ficar — ele beijou minha testa — Amanhã
vamos conversar sobre o resto, está bem?
— Está bem.
Rodrigo me encarou por um instante. Tinha o rosto sério e
uma expressão triste. Suspirou e soltou meus ombros, se afastou e
saiu do quarto. Eu fiquei esperando ter coragem para descer até a
festa. Por fim, a fumaça do churrasco fez isso por mim. Desci.
“Estamos conversando à toa,
Eu não sei o que dizer,
Direi de qualquer maneira.
Hoje é outro dia para encontrar você se afastando.”
(A-ha)
Será que existe uma forma desse dia piorar? Existe. Márcia
acabou de chegar ao camarote. E o que fez? Veio diretamente até
mim.
— Oi, sumido. Aliás, desaparecido.
— Não estou com disposição para conversar sobre isso,
Márcia. Desculpa o fora, mas não estava no clima.
— E por que me chamou, então?
— Mudei de ideia depois. Muita gente — tentei sorrir e
descontrair.
— Eu não me importo com petit comitê — a médica disse ao
meu ouvido e passou a língua pelo meu pescoço. — E já sabemos
que não tem nada pequeno aqui — ela escorregou a mão e apalpou
minha bunda.
— A noite recém começou, Márcia. Vai beber um pouco,
dançar, aproveita.
Afastei-me dela como se fugisse do próprio diabo me
tentando. Não vou nem fingir que não sei o que me deu, eu sei bem.
Deu pavor da Antônia me ver com ela. Aliás, logo da Antônia, que
não merece consideração alguma depois da dor que provocou no
meu peito, ao jogar na minha cara que não quer nada de mim, nem
a minha amizade.
Olhei em volta e não vi uma pessoa com quem quisesse
conversar, muito menos transar e usar para esquecer a Antônia.
Porque é isso que terei que fazer. Esquecer, pois ela não me quer
mais. Senti uma mão leve no meu ombro e me virei, para ver quem
é a da vez.
— Está sério hoje — Bianca, uma morena espetacular, falou,
apoiando os braços na balaustrada, como eu estava fazendo.
— Estou observando o movimento da casa — disfarcei.
— Está bem cheia para uma noite de verão.
— Verdade. Mas semana que vem tem Planeta, vai cair um
pouco.
— Os bebês vão brincar em outra pista — ela sorriu.
É bem isso. Nosso público é jovem, varia entre 18 e 35 anos.
Os mais velhos consomem mais, enquanto os novos vem mesmo
pela presença e pela música. Bianca começou a falar de uma casa
noturna que foi, em Los Angeles, e fingi estar interessado. Estava
mesmo é curioso para saber o que o Marcondes foi fazer com a
Antônia e ainda não tinha retornado. A cara com que me olhou, ao
sair do camarote, me dizia que estava prestes a fazer besteira.
Felipe e Vitória nos interromperam, convidando para dançar.
Fui quase arrastado pela morena, que agarrou minha mão e decidiu
que, assim, tomava posse. Para minha surpresa, encontramos o
Marcondes e a Antônia dançando juntos. Havia um espaço de uns
dez centímetros entre eles, mas os braços dela estavam ao redor do
pescoço dele e meu amigo a segurava pela cintura.
Nem me dei o trabalho de abrir a roda. Passei os braços pela
cintura da Bianca e copiei a postura do Marcondes. Ele me olhou
assustado e girou no lugar, para que Antônia não nos visse. Bianca
olhava para mim, eu olhava para o Marcondes, ele olhava para
Antônia, que não olhava para ninguém. Dançamos duas músicas
assim, até que ela cochichou algo no ouvido do Marcondes e ele
concordou. Deram as mãos e saíram da pista.
Soltei a Bianca, que já estava se considerando a escolhida da
noite. Talvez fosse, se conseguisse se comportar e eu conseguisse
acalmar o desespero que sentia no peito. Eu sei que ele não fará
nada com a Antônia. Respeitamos, sempre, esse limite. Dividimos
apenas as que não eram importantes, jamais as que nos são caras
e por quem tivéssemos algum sentimento. O espaço que deixou
entre seu corpo e o dela, era a prova disso. Mas o Marcondes a
disputava comigo de outra forma. Ele queria que eu cuidasse e se
colocava como uma opção para a Antônia. E o pior é que dele, ela
aceitaria tudo. Ela não acha que deve qualquer coisa ao Marcondes.
Diversas músicas depois, meu amigo retornou à roda sozinho.
Sinalizei, perguntando por ela, mas ele fez um gesto que dizia que
não sabia.
— Cadê a Antônia? — verbalizei a pergunta ao seu ouvido.
— Estávamos no bar, fui ao banheiro e quando retornei, não
estava mais. Pensei que estivesse aqui. Deve ter ido ao banheiro,
também.
Tentei relaxar, juro. Mas ela demorava para aparecer. Fui
pedir socorro em Vitória, interrompendo sua dança com Felipe.
— Pode ir ver se a Antônia está no banheiro feminino? Faz
tempo que ela sumiu.
Vitória concordou e foi. Voltou com um sorriso reconfortante,
avisando que encontrou Antônia dançando perto do banheiro.
— Dançando?
— Com um amigo — completou.
Meu corpo doeu inteiro. Deve ser essa a sensação quando
alguém recebe uma descarga elétrica. Ela não vai fazer isso
comigo, essa pirralha não vai ficar com outro, na minha casa. Pedi
licença e sai, parecendo uma bola de boliche, derrubando os pinos
na minha frente. Fui na direção dos banheiros, sem dar atenção a
ninguém que tentou me cumprimentar.
Vou acabar com essa palhaçada, agora!
“Ela já se machucou demais,
Promete que vai ser um bom rapaz.
E se ela disser vem, ‘cê pega e vai
E não solta nunca mais.”
(Fernando e Sorocaba)
Mas os dois ticks nunca ficavam azuis. Ela não olha. Bella é
assim, quando se irrita, ou se magoa, leva uma eternidade para
perdoar. Ela está furiosa porque assumi o Rodrigo, lá em Punta
ainda, e não estava lendo minhas mensagens, desde então. Ela não
leu sequer o que lhe escrevi sobre o meu pai.
Mia chegou, vindo da piscina com o namorado. Ele dormiu
aqui, pois quando chegamos, o carro estava na garagem. Os dois
se sentaram ao redor da mesa e começaram a beliscar as frutas e o
suco que a Maria serviu.
— Como foi a festa? — Mia me perguntou, pois o pai não
tirava os olhos do telefone.
— Foi boa, como sempre — sorri para ela, que espremeu os
olhos na minha direção, achando pouca informação.
— Pai, estou pensando em fazer minha festa de dezessete
anos na 4Ty — ele fez apenas um som grave, indicando que ouvia,
enquanto digitava — Uma festa fechada, claro. Apenas com convite
e autorização para os menores de idade.
— Não vou servir bebida alcoólica, desiste.
Rodrigo finalmente soltou o aparelho e ergueu os olhos para a
filha, que revirava as próprias órbitas.
— Que caretice. Tu sabe que todo mundo bebe nas festas.
— Não estou a fim de levar uma multa por isso.
— Poderia ter duas pulseiras, de cores diferentes, para quem
é maior de idade — Pedro sugeriu e recebeu um olhar duro de
Rodrigo.
— E eu sou o idiota que nasceu ontem, e não sabe que logo
esses copos vão circular mais do que os outros. Não perde tempo.
— Pai, todo mundo bebe! — Mia se desesperou, mas Rodrigo
nem se abalou.
— Ano que vem fazemos a festa na 4Ty e não haverá
problema algum. É uma casa noturna, para maiores de dezoito, e
não quero problemas com a fiscalização.
— Ninguém vai denunciar — Pedro ainda tentou, mas
Rodrigo o ignorou.
— Se quiser fazer aqui, contrata a organização e faz. Mas na
4Ty, não.
Fiquei até admirada, ele nunca nega nada para a pirralha. Ela
reclamou e argumentou, mas ele nem respondeu mais, pois o
celular voltou a atrair sua atenção. Então, me olhou:
— Vem comigo — Rodrigo se ergueu e estendeu a mão. Em
seguida, se virou para a filha e anunciou — Mia, estamos
namorando.
— Sério? — Ouvi a voz surpresa da Mia e sua boca aberta. —
Fico bem feliz por vocês. Aliás, isso prova que tenho juízo, já que
precisei colocar algum em ti…
— Não tenta levar os créditos — Rodrigo disse, sem humor, e
começou a andar.
Ele me levou até o escritório e se sentou em sua cadeira
poderosa. Abriu o notebook e eu aguardei, sem saber o que ele
queria. Só me ocorreu uma suspeita:
— Este vai ser o quarto cômodo?
— Safada!
Rodrigo tirou os olhos da tela, rapidamente, enquanto
digitava. Depois, afastou a cadeira e bateu na perna, pedindo que
eu me sentasse. Em dois segundos, eu estava bem acomodada
sobre aquela coxa grossa, observando a tela aberta. Era o site de
uma imobiliária famosa da capital.
— Pedi para um corretor conhecido separar as melhores
opções de apartamento no Centro — explicou. — Vamos olhar
juntos e tu me diz como imagina. Esses são apenas alguns, assim
que ele souber o que tu espera, pode melhorar as opções.
— Rô... — fiquei sem fala — Eu nem sei o que quero. Não
tinha pensado ainda. — Virei-me para ele e toquei seu rosto.
Rodrigo estava sério. Poderia dizer até desconfortável. — Tu não
precisa fazer isso.
— Tu também não, mas nenhum de nós vai mudar de ideia,
não é?
Respondi que não e ele voltou a olhar a tela. Tinha algumas
opções de apartamentos de um e dois dormitórios, em edifícios mais
antigos. Ele reclamou disso, mas a localização é importante para
mim. Rodrigo estava visivelmente incomodado e agora eu já sei o
motivo.
— Tem que ser no Centro? Olha, na Cidade Baixa tem
opções mais modernas e com garagem — ele digitou a nova
pesquisa e realmente, as opções eram bem melhores.
— Eu tinha pensado no Centro, para poder abrir mão do
desconto do vale transporte, no começo.
— Por Deus! — Ele fechou a tela, irritado — Eu não aguento
isso, Antônia!
— É a minha realidade e de boa parte da população
brasileira.
— Mas não precisa ser. Tu é minha namorada, Antônia, a
mulher que eu amo! Como tu espera que eu aceite te ver trocar vale
transporte por comida? Tem tudo isso aqui — ele abriu os braços.
— Tu disse que entendia…
— Eu disse que estava tentando entender, mas não é o que
eu quero. Por que não podemos manter o acordo inicial? Tu vai
estudar, te qualificar melhor e vai chegar o dia em que poderá
bancar tudo. Mas agora, princesa, não me parece que tenha
condições de fazer isso sozinha.
— Não acredito que tu vai dar para trás — reclamei.
— Ok. Vamos colocar no papel, então — ele puxou um bloco
de anotações e uma caneta. — Qual é o teu salário líquido?
— Não vou te dizer.
— Vai sim.
— Tu vai achar pouco e dar por encerrada essa conversa.
Eu mesma achava pouco, quem dirá ele, que gasta mais do
que o meu salário em um vinho.
— Eu tenho certeza de que é pouco, tu mesma já deixou isso
bem claro. Vou chutar dois mil reais.
Menos, pensei, mas calei. Ele começou a colocar no papel
cada mísera despesa que eu teria, morando sozinha. Rodrigo tem
uma boa ideia de como a vida é. Fui preconceituosa ao imaginar
que, por ser tão rico, ele não soubesse o valor real das coisas. O
total que sobrou era ínfimo e seria ainda menor na verdade, porque
ele chutou alto meu salário.
— Tu vai conseguir passar um mês com isso, Antônia?
— Acontece que dá para rever, por exemplo, a despesa com
alimentação.
— Não, não dá — disse, sério, e resolvi nem falar sobre meus
planos de comer sardinha em lata, porque o homem ia me amarrar
no pé da mesa. — Contra números não há argumentos, Antônia.
— Rô… — suspirei, frustrada.
— Eu sei que viver aqui sem carro é difícil, então compro um
para ti, pode ser? Assim tu não precisa acordar cedo demais para
pegar o ônibus.
— Mas não é só por isso, Rodrigo — levantei daquele colo
para poder pensar melhor — Não posso transferir a dependência
que tinha do meu pai, para ti. Não é saudável para o nosso
relacionamento. E se um dia a gente brigar, tu te cansar de mim,
vou estar na mesma situação.
— Quanta merda! Tu te escuta? Eu te amo, Antônia. A gente
pode brigar, porque casais brigam, mas eu jamais te chutaria daqui!
E não estou te dizendo para ficar acomodada. Nesse meio tempo,
procura outro lugar para trabalhar, faz o que for preciso para ter uma
profissão que te remunere devidamente e que te realize. Não estou
te pedindo para se anular, estou te dando a chance de crescer
profissionalmente, já que sozinha, tu terá que escolher entre comer
e andar de ônibus.
— Exagerei um pouco ali…
— Não quero nem imaginar onde tu pretendia morar, se essas
despesas já estão pesadas para o teu orçamento e não têm um
aluguel incluído — ele me olhou com irritação.
— Rô… — gemi de novo, sem conseguir encontrar
argumentos contra ele.
— Vem aqui, princesa — Rodrigo abriu os braços e eu fui,
como a boa cadelinha que sou. Sentei-me esparramada sobre seu
colo e ele segurou meu rosto, me fazendo mergulhar em seu
oceano — I was born to take care of you, every single day of my life
(Eu nasci para cuidar de você, todos os dias da minha vida). — Ele
recitou o verso da nossa música e suplicou — Me deixa fazer isso?
Suspirei. Sou tão apaixonada por este homem, que não vejo
outra saída a não ser aceitar. De novo, estou nas mãos dele. Literal
e figuradamente. E pior que não tenho vergonha alguma de
confessar que isso tira um peso imenso das minhas costas, pois eu
estava apavorada com o futuro que via para mim. Será que nunca
conseguirei ser a mulher forte e fodona que vejo nos livros? Uma
mulher independente, que encara a vida de peito aberto, pronta para
se reerguer a cada tombo? Será que sou a única assim?
Acho lindo quando uma protagonista fraca, injustiçada ou
vitimizada se reergue, toma a frente de sua vida e sai derrubando os
obstáculos. É o que a gente quer ler, não é? A ficção que nos distrai
da escuridão do mundo. Mas na vida real, as dores são bem mais
profundas, os traumas e os medos são de carne e osso, ninguém
muda do dia para a noite. A gente tenta, escorrega, tenta de novo,
às vezes desiste no caminho, se acomoda. Essa era uma frase
frequente da minha avó, que me alertava sobre o quanto a vida é
mais cruel do que nos livros.
Rodrigo aceitou meu silêncio como concordância. Beijou
minha boca e alisava minhas costas, tirando-me qualquer
possibilidade de raciocinar. E eu comecei a sentir os primeiros
sintomas de uma excitação poderosa nos tomar. Ele me ergueu pela
cintura e me acomodou sobre a mesa, onde antes estava o
notebook. E quando se enterrou em mim, veio falar ao meu
pescoço:
— Também tem isso, nós, todos os dias… Vai abrir mão de
me ter de manhã, ao acordar? Dos nossos banhos, que agora
podem ser ainda melhor aproveitados — ele colocou os olhos
divinamente azuis em mim e sorriu — De dormir todas as noites
abraçada comigo?
— Todas?
— Na minha cama, no meu quarto, — ele sussurrou no meu
ouvido — todos os dias.
— Covardia, Rodrigo — gemi. Ele sabe que amo isso.
— Tu é minha mulher, Antônia. Aceita o que estou te dando.
— Estou aceitando — olhei para baixo, na direção do nosso
encaixe, e mordi o lábio, com a intenção de parecer sexy.
Rodrigo fez um som que pareceu um rosnado raivoso e
agarrou minha boca com fúria. Eu me enrosquei naqueles cabelos
cheirosos e me segurei, pois os embalos de sábado de manhã me
levavam para outra explosão poderosa. Minha vida deixei nas mãos
dele. Fazer o quê? Sou fraca.
Dei outra risada. Ele está muito puto, dá para perceber, caso
contrário, jamais negaria a carona, uma oportunidade de ir
azucrinando a mulher por 600 quilômetros. Vitória realmente tirou
meu amigo do sério, e isso é muito difícil de acontecer.
A segunda amanheceu chuvosa, combinando com meu
humor, que não estava diferente desde ontem. Na verdade, desde a
madrugada, quando Marcondes saiu da cama, furioso comigo. Eu
até entendo que não esteja acostumado a levar um fora e fui cruel
em fazer isso, naquele momento. Mas tive meus motivos.
Ele é delicioso, pelamordedeus, que homem! Para começo de
conversa, pretendia ficar só no jantar mesmo, retribuir a gentileza da
manhã. Mas, então, abri a porta e tinha um espetáculo de homem
na minha frente, tão perfumado que deixei de sentir o aroma da
comida. Aquele perfume encheu meu olfato e fez uma parte ingrata
se interessar pelo convidado. Porque ele é um safado, convencido,
grosseiro e que não gosta de animais, mas é lindo pra caramba!
E beija que é um negócio… Já tinha sentido na 4Ty e
percebido que entregaria a chave do tesouro facilmente, se o
deixasse me beijar outra vez. Tem um gosto fresco, mentolado, um
beijo úmido na medida certa e com uma pegada, que me faz
entender todas as mulheres que já vi saírem daquele apartamento,
nesta semana. E acho que este é o meu ponto.
Não gosto de promiscuidade. Sou careta? Sou. Fazer o quê
se isso sempre foi tabu na minha família e fui educada num colégio
de freiras, muito rigoroso? Claro que quebrei as regras e tive
experiências antes de casar. Mas foram poucas. Luciano foi meu
terceiro parceiro sexual e foi com ele que casei e passei dez anos
da minha vida. Eu tenho trinta e dois, então dá para ver que o leque
de opções não foi muito grande.
E para piorar a situação, meu marido me traiu e quando
descobri, justificou que o sexo comigo estava se tornando repetitivo,
sem graça e careta, assim o bonito foi procurar novidade fora. E
achou no trabalho, com uma colega muito disposta a quebrar tabus
com ele, inclusive a regra que diz que um casamento exige
fidelidade e respeito.
E agora, esse deus do sexo, o garanhão que tem um harém
em forma de casa noturna, deve pensar o mesmo de mim. Mas em
minha defesa, não estou acostumada com nada diferente. Beijos,
carícias, penetração, goza quem consegue, acaba a brincadeira.
Com o Luciano era essa a receita, com raras alternativas. Jogo
rápido.
Percebi que com o Marcondes seria algo mais intenso,
vagaroso e delicioso. Isso me assustou também, sem saber se
conseguiria acompanhar. Não sou como essas outras que ele traz
para casa. Sem falar que foi a primeira vez, depois do Luciano…
Enfim! Só podia dar na porcaria que deu. E agora estou fugindo
dele.
Passei o domingo trancada em casa e comi o resto do risoto,
para não abrir a porta nem para o entregador do Ifood. Me
empanturrei naquele cheesecake de cereja delicioso durante a
tarde, vendo uma série. Mas agora não tenho mais desculpas para
bancar a covarde.
Falar é fácil, fazer é que são elas. Quero ir até a academia do
prédio e dei uma espiada pelo olho mágico, para ver se o corredor
estava livre. Girei a chave com calma, sem fazer barulho, e abri a
porta aos poucos, passando a cabeça por ela como uma tartaruga
que sai do casco, insegura. Ok, Passagem liberada. Fechei a porta
e quase corri até o elevador. Apertei o botão cinquenta vezes, para
ver se ele acelerava, mas parecia travado no terceiro andar.
Olhei para a porta do meu vizinho-mala e permanecia
fechada, mas minha perna se agitava. Não conheço os horários dele
a ponto de saber se está em casa ou se já saiu, mas o que menos
quero é dar de cara com o Marcondes, pelos próximos mil anos.
O elevador começou a se mover e vi os números no indicador
de andar trazê-lo para mim, então respirei aliviada. Sete… Oito...
Puxei a porta com pressa e fui presenteada com a visão do inferno.
Tinha um casal se agarrando dentro do elevador. Ele estava
de costas, com a mulher presa em sua cintura, as pernas
contornando o corpo forte. O homem escondia o rosto entre os seios
dela, que gemia, de olhos fechados.
E, claro, é o meu vizinho. Marcondes começou a andar de ré,
provavelmente ao sentir que o elevador parou, e desgrudou a
morena do espelho atrás dela. Só então abriu os olhos e seu olhar
caiu no meu, através do reflexo, por um instante suficiente para que
me reconhecesse e voltasse a investir no peito da mulher. Desviei,
ainda segurando a porta para que passassem.
Decidi não me abalar, nem demonstrar qualquer emoção. Sou
excelente em disfarçar. Fingi que era o entregador de uma pizza que
não pedi. Não me diz respeito. Marcondes passou por mim, com a
mulher ainda agarrada em seu colo, e também fingiu que não me
viu. Ótimo! Excelente!
Entrei no elevador e apertei o térreo. O cheiro dele estava por
tudo ali e me desconcertou. De onde sai tanta mulher? Em plena
segunda, antes do meio-dia? Sério isso? Ele deve ter um aplicativo
de acompanhante naquele celular. Nojento, asqueroso, promíscuo.
Ainda bem que não transei com ele.
Rodrigo: Como foi com a Bella? Ela estava com uma cara
péssima.
Antônia: Foi péssimo mesmo. Mal falou comigo, até agora.
Rodrigo: Ela não sabe nada de nós, não deixa ela te atingir.
Antônia: Prometo.
Rodrigo: Ih, já vi que vou me lascar… Tu prometeu… —
emojis nervosos.
Antônia: Ok. Não prometo nada!
Rodrigo: Agora sim, fico mais tranquilo. Já estou com
saudades.
Antônia: Te amo, meu rei.
Rodrigo: Meu reino por ti.
Valentina: Oi, filha. Eu sei, faz anos. Não vou pedir teu
perdão ou me justificar. Não existem palavras, em qualquer idioma,
que justifiquem uma mãe se afastar de sua pequena filha. Tu eras a
luz da minha vida, a única pessoa que eu amei mais do que a mim
mesma. Tu terás filhos, um dia, e poderás mensurar o tanto de amor
que cabe em um colo materno. Te deixar foi o que fiz de mais difícil,
mas foi necessário, Tatinha. Eu não era boa para ti. Eu não era boa
para mim mesma. E precisava ser, para um dia poder retornar.
Adoro voltar para casa. Amo viajar, mas amo minha casa com
devoção. Tudo nela é como eu gosto e tem meu jeito. Depois de
dois anos casado com a Carla, ter meu próprio espaço foi uma
realização que não desejo abrir mão, nunca mais. Gosto das coisas
que conquistei e me sinto em paz dentro daquelas paredes
decoradas como eu quis.
Por isso, estou surpreso comigo, que aceitei, sem reservas, o
convite de Vitória para ficar em seu apartamento, assim que
chegamos de Floripa. Tudo bem que ela me comprou balançando
aquela raba gostosa ao descarregar o carro e caminhar na minha
frente, até o elevador. E já dentro dele, ela me fisgou pelo
estômago, prometendo um jantar em retribuição à carona. Quem
sou eu para negar sexo e comida, não é?
Agora estava ali, amolecido e sonolento, após uma foda
violenta, ouvindo o som do chuveiro, sem ânimo para me juntar a
ela. Dirigi quase sete horas, surfei como há tempos não fazia,
dancei até me arrebentar e transei em todos os momentos vagos.
Saudade dos meus vinte anos, quando fazia tudo isso, em um dia
só, e ainda ia estudar na manhã seguinte.
Sorri ao lembrar do meu avô dizendo:
— Economiza um pouco agora, porque depois vai fazer falta.
Não economizei nada, nunca. Agora a conta chegava. Ai,
Deus, tô ficando velho e resmungão, como o meu pai! O som do
chuveiro me embalou, eu tentei manter os olhos abertos e ler as
legendas do filme na televisão, mas, por fim, fui tragado pelo
cansaço.
Acordei com algo áspero lambendo meu rosto e um cheiro
estranho invadiu meu nariz. Tem um peso em cima das minhas
costas e uma coisa gelada cheira a minha orelha. Sacudi-me,
assustado, pois aquela coisa peluda nojenta estava em cima da
cama e se jogou em mim outra vez, buscando meu rosto. Segurei
seu corpo, mas aquilo parece conectado em 220 volts, não para de
pular e latir:
— Vitória! — gritei, pois alguém tinha que controlar aquele
cão! — Vitória!
— Tu tá acompanhada? — escutei uma voz masculina falar
com aspereza.
— Vai embora, eu já entendi sobre o remédio — Vitória
respondeu.
— Quem é, Vic?
— Sai, Luciano!
Opa! Temos um machinho ciscando no meu terreiro,
querendo cantar de galo aqui. Joguei a coisa peluda longe e ela
voltou correndo para mim, de certo pensando que eu estava
brincando. Quase saí correndo do quarto, pois o bicho veio atrás.
— Não te devo satisfações, agora vai! — Vitória estava com o
braço estendido na direção da porta e o Luciano tinha as duas mãos
na cintura, com uma postura visivelmente irritada.
— Temos companhia para o jantar, Vi? — questionei e os dois
me encararam.
— Esse cara não tem roupa? — Luciano perguntou, pois,
outra vez, eu estava apenas de cueca.
— Não vale a pena o trabalho de pôr, só para tirar em
seguida, mas acho que tu não entende muito disso.
— Marcondes, não piora as coisas — ela me olhou irritada e o
bicho aos meus pés não parava de pular.
Juntei a coisa peluda feita de molas e, com a mão livre, grudei
o braço do Luciano, direcionando os dois para o lugar onde os
queria: fora do apartamento. Aproveitei a porta aberta e lancei o
bicho, seguindo de um empurrão no papai dele.
— Tchau — comecei a fechar a porta, mas ele impediu com a
mão.
— A Flor fica — e o bicho, que parece entender a língua do
cachorrão ali, entrou correndo e veio lamber meus pés.
— Vitória — reclamei e ela tirou o Taz de mim.
— Ele trata nossa cachorrinha assim e tu ainda dá pra ele? —
O desprezo estava estampado na voz e na cara dele — Que
papelão, hein, Vic?
— É sério isso? — ela explodiu e se não tivesse feito, eu faria
— Some daqui, Luciano! Vai te foder!
E para mim, foi a deixa para bater a porta na cara de tacho
dele. Vitória caminhou, batendo os pés, até a área de serviço e
voltou de lá sem o cachorro.
— Tu podia ter te vestido, né?
— Podia, mas o teu bicho avançou em cima de mim, quase
me estuprou.
— Marcondes! — reclamou.
— É sério — comecei a caminhar até o banheiro, pois lembrei
que estava cheio de baba canina — Me lambeu todo, que nojo!
Tirei a cueca e entrei no banho, pois só isso conseguiria tirar
daquele cheiro de cachorro de mim.
— Tu é um fiasco — Vic tentava manter a seriedade, mas
estava a um passo de rir.
— O que o estrupício do teu ex queria, além de devolver o
Taz? — Comecei a me ensaboar e Vitória se recostou no marco da
porta, de braços cruzados, me observando.
— A Flor ficou doente, teve febre e o veterinário pediu para
observar. Pode ter sido saudade, só isso. Ele receitou uns florais
para acalmá-la e ajudar a superar a nossa separação.
Gargalhei, né? Puta merda!
— Vai marcar consulta com psicólogo para o bicho também?
— Insensível — Vitória foi até a pia e pegou a escova, que
passou pelos cabelos, já quase secos.
— Fala sério, Vi! É só um animal. Tem criança que não recebe
nem metade desse cuidado.
— Eu sei. Mas é meu bichinho, se posso dar conforto a ela,
não seria crueldade negar?
Desisti de argumentar, ela trata o bicho com uma criança.
Olhei para as diversas opções de potes e tentei descobrir qual deles
era o shampoo. Por que as mulheres precisam de tantas coisas
para tomar banho? Escolhi um e um líquido azul escuro escorreu na
minha mão.
— Esse é para não amarelar os fios, pega o outro — Vitória
avisou.
— Qual, então?
— O branco.
— Tem três brancos aqui!
Ela abriu a porta e estendeu o braço, reclamando que não eu
não sabia ler os rótulos, e ia selecionar um, mas a puxei para
dentro. Vitória deu aqueles guinchos femininos histéricos e eu
grudei o corpo dela ao meu.
— Mala! Eu tenho que ver o jantar, vai queimar a lasanha.
— Nem tem cheiro de lasanha ainda, relaxa.
Puxei o vestido, depois tirei a calcinha. E enquanto ela gemia
gostoso ao meu ouvido, mostrei a ela novas possibilidades que
aquele ex-marido idiota nunca explorou. Ele pode ter casado com
ela, mas nunca foi um homem para Vitória. E tem algo aqui no meu
peito, me dizendo que eu estou adorando ser.
Hoje faz uma semana que não nos vemos mais. Quer dizer,
nos esbarramos no corredor, na porta do elevador e trocamos e-mail
sobre as fotos. Tudo friamente. Oi, bom dia, obrigada, anexo
aprovado, favor encaminhar para o departamento de publicidade,
para publicação. Não fui à 4Ty, nem a trabalho e nem a lazer. Mas
também não percebi movimentação de mulheres no apartamento. A
única constância em nossa vida é a Flor, que ainda insiste em correr
para ele, quando o vê.
No primeiro dia, achei que poderíamos conversar, de cabeça
fria. Tentei puxar o assunto, mas ele me cortou:
— Não precisamos falar sobre isso. Somos adultos e está
tudo bem, Vitória.
Ele entrou no elevador, apertou o botão e focou a atenção no
celular. Estava lindo, com um terno slim e camisa azul claro,
cheiroso como deve ser o céu dos safados. E todo meu corpo
desejou estar agarrado ao dele, minha boca salivou por seus beijos,
minha pele ansiou por seus toques quentes e macios. Mas apenas
soltei a porta e o deixei ir.
Não dá para dizer que estou bem com essa distância. Estou
sentindo falta dele todos os dias e temendo ouvir os sons de risadas
femininas no corredor. Para ser bem sincera, estou sentindo falta
até das implicâncias dele com a Flor. Agora Marcondes passa a
mão na cabeça dela, levemente, e eu invejo minha cachorra, que
recebe alguma atenção daquele homem. Para mim, nem um sorriso.
Abri meu celular e vi que tinha uma mensagem da Antônia.
Temos nos falado bastante, nesses dias. Hoje, mais cedo, enviei
para ela uma das fotos que fiz dos três sócios, na praia. Enviei
porque vou apagar dos meus arquivos e não quis perdê-la.
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