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COPYRIGHT ©2023 SILVIA MEIRELLES KAERCHER

Texto: Sílvia Meirelles Kaercher


Revisão e preparação de texto: Priscila Fontoura Castelano
Diagramação: Taty Aguiar
Capa: Taty Aguiar
Produção: Débora Peres
Editora: Cinco Gatas

Classificação: +18/contém cenas íntimas entre casal e


linguagem imprópria.

Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou


a reprodução de qualquer parte desta obra, qualquer que seja a
forma utilizada — tangível ou intangível, incluindo fotocópia — sem
autorização por escrito do autor.

Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas,


acontecimentos e locais que existam ou que tenham
verdadeiramente existido em algum período da História foram
usados para ambientar o enredo. Qualquer semelhança com a
realidade terá sido mera coincidência.

Uso de linguagem coloquial, reproduzindo a fala regional.


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SUMÁRIO

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
“A cada dia,
Cada palavra que você falar,
Cada jogo que você jogar,
Cada noite que você ficar,
Eu estarei observando você.
Oh, você não consegue ver
Que pertence a mim?
Como meu pobre coração dói,
A cada passo seu?”

(The Police)
“Sonhei que estava me casando e acordei no desespero.
Vida de casado é boa, só perde para de solteiro.”
(Wesley Safadão)

Por essas e outras que não me apaixono. Entregar a minha


felicidade nas mãos de outra pessoa é algo que morro, mas não
faço mais. Acabei de ver meu melhor amigo, que também já devia
ter aprendido essa lição, levar um chega para lá da mulher por
quem se apaixonou. Ele acha que não percebo os olhares de
cachorro pidão que lança para ela, enquanto arrumamos as caixas
da mudança? Mas eu noto. Eu o conheço como a mim mesmo.
Antônia está de mudança para a casa do Rodrigo, com quem
acabou de terminar o namoro rápido que tiveram. Em duas
semanas, eles passaram de desconhecidos ao amor para sempre,
que terminou hoje. O motivo? O pai dela desapareceu, a deixou
sozinha no mundo e meu amigo é o cara mais foda que eu conheço
e por isso, vai abrigar a mulher que ama, mesmo ela estando
decepcionada com ele. Parece confuso?
Rodrigo está novamente à beira do desastre. Está se
segurando à esperança de que a Tatá, ficando em casa com ele, o
perdoe. Eu percebo os olhos levemente inchados que provam o
quanto já chorou por ela. Eu até entendo, um pouco. Antônia é a
mulher perfeita para ele, eles combinam muito e o Rodrigo estava
feliz. Eu a adoro, também. Alegre, descolada e bonita. Até o
incentivei a enfrentar os problemas deles e assumi-la. Mas a Tatá
não conseguiu superar a revelação de que Rodrigo teve uma paixão
pela mãe dela. Foi o que ele me disse, por alto, na ligação que me
fez, pedindo caixas, mão de obra e o carro, para ajudá-la na
mudança para sua casa. Ah, meu amigo! Em que porra de bagunça
tu foi se meter?
Rodrigo é um cara generoso, sensível e meu amigo desde a
sexta série. Nossas vidas se entrelaçam mais do que os neurônios e
suas sinapses. E para piorar, ainda adicionamos o Felipe nessa
equação, quando o conhecemos no segundo ano do Ensino Médio,
recém transferido do interior para cá. Somos como os três
mosqueteiros modernos, o trio mais desejado de Porto Alegre.
Solteiros. Ricos. Pegadores. Donos das casas noturnas mais
badaladas de Porto Alegre, Florianópolis e Punta del Este (se o
povo de lá começar a trabalhar direito). Então, o Rodrigo caiu de
amores por essa menina, criando uma confusão cósmica na vida
dele e na dela. Mas eu estou aqui, como sempre estive, para juntar
os cacos e varrê-los para debaixo do tapete.
Terminada a parte das caixas, carregado o carro, fiquei
observando a Tatá caminhar até a lixeira, de cabeça baixa, e
despejar lá o molho de chaves. Essa menina está tão ferrada na
vida, que meu peito aperta. Abandonada pela mãe aos quatro anos
e pelo pai aos vinte e três, no mesmo dia em que descobriu que o
namorado foi apaixonado por sua mãe, na adolescência. Só falta
acrescentar uma doença terminal e o Prêmio Nobel da Sofrência vai
para Maria Antônia Avillez. Mas a guria não merece nada disso.
Nem meu amigo, que se apaixonou de verdade, depois de duas
décadas. Mas a vida não é feita só de histórias bonitas,
convenhamos.
Chegamos na casa do Rodrigo e ajudei novamente com as
caixas. Tatá só chora. Rodrigo só suspira. Toquei em seu ombro, ao
terminarmos:
— Vai ficar de boa, cara? — Toda a minha preocupação é
com ele.
— Vou. Obrigado pela força.
Vi os olhos tão assustados dele. Abracei meu amigo e bati em
suas costas. Depois Rodrigo sorriu tristemente para mim.
— Eu mereci, ela tem razão — murmurou.
— Eu sei. Mas ela vai entender a diferença, Rodrigo. Vou lá
dar um tchau para Tatá, tá bom?
— Não fala merda pra menina, ela já está abalada demais.
— Para, né? Quando que eu falo besteira? — Abri os braços
sem entender aquela acusação barata. Ele só sacudiu a cabeça e
largou o corpo no sofá.
Subi novamente as escadas e bati na porta do quarto, que
estava entreaberta. Ouvi o som do choro assim que terminei de abri-
la. Vem do closet. Fui até lá e Antônia estava sentada no chão,
diante de uma mala aberta.
— Gatinha — chamei e ela ergueu os olhos para mim — Já
não desidratou?
Sentei-me ao seu lado no chão e espichei as pernas, sentindo
uma dor desagradável na lombar. Carregar peso não me faz bem.
— Não devia ter tomado aquele copo d'água, renovei o
estoque de lágrimas — ela fungou, enquanto secava o rosto.
— Quer classificar o problema por ordem de merda?
Desabafar?
Ela suspirou e me olhou desconfiada. Eu sei que ela me acha
um cretino egocêntrico, e nem está cem por cento errada. Foi o que
demonstrei até aqui. Mas agora que seremos família, ela merece o
meu melhor lado.
— Diz para mim, em qual dos dois homens tu quer que eu
bata primeiro? No Rodrigo ou no teu pai?
— Duvido tu bater no Rodrigo! — Ela sorriu e ganhei um
ponto.
— Por quê? Tu acha mesmo que nós nunca saímos no soco?
Amizade de homem é diferente, Tatá. É testosterona na veia. A
gente se soca e depois se abraça.
— Credo, parecem meus alunos! — Outro sorriso, outro
ponto. — Mas se tu achar meu pai para bater, pode começar por
ele.
— Vou levantar cada bueiro desta cidade atrás dele —
prometi. Claro que iria, Rodrigo também, e o Felipe sabe muito bem
quem fará o serviço.
Ela suspirou e outra lágrima escorreu. É muito foda isso,
porque senti vontade de consolar a menina. Não que ela seja
exatamente uma menina. É uma mulher bonita e gostosa para
cacete, mas com uma fragilidade tão grande e um jeito tão infantil,
que eu até esqueço esses atributos. Os cabelos castanhos estão
enrolados em um coque desajeitado e tem vários fios soltos que se
desprendem dele. Bonita e sem pretensão de ser. Por isso o
Rodrigo se encantou tão rápido por ela. Até puxei minha medalhinha
do peito e beijei. Deus que me livre de topar com uma criatura
perigosa dessas pela frente.
Então, aqueles olhos molhados se viraram na minha direção:
— Tu sabia de tudo isso, não é? Do Rodrigo com a minha
mãe?
— Sabia, Tatá. Mas também sei que é diferente agora, ele te
ama. E faz tempo que estava se contorcendo de culpa por isso.
— Ele devia ter me dito, Marcondes. Não consigo perdoar
isso.
— Se ajuda, eu e o Felipe o aconselhamos a deixar esse
papo para lá, já que a Valentina não era mais importante para ele.
— Mas não ocorreu que seria para mim? — Ops, temos algo
se voltando contra a minha pessoa, aqui.
— Não pensei nisso, Tatá. Vocês se envolveram rápido
demais.
— Tu é tão culpado disso quanto ele — ela se ergueu em um
acesso de fúria e começou a gritar — Tu sempre soube disso e
incentivou, inclusive me empacotou pro Rodrigo — ela fez aspas e
eu me levantei, porque pensa numa mulher braba! — Só se
preocuparam em satisfazer as necessidades do amigo, nunca
pensaram nos meus sentimentos quanto a isso.
— Nem vem, Antônia! Tu estava bem faceira e satisfeita. Não
te empurrei para a cama dele — Na verdade, empurrei ele para a
dela, mas ela não precisava saber.
— Mas não era de verdade! Não era eu para ele, era a minha
mãe!
— Esse problema não é meu — ergui os braços. — Já não
tenho namorada justamente para não ter esse tipo de discussão.
Mas vou te dizer uma coisa: o Rodrigo te ama e está sofrendo. Tu o
ama também, né? Então, pensa se vale a pena colocar essa mulher,
que apenas te pariu, no meio da relação de vocês.
— Foi ele que a trouxe, quando não contou a verdade.
— Mas é tu que não a está deixando ir.
Antônia calou aquela boca bonitinha e arregalou os olhos um
pouco, me encarando séria. Aproveitei a deixa, beijei seu rosto e
escapuli dali, antes que a fera voltasse a tomar conta daquele corpo.
Essa encrenca é do Rodrigão, não minha.
Ele já não estava na sala, então fui para o meu carro. Trinta
minutos depois, estava chegando em casa, cansado, louco por um
banho, pois suei como em uma sauna com essa mudança da Tatá, e
de noite quero ir à 4Ty, caçar uma companhia, porque não vou
passar o final de semana sozinho. Caçar é forte, digamos apenas
colher, porque a nossa casa noturna é meu pomar e não me dou ao
trabalho de conquistar ninguém. Eu pego. Se for difícil, mando à
merda e procuro outra. Não preciso disso.
Para meu desânimo, a minha vaga na garagem do prédio
estava ocupada. Quem, caralhos, colocou o carro na minha vaga?
Porra! Cada um tem a sua, vão se catar!
Saí do carro desejando o rim de alguém. No mínimo, é um
visitante que não queria deixar o carro na rua. Mas porra! Vão enfiar
o carro no… Puxei o fone, ao lado do elevador, e aguardei.
— Alô? — disse a voz do porteiro.
— Marcondes, do 801 — me apresentei — Tem um Jeep
Renegade na minha vaga.
— E não é visitante do senhor?
— Se fosse meu, não estaria reclamando, tu não acha? —
Revirei os olhos, tentando manter a paciência.
— Desculpa, senhor, vou verificar.
Afastei o bocal e sorri para um casal de vizinhos que
aguardava o elevador. Os olhos da mulher me percorreram de cima
a baixo. Elas tentam disfarçar, mas acontece tantas vezes, que já
conheço de cor os efeitos que provoco. Talvez ela tivesse puxado
assunto, se estivesse sozinha. Não teria sido a primeira vez. Nem a
primeira vizinha.
O porteiro se enrola e não me responde. Passei os dedos
pelos meus cabelos, revirando a parte de cima, maior que as
laterais, frustrado. Então, ouvi o som do gancho do telefone sendo
manuseado:
— Senhor, é da nova moradora do 802. Ela disse que está
terminando o banho e vai descer. Pediu quinze minutos.
— Nem pensar! Ela vai descer agora! Manda vir agora ou vou
abrir uma reclamação! — O porteiro silenciou a ligação e depois
retornou.
— Ela já está descendo para tirar.
Agradeci e fui para o carro aguardar. Abri o celular e procurei,
entre os contatos femininos, alguma interessante para a noite, uma
opção mais simples do que a 4Ty, de repente. Um jantar e uma foda
estaria excelente. Estava realmente cansado.
Rolando a tela, me deparei com a Márcia. Estou querendo
comer aquela bunduda, desde a semana passada. Ela só quer se
for com o Rodrigo junto, mas talvez mude de ideia. Abri o contato e
ia escrever, quando escutei dois tapas no capô do meu carro.
Olhei para frente, putasso, e tinha uma mulher gesticulando,
furiosa, do lado de fora, com uma toalha enrolada no cabelo. Abaixei
o som que tocava alto no carro e abri o vidro, por onde espichei o
pescoço.
— Que porra é essa? — perguntei, indignado — Vai bater no
carro do teu marido!
— Pode ter certeza de que não seria um problema — a
vizinha furiosa respondeu.
— Não desconta no meu carro as tuas frustrações, não temos
nada a ver com isso.
— Tu é o nervosinho que não pode esperar pela vaga?
— Esse carro na minha vaga é o teu?
— Não podia esperar um pouco?
— Não podia pôr na tua própria vaga?
— Minha vaga é longe do elevador e eu tinha muitas coisas
para carregar — ela tentou se justificar.
— E o problema é meu, por quê?
Ela ergueu o braço, mandando eu me ferrar através de um
gesto, e sapateou até o carro na minha vaga. Dei a ré e aguardei a
criatura manobrar lentamente, só para me irritar. Ela foi para frente e
para trás várias vezes, com se não conseguisse sair dali facilmente,
e de olhos fechados, provavelmente. Era uma excelente vaga, larga
e próxima aos elevadores, com um bom espaço para manobra. Por
isso era minha. A diaba levou quase cinco minutos para sair. Eu
estacionei em um movimento só e desci do carro. Apertei o botão do
elevador e voltei ao contato da Márcia.
Começava a digitar quando um aroma de flores chamou
minha atenção. Olhei para o lado e a vizinha nervosa estava ali, de
braços cruzados e olhos no visor do elevador. O nariz arrebitadinho
estava ainda mais erguido e ela ajeitou o volume da toalha sobre a
cabeça. Um perfil bonito.
Aproveitei para observar o resto: pescoço longo, que ela
mantém levemente inclinado para o lado oposto ao meu; os braços
finos e dobrados não conseguiam esconder o volume dos seios
arredondados; a cintura está escondida pela camiseta larga, mas
espichei o pescoço para trás e percebi que a traseira também é
avantajada. Gostosa.
E no instante em que ela virou o rosto para me olhar, capturou
meus olhos que admiravam sua bunda. Um raio explodiu tão perto,
que as luzes se apagaram, no mesmo instante. A última coisa que vi
foi aquele par de olhos escuros, que me encararam com irritação.
Deu até medo.
Talvez ela seja uma bruxa.

Adorei meu apartamento novo. Amplo e arejado, embora a


vista não tenha nada de espetacular. As portas da sacada estão
fechadas, impedindo que o ar geladinho escape, enquanto observo
os prédios vizinhos e uma parte da cidade, entre eles. As nuvens de
um temporal se aproximam pelo sul, e tornam o final de tarde
violento e fabuloso. Capturo as imagens e busco a melhor delas.
Envio para o meu celular e de lá posto no Instagram com a legenda:
“Nada volta, mas algumas coisas, graças a Deus, recomeçam.”
Entendedores entenderão.
Flor vem até a sala arrastando minha sandália e travamos
uma luta rosnenta pelo sapato. Soltei, com medo de rasgar o couro
dourado e assim que percebeu minha desistência, a cachorrinha
correu pelo apartamento. Alcancei minha filhotinha encurralada na
lavanderia, com o focinho e o sapato escondidos dentro da casinha
de tecido que ela nunca usa para dormir.
— Dá o sapato da mamãe, Flor! — ordenei e ela soltou.
Custava ter soltado antes?
Enfiei a mão lá dentro e retirei minha sandália dourada que
me valeu uma pequena fortuna e agora tem marcas de caninos nas
tiras.
— Vou descontar dos teus petiscos — xinguei a minha
cadelinha.
Por fim, deixei o corpo cair no chão de porcelanato branco e
suspirei. A Flor veio se acomodar no meu colo e passei a acariciar
seu pelo caramelo, macio e encaracolado, o que me trouxe uma
sensação de conforto.
— A mamãe vai ficar bem. O papai também vai ficar e te ama.
Logo a gente se acostuma a sermos só nós duas. Pelo menos tu vai
poder dormir sempre na minha cama — Flor me olhava, com a boca
aberta e a língua para fora, atrás de refresco para o calor que deve
ter sentido ao correr.
Em seguida, ela levantou do meu colo e foi até a guia
pendurada no gancho da porta, pedindo para passear. Minha
cadelinha quase sabe falar. Orgulho da mamãe!
— Ok! Vamos enfrentar o abafamento global que deve estar lá
na rua — falei, desanimada, mas sempre faço o que ela quer.
Meu apartamento ainda está uma zona! Tem caixas pela sala,
em um dos quartos e a cozinha só arrumei pela metade. Geladeira,
Ok. Microondas, OK. Cama, OK. O resto vamos com calma que o
mundo não foi feito em um dia só. Fiquei com boa parte da mobília e
utensílios da minha outra casa, depois do divórcio. Mas assim que
puder, vou trocar uma por uma dessas peças que me lembraram o
Luciano.
Desci até o cachorródromo com a Flor e ela brincou por ali. O
dia está terrível, com uma eletricidade no ar anunciando um
temporal em breve. Eu sei disso. Eu sinto dentro de mim. Adoro
temporais. Cheiro de chuva, grama molhada, asfalto chiando. Adoro
fotografar raios, também.
Estou suando mesmo parada na sombra. O sol incidindo
sobre o saibro grosso me desconcerta. Por fim, o calor se tornou tão
insuportável que decidi subir, me sentindo toda melada. Separei
uma roupa leve e me enfiei debaixo do chuveiro que tem a pressão
que os chuveiros devem ter no céu. Só imagino isso daqui no
inverno, o que deve esquentar! Aproveito para fazer uma hidratação
no cabelo e outra corporal. Não é porque não tenho mais marido
para sentir a maciez e o perfume, que vou deixar de cuidar de mim.
Estava começando a tirar o creme da cabeça, quando ouvi o
interfone. Tentei ignorar, mas ele insistiu por vários minutos. Pode
ser fogo, falei para a Flor, que assistia meu banho de Cleópatra.
Enrolei-me em uma toalha e saí pingando pelo apartamento
que eu mesma terei que secar depois. Atendi a sirene que não
parava de tocar e o porteiro informou que um vizinho reclamava que
meu carro estava na sua vaga e não teve sequer a empatia de
esperar que eu terminasse o banho. Já começamos mal!
Ao dar o primeiro passo de volta ao quarto, para me vestir,
pisei em um brinquedo da Flor e escorreguei, caindo de bunda no
chão!
— Flor, olha essas porcarias espalhadas pela casa! — gritei,
descontando na cachorrinha o meu estresse com o novo vizinho.
Vesti rapidamente uma camiseta e uma bermuda, enrolei a
toalha nos cabelos e saí batendo os pés e a porta do apartamento.
Que vizinho idiota! O que custava esperar um pouco, ser gentil? Vou
abrir uma ocorrência… Grande merda, abre mesmo, imbecil! Minha
bunda doía, meus cabelos estavam grudando cheio de creme e
minha paciência foi pro saco, pois ela andava mesmo curta, no
último mês.
Chegando na garagem, vi o carro estacionado atrás do meu e
imaginei que fosse o dono da vaga. Ele estava sentadinho, no ar
condicionado, curtindo um som, que era audível daqui de fora, não
sei com ele aguenta. E bem confortável!
Chamei e gesticulei, mas ele não me ouviu. Então, bati no
capô e os olhos saíram do que deveria ser o celular e vieram na
minha direção, parecendo irritado. Ele abriu o vidro, já gritando. Só
faltou me chamar de louca. Antipatizei ainda mais! Presunçoso,
arrogante e esquentadinho. Mandei à merda mentalmente outra vez,
e com um gesto, e fui tirar meu carro da vaguinha preciosa dele.
Mas fiz com toda a calma do mundo que não estou sentindo.
Enrolei e só saí da vaga quando quis. Mas enfim, uma hora
precisava sair. Estacionei na minha, do outro lado da garagem, e fui
aguardar o elevador.
Ignorei o sujeito antipático ao celular até perceber que ele
olhava para a minha bunda. Filho da mãe! Se tem uma coisa que
me irrita até o mais profundo âmago do meu ser é homem que se
vira na rua para olhar a bunda da mulher que passou. Tenho
vontade de descer do carro e berrar na cara do escroto que faz isso.
E é exatamente o que esse ser ao meu lado está fazendo, sem nem
disfarçar.
Sorte dele que um raio o fez desaparecer da minha frente. O
trovão retumbou, ecoando por toda a garagem, disparando alguns
alarmes, e tudo escureceu.
— Puta merda — ele reclamou, acho que pela falta luz.
Estamos no subsolo do edifício que, com exceção das poucas
luzes de emergência, está na penumbra. Só pude agradecer a Deus
por não estar dentro do elevador, trancada com esse homem.
— Será que vai demorar? — falei, mais comigo do que com
ele.
— Está com medo do escuro? — O idiota respondeu e
resmunguei um vai à merda, baixinho.
— Ao menos assim tu não olha para onde não deve —
aproveitei para reclamar.
— Dois montes formam sempre uma bela paisagem.
Ele tem coragem, não dá para negar. Cara de pau também.
— Idiota — reclamei, dessa vez mais alto.
— Respondendo à tua pergunta, as luzes do gerador devem
ligar em breve.
O vizinho voltou a se concentrar no aparelho celular, que
iluminou um pouco o breu ao nosso redor. Lembrei da Flor, sozinha
lá em cima, morrendo de medo dos trovões. Ela deve estar
apavorada!
— Onde ficam as escadas? — Perguntei.
Ele apontou para a lateral, onde uma porta corta fogo
aparecia, com a placa indicando as escadas. Sequer tirou os olhos
da tela, para isso. O temporal continuava forte, raios e trovões se
sucediam, sem falar no calor abafado e insuportável dessa garagem
e da companhia desagradável. Melhor enfrentar as escadas.
Abri a porta contrafogo e uma lufada de ar quente chegou até
mim. Oito andares, mais os dois lances até a portaria. É para matar
qualquer um, mas o que não faço pela minha Florzinha? Subi os
degraus, consciente de que o vizinho estava atrás, provavelmente
olhando para a minha bunda.
Ele podia ter evitado isso tudo, se tivesse sido menos
nervosinho. Espiei por sobre os ombros e os olhos dele estavam
mesmo na minha bunda. Respirei fundo e expeli com força.
Idiota. Mala.
“Tem amores da vida que não são para a vida.
Nesse caso, eu e você somos a prova viva.”
(Henrique e Juliano)

Passei o resto do dia arrumando minhas coisas no quarto.


Rodrigo me deu espaço e não veio insistir. Sentia-me tão perdida…
Precisava usar essa última semana de férias para organizar minha
vida, traçar planos a curto e longo prazo, precisava estar por mim, já
que ninguém mais estava. E o Rodrigo não conta. Não vou
depender dele além da moradia, o que já é muito. E isso é outra
coisa que preciso providenciar, não dá para viver aqui para sempre.
Chegará o dia em que ele vai cansar de esperar e eu não tenho
psicológico suficiente para vê-lo com outras mulheres.
O Marcondes veio defender o amigo, claro. Disse que eu
estava mantendo a Valentina entre nós. Mas tem como ser
diferente? Quem me dera ter uma tecla delete no cérebro, que
apagasse seletivamente as lembranças que doem, que machucam.
Visualizar Rodrigo transando com a minha mãe, apaixonado por ela,
certamente seria uma das imagens que encheriam minha lixeira.
Mas quando foi que a vida facilitou, não é?
Terminado tudo, desfiz as caixas de papelão, diminuindo seu
volume, e com todas embaixo do braço, fui despejar no lixo seco.
Caminhei até a frente da casa, o vigia abriu o portão e deixei tudo
na lixeira. Voltei para dentro da segurança dos muros daquela
masmorra que agora será meu lar por um tempo indeterminado,
mas eu espero que não seja longo.
A casa ainda me impressiona, como no primeiro dia. Tão
linda, grande e cheia de diversão como o próprio dono. Ela combina
com o Rodrigo, não comigo. E agora eu sei que não combino com
ele também.
O dia está terminando, com um temporal se armando. Um fim
de tarde abafado e úmido, com um vento quente, que bagunça
meus cabelos e levanta a areia fina do cascalho aos meus pés. Os
primeiros pingos grossos da chuva me atingiram antes de chegar ao
chafariz da entrada. Uma água morna, que combina com as
lágrimas que eu ainda insisto em verter. Ergui o rosto e recebi a
chuva em cheio, lavando meu rosto.
Senti os raios, ouvi os trovões. É uma tempestade de verão,
intensa e perigosa. Duas massas de ar se chocavam sobre Porto
Alegre. Uma quente e úmida, vinda do norte do país, outra fria e
seca, querendo chegar pelo sul. E no meio delas estava eu. Abri os
braços e recebi a chuva torrencial que caiu, o vento que fazia voar a
vegetação, que dobrava e quebrava galhos e folhas, da mesma
forma que a vida fazia comigo.
Abaixei o rosto e abri parcialmente os olhos ao sentir a mão
que grudou em meu braço e me fez andar. Rodrigo veio me tirar da
chuva e me arrastou de volta à casa. Assim que chegamos à
varanda, ele se sacudiu, tirando a água dos cabelos e das roupas.
— Estamos perto do rio, Antônia, caem muitos raios por aqui
— explicou com um tom de advertência.
— Não resisti — dei de ombros.
Pouco me importo se um raio me partisse. O que ainda existe
inteiro em mim? Um clarão iluminou o rosto lindo diante de mim e
um trovão soou em seguida, agitando meu peito. Esse foi perto!
Rodrigo tem razão.
— Vamos entrar — ele puxou minha mão e no mesmo
instante percebemos que as luzes tinham faltado. A casa estava
uma penumbra.
O dia se transformou em noite, em questão de minutos, e o
vento do temporal fazia a chuva bater com força contra a casa. Eu
pingava, molhando o chão onde fiquei parada esperando Rodrigo
me trazer uma toalha.
Eu vejo seus olhos apavorados e ansiosos. Vejo seu
sofrimento. Só não consigo superar, não sei se um dia poderei.
Rodrigo amou minha mãe como nunca mais amou outra mulher. E
embora ele diga que me ama, não consigo crer que não esteja
apenas revivendo aquele sentimento cruelmente interrompido.
— Aqui, princesa — ele me alcançou a toalha e ficou diante
de mim, esperando que me secasse. — Eu ia pedir nosso jantar,
mas agora teremos que esperar a tempestade passar.
— Posso cozinhar para nós — me ofereci. Isso sempre me
distrai.
— Hoje não — ele pôs os olhos tristes em mim. Azul é uma
cor que combina com tristeza — Sem luz, sem fogão.
Ah, sim! O fogão chique dele é todo elétrico e moderno, o que
não nos ajuda em nada, neste momento. A menos que a luz retorne
logo, o que não parece acontecer. Avisei que ia subir e me afastei
dele. Ouvi o suspiro forte que deu e meu coração apertou.
Existem sentimentos intensos em mim: a tristeza e o amor. A
decepção e a gratidão. Estou triste e magoada, mas também o amo
e sou grata. O conflito está me enlouquecendo e trouxe as lágrimas
de volta. Uma catástrofe caiu sobre mim. Perdi, no mesmo golpe,
minha mãe, meu pai e o homem que amava. Só me restava resgatar
o pouco amor-próprio que se escondo no calabouço da minha alma,
e me blindar com ele.
A tempestade amainava quando saí do banho, mas a luz
ainda não tinha retornado. Usei a lanterna do celular para iluminar o
quarto e escolhi uma roupa bem simples. Bermuda e camiseta, não
preciso mais me arrumar para o Rodrigo. Nem devo. Agora, quanto
mais sem graça ele me achar, melhor.
Meu coração falhou uma batida quando, do meio da escada,
vi a sala. Sobre a mesa de centro havia diversos castiçais com velas
acesas. Dois conjuntos de jogo americanos, guardanapos, pratos e
copos estavam organizados e uma tábua de frios com vinho me
aguardava. Uma música antiga tocava. Não é nenhuma que eu
conheça, mas me fez chorar de novo. Acho que não consigo mais
parar. Nem descer. Travei na escada.

Minha decisão de reconquistar essa mulher estava


enfrentando a frieza e a tristeza dela. Ela tem razão, não a julgo por
isso. Prometi que vou respeitar, prometi que continuaria amando,
prometi que não desistiria. Mas meu corpo pede pelo dela, meu
coração implora para consolar seu choro. Eu, Jair e Valentina
arrasamos essa menina.
Preparei um jantar leve, alguns queijos, frios, petiscos e
vinho. Queria que ela relaxasse e esquecesse um pouco o dia
terrível que teve. Estava voltando da cozinha quando a vi parada na
escada, com a mão no corrimão e as lágrimas lavando outra vez
aquele rosto bonito. Não suporto mais vê-la chorar.
Subi os degraus que faltavam e passei os braços ao seu
redor. Estávamos na mesma altura e ela apoiou o queixo no meu
ombro, abraçando meu pescoço. Todo o corpo sacudia. É como um
luto profundo. E quem matou suas esperanças fui eu.
Nem tenho mais o que dizer. Eu sabia que revelar meu
passado ia quebrá-la, mas foi preciso. É necessário enfrentarmos
isso para seguir. E já que a situação estava tão perdida, achei que
tem mais um detalhe que ela precisa saber, para que possa me
odiar e chorar tudo de uma vez só. Limparemos o lodo juntos,
depois. Não esconderei mais nada da Antônia.
— Vem, vamos sentar — convidei, quando ouvi o choro
cessar.
Segurei aquela mão pequena na minha e a guiei até o chão
diante do sofá. Servi o vinho e ela emborcou a taça, sem aguardar
mais nada. Ok. Enchi novamente e me sentei ao seu lado. Ela
recuou um pouco e isso me incomodou.
Antônia começou a comer sem uma palavra. Espetou um
quadradinho de queijo estepe e deu outro gole no vinho. Minha
pinguça preferida. Ela ainda fungava e secava o nariz. Está tão
bonitinha, assim simples, enfim se sentindo em casa, eu espero. E
cheirosa, pois o aroma de morango com champanhe me envolveu
assim como seus braços, na escada. Mastiguei o presunto de parma
e o queijo parmesão, então quebrei aquele silêncio, onde só o U2
fazia algum som, buscando seu perdão outra vez:
— Eu só tinha dezesseis anos, Antônia. Consegue entender
que faz tempo e não significa mais nada para mim?
— Não — ela encheu a boca novamente.
— Foi coisa de adolescente, antes ainda de tu nascer.
— Devo agradecer que tu não seja meu pai, inclusive! Já
pensou que havia essa possibilidade?
— Não vai por esse caminho, Antônia. Ele só machuca, não
tem por que levantar uma questão que nem vem ao caso — me
incomodei muito com essa postura da Antônia.
— Esse assunto não, Rodrigo, por favor — ela espalmou a
mão, me pedindo para parar e eu bufei. Queria muito resolver
aquilo. — Vamos falar sobre o futuro, que me interessa mais, neste
momento.
— Tudo bem. Qual futuro quer discutir? — Tomei um bom
gole de vinho, pois já imaginei que nada iria me agradar naquela
conversa.
Antônia se remexeu e colocou ainda mais espaço entre nós.
Não sei se é consciente, mas sinto ela se afastar de mim física e
emocionalmente. É doloroso assistir.
— Sobre nós, primeiro. Sobre mim, depois.
Outro gole, outro queijo. Indigesto. Movi as mãos,
incentivando-a a falar.
— Quero te pedir para respeitar meu momento, sem quebrar
a promessa que me fez. Eu sei que brincamos sobre isso até agora,
mas se quebrá-la, Rodrigo, vai quebrar a minha confiança.
Conversas como essa há pouco não vão se repetir. Não tenho nada
para te dizer que não vá te magoar, te ferir e a mim mesma, sobre
isso. Entre nós, terminou, Rodrigo.
Assenti. Com uma pequena pinça e sem anestesia, ela
arrancou do meu coração a última esperança.
— Mas eu ainda te amo, Rô. E seremos amigos e moraremos
juntos. Por isso eu queria que… — ela abaixou os olhos, retorceu e
estalou os dedos, sem coragem de falar o que estava pensando —
Eu não queria… Não sei se aguento te ver…
— Com outra mulher? — conclui e ela assentiu, com os olhos
cheios de lágrimas.
— Eu sei que não posso te pedir isso. É ridículo, porque é tua
casa e teu direito, se não há mais nada entre nós… Mas… — ela
ergueu um ombro, sem concluir.
Antônia não me olhou enquanto pedia isso. Tinha a mão
segurando a base da taça, que girava entre os dedos, encarando o
líquido escuro em seu copo. Que bom que ela sabe que não pode
me pedir isso, que abria mão desse direito, naquele instante. E eu
só pensava no quanto me sentia igual, sobre ela. Eu não aguentaria
vê-la com outro homem.
— Por isso — ela continuou, já que eu não soube o que dizer
— prometo que vou ficar o menor tempo que conseguir. Vou usar
essa semana de férias para distribuir currículos em outras escolas, e
quando conseguir um salário melhor e puder bancar um
apartamentinho, ou achar alguém para dividir, te deixo em paz...
Porra! Ela quer acabar comigo de vez e sem qualquer
gentileza. Meu coração estava tão apertado que ia ter um troço. Não
poderia tê-la, não conseguia imaginá-la com outro e ainda longe?
Eu não tenho nem maturidade suficiente para isso!
— Não quero que vá embora, não precisa fazer isso. Eu te
trouxe para cá e quero que fique.
— Não posso ficar, Rodrigo. Já era um absurdo antes, agora
então é… impossível. Dói demais. E tu vai ter tua vida, não quero
assistir.
— Não quero falar disso — determinei. Minhas necessidades
sexuais não são a prioridade neste momento.
— Mas eu quero, ou tu vai virar monge a partir de agora?
— Para com essa merda! — estourei — Eu não quero nada
desse monte de regrinha que tu está impondo. Não quero te perder,
não quero que tu vá embora, não quero foder ninguém!
— Mas eu preciso!
— Tu precisa foder? — Me irritei tanto que a pergunta saiu
sem qualquer cuidado.
— Não, idiota! Preciso viver minha vida, sem ser tua refém! —
Ela começou a se erguer — Quer saber? Isso não vai dar certo!
Segurei seu pulso e a impedi de se afastar. Antônia me olhou
com irritação e sei que a estava olhando da mesma forma.
— Senta que não terminamos de falar — ordenei, mas ela se
manteve de pé — Eu que vou dizer como as coisas serão, daqui
para frente: tu vai procurar um emprego que pague mais, mas não
vou te deixar sair daqui para se enfiar em qualquer buraco ou dividir
apê com quem quer que seja — ela tentou puxar o braço, mas
apertei mais e a controlei. — Tu agora mora comigo e vai guardar o
salário para fazer um curso, como me disse que queria, uma pós,
um MBA. Eu pagaria com prazer, — ela negou com a cabeça, eu
revirei os olhos — mas sei que tu não aceitaria. Quer sentar? —
reclamei e ela obedeceu. — Sobre outras mulheres, ou caras…
Acho cedo para falarmos. Também não suporto a ideia de te ver
com alguém.
Antônia concordou com a cabeça, mas o queixo se encheu de
furinhos por causa do choro que segurou. A luz das velas dourava
seu rosto e a deixava ainda mais bonita, fazendo brilhar as lágrimas
que retinha a muito custo. É difícil demais isso! Eu a quero tanto!
Deus, acaba com isso! Devolve ela para mim…
— E sobre nós — continuei e ela ergueu os olhos marejados,
me encarando, em expectativa — Está doendo demais agora e não
consigo prometer nada além de que vou me esforçar, todos os dias,
para te reconquistar. E não é brincadeira mais. Não é uma
promessa que eu não vou cumprir, princesa. É a promessa mais
importante que já fiz na vida.
A mão dela ainda estava na minha. Soltei seu pulso e
entrelacei nossos dedos. É assim que devem ficar, é assim que a
quero, entrelaçada a mim. Braços, pernas, dedos, vida. Antônia
ficou olhando para o efeito que nossos corpos unidos causavam em
nós. Senti o calor da palma quente dela irradiar pela minha.
— Eu preciso me fortalecer, Rô. Nunca serei boa para ti, se
não for o suficiente para mim. A vida chutou a minha bunda e eu
preciso acordar, sair do casulo e respirar. Enxergar o caminho e
seguir por ele, entende?
— Entendo. Mas precisa deixar de me amar, para isso?
Precisa me abandonar?
— Preciso, porque não sei quanto tempo isso vai levar, e não
é justo contigo.
— Não está sendo justo agora… Nunca vai ser, minha
pequena — levei a mão ao seu rosto, conquistando mais um pouco
do que me deixava ter.
— Não — ela sorriu, tristemente — Está tudo uma merda
agora.
Aproximei-me mais e passei os braços ao seu redor. Ela veio
e se aninhou. Em seguida, soltou minha mão e passou o braço pelo
meu pescoço, onde escondeu o rosto. Então, gemeu:
— Puta merda, tu tinha que ser tão cheiroso? — Eu ri. Essa é
a minha garota.
— Esse cheiro de morango não me ajuda em nada, também.
Abraçamo-nos ainda mais forte. É tão fodido e difícil isso!
Porque já passei por dezenas de términos, todos eu quis.
Praticamente todos partiram de mim. Em nenhum havia amor. Se
um dia houve algum carinho mais forte, já tinha se dissipado. Mas
aqui, entre os meus braços, está a única pessoa que eu quero
sempre manter. A única que conseguiu penetrar na gruta escura que
era o meu coração, desde que a mãe dela desmoronou a entrada.
Não é incrível que tenha sido assim? Fodidamente incrível que a
filha da Valentina tenha sido a única a desfazer a maldição do
coração do rei? O problema é que a minha princesa não pensa
assim, ela não aceita.
— Podemos ser só amigos, por um tempo? — Ela perguntou.
— Podemos ser amigos que se amam, se beijam e transam
gostoso em todos os cômodos dessa casa? — Tentei, né? Vai
que…
— Não — ela riu de leve. Ao menos riu. Então, se afastou e
me encarou, com aqueles olhos castanhos molhados que cortam
meu coração — Tu vai conseguir não trazer ninguém para cá
quando…
— Maria Antônia, já te pedi para não falar disso!
— Não dá para ignorar, Rodrigo. Tu vai ter vontade e eu
entendo, quer dizer, vou desejar que broche, todas às vezes, mas
entendo…
— Que vingativa — eu ri dela.
— Não ri, é horrível te pedir isso — ela abaixou os olhos.
— Mas não quero que te preocupe com isso — juntei todos os
fios do cabelo dela na mão e a fiz me encarar — Não vou trazer
ninguém aqui.
Disse sério, pois não pretendo mesmo. Pretendo estar dentro
dela, tão rápido, que nem sentirei falta de outra mulher. Mas ela me
olhou tão triste e deu um soluço profundo, que irrompeu um choro
desesperado. Tudo bem que mulher não venha com manual de
instruções, mas a bula podia, né? Quem entende uma coisa
dessas? Não era isso que ela queria ouvir? Tecla sap, legenda, é
pedir muito ainda?
“Mesmo que você ligue o foda-se,
Você segue sendo
a maior saudade de todos os tempos.”
(Henrique e Juliano)

Que merda isso! O cheiro dele me deixou toda acesa, minhas


partes, que deveriam ter se mudado para a Antártida, estavam
ardendo, e o filho da mãe sequer consegue disfarçar que vai comer
o primeiro ser vivo que passar na sua frente? Como ele pode
esperar que eu confie em sua promessa, se não pode se abster de
transar por aí?
Era isso que eu queria ouvir:
— "Não vou transar com ninguém, amor da minha vida! Vou
esperar sentado e de tico mole, até tu te decidir.”
Sim, é isso. Custava? É o que eu pretendo fazer, por que ele
não pode? Prometer que não as trará aqui não é o bastante, sequer
é aceitável. Talvez o mar fique doce antes que esse homem deixe
de ser quem sempre foi.
Afastei-me de seus braços e fui secar meu nariz no lavabo.
Ainda bem que está escuro, ele não conseguia me ver bem, porque
eu estou parecendo uma capivara atropelada por uma jamanta.
Sinto-me tão exausta que já nem quero mais conversar. Estou
acordada desde às cinco da manhã, chorei até quase desidratar o
dia todo, fiz uma mudança e organizei tudo. Quero encerrar este dia
desgraçado antes das doze badaladas. Ao retornar à sala, informei
ao Rodrigo da minha decisão:
— Vou dormir. Boa noite.
— Espera — ele se ergueu do chão onde estava jantando —
Tem algo importante que quero te falar ainda. Sobre a Valentina.
— Nem que a vaca tussa! — Joguei meu pescoço para trás,
desanimada. — Não quero ouvir mais nada a respeito dela, ainda
mais vindo de ti — comecei a subir a escada.
— Ela me mandou mensagem no Insta, quinta feira.
Estanquei com o pé ainda no ar. Se mais cedo desejei que
um raio me partisse, agora aquele desejo se realizava. Virei o corpo,
mas minhas reações pareciam estar em câmera lenta.
— Tu é amigo dela no Instagram, conversou depois de nos
conhecermos e não me disse nada? — Sei que soou com toda a
decepção e irritação que eu sentia.
— Não — ele levantou as mãos em defesa — Não sou amigo
da Valentina, meu perfil é aberto e ela mandou mensagem só
quinta. Nunca tinha falado ou procurado por ela, antes disso.
— O que ela queria contigo? — Nunca me procurou toda a
vida, sequer mandou uma mensagem para mim. — Justo agora?
— Ela viu a nossa foto, Antônia. Veio tirar satisfações sobre o
nosso relacionamento.
A nossa foto. Claro, reconheceu o boy golden retriever e veio
ciscar no terreiro. Cadela! Não sei dizer qual dos dois eu odeio mais
nessa história. Mas, então, uma outra desconfiança surgiu e de
onde estava, no terceiro degrau da escada, lancei a pergunta:
— Foi por isso que tu quis tanto que eu postasse a nossa
foto? Para chamar a atenção dela? Tu me usou para comer a
Valentina?
A luz voltou naquele instante e vi o rosto retorcido de raiva do
Rodrigo voltado para mim. Até então, ele estava meio no escuro,
mal iluminado pelas velas. Mas agora aquela beleza estava me
olhando com uma fúria descomunal.
— Não sou moleque para agir assim, Antônia! Se, em algum
dia, eu quisesse alguma coisa com a Valentina, teria procurado eu
mesmo, não acha? Não te usaria para atingir um objetivo tão baixo.
Definitivamente, tu não faz ideia de quem eu sou. Do quanto custou
abrir o coração desse jeito outra vez. Eu jamais colocaria nossa
relação em risco, mas decidi que não te esconderia mais nada. Por
isso falei da Valentina e por isso estou falando da conversa. Mas
para mim, deu!
Ele esfregou os cabelos, contornou a mesa e começou a
caminhar na minha direção. Subiu os dois degraus abaixo de mim e
parou diante do meu rosto chocado com sua explosão:
— Serei sempre teu amigo, Antônia. O resto, não mais.
Rodrigo desviou do meu corpo e terminou de subir as
escadas. Ouvi seus passos duros no assoalho e a porta que fechou
com força. Eu fiquei ali, parada com a mão no corrimão, sentindo
que se não me segurasse, dessa vez a terra me engoliria de vez.

Não posso dizer que as coisas melhoraram no dia seguinte.


Domingo quando acordei, Rodrigo não estava em casa. A bagunça
dos restos do nosso jantar permanecia sobre a mesa da sala, então
recolhi, limpei e fiz meu próprio café, que tomei sozinha. Ele
também não veio para o almoço, que improvisei com o que
encontrei na geladeira, sobras da semana. Eu me distraí da dor
causticante no meu peito, vendo filmes e preparando os currículos
que pretendia imprimir e distribuir a partir de segunda. Também fiz
uma lista de escolas onde os deixaria.
Estar nesta casa é estranho, mas estar aqui sem o Rodrigo, é
doloroso. Não sei o que atingiu o limite dele, finalmente. Com
certeza foi minha boca grande e sem filtro. Somos amigos, nada
mais, foi o que vomitou na minha cara. E esse nada mais é que doía
terrivelmente, pois me pareceu definitivo.
Desisti de esperar por ele, para jantar e conversar, quando
deu dez horas da noite. Precisava me desculpar, mas Rodrigo
desapareceu, não deixou mensagem e sequer retornou a minha.
Senti-me tão idiota, tão substituível. Tão nada para ele também. Ele
fez exatamente como meu pai. Fui deitar sem comer, não tinha
espaço no meu estômago para nada além de dor.

Passei o domingo com o Marcondes. Foi a minha vez de


invadir sua casa, expulsar a morena da noite e ganhar colo. Não
literalmente, claro. Mas nos distraímos jogando Playstation até o
Felipe chegar, e então fomos almoçar.
Marcondes está fulo da vida com uma nova vizinha que,
segundo ele, é uma bruxa gostosa e irritante. Tive a honra de
verificar pessoalmente os atributos da mulher, ao retornarmos do
almoço.
Saíamos do elevador, conversando ainda sobre a minha
situação com Antônia, que permeou toda a manhã e o almoço,
quando um emaranhado de pelo marrom se grudou nas pernas do
Marcondes, pulando como se tivesse mola no rabo.
— De onde saiu esse bicho? — Ele reclamou só a tempo de
ver a vizinha se aproximar. — Ah, só podia. O regulamento diz que
tem que usar guia fora do apartamento.
Ela nos olhou sem qualquer emoção. E isso é raro. Nós três
causamos, separados, mas juntos, somos um engavetamento de
aviões. A mulher diante de nós sequer piscou, ficou vermelha ou
nos examinou de cima a baixo. Sequer respondeu ao Marcondes.
Abaixou-se e chamou o cachorro, que correu e pulou em seu peito.
A vista de cima era formidável: dois montes perfeitos unidos
pelo top de lycra decotado. Felipe, que segurava a porta do elevador
para ela, espiou o restante do material e ergueu as sobrancelhas. Já
o Marcondes, parecia uma estátua.
— Alguns moradores deveriam usar focinheira também — ela
disse, finalmente, e eu e Felipe nos olhamos. Marcondes revirou os
olhos e saiu andando.
A mulher prendeu a guia na coleira do cachorro e ergueu-se.
Eu sorri, foi involuntário. Bonita pra cacete.
— Não repara na mula, ele detesta cachorros porque foi
mordido quando criança — expliquei os modos desagradáveis do
meu amigo.
— Pobre bicho… Fez a antirrábica depois?
— Qual dos dois? — Felipe perguntou, e nós três rimos. Ela
ficou ainda mais fantástica depois que desfez a carranca.
— Puta que pariu! — Ouvimos o brado retumbante do
Marcondes, que ecoou pelo corredor largo.
Nós três olhamos para a porta, onde ele estava sapateando
no lugar, esfregando os pés no chão de porcelanato.
— Esse cachorro mijou no meu tapete!
— É uma fêmea, elas não fazem isso — a vizinha respondeu.
— Machos que marcam território.
— Esse cachorro-fêmea mijou aqui — ele repetiu, erguendo
uma ponta do tapete — E eu que vou marcá-la, se isso se repetir.
— Tem provas? — Ela esnobou e entrou no elevador
rapidinho, fazendo uma careta para nós, de quem estava muito
encrencada.
Felipe soltou a porta e fomos verificar o estrago que
Marcondes não parava de reclamar. Pulamos por cima do objeto
irrigado pela bexiga canina e nos acomodamos no sofá, enquanto
ele buscava sacos plásticos para enrolar o tapete. Colocou no lixo,
nem quis lavar.
— Odeio essa mulher e só a conheço a menos de vinte e
quatro horas —reclamou, largando o peso do corpo no sofá.
— Achei gostosa — respondi.
— Muito gostosa e bonita — Felipe concordou.
— É uma bruxa desgraçada, que enfeitiçou vocês. Comigo
não cola — ele estendeu o braço e pegou o joystick que estava
sobre a mesinha de centro.
Subitamente, Marcondes jogou o controle de volta na mesa e
bateu na minha perna, se preparando para despejar a grande ideia
que teve:
— Nossos problemas se resolveriam com a Márcia.
— Não me fode, Marcondes! Não quero saber da Márcia, nem
de ninguém.
— Ficou besta? Aproveita o passe free e volta para a putaria,
amigo.
— Não quero, Marcondes.
— Vou sonhar com a bunda dessa mulher outra vez — ele
gemeu.
— A da vizinha é igualmente gostosa — Felipe disse.
— Não te caiu os olhos quando secou? — Marcondes se
inclinou para a frente, para poder enxergar o Felipe, ao meu lado.
— Nada cai aqui, amigo! — Ele riu e Marcondes bufou outra
vez.
— Vai, Rodrigão… Uma vezinha, só para eu tirar a cisma.
— Não vou chamar a Márcia, me erra. Chama a vizinha.
Felipe voltou ao seu estado normal e veio com o assunto
sério, como sempre:
— E que tu vai fazer em relação à Tatá?
— Geladeira — afirmei e os dois se olharam.
— Mas tu acha que a guriazinha aguenta? Tu vai fazer o
mesmo que o pai dela? — Felipe questionou.
— Não sei, mas não aguento mais rastejar. Ela deixou claro
que não quer mais nada, que quer só amizade. Ela não confia em
mim. E enquanto isso acontecer, enquanto ela não confiar, não tem
como seguirmos.
— Ela tem motivos para não confiar, Rodrigo — Felipe, a voz
da razão, disse. — Além do histórico de vocês, ainda tem a mãe e o
pai, em quem ela confiou e por quem foi traída.
— Já disse, chama a Márcia e acaba com o drama!
— Cala a boca, Marcondes — nós dois gritamos ao mesmo
tempo e ele ergueu as mãos.
— E como tu pretende que ela volte a confiar, se tu a colocar
na geladeira? — Felipe continuou.
— Além disso, ela pode pegar outro cara, também… —
Marcondes, claro, fez o favor de me lembrar.
— Não posso impedir. Nem vou.
Os dois cretinos começaram a gargalhar, como se a piada do
século tivesse sido proferida naquela sala.
— Não vai? Não! Quanto tempo tu acha que dura? Duas
horas? Duas horas vendo ela se esfregar em alguém? Não dura
quinze minutos! Ela pode levar o cara para tomar banho de piscina
também? Vamos chamar para um churrasco? Para a 4Ty! — Ouvi
todas aquelas frases de rosto fechado e mãos igualmente cerradas.
Os dois ainda riam.
— Idiotas — gemi.
Só de pensar no que eles diziam, meu peito fervia. Sou
ciumento demais, eles têm razão, mas não precisavam tripudiar.
— Podemos apostar — Marcondes sugeriu e Felipe se
animou.
— Quanto?
— Ninguém vai apostar a minha vida! — rebati.
— Só te digo uma coisa, Rô — Marcondes destacou o apelido
e eu olhei com o canto dos olhos — Nessa briga, eu estou do lado
da Tatá.
— Traidor.
— Fomos sacana com ela, cara, precisamos reconhecer. Nós
três sabíamos de tudo, ninguém falou nada e ainda te incentivamos
a comer a babygirl. Fodemos com a cabecinha dela. É nossa
responsabilidade — Marcondes resolveu ativar o modo decente
justo agora, e contra mim — Além disso, eu gosto da gatinha.
— Tu também está do lado dela? — perguntei ao Felipe e ele
confirmou.
— Mas claro, posso negociar minha posição, se tu me deixar
comer a Márcia por trás, primeiro.
— Pelo amor de Deus, liga para essa mulher logo! —
Entreguei a batalha. Ele ia me azucrinar o resto da vida, se eu não
fizesse isso.
Meu querido amigo fez um gesto de vitória e sacou o telefone.
Começou a digitar no contato da médica bunduda que queria transar
comigo e com ele ao mesmo tempo, há dias... Levantei, me sentindo
desconfortável. Fui até a geladeira e peguei uma cerveja. Felipe
parou do meu lado, em seguida.
— Quer mesmo isso?
— Não. Mas ele não vai parar, tu sabe como é. Talvez seja o
melhor mesmo, para esquecer essa merda de uma vez.
— Tu sabe que não vai funcionar.
— É só uma trepada, Felipe.
— Que tu não quer — ele ergueu as duas sobrancelhas e me
encarou.
— Tu tá a fim?
— Por mim — ele deu de ombros e nós dois sorrimos.
Pensamos a mesma coisa.
— Marcondes, diz para ela que o Felipe também vai
participar.
Foi como oferecer banana para macaco, doce para criança.
Os dois ao celular toparam na hora. Márcia poderia dizer por aí que
pegou os três sócios ao mesmo tempo. Ela colocaria isso no
currículo. Feitos os acordos e estabelecidos os limites, Marcondes
foi para o quarto e voltou com três pílulas azuis, que distribuiu entre
nós:
— Nada de parar cedo — alertou, sorrindo como se fosse
Natal e ele tivesse seis anos.
Caminhei com a minha até a porta da sacada e tomei um gole
da cerveja. O apartamento tinha uma vista fabulosa para o Guaíba e
toda a chuva da noite se transformou em um dia de céu claro e mais
ameno. Meu pensamento correu para casa, para Antônia. Para o
corpo magro e naturalmente gostoso, os seios que mal enchiam
minha mão, a cintura que eu conseguia segurar inteira, a bundinha
arrebitada e redonda, e a parte em que me recebia como um abraço
apertadinho e molhado. Antônia é meu vício, minha cocaína, meu
estimulante e minha vida toda. Só não queria mais ser.
Márcia chegou em meia hora. Marcondes a recebeu e pediu
que ficasse à vontade. Bastante à vontade. Coisa que ela fez em
seguida, pois tirou os sapatos e o vestido antes de sequer nos
cumprimentar. Veio na minha direção, vestindo apenas uma calcinha
minúscula e um sutiã rendado azul. Passou os braços pelo meu
pescoço e beijou minha boca, depois a do Felipe.
— Os três Reis da Noite. Sou uma mulher de sorte — disse,
sentando no sofá.
— Uma rainha de sorte — Marcondes corrigiu, acomodando-
se ao seu lado e já entrando em ação. Felipe se juntou a eles e eu
ocupei outra poltrona.
— Não vem prestar honras à rainha, Rodrigo? — Márcia
perguntou.
— Vou apenas assistir, por enquanto.
Marcondes me lançou um olhar desconfiado e preocupado.
Sorri para ele e tomei um gole da nova cerveja que estava na minha
mão. Ele desencanou e foi fazer o que desejava tanto. Eu joguei a
cabeça para trás e fechei os olhos.
Não via, mas não ouvir era impossível. Havia o estalar de
beijos, os gemidos e o farfalhar de tecidos e fivelas. Podia perceber
que as carícias estavam esquentando no sofá, pois as palavras que
os três diziam deixavam isso bem claro.
De repente, senti as mãos delicadas que subiram pelas
minhas coxas e invadiram a bermuda. Abri os olhos e a Márcia
estava diante de mim, já sem qualquer peça de roupa, e buscou
minha boca. Não consegui. Acho que a praga da Antônia pegou
mesmo.
— Vou ao banheiro e encontro vocês no quarto, pode ser? —
prometi.
— Está tudo bem? — Ela me perguntou, esfregando a pele
nua no meu corpo.
— Claro — dei um selinho em sua boca carnuda — Dois
minutos.
Tranquei-me no lavabo e passei uma água no rosto. Livrei-me
da pílula azul, que tinha guardado no bolso, e dei a descarga. Abri a
porta devagar e espiei o quarto. Estava pegando fogo, os três tão
ocupados que nem perceberam minha movimentação. Felipe
recebia um boquete, enquanto Marcondes finalmente comia a bunda
da Márcia, como tanto queria. Escapei do apartamento, fechando a
porta com delicadeza. Duvido que ouvissem qualquer coisa, com
todos os gemidos, gritos e frases de putaria que vinham do quarto,
mas preferi garantir.
Recostei-me na parede diante do elevador e suspirei, irritado.
Covarde e brocha. Antônia me paga por essa! Quando a porta
abriu, a nova vizinha estava chegando ao andar. Sorriu para mim,
simpática.
— Como ficaram as coisas? — perguntou, espiando na
direção da outra porta do corredor.
— Ele colocou o tapete fora.
— Vou comprar outro, mas daqueles que são apropriados
para os cães fazerem xixi.
— Qual o problema de vocês? — Estendi a mão e segurei a
porta, trocando de lugar com ela.
— Qual o teu, se anda com ele?
— Somos amigos, há muitos anos.
A gritaria do orgasmo da Márcia chegou até nós e a vizinha
arregalou os olhos. Até eu fiquei constrangido.
— Acho que vou descer também — Vitória andou de ré e
puxou o cachorro.
Entrei no elevador apressado, antes que o Marcondes e a
Márcia lembrassem de me procurar, e o bicho veio me cheirar. Senti
seu nariz gelado na minha canela. Abaixei-me e fiz um carinho na
cadela bonitinha.
— Qual o nome? — perguntei.
— O dela ou o meu?
— O dela e o teu — me ergui e estendi a mão — Rodrigo.
— Vitória — ela sorriu apertando a mão. — E Flor.
— Meigo — brinquei.
— Fofo, realmente. Meu marido que batizou. Ela veio junto
com um buquê — Vitória sorriu tristemente, olhando para sua
mascote — Ex-marido, aliás.
— Sei como é. Também tenho uma ex e ela que nomeou
nossa filha.
— E daí a gente tem que conviver… — Vitória concordou.
O elevador chegou ao térreo e abri a porta para ela passar. A
vizinha carregava um conjunto de térmica e cuia, devia estar
tomando chimarrão.
— Obrigada — me disse.
— Tchau. Tchau, Flor — abanei para as duas, dei-lhe as
costas, mas então voltei a me virar — Vitória?
Ela nem tinha começado a caminhar, estava olhando a minha
bunda. Os olhos levantaram na direção do meu rosto e a mulher
sorriu, descaradamente. Eu retribuí.
— Ele não é uma má pessoa. Dá uma chance.
— Vai pedir o mesmo, em relação a mim?
— Não posso ajuizar a teu favor, não sei nada sobre ti.
— Podemos tomar um chimarrão e eu te conto o que quiser.
Titubeei, devo confessar. Ela parecia uma pessoa bacana,
simpática e gostosa, não dá para negar. Mas eu tinha alguém com
os mesmos atributos em casa e aquela bruxa lá também havia me
rogado uma maldição.
— Outro dia, com certeza. Hoje preciso ir.
Vitória sorriu, erguendo os ombros. Eu dei as costas e segui
até o carro. Sentei-me, liguei o ar e apoiei a cabeça na direção. Só o
que falta é aquela pirralha ter me estragado para todas as outras
mulheres.
O domingo ainda estava pela metade e meus amigos
estavam ocupados. Mas não queria voltar para casa. Não queria
outra DR, não queria discutir, nem falar com a Antônia. Eu a amo,
mas preciso de espaço. Só voltei para casa bem tarde, naquela
noite, torcendo para que ela já estivesse dormindo e eu não
precisasse explicar o que fiz.
“Houve um tempo em que eu pensava em nós,
Que o amor seria a nossa voz.”
(Liah Soares)

Na segunda, acordei às oito e quinze. Tomei um banho e me


vesti para passar o dia na capital, distribuindo os currículos, com a
rota já traçada. Escolhi algumas boas escolas particulares de Ensino
Maternal ao Médio, outras apenas de Educação Infantil. Decidi
começar pelo topo e ir descendo, caso não alcançasse o objetivo.
Preparei-me para dar de cara com Rodrigo também. E fingir
que ele não me castigou, que não me importei com seu desprezo e
abandono. Ao menos ele não trouxe as vagabundas para cá. Pelo
menos isso ele cumpriu. Senti o cheiro do café e fui naquela
direção, com o coração agitado.
— Bom dia, Maria — desejei, já que apenas ela estava na
cozinha.
— Bom dia, Antônia! Passou bem o domingo?
Nem um pouco, pensei, mas apenas sorri, agradecendo. Ela
também havia passado, me disse. Então, começou a falar do
temporal, que destelhou as casas da vizinhança, derrubou árvores,
e deixou toda a capital sem luz, em alguns lugares até o domingo à
noite.
— O Rodrigo já desceu? — especulei e ela respondeu,
desatenta.
— Seu Rodrigo já saiu. Deixou as chaves do carro para a
senhora — apontou na direção do molho de chaves na ponta da
mesa.
— Como? — fiquei sem entender as duas informações. Sério.
— Ele disse que a senhora iria à cidade hoje e que eu lhe
desse as chaves da Velar.
Filho da mãe! Ok, fofo, mas fiquei puta! Não falou comigo e
achava que eu iria perdoá-lo, apenas por que me deixou o carro?
Enfia a Velar na…
— Não vou usar o carro — respondi, fazendo Maria se virar
para me olhar — Vou de ônibus. E Uber.
— A senhora é quem sabe, mas ele disse que podia usar.
— Mas não quero. Aliás, Maria, não volto para o almoço, vou
passar o dia fora, está bem?
Ela aquiesceu, como sempre. É uma boa funcionária e muito
discreta. Terminei meu café reforçado e me despedi. Chamei o
motorista de aplicativo e assim comecei minha nova vida. Sozinha,
independente, mas determinada.

Cheguei em casa morta e arrependida por não ter usado o


carro. Tudo que eu queria era um banho e aquela cama deliciosa.
Bati tanta perna, subi e desci de tanto ônibus, que nunca mais quero
ver um transporte coletivo na vida. Pior foram as caras de quem
estava recebendo um pedido de esmola, cada vez que eu entregava
o currículo.
— Obrigada, iremos analisar. Obrigada, mas no momento
nosso quadro está completo! Obrigada, vamos colocar no nosso
arquivo para futuras contratações. Excelente currículo, entraremos
em contato — e a pior — Preenche o requerimento no nosso site,
não aceitamos currículos impressos.
Quase subi as escadas de joelhos e enchi a banheira sentada
na borda. Coloquei sais e espuma, pois eu mereço. Mergulhei na
água morna, coloquei os fones e esqueci da vida por meia hora. Saí
murcha e morta de fome. Fui atacar a geladeira. Do dono da casa,
nem o cheiro, que aliás, eu estou sentindo muita falta.
Estava devorando um pedaço generoso de melancia, quando
meu celular vibrou.

Rodrigo: Vou jantar fora, não me espera.


Antônia: Ok.

Respondi aquelas duas letras, mas nada estava bem. Levei


as mãos ao rosto e chorei. Que merda isso. Não o via desde
sábado, quando ele terminou definitivamente as coisas entre nós e
disse que seríamos amigos. Mas nem isso ele estava sendo. Eu sou
um estorvo, que o impede de trazer suas transas para casa e que o
tira de seu conforto. Essa situação não pode durar muito mais.
Enquanto éramos uma possibilidade, tudo bem. Mas ele se afastou
e não me quer mais.
Tentei raciocinar, apesar da tristeza. Tinha recebido o valor
das férias adiantado, o que significa que o dinheiro em minha conta
corrente é tudo que eu tenho para este mês e o próximo. Sem
salário no começo de fevereiro. Só receberei novamente em março!
E certamente acabará antes do mês, como sempre.
Fui para o quarto e abri meu notebook. Vasculhei sites de
aluguel de quartos e apartamentos, todos acima do meu poder
aquisitivo miserável. Eu não via saída, mas tinha certeza de que ela
existia. As pessoas sobrevivem com menos do que eu ganho como
professora, tem que haver um jeito. Eu só preciso descobrir qual é.
Na terça-feira, o padrão do Rodrigo se repetiu. Não o vi de
manhã e nem chegar à noite. Compromisso de trabalho, ele deixou
avisado por Maria. Também repeti meu padrão e fui atrás de um
emprego que pagasse o suficiente para eu poder morar e comer,
mesmo que fosse um pardieiro e o jantar fosse sardinha em lata.
Nada ainda. Porto Alegre é uma cidade em que o custo de vida é
alto.

Quarta deve ter sido o pior dia, pois a saudade e o mal-estar


estavam batendo no teto da casa. Cheguei a visitar um lugar onde
alugam quartos para moças, mas era tão sujo e mal-acabado que
deu desespero me imaginar morando ali. Sem falar que ficava em
uma zona bem perigosa da cidade, perto da rodoviária. Em último
caso, ao menos cabia no meu orçamento, e as baratas que vi no
corredor, seriam uma companhia constante. Naquela tarde, ao
chegar em casa, Maria me disse que Rodrigo havia passado por ali
e deixou o recado de que não voltaria cedo. É oficial, ele está me
evitando.

Na quinta, eu até já estava até acostumada a ficar sozinha em


casa. Podia andar só de biquíni ou calcinha e sutiã, pois assim que
Maria deixava o trabalho, era eu e Deus ali. Cheguei da rua tão
melada de suor e cansada que tomei um banho, comi o jantar que a
boa mulher deixou para mim e me tranquei no quarto. Também não
queria vê-lo, se chegasse cedo. Mas acho que não chegou.

Então, na sexta, no final da tarde, a rotina mudou. Mia


apareceu. Já estava com saudades de contato humano, de abraço.
Apertei aquele corpinho e matei a saudade dos olhos do pai,
vasculhando os dela.
— O que tem feito de bom? — Ela me perguntou, assim que
caímos na piscina.
— Tenho procurado emprego, não que isso seja bom, mas é
necessário.
— Por que tu vai procurar outro emprego, se namora o meu
pai?
— Não namoro mais teu pai, Mia. E mesmo que namorasse,
minha vida não pode depender dele.
A boca dela quase descarrilou e não soube distinguir por qual
das duas informações ela estava tão chocada. Até que ela pediu
socorro:
— E ele te deixou ficar aqui?
— Ele não tem muita opção, no momento.
— Tu está grávida?
— Não, credo! Sai para lá — joguei água nela. — Eu não
tenho para onde ir, Mia. Ele me deixou ficar, por um tempo. Por isso
preciso de um outro emprego, o que eu tenho não é suficiente para
pagar tudo, casa, comida, vida…
— Não estou entendendo nada — ela mergulhou e depois
voltou à tona. — Ele estava apaixonado, dava para ver. E tu
também! Principalmente tu!
— Ainda sou, mas nós decidimos que era melhor assim.
— E ele te deixou ficar… — ela parecia encafifada com
aquilo.
— Tu te incomoda? — pensei que fosse isso.
— Eu? Não — foi a vez dela jogar a água na minha cara. —
Eu gosto de ti, Tatá! Queria que fosse minha boadrasta. É o meu
pai… Ele nunca deixou nenhuma ex ficar. Aliás, nenhuma morou
aqui, nisso tu também foi a primeira.
— Mia, não quero falar disso, porque ainda dói…
— É que talvez não seja definitivo, entendeu?
— Por quê?
Ela não respondeu, mas abriu um sorriso largo para algo
atrás de mim. Virei o rosto e um cachorro lindo chegava na beira da
piscina, fazendo festinha para nós. É caramelo, de pelos
encaracolados e tinha uma coleira rosa, com uma margarida
pendurada, que nos informou seu nome: Flor.
Nós duas nos aproximamos da cadelinha e passamos a
acariciar seu pelo macio. Ela se sentou e ficou recebendo, sem
qualquer estranhamento.
— De onde tu surgiu, Flor? — Mia perguntou.
— Como ela entrou? Deve ter fugido de algum vizinho…
— Ela é linda! Tem endereço?
Virei a coleira e ali estava o endereço para onde devolver o
animal e fica no bairro Menino Deus. Tem um número de telefone
também.
— Como ela veio parar aqui? — Mia me olhou admirada. —
Vou ligar para esse número.
A menina saiu da piscina e secou as mãos, depois chamou a
cadelinha, que foi faceira até lá. Mia discou o número e ouvi a
conversa.
— Oi, desculpa incomodar, mas esse é o número para
contato da cachorrinha Flor?... Meu nome é Mia, ela está na casa do
meu pai… Na Ilha dos Marinheiros… Vitória? Não conheço — então
os olhos de Mia me buscaram. — Certo, vou dar só uma conferida
em uma coisa e se não a encontrar, te ligo. Claro, fica tranquilo.
Retorno de qualquer modo.
Mia desligou e não disse nada, apenas ficou me encarando.
Levantou e passou pela piscina, na direção da casa.
— Mia? O que foi?
— Vou só... — ela apontou para frente — Já volto.
Mas não foi a lugar algum. Travou antes da aresta da casa.
Ouvi a voz de Rodrigo e a risada feminina que o acompanhava. A
Flor disparou e sumiu da minha vista. Mia ainda olhava para frente
como quem enxerga uma catástrofe e eu me preparei para a onda
do tsunami que ia me atingir, em segundos.
“Isso machuca muito por dentro, o seu adeus,
Você querer ser livre.
E sabendo que você se foi, e me deixou para trás,
Eu vou fazer você ver.”
(Kiss)

Tenho conversado bastante com a Vitória, desde segunda.


Ela é mesmo bacana e o Marcondes fala dela sem parar. Os dois
vivem como cão e gato, se odeiam daquele jeito que todo mundo
sabe que é atração física. E como a encontrei de novo? Ela é a
nova fotógrafa da agência de publicidade e está fazendo a
campanha da 4Ty, baseada no novo slogan. Mundo pequeno? Sim,
e Poa é um ovo.
Marcondes, inclusive, quase pôs um ovo quando a viu chegar
para a reunião, na segunda-feira. Os dois soltaram faíscas no
mesmo instante. O que foi até bom, pois evitou que o assunto sobre
a minha fuga do ménage com a Márcia, se estendesse. Ele até
esqueceu, depois de vê-la. Márcia, aliás, está puta comigo, só
espero que agora me erre para sempre. Jantamos com o pessoal da
agência, naquele dia. Na terça, jantei apenas com a Vitória e a
convidei para conhecer a 4Ty na quarta, já que ela só viu vazia.
Marcondes estava putasso com essa aproximação.
Quinta-feira, Felipe e eu jantamos no Marcondes e
combinamos um churrasco, aqui em casa. Convidei a Vitória, que
perguntou se podia levar a Flor. Eu até preferia que não, pois sei
que isso irrita o Marcondes.
Vitória foi me encontrar na 4Ty e de lá viemos para casa. Ela
me seguiu com seu carro. Ao entrarmos, a Flor escapou do
Renegade, correndo por todo o jardim. A fotógrafa me ajudou a
retirar as compras do carro e contornávamos a casa, para a área da
piscina, quando vi a Mia parada no final do corredor de pedras.
Estava séria e não sorriu ao me ver. Acompanhou a cadelinha
correr para a dona e voltou a me encarar. Em seguida, seus olhos
correram para o rosto da Vitória.
— Oi, filha! — Tentei beijá-la, mas ela se afastou. — Mia,
essa é a Vitória.
— Vitória — ela testou com desdém o nome em sua boca. —
A mãe da Flor.
— Isso! Pode me chamar de Vic — a fotógrafa sorriu. —
Gostou dela?
— Dela, sim!
Vitória piscou, surpresa pela agressividade gratuita da minha
filha e eu queria esgoelar aquela mal criada.
— Nos deixe passar, Mia, as sacolas estão pesadas —
ordenei e ela abriu espaço, sem tirar o rosto raivoso de mim.
Então, eu entendi o porquê. Antônia estava na piscina e tinha
os olhos assustados e tristes. Eles alternaram de mim para Vitória,
que vinha logo atrás. Não teve tempo de reagir antes das lágrimas
escorrerem. Só então, virou de costas e nadou até a escada.
Seu rosto me paralisou também. Estou com tanta saudade de
vê-la, meu coração acelerou, por dois motivos distintos. Saudade e
culpa. Não era assim que eu queria que ela soubesse. Pensei que
teria tempo de avisá-la e explicar tudo. Ela entendeu o que as
aparências diziam.
Não tenho interesse sexual na Vitória. Ela é bonita, inteligente
e bem-humorada. Eu e Felipe achamos que o Marcondes está
interessado na fotógrafa. Ela é bem o tipo do meu amigo, gostosa e
com um traseiro de respeito. Se eles parassem de se bicar, e
fossem fazer outra coisa bem melhor, teríamos paz nas reuniões,
pelo menos. Armamos este encontro para ver se os dois se
entendem.
Ainda não consegui superar a Antônia.. Não a vejo desde
nossa briga e isso estava me custando tanto... Maria me dava
notícias sempre, disse que ela estava indo de Uber para a cidade,
atrás de emprego. Teimosa como uma mula. Deixei o carro todos os
dias, mas ela se negou a usar. À medida que a semana foi
passando, Maria começou a dizer que ela estava cada vez mais
triste. Que a pegou chorando várias vezes. Sentia-me culpado,
estava judiando de nós dois. E perdendo tempo de sono diante de
sua porta, ao chegar em casa. Patético.
— Antônia, vamos conversar — eu disse, mas ela nem
respondeu.
Caminhou até o deck molhado e vestiu a saída de praia. Deu
a volta maior na piscina, para não passar por mim, nem me olhar.
Eu ainda estava como um idiota, esperando algo dela.
— É tua filha também? Entendi que era só uma — ouvi Vitória
dizer e a Mia sacudiu a cabeça, também se afastando de nós.
Comecei a andar e a fotógrafa me seguiu.
— Não. É uma história complicada.
— Bom, se a cena de ciúmes não é de filha, só pode ser de
namorada.
— Ex-namorada.
— Ui — ela fez, soltando as sacolas sobre a mesa da área de
churrasqueira. — E ela é amiga da tua filha, que tomou as dores
dela?
— Exatamente.
— Rodrigo, vai falar com ela. Ela ficou bastante abalada e
estou vendo que te atingiu também. Não deixa a moça pensar o que
não deve — ela piscou.
Vitória também não tem esse tipo de interesse em mim, por
isso estava sendo fácil conviver com ela, nesta semana.
Pedi desculpas por deixá-la sozinha, mas eu realmente
precisava ir. Agradeci e caminhei o mais contido que pude, para não
correr, literalmente. Mas as escadas subi de dois em dois degraus,
pois a ansiedade estava me matando. Bati na porta, diante da qual
estive parado diversas noites, durante a semana, tentando ouvir
algo dela.
Sentia saudade até de seu ressonar baixo. Das pernas
enroladas nas minhas, do seu nariz enfiado no meu pescoço. Meu
corpo todo sentia falta dela. Bati novamente e chamei. Então, senti
um cutucão no braço e me virei.
— Soube que existe uma lei, que permite uma filha internar o
pai, por incapacidade mental.
— Existe mesmo. Mas tu teria que provar.
— Tem alguma dúvida de que eu conseguiria, depois do que
vi hoje? — As mãos foram parar nos quadris, igualzinho como a
mãe dela faz. — Tu terminou com a Tatá e trouxe outra mulher para
a casa, com ela aqui ainda? Tu sabe que ela está apaixonada por
ti?
— Não te mete, Mia!
— Eu vou me meter, sim! Eu te pedi para não magoar a Tatá,
eu gosto dela, mesmo que tu não consiga gostar o suficiente — os
olhos da minha filha marejaram também — e eu tive esperança de
que fosse só uma fase, de que tu ia ver que ela te faz feliz. Eu não
aguento mais te ver rodando de mulher em mulher, pai! Tu não
merece, tu não é como o dindo! A Antônia é perfeita para ti, como tu
não enxerga?
Agarrei aquela minha pequena furiosa, embora ela se
debatesse nos meus braços e me xingasse mais um pouco. Quando
enfim se calou, expliquei:
— A Vitória não está comigo, Mia. É só minha amiga. Eu
também amo a Antônia, mas entre nós tem coisas muito
complicadas que tu não tem sequer idade para entender. Às vezes,
amar não é suficiente para que duas pessoas fiquem juntas. Amor é
só a cola, mas as peças precisam se encaixar primeiro.
— Resolve, então. Ajusta o que for preciso.
— Vou tentar, meu amor, prometo. Mas para isso, preciso
falar com ela — indiquei com a cabeça o quarto de Antônia. — Por
favor, vai fazer companhia à Vitória e pede desculpas, tu foi muito
grosseira com ela. Ela é só uma amiga e se tudo der certo, talvez
seja tua dinda.
— Ela gosta do dindo? — A pobrezinha conhece tão bem o
padrinho, que fez até uma expressão de pena.
— A intenção é que os dois gostem um do outro, mas no
momento, se odeiam — pisquei.
— Entendi. Gostei do plano. Estou indo — ela me soltou e
depois se virou outra vez — Cuida dela. Estava chorando muito, não
quis me intrometer, pois quem deve explicações é tu.
Respirei fundo. E bati outra vez.

Ele não pode ter feito isso comigo. Foi a única coisa que pedi.
E em uma semana ele quebrou essa promessa também? Já estava
com outra e a trouxe para casa, comigo aqui? Me senti tão
humilhada!
Me ajuda, Deus, eu preciso de uma solução para minha vida.
Vó, tu me abandonou também? Não olha mais por mim, daí do céu?
Eu preciso de ajuda, preciso de um lugar, preciso ir embora.
Estava tão desesperada e sem saída.
Por que tu fez isso comigo, pai? Por que me deixou? Eu teria
sim, limpado todas as tuas barras, eu sempre limpei. Eu disse que
não faria mais, mas sabemos que é mentira. Por que, pai, por quê?
Minhas pernas já não aguentavam mais sustentar o peso que
estava sobre os meus ombros. Sentei-me no chão do box e deixei a
água morna do chuveiro se misturar às lágrimas e aos soluços que
saíam do meu peito. Estou cansada de sofrer e não achar uma
solução. Cansei mesmo, de tudo.
Não ouvi ele entrar. Não ouvi me chamar, sequer abrir a porta
do banheiro e se aproximar. Mas senti a mão que segurou meu
ombro e me assustou. Dei um pulo e me virei. Rodrigo entrou no
box, de roupa e tudo, e agarrou meu corpo nu, apertando contra o
dele.
— Me perdoa — ele repetia — me perdoa! Eu não podia ter te
abandonado também, me perdoa. Eu te amo, Antônia, senti tua
falta, me perdoa.
Ouvir aquilo doeu ainda mais. Fez cada ferida sangrar. Ele fez
tudo de propósito, me deixou sozinha de propósito, esteve com
outra mulher de propósito, ele tentou me esquecer e me feriu ainda
mais. Mas não consegui resistir a ele. Devia, mas estava ferida
demais para negar ajuda. Eu necessitava urgente de socorro,
estava me afogando e alguém precisava segurar minha mão. Aceitei
a dele.
Rodrigo se sentou no chão e me trouxe para o seu colo.
Misturei-me a ele, como sempre fiz. Mergulhei meus dedos em seu
cabelo e o nariz em seu pescoço, que tem o cheiro que eu mais
amo neste mundo. Deus, é tão difícil amá-lo e não o ter.
Não sei quanto tempo ficamos assim, apenas abraçados e
chorando, Rodrigo também chorou. Então, toda a dor se esgotou,
cansei de chorar também. Não sei o que acontece. Em algum
momento, a gente para.
— Preciso ir embora, Rodrigo. Eu não aguento mais.
— Não — ele tirou os fios de cabelo do meu rosto — Me
desculpa por esta semana, não farei mais isso, eu juro.
— Não promete. Tu não cumpre. Eu te pedi só uma coisa e tu
não fez.
— A Vitória não está comigo, princesa. Ela é só uma amiga.
Eu pensei que teria tempo de te explicar ao chegar, não queria que
tivesse sido assim.
— Eu também sou só uma amiga, não é?
— Não assim, Antônia. Não tenho nada com a Vitória, eu e o
Felipe achamos que o Marcondes está interessado nela. Eles são
vizinhos. E ela é a fotógrafa da nova campanha da 4Ty.
Custei um pouco a absorver tudo aquilo, a entender. Fiquei
em silêncio, procurando naqueles olhos, da cor do infinito, o que era
verdadeiro.
— Por que tu me deixou sozinha todos esses dias?
— Porque estava doendo em mim também. Fui um idiota.
— O que tu fez? Por que voltava tão tarde?
— Eu fui no Marcondes domingo, depois no meu irmão.
Segunda, jantamos todos juntos, terça jantei com a Vitória — nossa,
meu peito amassou ali. Ele me deixou sozinha para jantar com ela.
— Quarta fomos na 4Ty e ontem eu e o Felipe jantamos no
Marcondes.
— Foi uma boa semana.
— Não foi. Senti tua falta, desesperadamente, todos os dias e
estive sentado diante da tua porta, todas as noites, antes de dormir.
Custou muito te evitar. Custou muito, princesa. E a tua?
— Uma merda. Me senti sozinha, como nunca tinha me
sentido na vida. Me senti intrusa aqui, tirando teu espaço e tua
privacidade, pois sentia que tu evitava estar comigo, de propósito —
minhas lágrimas voltaram e vi as dele correrem também — Me senti
encurralada e sem saída, pois não consigo um lugar para ficar e não
quero mais depender de ti. Mas o pior foi hoje. Me senti muito mal
naquela piscina, ao notar que tu estava feliz, conversando e rindo
com outra mulher.
— Só uma amiga, meu amor. Me perdoa, por favor.
— Ainda assim, tu riu e te divertiu com ela, enquanto eu jantei
sozinha e passei as noites sozinha, enquanto tu de divertia com os
amigos, teus verdadeiros amigos. Tu tem tudo, Rodrigo. Não precisa
de mim.
Rodrigo me observou por alguns instantes. Pensei que fosse
falar algo, argumentar, se defender, mas ele apenas se moveu.
— Vem, vamos sair dessa água — ele mudou de assunto e
me fez levantar.
Obedeci. Rodrigo me estendeu a toalha e tirou a roupa
molhada. Até suspirei, ao ver aquele corpo em que eu amava
brincar. Ele me olhou, com um sorriso triste, e passou a toalha pela
cintura.
— Também não estava fácil para mim, te ver sem roupa. Vem
— estendeu a mão e eu peguei, como sempre. Parou no meio do
quarto e me soltou —Todos que virão aqui hoje são teus amigos
também. Te arruma e desce, vamos comer um churrasco e
esquecer esta semana.
— Não estou no clima, Rodrigo…
— Eu sei. Mas vai ficar — ele beijou minha testa — Amanhã
vamos conversar sobre o resto, está bem?
— Está bem.
Rodrigo me encarou por um instante. Tinha o rosto sério e
uma expressão triste. Suspirou e soltou meus ombros, se afastou e
saiu do quarto. Eu fiquei esperando ter coragem para descer até a
festa. Por fim, a fumaça do churrasco fez isso por mim. Desci.
“Estamos conversando à toa,
Eu não sei o que dizer,
Direi de qualquer maneira.
Hoje é outro dia para encontrar você se afastando.”
(A-ha)

Que porra é essa? Conheço esse maldito carro vermelho! Por


que o Rodrigo convidou essa minha vizinha insuportável para o
nosso churrasco? Só pode estar interessado nela, porque, porra!
Grudou na mulher esta semana… Não sei o que viu nela! Deve ser
vingança, por causa da Márcia.
Contornei a casa até a área do churrasco e a minha noite
piorou imediatamente, pois o cachorro veio pular nas minhas
pernas. Eu detesto cachorro, essa mania de pular na gente, de
lamber. Detesto!
— Dá para prender esse bicho? — Já reclamei de cara, sem
sequer dar oi.
— Para, dindo! Ela é um amor!
Mia veio em meu socorro e pegou a praga no colo, que logo a
encheu de lambidas nojentas. E o pior é que ela ofereceu o rosto
para eu beijar depois. Nunca!
— Vai lavar o rosto! Tu sabe onde esse bicho passa a língua?
— Ela sabe onde tu passa a tua? — A vizinha-bruxa
respondeu.
— Que desprazer te encontrar novamente, Vitória — disse, e
fui beijar a Tatá, que estava sentada, com carinha de quem chorou e
de olhos fixos no celular. — Oi, gatinha.
— Oi, Marcondes — ela me beijou.
— O que houve contigo? — Ergui seu queixo e ela moveu os
olhos para o meu rosto — Tudo isso é saudades de mim?
Antônia gargalhou e eu pisquei. Isso melhorou um pouco meu
humor. Sei que o Rodrigo está castigando a menina, dando um gelo
que só ele sabe dar. Decidi conversar com ela. Já disse que estou
do lado da gatinha nessa batalha. Mas antes, me aproximei dos dois
churrasqueiros da noite:
— Seu puto, por que convidou a bruxa? — questionei o
Rodrigo.
— Ela é divertida, vai ser uma excelente amiga para a
Antônia.
— Não parece — olhei para a mesa, onde Mia e Vitória
conversavam animadamente sobre o animal caramelo, e Tatá
vasculhava o celular.
— Dá um tempo para a Antônia, ela vai relaxar.
— Vou dar uma tequila, isso sim! — Eu ri e ele me olhou
irritado.
— Estávamos falando aqui — Felipe mudou o assunto —
sobre contratar a Vitória para fazer fotos exclusivas para nós.
— Para quê?
— Porque precisamos aparecer mais. Se a 4Ty é onde todos
querem estar, os donos deveriam estar lá também, não acha?
— Inclusive, estamos negligenciando a de Jurerê — Rodrigo
disse, mexendo os espetos. — Deveríamos ir lá, neste verão.
— O Luís dá conta daquilo perfeitamente — desconsiderei.
Nosso gerente de lá é fantástico. Queria um clone dele, para a de
Punta del Este.
— Mas não tem a cara dos donos, tem? — Felipe me
lembrou.
— Não — realmente. É quase do avesso, o pobre.
— Vamos combinar para o próximo final de semana? —
Rodrigo sugeriu. — Nós três e a Vitória.
— Isso soou como o domingo do qual tu fugiu — lembrei-o do
fiasco que protagonizou no meu apartamento. A Márcia quase
arrancou minhas bolas depois. Literalmente, e com os dentes.
— Cala a boca — ele respondeu, mas já era tarde.
— Do que o Rodrigo fugiu? — Tatá se aproximou e pegou um
pedaço do queijo derretido. — Além de mim, claro.
A cara do meu amigo ficou vermelha e não foi por causa do
fogo que ele remexia, disfarçando o mal-estar. Passei os braços
pelos ombros de Tatá e a trouxe para perto.
— De uma surra no Mortal Combat — improvisei. Não era de
todo mentira. — Ele anda fugindo de ti?
— Sim — ela encheu a boca outra vez. Nunca vi uma mulher
comer tanto!
— Tem certeza de que não é dele mesmo?
Antônia me olhou com estranhamento e Rodrigo suspirou
forte. Ele queria me foder trazendo a vizinha antipática, vou fodê-lo
com a mulher que ama.
— Nós já nos entendemos sobre isso — Rodrigo disse, sem
nos olhar, e ela confirmou. Mas ainda estava triste.
— Acho que tu está precisando dançar. Vamos, hoje?
Rodrigo tirou os olhos das carnes assando e me viu abraçado
em Antônia. Ela tinha a cabeça apoiada no meu ombro e eu estava
com a mão em sua cintura. Vi os olhos do Rodrigo percorrerem a
cena e ferverem na minha direção. Imediatamente, ele puxou a mão
de Antônia e a afastou de mim, abraçando-a de forma possessiva.
— Pega uma bebida para a Antônia — me disse, quase em
um rosnado.
— Cerveja, gatinha?
— Cerveja, gatinho — ela respondeu e a cara do Rodrigo foi
impagável.
Pisquei para ela e fui até o cooler de bebidas, de onde escutei
a vingança sendo armada contra mim:
— Vitória, vamos todos na 4Ty. Quer ir também? — Rodrigo
perguntou e ela logo respondeu.
— Vou adorar! Amei, quarta-feira.
Desgraça! Agora terei que assistir essa vizinha-bruxa-gostosa
sacudir aquela raba outra vez. Quase esqueci de quem ela era, na
pista, quarta-feira. A danada tem um jeito de dançar que me deixou
desconcertado. E se esfregou no Felipe e no Rodrigo, sem parar.
Mas nem se interessou em olhar para mim. Sério. Ela finge que não
me enxerga e isso me deixa ainda mais puto.
E como se tivesse sido convidada a chegar na nossa roda
exclusiva, Vitória levantou da cadeira e foi se encostar no balcão.
— Uma cerveja para mim também — disse na minha direção,
como se eu fosse o garçom da casa.
Vontade de mandar pegar sozinha, mas sou um cara
educado. Peguei outra long neck e entreguei para ela, que sequer
agradeceu.
— Obrigada — a Tatá, ao contrário, disse. Puxei de volta para
mim e ela veio, para frustração do Rodrigo.
— Como foi tua semana? É a última de férias, né? —
Perguntei e logo me arrependi, pois os olhos marejaram e correram
para Rodrigo.
— Foi… difícil — ela respirou fundo para não chorar.
— Quer rever aquela ordem sobre em quem eu bato primeiro?
Estou realmente querendo dar uma surra no Rodrigo. Diz que sim!
— cochichei em seu ouvido e ela riu.
— Se fosse o caso, eu mesma daria, pode ter certeza — Tatá
virou o rosto e murmurou também.
— Mira bem no meio das pernas, sabe, embaixo daquele
volume todo...
Ela gargalhou outra vez e beijou meu rosto. Nossos cochichos
terminaram e ela disse, em um tom o suficiente para todos ouvirem:
— Tu é um bom amigo, bem diferente do que imaginei no
começo — e foi o suficiente para os espetos caírem na
churrasqueira.
— Merda! — Rodrigo praguejou e Felipe foi ajudá-lo a
reorganizar o desastre.
— Sou um livro difícil de interpretar, Tatá.
— Daqueles que só engata depois do terceiro capítulo? — Ela
piscou e sorriu.
— Eu não confio em quem não gosta de animais — a esnobe
da minha vizinha se meteu onde ninguém chamou.
— Ainda bem que tu não é paga para confiar, não é?
— Eita! — Tatá reclamou imediatamente da minha grosseria.
Ela não sabe da missa nem o começo.
— Nem para aguentar esse tipo de coisa — a fotógrafa
respondeu, tomando a cerveja. — Quer que eu peça para assumir
outra conta?
— Sim — respondi, prontamente.
— Não — Rodrigo interferiu, para meu desespero. Eu estava
quase conseguindo… — O Marcondes vai calar a boca.
Senti o corpo da Tatá se retesar ao ouvir Rodrigo defender a
bruxa. Acho que terei uma parceira de crime aqui.
— Vem, gatinha. Vamos sentar e tu me conta como foi a
semana.
Ela veio. Sentamos e puxei assunto. Antônia me disse que
passou a semana sozinha, porque o Rodrigo sumiu. Eu já sabia.
Geladeira. Mas disse também que distribuiu currículos e que queria
sair da casa dele.
— Mas não encontrei nada ainda. A única que fui ver era uma
imundície tão grande, que seria melhor morar embaixo do viaduto
da Borges — ela deu um sorriso triste, mas eu não achei nenhuma
graça. — Deve ter alguma pensão baratinha e decente, alguém que
alugue quartos, só preciso de um tempo para encontrá-la. Mandei
mensagem para as minhas colegas da escola, para ver se sabem
de algo. Só não consigo mais ficar aqui, nessa situação.
Caralho! Essa menina me desarma. Olhei para Rodrigo com
raiva, porque ele estava fazendo a coitadinha sofrer sem nenhuma
necessidade. Ele a ama, é louco por ela. Ele não vê o que está
acontecendo com a Antônia? Meu amigo já estava de olho em nós,
enquanto Vitória e Felipe falavam sem parar. Segurei a mão da Tatá,
em um gesto de apoio:
— Tu já falou isso para ele?
— Não. Quer dizer, disse que quero ir embora, mas ele se
nega a ouvir. Ele não quer que eu vá, é só o que diz. Mas não tem
mais sentido, se não estamos juntos, nem vamos ficar, não vai dar
certo.
Antônia olhou na direção de Rodrigo. Foi um olhar triste,
melancólico, e ela suspirou. Ele também a estava olhando e eu tive
vontade de socar a cara dele e bater a cabeça dela na parede. Dois
teimosos. Eu nunca mais quero isso para mim, mas se eles
queriam, por que não estavam juntos?
— Vou te dizer de novo, Tatá. Quem está dificultando é tu, por
não esquecer o passado dele.
— Não quero falar disso — ela tomou outro gole grande da
cerveja.
— Encara, Tatá! É só isso que está faltando. Deixa essa
mulher que só te pariu de lado. Olha para o nosso gatão lá — ela
sorriu e obedeceu — vai me dizer que não está louca para cair de
boca naquele corpo todo?
— Para, não preciso de incentivo.
— Acho que precisa, sim — eu ri.
— E tu? Que incentivo precisa para tirar aquela Vic de cima
dele?
— Nem vem! — Ergui a mão livre.
— Vai, olha para a bonitona lá. Olha! — Ela insistiu, quando
não obedeci.
— Da última vez que olhei, essa mulher fez uma tempestade
cair sobre Porto Alegre. Ela é uma bruxa velha e feia, disfarçada
num corpo cheio de peito e bunda.
Antônia gargalhou, largando o corpo para trás. Ela consegue
ir das lágrimas ao riso, em questão de segundos.
— Olhou bem, pelo visto.
— Não suporto ela.
— Marcondes Ribeiro dispensando uma mulher bonita? Final
dos tempos ou a idade chegando? — A pivetinha me provocou.
— Ela também não me suporta.
— Não é o que parece. Ela não tira os olhos daqui. Nem o
Rodrigo. Os dois estão com a mesma cara.
Disfarcei um pouco e olhei na direção da churrasqueira. A
Vitória desviou o olhar, rapidamente, e o Rodrigo me encarou com
fúria mal disfarçada, pois minha mão segurava a da Tatá sobre a
mesa. Aproveitei para judiá-lo ainda mais e beijei a mão da Antônia.
Ele virá até nós, tenho certeza.
— Para de provocar o Rodrigo, não vai dar em nada — ela
me disse e tentou puxar a mão.
— Vai por mim, ele está morrendo de ciúmes — segurei a
palma firme entre a minha.
— Ele vai ficar com raiva de mim, outra vez.
— Não de ti, gatinha. De mim, mas eu aguento — segurei a
mão dela com as minhas duas e sorri.
— Marcondes, vem buscar o coração — Rodrigo ordenou de
lá e eu pisquei para Tatá. Nós sorrimos um para o outro, cúmplices.
— Nós vamos até aí — respondi.
A verdade é que Vitória realmente não tirava os olhos da
nossa mesa e fiquei curioso. Rodrigo estava com ciúmes da Tatá,
mas ela queria o quê?
Ele quer me enlouquecer, eu sei. Conheço a tática. Mas
decidi ficar zen e respirar, dessa vez não entrarei na provocação do
Marcondes. Até porque, do jeito torto e safado dele, estava
chamando a atenção da Vitória. Ela mal conseguia disfarçar o tanto
que olhava para a interação dos dois naquela mesa.
Antônia já variou das lágrimas à gargalhada. Da carinha triste
à cara safada. Eu estou me concentrando em não queimar o
churrasco, pois até já derrubei os espetos. Eles vieram comer o
coração e Mia surgiu, de onde quer que tenha se enfiado, com
aquela cachorrinha.
— Pai, eu quero um cachorro.
— Ainda bem que tu vai pedir isso para a tua mãe —
respondi, só imaginando a cena.
— A mãe é igual ao dindo — ela reclamou, com razão.
De fato, e a Flor insistia em pular nas pernas do Marcondes,
que se afastava desesperadamente. É até hilário ver o quanto um
homem feito como esse, pode ter tanto horror a um animal.
— E a Flor parece te adorar, dindo!
— Efeito Marcondes nas fêmeas — Felipe debochou dele,
que tentava, sem sucesso, afastar o bicho de si.
— Dá para controlar esse cachorro? — Ele se enfezou com
Vitória.
— É fêmea, já te disse — Vitória se abaixou diante dele e
segurou a Flor, brincando com ela — Vem, filhinha, deixa o cara em
paz.
— Filhinha? — ele gargalhou — Puta merda, tu pariu isso?
Vitória olhou para cima, pois ainda estava agachada diante
dele. Todo mundo ficou em choque com a frase. Antônia foi a
primeira a reagir, dando um empurrão no Marcondes, seguida de
Mia, que gritou um Dindo!, e de Vitória, que se ergueu lentamente.
— Tu mãe te pariu, por que eu não poderia parir alguém ainda
melhor? — Ela disse, séria e sem disfarçar a fúria que estava
sentindo.
— Ok, vamos parar — Felipe se intrometeu, puxando o
Marcondes. — Vamos agir como pessoas civilizadas, afinal, vamos
trabalhar juntos, por várias semanas. Ninguém precisa se amar, mas
vamos nos respeitar. Tu passou dos limites, cara.
— Só não quero esse bicho pulando em mim — ele tentou se
defender. — Me tira do sério isso! Dono de bicho que não entende
que os outros podem não gostar.
— Certo — Vitória ergueu a mão. — Tem razão! Nós já
vamos.
— Não, Vitória. Ninguém vai — intervi. — O problema entre
vocês começou naquela garagem, não tem nada a ver com a Flor.
— Eu fico com a Flor lá dentro, vendo filme — Mia ofereceu
— Não tem qualquer assunto que me interesse aqui. Pode ser?
— Eu vou também — Antônia se ofereceu.
Vitória e Marcondes ainda se encaravam, com raiva um do
outro. Vai ser bem mais difícil do que eu imaginei. Talvez até
impossível. Nunca vi duas pessoas se repelirem com tanta força.
Por fim, ela cedeu e entregou o cachorro para Mia.
Antônia fez um prato com carne picada, coração, salsichão,
pão e queijo e as duas sumiram na direção da casa. Felipe começou
seu discurso apaziguador e falou sozinho, por vários minutos. Não
sei se o Marcondes e Vitória aceitaram os termos realmente, mas
prometeram que tentariam conviver pacificamente.
Terminado aquele assunto, Marcondes iniciou outro,
igualmente indigesto:
— Rodrigo, a Tatá está decidida a ir embora. Tu não vai fazer
nada?
— Estou tentando, mas…
— Ela passou a semana distribuindo currículos em escolas e
procurando um lugar, um quartinho numa pensão, ela disse. Tu vai
deixar?
Ele repetiu a pergunta, com a mesma indignação com que há
pouco falava com a Vitória. Eu sei que ela quer ir embora, mas eu
não posso, nem consigo imaginar. Como iria segurá-la?
— O que tu quer que eu faça, Marcondes?
— Porra! — ele explodiu comigo agora — Essa guria é tua
responsabilidade, tu ferrou a vida dela! Vai dar um jeito nessa
merda, como homem!
— Se essa merda explodiu, tu sabe bem que tem cinquenta
por cento de responsabilidade também — gritei de volta, porque ele
tinha muita cara de pau de jogar tudo nas minhas costas.
— Certo. Vou convidar a Tatá para morar comigo, então! E
vou cuidar como tu prometeu e não fez. Não vou comer — ele
enfatizou, pois eu já estava louco para quebrar aquela cara —
porque gosto dela! Mas essa menina, em um pardieiro qualquer, eu
não vou aceitar! Tu, o pai e a mãe dela que se fodam!
— Cara, que bicho te mordeu hoje? — Felipe perguntou.
— Tu sabe o que ele fez, não te finge de inocente! Ela está
sofrendo pra caralho, Rodrigo! Tu está sofrendo e não quero te ver
entrar em outra depressão.
— Ela que não me quer! — Explodi também, e a garrafa que
estava na minha mão se espatifou contra a parede — Eu já pedi
perdão, eu já implorei, ela não me quer mais!
— Isso não tem nada a ver com o que ela quer, agora. É o
que ela precisa, Rodrigo! Ela precisa de um homem, pela primeira
vez na vida. Ela precisa de proteção, precisa de um emprego que
pague melhor, precisa da porra do amor que todos negaram para
ela a vida toda! Se-gu-ran-ça — ele soletrou. — É disso que a Tatá
precisa e não que tu a abandone em casa, a semana toda, sozinha,
sem dar sequer satisfação!
— Eu sei que fiz merda, não precisa me lembrar — defendi-
me um pouco.
— Pois eu vou te lembrar todos os dias: tu foi até a casa dela,
prometeu que ela estaria segura contigo, quando até o pai a
abandonou. Tu a trouxe para cá, tentou comer e não conseguiu. Se
emputeceu e jogou a menina na tua maldita geladeira, esperando
que se arrependesse sozinha por te dispensar. Ela tem a porra do
direito de te dispensar! Ela tem o direito de pensar com calma, ela
tem até a porra do direito de errar contigo! Mas tu não tem. Tu não
tem — ele apertou o dedo indicador contra o meu peito, muito
indignado — Tu tem o dever de cuidar dela.
— Uau — ouvi o som escapar da boca feminina na roda, e só
então lembrei que Vitória estava ali — Nunca pensei que fosse ouvir
tanta lucidez saindo da boca dele. Só faltou uma coisinha: ela é
adulta e tem o direito de decidir a própria vida, e se quer ir embora,
nenhum dos dois pode interferir. Ela não é a criança que vocês
fazem parecer.
— Tu não conhece a situação toda — Felipe respondeu.
— Tudo bem, tem razão, não devia ter me metido. Mas como
mulher, acho que entendo um pouco. Vocês estão infantilizando o
problema dela. Tratando a situação como se só vocês pudessem
resolver, como se ela não tivesse capacidade para isso. Se tu quer
mesmo ajudar, ajuda dando a ela soluções, empurrando na mesma
direção que ela quer ir. Incentiva o voo, Rodrigo.
— Não posso — Só de pensar em vê-la voando para longe de
mim, me desespera — Ela vai embora, não posso.
— E tu a manteria aqui, contra a vontade dela? — Vitória
arregalou os olhos para mim e eu percebi no que estava pensando.
E que tinha razão.
— Não a deixarei ir, nos termos que ela quer, desse jeito, não.
Não sem estrutura para se manter.
— Verdade. Eu também não — Marcondes concordou, enfim,
comigo.
— Qual é a história dela? Por que vocês se sentem tão
responsáveis, inclusive ele? — Vitória apontou para Marcondes,
como se fosse alguém que ela pensou não se importar com nenhum
ser vivo.
Nós três nos olhamos. Tirei as carnes prontas do fogo e
contei toda a minha triste história, e de Antônia, enquanto cortava os
pedaços de picanha.
“Agora minha garota está dançando,
mas está dançando com outro homem.”
(Bruno Mars)

Nosso filme terminou e a Mia sugeriu outro, mas Vitória nos


interrompeu, dizendo que ia para casa, se arrumar para irmos à 4Ty.
Pegou a Flor, agradeceu por cuidarmos e me lançou um olhar doce:
— Nos encontramos lá, Tatá? Posso te chamar assim?
— Não estou muito a fim de ir, Vitória — eu só queria ficar em
casa. Até curtir a Mia, minha única amiga naqueles dias.
— Ah, vai sim! — Mia pulou no sofá — Tu está muito sozinha,
precisa se divertir.
— Concordo! Vamos dançar e tomar umas tequilas — Vitória
sorriu.
— Esse é um argumento do qual nunca discordo.
— Ótimo — a pirralhinha mimada me puxou pelo braço —
Tenho uma Barbie para enfeitar.
Mia me arrastou até seu closet e escolhemos um modelo
lindo. Uma calça corsário jeans, com uma blusa preta e brilhante, de
um ombro só. Eu estava mais magra e as roupas dela me serviam
perfeitamente. Uma sandália de salto fino, maquiagem e cabelo
escovado. Um perfume que eu gostava e uma bolsinha. Olhei-me no
espelho. Estava perfeita. Só não me sentia. Meus olhos não
conseguiam acompanhar o brilho da roupa.
Rodrigo bateu na porta do quarto e Mia abriu. Deu aquela
conferida em mim, olhando de cima a baixo e suspirou. Eu também.
Ele estava lindo demais em uma calça jeans e uma camisa polo azul
marinho.
— Podemos ir? — perguntou, com um sorriso triste no rosto.
Confirmei e ele me deixou passar na frente. Escutei enquanto
se despedia da filha e fomos até o carro. Rodrigo abriu a porta para
mim e depois de entrar, arrancou. O perfume dele, dentro desse
carro, quase me enlouqueceu.
— Me diz como foi tua semana, fora a solidão. Conseguiu
entregar os currículos? — Rodrigo perguntou.
— Vários. De segunda a quinta. Só hoje fiquei em casa,
estava exausta.
— Por que tu não foi de carro?
— Porque não — dei de ombros — Não achei correto, além
disso, tem a questão de encontrar estacionamento...
— Tu volta a trabalhar segunda?
— Quarta, — informei — que é quando o mês vira.
De repente, é estranho falar com o Rodrigo. Tantas coisas
que ele não sabe de mim, tudo que fiz nesta semana, minha vida…
Ele não conhece nada.
— Onde fica a tua escola?
— No centro, na rua Riachuelo.
— Vai ficar melhor para ti, se morar lá perto?
Virei o rosto, assustada. Senti que ele queria que eu fosse,
que me libertava para ir, desistia de mim. Foi a sensação de queda
livre, antes do paraquedas abrir. Sozinha no mundo, por conta
própria, à mercê de qualquer coisa, evitando apenas me estatelar no
chão.
— Melhor para nós — respondi, engolindo o bolo na minha
garganta.
— Não — ele gemeu — só para ti. Estou perguntando de ti,
se é isso que quer. Não é o que eu quero, mas estou tentando
respeitar a tua decisão. Estou tentando entender a tua vontade.
Meu coração saltitava no peito, um medo gigantesco me
envolvia. Mas mantive a firmeza diante de algo que precisava fazer
por mim.
— Seria melhor, sim. Eu começo cedo e quanto mais perto de
lá, menos cedo preciso sair, já que no inverno amanhece tarde —
meu peito doía tanto, só de imaginar ficar longe dele, mas é
necessário.
— E tu tem algum lugar em vista? Posso te ajudar em alguma
coisa? Ser fiador, não sei. Como posso te ajudar, Antônia? Somos
amigos, e amigos contam uns com os outros.
— Não sei, não achei nada ainda. É tudo muito caro ou muito
perigoso.
— Sobre isso… já aviso que não vou te deixar sair da minha
casa, se não for para um lugar decente — ele sacudiu a cabeça.
— Decente vai ser o que eu puder pagar.
— Tive uma ideia — ele segurou minha mão e quase derreti
ao contato quente — Eu compro um apartamento e…
— Não!
— Me ouve até o fim — ele disse firme — Compro um
apartamento e tu paga o condomínio, um aluguel que pagaria em
uma pensão, sei lá, Antônia, o valor que tu achar correto, porque
pouco me importa.
— Não.
— Deixa de ser cabeça dura, porra — ele gritou — Para com
isso, Antônia! Estou ultrapassando um limite imenso aqui, sobre o
que eu quero, tu também pode ultrapassar. Já deu no saco essa
besteira de recusar qualquer ajuda financeira minha. Eu posso, eu
quero e não vou te deixar sair sem a garantia de que tu vai estar em
segurança!
— Tu não tem obrigação nenhuma comigo.
— É obvio que tenho! E uma responsabilidade imensa,
também.
— É isso que não quero! Não quero ser um estorvo para ti,
não quero que te sinta obrigado a nada, tu não me deve nada! Não
somos nada um do outro!
Eu também estava aos gritos e chorando, querendo abrir a
porta daquele carro e me jogar no asfalto, como fazem nos filmes.
Sairia, de boas, rolando um barranco.
— Não somos nada? — Rodrigo me olhou furioso.
— Não somos nada!
O que somos? Amigos? Amigos não abandonam. Amantes?
Não mais, também. Conhecidos? Nem isso dá para dizer.
Rodrigo ficou em silêncio e eu também. Pelo jeito que dirigia,
podia ver que estava puto da cara. Pelos meus braços cruzados
sobre o peito, ele deve saber que também estou. Assim chegamos à
4Ty.
Rodrigo desceu do carro, o manobrista abriu a porta e eu o
segui para dentro. Recebemos nossas pulseiras e ele nem falou,
sequer me olhou. Se embrenhou naquele mar de gente, sem
segurar a minha mão. Eu o segui o mais perto que pude, o que não
era tão difícil, já que ele parava a cada três passos para beijar e
abraçar alguém.
No camarote, sentei-me em um canto do sofá e fiquei de
olhos na pista, tentando não focar nas mulheres que chegavam para
cumprimentá-lo. Isso fazia ferver meu sangue e acho que por toda a
eternidade, se assistisse, ferveria. Esqueci da vida, assim que ele
me entregou um copo com um drink fabuloso. Não falou, nem me
olhou.
— Que cara é essa, minha gatinha? — Marcondes se sentou
ao meu lado e passou o braço sobre meus ombros.
— Brigamos de novo.
Ele olhou para Rodrigo e o tipinho conversava animadamente
com uma loira em um vestido justo, tomara que caia.
— Vem — ele pegou minha mão — Vamos dançar.
Deixei o copo vazio sobre a mesinha e o segui. Também não
olhei, nem falei com o Rodrigo. Segui seu melhor amigo até a pista,
que foi barrado por braços, beijos e mãos que o agarraram diversas
vezes. Tudo igual. A batida sertaneja exigia uma dança mais
pegada e ele nem se fez de rogado, ao passar os braços pela minha
cintura e me puxar para perto.
— Relaxa. Não vou me aproveitar de ti — ele disse ao meu
ouvido.
Olhei bem para aquela cara safada e tão bonita, procurando a
pegadinha. Marcondes é muuuiito bonito e tem um aspecto de quem
nem chegou aos trinta e cinco ainda. Os cabelos castanhos são
fartos, espetados em cima e mais curtos nas laterais, e ele mantem
uma barba muito bem aparada, que dá um sombreado sacana ao
rosto divino. Neste instante, muitas mulheres desejariam estar
abraçadas a ele, como eu estou, dançando esta música. Larguei os
braços em seu pescoço e me entreguei ao ritmo. Ele também é
cheiroso, um perfume mais adocicado, mas igualmente delicioso.
Ele só não é o meu Rei.

Será que existe uma forma desse dia piorar? Existe. Márcia
acabou de chegar ao camarote. E o que fez? Veio diretamente até
mim.
— Oi, sumido. Aliás, desaparecido.
— Não estou com disposição para conversar sobre isso,
Márcia. Desculpa o fora, mas não estava no clima.
— E por que me chamou, então?
— Mudei de ideia depois. Muita gente — tentei sorrir e
descontrair.
— Eu não me importo com petit comitê — a médica disse ao
meu ouvido e passou a língua pelo meu pescoço. — E já sabemos
que não tem nada pequeno aqui — ela escorregou a mão e apalpou
minha bunda.
— A noite recém começou, Márcia. Vai beber um pouco,
dançar, aproveita.
Afastei-me dela como se fugisse do próprio diabo me
tentando. Não vou nem fingir que não sei o que me deu, eu sei bem.
Deu pavor da Antônia me ver com ela. Aliás, logo da Antônia, que
não merece consideração alguma depois da dor que provocou no
meu peito, ao jogar na minha cara que não quer nada de mim, nem
a minha amizade.
Olhei em volta e não vi uma pessoa com quem quisesse
conversar, muito menos transar e usar para esquecer a Antônia.
Porque é isso que terei que fazer. Esquecer, pois ela não me quer
mais. Senti uma mão leve no meu ombro e me virei, para ver quem
é a da vez.
— Está sério hoje — Bianca, uma morena espetacular, falou,
apoiando os braços na balaustrada, como eu estava fazendo.
— Estou observando o movimento da casa — disfarcei.
— Está bem cheia para uma noite de verão.
— Verdade. Mas semana que vem tem Planeta, vai cair um
pouco.
— Os bebês vão brincar em outra pista — ela sorriu.
É bem isso. Nosso público é jovem, varia entre 18 e 35 anos.
Os mais velhos consomem mais, enquanto os novos vem mesmo
pela presença e pela música. Bianca começou a falar de uma casa
noturna que foi, em Los Angeles, e fingi estar interessado. Estava
mesmo é curioso para saber o que o Marcondes foi fazer com a
Antônia e ainda não tinha retornado. A cara com que me olhou, ao
sair do camarote, me dizia que estava prestes a fazer besteira.
Felipe e Vitória nos interromperam, convidando para dançar.
Fui quase arrastado pela morena, que agarrou minha mão e decidiu
que, assim, tomava posse. Para minha surpresa, encontramos o
Marcondes e a Antônia dançando juntos. Havia um espaço de uns
dez centímetros entre eles, mas os braços dela estavam ao redor do
pescoço dele e meu amigo a segurava pela cintura.
Nem me dei o trabalho de abrir a roda. Passei os braços pela
cintura da Bianca e copiei a postura do Marcondes. Ele me olhou
assustado e girou no lugar, para que Antônia não nos visse. Bianca
olhava para mim, eu olhava para o Marcondes, ele olhava para
Antônia, que não olhava para ninguém. Dançamos duas músicas
assim, até que ela cochichou algo no ouvido do Marcondes e ele
concordou. Deram as mãos e saíram da pista.
Soltei a Bianca, que já estava se considerando a escolhida da
noite. Talvez fosse, se conseguisse se comportar e eu conseguisse
acalmar o desespero que sentia no peito. Eu sei que ele não fará
nada com a Antônia. Respeitamos, sempre, esse limite. Dividimos
apenas as que não eram importantes, jamais as que nos são caras
e por quem tivéssemos algum sentimento. O espaço que deixou
entre seu corpo e o dela, era a prova disso. Mas o Marcondes a
disputava comigo de outra forma. Ele queria que eu cuidasse e se
colocava como uma opção para a Antônia. E o pior é que dele, ela
aceitaria tudo. Ela não acha que deve qualquer coisa ao Marcondes.
Diversas músicas depois, meu amigo retornou à roda sozinho.
Sinalizei, perguntando por ela, mas ele fez um gesto que dizia que
não sabia.
— Cadê a Antônia? — verbalizei a pergunta ao seu ouvido.
— Estávamos no bar, fui ao banheiro e quando retornei, não
estava mais. Pensei que estivesse aqui. Deve ter ido ao banheiro,
também.
Tentei relaxar, juro. Mas ela demorava para aparecer. Fui
pedir socorro em Vitória, interrompendo sua dança com Felipe.
— Pode ir ver se a Antônia está no banheiro feminino? Faz
tempo que ela sumiu.
Vitória concordou e foi. Voltou com um sorriso reconfortante,
avisando que encontrou Antônia dançando perto do banheiro.
— Dançando?
— Com um amigo — completou.
Meu corpo doeu inteiro. Deve ser essa a sensação quando
alguém recebe uma descarga elétrica. Ela não vai fazer isso
comigo, essa pirralha não vai ficar com outro, na minha casa. Pedi
licença e sai, parecendo uma bola de boliche, derrubando os pinos
na minha frente. Fui na direção dos banheiros, sem dar atenção a
ninguém que tentou me cumprimentar.
Vou acabar com essa palhaçada, agora!
“Ela já se machucou demais,
Promete que vai ser um bom rapaz.
E se ela disser vem, ‘cê pega e vai
E não solta nunca mais.”
(Fernando e Sorocaba)

Marcondes me levou até o bar e me fartei naqueles drinks


incríveis. Estou até meio altinha. Não bêbada, mas feliz. Esqueci a
merda que o Rodrigo me fez passar no carro. Depois que se dá uma
chance, o Marcondes até que é um cara legal. Sempre imaginei
isso, afinal, o Rodrigo é seu melhor amigo, não poderia ser só
aquela casca safada e maliciosa. Deve ter algo especial, também.
Ele me diverte, é inteligente e leve. É sacana, também, mas
me respeitou, como disse que faria. Também me ajudou a esquecer
meus problemas, não tocando neles. Pediu para ir ao banheiro e me
ofereceu para me acompanhar de volta à roda, mas não queria
dançar. Queria beber. Por fim, fiquei com vontade de ir ao banheiro,
também. Na saída, esbarrei em Gustavo, aquele gatinho que
encontrei da outra vez que vim com a Bella. Mundo pequeno, né?
Não, a 4Ty que é exclusiva mesmo.
— Oi, tudo bem? — Cumprimentei e ele me examinou um
pouco, depois abriu um sorriso de reconhecimento.
— Oi! Lembro de ti, mas não do nome, me perdoa —
confessou e ao menos foi sincero.
— Perdoo. Antônia.
— Claro — ele me beijou no rosto — Gustavo.
Fingi que também não lembrava e agradeci.
— Está sozinho?
— Não, mas acaba de ficar mais interessante. Quer dançar?
Eu queria beber, mas dançar também vai me distrair do
Rodrigo. Aceitei o convite e procuramos um local na pista, ali perto
mesmo. Ele dança bem bonitinho, meio tímido e durinho, mas é uma
pessoa agradável de olhar, de qualquer forma. Segurou minha mão
e me fez girar sobre seu braço, me abraçou por trás, junto ao seu
corpo, nos balançamos e ele me soltou. Gustavo colocou as mãos
na minha cintura e sacudimos ao som da batida eletrônica.
Estava bem distraída mesmo, quando senti a mão de alguém
no meu braço. É a Vitória. Ela sorria, alternando os olhos entre nós
dois. Tratei de apresentar:
— Gustavo, um amigo.
Ele sorriu, mas não me soltou. Vic perguntou se estava tudo
bem e está ótimo. Melhor do que naquele camarote, com um bando
de mulheres se esfregando no Rodrigo. Voltou para o lugar de onde
saiu e nós voltamos a dançar.
Meia música depois, senti uma mão grande segurar meu
braço e me afastar do Gustavo, com brutalidade. Meu parceiro de
dança tentou protestar, mas recebeu um xingão furioso. Fui girada e
arrastada dali. Cena típica Neandertal em pleno século XXI. Tentei
protestar, arrancar meu braço de sua mão, mas Rodrigo nem olhou
para trás. Usou toda a força que tem naqueles malditos músculos,
para me levar até a passagem dos funcionários. Dali, pisoteou
escada acima até o escritório.
— Tu pode me soltar? — gritei, ao pararmos diante da porta
onde ele digitava a senha.
Sem resposta. Abriu a porta e me puxou para dentro. Sentou-
me no sofá, novamente sem cortesia, e soltou meu braço. Senti a
dor e esfreguei meu pobre braço massacrado.
— Estúpido, para que isso?
— Cansei! Cansei dessa palhaçada, Antônia!
— E eu com isso? Precisa me machucar e me arrastar assim,
só porque cansou sei lá do quê?
— Não sabe? Tu não sabe? Quem é o cara com quem
estava dançando?
— Quem são as mulheres com quem tu estava dançando? —
repeti, levantando-me.
— Tu fez isso de propósito? — Ele arregalou os olhos,
surpreso.
— Não fiz merda nenhuma de propósito. Saía do banheiro
quando encontrei o Gustavo e nós já tínhamos conversado um
tempão, no primeiro dia. Só estávamos dançando. Nada diferente
do que tu costuma fazer, não é? Tu sai, se diverte, vem dançar,
janta com qualquer vadia. Por que eu não posso dançar com um
amigo, Rodrigo?
— Ah, ele é teu amigo? Eu não sou nada, mas o cara com
quem tu conversou um dia, tem essa honra?
— Não estou entendo essa merda de ciúmes, se tu não agiu
diferente — disse, metade de mim feliz por ele estar tão puto por
isso, e outra indignada por ele me cobrar algo que não se abstém de
fazer.
Rodrigo se afastou na direção de sua mesa, onde apoiou as
mãos, e eu me sentei novamente. Estávamos descompensados e
irritados. Cheios de mágoas, pelo visto. Após um tempo de silêncio,
ele começou a falar, mais baixo e mais calmo:
— Eu te disse no banheiro que ainda te amo, tu ouviu?
— Sim. Eu também te amo.
Ele se virou e veio se ajoelhar diante de mim. Segurou
minhas mãos e as examinou, sem silêncio.
— Estamos sofrendo e nos magoando sem necessidade,
Antônia. Eu quero respeitar a tua vontade, mas isso… É difícil
pensar que tu vai embora. Eu me vejo de novo, do lado de fora
daquele carro, te assistindo sumir pelo portão. Foi uma sensação
tão dolorida, que faltou até o ar. Eu não quero que tu vá.
— Mas Rodrigo, não é justo… Eu preciso. Eu quero. Também
me dói ficar longe de ti, mas esta semana foi demais, Rô. Machucou
muito. Não posso ficar à mercê das tuas vontades.
— Me desculpa, já pedi perdão.
— Eu sei. Posso perdoar, mas isso não vai mudar o fato de
que machucou. E que mostra uma realidade que não sei se consigo
lidar.
Rodrigo se sentou ao meu lado, sem soltar nossas mãos.
Respirava pesadamente, suspirou e notei a aflição em que se
encontrava.
— Me deixa te ajudar, por favor. Não é por obrigação,
responsabilidade ou culpa. É por amor. Não posso te imaginar
sofrendo, passando necessidade ou privação, princesa. Tu é a
mulher que eu amo, que tipo de homem seria se não te oferecesse
nem um pouquinho de conforto, sendo que tenho tanto!?
— Por amor? — Abaixei as defesas e o deixei entrar.
— Só cuidado e amor.
Suspirei. Os olhos divinos dele estavam cravados nos meus,
aguardando. Cuidado e amor é algo que só tive da minha avó. Só
ela cuidou de mim, quando fiquei doente, ela me levou para a
escola, estudou comigo matemática, me acompanhou nos estudos
para o vestibular, trazendo sempre um chazinho e um bolo, me
obrigando a fazer uma pausa e comer. Amor só tive dela também. É
até estranho receber de qualquer outra pessoa.
Rodrigo estava me oferecendo isso da mesma forma que
minha avó, sem qualquer outro interesse. Não estamos mais juntos,
não somos namorados. Ele não tem obrigação de me amar, ele
pode me esquecer. Mas está escolhendo amar e cuidar. E estou
sem saída mesmo.
— Vou aceitar. Aceito tua ajuda, mas com algumas limitações.
— Limitações? — O sorriso lindo que se formava, murchou.
— Só o apartamento. Com o resto eu me viro.
— Certo. Escolhe o apartamento e eu compro. Ah — ele
gemeu e abaixou o rosto, numa tristeza que apertou meu peito.
— Ainda seremos amigos — eu beijei sua testa. — Obrigada
por entender.
Ele me apertou em seus braços e eu o apertei também. É tão
difícil, dói tanto que ele não seja mais meu… Lembrei das palavras
do Marcondes, que sou quem está dificultando. Mas eu tenho um
incômodo ainda. De não ser apenas eu mesma para ele. Eu preciso
superar isso, confiar nele outra vez.
Afastamo-nos o suficiente para nos enxergarmos. Ele colocou
a testa na minha e esfregou nossos narizes. Eu nem pensei quando
mergulhei meus dedos em seu cabelo, porque era assim que
sempre fazia, meu corpo já conhecia aquele gesto. Outro gesto que
reconheceu foi o dos lábios dele pousando delicadamente sobre os
meus. A pressão que fez e a língua que abriu caminho na direção
da minha, também são velhas conhecidas. E quando elas se
encontraram, a sensação foi de nunca terem se afastado.
Meu coração disparou tanto, que senti meu pescoço latejar.
Um calor absurdo subiu pelo meu corpo e eu custei a voltar a
respirar. Rodrigo gemeu contra a minha boca e eu contra a dele.
Nossa combustão natural explodiu, quando nossos corpos se
reconheceram. Essa boca é minha, e ela sabe disso.
Rodrigo diminuiu o ritmo intenso do beijo até se afastar. Ainda
suspirei, lamentando a ausência repentina. Pensei que tinha se
arrependido. Mas ele segurou meu rosto e suspirou também.
— Não assim, sem conversarmos. Tem algumas coisas que
preciso te falar.
— Certo.
Tentei acalmar meu corpo, que já ardia pelo dele. Mas ele tem
razão. Precisávamos conversar e não nos atirar outra vez em um
vértice sem controle.
— Primeiro: minha oferta não tem nenhuma relação com o
que vamos conversar daqui para frente e o resultado disso, está
bem? Não está condicionada a nada.
— Certo.
— Está bem claro isso e que ela vai durar indefinidamente,
enquanto for necessário para ti?
— Uma muleta eterna?
— Não coloca assim — ele disse sério — Amor e cuidado,
pelo tempo que for necessário.
— Certo.
— Segundo: me deixa falar sem interromper, com sequer um
gemido de reprovação — ergui as sobrancelhas, já preocupada e
soltei um hã, duvidoso — Nem com essa cara — ele pediu.
— Ok. Já entendi.
Rodrigo soltou meu rosto, segurou minhas mãos e beijou as
palmas. Ainda olhava para elas, quando começou a falar:
— Quando decidi que precisava te contar a verdade para
seguirmos, eu sabia que seria difícil. Protelei porque sabia que ia
quebrar em muitos pedacinhos esse coração de cristal — ele ergueu
os olhos para os meus. — Eu vejo teus pedaços agora, Antônia.
Vejo as milhares de partes em que te transformei. Cada uma delas
dói em mim. Mas, certa vez, dissemos que apesar da forma com
que nos conhecemos, nunca nos arrependeríamos de termos nos
encontrado. Quando te vejo hoje, não é em mais ninguém que
penso. Quando senti tua falta, esta semana, foi do teu riso, da tua
voz, do teu corpo que desejo acima de qualquer outro. Eu era um
adolescente quando me apaixonei pela primeira vez. Foi doentio e
me deixou algumas marcas também. Aprendi a sobreviver a elas,
criei uma rotina de vida que me impedia de pensar nas dores que
provocava em mim e nos outros. Essa rotina não fez efeito esta
semana. Porque todos os dias eu terminava na tua porta, ansioso
para ouvir teu ronco, estar enrolado em teu corpo e sentindo teu
cheiro.
— Eu não ronco — reclamei e ele fez uma careta de
discordância.
— Eu fui um adolescente tímido e cheio de espinhas que
afastavam as meninas. Só uma não se importou. Tu entende o que
isso significou para mim? — Assenti, pois sei o quanto o aspecto
físico é importante para os adolescentes — Mas hoje, Antônia,
adulto e mais experiente, eu sei que o que importa não é o que a
outra pessoa vê no nosso exterior. O que importa é o que está
dentro. Lembra dos defeitos? — afirmei que sim — Tu consegue,
Antônia, me ver além desta história, para dentro de quem eu sou
hoje e do que sinto apenas por ti? Aceita os meus defeitos, Antônia?
Não sabia o que dizer. Eu o quero, quero tanto que sinto que
todos os meus pedaços se colarão de novo, ao dizer sim. Só de
olhar em seus olhos e visualizar esse futuro ali, nós dois juntos, nós
dois sorrindo outra vez, como era antes, senti uma felicidade que
me tornou leve e completa. Eu era tão feliz com ele, foram duas
semanas, poderia ser a vida toda. Mas é como diz o Renato Russo,
“o pra sempre, sempre acaba”. Teremos que recomeçar e tem
algumas pedras nesse caminho.
— E se eu disser não? — Testei, como tinha feito da primeira
vez. Gosto de saber o que estou escolhendo.
— Como te disse, nada vai mudar do que decidimos antes.
Quero e preciso respeitar a tua decisão. Mas também quero e
preciso ser fiel a mim mesmo, te dizendo isso outra vez, tentar uma
última vez, porque é tudo que eu mais desejo. Nossa casa, nossa
vida. Juntos. Serei teu amigo e tu terá o meu apoio, mas posso ser
muito mais. Sou muito mais.
— Tenho medo, Rô. Foi muito difícil esta semana. E se um dia
se repetir?
— Não tenha — ele me abraçou — Não vou mais te deixar
sozinha. Me perdoa por esta semana?
— Sim — suspirei, entregando a batalha. Eu jamais resistiria
a ela.
— Consegue me enxergar, Antônia? Estou exposto diante de
ti, com nunca estive com ninguém.
— Sim.
— Então, volta para mim?
— Sim. — Sim, mil vezes sim! Não aguento mais estar
apartada dele.
— Quer ser minha namorada?
— Sim!
— Quer morar comigo?
— Não!
— Foi só para ver se tu estava prestando atenção.
— Estou atenta — eu sorri.
— Acho que aqui vem a pergunta mais difícil, então.
— Faz.
— Posso fazer amor contigo, até matar toda essa vontade
desesperada que está me torturando agora, e saber que tu é minha,
outra vez? Só minha e que sou só teu?
— Só meu? — Me afastei e olhei aquela cara linda, para ter
certeza.
— Tu me rogou uma praga, lembra?
— Isso quer dizer que tu tentou e não conseguiu? — Minha
boca abriu e já comecei a me arrepender dos sins que disse.
— Não. Isso quer dizer que eu nem quis tentar, porque não
era contigo. É pior ainda! — reclamou.
— Rodrigo Bassos, tem coisa errada nessa história! —
guinchei.
— Te conto, daqui há vinte anos.
Ele calou qualquer frase que eu viesse a falar em seguida,
qualquer protesto. Colou os lábios nos meus com sede, com desejo
e prendeu minha nuca com a mão. Esqueci até do que falávamos,
concentrada em sentir o gosto delicioso daqueles lábios. Gemi,
deliciada, quando a língua invadiu atrás da minha e me ajeitei
melhor sobre seu colo, com as pernas ao redor de seus quadris. Eu
o quero, e quero logo.
— Espera, as câmeras — Rodrigo nos interrompeu e se
levantou. Foi quando tive tempo de pensar melhor.
— Rô, vamos para casa?
Ele parou com a mão já no mouse e fez uma carinha de
desânimo. Olhou para baixo, onde o volume considerável de sua
calça me fez lamentar também.
— Agora?
— Quero amor e cuidado, não só uma trepada — pedi.
Ele sorriu e me ofereceu a mão. Descemos até o camarote,
onde a turma estava toda reunida. Entramos, de mãos dadas, no
espaço reservado, e os olhares foram se voltando pouco a pouco
para nós. Rodrigo caminhou até a mesa, pegou uma espumante e
serviu nossas taças.
— Quero que todos saibam que eu e a Antônia estamos
juntos — disse alto, passando as mãos ao meu redor e me
protegendo por trás com seu corpo forte. — Ela é minha namorada.
Meu coração bateu ainda mais agitado ao ouvir aquele status
sendo atualizado em plena roda de patricinhas vadias da 4Ty.
Namorada. Somos namorados, oficialmente.
— Uhuuu! — ouvi o grito de Marcondes, que veio se abraçar
a mim e ao amigo, dizendo ao meu ouvido — Fez a escolha certa,
gatinha. Futuro, não passado.
Felipe também veio e me abraçou. O rosto delicado exibia um
de seus mais bonitos sorrisos:
— Estava torcendo muito por vocês. Que bom que se
entenderam.
Ele é um fofo, sem igual. Vitória levantou a taça para mim e o
resto eu nem quis olhar para conferir. Devia ter muita mulher
despeitada naquele camarote.
— E estamos indo para casa! — Rodrigo terminou a taça e
pegou a minha, já vazia também.
— Opa, agora sim! — Marcondes, o eterno safado, gritou.
Para não deixar qualquer dúvida, ganhei um beijo de cinema
do meu Rei da Noite. Acho que vai sair no jornal, amanhã.
“Seu corpo é um fruto proibido,
A chave de todo pecado e da libido.”
(RPM)

E tudo fica bem, quando termina bem. Precisei provocar


aquele teimoso ciumento até ele não aguentar mais. Sinto-me a
porra de um Cupido perfeito! Meu casal shippado preferido foi
embora e quem colou em mim foi a Márcia.
— O que o Rodrigo viu nessa criança? E de onde ela saiu?
Nunca a tinha visto nas nossas festas, até aquele churrasco...
— Ela é uma graça, Márcia, te conforma. Aquele parquinho ali
fechou, mas esse aqui sempre terá espaço para ti — passei o braço
pela cintura modelada e deixei a mão deslizar até aquela bunda
cheia.
Ela me olhou com interesse e passou a língua pelos lábios.
Aproximou a boca do meu ouvido e os seios do meu peito.
— Vamos chamar o Felipe para dançar? Ele está com uma
amiga bem interessante...
Procurei pelo meu amigo e ele conversava com a Vitória. Ih,
pensei, daquele mato não sai nada, deve ter dentes naquela vagina.
Tipo planta carnívora. Me deu até um calafrio… Diante da minha
paralisia, Márcia se afastou e foi se pendurar no Felipe. Cochichou
algo para ele, que me olhou. Ergui os ombros. Eu sempre topo tudo.
Ele falou com a Vitória e esperei as luzes da 4Ty apagarem em um
blackout… Mas ela sorriu e largou o copo. Ela topou? Fácil assim?
Os três passaram por mim e a Márcia agarrou minha mão. E
já vamos? É sério isso? Mas para meu desânimo, eles pararam na
pista. Começamos a dançar em pares e a Márcia se esfregava em
mim deliciosamente, como sempre. Felipe e Vitória também
dançavam, embora eles estivessem mais comportados. Ela, aliás,
dança como se não precisasse daquela raba para outra coisa,
benza Deus! Que molejo desgraçado essa bruxa tem. A Márcia
roçava meu corpo, mas é a dança da vizinha que me excita.
Felipe é boa pinta pra cacete também! Tem olhos verdes e
uma carinha de anjo que engana. Tá certo, ele também tem um
comportamento de anjinho. É o mais comportado de nós, mas
também é um safado, na mesma medida. Olha lá, já está passando
a mão na fotógrafa e ela nem se importa. Se pendurou nele e os
dois foram ao chão, rebolando.
Grudei a bunduda da Márcia pela cintura e tentei prestar
atenção na delícia de decote que estava diante de mim, mas meus
olhos escorregaram para a mão do Felipe alisando as curvas da
Vitória, logo acima da bunda dela. A bruxa não vai cuspir um sapo
nele?
Virei a Márcia de costas e deixei que ela passasse aquela
bunda volumosa no meu pau, enquanto beijava seu pescoço e
agarrava seu corpo. Ela ergueu os braços e prendeu minha nuca.
Felipe nos olhou e eu o chamei. É agora, bebê! A tua deixa para
soltar a Vitória e vir se juntar a nós. Mas o que ele fez foi estender a
mão e Márcia a pegou. Soltou-se de mim e foi se juntar a eles.
Felipe a agarrou pela cintura e dançou com as duas. Me aproximei e
fechei o grupo por trás delas. Vitória me olhou, surpresa. Passei a
mão por sua cintura e pela da Márcia. Isso só pode ser um sonho
erótico, porque até aqui, nenhum raio me partiu.
Os dois corpos femininos balançavam entre nós, em um
sanduíche, e minha mão, despretensiosamente, escorregou pela
cintura da Vitória. Não sei o que se passa comigo, estou mais
interessado nela do que na Márcia. A música que começou a tocar
tem um estribilho conhecido, e nós cantamos e pulamos ao ritmo
animado de Boys don’t cry.
Márcia aumentou a pressão e diminuiu as distâncias,
aproximando-se mais do Felipe, e o beijou na boca. Ele ainda
segurava a Vitória pela cintura, mas senti que ela se retesou e
tentou escapar. Quando se virou, deu de frente comigo. Vi o pavor
em seus olhos. A essa altura, Márcia e Felipe já tinham se
esquecido de nós, grudados em um beijo à vácuo.
Devem ter posto veneno na minha bebida, só pode ser. Minha
antipatia pela fotógrafa desapareceu imediatamente, ao perceber o
quanto ficou constrangida assim que entendeu a proposta implícita.
Sem falar que eu já estava com tesão por aquele corpo que balança
a bunda deliciosamente até o chão. E que é uma novidade para
mim.
Segurei sua cintura e a trouxe para dançar comigo. Ela veio,
mas não colocou os braços ao meu redor, também não me olhou
diretamente. Senti a mão da Márcia me buscar, tateando no ar. Os
olhos da Vitória alternaram entre os dois agarrados e o meu rosto,
provavelmente esperando se aceitaria me juntar a eles.
— O convite é extensivo a ti — expliquei ao seu ouvido e ela
se afastou, arregalando os olhos.
— Não — disse firme.
Vitória mantinha os olhos nos meus e estava séria. Entendi
que não queria participar e nem me admirei, já esperava mesmo.
Espantado eu estava antes. Márcia cansou de esperar e veio até
mim, com o Felipe grudado atrás. Vitória tentou escapar das minhas
mãos em sua cintura, mas a segurei junto ao corpo e disse aos dois:
— Não queremos mais.
Márcia nos olhou, frustrada, e Felipe sorriu sacana. Abracei
bem a Vitória e ela ficou, com o rosto virado para o lado oposto.
Dançávamos apenas lentamente, o suficiente para parecer que
ainda estávamos interessados na música. Felipe afastou a Márcia
de nós e ela me olhou com irritação. Essa mulher só quer as coisas
do jeito dela, eu, hein!
Vitória não tentou se afastar, então segui com ela entre os
braços, com a cabeça apoiada no meu ombro. As mãos, que
estavam soltas ao lado do corpo, de repente abraçaram minha
cintura. Estamos progredindo, só não sei para onde. O corpo dela é
macio e se encaixa bem no meu.
— Tu pode ir com eles, se quiser — ela me disse ao ouvido,
em seguida.
— Claro que posso — ri. Como se fosse mudar qualquer
coisa na minha vida por ela. — Fiquei porque quis.
Vitória afastou o rosto e me observou, surpresa.
— Está perdendo tempo, não vai rolar nada entre nós —
garantiu, mas não se afastou. — Não te suporto.
— Estamos só dançando, quem te disse que quero algo
mais? Ainda mais contigo?
Ela me encarou e voltou a encostar o rosto no meu ombro.
Apertei mais um pouco nossos corpos, durante a melodia mais lenta
de uma balada sertaneja. Ela tem um cheiro bom, um perfume
sofisticado e os cabelos roçavam a minha barba.
A música trocou para outra mais antiga, e Modern Love
começou a tocar. Assim que reconheceu a melodia, Vitória se
afastou e sorriu, empolgada.
— Adoro esta música!
Ela começou a rebolar aquele corpo do jeito que eu estava
louco para ver, sacudindo os cabelos, remexendo os quadris e de
olhos fechados, com a cabeça para trás. Segurei sua mão e a fiz
girar, depois estendemos os braços, para que ela se afastasse e
voltasse. Vitória veio de encontro ao meu peito, cantando, com o
sorriso mais lindo que já vi naquele rosto. Bom, é um rosto
fantástico! Repeti o gesto e na volta ela ficou de costas. Mantive os
braços cruzados diante de seu corpo. Estava presa a mim e
rebolava aquele corpo, bem onde eu queria. Dançamos assim,
repetimos os passos, e ela voltou a passar os braços ao redor do
meu pescoço, ainda sorrindo.
Ao final da música, levou a mão ao peito e fez uma expressão
de quem cansou.
— Vamos tomar alguma coisa? — convidei, esperando um
coice em resposta.
Para minha surpresa ela concordou e ao soltar seu corpo,
senti o vazio que ficou. Batizaram minha bebida, só pode. Segurei a
mão da fotógrafa e fomos até o bar. Jonas veio nos atender com o
sorriso de sempre. Nossos barmen são extremamente bem
treinados e simpáticos.
— Fala, patrão! O que a gata quer beber? — Ele brincou
conosco, enquanto secava uma taça.
— Um leitinho morno? — Sorri para ela, maliciando.
— Uma vez cafajeste… — Vic revirou os olhos para mim e
respondeu ao Jonas — Quero um com espumante.
— Uísque — escolhi e Jonas se afastou para providenciar.
Vitória passou a olhar o movimento na pista e eu para ela.
Estava com um vestido verde escuro justo em cima e sem mangas,
mas a saia abria a partir da cintura marcada. Os seios fartos
estavam unidos no decote e visualizei minha língua passando entre
eles.
— Olha — ela apontou para a pista e me aproximei mais com
a desculpa de ouvir — Dá para fazer umas imagens bem bacanas,
aproveitando este ângulo. Repara só o efeito da luz na profundidade
dos espelhos.
Segui a direção que ela indicava e o efeito parecia fantástico.
Admirei-me que ela tivesse aquele pensamento, no meio da balada.
Vitória sacou o telefone celular, abriu a câmera e enquadrou o que
estava visualizando. Analisou o resultado e me mostrou. Nossos
rostos se aproximaram para eu verificar a imagem. Segurei o
celular, cobrindo seus dedos com os meus.
— Dá para perceber que o barman tem uma visão privilegiada
da pista — conclui e ela sorriu. Ao fazer isso, ergueu o rosto para o
meu e nossos olhos se encontram.
Que paulada! Tem tanto desejo ali, quanto deve ter nos meus.
Eles são de um castanho claro e arredondados. Olhos que estão
acostumados a buscar a beleza das coisas. Bom, ela encontrou
uma boa dose no meu rosto, isso é certo. Então, Vitória voltou a
olhar para o celular.
— Com uma lente melhor, a foto ficará incrível — explicou e
esfregou o pescoço, agitada.
— Como tu começou a fotografar? — puxei assunto,
estranhamente interessado, sem querer que aquele momento
acabasse.
A música alta dificultava termos uma boa conversa. Mas
obrigava que ela se aproximasse de mim e eu dela, cada vez que
falávamos. Inclinei-me levemente para escutar sua voz fazer
cócegas no meu rosto, enquanto ela explicava:
— Gosto desde a adolescência. Meu pai é fotógrafo
jornalístico, meu avô foi daqueles que fazem eventos, casamentos,
batizados… Está no sangue. Cresci entre lentes, slides e Nikons. Lá
em casa tem um verdadeiro museu de modelos de máquinas. Tem
até uma que é de museu mesmo — Vitória se afastou e confirmou
com um olhar bem animado — É um caixote de madeira, parece
uma caixa de sapato —Te mostro um dia desses.
Surpreendi-me. Um dia desses serei convidado para a casa
dela, então? Jonas entregou nossas bebidas e demos um gole. Eu,
ao menos, para ver se aplacava aquela sensação estranha de estar
desejando beijar o pescoço delgado da vizinha-bruxa-gostosa-do-
802.
— Mas boas fotos dependem de talento, não é algo que se
herde — filosofei, enquanto afastava uma mecha de cabelo loiro que
se soltou do passador que prendia a lateral.
— Verdade. Precisa de sensibilidade — ela deu outro gole em
seu drink. — E isso eu também tenho.
— Uma vez modesta… — brinquei e ela espremeu os olhos
na minha direção. Então ela veio com outro assunto.
— Parece que a Tatá e o Rodrigo se entenderam, enfim.
— Sim! Estava difícil aguentar o Rodrigo de corno azedo —
reclamei, porque o putão azucrinou esta semana, gemendo e
lamentando a vida.
— A história deles é muito louca, nossa! O Rodrigo parecia
um cara tão sério, fiquei chocada com a aposta.
— Mágoas antigas. Destino. Marcondes Cupido — apontei
para mim mesmo — chama como quiser, mas o certo é que ele fica
bem com a Tatá. Tomara que tenham acertado os pontos, de
verdade.
— No fim, vocês três são safados. Pensei que fosse só tu.
— Como é?
Admirei-me com a acusação gratuita. Estava sendo um
gentleman com ela, para lá. Nem a encoxei na dança, como desejei
fazer, não passei a mão na bunda, nem rocei seus peitos. Mal me
reconheço!
— Até o Felipe, — ela me olhou, censurando — com aquela
carinha de santo. As mulheres da agência já tinham me alertado
sobre a tua cara de pau, mas disseram que os outros dois sócios
eram mais educados. E rasgaram elogios ao Felipe.
— Olha só o que falam pelas minhas costas... — me fiz de
ofendido.
— Eles estavam mesmo propondo o que eu pensei que
estavam?
— Vitória, em que século tu nasceu? — Fiquei admirado com
a postura careta dela.
— Século dezenove — ela me olhou irritada. — Vocês fazem
muito isso?
— Está curiosa por que quer experimentar? — provoquei e
torci para que ela dissesse que sim.
— Não, para as duas coisas. Só meio chocada.
— Careta.
— Nada a ver. Fiquei surpresa, nunca tinham me sugerido
isso — ela se sacudiu, como se um calafrio a tivesse percorrido. —
Por que tu não foi com eles?
Até sorri com essa, porque foi a minha deixa para me
aproximar mais. Larguei o copo sobre o balcão, puxei sua cintura
para perto e juntei nossos quadris. Ela precisou erguer um pouco o
rosto para me ver e ao olhar para baixo, percebi o peito agitado, os
lábios serem umedecidos e os olhos firmes, que aguardavam a
explicação. Aproximei minha boca de sua orelha e disse lentamente,
no meu tom de voz mais grave e cafajeste:
— Porque hoje quero ficar só contigo.
Vitória jogou a cabeça para trás e gargalhou. Entrou em um
acesso de riso que a fez secar as lágrimas. Algumas pessoas por
perto até olharam a crise, pela qual ela passava e não parecia ter
fim.
Se eu me abalei? Nem um pouco.
Esperei que Vitória se recompusesse, então juntei novamente
a cintura dela, bati nossa pélvis, segurei a nuca e tasquei um beijo
digno de cinema. Bruto, duro, forte. Lambuzei-me em sua língua
doce e gelada, mal lhe dei o direito de respirar. As mãos dela foram
parar no meu pescoço e as unhas arranharam minha pele,
provocando um efeito que fez todo meu corpo arrepiar. Fiquei duro
imediatamente e deslizei minha mão pela bunda da Vitória,
aproximando ainda mais nossas partes que adorariam se encaixar.
E quando ela começou a gostar e soltou o primeiro gemido,
eu a soltei. Encerrei o beijo, soltei seu corpo, dei as costas e a
deixei ali. Ardendo, dolorido, frustrado. Mas da minha cara, ela
nunca mais vai rir!

Eram dez da manhã quando a Bianca terminou o café


reforçado que lhe servi, depois da noite de muito sexo que
passamos. Sou desses. Alimento minhas acompanhantes,
devidamente, antes de devolvê-las ao mundo. Não há uma que diga
que não foi bem comida e nem que comeu pouco. A morena de
longos cabelos pretos se fartou das duas formas. O próprio selo
Marcondes de qualidade.
Abri a porta do meu apartamento e nos despedimos com um
último beijo gostoso e ardente, dessa vez com sabor de café. Os
outros variaram em um cardápio igualmente saboroso. Enlacei sua
cintura e ela debruçou o corpo para trás, por causa da pressão que
fiz em sua boca.
— É um fogareiro! — Ela brincou, ao conseguir falar.
— Quer se queimar, Bianca? Eu acho que tu não aguenta
mais nada.
— Não por hoje — ela gemeu gostoso e quase desisti de
deixá-la ir.
Em seguida, percebi o movimento na porta diante da minha.
Vitória estava saindo, com uma cara de cu azedo, e alternou os
olhos entre mim e a minha acompanhante. Bianca se virou para ver
quem era e sorriu, reconhecendo-a:
— Oi, Vitória! Que coincidência, vocês são vizinhos?
— Para nossa alegria — ela respondeu sem humor algum —
Oi, Bianca. Tudo bom?
A morena gostosa se soltou do meu corpo e se abaixou para
cumprimentar o animal peludo que já vinha na minha direção. Não
sei por que esse bicho implica tanto comigo. Ao menos, estava na
guia. E quando ergui os olhos da cena que se passava aos meus
pés, dei de cara com a vizinha-bruxa secando meu corpo.
Eu estava apenas com uma cueca boxer preta e ela subiu o
olhar, descaradamente, do volume que a Bianca despertou, passou
pelo tanquinho de seis gomos, pausou rapidamente no peitoral
marcado, até chegar ao meu rosto e disfarçar. Beleza! Eu não posso
secar, mas ela pode.
— Arrependida? — provoquei, ajeitando o pau.
— Idiota — ela olhou para baixo, onde Bianca ainda mimava
aquele bicho feio.
— Bruxa — devolvi.
— Que coisa mais fofinha, qual o nome? — A morena
perguntou, alheia à nossa animosidade.
— Flor — ela respondeu, ainda sem humor.
— Devia ser Taz — eu disse e recebi um olhar furioso.
E para meu desespero Taz-Flor ouviu e veio lamber minhas
pernas. Bati os pés no chão, para impedi-la, mas o bicho é uma
mula chata igual à dona.
— Bianca, vou entrar — avisei.
Ela se levantou, me deu um selinho e se virou para Vitória.
— Adorei a Flor! Eu tenho um shih-tzu, podemos combinar
dos dois brincarem.
Soltei um grunhido, quase desesperado, e revirei os olhos.
— Claro — Vitória respondeu e ainda não sorria.
Vai chover forte em Porto Alegre. A enchente de 1942 vai ser
fichinha perto da tragédia que essa mulher deve estar planejando.
A porta do elevador abriu e um homem que nunca vi, saiu de
dentro dele. Neste andar só tem nossos dois apartamentos. Minha
visita não era, então… No mesmo instante, o bicho aos meus pés
iniciou uma corrida desesperada na direção do cara e Vitória soltou
a guia, antes de ser carregada junto. O recém-chegado, que vestia
uma camiseta regata e uma bermuda de corrida e tênis, se abaixou
e a pegou no colo. Aquela cena que me agonia, de lambidas na cara
e na boca começou, e o café da manhã deu voltas no meu
estômago.
— Amor do papai, que saudade! Estava com saudades de
mim também? Quem é a cadelinha cheirosa do papai?
Quase vomitei. O marmanjo fala com o bicho como se fosse
uma criança. Mas a minha reação, claro, foi gargalhar. É enjoativo,
mas extremamente patético! Vitória me olhou com desprezo e a
Bianca sem entender. O cara se aproximou e me encarou, sem
deixar de perceber a falta de um traje adequado diante das duas
damas. Mas se dirigiu à dona do apartamento em frente ao meu:
— Oi, Vic.
— Oi, Luciano.
O tom era o mesmo que ela vinha usando comigo e a
expressão de cu com assadura permanecia igual também. Já o
bicho no colo do cara estava tendo um ataque epilético. Não sei
explicar o que eu ainda fazia diante desta porta, mas algo não me
deixa entrar. Acho que é a Bianca, que ainda não foi embora e
deixou o elevador descer vazio.
— As coisas da Flor estão prontas? — O tal Luciano
perguntou e a Vic confirmou.
Vitória deu as costas e Luciano a seguiu, entrando no
apartamento, mas ela se virou e ergueu a mão espalmada.
— Esse espaço é meu. Não entra.
— Ok — ele se rendeu facilmente. Covarde. Deu os três
passos para trás e me olhou novamente. Eu já estava escorado no
batente da minha porta, me divertindo com a dinâmica. Ela não é
bruxa só comigo, pelo visto.
— Vocês dividem a guarda? — Bianca mirou o alvo e acertou
em cheio. Coisa ridícula e patética — parte II.
— Sim. Duas semanas para cada.
— E como é? Eu não sei se aguentaria…
— Vamos descobrir. Será a primeira vez.
— Ah — ela ergueu os olhos do bicho para o cara de cabelos
escuros e curtos. — É recente?
Nisso, a Vitória reapareceu trazendo uma bolsa. Entregou
para o Luciano e pegou o cachorro. Encheu de beijos e orientações,
como se o pobre ser de quatro patas fosse entender qualquer coisa.
Depois devolveu para o ex-marido (sim, entendi essa parte,
claramente). Ele e a Bianca, que já tinha chamado o elevador, e não
prestava mais atenção em mim desde que viu o cachorro, desceram
juntos. Sobramos eu e Vitória no corredor. Eu ia fechar a porta, mas
percebi que ela não se moveu.
— Vitória? — chamei e a bruxa virou o rosto para mim, no
automático.
As lágrimas escorreram com o movimento, então um choro
pesado explodiu e ela se virou para entrar em casa. Saí do torpor
que me paralisou momentaneamente, e fui atrás, impedindo que
fechasse a porta.
— Vai embora — ela ainda me xingou, mas não sou o tal
Luciano. Comigo não cola. Segurei a porta e a impedi de bater na
minha cara.
— Não sou o idiota que tu pensa, Vitória. Estou vendo que
está muito abalada e tu vai tomar um café comigo, até se acalmar.
Dito isso, aproveitei o choque dela e a puxei pela mão para
dentro do meu apartamento. Deixei-a no sofá, servi uma caneca do
meu delicioso café italiano e fui ao quarto vestir uma bermuda e
camiseta. Na volta, a encontrei de olhos parados na vista fantástica
que tenho daqui.
— É bem melhor do que a minha — ela disse, com um sorriso
leve.
Sentei-me ao seu lado e agora a vista dela era eu. Com um
pouco de receio, segurei sua mão, esperando uma descarga
elétrica, mas ela aceitou e entrelaçou nossos dedos. Essa mulher
me confunde totalmente.
— Obrigada. Teria sido horrível ficar sozinha agora.
— Quer me contar? Entendi que é teu ex-namorado ou
marido, e que vai ficar com o Taz por duas semanas. Meu tapete e
minhas pernas agradecem, por sinal.
— Como tu é implicante com a Flor! — Ela bufou, tomou um
gole de café, mas não separou nossas mãos.
— Não é nada pessoal contra ela. É com todos. Eu era
pequeno quando um cachorro de um vizinho me mordeu — mostrei
a ela as leves marcas que ainda tenho abaixo da panturrilha.
— Nossa — ela se inclinou para ver e depois me olhou —
Deve ter sido traumatizante.
— Foi. Tive que tomar várias injeções antirrábica, e elas são
dolorosas pra cacete! E foi bem no verão, então passei semanas
sem praia — fiz um drama, mas ela não reagiu — Depois disso,
mantive distância regulamentar de cinquenta metros, no mínimo. E
detesto lambidas, acho nojento.
— Desculpe, eu devia ter perguntado os teus motivos antes.
— E os teus, vai me contar?
Vitória suspirou, tomou outro gole e largou o pescoço no
encosto do sofá. Se ela soubesse que foi bem aí que comecei a
comer a Bianca ontem, não estaria tão à vontade assim…
— O Luciano é meu ex-marido, acabamos de nos divorciar.
Ele que me deu a Flor, é nossa filha… Enfim, é uma relação que
deve ser estranha para ti, que não gosta de animais, acho que não
entenderia. Mas vê-lo ir embora, levando minha Florzinha, foi
doloroso. É uma sensação de que não sei o que fazer com o tempo
que sobra, com a falta que fica — Vitória secou as lágrimas de novo
e me olhou — Tu tem filhos?
— Não. Fui casado por dois anos e não chegamos a pensar
nisso.
— Nós ficamos dez anos juntos, contando o namoro — ela
olhava para o fundo da caneca, provavelmente lembrando.
— Por que terminaram?
Vitória deu um risinho triste e soltou minha mão. Segurou a
caneca entre as duas mãos e levou à boca.
— Uma chance — disse, após engolir o líquido.
— Ele te traiu?
— E agora está levando minha Flor para a casa dela.
Hummm… Entendi o drama. Ciúmes do ex e do bicho feio. As
lágrimas voltaram a ficar fortes e eu não suporto ver uma mulher
sofrer. Nisso, nós três somos iguais, derretidos. A gente se diverte
com elas, oferecemos entretenimento de qualidade, mas fora as
lágrimas de término, todas as demais recebem a nossa
solidariedade.
Retirei a caneca da mão da Vitória e deixei sobre a mesinha.
Puxei seus ombros e a trouxe para se recostar no meu peito. Ela
veio, embora não me abraçasse. Está cheirosa, um aroma de creme
hidratante e shampoo.
— E tu, por que não deu certo?
— Ela era uma doida ciumenta — lembrei. — Tinha crises
terríveis, por qualquer coisa.
— Ah... — Vitória debochou — Nem devia ter motivos.
— Claro que não — espiei a vizinha recostada em mim — Fui
fiel, mas as mulheres têm olhos e garras, algumas tinham o meu
número do celular, daí...
— Tu a amava?
— Não o suficiente.
Carla foi uma das mulheres que mais amei, sim. Não teria me
arriscado a casar, se não a amasse. Mas se tornou impossível
suportar tantas crises, tantas reclamações. Eu me determinei a
melhorar por ela, a ser fiel e respeitar, porque é o que acredito que
seja um relacionamento. Mas ela nunca confiou e isso não foi,
definitivamente, culpa minha. As inseguranças dela permanecem
até hoje. É coisa da Carla, não fui eu. Só não a amei o suficiente
para colocar as necessidades dela acima das minhas. Eu queria
paz. Ela não podia me dar. Agora estou solteiro e posso variar,
ninguém tem o direito de me julgar por isto.
— Bom, vou indo — Vitória se afastou e novamente ficou
incômodo no meu corpo — Obrigada pelo café e por me ouvir.
— Disponha, vizinha — sorri e ela se levantou.
Acompanhei-a até a porta e abri. Ela passou pelo batente e
se virou. Ficou na ponta dos pés e beijou meu rosto, apoiando as
mãos em meus ombros.
— Deixei a Flor fazer xixi no pneu do teu carro.
— Que nojeira, Vitória — reclamei, levemente irritado
novamente.
— Vingança em dia de TPM.
— E se vingou, por quê?
Ela só ergueu um ombro e saiu caminhando, rebolando
aquela raba deliciosa, em uma jogging justa. Só naquele momento
percebi que estava de top. Para onde eu estava olhando antes, que
não notei? Vitória abriu a porta e sorriu. Depois sumiu das minhas
vistas.
Bruxa gostosa do cacete!
“Eu acho que tá tudo bem, é hora de descomplicar.
Tem vez que a gente ama tanto,
se machuca tanto, só por machucar.”
(Atitude 67)

Abri os olhos e a sensação de familiaridade me abraçou. Eu


sorri, sentindo o peso do braço de Rodrigo sobre a minha barriga.
Virei o rosto a tempo para vê-lo ainda dormir, exausto como eu, da
nossa noite de reconciliação. Talvez um pouco mais exausto e eu
um pouco mais dolorida. Foi intenso.
Um calor percorreu meu ventre ao lembrar de tudo que esse
homem fez e me disse. Se fazer sexo era bom, agora, sabendo que
nos amamos, é ainda melhor, é uma entrega que não tinha sentido
antes.
Ele já veio me atiçando no percurso até aqui, me beijando e
tocando a cada sinal fechado que encontramos. Eu também o judiei,
alisando aquela gostosura firme por cima da calça. Em casa, a
pegação começou na garagem, ainda dentro do carro. Mas não tem
muito espaço no Jaguar para grandes manobras, então ele me
colocou sobre o capô e matou minha vontade de sentir sua língua e
sua boca entre as minhas pernas. Foi a sensação úmida dele,
contra o capô quente do Jaguar, aquele cheiro de óleo e gasolina
que conheço bem. E eu esparramada ali, me sentindo desejada e
poderosa.
Quando gozei, ele passou minhas pernas por sua cintura e
nos trouxe para o quarto. Tomamos um banho juntos, como
sentimos falta todos os dias, ele confessou. Disse que lembrou de
mim em todos os banhos que tomou e por algumas vezes se
masturbou pensando em nós, frustrado por me ter tão perto, e ao
mesmo tempo, tão inacessível. Eu retribuí o oral da garagem e ele
gemeu alto na minha boca também. Amo os sons que Rodrigo faz
durante o sexo, as palavras que diz, que acertam o meio do meu
peito e escorrem para o meu ventre...
Enrolamo-nos, ao final do banho e ele sentou no banco
acolchoado aos pés da cama. Sentei-me sobre seu colo e nos
beijamos, porque ainda tínhamos muita saudade para matar. Não
me cansarei nunca do beijo dele. A toalha caiu, expondo meu corpo,
que juntei à pele macia e quente que ele tem. Rodrigo subiu as duas
mãos pelas minhas costas e as levou para frente, agarrando meus
seios, beijando cada um deles com devoção. Ele os soltou apenas
para tirar a toalha do caminho. As duas foram se embolar em algum
lugar e eu o senti na minha entrada. Ele tinha a mesma urgência
que eu:
— Rô — alertei que faltava algo.
— Tem mais um segredo que preciso te contar. Um que
jamais disse a nenhuma mulher.
Ele mantinha seu pau gostoso me provocando, mas me
olhava com seriedade. A espera me deixava aflita e excitada, eu
desejava senti-lo por inteiro. Mas outro segredo, fala sério! Com
quantos ele pretende me matar?
— Qual segredo, Rodrigo? Por favor, não sei se aguento
outro.
— Deste tu vai gostar — ele sorriu e mordeu o lábio inferior,
charmoso.
— Fala então — me afastei um pouco e sentei sobre seus
joelhos, esperando.
— Eu fiz vasectomia, uns seis anos atrás.
Alguém pode juntar o meu queixo? Caiu de vez.
— Então, nós podemos brincar à vontade que nunca vai sair
um alienzinho de olhos azuis, daí?
— Não — ele confirmou. — Essa também era uma
preocupação minha em relação a nós. Que tu mude de ideia sobre
ter…
— Não vou mudar — disse firme. Em seguida, me dei conta
— Eu nunca fiz sem camisinha.
— Com isso, serei o primeiro duas vezes — ele sorriu,
afastando meus cabelos molhados para trás dos ombros.
— Duas? — estranhei, mas entendi assim que o safado
agarrou minha bunda e me trouxe para mais perto novamente,
deslizando os dedos entre as minhas nádegas.
— Deixa meu fiofó de fora dessa conversa!
Rodrigo jogou a cabeça para trás em uma daquelas
gargalhadas que eu amo tanto. A saudade que eu estava dela só
pôde ser mensurada naquele momento, pois meus olhos se
encheram de lágrimas. Ele parou de rir quando percebeu.
— O que foi?
— Eu estava com saudade da tua risada.
— E eu das tuas besteiras sem filtro, meu amor.
— Meu amor — voltei a beijar aquela boca, que se encaixava
com perfeição na minha.
E quando ele entrou livre em mim, quando senti sua pele
roçar a minha, quando senti seu gozo quente me inundar, lembrei do
pedido desesperado que fiz no banho, mais cedo. Eu nunca estive
sozinha, pois Deus estava me ouvindo. Ele me socorreu. Ele me
devolveu o Rodrigo.
E agora ele está aqui, eu estou na cama dele, nós estamos
namorando. Tentei afastar os pensamentos que me levavam ao
motivo pelo qual nos separamos. Ele jurou que não vê mais a
Valentina em mim. Eu não posso vê-lo como o adolescente que se
apaixonou pela primeira vez. Depois dela, quantas outras passaram,
a própria Sheila, que lhe deu uma filha. E é a mim que ele ama,
mais do que amou qualquer uma delas.
É estranho saber que uma foi a minha mãe. Progenitora,
porque mãe tem outro significado. E ela foi a primeira, por isso o
marcou. E ela o magoou, feriu, por isso ele não esqueceu. Ela o
teve e dispensou, como fez comigo. Valentina não ama ninguém.
Vou amá-lo e cuidar por nós duas.
Enrosquei-me naquele corpo do qual me abasteço. Rodrigo
respirou fundo, acordando, e me prendeu entre seus braços, então
levou a minha mão até seu pênis, já ereto. Ô fôlego, Pai do Céu! Fiz
um carinho ali, consolando o bichinho que vai esperar um pouco
para brincar, e depois voltei a me agarrar no meu homem cheiroso.
Ele gemeu, reclamando do abandono, mas voltou a dormir.
Rodrigo aceitou que eu vá morar sozinha. Isso é importante
para mim e ele entendeu. Ainda me sinto desconfortável pela forma
com que ele quer fazer isso, afinal, se vai comprar um apartamento,
é quase o mesmo que eu ficar aqui. Mas decidi não complicar as
coisas. Eu não aguentaria viver naqueles quartos que vi e não
posso pagar por nada melhor. Negar essa ajuda seria ridículo e uma
burrice sem tamanho.
Meu namorado gostoso acordou algum tempo depois e sorriu
para mim, enquanto se espreguiçava. Meu coração vibrou apertado
nele mesmo, é uma dor prazerosa, um misto de amor e admiração.
Reagi subindo em seu colo e o direcionando para dentro de mim.
Este é o melhor jeito de viver que existe.
— Que bom dia delicioso! — ele gemeu, com a voz ainda
mais rouca ao amanhecer.
— Tu me prometeu todos os cômodos da casa. Por enquanto,
foram três.
— Será um excelente dia — ele trouxe as mãos aos meus
seios. Me deixou controlar o ritmo e fechou os olhos. Eu mantive os
meus abertos, pois tudo nele me aquece.
Tomamos banho, beliscamos umas frutas na copa e Rodrigo
parecia distraído com o celular. Digitava ferozmente, enquanto
tomava o café puro. Peguei o meu aparelho e fui atrás da Bella, que
não havia respondido nenhuma mensagem minha.

Antônia: Bella, já podemos falar?

Mas os dois ticks nunca ficavam azuis. Ela não olha. Bella é
assim, quando se irrita, ou se magoa, leva uma eternidade para
perdoar. Ela está furiosa porque assumi o Rodrigo, lá em Punta
ainda, e não estava lendo minhas mensagens, desde então. Ela não
leu sequer o que lhe escrevi sobre o meu pai.
Mia chegou, vindo da piscina com o namorado. Ele dormiu
aqui, pois quando chegamos, o carro estava na garagem. Os dois
se sentaram ao redor da mesa e começaram a beliscar as frutas e o
suco que a Maria serviu.
— Como foi a festa? — Mia me perguntou, pois o pai não
tirava os olhos do telefone.
— Foi boa, como sempre — sorri para ela, que espremeu os
olhos na minha direção, achando pouca informação.
— Pai, estou pensando em fazer minha festa de dezessete
anos na 4Ty — ele fez apenas um som grave, indicando que ouvia,
enquanto digitava — Uma festa fechada, claro. Apenas com convite
e autorização para os menores de idade.
— Não vou servir bebida alcoólica, desiste.
Rodrigo finalmente soltou o aparelho e ergueu os olhos para a
filha, que revirava as próprias órbitas.
— Que caretice. Tu sabe que todo mundo bebe nas festas.
— Não estou a fim de levar uma multa por isso.
— Poderia ter duas pulseiras, de cores diferentes, para quem
é maior de idade — Pedro sugeriu e recebeu um olhar duro de
Rodrigo.
— E eu sou o idiota que nasceu ontem, e não sabe que logo
esses copos vão circular mais do que os outros. Não perde tempo.
— Pai, todo mundo bebe! — Mia se desesperou, mas Rodrigo
nem se abalou.
— Ano que vem fazemos a festa na 4Ty e não haverá
problema algum. É uma casa noturna, para maiores de dezoito, e
não quero problemas com a fiscalização.
— Ninguém vai denunciar — Pedro ainda tentou, mas
Rodrigo o ignorou.
— Se quiser fazer aqui, contrata a organização e faz. Mas na
4Ty, não.
Fiquei até admirada, ele nunca nega nada para a pirralha. Ela
reclamou e argumentou, mas ele nem respondeu mais, pois o
celular voltou a atrair sua atenção. Então, me olhou:
— Vem comigo — Rodrigo se ergueu e estendeu a mão. Em
seguida, se virou para a filha e anunciou — Mia, estamos
namorando.
— Sério? — Ouvi a voz surpresa da Mia e sua boca aberta. —
Fico bem feliz por vocês. Aliás, isso prova que tenho juízo, já que
precisei colocar algum em ti…
— Não tenta levar os créditos — Rodrigo disse, sem humor, e
começou a andar.
Ele me levou até o escritório e se sentou em sua cadeira
poderosa. Abriu o notebook e eu aguardei, sem saber o que ele
queria. Só me ocorreu uma suspeita:
— Este vai ser o quarto cômodo?
— Safada!
Rodrigo tirou os olhos da tela, rapidamente, enquanto
digitava. Depois, afastou a cadeira e bateu na perna, pedindo que
eu me sentasse. Em dois segundos, eu estava bem acomodada
sobre aquela coxa grossa, observando a tela aberta. Era o site de
uma imobiliária famosa da capital.
— Pedi para um corretor conhecido separar as melhores
opções de apartamento no Centro — explicou. — Vamos olhar
juntos e tu me diz como imagina. Esses são apenas alguns, assim
que ele souber o que tu espera, pode melhorar as opções.
— Rô... — fiquei sem fala — Eu nem sei o que quero. Não
tinha pensado ainda. — Virei-me para ele e toquei seu rosto.
Rodrigo estava sério. Poderia dizer até desconfortável. — Tu não
precisa fazer isso.
— Tu também não, mas nenhum de nós vai mudar de ideia,
não é?
Respondi que não e ele voltou a olhar a tela. Tinha algumas
opções de apartamentos de um e dois dormitórios, em edifícios mais
antigos. Ele reclamou disso, mas a localização é importante para
mim. Rodrigo estava visivelmente incomodado e agora eu já sei o
motivo.
— Tem que ser no Centro? Olha, na Cidade Baixa tem
opções mais modernas e com garagem — ele digitou a nova
pesquisa e realmente, as opções eram bem melhores.
— Eu tinha pensado no Centro, para poder abrir mão do
desconto do vale transporte, no começo.
— Por Deus! — Ele fechou a tela, irritado — Eu não aguento
isso, Antônia!
— É a minha realidade e de boa parte da população
brasileira.
— Mas não precisa ser. Tu é minha namorada, Antônia, a
mulher que eu amo! Como tu espera que eu aceite te ver trocar vale
transporte por comida? Tem tudo isso aqui — ele abriu os braços.
— Tu disse que entendia…
— Eu disse que estava tentando entender, mas não é o que
eu quero. Por que não podemos manter o acordo inicial? Tu vai
estudar, te qualificar melhor e vai chegar o dia em que poderá
bancar tudo. Mas agora, princesa, não me parece que tenha
condições de fazer isso sozinha.
— Não acredito que tu vai dar para trás — reclamei.
— Ok. Vamos colocar no papel, então — ele puxou um bloco
de anotações e uma caneta. — Qual é o teu salário líquido?
— Não vou te dizer.
— Vai sim.
— Tu vai achar pouco e dar por encerrada essa conversa.
Eu mesma achava pouco, quem dirá ele, que gasta mais do
que o meu salário em um vinho.
— Eu tenho certeza de que é pouco, tu mesma já deixou isso
bem claro. Vou chutar dois mil reais.
Menos, pensei, mas calei. Ele começou a colocar no papel
cada mísera despesa que eu teria, morando sozinha. Rodrigo tem
uma boa ideia de como a vida é. Fui preconceituosa ao imaginar
que, por ser tão rico, ele não soubesse o valor real das coisas. O
total que sobrou era ínfimo e seria ainda menor na verdade, porque
ele chutou alto meu salário.
— Tu vai conseguir passar um mês com isso, Antônia?
— Acontece que dá para rever, por exemplo, a despesa com
alimentação.
— Não, não dá — disse, sério, e resolvi nem falar sobre meus
planos de comer sardinha em lata, porque o homem ia me amarrar
no pé da mesa. — Contra números não há argumentos, Antônia.
— Rô… — suspirei, frustrada.
— Eu sei que viver aqui sem carro é difícil, então compro um
para ti, pode ser? Assim tu não precisa acordar cedo demais para
pegar o ônibus.
— Mas não é só por isso, Rodrigo — levantei daquele colo
para poder pensar melhor — Não posso transferir a dependência
que tinha do meu pai, para ti. Não é saudável para o nosso
relacionamento. E se um dia a gente brigar, tu te cansar de mim,
vou estar na mesma situação.
— Quanta merda! Tu te escuta? Eu te amo, Antônia. A gente
pode brigar, porque casais brigam, mas eu jamais te chutaria daqui!
E não estou te dizendo para ficar acomodada. Nesse meio tempo,
procura outro lugar para trabalhar, faz o que for preciso para ter uma
profissão que te remunere devidamente e que te realize. Não estou
te pedindo para se anular, estou te dando a chance de crescer
profissionalmente, já que sozinha, tu terá que escolher entre comer
e andar de ônibus.
— Exagerei um pouco ali…
— Não quero nem imaginar onde tu pretendia morar, se essas
despesas já estão pesadas para o teu orçamento e não têm um
aluguel incluído — ele me olhou com irritação.
— Rô… — gemi de novo, sem conseguir encontrar
argumentos contra ele.
— Vem aqui, princesa — Rodrigo abriu os braços e eu fui,
como a boa cadelinha que sou. Sentei-me esparramada sobre seu
colo e ele segurou meu rosto, me fazendo mergulhar em seu
oceano — I was born to take care of you, every single day of my life
(Eu nasci para cuidar de você, todos os dias da minha vida). — Ele
recitou o verso da nossa música e suplicou — Me deixa fazer isso?
Suspirei. Sou tão apaixonada por este homem, que não vejo
outra saída a não ser aceitar. De novo, estou nas mãos dele. Literal
e figuradamente. E pior que não tenho vergonha alguma de
confessar que isso tira um peso imenso das minhas costas, pois eu
estava apavorada com o futuro que via para mim. Será que nunca
conseguirei ser a mulher forte e fodona que vejo nos livros? Uma
mulher independente, que encara a vida de peito aberto, pronta para
se reerguer a cada tombo? Será que sou a única assim?
Acho lindo quando uma protagonista fraca, injustiçada ou
vitimizada se reergue, toma a frente de sua vida e sai derrubando os
obstáculos. É o que a gente quer ler, não é? A ficção que nos distrai
da escuridão do mundo. Mas na vida real, as dores são bem mais
profundas, os traumas e os medos são de carne e osso, ninguém
muda do dia para a noite. A gente tenta, escorrega, tenta de novo,
às vezes desiste no caminho, se acomoda. Essa era uma frase
frequente da minha avó, que me alertava sobre o quanto a vida é
mais cruel do que nos livros.
Rodrigo aceitou meu silêncio como concordância. Beijou
minha boca e alisava minhas costas, tirando-me qualquer
possibilidade de raciocinar. E eu comecei a sentir os primeiros
sintomas de uma excitação poderosa nos tomar. Ele me ergueu pela
cintura e me acomodou sobre a mesa, onde antes estava o
notebook. E quando se enterrou em mim, veio falar ao meu
pescoço:
— Também tem isso, nós, todos os dias… Vai abrir mão de
me ter de manhã, ao acordar? Dos nossos banhos, que agora
podem ser ainda melhor aproveitados — ele colocou os olhos
divinamente azuis em mim e sorriu — De dormir todas as noites
abraçada comigo?
— Todas?
— Na minha cama, no meu quarto, — ele sussurrou no meu
ouvido — todos os dias.
— Covardia, Rodrigo — gemi. Ele sabe que amo isso.
— Tu é minha mulher, Antônia. Aceita o que estou te dando.
— Estou aceitando — olhei para baixo, na direção do nosso
encaixe, e mordi o lábio, com a intenção de parecer sexy.
Rodrigo fez um som que pareceu um rosnado raivoso e
agarrou minha boca com fúria. Eu me enrosquei naqueles cabelos
cheirosos e me segurei, pois os embalos de sábado de manhã me
levavam para outra explosão poderosa. Minha vida deixei nas mãos
dele. Fazer o quê? Sou fraca.

Saí dela duplamente realizado, pois Antônia concordou com


meus termos, até que enfim. Dane-se o papo feminista da Vitória,
sobre dar-lhe opções, liberdade, voo, o cacete. Essa menina ia
passar fome, todo tipo de privações, eu jamais permitiria. Se eu não
a amasse com tanto desespero, ainda assim não deixaria. Meu
dinheiro não pode servir apenas para as futilidades. Trabalho
pesado, mereço cada centavo e gosto de dividi-lo com quem
também merece. Antônia merece muito.
Assim que terminamos o almoço, ela me chamou para uma
cochiladinha, como disse. Ela é mais velha do que eu, a
dorminhoca, pois adora dormir depois do almoço.
— Só tenho direito a mais três dias de preguiça, me deixa —
ela se defendeu, quando a acusei de perder tempo dormindo.
— Certo. Mas só uma hora, porque quero te levar a um lugar.
— Aonde vamos? — Ela se agarrou ao meu corpo, para se
aconchegar. Adoro o nariz dela no meu pescoço e a respiração
morna.
— O que tu acha de irmos jantar em Gramado? — Inventei,
para disfarçar minha real intenção.
— Acho que posso dormir só meia hora.
— Ótimo — eu a agarrei também. — Assim teremos mais
tempo para curtir a cidade. Quer dormir lá?
— Amor, eu durmo até no banco da praça, se tu estiver
comigo.
Dei risada dessa maluca. Espero que ela mantenha o humor
depois de descobrir onde pretendo levá-la, antes de Gramado…

Uma hora e meia depois, nos despedimos de Mia e Pedro,


que ficariam na casa até o dia seguinte, e peguei a estrada. Antônia
falava animadamente sobre a primeira vez que foi a Gramado, em
uma excursão com as amigas da avó. Depois, puxei outro assunto,
desviando a atenção dela do percurso:
— Em que dia tu faz aniversário, princesa?
— Dia 8 de dezembro, e tu?
— Dia 18 de maio — então, lembrei — No final de semana
que vem, iremos a Floripa, ok? Que horas tu sai da escola?
— Às 18 horas.
— Ótimo, te pego lá e vamos — sorri.
— Eu preciso estar de volta no domingo à noite — ela disse,
em um tom de advertência.
— Estará, madame.
— Não estou brincando. Se eu me atraso um minuto, a dona
da escola arranca meu rim.
— Já não fui com a cara dela. Então, me diz, que curso tu
quer fazer?
Deixei Antônia pesquisando sobre aquilo, antes do almoço, e
enquanto providenciava a surpresa que estou armando.
— Pesquisei algumas pós e me interessei por uma, em
Educação Especial, para alunos com necessidades específicas.
— Mesmo? — Olhei admirado para ela.
— Tive um aluno com deficiência auditiva este ano, e senti
muita dificuldade em me conectar com ele. Não sinto que atingi
plenamente os objetivos necessários, como educadora. E isso foi
uma deficiência minha. Ensino inclusivo é o futuro da Educação, não
dá mais para segregar essa parcela da população, ou ignorar suas
necessidades diferenciadas de ensino. Isso significa não jogar o
aluno no meio de uma sala de aula comum, sem qualquer preparo,
como é feito na maioria das escolas.
Acho que arregalei os olhos, pois estava realmente surpreso
por presenciar a mudança que ocorreu em Antônia, enquanto falava
sobre sua profissão. Eu já tinha visto que ela adora os pequenos
alunos, ela mesma disse que se identifica com eles. Esse lado, sério
e profissional, me surpreendeu, e fiquei ainda mais orgulhoso dela.
— Onde é essa pós?
— Na UFRGS, mas agora, só no próximo semestre. Que
caminho é esse para Gramado? — Ela estranhou que ainda não
estávamos na estrada federal, rumo à serra.
— Preciso ir a um lugar antes — disfarcei e voltei ao assunto
— Não tem na PUC?
— Deve ter, mas daí não é gratuita. — Os braços já foram se
cruzar, o que significa que estava desconfortável, eu já sei.
— Ok — decidi não tocar naquele ponto ainda. — Foca em
trocar de escola agora.
Antônia assentiu, olhando fixamente para o percurso que eu
fazia.
— Farei isso, vou continuar enviando currículo por e-mail.
Que lugar é esse em que vamos?
— Aposto que tu vai gostar.
Ela me olhou desconfiada, depois aumentou o som do rádio,
curtindo The Doors.
Pouco tempo depois, estacionei diante de uma
concessionária de carros populares e ela veio me encarar
lentamente. Cada vez que faz isso, eu gelo. Mas sei disfarçar bem.
— Vem e não faz escândalo — avisei, saindo do carro.
Ela levou um tempo, mas saiu, me cozinhando com os olhos.
Segurei sua mão e fui atrás do vendedor, com quem falei mais cedo.
Roberto foi educado e prestativo, nos apresentou os modelos mais
recentes e Antônia permaneceu muda. Escolhi um que me parece
ideal para ela, esportivo e mais alto, e o examinei por dentro.
— Quer fazer o test drive, senhor Rodrigo?
— Quer, amor? — perguntei, como se não estivesse quase
sendo assassinado à vista de todos.
— Não precisa, já dirigi esse — ela respondeu sem
empolgação.
Às vezes, eu queria ser adepto de BDSM, porque teria muito
prazer em chicotear essa bunda mal-agradecida. Abri a porta do
motorista e a empurrei para dentro, até sentar aquela gostosura no
banco. Dei a volta, pedindo licença ao vendedor para conversarmos
a sós.
— Deixa de ser criança e experimenta o carro, Antônia —
falei, mexendo no media player e disfarçando minha irritação.
— Tu não podia ter feito isso sem falar comigo.
— Eu te disse que compraria um carro e estamos escolhendo.
E estou levando tua opinião em consideração, por isso não estamos
na Jeep, que é onde eu gostaria de comprar.
— Bom, um Jaguar eu jamais negaria — ela me desafiou.
— Estava pensando num Renegade mesmo — devolvi o olhar
para ela.
Antônia suspirou e virou de lado, na minha direção. Fiz o
mesmo e segurei suas mãos. Sei que ela está chateada, mas
também sei que não aceitaria se não fosse assim. E não quero essa
menina pegando ônibus às cinco da manhã, para ir trabalhar o dia
inteiro. Mais de doze horas fora de casa! E ainda estudar depois?
Nem pensar!
— Nos conhecemos há menos de um mês, Rô. E se eu não
for como tu pensa? E se eu tiver os defeitos que tu não suporta?
— Ah, um deles com certeza tu tem. Orgulhosa!
— E tu é superprotetor e sufocante!
— Sou, só que isso é qualidade, não defeito — ela espremeu
os olhos na minha direção e virou o rosto. — Encerrada a discussão
desnecessária, me diz o que achou do carro? Quer outro? Qual tu
prefere, meu amor?
— Amei esse, sempre quis uma Tracker — disse, de cara
fechada.
— Hoje vou te dar umas palmadas, pode ter certeza — puxei
aquela cara emburrada e lasquei um beijo na boca, que estava dura
como uma pedra. — Quer negociar os acessórios ou vai deixar para
mim?
— Vou escolher todos que tenho direito. Acabo de decidir que
vou te depenar.
— Amada do meu coração… Nem a Mia e nem a mãe dela
conseguiram, até agora. Não vai ser tu, com um carro popular, que
vai me falir.
— Te odeio, Rodrigo Bassos — identifiquei o início de um
sorriso se formar nos lábios rosadinhos.
— Prova o quanto hoje à noite, em Gramado.
— Isso tudo foi premeditado, né? Inventou a viagem para me
distrair e amansar.
— Claro! — eu sorri e saí do carro.
Ela já devia saber que eu não perco nenhuma aposta.
“E pra você, eu deixo apenas o meu olhar 43,
Aquele assim, meio de lado, já saindo
Indo embora… louco por você.”
(RPM)

Passei a tarde preguiçosamente no sofá, vi um filme, joguei


Playstation e assisti futebol. Felipe nos chamou para um jantar e o
Rodrigo disse que estava indo com a Tatá para Gramado. O Felipe
cozinha como ninguém, nunca perco uma boca livre dele. Vou dar
uma corrida no parque e depois irei para lá.
O dia estava desgraçadamente quente, como todo o verão. Já
dei meia volta na pista cheia e estou ensopado. O sol não incide
mais, pois passa das 19 horas, mas o abafamento me fez perguntar
o que estava fazendo ali, naquela tortura. Então, vi uma cena que
me lembrou que existe uma boa motivação para eu correr: as
mulheres em suas roupas de lycra, justas e curtas.
Aquela, à minha frente, tinha um traseiro redondinho e duro,
que subia e descia, à medida que seus passos eram dados. Ela
mantem uma velocidade baixa, como quem pretende ir longe e não
tem pressa. Usa um boné e tem o cabelo loiro preso em um trança
que teima em correr para frente, e ela volta a jogar para as costas.
Está com um top curto e a pele exposta em seus quadris é de um
tom dourado de verão.
Gostosa até pedir clemência! Só falta ser casada, porque
algum defeito deve ter. Não pego mulheres casadas, tenho meus
critérios. Mas com essa aí, eu certamente queria suar mais,
movimentar outros músculos. Já imaginei tudo que poderia fazer
com aquele corpo e preparei todas as palavras para convencê-la a
isso. Acelerei um pouco mais a corrida, para alcançá-la, e assim que
emparelhamos, olhei diretamente para suas mãos, onde não vi
aliança. Abri um sorriso matador e busquei seu rosto.
Ela já tinha me percebido e também tinha o rosto virado para
o meu. Levei um choque: a bunda maravilhosa é da Vitória!?
— O-oi! — falei, esquecendo, imediatamente, todos as frases
de efeito que tinha preparado.
— Oi, vizinho — ela tomou um gole da água e diminuiu um
pouco mais o ritmo.
— Não te reconheci sem o acessório canino e a vassoura.
— Há-há — ela riu, sem graça alguma.
— Como passou a tarde?
— Fazendo faxina — ela sorriu e eu logo maliciei, pois não
presto.
— Muitas teias de aranha para limpar?
Vitória gargalhou e reduziu até parar e colocar as mãos nos
joelhos, atrás de fôlego. Caminhou até um banco e passou a se
alongar, para meu desespero, que não conseguia desviar os olhos
daquela bunda linda. Parei diante dela e usamos o apoio um do
outro para alongar as coxas.
— O que tu quer comigo, Marcondes? — Vitória me encarou,
esperando a resposta.
— Nada, não te suporto — sorri — E nem àquele cachorro.
— Também não te suporto — ela disse, com um sorriso, e eu
mordi os lábios.
— Agora que resolvemos isso, quer ir comigo em um jantar na
casa do Felipe? — Minha boca que falou, não eu. Eu estou
chocado comigo mesmo.
— Quem vai estar lá?
— Nós, Bianca, Márcia… O pessoal de sempre, menos o
Rodrigo que levou a gatinha para Gramado.
— Esperto ele — Vitória terminou de se alongar e tomou outro
gole de água, sem tirar os olhos de mim. — Obrigada pelo convite,
mas não. Não curti muito aquela Márcia.
— Não foi recíproco — eu lembrei da médica salivando pela
Vitória. Quem não salivaria? Eu mesmo tomei um gole de água,
antes de me afogar no meu próprio cuspe.
Ela estava com as faces coradas pelo calor, toda suada e
ofegante. Eu estou igual e mesmo assim, adoraria estar abraçado a
ela, beijando aquela boca que agora faz um biquinho lindo para
tomar a água. Deus do Céu, estou salivando pela bruxa do
802!
Vitória começou a andar e eu a acompanhei, como se não
tivesse outro objetivo na vida. Como se minha corrida tivesse
mesmo chegado ao final e eu estivesse indo para casa.
Caminhamos em silêncio um tempo, pegando o caminho do edifício
há duas quadras dali.
— E tu vai, então? No Felipe? — perguntou, sem parecer
realmente interessada.
— O Felipe cozinha como um chef, Vi! É quase irrecusável —
Eu a chamei de Vi? O que está havendo comigo?
— Sem falar no restante do cardápio… — ela insinuou. Ao
menos, acho que não percebeu meu fora.
— Nenhuma novidade nesse outro cardápio — afirmei e
percebi que era a maior verdade. Sempre as mesmas figurinhas
carimbadas, os mesmos assuntos.
— Uau! — ela interpretou minha frase como sexista e me
senti obrigado a explicar.
— Não me refiro a isso, Vitória. Mas são sempre as mesmas
pessoas realmente, as mesmas conversas. Viajei para lá, fui para
cá, comecei uma dieta nova a base de alface e agrião, cortei
carboidratos — imitei as vozes patéticas na minha cabeça e ela riu.
— Acho que por isso o Rodrigo se encantou pela Tatá. Ela é
diferente de todas as outras.
— Tu gosta mesmo dela… É uma paixão enrustida pela
namorada do amigo?
— Não! — Olhei para ela chocado — Nada a ver. Amo o
Rodrigo e ele merece muito ser feliz. O cara sofreu pesado. Mas ela
é mesmo a minha gatinha, tu que não precisa ter ciúmes disso.
— Ah… — ela riu, debochando — Tenta de novo.
Apenas sorri e abri a porta do prédio para Vitória passar.
Esperamos o elevador, que chegou em seguida, e subimos calados.
Eu fingia mexer no celular, mas estava de olho no peito delicioso
que subia e descia agitado, na mão que esfregava o pescoço, nos
dedos que judiavam da garrafa, esmagando o plástico. Eu sou
experiente o suficiente para saber que ela está com tesão. Pois vai
ficar, quem mandou rir da minha cara, ontem? Não é só a comida do
Felipe que não se dispensa.
Chegamos ao nosso andar e abri a porta. Ela passou rente ao
meu peito e senti o cheiro do perfume misturado com a pele suada.
Segui logo atrás e cravei os olhos na bunda gostosa.
— Tchau, bom jantar — ela me disse, ao chegar à sua porta.
— Obrigado. Se mudar de ideia, saio em uma hora.
Ela agradeceu e entrou. Fechou a porta, passou a chave. Abri
a minha, pensando que ia precisar de um banho bem gelado para
baixar o fogo que a bruxa gostosa despertou em mim. Não cheguei
ao banheiro, pois a campainha me chamou de volta. Abri a porta e
não acreditei:
— Eu também cozinho como uma chef. Janta comigo?
Cruzei os braços sobre o peito e a observei. Tinha um sorriso
encabulado e a mão ainda segurava e apertava a garrafa. Eu não
tenho motivo algum para desistir do jantar do Felipe, que certamente
vai me render outra noite bem divertida, depois. Sem falar que
posso tripudiar e rir na cara dela, já que ontem fez isso sem dó. E
mesmo assim, ela está aqui?
— Tu sabe que a sobremesa lá é interessante? — Ergui uma
sobrancelha, avisando que não queria só jantar.
— Não garanto sobremesa — ela sacudiu a cabeça — Mas
um papo bacana, um vinho chileno, que ando louca para abrir, e um
risoto de alho poró, que é de comer rezando.
Ainda não sabia o que responder, mas admirei a coragem
dela de vir até a minha porta sugerir isso.
— Mas sem sobremesa? — insisti e ela revirou os olhos.
— Depois reclama que as companhias são fúteis e
superficiais. Tu também é. Ok, esquece — ela se virou e começou a
caminhar de volta para casa.
— Não vou fingir nem mentir, Vitória. Adoraria provar o teu
tempero.
Ela se voltou e achei que ia me mandar à merda, mas apenas
espremeu o espaço entre os olhos, como se buscasse paciência.
— Sim ou não, mala?
Capitulei.
— Sim, bruxa. Em uma hora?
— Uma hora está ótimo — ela se virou de novo e disse —
Ainda não te suporto.
— Igualmente — respondi, com um sorriso que ela não viu. —
Levo a sobremesa.

Uma hora depois, toquei a campainha da porta diante da


minha, ainda sem saber se a troca foi justa. Mas levei em
consideração a choradeira da manhã e a coragem dela de tomar a
iniciativa, depois de tudo. Enfim, entre a velha novidade e a nova
vizinha, escolhi onde o desafio era maior.
Vitória abriu a porta com um sorriso leve. Analisamo-nos de
cima a baixo. Ela estava com um vestido de tecido leve e florido,
mas longo. Imagina que ia facilitar, né? O cabelo estava preso em
um rabo de cavalo e uma maquiagem suave destacava seus olhos e
a boca. Simples e linda. É muito louco eu pensar que ela combina
perfeitamente comigo? Sim, é louco e imprudente. Deve ter vidro
moído nesse risoto.
Aliás, o risoto está com um cheiro que ativou minhas papilas
gustativas. Foi só ela abrir a porta e o aroma me envolveu como um
cachecol no inverno. Uma música de acordes suaves enchia o
apartamento. Tem muitos sentidos sendo ativados ali, e o tato já
lastimou não estar na parada.
— Boa noite — busquei a voz e a cumprimentei, estendendo
a caixa com o doce — A sobremesa.
— Oi — ela pegou a caixa — Obrigada, entra.
Respirei fundo e entrei na toca da bruxa do 802. Que Deus
receba minha alma e a guarde em segurança. É um apartamento
idêntico ao meu, embora falte a vista espetacular. Este abre para a
cidade e não tem muita graça ficar assistindo os fundos de outros
prédios.
— Decepcionante, não é? — Vitória perguntou da cozinha,
que fica junto à sala, como a minha. Um balcão de granito separa as
duas peças.
— Nada como poder assistir ao Guaíba todos os dias —
concordei.
— Faz tempo que tu mora aqui? — Ela colocou o cheesecake
de cereja na geladeira e tirou a garrafa de vinho branco de lá.
— Já faz uns cinco anos.
Fui até a cozinha e peguei o abridor de vinho que ela me
estendeu. Servi as taças e as fiz tilintar em um brinde sem qualquer
palavra. Os olhos de Vitória capturaram os meus, antes do gole.
— Obrigada por ter aceitado o convite — ela disse, encarando
o líquido claro em sua taça.
— Houve ranger de dentes, lá no Felipe — contei — Mas
achei que tu estava precisando de companhia.
— Momento sensível do Marcondes? — ela sorriu — Mas é
verdade, e é uma retribuição pelo apoio da manhã, também.
— Sou o cara perfeito para buscar apoio, Vitória. É só
escolher o ângulo…
— Tu não pensa em outra coisa? — reclamou, indo mexer em
uma panela de boca larga.
— Em milhares de outras coisas, mas por que manter o foco
no que não dá prazer?
— Para podermos conversar, por exemplo?
— Ok — sentei em um dos bancos ali e a observei gerenciar
aquele jantar. — Sobre o que vamos falar?
— Sobre o que tu quiser, começa alguma coisa.
— Qual o lugar mais louco que tu já transou?
— Sério? — Vic me olhou indignada.
— Brincadeira. Credo, que nervosinha, relaxa… Me fala do
teu trabalho, sei lá, Vitória. Ah, lembrei… Tu me disse que ia mostrar
as máquinas antigas.
No mesmo instante, o rosto bonito se iluminou e ela apontou
para algo atrás de mim. Virei-me e percebi um móvel antigo, uma
cristaleira, dentro da qual estavam diversas máquinas fotográficas,
também de aspecto antigo. Levantei-me e chegava ao móvel,
quando ela parou ao meu lado e começou a explicar:
— Algumas delas foram do meu avô, outras do meu pai. Essa
aqui, por exemplo, é de 1950 — ela apontou para um modelo
quadrado, que de certa forma, lembrava uma antiga filmadora, com
duas lentes.
— Muito diferente — admirei. — E aquele aparelho, o que é?
— É para medir a exposição da luz, controlar o flash. Ali tem
um flash manual — ela apontou para uma grande lâmpada — E ali
uma teleobjetiva.
— São muito bacana mesmo.
Eu prestava atenção, juro, mas o perfume dela invadiu meu
olfato. O lado ruim de ter qualquer mulher à disposição, é que eu sei
que agrado. Que posso fazer qualquer gesto e elas vêm. Agora
mesmo, se eu mexesse em seu cabelo, ela logo estaria na minha
boca, se fosse outra. Mas Vitória não é como as outras.
Ela falava sobre as máquinas fotográficas ainda, bastante
animada, e fiz algumas perguntas pertinentes, mas meus olhos
encontraram uma parte da alça de seu vestido que estava torcida.
Fiquei louco de vontade de arrumar, uma desculpa para tocar sua
pele e saber se o mundo ia explodir em seguida, ou se ela iria me
aceitar.
Testei a teoria. Levei o dedo indicador até seu ombro e o
deslizei por baixo da tira muito fina, fazendo leves movimentos de
vai e vem, distorcendo o tecido. Vitória olhou para o próprio ombro e
depois pôs os olhos em mim. Outra paulada. Dava para ver as
labaredas do fogo que ardiam dentro dela, iguais às minhas.
Deixei a mão toda tomar seu ombro e ela ainda me olhava.
Minha mão deve ter vida própria, pois subiu na direção de seu rosto,
seguindo o pescoço que estava quente e livre. Ela respirava
pesadamente e todo o corpo exala um perfume que me tira o pouco
controle que tenho. Três passos e até aqui sobrevivi. Ela olhou para
a minha boca e voltou a me encarar. Movi o rosto em sua direção e
Vitória arfou:
— Vai queimar a comida — disse, saindo apressadamente de
perto de mim.
Vic foi se refugiar atrás do balcão e eu respirei, frustrado. Que
palhaçada é essa? Pareço a porra de um adolescente, xinguei a
mim mesmo. Nunca perdi tempo com mulher difícil, não vou
começar agora. Tomei outro gole do vinho e quando me virei, ela
estava de costas, mexendo na panela, concentrada. Decidi que iria
jantar, bater um papo curto e depois ir à 4Ty atrás de companhia,
porque daquele mato seco ali, não sai nada.
— Me conta como vocês três se conheceram? — pediu, ainda
de costas.
— O Rodrigo conheci com onze anos, o Felipe com
dezesseis. Estudávamos no mesmo colégio.
— Puxa, — ela se virou, lambendo um dedo — uma amizade
antiga.
— Sim — me acomodei outra vez no banquinho. — Nos
entendemos de cara. O Rodrigo era tímido e fazia uso descarado
das minhas habilidades sociais, e eu da grana dele — ela riu e
mergulhou uma colher na panela.
— Não que isso te falte.
— Agora não, mas naquela época, eu era o amigo com
recursos limitados. O Rodrigo vem de uma família tradicional, eles
têm um curtume que exporta para a Ásia e Europa. O Felipe é do
interior, lá da região de Cruz Alta, quilômetros e quilômetros de soja
e trigo, por metade do país. Eu era só o filho do advogado.
— Sei como é. Eu era a do jornalista — ela veio com a colher
na minha direção — Experimenta.
Vitória segurou meu queixo e eu abri a boca,
automaticamente. Um sabor delicioso, de textura cremosa e quente,
tomou minha boca e arregalei os olhos, surpreso.
— Humm… Está ótimo!
— Que bom, está pronto também — ela começou a servir os
pratos e a falar — E tu fez Direito por causa do teu pai ou por que
era vocação?
— Fiz porque precisava garantir a prisão especial — brinquei
e ela riu outra vez — Nunca quis advogar realmente, mas hoje é útil
nos negócios. E tu, o que cursou?
Vitória pegou os dois pratos e entregou um deles para mim.
Sobre o balcão havia um jogo americano com talheres, aguardando
por eles. Sentou-se ao meu lado e eu enchi as taças outra vez.
— Comecei Publicidade, mas não curti. Troquei para
Jornalismo, mas não era minha praia, detesto escrever. Pensei em
fazer Relações Públicas, mas no fim desisti de fazer qualquer outra
coisa que não fosse fotografar. Minha verdadeira vocação é essa e
me conformei em não ter um diploma de nível superior, só por ter —
ela deu de ombros.
— Podia ter feito Gastronomia, está excelente mesmo —
elogiei, porque estava.
— Daí a alegria vira obrigação. Já basta a fotografia. Algo tem
que ser feito por puro prazer.
Eu tenho uma ideia de algo, mas segurei a piada. Ela
começou a falar sobre alguns pratos que gosta de fazer e outros
que quer experimentar. Falamos também de experiências
gastronômicas em algumas viagens, ela disse que provou insetos
na Indonésia e eu achei aquilo o ó! Repeti o prato, nós ainda
falamos sobre o que gostamos e eu contei sobre o quanto gosto de
surfar, coisa que ando negligenciando, com tanto trabalho.
Ajudei a tirar a mesa e a organizar a cozinha, que ela já tinha
deixado quase pronta. Vitória cozinha com organização e só havia
os pratos, talheres e panela para lavar. Colocou tudo na máquina e
continuamos o vinho e a conversa. Ela passou a falar de um filme
que tinha assistido, com uma fotografia incrível e figurinos de época
impecáveis, que jurou que ganharia o Oscar por isso.
— É um filme sobre a primeira guerra mundial, 1917 —
explicou.
— Tu gosta de filme de ação?
— Tem ação, mas não é exatamente sobre a guerra, é mais
sobre a missão dos dois soldados que precisam entregar uma
mensagem importante, uma ordem quase impossível, a fim de
salvar seus companheiros. A direção de fotografia é de Roger
Deakins e ele já ganhou diversos prêmios por esse filme e outros.
Acho que leva o Oscar sim, talvez até o de melhor filme.
— Onde tu assistiu?
— Em casa, baixei de um site pirata — ela piscou para mim.
— Que barbaridade! Está confessando um crime, Vitória?
— Em minha defesa, estava louca para assistir e ainda não
chegou aos cinemas.
— Péssima defesa! Tem aí, ainda? — perguntei e a Vic me
olhou desconfiada — Fiquei curioso, ué. Adoro filmes de guerra e
ação.
— Acho que sim. Vou servir a sobremesa e podemos assistir.
Eu concordei e ela nos serviu cheesecake, depois fomos para
a sala e nos acomodamos no sofá. Vitória ligou a televisão e
navegou no site que oferecia diversos filmes, gratuitamente. Uma
faceta ilícita da minha vizinha gostosa.
— Então, teus crimes não se resumem a roubar vagas alheias
e deixar o cão fazer xixi nos tapetes dos vizinhos? — provoquei a
mulher. Adoro viver perigosamente.
— Não vai ouvir uma confissão completa — ela sorriu para
mim e negou com a cabeça. Deu play no filme, apagou as luzes e
se acomodou no sofá, sobre as almofadas.
E eu esqueci totalmente que ia embora cedo, que ia arranjar
companhia na 4Ty, que queria foder a noite toda, com alguma
desconhecida. Ela comentou algumas partes do filme, explicando os
ângulos escolhidos pelo diretor de fotografia, o porquê era tão bom.
Eu servi outra fatia de torta e nos sentamos mais próximos. Ela
recolheu os pratos, ao terminarmos a sobremesa, e os depositou na
mesinha do centro. Passei o braço por seus ombros e fiz um carinho
suave em seu pescoço. Vitória permaneceu quieta, mas não me
afastou. Quando o filme terminou e nos olhamos, acabaram todas
as desculpas para protelarmos o que desejávamos.
Puxei seu pescoço na direção da minha boca e a Vitória veio.
Ela já sabe como é, conhece o meu gosto e eu o dela, que agora
estava doce, como a sobremesa que compartilhamos. Mergulhei
minha língua em sua boca e ela buscou a minha. Enroscamo-nos
um ao outro e eu a trouxe para o meu colo.
Vitória se esparramou em cima de mim, comendo minha boca
com muita vontade. Ela segurou meu rosto com as duas mãos e
acariciou minha barba, com aquelas unhas que me arrepiam todo.
Tomou o controle para si e beijou meu pescoço, lambeu minha
orelha, mordiscando o lóbulo, me degustou com apetite.
Contentei-me em mergulhar as mãos dentro do vestido e
fazê-lo subir, espalmando as mãos em suas coxas firmes, enquanto
ela voltava a atacar minha boca. Percorri todo seu corpo, sentindo a
pele quente arrepiar ao meu toque e cheguei aos seios fartos, que
percebi, eram naturais, sendo recompensado por um gemido suave,
quando os tomei nas mãos. Escorreguei um pouco para baixo no
sofá e ela se acomodou exatamente onde eu a queria. Rebolando
no meu pau, que já estava duro.
Ela mesma usou as mãos para abrir o fecho lateral do
vestido, o que escancarou as portas do paraíso para mim. Desci as
alças e abocanhei os seios, um de cada vez, lembrando, sem parar,
de que como os vi naquele vestido ontem, e juntei os dois,
passando minha língua entre eles, como queria fazer. Suguei, lambi
e mordi, até ela gemer e escorregar a mão para a barra da minha
camiseta, arrancando do meu corpo com pressa.
Vitória fez uma expressão deliciosa quando me viu,
mordiscando o lábio e deslizando os dedos pelo meu peito até o
abdômen. Também investiu contra o meus mamilos e depois voltou
ao pescoço e à minha boca, enquanto as mãos trabalhavam para
nos livrar das minhas calças. Ela tinha pressa. Mas eu não.
Segurei suas costas e nos levantei, atrás do quarto. Ela
passou as pernas longas pela minha cintura e apoiei, segurando
aquela bunda deliciosa. O apartamento dela é como o meu,
conheço o caminho que devia seguir. Ajeitei Vitória sobre os
travesseiros e me afastei o suficiente para me livrar das calças.
Hora de começar a brincar.
Estendi-me sobre ela e comecei pela boca. Um beijo potente
e guloso, que lhe tirou o fôlego e a fez enroscar as pernas nas
minhas, enquanto suas mãos seguravam meus ombros. Mordi seus
lábios, passei a língua por eles e segui para a orelha, onde lhe disse
o quanto era gostosa e como a queria. Ela respondeu cravando as
unhas nas minhas costas. Desci para o pescoço e suguei a pele
sensível, mas não o suficiente para marcá-la. Gostei de sentir o
sabor em sua pele, o cheiro diferente de todas as outras. Cada
mulher tem seu aroma próprio, seu gosto único, um jeito exclusivo,
que é meu prazer explorar e conhecer.
Estimulei seus seios por um tempo, ela parece reagir muito
bem assim. Eles são firmes, mas têm a maciez perfeita que gosto
de sentir enquanto enchem a minha mão. Segui o caminho com
muitos beijos suaves e mordidas em sua barriga lisa, na cintura
marcada, e fui até o limite onde o elástico da calcinha barra a
passagem. Passei a língua por ali e ela mexeu os quadris, pedindo
que eu seguisse. Mas já disse, não tenho pressa.
Desviei do monte delicioso, onde pretendia me afundar até
amanhã, ajoelhei entre suas pernas e segurei uma para o alto,
mordiscando a pele interna de suas coxas. Vitória protestou:
— Marcondes — gemeu, angustiada com a demora.
— Eu disse que queria provar teu tempero, não disse?
Mordi a panturrilha e segui com beijos até seus pés. Virei-a de
bruços e aquele espetáculo da natureza estava arrebitado para mim.
Tenho um tesão doido por bundas, é meu fraco. E todas as honras
para aquela, fala sério! Alisei todinha, beijei, mordi e lambi, porque é
uma escultura de carne deliciosa. Deslizei minhas mãos por seus
quadris até a base da coluna, onde tracei seu contorno com beijos
úmidos.
— Para mim, a curva mais linda do corpo de uma mulher é
essa, onde terminam as costas e começa a bunda. E a tua é perfeita
— eu disse, ainda alisando aqueles dois montes que me deixaram
louco, desde o primeiro dia.
— Também admiro a tua bunda, Marcondes. Adoraria vê-la
fora dessa cueca.
— Não seja gulosa, Vitória.
Prendi os dedos nas laterais da calcinha e ela rebolou,
querendo que eu tirasse. Desisti, para seu desespero, e segui com o
dedo a renda estreita e azul marinho, que desaparecia entre os dois
belos montes. É como um rio, dividindo a paisagem. Vitória gemeu
ao sentir minha mão e arrebitou ainda mais aquela raba fantástica.
Trilhei o caminho com meus dedos e encontrei a calcinha
úmida. Afastei um pouco e senti a delícia que me esperava, tão
quente e molhada. Segui até mais a frente, tocando de leve em seu
clitóris e ela gemeu alto. Retrocedi e a penetrei com um dedo.
Vitória gemeu novamente. Cada som que fazia me instigava a ir
além. A usar outro dedo, a procurar seu ponto mais sensível, a
entrar e sair, beijar as costas e alisar a bunda, que ainda não tinha
deixado, até ela gritar e se derreter nos meus dedos.
Mas nem a deixei recuperar o fôlego. Virei seu corpo de frente
para o meu, admirando as bochechas coradas e o peito agitado.
Busquei outra vez sua boca e ela segurou meu pau, que estava
dolorido de vontade de estar nela, minhas bolas estavam inchadas,
mas não terminei de fazer tudo que queria. Tirei de vez a calcinha e
desci até aquela delícia molhadinha. Vitória se afastou e tocou meus
ombros, assustada:
— O que tu vai fazer?
— Te chupar — informei como o atendente da farmácia.
— Por quê? — Ela pareceu não estar à vontade com isso.
— Porque quero que tu goze na minha boca — Vou ter que
desenhar?
— Ah…
— Tu não gosta? — Recomecei a beijar suas coxas e ela
voltou a relaxar — Eu adoro e estou louco para sentir teu gosto, Vi.
— Eu… gosto, claro — soou como um Sim, aceito a sugestão
de vinho. — Mas...
— Tudo bem, não preciso fazer, se te deixa desconfortável,
Vi. Me diz o que tu não curte, ok?
— Só acho muito íntimo para primeira vez.
Ah, sim! Porque o resto é como passear pelo parque, mas ok.
Voltei a deitar sobre ela e a beijar aquela boquinha, que também me
interessava. Mas alguma coisa estava diferente agora. Ela estava
mais parada, não reagia, mal retribuiu meu beijo.
— O que foi?
— Nada — ela passou os braços pelo meu pescoço e me
puxou, para um beijo, logo em seguida desceu a mão para me
segurar e acelerou, bombeando meu pau.
— Ei, calma! Curte, Vitória, sem pressa.
— Ok — ela tirou a mão e voltou a me beijar sem vontade.
— Espera. Para. — Me afastei um pouco e a observei. Ela
nem conseguia me olhar, virou o rosto e suspirou. — O que foi? Não
está mais a fim?
— Não. Desculpe.
Levei um coice no peito. Como assim, o que houve? O que eu
fiz de errado? Mas sinceramente, sou bom demais nisso para ter
feito qualquer coisa errada. Nunca fui dispensado no meio da foda.
Antes, ok. Mas durante, jamais!
Levantei da cama e passei a mão na minha calça, saí do
quarto sem falar nada, peguei minha camiseta na sala e deixei o
apartamento, putasso demais para qualquer outra coisa. Eu sabia
que não devia me meter com essa bruxa. Ela me enfeitiçou, gozou e
me chutou. Mas foi a última vez!
“Mas eu acho que você descobrirá
Que quando você olhar pra dentro do seu coração,
Oh, meu bem, eu estarei lá.”
(Van Halen)

Tem um peso morto em cima das minhas costas e eu o senti


assim que a consciência começou a retornar ao meu corpo. Estava
deitado de bruços e Antônia com metade do corpo em cima do meu.
Nunca vi mulher tão carente para dormir. Aliás, nunca vira uma
mulher tão carente. Ponto. Minha princesa é toda assim.
Nosso final de sábado e domingo foram fantásticos. Depois
que passou o ranço por ganhar um carro (agora vê se eu aguento),
Antônia se animou com a viagem e nos divertimos em Gramado.
Jantamos fondue, transamos até cansar, acordamos cedo para
correr no Lago Negro e andamos de pedalinho (o que eu não faço
por essa pequena?). Passeamos pelo centro de mãos dadas, e,
pasme, ela me deixou comprar presentes. Sapatos, claro. Quatro
pares e duas bolsas. Uma miséria. Sheila tem um quarto inteiro, só
para seus sapatos de grife. Pediu para almoçar em uma galeteria e
passeamos de carro, depois, até a cidade vizinha, Canela. E, claro,
tiramos muitas fotos. Só dava nós dois no perfil e nos stories dela.
Dane-se quem não gostar, ela me disse. E eu sei bem a quem se
refere. Bella e Valentina. Estar com a Antônia e seguir o seu jeito
leve me torna dez anos mais jovem. Ela me faz feliz!
Antônia fez uma foto muito bonita, em que apareço beijando
sua mão, enquanto dirijo. Essa foi para o meu perfil. Já tem outra
nossa lá, aquela em que ela beija meu rosto em Punta del Este. Mas
essa me tocou de forma diferente. Diz ao mundo que eu a quero,
que cuido e que ela é minha. Mas seu rosto pertence apenas a mim.
Esgueirei-me debaixo daquele corpo quente, e incrivelmente
pesado, e ela suspirou fundo, acordando. É segunda-feira e eu
tenho que trabalhar. O curtume me chama. Sai o Rei da Noite e
entra o Príncipe do Couro. Ei, isso dá um bom título de livro, Antônia
diria.
— Aonde tu vai? — Ela me olhou com um rosto amassado e
inchado, toda escabelada. A gente tem que amar muito para dormir
junto.
— Trabalhar — expliquei ao me encaminhar para o closet e
separei a roupa.
De onde estava, escutei o chuveiro sendo aberto e sorri.
Caminhei até lá e tinha uma gostosinha nua, esperando por mim no
box. Abriu os braços para me receber e meu bom dia ficou ainda
melhor, depois de me desmanchar dentro dela.
— Te amo, Rô! — ela disse, abraçada em mim depois.
— Te amo, princesa — retribui, sentindo o coração vibrar de
amor por ela.
Mas toda essa atmosfera romântica e gostosa se esvaiu,
quando cheguei ao curtume, quase uma hora depois. Rafael, meu
irmão mais velho, passou pela minha sala antes mesmo de eu
sentar e pedir um café para a secretária.
— Reunião com os árabes, em quinze minutos — disse, sem
qualquer outro cumprimento.
Segui seu caminhar apressado até a sala de conferência e já
tinha mais três pessoas nos aguardando.
— Bom dia — disse e um coro retornou a mesma expressão.
Sentei-me e aguardei, recebendo a pauta da reunião das mãos de
Anne, nossa engenheira de produção.
— Essas são as mudanças que precisaremos fazer para
adequar nosso abate aos árabes. Fiz um estudo baseado em
diversos curtumes exportadores. As exigências deles são altas. O
lado positivo é que podemos aproveitar essas mudanças para as
outras demandas.
Abri a pasta e um relatório com gráficos e muitos números
surgiu na minha frente. E as mudanças seriam consideráveis. Não
era muito favorável à essa venda. Já fornecíamos para grandes
marcas automobilísticas, de grifes de sapatos e de roupas
internacionais, sendo a China, Itália e Estados Unidos nosso maior
mercado. Agora surgia essa oportunidade com os árabes e meu
irmão estava bastante empolgado.
— A diferença está apenas no abate, que eles exigem que
passem pelo que chamam de Halal, algo como puro, com rituais
próprios, feito por muçulmanos — Anne continuou a explicação.
— Isso terá um aumento considerável no custo final —
observei. — Além disso, é um mercado pequeno, sem muito
impacto para todo esse investimento.
Meu irmão argumentou, o assunto esquentou e só terminou,
ainda que incompleto, quando a grande tela na parede nos mostrou
a imagem dos três executivos árabes, com quem iríamos nos reunir.
Saí da sala, quase uma hora depois, com mais incertezas do
que convicções. As exigências para o abate eram meu ponto crucial.
Para eles também, então empacamos. Sentei-me diante da minha
mesa e abri o celular, onde o grupo dos amigos estava com diversas
notificações.

Felipe: E aí, seus putos, como foi o final de semana?


Marcondes: Uma merda.
Felipe: Tu não ia comer a vizinha gostosa? Tá reclamando do
quê?
Marcondes: Disso.
Felipe: Bom, eu não posso reclamar — várias figurinhas de
sacanagem. — Comi e jantei bem. A Márcia convenceu a Bruna a
se juntar a nós…
Marcondes: Não quero saber.
Felipe: O que foi com a Vic? Qual a nota?
Marcondes: -1
Felipe: Ah, para! Duvido, ela é gostosa pra cacete!
Marcondes: Ela é a bruxa que eu sempre disse que seria. Me
deixou na mão, literalmente. Gozou e pulou fora.
Felipe: Hahaha… Foi usado, Marcondes?
Marcondes: Nem isso a filha da mãe quis, antes tivesse me
usado e largado na casinha do cachorro. Saí de pau duro do
apartamento.
Felipe: Vou solicitar as filmagens do corredor — emojis
rolando de rir. — Só para fazer um print da tua cara! Cadê o
Rodrigo, pra eu não rir disso sozinho?
Marcondes: Dentro da Tatá, provavelmente.

Li a conversa só imaginando o nível de estresse do


Marcondes depois desse fora. Nunca vi uma mulher dispensar
aquele traste. Vitória tem peito! Aliás, peito e bunda, que a Antônia
não me ouça

Rodrigo: Eu trabalho, seus vagabundos — respondi e logo


vieram novas mensagens.
Felipe: Tu leu ali, que a Vic dispensou o gostosão?
Rodrigo: Vi. Acho que ela merece uma medalha, algo assim,
uma condecoração. Talvez ela monte um Clube.
Felipe: Como foi em Gramado?
Rodrigo: Levei uma criança para a Disneylândia, o que tu
acha?
Felipe: Hahaha… Compras, fondue e parques.
Rodrigo: Exatamente.
Marcondes: Ao menos, voltou de saco vazio.
Rodrigo: Nem enche mais.
Marcondes: Putão.
Felipe: Papo sério. Rodrigo, o Miguel disse que pegou um
rastro do Jair e quer conversar contigo. Pode ser na quarta, lá na
4Ty?

Suspirei. Miguel é o detetive que o Felipe sempre contrata


quando precisamos de informações extraoficiais. Ele estava
investigando o Pedro, aquele namoradinho estranho da Mia, e pedi
que tirasse o desgraçado do Jair da toca imunda em que se meteu.
Só não decidi, ainda, se a Antônia deve saber disso.

Rodrigo: Pode ser. Marca para a tarde.


Felipe: OK. Sobre Floripa, já pedi para a Patrícia reservar o
hotel.
Marcondes: Bah, me exclui dessa! Não vou viajar com a
bruxa.
Rodrigo: Deixa de história, Marcondes. Vai fugir da Vitória
para sempre? Precisamos dessa publicidade e faremos. Inclusive,
vocês poderiam ir no mesmo carro.
Marcondes: Nem fodendo!
Felipe: Fodendo parece que não vai ser mesmo. Hahaha...
Rodrigo: Hahahaha...
Marcondes: Vão rindo… Mas com ela eu não vou. O Felipe
leva a bruxa. Ou tu, Rodrigo. Eu não vou levar!

Dei outra risada. Ele está muito puto, dá para perceber, caso
contrário, jamais negaria a carona, uma oportunidade de ir
azucrinando a mulher por 600 quilômetros. Vitória realmente tirou
meu amigo do sério, e isso é muito difícil de acontecer.
A segunda amanheceu chuvosa, combinando com meu
humor, que não estava diferente desde ontem. Na verdade, desde a
madrugada, quando Marcondes saiu da cama, furioso comigo. Eu
até entendo que não esteja acostumado a levar um fora e fui cruel
em fazer isso, naquele momento. Mas tive meus motivos.
Ele é delicioso, pelamordedeus, que homem! Para começo de
conversa, pretendia ficar só no jantar mesmo, retribuir a gentileza da
manhã. Mas, então, abri a porta e tinha um espetáculo de homem
na minha frente, tão perfumado que deixei de sentir o aroma da
comida. Aquele perfume encheu meu olfato e fez uma parte ingrata
se interessar pelo convidado. Porque ele é um safado, convencido,
grosseiro e que não gosta de animais, mas é lindo pra caramba!
E beija que é um negócio… Já tinha sentido na 4Ty e
percebido que entregaria a chave do tesouro facilmente, se o
deixasse me beijar outra vez. Tem um gosto fresco, mentolado, um
beijo úmido na medida certa e com uma pegada, que me faz
entender todas as mulheres que já vi saírem daquele apartamento,
nesta semana. E acho que este é o meu ponto.
Não gosto de promiscuidade. Sou careta? Sou. Fazer o quê
se isso sempre foi tabu na minha família e fui educada num colégio
de freiras, muito rigoroso? Claro que quebrei as regras e tive
experiências antes de casar. Mas foram poucas. Luciano foi meu
terceiro parceiro sexual e foi com ele que casei e passei dez anos
da minha vida. Eu tenho trinta e dois, então dá para ver que o leque
de opções não foi muito grande.
E para piorar a situação, meu marido me traiu e quando
descobri, justificou que o sexo comigo estava se tornando repetitivo,
sem graça e careta, assim o bonito foi procurar novidade fora. E
achou no trabalho, com uma colega muito disposta a quebrar tabus
com ele, inclusive a regra que diz que um casamento exige
fidelidade e respeito.
E agora, esse deus do sexo, o garanhão que tem um harém
em forma de casa noturna, deve pensar o mesmo de mim. Mas em
minha defesa, não estou acostumada com nada diferente. Beijos,
carícias, penetração, goza quem consegue, acaba a brincadeira.
Com o Luciano era essa a receita, com raras alternativas. Jogo
rápido.
Percebi que com o Marcondes seria algo mais intenso,
vagaroso e delicioso. Isso me assustou também, sem saber se
conseguiria acompanhar. Não sou como essas outras que ele traz
para casa. Sem falar que foi a primeira vez, depois do Luciano…
Enfim! Só podia dar na porcaria que deu. E agora estou fugindo
dele.
Passei o domingo trancada em casa e comi o resto do risoto,
para não abrir a porta nem para o entregador do Ifood. Me
empanturrei naquele cheesecake de cereja delicioso durante a
tarde, vendo uma série. Mas agora não tenho mais desculpas para
bancar a covarde.
Falar é fácil, fazer é que são elas. Quero ir até a academia do
prédio e dei uma espiada pelo olho mágico, para ver se o corredor
estava livre. Girei a chave com calma, sem fazer barulho, e abri a
porta aos poucos, passando a cabeça por ela como uma tartaruga
que sai do casco, insegura. Ok, Passagem liberada. Fechei a porta
e quase corri até o elevador. Apertei o botão cinquenta vezes, para
ver se ele acelerava, mas parecia travado no terceiro andar.
Olhei para a porta do meu vizinho-mala e permanecia
fechada, mas minha perna se agitava. Não conheço os horários dele
a ponto de saber se está em casa ou se já saiu, mas o que menos
quero é dar de cara com o Marcondes, pelos próximos mil anos.
O elevador começou a se mover e vi os números no indicador
de andar trazê-lo para mim, então respirei aliviada. Sete… Oito...
Puxei a porta com pressa e fui presenteada com a visão do inferno.
Tinha um casal se agarrando dentro do elevador. Ele estava
de costas, com a mulher presa em sua cintura, as pernas
contornando o corpo forte. O homem escondia o rosto entre os seios
dela, que gemia, de olhos fechados.
E, claro, é o meu vizinho. Marcondes começou a andar de ré,
provavelmente ao sentir que o elevador parou, e desgrudou a
morena do espelho atrás dela. Só então abriu os olhos e seu olhar
caiu no meu, através do reflexo, por um instante suficiente para que
me reconhecesse e voltasse a investir no peito da mulher. Desviei,
ainda segurando a porta para que passassem.
Decidi não me abalar, nem demonstrar qualquer emoção. Sou
excelente em disfarçar. Fingi que era o entregador de uma pizza que
não pedi. Não me diz respeito. Marcondes passou por mim, com a
mulher ainda agarrada em seu colo, e também fingiu que não me
viu. Ótimo! Excelente!
Entrei no elevador e apertei o térreo. O cheiro dele estava por
tudo ali e me desconcertou. De onde sai tanta mulher? Em plena
segunda, antes do meio-dia? Sério isso? Ele deve ter um aplicativo
de acompanhante naquele celular. Nojento, asqueroso, promíscuo.
Ainda bem que não transei com ele.

Só pode ser praga daquela bruxa! Já fiz de tudo! Lambi,


chupei, esfreguei e pensei em todas as sacanagens possíveis, mas
desde que vi a desgraçada naquela porta, meu pau não funcionou
mais. A mulher na minha cama já recebeu um tratamento de
princesa completo, e nada do troço se animar. Isso não pode
acontecer comigo. Não pode!
— Quer ajuda, gostoso? — A morena, que não lembro o
nome, perguntou, percebendo o desânimo entre as minhas pernas.
— Quem sabe tu procura um filme bem sacana para
assistirmos, enquanto vou ao banheiro, querida? — Entreguei o
controle da TV para ela e fui atrás de uma pílula milagrosa, porque
sem transar, outra vez, não fico.
A criatura, de longos cabelos negros e fartos seios, escolheu
um filme com muita sacanagem mesmo e depois de um tempo e
três boas gozadas, eu estava me sentindo como se tivesse sido
atropelado por um caminhão. E ainda de pé! Essa bruxa não vai me
derrubar!
Rolei a mulher de cima de mim e relaxei nos travesseiros,
enquanto ela veio deitar-se sobre o meu peito. O olhar chocado da
Vitória, pelo espelho do elevador, voltou a me perseguir. Aqueles
olhos castanhos, o rosto fabuloso, que entristeceu ao me
reconhecer. Foda-se! Só não estava no lugar da Querida aqui,
porque não quis.
Era final da tarde quando me despedi dela na porta. Ainda
não sei o nome, chamei de Querida o dia todo. Ela mora no terceiro
andar e vivia me dando mole. Hoje foi seu dia de sorte.
— Nos vemos de novo? — perguntou.
— Qualquer dia desses — sorri e ganhei um último beijo.
Fechei a porta rapidamente, antes de dar de cara com Vitória
outra vez. Na terça, consegui escapar de cruzar com ela o dia todo.
Mas saía para buscar uma amiga para jantar quando, ao abrir a
porta, ela estava recebendo um cara. Tinha os braços enrolados em
seu pescoço e o abraçava com intimidade. Vitória não me viu, pois
ao se separarem, olhou com alegria para ele e abriu um sorriso
fantástico:
— Estava morrendo de saudades! — ela disse, então o
homem beijou seu rosto e entrou na toca da bruxa.
Deixei para lá e fui pegar a Raissa. Mas aquele abraço correu
pelos meus pensamentos durante todo o jantar. As mãos dela
alisando as costas largas sobre a blusa azul. O sorriso livre de
qualquer incômodo que ela deu. Vitória se sente à vontade com ele,
deu para perceber.
Nem chamei a Raissa lá para casa, com medo de falhar de
novo. Porque ainda estou vendo o sorriso da bruxa me enfeitiçar e
conheço a língua afiada dessa minha amiga. Ela contaria para todo
mundo o meu fiasco e não produzo provas contra mim mesmo.
Regra básica do Direito.
Então, a quarta-feira chegou. E com ela, a minha sentença.
“O que eu sinto por ti, é amor
Fogo que faz aquecer o coração.
Tudo que vem de você, é muito bom.”
(Michel Teló)

O despertador veio me buscar no meio de um sonho. Estava


com minha avó e meu pai, em nosso apartamento. Ela o xingava,
reclamando por ter me abandonado e ele ria, sem considerar. Abri
os olhos, aliviada por estar fora daquela cena que me angustiava
demais. Saudades da vó Lourdes, raiva do meu pai. Estendi o braço
para a mesinha de cabeceira e peguei o celular para silenciar o
alarme.
— Que horas são? — Rodrigo perguntou, grogue de sono.
— Cinco e meia — esfreguei o rosto e afastei o edredom, me
preparando para levantar.
— Coloca para mais uma hora — ele disse, agarrando minha
cintura e me impedindo de sair.
— Não posso, Rô. É o primeiro dia e vai demorar até chegar
lá.
— Vou te levar — ele disse, passando a perna pesada sobre
a minha. Fiquei presa debaixo do corpo de Rodrigo.
— Oba!
Nem me fiz de difícil, já sei que ele sempre ganha nossas
discussões. Agarrei-me a ele e voltei a dormir.
Faltavam oito minutos para as sete e meia quando paramos
diante da minha escola. Tinha um misto de saudade e desânimo
dentro de mim. Saudade das crianças, desânimo pelo fim das férias.
Foram dias loucos, dolorosos, mas também houve a descoberta de
um mundo novo e de um amor. Foram bem aproveitados, isso é
certo.
Rodrigo observava atentamente o prédio onde passarei nove
horas dos meus dias, pelos próximos onze meses. É uma casa
antiga, do início do século XX, reformada e pintada com cores
vibrantes. Recebe o nome de Mundo da Alegria - Escola de
Educação Infantil e na pracinha, que fica no pátio da frente, já tem
algumas crianças brincando.
— Maldita hora que as mulheres conquistaram independência
e decidiram trabalhar fora. Te queria para sempre na minha
masmorra.
— Que absurdo, Rodrigo — eu ri e ele me roubou um beijo.
— Bom trabalho, princesa. Venho te buscar às seis.
— Não precisa, Rô. É sério.
— Aham — ele desconsiderou e me roubou outro beijo.
Saí do carro antes de me atrasar de verdade, porque minha
vontade é de não desgrudar daquele homem. Percebi os olhares
admirados de alguns pais e mães sobre mim, e me afastei a passos
confiantes do Jaguar. Mas ao estender a mão para abrir o portão,
Bella surgiu diante de mim.
— Oi — eu disse, sem saber como ela queria levar nossa
amizade.
— Tu ainda está com ele? Não voltou para casa? — O tom
acusatório dela era ridículo, depois de tudo que passei.
— Abre as mensagens que te mandei. Tem um livro ali,
contando tudo que te negou a saber sobre mim.
Entrei na escola, sendo agarrada por pequenas mãos
saudosas e esqueci da Bella, por um instante. Abaixei-me para falar
com meus alunos, feliz de verdade por vê-los.
— Mas vocês cresceram muito! Ou fui eu que encolhi?
— Profe Tatá, eu fui na praia amanhã — Camila contou,
animada. Ela tinha os cabelos castanhos presos em um rabo de
cavalo com franjinha.
— Eu também fui — disse o João, um menininho de belos
olhos verdes.
— Que coisa boa! Eu tomei banho de piscina! — disse e
então me levantei — A profe precisa entrar, já nos vemos.
Na sala dos professores tinha um burburinho que envolvia
Bella e mais duas, a Sandra e a Vanessa. A conversa cessou ao me
verem entrar.
— Oi — cumprimentei, incomodada, mas fingindo ignorância.
— Oi, tudo? Como foram as férias? — Vanessa perguntou.
— Agitadas — resumi a loucura que foram meus últimos 30
dias.
— Conseguiu o quarto para alugar? — Sandra lembrou.
— Não vai ser necessário, por enquanto.
Bella deu uma risada debochada e meu sangue ferveu.
— Quer falar alguma coisa? — Encarei-a por sobre os
ombros, enquanto trocava a camiseta regata pela do uniforme.
— Já falei tudo que precisava e tu fez questão de não me
ouvir. Não vou mais compactuar com isso.
— O cara contigo nas fotos é esse do carrão? — Vanessa se
aproximou, louca pelo babado.
— Sim. Estamos namorando.
Bella explodiu em uma gargalhada e saiu da sala, deixando-
nos com cara de tacho. Até entendo que ela não confie no Rodrigo,
porque tem apenas metade das informações sobre ele e sobre
nossos últimos dias. Mas a culpa disso é dela, que decidiu me
excluir de sua vida. Que vá se danar! Não lhe devo qualquer
explicação.
Voltei para o pátio, recolhi meus alunos e fomos para o café
da manhã. Um longo dia me espera e à noite vamos na 4Ty, para a
Vitória fazer fotos dos donos se divertindo por lá.
No intervalo do almoço, peguei meu celular e tinha
mensagem do Rodrigo:

Rodrigo: Como foi com a Bella? Ela estava com uma cara
péssima.
Antônia: Foi péssimo mesmo. Mal falou comigo, até agora.
Rodrigo: Ela não sabe nada de nós, não deixa ela te atingir.
Antônia: Prometo.
Rodrigo: Ih, já vi que vou me lascar… Tu prometeu… —
emojis nervosos.
Antônia: Ok. Não prometo nada!
Rodrigo: Agora sim, fico mais tranquilo. Já estou com
saudades.
Antônia: Te amo, meu rei.
Rodrigo: Meu reino por ti.

Sorri, involuntariamente e suspirei. Só então percebi os olhos


da Bella em mim, sentada do outro lado do pátio. Guardei o
aparelho e ela veio na minha direção. Sentou-se ao meu lado no
banco e suspirou.
— Li as mensagens — disse, sem me encarar ainda. — Sinto
demais pelo que aconteceu, Tatá.
— Foi foda — respondi baixo.
— Desculpe não estar por ti. Tu podia ter ido lá para casa…
— Estou bem no Rodrigo.
— Por que tu queria alugar um quarto, então?
— Porque ele me convidou para ficar, morar lá. Mas custei a
aceitar. Nós tivemos uma briga séria, nesse meio tempo.
— Por quê?
— Não quero falar, Bella. Ainda não me sinto à vontade
contigo para falarmos sobre o Rodrigo. Mas estamos juntos e
estamos bem agora.
Ela suspirou e esfregou as mãos no rosto.
— Como teu pai pôde fazer isso? Tu já sabe para onde ele
foi, o que aconteceu?
— Não. Ele desapareceu sem deixar pistas e nada para trás,
além de mim. Vendeu a mecânica, pelo que entendi, e fez a
mudança sem mandar um recado — meus olhos arderam e
lacrimejaram, mas não vou perder mais uma gota de choro por
aquele homem.
— Jesus! — Bella alisou os cabelos negros presos em um
coque — Quando a gente acha que se surpreendeu o suficiente
com o seu Jair, ele apronta outra.
— Agora acabou, Bella. Risquei ele e minha mãe da minha
vida, estou bem com o Rodrigo e assim que der, vou sair daqui
também.
— Daqui? Por quê?
— Porque preciso ganhar mais, quero fazer uma pós e me
especializar em Educação Especial.
— É um bom plano — ela sorriu para mim e senti meu peito
amolecer. Droga, sou fácil demais.
— Senti tua falta — confessei.
— Me preocupei contigo todos esses dias — ela afirmou —
Parece que estava pressentindo que tu estava com problemas.
— Tu foi malvada comigo, me deu um castigo injusto —
empurrei seu ombro e ela sorriu, devolvendo o gesto.
— Não que isso tenha de feito ter juízo… Está namorando o
Rodrigo?
— Oficialmente e declarado dentro da 4Ty para todas aquelas
patricinhas assanhadas ouvirem!
— Uau — ela fez uma cara surpresa. —- E como ele é?
Afinal, faz jus a tudo aquilo?
— Respeita meu namorado — fechei o rosto, depois sorri —
Sim, tudo aquilo e muito mais! Estou apaixonada.
— Claro que está! Acho que desde a primeira vez que vi
vocês juntos, já deu para sacar.
— Foi naquela noite que ficamos pela primeira vez —
confessei, pois já eram águas passadas.
A boca da Bella se abriu e ela me olhou chocada! Pensou que
tivesse sido em Punta… Coitada! Sabe de nada, a inocente!

Patrícia, nossa secretária na 4Ty, abriu a porta do escritório e


anunciou a chegada do Miguel. Eu, Felipe e Marcondes estávamos
concentrados, cada um em seu computador, mas pausamos tudo
para recebê-lo.
Após os cumprimentos e apertos de mão, ele se sentou no
sofá e abriu o próprio notebook. Pigarreou e começou explicar:
— Quer que eu comece pelo Pedro ou pelo Jair? —
perguntou.
— Pelo Jair — afirmei.
— Bom, — ele digitou algo — esse cara tem o rabo preso por
muitos lugares, com gente da pesada, Rodrigo. Não sei como ainda
não é fichado, porque o histórico de contravenção vai desde
desmanche ilegal, contrabando de peças e desvio de dinheiro, até a
leilão ilegal e jogo.
— Isso não me surpreende — afirmei.
— É — ele torceu e aliviou o pescoço — A venda da
mecânica foi legal, o novo proprietário fez um financiamento e
pagou à vista pelo ponto e pelo prédio. Quinhentos mil. Preciso de
uns dias para conseguir rastrear o dinheiro.
— Parece pouco — estranhei.
— E foi, por isso o negócio aconteceu tão rápido. O que
consegui levantar é que eles já estavam em negociação, desde o
começo de dezembro, pelo menos. O que o Felipe me passou é que
vocês perceberam o sumiço do Jair há duas semanas, não é? —
confirmei — Pois ele já havia se mudado uma semana antes.
— Uma semana? — fiquei surpreso.
— A mudança foi feita no final de semana anterior.
— Filho da puta! — olhei para Marcondes e Felipe e eles
entenderam. O Jair parecia ter premeditado tudo aquilo.
— A mecânica estava em nome de um laranja e o prédio em
nome da mãe, Lourdes Maria Avillez, falecida — ele confirmou o
nome no arquivo aberto à sua frente.
— Ou seja, a Antônia não tem direito a nada — Felipe
comentou.
— E descobriu onde esse infeliz está? — Marcondes
perguntou.
— Estou rastreando. Segundo o novo dono da mecânica, ele
iria para São Paulo, com a mulher. Pelo que disse, foi um brique de
usados que fez a mudança e colocou todos os móveis e
eletrodomésticos à venda.
— Que mulher? — questionei surpreso. Antônia nunca
dissera nada sobre o pai ter um relacionamento.
— Ele tem uma família, em Esteio, Rodrigo. Uma mulher
jovem e um menino de cinco anos. No perfil dela, nas redes sociais,
tem várias fotos dos três, em casa e em viagens. Consegui rastrear
até a escola da criança, um colégio particular bem-conceituado na
cidade.
Levantei-me e fui até o frigobar pegar uma água. Aquelas
revelações me perturbavam e me enojavam. Não existem
surpresas, quando se trata do Jair. Nada podia me surpreender
mais, mas ele se esforçava.
— A Antônia sabe disso, Rodrigo? — Marcondes levantou a
questão que me afligia.
— Acho que não, nunca mencionou um irmão. O menino é
filho dele?
— Parece que sim. Tem fotos na gestação, no parto e em
vários eventos. Ainda estou atrás do endereço residencial dessa
mulher, pois pelo que entendi, ela é dona de casa, não tem
nenhuma referência de emprego atual no Facebook, o último é de
seis anos atrás.
Eu estava puto até minha terceira geração. O cretino pôs a
filha para trabalhar doze horas por dia, em um lugar simplório, mas
sustenta outra família, com todas as regalias? E escondeu isso dela,
por quê? Qual o problema em assumir um novo relacionamento, se
está há anos separado? Qual a necessidade patológica de mentir
assim?
Miguel digitou algo no notebook e depois virou a tela para eu
ver. O perfil do Facebook de uma loira jovem pareceu. Diana Vargas
Avillez. A capa, logo atrás da imagem de perfil, mostrava uma festa
de aniversário com decoração especial de cachorros fantasiados,
um bolo com uma vela de quatro anos, a loira e Jair com um menino
no colo, os três assoprando a vela. Uma cena familiar tocante, se eu
não conhecesse a história mentirosa por trás dela.
Encerrado ali, Miguel veio falar da minha outra pedra no
sapato, meu genrinho Pedro. Disse que não encontrou nada de
cunho ilegal, ele parecia limpo. Teve alguns envolvimentos com
baderna, excesso de bebida, mas depois dos dezoito se acomodou.
Disse que os pais são funcionários públicos, e isso eu já sabia. Que
era chegado a gastar mais do que ganhava, mas os pais sempre
cobriam o rombo, o que o fazia ter o nome limpo também. Ainda
assim, tem algo que me incomoda nele e o Marcondes concorda. É
algo subjetivo, já que não aparece nas investigações.
Em compensação, a história do Jair serviu para me dar uma
dor de cabeça irritante. Uma pontada aguda, que ficou azucrinando
minha vida. Perto das cinco e meia eu disse que estava indo e
combinamos de retornarmos às dez. Antônia tinha que trabalhar
cedo e prometi que não nos estenderíamos hoje.
Estacionei o carro, diante da escolinha infantil, e fiquei
observando o movimento dos pais. Fiz muito isso com a Mia, até ela
decidir que preferia ir com o motorista. Que esses aí aproveitassem,
porque os filhos deixam de nos querer por perto muito rápido.
Antônia saiu cercada por dois meninos, que estavam
agarrados em suas mãos. Conversou com duas mulheres, que
presumi serem as mães dos pequenos. Ela se abaixou e recebeu o
abraço e o beijo de cada um, falou algo e depois sorriu lindamente.
Ergueu-se, beijou as mulheres e acenou para os alunos. Ela gosta
disso, dá para perceber. Por que o Jair escondeu dela seu outro
filho? Não consigo entender isso, duvido que ela falasse qualquer
coisa. Não sei nem como Antônia pode não querer ter filhos. De
manhã, fiquei acompanhando-a entrar, ser recepcionada pelas
crianças, conversar com elas. Antônia seria uma excelente mãe. Ela
tem jeito e amor de sobra.
Minha princesa olhou ao redor e abriu outro sorriso ao
reconhecer o carro. Atravessou a rua e veio desfilando até aqui.
Parou do meu lado e bateu levemente no vidro. Abaixei e ela se
debruçou na janela.
— Minhas colegas ficarão com inveja se esse homem lindo
vier me buscar, todos os dias, de Jaguar.
— Estou marcando meu território, porque já vi outros homens
interessados na minha garota.
— Capaz! Fico doido? — Ela me olhou surpresa.
— Agora a pouco, tinha dois contigo — espremi os olhos para
ela.
— Ah bom! — ela entendeu e sorriu — Sou todinha deles.
— Entra aqui, que vou te mostrar de quem tu é, safada.
Antônia sorriu e deu a volta no carro. Arranquei um beijo
louco de saudades dela, assim que fechou a porta. Depois a abracei
bem apertado, pois além de amor e tesão, tinha uma dor no meu
peito, por ela. Antônia irá sofrer novamente e serei o portador disso,
outra vez.
“Embora eu esteja aqui tão quieto,
Eu queimo por você, eu queimo por você.”
(The Police)

A pista da 4Ty está lotada. Nosso movimento não diminui nem


mesmo no verão, quando boa parcela do pessoal viaja para o
exterior ou vai para as praias. Mas as férias também permitem que o
pessoal aproveite até mais tarde e por sermos um espaço pequeno,
não é difícil encher até a capacidade.
Nossas redes sociais estão replicando a mensagem de que
somos a casa noturna em que todos querem estar. E as reservas e
a lista de espera nos mostra que somos mesmo. Já temos lotação
total até julho, todas as noites.
Fui o primeiro a chegar, praticamente escapei de casa, antes
de tropeçar na Vitória. Não que isso fosse muito inteligente, pois
estamos aqui justamente por causa dela. Ela vai nos fotografar
interagindo com o público. Somos a cara da 4Ty e isso foi decisão
do plano de publicidade e marketing. Mas para aguentar, preciso
beber. Por isso, estou recostado no bar, não no camarote.
— Patrão — Jonas me chamou e estendeu o copo de uísque
que pedi.
Dei o primeiro gole e senti a ardência característica descer
pela garganta. Ao dar o segundo, meu olhar capturou uma ninfeta
bonitinha me observando. Dei um sorriso de lado, pensando que eu
teria que pedir a identidade dela, e ainda conferir se não era falsa.
Cabelos e olhos bem pretos, corpinho enxuto, de curvas ingênuas e
cheirando a leite materno. Mas ela segurava aquele canudo entre os
lábios e passava a língua por ele, como se fosse muito entendida do
assunto.
Então, a bruxa se materializou na minha frente, quebrando a
conexão que estava surgindo entre nós. Claro que sim! Estou quase
pensando em ir a algum terreiro, tomar um banho de sal grosso,
porque vou te contar!
— Oi, Jonas! — Vitória fingiu que não me viu e chamou o
barman — Manda aquele com espumante e suco de frutas, mas
bem fraquinho que hoje estou a trabalho.
O rapaz começou o preparo e ela ergueu a máquina, fazendo
cliques dele.
— Sorri, sem olhar para mim — orientou. — Isso, faz força
para destacar o bíceps — ele obedeceu e deu risada, se divertindo
— Tá lindooo! — Vitória elogiou.
— Gostoso! — Ouvi a gritaria feminina ao meu redor, que se
juntou para assistir ao espetáculo masculino, e o barman aumentou
o ritmo.
— Isso! Uhuuu! Dança bonitão! — Vitória gritou, animada —
Chama o coleguinha ali — ela apontou para o Rick.
Rick veio sorrindo e os dois fizeram malabarismos com as
coqueteleiras, jogaram para o alto, um para o outro, e a mulherada
vibrou. Vitória puxava o coro. Em seguida, se virou para a ninfetinha
gostosa, que antes olhava para mim, e agora babava pelos dois
caras atrás do balcão:
— Ei, quer aparecer no feed da 4Ty? — A morena concordou
imediatamente — Vem aqui e recebe o coquetel, olhando para ele
com admiração, não fica envergonhada.
Essa dali, envergonhada? Eu sou envergonhado, perto dela.
Vitória se colocou de costas para mim, perto demais para o meu
gosto, e se inclinou para pegar o melhor ângulo da foto. Meus olhos,
que não são governados pelo meu cérebro, desceram na direção da
raba, e o cós da calça jeans me deixou antever a renda da calcinha
preta. O-dei-o essa bruxa!
Felipe me encontrou ali, em estado de choque, travado como
um inútil, assistindo uma cena que não me dizia qualquer respeito.
Sorriu para Vitória, tocou seu ombro e ela lhe deu dois beijinhos,
com um sorriso menos arregaçado do que nas últimas vezes. Em
seguida, ele se virou para mim:
— Que cara de bunda é essa, Marcondes?
— Me erra, Felipe!
Senti uma mão em meu ombro e virei para ver quem era.
Antônia chegava, sorridente e linda. Bem maquiada, com o cabelo
preso em um rabo de cavalo alto, calça justa e brilhante, um top de
um ombro só preto e uma sandália fechada que cobria o peito do
pé. Fiz girar sob o meu braço e a abracei, elogiando a produção:
— O que tu fez com a Antônia? Meu amigo sabe que tu a está
substituindo?
— Não! Eu o distraí, pedindo para dirigir o Jaguar.
Gargalhei. Aquele chato não deixa mesmo, só vi abrir uma
exceção na vida e foi para essa mulher, no pior dia da vida dela.
— Está linda, gatinha! — Beijei seu rosto e ela viu a bruxa.
— Vamos ter que aguentar essa daí hoje, né?
— Vamos.
— O Rodrigo me disse que ela foi má contigo — Antônia me
olhou com uma carinha maliciosa. Claro que o bocão falou! — Quer
que eu puxe aquele aplique?
— Dá um tapa na raba por mim — sugeri e ela me olhou,
aceitando o desafio.
Antônia pensou um pouco, alternando os olhos entre mim e a
minha vizinha. Se afastou e foi na direção da fotógrafa, que falava
animadamente com o Rodrigo, apoiando a mão em seu ombro.
Aproximei-me junto e ri quando Tatá começou a bater na bunda da
Vitória.
— Vic, tu te sujou em alguma coisa — e a mãozinha trabalhou
ali, limpando uma sujeira imaginária.
— Antônia — ela se virou, surpresa, e alisou as nádegas, que
devem ter ficado doloridas.
Tatá se colocou providencialmente entre Vitória e Rodrigo, de
costas para ele, que a envolveu nos braços. Garota esperta.
Marcando o território. Já eu, fui puxado para a roda por sua mão
pequena, e ela começou a falar:
— Marcondes, a Bella perguntou por ti. Nos encontramos
hoje, disse que está com saudades. Ela adorou nossa tarde na
piscina, aquele dia. Disse, também, que ficou surpresa com a tua
gentileza.
— Sério? — Eu e Rodrigo perguntamos juntos. Algo de
errado não está certo.
— Seríssimo. Ele foi superlegal conosco, naquele dia —
Antônia olhou para o namorado, confirmando — A Bella se
encantou. Ela viu aquele outro lado fofo, que ele esconde.
— Não tenho escondido bem, então.
— Só te julga mal quem não te conhece — ela piscou para
mim e Vitória se virou para o bar.
Antônia sinalizou a bruxa com o queixo e riu. Eu e Vitória
sequer nos olhamos, até agora. Quer dizer, eu já tinha usado garfo e
faca naquele corpo, mentalmente, mas ela insistia em fingir que eu
não estava ali. Em compensação, a babyninfa morena não parava
de me secar.
— Bom, agora que todos chegaram, vamos fazer as fotos na
pista. Vou pegar takes de vocês individualmente e em grupo, ok?
Individualmente, repeti. Ela vai desfocar as minhas. Não me
sinto nem um pouco à vontade com essas fotos. Mas lá fomos nós.
Começamos a dançar soltos e ela passou a caminhar ao nosso
redor. Foi muito estranho, no começo. Acho que bebi pouco para
aguentar a sessão. Melhorou um pouco quando senti uma mão
segurar a minha e olhei para o lado. A ninfetinha vinha pedir com os
olhos e um sorriso, para dançar. Sorri para ela e puxei para a minha
frente. Ela se agarrou a mim e passou a dançar gostosamente.
— Dá licença, querida? — Vitória se dirigiu à moça, tocando-
lhe o braço.
— Ela fica — eu disse firme.
— Não é bom para a imagem da casa, que os sócios
apareçam dançando com qualquer uma. Pode passar a impressão
de que se aproveitam disso — Vitória veio dizer ao meu ouvido.
— Oi? — Olhei para ela — Te enxerga, Vitória! Faz teu
trabalho, só isso.
— Estou fazendo — ela parou no meio da pista, com uma
mão na cintura e outra segurando a máquina. — São orientações da
agência.
— Agência que eu pago, então vai ser como eu quero!
A menina agarrada a mim só mexia os olhos, mas quando
tentou se soltar, eu a impedi.
— Os outros não estão agarrados a ninguém, ao menos pode
dançar ao lado dela? — Vitória ainda insistiu.
Olhei para os meus caros sócios e eles realmente estavam
dançando sozinhos, embora Rodrigo segurasse a mão da Antônia.
Não queria dar o braço a torcer para Vitória, mas bufei e acabei
soltando a ninfetinha. Aquela mulher era a empata foda oficial na
minha vida.
Agora, pergunta se ela tirou alguma foto minha?
Simplesmente virou de costas e foi fotografar o Felipe, depois se
fixou por longos minutos no Rodrigo (Tô até suspeitando que ela
tem uma queda por ele, porque olha… que grude). Fez algumas
mais de longe, pegando nós três e só então direcionou as lentes
para a minha cara. Começou de longe e veio se aproximando. Não
a olhei, mas percebia, pela visão periférica, que ela estava cada vez
mais perto. Passo a passo, Vitória veio até mim. E quando a
encarei, ela fez uma última foto e abaixou a máquina para olhar o
resultado no display.
Ficou imóvel, por algum tempo, contrastando da agitação ao
nosso redor, provocada pela batida eletrônica. Levou a mão ao
pescoço, naquele gesto que eu já reconhecia, e só então tirou os
olhos da imagem, colocando-os em mim, em seguida. E eu a estive
acompanhando fazer cada um desses movimentos, ela percebeu.
Vitória recobrou o controle sobre si mesma e virou o rosto,
voltando a fotografar o Rodrigo e a Tatá, que agora se agarravam
como se não estivessem em público. Dava dez minutos para ele
sumir com ela até o escritório, outra vez. E já que ele pode, fiz o
mesmo. Puxei a morena para mim e a beijei também.

Puta que pariu, esse homem é lindo demais. Sem vergonha,


idiota, ogro, cretino, babaca, insuportável, cafajeste, mas feio não dá
para dizer que é. A foto que fiz, ficou perfeita. Ele fala com a lente,
grita sensualidade com seu corpo, dança bem e é cheiroso. Perdi-
me um pouco em seu perfume, quando precisei falar ao seu ouvido.
Aliás, o que estava fazendo com aquela menina, que mal deve ter
dezoito anos? Ridículo!
Desisto desses três! Felipe é querido, mas tem a mesma vida
desregrada do Marcondes. O Rodrigo ainda é o mais maduro e
bacana, mas já esqueceu o objetivo da noite, agarrando aquela
namoradinha como se não a visse há dias. Que fogo, aliás! Tirei
algumas fotos exclusivas dos dois, vou mandar para ele amanhã.
Ficaram lindas, modéstia à parte.
Decidi circular para não assistir, como uma vela, à pegação
na roda. Não sei como o Felipe aguenta. Tirei mais algumas fotos,
da visão dos camarotes, do público interagindo, dos barmen divinos.
Todo o lugar tem uma atmosfera de beleza e as luzes e espelhos
fazem um efeito fantástico em todas as fotos. Por fim, me recostei
no bar e revi as imagens da noite. Talvez fossem suficientes.
— Trabalhando ou é teu hobby fotografar? — Ouvi uma voz
masculina falar atrás de mim.
— Trabalhando — respondi e virei para ver quem falava. Era
um homem bonito, com um sorriso simpático, olhos escuros, rosto
sem barba — Mas quando se faz o que se gosta, sabe o que
dizem...
— Não se trabalha um só dia — ele completou a frase
comigo.
Curti.
— Também faço do meu hobby a profissão — explicou e
estendeu a mão para se apresentar — Juliano.
— Vitória. E qual é o teu hobby?
— Sou arquiteto.
— Arquiteto? — fiz uma careta de estranhamento — Desde
quando isso é hobby?
— O que posso dizer? Construo casas de Lego desde
criança! — Juliano sorriu e eu o acompanhei. — Aceita uma bebida?
— Com suco de fruta, porque estou trabalhando — ergui a
máquina para comprovar.
Juliano fez o pedido ao Rick e depois se voltou para mim.
— Posso ver as fotos? — pediu e fiz uma expressão de não
sei e ele completou — Tenho senso estético.
Deve ter, pensei. Liguei a câmera e mostrei as imagens que
fiz. Ele elogiou e teceu comentários sobre o ângulo, a luz. Fiquei
surpresa, ele tem mesmo senso estético. E um cheiro, senhoras e
senhores, que ativou muitos sentidos em mim.
— Uau! — ele fez, quando a foto do close de Marcondes
apareceu — Nessa tu caprichou.
Entendo a que ele se refere. Essa foto me toca
profundamente, também sinto. Agita meu coração de uma forma
que eu não posso aceitar. Só de vê-la, tinha vontade de correr até lá
e me jogar naquela boca deliciosa. Pena que ela não é só minha.
Roda por aí como se fosse ônibus, pegando todo mundo que
levanta a mão.
— É só o meu trabalho — me defendi da acusação implícita
em seu comentário.
— Ele é um dos donos daqui, não é? Já ouvi falar deles.
Nossa bebida chegou e Juliano estendeu a taça para mim,
sem afastar os olhos dos meus. Nossos dedos se tocaram e ele
sorriu. É um cara bonito, mas nem de longe tem a beleza quase
imensurável do Marcondes. Os três sócios são lindos, puta merda!
Eles estragam a gente para qualquer outro. Só que nunca saberão
disso por mim.
— Como eu disse, é meu trabalho. E costumo fazer bem-feito.
— Vitória — Rodrigo me chamou — Estamos a fim de ir
embora. Terminou?
— Por hoje, sim. Faremos outras em Floripa.
— Certo — ele beijou meu rosto e depois me despedi de
Antônia, que não vai com a minha cara, já percebi.
— Se precisar de qualquer coisa, o Marcondes e o Felipe
ficarão mais um pouco. Aliás, — ele segurou o meu cotovelo e disse
ao meu ouvido — desiste dessa queda de braço com o Marcondes,
Vitória. Não tem como convivermos assim.
— Sou profissional, Rodrigo. Sei separar as coisas, não te
preocupa comigo.
— Não é o que estou vendo — afirmou, em uma postura que
só vi nele durante as reuniões com a equipe de publicidade. — E se
a falta de diálogo de vocês se tornar insustentável, não creio que
nossa parceria possa continuar.
— Rodrigo — fiquei de boca aberta — Minha vida pessoal
não tem nada a ver com isso!
— Desculpa, Vitória. Ele está incomodado, e entre ouvir as
reclamações do meu sócio, e procurar outra agência, tenho certeza
de que tu entende qual será a minha escolha.
— Me deixa só contextualizar aqui — olhei bem para ele,
enquanto Juliano e Antônia assistiam calados — Tu está sugerindo
que eu durma com ele, para amansar o ego daquele idiota?
— Jamais disse isso — Rodrigo quase gritou comigo — Mas o
que aconteceu entre vocês tem que ficar do lado de fora, entendeu?
Não pode interferir no resultado do teu trabalho e na nossa
convivência.
— Rodrigo, não é lugar nem hora para essa conversa —
Antônia tocou seu braço e ele relaxou a postura agressiva que havia
adotado.
— Certo. Tem razão, princesa. Espero que tu pense sobre
isso até Floripa, Vitória.
— Tu vai falar isso pra ele também? — Ainda o enfrentei.
— Pode ter certeza de que já falei. Mas também deixei bem
claro de que lado estou.
— Vamos, amor — Antônia o puxou pela mão e ele foi.
Idiota! Machista e imbecil! Colocou a responsabilidade em
mim, me acusando de não agradar o amigo, de não alisar aquele
ego imenso, que só pensa em si mesmo. Foda-se, Rodrigo!
Terminei aquele drink, em um fôlego só, e olhei em volta, lembrando
do Juliano. Sumiu. Claro que sumiu, depois de todo aquele
escândalo, eu também sumiria.

A babyzinha até que é gostosinha, mas está faltando algo.


Desisti dela e disse que já voltava. Nunca mais voltarei. Encontrei o
Felipe, com a galera de sempre no nosso camarote, e me deu até
um desânimo. Cumprimentei a Bianca, Márcia, Bruna, Patrícia,
Pietra… Já transei com todas. Peguei uma das cervejas disponíveis
ali, e ia tomar o primeiro gole, quando senti três cutucadas no meu
ombro. Virei e a bruxa estava me encarando.
— Precisamos conversar.
— Marca uma reunião, através da Patrícia.
— Conversaremos aqui ou no escritório? Porque posso
começar agora a gritar tudo que está entalado na minha garganta —
ela ergueu a voz e o grupo ao redor nos olhou.
— Amanhã.
— O que foi, Vitória? — Felipe veio intervir.
— Preciso conversar como o Marcondes, em particular.
Agora, Felipe!
— Vai, cara! — ele pediu. — Resolve isso de uma vez por
todas.
Que saco! A chata veio azedar ainda mais a minha noite, não
basta ficar me controlando na pista? Tomei mais três longos goles
da cerveja, para aguentar aquilo, e saí caminhando, sem nem saber
se ela vinha atrás. Entrei no escritório e me joguei no sofá. Ela
fechou a porta atrás de si e o silêncio nos envolveu.
— Fala, Vitória — decidi acabar com o que quer que fosse, de
uma vez por todas.
— Quero deixar uma coisa bem clara, entre nós. Satisfazer
teu ego não é prioridade para mim. Mas esse trabalho é, porque é
com ele que pago minhas contas. Por tanto, se tu tem qualquer
reclamação a fazer sobre o meu trabalho, pode vir pessoalmente me
dizer. Agora, sobre o que aconteceu entre nós, não diz respeito a
ninguém e não deveria ser pauta de nenhuma conversa.
— Não estou entendo essa merda, Vitória!
— Se transar contigo é requisito do cargo, me demito agora!
— Ficou doida? — Um impulso me fez ficar de pé — Isso
seria assédio, Vitória.
— Exatamente! É assim que estou me sentindo, depois de
ouvir o Rodrigo berrar na minha cara que não estou atendendo às
tuas expectativas, e ameaçar a parceria comigo e com a agência.
— O Rodrigo não diria isso, ele vive te defendendo — eu
estava surpreso e chocado.
— Pois disse — ela cruzou os braços sobre o peito e ergueu
o rosto, soberba.
— Tu só pode ter entendido errado — a doida deve ter bebido
demais. Eu conheço bem o Rodrigo para saber que ele não falaria
isso, jamais, nunca! — O Rodrigo jamais falaria isso!
— Claro, porque a voz de uma mulher nunca é o suficiente!
— Para com essa merda sexista e de nos acusar de estar te
assediando — essa possibilidade me deixava nervoso e
preocupado, e gritei com ela — Eu já não te suportava antes dessa
merda acontecer. Maldita hora que decidi ser amigável contigo.
— Amigável? Tu nem tem ideia do que seja isso — ela
rebateu — Tu foi lá porque queria transar comigo, só isso. E está
puto porque não aconteceu. Pois não vai acontecer nunca,
Marcondes, eu não vou entrar no cardápio desse teu rodízio. Me
valorizo demais para isso.
— Não te preocupa com isso, Vitória. Foi a pior transa da
minha vida, jamais desejaria repetir.
Eu me odiei por dizer isso, assim que vi a expressão chocada
no rosto dela. Mas é melhor acabar de vez com isso entre nós. Seja
lá o que isso for.

Nossa, essa doeu. Pegou lá no fundo da minha ferida e


torceu. Não que eu pensasse que tinha abafado, mas o pior é que
eu gostei. Gostei da pegada, do beijo, do orgasmo delicioso que
senti. Só não consegui seguir por causa de todos os freios na minha
cabeça. Mas ouvir o desprezo dele, com todas as letras, doeu. E
me faz revidar:
— Nem vou dormir hoje, por saber que não atendi tuas
expectativas. Não é que eu achei que tinha sido excelente? —
disse, forçando o sarcasmo na voz.
— Tenho até pena do coitado que te visitou ontem — ele
devolveu, sorrindo, também debochando de mim — Deve ter saído
frustrado. De uma forma ou de outra.
— Quem? — perguntei, confusa.
— Teu amigo de ontem. Ele é teu consolo? Teu pau-amigo?
— Eu só recebi meu irmão ontem… — ergui o olhar na
direção dele e Marcondes estava chocado — Tu achou que era um
homem que eu estava recebendo em casa? Te enxerga, imbecil,
não sou promíscua como tu!
Quem esse idiota pensa que eu sou? Que direito tem de
cobrar qualquer coisa, se o vi agarrado com uma mulher, em plena
segunda-feira de manhã?
— Não sou promíscuo. Sou solteiro e posso dormir com quem
quiser, não vem me julgar.
— É sim, promíscuo e vazio, por isso não consegui… — calei
minha boca antes de falar demais. — Olha, essa conversa já passou
dos limites. Entre nós, não tem mais nada, nem mesmo uma
vizinhança amigável. Só peço que me respeite no trabalho, pois é
importante para mim.
Marcondes apertou o espaço entre as sobrancelhas, de olhos
fechados. Encheu as bochechas de ar e soltou tudo de uma vez só,
como quem busca equilíbrio ou paciência. Quando voltou a se dirigir
a mim, era outra pessoa.
— Ok, Vitória. Da minha parte, não tenho nada que reclamar
do teu trabalho, sei que é competente — falou e colocou as mãos
nos bolsos da calça.
— Obrigada.
— Tem mais alguma coisa que queira me dizer ou podemos
encerrar esta reunião?
Ele estava sério, tinha a voz firme e uma postura diferente, da
mesma forma que o Rodrigo, mais cedo. Eles ficam diferentes
quando estão trabalhando. Agora, o assunto entre nós era de
trabalho, e assim deveria permanecer.
O estranho é perceber que essa nova postura dele faz meu
coração bater mais apressado do que já estava, por causa da
discussão. Ele mexeu nos cabelos, aguardando minha posição e me
encarou, sem qualquer lembrança do homem debochado e safado
que eu costumava ver ali. Lindo, sempre lindo. A língua,
umedecendo os lábios, capturou minha atenção e não foi apenas
meu peito, agora, que acelerou.
— Não — quase saiu como um gemido. Engoli em seco meu
desejo repentino e incompreensível por aquele homem — Se
estamos entendidos, é o suficiente.
— Boa noite, então — ele apontou para a porta, me
convidando a sair.
Desci as escadas correndo. Às vezes, nem eu mesma me
entendo. Estava com aquele homem na minha cama, gostosinho,
carinhoso, me dizendo coisas deliciosas, e desanimei. Agora, que
ele se porta como alguém inacessível, responsável, aceitando os
limites que eu mesma impus, estava louca para me grudar naquela
boca, que beija tão bem. Já não basta ter me irritado com a
pirralhinha grudada nele?
Eu preciso urgente de um psicólogo. Ou de internação. Um
remédio, que me faça dormir e não sonhar com Marcondes, já seria
excelente.
“Bom, eu não sei se estou preparado
Para ser o homem que preciso ser.
Vou respirar fundo e trazê-la para o meu lado.”
(Creed)

Pronto, encerrado o problema. Mas por que fiquei com essa


impressão estranha, como se quisesse mais? Ela não me quer, ok,
direito dela. Nunca fui de insistir em algo sem futuro. Mas também
nunca fiquei tão idiota, sem conseguir trepar com outra. Pior que
não via ninguém ali que me interessasse, no momento. Despedi-me
do pessoal no camarote e decidi encerrar a noite mais cedo e
sozinho. Algo, naquela conversa com a Vitória, me fez mal e
incomodou.
A cidade estava vazia. Eram quase duas horas da manhã. O
asfalto estava molhado da chuva que caiu, enquanto estávamos
dentro da 4Ty. Uma chuva que só aumentou a sensação de
abafamento. Aumentei o som quando Australian Crawl começou a
tocar. A música me transportou imediatamente para o final da
adolescência, às viagens para surfar… Nossa, estava morrendo de
vontade de surfar! Decidi aproveitar essa ida compulsória para
Floripa e desestressar na Praia da Joaquina.
— Oh, Oh, Oh, oh, no not you again — cantei, já imaginando
as ondas que iria pegar.
O sinal ficou vermelho e parei. Um movimento logo a frente
chamou minha atenção. Um carro vermelho estava estacionado de
qualquer jeito, possivelmente fechado pelo outro, que estava
atravessado diante dele. Dois homens saltaram do carro, sacaram
as armas e andaram na direção do Renegade. Pensei em dar a ré e
sair dali, mas um detalhe chamou minha atenção. Um adesivo de
osso no vidro traseiro. Eu conheço aquele carro. E na mesma hora,
Vitória saiu de mãos para cima e cabeça baixa.
Merda! Merda! Merda! Peguei o celular e liguei para a Brigada
Militar. Me identifiquei, dei o endereço do assalto, os detalhes do
carro dos assaltantes (eles estavam em um Cruze branco) e nesse
meio tempo, Vitória foi agarrada pelos cabelos e jogada no chão,
enquanto um dos homens entrou no carro dela, o outro no banco de
trás e o do Cruze acelerou. O meu sinal já estava aberto e acelerei
também, indo até ela. Deixei o carro de qualquer jeito e saltei,
correndo até a Vitória, que tentava se erguer, chorando muito.
— Vitória! — chamei e a ajudei a ficar de pé. — Já chamei a
polícia.
— Marcondes, eles tinham uma arma — ela disse, ainda em
choque eu acho, pois tremia toda.
— Eu sei, eu vi — passei meus braços ao seu redor e ela se
agarrou a mim.
— Eles tinham uma arma — ela repetiu.
— Eu sei, Vi. Eu sei, tu fez bem em entregar o carro.
— Tem seguro.
— Que bom — ela estava mesmo em choque. Alisei seus
cabelos e em seguida escutei as sirenes.
Duas viaturas chegaram e os brigadianos começaram o
interrogatório, assim que me identifiquei e à Vitória, que ainda
estava chorando. Ela contou que estava indo para casa, mas um
Cruze cortou sua frente. Em seguida os homens saíram do veículo
gritando que entregasse o carro, que mostrasse as mãos e ela
obedeceu.
— A senhora tem um documento?
— Minha bolsa ficou no carro — ela percebeu, então virou os
olhos assustados e molhados para mim — A minha câmera
também.
— Tudo bem, Vi. São apenas coisas materiais.
— Mas é o meu trabalho, Marcondes.
— Eu sei, mas agora não tem o que fazer, querida. Vamos até
a delegacia e quem sabe eles conseguem recuperar o carro e a
máquina, né? — Olhei para o policial brigadiano à minha frente e
informei — Vou acompanhá-la até a DP. Ela vai comigo. Somos
conhecidos.
Ele concordou e eu a levei até meu carro. Abri a porta e ela
se sentou, olhando para frente, como se repassasse tudo que
aconteceu, infinitas vezes. Dei a partida, seguindo a viatura que
ficou atendendo o chamado, pois a outra foi atrás dos assaltantes.
Vitória permanecia muda. Estendi a mão e peguei a dela. Estava
tremendo um pouco e muito fria.
— Vi, vai ficar tudo bem.
Ela entrelaçou os dedos nos meus, como fez naquela manhã,
e recostou a cabeça no banco, olhando para fora pelo vidro lateral.
Nem parece que trocamos desaforos e ofensas há meia hora. Toda
a raiva que senti dela, desde sábado, se esvaiu.
Paramos diante da delegacia e a acompanhei para fazer o
Boletim de Ocorrência, lembrando de incluir o conteúdo da bolsa, da
carteira, documentos, cartões, celular, o material de trabalho… Foi
exaustivo pensar em tudo e repetir o depoimento, Vitória estava
arrasada. Creio que mais pela máquina do que pelo carro. E muito
pela ameaça à mão armada. Não soltou minha mão e eu não me
importei nem um pouco com isso. Saímos de lá, horas depois, sem
qualquer notícia do carro.
— Tudo bem, Vi? — confirmei, pois ela estava muda desde
que entrou no carro.
— Vai ficar — disse baixinho.
— Vai sim.
Vitória virou o rosto na minha direção e estava séria. Me
observou por um tempo, então suspirou.
— Obrigada.
— Não precisa me agradecer, Vitória.
— Preciso. Tu foi um vizinho não-amigável muito bom, hoje.
Eu ri. Ela também.
— Minha vizinha insuportável estava precisando de ajuda.
Guardei minha irritação e fui até ela.
— Ai! Ele é culto e faz trocadilhos, além de tudo — Vitória
debochou, com outro suspiro.
— Além de tudo o quê? — virei o rosto surpreso para ela —
Além de bonito?
— Nada. Esquece. Obrigada de verdade por ter me
acompanhado.
— Tudo bem, Vi. Relaxa.
Chegamos ao prédio e a subida no elevador foi silenciosa.
Mas assim que eu empurrei a porta do elevador, ela soltou uma
interjeição de susto e levou a mão à cabeça:
— Não tenho chave. Ficaram no chaveiro do carro — Vitória
arregalou os olhos para mim — Ai, meus Deus, tem como isso
piorar? Que merda! Odeio esses caras, odeio! Eles me levaram tudo
e ainda me deixaram na rua!
— Shhh... — segurei seus braços e pedi silêncio, pois eram
mais de quatro da manhã — Fica comigo, não tem problema.
— Não, Marcondes! Só preciso ligar para um chaveiro, deve
ter um 24 horas.
— Amanhã a gente liga, Vitória — comecei a andar e a
arrastei comigo, ainda presa entre os meus braços. — Agora, vem
descansar.
Abri a porta, acendi as luzes e ela ainda reclamava. Não
queria atrapalhar mais, não queria dar mais trabalho, não era
certo… Blá-blá-blá. Ignorei todas as justificativas e a sentei no sofá.
— Vou fazer um chá. Está com fome? Quer uma torrada, uma
bolacha, uma fruta?
— O chá está ótimo — ela se rendeu.
Coloquei a água para ferver e fui para o quarto. Peguei
travesseiro, lençol e um cobertor, além de uma camiseta limpa.
— Vai tomar um banho enquanto faço o chá — estendi a
camiseta para ela — Aquela delegacia estava um nojo.
— Estava mesmo — ela suspirou, mas não pegou a camiseta.
— E quente, estou todo suado. Tenho certeza de que tu vai te
sentir melhor, depois de um banho. Vai, veste a camiseta depois…
E, ãh… — lembrei de um detalhe — quer uma cueca emprestada?
— Não! — ela ficou de pé em um salto — a camiseta é
suficiente.
— Ok. Vou te mostrar o banheiro — saí caminhando e ela
veio atrás, abraçada na minha camiseta como se fosse uma
armadura. Abri a porta da suíte e indiquei o banheiro. Na verdade,
ela sabe onde é, nossos apartamentos são iguais — Fica à vontade.
Tem toalha limpa no armário do banheiro.
Ela agradeceu, constrangida, e saí, fechando a porta do
quarto. Só então respirei. Uau! Que porra é essa! Que merda é
essa? Por que estou tão nervoso com uma mulher ali? E essa
vontade fodida de cuidar dela, de abraçar, sentir seu corpo tão perto
do meu? Por que tê-la nos meus braços parece tão certo?
Marcondes, meu caro, tu estás dando um mole federal aqui.
Terminava o chá quando ela apareceu na sala. Foi impossível
evitar a reação no meu corpo ao vê-la com a minha camiseta, do
tamanho suficiente para que apenas a calcinha não aparecesse.
Toda a extensão das pernas longas estava exposta e ela puxava a
barra, constrangida. Nem preciso dizer que meu pau mandou
lembranças, na hora. Desgraçado, traidor, sem honra e sem
memória. Esqueceu que ela te odeia e não te quis?
— Fiz um chá de cidreira — recuperei a vergonha na cara e
estendi a caneca para ela.
— Obrigada.
— Vou tomar um banho também, fica à vontade.
Essa foi a minha saída covarde. Fui para o banho frio me
aliviar do tesão desnecessário. Demorei mais do que o normal,
esvaziando as bolas e esfriando a cabeça. Depois, vesti uma calça
de pijama, coisa que nunca faço, mas não queria que ela se
sentisse constrangida, vai que resolve me processar por assédio, a
doida. Mas ao chegar na sala, a encontrei dormindo no sofá. Vitória
arrumou a cama e se acomodou. Mas nunca pensei que ela dormiria
ali. Eu que ficaria no sofá.
Abaixei-me, ao seu lado, e tirei um tempo para observar os
traços de seu rosto. Ela é linda. Perigosamente linda. Tem um nariz
fino e arrebitadinho, que costuma coçar com frequência, como um
cacoete. A boca tem lábios cheios e quando sorri, mostra os dentes
muito brancos e alinhados. Vic estava sem nenhum tipo de
maquiagem, então notei pequenas sardas em seu nariz. Tinha uma
mecha de cabelo caindo sobre seu rosto e eu afastei. O cabelo é
macio e perfumado.
Passei a mão delicadamente por seu rosto, seguindo o
contorno do queixo, e a chamei baixinho. Vitória se remexeu, franziu
as sobrancelhas, mas não acordou. Bom, não tem outro jeito.
Afastei o edredom e o corpo delicioso apareceu. O que é essa
bunda, meu Pai! Afastei a atenção dali e a chamei novamente. Não
conseguiria levar aquele mulherão no colo. Ela tem quase a minha
altura e deve ter uns cinquenta quilos, só de peito e bunda. Minha
lombar não resistiria.
— Vitória, vem para o quarto — passei o braço por baixo do
seu tronco e a obriguei a sentar. Ela resmungou, mas acordou. —
Vem dormir na cama, eu fico com o sofá.
— Não — protestou, grogue de sono.
— Fica quieta e me obedece — eu a fiz levantar e passei os
braços ao seu redor. Vitória caminhou meio zonza, mas não
protestou mais.
Equilibramo-nos até o quarto e ela caiu de bruços na cama.
Ajeitou-se nos travesseiros e aquela bunda deliciosa estava só me
encarando, com a calcinha separando o vale delicioso entre as
bandas. É horrível ter escrúpulos! Joguei o lençol e o edredom por
cima, cobrindo aquele parque onde adorei brincar e do qual passei
quatro dias lamentando estar barrado.
Fui para o sofá e tentei dormir. Custei a conseguir.

— Mostra as mãos! Sai do carro! Vaza! Vaza — o homem


gritava sem parar e apontava uma arma na minha direção.
Dei um pulo e acordei. Abri os olhos no instante seguinte e
percebi a luminosidade que vinha pela janela. Um perfume delicioso
me envolveu, aquele mesmo que vinha me tirando do sério há dias.
Eu estava na cama do Marcondes. Estou na cama do Marcondes?
Como assim? Eu dormi no sofá, tenho certeza. Sentei e olhei ao
redor, prestando atenção aos detalhes. Um roupeiro grande e
espelhado ocupa toda a extensão diante da cama larga. As paredes
são cobertas por um papel em tons de verde e cinza, a roupa de
cama é azul escuro. Embaixo da janela tem um aparador, com
alguns porta-retratos e livros, lembranças decorativas de viagens.
Voltei a me deitar e agarrei o travesseiro que tem o cheiro
dele. O perfume me traz dois sentimentos contrários: desejo e
calma. Repassei os acontecimentos de ontem, começando pelo
maldito assalto, retrocedendo até nossa discussão no escritório. Foi
a pior transa da minha vida, ele dissera. Pior que eu sei que foi
mesmo.
E agora? Preciso dar um jeito na minha vida, tem um milhão
de coisas para resolver. Estendi o braço, para pegar o telefone
sobre a mesinha de cabeceira, e me lembrei que estava sem celular.
Sem casa. Sem carro. Sem roupa. Sem escova de dentes! Que ódio
daqueles homens! E as fotos, que tinham ficado lindas? Merda, isso
não precisava ter acontecido. Merda de cidade violenta! Merda de
país violento!
Afastei o edredom e fui atrás da minha calça jeans. Passei
uma água no rosto, escovei os dentes com uma escova nova, que
encontrei no armário do banheiro, e fui tentar resolver minha vida.
Mas, primeiro, precisava encarar o Marcondes.
Ele estava dormindo no sofá. O cobertor escorregou durante
a noite e jazia embolado no chão. Marcondes estava deitado de
barriga para cima, um braço erguido atrás da cabeça e o outro
descansava sobre o corpo. E que corpo! Papai do Céu caprichou ali.
Pediu para nascer gostoso e entrou na fila várias vezes… Estava
sem camisa, com apenas uma calça de tecido leve. Eu até entendo
a fixação daquelas mulheres, ele é mesmo irresistível. Até abrir a
boca.
Naquela noite, lá em casa, eu já tinha percebido o escapulário
delicado e dourado que usa, mas estava interessada demais em seu
corpo para prestar atenção. Agora consegui ver melhor a
medalhinha enroscada em seu pescoço e que mostra uma imagem
de Jesus. Isso me tocou de uma forma diferente. Marcondes é um
salafrário convencido, mas aquele detalhe me dizia que talvez
tivesse salvação para sua alma. Queria muito que tivesse.
O celular dele vibrou sobre a mesinha e aproveitei para ver as
horas. São quase onze horas! Preciso agir a meu favor. Terei que
acordar essa belezinha.
— Marcondes? — disse, tocando seu ombro. — Marcondes!
— precisei repetir.
Ele respirou fundo e se remexeu, levando a mão ao volume já
considerável dentro da cueca. Por que esse é sempre o primeiro
reflexo masculino? Eles têm medo do tico ter sumido durante a
noite? Esperei que a alma entrasse no corpo e, depois de alisar toda
a extensão firme, ele se espreguiçou e abriu os olhos.
— Bom dia, vizinho — eu disse e ele sentou, puxando o
travesseiro para cobrir a ereção incrível que eu até já tinha medido
com os olhos.
— Bom dia, coisa nenhuma — reclamou — É noite ainda.
Eu ri dele. Toda a sala estava iluminada, dava para ver o
Guaíba brilhando ao sol de verão. Aliás, que vista!
— Desculpa te acordar, mas preciso chamar um chaveiro.
Posso pesquisar no teu celular?
— Claro — ele estendeu a mão e pegou o aparelho,
desbloqueou e me entregou, aberto no Google.
Sentei-me ao seu lado e ele bocejou e esfregou o rosto,
depois jogou o corpo para trás e voltou a fechar os olhos.
— Desculpe te acordar. Dormiu mal?
— Dormi pouco.
— Como fui parar na tua cama?
Ele não respondeu, então tirei os olhos do celular e o
observei. Estava com um sorriso safado e os olhos permaneciam
fechados.
— Tá rindo do quê? Fala!
— Depende. Tu é minha vizinha agora ou minha terceirizada?
— Agora eu estou tremendamente fodida! — disse, pois me
lembrei de um detalhe importante: estava sem dinheiro.
— Não por mim! —Ele comentou, erguendo as mãos, como
quem se exime.
— Volta a dormir, Marcondes.
— Não dá, vou passar um café para nós. Achou o chaveiro?
— Até achei, mas como vou pagar o homem? Que ódio que
estou disso!
— Eu pago e tu me devolve depois — ele levantou do sofá e
acompanhei aquela bunda durinha desfilar até sumir no corredor.
Bom, não vou bancar a orgulhosa. Sou praticamente uma
miserável sem teto, no momento. Escolhi o chaveiro e telefonei,
combinando o socorro.
— Chega em até uma hora — avisei ao Marcondes, que
retornou à sala e foi direto para a cozinha. — É horrível a gente não
saber o telefone das pessoas de cor, né? Podia ligar para o meu
irmão e pedir ajuda, mas não faço ideia do número.
— Relaxa, Vitória. Aliás, acho que essa é a frase que eu mais
te digo.
Sim, ele disse isso várias vezes já. Meu rosto aqueceu ao
lembrar daquela boca vermelhinha e gostosa pedindo isso na minha
cama… Pena que eu não consegui. Curte, Vitória! — e eu não o
ouvi.
Comecei a arrumar e dobrar os cobertores no sofá. Um cheiro
delicioso de café tomou o apartamento e meu estômago apertou em
si mesmo de fome. Levei a roupa de cama para o quarto e
aproveitei para arrumar a cama ali também.
Quando retornei à sala, ele anunciou o café pronto, com
omelete e frutas. Tinha até suco, iogurte natural, granola, mel… Era
um café e tanto! Sentamos ao redor do balcão e ele serviu minha
caneca.
— Como vai ser, amanhã? — Marcondes perguntou — Quer
carona para ir à Floripa? E tem outra máquina que tu possa usar?
Não precisa ir comigo, posso falar com o Felipe ou o Rodrigo para te
levarem.
— Bah, tem isso! Não sei ainda, mas não gosto de depender
de ninguém. Pior que não vou ter como alugar um carro ou mesmo
dirigir, sem os documentos — percebi.
— De qualquer forma, lá em Floripa é tão ruim de dirigir nessa
época, que até eu iria de carona — ele sorriu.
— Isso é verdade! Fica muito cheio e o trânsito empaca. Ai,
estou frustrada por causa das fotos, tinham ficado ótimas.
— Vamos torcer que achem o carro e os caras não entendam
nada de máquinas fotográficas — ele disse.
— Meu Deus, tenho tantas coisas para providenciar que dá
até uma tontura pensar. Esses malditos conseguiram bagunçar
minha vida toda em menos de cinco minutos — desabafei e senti
meus olhos arderem, marejando. A sensação de impotência era
terrível.
— Vi, são apenas coisas materiais. O importante é que tu não
te machucou — Marcondes estendeu a mão e segurou a minha, em
apoio.
Eu adoro a sensação da mão dele na minha. Ela é quente e
macia, tem o tamanho perfeito para se encaixar. Também adoro
entrelaçar o aperto, me sinto segura. Tenho sentimentos bem
conflitantes em relação ao Marcondes. Atração e repulsa. Desejo e
ódio. Segurança e medo. Admiração e frustração. Carinho e…
— Tu é a única pessoa que me chama de Vi — sorri para ele,
que ficou encabulado no mesmo instante, mas não retirou a mão.
— Vitória é um nome comprido.
— Por que Marcondes é curtinho? — brinquei.
— Pode me chamar de gato — ele brincou com meus dedos,
espalmando nossas mãos, como se medisse a diferença.
— Detesto gatos, vou te chamar de Marc.
Marcondes riu, ficando espetacular. Que saco isso! Esse
homem precisa urgente de um defeito físico, pois os de caráter são
facilmente esquecidos.
— Na verdade, tu deve me chamar de senhor Marcondes —
ele me olhou por sobre os olhos, enquanto misturava a granola em
seu iogurte. — Não podemos esquecer que isso aqui é apenas um
hiato. Somos vizinhos não-amigáveis.
— Uma trégua — confirmei.
— Que termina em quarenta minutos — ele misturou o
iogurte, sem tirar os olhos de mim. Nossos dedos estavam
entrelaçados, como eu gostava.
— É tempo suficiente — Deus, que calor aqui! Tomei um gole
de suco para refrescar.
— Suportável — senti as pernas dele se remexerem, debaixo
do balcão, roçando nas minhas.
— Insuportável — corrigi, lembrando-o da nossa implicância
mútua.
— Bruxa.
— Mala.
Estávamos diante um do outro, nos encarando, sérios. Tinha
tanto desejo nos olhos dele que vasculhavam meus lábios e meu
peito agitado. A perna veio parar no meio das minhas, obrigando-
me a abri-las, o que era doloroso, pois precisava mantê-las
fechadas, para aguentar a excitação que ardia em mim.
Senti o puxão no braço me obrigar inclinar o tronco para
frente e a outra mão dele segurou a minha nuca. Marcondes
aproximou nossos rostos umedecendo os lábios. Eu só fechei os
olhos, porque o cheiro bom dele já me fazia perder qualquer senso
ali. Marcondes me beijou daquele jeito delicioso, forte e macio, com
a língua que explorava cada canto da minha boca, que tinha gosto
de café. Grudei em seus ombros e o puxei mais para perto, por
sobre o balcão estreito. Gememos juntos, sufocando em desejo e
fôlego entrecortado.
— Vi, a gente não pode — ele lembrou, mas ainda me beijava
com tanta vontade, que pouco me importei.
— Vizinha. Sou apenas a vizinha — afirmei e ele sorriu entre
os meus lábios.
— Minha vizinha mais gostosa.
— Tu disse que detestou — lembrei, voltando a me sentir
insegura.
— Eu menti.
Marcondes nos tirou dali, e grudou o corpo no meu, assim
que nos livramos do balcão. Levou a mão grande à minha bunda,
alisando, como eu já sabia que gostava, e me pressionou contra a
prova de seu desejo. Acertou em cheio onde eu também ardia.
— Sou louco por essa raba deliciosa — ele gemeu ao meu
pescoço e me ergueu, usando o encosto do sofá como apoio.
Senti meus seios roçarem o tecido da camiseta, duros e
sensíveis. Como se percebesse também, ele tirou a blusa do meu
corpo e os admirou, mordendo os lábios, com uma expressão que
eu queria fotografar. Não existe baixa autoestima que resista a um
olhar desses, vindo desse homem. Marcondes segurou, apertou e
juntou meus seios, lambeu e sugou meus mamilos. Senti toda a
excitação que isso provocou.
Desci a mão até o cós de sua calça e o tomei na mão,
recebendo um gemido em resposta. Ah, gostosa, ele disse
buscando minha boca como quem sente sede. As mãos se
ocuparam em abrir a minha calça jeans e nos soltamos,
rapidamente, para nos desfazer de tudo aquilo entre nós. Assim que
fiquei nua, ele me sentou outra vez no encosto do sofá e testou
delicadamente minha umidade. Brincou por ali, judiando de mim,
enquanto eu judiava dele.
— Sinto muito, mas hoje tu não vai gozar antes — ele avisou,
tirando os dedos de dentro de mim, e se afastou. — Não sai daí.
Acompanhei com os olhos aquele corpo fenomenal caminhar
apressado pela sala e abrir uma gaveta da mesinha ao lado do sofá.
Dei risada. Deve ter pontos estratégicos desses por todo o
apartamento. Ele voltou, já abrindo o preservativo. Tinha pressa.
Talvez seja a minha vez de dizer que relaxe, não pretendo fugir
mais.
— Onde estávamos? — Ele voltou a beijar meus seios,
enquanto vestia a camisinha.
— Tu estava preocupado que eu te dispensasse, depois de
gozar.
— Ah, sim! — Marcondes entrou inteiro em mim e arfei com a
pressão que me distendeu toda — Uh, que delícia, Vi!
— Delícia, Marc — respondi e ele sorriu.
Marcondes me beijou e se movimentou dentro de mim.
Nossos sons ecoaram pelo apartamento. Senti minha pele arrepiar
ao seu toque, grudei em suas costas, arranhei e o trouxe para ainda
mais perto. Ele me tomou toda e nossas pélvis se chocavam com
um som ritmado. Marcondes acelerou e o arrepio chegou à minha
nuca, uma volúpia que me faz largar o pescoço para trás e gozar
por muito tempo, de uma forma potente, como nunca havia sentido
com o Luciano. Minhas pernas se afrouxam em sua cintura, apoiei a
cabeça em seu ombro, mas ele ainda não tinha terminado.
Continuou dentro de mim, mais suavemente agora e voltou a investir
em meu clitóris, levemente dolorido.
— Não precisa — tentei afastar a mão, mas ele a manteve ali.
— Confia em mim, Vi.
Tentei relaxar e confiar, mandar os pensamentos às favas. Eu
sempre fui assim. Um orgasmo era o suficiente, nunca consegui
mais do que isso. Mas ele começou a me massagear
delicadamente, com o jeito certo e fui retornando aos poucos.
Marcondes saiu de mim, me pousou no chão e me virou de costas,
pedindo que inclinasse bem a bunda. Obedeci e ele voltou a me
penetrar, com um gemido grave de prazer. Alisou minhas nádegas
com uma mão, deitou o corpo sobre o meu, e me massageou
enquanto beijava minhas costas. Que homem bem delicioso, Virgem
Maria! Estou até blasfemando, já!
A velocidade aumentou assim que comecei a responder aos
seus estímulos novamente. Nem acreditei que ia… O som do meu
segundo orgasmo se misturou ao do interfone, que tocava,
insistente.
— Não pode ser — Marcondes reclamou, sem me libertar.
— Precisa atender, deve ser o chaveiro.
— Tu não sai daqui, Vitória — ele disse firme.
Eu tinha as pernas amolecidas, ele acelerou ainda mais os
movimentos e o interfone gritava acima de seus gemidos graves.
— Porra! Faz alguma coisa.
— Fazer o quê?
— Sei lá, Vitoria, rebola essa raba!
— Marcondes — entrei em um acesso de riso, que me
sacudiu ainda mais.
— Para de rir!
— Desculpa.
Eu não sabia o que era pior naquela situação. Ele não
conseguir gozar outra vez, eu ali, debruçada sobre o sofá em um
acesso de riso, ou o maldito interfone que gemia,
desesperadamente. Até tentei rebolar, mas não foi nada sexy, com
certeza. Pior que o celular dele começou a tocar em seguida,
fazendo coro com o interfone. Aí foi demais!
— Não consigo — ele desistiu e se afastou. — Tu me rogou
uma praga, confessa.
— Eu não! — Cadê o controle do riso quando a gente
precisa?
Só vi que ele tirou o preservativo e puxou a cueca, indo
atender o interfone.
— Alô — disse furioso — Manda subir — desligou o aparelho
e me olhou, frustrado. — Vou tomar banho. É o teu chaveiro.
Eu já estava quase vestida novamente.
— Marcondes, dessa vez não foi culpa minha. Eu estava
gostando.
— Eu sei, Vi. É o universo, que resolveu se voltar contra mim.
— Bom, acabou a trégua? — perguntei insegura, querendo
muito que ele dissesse que não.
Marcondes sorriu e veio até mim. Me abraçou e beijou
daquele jeito só dele. Então, segurou meu rosto entre suas mãos e
me olhou profundamente. Vai dizer que não. Diz que não!
— Adoro teu cheiro, adorei tua bocetinha e sou fã dessa raba
— ele me apertou ali e a campainha tocou. — Agora sim, terminou a
trégua. Não te suporto vizinha.
Ele ainda me mantinha presa em seu corpo e apesar da frase
dura, eu vi o contrário em seus olhos.
— Também não te suporto, mala.
— Bruxa.
Marcondes me soltou e eu senti o frio que a falta de sua pele
deixou em mim. A campainha tocou outra vez e ele revirou os olhos.
— Obrigada por tudo — falei.
— Não disponha.
A campainha insistiu outra vez.
— Já vai! — gritei, indo na direção da porta e a abri, sem
prestar atenção. — Marcondes, antes de ir para o banho, temos que
acertar o serviço.
Só então me virei e um homem gordo e suado, com uma
expressão muito irritada, me olhou, dos pés à cabeça. Minha cara
não devia deixar dúvidas do motivo da demora em atendê-lo. O que
foi plenamente justificado quando meu vizinho apareceu, apenas de
cueca, abrindo a carteira. Juntando a cena com a minha última
frase, meu rosto ferveu mais do que já estava fervendo.
Marcondes me entregou diversas notas de cem reais, dizendo
que ficasse com o troco. Com isso, e comigo em choque, ele nos fez
andar e fechou a porta atrás de mim. A cara do chaveiro foi terrível!
— E qual é a porta?
— Aquela — apontei para o apartamento em frente.
— E o apartamento é da senhora?
— Lógico que é meu! — falei dura.
— Desculpe.
Ele começou a andar, carregando a maleta de serviço, e eu
me peguei explicando que o vizinho-mala me ajudou depois do
assalto, que fiquei sem nenhum documento e dinheiro, toda a triste
história. O chaveiro apenas confirmou, com a cabeça, que estava
entendendo.
— Tudo bem, dona. Tudo bem.
Nem sei por que estava me justificando. Afinal, pouco me
importa a opinião dele a meu respeito. Olhei na direção da outra
porta naquele corredor e suspirei. Só queria que ele fosse diferente.
Que fosse só meu. Por fim, fiz exatamente o que disse que não
faria: virei opção naquele rodízio. Merda! E que rodízio…
“Me aceite, me dê uma chance
Eu irei embora, em
Um dia ou dois.”
(A-ha)

Foi um trabalho de macumba, tenho certeza. Meu inferno


astral, este ano, deve ter vindo mais cedo, já que faço aniversário só
em agosto. Ou, então, vai se perpetuar até lá. Não é possível! Não
consigo comer aquela mulher até o fim, o que é isso? E pior que
quase não consegui comer a outra vizinha segunda, nem achei
graça em mais ninguém. Porra, ela nem é grandes coisas na cama,
já tive outras muito mais ousadas e safadas. Vitória é gostosa, mas
básica. E ainda assim, não sai da minha cabeça mais. Feitiço, certo
de que foi. Devia ter alguma coisa naquele vinho chileno.
Pior que agora nossa janela de amizade fechou. Vamos
retomar o estado de não-amigos, apenas o estritamente profissional.
Deus me livre de levar um processo dessa mulher, por assédio!
Confrontei Rodrigo, sobre o que disse a ela, e ele jurou que não foi
essa a intenção. Só queria que ela baixasse a bola, não me
peitasse. Acredito nele, pois é justamente o que eu teria feito, se
fosse o contrário. O problema é que, de nós três, quem tem a
melhor habilidade nisso, é o Felipe. Se o anjinho tivesse dito, ela
teria interpretado da forma correta.
E, claro, os putos deram risada de como tudo terminou entre
nós:
— Praticando coito literalmente interrompido, Marcondes? —
Felipe disse, enquanto ele e Rodrigo riam da minha desgraça.
— Vai melhorar a nota, ao menos? — Rodrigo perguntou.
— Inconclusivo — dei de ombros.
— Eu suspeito — Felipe ergueu as mãos — que tu está bem
interessado nela. Mas é só suspeita.
— Nada a ver.
— Nunca te vi dar tantas chances — Rodrigo concordou.
— Nem voltar sozinho para casa, depois da 4Ty. Deixou uma
gostosinha para trás e nem quis as de sempre.
— Estou mesmo cansado das de sempre — concordei, em
um suspiro.
Só então percebi o silêncio na sala e os olhares dos dois. Em
seguida, a gargalhada deles explodiu.
— Gamou! — Rodrigo debochou.
— Vai à merda!
— Te digo por experiência própria. Foi assim depois que fiquei
com a Antônia. Tu lembra do caso da Márcia...
— Para de me rogar praga! — Busquei meu escapulário e o
beijei, pedindo proteção — Além disso, já decidimos que vamos
manter essa relação profissionalmente.
— Bom, então se é assim, tu não te incomoda se eu
experimentar? — Felipe me perguntou, com aquela carinha de anjo
barroco — Fiquei louco naquela bunda!
Droga! Que merda é essa? Senti um aperto desagradável no
estômago ao ouvir isso. Sempre trocamos, nunca me importei. Por
que isso me irritava agora?
— Pode tentar, mas já aviso, não é lá essas coisas —
desdenhei mais, para ver se ele desistia.
— Excelente — vi que ele olhou para Rodrigo — Vou ligar
para ela e convidar para ir comigo, amanhã.
— Não dá, ela está sem telefone. Além disso, já combinamos
a carona — menti, sem entender sequer o motivo.
— Desmarca, e diz que eu passo lá às 14 horas.
— Ela não pode ir às duas, porque tem todos os
procedimentos de banco, documentos, seguro, essas coisas… Está
enrolada nas burocracias. Eu a levo pra ti, não esquenta.
— Está tão prestativo… — Rodrigo me encarou. — Há três
dias tu não a levaria nem fodendo. Palavras tuas.
— Isso foi antes do assalto. Tu não ouviu a Tatá dizer que
tenho um lado fofo?
— A Antônia acha lado fofo em todo mundo…
— Menos na Vi… Vitória — corrigi e vi os olhos azuis
penetrantes do Rodrigo se fixarem bem nos meus — Aliás, se tu
ainda não percebeu, ela está com ciúmes. É bom a gente se afastar
da Vitória, depois de Floripa.
Rodrigo se recostou em sua cadeira e me encarou, pensativo.
Ufa, tirei o foco de mim. É só falar na pirralha que ele já esquece
todo o resto. Preciso arranjar uma dessas para o Felipe, assim ele
deixa a Vitória em paz.

Passava das oito da noite quando cheguei em casa, sem o


menor ânimo para estender a noite. Mal dormi quatro horas,
precisava me recuperar, pois no dia seguinte ainda íamos viajar.
Larguei as compras sobre o balcão e fui até o apartamento em
frente ao meu. Respirei fundo e toquei a campainha. Ouvi uma
gargalhada masculina, além da de Vitória. Ela abriu a porta em
seguida, segurando uma taça de vinho e com um sorriso fantástico,
que morreu ao me ver.
— Oi, vizinho — disse, séria.
— Oi — um homem veio até a porta e colocou a mão no
ombro dela — Ahm… Só vim te oferecer carona, amanhã. O Felipe
vai cedo e o Rodrigo de Jaguar. Se tu não te importar, claro.
— Se tu não te importa — ela enfatizou.
— Não é meu lugar recusar, Vitória — tentei manter a questão
séria, embora estivesse irritado com aquele braço ao redor dela. —
Na volta, pode vir com o Felipe, se preferir — me vi obrigado a
oferecer aquela opção.
— Tudo bem, mala — ela sorriu e eu acabei soltando um
suspiro aliviado.
— Novidades sobre a vassoura, bruxa? — devolvi a
provocação e ouvi o pigarro desconfortável do cara.
— Nada ainda. A propósito — ela se virou para o homem
atrás dela — Esse é o Cristiano. O Marcondes é um dos sócios da
4Ty — ela explicou e o cara veio apertar minha mão.
— Prazer — ele disse que eu me obriguei a responder que
também. — A Vic está lamentando, até agora, as fotos perdidas.
— Ela tem talento, vai tirar outras ainda melhores — elogiei,
sem saber que necessidade tinha disso.
— É o que meu pai sempre diz para ela — ele sorriu e então
a ficha caiu. E um alívio estranho me percorreu.
— Vocês são irmãos?
— Sim, mala! Já disse que não sou como tu — ela bateu no
meu braço — Acredita que ele ficou com ciúmes de ti, quando te viu
aqui, na terça? — Ela riu para o irmão e ele gargalhou.
— Que ciúmes, Vitória? Te enxerga! — Coloquei as mãos no
bolso da calça, muito puto por ter dado essa bandeira. — Bom, vou
nessa!
— Tá bom, Marc. Que horas, amanhã?
— A hora que tu quiser. Como estão as coisas? Conseguiu
resolver?
— Ele tenta ser mala, mas também é fofo, quem entende? —
Vitória riu para o irmão. Irmão, que alívio.
— Pelo jeito, essa não é a primeira taça — observei a língua
solta além da conta.
— Vou fazê-la parar agora — Cristiano tirou o copo vazio de
sua mão.
Concordei e me despedi. Dessa vez, fui mesmo, ainda
ouvindo Vitória rir e elogiar a vista que tinha da minha bunda. Bebeu
mesmo. Tomei um bom banho, esquentei o jantar, que trouxe
pronto, e me esparramei no sofá. Assisti ao final do jornal televisivo,
mudei para o canal de esportes e peguei uma cerveja para
acompanhar o jogo europeu.
Cochilei, pois acordei com a campainha tocando sem parar.
Fui abrir e era a bruxinha gostosa, totalmente alta e de pijama.
— Pelo visto, não parou naquela taça.
— Terminei toda a garrafa, depois que o Cris saiu — ela riu e
veio se jogar no meu pescoço. — Posso ficar um pouco aqui? Cada
vez que fecho os olhos para dormir, vejo aqueles caras, aquela
arma na minha cabeça.
— Quer outra trégua? — perguntei, trazendo-a para dentro e
fechando a porta.
— Quero bandeira branca. Não aguento mais não te suportar.
— Ok. Vamos decidir isso amanhã, quando tu estiver sóbria.
Sentei a Vitória e fui para a cozinha, preparar um café. Ela
ficou ali, parada, muda, só via o topo da cabeça loira recostada no
sofá. Terminei o café e levei até ela. Vitória estava acompanhando o
jogo, mas seus olhos me diziam que seu pensamento estava longe.
Ela pegou a caneca, provou o líquido quente e depois se recostou
no meu peito, se aconchegando.
— Marc, tu me odeia?
— Um pouco — brinquei.
— Por que eu não sou boa de cama? — Sério que foi só uma
garrafa?
— Acho que não devemos falar sobre isso, tu pode te
arrepender amanhã.
— Não, eu quero saber! Foi o que o Lu me disse, ao terminar
nosso casamento, que por isso ele me traiu. Talvez eu tenha esse
defeito mesmo.
— Vi... — meu peito apertou tanto em si mesmo, que pensei
que fosse um infarto. Senti até um calor subir pelo meu rosto.
— As mulheres hoje são super descoladas, eu vi aquelas que
tu costuma pegar… Elas não se importam, saem com um, com
outro, às vezes mais de um até, e tudo bem, se estão felizes assim,
não julgo. Quer dizer, julgo um pouco. Só não consigo ser assim…
— Tu não precisa ser assim, Vitória.
— Transar com estranhos nunca foi fácil para mim, minha
família é ultraconservadora — ela voltou a beber o café e pensei
que eu devia ter feito mais forte. Ela vai morrer, se lembrar de tudo,
amanhã — E eu não saí pegando geral, só tive três parceiros… Oh,
e tu foi o primeiro cara que me fez gozar duas vezes, na mesma
transa! — ela se virou e me olhou, espantada.
— Ok — tirei a caneca das mãos dela — Vamos parar agora.
Sou advogado e te garanto que tu está depondo contra ti mesma.
Para de falar e deita aqui — ofereci meu colo e ela escorregou.
Vitória ficou quieta, finalmente, e eu fiz um cafuné em seus
cabelos, esperando que ela dormisse. Tem uma culpa imensa se
agitando dentro do meu peito. Um arrependimento, por cada palavra
que lhe disse, por cada comentário debochado que teci sobre ela.
Percebi que tinha muito mais por trás daquela história, traumas e
sofrimentos bem mais profundos do que a simples dinâmica na
cama. Odiei-me por reduzi-la a isso. E senti uma revolta imensa
contra esse ex-marido, também.
— Eu só queria que tu não fosse assim — ela disse ainda.
— Assim como?
— Assim. Queria que fosse só meu.
E eu fechei os olhos com a paulada que tomei.
Pelo amor de Deus, o que me atropelou? Já não bastava o
assalto? Minha cabeça dói tanto e senti um enjoo subir pelo meu
estômago e tomar todo o meu corpo. Levantei-me rapidamente da
cama e corri para o banheiro, onde despejei o que quer que fosse
que tinha dentro de mim. Então, olhei ao redor e a consciência
retornou. Estava de novo na casa do Marcondes. Vim bater em sua
porta ontem, pedindo companhia, depois de duas garrafas de vinho.
Lembrei que conversamos… Não, eu falei! Jesus, eu falei
aquilo tudo mesmo? Ai, meu Deus, como eu pude? Pai do Céu,
onde vou me enfiar? Não quero ver esse homem nunca mais!
Confessei tudo aquilo para ele, até pedi que fosse meu… Acho que
se eu me jogar do oitavo andar não machuca tanto, né? A vergonha
veio com outra ânsia de vômito e só saiu um líquido amargo que
queimou minha garganta. Merda! Eu não posso beber, sei disso.
Fico bocuda e idiota, só faço cagada.
Decidi me esgueirar até a porta e sumir, antes que ele me
encontrasse ali, ainda por cima, vomitando. Já basta o que vomitei
ontem, em forma de frases constrangedoras. Abri a porta do quarto
e o cheiro de café me atingiu como uma pedrada. Droga, ele está
acordado.
Ainda assim, tentei passar despercebida. Talvez esteja
preparando o café, ou no celular, então não vai me ver se eu passar
assim, levemente abaixada e perto da parede, na ponta dos pés…
— Vai escapar mesmo? — Escutei, quando já estava quase
alcançando a porta.
— Ah… Oi — ergui a mão, disfarçando em um sorriso — Já te
aluguei demais.
— Vem — ele puxou a cadeira diante do balcão e apontou
para ela — Fiz um chá de boldo para ti.
— Eca — outra ânsia surgiu, mas fui sentar. — Tem
paracetamol?
— Tem outra coisa — ele apontou para um tubinho com um
líquido amarelo horroroso ao lado do prato. — Toma, antes de
comer.
— Faltou o que eu devia ter tomado antes desse.
— Mas já vai ajudar.
Tomei aquele mijo do diabo segurando a ânsia que subiu pelo
meu esôfago. Ódio e vergonha de mim mesma, me definiam,
naquele momento. Marcondes se sentou diante de mim e tomou um
gole do café, me encarando.
— Não fala nada — pedi.
— Não falei — ele sorriu, mas tinha um jeito fofo nisso.
— Podemos apagar?
— Tu pode tentar…
Cobri o rosto com as duas mãos e senti as bochechas
ferverem. Respirei fundo, atrás de qualquer resquício de honra, mas
não encontrei em lugar algum.
— Eu posso ter exagerado um pouco, por causa da bebida…
— Certamente — respondeu, condescendente.
Pensei em me afogar no chá e provei. Tinha gosto amargo e
estava sem açúcar.
— Posso te fazer só uma pergunta?
— Não.
— Vou fazer, da mesma forma — revirei os olhos e ele seguiu
— Lá na 4Ty tu me acusou de ser promíscuo e disse que não queria
ser uma opção no meu rodízio.
— Hum… — fechei os olhos, sem querer imaginar para onde
ele queria nos levar com aquela conversa.
— Essa é a tua questão contra mim, por isso me hostiliza?
— Olha quem fala! Tu não me suporta desde o caso da
garagem.
— Ok. Fiquei puto com a questão da garagem mesmo, sou
possessivo com o que é meu. Mas não paramos por ali, não foi?
Tem o caso do cachorro…
— Essa é outra parte importante — concordei. — E é
cachorra.
— Mas não foi nada disso que tu jogou na minha cara, quarta.
Foram as minhas companhias. E agora faço uma leve ideia do
motivo. Só quero que me diga se tem algo mais?
— Não. Talvez o ego imenso, a boca suja e a cara de pau. E
tu, por que me odeia?
— Não te odeio, Vi. Detesto teu cachorro-fêmea e posso jurar
que tu me jogou um feitiço, bruxa gostosa. Também fiquei frustrado,
sábado, e isso foi algo que me irritou muito. Não costumo ser
dispensado — ele sorriu, o cafajeste. — Usado e dispensado —
reforçou.
— Como eu te disse, não estou aqui para alisar teu ego.
— Mas gosta de alisar outras partes… — ele me encarou e
escondi o rosto atrás da caneca de chá amargo.
— Terminou? — Pedi a Deus que sim, porque dali a pouco ele
iria falar sobre meu péssimo desempenho nas transas e não haveria
buraco profundo o suficiente, no mundo, para eu me jogar.
— Não.
— Ai… — gemi, desanimada — Era só uma pergunta.
— Que vem com um complemento — Claro que vem e é aqui
que eu quero morrer — Se eu fosse exclusivamente teu, tu ficaria
comigo?
Meu queixo bateu lá na portaria do prédio. Até me engasguei
e tossi.
— A troco de quê tu faria isso?
— De muito sexo, claro! — ele se recostou e bebeu o café,
então complementou. — Também não aguento mais não te suportar.
Podemos usar essa viagem como uma espécie de Test Drive.
Vamos juntos e se curtirmos, podemos continuar, enquanto for bom
para ambos.
— Eu acho que não vai dar certo. Não sou como elas,
Marcondes.
— Eu sei. Mas tenho experiência de sobra para nós dois,
posso te ensinar muitas coisas.
— Vou me jogar da sacada — cobri o rosto outra vez.
— E sobre todas as coisas vergonhosas que tu confessou
ontem, tenho só um comentário a fazer.
— Tô indo embora agora — levantei e ele fez o mesmo.
— Tu é linda e gostosa. Se o Luciano te traiu, se achava o
sexo sem graça, a culpa também é dele. Ele nunca te fez gozar
mais de uma vez? Ele é um idiota, egoísta, que não sabe transar,
Vitória. Não torna isso um rótulo para ti.
— Uau! Acordou inspirado hoje?
— Pensei muito sobre tudo que a minha vizinha bruxa,
gostosa e bêbada do 802 disse. Sabe como é — ele se aproximou
de mim — Os bêbados falam a verdade.
— Foram muitas verdades — aceitei o abraço que ele me
deu, sentindo o calor e o cheiro gostoso de sua pele nua.
— Essa é outra — ele beijou o meu ombro e nós ficamos
parados — Lembra que a Tatá disse? Que eu tenho um lado legal,
mas que escondo? Estou te oferecendo ele.
— Tu já me deu ele de graça, depois do assalto e ontem à
noite… Tu realmente me mandou calar a boca?
— Mandei — ele riu — Já estava dando vergonha alheia.
— Mala.
— Por falar em mala — ele apertou minha bunda — Estamos
com o placar em um vergonhoso 3x0. Posso emplacar um, ao
menos?
— Não agora — me afastei daquelas mãos habilidosas —
Preciso de um momento de menina e tenho muitas coisas para
resolver, antes de podermos viajar. Aliás, que horas?
— Às 14 horas, está bom?
— Está — Marcondes voltou a investir contra o meu pescoço
e me prensou contra a parede. — Marc… — não consegui terminar
seu nome, pois a boca já grudou na minha. Ainda bem que escovei
os dentes!
E como não resisto àquele beijo, isso já ficou bem evidente,
agarrei seu pescoço, me pendurei nos cabelos e abri as pernas
quando ele desceu a mão por dentro do short do meu pijama. Ele
me fez gozar ali mesmo, com a facilidade que nenhum outro já teve.
Arrancou nossas roupas e entrou em mim, apressado e decidido.
Beijou e gemeu na minha boca, até se derramar, ficar ofegante e
recostar a cabeça no meu ombro.
— Nem acredito — ele começou a rir, em seguida — Estou
sonhando?
— Sim, vai acordar na tua cama, cercado por três velhas
desdentadas, em três segundos.
— Se são três, certamente não dispenso — ele saiu de mim e
beijou minha boca outra vez. — Desculpa, fizemos sem camisinha.
Tem problema, Vi?
— De engravidar não, eu uso DIU.
— Bom, do resto também não, sou saudável.
— Apesar de tudo, acredito que sim. Deve ser um requisito
importante, para comer metade da população feminina do planeta.
— Olha o julgamento — ele alertou. — E estou disposto a
parar, se tu nunca mais me disser não.
— Tenho direito a dizer não, quando quiser.
— Tem, mas espero que não o use com frequência.
— E qual seria uma média aceitável para ti?
— Uma vez ao ano? — Ele fez uma careta bonitinha.
Gargalhei de nervoso. Esse homem vai me rasgar ao meio…
“Nunca vou me apaixonar,
Pelo amor moderno...
Amor moderno passa.”
(David Bowie)

A viagem até Florianópolis durou cerca de seis horas, com o


trânsito pesado do verão atrapalhando o nosso deslocamento. Mas
não foi ruim. Marcondes tem bom humor e uma animação fora do
comum.
— Vai me contar qual foi o lugar mais diferente que já
transou? — Ele voltou a insistir.
— Sei lá... Acho que foi uma vez, em uma trilha na praia da
Pinheira.
— Prúúú! — ele desprezou — Vamos nos divertir bastante.
Pode fazer uma lista de todas as tuas fantasias sexuais.
— Vou mandar para o teu e-mail, depois.
— Com fotos anexadas, de preferência — ele tirou os olhos
da estrada e sorriu para mim, daquele jeito safado que só esse
homem tem. — Aliás, como tu é fotógrafa, espero nudes com
ângulos bastante criativos.
— Meu Deus, onde fui me meter... — reclamei, escondendo o
rosto entre as mãos.
Marcondes riu e segurou a minha mão. Entrelaçamos os
dedos e voltei a prestar atenção no movimento da estrada e na
paisagem. Quando chegamos ao hotel, ele mandou levar minhas
malas para a suíte reservada em seu nome, pois cancelou a minha.
Senti um nervoso curioso. Três dias juntos, como um casal. Não sei
se estou preparada para isso.
O quarto é grande e pelas portas de vidro da sacada, é
possivel ver o anoitecer, que já estava adiantado. Pensei em
admirar a vista, que dava para o mar de Jurerê Internacional, mas
assim que dispensou o rapaz das malas, Marcondes agarrou a
minha cintura.
— Passei a viagem toda com esses peitos me encarando —
ele disse, apoiando o queixo no meu ombro. As mãos invadiram a
minha camiseta curta e agarraram os dois seios. — Acho que
mereço uma recompensa.
Ergui os braços e enfiei os dedos nos cabelos curtos e
macios, enquanto ele beijava meu pescoço, brincando com meus
mamilos. Marcondes passou a língua atrás da minha orelha e
mordeu o lóbulo, levando juntos os brincos.
— Preciso tomar banho primeiro — avisei.
Sem responder, ele começou a andar e me levou junto, ainda
agarrado aos meus seios, o volume despertado e firme roçando
minhas nádegas. Entramos em um banheiro amplo e senti o
movimento que ele fez, tirando os sapatos. As mãos correram para
liberar meu sutiã e o levaram junto com a camiseta. Marc deu uma
mordida de leve no meu ombro e se afastou.
Tirei a sandália de salto, enquanto ele ligava uma banheira de
hidromassagem. Tudo que eu precisava, depois daqueles dias
tensos. Com um sorriso delicioso, Marcondes se aproximou de novo
e abocanhou meu seio, sem qualquer aviso. Eu adoro como ele faz
isso! Escorei-me na pia, para que se divertisse à vontade.
— Vou te chupar até sair leite! Nem um tsunami vai me
impedir de te comer direito, hoje.
Eu ri do nível de desespero daquele homem. Acho que
traumatizei o Marcondes. Para compensar, ergui o rosto dentre os
meus seios e beijei a boca gostosa, enfiando meus dedos pela
barba macia. O perfume do sabonete líquido começou a encher o
banheiro e tiramos o restante da roupa.
Corri os olhos por todo aquele corpo perfeito e minha mão foi
atraída para o pênis ereto. Tomei na mão e massageei, ouvindo o
gemido delicioso que Marcondes produz quando transa. Está bem
difícil achar um defeito nesse homem!
A língua e a barba produziam arrepios no meu pescoço e a
mão grande pressionava minha bunda e meu seio. Caminhamos até
a banheira e nos soltamos para que ele me ajudasse a entrar.
Marcondes sentou e me acomodou em seu colo.
— Escorrega pelo meu pau, gostosa.
Fiz o que ele pediu e o direcionei para dentro de mim,
descendo com calma. Nós dois soltamos um gemido de satisfação,
meus seios pesavam e foi um alívio sentir a boca dele envolver os
mamilos duros, depois buscar meus lábios, para um beijo potente.
Marcondes apertava e alisava minhas nádegas. De repente,
senti seu dedo deslizar por entre elas e buscar outro orifício. Dei um
pulo, estranhando.
— Marc, não...
— Relaxa, Vi — ele sussurrou ao meu ouvido. — Só curte.
Respirei fundo, me sentindo incomodada, de início. O Luciano
tentou e insistiu, algumas vezes, mas eu nunca quis experimentar.
Marcondes pareceu desistir dali e eu voltei a subir e descer, a me
movimentar. Ele alisou meu braço até alcançar minha mão. Tirou de
seu cabelo e levou até o nosso meio. Começou massageando ao
redor do meu clitóris, depois substitui os dedos pelos meus. Me
acompanhou, por um tempo, até tirar a mão dali e voltar a investir
atrás, reproduzindo os mesmo movimentos que eu fazia.
Novamente, estranhei.
— Confia em mim, Vi. Tu vai curtir.
Lembrei dessa mesma frase, que foi responsável pelo meu
segundo orgasmo, ontem. Decidi mandar meus freios para longe e
confiar. Ele prometeu me ensinar algumas coisas e eu realmente
queria aprender. Fechei os olhos e procurei apenas sentir e me
mover.
Não demorou muito para a estranheza se tornar um prazer
gostoso, à medida que os estímulos entravam em sintonia. Tinha ele
dentro de mim, meus dedos e o dele atrás, os beijos nos meus
seios, depois na minha boca, nossos gemidos entrecortados e as
frases deliciosas, como só ouvi daquele homem, na vida.
Quando o clímax me dominou e gozei, foi o melhor orgasmo
que já experimentei. Levei algum tempo até me recuperar, sentindo
o bem estar se espalhar por todo o meu corpo, ainda sem fôlego.
— Vou gozar agora, mas depois vou comer essa raba
deliciosa.
Marcondes anunciou e me tirou de seu colo, me colocando de
quatro na banheira. Me penetrou de novo, estocou com pressa e
força, até soltar um gemido grosso e me puxar de volta, acomodada
entre as suas pernas.
Relaxei as costas contra o peito agitado e ele me abraçou.
Marcondes é um baita safado, mas também sabe ser carinhoso e
essa combinação é perigosa.
— Está tudo bem, Vi?
— Sim.
Beijei o rosto ao lado do meu e peguei o sabonete, para
começar o banho. Virei de frente para o Marc e esfreguei a esponja
no peito bonito. Ele sorriu, relaxou a cabeça para trás e fechou os
olhos, aproveitando. Depois do orgasmo delicioso que me
proporcionou, o vizinho mala merece essa mordomia.

Foi quase hilário ver a expressão de choque dos meus


amigos, quando nos viram chegar para o jantar, de mãos dadas.
Não falaram nada, porque não são bestas, mas nosso grupo no
celular bombou, a noite toda.

Felipe: Que porra tá acontecendo aqui?


Rodrigo: Eu disse que ele estava gamadinho…
Felipe: Me passou a perna, putão?
Rodrigo: Tu também está precisando de uma namorada…
Vai arranjar uma.
Marcondes: Namorada o caralho! É só um acordo de
convivência pacífica.
Rodrigo: Já estou até vendo os filhotinhos de Marcondes
com Vitória…
Felipe: Eu não vou namorar… Com vocês fora da pista, sobra
um camarote inteiro para mim… hahaha.
Rodrigo: Parou mesmo, Marcondes? Jogou a toalha?
Marcondes: Tu sabe que sou um homem de uma mulher só.

Nesse instante, eles não aguentaram e riram alto. As duas


mulheres olharam para eles e Tatá espichou o corpo para ler do que
Rodrigo ria, mas ele afastou o celular, desligou, virou para baixo e
lhe deu um selinho.
— Antônia, vamos para a praia, amanhã de manhã? — Vitória
convidou e a Tatá ergueu os ombros.
— Seria ótimo.
— O hotel tem uma ligação direta com a praia, na área da
piscina — Felipe explicou.
— As gurias vão para a praia e nós vamos para Joaquina
surfar! — avisei, louco por umas ondas.
Antônia virou o rosto surpreso para o namorado:
— Tu ainda surfa?
— Às vezes… Mas não trouxe a prancha — Rodrigo explicou
para mim. — O Marcondes é mais aficionado por surf do que eu.
— E tu, Felipe? — Vitória perguntou.
— Também, mas não como ele.
— Vocês estão ficando velhos muito cedo — reclamei — Mas
tem prancha para alugar, sem desculpa.
— Ah, eu preciso ver isso! — Tatá se animou e se pendurou
no braço de Rodrigo — Quero te ver surfar.
— Vai ver ele tomar vaca na cabeça, mas… — Sou o melhor
de nós três, isso é verdade.
— Se precisar de respiração boca-a-boca, eu faço — ela
arrancou um beijo de Rodrigo. — Vitória, vamos ver os gatos
surfarem na Joaquina.
— Pst — Rodrigo reclamou. Bicho triste de ciumento.
Decidido isso, nos despedimos e cada casal foi para seu
quarto. Eu e Vitória estamos nos entendendo bem, ela estava
relaxada comigo e progredindo quanto àquela raba gostosa, que
não vejo a hora de comer.
Ao acordar, espreguicei o corpo, sentindo a energia do dia se
apossar de mim. Dormi profundamente, relaxado e satisfeito. Após
quase seis horas de viagem com um trânsito caótico, um bom jantar
e outra excelente trepada, eu e Vitória dormimos por aqui mesmo.
Estamos juntos, não é? Hora de colocar esse carro na pista e ver
para onde nos levará.
Levantei da cama e afastei as cortinas da sacada. Fui
presenteado por um dia espetacular. Diante de mim, tinha um mar
verde e quase sem ondas, salpicado por embarcações de luxo e
com uma ilha ao fundo. As primeiras pessoas já ocupavam o espaço
estreito na faixa de areia muito branca. O som do mar é como um
tranquilizante para mim, acho que por isso dormi tão bem.
Voltei para a cama e me grudei naquele corpo quente que
estava nu debaixo do edredom. Ela se remexeu, suspirou
profundamente e trouxe a mão para alisar meu rosto.
— Bom dia, Marc.
— Bom dia, Vi.
Mergulhei o rosto entre seu pescoço e ombro e inspirei o
cheiro bom que ela exala de manhã. Tinha um restinho de perfume,
o aroma do shampoo e o calor da pele, que me traz algo ainda
melhor: seu próprio cheiro. Deixei diversos beijos por ali, desci por
seu braço e me ajeitei dentro dela. Vitória me recebeu com alguma
resistência, mas logo estava gemendo e mexendo aquele traseiro
que eu adoro. Nosso orgasmo chegou em sintonia e me admirei,
realmente, com o quanto ela é rápida.
— Quer tomar o café da manhã aqui? — convidei, trazendo
seu corpo para deitar sobre o meu peito, e mostrei a vista.
— Jesus, que lindooo! — Ela ergueu a cabeça para enxergar
melhor a rua.
— Obrigado, eu sei que sou lindo.
— Convencido — ela beliscou minha cintura — Quero café na
sacada, sim!
— Mas primeiro um banho juntos, não terminei contigo ainda
— provoquei, rolando meu corpo por cima do dela.
— Sem protesto!
Passamos ao banho, de onde saímos só depois de outra foda
gostosa, e pedi o café. Ela já estava pronta para a praia e aquele
biquíni enfiado na bunda me deu vontade de começar uma terceira
vez, mas a Vic cortou minhas asinhas. Sentamo-nos na mesinha da
sacada e fui ver meu celular, onde os dois putos já estavam fazendo
barulho.

Felipe: Cada um vai no seu carro?


Rodrigo: Não vou encher o Jaguar de areia. Um de vocês vai
nos dar carona.
Felipe: Pode ir comigo.
Marcondes: Em meia hora, no saguão.
Rodrigo: Meia hora nada, que a Antônia nem acordou e ela
madrugou todos os dias, esta semana.
Marcondes: Acorda ela com jeitinho — mandei emojis
sacanas e ele ficou offline. — E tu, Felipe? Já bateu a da manhã e
pode descer?
Felipe: Vem aqui com essa gostosa, para ajudar.
Marcondes: Vai sonhando, bebê.

Tirei os olhos da tela e a Vitória estava me observando,


enquanto mastigava algo. Tinha o cabelo preso em um rabo de
cavalo e a parte de cima do biquíni mal escondia os seios cheios. E
naturais.
— Tua cara é sempre assim, safada? Não descansa nunca?
— perguntou, seca.
— O que foi? — Dei risada e tomei o café.
— Nem quero imaginar o nível da coisa sem vergonha que tu
estava lendo e escrevendo aí.
— Estava falando com os guris, combinando a praia — Sou
inocente aqui.
— Sei… — ela pegou outra uva e mastigou, afastando os
olhos para o mar.
— Vitória — chamei e ela voltou a me olhar — Eu sei que tu
tem uma impressão a meu respeito e ela não é muito lisonjeira.
— Não mesmo.
— Mas eu te disse que estava contigo e isso é sério para
mim. Até ontem, eu era desimpedido, podia fazer o que quisesse.
Mas quando te propus de sermos exclusivos, isso mudou. Não sou
do tipo que bota chifre, Vi. Se eu não quiser mais, ou se não estiver
mais sendo bacana para mim, vou te falar antes, ok? Vamos
terminar, e daí cada um de nós pode voltar a fazer o que quiser da
vida. Combinado?
— Combinado — ela sorriu levemente.
— Não suporto crises de ciúmes, Vi. Tenho os meus traumas,
assim como tu tem os teus.
— Mas vamos poder falar, se algo estiver incomodando?
Porque talvez não seja errado para ti, ou seja algo natural, mas
pode ser que me incomode.
— Conversar, poderemos sempre. Desde que tu escute, não
saia me acusando sem explicar.
— Espero que tu não me dê motivos para ficar insegura,
também. É uma via de mão dupla. Tu é bonito e as mulheres
estavam acostumadas a brincar nesse campinho, à vontade —
Vitória me encarou. Dava para ver o bicho verde do ciúme
corroendo as entranhas dela.
— Tu também é — estendi a mão e segurei a dela, por sobre
a mesa — Acabei de dispensar uma oferta de alguém que anda de
olho na minha raba preferida.
— Te fizeram uma proposta pela minha bunda? — ela disse
alto e indignada e eu gargalhei. — Com que direito? Quem foi o
cretino?
— Bom, o cretino não vou te dizer. Mas a questão aqui é que
eu terei muito trabalho nessa relação, também. Sua bruxa gostosa
— puxei o rosto dela para o meu e lhe dei um bom beijo, que
misturou nossos sabores. — E a bunda é minha.
Ela mordeu meu lábio inferior e eu decidi que já que era para
atrasar, que fosse por um excelente motivo. Agarrei aquele corpo e
a levei de volta para a cama.
“Só posso dizer que só fico bem ao seu lado.
Eu já tentei com outro alguém,
Mas não consigo dormir sem seus braços”.
(Nando Reis)

Senti as mãos percorrerem meu corpo e se concentrarem nos


meus seios, a aspereza de uma barba por fazer roçar meu pescoço
e o som que mais amo na vida, encher meu ouvido.
— Amor, acorda...
Virei, com toda a preguiça do mundo e encontrei meu lugar
preferido entre seu pescoço. Enrosquei com pernas e braços aquele
corpo delicioso e todo meu. Todo meu! Rodrigo é meu! Lembrei de
uma bonequinha que ganhei da minha avó, certa vez. Ela se
agarrava nos tecidos das roupas, nas alças das mochilas. Sou como
uma dessas, com o Rodrigo. A comparação me fez rir e ele
percebeu.
— O que tem de engraçado, aí no meu pescoço?
— Lembrei de uma boneca que eu tive. Era pequenininha e
eu apertava suas costas, então ela abria as mãozinhas e se prendia
nas coisas. Se chamava “Agarradinhos”. Sou tua agarradinha.
Ele riu e me apertou ainda mais. O mundo parava cada vez
que ficávamos assim. Nos encaixávamos com a perfeição de duas
peças que foram feitas no molde uma da outra. Corpo e alma.
Depois do café delicioso, do qual eu não queria sair,
encontramos os outros três no saguão. Levantaram-se, impacientes,
assim que nos viram. Não tivemos pressa no quarto mesmo e já
eram quase dez da manhã. Bom dia distribuído, fomos atrás do
carro.
Felipe tem uma Cayenne azul marinho. O Rodrigo me disse
que ele e a família possuem extensões de terras, em Cruz Alta e no
Centro-Oeste do país, e produzem toneladas de grãos, que
exportam para vários mercados. Mas que depois de ir morar em
Porto Alegre, para estudar, ele não quis mais voltar para o interior
do estado. Preferiu Direito à Agronomia ou Engenharia, e acabou
conquistando liberdade familiar. Mesmo assim, ele ainda recebe
parte dos lucros das safras, que é dividido entre o pai e os dois
filhos. O Marcondes é o único normal. Filho de um advogado
famoso, mas ainda assim, sem direito a herança milionária ou pro
bonus. Gente como a gente, eu quase diria.
A praia da Joaquina é o point dos surfistas, na Ilha de
Florianópolis. Um paraíso de água limpa, gelada e com grandes
ondas. Tinha um Campeonato Internacional de Surf acontecendo,
descobrimos assim que pisamos na areia, e o povaréu assistindo
era digno de final de Copa do Mundo de Futebol. Rodrigo fez careta
e desanimou na hora.
— Nem vem! — Marcondes reclamou — Não te esperei por
quase uma hora, para tu desistir. Vamos vou cair na água.
Eu ri, pois meu gato prateado detesta muvuca e aglomeração,
eu já sei. A única que ele suporta é a de 4Ty, e isso porque está
ganhando dinheiro com o povo.
— Vamos, Rodrigão. Bora encarar ou a criança não vai nos
dar sossego — Felipe bateu nas costas do amigo e Rodrigo
concordou.
Combinamos o lugar em que nos encontraríamos depois,
ganhei um beijo e eles foram atrás do aluguel de pranchas,
enquanto eu e Vitória fomos alugar cadeiras, guarda-sol e garimpar
um espaço na areia cheia. Não vou com a cara dela. Mas agora que
está com o Marcondes (coisa que não entendi ainda como se
processou) eu tenho que fingir que podemos ser amigas. Ao menos,
espero que agora ela erre o Rodrigo.
Esparramei minha canga sobre a cadeira, sentei e puxei o
Kindle. Estou me arrastando em um livro de mistério. Mas assim que
engatei a velocidade da leitura, ouvi o alerta:
— Tatá, repara naquilo.
Tirei a atenção do dispositivo de leitura e segui a direção que
os olhos espantados e a boca aberta da Vitória indicavam. Foi como
uma cena de filme.
— Minha Nossa Senhora — concordei, tirando um pouco os
óculos para observar melhor.
Da beira mar vinham caminhando os três homens mais
bonitos que já vi na vida. Cada um tinha uma prancha de surf
debaixo do braço e estavam com calções coloridos, que cobriam
boa parte das coxas. A inexistência de camisetas expunha três
abdomens durinhos, ombros largos, braços fortes e uma tatuagem
tribal que me fez gemer, instantaneamente. Um moreno, um
castanho e um loiro, com sorrisos largos, rindo de alguma bobagem,
arrancaram dois suspiros audíveis entre mim e Vitória. Como se
andassem em câmera lenta, Rodrigo, Marcondes e Felipe vieram
até nossas cadeiras, atraindo a atenção de cem por cento da
população feminina ao redor.
Em um gesto rápido, Vitória sacou o celular e faz fotos dos
três, que pararam a poucos metros, falando entre si. Minha vontade
era de ir até lá e usar um daqueles ferros de marcar gado. Marcar o
Rodrigo como meu. Puta merda, meu homem é lindo demais e os
amigos dele são do mesmo calibre. Como se eu já não estivesse
acostumada a vê-los, todos os dias, e inclusive até de sungas. Mas
o conjunto da obra de arte, com o mar ao fundo, a areia branca e as
pranchas, foi demais para meu pobre coraçãozinho.
Eles voltaram a caminhar e os pescoços femininos a
acompanhar. Rodrigo largou a prancha ao meu lado e se inclinou
para um beijo, o que me fez agarrar seu pescoço, possessivamente.
Inclusive dei uma escorregada na mão, até a bunda, para não deixar
dúvida alguma. Meu.
— O mar está muito cheio — ele reclamou, me explicando
algo que nem queria saber. Senta aqui, lindo, e me deixa te ver, só
isso.
— Vamos entrar mais para lá — Marcondes avisou,
apontando para o lado oposto da praia, que se estendia até eu
perder de vista.
— Esperaremos aqui, acabamos de alugar as cadeiras —
Vitória disse e eu concordei. Já foi difícil conseguir essas.
Eles deixaram as coisas conosco, chaves, carteiras,
camisetas, chinelos e ganhei outro beijo. Pegaram as pranchas e
então a visão foi de três bundas deliciosas desfilando na areia.
— Esses três juntos deviam pagar imposto, só para circular —
Vitória disse.
— O país ia ser ainda mais rico — concordei e ela riu.
— A primeira vez que vi os três, saindo do elevador no meu
prédio, pensei que fosse uma ilusão de ótica. Mas o mala do
Marcondes estava junto, então antipatizei na hora — ela riu, falando
e lembrando sozinha de algo.
— Dá para ver o tanto que tu antipatiza com ele — eu a
provoquei.
— É algo nosso, agora — ela piscou para mim. — Tu tem um
pouco de culpa nisso.
— Eu? — apontei para meu próprio peito, sem saber de onde
ela tirou aquela ideia.
— Tu disse que ele tem um lado fofo… — ela me lembrou —
E eu vejo como ele te trata. Alguém assim não deve ser de todo
ruim, por isso aceitei lhe dar uma chance.
— O Marcondes disfarça bem — sorri para ela, pois
concordava. — Mas comecei a descobrir esse outro lado dele
quando viajamos para Punta, juntos. Sempre pensei que devia ter
alguma qualidade ali, pois o Rodrigo confia a vida a ele, e eu confio
no Rodrigo. Em Punta descobri o porquê. Ele é engraçado e
querido, a amizade dos três é muito forte e bonita.
— Hurumm… — ela sorriu para mim — Sabe que eu cheguei
a pensar que ele tinha uma quedinha por ti? — fiz A cara de
surpresa — Ele também te elogia pra caramba.
— Ele é um bom amigo. Lindo, safado e malicioso, mas
quase um irmão. Um cunhado, eu diria.
— Mas tu tem um cunhado, né?
— O irmão do Rodrigo? Ainda não conheci.
É verdade mesmo. Ele falava do irmão, às vezes, em geral
das coisas do trabalho. Não parecem ter uma convivência muito
próxima. Sei que tem mãe viva e que o pai já morreu. Fora isso e a
Mia, não sei nada da família do Rodrigo.
Virei para bronzear a parte de trás e continuei a conversa:
— E tu e o Marcondes, como aconteceu? Quarta vocês
estavam querendo se matar...
Ela me contou que realmente brigaram feio, naquela noite,
mas que depois foi assaltada e ele acionou o lado humano. Eu não
me admirei, é a cara dele mesmo. O que me surpreendeu foi ele ter
proposto exclusividade. Aqui fiquei de boca aberta. Quem diria, hein,
Marcondes? Escondendo o jogo…
Passamos a conversar sobre os guris, sobre o trabalho dela,
sobre o meu. Vitória disse que quer muito ser mãe, pois adora
crianças. Que tem dois sobrinhos que ela ama demais, filhos do
irmão divorciado. Falou também da Flor, de quem estava morrendo
de saudades. Por fim, engatamos uma conversa sobre filmes e
séries e quando os três fenômenos retornaram, cerca de duas horas
depois, já havíamos descoberto muitos pontos em comum. Vitória é
bacana. Preciso reconhecer.
A primeira parte da tarde foi de descanso e a seguinte, de
piscina no hotel. Rodrigo e os sócios foram para a 4Ty trabalhar, e
nós duas aproveitamos os luxos do estabelecimento à beira mar.
Até fomos tomar um banho nas águas mornas e calmas de Jurerê
Internacional, depois caminhamos um pouco. Quando cheguei ao
quarto, Rodrigo já estava. Saía do banho, ainda molhado e cheiroso.
Me agarrei naquele corpo que era meu vício todinho.
Jantamos os cinco juntos e dali fomos para a 4Ty Jurerê. Os
três sócios estavam de camisas pretas e calça social. Um arraso,
como sempre. Eu escolhi um vestido da Mia, reto e cheio de brilhos,
e recebi um olhar que quase fez a alcinha arrebentar. Amo o jeito
com que Rodrigo me olha. Ele não deixa nenhuma dúvida de que
me acha incrível. Estou até me acostumando, já. Começando a
achar que sou mesmo.
As ruas estreitas do bairro são perfeitas para o desfile de
carros de luxo que saíam das mansões. Metade do PIB nacional
devia estar ali. Diante da casa de arquitetura moderna, quadrada,
com um arco em aço escovado fantástico, tinha um estacionamento
de Ferraris, Jaguares, Mercedes… O letreiro que dá nome à casa
noturna brilhava diante da entrada e os canhões de luz iluminavam
o céu da Ilha.
— Qual é a sensação de olhar para isso e saber que é teu?
— perguntei ao Rodrigo.
— Orgulho e trabalho. Não foi fácil, nunca é. Alguns desses
fios brancos são por causa do estresse que é gerenciar essas
casas, os outros, pela Mia.
— Só tem carrão — minha boca nem fechava mais diante dos
modelos esportivos importados, que variavam apenas de marca.
— A 4Ty Jurerê é a nossa casa mais sofisticada, Antônia. É
considerada a segunda balada mais cara do país.
— Capaz? — arregalei os olhos para ele. — Quanto deve
custar a água aqui?
Ele gargalhou, enquanto esperávamos nossa vez de entregar
o carro para o manobrista.
— Só a entrada é quinhentos reais. Trouxe o cartão?
— Puta que pariu! Que extorsão! Vamos na concorrência, vi
um barzinho com música ao vivo, ali atrás.
— Pensei que tu gostaria de assistir e conhecer o Alok — ele
falou como se fosse um vizinho.
— Eu adoraria mesmo — então a ficha caiu — Ele vai estar
aqui?
— Ele é a atração da noite, princesa. Fora os outros famosos
e surfistas internacionais do campeonato. Mas claro, podemos ir ao
barzinho — ele sorriu.
— Tranquilo. Lembrei que quem vai pagar é tu — sorri de
volta.
Rodrigo parou o carro e desceu, enquanto um jovem rapaz,
em um terno, abriu a porta e me ofereceu a mão. Assim que deu a
volta, Rodrigo passou o braço pela minha cintura e me guiou pelo
caminho iluminado e colorido até a entrada. Felipe, Marcondes e
Vitória já estavam ali. Ela estava bem-vestida, mas trabalhando.
Assim que pisamos no saguão de tapete vermelho e com imensos
vasos dourados com flores brancas, Vic começou a nos fotografar.
Deu sugestões de poses e depois de várias, me afastei para ela
focar apenas nos três. Então, entramos. E… Uau!
Se por fora era sofisticado e moderno, por dentro é sofisticado
e clássico. Os camarotes estão dispostos como salas, com sofás e
poltronas de couro, com uma mesa entre elas. São diversos
ambientes assim, e todos atapetados. Pelas paredes existem
enormes quadros com pinturas belíssimas, lustres de cristal pendem
do teto sobre cada um deles e sobre a pista tem um enorme, a única
similaridade com a de Porto Alegre e Punta. O padrão de espelhos
não se repete aqui. Conhecendo as três, posso dizer que a de Porto
Alegre é a mais simples.
Já o povo, é tão chique quanto os de lá. Os homens achei, na
maioria, pouco atraentes. Em compensação, as mulheres, para meu
desespero, são lindas e lindas. E lindas mais uma vez. Não vi uma
feia. Felizmente, elas não sabem quem é o Rodrigo e fora os
olhares de admiração, nenhuma se pendurou em seu pescoço. De
qualquer forma, grudei naquela mão e passei Super Bonder.
Chegamos a um dos ambientes-camarote e ele me
apresentou ao gerente local, o Luís. O homem tem cabelos
encaracolados e olhos claros, mas é feinho, coitado… Magrelo,
estranho, embora muito simpático. Rodrigo me serviu um
espumante e fez nossas taças tinirem em um brinde. Percebi o flash
de Vitória.
— O show começa em meia hora — Luís informou. —
Estamos esperando alguns surfistas internacionais, vou trazê-los
aqui para vocês darem uma atenção.
Rodrigo concordou e assim que Luís se afastou, ele passou
os braços ao meu redor, nos balançando ao ritmo da música
sertaneja que tocava. E por um instante, só existiu nós dois.

Estou me sentindo leve depois de descarregar toda a energia


acumulada do ano, surfando. Peguei cada onda foda, consegui até
um tubo e foi a melhor sensação do mundo estar dentro dele, com
apenas o som do mar e a parede de água transparente. Estava
sentindo muita falta disso. Sal na pele.
Já me estressei logo depois, na reunião com o gerente da
nossa casa noturna. Cara, qual era o problema com as pessoas e
as planilhas? Eu sou o maníaco do Excel, acho que facilita a vida da
gente pra cacete. Vão aprender a usar, pô!
Claro que aproveitei para me acalmar, finalmente metendo
naquela raba que agora é minha. Toda minha. Aliás, ela está me
deixando louco com essa postura profissional e séria, inclinando
aquele traseiro redondo e firme, cada vez que vai tirar uma foto. Já
peguei o Felipe olhando duas vezes, na terceira vai levar um Pedala
Robinho para deixar de ser besta.
Nossa casa está lotadaça, chegou no limite de ocupação, e
nem é meia noite. Jurerê é onde ganhamos mais dinheiro, e isso
que só funciona no verão. Punta e Porto Alegre mantêm a média,
mas faturamos aqui o mesmo que o ano inteiro, nas duas. E o
melhor, sem precisar estar direto. Luís faz, mesmo, um excelente
trabalho e tem uma grande facilidade de administrar pessoas, com o
destaque para os famosos nacionais e internacionais, cheios de
exigências. Agora mesmo, lá está ele, vindo com três surfistas
brasileiros de fama internacional.
— Os donos da casa, Rodrigo, Marcondes e Felipe — ele nos
apresentou e depois disse os nomes dos convidados, embora eu
soubesse exatamente quem eram: Gabriel Pena, Felipe Mion e
Lucas Pedroso.
— Xarás? — Mion disse a Felipe, com um sorriso simpático.
— Só no nome mesmo. Na água ele é uma negação — já
avisei.
— Falou o Slater brasileiro — Rodrigo respondeu.
— Vocês surfam, então? — Pena concluiu.
— Nós molhamos as pranchas, surfar é meio forte — Felipe
concordou comigo.
— Bom, eu surfo! — Sai para lá, que modéstia não combina
comigo.
— Vamos cair juntos amanhã, então? — Pedroso convidou e
eu toquei o céu dos surfistas.
— Fechado! — Ofereci as bebidas e Rodrigo aproveitou o
intervalo para apresentar a Tatá, que estava com a boca levemente
aberta.
— Posso fotografar vocês juntos? — Vitória se aproximou e
todos concordam.
Ela passou a dirigir as cenas, a caminhar entre nós e ao
nosso redor e os três deram aquela conferida no meu material. Na
minha raba gostosa. Hora de marcar território ali.
Assim que ela terminou de nos fotografar, circundei sua
cintura e beijei aquela boca com vontade, sem esquecer de deslizar
a mão e apertar a bunda que era desejo de seis entre sete homens
naquele camarote. Só se salva o Rodrigo, e isso porque ele tem a
Antônia, se não seria uma catástrofe fenomenal isso daqui.
— Tira uma folga quando o show começar e vamos dançar —
convidei, ainda abraçado àquele corpo.
— O senhor que manda, chefe Marcondes — ela puxou meu
lábio inferior com os dentes e terminei de abocanhar os dela.
O nosso espaço começou a encher, pois os três surfistas
atraíram a atenção de muitas mulheres. Logo, o que era um reduto
quase totalmente masculino, passou a ser um desfile de decotes e
pernas, que até atordoava. Antônia estava grudada em Rodrigo, que
conversava com o Lucas, e eu sacudi a cabeça para ela, rindo. Vai
ser insegura assim na Cochinchina. O cara baba por ela, como pode
ter qualquer insegurança?
Estendi a mão para a dela e tentei separar aquele vácuo que
ela fez, mas recebi um olhar cerrado:
— O que é?
— Vem dançar comigo.
— Tu tem namorada para isso.
— Minha não-namorada está trabalhando. Deixa o teu
namorado fazer o mesmo.
— Vai tu trabalhar, tu não é o surfista aqui?
— Vem, deixa de ser ciumenta. Tu tá quase agarrada a ele
com as pernas e braços — eu a puxei e o tranco fez Rodrigo nos
olhar. — Vou levar a gatinha para circular.
Rodrigo, que não é muito diferente da Antônia, fechou a cara.
— O show vai começar logo — ele disse.
— Não vamos demorar — prometi e saí andando, antes que
eles desistissem.
Rodrigo é excelente em bater papo, descontrair e agradar o
pessoal mais famoso e com grana. E ali é o que mais tem, todo o
pessoal milionário, como ele mesmo é. De nós três, ele é o mais
acostumado a esse trâmite social. O Felipe também tem grana, mas
é um bicho meio xucro, nesse quesito, embora seja o anjinho
pacificador. Ele lida bem com as crises, Rodrigo é social e eu sou
fera nas planilhas e no financeiro.
Circulamos pela casa, pegamos um drink no bar e dançamos
duas músicas. Antônia estava com a cara fechada, emburrada.
— Deixa o Rodrigo trabalhar, precisamos que ele faça isso.
Esse pessoal tem que sair daqui achando tudo perfeito e falando
muito bem. Propaganda gratuita, sacou?
— Eu não estava atrapalhando.
— Não, mas faz parte ele interagir e se tu ficar insegura, ele
vai ficar também. Sem falar que é um papo chato, eu sou bem mais
divertido — sorri e ela não resistiu.
— Qual é o teu lance com a Vitória, afinal? É sério mesmo?
— Estou afastando do Rodrigo para ti.
— Hahaha… Obrigada pelo sacrifício!
— Disponha, gatinha! — Brindamos os copos.
Terminamos de tomar as bebidas e íamos retornar ao
camarote, quando senti uma mão em meu ombro e meu nome ser
proferido com entusiasmo:
— Marcondes! — Virei e tinha uma mulher ali, que eu
lembrava vagamente de conhecer — Soube que os sócios estavam
aqui, mas não tinha visto ainda. Como tu está? — Ela me deu três
beijinhos.
— Bem, e tu? — Cristo, quem é essa?
— Tudo super! O Felipe está aqui, né?
— Sim, ele e o Rodrigo.
— Bah, o Rodrigo! — ela bateu a mão na testa, lembrando —
Como ele está? Faz anos que não o vejo.
— Está bem — senti um corpo se aproximar do meu e
beliscar minha cintura — Essa é a Maria Antônia, namorada dele.
— Oi — a tal mulher de cabelos castanhos sorriu e se
aproximou dela para os cumprimentos — Que prazer! Gisele! Sou
ex-cunhada do Felipe.
Foi como um filme sendo rebobinado… Lembrei quem era a
Gisele (com quem transei, depois da cerimônia de casamento do
Felipe), lembrei da ex-mulher do Felipe, a Larissa, e de todo o
drama que o fim aquele relacionamento envolveu, como terminou.
— E como está a Larissa? — perguntei, bem pouco curioso, e
muito querendo que ela não estragasse a noite do meu amigo.
— Na Europa, ainda. Mas volta este mês — ela me olhou
séria. Deve ter pensado o mesmo que eu. — Tu acha que o Felipe
se incomodaria de me ver? Adoraria dar um beijo nele.
— A ti, eu acho que não. Mas me deixa falar com ele
primeiro?
— Claro — ela já não sorria mais. — Estamos no camarote
Nove. E — ela sorriu um pouco, envergonhada — eu casei.
— Ah — informação importante, claro — Parabéns!
— Bom, depois do show, se quiserem aparecer, já sabe onde.
— Pode deixar — nos despedimos e o piscar frenético das
luzes indicava que o show do Alok ia começar.
Retornamos o mais rápido possível para o camarote Um, que
tinha a vista privilegiada da pick up preparada para o DJ famoso.
Antônia correu para o Rodrigo, assim que soltei sua mão. Parecia
criança no portão da escola, quando os pais vão buscar. E ele, que
não é diferente, a recebeu com um beijo apaixonado. Eles
conversam rapidamente e Rodrigo me olhou, agradecendo com um
gesto de cabeça. Esses dois irão casar, com certeza.

Caraca, eu estou fotografando três dos maiores surfistas do


país, representantes do Brasil nas próximas Olimpíadas. Ouvi
Rodrigo e Felipe conversando com eles sobre isso. Fiz diversas
imagens, vai ser bem útil para postagens durante o evento.
Já o meu mala preferido, desapareceu com a Tatá. Não
entendo que tanto gosta de bancar babysitter daquela mulher. E
nem como o Rodrigo não se importa. O show vai começar em breve,
e eles não voltaram ainda. Decidi dar uma circulada, para fazer
outras imagens. As luzes começaram a piscar freneticamente e uma
nuvem de gelo seco foi lançada ao ambiente, assim que os canhões
de luz azul focaram no alto da pick up. Alok, e seu bigode
característico, surgiu, e a plateia exclusiva gritou ainda mais.
Eu estava ali para acompanhar os sócios. A casa tem sua
própria equipe de mídias sociais, que faz as imagens. Mas quem
resiste? Peguei os melhores ângulos da pick up, do DJ e do público.
E dancei, porque, novamente, quem resiste? Estava solta na pista,
quando senti uma mão se apoiar na minha cintura:
— Sozinha, gostosa? — Um homem que nunca vi perguntou
ao meu ouvido.
— Não — me afastei dele, mas o cara voltou a me agarrar. —
Tira a mão!
— Calma, gata! — ele estava visivelmente bêbado. —
Continua dançando.
O tal homem colocou as duas mãos na minha cintura e
passou a se mexer diante de mim. A pista estava cheia e isso nos
prensou um contra o outro. Não tinha muito espaço para manobra
de escape. Tirei a mão dele do meu corpo, com força e vi seu olhar
surpreso.
— Tira as mãos de mim! — gritei em sua cara.
Ele ergueu as duas e se virou, indo infernizar outra, imaginei.
Tenho nojo de homem assim, que chega pensando que só por eu
não estar com outro macho marcando o território, estava disponível
para ele. Como se uma mulher não pudesse ter outro objetivo na
vida, que não fosse arranjar uma transa.
Depois dessa, voltei para o camarote. Marcondes estava lá,
conversando com o Pena e decidi não atrapalhar. Me aproximei da
Tatá, que embora estivesse de mão dada com Rodrigo, também não
participava da conversa na roda. A quantidade de mulheres naquele
lugar era surpreendente. Elas estavam circulando os surfistas e os
sócios, pois o Felipe já estava com uma loira enganchada nele e
tinha umas três olhando com interesse para o Marcondes. Ele sorria
e flertava, descaradamente. Só Rodrigo se mantinha firme, mas
dava para ver os olhares dirigidos à Antônia e a ele. Os surfistas
estavam com duas, cada um.
— Lotou, né? — disse à Antônia.
— Demais — ela revirou os olhos. — Onde tu estava? O
Marcondes estava perguntando por ti.
— Já esqueceu — olhamos na direção dele, que agora
conversava com uma loira oxigenada e turbinada.
— Relaxa, Vic. É social, ele me disse. Vai até lá e mostra que
chegou. Ele te procurou mesmo, até deu uma volta, depois que me
deixou aqui.
Senti um aperto no peito. Ele realmente foi atrás de mim, e eu
bancando a insegura ciumenta? Olhando bem, ele conversava com
a moça, mas não a tocava. É o único aqui que mantém as mãos
afastadas de um corpo feminino. Sorri, ao perceber. Não que ela
estivesse satisfeita com isso, pois mexia nos cabelos, ajeitava o
decote e remexia aquele corpo esculpido, chamando-lhe a atenção,
mas Marcondes não fazia nada. Ponto pro mala, preciso
reconhecer.
Mas no instante seguinte, a loira pendurou os dois braços ao
redor do pescoço dele. Marcondes não reagiu de imediato.
Continuou falando e meu peito quase explodiu. Meu coração bateu
tão acelerado, que até doeu um pouco. Marcondes levantou as
mãos, segurou os pulsos da loira e os tirou de si. Depois se virou
para servir outro copo de uísque. Ao erguer os olhos, na direção do
show, ele me viu.
Franziu as sobrancelhas um pouco, depois sorriu. Contornou
a mesa e veio na minha direção. Grudou o corpo no meu,
abraçando minha cintura:
— Onde tu estava? Não combinamos que durante o show, tu
seria minha?
Ui, alguém me junte!
— Fui ao banheiro e tinha fila — menti, descaradamente.
— Então vem, vamos dançar. Quer ir para a pista?
— E tem outro lugar melhor para dançar?
— Eu tenho uma ideia, mas não sei se o Alok tocaria só para
nós — ele sussurrou ao meu ouvido e fiquei imediatamente excitada
com a ideia.
Fiz exatamente o que a loira estava querendo fazer e
mergulhei naquela boca deliciosa, esfreguei minha língua na dele e
arranhei suas costas com minhas unhas. Marcondes gemeu e me
prendeu a ele também, segurando minhas nádegas com as duas
mãos. Elas por elas. Ele defende minha bunda, eu defendo seu
corpo gostoso.
Fomos para a pista e dançamos até estarmos suados e
exaustos. Pulei e cantei, pois é o Alok e ninguém fica parado
quando toca Hear me now. Marcondes dança bem e tem um charme
só dele, ao fazê-lo. O miserável sabe que é gostoso e abusa do
adjetivo.
Fomos cercados pelos demais sócios e pelos surfistas, com
suas respectivas companhias femininas, e abrimos a roda para
caberem todos. Mas ele manteve a mão na minha e me olhou
diversas vezes. Senti que estávamos juntos, realmente. Quando
Love again tocou, ele me segurou e colou os olhos em mim. Quem
me dera conseguir voltar a amar…
Ao final do show, retornamos todos ao camarote. Luís tinha
me dito que traria o DJ para conhecer os donos da casa, então
voltei ao meu posto de fotógrafa. Mas enquanto esperávamos, vi
que Marcondes puxou Felipe para si e falou, sério:
— Cara, encontrei a Gisele aqui. A irmã da Larissa. Ela quer
te ver.
Felipe travou no lugar e o sorriso descontraído morreu.
Estava escuro, mas poderia dizer que ele ficou pálido. Foi como
tomar um choque e paralisar. Quem, raios, é Gisele? — pensei
admirada pela reação que o nome provocou no Felipe.
— Quem quer me ver, Marcondes? — ele formulou a frase,
depois de algum tempo — Qual das duas?
— A Gisele, te acalma. Ela me viu no bar com a Tatá, e veio
me cumprimentar. Depois pediu para te ver, mas eu disse que falaria
contigo primeiro.
Felipe passou as mãos pelos cabelos loiros e lisos, jogando
para trás a franja volumosa. O olhar ficou perturbado e me assustou
um pouco ver suas reações. Quem é essa? Estou me coçando de
curiosidade aqui.
— A Lari está… — ele não conseguiu terminar, mas
Marcondes respondeu mesmo assim.
— Não. Só a Gisele, já te disse.
— Não dá, Marcondes. Não consigo.
Ele se afastou e foi na direção da garrafa de uísque. Serviu
uma dose e a tomou toda, puro. A loira que o acompanhava se
aproximou e ele avançou sobre ela, metendo um beijo que a tirou
levemente do chão.
— Quem é Gisele? — perguntei, por fim.
— A ex-cunhada dele.
— Por que ele ficou assim, só de ouvir o nome dela?
— Não é por ela, Vi. É pela Larissa. Ele nunca superou direito
o final deles, foi traumatizante.
— Por quê? — A veia investigativa da minha família é algo
forte.
— Ela é artista plástica, hoje tem renome internacional. Na
casa do Rodrigo tem uma tela dela, qualquer hora te mostro. Um
dia, depois de oito anos de casamento, a Lari simplesmente decidiu
que iria embora, pois queria se dedicar à carreira, fez as malas e foi.
Se mandou para a Europa, sem se despedir, e encerrou todo e
qualquer contato com ele.
— Assim, no mais?
— Assim, no mais — ele repetiu, travando os lábios, com
indignação — A gente podia jurar que eles seriam daqueles casais
que envelhecem juntos, sabe como é o anjinho… Começaram a
namorar e logo casaram. O Felipe era muito apaixonado por ela.
— Faz tempo, isso?
— Que ela foi embora? Uns três, quatro anos.
Olhei na direção do Felipe, que ainda sugava toda a energia
vital daquela criatura, quase como um Dementador. Quem
abandona um homem desses, tão querido e bonito, apaixonado
ainda por cima? Não quero julgar, ela optou pela carreira, muitas
mulheres fazem isso. Mas se o atinge até agora, é porque ele a
amava mesmo. Por que, nem sempre, o amor é suficiente?
Marcondes passou os braços ao meu redor e apoiei a cabeça
em seu ombro, ainda pensativa. Percebi uma comoção e um
movimento diferente se aproximando do camarote e logo Luís
apareceu, rodeado de seguranças, e com Alok no meio deles.
A mulherada estava em polvorosa e eu só pensei na esposa
dele. Quem aguenta tanta atenção sobre o homem que ama?
Aquele aqui já me deixa com azia, imagina um famoso? Os
seguranças fizeram um cordão de isolamento no camarote e fomos
apresentados. Peguei minha Nikon e voltei ao trabalho. Os quatro
famosos e os Reis da Noite interagiram como as celebridades que
eram. Vi Antônia sorrir para foto com o pessoal e depois ir se
afastando, até se sentar em uma das poltronas.
Ela pegou a taça de espumante que lhe foi oferecida pelo
garçom e grudou os olhos no Rodrigo. Ele estava fazendo o que
precisava, interagindo e deixando os famosos à vontade. Todos
riam, contavam piadas e elogiavam a casa noturna. Marcondes
puxou assunto sobre surf e o papo animou ainda mais. Parece que
vão mesmo surfar, antes das baterias da tarde do Campeonato. Alok
dispensou, pois viaja para o Rio antes do meio-dia, e Marcondes o
acusou de estar fugindo de mostrar suas habilidades fora da pick
up. Os outros riram e o DJ se desculpou, encabulado. Dava para
dizer que cresceram juntos.
Então, Rodrigo notou a namorada, que estava sozinha, de
rosto baixo, encarando o conteúdo de sua taça. Foi incrível
observar. Ele tocou o braço de Lucas Pedroso, que falava ao seu
lado, como se pedisse licença. Afastou-se do grupo e foi até
Antônia. Abaixou-se diante dela e conversou, alisando seu rosto.
Depois, beijou rapidamente e se levantou, estendendo-lhe a mão.
Ela aceitou e Rodrigo a levou de volta à roda. Passou os braços em
sua cintura e Tatá apoiou a cabeça em seu ombro. Pai do Céu, os
dois são muito fofos juntos!
Decidi testar minha sorte, só para ver qual seria a reação do
Marcondes. Guardei a máquina, peguei uma taça de espumante
também, e me aproximei da roda, agora não mais como fotógrafa.
Eles estavam falando sobre as ondas em Pipeline, no Hawaii. Lucas
Pena contava como era surfar lá e todos estavam concentrados em
suas palavras. Parei ao lado de Marcondes e ele percebeu o
movimento. Passou o braço na minha cintura e eu sorri,
internamente. Outro ponto para o vizinho-mala. Mais alguns e eu
teria que me render.
A conversa dos homens era até bacana, mas sem qualquer
interesse para mim. Uma música que amo começou a tocar e olhei
na direção da Tatá. Ela se animou também, no mesmo instante.
Long Life, de Taylor Swift estava entre nós e começamos a dançar e
cantar alto, quando o refrão começou:
“Vida longa às paredes que atravessamos
Como as luzes do reino brilharam
Justamente para mim e para você.
Eu gritava “Vida Longa à toda a magia que nós fizemos”
E tragam os impostores,
Um dia seremos lembrados.”
Soltamo-nos dos homens e nos atraímos para o centro da
roda. Eles pararam de falar e passaram a nos observar. Jogamos os
braços para cima e balançamos o corpo, entregues à melodia, que
tinha uma batida eletrônica remixada. Pulamos, novamente, ao ouvir
o refrão, e depois Tatá rebolou diante de Rodrigo ao cantar:
— “Somos reis e rainhas, você trocou seu chapéu de beisebol
por uma coroa.”
Ele tentou segurar sua cintura, mas ela voltou para mim e
fomos até o chão, de mãos dadas. Vida longa à toda magia que
fizemos! Só então nos viramos para nossos Reis da Noite e fomos
dançar com eles. O olhar de desejo do Marcondes me dizia que eu
estava bem encrencada. Ele me pegou com posse e beijou minha
boca.
— Elas têm razão, vamos dançar! — Um dos surfistas disse e
os outros concordaram.
Alok se despediu, alegando que tinha que acordar cedo, e foi
cercado pelos seguranças, que o acompanharam. Nós fomos para a
pista e lá ficamos. Os surfistas acabaram indo embora, algum tempo
depois, afinal, tinham um campeonato no dia seguinte. Mas nós
ficamos. Felipe acabou se enroscando com a loira e saiu mais cedo.
E nós ficamos. Rodrigo e Antônia se despediram um tempo depois.
Nós ficamos. Dançamos até as luzes acenderem e a casa fechar.
Até estarmos tão exaustos e suados, que não queríamos mais nada.
Então, fomos para a praia, diante do hotel e nos sentamos na areia,
esperando o céu clarear. Amanhecemos de mãos dadas, eu entre
suas pernas, ele com a cabeça apoiada no meu ombro.
E essa foi a melhor noite da minha vida. Não lembro de outra
em que me senti tão segura, tão leve e tão desejada.
“Sim, é uma vida dura,
Ser juntos, dois amantes.
Para amar e viver, para sempre, no coração um do outro,
É uma longa e árdua luta.
Amar é se importar um com o outro.”
(Queen)

O trânsito sempre infernal da BR-101, na volta do final de


semana, somado ao público que foi ao evento do Planeta Atlântida,
no litoral norte, é um teste de paciência para qualquer motorista.
Em outro momento, eu teria deixado para retornar na segunda, após
o meio-dia, mesmo perdendo um dia de trabalho no curtume, mas
nem fodendo enfrentaria essa fila interminável, esse anda e para na
Freeway. Mas o que eu não faço pela minha princesa? Ela precisa
trabalhar cedo, amanhã.
Por sinal, está dormindo. Nunca vi alguém com uma facilidade
tão grande para isso. Mas tem minha mão presa entre as suas.
Antônia está sempre com medo que eu suma, que a abandone. Eu
a entendo, foi o que sempre fizeram e eu mesmo tenho uma parcela
de culpa nisso. Mas nunca mais a farei sofrer, jamais vou abandoná-
la. E espero que ela entenda logo, que entre nós, não existe essa
opção.
Soltei sua mão, ao chegarmos ao primeiro pedágio, e isso a
despertou. Olhou ao redor e verificou o celular.
— Aqui, ainda? — disse desanimada. Se para ela, que
dormiu, estava demorando, imagina para mim…
— Piorou consideravelmente, de Torres para cá — expliquei,
enquanto entregava o dinheiro para a moça que tentava adiantar a
fila, cobrando o valor antes do caixa.
Antônia se espreguiçou e tomou água. Leu algumas
mensagens em seu celular, distraidamente. Como estava acordada,
aumentei um pouco o som da música, para me distrair do tédio.
Preferia quando a autoestrada estava livre e podia acelerar meu
Jaguar, até ver o mundo passar como um borrão ao meu redor. Mas
hoje não. Nem com minha princesa junto.
Estava atento ao trânsito, quando ouvi um arfar assustado e
senti a mão dela grudar na minha coxa, apertando.
— Rô… — ela tentou falar, mas algo a impedia. Olhava
embasbacada para a tela do celular e depois virou os olhos
marejados para mim.
Merda. Deu alguma merda.
— O que foi?
— É ela, amor. Ela mandou mensagem.
— Ela… A tua mãe? — Era só o que me faltava essa vaca vir
nos atrapalhar outra vez!
— A Valentina — Antônia disse baixo e reduzi a música para
entendê-la.
— O que ela quer?
— Não sei. Não abri.
— E tu quer ler? — Me admirei.
— Ela vai falar de ti, já imagino… Tem as nossas fotos por
tudo!
— Tu não a bloqueou? — reclamei, pois, poxa, era o mínimo!
Eu bloqueei.
— Não… Não bloqueei ninguém, amor — as lágrimas dela
estavam escorrendo e meu peito apertado de preocupação e medo.
— Tu decide se quer ler, Antônia. Mas nada de bom, para
nós, vai sair dessa conversa aí. Ela me deu um prazo para te falar
sobre o meu passado. Como ainda estamos juntos, deve achar que
não falei e vai fazer isso. Tu quer ler?
Antônia não respondeu de imediato. Ficou olhando para o
celular, rolando a esmo a tela, para cima e para baixo, atrás de uma
resposta que não estava ali. Estava dentro dela, apenas.
— Tem alguma coisa que tu não me contou, que eu ainda não
saiba sobre vocês? — questionou, me encarando.
— Não, contei tudo.
— Então, não vai ser nenhuma novidade. Preciso saber o que
ela quer, Rô. Espero por uma mensagem há vinte anos…
— Eu te entendo, minha princesa. Mas tenho medo do que
isso vai fazer contigo.
— Fica comigo? — Ela segurou minha mão — Vou ler para ti
tudo que ela escreveu.
— Acho que isso é entre vocês, apenas, Antônia.
— Não vou conseguir sem ti.
Ela tinha os olhos assustados voltados na minha direção. Eu
tenho o peito apertado, com medo da Valentina envenená-la contra
mim. Mas estou aqui por ela, então, beijei sua mão e concordei.
Vamos descobrir o quanto a Valentina ainda consegue quebrar essa
menina. Qual estrago eu terei que remendar agora. Chegará o dia
em que faltará cola, para o tanto que essa pequena sofre.

Rolei a tela novamente até a primeira mensagem. Observei o


nome Valentina Nunes ao lado de uma foto, em formato circular, em
que aparecia uma mulher de cabelos castanhos, parcialmente
escondida atrás de um girassol, deixando visível apenas seus olhos.
Já vi tanto essa foto, que sei de cor.
Cliquei sobre o nome do contato e a mensagem abriu. Senti
meu corpo todo tremer levemente, como se eu sentisse frio. A mão
do Rodrigo, na minha, era o único ponto seguro em minha vida,
naquele momento. Estava em alto mar e tudo flutuava.

Valentina: Oi, filha. Eu sei, faz anos. Não vou pedir teu
perdão ou me justificar. Não existem palavras, em qualquer idioma,
que justifiquem uma mãe se afastar de sua pequena filha. Tu eras a
luz da minha vida, a única pessoa que eu amei mais do que a mim
mesma. Tu terás filhos, um dia, e poderás mensurar o tanto de amor
que cabe em um colo materno. Te deixar foi o que fiz de mais difícil,
mas foi necessário, Tatinha. Eu não era boa para ti. Eu não era boa
para mim mesma. E precisava ser, para um dia poder retornar.

Parei um pouco, para secar minhas lágrimas e controlar


minha voz. Sentia dificuldade de ler em voz alta, mas vou continuar.
Só preciso me refazer um pouco. Ela diz que me amou, um dia. Ela
ama e desama com facilidade.

Valentina: Como eu disse, não tem justificativa o que fiz, mas


tem explicação. Não que ela te faça me perdoar, ou mudar a ideia
que deves ter a meu respeito. Imagino que o Jair te contou, do jeito
dele, o que aconteceu e se, um dia, tu quiseres a minha versão,
posso te dar. Eu fui embora. Queria ficar melhor para ti. Jamais
imaginei que tu me rejeitarias em tão pouco tempo. Mas se foi assim
que conseguiste superar, eu não quis te traumatizar ainda mais.

Franzi as sobrancelhas, estranhando aquilo. Eu a rejeitei?


Como poderia, se precisava dela mais do que de ar, na minha vida?
Tudo que eu sabia foi o que meu pai disse: ela fez as malas e foi
embora, dizendo que não suportava ser mãe e esposa.
Valentina: Hoje, porém, preciso te contar do meu passado,
querida. Porque ele te envolve de uma forma tão dolorosa, que não
sei como teu pai deixou as coisas chegarem a esse ponto. Me
perdoa pelo que vou te contar, Tatinha, mas alguém precisa parar
isso. Tu já me odeias, então que seja eu.
Tu não pode ficar com o Rodrigo, minha filha. Eu namorei com
ele, quando jovem. Foi uma bobagem, um momento de fraqueza,
uma vingança ridícula contra o Jair. Eu era jovem e irresponsável.
Tenho minha culpa nisso, pois estimulei o sentimento que via nele,
mas jamais correspondi. Ele era um rapaz muito querido, tinha um
bom coração. Talvez ainda seja, e por isso tu estejas encantada. E
ele é um homem muito bonito, agora. Mas isso não é certo, Antônia.
Tu não podes ocupar meu lugar, nesse relacionamento, que ele me
culpa por não ter dado certo.

Não consegui evitar. Olhei para o Rodrigo e ele tinha os olhos


fixos no movimento à nossa frente, que aos poucos começava a
acelerar. Mas o maxilar estava travado e a mão apertava a minha.
Uma bobagem, foi assim que ela o classificou. E eu sei o quanto ele
sofreu por isso. Não deve ser fácil ouvir. Somos, os dois, erros da
Valentina.

Valentina: Falei com ele, antes de te escrever agora. Pedi


que se afastasse de ti, recorri à sua honra e aos seus bons
sentimentos. Mas vejo que vocês permanecem juntos e percebo o
teu olhar apaixonado para ele, o quanto o admiras. Teu pai não
acha isso errado? Ele sempre odiou o Rodrigo, os dois se odiavam.
Talvez isso seja apenas uma vingança do Rodrigo contra nós,
Tatinha. Ele viu nessa aposta a oportunidade de nos machucar e…

Não consegui terminar, pois o celular foi retirado da minha


mão com rapidez. Olhei para o Rodrigo e ele sinalizava que ia trocar
de faixa, se enfiando pela direita na frente dos outros carros, que
buzinaram com a cortada. Ele estava puto da cara e eu só chorava.
— Chega dessa merda! — gritou.
— Rô… — solucei, sem saber bem o que estava sentindo,
além de desespero.
O dia estava terminando e o céu estava um laranja belíssimo,
mas tudo que eu via era o Rodrigo estacionar o carro no
acostamento, tirar os óculos e me encarar, com muita irritação.
— Essa mulher não tem uma palavra decente para ti. Ela não
sabe sequer o que significa amor. Ela não consegue se pôr no teu
lugar. E ela não sabe dos meus sentimentos, Antônia — ele disse
cheio de mágoa e razão. — Tu não vai mais ler isso. Tu não vai
mais sofrer por isso! Eu não suporto mais te ver chorar por eles!
— São meus pais, infelizmente, por mais que eu queira, não
podemos apagar o que aconteceu entre vocês, ou mesmo entre
mim e eles.
— Nós podemos apagar o que quisermos, Antônia! Só
alimentamos o que nos faz bem, o resto a gente deixa morrer.
Encerra isso, princesa.
— São minha família, Rô, apesar de tudo… Minha avó foi
tudo que tive, meu pai ao menos estava ali. E não vou negar que
fantasiei mil motivos para a Valentina ter me abandonado. Tu não
pode me pedir que não sofra por ter sido rejeitada, por querer uma
família normal. Não sei jogar as pessoas no lixo, embora quisesse
muito.
— Eu sou a tua família agora. Eu, tu e a Mia — ele ergueu
meu rosto para o dele — E ainda tem o Marcondes e o Felipe, se tu
quiser aumentar o número. Nós te queremos, princesa. Tu não
precisa da Valentina e do Jair.
— Eu sei, eu nem devia esperar nada deles.
— Olha para mim. Tem uma coisa que preciso te contar.
Estava esperando outro momento, talvez mais para adiante, quando
tu estivesse menos machucada. Mas já vi que não é assim que a
banda toca aqui… — ele se perdeu um pouco no rumo da conversa
— é sobre o teu pai.
— O que tem meu pai?
— Eu mandei investigar o sumiço dele.
— Mandou? — Meu peito saltou, nervoso, sem saber que tipo
de notícia ele podia ter conseguido. — Ele está vivo?
— Bem vivo, infelizmente — Rodrigo revirou os olhos e eu
suspirei aliviada, apesar de tudo — O detetive não descobriu ainda
para onde ele foi exatamente, mas as pistas levam para São Paulo.
— São Paulo… Uau, ele foi longe — eu disse, revoltada com
o quão afastado de mim ele pretendia ficar.
— Isso é o de menos, amor — Rodrigo amansou a voz e tirei
os olhos do trânsito, que agora fluía, para observá-lo. Aí vem
bomba! Com o meu pai, nada é de menos o suficiente. — O que
descobrimos é que ele viajou uma semana antes daquele dia… e
que tem outra família.
Nem reagi. Aquelas palavras não faziam sentido algum para
mim. Como assim, outra família? Rodrigo tentou secar meu rosto,
mas as lágrimas não cessavam nunca. Ele contou sobre um
menino, sobre uma mulher de Esteio, que tem até o mesmo
sobrenome que eu, que nós. Que minha avó! Minha avó sabia
disso? Ele tem outro filho, escondeu de mim e agora o escolhia? Por
que esconder? Por que escolher? E por que o menino, não eu?
Minha cabeça parecia prestes a explodir. Cobri os ouvidos
com as mãos, para não ouvir mais o que Rodrigo falava. Alcancei o
meu limite de suportar qualquer coisa que venha do Jair ou da
Valentina. Senti o ar faltar em meus pulmões e abri a porta do carro.
Livrei-me da mão com que Rodrigo ainda tentava me segurar, e saí
atrás de vento.
Estávamos no acostamento, em um recuo preparado para
isso. Paradas rápidas. Os carros passavam a uma velocidade baixa,
mas constante, fazendo barulho, movimentando o ar quente da
tarde de verão. Tinha um cheiro de pneu e óleo na rodovia, que me
lembrava casa. Minha casa, minha vida, minha família. Tudo uma
mentira, uma vida inteira no escuro.
Rodrigo me abraçou por trás e eu mal conseguia respirar. Ele
me prendeu em seus braços, dizendo suavemente que estava ali
por mim. Eu chorava com desespero. Tinha um luto dentro de mim,
que insistia em sair. Ele era feito de dor e raiva, de decepção e
solidão.
Eu sou como um balão de gás que o vento pode levar, sem
rumo. Flutuei acima da rodovia, para a escuridão da noite que se
aproximava.

Isso precisa terminar, é impossível assistir essa menina se


quebrar, dia após dia. Essa tortura acaba agora. Foi difícil acalmá-la,
trazê-la para casa, alimentar e colocar para dormir. Não porque ela
protestasse, apenas agia como uma boneca, seguindo as ordens
básicas que eu lhe dava. Antônia apagou. Chorou, gritou e quase
esperneou, ao lado do carro, mas depois disso, calou. E foi difícil
assistir.
Finalmente, estava dormindo, na minha cama. Peguei seu
celular, o meu e fui para o escritório. É tarde, mas tenho que
organizar as coisas para amanhã. Minha primeira providência foi
buscar o contato da dona da escola onde Antônia trabalha, o que
consegui com a Bella. Telefonei, me apresentei e expliquei que a
Antônia não vai trabalhar amanhã. A mulher não gostou, mas
também não foi capaz de me negar isso. E já deixei avisado, que ela
só vai terça, se estiver melhor.
A ligação seguinte foi para Mia. Pedi a ela o contato da
psicóloga que eu sabia que ainda frequentava. Liguei para essa
também, azar que fossem quase onze horas da noite. Expliquei por
alto o problema e agendei um horário especial, ao meio-dia, bem no
intervalo da mulher.
A chamada seguinte foi para avisar meu irmão que eu
também não vou trabalhar. Meu dia será para Antônia, enquanto ela
precisar. E com todas essas pessoas avisadas, chegou a hora de
falar com quem mais me interessa. Abri meu celular, desbloqueei o
contato e mandei a mensagem:

Rodrigo: Esta é a última vez que nos falaremos. Aliás, eu vou


falar. Tu vais apenas ler e bloquear meu contato depois, e eu farei o
mesmo. Tua péssima tentativa de falar com a Antônia, depois de 20
anos de silêncio, teve o efeito contrário. Eu ainda estou com ela, ela
será sempre minha, Valentina. E deste instante em diante, tua única
chance de ser uma boa mãe para ela, é desaparecer novamente.
O Jair não fala nada sobre nosso relacionamento, pois ele
também abandonou a Antônia. Ele fugiu, assim como tu o fizeste, há
vinte anos. Sem explicação, sem despedida, sem honra. Foi embora
e a deixou para mim. Ou melhor, para ninguém, sozinha no mundo.
Mas eu disse, Valentina, ela é minha. E só ela poderá decidir me
deixar, o que não fará, pois somos felizes juntos, até um de vocês
cruzar nosso caminho. Por isso, eles se afastam hoje, para sempre.
Eu quero que a Antônia seja feliz, tão feliz, que nunca mais precise
lembrar da mãe e do pai.
Perdeste a oportunidade preciosa de conviver com a mulher
que ela é, apesar de vocês. Perdeste a oportunidade de se tornar
amiga, ao preferir interferir na vida dela, sem perguntar o que ela
sente por mim. Preferiu julgar, com a escuridão do teu coração,
antes de saber se o que eu sinto é verdadeiro. Mas é. Antônia é
linda, inteligente e será feliz, embora agora, esteja em pedaços. Eu
vou cuidar dela, vocês vão desaparecer, como sempre quiseram.
Não responde para mim, não procura a Antônia. Vou bloquear
teu contato nas redes sociais dela. Não pensa, com isso, que estou
tirando o direito dela ou sendo possessivo. Estou cuidando, como a
preciosidade que ela é para mim. Nunca mais a Antônia vai chorar
por vocês. Isso terminou hoje. Volta para o buraco onde te enfiaste
por vinte anos e se encontrar o Jair por lá, repete para ele minhas
palavras. São as últimas que ouvirão de nós.

Enviei o último bloco e fiz exatamente o que disse. Bloqueei o


contato da Valentina. Abri novamente o celular da Antônia e fiz o
mesmo, no Facebook e no Instagram. O protetor de tela dela era a
primeira foto que tiramos, na cozinha, no nosso primeiro domingo
juntos. Fazia pouco mais de um mês, mas parecia uma vida.
Esperei por ela todo esse tempo.
De manhã, quando finalmente acordou, já passava das oito
horas. Senti ela se remexer e abri os olhos, atento, pois vai surtar ao
perceber o atraso. Eu tenho algumas explicações a dar. Mas ela não
pegou o telefone, não verificou as horas. Suspirou e se agarrou em
mim, como gostava de fazer. Retribui o abraço e esperei que
falasse. Mas senti meu ombro ficar molhado e só o que ouvi foi o
fungar de seu choro.
— Estou aqui — repeti o que vinha lhe dizendo, desde ontem.
— Sonhei que tu tinha me abandonado também. Te procurei,
ao chegar da escola, e a casa estava toda vazia.
— Nunca, princesa.
— Um dia tu vai cansar de mim, dessa bagunça que é a
minha vida, de ter sempre que me cuidar.
— Não vou, e isso tudo vai passar. Preciso te contar algumas
coisas — ela se afastou um pouco e ergueu os olhos. — Liguei para
a dona Martha e avisei que tu não vai trabalhar hoje. Nem amanhã,
se não estiver bem.
— Rô… — ela arregalou os olhos — Eu preciso, as outras
professoras estão de férias e…
— Elas dão um jeito. Vamos cuidar de ti, hoje. Tu acha que
conseguiria cuidar das crianças, sem cair no choro a cada dez
minutos? — perguntei o óbvio, pois ela já estava com os olhos
cheios outra vez.
— Não — Antônia abaixou o rosto e as lágrimas escorreram.
Eu odeio isso que fizeram a ela.
— Tem outra coisa. Escrevi para a Valentina, mandei que se
afastasse de nós e bloqueei ela, no meu Instagram e nas tuas redes
sociais.
— Tu mexeu no meu telefone?
— Mexi. E tu não vai desfazer.
— Tu não acha que eu tenho o direito de decidir sobre isso?
— Eu acho que tu não está em condições de decidir nada,
princesa. Eu sei que fui invasivo, mas estou te contando, e se um
dia tu quiser rever, será uma decisão de cabeça fria. E tem mais
uma coisa.
— O que mais, Rodrigo? Excluiu meus perfis também e trocou
a senha? — ela reclamou.
— Marquei uma conversa para ti com a psicóloga da Mia, hoje
ao meio-dia.
— Como assim? — Antônia se sentou na cama, muito
surpresa.
— Tu precisa de ajuda, amor. Superar isso não vai ser
simples, tua vida toda não foi simples — busquei as mãos dela. —
Tu já fez terapia alguma vez?
— Não. Minha avó até tentou me levar, mas meu pai dizia que
era bobagem e um gasto inútil — ela deu de ombros e lá vieram as
lágrimas outras vez. — Então, a vó foi naqueles grupos de
atendimento gratuitos, mas para eles, nosso poder aquisitivo estava
acima do elegível. Assim, por ser rica e não ter dinheiro, nunca fui.
Tem algumas coisas que eu simplesmente não consigo
suportar na vida da Antônia. E a forma com que ela falou, me deu
uma revolta ainda maior, pois ela se conformou. Ela aceitou.
Esfreguei o rosto, com vontade de socar a cara daquele Jair até
quebrá-lo inteiro.
— Bom, então agora está resolvido e tu vai.
— Mas, Rô…
— Não tem mas — interrompi antes de ouvir qualquer
ladainha àquele respeito. — Tu vai, conversa com ela e tenho
certeza de que vai te fazer bem. Não aguento mais te ver sofrer,
Antônia.
— Tu não tem medo de que ela me diga que devo ser mais
independente, que estou transferindo os cuidados paternos para ti?
Porque, pelo que estudei de Psicologia na faculdade, tenho certeza
de que ela vai falar sobre isso…
— Eu te quero feliz, quero que tenha condições de olhar para
a tua vida sem chorar. Quero também que tu seja o que quiser. Não
estamos fazendo nada errado, não tenho medo disso.
Ela suspirou e voltou a deitar sobre o meu peito. Ficou um
tempo em silêncio e eu respeitei. Sei que está acomodando os
sentimentos e as ideias. Mas, então, ela me disse:
— Sobre o meu pai… Quero que tu pare de investigar, Rô.
Não quero mais saber dele, não quero saber o que aconteceu, nem
para onde foi. Tu acha que estou sendo muito radical?
— Não. Acho que está muito certa.
Ela sacudiu a cabeça concordando e suspirou. Eu não
prometi, pois quero saber exatamente onde aquele infeliz se meteu.
Tenho um recado bem importante para dar a ele.
“Se apenas, apenas
Você me tomasse como eu sou,
Fortes braços, forte charme,
Mas você tomou um coração,
você tomou um coração muito jovem.”
(Australian Crawl)

Adoro voltar para casa. Amo viajar, mas amo minha casa com
devoção. Tudo nela é como eu gosto e tem meu jeito. Depois de
dois anos casado com a Carla, ter meu próprio espaço foi uma
realização que não desejo abrir mão, nunca mais. Gosto das coisas
que conquistei e me sinto em paz dentro daquelas paredes
decoradas como eu quis.
Por isso, estou surpreso comigo, que aceitei, sem reservas, o
convite de Vitória para ficar em seu apartamento, assim que
chegamos de Floripa. Tudo bem que ela me comprou balançando
aquela raba gostosa ao descarregar o carro e caminhar na minha
frente, até o elevador. E já dentro dele, ela me fisgou pelo
estômago, prometendo um jantar em retribuição à carona. Quem
sou eu para negar sexo e comida, não é?
Agora estava ali, amolecido e sonolento, após uma foda
violenta, ouvindo o som do chuveiro, sem ânimo para me juntar a
ela. Dirigi quase sete horas, surfei como há tempos não fazia,
dancei até me arrebentar e transei em todos os momentos vagos.
Saudade dos meus vinte anos, quando fazia tudo isso, em um dia
só, e ainda ia estudar na manhã seguinte.
Sorri ao lembrar do meu avô dizendo:
— Economiza um pouco agora, porque depois vai fazer falta.
Não economizei nada, nunca. Agora a conta chegava. Ai,
Deus, tô ficando velho e resmungão, como o meu pai! O som do
chuveiro me embalou, eu tentei manter os olhos abertos e ler as
legendas do filme na televisão, mas, por fim, fui tragado pelo
cansaço.
Acordei com algo áspero lambendo meu rosto e um cheiro
estranho invadiu meu nariz. Tem um peso em cima das minhas
costas e uma coisa gelada cheira a minha orelha. Sacudi-me,
assustado, pois aquela coisa peluda nojenta estava em cima da
cama e se jogou em mim outra vez, buscando meu rosto. Segurei
seu corpo, mas aquilo parece conectado em 220 volts, não para de
pular e latir:
— Vitória! — gritei, pois alguém tinha que controlar aquele
cão! — Vitória!
— Tu tá acompanhada? — escutei uma voz masculina falar
com aspereza.
— Vai embora, eu já entendi sobre o remédio — Vitória
respondeu.
— Quem é, Vic?
— Sai, Luciano!
Opa! Temos um machinho ciscando no meu terreiro,
querendo cantar de galo aqui. Joguei a coisa peluda longe e ela
voltou correndo para mim, de certo pensando que eu estava
brincando. Quase saí correndo do quarto, pois o bicho veio atrás.
— Não te devo satisfações, agora vai! — Vitória estava com o
braço estendido na direção da porta e o Luciano tinha as duas mãos
na cintura, com uma postura visivelmente irritada.
— Temos companhia para o jantar, Vi? — questionei e os dois
me encararam.
— Esse cara não tem roupa? — Luciano perguntou, pois,
outra vez, eu estava apenas de cueca.
— Não vale a pena o trabalho de pôr, só para tirar em
seguida, mas acho que tu não entende muito disso.
— Marcondes, não piora as coisas — ela me olhou irritada e o
bicho aos meus pés não parava de pular.
Juntei a coisa peluda feita de molas e, com a mão livre, grudei
o braço do Luciano, direcionando os dois para o lugar onde os
queria: fora do apartamento. Aproveitei a porta aberta e lancei o
bicho, seguindo de um empurrão no papai dele.
— Tchau — comecei a fechar a porta, mas ele impediu com a
mão.
— A Flor fica — e o bicho, que parece entender a língua do
cachorrão ali, entrou correndo e veio lamber meus pés.
— Vitória — reclamei e ela tirou o Taz de mim.
— Ele trata nossa cachorrinha assim e tu ainda dá pra ele? —
O desprezo estava estampado na voz e na cara dele — Que
papelão, hein, Vic?
— É sério isso? — ela explodiu e se não tivesse feito, eu faria
— Some daqui, Luciano! Vai te foder!
E para mim, foi a deixa para bater a porta na cara de tacho
dele. Vitória caminhou, batendo os pés, até a área de serviço e
voltou de lá sem o cachorro.
— Tu podia ter te vestido, né?
— Podia, mas o teu bicho avançou em cima de mim, quase
me estuprou.
— Marcondes! — reclamou.
— É sério — comecei a caminhar até o banheiro, pois lembrei
que estava cheio de baba canina — Me lambeu todo, que nojo!
Tirei a cueca e entrei no banho, pois só isso conseguiria tirar
daquele cheiro de cachorro de mim.
— Tu é um fiasco — Vic tentava manter a seriedade, mas
estava a um passo de rir.
— O que o estrupício do teu ex queria, além de devolver o
Taz? — Comecei a me ensaboar e Vitória se recostou no marco da
porta, de braços cruzados, me observando.
— A Flor ficou doente, teve febre e o veterinário pediu para
observar. Pode ter sido saudade, só isso. Ele receitou uns florais
para acalmá-la e ajudar a superar a nossa separação.
Gargalhei, né? Puta merda!
— Vai marcar consulta com psicólogo para o bicho também?
— Insensível — Vitória foi até a pia e pegou a escova, que
passou pelos cabelos, já quase secos.
— Fala sério, Vi! É só um animal. Tem criança que não recebe
nem metade desse cuidado.
— Eu sei. Mas é meu bichinho, se posso dar conforto a ela,
não seria crueldade negar?
Desisti de argumentar, ela trata o bicho com uma criança.
Olhei para as diversas opções de potes e tentei descobrir qual deles
era o shampoo. Por que as mulheres precisam de tantas coisas
para tomar banho? Escolhi um e um líquido azul escuro escorreu na
minha mão.
— Esse é para não amarelar os fios, pega o outro — Vitória
avisou.
— Qual, então?
— O branco.
— Tem três brancos aqui!
Ela abriu a porta e estendeu o braço, reclamando que não eu
não sabia ler os rótulos, e ia selecionar um, mas a puxei para
dentro. Vitória deu aqueles guinchos femininos histéricos e eu
grudei o corpo dela ao meu.
— Mala! Eu tenho que ver o jantar, vai queimar a lasanha.
— Nem tem cheiro de lasanha ainda, relaxa.
Puxei o vestido, depois tirei a calcinha. E enquanto ela gemia
gostoso ao meu ouvido, mostrei a ela novas possibilidades que
aquele ex-marido idiota nunca explorou. Ele pode ter casado com
ela, mas nunca foi um homem para Vitória. E tem algo aqui no meu
peito, me dizendo que eu estou adorando ser.

A lasanha estava divina. O vinho também. Mas o rosto, à


minha frente, não combinava com o clima. Vitória está séria e
calada. O cachorro late na lavanderia, choramingando que quer sair.
Eu sei que ela prendeu o bicho por minha causa e, embora
agradecesse, me sinto incomodado. Porque a criatura chora e a
mãe dela sofre junto.
— Solta o bicho, Vi — me rendi.
— Não, Marc. Ela vai pular em ti e já sei que te incomoda. Ela
vai se acostumar.
— Tudo bem, se tu conseguir que ela não pule — Vitória me
olhou, atrás de uma confirmação — Vamos tentar, tá?
Ela sorriu e eu me senti aliviado. Assim que a porta abriu,
Vitória se abaixou e segurou o bicho. Sentou-se com ela no colo, à
mesa, e me desesperei, mas fiz de conta que tudo bem.
— Só não vai dar comida do teu prato para ela. Se ela te
lamber na boca, eu nunca mais te beijo!
— Ela não come comida de gente — Vitoria riu e o alívio —
parte II, me invadiu. — Agora, beijos não posso negar.
— Pelo amor de Deus — até me enjoou — Ao menos, não na
minha frente. E depois, escova os dentes. Tu já viu onde eles
lambem, né?
Ela ficou me encarando e esperando algo. Movia as
sobrancelhas, me incentivando a pensar.
— O que foi?
— O que eles lambem, Marcondes? — Ela fez novamente
aquela cara de deboche e então eu liguei os pontos.
— Bom, as tuas partes, que gosto de lamber, são limpas.
— E o constrangimento vem de sobremesa — ela suspirou. —
Mas, então, como vai ser, daqui para frente? Quer avaliar o nosso
test drive? — Vitória me encarou, tomando um gole do vinho.
Direta. Eu gosto disso. Detesto mimimi feminino. Tomei outro
gole de vinho e respirei fundo. Eu propus isso como uma
experiência, mas não foi assim que considerei. Só queria ver como
nos sairíamos juntos, por alguns dias, se voltaríamos vivos ou se
nos odiaríamos. Afinal, faíscas entre nós não faltavam e quando
propus, nem gozar eu estava conseguindo. Vai que isso se repetisse
ao infinito… Mas não. Foi bom.
— Eu gostei. E tu?
— Me surpreendeu, realmente. Duvidei um pouco que tu
conseguisse manter a sem-vergonhice sob controle — ela sorriu e
encheu a boca de lasanha.
— Passei no teu teste, então?
— Com louvor. E eu, passei no teu ou fui muito ciumenta?
— Bom, tu foi — ela arregalou os olhos — Tenho duas
anotações a esse respeito no meu caderninho de avaliações. Mas
contornou bem.
— E no outro quesito, Marcondes? — ela dobrou os braços
por cima da mesa e inclinou o corpo na minha direção.
— Tu achou que eu estava te avaliando na cama, também?
— E não estava?
— Sim e não — confessei e ela esperou que eu
complementasse — Mas te comparei contigo mesma, com mais
ninguém.
— E?
— E… Tu tem feito excelentes progressos — sorri e ela
também.
— E como vai ser, então? — Vic voltou a comer — Vamos nos
pegar, de vez em quando? Vamos ficar exclusivos enquanto dure?
Como tu quer levar isso? Ou talvez não queira, não sei. Quais são
os termos do acordo?
— Podemos elaborar um contrato de prestação de serviço —
eu disse sério e ela me encarou, chocada.
— Como?
— Não é o que tu está propondo? Porque desse jeito que tu
falou, parece que é algum serviço que vamos proporcionar um ao
outro.
— Não um serviço, Marcondes. Conveniência.
— Conveniência? — soltei os talheres, chocado e ofendido —
Então, quando for conveniente, e minhas bolas estiverem
estourando, eu bato na tua porta e te peço uma foda, é isso?
— Ei, pode parar! Foi tu que veio com esse papo de sermos
exclusivos, não te pedi em namoro!
— Pediu! Pediu uma trégua, pediu bandeira branca, pediu
que eu fosse só teu! Pediu, com todas as letras, e eu achei que valia
a pena tentar.
— Eu estava bêbada! Não dá para levar tudo em
consideração.
Levantei-me, irritado demais para continuar aquela conversa.
Decepcionado, também, porque eu quis. Quis ser só dela, ter um
relacionamento. Porque outra vez ela me usou e dispensou. Porque
ela nunca iria me ver além disso, por mais que eu tentasse.
— Tu passou no teste, Vitória. Passou no teste da cama,
passou no teste do ciúmes, mas rodou no mais importante. Rodou
no teste da confiança.
— Marc, eu...
Não quis nem ouvir mais. Peguei minha chave e celular e saí,
batendo a porta atrás de mim. Chega! Chega dessa bruxa que só
atormentou meus dias até aqui. O feitiço acaba hoje. Acabou agora.
Merda! Que ataque de pelanca foi esse? O que ele queria?
Namorar? Mãos dadas no sofá? Rodrigo e Antônia? Quem me dera,
mas Deus me livre! Acabei de sair de um casamento, não vou me
enfiar em outro relacionamento, por melhor que esteja sendo. Ser
exclusivo é uma coisa, ser casalzinho não dá mais. Não dá ainda,
quando sinto meus olhos arderem, só por ver o Luciano vestindo a
camiseta que lhe dei no Dia dos Namorados. Quando reconheci o
perfume, que eu adorava sentir. Quando toda a minha raiva por ele
passa, ao vê-lo com a Flor no colo.
Retirei a louça e organizei a cozinha, ainda pensando sobre o
final de semana. Foi bom, foi muito bom. Foram dias especiais e me
senti tão bem como não lembrava de ter me sentido, há muitos
anos. Mas foi um parêntese. Foi um alívio momentâneo. Não quero
me iludir, pensando que seria sempre assim, que ele ficaria mesmo
satisfeito comigo, depois de algumas semanas, quando a novidade
passasse.
O Marcondes me confunde um pouco. Foi sensacional,
nesses últimos dias, fofo e safado, na medida certa de cada um.
Gostei muito de estar com ele e não seria nada difícil me apaixonar,
tenho certeza. Ele é irresistível e uma excelente companhia. Tem
um bom papo sério, também. Conversamos muito durante as longas
horas de viagem. Ele teve uma vida batalhada como a minha,
embora eu não tenha o mesmo charme que ele. Não se fez de
rogado em usá-lo para conquistar tudo o que tem, inclusive aos
amigos, a quem é fiel como a si mesmo.
Aproveitei o final do dia para baixar as fotos do cartão de
memória para o meu laptop. Eram centenas e comecei o trabalho de
selecionar as melhores. Tentei não focar no rosto delicioso do
Marcondes, que fala com a minha lente como se a devorasse. Esse
homem podia ser modelo fotográfico, não tem qualquer receio das
lentes. Estava conseguindo me manter fria e profissional, até que a
última foto apareceu. Uma selfie que fiz de nós dois, com o nascer
do sol. O horizonte rosado e alaranjado atrás dos nossos rostos,
juntinhos e sorrindo.
Lembrei que estava tão feliz, naquele momento. Que tive
mesmo a sensação de que éramos namorados, que estávamos
juntos para além de uma experiência. Que, enfim, ele era só meu e
que combinávamos. Sim, eu quis isso, ele tem razão. Eu o quis.
Estava bêbada, mas disse a verdade. E foi muito, muito bom me
sentir dele.

Hoje faz uma semana que não nos vemos mais. Quer dizer,
nos esbarramos no corredor, na porta do elevador e trocamos e-mail
sobre as fotos. Tudo friamente. Oi, bom dia, obrigada, anexo
aprovado, favor encaminhar para o departamento de publicidade,
para publicação. Não fui à 4Ty, nem a trabalho e nem a lazer. Mas
também não percebi movimentação de mulheres no apartamento. A
única constância em nossa vida é a Flor, que ainda insiste em correr
para ele, quando o vê.
No primeiro dia, achei que poderíamos conversar, de cabeça
fria. Tentei puxar o assunto, mas ele me cortou:
— Não precisamos falar sobre isso. Somos adultos e está
tudo bem, Vitória.
Ele entrou no elevador, apertou o botão e focou a atenção no
celular. Estava lindo, com um terno slim e camisa azul claro,
cheiroso como deve ser o céu dos safados. E todo meu corpo
desejou estar agarrado ao dele, minha boca salivou por seus beijos,
minha pele ansiou por seus toques quentes e macios. Mas apenas
soltei a porta e o deixei ir.
Não dá para dizer que estou bem com essa distância. Estou
sentindo falta dele todos os dias e temendo ouvir os sons de risadas
femininas no corredor. Para ser bem sincera, estou sentindo falta
até das implicâncias dele com a Flor. Agora Marcondes passa a
mão na cabeça dela, levemente, e eu invejo minha cachorra, que
recebe alguma atenção daquele homem. Para mim, nem um sorriso.
Abri meu celular e vi que tinha uma mensagem da Antônia.
Temos nos falado bastante, nesses dias. Hoje, mais cedo, enviei
para ela uma das fotos que fiz dos três sócios, na praia. Enviei
porque vou apagar dos meus arquivos e não quis perdê-la.

Antônia: Ô lá em casa! — emojis rindo — Ainda bem que é


mesmo, lá em casa!
Vitória: É uma casa com uma bela vista.
Antônia: Como tu estás?
Vitória: Estou bem, Tatá. Vida que segue.
Antônia: Onde vai passar o Carnaval?
Vitória: Acho que vou para a praia com a minha família, mas
não decidi ainda. Não estou muito no clima. E tu?
Antônia: O Rodrigo queria viajar para fora, mas não tenho
passaporte — carinha triste — então os sócios alugaram uma casa,
em Xangri-lá.
Vitória: Bacana! Minha família tem casa em Atlântida, é bem
pertinho.
Antônia: Então, se tu decidir ir para a praia, vamos combinar
de nos vermos. Vou sentir falta de uma mulher conhecida… Aquelas
patricinhas, com quem eles andam, me dão nos nervos.

Claro que o mala safado não passaria o Carnaval sozinho.


Óbvio! Deve ter ativado o aplicativo de mulheres, assim que saiu
daqui de casa. Ele sempre foi assim, porque mudaria, ainda mais se
não estamos juntos? Mas o incômodo me irritou mais do que eu
gostaria.

Na quarta de tarde, estava me arrumando para ir à agência,


quando escutei a campainha tocar. Meu coração disparou, pois não
estava esperando ninguém. Terminei de calçar a sandália e corri
para atender. A Flor já estava na porta, latindo e pulando. Segurei a
danadinha no colo, porque tinha certeza de quem era.
Realmente, do lado de lá tinha um rosto sério, com uma barba
castanho escuro, de olhos atentos ao aparelho celular. Os cabelos
displicentemente revirados combinavam com a roupa leve, camiseta
e bermuda. Por que tão lindo, Senhor?
— Oi — Marcondes disse — Estava chegando em casa e
recebi uma mensagem da delegacia. Meu número ficou como
contato.
— Sim, verdade. Desculpa, deveria ter mudado depois.
— Tudo bem — ele não sorriu — Encontraram o carro,
Vi...Vitória.
Senti um alívio instantâneo e levei a mão livre ao peito, devo
ter sorrido, também, pois ele correspondeu com um leve movimento
de lábios.
— Onde? Está inteiro?
— Não sei. Está em um depósito do DETRAN, na zona norte,
foi o que disseram. Eles mandaram o endereço, acabei de te enviar
por mensagem — Marcondes fez uma expressão de que era tudo o
que queria dizer e ia embora.
— Obrigada —- respondi, rapidamente, antes que ele se
virasse e sumisse outra vez.
— Não tem de quê. Tu tem como ir?
— Vou de Uber, tranquilo.
— Não tem ninguém para te acompanhar? Teu irmão ou teu
pai? — Ele franziu as sobrancelhas na minha direção.
— Não, mas tudo bem.
Marcondes ficou me observando, por um tempo, e depois
afastou os olhos. Achei que falaria, mas desistiu. Será que ele ia se
oferecer para me acompanhar? Eu adoraria que ele fosse, estava
com saudades, sentindo sua falta. Mas seja lá o que pensou, não
disse. Virou de costas e começou a procurar a chave para abrir a
porta.
— Marcondes — ele girou apenas metade do corpo na minha
direção, esperando — A Antônia me disse que vocês vão para
Xangri-lá e me convidou para ir visitá-la. É um problema para ti?
Ele voltou a ficar de frente para a porta e a abriu. Só então se
virou e me encarou, tão sério, que me gelou por dentro:
— Não faz a menor diferença para mim.
Em seguida, fechou a porta e eu fiquei ali, olhando para
aquele lugar onde antes estava o homem mais lindo que eu já vi na
vida. E que deixei ir.
“Eu juro, nunca mais olho na sua cara.
O problema, é que eu beijo de olho fechado.
Oh, raiva!
Prometo que sua cama e eu não faz negócio.
Mas, seu corpo e o meu, sempre entram em acordo.
Oh, ódio!”
(Henrique e Juliano)

Fechei a porta, fui até a geladeira e peguei uma cerveja.


Dane-se que seja apenas quatro da tarde. Meu dia já ficou uma
merda mesmo... O rosto da Vitória insistia em retornar à minha
mente, por mais que eu o afastasse. Ela é linda, porra! Linda. Até
segurou o bicho nervoso, por minha causa. Meu coração se agitou
ao imaginá-la naquele depósito sozinha, com aquela calça justa e a
blusa de tiras finas que mal sustentava o volume de seus seios.
Merda! Não é problema meu. Preciso focar na minha vida,
que está fodida desde que me afastei dela. Foram nove dias, uma
hora vai começar a desaparecer. Tem que desaparecer. A maldita
bruxa me enfeitiçou, com aqueles olhos aflitos e a raba gostosa.
Maldita bunda! Tinha que ser tão perfeita? Estou quase me
amarrando no sofá para não ir até ela e mandar usar uma burca
para ir nesse lugar.
Pior de tudo é que esse depósito fica onde Judas perdeu as
meias, em um bairro bem violento. E ela vai sozinha, vai voltar
sozinha... Merda! Foda-se! Não é problema meu! Então, por que
não consigo esquecer, não consigo relaxar? Abri o celular e liguei
para a única pessoa que podia me ajudar com aquilo:

— Fala, cara! — Felipe atendeu, animado.


— Tu já voltou de Cruz Alta?
— Não, só amanhã. Por quê?
— Droga! Pensei que tu poderia acompanhar a Vitória até o
depósito. Acharam o carro e ela não tem quem vá com ela.
— Vai tu, putão. Tá me ligando por que, se está louco para ir?
— Não fode! Tu sabe que não quero mais me envolver com
ela.
— Cara, se tu está preocupado, vai lá e oferece ajuda. Tu vai
te perdoar, se acontecer qualquer merda?
— Não é meu problema, Felipe. Foi só descargo de
consciência, mesmo.
— Tudo bem. Eu acho que não tem qualquer problema ela ir
sozinha, é uma repartição pública, não um desmanche ilegal.
Relaxa.
— Mas fica na porra do caralho de longe! E é um bairro de má
fama…
— Ela dá conta.
— É, eu sei — amenizei o tom, porque estou sendo patético
mesmo.
— Qual é o problema de verdade, cara? — O anjinho
perguntou, daquele jeito de psicólogo de quinta categoria dele. E
pior que eu caí.
— Ela me perguntou se poderia ir lá em Xangri-lá, porque a
Tatá convidou.
— E aí? O que tu disse?
— Que pouco me importo, — dei de ombros, mesmo que ele
não pudesse ver — mas é mentira. Quando acho que estou me
curando dessa mandinga, ela me olha com aqueles olhos tristes e
puta merda, Felipe, ferrou tudo.
— Tu já transou, depois dela?
— Sim, na sexta peguei a Bianca. Mas foi… Vazio, mecânico.
— Vai lá, cara, oferece a carona. Tu gosta dela, vai fugir por
quê?
— Porque não vou dar a chance dela me chutar de novo. Tu
sabe que não sou de insistir quando uma coisa não dá certo, e entre
nós, não dá. É Estados Unidos e Coreia do Norte, aqui.
— Tu tá igual ao Rodrigo, naquela semana em que ele deu
um gelo na Tatá. Só te digo isso: vai com ela e conversa.

Suspirei, desconfortável com aquela ideia. Estava sendo bem


difícil manter a decisão de não me jogar sobre a Vitória cada vez
que a via, cada vez que nos cruzávamos no corredor. Só o que me
mantinha firme era a certeza de que ela pouco se lixava para mim,
que já me chutou tantas vezes, que é até indigno insistir.
Felipe engatou um dos seus longos discursos sobre a
importância de uma boa conversa, de expor os sentimentos com
clareza, e eu fingi que escutava, soltando alguns aham, de vez em
quando. Mas não vai rolar. Não vou me humilhar para Vitória.
Entornei a cerveja e me obriguei a ficar pelo sofá.

Já era noite quando meu celular vibrou, com uma mensagem:

Antônia: Oi, gatinho! Está em casa?


Marcondes: Oi, gatinha. Estou.
Antônia: Sozinho?
Marcondes: Eu e meu ego, ou seja, bem acompanhado.
Antônia: Abre a porta, então.

Em seguida, a campainha tocou. Fui abrir, sem entender


porra nenhuma do que estava acontecendo, e dei de cara com a
Antônia e seu sorriso fantástico.
— Oi, vim conhecer teu apartamento.
— Geralmente, as pessoas precisam ser convidadas para
isso — disse, abrindo espaço para a madame entrar. — O que te
traz aqui, sem o teu namorado?
— Meu namorado foi a uma reunião de família e eu combinei,
com a Vitória, uma noite das meninas, o que me deu a oportunidade
de vir conhecer teu matadouro.
— Fica à vontade. Quer uma cerveja?
— Quero, mas não vou demorar. Só vim te dar um oi mesmo.
Peguei a cerveja e levei até ela, que estava no sofá, com uma
perna dobrada sobre o corpo, meio de lado, e me encarou assim
que eu sentei.
— Oi — bati nossas garrafas e esperei que falasse.
— Oi. Como tu está?
— Bem, e tu?
— Indo. Fala sério, agora. Vocês dois estão fingindo que
superaram, mas dá para ver que não.
— Esse assunto é proibido para menores de vinte e cinco
anos, ou seja, o jardim de infância fica de fora.
— Vocês que estão sendo crianças, aqui.
— Vocês duas não têm brigadeiro e tranças para fazer?
— Não. Vamos pedir pizza e tomar cerveja, assistindo filme
de super-herói, porque eles são gatos e usam roupas justas.
— Olha isso! — Espremi os olhos na direção dela.
— E tu — Antônia bateu na minha coxa — Como está?
— Já disse que estou bem, pirralha.
— Duvido. Se estivesse bem não estaria em casa, sozinho
em plena quarta-feira pré-carnaval.
— Deixa eu fazer uma conta aqui… — peguei meu celular e
abri o calendário, observando os dias do mês — Tem quarenta e
cinco dias que nos conhecemos. Tu não acha que está folgada
demais?
— Tu escolheu minha roupa e a lingerie, no dia que me
conheceu — ela tomou a cerveja, me encarando.
— Nunca foi para ti… Aliás, não recebi um agradecimento até
hoje, por isso.
— Aqui está, majestade — ela fez um gesto rebuscado —
Toda a minha gratidão e amizade. Agora desembucha, que daqui a
pouco a pizza chega. Tá com saudade da bonitona peituda?
— Bunduda.
— Peituda e bunduda?
— Estou.
— Eu sabia — ela bateu de novo na minha coxa e dessa vez
doeu. — Ela também está.
— E daí, Antônia? É só tesão, nada mais.
— Já é algo — ela sorriu. — Eu te achei tão feliz e relaxado,
quando estava com ela…
— O que tu espera que eu faça, Maria Antônia? — Encarei a
pirralha, bem sério, desta vez — Que vá bater na porta dela e pedir
que fique comigo? Vai sonhando…
— O que tu vai fazer, eu não sei — ela tomou outro gole da
cerveja — Mas sei que tem duas mulas puxando a corda para o lado
oposto.
— Sei… É frustrante assistir, né? — Espremi os olhos na
direção dela, pois fez o mesmo.
— Eu te ouvi. Considerei quando tu disse que eu estava
colocando a mulher que me pariu, entre nós. E isso era verdade, eu
não a deixava ir. Tu pode me ouvir, também?
— Gatinha — segurei sua mão e falei, cheio de paciência —
tu nem dá conta da tua própria vida, deixa que da minha eu cuido,
tá?
— Ok! — Ela puxou mão, irritada — Mas eu não vou deixar de
conviver com a Vitória, agora que fizemos amizade, porque tu te
nega a conversar com ela. Aliás, vou convidá-la para ficar na casa
conosco, já que tu não te importa. E inclusive, um desses vários
amigos que vocês têm, certamente vai ser uma excelente
companhia para ela, afinal, bunda e peito são preferência nacional.
— Faz isso! Tu tem toda a razão! Não me importo.
— Tu mente muito mal.
— Tu blefa muito mal.
Ela terminou a cerveja e se levantou. Estava irritada, de cara
fechada e perdendo a queda de braço. O que essa pirralha está
esquecendo, é que enquanto ela ainda estava no saco do Jair, eu já
aprontava por aí. Deus, isso soou muito velho…
A campainha tocou e fui abrir. Como eu já sabia, era a bruxa-
vizinha, com a carinha de cachorro que caiu da mudança, buscando
a pirralha.
— Hora da criança ir para a cama? — perguntei, tentando não
me concentrar no vestidinho solto que terminava no meio daquelas
coxas bronzeadas.
— Hora da papinha — ela sorriu.
— Vocês me pagam — Antônia apontou para nós e veio beijar
meu rosto. Depois se apoiou em meu ombro e falou, como quem
não quer nada — Vamos fazer uma festa à fantasia, sábado à noite,
Vic. Estava pensando, tu ficaria divina de Mulher Maravilha, hein,
Marcondes? O que tu acha? Aquele corpete justo, tomara que caia,
e a saia curtinha, plissada, as botas vermelhas de cano longo?
Maldita pirralha! Como se eu precisasse de uma imagem
dessas na minha cabeça… Meu pau traidor e interesseiro já
levantou a cabeça, curioso com o assunto.
— A pizza chegou, Tatá — a voz de Vitória não foi suave.
— Excelente, vamos comer. Tchau, gatinho. Pensa na minha
ideia, tá, com carinho. E adorei teu apartamento, é a tua cara.
— Obrigado, gatinha — beijei seu rosto e então me ouvi
falando, mesmo sem querer — Vitória, como foi com o carro?
— Tudo certo — ela respondeu, meio desanimada, percebi —
Estava inteiro, a polícia acha que usaram só para assalto e
abandonaram. Mas levaram a máquina mesmo.
— Sinto muito — a encarei, sentindo mesmo. Sei o quanto o
trabalho é importante para ela e o quanto o faz com competência.
— Pior foram as fotos, né? Estavam lindas — Vitória fez uma
carinha triste.
— As de Floripa também ficaram, tem bastante material.
— Aquelas ficaram especiais mesmo — ela me olhou
intensamente e pela minha cabeça correram imagens daquela noite,
de nós dois dançando, dela nos meus braços, dos nossos corpos
juntos, do nascer do sol diante do mar.
— Podemos tirar outras, semana que vem, para substituir as
roubadas — sugeri.
— Não vai dar — ela olhou para o chão, constrangida — Eu
pedi para mudar de conta, Marcondes.
— Vi… — meu peito apertou um pouco e me senti um idiota,
ao deixar escapar aquele apelido.
— É melhor, né? — ela sorriu, triste. Olhei ao redor e não vi a
Tatá.
— Tu não precisa fazer isso — Eu não quero que faça, era o
que deveria ter dito.
— Preciso. O Rodrigo tem razão, minha vida pessoal não
pode interferir no trabalho. Se está atrapalhando, é melhor trocar.
— Eu não faria nada para te prejudicar, Vitória.
— Eu sei, tenho certeza. Mas prefiro assim, meu trabalho é
tudo que tenho agora, não posso colocá-lo em risco, misturar com
os sentimentos — ela afastou os olhos dos meus e olhou ao redor,
percebendo que estávamos sozinhos no corredor — Bom, vou
jantar. Boa noite.
Minha cabeça gritava que ela não fosse, meu corpo pedia
para abraçar o dela, minha boca queria falar, mas nada saiu. Vitória
me olhou uma última vez e fechou a porta.
E do pouco que ainda tinha dela, agora não sobrava nada.

Vitória fechou a porta e ficou um tempo com a mão na


maçaneta. Quase conseguia ouvir seus pensamentos daqui. Dava
para perceber que eles tinham a ver com o Marcondes. Deixei os
dois sozinhos, assim que notei a forma com que se olhavam.
Algumas vezes, os olhos têm uma linguagem bem diferente das
palavras que escapam da boca. Nesse caso, eles falavam do carro,
mas estavam mergulhados na imagem um do outro.
Ela suspirou fundo e se virou, deu de cara comigo e sorriu,
sem muito sucesso. Bateu as mãos e as esfregou uma na outra,
querendo parecer empolgada:
— A pizza está cheirosa.
— O teu vizinho é mais.
— Tatá, para!
Acomodamo-nos no sofá e ela ligou a televisão, depois
procurou o último filme dos Vingadores, que eu ainda não tinha
assistido. A caixa da pizza estava sobre a mesinha e as long necks
também, em um balde de gelo.
— Eu não sei o que impede vocês. São dois adultos, solteiros
e cheios de vontade. Tu mesma me disse que estava gostando da
companhia dele, lá em Floripa, Vic — me servi de uma fatia de pizza
calabresa e ela fez o mesmo.
— Estava, Tatá. Não fui eu que o dispensei, vamos deixar
isso claro. Ele que não quis conversar, saiu batendo a porta e se
fechou para mim.
— É… ele não quis falar comigo também. Mas acho que tu
devia insistir, ele é boa gente, Vic. E lindo, puta merda! O que tu tem
a perder?
— Dignidade?
— E a ganhar?
Ela suspirou e não respondeu. Deu play no filme e isso foi
uma dica para que eu calasse a minha boca.
— Falei sério sobre a roupa da Mulher Maravilha — insisti.
— Gostei da ideia, não nego — ela sorriu. — O que tu vai
usar?
— Acho que vou de gatinha — pisquei para ela.
— Pobre Rodrigo — ela riu e tomou um gole da cerveja. — Já
comprou a fantasia? Conheço uma loja que tem cada uma…
— Não comprei, mas podemos ir amanhã. Fico livre depois
das seis, posso te pegar.
Combinamos os detalhes do nosso passeio e começamos a
prestar atenção realmente ao filme. Eu, ao menos, prestava. Vic
logo pegou o celular e começou a rolar a tela sem muito interesse.
Até que notei que estava um tempo quieta. Estiquei os olhos na
direção do celular e ela tinha a foto dos sócios, na praia, aberta. Os
dedos em pinça aproximaram o rosto do Marcondes e Vitória ficou
assim, olhando pelo visor o que podia estar agarrando ao vivo.
— É só bater na porta — lembrei-a.
— E o que eu diria?
— Tem açúcar? — Sorri e ela sacudiu a cabeça. — Fala o que
sente, Vic. Fala que sente muito, que sente falta, que gosta dele.
Duvido que resista.
— Não vou alisar o ego daquele convencido. Todas as
mulheres da vida dele fizeram isso. Ele já desistiu de mim, Tatá. Vou
fazer o mesmo.
— Ele está com saudades.
— Está nada.
— Está sozinho em casa, em uma quarta à noite, véspera de
carnaval.
— Só porque a 4Ty está fechada esta semana.
— Tem outros lugares abertos, onde poderia achar quem lhe
fizesse companhia.
— Logo mais tu vai ver o desfile na porta, aguarda.
— Ele tem recebido mulheres em casa?
— Não que eu tenha visto, mas certamente, né?
Foi minha vez de suspirar. Eram duas mulas, mesmo, e nem
sei por que estava me metendo naquilo. Devia mesmo cuidar só da
minha vida, que já não é fácil. A psicóloga vai dizer que estou
fugindo de mim mesma, me intrometendo na história dos outros.
Meu celular vibrou e era o Rodrigo. Mas já?

Rodrigo: Oi, amor! Como está o filme? Aqui terminou.


Antônia: Começamos a pouco… Tu já vem?
Rodrigo: Vou dar uma chegada no Marcondes, quando
terminar, bate ali.
Antônia: Certo.

Humm… — pensei cá comigo.


O gatinho estava sozinho mesmo, e ia ficar. Vitória estava
marcando uma toca federal. E se bobear, vai virar passado mesmo.
“Eu te amo calado,
como quem ouve uma sinfonia,
De silêncios e de luz.
Nós somos medo e desejo,
somos feitos de silêncios e sons.
Tem certas coisas que eu não sei dizer.”
(Lulu Santos)

Carnaval! Tem qualquer outra data que seja mais especial


para um cara solteiro? Acho que nem o aniversário, porque, porra!
Eu amo um carnaval! A mulherada fica solta, o compromisso vai
para as cucuias e todo mundo é de todo mundo. E se tem alguém
que sabe dar uma festa, somos nós, os Reis da Noite!
Alugamos uma casa em Xangri-lá, na beira de um lago. Tem
piscina, seis suítes e só perde mesmo, para a casa do Rodrigo. Nós
parecemos trigêmeos siameses, e somos. Gostamos de passar
bastante tempo juntos, mesmo nos vendo três vezes por semana,
no mínimo, no trabalho. E o carnaval sempre foi nossa prioridade.
Ano Novo, ok, cada um pro seu lado, Natal é da família, mas
carnaval, meu amigo… O carnaval é dos guris!
Claro que este ano tem a gatinha desviando o foco do
Rodrigo. Agora mesmo, está lá no sofá, agarrado na bichinha,
assistindo televisão, enquanto o Felipe faz o que sabe de melhor,
cozinhar. A primeira noite está só começando e estou bastante
animado.
Entre segurar vela para aqueles dois e para o Felipe, escolhi
onde fica mais perto da geladeira. A Pietra estava recostada na
bancada, falando sobre o trabalho. Ela é designer de moda e está
empolgada com a coleção de inverno que finalizou. E o Felipe adora
conversas sobre empreendedorismo. É como oferecer osso para
cachorro.
— O que tu acha de irmos ao Point45, depois da janta? — Ela
perguntou, ao me ver.
— Estou por vocês, para mim, vale até correr pelado na praia.
— Bah! — Felipe soltou — Este ano vamos bater o recorde
de indiadas do Marcondes, pelo visto.
— Nenhuma vai superar o dia que tu dormiu no capô do
carro, porque não achou as chaves no bolso — ri dele. — Aquele
carnaval foi épico!
— O primeiro depois de solteiro, eu tinha que aproveitar —
ele sorriu, mas eu sei que ainda dói.
Um som de risadas chamou nossa atenção e me virei. A
Márcia e a Bruna chegavam, distribuindo beijos, acompanhadas
pelo Rodrigo. A médica cumprimentou a mim e ao Felipe com
selinhos, como vinha fazendo desde que transamos.
— O cheiro aqui está fantástico — Márcia disse, examinando
a panela onde o anjinho preparava uma paella de frutos do mar. —
Quem mais vem?
— Os de sempre — Felipe resumiu a galera que vive ao
nosso redor.
— Amei a casa — Bruna elogiou.
— Escolhe um quarto. Tem dois sobrando — Rodrigo
convidou e ela sorriu, maliciosamente para ele.
— Tem três sobrando — corrigi a conta.
— Não, — Rodrigo me olhou sério — um já foi ocupado pela
Vitória.
— A Vitória está aqui? Não a vi — Márcia perguntou. Pelo
visto, não fui o único a ter gamado na fotógrafa.
— Ela e a Antônia subiram, pouco antes de vocês chegarem
— Rodrigo ainda me olhava, enquanto abria uma garrafa de cerveja.
Merda! Eu tinha esquecido que a Tatá convidou a Vitória. Na
verdade, pensei que fosse apenas para a festa de amanhã.
— Tudo bem, Marcondes? — Agora que ele pergunta?
— Tudo — disfarcei, mas colei os olhos no Rodrigo.
Ele fez um sinal discreto com a cabeça e saiu andando. Eu
dei um tempo e fui atrás. Encontrei meu amigo diante da mesa de
sinuca. Ele me estendeu um taco e passou o giz na ponta do seu.
— A Antônia me disse que tu liberou.
— Sim, sem problema. Mas pensei que ela viria só amanhã.
— O que está pegando, cara? Tu me disse, quarta, que tinha
encerrado isso.
— Disse e é verdade — dei a primeira tacada e as bolas se
espalharam pela mesa de tecido verde.
— Tua cara chocada me disse outra coisa.
— Levei um susto, mas já passou. Ela não me atinge mais.
Corpo fechado — fiz o sinal da cruz e beijei minha medalha.
— Ok, vamos fingir que acredito — ele deu a tacada e acertou
a bola no buraco. Contornou a mesa e continuou a jogada.
— É carnaval… Sem drama, sem nada… Tu reparou na
Márcia com a Bruna? Acho que ali tá ficando sério…
— Bom para elas, melhor ainda para mim — ele riu — mas
estou pouco me importando com elas.
— Comigo que tu não vai te preocupar, vai cuidar da gatinha
e me erra.
Ele me encarou, mas desistiu de argumentar. Concentramo-
nos no jogo e após um tempo, em que meu coração encontrou a
batida normal outra vez, depois de quase escapar pela boca, com o
susto, ouvimos a voz animada da Antônia:
— Oba! Adoro jogar sinuca.
— Ensinam isso no jardim de infância? — brinquei com ela. —
Acho que tu não tem idade para segurar um taco.
— Seguro muito bem um taco — ela devolveu, e tirou o que
estava na mão do namorado.
Debruçou o corpo sobre a mesa e o olhar do Rodrigo caiu
imediatamente naquela bunda, que ela rebolou na direção dele. Deu
uma tacada certeira e encaçapou a bola. Virou na direção do
Rodrigo e comemorou com ele, que arrancou um beijo longo da
namorada. Senti orgulho de mim mesmo, por ter sido o cupido
desses dois.
Contornei a mesa para preparar minha tacada e um
movimento capturou minha atenção. Vitória estava ali, parada, de
pé, com as mãos nos bolsos traseiros de seu micro short jeans. Ela
sorriu para mim, de forma retraída e sem jeito. Retribuí e tentei focar
na jogada, mas meus olhos insistiram em seguir a visão das duas
pernas douradas que se remexiam, enquanto ela alternava o peso
do corpo entre um pé e outro. Errei a tacada, claro, e não marquei
ponto.
— Posso? — Rodrigo pediu o taco de volta e mirou na minha
bola mais alta, mandando para a caçapa, com um só movimento.
— Vamos jogar em duplas? — Antônia sugeriu — Sabe jogar,
Vic?
— Não, nunca aprendi.
— Ensina para ela, Marcondes! — A pirralha me olhou e me
deu um daqueles sorrisos fantásticos, que só ela tem.
— Não precisa, vou lá ver o Felipe cozinhar — ela tentou
escapar.
— Já tem uma plateia imensa lá. Fica aqui — Antônia pediu e
vi o sorriso disfarçado e cúmplice do Rodrigo. Filho da puta, traidor.
Vitória me olhou, constrangida, esperando que eu me
manifestasse.
— Eu te ensino — ofereci, por fim. Não seria a primeira coisa
que mostraria a ela como se faz. Nem perderia a chance de
encostar outra vez naquele corpo, do qual sinto tanta falta. —
Relaxa, Vitória.
Ela abriu um pouco os olhos ao ouvir a frase. Era quase um
comando entre nós, pensei. E como boa menina treinada, ela veio
para mim. Quem tem que relaxar agora, sou eu. Vitória parou ao
meu lado e seu perfume invadiu meus sentidos. Engoli em seco e
expliquei como funcionava o jogo, reorganizando a mesa. Decidimos
jogar a modalidade Par e Ímpar, nós ficamos com as bolas pares.
Ela entendeu as regras básicas e a Antônia deu a primeira tacada,
espalhando as bolas. Nossa vez.
Decidi começar, para mostrar a ela como se faz e Vitória
concordou, séria. Acertei uma bola deles e então Rodrigo acertou
uma nossa. A vez dela chegou e Vitória se atrapalhou com o taco.
— Isso parece tão fácil — disse, ao tentar acertar a bola e só
afundar o taco na flanela.
— Tenta de novo — Rodrigo a incentivou e me olhou. Vi o
brilho de diversão em seus olhos terrivelmente azuis — Mostra para
ela como se faz.
Bom, ele que pediu. Não partiu de mim. Posicionei meu corpo
atrás da Vitória, que retesou o dela imediatamente. Relaxa — repeti
baixo ao seu ouvido e ela arfou. Afastei os cabelos soltos de seu
pescoço, juntando-os com as duas mãos, e os coloquei para o lado.
Toquei seu cotovelo e a fiz erguer o braço. Juntei meu corpo ao
dela, tão cheiroso e quente, e falei outra vez, bem perto do seu
ouvido:
— Vou te posicionar, ok? Afasta um pouco as pernas,
colocando um pé para a frente.
Ela obedeceu e virou o rosto na minha direção. Tem o peito
agitado e senti seu nervosismo, quase como se ela fosse a caça e
eu o predador. Conhecia aquele cheiro, aquela reação. Minha
vontade é de lamber seu pescoço livre e apoiei meu queixo em seu
ombro.
— Gira um pouco o tronco e dobra o cotovelo, estende o
braço esquerdo.
Inclinei-me sobre ela, enquanto seguia minhas ordens
sussurradas ao seu ouvido. Ela tornou a me olhar e nossos rostos
estavam tão próximos, que senti seu hálito morno roçar os pelos da
minha barba. Estendi o braço por sobre o dela, apoiado na mesa, e
envolvi a outra mão, que segurava o taco, flexionada para trás.
— Relaxa o braço, vou jogar por ti.
Senti que obedeceu ao comando e puxei a mão, depois forcei
contra a bola de número seis. Ela bateu na cinco e a bola do outro
time entrou na caçapa. Vitória sorriu para mim e eu para ela.
— Acertamos?
— Sim.
Erguemos o tronco juntos e ainda próximos. Os olhos dela
correram para os meus lábios e eu os mordi um pouco, retendo a
vontade de beijar sua boca e comemorar, devidamente, aquele
ponto. Minhas mãos ainda estavam nela, o taco ainda nos mantinha
juntos. E minha atração por Vitória é dolorosa de ignorar.
Respirávamos com dificuldade e ela umedeceu os lábios.
— Quem joga agora? — perguntou.
— Eles — respondi, quebrando nosso contato.
Olhei ao redor. Estávamos sozinhos. Nem sinal de Rodrigo e
Antônia. Acho que toda a vida no planeta foi extinta, enquanto eu
estava perdido nos olhos dessa mulher.
— Tenho a impressão de que fomos trollados, como diz a Mia
— percebi claramente o golpe contra mim.
— A Antônia está armando para cima de nós — ela
concordou e se afastou.
— E não está sozinha nessa.
— Marcondes, quer caminhar um pouco, para conversarmos?
Ela tinha novamente as mãos nos bolsos traseiros do
shortinho, o que forçava os peitos um pouco para frente. Olhava-me
séria e com a respiração agitada, aguardando minha resposta, que
eu não sabia qual era. Na verdade, sei: estou com uma vontade
desesperada de me afundar naquele corpo e esquecer toda a merda
que passamos. Mas depois, ela me chutaria outra vez. Vitória
sempre me chuta.
Abri a boca para responder, mas a Bianca me impediu,
chegando no mesmo instante, e se pendurando no meu ombro.
— Oi, meu lindo! Chegamos! O jantar está sendo servido, vim
te buscar para comer — ela colou os lábios na minha orelha e
mordeu o lóbulo. — Tudo bem, Vic?
— Tudo — ela respondeu seca.
— Estou louca para sambar — Bianca passou o braço pelo
meu e me deixei levar por ela. — Vamos todos na Point45 depois,
não é nem de perto como a 4Ty, mas é a melhor daqui.
— É, eu soube — respondi no automático, pois meu desejo
ficou lá atrás, naquele rosto lindo, que me olhou com decepção.

Senti meus olhos arderem, mas me nego a chorar por aquele


traste. Abri a porta de vidro e saí para a área da piscina. A noite
estava quente, e em contraste com o ar-condicionado da casa, foi
um choque. Não sei o que estou fazendo nesta casa. Não devia ter
vindo, só podia dar em merda. Fiquei alimentando uma esperança
ridícula de que poderíamos conviver, por quatro dias. Ou pior, que
se Marcondes me visse, fosse repensar alguma coisa. Mas é o que
ele disse: pouco importa.
O charme Marcondes continua ativo, ele o jogou em mim
como uma isca. Aquele cheiro delicioso, a barba roçando minha
pele, o hálito fresco na minha boca. Meu corpo reconheceu o dele e
se preparou para uma onda de prazer. Foi um trabalho de Hércules
resistir à vontade de beijá-lo e ainda bem que o fiz. Ele já voltou ao
seu estado normal, com todas as mulheres do mundo prestando
homenagens ao seu corpo fabuloso. Idiota fui eu de pensar que não
o faria, que estava mesmo mudado.
Caminhei por um tempo e encontrei uma mesa e cadeiras,
debaixo de um pergolado. Sentei ali, observando a noite. Meus
pensamentos variavam entre ir embora e ficar, esquecer. Queria
muito ser imune ao charme delicioso do meu vizinho-mala.
— Vitória — ouvi ele me chamar e me virei, surpresa. — Não
vem jantar?
— Já vou. Só precisava de um pouco de ar fresco.
— Ar abafado — Marcondes me corrigiu — E com mosquitos
— ele bateu no braço e na perna — Tem comida lá dentro, não
precisa ficar aqui e servir de refeição para esses animais pré-
históricos.
— Eles não me picam — ri dele, sempre dramático.
— Sorte tua! Eu atraio todos os que estão há um raio de cem
quilômetros — Marcondes parou diante de mim e sorriu — Deve ser
o sangue doce. Quer mesmo caminhar?
— Estão te esperando para o jantar.
— Não — ele segurou a minha mão, me fazendo levantar —
estão me esperando para caminhar.
Ah, que saudade eu estava dele, desse jeito, dessa mão na
minha. Desse maldito sorriso direcionado a mim. Olhei para baixo,
na direção de nossas mãos unidas, dos dedos entrelaçados como
eu gostava. Voltei a encarar seu rosto e outra onda de desejo me
invadiu. Desejo por sua boca, por roçar minhas unhas em sua barba
macia. De estar entre seus braços e sentir que era apenas meu.
— Vamos? — ele insistiu e eu concordei.
Contornamos a imensa casa luxuosa e chegamos à sua
frente arborizada, com um paisagismo incrível. Dali, seguimos a
trilha de cascalhos que acompanhava a lagoa. Tem uma lua cheia
incrível surgindo acima das árvores. Caminhamos um tempo, em
silêncio, eu sem saber exatamente como iniciar essa conversa, e
desejando apenas senti-lo perto, pois cada palavra que trocávamos
feria mais do que a saudade.
— Cadê o Taz? — Marcondes perguntou, com um sorriso
safado e eu nem consegui reclamar.
— Ficou com a minha mãe. Eles estão aqui perto, em
Atlântida, e lá tem o cachorro dos meus pais, eles adoram brincar.
— Hum… Filhotes à vista.
— Não — desprezei a ideia — A Flor é castrada.
— Coitada, Vitória! — ele riu, de rosto surpreso. — Por isso o
bicho é tão elétrico, não tem como descarregar as frustrações.
— Ela sentiu tua falta, andou farejando na tua porta…
— Só espero que não tenha deixado nenhum presente para
mim — ele me olhou desconfiado.
— É uma mocinha muito educada, tu deveria parar de
insinuar essas coisas a respeito dela.
— Sei… Tu ainda me deve um tapete.
— E tu me deve provas.
Chegamos a outro pergolado e escolhemos um banco. Os
arbustos cobriam a visão da casa, mas a lua brilhava na lagoa, ali
adiante. Não sei se é o calor da noite ou a proximidade do
Marcondes, mas estou suando um pouco. Idiota e nervosa, como
uma adolescente.
— Sobre o que tu quer conversar, Vi? — Ele soltou a minha
mão, ao sentar, mas disse o apelido que fez meu coração acelerar.
Merda, ridícula.
— Acho que devemos acertar como serão esses dias… Tu
disse que não fazia diferença se eu viesse, mas parece que teus
amigos têm outros planos.
— A Tatá e o Rodrigo, mais precisamente.
— Exato — eu sorri um pouco. — Como vai ser?
— Não sei — ele deu de ombros — Uma hora eles vão
perceber que é perda de tempo e vão desistir dessa bobagem.
— É.
Fiz como ele e afastei meus olhos do seu rosto, deixando
toda a minha atenção no brilho da lua sobre a superfície calma do
lago. Quem dera eu estivesse assim. Meu peito doía, frustrado pelas
palavras dele. Não sei bem o que eu esperava, talvez que ele
dissesse que concorda com os amigos. Mas pelo visto, já sou
passado.
Marcondes se recostou no banco, apoiando os braços
dobrados no encosto. O dorso de sua mão encostou em meu braço
e ele alisou a pele, num gesto delicado. Eu não entendo esse
homem!
— Tem mais alguma coisa que tu queira dizer? — Perguntou,
encarando meus olhos como se fosse me possuir ali mesmo.
— Não. Tu tem? — Ele respirou fundo e tirou a mão.
— Não. Para mim está tudo certo.
— É como deveria ter sido, desde o começo — completei, me
sentindo a maior mentirosa do mundo, mas não vou me arrastar por
ele. Não fiz isso sequer pelo Luciano.
— Concordo — ele mexeu as pernas, afastando os mosquitos
e a coxa quente encostou na minha.
— Podemos ser amigos e vizinhos, ou tu prefere fingir que
ainda não me suporta?
Marcondes abriu os braços pelo encosto do banco e estendeu
um deles por trás de mim. Cruzou uma perna sobre a outra e voltou
a espantar os mosquitos. Coitado! Estava sendo comido vivo e não
por mim, infelizmente.
— Podemos conviver, Vitória.
A mão dele envolveu meu ombro e o olhei. Senti o calor
correr pelo meu corpo, a agitação que ele sempre me deixava, uma
atração irresistível por sua boca. Senti a mão deslizar e segurar meu
pescoço, e no instante seguinte ele me puxou e colou os lábios nos
meus. Minha boca já conhece o comando e bebeu, sedenta, o beijo
com o qual andei sonhando, esses dias todos.
É tão certo, tão bom, é tão nosso. Meu bom Deus, como senti
falta dele! Aproveitei para matar a outra vontade, que é a de passar
as mãos por seu corpo, sentir os músculos firmes de suas costas,
enquanto ele correu a mão livre por minha perna, me obrigando a
gemer, involuntariamente. Seu toque firme e macio me excitou
totalmente e nem chegou a qualquer parte que arde em mim.
Marcondes deixou minha boca e desceu ao pescoço, seguido
por um rastro de beijos que me desconcertaram. Subiu ao meu
ouvido, abocanhou meu brinco e segurou meus cabelos com força.
— Não suporto mais não te ter, Vi — ele murmurou e eu
estava igual.
— Marc… Também senti tua falta — confessei e tirei alguns
quilos dos meus ombros.
Ele voltou a investir na minha boca e eu arranhei suas costas,
como sei que ele gosta. Sua mão desceu na direção da minha
bunda e forçou meu corpo ainda mais contra o dele.
— Vamos para casa, terminar isso? — convidou,
mergulhando a mão dentro do meu short.
Eu me afastei, ligeiramente, buscando seu rosto. Ele subiu a
mão para a minha nuca, como se quisesse me impedir de fugir. Não
queria fugir, queria tudo dele, mas tem algo que precisamos falar
antes de não sermos mais capazes de raciocinar.
— Quer reconsiderar nosso acordo de exclusividade? Por
mais que eu esteja louca para continuar, não vou aceitar sem isso.
— Essa proposta já te fiz e tu recusou. Não dou segundas
chances, Vitória. Estou propondo uma foda agora, porque estamos
com vontade. Mas exclusividade, não mais.
Arrastei meu corpo para longe e Marcondes afrouxou os
braços. Encaramo-nos à meia luz da noite.
— Não aceito metades, Marcondes.
— Não vou mais me dar inteiro para ti, Vitória — ele sacudiu a
cabeça e afastou outro mosquito. — Como tu mesma disse, é só por
conveniência, agora.
— Uau — levantei do banco, porque senti vontade de chorar
e não faria na frente dele. — Acho que podemos voltar para casa.
Comecei a caminhar, refazendo o percurso anterior, e ouvi os
passos atrás de mim. Já sei que agora ele vai se grudar em
qualquer uma daquelas mulheres que estavam à disposição dele na
casa, talvez mais de uma até.
Já sei que vai terminar a noite enroscado em alguém, talvez
até durmam juntos e ele deixará o braço sobre o corpo dela, ao
adormecer. De manhã, eles tomarão banho, transarão no chuveiro,
possivelmente, e depois disso ele escolherá outra, pois o acordo de
convivência termina após o café da manhã.
Mas eu nunca serei assim. E jamais farei parte desse rodízio.
E sei que não consigo assistir.
Entrei na casa disposta a buscar minha mala e ir embora.
Avisar a Tatá que é impossível ficar. Mas a casa estava vazia. Os
carros, antes estacionados na frente, sumiram. Só restavam o meu,
o do Marcondes e o do Felipe, trancado pelos nossos.
— Cadê todo mundo? — Virei-me para o Marcondes, que
acabava de entrar atrás de mim.
Ele tirou o celular do bolso e leu alguma coisa. Voltou a
guardar o aparelho e me olhou:
— Foram para a Point45. Disseram que demoramos demais.
— Bom, que seja — comecei a andar na direção das escadas
— Só espera eu pegar minhas coisas, para poder fechar a casa,
depois que eu sair.
— Aonde tu vai?
— Vou embora — já estava subindo a escada de dois em dois
degraus, ainda concentrada no esforço de não deixar as lágrimas
escorrerem.
Merda, estou apaixonada por ele, eu sei. Apaixonei-me pelo
maior cafajeste deste estado e levei na bunda, bem como acontece
sempre que alguém cai numa presepada dessas. Entrei no quarto,
fechei a porta atrás de mim e chorei. De raiva de mim, por orgulho
pisoteado, por ele ser como é. E por, sequer, se importar com isso.

Vitória subiu as escadas rapidamente e eu fiquei no meio da


sala, acompanhando apenas com os olhos. Vou embora, foi o que
disse. Esfreguei o rosto e abri outra vez o celular. Uma mensagem
de Felipe estava como não visualizada:

Felipe: Aproveita a casa, que esvaziamos de propósito para


vocês, e fode essa gostosa em cada cômodo, menos no meu
quarto. Depois, pede em casamento, porque nunca te vi tão
preocupado com alguém. Não aparece sem ela na festa hoje, ou
vou bater em ti como nunca fiz na vida, e não foi por falta de
vontade. Ou merecimento.

Droga, o anjinho tem razão. Nunca me importei, nunca quis


tanto a mesma mulher, nunca foi tão difícil ficar sem. Eu queria
saber o que tem na Vitória que me deixa assim, idiota e sem
vontade de mais ninguém. Senti as engrenagens da minha vida se
ajeitarem, ao beijá-la. Foi tão certo, tão intenso, me despertou
imediatamente, como nenhuma das outras mulheres conseguiu.
Mas é carnaval, é a Vitória, e se eu der esse mole, na quarta-
feira de cinzas ela vai me chutar de seu quarto, outra vez, e eu terei
perdido a oportunidade de exercer minha liberdade.
Ouvi os sons de seu salto na escada e ergui os olhos. Ela
vinha descendo com a mala, e meu coração apertou. Eu a estava
perdendo de novo e cada vez parecia doer mais do que a anterior.
Então, a ficha caiu, com um estrondo que me atordoou um pouco.
Estou apaixonado pela Vitória.
Deus, eu me apaixonei pela vizinha-bruxa-gostosa-e-
malvada-do-802!
— Pronto. Obrigada por esperar, podemos ir — Vic me olhou
e percebi os olhos e o nariz levemente avermelhados. Ela chorou.
Conheço os efeitos.
— Vamos jantar primeiro?
— Não precisa, tu deve estar com pressa de ir se divertir —
ela permaneceu com a mão no puxador da mala, mas desviou os
olhos de mim, magoada.
Dei os poucos passos que nos distanciavam e estendi a mão
para ela, em um pedido de paz, num convite. Um último.
— Vi, por favor, janta comigo? Não quero que vá embora.
Vitória olhou para a minha mão parada diante de si. Os
segundos tornam-se horas, dias, minha mão doía, estendida em
rendição. Estava rendido, pronto para renunciar ao que eu podia ter
sozinho, para ter o que queríamos juntos. Nunca ofereci tantas
chances à mesma mulher. Nem a Carla teve isso de mim.
Vitória, enfim, me olhou, mas não aceitou minha mão. Sabia
que não ia aceitar, dava para ver, pela expressão de seu rosto. Ela
piscou e as lágrimas, que até então estavam inundando seus olhos
castanhos, escorreram.
— Não posso, Marcondes. Desculpa.
Ela se aproximou e beijou meu rosto, passou por mim, tirando
o chão dos meus pés, outra vez. Seus saltos ecoaram pela casa
ampla e a porta se fechou.
Eu disse, no começo, que nunca me apaixono, justamente por
isso. Por esse vazio que fica depois, por essa forma cinza e oca que
se torna a vida, quando o chute vem. Devia ter escutado a mim
mesmo. É carnaval e eu não vejo a menor graça nisso. Vitória me
enfeitiçou, me estragou para outras mulheres e destruiu minha festa.
Sinto-me impotente para qualquer outra coisa, depois disso.
Esfreguei os cabelos, aflito e angustiado, sentindo a ardência
em meus olhos e o maxilar travar, pela força que precisei fazer para
não chorar. Nem lembro da última vez que verti uma lágrima por
uma mulher, acho que eu ainda era adolescente. O Rodrigo diz que
chorei pela Joice, mas eu estava bêbado, então não vale. Agora,
porém, estou sóbrio e está doendo para caramba.
Decidi ir até a cozinha e jantar. Depois dormir, porque a noite
brochou. Amanhã será outro dia, e vou pensar em beber e afogar a
cara no meio das pernas de alguém, para esquecer onde eu
desejava realmente estar. Servi meu prato e estava olhando a
comida girar no microondas, quando senti uma mão em meu ombro:
— Aceito o jantar — Vitória disse e meu corpo todo se agitou.
— Só o jantar?
— Se tiver sobremesa, seria ainda melhor.
Virei e encarei aquele rosto lindo, o que me trouxe uma
sensação de felicidade instantânea. Abracei seu corpo, deslizando a
mão para aquele volume que adoro, e ela passou os braços ao
redor do meu pescoço.
— E como fica o acordo de exclusividade? — Testei os limites
dela, pois os meus já desapareceram. — Tu não vai me chutar,
depois de me usar?
— Não consigo te dividir, Marc, mas também não suporto
mais sentir saudade. Que pelo menos seja exclusivo, enquanto
durar. Uma noite, um dia. Mas queria que fosse por uma vida.
Sorri, inundado agora, por algo que não sentia há muito
tempo. Vic estava renunciando aos seus princípios por mim e se ela
pode, desisto dos meus também. Nem o carnaval pareceu mais
importante do que estar com ela.
— Só aceito se for por uma vida — disse, convicto de que ela
era a única que eu queria, dali para a frente. — Eu me rendo.
Bandeira branca, Vi.
Vitória abriu um sorriso lindo e eu senti meus olhos
marejarem, junto com os dela.
— Bandeira branca. Nunca te quis por conveniência.
— Sempre te quis exclusiva.
— Mala.
— Bruxa.
O microondas apitou e eu colei meus lábios aos dela. Não
tem jeito, neste mundo, de eu desistir da Vitória outra vez, se ela
não desistir de mim.
Acordo fechado.
Livro seguinte — Felipe: Minha Escolha

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Agora que dois Reis da Noite, Rodrigo e Marcondes, foram


conquistados, só resta ao Felipe aproveitar a fartura e a diversidade
da 4Ty. Um camarote exclusivo para o único solteiro do trio. Mas um
fantasma do passado surge para atormentar o mais pacato dos reis,
tirar sua paz e obrigá-lo a enfrentar seus demônios.
Quando conhece Melissa, uma doce e determinada
empresária, Felipe vê a oportunidade de reiniciar sua vida, de voltar
a se envolver com alguém. Porém, Larissa, sua ex-mulher, tem
outros planos para eles. Felipe terá que fazer uma escolha, que
colocará todo seu futuro em xeque. Entre o passado adormecido e o
futuro promissor, nenhuma decisão parecerá óbvia.
“Minha Escolha” é o terceiro e último livro da trilogia “Os Reis
da Noite”, e encerra a história dos três amigos e sócios da badalada
casa noturna de luxo 4Ty.

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